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Introdução
Dando continuidade a uma série de reformas efetuadas no Código de Processo Civil
(CPC), inspiradas pela idéia de dar maior efetividade à prestação jurisdicional, a Lei
11.382/2006 procedeu a importantes modificações no processo de execução de títulos
extrajudiciais.
Dos vários aspectos dessa reforma que merecem estudo cuidadoso, especialmente no
que pertine aos seus reflexos no âmbito das execuções fiscais, colhemos para análise, neste
texto, aquele relativo à possibilidade de os embargos do executado não serem recebidos com
efeito suspensivo, e à conseqüente irreversibilidade da arrematação dos bens eventualmente
penhorados.
Referimo-nos ao art. 694 do CPC, que passou a dispor:
“Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da
justiça ou leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável,
ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado. (Redação
dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
§ 1o A arrematação poderá, no entanto, ser tornada sem efeito: (Renumerado com
alteração do paragrafo único, pela Lei nº 11.382, de 2006).
I - por vício de nulidade; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
II - se não for pago o preço ou se não for prestada a caução; (Redação dada pela
Lei nº 11.382, de 2006).
III - quando o arrematante provar, nos 5 (cinco) dias seguintes, a existência de ônus
real ou de gravame (art. 686, inciso V) não mencionado no edital; (Redação dada pela
Lei nº 11.382, de 2006).
IV - a requerimento do arrematante, na hipótese de embargos à arrematação (art.
746, §§ 1o e 2o); (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
V - quando realizada por preço vil (art. 692); (Incluído pela Lei nº 11.382, de
2006).
VI - nos casos previstos neste Código (art. 698). (Incluído pela Lei nº 11.382, de
2006).
§ 2o No caso de procedência dos embargos, o executado terá direito a haver do
exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação; caso inferior ao
valor do bem, haverá do exeqüente também a diferença. (Incluído pela Lei nº 11.382,
de 2006).”
A primeira questão que pode ser suscitada refere-se à aplicabilidade dessa disposição
às execuções fiscais, que, como se sabe, são regidas por lei especial (Lei 6.830/80 - LEF),
sendo apenas subsidiária a aplicação das normas veiculadas no CPC.
Caso se conclua pela possibilidade de aplicação das mencionadas disposições à
execução fiscal, coloca-se, então, o problema de saber como a Fazenda Pública poderá
ressarcir o executado de valores que tenha recebido de forma precipitada, diante da posterior
procedência dos pedidos feitos nos embargos.
É do que cuida este texto.
O leitor pode estar, a esta altura, se perguntando: - e qual a relação dessa “contra-
reforma” com as reformas do CPC e a execução fiscal? No que um problema interfere no trato
do outro?
Existem, aqui, duas relações que queremos frisar.
A primeira, mais óbvia, é a da isonomia. Por que as reformas, na parte em que cuidam
do processo de conhecimento e do processo cautelar, foram acompanhadas de “contra-
reformas” que as neutralizaram em relação aos feitos em que a Fazenda é parte, e, agora, que
chegam ao processo de execução, serão integralmente por ela, e só por ela, apropriadas? É
preciso perceber que, no processo tributário, o Estado, em regra, não se vale de processos de
conhecimento, eis que declara, constitui e condena no âmbito administrativo, fabricando seus
próprios títulos executivos. A tutela jurisdicional da qual se vale é a executiva. Assim, agora
que a onda reformadora chega ao processo de execução, fala-se em processo de resultados, no
“direito fundamental do Estado” (?) a uma tutela efetiva, quando todo esse discurso era – e
ainda é – neutralizado nas demais formas de tutela, das quais se vale o cidadão, pela aludida
‘contra-reforma’.2
Mas há uma outra relação. É a de que o processo de execução só está sendo
reformado, agora, porque o processo de conhecimento e o cautelar já o foram, antes. Além
disso, em relação às pessoas em geral, que não as de direito público, quem é réu de uma ação
de conhecimento pode, em outra, ser autor, o mesmo ocorrendo com as execuções. Assim, a
reforma, além de ter havido em todas as etapas, não desequilibra a situação de ninguém. No
caso do processo tributário, em que o contribuinte, para ver satisfeitas suas pretensões
resistidas em face da Fazenda Pública, tem invariavelmente de se valer do processo de
conhecimento, enquanto esta apenas da execução se utiliza, a aplicação das reformas apenas
na fase executiva causa desequilíbrio sem igual. E, o pior, apenas na fase executiva movida
pela Fazenda (e não na execução contra esta), o que torna ainda maior a desigualdade
existente entre as posições do cidadão e do Estado na relação processual.
Tais aspectos não podem ser esquecidos na análise da possível aplicação subsidiária
do CPC às execuções fiscais.
1
Cassio Scarpinella Bueno. O poder público em juízo. 2.ed., São Paulo: Saraiva, 2003, prefácio à segunda
edição, p. XV.
2
Não é o objeto deste texto, mas o leitor pode estar curioso: quais foram as tais mudanças batizadas por
Scarpinella Bueno de “contra-reforma”? Podem ser referidas: i) hipertrofia da figura da suspensão de liminar e
da suspensão de segurança; ii) restrição ao poder do magistrado de proferir liminares contra o Poder Público; iii)
restrição ao cabimento da ação civil pública; iv) dispensa de honorários de advogado e execuções não
embargadas; etc.
1.3. Formação dos títulos executivos extrajudiciais e CDA
Outro dado a ser ponderado, na comparação entre a execução regida pelo CPC e
aquela disciplinada pela Lei 6.830/80, é a forma como são constituídos os títulos executivos
que aparelham uma e outra.
Os títulos que embasam uma execução disciplinada pelo CPC são, invariavelmente,
constituídos pela vontade do executado. É uma nota promissória, um contrato assinado por
duas testemunhas, um cheque etc. Isso faz com que a possibilidade de o valor nele
representado não ser devido seja pequena.
Diversamente, a certidão de dívida ativa (CDA) é constituída de forma unilateral pelo
credor. Nela consta a dívida que o credor considera existente, no montante por ele apurado.
Nem é preciso dizer que, nesse caso, a possibilidade de erro, de excesso, e mais, de fundado
inconformismo do executado em pagá-la, é muito maior.3
Conclusões
Em razão do que foi visto ao longo deste texto, podemos concluir, em síntese, que:
a) em face da forma peculiar como o título executivo que aparelha a execução fiscal é
constituído, e como o eventual indébito tributário é restituído, os embargos à execução fiscal
devem ter efeito suspensivo ex lege, o que, aliás, é expressamente determinado pelos arts. 16,
17, 19, 24 e 32 da Lei 6.830/80, não se lhes aplicando o disposto no art. 739-A do CPC;
b) o efeito suspensivo dos embargos à execução fiscal há de prevalecer inclusive no
plano recursal, não se devendo aplicar o entendimento firmado pelo STJ através da Súmula
317, que se deve restringir aos processos de execução de título extrajudicial de constituição
consensual, disciplinados pelo CPC;
c) caso a jurisprudência se venha a orientar definitivamente em sentido diverso, de
sorte a permitir o seguimento de execuções fiscais embargadas, com a arrematação de bens
enquanto ainda não definitivamente julgados os embargos, o juiz deverá pelo menos, dentro
de seu poder geral de cautela, a fim de tornar menos ineficaz eventual sentença de
procedência dos pedidos em sede de embargos, reservar o produto da alienação em conta de
depósito, a fim de entregá-lo à parte vitoriosa quando do julgamento definitivo. Estabelece-se,
com isso, a isonomia entre os executados que oferecem distintas formas de garantia, eis que
tanto o depósito como a fiança e a penhora de dinheiro têm, por expressa disposição legal, de
aguardar a rejeição dos embargos para serem usados na satisfação do débito;
d) em não se procedendo da forma descrita em qualquer das conclusões anteriores, a
posterior procedência dos pedidos formulados nos embargos, reconhecida por decisão
transitada em julgado, ensejará a expedição de precatório a fim de que o executado seja
ressarcido do valor do bem apressadamente leiloado. O mesmo deverá ocorrer com a
diferença entre o valor do bem e o valor da arrematação, na hipótese deste ser inferior àquele,
e com qualquer outro prejuízo que essa indevida alienação tenha trazido ao executado. Não
será necessária a propositura de uma outra ação, de conhecimento, sendo suficiente aquela
proferida em sede de embargos;
e) a arrematação, em qualquer caso, deverá ser considerada irretratável, nos termos do
art. 694 do CPC, em proteção à boa-fé do terceiro arrematante. Somente no caso de
adjudicação, pela própria Fazenda, a alienação poderá ser desfeita, eis que ao exeqüente cabe
arcar com os ônus do açodado ingresso no patrimônio do executado ulteriormente vitorioso
em sede de embargos.