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Ela aprendeu a vender mais caro | 06.10.

2005

Como a subsidiária brasileira da Fiat escapou da armadilha da guerra de preços

Por Cristiane Mano

EXAME A subsidiária brasileira da Fiat vivia um momento


delicado em fevereiro de 2004 quando o paulistano Cledorvino
Belini assumiu seu comando. Tinha uma linha de produtos
envelhecida, perdia dinheiro e não podia contar com a ajuda da
matriz italiana, imersa na pior crise de sua história. Numa
tentativa desesperada de manter mercado, a montadora apostava
Divulgação numa tática tão agressiva e perigosa quanto velha -- a guerra de

Fábrica da Fiat, em Betim: preços. Uma de suas armas era distribuir descontos de até 2 000
aumento da produção reais por carro para as concessionárias -- muitas vezes, elas eram
forçadas a emplacar automóveis que nem haviam sido vendidos
e ficavam com encalhes no estoque. O resultado foi um prejuízo de 750 milhões de reais,
acumulado em 2003 e 2004. Para contornar a situação, Belini abandonou a busca obsessiva
pela liderança e centrou esforços na rentabilidade. Desde janeiro, a Fiat aumentou o preço
dos veículos em 9,62%, ante uma média de 6,21% do mercado. Os executivos da
montadora esperam encerrar o ano com lucro -- diante de um prejuízo de 431 milhões de
reais em 2004. Em agosto, os bons resultados já deram fôlego para o lançamento da
minivan Idea, único modelo novo da montadora desde 2002. A Fiat anunciou também que
investirá 1,3 bilhão de reais nos próximos dois anos, na produção e no desenvolvimento de
novos carros. Os próximos lançamentos serão, segundo especialistas, versões baseadas nos
italianos Punto e Panda e devem chegar ao Brasil até 2007. Para completar, a empresa
recuperou, de janeiro a agosto deste ano, o primeiro lugar no mercado.

A volta da Fiat à liderança -- mesmo quando a empresa havia até desistido dessa meta --
traz uma lição que poucos executivos conseguem enxergar: é crucial saber interromper o
ciclo vicioso da guerra de preços. "A lógica perversa dessa briga é que, quando uma
empresa entra, as demais têm de acompanhar", afirma o consultor Giovanni Tessitore, da
Value Partners. "No final, todas perdem." A disputa entre as montadoras é comparável à
travada atualmente pelas maiores operadoras brasileiras de telefonia celular. Num mercado
em expansão acelerada, elas gastam em média 157 reais para captar cada novo cliente, que
gera uma receita média de 28 reais por mês. No início, pode até ser justificada uma tática
guerrilheira nos preços para aproveitar uma onda de expansão. Com o tempo, porém, ela
não se sustenta.

Na indústria automobilística, um dos principais catalisadores da guerra foi a estagnação do


mercado brasileiro. A única maneira de crescer era roubar espaço alheio. A quebra do ciclo
de perdas se tornou mais fácil quando as vendas finalmente cresceram. Entre janeiro e
agosto deste ano, o aumento no mercado interno foi de 10,4% em comparação com o
mesmo período de 2004. A Fiat cresceu 19% e aumentou sua participação de mercado em 4
pontos percentuais -- sem abrir mão das margens. "A Fiat cortou os descontos
definitivamente", diz Bruno Schwambach, diretor da rede Fiori de concessionárias Fiat e
GM no Nordeste. "A GM, que também dava descontos altos, diminuiu o ritmo. Mas,
recentemente, voltou a abrir exceções."

O primeiro trunfo da montadora italiana é a linha de produtos. Tome o exemplo do Uno. O


investimento no modelo, lançado há mais de uma década, já foi amortizado. Apesar do
reajuste no preço, ele ainda é o mais barato da categoria. "Quando todos os populares se
distanciam do consumidor médio, o Uno passa a ser o único acessível a uma parcela maior
da população", diz Tessitore. Neste ano, o modelo passou da quinta para a quarta posição
entre os mais vendidos do país. Outro ponto a favor foi o rejuvenescimento dos produtos
sem altos investimentos. Ao todo, houve dez mudanças -- no visual ou na mecânica -- desde
feve reiro de 2004. A picape Strada ganhou, em março deste ano, uma versão com motor
1.4. Graças à mudança, tirou a liderança do utilitário EcoSport, da Ford, na categoria de
veículos comerciais leves em agosto. "Como é a única picape com essa opção de motor,
surgiu uma nova categoria sem precisar investir milhões num modelo novo", diz Mário
Franco, dono da rede de concessionárias Itavema, que detém 5% das vendas da Fiat no
Brasil. Mesmo um carro produzido numa plataforma totalmente nova, como a recém-
lançada minivan Idea, usa 20% de peças do Palio -- como ar-condicionado e partes do
painel.

Decisões acertadas como essas são atribuídas à experiência de Belini. Aos 56 anos, ele é
um veterano da Fiat, onde trabalha desde os anos 70. Até janeiro de 2004, foi presidente da
Cofap, fabricante de autopeças do grupo. "Belini conhece o mercado brasileiro e investiu
em alterações certeiras", diz o consultor Richard Dubois, da BDO Trevisan. Apesar do
crescimento no mercado interno, a Fiat ainda titubeia na estratégia de exportação. Com
modelos considerados antigos para o mercado externo e uma exígua rede de distribuição
mundial, a montadora não avançou como as concorrentes Volkswagen, GM e Ford. O
contrato mais recente de exportação, com a GM do México, durou apenas um ano e foi
desfeito há poucos meses, depois que a montadora americana desistiu de comprar a Fiat
Auto na Itália. Se quiser ampliar sua atuação, a Fiat ainda precisará encontrar um caminho
para crescer lá fora e se proteger das oscilações do mercado doméstico.

O efeito da trégua
Veja o que a Fiat ganhou com o fim da guerra de preços
Aumento de preço
Neste ano, o preço dos veículos Fiat aumentou 9,62% ante 6,21% do aumento
médio de mercado
Redução de descontos
Para incentivar as vendas, a montadora oferecia antes bônus agressivos até
75%superiores aos oferecidos atualmente
Diminuição de estoque
Hoje, os estoques das concessionárias giram em torno de 25 dias ante 80 dias no
auge da disputa pela liderança
Atração de novos investimentos
A recuperação da rentabilidade foi fundamental para que a matriz anunciasse novos
investimentos de 1,3 bilhão de reais no país

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