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Implantação de um sistema de avaliação de

desempenho: métodos e estratégias

Gardênia Abbad de Otlvelre-Cestro


Geny Bárbara do Carmo Lima
Maria Raimunda Mendes da Veiga

Neste trabalho descreve-se as diversas etapas de construção e im- Este trabalho foi apresentado no 11Fórum de
plantação de um modelo de avaliação de desempenho em um órgão da Debates sobre Avaliação de Desempenho,
Administração Pública Federal e discute-se sua aplicabilidade a outras organizado pela Associação Brasileira de Recursos
organizações. Humanos - Seccional DF, realizado em setembro
Implantar sistemas de avaliação de desempenho em ambientes de 1995.
organizacionais tem sido um grande desafio para os profissionais da
Recebido em março/96
área de recursos humanos, mesmo nos países em que há farta produção
científica e tecnológica disponível (conforme Abbad-OC, 1994). No Brasil,
considerando a escassez de publicações sobre o tema, o desafio torna-
se maior, especialmente quando se examina o artigo de Grillo (1982),
uma das poucas edições existentes, que analisa criteriosamente a expe-
riência brasileira com avaliação de desempenho na administração públi-
ca e observa que as duas últimas estudadas por ele fracassaram total-
mente. Tal situação deveu-se, segundo o autor, a inúmeros fatores, como
a associação direta entre avaliação e promoção funcional, a padroniza- Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Doutoranda em
Psicologia na Universidade de Brasília, é
ção e a centralização dos procedimentos, a falta de participação do
Professora Assistente no Departamento de
avaliado no processo avaliativo, o despreparo das chefias para lidar com
Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de
avaliação e transitoriedade das chefias, entre outros.
Psicologia da Universidade de Brasília.
Ao implantarem sistemas de avaliação de desempenho, confronta- Fax: (061) 273-8259
dos pela constatação do fracasso como regra e do sucesso como exce- E·mail: gardenia@guarany.cpd.unb.br
ção, os profissionais de recursos humanos do órgão que sedia a experi-
ência relatada neste artigo procuraram construir um sistema que con- Geny Bárbara do Carmo Lima, Licenciada em
templasse as recomendações da literatura, desde o respeito à cultura da Letras pela Universidade Federal de Goiás, é
organização, passando pela escolha das técnicas de desenvolvimento Diretora da Secretaria de Recursos Humanos do
dos instrumentos, de preparação dos avaliadores e de adequada utiliza- Superior Tribunal de Justiça.
ção dos resultados, até as estratégias de implementação e as ações de Fax: (061) 225-2564
manutenção.
Maria Raimunda Mendes da Veiga, Licenciada em
Um modelo de avaliação de desempenho, para ser bem-sucedido,
Pedagogia pela Associação de Ensino Unificado do
deve respeitar as características culturais da organização que o adota.
Distrito Federal com especialização em
Infelizmente, no Brasil é corrente a reprodução de modelos, talvez devi- Administração de Recursos Humanos pela
do à anunciada escassez de produção científica e tecnológica na área. "- Fundação Getúlio Vargas, é Diretora da
Mesmo os modelos mais avançados podem fracassar se as práticas . Subsecretaria de Desenvolvimento de Recursos
informais de avaliação forem inadequadas. Os sentimentos de injus- Humanos do Superior Tribunal de Justiça.
tiça e iniqüidade, por exemplo, são muito freqüentes nas culturas de Fax: (061) 225-2564

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IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: MÉTODOS E ESTRATÉGIAS

leniência. Nesses casos, o competente, o indiferente, o tipo depende fundamentalmente da forma como são im-
descomprometido e o incompetente, todos, sem distin- plantados. Sugere que os técnicos em recursos humanos,
ção, recebem avaliações máximas. Tais aspectos podem como procedimento inicial, analisem as práticas de ava-
resultar em desmotivação e redução da produtividade, liação utilizadas em outras organizações e conheçam a
principalmente dos trabalhadores mais efiõientes e mais opinião das chefias sobre o sistema em vigor e as expec-
comprometidos com a organização. A prática da leniência tativas dos trabalhadores com relação ao novo sistema.
ou superavaliação,' bastante comum no serviço público, Essa investigação empírica fornece importantes informa-
pode ser muito danosa e prejudicial à organização como ções sobre a cultura da organização estudada, facilitando
um todo, devendo-se, portanto, eliminá-la ou minimizar o planejamento de ações de sensibilização para mudan-
a influência que exerce sobre as avaliações de desem- ças de atitude relacionadas à avaliação de desempenho.
penho. Nesse sentido, a implantação de um sistema de ava-
Um modelo, para ser justo, deve se preocupar em liação requer também o comprometimento de chefias e
identificar e eliminar os fatores geradores das práticas de demais trabalhadores com as novas práticas de avaliação,
leniência. As chefias, sob a influência das pressões cultu- a divulgação do novo modelo, o treinamento cuidadoso
rais, praticam a superavaliação, contribuindo dessa for- dos avaliadores e o aumento da participação dos atores
ma para a sua perpetuação. Nesses casos, é preciso eli- (avaliadores e avaliados) em todas as fases de implanta-
minar o problema mediante a sensibilização das chefias ção e em todas as etapas do processo avaliativo. Tais
da organização para os efeitos danosos de tais práticas, recomendações técnicas, no entanto, nem sempre. são se-
principalmente sobre o comportamento de trabalhadores guidas por profissionais de recursos humanos que desejam
mais empenhados e competentes. implantar sistemas de avaliação às pressas, em curtíssimo
Os sistemas de avaliação devem ser justos e impar- espaço de tempo. A implantação de sistemas de avaliação,
ciais, baseados em padrões de desempenho atingíveis, ao contrário do que possa parecer, é processo lento e en-
objetivos e claros, apoiados na realidade dos cárgos ou volve mudança gradual de hábitos culturais.
postos de trabalho. Para tal, é necessário pesquisar os Outro requisito a ser observado para a eficácia do sis-
padrões desejáveis de desempenho junto aos ocupantes tema, de cunho eminentemente ético, relaciona-se à atri-
dos cargos e às respectivas chefias. buição de responsabilidades pelo mau desempenho. Um
É preciso evitar o risco de construir instrumentos ba- trabalhador não deveria, apribristicamente, ser o único
seados unicamente em traços de personalidade (iniciati- responsável por problemas de desempenho, os quais
va, urbanidade etc.), mais suscetíveis a erros de avaliação podem não se dever a características pessoais do avalia-
do que fatores relativos à produtividade ou à qualidade do do (habilidades, atitudes, personalidade, escolaridade,
trabalho. Os fatores de avaliação devem ser claramente sexo, idade, aparência física), mas a deficiências do su-
definidos e os instrumentos exemplificarem ações porte organizacional. No último caso, responsabilizar o
observáveis, de maneira que possam servir como indica- trabalhador pelo problema é plantar nele sentimento de
dores de desempenho e referenciais seguros para atribui- injustiça e semente da qual poderá brotar indiferença ou
ção de escores. boicote à avaliação de desempenho.
Idealmente, um modelo de avaliação deve também tra- Deve-se evitar, por outro lado, a subutilização dos re-
zer benefícios para todos os seus usuários. Às chefias, sultados das avaliações de desempenho. Muitas organi-
deve fornecer informações técnicas e procedimentos zações ignoram esses resultados: falta programação ou
facilitadores de planejamento, coordenação e avaliação mesmo execução de quaisquer ações para dar conse-
das atividades sob sua responsabilidade; aos demais, deve qüência às valiosas informações obtidas. O bom desem-
oportunizar condições propícias à identificação de pon- penho não é recompensado, reconhecido ou valorizado.
tos fortes e fracos do seu próprio desempenho e à melhoria O mau desempenho não é identificado ou inexistem da-
dos seus níveis de eficácia e qualidade de vida no traba- dos disponíveis sobre suas possíveis causas. Para o ava-
lho, durante todo o processo de acompanhamento e auto- liador, além de pouco útil, freqüentemente a avaliação
avaliação. À área de recursos humanos do órgão, a ava- atrapalha o andamento normal do seu trabalho ou trans-
liação deve oferecer informações sistemáticas que subsi- forma-se em enfadonho preenchimento de formulários,
diem o planejamento de programas de desenvolvimento os quais provavelmente serão arquivados e esquecidos. O
de recursos humanos e a validação dos procedimentos de fracasso, nesses casos, é quase certo.
seleção de pessoal. Dessa forma, para guardar coerência com o exposto,
O sucesso de sistemas de avaliação de desempenho torna-se necessário transmutar os sistemas avaliativos em
depende ainda de múltiplos fatores, entre os quais a qua- instrumentos úteis para todos os seus usuários, com o
lidade das estratégias de implantação utilizadas. Para objetivo de transformá-los em ferramentas de prevenção,
Cocheau (1986), por exemplo, o sucesso de sistemas desse identificação e resolução de problemas.

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Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Bárbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes aa Veiga
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Com base nos princípios de objetividade, justiça e na qual a avaliação se voltava predominantemente para a
utilidade encontrados nas recomendações técnicas cons- aferição do desempenho de tarefas. Identificaram-se tam-
tantes da literatura especializada em avaliação de desem- bém algumas práticas de auto-avaliação e, em todos os
penho e nos resultados de pesquisas de campo, definiu- casos, o uso dos resultados da avaliação de desempenho
se a metodologia de desenvolvimento do sistema de ava- para subsidiar programas de desenvolvimento de recur-
liação de desempenho objeto desta apresentação. sos humanos.
Assim, relata-se as diversas etapas de construção e Paralelamente à pesquisa de campo verificou-se, em
validação desses procedimentos avaliativos. Para facilitar âmbito interno, quando da realização de treinamento para
a descrição da experiência, dividiu-se o texto em quatro chefias, alta motivação para vivenciar novas experiências
partes: antecedentes, o modelo de avaliação, etapas do em avaliação de desempenho, observando-se inclusive a
desenvolvimento do sistema de avaliação de desempe- existência de práticas informais de comunicação de resul-
nho e considerações finais. Na primeira seção são apre- tados e de auto-avaliação.
sentados antecedentes históricos e principais resultados A partir desse diagnóstico, decidiu-se construir novo
de pesquisas que subsidiaram a escolha do modelo de sistema de avaliação de desempenho para a instituição,
avaliação. Na segunda, apresenta-se o modelo de avalia- apoiado no tripé objetividade, justiça e utilidade.
ção com seus pressupostos teóricos e metodológicos,
objetivos, principais características e componentes. Na o MODELO DE AVALIAÇÃO
terceira parte relata-se sucintamente a experiência de
construção e de implantação dos procedimentos de ava- O sistema de avaliação de desempenho apresentado
liação de desempenho no referido órgão. Finalizando, neste texto foi criado com o intuito de:
são apresentados vários comentários sobre limites, • valorizar o desempenho eficaz e identificar os proble-
potencialidades da sistemática de avaliação adotada e sua mas e as discrepâncias no desempenho;
inserção na organização como subsistema de atividades • identificar as necessidades de treinamento de pessoal;
de desenvolvimento de recursos humanos, bem como • identificar e remover os obstáculos e as restrições organi-
recomendações para aprimorar as estratégias de constru- zacionais ao desempenho eficaz;
ção e implantação de modelos avaliativos similares ao • validar os procedimentos de seleção, acompanhamen-
proposto por este estudo. to, movimentação e colocação de pessoal;
• promover e aperfeiçoar programas e políticas de de-
ANTECEDENTES senvolvimento de recursos humanos;
• aprimorar as condições de trabalho e melhorar a quali-
A organização pesquisada instituiu a prática da avalia- dade de vida no trabalho;
ção de desempenho em 1979, com o escopo de subsi- • subsidiar a aferição de mérito.
diar a promoção. A avaliação era realizada por meio de
instrumento que se compunha de escala ancorada, O modelo foi construído com base no pressuposto de
centrada em fatores com definição pouco objetiva, e itens que, para fazer-se avaliações objetivas, livres de erros,
não-relacionados com desempenho, como escolaridade, justas e válidas, se deve analisar e emitir julgamentos,
forma de ingresso no serviço público e tempo de serviço. principalmente com relação à qualidade e à produtivida-
A sistemática então implantada foi revista três anos de- de demonstradas pelo avaliado no desempenho das tare-
pois, tornando a ficha de avaliação mais precisa, embora fas inere~es ao seu cargo ou posto de trabalho. Nesse
ainda centrada em fatores de personalidade. sentido, seria preciso que os instrumentos de avaliação
Com a criação da área de recursos humanos, no ano contivessem descrições objetivas de comportamentos
de 1991, promoveu-se ampla análise e discussão sobre a referentes às tarefas mais relevantes executadas pelo
sistemática de avaliação então em vigor, concluindo-se servidor.
pela necessidade de mudança. O modelo vigente não A utilização de um modelo baseado principalmente
possibilitava sua utilização como instrumento gerencial, no julgamento da proficiência do trabalhador na execu-
os resultados eram sigilosos e predominava a leniência ção das tarefas que lhe são atribuídas levaria a avaliações
no processo de avaliação. de desempenho mais precisas e de maior valor diagnósti-
A partir dessas informações, passou-se a uma pesqui- co. Esta postura é apresentada como alternativa aos
sa de campo, visando confrontar a prática interna com a modelos baseados em fatores ligados a características
experiência de outras organizações. Foram pesquisados pessoais ~u traços de personalidade do avaliado,
dois órgãos da administração direta, uma fundação e duas visto que a literatura especializada demonstra tais crité-
organizações bancárias. Constatou-se ampla utilização de rios como nem sempre adequados para se aferir a com-
escalas gráficas, com registro de apenas uma experiência petência de um trabalhador. O uso de modelos desse tipo

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IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: MÉTODOS E ESTRATÉGIAS

pode, inclusive, aumentar a ocorrência de erros de ava- específicos para os diversos tipos de trabalho executados
liaçãe, causar a insatisfação dos servidores e acarretar o em uma organização. Alewine (1982), Barrett & Kerman
fracasso do sistema de avaliação, reduzindo como conse- (1937) e Oliver (1985), por exemplo, são defensores des-
qüência os níveis de produtividade organizacional. sa postura técnica.
Sob essa parspectiva, o desempenho das atividades Acresça-se ainda o fato de os padrões científicos re-
inerentes a um cargo é constituído por diversos níveis ou guladores da qualidade dos instrumentos de avaliação
dimensões e não deve ser avaliado de acordo com fatores pressuporem que, antes de aplicados, sejam submetidos
globalizantes, ou seja, por meio de dimensões ou cons- a processo de validação, o qual garantirá a inclusão de
tructos teóricos relativos apenas a padrões gerais de com- amostras representativas dos fatores ou das dimensões
portamento. de desempenho para cada cargo ou posto de trabalho
Para que os resultados da avaliação de desempenho em seu conteúdo e possibilitará a realização de distinções
sejam úteis para avaliador, avaliado e organização como claras entre desempenho adequado e inadequado. Por
um todo, devem possibilitar a identificação de habilidades tais motivos, os instrumentos de avaliação foram desen-
específicas a serem aprimoradas ou adquiridas pelo ava- volvidos através de exaustiva pesquisa empírica, na qual
liado e a promoção de melhoria da qualidade -de vida no foram coletados dados referentes aos incidentes críticos
trabalho. Desse modo, parece desejável identificar quantos representativos de desempenho eficaz e ineficaz para to-
e quais são os servidores que apresentam dificuldades para dos os cargos do órgão (para maiores detalhes sobre cons-
executar atividades típicas do seu cargo. Tal diagnóstico trução de escalas de avaliação, consultar, entre outros,
permite a eliminação do problema por meio de progra- Bernardin, 1977; Bernardin & Smith, 1981; Borman &
mas de desenvolvimento de pessoal disponíveis na orga- Dunnette, 1975; Hom et alH, 1982; Dickinson &
nização, dentre os quais treinamento formal ou treino Zellinger, 1980; Campbellet alii, 1973; Ivancevich, 1980;
informal em serviço. Já a identificação de problemas re- Kingstrom & Bass, 1981; Latham Fay & Saari, 1979;
lacionados a características de personalidade do avaliado Latham & Wexley, 1981; Pasquali & Raiser, 1985;
na maioria das vezes não tem sido útil para aumentar a Rosinger et alii, 1982).
eficiência e a eficácia organizacionais. De mais a mais, a Os formulários já referidos contêm, além dos direta-
literatura especializada em avaliação de desempenho tem mente relacionados às atividades típicas dos cargos, ou-
demonstrado que, além de dificultar a identificação de tros itens concernentes a padrões gerais de desempe-
problemas de desempenho das tarefas, esse tipo de ava- nho, os quais revelam critérios organizacionais que
liação baseada em traços de personalidade aumenta a extrapolam os limites da avaliação de desempenho nos
probabilidade da ocorrência de erros de avaliação, como cargos. Tais padrões de desempenho representam fato-
superavaliação ou leniência, tendência central e halo (para res como relacionamento interpessoal, comprometimen-
maiores detalhes, ver Borman & Dunnette, 1975; to com o trabalho e com o órgão e zelo com materiais e
lvancevich, 1980; Kingstrom & Bass, 1981; Latham & equipamentos, configurando o denominado por alguns
Wexley, 1981). autores de desempenho contextual e relacional (Borman,
No modelo ora apresentado os servidores são avalia- White & Dorsey, 1995). Os fatores gerais e seus itens
dos por meio de formulários específicos preenchidos para componentes foram definidos de forma objetiva e muito
cada cargo ou posto de trabalho. Quanto a este ponto, a clara, a exemplo do realizado com fatores especificos. A
literatura especializada indica que instrumentos de avalia- técnica de construção dos instrumentos de avaliação e
ção desenvolvidos para grupos ou famílias de cargos são sua forma final assemelham-se às de Escalas de Observa-
imprecisos, pouco válidos e pouco úteis no diagnóstico ção Comportamental e Escalas de Expectativas Comporta-
de problemas e no planejamento de ações de desenvolvi- mentais, também denominadas Escalas Ancoradas em
mento de recursos humanos. A escolha de formulários Comportamento, internacionalmente conhecidas por BOS,
específicos para cada cargo deveu-se também ao pressu- BES ou BARS (para maiores detalhes, ver Abbad-OC,
posto segundo o qual cada conjunto de atividades com- 1994).
ponentes de um cargo apresenta características específi- O modelo ora apresentado envolve dois tipos de ava-
cas, tornando-o distinto de qualquer outro, seja em ter- liação: a hetero e a auto-avaliação. Na auto-avaliação, o
mos da natureza, do grau de complexidade e/ou respon- próprio servidor afere seus níveis de desempenho, regis-
sabilidade ou do contexto em que esse desempenho ocor- trando-os para subsidiar as entrevistas com a chefia. Na
re. Além disso, há fortes evidências empíricas indicando hetero-avaliação, a chefia imediata do avaliado é respon-
que padrões de desempenho eficaz diferem de acordo sável pela atri~uição de escores em cada item ou inciden-
com a natureza e o grau de complexidade das atividades te constante do instrumento de avaliação. Para tanto, o
componentes do cargo ou posto de trabalho. Assim, tor- avaliador escolhe, em uma escala de cinco pontos, qual a
na-se necessário desenvolver instrumentos de medida pontuação que melhor caracteriza o desempenho apre-

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Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Bárbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes da Veiga

sentado pelo servidor durante o período de avaliação. O nasse mero preenchimento de formulários, criou-se um
chefe imediato, por estar na maioria das vezes mais pró- processo de acompanhamento de desempenho, por
ximo do servidor avaliado, detém melhores condições, meio de entrevistas periódicas entre avaliadores e ava-
pelo menos teoricamente, de observar os produtos, os liados. Nessas entrevistas a dupla poderia discutir even-
resultados e os passos seguidos pelo servidor na execu- tuais problemas de desempenho ocorridos durante o
ção das tarefas. período observado e, conjuntamente, ações para eli-
A literatura especializada demonstra evidências que minar ou minimizar o impacto negativo de fatores orga-
indicam ser, o chefe, quando bem-treinado, o avaliador nizacionais sobre os níveis de desempenho do avalia-
mais eficiente ao utilizar escalas baseadas em comporta- do. A discussão de resultados parciais de avaliação
mento e se tiver oportunidade de, com freqüência, obser- obtidos nas entrevistas é documentada e devidamente
var o desempenho do avaliado. Borman, White & Dorsey assinada por ambos, chefe imediato e servidor avalia-
(1995), por exemplo, relatam que avaliações feitas por do. Com base nesses registros de acompanhamento,
pares ou colegas sofrem maior impacto do temperamen- no final de cada interstício de seis meses, são produzi-
to do avaliado do que de fatores relativos à proficiência das as avaliações finais. Os resultados das hetero e
do mesmo na execução das tarefas, se comparadas com auto-avaliações são encaminhados à área de recursos
as avaliações feitas pelas chefias. humanos semestralmente.
Observar o desempenho, portanto, parece condição Tais procedimentos visam, entre outros objetivos, ga-
necessária, embora não-suficiente, à formulação de jul- rantir que as avaliações não sejam feitas apenas com base
gamentos válidos e precisos. Quando há pouca interação em dados provenientes da memória, os quais muitas ve-
entre avaliador e avaliado, é mais provável que avaliações zes ocasionam distorções nos resultados. O objetivo prin-
tendenciosas baseadas em impressões gerais, simpatias e cipal, no entanto, é garantir que o processo avaliativo
antipatias pessoais ocorram, afetando negativamente os produza melhoria no desempenho e na qualidade de vida
resultados das avaliações de desempenho. Quanto à im- no trabalho, meta difícilde ser alcançada sem o auxílio de
portância da familiaridade do avaliador com as tarefas procedimentos sistemáticos e longitudinais de discussão
executadas pelo avaliado, Koslowski & Kirsch (1987), de problemas de desempenho e busca intencional, objeti-
por exemplo, observam que avaliações procedidas por va e viável para solucioná-los.
avaliadores que conhecem bem as tarefas do avaliado Dessa forma, o modelo de avaliação deve também
são mais precisas, apresentando pouco erro de halo (para incluir uma ficha para levantamento e resolução de pro-
maiores detalhes sobre erro de halo, consultar Abbad- blemas de desempenho.
OC, 1994). Pelas razões apontadas, o chefe imediato, Ao final de cada interstício de avaliação, ambos -
que tem oportunidade de observar com freqüência o de- chefe e -servidor avaliado - devem aferir o desempe-
sempenho do avaliado e conhece bem as tarefas e os nho e apor seu julgamento nas escalas de observação
padrões de qualidade e produtividade a elas associados, comportamental constantes dos instrumentos de ava-
é considerado o avaliador mais adequado para ambien- liação de desempenho, encaminhando-os à área de
tes organizacionais. recursos humanos juntamente com a Ficha de Levan-
Segundo Miner (1988), um dos maiores problemas tamento e Resolução de Problemas (FILE), conforme
enfrentados pelas organizações com relação a sistemas calendário previamente estabelecido. Essa ficha foi
de avaliação refere-se à falta de comunicação entre ava- desenvolvida objetivando sistematizar o diagnóstico e
liadores e avaliados. O sucesso de procedimentos o planejamento de ações para eliminar discrepâncias
avaliativos depende, segundo o autor, da qualidade e da de desempenho durante o transcurso do interstício de
quantidade dos contatos mantidos entre avaliador e ava- avaliação.
liado durante o interstício de avaliação. Cabe à dupla - superior imediato e avaliado - iden-
O modelo prescreve a realização de entrevistas entre tificar discrepâncias de desempenho apresentadas pelo
chefia e servidor avaliado com o intuito de garantir espa- servidor avaliado, bem como localizar e tentar transpor
ço organizacional para discussão franca e aberta de pro- obstáculos ou eliminar dificuldades enfrentadas para exe-
blemas de desempenho e tornar os encontros entre ava- cutar as tarefas inerentes ao seu cargo. Tais obstáculos
liador e avaliado mais freqüentes, sistemáticos, rotineiros podem estar relacionados, por exemplo, à falta de mate-
e eficazes. Tais entrevistas são vitais para o sucesso do riais e/ou equipamentos, à inadequação do ambiente físi-
processo avaliativo, urna vez que os escores finais de ava- co ou do local de trabalho, à falta de informações sobre
liação são obtidos mediante consenso entre chefia e ser- objetivos, a~ padrões e/ou normas de desempenho, à
vidor avaliado. sobrecarga e/ou à sobreposição de tarefas, aos prazos
Para garantir que o processo avaliativo ocorresse irrealísticos para execução das tarefas, às contingências
durante todo o interstício de avaliação e não se tor- aversivas ao desempenho satisfatório, entre outros fato-

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IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO. MÉTODOS E ESTRATÉGIA

res característicos do contexto específico do suporte


ambiental (físico, social e gerencial). (Borges-Andrade, 1994; Bastos, 1994; Dias & Moraes,
Uma vez analisados esses fatores, chefia e servidor 1994) e levantamento de necessidades e avaliação de trei-
avaliado terão melhores condições de verificar se um namento (Alves& Tamayo, 1993; Borges-Andrade, 1982)
problema de desempenho pode ser eliminado com vêm investigando cada vez mais intensamente o impacto
ações gerenciais diretas sobre o repertório de habili- de variáveis contextuais sobre o comportamento dos in-
dades do servidor e/ou mediante a exclusão de obstá- divíduos em ambientes organizacionais. Essa postura
culos organizacionais. metodológica predomina nas diferentes linhas de pesqui-
Prática ainda muito difundida constitui se atribuir o sa que caracterizam disciplinas que estudam o comporta-
problema de desempenho à falta de habilidade ou moti- mento organizacional. Na produção de tecnologias de
vação do trabalhador, indicando-se treinamentos para eli- avaliação de desempenho, portanto, não deve ser dife-
rente.
minar quaisquer tipos de discrepâncias. No entanto, trei-
namento nem sempre é a solução; não é indicado, por Na figura 1 apresenta-se, de forma esquemática, par-
exemplo, se o problema é causado por fatores organiza- te do modelo teórico que embasou a construção dos pro-
cionais. Treinamento é um instrumento eficiente e eficaz cedimentos de diagnóstico e resolução de problemas de
desempenho.
apenas quando o problema é gerado por falta 'ou defici-
ência de habilidades e, em alguns casos, desmotivação Segundo esse modelo, desempenho é função de múl-
do servidor. Assim, para que discrepâncias sejam adequa- tiplas variáveis, o que torna necessária a ampliação da
damente diagnosticadas, é importante verificar quais as busca de fontes de problemas de desempenho. Avaliador
restrições impostas pelo ambiente de trabalho ao desem- e avaliado devem investigar a influência de cada fator
penho satisfatório. interveniente, identificando sua natureza e em que nível
se encontra.
Falta de habilidade para executar tarefas pode ser
identificada com maior precisão se eliminadas 'as restri- A avaliação de desempenho, dentro desse contex-
ções ambientais intervenientes ao desempenho do traba- to teórico, requer que o avaliador esteja preparado para
lhador. Tais fatores podem pertencer a vários níveis de observar comportamentos do avaliado, extrair amos-
análise, desde os mais abrangentes, como o extra-organi- tras representativas de desempenho, identificar discre-
zacional (situação econômica do país, oferta de mão- pâncias e buscar suas possíveis causas, levando em
de-obra, oferta de empregos, legislação trabalhista e si- conta diferentes tipos de variáveis e níveis de análise,
milares) e o organizacional (clima e cultura organiza- assim como para equacionar problemas, solucionan-
cionais, políticas e práticas de administração, desenvolvi- do-os ou encaminhando-os às áreas competentes. Por
mento de recursos humanos, políticas e práticas de bene- esse motivo, as chefias receberam treinamento, no qual
fícios, imagem da organização na sociedade, sistema de foram sensibilizadas e estimuladas a mudar de atitude
promoções funcionais e similares), até os mais específi- em face da avaliação de desempenho, aprendendo e
cos, como os níveis representados pelo ambiente de exercitando comportamentos e posturas gerenciais
tarefas (características e escopo do trabalho, tipo de re- necessários à condução das diferentes fases do pro-
cesso avaliativo.
lacionamento interpessoal do grupo funcional, qualidade
da comunicação com as chefias, adequação do ambiente O treinamento não se limitou a ensinar o avaliador a
físico e similares) e pelas características do trabalha- evitar erros psicométricos (como o halo e a leniência) ou
dor (personalidade, habilidades, conhecimentos, atitude, a manusear instrumentos e aplicar normas de avaliação.
idade, sexo, escolaridade, motivações, estilo CE:Jgnitivo, Segundo Borman (1979), esse tipo de treinamento tem
aparência pessoal e similares). fracassado na redução de erros avaliativos, podendo mes-
Deve-se, pois, analisar a influência exercida pelo con- mo exacerbá-los em alguns casos, ocasionando inclusive
texto organizacional (estímulos e fenômenos que circun- diminuição na precisão das avaliações. O treinamento
dam indivíduos e grupos funcionais) sobre o comporta- consistiu de vários conteúdos selecionados especialmen-
mento dos trabalhadores, com base nos níveis de análise te para atender ao novo e importante papel a ser exerci-
aos quais pertençam os componentes e os fatores estu- do pelo avaliador no processo avaliativo, os quais serão
mencionados adiante.
dados. Para Mowday & Sutton (1993), por exemplo, a
compreensão sobre comportamento humano em ambi- Resultados parciais e finais das avaliações são utiliza-
entes organizacionais aumentará à medida que pesquisa- dos pela organização para melhorar seus níveis de de-
dores e profissionais da área devotarem maior atenção às sempenho. A. área de recursos humanos exerce, nesse
interações recíprocas existentes entre indivíduos, grupos contexto, o importante papel de acompanhar e assistir
e contextos organizacionais. Pesquisadores das áreas de avaliadores e avaliados na resolução dos problemas de
comprometimento do trabalhador com a organização desempenho, tentando garantir a implementação das
ações necessárias para tanto.

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Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Bárbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes da Veiga
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Os escores finais obtidos pelos avaliados são calcula- ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA DE
dos pela área de recursos humanos, por meio de progra- AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO
ma de computador, e os resultados finais apresentados
em forma de relatórios descritivos, contendo escores A construção do sistema de avaliação aqui relatado
avaliativos, fatores organizacionais intervenientes ao de- partiu de ,estudo minucioso dos padrões de desempenho
sempenho e resultados das ações implementadas para associados a todos os cargos do órgão pesquisado e foi
eliminá-los. realizada em diversas etapas, envolvendo desde pesquisa
O sucesso de um sistema de avaliação de desempe- de opinião sobre o sistema de avaliação existente na or-
nho não depende apenas do esforço feito pelos profissio- ganização por ocasião do início dos trabalhos, até pesqui-
nais de recursos humanos para desenvolver procedimen- sa de campo para identificar modelos utilizados por ou-
tos avaliativos de alta qualidade técnica. Muitas variáveis tras organizações sediadas no Distrito Federal. A seguir
do ambiente organizacional podem afetar negativamente apresenta-se de forma sucinta as principais etapas de im-
os resultados das avaliações, entre as quais o nível de plantação do modelo de avaliação de desempenho.
resistência à mudança presente na cultura e as estraté-
gias de definição dos padrões de desempenho. A seguir Pesquisa de opinião
serão apresentadas as principais etapas de construção do
modelo de avaliação e as medidas tomadas pelos profis- A primeira etapa consistiu na realização de pesquisa
sionais de recursos humanos para perceber e mudar ati- interna, abrangendo amostra de cerca de 10% dos servi-
tudes e práticas culturais consideradas prejudiciais à im- dores, escolhidos semi-aleatoriamente, observado o re-
plantação dos novos procedimentos de avaliação. quisito de representatividade de todas as categorias funcio-

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IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: MÉTODOS E ESTRATÉGIAS

nais e unidades organizacionais. Por meio de um instru- sos humanos promoveu palestras em que foram apre-
mento composto por 16 questões - 11 objetivas (fecha- sentadas as fases do desenvolvimento do sistema e
das) e 5 subjetivas (abertas) - procurou-se obter infor- explicitado o papel a ser desempenhado por chefias e
mações acerca de: nível de conhecimento do sistema em demais funcionários. Foram também relatados os resulta-
vigor; comunicação de resultados; utilidade da avaliação; dos da pesquisa de opinião realizada na etapa anterior.
justiça; nível de receptividade com relação ao processo
avaliativo; expectativas quanto às mudanças no sistema Construção e validação dos instrumentos de
de avaliação; sugestões para o novo sistema. avaliação
No gráfico abaixo são apresentados alguns resultados
dessa pesquisa. Cerca de 40% dos pesquisados afirma- Nessa etapa foi realizado o levantamento dos indica-
ram haver sido informados sobre os resultados de sua dores ou incidentes de desempenho junto a amostra com-
avaliação e, entre estes, somente 30% que a avaliação posta por 350 pessoas (22% do total de servidores do
propiciou melhoria nas suas condições de trabalho. Ou- órgão), subdividida em 30 turmas. A referida amostra foi
tro dado revelado pela pesquisa refere-se à prática da selecionada com o escopo de envolver representantes de
leniência, tomada como injustiça por quase todos os en- todos os postos de trabalho, além das chefias das diver-
trevistados (acima de 90%). Registre-se, como dado rele- sas áreas da instituição. Outro requisito observado foi que
vante, que a quase totalidade da amostra respondeu gos- o funcionário tivesse experiência de pelo menos seis me-
tar de ter seu desempenho avaliado por sentir, dessa for- ses nas atividades inerentes a cada posto de trabalho e, a
ma, que pode melhorar sua atuação profissional. Tal re- chefia, supervisão de tais atividades pelo mesmo período,
sultado corrobora o obtido por Lima, Guimarães & Hanna superior a seis meses. Selecionada a amostra, chefes e
(1986), contradizendo a crença de Bergamini (1983) de funcionários foram organizados em grupos, observando-
que as pessoas, de forma geral, têm aversão natural à se critérios de similaridade e interdependência de ativida-
tarefa de julgar o desempenho de outros. des (por exemplo: orçamento e finanças e auditoria inter-
na) e buscando-se, ainda, assegurar a homogeneidade
Sensibilização das chefias dos grupos quanto ao grau de utilização de padrões de
desempenho de forma explícita.
Com o objetivo de conscientizar os gerentes sobre a O levantamento dos indicadores de desempenho foi
importância da avaliação de desempenho como instru- realizado empregando-se uma variante da técnica dos in-
mento gerencial e de crescimento do servidor e de garan- cidentes críticos, adaptada às características da amostra.
tir a cooperação de todos os envolvidos, a área de recur- A técnica de coleta de dados inspirou-se principalmente

Revista de Administração, São Paulo v.31, n.3, p.38-52, julho/setembro 1996 45


Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Barbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes da Veiga
T
nos procedimentos propostos por Campbellet alii (1973), Com o objetivo de verificar se os incidentes coletados
Latham, Fay & Saari (1979) e Pasquali & Raiser (1985). eram ilustrativos ou não do fator ou da dimensão em que
Nas reuniões para coleta de dados, solicitou-se que os originariamente foram categorizados, realizaram-se dez
integrantes dos grupos descrevessem incidentes (ocorrên- reuniões com grupos mistos de chefias (gerentes e
cias, eventos, fatos ou episódios) vivenciados e/ou obser- supervisores) e funcionários, com número de participan-
vados em determinado posto de trabalho nos últimos seis tes que variava de acordo com a área ou o cargo (de três
meses. Para cada incidente lembrado, o participante de- a dez servidores para um gerente).
veria descrever objetivamente: o comportamento obser- O método de validação de conteúdo utilizado consis-
vado, evitando se referir à intenção do servidor envolvido tiu em os participantes correlacionarem incidentes de de-
no incidente ou mencionar suas impressões pessoais so- sempenho, aleatoriamente listados, com fatores previa-
bre ele; as circunstâncias (situações ou condições) nas quais mente conceituados. Um incidente só foi incluído como
o incidente ocorreu; as conseqüências do incidente rela- componente de um fator se alcançado o mínimo de 80%
tado, ou seja, qual o impacto do comportamento desse de concordância entre os avaliadores ao considerarem
servidor no seu próprio desempenho e no da unidade. que era representativo daquele fator. Para ilustrar tal as-
Cada participante relatou dez incidentes, a metade pecto, no quadro a seguir apresenta-se como exemplo
deles versando sobre comportamentos eficazes, pro- parte de um fator denominado Qualidade dos Servi-
dutivos, competentes e desejáveis; a outra metade, ços para o cargo de Analista de Sistemas e alguns
sobre comportamentos ineficazes e indesejáveis. Após incidentes comportamentais positivos e negativos a ele
a coleta, passou-se à organização dos dados relativos associados, resultantes do processo de validação de con-
a cada posto de trabalho, de acordo com os seguintes teúdo. É importante ressaltar que a terminologia adotada
passos: para descrever os incidentes comportamentais relaciona-
• análise do conteúdo dos indicadores, buscando elimi- dos conserva as características da linguagem técnica ado-
nar redundâncias e aprimorar a redação da descrição; tada pelos ocupantes da categoria funcional para a qual o
• identificação e conceituação dos fatores de desempe- instrumento foi desenvolvido.
nho subjacentes aos incidentes coletados;
• agrupamento dos incidentes por fatores identificados
de forma que cada conjunto de descrições comporta-
mentais fosse ilustrativo de apenas um fator;
• definição operacional dos fatores.

Após a organização de incidentes e fatores especifi-


cos de cada posto de trabalho, procedeu-se à identifica-
ção dos fatores comuns a todos os cargos da instituição
como, por exemplo, zelo com material e equipamento;
comprometimento com o trabalho e relacionamento
interpessoal.
A seguir foram produzidas minutas de fichas de ava-
liação, contendo apenas descrições de comportamentos
eficazes e ineficazes, distribuídas aleatoriamente no ins-
trumento.
Foram realizados, então, os procedimentos de valida-
ção semântica e de conteúdo em reuniões com funcioná-
rios e chefias para a apresentação das minutas dos instru-
mentos de avaliação anteriormente produzidas. Foi-lhes
solicitado que analisassem os incidentes dé desempenho
a fim de incluir novos ou excluir aqueles irrelevantes e De posse desses resultados, procedeu-se à elaboração
verificassem a fidedignidade e a representatividade para das fichas de avaliação de desempenho funcional em sua
o posto de trabalho, bem como a clareza da redação, forma final. Foram produzidas, ao todo, aproximadamente
corrigindo-a quando necessário. 70 fichas de avaliação contendo em média 40 incidentes
A partir das informações obtidas, realizaram-se as in- de desempenho cada uma, de modo que para cada posto
clusões e/ou exclusões consideradas necessárias, proce- de trabalho-houvesse uma ficha específica, com amostras
dendo-se também às adequações semânticas propostas representativas de indicadores de desempenho a servi-
pelos grupos de validação. rem de roteiro para a avaliação do servidor.

46 Revista de Administração, São Paulo v.31 , n.3, p.38-52, julho/setembro 1996


IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: MÉTODOS EESTRATÉGIAS
}----------------------------------
Na figura 2 é visualizada a ficha de avaliação, que in- cionais que limitam o atingimento de níveis desejáveis
I clui quatro campos principais: identificação do avaliado, de produtividade e de qualidade dos serviços. O ins-
incidentes de desempenho, escala, valor. O campo 2 con- trumento, denominado Ficha de Levantamento e
tém os indicadores de desempenho específicos para cada Resolução de Problemas, é um roteiro de observa-
cargo ou posto de trabalho e os gerais ou comuns a to- ção e avaliação de condições de trabalho e contingên-
dos os cargos. Esses indicadores, apresentados sob a for- cias organizacionais que interferem no bom desempe-
ma de descrições de comportamentos, estão aleatoria- nho dos servidores.
mente distribuídos no instrumento, não sendo possível O desenvolvimento do instrumento baseou-se, prin-
identificar com facilidade a que fatores pertencem os itens. cipalmente, no modelo de análise de problemas de de-
O campo 3 corresponde a uma escala de freqüência do sempenho de Mager & Pipe (1983) e no de desempe-
tipo Likert, contendo 5 pontos, utilizada para a aferição nho apresentado no tópico O modelo de avaliação.
dos níveis de desempenho obtidos pelo avaliado, confor- Também deu suporte à elaboração da ficha o resulta-
me a freqüência com que ele foi visto apresentando com- do de um levantamento realizado no órgão sobre os
portamentos tal como descritos nos incidentes de desem- fatores intervenientes mais citados por avaliadores e
penho durante o interstício de avaliação. No. campo 4 avaliados no período de dois anos (1993 e 1994),quan-
encontra-se o espaço utilizado para identificar pontos for- do a avaliação de desempenho se encontrava em está-
tes e fracos do desempenho do servidor em cada tarefa. gio probatório. Nesse trabalho, que envolveu a análise
de 248 casos, observou-se alta incidência de cinco fato-
res, os quais passaram a compor a ficha: habilidades do
servidor, ambiente das tarefas, relacionamento interpes-
soaI, recursos materiais e condições físicas do ambiente
de trabalho.
Na figura 3 apresenta-se parte da Ficha de Levanta-
mento e Resolução de Problemas. Cada um dos fatores é
composto por itens traduzindo situações ou condições
que possam estar prejudicando o desempenho eficaz do
servidor. O objetivo é identificar e planejar ações para
eliminá-los ou minimizar sua influência sobre o desempe-
nho. Há, ainda, o campo denominado Outros Fatores,
no qual devem ser registrados eventuais problemas que
estejam interferindo no desempenho do servidor e não
se encontrem entre os elencados na ficha como, por exem-
plo, problemas de saúde.
De forma geral, a FILE inclui duas colunas denomi-
nadas Problema e Solução, nas quais o avaliador deve
assinalar, respectivamente, os fatores que têm produzido
efeitos prejudiciais sobre os níveis de desempenho do
avaliado e as ações que devem ser implementadas para
eliminá-los. Veja-se um exemplo de utilização da ficha:
determinado servidor obteve escore 2, registrado na Fi-
cha de Avaliação de Desempenho, no item "Realiza tra-
balhos dentro dos prazos previstos, respeitando a perio-
dicidade estipulada". Seu desempenho insatisfatório, no
entanto, não se devia à falta de habilidade ou compe-
Figura 2: Visão Parcial do Modelo da Ficha de tência técnica, mas à insuficiência de computadores
A vaJiação de Desempenho em sua unidade. Freqüentemente atrasava seu traba-
lho por não encontrar equipamentos disponíveis para
Construção da ficha de levantamento e resolução executá-lo dentro dos prazos exigidos. Na coluna So-
de problemas de desempenho lução devem ser registradas as ações que estão sendo
ou serão implementadas para solucionar o problema
Ficha desenvolvida para sistematizar a identifica- ou reduzir a influência dos fatores ou condições que
ção das possíveis causas de problemas de desempe- têm prejudicado o desempenho do servidor avaliado.
nho e viabilizar a eliminação de obstáculos organiza- À área de recursos humanos do órgão cabe acompa-

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Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Bárbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes da Veiga

Ficha de Levantamento e Resolução de Problemas - FILE

Problema

Habilidades do Servidor
Hoje, por falta de prática ou treino, o servidor desempenha com dificuldade tarefas
que já executou bem no passado,
O servidor enfrenta dificuldades no desempenho porque, apenas recentemente,
novas habilidades são exigida? pelas tarefas ..
O servidor possui escolaridade superior ouínferior à exigida para o cargo.

Ambiente das Tarefas


O servidor realiza freqüentemente, ~o mesmo tempo, duas ou mais tarefas
incompatíveis. ..
O servidor executa a mesm
antecedência, sobre os pad
[ Como conseqüência por de
em excesso, afetandosl,J .

Figura 3: Visão Parcial da Ficha de Levantamento e Resotuçêe de Problemas

nhar a implementação dessas ações e assessorar as Padronização dos procedimentos


chefias na busca de soluções para os problemas iden-
tificados. Caso persista o mau desempenho após to- Visando 'Padronizar os procedimentos de avaliação
madas todas as providências necessárias, outras cau- foram elaboradas normas e um manual contendo todas
sas são pesquisadas e outras soluções buscadas até que as orientações e rotinas da avaliação de desempenho. O
manual traz informações referentes à periodicidade e às
se obtenha êxito.

Revista de Administração, São Paulo v.31 , n.3, p.38-52, julho/setembro 1996


48
IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: MÉTODOS E ESTRATÉGIAS

fases do processo de avaliação, bem como explicações CONSIDERAÇÕES FINAIS


detalhadas quanto ao uso dos formulários e aos tipos
mais comuns de erros avaliativos. Possui linguagem aces- A seguir apresenta-se aspectos positivos da experiên-
sível e ilustrações, a fim de que chefias e servidores dos cia de desenvolvimento e implantação do sistema, ações
diversos níveis hierárquicos possam compreender a im- de suporte organizacional necessárias para a sua manu-
portância da avaliação de desempenho, as vantagens que tenção e algumas considerações quanto à sua aplicabi-
traz para o crescimento profissional dos particieantes, o lidade em outros contextos organizacionais, além de dificul-
aprimoramento do trabalho e o desenvolvimento organi- dades encontradas.
zacional. A estratégia de construção e implantação, por garan-
tir a participação efetiva dos segmentos envolvidos, cons-
Treinamento das chefias e divulgação do modelo tituiu um processo que muito enriqueceu a dinâmica
de avaliação aos servidores organizacional, uma vez que proporcionou espaço para
reflexão e discussão sobre as práticas de gestão de recur-
o sucesso do novo sistema estaria garantido à medida sos humanos do órgão e, conseqüentemente, seu apri-
que chefias e servidores percebessem sua importância moramento.
como instrumento gerencial eficaz, isto é, que propicias- O treinamento teve boa aceitação, conforme dados
se crescimento profissional e desenvolvimento organi- provenientes das avaliações de reação. Houve aprendiza-
zacional. gem de atitudes, conhecimentos e habilidades ensinadas
Dessa forma, o treinamento das chefias enfocou pre- durante os cursos para avaliadores, uma vez que o atin-
dominantemente a mudança de atitude, mediante abor- gimento dos objetivos instrucionais foi avaliado durante o
dagem voltada para aspectos afetivo-relacionais. Partiu- transcorrer das aulas. Além disso, alguns dados assiste-
se do pressuposto de que não basta o domínio cognitivo máticos, ainda preliminares, demonstram que houve trans-
dos procedimentos avaliativos. Esses poderiam ser facil- ferência positiva de aprendizagem para o ambiente de
mente obtidos pela simples leitura do manual e das nor- trabalho. Os procedimentos avaliativos definidos pelo sis-
mas pertinentes. Foram, então, trabalhadas noções teó- tema oportunizam aos gerentes melhores condições para
ricas e práticas sobre condução de entrevistas de avalia- o gerenciamento eficaz de desempenho por contribuirem
ção, feedback e uso de estratégias de identificação e re- para aumentar a precisão dos 'diagnósticos e, em conse-
solução de problemas de desempenho. Além disso, fo- qüência, a eficácia das soluções propostas para eliminar
ram apresentados conteúdos tradicionais, como tipos de os problemas identificados.
erros de avaliação e rotinas de preenchimento dos instru- Para garantir a manutenção e o aprimoramento das
mentos. novas práticas de avaliação, uma equipe de profissionais
Tais conteúdos foram desenvolvidos em abordagem da área de recursos humanos propicia assistência aos
vivencial, mediante discussões em grupo, estudos de caso, gerentes, dirimindo eventuais dúvidas sobre os procedi-
jogos organizacionais, dramatizações e aulas expositivas. mentos, orientando na resolução de problemas e auxi-
Os métodos e recursos didáticos foram escolhidos de modo liando na viabilização de ações para melhorar o desem-
a ensejar reflexão sobre as práticas de avaliação em vigor penho e a motivação do trabalhador avaliado.
e assimilação de nova postura, diagnóstica e proativa. A transformação do modelo teórico de avaliação
O treinamento inicial das chefias, ministrado por ser- de desempenho em sistema de avaliação integrado à
vidores do próprio órgão, teve carga horária de 15 horas organização, às demais atividades e aos subsistemas
e turmas de até 20 participantes. O treinamento é opor- de desenvolvimento de recursos humanos envolve a
tunizado a todos os novos ocupantes de postos de chefia, adoção de extensa gama de ações organizacionais, entre
como estratégia para manter 100% dos avaliadores trei- as quais:
nados. • aprimoramento contínuo e articulado dos processos
O alcance dos objetivos propostos para o treinamen- seletivos e de colocação de pessoal, assim como das
to ficou evidenciado na avaliação de reação aplicada aos técnicas de diagnóstico de necessidades de capacitação,
participantes das 18 primeiras turmas, da qual se desta- programação, execução e avaliação de treinamento;
cam os altos escores obtidos nos itens "Aplicabilidade dos • agilização dos procedimentos de aconselhamento psico-
conteúdos aprendidos" e "Segurança do participante para funcional;
colocar em prática os contéudos aprendidos". Além da • criação e/ouaprimoramento de mecanismos de incen-
avaliação de reação, foram proferidas palestras abertas a tivo e valorizaçêo ao bom desempenho;
todos os servidores do órgão, visando divulgar ampla- • adoção de estratégias de comunicação entre as unida-
mente a forma final dos procedimentos e as normas de des organizacionais para a resolução e a prevenção de
avaliação. problemas de desempenho.

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Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Bárbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes da Veiga

Dessa forma, a avaliação de desempenho passa a cons- mecanismos de avaliação das chefias, além de desenvol-
tituir um sistema de atividades imprescindível para a or- ver meios para articular a avaliação de desempenho indi-
ganização, porque ao se integrar às demais atividades de vidual com a institucional.
desenvolvimento de recursos humanos modifica-as e é por No tocante às dificuldades, mencionam-se as ineren-
elas modificada. tes ao desenvolvimento de qualquer sistema de avaliação
Ressalte-se, por outro lado, que à processo de cons- que pretenda assegurar a participação dos segmentos
trução de um sistema de avaliação envolve resolução de envolvidos (chefias e servidores), ao lado de outras extrín-
problemas e 'eliminação de obstáculos à sua implantação, secas ao processo: longo tempo demandado na defini-
sem o que não se deve avançar. Na experiência relatada, ção do modelo a ser utilizado, na identificação dos inci-
por exemplo, antes de serem discutidos padrões de de- dentes de desempenho e em sua redação; ausência de
sempenho com os servidores foi necessário resolver pro- outros incentivos funcionais, além da promoção; falta de
blemas que os afligiam, entre eles o desvio de função. Em sistema de encarreiramento capaz de garantir o progres-
determinadas áreas, nas quais se verificava considerável so funcional e a profissionalização dos servidores.
número de servidores em desvio de função, o projeto Quanto a métodos, técnicas e modelos utilizados, pa-
inicialmente foi visto como ameaça às situações de fato. rece possível sua aplicabilidade a outras organizações no
Tal percepção deveu-se ao modelo de avaliação propos- que se refere às estratégias de sensibilização, à pesquisa
to, segundo o qual o servidor seria avaliado no posto de de opinião, aos procedimentos básicos de levantamento
trabalho vinculado a sua categoria funcional. Essa situa- dos incidentes críticos, à forma dos instrumentos (não ao
ção foi superada com amplos esclarecimentos a servido- seu conteúdo) e do modelo de diagnóstico e resolução de
res e suas chefias, inclusive com a realização de palestras. problemas, ao tipo de treinamento de avaliadores e às
sobre a evolução histórica das avaliações de desempenho estratégias de resolução simultânea de obstáculos à im-
no serviço público nos últimos 20 anos, ressaltando os plantação.
efeitos de desvios de função sobre os procedimentos de Há, porém, aspectos do sistema não-aplicáveis direta-
lotação e de identificação de necessidades de pessoal, mente a outras realidades, dentre eles a técnica de coleta
assim como o impacto negativo que tal situação pode de dados. Esta deve se adaptar às características da amos-
exercer sobre a motivação. Assim, foi possível obter um tra, como escolaridade (até segundo grau incompleto,
acordo organizacional, no qual os desvios seriam monito- entrevistas individuais; superior a segundo grau comple-
rados pela área de recursos humanos e solucionados ao to, aplicação coletiva de 'formulário padronizado) e tipos
ensejo de vacâncias e movimentações internas. de cargos envolvidos (cargos administrativos podem re-
Conhecer a cultura organizacional, em especial as prá- querer técnicas para facilitar a explicitação dos padrões,
ticas informais de avaliação existentes na organização, é muitas-vezes desnecessárias para cargos de nível técnico
de fundamental importância na implementação de ações ligados à área-fim da organização).
visando modificar as práticas avaliativas disfuncionais e Destacam-se ainda o conteúdo dos instrumentos, que
aprimorar as saudáveis e eficazes. Na organização aqui deve retratar as demandas e exigências de cada posto de
enfocada, por exemplo, a sensibilização das chefias para trabalho; o manual de instruções, com linguagem adap-
a necessidade da auto-avaliação foi facilitada por ela já tada às características dos usuários; as normas, cujas dis-
ser informalmente adotada por parte dos avaliadores. Por posições devem estar de acordo com a política insti-
outro lado, os gerentes não tinham informações sobre os tucional, atendendo inclusive, se for o caso, a questões
efeitos danosos causados pela prática da leniência, as- legais. ',
pecto suprido durante treinamentos e palestras de sensi- Por fim, registra-se que o modelo aqui apresentado .
bilização, os quais oportunizaram ampla discussão sobre pode ser considerado como alternativa à avaliação por
esse e outros assuntos de igual importância, todos levan- resultados ou objetivos, bastante difundida nas organiza-
tados na pesquisa de opinião feita junto à amostra repre- ções à época da realização da pesquisa de campo; mais
sentativa de servidores do órgão. recentemente a experiência tem demonstrado sua inade-
Entre as condições necessárias à sustentação do siste- quação como procedimento de avaliação de desempe-
ma podem ser citadas aprimorar os mecanismos de in- nho de indivíduos em casos nos quais sua contribuição
centivo ao bom desempenho de chefias e demais servi- não exerça influência decisiva na consecução dos objeti-
dores; acompanhar o impacto da implantação do novo vos da equipe ou da organização.
sistema e do treinamento de avaliadores no dia a dia; Corroborando essa afirmação, indaga-se: até que pon-
aperfeiçoar a implementação das ações de gerenciamento to é possível avaliar o impacto do desempenho de um
de desempenho; aprimorar os instrumentos de acordo datilógrafo: por exemplo, sobre o atingimento de resulta-
com as mudanças ocorridas nos postos de trabalho e as dos esperados de sua área, com base no número e na
eventuais mudanças de padrões de desempenho; criar qualidade de documentos que datilografou durante a rea-

50 Revista de Administração, São Paulo vat, n.3, p.38-52, julho/setembro 1996


IMPLANTAÇÃO DE UM SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: MÉTODOS E ESTRATÉGIAS
.~---------------------------------------------------
lização de um projeto? Ao avaliar seus resultados indivi- diretamente o atingimento de objetivos de órgãos e
duais a partir do alcance de resultados organizacionais unidades inteiras e seu desempenho ter ampla influên-
não se correria o risco.de superestimar ou banalizar a sua cia sobre a organização.
contribuição no que se refere ao atingimento ou não das Ademais, a prática de avaliação de resultados pressu-
metas do projeto? • põe forte cultura de planejamento com metas, indicado-
Além disso, a avaliação por resultados não deveria ser res e critérios organizacionais bem-definidos. Apesar de
indicada para casos em que o diagnóstico de problemas altamente desejável, esse aspecto não é ainda muito ca-
de desempenho é o objetivo principal. Tal tipo de avalia- racterístico das organizações públicas brasileiras, dada a
ção, em geral, não propicia informações sobre os pro- própria natureza de suas funções, mais voltadas à presta-
cessos comportamentais envolvidos no alcance das me- ção de serviços. Sua excelência requer ênfase no acorn-
tas de trabalho, uma vez que focaliza apenas o comporta- panhamento dos processos ou rotinas de trabalho, os
mento final ou os produtos do desempenho. quais exigem avaliação não apenas de resultados, mas de
Avaliação de desempenho funcional (de indivíduos) comportamentos disfuncionais a serem corrigidos e de
responde a questões relativas a um nível de análise comportamentos exemplares a serem reconhecidos e re-
distinto daquele que deve ser respondido pela avalia- compensados pela organização.
ção institucional. Ela pode ser usada principalmente Ressalte-se ainda que modelos de avaliação semelhan-
para gerenciamento de desempenho de indivíduos e é tes ao aqui exposto vêm sendo utilizados com sucesso
contra-indicada para se fazer inferências diretas sobre em empresas privadas. Os dados apresentados por Latham
o desempenho organizacional. Entretanto, a avaliação & Wexley (1981), por exemplo, demonstram experiência
por resultados pode ser muito útil para avaliar o de- bem-sucedida de desenvolvimento e validação de escalas
sempenho de indivíduos que ocupam posições estra- de observação comportamental nesse tipo de ambiente
tégicas na organização, por sua competência afetar organizacional. •

Neste artigo relata-se a experiência de implantação de um sistema de avaliação de desempenho em um


órgão do Serviço Público Federal. O modelo de avaliação foi concebido objetivando dotar a organização de
um instrumento gerencial eficaz, por meio do qual avaliador e avaliado possam identificar, discutir e resolver
eventuais problemas de desempenho com base em roteiros de observação comportamental e ambiental. Os
procedimentos de avaliação foram desenvolvidos e validados a partir de técnicas que garantiram ampla e
efetiva participação dos atores (avaliadores, avaliados) na identificação dos padrões de desempenho relativos
a cada cargo ou posto de trabalho. As chefias receberam treinamento, o que as habilitou a fazer observação
e diagnóstico de problemas de desempenho, realizar entrevistas de feedback e de devolução de resultados,
assim como planejar ações para melhorar os níveis de qualidade dos serviços. Informações preliminares e
não-conclusivas indicam boa aceitação do modelo, maior compromisso das chefias com a avaliação de
desempenho e maior facilidade no processo de identificação e resolução de problemas de desempenho na
organização. O modelo propicia alternativa aos modelos baseados em resultados, os quais parecem não se
adequar à realidade dos órgãos públicos. São ainda discutidas limitações e potencialidades associadas ao
uso do modelo aqui proposto.

Palavras-chave: avaliação de desempenho, escalas de observação comportamental, padrões de desempenho,


roteiro de observação ambiental, diagnóstico de problemas de desempenho,
treinamento de avaliadores.

In this paper the experience of implementing a performance evaluation system in a federal public service
institution is reported. The evaluation model was elaborated with the purpose of creating an efficacious
instrument of performance management, through which one could identify , discuss and solve eventual
performance problems based upon behavioral and environmental observation guides. The evaluation
procedures were developed and validated from techniques that s..arantee wide and effective participation of
the actors (raters and ratees) in the identiíication of the expected behavioral patterns for each job position
or placement. Supervisors received an evaluation training that enabled them to carry out observation and
diagnosis of performance problems, feedback interviews and results disclosure, as well as to plan actions to
improve the leveis of service quality. Preliminary, non-conclusive information has indicated good acceptance

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Revista de Administração, São Paulo v.31 , n.3, p.3a-52, julho/setembro 1996
Gardênia Abbad de Oliveira-Castro, Geny Bárbara do Carmo Lima e Maria Raimunda Mendes da Veiga

of the model, stronger manager commitment with performance evaluation and more facilitate of the process
of identifying and solving performance problems in the organization. The model propiciates an alternative
to the models based upon results evaluation, which do not seem adequate to the reality of public institutions.
Limitations and potencialities associated to the usage of the model proposed here are aIso discussed.

Uniterms: performance appraísal, behavioral observation ratings scales, environmental observation guides,
performance standards, raters training, diagnosis of performance problems.

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