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Desde pequeno tive que interromper minha educação para entrar na

escola – Bernard shaw.

“Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém, sem exibição ou


espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está acontecendo. Se deves assumir o comando, faz isto de
tal modo que auxilies a mãe e deixes que ela continue livre e responsável. Quando nascer a
criança, a mãe dirá com razão: nós três realizamos esse trabalho” (Adaptação. de Lao Tse, séc. V
a C.)

Fala da Madre Cristina na abertura do Curso de Metodologia em


Educação Popular, no Instituto Sedes Sapientiae, Julho/85 - CEPIS.

"Ainda que seu processo final se dê só a médio ou mesmo a longo


prazo, a revolução está instalada”

Se a educação popular é tão importante, ela não é a mais fácil, pelo contrário, é difícil
trabalhar de uma maneira acertada. Isso dificilmente entra na cabeça das pessoas. Não sei se
vocês têm esta experiência, mas eu tenho visto muita gente que está aposentada, que já não tem
mais nada que fazer, então decide que vai dar algumas horas, como voluntária, para trabalhar
com o povo. Como se trabalhar com o povo fosse uma coisa empírica.
Eu nunca ouvi gente dizer assim: "estou aposentada, tenho umas horas vagas, vou me
propor a dar aulas de pós-graduação numa universidade". As pessoas sabem que precisam
saber para lecionarem numa universidade, e posso dizer a vocês que é mais difícil trabalhar
honestamente com o povo, do que dar aula numa universidade.
Nós devemos nos preparar para trabalhar com o povo. O trabalho com o povo exige toda
uma pedagogia e toda uma metodologia que precisam ser exatas.
Eu me lembro que Paulo Freire esteve aqui conosco, na semana passada, e falava da sua
experiência de início de carreira. Ele contava que tinha preparado uma aula para os pais dos
alunos do SESI (Serviço Social da Indústria). Então, ele chegou lá citando autores científicos,
fazendo um discurso, até que uma senhora se levanta e diz mais ou menos o seguinte:
"Doutor, o senhor está dizendo tudo isso para nós, não é? Mas eu garanto que na
sua casa o senhor tem um quarto para o senhor, um quarto para seus filhos, tem um
quarto para suas filhas, tem uma sala de jantar, tem uma cozinha. Nós moramos num
quarto, que é a casa inteira".
Tudo muda quando as panelas estão cheias ou vazias de alimentos. Quando falamos ao
povo, a pedagogia é outra. Esta pedagogia, esta metodologia, para ter eficácia, tem que ser
trabalhada dentro de coordenadas políticas.
Ninguém pode fazer uma verdadeira educação popular, sem uma análise de conjuntura. Se
a conjuntura muda, a educação tem que mudar. E quem quiser fazer só pedagogia, só
metodologia, sem esta visão política, acaba fazendo uma contra-educação popular. Então, fazer
análise de conjuntura é importantíssimo. E, nos perguntamos: como fazer uma verdadeira análise
de conjuntura? Como nos preparar para verdadeiramente podermos trabalhar com as camadas
populares? Como? E as perguntas se sobrepõem, não raro, num desencontro de respostas.
Para estes desencontros, nada mais adequado do que estes encontros. Estes encontros
que vocês estão fazendo são riquíssimos. E eles devem ser repetidos de uma maneira
sistemática. Só uma repetição sistemática destes encontros, possibilitará ao Brasil um dia
amanhecer na aurora da sua verdadeira “Nova República”. E, a “Nova República” brasileira virá,
porque existem brasileiros, como vocês, comprometidos com o trabalho, com a Revolução
Nacional. Já à Revolução!

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DE ONDE PROVÊM AS IDÉIAS CORRETAS
Mao Tse Tung – Maio de 1963

De onde provêm as idéias corretas? Por acaso, caem do céu? Não. Serão, porventura,
inatas dos cérebros? Não. Elas só podem se originar da prática social, de três tipos de
prática social: a luta pela produção, a luta de classes e a experimentação científica.
A existência social das pessoas determina seu pensamento. Uma vez dominadas pelas
massas, as idéias corretas que caracterizam a classe avançada, tornam-se uma força
material capaz de transformar a sociedade e o mundo. Empenhados em diversas lutas, no
decorrer da sua prática social, os humanos adquirem uma rica experiência, extraída tanto de seus
êxitos como dos seus fracassos.
Os inumeráveis fenômenos da realidade objetiva refletem-se no cérebro humano, por
meio dos órgãos de seus cinco sentidos – visão, audição, olfato, paladar e tato. Assim se
constitui, no início, o conhecimento sensorial. Quando esses dados sensoriais se acumulam
suficientemente, produz-se um salto pelo qual eles se transformam em conhecimento
racional, quer dizer, em idéias.
Este é um processo de conhecimento. Trata-se da primeira etapa do processo global do
conhecimento, a etapa que vai da matéria objetiva ao espírito subjetivo, da existência às
idéias. Nessa etapa, ainda não se comprova se a consciência e as idéias (incluindo teorias, a
política, planos e resoluções) refletem corretamente as leis da realidade objetiva – ainda não se
pode determinar se tais idéias são corretas ou não.
Em seguida, se apresenta a segunda etapa do processo de conhecimento, etapa que
conduz da consciência à matéria, do pensamento à existência. Isto significa aplicar, na
prática social, o conhecimento obtido na primeira etapa, para ver se essas teorias, política, planos
e resoluções... produzem ou não, os resultados esperados.
De maneira geral, com relação a esse ponto, o que dá bom resultado é correto e o que
fracassa é incorreto, especialmente quando se trata da luta entre a humanidade e a natureza.
Na luta social, as forças que representam a classe avançada, às vezes, sofrem algum fracasso.
Mas não por terem idéias incorretas e sim porque na correlação das forças em luta, elas são
menos poderosas, naquele momento do que as forças reacionárias. Por isso, fracassam
temporariamente, porém, acabam por triunfar, mais cedo ou mais tarde.
Através da prova da prática o conhecimento humano dá um novo salto que é de um
significado ainda maior que o anterior. Porque só esse salto permite provar se o primeiro é ou
não acertado. Quer dizer, só ele permite assegurar se as idéias, teorias, política, planos,
resoluções elaboradas durante o processo de reflexões sobre a realidade objetiva são corretos ou
incorretos.
Não há outro método para comprovar a verdade. Além disso, a única finalidade do
proletariado ao conhecer o mundo, é transformar o próprio mundo. Não há outro objetivo
além desse.
Freqüentemente, para se chegar a um conhecimento correto torna-se necessário repetir
muitas vezes o processo vai da matéria à consciência e da consciência á matéria, quer
dizer, da prática ao conhecimento e do conhecimento à prática.
Esta é a teoria marxista do conhecimento; é a teoria materialista dialética do
conhecimento. Muitos de nossos companheiros, ainda não compreendem essa teoria do
conhecimento. Quando perguntados sobre a origem de suas idéias, opiniões, política, métodos,
planos, conclusões, eloqüentes discursos e extensos artigos, estranham a pergunta e não sabem
respondê-la. Também não compreendem que a matéria possa transformar-se em
consciência e a consciência em matéria, embora tais saltos sejam um fenômeno da vida de
todos os dias.
Por isso, é preciso educar nossos companheiros na teoria materialista dialética do
conhecimento para que possam orientar corretamente seu pensamento, saibam pesquisar e
estudar, e realizar uma avaliação de suas experiências, superem as dificuldades, cometam
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menos erros, façam melhor o seu trabalho e lutem duramente para transformar nosso País
num grande e poderoso país socialista e ajudem as grandes massas de oprimidos e
explorados do mundo, cumprindo assim o alto deve internacionalista que nos cabe.

Sobre a concepção de Formação

A educação é uma das maneiras de tornar comum o saber, a idéia, a crença... Tem a ver
com a produção, transmissão e reprodução do conhecimento. A educação pode existir imposta
por um sistema centralizado de poder que usa a educação como um recurso a mais de
dominação. Também pode ser uma construção coletiva, com participação co-responsável das
pessoas envolvidas, que usa a educação como instrumento de libertação. A formação política é
um processo educativo e significa uma disputa de hegemonia entre grupos que buscam dar a
direção da sociedade, no plano político, ideológico e cultural.
Toda formação tem uma intencionalidade, explícita ou oculta, a partir da perspectiva que dá
rumo ao conhecimento. A intencionalidade política da educação popular nasce da concepção de
mundo e da opção ideológica que sugere uma direção à classe trabalhadora. Por isso, o objetivo
da formação política, da educação popular, é qualificar as pessoas da classe oprimida que se
dispõem à luta contra a injustiça. Ela serve à estratégia de um grupo de militantes, de
determinada ideologia, que luta por transformações no nível político, econômico e cultural. Porque
ajuda na elaboração, implantação, acompanhamento e, na permanente avaliação de uma
estratégia de poder, essa formação será sempre um ato político.
Numa sociedade de classes, qualquer formação é uma preparação para acomodar-se a
um sistema de dominação ou para envolver-se na sua transformação. Nascidas de visões
antagônicas, a formação conservadora ou libertadora têm cada qual sua metodologia. Na
educação domesticadora, tornar comum significa naturalizar a prática de impor, de forma
autoritária ou populista, diferentes pacotes que perpetuam a ordem dominante, onde as pessoas
são ensinadas a introjetar e a reproduzir conteúdos e modelos que fortalecem a estrutura de
opressão. Na educação libertadora, tornar comum é um caminho que busca incorporar as
pessoas como protagonistas e estimula seu potencial silenciado e atrofiado para a construção de
uma nova ordem, com pessoas novas.
Muita gente está convencida que só o conhecimento liberta. Muitas vezes, de forma mais
ou menos intencional, se reduz o saber à escolarização, à erudição acadêmica, ao um arquivo de
informações ou à assimilação de conceitos. O conhecimento pressupõe dados, informações e
assimilação de conceitos. Se o objetivo do conhecimento é apenas entender o mundo, ele pode
ser obtido na escola tradicional. Se o objetivo é conhecer o mundo para transformá-lo, tal
conhecimento, além de ser científico, terá que ser experimentado na pratica social. Aí, se
comprova se os dados, informações, conceitos, planos e, com eles os “intelectuais”, significam
erudição ou conhecimento. Quando colocado a serviço de uma estratégia e dentro um método, o
saber pode tornar-se força material que transforma a natureza e a sociedade.
A verdadeira formação será necessariamente crítica a qualquer endoutrinamento ou
dogmatismo que treina obedientes seguidistas. É, igualmente, contrária a toda ausência de
princípios, ecletismo ou forma de basismo (elogio oportunista a um falso saber popular). A
repetição de fórmulas acabadas, de receitas transplantadas ou a aceitação do contraditório senso
comum tem produzido imbecis disciplinados que levam ao afundamento qualquer organização.
Criticar é um dever. Um educando só seria digno de seu educador se ousasse combater um
ponto de vista que lhe parece equivocado.
Evidentemente, a formação deve levar em conta os diversos níveis de consciência e de
compromisso e não pode ser ingênua de confundir um princípio com um método. Assim, a defesa
intransigente da igualdade entre os seres humanos, sem superiores ou inferiores, não pode
desconhecer as diferenças produzidas pela carga genética, pelo ambiente cultural, oportunidades
históricas, investimento, esforço pessoal...

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Por isso, mesmo sabendo que tudo se relaciona e que não há critérios exatos para
demarcar limites, é preciso considerar, pelo menos, quatro níveis de formação: a) a básica - com
temas que se referem à identidade, à integração na vida, o ânimo para a luta, os valores... b) a de
militantes – o esforço de reconstruir os conceitos enquanto acúmulo da prática social, categoria
de análise... c) a de dirigentes – que exercita a capacidade de análise, a elaboração estratégica, a
habilidade na condução política... d) a de formadores – que, junto com os conteúdos, inclui o
domínio da habilidade pedagógica...
Educação popular é um ato de amor que contribui no despertar da consciência crítica e
que desafia os protagonistas a assumirem seu destino, individual e coletivo. Esse ato amoroso se
manifesta na entrega solidária, (distinta de piedade, martírio ou técnica utilitarista), na recordação
da memória subversiva que alimenta o ânimo da militância e na esperança que as pessoas se
desenvolvam, como gente e como povo. Nessa missão, os educadores cultivam valores que se
expressam no seu jeito de pensar, de agir e sentir e no amor pelo povo, no companheirismo, no
espírito de superação, no espírito de humildade, no espírito de sacrifico e na pedagogia do
exemplo. Ao dedicar-se ao processo de qualificação, quem educa também se transforma e se
realiza.

O que é educação?

Há muitos anos, governantes de dois estados americanos, após muitas guerras de


extermínio, selaram um tratado de paz com os índios. Para celebrar o acontecido e, convencidos
que a educação é tudo, as autoridades escreveram cartas aos nativos, oferecendo vagas para
jovens índios, nas escolas dos brancos. Agradecendo e recusando a oferta eles responderam:]
Estamos convencidos que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de
coração. Mas, entendemos que diferentes povos têm idéias diferentes sobre as coisas.
Esperamos que não fiquem ofendidos ao saber que vossa idéia de educação não é a mesma que
a nossa. Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas dos “civilizados” e
aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando voltaram para nós, eram maus corredores,
ignorantes na vida da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam como caçar o
búfalo, matar o inimigo, construir uma cabana e falavam nossa língua muito mal. Eram, portanto,
totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, nem como caçadores ou como conselheiros.
Agradecemos a oferta embora não possamos aceitá-la. Para mostrar nossa gratidão propomos
aos nobres senhores que nos enviem alguns dos seus jovens. Nós lhe ensinaremos tudo o que
sabemos e faremos deles, homens. (C. Brandão “O que é educação”)

Depoimento sobre Paulo Freire

“Pedro viu a uva”, ensinavam os manuais de alfabetização. Mas o professor Paulo Freire, com o
seu método de alfabetizar conscientizando, fez adultos e crianças, no Brasil e na Guiné Bissau,
na Índia e na Nicarágua, descobrirem que Pedro não viu apenas com os olhos.
Viu também com a mente e perguntou se a uva é natureza ou cultura. Pedro viu que a
fruta não resulta do trabalho humano. É criação, é natureza. Paulo Freire ensinou a Pedro que
semear a uva é a ação humana na e sobre a natureza. É a mão, multiferramenta, despertando as
potencialidades do fruto. Assim como o próprio ser humano foi semeado pela natureza, em anos
e evolução do Cosmo.
Colher uma uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura, assinalou Paulo Freire. O
trabalho humaniza e, ao realizá-lo, o homem e a mulher se humanizam. Trabalho que instaura o
nó de relações, a vida social. Graças ao Professor que iniciou sua pedagogia revolucionária com
os operários do SESI de Pernambuco, Pedro viu também que a uva é colhida por bóias-frias que
ganham pouco e, comercializada por atravessadores que ganham melhor.

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Pedro aprendeu com Paulo que, mesmo sem ainda saber ler, ele não é uma pessoa
ignorante. Antes de aprender as letras, Pedro sabia erguer uma casa, tijolo a tijolo. O médico, o
advogado ou o dentista, com todo o seu estudo, não eram capazes de construir como Pedro.
Paulo Freire ensinou a Pedro que não existe ninguém mais culta do que outra, existem culturas
paralelas, distintas, que se complementam na vida social.
Pedro viu a uva e Paulo Freire mostrou-lhes os cachos, a parreira, a plantação inteira.
Ensinou a Pedro que a leitura de um texto é tanto melhor compreendida quanto mais se insere
um texto no contexto do autor e do leitor. É dessa relação dialógica entre o texto no contexto, que
Pedro extrai o pretexto para agir. No início e no fim do aprendizado, é a práxis de Pedro que
importa. Práxis-teoria-práxis, num processo indutivo que torna o educando sujeito histórico.
Pedro viu a uva e não viu a ave que, de cima, enxerga a parreira e não vê a uva. O que
Pedro vê é diferente do que vê a ave. Assim, Paulo Freire ensinou a Pedro um princípio
fundamental da epistemologia: a cabeça pensa por onde os pés pisam. O mundo desigual pode
ser lido pela ótica do opressor ou pela ótica do oprimido. Resulta uma leitura tão diferente uma
das outras como a visão de Ptolomeu, ao observar o sistema solar, com os pés na terra, e a de
Copérnico, ao imaginar-se com os pés no sol.
Agora, Pedro vê a uva, a parreira e todas as relações sociais que fazem, do fruto, festa no
cálice de vinho; mas já não vê Paulo que mergulhou no Amor, na manhã do dia 02 de Maio de
1997. /.../ fui rezar em torno de seu semblante tranqüilo: “Paulo via a Deus”.
Frei Betto

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