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Disciplina

ESTUDO DE LIBRAS

Raquel Elizabeth Saes Quiles

Campo Grande, MS - 2010


PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Luiz Inácio Lula da Silva
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Carlos Eduardo Bielschowsky

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL


REITORA
Célia Maria da Silva Oliveira
VICE-REITOR
João Ricardo Filgueiras Tognini

COORDENADORA DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA - UFMS


COORDENADORA DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS
Angela Maria Zanon

COORDENADOR ADJUNTO DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UFMS


João Ricardo Viola dos Santos

COORDENADORA DO CURSO DE LETRAS: PORTUGUÊS E ESPANHOL (MODALIDADE A DISTÂNCIA)


Damaris Pereira Santana Lima

Obra aprovada pelo Conselho Editorial da UFMS - Resolução nº 00/10

CONSELHO EDITORIAL UFMS CÂMARA EDITORIAL


Dercir Pedro de Oliveira (Presidente) SÉRIE
Celina Aparecida Garcia de Souza Nascimento
Claudete Cameschi de Souza
Edgar Aparecido da Costa.
Edgar Cézar Nolasco
Elcia Esnarriaga de Arruda
Gilberto Maia Angela Maria Zanon
José Francisco Ferrari Dario de Oliveira Lima Filho
Maria Rita Marques Damaris Pereira Santana Lima
Maria Tereza Ferreira Duenhas Monreal Carina Elizabeth Maciel
Rosana Cristina Zanelatto Santos Magda Cristina Junqueira Godinho Mongelli
Sonia Regina Jurado
Ynes da Silva Felix

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Coordenadoria de Biblioteca Central – UFMS, Campo Grande, MS, Brasil)
APRESENTAÇÃO

Caro(a) Acadêmico(a),
Com certeza, você deve estar se perguntando: “LIBRAS?
Como aprender uma Língua gestual/espacial na modalidade
à distância?” De fato, temos um grande desafio à nossa fren-
te. Todavia, na Apresentação deste Manual, quero esclarecer
que nosso objetivo principal não é a aprendizagem da Lín-
gua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em si, apesar de fazer parte
da nossa proposta a aprendizagem de alguns sinais básicos,
que subsidiem minimamente a comunicação entre você e seus
futuros/as alunos/as surdos/as. Outra pergunta pode surgir,
então: “Qual a função dessa Disciplina?” Alerto a você que
nosso objetivo principal é discutir e aprofundar a importân-
cia dessa Língua para o surdo, bem como a sua estrutura, de
modo que você tenha condições de avaliar esse aluno,
entendê-lo em suas especificidades e se sinta capaz de
escolarizá-lo. Assim, faremos discussões teóricas sobre a edu-
cação inclusiva, o aluno surdo no ensino regular, o professor
intérprete e, claro, a LIBRAS como meio de comunicação que
deve ser garantido em todo ambiente escolar. Penso que te-
mos, também, como central em nossa discussão a sua imersão
no mundo do silêncio, um mundo que fala por si só, através
dos gestos, expressões, corpos, mãos... Um mundo encanta-
dor. Convido a você para, juntos, trilharmos um caminho do
conhecimento que é, no mínimo, impactante, pois enxergar
“o outro” a partir da sua diferença é algo que mudará a nossa
visão sobre nós mesmos.
Raquel Elizabeth Saes Quiles
A gaivota cresceu e voa com suas próprias asas.
Olho do mesmo modo com que poderia escutar.
Meus olhos são meus ouvidos. Escrevo do mesmo
modo que me exprimo por sinais. Minhas mãos
são bilíngues. Ofereço-lhes minha diferença.
Meu coração não é surdo a nada neste
duplo mundo...

(Emmanuelle Laborrit)
SUMÁRIO

UNIDADE I

Surdez e Linguagem
1.1 Apontamentos históricos sobre a
educação de surdos e a Língua Brasileira de Sinais 9
1.2 Aspectos gerais sobre a surdez 24
1.3 Surdez e Linguagem 28
1.4 Interagindo com o texto 31

UNIDADE II

Inclusão do aluno surdo no ensino regular


2.1 Pressupostos da educação inclusiva 36
2.2 Aspectos legais em destaque 39
2.3 O aluno surdo no ensino regular 41
2.4 Interagindo com o texto 50

UNIDADE III

Libras (Língua Brasileira de Sinais)


3.1 O que é Libras 55
3.2 Estrutura da Língua:
diferenças entre a Libras e a Língua Portuguesa 67
3.3 Escrita de Sinais 68
3.4 Interagindo com o texto 69

UNIDADE IV

A Libras na sala de aula


4.1 Educação Bilíngue 73
4.2 Ensino da Língua Portuguesa
como segunda Língua 79
4.3 Atendimento Educacional Especializado
(área da Surdez) 85
4.4 Interagindo com o texto 86

UNIDADE V

Libras em Ação

Palavras finais 125

Referências 126
6 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

OBJETIVOS
O Guia de Estudo de LIBRAS tem como objetivos:
• Discutir sobre aspectos relacionados à surdez e à aquisição da
Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.
• Estudar os aspectos linguísticos da LIBRAS visando a compre-
ensão da organização estrutural da Língua.
• Refletir alguns conceitos relacionados aos surdos no âmbito da
inclusão escolar, visando desfazer mitos, ideias discriminatórias
e excludentes.
• Propor redimensionamentos para a efetivação da prática inclusi-
va do aluno surdo a partir da aprendizagem da Língua Brasileira
de Sinais.
• Identificar as barreiras atitudinais frente ao processo de interação
e comunicação com alunos surdos.
• Discutir sobre a produção textual do aluno surdo na perspectiva
do ensino da Língua Portuguesa como segunda Língua.
• Conhecer alguns sinais básicos da LIBRAS, visando o conheci-
mento mínimo e inicial da Língua.
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 7

ESTUDO DE LIBRAS

Unidade 1

SURDEZ E LINGUAGEM
8 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 9

Unidade 1

SURDEZ E LINGUAGEM

Nesta unidade, iremos tratar de um assunto que permeia a


discussão da educação de surdos... refere-se à relação entre a sur-
dez e a linguagem. Mas, para chegarmos nesse ponto de nossa dis-
cussão, iremos refletir sobre alguns aspectos históricos da educa-
ção de surdos, da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e algumas
características específicas relacionadas à surdez. Então, teremos
subsídios para fazer a relação entre surdez e linguagem.

“Surdo é aquele que não tem


tempo de ouvir o desabafo
de um amigo ou o apelo
de um irmão”...
(Mário Quintana)

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


Esta Unidade tem como objetivos:
• Conhecer os caminhos percorridos pelos surdos com rela-
ção à sua educação.
• Visualizar o histórico da LIBRAS no Brasil, enfatizando seu
espaço atual.
• Identificar algumas especificidades da pessoa surda a partir
de um olhar histórico, social, econômico e político.
• Compreender a relação existente entre surdez e linguagem,
reconhecendo a importância da Língua Brasileira de Sinais.

1.1. APONTAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE A EDUCAÇÃO


DE SURDOS E A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

TEXTO

1.1.1 EDUCAÇÃO DE SURDOS


O primeiro aspecto que se faz necessário destacar, quando
pensamos na educação do surdo, é que toda vivência educacional
percorrida por esse aluno não aconteceu de uma forma neutra,
10 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

sem que ela não estivesse permeada por relações de poder e confli-
tos sociais evidenciados em cada momento histórico. Assim, a
sequência de fatos que se seguem, apesar de serem apresentados
linearmente, não configuram uma perspectiva histórica linear, ou
seja, acreditamos que cada momento histórico e as consequências
educacionais advindas dele têm uma explicação nas relações soci-
ais que os homens foram desenvolvendo, dando, portanto, à edu-
cação dos surdos, um caráter e uma essência que estão atrelados às
concepções e paradigmas de cada período subjacente.
Para compor as informações abaixo, utilizamo-nos de três au-
tores, especialmente. Dois que estudaram a fundo a Educação Es-
pecial no Brasil (JANNUZZI, 2004; MAZZOTTA, 2005) e uma au-
tora que dedicou seus estudos à educação do surdo, no Brasil (SO-
ARES, 2005).
Jannuzzi (2004) nos alerta que a história educacional brasilei-
ra fornece elementos para o entendimento da história da educação
do deficiente, pois a escola se encarrega de selecionar os “anor-
mais”. Vale ressaltar que a educação do surdo se delineia, inicial-
mente, no bojo da educação do aluno deficiente.

Como era, então, a educação do aluno deficiente?

Parece que, inicialmente, a educação das crianças deficientes


encontrou pouca manifestação, no País. E apenas em 1835, é que
se cria o cargo de professor de primeiras letras para o ensino de
surdos-mudos (termo utilizado na época) no Rio de Janeiro e nas
províncias. Antes disso, a atenção dada aos deficientes centrava-
se nos aspectos médico e religioso. Mazzotta (2005) confirma isso,
ao salientar que, durante todo o século XIX, as iniciativas em rela-
ção à educação dos deficientes, de uma forma geral, foram isola-
das. A inclusão da Educação Especial na política brasileira vem
ocorrer somente no final dos anos 1950 e início da década de
1960.
Em 1857, cria-se um Instituto importante, historicamente, que
vai direcionar a educação dos surdos por várias décadas
subsequentes – o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos (Lei n. 839),
no Rio de Janeiro, conhecido, hoje, como INES (Instituto Nacional
de Educação de Surdos). A proposta educacional do Instituto, na
maioria das vezes, esteve em consonância com a proposta mundial
para a educação de surdos. Assim, influenciado pelos dois Con-
gressos Internacionais de Surdos-Mudos, que aconteceram em
Paris, em 1878 e 1800, que defendiam que o melhor método de
ensino para surdos é o que combina a articulação com a leitura da
palavra nos lábios, o Instituto opta, por décadas, pela instrução a
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 11

partir da oralização. O uso simultâneo de fala e gesto passa a ser


desprezado.
A grande questão, destacada por Soares (2005), é que, nesses
Congressos e em outros que ocorreram, não houve a preocupação
em fazer com que o surdo pudesse adquirir a instrução, tal como
era compreendida para os “normais”. Eram discutidas melhores
maneiras para a aquisição apenas da linguagem.
Em 1883, realiza-se, no Brasil, o I Congresso de Instrução Pú-
blica, convocado pelo Imperador, momento em que se sugere um
currículo de formação de professores para cegos e surdos. Desta-
ca-se que se tratava de um curso ministrado por médicos. De 1896
a 1900, pedagogos e médicos entraram em discordância. Segundo
Soares (2005), os médicos aconselhavam que o ensino fosse de acor-
do com o grau dos restos de audição e que o agrupamento dos
alunos, por classe, seguisse o mesmo critério. Já os pedagogos con-
sideravam que a classificação deveria ser feita de acordo com o
grau de inteligência e que não se deveria levar em conta os resídu-
os da audição.
Constata-se que, durante o Império, o ensino era domiciliar e
apenas para as elites, ou seja, os que tinham condições de contratar
preceptores. O trabalho educacional direcionado aos surdos era
fortemente influenciado pela França. E, como na educação dos
“normais”, não era para todos, haja vista que não havia necessida-
de dessa população para produzir mão-de-obra. Assim, conforme
Jannuzzi (2004), ao final do Império, a educação do deficiente esta-
va silenciada.
No início da República, os surdos continuam sendo assistidos
por Instituições, o que, de certa forma, os privilegia em relação ao
atendimento às outras deficiências. Além disso, esses Institutos es-
tavam ligados e subordinados ao poder central. Todavia, apesar da
forte influência dos Institutos, a educação do surdo, no Brasil, so-
freu influências de algumas obras, principalmente de educadores
franceses, que se destacaram e se tornaram figuras importantes na
história. Observemos alguns exemplos:

Gerolano Cardano (1501-1576):


Médico italiano, que se destaca por con-
cluir que a a surdez não prejudicava a
aprendizagem, uma vez que os surdos
poderiam aprender a escrever e assim
expressar seus pensamentos. Isto é, a
surdez, em sua concepção, não modifi-
cava a inteligência da criança. Foi um dos
primeiros educadores de surdos; seu mé- Fonte: http://en.wikipedia.org
12 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

todo de ensino era baseado na escrita, como um instrumento


para se chegar ao uso da fala. Enfatizava a importância da visão
no processo de aprendizagem.

Pedro Ponce de Leon (1520-1584):


Monge beneditino que ensinou dois
surdos (filhos de aristocratas) a falar, es-
crever, ler, fazer contas e executar pre-
ceitos religiosos, como rezar e confes-
sar. Utilizava-se de um tipo de alfabeto
manual, que permitia ao estudante so-
letrar (letra por letra) toda palavra. Ini-
cialmente, ele ensinava a escrita, para,
depois, passar para o ensino da fala. Foi
considerado um educador de grande Fonte: http://en.wikipedia.org
importância por seus contemporâneos,
pois a maioria dos europeus acreditava que os surdos eram inca-
pazes de serem educados.

Juan Pablo Bonet (1560-1620):


Um dos primeiros preceptores de surdos.
Com ele apareceu o primeiro tratado de
ensino de surdos-mudos (obra intitulada:
“Redação das letras e arte de ensinar os
mudos a falar”). Ele achava que o ensino
deveria começar pelo alfabeto; depois, fa-
zer uma ligação entre o alfabeto e a lín-
gua escrita, para, enfim, ensinar a língua
falada. Ou seja, Bonet proibia o uso da
Fonte: http://en.wikipedia.org Linguagem gestual.

Charles Miguel de L’Éppe (1712-1789):


Fundou o Instituto de Surdos-Mudos em
Paris, em 1770 e educou surdos por si-
nais metódicos, que seguiam palavra por
palavra a gramática da língua francesa.
Apesar disso, ou seja, da ênfase na fala,
L’Eppe acreditava na eficácia do método
gestual, para possibilitar uma instrução
rápida, que possibilitasse aos surdos
transformarem-se em elementos úteis
manualmente para a sociedade. Ele é o Fonte: http://www.jorwiki.usp.br
fundador da primeira escola para surdos.
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 13

Jacob Rodriguez Pereira (1715-1780):


Pedagogo e investigador; trabalhou com
surdos, na França. Começava seu tra-
balho de “desmutização” por meio da
visão e do tato. Ele dividiu a surdez em
três níveis: surdez total, parcial profun-
da e parcial média. Desenvolveu os pri-
meiros esboços da Linguagem gestual,
permitindo a comunicação com os sur-
Fonte: http://ruadajudiaria.com
dos-mudos, até, então, considerados
“doentes mentais” pelas doutrinas dominantes.

Jean Marc Gaspard Itard (1775-1838):


Médico e Psiquiatra, que, após alguns
fracassos na cura da surdez, desenvol-
veu um tratamento que visava a aqui-
sição da fala e o aproveitamento dos
restos auditivos. Especializou-se no ór-
gão da audição e suas doenças e, por
suas pesquisas nesse ramo da Medici-
na, tornou-se famoso em toda Europa.
Fonte: http://en.wikipedia.org Sua competência foi questionada
quando não conseguiu fazer com que um menino achado em uma
floresta conseguisse falar. O menino se chamava Victor e ficou
conhecido como “Menino Selvagem”, ou “Menino Lobo”.

Jannuzzi (2004) enfatiza que a educação dos deficientes, no


Brasil, foi fortemente influenciada pelo campo médico e psicológi-
co. Isso se manteve, segundo Soares (2005), até 1959. Baseados no
desenvolvimento da ciência, em especial da anatomia, os médicos
passaram a se dedicar ao estudo da fala dos surdos, bem como das
suas possibilidades de aprendizagem. Isso significa que, na educa-
ção de surdos, predominavam os procedimentos clínicos. Segun-
do Soares (2005), possivelmente, era por isso que a questão da es-
colaridade era colocada em segundo plano.
Além disso, toda a formação de professores, para educar os
deficientes, era fornecida por médicos. Alguns tinham certa
tranquilidade de diagnóstico e prescrição pedagógica, baseada em
critérios clínicos. Outros não tinham essa tranquilidade e apela-
vam para o especialista, o aplicador de testes. É por esse viés do
diagnóstico, que a Psicologia também influencia a educação do
deficiente. Como a preocupação era voltada para os aspectos
14 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

intelectivos, aplicavam-se testes de inteligência como meio de or-


ganizar classes homogêneas.
No século XX, apresentou-se o seguinte panorama na educa-
ção do deficiente e, especialmente, dos surdos.
De 1930 a 1950, a educação, de uma forma geral, passa por
algumas modificações devido à fase de incremento da industriali-
zação, no Brasil, por ser um momento em que o País, morosamen-
te, se organiza em órgãos mais específicos, sob influências mundi-
ais. A educação do deficiente passa a configurar-se ora médica,
moral, filantrópica, ora mais educativa. Com isso, a educação dos
surdos continua tendo como centro aglutinador o Instituto Nacio-
nal dos Surdos-Mudos, que passa a ser conhecido como INES (Ins-
tituto Nacional de Educação de Surdos), a partir de 1957. O INES
oficializa o método oral para todo alunado e utiliza informações
baseadas no conhecimento terapêutico para desenvolver órgãos
fonatórios: ritmo da respiração, ginástica respiratória, uso das cor-
das vocais, exercícios de sopro etc.
Apesar de ter havido, na década de 1930, mais precisamente
em 1932, uma discussão em torno da educação, enfatizando a ne-
cessidade de reformas, com o Manifesto dos Pioneiros da Escola
Nova, segundo Soares (2005), parece que não houve qualquer tipo
de influência na proposta do Instituto.
Percebe-se que a grande questão era que a instrução não fazia
parte do universo de trabalho com os surdos, pelo menos, não como
ela era concebida aos “normais”. Diversos fatores contribuíram para
que a escola comum, gradativamente, definisse com maior preci-
são aqueles que possuíam ou não capacidade para adquirir instru-
ção. Com o auxílio da Psicologia, os testes de inteligência, apesar
dos questionamentos feitos por diversos estudiosos, ainda vêm sen-
do utilizados para esse fim.

Observem bem, o que enfatiza Soares (2005):

A capacidade verbal, como item de demonstração da inteligên-


cia, foi, por muito tempo, considerada como pré-requisito para
a aprendizagem da escrita. Mas, pelo visto, na educação de sur-
dos, a avaliação da inteligência era realizada para verificar a sua
aptidão para a fala. Isto significa uma mudança de enfoque. [...]
Aos de fraca inteligência, restava o recurso de ensinar pela escri-
ta (p. 66.

Ainda, conforme Soares (2005), isso justifica por que o ensino


profissional surge como alternativa para os excluídos do universo
do ensino, do qual apenas os considerados inteligentes fazem par-
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 15

te. Dessa forma, a comunicação era uma alternativa somente para


que o surdo pudesse conseguir exercer uma ocupação profissio-
nal. Essa ocupação estava vinculada à maneira como era percebida
a sua deficiência dentro de diferentes contextos.

Se a percepção que se tinha do surdo mudo era de elemento


incapaz de gerar riqueza, inapto, portanto, para desempenhar
um papel ativo na produção, restava oferecer-lhe o mínimo ne-
cessário para o exercício da sua ocupação, o que bastaria para
livrá-lo do ócio (SOARES, 2005, p. 68).

Em 1951, Ana Rímoli de Faria Doria, diretora do Instituto de


Surdos-Mudos, oferece o primeiro curso normal de professores
surdos, equivalente ao grau médio, com três anos de duração e
internato para os residentes nos diversos estados. Em 1954 e 1956,
diplomaram-se as duas primeiras turmas. Na prática, ainda predo-
minam os serviços privados, pagos e, portanto, mais acessíveis às
camadas sociais bem situadas financeiramente.
O que é preciso perceber, conforme destaque de Soares (2005),
é que os problemas referentes à exclusão na educação, principal-
mente na década de 1950, não dizem respeito somente aos surdos.
Isso significa que esse grupo de pessoas estava inserido num con-
texto de exclusão maior, que abarcava a sociedade como um todo.
É por isso que a educação dos surdos, nesse momento, situa-se no
âmbito da caridade, pois se eles não se encontravam entre os “elei-
tos” para o ensino por sua situação econômica desfavorecida ou
por uma fatalidade, caberia a eles apenas o fornecimento de assis-
tência e cuidados.
Em 1960, começa a haver interesse pela educação dos deficien-
tes. E cada vez mais são envolvidos profissionais diversos para atendê-
los, como fisioterapeutas, terapeutas educacionais e outros. Com
ênfase ainda no método oral, a perspectiva era tornar o surdo uma
pessoa útil a si mesma e à sociedade, pois nesse momento histórico,
a instrução escolar passa a ser uma exigência para a participação
social dos indivíduos “normais”, e, portanto, era necessário dar uma
atenção maior à escolaridade do surdo. Segundo Soares (2005):

[...] a adoção de um novo método de ensino, voltado prioritaria-


mente para a aquisição e compreensão da fala, passou a ser a
solução para a educação de surdos (p. 80).

Ou seja, nesse momento, a aprendizagem da fala era algo que


entusiasmava, pois era a forma de normalizar os surdos e escolarizá-
16 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

los, para que eles se tornassem cidadãos iguais aos outros. Impor-
tava que o surdo deixasse de ser mudo, para se tornar útil e produ-
tivo. Com isso, a educação fica pautada meramente em aspectos
técnicos. Além disso, a capacidade do surdo em desenvolver a lin-
guagem oral estava subordinada à sua inteligência, à sua perda
auditiva. Pouco importavam os conteúdos necessários à formação
de um sujeito cidadão, isto é, a educação não era pensada do ponto
de vista da instrução.
Isso não acontece só em relação à educação dos surdos. De
maneira geral, os deficientes, independente de qual seja a sua limi-
tação, foram marginalizados, excluídos e privados do processo de
ensino, ou pela deficiência mesmo, ou por serem desfavorecidos
economicamente ou, ainda, por falta de conhecimento. É o que
alerta Mazzotta (2005), ao considerar que:

[...] de modo geral, as coisas e situações desconhecidas causam


temor, a falta de conhecimento sobre as deficiências em muito
contribuiu para que as pessoas portadoras de deficiência, “por
serem diferentes”, fossem marginalizadas, ignoradas (p.16).

Especificamente em relação aos surdos, Soares (2004) enfatiza


que, de fato, outros aspectos, muitas vezes interligados, devem ser
observados no âmbito de sua exclusão. A autora destaca que:

Se atentarmos para o fato de que o sujeito surdo-mudo pode


agregar, além da deficiência, outras discriminações, como a de
raça e de classe social, o aspecto relacionado à escolaridade deve-
ria ter sido encarado ainda com mais rigor (p. 86).

A mudança desse quadro de exclusão (apesar de não se poder


afirmar que ainda hoje isso esteja resolvido) só acontece quando
há condições materiais para isso, dentro da perspectiva da socieda-
de capitalista.
Na educação geral, o ensino regular passa a ter importância
para o desenvolvimento, fato que repercutirá na educação de alu-
nos especiais a partir de 1970. De uma forma ainda tímida, a con-
figuração da Educação Especial como uma área específica do ensi-
no desperta a atenção governamental, que, sob a influência de ele-
mentos do ensino especializado, de associações civis etc., vai pro-
mover a área através de campanhas. A primeira que se designa
para os surdos, denominada Campanha de Educação do Surdo
Brasileiro, acontece um pouco antes dos anos 1960, em 1957, a
partir do Decreto nº 42.728.
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 17

Segundo Jannuzzi (2004), as Campanhas realizadas na área


das deficiências provavelmente vão arregimentando mais pessoas,
e, assim, de maneira tímida e precária, preparam terreno para que
o governo crie, em 1973, o Centro Nacional de Educação Especial
(CENESP), considerado um dos marcos na educação do deficien-
te, por ser o órgão que passa a definir as metas governamentais
específicas para a Educação Especial. Destacamos que, a partir da
criação do CENESP, o INES passa a ser subordinado a esse órgão.
Convém enfatizar que esse momento da história não aconteceu
por si só, isto é, para que, na década de 1970, fosse importante a
criação de um órgão com funções tão específicas, algumas Institui-
ções que se fundaram no País foram relevantes nas discussões que
historicamente foram acontecendo, como a Federação Nacional das
Associações de Pais e Amigos de Excepcionais, criada em 1963, e a
Federação Nacional da Sociedade Pestalozzi, criada em 1971.
Especificamente voltadas para o atendimento aos surdos, po-
dem-se citar os seguintes estabelecimentos e Instituições:

• Instituto Estadual de Educação Padre Anchieta, que atendia


apenas deficientes auditivos, em São Paulo (1913).
• Instituto Santa Terezinha, particular, especializado no aten-
dimento a deficientes auditivos, em Campinas (1929).
• Escola Estadual Instituto Pestalozzi, especializada em defici-
entes auditivos e mentais, em Minas Gerais (1935).
• Escola Municipal de Educação Infantil e de 1º grau para de-
ficientes auditivos Helen Keller, em São Paulo, escola que
foi a base para a criação, em 1988, de mais quatro escolas
municipais em São Paulo (1951).
• Instituto Educacional São Paulo, especializado no ensino de
crianças deficientes da audição (1954).

Destaque para... Helen Keller

Helen Keller (1880-1968), cega e surda


desde bebê, chama-nos a atenção para a
apreciação de nossos sentidos. Apenas de
posse do sentido do tato e uma perseve-
rança inigualável, sob a orientação de
Anne Sullivan Macy, Keller pôde apren-
der a ler e a escrever pelo método Braille,
chegando mesmo a falar, por imitação das
Fonte: http://2.bp.blogspot.com vibrações da garganta de sua preceptora,
18 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

as quais captava com as pontas dos dedos. O esforço de sua mente


em procurar se comunicar com o exterior teve como resultado o
afloramento de uma inteligência excepcional, considerada a maior
vitória individual da história da educação. Ela foi uma educado-
ra, escritora e advogada de cegos. Tinha muita ambição e grande
poder de realização. Ao lado de Sullivan, percorreu vários países
do mundo promovendo campanhas para melhorar a situação
dos deficientes visuais e auditivos. A Srta. Helen alterou nossa
percepção do deficiente.

Voltando ao CENESP...
A meta prioritária de ação do CENESP foi o apoio técnico à
Educação Especial. Foram elaboradas diversas propostas
curriculares, com adaptações de conteúdos e métodos para as di-
versas “categorias” da excepcionalidade. Com um número maior
de docentes treinados para atender as especificidades desse alunado,
o número de excepcionais atendidos cresceu um pouco. Todavia,
existe ainda nesse momento uma dificuldade de integração desses
alunos no ensino regular. As práticas vão se concretizando através
de classes especiais, classes comuns, Instituições especializadas,
oficinas etc.
É importante enfatizar que os anos 1980 foram significativos
para a concretização de algumas mudanças e a realização de mais
conquistas legais, inclusive, o ano de 1980 foi considerado o Ano
internacional das Pessoas Deficientes. Especificamente, quanto aos
surdos, em 1984, cria-se a Federação Nacional de Educação de
Surdos (FENEIS), para somar às Associações Nacionais que come-
çam a se movimentar em busca da preservação de seus direitos,
inclusive o de opinar sobre os problemas referentes ao atendimen-
to direcionado aos deficientes. E, aos poucos, esses movimentos
vão se integrando a Instituições e organizações internacionais. A
FENEIS, por exemplo, liga-se a World Federation of Deaf.
Outras conquistas legais ainda continuam acontecendo.
Em 1979, o MEC publica uma Proposta Curricular que forne-
ce subsídios e apoio ao trabalho do professor de surdos. Todavia,
destaca-se que a orientação dada ao professor estava bastante vol-
tada a uma atuação clínica, como um terapeuta da fala.
Em 1986, ocorre a criação da CORDE (Coordenadoria Nacio-
nal para a Integração da Pessoa Deficiente), que traz em sua
implementação a marca de alguma participação dos próprios defi-
cientes, o que não acontecia anteriormente. Um exemplo disso é
que no seu Conselho Consultivo, criado em 1987, participava o
presidente da FENEIS (Federação Nacional de Educação e
Integração dos Surdos).
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 19

Em 1988, há a promulgação da Constituição Federal, que vi-


gora até os dias de hoje, no País. A partir de então, e principalmen-
te na década de 1990, inúmeras conquistas legais foram aconte-
cendo, garantindo aos surdos o direito à inserção no sistema regu-
lar de ensino. Trataremos dessas questões mais adiante.
Para encerramos este subitem, optamos por enfatizar os prin-
cipais momentos evidenciados pelo Instituto Nacional de Educa-
ção de Surdos (INES), por ser o Instituto que pautará as ações
educacionais desenvolvidas em todo País por décadas, isto é, por
ter sido uma Instituição que influenciou o pensamento educacio-
nal voltado à pessoa surda. Segue abaixo a trajetória desse Insti-
tuto.

INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos

Fonte: http://www.ines.gov.br/paginas/ines01.JPG

• 26 de setembro de 1857: Fundação do Instituto.


• 1884: Diretor Menezes Vieira – acreditava ser desnecessário
que o surdo aprendesse a escrever, uma vez que, nas relações
sociais, o surdo não utilizaria esse tipo de conhecimento. Des-
tacava apenas a importância de o surdo aprender a falar.
• 1868: Diretor Tobias Leite – entendia que a finalidade do Insti-
tuto era a de dar ao surdo mudo instrução necessária literária
e ensino profissional agrícola. Acreditava que a finalidade da
educação de surdos-mudos não é o de formar homens letra-
dos, já que eram privados da audição.
• 1930: Diretor Armando Paiva Lacerda – conduziu seu trabalho
adotando procedimentos bastante diversificados. Para ele, o
ensino da linguagem era importante somente para os surdos
que tivessem inteligência normal. Era favorável ao método oral,
mas não puramente, pois achava que não eram todos que apre-
sentavam aptidões para a aprendizagem do mesmo. Assim,
20 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

para a seleção de alunos, realizava testes de capacidade men-


tal, auditiva e capacidade linguística.
• 1931: Criação do externato feminino, com oficinas de costura
e bordado. Até esse momento, o Instituto atendia apenas meni-
nos.
• 1951: Diretora Ana Rímoli de Faria Doria – era favorável à uti-
lização do método oral, inclusive, foi na sua gestão que o méto-
do oral foi oficialmente adotado no Instituto. Ela enfatizava que
as crianças surdas seriam muito mais felizes se aprendessem a
falar e a compreender o que os outros dizem. Nesse mesmo ano,
o Instituto recebeu a visita de Helen Keller.
• 1952: Fundação do Jardim de Infância do Instituto.
• 1957: Mudança do nome, de Instituto Nacional de Surdos-
Mudos para Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES.
• 1970: Criação do Serviço de Estimulação Precoce.
• 1980: Criação do Curso de Especialização para professores na
área da surdez.
• 1990: Criação do informativo técnico-científico “Espaço”, cujos
artigos são voltados para a educação do aluno surdo.
Após a criação do CENESP (Centro Nacional de Educação Espe-
cial), o INES passou a ser vinculado diretamente ao Ministério
da Educação. Isso influenciou as ações e gestão do Instituto. Atu-
almente o INES atende em torno de 600 alunos, da Educação
Infantil até o Ensino Médio. Valoriza a Língua Brasileira de Si-
nais, e mesmo com o advento da inclusão, continua sendo uma
escola referência na educação de surdos.

1.1.2 HISTÓRICO DA
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
Após termos visualizado a educação do surdo, no Brasil, en-
tendemos ser importante sabermos como a LIBRAS se delineou
nesse processo. Para tanto, vamos buscar as raízes históricas relaci-
onadas à Língua de Sinais no mundo e nos basearemos em Ramos
(2003).
Os primeiros relatos publicados sobre a Língua de Sinais da-
tam de 1644, pelo autor Jhon Bulwer. Ele foi o primeiro a acreditar
que a Língua de Sinais é um sistema complexo. No seu segundo
livro, destaca que o surdo pode se expressar verdadeiramente por
sinais.
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 21

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Jbulwer.jpg

Quase dois séculos depois, em 1809, Watson descreve sobre


um método combinado de sinais e desenvolvimento da fala. Em
1760, Charles Michel de L’Epée desenvolveu uma metodologia
diferenciada, utilizando-se do Alfabeto Manual. Sua forma de en-
sino foi amplamente reconhecida e assumida pelo Instituto de Sur-
dos Mudos de Paris.
Thomas Gallaudet, professor americano de surdos, visitou o
Instituto, em 1815, com o objetivo de conhecer o trabalho realiza-
do. Não obteve sucesso, pois os profissionais negaram-se a ensinar
em poucos meses o que sabiam. Assim, ele convidou um dos me-
lhores surdos da escola, Laurence Clerc, para acompanhá-lo de volta
aos Estados Unidos e lá, em 1817, os dois fundaram a primeira
escola permanente para surdos.
22 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Gallaudet_University

A partir de 1821, todas as escolas americanas passaram a se


mover em direção à Língua de Sinais. Isso não aconteceu apenas
nos Estados Unidos, mas em vários outros países do mundo. As-
sim, é bastante estranho que, no Congresso de Milão, o segundo,
em 1800, O método gestualista tenha sido banido enquanto pro-
posta de ensino, predominando o oralismo. Segundo Ramos (2003),
essa é uma lacuna histórica que ainda precisa ser preenchida.
Estudos científicos relacionados à Língua de Sinais só foram
ocorrer no século XX. Destacamos o trabalho de William C. Stokoe,
sobre a Língua de Sinais Americana, datados de 1957. Esse autor
ressalta a importância linguística da Língua. Em 1965, ele publica
o primeiro dicionário de Língua de Sinais.
Conforme Ramos (2003), os Estados Unidos continuam sen-
do, até hoje, o centro mundial mais importante de pesquisa
linguística em Língua de Sinais, contando, atualmente, inclusive,
com alguns pesquisadores surdos em suas equipes.
No Brasil, Lucinda Brito inicia importantes estudos linguísticos,
em 1982, sobre a Língua de Sinais dos índios Urubu-Kaapor, da
floresta amazônica brasileira. Mas...

E a Língua Brasileira de Sinais, como surgiu?

Já sabemos que o início oficial da educação de surdos, no Bra-


sil, ocorre através da fundação do Instituto Nacional de Surdos-
Mudos, no Rio de Janeiro, em 1857. Todavia, antes da fundação do
Instituto, em 1855, já estava, no Brasil, um surdo francês, Ernest
Huet, vindo do Instituto de Surdos-Mudos de Paris.
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 23

A LIBRAS, em consequência disso, foi bastante influenciada


pela Língua Francesa de Sinais. Em 1881, conforme Ramos (2003),
o atual diretor do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, Tobias Lei-
te, publica um compêndio para o ensino de surdos-mudos, em
que se percebe a aceitação à Língua de Sinais e Alfabeto Manual.
Ainda segundo Ramos (2003), ocorre, em 1873, a publicação
do mais importante documento encontrado, até hoje, sobre a Lín-
gua Brasileira de Sinais, o Iconographia dos Signaes dos Surdos-Mu-
dos, de autoria do aluno surdo Flausino José da Gama, que contém
ilustrações de sinais separados por categorias.
Apesar de o Brasil ter sofrido influências do II Congresso de
Milão, que proibia a divulgação e utilização da Língua de Sinais,
Ramos (2003) assevera que, no Instituto Nacional de Surdos-Mu-
dos, muitos professores, alunos e funcionários mantiveram o hábi-
to de utilização da Língua de Sinais. Somente em 1957, por inicia-
tiva da, então, diretora, Ana Rimoli de Faria Doria é que a Língua
de Sinais foi oficialmente proibida em sala de aula.
Em 1969, foi realizada uma primeira tentativa no sentido de
registrar a Língua de Sinais usada no Brasil. Apenas a partir de
1970, é que pesquisas relativas à LIBRAS passaram a aumentar.
Uma importante Instituição que se tornou referência no País
foi a FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração de
Surdos), fundada em 1987, citada anteriormente. O objetivo da
Federação era o de promover, incentivar e assessorar a educação e
a cultura dos surdos no Brasil. Por muitos anos a FENEIS foi a
Instituição responsável também pela formação de intérpretes de
LIBRAS, no País. Atualmente, não mais, porque, desde 2006, o
MEC assumiu essa função, através do PROLIBRAS, um Exame
Nacional de Proficiência em Libras e Proficiência em Tradução e
Interpretação da Libras – Língua Portuguesa, que ocorre uma vez
por ano, em todas as capitais brasileiras, organizado pela UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina). Os exames visam avali-
ar os intérpretes e instrutores de LIBRAS do País e autorizá-los a
exercerem essas funções. A previsão é a de que o PROLIBRAS acon-
teça por 10 anos, ou seja, até 2016.
Após essa data, a pessoa que desejar se formar nessa área de
atuação deverá procurar a graduação em Letra/LIBRAS, que é, hoje,
uma formação oferecida também pela UFSC, na modalidade à dis-
tância, em várias cidades do país.
Por fim, destacamos o ano de 2002 como um marco na histó-
ria, pois foi o ano em que a LIBRAS passou a ser reconhecida, no
Brasil, podendo ser utilizada como meio de comunicação legal de
todos os surdos brasileiros. Isso aconteceu com a promulgação da
Lei nº 10.436, que será discutida com mais detalhes na próxima
Unidade.
24 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

1.2 ASPECTOS GERAIS SOBRE A SURDEZ

TEXTO

1.2.1 DEFINIÇÃO
Vimos no item anterior, que historicamente a tradição médi-
co-terapêutica influenciou a definição da surdez, definindo-a como
déficit auditivo, o que gerou diversas classificações ao longo dos
anos. Assim, inicialmente o surdo era considerado surdo mudo
(completo e incompleto, a depender de sua capacidade de adqui-
rir a fala), semi-surdo ou semimudo.

IMPORTANTE

Alertamos para o fato de que essa nomenclatura (surdo-mudo),


ainda usada até hoje, é equivocada, considerando que a surdez e
a mudez são deficiências diferentes, não estão associadas nem
interligadas. O fato de o surdo não ouvir e, consequentemente,
não desenvolver a linguagem oral não significa que ele seja mudo.
Na maioria das vezes, suas cordas vocais estão em pleno funcio-
namento e com um tratamento fonoaudiológico ele pode desen-
volver a oralidade como qualquer outra pessoa.

Depois, com a influência da Fonoaudiologia, a audição passa a


ser medida e descrita em decibéis (dB), que é uma medida relativa
à intensidade do som. Quanto maior o número de decibéis ne-
cessários para que uma pessoa possa ouvir, maior é a perda auditi-
va. Isso altera a classificação de surdez, que passa a se subdividir
em quatro grupos: surdez leve, surdez parcial, surdez severa e sur-
dez profunda.
Observe o quadro:
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 25

Conforme material produzido pelo MEC, em 1995 (Subsídios


para a organização e funcionamento de serviços de Educação Es-
pecial), esses quatro tipos de surdez podem ser explicadas da se-
guinte maneira:
• Surdez Leve – perda auditiva entre 26 a 40 dB nível de audi-
ção. Essa perda impede que o indivíduo perceba igualmen-
te todos os fonemas da palavra. Além disso, a voz fraca ou
distante não é ouvida. Essa perda auditiva não impede a
aquisição da linguagem, mas poderá ser a causa de alguns
problemas articulatórios ou dificuldade na leitura e/ou es-
crita.
• Surdez Moderada - perda auditiva entre 41 e 70 dB nível de
audição. Esses limites se encontram no nível de percepção
da palavra, sendo necessário uma voz de certa intensidade
para que seja convenientemente percebida. São frequentes
o atraso de linguagem e as alterações articulatórias, haven-
do, em alguns casos, maiores problemas linguísticos. Em
geral, identificam-se as palavras mais significativas, mas há
dificuldade em compreender certos termos de relação e/ou
frases gramaticais complexas. A compreensão verbal está
intimamente ligada à aptidão para a percepção visual.
• Surdez Severa - perda auditiva entre 71 e 90 dB nível de
audição. Esse tipo de perda vai permitir que a pessoa iden-
tifique alguns ruídos familiares e poderá perceber apenas a
voz forte, podendo chegar aos 4 ou 5 anos sem aprender a
falar. Se a família estiver bem orientada pela área educacio-
nal, a criança poderá chegar a adquirir a linguagem. A com-
preensão verbal vai depender, em grande parte, de aptidão
para utilizar a percepção visual e para observar o contexto
das situações.
• Surdez Profunda perda auditiva acima de 90 dB. A gravida-
de dessa perda é tal, que priva a pessoa das informações
auditivas necessárias para perceber e identificar a voz hu-
mana, impedindo-a de adquirir naturalmente a linguagem
oral. As perturbações da função auditiva estão ligadas tanto
à estrutura acústica, quanto à identificação simbólica da lin-
guagem.
Quanto maior for a perda auditiva, maiores serão os proble-
mas linguísticos e maior será o tempo em que o indivíduo precisa-
rá receber atendimento especializado.
Enfatizamos que todos os termos apresentados até aqui com-
preendem a surdez a partir de fatores biológicos, ou seja, parte-se
do princípio de que essa pessoa tem um déficit auditivo. Com isso,
desconsidera-se a experiência da surdez e as influências advindas
da utilização da Língua Brasileira de Sinais, além de desconsiderar
26 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

os contextos psicossociais e culturais nos quais a pessoa surda se


desenvolve.
Principalmente, a partir dos anos 1980, ocorre uma maior or-
ganização entre os surdos, na luta por seus direitos, inclusive os
educacionais. Surgem também grupos de estudos sobre a surdez,
identidade surda, cultura surda, referendando-se, principalmente,
na Língua Brasileira de Sinais. Esses fatores acarretaram novas re-
flexões sobre o conceito de surdez. Assim, recentemente, os sur-
dos estão “classificados” em dois termos: deficiente auditivo e Sur-
do. Essa mudança é bastante importante.
Destacamos ainda que a modificação de terminologias, prin-
cipalmente no âmbito educacional, tem sido amplamente influen-
ciada pelos documentos legais produzidos na área da Educação
Especial, especialmente a partir dos anos 1990. Claro que essas
conquistas legais também foram em grande parte devido ao ex-
posto no parágrafo anterior, ou seja, a organização da sociedade
civil e ampliação de estudos.
No que se refere à surdez, o Decreto que atualmente define e
separa os dois termos (deficiente auditivo e Surdo) é o de nº 5.626,
de 2005. Conforme o Decreto:

Considera-se pessoa surda àquela que, por ter perda auditiva,


compreende e interage com o mundo por meio de experiências
visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da
Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS (artigo 2º) (BRASIL, 2005)

Quanto à deficiência auditiva, o Decreto salienta que:

Considera-se deficiência auditiva as perdas bilaterais, parciais ou


totais, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por
audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e
3.000Hz (Parágrafo Único)

Assim, evidenciamos que o conceito de surdez passou por


muitas transformações ao longo dos tempos, desde pequenas mu-
danças até revoluções de concepções, pontos de vista, teorias, prin-
cípios e valores. A discussão relacionada à surdez, atualmente, é
muito mais política que biológica. O deficiente auditivo seria aquele
que tem necessidades especiais, em alguns casos se utiliza de apa-
relhos auditivos e se considera “deficiente”. O Surdo (com letra
maiúscula, por ser uma Pessoa) seria o que apresenta uma diferen-
ça linguística, um grupo que quer ser reconhecido por suas especi-
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 27

ficidades, que defende que, a partir da utilização da LIBRAS, se


estabelece uma cultura e identidade próprias, diferenciadas da cul-
tura e identidade dos ouvintes. Essas questões não serão
aprofundadas neste Guia, considerando que não é o foco deste
Material e que é um assunto que demanda intensos estudos. Toda-
via, entendemos necessário mostrar as duas principais possibilida-
des teóricas a esse respeito.
Há autores que vão defender a ideia de que existe uma cul-
tura e uma identidade surda, um povo surdo, que se constitui
numa minoria linguística, etc... Para esses, o surdo só será uma
pessoa verdadeiramente surda se tiver contato com seus pares,
para formar essa identidade surda. Devido à percepção visual,
acreditam que existe também uma cultura surda, ou seja, um
modo de vida e costumes peculiares aos surdos, que delineiam
comportamentos, pensamentos e valores diferenciados dos das
pessoas ouvintes. Inclusive, para esse grupo, os surdos não deve-
riam mais fazer parte do alunado da Educação Especial, pois não
são deficientes e sim um grupo minoritário, com uma Língua
específica.
Já, para outros autores (um número bem menor), o entendi-
mento da surdez não se dá apenas pelo viés da própria surdez,
mas, sim, pelas relações estabelecidas, que são, por sua vez,
marcadas por aspectos econômicos, sociais, políticos etc. Assim,
um surdo nascido no estado de São Paulo não terá as mesmas ca-
racterísticas culturais que um surdo do interior do Estado, apesar
de os dois serem surdos... e suas identidades se constituirão a par-
tir das relações que eles estabelecerem e das oportunidades que
tiverem em seu desenvolvimento, inclusive as oportunidades edu-
cacionais. Para esse grupo, não se pode descolar a discussão da
Língua do fato de a pessoa ter uma perda auditiva, ou seja, a utili-
zação da LIBRAS não é uma livre escolha, é consequência da expe-
riência de não ouvir.
Consideramos essa discussão essencial para a educação, já
que, para o Ministério da Educação, apesar do reconhecimento
da LIBRAS, o aluno surdo continua sendo aluno da Educação
Especial, devendo, portanto, receber atendimento educacional es-
pecializado, como qualquer outro aluno com necessidades edu-
cacionais especiais, algo que vem sendo questionado por alguns
grupos de surdos, que, a partir do entendimento da surdez en-
quanto minoria linguística, têm requerido uma escola bilíngue,
ou seja, uma escola especial, pautados na afirmação de que a in-
clusão não tem respondido aos anseios das “comunidades sur-
das”. Dessa forma, enfatizamos, novamente, que o conceito de
surdez, atualmente, é uma discussão muito mais política do que
biológica.
28 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

1.2.2 CAUSAS DA SURDEZ


As crianças podem adquirir problemas de audição durante a
gestação, durante o parto ou após o nascimento.

Causas Pré-Natais:
• Desordens genéticas ou hereditárias;
• Doenças infecto-contagiosas, como: rubéola, sífilis, citome-
galovírus, toxoplasmose e herpes.
• Remédios ototóxicos, drogas, alcoolismo materno.
• Desnutrição/subnutrição/carências alimentares da mãe.
• Pressão alta, diabetes.
• Exposição à radiação.
• Outras.

Causas Peri-Natais:
• Pré-maturidade;
• Pós-maturidade;
• Anóxia;
• Fórceps;
• Infecção hospitalar;
• Outras.

Causas Pós-Natais:
• Doenças como: Meningite, Sarampo e Caxumba.
• Remédios ototóxicos em excesso, ou sem orientação médica
• Exposição contínua a ruídos ou sons muito altos.
• Traumatismos cranianos.
Outras.

1.3 SURDEZ E LINGUAGEM

TEXTO

A relação entre a surdez e a linguagem está em perceber-


mos a importância da Língua Brasileira de Sinais no desenvolvi-
mento do surdo, em todos os aspectos: pessoais, afetivos, soci-
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 29

ais, educacionais etc. A LIBRAS, como qualquer outra Língua,


tem um papel e na formação da pessoa surda, já que é através
da linguagem que significamos o mundo e damos sentido a nós
mesmos.
Góes (1996), ao discutir a linguagem com base nos pressupos-
tos teóricos de Vygotsky, sugere que as experiências de linguagem
nas relações sociais participam, desde cedo, ou desde sempre, da
formação da criança. Assim:

[...] a linguagem participa da constituição do pensamento e re-


percute sobre as funções mentais, propiciando transformações
na atenção, na memória, no raciocínio, etc (p. 32).

Ou seja, a linguagem participa das relações interpessoais. Ela é


fundamental na relação do homem com as coisas, com outros ho-
mens e consigo próprio. É ela que fornece os conceitos, as formas
de organização real, a mediação entre o sujeito e o conhecimento.
Isto é, a linguagem não representa apenas a comunicação; significa
a regulação do pensamento e é um fenômeno profundamente his-
tórico e social.
Vygotsky, ao se referir aos surdos para subsidiar suas discus-
sões sobre pensamento e linguagem, afirma que o importante é o
uso efetivo de signos, de quaisquer formas de realização, inclusive
os que assumem papel correspondente ao da fala. Diante disso,
destacamos que a LIBRAS deve ser compreendida como um ele-
mento central na discussão da surdez e, portanto, no campo da
educação, considerando que a escola é responsável pela aprendiza-
gem desse aluno, que levará para o ambiente escolar suas
especificidades, dentre elas, uma Língua diferente e capaz de me-
diar seu processo de ensino. Com isso, estamos afirmando que a
Língua de Sinais é central para que o surdo se desenvolva
cognitivamente.
Quadros (2003) aponta que a linguagem pode ser compreen-
dida em dois diferentes níveis: o nível biológico, enquanto parte
da condição humana e o nível social, que interfere na condição
humana final. Essa mesma autora afirma que ao se pensar em es-
paços inclusivos para o surdo, deve-se pautar nesses dois níveis de
linguagem.
Aparentemente, Góes (1996) concorda com essa ideia, pois
enfatiza que o desenvolvimento da criança surda deve ser compre-
endido como processo social, e suas experiências de linguagem
concebidas como instâncias de significação e de mediação nas suas
relações com a cultura, nas interações com o outro. Ainda, segun-
do essa autora:
30 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

Não há limitações cognitivas ou afetivas inerentes à surdez, tudo


dependendo das possibilidades oferecidas pelo grupo social para
seu desenvolvimento, em especial para a consolidação da lin-
guagem (p. 38).

Como já afirmamos, a linguagem, além de ser central na co-


municação, interfere na organização do pensamento, sendo es-
sencial para desenvolver o cognitivo. Assim, no caso das crianças
surdas, o atraso de linguagem pode trazer problemas de ordem
emocional, social, cultural e cognitivo. A pessoa ouvinte, por exem-
plo, convive com a modalidade oral de sua Língua desde muito
cedo e isso é extremamente importante para o seu desenvolvi-
mento. Da mesma forma, a pessoa surda deve ter contato com
alguma forma de linguagem o mais cedo possível, para que possa
compreender o mundo à sua volta e interagir, participar dele ati-
vamente.
Destacamos que a linguagem oral é uma possibilidade de co-
municação, mas a Língua de Sinais é, com certeza, um processo
bem mais “natural” para a comunicação e compreensão da pessoa
surda. Quanto mais tardio for seu contato com sua própria Lín-
gua, maiores danos serão causados nas relações dos surdos com o
mundo à sua volta. Assim, a criança surda deve adquirir a Língua
de Sinais no mesmo período que a criança ouvinte adquire a Lín-
gua oral.
No que se refere à escola, percebemos, pelo histórico da
educação de surdos, que a linguagem sempre foi um aspecto
central nas discussões. Quadros (2003) assevera que, diferente-
mente da proposta educacional pensada para os ouvintes, na
educação de surdos, essa preocupação tornou-se quase que ex-
clusiva, perdendo-se de vista o processo educacional integral da
criança surda.
Outra questão fundamental, quando refletimos sobre a edu-
cação, é que as crianças surdas, devido às dificuldades acarreta-
das pela não aquisição ou pela aquisição tardia da linguagem,
em muitos casos, encontram-se em situações de defasagem no
que diz respeito à escolarização e isso não tem relação com suas
potencialidades intelectuais. O que ocorre é que, muitas vezes,
essa criança chega na escola sem as informações a que as crian-
ças ouvintes têm contato o tempo todo e sem o conhecimento
esperado para sua idade. Vem daí a necessidade de criação de
propostas educacionais que atendam às especificidades e defa-
sagens desse aluno, favorecendo o desenvolvimento efetivo de
suas capacidades.
É sobre essas questões que trataremos na próxima Unidade.
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 31

1.4 INTERAGINDO COM O TEXTO


1. Vimos que o Instituto Nacional de Surdos-Mudos foi uma
Instituição em destaque na história da educação de surdos. Essa
Instituição, que, hoje, se chama INES (Instituto Nacional de Edu-
cação de Surdos), continua tendo sua importância no cenário edu-
cacional. Evidenciamos isso mostrando a trajetória desse Instituto.
Faça uma pesquisa sobre os mecanismos de ensino do Instituto
atualmente, destacando seus objetivos, abordagem de ensino, os
cursos que são oferecidos, enfim, seu funcionamento. Produza um
texto como resultado dessa pesquisa.
2. Faça um paralelo entre a educação do surdo, no Brasil, e a
trajetória da Língua Brasileira de Sinais. Em um quadro, de um
lado, destaque os principais momentos considerados, por você, na
educação vivenciada pelos surdos e, do outro lado, os marcos his-
tóricos relacionados à LIBRAS, conforme modelo abaixo. Compa-
re cada lado e conclua a atividade destacando os pontos conver-
gentes percebidos.
Após a realização da atividade, discuta com seus colegas.

MARCOS HISTÓRICOS DA MARCOS HISTÓRICOS DA LÍNDUA


EDUCAÇÃO DO SUJEITO SURDO BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS

3. Escreva um parágrafo, destacando o conceito que você pos-


suía da surdez antes de ler essa Unidade. Num segundo parágrafo,
coloque a definição que você passou a ter sobre a surdez após o
estudo da Unidade. Compare sua resposta com a dos seus colegas.

Para aprofundamento... SUGESTÃO DE FILME:

Assista ao Filme: O Milagre de Anne Sullivan, de 1962, dirigido


por Arthur Penn.
Sinopse: Em 1887, no Alabama, a jovem
Helen Keller, cega e surda, desde a infân-
cia, devido a uma congestão cerebral, está
a ponto de ser enviada para uma Institui-
ção especializada em doentes mentais.
Sua falta de habilidade para se comuni-
car a deixou frustrada e violenta. É um
tempo difícil no sul dos Estados Unidos.
Desesperados, seus pais procuram ajuda
no Perkins Institute, de Boston, que lhes
encaminha a jovem Annie Sullivan para
32 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

ser tutora de sua filha. Annie acabara de concluir seu curso, de


modo que Helen será sua primeira aluna. Em sua incansável tarefa
para tentar fazer com que Helen se adapte e entenda, pelo menos
em parte, o mundo que a cerca, Annie não se mostra condescen-
dente nem a trata como uma pessoa deficiente. A tarefa é difícil,
mas com pulso firme e muito amor, Annie consegue, em relativa-
mente pouco tempo, tornar Helen uma garota dócil, bem como
fazer com que ela aprenda a linguagem dos dedos e a pronunciar
suas primeiras palavras.
EaD • UFMS
Surdez e Linguagem 33

ESTUDO DE LIBRAS

Unidade 2

INCLUSÃO DO ALUNO SURDO


NO ENSINO REGULAR
34 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS
EaD • UFMS
Inclusão do aluno surdo no ensino regular 35

Unidade 2

INCLUSÃO DO ALUNO SURDO


NO ENSINO REGULAR
Nesta unidade abordaremos sobre a inclusão do aluno no en-
sino regular. Já sabemos quem é esse aluno, como sua educação foi
pensada ao longo dos tempos, como a LIBRAS se expandiu no Bra-
sil e a importância dessa Língua para o desenvolvimento pessoal,
social e cognitivo do surdo. Assim, neste momento do nosso Guia,
iremos aprofundar nossas discussões nos assuntos referentes espe-
cificamente à proposta educacional vigente, ou seja, a educação
inclusiva. Assim, iremos desvelar os desafios e perspectivas da edu-
cação do surdo nessa proposta, destacando principalmente sobre
o trabalho do professor e do intérprete educacional. Nesse contex-
to, vamos perceber, mais uma vez, o quanto a LIBRAS é funda-
mental para garantir a aprendizagem do aluno surdo.

“O ouvido humano é surdo aos


conselhos e agudo aos elogios”...
(William Shakespeare)

OBJETIVOS DESTA UNIDADE

Esta Unidade tem como objetivos:


• Discutir sobre as diferentes necessidades educacionais espe-
ciais do aluno surdo no contexto escolar, refletindo sobre a
Língua Brasileira de Sinais nesse contexto.
• Apresentar os principais aspectos legais referentes à educa-
ção do aluno surdo.
• Estudar sobre o papel do professor intérprete no processo
de inclusão do aluno surdo.
• Abordar sobre o trabalho do professor regente na perspecti-
va da diversidade.
• Apontar os principais desafios e perspectivas da educação
inclusiva para o aluno surdo.
36 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

2.1 PRESSUPOSTOS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

TEXTO

A Educação Inclusiva é um processo de transformação da es-


cola; um (re) fazer educacional que supõe reflexões aprofundadas
sobre a formação de professores, a participação da comunidade
escolar (alunos, professores, funcionários, família), os processos
pedagógicos, as metodologias de ensino, enfim... refere-se à orga-
nização do espaço escolar de forma a atender todos e a todas as
diferenças.
É fato que os alunos são diferentes entre si, que aprendem de
formas distintas, motivam-se por razões diferentes, estão impres-
sos com histórias de vida próprias e específicas, apresentam carac-
terísticas peculiares e singulares... isto é, a diferença é facilmente
perceptível. É evidente que não existem classes escolares homogê-
neas e que a heterogeneidade é algo intrínseco ao fato de sermos
humanos. Todavia, lidar com essa diversidade e trabalhar com as
diferenças significa muito mais do que apenas identificá-las. Re-
quer mais do que boas intenções. Figueiredo (2008) salienta que:

A diversidade é tão natural quanto a própria vida. Essa diversi-


dade é formada pelo conjunto de singularidades, mas também
pelas semelhanças que unem o tecido das relações sociais. En-
tretanto, parece que, na tentativa de garantir a promoção da igual-
dade, a escola está confundindo diferenças com desigualdades.
Aquelas são inerentes ao ser humano enquanto estas são social-
mente produzidas (p. 143).

Assim, voltamo-nos para as reflexões de Carvalho (2008), que


salienta sobre três dimensões importantes quando pensamos na
relação da educação com as diferenças. São elas: o sistema educaci-
onal, a escola e a sala de aula. Discorreremos sobre cada uma.

• O SISTEMA EDUCACIONAL
As transformações que delinearão uma educação inclusiva de-
vem começar no interior dos próprios órgãos implementadores
de políticas públicas de cunho educacional, pois, por mais am-
pla que seja a autonomia das escolas, “elas estão inseridas num
contexto educacional que elege princípios, estabelece objetivos
e identifica diretrizes de ação para as quais são necessários recur-
sos financeiros, materiais e humanos que não estão, necessaria-
EaD • UFMS
Inclusão do aluno surdo no ensino regular 37

mente, ao alcance de todas as escolas e, muito menos, dos pro-


fessores, famílias ou da comunidade” (CARVALHO, 2008, p. 54).
Ou seja, as ações pensadas para o sistema educacional devem
estar calcadas na realidade local em que essas ações serão
implementadas, para atender às necessidades daquela comuni-
dade escolar, pois essas ações influenciarão demasiadamente a
prática pedagógica.

• AS ESCOLAS
É evidente que queremos uma escola para todos, mas isso não
significa apenas o acesso ao ensino regular. Mais do que isso, a
escola inclusiva precisa assegurar a aprendizagem e a partici-
pação de TODOS os alunos. Para tanto, segundo Carvalho
(2008), as escolas precisam construir culturas inclusivas (co-
munidades escolares seguras e receptivas, com valores demo-
cráticos de reconhecimento das diferenças), políticas inclusi-
vas (projeto político pedagógico que defenda a possibilidade
de aprendizagem de todos os alunos, organizando apoios que
garantam o desenvolvimento de atividades que aumentem a
capacidade da escola de responder às diferenças dos alunos) e
práticas pedagógicas inclusivas (atividades de sala de aula sig-
nificativas a todos os alunos, das quais participem toda comu-
nidade escolar).

• A SALA DE AULA
A sala de aula se constitui como um grande desafio na efetivação
da educação inclusiva. Carvalho (2008) discorre sobre algumas
sugestões para o trabalho do professor que deseja e acredita nes-
se tipo de educação, como: elaborar um plano de trabalho para a
turma toda, considerar a participação dos alunos como os mais
valiosos recursos disponíveis em sala de aula, ser um professor
pesquisador, construir materiais de ensino aprendizagem pelos
próprios alunos, avaliar a aprendizagem se baseando no percur-
so de cada estudante e trabalhar com oficinas ou “laboratórios”
de aprendizagem.

Não podemos nos esquecer que a inclusão educacional é um


processo, e, portanto, tem as características de dinamismo, flexibi-
lidade e temporalidade. As transformações são lentas, todavia é
possível desenvolver desde o sistema educacional, escolas e salas
de aula, situações de convivência e aprendizagem que priorizem a
diversidade e reconheçam as diferenças. No entanto, nem sempre
foi assim.
38 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

A história educacional aponta índices preocupantes sobre o


fracasso escolar e isso não está associado à presença ou não do alu-
no com necessidades especiais na escola. Todavia, quando refleti-
mos sobre a educação desses alunos, claramente percebemos que
através da inclusão a criança com e sem necessidades especiais terá
possibilidades de presenciar e vivenciar modelos de interação que
dificilmente seriam possíveis em classes e escolas especiais.
Assim, as políticas públicas educacionais no campo da Educa-
ção Especial têm apontado, cada vez mais, a urgência em cons-
truirmos no País escolas inclusivas, que estejam prontas para rece-
ber todo e qualquer aluno, dentre eles, os alunos surdos. Todavia,
para construir escolas inclusivas, faz-se necessário modificar o sis-
tema educacional, renovando-o, modernizando-o. Isso implica em
transformação das ações pedagógicas.
Sabemos o quanto desafiadora é essa proposta. Entretanto,
apesar dos desafiadores caminhos que precisam ser percorridos, a
inclusão se constitui como um dos meios mais capazes e eficazes
para combater atitudes discriminatórias.
Nessa perspectiva inclusiva, a Educação Especial assume um
novo papel, pois deve abranger, além do atendimento especializado
direto, o suporte às escolas regulares que recebem alunos que neces-
sitam de apoios diferenciados para aprender. Em outras palavras:

[...] a Educação Especial não deve ser concebida como um sis-


tema educacional especializado à parte, mas sim como um con-
junto de metodologias, recursos e conhecimentos (materiais,
pedagógicos e humanos) que a escola comum deverá dispor
para atender à diversidade de seu alunado (GLAT; BLANCO,
2007, p. 17).

Dessa forma, podemos afirmar que, sem a organização do


ambiente escolar, pensado para atender as necessidades de todos
os alunos, a inclusão não passa de um discurso político, vazio. A
inclusão escolar pressupõe a presença do aluno na escola, a sua
participação no cotidiano escolar e a sua efetiva aprendizagem.
Consideramos, ainda, que a inclusão é fundamental para a
construção de uma sociedade democrática. O respeito às diferen-
ças e a igualdade de oportunidades requer o movimento de in-
cluir, que faz uma ruptura com o movimento da exclusão. Portan-
to, a inclusão é a garantia a todos do acesso contínuo ao espaço
comum na vida em sociedade, que deverá estar organizada e ori-
entada, respeitando a diversidade humana, as diferenças individu-
ais, promovendo igualdade de oportunidades de desenvolvimento
para toda a vida.
EaD • UFMS
Inclusão do aluno surdo no ensino regular 39

Assim:

[...] Mais do que nunca, torna-se clara a necessidade de uma


educação voltada para os valores humanos, uma educação que
permita a transformação da sociedade, uma escola que acredite
nas diferentes possibilidades e nos diferentes caminhos que cada
um traça para sua aprendizagem, que possibilite a convivência e
o reconhecimento do outro em todas as suas dimensões
(SARTORETTO, 2008, p. 77).

A proposta inclusiva diz respeito, dessa forma, a uma escola


de qualidade para todos. Uma escola que não segregue, não rotule
e não expulse seus alunos, mas assuma e atenda a diversidade de
características de seu alunado.

IMPORTANTE

A escola só pode ser um espaço inclusivo se nela todos forem


atores e autores, partipantes ativos do processo educativo e de
todos os delineamentos e desdobramentos que envolvem o coti-
diano escolar.

2.2 ASPECTOS LEGAIS EM DESTAQUE

TEXTO
Muitas Legislações, principalmente, a partir da década de 1990,
compuseram um arcabouço legal que garantiu ao surdo, além de
sua inserção/acesso ao ensino regular, a utilização da LIBRAS como
sua Língua de comunicação e mediação da aprendizagem. Todas
as garantias legais que vão sendo determinadas no País, no que diz
respeito à educação de pessoas com necessidades especiais, de al-
guma forma, contemplaram os alunos surdos, salientando sobre a
eliminação das barreiras atitudinais e de comunicação, a impor-
tância de estratégias de ensino diferenciadas, recursos visuais, pro-
fessores capacitados, dentre outros aspectos que dizem respeito à
escolarização de TODOS, sem exceção.
Diante de tantos documentos legais, que orientam à educação
ideal que o País deve buscar com relação ao atendimento dos alu-
nos com necessidades educacionais, no que se refere aos surdos,
consideramos importante destacar dois documentos que, no nos-
so entendimento, são essenciais para a configuração educacional
atual. São eles: a Lei nº 10.436/2002 e o Decreto nº 5.626/2005.
40 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

• LEI Nº 10.436/2002 (BRASIL, 2002)


• Reconhece a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – como meio
legal de comunicação e expressão dos surdos.
• Define a LIBRAS como um sistema de linguístico de natureza
visual-motora, estrutura gramatical própria, capaz de trans-
mitir idéias e fatos.
• Orienta para que os sistemas de ensino estaduais, municipais e
do Distrito Federal incluam nos cursos de formação de Educa-
ção Especial, Fanoaudiologia e Magistério, o ensino da LIBRAS.

Salienta que a LIBRAS não substitui a modalidade escrita da


Língua Portuguesa.

• DECRETO 5.626/2005
• Regulamenta a Lei nº 10.436/2002.
• Define pessoa surda como aquela que, por ter perda auditiva,
compreende e interage com o mundo por meio de experiên-
cia visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso
da LIBRAS.
• Ressalta a inclusão da LIBRAS como disciplina escolar obriga-
tória, definindo os cursos de Magistério todos os cursos de
Licenciatura, o curso Normal Superior, o curso de Pedagogia
e o curso de Educação Especial. Para os outros cursos, a LI-
BRAS é indicada como disciplina optativa.
• Indica que a formação de docentes para o ensino da LIBRAS
deve ser realizada em nível superior, e deve priorizar as pesso-
as surdas.
• Estabelece que o ensino da modalidade escrita da Língua Por-
tuguesa, como segunda Língua para as pessoas surdas, deve
ser incluído como disciplina curricular nos cursos de forma-
ção de professores para a Educação Infantil e os primeiros anos
do Ensino Fundamental, bem como nos cursos de Licenciatu-
ra em Letras/Língua Portuguesa.
• Salienta que as instituições de ensino devem garantir às pesso-
as surdas, obrigatoriamente, acesso à comunicação, à infor-
mação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e
conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, eta-
pas e modalidades da educação, desde a Educação Infantil até
o Ensino Superior.
• Determina que as escolas devem ser providas de quatro pro-
fissionais distintos: professor de LIBRAS, tradutor e intérpre-
EaD • UFMS
Inclusão do aluno surdo no ensino regular 41

te de LIBRAS – Língua Portuguesa, professor para o ensino da


Língua Portuguesa como segunda Língua e professor regente
com conhecimento acerca da singularidade lingüística mani-
festada pelos alunos surdos.
• Garante o atendimento às necessidades educacionais dos sur-
dos nas salas de aula e em salas de recursos, em turno contrá-
rio ao da escolarização.
• Enfatiza sobre a adoção de mecanismos de avaliação coerentes
com o aprendizado de segunda Língua, na correção das pro-
vas escritas, valorizando o aspecto semântico;
• Dispõe que a modalidade oral da Língua Portuguesa deve ser
oferecida em turno distinto ao da escolarização, apenas para
os alunos ou pais que fizerem essa opção.
• Observa que os alunos têm direito ao atendimento educacio-
nal especializado para o desenvolvimento de complementação
curricular, com utilização de equipamentos e tecnologias de
informação.
• Orienta sobre a importância de proporcionar aos professores
acesso à literatura e informações sobre a especificidade lin-
güística do aluno surdo.

Enfim, como podemos observar, esses dois Documentos le-


gais mudam fundamentalmente a proposta educacional para os
alunos surdos. E enfatizam, centralmente, a utilização da LIBRAS
de forma efetiva no espaço escolar.
Claro que não é apenas a utilização da LIBRAS que garantirá
uma educação de qualidade ao aluno surdo, pois qualquer proposta
de escolarização envolve muito mais do que a comunicação, como:
metodologias de ensino específicas, avaliação coerente, professores
preparados para trabalharem com a diversidade, comunidade esco-
lar envolvida, família presente no cotidiano escolar, dentre outros
aspectos. Aprofundaremos essas questões no próximo item.

2.3 O ALUNO SURDO NO ENSINO REGULAR

TEXTO
Antes de aprofundarmos nossas discussões sobre a inclusão
do aluno surdo, julgamos ser importante esclarecer que neste mo-
mento refletiremos sobre a inserção do aluno que se utiliza da Lín-
gua Brasileira de Sinais na escola. Existe a possibilidade de termos
também no ambiente escolar alunos que optam pela oralização, o
42 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

que direciona a abordagem de forma amplamente distinta da que


discutiremos. Todavia, considerando o objetivo central do nosso
Guia (a Língua Brasileira de Sinais), entendemos que nos cabe a
reflexão do processo ensino-aprendizagem apenas do aluno que se
utiliza da LIBRAS.
Importa destacar, ainda, que diante da proposta de Educação
Inclusiva, que enfatiza a inserção de todo e qualquer aluno, inde-
pendente de suas características, no ensino regular, as políticas
públicas em Educação Especial vão orientar para que o aluno sur-
do esteja nessa modalidade de atendimento e que nada a substi-
tua. Além disso, orienta-se para que esse aluno tenha os suportes
necessários para ter sucesso em seu processo de escolarização, como
a presença do intérprete educacional, matrícula nas salas
multifuncionais (conhecida também como sala de recursos) em
horário oposto ao da escolarização, dentre outros apoios, a depen-
der de cada caso e situação.
Assim, iremos discutir nesse momento do nosso Guia sobre
as questões fundamentais para garantir essa inclusão verdadeira
e efetiva do surdo no ensino regular. Abordaremos, dessa forma,
sobre a LIBRAS no contexto escolar, o intérprete educacional e o
trabalho do professor regente diante da manifestação da diversi-
dade.

2.3.1 A LIBRAS NO CONTEXTO ESCOLAR


Entendemos que a LIBRAS é fundamental para a inclusão do
aluno surdo, e já ressaltamos isso. Todavia, sua inserção na escola e
seu uso pelo aluno surdo não garantem a inclusão efetiva. Isto é, a
LIBRAS é apenas um dos elementos necessários no processo inclu-
sivo. A comunicação tem um papel central, mas não resolve todos
os problemas e dilemas.
Primeiramente, é preciso perceber que o sistema educacional,
por si só, muitas vezes, não atende às necessidades dos alunos, in-
dependente de terem necessidades educacionais especiais ou não.
E mais, o fracasso escolar não está relacionado à inserção das pes-
soas com deficiência na escola; é um problema que tem estado
presente no cenário educacional brasileiro por diversos motivos,
que só será resolvido mediante políticas inclusivas (de fato, não
apenas de direito) que atendam as singularidades e as realidades
de TODOS os alunos.
Em segundo lugar, é necessário considerar que a implemen-
tação de uma ação/política inclusiva não é algo simples, nem ocor-
rerá em curto prazo, pois a história político-educacional brasileira
evidencia práticas excludentes por séculos. A exclusão não é algo
que alcançou apenas os alunos deficientes, mas diversos outros
EaD • UFMS
Inclusão do aluno surdo no ensino regular 43

segmentos e grupos e isso não tem a ver apenas com as caracterís-


ticas singulares desses grupos, mas, sim, com a base da sociedade
em que vivemos, que é, por princípio, excludente... e vai continu-
ar sendo, para que se mantenha.
Portanto, apesar de o discurso oficial ser inclusivo e sabermos
que é o caminho mais justo e humano para os cidadãos brasileiros,
não podemos ser ingênuos em acreditar que essa proposta se
implementará plenamente, apenas porque é, hoje, um direito le-
gal. A efetivação dessa educação que queremos depende de muitos
aspectos, não apenas operacionais, mas ideológicos também... e,
como salientamos, para que a sociedade capitalista siga se manten-
do, lugares de exclusão continuarão sendo necessários. Convém
enfatizar, portanto, que o processo de construção da escola inclusi-
va, aquela de fato preparada para atender ao aluno surdo, inclusi-
ve, ainda é um processo em evidência. As mudanças culturais não
ocorrem rapidamente e não serão plenas enquanto não estiverem
naturalizadas em todos os ambientes relacionais.
Com essas duas questões apontadas, podemos compreender
porque a presença de alunos com necessidades educacionais espe-
ciais no ensino regular é algo ainda tão questionado por algumas
pessoas ou aceito com ressalvas por outras. De fato, para o profissi-
onal que está no “chão da escola”, faltam muitos instrumentos e
adequações para colocar em prática as garantias legais e ideais. Com
relação ao surdo, a LIBRAS é um desses instrumentos que fica ape-
nas a serviço do aluno e do intérprete educacional, na maioria das
vezes, o que significa que não é parte da cultura escolar. Eis um
dilema evidenciado.
Entendemos que, para que a escola atenda ao aluno surdo com
qualidade, a LIBRAS não pode ser uma Língua desprivilegiada no
contexto escolar. Existem alguns grupos de surdos, no Brasil, que
têm contestado a inclusão nos moldes em que ela vem sendo efeti-
vada e essa discussão passa pela questão da linguagem, pois o que
existe de fato é um aluno surdo inserido numa escola pensada e
estruturada para alunos ouvintes. Seria, isso, inclusão?
Apontamos que um dos princípios inclusivos é o sentimento
de pertencimento que o aluno deve ter, isto é, não basta
oportunizar apenas o acesso, mas é preciso garantir a participa-
ção e interação desse aluno no cotidiano escolar. Como isso seria
possível se os usuários da LIBRAS se restringem apenas ao aluno
e ao intérprete? A escola, como um todo, não deveria vivenciar a
LIBRAS para que esse aluno se sinta de fato pertencente àquele
espaço? Não estamos afirmando que todos, sem exceção, devem
dominar a LIBRAS, até porque isso seria utópico de nossa parte,
mas a restrição da comunicação aponta que a inclusão para o alu-
no surdo não está efetivada.
44 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

Muitos espaços e situações podem promover a interação da


LIBRAS com toda a comunidade escolar, como, cartazes em LI-
BRAS, na escola, identificando cada espaço, a presença do instru-
tor surdo que, apesar de ser algo garantido pelo Decreto nº 5.626/
2005, não tem estado presente na escola, cursos de LIBRAS para os
professores e demais profissionais que atuam no contexto educaci-
onal, projetos e discussões sobre a LIBRAS, que valorizem a Lín-
gua e evidencie a pessoa surda como alguém importante para a
escola etc.
Com isso, queremos apontar que a LIBRAS precisa estar pre-
sente em todos os espaços possíveis dentro da escola, como a Lín-
gua Portuguesa na modalidade oral, para que a inclusão não seja
marginal. Negligenciar a LIBRAS significa silenciar o aluno surdo
duplamente, porque, além de sua situação biológica de surdez, ele
continuará sem direito a voz e vez no dia-a-dia escolar.
Assim, é de responsabilidade de todos não apenas a garantia
de que esse aluno poderá “usar” sua Língua (através da comunica-
ção dele com o intérprete) no ambiente escolar, mas, sim, o com-
promisso com a valorização e divulgação dessa Língua, pois isso
promoverá, no surdo, a sensação de que é aluno dessa escola, com
as mesmas condições de igualdade e oportunidades. Portanto, a
inclusão, com certeza, não estará garantida apenas com a presença
do intérprete educacional na escola, apesar de ser uma “peça” fun-
damental nesse processo. É sobre esse profissional que discorrere-
mos no próximo item do nosso Guia.

2.3.2 INTÉRPRETE EDUCACIONAL


Antes de aprofundarmos a reflexão sobre o intérprete educa-
cional. acreditamos ser relevante destacar sobre o intérprete de
LIBRAS, conforme segue abaixo:

• INTÉRPRETE DE LIBRAS
• Trata-se de um tradutor que se coloca entre os que ouvem e se
expressam por meio da voz e os que se comunicam por meio
de sinais e alfabeto manual.
• Facilita e media a comunicação, compreensão e acesso às in-
formações.
• Transmite os pensamentos, palavras e emoções tanto de quem
sinaliza quanto de quem fala.
• Deve ter competências nas duas Línguas: a oral e a de Sinais;
• É um profissional bilíngue, que precisa conhecer as implica-
ções da surdez no desenvolvimento do indivíduo surdo.
EaD • UFMS
Inclusão do aluno surdo no ensino regular 45

Tem formação acadêmica, de nível médio ou superior, com-


provada por órgãos competentes.

IMPORTANTE: QUAL O PAPEL DO INTÉRPRETE?

Conforme Brasil (2003), o intérprete deve realizar a interpreta-


ção da língua falada para a língua sinalizada e vice-versa,
objetivando os seguintes preceitos básicos:
• Confiabilidade (sigilo profissional).
• Imparcialidade (ser neutro).
• Discrição (estabelecer limites em sua atuação).
• Distância profissional (separar o profissional da vida pessoal).
• Fidelidade (não emitir opiniões pessoais).

Segundo BRASIL (2003), o intérprete educacional é aquele que


atua como profissional intérprete de Língua de Sinais na educa-
ção. É a área de interpretação mais requisitada, atualmente. Toda-
via, muitas vezes, o papel do intérprete em sala de aula acaba sen-
do confundido com o papel do professor. E, então, temos um con-
flito. Em algumas situações, os professores remetem aos intérpre-
tes suas dúvidas, pedem opiniões de como proceder com o aluno
surdo. Em outras situações, os professores passam para o intérpre-
te a responsabilidade pelo aluno surdo, como se estivessem tiran-
do “um peso de seus ombros”. Há ainda situações em que os alu-
nos surdos fazem seus questionamentos ao intérprete e não ao pro-
fessor, devido à confiança que depositam nesse profissional.
Assim, vamos destacar algumas funções que NÃO são especí-
ficas do intérprete educacional, segundo BRASIL (2003):
• Tutorar os alunos surdos.
• Apresentar informações a respeito do desenvolvimento dos
alunos.
• Acompanhar os alunos.
• Disciplinar os alunos.
• Realizar atividades gerais extraclasse.
Dessa forma, devemos considerar que, no ambiente escolar,
na sala de aula, o professor regente é a figura que tem autoridade e,
considerando a ética, o intérprete deve se manter neutro. É claro
que os intérpretes têm o direito (e devem fazer isso) de procurar o
professor anteriormente à aula e solicitar informações a respeito
dos conteúdos que serão trabalhados, para que possam melhor se
preparar para sua atuação. Mas seu papel principal se restringe
46 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

apenas à mediação da comunciação, com competência linguística


na Língua Portuguesa e na LIBRAS, possibilitando ao aluno surdo
o acesso às informações que estão sendo socializadas na sala de
aula.

IMPORTANTE:

O intérprete educacional, para atuar na área da educação, deve-


rá intermediar as relações entre os professores e os alunos, bem
como, entre os colegas surdos e colegas ouvintes.

Assim, destacamos que, em momento algum, durante a pre-


sença do aluno surdo em sala de aula, ele pode ser privado da co-
municação. Todos os acontecimentos devem ser informados, des-
de a explicação do professor, o colega que, por ventura, faça algu-
ma indagação, o comentário sobre o assunto que esteja sendo estu-
dado, enfim... o intérprete tem a função de, não apenas interpretar
a aula, mas também mediar toda e qualquer relação de ensino,
visando favorecer a aprendizagem do aluno surdo. O aluno não é
sua responsabilidade, mas transmitir todas as situações que envol-
vem o contexto da sala de aula sim. Da mesma forma, cabe ao
intérprete ser “a voz” do aluno surdo, traduzindo suas dúvidas e
comentários, tanto para o professor quanto para os colegas.
Mesmo considerando a importância desse profissional para a
inclusão do aluno surdo no ensino regular, devemos salientar que
o intérprete educacional não promove a inclusão sozinho. Segun-
do Lacerda (2006),

[...] a presença do intérprete de Língua de Sinais não é suficiente


para uma inclusão satisfatória, sendo necessária uma série de
outras providências para que este aluno possa ser atendido ade-
quadamente: adequação curricular, aspectos didáticos e
metodológicos, conhecimentos sobre a surdez e sobre a língua
de sinais, entre outros (p. 176).

Dessa forma, ainda precisamos considerar um último aspecto


que julgamos central para uma inclusão de qualidade destinada ao
aluno surdo: o trabalho do professor regente.

2.3.3 PROFESSOR REGENTE E A DIVERSIDADE


O papel do professor regente também é substancialmente es-
sencial no processo de inclusão do aluno surdo, pois, sem a sua
EaD • UFMS
Inclusão do aluno surdo no ensino regular 47

intervenção, dificilmente o ambiente da sala de aula será propício


para a escolarização desse aluno. Esse professor, conforme o De-
creto nº 5.626/2005, deve ser um profissional preparado para lidar
com a diversidade e, no caso do aluno surdo, com as especificidades
apresentadas por um aluno que se utiliza de uma outra Língua
para se comunicar. Assim, ele precisa estar atento às singularida-
des que o aluno surdo apresenta, valorizando-as como um fator
decisivo para o crescimento pessoal e intelectual de todos.
Temos consciência que trabalhar com e na diversidade não é
uma tarefa fácil, mas é urgente, considerando que a diversidade é
uma característica tipicamente humana; portanto, presente em
qualquer sala de aula, independente da inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais.
Nesse sentido, a primeira questão que queremos refletir é:

Qual a intencionalidade da proposta de ensino?


Afirmamos que o professor, e principalmente aquele que quer
contribuir com a construção de uma escola inclusiva, precisa ques-
tionar sobre a intenção de sua proposta de ensino, pois é essa
intencionalidade que orientará a sua proposta pedagógica e, nesse
sentido, o aluno (surdo, por exemplo), deve ser o foco de sua ação.
Muitos professores têm como intenção em suas propostas de
ensino o resultado apresentado pelos alunos e, nesse caso, aquele
aluno que apresenta um resultado diferente do “esperado” ou di-
ferente dos seus pares, fica à margem do processo. Sobre essa ques-
tão, Carvalho (2008) afirma que:

[...] uma escola que privilegie o rendimento escolar do aluno ou


o seu bom comportamento e que construa seu projeto político
pedagógico com essa intenção, provavelmente será uma escola
excludente (p. 95).

Assim, afirmamos que é de fundamental importância que a


intenção da proposta de ensino seja significativa para o aluno sur-
do, motivadora e prazerosa. Isso requer, por exemplo, o uso de
recursos visuais e a valorização das expressões corporais e faciais.
Outra questão que gostaríamos de inferir é:

Como construir um currículo para a diversidade?


O currículo é um aspecto fundante na proposta de educação
inclusiva para o aluno surdo, pois as ações não podem se centrar
apenas na transmissão de conteúdos. Se esperarmos, por exem-
48 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

plo, que o aluno surdo domine os conteúdos relacionados à Lín-


gua Portuguesa e ele não atender a isso, como os alunos ouvintes,
estaremos privilegiando o ensino e não a aprendizagem. E essa é
uma atitude excludente, porque estaremos avaliando a partir das
suas limitações e não as suas potencialidades. As atividades de apren-
dizagem devem considerar as diferenças individuais, partindo sem-
pre do princípio de que a sala de aula é heterogênea.
Assim, cabe ao professor a adaptação do currículo, pois é só a
partir da flexibilização curricular que poderemos garantir que to-
dos os alunos tenham experiências de aprendizagem relevantes,
adequadas às suas características individuais.
Segundo Carvalho (2008):

As adaptações curriculares consistem em modificações esponta-


neamente realizadas pelos professores e, também, em todas as
estratégias que são intencionalmente organizadas para dar res-
postas às necessidades de cada aluno (p. 105).

É importante esclarecer que a adaptação curricular não se re-


fere à criação de um currículo paralelo, mas, sim, adequações à
proposta curricular adotada; adequações essas que flexibilizem o
processo de ensino-aprendizagem para atender a todos os alunos.
Carvalho (2008) ainda assevera que:

Promovendo adaptações no currículo, estaremos oferecendo a


possibilidade de maior participação dos alunos com necessida-
des educacionais especiais, levando-as a alcançar objetivos do
currículo comum, por meio de um currículo adequado às suas
características e necessidades específicas (p. 108).

Assim, as adaptações curriculares devem ter como objetivo


favorecer a aprendizagem de todos, sendo um caminho possível,
viável e salutar na construção da educação inclusiva.
Por fim, uma última questão merece nossa atenção:

Como Avaliar?
A avaliação é outra questão que tem promovido intensos de-
bates e reflexões na educação de alunos surdos, pois, mais uma
vez, não se pode esperar desse aluno os mesmos resultados “escri-
tos” dos alunos ouvintes, considerando a sua especificidade
linguística.
EaD • UFMS
Inclusão do aluno surdo no ensino regular 49

Em muitas situações escolares, a avaliação tem critérios úni-


cos, instrumentos padrão, o que sinaliza para a homogeneidade,
em detrimento da heterogeneidade e das diferenças.
Diante do exposto, podemos apontar que o professor que irá
trabalhar com o aluno surdo deve se preocupar com os seguintes
aspectos:

• Considerar que as diferenças individuais são inerentes aos


alunos.
• Valorizar a especificidade linguística do aluno surdo.
• Adaptar e/ou flexibilizar o currículo para que todos (inclusive
o aluno surdo) possam participar efetivamente do processo
educacional.
• Promover um espaço de ensino que não permita barreiras
atitudinais, de forma que o aluno surdo participe através da
intervenção do intérprete educacional, de todos os momen-
tos do dia-a-dia da sala de aula.
• Ter uma intencionalidade de ensino que abarque a diferença
apresentada pelo aluno surdo.
• Dispor o trabalho pedagógico centrado na aprendizagem de
todos os alunos, não cabendo atividades excludentes.
• Organizar os tempos e os espaços de aprendizagem.

Avaliar de forma coerente, respeitando a diferença semântica


do aluno surdo.

Para encerrar esta Unidade, asseveramos que:

A tarefa é criar espaços educacionais onde a diferença esteja pre-


sente, onde se possa aprender com o outro, sem que os aspectos
fundamentais do desenvolvimento de quaisquer dos sujeitos
sejam prejudicados [...] não se trata de inserir a criança surda
nas atividades propostas para ouvintes, mas de pensar ativida-
des que possam ser integradoras e significativas para surdos e
ouvintes (LACERDA, 2006, p. 181).

Assim, apresentamos algumas estratégias metodológicas e de


organização do ambiente da sala de aulas, indicadas por Fernandes
(2006), visando facilitar a relação entre surdos e ouvintes no ambi-
ente escolar:
50 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

• Combinar diferentes tipos de agrupamento de alunos, faci-


litando a visualização da sala pelo aluno e sua consequente
interação com os colegas.
• Introduzir métodos e estratégias visuais complementares à
Língua de Sinais no desenvolvimento das atividades
curriculares, a fim de facilitar a comunicação e a aprendiza-
gem dos alunos surdos.
• Planejar atividades com diferentes graus de dificuldade e
que permitam diferentes possibilidades de execução (pes-
quisa, questionário, entrevista, etc.) e expressão (apresenta-
ção escrita, desenho, dramatização, maquetes, etc.).
• Propor várias atividades para trabalhar um mesmo conteú-
do (vivências, observações, leitura, pesquisa, construção
coletiva, etc.).
Acrescentamos, ainda, uma última estratégia que considera-
mos fundamental no processo de inclusão do aluno surdo: a valo-
rização, em todos os momentos, dentro e fora da sala de aula, da
Língua de Sinais. A próxima Unidade do nosso Guia se propõe à
apresentação da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), destacando
seus aspectos linguísticos, sua estrutura e as diferenças em relação
à Língua Portuguesa.

2.4 INTERAGINDO COM O TEXTO


1. Vimos, nesta Unidade, sobre a inclusão do aluno surdo no
ensino regular. Faça um texto destacando os desafios e as
perspectivas dessa proposta. Termine o texto colocando a
sua opinião pessoal sobre a inclusão e debata em grupo a
seguinte questão: Você é favorável à inclusão do aluno sur-
do? Por quê?
2. Em um quadro, destaque, de um lado o papel do profes-
sor regente da sala de aula do ensino regular e, do outro,
o do professor intérprete. Após esse exercício, escreva um
parágrafo enfatizando quais estratégias, na sua opinião,
poderiam ser utilizadas por esses profissionais para reali-
zarem um trabalho em parceria, conjunto, visando a
aprendizagem do aluno surdo na perspectiva da educa-
ção inclusiva.
3. Destaque, pelo menos, três características da educação
inclusiva e três formas possíveis de inserção da LIBRAS
no contexto escolar. Compartilhe suas ideias com seus co-
legas.
EaD • UFMS
Inclusão do aluno surdo no ensino regular 51

Para aprofundamento... SUGESTÃO DE FILME:


Assista ao Filme: O Poder da Esperança, de 2007, dirigido
por Steven Sawalich.
Sinopse: Durante a infância, Richard
Pimentel teve que enfrentar a instabilida-
de de sua mãe e a morte de seu pai. Na
adolescência, começa a expor seus proble-
mas aos colegas de escola e descobre o dom
para discursos. Quando entra na Univer-
sidade, Richard conhece seu ídolo Ben
Padrow, que o rejeita como seu mentor
por achar que ele só poderia ter muitos
temas para debate, após ter vivido uma
vida inteira. O jovem e ambicioso Richard
vê, então, seus sonhos se desmoronarem
e resolve se alistar no exército. Durante o combate no Vietnã, ele
acaba perdendo a audição por causa de uma explosão. Ao retornar
para a civilização, Pimentel tem que enfrentar sua nova condição.
Diante das dificuldades, ele se empenha para mostrar que não é
inferior a ninguém e começa a defender ideias sobre os direitos
dos deficientes.
52 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS
EaD • UFMS
Inclusão do aluno surdo no ensino regular 53

ESTUDO DE LIBRAS

Unidade 3

LÍBRAS
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS
54 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS
EaD • UFMS
Libras - Língua Brasileira de Sinais 55

Unidade 3

LÍBRAS - LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

Após termos discutido a relação entre surdez e linguagem e a


inserção do aluno surdo no ensino regular, vamos, neste momen-
to, refletir especificamente sobre a Língua Brasileira de Sinais. As-
sim, esta Unidade tratará sobre os aspectos que constituem a LI-
BRAS enquanto uma Língua, com estrutura linguística própria e
as diferenças entre essa Língua tão específica e a Língua Portugue-
sa. Vamos conhecer, também, a escrita de Sinais, um tema recente
e polêmico no País.

“Tenho apenas duas mãos e o senti-


mento do mundo”...
(Carlos Drummond de Andrade)

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


Esta Unidade tem como objetivos:
• Apresentar a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, desta-
cando suas principais características, estrutura e formato.
• Demonstrar as diferenças existentes entre a LIBRAS e a Lín-
gua Portuguesa.
• Conhecer a escrita de Sinais.

3.1 O QUE É LIBRAS

TEXTO
Afinal, o que é LIBRAS???
• Significa Língua Brasileira de Sinais.
• É uma Língua completa, com gramática e estrutura própri-
as, como qualquer Língua oral.
• É capaz de expressar qualquer idéia, situação ou sentimento.
• É uma Língua gestual-visual (ou espacial-visual), portanto,
totalmente diferente da Língua Portuguesa, que é oral-au-
ditiva.
56 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

• A informação linguística é recebida pelos olhos e reproduzida


pelas mãos.
• É a Língua utilizada pelos surdos, no Brasil, ou seja, cada
país tem sua própria Língua. Portanto, a LIBRAS não é uni-
versal.
• Pode ser aprendida por qualquer pessoa interessada em se
comunicar com as pessoas surdas.
• Possui gramática, semântica, pragmática, sintaxe e outros
elementos que constituem qualquer outra Língua.
• É uma Língua viva e autônoma, reconhecida pela linguística.
Estudos demonstram que a Língua de Sinais apresenta uma
organização neural semelhante à Língua oral, ou seja, se organiza
no cérebro da mesma maneira que as Línguas faladas. Isto é, a
capacidade de representação, a simbolização e a formação de con-
ceitos ocorrem tanto em crianças ouvintes quanto em crianças sur-
das expostas à Língua de Sinais. Portanto, reafirmamos que quan-
to mais cedo a criança tiver contato com sua própria Língua, mais
cedo ela se desenvolverá intelectualmente, dará sentido ao mundo
e à sua existência e estabelecerá relações sociais que refletirão em
sua vida adulta.
A LIBRAS possibilita o desenvolvimento cognitivo do surdo,
favorecendo os caminhos necessários para sua relação com o meio
e com o outro. A comunicação possibilita a ele a descoberta do
mundo e dá sentido às vivências.
Partindo, então, do princípio de que a LIBRAS é um sistema
linguístico legítimo e não um problema do surdo ou uma patolo-
gia da linguagem, passaremos a estudar a estrutura dessa Língua,
para compreendermos a sua organização interna. Para tanto, va-
mos nos basear nos estudos de Quadros e Karnopp (2004).

3.1.1 FONOLOGIA DA LÍNGUA DE SINAIS


Fonologia é o ramo da linguística que objetiva identificar a es-
trutura e a organização dos constituintes fonológicos. No caso da
Língua de Sinais, Quadros e Karnopp (2004) apontam que a
fonologia tem duas tarefas: determinar quais são as unidades míni-
mas que formam os sinais e estabelecer quais os padrões possíveis
de combinação entre essas unidades e as variações possíveis no am-
biente fonológico. As unidades mínimas na Língua de Sinais, assim
como na Língua Portuguesa, são identificadas por fonemas.
A Língua de Sinais possui uma gramática, isto é, um sistema
de regras que regem os símbolos. Os articuladores primários das
Línguas de Sinais são as mãos; um sinal pode ser articulado com
uma ou duas mãos. Os sinais são formados a partir da combinação
EaD • UFMS
Libras - Língua Brasileira de Sinais 57

do movimento das mãos com um determinado formato em um


determinado lugar, podendo esse lugar ser uma parte do corpo ou
um espaço em frente ao corpo. Essas articulações das mãos, que
podem ser comparadas aos fonemas, são chamadas de parâmetros.
Segundo Felipe (2001), nas Línguas de Sinais podem ser encontra-
dos os seguintes parâmetros:
• Configuração das mãos: são formas das mãos, que podem
ser da datilologia (Alfabeto Manual) ou outras formas feitas
pela mão predominante (mão direita para os destros), ou
pelas duas mãos do emissor ou sinalizador.
• Ponto de articulação: é o lugar onde incide a mão predomi-
nante configurada, podendo essa tocar alguma parte do cor-
po ou estar em um espaço neutro vertical (do meio do cor-
po até à cabeça) e horizontal (à frente do emissor). Compre-
ende todos os pontos dentro do raio de alcance das mãos
em que os sinais são articulados.
• Movimento: os sinais podem ter um movimento ou não.
Segundo Klima e Belugi apud Quadros e Karnopp (2004), o
movimento é definido como um parâmetro complexo que
pode envolver uma vasta rede de formas e direções, desde
os movimentos internos da mão, os movimentos do pulso e
os movimentos direcionais no espaço.
• Orientação/Direcionalidade: os sinais têm uma direção com
relação aos parâmetros acima. Conforme Quadros e Karnopp
(2004), a orientação é, por definição, a direção para a qual a
palma da mão aponta
na produção do sinal:
para cima, para baixo,
para o corpo, para a
frente, para a direita ou
para a esquerda.
• Expressão facial e cor-
poral: muitos sinais,
além dos quatro parâ-
metros mencionados,
em sua configuração,
têm como traço dife-
renciador também a
expressão facial e cor-
poral, que pode ocorrer
no rosto, na cabeça ou
no tronco.
Conheça, ao lado, algumas
configurações de mãos:
Fonte: www.mundodosilencio.blogspot.com
58 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

Algumas dessas configurações de mãos são utilizadas, tam-


bém, no Alfabeto Manual, que é composto por configurações que
representam as letras do alfabeto ocidental, possibilitando a for-
mação de qualquer palavra da Língua Portuguesa.
A datilologia (Alfabeto Manual) é usada para expressar nome
de pessoas, lugares, dúvidas e outras palavras que não possuem
sinal e é representada da seguinte maneira: E-S-C-O-L-A. Conheça
o Alfabeto Manual abaixo:

Fonte: Dicionário de LIBRAS (http://www.dicionariolibras.com.br/)

3.1.2 MORFOLOGIA DA LÍNGUA DE SINAIS


Morfologia é o estudo da estrutura interna das palavras ou
dos sinais, assim como das regras que determinam a formação das
palavras. Conforme Quadros e Karnopp (2004), associar o sinal
com o seu significado correspondente faz com que as pessoas iden-
tifiquem os sinais da Língua. Os sinais pertencem a categorias
lexicais ou a classe de palavras, tais como, nome, verbo, adjetivo
etc. As Línguas de Sinais têm um léxico e um sistema de criação de
novos sinais em que as unidades mínimas com significados (cha-
mados de morfemas) são combinadas.
EaD • UFMS
Libras - Língua Brasileira de Sinais 59

Uma das questões léxicas da LIBRAS refere-se ao empréstimo


linguístico feito da Língua Portuguesa. Existem algumas palavras
que não têm sinal correspondente; assim, empresta-se a palavra da
Língua Portuguesa, fazendo-a através do Alfabeto Manual. Por exem-
plo, a palavra diafragma não tem um sinal específico. Assim, em
uma interpretação, utiliza-se o Alfabeto Manual e a palavra é soletra-
da. A incorporação de palavras estrangeiras no vocabulário de uma
Língua é algo que acontece em todas as Línguas e não apenas no
caso da LIBRAS. A Língua Portuguesa tem diversas palavras que são
empréstimos linguísticos, como “jeans”, por exemplo.
Nas Línguas de Sinais, há um outro léxico denominado “clas-
sificadores”. Quadros e Karnopp (2004) destacam que os classifi-
cadores são usados para especificar os movimentos e a posição de
objetos e pessoas ou para descrever o tamanho e a forma de obje-
tos. São formas complexas em que a configuração de mão, o movi-
mento e a orientação/direcionalidade podem especificar qualida-
des de um referente. Por exemplo: existe o sinal de pessoa. Toda-
via, para descrever se a pessoa está em movimento ou não, em pé
ou sentada, é necessário utilizar um classificador. O classificador
altera o sentido, dependendo do movimento. Observe o exemplo
abaixo, que se refere a classificadores do sinal “pessoa” e “veículo”.

Fonte: FELIPE (2001)

Os classificadores podem ser:


• Descritivos: quando se descreve uma imagem, pessoa ou
objeto.
• Especificadores: quando se descreve a forma, o tamanho, a
textura, etc.
60 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

• De Plural: quando o plural é incorporado ao sinal através do


classificador, intensificando o próprio sinal.
• Instrumentais: quando se incorpora um instrumento na in-
terpretação, descrevendo a ação gerada por ele.
• De corpo: quando se descreve como uma ação acontece na
realidade por meio da expressão corporal.
Quadros e Karnopp (2004) salientam que uma das principais
funções da Morfologia é a mudança de classe, isto é, a utilização da
idéia de uma palavra em uma outra classe gramatical. Forma-se
um novo sinal para se utilizar o significado de um sinal já existente
num contexto que requer uma classe gramatical diferente. Um
tipo do processo morfológico comum na LIBRAS é aquele que
deriva nomes de verbos através da mudança no tipo de movimen-
to. O movimento dos nomes repete e encurta o movimento dos
verbos, conforme exemplo abaixo:

Fonte: Quadros e Karnopp (2004)


EaD • UFMS
Libras - Língua Brasileira de Sinais 61

Portanto, percebemos que a LIBRAS apresenta um padrão


regular para a distinção entre nomes e verbos. É o movimento que
cria a diferença no significado entre os dois tipos de sinais, ou seja,
a orientação/direcionalidade e a configuração de mãos são as mes-
mas, mas o movimento é diferente.
Há, também, tanto na LIBRAS como na Língua Portuguesa,
sinais compostos. Por exemplo, casa e estudar, isoladamente, têm
sentidos próprios, isolados. Quando usados em sequência (como
um sinal composto) significa “escola” (casa de estudo). Assim, ocor-
rem com muitos outros sinais. Portanto, o resultado de uma com-
posição é que um novo significado é criado. Dessa forma, não é
possível predizer o significado de um novo sinal apenas olhando o
significado dos sinais que formam o composto. O “novo sinal” só
tem sentido quando realizado sequencialmente.
Uma outra característica lexical da LIBRAS é que os morfemas
(unidades mínimas com significado) podem se combinar para
criar novos significados. Nos sinais relacionados ao tempo, per-
cebemos claramente isso. O conceito, por exemplo, de dois me-
ses ou três meses, pode ser expresso pela mudança na configura-
ção de mão do sinal. Pela mudança na configuração de mão de 1
para 2 ou para 3, o número de meses referidos muda, apesar da
orientação/direcionalidade e expressão facial/corporal continua-
rem as mesmas. Veja no exemplo abaixo. Conforme Quadros e
Karnopp (2004) esse processo é conhecido como incorporação
de numeral.

Fonte: Quadros e Karnopp (2004)


62 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

Há, também, outro processo produtivo na LIBRAS que é a


incorporação da negação. Veja os exemplos:

Fonte: Quadros e Karnopp (2004)

Observe que, no caso da negação, a expressão se modifica,


dando o sentido contrário ao sinal de base.
Por fim, na discussão lexical, é preciso destacar que a LIBRAS
tem flexão. A flexão pode se referir à pessoa, número, grau, modo
etc. Confira na ilustração abaixo:

Fonte: Quadros e Karnopp (2004)


EaD • UFMS
Libras - Língua Brasileira de Sinais 63

Fonte: Quadros e Karnopp (2004)

Há várias formas de se determinar os pontos estabelecidos no


espaço. A mais comum é apontar explicitamente, envolvendo refe-
rentes presentes ou não-presentes. Por exemplo, ao ser relatada
uma história com dois personagens principais, normalmente, um
deles será estabelecido à direita do sinalizador, enquanto o outro
será estabelecido à esquerda. Caso se introduza um terceiro refe-
rente, ele será estabelecido em um ponto diferente no espaço.
As possibilidades de estabelecimento de referentes são inú-
meras e muito importantes, pois isso nos possibilita contar uma
história em LIBRAS, de forma criativa, mostrando personagens,
localizando-os no espaço, para que a compreensão do surdo seja
64 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

clara e memorável. Todos os referentes estabelecidos no espaço fi-


cam à disposição do discurso para serem referidos novamente, sem-
pre que necessário. Consideramos essa uma característica especial
da LIBRAS. Destacamos, ainda, que a direção do olhar e a posição
do corpo também podem servir para estabelecer referentes. Ob-
serve:

Fonte: Quadros e Karnopp (2004)

Os verbos e substantivos, na LIBRAS, apresentam flexão de


número. A mais básica é a distinção entre o singular e o plural, que
é marcada através da repetição do sinal.
Ainda, na perspectiva da flexão, várias dimensões podem ser
assumidas para representar as formas que os sinais podem acessar.
Conheça algumas delas:
EaD • UFMS
Libras - Língua Brasileira de Sinais 65

Fonte: Quadros e Karnopp (2004)


66 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

Finalmente, abaixo vamos destacar algumas últimas caracte-


rísticas da Morfologia da LIBRAS:
• As classes de palavras (substantivo, adjetivo, verbo, advér-
bio etc...) são determinadas pelo contexto linguístico.
• Os graus aumentativo e diminutivo podem, muitas vezes,
ser obtidos por diferentes expressões faciais que acompa-
nham a articulação manual dos sinais.
• O número de preposições e conjunções isoladas é restrito,
porém a LIBRAS usa a direcionalidade para estabelecer as
relações características das preposições e conjunções em
Português.

3.1.3 A SINTAXE DA LÍNGUA DE SINAIS


Segundo Quadros e Karnopp (2004), a LIBRAS é organizada
espacialmente de forma tão complexa quanto as Línguas orais-au-
ditivas. Assim, para analisar alguns aspectos da sintaxe de uma Lín-
gua de Sinais, é preciso “enxergar” esse sistema que é visual-espa-
cial e não oral-auditivo.
A ordem das palavras é um conceito básico relacionado com
a estrutura da frase de uma Língua. Portanto, concordamos com
Quadro e Karnopp (2004), que salientam que a ordem subjacente
das palavras na LIBRAS é uma peça chave na estrutura da frase.
Verificamos que a LIBRAS apresenta certa flexibilidade na or-
dem das palavras. Todavia, a ordenação mais básica ou a mais
presente é: Sujeito-Verbo-Objeto, como, por exemplo: ELE-GOS-
TA-FUTEBOL. Existem outras possibilidades de construção da
frase, como Objeto-Sujeito-Verbo (FUTEBOL-ELE-GOSTA), ou
Sujeito-Objeto-Verbo (ELE-FUTEBOL-GOSTA), ou ainda, Verbo-
Objeto-Sujeito (GOSTA-FUTEBOL-ELE). Todavia, essas outras
três possibilidades são ordenações derivadas de SUJEITO-VER-
BO-OBJETO.
Já os advérbios podem variar de posição, estando no início ou
no final da sentença. Exemplo: JOÃO-COMPRAR-CARRO-AMA-
NHÃ, que pode também ser sinalizada assim: AMANHÃ-JOÃO-
COMPRAR-CARRO.
Na sintaxe da LIBRAS, o tópico é algo fundamental. Qua-
dros e Karnopp (2004) definem tópico como o tema do discurso
que apresenta uma ênfase especial posicionado no início da fra-
se e seguido de comentários a respeito desse tema. Por exem-
plo: FUTEBOL-JOÃO-GOSTA. Ou seja, primeiro mostra-se o
tópico (Futebol) e depois a informação a respeito desse tópico
(João gosta).
EaD • UFMS
Libras - Língua Brasileira de Sinais 67

3.1.4 A SEMÂNTICA DA
LÍNGUA DE SINAIS
A Semântica refere-se à natureza, função e uso dos significa-
dos, que podem ter variação regional e social. Quanto à Semânti-
ca da LIBRAS, aspecto de fundamental importância para a análi-
se da produção textual do aluno surdo, destacamos alguns aspec-
tos:
• O significado de um sinal pode não corresponder exatamen-
te ao de uma palavra equivalente em Português.
• Palavras polissêmicas (com vários significados), em LIBRAS,
podem não ter equivalentes polissêmicos em Português e
vice-versa.
• As expressões de polidez são, muitas vezes, obtidas pelo uso
de expressões faciais.
• Os atos de fala podem se distinguir pelas expressões faciais
e pelo ritmo que são equivalentes às entonações em Portu-
guês.
Diante da estrutura gramatical da LIBRAS apresentada, pode-
mos afirmar que a LIBRAS é, de fato, uma Língua, pois possui
todas as características para atingir esse status. Esse entendimento
é central no processo ensino-aprendizagem, pois o professor não
pode esperar do aluno surdo a mesma produção textual e entendi-
mento da Língua Portuguesa que espera do aluno ouvinte, já que
sua forma de pensar e significar se dá em outra estrutura linguística,
que não é melhor nem pior que a da Língua Portuguesa, é apenas
diferente. São sobre essas diferenças que trataremos no próximo
item.

3.2 DIFERENÇAS ENTRE A LIBRAS


E A LÍNGUA PORTUGUESA
Apesar de deixarmos evidente os aspectos que tornam a LI-
BRAS uma Língua completa, o fato de a ela ser sinalizada levam
ainda à crença de que a LIBRAS é apenas uma representação
gestual da Língua Portuguesa. Já apontamos que ela não é deri-
vada da Língua Portuguesa e contém estruturas e processos que
não encontramos no Português. Tampouco, a LIBRAS é uma
Língua simplificada, como alguns dizem, reduzida em seu vo-
cabulário. Pelo contrário, é uma Língua com gramática própria
e única.
Apresentamos abaixo uma tabela que ilustra algumas das prin-
cipais diferenças entre a LÌBRAS e a Língua Portuguesa.
68 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

LIBRAS Língua Portuguesa

Visual-espacial Oral-auditiva

Baseada nas experiências visuais Baseada nos sons


Apresenta uma sintaxe espacial Usa uma sintaxe linear, utilizando
incluindo os chamados a descrição para captar o uso de
“classificadores” “classificadores”
Utiliza referências através de
Utiliza referências, mas algumas
pontos estabelecidos no espaço
frases apresentam ambiguidades
que exclui ambiguidades
O gênero é marcado a ponto de
Não tem marcação de gênero
ser redundante
Atribui um valor gramatical às Esse fator não é considerado
expressões faciais como relevante
A escrita não é alfabética A escrita é alfabética

Sobre essa última diferença (relacionada à escrita), considera-


mos ser importante um rápido aprofundamento. Faremos isso no
próximo item.

3.3 ESCRITA DE SINAIS


Uma das questões que permeiam a educação de surdos se refe-
re ao registro das produções das crianças. Quadros (2000) destaca
que as formas de registros iniciais são essencialmente visuais e preci-
sam refletir a complexidade da LIBRAS. Essa autora defende que
uma forma escrita da Língua de Sinais torna-se emergente, pois o
sistema escrito de Sinais expressa as configurações de mãos, os mo-
vimentos, as direções, a orientação das mãos, as expressões faciais
associados aos sinais, bem como relações gramaticais que são im-
possíveis de serem captadas através do sistema de escrita alfabético.
Veja abaixo um exemplo da escrita de Sinais.

Fonte: http://3.bp.blogspot.com
EaD • UFMS
Libras - Língua Brasileira de Sinais 69

Quadros (2000) coloca que, diante da experiência com o siste-


ma de escrita que se relaciona com a Língua em uso, a criança
passa a criar hipóteses e a se alfabetizar. A autora ainda ressalta que
a experiência com o sistema de escrita significa ler essa escrita e,
portanto, para ela, a literatura impressa em Português, que é a que
está disponível ao aluno surdo na escola, é um dos pontos críticos
do processo de escolarização desse aluno.
Não vamos nos ater a essa discussão, pois entendemos que
não é o objetivo deste Guia, mas consideramos importante infor-
mar que essa é uma questão que está em voga, no Brasil. No mo-
mento, a Legislação tem apontado para a escrita do surdo na Lín-
gua oficial do País, ou seja, a Língua Portuguesa. A escrita de Si-
nais é um sistema que tem sido amplamente desenvolvido nos
Estados Unidos e é conhecido, também, no Brasil, como Sign
Writing. Apesar de não ser um sistema de escrita oficial ainda no
País, tem sido alvo de discussões e debates relacionados à educa-
ção de surdos.

3.4 INTERAGINDO COM O TEXTO


1. Vimos na Unidade anterior sobre os principais amparos
legais que garantem a inclusão da LIBRAS no ensino re-
gular. E vimos, nesta Unidade, a estrutura da LIBRAS,
enquanto uma Língua completa e reconhecida pela
linguística. Diante dessas duas questões, faça um texto
dissertativo sobre a inserção da LIBRAS nos cursos de for-
mação de professores. Você considera isso importante? Por
quê?
2. Realize uma pesquisa histórica sobre a escrita de Sinais.
Busque informações sobre o local em que se iniciou essa
possibilidade de registro, como ela foi sendo vista e como
está sendo discutida no Brasil. Termine sua pesquisa sa-
lientando sobre a sua opinião a esse respeito. O que você
acha sobre o fato do aluno surdo se comunicar em uma
Língua e escrever em outra? Você acredita que a escrita
de Sinais seria uma possibilidade pedagógica eficaz para
a escolarização do aluno surdo? Discuta isso com seus
colegas.
3. Você sabia, antes do estudo desta Unidade, que a LIBRAS
é uma Língua completa, capaz de passar qualquer ideia,
sentimento ou informação? Escreva sobre isso. Destaque
qual era o seu conceito sobre essa Língua antes e o seu
entendimento agora. Compartilhe em grupo suas impres-
sões.
70 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

Para aprofundamento... SUGESTÃO DE FILME:


Assista ao Filme: Adorável professor, de 1995, dirigido por
Stephen Herek.
Sinopse: Adorável Professor é um filme
que mostra a história de um músico pro-
fissional que por necessidades financei-
ras aceita lecionar para estudantes de uma
escola pública dos Estados Unidos da
América. O professor não se sente bem
dando aulas e quer lecionar para que pos-
sa ter tempo para compor, que é o seu
grande sonho. Seus planos começam a
cair quando o professor entra em confli-
to com os alunos e, ao mesmo tempo sua
mulher revela que está grávida. Diante de tal situação, Mr. Holland
percebe que vai ter que trabalhar mais do que havia planejado. O
protagonista começa e se interessar pelas aulas que dá aos alunos e
ao mesmo tempo em que investe afetivamente na sua relação com
o filho que acabara de nascer, que só tem 10% da audição. Sua
relação com o mesmo fica deteriorada e ele se volta completamen-
te para o Magistério. O filme retrata também o início da educação
do seu filho e o esforço de sua esposa para auxiliá-lo.
EaD • UFMS
Libras - Língua Brasileira de Sinais 71

ESTUDO DE LIBRAS

Unidade 4

A LIBRAS NA SALA DE AULA


72 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS
EaD • UFMS
A Libras na sala de aula 73

Unidade 4

A LIBRAS NA SALA DE AULA

Nessa última Unidade teórica, trataremos, finalmente, da LI-


BRAS no contexto da sala de aula, espaço que, no nosso ponto de
vista, é incrivelmente fundamental e especial, pois é nesse espaço
que se estabelece ou não a aprendizagem/escolarização do aluno
surdo, que é o fim da educação de todo e qualquer aluno. Assim,
nesta Unidade, trataremos da educação bilíngue, do ensino da Lín-
gua Portuguesa como segunda Língua e do atendimento educaci-
onal especializado proposto ao aluno surdo.

“Me dá a mão que eu te direi quem


és... tuas mãos, mais que as palavras,
me falam tudo o que não dizes”...
(Natasha Kriladov)

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


Esta Unidade tem como objetivos:
• Conhecer as diferentes abordagens educacionais vividas his-
toricamente.
• Compreender a importância da educação bilíngüe no pro-
cesso de inclusão do aluno surdo.
• Discutir sobre o ensino da Língua Portuguesa como segun-
da Língua, destacando as singularidades da produção tex-
tual do aluno surdo.
• Conhecer a proposta do MEC referente ao atendimento edu-
cacional especializado, proposto ao aluno surdo na perspec-
tiva da educação inclusiva.

4.1 EDUCAÇÃO BILINGUE

TEXTO

A proposta educacional para o aluno surdo, no Brasil, hoje é o


bilinguismo. Essa perspectiva educacional direciona muitos enca-
minhamentos no que se refere ao processo ensino-aprendizagem
74 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

desse aluno. Para compreendermos esse modelo, vamos antes iden-


tificar as duas outras propostas vivenciadas no país. Trata-se do
oralismo e da comunicação total.

4.1.1 ORALISMO
A proposta oralista parte do princípio de que o surdo deve se
reabilitar para conviver em sociedade, ou seja, deve parecer o má-
ximo possível com os ditos “normais”. Tem como objetivo inte-
grar os surdos nos espaços sociais através da fala, condicionando-
os e desenvolvendo-os na linguagem oral. Para se ter uma boa co-
municação é necessário que o surdo se oralize bem.
Essa proposta educacional se impõe mundialmente a partir
do século XVIII. Conforme já mencionado, em 1878, foi realizado
o I Congresso Internacional sobre a Instrução de Surdos, em Paris.
Nas discussões ocorridas nesse Congresso, alguns educadores de-
fendiam a ideia de que falar era melhor que usar sinais. Todavia,
entendia-se que os sinais também eram importantes para a comu-
nicação.
Já o II Congresso Internacional, ocorrido em 1880, em Milão,
foi organizado por uma maioria oralista. O objetivo do Congresso
era que as discussões se transformassem em Leis que direcionassem
a educação de surdos com ênfase na linguagem oral. Com exceção
da delegação americana, todos os participantes, em sua maioria
europeus, votaram pela aprovação do uso exclusivo e absoluto da
metodologia oralista e a proibição da Língua de Sinais.
Segundo Lacerda (1998), as resoluções do Congresso foram
determinantes no mundo todo, especialmente na Europa e Améri-
ca Latina. A linguagem gestual passa a ser banida como forma de
comunicação e, portanto, não poderia mais ser utilizada nos espa-
ços educacionais. Ainda, conforme Lacerda (1998), com o Con-
gresso de Milão, termina uma época de convivência tolerada na
educação dos surdos entre a linguagem falada e a gestual e desapa-
rece a figura do professor surdo. Essa abordagem não foi questio-
nada durante quase um século. No entanto, os resultados não fo-
ram satisfatórios, pois a maioria dos surdos profundos não desen-
volveu a fala como os ouvintes. Além disso, ocorreram muitas difi-
culdades ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita. Lacerda
(1998) aponta que a leitura e escrita desses alunos eram sempre
tardias, cheias de problemas e mostravam sujeitos parcialmente
alfabetizados após anos de escolarização.
No início da década de 1950, surgem as próteses. Esse avanço
na medicina altera as possibilidades educacionais, pois a partir de
então as técnicas de aprendizagem se voltam para a vocalização,
enfocando a percepção auditiva e a leitura labial. Esperava-se que
EaD • UFMS
A Libras na sala de aula 75

com o uso da prótese as crianças com surdez grave e profunda


pudessem ouvir e, consequentemente, falar.
Inúmeras críticas começam a ser feitas a oralização, pois mes-
mo com o auxílio da prótese, a educação do aluno surdo não era
satisfatória. Essas críticas partem principalmente dos Estados Uni-
dos. Segundo Lacerda (1998):

É muito difícil para uma criança surda profunda, ainda que


“protetizada”, reconhecer, tão precocemente, uma palavra atra-
vés da leitura labial. [...] O que ocorre praticamente não pode ser
chamado de desenvolvimento de linguagem, mas sim de treina-
mento de fala organizado de maneira formal, artificial. [...] Esse
aprendizado de linguagem é desvinculado de situações naturais
de comunicação, e restringe as possibilidades do desenvolvimen-
to global da criança (p. 74).

Assim, na década de 1960, começaram a surgir estudos sobre


as Línguas de Sinais, que apontaram a linguística da Língua, pre-
sente em qualquer Língua oral. Dessa forma, o descontentamento
com o método oral e os estudos sobre as Línguas de Sinais deram
origem a novas propostas educacionais em relação ao surdo, e a
tendência que ganhou impulso nos anos 1970 foi a chamada co-
municação total.

4.1.2 COMUNICAÇÃO TOTAL


A comunicação total faz uso de vários recursos comunicativos
buscando melhoria das habilidades de fala ou de leitura oro-facial.
Nesse contexto, a Língua de Sinais é usada apenas como um dos
recursos para o ensino da Língua oral, ou seja, os sinais são usados
secundariamente, acompanhando a Língua oral, passando a ser,
muitas vezes, um português sinalizado. Isto é, significa uma tenta-
tiva de usar a estrutura gramatical da Língua Portuguesa de uma
forma representada.
Na perspectiva da comunicação total, a oralização não é o ob-
jetivo em si da comunicação, mas é uma das áreas trabalhadas para
possibilitar a integração social do surdo. Tudo que é falado pode
ser acompanhado por elementos visuais, o que facilita a aquisição
da Língua oral e posteriormente da leitura e escrita.
Na proposta da comunicação total, deve-se oferecer às cri-
anças surdas a oportunidade de aprender a utilizar qualquer
indício auditivo que possam ter, com o auxílio do melhor equi-
pamento eletrônico possível para a amplificação do som (PE-
REIRA, 2004).
76 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

Conforme Lacerda (1998), os estudos dessa prática mostram


que, em relação ao oralismo, alguns aspectos do trabalho educativo
foram melhorados e que os surdos passam a compreender e se
comunicar melhor. Entretanto, eles continuam apresentando di-
ficuldades em expressar sentimentos e ideias. A escrita continua
sendo um grande desafio educacional, pois são poucos os que
apresentam autonomia nesse modo de produção de linguagem.
Em relação aos sinais, eles ocupam um lugar acessório, um auxí-
lio à fala, não havendo espaço para se desenvolverem enquanto
Língua.
Assim, Lacerda (1998) enfatiza que os surdos atendidos se-
gundo essa orientação comunicam-se precariamente. Todavia, a
autora destaca que a comunicação total favoreceu o contato com
os sinais, que era proibido pelo oralismo, e esse contato propiciou
a aprendizagem das Línguas de Sinais pelos surdos, externamente
ao trabalho escolar. Paralelamente ao desenvolvimento das pro-
postas de comunicação total, outros estudos foram apontando para
novas alternativas educacionais, orientando para a proposta do
bilingüismo.

4.1.3 BILINGUISMO
O modelo de educação bilíngue contrapõe-se ao modelo
oralista porque considera o canal visual/gestual de fundamental
importância para a aquisição de linguagem da pessoa surda. Con-
trapõe-se, também, à comunicação total porque defende um es-
paço efetivo para a Língua de Sinais, indicando que não se “mis-
ture” uma Língua com a outra. Nesse modelo, o que se propõe
é o ensino de duas línguas: a Língua de Sinais (como primeira
Língua) e a Língua do grupo ouvinte (no caso brasileiro, a Lín-
gua Portuguesa), como segunda Língua. Conforme Lacerda
(1998):

Ao sinalizar, a criança desenvolve sua capacidade e sua compe-


tência linguística, numa língua que lhe servirá depois para apren-
der a língua falada, do grupo majoritário, como segunda língua,
tornando-se bilíngue, numa modalidade de bilinguísmo suces-
sivo (p.77).

Ainda segundo Lacerda (1998), o objetivo da educação bilíngue


é que a criança surda possa ter um desenvolvimento cognitivo-
linguistico equivalente ao verificado na criança ouvinte. Assim, a
Língua de Sinais, no ambiente escolar, deve ser valorizada. Con-
forme Pereira (2004):
EaD • UFMS
A Libras na sala de aula 77

O princípio fundamental do bilinguismo é oferecer à criança um


ambiente linguístico, em que seus interlocutores se comuniquem
com ela de forma natural, como acontece com a criança ouvinte
pela modalidade oral. A criança surda tem a possibilidade, as-
sim, de adquirir a língua de sinais como primeira língua, não
como uma língua ensinada, mas aprendida dentro de contextos
significativos para ela (p. 45).

Apesar de a Língua de Sinais ser, hoje, reconhecida como um


caminho necessário para a efetiva mudança nas condições ofereci-
das pela escola no atendimento educacional de alunos surdos, exis-
tem vários desafios na proposta bilíngue, principalmente no que
se refere ao “como” lidar com duas Línguas no mesmo espaço.
Além disso, o bilingusmo é uma proposta recente, o que exige cui-
dados especiais, como profissionais qualificados, envolvimento de
outras instituições, participação ativa do surdo etc.
No Brasil, o bilinguismo pressupõe que a segunda Língua (Lín-
gua Portuguesa) seja obrigatória apenas na modalidade escrita.
Assim, a educação bilíngüe é uma proposta de ensino que se pro-
põe a deixar acessível aos surdos as duas Línguas (sinalizada e oral/
escrita), priorizando a seguinte ordem:
• Sinais;
• Leitura;
• Escrita;
• Fala (opcional).
Ou seja, a Língua de Sinais deve ser aprendida primeiro. O
ideal é que isso aconteça no ambiente familiar, para que, quando a
criança chegue à escola, a linguagem já esteja plenamente desen-
volvida. Com essa base linguística, seria mais fácil a aprendizagem
do Português, que deve ser ensinado a partir de metodologias vol-
tadas ao ensino de segundas Línguas, iniciando-se na Educação
Infantil.
Diante das três propostas educacionais, o que fica evidente é
que, ao longo da história da educação de surdos, no Brasil, sempre
houve uma preocupação exacerbada com o desenvolvimento da
linguagem; em muitos momentos perdeu-se de vista o processo
educacional integral da criança surda. Segundo Fernandes (2006),
faz-se necessário ter um novo olhar sobre os surdos, e, sobretudo,
transformar a situação monolíngue da escola, fundada na Língua
Portuguesa, já que o contexto educacional está organizado de for-
ma que todas as interações são realizadas pela oralidade, o que co-
loca os surdos em extrema desvantagem nas relações instauradas
em sala de aula. Para essa autora, o ambiente bilíngue ideal pressu-
78 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

poria o conhecimento da Língua de Sinais pelo maior número de


pessoas na escola.
Abaixo, segue uma ilustração que indica o percurso dessas
propostas e o significado das mesmas no entendimento/identifica-
ção da pessoa surda.

Fonte: Kojima e Segala (2003)

Diante dessa realidade e das conseqüências históricas trazidas,


percebemos que o bilinguismo é de fato a melhor opção para a
educação de surdos. Todavia, uma proposta bilíngue não se efetiva
de forma rápida e simples. Fernandes (2006) destaca alguns aspec-
tos que, na sua opinião, dificultam a implementação da proposta
bilíngue. São eles:
• Desconhecimento da LIBRAS pelos pais (em sua maioria,
ouvintes).
• Propostas curriculares que não contemplam a pluralidade
linguística de grupos minoritários.
EaD • UFMS
A Libras na sala de aula 79

• Falta de professores bilíngues nas escolas onde todo o ensino é


oferecido em Língua Portuguesa, sem adequações que levem
em consideração a singularidade linguística do aluno surdo.
• Dificuldades para a identificação da surdez, precocemente,
retardando o processo de desenvolvimento da Língua de
Sinais e da Língua Portuguesa.
Essas questões desencadeiam inúmeros problemas no proces-
so de letramento da criança surda, tendo em vista que o aprendi-
zado da segunda Língua (Língua Portuguesa) se dá sem que a
maioria dos surdos tenha tido acesso à linguagem, através da aqui-
sição da primeira Língua (Língua de Sinais).
Portanto, ressaltamos que, embora brasileiras, as crianças sur-
das só aprenderão o Português se forem submetidas a um proces-
so formal de aprendizagem, com metodologias específicas e pro-
fessores especializados para este fim. Discutiremos essas questões
no próximo item do nosso Guia.

4.2 ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA


COMO SEGUNDA LÍNGUA

TEXTO

Já vimos que a limitação sensorial do aluno surdo o impede de


adquirir “naturalmente” a Língua Portuguesa, o que reflete nega-
tivamente no seu desempenho escolar. Assim, faz-se necessária a
busca de uma metodologia de ensino de Língua Portuguesa, como
segunda Língua, para surdos.
Parece que, no ensino comum, a Língua Portuguesa vem sen-
do ministrada inadequadamente para os alunos surdos, num con-
texto de metodologias que elegem o Português como Língua ma-
terna, não considerando as especificidades do processo de ensino
de uma Língua oral-auditiva a um usuário de uma Língua visual-
espacial. Isso leva a um alto índice de fracasso escolar.
Além disso, é notável que os surdos têm dificuldades na leitu-
ra e na escrita e os professores, na maioria das vezes, esforçam-se
em buscar caminhos para ensinar o Português, entretanto, com as
mesmas metodologias utilizadas para crianças que ouvem.
Assim, entendemos que a discussão do “lugar” da Língua
Portuguesa na educação de surdos deve ser realizada na formação
inicial de todos os profissionais que irão atuar na educação, pois
muitas questões podem ser solucionadas no espaço de formação.
É preciso ter claro que o aprendizado da Língua Portuguesa se
constitui em realidades diferentes para alunos surdos e ouvintes.
80 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

Apesar de decodificarem a Língua Portuguesa, os surdos têm difi-


culdades de compreensão de textos lidos. Observamos que as prá-
ticas de letramento a que os surdos foram submetidos não privile-
giaram a leitura, mas a fala.
Todavia, é possível acreditar que os surdos têm condições de
“mergulhar” no mundo da leitura e da escrita; entretanto, esse ca-
minho deve ocorrer a partir de processos visuais de significação,
que têm na Língua de Sinais seu principal elemento fundador.
Fernandes (2006) destaca que:

Aprender o português decorrerá do significado que essa língua


assume nas práticas sociais (com destaque às escolares) para as
crianças e jovens surdos. E esse valor só poderá ser conhecido
por meio da língua de sinais. O letramento, na língua portugue-
sa, portanto, é dependente da constituição de seu sentido na lín-
gua de sinais (p. 06).

Essa mesma autora nos apresenta o seguinte quadro para re-


fletirmos sobre o processo de alfabetização para alunos surdos:
Procedimentos adotados na Implicações para a aprendizagem
alfabetização de alunos surdos
Parte-se do conhecimento prévio Não há conhecimento prévio
da criança sobre a língua internalizado; a criança não
portuguesa, explorando-se a estrutura narrativas orais e
oralidade: narrativas, parlendas, desconhece o universo “folclórico”
trava-línguas, rimas etc.; da oralidade;
Impossibilidade de estabelecer
O alfabeto é introduzido relações letra x som; a criança
relacionando-se letras e palavras desconhece o léxico (vocabulário)
do universo da criança: nomes, da língua portuguesa, já que no
objetos da sala de aula, ambiente familiar sua comunicação
brinquedos, frutas etc.; Ex: A da restringe-se a gestos naturais ou
abelha, B da bola, O do ovo... caseiros (na ausência da língua de
sinais).
As sílabas iniciais ou finais das
palavras são destacadas para a A percepção de sílabas não ocorre
constituição da consciência já que a palavra é percebida por
fonológica e percepção que a suas propriedades visuais
palavra tem uma reorganização (ortográficas) e não auditivas.
interna (letras e sílabas).
A leitura se processa de forma A leitura se processa de forma
linear e sintética (da parte para o simultânea e analítica (do todo
todo); ao pronunciar seqüências para o todo); a palavra é vista
silábicas a criança busca a como uma unidade compacta; na
relação entre as imagens ausência de imagens acústicas que
acústicas internalizadas e as lhes confiram significado, as
unidades de significado palavras são memorizadas
(palavras). mecanicamente, sem sentido.
EaD • UFMS
A Libras na sala de aula 81

Portanto, percebemos que é complexo acreditar que as es-


tratégias usadas na alfabetização de alunos ouvintes possam ser
as mesmas quando se pretende alfabetizar um aluno surdo.
Assim:

Como enfrentar esse desafio metodológico?

Fernandes (2006) assevera que o primeiro passo é não esque-


cermos que a constituição de sentidos na escrita pelas crianças sur-
das decorre de processos simbólicos visuais e não auditivos. E, ain-
da, em seu processo de letramento, ela passará de uma Língua não
alfabética (Língua de Sinais) para uma Língua alfabética (Língua
Portuguesa). Ou seja, no caso dos surdos, a leitura não ocorrerá
recorrendo à relação letra/som.
Na verdade, a ideia não é simplesmente uma transferência de
conhecimentos da primeira Língua para a segunda Língua, mas,
sim, um processo paralelo de aquisição e aprendizagem em que
cada Língua apresenta papéis e valores sociais representados dis-
tintamente (QUADROS; SCHMIEDT, 2006).
Fernandes (2006) entende que o surdo percorre o seguinte
processo de leitura: primeiro, as palavras são processadas mental-
mente como um todo, sendo reconhecidas em sua forma ortográ-
fica (denominada rota lexical); depois, são “fotografadas” e memo-
rizadas no dicionário mental se a elas ocorrer alguma significação.
Se não houver sentido, tampouco houve leitura.
O exemplo abaixo ilustra perfeitamente o que é a rota
lexical:

De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não


ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia
csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur
crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol bçguana que vcoê pdoe anida
ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa,
mas a plravaa cmoo um tdoo.

Se você conseguiu ler a mensagem sem dificuldades é porque


seu dicionário mental reconheceu todas as palavras e lhes atribuiu
um sentido, não necessitando soletrar letra por letra para compre-
ender a palavra invertida. È esse o mecanismo cognitivo que per-
mitirá que os surdos passem da palavra ao significado, sem conhe-
cer seus sons.
82 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

IMPORTANTE

Segundo Fernandes (2006), rota lexical ou ortográfica: é o per-


curso cognitivo utilizado para a leitura pelos surdos. A identifi-
cação da palavra ocorre sem a pronúncia, por meio de seu reco-
nhecimento visual. As palavras são lidas com base em sua forma
ortográfica, ou seja, a palavra impressa é imediatamente relacio-
nada a um conceito, sem que seja necessário recorrer à sua es-
trutura sonora.

Apesar disso, essa mesma autora assevera que: ler não é ape-
nas reconhecer palavras isoladas, mas, sim, compreender e nego-
ciar sentidos na interação com o texto escrito. Nesse sentido, o pro-
fessor tem fundamental importância, pois é ele que irá construir
pontes de significado entre o conhecimento prévio que o aluno
traz e o conhecimento veiculado pelo texto.
Isto é, o professor precisa preparar atividades de leitura visan-
do os interesses dos alunos. Segundo Quadros e Schmiedt (2006),
a motivação para ler um texto é imprescindível. A criança surda
precisa saber por que e para que está lendo. Instigar os alunos,
durante a leitura, a curiosidade pelo desenrolar dos fatos no texto é
fundamental. Ainda, é muito importante que a criança consiga
expor seu pensamento, para que a leitura lhe seja atraente e desafi-
adora.
Fernandes (2006) assegura que:

Ler envolve compreender, identificar um significado global do


texto, situando-o em determinada realidade social, fazendo par-
te de determinado gênero discursivo e atribuindo relações e efei-
tos de sentido entre as unidades que o compõem. Esse é um pro-
cesso extremamente complexo que muitos falantes nativos do
português ainda não dominam (p. 14-15, grifos da autora).

Uma outra questão que merece nossa atenção é que é na esco-


la que o surdo geralmente terá o primeiro contato sistemático com
a Língua Portuguesa. É nesse espaço que ocorrerá, mediante inú-
meras vivências, o sentido da escrita. A única via de acesso à Lín-
gua Portuguesa para os surdos é através da escrita. Isto é, aprender
a escrita significa aprender a Língua Portuguesa. Conforme
Fernandes (2006), escrita e Língua se fundem em um único co-
nhecimento vivenciado por meio da leitura.
E é para a aprendizagem da escrita que a Língua de Sinais é
um elemento fundamental. Conforme Peixoto (2006), quanto mais
EaD • UFMS
A Libras na sala de aula 83

efetivo é o acesso da criança surda à Língua de Sinais, melhores


chances ela tem de se apropriar da escrita. Essa autora destaca que:

A Língua de Sinais instrumentaliza o surdo a interpretar e pro-


duzir palavras, frases e textos da língua escrita, assumindo papel
semelhante ao que a oralidade desempenha quando se trata da
apropriação da escrita pelo ouvinte [...] O surdo, como qualquer
sujeito bilíngüe, busca na língua que mais domina os elementos
para significar a outra língua, o que produz uma inevitável e
interessante aproximação entre as duas línguas (p. 208).

Ainda, conforme essa autora, destacamos que:

O escritor surdo não (parece) estabelece(r) a relação entre o que


se fala e o que se escreve, mas consegue, através da mediação da
língua de sinais, superar uma perspectiva inicial mais global, na
qual a escrita é vista como uma representação dos objetos, e che-
gar a uma compreensão de escrita como representação da lin-
guagem (p.226).

Nesse sentido, é fundamental que a escola e os educadores


consigam perceber a escrita do surdo à luz de todas as
especificidades que a marcam. Peixoto (2006) assevera que ignorá-
las seria perpetuar a concepção equivocada de que os surdos são
sempre péssimos escritores, pois, no imaginário social, ainda per-
petua e ideia de que, para escrever, é preciso falar.
Considerando o ensino da Língua Portuguesa escrita para cri-
anças surdas, numa modalidade de segunda Língua, Quadros (2000)
destaca que há dois recursos muito importantes a serem usados
em sala de aula: o relato de estórias e a produção de literatura in-
fantil em sinais. Infelizmente, não existem muitos materiais de li-
teratura infantil disponibilizados em LIBRAS, mas destacamos que
essa é uma área que precisa se desenvolver, pois quando o aluno
visualiza o sinal e a escrita em Português fica muito mais fácil para
ele significar e “ligar” o sinal à palavra.
Na falta de materiais em Libras, o que acontece é que a crian-
ça surda tende a ser alfabetizada na Língua Portuguesa sem ter
sido “alfabetizada” na Língua de Sinais. Conforme Quadros e
Schmiedt (2006), as oportunidades que as crianças têm de expres-
sar suas ideias, pensamentos e hipóteses sobre suas experiências
com o mundo são fundamentais para o processo de aquisição da
leitura e escrita da Língua Portuguesa.
84 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

Quadros (2000) explicita uma lista interessante de aspectos


que precisam ser explorados no processo educacional. Listaremos
alguns abaixo:
• Estabelecimento do olhar.
• Exploração das configurações de mãos.
• Exploração dos movimentos dos sinais.
• Uso de expressões não manuais gramaticalizadas.
• Utilização de “classificadores” com configurações de mãos
apropriadas.
• Exploração do Alfabeto Manual.
• Exploração da orientação da mão.
• Especificação do tipo de ação, duração, intensidade e repetição.
• Jogos de perguntas e respostas observando o uso dos itens
lexicais e expressões não manuais correspondentes.
• Estabelecimento de referentes presentes e não presentes no
discurso.
• Exploração da produção artística em sinais usando todos os
recursos sintáticos, morfológicos, fonológicos e semânticos
próprios da LIBRAS.
Os exemplos acima demonstram que a proposta é a de tornar
rica e lúdica a exploração da LIBRAS. Quadros (2000) lembra que
é através da Língua de Sinais que as crianças discutem e pensam
sobre o mundo, estabelecem relações e organizam o pensamento.
Por fim, queremos apontar alguns problemas emergentes na
educação de surdos, trazidos por Quadros (2000), que contribuem
para nossa reflexão:
• Inexistência de profissionais surdos atuando nas escolas.
• Professores que desconhecem a LIBRAS ou usam sistemas
distorcidos de comunicação.
• Desconhecimento da escrita da Língua de Sinais.
• Inexistência de literatura em Sinais registrada em vídeo e
escrita de Sinais.
• Falta de planejamento, avaliação e reflexão constante do pro-
cesso educacional com a participação efetiva de profissio-
nais surdos.
• Necessidade de elaboração de um currículo educacional com
base na LIBRAS.
• Necessidade de elaboração de um currículo para o ensino de
LIBRAS.
EaD • UFMS
A Libras na sala de aula 85

4.3 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO:


ÁREA DA SURDEZ

TEXTO

No ano de 2008, foi amplamente discutida, no Brasil, uma nova


Política Nacional de Educação Especial. Essa proposta apresenta a
inclusão como base norteadora do trabalho escolar e, nesse senti-
do, a Educação Especial passa a estar a serviço da inclusão, ofere-
cendo serviços de atendimento educacional especializado. Essa
mudança no cenário das políticas públicas influenciou também a
educação do aluno surdo.
Em setembro de 2008, foi publicado o Decreto nº 6.571, que
dispõe exatamente sobre o atendimento educacional especializa-
do, definido pelo texto legal como o conjunto de atividades, recur-
sos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente,
prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos
alunos no ensino regular (BRASIL, 2008).
A partir de então, o MEC se empenhou em produzir materiais
para distribuir nas escolas, organizar cursos de capacitação, dentre
outras ações, para socializar a proposta desse atendimento, conhe-
cido como AEE (atendimento educacional especializado), visando
que esse atendimento esteja disponível nas escolas a partir de 2010.
O material produzido foi dividido por áreas, contendo, nesse com-
pêndio, um livro específico para a pessoa com surdez.
Conforme esse material, o AEE, para os alunos com surdez
numa proposta inclusiva, deve acontecer em três momentos didá-
ticos específicos, que serão organizados em um período adicional
às horas diárias de estudo:
1. Momento de atendimento educacional especializado em
LIBRAS na escola comum, em que os conhecimentos produzidos
na escola são explicados em LIBRAS por um professor, sendo o
mesmo preferencialmente surdo. Esse trabalho deve ser realizado
diariamente.
2. Momento de atendimento educacional especializado para o
ensino de LIBRAS na escola comum, em que os alunos com sur-
dez terão aula de LIBRAS, favorecendo o conhecimento e a aquisi-
ção de termos científicos. Esse trabalho deve ser realizado prefe-
rencialmente por um professor e/ou instrutor de LIBRAS e deve
ser planejado de acordo com o diagnóstico do conhecimento que o
aluno tem da LIBRAS.
3. Momento do atendimento educacional especializado para
o ensino da Língua Portuguesa, em que são trabalhadas as
especificidades dessa Língua para pessoas com surdez. Esse traba-
86 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

lho deve ser realizado todos os dias, por um professor de Língua


Portuguesa, planejado a partir do diagnóstico do conhecimento
que o aluno tem da Língua Portuguesa.
O AEE deve, portanto, ser um trabalho de parceria entre o
professor que ministra aulas de LIBRAS, o professor da classe co-
mum e o professor de Língua Portuguesa. Os alunos, dessa forma,
são observados por todos os profissionais que trabalham com ele,
devendo ser focalizados os seguintes aspectos: sociabilidade,
cognição, linguagem, afetividade, motricidade, aptidões, interes-
ses, habilidades e talentos (DAMAZIO, 2007).

4.4 INTERAGINDO COM O TEXTO


1. Faça um quadro expondo as principais diferenças entre as
três propostas de escolarização do aluno surdo: oralismo, comuni-
cação total e bilinguismo. Expresse sua opinião sobre a que você
considera a mais adequada para a educação do surdo. Justifique.
2. Faça um Plano de aula como um professor que pretende
trabalhar com seus alunos, dentre eles um aluno surdo, algum con-
teúdo da Língua Portuguesa. Escolha um conteúdo de sua prefe-
rência e destaque, no Plano, as estratégias que você utilizaria para
ensinar esse conteúdo a toda classe, inclusive ao aluno surdo. Pen-
se em estratégias que considerem o ensino da Língua Portuguesa
como segunda Língua para esse aluno.
3. Leia a letra da música abaixo, de Roberto Carlos, intitulada
“Todos estão surdos”. Procure a música e conheça a melodia.

TODOS ESTÃO SURDOS


Desde o começo do mundo
Que o homem sonha com a paz
Ela está dentro dele mesmo
Ele tem a paz e não sabe
É só fechar os olhos e olhar pra dentro de si mesmo
Tanta gente se esqueceu
Que a verdade não mudou
Quando a paz foi ensinada
Pouca gente escutou
Meu Amigo volte logo
Venha ensinar meu povo
O amor é importante
Vem dizer tudo de novo
Outro dia, um cabeludo falou:
“Não importam os motivos da guerra
A paz ainda é mais importante que eles.”
EaD • UFMS
A Libras na sala de aula 87

Esta frase vive nos cabelos encaracolados


Das cucas maravilhosas
Mas se perdeu no labirinto
Dos pensamentos poluídos pela falta de amor.
Muita gente não ouviu porque não quis ouvir
Eles estão surdos!
Tanta gente se esqueceu
Que o amor só traz o bem
Que a covardia é surda
E só ouve o que convém
Mas meu Amigo volte logo
Vem olhar pelo meu povo
O amor é importante
Vem dizer tudo de novo
Um dia o ar se encheu de amor
E em todo o seu esplendor as vozes cantaram.
Seu canto ecoou pelos campos
Subiu as montanhas e chegou ao universo
E uma estrela brilhou mostrando o caminho
“Glória a Deus nas alturas
E paz na Terra aos homens de boa vontade”
Tanta gente se afastou
Do caminho que é de luz
Pouca gente se lembrou
Da mensagem que há na cruz
Meu Amigo volte logo
Venha ensinar meu povo
Que o amor é importante
Vem dizer tudo de novo
Analise essa letra e comente sobre ela em forma de texto. Res-
ponda à seguinte questão: Por que o título da Música? Que mensa-
gem o autor quis passar? Compartilhe sua opinião com o grupo.

Para aprofundamento... SUGESTÃO DE FILME:


Assista ao Filme: A música e o silêncio,
de 1996, dirigido por Caroline Link.
Sinopse: O filme trata com delicadeza
sobre as dificuldades em aceitar as dife-
renças nas relações familiares. A jovem
Lara é a ponte de comunicação entre os
pais surdos e o mundo exterior. Ela aten-
de os telefonemas, participa das negocia-
ções bancárias, transmite as repreensões
da professora, etc. O amadurecimento
precoce e a responsabilidade de guiar os
88 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

pais através do mundo sonoro marcam a infância de Lara. Em uma


festa de Natal, Lara ganha uma clarineta de presente. A partir de
então, a menina vive um conflito, já que seus pais não compreen-
dem sua paixão pela música. Aos 18 anos, Lara vai morar fora,
para se preparar para o exame de admissão no conservatório de
Berlim, o que provoca ciúmes em seu pai. A surdez não o priva
apenas de entender a filha, mas de estabelecer uma relação afetiva
independente. A perspectiva de perder o amor de Lara abre o ca-
minho para a reconciliação.
EaD • UFMS
A Libras na sala de aula 89

ESTUDO DE LIBRAS

Unidade 5

LIBRAS EM AÇÃO
90 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS
EaD • UFMS
Libras em ação 91

Unidade 5

LIBRAS EM AÇÃO

Esta última Unidade do nosso Guia trará alguns sinais da LI-


BRAS para que você conheça um pouco dessa Língua. O objetivo
desta Unidade é apresentar a Língua Brasileira de Sinais visando
um primeiro contato com a Língua e a aprendizagem de alguns
sinais básicos para que você possa estabelecer uma comunicação
mínima com seus alunos surdos.

“A pior surdez é a que se passa


no coração e na alma”...
(Autor desconhecido)

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


Esta Unidade tem como objetivos:
• Conhecer alguns sinais da LIBRAS.
• Aprender sinais básicos que possibilitem uma comunicação
mínima com pessoas surdas.
• Apresentar a LIBRAS de forma prática, visando despertar o
interesse para um futuro aprofundamento na aprendizagem
desta Língua.
92 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

ALFABETO MANUAL

NUMERAL
EaD • UFMS
Libras em ação 93

FAMÍLIA
94 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

CASA
EaD • UFMS
Libras em ação 95
96 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

TEMPO
EaD • UFMS
Libras em ação 97
98 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS
EaD • UFMS
Libras em ação 99

CORES
100 ESTUDO DE LIBRAS EaD • UFMS

PRONOMES
EaD • UFMS
Libras em ação 101

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DIVERSOS
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PALAVRAS FINAIS

Prezado(a) Acadêmico(a),
Ao final deste estudo, espero que você tenha refletido sobre a
educação do aluno surdo, sua inserção no ensino regular, a impor-
tância da LIBRAS e a valorização do espaço dessa Língua no cotidi-
ano escolar para a garantia da escolarização de todos os alunos.
Compreendo o quanto é desafiadora a proposta inclusiva e
que ainda faltam muitos subsídios para sua efetivação. Todavia,
ressalto que não só o aluno surdo, mas todos aqueles que apresen-
tam necessidades educacionais especiais, têm o direito de estarem
incluídos no sistema público de ensino, como qualquer outro alu-
no e para que essa inclusão dê certo é preciso que todos nós esteja-
mos atentos às necessidades individuais de cada um.
A educação da pessoa surda depende de muito mais que boas
intenções. Depende da unidade entre todos os profissionais que
estarão na escola, da garantia da utilização da LIBRAS, do ensino
da Língua Portuguesa apenas como segunda Língua, enfim... de
um ambiente de ensino acolhedor, que reconheça a diferença e a
valorize como algo positivo, necessário ao crescimento humano.
Desejo que a LIBRAS, a partir deste Guia, faça parte da sua
vida, que suas mãos possam romper o silêncio esmagador vivido
por tantos séculos e que, através dos sinais, você possa somar à
educação das pessoas surdas, pois:
“Muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo coi-
sas pequenas, mudará a face da terra”... (Pensamento africano).
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Libras em ação 127

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