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Sobre Comportamento

e Cognição
A prática da análise, do comportamento e cia
terapia coqnitivo-comportamentaC
Orqanlzado por: H aly DeLitti

f lR B ^
E DI T ORA
Sobre
Comportamento
e Cogníção

Volume 2
A prática da análise do comportamento e da
terapia cognitivo-comportamental.
Organizado por M a ly P c litti

H R B pded
E D I T O R A
Copyright desta edição:
AKBytcs E ditora L ida., Sflo Paulo, 1997.
Todos os direitos reservados

Sobre Comportamento e Cogniçfto

Editora: Teresa Cristina Cume Grassi-Lconardi


Preparação de texto: Sandra M artha Dolinsky
Projeto gráfico: Maria Claudia Brigagflo
Editoração eletrônica: Maria Claudia Brigagflo
Arte: Marcos Paulo Capelli
Capa: Franciane Jose / Marcos Paulo Capelli

A**ociação Brasileira de P*ic»terapia e


Medicina Comportamental

D irrtu rtu gratflo 96/97

ProNÍdonte: Roberto AJve» Hanaco


Vice-pnísidente: Maria Luisa Uucden
I* NOclrdária: Regina Chintina Wielenska
2* Necrotária: Muly Delitte
3* necretArio: Wilson de Campou Nolanco
I* tesoureira: Sônia Beatriz. Meiya
2* teNoureiro: Antônio Sou/» e Silva
Secretário executivo: Deni» Roberto Zamignani
Kx-prcmdcntcs: Ikmard 1’imcntcl Raiigé
Hélio Joié Ouilhardi

Esta obra foi impressa pela Cromoprint Gráfica c Editora Ltda.


para ARBytes Editora Ltda.

Solicitaçflo de exemplares podent ser feita junto à ARBytes


Editora Ltda. - Av. Padre Anchicta, 372 - Bairro Jardim - Santo
André - SP Cep. 09090-710 - Tel. 444-9363

^ F o n e /F ax
(§11) 4979-4608
" Assim como falham as palavras quando querem
exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando querem
exprimir qualquer realidade".

Alberto Caiero

Este livro é dedicado aos nossos clientes, que partilhando conosco suas vidas,
sôo uma fonte constante de desafio, aprendizagem e reforçamento.

Maly Delitti
A pr ese n t a ç ã o

Organizar estes livros foi um desafio e uma alegria. Reunir textos de diferentes
autores é sempre uma tarefa complicada. Alinhavar várias exposições feitas em sessões
de palestras, conferências e mesas redondas realizadas em datas e lugares diferentes,
por diversos profissionais de todo o Brasil ó ainda mais difícil. No início, parecia que o
único ponto em comum entre os vários trabalhos é que tinham sido apresentados nos
encontros da ABPMC nos anos de 1993 a 1996. Depois, percebemos que poderíamos
fazer uma organização mais detalhada e o resultado foram três volumes de uma mesma
coleção:
Sobre comportamento e cognição:
Vol I: Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e
terapia cognitivo-comportamental.
Vol II: A prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental.
Vol III: A aplicação da análise do comportamento e da terapia cognitivo comportamental
no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos.
Este volume reúne as exposições que abordaram o processo clínico e a aplicação
da análise do comportamento a outras situações práticas, tais como as empresas e as
escolas. Qualquer profissional de clinica ou professor de Análise do Comportamento no
Brasil sabe que a falta de bibliografia nesta área é enorme. Se pensarmos em autores
brasileiros, a carência é ainda maior. Os raros livros que existem são o resultado do
empenho da ABPMC na figura de algumas pessoas que se dedicaram ao mesmo objetivo
que temos agora: mostrar o que e como os profissionais do Brasil estão fazendo no
campo da Análise do Comportamento. Por isso a sensação de desafio. Por isso a alegria.
Este livro está dividido em quatro partes. Na primeira parte estão reunidos
trabalhos que abordam a história e evolução da Terapia Comportamental no Brasil. São
textos que envolvem depoimentos e reflexões de profissionais empenhados no ensino,
pesquisa e prática da Análise Comportamental Aplicada, sem os quais jamais poderíamos
ter hoje uma publicação como está.
Na segunda parle os textos tratam da avaliação ou diagnóstico comportamental.
Esta avaliação consiste na integração de informações (coletadas com diferentes
instrumentos) acerca do comportamento que o cliente refere como queixa. Para que
esta análise seja realizada de modo eficaz é necessário além de conhecer os padrões
comportamentais, identificar na história de vida dos clientes as contingências nas quais
os comportamentos foram instalados e como os mesmos se mantém. Somente a partir
de uma análise Inicial criteriosa é que terapeuta e cliente podem juntos estabelecer
objetivos, avaliar os recursos pessoais e definir as estratégias do processo terapêutico.
Os trabalhos de vários profissionais, envolvidos com a pesquisa e a aplicação
dos princípios da Análise do Comportamento na situação clinica .estâo compilados na
terceira parte deste livro. As variáveis que influem na mudança comportamental, tais
como a relação terapêutica, o controle por regras ou por contingências, o papel do
terapeuta, e a utilização da fantasia no processo clínico são alguns dos temas explorados.
Estés textos mostram a preocupação e os procedimentos terapêuticos desenvolvidos
por seus autores e indicam possibilidades de atuação clínica objetiva, sem perder de
vista a necessidade da boa relação entre os indivíduos envolvidos no processo clínico.
Finalmente, na quarta parte, estão reunidos os trabalhos que mostram o uso
efetivo da Análise do Comportamento na educação com ênfase na prática da
psicopedagogia , e também textos que mostram a possibilidade da utilização desta
abordagem às situações das empresas, no esporte enfim a atuação do psicólogo na
comunidade.
Estou certa que a leitura e utilização deste livro, proporcionará a você os mesmos
reforçadores que eu obtive ao organizá-lo: aprendizagem, satisfação e a certeza de que
estamos num caminho promissor,
obrigado pelas "dicas’’ em torno do nome dos livros;

Maly Delitti
P refá c io

No começo era um grupo pequeno. Um pequeno grupo aqui no Brasil e que se


propunha a formar pessoal em análise do comportamento. Hoje este livro demonstra
que o grupo cresceu em várias direções acompanhando as mudanças que foram
ocorrendo em Terapia comportamental, sendo capaz de conviver com as divergências e
manter uma identidade comum. De fato, há muito a escolher dentro de uma forma de
trabalhar que prioriza pesquisa e comportamento e que atua na interação da pessoa
com o ambiente.
Também observa-se que esse grupo mudou, começou a escrever. Finalmente.
Acompanha a exigência de um público, alunos de faculdades e terapeutas, que buscam
leituras em português, e de autores seus conhecidos: professores, sobretudo profissionais
com identidade comum: terapeutas comportamentais.
Foi solicitado a mim o prefácio do livro que segundo o Aurélio é “o que se diz no
princípio. Texto ou advertência, ordinariamente breve, que antecede uma obra escrita, e
que serve para apresentá-la ao leitor".
O livro se propõe a contar história, falar sobre avaliação, tópico discutível em
Terapia Comportamental e se propõe a difícil tarefa de explicar o processo da Terapia
Comportamental, e ainda mostrar aplicações da análise do comportamento.
Além desse roteiro básico há autores e concepções teóricas diversas, e às vezes
autores falando sobre um mesmo tema, ou destacando aspectos diferente. Acho bom
encontrar artigos sobre criança, sobre pais e, filhos, e, melhor ainda, é a ênfase em
análise funcional e também os relatos de caso. Como se fosse fácil relatar casos...
Felizmente não ficamos só em clínica, há análises sobre educação, esporte, comunidade
e organizações.
O volume foi organizado de modo a formar um todo coerente. Provavelmente
responderá parcialmente à pergunta sobre o que é psicoterapia e como se obtém
mudanças comportamentais. Digo parcialmente porque espero que não consideremos a
pergunta respondida pois o objetivo da ciência é conhecer os fenômenos e no nosso
caso a aprendizagem, como os pacientes e terapeutas interagem e as modificações
ocorrem.
A diretoria da ABPMC do biênio 96/97, reuniu apresentações de vários
congressos, cobrou de nós textos esquecidos e conseguiu encontrar uma ordenação no
nosso falar. Fez muito, fez demais, deixa um exemplo de trabalho e criatividade;
apresentou variedade e foi eficaz nos deixando ávidos para... devorar o livro e querer
produzir mais. Deixam um exemplo a ser seguido. Aos organizadores dos volumes
Roberto Banaco, Maly Delitti e Denis Zamignani. Muito obrigada. As diretorias anteriores
da ABPMC que ao organizar Congressos e definir temas possibilitaram nossas falas, um
agradecimento.
Aproveito a oportunidade para expressar meu agradecimento aos colegas que
ao fornecer o material escrito nos dão a oportunidade de compartilhar seus conhecimentos
e suas dúvidas. A Maly Delitti que aceitou o desafio de organizar este volume e convidou-
me para prefaciá-lo afirmo que aceitar foi muito gratificante.

Rachel Rodrigues Kerbauy


S u m á r io

Seção I: A história da terapia compotamental no brasil

Capítulo 1 - Contribuição da psicologia comportamental para a psicoterapia


Rachel Rodrigues Kerbauy (USP)........................................................... 001

Capítulo 2 - A história da modicaçâo de comportamento no Brasil


Nilce Pinheiro Mejias (USP).................................................................... 008

Capítulo 3 - A trajetória de um terapeuta comportamental


Myrian Valliasde Oliveira Lima (clínica privada)....................................... 018

Capítulo 4 - Garry Martin e a experiência da PUC/SP


Sandra Cry (clínica privada).................................................................... 024

Seção II: Avaliação comportamental

Capítulo 5 - 0 conceito da análise funcional


Sonia Beatriz Meyer(Universidade Sôo Judas T adeu).............................031

Capítulo 6 - Análise funcional: o comportamento do cliente como foco da análise


funcional
Maly Delitti (PUC/SP)............................................................................... 037

Capítulo 7 - A análise funcional no contexto terapêutico: o comportamento do te­


rapeuta como foco da análise
Hélio José Guilhardi (PUCCamp E lACCamp) - Patrícia Barros Piason de
Souza Queiroz (PUCCamp)..................................................................... 045

Capítulo 8 - 0 que é diagnóstico comportamental


Denise Torós (PUC/RJ)........................................................................... 098
Capítulo 9 - 0 que é contrato em terapia comportamental?
Laíz Helena de Souza Ferreira (lAPCamp)............................................... 104

Capítulo 10 - Fantasia: instrumento de diagnóstico e tratamento


Jaíde A. G. Regra (Universidade de Mogi das Cruzes)............................. 107

Capítulo 11 - Fantasia como intrumento de diagnóstico e tratamento: a visão de


um berahiorista radical
Roberto Alves Banaco (PUC/SP).......................................................... 115

Capitulo 12 - Dicotomias no processo terapêutico: diagnóstico ou terapia


Vera Lucia Adami Raposo do Amaral (PUCCamp).............................. 120

Capítulo 13 - Dicotomias no processo terapêutico: equívocos conceituais: psiquiá­


trico ou psicológico?
Marilda E. Novaes Lipp (PUCCamp)..........................................................125

Capítulo 14 - Quando o Psicólogo encaminha para o psiquiatra?


Psicila Rosemann Derdyk (FMUSP-HC)................................................ 129

Seção III - O processo da terapia comportamental

Capítulo 15 - A importância do autoconhecimento dos pais na análise e modificação


de suas interações com os filhos
Margarette Matesco Rocha (UEL) - Maria Ziláh da Silva Brandão (UEL)
................................................................................................................ 137

.Capítulo 16 - A criança em seu processo terapêutico: reflexões à partir de um es­


tudo de caso
Fátima Cristina Souza Conte (UEL)......................................................... 147

Capítulo 17 - Depressão infantil: aspectos teóricos e atuação clínica


Jaíde A. G. Regra (Universidade de Mogi das Cruzes)............................. 155

Capítulo 18 - Promovendo a relação entre pais e filhos


Fátima Cristina de Souza Conte (UEL)..................................................... 165

Capítulo 1 9 - 0 impacto do atendimento sobre a pessoa do terapeuta 2: experiências


de vida
Roberto Alves Banaco (PUC/SP)............................................................174

Capítulo 20 - Mudança do controle por regras falsas para o controle por con tin­
gências ou "dê uma chance para as contingências”
Maly Delitti (PUC/SP)............................................................................... 182

Capítulo 21 - Sentimentos e emoções no processo clínico


Sonia Meyer (Universidade São Judas Tadeu)....................................188
Capítulo 22 - Análise funcional de um caso clinico de depressão
Vera Regina Lignelli Otero (Clínica privada)...........................................195

Capítulo 23 - Análise funcional de um caso de depressão


Yara K. Ingberman................................................................................ 203

Capítulo 24 - Relato de um caso de défcit de repertório social


Cláudia Regina Silva Pereira (Clínica privada).........................................208

Capítulo 25 - Análise Funcional de relato de caso


Yuristella Yano......................................................................................213

Capítulo 26 - Psicoterapia de grupo: uma experiência com ênfase nos enfoques


funcional-analitico e contextual
Maria Zilah da Silva Brandão (UEL) - Nione Torres (UEL)................. 218

Capítulo 27 - Terapia comportamental com familias


Yara Kuperstein Ingberman................................................................... 230

Capítulo 2 8 - 0 papel do terapeuta na separação conjugal


Carmen Garcia d i Alemeida (UEL).......................................................237

Capítulo 29 - Grupos de casais separados e seus filhos


Carmen Garcia de Alemeida (UEL)....................................................... 245

Capítulo 30 - A queixa e o problema: evolução de uma terapia individual para tera­


pia do casal
Vera Regina Lignelli Otero (Clínica privada).......................................... 250

Capítulo 31 - Possibilidades de interação entre a psicoterapia conjugal e indivi­


dual
João lio Coelho Barbosa........................................................................257

Capítulo 32 - Problemas sexuais femininos: anorgasmia, dispareunia, vaginismo


e inibição do desejo
Oswaldo Rodrigues Jr., Angelo Almansa Monesi................................. 260

Seçâo IV - Outras aplicações da análise comportamental

Capítulo 33 - Uma introdução ao gerenciamento comportamental de organizações


Caio Flávio Miguel (PUC/SP).................................................................. 277

Capítulo 34 - Mudanças no cenário econômico e os impactos no comportamento


dos indivíduos nas organizações
Aguinaldo A. Neri.................................................................................. 288
Capítulo 35 - Qualidade de vida na velhice
Anita Liberalesso N eri............................................................................. 296

Capitulo 3 6 - 0 analista do comportamento como profissional da educação


Sérgio Vasconcellos de Luna (PUC/SP)..................................................300

Capitulo 37 - Psicopedagogia comportamental


Miriam Marinotti...................................................................................... 308

Capitulo 38 - Habilidade desenvolvida em alunos de psicologia no atendimento de


crianças com problemas de escolaridade e suas familias
Jaíde A. G. Regra (Universidade Mogi das Cruzes)............................. 322

Capítulo 39 - Diferentes abordagens da alfabetização e a análise experimental do


comportamento: uma análise preliminar
Ana Cristina Costa França (USP)............................................................ 333

Capítulo 4 0 - 0 que é a análise comportamental no esporte?


Cristina Tieppo Scala (USP)................................................................... 339

Capítulo 4 1 - 0 psicólogo comportamenal como agente na comunidade


Nilce Pinheiro Mejias (USP)....................................................................344
Seção I

A História da terapia
comportamental no
Brasil
Capítulo 1

Contribuição da psicologia comportamental


para a psicoterapia
ttiichel Rodrigues Kcrb.iuy

IA /J

o iniciar estas considerações gostaria de deixar claro, que estou falando


sobre a Psicologia Comportamental. Sobre as formas de trabalhar que se baseiam
primordialmente na aprendizagem, na preocupação com a metodologia e na especificação
de relações funcionais. Não detalharei a diversidade de concepções, que se estendem
das de Skinner(1953,1974), até a perspectiva mais ampla de Lazarus (1971), incluindo
os princípios e procedimentos da aprendizagem social de Bandura (1969), ou as
contribuições de Wolpe (1969), ou da terapia cognitiva de Beck e mesmo o atual
movimento construtivista. Há na Psicologia Comportamental uma diversidade de modelos
conceptuais e procedimentos que caberia a questão de ser ou não ser o terapeuta
comportamental, comportamentalista.
A solicitação dos organizadores foi com o termo genérico e eu compartilho desse
ponto de vista, neste caso específico: produzir um texto para terapeutas comportamentais,
para uma Sociedade que se denomina de Associação: portanto reunião de pessoas
com um fim e idéias comuns, que trabalham no Brasil em Psicoterapia e Medicina ,
portanto se propõe a curar ou atenuar doenças ou problemas dentro de um referencial
específico e escolhido: o comportamental , ou seja, priorizando comportamento e
permanentemente avaliando a teoria e sua prática. Fiz escolhas e com alguns problemas

Sobre comportamento c roflnfçtlo 1


de sobreposição.
Gostaria ainda de esclarecer que parece ser mais fácil ser crítico que construtivo,
e que farei um esforço ( e vocês julgarão, se atingi ou não o objetivo), para ser construtiva
e desenvolver uns pontos de reflexão deixando-os em aberto, pois em vários deles estou
felizmente, em fase de aprendizagem. Me considero além de terapeuta, pesquisadora,
portanto, sei que as afirmações de hoje serão ultrapassadas amanhã, e que é assim a
construção da ciência e do conhecimento.
Suponho que as várias concepções clinicas, possam ser agrupadas em
categorias embora não mutuamente exclusivas. Se refletirmos sobre a preocupação de
integração (Wachtel, 1977 .Golfried, 1982 e Staats, 1986) e sobre a busca de conceitos
e formas de atuação comuns, ficaremos fascinados com essa união, apesar das
diferenças.
Talvez, após uma análise detalhada, seja difícil entrarem acordo com o referencial
psicodínâmíco, que enfoca a dinâmica mental, os aspectos emocionais, a personalidade,
especialmente pela noção de formação de uma estrutura , que acompanharia o indivíduo
em toda sua existência. Com outros modelos, que enfatizam a aprendizagem, é possível
andar junto, e as divergências podem ser aplainadas com formulações cuidadosas sobre
a causação do comportamento. Técnicas, de diferentes enfoques teóricos, podem ser
empregadas, desde que seja possível mostrar, que há um respaldo experimental na
construção e validação da técnica. No entanto, até esse ponto é discutido, com
divergências, como atestam por suas posições, Lazarus (1971) e Wilson (1989). Para
Lazarus a TC deve incluir as técnicas úteis ao tratamento do cliente, e podem ser de
qualquer origem teórica sem aceitar obrigatoriamente aquele referencial específico
enquanto para Wilson as técnicas comportamentais devem proceder de uma metodologia
experimental. Considero que as técnicas, empregadas hoje, derivam de teorias da
aprendizagem e são construídas tanto no laboratório quanto da prática, em situação
natural e descritas minuciosamente permitindo a sua replicação.
A psicologia comportamental, enfatizando a noção de aprendizagem, tirou a
psicologia clínica do modelo médico, e propôs um modelo psicológico, comportamental,
(Ulmann e Krasner 1965) colocou-a ao lado da educação, mostrando a função de ensinar
repertórios comportamentais não aprendidos e necessários. O clínico, para Skinner
(1989), entre outras funções, seria aquele que Hdá conselhos", auxilia com suas análises
na construção de um novo repertório ou no fortalecimento de repertório comportamental
existente.
No modelo comportamental é fundamental o papel de educar, de ensinar
repertórios novos. Uma extensão dessa concepção de educar, difundida na atuação dos
profissionais é o trabalho preventivo. O terapeuta comportamental ensina, constroe
programas para auxiliar a instalação ou a eliminação de comportamentos selecionados.
Embora trabalhe com grupos, a instrução individualizada (PSI - Keller, 1968), marcou
uma posição de como ensinar para garantir a eficácia.
A abordagem comportamental é facilmente ensinada ao paciente, pois emprega
um modelo educacional de autocuidado. Desse modo ensina aos pacientes e atribui a
eles a responsabilidade de executar comportamentos de cuidado de suas doenças
ensinando as habilidades necessárias como no caso da diabetes, prevenção de câncer,

2 Kíirbci Rodriyuri Krfiwuy


e outras.
Até este momento destaquei duas contribuições importantes da Psicologia
Comportamental, uma de propor modelo psicológico reexplicando a causação do
comportamento e a outra a preocupação de empregar métodos experimentais , para
construir e testar as técnicas empregadas na terapia ou para aceitar a Integração de
outras técnicas.
Com essas duas contribuições pode-se deduzir um fato: nâo temos uma teoria
unificada que regula a prática e a pesquisa, se entendemos teoria como uma organização
de idéias que explicam vários fenômenos , e que ao ser testada na prática mostra-se
satisfatória, ou seja, funciona em várias situações. Somos mesmo antl-teoria, desde a
contribuição de Watson, que sugeriu para trabalhar com o comportamento e depois
construir uma ciência com dados experimentais. A modificação de comportamento, que
produz aprendizagem, é também observada de acordo com a proposta, e a ênfase em
teorização, a posterior!, se os dados acumulados assim o permitirem e se mostrar
necessário.
Nesse sentido podemos trabalhar assumindo que esperamos influenciar o
comportamento do cliente, e que buscamos para cada caso especifico a maneira de
fazê-lo. Assumimos que fazer terapia comportamental, não é interpretar testes
psicológicos, fazer hipóteses sobre o comportamento passado e futuro do cliente, ou
faze-lo falar de seus sentimentos para entendê-lo, embora isto também possa acontecer
na terapia. É assumir que o cliente tem problemas que é incapaz de resolver; que acredita
que possamos auxiliá-lo na resolução; e nós também acreditamos. Nosso papel seria
então: auxiliar o cliente a resolver os problemas para os quais procura ajuda e aceitarmos
nosso papel de encorajar, fazer sugestões, dar conselhos, treinar repertórios, fazer
análises e propor novos cursos de ação. O terapeuta terá sucesso se o cliente resolver
os problemas trazidos, ou planejar um curso de ação que ocasionará a solução.
Um outro ponto a ser destacado como contribuição , é a forma como as
abordagens com portam entais, c o m b in a m te ra p ia c o m p o rta m e n ta l com
farmacoterapia. De fato, não somente na área de medicina comportamental mas na
psicoterapia, observa-se hoje a integração de tratamentos farmacológicos com
comportamentais-cognitlvos, (Butler, Fennell, Robson, Gelder 1991). Magraf. Barlow,
Clark, Telch (1983), e Tyrer, Murphy, Klngdon (1988). É fora de questão, e a literatura
demonstra, que em vários distúrbios comportamentais, da depressão á ansiedade,
passando pelos distúrbios allmentares, o tratamento combinado de medicação e
psicoterapia apresenta vantagens para o cliente, quer na diminuição das doses de
medicação, quer na retirada completa em muitos casos, e também por dar condições
para um trabalho psicoterápico.
Essa contribuição deveu-se ao fato, de que os terapeutas comportamentais
expõem o seu trabalho e seguem princípios metodológicos claros. Os estudos com
placebo no caso de medicação, terapias descritas em detalhes, e até controle de Interação
com o terapeuta, empregando assuntos extra-terapia em grupos de controle, são marcos
Indiscutíveis da ligação da psicologia comportamental com a pesquisa e seu objetivo de
identificar a natureza e a etiologia, para entender aquele distúrbio clínico específico.
Cabe aqui voltará literatura. A revista The Behavior A n a ly s t, (1996), dedicou

Sobre comportamento c coflnlçilo 3


várias páginas discutindo o quanto as contribuições da fisiologia e biologia podem ser
relevantes para a análise comportamental e o que se alteraria nessa concepção com os
dados existentes e vindouros. Neste caso falo de um referencial específico: a análise de
comportamento. Na realidade, apesar das divergências, existe um consenso sobre o
fato de que inúmeros experimentos, com várias espécies, demonstram como o
comportamento é sensível às suas conseqüências e também a seus antecedentes e
que para entender e manipular comportamento é necessário manipular a relação de
seus antecedentes e conseqüentes. A base da teoria de análise do comportamento é a
repetição desse fato, que se manterá como fato, independente das novas descobertas.
Segundo Baer (1996), p. 84, "as pesquisas futuras podem mostrar que há exceções, ou
que são casos especiais de uma ampla verdade, mas em cada evento eles permanecem
corretos, pelo menos na amplitude do universo que delimitam".
Os dados das pesquisas que mostram que o medicamento atua juntamente com
a terapia comportamental cognitiva, demostram os vários níveis de análise possíveis e
como as pesquisas biológicas são relevantes para o comportamento, sem mudar, no
entanto, o fato estudado pelas técnicas comportamentais: o controle interativo do
comportamento pelo ambiente, e do ambiente pelo comportamento.
Uma outra contribuição da Psicologia Comportamental, decorrente de analisar
interação do comportamento com o ambiente e as dificuldades de lidar com problemas
de viver, é sua aceitação e exigência de uma diversidade de locais, além da clínica e
hospital: inclui escolas, comunidade, residência e indústria. Vários dos terapeutas aqui
presentes auxiliam um obsessivo compulsivo em sua residência, a alterar o
comportamento em seu ambiente, e a encontrar formas apropriadas de lidar com o mundo.
Outros saem da sala, do consultório, e fazem percursos com pessoas com síndrome de
pânico para estas aprenderem a se defrontar com suas modificações fisiológicas e as
emoções resultantes, em vários locais. Como elegantemente colocou Wielenska (1995),
p. 27, " Neste caso o local de trabalho é a própria situação natural, nosso ofício deve ser
exercido em contextos especiais sempre que isto beneficie o produto final".
Analisando as contribuições da Psicologia Comportamental, considero um grande
passo incorporar sistematicamente atividades fora da sessão no processo terapêutico,
ou seja as tarefas de casa.
Sem dúvida, sair do consultório propicia modificações e o emprego de técnicas
e habilidades adquiridas na terapia. Essas tarefas de casa, deslocam a terapia de
conceitos abstratos, para relatos detalhados e reais.
Os aspectos educacionais de instalação e manutenção do comportamento, são
exercidos ao se prescrever a tarefa, de comum acordo entre o paciente e terapeuta, com
instruções específicas para a realização. Quem as prescreveu primeiro, talvez tenha
sido Ellis em 1962, no seu livro Reason and em otion in psychotherapy . Mas a tarefa
de casa é inovação comportamental, e decorre da concepção de ensinar repertório
inexistente, sendo empregado por praticamente todas as abordagens como parte da
terapia. Resultados são significativos pois facilitam o conhecimento do cliente sobre si
próprio fora da terapia e também, a instalação segura de novos comportamentos desde
debater regras até executar atos simples. Os registros diários de pensamentos
disfuncionais, de comportamentos diversos e conseqüências para si e para os outros, o
emprego do debate, da disputa e questionamento de suas previsões e conclusões, o

4 UiiclidRodriguesKciluuy
registro de atividades realizadas, a maneira como foi feita e o prazer decorrente, as
circunstâncias em que estes comportamentos ocorreram, são outros exemplos de tarefas
que completam e auxiliam o processo terapêutico comportamental.
Um outro ponto inovador das terapias comportamentais é o didatism o, talvez
por assumir o papel educacional ao debater as regras, ou suas afirmações e cognições
sobre o mundo. Fundamenta-se na lógica segundo a qual os comportamentos e as
emoções das pessoas são determinados pelo modo como organiza o mundo, segundo
Beck (1967). Para esse autor, cognições, ou seja, .os eventos verbais ou pictóricos
conscientes, baseiam-se em atitudes ou suposições desenvolvidas em experiências
anteriores. Desse modo, se uma pessoa interpreta suas experiências como sendo
adequadas ou inadequadas, pode ter por trás uma regra: “se eu não fizer perfeito sou
um fracasso". Formulação semelhante e com justificativas do debate das regras e
avaliação da adequação lógicas são as de Skinner (1974), que discute a maneira pela
qual a pessoa aprendeu a formular regras ou aceitá-las, sem verificar sua adequação as
contingências presentes no momento tornando-as dfsfuncionais, ou seja, as
conseqüências passam a ser diferentes das previstas pelas regras, (c).
Em decorrência dessa postura, o paciente aprende a dominar situações através
da reavaliação e correção de seu pensamento. O terapeuta auxilia o cliente a pensar e
comportar-se mais realista e adaptativamente. Emprega ao fazer isto, técnicas para testar
e especificar as falsas concepções, e examinar evidências e substituir crenças
disfuncionais. O trabalho de Ellis em (1957, 1962) favoreceu o desenvolvimento das
terapias cognitivo-comportamentais por enfatizar o ABC , ou seja o evento ativador (A)
as crenças (B=belief) B e as conseqüências emocionais.
Para concluir falta explicitar mais uma contribuição e talvez a maior delas: O
emprego da análise funcional como ponto básico de diagnóstico e terapia.
Um dos temas emergentes na última década, nas análises teóricas e conceituais
em TC, com implicações práticas é o papel dos eventos que não são diretamente
observáveis, os denominados por Homme (1965) de coverants, comportamentos*
operantes encobertos, e atualmente apenas encobertos.
Nesse sentido, o behaviorismo radical de Skinner foi “colocado corretamente"
segundo Franks (1990), p. 2, “como a ciência do comportamento, que tem lugar para
eventos que não são diretamente observáveis". A repercussão dessa aceitação derivou
de formas de trabalhar em TC, e reacendeu, a meu ver, a necessidade de revitalizar a
maneira como o terapeuta comportamental faz o diagnóstico e tratamento, através da
análise funcional. Essa análise era utilizada, já na “pré-história"da terapia comportamental,'
defendida brilhantemente por Kanfer desde (1970) como forma de diagnóstico no cap. 2,
foi cada vez mais detalhada atualmente, com a análise do comportamento verbal, definido
por Skinner (1957), e em pesquisas atuais especialmente na área de equivalência. Na
análise funcional estamos falando de uma contingência clássica de três termos, com
reforçamento. Estudos de equivalência mostram a aprendizagem sem reforçamento,
pois estabelece relações de classes de estímulos equivalentes. O que está sendo
estudado é o significado sendo possível verificar a relação entre o comportamento
aberto e encoberto. Na clínica, se faz a dedução sobre o tipo de relação de funções, sem
a forma mais sofisticada da prova realizada através do teste de laboratório.

Sobrr compor1,i/»enlo e (ofinifjo


A análise funcional faz com que se incorpore a noção de que, quanto mais é
conhecido do contexto e da história de um comportamento, mais corretos seremos em
apontar suas causas. No caso do comportamento verbal, da nomeação de sentimentos
esse fato é evidente. Dessa forma, a mesma palavra pode ter sentidos diferentes quando
vocô diz: "me dá um beijo, (ou “cheiro” no nordeste)" que pode ser fruto da história de
ser beijada, diante da solicitação ou , da privação atuai da falta de carinhos.
Ainda a análise funcional que reinterpreta as falas do cliente, em função da sua
história passada e seu comportamento, dirige a atenção para fatores externos , para a
busca de variáveis controladoras ou seja, eventos que são percebidos como relacionados
ao comportamento de alguma maneira. Isto permite estabelecer sistematicamente, um
conjunto de análises e o desenvolvimento de um novo repertório, um outro referencial,
e a meu ver aumenta a liberdade.
É nesse" pulo de gato”, nesse método de buscar dados relevantes, que aparece
a necessidade de observar comportamentos encobertos e descrever a sua função naquela
história de vida específica, e dessa forma estabelecer o contacto com o mundo. Nesse
sentido quando dizemos que alguém não expressa emoçóes, podemos estar analisando
que essa pessoa evita, esquiva contacto com situações que evocam emoções, por ter
dificuldade com relações íntimas. Estamos portanto, falando novamente da interação do
individuo com seu ambiente e de história de aprendizagem.
Finalizando diria que a análise funcional é um instrumental do terapeuta e propicia
a intervenção de maneira mais direta e eficaz, com resultado a curto prazo e com
possibilidade de reavaliar e tornar a escolher outros cursos de ação. Isto é possível em
TC, pois a avaliação e o diagnóstico caminham lado a lado, ao mesmo tempo, no
desenvolvimento da terapia.Porisso nossa dificuldade em fazer um diagnóstico
clássIco.AInda, como conseqüência, o terapeuta comportamental não colocava rótulos
em seus clientes, não dizia ou diz o nome de um quadro específico, ele observava os
comportamentos e estabelecia relações funcionais. Isto parece estar mudando, na
literatura com certeza, mas espero que com muito cuidado na prática ao se explicar ao
cliente, se e quando os rótulos forem realmente necessários. Geralmente o trabalho é
desfazer os rótulos e construir comportamentos mais adaptativos. Das análises funcionais,
derivam os comportamentos clinicamente relevantes, como os denomina KOhlenberg
(1989). É uma outra e sempre a mesma contribuição, mas derivada de estudos cuidadosos
e análises do comportamento que é o nosso “abre te sezamo".

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Sobre comportamento e cognifdo 7


.Capítulo 2

A história da modificação de
comportamento no Brasil
N ilcc Pinheiro M c jü s
usr

/ \ o tratar da história da modificação de comportamento entre nós, parece-me


importante lembrar que todas as atividades ligadas à análise experimental do
comportamento, estão direta, ou indiretamente, ligadas à vinda do prof. Fred S. Kellerao
Brasil. Já as atividades chamadas de terapia comportamental, comumente realizadas
em consultórios, estariam, a meu ver, inicialmente mais ligadas a Joseph Wolpe, sendo
praticada por muitos dos psicólogos que tiveram a oportunidade de entrar em contacto
com aquele eminente psicólogo, nos Estados Unidos. Isso não significa que se possa
fazer uma distinção clara entre terapia comportamental e modificação de comportamento
- assunto, aliás, que já foi objeto de minhas preocupações (MEJIAS, 1981) - mas sim
que grupos diferentes utilizaram-se de expressões diferentes nos primórdios da introdução
da área entre nós. Assim, ao tratar da história da modificação de comportamento, parece-
me oportuno lembrar, mesmo rapidamente, a passagem do prof. Keller no Brasil, para
melhor esclarecer o momento em que, quase concomitantemente, alguns psicólogos
deram início às suas atividades como modificadores de comportamento.
O prof. Keller veio pela primeira vez ao Brasil em 1961, como professor visitante
da Universidade de São Paulo (USP), onde permaneceu um ano. Em 1964 retornou
para lecionar na Universidade de Brasília, onde ficou, então, apenas alguns meses. Foi

8 Nilcc Hnliclro Mcjl.i*


nos contactos estabelecidos nessas visitas que o eminente professor introduziu, em nosso
meio, uma nova abordagem psicológica baseada na análise experimental do
comportamento. E embora não fosse a psicologia clinica objeto precipuo de seu interesse
, sua influência não poderia deixar de abrangê-la, inspirando as primeiras experiências
em modificação de comportamento entre nós. Quais teriam sido as pessoas que as
realizaram e quais teriam sido as circunstâncias que rodearam suas experiências?
Ante tais indagações, o que me ocorreu, ao ser solicitada a escrever sobre a
história da modificação do comportamento, não foi uma sucessão de acontecimentos
em que se inseririam os vários profissionais responsáveis pela introdução da área. Outros
psicólogos já se dedicaram a isso e continuam se dedicando, com extrema competência.
O que me ocorreu, como tema de interesse, foi procurar esclarecer as circunstâncias
especiais que rodearam alguns dos primeiros modificadores que trabalharam entre nós.
Como eles, em determinado momento, passaram a desenvolver essa área? Qual teria
sido a trajetória de cada um, ao se tornar um modificador? Imaginava, com base em
BACHRACH (1966) e mesmo em WOLF, RIESLY & MEES (1964), que as circunstâncias
poderiam ser as mais fortuitas, mas, quem sabe, não envolveriam alguns acontecimentos
comuns, característicos de nosso meio?
As trajetórias descritas, com exceção da minha, naturalmente, basearam-se em
entrevistas realizadas com os próprios modificadores, tendo em vista as seguintes
questões: I. como v. entrou em contacto com a análise experimental do comportamento?
2. como tiveram início suas atividades de modificador? 3. que circunstâncias rodearam
esse início? 4. quais as pessoas que tiveram influencia em suas iniciativas de modificador?
5. quais foram suas primeiras publicações na área?
Ao elaborar esta apresentação, limitei-me aos trabalhos pioneiros de três
modificadores de comportamento em São Paulo e aos primórdios da realização de cada
um.

1. As trajetórias pessoais

Rachel Rodrigues Kerbauy


Em 1963, Rachel estava ligada por uma bolsa de estudos ao Centro Regional de
Pesquisas Educacionais “Prof. Queiroz Filho" (filiado ao Instituto Nacional de Estudos
Pedagógicos, por sua vez ligado ao Ministério de Educação e Cultura), quando soube,
através da profa. Maria José de Barros F. de Aguirre, que um psicólogo americano estava
apresentando um curso de psicologia em moldes diferentes dos tradicionais, que
certamente a interessaria. E recomendou que, caso estivesse de fato interessada,
procurasse o prof. Rodolfo Azzi, que havia trabalhado com o prof. Keller e estava agora
trabalhando com o prof. Gilmour Sherman, atual professor do curso em questão. Rachel
procurou, então, aqueles professores, o que resultou em sua matrícula no referido curso,
que acabou se tomando extremamente importante pela influência que acabou por exercer
em sua vida acadêmica. Dessa época, guarda, do prof. Sherman, uma das lembranças
mais bonitas e mais caras de sua vida de estudante - foi uma aula sobre condicionamento

S o ln r iv m / w r ta tn e n to c cohii I ç.I o 9
secundário em que o professor demonstrava o que ensinava, sincronizando sua exposição
exatamente com as atividades que o rato executava.

Ainda em 1963, Rachel, recebeu uma bolsa de estudos do Governo francês e


dirigiu-se para a França, onde permaneceu até o fim aquele ano.
De volta a São Paulo, encontrou-se com o prof. Azzi e, desta vez, também com
o prof. Keller, que estava novamente entre nós para programar um curso na Universidade
de Brasília todo voltado para a análise experimental do comportamento. Esses contactos
reafirmaram seu interesse pela área, fato que a fez ir para Brasília para realizar seu
curso de pós-graduação. Naquela Universidade, teve a oportunidade de não apenas
assistir aos cursos do prof. Keller, como de ser sua monitora, além de assistir a aulas de
alguns especialistas que lá estavam, então, como professores visitantes, ou seja, Jean
Nazzaro e R. Berryman. Já nessa época publicou com Jean Nazzaro um experimento
intitulado MA influência da área de estímulos e padrões na aprendizagem de uma
discriminação", no Jornal Brasileiro de Psicologia, vol.2, n.2, 1965.
Em 1964, por razões políticas imperantes no país, o grupo de Brasília se dissolveu
(como se há de lembrar, a atmosfera política era extremamente tensa na ocasião, atingindo
as universidades) e Rachel, então, voltou para São Paulo, onde reiniciou seu curso de
pós-graduação junto ao Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de
Psicologia da USP. Ali defendeu sua dissertação de mestrado, Intitulada "Aprendizagem
de uma discriminação em crianças deficientes e normais e a manipulação de diferentes
reforços", sob a orientação da profa. Carolina Bori, em 1968. Ao defender a dissertação
já era docente daquele Departamento.
Ainda em 1964, ao voltar de Brasília, Rachel procurou Madre Cristina Sampaio
Doria, sua antiga professora na então Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Sedes
Sapíentiae, que reiterou seu convite para que ela fosse lecionar naquela InstltuIçSo.
Contratada para lecionar psicologia experimental ali permaneceu como professora até
1974, quando o Sedes Sapíentiae e a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras São
Bento se fundiram, transformando-se na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Suas primeiras atividades, enquanto docente no Sedes Sapíentiae, foram
dedicadas ao ensino de princípios básicos de análise experimental do comportamento
na disciplina que denominou Psicologia Experimental. Para tanto, montou, entôo, numa
sala, um laboratório com pombos, utilizando-se de caixas de papelão descritas por Skinner
e construídas pelos próprios alunos. Mais tarde essas caixas foram substituídas por
caixas de Skinner padrão, os pombos, por ratos e a sala, ampliada para três. São dessa
época duas publicações: wO ensino em laboratório de psicologia com recursos reduzidos",
J o rn a l B ra s ile iro de P sicologia , 3, 49-55, 1966 e "Análise Experimental do
Comportamento: o ensino de laboratório com pombos", publicado por uma gráfica.
Foi somente em 1969 que, ao lado das opções de escolha entre psicologia clínica,
escolar e organizacional, Rachel ofereceu, aos alunos do curso de psicologia, mais uma
opção, ou seja, formação em modificação de comportamento, ainda sob a denominação
de Psicologia Experimental. Na área de opção escolhida, realizou, a princípio, a
modificação de comportamentos simples, como chupar o dedo e enurese. Quanto á
fonte de leituras básicas utilizada foi constituída pelo JABA e o que encontrava disponível
na época, como “Princípios de Psicologia”, de KELLER, F.S. & SCHOENFELD, N., Sâo

10 Nllce Pinheiro Mejla*


Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1973, traduzido por Carolina Bori e Rodolfo
Azzl. Fez, ainda, algumas traduções especiais para os alunos. Esse curso, mais tarde
denominado "Treino em Modiflcaçflo de Comportamento", passou a prestar atendimento
a crianças e adultos, incluindo treino de para-profissionais e treino em observação. Graças
a auxílio da FAPESP, teve ainda nesse curso, como professor visitante, a colaboração
de H. Mahoney, da Universidade de Pensilvania. Mahoney tinha uma experiência especial
com delinqüentes em chamadas leaming houses, casas em que crianças delinqüentes
viviam com um casal em substituição aos pais. Mahoney e sua esposa haviam vivido
como pais em uma dessas casas. Além do tema sobre delinqüentes, o prof. Mahoney
ministrou também disciplina sobre modificação de comportamento cognitivo.
Parece Interessante notar que o curso sobre modificação de comportamento
dirigido por Rachel, que teve a assessoria constante do prof. Rodolfo Azzi, estava em
pleno funcionamento quando Gary Martin, em 1973, veio, como professor visitante para
a PUC. Ese curso funcionou até 1974, quando a professora passou a se dedicar, em
tempo integral, às suas atividades junto ao Departamento de Psicologia Experimental do
Instituto de Psicologia da USP.
Entretanto, há multo interessada em discriminação e Influenciada, sobretudo,
pela leitura de dois artigos de grande importância na época, ou seja, o de I. Goldiamond
"Self-control procedures in personal behavior problemas, publicado no Psychological
Report, 17, 851-868, 1965, e o de C.B. Ferster, “The control of eating", publicado no
Journal of Mathetics, 1, 87-109, 1962, Rachel passou a se aprofundar nos temas
abordados naqueles artigos e, em 1972, defendeu sua tese de doutorado intitulada
"Autocontrole: manipulação das condições antecedentes e conseqüentes do
comportamento alimentar" sob a orientação da profa. Carolina Bori. O autocontrole
vem constituindo, desde então, sua área de pesquisa e orientação, juntamente com
com portamento e saúde, um tema já implícito em sua tese de doutorado.

Luiz Octavio de Seixas Queiroz


Luiz Octavio entrou em contacto com a análise experimental do comportamento,
como disciplina regularmente ministrada no Departamento de Psicologia Experimental
do Instituto de Psicologia da USP, no início da década de 60. Ainda como aluno daquele
Departamento, cursou em 1962, a disciplina ministrada pelo prof. Gilmour Sherman,
discípulo do prof. Keller, e pelo prof. Rodolfo Azzi, professor do Departamento de
Psicologia Experimental.
Em 1963, foi convidado pela profa. Carolina Bori para terminar seu curso em
Brasília, onde ela e o prof. Rodolfo Azzl, com a colaboração preciosa do prof. Gilmour
Sherman e do prof. Keller - então, novamente no Brasil - estavam programando o curso,
já citado, todo voltado para a análise experimental do comportamento. Depois de alguma
hesitação, temendo os percalços de um mudança grande em sua vida, Luiz Octavio
aceitou o convite, mudando-se para Brasília em abril de 1964. No segundo semestre,
bacharelou-se e começou seu programa de mestrado. E foi realizando esse programa
que foi monitor de laboratório do IAEC, então sendo ministrado pelo prof. Keller.
Quando o grupo de professores de Brasília se dissolveu, Luiz Octavio voltou
para São Paulo.

Sobre comportamento e cognlçflo 11


Em São Paulo, já no início de 1966, foi convidado pelo Reitor da Universidade
Católica de Campinas para ser docente daquela Universidade, onde começou lecionando
psicologia experimental para o segundo, o terceiro e o quarto ano. Foram os próprios
alunos do quinto ano que solicitaram, como matéria optativa, a aplicação dos princípios
da análise de comportamento em clínica. Organizou, então, o curso com a profa. Therèse
Tellegen, coordenadora da clínica, utilizando, como leitura básica, o livro de L.P. Ullmann
& L. Krasner (Eds) Case Studies in Behavior M odification, New York: Holt, Rinehart &
Winston, 1966.
Durante todo esse período, a Clínica do Comportamento foi-se desenvolvendo,
Nessa época, estando em busca de um lugar para estágio dos alunos, Luiz Octavio
entrou em contacto com o Hospital Psiquiátrico Américo Bairral, de Itapira , onde ouviu e
discutiu relatos dos psiquiatras que, interessados no que ouviram, foram a Campinas
para conhecer as instalações da PUCCamp. Dessa visita resultou um convite a Luiz Octavio
para colaborar no atendimento aos pacientes do hospital, colaboração essa que deu origem
à elaboração de sua tese de doutorado intitulada "Modificação de comportamento numa
ala de pacientes crônicos utilizando sistema de economia de ficha: controle das respostas
de higiene matinal através de instruções orais e esmaecímento", defendida junto ao
Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP, sob a
orientação da profa. Carolina Bori, em 1973.
O curso ministrado na PUC de Campinas, em 1969, constituiu sua primeira
experiência em análise experimental do comportamento aplicada. Nesse mesmo ano,
porém, um ano difícil, em que foi baixado o AI-5, o novo Reitor da Universidade entrou
em conflito com um grupo de professores, entre os quais Luiz Octavio que, foco principal
desses conflitos, teve que deixar a Universidade em agosto daquele mesmo ano. Foram
50 os professores que, então, se afastaram da Universidade.
Tendo deixado a Universidade, fundou, então, ainda em Campinas, com os alunos
que atuaram como estagiários, a primeira clínica em modificação do comportamento do
Brasil, que se chamou Clinica do Comportamento. Nessa clínica procurou repetir o
que fazia na Universidade, ou seja, realizar, concomitantemente ao atendimento
psicológico, cursos, pesquisas e publicações. Era prática comum da clínica formar grupos
ao redor de um tema para discussões que se realizavam em reuniões semanais de
cerca de duas horas. Os grupos apresentavam, então, o que estavam estudando. Luiz
Octavio, interessado em compulsão-obsessão, solicitou aos terapeutas de Campinas
que, se tivessem clientes com esse problema, os encaminhasse para a clínica. O grupo
passou a estudar o assunto e uma conseqüência importante desses estudos foi a produção
do artigo intitulado “A functional analysis of obsessive-compulsive problerns with related
therapeutic procedures" publicado na revista Behavior Research and Therapy, 19,
377-388,1981 - uma experiência que Luiz Octavio, por justificadas razões, considerou
como muito gratificante. Primeiro, tratava-se de um artigo longo, para o qual não houve
nenhuma sugestão de alteração ou corte. Depois, ele achou importante o fato de esse
artigo ter tido repercussão internacional, tendo recebido inúmeras solicitações de cópias.
Além disso, foi posteriormente publicado em dois livros especializados, um sobre terapia
de adultos e outro, sobre terapia de crianças. Note-se que o estudo envolvia duas crianças
e dois adultos.Durante todo esse período, a CJÍnica do comportamento foi-se desenvolvendo
chegando a abrigar 23 profissionais. Na realidade ela explodiu e acabou por gerar cerca de

12 Nllce IMdIicIiü Mcjias


de cinco outras clinicas, em Campinas. Ainda em pleno funcionamento, recebeu a visita
do prof. John Boren, recomendado por carta pelo prof. Keller. Esse professor, grande
pesquisador em psicofarmacologia, permaneceu com o grupo durante seis meses.
Em 1972, um grupo de professores da PUC de São Paulo decidiu organizar um
curso sobre modificação de comportamento para o qual desejava a assessoria de um
modificador americano. Como parte desse grupo e no papel de intermediário, Luiz Octavio
solicitou, então, ao prof. Keller a indicação de alguém e este sugeriu o nome de Gary
Martin. Comparecendo a um simpósio internacional sobre modificação, em outubro de
1972, em Mineapolis, Minesota, Luiz Octavio ali encontrou aquele psicólogo com o convite
já formalizado e aproveitou para combinar detalhes de sua vinda. Gary Martin veio para
o Brasil em 1973. Nessa época, além da assessoria desejada, contribuiu também para a
fundação da Associação de Modificação de Comportamento nos moldes da já existente
em Manitoba. Luiz Octávio foi o primeiro presidente dessa sociedade.
Em 1979, a clinica de comportamento foi dissolvida. Convidando dois colegas,
Luiz Octavio organizou um consultório que funciona até os dias de hoje.

Minha própria trajetória


Minhas atividades na área de modificação do comportamento tiveram início em
1968. Entretanto, foi em 1962, como docente na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
de Rio Claro, onde a profa. Carolina Bori introduzira estudos na área, que entrei em
contacto com a análise experimental do comportamento. Em 1963, praticamente nas
vésperas de partir para a Europa, tendo em vista uma bolsa de estudos na Itália, entrei
em contacto com o prof. Gilmour Sherman, discípulo do prof. Keller, que estava, na
época, ministrando aulas na USP como professor visitante. Atendendo a meu pedido, o
prof. Sherman deu-me, então, o endereço em Londres do Animal Laboratory, do
Birkbeck College, da Universidade de Londres, onde estaria trabalhando um outro
discípulo do prof. Keller, J.R. Millenson. Depois de um período de bolsa na Itália, dirigi-
me para Londres, mas lá não mais se encontrava J.R. Millenson. O chefe do laboratório,
docente da Universidade, era, então, o prof. Harry Hurwitz, originariamente da África do
Sul, que concordou em me aceitar como estagiária por tempo praticamente indeterminado.
Nesse período, orientada pelo prof. Hurwitz, tive ocasião de não apenas assistir a aulas
e a seminários, de acompanhar discussões sobre os trabalhos de pós-graduação sendo
realizados, acompanhar de perto os experimentos em andamento, como de realizar,
juntamente com um dos orientandos do prof. Hurwitz, um experimento sobre interação
social com pombos. Tratava-se, note-se, de um estágio ligado à pesquisa básica. E o
que, especificamente, me levou à modificação de comportamento? Nessa época, era
pouco numerosa ainda a literatura sobre estudos com crianças na área, conforme constatei
em pesquisas bibliográficas e, no meu interesse pelo assunto, entrei em contacto com
um psicólogo neo-zelandês, que, justamente, realizava, para seu doutorado, em outra
Unidade da Universidade de Londres, um estudo com criança e estava interessado em
trabalhos ligados com os seres humanos. Foi esse psicólogo que me indicou a leitura de
um artigo que foi de extrema importância para mim, ou seja o artigo de AYLLON, T. &
HAUGHTON, E., “Control ofthe behavior of schizophrenics by food", publicado no Journal
of Experimental Analysis of Behavior, 5, 343-352,1962. Esse artigo, sobre um trabalho

Sobre c o m p o rtam en to e coR n iftlo 13


realizado com esquizofrênicos num hospital psiquiátrico de Saskatchevan, Canadá, foi
importante porque me abriu perspectivas sobre a possibilidade de aplicação de princípios
de análise experimental inclusive à área de educação, Estávamos em 1964 e no fim
desse ano regressei ao Brasil para reassumir minhas atividades na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Rio Claro.
Foi somente em 1968 que, tendo deixado Rio Claro e trabalhando, entâo, na
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Sedes Sapientiae, curso de Pedagogia, recebi
um convite da profa. Maria da Penha Villa Lobos, que, na época, era coordenadora do
Centro Regional de Pesquisas Educacionais “Prof. Queiroz Filho" (o mesmo ao qual
estivera ligada Rachel) para trabalhar na Escola de Aplicação daquela entidade - uma
escola de primeiro grau, sediada na Cidade Universitária da USP, como aliás, o próprio
Centro Regional. Descrevi, então, o experimento de Ayllon e Haughton e falei de minhas
antigas idéias de aplicação de princípios da análise de comportamento à educação. A
profa. Maria da Penha mostrou-se interessada, dando-me, entâo, avaí incondicional
para realizá-las. Outra pessoa de grande importância para a realização deu trabalho,
que abrangeu a totalidade da escola, foi a profa. Jacyra Calazan Campos, então diretora
daquela instituição. Sem o seu incondicional apoio, meu trabalho com certeza não poderia
ter sido realizado.
Iniciadas as atividades, o primeiro resultado concreto obtido foi o estudo "Efeitos
de atenção de colega sobre o comportamento Isolado de uma criança em hora de recreio",
cujo resumo está publicado nos Anais da SBPC de 1969. Há de se notar que as
observações na Escola de Aplicação foram realizadas pelas alunas do Sedes Sapientiae,
em suas atividades de estágio.
Nesse período de primeiras experiências, além da colaboração das pessoas
citadas e do Corpo Docente da escola, tive o apoio de duas pessoas que foram de suma
Importância para o desenvolvimento de meu trabalho: a profa. Carolina Bori, que não
apenas me deu grande incentivo, como me presenteou com o primeiro número do JABA,
datado de 1968, onde constava um trabalho de R. Vance Hall, da Universidade de Kansas.
Interessada no método de observação apresentado naquele trabalho, escrevi então a
Vance Hall, a quem posteriormente enviei o estudo citado. Esse estudo foi generosamente
elogiado por aquele professor, um fato de grande Importância para mim, sobretudo pela
segurança que me deu quanto à realização dos estudos que eu vinha desenvolvendo de
modo bastante solitário. Esses estudos transformaram-se, posteriormente, em minha
tese de doutorado, orientada pela profa. Carolina Bori, defendida em 1973 e publicada
sob a forma de livro, ainda em 1973, com o título "Modificação de Comportamento em
Situação Escolar", pela Editora Pedagógica e Universitária Ltda. e pela Editora da
Universidade de São Paulo. Ainda em 1973, meus contactos com o prof. Vance Hall
tiveram prosseguimento com sua visita ao Brasil, como participante do XIV Congresso
Interamerlcano de Psicologia, realizado em São Paulo. E prosseguiram, ainda, no Inicio
de 1974, com minha ida a Kansas em bolsa de estudo para estagiar durante três meses
junto ao Dept. o f Human Developm ent, da Universidade de Kansas. Naquela
Universidade tive a oportunidade de assistir a aulas e seminários, participar de discussões
com alunos de pós-graduação, entrarem contacto com programas em andamento, como
o Behavior Achievement, dirigido por M.M. Wolf. É importante lembrar que, junto àquela
Universidade, desenvolviam-se trabalhos, de pesquisadores ilustres, como, além de
Vance Hall, Donald B. Baer, Montrose M. Wolf, Todd R. Risley, Don Bushell e James A.

14 Nllce Pinheiro Mejltti


Sherman, entre vários outros.
No mesmo ano de 1974, ingressei no Departamento de Psicologia Clínica do
Instituto de Psicologia da USP, onde passei a desenvolver atividades na área de modificação
de comportamento/terapia comportamental, juntamente com a profa. M. de Lourdes de
Oliveira Pavan, com extensa experiência na área, tendo trabalhado, Inclusive, sob a
supervisão de Joseph Wolpe, nos Estados Unidos. À profa. M. de Lourdes, manifesto aqui
meus sentimentos de profunda saudade.
A profa. M. de Lourdes foi substituída, no Departamento, pela profa. Edwiges R.
de Matos Silvares.
Nessa época, ou seja, na década de setenta, trabalhei em duas traduções de
livros: fiz a revisão de "Os pais são também professores", de W.C. Becker, para a Editora
Pedagógica e Universitária, em 1974, e traduzi (em colaboração) "A mudança do
comportamento Infantil", de J.D. Krumboltz e H.B. Krumboltz, para a mesma editora, em
1977. Além disso, publiquei o artigo "Análise de comportamento aplicada à escola", na
revista Modificação de C om portam ento: pesquisa e aplicação, São Paulo, I (1), 41-
49,1976, editada pela Associação de Modificação de Comportamento.
Ainda na mesma década de 70, comecei a me interessar pela literatura
concernente à área de psicologia da comunidade e, desde então, venho realizando e
orientando trabalhos ligados a essa área.

2. Aspectos comuns e particulares das trajetórias

O primeiro fato, subjacente aos históricos apresentados, é a influência Indiscutível


da vinda do prof. Keller ao Brasil. Foi ele que estabeleceu aqui, com a colaboração
Importante dos professores Carolina Bori e Rodolfo Azzi, a base para que trabalhos
como os descritos pudessem ser concretizados. Foi, assim, em determinado momento
histórico da psicologia no Brasil que se tomou possível a realização de trabalhos pioneiros
como os realizados pelos três modificadores acima.
Um outro fator de âmbito mais restrito, a ser considerado, é que os três
modificadores trabalhavam, então, coincidentemente, como docentes na PUC. Isso leva
a crer que aquela Instituição estaria concedendo, a seus professores, condições para a
realização de novas experiências - condições essas que estariam ainda favorecendo a
grande produção pessoal de cada um, inclusive quanto a publicações. Assim, não apenas
foram introduzidas alterações nos programas de ensino pelos três modificadores, como
se transformaram ambientes com a criação de um laboratório com recursos engenhosos,
no caso de Rachel e a criação de uma clínica inovadora, no caso de Luiz Octavio - uma
inovação que se expandiu para sua clinica do com portam ento. No meu caso particular
essas condições abrangeram a Escola de Aplicação, onde me foi permitido introduzir
algumas alterações de aspecto geral, além de transformar totalmente a organização do
recreio.

Sobre comportamento e copnfçAo 15


Entretanto, no afã de todo esse trabalho, colegas familiarizados uns com os
outros, ligados às mesmas Universidades (à USP, em seu programa de pós-graduação e
à PUC, em seu ambiente de trabalho, embora Luiz Octavio estivesse em Campinas), é
curioso observar que os três modificadores ignoravam totalmente as realizações uns
dos outros. Não seria esse fato um indicadordo ambiente de isolamento acadêmico em
que se vivia em nosso meio, onde ainda eram pouco freqüentes os contactos para
discussões e colaboração inter pares? Esse fato parece confirmar um comentário do
prof. Ferster, quando aqui esteve como professor visitante da USP em 1973, ou seja:
estávamos, na época, muito voltados para ouvir especialistas estrangeiros e esquecidos
de nossos colegas de convívio mais próximo. Por outro lado, o desenvolvimento da área
ainda era recente e os contactos com especialistas mais experientes talvez fossem
relevantes. Daí os convites ao prof. Vance Hall e ao prof. Mahoney e minha solicitação
de uma bolsa de estudos para a Universidade de Kansas.
Quanto aos fatores de desenvolvimento pessoal, parecem variar bastante de
um modificador para outro, mas a presença de algumas pessoas surge como importante
para todos: é o caso do prof. Sherman, com seu curso ministrado em colaboração com
o prof. Azzi, de que foi aluno Luiz Octavio, com sua indicação para meu estágio na
Inglaterra, e o da profa. Carolina que surge nos relatos com um convite aqui, ou a oferta
de uma revista ali, revelando-se atenta ao desenvolvimento de cada um e, sobretudo,
com a orientação das teses. E há de se citar a importância do prof. Azzi no assessoramento
que prestou a Rachel. Além disso, para cada um de nós parece ter havido um convite
decisivo que permitiu a realização do trabalho: o de Madre Cristina, no caso de Rachel,
do Reitorda Universidade Católica de Campinas, no caso de Luiz Octavio e o de M. da
Penha Villa Lobos, no meu. Foram esses convites pessoais que, dando acesso a
diferentes instituições, forneceram o campo de atuação para a realização de nossas
experiências.
Quanto ás publicações, sâo citados artigos e livros que teriam sido inspiradores,
no caso de Rachel e no meu, ou auxiliares importantes do trabalho, no caso de todos
nós.
Enfim, ao verificar os meandros percorridos por cada um em suas realizações,
parece importante constatar o pano de fundo que embasou as atividades de todos. Os
relatos mostram que, de uma forma ou de outra, fomos produtos de uma época e que,
apesar das características próprias e da falta de contacto entre nós, estávamos seguindo
caminhos bastante semelhantes, como que presos a um mesmo fio invisível, ligado às
circunstâncias de um momento. Resta pensar na responsabilidade de quem tem o poder
para criar tais circunstâncias.

Bibliografia
BACHRACH, A.J. Psychological Research: an introductíon. New York: Random House,
1966
MEJIAS, N.P. A abordagem experimental e a psicologia clinica: problemas de relações
entre nomenclatura, formas e espaço de atuação. Boletim de Psicologia, 33
(81), 25-33, 1981.

16 Niice Phihelrv Mc/Lu


WOLF, M.M., RISLEY, T. & MEES, T. - Application of operant conditioning procedures to
the behavior to the behavior problems of an autistic child. Behavior Research
and Therapy, 1964, 1,305-312.

Sobre comportamento e coftnifJo 17


Capítulo 3

A trajetória de um terapeuta
comportamental
Myrian VüHíüs dc Oliveira Linm
(Clínica privada)

L u re k a l" - deve ter sido esta a minha verbalização interna ao assistir, em


1966, no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, como estudante de Psicologia, à
primeira aula de Psicologia Experimental, dada pela Profa. Rachel Rodrigues Kerbauy.
Trazendo uma formação bastante pragmática (Odontologia e Estatística) eu não conseguia
aceitar a abordagem psicanalítica, adotada no Curso, e resistia à hipótese de vir me
tornar terapeuta dentro dessa orientação.
Na montagem de nosso laboratório, Rachel sabiamente supriu a falta de
equipamento eletrônico, caro e sofisticado. Baseou-se no manual da Dra. Reese feito
para trabalho com pombos e utilizando caixas de papeiôo de operação manual,do tipo
preconizado pelo Prof.Sklnner. Orientou-nos para que nós mesmas construíssemos
nossas “caixas experimentais". Conseguimos embalagens dos lenços de papel "Yes”
que foram pintadas. Construímos o disco de estímulo com cartolina e os estímulos em
papel espelho. (1)
Com esse material realizamos a parte prática que foi precedida pela leitura do
livro "Princípios de Psicologia" de Keller e Shoenfeld (2) - recém traduzido, na época,
pela Dra.Carolina Bori e por Rodolpho Azzi. Nos intervalos das sessões experimentais

18 Myrldii Valllai de Oliveira Lima


e de verificação de leitura eram fornecidos textos de aplicação clínica, traduzidos do
inglês pela Rachel ou alguma colega, muitos deles obtidos através do Luis Otávio de
Seixas Queiroz. Foram dois anos de muito trabalho, entusiasmo e vibração.
Naquela época não existiam cursos regulares para a formação do Terapeuta
Comportamental. Neste sentido, cada um tinha um roteiro peculiar, de acordo com as
oportunidades oferecidas. A minha trajetória, que relatarei aqui, é um exemplo do que
ocorria na formação dos pioneiros em Terapia Comportamental em nosso meio.
Por razões pessoais transferi-me para a PUC do Rio de Janeiro em 1968. Dr.
Carlos Paes de Barros, eminente psicanalista, de renome mundial, era o Diretor do Depto.
de Psicologia. Fui sua aluna no curso de Psicologia Profunda. Nâo só permitia que eu
elaborasse as análises de caso usando a abordagem comportamental, como se
interessava em discutir sobre o assunto. Pediu-me que usasse uma de suas aulas para
falar para as colegas sobre Modificação de Comportamento. Lembro-me que apresentei
o texto de F e rster- “Transposição do Laboratório Animal para a Clínica”, utilizado no
curso da Rachel.
No final de 1969, sendo eu professora substituta em Orientação Vocacional, Dr.
Carlos Paes de Barros manifestou interesse em que fosse criado um grupo de estudos
com o objetivo de desenvolver o treinamento e o ensino na área comportamental. Fez
meu contato com Marília Graciano (vinda da USP), que havia conduzido o laboratório de
AEC com um grupo de alunos interessados, dentre os quais Bernard Rangé, Cláudia
Moraes Rêgo e Vanessa Pereira Leite, então meus alunos em Orientação Vocacional.
Foi assim formado o "Centro de Condutoterapia", nome dado por Octávio Soares Leite,
Prof. de Aprendizagem da UERJ, convidado para nos orientar. Octávio estudara em
Londres e tinha estado em contato com o trabalho desenvolvido por Eisenck e Wolpe.
Em 1970, o grupo começou a dissecar o livro: “The Practice of Behavior Therapy",
de Joseph Wolpe (3), editado no ano anterior, e o livro de Relaxamento Progressivo de
Jacobson. (4)
Marília Graciano logo foi para os EEUU para fazer sua Pós-graduação em
Psicologia Social. Octávio, mesmo não tendo experiência clinica, soube orientar-nos
graças à sua sensibilidade e conhecimento teórico. Fez-nos conhecer Wolpe e seu
trabalho. Nosso grupo de condutoterapia (Octávio, Myrian, Cláudia, Vanessa e Bemard)
elaborou um pequeno manual prático de dessensibilização sistemática e de relaxamento.
Treinávamos uns com os outros. Nesta época fui contratada como Professora, Psicóloga
e Supervisora do Instituto de Psicologia Aplicada da PUC-R.J.
Um dos clientes sob meu atendimento tornou-se o primeiro caso de aplicação
da terapia comportamental na PUC do Rio de Janeiro. Atuei como terapeuta, tendo como
co-terapeuta Cláudia Moraes Rego. O planejamento do trabalho clínico era realizado em
grupo quando eram discutidos os resultados de cada sessão. Daí nasceram mudanças,
que foram introduzidas para ajustar a terapia às necessidades do cliente e também para
melhorar o nosso desempenho, inserindo-se acréscimos, por exemplo, à adoção do
relaxamento de Jacobson, foram agregados elementos do relaxamento autógeno de
Shultz, que eu estudara em São Paulo. Este relaxamento mostrou-se mais rápido e
eficaz para o cliente. Até hoje o utilizo. Em seguida a este caso, outros membros do
grupo passaram a atender clientes. Este atendimento foi por mim relatado na 11 Reunião

Sobnr comportamento e cognlfào 19


Anual de Psicologia, em Ribeirão Preto, em Outubro de 1971, como consta dos anais
desta reunião e intitulava-se “Melhora do Rendimento Escolar e da Sociabilidade pela
Dessensibilização". Neste evento a maioria das comunicações era sobre experimentos
com animais (pesquisadores como Maria Amélia Matos, Isaias Pessotti, Maria Lúcia
Ferrara, João Cláudio Todorov, Suzana S.Prado, Cesar Ades, entre outros); trôs eram
de modificação do comportamento com excepcionais e quatro de modificação do
comportamento na escola. A saudosa Neide Solito fez uma análise das respostas verbais
e motoras na interação criança-mãe. Theresa Mettel, além de uma palestra sobre
aspectos clínicos da modificação do comportamento, apresentou modelagem do contato
visual. Luis Otávio de Seixas Queiroz relatou a modificação do comportamento em
hospital psiquiátrico. Nosso caso foi o único relato de um atendimento terapêutico
propriamente dito.
Em Agosto de 1971 o Dr. Carlos Paes de Barros, empenhado em desenvolver
as atividades do Centro de Condutoterapia, mais tarde denominado CEMOC - Centro
de Modificação de Comportamento, e já sob minha coordenação, autorizou-me a
estabelecer contato com os núcleos de Campinas e Ribeirão Preto. Visitei a Clínica de
Luis Otávio de Seixas Queiroz e conheci seu trabalho com o sistema de fichas de Ayllon
no Hospital Psiquiátrico de Itapira. Procurei a Theresa de Lernos Mettel e João Cláudio
Todorov no Depto. de Neuropsiquiatria e Psicologia Médica de Ribeirão Preto. Foram
muito receptivos e Theresa nos forneceu uma série de referências bibliográficas e
ofereceu-se para nos dar supervisão quando precisássemos.
Durante a 1* Reunião de Psicologia em Ribeirão Preto, fui autorizada pelo Depto.
de Psicologia da PUC a estabelecer entendimentos para a vinda ao Rio dos referidos
Professores. No início de 1972 Theresa e João Cláudio passaram a ministrar os cursos
de Análise Experimental do Comportamento e Análise Aplicada do Comportamento e a
primeira a supervisionar os casos em atendimento no Centro de Modificação do
Comportamento.
Em Maio de 1972 licenciei-me da PUC e fui para os Estados Unidos. Lá contatei
Cyril M. Franks, do Instituto de Neuropsiquiatria de Princeton, cujos trabalhos conhecia,
que me aconselhou a fazer seu curso de Modificação de Comportamento na Universidade
de Rutgers.
Matriculei>me também no curso de Métodos de Aconselhamento em Grupo. Ao
término do ano fui aceita para fazer o pós-graduação, mas como Dr. Wolpe acolheu-me
na "Behavior Therapy Unit" do Depto. de Psiquiatria do Centro Módico da "Temple
University", como estagiária, preferi dedicar-me só à especialização em terapia
comportamental que era meu principal interesse.
Além de assistir a aulas, seminários e demonstrações, atendia a pacientes tendo
a supervisão de Debby Phillips na área infantil e na de adultos, do próprio Dr. Wolpe e de
Dr. Allan Goldestein e Michael Serber.
Neste mesmo ano fui aceita como membro da AABT (Association for
Advancement of Behavior Therapy).
Em Outubro de 1972 participei do 6? encontro anual da AABT em Nova York.
Foi grande a emoção de ouvir alguns dos nomes famosos em Terapia Comportamental
conhecidos apenas através da literatura: Agras, Ayllon, Beck, Brady, Vance Hall, Kanfer,

20 Myrlan Vallla» de Oliveira Lima


Mahoney, Meichembaum, Staats, Fensterheim.
Juntamente com o estágio em Philadelphia participava, em Princeton, dos
seminários semanais em terapia familiar com Arnold A.Lazarus.
Em 1973 fui um dos membros do VII Institute in Behavior Therapy, que consistia
em um treinamento intensivo em terapia comportamental, coordenado pelo Dr.Wolpe*,
do qual já havia participado Maria de Lourdes Pavan(USP) há 1 ano atrás. Além dos
pacientes do Hospital, passei também a atender a alguns clientes de Debby Phillips em
seu consultório, em Princeton.
Em Novembro de 1973 fui convidada a continuar como Psicóloga no Eastern
Psychiatric Hospital mas, por razões familiares, voltei para o Brasil.
Aroldo Rodrigues, entâo Diretor do Depto. de Psicologia da PUC do R.J., me
propôs criar a cadeira de Terapia Comportamental Infantil que conduzi de 1974 até 1978,
quando voltei para São Paulo.
No curso de Terapia Comportamental Infantil era adotada uma abordagem global
da terapia comportamental infantil seguindo os parâmetros de Anthony M. Graziano .
(Behavior Therapy with Children) (5) e o enfoque ecológico usado por Debby Phillips.
Além dos autores básicos, procurávamos utilizar os livros traduzidos ou escritos no Brasil
como os das Dras: Carolina Bori, Nilce Pinheiro Mejias, Theresa Mettel, Rachel Rodrigues
Kerbauy.
Em 1974 juntamente com Vanessa Pereira Leite Celestino criamos o Centro de
Psicologia Infantil ( CenPI) no Rio de Janeiro, cujo objetivo era prestar um atendimento
psicológico global a crianças situadas na faixa de 0 a 12 anos de idade. As atividades
desenvolvidas eram terapia comportamental individual e em grupo, e intervenção
ambiental. O Jornal do Brasil, em sua edição de 17.04.74, sob o título "Cura em Família"
noticiou amplamente o que denominou a 1* Clínica Comportamental da Guanabara. O
CenPI oferecia também supervisão, consultoria e desenvolvia cursos, seminários e
palestras sobre modificação do comportamento e intervenção familiar e comunitária. A
equipe atuante era muttidisciplinar (psicólogos, neuropsiquiatras, fonoaudiólogas,
terapeutas ocupacionais, psicomotricistas e fisioterapeutas). Inicialmente era submetida
a uma formação em modificação do comportamento. Theresa Lemos Mettel colaborou
ministrando cursos e participando como consultora. Em meados de 1974 Vanessa Pereira
Leite Celestino se desligou do CenPI e em 1975 este mudou-se para um local mais
amplo em Botafogo e passou a ser também o centro de absorção dos terapeutas
comportamentais vindos de cursos de pós-graduação nos Estados Unidos e Inglaterra
como Maria Isabel Smuck (Terapia Comportamental de Adultos), Maria Lúcia Seidl Moura
e Nina Virginia de Araújo Leite (Aprendizagem Infantil) be?n como vindos de outros Estados
como Sonia Thorstensen Possas (SP), Vera Motta Vecchiatti Socci (SP) e Letícia Silveira
(BA). Em 1976 éramos 18 profissionais atuando em terapia comportamental.
CenPI pode então am pliar sua ação passando a atender transtornos
comportamentais infantis; dificuldades no ajustamento sócio-familiar; problemas de
aprendizagem (escrita, leitura, compreensão, organização do pensamento e métodos
de estudo); atrasos ou falhas no desenvolvimento motor, perceptivo e intelectual;
problemas de fala e linguagem; problemas de ajustamento sexual; terapia de adulto;
terapia de casal e orientação de pais.

Sobrr comportamento e cojjnltfo 21


A partir de 1975 foi criado um estágio em terapia comportamental infantil para
psicólogos e profissionais afins que passou a ser validado por universidades como PUC,
Gama Filho, Santa Úrsula e UERJ. Tinha a duração de 1 ano e carga horária semanal
mínima de 12 horas. Além da parte teórica, havia o treino prático de observação e
atendimento de crianças e pais.
Em 1974 ministrei um Curso de Modificação de Comportamento no IV Congresso
de Deficiência Mental - Rio de Janeiro.
Tivemos, em Julho de 1975, o grande prazer de receber na PUC e no CenPI, a
visita de Dr. Wolpe e sua mulher Esteia, que vieram ao Rio a nosso convite.
O antigo grupo do CEMOC em 1975 se desfez. Passei a me dedicar ao Curso
de Terapia Comportamental Infantil e ao CenPI. Os outros membros passaram a clinicar
utilizando outras abordagens.
De volta a São Paulo, no 2Çsemestre de 1978, fui convidada a participar como
Professora, no curso de especialização em Psicoterapia Comportamental de Adultos do
Centro de Análise Comportamental, coordenado por Suzana Prado, no Intituto Sedes
Sapíentiae.
No mesmo Instituto passei a coordenar e supervisionar o curso de especialização
em Terapia Comportamental Infantil (1979 a 1984). Esta experiência de formação de
terapeutas comportamentais infantis, inicialmente restrita à criança e aos pais, foi ampliada
na direção de uma atuação mais ampla, ou seja, desenvolvendo alternativa de atendimento
a grupos (triagem em grupo, grupo de crianças, grupo de pais), atendimento na
comunidade (instituições, escolas). Dela participaram como professores: Carmen Silvia
de Carvalho, Edna Venegas Franção Jardim, Maria Lúcia de Carvalho, Maria Teresa
Botton Duvekot, Sandra Cury Leite e Vera Motta Vecchiatti Socci.
Em 1981, no 5o Mini-Congresso da ACM - Associação de Modificação do
Comportamento, intitulado Terapia Comportamental Cognitiva, apresentamos um estudo
de utilização do Teste de Frustração de Rosenzweig para avaliação e treinamento da
assertividade.
A partir de 1984 passei-me a dedicar quase que exclusivamente ao trabalho
clínico no consultório e com os terapeutas do antigo curso de especialização do Sedes,
acrescido de alguns outros, foi criado um grupo de estudos em Terapia Cognitivo-
Comportamental com Carmen Sylvia de Carvalho, Cristiana Vallias de Oliveira Lima,
Márcia Myrian Gomes, Margy Kalil, Raul Pacheco Filho, Regina Christina Wielenska,
Sandra Cury Leite, Syívía Steínbruck, que se reunia quinzenalmente funcionando até
1996.
Mesmo tendo Interrompido a função de professora, continuei participando, como
relatora, de vários Simpósios, abordando principalmente os avanços da Terapia Cognitivo-
Comportamental em ansiedade e transtornos afetivos, bem como com casais.
Juntamente com Regina C.Wielenska, escrevi o capítulo do livro de Psicoterapias
Abordagens Atuais, organizado pelo Dr, Aristides Volpato Cordioli, intitulado "Terapia
Comportamental-Cognitiva" (1973) - (6).
A tualm ente, no C onsultório, dedico-m e ao atendim ento de adultos

22 Myrian Vallias de Oliveira Uma


individualmente, de casais e de familias.

Bibliografia

KERBAUY, R.R. (1966) O ensino em laboratórios de Psicologia com recursos reduzidos-


Jornal Br. de Psic., vol. III, nr. 1- pgs. 49-55,1966.

KELLER, F.S. e SCHOENFELD W.N. (1966) Princípios de Psicologia -S.P. Ed. Herder.

WOLPE, J. (1969) The Practice of Behavior Therapy - N.York - Pergamon Press.

JACOBSON, E (1938) Progressive Relaxation, Chicago - Univ.of Chicago Press.

GRAZIANO, A.M. (1973) Behavior Therapy with Children- Chicago -A ldine Publs. Co.

OLIVEIRA LIMA, M.V. e WIELENSKA, R.C (1993) Terapia Comportamehtal-Cognitiva


em Psicoterapias, Abordagens Atuais - Cordioli A.V.org., Porto Alegre: Artes
Médicas, pgs. 192-209.

Sobrr comportamento f cognifão 23


Capítulo 4

Çarry Martin e a experiência da PUC/SP


Stindr<i Cuty
(C'línicd pnv.idi)

C o m o objetivo de trazer alguém que auxiliasse na elaboração do Programa


de Modificação de Comportamento da PUC, os professores Maria do Carmo Guedes,
Hélio Guilhardi e Luiz Otávio de Seixas Queirós pediram sugestões de nomes à Dra.
Carolina Bori que considerou adequado que se consultasse o Professor Fred Keller. O
Dr. Keller indicou o Professor Jack Michael que, impossibilitado de realizar o trabalho ,
apresentou seu ex-aluno Garry Martin como a pessoa ideal para o que estava sendo
solicitado.
Garry Martin era, quando de sua primeira vinda ao Brasil e ainda é , até hoje,
professor da Universidade de Manitoba no Canadá.
Esteve conosco em quatro períodos diferentes: abril de 1973; outubro de 1974;
abril de 1975 e novembro de 1978, permanecendo entre nós cerca de um mês em cada
uma das experiências.
Em 1973 ministrou na USP um curso de Modificação de Comportamento para
alunos de pós-graduação em Psicologia Experimental.
Ao mesmo tempo, dedicava-se intensamente à sua atividade central que era a

24 Sandra Cury
de discutir com os professores Maria do Carmo Guedes, Hélio Guilhardi, Luiz Otávio de
Seixas Queirós, Sérgio Luna, Maria Lucia Ferrara e outros professores da PUC, sobre a
criação do Programa de Modificação de Comportamento naquela universidade. Tive
a oportunidade de interagir com ele nessas duas atividades, por ser aluna do curso de
pós-graduação da USP e professora da PUC.
Nessa ocasião, Martin participou também de discussões na clínica de Modificação
de Comportamento de L.Otávio e Hélio, em Campinas.
Uma observação importante, para a compreensão do que ocorria na época.
Nesse mesmo ano de 1973, a Professora Rachel Kerbauy (com a qual eu
trabalhava) iniciava a primeira turma de especialização em Modificação de
Comportamento no Instituto de Psicologia Sedes Sapientiae da PUCSP. O Sedes, embora
já se intitulasse Instituto de Psicologia Sedes Sapientiae da PUC, ainda não havia sido
verdadeiramente incorporado à PUC, funcionando com instalações e alunos diferentes.
Possuía , até então, três áreas pelas quais os alunos poderiam optar nos dois anos de
profissionalização: clínica, industrial e educacional. A partir de 1973, uma nova opção foi
incluída: a de Modificação de Comportamento, que a professora Rachel vinha testando
desde 1969 com grupos menores. Para esse curso, transferiram-se em 1973 cerca de
quarenta alunos da PUC propriamente dita, dos quais muitos viriam a ser, posteriormente,
professores do Programa de Modificação de Comportamento que estava sendo planejado
com a colaboração do Dr. Martin. Também na PUC, esta seria uma quarta área de
opção.
Em outubro de 1974, o Professor Martin retorna ao Brasil. Ministra um curso de
Modificação de Comportamento para alunos da PUC, outro para profissionais interessados
em Modificação de Comportamento em Excepcionais, várias palestras em diferentes
Universidades e consultoria para a AMAE (Associação Morumbi de Assistência ao
Excepcional). Dedica também um considerável tempo de consultoria à APAE de São
Paulo.
Continua a trabalhar com os professores da PUC SP no desenvolvimento do
Programa de Modificação de Comportamento e no preparo de um artigo que o descreveria.
Do clima dessas discussões, surgiu um dos mais bem sucedidos cursos do Programa,
que se intitulava: Problemas controvertidos.
Colaborou também com o grupo que na ocasião organizava a AMC (Associação
de Modificação de Comportamento).
Em abril de 1975 (portanto esteve conosco em três anos consecutivos), Garry
Martin volta a trabalhar no Brasil. Dá aulas na Faculdade São Marcos e na USP. Ministra
um curso para estudantes da PUCSP e outro em Campinas, juntamente com Maria
Amália Andery, Hélio Guilhardi, Angela Pallotta e Adelaide Palma, sobre Procedimentos
de Modificação de Comportamento com Indivíduos Severamente Retardados.
Ao se referir recentemente àquele ano de 1975, relata o seu espanto com o que
Hélio e Maria Amália tinham conseguido em um ano na área de excepcionais, o que
segundo ele fez com que percebesse não ser mais necessário naquele setor.
Continua, naquele ano, a fazer muitas reuniões com o pessoal dos comitês da
AMC que, no ano seguinte, começaria a editar sua revista: Modificação de Comportamento

Sobre comportamento c cotfnlçilo 25


Pesquisa e Aplicação.
Em sua última vinda ao Brasil, em 1978, Garry Martin dedicou-se a dar consultoria
para a escola Quero-Quero, na qual sua ex-aluna Lucia Williams tinha desenvolvido,
segundo suas próprias palavras, um excelente programa de treinamento.
Deu aulas na Universidade Federal de São Carlos a convite de Lucia Williams,
Larry WiHiams e Celso Goyos, que tinham sido seus alunos e colaboradores na
Universidade de Manitoba. Considerou excelentes os trabalhos que Celso Goyos e Larry
Williams estavam desenvolvendo na UFSCAR.
Mesclando as nossas observações com as do Professor Martin, alguns pontos
ficam muito claros.
Martin foi pioneiro na proposta insistente de que analisassemos as
contingências que operavam sobre nosso próprio comportamento no cotidiano.
Impressionava-se com a carga de trabalho das pessoas que estavam em contato com
ele (cerca de sessenta horas semanais) e achava que uma análise comportamental
cuidadosa levaria a muita economia de esforços. Obteve sucesso em alguns pontos,
sobre os quais atuou com muita criatividade. Em outros, esbarrou com diferenças
culturais que impediam que suas sugestões fossem aplicadas.
Deu uma inesquecível aula sobre “como dar aulas", na qual demonstrou muito
claramente que a maioria dos professores, ao dar aulas, deixa que seu comportamento
fique sob controle exatamente dos alunos que não estão participando e/ou prestando
atenção à aula.
Trabalhou conosco na tentativa de estabelecer condições ideais para a
organização de tempo e favorecimento de concentração adequada.
No que diz respeito ao tempo, o Dr. Martin mostrava-se espantado com dois
aspectos: o descaso com que alunos e professores tratavam do tempo gasto em trânsito
numa cidade como São Paulo - vejam, isto em 1973! - e o que se fazia com horas
marcadas, a naturalidade com que atrasos eram encarados. Sobre este aspecto diz que
rapidamente se adaptou, usando o que até hoje denomina de “O Tempo Brasileiro".
Martin conta que em sua primeira vinda percebeu que, embora brilhantes e bem
informados sobre a Análise Experimental do Comportamento, estudantes e professores
eram um tanto quanto céticos quanto à possibilidade de que uma ciência de boa qualidade
pudesse ser feita em projetos de aplicação. Gastou, em função disso, um tempo
considerável em discussões sobre a necessidade de pesquisadores dedicados a cada
um dos tipos de pesquisa - básica e aplicada - para que houvesse suporte recíproco.
Outro ponto freqüentemente salientado por Martin, tanto em discussões quanto
em bate-papos e, até hoje citado por ele, diz respeito á censura dos grupos.
Eis aqui suas próprias paiavras a respeito disso: Eu tinha chegado a conclusão
de que os trabalhos dos brasileiros em pesquisa básica e em aplicação na
modificação de comportamento eram excelentes e que a maioria deles deveria ser
publicada, tanto no Brasil quanto na América do Norte. Percebei, contudo, que os
brasileiros são às vezes muito sensíveis com a possibilidade de que seus trabalhos,
se publicados, venham a ser criticados por outros brasileiros.

26 Sundr«i Cury
Martin, em vista disso, tentou de todas as formas estimular publicações,
combatendo muito o que denominou de auto-censura dos grupos.
A influência de Garry Martin sobre nós, nâo se restringiu à sua presença no
Brasil. Suas interações conosco continuaram e vários de nossos colegas continuaram
sua formação com ele no Canadá.
Assim ó que, além de receber várias visitas de brasileiros como: Dra Margarida
Windholz, Rachel Kerbauy, Hélio Guilhardi, que foram conhecer seus programas na
Universidade de Manitoba, atuou diretamente com outros brasileiros que permaneceram
lá por períodos mais longos, efetuando outras atividades.
Lucia Albuquerque Williams, fez lá seus cursos de mestrado; Maria das Graças
Andrade (Yaya) trabalhou no Departamento de Modificação de Comportamento em
Manitoba , permanecendo até hoje no Canadá; Maria Amália Andery obteve o grau de
Mestre na mesma Universidade; Angela Pallotta-Comick obteve em Manitoba seus graus
de Mestre e Doutora e; Celso Goyos colaborou com Garry Martin em pesquisas na
Manitoba School for Mentally Retarded Persons.
Os seguintes trabalhos foram publicados pelo Dr. Martin em co-autoria com
professores brasileiros:
Albuquerque-Williams, L., & Martin, G.L. (1979). Self-recordingtraining to improve
effective use of temporary summer staff in institutions for the developmentally disabled:
A demonstrations project. Journal of Practical Approaches to Developmental Handicap,
3,18-21.
Goyos, A.C., Michael, j., & Martin, G .L (1979). Self-recording training to teach
retarded adults to reinforce work behaviors of retarded clients. Rehabilitation Psychology,
26, 215-227.
Martin, G.L. & Pallotta-Cornick, A. (1979). Behavior Modification in sheltered
workshops and community group homes: Status and future. In L.A. Hamerlynk (Ed.),
Behavioral Systems for the Developmentally Disabled.lnstitutional, Clinic, and Community
Environments. New York: Brunner/Mazel.
Pallotta-Cornick, A., & Martin, G.L. (1983). Evaluation of a staff manual for
improving work performance of retarded clients in sheltered workshops. International
Journal of Rehabilitation Research, 6,43-54.
Queiroz, L .., Guilhardi, H., Guedes, M., & Martin, G.L. (1976). A university program
in Brazil to develop psychologists with specialization in behavior modification. The
Psychological Record, 26,181 -188.
Atualmente o Professor Martin continua a se dedicar a pesquisas de Modificação
de Comportamento com Excepcionais e também a pesquisas e aplicações na área da
Psicologia do Esporte. Ele e seus alunos têm usado técnicas de Modificação de
Comportamento para melhorar o desempenho e o bem-estar de atletas e outros
associados ao esporte.
Seus livros mais recentes são:
• Sport Psychology Consulting: Practical Guidelines from Behavioral Analysis

Sobre comportamento e cogniplo 27


• Behavior Modification: What it is and How to do it.
• Psychology: Adjustement and Everyday Living.

28 Sandra Ciny
Seção II

Avaliação
comportamental
Capítulo 5

O conceito de análise funcional


Sônia Pcdtri/ M cycr
(l/n iw rsíd id c São Judas Tadcu)

Ia lar sobre Análise Funcional no contexto terapêutico, requer (a) que se reveja o
próprio conceito de análise funcional, para em seguida (b) questionar sua utilidade na
prática clínica, e (c) que se verifique de que forma ela tem sido conduzida pelos terapeutas
comportamentais.
(a) A importância de se rever o conceito de análise funcional está na comunicação
entre analistas de comportamento, para que possa haver consenso entre eles no uso
desta expressão.
Começando a revisão pelo próprio Skinner, referencial máximo quanto à análise
experimental do comportamento ou à análise funcional do comportamento, verificou-se
que ele tem poucas formulações explicitas sobre a análise funcional, especialmente em
seus livros mais recentes. Em Ciência e Comportamento Humano (1974) ele escreveu o
seguinte:
As variáveis externas das quais os comportamento é função dão margem ao
que pode ser chamado de análise causai ou funcional. Tentamos prever e controlar
o comportamento de um organismo individual. Esta 6 a nossa “variável

Sobrr comportamento c cognlçdo 31


dependente"- o efeito para o qual procuramos a causa. Nossas “variáveis
independentesas causas do comportamento - são as condições externas das
quais o comportamento ô função. Relações entre as duas - as relações de “causa
e efeito" no comportamento - são as leis de uma ciência.
No mesmo livro Skinner aborda a contingência de três termos:
Uma formulação adequada da interação entre um organismo e seu ambiente
deve sempre especificar três coisas: (1) a ocasião em que a resposta ocorre, (2)
a própria resposta, e (3) as conseqüências reforçadoras. As interrelações entre
elas são as contingências de reforço.
Em outras palavras, uma contingência comportamental é definida como uma
regra que especifica uma relação condicional entre uma resposta e suas conseqüências
(Millenson, 1967) e é muitas vezes enunciada com afirmações do tipo s e e n t ã o ... Ou
ainda, contingência se refere a relações de dependência entre eventos: entre a resposta
e o reforço no operante; entre antecedente, resposta e conseqüente, no operante
discriminado; entre uma condição (ou estímulo modelo) e um antecedente e a resposta
e a conseqüência, em uma discriminação condicional; entre uma resposta, um intervalo
de tempo e a conseqüência, em uma contingência de atraso de reforço. Operantes
complexos envolvem múltiplas contingências operando em diferentes combinações,
simultânea e/ou sucessivamente (Souza, 1995).
Contingência é diferente de contiguidade - a justaposição de eventos no tempo
e/ou no espaço; a diferença está na relação de dependência que está presente em um
caso e ausente no outro. Relações de dependência até podem ser contíguas, mas não o
são necessariamente (Souza, 1995).
(b) Quanto á utilidade da análise funcional, trata-se do instrumento básico de
trabalho de qualquer analista de comportamento, inclusive daquele que atua na clínica.
É sua tarefa identificar contingências que estão operando e inferir quais as que
possivelmente operaram no passado, ao ouvir a respeito ou observar diretamente
comportamentos. Ele pode também propor, criar ou estabelecer relações de contingência
para desenvolver ou instalar comportamentos, alterar padrões, como taxa ou ritmo, ou
espaçamento, assim como reduzir, enfraquecer ou eliminar comportamentos dos
repertórios dos indivíduos (Souza, 1995). Vale ressaltar que na clínica estas tarefas
geralmente são feitas em conjunto com o cliente, especialmente no caso de adultos
"normais”.
Mudanças no comportamento só se dão quando ocorrem mudanças nas
contingências. Por isso, a análise funcional é fundamental sempre que o objetivo seja o
de predição ou controle do comportamento, o que certamente descreve a tarefa do
psicólogo clínico.
(c) Mesmo sabendo o que é análise funcional e reconhecendo sua importância,
pode-se dizer que não existe ainda modelos satisfatórios de como conduzi-la em situações
não-experimentais como a da prática clínica. O trabalho desenvolvido em consultório
difere do método de laboratório. Este último é a manipulação deliberada de variáveis,
onde determina-se a importância de uma condição dada, alterando-a de maneira
controlada e observando o resultado (Skinner, 1974). Na clínica, na maioria das vezes,
não controlamos variáveis como é feito no laboratório.

32 Sônia Hcatrlz Meycr


Para conduzir uma análise funcional no contexto terapêutico, encontramos diversas
dificuldades. A identificação destas dificuldades e as propostas de solucioná-las tem como
propósito avançar no desenvolvimento da análise do comportamento. Esta proposta parece
estar de acordo com Skinner (1974) quando este argumenta com relação à objeção feita a
uma análise funcional completa, a de que ela não pode ser levada a efeito, que ela ainda
não foi levada a efeito. Diz que o comportamento humano ó talvez o mais difícil de ser
estudado pelos métodos científicos, mas que a complexidade não nos deveria desanimar.
As dificuldades encontradas podem ser agrupadas da seguinte forma:

1. Dificuldade na identificação da unidade de análise, ou na defini­


ção de classes de resposta:

Millenson (1967) discorreu sobre esta questão dizendo que uma das razões
pelas quais a ciência do comportamento demorou a se desenvolver, baseia-se na própria
natureza de seu objeto, o comportamento, que não pode ser facilmente retido para
observação. É difícil identificar pontos na corrente comportamental contínua, onde
unidades naturais do comportamento possam ser fracionadas. E ainda, não há duas
ações de um organismo que sejam exatamente iguais, porque nenhum comportamento
é repetido exatamente. Mas, para submeter o comportamento a uma análise científica -
isto é, de modo a ser possível predizê-lo e controlá-lo - é preciso dividir o objeto de
estudo de tal modo que alguma coisa fixa e reproduzível possa ser conceituada. Os
métodos da ciência são reservados para eventos reproduzlveis. Millenson segue,
afirmando que pode-se iniciar pela definição de um conjunto algo arbitrário de
comportamentos que preenchem certas restrições e condições. Os critérios originais
para agrupar certas amostras de comportamento podem estar baseados em pouco mais
do que a observação superficial de que o conjunto de comportamentos poderia ser uma
classe de algum interesse. A definição de um operante não coloca qualquer restrição
sobre a amplitude de uma classe de resposta, em termos da quantidade de
comportamento abrangida por ela. A única exigência formal para um operante é que ele
seja uma classe de comportamento suscetível, como classe, de reforçamento.
Na prática clínica não existe instrumento pronto que seja suficiente para fornecer
a unidade de análise mais abrangente e relevante com que trabalhar. Os clínicos bem
sabem que as queixas não indicam necessariamente que comportamentos devem ser
alterados. Testes e inventários podem ser úteis, mas eles não descrevem a função de
um operante. O DSM e o CID fornecem dicas importantes sobre que aspectos podem
ser investigados, mas não são os instrumentos para predlção e controle do
comportamento. Da mesma forma, as principais crenças disfuncionais e/ou estratégias
típicas de cada transtorno de personalidade, na terapia cognitiva dos transtornos de
personalidade (Beck e Freeman, 1993), podem servir de guia aos terapeutas de que
dados pesquisar, ao mostrar que há formas típicas de pensamentos correlacionados a
transtornos específicos de personalidade, mas também não fornecem as necessárias
unidades de análise.

Sobre comportamento c cofjnlçflo 33


A resposta, para o analista do comportamento, é que a definição da classe de
comportamentos com a qual lidar durante a terapia é construída durante o próprio
processo. Isto requer tempo, pois o principal instrumento para isto é a inferência e
verificação das regularidades que surgem nas relações entre respostas e o ambiente, o
que é obtido tanto através de relatos dos clientes quanto pela observação direta.
Isto cria uma situação peculiar. Para identificar a classe de respostas mais
abrangente e significativa, às vezes é necessário prestar atenção às características físicas
(topográficas) do comportamento, às vezes é necessário identificar funções comuns
que comportamentos aparentemente diferentes possuem, outras vezes a indicação mais
forte aparece pela regularidade das condições antecedentes, e na maioria das vezes
percorre-se as várias formas de tentar definir o comportamento com o qual já se está
lidando.
As regras que a análise do comportamento oferece ao terapeuta para a descrição
das contingências em vigor são insuficientes. A experiência clínica tem sido fundamental,
indicando que em parte este é um comportamento modelado por contingências.
A questão da identificação e do tamanho da unidade de análise tem sido lidada
de maneira explícita ou tem sido ignorada pela literatura. Um exemplo do primeiro caso
é proporcionado por Gonçalves (1993), que afirma que a análise funcional compreende
dois processos que, embora distintos, são complementams: microanâlise e macroanálise.
A microanâlise consistiria no estudo das diversas relações contingenciais responsáveis
pela manutenção de um determinado problema. Nesta, são analisados os estímulos
antecedentes as respostas e seus conseqüentes. Ao citar a macroanálise ele afirma que
"a análise da árvore não nos deve fazer perder de vista a floresta. Muito raramente a
problemática do cliente nos aparece circunscrita a um sintoma especifico. Pelo contrário,
na maior parte dos casos, assiste-se a uma coerência histórica e funcional na organização
do repertório comportamental e cognitivo do cliente. O objetivo da macroanálise funcional
6 o de proceder a um levantamento geral dos vários problemas e da história das
aprendizagens do cliente, de modo a possibilitar o esclarecimento da relação funcional
entre as várias áreas do seu funcionamento."
A proposta de macroanálise de Gonçalves (1993) é mais um indicativo do tipo
de problemas que temos enfrentado no atendimento clínico, do que uma sugestão
operacional de como lidar com estes.

2. Dificuldade na definição de classes de eventos antecedentes


e de eventos conseqüentes.
São dificuldades semelhantes às da definição de classes de resposta, isto é,
também podem ser classes cujas características definidoras sejam funcionais e não
topográficas. Além disto, várias conseqüências podem estar seguindo o comportamento
analisado, tornando necessário verificar seus efeitos relativos. Por exemplo, se uma
classe de respostas é por vezes reforçada e por vezes punida, que efeitos isto estará
produzindo? Em momentos como este, dados vindos do laboratório, tais como efeitos
de esquemas múltiplos e concorrentes, podem ajudar bastante.

34 Sônia Bealrtz Mfyrr


3. A identificação da classe de estímulos antecedentes, da classe
de respostas e da classe de estímulos conseqüentes não abar­
ca todas as informações que necessitamos para entender o
caso (para predição e controle do comportamento

A história de vida de um indivíduo é essencial para a compreensão de seu


comportamento atual. Um estímulo só é discriminativo porque houve uma história
relevante de condicionamento. Da mesma forma, apenas alguns estímulos reforçadores
são universais, a maioria adquiriu sua função por aprendizagem. Apesar dos analistas
de comportamento fazerem este tipo de afirmação, e levá-las realmente em consideração,
a especificação dos três termos da contingência (antecedentes, resposta e conseqüência)
não inclui espaço explícito para o papel desempenhado pela história de vida.
Igualmente, o repertório comportamental do indivíduo, as condições sociais e
econômicas em que este vive certamente também são relevantes, são levadas em
consideração pela análise do comportamento, mas não tem espaço de representação
no modelo da tríplice contingência. A mesma análise cabe às condições médicas e
fisiológicas.
Vários autores de renome têm tentado prover modelos para especificar e
representar dados considerados relevantes. Já em 1961, Bijou falava em “setting events”.
Jack Michael publicou em 1982 um texto onde introduziu o termo técnico "operação
estabelecedora", diferenciando-o da função discriminativa de estímulos. Em poucas
palavras, operação estabelecedora é qualquer mudança no ambiente que altera a eficácia
de algum objeto ou evento como reforçador e que simultaneamente altera a frequência
momentânea do comportamento que foi seguido portal reforçamento. Exemplos típicos
são a privação e a saciação, mas existem outras operações estabelecedoras.
A expansão do modelo de contingências de três termos para o de quatro termos,
e mesmo para o de cinco termos que vem sendo estudado extensivamente em laboratório
com seres humanos, também parece indicar que há necessidade de se incluir mais
elementos para se efetuar análises de comportamentos mais complexos, como os
envolvidos em linguagem e pensamento.
Segura, Sánchez e Barbado publicaram em 1991 o livro “Análisis Funcional de
Ia Conducta: un modelo explicativo” no qual, através de ampla fundamentação,
combinaram os conceitos de Skinner e de Kantor, propondo um modelo bastante complexo
e completo de análise a ser conduzido na prática clínica. Explicitaram um segmento
anterior à análise funcionai que deveria englobar variáveis disposicionais do ambiente e
do indivíduo, que sem serem funcionais, afetam a interação. Seriam condições do
organismo e do ambiente que “afetam", “tornam mais provável" ou “dispõem a favor ou
contra” a ocorrência da interação. As variáveis disposicionais do ambiente segundo elas,
incluem o meio de contato, o contexto próximo, o contexto amplo e os valores sociais. As
variáveis disposicionais do indivíduo incluem a história de condicionamento, a privação
e saciação, condições do organismo (sistemas de contato, momento evolutivo/involutivo,
alterações funcionais ou estruturais) e a História Intercondutual que abarca as habilidades
básicas, a taxa de estimulação reforçadora, as funções de reforço prioritárias, e a
aparência física.

Sobre comportamento t cogniçdo 35


Cada um destes termos está explicado e exemplificado no livro, mas não há
espaço suficiente para reproduzi-los aqui. A grande vantagem deste trabalho foi o de
evidenciar a importância de uma maior quantidade de informações, que ultrapassa a
descrlçflo dos três termos da contingência para a previsão e controle do comportamento.
Mas é um modelo difícil de ser aplicado e que utiliza alguns conceitos controversos, é,
entretanto, um bom ponto de partida para estudar a maneira de enfrentar o desafio de
lidar com a difícil tarefa de conduzir Análises Funcionais dos casos atendidos em
consultório.
É importante ressaltar que as dificuldades apontadas se referem somente à
organização da multiplicidade de dados que fazem parte das relações funcionais. Não
são dificuldades com a base teórica do behaviorismo, fornecida por Skinner.

Bibliografia

BECK, A. e Freeman, A. (1993) Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade.


Porto Alegre: Artes Médicas.
BIJOU, S. W., e Baer, D. M. (1961) Child development I. A systematic and empirical
theory. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, Inc.
GONÇALVES, O. (1993) Terapias cognitivas: Teorias e práticas. Porto: Ed. Afrontamen-
to.Michael, J. (1982) Distinguishing between discriminative and motivational
functions of stimuli. Journal ofthe Experimental Analysis of Behavior, 3 7 ,149-
155.
MILLENSON, J. R. (1967) Princípios de análise do comportamento. Brasília: Coordenada.
SEGURA G., M., Sánchez Prieto, P., e Barbado Nieto, P. (1991) Anâlisis funcional de Ia
conducta: Un modelo explicativo. Granada, Espanha: Universidad de Granada.
SKINNER, B. F. (1974) Ciência e comportamento humano. São Paulo: Edart.
SOUZA, D. G. (1995) O que é contingência? Trabalho apresentado na Mesa Redonda
Primeiros Passos: Aprenda o Básico, durante o IV Encontro Brasileiro de Terapia
e Medicina Comportamental, Campinas.

36 Sônia Kcatrlz Meyer


Capítulo 6

Análise funcional: o comportamento do


cliente como foco da análise funcional
MalyPcIitti
IX/C/ST

O modelo clínico da Terapia Comportamental baseia-se na proposta do


Òehaviorismo, que preconiza o conhecimento empírico e os dados obtidos em laboratório
como substrato indispensável para a compreensão do homem e conseqüente utilização
na análise do comportamento humano.
No que diz respeito á aplicação deste campo do conhecimento na prática clínica
existem uma série de questões que podem ser apontadas, principalmente no que diz
respeito à objetividade e acurácia do processo terapêutico.
Kanfer (1989) questiona o método científico como um Instrumento infalível para
a obtenção de dados e discute a possibilidade ou não de uma relação direta entre os
eventos de pesquisa e a sua aplicação na prática clínica.
Esse autor aponta alguns aspectos interessantes entre o clínico e o pesquisador,
afirmando que Hos sistemas conceituais científicos e a prática da psicoterapia não podem
ser idênticos". É feita uma análise de alguns dados, objetivos, critério de sucesso, tamanho
da unidade de análise, etc., que poderiam levar a um distanciamento entre as duas
áreas de atividade. No entanto, Kanfer (1989) propõe que uma série de cuidados sejam

Sobre comportamento e cofliilçilo 37


tomados com o objetivo de garantir que o conhecimento científico seja efetivamente
utilizado na prática clínica. A formulação adequada e objetiva do problema segundo uma
linguagem científica, a busca constante de tecnologia derivada do laboratório e a
monitoração objetiva dos resultados são alguns dos passos propostos pelo autor.
Com a mesma preocupação quanto à questão da distância entre o laboratório e
a psicoterapia, Kerbauy (1996) coloca que:

"A interpretação de um fenômeno, fora do laboratório, mas usando princípios


descobertos, faz parte da construção e aplicabilidade da ciência. Em clinica,
estamos interessados em investigar a história passada e os comportamentos da
vida diária e explicá-los e não temos experimentos sobre os mesmos. No entanto,
a interpretação ô o melhor que podemos fazer, e nos pautamos pela ética e
metodologia de trabalho.
A situação clinica, ao ser estudada, apresenta um conjunto de dificuldades
metodológicas e o estudo experimental, de grupo ou individual, não esgota a
situação clinica. Além de aplicar princípios e fazer análises, 6 possível, através da
análise do comportamento (AC) identificar variáveis controladoras das
verbalizações do terapeuta e do cliente durante a interação. ”

A análise funcional, nesta perspectiva, é um dos instrumentos mais valiosos


para a prática clinica, pois é a partir dela que é possível o levantamento correto dos
dados necessários para o processo terapêutico. Entretanto, fazer a análise funcional
correta é o grande desafio para os terapeutas, por se tratar de uma das tarefas mais
difíceis do processo. A identificação das variáveis e explicitação das contingências que
controlam o comportamento permitem que sejam levantadas hipóteses acerca da
aquisição e manutenção dos repertórios considerados problemáticos e, portanto,
possibilita o planejamento de novos padrões comportamentaís.
O processo terapêutico envolve, no mínimo duas pessoas e, embora o terapeuta
seja fundamental, de modo geral, é o comportamento do cliente que é o foco primário da
análise funcional. O cliente é alguém que se encontra em uma situação que considera
aversiva, e procura o terapeuta para que este quadro se altere. Ele busca alguém que o
“cure", isto é, sente e percebe em sua vida que algo está errado, e quer mudar. No
entanto, o analista do comportamento sabe que o comportamento que um indivíduo
emite foi selecionado pelas conseqüências, tem uma função dentro do seu repertório,
mesmo quando aparentemente é inadequado.
Um exemplo do caráter funcional de um comportamento aparentemente
inadequado é aquele padrão comportamental chamado, por alguns terapeutas, de
“paradoxo-neurótico". Trata-se do indivíduo portador de Transtorno Obsessivo-compulsivo
(TOC), que tem pensamentos (comportamentos encobertos) relacionados a sujeira, ou
germes em suas mãos. A ansiedade relacionada a tais pensamentos traz uma estimulação
aversiva da qual o indivíduo se esquiva lavando as mãos compulsivamente. Entretanto,
o lavar de mãos compulsivo tem como conseqüência outro estímulo aversivo: mãos
feridas, dores, etc. Então, este indivíduo, diante de um conflito esquiva-esquiva (ou

38 • Muly Pcllltl
ansiedade ou dor nas mãos) emite um comportamento que parece estar sendo punido,
mas que, na realidade, é reforçado negativamente pela remoção dos estímulos aversivos
relacionados aos comportamentos encobertos.
Portanto, a primeira consideração que precisa ser feita é que o comportamento
do cliente tem uma função. Cabe ao terapeuta descobrir porque (em que contingências)
este comportamento se instalou e como ele se mantém. Esta descoberta se faz pela
análise funcional que, em clínica, envolve pelo menos três momentos da vida do cliente:
sua história passada, seu comportamento atual, e sua relação com o terapeuta.
Vou agora traçar algumas considerações acerca de cada um destes momentos.
Para exemplificar, escolhi fragmentos de sessões de um mesmo cliente em diferentes
etapas do processo terapêutico.
O cliente é um homem de 34 anos, a quem chamarei de P.; é engenheiro
eletrônico, e trabalha em uma empresa de telecomunicações. Mora com os pais, com
quem tem um péssimo relacionamento, falando com eles apenas o essencial. Tem um
irmão mais velho que já se casou e com quem quase não tem contato. Sua queixa
refere-se a uma extrema dificuldade de relacionamento em geral, com ênfase no contato
social e afetivo com mulheres. Nunca teve uma namorada, não tem amigos ou amigas e,
embora o quisesse, nunca teve experiência sexual, pela dificuldade de aproximação.
Passa seu tempo livre em casa, assistindo televisão ou em frente ao computador. É
inteligente, bem articulado, percebe seu défícit comportamental, e relata sentir muita
solidão, tristeza e ansiedade, tendo uma “vida chata, vazia, cinzenta” (sic.).
Em relação à história passada, o acesso é feito via relato verbal, embora haja
casos em que seja difícil analisar a aquisição do padrão comportamental. Isto é comum
quando o cliente tem dificuldade de se lembrar, ou se esquiva de falar de situações
passadas por serem aversivas. O terapeuta pode se utilizar então de outros recursos
para acessar estas contingências pouco claras. Estou me referindo ao uso de análise
funcional através do relato de sonhos, fantasias, ou a utilização de poemas ou músicas
que possam funcionar como estímulos discriminativos para evocar eventos da história
passada do cliente.
De modo geral, entretanto, através do relato verbal, o terapeuta tem acesso à
história de vida do cliente (sua história de aprendizagem, desde processos de modelação,
instrução ou reforçamento diferencial, esquemas de reforçamento, contingências
aversivas, etc.).
O terapeuta poderá então avaliar o repertório existente no passado, a capacidade
de discriminação do cliente e as contingências que atuaram na instalação ou não daquele
conjunto de padrões comportamentais. A partir desta avaliação, e da análise de sua
relação com o ambiente, será possível levantar hipóteses acerca de porque determinados
padrões comportamentais permanecem (mantidos por regras) mesmo quando as
contingências são totalmente diferentes. O primeiro exemplo que quero citar refere-se a
dados da história passada de P. aos quais tive acesso através de seu relato e do
depoimento de sua mãe, que o mesmo fez questão que comparecesse a urna das
sessões.
P. relatou que “era um adolescente tímido, constantemente curioso e assustado
com as meninas", que riam dele, por achá-lo desajeitado. Seu pai referia-se a ele como

Sobre comportamento r copnlç<lo 39


um fracassado, dizendo que com mulheres ele não tinha jeito, ao contrário de seu irmão
mais velho, que era um grande namorador. Quando tinha quinze anos, P. tentou se
aproximar da menina mais bonita e popular da classe. Esta, além de rir dele, contou para
todòs os colegas que ele havia ficado “vermelho como um tomate” ao falar com ela.
“Vermelho como um tomate" adquiriu propriedades de estimulo aversivo condicionado,
e a regra “se eu for falar com alguma moça, vou fícar vermelho como um tomate, e tudo
vai dar errado" passou a controlar o comportamento de esquiva de se afastar de moças
em geral.
A partir destes dados do passado, pude perceber que o ambiente deste cliente
foi pródigo em punições, e que a constante comparação com o irmão mais velho
(namorador) era uma fonte de estimulação aversiva, pois o irmão funcionava como um
modelo inatingível, sempre reforçado pelo pai. Seu comportamento, já inadequado, de
aproximar-se de uma mulher, ficou ainda mais deteriorado a partir do momento em que
foi punido pela garota que riu dele e o expôs ao ridículo. Pode-se até hipotetizar que,
aproximar-se da menina mais bonita e popular foi um comportamento imitativo resultante
do efeito de modelação exercido pelo grupo de colegas. Sabemos que na época da
adolescência, os modelos de prestígio controlam fortemente o comportamento dos jovens.
Esta situação, além da história de punição por parte do pai levou-o ao desenvolvimento
da regra que passou a controlar seu comportamento de esquiva social.
O segundo aspecto da análise funcional refere-se ao comportamento que o cliente
emite e as contingências que o mantém no momento atual. Novamente, nesta situação,
o acesso que o terapeuta tem a esses dados é através do relato verbal do cliente ou,
mais raramente, ao menos na situação de terapia em clínica particular, através do registro
do comportamento. No caso de P. tive a oportunidade de ouvir o registro de uma interação
verbal. A terapia deste cliente estava em sua 24a sessão, quando ele conheceu uma
moça em seu ambiente de trabalho. A partir de discussões na situação clínica, ele se
propôs a enfrentar seus temores advindos da regra "se eu for falar, vou fícar vermelho
como um tomate e tudo vai dar errado”. Ao invés do comportamento de esquiva, ele se
dispôs a emitir outra classe de comportamento: falar com a moça; pois já discriminava
que a situação era outra, isto é, as contingências haviam mudado. O cliente agora estava
sob controle de uma nova regra, desenvolvida na situação terapêutica : “se eu tentar,
tenho 50% de chance de conseguir; se nSo tentar, a chance é zero”. Sendo engenheiro
eletrônico, o cliente tomou a iniciativa (sem solicitação ou sugestão do terapeuta) de
gravar uma conversa telefônica entre ele e a colega de trabalho. Tive, a partir deste fato,
a oportunidade de levantar algumas reflexões que me pareceram, e ainda me parecem,
bastante relevantes. Primeiramente, ao ouvira fita, concluí que não havia um problema
quanto à forma ou topografia de seu comportamento verbal. Isto é, ele falava de modo
claro, bem articulado, em um tom adequado, sem titubear ou gaguejar. Por outro lado, o
conteúdo de sua fala mostrou-se, no mínimo, atípico para uma situação de paquera ou
tentativa de namoro. Durante os minutos de gravação que ele fez, todas as usas
verbalizações envoíviam queixas de doenças, descrição de sintomas e relatos de
medicamentos e seus efeitos colaterais:

P: - Oi, como vai ?


M: - Tudo bem, e vocô ?

40 Maly pflltll
P: - Ai, você nem imagina, estou super gripado.
M; - Que chato.
P: - Pois é, uma gripe horrível, com dor de garganta, febre, e nariz escorrendo.
M: - Puxa!
P: - Pois 6, eu comecei a tomar aspirina, mas me deu dor de estômago. Aí tomei um
remédio para azia, me deu dor de cabeça. Nem sei mais o que fazer.
M: - Tenta descansar e tomar vitamina C. Aquele dia no trabalho, vocô se queixou que
estava cansado.
P: - Também já tomei, mas nâo adiantou. E você, está legal?
M: - Ah, eu estou. Hoje é sábado, não tem trabalho, pude dormir até tarde, e estou
ótima. E você, vai fícar em casa hoje ?
P: - Acho que vou. Também com esta dor horrível no corpo, indisposição e cansaço.
Acho que vou tomar um dorflex.
M: - Olha, faz assim, vamos desligar, você descanse bem, outro dia a gente conversa.
P: - Bom, tá bem, já que você quer assim.
M: - Não, é que vocô está muito mal. Tchau.
P: - Tchau
Pode-se claramente perceber que o conteúdo desta conversa não se enquadra
em nenhuma categoria de comportamentos que podemos chamar de paquera ou
aproximação social; ao contrário, é um comportamento que poderia ser considerado
adequado se ocorresse entre o cliente e seu módico, farmacêutico, ou em uma situação
cujo objetivo não fosse namorar. Além da constatação do défícit deste repertório, também
pode-se perceber que o comportamento verbal do cliente foi reforçado pela atenção da
jovem, com quem falava. Percebe-se também que esta, gradualmente foi se mostrando
aborrecida. Quando ela pergunta o que ele vai fazer no sábado, parece que está
sinalizando alguma possibilidade de reforçamento para ele (talvez pudessem sair), mas
quando ele recomeça a se queixar da doença, ela encerra a conversa (punição). O
registro desta interação verbal me deu oportunidade de observar e analisar com o cliente
como o comportamento dele influía no dela e vice-versa.
Nesta sessão, P. me relatou que não tinha assunto, que não sabia sobre o que
conversar. Levantamos então alguns assuntos que seriam adequados para uma conversa
social, como cinema, política, poesia, música, etc. Ele me perguntou se eu gostava de
poesia, e ficou satisfeito ao saber que sim. Foi interessante perceber que, nesta ocasião,
ele discriminou que assuntos que achava serem chatos para os outros (como poesia)
podiam, na verdade, ser interessantes. Nessa interação, ele aprendeu via modelação do
terapeuta.
Além disso pude ainda questionar o por que deste cliente ter me trazido este
registro. Ou seja, qual foi a função deste comportamento em sua interação comigo? Ele
me trouxe a fita porque achava que eu não conseguiria imaginar como ele se comportava
e portanto duvidava da minha capacidade de discriminação? Ou duvidava da sua

Sobre comportamento e coriiIçüo 41


capacidade de relatar com precisão? Ou trouxe, porque tendo um padrão obsessivo de
comportamento, precisou me mostrar em detalhe como realmente se comportava fora
da terapia? Conversando com ele, conclui que se tratava da terceira hipótese. Ele me
disse que queria que eu fosse “uma mosquinha para ver como ele se esforçava para
mudar” .
Estou agora me referindo ao terceiro aspecto do cliente que deve ser foco da
análise funcional: o comportamento que ocorre dentro da sessão terapêutica. Sempre
que pergunto ao cliente o que você está sentindo agora ?"ou *- quando você me faiou
sobre este assunto, o que estava pensando ?" estou tentando analisar as contingências
do momento da sessão.
Quanto à situação terapêutica, é impossível deixar de lembrar que ua audiência
não punitiva cria condições para que o comportamento outrora punido volte a aparecer
no repertório do cliente" (Skinner, 1967). Além disso, como aponta KOhlenberg (1987),
os comportamentos clinicamente relevantes, quando ocorrem durante a sessão, podem
ser mais eficazmente observados e modificados pela intervenção direta do terapeuta.
Na verdade, a sessão de terapia é a única situação em que o terapeuta pode
realmente fazer a análise funcional, porque é o único momento de ocorrência do
comportamento que pode ser observados diretamente em sua topografia, intensidade e
frequência de ocorrência.
Comparando-se os dados da história passada com os dados comportamentais
do momento da relação terapêutica, posso fazer um prognóstico, pois posso avaliar
como era o repertório deste indivíduo, e como ele se desenvolveu durante sua vida. Meu
planejamento ficará mais efetivo, pois saberei melhor acerca da capacidade de
discriminação do indivíduo (se já desenvolvida ou não); se o mesmo reage facilmente a
eventos externos, ou se precisa de uma estimulação mais intensa; qual é a sua capacidade
de reagir às punições, ou sua resistência à extinção; seu potencial para lidar com a
ansiedade, etc..
Na verdade, o sucesso do processo terapêutico depende da inter-relação entre
estes três momentos da análise funcional.
Para concluir, gostaria de apontar alguns cuidados que me parecem aumentar a
probabilidade de a análise funcional se mostrar eficaz. Em primeiro lugar, ao fazer a
análise dos comportamentos que ocorrem durante a sessão, o terapeuta deve estar
atento ao fato de que ele próprio está fazendo parte das contingências, sendo ao mesmo
tempo estímulo discriminativo e reforçador, ou melhor dizendo, funcionando como um
elo da cadeia comportamental. Explicando melhor, o terapeuta precisa ter bem claro se
o comportamento que o seu cliente está emitindo faz parte de seu repertório geral, ou se
ocorre especificamente no controle de estímulos da situação terapêutica e, portanto,
tem a ver com a relação terapêutica.
Voltando mais uma vez a um fragmento do processo terapêutico que escolhi
para apresentar neste trabalho, gostaria de relatar um fato que ocorreu em uma das
sessões mais recentes:

42 M.ily PtliW
P. chegou, sentou-se e me disse: *Maly, abre aspas..
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes réles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu, tantas vezes, irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
(...)

Poema em linha reta (Fernando Pessoa-Âlvaro de


Campos)

Assim que ele terminou, eu disse: “P., abra aspas...

Sou um evadido,
Logo que nasci, fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser,
Por que nâo se cansar ?

(...)

Poesias Coligldas/lnédltas (Fernando Pessoa)


Ao terminar minha‘fala, eu fiquei em silêncio, e ele me disse
“É, você sempre consegue me entender'.
Perguntei-lhe porque ele escolhera esta linguagem (a poética) neste dia, e ele
respondeu que era porque achava que este poema exprimia bem seus sentimentos
naquele momento, e também porque se lembrava que eu gostava de poesia. Como se
percebe, este foi um comportamento que foi reforçado na sua relação comigo, e que já
havia sido generalizado para outras situações (P. escreveu uma poesia e levou para sua
colega de trabalho, que ficou contente).
Um segundo cuidado, mas igualmente indispensável para a eficácia da análise
funcional é que o terapeuta continue ligado aos dados de pesquisa, às novas descobertas,
que estudam cada vez mais comportamentos complexos. Sabemos que a definição da
unidade de resposta é um dos maiores problemas para a análise funcional, ainda mais
na situação clínica onde os comportamentos sâo extremamente complexos. Portanto, a

Sobre comportamento e cognlfdo 43


preocupação e o envolvimento do terapeuta com a situação de pesquisa devem ser
constantes. Kerbauy (1996) afirma que existem “dificuldades: grande número de variáveis
existentes no processo terapêutico, e especialmente a natureza do evento privado de
parte delas". O desafio é “encontrar maneiras de fazer esta análise, de especificar como
é a interpretação realizada por aquele terapeuta específico" (Kerbauy, 1996).
Acredito que para resolver questões tão importantes como a do papel da análise
funcional na prática clínica, uma série de iniciativas vêm sendo tomadas em pesquisa e
aplicação.
Para encerrar, gostaria de dizer que a prática da análise funcional acompanha o
terapeuta desde o início do processo - no levantamento das hipóteses durante o
mesmo - orientando a observação acerca do comportamento do cliente na sessão e
seus relatos sobre o que acontece fora da mesma e também no final do processo -
no planejamento da manutenção e generalização das mudanças comportamentais
obtidas.

Bibliografia

KANFER, F.H. (1989) The Scientist-Practitioner connection: Myth or Reality? A Response


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KERBAUY, R.R. (1996) Preenchendo a distância entre o laboratório e a psicoterapia.
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Perspectives.New York: Guilford Press.
PESSOA, F. (1976) Obra Poética. Rio de Janeiro. Ed. Nova Aguilar.
SKÍNNER, B. F. (1967) Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes

44 Muly Pcllttl
Capítulo 7

A análise funcional no contexto terapêutico


o comportamento do terapeuta como foco da
análise
A/i‘lio José C/uillum ii- Instituto de Análise dc Comportamento PU C/C 'ampinas
PüM cíü fíanvs Hnsoni Souza Queiroz -PUC/Cam pinas

D u ra n te uma sessão de terapia a cliente depressiva afirmou que não via mais
sentido em viver. Foi pedido a ela que citasse uma poesia que algum dia a tivesse
tocado de forma especial. Ela parou de chorar.
- Há tanto tempo não penso em poesia, respondeu. Lembro-me dos primeiros
versos...nem sei de quem são... são lindos.
Vi uma estrela tão alta.
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo.
Na minha vida vazia.
- Não me lembro mais.
- É de Manuel Bandeira (1986)', o terapeuta respondeu. Traga-a na próxima

1 A p o es ia c o m p leta e n c o n tra -s e no A p ên d ic e I.

Sobre comportamento e cotjnlçüo 45


sessão. Essa poesia fala muito sobre sua própria vida. E sobre o poeta? Valeria a pena
vocé saber como ele encarava a vida...
Descobriu-se, de fato que esse episódio forneceu muitos elementos para a cliente
começar a se conhecer melhor e a lidar com sua vida de maneira mais construtiva. A
poesia e a biografia de Manuel Bandeira forneceram muitos SAs para ela tomar consciência
das contingências que controlavam sua vida.
Por que o terapeuta procedeu assim? Seus procedimentos não sSo aleatórios.
Há contingências que determinam seus comportamentos. Pode-se dizer que essas
contingências tornam-no “consciente" do que está ocorrendo na sua relação com o cliente.
O terapeuta precisa, ele próprio, ter consciência das contingências que controlam os
comportamentos do seu cliente, para criar as condições necessárias que permitirão ao
cliente conhecer essas contingências. Isto porque, de acordo com Skinner (1945/1959,
p. 281), “estar consciente, como uma forma de alguém reagir ao seu próprio
comportamento, ó um produto social." E, na relação terapêutica, o elemento funcional
(social) para desencadear(e prover o processo de conscientização no cliente é o terapeuta.
A citação de Skinner (1945/1959,p.281) servirá de referência para o
desenvolvimento do presente trabalho:
“...é somente porque o comportamento do indivíduo é importante para a
sociedade (para o terapeuta) que a sociedade (o terapeuta) torna-o, então,
importante para o indivíduo. Alguém se torna consciente do que está fazendo
somente após a sociedade (o terapeuta) ter reforçado respostas verbais em relação
ao seu comportamento como a fonte de estímulos discriminativos." (parôntesis
foram incluidos pelos autores).

1. O terapeuta precisa discriminar as contingências em operação


para ensinar o cliente a discriminá-las

O processo terapêutico tem, em última análise, como objetivo final o auto-


conhecimento por parte do cliente. “A psicoterapia ó, frequentemente, um esforço para
melhorar a auto-observaçâo, para “trazer à consciência" uma parcela maior daquilo que
é feito e das razões pelas quais as coisas são feitas" (Skinner, 1991, pp. 46-47). Há
vantagens em se tornar “consciente" já que "uma pessoa que se tornou consciente de si
mesma", por meio de perguntas que lhe foram feitas, está em melhor posição de prever
e controlar seu próprio comportamento" (Skinner, 1993, p. 31). Somente quando somos
indagados sobre o que fizemos, ou estamos fazendo, ou estamos prestes a fazer, ou
por que, é que temos motivo para observar ou recordar nosso comportamento ou suas
variáveis controladoras" (Skinner, 1991, p. 88). Dentro do referencial teórico do
behaviorismo radical o auto-conhecimento, diferentemente da proposta mentalista, é
resultado de contingências sociais. “Todo comportamento, seja ele humano ou não
humano, é inconsciente; ele se torna "consciente" quando os ambientes verbais fornecem
as contingências necessárias à auto-observação" ( Skinner, 1991, p. 88).

46 Hélio Joié C/viilIninil - Pdtrfcld Borros l'l<tsonl So u m Queiroz


A seguinte citação de Micheletto e Sério (1993) resume a conceituação skinneriana
de auto-conhecimento como possibilidade de um tipo especial de conhecimento:
*Como fruto de contigôncias sociais os homens podem descrever seus
comportamentos, sentimentos e as relações entre seus comportamentos,
sentimentos e o ambiente; estas descrições podem se referira eventos passados,
presentes e futuros. Para Skinner, o auto-conhecimento é sinônimo de consciência,
podendo haver diferentes graus de consciência, correspondendo à quantidade e
ao tipo de elementos envolvidos na descrição. Estes diferentes graus teriam como
extremos, de um lado, o *comportamento modelado e mantido por suas
conseqüências imediatas”que seria “não só inconsciente”, mas "irracional,
irrazoável, não planejado”, e, de outro, o m
auto-governo”, quando"fazemos nossas
próprias regras e as seguimos"(1985/1987, p. 38). Com isso abre-se a possibilidade,
apesar de todas as dificuldades nela envolvidas, de um sujeito consciente e,
inclusive por isso, passível de ser conhecido. Assim, parece que no planejamento
e no auto-governo se encontram as possibilidades máximas de ação do homem
porque ele encontra al a possibilidade de arbitrar sobre seus determinantes."

Skinner (1991) sugeriu como a comunidade verbal pode estabelecer


contingências que levam ao autoconhecimento: “as pessoas sSo solicitadas a falar sobre
o que estão fazendo ou porque estão fazendo e, ao responderem, podem tanto falar a si
próprias como a outrém" (Skinner, 1991, p. 146 ). “Nós estamos conscientes do que
estamos fazendo quando descrevemos a topografia do nosso comportamento. Estamos
conscientes de porque o fazemos quando descrevemos variáveis relevantes, tais como
aspectos relevantes da situação ou o reforço. A comunidade verbal gera o comportamento
auto-descritivo, perguntando “O que você está fazendo?" ou “Por que você faz isto?" e
reforçando nossas respostas apropriadamente" (Skinner, 1984, p. 356).
Uma vez que o autoconhecimento depende da comunidade social, pode-se
concluir, citando Skinner (1993, p.146), que “diferentes comunidades geram tipos e
quantidades diferentes de autoconhecimento e diferentes maneiras de uma pessoa
explicar-se a si mesma e aos outros". Estendendo esta afirmação de Skinner para a
situação terapêutica, revela-se a importância do papel do terapeuta: suas sensibilidade
e habilidade para discriminar as contingências em operação no contexto de vida do
cliente e no contexto terapêutico, bem como sua capacidade para levar o cliente a
discriminá-las e a influenciá-las, são diretamente proporcionais ao grau de auto­
conhecimento que o cliente pode atingir.
O ponto de partida do terapeuta é a queixa inicial. Mas, a queixa do cliente não
define completamente sua real problemática. Em geral, a queixa descreve ações do
próprio cliente ou de pessoas importantes no seu contexto de vida e pode, até mesmo
sugerir algumas relações entre o cliente e seu ambiente, como se fossem descrições
das contingências em operação. Raramente o são. Para o T a queixa é um dado, dentre
muitos outros que ele observará, e que no seu conjunto lhe permitirão hipotetizar quais
contingências estão, possivelmente, atuando. A partir daí cabe a ele levar o cliente a
discriminá-las e testar seu funcionamento. O conhecimento do T deve habilitá-lo a fazer
previsão e controle do comportamento. Ao sugerir que tais e tais contingências estão

Sobrr comportamento e cofjnlçáo 47


operando, é possível prever alguns comportamentos do cliente e do meio social que o
cerca. Porém, só a previsão não basta. Há necessidade de manejar as contingências, a
fim de demonstrar que são elas que estão controlando o comportamento em estudo.
Ao hipotetizar as contingências em operação, o T está de fato sistematizando
dados: ações do cliente, eventos ambientais e suas possíveis inter-relações. Esta
sistematização é um ponto de partida - uma hipótese de trabalho - que servirá como
controle de estímulos para orientar seu comportamento e o do cliente; levá-los a,
sistematicamente, observarem as inter-relações e a testá-las. Depois disso pode-se dizer,
então, que o Te o C estão conscientes do comportamento e dos seus controles (conhecem
as contingências que estão atuando). É o primeiro passo, essencial, para alterá-los.

O estudo que se segue serve de exemplo para ilustrar como o comportamento do


terapeuta passa a ficar sob controle dos dados do caso e como seus comportamentos
interferem nas contingências para alterar o comportamento do cliente, produzindo o que
se chama de processo terapêutico.

2. Contingências que produzem a conscientização do terapeuta

A mesma análise que se faz da conscientização do cliente, cabe à


conscientização do terapeuta. Que contingências estão naturalmente em operação e
quais podem ser programadas para levá-lo a melhor conhecer seus comportamentos
como terapeuta e seus determinantes?
Um prim eiro conjunto de contingências é estabelecido pelo corpo de
conhecimento teórico, dados experimentais, procedimentos terapêuticos e modelo
metodológico do behaviorismo radical e da ciência de comportamento. Estas
contingências, aparecem na forma de regras de atuação (procedimentos e método) e
conceitos teóricos, que funcionam como poderosos SAs para o terapeuta compreender
o que, provavelmente, está ocorrendo com o cliente, a partir de generalizações que o T
faz de processos comportamentais estudados em laboratórios para vida cotidiana. A
seguinte citação de Skinner (1984, p.578) resume o exposto neste parágrafo:
“As análises de laboratório do comportamento dos organismos têm produzido
uma boa quantidade de previsão e controle bem sucedidos, e estender os termos
e princfpíos descobertos como efetivos sob tais circunstâncias à interpretação do
comportamento, onde as condições de laboratório sâo impossíveis, 6 factível e
útil. Eu nSo acho que fsso seja propriamente chamado de filosofia. O
comportamento humano que observamos no dia-a-dia 6, infelizmente, muito
complexo, ocorre muito esporadicamente e 6 uma função de variáveis muito longe
do alcance para permitir uma análise rigorosa. No entanto, é útil falar sobre ele á
luz de exemplos nos quais a previsão e o controle já provaram ser possíveis."
Não basta, no entanto, conhecer esse conjunto de informações para ficar sobre
o controle delas. O terapeuta deve fazer parte de um grupo sócio-profissional (outros

48 Híllo Jo*é QuIlIninJl - 1’atrldti Hortos 1'lasonl Souza Queiroz


terapeutas, pesquisadores, professores e alunos) que estabeleça contingências poderosas
para manter o terapeuta sob o controle do corpo de conhecimentos, procedimentos e
método. Quer em situações de grupo de discussão de casos, quer em eventos científicos,
quer em sala de aula, o terapeuta deve estar apto a responder à questões do tipo: O que
você fez? Por que fez assim? Que evidências tem de que seu procedimento foi adequado?
como relaciona o que fez com o corpo de conhecimento do behaviorismo radical e da
oiência do comportamento? etc.
Uma terceira fonte de contingências de controle dos comportamentos do
terapeuta advém do cliente. Suas previsões se confirmaram? Foi possível adquirir controle
sobre o comportamento objeto de estudo? As respostas a essas questões podem reforçar,
punir, colocar sob extinção os comportamentos do terapeuta e, até mesmo prover novos
SAs para produzir novos padrões comportamentais. O tempo todo o terapeuta deve ficar
sob controle dos comportamentos do cliente (e da comunidade da qual ele faz parte),
que funcionam como antecedentes e como conseqüentes de sua atuação. Afinal, o
terapeuta deve ter seu comportamento instalado, mantido e alterado por dados
comportamentais, não por teoria, exclusivamente. E, dados provenientes do cliente e
da sua comunidade são essenciais, já que o terapeuta tem um compromisso de produzir
mudanças socialmente significativas, relevantes para o cliente, uma vez que sua atuação
é de pesquisador aplicado (em contraste com pesquisador básico) de acordo com Baer,
Wolf eRisley (1968).
Outra fonte de contingências para tornar o terapeuta consciente de como se
comporta, como se sente e o que determina seus comportamentos é a análise que outro
terapeuta faz do seu comportamento. Quer se chame esse processo de terapia - quando
se refere à análise dos comportamentos não profissionais do terapeuta - quer se chame
de supervisão - quando diz respeito à análise dos seus comportamentos profissionais -
a análise do terapeuta, por outro terapeuta, é indispensável.
Acredita-se que a operação conjunta desses quatro grupos de contingências é
necessária e suficiente para o terapeuta tornar-se consciente da sua atuação.
Um exemplo através de relato de caso

Descrição da cliente
E tem 30 anos, é casada, tem dois filhos: uma garota, D, de 14 anos e um
menino, M, de 12 anos.Cursou até a 2 série do primeiro grau e trabalha como empregada
doméstica há 10 anos. Mora com A desde os 13 anos, tendo se casado aos 18. O
marido tem 36 anos, é sócio do irmão numa oficina mecânica para carros e trabalha
como motorista. Cursou até 5o série do primeiro grau.

Queixa inicial
"Eu quero me separar, mas meu marido não aceita. Ele é alcoólatra. Se pudesse
beberia todos os dias. Bêbado ele é outra pessoa: me agride muito, me xinga, me ofende,
faz a maior baixaria na frente dos vizinhos ou em qualquer lugar que a gente esteja. Ele
já me bateu muitas vezes, até mesmo quando eu estava grávida. Ultimamente melhorou,
mas não o quero mais.

Sobre comportamento e coRnlç»lo 49


"Em casa eu pago todas as contas, ele só paga a compra de mês do
supermercado e o resto do dinheiro vai para o bar. Eu pago tudo para as crianças e as
contas da casa também: luz, telefone, o que precisar. Os móveis nós ganhamos ou eu
comprei sozinha. Eu trabalho muito, o quanto for preciso para melhorar de vida. Trabalho
sábado, domingo e feriado se for preciso. Eu queria montar um negócio meu, uma
barraquinha de lanches, e ele nâo deixou. Ele nâo se empenha para melhorar de vida.
Já trabalha pouco, nâo recebe nada e ainda nâo deixa eu fazer o que eu quero. Nâo
posso comprar nada para mim, fica louco de raiva quando eu compro qualquer coisa
para as crianças. Tudo da casa ele diz que é luxo. Eu nâo quero luxo, só quero as coisas
direito. Por ele eu entregaria meu salário nas suas mãos para eu não gastar comigo.
Mas, o dele eu nem vejo, nem sei quanto ele ganha direito. Aliás, tudo o que eu sei sâo
os outros que me contam; ele nâo me fala nada. Agora ele quer comprar móveis com o
meu dinheiro, Eu nâo quero fazer divida porque sei que isso é só para me prender com
ele.
“Ele tem ciúmes insuportável, me controla em tudo. Ultimamente, piorou porque
eu disse que vou me separar. Voltou a ser como antigamente: ele me segue, me espera
no ponto do ônibus. Ele reclama de tudo e ainda fala que eu tenho outro, que ele é como.
Agora eu quero me separar e ver ele provar. Isso é calúnia.
“Meus filhos morrem de medo dele, nâo tem coragem de pedir um real que seja.
Eles sabem de tudo, sabem que eu quero me separar e já falaram que vão ficar comigo.
Eles desde pequenos assistem a tudo, a como o pai me agride. Eu me dou super bem
com eles. Só fico com muita raiva quando a minha filha fala que não entende porque eu
não me separo.
“Na minha família agora eles aceitam que eu me separe, todos falam que eu
trabalho muito mais que ele e nâo se conformam dele falar que fez tudo sozinho. A
família dele também reconhece que eu trabalho mais.
“Eu o deixo fazer tudo e nâo posso fazer nada. Eu nâo saio muito de casa
porque ele não gosta, também nâo gosta das minhas amigas, nem que elas me telefonem.
“Separar amigável ele nâo quer, e nem sair da casa. Eu tenho medo do que ele
pode fazer se eu insistir em me separar mesmo".

Análise da queixa inicial


A frase inicial da E parece resumir seu desejo “eu quero me separar". Em seguida
ela justifica porque nâo se separa: “mas meu marido nâo aceita". Relata em seguida
padrões comportamentais do marido que: a. motivam-na a desejar a separação e b.
parecem explicar sua dificuldade para concretizar o desejo da separação. Como evidência
adicional acrescenta o depoimento dos filhos que cobram dela a separação e descrevem
o pai de forma semelhante a dela mesma.
Existem pelo menos duas alternativas de análise para o terapeuta:
a) aceitar que E descreveu corretamente as contingências em funcionamento na sua
interação com o marido (neste caso ela estaria “consciente" do que ocorre com ela) e
que poderiam ser assim esquematizadas:

50 Hélio Joté Qulllwnli - Pútrida Burro» 1’Uuonl Souza Qutito/


separada haveria
E separar-se do marido
eliminação (ou redução) da
Comportamentos do marido poderia ser um
situação aversiva gerada
comportamento de fuga-
sâo aversivos para E pelo marido (E teria seu
esquiva desta situação
comportamento reforçado
porém, ao mesmo tempo,
negativamente)

E nâo se separa para se


Comportamento de fuga- marido pune (ou ameaça esquivar da punição do
esquiva de E (separar-se) é punir) o comportamento de marido e, assim, reforça
aversivo para o marido fuga-esquiva de E negativamente o comporta­
mento dele

O papel do T neste caso seria tentar encontrar, conjuntamente com E, um modo


de se esquivar do marido (separar-se dele) sem ser severamente punida.
b. Questionar que contingências controlam as verbalizações da cliente. Assim, ao invés
de considerar que as verbalizações da E explicitam as contingências com as quais o T
deve trabalhar, considerá-las como segundo elo (da tríplice contingência), cabendo ao T
descobrir o primeiro e o terceiro elos para, entâo, trabalhar com as novas contingências
que nâo sâo conscientes para E (pelo menos ela nâo as descreveu).O que se supõe
com esta alternativa é que a cliente nâo quer se separar do marido (inclusive E, na
queixa Inicial, diz que fica irritada com a filha quando ela lhe diz que nâo entende porque
a mâe nâo se separa). Possivelmente, o marido nâo lhe é tâo aversivo e fora de seu
controle como diz.
Seria Interessante tentar reescrever a frase Inicial da cliente e observar que
SAs as novas redações dariam para o T:
1. Eu quero me separar do meu marido, mas ele nâo aceita.
2. Eu quero me separar do meu marido, mas ele nâo deixa.
3. Eu nâo quero me separar do meu marido, mas ele cria uma situação aversiva para
mim da qual quero me livrar (nâo necessariamente me separando)
4. Está tudo errado no meu casamento e nâo sei, realmente, o que fazer, nem por onde
começar.
5. etc.
A redação número 2 ao trocar o verbo aceitar por deixar, funciona para o T como
SApara investigar como ocorre a relação de controle/ contra-controle entre eles.
A redação número 3 funciona para o T como SApara investigar o que controla o
comportamento agressivo do marido e s e E tem possibilidades de ganhar controle
sobre os comportamentos agressivos dele.

Sobre comportamento e cognlçâo 51


A redação número 4 funciona para o 7 como SApara espandir a investigação e
não se restringir estritamente à relação marido-mulher, para entender o que ocorre com
E.
Para entender o que está, então, ocorrendo, o 7 deveria coletar dados que
esclarecessem:
a. se E sistematicamente “obedece" ao marido (uma vez que alega que não se separa
porque ele nâo aceita, o que implica uma submissão ou aceitação do controle exercido
por ele);
b. o que controla o comportamento agressivo do marido, bem como o comportamento
de beber exageradamente, em particular, se esse controle tem a ver com o comportamento
da E (pois, nesta hipótese, mudar os comportamentos de E poderia ajudar na mudança
dos comportamentos do marido);
c. o que a mantém no casamento, além do controle aversivo exercido pelo marido (relato
de E) que a impede de se esquivar - fugir, através da separação;
d. que outras dificuldades E relata na sua vida, que não se restringe a vida familiar
diretamente.
Com respostas a estas questões o 7 poderia, então, sistematizar as contingências
presentes na vida da cliente tanto na relação marido-mulher estritamente, como na
relação da E com outros contextos de sua vida. Poderia também determinar situações
nas quais ela tem o controle e como utilizar esse controle de maneira construtiva para
ela e para os seus contextos familiar e social; e situações nas quais ela não tem controle
e como pode vir a adquiri-lo (ou se isto não for possível, se esquivar delas).

Análise das verbalizações da E


A Tabela 1 traz exemplos de verbalizações da E que mostram, claramente, que
ela possui um amplo repertório de oposição e de enfrentamento ao marido. Ela é capaz
de desobedecê-lo e agir da maneira que melhor lhe parece.

Tabela 1
Verbalizações da E que ilustram “desobediência” ao marido

1. Eu fui ao shopping com D (filha) e comprei sapato e blusa para ir ao casamento. A não
queria que eu trabalhasse sem uniforme (no casamento), mas eu vou com a roupa nova
que eu já comprei. Agora eu vou ser eu mesma. A tem que entender que eu o estou
ajudando vivendo lá (em casa) com ele.

2. A não me deixa ligar o rádio, ainda mais agora que ele está controlando tudo. Ele fica
vendo televisão. Quando ele sai, eu ligo (o rádio). Eu faço mesmo.

3. Nós fomos numa festa no final de semana. Eu gosto de conversar com gente de idade
e lá (na festa) conversei com um senhor de 83 anos no sofá. A não gostou. Eu o ouvi
dizendo para o meu irmão que ele tinha perdido a mulher para o velho.

52 Hélio José í/uilhardi “ Palrícfti Burros 1’Uisonf Sou/u Queiroz


4. Depois da festa fomos para casa. A fechou tudo e quando entrou (em casa) me perguntou
por que eu não fiquei com o senhor (de 83 anos), já que ele era viúvo. Aí eu fiquei com raiva
è falei mesmo (ofensas). Falei que A precisa ser gente. As minhas sobrinhas iam dormir
em casa, e A falava que não iria deixar. A dormiu logo, segurando a chave. Eu esperei as
meninas chegarem e abri (a porta) com a minha chave. A dormia na sala. Nós dormimos
na minha cama de casal. No dia seguinte A não falou nada, nem eu.

5. A quer que eu fique em casa aos sábados com ele sem trabalhar (ele não trabalha aos
sábados). Eu decidi que vou arrumar mais coisas (trabalho) para fazer aos sábados e
não vou ficarem casa.

6. Ultimamente, A pega no meu pé quando estou no telefone, querendo que eu desligue


logo. Ele fala alto para a pessoa (do outro lado da linha) escutar. Eu não me conformo
com essa atitude dele. Não desligo.

7. A sabe que quando eu pego (no serviço em casa), não adianta ele me chamar para
sairmos, ou para eu ficar com ele. Eu não paro de fazer o que tem de ser feito.

8. A minha cunhada e minha filha me chamaram para sair e eu fui. A não gostou. Eu nem
fui longe de casa. Fui ali perto (de casa).

9. Eu estou andando de bicicleta nos finais de semana. Ando ali perto de casa. A não
quer porque acha que os homens irão olhar e mexer (comigo). Eu falei que vou continuar.
Foi a mesma coisa (A não quer) com a ginástica, mas eu também não parei.

10. A não gosta que eu use calça justa. Por ele eu só uso saia. Eu não gosto muito de
saia. Só uso caíça como eu gosto, assim ( j u s t a ) .

11. M (filho) está querendo patins. A falou que nâo vai comprar. Eu procurei e achei na
cidade. Vou dar (para M) esse final de semana. Só quero ver a cara do A.

12. Eu estou acabando de pagar as prestações do telefone. Eu consegui sozinha, A não


queria e não me ajudou em nada com o pagamento da dívida.

13. Eu quero mudar (emprego), fazer cursos e A não deixa. Mas, eu já resolvi e vou fazer
o curso (datilografia) com a minha sobrinha me ensinando a teoria. A prática eu treino
sozinha, sem que ele nem sonhe.

14. Eu estava pensando: no fim eu estou fazendo tudo o que A quer (ficar em casa, sem
trabalhar). Ontem A falou que era bom que eu ficasse em casa. Eu não vou aguentar
ficar parada, então vou continuar na N (voltou ao emprego).

15. No domingo a D (filha) tinha uma festa de 15 anos e a mãe das meninas nos convidou.
A estava no bar e nós duas (E e D) prontas, esperando. Quando A chegou ainda queria
tomar banho. Eu falei para ele tomar o banho e ir depois. Eu fui rapidinho e voltei. A ainda
estava em casa e queria ir á festa. Eu falei que não iria voltar mais. A brigou, mas eu não

5obnr iom|K>r1dincnto c coRiiifilo 53


fui, nem ele.

16. A nâo gosta que o amigo do M vá em casa todo dia. Eu adoro o horário que eu tenho
com eles. Eu fico falando com os dois e sou a que dou mais risada. A não gosta.

A Tabela 2, por outro lado, mostra alguns exemplos de situações em que a E


fica sob controle do marido. Pode-se notar que nâo se trata de submissão passiva: E
tem critica do controle do marido e, de alguma maneira, parece discriminar a qual SA(ou
estímulo pré-averslvo) deve atender e a qual precisa se submeter. Porém, os exemplos
não são tão freqüentes quanto se poderia Imaginar a partir da queixa inicial.

Tabela 2
Verbalizações da E que ilustram "obediência" ao marido

1. Quando A está em casa nâo se pode ligar o rádio junto com a televisão, porque ele
não deixa. Eu nâo gosto de televisão e nâo posso ouvir rádio.

2. A me encheu no sábado. A foi para o bar e quando voltou reclamou que nâo tinha
almoço e que queria saber onde eu tinha Ido com D (filha). Ele ficou falando um monte,
só falou mal de mim. Eu tenho vontade de sair (de casa). Mas se eu sair é pior.

3. M (filho) estava trabalhando de manhã num carrinho de doce. Gostava de ir e ganhava


10% do que vendia. A nâo deixou mais. Eu sou contra (o filho parar de trabalhar). Se
ficar dependendo do pai, não vai ser gente nunca. Agora M nâo quer mais (trabalhar no
carrinho).

4. Eu já entrei num curso de secretária, mas o A me impediu (de fazer). Se A me impede


(de fazer cursos) agora com 30 anos, imagina como era quando eu tinha 18 anos.

5. Nò sábado, tinha show do Roberto Carlos. Eu sou louca por ele. Eu convidei o A e ele
nâo me deu resposta. Quem me convidou para o show foi o meu cunhado. Imagine se eu
fosse...

A Tabela 3 mostra situações de conflito ou de competição entre E e o marido ou


entre E e outras pessoas da familia, em particular familiares do marido. Pode-se concluir
que ela possui repertórios de enfrentamento e de argumentação.

Tabela 3
Verbalizações da E que Ilustram situações de conflito ou de competição entre
ela e o marido.

1. Eu disse para o A que os nossos filhos precisam de apoio e nâo adianta nada ele
simplesmente comprar refrigerante para eles. Eu falei que assim (o casal brigando) é
melhor separar, porque ele não vai mandar. Agora que temos tudo para fazer as crianças
felizes, A vai jogar tudo fora?

54 Hélio José Qullhardl - Patrícia Barro* Plaionl Souza Queiroz


2. A precisa decidir se quer se destruir (bebendo) ou viver com a gente. E ainda falei que
para mim tanto faz viver ou morrer, ele nflo vai mandar.

3. A nflo quer ir embora de casa e fica lá (em casa) querendo mandar em todo mundo.

4. O único jeito (de pararem as brigas) seria eu sair de casa. Isso não dá. Eu tenho que
fingir que está tudo bem e me submeter a A.

5. A acha que é meu dono. Mas, eu estou mostrando que ele não ó meu dono.

6. A ficou na minha irmã (no bar), enquanto eu trabalhava no casamento e deixou o M


sozinho em casa. A telefonou várias vezes para o menino. Eu falei que não bastava,
telefone é telefone. A tinha bastante noticias, mas eu tinha mais do que ele, mesmo
trabalhando. A tinha era que ficar em casa com ele.

7. Se eu pudesse, já tinha alugado o telefone, porque só me dá dor de cabeça. A quer


ver as contas (do telefone), olha número por número e quanto tempo falou. Ele acha que
eu escondo as contas. Todo mês dá um tititi.

8. As minhas sobrinhas me ligam a cobrar e A não gosta. Antes A era o queridão delas.
Agora tem um bloqueio que as afastam dele. São as coisas ruins que ele passa. Eu não
interfiro. Antes elas chegavam e o abraçavam. Elas me adoram.

9. O que acontece é que A perdeu o interesse por mim. Todos os testes (provocações,
ciúmes) possíveis eu já fiz. Eu não sei o que foi. Eu também perdi o interesse. Então, eu
estou tentanto ter interesse para conviver, já que eu preciso.

10. Antes, a gente não tinha muito contato com a família do A. Agora (que nós temos), eu
tenho que ficar brigando com todos. A tem cabeça fraca e eles o influenciam.

11. Eu lutei com unhas e dentes para tirá-lo de lá (família dele).

12. A foi para o bar, e quando voltou, eu estava toda cheírosinha, arrumadinha. Isso (ser
arrumada) eu sou o contrário cjele.

13. M (filho) estava trabalhando de manhã num carrinho de doce. Gostava de ir e ganhava
10% do que vendia. A não deixou mais. Eu sou contra (o filho parar de trabalhar). Se
ficar dependendo do pai, nflo vai ser gente nunca. Agora M nflo quer mais (trabalhar no
carrinho). Eu quero que ele trabalhe. O problema é o A que nflo deixa. Eu falei tudo o que
pensava, é um absurdo.

14. A queria que ele trabalhasse na oficina (mecânica) com ele. Nflo dá. Mexe com óleo,
diesel e graxa. Eu sei que foi A quem fez M desistir de trabalhar no carrinho. A falou para
minha irmâ.

15. A não gosta de nada que eu gosto. Aí é que está. Nem comida, tudo é oposto. Nâo
adianta.

Sobre comportamento e coflnlçilo 55


16. Eu acho que tudo tem a sua hora. Eu dou carinho, mas na hora certa. E é a hora que
eu vou estar disponível. Ele não faz tudo que ele quer?

17. Eu não quero controlá-lo. Eu quero que ele tenha autocontrole. A fica o final de
semana no bar. Eu já disse que ele não se sente gente. Eu não tenho culpa. É o A quem
mostra isso para mim.

18. Eu tenho mais isso (afeto, carinho, atenção) do que A. Só que eu não demonstro.
Cada um tem o seu jeito.

19. É que se eu continuar me sujeitando (não reagindo) a tudo dele, A vai piorar.

20. A não tem as mesmas idéias (que eu). Da outra vez, A queria comprar os móveis,
mas com o meu dinheiro. Eu cheguei à conclusão que tenho que fazer as coisas sozinha.
Se for para ele comprar com o meu dinheiro eu não concordo. Nesse caso, compro eu
mesma.

21. Eu resolvi continuar no mesmo emprego. E independente de A, eu vou conseguir o


que eu quero. Nós não pensamos igual. A não quer melhorar.

22. Eu falei para A resolver. Ele casou para ficar comigo ou com a família dele?

23. Eu até sei ser mandada. Contanto que saia do meu jeito.

24. Eu sei que toda a vez que A beber haverá mais briga. A tenta ser autoridade e eu não
vou deixar. Sempre falo para ele aproveitar enquanto o estou levando em banho-maria.

25. A veio brigar comigo, eu senti raiva e falei que ele não se sente gente. E que eu olho
no espelho e me sinto (gente).

A Tabela 4 mostra situações em que E controla aversivamente o marido . Não


são reações a ações dele, mas comportamentos que ela emite agredindo-o diretamente
ou criticando-o para outras pessoas.

Tabela 4
Verbalizações de E que ilustram com portamentos dela que controlam
aversivamente o marido

1. A veio brigar comigo, eu senti raiva e falei que ele não se sente gente. E que eu olho
no espelho e me sinto (gente).

2. Eu falei para A dar graças a Deus, enquanto eu ainda me preocupo com ele. Mas eu
não quero mais viver com ele.

3. DepoiS da festa fomos para casa. A fechou tudo e quando entrou (em casa) me
perguntou por que eu não fiquei com o senhor (de 83 anos), já que ele era viúvo. Aí eu

56 Hélio José l/uilhunJl - l\itrfdu Burros 1’lusonl Soiim Queiroz


fiquei com raiva e falei mesmo (ofensas). Falei que ele precisa ser gente. As minhas
sobrinhas Iam dormir em casa e A falava que não iria deixar. A dormiu logo, segurando
a chave. Eu esperei as meninas chegarem e abri a porta com a minha chave. A dormia
na sala. Nós dormimos na minha cama de casal. No dia seguinte A não falou nada, nem
eu.

4. Eu parei de ameaçar. Eu só faíei que agora eu resolvi dar uma chance, ele faz isso (foi
para o bar).

5. A ficou na minha irmã e deixou M em casa sozinho. A ligava falando que voltaria logo.
Eu achei um absurdo. Custava pegar o menino em casa e levar com ele?

6. A era um super-pai. Acordava para dar remédio, levava no módico. Pelo menos antes
era assim. Agora que as crianças cresceram e não precisam tanto dele, não faz mais
riada.

7. A sempre vai para São Paulo e volta às 12:00 hs. Dessa vez, ele atrasou e chegou às
18:00 hs. Eu fiquei brava porque ele não avisou e falei: “Você pisou na bola, hein?”.

8. A me perguntou no sábado por que meu irmão tinha ido embora do bar sem ele. Eu
não sabia. Mas, ele sabia que era por não ter dado bombom para D (irmão de E achou
um absurdo A não atender à filha). Para você ver como ele é.

9. Quando saiu o assunto, eu perguntei para A se ele achava certo não ter dado o
bombom para D. Ele falou que ela trabalhava e gastava o dinheiro com besteira.

10. A não ó mais aquele tio (querido, legal) porque ele bebe e tem as atitudes dele (de
bêbado).

11. Quando A fala eu não aguento. Eu fico quieta até ele acabar de falar, depois eu não
aguento e falo tudo mesmo.

12. Eu preciso ficar sozinha para fazer o serviço de casa. Eu falo que eles (A, D e M) me
atrapalham. Eles ficam me chamando o tempo todo, cada hora é uma coisa. Eu preciso
ficar sozinha e ligar o rádio.

13. Sobre os assuntos de trabalho dele, nós não conversamos mais. Eu o isolei, já falei
e briguei o suficiente. A fez uma sociedade com o irmão. Eu era contra. Ele ficou um ano
sem receber. Ficou difícil para mim, eu não queria essa sociedade. Antes a gente ganhava
e juntava nosso dinheiro.

14. A tem a cabeça fraca. A família o influencia. Todos acham isso.

15. A tem uma causa trabalhista na justiça e o dinheiro vai sair. Eu só falei pra ele pensar
quem mais sofreu com essa causa. Eu não quero que coloque o dinheiro na oficina
(mecânica).

Sobrr comportamento e cognlfJo 57


16. A sociedade não vai para a frente. A até hoje (faz dois anos) nâo aprendeu o serviço,
fica só fazendo uentreguinhaN.

17. A oficina está precisando de mais funcionários. Mas eu já disse que nâo adianta
contratar se não forem competentes como o irmâo dele (o mecânico). Ele mesmo já está
lá há dois anos e nâo aprendeu nada.

18. A falou muito mal de mim (numa discussão) e nâo parava de encher. Entâo eu dei
umas respostas pra ele sossegar.

19. Domingo eu acordei mal-humorada porque tinha que passar a roupa. Já avisei logo
que o almoço estava no fogão e que eu não ia almoçar.

20. Quando eu peço para M me ajudar não bagunçando a casa, ele fala que o pai é pior.
M tem razâo.

21. Eu quero que M trabalhe. A não quer. Mas eu falei tudo o que pensava. Falei a
verdade e nâo adianta. A nâo mudou. Eu sou assim, falo mesmo.

22. Eu até gosto de sair no sábado, mas nâo queria ir na minha irmã (dona de um bar).
Queria Ir num lugar diferente. Eu não sai e fiquei sozinha. Eu fiquei muito chateada
mesmo. Eu queria ir no show do Roberto Carlos.

23. Ninguém suporia A bêbado. A se revolta contra mim e fala que eu só quero mandar
nele.

24. Eu dou carinho, mas na hora certa.

25. Eu falei que já estou cansada, cheia dele e das promessas. Eu falei que sou obrigada
a viver com ele.

26. Cada dia A está mais fraco. Ele pintou (bebeu) de novo. Eu falei que vou interná-lo.
Eu tive que suportá-lo na festa (churrasco de festa junina).

27. Eu conversei com A ontem. Ele ficou balançado (inseguro). Eu vou mudar de emprego
e cuidar da minha vida.

28. Eu falei que o que eu tiver que aprontar (ter outro), apronto em qualquer emprego,
onde eu quiser.

29. A não pára de beber de jeito nenhum. Só parou (dois finais de semana) para provar
que é bonzinho, por um tempo. Ele não pára de beber. Vai beber até morrer.

30. Na minha mudança de emprego eu espero várias reações (brigas) ainda. Mas, eu
estou disposta a enfrentar.

31. Quando eu arrumar um emprego definitivo, A vai se sentir ameaçado. Apesar que ele

58 Hélio José C/ullluinJl - Palrlcld Barto$ Plasonl Souza Queiroz


sempre se sentirá.

32. Eu queria que A tivesse interesse (ser carinhoso). Mas, ele não faz o que eu quero.

33. Se A quiser me ajudar (comprar móveis), tudo bem. Se não, a decisão vai ser minha.
A não tem condições de me ajudar.

A Tabela 5 mostra comportamentos adequados do marido e como ela os


conseqüencia: em geral pune o marido e raramente o reforça.

Tabela 5
Verbalizações da E que ilustram comportamentos adequados de A e como elas
os conseqüencia

1. No dia seguinte que A bebe, vira um doce. Ele quer me agradar, põe a mesa, compra
coisas que eu gosto, fica comigo na cozinha, faz jantar. Fica uma seda. Eu disse para o
A que nossos filhos precisam de apoio e não adianta nada ele simplesmente comprar
refrigerantes para eles. Eu falei que assim (o casal brigando) é melhor separar, porque
ele não vai mandar. Agora que temos tudo para fazer as crianças felizes, ele vai jogar
tudo fora?

2. A ficou brincando com as crianças na festa. Jogava-as para cima, fez uma farra com
elas. Ele estava insuportável. Ninguém estava aguentando ele.

3. Ontem A chegou para mim e falou que tem raiva dele mesmo, que não consegue
mudar. Nunca muda. Ele me pediu desculpa. Eu estava há três dias sem falar com A.
Mas não tem jeito, ele ó fraco mesmo. Ele sempre vem falar; das outras vezes também
foi assim. Ele vai morrer bebendo. Ele nâo se sente gente sem beber.

4. A fica querendo dançar comigo sem parar (na festa). Eu o incentivo a dançar com
outras pessoas. Eu já estava cansada por que tinha dançado a noite toda com a minha
cunhada e sobrinha.

5. A peguntou se eu iria para casa hoje, porque amanhã eu vou trabalhar e não vou
dormir em casa. Ele falou que já tinha passado uma semana sozinho em casa (E os
filhos viajaram), e teria que passar outra noite só. A disse que não quer que eu viaje
mais, para ele não ficar sozinho. Eu nem falei nada fiquei quieta. Eu tinha que dormir em
casa mesmo.

6. A telefonou várias vezes para o menino... A tinha bastante noticias. Eu falei que não
bastava: telefone é telefone. A tinha que ficar em casa come ete. Ai eu falei que não era
justo.

7. Quando A chega em casa, o serviço (limpeza da casa) não anda. Ele me chama para
tudo. Pelo A eu não faria mais nada só ficaria com ele. Eu falo, Hou faz ou me deixa
fazer".

Sobre comportamento c coRiilçáo 59


8. A ajuda quando quer. Antes ele ajudava. Ele é desorganizado mesmo. É folgado.

9. Esse final de semana ficou tudo bem, não houve nenhuma desavença. Eu não falei
nada, Ele sabe, não houve nenhuma desavença.

10. Eu saí, A falou que eu sumi. A estava me esperando na sala. Eu falei que não tinha
sumido, e que a máquina de lavar roupa estava ligada e já estava saindo para lavar o
resto da roupa.

11. A fala para eu não passar as roupas que não precisam (uso dentro de casa). Eu não
consigo, passo, tudo, tudo, tudo.

12. Eu começo a limpar a casa, A reclama que eu não fico e nem ligo para ele. Eu
preciso limpar a casa todo dia.

13. A gosta que eu faça assim: chegue em casa jante e sente no sofá para ele deitar no
meu colo. Ele deita e fica. Aí começa a briga porque todos (os filhos também) querem
colo. Eu falo que vai durar pouco porque já vou me levantar.

14. A chega em casa do bar e me convida para ir para a minha irmã (dona de um bar).
Mas já ó tarde (umas 20:00 hs). Eu vou querer voltar logo e ele não. Prefiro não ir.

15. Eu saio com A e não fico perto dele. A odeia que perguntem se sou mulher do irmão
dele, ou solteira. Ele não gosta, e responde para a pessoa. Ele é um chato mesmo.

16. A escreveu “Nicinha", é o meu apelido e eu não gosto que ele me chame assim. Eu
prefiro que me chamem de Lu que é o meu outro apelido. É como todos me chamam.

17. A ligou da minha irmã e pediu para eu esperar na sala porque ele tinha uma surpresa.
Eu falei que iria esperar no quarto. A não quis me contar qual era a surpresa.

18. A falou para eu pegar um cobertor (para não passar frio) e esperá-lo na sala. A
surpresa era irmos comer pizza no meu irmão. Eu não peguei o cobertor. Aceitei ir até o
meu irmão, mas voltei sozinha antes dele.

19. No Sábado, A ficou o dia todo em casa sem beber. Só estávamos nós dois. Eu
gostaria que ele fizesse alguns consertos, arrumasse algumas coisas. Ele não faz nada,
só quer ficar junto, agarrando.

20. A disse que nós não saímos mais à noite. Eu não quero mesmo. Fico insegura.

21. A deixou para eu resolver se vou mudar ou nâo de emprego. Ele acha que eu não
encontro outro que ganhe mais. Ele é contra. Por isso eu fiz surpresa e nâo avisei que
pediria demissão. Quando falei já tinha pedido.

22. A fala que os brutos também amam. Ele sente ciúmes, me espera no ponto de
ônibus na porta do meu serviço. Eu já falei que não preciso tanto.

6 0 H é lio José ()ullb«inJi - l\ifrfd u Rtinut l’ lasonl Souzj Queiroz


23. A acha que amar é falar “eu te amo”. Eu demonstro da minha maneira. Eu sei que se
você quer alguma coisa, é aquilo que eu compro para você.

24. A reclama que eu fico em casa e nâo fico com ele. A quer ficar junto o tempo todo.
Por ele eu nâo fazia nada. Eu falo que vou fazer tudo que precisa ser feito e depois fico
com ele.

A é fácil (dele aceitar as atitudes dela). Se eu fosse mais calma eu teria muito mais. Eu
sei disso. O difícil é fazer, sempre que nós estamos nos acertando acontece algum
problema.

A Tabela 6 mostra as expectativas que E tem em relação à ascenção social, e à


melhora de status sócio- econômico, sua competição com a irmã e como responsabiliza
o marido pelas frustrações por não alcançar esses objetivos.

Tabela 6
Verbalizações da E que ilustram suas expectativas sócio-econômicas

1. A não liga para a roupa e anda cheio de graxa por todo lugar, nem liga. A diz que
mostra o seu trabalho. Eu expliquei para ele que é bom para a profissão deie, como
empresário, andar direito. Eu falo e não adianta nada. A acha que eu tenho vergonha
dele. Eu ando vestida normal (arrumada) e não tenho vergonha. Eu queria que ele andasse
arrumado por aí. Eu compro roupa para ele, mas não adianta.

2. Eu vou trabalhar no casamento da filha da N (patroa) sem uniforme. Eu falei para A


que iria precisar comprar uma roupa. Ele disse que eu já tinha, mas já estão fora de
moda. Eu vou comprar roupa nova. Eu não posso ir desarrumada, eu vou andar pela
festa. Eu também vou ao cabeleireiro, não posso ir sem arrumar o cabelo.

3. Eu compro roupas e dou de presente para as crianças e para mim. A fica emburrado
e não gosta. Fala que eu gasto com besteira. Eu não quero deixar meus filhos com
roupas velhas.

4. Eu tenho telefone, comprei sozinha. Fiz a dívida e ainda estou pagando. Mas, eu o
uso muito. As minhas sobrinhas sempre me ligam a cobrar e eu adoro falar com elas.

5. Eu preciso trocar os móveis de casa. Não dá mais, o guarda-roupa está velho. Nós
temos muitas roupas e não está cabendo. Eu e a D temos muito mais roupas do que A e
M. Eu chamei um marceneiro para avaliar. A achou caro (cinco vezes o salário dela).
Mas, é o que eu quero, grande com as divisões do meu jeito e embutido. Eu fui ver em
lojas, ma eu já sei que nâo são bons. Não adianta.

6. Sou eu quem paga as contas do telefone e A todo mês reclama que eu gasto muito
(vinte por cento do salário dela).

Sobrr comportamento e copni(>1o 61


7. Eu era contra a sociedade do A com o irmão. A Investiu todo o dinheiro lá e ficou sem
receber por um ano. Antes disso, nós juntávamos dinheiro para comprar as coisas (móveis,
material de construção, etc). Eu quero comprar as coisas e A nâo quer. Dai começam as
brigas.

8. Eu nâo me dou com a familia do A. Eles dizem que eu quero ser o que eu nâo sou. Eu
gosto de andar bem vestida e eles nâo ligam para o modo de se arrumar. A anda sujo de
graxa atrás de mim e eu nâo gosto.

9. M está no judô e precisa de uniforme para competir. A falou que nâo vai dar porque é
caro. Eu acho um absurdo, só M não vai ter?

10. Eu vou colocar a D na aula de computação e no inglês. Hoje em dia é fundamental.


Depois eu vou pagar para M também.

11. Eu quero sair do meu emprego. Penso em ser recepcionista ou secretária. Eu sei
que eu posso. A nâo quer e me impede. Eu nâo quero ser doméstica a vida inteira.

12. Eu estou muito cansada de fazer o serviço de casa. Eu estou querendo contratar
alguém para isso. Pelo menos para passar roupa.

13. Eu quero melhorar, comprar mais coisas (para a casa) e o A não me ajuda e me
impede. Eu nâo vou ficar parada, eu sei o que eu quero. A é muito acomodado, multo
diferente de mim. Eu quero crescer, comprar o que eu preciso.

14. Essa semana eu e A compramos móveis. Nós saímos juntos e estamos bem. Nós
compramos um armário e um móvei para a saia. São ííndos. Nós fizemos a dívida e será
apertado esses meses, mas tudo bem. Eu comprei o que eu queria.

15. Em casa não tem hora para o jantar e eu só como na mesa. A faz aqueles pratos
enormes e come na televisão. Eu acho horrível.

16. Eu compro o que eu quero para mim e vou ter que continuar fazendo sozinha. A acha
que ó luxo sem necessidade. Para ele se tiver comida está bom. Nem para roupa ele
liga. Eu nâo. Se precisar eu fico sem tomar coca-cola e guardo o dinheiro para comprar
o que eu quero.

Diante desses dados propõe-se a seguinte interpretação do que, possivelmente,


ocorre na relação entre £ e A:
1. A tenta controlar o comportamento de E impedindo o acesso dela a situações e
coisas que lhe são reforçadoras. Esse controle aparece na forma de proibições e ameaças
e tem, provavelmente, função aversiva para ela.
2. E resiste a esse controle emitindo comportamentos de contra-controle, que aparecem
na forma de "desobediência" ou ameaças, e podem ser classificadas como
comportamentos de fuga-esqulva. Tais comportamentos tem, por sua vez, função

62 Hélio José Çullhatdl - Palrida Barros Plasonl Souza Queiroz


aversiva para/A,
3. A se esquiva desse contra-controle averslvo, reforçando negativamente os
comportamentos de E (nflo consequenclando os comportamentos de £ punltivamente),
mas ignorando-os, o que fortalece os padrões de desobediência, de argumentação, de
reclamação e ameaças emitidos por £.
4. Eventualmente, A pune os comportamentos de contra controle de E, em geral quando
está embriagado. Nestas situações E foge do controle averslvo calando-se e/ou atendendo
as exlgônciasdo A,
5 .0 comportamento de beber de A pode ser entendido como um padrfio comportamental
de fuga-esqulva, já que usualmente ocorre após conflitos com E e é reforçado
negativamente, pois E reduz a situação aversiva: pára de criticá-lo, se cala e,
eventualmente, atende as exigências dele (temporariamente).
6. Os comportamentos de E diante da punição do A e a percepção, por parte dele, dos
sentimentos gerados pelos seus comportamentos agressivos produzem um contexto
averslvo para A , do qual ele foge agradando E (colaborando em tarefas caseiras, fazendo-
lhe carinho, dando atenção aos filhos, etc). E, por sua vez, coloca em extinção os
comportamentos de aproximação de A ou até mesmo os pune.
7. A situação familiar é tipicamente aversiva para ambos: ele é criticado por
trabalhar pouco, trazer pouco dinheiro para casa, se arrumar mal, etc. Não é de estranhar
que fuja da casa indo ao bar beber (fuga-esquiva do controle averslvo da esposa). Ela
por sua vez é criticada por trabalhar, se arrumar, ter interesses por atividades sociais,
etc. Não é de estranhar que E fuja do contato do marido e que o critique o tempo to d o .
8. O estilo de vida da família da patroa é reforçador para E, que aspira a ter um padrão
semelhante. Seus esforços sflo, porém, colocados em extinção. Por outro lado, sua Jrmô
atingiu o padrão sócio-econõmico a que ela aspira, graças às condições propiciadas
pelo cunhado. O marido, por sua vez, não lhe oferece perspectiva de mudar radicalmente
sua vida. Ela o responsabiliza por Isso, ou seja, ele a frustra e adquire uma função
aversiva da qual ela, ora quer se afastar (fuga-esquiva) ameaçando-o de separação,
ora quer modificar (outra forma de fuga-esquiva), punindo-o e exigindo que ele se
transforme em fonte de reforçadores (“você é um executivo, não deve andar sujo de
graxa", “vocé precisa trabalhar mais e exigir dinheiro do seu Irmão", diz).
9. Raramente o casal utiliza reforçamentos positivos como forma de controle do
comportamento do outro. Poderiam ser bem caracterizados como “inlmigos-íntimos".

Objetivos a serem atingidos pela^erapia


Os objetivos gerais a serem atingidos são levar E a:

1. identificar comportamentos adequados do marido e reforçá-los, inclusive usando


reforçamento diferencial para aproximações sucessivas;
2. eliminar verbalizações de ameaças e de desafios e comportamentos agressivos;
3. criar condições (dar SAs) que aumentem a probabilidade de emissão de
comportamentos adequados por parte do A;

Sobre comportamento e coflnlçflo 63


4. ignorar (usar extinção) comportamentos inadequados e/ou ofensivos de A;
5. com portam entos de independência e que lhe produzam conseqüências
reforçadoras de forma gradual e progressiva e nunca de maneira desafiadora para o
marido;
6. criar condições (dar SAs) que propiciem atividades comuns para E e A capazes de
produzir conseqüências reforçadoras para ambos (assistir a TV, Jantar, sairem, etc.);
7. propor-se metas compatíveis com sua realidade sócio-econômica e engajar-se em
estratégias realistas para atingi-las.

Procedimentos terapêuticos
1. Consequenciar socialmente (reforçar) E quando se comportar de forma compatível
com os objetivos terapêuticos;
2. Dar SAs para E responder de forma adequada aos comportamentos do marido,
evitando puni-lo e, eventualmente, reforçando-o, dando a ela, inclusive, modelos verbais;
3. Dar SAs (ou modelos verbais) para E interpretar de maneiras alternativas alguns
comportamentos de A, de modo que as novas interpretações aumentem a probabilidade
de E reforçar os comportamentos de A (reestruturação cognitiva);
4. Usar a situação terapêutica para instalar, fortalecere/ou enfraquecer comportamentos
que ocorreram na interação terapeuta-cliente, relevantes para o desenvolvimento da
cliente;
5. Consequenciar socialmente (punir) comportamentos de ameaças e desafios que E
emita com o objetivo explícito de punir (agredir) o marido (quando seu comportamento
for proposital, isto é , quando E tiver consciência das conseqüências que mantém seus
comportamentos);
6. Dar SAs para E discriminar comportamentos seus que tenham, provavelmente,
função aversiva para o marido, mas que ela não emitiu com o objetivo (explícito) de puni-
lo;
7. Dar SAs para E discriminar algumas contingências significativas de sua vida e que
conseqüências, tipicamente, essas contingências geram, com o objetivo de levá-la a
discriminar quais expectativas de reforçamento são razoáveis e quais são pouco prováveis
(ou improváveis):
8. Dar SAs para E emitir outros comportamentos não presentes em seu repertório
comportamental atual, que possam produzir novas conseqüências reforçadoras
(compatíveis com sua realidade).
As Tabelas 7 a 11 trazem ilustrações do desempenho do T e mostram como os
procedimentos terapêuticos foram implementados.
A Tabela 7 traz exemplos de como a maneira de a cliente interpretar os
comportamentos do marido controla seu relacionamento com ele (ela em geral o critica
- uma forma de punição - ou se afasta dele - outra forma de punição). O terapeuta ao
oferecer outra interpretação aos comportamentos dele (nâo necessariamente correta)

64 Hélio Joté C/uIlhanil - Patrícia Barro* Pitisoni Souza Quelnu


tem por objetivo levar E a se aproximar sem agressão do marido, aumentando desta
maneira a probabilidade de A vir a se engajar em comportamentos mais adequados e,
assim passar a influenciá-la através de contingências reforçadoras. O objetivo do T è,
portanto, alterar a função dos comportamentos de E, de forma que os comportamentos
dela passassem a ter função de SApara os comportamentos do marido que, por sua vez,
sob controle de estímulos adequados poderia passar a emitir padrões comportamentais
também mais apropriados que reforçariam os comportamentos de E e funcionariam como
SApara ela emitir mais comportamentos adequados e assim sucessivamente.

Tabela 7
Interpretações inadequadas que E dá aos comportamentos do marido e
alternativas de interpretações propostas pelo terapeuta.
(SDs para aumentar a probabilidade de E categorizar o comportamento de A
como adequado e reforçá-lo)

1. E - Eu estava brincando na máquina (de escrever) e o A pediu para eu escrever algo


para ele. Eu escrevi “precisamos mais tempo para ficarmos juntos". Ele escreveu “nicinha",
nicinha da silvinha marques". Não respondeu às minhas palavras, só escreveu meu
nome.
T - Será? Ele foi carinhoso. Você espera que ele responda como você quer. Ele foi
carinhoso com o nome: “meu amorzinho, meu amorzinho Marques".

2. E - Quando A falou que me queria doméstica doeu. Isso que me dá raiva. Ele acha
que ninguém quer cantar uma doméstica. Ele fala que não quer a mulher dele sendo
cantada.
T - Você já leva para o lado ruim. Ele está demonstrando que se preocupa com você,
não quer que as pessoas a cantem. E faz isso porque gosta e se preocupa com você.
Para pensar assim, ele mostra que está inseguro. O que será que você faz que o deixa
assim? Pense nisso?

3. E - Ele é contra eu mudar de emprego. Ele acha que eu não acho outro em que eu
ganhe mais. Ele não queria que eu mudasse. Eu espero várias reações dele (brigas) e
estou disposta a enfrentar.
T - Ele poderia falar para você que não gostaria que você mudasse, ou que você não
poderia mudar. Você percebe a diferença? Uma coisa é o que ele gostaria e outra é o
que ele exige. Como ele esté se colocando?

4. E - Eu já falei para ele que não preciso de tanto (ciúmes). Ele fala que os brutos
também amam.
T - Olha. Ele disse que a ama do jeito dele, mas ama. E você já reclama que o jeito que
ele demonstra não a agrada. Você quer que seja tudo do seu jeito. O importante é que
ele ama e dá “o amor de bruto". Você parou para pensar como é, afinal, esse amor? É
tão horrível assim? E o que ele recebe?

5. E - Ele quer carinho, colo se possível o dia todo. Se depender dele eu não faço mais
nada (de limpeza na casa). Ele é até pegajoso, eu acho.
T - Você o acha pegajoso porque você só quer receber carinho, colo, atenção na hora

Sobrr comporlamcnlo c coriiívíío 65


em que você quer. Você é capaz de observar o outro, e dar aquilo que ele precisa? Ou
será que você nâo o ama?

6. E - Na festa, o A fica querendo dar um de bonzinho só para se exibir para os outros,


depois é aquela briga. Ele fica querendo dançar comigo sem parar. Mas, só comigo. Eu
o incentivo a dançar com outras pessoas. Eu já estava cansada porque já havia dançado
a noite inteira com a minha cunhada e a minha sobrinha.
T - Você acha Isso ruim? Ter um marido que quer dançar só com você? Você disse que
gosta do jeito que vocês dançam, mas acha que ele é exibido e que ele finge ser bonzinho.
E mais, se dançar cansa, por que dançou tanto com a sua cunhada e sobrinha, em vez
de dançar com ele?

A Tabela 8 concretiza, na forma de exemplos, o que E pode fazer com A para


tornar a relação menos aversiva. O terapeuta, ao Invés de fazer uma orientação genérica,
que exerce pequeno controle sobre a cliente, procurou dar orientações mais especificas
sobre alternativas de ação. O objetivo último nâo é que £ faça exatamente o que T
sugeriu, mas oferecer a ela opções como modelos para ações mais eficazes.

Tabela 8
Modelos ou SDs que o terapeuta dá para E analisar as relações com A e/ou
se comportar com ele

1. A tem dois comportamentos diferentes: quando bebe e quando está sóbrio. Precisamos
lidar com isso. Todos os comportamentos dele têm conseqüências para você, por mais
que você diga que nâo liga. E seus comportamentos influenciam as dele. Quando A
bebe e você o ameaça, por exemplo, ele fica mais agressivo e briga mais com você. Se
você tomar a situação menos aversiva para ele, provalvelmente, ele a agredirá menos.
2. Falando que vai deixá-lo, que está com ele forçada, você o está deixando inseguro. Já
observamos que quanto mais inseguro, mais agressivo ele fica. O seu comportamento
traz mais conseqüências aversivas para você, porque funciona como um sinal daquilo
que ele nâo quer (separar-se). Entâo A a agride. Precisamos diminuir o sofrimento agora,
e dos dois, porque a situação está insuportável. O seu comportamento nâo tem a função
que você gostaria (controlá-lo). E para ele funciona como sinal de algo ruim que pode
acontecer: você sair de casa. Você precisa parar de ameaçá-lo.
3. Você fala que iria deixá-lo. Agora você o ameaça dizendo "agora que eu resolvi lhe
dar uma chance, você apronta" (bebe). Dá na mesma. Você o está ameaçando.
4. Em vez de dizer para o A, como se comportou de forma negativa, "pisou na bola",
vamos falar, por exemplo “eu fiquei preocupada, você podia ter me telefonado".
5. Se A fica desconfiado do valor da conta de telefone e quer saber ecom quem você
falou, deixa-o olhar. Nâo discuta nem o provoque. Responda, simplesmente, às perguntas
dele.
6. Pouco do que A faz de bom você reconhece. Assim, ele cansará (extinção) e deixará
de fazer. Você precisa valorizá-lo (reforçá-lo), reconhecendo e mostrando isso para ele.

66 Hélio Joié Çullliandl - Pafrlda Burtoi Plawnl Souza Queiroz


7. A foi para o bar e você passou o dia fazendo faxina na casa. Você estava irritada no final
do dia. Mesmo que ele chegasse um doce nâo adiantaria. Você estava mal a partir do seu
próprio comportamento. Você parou para pensar se seu dia valeu a pena? (que
conseqüências os comportamentos de E produziram?). Você reagiu agressivamente
pelo que A fez ou pelas suas frustrações?
8. D lavar a louça separada (primeiro os copos, depois os pratos, etc.) não é mania.
Cada um tem o seu jeito. O que importa é ficar limpo. Você não pode querer tudo do seu
jeito. Querer controlar todo mundo desta forma lhe trará frustrações e a manterá ansiosa.
9. Você fica o tempo todo falando mal da família dele. O que isso causa? Briga e mais
briga. Não adianta agir assim. Dê um tempo até a relação entre vocês ficar mais tranqüila.
Aí, então, você poderá conversar com ele sobre o que ocorreu com a família dele.
10. Você quer fazer um curso (qualquer um) e já sabe que ele não aceita, mas mesmo
assim você insiste. Não adianta dizer “ele que se dane". Você, na verdade, nem tem um
curso para fazer e o provoca com isso. Vamos repensar porque você faz isso?
11. Você pode não ter falado nada, mas demonstrou que estava com raiva com outras
atitudes: cara feia, não falando com ele, etc.. Preste atenção em todos os seus
comportamentos, não apenas no que você fala.
12. Você nunca quer sair com A. Ele a convidou para ir no bar da sua irmã. Você se
recusou. Você percebe que estas situações dificultam mais a relação entre vocês?
13. A não quis levar você ao show do Roberto Carlos. Isso a deixou frustrada, com raiva
e brava. Aí você não quis ir para nenhum outro lugar com ele. Pura birra! Ajuda ser mais
flexível. Além disso, você disse que ele tem ciúmes do Roberto Carlos, de outros homens
que estariam no show. Esse ciúme é só dificuldade dele ou você o provoca?
14. Você acha que ir ao bar, significa não dar atenção a você. E isso pode não ser
verdade. Você já pensou que pode ser um jeito de ele lidar com as próprias dificuldades,
por exemplo lidar com a ansiedade que você lhe causa?
15. A vem conversar com calma, tranqüilo, depois que a bebedeira passou. Então, você
o pune, dizendo que não muda. Isto deve ser extremamente aversivo para ele. Quer
coisa pior que ouvir da pessoa que você gosta, que ele não quer nada com você? Aí ele
reage à sua agressão, fica descontrolado fala mal de você, xinga. Vocês funcionam
como uma gangorra. Quando um está em cima, o outro está em baixo. A bebe e fala
tudo, a agride, você fica quieta. A sóbrio, você fala tudo e ele fica quieto. Vocês ficam
neste sobe e desce que nunca tem fim. E é esse jogo que mantém o mal relacionamento
e todo esse sofrimento.
16. A chega para conversar e você mete a boca nele. O que acontece é que você percebe
o comportamento dele e não e seu.
17. Em alguns finais de semana, A não foi para o bar e foi adequado com você. E o que
você fez?
18. Você fala que ele bebe muito até cair. A telefonou para avisar que levaria uma pizza.
Que bêbado carrega pizza?

Sobre comportamento c coi)nlv'«lo 67


A Tabela 9 mostra instruções do T com os mesmos objetivos da Tabela anterior,
porém para uma situação específica: quando o marido estava alcoolizado. O T sabe que
a cliente é bastante habilidosa para lidar com o marido quando ele está bêbado: tanto o
acalma, como o exaspera. Eqüivale a dizer que essas orientações seriam desnecessárias.
Porém, se o T explicitar diretamente que ela sabe manejar a situação e nâo o faz, a
análise terapêutica tem função aversiva para E (que se esquiva dizendo, entre outras
coisas, que o marido é "incontrolável" quando está bêbado, que não há nada a fazer,
etc.). Ao dar os exemplos, conforme aparecem na Tabela 9, o T visa reforçar - sem
explicitar isso - padrões de comportamento que ela já demonstrou ser capaz de emitir
(supõe-se que a sugestão terapêutica de um modo de agir que se assemelhe ao que ela
já emitiu funcione como uma conseqüência reforçadora) e, eventualmente, sugerir alguma
forma de atuação nova,

Tabela 9
Instruções do terapeuta para E lidar com o comportamento de beber do marido

1. Depois que ele bebe não adianta você discutir. Outras situações assim (A beber e E
discutir) já aconteceram antes, ele fica mais bravo, não resolve e piora a situação. Ontem
foi igual, você falou que ele não era gente, ele ficou mais bravo com você, e com D, jogou
o telefone no chão e resolveu. Você discutir só piora.
2. Quando A estiver alcoolizado e com raiva poderá fazer coisas horríveis (bater nela) e
nós não temos controle. Nessa situação acho que você deve ficar o mais quieta possível.
Ele vai ter raiva, quebrar tudo. Deixa. Ele a provocará várias vezes para você reagir,
porque você sempre reagiu. Agora, se você ficar quieta, ele vai parar. Como já fez,
deitou e dormiu. E depois você fez ainda o que queria.
3. Então, a situação de amanhã (E trabalhar no casamento sem uniforme) o deixa inseguro.
Tente não brigar; se ele não beber fique quieta, tente ficar por perto com ele. Vamos
fazer coisas boas acontecerem mais vezes. Ele faz, você reforça.
4. Eu com acordo com o seu irmão. Não adianta fazer nada, nem responder, quando ele
está bêbado.
5. Cada vez que você responde, você dá um sinal de que está ouvindo. Está dando
atenção. Mesmo que sua resposta seja agressiva, xingando, você reforça o
comportamento dele. Cada vez que você responde, reforça o comportamento dele e faz
com que ele comece de novo.
6. E se ele falar 10 vezes e você responde na 11 *, você reforça o comportamento dele,
fazendo com que ele tente várias vezes até conseguir. Porque você estoura (xinga)?
Cada estouro seu, reforça o comportamento dele, e faz que ele reinicie.
7. Ele passou o dia inteiro no bar, voltou bêbado. Nós não podemos fazer nada quando
ele está assim. Mesmo ele bêbado e não querendo que você fosse sozinha (à festa da
amiga da filha) você foi, Quando ele passa o dia no bar, você fica com raiva. Por isso
quis ir à festa para puni-lo. Mas não aproveitou porque sabia que teria briga na volta. Foi
o que aconteceu. Ele brigou. Você acha que agiu corretamente?

68 Híllo José O/ulllt.mli - l\ilrld.i Burros PUisonl Souza Queiroz


A Tabela 10 sintetiza com exemplos a atuação do T de oferecer à cliente
reforçamento diferencial para seus comportamentos de interação com o marido. O
terapeuta não só consequencia diferencialmente, mas dá muitos SAs (tenta colocar o
comportamento de E sob controle de regras) para ações mais adequadas. Usou para
isto inclusive conteúdos mais elaborados - extraídos de Comte-Sponville (1995) - com
o objetivo de dar-lhe alguns conceitos mais abrangentes sobre relacionamento humano,
com a expectativa de que E venha a ser capaz de, a partir dessas concepções, derivar
ações - emitidas espontaneamente por ela - mais construtivas.

Tabela 10
Verbalizações do terapeuta com função de SD para E discriminar seus
comportamentos e os do marido que foram adequados e os inadequados e
como conseqüenciar o repertório do marido

1. Eu não sabia que vocês dançavam juntos. Que gostoso. Você só falava que dançava
sozinha. Eu nem imaginava que vocês sambavam juntos e que você gostava de dançar
com ele. Você já falou para A que gosta?

2. Quando você vai chamá-lo para dançar, está demonstrando que gosta de dançar com
A . E isso deve ser muito bom para A por que ele gosta de você. Às vezes, nós achamos
que as pessoas podem saber. É necessário fazer, demonstrar, falar sempre.

3. Só dançar? Você acha só? Ter um marido que dança tão bem como você é pouco?
Vocês tem um jeito de vocês. Isso é muito jóia e você precisa aproveitar esse momento
gostoso, ficando com A e dançando mais com ele. Você precisa reconhecer quando A
faz coisas adequadas.

4. E você estava a três dias sem falar com A. Ele pediu desculpas. A atitude dele é ótima.
Se não, até quando ficaria essa situação? Você precisa reconhecer quando A faz coisas
adequadas.

5. Amanhã você não dormirá em casa porque trabalhará no casamento. Essa situação o
deixa inseguro. Tente não brigar. Se A beber, fique quieta. Tente ficar bem com ele e
mostrar as coisas boas que A faz.

6. A telefonou várias vezes para M, para saber se ele estava bem. A atitude dele foi boa.
Pelo que você estava me contando antes parecia que o A nem tinha falado com M. Você
se apressa em criticá-lo.

7. Nós precisamos mostrar para A as coisas boas que ele faz. Quando fazemos alguma
coisa e a conseqüencia é boa, tendemos a agir assim mais vezes. Então se você reforça,
elogiando, mostrando para A as pequenas coisas boas que ele faz, a tendência será ele
fazer mais. E daí A também poderá fazer outras coisas boas. Além disso, você pode dar
modelos de como ele pode agir.

8. No exemplo do telefonava de A para saber de M. O que pode ser feito? Você elogia,
reforça o comportamento dele, dizendo que A deu atenção ao M e que é bom A se

Sobre comportamento e coriiIç«?o 69


preocupar com M. A precisa saber as coisas boas que faz para repeti-las e você precisa
mostrar isso para ele.

9. Você fala que A era um super-pal quando as crianças eram pequenas e isso já faz
algum tempo. Mas vocô pode relembrá-lo disso. Dizer “Lembra quando você acordava
para dar mamadeira para as crianças? Você se preocupava tanto”. Você estará mostrando
que reconhece o valor da atitude dele, dando um sinal de que a atitude dele com os filhos
é importante, e que A poderia agir assim mais vezes.

10. Quando você fala qualquer coisa para o A o jeito de falar é muito importante.
Dependendo de como você fala, pode parecer crítica ou pode parecer que você se
preocupa com ele. Preste atenção no jeito de falar. Por exemplo "Eu fiquei preocupada
com você porque, normalmente, você chega às 12h, e você atrasou bastante. Quando
for possível, me telefone.

11. É importante você responder para A o que lhe pergunta de maneira tranqüila. Se
responder torto, A não perguntará mais ou perguntara com medo, ou a agredirá.

12. A não quis dar bombom para D. Você não precisa fazer nada agora. Da próxima vez
que A trouxer alguma coisa para vocês, você reforça. Diga o quanto vocês gostam daquilo
que ele trouxe; “que bom que você se lembrou da gente".

13. Observe as pequenas coisas e reforce. Em relação às ruins, não faça nada para elas
irem desaparecendo ou diminuindo. Vocês precisam viver melhor em casa. Seja
observadora e fique atenta para pequenos detalhes que merecem ser valorizados nas
atitudes dele.

14. Se A era o queridão das suas sobrinhas de alguma coisa dele elas gostavam. Então,
quando você estiver conversando com elas, chame-o para conversar também. Tente
reaproximá*los.

15. O serviço de casa a sobrecarrega muito. Você precisa pedir ajuda. Você dá um sinal
pedindo para eles a ajudarem, e os reforça quando eles colaboram com você.

16. Quando você pedir para M limpar o vídeo, por exempplo, pode explicar como fazer
a reforçá-lo. Não vá limpar depois ou reclamar da limpeza, porque agindo assim, ele não
ajudará mais.

17. A ia se vestir bem para quê? Vocês só brigavam. Vocês sempre brigaram. Pode
comprar a roupa que for, ele só vai se vestir bem quando se sentir bem em casa e for
reconhecido. Você precisa reforçá-lo pelo que ele faz e dar modelos. Quando A estiver
bem vestido fale “Nossa, como você está bonito" e não “Nossa como você está bonito
com a roupa que lhe dei".

18. Se A não fala do trabalho com você não pergunte. Espere ele falar e reforce: “Gosto
quando você faia do trabalho comigo". “É bom eu saber o que acontece na sua vida".
Você reforça sem falar o que acha de errado. Depois vocês podem falar sobre os pontos

70 l léllo losé C/uilh.inll - Patrícia Barrus 1’lasonl Souza Queiroz


em que discordam, quando a situação melhorar.

19.0 que você falou para A, quando ele passou o final de semana em casa? Nada. Você
precisa mostrar que gosta dele em casa, com carinho, atenção, falando. A precisa saber
que ele ficar em casa é bom, não beber é bom. “Olha como o final de semana foi bom ou
gostoso”.

20. Quando A fala que você sumiu está mostrando que notou sua falta e gosta de você,
Se não ele nem ligaria. A demonstra que se sentiu sozinha, sentiu ciúmes, mas porque
ele gosta de você e você fala que não sumiu e que voltou porque estava lavando roupa.
O coitado lá de braços abertos, você passa por baixo pra desligar a máquina. Imagine
essa cena, é a mesma coisa. Você precisa perceber mais quando A demonstra que
sentiu a sua falta.

21. A fala para você não passar as roupas de ficar em casa. Ele está dando um exemplo
de como você pode se poupar.

22. Quando A está em casa, vocês podem jantar juntos. Já será mais um momento
juntos.

23. A reclama de você limpar a casa, porque você só se preocupa com isso. A tem toda
a razão de reclamar que você não fica com ele, dizendo: "Ah, se não fosse você para me
ajudar o que eu faria?".

24. Está explicando porque A só anda sujo. Você dá atenção mais para ele sujo do que
limpo. Se eu fosse A, andaria mais sujo, porque só assim você dá atenção a ele pedindo-
lhe que tome banho.

25. Quando A cortou a carne para você e você agradeceu foi ótima. Poderia ajudá-lo
brincando com ele, dizendo: “Ah, se não fosse você para me ajudar o que faria?".

26. Você pode falar para A tomar banho sem que seja uma ordem. Fale “Toma um
banho e vem aqui para eu abraçá-lo". A vai adorar. Ele não quer a sua atenção? Assim
ele a terá.

27. Você precisa conversar com A para ele ajudar a controlar as crianças e a organização
da casa. Mostre que você precisa da ajuda dele, como no exemplo da carne, lembra?

28. Você não deve dar ordens, ou falar parecendo ordens para A . Você precisa falar
com jeito sem criticar, sem provocar, pedindo a ajuda dele, sugestões.

29. Se você conviver melhor com A em casa, as brigas diminuirão. A fala que qeur amor
e carinho. Ele é apaixonado por você, sente a sua falta, quer colo, quer que você largue
a limpeza para ficar com ele. Se você der mais atenção ao A, ele irá querer ficar mais em
casa e ir menos no bar. Quando ele ficar em casa, sente-se abandonado porque você
nem liga para ele, e então vai para o bar. A volta do bar e vocês sempre discutem, ele vai
querer ficar ainda mais fora porque em casa é só problema. Você precisa ser mais

Sobrr com|>or1ümcnlo c co#nlv'Jo 71


amorosa, mais carinhosa, reforçando A a ficar mais em casa. Ou saírem juntos.

30. A é carinhoso com você escrevendo seu nome (na máquina de escrever) tudo no
diminutivo. Você nem consegue perceber isso. Por que A precisa responder exatamente
como você queria?

31. Você poderia beijá-lo, abraçá-lo mais. A é carinhoso. Pense se agindo assim, vocô
estaria se sentindo melhor? Você está fazendo isso por você ou por ele?

32. Olha, A telefonou querendo fazer uma surpresa. Está mostrando que gosta e lembra
de você. Você já fala que nâo quer esperá-lo com a surpresa. A vai desanimar. Você
precisa percebê-lo melhor, notar as atitudes dele, e reforçá-lo, sair com ele, elogiá-lo,
esperá-lo.

33. A é contra você mudar de emprego, porém não a está impedindo. Outras vezes ele
era contra e a impedia, brigando com você. Dessa vez ele soube ouvir, falou o que
pensava, mas deixou. Ele está melhor com você, mais tranqüilo.

34. Olha que exemplo! A fala que os "brutos também amam". A fala que a ama, que
demonstra da maneira dele. E o que ele recebe? Você precisa dar afeto, carinho. Como
eu saberia o que os outros sentem se eles não demonstrassem? Como A iria saber se
você não demonstrar?

35. Existem várias formas de demonstrar amor. Imagine que ruim, A fica em casa o dia
inteiro para você só lhe dar atenção à noite. Quando estiver fazendo alguma coisa,
chame-o, passe por ele e dê-lhe um beijo.

36. E, nem que ele realmente seja da idade da pedra. Se ele for amado, ele será um
homem de a pedra mais sossegado, tranqüilo e feliz.

37. Você precisa mostrar para o A que ele faz coisas boas. Você pode, e deve, usar uma
virtude muito comum nas mulheres, a doçura. Que é uma força em estado de paz, tranqüila
e doce, paciente e mansa. De certa forma submissa, mas não é submissão para fazer o
que o outro quer. É submissão com amor, com carinho, para dar ao outro aquilo que
precisa. Colocar em cada ação um pouco de doçura.

38. A não brigou com você (por pedir a demissão) e isso a deixou tranqüila. Você poderia
se sentir grata a ele por essa tranqüilidade. Afinal, ele a compreendeu. Você tomou as
decisões e A não brigou, por isso você pode estar assim agora. No mundo nós não
vivemos sozinhos. O que nós sentimos não devemos guardar só para nós mesmos,
devemos distribuir. Isso não é uma obrigação ou troca. É uma divisão. Você se sente
tranqüila e, esse bem estar, você divide com as pessoas a sua volta. Elas sentirão a sua
tranqüilidade, poderão se sentir tranqüilas e também dividirão. Sem obrigação. Então
"Olha A, você não brigou comigo e essa tranqüilidade reflete nas minhas ações com
você e com o mundo".

39. A doçura não deixa de lutar por um objetivo, mas sempre com doçura, sabendo

72 Híllo losé (/ullkiaii - Pdtrfciti Burro* 1’l.iíonl Sou/u Qurfroz


perceber as situações reais e sendo flexível e adaptável a elas. Com paciência e carinho
atingirá o objetivo. O seu objetivo é manter a paz. Use doçura para isso.

40. Para viverem juntos, você e A precisam estabelecer objetivos em comum. Quando
vocês têm um objetivo em comum ficam bem, mas nas situações em que vocês pensam
diferente surgem problemas. Você se recusa a escutá-lo e ceder um pouco, porque
acha que está sendo submissa. Isso tem trazido problemas para a relação. Para viver
juntos é preciso ceder em alguns momentos, ser mais flexível.

41. A partir dessa frase, poderemos pensar um pouco sobre amor: "Você será amado
no dia em que puder mostrar sua fraqueza, sem que o outro se sirva dela para afirmar
sua força” (Comte-Sponville, 1995). A frase mostra como eu me comportarei quando for
amado. Poderei expor para você todas as minhas fraquezas sem que você as use para
me controlar, ou mandar. Isso é necessário para viver com o outro. Você percebe o
outro, o que eíe precisa e cede. Por exemplo, quando o A pede coío, ele está mostrando
uma necessidade dele. Você pode percebê-la e ceder. Não estará sendo capaz de
perceber os seus sentimentos, perceber os sentimentos do outro, e cedendo um pouco
pelo outro. É uma dedicação, uma generosidade. E generosidade é você querer bem o
outro.

42. A partir dessa frase (Comte-Sponville, 1995) podemos pensar também que A se
sentirá melhor em casa, amado e querido, quando for compreendido, aceito, elogiado. A
precisa poder dizer o que pensa, quer e sente, sem que você o critique, provoque ou use
isso contra ele. Quando você aceitá-lo, A se sentirá amado e se relacionará melhor com
você, terá mais prazer em ficar em casa.

A Tabela 11 fornece exemplos de outro recurso que o T usou para lidar com E:
consequenciar diretamente o comportamento dela a partir da função que seu
comportamento tinha para ele na sessão. Essa forma de lidar com E era extremamente
aversiva para ela. E demonstra isso punindo o T: “fechando” a cara, deixando de falar
durante parte da sessão. Ou, então, fugindo da observação do T: negando o que este
lhe dizia ("não é nada disso. Eu ô que estou agitada agora por causa de... "dava uma razão
espúria qualquer) ou se desculpando (“aqui falo assim porque estou à vontade, mas com
A eu me controlo...). O T, nestas ocasiões, não discutia as argumentações de E, apenas
repetia o que o comportamento dela causava nele, naquele momento, naquela situação.
Acabava por sugerir que, independente da “interação" dela ao agir, seus comportamentos
tinham uma função para o outro e era necessário ela prestar atenção nisso. Por outro
lado, para que esta estratégia não ficasse associada, exclusivamente, com os
comportamentos inadequados (ou aversivos para T) de E, o terapeuta também usou o
mesmo procedimento com relação aos comportamentos adequados dela ("você está mais
"solta"hoje consigo: está gostoso falar com você sobre isto..."; “você me surpreende:
achei que iria ser difícil você aceitar meus argumentos e você, pelo contrário, até antecipou
o que eu ia concluir", etc.). Este procedimento se mostrou de grande valia - diretamente
observado pelo T- pois, a cliente mudava drasticamente seu comportamento na sessão
quando o terapeuta consequenciava seus comportamentos - mesmo quando punida -
após a reação de frustração ou de contra-controle - a cliente procurava se comportar na

Sobrr comportamento c cotfnlvJo 73


direção ditada pelas contingências.

Tabela 11
Verbalizações do T que explicitam a função que comportamentos de E na
sessão têm sobre ele

1. Você parece prestar atenção ás análises e propostas que eu faço, mas não pára para
pensar e já responde rápido, irritada e culpando A por tudo. A sessão fica parecendo
uma batalha e que não existe alternativa. Não concordo que não haja. E isso, também
deve ocorrer nas suas outras relações: trabalho, filhos, marido, etc.

2. Você está super tranqüila aqui na sessão hoje. Assim podemos dialogar. Veja, vocô
não está concordando com algumas coisas que lhe digo, mas tem procurado argumentar.
Noto também que você tem explicado que aceita algumas coisas que lhe digo. Nossa
relação tem sido menos tensa, menos competitiva. Você nota isso?

3. Quando discordei de algumas atitudes suas, você me olhou do jeito que olhava
anteriormente (de maneira agressiva ) e conversou naturalmente comigo. Você está
aceitando melhor críticas ou está apenas se controlando mais? Seria importante você
discriminar uma coisa da outra.

4. Imagino, pela maneira como você reage ao que lhe digo quando discordo de você,
como A deve se sentir. Se ele não estiver seguro do que fez ou disse deve ser muito
difícil para ele. Você argumenta pouco e reage emocionalmente. Passa a impressão que
está completamente convencida de que está certa. As vezes, tenho a impressão de que
nada que lhe digo lhe interessa.

5. Você sempre tem resposta para tudo que eu digo. Acontece que às vezes você está
certa. Às vezes está errada. Será que você sabe ouvir o outro? Não me refiro a ser
educada e deixar o outro falar, mas entender as razões do outro.

6. Observe como você está descrevendo essa situação com A: Você gesticula como se
estivesse brava (com quem você está brava aqui na sessão?). Você fala energicamente,
se mexe na cadeira de forma agitada. É assim que você “dialoga" com A? Como será
que A se sente ao vê-la assim?

Resultados
Tabela 12 mostra algumas verbalizações de E que ilustram que ela discriminou
aquilo que o T lhe ensinou. Pelo menos no nível verbal seu repertório está adequado. O
teste empírico das análises das contingências feitas pelo T seria concretizado se a cliente,
de fato, lidasse com o marido da maneira como diz que vem lidando (o que não é
possível verificar diretamente) e, então, o comportamento de A se modificasse na direção
das previsões feitas pelo 7. As novas contingências (novos padrões de comportamento
da E - com funções de estímulos antecedentes e de estímulos conseqüentes, aos
comportamentos do marido-instalados pelos procedimentos do T) precisariam ficar em
operação de forma sistemática por um período, a fim de as contingências poderem

74 Hélio José QuIllwrUl - 1’utrícia Burroi Plasonl Sou/d Quriroz


demonstrar (ou nâo) sua eficácia. Alterações, mesmo que sutis, na direção desejada, no
comportamento de A seriam conseqüências (possivelmente reforçadoras) para manter os
comportamentos da E e, ao mesmo tempo, controlariam os comportamentos de análise
do T. Por outro lado, alterações comportamentais no repertório de A , na direção oposta
às previstas, controlariam os comportamentos de A e do T de rever suas análises e
alterar os procedimentos.

Tabela 12
Verbalizações da E que ilustram mudanças na sua relação como marido

1. Ontem A cortou a carne para mim, eu agradeci e pedi para ele tomar banho. Quando
A voltou, a carne já estava no fogo, e ele disse que a comida estava cheirosa. Eu falei
que ele também estava. A ficou satisfeito quando eu o elogiei.

2. A situação em casa está em paz. Eu estou agindo conforme nós conversamos e A


está mais calmo. Esse final de semana ele não foi para o bar. Nós saímos e fomos na
minha irmã. Sem brigas. Eu falei com A para sairmos mais

3. M me ajudou na limpeza. Eu tenho agradecido e falado que está bom.

4. A bebeu e foi aquela confusão de sempre. Ele começou a falar mal de mim. Não foi
fácil, mas eu fiquei quieta e fui dormir. A continuou enchendo, indo do quarto para a sala.
Enquanto A não dormiu, foi duro, mas me controlei.

5. Eu tenho agradecido A quando ele me ajuda.

6. Esse final de semana eu não fiz nada, (de serviço de casa) só fiquei com A. Nós
saímos bastante e assistimos à televisão. Ele ficou no meu colo.

A não foi para o bar esse final de semana e foi gostoso. No domingo, eu falei
isso para ele.
Há, porém, um aspecto extremamente importante ainda a ser analisado: a
motivação da E. O que controla (ou controlaria) os comportamentos de E de seguir as
instruções e modelos do T? Suas verbalizações (que vão de encontro às expectativas
do T) podem estar sob controle do T (o que é desejável), mas não podem estar
exclusivamente sob controle dele ( pois, isso seria indesejável). Os comportamentos da
E, adquiridos sob controle do T, na situação restrita da sessão terapêutica, precisariam
se generalizar para a situação natural: ficar sob o controle do marido, no seu contexto do
dia a dia. Essa generalização ainda não foi sistematicamente trabalhada na terapia.
Quem garante que E deseja melhorar sua relação com o marido? Uma relação melhor
entre E e A é uma das possibilidades que E tem para reduzir a aversividade da relação
marido-mulher, não a única. Nada garante que ela deseja essa alternativa. Também
nada garante que E deixará de ter expectativas de conseguir um status sócio-econômico
melhor que o atual. Embora, o T não exclua a possibilidade de E conseguir alguns
"progressos" no seu estilo de vida sócio-econômico, ele tem procurado estabelecer com
E metas realistas. Esta análise por parte do T é aversiva para E. Isso pode ser verificado

Sobre comportamento c co^nlv.lo 75


através de verbalizações de E. Ela insiste em obter reforçadores (materiais) acima de
seu padrão financeiro e apresenta uma sistemática insistência em atribuir ao marido
("que não trabalha com seriedade", "que não tem ambição", segundo sua visão) o fracasso
para alcançar suas metas. Essas verbalizações mostram que o comportamento de E
não está sob controle do T, mas sob outros controles, como o da irmã (que estaria
melhor que ela, materialmente) e da patroa. Neste contexto,“viver bem"com o marido é,
para ela, incompatível com a obtenção do progresso material que deseja. Por outro lado,
"viver mal" não lhe dá melhor vida, mas pode ter a função de fuga-esquiva, na forma de
E estar se engajando nos primeiros elos de uma complexa cadeia de comportamentos
que se inicia com falar mal do marido, falar que vai se separar dele, etc. até o elo final
que seria efetivamente se separar. Ora, uesiar separada” do marido è uma situação que
envolve uma ampla gama de estímulos reforçadores e aversivos muito remotamente
associados com os comportamentos atuais de E, para que tais estímulos tenham
função de controlar seu comportamento atual (ou seja, “falar em separação" não fica
sob controle das contingências reais envolvidas em "estar realmente separada"). Os
controles de estímulos presentes no seu dia a dia são muito mais poderosos para controlar
os comportamentos de E. Assim, o Ttem a dífícil tarefa de enfraquecer os comportamentos
de fuga-esquiva atuais de E e instalar um novo repertório com possibilidade de produzir
conseqüências, apenas presumivelmente, com função reforçadora positiva (viver melhor
com o marido). Isso não é um fato. É verdade que o T pode estar instalando um outro
comportamento de fuga-esquiva (viver melhor com o marido), que seria mantido por
reduzir a aversividade da relação entre £ e A (e não pelos reforçadores positivos
hipotetizados, derivados de uma relação conjugal harmoniosa). Se esta alternativa for
correta, então, o marido - independente do seu desempenho - teria uma função aversiva
(numa linguagem cotidiana se poderia dizer que E não ama 4), ou seja, o comportamento
de fuga-esquiva (na forma de vi versem brigas com o marido) teria duas conseqüências:
reduzir a aversividade de uma relação ruim (reforçamento negativo) e produzir uma
conseqüência aversiva, um marido “amoroso” para quem não está interessada como
mulher nesse marido (punição). Deste ponto de vista, o comportamento planejado pelo
T poderá ser instalado, mas nâo se manterá.
O presente trabalho não abrange a análise comportamental dos controles dos
comportamentos da E de se manter seguindo as instruções e modelos do 7. Essa análise,
bem como as alterações dos procedimentos terapêuticos (em particular aquelas
necessárias para produzir generalizações necessárias de E ) serão objeto de um próximo
relato.

Controles do comportamento do terapeuta


O presente estudo éútil para explicitar sob que controles de estímulos ficaram
os comportamentos do T. O ponto de partida foi a queixa inicial, e neste sentido pode-
se dizer que o primeiro controle foi estabelecido pelos comportamentos verbais emitidos
pela E. A partir daí, o T ficou sob controle do referencial conceitual-teórico do behaviorísmo
radical, de padrões metodológicos, e de procedimentos de manejo comportamental,
característicos da ciência do comportamento, passíveis de serem utilizados numa situação
clínica típica. O referencial conceitual-teórico permitiu ao T, por exemplo, se propor - a
partir da queixa - algumas questões:

76 Hélio José C/ulllmrül - Pútrida Burros Plusonl Souza Quflroz


a. A situação criada pelo marido é tão aversiva que impede realmente qualquer
comportamento de fuga-esquiva?
b. Uma pessoa sob controle aversivo tão intenso teria padrões de comportamentos (tais
como emitir opiniões, defender seus pontos de vista, falar com desenvoltura, questionar
o terapeuta, gesticular, etc.) como a E apresentou nas sessões desde o inicio?
c. A que tipo de coerção E estaria de fato respondendo? A gerada pelo marido seria
a única? Seria a mais importante?
d. Que contingências estariam mantendo E no casamento? Deve-se acreditar que
seria, exclusivamente, o controle aversivo intenso gerado pelo marido (no caso de
separação)?
e. Um controle aversivo mantido por tantos anos, sem que a pessoa vítima desse controle
tivesse podido desenvolver um contra-controle eficaz, provavelmente, desenvolveria um
déficit comportamental (que lembraria o padrão da depressão) ou um excesso
comportamental ( que lembraria o padrão de ansiedade fóbica). Nem um, nem outro
foram observados pelo 7, nem relatados pela E.
Em suma, a queixa descreveu contingências de reforçamento não compatíveis
com os comportamentos observados pelo T na interação 7- C e também não compatíveis
com algumas verbalizações da E.
Diante dessas interrogações, o T passou a coletar mais dados sobre a relação
da E com seu ambiente social, em particular com o marido. Assim, o T está sob o
controle de regras definidas pelos padrões da metodologia científica: coleta de dados
que lhe permitam descobrir regularidades comportamentais (ao invés de fazer inferências
sobre mecanismos ou processos mentais). Essa coleta de dados permitiu ao T detectar
um conjunto de contingências em operação que poderiam melhor explicar os
comportamentos da E e do marido. Neste ponto, o T voltou a ficar sob controle do
referencial conceitual-teórico e daí novas coletas de dados e, assim, sucessivamente.
Os procedimentos terapêuticos propostos - comportamentos do terapeuta -
ficaram sob controle da interação entre os controles de estímulos que emergiram
do referencial conceitual-teórico e dos controles de estímulos gerados pelos dados
coletados. Por sua vez, a manutenção dos procedimentos e eventuais alterações ficaram
sob controle dos resultados que a aplicação dos procedimentos produziram.
No presente estudo, conforme foi indicado na seção anterior, o T não se
preocupou em analisar a que outros controles de estímulos a E estava respondendo
durante a aplicação dos procedimentos. Ela, claramente, discriminou o que o T esperava
dela Nesse aspecto ela estava sob controle de regras explicitadas pelo T e pelas
conseqüências sociais (reforçadoras e/ou aversivas) diretamente liberadas por ele na
situação de terapia. Não se programou, porém o auto-manejo das contingências por
parte da cliente.
O T, pode-se dizer, não ficou sob controle de seus valores pessoais: o que ele
pensa a respeito de uma série de questões, que poderiam ser propostas sobre um
casamento como esse. De fato, caberia ao T respondera algumas perguntas (que ele
próprio poderia se fazer, ou que poderiam ser propostas pelo seu supervisor, ou seu
terapeuta). Assim: Como ele vê o fato de uma pessoa viver com alguém que não ama?

Sobrr comporUimcnlo c connlç<1o 77


O que é o amor? Como vê a ambição de ascensão social e econômica? Como vê o
fato de alguém viver por muitos anos com uma pessoa que - independente do que a
leva a isso - a agride fisicamente? E a manutenção de um lar com essa dinâmica de
relacionamento entre seus membros? O que espera de um procedimento que é,
racionalmente, adequado, mas que a pessoa que o aplica (E) pode não estar,
emocionalmente, disposta a empregá-lo? etc. Ao se propor esse tipo de questões, o
terapeuta está investigando quais são, em última análise, seus valores (reforçadores)
pessoais sobre o tema da terapia. Nâo se espera que transmita seus valores para o
cliente, mas que use esse modelo de investigação de contingências pessoais (fruto da
história de vida de cada um) para que o próprio cliente discrimine a que está respondendo.
O que se observou no presente estudo foi que o T não criou contingências para E
responder a essas questões. Sem isso, nem E, nem o T terão completado a análise das
principais contingências que estão controlando o comportamento da cliente. Eqüivale a
dizer que E não está plenamente consciente das contingências (não as descreve, nem
consegue manipulá- Ias), como tal não tem pleno auto-conhecimento do que ocorre com
ela. NSo se pode dizer também que os valores pessoais do T estão Implícitos nos
procedimentos propostos. Pois, se assim fosse o T teria dado um tipo de respostas às
questões acima (ele próprio estaria consciente da importância dessas questões) e teria
criado contingências para E ter consciência da operação dessas questões. O T não
criou essas contingências para a cliente.

Conclusões
O presente estudo mostrou que a descrição espontânea que a cliente fez de sua
interação com o marido, embora muito coerente à primeira vista, não descreveu as reais
contingências em operação. O terapeuta sob controle do seu referencial conceituaMeórico
colocou em questão os dados da cliente e sistematizou a coleta de dados que lhe permitiu
a descoberta de uma regularidade nos comportamentos da cliente e do marido. Os dados
obtidos lhe permitiram propor a possível interação de algumas contingências que melhor
explicariam os dados observados. A identificação e descrição das contingências em
operação tornaram o T consciente do que estava controlando os comportamentos da
cliente. Estava, então, em condições de criar condições para que ela própria se tornasse
consciente dessas contingências. Os procedimentos propostos e implementados pelo 7
tiveram a função de levar a cliente a identificar as contingências em operação e a testá-
las, a fim de verificar a adequacidade da análise. Os resultados do teste empírico das
contingências possivelmente em operação mostraram que a análise do T foi adequada.
Até este ponto do estudo os comportamentos do T ficaram sob controle do seu referencial
conceitual-teóríco, dos padrões de prática científica, dos procedimentos de manejo de
comportamento e dos comportamentos da cliente. O T não ficou sob controle - na sua
relação com a cliente- dos seus valores pessoais, e como tal não criou contingências
que permitissem á cliente discriminar essa classe de contingências às quais responde.
Ficaram sem respostas questões como: Vale a pena viver num casamento sem amor?
Por que viver por tanto tempo numa relação com vínculos interpessoais tão aversivos?
etc. Sem a identificação das contingências envolvidas nessas questões, a cliente não
está plenamente consciente das contingências às quais responde em sua vida conjugal
e, como tal, não está em condições de atingir o auto-conhecimento necessário para

78 Hélio José C/ulllhiiUi - Ptitrfcid Hanos Plasonl Souza Qucln>*


auto-govemar seu comportamento. Para tomar completo o processo terapêutico o T deve
vir a criar as contingências que levam £ a identificar essa classe de controle do seu
repertório de se manter (mal) casada.

Reavaliação do processo terapêutico


£ demonstrou que adquiriu o repertório para manejar sua relação com o marido de
modo a reduzir os conflitos aversivos entre ambos. Mas, manteve o mesmo padrão de
queixas sobre o marido que apresentava no início do trabalho: responsabilizava-o por lhe
causar uma vida infeliz, falava frequentemente em se separar e, como novidade, passou a
se queixardo T por este estar lhe atribuindo o papel de agente ou sujeito agente ou sujeito
(conforme Micheletto e Sério, 1993) para melhorar a relação conjugal. Aparentemente, as
conseqüências consideradas reforçadoras na relação entre ela e o marido (ele ser mais
carinhoso com ela, deixar de agredi-la fisica e verbalmente) não tinham para ela essa
função reforçadora. Neste ponto do processo terapêutico cabia uma reavaliação dos
controles dos comportamentos da cliente e do terapeuta e, possivelmente, uma revisão
nos procedimentos.
As verbalizações da cliente tiveram várias funções para o terapeuta:
a. reforçamento positivo: enquanto £ ficou sob controle de regras do T, pôde-se observar
que os procedimentos elaborados nas sessões foram eficazes para mudar os
comportamentos de A na direção planejada. Os dados relatados por £ reforçavam o
comportamento de analisar de T e mostravam a eficácia dos procedimentos por ele
sugeridos;
b. punição positiva: E passou a reclamar explicitamente da análise feita por T e dos
procedimentos sugeridos. As mudanças observadas nos comportamentos de A nâo eram
suficientes para manter o comportamento de £ e suas verbalizações indicavam que o
caminho seguido por T nas suas análises não atendiam as expectativas de £, pelo
contrário, passavam a desagradá-la;
c. extinção: E simplesmente deixou de aceitar algumas análises de T e de seguir algumas
sugestões sobre os procedimentos;
d. reforçamento negativo: E criou uma situação aversiva para 7 na relação terapeuta-
cliente quando este insistia no mesmo modelo prévio de análise das contingências em
operação. Isto levou T a começar a elaborar outras análises (provavelmente,
comportamentos seus de fuga-esquiva) que, possivelmente, melhor identificassem as
contingências em operação no contexto cotidiano da cliente.
A sessão transcrita' em seguida serve como uma amostra representativa desta
fase do processo terapêutico:
T: E, sabe o que eu acho? Quando chegou aqui você me disse que A bebia muito, A
queria mandar em você e não a deixava fazer nada. Pelo que vimos nessas sessões,
você tem condições de controlá-lo e você não obedece às ordens dele, e ainda diz que

'A s s e s s õ e s foram g rav ad a s e tran scritas literalm ente, ap e n a s co m co rreç õ e s no po rtug u ês. A s in terven çõ es
d o tera p eu ta d ev em se r co n s id era d as no contexto do caso e nâo co m o m o delo p ara In terven çõ es co m outros
clie n te s ou o u tros co n texto s.

Sobrr comporUimcnlo c cofjniçilo 79


ele manda.
E: Só faço o que eu posso. Nâo faço nada de errado. Você quer ver? Ele queria alugar
um barracão e queria o meu cunhado como fiador. O meu cunhado não quis ser fiador
do A por causa da situação financeira do A. A ficou muito bravo. Mas, A precisa de
alguém que fale as verdades para ele. A foi beber e fez uma baixaria. Ele reclamou
comigo (dizendo que nâo o apoio). De fato, eu não sou contra o meu cunhado. Todas as
vezes que aluguei casa, o meu cunhado ficou como fiador, mas agora ele acha que o A
não está em boas condições financeiras. Ele sempre nos ajudou. Então, veja como a
idéia do A é pequena. Ele bebeu para ter coragem de ir Já fazer o escarceu que fez. E
quem pagou o pato fui eu (brigou com ela).
T: Já ficou claro (em sessões anteriores) como lidar com A. Você consegue controlá-lo
e sabe conversar com ele quando não está bêbado. E sabe também o que acontece que
o leva a beber mais.
E: É quando ele tem algum problema.
T: Discutimos bastante como o seu comportamento faz com que ele beba e a agrida.
Quando você o ameaça, quando fala coisas que não o agradam.
E: Eu não estou tão preparada assim.
T: O que falta para ele que faz com que em situações como essas (a do cunhado) ele
reaja dessa forma (bebendo, agredindo)?
E: Eu, né (com ar de descontentamento).
T: Chegamos num ponto que você sabe como lidar com A. Você precisa, isso sim,
resolver se quer ou não quer lidar de forma diferente com ele. Não é se sentindo obrigada.
Todas as vezes é a mesma coisa, você reclama. Agir assim vai desgastá-ia e não
produzirá bons resultados, nem práticos, nem emocionais.
E: Também acredito nisso, só que tenho que estar preparada financeiramente para tomar
a decisão (separação). Eu andava quieta, mas não dá. A é da idade da pedra e eu não
sou. É difícil alguém que tem a mente igual à minha viver com alguém como ele. Ainda
que eu supero muita coisa.
T: É, você vê os comportamentos dele, mas nâo vê os seus...
T já discriminou que E está sob outro controle de estímulos que nâo o proposto pelo
procedimento terapêutico. Pode-se dizer que nâo está sob controle de regras do terapeuta.
Assim, o comportamento do terapeuta está sendo punido ou colocado em extinção pela
E. Durante toda a sessão, no entanto, T continuará este mesmo procedimento (sob
controle da orientação do supen/isor), a fim de levar E a verbalizar claramente que:
a. discrimina os comportamentos que pode emitir para controlar os comportamentos
inadequados de A;
b. discrimina que há outras possibilidades de interpretação dos determinantes do
comportamento de A, além das que ela própria dá;
c. discrimina que não emite comportamentos que mantém comportamentos adequados
do A, pelo contrário, em geral os pune;

80 Hélio José C/ullluinll - 1’dtrkid Burros Plusonl Souzd Queiroz


d. permanece no casamento sob controle de outros determinantes, além do alegado
"medo da reação do marido”, embora ainda não lhe sejam claros todos os controles
comportamentais dessa opção (são conhecidos: medo de não ter onde morar, dificuldades
financeiras maiores após a separação, possível agressão de A, ou seja, fica em casa
por fuga-esquiva).
E: Mas, sou normal ( A é o problemático). Ele nflo sai o dia inteiro? Quando foi mesmo?
Ah... no domingo. Ele foi pescar com os amigos. Todos tem casa, mulheres, mas para
onde vão? Lá pra minha casa! A já foi falando que era para eu limpar os peixes. Vê se
nâo é falta de educação? Eu estava assistindo à fita (de video), ele chegou e desligou
para assistir ao jogo com os amigos. Ele convidou todos os amigos para ver o jogo e
comer lá em casa. Eu nâo me contive, falei na frente de todos se A pensava que eu era
palhaça, que trabalhava o dia todo e a noite recebia aquele monte de gente para fazer
sujeira. Ele que nâo venha folgar em mim. Existem outras casas, por que não foram para
lá? Ele faz coisas contra mim que nenhum marido faz com suas mulheres.
T: Vamos relembrar o que ocorreu. No sábado você brigou com ele porque ele bebeu, aí
ele a ofendeu. Depois ficou sóbrio e tentou se aproximar de você...
E: Com mil amores (irônica).
T; Você o agrediu... ficou brava, irritada... O que aconteceu depois? Você ficou trabalhando
o tempo todo (em casa). Ele até falou que você só trabalha, não dá atenção para ele. O
clima continuou péssimo. No dia seguinte ele saiu o dia inteiro. Você trabalhou o domingo
todo. É difícil ficar de bom humor... mesmo sem falar você mostra sua irritação.
E: Por incrível que pareça eu estava bem...
7": Acho difícil. O jeito com que está relatando mostra isso. Você está irritada só de
contar... Como você falou com ele de manhã?
E: Ele disse que ia pescar e eu disse: “vá, mas não traga peixe para cá!". Ele não gostou
do jeito que eu falei.
T: Você pode até ter razão, mas gostaria que considerasse outras possibilidades. Ele
pode estar querendo fazer coisas diferentes, como no dia em que ele telefonou querendo
fazer surpresa para você, foi com seu cunhado buscá-la para comer pizza na casa dele.
Não fez sujeira na sua casa e, mesmo assim, você reclamou do A. Ele procura fazer
algumas coisas com você. Você ficou em casa trabalhando a tarde toda, ficou cansada
e achou que era provocação dele. Pode ser, mas vamos pensar em alternativas...
E: Eu penso diferente. Ele quer ser o gostosão e leva todo mundo lá. Só que quem
trabalha sou eu. No dia seguinte eu saio cedo e não dá para deixar a casa com aquele
cheiro de peixe. A minha cunhada me disse que rezou para ninguém ir lá. A minha
vizinha tem tempo no dia seguinte para limpar a casa, já que ela não trabalha. Por que
não levaram para casa dela? Ele fez isso porque eu tinha avisado para não irem lá para
casa, só para mandar em mim.
T: Ou será que ele quer fazer coisas com os amigos dele e com você também?
E: Eu não acredito nisso porque não é raro que isso aconteça. Ele quer que eu faça tudo.
Acho falta de consideração. Eu tive uma semana horrível correndo atrás de médico em
Hortolândia e Sumaré. Ele poderia fazer de sábado (a pescaria e a reunião com os

Sobre compor1»\menlo e cogniçüo 81


amigos).
T: Ele sabe disso? Eu concordo que você trabalha muito, chega cansada e ainda precisa
arrumar a casa. Mas, acho que falta uma resolução sua para melhorar a situação. Você
já sabe o que fazer. Nós já discutimos aqui. Você deu exemplos aqui nas sessões da
sua relação com A que mostravam isso. Acho que a situação melhorou e você sabe o
que fazer para diminuir a probabilidade de ele beber. Na semana passada, por exemplo,
você brigou com A, ele saiu de casa e voltou tarde. Isso a deixou mais irritada, mas tudo
era previsível e poderia ser evitado.
E: Mas, eu fico brava porque ele apronta primeiro. Fica difícil. Na quarta-feira, quando eu
saio mais aliviada daqui penso nisso tudo durante o caminho de volta. Mas, veja na
semana passada, cheguei lá e A já estava na porta do bar. Eu não falo nada.
T: E, você não fala nada, mas sente. E de alguma forma demonstra a irritação que sente.
Você já se perguntou se o que sente é causado pelas atitudes dele ou por outras razões?
Você nâo estaria usando A como o responsável por outras frustrações suas?
Pela primeira vez T dà um SDclaro para E falar a respeito de outros
determinantes de seus comportamentos em relação ao marido e ao casamento.
Ela, provavelmente, quer se afastar dessa situação porque espera outras coisas
da vida (ascensão social, melhores condições materiais, etc.) que o marido não
lhe pode prover. T, porém, optou (mesmo porque está trabalhando com hipóteses)
por dar um S° genérico “ou por outras razões?"para aumentar a probabilidade
de ela verbalizar o que controla seus com portam entos (se e stive r
"consciente"desses controles) ou iniciar o processo de conscientização (começar
a prestar atenção a, isto é, detectar outras contingências -que não o marido- que
controlam o comportamento de fuga-esquiva do casamento e, consequentemente,
do marido).
E: Quando A chegou, foi aquela briga, queria que eu falasse o seu (da terapeuta) telefone.
Ele fica desconfiado. Eu não vou dar. Qualquer dia você recebe um telefonema dele e
será tarde da noite como sempre (brigam frequentemente à noite). Você vai ver quem
ele é. Ele quer ligar porque acha que eu minto.
A resposta de E mostrou que as questões propostas pelo Tnão tiveram função
de S° para ela verbalizar a que outros controles ela responde.
T: E, nós já discutimos isso. Eie faz essas coisas porque está inseguro. E o que você faz
para isso acontecer?
E: Eu não sei, ele tem ciúmes até do meu sorriso.
7: Por que A tem ciúmes do seu sorriso? Será que é por que sabe que você sorri para
todos, exceto para ele? Porque você é carinhosa, atenciosa com filhos, sobrinhos, irmãos?
E com ele, o que você faz?
E: Eu não sei. Falta alguma coisa na cabeça dele. Às vezes, a gente está bem, e aí ele
sai com os amigos e volta bêbado. Eu não sei o que acontece. E daí vem me infernizar.
Eu estou numa boa, quieta. Eu nâo falo nada.
T: Não precisa falar. O seu jeito de tratá-lo, ignorando-o e respondendo mal já demonstra...

82 Hélio José C/u(llmnJi - 1’dlrfcla Borro* Pí.isonl Souza Queiroz


E, observe o que acontece aqui na sessão: você está brava, irritada. Observe como
você me conta. Você quer provar que está certa e que eu estou errada. Eu não estou
contra você, eu estou retomando os fatos. Você reage brava e irritada comigo e também
deve fazer isso com o A. Você pode não falar diretamente, mas demonstra em outras
situações com as suas atitudes. Mas, o que falta?
E: Quero cair fora.
T: Você está respondendo impulsivamente, com raiva. Mas, tudo bem. Então, o que
você quer fazer?
E; A cabeça do A é complicada, é muito difícil. Como posso falar que acabou? Ele acha
que sou dele. Ele é obsecado e isso influi. Quando alguma coisa não dá cerlo no serviço
ele desconta em mim.
T: Acho que ele gosta de você, é carente e quer carinho e atenção. Ele não é obsessivo.
E, me parece que você não sente o mesmo por ele. Não sentindo, não pode dar
espontaneamente. Você precisa responder para você mesma: por que de fato fica com
A? E, por que ficando com ele torna as coisas mais difíceis? Você o pune por atos dele,
como você própria diz, mas me parece que há mais coisas envolvidas na situação: você
também o pune quando ele a trata bem. Apenas, muda a forma de punição: você o
despreza, trata bem os outros deixando claro que não o trata tão bem.

T fez neste momento da sessão uma segunda sondagem dos determinantes


dos comportamentos de E, que não os comportamentos do marido, em relação ao
casamento e a fícar ao lado de A. Desta vez, T replicou a sondagem anterior
dando a ela novos SDs, a fím de prover uma nova evidência sobre o grau de
consciência de E em relação às contingências que controlam seus comportamentos
(ou, se tem consciência, em relação a sua disposição de relatar quais são os
controles de comportamento aos quais responde).

E: Eu sinto pena dele.

A resposta de E, bem como as verbalizações anteriores, podem ser colocadas


numa mesma classe: E mantém o marido como a variável critica de sua relação
tumultuada com ele e com o casamento.

T: Você fala que dá amor a ele, você pode até tentar, mas ele percebe. A percebe que
não ó espontâneo, feito de coração. E isso faz com que ele se sinta inseguro, com medo.
Ele percebe o que você sente. E por gostar de você sente ciúmes, tenta controlar para
não perder.
E: Quanto mais ele apronta, menos eu quero ficar com ele.
T: E, você fica com raiva, não tem paciência porque não o ama; daí briga ou se irrita com
A. Ele sai, bebe e volta. Você está mais irritada. Vocês acabam brigando, A a agride.

Sobir comportamento c cognlfJo 83


Depois ele fica calmo e você o agride E, volte a pensar na im agem da gangorra (um
briga o outro ficu quieto, e depois inverte). Você sabe como a relação de vocês funciona.
E: Eu tenho que saber viver com A.
T: E, você já aprendeu a lidar com ele Agora depende de você, do que vocé quer na sua
vida. Se você sabe lidar com a situação e não o taz deve haver uma razão. Q ual? O que
a im pede de se manter bem com A ?

T fez unia terceira sondagem sobre os “outros determ inantes” dos


comportamentos de E. O objetivo deste tipo de questionamento, bem como dos
anteriores comentados, não foi levar a cliente passo a passo a discriminar os
outros controles (ou levá-la a verbalizá-los se já os discrimina), mas verificar se o
repertório discriminativo já está pr onto ( ou se tem alta probabilidade de ser emitido,
bastando poucos Slls para evocá-lo). Neste aspecto, as três intervenções de T
tiveram o papel de coletar uma linha de base sobre o que E verbalizou a respeito
do que controla seu comportamento, quando T introduziu este tipo de intervenção.
A partir deste ponto, pode-se, então iniciar o processo de levar E a se tornar
consciente dos outros determinantes dos seus comportamentos (ou passar a
descrevô-los se já está consciente deles), de se queixar do marido e do casamento,
bem como dos comportamentos de se manter casada e de não seguir as regras
proposta pelo T para lidar de forma diferente com o marido (forma, supostamente,
melhor).
Insistiu-se nas alternativas: "tornar-se consciente"ou “passara verbalizar se
já estiver consciente", pois T admite a possibilidade de E saber a que responde,
mas estar se esquivando de explicitar isso para T, evitando assim critica ou outras
conseqüências sociais aversivas.

E: Ultim am ente, eu quero ir menos para minha casa. Mas, eu não falo, nem comento
nada.

T: Não, E, você pode não falar, m as demonstra pelas suas atitudes. Você chega em
casa desanim ada, irritada e isso todos percebem .

E: M as, não tem jeito. A não m elhora. Ele vai para aquele bar e briga comigo. O M fica
super nervoso e preocupado.

T: Se você não responde A dorme.


E: Ele não dorme.

T: M as, toi você quem me disse que ele dormia.


E; Ah! Mas, é com muito sacrifício. Eu preciso ficar quieta, ouvindo...

T: Então, você responde...


E: Eu disse para A que se tivesse uma arm a atiraria na cabeça dele.

m ) le h o J i w I/ü iIIm u J) - lim o s 1


'i.is o m O w c iíw
T: E, você sabe as conseqüências do seu comportamento. Você sabe o que está fazendo
Você tem consciência do que faz, e que com isso A fica mais agressivo, mais aversivo e
prestando atenção em tudo o que você taz. E, se você continuar fazendo isso já sabe o
que vai acontecer
E: Eu estou sendo honesta, cuido da casa. É o que ele quer. Eu já não vivo, porque me
sinto moda E assim eu ajo Para mim é assim.
T: Entâo, a situação é essa: você agindo assim ele ficará cada vez pior (controlador,
nçjressivo) Você sabe. Você precisa pensar o que quer, se quer viver em paz,
E: Eu estou tentando, mas ele nâo colabora
T: Espera ai, E. Você está agindo de maneira que a situação piora e você sabe. Você
sabe o que fazer se quiser viver em paz. É assim que ele e você funcionam. Você deve
pensar 110 que você quer, daqui para frente Se para você nâo é bom viver com ele,
vamos ver 0 que você quer fazer da sua vida.
E: Sempre acontece alguma coisa. Eu nâo me conformo como alguém vive com outra
pessoa assim. Ele nâo aceita, quer que eu fique em casa, faça 0 almoço 110 horário que
ele quer.
T: Você já relatou aqui como leva sua vida independente dele e de qualquer outra pessoa
E: É, eu faço 0 que eu quero, Independente dele. O que eu posso fazer?
T: Precisaria aceitar dividir, ceder. Mas, falta 0 sentimento
E: Eu vejo, mas não consigo dar.
T: Entâo, essa é a realidade, Você pode até tentar, mas não faz ou não consegue e isso
traz conseqüências em casa.
E: Eu não estou mais aguentando e vou bater. A vai sair perdendo. Eu estou disposta.
Vai ser a decisão final, porque se ele apanhar de mim, será terrível para ele.
T: Bem, E, eu não sei 0 que você pretende com isso
E; Para mim morreu, 0 assunto já acabou. Se eu estiver feliz ninguém vai saber. Como
eu posso perdoar alguém que sempre comete 0 mesmo erro? Ele não tem jeito, sou eu
que sempre preciso fazer tudo. A minha parte eu já fiz.
T: Bom, você tem duas alternativas. Você está querendo enfrentá-lo e sabe no que vai
dar: briga e confusão. É opção sua. Você pode tornar a situação menos ruim se quiser
Eu já falei no começo da sessão como você é aversiva e pune muito A. Ele reaje a isso
e fica agressivo. A já falou, quando vocês estavam numa boa, 0 quanto gosta e quer ficar
com você, "no seu colo". A já disse que vocês conseguem 0 que quiserem dele, se o
tratarem bem, com atenção e carinho. Você lembra? Você precisa ser mais flexível nas
situações, se sua opção for viver melhor com ele A decisão é sua.
E: Eu guardo raiva Não consigo fazer nada quando sou obrigada Para mim a pessoa
morre, se deixar passo dias sem falar com ele
T: Estamos na mesma situação. Você não sente nada por ele e não quer ceder. Você

Soh ic io m |> o it.im i'n lo c cotfmv»lo B5


precisa pensar o que vale a pena: ficar irritada e surgir brigas ou se relacionar melhor
com ele. Não significa amá-lo, mas conviver melhor. Vocô sabe o que precisa ser feito
se o objetivo for viver bem em casa, sem briga. Agora, vocô pensa o que quer da sua
vida,
E: Eu já sei o quero. E vou ficar numa boa, não sei até quando. Até eu poder fazer o que
eu quero (separar-me), e ele vai ter que entender.
T: Talvez ele nunca entenda. Mas, vocô pode pensarem outra alternativa.
E: Eu já pensei nisso faz tempo.
T: Então, vamos conversar na próxima semana. Pense que vocês dois são dificeis.

2. Controles do comportamento da cliente e do terapeuta

As verbalizações da cliente mostraram que ela foi capaz de controlar o


comportamento do marido na direção proposta na terapia. A questão que surgiu foi: sob
que controle de estímulo estava o comportamento dela? Embora, se admita que no
início do processo terapêutico o comportamento do cliente possa estar sob controle de
regras do terapeuta, esse controle deve se transferir para as contingências naturais do
cotidiano da pessoa. A generalização do controle do comportamento do cliente de um
contexto (situação clínica) para outro contexto (situação de vida cotidiana) deve ser
programada e não se pode simplesmente esperar que ela ocorra espontaneamente (Baer,
W olf e Risley, 1968). Há duas possibilidades a serem consideradas:
a. a situação natural já dispõe de contingências que mantêm o novo repertório emitido
pelo cliente. Neste caso, o papel do terapeuta é criar condições para que o comportamento
ocorra no contexto habitual do cliente e as contingências ali presentes manterão o
comportamento: ou
b. a situação natural não dispõe de contingências com essa função e é necessário,
então, criar essas contingências de manutenção do novo repertório. Nesta alternativa, o
papel do terapeuta é programar com o cliente contingências que manterão seu repertório
no contexto habitual de vida.
A análise do presente caso indicou que E poderia estar na primeira alternativa.
O comportamento do marido, conseqüente ao novo repertório de E, poderia manter esse
repertório: ele se tornou mais carinhoso, mais cooperativo, bebeu menos, se relacionou
melhor com os filhos quando E o tratou com mais atenção, aceitou seu carinho e assim
por diante A própria cliente admitiu que seus comportamentos controlavam os do marido.
O que os dados mostraram, no entanto, foi que E não mantinha um padrão sistemático
de comportamento: ora se comportava de maneira a manter a relação marido-mulher
sem conflitos explícitos, ora se comportava de modo a criar condições geradoras de
confrontos. A Tabela 13 mostra alguns exemplos de interações de conflitos, após o
procedimento terapêutico ter sido implantado e a cliente já ter demonstrado que era
capaz de evitá-los. Estes episódios, onde E emitiu padrões de comportamentos inade­

86 Hélio José C/uilhtinJl - Burros 1’í.isoni Sou/u Queiroz


quados da mesma classe que emitia antes da intervenção terapêutica, permitem que se
questione o que estava controlando o comportamento da cliente. Aparentemente, o
comportamento de E estava sob controle do T e não sob controle de seu ambiente
natural.
A mesma questão poderia ser formulada em relação ao T: O que estava
controlando seus comportamentos? O modelo teórico-conceitual e os procedimentos de
controle de comportamento dele derivados constituem um primeiro conjunto de controle
de estímulos. Os dados de E, que mostravam que ela adquiriu um novo repertório
comportamental e que esse repertório era eficaz para alterar na direção desejável a
relação marido-mulher, compunham um segundo controle do comportamento do T. O
que estava, provavelmente, faltando era o T ficar sob controle de outros estímulos, que
compõem o que poderia ser chamado de seus valores pessoais (o que lhe é aversivo? o
que lhe é reforçador?), para, então, criar condições para E identificar seus próprios valores
e passar a responder também a eles de forma consciente. Algumas questões que o T
deveria se fazer ( e, então, fazê-las à cliente) incluem: O que deve manter um casamento?
Que alternativas uma pessoa pode ter na vida para viver melhor? Sob que condições
deve-se insistir numa relação homem-mulher? O que é amor? Até que ponto pode-se
(ou deve-se) suportar um controle coercitivo existente entre duas pessoas? etc. Essas
questões, por serem complexas, não devem desanimar. Cabe ao terapeuta procurar
transformá-las em questões sobre comportamentos e seus controles para poder de fato
lidar com eles. Assim, alguns itens podem ser relacionados na forma de questões:
a) O que é reforçador para a cliente em seu casamento?
b) Ela possui repertório comportamental para obtê-los?
c) Se não possui como é possível instalar esse repertório?
d) O que é aversivo para a cliente em seu casamento?
e) Ela possui repertório para fugir e/ou se esquivar do controle aversivo?
f) Um novo repertório capaz de produzir reforçadores para a cliente, produzirá ao mes­
mo tempo eventos aversivos para os que a cercam?
g) Que classe de eventos (reforçadores ou aversivos) terão maior probabilidade de con­
trolar seu comportamento em seu casamento?
h) Como um novo repertório da cliente alterará a relação de controle -contracontrole já
existente na dinâmica familiar (relações entre ela, o marido e os filhos e as relações
entre eles)?
i) Que eventos reforçadores lhe sfto inacessíveis por estar casada?
j) Que eventos reforçadores lhe são inacessíveis por estar casada especificamente com
A?
k) etc.

Sobre comportamento e corh !ç<1o


3. Reversão do controle do comportamento da cliente pelo tera
peuta

Diante das considerações acima decidiu-se que o T deve alterar seu


comportamento em relação a cliente. Assim:
a. deixar de controlar o comportamento da E por regras que explicitam as contingências
na sua relação com o marido. Como conseqüência, E passaria a ter contato novamente
com as contingências naturais - sem intervenção do T - produzidas ou existentes no seu
dia a dia em casa;
b. ajudar E a identificar aquilo que lhe é reforçador na sua relação conjugal e a discriminar
que repertório precisa ter ou adquirir para obtê-los. Assim, E passaria a ter contato com
as limitações e possibilidades reais de atingir seus objetivos, propiciando um controle de
comportamento mais por contingências naturais e menos por regras;
c. ajudar £ a identificar aquilo que lhe é aversivo na sua relação conjugal e a discriminar
que repertório precisa ter ou adquirir para evitá-los. Desta maneira, E testaria a realidade
tanto no que é aversivo, e evitável, como no que é aversivo, mas inevitável, por ser
característico da sua condição de vida.
d. impedir que E atribua ao marido a responsabilidade de suas dificuldades, ou seja
mostrar que a inacessibilidade a certos reforçadores decorrem de sua falta de repertório
e/ou das condições reais de sua vida (e não por causa do marido) e, por outro lado, a
presença de estimulações aversivas decorrem de sua falta de repertório para fugir ou
se esquivar delas e/ou de condições reais de sua vida (e não por causa do marido).
Assim, E passaria a discriminar sua realidade sócio - econômica-cultural e.como tal, a
adequar seu repertório (não passivamente, mas realisticamente) ao seu contexto; deixaria
também de atribuir ao marido (um repertório de fuga-esquiva em relação a sua realidade
existencial) um papel aversivo que ultrapassa em muito seu real repertório comportamental
(ele não ó tão aversivo como E o descreve, e nem tão difícil de ser controlado) e um
papel de omisso e inoperante que subestima seu repertório de fato ( o que ela exige dele
em termos de produção de bens materiais ultrapassa suas possibilidades reais dado
seu contexto sócio-econõmico-cultural).
Embora, o controle do comportamento por regras possa apresentar algumas
vantagens (a pessoa que segue regras pode evitar entrar diretamente em contato com
situações aversivas, pode ter acesso a reforçadores positivos de forma mais rápida e
eficiente, para citar duas vantagens), por outro lado é um controle arbitrário e pode afastar
a pessoa de ter contato direto com as contingências naturais. Nesse sentido, o controle
por regras pode ser alienante e errático.
Micheletto e Sério (1993, pp.19-20) assim escreveram sobre o controle do
comportamento por regras, elaboradas por outrém, ou por si mesmo (auto-governo):
"Skinner efetivamente identifica na possibilidade do homem descrever
contingências e, a partir dal, elaborar e seguir regras "ganhos extraordinários".
Entretanto, identifica exatamente nisso o grande perigo para a constituição do
homem consciente. As regras podem afastar os homens das conseqüências na­

8 8 H é lio losé C/ullhtiidi - 1’tilridd Burros Piusonl Sou/d Q u e lro /


turais de seus comportamentos. Enquanto as conseqüências especificadas em
uma regra não forem produzidas pelo comportamento também especificado por
ela, as regras sâo seguidas por causa das conseqüências que o comportamento
de seguir outras e quaisquer regras produziu no passado. Com isto, ao seguir a
regra as conseqüências responsáveis pelo comportamento podem nâo estar
relacionadas ao estado atual de privação; ao seguir regras, novas contingências
deixam de ser exploradas e reforçadores podem ser perdidos e, finalmente, as
conseqüências previstas na regra sâo, indiretas e atrasadas (Skinner, 1985/1987).
Desta forma, as regras podem até contribuir para a construção de um ser
consciente, mas podem retirar deste ser talvez a principal característica que lhe
permitiu tornar-se agente; comportar-se em função de suas próprias razões, que
ô o que o condicionamento operante lhe possibilita.
A separação entre o comportamento e suas conseqüências naturais é,
segundo Skinner(1974/1976, 1985/1987, 1985/1987, alienação."

No caso de E parece que essas considerações se aplicam cabalmente e justificam


as alterações no procedimento terapêutico. A transcrição abaixo ilustra a condução das
sessões:
E: No outro final de semana a coisa esquentou de novo. Nós brigamos feio. Ele me
bateu e eu bati bastante. Joguei álcool no olho dele, como eu já tinha planejado.A confusão
começou por nada. Bateram palma na porta, A falou para eu não atender e eu fui.
Quando voltei, ele achou que era homem, começou a discussão.
T: E, voltamos a mesma questão. De uma forma mais grave, porque voltou a agressão
física. Mas.você sabe o que precisa fazer para evitar isso.
E: Eu falei para A que um dia batia nele. Se a minha sobrinha e meu pai não estivessem
lá eu tinha acabado com ele. E só não taquei fogo nele porque não quis. Senão eu
tocava. Ele é quem tem que evitar. Eu fui na delegacia(se queixar da agressão dele).
T: E eu quero voltar a uma questão anterior àquilo que você fez e ao que ele fez, uma
vez que vocô me contava que as coisas estavam melhores. Ele estava calmo...
E: Mas, eu estava quieta, nél Eu não aguentei. Chegai Nessa semana eu já estava a mil.
T: Então, nós percebíamos várias situações em que A era mais carinhoso. Quando
vocô estava mais calma, ele era mais carinhoso, atencioso. Com isso você tinha mais
ganhos: mais amor, mais carinho e atenção. Agora chegamos em outro ponto: parece
que isso não é tão importante para vocô.
E: É isso mesmo.
T: Então, eu tenho uma outra questão. Quer dizer, vocô bate, A bate, você joga álcool.
Não importa quem bateu mais, isso é menos importante. O que interessa é se perguntar
que relação é essa?
E; É horrível.
T: É uma relação ruim desde o inicio. Mas, podemos melhorá-la. E é uma opção sua
melhorá-la ou não. Nós vimos que você gostaria de viver melhor, desde que fosse a sua

Sobre comportamento c cojjnlçJo 89


maneira. E, nâo existe uma relação de amor assim.
E: É, mas porque só eu tenho que fazer o que ele quer? Ele também precisa ceder, se
diz que gosta tanto...
T: Ou será que vocô não consegue perceber quando ele cede?
E: Eu percebi que ele não estava andando direito de um tempo para cá. Ai impus a lei:
ou é do meu jeito ou não é. Só falta eu sair de casa para morar com parentes (para
pressioná-lo). Já larguei casa, telefone tudo para ele. Ele não quer se separar. Eu só
não saio porque a D está na 8fi série, faltam dois meses para ela se formar, está pagando
a formatura.
77 Então, E está tudo igual. Vocês brigando, ele não querendo separar e você cada vez
apresentando uma nova desculpa ou razão que a impede.
E: Eu sou bem fria e calculista quando eu quero. Eu vou fazer tudo na hora certa.
(aparentando firmeza e tranqüilidade, mas...)
A sessão mostrou que E sabe o que deveria fazer para controlar o
comportamento do marido, mas não deseja mais fazô-lo. A T lhe deu algumas
deixas de que è possivel melhorar a relação, desde que ela se proponha a fazô-lo.
Diante de sua recusa o T abandonou esse tipo de argumentação.
T: E, você fala assim, mas está ficando doente. Você não é tão fria quanto faz crer.
Ei É, você vê. Eu fui no médico e ele pediu um eletrocardiograma que eu só posso fazer
na outra semana. Sem isso não posso tomar o remédio. Quando eu fui pegar a guia, me
disseram que não podia ser essa. Eu perguntei quanto saía fazer particular, o valor que
ela disse é maior que o meu salário.
T: Voltamos ao problema de falta de dinheiro. Você pode fazer o exame pelo INAMPS se
esperar. Mas, vocô quer fazer particular. Aí, vê que não tem dinheiro fica brava e brava
com o A porque ele não lhe proporciona isso.
E: Mas, claro. Isso é a obrigação do marido. É assim que eu penso. Para mim não
importa mais nada, eu estou cobrando o direito de mulher.
T: O que deveria fazer com A você já sabe. Nós já falamos sobre isso. Então, vocô
poderia viver sem toda essa loucura, essas brigas. Está sendo uma opção sua.
E: Eu estou doente e preciso fazer os exames.
T: Porque vocô acha que está ficando doente de novo, se o médico disse que a causa
é emocional?
E: Deve ser a vida que eu levo. Mas, não tem jeito. Eu estou sentindo {dor, mal estar).
T: Eu não estou dizendo que vocô não está se sentindo mal. Estou perguntando porque
vocô voltou a se sentir assim?
E: Eu vou explicar porque estou fazendo exame pelo INAMPS. Médico particular só quer
saber de dinheiro, principalmente se a pessoa pode pagar. Ele não faz o menor esforço.
Nem se a N (patroa) quisesse pagar para mim eu aceitaria. Eu vou no INAMPS porque
eles são obrigados a me atender. Eu pago pelo serviço.

90 Hélio losé QuIlIuinJl - I\i*rfda Barro* |’la*onl Souw Queiroz


T: Os sintomas que vocé relata hoje (depressão) não são os mesmos que a levaram a
procurar o médico tempos atrás? Ele lhe deu medicação e a orientou para procurar a
terapia. Depois suspendeu a medicação, o que indica que ele próprio percebeu que sua
doença não era orgânica. Agora porque vocé relata esses sintomas? Você sabe qual é
a sua origem? Note que aumentaram as brigas em casa. Vocé perdeu a vontade de
tentar melhorar a sua relação com A. Você acha que não ó com ele que quer viver, não
tem vontade de voltar para casa. Isso a deprime e aparecem os sintomas.Perceba que
seu estilo de vida , o modo de se relacionar com as pessoas é que originam os sintomas
e não o contrário. Não é a doença que vem antes: *estou deprimida, porisso me comporto
desta ou daquela maneira". Nós precisamos perceber o que acontece na sua vida e
mudar.Assim, você lidando melhor com a realidade, não deverá ficar desenvolvendo
sintomas e doenças.
Diante da queixa de doença da cliente o T, apoiado na avaliação
médica, procurou mostrar que seus problemas físicos podem ter relação com as
contingências de reforçamento sob as quais vive. O objetivo ô levá-la a discriminar
que mudando sua vida há possibilidade de sentir-se melhor.
E: Eu falei para o A que se a doença me matasse, eu nem cuidava (de mim).
T: E, vocé não acredita nisso. Você é uma pessoa que quer melhorar muito na vida, ter
mais dinheiro. Você usa essas frases para agredí-lo e dizer que não fica mais com
ele.Eu já analisei isso com vocé. E você quer agredí-lo porque vocé não consegue sair
de casa, falta dinheiro.
E: Eu estou sozinha nessa luta. E eu vou conseguir. Você vai ver. Eu tenho certeza.
T: E, eu nâo estou aqui desafiando-a. Acho que você está percebendo a nossa relação
de forma diferente do nosso objetivo. Eu tenho tentado mostrar as incoerências do que
você fala e do que você faz para você ver o que você quer. Se você quiser se separar, é
uma decisão sua. Nós veremos o que é necessário para isso acontecer e as implicações
disso. E não acho que você tenha que ficar com o A. Eu acho que você deve ver o que
você quer. Eu não estou contra você. Estou analisando a situação. A é carinhoso e
demonstra que gosta de você. Você o agradando, dando-lhe atenção manteria isso e
teria chances de melhorar a relação. Mas, vamos ver o que você quer.
E: Por enquanto vou ficar com ele para ir me prevenindo.
T: Observe a sua relação comigo (Tresponde a indícios de que E está irritada com suas
ponderações). Você me trata mais como uma inimiga do que como uma terapeuta que
pode ajudá-la. Você deve fazer o mesmo nas suas relações com A, com seus filhos,
com o trabalho, com amigos...Você não pára para pensar no que elas estão dizendo,
você já começa a se defender, querendo provar que está certa. Não há uma troca, uma
construção e isso faz falta.O que pode estar acontecendo é que você chegou se queixando
do A e eu mostrei que ele não era como você dizia, que ele gosta de você e gostaria de
continuar junto...

O T aproveitou uma situação que ocorreu na própria sessão na interação


com ele para mostrar para E como ela, provavelmente, conduz as relações
interpessoais.

Sobrr compor1.«mrnto e cojjniç.lo 91


E; Eu concordo. Mas, nâo dá para fazer o que ele quer. Ele é machista, ele é autoritário.
Eu tenho que me impor.
7: Quem manda e desmanda na casa é vocô...
E: Eu? Quem me dera.
7: É uma questão de vocé aceitar ou não a realidade. E quando eu falo, apresento-lhe
uma análise para vocô pensar sobre ela.
E: Eu vejo e analiso todas as possibilidades. Eu cansei de ficar quieta, como eu lhe falei
nos últimos tempos. Eu nâo vou me sujeitar. Cansei. Ele quer falar e que eu o obedeça.
Eu não vou aceitar isso nunca.
7: Na verdade, o que acontece é que vocô não o ama. Para vocô estar com ele, dar
carinho, dar amor, atenção é se sujeitar porque vocô não tem o sentimento. Então, para
uma pessoa que ama, não discutir, dar carinho, dar amor, acaba sendo natural; não ó
submissão, não ó que o outro está mandando. E vocô, já interpreta essas frases como
submissão e que A manda e desmanda. Só que não precisa ser assim: se você der
amor ele retribuirá com amor. As palavras dele: “vem cá, me dá colo" são de amor. E se
vocô tivesse esse mesmo sentimento seria natural retribuir.
E: Eu já tive sentimento, mas nâo tenho mais. E já disse (para e/e).
T: E, falar mais sobre como vocô deve agir com A não é necessário porque já falamos
bastante e depende de você querer fazer. Precisamos falar das suas expectativas de
vida.
E: Você me perguntou porque do “socialismo"? (o T perguntou-lhe por que a vida social
era t3o importante para ela). O “socialismo" é importante. Ele vai primeiro em tudo, numa
conversa, num serviço, em geral, em tudo. Andar socialmente, normal.Você pediu para
eu pensar por que a questão social era importante para mim. Eu acho que é importante
para qualquer pessoa, pobre, rica, mendiga.
77 Como você sonha, como imagina, como fantasia a sua vida? Como gostaria de viver?
E: Bom, sozinha. Eu e as crianças. Uma vida normal, vou trabalhar normal. Só que eu
quero paz, sossego, confiança em mim mesma.
7: Está bom, mas como seria o seu dia a dia com eles. A vida que você sonha ter, não
interessa se ela é possível ou não no momento. Com o que você sonha?
E: Eu ainda não pensei nisso.
7: Então, vamos pensar agora. O que você gostaria de ter na vida?
E: Em primeiro lugar saúde. Eu gosto de estabilidade, sou pó no chão. Quero ter o meu
canto, vou lutar para melhorar. Viver com as crianças dar o que elas precisam,ensinar a
trabalhar. O dia que for divertir, vamos juntos, ou então ficamos em casa na rotina de
sempre, que eu até gosto. Só quero ter paz, sossego.
77 E financeiramente como você se vê ?
E: Como eu falei, ter o meu cantinho, um salário mais digno.

92 Hélio losé C/uilIntnll - Patrícia Hano* Plasoni Souza Queiroz


T: A sua casa, como seria? Descreva-a para mim.
E: Dos meus sonhos... nunca pensei. Mas,não precisa ser cheia de frescura. Pode ser
simples. Cada um com seu quarto, eu acho importante. As crianças terão o que quiserem
dentro do quarto deles. Uma sala, uma cozinha, com móveis, não precisam ser chiques,
mas bons, bem arrumadinhos. Se precisar de pintura, a gente pinta, deixa tudo arrumado.
Não precisa ser chique, mas arrumado. Eu estava pensando em comprar um carro para
mim e para as crianças. Tirar carta. Isso o A me impede.
T: Vamos deixar o A e continuar aqui. O que vocé quer?
E: Então, um carrinho, uma casinha, com tudo arrumadinho.
T: O que é tudo arrumadinho?
E: Nada quebrado. Tudo, pode ser simples, mas novinho.
T: O que é tudo?
E: Os móveis da casa, a casa pintada.
T: Que móveis?
E; O normal.
T: O que é normal?
E: Sofá, mesa, cadeira, cama, armários para cozinha, fogão. O necessário, em ordem.
Se quebrar, não conserta, compra outro. Eu sou assim, não gosto de nada fora do normal.
Criar os cachorros, normal. Sair, curtir, andar de bicicleta. Viver. Sem preocupação se
fulano não vai gostar... se vai beber.... Essa paz, de eu ser sozinha e responsável, eu e
as crianças, para mim já é ótimo.Eu faço sem depender das pessoas. Eu faço curso se
precisar. Eu tenho capacidade de construir.
O T conduziu a cliente a verbalizar seus objetivos de vida, quer sejam
eles realistas ou não. O objetivo é deixá-los bem explícitos para em seguida levar
a cliente a entrar em contato com sua realidade sôcio-econômica-cultural e
discriminar quais objetivos são factíveis e quais nâo o são.
T: Como você faria para ter tudo o que você sonha?
E: Ainda não sei bem. Estou só começando a pensar. Eu vou guardar o 13o salário. Uma
mulher não pode viver sem ter nada guardado. Vou guardar as férias com desculpa de
que vou comprar o carro. Eu não sou muito de depender de ninguém. E é por isso que
eu não me sujeito a essa vida que eu vivo. Antes, eu investi tudo na casa, comprei
telefone, porta, quarto, banheiro, máquina de lavar.Talvez eu seja errada porque eu fiz.
E hoje a casa não é minha. Ele deixa claro que é dele.
T: Nós não vamos falar do A vamos falar das suas expectativas.
E: Eu vou juntar e comprar, se eu for casada ponho no nome das crianças. Eu trabalho,
procuro médico, faço tudo.Eu posso sair sem nada, só com a roupa do corpo. Mas,
preciso ter um canto certo, um canto meu. Não adianta levar meus filhos para a casa dos
outros porque depois tem cobrança. Bem ou mal eles teriam que ter uma casa.
T: Vamos continuar nossos planos.

Sobre comporf.imcnto c cormIçJo 93


E: Eu vou conseguir. Não vou desistir. Em cada briga eu consigo alguma coisa.
T: Eu não vejo vantagem nenhuma em apanhar e bater. Você consegue e sempre
conseguiu o que quis sem precisar chegar a esses extremos.
E: Só que as vezes eu preciso brigar para conseguir o que eu quero.
T; Não E. Nós já conversamos aqui, que há outros jeitos de conseguir o que quer.
E: A outra forma era ficar quieta e isso não dá mais.
T: Não é bem quieta e calada. É ceder na hora certa e pedir na hora certa. Fazer avaliação
mais adequada da situação. Continuando a falar dos seus sonhos... como você imagina
a sua vida separada.
E: Normal. Eu já falei meus sonhos sem pensar no A . Eu quero um carro. Não vou
querer dar uma de solteira. Vou ter responsabilidades, respeito e isso é fundamental
para mim. Posso até ter uns namorados, mas sem as crianças saberem. Eu acho falta
de respeito, por enquanto. Nós (ela e as crianças) vamos passear juntos e viver tranqüilos.
Porque eles também ficam tensos nessa situação que a gente vive...
T: Que você cria.
E: É como são os fatos. Não sou eu que os crio. Mas, de qualquer modo nas situações
ruins (que virão após a separação) eu penso pouco. Mas, pode ter cobrança das crianças.
Eu os deixo livre se quiserem viver com o pai. Eu tenho a minha vida. Eu seria do jeito
que sou hoje: alegre, vivendo com respeito. Não é porque eu larguei A que vou para
o baile, namorar. Se eles (os filhos) quiserem eu vou com eles (sair). Um dia, se acontecer,
(de eu começar a namorar) eu vou chegar nas crianças falar, explicar.
77 Como você imagina a sua vida casada (novo casamento).
E: Eu não imagino coisa boa. Mas, não sei como iria ser.
T: E esses namoros, o que você imagina?
E: Eu não sei. Só se acontecer uma paixão, assim forte, incontrolável. Mas, eu sou
tímida para esses assuntos porque eu não vivi íssql. Agora é diferente. Então eu não sei.
Vai ficar difícil.
T: O que ó se apaixonar?
E: É gostar de alguém para que eu ceda. Mas, vai ser dífícíl. Pretendentes não vão faltar,
mas eu vou cair fora.Só vou aceitar se eu gostar mesmo. Só vou ficar com as crianças,
ir no clube. Tem mil maneiras de curtir a vida sem homem.
T: Será importante analisar todas as expectativas que você trouxe aqui. Vamos continuar
falando sobre isso nas outras sessões.

Fo llow - up
O processo terapêutico de E continua, passados 10 meses desde a finalização
do relato do presente estudo.
O T continua trabalhando no processo de levá-la a discriminar a que contingências

94 Hélio lost C/ullh,tnll - Patrlcld Hinos Pltisonl Sou/d Quclroi


realmente responde. Houve progressos importantes. E tem trazido dados que permitem
ao T concluir que ela é uma pessoa ambiciosa, não aceita sua situação financeira e
culpa o marido por mantê-la nas condições atuais. A cliente está consciente de que essa
é sua real problemática. O conteúdo das sessões tem sido, sistematicamente, voltado
para essas preocupações. Assim, E tem procurado outras alternativas para ganhar mais
dinheiro: atualmente, além do emprego de doméstica, tem trabalhado aos sábados e
"folgas" como vendedora autônoma de um produto (colchões) que a irmã representa na
região. Envolveu, inclusive, a própria patroa nessa atividade, já que esta lhe preparou no
computador panfletos para apresentar o produto e permitiu que E divulgasse o seu próprio
telefone residencial como ponto de contato para vendas. A interação com a irmã é
competitiva, ocorrendo freqüentes discussões sobre o valor da porcentagem das vendas
que a irmã lhe deve. Tentou também contato direto com o fornecedor, sem o conhecimento
da irmã, para obter a comissão integral, sem ter que dividi-la com a irmã. Isso gerou
brigas entre elas. Não fala quase nada sobre os filhos. "Eles estão bem", responde
sempre que diretamente perguntada. Insiste, porém, que deseja dar-lhes “melhores
condições (materiais) de vida”. E também não fala sobre sua vida afetiva, mesmo quando
solicitada. Suas verbalizações sâo genéricas: “gostaria de encontrar alguém que me
amasse,..", mas logo muda de assunto.
O marido parou de beber, de modo que essa queixa desapareceu. Ficou claro
que, mesmo no passado, beber era um comportamento eventual do marido e ele não
ficava tão alcoolizado como ela o descrevia (E admitiu isto). Suas reações agressivas
com E tinham mais a ver com as condições que ela criava, conforme o próprio estudo e
avaliações posteriores confirmaram. A cliente não fala mais em ‘separação do marido"
como no início. A função que A tem atualmente na vida de E, talvez, pudesse ser melhor
descrita como se ele fosse um mau sócio, que produz pouco para a firma (o casamento)
e, como tal, sobrecarrega o outro sócio (E), que por sua vez espera o momento mais
conveniente para desfazer a sociedade.
As brigas em casa continuam com o marido, com padrões semelhantes aos
descritos no estudo. Assim, um exemplo típico (e atual) de como ela lida com ele poderia
ser: sempre que ele se oferece para ajudá-la a vender o produto com que trabalha ela o
trata melhor. Se, porém, não sai para vender ou não consegue vendas, ela o agride.
Estas contingências que ela aplica sobre o marido lhe são conscientes: sabe descrevê-
las e como suas ações o influenciam.
Quando T lhe perguntou recentemente qual a sua queixa atual, E respondeu: "O
problema é a falta de dinheiro. Eu já pago algumas contas lá em casa. A só paga o
supermercado. As contas de água e luz eu deixei para ele e já estão atrasadas. Eu não
deixo nada atrasar. Eu pago os ônibus das crianças ( DeM) , e o pior é que não sairam as
carteirinhas de estudante para o desconto. Além disso preciso dar dinheiro para lanche
na escola, pois não acho “justo" eles levarem de casa! Estou vendendo os colchões aos
sábados e A não me ajuda. Pior é que ainda reclama de eu sair'. Não vou desistir e se for
preciso brigo com ele. Pô, ele tem carro e conhece bastante gente, nâo poderia me
levar? Nâo, sábado ele vai para o bar. Agora não bebe, mas fica lá com os amigos o dia
todo. Eu tenho saído para vender os colchões. Não é fácil, é como um investimento (que
as pessoas têm que fazer) porque custa caro e as pessoas precisam pensar. Eu acho
que se elas não podem hoje elas se organizam para comprar amanhã. Quando chego
em casa ainda preciso arrumar, lavar, passar as coisas. O A nâo faz nada. Ele podia

Sobrr comporldincnto c cognl(<io 95


arrumar um bico, ganhar alguma coisa. A fala que não vai arrumar nada no sábado. É
muito preguiçoso. Os colchões daqui a pouco começarão a dar retorno, mas a minha
irmã (para quem ela vende) tinha prometido me pagar uma comissão e agora está dando
para trás na porcentagem. Eu também vou querer os 20% de cada produto (a irmã só
quer pagar 12%) porque ela está ganhando em cada venda que eu faço. Ela ó muito
esperta, mas eu sou mais..."
Pode-se concluir que o processo de conscientização das contingências a que a
cliente responde está claro, quer para T, quer para E. Sua vida é atormentada: busca
com muita ansiedade seus objetivos (pouco realistas). É competitiva e agressiva e não
estabelece bons vínculos afetivos com as pessoas. Quando lhe são úteis para suas
metas as agrada, caso contrário se afasta. A cliente, apesar do T ter tentado lhe mostrar
as desvantagens - em termos comportamentais - de viver sob controle aversivo e
controlando aversivamente as pessoas, ou seja, sob coerção (Sidman, 1995), tem se
negado a aceitar este tipo de análise e pune o T quando ele tenta fazê-la. Lidar com
estas dificuldades de E tem sido a meta terapêutica atual.

Apêndice I

A Estrela

Vi uma estrela tão alta,


Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!


Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância


Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda

96 Hélio José Qullhanll - Patrícia Burros Plasonl Souza Queiroz


Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

Bibliografia

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Sobre comportamento e connlç«lo 97


Capítulo 8

O que é diagnóstico comportamental


Pcnisv Torós
ru c /K t

O processo de Avaliação Diagnóstica Comportamental não apresenta ne­


nhum compromisso com o diagnóstico psiquiátrico tradicional.
O diagnóstico tradicional psiquiátrico, bem como, o psicológico das abordagens
subjetivas, me parece absolutamente irrelevante e inadequado na Avaliação
Comportamental do fenômeno clínico. Um rótulo classificatório mostra-se incoerente
com a compreensão do comportamento humano nas bases epistemológicas sobre as
quais nossa abordagem se firma. Considerando-se os princípios de aprendizagem como
base, não faz sentido compreender o comportamento como "sintoma" de uma dinâmica
subjacente, conforme o “modelo médico" o compreende.
Logo, o diagnóstico se torna irrelevante, porque nâo define o problema de cada
indivíduo. Por exemplo, dois indivíduos rotulados de "neuróticos de ansiedade” não
apresentam comportamento homogêneo. Como também, duas pessoas rotuladas ou
dignosticadas como agorafóbicas apresentam variáveis independentes cognitivas,
autonômicas, motoras e ambientais totalmente diferentes e, portanto, prognósticos
diferentes. Se o diagnóstico não é útil para o prognóstico, não há motivo para ser

98 P e n ls e loró s
considerado, já que um dos objetivos primordiais da avaliação diagnóstica em psicoterapia
comportamental é exatamente a compreensão funcional do caso que se apresenta à
clínica a fim de se prescrever sua melhor forma de terapia.
Entretanto, segundo Silvares (1991), encontra-se, cada vez mais, terapeutas
comportamentais defendendo o uso da classificação nosológica na avaliação ou
diagnóstico comportamental, nâo em função do auxílio que esta classificação possa
trazer ao processo avaliativo em si mesmo, mas devido a uma necessidade de
comunicação multidisciplinar que, muitas vezes, exige algum tipo de classificação do
comportamento, para fins de entendimento entre profissionais de diferentes abordagens.
Mas, notam-se divergências quanto à opinião, entre os terapeutas comportamentais, de
se utilizar algum manual classificatórío. Assim, os procedimentos podem variar desde a
utilização de manuais classificatórios como o DSM III - R, até aqueles que dão preferência
a uma explicação descritiva sumária do comportamento apresentado como queixa.
Desenvolverei agora algumas considerações sobre a Avaliação Diagnóstica
Comportamental, as quais serão restritas ao uso desse instrumento em clínica de
consultório.
A abordagem comportamental para o fenômeno clínico representa uma tentativa
de entender "porque aquele indivíduo, dentro de determinadas circunstâncias, comporta-
se daquela maneira e porque este comportamento se mantém (buscando as causas de
origem e causas de manutenção). Para cada caso, deverá ser feita uma investigação
minuciosa de todas as variáveis envolvidas no problema, inclusive variáveis sociais,
culturais, religiosas, e outras. Portanto, o tratamento dos comportamentos considerados
neuróticos nâo deve ser generalizado como receita de bolo.
Esta investigação, é feita dentro de uma estrutura do Método Experimental. Na
coleta desses dados, deve-se formular hipóteses, controlar mudanças nas variáveis
dependentes e independentes, reformular hipóteses e relacionar todas essas variáveis
às queixas do indivíduo e, finalmente, a partir dessas hipóteses, deverá ser criada uma
metodologia de mudança. A esse processo nós chamamos de Análise Comportamental.
De acordo com essa premissa, o terapeuta comportamental precisa contar, não
somente, com os princípios de aprendizagem (operante, respondente e aprendizagem
social) mas deverá ter uma certa base em conhecimentos mais gerais, tais como:
medicina, neurofisiologia, sociologia, ciência política, etc, pois devemos considerar a
enorme complexidade do ser humano e a limitação inerente da aproximação psicológica.
O procedimento terapêutico comportamental deve ser coerente com as teorias
do comportamento no sentido de serem objetivos, isto é, os comportamentos do cliente
devem ser descritos de maneira precisa e operacional, se opondo à orientação
psicodinâmica, que procura saber o que o indivíduo TEM e não o que ele FAZ. O terapeuta
comportamental não vê o comportamento problemático do cliente como sintoma de um
distúrbio subjacente, mas sim como sendo o próprio problema.
Como ilustração, podemos citar um relato do seguinte modo: "O paciente tem
como hábito, lavar as mãos três vezes antes e depois de cada refeição, após pegar em
dinheiro, maçanetas de portas e qualquer objeto que não tenha sido previamente
e s te riliz a d o E s te tipo de descrição é clara e precisa. Descrevemos o comportamento
do cliente sem nos preocuparmos em rotular o cliente como “Depressivo" ou "Obsessivo

Sobre comportdtncnto c coflnffüo 99


Compulsivo”, “Normais" ou “Anormais", mas sim em descrever o seu comportamento, a
freqüência com que este ocorre, quando começaram a ocorrer e em que situações
ocorrem e como os outros reagem ao seu comportamento, enfatizando o intercâmbio
entre o comportamento e o ambiente.
Uma das considerações mais relevantes, é que o psicólogo clinico que ao Intervir
terapeuticamente hoje, o fizesse considerando apenas um comportamento-alvo,
desconsiderando sua interdependência com outros comportamentos, bem como a história
do caso, agiria sem demonstrar inteira compreensão funcional do caso clínico em questão.
A compreensão funcional de um caso, hoje vista como resultado final de um
processo avaliativo completo, abrange dois aspectos essenciais, conforme Silvares
(1991):
1. A Análise Funcional dos problemas apresentados pelo cliente. (Pretende descobrir as
relações Estímulo discriminativo - Resposta - Conseqüência).
2. Análise das mútuas interdependências comportamentais do caso. (Tenta descobrir as
relações Resposta - Resposta).
A Análise Funcional, se constituí na hipótese integradora dos procedimentos
avaliativos utilizados num caso, e é o ponto mais difícil da avaliação comportamental de
acordo com Haynes (1984). Ela com preende a investigação de unidades
comportamentais, cuja natureza não é exclusivamente motora e observável mas, sim,
tríplice (Haynes, 1987). Seus três aspectos, o cognitivo-verbal, fisiológico-emocional e
motor, devem ser abordados na avaliação a fim de que seja cumprida sua função, qual
seja o levantamento das causas ambientais imediatas (antecedentes e conseqüentes)
dos vários aspectos problemáticos enfrentados pelo cliente. O paradigma normalmente
utilizado, com algumas variações, foi proposto por Kanfer e Saslow (1965) e Keefe (1980)
que congregaram as várias espécies de variáveis encontradas que controlam ou afetam
o comportamento, formando o Modelo S - O - R - K - C .
S - São os fatores de estímulos, sâo os sinais desencadeantes das ações ou
respostas. Estímulos discriminativos que permitem ou não a emissão de respostas. Os
estímulos devem incluir: Estímulos físicos (por exemplo, uma autoridade); estímulos
sociais (atenção); ou estímulos internos (pensamentos e sentimentos)
O - Seria o Organismo. As condições biológicas do indivíduo que responde,
como por exemplo problemas físicos raros ou estados induzidos por drogas, bem como,
predisposições pessoais, experiências passadas, educação, moral, religiosa, etc. Tudo
isso funcionando como um filtro para a percepção do estímulo e a seleção da resposta a
ser emitida.
R - É claro, é a resposta, o comportamento emitido, aquilo de que o organismo
se queixa. Estas podem ser cognitivas (pensamentos, idéias ou desejos), autonômicas
(tensão muscular, sudorese) e motoras (expressão fisionômica, andar, falar, escrever,
etc). A premissa de que o pensar, sentir e agir devem andar unidos e coerentes ó válida.
Às vezes, a Queixa é formalada dando uma maior ênfase a um desses níveis, outros de
outro, porém, não podemos esquecer que os 3 níveis se casam e mesclam. Havendo
mudança em um, consequentemente, haverá mudança nos outros dois.
K - As relações de contingência dos relacionamentos entre a resposta emitida e
suas conseqüências, incluindo o esquema de reforço. O esquema pode ser de Razfio ou

1 0 0 P c n lt f íoró*
Intervalo, Fixo ou Variável. Aqui, é importante conhecermos os valores daquele que age.
Não ó menos necessário conhecermos onde e como foram adquiridos tais valores; através
de que modelos, cultura, que história de condicionamentos ocorreu.
C - Todas as conseqüências da ação do sujeito, conseqüências essas que
incluem punição, reforçamento ou até mesmo extinção da resposta pelo meio. Podem
ser fatos fisicos, sociais ou autoproduzidos, tais como reforçar-se a si mesmo após ser
bem sucedido em uma tarefa. Nós mesmos podemos ser (e somos muitas vezes) as
fontes punitivas ou/e reforçadoras, e, uma resposta, só se mantém se for reforçada,
quer positiva, quer negativamente. Ela pode, também, receber punição como
conseqüência, e isso terá efeitos colaterais, emocionais - graves ou não - como também,
pode ocorrer extinção de tal resposta (ou não reforçamento). Se soubermos exatamente
quais são os estímulos conseqüentes à resposta, ficará tranqüilo determinarmos
perspectivas terapêuticas.
Já a Análise das Mútuas Interdependências Comportamentais, compreende uma
investigação sobre as possíveis relações entre os múltiplos comportamentos do cliente
- problemáticos ou não.
Meyer e Daniel (1983), propõem que a lista dos problemas e informações, seja
registrada num quadro-negro ou algum outro instrumento ao qual o cliente e o terapeuta
possam, visualmente, recorrer (já que a riqueza de informações extraídas está,
geralmente, além da capacidade de memória). O exame visual da lista de problemas
comportamentais, frequentemente, fornece “chaves", de modo que a queixa apresentada
possa ser relacionada e respondida por uma outra. Se certas ligações são descobertas,
então a eficiência do terapeuta é facilitada. Um exemplo disto, são os comportamentos
que aparecem como cadeias causais e nas quais se espera que a mudança de um
comportamento-chave modifique toda a cadeia. Por exemplo, podemos aumentar as
habilidades de comunicação para facilitar as relações sexuais, o que, ao mesmo tempo,
diminuirá a depressão, consequentemente reduzir a ingestão de álcool e assim por
diante. Esta estratégia, parte da hipótese, de que os transtornos comportamentais estão
constituídos por classes de comportamentos que se inter-relacionam nos três sistemas
de resposta (motora, cognitiva e fisiológica).
Se o terapeuta está apto para compreender o motivo de todas as queixas,
identificando a relação entre elas, então, somente então, pode estar preparado para
prognosticar como o cliente reagirá a várias situações. Segundo Meyer e Daniel (1983),
“é aqui que o potencial do terapeuta comportamental é revelado, se ele pode
desenvolver um modelo correto de prognóstico do comportamento do cliente,
então ele está mais preparado para inovar uma metodologia de mudança
apropriada".
O foco dessa análise é, portanto, mais abrangente, e sua compreensão, mais
dinâmica. Embora os referentes para essa dinâmica continuem, como os dos outros
componentes, sendo comportamentais, são, por natureza, mais complexos, visto que se
baseia, na concepção do cliente como um sistema vivente constituído de múltiplos
componentes. Esses componentes - cognitivos, afetivos, comportamentais e biológicos
- , ainda dentro da mesma concepção, encontram-se interligados, de modo que, se houver
mudança num deles, outras alterações se darão em todos os demais. É a partir dessa
concepção que decorre a necessidade do diagnóstico ser um processo auto-renovador,

Sobre co m p o rí.m ip n lo t r o g n íç J o 1 0 1
que se refaz várias vezes a partir da integração de novos dados que são apresentados
pelas próprias alterações que se processam no cliente e em seu meio.
Tal investigação, em nosso entender, será mais efetiva, se assentar-se no
conhecimento da história do cliente e do seu estilo comportamental (Ross, 1979),
desenvolvido junto a seu grupo social. Tal estilo é sobremaneira influente nas várias
interdependências comportamentais presentes, que esta análise investiga.
Uma vez analisados cada um dos componentes desse paradigma e sua inter-
relação funcional é que se procederia a uma proposta terapêutica propriamente dita,
guiando e promovendo os procedimentos de intervenção.
Como ilustração, suponhamos que um determinado indivíduo queixa-se de
“timidez". Não consegue conversar com qualquer pessoa estranha sem sentir medo,
ficando ruborizado, gaguejando ao falar e evitando ao máximo o contato com pessoas
estranhas.
Após estudara história deste indivíduo, descobre-se que o seu pai era um homem
excessivamente critico. Tudo o que este indiv/duo fazia era criticado severamente pelo
pai, como sendo inútil, errado, etc. Na escola sua professora era extremamente rígida e
punitiva. Sempre que ela lhe fazia uma pergunta, em aula, ele ficava ansioso e nâo
conseguia falar. Por este motivo, ficava sempre além da hora da saída, fazendo exercícios.
Se considerarmos, que este índívíduo aprendeu a não ter confiança em seu
desempenho porque quase nunca foi reforçado em suas atitudes e na maioria das vezes
era punido com críticas ou castigos e, que suas reações de medo foram condicionadas
a estas variáveis, podemos pressupor que, se ele aprender que é tão capaz quanto
qualquer outra pessoa, através de um tratamento encorajador em vez de punitivo, sua
auto-confiança irá aumentar e sua ansiedade se extinguirá.
Neste caso, as variáveis independentes seriam: punição através de críticas e
castigos a cada desempenho. As variáveis dependentes seriam: reações de medo no
contato com pessoas, enrubescimento, fuga ou evitação de atividades sociais.
Manipulando a variável independente, através de encorajamento, técnicas de
dessensibilizaçâo, assertividade, etc..., poderíamos controlar e prever a variável
dependente.
É importante salientar, que este exemplo é útil apenas para identificarmos as
variáveis independentes e dependentes, nâo podendo em absoluto, ser suficiente para
explicar os casos em que se apresentam reações de medo ás questões sociais.
Caberia colocar, que este último enfoque pretende construir positivamente (em
contraposição à eliminação de um comportamento problema) uma nova forma de ser e
de se comportar do cliente, de relacionar-se com seu meio e, inclusive, de modificar o
meio, bem como, de mudar de meio.
Ou seja, não se trata de eliminar algo de imediato, e sim, de dotar o cliente de
uma série de ferramentas comportamentais, com as quais ele poderá valer-se na sua
vida diária. O objetivo consiste, principalmente, em modificar muitas classes de
comportamentos em muitas situações, de forma que se auto-mantenham e, que
desencadeiem uma nova forma de se relacionar com o mundo. Trata-se, em suma, de
mudar o curso da vida do sujeito.

1 0 2 P e n lt e loró*
Com isto, passou-se, atualmente, a se buscar novos procedimentos de avaliação
diagnóstica e terapêutica mais condizentes com as necessidades globais dos clientes,
podendo realizar, assim, integralmente, o potencial da abordagem comportamental.

Bibliografia

SILVARES, E.F.M. (1991) Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol.7. N.2 Maio/Agosto.


ROSS. A. O. (1979) Distúrbios Psicológicos na Infância. Uma abordagem comportamental
a teoria, pesquisa e terapêutica. SP: McGraw Hill do Brasil.
HAYNES, (1964) Behaviourassessment: An overview. Em M. Hersen, A. E. Kasdin, e A.
S. Bellack (Orgs). The clinicai Pssychology Handbook. NY: Pergamon Press.
MEYER, V. E DANIEL, I. (1983) Apostila nâo impressa dada no Curso de Análise
Comportamental realizado na Clinica Pavlov. RJ.

Sobre romportamcnlo e cojjnlç«1o 1 0 3


^Capítulo 9

"O que é contrato em terapia


comportamental?"
Lm / klcnn dc Souai F :v/t*/>v/
IACC \imp

R r a responder a esta pergunta, eu gostaria primeiro de definir Terapia


Comportamental como uma relação profissional de ajuda.
Quando falamos em relação, queremos dizer que é um processo no qual pelo
menos duas pessoas estão envolvidas, no caso terapeuta e cliente, se comportando
um, em função do comportamento do outro (o cliente respondendo ao comportamento
do terapeuta, da mesma forma que o terapeuta estará respondendo ao comportamento
do cliente, o tempo todo).
Por ser uma relação profissional, eía envolve contingências especificas,
diferentes das relações informais.
Todo relacionamento envolve contingências. Nos relacionamentos informais,
afetivos ou sociais, algumas regras são definidas pela comunidade social, embora
costumem se modificar com o tempo, ou de uma comunidade para outra. A maioria das
pessoas de uma dada comunidade aprende a discriminá-las, mesmo que elas não sejam
claramente descritas. Ex: " O namoro" e " o ficar" de hoje, ou “ como se comportar,

104 Lalz Helena dc Souza Ferreira


quando somos apresentados para alguém desconhecido".
Outras contingências vamos aprendendo a discriminar durante o processo, pois
são determinadas pelas condições, que as pessoas envolvidas vão criando. Ex: Eu
posso ou não telefonar para aquela pessoa com quem estou "ficando"? ou, eu posso
visitar aquela pessoa que me disse: - Passe lá em casa no fim de semana?.
Nas relações informais, quanto mais vamos conhecendo o outro, mais as
contingências individuais vão sendo levadas em conta e menos as gerais, definidas pela
comunidade. Numa relação profissional, certas contingências gerais precisam ser
mantidas, a fim de preservar o caráter da relação. Em especial, naquelas que envolvem
prestação de serviço e pagamento, algumas regras precisam ser definidas antes da
relação começar e devem ser claramente descritas, para que possam ser seguidas.
Por ser uma relação profissional de ajuda o terapeuta é o agente controlador
da relação, pois é ele quem presta a ajuda, e portanto é o responsável por estabelecer
as regras nas quais o processo vai se basear.
Explicitar para o cliente estas contingências, ou seja discutir com ele as regras
nas quais a Relação Terapêutica vai se basear, é o que nós chamamos de contrato em
terapia comportamental.
Esta pode não ser uma tarefa fácil. Mesmo terapeutas experientes costumam
ter dificuldade em ser “assertivos", quando se trata de discutir questões como dinheiro
ou disponibilidade de tempo. Questões como estas parecem não ser compatíveis com o
vínculo afetivo, que precisa ser estabelecido, numa relação de ajuda. Em geral corremos
o risco de lidar com estas dificuldades, através de comportamentos de fuga e esquiva
tais como achar que certos clientes já sabem como o processo funciona (“ele já fez
terapia", ou "faz psicologia", etc.), ou mesmo deixar totalmente esta tarefa para a secretária.
Ela pode nos ajudar nisto, mas a responsabilidade do processo tem que estar nas nossas
mãos.
O contrato em terapia comportamental envolve comportamento governado por
regras, então não podemos deixar de levar em conta que somente o fato do terapeuta
combinar com o cliente as regras, não garante que ele irá cumpri-las. São as contingências
e não as regras, que mantém o comportamento, portanto as regras deverão ser
explicitadas e as contingências criadas e mantidas. A maneira como o cliente lida com
estas regras, também é uma amostra de seu comportamento, dado que deve ser levado
em conta, tanto para a nossa análise funcional como para determinar a forma de lidar
com estes comportamentos, inclusive, nas sessões. Durante o processo, depois do
contrato ter sido feito, em geral ele precisa ser retomado, pelo menos parcialmente, de
acordo com as circunstâncias, quando por exemplo ocorrem as conseqüências do não
cumprimento das regras.
Para o estabelecimento e manutenção de uma boa relação terapêutica é
necessário que o terapeuta defina claramente, para si mesmo, as regras, e possa ajudar
o seu cliente a responder de forma adequada a elas. Quando o terapeuta indica para o
seu cliente as razões pelas quais certas conseqüências são contingentes a determinados
comportamentos, ele está “esclarecendo esta relação", mas só isto não é suficiente, ele
precisa tornar o seu comportamento parte das contingências em que o seu cliente será
reforçado, a fim de tornar sua ação mais efetiva.

Sobre comportamento c counlçJo 1 0 5


Em terapia comportamental não existem regras fixas, como em algumas outras
abordagens. Existem regras gerais, que a maioria costuma seguir, adaptando às suas
próprias regras. Assim vou descrever como lido com elas.
* Quando fazer o contrato?
Preferencialmente nas primeiras sessões, quando se Inicia o processo, mas não
necessariamente na primeira ou segunda sessão. O cliente pode estar tão ansioso, que
não seja nossa prioridade fazer o contrato, ou mesmo não esteja em condições de
responder ao contrato.
• O que faz parte do contrato?
- Periodicidade: Em terapia comportamental usualmente trabalhamos com uma
sessão por semana, no entanto dependendo do caso, podemos trabalhar com mais
sessões semanais.
- Horário das sessões: Estabelecemos um horário possível para o cliente e o
terapeuta, no qual o terapeuta passará a estar disponível para aquele cliente.
- Tempo de duração das sessões: 50 minutos.
- Atraso nas sessões: no caso de atraso do terapeuta, ele deverá completar os
50 minutos ou repor este horário de comum acordo com o cliente. No caso de atraso do
cliente, o terapeuta deverá terminar a sessão no horário estabelecido. Avisar o cliente ,
que atrasos de mais de 20 minutos, comprometem a sessão.
- Faltas: as faltas do terapeuta deverão ser avisadas com antecedência. As
faltas do cliente serão sempre cobradas, exceto se o cliente desmarcar com pelo menos
24 horas de antecedência. Eventualmente o terapeuta poderá deixar de cobrar as faltas
de seus clientes, de acordo com seus critérios. Mudanças de horário são possíveis,
desde que o terapeuta tenha disponibilidade de horário. Neste caso só será cobrada a
sessão efetivamente realizada.
- Forma de pagamento: cabe ao terapeuta definir o preço de suas sessões.
Recomenda-se que os clientes paguem por sessão, mas de comum acordo outros arranjos
poderão ser feitos.
- Férias: o terapeuta deverá avisar com antecedência sobre suas férias e definir
se elas serão cobradas. Usualmente terapeutas não costumam cobrar por suas férias.
Se o cliente tirar férias que não coincidam com as do terapeuta, o pagamento ou não
destas sessões deverá ser decidido de comum acordo entre eles e caberá ao terapeuta
definir se manterá o horário do cliente.
Todo relacionamento entre pessoas envolve contingências sociais e algumas
regras. Estar consciente, no sentido de conseguir descrevê-las, abre a possibilidade de
lidar com elas de forma mais adequada e eficaz, por criar condições de maior controle
sobre as variáveis envolvidas. Fazer o contrato em Terapia Comportamental, poderá
funcionar para mútua vantagem daquele que mantém as contingências e daquele que é
afetado por elas. O terapeuta ao responder ele próprio às regras, cria reais contingências
para o seu cliente, da mesma forma que o cliente para o terapeuta, assim elas poderão
servir como uma forma de auto-governo, tornando-se ambos agentes da relação, ou
seja se comportando por suas próprias razões.

106 LuU Helciu üc So u zj Femlru


Capítulo 10

Fantasia: instrumento de diagnóstico e


tratamento
JükicA. Q. Rcgni
Universidade dc M o g i das Cruzes - OMEC

O relato verbal dos comportamentos encobertos, tais como, pensamentos e


sentimentos, nâo é considerado como manifestação dos eventos privados, e sim , um
outro comportamento da mesma classe de respostas, e deste modo nos conduz a
inferências a respeito dos eventos privados. O behaviorismo radical considera relevante
para a análise do comportamento, tanto os acontecimentos externos como aqueles
ocorridos no mundo privado de cada um (Skinner,1974).
Deste modo, para os problemas clínicos, existe a preocupação em tentar
identificar de forma mais abrangente, os possíveis fatores que controlam o comportamento,
englobando os eventos externos e internos.
De modo a facilitar o levantamento de dados, bem como as intervenções, efetuou-
se uma classificação dos comportamentos identificados em situações clínicas,
relacionados a três aspectos, (Nalin,1993):
1. o aspecto comportamental externo - identificado através do relato dos eventos externos,
por meio de entrevistas com membros da família e por observações diretas, rastreando

Sobre comportamento e cognlçdo 1 0 7


as seqüências comportamentais, para em seguida efetuar a análise funcional do
comportamento.
Í , o aspecto comportamental encoberto - onde se identificam os sentimentos, a descrição
das maneiras como se expressam e sua função no ambiente. Podem ser utilizados
diversos instrumentos como: entrevistas, observações diretas, fantasias (relato verbal
de estórias sobre personagens fictícios) e outros.
3. o aspecto conceituai - englobando a formação de conceitos adquiridos através da
história de vida do indivíduo, como também as crenças e regras que governam o
comportamento.
A fantasia tem se mostrado útil na identificação desses três aspectos mencionados
acima e favorece a identificação pelo terapeuta e pela criança, das seqüências
comportamentais dos comportamentos manifestos e encobertos, como também pode
fornecer pistas sobre as variáveis das quais esses comportamentos possam ser função.
Auxilia o terapeuta na escolha de técnicas de intervenção, enquanto favorece a
identificação pela criança dos comportamentos desadaptativos e seus possíveis fatores
determinantes; a partir disso o terapeuta pode conduzir a criança a encontrar padrões de
comportamentos mais adaptativo.
Desta forma, não há uma separação entre fase de avaliação e fase de tratamento,
uma vez que ambas estão interrelacionadas. E isto ocorre, não apenas para agilizar o
processo terapêutico, mas principalmente por motivos de eficiência técnica.
Ao ser iniciado o atendimento psicológico de uma criança, podemos trabalhar
com fantasias nos primeiros contatos. Tais fantasias podem ser quase somente
avaliativas, não por termos que executar primeiro uma fase de avaliação, mas apenas
quando a criança não estabelece relação entre a fantasia e suas circunstâncias de vida,
por não conseguir falar delas no momento.
As respostas da criança ao questionamento da fantasia será nossa medida do
quanto poderemos caminhar com as intervenções.
Para tornar mais claro o que foi dito, analisaremos alguns cortes de sessão em
que se usou a fantasia como instrumento avaliativo e terapêutico.
Em uma das sessões em que se usou a Fantasia com um adolescente (A) de
quatorze anos com queixa de problemas de escolaridade, pois não consegue estudar e
nem fazer as tarefas de casa, encontra grande dificuldade nos relacionamentos
interpessoais, muita dificuldade em expressar sentimentos, choro freqüente, em situações
de frustração e também quando não há motivo aparente; dificuldade de verbalizar durante
as sessões terapêuticas.
Fantasia 1- realizada em sessão com mãe(M) e adolescente (A):
Instrução: é solicitado que ambos fechem os olhos e imaginem uma situação,
como um sonho ou fantasia; cada um deve visualizar o outro, sob uma forma qualquer.
Pode ser oualquer forma que vier na imaginação. Em seguida, deve visualizar qual a
forma que tomaria para si, em relação à forma de seu parceiro. Devem então imaginar,
o que acontece nesse sonho com estas duas formas. Após terminar, devem abrir os
olhos e cada um relata o que imaginou.

108 laldc A. Q. Rf^ra


Mãe -escolheu ser uma "mesa".
- escolheu que o filho seria uma "cadeira".
- fantasia - Ma mesa só funciona com a cadeira".
Filho - escolheu ser o “símbolo do Corinthians".
- escolheu que a mãe seria uma “camisa".
- fantasia - “estava numa fábrica, aí ia costurar o símbolo na camisa; quando foi
costurar os dois gritaram; quando acabou de costurar eles foram pra caixa e aí foram
para uma loja;
(T) - Por que eles gritavam?
(A) - De dor.
(T) - Por que precisava costurar?
(A) - Pra colocar o símbolo na camisa.
(T) - E se eles fossem separados?
(A) - A camisa não seria do Corinthians.
Nesta fantasia em dupla (mãe e adolescente), podemos observar que a escolha
da mãe se referiu a dois objetos que têm funções interrelacionadas, mas que podem
também ter função desvinculada: uma cadeira pode servir só pra sentar e uma mesa
pode servir de apoio, porém uma mesa precisa mais da cadeira do que a cadeira precisa
da mesa.
A mãe relata que fez curso ligado a artes, não exerceu a profissão mas sempre
gostou de desenhar, então fazia quase todos os trabalhos de escola para o filho,
principalmente quando tinha que desenhar e pintar, porque gostava de fazer isso.
Estava tentando deixá-lo fazer as coisas sozinho, mas nem sempre conseguia.
Foi discutido sobre o efeito que o comportamento de ajuda da mãe tinha sobre o
comportamento do filho de não fazer tarefas escolares.

Fantasia II - sessão individual com (A).


Instrução: “Feche os olhos e imagine dois objetos: um para ser você e outro para
ser sua mãe e depois me diga tudo o que acontece com esses dois objetos".
(A) escolhe ser um lápis e a mãe uma borracha.
O lápis escreve muita coisa errada e a borracha fica apagando toda hora e
reclamando que tá gastando.
(T) - O que o lápis sente?
(A) - Fica nervoso.
(T) - Por que?

Sobrr comportamento t cognlçâo 1 0 9


(A) - Porque a borracha só reclama.
(T) - Por que reclama?
(A) - Porque tá gastando.
(T) - Entâo o lápis nflo pode errar?
(A) - Acho que não. Depende.
(T) - Depende do que?
(A) - Se for um erro pequeno...ela (borracha) gasta menos.
(T) - E se for um erro grande?
(A) - Ela gasta mais.
(T) - E o que acontece se ela gasta mais?
(A) - Ela acaba mais rápido.
( T ) - E o iápis é culpado pelo fato da borracha acabar?
(A )-É .
(T) - Tem um jeito dele não ser culpado?
(A) - Só se ele nâo escrever.
(T) - O que acontece com um lápis que não escreve?
(A) - É besteira. O jeito seria ele não escrever errado.

Dilemas:
1. Se o lápis deixar de escrever, para que serviria o lápis?
2. Se o lápis deixar de escrever errado para que serviria a borracha?
3. O lápis erra para a borracha existir... (ou poder se aproximar dele...).
4. O lápis erra para a borracha nâo existir (acabar)...

Análise: As metáforas usadas na fantasia parecem favorecer a explicitação e


compreensão dos sentimentos envolvidos em determinadas situações. Se fosse possível
estabelecer uma correlação entre as situações relatadas entre o lápis e a borracha e
entre a mâe e o adolescente poderíamos dizer que esta fantasia sugere pistas para o
levantamento da seguintes hipóteses:
l.que (A) está indo mal na escola porque apresenta comportamentos de dependência
em relação à mãe; erra para que a mãe tenha a função de corrigir ficando perto dele;
essa correção por parte da mãe provavelmente levou (A) a formar o seguinte conceito:
"minha mãe me corrige e faz essas tarefas para mim porque não sou capaz", Quando
minha mãe está ausente eu faço errado ou então nâo faço, para nâo errar.

110 Jdlüe A . Q. Regra


Porém, essa hipótese poderia ter sido levantada apenas a partir dos dados de
entrevista fornecidos pela mãe. Então, qual seria a relevância da fantasia?
Na experiência clínica, muitas vezes, os dados de entrevista nem sempre são
fornecidos tão claramente, e a fantasia pode favorecer o aparecimento de um dado
importante para ser melhor pesquisado com os dados de vida real.
Além disto , a fantasia pode levar o terapeuta a inferir sobre como o indivíduo se
sente frente àquelas contingências ambientais, uma vez que tal relato verbal é mais
difícil para os indivíduos e principalmente para crianças e adolescentes.
Por outro lado, parece diferente descrever uma situação em que recebe ajuda
da mãe, e em decorrência, a mãe é vista como boazinha, e descrever uma fantasia em
que mâe e filho representam objetos que estâo costurados e o costurar provoca gritos
de dor.
Enquanto o relato da situação natural poderia aparentar uma emoção de prazer
por ser ajudado pela mãe, o relato da fantasia sugere uma emoção de sofrimento. Numa
situação de dependência podemos encontrar emoções antagônicas, e isto parece dificultar
o processo de mudança; ao mesmo tempo que é bom ser ajudado, também pode ser
muito desagradável, quando o tipo de ajuda é uma pista de que se é incapaz.
2. que (A) está indo mal na escola porque a mãe faz as tarefas para ele, porque acha que
ele não é capaz, e desta forma (A) também acredita que é incapaz.
O dilema da família: a mãe faz as tarefas para ele, porque ele não é capaz, ou
ele não é capaz porque a mãe faz as coisas por ele?
No jardim de infância (A) realmente nâo era capaz de fazer as tarefas com a
mesma capacidade que sua mãe: ou não foi visto por ela como alguém em fase de
desenvolvimento, que gradualmente iria aprimorando suas habilidades, ou o prazer que
a mãe sentia em realizar as tarefas, suplantava o prazer de ver o filho conquistando
gradualmente sua capacidade ou então, deixar o filho realizar as tarefas, sinalizava para
a mãe uma situação de perda, uma vez que o filho se tomaria independente e ela perderia
sua função (o lápis erra para a borracha existir).
Amostra de sessão com o uso de questões imaginativas e reflexivas:
(A) inicia a sessão relatando que a mãe o ajudou a fazer a lição. Fez os desenhos
para ele, enquanto ele fazia outras lições. A mãe fez os desenhos e um trabalho manual.
(A) diz não ser capaz de desenhar nem de fazer margem usando a régua.
(T) - Como você acha que pode aprender a desenhar e fazer margem?
(A) - Não sei. Não tem jeito. Quando faço sai torto.
(T) - Daqui a cinco anos, quantos anos você vai ter?
(A) - 1 9 anos.
(T) - E se precisar fazer margem?
(A) - Até aí vou tentar fazer. Se não der, vou pedir pra minha mãe.
(T) - Agora quero que você imagine que tem um filho de quatorze anos que não

Sobre comportamento c cotfnffilo 111


sabe fazer margem. O que vai acontecer?
(A) - Vou tentar fazer pra ele, se não conseguir vou chamar a minha mãe.
(T) - (dramatizando no papel do filho): “Pai, faz a margem pra m im ?"
(A) - (entra na dramatização e assume o p a i): “ Vou tentar, se não der, chama
a v ó ".
(T) - (papel do filho) - 14Não deu. Vó, faz a margem pra mim? "
(T) - Vai ter que ser assim?
(A) - É. Mas aí eu tentava mais.
(T) - E se vocô conseguisse?
(A) - Aí não chamava a vó.
(T) - E se você conseguisse hoje, o que aconteceria?
(A) - Af não precisava chamar minha mãe. Mas eu nâo consigo fazer.
(T) - Você não consegue parar de chamar a sua mãe?
(A) - Nâo.
(T) - Você acha que esse pode ser um jeito de você ter sua mãe quando você
quer?
(A )-É .
(T) - Agora eu quero que você imagine que é capaz de fazer tudo e não vai
perder sua mãe por causa disso. Então, você vai descobrir um outro jeito de ter sua mãe
pra você, mesmo quando você é capaz.
(A) - Ficando doente.
(T) - Como ó esse jeito?
(A) - Fico doente e ela cuida mais de mim.
(T) - Você está me dizendo que você consegue ter sua mãe quando você é
incapaz e quando você está doente, é isso?
(A) - É.
(T) - Agora, quero que você imagine um outro jeito de ter sua mãe sem você ser
incapaz e sem estar doente.
(A) - Fazendo as coisas pra ela.
(T) - Que coisas?
(A) - O que ela pedisse: comprar cigarro, pão, leite ou arrumar o quarto.
(T) - Agora eu quero que você imagine mais um jeito de ter sua mãe sem ser:
ser incapaz, ficar doente e fazer coisas pra ela.
(A) - Nâo tem mais.

112 )«ilde A. Ç. Refjrd


Esse adolescente parece perceber as interações afetivas da forma como descreveu
acima. Em nenhum momento pareceu perceber que através de uma troca afetiva poderia
ter um relacionamento agradável com a mãe enquanto desenvolvia uma autonomia. Isto foi
então necessário ser trabalhado posteriormente , em conjunto com a mãe; porém esta
sessão parece ter favorecido o processo de discriminação.
As fantasias e as questões imaginativas favoreceram a identificação, tanto para
o terapeuta como para o adolescente, de possíveis fatores que dificultam a aquisição de
habilidades acadêmicas e relacionamentos interpessoais.
Ao mesmo tempo favoreceu a (A) identificar os fatores do ambiente responsáveis
pela sua "incapacidade" e desta forma alterar a crença de que não consegue,
desenvolvendo um novo conceito de que “ a capacidade “ depende do treino e então, se
conseguir não chamar a mãe, para poder treinar, e chamá-la para mostrar o que já
consegue fazer sozinho, irá gradualmente construindo sua nova imagem de ser capaz.
Isto pode desencadear o processo de mudança , mas não só.
A auto-regra utilizada por (A): "devo pedir ajuda a minha mãe porque faço sempre
feio e torto", dificulta a aquisição de novas habilidades e o afasta das contingências reais
(Zettle, 1994), uma vez que não mais se permite experienciar as novas situações que
levariam à aprendizagem.
Temos então, vários fatores superpostos.
Ao invés de se trabalhar com o comportamento encoberto (sentimento de ser
incapaz), procura-se identificar as variáveis ambientais que favoreceram a ocorrência
desse sentimento. Deste modo, a mãe fazer por ele, irá impedir que experiencie a situação
de aprendizagem, não ocorrendo a aquisição da nova habilidade. O comportamento
encoberto “ sou incapaz" está correto nesta situação - é o que o seu raciocínio lógico lhe
permite concluir. Ficaria difícil mudar apenas o comportamento encoberto sem apontar
para as variáveis ambientais; seria então relevante, dispor os elementos de modo a
alterar seu raciocínio lógico e assim conduzi-lo a uma nova conclusão.
Na primeira situação: a mãe faz por ele — ele não experiência as situações de
aprendizagem — não aprende — quando tenta, não consegue — desiste e comprova
que é incapaz.
Na segunda situação: conclui que, se treinar, pode aprender gradualmente —
nâo chama a mãe ( se chamar, a mãe deve solicitar que faça, com pequenas ajudas
iniciais, para depois ir removendo essas ajudas) — experiencia a situação de
aprendizagem — faz com dificuldade — não desiste porque foi informado que isto é
esperado no início — e a mãe se aproxima dele para oferecer pequenas ajudas para em
seguida elogiar apenas o produto final — e depois de repetidas tentativas de
aprimoramento, descobre que pode fazer sozinho e bem feito — chama a mãe para
mostrar cada conquista e tem a mãe interagindo com ele quando é capaz.
De acordo com o behaviorismo radical ( Skinner, 1974), a proposta terapêutica
engloba as mudanças das contingências ambientais como:
— alterar o comportamento da mãe de fazer tarefas para o filho;
— fazer com que a independência do filho sinalize alguns ganhos para a mãe,

Sobre comporlttmcnlo r cognlf<1o 1 1 3


desde que passe a investir mais em seus objetivos de vida;
— levar (A) a identificar as contingências ambientais que o tomam Incapaz" e
encontrar maneiras de operar no ambiente de modo a alterá-las;
— levar (A) a identificar de comportamentos alternativos com os quais possa
desenvolver interação afetiva mais adaptativa com a mãe, através dos comportamentos
de autonomia, demonstrando suas habilidades;
— levar (A) a identificar de que a aquisição de novas habilidades dependem do
treino, e de quais sâo os meios disponíveis que teria para aquisição dessas habilidades;
— mudança da auto-regra; “ nâo posso fazer porque sou incapaz" para; wsou
incapaz temporariamente enquanto permitir que façam coisas para mim e enquanto nâo
treinar o suficiente".
Hayes (1987) sugere que as regras sejam vistas como estímulos verbais que
especificam contingências.
Deste modo, o comportamento governado por regras pode ser considerado como
o comportamento sob controle de estímulos verbais que especificam a contingência
(Zettle ,1990).

Bibliografia

HAYES, S. C. (1987). A contextua! approach to therapeutic change. In N. Jacobson


(Ed.). Psychotherapist in Clinicai Practice: Cognitive and Behavior perspectives.
New York: Guilford.
NALIN, J.A.R. O uso da fantasia como instrumento na psicoterapia infantil. Temas em
Psicologia (1Ô93), no.2,47-56.
SKINNER, B.F.(1974). Sobre o Behaviorismo. Sâo Paulo: Cultrix: Ed. USP.
ZETTLE, R.D.(1990). Rule-Govemed Behavior; A radical answerto the cognitive chailen-
ge. The Psychological Record, 40, 41-49,

114 Jaidc A . Q. Regra


.Capítulo 11

Fantasia como instrumento de diagnóstico e


tratamento: a visão de um behavorista
radical
koltcrto Alves Banaco 1
P U C -S P

V_/|timamente vários terapeutas comportamentais têm se voltado para uma


reflexão sobre o uso dos comportamentos encobertos na psicoterapia. Nenhuma
novidade, dirão alguns. Há anos, terapeutas comportamentais vêm se utilizando dos
comportamentos encobertos tanto para fazerem avaliação como mudanças nos
comportamentos problemáticos de seus clientes.
A novidade está no fato de que os terapeutas que hoje se pronunciam sobre os
comportamentos encobertas têm se classificado como behavioristas radicais - ao invés
de cognitivistas, como vinha acontecendo até entflo, quando o assunto era o "mundo
dentro da pele". Isto parece ser um resgate da teoria skinneriana que tão comumente foi
abandonada por terapeutas estudiosos da Análise Experimental do Comportamento, ao
se depararem com entraves teóricos para resolverem problemas na terapia. Esses te­

1 P ro fes so r A ss o cls d o do D ep a rta m e n to d e M éto d os e T é c n ic a s d a F a c u ld ad e d e Psicotoflia e p es q u isa d o r


no L aboratório d e P sicolo gia Ex p erim en tal , am b o s n a Po n tifícia U n ive rsid ad e C ató lica d e S â o P a u lo

Sobre cornporldmcnto c cognftfo 1 1 5


rapeutas por não conhecerem, por não entenderem, ou mesmo por não concordarem
com o que Skinner propôs desde cedo sobre o que acontece dentro do indivíduo,
desistiram de enxergar os problemas humanos segundo a ótica do behaviorismo radical,
voltando-se para teorias que provavelmente lhes foram mais atraentes.
O objetivo deste trabalho é dar continuidade à reflexão sobre um tipo específico
de comportamento encoberto - a fantasia - segundo a ótica do behaviorismo radical.
O que é fantasia?
Em português, a palavra fantasia serve para designar uma caracterização (em
termos de vestuário, maquiagem, postura corporal, etc.) que podemos usar para imitar
certas profissões, raças, etnias, camadas sociais, seres imaginários, visitantes de outros
planetas, etc. Ou serve para designar comportamentos de tipo encoberto tais como
imaginar, idealizar, criar, sonhar ou devanear. Skinner (1982) diz que “segundo um
dicionário, a fantasia é definida como ‘o ato ou função de formar imagens ou
representações por percepção direta ou pela memória poderíamos igualmente dizer,
porém, que é o ato ou função de ver por percepção direta ou pela memória" (pag.74).
Mallot e Whaley (1976) afirmam no capítulo “Fantasia" de seu livro "Psychology"
que palavras são sinais ou dicas que controlam ações. Dessa forma, “ouvir ou ler uma
estória ó, de alguma forma, estar lá onde a estória se desenrola. É ver o que as
pessoas da estória vêem, ouvir o que elas ouvem, sentir aquilo que sentem" (pag.434).
Nesse sentido, para ser possível um comportamento de fantasiar a estória de
um iivro é necessário que o leitor “conheça" as palavras ditas ou escritas, ou
ainda que o texto tenha uma descrição bastante razoável daquilo que o escritor
gostaria que o leitor "vivesse". “Os ouvintes não extraem informação ou
conhecimento das palavras e nâo compõem cópias de segunda-mâo do mundo;
eles respondem a estímulos verbais de forma pela qual foram modelados e
mantidos por outras contingências de reforçamento". (Skinner, 1991, pag.54).
Traduzindo, para que o leitor possa se comportar da maneira que o escritor
gostaria que ele se comportasse é necessário que o leitor tenha as palavras do texto
sinalizando algo em sua história de vida. As palavras precisam estar associadas a
situações, sensações e comportamentos para que possam controlar o comportamento
de "fantasiar" a estória. Por esse motivo, muitas vezes um dicionário nos faz "entender"
melhor o que o escritor quis dizer; o dicionário nos diz coisas que “entendemos", ou
seja, conhecemos, tivemos contato, temos na nossa história de vida.
Skinner (1982) no item “Ver na ausência da coisa vista" discorre sobre esse tipo
de comportamento. Diz ele:
"... Tendemos a agir no sentido de produzir estímulos que sâo reforçadores
quando vistos. Se achamos reforçadora a cidade de Veneza (aludimos a um
efeito reforçador quando dizemos que ela ô bela), podemos ir a Veneza para
sermos reforçados. Se nâo pudermos ir, poderemos comprar quadros de Veneza
- quadros que retratam colorida e realisticamente seus mais belos aspectos,
embora um desenho em preto e branco possa ser suficiente. Ou então poderemos
ver Veneza lendo a seu respeito, se tivermos adquirido a capacidade de visualizar
enquanto lemos. (A tecnologia facilitou muito vermos coisas reforçadoras de modo

116 lald e A . Q . Regra


presente e com isso reduziu a possibilidade de vê-las quando ausentes, Há duas
ou três gerações atrás, uma criança lia, ou liam para ela, livros com poucas
ilustrações ou sem nenhuma; hoje ela vê televisão ou lê livros com estampas
coloridas a cada página e, por conseguinte, tem muito menos probabilidade de
adquirir um repertório visual sob controle de estímulos verbais.) (...) Tudo quanto
precisamos dizer 6 que, se somos reforçados vendo Veneza, tendemos a adotar
esse comportamento - isto ô, o comportamento de ver Veneza - mesmo quando
haja muito pouco no ambiente que nos cerca que tenha alguma semelhança com
a cidade. u (pags. 73-74).

1. O comportamento de fantasiar

“Se podemos contar a outros uma estória, então podemos contá-la a nós mesmos.
E, se as estórias dos outros podem fazer-nos ver, ouvir, sentir aquilo que descrevem,
então nossa descrição pode fazer o mesmo conosco." Essas deduções são tiradas de
Mallot e Whaley (1976) e apontam explicações para as fantasias auto induzidas.
Estas seriam aquelas fantasias nas quais ninguém me conta estória nenhuma,
mas que eu de alguma forma “vejo" acontecendo, sinto determinadas coisas, ouço certas
palavras que, da mesma forma que acontece com o comportamento de ver na ausência
da coisa a ser vista, eu percebo sem que o estímulo esteja presente. O que controlaria
esse comportamento?
Algumas queixas recebidas no consultório são de natureza "fantástica”. Pessoas
que imaginam que o mundo seja do jeito que ele não é, e se comportam como se ele
fosse do jeito que imaginam, acabam sendo mal-sucedidas. Pessoas que imaginam
que as outras pessoas sejam do jeito que não são, quando se deparam com a realidade,
não conseguem entende-la. Pessoas que fantasiam serem capazes de tudo, e não têm
habilidades, colocam toda e qualquer frustração que a vida lhes oferece como uma
perseguição dos outros em relação a si próprias (comportamento paranóide). Fantasiar
e imaginar estão sendo considerados aqui como o mesmo comportamento.
Algumas pessoas “fantasiam" uma relação, interpretando distorcidamente os
fatos que a história da relação traz. Interpretar distorcidamente é sinônimo de selecionar
certos aspectos positivos da relação para fazer análise e negar aspectos negativos (no
sentido de não olhar para eles - comportamento de esquiva). Pode-se fantasiar a solução
de algum problema, evitando certos aspectos desse problema - em geral parece ser
mais fácil resolver problemas naquele estado entre o sono e a vigilia porque nesse estado
o controle de estímulos da realidade do problema é mais fraco. Pode-se assumir
“personalidades" que não se tem (se eu fosse mais corajoso, eu enfrentaria essa parada;
se eu começar a ser agressivo, perderei o controle e aí não sei o que poderá acontecer).
Pode-se transportar no tempo (Preciso ter calma, porque daqui cinco anos eu me aposento
e aí a vida vai melhorar; quando eu for chefe, esse fulano vai se ver comigo). Da forma
pela qual descrevi a fantasia, ela parece ter a função na vida das pessoas de esquivar de
estímulos aversivos.

Sobre comportamento c cognlçâo 1 1 7


Mas a fantasia pode ter outra função. A formulação de hipóteses nada mais é do
que fantasiar. "O que aconteceria se..." comumente é uma forma de tentarmos imaginar
certas mudanças ambientais de uma maneira criativa, que nunca foi utilizada antes,
explorando possíveis resultados (fantasiando-os).

2. O USO DA FANTASIA NA PSICOTERAPIA

*Algumas práticas da terapia de comportamento, nas quais se pede ao paciente


imaginar várias condições ou acontecimentos, foram criticadas como não
genuinamente comportamentais por fazerem uso de imagens. Mas não existem
imagens no sentido de cópias privadas, o que existe 6 comportamento perceptivo,
e as medidas tomadas pelo psicoterapeuta visam a fortalece-lo. Ocorre uma
mudança no comportamento do paciente se aquilo que ele vô (ouve, sente, etc.)
tem o mesmo efeito positiva ou negativamente reforçador das próprias coisas
quando vistas”. (Skinner, 1982, pag.75)
Em terapia, quando um cliente traz alguma queixa, não pode-se pensar que ele
está contando uma estória e dessa forma, “fantasiar" a estória que ele conta. “Entra-se"
nela e tenta-se “entender", o que ele está contando, “ver" o que ele viu, "sentir" o que ele
sentiu. A este conjunto de comportamentos os professores de terapeutas costumam
chamar de “ser empático" com o cliente.
Quando, por algum acaso, a fantasia ficou “estranha” no meio do relato do cliente,
é sinal de que não foi por acaso: algo naquele relato não foi lógico e com freqüência, se
procurarmos o que acontece de errado, è que existe uma discrepância entre o sentimento
que a pessoa tem da situação (e que se está “sentindo") e os dados que ela descreve da
situação (e que nâo fariam sentir o que ela sente). Obviamente é preciso ter cuidado
nesta avaliação que acabei de descrever, porque, enquanto terapeutas e enquanto
pessoas, tivemos história de vida particulares e provavelmente muito diferentes das dos
clientes. Mas, conhecendo contingências que atuam sobre comportamentos e sentimentos
podemos avaliar o relato do cliente e perceber que a pessoa “fantasianessa situação e é
a partir daí que a análise começa. Perguntas sobre detalhes da situação (negadas pelo
cliente até entâo) ou um esclarecimento melhor do sentimento relatado (em geral diferente
do sentido) são condutas que o terapeuta adota. Este é um dos casos no qual posso
utilizar a fantasia como instrumento diagnóstico.
Ela mostra que esse cliente pode ser dado a “dourar a pílula" e minimizar seus
problemas.
Um outro caso em que pode-se utilizar a fantasia como diagnóstico é aquele no
qual descreve-se a situação sem a ter vivido, avalia a proposta e diz o que ele é capaz
ou nâo de fazer naquela situação fictícia. Dados de déficits comportamentais costumam
ser o produto deste procedimento. Em geral relatos do tipo “Eu não seria capaz..."
aparecem e novamente podemos avaliar aquilo que é necessário ser feito: uma melhor
descrição da contingência, um treino de habilidades, etc.

118 Jitlde A . Q . R cflw


Excetuando-se condutas de psicólogos que estão apenas coletando dados e não
se manifestam durante a exposição de seus clientes, qualquer outra situação será
terapêutica.
Quando o cliente relata uma fantasia estranha e demonstra-se para ele que o
relato tem alguma inconsistência ou incongruência, estar-se-á sendo terapêutico. O fato
de fazer perguntas sobre o que ele acabou de contar, pedir esclarecimentos sobre as
contingências e sobre os sentimentos e comportamentos resultantes delas também é
terapêutico, pois modifica pelo menos os aspectos de sinalização do problema.
Obviamente que, se fazer a pessoa “enfrentar" em volume mais baixo os aspectos
dos quais ela vinha se esquivando é considerado terapêutico, propor uma fantasia (ou
uma hipótese, ou uma combinação de estímulos) estruturada, com objetivo eu também
considero ter um efeito terapêutico.
Nesses casos, enquanto avaliação de obtenção prévia de conseqüências
(também aqui embasadas na história de vida do cliente), enquanto comportamento criativo
para a solução de problemas, ou enfim, enquanto ao menos tendo como função “dar
uma esperança" para o cliente, a fantasia é bem vinda. Manter o cliente procurando uma
forma mais adequada de se comportar, estabelecendo uma discriminação de em quais
momentos deve se comportar de uma forma (fantasiando) ou de outra (agindo) e mais,
mostrar-lhe que é possível encontrar uma saída para seus problemas (quando realmente
o for) é uma das funções da terapia. Ao behaviorista radical cabe saber analisar
funcionalmente a técnica que está utilizando.

Bibliografia

MALLOT, RichardW. e Whaley, Donald L. (1976) Psychology. Harper and Row, New
York.
SKINNER, BurrusF. (1982) Sobre O Behaviorismo. Cuítrix e Editora da Universidade
de São Paulo, São Paulo.
SKINNER, BurrusF. (1991) Questões Recentes Na Análise Comportamental. Papirus,
Campinas-SP.

Sobrr comportamento e coflnlçdo 1 1 9


Capítulo 12

Dicotomias no processo terapêutico:


diagnósticos ou terapia
Vera Lúcia A d a m i Raposo do A m aral
PUCCam p

O diagnóstico comportamental tem sido parte da análise e da terapia


comportamental desde seu Início, nos anos 50 (NELSON & HAYES, 1979a). Estes autores
definiram diagnóstico comportamental "como a identificação de respostas significativas
e suas variáveis de controle (ambientais e organísmicas) com o propósito de compreender
e alterar o comportamento humano (pp. 491).
Sob o rótulo de terapia comportamental inclui-se qualquer uma das técnicas
específicas que empregam princípios psicológicos (principalmente os princípios de
aprendizagem) para provocar construtivamente mudanças no comportamento humano
(MASTERS & COL. 1987).
Embora nâo fique claro de que terapia e qual terapeuta se está falando, devido
às múltiplas influências e falta de definição da área, algumas práticas e concepções
teóricas têm sido compartilhadas por vários autores (KANFER & SCHEFFT, 1988;
KOHLENBERG, TSAI & DOUGHER, 1993; KANFER & SASLOW, 1969; HAYES,
NELSON & JARRETT, 1987; FOLLETTE, BACH & FOLLETTE, 1993; NELSON & HAYES,
1979b), dentre elas a diferença entre o diagnóstico tradicionalmente usado na psicologia

120 Vero Líida Adaml Rapoto do Amaral


e o diagnóstico comportamental, e também a questão da classificação psicopatológica.
O diagnóstico comportamental e o diagnóstico tradicional compartilham algumas
técnicas, instrumentos-entrevistas, questionários, observação do comportamento etc,.
Entretanto, diferem, radicalmente, em suas concepções e níveis de inferência. O
diagnóstico tradicional busca descobrir as causas do comportamento em variáveis
intrapsíquicas subscrevendo um modelo dualista. O comportamento perturbado é
considerado um sinal de que algo está errado na mente do indivíduo.
A avaliação psicométrica pode ser útil em alguma instância, mas não é suficiente
no diagnóstico comportamental. Sua utilidade funcional deve ser demonstrada. O
diagnóstico comportamental deve permitir a compreensão do comportamento, das
variáveis das quais ele é função e, a oferecer dados para que se possa alterá-lo.
A ênfase no diagnóstico, como concebido tradicionalmente diminuiu tanto no
treino quanto na prática porque:
1. Não tem conseguido provar seu vaJor.
2. Não dá as informações que o clínico necessita.
3. Interfere na relação terapeuta - paciente.
4. Coloca o terapeuta no papel de inquisidor.
5. Atrofia a habilidade do entrevistador.
6. Coloca uma divisão artificial entre o papel do diagnosticador e do terapeuta.
HAYES, NELSON & JARRETT (1987) propuseram o uso da frase "utilidade de
tratamento do diagnóstico", como uma abordagem funcional para avaliar a qualidade do
diagnóstico, querendo se referir ao grau no qual o diagnóstico contribui para beneficiar
os resultados do tratamento.
Na literatura brasileira, autores têm utilizado assistematicamente os termos
diagnóstico comportamental, avaliação comportamental, análise funcional do
comportamento e muitas vezes o próprio termo em inglês “assessment" pela falta de um
consenso, melhor definição e análise destes termos. O termo “assessment" nâo possui,
na língua portuguesa tradução literal, e na falta de um melhor correspondente, é utilizado
o termo diagnóstico. Diagnóstico, entretanto, é um termo importado das áreas médicas,
trazendo consigo a conotação da busca subjacente das causas do comportamento
inadequado em um órgão ou em uma atividade dentro do organismo.
O termo avaliação comportamental tem sido também usado para especificar os
momentos iniciais da terapia, estendendo-se à atividade de valorar - (como o próprio
termo define) os resultados ou os progressos da intervenção terapêutica. Em geral, esta
atividade está presente durante os vários momentos da terapia, quando o clinico, como
um pesquisador, está interessado em investigar se as mudanças apresentadas pelo
cliente foram alcançadas como resultado de suas intervenções terapêuticas.
A análise do comportamento faz parte das ciências do comportamento. Os que
a praticam são analistas do comportamento e estão preocupados em compreender as
relações fundamentais existentes entre o comportamento e as circunstâncias nas quais
ele ocorre. A análise funcional busca especificar as variáveis das quais o comportamento

Sobrr comportamento c connlçilo 121


é função, levando em conta três grandes conjuntos de variáveis: as biológicas, as culturais
e as individuais, tendo em vista a história de condicionamento do indivíduo e as
contingências atualmente em operação. Tem uma função descritiva, mas tem, também,
principalmente, uma função explicativa. O estudo do caso resulta em uma seqüência e
adota uma metodologia semelhante à da pesquisa, mas em geral, difere dela em níveis
tais como mensuração, registro, controle e comunicação dos resultados. O objetivo do
clínico em geral resume-se ao compromisso com seu cliente, sendo ele o principal juiz
de seus progressos.
KANFER & SASLOW (1969) sistematizaram um deJineamento do diagnóstico
comportamental, enfatizando que a análise proposta não teria como objetivo a proposição
de categorias diagnósticas, mas serviria para embasar o processo de tomada de decisão
sobre as técnicas de intervenção terapêutica. O delineamento proposto está baseado
em sete categorias: análise inicial da situação problema, investigando os excessos, os
déficits e os acertos comportamentais; especificação da situação problema; anáJise da
motivação (reforços); análise do desenvolvimento, com as mudanças biológicas, sociais
e comportamentos relevantes; análise do auto controle; análise das relações sociais;
análise do ambiente sócio-cultural e físico. Os autores usam o modelo que denominaram
SORCK para analisar os padrões de eventos antecedentes e conseqüentes que mantêm
o comportamento, no qual S ( de estímulo) se refere ao estímulo histórico, ao estímulo
contextual e ao imediato, o O (de organismo) se refere às variáveis relacionadas aos
estados atuais do organismo, como por exemplo, doenças, drogas, cognições e emoções;
R (de resposta) ou comportamento alvo; C ( de conseqüências) que podem ser imediatas
ou a longo termo ou atrasadas; e K ( de contingências) se refere às hipóteses sobre as
relações entre o estímulo antecedente e o conseqüente de um dado comportamento.
SANDERS & DADDS (1993) ofereceram um bom exemplo de como sistematizar
uma análise funcional dentro deste modelo, em um caso envolvendo intervenção familiar
com problemas de comportamento de crianças.
Os modelos encontrados na literatura para análise funcional muitas vezes não
se referem a como fazer a análise dos encobertos.
TOURINHO (1996) propõe um paradigma para a interpretação behaviorista radical
da relação entre sentimento e comportamento e que poderia ser utilizada na análise
funcional. Na verdade, os com portam entos encobertos estariam ocorrendo
concomitantemente aos observáveis.
Como afirma o mesmo autor acima citado, “aparentemente, os terapeutas
comportamentais reconhecem a validade dos relatos de eventos privados enquanto
fonte de informação acerca do comportamento, e usam estes relatos em um modelo
de intervenção que não se confunde com o modelo de modificação do
comportamento, basicamente porque os terapeutas reconhecem o diálogo ou a
interação verbal como espaço de constituição do que pode ser denominado de
uma nova realidade subjetiva para os clientes e, neste processo, como
interlocutores privilegiados para o mesmo. Eles parecem procurar, em alguma
medida, identificar as variáveis sociais das quais os relatos apresentados são
função e a conduta que controlam. Num segundo momento, transformam-se em
fonte de controle para a emergência de relatos que dêem origem a práticas que
representem, em alguma medida o que se acostumou chamar de "saúde mental"

122 Vera Líida Adaml Raposo do Amaral


ou "psicológica" O que parece é que os terapeutas comportamentais têm feito
isso um tanto intuitivamente, e que a psicologia comportamental de inspiração
skinneriana nâo tem atendido, no plano conceituai e investigativo, a suas demandas.
Talvez isto se deva ao fato de que apenas recentemente a análise experimental
do comportamento tem se voltado para o comportamento verbal e para a
complexidade de problemas que emergem quando se descobre que o
comportamento humano está largamente sob o controle de estímulos verbais,
muitas vezes de uma forma que parece ser o indivíduo a fonte de controle de seu
próprio comportamento."
FERSTER (1972), ao fazer uma análise do fenômeno clínico apontou que o
controle discriminativo pelo ambiente é, no comportamento humano, predominantemente
verbal e ressalta a necessidade de se distinguir duas partes do ambiente do paciente
que controlam suas descrições verbais: o repertório encoberto, e as descrições verbais
dos fatores ambientais que produzem as reações privadas. Entretanto, é necessária
uma análise funcional do comportamento e suas variáveis de controle no ambiente para
que haja mudança. Estes comportamentos observáveis, isto é, os tatos sob o controle
dos eventos privados são eventos naturais cujo reforçamento continuado nâo dependem
de circunstâncias arbitrárias ou especiais da situação terapêutica (FERSTER, 1972, pp.
8).
FERSTER (1969) propôs, como exemplo, uma análise funcional específica da
depressão, onde nâo apenas analisou o comportamento desviante, mas ofereceu aos
clínicos um modelo de como realizá-la. Iniciou sua análise pela freqüência rebaixada de
certos comportamentos, e pela freqüência aumentada de outros, resultando em um
repertório inadequado e desadaptativo. Fez uma análise interessante da alta freqüência
de comportamentos de fuga e esquiva e das condições aversivas que impedem o
reforçamento positivo para as condutas adequadas. Continuou sua análise descrevendo
funcionalmente o comportamento irracional, insólito e passivo. Sua contribuição é
importante, também, quando analisa o processo básico que contribui para reduzir a
freqüência do comportamento de uma pessoa, fazendo então uma análise teórica
conceituai. Aqui, o autor faz uma clarificação conceituai dos princípios fundamentais,
apontando que um repertório de observação limitado pode levar a uma baixa freqüência
de reforçamento positivo; analisando os fatores que podem bloquear o desenvolvimento
cumulativo de um repertório; como os esquemas de reforçamento alteram a força de um
comportamento; e quais as mudanças no ambiente que criam um contexto novo no qual
o indivíduo não emitirá o comportamento. Faz uma análise comportamental de um dos
mais relevantes componentes da depressão que é a irritação e de como sua manifestação
aberta implica na perda de reforçadores sociais importantes. Para finalizar, o autor
demonstrou as implicações da análise do comportamento para a teoria e para a pesquisa,
apontando que a interação verbal com o terapeuta pode aumentar a freqüência do
comportamento do cliente fora do contexto terapêutico, onde as regras oferecidas pelo
terapeuta e o repertório verbal discriminativo do cliente podem favorecer alterações das
condições no ambiente natural.
Para o terapeuta comportamental, a principal condição do uso dos métodos,
estratégias, instrumentos e teorias do diagnóstico clinico é sua utilidade em relação ao
processo e progressos no tratamento (HAYES, NELSON & JARRETT, 1987).

Sobre comportamento e coRiilyJo 1 2 3


A dicotomia - diagnóstico ou tratamento - passa a ser um equívoco conceituai
quando deixar de haver coerência entre o que o clínico assume como sendo seu referencial
teórico, seu modelo de diagnóstico e seu modelo de tratamento.
Concluindo, a interpretação dos dados cl/nicos obtidos devem ser feita sempre
à luz do referencial teórico do analista do comportamento. A marca principal do diagnóstico
comportamental é ser um processo contínuo totalmente integrado ao tratamento.

Bibliografia

FERSTER, C. (1969) A functional analysis of depression. American Psychologist, oct,


857-870.
FERSTER, C. B.(1972) An experimental analysis of clinicai phenomena. The Psychological
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FOLLETTE, W. C. BACH, P. A. & FOLLETTE, V. M. (1993) A behavior-analytic view of
psychological health. The Behavior Analyst, 16 (2), 303-316.
HAYES, S. C., NELSON, R. O. & JARRETT, R.B. (1987) The treatment utility of
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SANDERS, M. R. & DADDS, M. R. (1993) Behavioral Family Intervention. Sydney: Allyn
and Bacon.
TOURINHO, E. Z. (1996) Eventos Privados em uma Ciência do Comportamento,
Manuscrito não publicado de circulação restrita, versão provisória.

124 Vera Lúcia Adaml Raposo do Amaral


Capítulo 13

Dícotomías no processo terapêutico:


equívocos conceituais: psiquiátrico ou
psicológico
M u rild i B. Novaes Lipp
M VCAM P

conceituaçflo e no desenvolvimento do processo psicoterápico torna-se


constantemente necessário tomar decisões quanto ao que se refere ao fenômeno
psiquiátrico e ao fenômeno psicológico. A dificuldade para se estabelecer definições é
tão presente na esfera teórica quanto na prática diária. Somente os menos avisados ou
menos experientes podem se permitir decisões rápidas e não conflitantes, pois a
classificação é mais complexa e nebulosa do que se gostaria de admitir. Em raras ocasiões
a dicotomia "psiquiátrico ou psicológico" pode, em verdade, ser estabelecida sem grandes
considerações.
As dificuldades práticas refletem de modo direto e irrefutável as dúvidas teóricas
existentes e estas, por sua vez, são espelhadas nas concepções muitas vezes errôneas
das delimitações das áreas da psiquiatria e da psicologia clínica. Através dos tempos
verifica-se uma evolução das idéias e uma maior aceitação por parte de cientistas,
pacientes e mesmo dos módicos, da interdisciplinaridade das duas áreas, o que tem
trazido grandes benefícios para muitos. Porém, há de se lembrar o doloroso percurso
que a psicologia clínica tem tido através dos anos no sentido de se estabelecer como
uma ciência a qual compete promover, profilaticamente, a saúde mental e a nível de

Sobre comportamento e cognlÇtlo 1 2 5


tratamento, a eliminação ou alivio de distúrbios psicológicos em populações das mais
variadas.
Até a Segunda Guerra Mundial os psicólogos em todo o mundo batalhavam,
com sucesso limitado, para conseguirem uma posição de maior reconhecimento dentro
das equipes psiquiátricas onde freqüentemente eram responsáveis por serviços de
retaguarda frente aos psiquiatras. No Brasil, na realidade, muitos autores, como Pacheco
e Silva( 1963) e Nobre de Melo (1979) até há alguns anos atrás, ainda achavam que os
serviços do psicólogo eram de natureza “complementar" e que só os psiquiatras tinham
a prerrogativa de conduzirem o tratamento psicológico. Durante a Guerra, com o aumento
da necessidade de serviços especializados, surgiu um espaço maior para que o psicólogo
clínico pudesse assumir a posição que lhe era devida. Aliás foi ao redor desta época que
a terminologia "psicologia clínica" foi proposta por Poppelreuter e difundida por Hellpach
para designar o conjunto de conhecimentos psicológicos aplicados à prática médica. O
termo “psicologia clínica" foi, então, legalizado nos Estados Unidos para definir uma
área de especialização da psicologia. Assim sendo, data desta época, o estabelecimento
da Psicologia Clinica como uma prática independente da Psiquiatria. Durante todo o
tempo em que a Psicologia Clínica lutou para alcançar uma identidade própria, a Psiquiatria
também teve sua batalha extenuante perante os outros ramos da Medicina, por quem os
fenômenos mentais e emocionais eram olhados com uma desconfiança que era refletida
nos médicos que se dispunham a estudá-los e tratá-los. A descoberta de agentes
psicotrópicos revolucionou a prática da psiquiatria. Na verdade, o impacto destas
medicações na Psiquiatria se parece com o causado pela descoberta dos antibióticos no
que se refere ás infecções.
Não se pense, todavia, que a psicoterapia seja uma invenção moderna da
psiquiatria, pois as duas são distintas em muitos aspectos. A Psicologia e a Psiquiatria
ocupam espaços próprios e a união das duas ciências produz muitas vezes excelentes
resultados, impossíveis de serem atingidos utilizando-se somente os recursos de uma
ou de outra área.
A Psiquiatria, no seu conceito mais tradicional, é acima de tudo uma prática
médica, um ramo da medicina interna, altamente especializado, que lida com distúrbios
mentais para os quais a farmacologia oferece soluções, com uma concentração grande
na doença e na quebra da normalidade. A Psiquiatria possui também um outro aspecto,
aquele que é mais conhecido como a Psiquiatria Dinâmica, que tem a ver com o papel
dos distúrbios emocionais na psícogênese de várias patologias psicológicas ou físicas.
No entanto, necessário se torna atentar para a necessidade de uma formação especial
para o psiquiatra que deseje, além de aplicar todo o seu conhecimento de farmacologia,
endocrinologia, fisiologia, anatomia etc., também trabalhar com o mundo emocional do
paciente. O conhecimento de todas aquelas ciências, sem duvida, é importante mas
não pode sozinho preparar um profissional para trabalhar, por exemplo, com treino de
habilidades sociais ou assertividade ou timidez ou o vazio existencial que requerem
procedimentos psicológicos especializados. No entanto poucos são os psiquiatras que
recebem este treino psicológico.
A Psicologia, por outro lado, tem por objetivos fundamentais o estudo das
relações, seja da pessoa com ela própria ou seja dela com seu meio ambiente externo.
Deste modo seu enfoque é a pessoa e não a patologia. Há nos Estados Unidos atualmente

126 M.irild.i t . Novact Llpp


uni movimento que reivindica que psicólogos que recebam treino especial possam também
prescrever medicações psicotrópicas, porem isto talvez jamais seja alcançado. Se algum
dia tal prerrogativa for outorgada aos psicólogos eles terão necessariamente que receber
muito treino nas ciências que fazem parte, hoje, somente dos currículos da medicina. O
psicólogo com o treino que recebe hoje não pode, pois não é para isto capacitado, medicar
ou até mesmo sugerir qualquer uso de agentes psicotrópicos.
De modo bastante geral, a Psiquiatria parece enfocar e procurar melhoras a nível
sintomatológico enquanto que a Psicologia busca mudanças psicodinâmicas . Como se
vê a Psiquiatria e a Psicologia se complementam.
Quando, no entanto, um determinado fenômeno deve ser tratado pela Psiquiatria ou
pela Psicologia ó mais difícil de se determinar. Exemplos de tais dificuldades são o
tratamento de depressão e da ansiedade, queixas estas extremamente comuns na prática
clínica. Devido ao perigo em potencial de suicídio em casos de depressão severa e de
pânico, em casos de ansiedade muito acentuada. Um exemplo poderá tornar mais claro
o dilema. Ha dias atras atendi a um senhor de 45 anos de idade com uma depressão
severa. Este paciente estava tratando há alguns meses com um psiquiatra que lhe havia
receitado um antidepressivo muito usado. Como a medicação, após vários ajustes de
dosagem, não houvesse surtido os efeitos necessários e o paciente ainda se recusasse
a sair de casa e voltar ao trabalho, o médico havia trocado a medicação várias vezes. O
paciente não reagiu à nova medicação e, finalmente, o psiquiatra havia recomendado
choque eletroconvulsivo, que, na verdade, é um tratamento bastante usado ainda em
casos de depressão que não responde ao tratamento farmacológico. Isto foi o suficiente
para assustar o paciente, mas não para tirá-lo da depressão. Um amigo da família que é
meu paciente recomendou que ele me consultasse. Toda a postura física deste senhor
era a típica depressiva, sua verbalização era lenta, seus olhos mantinham uma aparência
opaca, ele não sorria e queixou-se muito de falta de ânimo e energia. A depressão havia
começado há meses atrás, ele não havia tido outros episódios depressivos maiores
antes disso, embora o pai sofresse de depressão severa há anos. Na primeira consulta,
ele me disse que a depressão do pai através dos anos o havia levado a assumir uma
postura protetora quanto a ele e que há alguns meses havia descoberto que o pai sofria
de câncer e que estava agora em fase terminal. Sentia-se desalentado e impotente pois
nada podia fazer para impedir a morte do pai.
É possível sim que este paciente tenha uma predisposição genética para a
depressão, uma vez que o pai sofreu deste distúrbio a vida toda, em cujo caso a utilização
de um psicoanaléptico, receitado por um psiquiatra, talvez seja essencial. Porém, existe,
sem dúvida, neste caso um componente reativo á uma crise em família. O luto antecipado
experimentado por ele, seu sentimento de desalento, sua sensação de impotência perante
uma doença que em breve lhe tirará o pai, tudo isto não pode, e não deveria, ser tratado
somente com medicação ou com choque eletroconvulsivo. Psicoterapia, por outro lado,
sozinha, seria suficiente para restabelecer a harmonia a este organismo?
Em situações clínicas, equívocos conceituais são perigosos pois levam a práticas
diferentes. Classificações dicotômicas raramente são aconselháveis, principalmente
quando o ser humano, em toda a sua complexidade, está envolvido. Aceitar uma dicotomia
do psicológico ou psiquiátrico em um caso como este exemplificado se constituiria em
um equívoco conceituai e prático, inescusável para o clínico — psiquiatra ou psicólogo

Sobre comporhtmcnlo e m
—e doloroso, talvez até trágico, para o paciente.

Bibliografia

BERNARD,P.;Ey,Henry e C.Bresset (1978) Manualde Psiquiatria.Paris,RJ: Masson Ed.


HELLPACH, W. Kliniche Psychologie(2.QÓ. Thieme, Berlin,1949)
LUDWIG, A.M. (1980) Principies of Clinicai Psychiatry.NY J h e Free Press
MADALENA, J.C.(1990) Guia Pratico de Psicofarmaco/ogia. RJ.Roder
MELO, A.L.Nobre(1979) Psiquiatria.RJ:CivilizaçaoBrasileira
SILVA, Pacheco(1963) Sob a Luz da Psiquiatria. SP:Anhambi

128 Miirilüa L. N o v .ic í Llpp


Capítulo 14

Quando o psicólogo encaminha para o


psiquiatra?
Priscila Rosemann Pcniyk
(CHnicj privitdij - FMUSP-HC

C ija n d o recebi o convite para produzir este texto, imediatamente pensei que
seria muito fácil escrever a respeito já que trabalho com muitos psiquiatras, tanto na
minha clínica particular quanto no Hospital das Clinicas, no GRUDA, que ó um grupo que
trabalha e estuda com as doenças afetivas (depressão). No entanto, percebi ao longo do
tempo em que consultei alguma bibliografia ou que tentei escrever algo, que as coisas
nâo eram assim tâo fáceis. E porque não eram tâo fáceis? Em primeiro lugar porque ao
me perguntar quando eu encaminhava um cliente para um psiquiatra, ou qual eram
meus critérios, percebi que estes nâo estavam operacionalizados. Os meus
encaminhamentos eram feitos baseados em minha experiência clínica. Nâo havia algo
bem descrito, claramente estabelecido no qual eu me baseasse. Resolvi então, fazer
uma pequena pesquisa com colegas psicólogos, e psiquiatras para investigar os critérios
que estes colegas utilizam.

Evidentemente, nâo abrangi uma amostra significativa como uma pesquisa


científica exigiria, mas serviu para avaliar a opinião e postura de alguns colegas, com o
intuito de poder pensar a respeito do assunto. Abaixo estão as perguntas que fiz para
cada um deles:

Sobre comportamento e cosnlç.lo 1 2 9


1. Vocé encaminha clientes (pacientes) para um tratamento psiquiátrico? (ou psicológico)
2. Em que situações você encaminha?
3. Quais os tipos de patologia você pensa que poderiam se beneficiar de um tratamento
psiquiátrico? (ou psicológico)

4. Você tem algum outro tipo de critério para decidir fazer um encaminhamento?
5. Qual é a forma que você faz o encaminhamento?
6. Como fica o relacionamento e a troca terapêutica na tríade psiquiatra / psicólogo /
paciente?
7. Se o paciente “sara" com a medicação para que serve o tratamento terapêutico?

Abaixo vou transcrever o tipo de respostas que obtive:


1. Todos encaminham.
2. Quando levantam a hipótese de caso psiquiátrico (necessidade de parecer psiquiátrico
para confirmar hipótese); quando percebem algum distúrbio que nâo conseguem
classificar mas que parece transcender os distúrbios comportamentais.
3. Algumas patologias que todos encaminham:
• psicose - sempre encaminham.
• depressão grave, depressão bipolar, distimia
• TOC, pânico, fobias graves, impulsividade.
• quadros multideterminados (fatores ambientais, biológicos e psicológicos).

Um dos psicólogos entrevistados, cuja orientação de trabalho é psicoanalítica,


enfatizou que só encaminha os clientes com estas patologias quando a sintomatologia é
, muito forte (exceto psicose) e o cliente solicita medicação.
4. O critério foi se encaixar numa das patologias acima e também a intensidade dos
sintomas.
5. Contato telefônico : sempre tem.
Cartas : raramente.
Encontros pessoais: raramente.
6. Relacionamento delicado.
• Necessidade do psicólogo e psiquiatra terem uma visão em comum do distúrbio e do
caso para não haver nem conflito nem competição entre os profissionais.
• O trabalho deve ser de cooperação: o psicólogo deve fortalecer a adesão ao tratamento
e o psiquiatra deve enfatizar a relevância da terapia.
• O psicólogo deve trabalhar com a dinâmica familiar.
• A necessidade de haver uma confidência mas também existir troca de informações
para permitir um trabalho em equipe.

130 Priscila Rosem«inn Denlyk


• Paciente sente-se mais cuidado ao ter a atenção do psicólogo e do psiquiatra.
• Depois do encaminhamento, importância de continuar mantendo o contato com o
psiquiatra para que lado a lado conquistem a melhora do cliente/paciente.
7. A terapia trabalha além da Ucura" dos sintomas:
• Com adesão à farmacoterapia.
• Lida com o déficit comportamental frente às diversas situações, rearranjando o repertório
do indivíduo, ensinando manejo de contingências.
• Lida com as dificuldades da familia em aceitar e interagir com a problemática do cliente.
• Criando condições para que o cliente discrimine melhor possíveis rescidivas e saiba
lidar com elas ou até mesmo evitá-las.
Quanto a estas respostas, parece que todos os psicólogos, independente da
abordagem, concordam com a necessidade do tratamento psiquiátrico quando nos
deparamos com aquele grupo de distúrbios que vou chamar aqui de psiquiátricos. Ao
mesmo tempo, todos enfatizam a necessidade de, no caso desse encaminhamento,
haver um afinamento entre o psicólogo e psiquiatra, para que eles possam funcionar
como uma equipe, trabalhando em função da melhora do cliente.
O remédio alivia os sintomas mas nâo resolve as seqüelas emocionais trazidas
pelo distúrbio. No caso de pânico, depressão, TOC, etc., o remédio permite o reequilíbrio
dos neurotransmissores, resultando no controle do distúrbio. Porém é o trabalho
terapêutico que vai lidar com as fobias ou até com medo do medo que permanece. A
terapia vai trabalhar buscando o contracondicionamento das fobias, através por exemplo
de exposição.
O distúrbio psiquiátrico, com sua severidade, suprime comportamentos que
estavam instalados no repertório, uma vez que, durante as manifestações de TOC,
depressão, etc. há a estimulação aversiva. Sabe-se que nessas situações são emitidos
comportamentos de fuga - esquiva. Frente as estas contingências o antigo repertório
entra em extinção ou supressão e um novo repertório é instalado ("ser doente",
"paniquento", deprimido). Com a terapia, instala-se um repertório alternativo,
instrumentalizando o indivíduo a lidar com as novas contingências da sua vida.
Num segundo passo, consultei alguns autores para poder saber quais são as
pesquisas que têm sido feitas ultimamente e onde são avaliadas técnicas de terapia
comportamental e ou terapia cognitiva comportamental conjuntamente com um tratamento
farmacológico. Ao olhar para esta literatura, percebi que a maioria dos trabalhos são
estudos farmacológicos os quais se utilizaram também alguma forma de terapia. Esses
estudos mostram resultados quantitativos da eficácia das drogas utilizadas, porém não
encontrei textos que avaliassem empiricamente a eficácia das técnicas terapêuticas.
Não existem estudos em longa escala, randomizados ou com tentativas de controle.
Há muitos artigos mostrando uma tendência para o uso de tratamentos
combinados (medicamentos + terapias). Sabe-se que só o uso de medicação não é
suficiente para o bem estar e bom funcionamento do cliente. (Baer, 1993). No entanto,
quero enfatizar que se faz necessário mais estudos do quanto que estas técnicas
comportamentais ajudam na melhora do cliente ou mesmo de quando seria possível ou

Sobre comporliimenlo e cognlçJo 131


aconselhável o uso dessas técnicas como primeira escolha de tratamento. Isto aponta
novamente para a dificuldade da quantificação das técnicas que lidam com dados tão
subjetivos quanto os que emergem nas sessões terapêuticas. Porém esta dificuldade
não justifica a falta de um esforço para se viabilizar estes estudos.
Em terceiro lugar quero citar aqui brevemente dois exemplos clínicos nas quais
a intervenção medicamentosa foi fundamental para a possibilidade do trabalho terapêutico.
Não quero entrar aqui na questão se certas patologias são aprendidas ou biológicas ou
ambas, embora muitas pesquisas recentes apontem para uma base neuro-fisiológica de
certas patologias. Independente da etiologia, alguns comportamentos que são
apresentados nos episódios destas patologias são eliminados ou atenuados com a
medicação e permitem assim um trabalho terapêutico.
O primeiro exemplo é de uma mulher de trinta e cinco anos, solteira estudante
do doutorado da USP. A queixa era de uma depressão forte, alto nível de ansiedade,
pouca organização pessoal e no trabalho, incapacidade para estudar e escrever sua
tese e memorizar o que estudava. Além disso, não conseguia efetuar e manter vínculos
afetivos. Trabalhei com ela cerca de doze sessões com o objetivo de melhorar sua
organização, sua memorização e aumentar suas habilidades sociais. O progresso foi
bastante pequeno e frente à alta ansiedade e persistência dos sintomas depressivos,
encaminhei-a para uma avaliação e tratamento psiquiátrico. Confirmado o diagnóstico,
durante um ano foram tentados alguns tipos de medicação concomitantemente com a
terapia comportamental, obtendo-se progressos pequenos. Diante da pequena melhora
e dos muitos efeitos colaterais, a cliente resolveu parar a medicação e continuar a terapia.
No entanto, o progresso era pequeno e a ansiedade da cliente e os sintomas depressivos
voltaram a ficar altos. Ela retornou ao psiquiatra e iniciou um tratamento com outra droga.
No espaço de um mês aproximadamente, a cliente reportou diminuição da ansiedade e
de sintomas depressivos ( tais como choros constantes, idéias de abandonar tudo, dormir
o dia todo, não realização das tarefas necessárias para a conclusão da sua tese, e tc).
Com isso, foi possível na terapia organizar efetivamente seu trabalho e suas técnicas de
estudo. Está sendo viável também retomar o assunto de seus relacionamentos afetivos.
Isto mostra como apesar da diminuição dos sintomas, muitos aspectos comportamentais
precisavam e precisam ser trabalhados. O caso ainda está em andamento. Não se chegou
ao ponto ideal mas exemplifica bem como ao haver uma diminuição dos sintomas, devido
á medicação, foi possível efetuar um trabalho terapêutico eficaz.
O segundo exemplo é de um estudante universitário de vinte e quatro anos.
Este moço foi encaminhado para terapia familiar e individual pelo psiquiatra. Seu
diagnóstico era de depressão psicótica. Este cliente já veio medicado para o tratamento,
com os sintomas psicóticos e depressivos diminuídos. Durante a terapia ( familiar e
individual) foi possível conversar e principalmente modificar muitos de seus
comportamentos. No entanto, após alguns meses de tratamento, o psiquiatra teve de
suspender essa medicação para só depois de um tempo, poder introduzir uma nova.
Neste período, o cliente piorou drasticamente, voltando a ter delírios persecutórios, não
querendo mais sair da cama e apresentando uma lentificação de pensamento que tornava
quase impossível uma conversa. Quando após algumas semanas, o remédio começou
a atuar, o paciente voltou a raciocinar normalmente e a fazer suas atividades. Foi possível
também neste momento retomar o tratamento terapêutico que enfoca principalmente o
entendimento da doença e o rearranjo das contingências de sua vida.

132 IVisclld Roscnumn Perdyk


Penso que ao se observar estes casos, fica clara a importância e uma forma de se
atuar numa equipe multidisciplinar. Vemos o psiquiatra e o psicólogo atuando juntos na
procura da melhora de pacientes em comum. É uma luta conjunta visando o bem-estar e
o melhor conhecimento da conduta humana.
A minha idéia com esta exposição nâo ó apresentar um estudo conclusivo sobre
este importante assunto que é a equipe multidisciplinar e o papel do tratamento psiquiátrico
e terapêutico, mas sim mostrar alguns pontos polêmicos para que juntos possamos
parar e refletir um pouco.
Por último, penso ser tarefa primordial do psicólogo, sociólogo, antropológo e
mesmo psiquiatra mostrar como a disciplina das ciências humanas pode levar o homem
ao melhor conhecimento das determinações sociais, politicas e psicológicas por trás dos
problemas comportamentais.
Somos "membros de uma cultura na qual a ciência floresceu e na qual os métodos
da ciência vieram a ser aplicados ao comportamento humano. Se, como parece ser o
caso, desse fato se derivam forças para a cultura, é uma razoável previsão dizer-se que
uma ciência do comportamento continuará a florescer e que a nossa cultura dará uma
contribuição substancial ao ambiente social do futuro." (Skinner, 1967)
Acredito que nós profissionais de ciências humanas podemos e devemos
contribuir para uma mudança cultural que promova a saúde e o bem estar do indivíduo.

Bibliografia

BAER, L. Behavior Therapy for Obsessive Compulsive Disorderin the Office - based
practice. The Journal of Clinicai Psychiatry 1993, 54:10-14.
SKINNER, B. F. (1967) “Ciência e Comportamento Humano". Editora Universidade de
Brasília.

Sobre comportamento c coflnlçüo 1 3 3


Seção III

O processo da terapia
comportamental
Capítulo 15

A importância do autoconhecímento dos


país na análise e modificação de suas
interações com os filhos
Mütcaco Rocha
M aria Zihíh da Silva fírandão

A ênfase na dinâmica familiar para o entendimento do comportamento infantil,


é uma necessidade reconhecida por diversos autores. Levantamento bibliográfico sugere
que a conduta da criança, seja ela adequada ou nâo, remonta às interações vivenciadas
no âmbito familiar.
Esta postura conduz a uma mudança de atitude por parte daqueles que trabalham
com crianças, onde a análise focada nas características infantis cede espaço a uma
análise do contexto de interação familiar.
A consideração do papel dos pais, enquanto mantenedores do comportamento
da criança, dá suporte teórico às intervenções que utilizam os pais como mediadores na
modificação do comportamento infantil. A característica principal destas abordagens,
apoia-se na idéia de que os pais desempenham um papel importante t.imbém na
superação das desordens de conduta.
A princípio, parece ser uma proposta paradoxal, podendo-se questionar como
mantenedores de comportamento podem, também, atuar como modificadores destes
mesmos comportamentos. Exatamente o fato de serem mantenedores é que dá

Sobre comportamento e cognlç<lo 1 3 7


sustentação à proposta, visto que mudanças em seus comportamentos refletirão em
mudanças no comportamento dos filhos.
Na busca de práticas terapêuticas com pais, o desenvolvimento de um repertório
chamado autoconhecimento, oferece uma perspectiva de intervenção.

1. Compreendendo autoconhecimento

SKINNER (1991), fala do autoconhecimento como prática exclusivamente


humana e salienta a importância do comportamento verbal na aquisição deste tipo especial
de conhecimento. Para ele, “quando a musculatura vocal da espécie humana ficou sob
controle operante, as pessoas se tornaram capazes de dizer e demonstrar a outros o
que fazer, e isso facilitou muito o ver e o falar do que elas próprias estavam fazendo”.
Em Sobre o Behaviorismo (1974), SKINNER acrescenta que com esta aquisição,
as pessoas, passaram a descrever seus comportamentos, o cenário em que ocorrem e
suas conseqüências. Em outras palavras, além de serem afetadas pelas contingências
de reforço, passaram a analisá-las".
No entanto, o falar sobre o que se está fazendo e o que se está sentindo, é um
comportamento adquirido nas práticas de uma comunidade verbal, “a maneira de uma
pessoa falar depende das práticas da comunidade verbal a que pertence" (SKINNER,
1974).
A importância das relações sociais para o autoconhecimento, é vista em vários
trechos das obras de SKINNER. “O conhecimento de si próprio tem origem social" (1974,
p. 146), ou quando diz: “O autoconhecimento é de origem social" (1974, p. 31). Uma
outra citação encontra-se em Ciência e Comportamento Humano - p. 251 e 252, quando
cita: “Um repertório verbal importante descreve o próprio comportamento da gente. É
gerado por uma comunidade que insiste em responder a questões como: “o que foi que
você disse?", “o que você está fazendo?", "porque está fazendo isto?"... “O conhecimento
que é ‘expresso’ quando falamos sobre nosso próprio comportamento é estritamente
limitado pelas contingências que comunidade verbal pode dispor".
Ao constatar que o conhecimento que se tem de si próprio é de origem social, a
comunidade adquire importância primordial na construção deste tipo de conhecimento,
a qual é ilustrada por SKINNER no seguinte parágrafo:
diferentes com unidades geram tipos e quantidades diferentes de
autoconhecimento e diferentes maneiras de uma pessoa explicar-se a si mesma
e aos outros. Algumas comunidades produzem a pessoa profundamente
introspectiva, introvertida ou voltada para dentro; outras produzem o sociável.
Umas produzem pessoas que só agem após cuidadosa consideração das possíveis
conseqüências; outras, os tipos imprudentes e impulsivos. Certas comunidades
produzem pessoas particularmente cônscias de suas reações à arte, música ou
literatura; outras, de suas relações com aqueles que o cercam. (SKINNER, 1974,
p. 146)

138 M>irp<irrttr Matrsco Rodw —Marria Ziláli da Silva Brandtio


Quando se fala em comunidade, está implícita a questão do reforçamento. É a
comunidade que dispõe dos reforçadores para que o autoconhecimento ocorra. "Não
temos razão para esperar um comportamento discriminativo desta espécie, a menos
que tenha sido gerado por reforçadores apropriados. O autoconhecimento é um repertório
especial. O ponto crucial não é saber se o comportamento que um homem deixa de
relatar ó realmente por ele observável, mas sim saber se alguma vez houve razão para
observar". (Skinner, 1981)
Mas qual a utilidade do autoconhecimento para a comunidade? Porque insistimos
em perguntas que geram autoconhecimento? SKINNER (1974, p. 188) responde com
as seguintes citações: "a comunidade verbal faz perguntas acerca dos acontecimentos
privados por quê eles são produtos colaterais de causas ambientais, acerca dos quais
ela pode, por isso, fazer inferências úteis, e o autoconhecimento torna-se útil para o
indivíduo por razões semelhantes". Acrescentando ainda que, “uma pessoa que se tomou
consciente de si mesma por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor
posição de prever e controlar seu próprio comportamento".
SKINNER (1983), relaciona autoconhecimento e consciência, ao dizer que a
comunidade verbal se especializa em contingências auto-descritivas. Ao fazer perguntas
tais como: o que você fez ontem? O que fará amanhã? Porque fez isto? As respostas
auxiliam as pessoas a se ajustarem umas as outras e é porque fazem essas perguntas
que alguém responde a si mesmo e ao seu próprio comportamento de forma especial
que se denomina conhecer ou estar consciente. Sem o auxilio da comunidade verbal,
todo comportamento seria inconsciente. A consciência é um produto social.

2. Autoconhecimento: implicações deste repertório para intera­


ções mais efetivas

Ressaltar formas de intervenções que levem em conta o papel ativo do cliente


(pais) no processo, difere grandemente de outras intervenções que ensinam, guiam,
orientam ou aconselham o cliente.
Considerando a orientação como uma das formas de intervenção, sua
funcionalidade é assim descrita por SKINNER (1974, p. 106): “uma pessoa dá a outra
orientações mencionando ou implicando uma conseqüência reforçadora, descrevendo
um comportamento que tenha essa conseqüência e, especialmente, descrevendo o
ambiente controlador... as orientações não transmitem conhecimentos nem comunicam
informação: descrevem o comportamento a ser executado e expõem ou implicam
conseqüências".
Ainda sobre orientação, o mesmo autor, fala da efetividade, dizendo que somente
é efetiva na medida em que o controle é exercido, isto é, aumenta a probabilidade de
ocorrência de um determinado comportamento. Ressalta também que é útil a criação de
um ambiente que proporciona a aquisição rápida de um comportamento eficaz e sua
manutenção... "mas são as contingências que engendramos, mais que um desenrolar
de um modelo pré-determinado, as responsáveis pela mudanças observadas. (SKINNER,

Sobrr comportamento r roflnlç.lo 1 3 9


1983)
O conselho, outra forma de intervenção utilizada no treinamento de pais, também
tem sua implicações. Para SKINNER (1991), o conselho é visto como forma de
comunicação, onde um conhecimento ó passado de uma pessoa para outra. Como
Implicação temos entâo um conhecimento por descriçflo e nâo por compreensão e Isto
leva-o a afirmar: “conhecer por que alguma coisa teve conseqüência reforçadora ó muito
diferente de conhecer porque você foi ensinado a fazer, é a diferença entre comportamento
modelado pela conseqüência e comportamento governado por regras”.
Nestas abordagens estão implícitas a ação diretiva do terapeuta que é analisada
por SKINNER (1981, p. 360) da seguinte maneira: "o terapeuta pode 'ver o que está
errado' e ser capaz de sugerir um curso de açôo corretiva, essa é a solução do problema.
Hoje a experiência terapêutica tem mostrado que quando esta solução é proposta a um
individuo, pode não ser eficiente, mesmo que, até onde saibamos, seja correta. Mas se
o paciente chega sozinho à solução, é muito mais provável que adote um curso de ação
eficiente".
Embora haja essas implicações isto, nâo significa que conselhos e orientações
nâo devam ser utilizados. Há casos em que estes procedimentos auxiliam o cliente entrar
em contato com contingências reais e, a partir daí derivar regras adaptativas.
De maneira geral, a presente proposta de intervenção baseia-se , como escrito
por NALIN (1993), em efetuar, para problemas clínicos, uma análise do comportamento
externo e do comportamento encoberto para identificar as variáveis ambientais das quais
o comportamento é função.
O papel do terapeuta será o de criar condições para que seu cliente chegue à
discriminação de contingências e assim tornar-se um observador mais acurado de seu
próprio comportamento. A partir do momento que adquire esta habilidade, o indivíduo
estará mais apto a modificar seu comportamento e/ou ampliar seu repertório (DELITTI
1993).
As citações abaixo refletem a coerência de SKINNER ao falar da necessidade
do próprio cliente derivar, através do processo terapêutico, suas ações... “contar ao
paciente que está errado pode não trazer nenhuma mudança substancial nas variáveis
independentes relevantes, e isso pode representar pouco progresso em direção a cura...
a terapia consiste nâo em levar o paciente a descobrir a solução para seu problema,
mas mudá-lo de tal modo que seja capaz de descobri-lo (1981, p. 361)".
Cabe ainda ressaltar a importância da psicoterapia para o processo do
autoconhecimento. “A psicoterapia é, freqüentemente um espaço para sumentar a auto-
observação, para ‘trazer â consciência’ uma parcela menor daquilo que é feito e das
razões pelas quais as coisas sâo feitas".(SKINNER,1991)

140 MarRitrelte Matesco Rocha — Marrlti Ziláh dd Silva Brandròo


3. Processo terapêutico realizado com um grupo de pais

O grupo foi composto de nove participantes, sendo três homens e seis mulheres,
com idade variando entre 27 e 45 anos, nível sócio-econõmico médio e grau de
escolaridade variado. Foram realizados atendimentos semanais, totalizando quinze
sessões.
O processo terapêutico foi dividido em quatro etapas. O quadro abaixo apresenta
o objetivo geral de cada etapa e as estratégias correspondentes:

Procedimentos evocadores de
Etapas Objetivos: Levar os país à... comportamentos clinicamente
relevantes
...fa lare m dos fatores que • Perguntas sobre a queixa, o mo­
contribuem para a manutenção tivo de procurar terapia;
dos comportamento dos filhos • Afirmações que incentivam ou
1* Pais falam considerados inadequados, proporcionam a fala sobre um
sobre os filhos visando apreender a concepção assunto específico considerado
dos pais à respeito dos deter­ importante pelo terapeuta naquele
minantes do comportamento momento do processo.
infantil.

...re c o n h e c e re m a in flu ê n c ia d e s e u s
c o m p o rta m e n to s s o b re o c o m p o r­
• Metáforas para discussão sobre fator
t a m e n to d o s f ilh o s , o b s e r v a r e m - s e
hereditário versus fator ambiental (com
2* Pais falam ênfase no aspecto ambiental);
c o m o a g e n te s d e m u d a n ç a n o p ro ­
das interações c e s s o d e in te ra ç ã o . C o n s id e ra re m a • Proposições acerca da influência

in d iv id u a lid a d e d e c a d a m e m b ro d a reciproca entre pais e filhos.


fa m ília e v a lo riz a re m in te ra ç õ e s m a is • Dramatizações para esclarecimento
e m p á t ic a s e s a t is f a t ó r ia s c o m os dos papéis de cada membro da família.
filh o s.

...re la ta re m c o m p o rta m e n to s a b e rto s e • V iv ê n c ia * d » s itu a ç ô a * Im a g in á ria » ou


fa n ta s ia s c o m o o b je tiv o d * e n fa tiz a r aa
e n c o b e rto s , p re s e n te s no d ia -a -d ia n a s
ralaçôa* m antidas «nquanto pal da seus filho*
in te ra ç õ e s com os f ilh o s .
• «nquanto filho da saus pais (com ou sem
3* Pais falam ...d is c r im in a r e m o s s e u s c o m p o rta ­ ralato varbal do vlveneiado, dep en den d o do
m e n to s e a n a lis a re m o s e n c o b e rto s ,
sobre si m o m e n to do p ro c e s s o ).C o m ê n fa s e n o *
p ro d u to s d o p ro c e s s o te ra p ê u tic o e / c o m p o r t a m e n t o * e n c o b e r t o * , ou « a ja ,
mesmos o u d a s in te ra ç õ e s v iv e n c ia d a s no d ia - lem branças e sentim entos d a ita s Interações
a - d ia . P r o p ic ia r o e n t e n d im e n t o e e p o s te rio r a n á lis e e d is c rim in a ç ã o d as
contingências am bientais que dêo suporta a
a lte ra ç flo d e s te s e n c o b e rto s .
e * te * encobertos.

a v aliarem re la ç õ e s v iv e n cia d as co m
• Situações trazidas pelos clientes,
a c r ia n ç a . P ro c e d e re m a n á lis e
sendo solicitado o relato dos eventos
funcional do co m p o rtam en to en q u anto
4* Pais antecedentes, conseqüentes e as
p ais e do co m p o rta m e n to d a c ria n ç a
estabelecem e n q u a n to filh o s. D ife re n c ia re m q u a is atribuições tanto ao comportamento
novas contin­ d o s s e u s c o m p o rta m e n to s p ro p iciam dos pais quanto ao comportamento
gências c o m p o rta m e n to s adequados na dos filhos. E stratég ia s verb ais:
c r ia n ç a e a q u e le s que p r o p ic ia m perguntas e técnicas de confrontação
c o m p o rta m e n to s In a d e q u a d o s . verbal.

Sobre comportamento c copnlftlo 1 4 1


4. Considerações sobre o processo terapêutico

4.1 . Pais Falam Sobre os Filhos


Nesta primeira etapa, observa-se uma alta freqüência de comportamento verbal
relacionado ao comportamento dos filhos. O teor desta verbalizações, referem-se a
comportamentos com os quais, na maioria das vezes, os pais não sabem como lidar ou
já lidaram de forma a não produzir qualquer tipo de alteração.
De forma geral, as queixas apresentadas pelos pais, envolvem características
individuais da criança que contribuem para o baixo rendimento escolar e ainda problemas
de relacionamento criança/criança, criança/irmão, criança/pais.
Permitir aos clientes falar sobre os filhos, foi o procedimento adotado por três
razões primordiais: (1) os pais procuraram ajuda para o filho. Apontar logo no inicio do
processo o comportamento dos pais, poderia promover desistências. (2) Falar sobre os
filhos poderia ser menos aversivo que falar sobre si mesmo. (3) Os pais geralmente
atribuem a problemática da criança a características intrínsecas a mesma, desta forma
é a criança que precisa de ajuda.
Além de relatar a queixa é solicitado aos pais a verbalização das possíveis causas
do problema. Este tipo de verbalização, permite ao terapeuta, observar logo no início do
processo como os pais concebem a problemática de seu filho e como avaliam os fatores
relacionados ao problema.
É uma fase caracterizada, predominantemente, por justificativas/atribuições do
problema á variáveis que são totalmente alheias aos comportamentos deles, tais como:
“desadaptação à escola em função da idade", "ciúmes da irmã", Hnão dá valor ao que
tem", "gosta de ser chamado à atenção pelas professoras", caracterizando que é a criança
que precisa de ajuda. Em menor escala aparecem as atribuições relacionadas ao
comportamento dos pais: “o problema dos filhos é a mãe...sou uma mãe neurótica",
"relacionamento conjugal tumultuado".
Observa-se que estas verbalizações são fatores relativamente aceitáveis na
determinação de comportamento, sem no entanto ser precedida de uma análise mais
exaustiva, que considere as contingências ambientais da vida da criança e que contribuem
na aquisição de tais comportamentos. Entretanto, proporciona ao grupo uma amostra de
um tipo de análise causai que deverá ser mais freqüente durante o processo grupai. São
verbalizações que dão oportunidade o início do processo de modelagem do
comportamento verbal relacionado ao falar sobre si mesmo e sobre a importância de
seu comportamento na interação com os filhos.

4.2. País Falam das Interações


A ênfase exaustiva dos pais no comportamento da criança, leva a discursos
longos e com multas justificativas. Em contrapartida, o falar sobre si mesmo é
caracterizado por discursos curtos e poucas justificativas.
O reconhecimento pelo terapeuta da influência reciproca que há entre pais e

142 Marnanrtle Mateico Koch.i —Marria Ziláli da Silva BrandrJo


filhos nâo pode ser descartado. Trabalhar com pais neste reconhecimento é válido no
sentido de estar pontuando uma interdependência real entre os fatores envolvidos na
relação, ou seja, pais e filhos se influenciam reciprocamente. Com isto, nâo há uma
ruptura abrupta na concepção dos país a respeito da problemática de suas crianças, há
apenas uma complementação da análise. Isto pode proporcionar uma contingência menos
aversiva para falarem sobre si mesmo.
Deve se ressaltar que o processo de diminuir verbalizações sobre os filhos e
aumentar verbalizações sobre os comportamento dos pais, não se dá de uma forma
repentina, passando de um extremo para o outro, mas sim num contfnuum. Além de
estratégicas evocadoras, o procedimento básico é inserir cada verbalização em um
respectivo quadro, intervindo e reforçando aquelas que pertençam ao quadro de
verbalizações sobre seus próprios comportamentos na interação (ver SANT’ANNA, 1992).
A ênfase do terapeuta ó no comportamento de auto-observação dos pais e neste momento
do processo, observa-se os próprios membros do grupo questionado seus
comportamentos em menor escala. A probabilidade destes questionamentos ocorrerem
é aumentada quando é solicitado aos membros do grupo dirigir seus comentários e
narrações aos outros membros e não somente ao terapeuta. Com isto, diminui a
participação do terapeuta e aumenta a interação verbal do grupo, aumentando assim, a
probabilidade dos pais falarem sobre eles mesmos.

4.3. Pais Falam Sobre Si Mesmos


O falar de si mesmo não implica em falar de si somente enquanto adulto/pai,
implica também em uma oportunidade que se dá aos pais de observarem-se enquanto
criança e seus encobertos decorrentes destas interações passadas, como filhos. Diversos
tipos de interações e sentimentos sâo relatados. Exempíos: “apanhei muito, ás vezes a
gente apanhava e nem sabia porquê"; “senti muito ódio e ainda sinto (apanhar no lugar
da irmã)"; “tinha que catar feijão e odiava fazer isto, sentia dores no corpo, mas não dizia
para o meu pai porque apanhava"; “as palavras agressivas marcam muito”. Muitos outros
relatos poderiam ser utilizados para exemplificar este ponto.
A oportunidade dada aos pais de descreverem seus sentimentos como pais e
como filhos de seus pais favorece criar empatia em relação ao filho. Ajuda a compreender
porque os filhos reagem de forma contrária ao que os pais esperam, proporciona uma
aproximação maior da condição de filho favorecendo melhor entendimento do controle e
poder que mantém com suas crianças.
Para proporcionar este entendimento/aceitação empática, as estratégias adotadas
tiveram que ser flexíveis em relação as exigências de exposição verbal das recordações
da infância. Pais mostravam poucos engajamento em vivências que solicitavam exposição
verbal posterior. Desta forma, fez-se necessário um procedimento não diretivo, ou seja,
as primeiras técnicas de vivência não exigiam dos clientes a exposição do que haviam
vivenciado, vivências posteriores foram relacionadas à exposição verbal da mesma. Este
tipo de procedimento, permitiu a diminuição gradual do comportamento de esquiva dos
pais, apresentado no início desta etapa.
Um outro aspecto observado nesta etapa do processo terapêutico, diz respeito
às verbalizações na terceira pessoa do plural, usadas para referir-se a todos os pais do

Sobrr comportamento e coruíçJo 1 4 3


grupo. Exemplos: “a responsabilidade é nossa"; “é a nossa família. Precisamos passar o
melhor (de nós) para termos a família que merecemos"; “colhemos o que plantamos". A
contextualizaçâo verbal dos pais como “nós", se por um lado oferece uma oportunidade
de reflexão tanto do propuo comportamento como do comportamento dos demais
membros do grupo, por outro lado, constituí-se uma forma verbal genérica que foi
observada pelo próprio grupo que estimulou o falar mais sobre si. Após sinalizações
feitas pelos membros do grupo deste aspecto genérico, houve demonstração de uma
certa facilidade em retomar verbalizações mais pessoais.
Apontar apenas para o comportamento dos pais e suas interações com os filhos
não se constitui a única meta do processo, outras relações causais decorrentes de outros
contextos sociais que a criança freqüenta são assinaladas com menor freqüência,
demonstrando a importância da contextualizaçâo da vida da criança/filho.

4.4. País Estabelecem Novas Contingências


As avaliações das interações vividas no dia-a-dia com os filhos começaram a
surgir no discurso do grupo, ou seja, os pais traziam para a sessão o relato da situação
e os sentimentos decorrentes destas interações. Esta etapa foi introduzida com o objetivo
de modelar análises funcionais destas interações. Considerou-se tanto comportamentos
abertos como comportamentos encobertos.
Juntamente com as verbalizações onde há demonstrações que os pais estão
estabelecendo novas contingências, observa-se a análise de contingências feitas pelos
outros membros do grupo. Havendo ainda cobranças do grupo para que alguns pais
percebam a necessidade de estabelecer novas contingências.
Como fase conclusiva do processo terapêutico, os pais precisam perceber porque
é adotado tal procedimento. Há sinalização, por parte dos terapeutas, das mudanças na
forma de agir com os filhos e as conseqüências geradas. Considerações são feitas
também no sentido de apontar que em um mundo dinâmico há diversas influências que
determinam diversos comportamentos. Tal procedimento consiste em esclarecer aos
pais a necessidade de um exercício de análise constante em atuações posteriores, pois
não há receitas de como estabelecer comportamentos nem definição de comportamento
padrão.

5. Discussão e conclusão

Os dados levantados na literatura mostram que o trabalho psicológico com pais


tem sido uma prática comum em Análise do Comportamento. Diversos procedimento de
atuação tem sido constantemente elaborados e reelaborados.
Este trabalho continua apontando a importância do atendimento psicológico à
pais para o restabelecimento de uma relação pai/filho mais adequada. No entanto, difere
no procedimento terapêutico tradicional, não consistindo basicamente em orientações,

144 MiiíRurcffc Mitfcíco Koclui —M.irr/u Zllãh du S/Iva Unindrão


conselhos, normas de conduta ou estabelecimento de comportamentos específicos. É
um trabalho que proporciona aos pais, através de discussões e análises em processo
grupai, uma percepção real de seus comportamentos e das contingências atuais que os
determinam e mantém na interação com os filhos.
O procedimento adotado, visou então, proporcionar aos pais, a discriminação
de contingências atuantes sobre seus comportamentos enquanto país e a discriminação
de seus comportamentos como parte de contingências atuando sobre os comportamentos
dos filhos.
A partir desta discriminação, há maior probabilidade dos clientes modificarem
seu repertório comportamental, produzindo também modificações nos comportamentos
dos filhos. Este repertório favorece a previsão e o controle de seus comportamentos
enquanto pais. Contudo, apenas a discriminação de contingências não é fator suficiente
para processar essas alterações. As contingências ambientais presentes também tem
seu papel neste processo, onde podem favorecer ou não a emissão de respostas que
foram precedidas por uma discriminação correta.
Desta forma, diferentemente dos mentalistasque acreditam no autoconhecimento
como ponto terminal do processo terapêutico, o analista do comportamento, o concebe
como ponto primordial, para uma acurada análise funcional e a posterior possibilidade
de criar condições para alterar as variáveis das quais o comportamento é função.
O atendimento em grupo, oferece uma perspectiva favorável para o
desenvolvimento do autoconhecimento, pois sendo este repertório resultado de relações
sociais, o processo grupai é um espaço onde questionamentos mútuos podem promover
o autoconhecer-se. Acrescentando-se a isto, há o impacto que um cliente tem sobre o
outro, onde cada membro do grupo pode atuar como modelo para os demais, seja na
forma de fazer alguma coisa ou de falar sobre algo.
A possibilidade de modelar diretamente comportamentos na sessão, é uma
estratégia terapêutica que merece ser considerada na terapia de grupo. A sensibilidade
do terapeuta às contingências presentes na sessão (ver KOHLENBERG (1987), HAYES
(1987) e SANT’ANNA (1992)), é uma habilidade e necessidade proeminente dentro desta
proposta de trabalho com pais.
Ao descrever o processo, este trabalho poderá contribuir como uma forma de
intervenção para o atendimento terapêutico à pais em Análise do Comportamento. É
necessário ainda, reaplicações e reavaliações deste tipo de procedimento, fica no entanto,
a sugestão...

Bibliografia

DELITTI, M. O que é autoconhecimento? In: Encontro de psicoterapia e medicina com­


portamental, 4, Campinas, 1995.
HAYES, S. C. A contextual approach to therapeutic change. In: JACOBSON, N. (ed.)

Sobre comportamento e cofliilçílo 145


Psychoterapists in clinicai practice: cognitive and behavioral perspectives. New
York: Guilford Press, 1987. p. 327-387.
KOHLENBERG, R. J. Psicoterapia analítica funcional. In: Psychoterapists in clinicai
practice: cognitive and behavioral perspectives. New Yorfc: Guilford Press, 1987.
NALIN, J.A. R. O uso da fantasia como instrumento na psicoterapia infantil. In: Temas
em psicologia, n?2, 1993.
SANTANNA, R. C. O comportamento verbal no contexto clinico. In: Reunião Anual de
Psicologia de Ribeirão Preto, 22, Ribeirão Preto, 1992.
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 5* ed. São Paulo: Martins Fon­
te, 1981.
_____. O comportamento verbal. São Paulo: Cultrix, 1978.
_____. O mito da liberdade. São Paulo: Summus, 1983.
_____. Questões recentes na análise do comportamento. Campinas: Papirus, 1991.
_____. Sobre o behariorísmo. São Paulo: Cultrix, 1974.

146 Marçjanrlle Malcsco Rodki —Mar ria Zlláh da Silva Krandrüo


Capítulo 16

A criança em seu processo terapêutico:


reflexões a partir de um estudo de caso
Fátima Cristina Souza Conte
UEL

/ \ s publicações mais recentes sobre a terapia comportamental têm mostrado


que ela está retomando a sua aliança com a Análise do Comportamento. Esta condição
tem facilitado a tomada de decisão dos clínicos comportamentais, no dia a dia e a
avaliação do processo terapêutico, após cada sessão. Um aspecto fundamental destacado
nesta retomada, é o reconhecimento da hipótese de que os problemas da vida diária
podem e devem ocorrer dentro das sessões psicoterápicas (Kõhlenberg e Tsai, 1991;.
Kõhlenberg, Tsai, Dougher, 1993).
Aceitar esta possibilidade tem conseqüências importantes, como as que se
seguem: - uma vez que o comportamento ocorre na presença do terapeuta, ele pode
observá-lo diretamente; observando-o, pode especificar melhor qual é o problema
(descobrir a provável relação de contingências estabelecida), e ainda ter a oportunidade
de modelar, diretamente, comportamentos clinicamente relevantes. E se o comportamento
que ocorre em sessão pode ser similar ao que ocorre fora de sessão, está implícita a
possibilidade de uma similaridade ambiental entre o “setting" terapêutico e o ambiente
natural. Desta forma, os resultados que são obtidos dentro das sessões, podem ser
generalizados para o dia a dia do cliente.

Sobre comporbmrnto e counlyJo 1 4 7


O objetivo deste trabalho é refletir sobre o alcance desta possibilidade no
atendimento às crianças e isso será feito a partir de um atendimento realizado com um
garoto de nove anos de idade, filho de bancários, o mais velho dentre três irmãos (uma
menina e um menino) destacando, basicamente o trabalho feito com ele, diretamente,
dentro das sessões. A relação estabelecida com os pais e com outros adultos significativos
foi propositalmente excluída. A terapia semanal durou cerca de um ano e meio, com dois
anos de seguimento a partir do seu encerramento. Será enfocado aqui, com mais
especificidade, o processo ocorrido após o estabelecimento da compreensão diagnóstica,
por parte da terapeuta.

1. A avaliação

1.1 A Queixa dos Adultos Significativos x A Percepção da Terapeuta


Na avaliação, a mãe relatou que a escola havia solicitado o atendimento
psicológico porque a criança estava com “dificuldade de aprendizagem". Tirava notas
baixas, solicitava demais a professora e instruções. Sua letra estava ruim, a ponto de
impedir a correção adequada de suas provas. Havia concordância entre a mãe, a criança
e a escola quanto às queixas, contudo, para a mãe, a criança tinha uma série de qualidades
que “compensavam" tais aspectos, como ser muito afetiva, alegre e obediente
A mãe apresentava-se muito risonha, agradável, falante e ao mesmo tempo,
ansiosa. Em contatos posteriores com a terapeuta, observou-se que ela parecia tentar
suprimir ou controlar seus sentimentos, pensamentos e sensações não desejados.
O pai não compareceu às sessões, pois não considerava necessária a terapia
do filho.

1.2. A Percepção da Criança Sobre a Queixa:


A criança, como a mãe, era bastante falante. As queixas a incomodavam e
atribuia seu eventual sucesso escolar ao fato de ficar quieto em sala e ser obediente.
Evitava errar e, com isso, as “broncas" da professora. Detestava que esta lhe fizesse
perguntas. Também mostrou que era multo atento ao rosto das pessoas (por exemplo
dizia:- “professora legal é a que ri muito e a chata é a que tem cara de brava e em burrada").
Na realização de exercícios de fantasia e desenho, mostrou ter excelente
coordenação motora, mas ser detalhista e lento. Apresentou-se como um menino já
crescido que era tratado como um bebé. Queria ter mais liberdade e poder explorar o
mundo, mas era impedido por seus pais, que achavam que o mundo estava muito
perigoso, e que apenas o seu lar era seguro. Aventurar-se poderia levar a perder-se dos
pais e a correr muitos riscos nas ruas. Então era melhor obedecer e “só ver o que a mãe
deixasse"..(sic).
Observou-se que o que ele gostaria de fazer mas não podia, era bastante razoável

148 Fátima Cristina Souza Conte


para a sua idade, como: ir e vir de bicicleta à casa de amigos e parentes, que moravam
próximos a ele, andar a pé pelas redondezas, escolher a roupa que iria vestir, ir ao
cinema com amigos; ir jogar futebol com a turma e à excursões escolares.
Quando desejava algo que não poderia ter de fato, dizia não importar-se. Veja-
se, por exemplo o seguinte caso: “gostaria de ter um computador, mas nâo tenho dinheiro
...” e “não peço para jogar ou mexer no dos amigos, mesmo que eu esteja na casa deles
e eles tenham... porque não é certo.... Mas não tem problema, eu e minha irmã inventamos
um monte de coisas lá em casa...inventamos um computador e fingimos que estamos
jogando. ..isso não ó problema".
Na avaliação de desenvolvimento cognitivo-acadêmico, o resultado obtido foi
altamente satisfatório. Pode-se observar, no decorrer dos testes, que o cliente, nâo se
arriscava em nenhuma questão e só respondia com certeza. Mostrou, várias vezes, a
idéia de que “nâo se devia brigar" e de que era “melhor evitar discussões". Por ex.. disse:
“Concursos são para a gente nâo ter que escolher as pessoas e aí elas nâo brigam
entre elas e nem com a gente". Quando errava generalizava a avaliação para a sua
pessoa. Dizia por exemplo: “sou ruim para caramba”. Ainda, considerava que quando
se estava com um problema, mesmo que se soubesse como solucioná-lo, era melhor
recorrer à mâe", do que arriscar-se.
Durante a coleta de dados, a terapeuta procurou demonstrar a sua aceitação
por qualquer resposta por ele apresentada, demonstrando quando o compreendia e
fazendo perguntas para esclarecer suas dúvidas. Buscava, com isso, fortalecer a auto-
exposiçâo do cliente e reduzir ou evitar as esquivas e reações emocionais que pudessem
advir de sua revelação à terapeuta, de eventos desagradáveis.

2. A compreensão diagnóstica do terapeuta

As informações foram analisadas da forma como se segue, o que nâo significa


que seja a forma “certa". Ela foi útil para a condução deste caso, mas outro terapeuta
poderia propor uma outra compreensão, também adequada, seguindo outras pistas. De
fato, é consenso que cada terapeuta responde ao comportamento de cada cliente,
segundo seu próprio repertório discriminativo.
Assim, observando o comportamento da mâe e relacionando-o com o
apresentado pela criança e com a queixa, pareceu à terapeuta que ambos estavam
tentando negar a ocorrência de certos sentimentos, frente a determinadas situações. A
função destas respostas de esquiva poderia ser a de tentar minimizar algum problema
ou sofrimento vigente. Porém, a conseqüência deste procedimento poderia estar sendo
contrária à meta desejada, ou seja, ao tentar evitar um sofrimento, o cliente e sua mãe,
poderiam estar provocando a intensificação de reações emocionais que nâo desejavam.
Este aspecto é bem destacado por Hayes (1987), entre outros.
Veja-se o exemplo anterior, em que a criança esbarrou numa condição impeditiva
financeira e real. Fantasiou, deixou de olhar para seu sentimento, que era o desejo de

Sobrr comportamcnto r connlçüo 1 4 9


ter algo aparentemente impossível, minimizou a sua falta e, ao mesmo tempo, não
apresentou qualquer ação que levasse a obtenção do bem ou da experiência desejada.
Confrontar-se, errar, enfrentar o desagrado e cara feia das pessoas, brigar e
lutar, em si mesmos pareciam difíceis a ele, como já foi destacado anteriormente. Ser
obediente, calar-se, procurar identificar claramente o que se esperava dele e fazer o
possível para apresentar a resposta adequada, era uma forma de tentar evitar tais
situações. Seguindo no exemplo do computador, apesar de desejá-lo e até fantasiar ter
a oportunidade be brincar com ele ou tê-lo, isso não o levava a quebrar as regras que
tinha. Mostrava, assim como era forte o controle de seu comportamento por meio delas.
Seguir regras, fielmente, lhe parecia útil para evitar fracassos e punições.
As regras, às quais a criança parecia estar seguindo incondicionalmente, eram
por exemplo: a) não é certo errar, b) não é certo demonstrar o que se quer aos outros,
c) não é certo pedir o que se deseja aos amigos, d) nâo é certo arriscar-se a errar, e) nâo
se deve confiar na própria percepção ou capacidade, mesmo para coisas simples, f) não
se deve brigar, g) deve-se ficar quieto e ser obediente, i) deve-se sorrir sempre, j) deve-
se evitar alguns sentimentos e assim sucessivamente.
Tentar seguir tais regras e ficar sob controle de tais estímulos verbais, poderia,
fechando a análise, estar favorecendo a:
a) intensificação de uma série de respondentes, como a ansiedade e a tensão muscular;
b) ocorrência de operantes disfuncionais, como a tentativa de esquivar-se de certos
sentimentos, com o conseqüente reconhecimento deficitário dos estados subjetivos;
c) pobreza na discriminação das contingências ambientais que geravam regras e
sentimentos e finalmente.
d) falta de uma discriminação apropriada de condições ambientais, externas ou internas,
a dificuldade em responder à situações mais complexas do seu dia a dia e exigências
escolares. Encerrava, assim, o ciclo com o fracasso e todos os efeitos colaterais dele.

3. A prosposta de terapia

A proposta, para a criança, era a de que ela aprendesse a conhecer o seu


ambiente e a conhecer-se e isso significava comportar-se de uma forma nova e mais
eficaz, em diferentes situações (discriminativamente). Isso é, agir considerando as dicas
ambientais e contextuais e as suas reações pessoais, mais do que agir na tentativa de
seguir regras arbitrárias.
Considerando-se que o auto-conhecimento é de origem social, e só é possível
em conseqüência da exposição às contingências de reforçamento, cabería à terapeuta
criar na sessão, um ambiente que fornecesse a estimulação antecedente e o reforçamento
para a auto-observação, descrição e análise. (Skinner, 1974). Esperava-se que, com o
auto-conhecimento viesse o auto-govemo, o autocontrole e o estabelecimento de regras

150 Fátima Cristina Souza Conte


que não o impedissem de reagir ás demais contingências ambientais.
Com base nestes aspectos, encaminhariam-se as sessões com a criança e a
mãe, em alerta para possíveis deficits de habilidades e necessidade de seu
desenvolvimento. Os dados obtidos inicialmente foram discutidos com o cliente,
destacando-se inclusive, que ele era realmente inteligente e que desenhava muito bem.
Isso indicava que poderia ter ótimas notas e letra e que caberia à ele e à terapeuta
descobrirem juntos o que o estava impedindo de sair-se tão bem como era capaz.

3. O processo de intervenção propriamente dito

Esperava-se, portanto, que a criança percebesse como respondia (agia, pensava,


sentia, sensações), às várias situações propostas em sessão e que observasse as
conseqüências de suas reações. A partir disso, levantar-se-ia a similaridade entre
ambiente e resposta na clínica e na situação "natural".
Embora cercado de afetividade e aprovação social, este processo implicará em
que a terapeuta fosse bastante confrontativa. Enfrentar o confronto, porém , parecia ser
uma dificuldade importante para esta criança. Assim, tal confronto deveria ir seguindo
uma ordem crescente de dificuldade, planejadamente, para permitir a modelagem da
resposta de enfrentamento.
Seguem-se alguns exemplos das estratégias utilizadas no decorrer do processo.
• Composição de uma estória: “ o desentendimento dos bichos..."Observou-se que
a letra do cliente era, de fato, quase ilegível, apertada, pequena e irregular. Faltavam
palavras nas frases, sílabas nas palavras, letras nas sílabas. Ao ler a estória, ele completou
o que faltava. A mensagem contida nela era de que os bichos haviam brigado e que não
chegavam a um acordo e foi um leão quem havia resolvido a questão, autoritariamente.
A terapeuta assinalou o que percebeu, valorizou a estória construída e a capacidade do
cliente de completar o que faltava nas palavras e frases, ao lê-la. O confronto mínimo foi
feito por ele, através de sua própria leitura.
• Brincar de errado, quem erra ganha, fazer absurdos, fazer artes, (no elevador) ou
(na ru a ).... sem prejudicaroutro....; Mais confrontos foram feitos, naturalmente pe/as
situações criadas ou verbalmente pela terapeuta, que usou de muito humor nestes
momentos. Aos poucos, porém, a terapeuta foi se utilizando da introdução gradativa de
"caras feias" e depois disso veio a "bronca", quando pertinente. Sua reação era de susto
e era inicialmente minimizada pela terapeuta, até que não o era mais. A proposta era
que o cliente sentisse e observasse o que acontecia. Ressalte-se que sempre a "cara
feia" da terapeuta era dirigida para algo que ele houvesse feito e não para ele mesmo
enquanto pessoa e isso era sempre verbalizado. Paralelamente, valorizaram-se pequenos
avanços ocorridos, por menores que fossem, na sua capacidade de enfrentamento, auto­
conhecimento ou outros comportamentos apropriados.
• A co-administraçflo foi uma outra estratégia utilizada e ocorreu todo o tempo,
desde o convite à mãe para sessões com a terapeuta, até à escolha dos recursos
lúdicos a serem utilizados. A co-administração consistia-se uma oportunidade para tomar

Sobre comportamento e cojjnlçJo 1 5 1


decisões, com pequeno risco de conseqüências negativas.
• O trabalho com a letra, teve um sentido de “brincar” com ela, para ampliar e
relaxar, tentando aumentar a leveza do braço e reduzir a tensão muscular, mais do que
fortalecer sua coordenação motora fina, que parecia suficiente.
• Foram identificados sentimentos em rostos de bonecos, em desenhos e
imaginaram-se sentimentos em objetos inanimados, como por exemplo em um
estojo ou um carro. Nestes momentos, o cliente poderia experienciar e falar sobre a
diferença entre imaginar, a partir de si mesmo, os sentimentos de uma pessoa versus o
que a pessoa estaria sentindo de fato, naquele momento e mais, avaliar a que ela estava
respondendo naquele momento. Isso era contrário à idéia de que era possível, sempre,
identificar o que o outro estava sentindo e comportar-se "do jeito certo" e que o sentimento
do outro era sempre uma reação ao seu comportamento ou à sua pessoa.
• Nos jogos de competição, ele escolhia e a terapeuta procurava obter aqueles que
lhe interessavam, mesmo que não os possuísse. Durante as atividades desta natureza,
ele era solicitado a tomar consciência dos seus sentimentos, pensamentos e outras
reações. Passou, então, a perceber que solicitava instruções detalhadas e que não se
arriscava. Aos poucos, a terapeuta dava-lhe menos instruções e valorizava quando ele
se arriscava. Mais à frente, ocorreu uma situação, onde, sob muita pressão, ele nâo
conseguiu responder à perguntas simples, do tipo, quantos dias tem uma semana. Com
a repetição da situação, ele pode observar que quando sentia medo de errar ou arriscar-
se, ele ficava “burro"! II Já quando nâo tinha este sentimento, respondia a questões muito
mais difíceis. Pareceu muito agradável a ele perceber isso e para a terapeuta, foi
gratificante percebê-lo percebendo esta relação.
• Resumir uma estória: Uma das formas de esquiva que o cliente parecia usar era
“contar uma estória comprida" frente a uma pergunta bem objetiva da terapeuta, que
geralmente referia-se ao comportamento dos pais, ao ambiente familiar ou a algum
comportamento seu, passível de punição segundo os critérios sociais. Cada vez mais,
propunha-se a explicitação desta esquiva e a proposta de falar claramente, sem a
“enrolaçâo de contadores de estórias". Isso foi transformado em jogos de competição,
onde a objetividade e a fala direta eram valorizadas.
• Brincar sem compromisso de aprender ou entender alguma coisa também
acontecia e tinha como propósito vivenciar os sentimentos aí produzidos e avaliar o
quanto a atividade em si mesma , era gratificante.
• Solução de Problemas Cotidianos: muitos problemas do seu dia a dia eram trazidos
e procedia-se à sua análise e ao levantamento de alternativas para solucioná-los.
Em conseqüência de suas mudanças comportamentais, o cliente relatou que,
ao contrário de antes, agora levava muitas “broncas” da mãe. Contudo, percebia que a
“chateação" que sentia nestes momentos passava e que a mâe também não permanecia
zangada com ele muito tempo.
Felizmente o cliente avançou o ano escolar e saiu de férias, inclusive da terapia.
• Foram planejadas as férias, aproveitando o momento especial. Ao imaginá-las,
desenhou e escreveu o que faria durante este tempo, em seis quadrinhos, bem
humorados. Suas propostas eram: ir á praia, guerrear com água, jogar futebol, fazer
ginástica, jogar baralho e ..... brigar com o amigol Parecia que ele estava libertando-se
de algumjs regras apresentadas no início do processo. Não se desejava contudo, que
houvesse a substituição de uma regra por outra e sim um aumento de sua capacidade

152 Fátima Crlitliw Souza CoiUf


de solucionar problemas. Assim, foram discutidas as situações onde poderiam ocorrer
brigas e levantadas alternativas viáveis para lidar com elas.
No final desta etapa, imediatamente antes das férias num momento que não
permitia mais investigações, o cliente começou a falar do relacionamento conflitivo que
vinha ocorrendo entre os pais.
No seu retomo de férias tomou expontaneamente decisões para o próximo ano
escolar. Tais decisões foram não repassar as letras, apagar e "até rasgar o caderno” se
fosse o caso, pois fazia parte de aprender “errar e não acertar sempre" e treinou as
respostas que daria à nova professora quanto à isso. Ainda propôs-se a contar uma
estória que deu o nome de “Tristeza". Nela falou das dificuldades de relacionamento dos
pais e de como sentía-se frente à ocorrência de conflitos freqüentes. O trabalho da
terapeuta foi o de avaliar o seu papel na determinação destes desencontros, seu pouco
poder em influenciar em tais episódios, e ressaltar a adequação do sentimento de tristeza
nesta situação.
À medida em que o processo transcorria, o cliente passou a opor-se a algumas
propostas de atividades feitas pela terapeuta, o que lhe pareceu uma colocação apropriada
de limites. Tais oposições foram aceitas, uma vez que pareciam não ser comportamentos
de esquiva impróprios.
Relatou, então em uma sessão: "um dia fiquei pensando na escola, o que
podia estar acontecendo em casa, eu fiquei com o coração apertado minha letra ficou
dura e escrevi forte. Só parei quando a professora gritou, dando bronca na turma...aí eu
fiz tudo de novo e meu coração estava doendo." Percebeu-se que sua discriminação
estava excelente.
* A terapeuta buscou então o Fortalecimento da Relação entre as Respostas Motoras,
os Sentimentos e a Situação. As estratégias incluíram escrever cartas sobre os
sentimentos que tinha pelos pais, pela situação conflitiva da família, sem contudo enviá-
las, mas com uma letra que representasse o que estava sentindo ao fazer a atividade.
Ele sentia que, com ela, estava desapertando o seu coração e assim solicitava-se que
escrevesse então, “com letra de quem estava desapertando o coração, desaparafusando
a letra. Também foram feitos movimentos motores amplos, desligados da escrita, para
expressar o que sentia.
Após esta fase, três resultados foram observados: uma melhora expressiva na
sua letra, e diminuição, segundo seu relato, de seu sofrimento pelos pais, que, acreditava,
iriam acabar por separar-se, embora nada lhe tivesse sido dito diretamente. Em várias
situações, ainda, espontaneamente, expressou aos pais o seu desagrado por presenciar
as suas discussões.
Os resultados gerais obtidos até então eram ótimos e isso era comprovado
pela criança, a mãe e a avaliação escolar e decidiu-se encerrar gradualmente a terapia.

Sobre comportamento e cognlçAo 1 5 3


4. Considerações finais e conclusão

Os resultados observados, evidentemente, nâo podem ser atribuídos apenas à


interação cliente- terapeuta, uma vez que ocorreu também a orientação à mãe e que o
cliente continuou sobre a influência de seu ambiente natural. Contudo, eles vêm indicar
a utilidade e adequação do enfoque dado à queixa e ao processo. Mostra-se assim, que
como para o adulto, há um trabalho significativo que pode ocorrer dentro das sessões
clínicas diretamente com a criança e que este trabalho pode ser apoiado totalmente em
conhecimentos de Analise do Comportamento, como são os de Hayes, Kõhlenberg,
entre outros, aíém de Skinner, evidentemente.
Acredita-se que, no caso relatado, criou-se, dentro das sessões, um novo contexto
que favoreceu à criança, a identificação de respostas pessoais que emitia que lhe geravam
sofrimento, dificultavam o seu relacionamento com a família e amigos e o seu desempenho
escolar. Pode confrontar regras impróprias, estar mais sob controle de estímulos
ambientais, formular novas regras a partir deles e permitir-se sentir e nâo mais controlar
arbitrariamente seus sentimentos ou sensações.
Para finalizar, quer-se ressaltar que, a despeito dos ganhos que podem advir do
trabalho direto com a criança, ele não deve competir com ação útil, necessária e
indispensável do terapeuta junto aos pais ou a outros adultos significativos. O desejável
é que a somatória de intervenções cientificamente sustentadas, venha compor um modelo
apropriado de atuação para os terapeutas comportamentais que trabalham junto à
crianças e adolescentes.

Bibliografia

HAYES, S.C.. (1987) A Contextual Approach to Therapeutic Change. In Jacobson , N.S.


(Ed) Psychotherapists in Clinicai Practice: Cognitivo and Behaviora! Perpective s.
N.Y. Plenum Press, pp.327-387.
KÕHLENBERG, R.J. ETSAI, M (1991) Functional Analytic Pshychoterapy: Creating
Intenses and Curativo Therapeutic Relantionship - Plenum Press, N.Y.
KÕHLENBERG, R.J.; TSAI, M.; DOUGHER, M.J. (1993) The Dimensions of Clinicai
Behavior Analysis - The Behavior Analyst - Vol16, No. 2., 271-281.
SKINNER, F.B. (1974) About Behaviorism N.Y. Randon House Inc.

154 FAtlma Cristina Souza Conte


Capítulo 17

Depressão infantil: aspectos teóricos e


atuação clínica
JafdeA. Q. Regra
Universidade de Mogi das Cruzes

A o se falar em depressão e seus sintomas, é bastante comum haver indaga­


ções sobre a possibilidade desses transtornos estarem presentes apenas na fase adulta
do indivíduo.

Por outro lado, podemos observar que algumas teorias sobre adolescência
incorporaram alguns dos sintomas de depressão, como parte do período da adolescência
normal.

E no período da infância, seria possível encontrar características da depressão?

A esse respeito, encontramos quatro pontos de vista diferentes, sistematizados


por Garcia e Rodrigues (1990):

1. a inexistência da depressão infantil ou adolescente como entidade clínica diferenciada;

2. a existência da depressão infantil como semelhante à dos adultos;

3. a existência da depressão infantil ou adolescente como entidade diferenciada;

4. a confusão da depressão infantil ou adolescente no total das manifestações psicopato-

Sobrr comportumcnlo c cognlçdo 1 5 5


lógicas dessas etapas.
Na posição final dos redatores do DSM-III-R (1988) nâo há inclusão de uma
categoria diagnóstica com critérios clínicos diferenciados entre infância, adolescência e
fase adulta.
Todavia, encontramos autores como Varsamis e Mc Donald (1972) que já
descreviam alguns sintomas na criança de natureza periódica ou cíclica, incluindo lentidão
psicomotora, fracasso escolar, perda de interesse, retraimento na fase depressiva e
hiperatividade motórica e verborreica na fase maníaca ou hipomaníaca.
Convém ressaltar que a classificação de sintomas apresentada pela psiquiatria
tradicional incorreu em alguns problemas, tais como: o uso de rótulos com imprecisão na
descrição dos comportamentos envolvidos, a falta de especificação do contexto em que
tais comportamentos ocorrem, a indeterminaçâo da freqüência de ocorrência dos
comportamentos, bem como as variáveis da qual esses comportamentos possam ser
função.
Enriquecendo os estudos sobre depressão, Bowlby(1985) evidencia a diferença
entre distúrbio depressivo clínico e estado depressivo normal na fase infantil. Para ele, a
tristeza é uma reação normal e saudável a qualquer infortúnio, como perda de uma
pessoa amada, lugares queridos ou papéis sociais. É portanto, uma conseqüência
inevitável de qualquer estado em que o comportamento se desorganiza, como
provavelmente ocorre após uma perda de um ente querido.
Essa desorganização dos comportamentos e o estado de depressão, embora
dolorosos, seriam potencialmente adaptativos e a criança pode reaprender a se comportar
na ausência da pessoa amada.
O comportamento se desorganiza temporariamente na ausência dos estímulos
aos quais respondia habitualmente, para em seguida aprender a se comportar na presença
de novos estímulos.
Bowlby(1985) considera o estado depressivo como adaptativo, por ser um
momento em que são desfeitos os padrões de comportamento anteriormente organizados
para serem emitidos na presença de um dado conjunto de estímulos. Como agora esses
estímulos estão ausentes, outros padrões devem ser organizados para serem emitidos
na presença de novos est/mulos. Nesse caso, teríamos a depressão normal, onde a
auto-estima permanece intacta.
O que então explicaria o Distúrbio Depressivo na experiência infantil com
diferentes graus de desespero e desamparo, sentimentos de abandono, rejeição e
desamor?
Considerando-se que a maioria dos sintomas psicológicos é multifatorial, não se
pode arriscar uma explicação baseada num único fator.
Desse modo consideramos: 1) a genética; 2) os fatores orgânicos adquiridos; 3)
a história de vida e 4) as contingências ambientais.
Conhecedor de co-fatores orgânicos, o analista do comportamento pode utilizar-
se do trabalho conjunto de outros especialistas, quando for necessário.

156 Jttlde A. Q. Rcrm


Por outro lado, o analista comportamental, passa a ressaltar, na definição de
depressão, as características de comportamento dentro de um referencial e as variáveis
das quais o comportamento é função(Ferster,1973). Ainda para esse autor, o indivíduo
adulto teria como principal característica, uma redução nas respostas que produzem
reforçamento positivo e aumento nas respostas de esquiva e fuga.
Seligman(1975) procura relacionar no adulto um estado de ânimo abatido, falta
de motivação e perda de interesse no mundo, onde o indivíduo se sente imprestável e
culpado de suas deficiências. Acredita que nada do que possa fazer mudará sua condição
e o futuro se mostra sem saída. Podem ocorrer crises de choro e idéias de suicídio.
Na análise do comportamento infantil, procuramos nos ater aos aspectos
comportamentais e portanto à história de vida e as contingências ambientais.
Nas considerações de Bowlby(1985) sobre desamparo infantil, encontramos uma
análise interessante, ao relacionar o desamparo com a capacidade da criança em
estabelecer e manter relações afetivas, atribuídas às experiências vividas pela criança
em sua família de origem.
Segundo essa tentativa de explicação, prevê que o padrão especifico de distúrbio
depressivo desenvolvido por um indivíduo, depende do padrão especifico desenvolvido
com as experiências infantis anteriores, ou seja, depende do padrão aprendido ao lidar
com as perdas. Dependeria ainda da natureza e circunstâncias do acontecimento adverso
atual.
Todavia, para Seligman(1975) os indivíduos deprimidos têm aprendido que os
efeitos que seguem seus comportamentos sâo incontroláveis. Este autor elaborou então
a proposta do "desamparo aprendido", introduzindo um modelo experimental de depressão
baseado na análise funcional do comportamento. Para ele, haveria uma dificuldade do
indivíduo em discriminar que certas respostas produzem certos efeitos.
Encontramos um maior aprofundamento nesses estudos através do delineamento
experimental básico apresentado por Hunziker(1994) onde se leva a concluir que a
“história de vida” baseada em exposição anterior a eventos incontroláveis, em que o
comportamento é inefetivo para evitar o estímulo aversivo, parece ser um fator crítico
para o desenvolvimento da depressão.
Também é importante ressaltar o apontamento feito por Hunziker(1994), sobre
o uso inadequado do desamparo como umodeloN, quando se deixa de lado a proposta
de se analisar funcionalmente o comportamento, confundindo-se muitas vezes o fenômeno
com sua hipótese explicativa.
Concluindo, os sintomas depressivos na infância parecem apresentar múltiplos
fatores determinantes e as estratégias usadas na intervenção não podem se basear no
rótulo de “depressão", nem num modelo em que se deixe de analisar funcionalmente os
comportamentos envolvidos. E tanto a depressão na infância como a depressão na
adolescência apresentam suas especificidades que diferem da depressão do adulto e
portanto requerem análise e intervenções específicas.
Identificar fatores determinantes na história de vida, nos possibilita hipotetizar
sobre o desenvolvimento de padrões de comportamento que fazem parte de uma classe
de respostas mais ampla, a qual pode ser nomeada como depressão.

Sobre comportamento e cognlfilo 1 5 7


Analisando os padrões de interações familiares, do momento de vida atual do
indivíduo, pode-se identificar como esses padrões podem estar sendo mantidos, e de
que modo podem ser modificados.
A criança e o adolescente desempenham papel importante no processo,
colaborando com seu aparato genético, sua história de vida , suas crenças e regras que
governam seus comportamentos atuais.
O quadro 1mostra um conjunto de características de comportamento, como parte
da classe de resposta denominada “depressão", que foi trabalhado clinicamente, em
crianças de quatro a doze anos.

Quadro I
Crianças Idades Padrões de comportamento e situações vivenciadas
Perda (separa- Grande difuc. Choro (angús­
Nâo ri,
çâo-pai), fracas­ relac. soc., tia), fantasias
dificuldades em
C1 9 anos so escoíar, auto fantasia de com conteúdo
expressar
imagem negati­ rejeição, regra exces. de mor­
sentimentos
va. familiar te; dispers.
Perda (separa- choro (angústia),
ção-pai) (ameaça Fantasia de rejei­ verbalização fantasias com
de separação ção, hiperativi- intensa e expres­ conteúdo exces­
C2 7 anos mãe), fracasso dade, regra são de sentimen­
escolar auto sivo de morte,
familiar inflexível tos dispersão
imagem negativa

grande dif. rei. não ri, não choro (angústia),


fracasso escolar, soc., fantasia de conversa na fantasias com
C3 12 anos auto imagem rejeição, fala família, não conteúdo
negativa pouco, regra exprimi excessivo de
familiar inflexível sentimento morte, dispersão

difucul express.
auto imagem
fantasia de comportamento
11 anos sentim.,
C4 rejeição, grande
negativa agressividade provocativo
dific. rei social
intensa

perda (morte- grande dific. não ri,


pai), auto relac. soc., fala
C5 4 anos comportamento
imagem negatova pouco, regra agressivo
familiar inflexível

di/ículd. de relac.
fracasso escolar social, fantasia comportamento choro (angústia),
parcial, auto de rejeição, provocativo, idéias de suicídio
C6 7 anos imagem negativa hiperatividade, comportamentos (verbalizações),
regra familiar agressivos I dispersão
inflexível

158 Jalde A. Q. Rejjrti


Quadro II

Adolescentc Idades Padrões de comportamento e situações vivenciadas


Perda (morte- R eg ra fam iliar idéias de
Inflexível (n âo suicídio,
padrasto), ad ian ta
comportamento
A1 15 anos fracasso esco­ re iv in d ic a ç õ e s ), fala Choro, não ri
pouco na famlHa de transgresões,
lar, auto ima­ n áo e x p re s s a fugas (de casa),
gem negativa se n tim en to s dispersão
K eg ra familiar
Perda (separa- In flexível ( n to fantasia de
çâo-pai) fracasso a d ian ta suicídio,
A2 13 anos re iv in d ic a ç õ e s ), fala dispersão,
escolar, auto
pouco n a fam ília, comportamento
imagem negativa n âo e x p re s s a
provocativo
se n tim en to
fala bastante,
expressa dispersão, choro
fracasso escolar,
sentimentos, dificuldade de
A3 17 anos auto imagem família relacionamento
negativa perfeccionista e social
muito critica

regra fam iliar


In flexível (n âo
ad ian ta re ivind ica­ comportamento
A4 15 anos fracasso escolar, ç õ e s ), nâo c o n v e r­
dispersão
auto imagem provocativo
s a na famiNa, fala
negativa p o u co , nâo e x p re s ­
s a se n tim en to s

Comparando-se os dois quadros, das seis crianças e quatro adolescentes, podemos


observar que cinco deles vivenciaram situações de perda (duas por morte e três por
separação). Em todos os casos, observou-se dificuldades em lidar ocm as perdas, as
quais acarretaram grandes mudanças, tanto no contexto como nos padrões de
comportamento.
Como Bowlby coloca, parece te r ocorrido uma desorganização de
comportamentos, porém com uma auto-estima muito baixa, o que pode ter dificultado a
reorganização de novos padrões.
Também é importante ressaltar que quando esta desorganização se prolonga,
outros comportamentos desadaptativos se somam, e passam a ser mantidos por outros
fatores.
Podemos observar que o fracasso escolar e a dispersão estão presentes em
oito dos dez casos.
O alta freqüência do choro não relacionado ao contexto, dificuldades em relação
ao humor, riso e brincadeiras, parecem relacionar-se com manifestações de tristeza,
quando a criança deixa de obter reforçamento positivo na maioria das situações.
Mas por que uma criança reduziria as respostas que produzem reforçamento
positivo e aumentaria as respostas de esquiva e fuga?

Sobre comportamento e cognlplo 1 5 9


Estamos considerando aqui sua "história de vida" baseada em exposição anterior
a eventos incontroláveis, onde o comportamento é inefetivo para evitar o estímulo aversivo.
Então, a aprendizagem de que seus comportamentos são incontroláveis e a não
discriminação de que certas respostas produzem certos efeitos, poderia explicara reduçSo
dos comportamentos?
Isto parece ocorrer tanto nas situações de perdas como nas mudanças bruscas
e desfavoráveis. Observou-se dificuldades semelhantes em famílias que apresentam
regras inflexíveis que governam o grupo familiar.
Na medida em que mudam as necessidades individuais dentro do grupo familiar,
mudanças nas regras devem ser estabelecidas. Quando isto não ocorre, qualquer
comportamento emitido pela criança ou adolescente que contrariam as regras pré-
estabelecidas, não será reforçado ou será punido, enquanto que a emissão dos
comportamentos esperados pela família, deixou de ser reforçador. Em decorrência, a
família muitas vezes se toma excessivamente crítica, dificultando ainda mais as relações
afetivas.
O atendimento clínico oferecido para lidar com tais dificuldades, requer tanto o
atendimento da criança ou adolescente como do grupo familiar, procurando aumentar a
flexibilidade das regras, favorecendo um aumento na frequência dos comportamentos,
bem como um resgate das relações familiares.
Nos relatos abaixo, duas amostras de sessão psicoterapêutica procuram
exemplificar algumas formas de atuação clínica.
Na primeira situação, a solicitação de um desenho livre acompanhado de uma
fantasia, relatada por uma criança de doze anos(C3), possibilita identificar alguns aspectos
de sua auto-imagem.
Solicitação do terapeuta: Desenho Livre-
A criança desenhou um carro.
Foi pedido para que falasse como se fosse o carro e como se sente sendo
sendo este carro.
Ocorreu o seguinte diálogo entre o terapeuta ( T ) e a criança (C3).
(C3) - Eu sou um carro. Sou feio, ruim e não sirvo pra nada, só.
(T) - Tem jeito de mudar?
(C3) - Não. Só pintando de novo.
(T) - Então tem um jeito.
(C3) - Tem só que nâo dá pra apagar.
(T) - Não dando pra apagar e pintando de novo como é que fica?
(C3)-Continua feio.
(T) - Por que você é ruim?
(C3) - Porque não ando direito.

160 Jalde A. Ç. Regra


(T) - Dá pra mudar?
(C3)-Dá.
(T)-Como?
(C3) - Mudando o motor, o pneu, mudando tudo.
(T) - Por que vocô nâo serve pra nada?
(C3) - Ah! Porque todo mundo acha feio e nâo anda.
(T) - O que vocô faria para ajudar esse carro?
(C3) - Pintava ele de novo...Ah! Tacava ele no lixo e comprava outro.
A auto-imagem negativa desta criança parece ser resultante de dificuldades na
interação afetiva, relacionando-se com fantasias de rejeição. A análise de algumas das
fantasias elaboradas pela criança, juntamente com verbalizações sobre os conflitos da
vida atual, nos leva a inferir que a criança se coloca da seguinte maneira:
- Se meu irmâo faz tudo melhor do que eu, ele merece ser mais amado; sinto
muita raiva disto e então não mereço ser amado, porque ele é bom e eu sou mau.
No trabalho clínico procura-se levar a criança a perceber que pode sentir raiva
sem ser mau por causa disto; a raiva é uma maneira natural que temos de demonstrar
algo que não gostamos. A criança é levada a mudar o conceito : “Quem sente raiva é
mau" para outro conceito: "Posso sentir e expressar raiva sem insulto, para mostrar
aquilo que não gosto e não sou mau por causa disso".
A criança também é levada a discriminar que seus comportamentos tôm efeito
no meio e que existem alternativas de comportamento para obter reforçamento positivo.
Ao emitir os comportamentos alternativos, descobre que não está numa situação
sem saída, sendo então redefinidos seus objetivos para o futuro.
Na segunda situação, uma atividade realizada com água e fogo(pia com água,
dobradura de barquinhos, vela e fósforo), um adolescente de treze anos(A2), é levado a
descrever uma fantasia. Procurou-se aqui demonstrar a utilização desse instrumento,
tanto avaliativa como de intervenção.
(A2) vive com a mãe e passa os fins de semana com o pai. Os pais e o namorado
da mãe são médicos e (A2) apresenta muita dificuldade em lidar com a separação dos
pais, tornando-se agressivo com todos os familiares; a mãe assumiu um papel de proteger
os irmãos o que dificultou ainda mais o processo.
Por ser um relato longo, foram omitidos trechos procurando não comprometer o
conteúdo.
Nome da fantasia dado pelo adolescente: O barquinho e o barcão.
Nesta sessão ocorreu o soguinte diálogo entre (A2) e o terapeuta(T):
(A2) - Tinha um barco parado e veio um barquinho descendo numa velocidade
muito grande. Aí, quando viu a rampa foi parar e não deu. Saltou a rampa e foi direto no
muro.

Sobre comportamento e coflnlçáo 1 6 1


(T) - O que aconteceu com o barquinho?
(A2) - Estourou. O barco grande era de resgate. Andou, saltou na rampa também
e parou do lado do barquinho estraçalhado, pegando fogo.
(T) - E o que o barcõo fez?
(A2) - Começou a pegar fogo e morreu todos os tripulantes do corpo de bombeiro.
(T) - Por que o barcâo não conseguiu resgatar o barquinho?
(A2) - Porque voou uma peça pegando fogo e bateu no tanque do barcâo.
(T) - O que o barquinho sentiu quando viu que não ia dar para parar?
(A2) - Espera aí, vou perguntar(ri). Sentiu que ia morrer.
(T) - E que emoçfio sentiu quando viu que ia morrer?
(A2) - Nenhuma.
(T) - Ele nâo se importava com a morte?
(A2) - Nâo.
(T) - Por que?
(A2) - Por que eles nâo tinham família.
(T) - O que eles achavam de nâo ter família?
(A2) - Que eles estavam livres para fazer o que quisessem.
(T) - A família atrapalha?
(A2) - Um pouco.
(T) - Se ele estava livre para fazer o que quisesse, ele gostava da vida?
(A2) - Não sei. Acho que nâo.
(T) - Ele não era feliz?
(A2) - Era.
(T) - E por que, sendo feliz, ele não se importava com a vida?
(A2) - Porque nâo ia ter quem se importasse com a morte dele.
(T) - Ele nâo se sentia importante pra ninguém, ó isso?
(A 2 )-É .
(T) - Quem nâo se sente importante pra ninguém é feliz?
(A2)-Não(ri).
(T) - O que ele precisa fazer para se tomar importante para alguém?
(A2) - Não sei. Ah!...
(T) - O que ele poderia fazer?

162 Jafdc A. Q. Rí Rm
(A2) - Curtir a vida com Rider.
(T) - Quem daria o Rider pra ele?
(A 2 )-O dinheiro.
(T) - E onde ele obtinha dinheiro?
(A2) - Do banco.
(T) - Como ele pegava?
(A2)-Roubava.
(T) - Vamos descobrir um jeito dele se tornar importante e as pessoas se
preocuparem com a vida dele?
(A2) - Como?
(T) - Vamos pensar. A gente vai descobrir junto.
(A2)-Orfanato.
(TO - Como seria? De que modo isso iria torná-lo mais importante?
(A2) - Ia ter alguém lá pra conversar com ele.
(T) - Por que só no orfanato teria alguém pra conversar com ele?
(A2) - Porque ele não tem amigo.
(T) - E se a gente ensiná-lo a ter amigo fora do orfanato?
(A2) - Mas como vai fazer amigo se ele já morreu?
(T) - E como vai pro orfanato se ele já morreu?
(T) - Como isso aqui é uma fantasia, nós podemos voltar o filme até o momento
em que ele não tinha morrido e vamos reconstruir o filme.
Reconstrução da fantasia - mudou o nome da fantasia anterior para: A fuga
imortal.
(A2) - O barquinho veio rápido, ai quando viu a rampa o motorista tentou parar.
Viu que não ia conseguir parar e pulou do barco. O barco foi de encontro direto
ao muro de frente da rampa e pegou fogo. Logo o barco do corpo de bombeiro
foi ao lugar onde o motorista estava na água e o resgatou levando para o hospital
mais perto.
(T) - Quem se tornou importante?
(A2) - O motorista do barco.
(T) - O que vocé fez para ensiná-lo a se tornar importante?
(A2) - As pessoas do médico resgatar ele.
(T) - E agora ele se sente com amigos?
(A 2)-S im .

Sobrr comportamento e cognifâo


(T) - Quem seriam os amigos dele agora?
(A2) - Os médicos.
A fantasia tem sido utilizada como auxiliar na identificação de sentimentos,
crenças e regras que governam os comportamentos, bem como oferece pistas para a
identificação das contingências ambientais. Seu uso favorece a identificação das
dificuldades de manejo das contingências.

164 Jaldc A . Ç. Rcrm


Capítulo 18

Promovendo a relação entre pais e filhos


Fátima Cristiihi de Sou/a Conte'
(/niversidadc Estadual dc Londrina - Paraná

O tipo de relação que os pais estabelecem com seus filhos, desde os primeiros
momentos de suas vidas, tem sido apontado como um dos principais responsáveis pelo
processo de desenvolvimento global de suas crianças.2
Um dos padrões comportamentais que as crianças e adolescentes podem
desenvolver e que trazem conseqüências importantes e negativas, tanto para eles
mesmos, como para aqueles que os rodeiam, é o comportamento delinqüente ou anti­
social.
Qual é o tipo de relação que pais e filhos desenvolvem e que favorecem a
ocorrência deste padrão comportamental? Qual é o processo que o terapeuta
comportamental pode realizar para quebrar tal relação e promover uma outra mais sa­

1 D o c e n te da U n ive rsid ad e E s ta d u al d e Londrina • P a ran á e Ps ic ote rap e uta do C en tro L o n d rln en s e d e


A n á lis e do C o m p o rta m en to .
2 A relação p o d e se r defin id a co m o o conjunto d e In teraçõ es, m ais ou m e n o s es táveis q u e s e es ta b e le c e m
en tre pais e filhos no deco rrer do tem po. A s in teraçõ es sáo os ep isódios qu e oco rrem a c a d a m o m ento .

Sobre comportamento f cognifilo 1 6 5


tisfatória, segura e saudável? O objetivo deste trabalho é tentar responder a estas
questões, a partir da análise de partes do atendimento feito à um adolescente de 14
anos e seus pais, cuja queixa era de que estava desenvolvendo comportamentos
delinqüentes ou pré-delinqüentes.5

1. Considerações teóricas

O comportamento delinqüente pode ser definido como um conjunto de ações,


de um jovem de menos de 18 anos de idade, que se caracteriza pela violação dos
direitos básicos dos outros. Para o jovem, as conseqüências a curto prazo da emissão
destes comportamentos sâo, geralmente agradáveis, contudo, a longo prazo, podem
advir conseqüências negativas. Exemplos destes comportamentos em adolescentes
sâo mentir; nâo sentir culpa após fazer algo danoso aos outros; envolver-se com outros
garotos e garotas que se metem em encrencas, brigas, episódios agressivos ou
confusões; fugir de casa; provocar incêndios; roubar dinheiro ou outras coisas em casa
ou na rua, usar freqüentemente linguagem pesada e obscena; pensar demais em sexo e
ou praticá-lo de forma imprópria e insegura; usar álcool ou outras drogas; faltar às aulas
ou nâo ir á escola, podendo apresentar, paralelamente, também défícíts em habilidades
sociais e cognitivas e o fracasso escolar sistemático. Seus precursores podem ser a
desobediência, a oposição aos pais e a agressividade, dentro e fora de casa, já na idade
pré-escolar. ( Tolan, 1988; Patterson, Debarishe e Ramsey, 1989, entre outros).
A literatura aponta que os pais podem favorecer o desenvolvimento de
comportamentos delinqüentes em seus filhos, através das seguintes ações:

Quadro 1 - Ações dos pais, frene aos filhos e à seus comportamentos, que
favorecem o desenvolvimento do comportamento delinqüente

A ç õ e s q u e o s P a is T e m F r e n t e á S u a C r ia n ç a A ç õ e s q u e o s P a is T e m F re n te à A ç õ e s d e S u a s
C r ia n ç a s

• M a u s tratos, abuso e neg lig ên cia nos cu idad o s • U so de p unição in ten sa, fiis lca e freq ü en te.

• S u p e rp ro te ç fto -p e rm is s lv ld a d e • U so d e p unlçào d e fo rm a in con sisten te.

• ReJeiçAo. • Su p ervisSo e m onitoria p obre,

• Po u c o envo lvim en to d e fo rm a geral (in clu sive com •P o u c o reforçamento para comportamento
p o u ca In teração verb al e fisica ) aDroDriados.
• Id e m ao anterior e m ais c a ra cteristica m e n te , de
• U so d e refo rç am e n to d e fo rm a inc on s is te n te .
fo rm a av ersiv a

• F*ar4m etros em co m u m : as a ç ò es do s pais fren te crian ç a ou ao se u co m p o rtam en to p ouco tem a ver


c o m ela m e s m a ou co m a s ações.

1 A s r e la ç õ e s p a is e filh o s s l o im p o rta n te s , m a s n i o s â o e x c lu s iv a s n a d e t e r m in a ç ã o d e s ta q u e ix a
(c o m p o rta m e n to d e lin q ü e n te ). O s d e m a is fa to re s fo ra m e x c lu íd o s p ro p o s ita im e n te , d e v id o a o s o b jetiv o s
d e s te es tud o

166 Fátima Cristina de Soura Conte


Como demonstra o quadro-resumo anterior, o filho pode vivenciar situações muito
aversivas ou muito protegidas e permissivas, que nada tem a ver com ele mesmo ou
suas ações anteriores. Em conseqüência, ele nâo pode fazer uma previsão sobre o tipo
de interação que terá com seus pais nos próximos encontros, se usar como parâmetro
o seu próprio comportamento ou o de seus pais. Provavelmente o comportamento destes
em relação ao filho, decorre de estimulações de outras fontes, as quais, inclusive, este
pode passar a reconhecer e a reagir.
A rejeição (relacionada na coluna 1 do quadro-resumo), já foi definida como
ausência de calor, afeição ou amor, falta de interesse e de preocupação pelo bem estar
da criança e expressões abertas de hostilidade e de antipatia (Rohner, 1975 e 1986,
Apud Simons, Robertson e Dows, 1989). Observou-se que, mesmo quando as práticas
díscíplínares e de monitoria dos país foram modificadas, ainda encontrou-se uma
importante correlação entre o comportamento delinqüente dos jovens e a rejeição (Simons,
Robertson e Downs, 1989).
E se por um lado, tais processos fossem prejudiciais ao desenvolvimento do
jovem , quais seriam protetores? Considerando o exposto por Needle et al (1983 apud
Anderson e Henry, 1994), Patterson, Debarishe e Ramsey (1989) e Anderson e Henry
(1994), pode-se responder à questão com a indicação das seguintes condutas paternas:
11* suporte parental ( uma condução calorosa, com demonstração de aceitação da criança,
a sua valorização pessoal e o apoio às suas iniciativas);
11* encorajamento ao desenvolvimento de competência social;
• ocorrência freqüente de interações mais positivas do que mais aversivas;
• expressão freqüente de afeto positivo;
• fortalecimento da identificação dos jovens com seus pais, quando são modelos
apropriados;
• apoio ao desenvolvimento da autonomia ( capacidade de fazer escolhas e promover a
auto-direção);
Duso de métodos mais racionais e verbais de disciplina, do que os físicos;
• minimização de brigas e agressão entre os familiares.

Enquanto muitos pais conseguem caminhar nesta direção, outros nâo tem a
mesma evolução. Isso decorre, em primeira instância, como já dito, de fatores que nâo
estão relacionados à criança, como é o caso da experiência anterior do pai em sua
família de origem e ao padrão de interação ocorrido entre ele e os seus próprios pais.
Tais experiências são importantes no desenvolvimento de seu repertório de “ser pai"
(seu estilo parental), em conseqüência dos processos de modelagem e de modelaçâo
que se sucederam. Um outro fator influente, na relação pais-filhos relaciona-se à
irritabilidade pessoal, decorrente de estresse atual ou de vida crônica estressante. Tal
estresse, por sua vez pode decorrer de problemas conjugais, econômicos ou profissionais;
da falta de apoio e do companheiro à mãe e de companheirismo entre os pais, entre
outros. As características peculiares da criança ao nascer, como por exemplo a facilidade
diferenciada que cada uma pode apresentar para reagir chorando ou para adormecer,
de fato podem contribuir para que ocorram interações prejudiciais entre pais e filhos,
logo no início da convivência. Contudo, o que se sabe é que tais características dos
bebês, passam a ter um papel importante quando os pais estão estressados e sem rede
de apoio (familiares, amigos e serviços comunitários que os ajudem) ou devido aos per­

Sobre comportamento e cognlçüo 1 Ó 7


fis comportamentais dos próprios pais.
Os trabalhos preventivos com pais e filhos, nesta área, são indicados e
importantes, mas é comum, no dia a dia da clínica psicológica, a presença de um
adolescente de 13-14 anos de idade e seus pais. Envolvidos num caos das interações e
em relações de raiva e rejeição mútua, trazem como foco principal a queixa de emissão
de comportamentos delinqüentes por parte do filho. E à tal queixa e ao menino, dá-se o
"status" de causa de todo o caos estabelecido nas relações familiares.
Anteriormente, as sugestões de estratégias de intervenção em psicoterapia
comportamental da criança e do adolescente, eram a identificação de um comportamento-
problema, por pais e terapeutas, e o desenvolvimento apropriado do manejo de
contingências, frente ao mesmo. Hoje, mesmo Patterson (Patterson, Debarishe e Ramsey,
1898), um respeitável pioneiro na estruturação de processos comportamentais de
orientação de pais, tem questionado o alcance de tais práticas se usadas isoladamente,
principalmente com adolescentes, e tem proposto estratégias de intervenção mais amplas
e abrangentes e que envolvam tanto os pais como os filhos (Patterson, Debarishe e
Ramsey,1989). Tais processos devem enfocar as múltiplas variáveis envolvidas na
determinação das queixas e da interação estabelecida e bem como, o repertório
comportamental global de pais e filhos.

2. O processo psicoterápico: - primeira fase -

O relato abaixo é o recorte de um processo terapêutico, realizado com um


adolescente e seus pais, à partir da apresentação da queixa que era relacionada com o
desenvolvimento de comportamento delinqüente, onde os aspectos acima foram levados
em consideração. Através dele pretende-se responder às questões colocadas inicialmente
e exemplificar, inclusive, como o conceito de rejeição foi especificado e enfocado no
decorrer do trabalho psicoterápico realizado.
O cliente será chamado de Paulo.
Seus pais vieram à clínica e queixaram-se de que seu filho mais velho de,14
anos, estava muito opositor, só fazia o que queria, tinha tido três reprovações escolares
alternadas, atualmente não estava bem e escondia as suas notas. Notaram que algumas
vezes ele parecia ter bebido ou usado um outro tipo de droga, mas ele mentia. Ainda era
comum que ele se envolvessse em brigas. Paulo tinha um único irmão que era bom
aluno, agradável ao pais, embora não fosse passivo.
Segundo os pais, Paulo fora um bebê difícil e estivera sempre metendo-se em
encrencas desde o jardim de infância. Tinha poucos amigos, que se revezavam e que
não se mantinham ao seu lado. Eles, por sua vez, sentiam-se cansados e estavam
como que desistindo do filho, pensando que ele “não tinha mais jeito". Achavam que o
mesmo não gostava e “nem ligava" para eles e que agia como se estivesse desafiando-
os e aos professores durante todo o tempo.
Enquanto os pais falavam podia-se construir a imagem de um infante terrível,

168 Fillm.i Cristina dc Souw Conte


hostil, de um lado e de pais desesperados, pôr outro lado. Mas, quando Paulo veio,
pareceu pouco ameaçador e muito cooperativo. Comportou-se de forma diversa do
descrito pelos pais e parecia ter medo. Respondeu prontamente às perguntas feitas,
disse nâo estar gostando de ter que fazer terapia, concordou com as queixas dos pais,
mas nâo se mostrou irritado ou hostil. Foi fácil à terapeuta ser empática e interagir com
ele. Relatou que tinha medo do pai, a quem achava muito explosivo, que não “se achava
grande coisa" como pessoa, que os pais só se preocupavam com o seu desempenho
escolar e que era muito castigado, embora sem violência, por seus fracassos nesta
área. Considerava que tudo seria melhor se ele fosse bem na escola (já que “é só isso
que ele quer", referindo-se ao pai), mas que só tirava nota quando queria (explicitando
um provável jogo de força entre eles). Briguento mesmo e grosseiro, só era com a mâe,
de quem não tinha medo, mas que achava muito "chata”, por só dar razão ao pai e ao
irmão. Frente à divergências com o pai, calava-se, abaixava os olhos, nâo enfrentava a
situação. Segundo sua percepção, tinha muitos amigos, mas não íntimos e não namorava,
“só ficava”. Na verdade tinha suas paixões, mas quando isso ocorria, nâo lutava e até
ajudava outros meninos “legais" a namorarem a sua escolhida, sempre achando que
cada uma “era muita areia pro seu caminhâozinho". Ficava com as meninas que “davam
mole", isto é, que o queriam.
A partir de relatos de pais e filho, foi possível observar que percebiam as queixas
de forma semelhante. Ainda, concluir-se que o tipo de relação estabelecida entre eles,
parecia ser de disputa de poder e força, com desvalorização, dificuldades de interação,
imagens e ações negativas recíprocas. Parecia também haver uma divisão na família,
estando o cliente de um lado e os demais elementos de outro lado. O pais pareciam
estar usando muita punição e de forma inconsistente, ter um processo de
acompanhamento e supervisão pobres e raramente valorizar comportamentos
apropriados do filho.
O processo dos pais foi realizado em separado ao do filho e não foram realizadas
sessões conjuntas. E enquanto Paulo procedia em seu processo de auto-conhecimento
e desenvolvimento de habilidades de auto-controle e responsabilidade, uma nova auto
imagem ele ia formando e muitas qualidades que tinha ou que desenvolvia tornaram-se
auto-evidentes. O ambiente da terapia procurava ser o menos exigente e o mais agradável
possível, mas cuidava-se de evitar suas esquivas. Ainda, sem cumplicidade ou aprovação
para os comportamentos inadequados, que emitia ou relatava ter apresentado em outros
ambientes, a terapeuta tentava manter com ele sempre uma atitude de aceitação pessoal.
Procurava-se criar, em sessão, um contexto que permitisse, a este cliente, vivenciar o
estabelecimento de uma relação interpessoal previsível, baseada nos comportamentos
por ele apresentados e onde também ficasse evidente que se considerava que o seu
repertório pessoal atual havia sido estabelecido no decorrer de sua história de vida e não
constituia-se de um “desvio de normalidade ou personalidade”. Este tipo de relação
terapeuta-cliente, parecia oposta à descrita no quadro resumo apresentado anteriormente
e bem como àquela estabelecida no ambiente familiar do cliente.
O processo que ocorreu com o adolescente, embora muito interessante, nâo
fará parte deste relato, sendo que apenas se fará referência às etapas em se buscou
reestruturar as relações pais/filho.
Assim, pais, por seu lado, discutiam as dificuldades que tinham com seus filhos

Sobre comportamento e rognlfilo 1 6 9


em seu dia a dia, em sessões que ocorriam na medida das suas necessidades ou do
filho, realizavam leituras indicadas e participavam de dramatizações e ensaios, visando
quebrar padrões comportamentais abertos ou encobertos impróprios e estabelecer outros
mais "saudáveis". Também eram incentivados à refletir sobre os avanços comportamentais
do filho, os seus próprios ganhos e a relação entre ambos os resultados. Em
conseqüência, começaram colocar os limites necessários ao filho, de forma mais
apropriada e coerente; oscilar menos entre a permissividade excessiva e a explosividade;
e a mãe, a assumir um papel mais ativo frente à pai e filho. Passaram a ficar mais
atentos (discriminar melhor) aos comportamentos do filho e às suas próprias reações,
acompanhar mais de perto a sua vida escolar (monitorando-a), abrir as portas da casa
para os amigos, acompanhar e convidar o filho para o lazer, falar bem deste filho ao
demais familiares ( ao contrário de antes) e a valorizar os seus aspectos positivos.
As mudanças comportamentais, relacionadas ao que se pode chamar de
comportamento delinqüente e, outras, como sorrir mais, mostrar-se mais entusiasmado
para com as suas experiências, eram evidentes em Paulo, até para a escola, o que
ajudava a melhorar ainda mais as relações familiares. Mas Paulo continuava com
eventuais “depressões" e choro nas sessões: por exemplo, isso ocorria quando o Irmão
era valorizado, de uma forma mais evidente. Embora ele reconhecesse que tanto ele
como o irmão tinham agora previlégios semelhantes, que ele não tinha nenhuma queixa
quanto ao irmão, ainda o achava muito “paparicado pelo pai”, sempre o "velho pai..."
Duas possibilidades foram então levantadas na tentativa de entender as reações
emocionais do cliente: ou a relação pai-filho era ainda muito diferente quanto a aspectos
mais básicos, como toques, olhares, disponibilidade corporal e afinidades ou Paulo ainda
vivia sob controle do relacionamento passado, que hoje já havia se modificado em muito.
Ainda, as duas possibilidades podiam também estar atuando conjuntamente.

3. O processo psicoterápico: - segunda fase -

As informações mais pessoais, obtidas anteriormente com os pais, foram


importantes para decidir o encaminhamento do caso à partir deste ponto.
O pai e a mãe estiveram vindo para as sessões juntos e também separadamente.
Nos.encontros individuais, estiveram falando de suas experiências conjugais e pessoais
anteriores, muito adversas e da falta de apoio e proximidade do pai e da familia para
com â mãe, por ocasião do nascimento do filho. O pai admitiu que não “viu" o seu filho
nascer, não tomou consciência dele, não acompanhou o seu crescimento e não se
lembrava dele em etapas anteriores de sua vida. A mãe é quem havia cuidado do garoto
e à medida que ele foi se apercebendo disso, começou a culpar-se e a dar muitos
presentes ao filho. Isso, contudo, não melhorou a qualidade do relacionamento entre
eles, tendo ele permanecido sempre esquivando-se da companhia de seu filho.
Reconhecia, também, sua maior facilidade para lidar com o segundo filho. Ao olhar,
contudo, para as experiências tidas com seu próprio pai, e concluir que de fato, fora
muito desagravável, insegura e pobre, achava que o filho ainda gozava de uma certa
vantagem sobre ele. Questionava, então, à terapeuta, embora com tristeza aparente,

170 Fátima C riitlna dc Souza Conte


sobre o que o filho ainda haveria de querer dele.
A suposição da terapeuta era a de que os pais já conseguiam ser mais apropriados
em sua orientação, educação e acompanhamento do filho; que a mãe estava com uma
interação mais afetiva e próxima com ele, mas que o pai ainda não conseguia quebrar a
relação estabelecida anteriormente, que era de esquiva. E o filho, por sua vez, não conseguia
sentir-se aceito, apoiado, seguramente vinculado à ele. A sensação de tristeza difusa de
Paulo poderia ser decorrente disso. Provavelmente, pai e o filho ainda se relacionavam
apenas com base nos comportamentos adequados ou não de um ou de outro.
Ao mesmo tempo em que procurava-se fazer com que o cliente observasse os
antecedentes ambientais de suas tristezas e "depressões", e levantavam-se alternativas
para que lidasse melhor com elas, solicitava-se ao pai que falasse ao filho sobre ele
mesmo, suas experiências como pai, seus sentimentos atuais para com ele e que lhe
perguntasse sobre as suas expectativas quanto à relação entre os dois. A intenção era
a de que Paulo pudesse vô-lo como pai, em seus limites, dificuldades e, sem culpá-lo,
entender o seu próprio sentimento, que poderia ser uma resposta, tanto à relação atual,
como á já passada entre eles. O pai, por sua vez, estaria também desenvolvendo um
repertório mais pessoal de interação com o filho, aproximando-se, ao invés de esquivar-
se.
Encaminhava-se o processo desta forma, com poucos avanços, até que houve
um episódio onde o pai e o filho discutiram, ocorrendo o primeiro enfrentamento do filho
ao pai. Segundo depoimento do primeiro, isso o "desnorteou" e ele acabou agredindo
verbalmente o filho, por demais. Ao perceber, porém, que havia passado dos limites
aceitáveis, tentou conciliar-se com o filho, abraçou-o, chorou, desculpou-se e declarou
seu afeto a ele. Esta reação do pai foi surpresa para todos. Provocou alívio no pai e foi a
apresentação de sua primeira resposta afetiva, direta e verbal ao filho. A surpresa agradou
ao segundo, mas provocou-lhe confusão e culpa, pois passou a sentir-se errado, "o
problema", por ser insatisfeito e ter gerado dificuldades para a família e seu pai. Ao
relatar o episódio à terapeuta, teve taquícardia e choro convulsivo em sessão. Verificou-
se, posteriormente, que o pai havia falado de todo seu carinho e empenho para com ele,
mas não havia falado sobre as dificuldades que teve para assumir o papel de pai frente
a ele, no que poderia estar a "razão" dos sentimentos de menos valia de Paulo.
Frente à esta situação, foi necessário um novo trabalho de discriminação com o
cliente, para que identificasse quais os estímulos aos quais estava respondendo, pois
ele passou a criticar-se, inventar defeitos, comparar-se e fazer generalizações impróprias
( “eu sou diferente das outras pessoas, pois todos me amam e eu não me sinto assim,
entre outros”). Paralelamente o objetivo do trabalho com o pai, nesta fase, foi aumentar
a sua expressividade emocional para com o filho, admitindo inclusive, frente ao mesmo,
os seus limites e dificuldades. As estratégias utilizadas para isto, variaram desde
discussão direta até falar, em sessão, à um “filho imaginário”, escrever cartas não
entregues e olhar álbuns de fotografia. A análise das fotografias foi um recurso também
usado com o filho e trouxe-lhe muitas perguntas, cuja respostas ele foi incentivado à
solicitar do pai. Então, falando, foram como que construindo uma nova “história" de vida
em comum. Nesta fase, o pai solicitava à terapeuta que “conferisse” as respostas que
ele dava ao filho, lhe desse “feedback” e completasse ou fortalecesse o que ele colocava

Sobre comportamento e cognlçáo 171


ao filho. Este processo foi tornando-se cada vez mais independente da terapeuta e
"natural", com o filho, inclusive, passando a contar ao pai os erros (“artes") que cometia.
Era punido, mas de forma racional e não mais com explosões ou isolamento emocional,
o que era o hábito anterior. Finalmente, Paulo reprovou de ano, apesar de toda a sua
melhora. Mas, á despeito do fato desagradável, foi possível à pais e filho fazerem uma
análise do ocorrido e tomarem as decisões necessárias para prevenir o fracasso no
próximo ano escolar. Os pais decidiram que administrariam uma punição pela reprovação,
e observou-se que isso nâo quebrou o processo em curso. Ao contrário, a comunicação
passou a ser cada vez mais fácil, com Paulo pedindo coisas ao pai e nâo somente à
mâe, discutindo e brigando com ele. O pai concedia, negava, dava razões e também
aprendeu a estar com o filho, fazer um esporte em comum, pedir favores e ajuda. No
momento em que o pai sentia-se seguro e que Paulo dizia ter adquirido a sua confiança,
(por isto evitava inclusive de fazer “as artes que tinha vontade de fazer, fora e na escola,
para não quebrar a confiança do pai".... ) procedeu-se à alta gradual. A terapeuta
considerou que eles já haviam desenvolvido um relacionamento mais apropriado e um
repertório pessoal que favorecia o desenvolvimento integral de Paulo e que competia
com o reaparecimento da queixa Inicialmente apresentada, ou o aparecimento de outra,
funcionalmente similar.

4. Considerações finais

Em resumo, este estudo pretendeu demonstrar que existe um trabalho a ser


feito com pais e filhos, onde a terapeuta comportamental pode atuar criando condições
para provocar mudanças especiais na qualidade da relação estabelecida entre eles,
levando em consideração os repertórios pessoais globais dos pais e dos filhos, suas
histórias passadas, os determinantes atuais e as influências recíprocas e combinadas
dos comportamentos dos vários membros da família. A sua ação se dá dentro das sessões
de psicoterapia, a partir do contexto e da relação estabelecida entre ela e os membros
da família envolvidos no problema, como bem ressaltaram Kohlenberg eTsai, (1991;) e
Kohlenberg, Tsai, Dougher,( 1993).
Através da sua observação, pode tomar claro e tocar diretamente em conceitos
controversos, como o da "rejeição", aumentando a consciência dos envolvidos sobre a
sua ocorrência, as suas características no caso em questão, e como ela poderia estar se
relacionando à queixa, que no caso, era a de presença de comportamentos delinqüentes.
O seguimento feito após o encerramento, de duração de um ano, mostrou que os ganhos
se mantiveram, sustentando a adequação e a pertinência do enfoque e trabalho terapêutico
realizado.

172 Fátima Cristina de Souza Conte


Bibliografia

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Behaviors as Predictor of Adolescent Substance Use - Adolescence - Vol.29,
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Preliminary Study. Journal of Youth and Adolescence, Vol. 17, N2 5.

Sobre comportamento c coriiIç.Io 1 7 3


Capítulo 19

O impacto do atendimento sobre a pessoa


do terapeuta 2: experiências de vida
Roberto Alves lii/nico
PUC/SP

I lá
algum tempo venho me preocupando com a formação de terapeutas
comportamentais, e especialmente com a formação de terapeutas dentro da graduação
em Psicologia. Tenho presenciado por parte dos alunos vários comportamentos de esquiva
desde das \arefas mais simples como a entrevista Inicial até dos casos de queixas
psiquiátricas. Em geral o aluno que chega para o atendimento tem muito medo de errar,
achando que nada sabe e nada aprendeu para executar sua tarefa.
Em 1993, durante a Reunião Anual de Psicologia de Ribeirão Preto fui convidado
a falar numa mesa redonda intitulada “Bases teóricas aplicadas à prática clinica: as
contingências na sessão terapêutica", na qual apresentei o trabalho “O impacto do
atendimento sobre a pessoa do terapeuta". Nesse texto, eu analisava teoricamente
alguns comportamentos apresentados por terapeutas iniciantes e não iniciantes, e, a
partir de sentimentos possivelmente expressos por eles, buscava encontrar as
contingências que estariam em operação controlando seus comportamentos. Mais à
frente eu analisei a importância das emoções e comportamentos encobertos numa análise
funcional, especialmente na análise feita dentro de uma sessão terapeutica. Finalmente
discuti o papel das emoções do terapeuta.

174 Roberto Alves Bdruco


Hoje eu gostaria de estar relatando “flashs" de casos que atendi, nos quais os
sentimentos que experimentei foram bastante intensos. Espero com isso atingir alguns
objetivos:
a) preencher o primeiro texto que escrevi com exemplos acontecidos e nâo
hipotéticos: b) analisar possíveis erros e acertos que cometi nos atendimentos descritos;
c) analisar as contingências dos quais meu comportamento foi função nessas ocasiões
e d) mostrar para os terapeutas em formação que é possível falhar várias vezes e ser
convidado a falar em congressos científicos.

1. Ansiedade

Nâo fui diferente de ninguém. O primeiro caso que atendi, na Clínica Psicológica
da PUC-SP causou-me uma enorme ansiedade, semelhante a que vejo hoje meus alunos
de 4o ano apresentarem quando estâo se preparando para seu primeiro atendimento. E
a situação de atendimento em clínicas escola ó relativamente protegida. Mas, ainda que
existisse nessa época a vantagem de podermos escolher o caso que atenderíamos,
ainda que o atendimento estivesse planejado para ser em dupla de terapeutas, ainda eu
que soubesse que minha dupla seria o professor (que por um acaso era o Hélio Guilhardi)
e ainda que eu soubesse que ficaria no atendimento por poucas sessões porque haveria
rodízio de alunos terapeutas para atender o caso, eu me sentia ansioso.
Posso descrever várias contingências presentes que causavam a ansiedade.
Uma delas era a própria queixa “escolhida" para o atendimento: um rapaz de 21 anos
que tinha ejaculação precocel Não tínhamos a menor idéia do que fazer frente a isto.
Outra, era o fato de estar na presença do professor que, embora desse alguma segurança
de que “seguraria a barra" se alguma besteira fosse feita, era alguém que eu admirava e
queria a admiração recíproca. Se ele fizesse qualquer interferência que fosse em sentido
diverso da minha seria fatall Uma terceira era o fato de que atrás do espelho estariam
outros doze colegas observando o atendimento e avaliando meu desempenho. Para
completar, numa aula teórico-prática que havíamos tido para fundamentar o futuro
atendimento, eu havia sido terapeuta num role-playing no qual, por duas vezes, havia
expressado meu juízo de valor para a cliente fictícia, o que era inadmissível.
Frente a este quadro, eu só poderia ter ficado inseguro e ansioso, como todos
nós já ficamos nessa situação. Mas, aprendi a enfrentar os problemas. O professor
indicou-nos literatura específica para o atendimento do problema trazido pelo cliente;
antes do atendimento combinou comigo uma série de intervenções que eu poderia fazer
independentemente do que o cliente trouxesse como conteúdo, e que eu deixasse para
ele aquilo que eu julgasse náo dar conta; durante o atendimento foi extremamente gentil,
incentivando-me a participar da entrevista; e o espelho? Ah, o espelho sumiu, quando
sentei na frente do cliente e a fascinação e a curiosidade sobre um problema "real"
tomaram conta de mim. A vontade também de aprender como atender também contribuiu
para que o espelho fosse esquecido.
Nos atendimentos subsequentes, que saudades dessa situação protegida!

Sobre comportamento c cojjnlvío 175


Pensam vocês que a ansiedade acabou? Não, caros ouvintes, até hoje, a primeira sessão
de qualquer cliente ainda causa uma ponta de ansiedade. Não tenho mais as pastas da
triagem contando qual é a queixa que está chegando. Não posso mais me dar ao luxo de
escolher o caso que atenderei, pois o cliente chega e precisa de atendimento (e eu
preciso trabalhar).
É claro que essa ansiedade em geral passa depois de uns poucos minutos depois
do atendimento ter começado, e eu já ter algumas informações com as quais possa
trabalhar. Mas até esse momento, ela fica como minha única companheira dentro da
sala de atendimento.

2. Medo

Vocês já pensaram em sentir medo durante uma sessão terapêutica? Eu já


senti... E já senti vários tipos de medos. Talvez o mais freqüente seja o medo de perder
o cliente. Às vezes, quando não consigo entrevistar ou obter dados relevantes sobre o
problema do cliente penso que não estou conseguindo trabalhar direito e fico me
perguntando o que deveria fazer para conseguir o que preciso. E junto, vem um pouco
de medo de que o cliente julgue que meu trabalho não seja relevante na solução de seu
problema e desista da terapia. Certa vez estava atendendo um garoto de 17 anos que
expressou que se incomodava com minha maneira de olhá-lo. Só para que vocês saibam,
eu costumo atender meus clientes sentado frente a frente com eles sem que nenhuma
barreira física (tal como uma mesa seria) se interponha entre nós. Bem, esse garoto
expressou várias vezes que meus olhos pareciam dois holofotes focalizados sobre ele,
e de fato eu permaneço a maior parte do tempo encarando todos os meus clientes.
Quando ele expressou o meu comportamento e o efeito que este tinha sobre ele eu
comecei a sentir medo. Medo de não saber fazer de um jeito diferente. Tentei não olhar
o tempo todo diretamente para ele, tentei olhar para os lados dele mais freqüentemente
do que eu faço habitualmente, mas a tentativa foi em vão. Depois da terceira sessão ele
desistiu do meu atendimento. Talvez ele próprio não quisesse passar por um processo
terapeutico, mas essa explicação não me satisfaz. Ainda cobro de mim mesmo a
incapacidade de não poder ter feito o trabalho com esse garoto. E tenho medo de que
isso volte a acontecer.
Senti também medo de perder o cliente nas vezes em que percebi que extrapolei
o meu papel de terapeuta e respondi pessoalmente a algum aspecto comentado por ele.
Na maior parte das vezes em que isto aconteceu o cliente havia me provocado raiva.
Deixarei para comentar esses casos quando for falar desse sentimento.
E uma única vez senti medo físico do cliente. Haviam sido noticiados na época
alguns episódios agressivos envolvendo psicólogos e seus clientes. Em um deles, a
terapeuta havia sido morta por seu cliente na casa-clínica em que atendia e o outro era
o de uma psicóloga que trabalhava na penitenciária e que havia sido tomada como
refém dos presos. Para mostrarem que não estavam brincando, depois de algum tempo
em que as negociações entre amotinados e polícia não estavam andando, os presos
cortaram a língua da psicóloga. Bem, nessa época eu também atendia numa clínica

176 Roberto A lv e * Ikiihico


instalada numa casa situada no final de uma rua da Lapa, que ia ficando deserta a partir do
cair da tarde. Por contingências que nâo vêm ao caso agora, eu atendia meus clientes à
noite e sozinho na clínica. Nessa casa eu atendia um adolescente de 15 anos cuja queixa
vinha pela mâe, pela escola e pela empresa onde ele trabalhava. Queixavam-se todos eles
de que o garoto apresentava comportamentos pré-delinquentes. Eis que certo dia de
inverno rigoroso meu cliente chega na clínica como sempre às 19:00 hs para seu
atendimento, envolvido numa grossa jaqueta. Percebi que a rua estava completamente
deserta quando fui abrir a porta para que ele entrasse. Subimos para a sala de atendimento
depois que eu havia trancado a porta de entrada da clínica. Estávamos apenas nós dois lá
dentro. Começamos a sessão com ele falando de amenidades, quando ele resolve me
dizer que havia feito com suas próprias mâos um presente para sua mâe e queria me
mostrar. Satisfeito, demonstrei o maior interesse até que ele retirou de dentro de sua
jaqueta uma lâmina de mais ou menos meio metro de comprimento por 10 cm de largura,
afiada por ele próprio. Seu objetivo era dar para sua mâe um facâo que ela precisava para
cozinhar para fora. Nesse momento, além de imaginar para quem eu encomendaria minha
alma, tentei demonstrar a maior calma possível e pedi para ver o tal facâo. Ele o entregou
na minha mâo para que eu examinasse e consegui ter o sangue-frio de sugerir a ele que
embrulhássemos o presente em um papel grosso que as crianças da clínica usavam para
fazer desenhos. O sangue estava frio mas as pernas tremiam de verdade. Só devolvi o
presente depois que ele estava devidamente embrulhado.
A partir desse momento discuti com ele possíveis riscos de andar na rua com tal
espécie de "presente". Desde riscos severos como ele próprio ser assaltado, ser “pego"
por policiais com uma arma (já que ele fazia parte de uma população “visada” pela
polícia) ou mesmo ferir-se numa possível queda ou numa inocente curva que o ônibus
que ele tomava pudesse fazer. Depois disto discutido e devidamente discriminadas a
adequabilidade da intenção e a inadequabilidade do presente, encerramos a sessão e
fomos embora. Ele com seu facão/presente feliz. Eu inteiro, de perna bamba, aliviado.
Os efeitos dessa sessão sobre nossas vidas: na dele, aumentou a freqüência do
comportamento de agradar à mãe com gestos desse tipo; na minha, aumentar mais a
segurança especialmente para atender esse tipo de caso.

3. Raiva

Lembro-me especialmente de três situações nas quais senti raiva de clientes

meus e a expressei durante a sessão terapêutica. Em nenhuma das três, por sorte, nâo
perdi os clientes. No entanto não os aconselho a imitarem meu comportamento, pois
julgo-o completamente inadequado em pelo menos dois dos casos. O terceiro, vim a
saber que era adequado a posteriorí. Acho que não vale a pena arriscar. Meus alunos
presentes me perdoem, pois já devem ter-me ouvido contá-los.
Bem , o primeiro caso, é o de um garoto de 12 anos que veio à terapia “forçado"
por seus pais. O motivo era mau rendimento escolar que ele apresentava, segundo
interpretação de sua mãe porque soubera que era adotado.

Sobre comportamento e cofltilçilo 177


Mais ou menos na 4a. sessão, eu o estava atendendo e tentando descobrir, através
de seus cadernos, qual era o seu repertório de estudo e de entrada para que eu pudesse
planejar um procedimento que visasse sua melhora. Lá pelo meio da sessão ele resolveu
que ia repetir tudo aquilo que eu falava. Se eu lançava-lhe uma pergunta, ele a repetia para
mim de forma jocosa. Quando do alto do meu conhecimento resolvi expressar assertivamente
que eu não estava gostando daquilo, ele continuou me imitando de forma jocosa, fazendo
caretas. Espanto meul o comportamento assertivo nâo funcionou nesse caso como eu
sempre fora levado a creditar. Repeti o mesmo comportamento mais enfaticamente,
dizendo que eu nâo estava gostando mesmo de que ele me imitasse. Era como se eu só
tivesse aumentado um pouquinho o custo da resposta: ele voltou a me imitar mesmo.
Neste ponto eu já estava com muita raiva daquele fede-lho que gozava com a
minha cara. Por um acaso, vi meu rosto refletido no vidro da porta atrás dele.
Pedi para que ele olhasse para trás. Dado o inusitado do pedido ele virou-se e
deu-se o seguinte episódio.
EU - Vocô está se vendo ali naquele vidro?
ELE - Estou
EU - Faça uma careta dessas que vocô fez. Ele fez.
EU - Faça outra. Ele fez.
EU - Faça mais uma.(e aqui eu pensava em sociação, habituação ou qualquer
outro termo que justificasse meu comportamento que tinha apenas a raiva e o fato dele
não se comportar como eu estava acostumado que clientes se comportassem, explicando
o meu procedimento). Ele meio titubeante fez.
EU - Uma mais
ELE - Vocô pensa que eu sou bobo?
EU - Penso. Vá embora, nâo quero mais falar com vocô.
ELE - Minha sessão ainda não acabou.
EU - Acabou, porque eu nâo quero mais falar com vocô.
ELE - Minha mãe está te pagando, vocô tem que me atender.
EU - Não vou cobrar esta sessão e quero que vocô vá embora agora I
Ele levantou-se vagarosamente, pegou seu material e saiu. Eu fiquei durante
alguns minutos pensando na besteira que eu havia feito e fui procurar supervisão.
Depois disso eu tinha certeza que ele nâo voltaria mais. Errei na previsão: ele
voltou na outra semana manso. E continuou a terapia por alguns bons anos, numa relação
ótima comigo. No entanto sua volta não reforçou meu comportamento agressivo durante
as sessões dos meus clientes. Sentia uma vergonha profunda pelo meu descontrole. E
tratei de encontrar formas de controlá-lo. Na supervisão a discussão foi por um caminho
que enfatizava o fato de eu tomar o comportamento dele como pessoal, quando na
verdade era o que ele sabia fazer para esquivar de situações chatas como aquela em

178 Roberto Alves Kdiidco


que eu “espertamente" o coloquei. Mudei a estratégia na sessão subsequente ao episódio
discutindo diretamente com ele o meu descontrole, pedindo-lhe desculpas por ter agido
daquela maneira. Pela primeira vez na vida ele estava sendo tratado com respeito. E
ele passou a gostar das sessões terapêuticas.
O segundo episódio de raiva deu-se meses depois. Eu atendia um menino de
15 anos levemente atrasado em seu desenvolvimento na mesma clínica que já descrevi,
através de convênio com a L.B.A.. São clientes desse convênio pessoas muito carentes,
que às vezes não têm sequer dinheiro para virem às sessões. Por força de reuniões de
equipe com os pais dos clientes atendidos eu conhecia a mãe desse garoto: uma mulher
viúva, manicure, que passava o dia inteiro trabalhando a domicílio para poder criar esse
filho e um outro mais velho, com 18 anos na época. Por outra série de circunstâncias
que não vêm ao caso agora, eu havia deixado de atender o irmão mais novo e essa mãe
me procura e pede-me para que eu atenda seu filho mais velho por uma questão
vocacional. Como ele não tinha direito ao convênio com a L.B.A. ela me propôs que
pagaria (eu sabia que com algum nâo pouco sacrifício) a terapia para esse filho. Topei
e comecei a atende-lo.
Depois de uns três meses de sessão ele me conta que sua mãe estava lhe
pagando um curso de manequim e modelo no SENAC, o qual ele estava gostando muito
pois além de estar tendo a chance de ter uma profissão ele estava fazendo muitos amigos
lá. Demonstrei que estava contente por ele, perguntei alguns detalhes do tipo “quantas
vezes por semana você tem aulas", etc. e a sessão acabou.
Na semana seguinte ele começa a sessão contando que havia passado
muita vergonha quando foi visitar, em uma loja, um amigo que ele havia conhecido no
curso de manequim. Esse amigo que, segundo ele, era nitidamente homossexual
trabalhava como vitrinista nessa loja. A vergonha deu-se quando, fazendo a visita ao
amigo, ele vê que sua mãe, que estava trabalhando nas mãos da dona da loja, olhava
para ele.
Até aí, vocês estão provavelmente pensando como eu no primeiro momento,
que ele sentia vergonha perante a mãe por ter um amigo homossexual. Ledo enganol
Ele teve vergonha perante o amigo porque sua mãe era manicure!
Era d'aquela mãe que o mantinha sem trabalhar, pagando-lhe curso para que
ele tivesse uma profissão que ele gostasse, que pagava-lhe a terapia, que cuidava sozinha
do irmão comprometido, etc. que ele tinha vergonha.
Tudo isto passou rapidamente pela minha cabeça e passei a agredí-lo
verbalmente, chamando-o de mal-agradecido a fútil. Terminei a sessão e (obviamente)
procurei supervisão.
Na supervisão, pude perceber pela 1* vez que os valores que eu tenho não
eram iguais aos dele (e de muitos outros clientes). Também nesse caso eu havia
respondido de uma maneira inadequada, expressando um sentimento que nâo era de
interesse do cliente. Imaginei também que ele nâo voltaria na sessão seguinte. Ele voltou.
Pude então discutir com ele alguns aspectos da sessão anterior a respeito da reação
que o comportamento dele havia provocado em mim e ele reconheceu que este era um
outro problema que ele achava que apresentava: despertar raiva nas pessoas (Santo
Kõhlenberg!!!).

Sobre comportamento e cojjnlçJo 179


Ficou comigo mais alguns anos em terapia.
O terceiro caso que gostaria de contar-lhes é o de um outro rapaz com 18 anos
que havia tido um ataque de pânico durante o exame vestibular para entrar na Faculdade
de Direito da USP (Sâo Francisco). Apesar do ataque de pânico ele havia passado no
exame e já estava iniciando o curso. Antes de dar detalhes sobre sua vida ele quis
discutir o preço das sessões, pois dependendo disso ele não poderia levar a terapia à
frente.
Disse-lhe o preço que eu cobrava e ele disse-me poder pagar apenas o
equivalente a Vi do preço. Pensando e respondendo ao sofrimento que ele havia
apresentado no episódio de pânico e respondendo a outros aspectos de minha própria
história de vida semelhantes aos dele (família pobre, curslnho com bolsa de estudos
pelos próprios mérito) que me faziam empatizar com ele, aceitei o valor.
Imediatamente ele começou a relatar sobre a vergonha à qual seu pai, aquele
incompetente falido o expunha. Já que nâo era capaz de sustentá-lo direito, já que era
(o pai) pobre, sua opinião era de que o pai deveria matar-se. Imediatamente senti raiva,
por várias razões: uma delas é que eu, na época, ainda acreditava que devia-se honrar
pai e mâe sob qualquer situação. Uma outra era a de que ele havia acabado de “regatear"
comigo o preço da st" 10 e estava desprezando os pobres - categoria na qual eu já
havia me encaixado uma vez na vida. Mas, ao invés de expressar a raiva diretamente
como poderia ter feito se não houvesse atendido o filho da manicure, mudei de tática:
resolvi perguntar mais acerca de seus problemas com o pai. O problema principal era o
de que seu pai, por não ser rico, impedia-lhe o crescimento intelectual e a boa-vida que
ele julgava que merecia. E que pobres como o pai deveriam ser varridos da face da
Terra. Começou nesse ponto a fazer comentários sobre a minha sala - pobre - e me
perguntando se eu gostava de trabalhar num lugar feio, como aquele, de forma a
argumentar que ninguém gostava de pobre.
A raiva seguiu aumentando e achei que seria a ocasião de expressá-la de maneira
adequada e atenuada. Disse a ele que iria atendê-lo como um desafio, pois ele me
parecia uma pessoa dificil de se manter uma relação social. Ele respondeu-me que
pouco lhe importava o que ele me parecia e que minha obrigação era atendê-lo, já que
ele me pagava para isso. Nesse momento, ao me surpreender com sua resposta, e
certamente com a história passada de supervisão sobre os outros casos nos quais eu
havia tido o mesmo sentimento que estava sentido naquele instante, fiz-me a seguinte
afirmação: é impossível que esta agressividade dele tenha algo a ver com o meu
comportamento em si. Ele deve estar respondendo a alguns outros aspectos de sua
história passada e, ao afirmar-lhe que ele era um desafio, uma pessoa dificil, devo ter
sinalizado uma rejeição à qual ele já estava acostumado a responder desse jeito. Afirmei-
lhe que havia combinado que o atenderia e assim eu faria. O sentimento de raiva atenuou-
se bastante nessa sessão. Voltou a aumentar e a diminuir várias vezes nos atendimentos
desse cliente, mas pouquíssimas vezes - se alguma, acredito eu - essa raiva foi expressa.
Ela serviu, em muitas ocasiões, como um estímulo discriminativo para que eu me
perguntasse “O que estaria acontecendo naquele momento?" Algumas vezes a resposta
era “Senti raiva agora porque ele apresentou valores sociais/morais/éticos diferentes
dos meus". Outras vezes porque ele questionava minha capacidade profissional. Outras
ainda, porque ele continuava apresentando os comportamentos que o impediriam de

180 Roberto A lv c * Bainico


desenvolver no sentido de sua melhora. Qualquer que fosse a razão pela qual eu sentisse
raiva ou outro sentimento muito forte, ele servia para que eu fosse atrás da contingência
em questão, tanto da sessão terapêutica quanto da vida do cliente. Isto melhorou muito
meu desempenho profissional.
Bem, já tive muitos outros sentimentos a respeito destes e de outros clientes em
algumas ocasiões. Pena, inveja, admiração, empatia, tédio, etc.
Agora que estou terminando, dei-me conta que dentre eles eu escolhi para a
análise somente situações que tiveram ou teriam com resposta o controle aversivo do
comportamento.
Tentando fazer uma auto-análise, acho que fiz isto porque, como muitos
behavioristas, acredito que o mundo(e as relações entre as pessoas) serão melhores se
os episódios comportamentais de derem na base do reforçamento positivo. E isto é
possível.
A grande tarefa que nos resta é, pararalelamente ao levantado proposto pelo Dr.
Kõhlenberg, dos CCRs dos clientes, perguntarmo-nos: e quais seriam os CCRs do
terapeuta?
Acho que, atentar, e reforçar CCRs dos clientes é uma parte importante do
processo terapêutico. Conhecermo-nos, reconhecermo-nos e usarmos nossos
sentimentos como S°s para a nossa prática é uma outra. Espero ter contribuído, ao
expor minhas experiências, em demonstrar o quanto isto foi importante para minha
profissão e, talvez, para a formação de outras pessoas.

Sobre comportamento e cognlfílo 181


:=Capítulo 20

"Mudanças do controle por regras falsas


para o controle por contingências" ou:
"Dê uma chance para as contingências"
M iily P c Iitti
P U C /S P

Q uando alguém procura por terapia o faz porque está sob controle de
contingências aversivas e/ou não tem repertório para modificá-las. Ou então está sob
controle de regras falsas que freqüentemente sinalizam comportamentos de esquiva e
impedem que a pessoa entre em contato com as contingências.
No primeiro caso, o trabalho do terapeuta comportamental constará basicamente
de instalar ou aperfeiçoar repertórios de comportamentos que habilitem o indivíduo a
alterar as contingências aversivas ou sair do seu controle. No segundo caso, o terapeuta
deverá atuar no sentido de levar o cliente a discriminar as regras falsas e sair do controle
das mesmas para que fique sob controle das contingências mais adequadas à sua vida.
Quem define a meta è o cliente mas, quem o orienta no processo de atingl-la é o terapeuta.
Neste trabalho apresentarei um caso clínico em que meu papel como terapeuta foi o de
indagar sistematicamente junto á cliente o por que e/ou a validade das regras, que
controlavam todo um repertório de esquiva e a impediam de entrar em contato com as
contingências. Na realidade, parece que o que fiz foi, através do meu questionamento,
dar uma instrução ou regra que poderia ser assim resumida: dê uma chance para as
contingências.

182 M d ly P c llttl
Cliente - a quem chamarei de X, é uma mulher de 30 anos, casada há 3 anos,
com uma filha de 2 anos, estudante universitária. É o segundo casamento de seu marido
que tem 42 anos e três filhos do primeiro casamento; um menino de 11 anos, um de 9
anos e uma menina de 14 anos.
Queixas:
1. Dificuldade muito grande no âmbito do desejo sexual: pouco desejo,
comparando-se ao desejo do marido, demora para se envolver sexualmente. Quando
conseguia se envolver, o relacionamento era bom, com orgasmos satisfatórios.
Quando é fim-de-semana das crianças, (isto ó, dos filhos dele) fica ansiosa,
insegura e assexuada. “Não consigo sentir tesâo pelo pai daquelas crianças."
2. Dificuldade de relacionamento com os filhos do primeiro casamento do marido,
e principalmente com a menina.
Sente-se incomodada com a presença dos filhos dele. “Viro uma empregada"
(ela tem cozinheira, babá, arrumadeira). Diz que os filhos são bobos, nâo comem nada,
não sabem brincar.
O marido fica “meio bobo", atendendo aos três filhos. A menina compete comigo
e ele, Y, fica dividido, sem me dar atenção."
História de Vida (resumo)
Filha de mãe solteira, não conheceu seu pai. Embora soubesse seu nome, não
quis procurá-lo.
X teve um padrasto que lhe deu um sobrenome e uma irmã, com 14 anos no
início da terapia de X. A mâe de X era hippye. X viveu em comunidades durante a
infância e dizia que sua mãe tinha uma vida promíscua.
Sua avó materna, com a qual viveu durante toda a infância era católica, tradicional
e “cheia de frases feitas como: moça de família não faz isto, moça de bem não faz
aquilo” etc, etc. A própria mãe de X lhe dizia para “fazer o que digo e não fazer o que
faço", passando-lhe mensagens incongruentes em relação ao seu comportamento verbal
e o resto de seus comportamentos - promiscuidade, liberalidade, etc.
Dos 14 aos 17 anos X se envolveu com drogas e com "o pior rapaz da cidade" -
filhinho de papai, desocupado, drogado. Passa a namorá-lo, vai viver com ele e junto
com ele se muda para São Paulo. Trabalha em uma loja por um dia e depois vive nas"
baladas de drogas, sexo e rock and roll". Vive com ele e outras pessoas, em uma casa
"sempre cheia de gente, bebida e droga."
Quando tem 18 anos ele volta para o interior. X deixa as drogas e fica em São
Paulo passando a trabalhar como "Garota de Programa". Como" garota de programa" X
sai muito, viaja bastante, até para o exterior, faz algumas ‘pontas’ na TV e acaba
conhecendo (como profissional) o futuro marido. Após mais ou menos oito meses saindo
com ele como profissional, começam a namorar, deixa de se prostituir e vai viver com
ele que efetua sua separação da esposa para ficar com ela.
Quando vem procurar a terapia (após já ter feito em outra abordagem) está
vivendo com o marido há três anos e já tem o filho de 2 anos.

Sobrr corri(>or1iirricnto e cognlção 183


A partir dos dados da história de vida e de outras informações até aqui colocadas,
já sé pode hipotetizarque a cliente, de alguma forma, seguiu o modelo de vida promíscua
de sua mãe. Pode-se também concluir que a mesma não conseguia ter uma relação boa
com o marido na presença dos filhos dele porque para ela, era aversivo não ser o centro
das atenções. Ela concorre com os filhos, em especial com a menina, que também
concorre com ela.
Apresentarei a seguir alguns trechos de sessões que chamei de fragmentos de
sessões para ilustrar o processo terapêutico e o que penso ter ocorrido quanto ao controle
por regras.

12 “Fragmento de sessões”
(11 * Sessão)
CL - Eu não te contei ainda mas... quero dizer que quando vou transar acontece
uma coisa. Penso que se eu pensar em mulheres eu ficaria com tesão. Mas aí penso
que é errado e fico ansiosa, não me envolvo.
TP - Por que você não pode pensar em mulher?
CL - Porque pode significar alguma tendência homossexual e eu não sou lésbica
- já estive em uma cama com outra mulher-quando fazia programa - e não aconteceu
nada - eu não quis.
TP - Então porque você não pode se permitir pensar? Não seria uma fantasia
como qualquer outra?
CL - É, talvez...
(12« SESSÃO)
CL - Sabe, na hora de transar eu pensei que talvez pudesse pensar em mulher,
afinal você disse que seria só uma fantasia e, sabe o que aconteceu? Não precisei
pensar nada - me excitei olhando meu marido - me envolvi e foi muito bom. E em outra
ocasião me permiti pensar em mulher, contei para o meu marido e ele também curtiu a
fantasia.
Desta sessão em diante a cliente não “precisou mais pensar em mulher" ou, se
pensava, envolvia o marido na fantasia pois sabia que não era proibido e aproveitava a
relação sexual.
Nesta situação podemos levantar uma série de hipóteses quanto ao controle de
seu comportamento por regras.
Começamos a discutir na terapia a idéia de que ela precisava transgredir regras
-co m o primeiro namorado, na situação atual com o marido, etc. Ela acabava incorporando
como suas, as regras da avó, da mãe, da sociedade - isto é, extraídas de contingências,
mas, que eram agora, regras falsas e tentava transgredir estas regras mesmo quando
haviam conseqüências aversivas.
Exemplo: usar drogas - era SR e era aversivo e ainda havia a regra de que "não
era moça de bem, de família". Pensar em mulheres era um comportamento encoberto

184 M dly PcllMI


que sinalizava contingências reforçadoras sexualmente-“era sexo mais sofisticado, não
sexo careta" - (sábado após os filhos dormirem). No entanto, este comportamento
encoberto vinha acompanhado de uma regra que sinalizava punição - “então é errado -
significa que sou lésbica". Parece que ficar se defrontando com esta regra era incompatível
com envolver-se nas contingências reforçadoras da situação sexual. De alguma forma,
a pergunta do terapeuta “porque não pensar?" (que eu traduzo por dê uma chance às
contingências) liberou do controle daquela regra e permitiu que ela ficasse em contato
com as contingências.

2fi Fragmento de sessões


(17* SESSÃO)
CL - Hoje pensei em te falar do passado, de quando eu fazia programa, mas
deve doer muito, afinal é um passado triste, vida de garota de programa é horrível, é
promíscua ( parece minha mãe) nem é bom lembrar...
TR - O que havia de bom naquela vida?
CL - Como, o que havia de bom?
TR - Acho que deveriam existir coisas boas, afinal você ficou vivendo assim
durante um ano.
CL - Demonstra surpresa - “puxa, eu nunca parei para pensar que haviam
coisas boas naquela vida, mas haviam mesmo - muitas - ganhei dinheiro, viajei de
primeira classe até para o exterior, fiquei em hotéis 5 estrelas... o ruim era só transar
com alguns clientes, porque até isto com alguns era agradável."
TR - Então acho que dá para entender um pouco melhor a diferença que você
faz do sexo sofisticado e do sexo careta.
CL - É verdade, é como se eu não pudesse transar legal com Y (marido) exceto
quando ele age como quando eu o conheci, me seduzindo e paquerando com sofisticação,
inclusive me levando à transgressão"( conta que ele a levou a um streap tease e ambos
gostaram muito).
A partir deste momento começamos a analisar em sua terapia o fato que parece
que havia dois conjuntos de regras:
1. “Sexo bom é sofisticado, com requinte e até transgressão" que era incompatível
com...
2. "casamento, que dá respeitabilidade, estabilidade econômica, filhos,
respeitabilidade, etc..."
Na realidade seu comportamento sexual “sofisticado e transgressor” foi muito
reforçado - com o primeiro namorado, quando garota de programa - culminando com o
reforçamento máximo - conhece o marido que ela achava ser um príncipe - rico, bonito,
estável - que se separa da esposa para ficar com ela - isto lhe dá respeitabilidade,
posição social, dinheiro, família, etc.
A respeito da respeitabilidade pode ser interessante comentar que quando saía

Sobre comporí.imcnfo c cognífiTo 185


com o marido e ia jantar fora, ela às vezes fazia questão de dar uma volta pelo restaurante
sem o marido enquanto pensava - "estou aqui mas não para encontrar cliente - sou uma
esposa com o marido."
Neste momento da terapia a cliente conta que teve o seguinte sonho: “O marido
chegava e lhe dava um colar de pérolas, quando ela pega o colar se transforma numa
bijuteria". Perguntei-lhe o que ela achava que era seu sonho e ela disse que estavam
passando por uma situação econômica muito dificil, que o marido na verdade não era
um príncipe ou uma jóia, mas um homem ou uma bijuteria. “Quero a pérola mas tenho a
bijuteria e ela também é bonita."
Minha opinião quanto ao uso do sonho em terapia (como um comportamento
encoberto) já foi colocada em outro trabalho. No entanto, creio que este exemplo ajuda
a entender a discriminação que esta cliente estava passando a fazer, de que vivia em
um mundo de fantasia com o marido, que este reforçava seu padrão de esquiva quanto
à realidade sócio-econômica em que estavam vivendo.
Exemplo:
Marido diz:: O dinheiro está acabando e minha mãe não quer mais nos ajudar.
CL - Quer que eu despeça a babá?
Marido - Não precisa, a gente dá um jeito.
CL - Então está bem.
Na realidade, do conjunto de SDS fornecidos pelo marido, a cliente seleciona
algumas para efetivamente controlarem seu comportamento. No caso aqui, a última
frase - “Nâo precisa, a gente dá um jeito" é a única que controla o seu comportamento.
Este padrão de discriminação passou a se modificar. A cliente passou a viver
mais de acordo com suas possibilidades. Por exemplo, deixando de ter aulas de tônis e
diminuindo a freqüência à terapia, já que não conseguia pensar em trabalhar pois achava
que tudo que fosse ganhar seria pouco em relação ao que precisava.
Neste momento aconteceu algo interessante. A cliente conheceu na rua, em
uma loja, um rapaz rico, com carro importado, celular, roupas finas, etc, e ele a ficou
paquerando embora ela dissesse que era casada.
O rapaz lhe deu o número do seu telefone e ela ficou 15 dias com o telefone dele
guardado. Na terapia colocou que talvez ele sim fosse um príncipe, mas que ao sair com
ele perderia a respeitabilidade e poria em risco seu casamento e não queria isso.
Nesta situação parece que a cliente desenvolveu uma regra para controlar seu
comportamento. Ela emitiu os comportamentos encobertos, até fantasias com o rapaz
mas a regra “quero ser respeitável", além das contingências de seu próprio casamento
que estava muito melhor, controlaram seu comportamento de apenas guardar o telefone
enem ligar.
Com os filhos do marido existia também uma regra - “eles nunca vão me respeitar,
são filhos da ex-esposa."
Sobre essa ex-esposa vale a pena comentar: é uma empresária muito rica, de

186 M a ly P c lU tl
família tradicional e muito bem sucedida profissionalmente. Também aqui a regra foi
questionada pelo terapeuta e foi sugerido que X tentasse ver os filhos dele, principalmente
a menina, como crianças e nâo como competidores. A medida em que X vai modelando
uma nova relação com as crianças, o marido se sente menos ansioso. Relatou para ela
que se sentia dividido demais e passou a dar mais atenção a X mesmo com os filhos
juntos. Ex: fim de semana dos filhos ele vai jantar fora com ela e a leva ao motel -
(reforço com sexo sofisticado).
Em entrevista de follow-up a cliente informou que uma determinada sessfio eu
lhe pedi que observasse comportamentos agradáveis e/ou qualidades dos filhos do
marido. Segundo ela, esta instrução foi muito importante, pois além de ter conseguido
discriminar comportamentos das crianças, que eram reforçadores, ela também generalizou
este comportamento, isto é, em cada situação que se percebia com idéias pré-concebidas,
parava e tentava discriminar mais objetivamente os fatos. Parece claro que mesmo diante
de uma regra já estabelecida, esta cliente passou a dar uma chance às contingências,
ou seja, conseguiu enfrentar as regras falsas expondo-se às contingências do momento.
Esta cliente interrompeu as sessões temporariamente como um outro corte nas
despesas - o marido também interrompeu sua terapia, ginástica, etc. No contato para
follow-up, ela relatou que continua bem, “curtindo a bijuteria embora também gostasse
de pérolas” e disse que pretende retomar para o atendimento quando for possível, pois
está dando umas aulas particulares e entâo conseguirá pagar a terapia.
Em resumo, penso que meu papel neste processo foi o de analisar regras que
nâo especificavam contingências e o de criar condições para a remoção destas regras,
através do questionamento e da instrução “dê uma chance às contingências", que embora
nunca tenha sido explicitada, esteve subjacente a quase todas minhas intervenções.

Bibliografia

KANFER, F. H. (1989) The Sdentist-Practitionerconnection: Myth orRea!ity?A Response


to Perrez. New Ideas ín Psychology. Vol 7, n* 2.
KERBAUY, R.R. (1996) Preenchendo a distância entre o laboratório e a psicoterapia.
Anais da 489 Reunião Anual da SBPC.
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SKINNER, B. F. (1967) Ciência e Comportamento Humano. Ed. Universidade de Brasilia.

Sobre comportamento e cognlçâo 187


Capítulo 21

Sentimentos e emoções no processo clínico


Sônia Beatriz M c y c r
Universidade São Judas Tadeu/SP

É comum ouvir que sentimentos e emoções, assim como outros 'estados


subjetivos', nâo sâo levados em conta pela Teoria Comportamental. De fato isto ocorreu,
especialmente nos primeiros trabalhos aplicados, mas a prática clínica mudou muito
neste sentido. Isto não quer dizer que as conceituações teóricas tenham sofrido mudanças
fundamentais. As bases teóricas estabelecidas por Skinner foram e continuam sendo as
que embasam o trabalho clínico dos behavíoristas radicais.
Da perspectiva behaviorista, sentir é uma espécie de ação sensorial, assim como
ver e ouvir, e que é, basicamente resposta de glândulas e de musculatura lisa. Aquilo
que sentimos são condições de nosso corpo.
Já discriminar aquilo que sentimos e falar sobre isso sâo comportamentos
aprendidos, produtos da comunidade verbal que nos ensina a descrever o que fazemos,
o que pensamos e o que sentimos (Skinner, 1989).
O papel dos sentimentos e de outros ‘estados subjetivos’ foram tema de grande
parte dos escritos de Skinner. Suas críticas com relação ao papel dos sentimentos foram
dirigidas ao mentalismo, considerando essencial que o behaviorismo suplantasse seus

188 Sônia Beatrl; M c y r r


poderosos efeitos, que são os de desviar as perguntas da investigação do papel que o
ambiente desempenha. Skinner (1974) afirmou que as explicações mentalistas acalmam
a curiosidade e levam a indagação à imobilidade. Considerou que por ser tão fácil observar
os sentimentos e estados mentais num momento e num lugar que os fazem parecer
como causas, isto é, imediatamente antes de uma ação, não nos predispomos a investigar
mais. Mas uma vez que começamos a estudar o ambiente, sua importância se torna
inegável.
A colocação de Skinner de que sentimentos não são causas de comportamentos
foi extremamente importante. Mas a ênfase em negar um status especial para sentimentos
parece, especialmente sob a ótica dos terapeutas comportamentais, excessiva. No
contexto de seus escritos isto é compreensível, já que ele aponta que o enfoque da
Psicologia em sentimentos não contribuiu significativamente para diminuir os problemas
sociais com os quais nos deparamos. Mas quando ele afirma que sentimentos são
meramente produtos colaterais das condições responsáveis pelo comportamento ele
transmite a noção de que estes são desnecessários e que não possuem função própria,
diferente da função do comportamento público. Mas por que esta forma de comportamento
encoberto aparece no ser humano? è possível que sentimentos tenham uma função
especial? Será que poderíamos viver sem entrar em contato com eles? Por que as
terapias, mesmo as comportamentais, têm trabalhado com sentimentos e outros
fenômenos encobertos?
Sentir e descrever o que sentimos são certamente comportamentos universais,
ocorrendo em todas as culturas através dos tempos. Esta já seria uma indicação de que
devem ter um valor de sobrevivência para a espécie e cultura humana.
É possível, então, levantar a hipótese de que os sentimentos têm uma função
especial, que difere da do comportamento público. Esta hipótese é derivada do seguinte
raciocínio: A importância do autoconhecimento é admitida tanto por Skinner quanto por
outros teóricos e aplicadores da Psicologia. Mas, o sentimento não é um bom instrumento
de autoconhecimento, no sentido de que o comportamento auto-descritivo não fica sob
controle preciso de estímulos privados. O indivíduo não é capaz de descrever as condições
do corpo que ocorrem quando ele se comporta, relacionando-as aos estímulos que as
produziram. Skinner (1974) afirma, que os sistemas nervosos que temos, o interoceptivo,
o proprioceptivo e o exteroceptivo não se desenvolveram para este propósito. O que
estes sistemas permitem é que sintamos dor, alterações de temperatura, mudanças da
posição do nosso corpo, enfim, permitem percepções mais precisas, que podem ser
relacionadas aos eventos ambientais externos ou internos que as originaram. As funções
biológicas inicialmente responsáveis pela evolução do sistema nervoso, não produziram
o sistema que a comunidade verbal necessita para a percepção precisa dos eventos
ambientais relacionados com o comportamento, ou seja, não temos terminações nervosas
que indiquem que nosso comportamento foi reforçado ou punido, ou que esteja sob
controle de outros processos comportamentais. O autoconhecimento surgiu muito mais
tarde na história da espécie humana, como um produto de contingências sociais arranjadas
pela comunidade verbal, e estas contingências não estão em vigor há suficiente tempo
para permitir a evolução de um sistema nervoso apropriado (Skinner, 1974).
Entretanto, é possível considerar que os sentimentos e outras formas de
comportamentos encobertos são os mecanismos que o organismo possui de perceber

Sobre comportamento c coRnfftlo 1 8 9


os processos comportamentais e sua história de reforçamento, mesmo que não produzam
informações precisas. Estes mecanismos seriam, neste sentido, um “sistema nervoso"
mais precário. E a comunidade verbal tem se encarregado de torná-los mais precisos,
se interessando e considerando importantes os sentimentos, pensamentos, intuições e
sonhos das pessoas. (Talvez o movimento psicanalítico seja historicamente tâo importante
por ter dado grande destaque a eles). Na clínica, por exemplo, o relato de um cliente de
que um acontecimento por ele vivenciado ter sido acompanhado de sensação agradável,
não garante que tenha ocorrido reforçamento positivo, mas certamente serve como
indicador, isto é, permite que esta hipótese seja levantada. Da mesma forma, os
sentimentos relatados e observados podem Indicar que dados da história de vida são
relevantes.
Em “Sobre o Behaviorismo", Skinner (1974) descreveu vários sentimentos que
ocorrem de forma associada a processos comportamentais. Os exemplos apresentados
ressaltaram que as condições corporais correlatas que podem ser sentidas ou observadas
introspectivamente, não são as causas dos estados ou das mudanças de probabilidade.
Mas para os psicólogos clínicos os exemplos são úteis na forma inversa, isto é, interessa
analisar como é que as condições sentidas podem indicar os processos comportamentais
relevantes.
Eis alguns dos exemplos:
A sensação de confiança ocorre quando certo ato é quase sempre reforçado. Fé
é suscitada também por reforço freqüente. A pessoa pode ainda sentir-se segura ou
certa de que será bem sucedida. Experimenta uma sensação de domínio, de poder ou
de potência. O reforço freqüente também origina e mantém o interesse por aquilo que a
pessoa está fazendo.
Sensações como as de perda de confiança, de certeza ou de sensação de poder,
e os sentimentos de desencorajamento, impotência, ou de depressão, são relacionados
com o processo de extinção.
A frustração seria uma tendência de atacar o sistema, característica de uma
falta de reforço. Saudades seria o sentimento associado com a falta de uma ocasião
apropriada para o comportamento.
Já sentimentos como ambição, persistência, entusiasmo ou compulsão são
produzidos por esquemas de reforçamento intermitente favoráveis.
A condição chamada de abulia, isto é, a falta de vontade ou incapacidade para
agir, ocorre em situações em que a razão entre respostas e reforços foi muito “esticada"
até tomar-se desfavorável.
Em outro exemplo Skinner diz que afirma-se frequentemente que as pessoas
jogam por causa da excitação, mas todos os sistemas de jogo se baseiam em esquemas
de reforço em razão variável. Esperança ocorre de forma associada com esquemas de
reforçamento intermitente, nos quais o comportamento é mantido por longos períodos
de tempo com pouquíssima retribuição.
Existem diferenças importantes nos sentimentos gerados por eventos aversivos:
O que uma pessoa sente quando está numa situação em que foi punida depende do tipo
de punição e depende frequentemente do agente ou instituição punitiva. Se foi punida

190 Sônia Hcatrl/ M c y c r


por seus iguais, diz-se que ela se sente envergonhada; se foi punida por uma instituição
religiosa, diz-se que se sente pecadora; se foi punida por um órgão do governo, diz-se
que se sente culpada.
Inibição, timidez, embaraço, medo ou cautela sâo os sentimentos associados
aos casos em que o comportamento tem tanto conseqüências reforçadoras como
punitivas, e o comportamento ocorre, mas de forma enfraquecida. A punição excessiva
produz uma deficiência mais crítica de reforço positivo e torna a pessoa mais vulnerável
a uma depressão severa e à desistência.
O autoconhecimento pode ser afetado quando a punição ó particularmente severa.
O comportamento suprimido pode incluir o comportamento envolvido no conhecimento
relativo a condições corporais correlatas. O resultado é aquilo que Freud chamou
“repressão".
Em todos estes exemplos, Skinner criticou o papel causai dos sentimentos. Mas
ele absolutamente não nega a sua existência. Ele considera os sentimentos também
como comportamentos, apesar de encobertos, isto é, nâo observáveis por outras pessoas.
E como comportamentos, para poder entender os sentimentos, devemos analisar as
contingências das quais eles são função.
Apesar das críticas feitas, Skinner (1989) afirma que existem muitas boas razões
para as pessoas falarem sobre seus sentimentos. O que elas dizem dão dicas quanto ao
comportamento passado e as condições que o afetaram, ao comportamento presente e
às condições que o afetam e às condiyJes relacionadas com comportamento futuro. O
autoconhecimento tem um valor especial para o próprio indivíduo. A pessoa está mais
“consciente de si mesma" pelas perguntas que lhe fizeram e está numa melhor posição
para predizer e controlar seu próprio comportamento.
A importância de entrar em contato com os sentimentos e de expressá-los é
muito vivenciada pelos terapeutas. O cliente vem buscar terapia quando está
experimentando sensações, sentimentos de incômodo ou desconforto, ou seja, sâo os
sentimentos que levam uma pessoa a buscar ajuda. Mas o cliente frequentemente nâo
sabe descrever com clareza o que sente e suas sensações também não sâo sentidas de
maneira precisa, o sâo apenas de forma difusa. Ao nâo saber descrevê-las e nomeá-las
esta pessoa nâo sabe o que fazer com elas, nâo sabe analisar as contingências
envolvidas, nâo as utilizando portanto para previsão e controle de seu próprio
comportamento. Quando o cliente consegue identificar as relações entre os
comportamentos abertos e os encobertos, e consegue perceber de que variáveis eles
sâo função, estará mais apto a modificar seu comportamento e/ou ampliar seu repertório.
A expressão de sentimentos e emoções durante as sessões de terapia indica ao
terapeuta que o cliente está em contato com as variáveis controladoras que estão eliciando
a emoção e o comportamento associado (Kõhlenberg, 1987). Se, ao contrário, o cliente
não entra em contato com as variáveis que controlam seu comportamento, nâo aparecerão
respostas emocionais e nem seu repertório típico de lidar com estas situações. Neste
caso nâo ocorrerá o autoconhecimento, isto é, a possibilidade de previsão e controle de
seu comportamento, e nâo ocorrerão oportunidades de reaprendizagem.
A falta de contato com as variáveis controladoras deve-se frequentemente à
esquiva do cliente das situações que podem provocar a expressão de afeto. Estas situ­

Sobrr romport<«mrnlo c co r ii I ç.I o 191


ações podem ser bastante aversivas. Isto é uma provável decorrência das punições
recebidas durante o processo de socialização quando sentimentos e emoções da criança
eram expressos. A punição podia ser explícita (repreensões, agressões físícas) ou
implícita (o levantar de sobrancelhas, franzir de testa e outras expressões de desagrado).
É como se os adultos as educassem para seguirem regras, não para sentirem, isto ó,
para não estarem em contato com as contingências. Seguir significa não fugir aos padrões
sociais, ao que é considerado “adequado". Além desta punição a criança observava o
modelo dos adultos à sua volta que não expressavam o que sentiam. Pelo contrário,
muitos lhe comunicavam que o sentimento é sinônimo de fraqueza. Homem não chora.
De fato, limitar a expressão de afeto é do maior interesse da cultura, como no caso do
piloto de avião que “desespera-se" numa emergência (Kõhlenberg, 1987, Miranda e
Miranda, 1993).
Os efeitos da punição da expressão de emoções aparecem de várias formas. É
usual uma insatisfação geral e difusa, para a qual a pessoa não tem uma explicação. Às
vezes, quando todos os eventos externos parecem perfeitos - um bom emprego, o
casamento ajustado, crianças saudáveis, uma bela casa e o último carro do ano - a
insatisfação persiste, sem uma explicação aparente. Em outros casos, é o corpo que
começa a mostrar os sinais - dores inexplicáveis, insônia, inapetência e até mesmo
doenças sem qualquer causa orgânica, que são denominadas de “psicossomáticas".
Algumas vezes, o resultado final é um "estouro" inesperado: o casamento desfeito, o
emprego abandonado, a mudança brusca de vida e, às vezes, a perda de contato com a
realidade, que traz para a pessoa a conseqüente rotulaçâo de “paciente psiquiátrico"
(Miranda e Miranda, 1993).
Quanto ao manejo dos sentimentos e emoções no processo clínico, o objetivo
principal do terapeuta é o de ajudar seus clientes a entrarem contato com as variáveis
controladoras de seus comportamentos, o que inclui, como vimos, perceber seus
sentimentos. Para isto é necessário que, como terapeuta, ele observe indícios de que
seu cliente possa estar evitando sentir e/ou expor seus sentimentos. Quando isso ocorre
ele pode retomar os estímulos dos quais seu cliente parece estar se esquivando, ou
encorajá-lo a expressar seus afetos e as lembranças difíceis.
A forma de conseguir expressão de emoções tem sido bastante estudada por
terapeutas das mais diversas abordagens, pois possivelmente todas as abordagens em
psicologia consideram esta expressão parte fundamental da terapia. O que muda, na
Terapia Comportamental é a explicação que é dada. Nesta, não se considera que a
expressão emocional elimine o problema, como o termo catarse sugere. Também não
se considera que se a emoção nâo for expressa ela aparecerá de outra forma, como na
anteriormente citada doença psicossomática. A doença, ou outros problemas poderão
aparecer, mas não porque a emoção deixou de ser expressa, mas muito mais porque as
contingências que as originam não foram modificadas. A explicação da necessidade da
ocorrência da emoção na Terapia Comportamental está no seu papel de indicador de
contingências relevantes que estão ocorrendo ou que ocorreram na história de vida do
cliente.
Algumas coisas podem ser ditas aos clientes que relutam em expressar aquilo
que sentem: que sentimentos não são certos ou errados, eles simplesmente existem.
Tenta-se desta forma diminuir a culpa ou vergonha por experimentar um sentimento que

192 5ôfi(u Kciifrfr Meyer


ele julga errado. Seria dito que sentimentos fazem parte da condição humana, reconhecê-
los e aceitá-los fazem parte de um autoconhecimento. Pode-se também informar aos
clientes que seus sentimentos nem sempre determinam suas ações. Muitos temem que
se permitirem a expressão de sentimentos destrutivos, acabarão agindo destrutivamente.
Pode-se dizer que é possível para ele nâo agir sempre de acordo com seus sentimentos.
Dependendo do contexto, existe também o recurso de mostrar que as emoções não são
imutáveis; quando o contexto em que elas ocorrem muda, a emoção também deixa de
ser a mesma. Afirmações quanto à importância da expressão assertiva dos sentimentos
em contraposição à falta de expressão ou à agressividade é muito usada por terapeutas
comportamentais, existindo ampla literatura sobre treino de assertividade.
O papel do terapeuta vai além do de facilitar ocorrências de emoções. Ele deve
responder aos sentimentos expressos, no momento adequado. Momento adequado pode
ser entendido como aquele em que a probabilidade do cliente escutar e continuar a
análise é grande. Neste sentido, momento não adequado seria aquele no qual a resposta
do terapeuta produza algum tipo de esquiva. Ao responder aos sentimentos, ocorre
geralmente um encadeamento de comportamentos encobertos do terapeuta: ele identifica
a categoria do sentimento, identifica sua intensidade, identifica que eventos podem ter
sido responsáveis por sua ocorrência, escolhe o termo que melhor descreve o que
observou, decide se deve responder apenas ao sentimento ou se responder ao
sentimento e ao conteúdo, para finalmente se expressar.
O comportamento de identificar afetos envolve observação de comportamentos
não verbais, e dos aspectos não vocais das verbalizações: a entonação, cadência, volume
da voz, silêncios... Ter um vocabulário desenvolvido de termos que indicam emoções
nas suas diferentes intensidades também é uma habilidade desejável. Existem algumas
categorias gerais de sentimentos como alegria, tristeza, raiva, medo, confusão. E numa
mesma categoria termos diversos indicam intensidades diferentes do mesmo sentimento.
Na categoria raiva, pode-se estar enfurecido, aborrecido, ou apenas irritado (Miranda e
Miranda, 1993). Um outro recurso do terapeuta para identificar sentimentos é a empatia:
observando e escutando seu cliente, ele pode se perguntar como estaria se sentindo se
estivesse na situação do outro.
O que é dito deve ser ouvido de forma não literal. Por exemplo, uma pessoa
pode relatar durante a sessão que não sabe o que está errado, não consegue imaginar
o que seja. Diz que possivelmente o melhor a fazer é desistir. O terapeuta não estará
respondendo aos sentimentos se tentar explicar o que pode estar errado, começar a
questionar os fatos, ou mesmo propor soluções. Ele mostrará estar escutando os
sentimentos quando diz à pessoa que ela parece estar perplexa, ou desanimada, e
tentada a dar-se por vencida. O cliente provavelmente se sentirá compreendido, e estará
mais disposto a continuar este diálogo. O terapeuta estará respondendo aos sentimentos
e ao conteúdo, se além de identificar o afeto ele procurar relacioná-lo com os eventos
ocorridos. Neste caso ele poder usar frases tais como: "Diante de ... você se sente ...;
quando... acontece, você se sente ...; você se sente ... toda vez que ...” (Miranda e
Miranda, 1993).
Se o terapeuta comunicar um sentimento que não corresponde ao que seu cliente
está sentindo, este costuma corrigi-lo ou explicar melhor o que está ocorrendo, e isto
pode ser considerado como parte natural do processo terapêutico, isto é, desde que tais

Sobre comportamento c cofinlçüo 193


"erros" nâo produzam esquivas continuadas.
O último aspecto a ser abordado são os sentimentos do terapeuta com relação
a seus clientes. A indagação e identificação de seus próprios sentimentos pode fornecer
dicas acerca de que tipo de estímulo discriminativo o cliente fomece em uma relação
pessoal. Quando o terapeuta sente irritação, carinho ou tédio frente a um determinado
cliente, precisa identificar se tais eventos internos estão relacionados a eventos de sua
própria história pessoal, ou se tais encobertos se relacionam a contingências que envolvem
o comportamento do cliente e que portanto devem fazer parte de suas relações pessoais
em geral. Neste caso, podem ser entendidos como uma amostra de seu comportamento
fora da sessão terapêutica e o terapeuta pode mostrar isto a seu cliente.

Bibliografia

KÕHLENBERG, R. J. (1987) Functional AnalyticPsychoterapy, em Jacobson, N. S.


Psychotherapists in Clinicai Practice: Cognitivo and Behavioral Porspoctives.
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SKINNER, B. F. (1889) Recent Issues in the Behavior Analysis. Columbus: Merril
Publishing Company.

194 Sônia Btalriz Meyer


Capítulo 22

Análise funcional de um caso clinico de


depressão
Vera Regina Lignelli O fero
Clínica OR TEC- Ribeirão M a /S P

E ste relato nos permite verificar e enfatizar que há diferentes possibilidades de


compreensão e intervenção na condução de um caso clínico. É enriquecedora a
oportunidade de ter um outro profissional fazendo uma outra análise funcional de uma
mesma história de vida.
Selecionei apenas alguns aspectos da condução deste caso, o de uma moça,
que chamarei pelo nome fictício de Gilda.
No início do atendimento ela tinha 31 anos de idade, era casada, trabalhava
como professora; seu nível sócio econômico era médio alto; tinha um filho de 7 anos.
Nos primeiros contatos ela apresentou as seguintes queixas e informações:
• tinha perdido os pais e um irmão num acidente;
• sentia muita angústia, não tinha ânimo para nada; sentia sempre o corpo todo doído;
parecia-lhe sempre que acabava o gás; estava dormindo e comendo muito mal;
• há dois anos tinha tido uma depressão muito forte que levou-a a afastar-se do trabalho

Sobre comportamento e cojjnlçáo 195


por um período de 15 dias;
• sentia muita vontade de parar definitivamente de trabalhar fora de casa, dizia que
muitas vezes odiava o que fazia;
• era desanimada e introvertida desde criança;
• nâo freqüentavam a casa de nenhum amigo e nâo recebiam visitas de amigos; raramente
recebiam visita de parentes;
• sentia-se como uma pessoa sem vontade própria, sem determinação, que reclamava e
implicava com e de tudo e todos;
• sentia-se como uma pessoa muito complicada de se entender, tendo reações
imprevisíveis de raiva, braveza e agressividade;
• era extremamente rígida, especialmente com o filho e o marido;
• apresentava uma imensa dificuldade em expressar desejos e sentimentos bons; os
ruins afloravam com muita facilidade nos momentos de raiva;
• descrevia-se como muito enrolada. Dizia: "enrolo, enrolo, e nâo faço nada. As coisas
na minha mão não andam, ao contrário do que acontece com o meu marido, que
resolve tudo, faz tudo e acha tudo muito fácil. Eu acho tudo muito difícil.”
• sentia medo de tudo, tendo freqüentemente a sensação de estar paralisada: não
conseguia decidir o que comprar para si, o que cozinhar, o que fazer em uma determinada
situação, etc. isto acontecia de uma forma acentuada quando sentía-se deprimida; nos
estados de depressão mai»leve conseguia fazer atividades como essas, embora com
grande dificuldade;
• a despeito de não sentir-se envolvida com nada, na maior parte do tempo, ocupava-se
com as seguintes atividades basicamente: trabalhava em uma escola por um período de
4 horas; levava e buscava o filho na escola e em suas demais atividades; fazia ginástica
e fisioterapia, duas vezes por semana, por indicação médica. Em casa ela cozinhava.
Segundo seu relato, não sentia nenhum prazer em realizar nenhuma dessas tarefas,
independentemente do estado emocional em que estivesse;
• não conseguia mais ler ou executar nenhuma atividade como bordar, fazer tricô, costurar.
Apenas tinha vontade de ficar quietinha, isolada em seu quarto Sentia-se sempre muito
deprimida.
Com relação a sua história de vida, podemos apresentar os seguintes dados,
ilustrados com algumas lembranças descritas por Gilda, como significativas e típicas:
Sua mâe era uma pessoa simples, com pouca instrução, não gostava de sair de
casa para nada, falava muito pouco, trabalhava muito em casa e era bastante submissa
ao marido; só em último caso comprava alguma coisa para si mesma.
Seu pai era autoritário, conversava apenas o necessário; não gostava do que
fazia. Foi muito rigoroso com Gilda .
Seu marido era também de família simples que com bastante esforço pessoal
tornou-se um excelente profissional de nível superior. Era uma pessoa, tranqüila, com

196 Vera Kcflliui Llflnelll Oteto


muita aceitação em relação aos fatos da vida; sempre fez o que era preciso. Gilda descrevia-
o assim: “Sempre foi um lutador, muito diferente de mim; fala pouco, mas sinto-
me segura em relação ao afeto dele por mim. Ele sempre segurou a barra em
tudo, principalmente quando não estou bem . E ele sempre está de bem com a
vida.”
Infância e adolescência:
• foi uma criança sempre muito sozinha, sem brinquedos; relatava nunca ter brincado de
casinha ou boneca.
• seu pai nâo a deixava ir brincar na rua junto com as meninas da vizinhança, sob a
alegação de que menina tem que ficar dentro de casa. Os irmãos iam para a rua brincar.
Ela ficava no vitrô da sala, vendo as crianças brincarem correndo de um lado para o
outro e dando muitas risadas. Também lembrava-se de ficar muito tempo sentada dentro
de um imenso pneu, com uma sombrinha aberta, vendo repetidas vezes as poucas
revistinhas que tinha. Esse hábito perdurou até entrar no ginásio.
• Só saíam de casa para visitar parentes, sendo que as visitas que recebiam também
eram só de parentes.
• Ambos, pai e mãe, detestavam o que faziam.
• Na medida em que foi crescendo, quando tentava ajudar a mãe nas tarefas de casa,
esta a impedia, dizendo-lhe que não pusesse as mãos em nenhum serviço de casa, que
fosse estudar, para não ter uma vida igual à dela. Lembrava-se de ver a mãe
constantemente cuidando da casa.
• Gilda sempre foi uma excelente aluna .
• Teve duas grandes amigas que nunca mais tinha visto.
• As lembranças mais freqüentes de sua infância e adolescência eram ligadas às
vivências de situações que até podiam iniciar-se com acontecimentos bons, mas que
culminavam com acontecimentos e sentimentos negativos como, por exemplo os
seguintes:
a) Ela sonhava em ter uma caixa de lápis de cor de 24 lápis. Uma tia de fora veio visitá-
los, trouxe uma caixa para cada irmão, e para ela, trouxe um prendedorde cabelo, que
quebrou ao ser colocado em sua cabeça, na mesma hora em que havia ganho. A tia
prometeu que iria dar-lhe outro, mas nunca mais deu. Ela ficava vendo os irmãos pintarem
com os lápis e raramente tinha acesso a eles.
b) Até aos 6 anos nunca tinha tido um bolo de aniversário. Naquele ano a mãe fez-lhe um
bolo todo coberto de côco ralado. Gilda tinha passado o dia grudada na mãe, enquanto
ela fazia o bolo. Recordava-se de perceber algo crescendo dentro dela. Hoje ela descreve
como se fosse felicidade. O bolo ficou pronto no começo da tarde e ela não conseguia
separar-se dele. Combinaram de parti-lo às 19 horas. No final da tarde chegou a notícia
do falecimento de um primo que havia nascido há dois dias. Ela foi arrancada do lado do
bolo e levada para o velório.
c) Na primeira série, a professora chamou-a uma vez para fazer leitura em voz alta para
a classe e ela nâo soube ler direito. A professora ameaçou-a de colocá-la de castigo se

Sobre comportamento e coflníçJo 197


no dia seguinte nâo soubesse. Gilda foi para casa desesperada e nâo conseguiu pedir
ajuda . Ninguém percebeu seu estado emocional alterado; ela nâo conseguiu comer e
nem dormir. Amanheceu doente e nâo foi à escola. Relatou nâo ter tido iniciativa de
estudar sozinha, pois sentiu-se paralisada.
A única vivência boa da qual ela selembrava, nesta fase, era a de um dia ter
pego a mangueira e molhado os irmãos, como seestivesse desforrando ummundo de
coisas neles. Relatou ter se sentido muito feliz.
Gilda selecionava os seguintes fatos como os melhores momentos de sua vida:
a) o dia em que conheceu o seu marido;
b) o dia em que passou no vestibular;
c) o dia do seu casamento;
d) quando soube que estava grávida;
• Com o decorrer do atendimento fomos identificando e trabalhando, dentre outros, os
seguintes pontos que selecionei para o relato do caso de Gilda:

A) Auto-imagem
* egoísta: queria tudo para si e nâo gostava de dar ou fazer nada para ninguém, sob a
alegação de que nâo tinha obrigação;
■ agressiva: sempre apontava a pior característica da pessoa de modo a ofendê-la;
* caipira: achava que sempre estava mal arrumada, com roupa que não estava mais na
moda; quando tinha roupas que achava bonitas nâo conseguia usá-las por achar que
ficavam postiças nela;
• preguiçosa: sempre queria postergar o que precisasse ser feito. Muitas vezes tinha
dúvida se a preguiça era uma manifestação da depressão ou uma característica dela;
• nâo sentia prazerem nada: nâo era bom trabalhar, mas, também nâo era bom nâo
trabalhar fora de casa; sair de casa não era bom, mas ficar em casa também não era.
Parecia estar sempre triste, sem ânimo para nada;
• autoritária: tudo tinha que ser feito do seu próprio jeito e na hora em que ela achasse
que deveria ser feito;
* invejosa: detestava a maioria de suas características pessoais e de suas atividades e
descrevia como ótimas as características ou atividades dos outros;
* “contabilizava” tudo: - quantidade de atenção atribuída a ela ou ao filho pelo marido
ou por qualquer outro membro da família em comparação à quantidade atribuída a
qualquer outra pessoa da família;
• raivosa: as situações acima geravam-lhe muita raiva, que aparecia na maioria das
vezes, de forma incontrolável e em quantidade desproporcional ao fato ou situação de-

198 V era Rftflrid L l« n elll O tero


sencadeante;
* sentia-se uma pessoa má: descrevía-se como uma pessoa que nâo conseguia "doar-
se", evitando ajudar alguém, mesmo sabendo que o favor a ser feito nâo exigiria maiores
esforços ou sacrifícios dela; nâo oferecia nada espontaneamente para ninguém; se ela
vislumbrasse qualquer possibilidade de trabalho para si mesma; tentava impedir que o
filho e o marido fizessem coisas que lhes dariam prazer.

B) Medos
O medo era a característica de fundo presente em quase todas as situações e
comportamentos. Dentre os principais apresentados por Gilda, selecionei os mais
freqüentes e que apareciam especialmente nas fases de depressão mais acentuadas;
• de enfrentar pessoas ou situações desconhecidas;
• de sentir-se incapaz;
• de ser julgada incapaz pelas pessoas;
• de não ter forças para enfrentar a vida;
■de não ser capaz de exercer nenhuma profissão;
• de ficar dependente de remédios para dormir, dos anti-depressivos ou ansiolíticos;
• de preparar e/ou comer o que tivesse em casa, com medo de que acabasse e ela
tivesse que providenciar novamente;
• de que alguém fosse a sua casa e ela tivesse que providenciar algo;
•de entrarem lojas mais diferenciadas.

C) História especifica da depressão:


Gilda sempre foi uma pessoa muito triste, para quem tudo era difícil, cansativo,
repetitivo e não proporcionava nenhum prazer. Ela tinha um modelo internalizado de
modo de ser e viver depressivo.
Relatou que na época do acidente ficou muito triste, mas não entrou em crise
depressiva como as que apareceram nos últimos anos.
Quando o filho nasceu não conseguiu lidar com ele, nâo conseguia pegá-lo,
carregá-lo, trocá-lo, dar-lhe banho, etc. Apenas amamentou-o. Esta crise durou um ano
e ela não aceitou ser medicada. Neste período isolou-se do resto da família.
A outra crise forte ocorreu quando a escola onde trabalhava passou a adotar o
Construtivísmo como nova forma de intervenção com as crianças. Durante o treinamento,
ela faltou a muitas aulas, não conseguiu entender qual era a proposta e classificou o
novo método como enganoso. Queria continuar a alfabetizar pelo método silábico. Desta
forma nâo teria que lidar com situações novas que inevitavelmente surgiriam com a
adoção do novo método. Ela não sabia o que fazer com sua rigidez em uma situação
flexível.

Sobre comportamento e coflnlçáo 199


Novamente não procurou ajuda, tirava pequenas licenças da escola quando
percebia que nâo conseguiria ir trabalhar.
Desde entâo conseguia, apenas às vezes, sair do estado mais acentuado de
depressão. As vidas dela, do filho e do marido estiveram perturbadas o tempo todo. Ao
perceber que seu estado estava piorando muito, decidiu procurar ajuda, embora com
muita resistência e descrença da possibilidade de melhorar.

Intervenções
• Gilda foi encaminhada a um psiquiatra para avaliação e possível prescrição. Foi
medicada com antidepressivo. Ela tinha muita resistência a qualquer medicação alopata.
Dado seu estado, ela aceitou tomá-la. Recebeu instruções e informações claras sobre
como se daria o efeito da droga e sobre a importância de tomá-la corretamente. Ela
diminuiu a dosagem e interrompeu a medicação por conta própria. Só depois de um mês
e meio é que passou a tomar corretamente, mas não durante o tempo necessário.
• Foi feita uma entrevista com o marido para levantamento de dados, para expor-lhe a
proposta de intervenção e enfatizar a necessidade da medicação.
• Foi ajudada a identificaros modelos aprendidos, já internalizados, que eía empregava
na própria vida, detectando suas funções. Exemplos de situações trabalhadas: não
conversar a não ser o necessário, viver “pelos" deveres e não pelos prazeres, como
sempre sua mãe havia feito.
• Foi ajudada a programar pequenas atividades e/ou situações que permitissem que ela
explorasse as sensações através dos órgãos dos sentidos, com o objetivo de que fosse
gradativamente identificando sensações de prazer e construindo a sua própria opinião
sobre as experiências vividas.
• Foi ajudada a identificar dentro de sua história de vida, quais regras controlavam seus
comportamentos e que foram gradativamente comprometendo seu estado emocional,
com a deterioração evidente de sua qualidade de vida, juntamente com a de sua família.
Aqui temos alguns exemplos:
a) a vida é uma sucessão de perdas e frustrações;
b) viver é cumprir deveres;
c) prazeres são para outras pessoas e não para mim;
d) trabalho significa correria, frustração, submissão;
e) cuidar da casa é obrigação da empregada, eu só tenho que dar as ordens sem me
envolver;
f) eu tenho muito mais do que eu acho que eu mereço;
g) pensar diferentemente de mim é pensar errado;
h)neu tenho que" ligado às mais diferentes situações: fazer comida especial se convidar
alguém para vir a minha casa; se eu entrar numa loja devo comprar alguma coisa, etc;
• Foi ajudada a encontrar alternativas para as regras aprendidas.

200 Vera Regina Lignelli Olero


• Foi ajudada a programar atividades reforçadoras.

Análise funcional da depressão:


a) identificação de quais situações desencadeavam a depressão: todos os medos;
datas significativas; ter que tomar decisões e não se sentir capaz; sentimentos de raiva,
inveja, maldade, agressão, braveza etc.
b) identificação das funções da depressão como um eficiente mecanismo que permitia
comportamentos de fuga e esquiva das situações difíceis para ela. Entrando em depressão
ela adiava a decisão. Bater no filho ou ter sido excessivamente agressiva com ele ievava-
a a sentir-se mais depressiva e a interromper as agressões. A depressão era também
um instrumento eficaz para interromper situações de prazer (ela acreditava que prazer
era para os outros e não para ela: quando ela se percebia bem, fazendo algo gostoso,
relacionando-se com alguém, qualquer coisa a irritava, ela ficava brava, agredia de alguma
forma, depois arrependia-se, sentia medo, ia deprimindo-se, voltava a nâo fazer quase
nada, tornava-se bastante dependente e ia acentuando-se o seu estado depressivo e
novamente ela achava que a vida era ruim).
Quando estava deprimida ela percebia que os comportamentos maldosos
ficavam “adormecidos” e exibia os comportamentos adequados: por exemplo, permitia
que o filho tivesse algum animal em casa ou deixava-o ver TV até mais tarde; se estivesse
bem ele tinha que tomar banho na hora em que ela determinasse, sem nenhum direito
de negociação.

Evolução do caso
Na medida em que Gilda foi identificando o que desencadeava suas crises
depressivas (estímulos internos e externos) e quais funções elas exerciam (fuga e esquiva
de situações boas ou ruins), ela foi aprendendo a observar-se e a observar o outro e
foram ocorrendo algumas mudanças graduais em sua qualidade de vida.
No primeiro ano de atendimento, ocorreram muitos altos e baixos em suas
depressões, e percebia-se claramente que Gilda não aderia totalmente à psicoterapia e
nem aos medicamentos alopatas. No final deste periodo ela decidiu procurar um médico
homeopata de sua confiança que passou a tratá-la com florais, mas também prescreveu-
lhe um ansiolítico alopático para as situações mais criticas, nas quais não dormia.
Até esta época ela já havia desenvolvido uma boa habilidade de auto observação
e apresentava alguns progressos em seu repertório de enfrentamento de situações
dificeis; já havia aprendido fazer relaxamento e também fazer análises funcionais; já
conseguia ter períodos com uma qualidade de vida razoável. À despeito disso ela
mostrava-se, muitas vezes, incrédula com o caminho que estávamos trilhando.
Quando ela começou a tomar os medicamentos homeopatas parece que criou
alma nova e gradativamente foi aumentando seu empenho em conseguir mudanças o
que permitiu que seguisse mais fielmente o que combinávamos, e, o mais importante,
durante todo o tempo.

Sobre comportamento e counlçtlo 2 0 1


A soma desses fatores permitiu que ela apurasse suas observações e seus
relatos e entâo verificamos:
• diminuição gradativa de sua rigidez;
• aceitação do outro como ele era, independentemente de ser igual a ela ou não;
• aumento da freqüência e qualidade das conversas entre ela, marido e filho, sem
acusacões descabidas e/ou atribuição de responsabilidade pelos seus estados
emocionais;
• melhora de sua auto-imagem;
• estabelecimento de novas regras para controlarem seus comportamentos;
• desenvolvimento de repertório de enfrentamento de situações (convidar alguém para
visitá-la, refazer contatos com colegas de trabalho e escola, etc);
• tomada de decisão desde as mais simples às mais complexas, tais como: assumir as
compras de casa, ajudar na arrumação e decoração da casa, fazer uma festa de
aniversário em sua casa, iniciar alguns cursos, afastar-se temporariamente do trabalho,
etc..
Especificamente em relação à depressão, na medida em que foi evoluindo sua
compreensão sobre os fatores que a desencadeavam e suas respectivas funções, ela
foi conseguindo os seguintes ganhos:
• diminuição da duração e intensidade das crises;
• uma diminuição gradativa do "aproveitar-se" dos dividendos do estado depressivo, na
medida em que ia identificando o que ela fazia (sair de uma situação de prazer ou fugir
de uma situação difícil entrando em seguida em depressão);
• engajar-se, mesmo sem vontade, em alguma situação previamente combinada ou
necessária para o momento;
• identificar e interromper imediatamente o processo depressivo.
Com a ocorrência destas mudanças na vida de Gilda, ela foi aumentando seu
grau de adesão ao atendimento, o que facilitou imensamente todo o desenrolar do seu
processo terapêutico. Quando ela passou a ter controle sobre seus eventuais estados
depressivos, pudemos voltar nossa atenção para outros aspectos de sua vida que também
necessitavam ser melhorados.

202 Vera KfRiita Ugnelll Otero


Capítulo 23

Análise funcional de um caso de depressão


Yara K Ingltcmian
u rm

A terapia comportamental e a análise do comportamento são duas vertentes


de um mesmo empreendimento. O comportamento é a linha de fundo na qual, pela
análise, se procura detectar as variáveis controladoras que permitem predizer e controlar
o comportamento e, complementando o processo, utilizar estes dados para propiciar
estratégias que modifiquem estes controles, alterando, desta forma, o comportamento.
A análise funcional, a descrição sistemática na qual a significancia das atividades
de uma pessoa ó relacionada com o modo como ela opera no ambiente, é importante
porque comportamentos topograficamente diferentes podem estar sendo mantidos por
um mesmo tipo de processo de controle (Ferster, 1973).
Esta ó uma fundamentação conceituai da qual terapeutas comportamentais não
podem prescindir...... porque facilita a descrição do “fazer" terapêutico (Branch, 1987).
Ferster (1974) afirma que o comportamento humano é plástico e ilimitado, que o
ambiente potencialmente reforçador existe, mas para isso ó necessário que o sujeito
emita o comportamento requerido o que, no caso Gilda, não ocorre.

Sobrr comportamento e coftnlfâo 2 0 3


Recorrendo ainda a Ferster(1974), podemos observar padrões comportamentais
descritos por este autor, característicos em clientes com comportamento deprimido que
podem ser observados no caso.
A cliente comporta-se no ambiente mas não encontra fontes de reforçamento
suficientemente fortes, sendo constantemente punida. Podemos observar, por sua história
que seus comportamentos de aproximação social não foram aprendidos (não teve
oportunidade de brincar com outras crianças, observava da janela o pai não permitia que
saísse o que não possibilitou o desenvolvimento do repertório), ou foram punidos (Gilda
tinha pouca probabilidade de ser reforçada, e isto funciona como punição de suas
aproximações sociais pois outros comportamentos autorreforçadores, como ler revistinha
no pneu ou rir sozinha na janela, tinham se estabelecido). Seus comportamentos sociais,
ao invés de serem mantidos por reforçamento ( brincar, conversar, relacionar-se, seguidos
de comportamentos dos outros que são socialmente reforçadores), são mantidos por
conseqüências aversivas. O que nos parece uma constante na vida de Gilda é que o fato
de não ter tido oportunidade de relacionar-se com mais proximidade às pessoas,
desenvolvendo brincadeiras solitárias que ofereciam outras fontes de reforçamento
afastada das conseqüências aversivas (punição por infringir a ordem de não sair, ser
afastada por suas respostas inadaptadas) não oportunizaram a obtenção de
reforçamentos contingentes a relacionamentos interpessoais positivos.
Outra característica do comportamento de Gilda é a projeção distorcida do
ambiente que leva a desempenhos desapropriados. Lembranças da infância e da
adolescência , ligadas a que acontecimentos bons sempre culminam em sentimentos
negativos, como por exemplo nos casos da caixa de lápis de cor e do bolo de aniversário,
levam-na a reagir ao ambiente como se a vida fosse uma sucessão de perdas e
frustrações, sendo que prazer é para as outras pessoas e não para ela, o que leva a uma
esquiva de situações que possam ser potencialmente reforçadoras ou prazeirosas, porque
estas são sinalizadoras de punição.
Sabemos que o repertório que entra em contato com os reforçadores é o que
tem maior probabilidade de ser mantido devido ao efeito destes sobre o desempenho
(conseqüências), como Gilda tem as deficiências comportamentais acima citadas, suas
ações no meio são pouco reforçadas.
Pela historia de Gilda podemos observar ainda que esta não teve modelos
apropriados, em seu meio familiar mais próximo, para a aprendizagem e o reforçamento
de aproximações afetivas, relata o paí como autoritário e distante e a mãe como não
querendo que a tomasse como modelo. Não pode aproximar-se da mãe (quero que
estude para não ficar como eu) que não lhe permitia executar pequenas tarefas
domésticas, tendo em vista sua intenção de que Gilda tivesse uma vida diferente. Estes
fatos nos levam a inferir que a mãe de Gilda , além de não possibilitar sua aproximação,
tenha servido de modelo de afastamento e isolamento com relação às aproximações
interpessoais. A cliente também não teve oportunidade de usufruir de outros modelos
que pudessem ser mais adequados uma vez que o pai não lhe permitia relacionar-se
com outras crianças para jogos e brincadeiras, levando-a a desenvolver padrões de
afastamento.
Esta falta de modelos se evidencia ainda mais nos relatos de que quando de
visitas da família, só a parentes, e não aparece referencia a contato com outras crianças.

204 Vera Refllmi LlRnelli Otero


Gilda teve apenas duas amigas na escola, uma que mudou-se da cidade no início do
ginásio e outra que se manteve amiga até o casamento, mas que também mudou de
cidade, o que lhe dá poucas possibilidades no desenvolvimento ou efetivação de
repertórios de interação interpessoal. A falta de habilidades sociais mantém a situação
de afastamento e isolamento, não obtendo novos amigos, quase nâo sai e nâo recebe
visitas.
Além da história de aquisição é importante efetivar uma análise dos mantenedores
dos comportamentos de esquiva das relações interpessoais uma vez que os
comportamento atuais (no momento da queixa) parecem estar sendo mantidos por
percepções distorcidas acerca de si e dos que a cercam como autoimagem negativa
(produto de sua percepção distorcida de si e do ambiente), na qual se vê como egoísta,
agressiva, preguiçosa, sem sentir prazer em nada, invejosa. Esta autopercepções levam
à ansiedade social, sentimento de incapacidade, esquiva em interagir, julga-se incapaz
e considera que as outras pessoas também tem esta opinião acerca dela o que a impede
de receber pessoas em sua casa e outras atividades que envolvem relacionar-se.
Sente-se como pessoa sem vontade própria, sem determinação, que reclama e
implica com tudo e com todos, pessoa complicada de se entender, tendo reações
imprevisíveis. Todas estas auto descrições demonstram sua percepção distorcida, que
leva a um comportamento irracional com reações de raiva, braveza e agressividade que
operam em competição com atividades mais relevantes que podem não fazer parte de
seu repertório ou não estar sendo efetivadas em função da ansiedade que se interpõe
nestas situações. Estes comportamentos são também eficientes como reforçamento
negativo pelo afastamento imediato de situações com as quais não sabe lidar apesar de
suas consequencias negativas posteriores.. Por exemplo, brigar com o filho ao invés de
poder dar regras claras a serem seguidas, ser agressiva ao invés de assertiva. Se o
repertório adequado fosse possível de ser efetivado, a freqüência destes comportamentos
seria bem mais baixa. No entanto, os comportamentos queixosos predominam ao ponto
da quase exclusão de comportamentos passíveis de reforçametno positivo, tomando o
lugar de comportamentos mais adaptativos ou decorrentes de déficits comportamentais.
Gilda mantém vários comportamentos como dar aulas, fazer as tarefas
domésticas, sabe como responder em várias situações mas não considera isto reforçador.
O fato de estar discriminando apenas suas íncapacidades mantém suas queixas e
impedem-na de executá-los com prazer. Outros comportamentos como o de aproximação
afetiva e social mais eficientes podem ser desenvolvidos mas não estâo sendo procurados.
Em função da baixa taxa de reforçamento obtida Gilda tem um repertório
comportamental passivo no qual pensamentos mágicos e supersticiosos como sou
preguiçosa, invejosa, má, egoísta, não permitem sua açâo em direção a outras pessoas
e sua não aproximação ou aproximação inadequada geram estimulações aversivas por
parte de outras pessoas. Como não tem repertório para lidar com estas conseqüências
sociais aplicadas por outras pessoas, desorganiza-se facilmente a quaisquer mudanças
reagindo com mecanismo de fuga.
Quando o filho nasce não conseguiu lidar com ele tendo o marido que abandonar
o trabalho por 40 dias para cuidar do bebe. Quando houveram mudanças na metodologia
de ensino da escola, teve uma crise de depressão e obteve atestado médico. Ambas as
situações mostram que o comportamento de fuga foi reforçado mantendo-se funcional

Sobre comportamento e coiinlfJo 205


para controlar seu comportamento e o das pessoas com as quais se relaciona).
Portanto podemos observar que forma-se um circulo no qual: 1) a falha em contato
com o ambiente reduz a freqüência de comportamentos e impede o desenvolvimento do
repertório; 2) a perda no desenvolvimento perceptual leva à não percepção de estímulos
discriminativos dc ambiente para a efetivação de comportamentos adequados; 3) grandes
magnitudes de respostas emocionais ou inadequadas tomam o lugar de comportamentos
que poderiam ser reforçados, impedindo o desenvolvimento de comportamentos mais
adequados, tornando firmemente estabelecidos em Gilda comportamentos de
agressividade para consigo mesma e para com o ambiente, assim como uma forte esquiva
em relacionar-se de forma que seu comportamento toma-se passivo e inefectivo diante
da vida não obtendo, desta forma, fontes de reforçamento adequadas o que mantém
seu baixo repertório comportamental denominado depressão.
A partir da análise funcional a terapeuta foi identificando pontos a serem
trabalhados que permitissem a modificação dos padrões comportamentais acima
descritos, através de estratégias que abordaram: a questão da auto-imagem pois a
correção das distorções perceptuais com relação a si mesma e ao ambiente possibilitariam
à cliente uma maneira potencialmente mais reforçadora de relacionar-se com o ambiente
social; os medos decorrentes de sua inabilidade social e da não .percepção de suas
capacidades (não valorizava as atividades que era capaz de executar); a revisão da
história da depressão junto à cliente, de forma a que esta fosse capaz identificar o seu
processo de depressão, discriminar a influencia das experiências anteriores na distorção
das percepções e nos medos, de forma a poder promover novos padrões de
comportamento, ajudando-a a identificar modelos já aprendidos e internalizados que
empregava detectando suas funções, assim como as regras que controlavam seu
comportamento, desenvolvendo habilidades de auto-observaçâo que possibilitavam
alguns progressos em seu repertório de enfrentamento de situações pela aprendizagem
do relaxamento e de análises funcionais que e!a própria podia realizar nas situações. A
capacidade de fazer isto a tomava cada vez mais capaz de atuar no ambinete com mais
independencia.
Desta forma aumenta sua capacidade de agir e obter fontes de reforçamento
que lhe permitam alterar os controles de estímulo aos quais está exposta e que mantém
seus comportamentos de afastamento, promovendo a mudança.
Como podemos ver, a análise funcional é o instrumento de trabalho do terapeuta,
e, ensinada ao cliente, como forma de estabelecer seus próprios controles nas situações
de sua vida, é a base da independentização do cliente com relação ao terapeuta e de
seu processo de liberdade no manejo de suas situações de vida.

Bibliografia

BRANCH, M. (1987) Behavior analysis: a conceptual and empirícal base for behavior
therapy. The avior Therapist, 4 ,79-84.

206 Vem Kroiiid Liflnclll Otero


FERSTER, C. B. A funcional analysis ofdepression. American Psychologist, 23, n? 10,
october,73.
FERSTER, C.B., (1974) The psychology ofdepression - contemporary theory and r
essearch, New York, John Wiley & Sons.

Sobre comportamento e cognifão 2 0 7


Capítulo 24

Relato de um caso de déficit de repertório


social
CUudni kc$in<i Si/v<i Pc/vint
(Clínica privada)

1. Histórico

O cliente é do sexo masculino, nissei, tendo sido educado segundo as tra­


dições orientais. Tem 41 anos, casado, com um filho de 12 anos.
Mora com a esposa e o filho num apartamento. É músico trabalha num estúdio e
numa escola de música.
Faz trilhas sonoras para propagandas e programas de TV.

Queixa Inicial
Relatou estar enfrentando problemas no relacionamento familiar e profissional,
devido a dificuldade de estabelecer alguns limites, dar opiniões, ser firme nas decisões,
falar “nâo" e principalmente por considerar-se incapaz de reverter este quadro. Tais

208 C U u d lii Regina Silva Pereira


comportamentos levavam-no a um cotidiano confuso, repleto de afazeres e, deste modo,
não reservava tempo para descansar ou fazer outras atividades.
Ex: Tem um contrato de trabalho de 20 horas semanais, porém trabalha o dobro
do tempo estabelecido inclusive sábados e domingos, não recebendo hora extra e nenhum
tipo de beneficio da empresa.
Recebe o pagamento todo mès atrasado e consequentemente atrasa suas dividas
e nunca havia conseguido conversar com o chefe sobre esses assuntos.
Nos momentos de maior sobrecarga e confusão, conseguia manifestar-se de
forma explosiva e agressiva.
Descreveu muitos sentimentos de desespero, angustia, desânimo; pouca vontade
de trabalhar, sono excessivo, pensamentos carregados de auto depreciação e
desvalorização do trabalho.
Ex: " Nada dá certo..., não sei o que fazer,por isso não tenho vontade de fazer
nada..."
" Estou sem ânimo para fazer as coisas,sô quero ficar dormindo..."
Mencionou uma vez ter pensado em suicídio.
Ex: “N5o agüento mais a minha vida, já pensei até em acabar com ela. "Mostrou
também grande preocupação com alguns pensamentos que nomeava como
“persecutórios “ em relação a equipe de trabalho Estes pensamentos atrapalhavam
bastante seu desempenho no trabalho.
Ex:: "Eu nâo sei o porquê, mas toda vez que ele vem falar comigo tenho a
sensação de que estou sendo passado para trás."
Frente a todas estas sensações e sentimentos, aparecia muito freqüentemente
uma preocupação com a normalidade e com a loucura,o que evidenciava-se por perguntas
como:
Ex: “Será que isso 6 normal? Será que nâo sou um louco?"
Mostrou por fim, uma grande preocupação com a questão financeira.pois
encontrava-se bastante individado.

Procedimentos:
Diante do quadro observado, o primeiro procedimento utilizado foi transmitir-lhe
informações sobre seus comportamentos encobertos. A explicação utilizada foi baseada
na teoria de desamparo aprendido.
O principal objetivo desta explicação era fazer com que o cliente entendesse
que seu estado emocional tinha relação direta com suas experiências de vida.
A partir destas informações,foi organizado um quadro de tarefas onde o cliente.no
início, obrigou-se a fazer, e com o decorrer do tempo tais tarefas tornaram-se, segundo
sua própria verbalização, atividades reforçadoras em sua vida.

Sobre comportamento e coflnlçüo 209


As tarefas:
• Organizar todos os horários de trabalho e os horários disponíveis.
• Listar alguns trabalhos que poderiam ser encaixados nestes horários e entrar em contato
com pessoas divulgando sua disponibilidade e interesse num novo trabalho.
• Organizar um material de apresentação do seu trabalho, fazer visitas mostrando esse
material, telefonar e marcar algumas entrevistas.
• Listar as maiores dificuldades de contato ou nas entrevistas.
Durante o periodo em que organizava-se com as tarefas, foi convidado para
fazer a trilha sonora de uma exposição de contos infantis. Convidou a terapeuta a participar
da noite de estréia, mas o comparecímento foi impossibilitado e isso foi claramente
explicado.
Com o tempo mais organizado e novos trabalhos surgindo,a preocupação com
o lazer ficou evidente.Para tal preocupação.foi utilizado o mesmo procedimento das
tarefas.
Com o aumento de propostas de trabalho e de contatos sociais.o cliente notou
um déficit no seu repertório verbal e comportamental.
Ex: “Eu preciso aprender um novo jeito de falar, o que eu sei não adianta...”
“Eu preciso saber falar e valorizar o meu trabalho. Ele depende diretamente da
minha propaganda. ”.
As dificuldades observadas nestas situações foram trabalhadas com sessões
de “role playing" .treino assertivo e habilidades de comunicação, atentando sempre para
as dificuldades, medos e sensações trazidas pelo cliente.
A modificação de seu repertório verbal, nestas situações, foi ficando cada vez
mais evidente.( Neste momento os sintomas de depressão eram mínimos.)
Ex: Num jantar para negociar um novo trabalho, o cliente estabeleceu contrato
de trabalho e comissão, não concordou com questões colocadas e valorizou seu trabalho.
Seus relacionamentos recentes eram caracterizados por uma participação ativa
e decidida, enquanto que nos relacionamentos antigos ( família e antigo emprego ),tais
características apareciam de formas mais sutis. Os motivos dessa diferença, as
dificuldades e medos percebidos foram trabalhados com treino assertivo e levantamento
de comportamentos alternativos.
O cliente trazia exemplos de situações reais, contava como havia se comportado
e seus sentimentos. Eram questionados seus pensamentos e vontades,juntamente com
o que gostaria de ter dito ou feito e o porquê de não ter conseguido.Estabeleciamos
então,novas possibilidades de respostas que poderiam ser usadas nas próximas
situações.
Exemplo de um diálogo cliente terapeuta onde o cliente conta uma discussão
com a esposa:
Cliente: “Ontem tivemos uma discussão horrível,Ela disse que eu sou muito “trouxa” que
todo mundo faz de mim o que bem entende e eu fíquei ouvindo, não conseguià responder
nada.”

210 Claudia Resina Silva Pereira


Terapeuta: “Como vocô se sentia ouvindo isso?"
Cliente: "Muito mal, péssimo."
Terapeuta: "Tente dar um nome ao seu sentimento."
Cliente: “ Humilhação"
Terapeuta: "O que vocô sentiu e teve vontade de falar para ela?"
Cliente: 'Que é muito ruim ouvir isso, que ela me magoava muito e que ela podia aprender
um jeito melhor de falar."
Terapeuta: "O que te impediu de falar?"
Cliente: "Achei que pudesse ser grosseiro e ela poderia se chatear."
Na semana seguinte a essa sessão, foi relatado que pela primeira vez havia
conseguido falar sobre seus sentimentos com a esposa.
Todos os novos comportamentos aprendidos foram instalados lentamente. A
partir desta nova conduta, ornava-se mais evidente a necessidade de aquisição de um
repertório específico para responder às punições liberadas pelas pessoas frente a sua
mudança.
Ex: "Além de mudar meu modo de ser, eu tenho que aprender a responder, quando eles
falam que estou mudando para pior, que eu era muito mais sensível antes, que agora
estou seco..."
Separou-se da esposa embora continue pagando todas as suas despesas
(apartamento, água, luz, telefone, comida, roupa). Estes comportamentos foram
escolhidos e assumidos frente a possibilidade da esposa, por motivos financeiros, mudar
de cidade e assim afasta-lo do filho e também por considerar essa uma responsabilidade
de pai. Optou ficar com este padrão, pelo menos por enquanto.
Ex: "Tenho medo de que ela tenha de tentar a vida em outro lugar e assim ficaria
longe do meu filho. Isso eu não suportaria."
Ex: “Eu nâo imagino nâo prover tais coisas para meu filho"
A preocupação de ser sempre uma pessoa boa, que não nega nada para ninguém,
que está sempre disponível, não é mais tão forte nos contatos de trabalho, porém aparece
ainda na relação familiar.
Ex: "É inconcebível um pai e marido nâo ter a responsabilidade de manter a
casa, a comida, a escola ...”
Estes conceitos que o homem deve manter a família, ser o provedor, não aceitar
que a mulher pague as contas, foram regras sociais incutidas sem serem analisadas
pessoalmente.
Estas regras, que no início eram consideradas auto regras ,foram questionadas
na terapia e gradualmente o cliente foi discriminando o que eram regras próprias, ou
regras da cultura japonesa e familiar.
Os encobertos de auto desvalorização e sentimento de perseguição e exploração

Sobre comportamento e cormIç.Io 2 1 1


da equipe de trabalho, também foram analisados pela discriminação do que era uma
regra e do que era efetivamente uma contingência. O entendimento desta análise
proporcionou a aceitação e recusa de várias situações e com isso, o cliente reorganizou
seu contrato de trabalho, estabelecendo novos horários que fossem compatíveis com o
salário e com seus novos empregos e recusou trabalhar nas horas extras e finais de
semana a pedido do chefe.
Ex: Diante de um pedido do chefe para fazer hora extra, o cliente recusou e
disse que só trabalharia nestas condições quando negociassem os valores a serem
pagos pela horas trabalhadas.
Novas oportunidades de trabalho foram surgindo ao longo do ano e hoje ele
trabalha em três lugares distintos; dois estúdios e uma escola de música e também toca
numa banda de Jazz à noite em bares da cidade.
A terapia tem um ano e sete meses e continua em andamento. No meio do
processo o cliente convidou a terapeuta para assistir a apresentação de sua banda num
b a r. Ficou evidente sua emoção e satisfação ao poder mostrar o que considera ter de
melhor: a música.
A emoção do cliente trouxe a terapeuta a lembrança da primeira sessão, quando
ele se queixava de sua incompetência. Observar a mudança do seu repertório foi
extremamente gratificante.

212 Claudia Reglim Silva Pereira


Capítulo 25

Análise funcional de relato de caso


YuristcH./ Yw o

É importante saber como o cliente está funcionando, para desta maneira poder
atuar com maior eficácia na modificação do comportamento, proporcionando um
tratamento adequado a partir dos dados da avaliação. Para tanto, se faz necessário
especificar alguns elementos como: os pensamentos, os sentimentos, os estímulos, as
respostas e suas conseqüências; e de que maneira estes se refacionam (análise
funcional).
Através da análise funcional pode-se saber como os homens se comportam.
Assim conhecidas as causas do comportamento humano pode-se prever e controlar o
comportamento, identificando as variáveis das quais é função (Skinner, 1967).
Com a possibilidade de previsão e controle do comportamento, objetivos estes
da Ciência do Comportamento, pode-se questionar como o cliente se comporta
funcionalmente, identificando quais estímulos provocam e mantém seu comportamento
no meio natural em que vive, o que consequentemente, o leva a ter as seguintes queixas:
1. Problemas no relacionamento familiar e profissional;

Sobre comportamento c cognlfJo 2 1 3


2. Dificuldade de estabelecer limites;
3. Dificuldade de dar opiniões;
4. Dificuldade de ser firme nas decisões e falar “não";
5. Considera-se incapaz de reverter este quadro.
Diante da queixa, pode-se observar que o cliente apresenta dificuldade de ser
assertivo e de estabelecer limites em seus relacionamentos interpessoais. Este
comportamento, faz com que tenha conseqüências desagradáveis como: "não receber
hora extra", "receber o pagamento atrasado", etc. Parece que seu jeito de atuar leva-o a
punições ou não recebimento de reforços positivos. O cliente reage a esta situação
aversiva através de “agressão e explosões", demonstrando uma agressão respondente,
uma vez que agride a si ou aos mais próximos (ex: familiares) e não ao agente punidor
(ex: chefe).
A falta de limites e de não ser assertivo, leva-o a se sentir impotente frente as
diversas situações (incontroláveis para ele) a que está submetido, o que o impede de
exercer um contra-controle. Pode-se dizer que o cliente se encontra em desamparo
aprendido (Seligman, 1975), ou seja, em uma ausência generalizada de reforçamento.
O cliente então aprende que as respostas e estímulos são independentes, impedindo
que o comportamento fique sob o controle de suas conseqüências no futuro. Esta
aprendizagem de independência entre os eventos do meio e o comportamento, podem
causar deficiências em três níveis:
1. Motivacional: "Estou sem ânimo para fazer as coisas...” “ ...Não tenho vontade de
fazer na da..."
2. Cognitivo: "Nada dá certo..., nâo sei o que fazer...."
3. Emocional:"... só quero fícar dormindo...”
Nestas situações, há uma dificuldade em iniciar uma resposta; uma redução na
capacidade em aprender em novas situações, ou seja, mesmo sendo reforçado não
aumenta a probabilidade de responder; além de respostas emocionais, como uma
disfunção de respostas fisiológicas. Desta forma, suspende todas as possibilidades de
reforçamento, o que o levou a pensar em suicídio: “A/5o agüento mais a minha vida, já
pensei até em acabar com ela.”
No relato: uEu nâo sei o porquê, mas toda vez que ele vem falar comigo tenho a
sensação de que estou sendo passado para trás.” mostrou um comportamento de
desconfiança, onde apresenta a expectativa que os outros vão manipulá-lo ou tirar
vantagem. Porém, não verifica a realidade, não exercendo um contra-controle.
O cliente apresenta também uma série de comportamentos de fuga-esquiva das
situações. Estes comportamentos tem como função evitar as conseqüências aversívas
a qual supõe estar exposto. Esta estratégia de evitação por ele adotada faz com que os
reforços não apareçam.
A partir destes comportamentos, a terapeuta faz uma avaliação desenvolvendo
uma hipótese relacionando as queixas apresentadas, pois estas referem-se aquilo que o
cliente quer eliminar ou o que causa problemas. Para tanto, explica, de forma lógica, os
comportamentos encobertos envolvidos, mostrando ao cliente que ele próprio desenvolveu
estas dificuldades durante sua história de vida e que, de aíguma forma, isso é mantido,
fazendo com que sofra as conseqüências atuais, ou seja, ela explicita as contingências

214 Vuriilrllti V.mo


as quais o cliente está submetido. Estas informações transmitidas ao cliente são de
extrema relevância, pois aumentam o vínculo entre terapeuta e cliente, o que gera
expectativas, aumentando a confiança do cliente na sua própria capacidade de mudança.
Para tanto, a terapeuta organizou um quadro de tarefas, o que reforça a
aprendizagem, assim como facilita a generalização. Estas tarefas proporcionaram um
aumento no seu repertório e treino de assertividade e habilidades sociais.
A medida que este quadro foi sendo cumprido, o cliente percebeu que poderia
operar e agir, até mesmo mudando seu modo de pensar. Isto resultou na manutenção
da realização das tarefas pelo aumento de reforços positivos.
Ao cumprir as tarefas estabelecidas o cliente solicita um reforço positivo à
terapeuta, quando a convida para participar de uma apresentação de seu trabalho. O
mais importante é que a negativa do convite por parte da terapeuta, não fez com que se
sentisse punido como antes, pois consegue entender a justificativa do outro, ou seja,
que a terapeuta não poderia comparecer devido a dificuldades pessoais e não por ser
um convite seu.
A medida que o processo terapêutico vai se intensificando, o cliente pode observar
que outras queixas vão aparecendo, como a dificuldade de aperfeiçoar seu repertório
verbal, preocupação com lazer, além da assertividade já mencionada.
No relato: "Eu preciso aprender um novo jeito de falar, o que eu sei nõo adianta..."
"Eu preciso saber falar e valorizar o meu trabalho. Ele depende diretamente da minha
propaganda.” fica claro que o cliente consegue discriminar que precisa e pode apresentar
respostas adequadas para alterar o estímulo, libertando-se assim do desamparo. Aos
poucos a discrim inação vai fazendo parte de seu repertório, assim como o
desenvolvimento de assertividade e habilidades sociais o que aumentou a capacidade
de enfrentar as situações sociais mais adequadamente e com maior segurança.
Consequentemente foi obtendo reforços (como o aumento de trabalho e contrato),
fortalecendo sua auto-estima. Além disso, pôde também aprender a se auto-reforçar
("Eu preciso saber falar e valorizar o meu trabalho”)
Através do treino de assertividade e discriminações proporcionadas pela
terapeuta, o cliente passa a entender que suas respostas são importantes e são mantidas
pelas conseqüências.
O cliente também relatou que as dificuldades nos relacionamentos profissionais
estavam sendo superados, permanecendo a dificuldade na relação familiar. Isto mostra
que quando os relacionamentos são mais intensos, com maior envolvimento emocional
e, consequentemente, mais condicionados, sâo mais difíceis de serem alterados.
A partir disso, o cliente relata uma discussão com a esposa: " Ontem tivemos
uma discussão horrível. Ela disse que eu sou m uito“trouxa", que todo mundo faz de mim
o que bem entende e eu fíquei ouvindo, nâo consegui responder nada”. Não se pode
deixar de notar que o seu comportamento submisso é um reforçador poderoso para a
pessoa a que se submete (Skinner, 1967), ou seja, desta maneira, ele aumenta a
probabilidade de novas intimidações e, contrariamente, para ele, o estímulo é aversivo.
O fato de não ter respondido à esposa enfoca novamente a repetição do comportamento
de fuga-esquiva frente à situação aversiva de expressar que estava chateado, além de

Sobre comportamento c cognii'«lo 215


ter receio de punir a esposa ou mesmo perder o reforçador (esposa). Neste caso, o que
está controlando seu comportamento de fuga-esquiva sâo as regras por ele impostas
(auto-regra). Desta forma, emprega suas regras para adaptar-se às situações e, muitas
vezes as seguem sem perceber. Provavelmente a origem dessas estâo baseadas em
um conjunto de suposições relacionadas à sua história passada. Também nâo consegue
verificar se sâo reais uma vez que se comporta desta maneira.
Após o relato, a terapeuta questiona sobre seus sentimentos e reação,
possibilitando o cliente a discriminar seu comportamento. Assim, o cliente percebe os
estímulos discriminativos passando a controlar melhor suas respostas em relação aos
seus sentimentos e desejos. Este modelo apresentado pela terapeuta o ajudou a identificar
as respostas mais adequadas a serem emitidas, o que o fez posteriormente, expressar
seus sentimentos à esposa.
O relato do cliente: ”AI6m de mudar meu modo de ser, eu tenho que aprendera
responder, quando eles falam que estou mudando para pior, que eu era multo mais
sensível antes, que agora estou seco...", reflete que seu novo comportamento, o assertivo,
faz as pessoas “nâo gostarem, nâo aceitarem", pois elas estavam, de alguma forma,
sendo reforçadas pelos comportamentos nâo assertivos por ele emitidos.
Quando o cliente se separa da esposa parece ainda permanecer muito sob o
controle dela. Por um lado é reforçado negativamente, onde paga as despesas para nâo
ficar longe do filho: “...tenho medo de que ela tenha de tentar a vida em outro lugar e
assim ficaria longe do meu filho. Isso eu não suportaria” Por outro, seu comportamento
fica governado por regras sociais: uEu nâo imagino nâo prover tais coisas para meu
filho." UÉ inconcebível um pai e marido nâo ter a responsabilidade de manter a casa, a
comida, a escola...”. As regras especificam o que deveria ser, como deveria agir e como
os outros deveriam se comportar, como analisado pela terapeuta.
A terapeuta aponta muito adequadamente o fato de seguir estas regras sem
serem questionadas, podendo discriminar quando estas (sociais, culturais, auto-regras)
sâo funcionais para cada situação.
Com a intervenção terapêutica, através da análise do comportamento, observou-
se que o cliente pôde modificar uma classe de comportamentos, desencadeando uma
nova forma de relacionar-se com o ambiente. Aprendendo novas respostas, o cliente
adquiriu e pôde reformular as habilidades mais efetivas para enfrentar sua vida, podendo
assim melhor prever e controlar seu comportamento.

Bibliografia

BANDURA, A. (1979) Modificação do Comportamento. Rio de Janeiro, Interamericana.


Skinner, B.F. (1967) Ciência e Comportamento Humano. Brasília, Editora Universidade
de Brasília.
Skinner, B.F. (1978) Sobre o Behaviorismo. Sâo Paulo, Editora Cultrix.

216 Yuristellti Ytino


SKINNER, B.F. (1984) Selection by Consequences. The behavioral and Brain Sciences 7,
477-510.
SELIGMAN, M.E.P. (1975) Helplessness: On depression, development, anddeath. San
Franscisco, W.H. Freeman.

Sobrr comportamento e cofliifçJo 2 1 7


Capítulo 26

Psicoterapia de grupo: uma experiência com


ê n f a s e n o s enfoques funcional-analítíco e
contextual
M a ria Zilah d i Silva Brandão - Universidade Estadual dc Londrina
N ione Torres- Universidade Estadual de Londrina

1. Introdução

O presente trabalho pretende demonstrar a viabilidade de integrar as propos­


tas da Psicoterapia Funcional-Analítica e da Abordagem Contextual na prática clínica
com grupos. Tais propostas sâo derivadas do Behaviorismo Radical e fornecem um
contexto teórico e técnico, consistentes entre si e coerentes com a Análise
Comportamental Clínica.

218 Maria Zilah da Silva Krandtlo - Nionc loncs


2. Aspectos Teóricos dos Enfoques Funcional-Analítica e Contex-
tual

A Psicoterapia Funcional-Analítica, é uma forma de tratamento que enfatiza a


análise da relação terapeuta-cliente, no contexto clínico - ou seja, na sessão, no momento
em que ela ocorre.
A ênfase dada por Kõhlenberg (1987) está exatamente na análise desta relação
e dos aspectos nela envolvidos. Esta análise passa a ser a própria intervenção, que
consequentemente, produzirá mudanças de comportamento nas relações diárias dos
clientes. Consideramos que na relação terapêutica é possível evocar e mudar padrões
de comportamento (os chamados comportamentos-problema), identificados também
como comportamentos clinicamente relevantes (CRBs, do inglês Clinically relevant
behavions).
Os CRBs são comportamentos que ocorrem na relação terapeuta-cliente e são
amostras da interação do cliente no seu contexto de vida. Segundo Kõhlenberg (1987)
podemos observá-los em três níveis: CRB, (são instâncias do comportamento da pessoa
que ocorrem na sessão terapêutica e que fazem parte do problema clínico); CRB2 (são
comportamentos que já indicam melhoras apresentadas pela pessoa, e que estão
relacionadas com o problema clínico); e o CRB, (sâo repertórios verbais do cliente que
correspondem à análise de seus próprios comportamentos clinicamente relevantes e às
variáveis controladoras). O papel do terapeuta neste enfoque será o de observar a
ocorrência desses CRBs na sessão (o que facilitará os processos de especificação e
quantificação dos mesmos), evocar tais comportamentos quando for o caso, implementar
o reforçamento natural e analisar a funcionalidade dos mesmos no ambiente natural da
pessoa.
Por outro lado, é também do nosso conhecimento que, grande parte do
comportamento humano repousa no campo do comportamento verbal e que, com a
evolução dos estudos sobre o mesmo, tornou-se possível a compreensão dos efeitos
profundos das regras - definidas por Skinner (1974) como sendo estímulos
especificadores de contingências - sobre o comportamento, uma vez que as mesmas
podem gerar padrões de respostas que impedem o contato efetivo com as contingências
(Galízio, 1979, apud Hayes, 1987). Além do mais, em algum momento, passamos a ser
narrador e ouvinte da mesma história, ou seja, criamos nossas próprias regras (auto-
regras) e a seguimos.
Hayes (1987) afirma que as regras podem facilmente estabelecer contextos de
contingências de natureza sócio-verbais. Estes, por sua vez, vão influenciar e afetar
grandemente o comportamento da pessoa porque irão determinar outros contextos tais
como, o contexto da literalidade (as palavras têm significados e os eventos são
categorizados de acordo com estes significados); o contexto do dar razões (certos
eventos comportamentais causam outros eventos comportamentais); e o contexto do
controle (certas coisas devem mudar antes que outras possam fazê-lo).
O terapeuta, ao discriminar a quais contextos o cliente está respondendo estará
em condições de ajudá-lo a perceber e analisar tais contextos, dando oportunidade ao

Sobrr comportamento c coRnlçJo 219


enfraquecimento dos controles verbais destrutivos e substituindo-os por outros mais
adaptativos.
Na nossa experiência de trabalho com grupos, percebemos que os enfoques
acima descritos facilitam um “mergulho" nas relações interpessoais que ocorrem no
contexto grupai. O contexto é mais afetivo que racional, o que favorece uma quebra do
controle instrucional para que se possa, assim, vivenciar o “aqui e agora" da relação com
a emoção presente no momento.
Em outras palavras: estamos lidando tão somente com as contingências
produzidas pela relação entre as pessoas. Acreditamos que, a partir deste “mergulho”,
um novo padrão de se relacionar juntamente com uma reformulação de regras e auto-
regras poderão emergir terapêuticamente.

3. Processo Terapêutico Grupai

Historicamente sabemos que o trabalho da terapia de grupo na análise do


comportamento foi desenvolvido basicamente com ênfase no uso de algumas técnicas,
tais como, “role-playing", ensaio comportamental, treinamento assertivo, etc.
Direcionavam-se todas elas para queixa que cada cliente trazia para o "setting" grupai.
O grupo era visto mais como um cenário que possibilitava o treinamento de
algumas habilidades pessoais. Exemplos que podemos citar: grupos de treinamento
assertivo, grupos de orientação de pais, grupos de aconselhamento conjugal, etc.
Acreditamos que muitos terapeutas comportamentais, sujeitos a contingências da prática
clínica, desenvolveram estratégias diferentes destas acima citadas, porém, esses
trabalhos não foram publicados, ou não foram valorizados por falta de consistência teórica
e conceituai.
Hoje, com os trabalhos desenvolvidos por KOhlenberg e Hayes (1987), com as
pesquisas na área de comportamento verbal e com estudos mais aprofundados na filosofia
do behaviorismo radical, nós, terapeutas comportamentais, sentimo-nos mais a vontade
para analisar nossas experiências profissionais no trabalho individual e de grupo.
A partir das nossas observações do trabalho com grupos também pareceu ficar
claro que os comportamentos clinicamente relevantes (aqui já descritos) ocorrem de
forma organizada no decorrer do processo terapêutico. Assim, no início do processo, a
freqüência maior é de CRB, (ou seja, comportamentos-problema), o que facilita nossa
observação e discriminação das dificuldades do grupo. À medida que o processo evolui,
numa segunda fase, surgem os CRB2s (comportamentos que indicam melhoras) e vão
aumentando gradativamente, o que leva o grupo a habilidade de analisar seus
comportamentos (CRB3s).
Vejamos um paralelo deste processo com o resumo da descrição do
comportamento grupai durante a terapia.:
- Num primeiro momento observamos que o grupo apresenta alta freqüência de
verbalização sobre eventos externos, verbalizações sobre o comportamento de terceiros,

220 M arl.i Zllah da Silva Brandão - Nlone lorrvs


e até descrições de situações que fazem parte do seu cotidiano. O grupo nem sempre
interage num nível afetivo; apenas fala sobre sentimentos. Há uma interação quase que
exclusivamente “social”, no sentido de superficial ou educada. As pessoas do grupo
fazem perguntas, umas às outras. Estas perguntas podem demonstrar interesse pela
vida da outra pessoa ou podem levar a expressão emocional, porém, elas ainda nâo sâo
de caráter estritamente terapêutico (embora possam trazer algum tipo de ajuda ou alívio
para as pessoas do grupo).
Num segundo momento do grupo terapêutico, as pessoas já exploram o ambiente
em volta delas e já conseguem sentir algo do potencial aversivo e reforçador do grupo.
Isto encoraja para iniciar as primeiras expressões verbais que denotam o afeto produzido
pelos comportamentos de outras pessoas do grupo. Inicia-se e aprofunda-se a vivência
das emoções entre os elementos do grupo. O grupo passa ter a função de evocar
sentimentos, saindo assim do seu papel de espectador ou ouvinte, mas, ainda poupa
seus companheiros não emitindo “feedbacks" honestos que poderiam produzir
constrangimento ou afastamento do parceiro.
Somente num terceiro momento é que o grupo mergulha realmente no "aqui e
agora" das relações interpessoais e se arrisca a lidar com conflitos, confrontações e
emoções “negativas". Existe muita tensão neste momento; a qual ó quase sempre
superada se o grupo for coeso.
- O quarto momento é de fazer análise das vivências. Este momento exige um
certo distanciamento emocional e formulação de conclusões ou regras a partir da
experiência vivenciada.
- Num quinto momento, os elementos do grupo exercitam o que surgiu da
experiência grupai e analisam comportamentos que tenham equivalência funcional com
os analisados anteriormente. É o momento da generalização que começa a acontecer
dentro do próprio grupo terapêutico e estende-se para o ambiente natural.

4. O comportamento do terapeuta no decorrer do processo gru<


pal, ao usar ambos enfoques:

Ao considerarmos os enfoques funcional-analítico e contextual enfatizamos a


necessidade de alguns comportamentos do terapeuta de grupo que são básicos para o
seu trabalho. Kohlenberg (1987) ao falardas habilidades do terapeuta adota a terminologia
"regras do terapeuta" por compreender que “regras" dá uma idéia mais clara e ampla
das variáveis que devem controlar o seu comportamento.
Segundo nossa experiência em usar os dois enfoques no trabalho com grupos
consideramos que os comportamentos abaixo discriminados são os que mais tem nos
auxiliado a obter resultados positivos:
1? Observação constante do que está acontecendo no grupo, na interação entre seus
elementos. Chamamos este trabalho de enfoque no “aqui e agora", o que significa dar
ênfase aos relacionamentos interpessoais do grupo, no momento em que estão ocorrendo.

Sobre comportamento c coriiIç.Io 2 2 1


O valor terapêutico desta aprendizagem só é possivel em grupos que são
conduzidos, pelo(s) terapeuta(s), a vivenciar a experiência afetiva dos relacionamentos
interpessoais. Aprender com o “aqui e agora" nem sempre é um comportamento
espontâneo do grupo, e os terapeutas precisam estar dispostos a conter a esquiva grupai,
que ocorre muitas vezes.
Vejamos, então, um exemplo, a partir de "um corte" numa sessão clínica, dos
comportamentos da terapeuta e co-terapeuta (T) que, há trinta minutos observam o
grupo e escutam as descrições sobre o final de semana dos clientes:
T: - Temos observado que vocôs se interessam bastante pelo que acontece a cada um
fora daqui. No entanto, temos observado também que vocês estão aproveitando pouco
o contato próximo que estão tendo neste momento. Vocês observaram as reações de
seus companheiros enquanto relatavam sua semana?
(Neste momento, os clientes se entreolharam, sorriram e menearam a cabeça).
T: - Paula, você percebeu que a Márcia chorou quando você contou do nascimento de
sua neta? - O que vocês sentiram neste momento?
2’ Outros comportamentos que muito tem contribuído para nossos resultados são:
identificação, construção ou alteração de regras a partir das vivências do grupo. O papel
do terapeuta, aqui, é dar condições ao grupo para observar e analisar o que foi vivenciado
e, a partir daí, modelar a construção das regras do grupo. Os terapeutas devem conduzir
o grupo à extração de regras que enfraqueçam os contextos de literalidade, dar razões
e controle.
O diálogo abaixo é um exemplo de como trabalhamos com formação de regras
a partir das vivências grupais, onde (P) corresponde ao marido, (B) a esposa, (C) outro
cliente e (T) ao terapeuta.
Uma das pacientes de um grupo de casais começou a relatar no grupo que não
gostava quando o marido ficava de cara feia. O marido mostrou-se surpreso. Ela continuou
dizendo que quando tem problemas no trabalho, como aconteceu esta semana, o marido
não entende e fica nervoso com ela. Assim ela relata:
B: - Ainda esta semana cheguei em casa muito triste e meu marido começou com o
sermão: Te falei que não ia dar certo. Você é muito ingênua. Você se entrega demais, e
assim por diante, dizendo como seria a solução do problema.
Pediu então que ele parasse, o que acabou em uma briga..
Quando terminou o relato na sessão, o marido disse:
P: - Se você não quer minha opinião, então vou fícar quieto, mudo, da próxima vez.
B: - É isto, ô isto que quero. ... Quero só que ouça.
Neste momento, na sessão, a cliente chorava muito e algumas pessoas do grupo
sentaram-se perto dela. Uma das terapeutas disse:
T: - Pelo jeito que vocé está hoje, Beth, imagino que o que aconteceu com você no
trabalho deve ser algo que te magoou muito e você está precisando do Paulo.
C: - O que você quer dele afinal? Perguntou alguém do grupo.

222 Mürl.i Zildh «iti Silva BrandJo - Nlone lonrs


B: - Apoio, colo, respondeu Beth.
O marido falou:
P: - Então, tá vendo, bastava falar.
Então a terapeuta falou:
T: - Vocôs estão percebendo que agora está acontecendo o que a Beth descreveu a
pouco? - Paulo, o que você sente que a Beth deseja, neste momento?
P: - Compreensão. Disse o marido.
Levantou e deu as mãos para a esposa. O grupo falou sobre o valor da empatia,
do medo do envolvimento emocional, e deu exemplos destes aspectos nas suas vidas e
concluiu (formulou a seguinte regra): “eu preciso primeiro saber o que o outro quer para
depois ajudá-lo".
Na verdade, pode se verificar que o grupo cria um contexto que permite escutar
o outro de forma diferente. Propiciar o desenvolvimento de padrões alternativos de conduta
é tarefa do terapeuta, que assim se comportando estará também enfraquecendo os
contextos sócio-verbais que levaram a conduta inadequada e, ao mesmo tempo que
estará voltando a análise para o “aqui e agora”.
Em linhas gerais, levar o grupo a trabalhar além dos conteúdos verbais trazidos
para a sessão, enfocar a função do relato naquele momento e o contexto verbal ao qual
o cliente está respondendo, deve fazer parte do nosso comportamento enquanto
terapeutas de grupo.

5. Enfoque Funcional-Analítico e Enfoque Contextual: Interrela-


ções na Prática Clinica
Grupai:
Segundo pudemos observar em nossos trabalhos, os procedimentos da
Psicoterapia Funcional-Analítica e Contextual se complementam ou se sobrepõem; ou
seja, se integram tão naturalmente no “setting" terapêutico que, às vezes, fica difícil
enxergá-los separadamente. Neste tópico, apenas por razões didáticas estaremos
colocando-os separadamente; o objetivo é mostrar como os empregamos na prática
clínica.

a) Enfoque Funcional-Analitico
Na psicoterapia de grupo, as relações interpessoais que constituem o “setting"
terapêutico são a principal fonte evocadora dos CRBs. Neste sentido, o papel do terapeuta
é analisar as relações individuais estabelecidas no grupo (que, na verdade, constituem
CRBs de seus elementos) e, ao mesmo tempo, enxergar como estes comportamentos
se constituem dentro do processo grupai (ou seja, CRB do grupo).
Por exemplo: Uma cliente carente de aprovação social cria no grupo um
movimento para produzir a evocação de feedback.

Sobrr comportamento e cognfçJo 2 2 3


Isto sugere as seguintes análises:
1. Está ocorrendo um CRB, da cliente que parece não saber lidar com expectativas e
com a própria ansiedade de aprovação social;
2. O grupo está num momento de insegurança, medo, definição de limites ou reflexão e
isto produz comportamentos no sentido de reduzir tais sentimentos.
Como, então, o terapeuta vai atuar?
Acreditamos que o terapeuta deve apontar para ambas as análises: individual e
grupai, indagando a si mesmo, questões, tais como:
- Qual a função deste comportamento no grupo?
- O que a pessoa realmente quer ganhar ou evitar com este comportamento?
- Qual a função do grupo para esta pessoa, neste momento?
Ressalta-se que não é fácil separar o que é da pessoa e o que é do grupo, pois
são interações recíprocas. O que leva, portanto, a enfocar um e outro nlvel de análise e
aproveitar ou ampliar seu fator terapêutico.
Reafirmando: as relações interpessoais no grupo tem funções semelhantes às
relações do dia-a-dia da pessoa, e è extremamente importante observarmos estas
relações no momento em que estão ocorrendo e compreendermos, então, que ali estão
os comportamentos-alvo com os quais precisamos trabalhar; não como um treino para o
comportamento que vai acontecer lá fora, mas sim pela possibilidade de produzir melhoras
clínicas, por meio de análise e modificação de contingências presentes.
E é no sentido de produzir “consciência" das contingências envolvidas no
momento que a Psicoterapia Funcional-Analítica estabeleceu subsídios claros e precisos
para nosso trabalho com grupos. Ainda com relação a observação dos comportamentos
clinicamente relevantes é importante notar que a função do terapeuta de evocar emoções
se dilui na rede maior de relacionamentos interpessoais dentro do grupo, e os CRBs
podem surgir em função de um outro grupo de variáveis tais como: o comportamento de
um companheiro, o envolvimento afetivo com o grupo, uma atividade ou exercício que o
grupo esteja desenvolvendo, etc. Nestes casos o terapeuta atua como instigador e
organizador das vivências grupais e pode estimular cada pessoa individualmente a refletir
sobre si mesmo e sobre o grupo.
A seguir, descreveremos um exemplo de atendimento a um grupo de casais,
onde perante uma solicitação da terapeuta para que os clientes, em pares, escrevessem
e depois falassem sobre seus ressentimentos e expectativas, aconteceu a seguinte
situação, onde (T) corresponde ao terapeuta, (M) ao marido e (E) a esposa:
Um dos cliente, atendendo à solicitação, escreve suas expectativas num papel,
num total de três itens. A esposa escreve dez. Antes que as outras pessoas terminem, o
cliente vira-se para a terapeuta e diz:
M: - Tenho estudado muito para o concurso que farei para minha promoção. Ê interessante
como estou enxergando coisas. Por exemplo, vocô sabe como os gansos se comportam?
Diante da negativa da terapeuta ele conta:

224 Maria Zlltil) da Silva Krand.lo - Nlouc lorirs


M: - Os gansos sô voam em conjunto. A medida em que cada ganso bate suas asas, ele
cria uma sustentação para a ave seguinte. Voando em formação “V", o grupo inteiro
consegue voar pelo menos 71% a mais do que se cada ave voasse isoladamente. Sempre
que um ganso sai fora de formação, ele repentinamente sente a resistência e o arrasto
de tentar voar só e rapidamente retorna à formação, para tirar vantagens do poder de
sustentação da ave imediatamente à frente. Quando o ganso llder se cansa, ele reveza
indo para a traseira do HV", enquanto um outro ganso assume a ponta. Os gansos de trás
grasnam para encorajar os da frente a manterem o ritmo e a velocidade. Quando um
ganso adoece ou se fere e deixa o grupo, dois outros gansos saem da formação e o
seguem, para ajudá-lo e protegê-lo.
A terapeuta intervém:
T: - Por que você acha que exatamente neste momento você lembrou dos gansos?
C: - Porque ê algo muito bonito! Porque o sentimento de cooperação e colaboração
entre eles ô muito grande.
A terapeuta referindo-se a esposa do cliente diz:
T: - Por que você acha que ele lembrou disso agora? Ele estará querendo dizer alguma
coisa?
Esposa virando-se para o marido diz:
E: - Não sei, Por quê? Você está querendo falar alguma coisa para mim?
No confronto das expectativas e análise final, as terapeutas puderam discriminar
que o cliente estava muito ressentido (apesar de não ter escrito este sentimento ao fazer
o exercício) por perceber que a esposa não o compreendia, não o ajudava e
constantemente cobrava-lhe comportamentos que somente a ela satisfazia. O grupo
envolveu-se na análise da “história dos gansos” ajudando a si mesmos e ao casal a
perceber a importância da cooperação no casamento.
Vimos, portanto, como os comportamentos clinicamente relevantes do casal
podem surgir sem uma solicitação explícita do terapeuta e sim, evocados, pelas
contingências das relações interpessoais presentes. O terapeuta apenas estimula e dirige
as análises.

b) Enfoque Contextual:
A abordagem contextual foi introduzida no nosso trabalho com grupos quando
começamos a identificar nas relações entre as pessoas, e no nosso próprio
comportamento, o controle exercido pelas contingências sócío-verbais (contextos).
Vejamos na prática clínica, como lidamos com estes contextos - identificados
por Hayes (1987) e já definidos anteriormente.

Contexto de literalidade:
As regras e as palavras que a compõem podem, em algum casos, passar a ter

Sobre comportamento c coriiIçíío 225


uma função semelhante ou até maior que o objeto ou a situação real. Muitas vezes
reagimos ao que pensamos, falamos ou fantasiamos como se aquilo estivesse
acontecendo naquele momento. O grupo terapêutico nem sempre enxerga que está se
comportando neste contexto.
É freqüente o grupo caracterizar alguns de seus comportamentos como “bons"
e outros como “maus" e tomarem estes julgamentos (estas palavras) como verdades.
Assim sendo, sempre que o grupo está preso a algum raciocínio dicotômico, ou regra
inflexível, tentamos indicar ao grupo que eles estâo respondendo literalmente à palavra
ou à regra e que isto é diferente de responder à situação real.
Citamos um exemplo, onde (T) corresponde a terapeuta, (C) a cliente que se
atrasou, (P) ao outro cliente e (G) ao grupo como um todo.
Uma cliente disse ao grupo nas primeiras sessões que "detesta" esperar e que
"nunca" atrasa. No entanto, na terceira sessão, a cliente atrasou no trabalho e chegou
trinta minutos depois do grupo iniciado. Um elemento do grupo, virou-se e falou a ela:
P: - Você disse que nunca se atrasava.
A cliente respondeu:
C: - Nunca mesmo, hoje foi uma exceção.
Pedimos ao grupo neste momento que escrevessem a palavra nunca no papel,
pensassem sobre ela e que depois tentassem não verbalmente demonstrá-la para nós.
Na impossibilidade do grupo conseguir demonstrar isto, pedimos para que representassem
não verbalmente outros adjetivos. Vimos como a arbitrariedade do comportamento verbal
impede a concretização dos adjetivos. Voltamos ao grupo e colocamos:
T: O que podemos concluir do “ nunca" de Alice?
G : I s t o talvez seja sô uma força de expressão, nôs nâo precisamos levar isto ao pé da
letra."
Para os terapeutas é necessário um treinamento pessoal (poderemos chamar
isto de auto-conhecimento?) em discriminar o responder literal antes que possa fazer
este trabalho com o grupo.

Contexto de dar razões:


No início do processo grupai, o contexto de dar razões aparece quando os
elementos do grupo tentam mostrar compreensão uns pelos outros.
* - Vejo que vocô nâo está falando de si, mas com certeza você deve ter seus
motivos para isso. Eu me comporto assim quando estou deprimido", ou
“ - Eu engordei muito devido ao nervoso e assim posso entender melhor vocês
do grupo!"
Observamos, assim que a busca da causa do comportamento humano leva
naturalmente para as emoções e sentimentos.
Acreditamos que o grupo pode perceber o determinismo ambiental a partir das

226 Miirld Zlldh da Silva BramlJo - Nionc lonci


análises que os terapeutas modelam nos grupos; como acreditamos que a observação do
raciocínio behaviorista radical dos terapeutas oferecem uma aprendizagem neste sentido.
Vamos a outro exemplo, onde (T) corresponde a terapeuta, (K) a Kátia, (C1)
cliente da primeira fala, (C2) segundo cliente e (C3) terceiro cliente a falar:
Kátia, participava de um grupo e se referia constantemente ao seu passado
como justificativa pelo que é hoje. Na verdade, colocava-se na posição de vítima (passiva)
do que lhe acontecia. As terapeutas perguntavam ao grupo como eles poderiam ajudar
esta pessoa. Assim o grupo respondia:
C1: - Eu nâo me sinto em condições de ajudá-la, pois o que passou, passou.
C2: - E u compreendo a dificuldade dela, mas fico com raiva, porque me sinto impotente,
sem possibilidade de ajudá-la.
As terapeutas retomaram a questão, jogaram para o grupo:
T: - Alguém mais está irritado com Kátia neste momento?
O zum-zum no grupo é geral até que alguém falou bem alto:
C3: - Acho que vocô, Kátia, faz questão de provar que não pode ser ajudada. Se vocô
quer fícar aí, fique; se quiser que eu te ajude fale de verdade o que vocô quer.
Terapeuta retomou:
T: - Kátia, como vocô se sente ouvindo tudo isso?
Quando dar razões para seu comportamento deixa de ser reforçado no contexto
do grupo, uma nova experiência altamente terapêutica torna-se possível para a cliente.
Ela provavelmente “abrirá mão" de suas razões antigas e compreenderá a funcionalidade
de suas queixas no grupo (no exemplo acima, provavelmente a tentativa de conseguir
apoio e concordância grupai).

Contexto do Controle:
- O contexto do controle aparece muito freqüentemente no grupo. O grupo tem
a idéia de que falar sobre o que sente pelo outro ou pelo grupo pode produzir problemas
e assim evita o confronto de opiniões e sentimentos. Na verdade, não querem vivenciar
as emoções produzidas por estas situações, é muito comum o terapeuta favorecer sem
perceber, por motivos pessoais, a fuga do grupo da situação de confronto.
Vejamos o exemplo:
Num grupo de terapia, as saídas e os relatos surpreendentes dos clientes ocorriam
sempre que um mal-estar tomavam conta do grupo, em decorrência das verbalizações
de uma cliente altamente monopolizadora. Ninguém falava nada claramente com medo
da explosão de raiva dos companheiros. Quando a terapeuta sinalizou isto para o grupo,
um dos elementos verbalizou que expressar sua chateação perante as falas da colega
seria um desrespeito e além disso ela poderia não gostar e ficar brava. Alguém falou
ainda que tinha medo de interromper. O grupo começou a entrar num estado de ter me­

Sobrc comportamento c co|]iil(Jo 2 2 7


do de perder o controle e vivenclar o que estava acontecendo. As terapeutas, neste
momento, precisaram conduzir o grupo a aceitar o que estavam sentindo. Assim foram
dadas pistas para que os clientes amplificassem suas sensações corporais e depois
falassem para o grupo como é sentir-se assim (ansiedade, raiva e medo).
A cliente monopolizadora falou:" - Percebi que eu falo bastante porque tenho
medo de ser posta de lado". Ou seja, sentir-se abandonada ou rejeitada pelo grupo
também é aversivo e o comportamento monopolizador garantia-lhe uma esquiva destas
respostas emocionais.
Acreditamos que quando perguntamos no grnpo: “ - O que vocè está sentindo?"
e valorizamos sua resposta, já estamos modelando o comportamento de viver sensações
corporais e, a partir daí é nossa função criar um contexto no grupo que valorize a
expressividade emocional.
Pudemos, portanto, verificar que os contextos verbais (literalidade, controle, dar
razões) permeiam com freqüência e em diferentes magnitudes os comportamentos das
pessoas e suas relações interpessoais; ao mesmo tempo, também pudemos observar
que trabalhar com as relações interpessoais no “aqui e agora" reduzem o controle
comportamental destes contextos e permite uma aprendizagem sob controle de
contingências produzidas pelo próprio grupo; o que é desejável a nível psicoterapêutico.

6. Considerações Finais

Este trabalho começou com a tentativa de demonstrar a viabilidade de integrar


as propostas das psicoterapias funcional-analítica e contextual numa atuação com grupos
terapêuticos. Ao longo deste, nós tentamos demonstrar que tal possibilidade existe e
que já está sendo desenvolvida há algum tempo. Temos hoje uma visão mais clara de
seu alcance para a Análise Comportamental Clínica. Acreditamos que o alcance destes
enfoques possa ser atribuído, especialmente, a alguns pontos. Em primeiro lugar, eles
forneceram uma estrutura teórica que fundamenta as estratégias usadas durante todo o
processo terapêutico; em segundo lugar, deram ênfase ao ambiente terapêutico
apontando sua similaridade funcional com o ambiente natural, facilitando a generalização
dos comportamentos. Outras contribuições importantes referem-se às oportunidades de
melhor discrim inarm os os contextos sócio-verbais que fundamentam nossos
comportamentos e dos nossos clientes, e que nos deram inspiração para trabalharmos
com o relato verbal de forma mais rica e eficaz à luz dos resultados terapêuticos.

Bibliografia

HAYES, S.C. Um Enfoque Contextual para Mudança Terapêutica In: JACOBSON, N.S.

228 Maria Zlliih da Silva BrandJo - Nlonc Torre*


(Ed.). Psicoterapia na Prática Clínica: Perspectivas Cognitivas e Comportamentais. New
York: Guilford, 1987.
KÕHLENBERG, R.J.; TSAI, N. Psicoterapia Analftico-Funcional In: JACOBSON, N.S.
(Ed.). Psicoterapia na Prática Clínica: Perspectivas Cognitivas e Comportamentais. New
York: Guilford, 1987.
YALON, I.D. & VINOGRADOV, S. Manual de Psicoterapia de Grupo. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1989.
SKINNER, B.F. About behaviorism. New York: Knopf, 1974

Sobre comportamento e coflnlÇilo m


Capítulo 27

Terapia comportamental com famílias


Yara Kupcmtcin /n#l>crman
Universidade Fstadua! do Paraná1

A terapia comportamental com famílias desenvolveu-se da aplicação dos


princípios da teoria da aprendizagem a diferentes espaços clínicos e clientes. Os primeiros
relatos de intervenções orientadas para a família tendiam a ser associadas com o
envolvimento dos pais na modificação do comportamento perturbado de seus filhos.
Produto desta história veio também meu interesse pela Terapia com Famílias.
Desde o início de meu trabalho com criancas o manejo com os pais foi um problema
para o qual sempre procurei solução passando por diferentes cursos de diferentes
abordagens e procurando os referenciais disponíveis. Em 1980 tive contato com a terapia
de famílias pelo modelo sistêmico que, a principio, apesar de sua formulação teórica
incompatível com a visão behaviorista, parecia ser a resposta a estas perguntas. A partir
de 1986, voltando-me mais á análise funcional do comportamento, fui tecendo críticas a
este enfoque vindas de meu desconforto com a nâo especificidade dos procedimentos o

230 Y<ir<i Kuperstein Inftbcntnin


que era incompatível com minha prática como terapeuta comportamental.
Assim retornei, em minha busca, aos modelos de pensamento que permitissem
lidar com a família a partir deste referencial. Vejo como importante tomar os trabalhos
iniciais, a história da abordagem e suas indicacões.
Segundo Patterson (1988) a modificação de comportamento foi um movimento
social que teve um impacto cumulativo no campo do tratamento da família. Duas
características de seus fundamentos produziram este impacto. Eles vem de duas regiões
diferentes da pesquisa em psicologia normalmente nâo presentes na pesquisa clínica .
O primeiro foi uma extensão de publicações como Ciência e Comportamento Humano
(Skinner, 1953). Mudanças nas contingências de reforçamento foram uma base poderosa
para a modificação do comportamento humano. Aplicá-las pareceu relativamente
fortalecedor. Chegou-se diretamente ao ambiente social, o lar ou a sala de aula e alterou-
se as contingências em direção ao comportamento pró-social. Foi uma idéia complemente
nova e funcionou. Esta premissa simples levou ao desenvolvimento de tecnologias para
a mudança de comportamento em famílias, instituições, salas de aula e outros.
Williams (1959) in Falloon (1988) relatou uma intervenção para reduzir a birra de
uma criança pequena ao ir dormir na qual os pais foram instruídos a colocar a criança
para dormir de maneira afetuosa e ignorar seus protestos subsequentes. Outra aplicação
que se mantém até hoje é a aplicação dos princípios do condicionamento clássico no
tratamento das enureses. Um dos primeiros relatos que refletiam a mudança da análise
focada no desvio comportamental do cliente foi a de Whaler, Winkel, Peterson e Morrison
(1965). Eles consideravam que a maioria dos terapeutas assumiam que os pais da criança
compunham a parte mais influente de seu ambiente natural. Um procedimento lógico
para modificar o comportamento desviante de uma criança deveria envolver o
comportamento dos pais. Estas mudanças deveriam ser obtidas pelo treino em eliminar
as contingências que mantém o comportamento desviante da criança e prover novas
contingências para produzir e manter um comportamento mais normal que competiria
com o comportamento desviante.
Outra característica segundo Patterson (1988) foi a combinação de duas idéias
diferentes. A primeira era a de que se deveria entrar no mundo real e observar quais
contingências haviam sido aplicadas antes durante e depois da intervenção. Isto seguiu-
se naturalmente da posição Skinneriana combinando-se com o emergente movimento
ecológico do grupo de Roger Barker (Barker, 1963). A idéia de observar em ambientes
naturais levou ao desenvolvimento de sistemas e códigos de observação e mais
precisamente descreveu a linha de base, a intervenção e o acompanhamento das
mudanças. O desenvolvimento de uma tecnologia de observação para medir mudança
comportametnal continha as sementes para uma nova idéia, era possível descrever
precisamente seqüências da interação familiar, e então deitar o trabalho de base para o
acúmulo gradual de um sólido corpo de informações sobre a mudança da família.
São três os principais autores citados no desenvolvim ento da terapia
comportamental de famílias: Gerald Patterson, Robert Liberman e Richard Stuart que
desenvolveu contratos de contingência focalizando o ambiente interpessoal no qual as
pessoas da família respondiam umas as outras. Vamos centrar nossa exposição nos
dois primeiros que tiveram maior expressão no movimento de atendimento ao grupo
familiar.

Sobre comportamcnto e cojinlÇílo 2 3 1


1. Gerald Patterson e seus colegas de Eugene, Oregon, estabeleceu claramente o papel
do terapeuta como um especialista, em seu artigo intitulado “Reprogramando o ambiente
social" (Patterson, McNeal, Hawkins.&Phelps, 1967). A base empírica das suas
intervenções com a família foi claramente demonstrada por seus esforços em obter
observações do comportamento da família. As interações familiares eram coditicadas
de maneira estandardizada. Os antecedentes e as respostas associadas com um episódio
comportamental selecionado eram analisados. A intervenção tentava treinar os pais nos
princípios da teoria da aprendizagem social, com a ajuda de livros de instrução
programada, e com a aplicação de estratégias especificamente programadas para eliminar
as contingências que pareciam “programadas" para produzir o comportamento desviante.
Uma aproximação que tentava alterar o comportamento dos pais de maneira recíproca
quando crianças pequenas com distúrbios estavam envolvidas, distinguiu a terapia de
família do treinamento de pais que vinha sendo empregada nos anos 70. O trabalho
pioneiro de Patterson estendeu-se aos padrões comportamentais dos pais.
Ainda que as aproximações orientadas para a família tenham aumentado em
popularidade, este movimento floresceu largamente na ausência de evidência conclusiva
de serem, as aproximações baseadas na família, superiores à terapia individual no
tratamento de crianças com problemas psicológicos. Decisões clínicas acerca da prática
da terapia da criança e mais especificamente acerca da inclusão da família no processo,
foram realizadas sem o benefício da evidência científica. Uma das maneiras de se
aproximar desta questão envolve considerar quais fatores familiares estão implicados
no desenvolvimento de problemas na infância que possam sugerir com mais força a
necessidade do envolvimento da família no tratamento, um caminho empírico.
Para Fauber (1991) a pesquisa básica reforça o papel que os fatores da família
podem influir no ajustamento infantil e prove algumas diretrizes conceituais gerais que o
clínico deve considerar:
a) A primeira questão a ser considerada pelo terapeuta da criança na decisão sobre o
envolvimento da família na terapia, tem a ver com o quanto esta família esta sendo vista
como tendo papel direto na etiologia e manutenção do problema. Terapeutas vão se
beneficiar com a análise do problema de forma a determinar a presença de processos
familiares que contribuem.
b) Que forma deve tomar o atendimento à família? As pesquisas não respondem que
formas específicas de envolvimento da família são indicadas para cada situação. O
envolvimento da família deve ser focado com o objetivo de alterar os processos interativos
específicos que são vistos pelo terapeuta como contribuindo para a disfunção da criança.
c) Até que ponto os membros da família são vistos como potentes ou como aliados
influentes? Mesmo que pareçam ter um papel não etiológico ou fundamental no problema
em si, há razões para se assumir que os membros da família terão um impacto único ou
maior que o terapeuta sozinho.
d) Existem momentos em que o envolvimento da família deve ser evitado? Não há dados
para responder a esta questão. É razoável tomar a posição de que a primeira prioridade
ó alterar os processos destrutivos que estão perturbando a criança, e que o envolvimento
da família na terapia é o melhor caminho para conseguir este objetivo. Podem haver
instâncias nas quais os país não estejam preparados para mudar ou engajar-se

232 Yaru Kupcritfl» ln«bcnn.in


construtivamente no processo terapêutico. Nestes casos, tentar forçar os pais a participar
do tratamento pode ser improdutivo e levar ao insucesso. Ao mesmo tempo, trabalhar
individualmente com a criança para ajudá-la a enfrentar mais adaptativamente a situação,
pode ser mais benéfico.
e) A questão não deve ser vista como uma questão de “se" “ou". O fato de que algum
envolvimento da família ser desejável não significa que a terapia individual não possa ter
resultados positivos ou vice-versa. Uma situação na qual uma aproximação combinada
pode ser desejável é quando o problema parece estar ligado funcionalmente a alguns
déficits básicos de habilidades por parte da criança, assim como de uma lacuna de
habilidades sociais apropriadas, ou outros tipos de deficiências cognitivas ou disfunções
mais do que déficits que pareçam estar ligados a interação familiar.

Robert Liberman (1970) em seu artigo “Aproximações Comportamentais Terapia


de Família e de Casal" deu as bases da aplicação de um trabalho de aprendizagem
operante aos problemas da famílía de quatro pacientes aduítos com depressão, dores
de cabeça inadequação social e discórdia conjugal. Introduziu os conceitos de
aprendizagem imitativa de Bandura e Walters (1963) à terapia de família. Ele enfatizou
também o desenvolvimento de habilidades terapêuticas básicas, como o desenvolvimento
de uma aliança terapêutica coma família. Os membros da família eram convidados a
sugerir mudanças que desejassem para si mesmos e outros na família e relação a
problemas comportamentais identificados assim como a objetivos construtivos de vida.
Ficava claro que a análise comportamental continuaria durante a terapia e que esta iria
sendo modificada de acordo com as mudanças nos comportamentos problema, o
terapeuta assumiu o papel de um educador especializado.
O ponto entre as duas abordagem foi a restruturação, a mudança recíproca nas
relações familiares, somente assim transações mutuamente desejáveis substituiriam
modelos interativos hipotetizados como contribuição para o desenvolvimento e
manutenção dos comportamentos problema.
Podemos observar que a terapia comportamental de família desenvolveu-se da
cuidadosa aplicação dos princípios da teoria da aprendizagem aos problemas de discórdia
e estresse da família. Os primeiros esforços dependeram quase inteiramente da aplicação
da tecnologia do condicionamento operante. O foco destes métodos estava nas
transações interpessoais, eram dependentes do terapeuta como o mediador da mudança,
os pacientes deviam seguir as instruções do terapeuta, e a resolução do conflito não era
considerada. Tais métodos eram claramente limitados em sua aplicação, porém eram
surpreendentemente efetivos.
Durante os anos 70, a terapia comportamental de família teve uma transformação.
O método em desenvolvimento, com seu conjunto de estratégias cuidadosamente
consideradas, desenvolveu pesquisas e estratégias em várias áreas sendo que as três
maiores são: 1. o treinamento de pais de crianças com comportamento desviante; 2.
terapia de casal; 3. terapia sexual.
Para Liberman (1972) as terapias de casal e de família podem ser formas bastante
potentes de modificação do comportamento por que o espaço interpessoal que embasa
a mudança é o encontro do dia a dia, face a face de um indivíduo com as pessoas mais
importantes de sua vida. Há sucesso quando o terapeuta é hábil em guiar os membros

Sobre com p ort< im rnto e cognlç<lo m


da família em mudar seus modos de se relacionar uns com os outros. Em termos
comportamentais, pode-se traduzir “modos de se relacionar uns com os outros" em
conseqüência do comportamento ou contingências de reforçamento. Em lugar de seguir
comportamento mal adaptativo com atenção e cuidados, os membros da família podem
aprender a dar um ao outro reconhecimento a aprovação ao comportamento desejável.
Desde que a família é um sistemas de trocas, comportamentos recíprocos
(inclusive comportamento afetivo), a terapia de família funciona melhor quando cada um
dos membros aprende como mudar sua responsividade aos outros. A terapia de família
deve ser uma experiência de aprendizagem para todos os membros envolvidos.
Diferente de outros teóricos de família, os terapeutas comportamentais são
encorajados usar sistemas abertos que examinam a multiplicidade de sistemas que devem
operar na psicopatologia do cliente. Por esta razão o terapeuta comportamental de família
deve estar interessado no status fisiológico dos membros da família, em suas respostas
comportamentais, cognitivas e emocionais assim como nas transações que ocorrem
entre a família e seus ambientes social, de trabalho e político cultural. Nenhum sistema
é foco de atenção pela exclusão de outros.
A análise comportamental da família progrediu do simples hipóteses dos primeiros
terapeutas de família, pesquisas interacionais deram suporte aos profissionais. As
estratégias de intervenção diferem de acordo com o padrão de comportamento persistente
do cliente.
Liberman (1972), considera que as famílias que vem para tratamento conviveram
com o comportamento mal adaptado de um de seus membros respondendo a ele através
dos anos com raiva, reclamações, cuidados, conciliação, irritação ou simpatia. Estas
respostas, mesmo punitivas como parecem superficialmente, tem o efeito de reforçar o
desvio, isto é, aumentar a freqüência ou a intensidade do comportamento desviante no
futuro. O reforçamento ocorre em função da atenção oferecida ser vista ou sentida pelo
membro desviante como aprovação ou cuidado. Em várias famílias com membros
desviantes, há pouca interação social e os membros tendem a levar vidas relativamente
isoladas uns dos outros. Por causa desta lacuna de interação, quando a interação ocorre
em resposta ao comportamento anormal de um membro, este comportamento é
poderosamente reforçado. Mudar as contingências pelas quais o paciente obtém
aprovação e cuidado de outros membros de sua família é o princípio básico da
aprendizagem que da base á terapia. O reforçamento social é tornado contingente ao
comportamento desejável, adaptativo ao invés de mal adaptativo ou indesejável.
Quanto à técnica Liberman (1972) adequa os procedimentos da abordagem
comportamental ao trabalho com famílias definindo três passos para o terapeuta:
1. criar e manter uma aliança terapêutica positiva; sem uma aliança terapêutica positiva
entre o terapeuta e aqueles a quem está ajudando há pouca possibilidade de sucesso na
intervenção. O relacionamento positivo entre o terapeuta e os pacientes permite ao
terapeuta servir como reforçador social e modelo; isto é, construir comportamentos
adaptativos e extinguir comportamentos mal adaptativos. Estas qualidades da aliança
podem ser desenvolvidas num período inicial de avaliação. Os primeiros contatos, que
ocorrem nas primeiras reuniões, oferecem oportunidade ao terapeuta de mostrar um
calor inicial, aceitação e cuidados para com o cliente e seus problemas.

234 VdM Kupcrslcin ln«brnndn


2. fazer uma análise comportamental do problema; o diagnostico se constitue de
uma análise funcional dos problemas. Fazendo esta análise comportamental o terapeuta,
em colaboração com a famflla, pergunta duas questões; 1- Qual é o comportamento
problema , a quais as mudanças que gostaria de ver nos outros em sua família e, b-
como você gostaria de ser diferente do que é agora. Respondendo a estas questões
podem escolher cuidadosamente objetivos específicos; 2- Quais são as contingências
ambientais e interpessoais que mantém o comportamento problema ou reduzindo a
possibilidade de respostas mal adaptativas; Esta análise não cessa após, as sessões
iniciais, necessariamente se mantém durante rodo o curso da terapia. A medida que os
problemas mudam durante o tratamento também muda a análise do que mantém estes
comportamentos. N o v r s fontes de reforçamento par o cliente e sua família devem ser
pesquisada. Neste sentido a terapia comportamental de famílias é dinâmica.
3. implementar os princípios do reforçamento e da modelagem no contexto das
interações interpessoais em ação; O terapeuta atua como um educador, usando seu
valor como reforçador social para instruir a família em mudar suas formas de relac.ionar-
se. Uma maneira útil de conceitualizar estas táticas é vê-las como experimentos de
mudanças comportamentais nos quais o terapeuta e a família juntos reprogramam as
contingências de reforçamento operando no sistema familiar.
Para desenvolver técnicas de terapia, o terapeuta deve produzir modificações
no comportamento do grupo familiar e do terapeuta durante o tratamento e manter
estudos empíricos sistemáticos. Muito trabalho ainda será necessário para demonstrar
que os processos familiares são essencialmente seqüências comportamentais que podem
ser classificadas, especificadas e medidas com um certo grau de precisão. Futuros
progressos clínicos e de pesquisa, realizados por terapeutas comportamentalmente
orientados deverão levar os terapeutas de família a especificar mais claramente suas
intervenções, seus objetivos e seus resultados empíricos. Se estes desafios forem
seriamente aceitos, o campo da terapia de família deverá evoluir e ganhar estatura como
uma modalidade cientificamente estabelecida.
Neil Jacobson (1985) descreveu o desenvolvimento da terapia familiar como
sendo de um maior amadurecimento caracterizado por uma autoreflexão crítica das forças
e fraquezas da abordagem. Quem sabe a maior força da abordagem esteja em sua
rígida adesão a uma base empírica que permite novos desenvolvimentos serem criticados
não somente em termos de sua forma, mas em termos de sua efetividade em obter as
mudanças específicas desejadas.
Hoje, em nossa realidade venho observando que vários terapeutas de abordagem
comportamental, entre os quais me incluo, vem fazendo incursões no campo da família
como cliente mas não tem relatado sua experiência, mantendo a lacuna existente na
literatura. Me parece que tal fato ocorre porque nesta área, assim como inicialmente no
campo da psicoterapia, os precursores ainda querem assegurar-se de suas idéias e
procedimentos antes de divulgá-los até porque expressar-se para a comunidade científica
exige um esforço de sistematizacão que ainda não está suficientemente amadurecido.
Voltando ao pai destas idéias, não podemos deixar de verificar a atualidade da
colocacão de Patterson (1988) segundo a qual a terapia familiar se fundamenta na
necessidade de continuo progresso no uso sistemático do método científico. Como

Sobre com p oritirn en to e cognlçJo 255


resultado, todos os expoentes do método serão constantemente envolvidos com o processo
de refinamento, cada clínico é um pesquisador, cada membro da família é um sujeito de
pesquisa, e cada pesquisador está contribuindo para o avanço da clínica.

Bibliografia

EMERY, R.E., Flncham, F.D., Cummings, E.M. (1992). Parentingin context: sistemic
thinking about parental conflict and its influence on children. In Journal of Consulting
and Clinicai Psychlogy. vol. 60, n° 6, p. 909-912.

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FAUBER, R.L., Long, N. Children in context: the role of the famyli in child psychoterapy.
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JACOBSON, N.S. (1985) Towand a nonsectarian blueprint for the empirical study of family
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LIBERMAN, R.P. (1972) Behavioral approaches to family and couple therapy. Progress
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PATTERSON, G.R. (1988) Foreword. Handbook of Behavioral Family Therapy. Falloon,


I.R. Guilford Press, New York-London.

236 Yara Kupcrstcln Injjberman


Capítulo 28

O papel do terapeuta na separação conjugal


Cannen C/arcia de Almeida Moraes
l /niversidade Fstadua! de Londrina

1. Família: Estabilidade e Mudanças

/A família é um sistema social no qual vários mecanismos de influência po­


dem operar.
É uma realidade em transformação contínua, sob a influência de mudanças e
evoluções sociais culturais, históricas e psicológicas.
Variações, ajustamentos e mudanças não significam necessariamente dissolvição.
A realidade da família é permanente, mas sua forma não é imutável, pelo contrário temos
visto surgir opções por novos padrões de relacionamento determinando assim novas
formas de funcionamento familiar.
Vemos assim que a família se transforma através do tempo, se adaptando e se
reestruturando, de maneira a continuar funcionando.

Sobre comportamento c connlçJlo 2 3 7


Na opinião de Carneiro (1992), dependendo da forma como o grupo familiar
estrutura-se e da dinâmica que estabelece, ele pode funcionar como facilitador ou como
dificultador do ajustamento de seus membros.
Para esta autora ó importante analisarmos alguns aspectos da dinâmica familiar
que contribuem para o ajustamento de seus membros:

1.1. Comunicação
Entendida como qualquer comportamento verbal ou não-verbal manifestado por
duas pessoas, o emissor e o receptor.
É importante que seja clara, congruente, com direcionalidade e carga emocional
adequadas.

1.2. Regras Familiares


Todo grupo social possui normas que regulam seu comportamento.
Uma regra é um indicador estabelecido ou um regulador para a conduta da
família.
Existem quatro dimensões importantes no estabelecimento das regras: a
explicação, a coerência, a flexibilidade e a democracia das mesmas.

1.3. Papéis Familiares


A família contribui para o ajustamento, na medida em que cada membro conhece
e desempenha seu papel específico.
É importante que cada membro assuma papéis definidos e adequados, sem
estereotipia e rigidez.

1.4. Liderança
O líder deve influenciar o comportamento dos outros membros e ser influenciado
por eles com funções de organizador e orientador da atividade grupai.
Para que o crescimento emocional dos membros da família possa ser promovido,
é necessário que a liderança dos pais surja no grupo familiar e seja compartilhada com
os filhos, de forma diferenciada e democrática.

1.5. Conflitos
Podem ser benéficos ou maléficos, na medida em que estimulem o crescimento
ou predisponham ao desequilíbrio emocional.
A família deve conter os efeitos destrutivos dos conflitos, ao mesmo tempo em
que está preocupada com as possibilidades de expressão, valorização e a busca de

238 Carm en C/arclu dc A lm e id a M oraes


solução para os mesmos.

1.6. Manifestação da Agressividade


É muito importante que na interação familiar possam ser expressos sentimentos
de quaisquer natureza.
A raiva e os sentimentos hostis devem ser expressos, podendo ser usados de
forma construtiva e com direcionalidade adequada.

1.7. Afeição Física


O carinho (contato físico) deve estar presente e ser manifestado com carga
emocional adequada.

1.8. Interação conjugal


É importante a individualização, ou seja, a preservação da identidade individual
de cada membro da família, da integração e da coordenação de esforços para alcançar
objetivos comuns.

1.9. Auto-Estima
Está relacionada aos sentimentos de valor que cada um tem em relação a si
mesmo e que são desenvolvidos desde cedo pelos pais quando se interessam pelas
realizações dos filhos.
É importante que o terapeuta familiar tenham em mente cada um desses aspectos
ao entrar em contato com um cliente ou família que vinha até então funcionando
eficazmente e que passa a apresentar dificuldades ao enfrentar um evento estressor,
como é o divórcio ou a separação, que costuma acarretar uma disruptura no processo
de desenvolvimento humano.

2. Causas da Separação

Ao analisar as causas da separação conjugal, Moraes (1989) aponta como


principais os problemas de comunicação do casal, as expectativas não atendidas no
casamento, a frustração de necessidades emocionais e sexuais e a incompatibilidade
de gênios (divergências quanto a interesses, valores e filosofias de vida).
A título de ilustração apresentaremos o resumo de um atendimento clínico, no

Sobre comportamento e cofjnlfdo 2 3 9


qual ficou bastante claro, o quanto as divergências acima referidas contribuíram para o
desgaste do relacionamento entre um casal, cujo casamento já durava 15 anos.
O marido tinha na época 38 anos, a esposa 35 e possuíam dois filhos, uma
menina e um menino de 13 e 14 anos, respectivamente.
O tratamento foi procurado pela esposa que se queixava da perda do desejo
sexual e da falta de habilidades no repertório do marido para relacionarem-se sexualmente.
Dificuldades de comunicação estavam presentes neste caso, bem como uma
insatisfação generalizada por parte da esposa, a qual não pode continuar exercendo
atividades profissionais, nem seus estudos após o casamento, por imposição do marido.
Paralelamente, sentia muito a intromissão dos sogros em aspectos de seu
relacionamento conjugal e familiar.
Ela apresentava crises depressivas, somatizações (problemas de estômago),
insônia e dificuldades de alimentação, havia tentado o suicídio por duas vezes e tomava
diversos medicamentos anti-depressivos e tranqüilizantes.
Sua expectativa era a de “mudar sua maneira de pensar, para ficar ou sair do
casamento (sic); queria dar um tempo para ver se com a terapia ocorriam mudanças;
queria voltar a sentir desejo sexual pois embora gostasse do marido, estavam vivendo
como amigos".
Mesmo residindo em uma cidade próxima e com dificuldades de locomover-se
para o local do atendimento, esta apresentava um alto grau de motivação, sendo assídua
e demonstrando grande interesse em realizar tarefas, participando assim ativamente do
processo terapêutico.
Foram realizadas um total de 15 sessões com a cliente e uma com o marido,
durante um período de sete meses.
Nestas sessões, a análise funcional realizada apontou dificuldades da cliente
quanto à auto-imagem e auto-estima, as quais tinham como conseqüências, a indecisão,
insegurança, tensão, dificuldades na resolução de problemas, inassertividade.
Assim sendo, optamos pela realização de um trabalho individual em sua auto-
estima, expressividade emocional, tomada de decisão e relaxamento, enquanto
paralelamente foram delineados procedimentos para melhorar a comunicação do casal.
Como foi inicialmente salientado, havia uma grande divergência entre os
interesses e filosofia de vida deles, o marido não mais a acompanhava em situações
sociais e era por ela avaliado como acomodado também financeiramente, enquanto ela
julgava-se ambiciosa.
No decorrer da terapia, a cliente relatou a ocorrência de um relacionamento
extra-conjugal que a estava gratificando sexual e afetivamente.
A partir deste fato, passou a questionar ainda mais a possibilidade de separação,
sentindo-se no entanto despreparada para tal.
Dessa forma, várias sessões foram destinadas ao processo de tomada de decisão
quanto à separação.

240 C a im c n C /arda de A lm e id a M o ra e s
Finalmente, após um trabalho dela junto aos filhos para aceitação, a mesma
decidiu separar-se e passou a tomar as respectivas providências para a mesma.
Relatou ter conseguido reduzir sensivelmente (com acompanhamento médico),
a medicação que utilizava, entendeu que as queixas físicas inicialmente apresentadas
eram decorrentes de seus problemas emocionais, ou seja, da insatisfação que
caracterizava o seu relacionamento conjugal e de sua dificuldade em tomar decisões.
Avaliando o relacionamento, diz ter chegado à conclusão de que a ausência de
um diálogo verdadeiro e da cumplicidade, no sentido de partilhar as coisas como gostaria
é que foram responsáveis pelo fim do casamento.
No que se relaciona à comunicação existe muitas vezes por parte de um ou
ambos os membros do casal, dificuldades de expressar sentimentos e emoções um ao
outro.
Embora o caso clínico relatado tenha nos mostrado facilidades por parte da
terapeuta em ajudar a cliente a atingir seus objetivos no processo terapêutico, é importante
salientarmos neste momento, que há casos em que podemos nos defrontar com limitações
que impedem a implementação de procedimentos para tal fim.
Lembramos aqui de um casal que atendemos algum tempo atrás, cuja ajuda foi
inicialmente solicitada pelo marido, o qual tentava resgatar a afetividade da esposa.
Ao contrário do outro, este era um casal mais jovem que permaneceu casado
por apenas dois anos e estava separado há aproximadamente dois anos.
A análise da interação deles revelou-nos falhas profundas de comunicação que
só foram identificadas após a ocorrência de um desgaste muito grande no relacionamento.
Ele se lamentava de não ter conseguido corresponder às expectativas de carinho,
afetividade e expressividade emocional por parte da esposa, enquanto ela se queixava
de constantemente ter-lhe sinalizado isso em vão.
Paralelamente este casal vinha apresentando muitas dificuldades em relação
ao filho, uma criança de 03 anos de idade, o qual começava a apresentar problemas de
agressividade, sono e alimentação, decorrentes das freqüentes disputas dos pais em
relação à guarda do mesmo.
Embora o prognóstico para esse caso parecesse bom, dado que era um casal
jovem e com pouco tempo de relacionamento, nada pode ser feito no sentido do resgate
da afetividade da esposa, tão almejado pelo marido, uma vez que apesar dele reconhecer
e assumir suas limitações, não havia mais por parte dela, interesse e disposição em
investir em esforços que pudessem levar à reconstrução do relacionamento.
Neste caso, como ela já havia conhecido outra pessoa e estava iniciando um
novo relacionamento, foi proposto a ele que desse continuidade ao processo terapêutico
para trabalharmos, por um lado a sua aceitação quanto à separação, a qual estava
sendo muito difícil, e por outro, os seus déficits comportamentais, no sentido de prepará-
lo para novas relações, evitando assim o insucesso da primeira.
Infelizmente, este atendimento não pode ter continuidade, uma vez que o cliente
desistiu, explicitando que o seu objetivo em terapia era o de conseguir a esposa de volta,

Sobre comportamento c coflnltfo 2 4 1


o que acabou por entender como nâo sendo mais possível.
Expectativas irreallsticas trazidas para o casamento também têm sido motivo
para descontentamento e fonte de frustrações por parte dos parceiros.
A nossa experiência profissional tem levado â constatação da existência de uma
super-idealização de um parceiro em relação ao outro.
Muitas vezes até existe a percepção de falhas ou aspectos desagradáveis nos
comportamentos do outro, porém há a esperança de que ocorram mudanças, o que nem
sempre acontece, levando a um acúmulo de sentimentos de raiva, mágoas e decepções.
Temos constatado também que a existência no namoro, de pequenas
divergências, acabam se transformando muitas vezes, com o passar dos anos, em
grandes diferenças que contribuem para o afastamento entre o casal.

3. Conseqüências da Separação

Com relação as conseqüências da separação, a nossa experiência clínica durante


anos de trabalho com casais separados e seus filhos tem nos mostrado que o período
mais crítico é o dos dois primeiros anos que sucedem a separação.
Neste período, existe por parte de ambos (pais e filhos) muitas dificuldades em
aceitar a separação como algo definitivo.
Dentre os com portamentos, emoções e sentim entos negativos mais
freqüentemente encontrados destacamos a tristeza, o isolamento, a raiva, a culpa, a
ansiedade, a depressão, a insegurança, o medo e a solidão.
Uma área que também costuma ser influenciada pela separação é a da auto-
estima que pode ficar bastante rebaixada, como fica evidente no relato de uma cliente
que participou de um grupo de apoio a pessoas separadas, que tinha 38 anos, era
comerciante e havia sido casada durante 25 anos: - "Eu estava tão feia, horrível, achava
que mais nada tinha sentido, hoje estou me achando linda, maravilhosa, eu tenho uma
coragem aqui dentro de mim. Eu pensei esta semana que ninguém pode me fazer feliz.
Uma pessoa pode proporcionar momentos felizes, alegres, companheirismo, mas então
veja bem, eu posso ler um livro e me sentir feliz, eu posso dançar e me sentir feliz, sabe?
Eu posso ajudar uma pessoa a ser feliz, eu posso estar ali ao lado das minhas filhas e
ser feliz, sabe? Quando eu cheguei aqui estava me sentido velha, gorda e vi tanta gente
bonita, nova, com o mesmo problema meu, então eu vi que eu estava pondo a minha
vida na mâo dele, me anulando. No dia das mães eu fui ao mercado fazer compra e
chegando lá eu vi aquele monte de vaso de flor, um mais lindo que o outro! Se eu tivesse
dinheiro ia comprar um de cada cor, mas eu tinha que escolher... E comprei um para
mim. Escrevi num cartão: - "Feliz dia das mães!" Quando eu cheguei em casa, eu falei:
- “Olha o que eu ganhei!" Ficou um suspense, ninguém sabe quem mandou! eu me senti
feliz!...

242 Ciirmen C/urtld Jc Almeida Moraes


Como podemos notar pelo relato apresentado, o resgate da auto-estima desta
cliente foi possível, na medida em que durante os encontros, a atuação dos terapeutas,
bem como dos membros do grupo, consistiu em ressaltar suas qualidades e habilidades,
de maneira a buscar estratégias para uma mudança pessoal positiva.
Trabalhando em grupo com adultos ou crianças, o papel do terapeuta é o de
ajudar as pessoas envolvidas no processo de separação a efetuar uma análise funcional
das dificuldades, para que a partir de uma melhor compreensão das mesmas consigam
visualizar alternativas para resolvê-las.
As crianças que temos atendido, muitas vezes desconhecem totalmente ou não
entendem as causas da separação dos pais e este costuma ser um motivo de grande
sofrimento para elas.
Nestes casos, é importante que o terapeuta procure clarificar-lhes todo o
processo, corrigindo inclusive percepções distorcidas de relacionamento homem-mulher,
casamento, etc.
Com freqüência temos encontrado também crianças com dificuldades de
aceitação dos novos parceiros dos pais, uma vez que na batalha que se trava elas não
conseguem perceber as qualidades, mas somente defeitos nos mesmos. Nos lembramos
aqui de uma menina atendida, que tinha muita dificuldade para aceitar a namorada do
pai e que ao efetuarmos um treino, iniciando pela utilização de bilhetes (expressividade
escrita), ela passou a comunicar-se verbalmente e finalmente acabou se tornando amiga
da moça.
Este é um dos muitos exemplos de como a instalação de habilidades no repertório
comportamental pode promover o ajustamento a essa fase crítica da vida.
Concluindo, o papei do terapeuta deverá ser sempre o de fornecer subsídios à
reflexão dos clientes, para que possam tomar decisões mais seguras no sentido de
reestruturarem seus relacionamentos.

Bibliografia

GIUSTI, E. (1987) A arte de Separar-se. Rio de Janeiro: Livraria Nova Fronteira.


MALDONADO, M.T. (1987) Casamento: Tórmino e Reconstrução. Petrópolis: vozes.
MORAES, C.G.A. Separação Conjugal: Um estudo de possíveis causas e alguns efeitos
sobre um grupo de casais e filhos. São Paulo, 236p. Tese de doutorado apresen­
tada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
_______ . (1996) Grupo de Apoio a Filhos de Pais Separados. Trabalho de Pós-Doutorado
apresentado ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
SCHMIDT-DENTER, V. Familyrelationship andchilddevelopment afterdivorce: findings
from the cologne longitudinal study. Paper presented at the symposium "Divorce

Sobre comportamento e cognifdo 2 4 3


in European countries-consequences for parents and children” (Chairmain: W.E.
Fthenakis). IV European Congress of Psychology, july 2-7,1995, Athens, Greece.

244 Carmen Çarcla de Almeida Moraes


Capítulo 29

Qrupos de casais separados e seus filhos


C\irmcn C/iirdti dc Almeida
( /nivcrsid.idc Fstadual dc Londrina

1. Seqüência das Pesquisas sobre Relacionamento Familiar

rios estudos tem nos mostrado que a família é uma instituição em transformação,
a qual vem reformulando concertos, valores, princípios e reafirmando o seu papel na formação
e salvaguarda da pessoa, comunidade e sociedade. (Camargo, 1995).
As pesquisas realizadas nos levaram a constatação da ocorrência de um aumento
no número de separações conjugais e suas conseqüências de natureza biopsicossocial.
Estas constatações nos despertaram o interesse pela formação de grupos de apoio para
podermos intervir a nível preventivo.

Sobre comportamento c cognlfAo 2 4 5


2. Trabalho em Grupo

Para Yalom e Vinogradov (1992), na terapia de grupo, tanto as interações


paciente-paciente, quanto as interações paciente-terapeuta são usadas, à medida em
que ocorrem no setting do grupo, para efetuar mudanças no comportamento mal-adaptado
de cada um dos seus membros.
Na opinião desses autores, o próprio grupo, bem como a aplicação de técnicas
e intervenções especificas pelo terapeuta treinado, servem como um instrumento para
mudança. O objetivo mais importante seria pois, o da manutenção do funcionamento
psicossocial apropriado. Em uma situação de grupo, podemos perceber que as interações
pessoais influenciam o desenvolvimento psicológico.
Os objetivos deste tipo de intervenção terapêutica seriam os de possibilitar a
partjcipação colaborativa, a obtenção de satisfações interpessoais no contexto de
relacionamentos realistas e mutuamente gratificantes. Os grupos para treinamento de
habilidades sociais e de auto-ajuda costumam oferecer: educação, socialização e apoio.
Algumas vantagens podem ser encontradas na terapia de grupo, tais como a do
atendimento a um maior número de pacientes, a do uso eficiente do tempo e da economia
de espaço, pessoal e outros recursos.
Na situação de grupo, é possível aos membros aprenderem a lidar com aspectos
agradáveis e desagradáveis dos comportamentos uns dos outros, como: simpatias,
antipatias, similaridades, diferenças, inveja, timidez, agressão, medo, atração e
competitividade. Desta forma, os feedbacks que são trocados nos permitem entender o
significado e o efeito das interações entre os membros de um grupo.
Os grupos são parte integral de nossas experiências de desenvolvimento, desde o inicio,
na unidade familiar, passando pela sala de aula, até as pessoas que nos rodeiam no
trabalho, no lazer e em casa. Para Moser (1994), “as relações interpessoais, a vida
social, as amizades e as relações amorosas do casal, ocupam uma parle importante de
nossa vida cotidiana e influenciam fortemente um grande número de nossos
comportamentos. O conjunto de nossas relações formam uma rede social dentro da
qual nós nos inserimos e passamos a maior parte de nossas vidas em companhia e
interação com os outros". (p. 9).
Concordamos com este autor e acreditamos que um trabalho em grupo privilegie
o desenvolvimento das relações interpessoais, contribuindo assim, de maneira significativa
para o crescimento psicológico das pessoas.
Após termos caracterizado brevemente a natureza da intervenção grupai,
apresentaremos em seguida, os objetivos, a metodologia empregada, bem como uma
síntese dos resultados obtidos junto a grupos de adultos e de filhos de pais separados.

246 Ctirmcn C/arcId de Almeida


3. Grupos de Adultos

As principais dificuldades decorrentes da separação, que temos encontrado sâo


as seguintes: desestruturaçâo emocional, auto-estima destruída, dificuldades em aceitar
a separação como definitiva, aumento da tensão, dificuldades financeiras, de
relacionamento social, profissionais, familiares e problemas de instabilidade afetiva.

I. Objetivos do Trabalho
1. Favorecer a adaptação a novas situações.
2. Oportunizar a auto-aceitação e o crescimento psicológico individual.
3. Favorecer o desenvolvimento de um repertório comportamental que possibilite um
melhor relacionamento interpessoal.
4. Verificar a eficácia de estratégias grupais de intervenção.

II. Caracterização do Trabalho


1. Local: Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina.
2. Período: 16 encontros semanais e 03 encontros de folow-up.
3. Duração: 01 hora e 30 minutos cada um.
4. Divulgação: meios de comunicação.
5. Instrumentos de avaliação: são aplicados inicialmente e ao término das intervenções
grupais para detectar-se as dificuldades comportamentais apresentadas.
6. Composição dos grupos: 06 a 10 pessoas, de ambos os sexos, com idades, tempo de
casamento e separação variados.
7. Técnicas utilizadas: dinâmica de grupo, relaxamento, técnicas para aumentar a coesão
grupai, fortalecer a auto-estima, desenvolver o auto-conhecimento, a percepção do outro,
técnicas para treinar a expressividade emocional, a expressão corporal, técnicas que
visem fortalecer as decisões pessoais, detectar as auto-regras, desenvolver a interação
entre os membros e perspectivas mais realísticas quanto a novos relacionamentos.
8. Estrutura dos encontros: são reaíízadas análises funcionais e discussões das situações
vivenciadas. Nestes encontros são efetuados também levantamentos de alternativas
que facilitem a adaptação a novas situações e melhorias no relacionamento interpessoal.

III. Resultados
As avaliações e feedbacks tem nos mostrado que os encontros propiciam:
melhores condições para resolver dificuldades, elevação da auto-estima e
desenvolvimento de laços de solidariedade e companheirismo.

Sobrr comportamento c c o r i W çJ ü 247


A vivência grupai tem permitido atingir os objetivos propostos, na medida em que
diversas habilidades de relacionamento interpessoal têm sido desenvolvidas, tais como: a
comunicação, o auto-conhecimento, a percepção do outro, a auto-afirmação, a auto­
confiança, a segurança e a expressividade emocional.
Nos encontros de folow-up tivemos a evidência de que o exercido destas habilidades
preparou alguns dos participantes para o estabelecimento saudável de novos
relacionamentos.

4. Grupos de Filhos

(. Objetivos do Trabatho
1. Detectar a existência de comportamentos-problema.
2. Identificar mudanças comportamentais ocorridas após a participação em um grupo de
apoio.
3. Verificar a eficácia de estratégias grupais de intervenção.
II. Caracterização

O trabalho com as crianças tem uma estrutura semelhante à do grupo de adultos.


Durante a intervenção com as crianças são realizados alguns encontros paralelos
de orientação aos pais.
Os grupos infantis também são compostos de 06 a 10 crianças, de ambos os
sexos.
Dentre as técnicas utilizadas destacamos as seguintes: técnicas de dinâmica de
grupo, de relaxamento, técnicas para desenvolver a cooperação, o respeito, laços de
solidariedade e companheirismo, a expressividade emocional, técnicas para desenvolver
o auto-conhecimento, a percepção do outro, para trabalhar questões como disciplina,
custódia e para facilitar a aceitação de novos(as) parceiros(as) dos pais e tomadas de
decisão.
As atividades freqüentemente empregadas no trabalho em grupo com as crianças,
são lúdicas como: o desenho, a pintura, a modelagem e a dramatização.
Nestes encontros, a exemplo do que acontece com os adultos, também é
realizada uma análise funcional e discussão das dificuldades apresentadas, bem como
é efetuado um levantamento de alternativas para resolução das mesmas.

248 Carmen C/urda de Almeida


III. Resultados
Quanto aos resultados obtidos, as avaliações realizadas nos mostraram que temos
conseguido atingir os objetivos propostos, ou seja, desenvolver no repertório comportamental
das crianças algumas habilidades tais como: o auto-conhecimento, a percepção do outro,
a auto-estima, a expressividade emocional, a visualização de alternativas para a solução
de problemas, a aceitação de novos parceiros dos pais, as quais tem contribuído para
melhorar o relacionamento interpessoal das mesmas e facilitado a adaptação ao processo
de separação vivenciado.

Bibliografia

CAMARGO, F.C. (1995) A Família em Processo de Mudança - Valores e Práticas Diver­


gentes? Monografia apresentada ao Curso de Especialização sobre Margina-
lização na Infância e na Adolescência da Universidade Estadual de Londrina.
Londrina.
GIUSTI, E. (1987) A Arte de Separar-se, Rio de Janeiro: Livraria Nova Fronteira.
MALDONADO, M.T. (1987) Casamento: Tórmino e Reconstrução. Petrópolis: Vozes.
MORAES, C.G.A. (1985) Vida de Casada. Campinas: Papirus.
______________. (1989) Separação Conjugal: um Estudo de Possíveis Causas e Alguns
Efeitos sobre um Grupo de Casais e Filhos. Tese de Doutorado apresentada ao
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. São Paulo.
______________ . (1997) Grupo de Apoio a Filhos de Pais Separados. Trabalho de Pós-
Doutorado apresentado ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São
Paulo.
MOSER, G. (1994) Les Relations Interpersonalles. 1* ed. Paris: Press Universitaries de
France.
YALOM, I.D. & VINOGRADOV, S. (1992) Manual de Psicoterapia de Grupo. Porto Alegre:
Artes Médicas.

Sobre comportamento e cojjnlçáo 2 4 9


Capítulo 30

A queixa e o problema: evolução de uma


terapia individual para terapia do casal
Vem Regina Lignelli O/e/o
Clínica ORTEC- Ribeirão Preto

Q u a n d o me propuz a realizar este trabalho, escolhi este caso para apresentar


por acreditar que ele pode exemplificar uma das possibilidades de condução de uma
psicoterapia individual que, para seu melhor prosseguimento, transforma-se numa
psicoterapia de casal..
Trata-se do caso de uma moça(R), com 25 anos de idade, casada, com instrução
superior.
No nosso primeiro contato ela apresentou as seguintes queixas: demorava para
tomar qualquer decisão, tinha pouca paciência, sentia-se muito nervosa e tinha alguns
problemas de relacionamento com o marido(S). Na realidade ela havia procurado
psicoterapia por sugestão dele, e, principalmente em função das desavenças existentes
entre o casal.
Eis algumas frases textuais dela na primeira sessão:

250 Carmen C/tirciti de Almeida


"Ele quer que eu faça terapia porque nós brigamos muito. Nem sei se é muito.
Veja se não tenho razão para brigar: ele não acata minhas opiniões, parece que não me
considera; ele não conversa coisas pessoais, parece que não confia em mim; ele não
consegue falar sobre o nosso relacionamento; apenas diz que quando não estou brigando
ô legal fícar comigo; eu tenho muitos motivos para brigar."
Com o decorrer do atendimento fui conhecendo sua história de vida e contexto
familiar, o que, obviamente foi de fundamental importância para a condução da
psicoterapia. Vejamos alguns aspectos relevantes relatados por R.
Seu pai era uma pessoa com instrução superior, muito inteligente, com princípios
de vida firmes, e que “sempre soube o que era certo e o que era e rra d o Era um excelente
profissional, embora sempre sem dinheiro. Nâo aguentava pressão no trabalho. Saía de
um emprego, independentemente de ter outro em vista ou nâo e até sem se preocupar
se a família teria o que comer. Sempre foi extremamente crítico com tudo. unão aceitava
ser contrariado: se alguém tivesse uma opinião diferente da dele, se comprasse um
objeto que ele não aprovasse, tinha explosões de raiva, chegando a empurrar fortemente
minha mãe e, algumas vezes, agrediu fisicamente a mim e a minha irmã. Mas ele era
bom e logo se esquecia de tudo." Sempre ameaçava sair de casa ou expulsar alguém da
família.
Sua mâe era uma pessoa com nível médio de instrução, muito inteligente e com
imensa paciência. Sempre ouvia tudo em silêncio. “Era muito passiva, embora tentasse
sempre proteger a mim e a minha irmã dos acessos de raiva do meu pai.” Longe do
marido se rebelava contra ele fazendo o que as filhas queriam. Em algumas situações
de desespero ameaçava ir embora de casa. Era muito carinhosa.
Com relação ao contexto familiar R descrevia que sua casa funcionava de uma
maneira conturbada, embora ela sempre tivesse achado que fosse normal: uUma hora
ouvia-se música, todo mundo numa boa, e, outra hora tinha brigas nas quais se quebravam
cadeiras, televisão, e tc ”
Até aos 12 anos de idade tinham morado em quatro cidades diferentes por causa
das desavenças profissionais do pai. Quando ela e a irmã estavam fazendo alguma
amizade mais sólida na escola, mudavam-se de cidade.
Em torno de 16 anos começou a trabalhar para poder comprar o que quisesse.
Aos 18 anos separou-se definitivamente da família, pois esta iria mudar-se novamente
de cidade.

R teve diversos envolvimentos afetivos que se rompiam abruptamente.


Com o objetivo de apresentar alguns dos muitos padrões de comportamento
fortemente exibidos por R e também exemplificar como se referia à sua história selecionei
relatos feito por ela;

Relato 1
R, o marido e um grupo de amigos estavam em uma cidade diferente da que

Sobrr com p ortam e nto e c o g n lfã o


moravam e o grupo escolheu uma churrascaria para almoçar. Ela negou-se a entrar,
tentou convencê-los a mudar de idéia, não conseguiu e decidiu ir sozinha ao restaurante
ao lado, que tinha as comidas de que gostava:
“ Eu disse prá eles que carne faz mal, que eles vôo ter mil problemas de saúde
e emocionais. Falei prà eles: vejam como vocês estão gordos, vocês são uns imbecis,
não se curtem. Como podem não perceber que estão errados? Será que não percebem
que eu só quero ajudà-losT E continuando o relato para mim:
"Será que não viram que eu não queria ir naquele restaurante? Por que não
foram comigo? São todos uns egoístas. Ele me largou por causa dos amigos, ô tão
imbecil quanto eles. Eu sou uma pessoa boa, legal. Sei que sou briguenta, mas sei que
sou boa.
Eu tive muita raiva deles por não terem entendido. Muito ódio, tinha vontade de
berrar e quebrar tudo quando acabei de almoçar e fui me encontrar com eles na
churrascaria. Fiquei muito brava, não conversava com ninguém. Engraçado logo depois
passa tudo. O ruim ô que meu marido até hoje está quieto, de cara amarrada, sem
conversar comigo. Eu agora já estou legal”.

Relato 2
“Sabe, era muito duro viver com meu pai. Ele não respeitava ninguém, não
deixava você ter vontade. Uma vez eu era pequena, lembro-me que pedi um disco de
presente de aniversário e ele fícou feliz da vida pela minha escolha. Acho que era
porque não era brinquedo, era mais intelectualizado. Salmos e fomos até à loja. Eu
nunca tinha me sentido tão feliz. Era a primeira vez que meu pai ia me dar um presente.
Sempre era a minha mãe quem dava. Eu ia orgulhosa e feliz pela rua com meu pai. Na
loja eu disse ao vendedor que queria o disco da novela tal, meu pai enfureceu-se, começou
a gritar comigo, dizendo-me que aquele disco ele não compraria, que eu escolhesse
outro. Ao dizer-lhe que não queria outro, ele saiu da loja berrando que aquele disco era
coisa de imbecil e cafona. Eu senti muito medo dele e de me perder dele também,
porque ele quase corria pela rua. Eu era pequena e não conseguia acompanhá-lo”.
Durante o atendimento fomos identificando as características e as decorrentes
dificuldades pessoais de R. Por exemplo, ela fazia discriminações e generalizações
incorretas e consequentemente tirava conclusões sobre si e os outros, também incorretas.
Ela tinha um discurso extremamente elaborado sobre si e as outras pessoas e também
sobre os relacionamentos, mas absolutamente desvinculado do que de fato ocorria. As
regras internalizadas, aprendidas durante toda sua vida, e, que controlavam seus
comportamentos, contribuíram para que ela se tornasse uma pessoa marcadamente
autoritária, preconceituosa e egocêntrica. Só que ela não conseguia perceber-se desta
maneira. Ela sempre acreditava que era o outro quem apresentava tais características.
Está distorção de percepção acarretava-lhe sérias alterações de ordem emocional
reveladas através de seqüências intermináveis de comportamentos marcadamente
inadequados, que causavam transtornos a ela e às pessoas envolvidas nas diferentes
situações de sua vida.
Nos 14 meses iniciais a psicoterapia de R foi se desenvolvendo com 2 sessões

252 Vera Rfflliu Llflnclll Oteru


semanais, nas quais ela foi aprendendo a; 1)a se observar; 2) a observar outras pessoas;
3) a fazer análises funcionais de seus comportamentos; 4) a descobrir quais regras
controlavam seus comportamentos e suas percepções sobre si e sobre outras pessoas;
5) a identificar quais eram os seus sentimentos em diferentes situações; 6)a identificar
quais seriam os possíveis sentimentos das outras pessoas; 7) a identificar como durante
toda sua vida ela construiu regras para julgamento e classificação das atitudes, dos
comportamentos seus e dos outros; 8) a identificar que não sabia, a exemplo do próprio
pai, lidar com pessoas que agiam e pensavam diferentemente dela. Para ela, alguém
pensar ou comportar-se de uma maneira diferente da dela significava estar errado e
portanto poderia ser contestado, ser punido.
Quando começaram a aparecer as mudanças em seus comportamentos
encobertos e públicos eía esbarrou em dificuldades para melhorar seu relacionamento
com seu marido.
Na realidade ele já havia assimilado a forma dela ser e já havia desenvolvido
uma maneira muito firme de conviver com ela. R não estava conseguindo, sozinha,
reverter o esquema de relacionamento entre eles.
Em torno do oitavo mês de atendimento de R eu havia feito uma entrevista com
seu marido . Nosso contato, na ocasião foi muito proveitoso para a psicoterapia de R.
Novamente, no 14o. mês, convidei-o, através de R para outra entrevista. Desta
feita fizemos três consecutivas com S, nas quais pudemos perceber suas dificuldades
pessoais inclusive no que diz respeito a relacionamentos.
S não conseguia defender um ponto de vista diante de alguém muito seguro
determinado, principalmente, quando essa pessoa elevava o tom de voz criando uma
situação de enfrentamento e briga, como era de costume com R. Nestas ocasiões ele se
calava, emburrava até por semanas seguidas, ignorando-a, ficando deprimido, evitando
toda e qualquer ocasião para conversas pessoais. R por sua vez, ao não conseguir
conversar, freqüentemente voltava a emitir aqueles padrões de comportamentos, que
implicavam em julgamentos e acusações inadequadas. Com seus novos berros e
intimidações S se fechava mais ainda, o que deixava R mais alterada, provocando em S
mais e mais comportamentos de evitação de situações de convívio.
Também verificamos que vários dos desentendimentos sérios existentes entre
o casal estavam ligados á forma que haviam desenvolvido para se relacionarem..
No terceiro contato com S concluímos que seria desejável fazermos uma sessão
conjunta com R. Foram realizadas três sessões com a presença dos dois. Na terceira,
decidimos, R, S e eu, que deveríamos tentar um trabalho conjunto para podermos lidar
com situações de relacionamento entre eles.
A partir desta sessão iniciamos o novo esquema de atendimento. Foram feitas
duas sessões semanais com a presença de ambos, durante dois meses.
Estas sessões tinham como um dos objetivos ajudá-los a descobrir novas
maneiras para enfrentarem seus problemas de relacionamento.
Ocorreram várias possibilidades de condução das sessões.
Em uma delas, qualquer um deles relatava uma situação conflituosa vivida por

Sobre comportamento c coRnlçílo 2 5 3


ambos.
Uma das regras que havíamos combinado era que cada um deveria tentar ouvir
sem interromper. Em seguida o outro relatava a mesma situação.
Nas primeiras sessões, ambos tiveram muita dificuldade em seguir esta regra,
tendo sido necessárias várias intervenções minhas para chegarmos ao final desta primeira
etapa.
Os relatos, obviamente não coincidiam, sendo que na grande maioria das vezes,
a interpretação de cada um deles, sobre parte ou o todo, do mesmo era bastante
divergente.
Nas primeiras sessões após as duas exposições eu formulava perguntas a
cada um deles de modo a possibilitar o esclarecimento de aspectos que avaliava como
necessários.
Após isso, eu apontava as semelhanças e diferenças entre as percepções.
Em seguida eles eram solicitados a relatar as emoções sentidas no instante em
que o fato ocorreu, sendo que também eram trabalhadas as que fossem identificadas
durante o nosso encontro.
Gradativamente, nas sessões deste tipo, eles foram conseguindo ouvir por um
tempo maior antes de interferir, e, também formular questões um para o outro, com o
objetivo de buscar esclarecimentos sobre percepções e emoções, assim como,
começaram a dá-los espontaneamente. Desta maneira a minha intervenção, a partir
desta etapa limitava-se a apontar os progressos alcançados por ambos, a fazer análises
funcionais, identificar padrões de interação e auxiliá-los a descobrir a que aspectos
deveriam estar atentos para evitarem situações semelhantes futuramente.
Em tomo do segundo mês das sessões com o casal, nós já tínhamos constatado
a interferência marcante de vários aspectos pessoais no relacionamento do casal.
Avaliamos que não seria possível lidar com essas questões nas sessões conjuntas.
Estabelecemos, a partir de então, que poderiam ocorrer sessões individuais,
com qualquer um deles para lidar com dificuldades pessoais específicas.
Nova regra ficou acordada entre nós. Todos os aspectos individuais tratados
nas sessões com cada um deles só seriam colocados para o outro pela própria pessoa,
se ela quisesse. Desta foima ambos tinham sua privacidade preservada e possuíam em
suas mãos o controle sobre a decisão da revelação ou não de dados de sua sessão
individual.
Esta nova possibilidade de tratar as questões individuais, contribuiu muito para
a evolução do trabalho nos aspectos ligados ao casal.
Como esquema geral, nesta etapa, tínhamos uma sessão com R, seguida de
uma sessão conjunta, que era sucedida por uma sessão com S e .a seguir ocorria outra
sessão conjunta e assim sucessivamente.
Esta regra geral não era rígida, podendo ser alterada a qualquer momento, em
função da necessidade da condução do processo que estava em andamento. Por exemplo
, poderíamos ter duas ou três sessões individuais com cada um deles ,ou alternadas,

254 Vcr.i Rcglim Llgnclll Olero


para só depois fazermos uma ou mais sessões com o casal.
Nas sessões individuais o procedimento seguido era o usual, só que sempre
acrescido de análises que saíam do plano pessoal e se deslocavam necessariamente
para o casal.
Quando se avaliava que a dificuldade específica já tinha atingido uma etapa de
mudança que permitia o prosseguimento do trabalho com ambos, a seqüência descrita
anteriormente era retomada.
No início deste procedimento, ocorreram muitas seqüências de sessões
individuais com ambos. Após um ano foi possível aumentar sensivelmente o número de
sessões sucessivas com o casal, verificando-se então a diminuição do número de sessões
individuais.
Com o decorrer da psicoterapia do casal, gradativamente eles foram percebendo
que até então, não tinham um projeto de vida a dois, embora já estivessem casados há
alguns anos.
Começaram a poder elaborar planos de vida a dois, a longo prazo, conseguindo
conversar, por exemplo, sobre a possibilidade de terem filhos, quando e quantos. Este
assunto, como vários outros, era considerado tabu entre eles, em virtude das posições
antagônicas que tinham sobre o mesmo, e que geravam, anteriormente, discussões
ofensivas e improdutivas.
Com o desenvolvimento da psicoterapia do casal, observou-se que as sessões
conjuntas funcionavam como um laboratório de treinamento de vida para eles. Nelas,
eles desenvolviam um repertório de comportamentos interativos fundamentais para
qualquer relacionamento. Por exemplo, adquiriram a habilidade de ouvir uma pessoa
por completo antes de posicionarem-se. Aprenderam a lidar com diferenças de opiniões
sem pré-julgamentos, e, também foram tornando-se hábeis para construir um consenso
para as situações em que ambos estariam necessariamente envolvidos.
Eles também foram generalizando as habilidades lá desenvolvidas, o que permitiu
uma melhora considerável na qualidade da interação entre eles e com outras pessoas.
Com o decorrer do trabalho eles também puderam identificar todos os modelos
de interação que cada um trazia consigo e o quanto cada um deles o reproduzia no
relacionamento do casal.
Também como conseqüência desta nova compreensão da situação eles foram
gradativamente diminuindo a atribuição de responsabilidade sobre a qualidade ruim do
relacionamento ao outro e assumindo cada um a sua parcela.
Voltando um pouco às queixas apresentadas por R na sua sessão inicial,
lembramos que ela disse que tinha alguns problemas de relacionamento com o marido,
e que ele foi quem sugeriu que ela procurasse um atendimento para melhorar o
relacionamento do casal Ela por sua vez atribuía a ele toda a responsabilidade da relação
deles, por não ouvi-la, não querer conversar sobre problemas entre eles, etc.
Com o decorrer do atendimento, pudemos todos verificar que a queixa era
primariamente individual, mas que o problema era coletivo.

Sobre comportamento c to^nl^lo 2 5 5


Avalio esta possibilidade de trabalho terapêutico de um casal como muito rica e
eficaz.
Saliento porém, que a obediência de todos às regras, que devem ser
estabelecidas em cada caso e para cada caso, durante o atendimento, é fundamental
para que este procedimento possa ser utilizado.
A efetivação de um vínculo de confiança e lealdade entre as três pessoas
envolvidas constitui variável indispensável, que deve sempre estar presente.
Como qualquer outra proposta terapêutica, esta também só deve ser utilizada
quando muito bem entendida e assimilada por todos os envolvidos. Seguramente haverá
pessoas que não se submeterão tranqüilamente a esta alternância de contatos individuais
e de casal, e, se imposta tal situação, poderemos correr vários riscos indesejáveis.
Acredito ser essencial que o terapeuta esteja constantemente atento a cada
uma das pessoas ali presentes, lembrando-se o tempo todo que um casal é constituído
por duas pessoas que têm sua individualidade.
Com esta proposta de intervenção temos em um caso, três processos
psicoterapêuticos em andamento: o da mulher, o do marido e o do casal.

256 V cm KcRiihi I Ifliiclll Olcro


= Capítulo 31

Possibilidades de interação entre a


psicoterapia conjugal e individual
hklo Ho Coelho Ifaritosa
Universidade F:dera! do Ceará

A diversidade de formas de atendimento em uma psicoterapia conjugal dá


margem a algumas discussões, como da possibilidade de conciliar o atendimento
individual de um dos cônjuges com a psicoterapia do casal, pelo mesmo terapeuta. O
presente trabalho visa relatar uma experiência clinica onde essas questões foram
vivenciadas, possibilitando a análise de alguns aspectos relevantes na discussão das
possibilidades e limites do uso de um procedimento deste tipo.
Como referencial teórico, podemos enquadrar o modelo de análise clínica adotado
no Behaviorismo radical e nos princípios da Psicoterapia funcional-analítica
(KÕHLENBERG & TSAI, 1987). Os procedimentos utilizados condizem com as diretrizes
comuns aos diversos enfoques encontrados dentro de um referencial behaviorista e
voltados para a psicoterapia conjugal, que foram descritas por RANGÉ & DATTÍLIO
(1995). Sâo elas:
1. A ênfase no papel do ambiente social atual;

Sobrr corriportamcnfo e cotfiilçA o 257


2. A ênfase no momento terapêutico como objeto e foco de interesse da análise do
terapeuta;
3 .0 reconhecimento do papel desagregador de determinados padrões de comportamento
para o bem-estar subjetivo do casal;
4. A necessidade da promoção de aprendizagem de habilidades especificas de interação
conjugal.

1. Caso clínico

O casal atendido tinha 10 anos de matrimônio e buscou a psicoterapia inicialmente


por iniciativa da esposa (J.), queixando-se da pouca atenção e da ausência do esposo
em relação a ela e aos filhos. O marido (C.), por sua vez, apresentava como queixa o
fato da esposa não estar contente com nada, reclamar constantemente dele e dos filhos
e do fato dela não trabalhar para auxiliar nas despesas. O terapeuta observou desde as
primeiras sessões com o casal um padrão de comportamento não-assertivo do marido e
após algumas sessões foi discutida com o casal a importância de uma psicoterapia
individual para C. desenvolver um comportamento mais assertivo que certamente traria
benefícios para ele e para o relacionamento conjugal.
Após tentativas com dois terapeutas com os quais disse não ter se sentido à
vontade, C. propôs fazer a sua psicoterapia individual com o mesmo terapeuta que os
atendia. Sua esposa disse estar de acordo, pois não via nenhum problema de sua parte
para que isso ocorresse. Num primeiro momento, o terapeuta analisou com o casal as
possíveis implicações que o atendimento de C. em paralelo poderia acarretar para o
vínculo terapêutico estabelecido na psicoterapia conjugal. Diante da insistência do casal,
ficou acertado o atendimento individual de C. em paralelo por um mês para uma posterior
avaliação. Após esse período, todos concordaram em dar continuidade aos atendimentos
e foi estabelecido um novo contrato terapêutico que previa, inclusive, a reavaliação do
atendimento a partir da solicitação de qualquer um dos participantes do processo.
O atendimento durou 15 meses, até a decisão do casal de interromper o processo
psicoterápico. Durante esse período, o terapeuta teve a oportunidade de elaborar algumas
conclusões sobre as possibilidades e limites de um atendimento individual de um dos
cônjuges em paralelo à psicoterapia conjugal.
Em primeiro lugar, é necessário deixar claro que o caso aqui descrito deve ser
entendido como uma experiência particular, e não como uma regra que possa ser adotada
para qualquer atendimento de casais. Na verdade, a realização da psicoterapia individual
de um dos cônjuges pelo terapeuta do casal não nos parece, apriori, a melhor alternativa
terapêutica para atingir os objetivos da terapia de casal, mas é importante discutir as
bases em que esse procedimento é factível.
Para o terapeuta, ficaram estabelecidas algumas diferenciações quanto aos seus
objetivos na psicoterapia de casal e na de C.. Com o marido, buscava-se:
1. fazer uma análise funcional do seu comportamento social relacionado não só ao

258 Jotlo lio Coelho Barbosa


contexto conjugal, mas também á sua famííía e ao seu trabalho;
2. instalar novos repertórios em habilidades sociais;
3. analisar seu comportamento nas sessões da terapia conjugal e de seu atendimento
individual a fim de promover a discriminação de CRBs,.
Já na psicoterapia conjugal, os objetivos eram:
a) fazer uma análise funcional das situações vivenciadas pelo casal na semana;
b) instalar habilidades de interação conjugal;
c) promover a discriminação de padrões de comportamentos inadequados do casal e de
cada cônjuge em sua mútua interação;
d) analisar o momento terapêutico e a relação ali estabelecida entre o terapeuta e o
casal como situação onde poderiam ser evidenciadas e analisadas as dificuldades de
relacionamento do casal,
A terapia conjugal também passou a servir como campo onde C. poderia introduzir
novas habilidades treinadas em sua psicoterapia individual e observar seu próprio
comportamento no relacionamento conjugal. Embora J. estivesse ciente de que isso (ria
ocorrer, o processo de aprendizagem de habilidades de C. nem sempre era a ela
explicitado, pois havia a hipótese de que a discriminação dos déficits comportamentais
de C. pudesse ser usada para puni-lo em situações de conflito conjugal.

Bibliografia

KOHLENBERG, R. J. & TSAI, M. (1987) Functional analytic psichotherapy. Em: N. S.


J ACOBSON (ed.) Psychotherapists in clinicai practice: cognitive and behavioral
prespectives. New York: Guilford Press.

RANGÉ, B. & DATTÍLIO, F. M. Casais. Em: B. RANGÉ (ed.) (1995) Psicoterapia


comportamental e cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas. Cam­
pinas: Editorial Psy.

Sobre comportamento o coflnj^lo 2 5 9


Capítulo 32

Problemas sexuais femininos: anorgasmia,


dispareunia, vaginismo e inibição do desejo
Oswatdo Rodrigues fr.
A n g c h A ln u n sa M onesí
Instituto H . EUis

Q u a n d o falamos de problemas, sempre pensamos nos aspectos negativos,


em coisas ruins. Ao falarmos de problemas sexuais das mulheres, vamos ter que falar
de coisas que, mesmo com um discurso geral negativo, ocorrem entre as mulheres e
fazemos de conta que não existem.
Antes de sequer tocarmos nos possíveis problemas sexuais que afligem as
mulheres, devemos lançar as bases para considerarmos estes problemas. Primeiramente,
um problema é um problema se a mulher sentir que a situação sexual a possa atrapalhar,
fazer infeliz e se interpor com seus objetivos e projeto de vida. Em segundo lugar, embora
possamos considerar uma determinada situação como um problema (o que chamamos
de diagnóstico sexológico), a mulher é que deve considerar se a situação é ou não um
problema. Este segundo ponto é importante para que as pessoas possam se sentir livres
para optar por suas vidas, mesmo que possam ser consideradas “com problemas sexuais".
Devemos crer que cada um de nós é responsável pela vida que pretende ter, com ou
sem problemas.

260 lodo Ho Coelho Barbosa


1 . As Quatro Fases Fisiológicas da Resposta Sexual Humana

A partir dos estudos da dupla de pesquisadores William H. Masters e Virgínia E.


Johnson, temos um modelo de como o corpo funciona em fases interdependentes, porém
distintas: Excitação, Platô, Orgasmo e Resolução.

1.1. Excitação
A excitação é caracterizada pelo ímpeto de sensações eróticas e pela obtenção
da ereção no homem e da lubrificação vaginal na mulher. As manifestações de tensão
sexual incluem também uma reação corporal generalizada de congestão dos vasos e
miotonia. Além disto, enquanto o corpo se prepara para a tensão do coito, a respiração
torna-se mais ofegante e aumentam as pulsações e a pressão arterial.
No homem, além da ereção do pênis, o escroto se dilata e a bolsa escrotal
torna-se mais lisa e maior, enquanto os testículos começam a se elevar porque os cordões
espermáticos ficam mais curtos.
Como acontece no homem, a fase de excitação na resposta sexual feminina é
também caracterizada pela congestão dos vasos. Além disto, durante a excitação, os
seios começam a se intumescer, tornando os mamilos eretos.
Com referência específica às respostas genitais locais, o traço característico da
resposta sexual feminina durante a fase da excitação é a lubrificação vaginal. À medida
que a mulher vai se sentindo excitada, o ingurgitamento vascular dos tecidos internos da
vagina dá origem a uma exsudação, que vai formar a lubrificação das paredes vaginais,
em 10 a 30 segundos após o início do estímulo sexual. Há também, em intensidade
menor, congestão dos vasos do clitóris, que se torna ereto em algumas mulheres, mas
não em outras. Também durante a excitação, o útero aumenta de volume em virtude do
ingurgitamento vascular, e começa a elevar-se da sua posição de repouso no soalho
pélvico. Simultaneamente, a vagina principia a dilatar-se e a distender-se para acomodar
o pênis.

1.2. Platô
A fase do platô é essencialmente um estado mais avançado de excitação, que
ocorre logo antes do orgasmo. Durante o platô, a resposta vasocongestiva local do órgão
sexual primário se encontra no auge, em ambos os sexos. No homem, o pênis está
distendido e cheio de sangue até o limite da sua capacidade. A ereção é firme e o falo
está retesado até o máximo do seu tamanho. Os testículos tornam-se ingurgitados com
o sangue e encontram-se 50% maior que o seu tamanho normal. Além disso, a contração
reflexa dos músculos cremastéricos e dos cordões espermáticos levanta os testículos,
suspendendo-os a uma posição bem rente ao períneo. Então aparecem duas ou três
gotas do fluido claro mucóide da glândula de Cowper.
As transformações fisiológicas que ocorrem na mulher também podem
ser atribuídas à vasocongestão. Uma reação extra-genital observada na mulher é o

Sobre wmportd/nento e cogtilção 261


rubor resultado de vasocongestão generalizada. Estas transformações foram descritas
como intumescência e coloração dos lábios menores. Isto é, a pele do órgão genital
varia da cor vermelho vivo ao bordô, e há formação de uma placa espessa de tecido
congestionado circundando a entrada e a parte inferior da vagina, chamada de “plataforma
orgâsmica". Além disto, durante esta fase, o útero termina sua ascensão do soalho pélvico,
e o terço exterior da vagina apresenta-se distendido. Finalmente, antes do orgasmo, o
clitóris gira num ângulo de 180 graus; e se retraí numa posição plana por trás da sínfise
púbica.

1.3. Orgasmo
Durante o orgasmo, considerado o prazer mais intenso, no homem, o sêmen
jorra do pênis ereto, em três a sete ejaculações, a intervalos de 0,8 de segundos.
Descrevem-se dois componentes do orgasmo masculino: o primeiro consiste nas
contrações dos órgãos internos e assinala uma sensação de inevitabilidade ejaculatória.
As contrações rítmicas da uretra peniana, dos músculos da raiz do falo e dos músculos
perineais constituem o segundo componente e são experimentados como o próprio
orgasmo.
Depois do orgasmo, o homem é refratário ao sexo durante um certo intervalo de
tempo. O período refratário deve ocorrer antes da próxima ejaculação. À medida que o
homem se torna mais velho, aumenta o tempo de duração deste período, podendo, em
alguns casos, durar até sete dias entre uma relação e outra.
Independente da forma da excitação, o orgasmo feminino também consiste de
0,8 de segundo de contrações rítmicas reflexas dos músculos circunvaginais e do períneo,
assim como da plataforma orgâsmica. As características do orgasmo sào idênticas em
todas as mulheres. O mesmo pode ser acionado pelas diversas formas de excitação do
clitóris.
A mulher, ao contrário do homem, não apresenta período refratário, podendo
ser estimulada a ter vários orgasmos sucessivos.

1.4. Resolução
A resolução é a fase final do ciclo da resposta sexual; as respostas fisiológicas
locais especificamente cessam e todo o corpo volta ao estado normal.
No homem, os testículos se desentumescem e descem imediatamente à posição
habituai, enquanto o pênis voíta vagarosamente ao estado de flacidez. Logo após o
orgasmo, o pênis é reduzido à, aproximadamente, metade do seu tamanho quando no
auge da ereção. Isso ocorre devido ao esvaziamento dos corpos cavernosos, e após
meia hora do corpo esponjoso e da glande, aí então o pênis diminui por completo. Nos
homens de mais idade, esse processo de invocação pode durar apenas poucos minutos.
Na mulher, o clitóris leva de 5 a 10 segundos após o orgasmo para voltar à
posição inicial. A plataforma orgâsmica se desentumesce rapidamente, porém a vagina
demora de 10 a 15 minutos para voltar ao seu estado normal de relaxamento. O osso
cervical continua dilatando-se e retraindo-se de 20 a 30 minutos após o orgasmo, quando

262 O *w «ildo Rodrigues Jr. - A n flclo Alm<ms«i M o ncsl


o útero já desceu à bacia e o colo do útero já se encontra na bacia seminal. A pele do
órgão genital perde a coloração intensa em 10 a 15 segundos. O sangue, em parte
responsável pela lubrificação do local, se "escoa” da área.

2. Uma proposta trifàsica em busca de soluções

Para pensarmos sobre os problemas sexuais das mulheres, precisamos pensar


no modelo com três fases para a resposta sexual: desejo, excitação e orgasmo (Kaplan,
1977). Em cada uma destas fases poderemos localizar tipos de problemas que podem
afetar a vida sexual das mulheres.

2.1. Sobre o desejo de sexo


Na fase de desejo sexual, ocorre o que deveria motivar uma mulher a buscar a
atividade sexual. É o que nos faz sentir emoções e sentimentos, provoca-nos a vontade
de encontrar sensações boas, prazer geral e, em especial o sexual. É uma fase muito
sensível às interferências dos relacionamentos entre as pessoas e uma conseqüência
direta da história vida da mulher e de seu dia-a-dia atual.
Se compreendermos a possibilidades do desejo sexual como uma régua, com
vários graus intermediários, podemos ter de uma ponta o excesso do desejo sexual, e
na outra a necessidade de completa e total evitação de situações que pudessem conduzir
a circunstâncias sexuais.
O excesso de desejo sexual, ou hipererosia, tem recebido, recentemente, na
mídia outra e nova denominação, a de compulsão oij obsessão sexual. Deste os escritos
do início do século, nomes como ninfomania tem sido utilizados para designar a
necessidade aumentada de atividades sexuais. O termo ninfomania se refere às entidades
mitológicas semidivinas e femininas que povoavam as florestas do mundo greco-romano
sempre em busca e atividades sexuais, as ninfas. Sempre citada, a imperatriz romana
Messalina tem sido um histórico padrão desta forma de expressão da sexualidade, pois
dela se dizia ter, além de um harém de escravos sexuais, o costume de se disfarçar e
sair às noites à procura de sexo extra pelas tavernas e ruas da Roma antiga. Importante
é perceber a situação em que se encontra a mulher hipererótica, ou compulsiva sexual.
A constante necessidade de buscar sexo (e nâo necessariamente fazô-ío) pode tomar
tanto tempo do cotidiano que o atrapalha e confunde. Nos excessos, a mulher passa a
usar muito de seu tempo para pensar em situações sexuais possíveis e localizar
companhia para o sexo. A masturbação pode sempre ocorrer como um mecanismo
intermediário, algo como um aperitivo enquanto se espera o prato principal, que somente
sacia por pouco tempo, e mantém a mulher em sua continua busca. Esta situação pode
atrapalhar o trabalho e os relacionamentos conjugal e familiar com interferências diárias.
Geralmente é nesta condição que a mulher começa a considerar que alguma coisa está
errada, pois até então o prazer conduz e dirige a vida desta mulher. Tendo prazer,
dificilmente considerará haver qualquer coisa errada em sua vida!

Sobre comportamento c coflnif<lo 263


Na outra ponta de nossa régua teremos um quadro de evitação da sexualidade,
ou o que podemos denominar de fobia sexual. Como qualquer outro quadro fóbico, o se
aproximar de situações sexuais pode provocar sensações físicas desagradáveis a
exemplo de tremores, suor nas mãos e mesmo no restante do corpo, podendo chegar a
ânsia de vômito e até o vômito e desarranjos intestinais e da bexiga... Assim, afastando-
se das situações que conduzam a sexo, a mulher fica tranqüila consigo mesma. Nestes
casos, a mulher não sente prazeres com o sexo além de não ter nenhum desejo ou
motivação de buscar sexo ou quaisquer atividades sexuais. Geralmente a mulher encontra
alguma forma de conviver socialmente sem o sexo, entâo evitando possíveis casamentos
ou mesmo se casando com um homem em condições parecidas.
Os estados intermediários compreendem o desejo sexual normal, que facilita o
sexo e as atividades sexuais de modo freqüente, e as inibições do desejo sexual.
Nas inibições do desejo sexual podemos ter uma variação ampla.
Uma mulher pode passar a vida toda sem ter vontade de fazer sexo. Esta forma
absoluta implica que a mulher não deseja, mas pode fazer sexo e mesmo gostar muito e
ter orgasmos plenos. A falta do desejo sexual nâo faz com que esta mulher busque
qualquer situação de sexo, mas se acontecer não a evita, fazendo sexo normalmente.
A inibição relativa, a diminuição do desejo sexual é uma situação mais comum
entre a população feminina. Neste caso a mulher tem pouca vontade de fazer sexo, mas
às vezes deseja buscar atividades sexuais. É importante perceber que a inibição do
desejo sexual não impede a mulher de fazer sexo. Aqui podemos ter casais em que a
vontade de sexo está sempre desencontrada entre os dois. Assim o que temos é uma
inadequação sexual do casal motivada pela baixa de desejo por sexo.
Ainda na fase do desejo sexual, a inadequação sexual do casal pode ocorrer por
diferentes vontades ou preferências de como fazer o sexo ou do que se quer para fazer
o sexo. A preferência por objetos sexuais diferentes, a exemplo das parafilias. O desejo
por objetos diferentes daqueles buscados pela parceria sexual faz com que o casal
sempre se coloque em discussão quando querem fazer sexo.

2.2. Os problemas da fase de excitação sexual


Na fase de excitação sexual, o corpo da mulher passa por modificações para se
preparar para o ato sexual. A área genital, e a superfície do corpo, no alto das coxas,
barriga e até mesmo o peito e rosto recebem maior quantidade de sangue do que
normalmente. Isto muitas vezes faz com a mulher fique com a pele avermelhada como
sinal de excitação, o chamado rubor sexual. Com a excitação a entrada da vagina se
expande, relaxando para permitir a penetração. Dentro da vagina, soro fisiológico é filtrado
de dentro da barriga para dentro da vagina; assim ele fica molhada para que a penetração
e os movimentos de vai-e-vem não machuquem a mulher em seu genital. O clitóris fica
entumecido e mais aparente e sensível ao contato físico. A mulher pode perceber que os
grandes lábios, os quais normalmente “fecham" a vagina, se retraem, e os pequenos
lábios aumentam de tamanho, projetando-se para fora.
Qualquer diminuição ou falta de algum desses fatores fisiológicos pode significar
alguma dificuldade para a sexualidade.

264 Oswdldo Kodrfttuct Jr. - Anseio Alm .mw Monctl


A disfunção sexual que pode ocorrer na fase da excitação na mulher é o que se
chama de disfunção sexual geral. Isto pode trazer outro tipo de problema: a dispareunia.
A dispareunia é o desconforto ou dor que acontecem com a penetração ou durante a
relaçôo.
Neste tipo de problema sexual a mulher nâo sente prazer com o contato erótico
sexual. Trata-se de um contato físico desprazeroso.
O interessante é que esta mulher pode ter orgasmos, mesmo sem estar
adequadamente excitada ou apreciando a relação.
Exemplo de estudo de caso clínico:
F., 33 anos, casada há cinco anos com P., tem uma filha de 3 anos. Procurou um terapeuta
sexual com queixa de dificuldade de se excitar e realizar o ato sexual, principalmente
quanto à penetração. Foi encaminhada pelo ginecologista para tratamento, porque referia
dor e não foi encontrada nenhuma causa orgânica, que pudesse ser associada às queixas.
Nas primeiras sessões F. relatou ter iniciado sua vida sexual no casamento, e foi quando
descobriu que P. também não tinha nenhuma experiência sexual. As primeiras tentativas
de relações sexuais foram frustrantes, e com o passar dos meses o casal começou a
experimentar inibição do desejo. O afastamento afetivo ficou claro, e os dois resolveram
tentar retomar este vínculo, com a possibilidade de gerarem juntos uma criança. Foi um
projeto que demandou algum esforço, quando enfim conseguiram e comemoraram o
nascimento de B.. Depois de 2 anos perceberam que a filha ajudou a uni-los mais
afetivamente, porém a vida sexual continuava inalterada e com os mesmos problemas.
Depois de conversarem muito, resolveram procurar ajuda. Nas primeiras sessões F.
falou sobre sua história conjugal e familiar, com referências de uma infância com pouco
contato amoroso com a figura materna, e bom contato com a paterna. O marido de F. foi
convidado para participar do tratamento, e se comprometeu a colaborar. Durante três
meses o casal prosseguiu com o acompanhamento terapêutico, executando exercícios
de focalizaçâo sensorial I e II. Contavam que estas experiências enriqueceram os
conhecimentos acerca do próprio corpo, e do corpo do outro. Foi então que sugeriu-se a
P. que tentasse executar a manobra de “'ponte”, com excitação prévia da parceira, e em
seguida tentasse a penetração. Foi sugerido adicionalmente a F. que procurasse respirar
profunda e pausadamente durante todo o exercício, o que poderia ajudar a relaxar os
esfíncteres, inclusive o vaginal. Ao longo destas tentativas F. disse que achava que a
glande do pênis de P. era muito grande e por isto não conseguia relaxar. Dizia que tinha
medo da dor na penetração. Este sentimento foi discutido em algumas sessões, com
inclusive citações de referências que contrariavam racionalmente esta hipótese. Depois
de cinco tentativas com a manobra da ponte, F. disse que conseguiu pela primeira vez
não sentir dor à penetração. Passados dois meses o casal referia maior conforto durante
as relações e tentavam realizar o ato sexual em outras posições, que não as mais habituais
para eles. A freqüência de relações sexuais aumentou de uma para três relações por
semana. Após seis meses de tratamento F. se disse satisfeita com os resultados do
tratamento. Foi dado um retorno para o ginecologista que havia encaminhado o caso,
para ciência deste.

Sobre comportamento c cognlçdo 2 6 5


2.3. Problemas com o orgasmo

Nesta fase encontramos as maiores queixas sexuais das mulheres. Muitas


mulheres poderiam queixar-se deste problema, embora nem todas se dêem conta dele
ou mesmo prefiram enganar-se e aos parceiros sexuais segundo nossas pesquisas.
Cerca de 35% das mulheres fingem ter orgasmos junto com seus parceiros!
A dificuldade ou incapacidade em obter orgasmos é o que temos nesta fase
sexual. A isto chamamos de anorgasmia.
No caso de uma mulher nunca sentir prazer orgásmico em nenhuma oportunidade
em sua vida, seja em relações, seja sozinha masturbando-se, falamos de uma anorgasmia
absoluta. Aqui preferimos chamar esta mulher de pré-orgásmica. Assim diminui o peso
negativo ou pejorativo. Esta mulher ainda nâo aprendeu a sentir prazer, seu corpo ainda
precisa aprender. A mulher quem nunca experienciou o prazer orgásmico, ou pelo menos
acredita que nunca o tenha sentido encontra-se neste tipo de problema. Muitas mulheres
esperam sentir algo muito, mas muito forte no orgasmo, e ao ter sensações prazerosas,
mas que considera leves, acredita não ter orgasmos.
Quando a mulher consegue ter orgasmos com a manipulação do clitóris, com a
masturbação, mas não os consegue nas relações coitais com a penetração, entâo temos
a anorgasmia primária. Claro que esta mulher pode ter orgasmos enquanto se manipula
e é penetrada. Esta mulher tem é dificuldade em ter orgasmos apenas pela penetração.
Assim é que muitos casais podem estar se adequando e não se incomodarem com isto.
Para outros casais isto é um grande transtorno e precisa ser modificado por um tratamento
em terapia sexual.
Exemplo de estudo de caso clínico:
C., 35 anos, casada há três anos, chegou ao consultório de um terapeuta sexual com a
queixa de dificuldades para conseguir orgasmo na relação sexual com penetração, além
de problemas para engravidar. O encaminhamento foi feito pelo ginecologista, que estava
cuidando da questão da infertilidade conjugal. Em uma das consultas C. referiu ao
ginecologista que apresentava problemas para conseguir ter orgasmo com o marido,
durante a penetração. O médico encaminhou entâo a paciente para tratamento. Nas
sessões iniciais C. referiu que nos relacionamentos anteriores teve também dificuldades
sexuais. Havia se relacionado anteriormente com homens, onde a simples atração física
era o componente mais significativo. Refere ter poucas vezes se apaixonado, ou se
envolvido profundamente na relações que manteve no passado. Acreditava que o fato
de nâo estar apaixonada impedia que conseguisse superar o problema sexual, e da
infertilidade. Por volta do segundo mês de tratamento, C. referiu que conheceu um homem
um mais jovem que despertou-lhe o interesse sexual. Nas semanas seguintes começou
a sentir maior necessidade de atividade sexual, o que provocou um aumento da freqüência
de relações com o marido. Nesta época C. recebeu orientações para desenvolver com o
marido exercícios de focalizaçâo sensorial I e II, que foram bem aceitos. Ela referiu um
aumento da satisfação no contato com ele, o que sugeria que realmente o contato físico
entre o casal , antes do tratamento era insatisfatório para a paciente. No quinto mês
detratamento foi proposto à paciente que procurasse buscar maior estimulação clitoriana,
durante as preliminares, e quando estivesse bem excitada, o marido faria a penetração,
tentando levá-la ao orgasmo. O sucesso desta técnica foi alcançado pela primeira vez

266 Oswiildo Rodrigues Jr. - Ai)«clo Alnnmw Moncsl


na quarta tentativa do casal. Algumas semanas se passaram e C. conseguia chegar ao
orgasmo, em pelo menos uma em cada duas relações. A motivação de C. aumentava
até que após seis meses do inicio do tratamento ela referiu ao terapeuta que estava
grávida. Contou também ao marido que ficou muito satisfeito. A terapia prosseguiu porque
C. manteve algum conflito quanto a gravidez. Ela referia que quando mantinha relações
sexuais com o marido, pensava no homem por quem havia se apaixonado, mas era
apenas uma relação platônica. Esta relação perdurou durante cinco meses, até que o
vínculo foi rompido. Desta forma o tratamento foi concluído após nove meses, com
remissão praticamente total do sintoma de dificuldade de chegar ao orgasmo. Quanto a
infertilidade teve uma solução satisfatória, sendo que o ginecologista acompanhou C.
até o parto.

2.4. Outros problemas


Há outra dificuldade sexual que independe das fases sexuais. É o vaginismo.
Com esta disfunção, o corpo da mulher nâo permite que haja penetração, fechando-
se vigorosamente e de forma involuntária. Nâo adianta a mulher tentar abrir-se, pois seu
corpo não reage de acordo com seu desejo voluntário.
Muitas vezes este quadro se instala após um estupro ou tentativa de estupro ou
incesto. A situação de violência provoca uma reação normal de defesa do corpo da
mulher. Afinal para que este corpo vai deixar, de novo, acontecer uma situação que já foi
horrível?
Um problema muito próximo é a chamada dispareunia. Algumas vezes trata-se
de uma condição mais leve do vaginismo. A dispareunia é a situação onde existe dor
com a penetração. Pode variar desde um incômodo com o ato sexual com penetração
até dores fortes. Porém, neste caso existe sempre a penetração, mesmo que haja dor. A
dor pode acontecer logo que se iniciar a penetração, durante a relação ou próximo do
final do coito.

2.5. Um alerta sobre causas


Os problemas sexuais podem ter várias causas. Podemos agrupar as causas,
embora de forma didática, em dois tipos. Teremos causas orgânicas e causas
psicológicas.
Quanto às causas orgânicas, um ginecologista consultado poderá apontar para
uma mulher o que fazer. Vários fatores relacionados ao funcionamento do corpo e doenças
podem atrapalhar a vida sexual de uma mulher, embora não sejam tão comuns em
causas disfunções sexuais de forma pura.
Dentro das causas psicológicas, há muita coisa para se encontrar. Poderão ser
problemas de ordem conjugal, de relacionamento do casal, ou com a família de um ou
de outro. Hábitos da própria família podem atrapalhar a vida sexual, especialmente
relacionados com os filhos e como criá-los. Comportamentos relacionados à vida sexual
aprendidos desde criança, ou mesmo apenas ensinamentos aprendidos desde o

Sobrr ro m p o rU im rn lo e cognlçâo 267


nascimento, o que produz mitos e falsas concepções sobre sexo. O modo de iniciação
sexual de uma mulher, incluindo as razões pelas quais ela teve sexo pela primeira vez
podem produzir problemas na esfera da sexualidade. Situações que produzam tristeza e
depressão, mesmo que não se associem a sexo, podem trazer problemas sexuais.
Finalmente, toda e qualquer fonte de ansiedade e nervosismo facilitará e provocará a
existência de problemas sexuais.

3. Sobre os tratamentos

Caso hajam problemas de ordem física, o próprio ginecologista tratará a mulher


com o distúrbio sexual. Caso não seja orgânico o ginecologista encaminhará a mulher
ao psicoterapeuta especializado em sexualidade.
Diferentemente do homem, a mulher tende a aceitar mais facilmente a origem,
ou a possibilidade da origem psicológica para os problemas sexuais. Assim a mulher
pode encarar mais facilmente como resolver seus problemas com a ajuda de um
psicoterapeuta.
Muitas vezes a solução de um problema sexual depende do casal tratar-se, e
não apenas a mulher. Este é um problema extra, pois os maridos e companheiros não
aceitam muito participar. Geral e infelizmente, o homem diz que se o problema é dela, é
ela quem deve curá-lo! Assim, muitas vezes nós vemos o casal se separando, pois a
mulher passa a perceber que aquele homem não está à disposição do casal e dela!
A seguir um resumo sobre os principais aspectos para o tratamento de disfunções
sexuais femininas.

4. Técnicas especificas em Terapia Sexual

4.1. Disfunção sexual geral - ausência de resposta sexual da mulher.


a) foco sensível I.
b) foco sensível II.
c) coito não exigente.
d) coito até orgasmo.

4.2. Anorgasmia -
a) orgasmo sozinha digital ou vibrador.

m Oswaldo Rodrigues Jr. - Angclo A l mansa Monesl


b) orgasmo com parceiro- com estimulação de clitóris.
c) orgasmo no coito.

4.3. Vaginismo - extinção da resposta vaginal condicionada.


- O tratamento consiste essencialmente da extinção da resposta vaginal
condicionada. Isso é realizado pela introdução, em condições de relaxamento e
tranqüilidade, de objetos de tamanho gradualmente crescente intróito vaginal. Quando a
paciente puder tolerar um objeto de dimensões fálicas estará curada.

5. Técnicas Psicoterapêuticas em Terapia Sexual

• Auto-sensibilização - espelho, Banho (sabonete/espuma/água/toalha/creme). Uti­


lização dos 5 sentidos, cheiro, paladar, tato;

• Foco sensível ou focalizaçáo sensorial (Kaplan):


- pleasuring.
- proibição dos genitais.
- orientar como acariciar o parceiro.
- orientar como declarar o que sente pelo parceiro.

• Foco sensível II - pleasuring genital


- como se sente colocando a boca no genital (sempre tratar deste ponto)
- alternadamente dar um ao outro o prazer genital.
- comunicação dos parceiros para saberem o que estão sentindo
- Terapeuta: sugestão de fantasias eróticas enquanto sendo estimuladas para
ultrapassar os medos de fracasso.

• Coito não exigente:


Para exercitar a mulher a detectar as sensações que o pênis oferecem.
O homem sente-se bem em oferecer o falo ereto para ajudar a parceira.

• Manobra da ponte: esta técnica é indicada para a mulher cujo clitóris é reativo e nâo
consegue orgasmo durante o coito, mas deseja obtê-lo.

Sobre comporliimrnto i* co#nlç«lo 2 6 9


a) posições : lado a lado - mulher por cima - homem ajoelhado.
b) deve haver livre acesso para a mão estar no clitóris e que os quadris da mulher
estejam livres para mover-se contra o osso púbico do homem. “Trata-se de uma ponte
entre o clitóris e o coito". Esse exercício deve ser empregado depois que a mulher tenha
experimentado sensações vaginais amplas.

• Extinção da resposta vaginal condicionada:


a) observar o intróito vaginal num espelho
b) colocar a ponta do seu dedo indicador (perceber como sente)
c) colocar o seu dedo indicador inteiro (algumas vezes colocar 1 tampão como papel)
d) depois dela tolerar os passos anteriores pedir ao parceiro para olhar o intróito com luz
e ele repete com o seu dedo o procedimento dela
e) com movimento lento penetra e retira o dedo
f) a penetração do pênis é previamente conversada e concordada pelo casal. Pênis
lubrificado penetra e ela orienta. O pênis repousa dentro da vagina sem movimentos,
depois retira.
g) depois movimentação lenta.
i) o casal desenvolve seu ritmo até o orgasmo.

• Orgasmo extravaginal: através do sexo oral e da manipulação.

• Intromissão sem orgasmo: quando a ereção é segura, o homem penetra, pode


arremeter algumas vezes, mas não pode ejacular no interior da vagina. O orgasmo ocorre
extravaginalmente.

• Coito: o paciente é orientado a praticar o jogo anterior com a diferença que pode
ejacular intravaginalmente.

• Dessensibilização progressiva: a estratégia básica do tratamento consiste em formar


gradualmente a resposta ejaculatória do paciente em relação do objetivo visado e liberdade
ejaculatória no coito.
- paciente se masturba e ejacula quando a parceira está fora de casa.
- ejacula quando ela esta no andar inferior da casa.
- ejacula quando ela esta no quarto ao lado
- ejacula quando ela esta no mesmo quarto

270 Oswuldo RodrlRiict Jr. - A ngtlo Almansu Moncsl


- tem relação até ela ter o orgasmo, daí ele vai até o banheiro e se masturba at
o orgasmo. Essa conseqüência começa a estabelecer uma associação entre o ato
heterossexual e o orgasmo.
Um ponto chave é quando a mulher consegue estimular manualmente o pênis do
homem até o orgasmo.

• Estimulação e distração (com afastamento concomitante).: a absorção mental na


fantasia erótica, enquanto se experimenta estimulação genital, é um método ideal de
liberação do reflexo orgástico. Orientar o paciente estimular a fantasia com o recurso de
leituras, fotos e filmes.

• Estrangulamento: a mulher masturba o homem. Recomenda-se a ele que mantenha


sua atenção focalizada nas suas sensações eróticas. Quando sentir estar próximo ao
orgasmo avisa a mulher e imediatamente ela " estrangula" o pênis, isto é ela prende o
pênis ereto entre os dois dedos e o polegar, logo abaixo da glande, pressiona até que
ele perca boa parte da ereção. Depois ela retoma a estimulação.

• Stop-start (pare -reinicie): é o mesmo método anterior com a diferença que o homem
quando avisara mulher, ela para de fazer os movimentos pélvicos. Em poucos segundos
a pressão ejaculatória cessa, e o homem pede para a parceira recomeçar a estimulação.
Isto se repete por 4 vezes. Na 4a tentativa ele ejacula.
Depois de estarem seguros na masturbação o mesmo exercício é feito com penetração
na vagina na posição da mulher por cima, e o homem controla os movimentos segurando
no quadril da mulher.

Quadro I - Disfunções e outros problemas da sexualidade feminina e suas formas


relacionadas às fases da resposta sexual humana em modelo trifásico de Helen Kaplan
(1983).

Fase da resposta sexual Disfunção sexual Formas da disfunção


• Fobia sexual IDS total
• Inibição do desejo sexual Desejo hipoativo
Desejo (IDS) IDS situacional
• Desejo sexual hiperativo Primária
• Desvios ou parafilias Secundária
• Disfunção sexual geral
Primária
• Dispareunia feminina
Exitação Secundária
• Desvios ou parafilias
Situacional
• Vaginismo
Absoluta (pré-orgasm ia)
• Anorgasmia Primária
Orgasmo Secundária
• Dispareunia feminina
Situacional

Sobre comporliimcnlo c cognlfdo 2 7 1


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Sobrr comportamento c coguíçJo 273


Seção IV

Outras aplicações da
análise comportamental
Capítulo 33

Uma introdução ao gerenciamento


comportamental de organizações
Caío Flâvio Miguel
rx/eysp

1. Introdução

/ \ Psicologia Organizacional vem, ao longo dos anos, desenvolvendo


metodologias de pesquisa e técnicas de intervenção com o objetivo de dar suporte à
administração de pessoas nas Organizações. Implementação de programas de
treinamento, sistemas de remuneração, pesquisas de mercado, são alguns exemplos
do que é feito, por Psicólogos, neste campo. E a Análise do Comportamento, o que têm
a dizer sobre tudo isto?
Uma das áreas com mais de 15 anos de pesquisas e intervenções organizacionais
ó o Gerenciamento Comportamental de Organizações1 (Organizational Behavior Mana-

1 A trad u çã o , p ara o p o rtug u ês, da sigla O B M e s tá se n d o pro p o sta, pela p rim eira ve z, no p res en te
trab a lh o .

Sobre comportamento c cognl^do 2 7 7


gement) que aplica idéias skinnerianas a análises de organizações, tanto públicas, quanto
privadas (vide Redmon & Wilk, 1991 e Redmon & Agnew, 1991).No final dos anos setenta,
técnicas usadas para projetos de programas de tratamento psiquiátrico passaram a ser
estendidas para problemas relativos à administração da equipe que lidava com estes
pacientes. A partir daí, descrições das aplicações que concernem este tipo de
gerenciamento tem sido publicadas constantemente, demonstrando um sucesso
considerável. Segundo Mawhinney (1992), o Gerenciamento Comportamental de
Organizações é uma extensão da Análise Experimental do Comportamento no mundo
das organizações, tendo como raiz tecnológica as pesquisas em Análise Aplicada do
Comportamento. Suas pesquisas baseiam-se, principalmente, nas interações
comportamentais e nos efeitos diretos ou indiretos que estes comportamentos têm sobre
aquilo que a empresa realiza ou produz.
No campo da Análise Comportamental de Organizações, outra área de pesquisa
e aplicação que tem se preocupado com problemas organizacionais é a Performance
Management (Gerenciamento de Desempenho), cujo principal representante, frente à
mídia, é o pesquisador/escritor e consultor Aubrey Daniels. Entende-se por performance
(palavra inglesa que pode ser traduzida por desempenho) um conjunto de
comportamentos e seu produtos/ realizações. De acordo com Daniels (1992,1994), a
Performance Management (PM) é uma abordagem sistemática e empírica de gerenciar
as pessoas no trabalho e que se baseia no reforçamento positivo como a maneira mais
eficiente de se maximizar a performance desejada. É a aplicação, no ambiente de trabalho,
das descobertas realizadas pela Análise do Comportamento nos últimos anos, tendo
como um de seus objetivos ensinar a administradores estes princípios para que eles
sejam capazes de aplicar, sistematicamente, este conhecimento, produzindo
performances que servirão, da melhor forma possível, aos objetivos da organização.

2. Unidades de Análise

De acordo com alguns estudiosos da área (Geller, 1992; Redmon & Agnew, 1991;
Redmon & Wilk, 1991) a maioria das aplicações da Análise do Comportamento no mundo
dos negócios têm considerado o comportamento individual como seu principal objeto de
estudo. Têm se preocupado, quase que exclusivamente, com as performances diárias
que são controladas por eventos ambientais imediatos e seus impactos apenas no
funcionamento de determinada unidade ou departamento, perdendo-se de vista padrões
de performance e suas contribuições aos objetivos da organização. Uma análise
organizacional deve assumir a complexidade do sistema de variáveis com que se está
lidando e assim, as questões relativas ao gerenciamento organizacional devem ser
respondidas através de métodos de análise que vão além do comportamento individual,
utilizando-se uma unidade de análise a nível cultural: a metacontingôncia. Para Redmon
& Wilk (1991), uma metacontingôncia existiria quando a performance de mais de um
indivíduo é objeto de estudo (grupo) e, quando são identificadas: (1) as conseqüências
da performance coletiva (eventos que afetam a sobrevivência [da prática] do grupo como
um todo); (2) a relação funcional entre a performance do grupo e suas conseqüências e;

278 Calo FltWio Mlflticl


(3) eventos que estabelecem ocasiões para a performance do grupo (antecedentes).
"Muito parecida com uma contingência operante individual, uma
metacontingência requer que mudanças nas conseqüências influenciem a
performance do grupo e, que a presença dos antecedentes, que sâo relacionados
com as conseqüências reforçadoras (conseqüências adaptativas para o grupo),
aumentem a probabilidade de padrões selecionados de resposta do grupo"
(Redmon & Wilk, 1991, p. 107).
De acordo com Glenn (1991), uma análise cultural envolveria contingências
interligadasi onde cada contingência individual funcionaria como parte do ambiente de
outros indivíduos e a interação destas contingências produziria “um resultado agregado
que poderia ou não ter um efeito comportamental". O que mais caracterizaria estes
resultados é que eles não poderiam ser atingidos pela ação de um só indivíduo. Dessa
forma, o resultado agregado desses comportamentos seria produzido por contingências
individuais (que se interligam umas às outras) mantidas por conseqüências individuais,
que poderiam ou que, efetivamente estão, sendo liberadas pelos outros participantes.
Assim, em uma análise de metacontingências, as conseqüências individuais são
as que manteriam o comportamento individual, ou a performance do indivíduo e o conjunto
dessas performances geraria uma conseqüência a longo prazo que manteria a "prática"
do grupo. Uma análise desse tipo, possibilitaria uma intervenção que teria como objetivo
algo que fosse relevante para a sobrevivência da organização. Mesmo alguns
pesquisadores do GCO, que não se utilizam do conceito de metacontingência em sua
prática, em alguns casos, mostram que a performance individual, mantida por
conseqüências imediatas e individuais, produz, em conjunto conseqüências relevantes
para a organização, garantindo assim, sua sobrevivência (Daniels, 1992; Geller, 1992).
Para Redmon & Wilk (1991) um gerenciamento efetivo requer portanto, que duas
questões sejam respondidas: 1) O que pode ser realizado pelos membros da organização?
e; 2) Qual é o valor dessas realizações para a sobrevivência da Organização?

3. Intervenções Comportamentais no Setor Privado

As empresas do setor privado podem ser funcionalmente definidas em termos das


conseqüências típicas que mantém suas práticas: só sobrevivem se geram lucro. Segundo
Redmon & Agnew (1991), o lucro produzido por uma empresa privada é a mais crítica
categoria de conseqüências, definindo antecipadamente quais são seus principais objetivos.
Os autores afirmam, ainda, que: “dizer que todas as organizações privadas existem para
fazer dinheiro (make money) é supersimplificar a relação entre mercado e negócios" (p. 126)
pois, devem satisfazer o público que o suporta, sendo sensíveis às necessidades dos
consumidores.
Desta forma, com os objetivos a longo prazo definidos, intervenções comporta-

2 In terloc kin g c o n tin g en c ies

Sobrr coni|>or1«imrnto e roíinlfJo m


mentais são empregadas, na maioria das vezes, visando a alteração ou maximização de
performances individuais, mas sem perder de vista a produção do que pode se chamar
de conseqüências positivas para a empresa. A performance individual deve ser
modificada, então, como um meio de influenciar o resultado da organização como um
todo, melhorando seus padrões de sobrevivência.
As propostas de analistas do comportamento para lidar com o desempenho, no
ambiente organizacional tem, basicamente, se voltado aos Sistemas de Remuneração,
Sistema Supervisionado de Feedback e Treinamento (Redmon & Agnew, 1991).
Os Sistemas de Remuneração são caracterizados por tentarem estabelecer uma relação
entre o comportamento e a conseqüência, que no caso da organização, seria,
principalmente, o pagamento. No nível individual, o comportamento (ex. vender)
representa a resposta que é mantida pela conseqüência (ex. comissão) e no nível cultural,
em uma análise de metacontingência, todo este sistema representaria uma "prática" que
é mantida pelas conseqüências provindasdo mercado consumidor, contribuindo, desta
forma, para a sobrevivência da organização.
De acordo com Redmon & Agnew (1991):
“Os objetivos da organização atingidos por estes sistemas de remuneração
incluem diminuição nos custos, habilidade em atrair e manter empregados efetivos,
e uma redução do número de empregados necessários (...) o pagamento de
empregados baseado na performance tem sido selecionado como uma prática
efetiva a nlvel de metacontingência”. (p. 131)
Segundo estes autores, muito dos sistemas de recompensa empregados; se
baseiam naquilo que o funcionário deveria fazer e não naquilo que ele realmente faz,
pagando-se por horas de trabalho e não pela realização do mesmo. A maior parte das
empresas, inclusive no Brasil, continuam usando, exclusivamente, sistemas tradicionais
de remuneração que se baseiam em cargos e funções (Wood Jr.& Picarelli Filho, 1996)
independente da performance do indivíduo.
Avaliações (mensuração) de desempenho rotineiras poderiam funcionar como
parâmetro para a aplicação de sistemas de bonificação, tentando estabelecer uma relação
funcional entre os comportamentos individuais que estejam contribuindo para os objetivos
da empresa e as conseqüências financeiras. Hoje em dia, a questão da remuneração
vem sendo pensada dentro da Administração de Empresas como um fator de
aperfeiçoamento da organização, possibilitando a melhoria do seu serviço ou produto e,
consequentemente, o aumento na competitividade. Isto vem sendo chamado de
Remuneração Estratégica (Wood Jr.&Picarelli Filho, 1996) Um dos componentes do
sistema de Remuneração Estratégica foi chamado de remuneração variável, que segundo
Wood Jr,& Picarelli Filho (1996) estaria "vinculada a metas de desempenho do índívíduo,
da equipe ou da organização"(p.40), tentando estabelecer os padrões de comportamento
adequados como função de variáveis financeiras.
Alguns autores (Redmon & Agnew, 1991) apontam que um dos grandes
problemas para analistas do comportamento no projeto de sistemas de remuneração
seria a distância temporal entre os comportamentos adequados e suas conseqüências.
Entretanto, uma regra, descrevendo uma contingência do tipo "se você tiver um
desempenho X receberá um bônus Y sobre seu salário" poderia estar controlando o

280 Calo Fl.ivlo Mlflticl


conjunto de respostas considerado relevante. Skinner (1953) já apontava que:
“Quando se faz um acordo explícito (...) os estímulos verbais anteriores devem
■ ser analisados para explicar o efeito da contingência econômica" (p. 385)
Malott et al. (1992), constataram que 100% dos estudos no campo do
Gerenciamento Comportamental de Organizações, que envolviam manipulação de
contingências, usaram o que ele chamou de contingências de ação indireta. "Estas
contingências especificam conseqüências de bom tamanho (sizable) e prováveis, porém,
atrasadas" (P.104) sugerindo assim, que o comportamento dos sujeitos dessas pesquisas
provavelmente estaria, em parte, sob controle de regras que descreveriam estas
contingências que envolvem uma distância significativa entre comportamento e
conseqüência. A implantação de um sistema adequado de remuneração deveria, portanto,
deixar claro para qual desempenho (e quais os comportamentos necessários para que o
sujeito o atinja) a bonificação será dada.
Vale a pena ressaltar que, o uso de sistemas de remuneração (conseqüências extrínsicas)
pelos analistas do comportamento vem, ao longo dos anos, sendo alvo de inúmeras
críticas. De acordo com Dickinson (1989) estes críticos defendem que o comportamento
previamente controlado por recompensas intrínsecas (comportamento que ocorre na
ausência de contingências programadas, que produz conseqüências naturais à sua
emissão3), quando colocado sob controle de recompensas extrinsecas (contingências
de reforçamento programadas), deixa de ser função dos estímulos por ele produzidos.
Assim, esta tem sido uma importante linha de pesquisa dentro da análise do
comportamento, com trabalhos diretamente relacionados à sistemas de remuneração
(Mawhinney, 1979; Mawhinney, Dickinson & Taylor, 1989; Skaggs, Dickinson & 0 ’Connor,
1992; entre outros) que, através de refinamentos metodológicos, tentam responder a
estas críticas, validando o uso das conseqüências programadas.
Outro tipo de intervenção realizada por analistas do comportamento em
organizações tem sido o Sistema Supervisionado de Feedback. Daniels (1994) define o
termo feedback como a informação que é dada ao sujeto sobre seu desempenho,
permitindo, assim, que ele mesmo possa alterá-lo. No sistema que vem sendo aplicado
com muito sucesso, um supervisor passa a ter controle sobre os antecedentes e as
conseqüências de certa performance, dirigindo assim, o desempenho do funcionário. De
acordo com Redmon & Agnew (1991), o feedback dado pelo supervisor parece ser mais
poderoso que o dado por algum outro empregado ou por um consultor, porque “o
supervisor tem controle sobre muitos dos reforçadores associados com a performance
do indivíduo". (P. 133)
Existe uma discussão, em vigor, a respeito do conceito de feedback e sua função.
Trabalhos como os de Agnew & Redmon (1992), discutem este conceito como nâo
possível de ser categorizado como evento reforçador pois, nâo tem o caráter de seguir
Imediatamente o comportamento e aumentar a sua probabilidade e nem como Estímulo
Dlscrímínativo (Sd) pois, nâo é correlacionado com a presença de um reforçador e nem
ao menos tem a função evocativa. Assim, nos Sistemas de Feedback, por causa do
atraso na liberação de um feedback associado a esta conseqüência (este atraso varia
entre horas a semanas) deveria se considerar, da mesma forma que no sistema de re­

1 Horcon*» (1987)

Sobre comportamento e cojjnlçílo 2 8 1


muneração, o papel das regras como possíveis variáveis das quais o comportamento é
função. Esta discussão, acerca da função do feedback no controle do comportamento
do trabalhador, levanta algumas questões conceituais como: 1) Qual a função da regra
e como ela é estabelecida e; 2) qual a possibilidade do feedback tornar-se um reforçador
condicionado.
É claro que uma análise deste sistema que pressuponha exclusivamente um
controle por conseqüências positivas estaria, no mínimo, sendo ingênua. Num sistema
onde o supervisor tem o controle sobre os reforçadores do indivíduo, deixar de receber
o reforço pode tornar-se uma situação aversiva que controlaria o padrão de respostas
necessário ao desempenho desejado. Este tipo de interpretação vem sendo feita por
Malott (1992) e Malott et ai (1992) que considera esta, uma possível contingência de
esquiva da perda de situações reforçadoras. Uma regra do tipo “se eu não me comportar
de certa maneira não terei uma boa avaliação do supervisor’' pode estabelecer o não se
comportar da maneira desejada como uma condição aversiva. A regra tomaria-se portanto,
uma operação que estabeleceria4 a retirada da situação aversiva como reforçadora, no
caso a retirada da situação aversiva seria o comportar-se adequadamente. Vale a pena
ressaltar que esta interpretação feita por Malott (1992a; 1992b) considera a erda da
oportunidade da obtenção do reforçador como uma condição aversiva. A isto se soma a
possibilidade de que outras contingências de punição, fuga e esquiva estejam sendo
manejadas pelo supervisor visando o controle comportamental.
Passemos à outro tópico relacionado ao Gerenciamento Comportamental de
Organizações: o sistema de treinamento. O treinamento envolve a mudança de
comportamento do membro da empresa, visando sua contribuição para a organização
como um todo, colaborando com sua sobrevivência (da organização). É uma maneira
efetiva de se enfrentar mudanças constantes na economia e, principalmente, na tecnologia
que vem rapidamente evoluindo e exigindo novas habilidades dos empregados. Um
sistema de treinamento efetivo não envolve simplesmente um conjunto de informações
precisas relativas ao que o funcionário deve fazer para a aquisição de novas habilidades,
envolve também estratégias de feedback e reforçamento (Daniels, 1994). Deve-se
promover um acompanhamento efetivo durante o processo de treinamento garantindo
que cada esforço, cada pequeno ganho do funcionário em direção às habilidades que
ele deve adquirir sejam contingentemente reforçadas.
Este tipo de técnica mostra-se muito útil na implantação dos chamados programas
de qualidade, que serão discutidos a seguir.

4. O Paradigma de Qualidade Total

Já há alguns anos, as indústrias americanas tem dado ênfase na melhoria da


qualidade de seus produtos e serviços, procurando manter sua posição no competitivo
mercado mundial. Não só empresas americanas, como também as brasileiras (vide revista

4 P a ra m aio r d is cu ss ão so b re o conceito d e O p e ra ç õ e s E s ta b e le c e d o ra s vid e M ich a el (1 9 9 3 )

282 Caio FI.WIO Mltfuel


Controle de Qualidade, maio, 1995) estão implantando os famosos programas de Controle
Estatístico de Processo (CEP) e as técnicas de Gerenciamento de Qualidade Total.
O CEP consiste em técnicas estatísticas para se monitorar amostras de um
processo8 de produção determinando "se o processo está operando com limites
aceitáveis” (Redmon, 1992). Desta forma, se a variação é considerada anormal (não
randômica), esforços são feitos para se alterar o sistema de processamento. Estes
esforços envolvem intervenções que visam mudar a causa comum da variação que ó
uma função do processo de produção. De acordo com o paradigma de qualidade total, o
processo de produção ó influenciado por um sistema de variáveis que incluem: as pessoas,
os métodos, os materiais utilizados, os equipamentos e os fatores ambientais. "Alterações
nessas variáveis são inevitáveis". (Mawhinney, 1992).
O Gerenciamento de Qualidade Total propõe uma maneira alternativa à forma
frequentemente usada para se organizar o processo de produção. A maneira tradicional
envolve basicamente três passos: (1) projeto do produto; (2) produção; (3) venda, onde
nenhum feedback do consumidor atinge aquele que produziu ou criou o produto. A nova
maneira adiciona sistemas de feedback, configurando-se da seguinte forma: (1) projeto
do produto, (2) teste na linha de produção e no laboratório, (3) venda do produto no
mercado, (4) pesquisa de mercado (descobrir o que pensam aqueles que compraram o
produto e porque aqueles que não compraram assim o fizeram), (5) revisão do projeto
do produto em resposta ao feedback do consumidor e (6) inicio de nova produção e ciclo
de teste. (Deming, 1990; Mawhinney, 1992)
Mas o que a Análise Comportamental tem haver com tudo isto? Um modelo
comum de intervenção do GCO envolve uma seqüência chamada E-O-A: Especificação,
Observação e Administração de Conseqüências*. O Gerenciamento de Qualidade Total
parece, ao se preocupar com a observação e mensuração do processo de produção,
preocupar-se apenas com os termos E e O da seqüência E-O-A do GCO (Mawhinney,
1992). Ou seja, o controle do comportamento através de administração de conseqüências
parece ser o trunfo dos analistas do comportamento, que podem analisar as contingências
de reforçamento que mantém o comportamento dos indivíduos na empresa, assim como
as práticas que contribuem para a sobrevivência da organização, propondo mudanças.
Nesse sentido, a implantação de um programa de controle de qualidade, que dispensa
um sistema de supervisão, mas requer um treinamento minucioso e depende dele para
um funcionamento efetivo, conta com um instrumento conceituai mais do que adequado
para promover o sucesso da empresa: a análise de contingências. O treinamento no
programa de qualidade total envolve não só a formação de novas habilidades técnicas,
mas também a mudança nas regras que relacionam as práticas individuais aos objetivos
da organização.
Mas não é somente no treinamento que os analistas do comportamento podem
atuar na área de qualidade. Segundo Redmon (1992), pesquisas indicam que:
7ócnicas mais refinadas para medir a satisfação do consumidor são

* P ro c e s s o s e re fe re á tran s fo rm a çã o d a m a té ria -p rim a, se ja ela q u al for, e m p roduto ou serviço q u e é


o fe re c id o p ela e m p re s a .

• S -O -C : sp e cific atio n , o b servatlo n an d ad m in istra tio n o f co n s e q u e n c e s .

Sobre comportamento e cokiiíçJo m


necessárias (...) O desenvolvimento de meios objetivos de acesso às respostas
do consumidor forneceria um instrumento mais efetivo de validade social para os
analistas do comportamento e melhoraria a tecnologia de acesso ao consumidor
do Gerenciamento de Qualidade Total" (p.547).
Este autor afirma que, pesquisar métodos sistemáticos para análises de padrões
de performances em larga escala também se faz necessário, estendendo a análise
individual de contingências para uma análise de metacontingôncia, levando em conta as
conseqüências atrasadas sobre a performance dos funcionários. Este tipo de pesquisa
poderia, de certa forma, contribuir para uma maior ligação entre o sistema de
gerenciamento e as necessidades do consumidor.
Outra área de pesquisa parece ser a de mensuraçâo de variabilidade. De acordo
com Redmon (1992):
"Este conhecimento das técnicas de mensuraçâo (dos analistas do
comportamento) e as relações funcionais em seqüências causa-efeito poderia
ajudar a fortalecer os métodos CEP de controle de qualidade." (p.547)
Assim, o conhecimento acumulado da análise do comportamento poderia fornecer
instrumental para a identificação das causas da variação e ser extremamente bem
sucedida.
Um outro tipo de contribuição que é apontada como possível de ser feita pela
análise do comportamento, diz respeito à participação do empregado, principalmente no
estudo do trabalho em grupo (teamwork), identificando as conseqüências agregadas
produzidas pelos grupos e a efetividade deste trabalho no programa de qualidade total.
Levando em conta todos os pontos levantados pela literatura, os analistas
comportamentais de organizações parecem ter o perfil adequado para garantir o sucesso
de uma implantação de programa de Qualidade Total.

5. Conclusão

Pudemos ter um panorama bem geral da atuação dos analistas do comportamento


na área organizacional. Fica claro que uma revisão bibliográfica mais detalhada se faz
necessária, tendo em vista o grande número de pesquisas realizadas na área ( mais de
15 anos de pesquisa) com a circulação de dois jornais especializados: o Journal of
Organizational Behavior Management e Performance Management Magazine, ambos
ainda de difícil acesso no Brasil.
As descrições feitas aqui mostram o potencial de análise e de mudança que as
técnicas desenvolvidas pelo GCO tem a oferecer para as organizações, possibilitando
um tipo de análise que teria como instrumento conceituai a metacontingôncia. Mas, não
se pode deixar de olhar criticamente para este tipo de intervenção. Planejar contingências
de reforçamento tendo sempre como objetivo a sobrevivência da organização, pode
tomar os analistas do comportamento indiferentes aos efeitos colaterais que possíveis

284 Calo Flávlo Mlfjuel


contingências aversivas estejam causando nos empregados. De acordo com Holland (1975):
"(...) Ê quase impossível planejar um sistema utilizando apenas reforçamento
positivo quando o poder é estratifícado. Se a riqueza se acumula no topo, ela é
distribuída com parcimônia entre os controlados das camadas mais baixas (...) Só
é possível manter o trabalhador pobre trabalhando por ganhos limitados se ele for
mantido pobre" (p. 06)
Nesse sentido, o analista do comportamento deve olhar não só para as
contingências do trabalhador, mas também para as que estão controlando seu próprio
comportamento ao implantar sistemas de intervenção. Seu objetivo deve ser claro e
definido, mas não pode justificar qualquer tipo de prática. Da mesma forma que a atuação
na organização pode ser um caminho para a análise do comportamento afirmar-se como
socialmente válida, pode ser também mais um motivo de críticas.
A atuação no ambiente organizacional significa um desafio para a análise do
comportamento. Em primeiro lugar, porque a medida que os comportamentos e ambientes
a serem analisados tornam-se mais complexos, os behavioristas serão desafiados a
questionarem-se conceitualmente. Em segundo lugar, porque a discussão conceituai e
as exigências por um aperfeiçoamento técnico, possibilitam um salto em direção ao
desenvolvimento de técnicas que poderão servir, de alguma forma, à melhoria das
relações de trabalho. E, em terceiro lugar, porque obriga ao questionamento político a
respeito de para que e para quem servem estas técnicas. Assim, está lançado o desafio
aos analistas do comportamento no Brasil, que ao deixarem de lado a análise
comportamental de organizações, podem estar perdendo a oportunidade de ampliar seu
escopo teórico, analisando comportamentos complexos, em ambientes cujas variáveis
são de difícil controle.

Bibliografia

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286 Colo Hávlo Miguel


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Sobre compor1«tmcnlo c coflnfçilo 2 8 7


Capítulo 34

"M u d a n ç a s no cenário econôm ico e os


im pactos no com portam ento d o s indivíduos
nas organ ições"
Aguinaldo A . N c n
P( /( / ( A M P - Instituto dc Psicologia

"1
) ogar fora todos os livros sobre liderança escritos na década passada." Este
foi o conselho que recebi de um consultor europeu, com trabalhos em várias organizações.
Constatei que este não é um conselho tâo radical ao participar de treinamentos
em empresas com programas de melhorias da Qualidade. O tempo agora ó de grupos
semi-autônomos de trabalho (que quase prescindem de gerenciamento), avaliação de
desempenho feita pelos clientes, treinamentos “on the job", funcionários que se auto-
controlam em termos de horários, oficinas tão limpas quanto hospitais, gestão a vista,
participação nos lucros e preocupação com a qualidade de vida dos trabalhadoresí
O que está acontecendo? Será que George Orwell deveria ter escrito 1996 ao
invés de 1984?
O fato é que as organizações estão passando por importantes e interessantes
processos de mudanças nem sempre iniciados dentro da própria estrutura, mas forçado
pela necessidade de competir e sobreviver num mercado dinâmico, globalizado e

2 8 8 A ftu iiiald o A . N crl


principalmente exigente.
O choque do petróleo, o crescimento industrial de gigantes orientais, o novo mapa
politico do leste europeu e a nova concepção de comunidade européia colocaram o mundo
econômico num processo frenético de mudanças.
Estas mudanças organizativas estào deflagrando processos de mudança a nlvel
comportamental via mudanças rápidas de contingências. A necessidade imperiosa de
flexibilidade das organizações para se adaptarem às exigências do mercado exigiu uma
estrutura empresarial mais leve, as pressões por Qualidade impuseram investimentos
na melhoria de qualidade pessoal do trabalhador e as preocupações ecológicas levaram
a iniciativas de melhoria da Qualidade de vida de quem faz produtos e serviços.

1. Em nome da qualidade

Muita novidade nas relações de trabalho está acontecendo em nome e em busca


da Qualidade. Santo clientel Em nome do cliente, mudanças que antes eram duramente
implementadas hoje acontecem da noite para o dia, literalmente. Em nome da Qualidade
trabalhadores, “gurus" e patrões estâo revendo processos, inventando fórmulas,
importando padrões de trabalho de outras culturas e redescobrindo a organização. Em
nome da Qualidade os empresários descobriram que a meihor forma de atender ou
mesmo cativar os clientes para sobreviver e crescer é melhorar as condições de trabalho
de quem efetivamente faz a Qualidade: o trabalhador.
Não vale a pena avaliar a contribuição das ciências do comportamento na
definição e manutenção de paradigmas organizacionais anteriores. Considero, entretanto,
que vivemos um excelente momento para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de
técnicas de modificação de comportamento humano. A mudança a que nos referimos
não está relacionada com paredes ou equipamentos, mas principalmente a valores,
atitudes, hábitos, habilidades, conhecimentos e posturas em populações adultas em sua
maioria e em vários niveis etários.
Tenho constatado que a área de Recursos Humanos está entre aquelas com
maior dificuldade para se adaptar à nova situação de fornecedora de serviços
especializados. Vicios de formação dos técnicos , inadequação de instrumentos e
fragilidade conceituai em algumas áreas nâo tem permitido que os profissionais desta
área acompanhem com competência as novas situações. Os grupos responsabilizados
sâo responsáveis de fato pela seleção, integração, treinamento e avaliação dos seus
componentes, cabendo à área de R.H. ser fornecedora de “know-how" e não mais
executora destas atividades.

Sobrr comportamento e cogniftlo 2 8 9


2. Os novos “gurus”

O mundo organizacional virou uma verdadeira “sopa de letrinhas": TQC, TQS,


QFD, PDCA, GDQ, PNQ temperadas com Kaizen, Kanban, House-keeping, que grelhadas
no diagramas de Pareto e Ishikawa levam à Qualidade Total.
Muito palavrório para dizer o que a Psicologia sempre pregou. O trabalhador
que tem as suas qualidades respeitadas e utilizadas é naturalmente responsável, eficaz
e interessado em produzir Qualidade.
Muitos seminários foram realizados, muitos artigos de revistas e livros foram
escritos para demonstrar que as soluções de Qualidade sâo estonteantemente simples
e óbvias na reinvenção das relações do ser humano com o trabalho.
Juran, Deming, Toffler, Naisbitt, Aburdene, Tom Peters, Capra, entre urna
constelação de autores, ofereceram sua contribuição para apoiar, interpretar ou
redirecionar esforços para as mudanças nas organizações.
Gostaria de destacar a contribuição quase visionária de Alvin Toffler que no seu
livro editado em 1985 ( e não em 1984) anteviu algumas mudanças organizacionais que
foram irradiando, a partir principalmente do Japão, mas também da Europa e dos Estados
Unidos. Vejamos algumas das características da organização flexível que Toffler pregava
e vislumbrava:

• as pessoas na organização devem ser capazes de fazerjulgamentos e adotar decisões,


em vez de executarem mecanicamente ordens transmitidas de cima para baixo;
• a produção tende a tornar-se novamentem artesanal", com produção de bens e serviços
personalizados;
• o trabalho deverá ser variado, nâo repetitivo e responsável, desafiando a capacidade
de apreciação, avaliação e julgamento das pessoas;
• as atividades de uma empresa mudarão de ano para ano, a estrutura interna deverá
acompanhar essas alterações, flutuando, sendo flexível e maleável;
• as empresas deverão se preocupar de forma crescente com temas tais como: teoria do
aprendizado, comunicação intercultural e metodologia de ensino.

Destaco visões que já se corporificaram em algumas empresas, inclusive no


Brasil. O nosso país, acostumado a viver contradições, infelizmente permite o convívio
de empresas com as características acima citadas com outras onde as relações de
trabalho não merecem outro adjetivo que nâo seja a escravidão.

290 Auuliidldo A . Nerl


3. “Um mundo de pernas pro ar”

Ontem Hoje
• Mercado local Mercado global
• Custo + Lucro = Preço Preço - Custo = Lucro
• Enfoque no produto e na tecnologia Enfoque no cliente e no mercado
• Longos ciclos de vida dos produtos Ciclos de vida curtos
• Produção em massa / economia de escala Manufatura flexível/pequenos lotes
• "Mâo-de-obra" Pessoas
• Consumidor vem depois dos lucros Lucros vêm da satisfação dos clientes
• Foco na organização / burocracia Foco no negócio/'empreendedorismo'
• Enfoque no chefe Enfoque no grupo

4. Da pirâmide ao circulo

Transformar pirâmides organizacionais em círculos de trabalho. Estas talvez


sejam as figuras mais representativas do que está acontecendo nas empresas, como
via para o equilíbrio e a harmonia. O crescimento do papel dos grupos, organizados em
células, mini-fábricas, unidades de negócio e equipes estáo exigindo uma verdadeira
reeducação dos trabalhadores. Decidir, criar, negociar e conviver em grupos exigem
treinamento e prática permanentes.
A pirâmide, segundo Scott e Jaffe (1992) é fruto da “revolução burocrática do
início do século, que deu origem a uma tradição de especialização profissional baseada
na teoria científica da administração".
Funções altamente especializadas, limites precisos de responsabilidade e
supervisão rígida desenharam organizações. Empresas deste tipo tinham o seu sucesso
atrelado ao controle que a cúpula exerce sobre os demais componentes. A intenção
clara é separar o pensar do agir, reservando à cúpula as atividades mais nobres do
trabalho.
São as seguintes as características da organização piramidal (Scott e Jaffe,
1992):
• As decisões são tomadas na cúpula;
• Os trabalhadores têm responsabilidades especificas e rigidamente controladas;
• As mudanças organizacionais são lentas e somente podem ser iniciadas pela cúpula;
• Feedback e comunicação vêm de cima para baixo;
• Movimentos de comunicação entre os setores são mínimos;
• A atenção dos trabalhadores ô voltada para a pessoa que está hierarquicamente acima
e ô responsável pelos resultados de ambos;
• O gerente diz o que, como e quando devem ser feitas as coisas do trabalho e o que se
deve esperar do trabalhador;
• Não se espera que os trabalhadores estejam motivados, por isso ê necessário manter
um estreito controle sobre eles.

Sobre comporliimcnlo c c o r m Iç J o 291


Já quando entramos numa empresa estruturada em unidades estratégicas de
negócio, mini-fábricas ou células temos a sensação de estarmos dentro de círculos,
entrelaçados numa espécie de rede ou tecido organizacional. Daí a noção de círculo,
que faz com que tais empresas apresentem as seguintes características (Scott e Jaffe,
1992):
• O cliente 6 o centro das atenções (e nâo o chefe);
• As pessoas trabalham juntas, de forma colaborativa e fazem o que 6 preciso fazer;
• A responsabilidade, a capacidade e a autoridade sâo coletivas;
• Controle e coordenação sâo resultados de comunicação continua e decisões
compartilhadas;
• As mudanças organizacionais sâo rápidas e para que aconteçam basta que apareçam
novos desafios e problemas;
• A principal qualidade dos gerentes e dos trabalhadores 6 saber trabalhar com os outros;
• Existe um número relativamente baixo de níveis hierárquicos na organizaçõo;
• O poder deriva da capacidade de influenciar e estimular outras pessoas e nâo da
própria posição hierárquica;
• Espera-se que cada pessoa seja o gerente de si mesma e responsável por todo o
trabalho, já que o foco é sobre o resultado do grupo e nâo do indivíduo;
• Os gerentes sâo aqueles que fornecem a energia, que coordenam e que confiam
responsabilidade ao grupo.
Não é preciso pensar muito para concluir que os conhecimentos empregados na
melhoria das relações de trabalho deverão sofrer adaptações aos novos tempos.
Os agentes de mudanças organizacionais sempre mantiveram com as relações
piramidais uma reíação de contestação / colaboração. Ao mesmo tempo que denunciavam
os efeitos negativos ao trabalhador, desenvolviam metodologias para o aprimoramento
da pirâmide.
Em outras palavras, ouso dizer que tais agentes se utilizavam de uma estratégia
“chuveiro", tentando desenvolver comportamentos na cúpula que depois, a critério desta,
seriam repassados em cascata aos demais trabalhadores. Muitas horas foram investidas
na gerência como modelo e formadora de opinião como prioridade para a mudança
organizacional. '
Hoje, acredito que a estratégia mais eficaz se parece com o “bidê", que inverte a
direção da sensibilização para a mudança. O trabalhador e o grupo que sabem o que,
como e para quem fazer, além de ter a avaliação do seu trabalho feita pelo cliente, olha
para a estrutura da organização e conclui que não precisa de tanto controle e fiscalização
para trabalhar.
“Team work", “empowerment", "costumer driven company" e “profit sharing"
apimentam o caldo da sopa de letrinhas da organização moderna, mas continuam a
fa ze r contraponto com os nossos conceitos de autonom ia, auto-governo,
consequenciação, entre outros termos da linguagem comportamental. É preciso, apenas,
mais afinação.

292 Aflulinildo A. Ncrl


5. Os papéis emergentes da liderança

O fortalecimento do papel dos grupos e dos colaboradores responsabilizados


está provocando alterações no espaço organizacional dedicado às chefias e aos gerentes.
A mudança mais evidente é a drástica diminuição dos níveis hierárquicos (e dos cargos
gerenciais) motivados pelo crescimento do auto-controle dos funcionários e pela auto-
gestão de grupos e de negócios.
Simplificando a trajetória do gerenciamento de pessoas nas empresas,
poderemos visualizar as tendências de mudanças:
• anos 50- o s gerentes aprendem a se aproximar dos trabalhadores, entâo considerados
subalternos;
• anos 60 - descobrem as motivações individuais dos trabalhadores e as necessidades
básicas;
• anos 70 - aprendem a pedir a colaboração e sugestões dos funcionários;
• anos 80-aprendem a fazer reuniões, a decidirem cojunto e a aproveitar as sugestões
dos grupos;
• anos 90 - dividem a responsabilidade, compartilham decisões e sSo parceiros nos
resultados e no reconhecimento pela qualidade apresentada.
Mudanças drásticas de posturas, de atitudes e de habilidades e nem tanto de
conhecimentos técnicos. Os gerentes flexibilizaram a sua relação com os colaboradores,
passando da tropa ao grupo, da regra à diretriz, da ordem à fundamentação, do subalterno
ao agente, do comandante ao mentor e do gerente rompedor, assertivo e impositivo ao
gerente facilitador e incentivador de grupos. Muitos dos antigos ocupantes de cargos
gerenciais ficaram no caminho, não por falta de tecnologia, mas por falta de capacidade
de se adaptar ao novo jogo de poder nas organizações.
Durante as últimas décadas, os teóricos do comportamento gerencial
desenvolveram referenciais para o treinamento de posturas gerenciais. Rótulos,
quadrantes, estilos e modelos ditavam a moda do comportamento gerencial. E assim o
gerente tinha, todo ano novo, um figurino diferente. Democrático, participativo, situacional,
empreendedor, animador, centrado no funcionário, centrado na tarefa sem deixar de
lado as nuances e misturas de todos os estilos.
Qualquer semelhança com a forma pela qual se definem os ditames da moda
feminina nem sempre é mera coincidência. São os grandes centros produtores e as
potências industriais que determinam a "altura da saia" ou, em outras palavras, os padrões
do comportamento gerencial.
O novo figurino, contingenciado às mudanças organizacionais da pirâmide ao
círculo, desenha contornos de um líder facilitador:
• orienta-se por uma visão e não pela tradição;
• ensina e aprende com seus colaboradores;
• preocupa-se também com o processo e nôo só com resultados;
• atribui responsabilidades e não apenas controla as pessoas;
• é principalmente um instrutor, preocupando-se em não ser um "expert";
• tem como principal instrumento a sensibilidade, nâo o conhecimento técnico;

Sobrr comportamento c cognlçilo 2 9 3


• influencia e estimula os colaboradores a conseguir melhores resultados, nõo manda,
• utiliza-se do exemplo pessoal como fonte de poder,
• está muito próximo, hierarquicamente, dos colaboradores para que possa ostentar sinais de
status gerenciai
Procurando adaptar-se aos papéis emergentes da liderança na era da Qualidade,
os gerentes têm procurado ajuda: depois de terem se desenvolvido para os postos
gerenciais, precisam ser des/envolvidos de antigos papéis e posturas.

6. Mudanças de paradigmas para as ciências do comportamento


aplicadas ao cenário descrito

"A aprendizagem é considerada uma nova forma de trabalho. Não é mais


considerada uma atividade separada e que precede o trabalho ou que é experimentada
apenas na escola, num tempo longíquo. A aprendizagem se constitui no coração da
atividade produtiva". (Zuboff, S. - The age of smart m a c h in e -1992)
A hora é de verificar se estamos preparados para atender às demandas por
mudança de comportamentos, atitudes e conhecimentos que a efervescência
organizacional está nos solicitando. A atuação dos profissionais que detinham o
conhecimento sobre mudanças no comportamento humano sempre esteve associada
às estruturas da áreas de R.H. das empresas. O que fazer agora, quando inclusive elas
estão sofrendo um forte processo de mudança ou mesmo de implosão ?
• Como fazer seleção de pessoal se agora esta responsabilidade ô da célula de trabalho?
• Como oferecer treinamento se esta agora é uma atividade permanente, auto-gerenciada
e que deve acontecer no próprio local de trabalho ?
• Para que desenvolver complexos formulários de avaliação de desempenho se o
colaborador eo grupo dispõem de referenciais de desempenho direto dos clientes internos
ou externos ?
Em hipótese alguma considero que estamos em crise nesta área, mas que
estamos frente a mais uma grande oportunidade de mudança de paradigmas de ação.
Nunca se investiu tanto em treinamento como nos dias atuais e nunca se precisou
tanto de tecnologias que garantam resultados nesta função. A busca por tecnologias de
mudança de comportamento, de cultura e de atitudes em relação à Qualidade tem
provocado esta auto-avaliação, pois os nossos clientes (as empresas, os gerentes e os
trabalhadores) estão cada vez mais exigentes.
Acredito que entre os maiores desafios da nossa área estejam aqueles associadas
à .disponibilização de tecnologias e “know-how" para usuários ou clientes; ao
desenvolvimento de tecnologias de ensino e mudança de comportamentos que atendem
grande número de trabalhadores, com variações culturais e etárias; à necessidade de
aumentar nossas preocupações com os resultados e não só com os processos e às
ações com possibilidades de resultados rápidos e permanentes;
Enfim, às contribuições efetivas para a melhoria da Qualidade pessoal dos

294 Ag(iln>ililo A . N rrl


trabalhadores, para o desenvolvimento da capacidade de pensar, trabalhar e criar em grupo,
de controlar o próprio estresse e de generalizar tudo isto para a esfera familiar e pessoal,
entre outras oportunidades.

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Sobre comportamento c cottnlf«lo 2 9 5


Capítulo 35

Qualidade de vida na velhice


A n ita /.ibcnt/csso N c ri ’
UNKAMP

O conceito de qualidade de vida teve origem na Medicina para designar as


condições que melhoram as chances de sobrevivência de recem-nascidos, e logo
encontrou aplicação mais ampla, por exemplo ao atendimento de pacientes adultos e
idosos altamente fragilizados ou terminais. Seu uso é hoje corrente em várias outras
áreas, tais como a social, a psicológica e as de manejo organizacional e ambiental.
No âmbito das preocupações científicas em Psicologia, a expressão "qualidade
de vida" apareceu pela primeira vez no Psychological Abstracts em 1985, com 38
referências. Desde então essa cifra vem aumentando e ganhando novas aplicações
dentre as quais as que tratam da veíhice. No Brasil a expressão começou a ser usada
por psicólogos em 1991. O primeiro livro brasileiro sobre o assunto surgiu em 1993.
A preocupação com a qualidade de vida na velhice é tema existencial que tem
preocupado gerações e gerações de pessoas maduras, assim como de estudiosos de
várias áreas, em sucessivas épocas, desde a Antiguidade. É assunto da maior importância

296 Anffii Lfbcwfeíio N frí


neste fim de século, quando o envelhecimento populacional torna-se realidade para um
crescente número de pessoas em todo o mundo, incluindo o Brasil. Não é fácil defini-la
porque está sujeita à uma grande variedade de influências. Alem disso, a conceituação
é difícil porque existem várias maneiras de envelhecer, assim como várias concepções
sobre o que ó ter uma boa velhice. O tratamento do tema está sujeito ainda à influência
de várias ideologias, tanto sobre a velhice e seu significado no curso de vida humana,
quanto sobre o papel do indivíduo na determinação da qualidade de seu envelhecimento.
Dentre elas as mais influentes são as que consideram a velhice como doença e como
problema a ser resolvido e que atribuem a boa qualidade de vida na velhice a atributos
individuais e à responsabilidade pessoal.
Definir qualidade de vida na velhice implica em levar em conta critérios
sócioculturais, médicos e psicológicos, numa perspectiva de continuidade ao longo do
curso de vida do indivíduo e da unidade sôcio-cultural a que pertence. Ela depende não
só de condições macroestruturais objetivas, tais como renda, educação, urbanização e
qualidade dos serviços de saúde oferecidos aos idosos. Depende de valores e atitudes
sociais contextualizando os pontos de vista dos indivíduos e das instituições sobre o
significado da velhice e sobre o grau de compromisso da sociedade com o bem estar
dos seus idosos.
Uma boa qualidade de vida na velhice não é um atributo do indivíduo biológico,
psicológico ou social, nem uma responsabilidade individual. É, sfrn, um produto da
interação entre pessoas em mudança vivendo numa sociedade em mudança. Pode-se
dizer que sua conceituação constitui-se em parâmetro ou ideal, cuja análise permite
desvendar os valores vigentes numa sociedade, em relação ao significado da velhice no
curso de vida individual, dos grupos etários e das instituições.
Teorias gerontológicas surgidas a partir do final dos anos 50 estabeleceram que
a boa qualidade de vida na velhice é indicada principalmente pela satisfação, que depende
da capacidade de o indivíduo manter-se ativo e socialmente engajado. Nos anos
subseqüentes essa concepção foi intensamente explorada por pesquisas e hoje a posição
mais aceita a respeito é que satisfação, atividade e boa qualidade de vida na velhice são
condições interrelacionadas e dependentes de tantas outras, que é impossível estabelecer
de modo confiável quaí a direção da causação entre todas elas. Na década de 70 a
hegemonia da teoria da atividade foi abalada pela atribuição da satisfação na velhice às
concepções e às experiências de controle dos idosos, temas que estavam então em
evidênica na psicologia social e experimental. Na década de 80 entrou em campo a
crença científica de que a boa qualidade de vida percebida pelos idosos depende do
alcance de um apurado senso de significado da vida.
Do ponto de vista médico a noção de boa qualidade de vida na velhice está
íígada á longevidade, á funcionalidade e á boa saúde física e mentaí, que permitem uma
velhice “bem sucedida" ou “ótima" (longevidade com saúde e funcionalidade = "morrer
com saúde’’) ou pelo menos uma velhice “usual" ou “normal". Está também associada às
condições que permitem uma velhice digna, mesmo na presença de patologias severas,
fragilidade, dependência e iminência da morte.
Do ponto de vista psicológico, admite-se que a qualidade de vida na velhice está
relacionada não só a eventos objetivos, como também à satisfação, ao envolvimento e
ao senso de realização dos idosos; ás suas motivações, á avaliação que fazem sobre

Sobrr comportamento r cognffJo s>97


sua velhice e sobre sua competência social e cognitiva. Tais eventos são vistos como
relativamente independentes dos determinantes objetivos de qualidade de vida, tais como
saúde física, nível de renda e manutenção da rede de relações sociais.
Qualidade de vida na velhice pode ser definida como um constructo
multidimensional referenciado a critérios sociais-normativos e intrapessoais, a respeito
das relações atuais, passadas e prospectivas que o indivíduo maduro ou idoso faz de
suas relações com o seu ambiente. A avaliação da qualidade de vida na velhice é, pois,
referenciada a indicadores pertencentes a quatro áreas:
1) Competência comportamental, que representa a avaliação sócio-normativa
do funcionamento pessoal quanto à saúde, à funcionalidade física, à cognição, ao
comportamento social e à utilização do tempo pelo idoso.
2) Qualidade de vida percebida, que é a dimensão subjetiva da qualidade de
vida e está estreitamente associada aos auto-julgamentos do idoso sobre a sua
funcionalidade física, social e psicológica e sobre sua competência comportamental
nessas áreas, ambas em relação às condições contextuais em que se dá a sua experiência
de velhice.
3) Condições contextuais, que são condições necessárias porem não suficientes
para a boa qualidade de vida na velhice, uma vez que seu peso depende da avaliação
subjetiva dos indivíduos e que interagem com a sua competência comportamental. São
exemplos dessas condições: renda, educação, oportunidades para educação e para
lazer, estado conjugal, tamanho e qualidade da rede de relações sociais, continuidade
das relações familiares, presença de outros idosos na vizinhança
4) Bem-estar psicológico, que reflete a avaliação pessoal sobre as três áreas
precedentes e depende essencialmente da continuidade do self, da resiliência do indivíduo
para adaptar-se às perdas e recuperar-se de eventos estressantes e da sua capacidade
para assimilar informações positivas sobre si mesmo.
Pesquisas brasileiras realizadas com amostras de adultos maduros e idosos
saudáveis e independentes, vivendo na comunidade e freqüentando Universidades da
Terceira Idade, mostraram elevados índices de satisfação; atitudes e crenças positivas
em relação à velhice; resiliência diante de eventos adversos do curso de vida, indicada
pela preponderante adoção de estratégias de coping cognitivo para o enfrentamento de
eventos de elevado potencial estressante, percepção de aumento de religiosidade com
o envelhecimento e relacionamento dessa condição com aumento da satisfação na
velhice; motivação para busca de contato social como forma de garantir envolvimento e
satisfação; motivação para a busca de condições que facilitem o auto-conhecimento e a
experiência de continuidade do self; presença de preocupações com a geratividade e a
integridade considerados como temas emergentes na idade madura e na velhice.

Bibliografia

Baltes, P. B. & Baltes, M. M. (1990). Successful aging. Cambridge: Cambridge University

298 A itilii Líbcrulctso Ncrl


Press
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Goldstein, L.L(1995). Estresse, enfrentamento e satisfação de vida entre idosos. Um
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Sobre comportamento c cognlçJo m


Capítulo 36

O analista do comportamento com


profissional da educação
Sérfjio Vasconcelos de Luna
ruc/sr

A s considerações apresentadas aqui datam já de algum tempo e represen­


tam uma revisão das minhas perspectivas quanto aos avanços da educação brasileira
nos últimos anos. Interessa-me analisar a participação da psicologia neste quadro e,
mais particularmente, a da análise experimental do comportamento.
O quadro que venho formando para mim mesmo decorre de uma variedade de
situações profissionais com as quais estive envolvido, do meu contacto com colegas
que atuaram e/ou atuam na administração escolar pública e dos projetos desenvolvidos
por centros educacionais com os quais tenho trabalhado, é importante ressaltar que os
projetos de que participei profissionalmente foram desenvolvidos em níveis abrangentes,
tais como o Projeto Nordeste, de iniciativa do Banco Mundial, e a avaliação de experiências
municipais bem sucedidas, em nível nacional, promovida pela UNICEF.
Algumas constatações, sobretudo relativas ao ensino básico e fundamental,
tornam o quadro desanimador e eu cito algumas, embora não duvide que elas sejam de

300 Sérgio Vdsconceios de Luiui


domínio público. Do ponto de vista da produção acadêmica, a simples leitura do título de
projetos de pesquisa, dissertações e teses desenvolvidos em educação/psicologia da
educação sinaliza*me pelo menos 3 tendências:
I. há um excesso de ênfase na análise de discursos que não se somam, nem garantem
generalidade de processo algum, continuando-se, por exemplo, a perguntara professores,
alunos e administradores em geral o que pensam do problema educacional;
II. parece haver, cada vez mais, um caminharem direção a problemas que se configuram
como excessivamente molares, cuja relação com as questões mais prementes e diretas
é distante, ou demasiadamente moleculares, o que, fora de um contexto mais amplo de
um programa de pesquisa, resulta em informação isolada; exemplos destes casos são o
número crescente de pesquisas sobre psico-lingulstica e semiótica e estudos sobre
cotidiano da escola;
III. no conjunto, estes estudos acabam passando a forte sensação de que a academia,
de um modo geral, cria um círculo fechado cujo compromisso maior é com a produção -
e, portanto, com a manutenção do status acadêmico - e não com o desenvolvimento de
estudos dos quais, a médio e longo prazo, possam vir a ser derivadas soluções para
problemas relevantes; note-se que a expectativa não é a de que cada pesquisa vise uma
aplicação imediata, mas a de que seu desenvolvimento contemple a possibilidade desta
aplicação.
No que se refere ao poder público, a situação ó mais desalentadora. Nestes
últimos anos, vi subirem ao poder pessoas cuja vida acadêmica eu acompanhara e que
estava recheada de visões críticas e de compromisso técnico-político-ideológico com a
transformação da situação educacional. Com raras exceções, tenho a sensação de que
a política partidária tem sido capaz de vencer os melhores ideais de transformação; seja
pela impossibilidade política de dar continuidade a um projeto iniciado por uma outra
gestão, seja pela falta de recursos, seja mesmo porque as propostas elaboradas no
contexto acadêmico não encontraram sustentação na realidade, a verdade é que houve
muita atividade, mas nada sugere que o comportamento dos alunos tenha mudado em
uma direção mais efetiva. Que o atestem as avaliações realizadas, por exemplo, pela
Fundação Carlos Chagas. Ainda em relação ao poder público, a maquiagem produzida
em resultados oficiais é tâo flagrante que chega a ser temerário tomá-los como base
para análises. Algo semelhante ocorre com propostas oficiais de se lidar com problemas
sérios como a evasão e a repetência: tenho às vêzes a sensação de que se elimina a
repetência eliminado-se a avaliação!
Se este quadro nâo for decorrente meramente de um sentimento pessoal de
impotência e desânimo, mas, ao contrário, minimamente representar a situação
educacional do país, parece urgente recuperar o sentido de uma atuação profissional
relevante em educação. Skinner diz claramente que É difícil fazer com que a sobrevivência
de uma cultura seja importante para o indivíduo, especialmente quando pode entrar em
conflito com contingências de reforço.[Mas] (...) Se a sobrevivência não ô um valor
conveniente é, não obstante, inevitável. (1968, p.222).
Minha caminhada na revisão das perspectivas que eu enxergava para a educação
iniciou-se com a retomada do que considero como um dos mais preciosos e ainda atuais
textos escritos sobre educação: A Tecnologia do Ensino. Lamentavelmente, quase 30
anos após sua publicação, o retrato da educação norte-americana feito lá por Skinner,
aplica-se ponto-a-ponto à nossa realidade educacional.

Sobre com|K)rt.imrnto c cofliilçilo 301


Começo com uma citação provocativa do nosso potencial em responder
eficazmente pela educação:
Idealmente, um sistema de educação deve maximizar as oportunidade que a
cultura tem, nâo só de lidar com seus problemas, mas de aumentar firmemente
sua capacidade de fazê-lo. Para planejar um sistema destes, teremos de saber:
1. quais os problemas que a cultura terá de enfrentar;
2. que espécies de comportamento humano contribuirão para a sua solução;
3. que tipos de técnicas gerarão estes comportamentos?
A tecnologia do ensino ocupa-se com o último destes três pontos; o segundo
cai no âmbito de uma análise experimental do comportamento. O primeiro,
entretanto, é de ordem inteiramente diversa. (Skinner, 1972, p.222)
O último parágrafo da citação pode levar à suposição de que, para Skinner, a
determinação dos problemas que a cultura deverá enfrentar (o primeiro dos três pontos)
esteja fora da responsabilidade e/ou competência do analista do comportamento. No
entanto, em mais de uma oportunidade ele contradiz esta suposição. Por exemplo, ao
discutir o planejamento de uma cultura (Skinner, 1953, mas cf., também, o capítulo sobre
valores de Beyond Freedom and Dignity - Skinner, 1975), ele rejeita a afirmação de que
a ciência do comportamento humano possa assessorar o planejador da cultura no que
fazer para produzir um dado resultado, mas não possa lhe dizer que resultado produzir.
Em outras palavras, Skinner não tira do analista do comportamento a responsabilidade
de emitir juízos, de valor e de fato, quanto a
1. Quem ensinar
2. Para que ensinar
3. O que ensinar
4. Quanto ensinar
5. Como ensinar
Não tenho dúvidas de que o planejamento de uma cultura não é uma tarefa
individual, nem uma pergunta que se responda a partir de uma pesquisa, por compreensiva
que seja. Certamente, também não é um empreendimento de uma única área do
conhecimento. O mesmo vale para um dos aspectos deste planejamento, como é o caso
do planejamento dos objetivos e conteúdo da educação de uma nação. No entanto,
parece incontestável que, de um modo geral, estejamos pouco preparados para, sequer,
iniciar esta tarefa, ainda que como membros de uma grande equipe.
Deixemos de lado a primeira grande pergunta de Skinner - Quais os problemas
que a cultura terá de enfrentar? - já que, admitidamente, ela envolve juízos de valor, e
nos concentremos nas duas seguintes. A resposta á segunda questão - Que espécies
de comportamentos humanos contribuirão para a solução dos problemas da cultura? -
para Skinner, são responsabilidade de uma ciência do comportamento. No que se refere
à tecnologia comportamental, o problema é o mesmo, já que se trata de desenvolver
técnicas para a instalação daqueles comportamentos!
Não acredito que - analistas do comportamento que somos - estejamos
preparados para começar a oferecer respostas a estas perguntas, mesmo porque seria
necessário que a primeira estivesse respondida. O que me preocupa é a perspectiva de
que nem mesmo estejamos cogitando respondê-la, ou nos preparando para fazê-lo.

302 Sérgio Vasconcelos dc Luiu


Esta perspectiva começa a tomar forma, para mím, quando anaííso os projetos e relatos
de pesquisa que vimos desenvolvendo. Cada vez mais parece configurar-se, para mim,
uma inversão nos valores que podem ser detectados nas contingências que controlam
nosso comportamento enquanto pesquisadores. Um compromisso com a transformação
da cultura e com a sua sobrevivência deveria nos levar a iniciar o processo de pesquisa
pela identificação dos problemas que a ameaçam e, em seguida, a começar a produzir
conhecimento e tecnologia compatíveis com as soluções necessárias. No entanto, parece-
me que nosso gás tem sido consumido no desenvolvimento de sofisticados argumentos
teórico-metológicos no interior de uma comunidade preparada para cobrá-los.
Estas questões certamente não escaparam a Skinner. Logo na abertura do
capítuío XI, referente ao Comportamento do Sistema, Skinner (1968) reconhece como
necessária, a compreensão não apenas
(...) dos que aprendem, como também: 1) dos que ensinam; 2) dos que se
empenham na pesquisa educacional; 3) dos que administram escolas e faculdades
4) dos que estabelecem a política educacional e 5) dos que mantém a educação.
Todas estas pessoas estão sujeitas a contingências de reforço que precisam ser
alteradas para melhorar a educação como instituição, (p.217)
Ao longo deste e dos demais capítulos, Skinner antecipa praticamente todos os
argumentos que poderíamos apresentar como justificativas para a ineficiência de nossas
investidas educacionais: da competição entre reforçadores à artificialidade das
contingências; dos determinantes adventíciosda política educacional ao progresso errático
promovido pela segmentação curricular.
A constatação da abrangência da análise feita por Skinner, do tempo decorrido
desde então e, sobretudo, da atualidade desta análise, mesmo no que diz respeito ao
Brasil ou â América Latina, gera assombro e consternação. É fundamental entender
porque psicólogos trabalhando com educação que somos - analistas do comportamento
ou filiados a quaisquer outras formas de trabalho - conseguimos esquivar-nos da discussão
das maneiras de a psicologia participar da identificação, análise e solução dos grandes
problemas da educação nacional. Gostaria de iniciar esta discussão identificando - se
não contingências - pelo menos situações que comecem a fornecer explicações para o
que identifico como um descompromisso do profissional com o que Skinner chamaria de
sobrevivência da cultura.

1. A desvinculação entre três pólos do planejamento e da ação


educacional

Eu mencionei, há pouco, cinco categorias que Skinner (1968) aponta como


responsáveis pela situação educacional. Para efeitos desta discussão, elas podem ser
reduzidas a três, ou seja
1. os que ensinam
2. os que se ocupam da pesquisa educacional

Sobre comportamento c cotfnlÇtlo 3 0 3


3. os que estabelecem a política educacional.
Muito pode e deve ser analisado em relação ao comportamento destes três
segmentos, mas um dos principais aspectos refere-se justamente à participação integrada
deles no processo educacional. É certo que não podemos e não temos podido contar
com algo semelhante a um Plano Nacional de Educação; é certo, porém, que, governo
após governo, temos contado com projetos nacionais, estaduais e municipais que, de
uma forma ou de outra, são implantados. O primeiro aspecto a ressaltar diz respeito ao
papel que a Universidade, enquanto instituição, desempenha nestes projetos.
O papel primordial da Universidade, em relação a estes projetos, deveria consistir
em:
1. produzir conhecimento que possibilite o desenvolvimento de tecnologias capazes de
responder às condições e necessidades da educação;
2. participar do planejamento de projetos oficiais ou, pelo menos, servir de órgão de
choque à versão final deles, antes de sua implantação;
3.participar de sua implantação por meio de treinamento e avaliar e/ou acompanhar sua
avaliação.
Problemas de naturezas diferentes têm comprometido o desempenho destes papeis
pela Universidade, se e quando ela se dispõe a desempenhá-los.
a) Produzir conhecimento que possibilite o desenvolvimento de tecnologias
capazes de responder às condições e necessidades da educação. A produção de
conhecimento - em si mesmo um problema em discussão - tende a ocorrer sob controle
de contingências que não incluem a identificação de prioridades, muito menos a sua
solução. De fato, é mais provável que um pesquisador seja “punido" pela inadequação
teórico-metodológica de seu projeto, do que pela falta de relevância social dele.
b) Participar do planejamento de projetos oficiais ou, pelo menos, servir de órgão
de choque à versão final deles, antes de sua implantação. Neste caso, o problema
parece situar-se, desde o início, no status da Universidade junto aos órgãos oficiais,
especialmente na área de Ciências Humanas. Embora seja indiscutível que estes precisem
dispor dos membros da comunidade acadêmica para a consecução de seus projetos ou,
pelo menos, para manter a aparência democrática, a verdade que esta contribuição ó
feita em nível pessoal, e não institucional. Pessoas sâo convidadas a dar sua colaboração
porque detém um status entre pesquisadores de uma determinada área, mas a instituição
Universidade raramente é consultada a respeito. A importância deste fato reside na
sensível redução da própria instituição como centro regulador dos projetos, reduzindo o
poder de interferência da comunidade acadêmica. Outra conseqüência importante deste
deslocamento do centro de poder é permitir a mudança de enfoque das discussões.
Descaracterizado o poder institucional da Universidade na condução da avaliação dos
projetos, o foro das discussões passa a ser sociedades profissionais e científicas, e a
natureza delas ganha contornos de disputas entre facções políticas; um dos exemplos
mais recentes disto foi o encaminhamento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
c) Participar de sua implantação por meio de treinamento e avaliar e/ou acompanhar
sua avaliação. Uma das modalidades de participação dos profissionais ligados à
educação em projetos oficiais é o preparo daqueles que se encarregarão da implantação
última de programas educacionais: professores, coordenadores, diretores etc. E esta é

304 Sérgio Vaiconcelo* dc Luini


uma das questões que mais precisam de revisão e de consideração.
Nos últimos anos tenho participado de alguns destes ciclos de treinamento para
preparação de pessoal escolar, para o que grupos inteiros de professores e de
administradores são deslocados de suas cidades. Algumas tendências têm sido
observadas nestes ciclos de preparação. Por um lado, permanece o vício de uma
transmissão oral. Por outro lado, seja pelo distanciamento que a Universidade costuma
manter entre os temas que estuda e a situação natural onde eles se materializam, seja
porque nem sempre é permitido a estes profissionais estabelecer o projeto de treinamento
- mais provavelmente por ambas as razões - cria-se um vácuo entre o que o usuário
final precisa receber e o que a academia quer/sabe/pode oferecer-lhe.1 Uma das
manifestações mais acentuadas deste vácuo está na tendência a tratar a população
destes treinamentos como um membro da academia, o que pode ser ilustrado peía
maneira como as teorias são divulgadas.
A tradução de uma teoria qualquer em prática pedagógica não é simples, direta e, em
muitos casos, nem sequer pretendida, como é o caso típico da teoria piagetiana e dos
estudos de Emília Ferreiro. Supondo-se que a teoria seja mesmo funcional para a
educação, o que os responsáveis diretos pelo ensino precisam conhecer é quais são os
princípios desta teoria e de que forma eles podem se reverter em procedimentos
aplicáveis. O que tem lhes tem sido passado, de modo geral, é ou o resumo da teoria ou,
pior, procedimentos dela derivados sob a forma de receitas, que acabam virando fetiches.
A questão é que para corrigir esta distorção é necessário não apenas conhecer bem a
teoria, como ter uma visão clara do que ensinar, como ensinar e para quem ensinar.
Este é o quadro geral que tenho pintado para mim mesmo a respeito da atuação
profissional em educação. Fui chegando a ele como fonma de entender por que a situação
educacional no país - mesmo considerando-se os grandes centros - resiste tanto a uma
melhoria significativa.
A análise feita a partir da psicologia e, mais particularmente, da análise
experimental do comportamento, não escapa dos condicionantes mais gerais que
identifiquei mas, por outro lado, permite-nos um detalhamento e o encaminhamento de
propostas mais concretas. Como venho fazendo até aqui, pretendo basear-me em anáíises
feitas por Skinner em Tecnologia do Ensino.
Em um excelente artigo Kantor (1970) acusou a AEC de lentidão no enfrentamento
de problemas que - contrariamente ao behaviorismo metodológico - o behaviorismo
radical dizia não recusar. Particularmente no que se refere à educação, a AEC tem se
mostrado extremamente fenta no ataque a problemas cruciais e eu cito particularmente
o caso da identificação de valores a partir de contingências. Se, como preconiza Skinner,
a AEC deverá identificar os comportamentos humanos que contribuirão para a solução
dos problemas da cultura e daí derivar tecnologia compatível, é de se perguntar a quem
será deixada a tarefa de identificá-los. Como vimos, o próprio Skinner atribui esta tarefa
também ao analista do comportamento. No entanto, conheço poucos pesquisadores
que ousaram - como analistas do comportamento - aproximarem-se desta tarefa.
Como já tive oportunidade de declarar, aqui, não há dúvidas de que esta tarefa

1 N âo posso deixar d e salien tar q u e es ta ten d ên c ia d e os pro fess o res e n s in arem aquilo d e q u e g o stam e o
q u e p re fe re m , foi ta m b é m ap o n tad a por S k in n er (1 9 6 8 )

Sobre comportamento c co^nl^o 3 0 5


será inglória se empreendida por qualquer indivíduo ou grupo que enfoque o problema
sob uma mesma ótica - no caso a psicológica. A ação decorrente é a formação de
grupos multidisciplinares. Por outro lado, a inclusão do psicólogo em tais grupos será
tacanha se ele nâo estiver preparado para analisar os problemas do ponto de vista da
própria psicologia.
Mas a lentidão da AEC evidencia-se mesmo em atividades mais específicas da
análise de contingências. Dotados de um poderoso instrumento de análise, os analistas
do comportamento parecem relutar em usá-los para o estudo de fenômenos básicos
relacionados à educação. Gostaria de estar errado, mas tenho muitas vezes a impressão
de que é necessário que uma outra abordagem torne um "processo" popular para que a
AEC decida-se a estudá-lo. Sempre me impressionei com o sucesso causado pelo que
os piagetianos chamam de “erro construtivo" porque, na verdade, a importância disto já
fora evidenciada e destrinchada nos estudos sobre programação de ensino.
Por outro lado, a AEC tem demorado em explorar e explicar funcionalmente
resultados relevantes indicados por outras abordagens. A partir da noção de conflito
cognitivo elaborado pela teoria piagetiana e da noção de conceitos cotidianos desenvolvida
por Vygotsky, pesquisadores do ensino de ciências (especialmente os europeus)
chegaram a constatações fantásticas que transformaram esta área de ensino a ponto de
levar a UNESCO a elaborar propostas e roteiros para ele. Embora o problema tenha
implicações que vão muito além do mero ensino de ciências, conheço poucas análises
funcionais dele.
Um último ponto de análise me faz recuperar Skinner em Tecnologia do Ensino.
Ao discutir o tópico Pesquisa e Desenvolvimento, Skinner vale-se da comparação entre
o que identifica como pesquisa educacional, baseada em testes, e a pesquisa realizada
pela AEC. Gostaria de encerrar este texto com uma última citação de Skinner. Para ele,
a pesquisa realizada peía Análise Experimental do Comportamento
E um tipo promissor de pesquisa educacional porque a passagem da ciôncia
básica para a tecnologia 6 simples e direta,. A sala de aula só difere do laboratório
de condicionamento operante no grau de controle. Os mesmos passos podem ser
dados e os mesmo efeitos observados.
Neste sentido, uma tecnologia do ensino nâo estâ muito mais avançada porque
só alguns especialistas em análise experimental do comportamento estão em
atividade no campo da educação. Muitas áreas de instrução permanecem
inexploradas e a relação de técnicas e artefatos disponíveis ainda está certamente
incompleta, é um campo ainda carente de realizações e especialmente promissor;
por isto mesmo, uma atraente perspectiva de trabalho, (pp.237-238).

Bibliografia

KANTOR, J. R. (1970) An analysis of The Experimental Analysis of Behavior (TEAB).


Journal Experimental Analysis of Behavior, 13, 101-108.

306 Sér^lo Vdíconcelo* dc Luna


SKINNER, B.F. (1968) The Technology ofTeaching. New York: Appleton-Century Crofts.
SKINNER, B.F. (1975) BeyondFreedom andDignity. Nre York: Bantan Books.

Sobre comportamento e cognlfAo 3 0 7


Capítulo 37

Psicopedagogía comportamental
M iria n M ürínotti

A conceituação mais aceita acerca de Psicopedagogía a concebe como a


aplicação dos conhecimentos psicológicos à aprendizagem escolar. Dentro desta área,
a psicopedagogía clínica caracteriza-se pela aplicação dos conhecimentos psicológicos
ao atendimento de crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem na escola.
Em nosso país, o grosso da literatura da área adota um enfoque cognitivista,
sendo que mais recentemente busca-se unir as propostas de Piaget, Emília Ferreiro e
outros representantes de concepções cognitivistas às formulações da psicanálise.
Esta postura é a adotada, inclusive, pela Associação B rasileira de
Psicopedagogía.
Talvez esta orientação teórica se deva, em parte, ao fato de que a Psicopedagogía
se ocupa de fenômenos que há muito tempo vêm sendo estudados pelo cognitivismo,
tais como: pensamento, abstração, raciocínio lógico, simbolizaçâo etc.

308 Miríun MarínoHí


Consequentemente, a literatura produzida dentro desta perspectiva é abundante,
diversificada e sofisticada, visto que daí se originam teorias bastante desenvolvidas (e
largamente aceitas) como, por exemplo, a de Piaget.
Dada minha formação comportamental, as objeções que tenho ao cognitivismo
referem-se, basicamente, à natureza da explicação dada aos fenômenos estudados: ao
postular estruturas internas, estágios universais de desenvolvimento e outros constructos
hipotéticos, penso que o cognitivismo privilegia o sujeito, negligenciando o papel do
ambiente e da história de vida na explicação do comportamento.
Acredito que a AEC nos habilite mais a enfocara interação entre sujeito e ambiente
no estudo do comportamento humano.
Por outro lado, muitos dos fenômenos abordados pelos cognitivistas parecem
ser relevantes para a compreensão dos processos envolvidos na aprendizagem, pois
os dados apresentados por estes autores correspondem, com freqüência, a fatos que
são observados no cotidiano clínico e que se revelam importantes para a condução do
atendimento.
Como exemplo, gostaríamos de focalizar o trabalho desenvolvido por Emília
Ferreiro.
Esta pesquisadora ressalta, em seus estudos, o papel ativo do sujeito na aquisição
da leitura e da escrita, através das hipóteses que a criança vai sucessivamente elaborando,
alterando ou rejeitando acerca da relação entre a fala e a escrita, ou entre os objetos e
eventos e sua representação gráfica.
Nosso contato com crianças não alfabetizadas, das mais diversas procedências
sócio-econômicas, tem produzido evidências da ocorrência destas hipóteses no repertório
metalinguístico das crianças. Muitas vezes, tais hipóteses coincidem com as descritas
por Ferreiro. Todavia, muitas vezes também, as crianças tendem a formular hipóteses
absolutamente idiossincráticas movidas por experiências pessoais.
Renê (4 anos), por exemplo, cujo irmão se chama Cauê, concebia o "ê" final de
seu nome e do nome de seu irmão como característica própria da família. Ao escrever o
nome dos demais membros de sua família, o “ê" final sempre estava presente,
independentemente da grafia dos outros nomes, o qual era muito mais forte enquanto
referencial para gerar outras palavras do que o “R" inicial de seu nome, como geralmente
ocorre.
Constatações deste tipo sâo bastante familiares aqueles que trabalham nesta
área e, a partir delas, parece-nos legítimo concluir que:
a) As regularidades tidas como comuns a todas as crianças, nas hipóteses levantadas
por elas, refletem mais as características da língua em questão, do que regularidades no
curso do desenvolvimento infantil; ou seja, a despeito do papel exercido pela criança na
apropriação da escrita, as características da língua particular (o objeto a ser conhecido)
exercem influência clara sobre o conhecimento produzido. Assim, por exemplo, a hipótese
de número mínimo de caracteres (geralmente 3) descrita por Emília Ferreiro pode refletir
basicamente características das línguas espanhola e portuguesa, nas quais as palavras
com menos de três caracteres são menos freqüentes e constituem, em sua maior parte,
palavras nâo significativas para as crianças (preposições, artigos etc).

Sobre romportomcnio c cofttilçüo 3 0 9


b) As hipóteses peculiares a cada criança, por outro lado, originam-se de experiências
pessoais pelas quais ela passa e referem-se a aspectos não convencionais ou coletivos
da lingua.
Dito de outra maneira, as hipóteses normalmente compartilhadas pelas crianças
relacionam-se mais diretamente a regularidadesdo próprio objeto, enquanto que aquelas
particulares de cada criança referem-se mais diretamente a experiências destas crianças
que não são compartilhadas socialmente.
Assim, enquanto o cognitivista olhará para as regularidades observadas na
aquisição da escrita pelas crianças buscando estruturas cognitivas que as justifiquem e,
eventualmente, estágios universais que descrevam seu desenvolvimento, o psicólogo
comportamental buscará, frente a estes mesmos fenômenos:
a) uma explicação que relacione a atividade do sujeito (seu repertório, história de vida
etc) às características do meio (o próprio objeto do conhecimento; condições
estimuladoras fornecidas pelos agentes sociais veiculadores da “cultura oficial" etc);
b) avaliar a necessidade de se supor e/ou envolver a análise de comportamentos
encobertos (as hipóteses aventadas por Ferreiro) para a explicação da aquisição da
escrita pela criança.
Espero que este exemplo tenha ilustrado minha afirmação anterior de que o
cognitivismo tem pesquisado fenômenos relevantes, embora dando a eles uma explicação
distinta do que um analista comportamental julgaria satisfatório.
Por outro lado, fenômenos como abstração, simbolização, estratégias de solução
de problemas, linguagem, raciocínio verbal e não-verbal e outros têm representado
dificuldades para o analista comportamental. Acredito que estas dificuldades não sejam
inerentes à proposta teórica do behaviorismo radical, visto que não são negados no
âmbito teórico.
Entretanto, os dados de pesquisa e/ou de situações aplicadas ainda não foram
suficientes para gerar um conjunto de procedimentos de investigação e intervenção
abrangente e empiricamente validado. Isto é, acredito que a proposta teórica do
behaviorismo raóica\ engloba o estudo de fenômenos complexos, mas que os dados de
que dispomos são ainda insuficientes para embasar a intervenção clínica.
Neste contexto, talvez não seja muito arriscado afirmarmos que a construção de
uma psicopedagogia comportamental tem enfrentado dois grandes desafios.
O primeiro seria o de conseguir explicar fenômenos complexos (como os acima
descritos) sem recorrera um paradigma mentalista.
O segundo consistiria em desenvolver estratégias de pesquisa e intervenção
que lidem com estes fenômenos, dentro de um contexto que possa ser validado
empiricamente.
Para responder a estes desafios será necessário o concurso da análise
sistemática do trabalho clínico, pesquisas aplicadas ou não e trocas sistemáticas entre o
mundo acadêmico e a atividade prática.
Nesta perspectiva, penso que as oportunidades de reflexão são fundamentais

310 Mlrl.m M«irlnotti


para o aprimoramento de uma proposta comportamental aplicada à aprendizagem escolar,
visto que estimula o debate de profissionais engajados em diferentes formas de produção
de conhecimento.

1. Atendimento psicopedagógico

Passarei, a seguir, a expor algumas características do trabalho psicopedagógico,


conforme o tenho concebido.
Ao falarmos de aprendizagem escolar, imediatamente nos colocamos questões
acerca da adequação ou inadequação do currículo, implicações ideológicas do mesmo,
formação dos professores e relação entre o desempenho escolar e a capacidade de
aprender de um modo geral, Embora todas estas questões sejam fundamentais ao se
analisar o papel da escola, não me reportarei a elas, por julgar o tempo insuficiente para
analisá-las sem prejuízo da temática principal desta mesa. Assim, ficarei restrita á análise
do processo de aprendizagem escolar e das dificuldades que nele ocorrem.
Subjacente à atividade psicopedagógica, escolar ou clinica, encontra-se uma
concepção de como se processa a aprendizagem.
Consideramos ser a aprendizagem humana determinada pela interação entre
sujeito e meio. Desta interação participam os aspectos biológico, psicológico e social.
Do ponto de vista biológico, o indivíduo apresenta uma série de características
que lhe permitem o desenvolvimento de um conjunto (abrangente, mas não ilimitado) de
conhecimentos ou habilidades, e que lhe facilitam, dificultam ou mesmo impedem estes
ou aqueles tipos de comportamento.
O meio físico-social em que o indivíduo está inserido, por outro lado, direciona o
seu desenvolvimento, permitindo que potencialidades biológicas virtuais se transformem
em aquisições comportamentais.
As características psicológicas resultantes da história individual de interações
com o ambiente, por sua vez, influenciarão nas experiências futuras, conferindo-lhes um
caráter "pessoal e intransferível".
Neste sentido, penso que não procede a crítica sistematicamente feita à AEC de
que esta abordagem pressupõe um sujeito passivo frente a um ambiente todo-poderoso,
Também penso que para preservar um sujeito ativo na construção de seu próprio
conhecimento nâo nos cabe apelar para fatores internos como “dons", ou “traços de
personalidade".
Acredito, sim, que o papel ativo do sujeito na construção do conhecimento deve
ser buscado na peculiaridade das interações estabelecidas pelo individuo em contextos
sociais concretos e determinados.
A aprendizagem escolar constitui um caso particular de aprendizagem humana
como um todo valendo, então, para aquela, as mesmas suposições relativas a esta.

Sobre comportamento c coriiIçíIo 311


Entretanto, dadas as peculiaridades inerentes à aprendizagem escolar, alguns
aspectos adquirem maior relevância.
Sendo a aprendizagem escolar resultante da interação entre o sujeito (aluno), o
objeto de conhecimento (conteúdo acadêmico) e os agentes sociais que propiciam à
criança acesso ao conhecimento socialmente produzido e valorizado (escola, família,
meios de comunicação etc.), cada uma destas instâncias necessita ser analisada e
envolvida na intervenção psicopedagógica.
Em relação ao sujeito é fundamental delinearmos seu perfil cognitivo, entendendo
por isto: habilidade de solucionar situações-poblemas, nível de abstração, repertório
lingüístico e metalingufstico, conhecimento específico relativo ao conteúdo acadêmico
em que está apresentando dificuldades, recursos verbais ou não de que se utiliza frente
a tarefas de aprendizagem, particularidades perceptuais etc.
Além disso é necessário identificarmos características emocionais que se
mostram relacionadas à aprendizagem escolar e/ou as dificuldades surgidas neste
processo. Por exemplo: auto-conceito, (geralmente rebaixado nestas crianças devido
ao predomínio de situações de fracasso em relação às de sucesso), insegurança,
capacidade de auto-observação e auto-avaliação comprometida devido às mesmas
razões; interações sociais (muitas vezes também contaminadas pelo mau desempenho)
etc. Em nosso entender, estas o trabalho com estas dificuldades deverá ser abarcado
pelo atendimento psicopedagógico sempre que tais dificuldades emocionais surgirem
como conseqüências do fracasso escolar.
Por outro lado, é fundamental que conheçamos o suficiente do conteúdo
acadêmico a ser trabalhado, para planejarmos estratégias de avaliação e intervenção
corri maior probabilidade de sucesso.
Seria impossível detalhar, aqui, todo o processo de avaliação e intervenção
psicopedagógicas. Selecionei, então, alguns pontos que acredito ilustrem bem a análise
da relação sujeito-objeto na aquisição do conhecimento.
Cada um dos aspectos mencionados adiante me parecem imprescindíveis na
avaliação, seja qual foi a queixa que traga a criança ao atendimento psicopedagógico.

2. Levantamento de repertórios verbais

A escola prioriza o repertório verbal, seja nas atividades de ensino, seja na


avaliação dos alunos.
O repertório verbal não é valorizado por acaso. O uso da linguagem permite, ao
ser humano, entre outras coisas, chegar a abstrações de níveis progressivamente mais
sofisticados.
Do ponto de vista do conteúdo acadêmico, observamos que, à medida que a
criança avança na seriação escolar, o conteúdo vai se tornando mais formalizado e

312 M lria n M a rln o lll


dependente de aquisições verbais prévias.
Assim se os primeiros conceitos trabalhados na escola mantêm relação estreita
com referentes concretos e/ou nâo verbais, os conceitos subsequentes passarão a ser
construídos sobre os anteriores e assim sucessivamente. Portanto, habilidades linguisticas
são cada vez mais exigidas à medida em que a criança prossegue em sua escolarização.
Por exemplo, se no ensino das operações básicas podemos facilmente recorrer
a manipulações gráficas do processo, nâo é tão fácil imaginarmos representações
concretas quando ampliamos nosso domínio simbólico incluindo nele, por exemplo,
números imaginários.
O mesmo ocorre em outras díscípíinas que não a Matemática, nas quais a
formalização crescente e o distanciamento do conhecimento “intuitivo" vão requerendo,
mais e mais, habilidades lingüísticas sofisticadas.
Por estas razões, o repertório lingüístico das crianças necessita ser
cuidadosamente avaliado ao se proceder ao atendimento psicopedagógico e nos
deteremos um pouco em alguns desdobramentos disto.
1.a. Dificuldades lingüísticas muitas vezes simulam dificuldades de conteúdo nas
diferentes disciplinas.
Crianças que têm dificuldades para interpretar textos vão mal em Matemática
por não entenderem os problemas que lêem. Entretanto, estas mesmas crianças,
resolverão os problemas com facilidade se alguém os ler para elas ou ajudá*las na
leitura.
O mesmo pode ocorrer em Ciências, História ou Geografia: a mesma prova e
que a criança fracassou é realizada com alto nível de acerto se as perguntas forem lidas
para ela ou se ela tiver ajuda para compreendê-las, quando apresentadas por escrito.
Não se trata, portanto, de uma dificuldade em relação ao conteúdo da disciplina,
mas sim de uma falha frente a uma situação estimuladora específica, a saber, enunciados
escritos.
Analogamente, uma criança que tem desempenho ruim em redação, com
freqüência fracassa em provas de História, Geografia e Ciências se estas exigirem
respostas dissertativas. Entretanto, é capaz de se sair bem se o mesmo conteúdo for
avaliado através de outro tipo de estratégia.
1,b. O repertório verbal envolve inúmeros aspectos que, apesar de inter-relacionados
podem ser, cada um deles, mais ou menos desenvolvidos no mesmo indivíduo.
Faz parte da avaliação psicopedagógica a discriminação de que aspectos deste
repertório estão comprometidos, pois eles influem de forma diferencial no desempenho
acadêmico.
Por exemplo, crianças que apresentam dificuldades para fixar símbolos e regras
gráficas em geral (como os disléxlcos) tenderão a apresentar dificuldades de alfabetização,
na aquisição do código matemático, na apreensão dos algoritmos matemáticos, na
compreensão de material lido (dada a dificuldade de decodificação) etc.
Por outro lado, crianças que apresentam trocas auditivas na escrita nâo terão

Sobre comportamento c eognlftlo 3 1 3


T

dificuldades análogas em matemática pois, sendo a escrita matemática de natureza


ideogrâfica, o aspecto sonoro nâo possui a mesma relevância.
Crianças que apresentam trocas ortográficas (s/ss/c/ç/sc; x/ch; u/l;....) tôm maior
probabilidade de fracassar ao resolver uma expressão algébrica do que ao estruturar
uma redação, pois as trocas ortográficas revelam, em geral, falhas de atenção e memória
visual (habilidades também fundamentais na resolução de expressões), enquanto que a
atividade de escrever uma redação exige a sequenciaçâo lógica do conteúdo,
conhecimento semântico apropriado, frases sintaticamente corretas etc.
1.c. Dentre os aspectos lingüísticos relevantes um que é sistematicamente negligenciado
pela escola refere-se ao repertório metalingufstico da criança, isto é, à análise que a
criança faz da linguagem.
Em geral, ao iniciar o 1* Grau as crianças já possuem um bom dominio do uso
da linguagem; têm um vocabulário considerável; produzem boa porcentagem de frases
gramaticalmente corretas; conseguem realizar concordâncias nominais, verbais e assim
por diante.
Quase simultaneamente à alfabetização formal, entretanto, a escola já começa
a trabalhar conceitos gramaticais com as crianças. E o faz de um jeito tal que pressupõe
que a criança, por usar a língua de forma gramatical, saiba analisá-la desta forma.
Entretanto, dados coletados tanto em minha atividade clínica, como em pesquisa
realizada junto a crianças de 1a. a 4a. série, demonstram que esta suposição nem sempre
é verdadeira e que a transposição do uso para a análise da Ifngua requer atenção especial.
As palavras citadas abaixo foram apresentadas para as crianças e lhes foi
solicitado que as agrupassem de acordo com semelhanças que percebessem entre elas.
Gato - blusa - carro - televisão - caderno - boneca - bicicleta - sofá - chocolate
- bonito - alta - alegre - caro - pesado - pequenas - quente - grossa - falar - brincar
- jogar - escrever - correr - chorar - cantar.
Os vocábulos eram apresentados em fichas e fora de qualquer seqüência lógica.
Frente a esta tarefa, os agrupamentos foram bastante variados:
Agrupamentos que refletiam experiências pelas quais a criança passara. Por
exemplo: chocolate e televisão, "porque como chocolate quando vejo televisão"; gato e
sofá, porque "o gatinho da minha prima sempre dorme no sofá".
Agrupamentos semânticos (carro e caro, “porque os carros sâo coisas caras";
brincar e jogar,” porque sâo formas de brincadeira").
Agrupamentos baseados na letra inicial das palavras.
Agrupamentos baseados na letra final (neste caso, os verbos ficavam juntos,
visto que todos estavam no infinitivo).
Agrupamentos baseados na categoria gramatical (substantivos, adjetivos e
verbos).
Uma vez feitos os agrupamentos era solicitado às crianças que os justificassem
sendo que não era feito qualquer tipo restrição ao critério de categorização adotado. Em

314 M lrltin M ir ln o tfl


seguida, era solicitado que considerassem a possibilidade de agrupar as palavras “de um
outro jeito'’.
Os dados coletados mostraram que:
• pouquíssimas crianças chegaram ao agrupamento gramatical sem ajuda, mesmo já
tendo tido este conteúdo em diferentes séries escolares;
• dentre as que chegaram á classificação gramatical, poucas utilizaram os conceitos de
"substantivo", “adjetivo" e “verbo" para nomear as categorias;
• os adjetivos constituíram o grupo mais díffcíl de ser nomeado, sendo descritos como:
“coisas que a gente vê na loja" (talvez querendo dizer que na loja há coisas bonitas)',
“coisas que a gente compra" (provavelmente porque podemos comprar coisas caras,
bonitas).
Ou seja, mesmo tendo-lhes sido apresentada a análise gramatical dos vocábulos,
as crianças permaneceram sob controle de outras dimensões que nâo esta.
Uma outra tarefa que foi apresentada às crianças envolveu os vocábulos abaixo:

árvore lápis
moto agasalho
geladeira relógio
flor vidro
tesoura jogo
cama cachorro
caneta colar

bola estojos
sapato brinquedos
televisão meias
sorvete crianças
tartaruga carros
professor teíefones

criança João
escola São Paulo
vestido Marcelo
menino Terezinha
caderno Estados Unidos
mochila Claúdia
Era solicitado às crianças que identificassem o que havia de comum entre as
palavras de uma das colunas e que diferia da outra coluna.
As crianças apresentaram mais dificuldade em resolver o primeiro item deste
problema, onde a diferença entre os grupos era o gênero dos substantivos. Nos dois
últimos itens apresentaram menos dificuldade.
Provavelmente, isto deveu-se à presença de características ortográficas claras
nos dois últimos itens: "s" para plural e letra maiúscula para os nomes próprios.

Sobre coniporldmenfo e cojinlydo 3 1 5


f

Novamente, características perceptuais exerceram maior controle sobre a


atenção das crianças do que aspectos metalinguísticos.
Assim, como afirmamos anteriormente, os aspectos metalinguísticos necessitam
ser avaliados e trabalhados de forma deliberada.

3. Estratégias de solução de problemas

0 repertório de solução de problemas é prioritário quando se fala de aprendizagem


de qualquer natureza. Afinal, nós, educadores, não desejamos formar indivíduos que
apenas repliquem procedimentos ensinados, mas sim indivíduos capazes de, frente a
situações novas, chegar a soluções também originais.
Quando se trata da aprendizagem escolar, o repertório de solução de problemas
envolve comportamentos tais como: coletar informações relevantes; identificar os dados
que são conhecidos ou desconhecidos; organizar os dados disponíveis; identificar relações
entre eles; avaliar diferentes recursos para solucionar o problema (verbais, concretos,
gráficos etc).
Citamos, abaixo, dois exemplos que pretendem ilustrar diferentes estratégias de
solução de problemas utilizadas por diferentes sujeitos.
1 .Num treinamento acerca de solução de problemas, realizado com adultos com
formação universitária, foi apresentada a seguinte situação:
Temos 21 copos de vinho, sendo que 7 deles estão cheios, 7 estão meio cheios
e 7 estão vazios. De que maneira poderemos dividi-los entre 3 pessoas de tal modo que
recebam o mesmo número de copos e a mesma quantidade de vinho?
Face a este problema, foram observadas estratégias diversas de resolução.
Uma primeira diferença refere-se à organização dos dados disponíveis. Algumas
pessoas utilizaram estratégias visuais não lingüísticas para fazer a distribuição, como
por exemplo:

Uma variação desta estratégia consistiu em ir “esvaziando" alguns copos e

316 Mlrtan Mdrfnottl


“enchendo" outros (representando estas transformações via desenho), até chegar-se à
distribuição desejada.
Outros utilizaram um procedimento algébrico, somando a quantidade de vinho
disponível, dividindo tal quantia pelo número de pessoas (10,5:3 = 3,5) e procedendo a
seguir à distribuição, de modo que a resolução gráfica do problema ficava:
A - 3C + 1(1/2) + 3V
B -2C + 3(1/2) + 2V
C -2 C + 3(1/2)+ 2V
O mesmo problema foi apresentado a crianças de 7 a 13 anos, freqüentadoras
da 1* à 41 série do 1* grau. Dentre as crianças que o resolveram ou iniciaram a solução
de forma correta, os mesmos tipos de abordagem foram encontrados.
Estes dados sugerem que, quando confrontados com uma situação problema,
tanto adultos como crianças (com ou sem dificuldades escolares) utilizam estratégias e
recursos distintos para solucioná-la.
2."Esta é a história do Sr. Nestor, um chacareiro que tinha quatro filhos muito briguentos.
O chacareiro resolveu se aposentar e foi morar num cantinho de sua chácara, que tinha
o formato de um quadrado, conforme mostra a fígura. Ele foi morar no pedaço em que
estava a casa e deixou o resto da chácara para os filhos trabalharem. Como sabia do
mau gênio dos filhos, teve o cuidado de fazer com que ficassem com partes exatamente
iguais (na forma e no tamanho). Ele se preocupou também em garantir que no terreno de
cada filho houvesse uma das quatro laranjeiras plantadas no sitio. Como ele dividiu o
terreno para que os filhos ficassem com partes iguais, do mesmo formato e com uma
laranjeira cada um?
Enunciado _______ Resolução______
C a s a do Sr.
N e s to r

r
I i
T____ i

Neste problema, obviamente, a maioria das crianças optou por estratégias gráficas
de resolução.
Entretanto, algumas crianças que apresentavam repertório verbal mais sofisticado
mesclaram à atividade gráfica comentários que, aparentemente, serviram como elos na
solução do problema. Por exemplo: “tem que ter ponta; tem que encaixar um no outro"
ou “melhor começar separando as árvores".

Sobre comportamento c cojjnlçflo 3 1 7


Estes dois exemplos servem para ilustrar algumas das razões pelas quais
considero a avaliação do repertório de solução de problemas relevante.
2. a. As situações de aprendizagem permitem, muitas vezes, diferentes formas de
abordagem e as crianças tenderào a utilizar aquela(s) em que têm maior facilidade e/ou
evitar as que lhe apresentam dificuldades.
Conhecer repertórios bem desenvolvidos nas crianças é tão importante para o
trabalho psicopedagógico quanto saber, precisamente, quais são suas dificuldades, pois
os primeiros podem constituir o ponto de partida ou caminhos alternativos para chegarmos
ao ponto desejado.
2.b. A análise da tarefa, por si só, não permite classifícá-la como verbal ou nâo-verbal,
matemática ou nâo, etc.
O problema dos copos de vinho constitui uma situação antecedente verbal e
pressupõe uma resposta final também verbal. Entretanto, o repertório envolvido na
resolução deste problema pode ser verbal, não verbal ou uma combinação de ambos.
2.c. Algumas tarefas, certamente, serõo melhor abordadas se utilizarmos o repertório
verbal; outras, entretanto, serâo melhor realizadas com a utilização de desenhos,
manipulação de objetos, esboços etc.
Assim, de um modo geral, se sairão melhor, na escola e fora dela, aquelas
crianças que apresentarem maior riqueza nos diferentes repertórios e facilidade em
utilizá-los de forma integrada (como ocorreu com algumas crianças no problema da
divisão da chácara).
Em especial, quando trabalhamos com crianças que apresentam dificuldades
de aprendizagem, a exploração de repertórios alternativos ao verbal, e o estabelecimento
de ponte entre eles, tende a ser muito útil.
2.d. Dadas as diferenças individuais quanto ao repertório de solução de problemas, torna-
se dificil estabelecer, a priori, que tipo de estratégia será mais fácil ou útil, baseando-nos
apenas na situação estimulo e na resposta esperada.
Crianças que apresentam dificuldades importantes de orientação temporo-
espacial têm problemas nas diversas disciplinas escolares: na escrita, pela
desorganização de sua produção; na leitura, com freqüência se perdem; em Geografia,
mapas, relevo, pontos cardeais e relação entre localidades constituem outro desafio; em
História, a construção de linhas do tempo, o arranjo dos fatos em seqüência também se
torna dificil; em Matemática, a estruturação dos dados e o arranjo dos algarismos nas
operações são prejudicados; e assim por diante.
Recursos gráficos (por exemplo: desenhos, esboços) que muitas vezes se
mostram facilitadores para outras crianças, para elas são um obstáculo a mais a ser
transposto; necessitam se esforçar tanto para construí-los e utilizá-los que se alheiam
da tarefa principal.

318 M irl.m M<irl»olli


4. Análise dos erros

Em AEC, a busca da “aprendizagem sem erros" nâo é nova. Entretanto, ainda nâo
chegamos a um consenso sobre se ela é possível ou desejáveí.
Então, por enquanto, temos que lidar com situações em que as crianças erram.
Não obstante as desvantagens conhecidas destas situações, o erro da criança
tende a nos informar mais acerca de como ela pensa do que seus acertos. Até porque,
quando a criança exibe a resposta final desejada, raramente nos detemos a analisar o
motivo deste acerto.
No caso do erro, a própria resposta final pode fornecer pistas sobre o processo
envolvido na tentativa de solução da tarefa.
Por exemplo, uma criança disléxica que atendemos tinha especial dificuldade
com a escrita de números. Cometia erros do tipo:
204 para “vinte e quatro"
201000 para “vinte mil”
3210005 para “trinta e dois mil e cinco", etc
Se nos detivermos na escrita da criança, poderemos observar que ela,
sistematicamente, escreve os números justapondo seus componentes tal como os escuta.
Assim,
204, na realidade é a justaposição de 20 e 4
201000, de 20 e 1000
3210005 de 32, 1000 e 5
Desta constatação, podemos:
a) derivar a hipótese de que a criança está aplicando à escrita de números a regra
utilizada na escrita alfabética que consiste, justamente, na justaposição de letras;
b) planejar estratégias de ensino mais eficientes na correção de seu desempenho do
que se, meramente, constatássemos que a criança “errou".
Situações análogas podem ser observadas na realização de operações
matemáticas.
A criança que realiza as operações:

14 36 92
+ 5 +2 +7
69 58 169
Não está apenas errando, mas está utilizando um procedimento sistemático

Sobre comportamento c cognlfílo 3 1 9


que consiste em somar à unidade da segunda parcela todos os numerais da primeira.
Pode-se, ainda, hipotetizarque esteja generalizando inadequadamente o algoritmo da
multiplicação para a adição.
Novamente,encontramo-nos em melhor situação para trabalhar com a criança
do que se apenas nos baseássemos no que ela não sabe.

5. Conclusão

Estes anos de atividade clínica tiveram o efeito de consolidar em mim a opinião


de que o fracasso escolar é, na maioria das vezes, um fracasso da escola mais do que
da criança.
Muitas crianças que chegam ao atendimento psicopedagógico poderiam não
estar (á se as condições no ensino formal fossem outras.
Acredito que o psicopedagogo comportamental encontra-se numa condição
privilegiada para minimizar as dificuldades das crianças, seja pelo contato individual ser
muito mais intenso do que o observado na relação professor-aluno, seja por contar com
um referencial de análise num nível de aprofundamento raramente disponível aos
professores.
Este privilégio nos chama a ir além do atendimento individual de crianças que
estão com dificuldades, para atuar, da maneira que for possível, a nível preventivo junto
a professores, pais e demais profissionais e instâncias ligados à educação.

Bibliografia

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zero.São Paulo: Cortez Editores, 1988.
FERREIRO, Emília e Teberosky, Ana. Los sistemas de escritura en eldesarollo delnifío.
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REESE, H.W. Rule-governance by algorithms andheuristics. West Virginia University.
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SKINNER, B.F. Contingencies of reinforcement.a theoretical analysis. New York:
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Livraria e Editora Ltda., 1974,2a. ed.

Sobre comportamento e cognifílo 3 2 1


Capítulo 38

H a b ilid a d e d esen vo lvid a em a lu n o s d e


psicologia no atendim ento de crianças com
prob lem as de escolarid ad e e suas fam ílias
JaídeA. (/. Regra
Universidade dc Mogi das Cruzes

E s te trabalho está sendo desenvolvido na Universidade de Mogi das Cruzes,


através da disciplina: Psicologia Preventiva e Reabilitação II, ministrada para alunos de
5.o ano do curso de Psicologia, desde 1991.
Trata-se de uma disciplina teórico - prática em que as atividades práticas foram
desenvolvidas na Clínica Psicológica da Universidade utilizando-se a população de
crianças com dificuldades de aprendizagem.
A escolha da populaçôo foi feita segundo alguns critérios:
1. a alta percentagem de inscrição na Clínica Psicológica de crianças com dificuldades
escolaridade (em tomo de 70% dos casos);
2. a necessidade de formar um profissional nesta área que possa também atender a alta
demanda em outras instituições;

322 Jaíde A . Q. Regra


3. o mercado de trabalho mais favorecido nesta área, por ter menor número de profissionais
habilitados;
4. pela experiência do professor com a referida população;
5. por satisfazer os critérios da disciplina que se propõe a ensinar aos alunos procedimentos
que auxiliem na reabilitação e prevenção.
Objetivos da disciplina: ao final do programa o aluno deverá ser capaz de:
• efetuar distinção entre distúrbios de aprendizagem e dificuldades de aprendizagem;
• efetuar uma análise dos processos envolvidos no desenvolvimento dos distúrbios e
dificuldades de aprendizagem;
• elaborar programas de intervenção para lidar com as dificuldades e distúrbios de
aprendizagem;
• utilizar a Fantasia como Instrumento de diagnóstico e intervenção na Psicoterapia infantil;
• utilizar técnicas de orientação de pais em grupo;
• efetuar Entrevista individual e Familiar utilizando a técnica de Questionamento Reflexivo;
• efetuar Entrevista com Professor usando o Questionamento Reflexivo;
• escrever relatórios para outros profissionais.
Primeiramente serão abordados os aspectos gerais do curso para facilitar a
compreensão do funcionamento global, para em seguida analisar algumas formas de
atendimento em grupo, de modo a tornar mais claro o desempenho dos alunos nessas
atividades.
Esquema de funcionamento geral:

Aula teórica
A aula teórica é ministrada em grupo grande, com a participação de todos os
alunos.
Os temas abordados oferecem subsídios teóricos para que o aluno possa
executar a atividade prática.

Supervisão
A supervisão é feita em grupos menores de aproximadamente dez alunos.
Os alunos são divididos segundo três papéis básicos:
- Terapeuta - realiza os atendimentos psicológicos; participa do planejamento
das sessões e faz leituras complementares, relacionadas aos casos em atendimento.
- Observador- observa os atendimentos através do espelho unidirecional, efetua
os registros da sessão, participa do planejamento dos casos e faz leituras complementares
relacionadas.

Sobre comportamento c cotfiil^lo 3 2 3


- Auxiliar-participa do planejamento do caso, confecção de material, leituras
complementares e entrevistas eventuais com professores e outros profissionais envolvidos
no caso.
Durante a supervisão, cada aluno relata o que planejou para executar no
atendimento psicológico, do qual é responsável, sendo analisado pelo grupo e pelo
supervisor; relata também a sessão psicológica já realizada, recebendo supervisão sobre
as técnicas de intervenção.
Cada aluno entrega um relatório por escrito sobre cada atividade prática realizada;
o supervisor analisa cada relatório com comentários escritos que são discutidos na
próxima supervisão.

Atividade Prática
Fase I
A atividade prática é desenvolvida na seguinte seqüência;
Entrevista de Triagem - dos casos inscritos na Clínica Psicológica, já previamente
separados para serem atendidos nesta disciplina, uma vez que no ato de inscrição é
registrada a queixa principal( dificuldades de aprendizagem).
Os alunos se encontram com o supervisor durante quatro horas/aulas: duas
aulas para discutir as fundamentações teóricas e duas destinadas a supervisão das
atividades práticas.
A triagem é então discutida para se ter clareza de que o caso satisfaz os critérios
para ser atendido nesta disciplina, ou seja , que a criança apresente dificuldades de
aprendizagem ,tenha disponibilidade para os horários de atendimento; que tenha idade
mais próxima das crianças do grupo em que vai ser inserida e ou necessite de programas
semelhantes.
Se o caso for indicado para ser atendido em outra disciplina ou em outro local.a
família será convocada para uma Entrevista de encaminhamento.
Uma vez que seja concluído que o caso será atendido nesta disciplina, a família
é convocada para uma Entrevista feita com o grupo familiar ( todos os membros que
moram na mesma residência).

Entrevista Familiar
Quatro estagiários participam da Entrevista familiar - utilizam-se da técnica de
Questionamento Reflexivo ( K arl, 1985).
As questões efetuadas tem como objetivo o levantamento de dados e ao mesmo
tempo provocar mudanças , onde a família deve ser conduzida a concluir sobre a
necessidade de mudanças de comportamento de alguns de seus membros, como também
sobre algumas formas de agir que favoreçam a mudança no outro, sem que esteja
recebendo uma orientação direta. Não recebe as orientações como instruções, pois
conclui junto com o terapeuta sobre alternativas de comportamento mais funcionais do

324 Jiifde A . Q. Regra


que aquelas usadas normalmente.

Desta forma , aumenta-se a probabilidade de que as mudanças ocorram e a


orientação seja seguida.
Após aproximadamente trinta minutos, conclui-se a Entrevista com todos os
membros, separando-se o grupo familiar em dois sub-grupos:
- dois estagiários vão para outra sala efetuar a Entrevista de casa l, enquanto
outros dois fazem a sessão fraterna, que consiste no atendimento dos irmãos com o
cliente inscrito, por trinta minutos, depois do que, os irmãos sâo levados à sala de
espera e os estagiários que realizaram a sessão fraterna, fazem a sessão individual
com a criança.
Este modelo de atendimento foi adaptado de Fernandez (1990) e apresenta a
vantagem de facilitar o levantamento de dados, de forma mais concentrada, onde em
um só dia a criança é observada e trabalhada em diferentes situações, reduzindo-se o
número de vezes que vai à Clínica antes de iniciar o atendimento em grupo.
Nâo há portanto, uma fase de diagnóstico e uma fase de tratamento; enquanto
os dados estão sendo levantados, as intervenções já foram iniciadas.
Em resumo, teríamos a seguinte seqüência:
-Triagem
-Entrevista Familiar
- Entrevista com todos os membros juntos
- Entrevista de casal (pais) e sessão fraterna (irmãos)
-Sessão individual (criança)
De posse dessas informações, as crianças sâo agrupadas segundo um critério
de idades mais próximas e de acordo com tipos de dificuldades, de modo a favorecer o
trabalho com programas semelhantes em cada grupo de atendimento. As semelhanças
se referem a grupos que estejam na fase de alfabetização (11 e 2* séries) e grupos com
dificuldades de leitura e escrita (3« e 4* série).

Fase II
Dá-se início aos atendimentos de grupo:
- Grupo Psicopedagógico
-G rupo Emocional
- Grupo de Pais
As Entrevistas de acompanhamento com o professor da criança, sâo individuais
e a frequência depende da disponibilidade de horário do estagiário,que é do curso noturno
e trabalha durante o dia. Eventualmente utilizam-se de outras alternativas de contato
com a escola da criança, como através relatório escrito.

Sobre comportamento t cognlçílo 325


Aspectos teóricos para melhor compreensão da Psicopedagogia Comportamental
O termo psicopedagogia é encontrado no Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa como “aplicação da psicologia experimental à pedagogia". Kiguel (1987)
apresenta a Psicopedagogia Terapêutica como um campo de conhecimento relativamente
novo na fronteira entre a Pedagogia e a Psicologia e que se encontra em fase de
organização de um corpo teórico específico, visando a integração das ciências
pedagógica, psicológica, fonoaudiológica, neuropsicológica epsicolingüística para uma
compreensão mais integradora do fenômeno da aprendizagem humana.
Esta integração de conhecimentos nos parece importante, uma vez que, ao
lidar com a criança que passa pelo processo de aprendizagem, nos deparamos com
organismos íntegros e não íntegros, tornado-se necessário a compreensão e diferenciação
das dificuldades de aprendizagem e dos distúrbios de aprendizagem.
Complementando essas colocações, a Psicopedagogia Comportamental utiliza-
se dos princípios da psicologia experim ental para efetuar uma análise dos
comportamentos que ocorrem nas situações de aprendizagem. Agrega os conhecimentos
da pedagogia, fonoaudiologia, psiconeurologia e psicolinguística de modo a possibilitar
a identificação dos possíveis fatores que afetam a aprendizagem e deste modo conduzir
á elaboração de procedimentos que favoreçam a aquisição de novos comportamentos.
De acordo com a análise do comportamento, devemos tentar levantar os
possíveis fatores que interferem num dado comportamento ou problema, ou seja,
identificar as variáveis ambientais das quais o comportamento é função. Uma vez que as
dificuldades de aprendizagem podem ser afetadas por fatores relacionados com a
aquisição de habilidades a cadêmicas como também por problemas orgânicos e
emocionais, devemos levantar dados a respeito da interação familiar, interação professor-
aluno e pistas sobre possíveis disfunções psiconeuroíógicas, para poder efetuar uma
intervenção mais completa.
Uma vez que na Clínica Psicológica são inscritas crianças com história de fracasso
escolar, com tipos de dificuldades semelhantes, porém com diferentes fatores
determinantes, procuramos identificar esses possíveis fatores.
Esta questão nos reporia à proposta de Johnson e Myklebust (1983) que
classificam como distúrbio de aprendizagem os problemas de escolaridade em que são
possíveis levantar a hipótese de disfunção psiconeurológica, relacionada a disfunção do
sistema nervoso central, enquanto que os problemas de aprendizagem estão relacionados
aos fatores ambientais num organismo íntegro.
Como a disfunção é inferida a partir da classe de resposta manifesta, não haveria
nenhuma necessidade em utilizá-la a não ser quando determina formas de procedimentos
específicos de intervenção.

Aplicação (exemplos de intervenção discutidos em supervisão)


Exemplificando melhor, podemos citar um dos procedimentos elaborados e
utilizados com crianças que apresentam trocas de letras com sons semelhantes, já
cursando a terceira série ou quarta série primária:

326 Jaíde A. l). Rcrm


-tip o s de trocas: vaca/faca gato/cato batata/datata chama/jama
bala/dala time/dime funil/funiu menina/nenina e outros.
- considerando que a criança apresenta dificuldades de discriminação auditiva, o
procedimento é então elaborado utilizando-se como apoio o canal íntegro (canal visual) de
modo a ocorrer associações com o canal não íntegro (canal auditivo), para poder
gradualmente corrigir a dificuldade.
- o procedimento elaborado foi finalisado desta forma:
- apresenta-se a palavra correta à criança, escrita numa ficha, por
aproximadamente quinze segundos; concomitantemente o terapeuta lê a palavra:

funil

- a criança vê e ouve a palavra, havendo uma associação entre o estímulo


visual e o auditivo;
- após quinze segundos, a ficha é colocada fora de vista da criança, que recebe
instrução para escrever a palavra;
- a criança é informada de que, se houver dúvida sobre como a palavra é escrita,
poderá olhar a ficha novamente, para depois escrever. Se escrever sem consulta e
errar, faz emparelhamento da ficha com a palavra que escreveu, e escreve a palavra
novamente como cópia, Se a criança tiver adquirido medo de errar.geralmente fica ansiosa
frente a palavras que costuma errar, o que pode dificultar ainda mais a possibilidade de
vir a acertar.
- a instrução de que poderá olhar a palavra caso tenha dúvidas, auxilia no trabalho
com os aspectos emocionais, uma vez que se trabalha o medo de errar. O fato de poder
olha novamente, parece reduzir o medo de errar e garantir maior número de acertos;
- procura-se utilizar formas de jogos que motivem a criança: se acerta a palavra
na primeira tentativa, ganha dois pontos; se acerta após ter olhado pela segunda vez,
ganha um ponto; a criança é incentivada a bater records em relação ao treino anterior;
- em cada sessão trabalha-se aproximadamente, vinte palavras.
Generalização - combina-se com a criança um segundo jogo: deverá trazer
seu caderno de português, toda semana para a sessão; o terapeuta abrirá o caderno de
modo a cair numa página ao acaso e contará quantas palavras estão escritas
corretamente; a criança é instruída para que na escola escreva, procurando se lembrar
das palavras que já foram treinadas ,pois irá mostrar ao terapeuta as palavras que já
consegue escrever na escola.
Resultados - observou-se um aumento gradual na porcentagem de palavras
corretas, num período de aproximadamente três meses na maioria dos casos. Em muitas
situações, a criança que se recusava a lidar com o material acadêmico,ao perceber que
acertava em torno de 90% das palavras, passava a pedir para continuar o jogo de palavras;
parece que ao reconstruir sua história de sucesso, pois este procedimento praticamente

Sobre comportamento e çofjniçJo 327


impede a ocorrência de erros, a criança refaz sua auto-imagem acreditando que é capaz.
Se considerarmos a definição apresentada pelo Nacional Joint Committee of
Learning Disabilities (NJCLD) considerada internacionalmente de maior consenso,
segundo Hammill (1990), vamos encontrar que Dificuldade de Aprendizagem ( D A ) é
um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de desordens manifestadas por
dificuldades significativas na aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da
leitura, da escrita e do raciocínio matemático. Tais desordens sâo consideradas intrínsicas
ao indivíduo, presumindo-se que sejam devidas a uma disfunção do sistema nervoso
central e pode ocorrer através da vida toda.
Nesta definição vemos retomada a proposta de Johnson e Myklebust(1983) a
respeito das disfunções psiconeurológicas.Faz-se necessário complementar com as
variáveis ambientais ,tâo importantes para a compeensâo do processo.
Como na Clínica Psicológica temos inscritas crianças com queixa de fracasso
escolar, que podem ser agrupadas por tipos de dificuldades, temos encontrado um grande
número de fatores determinantes desses tipos de problemas.
Para facilitar a análise, procuramos agrupar essas crianças, de acordo com os
possíveis fatores determinantes do problema , em dois grandes grupos: crianças com
problemas de aprendizagem e crianças com distúrbios de aprendizagem.
Por problemas de aprendizagem procurou-se nomear as dificuldades acadêmicas
apresentadas por crianças com organismo supostamente íntegro e com diferentes fatores
determinantes, tais como:
• falta de estimulação adequada que possa dificultar ou atrasar a aquisição de novos
comportamentos acadêmicos, quando comparada ao grupo em que a criança está
inserida;
• diferenças culturais quando desconsideradas pela escola;
• dificuldades na interação professor/aluno;
• déficits sensoriais;
• programa escolar inadequado por nâo levar em consideração o repertório de entrada
da criança;
• problemas emocionais e outros.
Os problemas emocionais merecem uma análise mais detalhada uma vez que
podem estar presentes na maioria das situações. Para melhor esclarecer como este
fator pode estar superposto às dificuldades escolares, iremos esquematizar uma suposta
evolução de um problema de aprendizagem:
• criança com características de comportamento dependente, inicia o processo de
alfabetização;
• em casa, a criança se comporta frequentemente sob instruções da mâe, que lhe diz o
que deve fazer e como se comportar em diferentes situações; a criança fica sob controle
da presença física da mãe e das instruções dadas;

3 2 8 tolde A. Q. Refira
• na escola, na ausência da mâe, prevemos uma desorganização de comportamentos,
uma vez que foram removidos os estímulos controladores; a professora diz que a criança
é “insegura".
• frente a situação de aprendizagem - a criança “insegura” fica dispersa (a dispersão
neste caso poderia ser analisada como um comportamento de esquiva frente a situação
aversiva) - a dispersão conduz a aumento de erros - a professora chama a atenção da
criança, repreendendo ou riscando com vermelho o seu erro - a criança adquire medo
de errar - frente a nova situação de aprendizagem , aumenta a frequência do
comportamento de esquiva (“ dispersão") levando a um aumento na frequência de erros
- a mâe pressiona em casa chamando a criança de preguiçosa - ocorre uma ampliação
do medo de errar e de se expor - frente a palavra que erra, a criança fica em dúvida e
troca as letras - passa a se achar incapaz - com auto-imagem negativa - frente a situação
de aprendizagem - os erros aumentam - o ciclo se fecha e a criança se encontra numa
situação sem saída -
• pais e professores encontram muita dificuldade em lidar com esta situação e muitas
vezes se acham numa situação sem saída também.
• se partimos do repertório de entrada da criança, iniciando por aquilo que é capaz , ou
elaboramos programas com níveis de ajuda onde se favorecem os acertos, a criança
passa agora a vivenciar uma história de sucesso, reformula sua auto-imagem e passa a
acreditar que é capaz; quebramos o ciclo anterior que se formou e um novo ciclo se
inicia.
Os distúrbios de aprendizagem estão relacionados à suposição de organismo
não íntegro baseado na hipótese de disfunção psiconeurológica com muitos dos fatores
ambientais superpostos.
Para trabalharmos com a hipótese de disfunção, devemos analisar os canais
sensoriais, memória, nível de abstração e outros, para identificar o tipo de distúrbio e
assim poder elaborar programas corretivos mais adequados.

Grupo Emocional
Utiliza-se de situações lúdicas e fantasias como instrumento de avaliação e
intervenção.
Mas por que consideramos importante que a criança com dificuldades de
aprendizagem participe de um grupo emocional?
Por considerarmos que comportamentos encobertos e manifestos, que fazem
parte da categoria de comportamentos emocionais, por englobar as emoções,interferem
na aprendizagem, ou seja, na aquisição de novos comportamentos. Para tornar mais
compreensível esta afirmativa, tomemos como exemplo uma criança com dificuldades
de aprendizagem e a interação mãe/criança:
Mâe não coloca limites - criança atende a um conjunto de regras que resultam
em comportamentos de conseqüências agradáveis e não atende a um outro conjunto de
regras que resultam em comportamentos necessários, mas não prazerosos (obrigações).
Esta criança teria dificuldades em manter uma longa cadeia de respostas para obter um

Sobrr comportamento e cognltfo 329


estímulo reforçador. Poderíamos inferir que a criança apresenta baixa resistencia a
frustração, pois não consegue pospor o estímulo reforçador, evitando desta forma os
comportamentos envolvidos em situações necessárias ,mas não prazeirosas.
Por outro lado , podemos supor que a criança aprendeu a se comportar desta
maneira, porque nâo é aplicado pela mãe nenhuma conseqüência, quando a criança
não emite os comportamentos categorizados como “obrigações". Seu comportamento é
mantido por esquiva, e quando isto começa a afetar a aprendizagem, torna-se muito
difícil para a família reverter o quadro sem ajuda de um profissional. A regra utilizada
pela criança é: primeiro as situações prazeirosas e depois um pouco de obrigação quando
eu estiver com vontade.
Nestes casos, torna-se necessário trabalhar com a criança, esses aspectos
emocionais, alterando a cadeia de respostas de modo que possa ser ampliada e o estímulo
reforçador possa ser posposto; as novas regras introduzidas, devem ser descritas com
especificação das conseqüências para seu cumprimento como também, para o não
cumprimento,e desta forma impossibilitando o comportamento de esquiva.
Isto poderá ser trabalhado diretamente com a criança nas sessões do emocional
como também através da orientação de pais.
Nota-se que a dificuldade da criança em lidar com lim ites, quando generalizada,
afeta a aprendizagem, uma vez que a criança, além de apresentar problemas de
comportamento social, terá outras dificuldades com relação a hábitos de estudo,
concentração e execução de tarefas.
Uma vez que a criança deixa de executar tarefas acadêmicas e de concentrar-
se em aula , deixa de experienciar as situações de aprendizagem, o que acarreta a falta
de pré-requisitos para a aprendizagem futura.
Decorrido algum tempo, a criança passa a se comportar como se tivesse
dificuldades de aprendizagem.
Não identificar este fator como relevante para o processo de aprendizagem,
poderia intensificar o fracasso escolar da criança..

Grupo de Mães
Primeiramente são levantadas as necessidades do grupo , que colocam as
dificuldades em lidar com a criança em casa .enfocando tanto os comportamentos
acadêmicos, como os demais.
Levanta-se através do relato materno, as regras , crenças e mitos que governam
o comportamento da família, de modo a elaborar intervenções que possam alterá-las.
Utiliza-se o Questionamento Reflexivo(Karl,1985) mencionado acima, como uma
das técnicas utilizadas.
O uso de vivências, onde as mães representam papéis através da dramatização
de uma situação - problema; trocam de papéis, ora sendo a mãe e ora a criança, para
em seguida analisar os comportamentos envolvidos e propor outras alternativas de
comportamento para a mesma situação, que seja funcional para mãe e criança.

330 JüíJe A . O . Kf#r<»


Supervisão - aspectos de funcionamento

Os alunos recebem supervisão em grupos de aproximadamente dez.


Relatam as sessões feitas, que é analisada pelo supervisor.
São discutidas as técnicas de intervenção que devem ser ministradas, de acordo
com as propostas de trabalho descritas acima.
Os comportamentos dos alunos são analisados, procurando-se identificar tanto
os encobertos como os manifestos que interferem na interação terapeuta/cliente. Para
exemplificar melhor, vamos analisar uma situação em que a aluna/estagiária do grupo
Psicopedagógico descreve a seguinte interação com a criança:
- Estagiária pede para as crianças fazerem uma conta de multiplicar para
identificar como dominavam os mecanismos envolvidos.
- Uma das crianças diz que está cansada , que não quer fazer e acaba jogando
o papel no chão.
- A estagiária relata que se sentiu irritada com esse comportamento da criança
e achou que devia colocar limites , e então diz :
- “Você não pode fazer isso. Tem que respeitar o que estou pedindo.Pegue o
papel e faça”.

Análise do comportamento da estagiária pelo supervisor


- É possível que ao ser desobedecida ou confrontada, possa sentir que está
sendo rejeitada e se sente agredida pela criança , o que desencadeia suas emoções de
raiva ;ou então, o fato da criança não se comportar como era esperado, toma a estagiária
incapaz de lidar com a situação, fazendo com que se exponha a críticas; o que também
pode mobilizar emoções de raiva;
- Como o estagiário poderia aprender a identificar e controlar essas emoções
de modo a efetuar intervenções mais eficazes?
- É possível que as emoções de raiva foram desencadeadas pelas hipóteses
levantadas sobre o comportamento da criança: que tinha dificuldades com limites, era
agressiva e rejeitava o terapeuta.
- Se o estagiário aprender a levantar outras hipóteses possíveis sobre o mesmo
comportamento da criança , as emoções desencadeadas poderiam ser diferentes.
- Outra hipótese possível:
• a criança apresenta medo de errar e frente a dificuldade a que foi exposta (contas),
recusou-se a fazer, como meio de camuflar a sua incapacidade;
• esta hipóse mais provável na situação, mobilizou na estagiária uma maior compreensão
sobre a criança, favorecendo seu auto-controle e ajudando na elaboração de
procedimentos para trabalhar o medo de errar.

Sobre comportamcnfo c corm I ç.To


Em resumo, a Psicopedagogia Comportamental, ao utilizar-se dos princípios da
psicologia experimental para efetuar uma análise dos comportamentos que ocorrem nas
situações de aprendizagem acadêmica, possibilita a ocorrência de intervenções clínicas
e educacionais mais eficazes, que por sua vez, também favorecem o aparecimento de
novas pesquisas.

Bibliografia

FERNANDEZ, A.(1990). A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas.


HAMMILL,D.D.(1990). Journal ofLearning Disabilities. N.o 2, vol.23.
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Psicopedagogia - o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Artes
Médicas: Porto Alegre.
TOMM, K (1985). Questionamento Reflexivo. Material não publicado.

332 Jüldc A . Q. Rc«ru


Capitulo 39

Diferentes abordagens da alfabetização e a


análise experimental do comportamento:
uma análise preliminar
Ana C'ristina Costa França
Universidade de Mogi das Cruzes

E s t e trabalho refere-se a uma análise preliminar, m elhor diria um breve ensaio


com parativo de diferentes visões acerca do tem a alfabetização, mais especificam ente
do construtivismo e da análise comportamental. Os autores citados sfio apenas exemplos
nas diferentes áreas, nflo sendo com certeza os únicos que poderiam ser citados neste
ensaio.

O tem a alfabetização é bastante com plexo e tem sido foco de diversos estudos,
nas m ais diversas disciplinas e abordagens. Em encontros e congressos das mais
diferentes áreas, como psicologia, pedagogia, linguistica, sociolinguistica, psícolingulstica,
vê-se extensas discussões relativas ao processo de aquisição da leitura e da escrita.

Falar da importância da alfabetização no Brasil parece até lugar com um . Mas


esta importância quase sem pre é ressaltada em estudos das mais diversas áreas. (e.g.
Cagliari, 1995; Ferreiro, 1994; Franchi, 1995; Leite, 1988; Lem le, 1995; Nunes, 1990,

Sobre comportamento e cognlfAo 333


Rego, 1994, Rodrigues, 1995, Soares, 1989, Souza, de Rose, Hanna, Gaivão, 1995,
Teixeira, 1991). Em uma análise superficial, alguém poderia argumentar que este é um
dos poucos consensos existentes entre os estudiosos do tema.
Talvez devido à complexidade do tema, aparentemente são muitas as
discordâncias entre autores de diferentes abordagens. A multiplicidade de fatores que
devem ser levados em conta no estudo do processo de alfabetização, juntamente com
os diversos enfoques de diferentes disciplinas, dificultam uma análise precisa e uniforme
do tema. Entretanto, existem também vários pontos concordantes. Este é o nosso objetivo
no momento: mostrar que apesar dos pontos conflitantes, existem concordâncias entre
autores de diferentes abordagens.
Não parece haver consenso sobre o que é alfabetização, quais são seus pré-
requisitos (ou se existem), que fatores devem ser levados em conta no processo de
alfabetização, como se deve alfabetizar (quais atividades, métodos, procedimentos devem
ser utilizados), quais as dificuldades que podem ocorrer neste processo, quais suas
causas e quais devem ser suas soluções.
Pode-se definir alfabetização no sentido amplo ou no sentido restrito (Abud,
1987). No sentido amplo, entende-se alfabetização como instrumento de integração do
homem á sociedade. Assim, entendida em seu sentido amplo, a alfabetização traz implícita
a idéia de que ela não é tarefa unicamente da 1Ssérie, mas sim que é um processo que
necessita ser aprofundado nas séries posteriores, englobando não somente a aquisição,
como também o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita.
Soares (1989) discorda desta definição (1) etmologicamente, uma vez que o
termo alfabetização significa o processo de aquisição do alfabeto e (2) pedagogicamente,
uma vez que atribuir à alfabetização um significado mais amplo seria negar sua
especificidade, trazendo “reflexos negativos na caracterização de sua natureza, na
configuração das habilidades básicas de leitura e escrita, na definição da competência
em alfabetizar” (p. 16)
Alfabetização, no sentido restrito, é vista como ua aprendizagem das habilidades
básicas de leitura e de escrita" (Soares, 1989, p. 15-16). Alfabetização é o processo de
ensino de codificação e decodificação dos códigos escrito e oral. Ler e escrever é dominar
a mecânica da língua escrita (Abud, 1987). Neste sentido, alfabetização resume-se à
aquisição da habilidade de codificar a língua oral em língua escrita (escrever) e de
decodificar a lingua escrita em língua oral (ler); ou seja, da habilidade de representar
fonemas em grafemas (escrever) e grafemas em fonemas (ler).
Entretanto, mesmo no sentido restrito, a definição de alfabetização envolve
ainda outros aspectos: de apreensão e compreensão de significados expressos em língua
escrita (ler) e de expressão de significados através da língua escrita (escrever). Assim,
para muitos autores, de diferentes abordagens, a alfabetização é também o processo de
compreensão-expressâo de significados (e.g. Leite, 1993, Rego, 1987; Staats, citado
em Teixeira, 1991, Spinillo & Roazzi, 1988, Teixeira, 1991).
Parece que existe uma certa concordância de que no processo de alfabetização,
o professor deve ter como preocupação constante propiciar aos alunos a aprendizagem
dos atos de ler (com compreensão) e escrever (com expressão), de modo que eles se
tornem capazes de fazê-los sem a ajuda de outras pessoas. Os alunos devem ter

334 A n a Cristina Costa França


conhecimento da importância da leitura e da escrita nas suas vidas, de modo que se
sintam motivados a adquirir este novos repertórios. Ler e escrever devem ser vistos
(pejo aluno, pelo professor, pelos pais, etc) nâo somente como exercícios escolares,
mas como atividades que proporcionarão a integração dos alunos à sociedade.
Uma preocupação comum aos linguistas (sócio-linguistas e psico-linguistas,
inclusive) é a necessidade de respeitar a linguagem oral do aluno, principalmente no
início da aquisição da língua escrita (e.g. Cagliari, 1995, Lemle, 1995, Vandressen, 1996).
Segundo Lemle (1995), ó necessário, antes de tudo, que o alfabetizador relativize
o “certo" e o “errado" da língua. O professor precisa nâo assumir a postura de que a
língua escrita é o modelo de língua “certa", enquanto que a falada é a deturpação do
erro. Cagliari (1995) ratifica a afirmação de Lemíe, sugerindo que o professor de Português
deve ter o cuidado de demonstrar aos alunos que existem realidades diferentes para a
fala e para a escrita. Sem desconsiderar as falas de cada criança, sem rebaixá-las, sem
afirmá-las como língua inferior, ou errada, o professor deve se preocupar em realizar
essa passagem da língua falada para a escrita.
Cada criança traz consigo um enorme repertório da língua falada e este repertório
varia de acordo com o grupo ao qual ela pertence. Desconsiderar as diferentes histórias
que cada criança traz para a sala de aula é uma falha gravíssima. Ao defender a postura
de que todas as crianças sâo iguais e que todas devem ser tratadas do mesmo modo,
professores mal preparados apenas colaboram para manter as injustiças sociais. Esta é
uma postura extremamente cômoda, pois deste modo pode-se atribuir os fracassos
escolares ao próprio aluno (o professor não possui culpa, já que trata todos igualmente).
Neste momento, cabe ressaltar que surgem pelo menos dois pontos concordantes
entre os linguistas, analistas comportamentais e construtivistas.
O primeiro deles refere-se ao que se pode chamar de respeito pela história
individual. A preocupação da análise comportamental com o ritmo individualizado de
cada aluno (Keller, 1983) reflete este respeito. Em uma análise comportamental da
alfabetização, Teixeira (1991) objetivou demonstrara importância de o professor levar
em conta as diferenças individuais na situação de ensino. Construtivistas como Ferreiro
e Teberosky (citado em Teixeira, 1991) também concordam com esta necessidade,
afirmando que em sala de aula, nem todas as crianças seguem o mesmo ritmo. Parece
então que um ponto concordante entre o construtivismo e a análise comportamental é a
crítica feita ao ensino que vigora nas nossas escolas, onde não existe respeito pelas
características pessoais de cada aluno, e onde, injustamente, trata-se e exige-se de
todos os mesmos resultados.
O segundo ponto comum está relacionado à nâo-atribuição do fracasso ao aluno,
e sim ao planejamento das contingências escolares. Se o aluno não aprende, salvo
raras exceções de distúrbio neurológico, é sinal de que o professor não está sendo
coerente na elaboração dos procedimentos de ensino. Segundo Matos (1993), “a
responsabilidade pelo ensino e pela aprendizagem é do professor" (p. 160). Linguistas,
construtivistas e analistas do comportamento concordam que é extremanente injusto e
cômodo para a escola atribuir os fracassos na aquisição da lingua escrita aos próprios
alunos.

Sobre comportamento c coflnlçdo 335


Leite (1993) ao relatar uma experiência, constatou que a tendência da rede pública
de ensino era “explicar o fracasso escolar através de fatores intrínsecos ao aluno" (p.85).
Entretanto, “quando se planejavam condições de ensino respeitando tais características
[repertório de entrada e ritmo iniciai de aprendizagem diferentes dos esperados pela
escola], as crianças demonstravam um bom desempenho no domínio da leitura e da
escrita" (p.85).
Carmo (sem data) lembra que na prática tradicional das escolas, é comum atribuir
o fracasso ao aluno, quando na verdade o que deveria ser questionado ó se método que
o professor utiliza e o modo como é utilizado são adequados ao aluno. Em uma perspectiva
comportamental, “o planejamento de ensino (...) nâo pode ser arbitrário e desvinculado
da realidade do aluno. Disso decorre que todo fracasso deve ser remetido inicialmente
ao trabalho do professor e não a supostos déficits do aluno" (p. 03).
Para o construtivismo, por não respeitar o desenvolvimento “natural" das crianças
(que vai da construção da hipótese pré-silábica à alfabética), o professor acaba por
reprovar crianças que, se avaliadas pela visão construtivista, realizaram avanços de um
nível para outro, apesar de ainda não "saberem" ler e escrever. Rego (1986), por exemplo,
enfatiza a necessidade de revisão dos critérios de avaliação escolar, aprendendo a
respeitar a evolução do pensamento da criança.
O que parece realmente existir no meio científico é um certo desconhecimento
do que vêm sendo desenvolvido em áreas teoricamente opostas. Construtivistas tecem
críticas não pertinentes a propostas educacionais de analistas do comportamento,
igualando-as, por exemplo, a propostas tradicionais e tecnicistas de ensino, taxando-as
de reducionistas, mecanicistas e outro adjetivos que já estamos cansados de ouvir. A
realidade da análise do comportamento parece ser um pouco menos negra, devido
principalmente às exceções (como o professor Júlio de Rose e a professora Deisy de
Souza) que, digamos, realizam leituras comportamentais de relatos construtivistas,
buscando contribuições às suas pesquisas.
As semelhanças existentes entre construtivismo e análise do comportamento
são várias, possibilitando re-leituras dos trabalhos realizados na outra área e vice-versa.
Nunes (1990) em um artigo sobre construtivismo e alfabetização, enumera o
que se segue como características do construtivismo em uma análise da alfabetização:
“O foco de uma teoria construtivista ao analisar o processo de alfabetização
dever ser a compreensão do objeto do conhecimento, a língua escrita.(...) Teorias sobre
alfabetização que não estejam voltadas para a análise da compreensão da língua escrita
não são teorias construtivistas" (p.23). Creio que em uma análise comportametal da
alfabetização não se discorda que a decodificação de símbolos não é suficiente, e que o
processo de compreensão da língua escrita (leitura e escrita) é essencial para se
considerar uma criança alfabetizada.
“Os processos que provocam mudanças nas concepções infantis devem ser, de
acordo com a posição construtivista, ligados aos conflitos gerados pela interação sujeito-
objeto" (p.23). Na análise comportamental, esta interação sujeito-objeto é encontrada na
unidade básica de análise, a contingência de três termos - S° - R- S", onde o
comportamento é visto “não como uma reação ao meio, mas como a própria interação
com o meio" (Matos, 1993, p.144).

336 A n u Cristina Costa França


Parece que apesar do uso de termos diferentes, “criança que constrói no mundo",
para o construtivismo, e “organismo que opera no ambiente", para a análise experimental,
ambos possuem características em comum, Que fique claro: não pretendo aqui provar
que construtivismo e análise experimental são a mesma coisa, até porque isto seria um
total absurdo. As diferenças existem e não são poucas. A minha intenção aqui foi
simplesmente a de demonstrar que pode haver diálogo produtivo entre construtivistas e
analistas do comportamento, desde que ambos estejam dispostos a despirem-se dos
seus pró-conceitos acerca da outra abordagem.
Creio que este diálogo só tenha a contribuir com diminuição da enorme distância
ainda existente entre pesquisa e aplicação. Esta me parece ser uma das principais
dificuldades, seja na psicologia, na pedagogia, ou na lingüística e suas variações.
MacMillan (1973), por exemplo, já falava acerca do “vácuo" entre o laboratório e a sala
de aula. Esta distância permanece até hoje. Fica aqui uma pergunta para reflexão: Como
fazer para viabilizar que resultados e sugestões encontrados em pesquisas possam
contribuir para uma alfabetização mais eficaz, mais coerente, mais feliz, enfim, para
ambas as partes envolvidas no processo - professores e alunos?

Bibliografia

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338 A in i Crlstlini Costd Fran zi


.Capítulo 40

O que é análise comportamental no


esporte?
Cristina licppoScala

A
principais:
análise comportamental aplicada ao esporte tem, a meu ver, dois objetivos

Promoçfio de saúde, que é objetivo da psicologia em qualquer área, embora


muitas vezes fique esquecida nas discussões sobre “doença". A promoção de saúde
será a base para o segundo objetivo, a melhora de rendimento esportivo, a nivel
pessoal e em competições.

Sobrt comportamento e coRiilfilo 339


1. Promoção de saúde

O primeiro passo para promover saúde é ajudar o atleta a saber porque escolheu
determinado esporte e quais seus objetivos em relação à ele.
Quando o atleta sabe o que o mantém treinando, quais os reforços obtidos ao
realizar aquele esporte, tem mais condições de prever e controlar seu comportamento.
Muitas vezes o que mantém o atleta treinando, são reforços naturais, conseqüência do
desempenho na modalidade esportiva. Mas outros reforços também podem estar em
curso, o que pode fazer com que o treino gere sofrimento, como podemos ver no exemplo
a seguir;
Trabalhei com uma tenista que jogava para obter atenção do pai (e conseguia).
Porém, o tênis em si não era reforçador. Ela sempre vinha para o treino cabisbaixa e
raramente sorria, treinava mal e perdia os jogos, o que a fazia sofrer. Para esta atleta,
não adiantava trabalhar somente com técnicas para a melhora de rendimento, mas sim
mostrar que haviam outras maneiras de obter atenção do pai (reforço social), talvez
através de outro esporte que lhe desse prazer (reforço natural).
É importante que o atleta aprenda quais contingências controlam seu
comportamento. Que ele aprenda identificar e descrever seu comportamento (poderíamos
chamar isto de consciência). Assim ele poderá ter mais convicção e compromisso com o
esporte. É o compromisso que permitirá o trabalho com as técnicas para a melhora de
rendimento.

2. Melhora de rendimento esportivo

Os aspectos trabalhados são:


• Planejamento: Ao planejar, são estabelecidas relações de contingências pois os
objetivos são definidos através de uma análise das condições ambientais. A partir daí
sâo descritos comportamentos que se emitidos, provavelmente, terão conseqüências
reforçadoras.
• Propriocepçâo: temos um sistema proprioceptivo que transmite a estimulação dos
músculos, articulações e tendões do esqueleto e de outros órgãos envolvidos na execução
do movimento. Se aprendemos a discriminar o que está acontecendo neste sistema, isto
é, se aumentamos nossa propriocepçâo, temos melhores condições de organizar os
esforços necessários para a atuação esportiva. Isto quer dizer que, com o mínimo de
desgaste obtém-se o máximo de rendimento. Ensinar o atleta a fazer discriminações
não é tarefa fácil, já que não temos acesso direto ao que acontece com seu corpo.
Porém há alternativas dadas por Skinner, que podem ser encontradas no livro Sobre o
Behaviorismo (1993), ou no texto lh e Operational Analysis of Psychological Terms (1945).
• Concentração: concentrar-se é focalizar a atenção naquilo que é relevante. Para isto

340 Cristiini ilc p p o Scalu


o atleta tem que saber o que é relevante no seu esporte. Por exemplo, no tênis, o foco
relevante é a bola, na patinação artística é a precisão do movimento. Voltemos ao exemplo
da tenista. O foco relevante do seu esporte, é a bola de tênis, mas para ela, o relevante
era o pai, na arquibancada. A estimulação visual da bola, não é suficiente para que o
olhar se dirija à ela, é preciso que haja alguma razão para isto. Ou seja, precisa ser
relevante e o que determina a relevância, é a história do sujeito.
Um atleta de badminton, com o qual trabalhei, nâo sabia que a peteca era o foco
de atenção neste esporte. Ao aprendê-lo, passou a olhar a peteca e acertar jogadas que
antes nâo era capaz. Construiu-se assim uma história de reforço, na qual olhar a peteca
passou a ser relevante.
O psicólogo do esporte vai ensinar o atleta a se comportar de maneira mais
eficaz sob determinadas contingências. Vai ensiná-lo com o, aonde, com que
intensidade, po rquanto tempo se concentrar.
Isto é fundamental, já que a concentração varia de esporte para esporte e,
também, num mesmo esporte. Ela pode ser distributiva, quando requer atenção
simultânea à diferentes estímulos (ataque no basquete); e concentrativa quando dirige
a atenção à um único foco (lance livre).
Sâo necessárias adaptações na atenção em função da situação, para que se
obtenha a conseqüência desejada.
• Ansiedade X Ativação: ansiedade é a ativação do Sistema Nervoso Central, eliciados
por diferentes estímulos ambientais. É como se o corpo se preparasse para a ação. No
esporte é fundamental um nível de ansiedade que ative o atleta para que tenha uma
boa atuação. A ansiedade, só será prejudicial em níveis muito altos. O trabalho, então, é
ensinar o atleta a discriminar as modificações que ocorrem no corpo e encontrar qual a
ativação adequada, a cada situação, para um bom desempenho.
• Relaxamento: é uma maneira de controlar a ativação, aliviar a tensão muscular e
recuperar a energia. As técnicas de relaxamento sâo diversas cabendo ao profissional e
ao atleta escolherem a que melhor se adapta a cada situação.
• Visualização: é um treino através da imaginação. Estudos mostram que treinar na
imaginação facilita a aquisição e retenção de uma habilidade motora, conseqüentemente
melhora o desempenho. Há até algumas justificativas neurológicas e fisiológicas para
este procedimento.
Lassen, Ingvar e Skinhoj (1978) fizeram um estudo neurológico sobre as
diferenças entre os padrões de fluxo sangüíneo nas regiões cerebrais ao realizar um
movimento e ao pensar neste mesmo movimento. Injetaram um gás inerte (Xenon 133)
na artéria carótida, que subiu para o cérebro. Colocaram detectores (raios gama) por
todo o cérebro, que traduzidos em tons de cor registravam a densidade circulatória.
Através de um monitor de vídeo, via-se o cérebro colorido em função da área ativada
pelo movimento realizado. Este estudo mostrou que a área cerebral ativada ao realizar o
movimento, é a mesma que ao imaginar o mesmo movimento.
Bird (1984) fez uma quantificação eletromiográfica (EMG) da visualização, em
cinco estudos de caso. O EMG é um método utilizado para registrar o movimento, através
da atividade elétrica do músculo. Para tal, colocam-se eletrodos na pele, sobre o músculo

Sobre comportamcnlo e cognlfilo 341


envolvido na tarefa e os sinais apresentados são ampliados e registrados num polígrafo.
Os resultados indicaram um aumento da atividade eletromiográfica de 45 a 178% durante
a visualização, em relação aos níveis de descanso.
Na análise comportamental, a imaginação ó entendida como um comportamento
e como tal, modificada pela experiência, isto é, melhora com o treino. O que nos leva a
inferir que sua utilização possa, de fato interferir no desempenho, justificando sua
utilização.
Em Esportes coletivos além disto trabalha-se:

•Comunicação: ela facilita,


- Coesão: fatores que mantém pessoas no grupo, seja para realizar uma tarefa
ou por amizade.
- Objetivos comuns: se o grupo não trabalhar com o mesmo objetivo dificilmente
obterá algum resultado. É importante que cada um tenha claro o seu papel para
desempenhá-lo melhor.

• Relações interpessoais

• Liderança: segundo Samulski (1992) a liderança mostra como funções,


- otimização dos processos de interação,
- organização do grupo para que seja eficaz a solução da tarefa,
- condução do grupo para os objetivos planejados.
A psicologia aplicada ao esporte tem características e bibliografia específicas. O
trabalho visa ensinar ao atleta um repertório, antes inexistente. Com as técnicas sugeridas,
é possível alcançar melhora de rendimento surpreendente. Mas o mais importante na
minha opinião é ter um atleta saudável, que está ciente do que o mantém treinando e
quais seus objetivos em relação ao esporte. Isto feito, os bons resultados serão
conseqüência, de um trabalho com convicção e compromisso.

Bibliografia

BIRD, E. (1984). EMG Quantification of Mental Rehearsal. Perceptualand Motor Skills,


59, 899-906.
LASSEN, N.A.; Ingvar, D.H. & Skinhoj, E. (1978). Brain Function and Blood Flow. Scientifíc
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Samulski, D. (1992). Psicologia do Esporte, Teoria e Aplicação Prática. Belo Horizonte:

342 Cristina Tlcppo Scald


Imprensa Universitária / UFMG.
SKINNER, B.F. (1974). AboutBehaviorism. New York: Alfred A. Knopf. Tradução de Ma­
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SKINNER, B.F. (1945). The Operational Analysis of Psychological Terms. Psychological
Review, 52, 270-277.

Sobrt comportamento c cojmtçJlo 343


Capítulo 41

O psicólogo comportamental como agente


na comunidade
NUcc Pinheiro Mcjuis
USP

Para tratar do papel do psicólogo comportamental como agente na comunidade,


parece-me pertinente traçar, primeiro, um breve histórico sobre como se desenvolveu
esse papel entre os psicólogos.
Com base na literatura, pode-se afirmar que uma preocupação crescente dos
psicólogos em atuar na comunidade já vem de longa data. Aliás, MURPHY & FRANKS,
em artigo de 79, já comentavam que vinte anos antes (e portanto, no fim da década de
50), a psicologia já estava enfrentando uma mudança de enfoque que ia se destacando
do mero comprometimento com o diagnóstico individual para um envolvimento mais
amplo com membros da comunidade. E, mais especificamente, na área da terapia
comportamental/modificaçãode comportamento, KANFER & GOLDSTEIN, em 1986 (há
dez anos, portanto) reforçavam tal afirmação, ao dizer que estava havendo uma

344 Nllcc IMnlíelru Mcjla*


considerável ampliação nos tipos de problemas abordados pelos psicólogos. Assim, se
houve no passado uma preocupação precípua com indivíduos com distúrbios psicológicos,
dizem eles, essa preocupação estava se voltando para populações cujas características
demográficas estavam associadas a problemas especiais. Mas, antes ainda desses
autores, HERSCH, já em 1968, afirmava que estava havendo, há 10 ou 15 anos,
mudanças marcantes no campo da saúde mental e um dos sinais dessas mudanças
eram as respostas a perguntas, como: quem è o paciente? quem è o terapeuta? qual è
o programa de tratamento? qual é a teoria? qual é o papel do profissional da saúde
mental?
Em função dessas mudanças, a literatura mostra ainda uma grande preocupação
com a formação do psicólogo, como se pode observar no relato de um congresso,
realizado em 1964 por profissionais que atuavam em centros de saúde mental comunitária,
organizado especificamente para tratar desse assunto (BENNETT, 1965). Nesse
congresso, em meio às discussões, os psicólogos passaram a caracterizar seu papel
não mais como o de psicólogos clínicos tradicionais, mas como o de agentes de
mudanças, analistas de sistemas sociais, consultores de negócios da comunidade e
estudiosos, de um modo geral, do homem total em relação a todo o seu ambiente.
Quanto à formação desse psicólogo, parece pertinente ainda considerar os
resultados de um outro congresso, publicado em 1977, por ISCOE, BLOOM &
SPIELBERGER, onde foram discutidas, pelos participantes, questões relativas ao modelo
apropriado para a obtenção do título de doutor em psicologia da comunidade. Para tanto,
foram, então, realizadas análises dos 25 programas ou modelos apresentados pelos
próprios participantes do congresso, para discussão. Da análise desses programas
resultaram sete abordagens para deliberação e estudo - 1. clínica comunitária em nível
individual e grupai: não passava de uma extensão do modelo clínico, concentrando-
se, sobretudo na melhora do sintoma, embora envolvendo intervenção e consulta; 2.
clínica comunitária e saúde mental comunitária: uma extensão do modelo clínico,
incluindo, porém, centros de saúde mental e atendimento em nível individual e de grupo;
3. desenvolvimento comunitário e sistemas: um atendimento que visava promover
melhor qualidade de vida na comunidade, enfatizando ainda a saúde mental, embora
com um forte sabor interdisciplinar; 4. sistemas preventivos de intervenção - um sistema
de atendimento realizado em escolas, departamentos de saúde pública, etc., que dá
ônfase ao desenvolvimento da competência, minimizando o conhecimento clínico e
enfatizando a avaliação e consulta. Esse sistema envolve, com freqüência, pessoal sem
treino tradicional; 5. modelos de mudança social - um sistema de atendimento com
um sabor interdisciplinar que considera importantes a sofisticação em política e a influência
da legislação; 6. ecologia social e sistemas de modelos ambientais - um sistema de
avaliação sistemática das forças da comunidade e o planejamento da intervenção em
vários níveis; e finalmente 7. psicologia social aplicada e sistemas da psicologia
urbana - um sistema que dá ênfase aos fatores externos que agem sobre as pessoas,
dando menor atenção ao intrapsfquico; enfatiza o problema urbano e acentua a avaliação
e a consulta; enfatiza ainda a pesquisa de campo.
Pode-se verificar, em todos esses programas, elaborados há vinte anos atrás,
uma preocupação clara com a ampliação do papel do psicólogo clínico. No entanto, é
curioso observar que tais programas não passavam do nível da preocupação, pois três
anos depois da publicação desses anaes, McCLURE et alií (1980), apresentaram o re­

Sobre comportamento e co^nfçtlo 3 4 5


sultado da análise de uma amostra de 176 artigos publicados nos principais periódicos
voltados para trabalhos realizados em comunidade. A análise revelou que tanto os
profissionais da psicologia da comunidade, como os da saúde mental comunitária,
apresentavam, nessas publicações, conceituações teóricas, mas raramente trabalhos de
intervenção e quase nunca pesquisas de alta qualidade que se distanciassem do nível de
atuação individual ou de pequeno grupo. E os Autores dão quatro razões para isso: a)
rejeição dos modelos conceituais da psicologia da comunidade; b) déficit de habilidades e
de conhecimento de pesquisadores tradicionalmente voltados para o estudo de indivíduos;
c) limitações impostas pelo contexto institucional ou comunitário do pesquisador; e d) a
política vigente dos governos federal, estadual e municipal e de saúde mental nacional que
contrariaria essa visão.
Entretanto, a respeito dessas mesmas dificuldades, e em consonância com os
Autores acima, MARTIN & OSBORNE (1980) afirmam que a base conceituai da psicologia
da comunidade não se faz acompanhar de uma tecnologia compatível, capaz de delinear
procedimentos para a alteração de estruturas ambientais, físicas e sociais, de modo a
influenciar importantes aspectos do comportamento humano. Os psicólogos da
comunidade distinguem-se, em sua maioria, por suas atitudes a respeito de como os
problemas sociais devem ser conceituados e não pelo desenvolvimento de uma tecnologia
para prevenir ou tratar tais problemas. Segundo ainda os mesmos Autores, ao contrário
do que acontece em psicologia da comunidade, os procedimentos empregados em
modificação de comportamento são, em sua maioria, operacionalmente definidos e sua
abordagem é altamente sistemática. E com esses procedimentos a modificação de
comportamento vem se expandindo para abordar uma variedade de problemas em
ambientes comunitários. Os Autores são, porém, cautelosos em suas afirmações,
acrescentando: “Com isso, não queremos dizer que a modificação de comportamento
seja uma panacéia para a psicologia da comunidade. Longe disso". E acrescentam:
"antes, o que queremos afirmar é que a modificação de comportamento guarda uma
promessa considerável para o futuro desenvolvimento da psicologia da comunidade"
(MARTIN & OSBORNE, 1980, p.8).
Tendo em vista esse panorama, em que os psicólogos, sobretudo os psicólogos
clínicos, viam a necessidade de ampliar o seu papel, convém considerar, mais
pormenorizadamente, em que consiste essa ampliação. E, para tanto, parece válido,
antes de tratar da ampliação do papel do psicólogo, procurar conceituar o âmbito onde
se vai dar essa atuação, ou seja, a própria comunidade - uma expressão, a meu ver,
emprestada da literatura americana e nem sempre muito clara em nosso meio, pelo
menos para mim. Dada, porém, sua propagação, nâo me parece que se possa evitá-la.
ANDER-EGG (1980, p.45) apresenta a seguinte "noção" e nâo definição, segundo
suas próprias palavras:
“a comunidade 6 um agrupam ento organizado de pessoas que se percebem
como unidade social, cujos membros dela participam de alguma forma, por
interesse, razões objetivas ou função comum, e têm consciência de a ela pertencer.
Ela está situada em uma determinada área geográfica na qual a pluralidade das
pessoas interaciona mais intensamente entre si do que em outro contexto ",
Reconhecendo a amplitude dessa noção que se apresenta bastante imprecisa,
o Autor acrescenta que se torna necessário especificar qual é a comunidade que se tem

346 Nllce Pinheiro Mcjla*


em vista cada vez que se utiliza o termo. E, tendo em vista essa mesma noção, parece
válido considerar instituições educativas ou de assistência, em geral, como um tipo
circunscrito de comunidade.
Definido o âmbito de atuação, cabe agora verificar o que distingue, então, a
atuação comunitária? De acordo com McCLURE et alii (1980), baseados em vários
autores, três são as suas características principais: I. uma perspectiva teórica orientada
para a competência e para a prevenção; 2. uma preferência por intervenções na
organização e na comunidade em nível ecológico; 3. uma necessidade de se fundamentar
em pesquisas ecologicamente válidas.
Entretanto, é de interesse acompanhar, também, o que dizem MARTIN &
OSBORNE (1980) quando tratam das características da psicologia da comunidade: 1.
uma ênfase quanto à necessidade de prevenção de problemas de comportamento
individuais e coletivos ao invés de tratamento. Nesse sentido, o psicólogo que atua na
comunidade, em lugar de procurar se pôr à disposição das pessoas em seus consultórios
e nos hospitais, esperando ser procurado para prestar seus serviços, passa a colaborar
em centros de atendimento variados, procurando aqueles que têm problemas; 2. a
necessidade de envolvimento dos não-profissionais; 3. a tendência a buscar ou
desenvolver estratégias de intervenção social em nível organizacional e comunitário.
COWEN, conforme citação de BLOOM (1980), outro Autor interessado em
caracterizar a intervenção comunitária, apresenta cinco pontos principais relativos a esse
tipo de atuação: I. centrada no sistema versus centrada na pessoa; 2. focalizada nas
primeiras fases da infância versus estágios de desenvolvimento posterior; 3. voltada
para a intervenção proativa versus intervenção reativa na terapia a longo prazo; 4. voltada
para serviços diretos versus serviços indiretos; e 5. voltada para o uso apropriado de
profissionais versus não profissionais.
Os três Autores apresentam, em comum, como características, uma intervenção
no sistema de preferência ao individuo, bem como uma atuação preventiva. Quanto às
divergências, parecem ser de ordem meramente prática, ou seja, enquanto COWEN
propõe uma intervenção já nos primeiros anos da infância, somente MARTIN & OSBORNE
preconizam o envolvimento de não-profissionais. Além disso, é importante notar que
apenas McCLURE salienta a relevância da pesquisa como base de intervenção.
Mas, o que, finalmente, define uma abordagem comportamental, quando o
psicólogo passa a atuar na comunidade?
BRISCOE et alii' , citados por MARTIN & OSBORNE (1980), identificaram uma
área de aplicação específica em termos de critérios social, ambiental e comportamental.
Eles sugeriram que a expressão psicologia comportamental comunitária é apropriada
para denotar aplicações a problemas socialmente significantes em ambientes comunitários
não estruturados, onde o comportamento dos indivíduos não é considerado perturbado
em seu sentido tradicional. Uma tal definição implica certas distinções: problemas
socialmente significantes versus problemas individualmente significantes, ambiente
comunitário nâo-estruturado versus ambiente institucional estruturado e comportamentos

' B R IS C O E , R .V . H O F F M A N , D .B ., & B A IL E Y , J .S . B ehavioral co m m un lty psychology: tralnlng a co m m un lty


board to problem solve. J o u r n a l o f A p p lie d B e h a v io r A n a ly s is , 1 9 7 5 , 8 , 1 5 7 *1 6 8 .

Sobre comportamento e rofliilçílo 347


que não são perturbados no sentido tradicional versus comportamentos considerados
tradicionalmente como perturbados. Embora a expressão psicologia comportamental
comunitária possa ser útil em algumas situações para denotar os tipos limitados de
aplicação caracterizados pela definição de BRISCOE et alii, tais distinções são obviamente
arbitrárias, argumentam MARTIN & OSBORNE. Assim, por exemplo, a maioria dos
problemas individualmente significantes são também socialmente significantes. O alcoólatra
ó um problemas para si mesmo, para sua família, para seu empregador, para sua
comunidade e para as agências que procuram ajudá-lo. Para o behaviorista, a estrutura
em qualquer situação depende do controle que existe sobre a aplicação de contingências
ou o número de contingências predominantes. Os programas de mudança de
comportamento impõem uma estrutura, quer seja ou não na comunidade. Além disso, o
problema de comportamento é definido pela decisão dos indivíduos significantes na vida
de alguém em punir esse comportamento. Ao invés de ver a psicologia comportamental
comunitária como um campo delimitado, separado de outras áreas de análise
comportamental, a população, o ambiente, as dimensões comportamentais implícitas na
expressão, devem ser concebidas como contínuas. Uma das conseqüências possíveis
deste ponto de vista é que uma maior variedade de aplicações terá a atenção de indivíduos
preocupados com mudanças na comunidade. O que acontece, alertam ainda os Autores,
é que os projetos em psicologia comunitária comportamental focalizam problemas
relativamente novos para o modificadorde comportamento, como por exemplo, a economia
de energia, o controle do lixo. Mas, acrescentam, não há nada de novo aqui: a linha de
base do comportamento continua sendo registrada, quer para o indivíduo, quer para a
coletividade; procedimentos de mudança são apresentados ou retirados e relações funcionais
são buscadas entre eventos antecedentes e conseqüentes, na medida em que estão
relacionados às respostas.
Além disso, usando ainda palavras dos mesmos Autores, a modificação de
comportamento carrega uma promessa considerável para o desenvolvimento da
psicologia da comunidade. A psicologia da comunidade enfatiza a prevenção, uma
orientação no sentido das necessidades da comunidade, o emprego de paraprofissionais
para fornecer um serviço efetivo e a renovação de um sistema de prestação de serviços
existente. E eles dão como exemplo dessas possibilidades os 18 trabalhos apresentados
a seguir, entre os quais julgo de interesse citar aqueles relacionados a escassez de
energia, desperdício de recursos naturais e controle de lixo, dada sua ampla repercussão
na comunidade.

Minha proposta
A partir do exposto, considero pertinente tratar agora, de maneira breve, do tipo
de trabalho que venho desenvolvendo.
Eu venho realizando trabalhos junto à comunidades (de acordo com a "noção"
proposta), desde 1968. Mas foi na década de 70 que entrei, de fato, em contacto com a
literatura especializada e passei a me dedicar ao tema. Esses trabalhos vêm sendo
realizados por mim e meus orientandos em ambientes diversos, como escola, parque
infantil, creche e posto de saúde. Além disso, tive ocasião também de trabalhar junto a
duas favelas, numa delas diretamente e, na outra, orientando uma dissertação de
mestrado realizada por José Luls Crivelatti de Abreu - e é essa dissertação, intitulada “A

348 N llc e Pinheiro M e jla s


psicologia e a promoção do bem-estar humano: o controle dos resíduos sólidos", que
gostaria de ressaltar aqui. Embora datando já, de cerca de 10 anos (foi defendida em
setembro de 1987), quero destacá-la porque ela apresenta um exemplo claro de
intervenção. Na maioria das vezes, não é difícil realizar o trabalho em sua fase de
diagnóstico, para o qual se conta, geralmente, com o apoio da instituição. O difícil é
realizar a etapa da intervenção de modo controlado com a comprovação da eficácia das
variáveis interpostas. E nem sempre por má vontade da Instituição, mas por outras
dificuldades. Como exemplo, posso citar um trabalho de minha autoria (MEJIAS, 1991),
em que o ambiente era o berçário maior de uma creche onde se dispunham 24 quadrados,
ocupando cerca de 3/4 do espaço total. Nesse berçário que abrigava 20 crianças, de
idade variando de 8 a 18 meses, com exceção dos momentos de banho e alimentação,
as crianças permaneciam nos quadrados durante a maior parte do tempo, sendo-lhes
permitida atividade livre cerca de uma hora no período da manhã e uma hora no período
da tarde. Destacada uma amostra, foi então realizada uma observação controlada, cujos
resultados foram relatados á Diretora, revelando-se que as categorias de comportamento
mais freqüentes na situação de quadrado tinham sido olhar, no sentido de fitar
passivamente o ambiente, automanipulação, manipulação de vestuário, mão na boca,
objetos na boca e movimentação do corpo; já na situação de atividade livre, as categorias
de maior frequência tinham sido as de afastamento e aproximação de outra pessoa,
locomoção com brinquedo, manipulado de brinquedo, tombo, choro, mudanças de postura,
mudanças de postura carregando brinquedo. A situação de atividade livre estaria, assim,
propiciando a manifestação de comportamentos mais desejáveis para o desenvolvimento
da criança. Exposta a situação, estava eu planejando as condições de mudança, quando,
ao regressar à Instituição, deparei com o ambiente já alterado pela Diretora, isto é, os
quadrados tinham sido empilhados em um canto, e as crianças perambulavam livres
pela sala. Muito provavelmente eu não havia sido clara quanto a meu plano de pesquisa.
No entanto, se, de um lado, fiquei satisfeita com a consideração da Diretora pelos
resultados da observação, de outro, lá se foi meu experimento.
Quanto ao trabalho de José Luiz: ele foi solicitado pelo posto de saúde, posto
esse que se situava perto de uma escola pública da zona oeste de São Paulo, onde eu
estava desenvolvendo, com os alunos, um trabalho de assistência a crianças repetentes
(MEJIAS, 1987). O Posto de Saúde desejava a soluço do problema de disseminação de
lixo numa favela próxima, tendo em vista a preservação da saúde de seus habitantes.
Foram realizados dois estudos: no primeiro, o autor procurou implantar um sistema de
coleta dos resíduos nas habitações; e, no segundo, levar os moradores a realizar a
triagem domiciliar dos resíduos que, entregues durante a coleta, eram, depois vendidos
e sua renda, revertida aos moradores. Os resultados mostraram uma participação efetiva
por parte da maioria dos moradores no esforço para a produção e manutenção da
salubridade local.

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Sobre comportamento e coruIçíIo 349


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350 NJJce Pfnhrfn> Me/Ia*


O livro se propõe a contar história, falar sobre avaliação, tópicos
discutíveis em Terapia Comportamental e se propõe a difícil tarefa de
explicar o processo da Terapia Comportamental, e ainda mostrar aplicações
da análise do comportamento.
Além desse roteiro básico há autores e concepções teóricas diversas,
e ás vezes autores falando sobre um mesmo tema, ou destacando aspectos
diferentes. Acho bom encontrar artigos sobre crianças, sobre pais e filhos, e
melhor ainda é a ênfase em análise funcional e também os relatos de caso.
Como se fosse fácil relatar casos... Felizmente não ficamos só em clínica, há
análises sobre educação, esporte, comunidade e organizações.
O volume foi organizado de modo a formar um todo coerente.
Provavelmente responderá parcialmente a perguntas sobre o que é
psicoterapia e como se obtêm mudanças comportamentais. Digo
parcialmente porque espero que não consideremos a pergunta respondida
pois o objetivo da ciência é conhecer os fenômenos e, no nosso caso, a
aprendizagem, como os pacientes e terapeutas interagem e as modificações
ocorrem...

Rachel Rodrigues

RRB/+/
E D I T O R A

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