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(Versão compacta)
N.C. Heck
NTCm
Núcleo de Termodinâmica Computacional para a Metalurgia
http://www6.ufrgs.br/ct/ntcm/
ii
Termodinâmica para processos da siderurgia
N.C Heck – NTCm / UFRGS
Sumário
1. Introdução..................................................................................................................... 1
1.1 Para o quê serve a termoquímica?.......................................................................... 1
1.2 Propriedades conhecidas e propriedades menos comuns....................................... 1
1.3 Características da termodinâmica........................................................................... 2
1.4 Principal objetivo.................................................................................................... 2
1.5 Algumas definições................................................................................................. 2
iii
Termodinâmica para processos da siderurgia
N.C Heck – NTCm / UFRGS
iv
Termodinâmica para processos da siderurgia
N.C Heck – NTCm / UFRGS
v
Termodinâmica para processos da siderurgia
N.C Heck – NTCm / UFRGS
vi
Termodinâmica para processos da siderurgia
N.C Heck – NTCm / UFRGS
Dentre os nomes notáveis que deram o impulso inicial ao que se conhece hoje como
termodinâmica clássica, se destacam os de Nicolas Léonard Sadi Carnot (1796-1832) e de
Josiah Willard Gibbs (1839-1903).
O primeiro deles está relacionado ao rendimento das máquinas térmicas e ao que, anos
mais tarde, Rudolf Clausius (1822-1888) denominou de entropia. Esta fase do conhecimento
bem que foi relacionada com a dinâmica (das máquinas) e com o calor (assim:
termodinâmica!).
Já Gibbs viu neste tipo de análise uma ferramenta muito poderosa, capaz de auxiliar na
compreensão da química (daí o segundo nome pelo qual nós a conhecemos: termoquímica!).
E foi com o estudo do equilíbrio entre as fases que ele deixou aberta a porta que dá para a
termodinâmica dos metais (termodinâmica metalúrgica) que, mais tarde, passou a abranger os
materiais em geral (termodinâmica dos materiais). Por seu trabalho, teve seu nome eternizado
na energia de Gibbs – que permite a determinação do estado de equilíbrio termodinâmico
entre as fases.
A termodinâmica está, hoje, consorciada com o ramo da Ciência que se dedica ao
estudo dos fenômenos de transporte, na esperança de que, desta síntese – fortemente assistida
pela computação –, seja possível diminuir ainda mais a distância entre as previsões e os
resultados dos processos que idealizamos.
N.C. Heck
outubro de 2007
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Termodinâmica para processos da pirometalurgia 1
N.C Heck – NTCm / UFRGS
10 Introdução
Pode uma chapa de aço – como, por exemplo, a lataria de um automóvel – se oxidar ao
ar? Qual a temperatura máxima obtida na combustão do gás liquefeito de petróleo com ar,
combustível comumente usado nos fogões de uso doméstico?
Para dar resposta a esta e a muitas outras perguntas, a primeira informação útil pode
ser obtida no ramo da Ciência que se denomina termoquímica ou termodinâmica química. A
termoquímica, contudo, só pode ser útil se algumas propriedades da matéria que constitui o
universo forem conhecidas.
Associa-se à matéria de um corpo propriedades comuns tais como a massa (que, sob a
ação de um campo gravitacional, é percebida na forma de uma força – o peso) e o volume.
Com o estudo da física, aprende-se que a ela também pode ser associada uma
propriedade ‘menos visível’, à qual chamamos energia. Uma maçã, ao desprender-se do galho
de uma árvore, aumenta a sua velocidade na queda e pode espatifar-se no chão. Aos olhos de
Newton, e de outros cientistas que o sucederam, essa seqüência de fatos é interpretada como
sendo a transformação da energia potencial, contida na maçã, em cinética. Ao chegar ao solo
– valor zero (arbitrário) para a escala da energia potencial –, a transformação estará completa
e a energia cinética atingirá o seu valor máximo. A fragmentação da maçã em pedaços – nas
frações de segundo seguintes – pode ser entendida como sendo a realização de trabalho. Uma
das definições de energia1 nos diz que ela ‘é a capacidade de realizar trabalho’. Isso remete
nosso pensamento diretamente à questão seguinte: como é definido, então, trabalho? Trabalho
pode ser entendido como a transformação que um corpo pode sofrer quando se transfere
energia a ele (para uma abordagem inicial, essa é a melhor definição de trabalho).
Cientistas, dando seqüência à interpretação da queda da maçã, poderiam sugerir que
seus pedaços provavelmente teriam a sua temperatura aumentada! Uma cena freqüentemente
vista no cinema, a de um meteorito caindo sobre um planeta e, na seqüência, explodindo,
numa ‘bola de fogo’, teria origem neste fenômeno. Apesar da fantasia que permeia este meio
de expressão artística, essa representação não está longe da verdade, e já foi até observada
quando, em julho de 1994, entre os dias 16 e 22, mais de vinte fragmentos do cometa
Shoemaker-Levy 9 colidiram com o planeta Júpiter. Os impactos foram observados por
astrônomos em centenas de observatórios ao redor do mundo, e pelo ‘telescópio espacial’
Hubble, como pontos luminosos – de elevada temperatura – no hemisfério do sul de Júpiter
1
Atribuída a Rudolf Clausius
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1
http://science.nasa.gov/headlines/y2006/13jun_lunarsporadic.htm
2
Um corpo não armazena ou estoca trabalho, somente energia; trabalho – nas suas mais diferentes facetas – é
energia em trânsito!
3
Quociente que quantifica o valor, de uma determinada propriedade, que é transferido por unidade de tempo.
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processo reversível – como o nome sugere – pode-se ‘voltar sobre os próprios passos’, ou
seja, fazer a reversão do processo.
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20 Equação de estado,
trabalho e calor
Seis relações entre as variáveis P, V, n e T e podem ser escritas para os gases ideais;
algumas delas foram observadas há muito tempo e são consideradas Leis – das quais, talvez, a
mais famosa (e certamente a mais antiga) seja a lei de Boyle-Mariotte2:
PV = cte.
Do produto destas relações pode-se obter a equação de estado dos gases ideais –
escrita pela primeira vez por Benoît-Pierre-Émile Clapeyron, em 1834.
Conforme foi visto anteriormente, além do calor, somente o trabalho – outra forma de
energia – é capaz de atravessar a fronteira do sistema fechado.
Há muitos tipos de trabalho: elétrico, magnético, mecânico, etc.; o mais importante,
1
Um gás ideal é um gás hipotético que consiste de partículas idênticas, de ‘volume zero’, que não apresentam
forças de atração ou repulsão entre elas. Adicionalmente, as partículas apresentam colisões perfeitamente
elásticas entre si e com as paredes do recipiente que contém o gás.
2
Robert Boyle estabeleceu, em 1662, a lei da compressibilidade de um gás: “o volume de um gás é inversamente
proporcional à pressão que recebe”. Em 1667, Edme Mariotte complementou a lei de Boyle ao especificar “sob
uma temperatura constante”.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 6
N.C Heck – NTCm / UFRGS
que se movimenta sem atrito dentro do cilindro) contendo um gás ideal com pressão
F
Pext . = ,
A
(onde A é a área do pistão) pode-se escrever
w = Pext . ⋅ A ⋅ d .
Com o deslocamento do pistão, o volume – dado pelo produto entre A e d – varia; assim, em
termos infinitesimais,
δ w = Pext.dV . (2.1)
∫ δ q = ∑δ q = q ,
2
1
2
∫ dV = ∆V = V − V
1
2 1 .
Quando a pressão externa é constante, da integração de (2.1) entre os estados ‘1’ e ‘2’
resulta
w = Pext . cte. ⋅ (V2 − V1 ) = Pext . cte. ⋅ ∆V . (2.3)
Num processo isotérmico, a pressão não possui um valor finito, mas varia em função
do volume. Buscando-se na equação de estado dos gases ideais (unimolar) uma expressão
para P como uma função de V e, substituindo-a na equação (2.1), obtém-se:
RT
δ w= dV .
V
Integrada entre os estados ‘1’ e ‘2’, resulta em:
⎛V ⎞
w = RT ln⎜⎜ 2 ⎟⎟ . (2.4)
⎝ V1 ⎠
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 7
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2.5 Calor
Calor é a forma de energia que se transfere apenas por causa da existência de uma
diferença de temperatura entre o sistema e a sua vizinhança.
Conforme já foi visto, um sistema pode conter energia de muitos tipos. Energia
cinética (sistema em movimento) e energia potencial (sistema localizado num ponto
específico de um campo gravitacional, elétrico, etc.) – entre outras – não são importantes
nesta análise e não serão consideradas. Já a energia interna, U, é uma das formas relevantes
de energia para a termodinâmica.
Quando se fornece calor ao sistema (isso também vale para quando dele se retira calor)
a sua energia interna sofre uma variação. Se a parede do sistema for rígida, a variação da
energia interna será dada exclusivamente por
∆U = q ;
mas, se ele se expande realizando trabalho w sobre a vizinhança, a variação da energia interna
será menor, pois dela será descontado o trabalho feito:
∆U = q − w . (3.1)
Finalmente, obtém-se
∆U = q − Pext . cte. ⋅ ∆V , (3.2)
ao ser substituído, na expressão (3.1), o valor do trabalho mecânico sob uma pressão
constante, dado por (2.3).
A entalpia é definida como sendo (daqui para frente não mais serão usados os
subscritos da pressão):
H ≡ U + PV .
Assim, a variação da entalpia de um sistema é igual à
∆H = ∆U + ∆(PV )
e
∆ ( PV ) = P2V2 − P1V1 .
No caso da pressão ser constante,
∆ ( PV ) = P(V2 − V1 ) = P∆V
e
∆H = ∆U + P∆V (com P cte.) (3.3)
A equação (3.2) permite escrever:
q = ∆U + P∆V . (3.4)
Então, por semelhança entre (3.3) e (3.4), temos que
∆H = q . (com P cte.!) (3.5)
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 9
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3.3 Calor específico e a sua relação com a variação da entalpia e da energia interna
Alguns autores salientam uma diferença entre o valor de uma variação (em uma dada
função de estado) que ocorre sob uma isoterma, dos outros casos, adotando a seguinte
convenção:
∆X quando a variação da propriedade X se dá de forma isotérmica, e,
X 12 quando se dá entre as temperaturas T1 e T2 .
40 Processo adiabático e o
ciclo de Carnot
⎛T ⎞ ⎛V ⎞
Cv log⎜⎜ 2 ⎟⎟ = R log⎜⎜ 1 ⎟⎟ . (4.2)
⎝ T1 ⎠ ⎝ V2 ⎠
Esta expressão mostra a temperatura que se estabelece no sistema submetido a uma
expansão ou contração (variação do volume) adiabática.
Para a determinação da temperatura como uma função da pressão – ao invés do
volume – é necessária uma pequena transformação algébrica. Partindo-se da equação de
estado dos gases ideais, pode-se escrever:
V1 T1 P2
= ⋅
V2 T2 P1
e, também,
⎛V ⎞ ⎛T ⎞ ⎛P ⎞
log⎜⎜ 1 ⎟⎟ = log⎜⎜ 1 ⎟⎟ + log⎜⎜ 2 ⎟⎟ .
⎝ V2 ⎠ ⎝ T2 ⎠ ⎝ P1 ⎠
Substituindo-se esta expressão na equação (4.2), obtém-se:
Cv ⎛T ⎞ ⎛T ⎞ ⎛P ⎞
log⎜⎜ 2 ⎟⎟ = log⎜⎜ 1 ⎟⎟ + log⎜⎜ 2 ⎟⎟
R ⎝ T1 ⎠ ⎝ T2 ⎠ ⎝ P1 ⎠
ou,
⎛ Cv ⎞ ⎛T ⎞ ⎛P ⎞
⎜ + 1⎟ log⎜⎜ 2 ⎟⎟ = log⎜⎜ 2 ⎟⎟ .
⎝ R ⎠ ⎝ T1 ⎠ ⎝ P1 ⎠
Como, para os gases ideais,
Cv = C p − R ,
então:
⎛ Cv ⎞ Cp
⎜ + 1⎟ =
⎝ R ⎠ R
e
⎛T ⎞ ⎛P ⎞
C p log⎜⎜ 2 ⎟⎟ = R log⎜⎜ 2 ⎟⎟ . (4.3)
⎝ T1 ⎠ ⎝ P1 ⎠
Esta expressão, da mesma forma que a (4.2), mostra a temperatura que se estabelece
com uma compressão ou descompressão adiabática (variação da pressão) do sistema.
Dividindo-se a equação (4.3) pela (4.2), obtém-se a mais importante delas (na
descrição de um processo adiabático) – conforme se queria demonstrar:
γ
P2 ⎛ V1 ⎞
=⎜ ⎟ ,
P1 ⎜⎝ V2 ⎟⎠
onde
Cp
γ= .
Cv
50 Processos
– uma resenha
1
A temperatura é uma medida macroscópica da energia cinética das moléculas do gás (fenômeno
microscópico!). A energia cinética do gás permanece constante se a temperatura do gás não variar durante o
processo. Como a energia cinética é a única forma de energia que um sistema constituído por um gás ideal
pode conter, então, numa expansão isotérmica, não haverá mudanças na energia interna.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 16
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∆U = 0 ,
e, por conseqüência,
q=w .
Foi visto que o trabalho mecânico (para um sistema unimolar) é dado por:
⎛V ⎞
w = RT ln⎜⎜ 2 ⎟⎟ .
⎝ V1 ⎠
Sabe-se que a variação da entalpia é dada por:
∆H = ∆U + ∆( PV ) . (5.1)
Como
P2V2 = P1V1 = cte.
– lei de Boyle-Mariotte –, então
∆( PV ) = 0 .
Assim, considerando-se os valores expostos, a expressão (5.1) reduz-se à expressão
∆H = 0 .
No processo adiabático,
∆U = − w ,
pois
q=0 .
Por causa disso, também
∆S = 0 .
O valor do trabalho (para um sistema unimolar) pode ser determinado por meio da
expressão:
( γ −1)
⎛ ⎞
RT1 ⎜ ⎛ P2 ⎞ γ ⎟
w= ⋅ ⎜ ⎜⎜ ⎟⎟ − 1⎟ .
γ − 1 ⎜ ⎝ P1 ⎠ ⎟
⎝ ⎠
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1
Conhecida anteriormente pelo nome ‘energia livre de Gibbs’; http://www.iupac.org/goldbook/G02629.pdf
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1
Embora haja controvérsias, esta afirmação deriva da terceira lei da termodinâmica.
2
Esta afirmação – conforme se verá mais adiante – deve ser tomada como verdadeira apenas no âmbito
introdutório desta disciplina.
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7.3 Valor da energia de Gibbs dos gases ideais como uma função da pressão
pode-se escrever:
dH = T dS + V dP .
A energia de Gibbs foi definida como sendo:
G ≡ H − TS
então,
dG = dH − T dS − S dT .
Substituindo-se nesta expressão o valor dH obtido acima, tem-se:
dG = V dP − S dT .
Para um sistema isotérmico,
dG = V dP .
Embora esta expressão esteja relacionada com uma variação da propriedade G, sua
integração também possibilita a determinação do valor da energia de Gibbs em função da
pressão. Para isso, é necessário, inicialmente, que o volume, V, seja expresso como uma
função de P. A expressão oriunda da equação de estado dos gases ideais, para um mol de gás,
é a alternativa mais freqüentemente usada. Uma vez aplicada, resultará em:
RT
dG = dP . (7.3)
P
Neste ponto, fica clara a necessidade de se conhecer o valor de G em um determinado
estado ou, alternativamente, que seja definido um estado padrão. A segunda opção – recém
utilizada no caso da entalpia – inclui igualmente uma pressão de referência, P°. A integração
da expressão (7.3) resulta em:
⎛ P⎞
G = G o + RT ln⎜ o ⎟ . (7.4)
⎝P ⎠
O argumento da função logaritmo, o quociente
P
a= o , (7.5)
P
recebe o nome de atividade 1. Como, normalmente, o valor escolhido para P° é unitário
(1 [atm] ou 1 [bar]), escreve-se usualmente apenas
G = G o + RT ln (P ) . (7.6)
Quando o valor da pressão de um gás real não produz o efeito desejado, ela é
substituída por outra de valor mais adequado, chamada fugacidade (como esperado, f ° terá o
valor unitário):
G = G o + RT ln ( f ) . (7.7)
Há, portanto, uma correspondência – normalmente não-linear – entre as fugacidades
(gases ideais) e as pressões (gases reais). Quando a relação é linear (lamentavelmente, isso é
raro), a inclinação da equação, chamada coeficiente de atividade, γ, é finito e, então,
f = γ⋅P .
Se o valor de γ for igual à unidade, por conveniência, pode-se falar apenas em ‘pressão’ –
como vinha sendo feito até este momento – e os gases são apropriadamente denominados
‘ideais’.
1
Atividade é um nome comum a outras expressões – conforme será visto adiante!
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 21
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Tendo-se em vista a relação entre a fugacidade e a pressão, a equação (7.6) pode ser
reescrita para os gases reais como
G = G o + RT ln (γ ⋅ P )
ou
G = G o + RT ln (P ) + RT ln (γ ) . (7.8)
Uma análise desta expressão mostra que três termos contribuem para o valor da
energia de Gibbs de um gás real. Ao primeiro deles (à direita do sinal de igualdade) é usual a
denominação ‘contribuição padrão’, ao segundo, ‘contribuição ideal’ e, ao terceiro, a
denominação ‘termo de excesso’.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 22
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80 Transformação de fase e
critérios de espontaneidade
A transformação isotérmica de uma fase em outra como, por exemplo, aquela da fusão
do chumbo, pode ser estudada com a ajuda do conceito de estado inicial e final de um
sistema. Assim, no exemplo dado, o estado inicial do sistema será chumbo na fase sólida, e o
final será chumbo na fase líquida. Quando a transformação representar a solidificação do
metal, os estados inicial e final serão, evidentemente, os opostos.
Com o auxílio de diagramas (ou tabelas) contendo valores das funções
termodinâmicas (normalmente são valores molares) em função da temperatura, pode-se
determinar facilmente o valor da variação de uma dada propriedade de estado, X, na
transformação de fase isotérmica, ∆Xtr., com o uso da seguinte expressão:
∆X tr . = X f − X i , (8.1)
onde X é a propriedade em questão para os dois estados, a uma temperatura desejada. Assim,
por exemplo, a determinação de ∆Htr. pode ser feita de uma forma rápida e direta, para
qualquer isoterma, com um diagrama que contenha os valores de H (de cada uma das fases
em questão), em função da temperatura, dispostos lado a lado. Da mesma forma, um diagrama
contendo os valores de S permitirá saber quais serão os valores de ∆Str.. E, da relação entre a
variação da entalpia e da variação da entropia, será possível a determinação de ∆Gtr..
Deve se ressaltar, contudo, que os valores determinados nestas transformações
isotérmicas valem apenas para a pressão do estado padrão. Assim, seu valor é, rigorosamente,
∆Xtr.º. Isso é especialmente importante se uma das fases for a gasosa, pois, conforme se viu, o
valor de algumas funções de estado se alteram em função da pressão; por conseqüência, para
estas, o valor de ∆Xtr. (sempre à mesma temperatura) será uma função da pressão escolhida.
Assim, como o valor da entalpia só é função da temperatura, nesse caso não haverá
mudanças no valor de ∆Htr. calculado acima, qualquer que seja a pressão escolhida para a
transformação.
Por outro lado, sabe-se que o valor de S de um gás ideal – além de ser dependente da
temperatura – apresenta uma dependência também com a pressão. Portanto, o valor da
variação da entropia, ∆Str., será válido apenas para a pressão do estado padrão. No entanto, se
os valores da entropia das diferentes fases forem conhecidos em função da pressão, ∆Str.
poderá ser facilmente calculada para qualquer uma delas.
Partindo-se das observações recém feitas sobre as variações nas propriedades de
estado H e S, e, tendo-se em vista que
∆Gtr . = ∆H tr . − T ∆Str . ,
pode-se concluir que, para uma transformação isotérmica, em que pese a constância de ∆Htr.,
por causa de ∆Str., o valor de ∆Gtr. irá se modificar em função da pressão escolhida.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 23
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∆SU = 0 .
Contudo, se o processo for irreversível (real, ou espontâneo), conforme visto
anteriormente, o calor extraído da vizinhança pode ser menor que o máximo (ideal). Assim,
para compensar, o sistema cria entropia, de modo que, no total, sua variação de entropia será
maior do que aquela da vizinhança.
Disso tudo resulta que, para um processo espontâneo,
∆SU > 0 . (8.3)
Um segundo critério de espontaneidade pode ser identificado. Conforme visto
anteriormente, pode-se associar a variação da entropia do universo com a variação da energia
de Gibbs de um sistema:
∆Gs = −T∆SU .
Como a temperatura (absoluta) é sempre positiva, segue-se que ∆GS – por sua vez –
será sempre menor do que zero (negativa) para um processo espontâneo:
∆GS < 0 . (8.4)
Esta informação é muito importante – e se constitui numa das maiores contribuições
de Willard Gibbs à termodinâmica –, pois traz para o âmbito do sistema a verificação da
espontaneidade – algo que anteriormente só podia ser feito (por meio de S) considerando-se
uma variação que se dava no universo!
Outra maneira de se demostrar a associação de G com a espontaneidade é através da
combinação da primeira lei da termodinâmica com a segunda. Assim,
∆U = q − w ,
ou
∆U + w = q .
Como, pela desigualdade de Clausius
q ≤ T∆S ,
∆U + w ≤ T∆S
tendo-se, ao final,
∆U + w − T ∆S ≤ 0 .
Mas, pela definição de H, pode-se escrever
∆H − T∆S ≤ 0
e, fazendo-se uso da definição de G, conclui-se que
∆G ≤ 0
– ou seja, ∆G será menor do que zero para um processo espontâneo1!
1
Observe que o valor de ∆G deve ser menor do que zero, mas não necessariamente o de ∆Gº!
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 25
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90 Equilíbrio termodinâmico,
sistema unário
Para se verificar qual (ou mesmo quais) fase estará presente no estado de equilíbrio,
deve-se avaliar, inicialmente, por meio do valor de ∆Gtr., se o sistema pode se transformar
espontaneamente do estado ‘1’ ao estado ‘2’.
Três resultados são possíveis:
(i) ∆Gtr. > 0 ; o sistema permanecerá no estado ‘1’ (G, deste estado será mínimo) e a
única fase presente será a original.
(ii) ∆Gtr. < 0 ; o sistema passará ao estado ‘2’ (G, deste outro estado será mínimo) e a
única fase presente será aquela do sistema no estado ‘transformado’, ou seja, estado ‘2’.
(iii) ∆Gtr. = 0 ; o sistema pode permanecer tanto no estado ‘1’ quanto passar
parcialmente ou integralmente ao estado ‘2’ – a extensão da transformação dependerá de
outros fatores (G possui o mesmo valor em qualquer uma destas combinações).
Consequentemente, o sistema pode apresentar: (i) apenas a fase do estado ‘1’, (ii) apenas a
fase do estado ‘2’ ou, mais comumente, (iii) ambas! Todas essas alternativas expressam o
equilíbrio termodinâmico. É bem verdade que associamos comumente ao ‘estado de equilíbrio
1
É fácil compreender que este é um ponto de mínimo, pois se (na direção do estado de equilíbrio) G do estado
final é menor do que o G do estado inicial, G tende a diminuir. Note, no entanto, que mínimo não significa
valor de G igual à zero!
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 26
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1
É importante salientar que o elenco das fases ‘candidatas’ a participar do estado de equilíbrio depende
exclusivamente do interesse do pesquisador e é função da sua experiência no tema de trabalho.
2
Note: isto implica no critério de G mínimo!
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 27
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10 Reações estequiométricas
1
Embora a reação estequiométrica relacione fases entre si, existe uma importante exceção: as misturas gasosas!
Nas misturas gasosas costumamos distinguir os seus constituintes como se fossem fases reagentes e fases
produtos – isto não é estritamente verdadeiro, mas pode ser utilizado com esse sentido.
2
A ênfase está sendo dada apenas aqui, mas esta regra também vale para o caso das transformações de fase
isotérmicas – tema recém visto.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 28
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Do mesmo modo que nas transformações de fase isotérmicas, aqui também a variação
de G é o melhor critério para se saber se uma reação estequiométrica será espontânea ou não.
A explicação de como determinar a variação da energia de Gibbs de uma reação
estequiométrica será feita com o emprego de um exemplo genérico.
Os compostos (fases) A e AB (onde A e B são espécies atômicas) podem ser
relacionados estequiometricamente com o gás B2 através da seguinte reação:
2 AB = 2A + B2 .
Utilizando-se a equação (7.6),
G = G o + RT ln (P )
– muito embora duas das fases sejam condensadas –, pode-se calcular G de cada uma das
fases à temperatura T e pressão P.
Então, para 2 mols de A:
2G A = 2G Ao + RT ln (a A2 ) ,
para 1 mol de B2:
GB2 = GBo2 + RT ln PB2 , ( )
e, para 2 mols de AB:
2G AB = 2G AB
o
+ RT ln a AB
2
. ( )
Nestas equações, as atividades das fases representam uma situação qualquer, dentre
elas, por exemplo, os estados inicial e final.
Somando-se as duas primeiras equações (produtos) e, subtraindo-se da soma a terceira
equação de G (reagente), obtém-se:
⎛ a A2 ⋅ PB ⎞
2G A + GB2 − 2G AB = 2G Ao + GBo2 − 2G AB
o
+ RT ln⎜ 2 2 ⎟ . (10.2)
⎜ a AB ⎟
⎝ ⎠
Os termos à esquerda do sinal de igualdade são idênticos à equação (10.1) e expressam
o valor de ∆G; os primeiros três termos à direita do sinal de igualdade também expressam
uma variação de G, mas, como tratam do estado referência, ou padrão, o símbolo empregado
aqui será ∆G°. O último termo recebe o nome de quociente de reação, Q. Assim,
genericamente,
∆G = ∆G o + RT ln (Q ) . (10.3)
Conforme já foi visto, para a situação escolhida, caso
∆G < 0 ,
então a reação será espontânea.
1
O verdadeiro significado desta substituição será visto mais adiante.
2
Trata-se, estritamente, da atividade do gás B2.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 30
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d ln (K ) − ∆H o
= (10.8)
d1 R
T
– expressão que é conhecida pelo nome equação de van’t Hoff.
Assim, o valor da constante de equilíbrio expresso como uma função da temperatura
permite determinar se uma reação será endotérmica ou exotérmica.
Um diagrama que expõe o valor de ∆G° (em função da temperatura) de uma série de
reações entre um metais (entre outras substâncias) e um reagente comum a todas elas – como,
por exemplo, oxigênio, cloro, nitrogênio, enxôfre ou carbono – é conhecido pelo nome de
diagrama de Ellingham.
Tendo em vista que a energia de Gibbs é uma propriedade extensiva, para que se possa
ordenar as reações segundo o grau de afinidade do metal (ou substância) pelo reagente, é
necessário que o número de mols do reagente seja único para todas as reações – normalmente
normalizado em 1 [mol].
O diagrama de Ellingham mais conhecido é aquele que expõe a reação entre metais
(ou outras substâncias) e o oxigênio, genericamente:
x Me + O2 = x MeO .
Uma vez construído, o diagrama mostra uma série de linhas aproximadamente retas,
que podem ser interpretadas como sendo representações gráficas da expressão:
∆G o = ∆H o − T∆S o .
É importante ressaltar que o valor de ∆S° da reação se modificará caso a temperatura
ultrapasse um ponto de fusão (ou de outra transformação de fase) de qualquer um dos
reagentes ou produtos. Este fato provoca, no diagrama, a aparente ‘quebra’ da linha, na
temperatura da transformação, acentuando ou atenuando a sua inclinação.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 31
N.C Heck – NTCm / UFRGS
11 Equilíbrio termodinâmico,
sistema multicomponente
1
De fato, nem mesmo a simples determinação da pressão da fase gasosa, mostrada anteriormente, poderia ter
sido feita sem outras considerações.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 32
N.C Heck – NTCm / UFRGS
Para o exemplo dado na Figura 11.1, um sistema multifásico com a fração molar de B,
XB, maior do que 0,25 e menor do que 1 será composto – no máximo – pelas fases: A3B e B2.
Este raciocínio segue estritamente os ensinamentos de Gibbs, que preconizou, para o
sistema no estado de equilíbrio, um valor mínimo para a função G – respeitando-se
concomitantemente a restrição dada pela conservação da matéria (no caso de sistemas
fechados). Vê-se, pela observação do diagrama, que o valor da função G do sistema, em
função da composição, sempre corresponderá ao mínimo ao longo dos segmentos de retas
traçados entre as fases A-A3B e A3B-B2. Assim, a fase AB não participará de nenhum dos
estados de equilíbrios do sistema.
Para sistemas de mais alta ordem (ternários, quaternários, etc.), vale o mesmo
raciocínio; contudo, a reta – no caso do sistema ternário – ‘transforma-se’ num plano, e,
assim por diante. Assim, infelizmente, nem sempre será possível representar graficamente os
sistemas de interesse.
A quantidade (ou fração) de cada uma das fases presentes no estado de equilíbrio,
como, por exemplo, das fases A3B e B2, pode ser determinada por meio do método
denominada regra da alavanca.
A regra da alavanca nada mais é do que a solução de um sistema composto por duas
equações. A primeira delas se refere ao simples fato de que a soma das frações molares1 das
fases em equilíbrio deve que ser igual à unidade. Para o caso de apenas duas fases, α e β, em
equilíbrio tem-se:
Xα + X β = 1
A outra equação se refere a um balanço de massa para um dos componentes do
sistema termodinâmico. Num sistema binário, para o caso do escolhido ser o componente A,
1
O mesmo raciocínio poderia ser feito com base na massa!
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 33
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Xα =
(X A − X A, β )
.
(X− X A, β )
A, α
Como as frações molares das duas fases somadas fornecem o valor da unidade, pode-
se, com isto, calcular o valor de Xβ segundo:
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 34
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1
Ver http://www.iupac.org/goldbook/M03949.pdf e, também, http://...S05746.pdf
2
Esta condição, de fato, não é nova – já foi aplicada ao equilíbrio multifásico de compostos, Seção 11.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 35
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A composição de uma mistura é dada pelo teor dos seus constituintes – que
normalmente são espécies atômicas ou químicas – em porcentagem ponderal, volumétrica ou,
então, atômica (que é idêntica à fração molar) – dependendo do caso em questão.
Uma mistura de gases ideais no estado de equilíbrio, em uma dada temperatura T e
pressão P, obedece à seguinte equação (lei de Dalton):
P = ∑ Pi , (12.1)
onde Pi é a pressão parcial de cada constituinte.
A fração molar, xi, de um constituinte i da fase gasosa – à semelhança de todas as
outras fases mistura – é dada por:
n
xi = i , (12.2)
nt
onde ni é igual ao número de mols da espécie química i, enquanto nt é igual ao número total
de mols da fase gasosa. Note que
∑ xi = 1 .
Para os gases ideais, a aplicação da equação de estado à equação (12.2) permite
escrever uma segunda expressão para a fração molar:
P
xi = i . (12.3)
P
À semelhança de um líquido puro, uma mistura líquida está em equilíbrio com seu
vapor.
Sobre uma mistura líquida ideal, a pressão parcial do constituinte i da atmosfera é
dada por
Pi = P º i ⋅ xi (12.4)
onde xi é a fração molar do constituinte i no líquido e Pºi é a pressão de equilíbrio sobre o
líquido quando constituído apenas por i . A lei de Dalton fornece a pressão total.
A atividade do constituinte i da mistura líquida é dada por
P
ai = i (12.5)
Pºi
Da comparação entre (12.4) e (12.5) vê-se que
ai = xi .
Esta proporção identifica a mistura ideal. Para poder contornar pequenos desvios da
idealidade, faz-se uso de um coeficiente de atividade, γ; assim,
ai = γ ⋅ xi (12.6)
(vê-se logo que a mistura ideal é caracterizada pelo coeficiente angular igual à unidade).
Dá-se à atividade associada ao estado ideal o nome de raoultiana – em homenagem a
Raoult. A equação (12.6) é conhecida pelo nome de ‘lei de Raoult’.
O experimento de Raoult
soluto a ele. Para uma mistura binária líquida entre A (solvente) e B (soluto), a equação que
descreve este comportamento pode ser escrita como:
PA = − PAo ⋅ xB + PAo , (12.7)
onde xB é igual à fração molar do soluto no líquido, e P°A é igual à pressão do gás (vapor) da
substância A na fase gasosa quando em equilíbrio com o solvente ‘puro’.
É fato que
xB = 1 − x A .
Substituindo-se esta expressão em (12.7), generalizando-a para um solvente i qualquer,
obtém-se a equação:
Pi = xi ⋅ Pi o . (12.8)
Pode-se comprovar que, a lei de Raoult é válida quando as duas misturas se
comportam idealmente. Considera-se, inicialmente, uma mistura líquida binária formada
pelos constituintes A e B, onde a fração molar do componente A é xA.
O valor da energia de Gibbs de um constituinte i de uma mistura raoultiana – como
será visto adiante – tem a seguinte expressão:
Gi = Gio + RT ln xi , (12.9)
onde Gi° é a energia de Gibbs do componente i ‘puro’ (a referência ao componente ‘puro’
denota que este é o estado padrão da atividade) e xi é a sua fração molar na mistura.
Também será visto adiante, que o potencial químico do componente A (bem como o
de qualquer outro) tanto na mistura líquida quanto na gasosa (vapor em equilíbrio com a
mistura líquida), no estado de equilíbrio, deve ser o mesmo (único), isto é:
G A, l = G A, g . (12.10)
Como a mistura líquida é ideal, pode-se escrever
GA,l = G Ao ,l + RT ln x A . (12.11)
Da mesma forma, com base no pressuposto de que a fase gasosa tem o comportamento
de um gás ideal, pode-se escrever:
⎛P ⎞
G A, g = G Ao , g + RT ln⎜ Ao ⎟ , (12.12)
⎝P ⎠
onde PA é a pressão do vapor (pressão parcial) do componente A e P° é a pressão do estado
padrão – normalmente 1 [atm].
Combinando-se as equações (12.11) e (12.12), segundo (12.10), tem-se:
⎛P ⎞
G Ao ,l + RT ln x A = GAo , g + RT ln⎜ Ao ⎟ . (12.13)
⎝P ⎠
Para o caso limite, quando o líquido for composto apenas pelo constituinte A (xA = 1),
a pressão no sistema será justamente a pressão do vapor em equilíbrio com o líquido puro,
PA°, de modo que
⎛ Po ⎞
G Ao ,l = GAo , g + RT ln⎜⎜ Ao ⎟⎟ . (12.14)
⎝P ⎠
Subtraindo-se, da equação (12.13), a equação (12.14), obtém-se:
⎛P ⎞ ⎛ Po ⎞
RT ln x A = RT ln⎜ Ao ⎟ − RT ln⎜⎜ Ao ⎟⎟
⎝P ⎠ ⎝P ⎠
– donde se conclui que
⎛P ⎞
ln x A = ln⎜⎜ Ao ⎟⎟ .
⎝ PA ⎠
Logo,
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 37
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PA
xA =
PAo
ou
PA = x A ⋅ PAo
– que é a expressão (12.4) encontrada por Raoult em seus experimentos!
O experimento de Henry
Ainda que, por razões didáticas, este tema seja apresentado somente após a descrição
da lei de Raoult, ele foi reconhecido antes, em 1803, por William Henry, quando fazia
experimentos sobre a quantidade de gases absorvidos pela água em diferentes temperaturas e
sob diferentes pressões.
Ao contrário de Raoult, Henry pesquisou o comportamento do soluto, i. Ele observou
que a seguinte relação entre a pressão do vapor e a fração molar de i na mistura líquida era
válida:
Pi = k H , xi ⋅ xi .
O valor de kH,xi , ao contrário da lei de Raoult, é diferente do valor de equilíbrio Pi° e
deve ser determinado experimentalmente a partir da solução – e não do líquido i ‘puro’ –
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 38
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muito embora o valor de kH,xi possa ser associado ao valor de Piº por intermédio da constante
γº:
k H , xi = Pi o ⋅ γ o .
Assim,
Pi = Pi o ⋅ γ o ⋅ xi
e, conforme a definição de atividade de um constituinte i de uma mistura líquida, equação
(12.5), é possível escrever:
ai = γ o ⋅ xi
– que é a expressão da lei de Henry.
Seja na lei de Raoult, seja na Lei de Henry, pode-se chega-se a um ponto onde a
atividade e o teor de um soluto, i, não seguem mais um comportamento linear. Por causa
disso, o coeficiente de atividade não pode mais ser expresso por um valor único, mas sim
como uma função da composição (teor do soluto) da mistura,
γ i = f ( xi ) .
Este caso e outros, mais complexos, serão vistos adiante, na Seção de número 15.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 39
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13 Aplicações da equação de
Gibbs-Duhem
xB
ln γ
ln γ A = − ∫ d ln γ B . (13.12)
− ln γ x o
A
Esta integração tem a vantagem, sobre a expressão do cálculo de aA pelo valor de aB,
de poder ser feita desde um limite finito, ln γº, ao invés de partir de um valor ∞.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 43
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a B γ o ⋅ xB
= . (14.4)
hB [ B]
Vê-se que a mudança de escala, neste caso, é mais complexa que no anterior, pois
envolve também uma relação entre as concentrações do soluto – fração molar e teor em
massa.
A fração molar de B é dada por:
[ B]
MB
xB = ,
[ B] [ A]
+
MB MA
onde Mi é o valor da massa de um mol do constituinte i.
Multiplicando-se e dividindo-se a expressão anterior por MB e, como
[ A] + [ B] = 100 ,
obtém-se:
[ B]
xB = .
MB
[ B ] + (100 − [ B]) ⋅
MA
Quando [B] → 0 (solução infinitamente diluída), essa relação pode ser simplificada
para:
[ B] M A
xB = ⋅ . (14.5)
100 M B
Substituindo-se na equação (14.4) a expressão (14.5), tem-se:
aB γo M A
= ⋅ . (14.6)
hB 100 M B
O valor da energia de Gibbs do soluto B para o sistema de referência raoultiano é dado
por:
GB = GBo + RT ln (aB )
e, para o sistema de referência henriano com base na solução à 1%, é igual à
GB = GBo(1%) + RT ln (hB ) ,
– ou seja, aqui também o valor de GB permanece sempre o mesmo, independentemente do
estado padrão escolhido.
Portanto, a variação da energia de Gibbs de formação da solução à 1% também
corresponde a uma mudança de estado de referência, dada, neste caso, por:
GB = GBo(1%) + RT ln (hB ) = GBo + RT ln (aB )
ou,
⎛a ⎞
GBo(1%) − GBo = RT ln⎜⎜ B ⎟⎟ . (14.7)
⎝ hB ⎠
Substituindo-se na equação (14.7) expressão (14.6), tem-se:
⎛ γo M A ⎞
GBo(1%) − GBo = RT ln⎜⎜ ⋅ ⎟⎟ .
⎝ 100 M B ⎠
Caso o solvente (A) seja o ferro, ela ganha a seguinte versão final:
⎛ γ o ⋅ 0,5585 ⎞
∆Gi1% = Gio(1%) − Gio = RT ln⎜⎜ ⎟⎟ . (14.8)
⎝ Mi ⎠
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 46
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1
C. Wagner, Thermodynamics of alloys, Addison-Wesley, Reading, Mass., 1952, p. 19-22
2
Lupis, C.H.P.; Elliott, J.F. Acta Metallurgica, 1966, vol.14 (4), p. 529-538
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 47
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e22 ≠ 0 .
A Figura 15.1 mostra a atividade do constituinte “2” de uma solução binária, em
função do seu teor, quando o coeficiente de auto-interação e22 = 0,2 .
1.6
1.4
1.2
Atividade h 2
0.8
0.6
0.4
0.2
0
0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 1.2 1.4 1.6
Teor do soluto 2 [%]
Fig. 15.1: Relação entre a atividade h2 e o teor do soluto 2 de uma solução binária 1-2;
coeficiente de auto-interação e22 = 0,2
2
Os coeficientes de interação dos elementos em soluções metálicas, com base no
formalismo de Wagner, que foram acumulados gradualmente durante a metade do século
passado, constituem uma importante fonte de dados e não são perdidos com este novo
formalismo.
1
Pelton,A.D.; Bale,C.W. Metall. Trans. A, 1986, vol. 17A, p. 1211-1215
2
Na língua inglesa: Unified Interaction Parameter Formalism - UIPF
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 49
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16 Funções termodinâmicas de
fases do tipo mistura
Uma análise da expressão da energia de Gibbs de uma mistura de gases ideais – que
poderá ser vista adiante – mostra que parte dela, surpreendentemente, é igual à variação da
entropia, ∆S, que se dá quando dois gases, A e B, em um único recipiente, mantidos separados
inicialmente apenas por um septo, se misturam ao ser retirada a barreira mecânica! Por este
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 50
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motivo, a determinação analítica desta variação será feita neste ponto, antecipando-se àquela
da determinação do valor de G da mistura.
Sabemos que o valor de ∆S numa transformação isotérmica depende do calor trocado
ao longo do processo, segundo:
q
∆S = rev. .
T
O valor da variação da entropia de um sistema gasoso unimolar pode ser calculado
facilmente substituindo-se, nesta expressão, o valor de qrev. trocado entre o sistema e a
vizinhança:
⎛V ⎞
∆S = R ln⎜⎜ 2 ⎟⎟ . (16.1)
⎝ V1 ⎠
Conforme já mencionado, A e B são dois gases; A tem, inicialmente, um volume VA e
B, um volume VB . Considerando-se apenas o subsistema constituído pelo gás A, pode-se
admitir que o sistema tenha inicialmente o volume
V1 = VA .
Ao final, após a retirada do septo, o volume do subsistema será idêntico à
V2 = VA + VB .
Substituindo-se estas expressões em (16.1), tem-se:
⎛ V + VB ⎞
∆S A = R ln⎜⎜ A ⎟⎟ ,
⎝ VA ⎠
⎛ VA ⎞
∆S A = − R ln⎜⎜ ⎟⎟ ,
⎝ VA + VB ⎠
ou
∆S A = − R ln (x A )
– que vem a ser a variação da entropia resultante da expansão de um mol do gás A.
Pode-se aplicar o mesmo raciocínio ao subsistema ‘gás B’.
A variação total será a soma das variações individuais. Como o sistema é unimolar,
cada uma das variações dos constituintes deverá ser ponderada pela sua fração molar no
sistema. Disso resulta que a variação total, para um mol da mistura, será:
∆S S = x A ⋅ ∆S A + xB ⋅ ∆S B .
Assim,
∆S S = − R ( x A ⋅ ln ( x A ) + xB ⋅ ln ( xB ))
– que é a variação que ocorre no valor da entropia quando há uma mudança de estado do
sistema, de dois gases separados por um septo (estado inicial), para uma mistura de dois
gases (estado final).
Genericamente,
∆S S = − R ∑ xi ln ( xi ) . (16.2)
Já foi visto que G molar de um gás ideal ‘puro’ a uma determinada temperatura e
pressão pode ser calculada por meio da expressão
⎛ P ⎞
G = G o + RT ln⎜ o ⎟ .
⎝P ⎠
A composição de uma fase mistura de dois gases A e B pode ser dada pelas frações
molares xA e xB .
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 51
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e
GB = xB GB + RT xB ln (xB ) .
o
G molar da fase mistura pode ser expressa pela soma das expressões anteriores:
G m = x AG A + RT x A ln ( x A ) + xBGB + RT xB ln ( xB )
o o
– ou, genericamente,
G m = ∑ xiGi + RT ∑ xi ln ( xi ) .
o
(16.3)
Associa-se, ao primeiro termo – conforme foi feito com o valor de G em função da
pressão –, a expressão ‘contribuição padrão’, e, ao segundo, a expressão ‘contribuição
entrópica’ – ou ‘ideal’.
Além disso, podem ser salientados, nessa equação, dois aspectos interessantes: o valor
da função G da fase mistura, numa isoterma, (i) é igual à média ponderada entre os valores
dos constituintes ‘puros’ da mistura (ii) subtraída do valor da variação da entropia (conforme
foi salientado anteriormente) decorrente da ação de se misturar os gases A e B multiplicada
pela temperatura, ou seja, subtraída de T·∆SS :
G m = ∑ xiGi − T∆S S .
o
(16.4)
A partir desta expressão pode-se calcular o valor de µA. Contudo, mais relevante é a
possibilidade de se determinar o valor de G a partir das expressões do potencial químico dos
componentes:
G = µ B − x A (µ B − µ A )
G = µ B + ( xB − 1) µ B + x A µ A
G = xB µ B + x A µ A .
Genericamente,
G = ∑ xiµ i .
Ou seja, o valor de G do sistema é obtido pela média ponderada entre os valores dos
potenciais químicos dos componentes do sistema.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 53
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Uma vez que a representação de várias fases – inclusive daquelas do tipo mistura –
num único eixo de componentes seja possível – normalmente pelo uso das espécies atômicas
– faz-se uso da condição indicada por Gibbs. Ela diz que, no equilíbrio termodinâmico, o
sistema é composto ou por uma única, ou por uma combinação de fases, tal que o valor de G
do sistema seja o mínimo (normalmente acrescida pela condição restritiva de conservação da
matéria).
Fig. 17.1 Curvas de energia de Gibbs das fases α e Líquida em função da composição, para
várias temperaturas, T1 até T5, diagramas (a) até (e), e diagrama de fases em
equilíbrio em função da temperatura e composição, (f), para o sistema A-B
Fonte: American Society for Minerals, Metals and Materials,
A Figura 17.1 mostra, de forma didática, o uso desta condição para várias
temperaturas, e o conseqüente diagrama de fases em função da temperatura, Fig. 17.1(f) daí
resultante.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 54
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Quando há mais de uma fase tomando parte do equilíbrio, pode-se ver que o potencial
químico de cada um dos componentes é o mesmo em todas as fases:
µαA = µ βA = µ γA = µ δA ...
µαB = µ βB = µ γB = µ δB ...
Se o valor mínimo de G, para sistemas binários, é facilmente determinado
graficamente, para sistemas de mais alta ordem, ao contrário, ele se revela extremamente
complexo de ser obtido. Somente esquemas baseados na matemática conseguem determinar
estados de equilíbrio nessa ordem de complexidade.
Alguns casos – mesmo para sistemas binários – são mais difíceis de serem
determinados matematicamente como, por exemplo, quando a função G de uma determinada
fase condensada apresenta mais de um ponto de mínimo – ou seja, apresenta mínimos locais –
em função da composição.
A atividade de uma fase qualquer do sistema, especialmente se ela não toma parte do
equilíbrio termodinâmico, pode ser determinada tomando-se em consideração o grau de
afastamento entre potenciais químicos.
Pode-se exemplificar isto para um sistema binário A-B, constituído pelas fases α, β e γ,
no qual apenas as fases α e β tomam parte do estado de equilíbrio.
Os potenciais químicos referidos anteriormente devem ser determinados em relação a
um mesmo componente do sistema como, por exemplo, o componente B. Além disso, a sua
determinação deve obedecer a uma restrição. No caso da fase γ, ela pode ser expressa pela
seguinte equação:
d Gγ
= µαB - µαA .
d xB
Para o estado de equilíbrio, sabe-se que
µαB = µ Bβ ,
e, que
µαB ≠ µ Bγ .
Define-se, então, força motriz da fase γ em relação à fase α, participante do estado de
equilíbrio1, com a ajuda da seguinte expressão:
µ Bγ − µαB = RT ln α γ .
A atividade da fase γ em relação à fase α pode ser calculada com a mesma expressão.
Embora calculada em relação à fase α, o resultado seria o mesmo, qualquer que fosse a fase tomada como
referência – contanto que ela estivesse tomando parte do estado de equilíbrio.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 55
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1
Note que o estado de referência para cada uma das misturas, em relação ao componente C, pode não ser o
mesmo.
Termodinâmica para processos da pirometalurgia 56
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