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Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis - 2006 1

INTRODUÇÃO

Embora faça parte do cotidiano dos indivíduos de várias formas


e em diferentes situações, o hipnotismo é desacreditado por alguns,
equivocado na opinião de outros, temido ou pouco conhecido para a
maioria. As explicações sobre o transe hipnótico e seus efeitos, por
conta de sua vinculação com práticas religiosas e crenças no
sobrenatural, é cercada de mitos, magias e preconceitos. Mesmo
entre pessoas com alto nível de escolaridade, o desconhecimento
sobre este tema é bastante generalizado e, no conceito popular, a
descrença de que os efeitos hipnóticos existam ou possam ser
provocados é geralmente substituído por um temor supersticioso.
Transe hipnótico é o estado mental resultante de alterações na
neurofisiologia e decorre de várias situações. Pode ser provocado
por ingestão de substâncias químicas, mas também pode ser
produzido por simples estímulos sensoriais normais; auditivos,
visuais, táteis e olfativos, além de situações como jejuns nutricionais,
isolamento social, sono intenso sem possibilidade de dormir,
abstinência sexual, comportamento motor intensivo, meditação,
relaxamento físico e mental ou atitudes contemplativas de fundo
religioso ou místico.
Efeitos da hipnose sempre aconteceram na história da
humanidade, em atos religiosos têm presença marcante, quanto
mais solene ocorre um ritual associado a forças incompreensíveis,
místicas ou mágicas, maior é o efeito hipnótico. Porém, não é
apenas relacionado a situações que se prendem ao misticismo; ao
longo da história foi produzida ou observada também pela
perspectiva do materialismo cientifico ou simultaneamente por
ambos. Definida com vários termos e diferentes sentidos, a hipnose
é patrimônio da filosofia e da medicina ocidental e oriental, tanto a
antiga quanto a contemporânea.
No oriente os efeitos hipnóticos, geralmente com objetivos de
cura, fazem parte de culturas milenares e se mantiveram quase que
inalterados através dos séculos. No ocidente foram se adequando ao
imaginário dominante, se ajustando á representação de cada nova
realidade, se identificando com diferentes correntes do pensamento,
valores, fantasias e mistérios que surgiam com as migrações e
miscigenações étnicas culturais. A maior e mais rápida diversificação
dos procedimentos hipnóticos ocorreram na Europa, devido à fusão
étnica cultural do seu povo, ampliada em suas ações colonizadoras.
Esse viés antropológico do hipnotismo constitui a principal
abordagem histórico-lógica e teórica dedutiva deste livro.
2 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Embora sugestão não seja sinônimo de hipnose, é certo que


toda e qualquer hipnose começa pela sugestão e o transe hipnótico é
o momento em que a sugestão atinge o ponto mais alto da sua ação.
A execução desse processo é bem simples e os resultados se
aproximam de fatos extremamente compensadores, podendo em
alguns casos proporcionar efeitos terapêuticos inexplicáveis e até
mesmo inacreditáveis. Nem sempre uma sugestão representa a
possibilidade de desencadear o transe hipnótico, mas é, no mínimo,
o preâmbulo imprescindível para que isso ocorra. Por isso, é comum
o uso de um nome como se fosse o outro, às vezes chama-se
sugestão de hipnose e, hipnose de sugestão. No entanto, deve ser
chamada de sugestão hipnótica aquela que se perfaz no transe
hipnótico ou a sugestão que permeia a aplicação de métodos e
técnicas com o objetivo de atingir os efeitos da hipnose.
Através da sugestão o pensamento se concentra numa idéia
cujo resultado ou tendência é provocar determinado efeito, impele
muitas ações humanas, tanto construtivas como destrutiva. A maior
parte do resultado da vida das pessoas é conseqüência da sugestão;
desde o desfrutar de sentimentos de alegria, paz e prazer, até
situações negativas como doenças físicas e morais. Mas, situações
negativas podem ser reversíveis pelo mesmo processo que se
instalam, isto é, o que a sugestão faz, a sugestão desfaz.
Da sugestão podem resultar ações inconscientes, compulsivas
ou hipnóticas, que podem decidir o curso da vida das pessoas. E, a
melhor maneira de fazer as sugestões produzir bons efeitos é
através da hetero-hipnose e da auto-hipnose. No primeiro caso um
hipnotista funciona como um guia que influencia através de
sugestões as ações inconscientes de alguém. No segundo caso é o
próprio hipnotizado quem o faz. Um indivíduo razoavelmente
instruído poderá conduzir e controlar as ações do seu próprio
inconsciente, em seu próprio benefício.
Do início do século XIX até hoje termos como hipnose,
inconsciente e sugestão caminham juntos, um tentando explicar o
outro. No início de suas pesquisas Freud se valia do hipnotismo
como procedimento de acesso ao inconsciente e, o conceituou como
sendo uma espécie de porão onde fica guardado o que não se quer
mostrar, onde fica depositando fatos e sentimentos que o indivíduo
não tem coragem de contar nem para si próprio e, por isso, guardou
e esqueceu. No entanto, pesquisas modernas revelam um conceito
de inconsciente bem diferente desse estabelecido há cem anos.
A explicação mais aceita hoje é a de que o inconsciente, longe
de significar uma parte física localizada em uma determinada região
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 3

do cérebro, é uma espécie de programa operacional capaz de


processar, ao mesmo tempo, milhares de informações paralelas,
enquanto o consciente executa suas tarefas de forma serial, uma
atrás da outra. Fornecendo informações ao consciente sob forma de
intuição, o inconsciente é hoje compreendido como uma ferramenta
de trabalho mental que executa tarefas fundamentais e pode
determinar, em certas circunstâncias, atitudes que uma pessoa deve
tomar.
Modernamente o inconsciente é considerado como uma
segunda inteligência, hábil também em executar tarefas sem que o
consciente perceba; relaciona e toma decisões, determinando o que
uma pessoa deve ou não fazer. As pessoas agem em determinadas
situações, compelidas pelas sugestões ou informações que foram
instaladas em seu inconsciente. Conscientemente, não sabem o que
estão fazendo, mas fazem.
O inconsciente tem um mecanismo de realimentação de
sugestões; o que é depositado nele é retro-alimentado para o
consciente e vice-versa. Toda pessoa, a menos que possua uma
patologia psiquiátrica séria, é sugestionável e, um meio eficaz de
fazer a sugestão funcionar é a sua repetição; com isso, imprime-se
no inconsciente uma idéia que realimentará o consciente. É comum
na infância se ouvir dos adultos algumas palavras ou frases
repetidas, até que o inconsciente da criança aceite a idéia do que
isso representa e depois a execute. Neste sentido podem acontecer
situações que definirão, de forma positiva ou negativa, uma vida
inteira.
Na atualidade os efeitos da sugestão, agindo com
extraordinária força hipnótica, são observados em diferentes veículos
de comunicação, através de mensagens explicitas ou subliminares
embutidas na informação principal. Esse tipo de comunicação pode
determinar o comportamento de massa e, existem organizações que
são responsáveis pela difusão de sugestões sistematizadas e
repetidas que agem modelando o comportamento social. Por isso
alguns efeitos hipnóticos devem ser entendidos como fato social
normal que não se restringe só a momentos especiais.
Embora os seres humanos vivam como se estivessem sob
efeito hipnótico é, ironicamente, por não perceber essa possibilidade
que podem ser manipuladas ou modeladas por idéias alheias à sua
própria vontade. Na comunicação de massa, cada vez mais, esse
recurso tem sido instituído e serve como instrumento a serviço da
mídia na propaganda política, comercial e ou religiosa.
4 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Efeitos hipnóticos estão presentes em diversos setores da


comunicação, mas sem dúvida, é a propaganda que mais aplica este
recurso. Utilizando-se da sugestão subliminar como estratégia para
atingir seus objetivos, a chamada hipnose de massa é bastante
evidente nos modernos processos publicitários, porque hipnotizar é
antes de tudo convencer e a propaganda tem este propósito. Isso
tem evoluído muito nos últimos tempos; já existem sistemas de
publicidade, sobretudo na chamada publicidade indireta, capazes de
criar no ânimo dos consumidores um desejo quase sempre
irresistível para fazer ou deixar de fazer alguma coisa, como adquirir
determinado produto, preferir marca ou modelo e alimentar o
consumo desnecessário, deixando-os num estado que se assemelha
bastante à hipnose clássica. Assim, identificar esses processos é
uma forma de defender-se quando for preciso.
A mídia é capaz, de uma só vez, de modificar conceitos e
comportamentos de grande parte da sociedade através da repetição
da informação que, às vezes, são equivocadas ou são
ideologicamente construídas e nem sempre desprovidas dos
interesses da dominação. Tem a mídia, através da sugestão, o poder
de influenciar e convencer os coletivos sociais estabelecendo
conceitos e preconceitos, alterando costumes, modificando hábitos,
gerando consumo e formando opiniões.
O recurso da sugestão hipnótica é também fortemente utilizado
quando a religião determina o comportamento das pessoas com
base na idéia de céu e de inferno, virtude e pecado, santos e
demônios. Uma vez sugestionado o indivíduo pode ampliar ao
máximo, por si só, o poder da sugestão que recebeu. O resultado
desse processo depende de como foi, direta ou indiretamente,
sugestionada a agir e, agindo, reforça a sugestão que recebeu em
uma realimentação constante, aumentando cada vez mais o seu
grau de convencimento em torno do objetivo induzido.
O ritual religioso quando associado ao transe hipnótico, produz
efeitos que ultrapassam a compreensão pela racionalidade. Curas
inexplicáveis acontecem e, através de linguagens simbólicas,
promovem profundos aumentos da percepção convencional.
Algumas religiões milenares, que chega a contemporaneidade,
sabem produzir melhor esta associação. O transe não apenas
produzido através de estímulos dos sentidos normais, pode ser
desencadeado por ingestão de substâncias que agem no organismo
com este propósito. Nas sociedades primitivas estas substâncias
hipnotizadoras foram encontradas na natureza, geralmente em forma
de vegetais, e incorporadas às liturgias.
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Entre os grandes clássicos do hipnotismo europeu, é comum a


referencia inicial ao Padre Gassner que praticava na Alemanha, por
volta de 1770, métodos e aplicações de técnicas hipnóticas,
associadas à crença católica, com objetivo de curar enfermidades.
Para ele as doenças e os demônios estavam quase sempre juntos e
uma pessoa doente poderia ser alguém possuída. Aquele que se
sentia com o diabo no corpo, e por conseqüência doente, vinha ou
era trazido ao Padre para que ele o expulsasse e, assim,
promovesse a cura.
Franz Anton Mesmer assistiu várias apresentações de Gassner
e não se conformando com a explicação do Padre, deu uma versão
não menos fantástica para as curas através do hipnotismo, em lugar
de responsabilizar demônios pelas enfermidades, responsabiliza os
astros. Para ele a doença resulta da freqüência irregular dos fluidos
astrais e a cura depende de sua adequada regulagem. Acreditava
que certas pessoas teriam o poder de controlar esses fluidos,
podendo comunicá-los a outrem, direta ou indiretamente, por
intermédio de objetos magnetizados pelo seu contato.
Os efeitos hipnóticos saíam da explicação religiosa indo para a
explicação da influência astral, tese segundo a qual os fluidos
magnéticos invisíveis regulam a vida das pessoas e, por volta de
1780, o Mesmerismo se espalhou pela Europa; Mesmer dizia que o
crucifixo de metal usado por Gassner era responsável por concentrar
e transmitir para os enfermos um fluido magnético curativo. Cria
assim a doutrina do Magnetismo Animal, que foi logo bem recebida
por legiões de adeptos. Foi ele um dos maiores mistificadores do que
mais tarde seria conhecido como hipnose.
O magnetismo animal prossegue com o Marquês de Puységur,
um dos discípulos de Mesmer. O Marquês, casualmente, enquanto
magnetizava um camponês com objetivo de curá-lo de enfermidade,
percebeu que o paciente caía em um estado de sonambulismo,
como se mantivesse em sono profundo, com movimentos
respiratórios tranqüilos. Nada havia das clássicas agitações
provocadas pelo Mesmerismo. Puységur percebeu, com surpresa,
que o camponês podia falar sem sair do sono hipnótico e com
lucidez maior que a habitual, indicou sua própria doença como sendo
uma infecção pulmonar e para sua própria cura indicou remédios
precisos. Puységur chamou isso de sonambulismo artificial, e
descobriu o estágio mais profundo do transe hipnótico que até hoje é
chamado de sonambúlico.
O magnetismo tomou outro rumo através do médico e filósofo,
Denizard Hippolyte Léon Rivail. Em 1850 o Mesmerismo atraiu a sua
6 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

atenção, passando a integrar o grupo dirigido pelo Barão Du Potet,


dirigente da Sociedade Magnética de Paris. Inicialmente Rival
freqüentou sessões de magnetismo Mesmerista em busca de
solução para os casos de enfermidades de pacientes a ele confiados
e tornou-se mais tarde o codificador da doutrina espírita. Em 1859
com o pseudônimo de Allan Kardec publica o Livro dos Espíritos e
cria outra versão para o magnetismo, a de que a força curativa era
atribuída aos espíritos. A estruturação de sua doutrina tem por base
o pensamento de Platão (427-347 a.C.), sobre a existência da alma,
herda as teorias do magnetismo e se desenvolve absorvendo
práticas Mesmeristas. O espiritismo segue sua própria escola e o
Mesmerismo acaba sendo substituído pelo hipnotismo.
Vários foram os homens famosos que desenvolveram e
aplicaram as idéias de Mesmer. Mas foi James Braid, médico
escocês que usou pela primeira vez, por volta de 1841, a palavra
hipnotismo. Deve-se sua iniciação nos estudos da hipnose ao
famoso Mesmerista suíço Lafontaine (1802-1892), discípulo de
Puységur. Em 1843, Braid publica seu livro sobre o assunto; dizia
que a fixação do olhar era o processo para o efeito Mesmerista.
Batizando esses efeitos como hipnos, nome do deus grego do sono,
anexado ao vocábulo ismo, que significa estudo, cria à expressão
hipnotismo e, disso derivando outros nomes como hipnose,
hipnótico, hipnólogo, hipnotizador e hipnotista.
Hipnotista é quem induz o transe hipnótico de forma metódica,
técnica e sistemática, é teórico e prático na área da hipnose.
Hipnotizador é quem casualmente hipnotiza sem possuir
conhecimento teórico, às vezes não sabe se quer o quê significa a
hipnose ou até mesmo como provoca seus efeitos. Hipnólogo é o
teórico, estudioso do assunto, conhecedor das técnicas hipnóticas,
mas nem sempre hábil na prática de hipnotizar. Hipnotizado é quem
está sob a ação do hipnotismo, é também chamado de paciente
quando a hipnose é produzida para tratamento médico.
Liébaut foi quem acrescentou a sugestão verbal à fixação do
olhar desenvolvido no método de Braid. Sua técnica tranqüila e
discreta baseava-se nas palavras e no tom de voz. Em 1864, lendo
um exemplar da obra de Braid, fez-lhe renascer o interesse pelo
assunto que não mais deixaria por toda a sua vida. Seus clientes
eram pessoas humildes e camponesas e a eles Liébaut dizia: “Se
quiser tratamentos com drogas, terá que pagar a consulta, mas se
permitir que faça o tratamento pelo hipnotismo, não terá de pagar
nada”.
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Por volta de 1880, Bernheim foi o primeiro a perceber que o


estado hipnótico era normal em todas as pessoas e, principalmente,
foi quem definiu os efeitos pós-hipnóticos da sugestão como
elemento provocador de ações inconscientes compulsivas, e propôs
aplicar isso como terapia. Nesta mesma época, Charcot achava que
a hipnose era uma forma de histeria, e descobriu que podia induzir
sintomas histéricos através de sugestões hipnóticas. Não
concordando, Bernheim apontou a Charcot os seus erros,
mostrando-lhe que as características histéricas não eram critérios
para o transe hipnótico e que os sintomas da histeria podiam ser
provocadas artificialmente por mera sugestão. Nasceu daí a histórica
controvérsia entre as duas escolas francesas de hipnotismo, uma no
hospital La Salpêtrière em Paris e, a outra na Cidade de Nancy.
Estas escolas serviram de base para Freud e, as investigações com
o uso da hipnose, forneceram muitas pistas que lhe permitiu os
primeiros passos para o desenvolvimento da teoria e da técnica da
psicanálise.
Das duas clássicas escolas de hipnotismo resultaram muitos
outros pesquisadores; cada um tentando compreender e difundir a
hipnose pelo mundo, como Krafft-Ebing na Áustria, Forel na Suíça,
Wetterstrand na Suécia, Bramwell na Inglaterra, Heidnhain na
Alemanha, Felkin na Escócia, Pavlov na Rússia, McDougall e
Phineas Puimby nos Estados Unidos. Com tanta gente estudando e
teorizando, a hipnose ganha impulso na aplicação terapêutica e
cresce através de demonstrações recreativas.
Donato e Hansen, ambos no fim do século XIX, destacaram-se
por arrebatarem multidões para demonstrações de hipnose
recreativa através de grandes espetáculos. Violentas controvérsias
explodiram pela impressa, a cerca da natureza destes espetáculos,
cada qual procurou interpretar a seu modo este fatos estranhos, que
tão vivamente incitavam a curiosidade pública. Os homens de
ciências, solicitados, foram obrigados ao exame deste tema e muitos
médicos, professores e cientistas se interessavam pelo assunto. Nas
platéias, cada vez mais, estavam presentes importantes
personalidades e, a partir daí, davam novos impulsos à hipnose.
Assim, por meio do palco, o hipnotismo alcançou mais intensamente
o debate nas academias.
Os estudos acadêmicos ortodoxos quando se aproximaram
desta área foi com receio e cautela. Das tentativas para explicar a
hipnose cientificamente, muito se deve ao cientista russo Pavlov,
quando analisou o fenômeno baseando seu estudo nos reflexos
condicionados. Suas hipóteses para enquadrar as explicações nos
princípios do paradigma mecanicista não prosperam; as tentativas da
8 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

ciência neste campo foram vagas e os resultados obtidos nas


pesquisas foram sempre imprecisos.
Com o avanço dos novos recursos tecnológicos aplicados
como instrumentos de pesquisa, grandes revelações sobre os efeitos
da hipnose já ocorrem em laboratórios do mundo científico.
Somando-se a isso o fato da ciência estar caminhando para um novo
paradigma, a hipnose sairá, em breve, do conceito de pseudociência,
ganhará a respeitabilidade da comunidade cientifica acadêmica,
deixando de ser privilégio de alguns para ser conhecida pelo grande
público. Na atualidade estudos sistematizados já despontam em
grandes centros de pesquisa como na Universidade de Harvard,
juntamente com a Universidade Stanford.
Embora vagos os conhecimentos científicos disponíveis para
explicar a hipnose, muito antes de ser descartada, está sendo cada
vez mais utilizada. Nos dias atuais o hipnotismo é apontado como
uma arma eficiente de que dispõe a humanidade em sua incessante
luta contra alguns males. O domínio da auto-hipnose pode ajudar na
eliminação das doenças psicossomáticas ou eliminar efeitos
psicológicos que agravam doenças orgânicas. Pode também
representar um caminho para que seja atingida a melhoria da
qualidade de vida, requisito indispensável para a solução de muitos
problemas e conflitos. Sua prática permite a descoberta da
autoconfiança, promovendo o desenvolvimento da auto-estima e da
compreensão de si mesmo, sem que para isso seja preciso,
necessariamente, crer ou seguir doutrinas ou ser convencido a
colaborar de forma econômica para pessoas ou organizações.
O uso da sugestão hipnótica em benefício próprio dá lugar ao
conceito conhecido como auto-sugestão ou auto-hipnose, muito
difundida na Europa e que entrou em moda nos Estados Unidos na
metade do século XX. Charles Baudouin e Pierce, entre outros,
escreveram sobre o assunto, mas se deve a Emile Coué a
sistematização desse processo. Foi ele quem formulou vários
princípios e leis que fundamentam a aplicação da auto-sugestão e
desenvolveu o célebre método que chamou de “Domínio de si
mesmo pela auto-sugestão consciente”. Suas idéias e frases estão,
invariavelmente, escritas nos livros de auto-ajuda.
Mesmo que convivam com ela, normalmente as pessoas não
acreditam na hipnose; a maioria só acredita quando presenciam
demonstrações práticas que não devem ser simples espetáculos de
curiosidade. É através de cursos e apresentações que os
participantes podem analisar os efeitos hipnóticos a que estão
sujeitos no cotidiano e, mais ainda, que podem desmistificar
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desvendando como é processada a sugestão ou a auto-sugestão e


conhecer seus efeitos.
As discussões acadêmicas representam o melhor caminho
para difundir e desmistificar a hipnose e a Faculdade é o fórum ideal
para esse trabalho; neste espaço as apresentações fogem àquele
sentido superficial e comum de espetáculo. Seu estudo deve ser
claro e baseado, ao máximo, na verdade e nos princípios éticos,
morais e científicos, portanto válido pelo sentido útil que se traduz na
apropriação do conhecimento teórico e prático revelado nas
demonstrações. Nessa oportunidade não se tem um mero
espetáculo de curiosidade; tem-se uma exposição de fatos que são
reproduzidos para efeito de aprendizagem. A prática é muito
importante para quem deseja aprender além da capacidade teórica,
a habilidade e a competência nesta área não se adquire através de
simples leitura.
Os aspectos abordados nesta introdução são tratados com
detalhes neste livro. O capítulo I trata da história da hipnose no
decorrer dos séculos e, para compreender sua prática
predominantemente terapêutica, estuda atores clássicos do
hipnotismo. O capítulo II inicia apresentando breve análise da
evolução do pensamento, do mítico ao filosófico - científico, como
base para a compreensão das principais teorias que fundamentam
as psicoterapias e estuda a etiologia da hipnose através das
diferentes correntes de pensadores e cientistas. No capítulo III o
estudo é dedicado à práxis, seu objetivo é reconhecer a
sintomatologia do estado hipnótico, a aplicação de fórmulas de
indução e seus efeitos, envolvendo situações específicas e naturais
do cotidiano. O capítulo IV trata da auto-hipnose, representa a soma
de conhecimentos, competências e habilidades estudadas nos
capítulos anteriores. Este último aspecto é de grande importância
para o leitor que busca soluções para problemas existenciais e,
principalmente, problemas de caráter terapêutico.
10 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

CAPÍTULO I - HIPNOSE E TERAPIA

Não importa a forma como se justifica ou o grupo social no qual


se apresenta, a hipnose manteve sempre, no decorrer dos séculos, a
identidade dos princípios que desencadeiam seu processo, causas
efeitos e finalidades. Sua manifestação geralmente expressa a
aliança entre o ideário do sagrado e do humano, construído com
base na cultura e na história de cada sociedade. Fatos e
procedimentos identificados como hipnóticos sempre ocorreram
associados com práticas religiosas e ou curativas, constituíam parte
do conhecimento experimental praticado na Índia, Caldeia, Egito e
Grécia antiga por uma casta privilegiada que, ao mesmo tempo,
exercia as funções de sacerdotes, magistrados e médicos.
Os cultos e sacrifícios religiosos, cercados de transes,
praticados nas sociedades humanas de qualquer etnia, em qualquer
época, são formas de se tentar a cura para as enfermidades ou
alcançar favores divinos, são formas de se agradecer esses favores
ou de se aplacar a ira dos deuses. Assim também acontecia na
Grécia antiga, como exemplo, na religião do orfismo e nos mistérios
de Elêusis, cujas influências se estendem à escola filosófica de
Pitágoras (485 - 410 a.C.) e ao pitagorismo, que chega na atualidade
com a mesma força do passado, independente das transformações
na forma de pensar ao longo dos séculos.
Na maioria das vezes, o hipnotismo é envolvido em uma
atmosfera de mistérios, de transes inexplicáveis cercado de
superstições; seus praticantes se dizem, freqüentemente, simples
instrumentos da vontade misteriosa de forças sobrenaturais. Sua
prática, principalmente relacionadas à cura, foi se ajustando à época,
locais e circunstâncias particulares de cada povo, criando diferentes
crenças para justificar seus efeitos. Sempre envolveram juntos ou
separadamente crendices, rezas, cantos, gestos, músicas, danças,
cores, esculturas, adornos, pinturas e máscaras, elementos culturais
de alto valor simbólico que emanam força hipnótica incontestável e
induzem transes e êxtases.
O mais antigo relato do que podem ter sido sessões de
hipnotismo foi registrado nos Papiros de Ebers por volta do século
XVI a.C. apontando fatos a respeito da teoria e da prática da
medicina egípcia, descrevendo procedimentos de médicos colocando
suas mãos sobre as cabeças de pacientes e, afirmando possuírem
poderes sobre-humanos, recitavam estranhos mantras que sugeriam
curas.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 11

O termo mantra vem do sânscrito, antigo idioma da Índia, é a


composição das sílabas “man”, que significa mente ou pensamento,
e “tra” que pode ser entendida como entrega ou proteção. De modo
geral, a palavra é traduzida como “proteção da mente”. No sentido
cultural significa silaba, palavra ou frase pronunciada segundo
prescrições ritualísticas e musicais, tendo a finalidade de atingir um
estado mental contemplativo. Os primeiros mantras foram retirados
dos Vedas, livros sagrados dos indianos, três mil anos a.C. e são
hipnóticos pela repetição e monotonia, sonoridade e ritualidade.
Algumas vertentes da yoga, filosofia indiana milenar que
combina exercícios físicos, técnicas de respiração e meditação,
utilizam mantras em seu dia-a-dia e acreditam que para ser mais
efetivo deve ser dado, por um guru, para a pessoa que irá vocalizá-
lo. Neste caso o mantra não pode ser revelado para mais ninguém.
Na tradição hindu, os mantras são considerados sons sagrados que
ajuda o ser humano a entrar em estado de meditação, interrompendo
o fluxo de pensamentos intermitentes. Essas técnicas e atmosfera
mágica relacionada com o divino são próprias do hipnotismo.
Antigas civilizações sempre tiveram um deus ligado a um
mantra; os gregos Apolo; os egípcios Osíris; os hindus Brahrma, o
mesmo acontece com relação à Crisna, Buda, Mahavita e Rama
entre outros. Seus seguidores acreditam em tais sons como uma
espécie de oração que, vocalizados e repetidos várias vezes, ajudam
a manter a mente quieta e pacifica, trazendo paz e abrindo o canal
de comunicação com o divino. Durante a vocalização, pode-se usar
ou não um objeto que facilite a contagem, como um rosário. Nesse
processo, conhecido como japa, para que produzam os melhores
efeitos hipnóticos, os sons podem ser repetidos até centenas de
vezes em ambiente silencioso, mantendo o corpo totalmente imóvel,
usando a técnica da respiração lenta e profunda.
Segundo Delcourt, 1 os gregos realizavam peregrinações ao
templo de Esculápio ou Asciénio, deus da medicina e filho do deus-
profeta Apolo. Seu templo mais famoso foi o de Epidauro em Argólia
na Grécia, descoberto nas escavações ocorridas em 1850. A
descoberta revelou inscrições datadas do século IV a.C. explicando
como peregrinos eram submetidos à hipnose pelos sacerdotes,
quando invocavam a presença de uma divindade para indicar os
possíveis expedientes de cura.
Os sacerdotes de Caem recorriam à hipnose para abrandar
descontentamentos coletivos e as sacerdotisas de Ísis, postas em
transe, manifestavam o dom da clarividência; hipnotizadas, revelava
1
DELCOURT, Marrie. Les grands sanctuaires de la Grèce, Paris, 1947.
12 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

ao Faraó fatos distantes ou ainda por ocorrer. Acontecimento


semelhante ocorria nos oráculos; quando as sibilas prediziam o
futuro; articulavam suas profecias depois que entravam em
convulsões sob o efeito do transe auto-hipnótico.
Pela auto-hipnose se explica a anestesia dos mártires, que se
submetiam às maiores torturas sem dar o menor sinal de sofrimento
físico. Na Índia, o faquir produz o transe auto-hipnótico para suportar,
sem aparentar sentir dor, práticas de torturas. Dentre os hindus,
mongóis, persas, chineses e tibetanos, a hipnose vem sendo
exercida há milênios em meio a rituais religiosos e, é fácil observar
que assim ainda prosseguem na atualidade. A hipnose e a religião
estão sempre próximas, quando não juntas nos ritos religiosos e,
atualmente, está sendo largamente utilizada e institucionalizada com
este fim.
A hipnose provavelmente também teve um papel importante
nas práticas religiosas e nas artes curativas dos Druidas -
Sacerdotes de religião pré-cristã da Gália e da Bretanha que depois
se espalharam por toda a Europa Ocidental. Eles prediziam o futuro,
realizavam curas com o uso de ervas, cânticos e magia, alguns eram
considerados intermediários entre os deuses e os homens; seus
rituais, cercadas de mistérios, aconteciam nas florestas. Na Gália
foram considerados bruxos, combatidos e dizimados pelos romanos
e mais tarde pelos cristãos, na Irlanda, sob sigilo, alguns
sobreviveram em sua prática religiosa.
Nas ilhas britânicas o chefe religioso dos Druidas punha seus
fiéis recostados e, induzindo-os a um sono artificial, aliviava suas
dores e curava doenças. Inúmeras gravuras daquela época mostram
sacerdotes-médicos colocando presumíveis pacientes em transe
hipnótico. Semelhantes fatos já ocorriam na velha civilização
babilônica, na Grécia, na Roma antiga e no Egito, onde existiam os
Templos dos Sonhos que eram locais apropriados para se aplicar
nos pacientes sugestões terapêuticas enquanto dormiam. Também
os Azstecas e os Mayas utilizavam a hipnose para tratar dos
doentes.
Dentre os grandes homens sábios, filósofos e líderes religiosos
que se dedicaram ao hipnotismo, é destaque o médico e filosofo
árabe Ibn Sina (980-1037), que no ocidente ficaria conhecido como
Avicenna, nascido nas proximidades de Bukhara morreu perto de
Hamadã (atual Irã). Influenciado pelas idéias das primeiras escolas
filosóficas sobre a importância do cosmo sobre a doença e a saúde,
elaborou uma série de técnicas de indução de sugestões de
melhorias para o ser humano. Também exerceu notável influência na
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 13

medicina moderna; foi quem primeiro descreveu a anatomia do olho


humano e o funcionamento das válvulas do coração, analisou uma
série de doenças como a varíola, o sarampo e o diabetes, formulou
hipóteses de que certas moléstias eram causadas por pequenos
organismos presentes na água e na atmosfera e elaborou vários
procedimentos de diagnósticos.
No campo da hipnose Avicenna, já afirmava, no século X, ser
possível atuar fisiologicamente através da imaginação, da palavra,
da vontade e da persuasão e, assim, os padecimentos podiam ser
curados. Dizia que a “imaginação humana tinha poderes e força e,
através dela, se poderia agir sobre o corpo humano”. Sua obra
Cânom foi leitura obrigatória no ensino de medicina na Europa por
muitos séculos.
A busca do transe hipnótico por ingestão de meios químicos é
o método mais direto para o ser humano entrar, temporariamente,
em mundos fascinantes do seu inconsciente. Diversos vegetais com
propriedades hipnóticas têm sido utilizados com esta finalidade,
desde as antigas civilizações, apresentando um papel importante em
ritos religiosos. Segundo Schultes & Hofmann, 2 o uso destas plantas
permitia ao curandeiro realizar cura, fazer adivinhações e orientar a
tribo nas estratégias de guerra. A explicação é que, entre seus
efeitos, pode transportar a mente humana para o autoconhecimento,
para o contato com divindades e outras forças do mundo espiritual.
Segundo Labate 3 na natureza existem cerca de 100 vegetais
que podem desencadear o processo hipnótico, alguns são
classificados como alucinógenos, dentre as quais a Iboga que é
utilizada por aproximadamente um milhão de pessoas na África; o
Peiote, cacto amplamente consumido no México e nos EUA cuja
substância ativa é a mescalina; os Cogumelos, que já apareciam em
registros hindus da Antiguidade. Na região amazônica algumas
plantas são utilizadas, no decorrer de ritos religiosos, por tribos
indígenas como meio de produzir transes, como a Jurema e o Yopo.
A Jurema é consumida na forma de chá, enquanto as sementes do
Yopo são maceradas e seu pó é consumido pela via intranasal
(cheirado). Em diversas regiões da América do Sul o chá Ayahuasca
é o mais conhecido.
Elementos e efeitos hipnóticos estão também presentes nas
religiões das tribos indígenas da África, das Américas e da Oceania,
2
Schultes, R.E. & Hofmann, A. Plantas de los Dioses. Orígenes del uso de los
alucinógenos, Fondo de Cultura Económica. México, 1982.
3
Labate, Bia e Wladimyr Sena. O Uso Ritual da Ayahuasca, São Paulo editora
Mercado de Letras, 1998.
14 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

assim como dos primitivos habitantes da Europa e da Ásia. O


xamantismo, antiga religião da Ásia que existe até hoje, é
caracterizado por um conjunto de práticas realizadas pelo xamã, uma
categoria especial de médico-pajé que entra em transe e, segundo a
crença indígena, sua alma vai para longe do corpo, percorre lugares
distantes, enquanto um espírito estranho encarna para realizar
trabalhos de cura e adivinhação.
Entre algumas nações indígenas o xamã é um homem ou
mulher que, no final da infância, passou por uma experiência de
sentir sua sexualidade transfigurada, a partir daí leva a vida voltada
inteiramente para dentro de si. É iniciado através de rituais,
permanece por vários dias em estado de êxtase, depois disso
consegue facilmente entrar em transe para servir de intermediário
entre os homens e os espíritos xaporis, entidades que indica
procedimentos de cura. Descrições dessas experiências podem ser
encontradas ao longo de todo o caminho que vai da Sibéria às
Américas. Em contato com diferentes povos, os rituais dos xamãs se
popularizaram e se transferiram para fora das aldeias, incorporaram
parte de outras cultura e crenças. Essa mescla, às vezes muito
distanciada das explicações originais, é que se observa nos centros
urbanos.
A prática do ritual de cura dos indígenas, assim como muitas
outras medicinas alternativas, lida principalmente com a fé, mas isso
não quer dizer que várias das ervas nativas indicadas pelos pajés e
xamãs não tenham princípios químicos ativos que, inclusive, vêm
sendo objeto de pesquisa científica e que já compõem vários
remédios produzidos pelos laboratórios farmacêuticos. Independente
do uso de vegetais, no ritual de cura dos indígenas ocorrem sons
produzidos pela voz humana e ou instrumental, extremamente
monótono e repetitivo, podendo também acontecer danças com
movimentos corporais lentos, síncronos e repetidos. Tudo isso revela
condições hipnotizadoras que, independente de ingestão de qualquer
substância, podem levar pessoas ao transe.
Há relatos do uso do chá ayahuasca em toda a Amazônia,
chegando à costa do Pacífico no Peru, Colômbia e Equador, bem
como na costa do Panamá. Foi reconhecida nesta região em pelo
menos setenta e duas tribos indígenas, com pelo menos quarenta
nomes diferentes. Entre as diversas tribos da bacia Amazônica é
percebida como uma poção mágica, de origem divina, geralmente é
usada em ritual religioso com propósitos de cura ou para fornecer
visões que são importantes no planejamento de caçadas, prevenção
contra espíritos malévolos, bem como contra ataques de feras da
floresta. Essas visões, guiadas e manipuladas pelos xamãs e
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 15

fundamentada no ideário de crença do grupo, podem se repetir de


forma coletiva.
É evidente o poder hipnótico do chá ayhuwasca, bebida de cor
marrom claro e de gosto amargo fabricada em diversas regiões
da América do Sul, a partir do cozimento concomitante de
talos socados do cipó jagube ou mariri (Banisteriopsis caapi) e da
folhas do arbusto chacrona (Psychotria viridis). Na mistura para
a sua produção pode ou não ser acrescentado mais de trinta outras
espécies de vegetais, como a folha de outro cipó conhecida na
Colômbia como chagro panga (Diplopterys cabrerana).
Os métodos de preparo do chá ayhuwasca variam conforme o
grupo, geralmente, O cipó é cortado em pedaços de 20 cm de
comprimento e amassado, juntado duas medidas de cipó para uma
das folhas e posto a aquecer até a fervura. Também pode ser
amassado, junto cipó e folha, com água fria, e deixa em descanso
por aproximadamente vinte e quatro horas. É um longo processo,
leva quase um dia.
Originariamente o chá ayhuwasca era produzido e usado nos
rituais indígenas. Segundo suas crenças, entre os efeitos produzidos
"facilita o desprendimento da alma de seu confinamento corpóreo,
voltando ao mesmo conforme a vontade, carregada de
conhecimentos sagrados". (Schultes & Hofmann). Os índios Jivaro,
do Equador, acreditam que a experiência com ayahuasca é a vida
real, ao passo que a realidade cotidiana é apenas uma ilusão.
A palavra ayahuasca pertence à língua quéchua, na etnologia
lingüística aya quer dizer corda ou cipó dos espíritos ancestrais e
waska significa chá ou vinho. O chá ayahuasca é conhecido em
diferentes culturas por outros nomes como Yajé, Caapi, Natema,
Pindé, Kahi, Mihi, Dápa, Bejuco de Oro, Vinho de Deus ou Vinho dos
Espíritos entre outros. A transliteração para a língua portuguesa
resultou em hoasca, mas também é conhecido no Brasil como "Chá
do Santo Daime" ou "Vegetal". Onde se cultua o chá é recorrente a
expressão “o cipó dá a força e a folha, luz”.
No Brasil o consumo do chá ayahuasca por não indígenas
surge do contato entre seringueiros e xamãs da região amazônica,
no auge da exploração da borracha, no fim do século XIX. Os
desdobramentos sócio-histórico-culturais ocorridos nesta região, nas
primeiras décadas do século XX, propiciaram a expansão do seu uso
para outros contextos distintos de suas origens e dá início às
religiões que se espalham rapidamente para os centros urbanos.
As religiões criadas no século XX que fazem uso do chá
ayahuasca são consideradas, do ponto de vista antropológico, como
16 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

formas de neoxamanismo; recriam rituais xamãnicos agregando


novos elementos culturais e religiosos. Tem início com os mestiços
da região amazônica, migram para zonas urbanas e para grandes
centros como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, daí avançando
para todos os Estados da federação brasileira e também para a
América do Norte e Europa, colocando a etnia branca em contato
com, pelo menos, fragmentos de tradições religiosas milenares.
As novas religiões que fazem uso do chá ayahuasca associam
ações esotéricas do mundo indígena com tradições de outras
crenças religiosas. Bastantes sincréticas combinam, em doses
diferentes, desde o xamanismo indígena até o kardecismo, passando
pelo catolicismo popular, pelo candomblé e pela umbanda. Em todas
elas os efeitos decorrentes da ingestão do chá são atribuídos ao
processo de purificação da alma e tem como objetivo transmitir aos
homens "uma prática ordenada pela força superior no sentido de
ensiná-los a se conduzir sobre a terra" (Callaway). 4
Várias comunidades na Amazônia passam a cultua o chá
ayahuasca e, em seu ritual, envolve santos da igreja católica e orixás
do candomblé, reverenciam a mata, a floresta, a paz e a alegria. Ao
lado de cânticos que geralmente têm inspiração ecológica, a
cerimônia envolve uma dança coletiva de passos repetidos,
síncronos e monótonos, dois para um lado, dois para outro. Ás vezes
essa dança dura uma noite inteira.
Por volta de 1930, Raimundo Irineu Serra fundou a vertente
religiosa ayahuasqueira conhecida como Alto Santo, a religião do
Santo Daime no Rio Branco, no Estado do Acre; é a mais antiga,
embora menor. Em 1945, Daniel Pereira de Mattos, maranhense que
se mudou para o Acre, criou a Barquinha; é a menos espalhada pelo
Brasil, concentra-se na região amazônica, admite a incorporação do
"Preto Velho", típico dos rituais de influência africana.
Raimundo Irineu Serra, conhecido como "Mestre Irineu", era
um negro seringueiro de dois metros de altura, que em 1930 em Rio
Branco-Acre, após uma intensa iniciação com bebida Ayauasca
através de um Xamã na floresta amazônica, fundou a Doutrina
"Santo Daime". Foi tomando essa bebida que o Mestre Irineu teve a
visão (miração) de Nossa Senhora da Conceição e, segunda afirma,
foi lhe passando os fundamentos da Doutrina. O nome Daime vem
do próprio verbo "dar", no sentido Daí-me Luz! Daí-me Amor! Daí-me
Força!
4
Callaway, J.C. et al. Quantitation of N,N-dimethyltrytamine and harmala alkaloids
in human plasma after oral dosing with Ayahuasca, J Anal Toxico, l 20(6): 492-7,
1996.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 17

Forma-se mais uma religião denominada Barquinha. No seu


ritual os adeptos, com roupas de marinheiro, tomam o chá
ayahuasca que, segundo a crença, conecta o homem com o divino.
Todos cantam os salmos, músicas que teriam sido inspiradas por
guias espirituais invisíveis. A cortina se abre para revelar o altar onde
pontifica São Francisco das Chagas, o comandante que pilota a
Barquinha, com outros seres divinos. A bebida provoca o transe, e
assim começa a viagem, cuja missão seria resgatar almas dos
mortos que sofrem no mundo espiritual e levá-las, pelo mar sagrado
do Santo Daime, até os pés de Jesus Cristo, onde está a salvação. É
uma crença cristã, mas também é de umbanda; entidades espirituais,
conhecidas como caboclos, supostamente se manifestam para
afastar as forças negativas. Quando as cortinas se fecham, o
trabalho na Barquinha está encerrado.
Existe outro centro da Barquinha situado às margens do Rio
Acre. É o Centro Espírita Luz, Amor e Caridade, conduzido pelo
Mestre Juarez, com mais de oitenta anos de idade, um patriarca da
floresta. No dia 29 de junho, começa a celebração da Noite de São
Pedro e, dentro da igreja, orações e salmos são entoados. Após
beber o chá, todos saem para o terreiro de umbanda, onde são feitas
as chamadas "obras de caridade". Mestre Juarez assovia, chamando
a força do Daime, ele estaria incorporando um encantado, uma
entidade poderosa no universo da Barquinha, o Príncipe Dragão do
Mar. Acredita-se que várias entidades descem ao terreiro para
expulsar os espíritos malignos.
Na década de 1970, apareceu outra ramificação do Santo
Daime, o CEFLURIS – Centro Eclético da Fluente Luz Universal
Raimundo Irineu Serra, fundamentada em crenças xamânica,
esotérica e cristã, liderada por Sebastião Mota de Melo, um
seringueiro e construtor de canoas, natural de Eurinepé, Amazonas,
discípulo do Mestre Irineu.
O CEFLURIS, nos anos 90, se organizando melhor através de
ajustes e correções em sua estrutura básica, resultou sua expanção
pelos centros urbanos brasileiros e para o exterior, já possui núcleos
no Japão, na Holanda, na França, na Itália e nos Estados Unidos,
entre outros paises. Uma boa característica dessa organização é o
fato de ser a mais abeta à comunidade externa, divulgando de forma
explicita seus objetivos e práticas religiosa. Sua estrutura, horizontal
e democrática, permite que os diversos segmentos, espalhados pelo
país, utilizem bem os meios de comunicação, como revistas e
Internet. Essa interação com o publico permitiu sua divulgação e
aponta para o seu crescimento acelerado no Brasil e no mundo.
18 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Na década de 1960, formou-se o Centro Espírita Beneficente


União do Vegetal (UDV) em Porto Velho, no Estado de Rondônia,
através de José Gabriel da Costa, um baiano que foi para a região
amazônica trabalhar nos seringais; Atualmente figura como uma das
maiores e bem organizada religião que faz uso do chá, seu ritual é
discreto, sem danças, é mais fechado à comunidade externa
e sua estrutura é vertical e hierarquizada.
Por orientação do Mestre Gabriel, a UDV adota a
fundamentação cristã e reencarnacionista e o transe é conhecido
como burracheira que, segundo seu fundador, significa uma “força
estranha, a presença da força e da luz do Vegetal na consciência
daquele que bebeu o chá”, é um veículo de concentração mental e
seu efeito amplia a percepção e permite, segundo seus dirigentes,
melhor compreensão dos fundamentos da espiritualidade.
A UDV indica para os associados regras disciplinares rígidas
como o não consumo de álcool e de fumo, preservação da
instituição familiar, além de postura socialmente ética sobre
todos aspetos. Não permite o uso de ayahuasca, denominado
apenas como Hoasca ou Vegetal, por pessoas que não sejam
membros efetivos ou alguém indicado por um associado e aprovado
pelo líder da organização. É contrária ao uso do chá fora do contexto
religioso, considera inadequado o uso indiscriminado por parte de
pessoas não-iniciadas e sem a orientação de um dirigente (Mestre).
Na UDV ocorrem sessões regulares (de escala) duas vezes ao
mês e sessões extras convocadas pelo Mestre, além de sessões de
iniciação. Durante o ritual todos permanecem sentados e em silêncio,
o Mestre preside e dosa a quantidade do chá para o consumo de
cada um em particular. Todos, sem exceção, simultaneamente
bebem e ficam esperando a "burracheira" como é conhecido o
transe.
Durante a sessão, para sair do recinto, principalmente em
função das reações do chá que iniciam após trinta a quarenta
minutos e vai até três ou quatro horas, é preciso permissão do
Mestre. O novato ao sair é seguido por um ou dois associados que o
vigia em tempo integral. Isso vale para prevenir vertigens e outras
situações imprevistas durante o transe. No ritual, a circulação das
pessoas no salão se faz no sentido anti-horário que, segundo Mestre
Gabriel, “este é o sentido da força”. Essa prática também acontecia
nas sessões mesmeristas, no fim do século XIX, e em algumas
sessões kardecistas até a primeira metade do século XX.
Decorrido cerca de uma hora e meia, o Mestre vai de um em
um e pergunta “Como vamos? Tem luz? Tem burracheira?”. No início
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 19

do transe coletivo são entoados cânticos (chamadas), que tem como


proposta transmitir ensinamentos. Decorrido cerca de três horas,
quando todos estão sob o efeito do vegetal, em plena "burracheira",
ouvem gravações de MPB. A autoridade é amplamente ostensiva,
tudo é controlado rigorosamente seguindo uma hierarquia, Mestre,
Conselheiro, Associado e diferencia-se um dos outros por
fardamento, função e tarefas. A Burracheira é alusão ao termo
borracheira, conhecida nos seringais amazonense como o período
decorrido após a extração do látex e sua defumação para produção
da borracha.
Segundo a crença da União do Vegetal, foi um importante
personagem bíblico, o Rei Salomão, quem descobriu o vegetal e
passou esse conhecimento a um homem chamado Caiano. Séculos
depois, Caiano teria nascido de novo na Bahia, com o nome de José
Gabriel da Costa. Torna-se Mestre Gabriel após conhecer a hoasca
nos seringais de Rondônia e fundar a União do Vegetal.
Andrade 5 conta com detalhes a trajetória de vida de José
Gabriel. Relata seu envolvimento com o catolicismo popular, ainda
no interior da Bahia onde nasceu, como freqüentou sessões espíritas
kardecistas e terreiros de candomblé em Salvador e seu trabalho na
extração da borracha no Estado de Rondônia. Conta como, em Porto
Velho, Gabriel passa a atender pessoas, em sua casa, jogando
búzios e relata com detalhes como, quando e porquê se torna Ogã e
Pai do Terreiro de Mãe Chica Macaxeira, para justificar seu retorno
ao seringal onde abre seu próprio terreiro, no qual “recebia” o
caboclo Sultão das Matas com o fim de curar pessoas, orientar
caçadas, etc.
Ao abrir seu próprio terreiro, José Gabriel passa a dirigir um rito
sincrético afro-indígena, uma forma de xamanismo assemelhado à
pajelança amazônica, que associa, na prática, elementos religiosos
afros kardecistas e do catolicismo popular. Em abril de 1959, no
seringal Guarapari, na região da fronteira boliviana, Gabriel recebeu
pela primeira vez o chá ayahuasca de um seringueiro chamado
Chico Lourenço, que representava uma tradição indígena-mestiça de
uso xamânico do chá.
Segundo Andrade, em 1961 José Gabriel reuniu as pessoas e
disse: “Eu quero falar pra vocês que tudo que o Sultão das Matas faz
eu sei: Sultão das Matas sou eu”. Este momento foi considerado
5
ANDRADE, Afrânio Patrocínio de. O fenômeno do chá e a religiosidade cabocla.
Um estudo centrado na União do Vegetal. Dissertação de Mestrado na Pós-
Graduação em Ciências da Religião do Instituto Metodista de Ensino Superior. São
Bernardo do Campo, 1995.
20 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

como de grande iluminação. Ao postular para si mesmo o poder


antes atribuído à entidade Sultão das Matas, Mestre Gabriel nega a
incorporação dos cultos de caboclo. A partir daí, o transe deixa de
ser entendido como mediúnico, não há incorporações nas sessões.
Mestre Gabriel reconhece um novo tipo de transe e o denomina de
burracheira, em vez de incorporação agora ocorre iluminação, é
justificado como sendo a percepção de uma força desconhecida que
age dentro de cada um. Como se diz na UDV no decorrer da
burracheira “há uma potencialização dos sentimentos, das
percepções e da consciência”. Essa descrição é perfeita para
caracterizar um transe hipnótico.
É certo que sugestões de melhorias, curas, superações de
adversidades e vicissitudes, instaladas na mente humana durante um
transe, funciona de forma poderosa. No transe produzido pelo chá
hoasca, estas sugestões são elaboradas, ampliadas, ajustadas e
adaptadas, de forma consciente ou não, por cada pessoa, pelo
Mestre, pelo ambiente, pelo ritual e dogmas que induz princípios
universais da ética e da moral. A ordem religiosa estabelecida lembra
e introduz na mente de cada um a idéia do merecimento a uma vida
digna, ao direito da pessoa ser feliz e de fazer o próximo feliz.
Condições indispensáveis para elevação da auto-estima, superações
e curas.
Cerca de noventa e oito por cento das pessoas que
experimenta o chá entra em transe. Cerca de oitenta por cento,
incluindo aí o Mestre, apresenta sintomatologia de transe leve, o que
permite entrar ou sai do estado hipnótico, dependendo da
necessidade e de sua vontade. Trinta a quarenta por cento fica em
nível intermediário e cinco a dez por cento apresenta características
de níveis profundos, sonambúlicos e plenos.
Os efeitos provocados pela ingestão do chá ayahuasca iniciam
aproximadamente em trinta minutos e prolonga-se por até quatro
horas, variando na intensidade ao nível do transe produzido que é
caracterizado por náuseas, vômitos intensos, diarréias, palpitação,
taquicardia, tremores, midríase (dilatação das pupilas), suor
excessivo, perda da discriminação espaço-temporal, ilusões
sinestésicas, perda ou diminuição de controle psicomotor e vertigens.
Não obstante a essas situações adversas, no período de três a
quatro horas pode ocorrer o aumento de bem-estar do indivíduo,
criando fortes sensações de felicidade e contentamento.
Após o transe aqueles que experimentam efeitos mais
profundos relatam sensações de vôo pelos ares, idas à lugares
distantes, visões envolvendo locais e pessoas (miração). Relatam
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 21

ainda a sensação de comunicação com divindades. As narrativas são


variadas e, de certo modo, se ajustam à crença e ao ideário de cada
um. Devido a esses efeitos a mistura dos dois vegetais para a
composição do chá, foi e continua sendo utilizada com finalidade
mística em ritual religioso.
Nos anos 90 à União do Vegetal começa a se expandir pelos
centros urbanos brasileiros e para o exterior, entrando nos EUA e na
Espanha. Em 21/2/2006 a Suprema Corte de Justiça dos EUA deu
autorização, por votação unânime, para prática do culto em território
americano. Oito juízes do tribunal recusaram os argumentos do
governo americano de que uma das substâncias contidas na bebida
ayahuasca está na lista de entorpecentes proibidos pela legislação
em vigor nos Estados Unidos. Na decisão o tribunal levou em conta a
permissão dos membros da Igreja Nativa Americana, na grande
maioria indígenas, usarem em seus rituais um chá composto por
peiote. Os índios norte-americanos possuem o Ato de Liberdade de
Religião Indígena, aprovado em 1994, que especifica autorização
para o uso do cacto Peiote para fins religiosos e, por analogia do
Direito, o consumo do chá foi autorizado. 6
O DMT, substância presente na folha do arbusto que compõe o
chá ayahuasca, é proibido pela Convenção sobre Substâncias
Psicotrópicas da Organização das Nações Unidas - ONU, firmada em
Viena em 1971, da qual o Brasil é signatário.
Por conta das restrições da ONU, o DMT foi incluído na lista
das substâncias psicoativas proscritas da Divisão de Medicamentos
do Ministério da Saúde brasileira durante os anos de 1985 a 1987,
enquanto neste mesmo período, uma multidisciplinar comissão
estudou as formas de consumo do psicoativo proibido e, como
resultado deste estudo, o (extinto) Conselho Federal de
Entorpecentes elaborou parecer retirando a substância da
ilegalidade.
Em 1992, houve uma nova tentativa de proibição do consumo
do DMT no Brasil, tendo sido organizada uma nova comitiva que
reafirmou a decisão anterior de liberalização do consumo para fins
religiosos. Hoje não há restrições quanto ao seu uso, predomina o
entendimento fundamentado no Direito Constitucional de liberdade
de culto e religião (CFR de 1988, artigo 5º, inciso VI). Também foi
considerado o fato que de nada consta na legislação penal brasileira
sobre os componentes ativos contido nos vegetais que compõem o
chá, por tanto, seu uso é facultado (Lei de entorpecentes, 6.368/76).

6
Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2006.
22 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Também existe uma ação processual em curso na ONO para


regularizar a situação, no âmbito de sua convenção internacional, no
sentido de reconsiderar o uso do chá ayahuasca em ritos religiosos.
Existem discussões acadêmicas quanto aos efeitos do chá
ayuwasca, a literatura científica sobre o tema é controversa, ora
considera como alucinógeno e não recomendado, ora considera
como inofensivo à saúde e indicado como terapia. A ciência caminha
no sentido de esclarecer como os elementos, contidos na bebida,
age no organismo humano. Já se sabe que a folha do arbusto
chacrona (Psychotria viridis) contém um princípio ativo, a DMT (N,
N, Dimetiltriptamina), que tem semelhança estrutural com a
serotonina, um importante neurotransmissor do sistema nervoso
central. Quando administrada por via oral, a DMT é decomposta pela
monoaminoxidase (MAO), tornando-se inativa. O cipó jagube ou
mariri (Banisteriopsis caapi) contém alcalóides beta-carbolinas: a
Harmina, a Tetrahidroharmina e a Harmalina. Esses alcalóides
inibem a atuação da enzima MAO, o que evita que esta inative a
DMT contida na folha. Assim, a interação entre esses alcalóides e a
DMT permite que a bebida produza alterações no corpo e no
psiquismo.
Dentro da perspectiva sistêmica fica complicado saber como as
propriedades do chá ayahuasca, isoladamente identificadas a partir
de pesquisas reducionistas, agem no ser humano, o que de fato
acontece quando é ingerido, como e si são mantidas suas
propriedades originais quando interage com tantos outros elementos
do metabolismo e do psiquismo, mas são questões difíceis de
respostas para a ciência atual. Difícil também será explicar como
acontece a produção do transe, com sintomatologia e efeitos iguais,
diferenciando apenas quanto à ocorrência de vômitos e diarréias,
que são induzidos sem a ingestão de quaisquer substâncias, através
de meras sugestões verbais e que podem até ser praticada por auto-
sugestão. Conhecer a sintomatologia do transe hipnótico, suas
diferentes formas de produção e efeitos, pode contribui para uma
interpretação diferenciada para o efeito do chá ayahuasca.
Na Colômbia, Bolívia, Peru, Venezuela e Equador é tradição o
consumo e a administração do chá ayahuasca sem envolvimento
religioso. Sua aplicação é feita por uma espécie de médico
naturalista que se referem a si mesmos como vegetalistas. Estes
"Doutores dos Vegetais” ajudam as pessoas das áreas rurais e as
populações pobres de áreas suburbanas que, doentes, não têm
condições de ser assistidas pela medicina convencional. No Peru o
chá é conhecido também como la purga, devido às suas
características de provocar diarréias, que são entendidas como
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 23

processo de desintoxicação. Em certas regiões da Colômbia, com


essa mesma finalidade é denominada el remedio. Sem envolver
religião, estudiosos levantam hipóteses de que o chá ayahuasca
contenha propriedades antimicrobianas, o que o tornaria efetivo no
combate a vermes ascarídeos e protozoários. É só Brasil que tem
início o uso, associado ao sincretismo religioso, por populações não
indígenas.
A história do sincretismo religioso no Brasil inicia com os
jesuítas incumbidos de doutrinar os índios e depois os negros,
proibindo seus cultos sagrados. Os negros escravos, por não terem
alternativa, construíam altares com imagens e gravuras dos santos
do catolicismo e associava essas imagens aos orixás, como a única
forma de continuarem com suas crenças de origem. Formou-se
assim a associação entre o orixá do candomblé e o santo da igreja
católica, em rituais com elementos simbólicos riquíssimos, utilizando
muitas cores, sons e ritmos, realizados nos terreiros das senzalas.
Com o passar do tempo, alguns terreiros começaram a misturar os
rituais do Candomblé com os da Pajelança, dando origem a outros
cultos.
O candomblé tem vários ritos e diferentes ênfases culturais,
mas sempre neles ocorrem transes. As culturas africanas, principais
fontes para as atuais vertentes do candomblé praticado no Brasil,
vieram da área cultural banto, onde hoje estão os países da Angola,
Congo, Gabão, Zaire e Moçambique e da região sudanesa do Golfo
da Guiné. Nações que contribuíram para a formação cultural dos
iorubás e os ewê-fons, circunscritos principalmente aos atuais
territórios da Nigéria e Benin. Estas origens se interpenetram tanto
no Brasil como na África. Os rituais africanos associados aos rituais
indígenas deram origem ao Candomblé de Caboclo e, neste caso, a
força curativa é atribuída aos espíritos de índios e negros. Essa
mistura de cultos cria ramificações como os Conjuros, Canjerê,
Catimbó, Macumba, Quimbanda e Jurema ou Juremeiros.
Os Juremeiros consomem uma bebida, também de uso nos
rituais indígenas, de nome jurema. É produzida com a casca do
caule e da raiz da planta jurema (Mimosa Hostilis Benth), natural da
região nordeste do Brasil, acrescida de mel e outra bebida
fermentada de teor alcoólico. Os índios também fumavam, por meio
de cachimbo, um preparado com a raiz desta planta e, tanto o hábito
de fumar como de ingerir a bebida foi incorporado aos rituais de
origem e influência africana.
No culto afro-brasileiro a composição da bebida jurema, antes
apenas indígena, passou a ser conhecida como vinho da jurema e
24 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

outros ingredientes foram acrescentados além da cachaça e o mel,


como o vinho tinto, o pó de guaraná, a rapadura, canela, cravo-da-
índia, gengibre e dandá, também conhecido como tiririca ou junca
apontando no meio cientifico como sendo a espécie Fuirena
umbellata Rotbb. Em alguns terreiros de nação Angola, antes de se
beber jurema, põe-se uma pitada de dandá na boca. O vinho e o
dandá são também servidos à assistência. Acredita-se que a pessoa
que bebe, sendo susceptível ao transe e envolvido com a crença no
culto, manifesta imediatamente a incorporação do espírito de um
caboclo, pois juntos o dandá e a jurema aceleram o processo do
transe. Enquanto a bebida é servida, cantam-se hinos em
homenagens as divindades cultuadas.
Zanini & Oga 7 afirma que o vinho da Jurema produz efeitos
semelhantes aos do LSD 25 e de outras drogas desse grupo, porém
reconhece que seu uso não causa dependência física ou psíquica e
seu abandono não causa síndrome de abstinência. Logo não é tão
semelhante assim. Há uma tendência acadêmica de se classificar
qualquer tipo de transe, produzido por ou com a ajuda de elementos
químicos, mesmo que naturais, como sendo mera ação de uma
substância alucinógena.
Nos transes hipnóticos produzidos por qualquer processo,
inclusive visuais, auditivos e rituais sem ingestão de qualquer
substância, entre seus efeitos podem ocorrer a alterações do humor,
com euforia e depressão, ansiedade, distorção de percepção de
tempo, espaço, forma e cores e alucinações visuais. A esses
sintomas, algumas vezes, são acrescidas idéias delirantes de
grandeza ou perseguição, despersonalização, midríase, hipertemia
no tórax e cabeça associado a hipo-termia nas extremidades das
mãos e pés. Em rituais sua principal característica, desenvolvida pela
sugestão prévia embutida na cultura religiosa, é produzir alterações
de senso-percepção e, freqüentemente, produzem experiências
místicas, visões e êxtases.
O Candomblé de Caboclo associado ao Kadercismo cria
também a Umbanda, que admite a manifestação de espíritos de
pessoas mortas. Os cânticos para os orixás, atabaques e jogos de
búzios, naturais do rito africano, são substituídos por práticas
desenvolvidas na Europa como sessões de passe com a imposição
das mãos e consulta aos espíritos através de médiuns. Umbanda
mistura tradições religiosas africanas, indígenas e católicas, além

7
ZANINI, A C. & Oga, S. Farmacologia aplicada. São Paulo, Atheneu Ed.
Universidade de São Paulo, 1979.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 25

dos orixás, cultuam o caboclo, o preto-velho e espíritos dos


antepassados que servem de guias ou conselheiros aos fiéis.
As rezas e as bênçãos, praticadas pelas rezadeiras e
benzedores, também podem exercer efeitos hipnóticos, ou pelo
menos são de grande poder sugestivo. O benzimento é uma forma
antiga no tratamento de várias doenças, utilizado desde a idade
média na Europa. No Brasil, além da reza tradicional, alguns
benzedores indicam para reforçar o efeito de cura o uso de plantas
como amuletos protetores, ou preparam e receitam chás, garrafadas,
banhos e ungüentos, dando assim origem ao termo raizeiro ou
curandeiro, conhecido também como feiticeiro ou milagreiro. Estes
são proscritos pela medicina oficial, amaldiçoados pela religião
dominante, além de mantidos à margem da lei.
Parece que quanto mais uma civilização evolui e a ciência
oficial se desenvolve, mais a figura do curandeiro se faz presente e
mais numerosos e populares são os adivinhos, os videntes, as
cartomantes e todas as metamorfoses e alterações semânticas que
envolvem o hipnotismo.
O transe hipnótico foi e é também produzido com a associação
de idéias de demônios, anjos, arcanjos, espíritos, santos ou deuses.
Aparece camuflado, mesclado ou associado as mais diferentes ou
tradicionais liturgias. Por volta de 1840, na Alemanha, sob a
orientação de seu hipnotizador Alphonse Cahaganet, a sonâmbula
Adèle Marginot em transe descrevia estar vendo e ouvindo anjos,
narrava o que acreditava como sendo conselhos do além para o bem
da humanidade. Cahaganet, com base em Adèle, editou, em 1847, o
livro Os Arcanjos da vida futura revelada. Notáveis também foram os
transes do sonâmbulo de Prevost, cidade alemã onde viveu
Frédérique Hauffer. Seu hipnotizador Justinus Kerner publica, em
1829, como transcorriam as sessões e como Hauffer em transe
descrevia situações envolvendo anjos, arcanjos, conselhos e
adivinhações de vida futura.
Em 1847 nos Estados Unidos da América, a família Fox,
representa a transição entre a fase de anjos e demônios para a fase
dos espíritos desencarnados, seja nas sessões de sonambulismo ou
no meio de rituais religiosos. O fato, que passou a ser entendido
como uma comunicação com espíritos de pessoas mortas, serviu de
base para, em 1850, desenvolver experiências com “mesas girantes”
e, por conseqüência, o Kadercismo que surge afirmando uma nova
concepção de cura.
Na Europa, por volta de 1770, um Padre católico de nome
Johann Joseph Gassner (1727 - 1779) que viveu em Klosters, no sul
26 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

da Alemanha, atribuía às doenças à possessão demoníaca. Suas


idéias não desapareceram após a associação do transe com a idéia
de anjos, arcanjos e espíritos desencarnados, pelo contrário.
Algumas práticas, que ganham popularidade a cada dia, são
idênticas às produzidas por Gassner.
Se hoje as doenças são, para grande parte da humanidade,
atribuídas às forças malignas, isso era o pensamento padrão no
século XVIII. Nessa época os doentes eram simplesmente
entendidos como possuídos pelos demônios e Gassner divulga a
crença de que podia curar os enfermos. Em milhares de pessoas,
por sugestão hipnótica induzia curas espetaculares e, para
assegurar-se da aprovação da igreja, aplicava seu método de
tratamento como se fosse processo de exorcismo, obtendo o
consentimento para suas ações através da afirmação de que Deus
estava agindo através dele. 8
Gassner era um tanto teatral; aparecia à sua clientela vestido
todo de preto, de braços estendidos, segurando um grande crucifixo
de ouro cravejado de diamantes; usava ambiente solene, decorações
lúgubres e falava em latim com voz cava e não fazia segredos de
seus métodos. Freqüentemente permitia que médicos observassem
sua prática e, os médicos que se apresentavam para observá-lo em
ação, eram conduzidos na igreja a uma sala parecida com um
pequeno teatro onde se acomodavam. Então o doente era
posicionado numa espécie de palco no centro desta sala para
esperar o Padre. Com o objetivo de melhorar ainda mais o
espetáculo, no timing de sua entrada, Gassner caminhava até a
plataforma através de um longo promontório negro, segurando o
crucifixo com a mão estendida ao alto. Ao ser tocado pelo crucifixo o
doente entrava em estado cataléptico. Isto era o primeiro passo para
expelir todas as formas de mal existentes em quem se sentia
possuído.
A catalepsia é um estado que envolve a súbita suspensão da
sensação e da volição, bem como a paragem parcial das funções
vitais. Ocorre, ao mesmo tempo, queda acentuada da pressão
arterial e dos batimentos cardíacos, resfriamento das mãos e dos
pés, além de profunda palidez, o corpo se torna rígido, ficando com a
aparência que pode ser confundida com uma pessoa morta. O
estado cataléptico é provocado por emoções fortes e prolongadas
como um susto ou um medo violento e, dependendo da técnica de
8
Manifestações de possessões demoníacas e procedimentos exorcistas, a Igreja
Católica admitiu em determinadas épocas, em outras não. Paulo VI eliminou a
figura do exorcista, que foi recuperada, no entanto, por João Paulo II (N. do A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 27

indução e do nível de suscetibilidade ao transe, algumas pessoas


hipnotizadas alcançam rapidamente este estado.
Todos eram instruídos a “morrer” quando tocados pelo Padre
e, enquanto jaziam prostrados ao chão, Gassner expulsaria os
demônios de seus corpos devolvendo-lhes a vida normal. Depois que
algum médico examinava o paciente, não sentindo pulso, não
ouvindo batidas do coração declarava-o como morto, então o Padre
ordenava que o demônio partisse e, logo após, o paciente
“ressuscitava” e levantava-se completamente curado.
Quando o doente era trazido, antes de empregar o exorcismo,
Gassner fazia um teste para certificar-se de que a doença era
atribuída ao demônio; a prova consistia essencialmente numa
fórmula de conjuração que ele fazia acompanhar do sinal da cruz. Se
o demônio não respondesse através de crises convulsivas a três
invocações seguidas, concluía ele que a doença era de origem
natural e deixava para os médicos curar, caso afirmativo iniciava a
sua própria sessão de cura. Weissmann 9 descreve uma dessas
sessões, realizada por volta de 1774, na qual foi hipnotizada uma
jovem de nome Emilie, e relata o método utilizado:
Entrando de maneira dramática no aposento, o Padre Gassner
tocou a jovem com o crucifixo, e essa, como que fulminada,
caiu ao chão em estado de desmaio. Falando-lhe em latim, a
paciente reagiu instantaneamente. À ordem - Agitatur bracium
sinistrum - o braço esquerdo da jovem começou a mover-se
numa crescente velocidade. E ao comando - Cesset - o braço
se imobilizara, voltando à posição anterior. Ato contínuo, o
Padre lhe sugere que está louca e a jovem com o rosto
horrivelmente desfigurado, corre furiosamente pela sala,
manifestando todos os sintomas característicos da loucura.
Bastou a ordem enérgica - Pacet - para que ela se aquietasse
como se nada houvesse ocorrido de anormal. O Padre
Gassner nesta altura lhe ordena falar em latim, e a jovem
pronuncia o idioma que normalmente lhe é desconhecido.
Finalmente, ordena à moça uma redução nas batidas do
coração. E o médico presente constata uma diminuição na
pulsação. Ao comando contrário, o pulso se acelera, chegando
a 120 pulsações por minuto. Em seguida, a jovem, estendida
no chão, recebe a sugestão de que suas pulsações se iriam
reduzir cada vez mais, até cessarem completamente. Seus
músculos seriam relaxados totalmente e morreria, ainda que
apenas temporariamente. E o médico, espantado, não
percebendo sequer vestígios de pulso ou de respiração,
declara a jovem morta. O Padre Gassner sorri confiantemente.
9
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. Rio de Janeiro, Ed. Prado, 1958.
28 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Bastou a ordem sua para que a jovem retornasse


gradativamente à vida. E com o demônio devidamente expulso
de seu corpo, a moça, sentindo-se como nascida de novo,
desperta e agradece sorridente ao Padre o milagre de sua cura
(WEISSMANN).
Lorenzer 10 descreve também, passo a passo, a sessão com
Emilie. Gassner começava advertindo que ela podia depor sua
confiança em Deus e em Cristo, cujo poder supera a força do
demônio e a isso seria atribuída a sua cura. Emilie senta-se numa
cadeira em frente ao Padre e ele pronuncia as seguintes palavras em
latim (para este autor, Emilie entendia latim):
Praecipio tibi in nomine Jesu, ut minister Christi et ecclesiae,
veniat agitatio brachiorum quam antecedenter habuist - Nisso
as mãos de Emilie começaram a tremer - gitentur brachia tali
paroxysmo qualem antecedenter habuisti - Ela afundou na
cadeira para trás e estendeu com inteira impotência os dois
braços - Cessat paroxysmu - Levantou-se de repente de seu
lugar e parecia saudável e serenamente alegre - Paroxysmus
veniat interum vehementius, ut ante fuit et quidem per totum
corpus - A crise começou de novo. As pernas se levantaram
até a altura da mesa, dedos e braços ficaram rígidos. Dois
homens fortes não puderam dobrar seus braços. Os olhos
ficaram abertos, mas estavam revirados - Tremat ista creatura
in toto corpore - Tremor no corpo todo - Hebeat augustia circa
cor - Emilie levantou os ombros, abriu os braços, virou os olhos
de maneira assustadora, desfigurou a fisionomia e seu
pescoço entumesceu - Sis quase mortua - Sua fisionomia ficou
com palidez mortal, sua boca abriu-se amplamente, os olhos
perderam aquela expressão, o pulso ficou tão fraco que o
cirurgião presente dificilmente pode senti-lo - Sai irata omnibus
praesentibus - Ela ficou encolerizada contra todos os presentes
(cerca de vinte pessoas) - Surgat de sella et aufugiat - Depois
de um momento levantou-se de sua cadeira e foi para a porta -
Sit melancholica, tristissima, fleat - Ela começou a soluçar e
lágrimas desceram pela face - Apertis oculis nihil videat - Daí
em diante passou a responder perguntas. De olhos abertos,
dizendo nada ver, e assim por diante (LORENZER).
Finalmente Gassner procedeu ao exorcismo e, depois disso,
deu algumas instruções a Emilie de como ela própria poderia
proteger-se da enfermidade, afirmando que possuía o dom de
transmitir esta aptidão às pessoas que tratava. Ao deixá-la explicou
aos presentes que tudo o que havia ocorrido só acontecera através

10
LORENZER, Alfred. Arqueologia da psicanálise: Intimidade e infortúnio social
(Traduzido por Wilson de Lyra Chebabi), Rio de Janeiro, Zahar, 1987.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 29

da graça de Deus e só devia servir ao reforço e glorificação do


evangelho.
Não só através da utilização de métodos e aplicações de
técnicas hipnóticas, as pessoas eram induzidas a admitir estarem
possuídas pelos demônios, para isso também contribuía a própria
crença que associava as doenças aos “maus espíritos”. Aqueles que
se sentiam com o “diabo no corpo” vinham ou eram trazidos ao
Padre para que ele o expulsasse. E com o demônio devidamente
expulso a pessoa agradecia, na igreja, o milagre de sua cura. Não
resta dúvida de que Gassner era um perito hipnotista e que hoje, já
passados quase três séculos, o seu método, ligeiramente
modificado, ainda surte efeitos em muita gente.
Gassner deu início à sistematização de induções ao estado de
transe hipnótico associando a idéia do exorcismo. Primeiro era
expressamente induzido por sugestões o estado possesso, para
depois ser, também por sugestão, exorcismado. O método de
indução era reforçado pela solenidade do ambiente, na fé, na crença
ao sobrenatural, e na expectativa em torno do acontecimento; tudo
isso junto criava uma atmosfera propícia para o transe imediato. As
técnicas utilizadas eram bem próximas das atuais; o retorno do
transe, disfarçado como exorcismo, era previamente anunciado de
forma lenta e enfática. Acreditando ter se livrado do demônio,
implicitamente, os pacientes ou fiéis também acreditavam na
sugestão subjetiva pós-hipnótica, comportavam-se como quem se
livrou ou libertou-se por assim dizer e, sem dúvida, nestes casos a
cura, para grande maioria dos males, realmente acontecia.
Algumas sessões de hipnose realizadas por Gassner eram
coletivas. O argumento era do exorcismo de pequenos demônios, os
quais embora freqüentemente instalados nas pessoas, não resistiam
à expulsão. A técnica consistia em formar uma fila e, após a
explicação do que deveria ocorrer, sobre a cabeça da primeira até a
última pessoa, rapidamente passava um pequeno e espesso manto
preto e, como que fulminados todos caíam para trás. Ato contínuo o
Padre retirava do transe aqueles que permaneciam mais profundo
sob alegação que seriam libertados do mal.
M. Lecron 11 lembra que a hipnose de massa geralmente ocorre
de forma indireta ou dissimulada e que sua utilização é possível,
entre outras oportunidades, em alguns cultos e ritos de caráter
religioso conforme sinaliza: “Em muitas cerimônias religiosas,
especialmente se houver música e ritual, muitos dos presentes

11
LeCRON Leslie M. Auto-hipnose. ed. Record, 2. Ed., Rio de Janeiro, 1979.
30 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

ficarão em estado de hipnose espontânea”. Em alguns casos, podem


os líderes ou dirigentes apresentar-se com perfil de comportamento
assemelhado ao do Padre Gassner e a aplicação do método
hipnótico varia apenas no grau de intensidade e no vocabulário que é
adaptado à época e ao ato religioso.
Situações consideradas como manifestações de espíritos ou
demônios podem ser interpretadas como sendo induzidas por
sugestão. Em tais casos, para que seja constatada a presença da
hipnose é bastante que seja analisada se nas “manifestações” está
ou não sendo aplicado, mesmo que ligeiramente adaptado, um
método hipnótico. As técnicas mais utilizadas situam-se nos
procedimentos do hipnotizador, sendo exemplo freqüente o fato de
este colocar uma das mãos na testa e a outra na nuca ou no alto
posterior da cabeça do hipnotizado e efetuar pequenos e enérgicos
movimentos circulares, enquanto induz verbalmente a sugestão
direta do comportamento que espera.
O veículo para a aplicação do método hipnótico é a fé dos
participantes que, no decorrer do processo, representam os sintomas
e comportamentos induzidos através de sugestões durante o transe,
ou posterior, através de sugestões pós-hipnóticas. Entre as
sugestões pós-hipnóticas são clássicas as que induzem o
hipnotizado à dependência de continuar participando e colaborando
com o processo desenvolvido nas reuniões ou sessões. Afirmam
efusivamente que para ele ficar livre definitivamente do problema que
o atormenta deve voltar, com regularidade de freqüência, a prática
que acabara de experimentar e ou alertam para o dever de colaborar
com a continuidade da organização ou da obra religiosa onde a tal
prática foi realizada. Essas sugestões pós-hipnóticas geralmente se
transformam em ações compulsivas e, portanto, inconscientemente
cumpridas.
Para melhor análise da produção do transe hipnótico em meio
de um ritual de cura religiosa, pode ser imaginado como transcorre
uma reunião ou sessão com estas características. Geralmente inicia
com um dirigente que fala com emocionada oratória (reza), dirigindo-
se às pessoas que ficam de pé e com os braços levantados. Após a
introdução inicial, os mais suscetíveis começam a balançar o corpo
de forma oscilatória, o que indica alto grau de suscetibilidade
hipnótica. Nesta fase, alguns auxiliares identificam quem mais oscila
e, imediatamente, entram em cena dando início à indução hipnótica
direta e individual, falando mais ou menos assim: “Sai demônio...
Manifeste... Apareça... Não resista...”. O demônio é primeiro induzido
para depois ser exorcizado e, tudo não passa de sugestão hipnótica.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 31

Os mais suscetíveis entram em rigidez cataléptica, ficando com


os dedos contorcidos e sem movimentos, não propensos a falar,
apenas respondem resumidamente o que lhes for perguntado, às
vezes se contorcendo ou tremendo o corpo e, se o nível de transe
hipnótico for profundo, os olhos ficam brancos; tudo isso são
características clássicas do transe. Nesta fase é possível observar a
sintomatologia dos diferentes graus de aprofundamento da hipnose.
E, desta forma, o dirigente da sessão daria continuidade ao
processo, aplicando as sugestões hipnóticas e pós-hipnóticas que
garantam os objetivos esperados.
Padre Francis MacNutt, 12 empenhado no processo da
renovação carismática da igreja católica, conta como ele e uma
equipe composta por mais dez Padres, além de vários auxiliares,
empreenderam, por volta de 1970, curas através de orações e
imposição das mãos sobre os doentes nos quatro cantos do mundo,
principalmente nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Colômbia, no
México e várias nações africanas.
Pelas descrições de MacNutt, fica evidente que ele
desencadeava transes hipnóticos coletivos. Antes do início das
sessões, se dirigia ao público explicando como aconteceria o milagre
da cura. Falava que o poder curador de Jesus penetraria em cada
célula do corpo de cada um e que força do Espírito Santo vinha
promover a cura assim que ocorresse, durante a prece, a imposição
das mãos. Diz que o contato dele com a pessoa doente era uma
espécie de reforço para a prece e, que tinha poder em si mesmo; os
toques falavam mais forte do que as palavras. Fato é que em média
de quarenta por cento das pessoas, após alguns minutos, caíam no
chão e permaneciam como mortos. Quando retornavam ao estado
normal, diziam-se curados de suas doenças. Descrevendo o que
acontecia nas sessões, MacNutt diz que “o poder do Espírito Santo,
enchia de tal forma a pessoa com uma consciência íntima elevada e,
por isso, a energia do corpo desfalecia a ponto da pessoa não poder
ficar em pé”.
Na história da igreja católica são comuns relatos sobre o transe
hipnótico usando a expressão “arrebatado em êxtase”. A palavra
êxtase vem do grego e se refere ao espírito que é “levado para fora
do corpo”, expressão sinônima de “morrer no espírito”. Os Padres
católicos, Charles e Frances Hunter, companheiros da equipe de
MacNutt, empregavam para definir o transe a expressão “cair sob
poder”. Mas, MacNutt trata de se afastar destas expressões,
12
MACNUTT, Francis O. P. O Poder de Curar, (titulo original: “The power to heal”,
tradução de C. F. de Andrade) São Paulo, Edições Loyola, 1980.
32 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

passando aceitar “ser dominado pelo espírito” como correto para


definir o processo hipnótico que deflagrava.
Já que a maioria das pessoas que sente esse fenômeno narra
que estão mais vivos do que nunca interiormente, prefiro não
falar dele como “morrer no Espírito” que só se refere à parte
externa do corpo que cai no chão. É exatamente contrário de
ser “morto”; assemelha-se mais a um excesso de vida tal que o
corpo não agüenta. Por isso estou evitando a palavra “morto”,
que conota violência. Com estas questões na cabeça, Padre
Michel Scanlan e eu discutimos o nome melhor para dar a esse
fenômeno. Chegamos à conclusão de que iríamos nos referir a
ele como “ser dominado pelo Espírito”. Este termo designa de
modo mais adequado o que realmente acontece (MACNUTT).
MacNutt não se conforma totalmente com a expressão “ser
dominado pelo Espírito” e, no verão de 1975, quando esse fenômeno
começou a se produzir numa assembléia católica na Inglaterra,
Monsenhor Jon O’Connor sugeriu que os ingleses iriam entender e
aceitar o fenômeno, se o chamassem de “um toque de dominação”.
E, essa expressão ficou.
Tentando justificar os acontecimentos e o significado do transe,
MacNutt cita como uma santa da igreja católica o descreveu, diz que
“existe maravilhosa descrição do repouso no espírito, empregando
exatamente estas palavras, de Santa Brígida da Noruega”. Faz
referencia a Santa, atribuindo como sendo suas as palavras:
Oh! Suavíssimo Deus, qual estranho o que me fizeste! Porque
Tu puseste a dormir meu corpo, e acordaste minha alma para
ver, ouvir e sentir as coisas do espírito. Quanto Te apraz, Tu
ordenas a meu corpo que durma, não com um sono corporal,
mas com o repouso do espírito, e minha alma Tu a acordas
como de um transe para ver, ouvir e sentir com as forças do
espírito (Santa BRIGIDA da Noruega apud MACNUTT).
MacNutt escreve uma espécie de receituário para produzir
curas através de preces e imposição das mãos, durante a liturgia
católica ou fora dela. Insiste sobre a importância da repetição da
prece por várias vezes até a saturação, afirmando que a imposição
das mãos e os toques são fundamentais para que o fenômeno ocorra
e produza cura. Descreve, com detalhes, centenas de casos nos
quais eram produzidos transes hipnóticos e seus resultados
curativos, obviamente para ele “obra e graça do Espírito Santo”. Sem
dúvidas, ele muito contribuiu para as práticas hipnóticas nas igrejas
que se espalham pelo mundo a partir de 1980.
Nas sessões de hipnotismo, camuflados com se fossem rituais
religiosos, curas podem ser induzidas e apresentam resultados
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 33

satisfatórios, disso não se duvida, mas é contestável a explicação


sobre o procedimento e sobre forma como foi produzida.
Predominante essas explicações são propositadamente distorcidas
ou, no mínimo, equivocadas como foram nas sessões realizadas por
Gassner, MacNutt e seus seguidores. Mas, seja qual for a
justificativa, curas podem ocorrer pelo fato de as pessoas suscetíveis
serem mais propensas às doenças psicossomáticas; assim como as
adquirem por sugestão, com a própria sugestão se curam.
A técnica curativa da imposição das mãos é muito antiga e
provavelmente sempre foram de natureza hipnótica. Era conhecida e
empregada como meio de cura pelos magos da Caldéia e se
propagou das Margens do Eufrates ao Egito e à Índia. Depois dos
sacerdotes de Isis, os padres do Deus dos Judeus foram seus
depositários e os cristãos o herdaram deles. Da Grécia passou a
Roma, e de Roma para Gálias de onde migraram para o mundo (A.
Tesle 1845, apud Alphonse Bué, Magnetismo Curador, 1919).
A prática da imposição das mãos também é muito praticada no
oriente de onde migra para o ocidente com o nome de reiki. Uma
técnica de cura redescoberta no final do século XIX por Mikao Usui
num livro budista tibetano de 2.500 anos, em Kioto, no Japão. Reiki
significa Energia Vital Universal, seus adeptos a definem como uma
energia dourada, sagrada e curativa que passa através das mãos do
doador para o receptor. Acreditam que o receptor suga a quantidade
de energia que lhe falta, mas quem dá Reiki não está passando a
própria energia e sim servindo de canal da energia universal.
Segundo a crença, a prática do Reiki amplia a consciência, relaxa,
ameniza o estresse, fortalece corpo e mente, promove o crescimento
espiritual, aumenta o poder de observação, a auto-estima, a
autoconfiança, o espírito de caridade, diminui e anula dores e
aumenta a criatividade. Nas igrejas messiânicas a prática da
imposição das mãos é conhecida como Jorei. No século XVIII
Mesmer, não só pratica imposição das mãos como também teoriza,
inova e espalha por toda a Europa uma nova justificativa de cura.
Posteriormente sua fórmula foi amplamente apropriada e adaptada
por outras crenças que também praticam a cura pela fé.
A leitura até aqui realizada talvez se ajuste e se esclareça, na
proporção que outros conceitos e reflexões forem surgindo, se
somando ou se divergindo. Na seqüência vão ser apresentadas as
principais personagens e suas idéias, conceitos, teorias e práticas
curativas que envolvem aplicação da hipnose e como aconteceu sua
adaptação e readaptação diante das mudanças, na forma de pensar
e agir, no decorrer dos séculos.
34 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Magnetismo e Mesmerismo
Influenciados pelas escolas filosóficas e as Idéias dos
elementos primordiais da natureza, o grego antigo (século III a.C.),
atribuía poderes aos imãs naturais de efetivar curas para as
enfermidades humanas. Acreditava-se que os imãs possuíam vida e
ao exercerem atração ao ferro dava-lhe vida também. O filósofo
grego Aristóteles já registra o que acreditou ser propriedades
terapêuticas dos imãs naturais e, no século II a.C., o médico e
escritor grego Galeno acreditava que ao aplicar ímãs naturais em
partes do corpo, a dor ocasionada por numerosas enfermidades
poderia ser aliviada. Desde então, metais magnéticos foram
utilizados como forma de proteção contra doenças.
Na Idade Média, os farmacólicos transformaram minerais
magnéticos em pó e utilizaram como elixir nas aplicações tópicas. Há
relatos que a magnetita e hematita foram aplicadas como remédio
contra enfermidades da Rainha Isabel I da Inglaterra por seu médico,
William Gilbert de Colchester.
Na primeira metade do século XVI o médico alquimista
Aureolus Theophrastus ou Philippus Theophrastus Bombast von
Hohenheim (1493-1541), conhecido como Paracelsus, com objetivo
de curar pessoas, comandava sessões de hipnose individuais e
coletivas através de danças, cantos, orações, rituais e palavras.
Admitia a existência de um sistema que relacionava os seres
humanos aos astros e que forças magnéticas, em particular aquelas
que provêm das estrelas, eram capazes de agirem sobre as pessoas
através de ondas invisíveis. Paracelsus defendia também que a fé e
a imaginação pudessem curar doenças, do mesmo modo como
poderiam causá-las e desenvolveu uma teoria segundo a qual o
corpo humano teria as características de um verdadeiro ímã, sendo o
pólo norte constituído pelos pés e o pólo sul pela genitália.
Empregava ímãs metálicos para promover curas e esse
procedimento transforma-se, ao seu tempo, na base de uma nova
escola médica.
Segundo Alphonse Bué (Magnetismo Curador, 1919), no inicio
do século XVII Van-Helmont dedica quarenta anos de sua vida
trabalhando e meditando sobre a cura magnética. Por volta de 1670,
esse tipo cura também foi praticado pelo médico escocês William
Maxwell que, em 1676, publica um tratado sobre o tema com o titulo
de “Medicina Magnética”. Essas idéias foram aproveitadas cem anos
depois por Mesmer que, por volta de 1770, desenvolve nova teoria
com base nos seus antecessores e cria a tese do magnetismo
animal.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 35

Franz Anton Mesmer (1734 – 1815) nascido em 23 de maio de


1734, em Iznang, Swabia, uma aldeia na margem do lago Bodensee
perto de Konstranz na Alemanha, teve suas primeiras instruções em
uma escola religiosa e aos 15 anos ingressou num colégio de
jesuítas onde obteve elevado conhecimento em filosofia. Percebia o
cosmo como receituavam os filosofos gregos antigos, era o ponto de
partida para compreender a natureza das coisas e dos homens. A
percepção do cosmo ligado às idéias de ordem, harmonia,
circularidade, serenidade e a beleza representada pelos astros e
pelo espaço celeste e a importância dos quatro elementos
primordiais, terra, água, ar e fogo, concepções sustentadora do
núcleo central do pensamento filosofico que, embora decadentes no
século XVIII, muito influenciou as idéias de Mesmer. Interessando-se
também pela física, matemática e biologia, desistiu da carreira
religiosa para seguir o estudo da medicina.
Aos 32 anos Mesmer obteve o título de médico e, para isso,
apresentou na escola de medicina de Ingolstadt, na cidade de Ulena,
em Viena, a Dissertação físico-médica sobre a influência dos
planetas (De Planetarium Inflexu), publicada em 1766. A base teórica
para o desenvolvimento da sua pesquisa foi fundamentada no
conhecimento filosofico, ainda influentes nos séculos XVI e XVII,
somadas as idéias de Paracelsus, Helmont e William Maxwell, três
autores que valorizavam o lado mágico e oculto da arte de curar
através dos astros e dos elementos primordiais da natureza. Sua
teoria ganha o mundo através de seus discípulos e seguidores.
O Padre Maximilian Hell, um jesuíta que foi diretor do
observatório de Viena e professor de astronomia da Universidade de
Viena, com base na hipótese do magnetismo metálico de
Paracelsus, em 1770 resolveu também intentar curas reorganizando
os “pólos magnéticos humanos” através de aplicações de ímãs
naturais. Mesmer influenciado pelos êxitos de Hell também aplica
ímãs naturais em seus pacientes. Disso resultou a notícia de curas
magnéticas espetaculares em doentes desenganados.
Em 1773 Mesmer montou em Viena sua clínica de magnetismo
e aplica ímãs naturais pela primeira vez em uma jovem de 28 anos,
Franziska Osterlin, pessoa envolvida na alta sociedade vienense que
sofria com convulsões, febre, vômitos, delírios, crises de rigidez,
cegueira, sufocação e paralisia. É do próprio Mesmer a descrição de
como foi, em 28 de abril de 1774, realizado uma das sessões do
tratamento de Osterlin:
Há dois anos ela apresentava crises convulsivas
acompanhadas de febre, vômitos, delírio melancólico e
36 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

maníaco, crises de rigidez, cegueira, sufocação e paralisia.


Percebendo a periodicidade das crises, às quais atribuí um
caráter astronômico, procurei modificar seu curso. Eu planejei
estabelecer em seu corpo uma espécie de maré artificial com
a ajuda do ímã e de forma a reproduzir artificialmente as
revoluções periódicas do fluxo e do refluxo da corrente
magnética (MESMER).
Mesmer conta que, após ter medicado Osterlin com infusões à
base de ferro, por ser esse metal bom condutor do magnetismo,
prendeu um ímã em cada pé da paciente e um outro, em forma de
coração, sobre o peito. Imediatamente Osterlin experimentou uma
dor abrasadora e dilacerante que percorreu todo o seu corpo,
seguindo os eixos das peças imantadas. Os que assistiam a esse
tratamento horrorizavam-se com os gritos. Apesar da reação da
assistência, Mesmer não hesitou em acrescentar mais dois outros
ímãs aos pés da paciente e, conta que após isso Osterlin sentiu
descer com impetuosidade as dores que tinham atormentado as
partes superiores de seu corpo e, pouco a pouco, os sintomas
desapareceram.
Quanto aos efeitos positivos sobre a cura de Osterlin, Mesmer
tratou de conceituar como impossíveis de serem provocados
somente pelo uso dos magnetos naturais e sim por um “outro agente
essencial”. Dizia que as correntes magnéticas foram provocadas pela
paciente através de um fluido que se havia acumulado em sua
própria pessoa; era a ação do seu próprio magnetismo, um
magnetismo animal. O magneto natural utilizado funcionou apenas
como um acessório, como um reforço. Referindo-se ao que
conceitua como magnetismo animal e seus efeitos, afirma:
Há uma ação e reação recíproca entre os planetas, a Terra e a
natureza, por intermédio de um constante fluido universal
sujeito a leis mecânicas ainda desconhecidas. O corpo animal
é diretamente afetado pela insinuação deste agente na
substância dos nervos. Dito agente causa em corpos humanos,
propriedades análogas às do ímã, motivo por que é chamado
“magnetismo animal”. Este magnetismo pode ser transmitido a
outros corpos, pode ser aumentado e refletido por espelhos,
comunicado, propagado, e acumulado pelo som. Pode ser
acumulado, concentrado e transportado. As mesmas regras se
aplicam à propriedade contrária. O imã é suscetível de
magnetismo e de propriedade oposta. O ímã e a eletricidade
artificial têm, com referência à moléstia, propriedades comuns
a uma multidão de outros agentes que a natureza nos
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 37

apresenta, e se o uso destes for seguido de resultados úteis,


são devido ao magnetismo animal (MESMER). 13
Mesmer inova a hipótese até então existente; não era o
magneto natural que provocava curas, como anunciado por
Paracelsus e pelo Padre Hell, era a ação do magnetismo próprio do
ser humano. Defendia a tese de que não era preciso o ímã metálico;
bastaria impor as mãos sobre o doente para que este recebesse a
transferência dos fluidos magnéticos. O magnetismo animal poderia
passar das mãos do magnetizador para os pacientes, podendo
também ser armazenado em árvores ou transportado por varinhas,
espelhos, vasilhas contendo água, cristais e vários outros
instrumentos.
Respaldado em estudos sobre o pensamento filosofico, nas
práticas de Paracelsus e outros autores, Mesmer encontrou
justificativa suficiente para estabelecer a idéia da existência de um
fluido invisível e miraculoso que agia sobre os seres vivos através da
influência dos astros e dos planetas e, responsabilizava esse fluido
como causa de doenças ou como força curativa. Admitia como
princípio a existência de uma corrente universal que em tudo penetra
e abraça, num movimento alternativo e perpétuo assemelhando-se
ao fluxo e refluxo do mar. É a esse movimento provocado por
influências astrais, agindo de forma mútua entre todos os corpos da
natureza, uns sobre os outros, que ele atribuía a saúde e a doença.
Antes de Mesmer a idéia de fluidos invisíveis já fazia parte do
imaginário de muitos homens cultos. Paracelsus acreditava que
forças magnéticas, em particular aquelas que provêm das estrelas,
influíam sobre as pessoas através de ondas invisíveis. Isaac Newton,
em sua publicação Principia (1713), já explicitava o que acreditava
ser “a presença do espírito extremamente sutil que permeia e se
oculta em todos os corpos densos”. O cientista sueco Carlos Lineu
(1707 - 1778) dizia que na vida dos vegetais ocorria a presença de
um “fluxo magnético sutil” camuflado sob os mais variados nomes,
entre os quais gravidade, gases, energia e força vital.
Em 1785 Mesmer publica em Paris uma série de vinte e sete
aforismos, descrevendo os princípios de sustentação da tese do
magnetismo animal e como seus seguidores poderiam por em

13
MESMER A. F. Los fundamentos del magnetismo animal. Aforismo de Mesmer y
comentarios del Dr. Caullet de Veaumoreu. Tradução para o espanhol e prólogo
de Edmundo Gonzáles Blanco, B. Aires, Kier, 1954.
38 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

prática essa complicada teoria. 14 Na Europa o Mesmerismo foi um


dos assuntos mais divulgados entre 1779 e 1789 e, com isso, viveu
Mesmer glória e fracasso, principalmente em Paris.
Na segunda metade do século XVIII a sociedade européia, em
particular na França, viveu uma época de grandes transformações
para a humanidade. Livros como O Espírito das Leis, de
Montesquieu (1748); O Contrato Social, de Rousseau (1762); Cartas
Filosóficas, de Voltaire (1773); A Ordem Natural das Sociedades
Políticas, de La Riviére (1767), induziam o povo a pensar ampliando
seus conhecimentos e a percepção de si mesmo como cidadão
capaz e merecedor de melhorias. Estava também o mundo vivendo
as grandes descobertas da matemática e da física, a eletricidade e
seus efeitos eram objetos de estudos intensos, a descoberta do
eletromagnetismo e do pára-raios fascinava a todos.
O mundo vivia o que se chamava na Europa Le bélle epoque;
uma fase de efervescência de idéias filosóficas sobre o sentido da
vida e de explicações científicas para esclarecer os fenômenos
físicos, era época de revelações, idéias e explicações e o povo
acreditava que havia resposta para tudo. As formulações científicas
na área da física, as idéias de ação e reação, atração dos corpos, o
eletromagnetismo, tudo isso foi considerado como revolucionário e
extremamente racional. Neste cenário o homem acreditava que,
aliando o conhecimento com a tecnologia e a ciência, não seria
jamais limitado, por nada nem ninguém e, esse otimismo, incentivava
a criação de uma imensa gama de teorias, inclusive as que
explicassem o ser humano e sua complexidade. É nesta fase que
Mesmer, fazendo analogia com a física e com as aplicações
terapêuticas dos metais magnéticos, divulgado por seus
antecessores, imagina sua teoria.
No conceito popular, o poder da ciência podia explicar tudo e o
grande público demonstrava interesse cada vez maior pela
explicação científica dos fenômenos presentes na natureza humana.
É nesta atmosfera que Mesmer propaga sua teoria que ganharia o
mundo através de seus discípulos e seguidores. O Mesmerismo e o
magnetismo animal faziam parte do imaginário cosmológico desta
época, cuja tendência era a de misturar pesquisa experimental com
pensamento especulativo e místico, sobretudo numa fascinação
pelos fenômenos de natureza magnética e elétrica.

14
Título original, Les aphorismes de Mesmer dicté a l’assemblé de ses élèvem,
publicado em 1785 por Caullet de Veaumoreu. Traduzido para vários idiomas e
publicado em muitos países (N. do. A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 39

Satisfazendo a expectativa da sociedade, Mesmer dá a sua


explicação para o fenômeno que desencadeava, tentando no
máximo se aproximar da ciência dominante. Defendia a existência de
uma influência mútua entre os corpos celestes e, como justificativa,
apresentava as fases da Lua agindo sobre as marés, a força do Sol
atraindo a Terra para mover-se em sua volta. Dizia que essa força
invisível era semelhante à força do imã que atrai o ferro, igual à força
magnética que, embora ninguém possa ver, existe. Acreditava que
os cristais, superfícies espelhadas, alguns metais e principalmente a
água, poderiam acumular grande quantidade dessa força invisível.
Sustentava Mesmer que a força invisível que existe entre os
astros e o planeta Terra possui uma influência capaz de controlar a
saúde dos seres animados que aqui habitam. Dizia que tal influência
se manifestava através de um fluido, universalmente difundido, que
agia nos seres vivos, sendo recebidos dos astros através da cabeça
e da Terra através dos pés; no corpo humano sadio circulava num
fluxo contínuo e impedir este fluxo traria como conseqüência uma
enfermidade. A cura dependeria da retirada ou destruição do
obstáculo para que o fluido pudesse voltar a circular normalmente.
Pensando o corpo humano como um grande ímã, composto por
vários ímãs pequenos, Mesmer sustentava que massageando ou
Mesmerizando os pólos magnéticos do corpo se efetuaria a
superação do obstáculo que impedia a circulação do fluido universal
e, assim, estabelecia a cura das doenças. Inventou alguns aparelhos
que reforçavam sua tese, como um instrumento de cerâmica em
forma de cone que encerado, molhado e acionado por um pedal, era
posto a rodar. Neste instrumento deixava escorregar os dedos das
mãos até que a fricção produzisse um som que ele interpretava
como sendo gerado pela acumulação do seu magnetismo animal.
Também com o mesmo objetivo, friccionava com as mãos tecidos de
seda, plumas e outros objetos macios, associando essa prática com
a produção e efeitos da eletricidade estática, para logo em seguida
magnetizar seus pacientes que entravam numa espécie de
convulsão e promovia cura.
Em Viena, utilizando o novo método, várias pessoas foram
tratadas por Mesmer, entre elas destaca-se Maria Theresa Paradis,
pianista, 21 anos de idade, vítima de seu próprio pai numa relação
incestuosa forçada. Além de cegueira histérica, sofria com
freqüentes crises e sintomas severos como vertigens, dores de
cabeça, insônia entre outros. Atendida por muitos médicos, entre
eles o influente vienense Doutor Stoerk, não obteve cura.
Encarregado do tratamento, além dos passes magnéticos, Mesmer
40 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

lhe devotava carinho, atenção e amor até que a paciente recuperou a


visão. Sua fama alastrou-se pela Europa.
Mesmer teve origem pobre, filho de um ”guarda-caça”, função
semelhante a guarda-florestal, encarregado de zelar e preservar
certos locais e espécies de animais e servir a nobreza no esporte da
caça. Talvez por isso, dois anos depois de sua graduação, casou-se,
em 10 de janeiro de 1768, com a rica viúva de um Tenente-Coronel
do exército, de nome Marie Anna Von Posch, 20 anos mais velha do
que ele, que lhe proporcionava recursos necessários para realizar
seus estudos e promovia seu acesso à classe dominante. Marie
Anna, movida pelo ciúme, alia-se ao pai de Theresa Paradis e ao
Doutor Stoerk que não reconhecia a tese do magnetismo animal
como verdadeira. Os três insuflam os médicos de Viena e iniciam
forte campanha difamatória contra Mesmer; disso resultou sua
expulsão da cidade em 1776.
Em 1778 Mesmer já estava estabelecido em Paris onde
encontrou definitivamente um campo propício para difundir suas
idéias, o Mesmerismo tornou-se moda na aristocracia francesa, era o
assunto de todos os salões. Embora em Viena fosse tentado tratar
pelo método do magnetismo qualquer tipo de doença, logo após a
mudança para Paris, Mesmer descartou o tratamento das
enfermidades repulsivas como deformidades físicas permanentes ou
congênitas, chagas, portadores de loucura agressiva e casos de
idiotia. Esses casos na verdade nunca apresentaram resultados
positivos com o tratamento memesrista.
A princípio, como fazia em Viena, os pacientes eram tocados
com uma vara de metal para provocar as convulsões terapêuticas.
Mais tarde passou a acreditar que há no corpo humano, vários pólos
magnéticos e que, a maior parte deles, muda constantemente de
lugar provocando doenças e, por isso, tinham que ser arrumados
através de passes com a imposição das mãos; assim produzia as
mesmas convulsões, iguais às obtidas com o processo anterior.
Dizia, ainda, que alguns pólos magnéticos do corpo humano são
estáveis como os dos dedos e do nariz. Mesmer cria os passes
magnéticos, sustentando a hipótese que, com a imposição das
mãos, fluidos magnéticos, saindo pelos dedos, eram transmitidos de
uma pessoa para outra, em analogia com a teoria da eletricidade que
afirma “os elétrons fluem de um corpo para outro pelas
extremidades”. Este enunciado (lei das pontas) fundamentou B.
Franklin na invenção do pára-raios.
Mesmer passou a magnetizar e a produzir convulsões em seus
pacientes quando, segurando-lhes as mãos, fitava-lhes os olhos
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 41

durante alguns minutos; depois, iniciava os passes apontando os


dedos em direção da cabeça, ia descendo vagarosamente quase
sem tocar no corpo, parava um pouco nos olhos exercendo com os
dedos indicadores uma ligeira pressão na base do nariz do paciente.
Prosseguia descendo as mãos, parando à altura do tórax onde fazia
uma leve pressão, depois no estômago, o itinerário seguia
pressionando levemente as coxas até chegar aos joelhos. Dali
retornava, experimentando as mesmas estações intermediárias até
alcançar novamente a cabeça. Expediente este que no decorrer da
história foi aproveitado e adaptado, sendo até hoje, com ligeiras
modificações, usado de várias formas e em larga escala, com o
objetivo de produzir curas durante rituais religiosos ou filosóficos.
As sessões de curas foram evoluindo e já não podendo atender
individualmente à numerosa clientela, Mesmer recorreu à
magnetização indireta, dispensando seu toque pessoal no cliente.
Estes, em número de vinte a trinta, assentavam-se em volta de uma
tina contendo água, da qual saiam várias varas metálicas.
Estabelecendo contato com essas varas, num recinto meio
escurecido por cortinas e ao som de músicas suaves, os
participantes em busca da cura eram acometidos das convulsões
terapêuticas. Um método engenhoso de hipnotizar por sugestão
indireta e promover curas coletivas que, em Paris, conquista
proporções espetaculares.
Na versão mais avançada a tina é descrita como sendo uma
caixa redonda de madeira de carvalho, medindo aproximadamente
um metro e oitenta centímetros de diâmetro por setenta centímetros
de profundidade. No seu interior, para melhor atrair o magnetismo,
tinha um lastro de limalha de ferro e, de vez em quando, era
adicionado vidro em pó e, por cima do lastro, havia uma lamina de
água para ser magnetizada. Tudo era feito para manter semelhança
com o funcionamento de uma pilha elétrica, a explicação do
funcionamento tinha que ser “científica”. Da parte superior da caixa
saíam varas de ferro, com extremidades externas curvas e móveis,
ligadas por fios de seda a uma haste metálica central. Garrafas
cheias de água, com hastes metálicas que saíam através das rolhas,
eram colocadas dentro da tina para que quando transportadas para
outros locais pudessem produzir os mesmos efeitos. O argumento
era que garrafas contendo água acumulavam fluidos, assim como o
capacitor eletrolítico acumulava eletricidade.
Em Paris, os doentes, em busca da cura, sentados ao redor da
tina aplicavam sobre suas partes enfermas as varas de ferro. Uma
corda de seda, que Mesmer afirmava ser o fio condutor do
magnetismo, era amarrado na vara central e comprida o suficiente
42 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

para que os participantes a colocassem frouxamente em torno de


seus membros, às vezes passavam a corda na cintura, e de mãos
dadas reforçavam a ação do fluido magnético. François Deleuze, 15
um bibliotecário que, na época, assistia os trabalhos de
magnetizações, publica um livro sobre o assunto e descreve uma
dessas cenas:
Num dos compartimentos, sob a influência das varetas, que
saíam de garrafas contendo água magnetizada, aplicada às
diversas partes do corpo, ocorriam diariamente cenas
extraordinárias. Gargalhadas satânicas, gemidos e crises de
pranto se alternavam. Indivíduos atirando-se para trás
contorcendo-se em convulsões espasmódicas. Respirações
semelhantes às de moribundos e outros sintomas horríveis se
viam por toda parte. Subitamente esses estranhos atores
atiravam-se, uns aos braços dos outros ou então se repeliam
com expressões de horror. Enquanto isso, num outro
compartimento, com as paredes devidamente forradas,
apresentava-se outro espetáculo. Ali mulheres batiam com as
mãos contra as paredes ou rolavam sobre o assoalho coberto
de almofadas, com acessos de sufocação. No meio dessa
multidão ofegante e agitada, Mesmer, envergando um casaco
de seda lilás, movia-se soberanamente, parando, de vez em
quando, diante de uma das pacientes mais excitadas. Fitando-
lhe firmemente os olhos, enquanto lhe segurava ambas as
mãos, estabelecia contato imediato por meio de seu dedo
indicador. Também operava fortes correntes, abrindo as mãos
e esticando os dedos, enquanto com movimentos ultra-rápidos
cruzava e descruzava os braços, para executar os passes
finais (DELEUZE).
A compreensão da ligação do Mesmerismo com o hipnotismo
atual inicia por analisar o interior da clínica, onde tudo era disposto
de forma a provocar uma forte indução sugestiva no paciente.
Tapetes espessos, misteriosas decorações astrológicas nas paredes
e cortinas cerradas, compunham o ambiente onde se realizavam as
sessões. Além disso, existia uma sala de crises forrada de colchões,
destinada aos pacientes com ataques convulsivos violentos e a
celebre tina de madeira, um aparelho de tanta eficácia que
dispensava até a presença de Mesmer nos rituais.
Nas sessões, Mesmer esforçava-se, verbalizando sua teoria,
para provocar nos pacientes o máximo possível de tensão emocional
e, eles passavam a reagirem de formas inesperadas, uns sentiam
convulsões, outros entravam em transe e gritavam, choravam ou
15
DEULEZE, J. P. F. Histoire critique du magnestisme animal [Reprin]. Paris,
Hipolyte Bailliére. (Vol. 4, 1819) 1956.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 43

gargalhavam. Tudo isso era responsável pela criação de uma


atmosfera propícia aos devaneios da imaginação dos homens do
século XVIII, uma imaginação ainda povoada pelo maravilhoso, por
monstros, demônios e encantamentos. Mas, o certo é que curas
espetaculares aconteciam.
No início da sessão era mantido um silêncio absoluto, a
atmosfera geral possuía um clima de harmonia que só era
interrompido, vez por outra, por gritos ou soluços convulsivos de
alguns pacientes, o que provavelmente provocava uma indução
ainda maior nas pessoas que se encontravam no salão e, sem
dúvida, era esta a intenção. Todo esse impacto sofrido pelo
suscetível colocava-o numa situação ainda maior de suscetibilidade,
facilitando a ocorrência e o aprofundamento do transe.
Na fase mais avançada de sua carreira, Mesmer induzia os
pacientes para formarem uma corrente, sendo colocados uns ao lado
dos outros, alternando-se homens e mulheres (análogo à polaridade
elétrica, positivo negativo), comprimindo as coxas entre eles. Em
pouco tempo as pessoas começavam a sofrer convulsões, caindo no
chão e, o argumento explicativo baseava-se em que a força do
magnetismo era ativada pelas mãos e facilmente conduzida pelas
coxas. Para garantir a formulação do sofisma que mais convencesse
tudo era associado a um fato científico, como a corrente elétrica.
Durante as sessões, havia assistentes para retirarem os que
fossem afetados de modo mais violento, em transe convulsivo ou
cataléptico, os de choro alto e risos histéricos que eram conduzidos à
sala de crise. Essa ruidosa sala ficou conhecida como a Câmara das
Crises ou o Inferno das Convulsões. Mas, conta à história, Mesmer
efetivamente acreditava no que afirmava, era convicto das suas
“verdades científicas”.
O sucesso de Mesmer em Paris foi muito rápido, chegando a
alugar um palácio Place Vendôme e faz da sala principal seu novo
consultório, capaz de receber cento e trinta pacientes por sessão.
Neste ambiente atendeu a rainha Maria Antonieta, o legislador
Montesquieu, o iluminista La Fayette entre outros nomes da nobreza
e da intelectualidade parisiense. Na fase de gloria atendia a mais de
mil pessoas por dia e, como não podia atender a todos, chegou a
magnetizar uma árvore em frente do salão para que nela, quem não
mais cabia do lado de dentro, tocasse em busca de curas.
Assim como aconteceu em Viena acontece também em Paris; a
classe médica enciumada lhe moveu mais um processo de
perseguição. Em 12 de março de 1784, o rei Luís XVI, instigado
44 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

pelos médicos, nomeou uma comissão de sábios para investigar a


natureza do fenômeno Mesmeriano.
Mesmer começou a enfrentar
críticas de acadêmicos ilustres
que iniciaram forte campanha
contra sua prática. Não
obstante milhares de curas
realizadas, tudo era explicado
como sendo fruto de fraude e
farsa.
Uma sátira ao magnetismo
animal foi publicada, em 1780,
em jornais e panfletos que
circulavam por toda Paris, com
caricaturas de um corpo de
homem com cabeça e rabo de
cavalo e uma mulher sendo
magnetizada. Era o início do
fracasso de sua teoria. Caricatura contra o Mesmerismo (1780)

As críticas mais contundentes contra o Mesmerismo vieram da


Faculdade de Medicina, da Academia de Ciências e da Sociedade
Real de Medicina. As duas primeiras trataram de instituir a comissão
de investigação oficial composta por: a) Benjamin Franklin, na
ocasião embaixador americano em Paris e inventor do pára-raios; b)
o químico Antoine-Laurent Lavoisier, cientista conhecido como o pai
da química moderna; c) Jean-Sylvain Bailly, astrônomo conhecido
pelos cálculos da órbita do cometa Halley e pelos estudos sobre os
quatros satélites de Júpiter, estadista e Prefeito de Paris; d) o médico
Joseph-Ignace Guillotin, o mesmo que oito anos depois inventaria a
guilhotina; e) Antoine Laurent de Jussieu, médico pela Universidade
de Montpellier, Diretor do Jardim Real e membro da Academia de
Ciências de Paris. Todos encarregados de investigar a legitimidade
do fluido magnético e das curas anunciadas.
Uma petição dirigida por Mesmer à Academia Francesa, em data
anterior à nomeação da comissão, requerendo a investigação
científica para seu método de cura sequer foi indeferida, foi ignorada.
Indignado, posteriormente quando procurado pela comissão oficial,
recusou-se por à prova suas verdades e não ofereceu resistência às
acusações, deixando sua defesa a cargo dos fatos e de seus
discípulos.
Mesmer era acusado, preliminarmente, de ser o detentor e
criador de uma doutrina secreta, que só se dispunha revelar aos
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 45

membros subscritos da “Sociedade da Harmonia”, criada por ele


para formar novos magnetizadores. Sob promessa de sigilo, os
sócios aprendiam a concentrar os fluidos magnéticos e a comunicar
para outras pessoas. Com a ajuda de Luis XVI e Maria Antonieta,
instalou também o “Instituto Magnético”, local onde os membros da
sociedade da harmonia atendiam pacientes em busca de cura.
Diante da negativa de Mesmer, a comissão tratou de investigar
as práticas Mesmeristas realizadas pelo seu discípulo Charles
D`Eslon, médico respeitado e professor da Faculdade de Medicina
de Paris, que se prontificou com os investigadores a compartilhar a
totalidade do seu saber e da sua experiência. Assim, o que estava
sendo julgado era a prática do magnetismo animal e, durante a fase
de investigação, os cientistas limitaram-se a presenciar as
demonstrações realizadas por D`Eslon. Enfiaram as mãos na tina do
banho magnético, o que não lhes provocou os efeitos esperados,
nada de crises ou de convulsões, nada de fluido ou coisas
semelhantes foi registrado.
Afirma Chertok 16 que D`Eslon se comprometeu com os
comissários para: 1) constatar a existência do magnetismo animal 2)
comunicar seus conhecimentos sobre essa descoberta 3) provar a
utilidade do magnetismo animal no tratamento das enfermidades.
Entretanto, não deveria ter assumido tal compromisso desde quando
fora iniciado na Sociedade da Harmonia, por tanto fez votos de sigilo
e devia fidelidade a Mesmer; mesmo assim assumiu com intenção de
provar que a teoria era verdadeira, mas ficou supresso com os
resultados e como os membros da comissão procederam, com
exceção de Jussieu. Para D`Eslon a condenação do Mesmerismo
não era pertinente.
Após cinco anos de estudos, a comissão apresentou volumoso
relatório condenando o Mesmerismo, afirmava que não havia efeitos
benéficos e que os tratamentos eram à base de excitação da
imaginação e de pura imitação mecânica; “a imaginação separada do
magnetismo produz convulsões, e o magnetismo sem imaginação
nada produz... nada há que prove a existência do fluido magnético
animal...”. Complementa a acusação o fato de que a magnetização
não ocorria se o indivíduo não soubesse que estava sendo
submetido a tal prática. Dito de outra forma, a conclusão do relatório
era que a predisposição do sujeito enfermo era condição para atingir
a cura. Mas, Jussieu recusou-se a assinar e contestou o relatório;
16
CHERTOK, Léon e STENGERS, Isabelle. O Coração e a Razão: A hipnose de
Lavoisier a Lacan. (Titulo original: Lê coeur et la raison – L’ hypnose em question,
de Lavoisier à Lacan, tradução de Vera Ribeiro) Rio de Janeiro, ed. Zahar, 1990.
46 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

por entender que somente a imaginação não explicava muitos


aspectos que por ele fora observado na fase de investigação,
apresentando um contra-relatório á Corte Francesa e á Academia de
Ciências, defendendo o Mesmerismo, principalmente a veracidade
das curas que presenciou. 17

Caricatura do século XVIII - B. Franklin apresentando o relatório contra o Mesmerismo


Com base na condenação do magnetismo animal, a Sociedade
Real de Medicina resolveu processar Mesmer. Agora era ele quem
deveria ser julgado na sua conduta médica. Indignado, D`Eslon
assumiu a defesa. E, referindo-se ao primeiro julgamento dizia ter
ouvido inúmeras vezes o argumento de que todas as curas
comprovadas foram provocadas pela imaginação do próprio
paciente. Questionava D`Eslon o júri do segundo julgamento; “E se
for verdade? Se o segredo do Doutor Mesmer é manipular a
imaginação para fazê-la operar em pró da harmonia física e mental
do paciente? Isso não seria, só por isso, um grande avanço para a
medicina?”. Insistia em que a prova fosse buscada nos efeitos
curativos do fluido hipotético, mas a argumentação da defesa de

17
JUSSIEU (JUSSIEU, Laurent de. Rapport de l’um des commissaires, Paris,
[Reprin.1952] 1784).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 47

nada valeu. Mesmer foi condenado como charlatão, considerado


impedido de praticar a medicina. 18
A partir do resultado do segundo julgamento, a Faculdade de
Medicina de Paris proibia qualquer médico declarar-se partidário do
Magnetismo Animal, sob pena de ser excluído do seu quadro.
Paralelo a essa proibição surge um movimento de grupos de ilustres
personalidades da sociedade de Paris que, favorável às idéias de
Mesmer, iniciam a criação das Sociedades Magnéticas, derivadas da
Sociedade da Harmonia, que mais tarde se transformam nas
Sociedades Mesmeristas e se espalham pela Europa com objetivo
de promover tratamento das enfermidades.
Adeptos de Mesmer mantiveram funcionando as Sociedades da
Harmonia, no início secretamente e depois a tornaram pública com o
nome de Sociedades Magnéticas. Em 1831, membros da Sociedade
Magnética de Paris elaboram um minucioso relatório e encaminha à
Faculdade de Medicina de Paris solicitando a reabertura do processo
que condenara o Mesmerismo e obtiveram revisão do julgamento.
Finaliza a redação da nova sentença: “Considerando o magnetismo
como agente de fenômenos fisiológicos ou como elemento
terapêutico, é nossa opinião que deveria entrar no quadro do ensino
da Medicina e ser empregado por médicos ou, sob sua orientação,
por especialistas comprovados”. Em 1837, porém, retrata-se da
decisão anterior, e nega a existência dos fluidos.
Oficialmente desacreditado e sofrendo grande pressão da
crítica, vilipendiado pela classe médica, Mesmer abandonou Paris
em 1794 seguindo para a Bélgica onde não obteve boa recepção; foi
para a Alemanha onde concluiu a redação do seu livro mais
completo, 19 publicado em 1814, detalhando o entendimento teórico e
as práticas que desenvolvera durante sua vida, mas seu conteúdo foi
considerado pela crítica da época como informações sem crédito.
Enfrentando mais um processo promovido pela Academia de
Ciência de Berlim, Mesmer foi intimado a prestar esclarecimentos
18
Em 1994 foi produzido um filme por Wiland Schulz-Keil e Lance Reynolds,
dirigido por Roger Spottis Woode, com o título de Dr. Mesmer o feiticeiro. Retrata o
trabalho de MESMER em Viena e em Paris e a rejeição da comunidade médica do
seu tempo às suas idéias. Retrata o julgamento da Sociedade Real de Medicina
que condena MESMER como charlatão (N. do. A.).
19
Título original do livro de MESMER publicado por Herausgegeben von Wolfart,
em Berlim, Alemanha, em 1814, System der Wechselwirkungen. Theorie und
Anwendung des Thierischen Magnetismus als die allgemeine Heilkunde zur
Erhaltung des Menschen “Sistema de ação e reação: Teoria e prática do
magnetismo animal como meio geral de cura e manutenção da integridade
humana” (N.do A.).
48 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

sobre sua teoria e sua prática. Sofrendo grandes perseguições na


Alemanha, fugiu para Inglaterra onde viveu por pouco tempo sob
nome suposto, tendo depois voltado para Iznang na Áustria onde
morreu aos 81 anos de idade, em completo esquecimento, na cidade
de Weiler, em 05 de março de 1815.
É incontestável que o ritual, não importa qual seja a justificativa,
se religiosa, mística ou mágica, quanto mais solene mais eficaz será
para produzir o transe. Mesmer, sem reconhecer essa relação, usa
como processo de indução o ritual dos passes e da tina, associando
à teoria do magnetismo animal. Para ele o transe e seus efeitos eram
produzidos através de uma força emanada, por via astral através da
pessoa magnetizadora, capaz de aliviar ou eliminar sofrimentos
humanos. Mesmo sendo a maior parte das suas conclusões
equivocadas, a partir de suas idéias foi possível uma série de
descobertas que deram origem a novos conceitos.
Na fase final de suas pesquisas, sem abandonar as idéias
iniciais Mesmer acrescenta outras, as quais se aproximam muito das
explicações modernas. Em suas ultimas conclusões relacionava os
sintomas dos pacientes às violentas emoções por eles vivenciadas,
acreditava que sua técnica era uma forma de superação ou cura dos
sofrimentos conseqüentes da própria historia de vida de cada um.
Entre 1790 e 1820 o magnetismo animal foi relegado à
categoria de “acontecimento sem importância”, mas o Mesmerismo
continuou ativo depois da morte de seu fundador. Decorridos mais de
dois séculos, muitos autores escreveram sobre o assunto, uns a
favor outros contra, novas interpretações aconteceram. Na década
de 1880, as conclusões de Mesmer incentivaram os estudos de um
neurologista francês, o famoso Charcot, que associou a terapêutica
do seu antecessor ao estudo da histeria e lhe deu novo impulso.
Tudo isso contribuiu para Freud, no início do século XX, apontar sua
versão para o significado terapêutico das práticas Mesmeristas. Na
atualidade, novas hipóteses surgem e são modificadas a cada dia
por novos autores, inovando e discutindo o tema do hipnotismo, ora
envolvendo filosofia, religião ou ciência.
O Mesmerismo serviu de base para várias idéias e sua
importância para o desenvolvimento de algumas crenças é
incontestável; a hipótese da influência dos astros nas vidas das
pessoas para muita gente é válida até hoje e, acreditando nisso,
muitos ainda recorrem a consultas astrológicas e a mapas astrais
para obterem respostas sobre a vida, sorte e saúde. A crença de
Mesmer na força que podia ser acumulada na água, nos cristais e
nos espelhos, também ainda encanta muita gente.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 49

No sentido religioso a influência do Mesmerismo é evidente, os


passes magnéticos e recipientes com água das práticas Mesmeristas
foram mais tarde utilizados como elementos facilitadores da
cooperação entre o espírito e o médium. Assim como Mesmer fazia
quando invocava os fluidos astrais, freqüentemente os dirigentes de
rituais religiosos, em busca da cura, também invocam ou recorrem a
uma espécie de poder sobrenatural do qual se dizem condutores ou
instrumento.
Mesmerismo e sonambulismo
Dentre os discípulos de Mesmer que fizeram reviver o
Mesmerismo, figura também uma personalidade influente, o Marquês
Armand-Marie-Jacques Chastenet du Puységur (1751-1825), um
oficial de artilharia que se distinguiu no cerco de Gilbraltar. Viveu
dividindo seu tempo entre a vida militar e seu castelo, uma
gigantesca propriedade que possuía por herança de seus
antepassados, localizada no sul da França, na aldeia de Bezancy
região da Soissons.
Puységur continuava a empregar os métodos de Mesmer até o
dia quando magnetizando com passes Mesmeristas um jovem
camponês de 18 anos, de nome Vietor Race, que sofria de uma
afecção pulmonar, por mera casualidade verificou que o expediente
magnético podia produzir um estado de sono e repouso em lugar das
clássicas crises de convulsões. Vietor não se detinha no sono;
dormindo, movia com suavidade os lábios e sua fala parecia
reproduzir pensamentos alheios, muito superiores à sua cultura
rudimentar, usava uma linguagem mais inteligente do que quando
em estado normal, chegando mesmo a indicar um tratamento para a
sua própria enfermidade, com o qual obteve pleno êxito. No mais, o
paciente se conduzia como um sonâmbulo. Puységur estava diante
de um fenômeno, que não hesitou em rotular de sonambulismo
artificial e percebendo um novo aspecto do fenômeno hipnótico, que
ainda era conhecido como magnético, passou a explorá-lo
sistematicamente.
O transe hipnótico quando atinge o nível do sonambulismo, na
maioria das vezes, o indivíduo fica inconsciente. Em outras ocasiões
pode manifestar intensa excitação mental expressada através de
convulsões, gritos, crise de choro ou riso aparentemente voluntário.
É geralmente nesta fase que ocorrerem fenômenos hiperestésicos e
clarividentes.
Enquanto os Mesmeristas provocavam crises nervosas,
convulsões histéricas, prantos e desmaios, Puységur agia em
50 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

sentido contrário, sugerindo aos Mesmerizados paz, repouso, cura e


ausência de dor. Embora continuasse a usar passes conjuntamente
com a sugestão para indução ao transe, deu um impulso decisivo ao
hipnotismo moderno; a ele se devem os primeiros critérios corretos
para a análise da hipnose e da suscetibilidade hipnótica, além de
observar como decorrente da hipnose fenômenos hiperestésicos e
clarividentes. Já em 1784, descobrira que, com um dos seus
pacientes, ele não tinha necessidade de falar para dar as sugestões.
Entre outros, o fenômeno da clarividência, premonição e
transmissão de pensamento, podem ocorrer com algumas pessoas
em estado hipnótico. Quevedo 20 esclarece o que ele denomina de
“Incitação do Inconsciente pela Hipnose” e apresenta casos nos
quais afirma que a hipnose favoreceu a ocorrência desses e de
outros fenômenos. Descreve o conteúdo de uma carta escrita pelo
próprio Marquês, datada de oito de março de 1784 e citada por
Dominique de Sé, no seu livro Animal magnetism, publicado em
Londres em 1874, que relata o acontecido quando Mesmerizava um
dos seus pacientes:
Eu pensava simplesmente na presença dele e ele me
compreendia e me respondia... Quando ele se mostrava
disposto a dizer mais do que eu julgava prudente deixar
entender, eu, só com o pensamento, interrompia
imediatamente suas idéias, cortando as frases no meio de uma
palavra e modificava completamente seu curso (DOMINIQUE,
apud QUEVEDO).
Em 1787, Jacques Henri Désiré Petétin (1744 - 1808), de Lyon,
também descobriu como levar um paciente ao transe sonambúlico.
Em sua obra, Electricité Animal (1808), comunica ter observado que
nas experiências com o sonambulismo, algumas pessoas
manifestavam fenômenos estranhos. Alguns pareciam surdos
quando a voz era dirigida aos seus ouvidos, entretanto, ouviam
perfeitamente se as palavras lhes eram sussurradas ao nível do
estômago. O mesmo fato ocorria com relação à visão; o sujeito
mostrava-se capaz de “ver” com a região correspondente ao
estômago. Outras vezes observava que os sentidos sofriam uma
transposição diferente, como exemplo, para a ponta dos dedos da
mão ou dos pés.
É relativamente comum a observação destes fenômenos em
sessões de hipnotismo, onde o hipnotizado, de olhos vendados e de
costas para o hipnotizador, reproduz os seus movimentos; se o
hipnotista levanta o braço, o hipnotizado também levantará, sem que
20
QUEVEDO, O. Gonzáles. A face oculta da mente, São Paulo, ed. Loyola, 1971.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 51

para isso se diga uma palavra; se o hipnotista apenas afasta as


mãos, ele cairá com o corpo no mesmo sentido. Mas, esse fato
revelado por Puységur, até hoje é posto em dúvida embora seja
verdadeiro e até fácil de ocorrer.
Foi o Marquês, o criador do termo sonambúlico para representa
o estágio mais profundo da hipnose. Seu método, no qual o próprio
doente indicava o seu remédio, fez com que Puységur enveredasse
para a pesquisa do maravilhoso. Seus pacientes postos em contatos
com outra pessoa doente viam e descreviam seus órgãos internos
como raios-X e, hipnotizados, também faziam observações do que
se passava à distância. Assim, Puységur introduziu na hipnose uma
experiência curiosa que consiste em aprofundar no transe uma
pessoa bastante suscetível, sugerindo-se que ela terá sua visão
aumentada, que terá condições de enxergar internamente a pessoa
que está à sua frente. Ambas de frente uma para outra, com os
braços apoiados sobre os joelhos, em contato pelas mãos. Feito
isso, era dito:
• Agora você já pode observar todo o funcionamento dos órgãos
internos desta pessoa com que você está em contato... Vá
observando vagarosamente, bem calma, bem tranqüila... Vá
observando o funcionamento de todos os órgãos internos dela...
Observe bem... Descreva seu funcionamento...
O hipnotizado logo dizia que estava enxergando tudo;
surpreendentemente, com detalhes descrevia o funcionamento dos
órgãos, mesmo sem ter grandes conhecimentos de anatomia. Para
Puységur, com essas experiências podiam ser obtidos diagnósticos
perfeitos e com grande precisão. Sugeria que, além de ver, o
hipnotizado tinha condições de sentir as reações do outro e
descrever suas dores. O retorno dessa prática consistia também de
sugestões especificas. Como exemplo:
• Agora está tudo bem... Você está livre de qualquer interferência,
está livre de qualquer dor ou mal-estar... Está totalmente se
desligando da pessoa que segura pelas mãos... Ao soltar suas
mãos, estará livre de seus problemas... Solte as mãos... Vou
contar até três para você acordar... Um... Dois... Três...
Baseado nas experiências de Mesmer, Puységur acreditava
que podia magnetizar árvores e, com isso, desenvolveu outra técnica
utilizada em tratamento coletivo, que eram executados na presença
de espectadores curiosos e entusiasmados pelo novo método.
Segundo Alphonse Bué (1919), Puységur chegava a reunir até 130
pessoas, ao mesmo tempo, em torno das famosas árvores de
52 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Bezancy, de Beaubourg e de Bayonna, de que os anais magnéticos


assinalam numerosas curas.
No centro da praça da pequena aldeia de Bezancy, cercada de
palhoças, próximo ao castelo do Marquês, podia ser vista uma
grande árvore, um olmo antigo em cujo pé brotava uma fonte de
água clara; os camponeses se sentavam ou eram amarrados nos
principais ramos em torno do tronco. O procedimento de cura
começava com a formação de uma corrente de pessoas que se
seguravam pelos polegares em volta da árvore e descreviam sentir,
na medida mais intensa ou débil, um fluido que corria através deles.
Depois de um tempo o mestre mandava que cada um dissolvesse a
corrente se soltando dos polegares do outro para posteriormente
cada um esfregar as próprias mãos. Escolhia então alguns deles e
com o toque de seu bastão de ferro, levava-os ao nível de transe
sonambúlico. Essas pessoas, agora chamadas de “médicos”,
diagnosticavam enfermidades dos outros e indicavam tratamentos.
Para acordá-las de seu sono magnético Puységur mandava beijar a
árvore. Com isto acordavam e não se lembravam de nada.
Chamando a atenção dos cientistas para a nova forma de
curar, Puységur comunicou esse novo rumo dado à hipnose à
Academia de Medicina, que se recusava a aceitar no que parecia ser
um absurdo e nomeou comissões para estudarem os casos descritos
pelo Marquês. Uns relatórios foram a favor e outros contra, em 1837
instituiu-se a ultima comissão que, para por fim as dúvidas,
estabelecendo uma recompensa de alto valor em dinheiro para quem
apresentasse um sonâmbulo capaz de enxergar através de
obstáculos opacos. Ao contrário do que se esperava a prova não
envolvia qualquer demonstração de cura pela hipnose, seria
recompensado o hipnotizador que respondesse positivamente ao
desafio e acreditava-se que jamais qualquer pessoa passaria na
prova. Mas, apareceu uma garota de nome Pigaire, de 12 anos, cuja
clarividência havia sido comprovada por Puységur. Apresentada á
comissão, de olhos totalmente vendados pelos experimentadores,
mostrou que podia ver perfeitamente objetos. Pois bem, o veredicto
dos doutos acadêmicos foi contrário, chegaram à conclusão de que
embora com os seus olhos rigorosamente blindados, a sua faculdade
da visão não podia ser descartada por ter ela uma vista fisiológica
normal; não era cega, logo podia enxergar. Questão encerrada...
Processo arquivado.
Embora em média apenas dez por cento dos suscetíveis ao
transe hipnótico atingem o nível do sonambulismo com
possibilidades de apresentar efeitos extra-sensoriais, a prática de
Puységur abriu caminho para uma nova perspectiva, descobre o
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 53

estado sonambúlico do hipnotismo. Vários homens importantes na


sociedade européia seguem seus passos, entre eles o Barão Du
Potet e Charles Lafontaine e, a partir daí, algumas sessões de
magnetismo passam a incorporar sonâmbulos com efeitos
espetaculares e manifestação de fenômenos hiperestésicos e
clarividentes ocorreram por toda a Europa. O Barão foi um entre
outros que muito contribuiu para o desenvolvimento das sessões
Mesmeristas envolvendo sonâmbulos, mais tarde transformados em
médium espíritas. Foi também um dos iniciadores de Allan Kardec, a
quem coube o desenvolvimento e a codificação da doutrina espírita,
que a partir dele passa a ser conhecida como kadercismo.
Magnetismo e kardecismo
O magnetismo em sua trajetória histórica envolve o
sonambulismo europeu com algumas manifestações ocorridas na
América e, desse envolvimento, decorreu sua conversão para a
doutrina espírita através do médico, filósofo e professor de francês,
Denizard Hippolyte Léon Rivail (1804 – 1860), nascido na França, na
cidade de Lyon. No início de sua carreira Rivail foi Guarda-livros no
jornal O Universo, se formou em Letras e em Medicina, publicou em
1824 a Gramática Francesa Clássica e um ensaio sobre o
aperfeiçoamento do ensino no seu país. Com intenção de trabalhar
como professor, sua principal atividade profissional, fundou o
Instituto Rivail, fechado em 1835 por dificuldades financeiras,
passando então a ensinar em sua casa filosofia, química, anatomia,
astronomia e física, além de, eventualmente, clinicar como médico.
Rivail interessou-se pelo magnetismo de Paracelsus e, em
1850, o mesmerismo atraiu a sua atenção passando a integrar o
grupo dirigido pelo Barão Du Potet (1796-1881), fundador do Journal
du Magnétisme e dirigente da Sociedade Magnética de Paris.
Embora se considerasse modesto magnetizador, Rivail freqüentou
sessões de mesmerismo em busca de solução para casos de
enfermidades de pacientes a ele confiados e tornou-se mais tarde,
com o pseudônimo de Allan Kardec, o codificador da doutrina
espírita.
Antes da doutrina de Kardec, entre 1835 e 1845, na Alemanha
são notáveis a sonâmbula Adèle Marginot e Gottlieben Dittus, ambos
no meio de sessões de magnetismo, realizavam curas e atribuíam
aos espíritos. Na Escócia, na mesma época, o pastor presbiteriano
Edward Irving pregava curas enquanto falava em sua igreja em
língua estranha (fato comum durante transes hipnóticos). Na
Inglaterra ocorreram fatos semelhantes e migram para a América
54 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

através dos shakers, grupo de religiosos místicos ingleses que, no


início século XIX, chegaram aos Estados Unidos como colonos.
No fim da década de 1840, só em Nova Orleans, cidade
americana de fortes raízes francesa, funcionavam mais de cinqüenta
centros dedicados à prática do espiritismo. Embora nestas sessões a
comunicação direta com espíritos não era cogitada, admitia-se sua
existência e a crença de que eles agiam influenciando de alguma
forma na vida das pessoas.
Foi em 1848, numa granja em Hydesville, em Nova York nos
Estados Unidos, que aconteceu pela primeira vez um fato
envolvendo a família Fox, composta por Johon, sua esposa
Margareth e três filhas, Margareth, Katharine e Ana Lrah de,
respectivamente, 15, 12 e 09 anos, que ficou conhecido como a
primeira ocorrência de comunicação direta de pessoas vivas com
espíritos. A casa virou um lugar onde afluíram várias pessoas para
presenciar os fatos e, por causa de muita freqüência, a família
resolveu mudar-se dali e, com a sua saída da casa, os fenômenos
pararam. As duas irmãs mais velhas eram sonâmbulas, portanto
tinham possibilidades de manifestar certos efeitos parapsicológico. A
notícia espalhou-se pela região e, rapidamente, para o resto do país
e para o outro lado do Atlântico. Chega à França e transforma-se em
reuniões em torno de mesas girantes e de escritas automáticas,
inicialmente como curiosidade e passatempo de salão, depois
associa-se ao Mesmerismo para mais tarde transformar-se em
prática da doutrina Kardecista.
Em dezembro de 1847 a família Fox foi residir numa casa de
madeira que tinha fama de mal-assombrada, apesar de sempre
ouvirem pequenos ruídos e batidas, os Fox já estavam se
acostumando com a casa, mas certa noite os barulhos
intensificaram-se e acordaram a todos. As duas filha mais velhas
logo perceberam que as batidas respondiam a seus estalos de dedos
e palmas batidas, como se fora alguém invisível querendo se
comunicar. Margareth, a mais velha, levando na brincadeira e
cantando em ritmo de raps, dizia: “Senhor pé rachado, faça o que eu
faço”. 21 Seguiu-se o mesmo número de raps ao das palmas batidas
por Margareth. Em seguida, replicou: “Agora faça exatamente como
eu. Conte um, dois, três, quatro”. E, bateu palmas, sendo imitada nos
sons pelo que acreditou ser um espírito. Outras perguntas foram
feitas pela mãe das meninas, como qual a idade de cada uma, e
para espanto da família, as pancadas responderam acertadamente.
21
O termo “pé rachado” deve-se à maneira que os nortes-americanos se referiam
ao demônio ou “cabra” (N. do A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 55

O fato ocorrido com a família Fox passou a ser entendido como


uma comunicação com espírito, o fenômeno das batidas como
respostas as provocações das meninas prosseguiu á vista de outras
pessoas que trataram de divulgar a história pelo mundo e, na
Europa, estas notícias serviram de base para o inicio, em 1850, das
experiências com “mesas girantes”, contando sempre com a
presença de sonâmbulas e, no decorrer das sessões de
magnetismo, associadas com práticas Mesmeristas.
Foi em 1850 que surgiram na Europa as mesas girantes; várias
pessoas em torno de uma mesa colocavam as mãos sobre o móvel
que começava a girar ou levantar os pés. Acreditava-se que os
fluidos magnéticos de uma ou mais pessoas do grupo
proporcionavam as condições para que isso acontecesse. Quando o
efeito começava, geralmente se ouvia um pequeno estalido na mesa,
isso era o prelúdio do movimento. Essa prática virou mania nas
casas e salões e logo, o que apenas era diversão, passou a ser
entendido como se fosse comunicação com espíritos, cada pancada
do pé da mesa no chão passou a ser entendida como confirmação
de uma letra, proferida por alguém do grupo e, a junção das letras,
formava resposta para determinada pergunta. Isto evoluiu para o que
veio a se chamar escrita automática; uma cesta com de 15 a 20
centímetros de diâmetro, na qual se amarava um lápis com a ponta
para baixo. Mantida em equilíbrio sobre uma folha de papel, o
sonâmbulo encostava o seu dedo na cesta e ela se deslocava
escrevendo.
O movimento das mesas girantes, assim como a escrita
automática, independente da vontade consciente de quem está com
as mãos sobre a mesa ou com o dedo sobre a cesta, pode acontecer
quando as sessões conta com a participação de pessoas suscetíveis
e, atinge proporções espetaculares quando essas pessoas são
sonâmbulas, o próprio ambiente e a ritualidade das sessões provoca
o transe hipnótico. Como, conscientemente, a pessoa não provocou
os movimentos, acredita-se que o efeito ocorre por ação do seu
inconsciente que é capaz de controlar sua musculatura e, de forma
sutil, criar os movimentos. O que pode ser entendido como uma
prática simples envolvendo hipnotismo, para alguns passou a ser
observado como se fosse obra de espíritos comunicando-se com os
vivos.
A iniciação de Allan Kardec no espiritismo ocorreu após
reencontrar com um amigo de nome Victorien Sardou que discorreu
acerca do que acreditava ser a intervenção dos espíritos em uma
sessão de magnetismo e o convidou para assistir. Em maio de 1855,
56 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

foi à casa de uma sonâmbula, a Sra. Roger, conheceu o seu


magnetizador, o Senhor Fortier, além de outros membros do novo
grupo. Foi quando, pela primeira vez, presenciou a prática das
mesas girantes que saltavam e corriam e viu também alguns ensaios
de escrita automática. Interessou-se pelas explicações transmitidas
pelo magnetizador quando dizia "parece que já não é somente
pessoas que podem magnetizar".
A partir da ocorrência das mesas girantes e da e das escritas
automáticas, ocorreu para alguns mesmeristas a suspeita de que
existia algo além do fluido e do magnetismo agindo nas sessões de
sonabulismo e o sonanbulo passa a ser conhecido como médium.
Nome advindo do latim que significa “meio”, definindo aqueles
sonâmbulos que entravam em transe com o propósito de
“intermediar” a comunicação entre os vivos e os mortos.
Em 1857 Allan Kardec acredita ter tido contato, através de um
médium, com um espírito de nome Zéfiro, que lhe diz, entre outras
coisas, tê-lo conhecido em uma precedente existência, quando, ao
tempo dos druidas, viviam juntos na Gália e ele se chamava, então,
Allan Kardec e, prometeu orientá-lo na tarefa de escrever a nova
doutrina. Em 1859, publica com esse pseudônimo o Livro dos
Espíritos criando outra versão para o magnetismo, a de que a força
curativa era atribuída aos espíritos (Obras Póstumas de Allan
Kardec).
A premissa de Kardec, fundamentada na filosofia antiga que a
tudo respondia com base na reflexão do pensamento mítico, herda
as teorias do magnetismo e se desenvolve absorvendo as práticas
Mesmeristas. A estruturação de sua doutrina tem por base o
pensamento de Platão e deriva do magnetismo desenvolvido por
Paracelsus, praticado por William Maxwell, Maximilian Hell, Mesmer
e Puységur.
Platão, como os pitagóricos e outras linhagens de pensadores
filosóficos, acreditava que a alma existia antes do corpo, continuava
a existir após a morte e posteriormente entrava em novo corpo
prestes a nascer. Em estado puro, era a alma capaz de contemplar
sem obstáculos o mundo no qual vivemos; ao adentrar um novo
corpo, porém, ocorria um choque e produzia-se o esquecimento.
Mas, traços dessa contemplação permaneciam no espírito e podiam
ser eventualmente reativados. Essa visão, através do pensamento
mítico, é presente nas escolas filosóficas, na origem da própria
filosofia para explicar o humano e seu mundo.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 57

Para Platão (na obra o Fédon) a alma 22 é uma substância


independente do corpo; é eterna, unindo-se a ele de forma
temporária e acidental. Quando morre um corpo, a alma transmigra
para outro. A viagem e a transmigração estão, contudo, condicionada
pelos atos praticados na vida anterior. Assim, o novo corpo em que
reencarnam pertence a uma pessoa com um estatuto social mais
elevado que o anterior, mas a união da alma com um corpo, não faz
desaparecer traços da vida antes incorporada. Pelo contrário, estes
traços vão sendo substituídos à medida que as experiências e a
educação despertam na nova vida formas mais evoluídas.
Conhecendo bem filosofia e vivenciando as práticas do
magnetismo mesmerista, Kardec inicia uma nova concepção de cura.
Em 1858, funda e dirige a Sociedade Parisiense dos Estudos
Espíritas e cria a Revista Espírita, onde populariza sua teoria. Ao
escrever a primeira edição da Revista Espírita, em março de 1858,
destaca que o magnetismo preparou o caminho do espiritismo,
afirmando que dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do
êxtase, derivou as manifestações espíritas, e diz que sua conexão é
tal que é impossível falar de um sem falar de outro. E conclui seu
artigo homenageando os praticantes do mesmerismo como sendo
seus legítimos antecessores:
Devíamos aos nossos leitores esta profissão de fé, que
terminamos com uma justa homenagem aos homens de
convicção que, enfrentando o ridículo, o sarcasmo e os
dissabores, dedicaram-se corajosamente à defesa de uma
causa tão humanitária (KARDEC, Revista Espírita, 1858).
Referindo-se a importância da terapia praticada nas sessões
mesmeristas, Kardec em 1868 ao escrever a quinta e última obra
básica da sua doutrina, A Gênese, faz referencia as curas através da
ação do fluido universal e invisível, destacando que as curas fluídicas
seriam variedades da ação do magnetismo, diferindo apenas pela
potência e rapidez da ação do magnetismo que o transmitia. “O
princípio é sempre o mesmo: é o fluido que desempenha o papel de
agente terapêutico, e o efeito está subordinado à sua qualidade e
circunstâncias especiais”.
Entusiasmado com os primeiros resultados das suas idéias,
Kardec exerce sua formação acadêmica de escritor e produz a
bibliografia clássica da nova crença, composta por cinco livros: o
Livro dos Espíritos (1859), o Livro dos Médiuns (1861), o Evangelho
segundo o espiritismo (1864), O céu e o Inferno (1865), e A Gênese
(1868), se somado a essa coleção as Obras Póstumas de Allan
22
O conceito de Alma, para o Kardecismo, é um espírito encarnado (N.do A.).
58 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Kardec. Esses livros contribuíram prodigiosamente para dar ao


espiritismo o aspecto dogmático e religioso que seus continuadores
têm conservado e respeitam estritamente. Cada vez mais a literatura
espírita reúne verdadeiros talentos de autores, escrevem de modo
sedutor e sob forma tão persuasivas, que encanta a imaginação e
adormece o senso crítico da maioria dos leitores.
A doutrina Kardecista defende como princípio a existência de
Deus, força cósmica criadora do universo, e a existência do espírito
que se liga ao corpo físico e a memória dos atos praticados. Defende
o conceito de reencarnação como o processo que permite os
espíritos voltar ao plano material para expiar os erros do passado ou
para estimular o progresso dos outros seres humanos. Admite ainda
a pluralidade de mundos; inclusive paralelos e invisíveis para a
maioria das pessoas, onde o nosso seria um daqueles em que o
espírito se manifesta. Admite também o carma, na acepção de
destino, que estabelece a lei de causa e efeitos, segundo o qual
nossa vida seria uma decorrência da conduta que tivemos em vidas
anteriores, numa prestação de contas que regula as sucessivas
encarnações.
Fundamentado na crença da existência do espírito
independente do corpo e em seu retorno à Terra em sucessivas
encarnações até atingir a perfeição, Kardec considera o homem
como o único responsável por sua felicidade, já que tudo depende de
seus atos. Condena o egoísmo, o orgulho, a hipocrisia e prega o
amor ao próximo como meio de atingir a maturidade espiritual.
Afirma que as reencarnações permitem a evolução gradativa do
espírito para se redimir de erros passados. Todas as faltas podem
ser reparadas e, em alguns casos, defeitos físicos são considerados
como parte do processo de purificação. Como o corpo é um
instrumento para voltar à Terra, quando o espírito atinge a perfeição
não precisa mais reencarnar.
Segundo Kardec, os espíritos interferem na vida terrena pela
mediunidade, capacidade natural de comunicação entre eles e os
homens. O médium é a pessoa a quem os espíritos recorrem para
contar como estão após da morte do corpo físico, fazer revelações e
aconselhar os vivos. Isso acontece por meio da psicografia ou escrita
automática que neste caso é entendida como se o próprio espírito
escrevesse através do médium ou da incorporação; quando o
espírito apodera-se do corpo do médium para falar aos vivos. Os
espíritos superiores provem o bem e os inferiores dão más
orientações.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 59

A doutrina Kardecista, desde o seu aparecimento até os dias


de hoje, não encontra boa receptividade na Europa, principalmente
na França onde surgiu. Quanto à repercussão de sua doutrina na
França, após dez anos da primeira edição de O Livro dos Espíritos,
Kardec, em 1867, assim se exprime:
Tenho sido alvo do ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da
calúnia, da inveja e do ciúme; têm sido publicados contra mim
infames libelos; as minhas melhores instruções têm sido
desnaturadas; tenho sido traído por aqueles em quem
depositara confiança, e pago com a ingratidão por aqueles a
quem tinha prestado serviços. A Sociedade de Paris tem sido
um contínuo foco de intrigas, urdidas por aqueles que se
diziam a meu favor, e que, mostrando-se amáveis em minha
presença, me destratavam na ausência. Disseram que aqueles
que adotava o meu partido eram assalariados por mim com o
dinheiro que eu arrecadava do Espiritismo. Não mais tenho
conhecido o repouso; mais de uma vez, sucumbi; sob o
excesso do trabalho, tem-se-me alterado a saúde e
comprometido a vida (Obras Póstumas de Allan KARDEC).
Na Espanha o catolicismo combateu fortemente as idéias de
Kardec, inclusive promovendo queima em praça pública dos seus
livros. Mas, nas Américas foi rapidamente difundida e aceita,
conquistando progressivamente uma imensa legião de adeptos e
simpatizantes. Isto, em parte, é justificado pelo fato de que,
baseados na filosofia de Platão e nas práticas de curas realizadas
por Puységur e seus sonâmbulos, algumas sessões mesmeristas
passaram a ser aceitas como espíritas, bem antes de Kardec, na
França, na Alemanha, na Escócia e na Inglaterra de onde migram
para os Estados Unidos.
Fortemente difundido nos Estados Unidos da América do Norte,
o Kadercismo percorre as Américas, chegando ao Brasil por volta de
1865. Aqui encontra ótimas condições para prosperar, como a
tolerância para diferentes crenças religiosas e múltiplos fatores
sociais e culturais de fáceis ajustes a nova doutrina. Na atualidade o
Brasil é considerado como a nação que congrega maior número de
espíritas no mundo. São 2,3 milhões de espíritas no Brasil, segundo
censo de 2001 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas -
IBGE. Mas, a Federação Espírita Brasileira estima em mais de 30
milhões de pessoas que freqüentam cerca de 10 mil centros ou
instituições espíritas espalhadas pelo País.
O Kadercismo segue sua própria escola e o mesmerismo acaba
sendo substituído mais tarde pelo hipnotismo. Considerando que o
Kadercismo é um viés do mesmerismo, resta definir precisamente as
diferenças e semelhanças entre essas concepções de conceitos,
60 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

para afirmar-se que as manifestações espíritas são explicadas pelos


mesmos principios. Certo é que muitas vertentes interpretativas
assumiram explicar o mesmerismo, ora atribuindo conceitos
filosóficos, ora religiosos e até fisiológicos.
Tem quem afirma que o mesmerismo é diferente do hipnotismo,
esta tese é defendida por Alphonse Bué, magnetizador e seguidor
fiel do mesmerismo. No livro Magnetismo Curador (1919), Bué
descreve como obteve, através do magnetismo, centenas de curas
de pacientes desenganado e, embora não se refira ao espiritismo,
seu livro serve como mais um manual para prática de “passes” nas
sessões espíritas. Publicado em dois volumes, o primeiro baseado
nos aforismos de Mesmer, é um manual prático, ensina como
magnetizar pontos anatômicos e seus efeitos. O segundo retrata a
teoria mesmerista. Em 1940 foi traduzido para o português e
impresso no Rio de Janeiro, sob os auspícios da FEB - Federação
Espírita Brasileira, por H. Garnier, livreiro e editor, e, em 1946, foi
impressa a segunda edição pelo departamento editorial da FEB com
objetivo de ensinar, aos praticantes do espiritismo, como conduzir as
sessões de “passes”.
Tem quem não acredita no espiritismo e também afirma que o
mesmerismo é diferente do hipnotismo; Paul C. Jagot 23 nega o
espiritismo e afirma que magnetismo, hipnotismo e sugestão são
diferentes entre si. Justifica a eficácia do magnetismo com base nas
idéias de Mesmer, diferenciando do hipnotismo com base nas
práticas de Charcot (escola de Paris), e da sugestão com base nas
práticas de Liébeaut (escola de Nancy). Assim também pensa
Quevedo, 24 Padre católico, absolutamente contrário à teoria
Kardecista, nega qualquer possibilidade de manifestação de espíritos
de pessoas mortas e acredita que no mesmerismo ocorre sim a
transferência de uma espécie de energia entre pessoas, a qual
denomina de telergia. Segundo afirma, “algumas pessoas parecem
ser dotadas, capazes de liberar certas forças parapsicológicas,
concretamente chamadas de magnetismo animal”. Contudo, existe
consenso de que, não sendo estas forças explicadas como efeito da
sugestão, sua transferência pode ser facilitada pelo transe hipnótico.
Também é consenso que o transe do médium (manifestando
espírito) apresenta idêntica sintomatologia observada no sujeito
hipnotizado (transe hipnótico).

23
JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato
Corrêa), São Paulo, Editora Mestre Jou, 1959.
24
QUEVEDO, Oscar Gonzáles. As forças físicas da mente, São Paulo, v. I, editora
Loyola, 1992.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 61

Mesmerismo e psiquiatria
John Ellioston (1781 – 1868), médico inglês e uma das figuras
mais eminentes da história médica britânica, em 1830 foi nomeado
Presidente da Royal Medical and Surgical Society e um dos
fundadores do University College Hospital, em Londres, introduziu o
uso do estetoscópio na Inglaterra, juntamente com os métodos de se
examinar o coração e os pulmões da forma que são utilizados até
hoje. Assistiu algumas demonstrações de mesmerismo e começou a
trabalhar essa técnica com seus pacientes. Foi quem primeiro usou a
hipnose, ainda conhecida como mesmerismo, no tratamento da
histeria dentro do ambiente hospitalar.
Em suas experiências pode observar que a hipnose se mostrava
eficiente nos casos em que o quadro psicopático estava ligado a uma
neurose histérica, na dispsomania e na psiconeurose e,
naturalmente, nas pessoas praticamente normais que apenas
apresentavam desequilíbrio emocional temporário. Aconselhava que
o Mesmerismo para fins psiquiátricos só pudesse ser empregado
quando o doente se apresentava para o tratamento por sua livre e
espontânea vontade, pois, em tal caso, havia de se beneficiar
porque, ao desejar tratar-se, demonstrava nisso fortes indícios de
pouco comprometimento das suas funções cerebrais, condição
necessária para ser induzido ao transe.
Mesmo tendo Ellioston obtido resultados satisfatórios no
tratamento da neurose histérica, da melancolia acompanhada de
delírio, das idéias fixas e nos casos mais benignos das psicopatias,
percebeu logo de início que não se consegue hipnotizar portadores
de graves enfermidades mentais, descartando esse método de
tratamento para loucos e retardados.
Embora seu primeiro objetivo tenha sido a utilização da hipnose
como expediente nos tratamentos psiquiátricos, começou também a
introduzir o “sono magnético” na prática hospitalar para aliviar dores
dos pacientes. Utilizava como anestesia local para diminuir a dor
durante cirurgias.
Os métodos de tratamento de Ellioston não tardaram em criar
uma onda de oposição. E o Conselho Universitário acabou por proibir
o uso do Mesmerismo no hospital da Universidade onde trabalhava.
Em virtude disso, pediu demissão, deixando a famosa declaração:
A Universidade foi estabelecida para o descobrimento e a
difusão da verdade. Todas as outras considerações são
secundárias. Nós devemos orientar o público e não deixar-nos
orientar pelo público. A única questão é saber se a coisa é ou
não verdadeira (ELLIOSTON).
62 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Demitido da Universidade, Ellioston continuou seu trabalho com


o Mesmerismo e em 1843 fundou o Ziost, um jornal que tratava do
novo método de tratamento, da psicologia cerebral e suas aplicações
para o bem-estar humano. Posteriormente fundou em Londres o
Mesmeric Hospital, no qual o mesmerismo era largamente utilizado.
Ali muitos médicos aprenderam o novo método de cura.
Ellioston morreu em 1868, mas bem antes médicos adeptos do
Mesmeric Hospital, anunciavam seus feitos terapêuticos,
principalmente anestésicos, em toda parte do mundo. Na Alemanha,
na Áustria, na França e nos Estados Unidos realizavam intervenções
cirúrgicas sob sono magnético. Na América, Albert Wheeler remove
um pólipo nasal de um paciente, enquanto o magnetizador Phineas
Quimby atuava como anestesista. Em 1829 Jules Cloquet usou o
mesmo recurso anestésico numa mastectomia. Jeanne Oudt
comunica à Academia Francesa de Medicina seus sucessos
magnéticos obtidos em extrações de dentes, afirmando ter realizado
mais de 200 intervenções cirúrgicas absolutamente sem dor. Do
ponto de vista da ciência estes fatos eram desacreditados e, neste
sentido observa Weissmann: 25
É curioso registrar que a ciência ortodoxa de então rejeitava
não somente as teorias Mesmeristas, mas também os fatos,
quando poderia ter aceitado o fenômeno e rejeitada apenas a
teoria. Acontece que, em relação ao Mesmerismo, nem mesmo
os fatos eram aceitos (WEISSMANN).
Mesmerismo e anestesia
James Esdaille (1800 – 1859), médico nascido em Perth, na
Escócia, formou-se em medicina em 1830, conhecia os trabalhos de
Ellioston e começou a clinicar na Índia onde fez, em 1845, suas
primeiras experiências de anestesia magnética com excelentes
resultados. Seus pacientes sofriam as mais severas intervenções
cirúrgicas, inclusive amputações sob sono magnético, mas eram
apontados pela medicina ortodoxa como “um grupo de endurecidos e
renitentes impostores que sofriam sem reclamar só para provar uma
mentira como verdade”.
O lugar de Esdaille na história do hipnotismo se justifica por ter
sido ele um pioneiro na luta pelo reconhecimento da hipnose como
um instrumento valioso na cirurgia. O jovem cirurgião escocês
começou sua prática como médico da British East India Company, na
Índia. Inspirado na leitura dos trabalhos de Ellioston realizou mais de
três mil intervenções cirúrgicas com pacientes sob efeito do “sono

25
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. Rio de Janeiro, Ed. Prado, 1958.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 63

magnético”. Em Calcutá, além dos milhares de intervenções


cirúrgicas leves e centenas de operações profundas, realizou
dezenove amputações apenas sob o efeito da anestesia hipnótica.
Essa prática só diminuiu quando surgiu o emprego do éter e do
clorofórmio como agentes anestésicos.
Esdaille, assim como Ellioston, empregava expedientes
magnéticos do ritual mesmeriano, mas os passes eram
acompanhados de leves pancadas pelo corpo do paciente, ao passo
que olhava de perto os olhos e concentrava as pancadas na área a
ser operada. Ainda, em intervalos regulares, soprava-lhes levemente
a cabeça, os olhos e a boca. Esse processo prolongava-se
geralmente por uma hora ou mais, até que o paciente estivesse em
condições de sofrer a intervenção cirúrgica sem anestesia, a qual, na
época, ainda não existia. Esdaille relata inúmeros casos de cirurgias
sob o efeito mesmerista, sem anestesia e sem dor, quando publica
sua experiência na Índia. 26
As publicações médicas recusavam-se a aceitar as
comunicações do cirurgião escocês e o Caleutta Medieal College
moveu-lhe insidiosa campanha de desmoralização; a anestesia não
valia como prova de coisa alguma e, os médicos faziam circular a
notícia de pacientes que haviam sido comprados para simular a
ausência de dor. Esdaille foi julgado pela Sociedade Britânica de
Medicina e uma testemunha, depondo em seu favor, disse ter
assistido a extirpação de um olho, enquanto o paciente magnetizado
acompanhava com o outro olho o andamento da operação sem
pestanejar.
Os fatos eram de esmagadora evidência. Contudo, contra
Esdaille todos os argumentos eram empregados, inclusive o bíblico:
“Deus instituíra a dor como uma condição humana, portanto, era
sacrílega a anestesia do magnetizador”. Idêntico argumento foi
usado contra Benjamin Franklin, o pára-raios era condenado como
uma tentativa ímpia de anular a vontade de Deus. The Lancet, a
mais velha revista médica inglesa, em circulação até 2001, na época
publicou a seguinte admoestação:
O Mesmerismo é uma farsa demasiadamente estúpida para
que se lhe possa conceder atenção. Consideramos seus
adeptos como charlatões e impostores. Deviam ser expulsos da
classe profissional. Qualquer médico que envia um doente a um
charlatão Mesmerista devia perder sua clientela para o resto
dos seus dias (The Lancet).

26
ESDAILLE, J. Mesmerism in Índia and its Pratical Applications in Suurgery and
Medicine Londres, Hyppolite Baillière, 1852.
64 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Sofrendo grande perseguição, Esdaille teve que abandonar o


hospital e, completamente desacreditado, voltou à Escócia. Mudou-
se posteriormente para a Inglaterra, onde não teve melhor sorte.
Suas comunicações científicas nos órgãos especializados ingleses
foram recusadas. Mas, por sua conta, consegue publicar um protesto
em 1846, do qual se destaca o depoimento:
Meu artigo não foi publicado; remeti então um trabalho mais
amplo contendo um panorama de todos os meus casos
cirúrgicos. Foi este também rejeitado por sua
“impraticabilidade”. Ouvi dizer que foi dada como razão para a
não publicação do meu trabalho o fato de que, embora
ninguém duvide dos fatos narrados, aplica-se apenas aos
nativos da Índia. Mas, pelo que eu saiba, nenhum jornal
médico admitiu até hoje a realidade das operações
mesméricas indolores mesmo na Índia, nem inseriu um só dos
numerosos casos já verificados em Londres, Paris, Cherburgo
e etc. Tais fatos não são admitidos ou levados ao
conhecimento de outrem por medo das conseqüências.
Supondo, porém, que só aos nativos da Índia se aplique o
Mesmerismo, não seria interessante para cirurgiões, médicos,
fisiologistas e até filósofos saber por que esses 120 milhões de
orientais (mesmo que os suponha macacos) são tão
suscetíveis às influências mesméricas a ponto de permitirem
intervenções cirúrgicas e outros benefícios, naturalmente por
disposições hereditárias? Tem sido dito aos leitores desses
jornais que seus colegas médicos que se dedicam ao estudo
do Mesmerismo são tolos ou charlatões. Porém, um homem
como eu, que jamais teve clínica particular, não posso
entender assim. Se formos idiotas, deveríamos ser
encorajados a escrever o suficiente a fim de, mais rapidamente
e efetivamente, sermos desmascarados e expostos. Estou
convencido de que em um ponto concordamos: todos gostam
de tirar as próprias conclusões e ninguém deve se submeter à
venda nos olhos ou a ser conduzido pelo nariz das pessoas
que pagamos para que nos mantenham bem informados dos
novos eventos e do progresso alcançado pela nossa profissão
em todo o mundo. Pretender que haja uma imprensa médica
livre na Grã-Bretanha é uma pilhéria e uma desilusão. A prova
disso é que os médicos que dispõem de imaculada reputação
profissional e privada honestidade de suas realizações, não
tem permissão de se fazerem ouvir no seu órgão de classe,
como se estivessem contrariando os interesses e as
convicções pessoais dos editores... (ESDAILLE). 27

27
ESDAILLE, J. Hypnosis in medicine and surgery [Reprin]. New York, Julian
Press, (1846) 1957.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 65

A Sociedade Britânica de Medicina acabou por interditar a


Esdaille o exercício profissional. Contam seus biógrafos que, após a
interdição, passou boa parte da sua vida como anônimo e morreu no
mais completo ostracismo.
Mesmerismo e sugestão
No mesmo ano em que faleceu Mesmer, apareceu em Paris um
português, José Custódio de Faria (1756-1819), mais conhecido
como Abade Faria, nascido e criado em Condoline de Bardez, nos
arredores de Goa, capital das Índias Portuguesas e que, segundo
informam seus biógrafos, descendia de uma família de brâmanes
hindus convertida ao cristianismo no século XVI. Aos 15 anos
chegou em Lisboa, onde iniciou seus estudos que concluiu em
Roma. Em 1780 foi ordenado sacerdote e recebeu o titulo de doutor
em teologia. Regressou a Portugal e posteriormente, em 1788, se
instalou na França, onde participou do movimento revolucionário.
Em Paris o Abade Faria travou relações com o Marquês de
Puységur e, estimulado pelo Marquês, na época da conturbada
reestruturação política francesa, entregou-se de corpo e alma à
carreira do hipnotismo. Em sua pesquisa, adiantou-se ao mestre em
muitos pontos. Foi o primeiro a mostrar que hipnose não era
sinônimo de sono. Desenvolveu um método de indução que era
praticamente o atual e iniciou a doutrina da sugestão,
Abade Faria recomendava ao hipnotizável o relaxamento
muscular, fitava-lhe firmemente os olhos e em seguida ordenava em
voz alta: “DURMA!” A ordem era várias vezes repetidas e observava
que, em alguns indivíduos, isso era o bastante para entrarem
imediatamente no transe. Não obstante ordenar o sono, Abade Faria
muito contribuiu para o desenvolvimento daquilo que, um século e
meio mais tarde, se chamaria de hipnose acordada.
O Abade foi o primeiro hipnotista na acepção da palavra, suas
teorias eram despidas de toda ingerência mística, reconheceu o lado
subjetivo do fenômeno em toda sua extensão e propagou que a
hipnose se produzia e se explicava em função do hipnotizado e não
do hipnotista. Dizia que o transe estava no próprio hipnotizado e não
era devido a nenhuma influência magnética, nada de fluido
misterioso, magnetismo, forças invisíveis, cristais, passes ou água
magnetizada, tudo, para ele, era uma questão de sugestão. É dele a
frase bastante citada na historia do hipnotismo: “Não posso conceber
como a espécie humana foi procurar a causa deste fenômeno na tina
de Mesmer, ou na vontade externa, ou a mil extravagâncias ridículas
deste gênero”.
66 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

A maior contribuição do Abade Faria para a hipnose foi no


sentido de identificar o fenômeno hipnótico como sendo resultado
apenas do hipnotizado e por efeito de sugestão. Separando a
hipnose da doutrina Mesmerista ele inicia outra, a doutrina da
sugestão. Sua forma de perceber a hipnose chega ao século XXI
como se fosse atual.
Egas Moniz, prêmio Nobel de Medicina e um dos maiores
expoentes da psiquiatria, na primeira metade do século XX publicou
artigos, textos e livros sobre hipnose. Em um dos muitos trabalhos
que escreveu sobre o tema, declara que o Abade Faria foi o autor
que mais contribuiu para o entendimento da hipnose moderna:
O Abade Faria viu o problema da hipnose em suas próprias
bases com uma grande precisão e com clareza. Foi ele o
primeiro a marcar a hipnose nos seus limites naturais... Foi ele
que defendeu, pela primeira vez, a doutrina sobre a
interpretação dos fenômenos do sonambulismo, ponto de
partida de toda sua doutrina filosófica. O mais importante,
porém, é a sua contribuição à doutrina da sugestão (MONIZ). 28
O nome do Abade Faria era muito popular na França, sua figura
era vista com freqüência nos salões da nobreza e da alta sociedade
parisiense onde viveu, ao mesmo tempo, horas de glória e de
fracasso. Foi professor da cadeira de Filosofia na Academia de
Marselha e, sem nunca ter estudado medicina, foi proclamado
membro da Ordem dos Médicos. Em Paris abriu uma escola de
hipnose, depois que a polícia lhe proibira as experiências de
hipnotismo em Nimes. Mesmo explicando a verdade sobre o
hipnotismo, ele não escapou à perseguição maliciosa dos seus
contemporâneos e, envolvido nas agitações da política francesa,
sofreu muita perseguição.
Conta à história que o Abade teria morrido encarcerado no
castelo da ilha de If, em Esterel, perto de Marselha, onde fora
lançado por motivos políticos. Sua vida foi descrita por um antigo
funcionário da polícia parisiense que afirma ter sido ele o caso
verdadeiro que serviu de fonte inspiradora para o romancista
Alexandre Dumas (1802-1870), autor de O Conde de Monte Cristo
publicado por volta de 1845. Seria o Abade o verdadeiro personagem
que morreu na prisão, deixando toda sua fortuna para um
companheiro condenado devido a uma denúncia falsa. Assim,
tornou-se personagem de uma das mais famosas obras de ficção. O

28
MONIZ, Egas. El Abade Farias en la história de la hipnosis. B. Aires, Ed. Poblet,
1963.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 67

Abade Faria é transformado pelo autor romancista como um dos


seus principais personagens.
Brandismo
James Braid (1795-1860) médico cirurgião escocês, nascido
em Rylaw House, em Fifeshire. Depois de trabalhar na Escócia
durante um curto período de tempo, mudou-se para Manchester,
Inglaterra, onde viveu até sua morte. Seu estudo sobre a hipnose foi
tão importante que seu método passou a ser chamado de
Brandismo. Por volta de 1841, ele marcou o início do fim do
magnetismo animal que passaria a ser conhecido como hipnose e o
termo Mesmerismo conhecido como hipnotismo.
Foi Braid assistir em Londres, no dia 13 de novembro de 1841,
a uma demonstração do famoso Charles Lafontaine, um
magnetizador suíço discípulo do Marquês de Puységur, que na
ocasião se exibia em sensacionais espetáculos públicos na
Inglaterra, com o propósito de desmascará-lo. Na sessão, uma jovem
foi induzida ao transe profundo quando o magnetizador fixando-lhe o
olhar e segurando-lhes os polegares, a fez cair em sono profundo,
Braid e outros colegas médicos cercaram a paciente na intenção de
verificar uma possível fraude. Um dos presentes, o Doutor Wilson,
oftalmologista, lembrou-se de examinar as pupilas levantando as
pálpebras da jovem, encontrando-as fortemente dilatadas. Às
escondidas, Braid espetou um alfinete na magnetizada e não houve
nenhuma reação, nenhum gesto, Braid saiu de lá impressionado. Ele
não acreditava nos fluidos astrais nem em forças estranhas e
sobrenaturais que constituíam a maioria das explicações dos
magnetizadores.
A primeira vez que assistiu a demonstração de Lafontaine não
convenceu Braid, no entanto, sua curiosidade fez com que
assistisse, uma semana depois, a uma segunda demonstração e, aí,
aceitou o fenômeno, mas não a explicação. Estava Braid, diante de
um fato e em busca de uma resposta que não fosse a do
magnetismo animal, por considerar esta uma afronta à dignidade
científica da época. Para não incorrer no que acreditava ser um
charlatanismo, ele tinha de encontrar uma causa física para o
fenômeno. Era a velha prevenção contra tudo o que é invisível, tudo
que não é concreto e palpável. Prevenção essa que, de certo modo,
ainda persiste na época atual.
Tendo observado que Lafontaine olhava fixamente nos olhos da
hipnotizada, passou a acreditar que a fascinação ocular era
responsável pela indução, concluiu Braid que a causa física do
transe era o cansaço visual. Experimentou reproduzir o fenômeno
68 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

em casa, mandando que a sua esposa olhasse para o ornato da


tampa de um açucareiro de porcelana e que o cunhado e um criado
fixassem a visão olhando firmemente o gargalo de um vaso
ornamental. Nos três o intento foi positivo, todos entraram em transe.
Para Braid o transe assemelhava-se a um estado de sono que
podia ser induzido através do cansaço visual, não dependia de
poderes do magnetizador, nem de influências astrais, minerais ou
sobrenaturais, era algo físico, mecânico, de ordem fisiológica.
Baseado em suas hipóteses, para facilitar a indução inventa
equipamentos como bolas brilhantes, espelhos giratórios e outros
objetos que prendesse a atenção do paciente olhando fixamente
como se fascinado. O objeto brilhante que mais fácil dispunha era o
seu relógio de bolso, daí a idéia do relógio que balança ante os olhos
do hipnotizado. Para a fixação do olhar, mandava ainda seus
pacientes olharem fixamente para a chama de uma vela acesa. O
processo da indução hipnótica pelo cansaço visual passou a fazer
escola.
No começo de suas experiências, Braid ligava uma rolha de
garrafa à testa do paciente e fazia com que ele a olhasse
atentamente; a obrigação de conservar constantemente os olhos
dirigidos sobre um objeto tão próximo, convulsionava a vista e
fatigava, o que muitas vezes forçava-os a abandonar a experiência
antes do fim. Foi necessário modificar o processo, sendo adotado um
objeto brilhante entre o dedo polegar e o médio da mão esquerda,
numa distancia de 25 a 45 centímetros dos olhos, em posição tão
acima da testa, que se tornava necessário o maior esforço dos olhos
e das pálpebras, para que o paciente fixasse o objeto.
Braid, preocupado em estabelecer as causas físicas dos
fenômenos psíquicos, fica também convencido da existência de
pontos na cabeça dos pacientes aos quais chamou de termo-
magnético. Acreditava que uma leve pressão nesses pontos
provocava a manifestação de sentimentos específicos. Fricções
suaves nos lados do rosto despertariam sentimentos como auto-
estima, benevolência, fraternidade e caridade. Os pontos localizados
no alto da cabeça, na nuca e no pescoço, provocavam sentimentos
de carinho, afetividade e proteção, entre outros. No tórax, na altura
do peito, segurança e confiança. No abdome, despertaria
relaxamento e tranqüilidade. Sentimentos estes que ele denominava
de idealidades. Mas, antes de Braid, esses pontos também são
referidos nos aforismos de Mesmer como sendo aqueles que
promovem curas através de magnetizações com a imposição das
mãos, “passes”, fricções e insuflações (sopros).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 69

Braid procurou demonstrar que o transe assemelha-se a um


estado de sono e que podia ser induzido por agente físico. Continuou
no procedimento com seus pacientes, fazendo com que estes
olhassem para uma luz ou objetos brilhantes. Depois dele, até hoje,
os livros populares sobre hipnotismo insistem em ensinar o
desenvolvimento do método pela fadiga ocular através do
deslumbramento de pontos ou objetos. Essa técnica tornou-se
clássica, sendo muito usada na segunda metade do século XIX e o
início do século XX, com o nome de procedimento de Braid.
Braid, baseando o transe num princípio onírico, deu-nos a
palavra hipnotismo, derivada do vocábulo grego hipnos, que significa
sono. Todavia, o sono hipnótico não se confundia com o sono normal
e, associando isso aos conceitos neurofisiológicos que aprendera na
medicina, passou a descrever o transe como sendo um sono nervoso
provocado, nervous sleep.
Já quase no fim de sua carreira, Braid descartou-se em parte
do seu método do cansaço visual pela fascinação, pois descobriu
que podia hipnotizar cego ou pessoas em recintos obscurecidos.
Dessa observação em diante, passou a dar maior importância à
sugestão verbal e a toques físicos no corpo do paciente. Não tardou
em descobrir que também o sono não era necessário para produzir o
fenômeno hipnótico.
Quando Braid se convenceu de que hipnose não era sono,
tentou mudar a designação de hipnose para monoideísmo, termo
que mais adequadamente descreve o fenômeno como sendo um
pensamento único. No entanto, a palavra hipnotismo já estava muito
divulgada e se havia firmado de tal forma no uso popular que, certo
ou errado, é o nome que vigora até hoje.
Depois de muita observação e experiências, Braid solicitou da
Bristih Association, Medical Section a inclusão de seu nome para
uma comunicação. Recusaram-no, pois havia uma outra muito mais
importante, com o seguinte título: “Como diferençar as aranhas
novas das velhas pelo exame dos respectivos palpos”. Isto não
impediu que Braid divulgasse sua teoria sobre hipnose. Em 1843,
publicou seu livro no qual expõe seu método para o tratamento de
enfermidades nervosas. 29 A publicação de Braid encontra melhor
aceitação na França e na Alemanha do que na sua terra natal. Em
1874, o Dicionário de Medicina aceita publicar seus conceitos que
são traduzidos em diversos países.

29
BRAID, James. Neuropnology, or the rationale of nervous sleelp [Reprin].
London, George Redway, 1899 [Reprin, 1958].
70 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Assim, agora esquecidas antigas denominações como


magnetismo ou sono magnético, Mesmerismo ou sonambulismo, o
hipnotismo entra definitivamente em uma nova fase de pesquisas e
controvérsias, mas sem que os fatos possam ser negados nem se
duvide da respeitabilidade e do valor dos seus estudos, embora,
Braid também não tenha escapado às campanhas maliciosas da
classe médica, mesmo que essas fossem muito mais brandas do que
as movidas contra os seus antecessores.
Mesmo considerando Braid como pai do hipnotismo, muito
antes dele, o Abade Faria tinha idéias modernas e corretas,
explicando a hipnose como um fenômeno produzido por sugestão. E,
antes do Abade, o jovem médico de Paris que praticava
Mesmerismo, Alexander Bertrand (1795-1831) já apontava o estado
hipnótico como sendo tudo, dizia, uma sugestão aplicada. Foi
também um dos pioneiros a aconselhar o uso da hipnose como
agente terapêutico e, por isso, sofreu pressões da classe médica.
Em 1823, Bertrand publicou o livro Traité du Somnambulisme. Três
anos mais tarde lançou um segundo trabalho, Du Magnétisme
Animal en France, afirmando o papel importante da sugestão nos
fenômenos atribuídos ao magnetismo animal. Ele observara a
conexão entre o sono magnético, o transe coletivo e o sonambulismo
e chega à conclusão de que as curas e demais sintomas, antes
atribuídos ao magnetismo animal, não passavam de meras
sugestões do magnetizador agindo sobre a imaginação de um
paciente, cuja sugestionabilidade foi aumentada pelo processo de
indução.
Se Bertrand tivesse vivido mais tempo – ele morreu aos 36
anos de idade – talvez houvesse antecipado a aceitação pela classe
médica do transe induzido por sugestão como procedimento de cura.
Os historiadores consideram Bertrand e o abade Faria como sendo o
ponto de transição entre o magnetismo e o hipnotismo. Sobre isso
escreveu Pierre Janet (1859 -1947), o sucessor de Charcot: 30
Bertrand antecipou-se ao Abade Faria e a Breid. Foi o primeiro
a afirmar francamente que o sonambulismo artificial podia
explicar-se simplesmente à base das leis da imaginação. O
hipnotizado dorme simplesmente porque pensa em dormir e
acorda porque pensa em acordar. A publicação do Abade Faria
e do general Noizet na França, e a de Braid na Inglaterra, só
contribuíram com uma formulação mais clara destes conceitos,
desenvolvendo esta interpretação psicológica em forma mais
precisa (JANET).

30
JANET, Pierre. The major symptoms of hysteria. New York, Macmillan, 1920.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 71

Hipnodontia
Faz parte também da histórica da hipnose a sua aplicação em
odontologia; essa prática é conhecida como Odontohipnose ou
Hipnodontia. Em 1837 o dentista francês Jean Tienne Oudt
comunicou à Academia Francesa de Medicina haver extraído
molares sob o sono magnético, usava-se ainda a terminologia
Mesmerista para designar o fenômeno.
Oudt iniciara a prática da hipnose nos tratamentos
odontológicos para solução do problema da dor em extrações, mas
com o passar do tempo passou a ser usada também para melhorar
as reações psicofísicas, próprias do ambiente do gabinete dentário,
em pacientes que tinham horror a agulhas, a brocas, e até ao
barulho produzido pelo maquinário odontológico.
Depois de Oudt quem mais se destacou nesta área foi o
dentista Aaron A. Moss, pioneiro da hipnodontia na América do Norte
e o terceiro presidente do Instituto Americano de Hipnose. Ele foi
responsável, em 1966, pela primeira filmagem do uso da Hipnose na
Odontologia e desenvolveu um método que resulta de um ligeiro
relaxamento muscular, exercício de respiração e sugestão
especifica. 31
A indiscutível eficácia da hipnose na odontologia fez com que
G. F. Kuehner, 32 também dentista, elaborasse uma adaptação ao
método de Moss para aplicações em odontopediatria. A novidade era
usar na indução a própria linguagem do paciente infantil. Segurando
a mão da criança picava levemente com uma agulha ou outro
instrumento pontiagudo, perguntando à criança pela sensação que
experimentava. A resposta poderia ser, dói, ou coisa parecida. Em
seguida comprimia a mesma área com o dedo indicador e,
perguntava; “e agora o que está sentindo?” A resposta provável seria
não dói ou está apertando ou coisa semelhante. Ato contínuo ele
fechava os próprios olhos diante do paciente, fingindo quedando-se
muscularmente relaxado. Assumida essa postura, perguntava de
novo, “e agora, que tal?” O pequeno paciente responde nesta
situação “sono, noite, cama, etc.” Guardando mentalmente as
palavras proferidas para serem usadas ao proceder à indução, o
êxito da sugestão era mais fácil e mais rápido.

31
MOSS, A. A. The comfident dentist can eliminaté gagging. The Bristtish Journal
of medical hypnotism, v. 6, n. 03, 1955.
32
KUEHNER, G. F. Hypnosis in dentistry. New York, MacGraw-Hill Book
Company, 1956.
72 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Em odontologia pode ser utilizada a sugestão pós-hipnótica; os


pacientes submetidos ao transe de nível médio podem ser
anestesiados pós-hipnoticamente, o que é feito quando o hipnotista
(não necessariamente dentista), apalpando com a mão a região a ser
anestesiada, sugere as condições específicas para a anestesia
produzir efeito. Como, por exemplo, passando a mão no campo
operatório, é dito ao paciente: “quando você assentar-se na cadeira
do dentista, esta região ficará completamente insensível,
completamente anestesiada”. Esta sugestão é repetida com a devida
ênfase. Continuando é dito: “ao levantar da cadeira do dentista,
tornará a sentir esta região, porém sem qualquer sensação
desagradável. Passará muito bem”. Devidamente hipnotizado, o
paciente pode ser submetido à intervenção odontológica,
independente de nova indução e na ausência do hipnotista.
A hipnose na odontologia não depende sempre de um nível de
transe profundo. Cada estágio ou grau de hipnose oferece suas
possibilidades terapêuticas próprias. Dentro desta variância podem
ser organizados esquemas de procedimentos e, genericamente,
apresentam quatro pontos:
1. Estágio preambular ou hipnoidal: Sugestões contra náuseas
e sensações afins, relaxamento muscular e sugestões contra
temores, apreensões, ansiedade, fobias e objeções ao
tratamento.
2. Transe leve: Habituar o paciente à prótese e ao aparelho de
ortodontia. Preparação de cavidade e obturações leves.
3. Transe médio: Preparação de cavidade profunda e
obturações profundas. O controle da náusea, da salivação,
dos espasmos. Conter sangramento excessivo.
4. Transe profundo: Extrações de dentes, mesmo inclusos, e
polpa dentária, gengivectomias, intervenções no maxilar.
Influenciar o pós-operatório para controlar hemorragia e a
regeneração do tecido facilitando o processo da cicatrização.
Diante da sua evidente eficácia, o uso da hipnose em
odontologia se espalhou pelo mundo sem contestadores. Foi
implantado como estudo acadêmico em 1948, com a criação de uma
cadeira de hipnodontia na Faculdade de Odontologia de Concórdia,
em Moorbead. Em 1952 já havia registro de mais de trinta mil
pacientes atendidos por esse processo nos Estados Unidos.
No Brasil, a Hipnodontia ou Odontohipnose é objeto de estudo
da Odontologia, sua aplicação é reconhecida para cirurgiões-
dentistas e, desde 1955, por iniciativa da ABO - Associação
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 73

Brasileira de Odontologia foi implantado como curso de extensão


universitária em várias Faculdades. Mas, foi a Faculdade de
Odontologia da Universidade Federal da Bahia a única que manteve,
até 1993, no currículo do curso de graduação como disciplina
regular, ministrada pelo professor Giuseppe Mazzoni.
Na atualidade a maioria dos dentistas perde o interesse pela
hipnodontia pelo fato da anestesia química ser eficaz e de efeito
imediato. Na verdade, para o seu uso, a primeira sessão demanda
um pouco de tempo, contudo nas sessões seguintes isso não ocorre;
o paciente pré-induzido por sugestão pós-hipnótica administrada na
sessão anterior entra em transe imediatamente ao sentar-se na
cadeira odontológica.
Hipnoterapia
Ambroise August Liébault (1823 - 1893) nasceu em Lothringen,
na França, foi médico na zona rural em Point-Saint-Vincent, uma
aldeia próxima da cidade de Nancy, em sua clinica dava aos
pacientes, duas opções: remédios convencionais pagos ou
tratamento por hipnose grátis. Foi ele o fundador da sugestão verbal
sistemática aplicada como tratamento clínico; iniciou a aplicação da
hipnose na cura de várias enfermidades.
A função terapêutica sempre está presente nas sessões de
hipnose, ora explícita, ora subjacente a um ritual ou ao ambiente
onde transcorre a indução. Possibilidade de cura existe até mesmo
no decorrer de demonstrações de hipnose de palco, principalmente
quando o transe atingido pelo hipnotizado é de nível médio ou
profundo e quando as sugestões produzidas pelo hipnotista
representam idéias de bem-estar físico e mental. Porém sua
aplicação objetiva, para solucionar os mais variados problemas de
saúde, dentro de um ambiente médico, tem início em 1864 quando
um exemplar da obra de Braid caiu nas mãos de Liébault.
Ao estudar a obra de Braid, Liébault já residia em Nancy, na
França, cidade que, por seu trabalho no uso da hipnose para o
tratamento de vários tipos de enfermidades, se tornou conhecida no
mundo como o berço da Hipnoterapia, além de Capital do
Hipnotismo.
Liébault é descrito pelos seus biógrafos como tendo sido um
homem sereno, agradável, bondoso e estimado pelos pobres, que o
chamava de Le bon père LiébauIt. Dizia ele aos seus clientes, quase
todos humildes camponeses: “Se desejais que vos trate com drogas,
o farei, mas tereis de pagar-me como antes. Se, entretanto, me
permitir que vos hipnotize, farei o tratamento de graça”.
74 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

J. M. Bramwell, 33 médico que praticava hipnotismo na


Inglaterra, visitou Liébault e deixou a seguinte descrição de sua
atividade hipnoterapêutica:
No verão de 1889, passei uma quinzena em Nancy a fim de ver
o trabalho hipnótico de Liébault. Sua clínica, sempre
movimentada, compreendia dois compartimentos que davam
pelos fundos em um jardim. Seu interior não apresentava nada
de especial que pudesse atrair a atenção. É certo que todos
que lá iam com idéias preconcebidas sobre as maravilhas do
hipnotismo tinham de sair decepcionados. Com efeito, fazendo
caso omisso do método de tratamento e algumas ligeiras
diferenças, devidas provavelmente a características raciais, a
impressão que se tinha era a de estar em um departamento
público, numa pensão ou num hospital de clínica geral. Com a
diferença de que os pacientes falavam um pouco mais
livremente entre si e se dirigiam ao médico de uma maneira
mais espontânea do que se costumava ver na Inglaterra. Eram
chamados por turno, e no livro dos casos clínicos registrava-se
sua anamnese. Em seguida induzia-se o paciente rapidamente
à hipnose... Seguiam-se as sugestões e as anotações... Quase
todos os pacientes dos que eu vi foram hipnotizados de uma
maneira fácil e rápida, mas Liébault me informou que os
nervosos e os histéricos eram mais refratários (BRAMWELL).
Liébault soube conquistar a simpatia e a cooperação dos seus
pacientes, contrariamente ao exemplo de Mesmer, ele era modesto e
sem aparato teatral, quer na sua apresentação indumentária, quer no
ambiente da sua clínica. Ao método de fixação ocular de Braid, ele
acrescentou ênfase na sugestão verbal. Preferiu utilizar-se, quase
que exclusivamente, da sua própria voz como principal elemento de
indução, nada de equipamentos ou métodos que envolvessem
contatos físicos com qualquer parte do corpo dos hipnotizados, evita
outros tipos de estímulos sensoriais. Foi o criador da escola verbal.
No método verbal a voz deve passar equilíbrio, empatia,
confiabilidade, convicção e emoção, sempre de maneira natural e
expressiva para criar nos hipnotizados uma idéia clara e facilitar a
introspecção das sugestões. Deve ser evitada a fala rápida, com
ansiedade, para controlar tensão ou falta de coordenação da
respiração e da voz. Deve o hipnotista falar pausadamente, com
ritmo, entonação, melodia e ênfase nas palavras de valor sugestivo,
articuladas nitidamente em tom cava.

33
BRAMWELL, J. M. Hypnotism, its history, practice and theory, Philaephia, J. B.
Lippincott, 1930.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 75

Em Nancy, Liébault trabalhou durante dois anos em sua obra


Du Somneil et des états analogues, considerés surtout du point de
vue de l' action de la morale sur le physique. Afirma ainda Bramwell
que Liébault vendeu exatamente um exemplar de sua publicação;
não obstante, muitos historiadores conferem a ele a paternidade do
hipnotismo médico.
Conforme se infere do próprio título de sua obra principal,
Liébault ressaltava a influência do psíquico sobre o físico, embora o
psíquico ainda fosse misterioso e praticamente inexplorado, as
conjeturas que se faziam em torno de sua estrutura e dinâmica, eram
baseadas em suposições empíricas e intuitivas. Entretanto, estava
no caminho certo, podia progredir modesta e tranqüilamente, sem
ser muito molestado pelos colegas por ser discreto e pobre e não
aceitar dinheiro dos pacientes que tratava por hipnose.
Liébault, juntamente com Bernheim, tratou mais de 12 mil
pacientes em sua clínica de hipnose. Casos de impressionantes
bons resultados que atraiu para Nancy grandes nomes, entre eles
Freud.
Sugestão pós-hipnótica
Hyppolite Henri Bernheim (1840-1919), um dos expoentes da
medicina na França, homem de reputação inatacável, a princípio
contrário ao hipnotismo, resolveu em 1881 visitar Liébault em Nancy,
presumivelmente para desmascará-lo como charlatão. Cético e com
propósitos hostis, logo se convenceu da autenticidade do fenômeno
e tornou-se amigo e discípulo do modesto médico rural, isto pelo fato
de ter tratado, com fracasso, durante seis meses um caso de ciática
que foi posteriormente curado por Liébault.
O prestígio de Bernheim muito contribuiu para que o mundo
acadêmico acolhesse a cura pelo hipnotismo; ao menos como uma
possibilidade. Em sua obra, De la suggestion, publicada em 1884,
insiste na necessidade do estudo da técnica sugestiva e as
características da sugestibilidade. Insistindo ainda no caráter
subjetivo, ou seja, essencialmente psicológico da hipnose, foi o
fundador da Escola Mental e, vislumbrando na hipnose um estado
psicológico normal, compreendeu esse fenômeno em bases mais
amplas, mostrando que a sugestibilidade não se limitava aos
indivíduos histéricos conforme se proclamava no Salpêtrière,
Hospital Escola da Universidade de Paris, representado pelo
professor Jean-Martin Charcot, que utilizando estímulos aos sentidos
em vez da sugestão verbal se intitulava como a escola do hipnotismo
sensorial, do grand hipnotisme.
76 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Dizia Bernheim: “Todos nós somos sugestionáveis, uns mais


outros menos, todos somos alucináveis ou alucinados”. Afirmava que
os indivíduos são potenciais ou efetivamente alucinados durante boa
parte de suas próprias vidas. Dizia ainda que “Todos temos a nossa
propensão inata à crença, temos a nossa credibilidade natural”.
Além de perceber que o estado hipnótico era normal em todas
as pessoas, Bernheim 34 definiu os efeitos pós-hipnóticos da
sugestão como elemento provocador das ações inconscientes e
compulsivas e propôs aplicar como terapia. Tudo isso são conceitos
moderníssimos que mostram a visão ampla e profunda que
transcendeu os limites convencionais de sua época. Seu método de
indução é o que oferece as maiores possibilidades de êxito e, além
de sistematizar o preâmbulo do relaxamento muscular progressivo,
estabelece como condição indispensável que antes do retorno do
hipnotizado para o nível consciente, lhe seja aplicado sugestões pós-
hipnóticas de cura e bem-estar.
Hipno-análise
A hipno-análise não possui uma paternidade definida; vários
foram os nomes ilustres que a utilizaram e a evoluíram. Próximo da
hipnoterapia iniciada por Liébault, a hipno-análise é um método de
análise do ser humano, desenvolvido com base em técnicas de
hipnose, que apresenta grandes possibilidades terapêuticas. Dois
autores que melhor sistematizam essas técnicas e que apontam
como utilizá-las são R. Lindner 35 e B. C. Guindes. 36
Bem anterior ao método psicanalítico, a hipno-análise serviu de
ponto de partida para Freud criar hipóteses e fundar a psicanálise.
Sua prática acontece quando as pessoas já em estado de hipnose
são iniciadas em um treinamento através de técnicas que permitem
não somente aprofundar o nível do transe, como também atingirem o
fim terapêutico, através de lembranças ou respostas despertadas ou
reveladas pelo próprio indivíduo durante o transe ou em sonhos
provenientes de sugestões pós-hipnóticas.
A hipno-análise pode ser iniciada, através de técnicas, quando
ocorre o transe de nível médio, por ser neste grau que se estabelece

34
BERNHEIM, H. Hypnosis and suggestion in psychotherapy: A tratise on the
nature of hypnotism [reprint]. Translated by CA Herter. New Hyde Park, New York,
University Books, (1889) 1964.
35
LINDNER, R. M. Hipnoanalysis, methods and techniques. New York, MacGraw-
Hill Book Company, 1956.
36
GUINDES, C. B. New concepts of hypnossis: an Adjunkt to psychotherapy and
medicine, London, George Allen and Unwin Ltd. 1951.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 77

o contato mais direto com o inconsciente. Nessa fase podem ser


superados problemas existenciais através de interpretações dos
fatos revelados no transe ou em função deste.
Dentre as técnicas usadas em hipno-análise incluem-se:
Indução de Sonhos, Recordar e Reviver, Espelho ou Bola de Cristal
(Cristalomancia), Psicodrama ou técnica cinematográfica e Escrita
automática.
Indução de Sonhos - A interpretação dos sonhos parece ser
tão antiga quanto a própria história da civilização humana; até
meados do século XIX os sonhos eram tidos como reações
sobrenaturais, de natureza muitas vezes profética. Freud moderniza
esse conceito; considera o sonho como a “estrada real que conduz
ao inconsciente” e, a psicanálise, entre outros recursos, vale-se
também da interpretação dos sonhos, além de ter sido responsável
pelo seu aperfeiçoamento. Para a psicanálise, o sonho é um
conjunto de fenômenos psíquicos, que involuntariamente ocorrem
durante o sono.
É provável que a maior parte dos sonhos ocorra durante os
períodos de sono chamados paradoxal; oitenta por cento das
pessoas acordadas nessas ocasiões, recordam e relatam sonhos
com grande riqueza de detalhes, encontrando dificuldades para isso
quando despertadas durante o sono dito ortodoxo. A hipnose amplia
o sono e por conseqüência os sonhos que podem ser fontes da
criatividade ou de revelações para a hipno-análise.
Em 1953, E. Aserinski e W. Kleitman dividiram o sono ortodoxo
e o paradoxal em quatro níveis, além de uma fase chamada REM
(rapid eyes movment) que se caracteriza pelo rápido movimento dos
olhos. Segundo esses autores, antes de dormir, há ainda um estado
intermediário entre o sono e a vigília, classificado como alfa. O
estágio I ocupa aproximadamente cinco por cento do período do
sono, o II cinqüenta por cento, III e IV (fase delta) vinte e cinco por
cento e o estágio final, REM, vinte por cento. Durante as fases de I a
IV, progressivamente, há uma desaceleração do sistema nervoso, do
batimento cardíaco, a temperatura e a atividade mental caem e a
musculatura é relaxada. Contudo, na fase REM as coisas mudam: a
temperatura oscila, a pulsação acelera, os olhos se movimentam
rapidamente, ocorrem ereções, atonia muscular e variação da
freqüência das ondas cerebrais. Apesar da intensidade de reações
do organismo é na fase REM que se atinge o ápice do relaxamento e
as funções do sono são potencializadas ao máximo. Também é a
78 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

fase de sonhos reveladores. Algumas pessoas em estado hipnótico


apresentam características como se estivessem na fase REM. 37
Freud retrata o sonho como um dos modos de se conhecer os
processos psíquicos inconscientes; segundo ele, os sonhos são
como um veículo para a satisfação de desejos recalcados. A partir da
psicanálise, os sonhos passaram a ser visto como manifestações
simbólicas do inconsciente e de seus conflitos, desempenhando
papel importante na manutenção da saúde mental. Para Freud, os
sonhos teriam um sentido, tal como as parapraxias ou atos falhos e,
dessa forma, os sonhos também se tornaram tema da pesquisa
psicanalítica. Mas, muito tempo antes da psicanálise, a hipno-análise
já trabalhava com procedimentos de interpretar sonhos, inclusive
para fins terapêuticos.
Ato falho, para a psicanálise, ocorre quando se comete um erro
de linguagem, quando alguém fala, sem querer, uma palavra no
lugar de outra. Este ato pode indicar uma idéia ou sentimento
reprimido no inconsciente que tem tendência a se manifestar.
Através dos atos falhos, pode se chegar ao conteúdo da repressão,
como também pode acontecer quando o simbolismo do sonho ou do
sintoma neurótico é interpretado.
A premissa que Freud trabalha para estabelecer um início para
a investigação dos sonhos enuncia que “os sonhos não são
fenômenos somáticos, mas psíquicos” e, em relação à técnica de
interpretação dos sonhos, Freud declara:
... os sonhos são produtos, comunicações da pessoa que
sonha; contudo, são ininteligíveis, não entendemos seu
sentido. Quando não se entende, pergunta-se. Na análise é
preciso perguntar ao sonhador sobre o que o seu sonho
significa (FREUD).
Essa regra fundamental estabelece uma ruptura radical com a
tradição antiga em que havia um intérprete para os sonhos. Neste
sentido, a psicanálise aperfeiçoa a técnica da indução de sonhos
preconizada pela hipno-análise. Mas, embora tenha proporcionado
grande impulso no uso dessa técnica, freqüentemente as pessoas
resistem à devassa do seu inconsciente, esquecendo o que
sonharam, ou simplesmente não sonhando com o que não querem
lembrar-se. Com a hipno-análise essa dificuldade é fácil de contornar
por não analisar apenas sonhos espontâneos.
Na hipno-análise o hipnotizado recebe uma sugestão para
sonhar com a situação correspondente aos conflitos que desafiam

37
MAAS, James B. Power Sleep, Harper Perennial, N. York, 1998.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 79

soluções e exames conscientes. Tais sonhos, que podem ser


induzidos na hora ou pós-hipnoticamente, apresentam um quadro
muito mais fácil de interpretar do que os sonhos espontâneos. Pode
ser induzido ao hipnotizado que sonhe com um incidente específico
ocorrido em sua vida, reproduzindo fatos esquecidos com todos os
detalhes e que, ao terminar de sonhar, acorde e anote o conteúdo do
sonho em uma folha de papel. Os resultados se mostram, às vezes,
surpreendentemente elucidativos.
Para os hipno-analistas a simbologia dos sonhos induzidos ou
estimulados hipnoticamente costuma ser mais transparente do que a
dos sonhos comuns e, nessa transparência fica mais fácil elucidar os
enigmas do inconsciente. Já para os psicanalistas é o estudo dos
conteúdos dos sonhos comuns, e não induzidos, que ajuda
estabelecer a causa do problema ou a natureza de um traumatismo
sofrido, isto é, do abalo que, por sua violência ou por sua duração, foi
reprimido no inconsciente e aflora nos sonhos, às vezes, de forma
simbólica.
A indução de sonho por meio de sugestão hipnótica é um
método útil para se obter rapidamente material de sonho limitado a
um determinado assunto, problema, situação ou conflito. O sonho
pode ocorrer no transe hipnótico ou num subseqüente sono natural.
Em qualquer dos dois casos, fornecerá importantes revelações do
inconsciente. Muitas vezes o indivíduo terá dificuldades em associar,
no estado desperto, os significados do seu sonho, no entanto poderá
obter imediatas associações no estado de transe.
Pode ainda os sonhos ser resultado de processos mentais que
geram ansiedade ou exagerada expectativa, caso do qual decorre
inconscientemente uma espécie de auto-indução aos sonhos como
busca de soluções. Neste sentido afirma Platonov. 38
Às vezes encontra-se a solução aos problemas da vida
cotidiana e mesmo aos problemas científicos que ocupam o
espírito, não em estado de vigília, porém à noite, durante o
sono. Foi o caso, por exemplo, do químico alemão F. Kekule
que viu em sonhos a fórmula do benzol. E de Mendeliev, que
um sonho ajudou a colocar em ordem a classificação periódica
dos elementos químicos. O compositor Tartine ouviu uma vez a
execução de uma sonata, quando dormia. Voltaire sonhou com
uma nova variante da ‘Henriade’. Os deuses, dizia Homero,
utilizam o sono para comunicar aos homens sua vontade. As
vésperas de resolver difíceis questões políticas, os éforos,
magistrados de Esparta, iam dormir nos templos, na esperança

38
PLATONOV, C. Faça seu teste psicológico, Rio de Janeiro, Ed. Edimax, 1966.
80 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

de que o sono lhes inspirasse uma decisão sábia


(PLATONOV).
Grandes gênios do passado realmente receberam seus
conhecimentos e efetuaram grandes descobertas enquanto
sonhavam. Entre eles, figura o inventor Thomas Edison (1847-1931),
para quem a maioria de suas grandes invenções ocorreu durante
sonhos, os quais assim que acordava escrevia. Desse modo,
descobriu o filamento da lâmpada elétrica depois que tentara
centenas de vezes por formas diferentes aperfeiçoar a invenção.
Uma noite, teve um sonho em que foi informado como criar um
filamento que teria grande duração.
Conta à história também que Jules Verne profetizou
apuradamente o futuro e, para isso, se teria valido dos sonhos para
prever com toda precisão a energia atômica, as viagens à lua, as
invenções do avião e do balão dirigível, o submarino, as
espaçonaves, as explorações submarinas e muitas outras coisas,
que mais tarde se transformaram em realidade. Assim, também,
aconteceu com o presidente americano Abraham Lincoln quando,
durante um sonho, teve uma visão do seu próprio assassinato uma
semana antes da tragédia ocorrer. A história revela que o dom da
profecia e ou visões do próprio futuro é uma faculdade que se
manifesta também em sonhos.
O químico alemão Friedrich Auguste Kekulé (1829-1896)
contou que estava muito esgotado quando tentava desenhar o
benzeno, molécula-chave dos compostos orgânicos, quando cochilou
e sonhou com grupos de átomos se juntando para formar uma
espécie de cobra coral que tentava morder o próprio rabo. Acordou
como se um raio tivesse iluminado sua mente e veio a idéia de que
essa era a resposta que procurava; dessa forma, ele descobriu que
os seis átomos do carbono do benzeno se ligam em anéis como a
imagem da serpente de seu sonho.
Recordar e Viver - O hipnoanalista começa por incitar o
hipnotizado a recordar-se, para fins crítico e informativo das
situações passadas. Este revê o passado indicado pelo analista e,
sem revivê-lo propriamente dito, apenas informa para efeito de
registro. Vencida essa etapa, processa-se a regressão a uma fase
determinada. Aí não só apenas recorda, mas revive e repete
afetivamente o episódio que pode ser a fonte de seu comportamento
atual e, assim, será possível conhecer a origem dos conflitos nas
suas bases históricas traumáticas e, através da própria sugestão,
removê-los. Na prática, aconselha Lindner que se proceda assim:
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 81

Vou pondo a mão em sua testa e contando até dez. Quando


eu terminar a contagem, você terá voltado a fase X de sua
vida. Você verá nitidamente e com nitidez cada vez maior,
todos os detalhes que interessam ao caso. Verá tudo, não
omitirá nada. Não vai querer excluir coisa alguma...
(LINDNER).
Espelho ou Bola de Cristal (cristalomancia) - No estágio de
hipnose profundo ou sonambúlico, o hipnotizado pode abrir os olhos
sem afetar-lhe o transe. Quando induzindo, pode ser dito:
• Dentre em breve mandarei você abrir os olhos... À sua frente
você verá um espelho (ou uma bola de cristal)... Nela você
visualizará a solução dos problemas que o afligem... Vá dizendo
tudo que aparecer na bola de cristal (ou espelho)... Pronto... Pode
abrir os olhos... Você está enxergando nitidamente a sua
situação, como nunca enxergou...
Esse processo ainda é conhecido por cristalomancia por utilizar
um cristal em forma de bola ou outra forma qualquer. Se um cristal
não estiver disponível, um copo transparente de água poderá ser
usado com igual efeito simbólico. O hipnotizado é posto em transe
profundo e dizendo-se que depois de abrir os olhos, ele deve olhar o
cristal (ou a água):
• Você verá um retrato ou a representação de um remoto incidente
esquecido, do qual você não tem conhecimento consciente...
Quando você o vir descreverá verbalmente.
A primeira revelação pode exigir interpretação ulterior quando
se revela obscura ou simbólica. Neste caso, pode também ser
utilizado, como recurso, uma combinação de regressão e
cristalomancia. Depois que o hipnotizado for levado de volta a uma
época anterior no tempo, nesse estado de regressão é induzido a
cristalomancia. Isso, às vezes, revela lembranças profundamente
enterradas no passado e que, embora não lembradas
conscientemente, podem estar perturbando a vida do indivíduo.
Pode-se ajudar o hipnotizado, como no caso do sonho, induzindo-o a
visualizar cenas específicas e fazer com que ele as descreva com
toda clareza nos menores detalhes, sempre lembrando o objetivo
terapêutico do que se está passando. “Vai resolver os problemas que
o atordoam, dissipar as dúvidas e os temores etc.”.
Psicodrama ou técnica cinematográfica - B. C. Guindes
apresentou uma técnica que denominou de cinematográfica, que
constitui uma variedade atualizada do antigo Psicodrama e da Bola
de Cristal. Sugere o autor que, uma vez em estado de transe
profundo, o hipnotizado receba a indução seguinte:
82 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Dentro em breve pedirei a você que abra os olhos. Ao abri-los


você se encontrará em uma sala de projeção. Bem diante de
você uma tela. Nessa tela você verá passar um filme. E o filme
que vai assistir é a história de sua própria vida. Neste filme
serão incluídos todos os detalhes importantes de sua
existência. E tudo na ordem cronológica. E você vai dizer tudo
que vê, já que eu não posso ver a tela. Agora vou lhe pedir para
abrir os olhos. Repare. Bem à sua frente está a tela
(GUINDES).
Como seria de esperar, o hipnotizado ao abrir os olhos mostra-
se impressionado com o que vê e começa a relatar tudo a que
assiste. Em certas passagens começa a rir. Em outras passagens,
mostra-se contrariado e mesmo enfurecido, continuando, entretanto,
a descrever o que se passa na tela. Muitas vezes fica nervoso,
choroso, visualizando situações e coisas penosas que aconteceram
em sua vida.
Por último, a Escrita Automática pode ser utilizada para induzir
o hipnotizável a revelar fatos de memória que de outra forma não
poderia ser obtida por causa de resistência forte às lembranças
reprimidas. Deve ser dito que a mão dele escreverá
automaticamente, sem que ele tenha disso conhecimento
consciente. A escrita resultante revela freqüentemente situações
surpreendentes, podendo ser realizada durante o transe ou, como
resultado de sugestão pós-hipnótica, após o hipnotizado retornar ao
estado normal. Durante a conversa com o hipnotizado, é-lhe feita
uma pergunta importante, como por exemplo: Qual é a causa do seu
temor? E, ele pode responder oralmente: Eu não sei, enquanto
simultaneamente a mão escreve uma resposta significativa e
relacionada à pergunta. Neste estado acontece a expressão de dois
pensamentos ao mesmo tempo como estar falando sobre seu último
trabalho e escrevendo uma poesia, a qual conheceu na sua infância.
A escrita pode apresentar, de início, uma informação vaga, mas
se torna mais clara à medida que a prática prossegue. Nos casos em
que a escrita é simbólica, na forma e no conteúdo, o próprio
hipnotizado poderá melhor interpretá-la, quer através de livre
associação oral no transe acordado, quer através de mais escrita
automática orientada para interpretar símbolos ou palavras
enigmáticas que porventura tenham sido reveladas na etapa anterior.
Isso ocorre quando a primeira etapa revela apenas o “portão” do
segredo e, para abrir a passagem e revelar o “santuário”, é
necessária a segunda etapa, que consiste em, após produzir a
escrita enigmática, ser dito ao hipnotizado: Sua mão vai agora
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 83

escrever o segredo que você tem escondido de mim. Esse pode ser
o meio de produzir uma rápida revelação.
Na atualidade novos conceitos e teorias se incorporam á hipno-
análise como a Inteligência Emocional e a Análise Transacional
trabalhada por Eric Berne. O analista transacional observa posições
psicológicas tomadas pelo indivíduo e reveladas pelas palavras, tom
de voz, expressão facial, gestos, postura corporal, etc. (Os papeis
que vivemos na vida, James & Jongeward). O ser humano pode
adquirir comportamentos inconscientes que representam a imagem
de pai, de adulto ou de criança. Na hipno-análise moderna esta
teoria pode ser de grande valia para elucidar conflitos vivenciados
pelo hipnotizado.
Histeria e hipnose
Concomitantemente com a escola de Nancy representada por
Liébeault e Bernheim, existia outra em Paris que se intitulava como a
escola do grand hipnotisme e funcionava no La Salpêtrière,
representada por Jean-Martin Charcot (1825-1893), nascido em
Paris, onde viveu a vida inteira. La Salpêtrière, construído por volta
de 1630, hoje é uma dependência do Hospital Geral de Paris. 39 O
nome vem do fato de ter sido construído no local de uma antiga
fábrica de pólvora, cujo componente principal é o salitre, em francês

39
La Salpêtrière, em 1656 foi orfanato público além de albergue, abrigava toda
categoria de mendigos. Em 1661 já abrigava 1460 pessoas; recebia inclusive filhas
de nobres pobres, as quais gozavam de tratamento especial, recebiam
ensinamento religioso, alfabetização e artes habilitadoras. Eram mais de 800 as
Filles du roi (filhas do rei) e, entre 1663 e 1673, as moças mais pobres foram
treinadas em prendas domésticas e enviadas para as colônias para constituírem
famílias com colonos franceses. Em 1680 passou a funcionar como Hospital Geral
e, em pouco tempo, a Instituição degenerou em um repugnante depósito de
loucos. Além de abrigar mendigos, epilépticos, paralíticos, aleijados e vítimas de
doenças mentais, também funcionava como prisão para prostitutas e malfeitores.
As loucas mais agitadas ficavam acorrentadas até morrer. Gemidos e gritaria todo
o tempo e a infestação de ratos infernizavam a vida dos internos. Um dos mais
hediondos episódios da Revolução Francesa aconteceu ali, Le massacre de La
Salpêtrière, no dia 3 para 4 de setembro de 1792, um bando de vândalos invadiu o
prédio e, após libertar as prostitutas, arrastaram para a rua os doentes mentais,
alcoólatras e portadoras de deformações físicas, sob o argumento de que davam
prejuízos ao Estado, todos foram massacrados à vista do povo. No início do século
XIX o psiquiatra Philippe Pinel determinou a remoção das correntes e a
humanização dos doentes. Na segunda metade do século XIX, com mais de 4.000
internos, tornou-se um mundialmente famoso centro de estudos psiquiátricos e
Hospital Escola da Universidade de Paris. Recebia estudantes de todo o mundo
para assistir experimentos e aulas sobre doenças mentais, especialmente as aulas
de Charcot com demonstrações de hipnotismo que influenciaram decisivamente
Freud na criação da teoria psicanalítica (N. do A.).
84 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

salpêtre. O prédio era dividido em três unidades: Bicêtre para os


homens, La Pitié para jovens, La Salpêtrière para mulheres. Este
terceiro setor foi destinado aos cuidados de Charcot que, entre 1862
e 1893, ali desenvolveu sua carreira de médico, pesquisador e
professor da disciplina anatomia comparada.
A partir de 1870 a administração do Salpêtrière decidira separar
os doentes alienados das mulheres histéricas e das epilépticas,
juntando essas duas últimas patologias numa mesma enfermaria.
Rapidamente as histéricas assimilavam os sintomas epilépticos e
aprendiam a simular. Com o uso da hipnose produzida por estímulos
sensoriais, Charcot provocava paralisia histérica em seus pacientes
para demonstrar aos alunos suas teses.
Na histeria, o distúrbio se traduz por perturbações intelectuais e
por sintomas físicos dos mais variados como instabilidade emocional,
mitomania, afonia, abulia, amnésia, aerofagia, anestesia,
hiperestesia, dispepsia, tiques, soluços, crises de choro ou riso,
perturbação motora, vômitos e convulsões. O histérico pode chegar
ao ataque maciço, espetaculoso como os que Charcot exibia na
Salpêtrière e nada têm ver com os ataques epiléticos.
O nome histeria é derivado da palavra grega hystera, que
significa útero, conhecida desde a antiguidade oriental e clássica, foi
associada aos deuses e demônios. Embora a histeria não seja
vinculada a gênero e, seus sintomas, também podem ocorrer por
imitação em pessoas suscetíveis ao transe hipnótico que convivam
com histéricos, no início era comum apenas às mulheres; acreditava-
se ser uma doença provocada pelos fluidos do útero. Também se
acreditava, erroneamente, que a carência sexual das mulheres
principalmente sacerdotisas, virgens e viúvas, era sua causa
próxima.
Em seus estudos experimentais sobre a histeria, Charcot valia-
se da hipnose para diferenciação diagnóstica e induzia sintomas
espetaculares nas histéricas, de modo a provar o caráter neurótico
dessa doença. Suas aulas e demonstrações atraiam estudantes de
todas as partes do mundo e, em determinado ponto de sua carreira,
Charcot acreditou ter descoberto uma nova doença, que ele chamou
de "histero-epilepsia", os sintomas incluíam convulsões, contorções,
desmaios e falha transitória da consciência. Suas conclusões e
vários exemplos da nova doença eram apresentados aos alunos.
Mas, um aluno cético chamado Joseph François Félix Babinsky
(1857-1932), decidiu que Charcot tinha inventado, e não descoberto,
a histero-epilepsia.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 85

Supunha Babinsky que o fato de alojar as pacientes epilépticas


e histéricas juntas, as histéricas, já vulneráveis à sugestão e à
persuasão, eram continuamente sujeitas a viver naquela ala e,
somando-se isso com os exames hipnóticos neuropsiquiátricos de
Charcot, começavam a imitar os ataques que repetidamente
testemunhavam nas epilépticas e acabavam por exibirem os
mesmos sintomas por simulação inconsciente.
Babinsky por muitos anos, inclusive após a morte Charcot, foi
pesquisador do Salpêtrière e criador do termo piti, no sentido de
mentira, para definir sintomas histéricos como fingimento ou
simulação de doença. A ele se deve a primeira aproximação entre
histeria e simulação; o histérico seria um simulador inconsciente.
Durante as aulas, Charcot valia-se da hipnose para induzir
sintomas sob sugestão hipnótica, mas nesta época o positivismo
científico estava na sua melhor forma, e a hipnose só pôde retornar à
cena cientifica depois de despojada de toda áurea mística. Nesse
clima de ciência, Charcot recomenda aos seus alunos que do antigo
fenômeno hipnótico só devia ser preservada a dimensão somática.
Assim pretendia evitar a simulação e acreditava que separava a
hipnose da imaginação do paciente e do poder de sugestão do
hipnotista, ao contrário da escola rival, em Nancy, que conservava a
sugestão como fator explicativo.
Embora colocassem em uso as mesmas técnicas de seus
antecessores e tenha sido a maioria das suas conclusões sobre a
hipnose equivocadas, Charcot afirmava que sua prática de
hipnotizar, inseparável do método anátomo-clínico, era baseada na
excitação sensorial, portanto um fenômeno “objetivo”, racional e, do
ponto de vista acadêmico, respeitável de se estudar. Evitando
deliberadamente tudo que pudesse ser reconhecido como sugestão
verbal, preferia não verbalizar, utilizava apenas meios sensoriais
para hipnotizar como a visão, a audição, o tato, o paladar e o olfato.
Nesta perspectiva defendia que hipnose poderia ser produzida por
meios puramente físicos sensoriais e acreditava que um indivíduo
podia ser hipnotizado sem seu próprio conhecimento ou permissão.
Durante o processo de hipnotizar Charcot obrigava seus
auxiliares fazer uso de toda sorte de manipulações sensoriais,
usando vários recursos complementares para a indução, entre eles,
a fascinação de objetos brilhantes e luzes coloridas, além da
produção mecânica de sons soporíficos, produzidos por instrumentos
que eram colocados perto do ouvido do paciente, como estímulo
86 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

sensorial auditivo. 40 Aplicava com as mãos toques no corpo ou


colocava placas de metais como ímãs, cobre, zinco e ouro.
Paul C. Jagot 41 descrevendo sobre o hipnotismo sensorial
praticado na Salpêtrière revela que também era induzido o transe
hipnótico pelo paladar e pelo olfato. Para isso, vez por outra era
comum o uso de rum, água de louro-cerejo e valeriana e que odores
violentos exalados de substancias como o amoníaco podia produzir o
transe instantaneamente, enquanto que certos perfumes como o
almíscar, a alfazema e vários tipos de incensos adormeciam
gradualmente a consciência.
Como Braid, Charcot acreditava também na existência das
chamadas zonas hipnógenas, as quais devidamente estimuladas
provocavam e aprofundavam o transe. Para ele, bastaria exercer
uma leve pressão com a mão no alto da testa, na raiz do nariz, no
cotovelo ou no dedo polegar, para produzir instantaneamente um
efeito soporífico. Acreditava que o estágio cataléptico podia ser
produzido por um forte ruído repentino, ou ainda abrindo-se os olhos
de uma pessoa que estivesse em estágio letárgico, forçando-a para
que olhasse em direção contrária de uma luz. O estágio de
sonambulismo poderia ser produzido por meio da atenção fixa ou ser
causado pela fricção do alto do crânio e da nuca de um indivíduo em
estagio letárgico ou cataléptico.
No Hospital Salpêtrière era comum, como início do processo de
hipnotizar, o uso de uma vela acessa, fixando o olhar do paciente na
luz da chama. Também o uso de um disco de zinco, de dois
centímetros de diâmetro, cujo centro era formado por um prego de
cobre encravado em outro metal; conservava-se este botão a 45
centímetros, mais ou menos, do corpo na altura da cintura, como um
ponto de mira, sobre o qual devia o paciente fixar os olhos durante
quinze a vinte minutos, sem pestanejar e concentrado toda a
atenção. Logo que absorvido nessa contemplação sem oscilar as
pálpebras, o hipnotista fechava-lhe os olhos por meio de brandas e

40
A utilização de sons como elementos hipnóticos também eram usados pelos
Mesmeristas. “Os instrumentos mais favoráveis ao desenvolvimento da ação
magnética são, depois da voz humana, a flauta, a harpa e a cítara. Mesmer
empregava freqüentemente este último instrumento. Em práticas de curas, muitos
magnetizadores acreditavam que os sons que partiam de um instrumento
magnetizado faziam mais efeito num doente, do que os de um instrumento que
não magnetizado” (Alphonse BUÉ, Magnetismo curador).
41
JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato
Corrêa), São Paulo, Editora Mestre Jou, 1959.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 87

suaves fricções e punha-lhe uma das mãos sobre a cabeça,


aplicando-lhe fortemente o dedo polegar à testa.
Os instrumentos hipnóticos de Charcot substituíam a indução por
sugestão verbal, defendida pela escola de Nancy. Às vezes os
procedimentos eram acompanhados de ligeiras variantes; como a
pressão dos globos oculares ou dos polegares, fricções do alto da
cabeça e nuca, além de violentas batidas em instrumentos de
percussão, repetidas de forma monótona, que atacavam e faziam
vibrar o sentido do ouvido. Empregavam ainda um fole para insuflar,
soprando o nariz e a testa do paciente, além de espelhos em
formatos de fragmentos, encaixados em dois pedaços prismáticos de
madeira, com 20 centímetros aproximadamente, dispostos em cruz,
com um eixo no centro, a que se imprimia um movimento de rotação,
como um cata-vento, para provocar no paciente perturbação e fadiga
do aparelho ótico, fazendo-o cair no estado de transe.
Teorizando sobre a hipnose, Charcot que só lidava com
histéricas e epilépticas, estabeleceu a premissa segundo a qual
somente os histéricos podiam ser hipnotizados, não passando o
estado de hipnose de um estado de histeria. Formulou a teoria dos
três níveis hipnóticos: a letargia, a catalepsia e o sonambulismo. O
primeiro estágio, a letargia, podia produzir o fechando simplesmente
os olhos do hipnotizado e caracterizava-se pela mudez e pela
surdez. O segundo estágio, a catalepsia, era marcado por um misto
de rigidez e flexibilidade dos membros, estes permanecendo na
posição em que o hipnotista os largasse. O terceiro estágio, o
sonambulismo, se produzia friccionando energicamente a parte
superior da cabeça e a nuca do hipnotizado.
Foi Victor-Jean-Marie Burq (1822-1884) quem inventou a
metaloterapia, a aplicação de metais por via interna e externa com
fins curativos. Ele pensava que o temperamento de cada pessoa
correspondia a um metal especifico e que era possível determinar a
“sensibilidade metálica individual” utilizando a metaloscopia. Se
aplicada um metal sobre a pele de um paciente, sendo ele sensível a
este metal, experimentava sensações de calor, sudorese e
formigamento. Esta técnica foi usada nas unidades do hospital geral
de Paris (Bicêtre, La Pitié e La Salpêtrière) em 1849, durante a
epidemia de cólera. Afirmava que o contato do ferro é geralmente
insuportável a todos os sonâmbulos; este contato os inquieta, irrita e
queima. O ouro possui uma virtude calmante, dissipa as dores locais
e resolve as contrações, e torna-se para certos sensitivos um
excitante que provoca contrações e espasmos.
88 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Em 1871, Burq publicou sua obra Metaloterapia: tratamiento de


las enfermedades nerviosas, Parálisis, histeria, hipocondria, migraña,
dispepsia, gastralgia, asma, reumatismos, neuralgias, espasmos,
convulsiones, etc. Em 1876 Claude Bernard, presidente da
Sociedade de Biologia de Paris, designou três importantes médicos,
Charcot, Luys e Dumont Pallier para avaliar essa teoria. Os três
concluíram favoráveis e passaram a utilizar este método de cura
além de investigar intensamente a metaloscopia e suas relações com
a eletricidade, com os eletroímãs e ferros imantados, passaram a
aplicar como tratamento da histeria e meio de provocar o
sonambulismo, a catalepsia, a letargia, e a analgesia.
Estas inocentes e crédulas experiências de Burq, dentro do
ambiente médico e cultural da época, foram consideradas como
muito importante e encantava Charcot. Por esse e outros motivos,
após a morte de Charcot, seu discípulo Babinsky o ridicularizou
publicamente várias vezes. Dizia que o efeito dos metais era apenas
sugestivo e que seu mestre muitas vezes percorreu o estreito
caminho que separa a curiosidade cientifica do descrédito e do
ridículo e, amargamente, denunciava os equívocos e as dificuldades
de Charcot em lidar com a hipnose.
Entre as severas criticas a Charcot está à contestação ao livro
Oeuvres completes, metalltherapie et hipnotism, 42 Nesta publicação,
Charcot demonstra total convicção em relação a teoria metálica,
desenvolvida por Burq, segundo a qual a cura de certas doenças
dependia tão-somente do uso correto dos metais que eram aplicados
nos pacientes enfermemos. Tentou também convencer os discípulos
de que aplicando um ímã em determinado membro este se
paralisava e, com isso, procurou reabilitar a superada teoria da ação
magnética.
Charcot de novidade prática sobre o hipnotismo nada criou,
para hipnotizar associava as técnicas do Brandismo e do
Mesmerismo à teoria metálica de Burq. Este fato representaria o
retrocesso às teorias fluidas e magnéticas defendidas por Mesmer,
significava ignorância em relação à hipnose e, a expressão
“retroceder a Charcot” ficou sendo usada como termo pejorativo
pelos defensores da escola de Nancy contra a Salpêtrière.
Achando que a hipnose era uma forma de histeria, Charcot
dizia que podia induzir sintomas histéricos através de sugestões pós-
hipnóticas. Não concordando, Bernheim dizia que as características

42
CHARCOT, J. M. Oeuvres completes, metalltherapie et hipnotism [Reprin]. tome
IX, Paris, Lecrosnier et Babe, [Reprin. 1948] 1890.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 89

dos sintomas da histeria podiam ser provocadas artificialmente por


mera sugestão, não se vinculavam com a hipnose. Nasceu daí a
histórica controvérsia entre as duas escolas; a do Hospital
Salpêtrière e a da Cidade de Nancy. Os dirigentes desta última
classificaram o hipnotismo daquela de hipnotismo cultivado, cujo
valor em relação ao hipnotismo de verdade se comparava ao da
pérola cultivada em confronto com a pérola natural.
Charcot acusava os membros da escola de Nancy de só
hipnotizar pacientes histéricos, os quais se deixavam iludir pela
argumentação e pela dependência que devotavam aos médicos. Em
compensação, era acusado de incorporar ao processo de indução
teorias superadas, além de incompetente por não hipnotizar
pessoalmente seus pacientes, deixando essa tarefa a cargo de
auxiliares. Afirmavam ainda que as análises de Charcot foram
prejudicadas pelo fato de lidar exclusivamente com internas de sua
enfermaria, disso resultou a equivocada hipótese de que a hipnose
era uma característica do histerismo.
Liébeault rebatia como sendo absurdas as hipóteses de
Charcot, provando que há vinte anos hipnotizava os tipos mais
variados de pessoas, sem encontrar, entre elas, nenhum histérico.
Em 1889, em um congresso de psicologia, Forel, 43 também se
colocando contra a teoria do Salpêtrière, apresenta suas
observações que ainda são válidas na atualidade. Seu ponto de
vista, publicado em 1907, descreve o que considera sobre as
opiniões de Charcot:
Sou obrigado a protestar contra os que querem levar o
hipnotismo para a histeria. É absolutamente inexato. Sem falar
dos Drs. Liébeault e Bernheim, em Nancy, eu quero lembrar
que Wetterstrand hipnotizou quatro mil pessoas, em
Estocolmo, no espaço de três anos e os refratários eram raras
exceções. É com o cérebro que se opera para realizar
fenômenos hipnóticos e os cérebros são tanto mais fáceis de
impressionar, quanto mais sadio forem. O cérebro dos
histéricos, agitados e volúveis, cheios de caprichos, repele às
vezes as sugestões, ao passo que o mesmo não acontece, em
geral, com os indivíduos não neuróticos em sua maioria
(FOREL).
Em 1889 Charcot organizou o que denominou de Primeiro
Congresso Internacional de Hipnotismo Experimental e Terapêutico.
Neste evento, realizado no Salpêtrière, compareceram como

43
FOREL, August. Hypnotism and Psychotherapy [Reprin]. Allied Books, (1907)
1988.
90 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

palestrantes importantes personalidades do mundo acadêmico, entre


eles o psicólogo americano William James, o médico e criminalista
italiano Cesare Lombroso, e o jovem Sigmund Freud. Desse
Congresso resultou a publicação de uma revista especializada em
artigos sobre hipnose, rapidamente espalhando novas conceituações
pela Europa e Estados Unidos. A cada publicação gerada na
Salpêtrière, em Nancy surgia outra contrariando e, a controvérsia, foi
a forma mais rápida para a hipnose conquistar novas adesões de
estudiosos, todos tentando compreender, explicar e difundir a
hipnose pelo mundo, dando-lhe impulso científico-terapêutico.
Embora com relação ao hipnotismo Charcot tenha sido
bastante contestado, grandes descobertas na área médica foram
devidas a sua dedicação á pesquisa, seus estudos permitiram o
surgimento da teoria que fundamenta o estudo da neurologia
moderna, além de estabelecer características e princípios que
permitiram a classificação várias patologias. Em 1882, criou no
hospital Salpêtrière o que viria a ser a maior clínica neurológica da
época. Anexo à clínica, fundou o Museu Anatomopatológico e os
laboratórios fotográfico, anatômico e fisiológico. Centrando seus
estudos sobre a histeria, epilepsia e outras desordens neurológicas;
publicou em cinco volumes, Leçons sur les maladies du système
nerveux, (Lições sobre as doenças do sistema nervoso). Descobriu
enfermidades e síndromes neurológicas como a esclerose lateral
amiotrófica, (diferenciou da atrofia muscular progressiva de Aran-
Duchenne), a neuropatia de Charcot-Marie-Tooth e a esclerose
múltipla da qual fez a primeira descrição histológica das lesões
estabelecendo características importantes, como a perda de mielina
e a proliferação de fibras e núcleos gliais.
Na atrofia muscular, Charcot descreveu os sintomas da ataxia
locomotora, uma degeneração da medula espinhal e dos feixes
nervosos. Foi o primeiro a descrever a desintegração dos ligamentos
e das superfícies das juntas (Síndrome de Charcot ou Junta de
Charcot; artropatías dos joelhos, pélvis e outras articulações).
Conduziu pesquisa para localização dos centros cerebrais
responsáveis por funções nervosas e descobriu os aneurismas
miliaria (dilatação das pequenas artérias que alimentam o cérebro),
demonstrando sua importância na hemorragia cerebral.
Hipnose e psicanálise
Depois de Lindner, Guindes e Charcot, houve um período de
esquecimento da hipnose e da hipno-análise por mais de trinta anos.
Como responsável por esse eclipse, os historiadores apontam a
popularidade da psicanálise e a pessoa de seu fundador, Sigmund
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 91

Freud (1856-1939), nascido em 6 de maio de 1856, em Freibeg na


região da Moravia, antiga porção da Áustria, hoje Pribor, na
República Tcheca. Quando tinha quatro anos, sua família transferiu-
se para Viena na Áustria, onde ele passou a maior parte da sua vida;
ingressou na Universidade de Viena em 1873, formando-se em
medicina em 1881. Após ter escapado ao nazismo, mudou-se para
Londres onde faleceu aos 83 anos de idade, no dia 23 de setembro
de 1939.
Durante a fase inicial da sua pesquisa Freud foi vítima de
hostilidade; a maior parte dos ataques lançados contra ele vinha dos
próprios colegas, os médicos de Viena, que eram contra a afirmação
da influência do inconsciente nas ações humanas e a ligação dos
impulsos sexuais com as neuroses. Indignados com a nova teoria,
tudo fizeram para desmoralizar seu autor, mas a genialidade e a
coragem fizeram Freud continuar e, em 1910, no Primeiro Congresso
Internacional de Psicanálise apresentou oficialmente, em Viena, seus
estudos, muito além do consenso médico de sua época.
Antes de apresentar oficialmente suas idéias, em 1903, Freud
fundou a Sociedade Psicanalítica de Viena e numerosos discípulos
principiaram a se reunir em torno dele. Em 1909 foi convidado, por
Stanley Hall, para proferir conferências na Clark University
(Worcester, Massachussets), nos Estados Unidos, onde trabalhou
não só nos aspectos médicos da psicanálise, mas procurou aplicar
suas teorias a muitas áreas da atividade humana e mesmo tendo
sido essa sua única visita a América, essa oportunidade
definitivamente marcou sua carreira, ao atrair atenção mundial para
seus trabalhos.
Freud considerava que a psicanálise não era uma área de
particularidade médica, por isso assistiam suas conferências, além
de médicos, outros profissionais interessados no assunto que
fizeram avançar a teoria psicanalítica. Nas conferências expunha
suas opiniões para serem contestadas, objetadas e discutidas.
Assim, não dogmatizava verdades acabadas, mas insistia para que
seus ouvintes as descobrissem por si mesmo. 44 Até hoje a
psicanálise encontra forte resistência na classe médica, a atividade
do psicanalista é proibida para médicos:
A atividade exclusiva de psicanálise não caracteriza exercício
da medicina. A titulação médico-psicanalista não tem amparo

44
FREUD, Sigmund. Premissas e técnica de interpretação. In: Conferências
introdutórias sobre psicanálise. Edição Standard Brasileira das Obras Completas.
Rio de Janeiro, Imago, 1974.
92 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

legal, não sendo, portanto, permitida a sua utilização (Parecer


do CFM nº 02/1998). 45
A Psicanálise é uma técnica de investigação de processos
mentais ou método clínico de tratamento da mente, tem por base os
conceitos teóricos da escola Freudiana ortodoxa. A função primordial
da clínica psicanalítica - a análise - é buscar a origem do sintoma, ou
do comportamento manifesto, ou do que é verbalizado, isto é,
integrar os conteúdos inconscientes na consciência com o objetivo
de cura ou de autoconhecimento. Enquanto método de investigação,
a psicanálise caracteriza-se pelo método interpretativo, busca o
significado oculto daquilo que é manifesto através de ações e
palavras ou das produções imaginárias, como os sonhos, os delírios
e as associações livres. O material reprimido no inconsciente fica
escondido e só aflora por meio dos sonhos ou de sintomas em forma
de charadas e atos falhos. Se esse afloramento for bem interpretado,
pode revelar pistas dos males que afligem o paciente.
Freud afirma rejeitar o hipnotismo e a hipno-análise como
método terapêutico de forma paradoxal, pois teria inicialmente usado
esses conhecimentos, abandonando-os sem fortes razões, a não ser
a descrença e o demérito da hipnose no meio acadêmico que tem
início na rejeição da classe médica ao Mesmerismo. Seus colegas
ofereciam resistência às suas idéias e contestavam sua teoria, ainda
mais quando essa vinha associada à hipnose. 46 Esse seria um dos
motivos a mais dificultando a psicanálise para se afirmar no meio
acadêmico e, por isso, teve Freud de abandonar ou declarar que
abandonara a prática da investigação do inconsciente através das
técnicas de hipnose explicita.
No passado os psicanalistas afirmavam que a hipnose e a
hipno-análise seriam totalmente substituída pela psicanálise por ser
mais científica. Isso, no momento em que estamos vivendo, acontece
com a própria psicanálise. A mídia, muitas vezes, aliada à classe
médica, à indústria farmacológica e à ciência cartesiana behaviorista,
tem tratado de divulgar como verdade conclusiva que a psicanálise
está ultrapassada, obsoleta, sem critérios de cientificidade e, que o

45
(LEX, Parecer do CFM nº 02/1998. In: Medicina Conselho Federal, Brasília DF,
rev. nº 98, p. 7, out., 1998).
46
Talvez Freud tivesse dificuldades para hipnotizar; é possível que lhe faltasse a
qualidade de um bom hipnotista e, isso também teria contribuído para ele
abandonar o método da hipnose (weissmann). Freud afirma claramente “Quando
constatei que, apesar de todos os meus esforços, só conseguia colocar em estado
de hipnose uma pequena parcela de meus doentes, decidi abandonar esse
método” (FREUD, apud CHRTOK, p. 59, 1989).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 93

homem moderno exige decisões rápidas e eficazes para superar


suas dificuldades. Assim, a receita prescrita para o mal-estar
contemporâneo é composta prioritariamente de medicação, seguido,
se for o caso, de cirurgia e só em última hipótese seria recomendado
uma breve psicoterapia, como se isso fosse o último recurso para
tratar o que não foi possível de resolver pela prática convencional.
De fato, a ciência pôde criar uma possante indústria de
medicamentos, capaz de aliviar muitas dores e curar muitas
doenças; no entanto não consegue lidar bem com as implicações do
desejo e do prazer, fonte de vários sintomas que atormentam a
qualidade de vida do ser humano. Tudo isso já tinha sido previsto por
Freud, quando no início do século advertiu que, no futuro os
cientistas achariam o trabalho com a psicanálise, muito laborioso,
muito inseguro, com incertezas, carente de garantias e deduções
mais científicas. Fato é que tanto a hipno-análise como a psicanálise
passa por caminhos que dependem de habilidade e sensibilidade
para se ver além do óbvio, ver além do que pode esclarecer a
pesquisa cartesiana reducionista. Sua prática não se perfaz com
procedimentos repetitivos, receituários ou mecânicos que, uma vez
conhecidos, podem ser aplicados em casos similares.
Para a psicanálise, muitos sintomas considerados patológicos
podem advir de traumas psíquicos reprimidos no inconsciente,
provocado por acontecimentos que para o indivíduo é grave e de
tamanha intensidade que ele não consegue assimilá-lo e dar uma
resposta adequada, por isso trata de esquecer o fato que fica no seu
inconsciente e aflora por meio de sintomas. Por exemplo, uma
pessoa pode sentir tremores incontroláveis nos membros, porém
pode ser que não existam causas realmente físicas para tais
tremores. Nesse caso, para a psicanálise, o que pode estar
ocorrendo é a tentativa de afloramento do inconsciente da pessoa,
através de um simbolismo, que faz com que esse sintoma exista. O
hipnotismo seria uma ferramenta para a cura do sintoma e
compreensão da causa.
Doenças ou sintomas que não se explicam pela etiologia ou
que não têm causa orgânicas ou explicações que as justifiquem, são
interpretadas como piti, termo derivado do radical peitho, utilizado
por François Félix Babinsky, (pitiatismo de Babinsky) para definir os
sintomas histéricos. Na psiquiatria é conhecido como síndrome da
mitomania, fabulação ou mentira de pretensa doença. Piti na
linguagem popular significa fingimento ou simulação de doença, mas,
para a psicanálise e para a hipno-análise pode ser um sintoma de
causas inconscientes que atormentam, às vezes até somatizando,
por isso devem ser tratados.
94 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Somatizar significa transferir para o corpo o que é insuportável


para a mente. Corpo e mente funcionam como vasos comunicantes:
quando um está cheio, sobra para o outro. A doença física pode ter
causa psíquica, e vice-versa. Somatizar não é fingir doença, é
desenvolver um problema orgânico ou comportamental devido a
causas psíquicas que não foram enfrentadas conscientemente. Esse
meio de expressão mais tarde se denominaria como a linguagem
orgânica da alma. Como exemplo dessa linguagem, vários os casos
que podem ser citados:
a) Em lugar de declarar abertamente sua repugnância por
determinada pessoa, o indivíduo se queixa de náuseas e sente
vontade de vomitar.
b) Em vez de admitir sua infelicidade conjugal, o indivíduo padece
de inexplicáveis distúrbios cardiovasculares, flutuações da
pressão arterial, sudorese, tremores, etc.
c) Para deslocar seu sentimento de culpa proveniente de um
“passo em falso na vida afetiva”, uma jovem torna-se manca,
como se houvesse apenas torcido o pé.
d) Não podendo superar o conflito da vida diária, o qual não
compreende bem, nem conhece conscientemente a solução,
uma senhora queixa-se de mil falsos problemas de saúde.
No início de sua pesquisa, Freud escreve um artigo 47 no qual
de forma inequívoca revela as dificuldades para o médico dominar e
aplicar a técnica do hipnotismo, a qual considerava de indiscutível
importância terapêutica:
Seria um equívoco pensar que é muito fácil praticar a hipnose
com fins terapêuticos. Pelo contrário, a técnica de hipnotizar é
um método tão difícil como qualquer outro. Um médico que
deseja hipnotizar deve tê-lo aprendido com um mestre nessa
arte e, mesmo depois disso, deverá ter tido bastante
experiência própria, a fim de obter êxitos em mais de alguns
poucos casos. Depois, como hipnotizador experiente, haverá
de abordar o assunto com toda a seriedade e firmeza que
nascem da consciência de estar empreendendo algo útil e, a
rigor, em algumas circunstâncias, necessário. A rememoração
de tantas outras curas realizadas pela hipnose conferirá à sua
conduta, para com seus pacientes, uma certeza que não
deixará de despertar, também nestes, a expectativa de mais
um êxito terapêutico (FREUD).

47
Extraído do Volume I, edição standard brasileira, obras psicológicas completas
de Sigmund FREUD. In: Textos escolhidos de psicanálise: Artigos sobre
Hipnotismo e Sugestão - Hipnose, Imago Editora Ltda. R. Janeiro, 45 - 59, 1986.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 95

Em seu artigo sobre a hipnose, recomenda Freud que se tenha


cautela sobre o ceticismo, pois quando isso ocorre em qualquer das
partes envolvidas no processo de hipnotizar, o fracasso é garantido:
Todo aquele que se põe a hipnotizar com ceticismo, e que
talvez se afigure cômico a si mesmo nessa situação e que
revele, por sua expressão, sua voz e seus modos, não esperar
nada da experiência, não terá motivos para se surpreender
com seus fracassos; deveria, preferentemente, deixar esse
método de tratamento para outros médicos capazes de praticá-
lo sem se sentirem feridos em sua dignidade médica, de vez
que se convenceram, pela experiência e pela leitura, da
realidade e da importância da influência hipnótica (FREUD).
Diz ainda Freud que se tentássemos impor a hipnose a alguém
que acreditasse ser uma prática perigosa, o processo seria
impossibilitado diante da ansiedade e do sentimento angustiante do
paciente de estar sendo dominado. Portanto, é melhor, sempre que
surgir uma intensa resistência contra o uso da hipnose, que se
renuncie ao método e espere até que o paciente, sob a influência de
outras informações, aceite a idéia de ser hipnotizado:
Devemos ter como regra não procurar impor ao paciente o
tratamento pela hipnose. Entre o público acha-se difundido o
preconceito (realmente reforçado por alguns médicos
conceituados, conquanto inexperientes nesse assunto) de que
a hipnose é um procedimento perigoso (FREUD).
Mas, Freud é contundente quando conclui:
Tudo que se tem dito e escrito a respeito dos grandes perigos
da hipnose pertence ao reino da fantasia... Não há dúvidas de
que a área coberta pelo tratamento hipnótico é mais extensa
do que a de outros métodos de tratamento de doenças
nervosas. E não há nenhuma justificativa para a acusação de
que a hipnose só é capaz de influenciar sintomas, e apenas
por breve período de tempo. Se o tratamento hipnótico é
dirigido somente contra os sintomas, e não contra os
processos patológicos, está seguindo justamente o mesmo
caminho que todos os demais métodos de tratamento são
obrigados a trilhar. Quando a hipnose tem êxito, a estabilidade
da cura depende dos mesmos fatores que a estabilidade de
todas as curas conseguidas por outros métodos. Caso a
hipnose se tenha defrontado com fenômenos residuais de um
processo já concluído, a cura será permanente; se as causas
que produzem os sintomas ainda estiverem em atividade e
com sua força não diminuída, é provável que haja uma recaída.
O emprego da hipnose nunca exclui o emprego de qualquer
outro tratamento, dietético, mecânico ou de algum outro tipo.
Em numerosos casos - ou seja, naqueles em que os sintomas
96 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

são de origem psíquica - a hipnose preenche todos os


requisitos que se pode exigir de um tratamento causal, nessas
circunstâncias, fazer perguntas e infundir calma ao paciente
em hipnose profunda geralmente proporciona o mais brilhante
êxito (FREUD).
O próprio Freud, referindo-se à importância e à eficácia da
hipnose, bem como a ligação desta com seus novos métodos de
análise, diz:
A importância do hipnotismo, na história do desenvolvimento
da psicanálise, não deve ser subestimada. Tanto sob o aspecto
teórico quanto terapêutico, a psicanálise é a administradora
dos bens deixados pelo hipnotismo (FREUD).
Parece claro que Freud sempre reconheceu o valor e
importância terapêutica da hipnose; é o que diz a vasta literatura
sobre a teoria e a técnica da psicanálise ortodoxa e seu grande
envolvimento com o hipnotismo, tendo por ponto de partida as
experiências hipnóticas do médico Josef Breuer (1842-1925),
companheiro de pesquisas de Freud. 48
Breuer, em 1884, relatou a Freud como empregara a hipnose
em uma paciente, a jovem Anna O. de 22 anos, que apresentava os
sintomas clássicos da histeria; paralisia dos membros, anestesias e
perturbações da visão e da fala, dificuldades em manter a cabeça
erguida, tosse nervosa intensa, repugnância pelos alimentos e
impossibilidade de beber durante várias semanas, apesar de sentir
sede. Esses sintomas haviam aparecido pela primeira vez quando
ela se dedicava ao seu pai muito enfermo. Inicialmente tratada com
aplicações das técnicas de hipno-análise, essa paciente histérica
entra para os anais da psicanálise.
Anna O. é o nome fictício citado em Estudos sobre a Histeria
para identificar a paciente Bertha Pappenheim, nascida em Viena,
Áustria, em 1859 e falecida em Iselberg, Alemanha, em 1936. Sua
formação ficou restrita ao estudo em um colégio feminino católico até
os 16 anos, uma vez que a universidade de Viena não admitia
mulheres. Por esforço próprio tornou-se fluente em francês e inglês,
dominava também italiano, pelo fato de ter morado muitos anos, com
o pai, em Nápoles, além de sua língua materna, o alemão falado na
Áustria.
Não fosse pela sua associação com Freud, o caso de Anna O.
teria permanecido como um episódio isolado na prática de Breuer.
Entretanto, Freud reconhece aí o berço da psicanálise cujo princípio
48
Breuer nasceu em Viena, em 1867 forma-se em medicina e, em 1884, associa-se
a Freud e pesquisa a Histeria através de práticas hipnóticas (N. do A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 97

fundamental estabelecia a relação entre os sintomas e o chamado


trauma psíquico, representado pelos resultados de cenas
impressionantemente vividas, porém esquecidas. A terapêutica
fundada nesse princípio consistia em fazer com que o paciente se
recordasse de tais cenas e as reproduzisse sob hipnose, liberando
assim a carga emocional reprimida pelo trauma.
Os problemas de Anna O. eram depressão e nervosismo e
quadro de hipocondria com os mais diversos sintomas. Em certas
ocasiões se acreditava paralítica, em outras acreditava estar
impossibilitada de deglutir e por algum tempo não conseguia comer
ou ingerir líquidos, mesmo estando com fome e sede. Em outras
ocasiões; tinha distúrbios visuais, paralisia das extremidades e
contraturas musculares, perda de sensibilidade na pele, tosse
nervosa, de modo que sua personalidade ora era a de uma
deficiente, ora a de uma pessoa normal. Por vezes sentia-se incapaz
de falar seu idioma, o alemão, e recorria ao francês ou inglês para se
comunicar.
O Tratamento de Anna teve a duração de cerca de um ano e
meio, curando-se, com uma combinação da recuperação de
lembranças ocultas e da conversa entre ela e seu terapeuta
enquanto se encontrava em transe hipnótico. Durante o transe
Breuer induzia a moça falar; ela narrava uma série de fatos passados
e profundamente dolorosos que não faziam parte do conhecimento
consciente da paciente. Quando despertava do sono hipnótico ela
podia reconstituir esta etapa do seu próprio passado e os sintomas
desapareciam.
Hipnotizada, Anna historiava o começo de sua própria doença,
desde os primeiros sintomas, entrando em pormenores sobre o seu
desenvolvimento e, quanto a paciente saía do transe, melhoravam as
suas condições de saúde. Com a hipnose, havia a reconstituição das
cenas vivenciadas ao lado do pai e, com a elucidação dos fatos
responsáveis pelas suas dificuldades e sofrimentos atuais, a
paciente sentia-se aliviada e os sintomas iam desaparecendo.
Hipnotizada, conseguia lembrar-se do trauma passado e revivê-lo
efetivamente e a carga afetiva que determinava o sintoma podia ser
eliminada. Aí surgira, pela primeira vez, a cura pela conversa (talking
cure). Esse método de Breuer foi o princípio da doutrina de Freud
que entusiasticamente adotou a hipnose como método de cura e
ambos compartilhavam das investigações.
Sentindo as limitações de Viena no tocante às possibilidades de
aperfeiçoamento e estimulado por Breuer, Freud foi até Paris, em
1885, a fim de assistir aos cursos proferidos por Jean-Martin
98 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Charcot. Neste mesmo ano ganhou uma bolsa de estudos para um


período de especialização no Hospital Salpêtrière e após realizou o
curso de mestrado em neuropatologia. Tornando-se aluno do
professor Charcot, estudou dedicadamente os processos da histeria
e hipnotismo.
Com Breuer, Freud aprendeu o termo talking cure (cura pela
fala) e o uso da hipnose na cura da histeria. De 1885 a 1886, em
Paris, sob a orientação de Charcot prosseguiu os estudos sobre
hipnose. Charcot lhe chamou a atenção para o fato de que os
problemas dos pacientes (particularmente das mulheres) eram
provocados por questões do foro sexual.
Charcot, preocupado unicamente com o fenômeno da histeria,
via na hipnose apenas um sintoma histérico. Suas teorias sobre
hipnose eram equivocadas, embora suas teorias sobre histeria
fossem as mais avançadas da época. As demonstrações de Charcot,
fazendo surgir e desaparecer sintomas como a paralisia dos
membros, parecia convencer a quantos o assistisse, como sendo o
estado de histeria, a própria identidade do transe hipnótico. Como
Charcot lidava apenas com pacientes histéricos, suas conclusões
não eram de se estranhar; Freud discorda e, ansioso por aprender
mais, em 1889 foi a Nancy, a Capital do hipnotismo naquela época.
Ali ingressou na clínica dirigida por Liébeault e Bernheim, passando
algumas semanas a observar e, assim, descreveu o que assistira:
Eu mesmo presenciei Bernheim demonstrar que as lembranças
provocadas pelo sonambulismo eram, apenas,
manifestamente, esquecidas no estado de vigília, e que elas
poderiam ser reproduzidas por insistência verbal do médico,
acompanhada de pressão das mãos, o que provoca um outro
estado de consciência. Por exemplo, ele provocou em uma
paciente mulher, em estado de sonambulismo, uma alucinação
negativa de que ele não estava mais presente. A seguir, tentou
de todas as formas se fazer notado, mas sem sucesso. Após
ter despertado, ele perguntou se a paciente se lembrava do
que havia feito durante todo o tempo em que ela pensava que
ele não estava presente. Ela replicou que não sabia de nada,
mas, Bernheim insistiu que ela se recordaria de tudo,
pressionando com uma mão a fronte da paciente. E ela
finalmente começa a relatar todos os acontecimentos que
haviam ocorrido durante o estado sonambúlico e que,
ostensivamente, ela de nada lembrava no estado de vigília
(FREUD).
Continua Freud descrevendo o que assistira na clínica de
Bernheim e como resolvera aplicar a hipnose em seus pacientes:
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 99

Essa impressionante e instrutiva experiência passou a ser meu


modelo. Eu decidi supor que meus pacientes sabiam de tudo
que pudesse ter um significado patogênico, e que só era
necessário forçá-los à lembrança. Sempre que eu atingia um
ponto em que minhas perguntas não eram satisfeitas,
perguntava - Desde quando você tem esses sintomas? - E se a
resposta fosse - Realmente, eu não sei - Eu procedia da
seguinte forma, - colocava uma das mãos na fronte do
paciente, ou pressionava sua cabeça com ambas as mãos e
dizia. - Através da pressão de minhas mãos você vai se
recordar, no momento em que eu retirar essa pressão você
verá algo defronte de si, ou alguma coisa surgirá em sua mente
que você deve notar; é isso que você está procurando. Muito
bem, o que você viu, ou o que veio em sua mente? (FREUD).
Referindo-se aos benefícios do tratamento dos pacientes
através da hipnose, Freud bem o distingue dos métodos anteriores à
base de choques elétricos, massagens e banhos de água fria.
Segundo Sartre, 49 o procedimento terapêutico da época, com base
na eletricidade, consistia de uma cadeira onde o paciente era
sentado com braços e pernas amarrados e apoiado num degrau
isolante; aproximando-se uma escova de metal eletrizada com alta
tensão e baixa corrente elétrica, que começava a crepitar, encostada
no rosto do paciente, ao longo da nuca e sobre o cabelo. Os banhos
de água fria consistiam em amarrar o paciente numa cadeira onde
permanecia por dois ou três dias sem dormir. Vencido pelo sono,
adormecia, sobre ele era despejada grande quantidade de água. Dos
banhos frios, aplicados à noite e na fria Europa, geralmente decorria
um quadro de pneumonia que, quase sempre, resultava no óbito do
paciente.
Freud até atribuiu os poucos êxitos dos banhos frios e choques
elétricos no tratamento de doentes nervosos por efeito da pura
sugestão de melhoria. Quanto ao método hipnótico como terapia, ele
reconhece ser melhor que os anteriores:
O tratamento pela sugestão durante a hipnose profunda que
aprendi através das impressionantes demonstrações de
Liébeault e Bernheim, parecia então oferecer um substituto
satisfatório para o malogrado tratamento elétrico (FREUD).
O que mais impressionou Freud nas experiências de Bernheim
foram os fenômenos pós-hipnóticos. Os pacientes executavam pós-
hipnoticamente atos sugeridos durante o transe, certos de agirem por
sua livre e espontânea iniciativa. Interrogados sobre o motivo de seu
49
SARTRE, Freud além da alma: Roteiro para um filme, RJ, ed. Nova Fronteira,
1986, p. 168.
100 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

estranho procedimento, os pacientes demonstravam que não se


lembravam das ordens recebidas em estado de transe. Havia,
portanto, uma parte na personalidade humana desconhecida do
próprio indivíduo a influir e a determinar a sua conduta. Era o
inconsciente a governar o consciente. Sobre isso, descreve Freud:
Nos conhecidos fenômenos da chamada sugestão pós-
hipnótica, em que uma ordem dada durante a hipnose é
depois, no estado normal, imperiosamente cumprida, tem-se
um esplêndido modelo das influências que o estado
inconsciente pode exercer no consciente, modelo esse que
permite sem dúvida compreender o que ocorre na
manifestação da histeria (FREUD).
Segundo Nuttin 50 foram às descobertas de Bernheim, relativas
aos fenômenos da sugestão pós-hipnótica, que sugeriram a Freud a
significação que o inconsciente adquiriu em psicanálise. Bernhiem
praticava hipnose em seus pacientes e, em estado de transe, dava
uma ordem ou uma incumbência, por exemplo, para realizar certo
ato em determinada hora. O paciente, então, acordava de seu sono
hipnótico e, na hora fixada, executava o ato mandado, sem ter a
menor consciência da ordem recebida. Estes fenômenos mostraram
para Freud que os elementos, presentes de maneira latente ou
inconsciente no psiquismo, não permanecem necessariamente em
estado de impotência e de inatividade. Um elemento pode
permanecer inconsciente e, entretanto, intervir ativamente no
comportamento. Freud relaciona e analisa esses fatos que
manifestam a atividade do inconsciente e, associando aos
fenômenos hipnóticos observados em Paris e em Nancy,
conjuntamente com o que ouvira de Breuer, inicia a elaboração de
sua complexa doutrina.
A partir dessa análise, em 1895, Freud já pensava em
mecanismos mentais que iriam, mais tarde, serem englobados no
seu conceito de inconsciente. A hipnose era ainda o instrumento de
penetração a esse obscuro e desconhecido inconsciente. Ali
estavam encarcerados e ativos os afetos represados, tentando forçar
o caminho para o consciente. Enquanto não conseguissem arrombar
a porta de seu cárcere, incomodavam pelo barulho (sintomas)
perturbando a “paz da consciência”. Um ou outro desses “elementos
recolhidos” conseguia burlar a sentinela, valendo-se dos mais
engenhosos expedientes de disfarces. Muitos deles vinham à tona
transformados, disfarçados simbolicamente ou somatizados.

50
NUTTIN, Joseph. Psicanálise e Personalidade. Rio de Janeiro, ed. Talentos,
1967.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 101

As distorções reveladas nos casos de disfarce simbólicos ou


somatizações funcionam como mais um mecanismo de defesa. O
indivíduo em transe esclarecesse, de forma clara ou simbolicamente,
seu conteúdo represado no inconsciente, conteúdo este atiçado e
interpretado durante o transe pelo hipnotista. 51 Disso pode sobrevir o
alívio e a supressão da necessidade de se externar indiretamente e
disfarçados por meios de sintomas simbólicos negativos. Por esse
método, os conteúdos traumáticos se libertariam.
Para que se tenha acesso às informações ocultas, pode ser
usado o método hipnótico; isso permite que se abra a válvula que
prende o conteúdo reprimido no inconsciente. Além disso, é possível
obter algumas “pistas” sobre o inconsciente se forem observados
alguns lapsos, erros, sonhos e mudanças instantâneas no
comportamento. De posse desse conteúdo reprimido, podem ser
resolvidos alguns sintomas sem aplicação de medicação, como
exemplo, náuseas, flutuações da pressão arterial, sudorese,
tremores, etc.
Breuer e Freud ainda eram associados e juntos publicaram um
trabalho Studien ueber hysterie. Suas descobertas, porém, devido a
sua insistência na importância do fator sexual, centrado no princípio
do complexo edipiano e na etiologia das doenças nervosas,
começaram a levantar celeumas e críticas acerbadas. Breuer
temendo prejudicar sua clínica e ressentido com as investidas
maliciosas dos colegas, abandonou a luta. A sós, com a
responsabilidade do movimento iniciado por ambos, Freud abranda

51
Mecanismos de defesa são medidas tomadas pelo inconsciente com a
finalidade de proteger o Ego de emoções ou situações desagradáveis. São os
principais: 1. Repressão - retirada de idéias, afetos ou desejos perturbadores da
consciência, pressionando-os para o inconsciente. 2. Formação reativa - fixação
de uma idéia, afeto ou desejo na consciência, opostos ao impulso inconsciente
temido. 3. Projeção - sentimentos próprios indesejáveis que são atribuídos a outra
pessoa. 4. Regressão - retorno a forma de gratificação de fases anteriores, devido
aos conflitos que surgem em estágios posteriores do desenvolvimento. 5.
Racionalização - substituição do verdadeiro, porém assustador, motivo do
comportamento por uma explicação razoável e segura. 6. Negação - recusa
consciente para perceber fatos perturbadores, retira do indivíduo não só a
percepção necessária para lidar com os desafios externos, mas também a
capacidade de valer-se de estratégias de sobrevivência adequadas. 7.
Deslocamento - redirecionamento de um impulso para um alvo substituto. 8.
Desfazer - através de uma ação, busca-se o cancelamento da experiência prévia e
desagradável. 9. Introjeção - estreitamente relacionada com a identificação, visa
resolver alguma dificuldade emocional do indivíduo, ao tomar para a própria
personalidade certas características de outras pessoas. 10. Sublimação - parte da
energia investida nos impulsos sexuais é direcionada à consecução de realizações
socialmente aceitáveis (N. do A).
102 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

os descontentamentos, começando por se afastar da hipnose que


tão fértil fora, em conseqüências e ensinamentos, durante as suas
próprias pesquisas. Considerava que nem todos os pacientes
reagiam adequadamente ao trabalho de indução e achou que a
técnica hipnótica precisava de aperfeiçoamento; com isso, também
buscava facilitar nos seus colegas a aceitação da psicanálise, que
por si só já assustava, e quando associada com a hipnose era mais
desacreditada e repelida.
Para Freud, o conceito de transe hipnótico representava a fase
mais acentuada da hipnose, o estado de sonambulismo. No entanto,
no final de 1892, analisa o caso de uma paciente de nome Lucie R.,
que sendo induzida ao transe hipnótico, não conseguiu atingir o
estado de sonambulismo. Freud relata que a paciente se encontrava
“calma, em um grau de relativa sugestibilidade, com os olhos
cerrados, as feições tranqüilas e os membros imóveis” e admite que
Lucie R. teria alcançado, não o grau profundo, mas um grau suave
de hipnose, de relativa sugestibilidade, e, aí descobre que neste grau
poderia se processar a análise. Esse grau é reconhecido pelos
hipnotistas modernos como sendo o estado hipnoidal. Freud passa,
também, a distinguir sugestão direta (mecanismo da hipnose), e
sugestão indireta (sugestão no estado de vigília), admitindo que
nesse estado se possam obter os mesmos resultados da hipnose.
Sobre isso afirma:
A sugestão direta incide diretamente contra as formas tomadas
pelos sintomas, uma luta entre sua autoridade e as causas
subjacentes à moléstia. Nesta luta, você não está preocupado
com as causas. O que se requer é que o paciente suprima
suas manifestações. Em resumo, pouca diferença faz que você
coloque o paciente em transe hipnótico ou não. Bernheim, com
seu agudo senso lógico, dizia repetidamente, que a teoria
psicanalítica se constrói, não por oposição, mas por
substituição à hipnose (FREUD).
Para livrar-se das criticas de seus pares, Freud trabalha com
um grau mais suave do transe e nega que se utilizava o método
hipnótico, mas faz uso de pressão das mãos sobre o paciente para
que esse se recorde de fatos vividos. Era exatamente a pressão das
mãos, a técnica sugerida por Charcot para induzir o transe hipnótico.
Devido aos resultados obtidos através da pressão das mãos,
tem-se uma ilusão da presença de uma inteligência superior
fora da consciência do paciente, a qual sistematicamente
armazena uma grande quantidade de material psíquico para
um propósito significativo, e que encontrou uma forma
engenhosa de retornar ao consciente (FREUD).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 103

São inúmeros os casos em que Freud faz uso da pressão das


mãos e, isso, não passa de uma técnica de sugestão, como
acontece quando relata o caso de uma jovem com neurose de
ansiedade, Fräulein Elizabeth Von R., paciente que tinha uma
simpatia particular para com um cunhado, marido de sua irmã mais
velha, que se mascarava por disfarce de ternura familiar. Esta irmã
adoeceu, logo depois veio a falecer e ela fora chamada
urgentemente e, quando a moça chegou ao leito da morta, correu-lhe
na mente, por rápido instante, uma idéia de que o cunhado agora
estava livre, podendo desposá-la. Com referência ao tratamento
desse caso de neurose de ansiedade através de sessões de
hipnose, Freud relata:
É-nos lícito admitir como certo que esta idéia, denunciando-lhe
à consciência o intenso amor que sem saber tinha ao cunhado,
foi logo entregue à repressão pelos próprios sentimentos
revoltados. A jovem adoeceu com graves sintomas histéricos e
quando comecei a tratá-la tinha esquecido não só aquela cena
junto ao leito da irmã como também o concomitante sofrimento
indigno e egoísta. Mas recordou-se de tudo durante o
tratamento, reproduziu o incidente com sinais de intensa
emoção, e curou-se (FREUD).
Freud, descrevendo sobre seu procedimento com Elizabeth
Von R., analisa seu efeito e, embora reconheça a possibilidade de
estar aplicando mecanismos da hipnose, nega essa explicação,
mesmo sabendo que a imposição das mãos era uma forma de
sugestão hipnótica:
Ao aplicar esse método pela primeira vez, fiquei surpreso por
obter tudo que precisava. Posso mesmo dizer que ele jamais
me falhou. Ele sempre me apontou o caminho a seguir,
permitindo que a análise se processasse sem o sonambulismo.
Esse método me ensinou bastante e em todas às vezes
auxiliou na obtenção de meus objetivos... Para explicar sua
eficácia, poderia mesmo pensar que se trata de certa e
momentânea induzida hipnose, mas os mecanismos da
hipnose são tão enigmáticos para mim que eu preferiria não
recorrer a eles para uma explicação (FREUD).
As investigações com o uso da hipnose forneceram para Freud
muitas pistas, e através destas, ele viria a descobrir o que chamou
de inconsciente. Quando passou a mencionar que a associação livre
parecia ser uma forma substitutiva do método hipnótico, queria dizer
que assim todo o processo passava pela consciência, pela
elaboração. Substituiu a técnica hipnótica pela livre associação das
idéias, instituindo como regra fundamental que o paciente deitado em
um sofá, num recinto meio escurecido, deveria exprimir livremente
104 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

seus pensamentos, sem preocupação de omissão ou de seleção.


Enquanto isso, o psicanalista se manteria assentado atrás, fora da
vista do paciente.
Livre associação das idéias é uma técnica psicanalítica básica
que consiste em estimular o paciente a expressar todos os
pensamentos que afloram em seu consciente, ainda que lhe
pareçam desconexos ou banais, a fim de captar seus conflitos
inconscientes. Essa técnica permitiu o nascimento da psicanálise em
substituição ao método da hipno-análise. Agora, sem hipnose, o
paciente fica livre para falar o que lhe vier à mente, fazendo, assim,
associações isentas de críticas e independentes de toda reflexão
consciente. As associações seriam determinadas pelo inconsciente e
o terapeuta deveria interpretá-las, a fim de trazer à tona o trauma
responsável pela perturbação nervosa do paciente.
Reportando-se a Bernheim, de quem fora discípulo em Nancy,
Freud descobre o que chamou de transferência e aponta que na
transferência encontra-se, também, a sugestão. A transferência
consiste na reprodução das emoções relativas a experiências
reprimidas, com a substituição de alguém por outra pessoa, como
alvo dos impulsos reprimidos. Constitui um dos mecanismos de
defesa e, no tratamento psicanalítico, pode o terapeuta se tornar o
objeto da transferência.
Breuer enfrentou pela primeira vez o problema da transferência
quando tratava de Anna O. A partir de certo momento, a própria
paciente tentará lhe seduzir e, posteriormente, tentara seduzir Freud,
transferindo para estes o amor que tinha reprimido em relação ao
pai. Assim acontece também com Mesmer, quando se envolveu com
Maria Theresa Paradis, e com Jung e sua paciente Sabina Spielrein,
jovem de 19, que sofria de histeria e recebeu tratamento em um
hospital psiquiátrico de Zurique, na Suíça, em 1905, quando Jung
aplica pela primeira vez as teorias do mestre Freud. Sabina seduz
Jung de forma implacável e com ele mantém um longo
relacionamento amoroso. 52
O problema da transferência no tratamento psicanalítico seria
proporcional à própria sugestionabilidade do paciente, Segundo
Freud quanto mais sugestionável mais tendente será a transferência:

52
Em 2003, foi produzido e distribuído por Meduza Produzione/PlayArte, o filme
“Jornada da Alma”. Conta como Sabina Spielrein, quando adolescente foi tratada
por Jung, como eles se apaixonam, e como após alguns anos a paciente torna-se
também psicanalista e monta e dirige, na Rússia, a primeira creche que usa
noções de psicanálise no tratamento de crianças. (N. do A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 105

A capacidade de irradiação da libido em direção a outra


pessoa, como objeto de investimento, é uma capacidade de
todos os indivíduos normais; a chamada tendência que o
neurótico tem em transferir representa apenas uma
intensificação excepcional de uma característica universal.
Seria deveras estranho se tal traço humano, pela sua
universalidade, jamais tivesse sido observado e pessoa
alguma nunca tivesse feito uso dele. Mas isso foi já feito.
Bernheim com sua perspicácia infalível baseou sua teoria da
manifestação hipnótica sobre a proposta de que todos os
seres humanos, de alguma forma, encontram-se mais ou
menos abertos à sugestão, são sugestionáveis. O que ele
chamou de sugestionabilidade, nada mais é do que uma
tendência à transferência (FREUD).
A prática analítica arquitetada por Freud passa também a ser
explicada pela transferência, que fazia com que o paciente incapaz
de rememorar suas reações emocionais infantis em relação aos pais,
as repetisse estereotipadamente nas sessões. A psicanálise se
define até hoje como um método terapêutico que utiliza como
instrumento principal o fenômeno da transferência. Referindo-se a
este aspecto Weissmann 53 afirma que:
Entre analista e paciente se repete correlativamente a vida
afetiva intrafamiliar. O analista representando o papel de pai ou
de mãe em relação ao paciente, mas um pai ou mãe
aperfeiçoado e psicológico (o paciente se toma de simpatia e
admiração pelo analista); negativa (ódio e desprezo pelo
analista) ou ambivalente (o paciente liga ao mesmo tempo ódio
e amor, admiração e desprezo ao substituto materno ou
paterno). Portanto, psicanálise, no sentido ortodoxo da palavra,
significa essencialmente análise da resistência e da
transferência (WEISSMANN).
Em A dinâmica da transferência Freud fala de um bloqueio da
associação livre causado pela ativação inconsciente da transferência
feita pelo paciente que dificulta em muito o trabalho da psicanálise.
No tratamento, Freud refere-se a um momento em que o paciente
não mais quer colaborar com o psicanalista:
Nuvens aparecem, surgem dificuldades no tratamento, o
paciente declara que nada mais lhe acode à mente, dando a
nítida impressão de não estar mais interessado no trabalho, de
estar, despreocupadamente, não atribuindo mais importância
às instruções que lhe foram dadas, no sentido de dizer tudo
que lhe vem à cabeça e de não permitir que obstáculos críticos
impeçam de fazê-lo como se estivesse fora do tratamento e
53
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo, Rio de Janeiro, Ed. Prado, 1958.
106 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

não houvesse feito acordo algum com o médico. Está


visivelmente ocupado com algo, mas pretende mantê-lo
consigo próprio. É uma situação perigosa para o tratamento
(FREUD).
Afirma Weissmann que com ajuda da hipnose, as dificuldades
para o paciente colaborar com sua própria analise diminuiriam.
Quando a relação do hipnotizado com o hipnotista opera-se apenas
à base da transferência positiva. A transferência ainda pode ser
artificialmente imposta ao paciente, anulando todos os demais
aspectos negativos ou ambivalentes da rejeição ao tratamento
psicanalítico. Freud, no entanto, não queria saber dessas facilidades;
na intenção de diminuir a rejeição de seus pares às suas idéias,
demonstrava afastar-se da hipnose em sua prática terapêutica; dizia
que para tornar efetiva a cura, julgava indispensável que o paciente
se mantivesse o mais consciente possível e participasse ativamente
de todos os incômodos do ato de ser analisado.
Através da interpretação dos sonhos e da livre associação,
Freud pensava encontrar mais informações sobre a mente humana
do que através da hipnose. Não tardou em descobrir, entretanto, que
a simbologia do sonho era complexa para uma interpretação precisa
e que a livre associação não era livre até o ponto em que se
esperava. Observou que em alguns casos certos pacientes só com
grande dificuldade conseguiam associar livremente. Precisamente,
as coisas que interessavam mais à análise se viam impedidas de vir
à tona. Eram as coisas que não podiam ser proferidas em voz alta e,
muitas vezes, nem sequer lembradas em virtude de seu caráter
comprometedor, eram demasiadamente ridículas, humilhantes,
deprimentes.
Freud pode observar que uma paciente, mesmo hipnotizada,
fantasiava a verdade do que teria realmente acontecido em seu
passado e, para que tal verdade viesse à tona, era preciso vencer a
resistência consciente e inconsciente da analisada. Pelo novo
método, o analisado tinha de exercitar a tolerância, renunciar às suas
ilusões, formular novos conceitos de personalidade à medida que se
ia aproximando do término da análise, trocando a arrogância pela
humildade e o receio pela confiança.
Outro problema da psicanálise ortodoxa é o de segurar o
paciente até que se tenha iniciado proficuamente a exploração do
inconsciente. Até hoje grande parte dos pacientes abandonam o
tratamento, sob um pretexto ou outro, ao sentirem as primeiras
intervenções. E há os que, vencendo essa fase inicial, se apegam na
situação agradável da transferência em caráter perpétuo. Quanto a
isso diz Weissmann:
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 107

Com o uso da hipnose esses problemas desaparecem. Aos


pacientes desertores dá-se uma sugestão pós-hipnótica,
determinando-lhes a necessidade de continuar com o
tratamento, marcando-lhes o comparecimento obrigatório para
a próxima sessão. Aos que insistem no prolongamento
indefinido da análise, dissolve-se hipnoticamente a
transferência com o devido tato e habilidade, proporcionando-
lhes assim a cura dos seus problemas (WEISSMANN).
Afastando-se cada vez mais da referência ao uso dos métodos
hipnóticos Freud, em novembro de 1899, publicou A interpretação
dos sonhos (Die Traumdeutung), que revolucionou todos os
conceitos existentes na época sobre esta matéria. Posteriormente
imagina o aparelho psíquico formado por Id, Ego e Superego. Este
estudo reforça a teoria do inconsciente como determinante dos
comportamentos.
Id, ego, superego – é a segunda teoria do aparelho psíquico
estabelecida por Freud, entre 1920 e 1923, para referir-se aos três
sistemas da personalidade. As primeiras traduções para o português
foram feitas a partir de uma incorreta tradução inglesa do original
alemão; da Es, das Ich, das Über-Ich. O correto é: o Isso, o Eu, o
Supereu. O Isso, totalmente inconsciente, é a parte mais primitiva;
lugar das paixões, dos desejos não identificados. O Eu, que tem
partes consciente e inconsciente, desenvolve-se quando o isso entra
em contato com a realidade externa. É intermediário entre as
exigências do Isso, do Supereu e dessa realidade. O Supereu
também tem partes consciente e inconsciente e funções de juiz e
sensor. O Eu também exerce censura, mas esta é apenas
consciente.
Sobre os sonhos Freud define que são mensagens mascaradas
do inconsciente, “são os caminhos que levam ao inconsciente”,
chegando a denominar os sonhos como a “via real para o
inconsciente”. Dizia que, enquanto dormimos, o corpo relaxa e as
defesas da mente se debilitam. Afloram então do inconsciente as
repressões que em estado de vigília somos incapazes de
reconhecer. A partir dessa premissa, elaborou um método para
analisar os sonhos e explicou como funciona a mente enquanto
dormimos. Quando estamos acordados, nossa mente constrói uma
série de barreiras ou repressões que nos impedem de conhecer
nossos pensamentos traumáticos. Durante o sonho, essas barreiras
se tornam mais fracas e do inconsciente pode aflorar com mais
facilidade o conteúdo da repressão.
Freud vai buscar, também, nos fenômenos hipnóticos uma
analogia para os sonhos que permita fortalecer sua idéia. Novamente
108 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

remete-se a Nancy, em 1889, quando testemunhou o trabalho de


hipno-análise, realizado por Liebault e Bernheim, com
demonstrações de indução aos sonhos com hipnose em pacientes
pobres da classe trabalhadora. Bernheim pedia para o paciente
relatar, depois de despertado, o que havia ocorrido durante o sono
hipnótico. De início, sistematicamente, o paciente nada lembrava.
Aos poucos, vagamente, ia recordando alguns elementos até que
conseguia reconstituir por completo a experiência vivida sob hipnose
(hipno-análise).
Transferindo essa situação para a sua prática clínica, Freud,
admitindo que o sonhador tenha noção do que sonhou, trabalha
questão de como tornar acessível a ele o conhecimento que tem e
como fazê-lo falar disso ao psicanalista. Estabelecendo como regra
não exigir do paciente que diga abertamente o sentido do seu sonho,
porém sinta que é capaz de encontrar a origem do círculo de
pensamentos do qual surgiu tal sonho.
Freud afirma que, tal como nos atos falhos, é preciso entender o
que o inconsciente nos quer dizer durante o sono e isso seria
possível através de uma livre associação de idéias e imagens.
Interpretar o sonho seria uma maneira de vencer as inibições que
nos impedem de conhecermos inteiramente ou de forma clara seu
conteúdo ou de nos livramos de alguns problemas que não
conhecemos conscientemente.
Mais tarde, a teoria de Freud foi contestada por seu discípulo
Carl Gustav Jung (1875-1961), psicólogo e psiquiatra suíço, com
quem trabalhou de 1907 a 1913. Contrariando seu mestre, Jung
afirma que os sonhos não são representações dos desejos
insatisfeitos ou de determinadas repressões, mas sim um grito de
alerta de nossa mente para que prestemos atenção a áreas que
estão sendo descuidadas. Afirmava ainda que, se tivermos uma vida
equilibrada, esta função se realiza inconscientemente enquanto
dormimos. Caso contrário um dos primeiros sintomas é o mau
humor, seguido de uma série de outros. Neste caso, seria necessário
interpretar o que sonhamos. Esta análise se daria não simplesmente
através de todos os sonhos e de livres associações, mas sim com
base nos sonhos repetitivos, cujos elementos sejam claramente
perceptíveis. Jung discordava ainda de que a sexualidade fosse a
única fonte de todos os conflitos humanos.
Jung postula a existência de dois inconscientes: o individual e o
coletivo. Este último é constituído de símbolos universais
transmitidos de geração a geração e cristalizado nos arquétipos. Os
mitos e os arquétipos seria a fonte da criatividade humana. O
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 109

inconsciente coletivo é comum a todos os seres humanos; manifesta-


se nos sonhos por meios de símbolos chamados de arquétipos. Por
isso, os jungnianos dão enorme importância à interpretação dos
sonhos, chegando a sugerir que o paciente durma com um caderno
de anotações ao lado para anotar e lembrar-se depois do sonho.
Os arquétipos são estudados como estruturas psíquicas que
servem para organizar ou canalizar o material psicológico e, residem
no inconsciente coletivo, onde estão incluídos materiais psíquicos
não provenientes da experiência pessoal. No inconsciente coletivo
está escrita toda a história da humanidade e cada ser humano nasce
com esta herança que é essencialmente a mesma, em qualquer
lugar, e não varia de homem para homem, como a herança biológica.
O inconsciente coletivo é como o ar, que é o mesmo em todo
lugar, é respirado por todo mundo e não pertence a ninguém. Seus
conteúdos (chamados arquétipos) são condições ou modelos prévios
da formação psíquica em geral. O inconsciente coletivo é natureza,
necessita da mente humana a fim de funcionar para os propósitos do
homem que sempre busca os propósitos coletivos e nunca seu
destino individual. Seu destino é o resultado da colaboração entre o
consciente e o inconsciente.
Os arquétipos são também chamados por Jung de imagens
primordiais, porque correspondem freqüentemente a temas
mitológicos que reaparecem em contos e lendas populares de
épocas e culturas diferentes; porém não expressa a imagem ou
motivo definido e não passam de representações conscientes. O
arquétipo é uma tendência a formar tais representações de um
motivo que podem variar muito em detalhes, sem perder sua
configuração original. Os conteúdos de um arquétipo podem ser
integrados na consciência, mas eles próprios não têm essa
capacidade. Portanto não podem ser destruídos através da recusa
em admitir a entrada de seus conteúdos na consciência.
Outro brilhante seguidor de Freud foi Jacques Lacan (1901-
1980), nasceu na França, em Orleans, formou-se em medicina e
trabalhou como neurologista e psiquiatra até o fim da vida. Para
Lacan os escorregões verbais podem funcionar como uma porta de
acesso ao inconsciente bem mais eficaz do que os sonhos; por isso,
durante a sessão, os lacanianos dão muita ênfase às palavras do
paciente, mais do que ao conteúdo que elas expressam. Lacan
recorda a afirmação de Freud de que tudo depende da linguagem e
que o inconsciente está estruturado como uma linguagem, nem
sempre clara, e destaca a importância dos recursos da metonímia e
110 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

da metáfora como formas de encobrir o verdadeiro sentido a ser


capturado.
Lacan foi o seguidor de Freud que mais contribuiu e deu
continuidade à sua obra. Na década de 50, rompeu com a IPA -
International Psychoanalytical Association, mas não com Freud.
Contudo lançou uma inovação importante no método psicanalítico ao
entender que as leis do inconsciente são análogas às leis que
estruturam a linguagem. Partido da leitura de Freud, Lacan buscara
criar ou descobrir uma gramática para o inconsciente valendo-se das
teorias de Platão, Hegel, Heidegger e, sobretudo do estruturalismo
de Saussure e de Lévi-Strauss. Para Lacan a verdade tem a
estrutura de uma ficção, em que aquilo que aparece sob forma de
sonho ou devaneio é por vezes a verdade oculta, sobre cuja
repressão se funda a realidade social.
Outros desdobramentos da psicanálise são atribuídos a Alfred
Adler que destacou a importância do sentimento de inferioridade na
motivação que nasce das três relações básicas que mantêm o
indivíduo como o trabalho, os amigos e seu objeto amado. Otto Rank
introduziu uma nova teoria da neurose atribuindo todas as
perturbações neuróticas ao trauma inicial do nascimento. Os últimos
desdobramentos foram de Erich Fromm, Karen Horney e Harry Stack
Sullivan, além de Melanie Klein, cuja obra teve uma grande influência
no desenvolvimento da psiquiatria e da psicologia das fantasias
inconscientes.
A partir daí, a hipnose e a hipno-análise que já encontravam
opositores por ser considerada técnicas não acadêmicas, passaram
a viver um período de maior descrédito. Mas, embora Freud tenha
substituído a hipno-análise pela psicanálise, tornou-se
posteriormente responsável pela sua ressurreição. O hipnotismo em
bases modernas é largamente ligado à psicanálise; o conceito do
inconsciente na proposição Freudiana tenta explicar tanto a
psicanálise quanto o fenômeno hipnótico. Observa-se também que
atualmente a psicanálise tem se reaproximado da hipnose e que as
técnicas modernas da hipnose são conseqüências diretas das
orientações dos conceitos de consciente e inconsciente, além de ser
possível considerar a técnica da livre associação das idéias como
mais uma técnica hipnótica. Visto assim, Freud nunca abandonou o
hipnotismo, dissimulou seu uso e contribuiu para sua evolução.
Na atualidade, o fenômeno da hipnose se justifica e
fundamenta com base nos conceitos da psicanálise. Zilboorg
relaciona magnetismo e hipnotismo com a linguagem da psicanálise
quando diz:
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 111

Ninguém duvida atualmente de que a influência e os efeitos do


magnetizador ou do hipnotizador se fundam essencialmente,
senão exclusivamente, nas profundas reações inconscientes
do hipnotizado (ZILBOORG).
Sandor Ferenczi, discípulo de Freud, defende a aplicação da
hipnose na psicanálise. Em 1931 em sua conferência, em Viena,
proferida em homenagem ao aniversário dos 75 anos de Freud, a
despeito das severas críticas, cita o que entendia como sendo a
presença da hipnose no processo psicanalítico, afirma que a livre
associação é um processo que induz o paciente ao estado de
hipnose. Por diversas vezes, interpreta que a sugestão indireta não
deixava de ser hipnose ou que a sugestão direta, que Freud admitia
ser básica na aplicação do seu método psicanalítico, era uma forma
de produzir nos pacientes pensamentos, tendências e emoções sem
a censura consciente, por tanto efeitos hipnóticos:
Nos casos aparentemente imersos em dificuldades, em que a
análise não trás, depois de muito tempo, nem novas
perspectivas nem progresso terapêuticos, tenho a sensação
de que isso a que chamamos associação livre ainda continua
a ser uma seleção consciente de pensamentos. Assim, impeli
os pacientes a um ‘relaxamento’ mais profundo, a um
abandono mais total às impressões, tendências e emoções
internas que surgissem de maneira inteiramente espontâneas
(FERENCZI).
Ferenczi viu que, com suas colocações, havia chocado seus
colegas e, longe de se esquivar do problema, reafirmou nitidamente,
“Em que medida o que faço com meus pacientes é sugestão ou é
hipnose?” Diferenciado sugestão de hipnose na maneira Freudiana
relembra as instruções do psicanalista quando recomenda “Agora,
deite-se, deixe seus pensamentos fluírem livremente e diga tudo que
lhe vier à cabeça”. Relata o que entendeu como hipnose em suas
relações com os pacientes:
No curso de qualquer associação livre, são inevitáveis alguns
elementos de êxtase e de auto-esquecimento; entretanto, o
convite para ir mais adiante e mais fundo conduz, por vezes –
comigo, muito freqüentemente, confessemos com franqueza –
ao aparecimento de um êxtase mais profundo; quando ele
assume um ar, digamos, alucinatório, podemos denominá-lo,
se quisermos, de auto-hipnose; meus pacientes o chamam de
bom grado de estado de transe (FERENCZI).
Ferenczi assumiu ter sempre usado a hipnose no processo
psicanalítico e, para ele, Freud não teria abandonado a hipnose em
favor de outra técnica mais eficaz, mas elaborou uma forma para
dissimular sua aplicação, criando uma técnica mais suave indução, o
112 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

divã, principalmente eficiente com pacientes muito susceptíveis.


Fugindo das críticas contra o hipnotismo, originadas pelos
sucessivos equívocos de Mesmer à Charcot, o novo método, eficaz
com pacientes histéricos, não comprometeria o psicanalista. A
proposta da análise obrigatoriamente não passava pela hipnose.
Freud, ao referir-se freqüentemente em suas publicações ter
feito uso da hipnose para a elaboração de sua teoria, provou
incontestavelmente sua validade e autenticidade. A partir dele, só por
absoluto desconhecimento ou preconceito pode se duvidar da
ocorrência dos transes hipnóticos e seus efeitos terapêuticos, bem
como da sua importância para o êxito do tratamento psicanalítico.
Mas, o preconceito não é apenas sobre a hipnose também ocorre
contra a psicanálise e contra o seu criador.
Embora os conceitos formulados por Freud estejam presentes
em quase todas as áreas do conhecimento, seu pensamento
encontra atualmente alguns opositores. Richard Webster, autor de
The Hidden Freud (Por que Freud errou), na sua versão mostra um
Freud descomprometido com a verdade e ansioso por ser famoso.
Traz à tona fatos que parecem colocar em xeque o método
psicanalítico. Para Webster, Freud foi uma fraude e a psicanálise é
uma grande mentira.
Com base na leitura trabalhada 54 e pela atual visível mudança
nos procedimentos terapêuticos de alguns psicanalistas, parece que
a psicanálise moderna volta a se encontrar claramente com a
hipnose. Alguns já admitem, pelo menos, que não existe nenhum
motivo para dissociar o tratamento psicanalítico de um processo de
hipnose de longo prazo. Outros admitem que do eficiente uso da
hipnose dependa o pleno êxito do tratamento psicanalítico. No

54
FREUD, S. Obras completas de Sigmund Freud. Traduzidas por Jayme
Salomão, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1980.
Textos, artigos, casos referidos ou citados:
FREUD, S. Artigos sobre hipnotismo e sugestão; A psicoterapia da histeria
(tradução de José Luiz Meurer e Christiano Monteiro), Ed. Imago Ltda, 1998.
Prefácio à tradução de suggestion de Bernheim; Prefácio à segunda edição alemã;
Resenha de Hipnotismo de August FOREL; Hipnose, In: Textos escolhidos de
psicanálise, Rio de Janeiro, Imago, 7 - 61, 1986. O ego e o Id, (1923b), 19-23 -
Hipnose (1891d), 19-23 - O Inconsciente, (1915e), 14-191 - A Interpretação dos
sonhos (1900a). (1923 e [1931]) - Josepf Breuer (1925g) 19-349. 1-117 -
Mecanismo psíquico dos histéricos (Breuer e Freud), 3-34 - A teoria da libido
(1923a), 18-287 - Anna O., 1/228n; 2:14 -15, 23, 35-36, 44-47, 49, 63-91, 238 -
262, 264-265, 269n, 271- 4, 280, 11-13 -18, 24, 25, 27, 14-21-2; 16-305, 319,
324n, 344; 18-287; 19 -241-2, 249; 20 -31-4, 38, 301. Elizabeth Von R., 1-109.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 113

entanto é preciso questionar quantos psicanalistas podem se tornar


bons hipnotistas.
Psicanalista é função e não profissão, não tem conselho
federal, nem sindicato, nem escola superior oficializada, sua
formação é feita nas Sociedades Psicanalíticas instaladas em várias
cidades do país que oferecem cursos, com duração média de dois
anos, para pessoas com qualquer formação superior
independentemente da área de conhecimento; pedagogos,
professores, psicólogos, filósofos, advogados etc. Atuar na função de
psicanalista é livre no Brasil, sendo regulada pelo Aviso nº 257 de
1957 do Ministerio da Saúde e pode ser exercida em consultórios,
colégios, clinicas e instituições que atuam na área de saúde mental e
no tratamento da psiconeurose. A função de psicanalista clínico é
classificada na portaria 1334 de 21/12/1994 do Ministério do
Trabalho, sob o código CBO 090/9.
Psicanalista não é sinônimo de analista. Os seguidores de
Jung são analistas e não psicanalistas. Ser psicanalista é uma
exclusividade dos Freudianos, todo psicanalista é Freudiano. Os
lacanianos são Freudianos, os keianianos também. Os junguianos e
os adlerianos não o são.
Como introdução aos conceitos da psicanálise e seu
envolvimento com a hipnose, é recomendado conhecer um clássico
do cinema americano Freud além da alma: Roteiro para um filme.
Em 1986, o roteiro foi traduzido para o português por Jorge Laclette
e publicado pela editora Nova Fronteira S/A, Rio de Janeiro. Em
1958, o cineasta o cineasta John Huston propõe ao filósofo francês
Jean-Paul Sartre que escrevesse um roteiro cinematográfico sobre
Freud, mais precisamente sobre a época em que ele, através da
hipnose, inventa a psicanálise. O trabalho cobre o período da vida de
Freud entre a graduação em Medicina até a defesa pública da teoria
psicanalítica. Sartre se apóia na completíssima biografia sobre Freud
escrita por Ernest Jones e nos livros Estudos sobre a histeria e A
interpretação de sonhos. Se utilizado no seu todo, o roteiro se
transformaria em um filme de, no mínimo, 8 horas de projeção, por
isso Huston aproveitou apenas vinte por cento. Sartre, não aceitando
os cortes, rompeu com o cineasta.
Tanto o roteiro (1958) como o filme (1961) cumpre a função de
mostrar a origem da psicanálise e seu envolvimento com a hipnose,
mostra o início dos trabalhos de Freud e como se desenvolveu sua
teoria e a rejeição da comunidade médica às suas idéias. Revela
como ocorreu o início da descoberta dos conceitos de: transferência,
livre associação, repressão, sexualidade infantil e complexo de
Édipo, como também, a criação e o desenvolvimento dos métodos
114 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

de análise através da interpretação dos sonhos e da livre associação


das idéias. Descreve como Freud desenvolveu a teoria da libido,
tomando como ponto de partida o caso de um paciente que, por
desejo inconsciente por sua própria mãe, teria por ciúme tentado
contra a vida do próprio pai. Associando o caso com a interpretação
de um sonho que tivera, no qual se via envolvido com os sintomas de
seu paciente, Freud teve que se aprofundar cada vez mais no seu
passado para admitir a existência de atividade sexual nos primeiros
anos da sua própria infância.
Freud denominou o complexo de Édipo como um conjunto de
relações que vinculam a criança a seus pais. Relações que
constituem o núcleo central da personalidade e, seu
desenvolvimento irregular, é responsável pelas neuroses. A base da
teoria é fundamentada na crença de que o filho sente ciúmes da mãe
que é o objeto de desejo do menino, e o pai é o rival que impede seu
acesso ao objeto desejado. Este processo também ocorre com as
meninas (complexo de Electra), sendo invertidas as figuras de
desejos e de identificação. Os meninos odeiam o pai, as meninas a
mãe, mas não reconhece este ódio, pois isto é errado. Isto gera um
conflito que, se não resolvido até a puberdade, irá interferir na idade
adulta. Deixam marcas profundas na estruturação da personalidade,
por exemplo, o ciúme neurótico pode ser explicado por um conflito
edipiano mal resolvido e, diferencia-se do ciúme patológico, em que
a pessoa tem certeza de estar sendo traído, mesmo que todas as
evidências mostrem o contrário. A ansiedade também seria um
sintoma resultado da repressão da libido e, um dos mecanismos de
defesa é a sublimação, processo pelo qual a energia da libido,
reprimida pelo superego e pelas convenções sociais, é desviada
para outros fins social e moralmente permitida. A arte por ser produto
da sublimação.
Para a psicanálise, a grande maioria de pensamentos e desejos
reprimidos refere-se a conflitos de ordem sexual, ocorrem na vida
infantil (2 a 4 anos). São experiências que, reprimidas, se confirmam
como origem dos sintomas neuróticos na vida adulta. Freud, ainda
criança, sentiu ciúmes de sua mãe e quando adulto, na fase da auto-
análise, estas lembranças lhe vêm à mente, ele reluta em aceitar que
sentiu ciúmes não só de seu irmão, mas também de seu pai.
Recorda que sua libido em relação a sua mãe havia despertado com
quatro anos de idade, durante uma viagem de trem, quando a viu
nua (GAY). 55

55
(GAY, Peter. FREUD: Uma vida para o nosso tempo. São Paulo, Companhia
das Letras, 1986).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 115

Segundo Lundin, 56 neuróticos são indivíduos que não são nem


psicóticos nem psicopatas, por isso, neurótico não é termo pejorativo.
Existem diferentes graus de neurose, os tipos principais são:
Neurose Histérica e Neurose Obsessiva. Histérico é o neurótico de
comportamento inconstante; imprevisível, descontrolado
emocionalmente. O tipo obsessivo é o neurótico com comportamento
constante e previsível; tem mania de perfeição e é obstinado, com
idéias e atos que se repetem em rituais. São características das
neuroses: perturbações cognitivas e emocionais menos severas;
raramente deixa de estar voltado para seu ambiente; continua mais
ou menos em contato com a realidade; tem alguma compreensão da
natureza do seu comportamento; embora possa demonstrar o
contrário, dificilmente se comporta de modo perigoso para si ou para
os outros; raramente exige hospitalização.
Lundin define reações neuróticas como sendo ansiedade;
fobias; reação da conversão; reação do obsessivo-compulsivo. E
diferente da psicose por ser uma forma externa de desorganização
da personalidade; o psicótico não é moralmente responsável pelas
suas ações e necessita de tratamento médico-psiquiátrico, às vezes
até de hospitalização.
Hipnose e fisiologismo
A partir dos estudos do russo Iwan Petrowitch Pavlov (1849-
1936) nascido em Riaza, a hipnose ganha novos conceitos. Em
1870, Pavlov ingressou como estudante na Universidade de
Petrogrado (hoje, Leningrado) e, aos 41 anos, ganhou a cátedra de
professor de farmacologia e, posteriormente, de fisiologia. Sua vida
dedicada à pesquisa acadêmica inicia uma fase nova para a hipnose
quando a interpreta como um fenômeno neurofisiológico.
A explicação de Pavlov enquadra a hipnose na estrutura físico-
orgânico-cerebral e representa a tentativa de uma visão puramente
científica, baseada no critério da observação de dados que podem
ser medidos e comprovados. Assim, a hipnose passa a ser
exclusivamente analisada em bases materiais, fisiológicas e
orgânicas. Neste caso, palavras como Transe, Sugestão,
Sugestionabilidade, Sensibilidade, Imaginação, Emoções, Desejos e
Sentimentos não são termos válidos e devem ser evitados. Por
exemplo, no lugar de “transe hipnótico”, prefere “estado alterado de
consciência”.
Para a escola russa, a atividade psíquica nada mais é do que a
atividade do cérebro e, com esse argumento, contesta também as

56
LUNDIN, R. W. Uma análise do comportamento. 1992.
116 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

hipóteses que sustentam a teoria psicanalítica. Seus seguidores


consideram que os psicanalistas não têm prova suficientemente
palpável do inconsciente humano para afirmá-lo como verdadeiro.
Por sua vez, defendem-se os freudianos, argumentando que os
resultados práticos da cura dos sintomas neuróticos constituem uma
prova suficiente da veracidade dos seus métodos.
O embate entre a escola russa e as demais escolas gerou e
continua gerando muita polêmica, mas permitiu a possibilidade da
hipnose ser admitida como um fenômeno científico. Vista por este
ângulo, a hipnose é, simplesmente, associada ao Reflexo
Condicionado e, por isso, seus adeptos defendem que é possível
hipnotizar animais não racionais. Outras escolas sustentam que
“condicionamento” é bem diferente de “sugestionamento” e que
irracionais são condicionáveis e não sugestionáveis.
Aves, répteis, batráquios, entre outros animais, são facilmente
postos em catalepsia por meio de manobras físicas de excitação
sensorial. A escola russa considera que esse processo não difere
daquele produzido no mesmerismo, o quê muda é a explicação
teórica. A hipnose baseada na sugestão verbal (escola de Nancy), só
é admitida como possível em humanos e não depende de toques
físicos, que podem ser entendidos como estímulos para reflexos
neurofisiológicos (escola russa) ou resultado de ações magnéticas
através de toques físicos (escola mesmerista).
Lafontaine acredita que a ação do magnetismo, além do ser
humano, pode agir sobre animais e vegetais. Sobre isso escreveu no
seu livro, A arte de magnetizar, como teria magnetizado uma série de
animais. A isso também se reporta Bué em seu livro O magnetismo
curador, volume II. Bué, fundamentado nos aforismos de Mesmer,
relata como, entre 1841 a 1948, pela ação magnética, foram
induzidos animais ao estado cataléptico. Bué diz ainda como esta
ação também pode agir sobre vegetais, “curando-os quando estão
doentes ou apressando-lhes o crescimento e a florescência”.
A hipnose, baseado nos princípios da interpretação materialista
da atividade nervosa, teve por subsídio o famoso trabalho de Pavlov
sobre a fisiologia no estado hipnótico do cão. 57 Às suas experiências
com cães, devemos também a doutrina da inibição da excitação e
inibição cortical, dois processos que, segundo a escola russa, explica
a atividade nervosa superior dos animais e dos seres humanos. Mas,
para Weissmann, os estímulos que provocam uma ou outra dessas

57
PAVLOV, I. P. Reflexos condicionados e inibições. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 117

duas atividades são relativamente fáceis de controlar em animais,


tornando-se complicados no ser humano.
Pavlov conduzia os famosos experimentos com cães e
demonstrava como os reflexos condicionados se desenvolviam.
Tocava-se uma campainha sempre que o cão, quando estava com
fome, era alimentado e, com a constante repetição disso, os cães
salivavam quando a campainha soava, embora não recebessem o
alimento. Tinham aprendido a associar o som da campainha ao
alimento e, então, a campainha estimulava o fluxo da saliva. A
salivação era o reflexo condicionado que fora estabelecido.
Seguidores da escola de Nancy, opositores da escola de
Pavlov, contestam afirmando que o estado hipnótico é, antes de ser
um fenômeno fisiológico cortical, um fenômeno extremamente
racional. O hipnotismo humano difere, portanto, dos simples
condicionamentos, é baseado mais nas leis da imaginação do que no
fisiologismo. Para induzir um cão bastam os expedientes fisiológicos
e sensoriais, aplicando-lhes os estímulos fisiológicos na dosagem
necessária o cão dormirá.
Weissmann, aliado com os autores contrários à tese da escola
russa, diz que diferentemente do ser humano, o cão, satisfeito em
sua necessidade, não tem resistência maior aos intentos do
hipnotista que o faz dormir; nada questiona, age apenas pelo seu
instinto, sem a emoção que é privativa do ser humano. Para levar um
animal à hipnose não é necessário apelar para a lei da reversão dos
efeitos dominantes que é baseada na atividade imaginativa. Isso
diferencia bem o efeito hipnótico do condicionamento:
Uma cadelinha pode ser condicionada para que ao som de uma
campainha ingira alimentos em quantidade determinada, não
há perigo de no momento assinalado passar-lhe pela cabeça
algum propósito mais importante e mais excitante do que
comer. Em resumo, para hipnotizá-la basta um fisiólogo
reflexologista. Quanto ao ser humano, não dispensa a
colaboração do hipnotista para a sua complexa interpretação
(WEISSMANN).
Sem perigo de cair no excesso da interpretação fisiológica, mas
apenas com a preocupação de analisar por todos os ângulos através
dos quais se tenta explicar o fenômeno hipnótico, devem ser visto
mais detalhes do que diz a tese de Pavlov.
A hipnose seria um fenômeno análogo ao sono, um sono
parcial produzido pela irradiação progressiva de uma inibição a partir
de um foco excitatório ativado no córtex, foco este que seria o
118 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

estímulo hipnótico. Pavlov 58 chamou a este fenômeno de indução


recíproca e a este foco excitatório de ponto de vigil, zona de
transferência ou ponto do rapport. Explica o processo hipnótico a
partir da tese de que o córtex é o órgão central de todas as reações
orgânicas. E, de modo indireto, ele superintende as funções
viscerais, equilibrando o sistema nervoso central e o
neurovegetativo. Assim, cada órgão do corpo humano é controlado
pelo córtex que estabelece o contato entre o meio externo e o
interno, através de excitações emanadas de cada órgão. O córtex
cerebral é a central diretora que pode ser utilizada pela hipnose a fim
de comandar movimentos musculares, sensações fisiológicas (frio,
calor, dor ou sua supressão) ou psíquicas (alegria, entusiasmo,
tristeza, etc.).
Diz ainda a escola russa que o condicionamento da camada
cortical pode ser tão forte que um indivíduo, mesmo com a perna
amputada poderá sentir dores como se a tivesse. Isto ocorre por
causa de estímulos que sentia antes da amputação. Uma sugestão
hipnótica pode removê-los com relativa facilidade. Essas impressões
têm o nome de reflexos condicionados que são inatos a cada
espécie animal.
Para os pavlovianos, são poucos os reflexos incondicionados,
em comparação com os condicionados. Estes são indispensáveis
aos problemas de adaptação e sobrevivência da espécie. Pode-se
agir, através do estímulo da palavra, pela hipnose, do meio exterior
até o córtex, transmitindo-se então os comandos através do
condicionamento.
A função terapêutica da hipnose seria possível através do
descondicionamento dos reflexos nocivos e o condicionamento de
outros para proporcionar benefícios ao indivíduo. Durante o sono
fisiológico, os condicionamentos podem permanecer ativos em nosso
córtex. Estes seriam como “pontos de vigília”, estabelecidos de
acordo com certos fins e a disposição para atender às necessidades
de cada um. Para fundamentar essa teoria, Weissmann citando J. B.
Burza apresenta exemplo fatos:
Mães com os filhos pequenos que costumam dormir
profundamente, mesmo que se batam portas ou façam
barulhos enquanto dormem, mas acordam imediatamente a um
leve choro do bebê. Também é comum que pessoas que não
usam despertador e que necessitam de acordar a certa hora da
madrugada, o consigam mesmo que estejam cansadas. É uma

58
PAVLOV, I. P. The Identity of inhibition with sleep and hypnosis, New York,
Scientifc Monthly n° 17, 603-608, 1923.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 119

espécie de auto-sugestão hipnótica que o indivíduo dá a si


próprio quando ainda acordado e que é capaz de nos
despertar na hora certa, por um sistema de cálculo de tempo
cerebral, cujo mecanismo a ciência ainda não consegue
explicar. Da mesma maneira a palavra (a voz) do hipnotizador
penetra no cérebro do hipnotizado através desse ponto de
vigília, que é como se fosse uma luz acesa e cercada de
sombras dormentes (WEISSMANN, apud BURZA).
Diz ainda Burza que o estado de hipnose significa uma inibição
irradiada, porém não total, havendo sempre pontos de vigília e
excitação concentrada, através do qual o hipnotizável escuta o que
falamos e obedece às nossas sugestões.
Quem também aponta diferenças entre hipnose e reflexo
condicionado é o psiquiatra russo Platinov. 59 No livro The word,
produzido na Rússia e impresso na Inglaterra, Platinov afirma que
muitos outros psiquiatras de seu país recorrem à hipnose “para fazer
emergir os reflexos condicionados e seus estímulos”. Assim, ele
diferencia uma coisa da outra, o reflexo é uma condição instalada no
indivíduo e a hipnose é o processo que pode ser utilizado para sua
remoção. Nesse sentido, diz: “Então o hipnotizador faz o hipnotizado
retornar na memória até o tempo ou acontecimento no qual o reflexo
foi estabelecido removendo-o”.
Em 1950 foi realizado em Moscou o I Congresso Pavloviano,
quando grandes contribuições ocorreram, somando as idéias de
Pavlov com aplicações da hipnose na medicina. Pode-se dizer que
toda a teoria cortical, que alguns autores se referem quando tratam
da hipnose médica, sugiram deste famoso congresso. Disso também
deriva termos novos como sonoterapia, parto sem dor e a NL-
neurolingüística que aparece como mais uma explicação para a
hipnose e aplicada como princípio terapêutico na medicina
psicossomática russa.
Nos anos 70, nos Estados Unidos, a NL foi transformada, por
Richard Bandler e Jonn Grinder, em PNL- Programação
Neurolingüística. Fundamenta-se no uso das palavras, dos gestos e
da forma de comunicação mais adequada para produzir a sugestão.
Ambos publicam A Estrutura da Magia onde mostra que a hipnose
obedece a uma estrutura de linguagem. Criam o primeiro modelo
PNL, publicado com o nome de o metamodelo de linguagem, em
seguida estudando com Erickson escreveram Os Padrões de
Linguagem Hipnótica de Milton Erickson.

59
PLATINOV, C. Faça seu teste psicológico. Rio de Janeiro, Ed. Edimax, 1963.
120 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

A teoria da irradiação cortical para explicar o hipnotismo


continuou forte até a década de 60. Por essa época, Volgyesi 60 já
havia proposto outra teoria neurofisiológica para a hipnose, que
evidenciava a participação de estruturas subcorticais no fenômeno,
ressaltando o papel do córtex frontal. Volgyesi não aceita a hipótese
de Pavlov que afirma ser a irradiação cortical a única explicação para
o fenômeno hipnótico e propôs que o fenômeno seria devido a uma
redução temporária e reversível do fluxo sangüíneo em determinadas
áreas do cérebro. Essa teoria não recebeu muita repercussão devido
à ascendência de outras idéias sobre o assunto.
O esforço da escola russa para caracterizar a hipnose como
inserida nos padrões e na linguagem científica teve como resultado a
aceitação do fenômeno por parte da classe médica que, antes disso,
era considerada nesse meio como uma heresia científica, mentira ou
simulação. A escola russa permitiu a aceitação de fatos físicos,
orgânicos, como decorrente de processos emotivos; a cada dia é
mais aceita a interação entre mente e corpo; não é mais uma heresia
médica dizer que relaxamento, crenças religiosas, transe hipnótico e
outros fatores podem afetar, até de forma inexplicável, sinais vitais
mensuráveis, como o funcionamento de órgãos do corpo humano, a
pressão arterial, os batimentos cardíacos, etc. O entendimento do
processo do estresse 61 vem dessa mudança o entendimento atual
que o estresse e os efeitos psicossomáticos passam a significar
conteúdos de estudo acadêmicos regular.
A concepção pavlovianada para a hipnose estabeleceu
afinidades com muitos fatores ordinários da fisiologia e, para seus
seguidores, afastou dela inteiramente o céu de mistérios que a
envolvia. No entanto, essa explicação não é contundente e, por isso,
sempre foi e é contestada até os dias atuais, não obstante as
grandes contribuições de Pavlov no campo neurofisiológico. A
justificativa neurofisiológica para explicar a hipnose parece
sofismática, parte de afirmações verdadeiramente comprovadas, por

60
VOLGYESI, F. El alma lo es todo, Barcelona, 1983.
61
"Estresse" é a denominação dada a um conjunto de reações orgânicas e
psíquicas que o organismo emite quando é exposto a qualquer estímulo que o
excite, irrite, amedronte ou o faça muito feliz. Funciona como um mecanismo de
sobrevivência e adaptação, estimulando o organismo diante de uma experiência ou
ambientes novos que causam pressões psicológicas. No cotidiano as pessoas se
defrontam com vários fatores estressantes com briga com o par afetivo, excesso de
cobrança e frustração, ansiedade exagerada ou ambiente excessivamente
barulhento. Na medida em que o cérebro interpreta estes fatores como ameaças à
saúde, o corpo fica em estado de alerta geral, até que o fato passe ou o sujeito se
adapte a nova situação. Isso é “estresse” (N. do A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 121

ser mensurável, para inferir conclusões pouco prováveis, não


mensuráveis. Embora faça uso de termos da linguagem acadêmica,
do ponto de vista das provas científicas, a tese pavloviana sobre
hipnotismo é tão duvidosa quanto a tese mesmerista.
Modernamente, na tentativa de justificar a hipótese de que a
hipnose é um resultado meramente físico-orgânico-cerebral, os
seguidores da escola russa associam os diferentes níveis de transe
com ondas cerebrais do tipo alfa, beta, gama, teta e delta, que são
produzidas pela atividade eletroquímica do cérebro e, que podem ser
medidas por instrumento próprio. De fato, sabe-se hoje, que a
freqüência cerebral medida em c/s - ciclos por segundo - é associada
aos estados emocionais. Pessoas stressadas possuem freqüência
de 21 ou mais c/s, em estado de vigília aparecem ondas Betas (13 a
20 c/s), em estado de relaxamento, ondas Alfas (9 a 12), durante o
transe leve, ondas Tetas (4 a 8 c/s) e em hipnose profunda, ondas
Deltas (1 a 3 c/s).
Para demonstrar a relação do transe hipnótico e o estado
fisiológico do cérebro utilizam um instrumento, o “sintetizador de
ondas cerebrais”, composto de óculos estroboscópico com pequenas
lâmpadas na parte interna e que piscam rente aos olhos,
acompanhado de um par de fones que difundem pulsos sonoros
rítmicos ou sugestões especificas. Os óculos e os fones são
conectados a um pequeno circuito eletrônico, que alterna a
freqüência dos ritmos luminosos de acordo com o som ou com a
sugestão desejada. Acreditam que quando usam esse instrumento, o
cérebro adota o mesmo padrão de freqüência emitido por ele e
correspondentes aos variados níveis de transe que se quer produzir
no hipnotizado. Essa prática é questionada; é a freqüência luminosa
que induz o transe ou trata-se de mera sugestão indireta?
Depois de Freud e Pavlov, os que lidam com o tratamento dos
distúrbios da mente, estavam divididos em dois grupos. De um lado,
os terapeutas investiam na criação de terapias cada vez mais
eficazes, a maior parte delas derivadas da psicanálise ou do refino
no uso da hipnose, associada ao conceito de auto-ajuda ou de
filosofias que resultassem em soluções dos problemas existenciais
humanos. Do outro lado, a psicofarmacologia trabalhando no
aperfeiçoamento de remédios. Os dois grupos se olhavam
reciprocamente com desconfiança e extrema rivalidade.
A herança deixada por Freud e Pavlov, ao longo do século XX,
permitiu que o tratamento das doenças psicossomáticas caminhasse
por duas perspectivas. Uma representada pela medicina
convencional, concentrando a pesquisa para explicar o cérebro.
122 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Outra representada pelas psicoterapias, concentrando estudos para


explicar a alma humana. Mas, o equilíbrio do conceito de alma e de
cérebro parece próximo no início do século XXI, finalmente os
estudiosos concordam que as melhores terapêuticas são aquelas
que combinam remédios e psicoterapias. O predomínio de um ou
outro recurso de cura varia de caso para caso.
Na década de 1990, período conhecido nos meios médicos
como “a década do cérebro”, cientistas de varias especialidades
estudaram a mente humana numa intensidade inédita. Neurologistas
esquadrejaram o cérebro usando as mais modernas técnicas de
ressonância magnética, geneticistas mapearam a transmissão dos
transtornos mentais por meio do DNA e biólogos detalharam a
química dos neurônios. O resultado é que hoje se conta com um
conhecimento incrivelmente maior para tratar os problemas da
mente. A ciência encontrou muitas respostas, mas surgiu também
um grande número de novas questões. Por mais que a farmacologia
tenha se beneficiado de novas descobertas, a criação de
medicamentos que curem definitivamente todos os sofrimentos da
mente, incluindo principalmente a questão da somatização, é no
mínimo um horizonte muito distante.
Utilizado a técnica de obtenção de imagens do cérebro através
da tomografia por emissão de pósitrons (PET), o sueco Tomas
Frmark trabalhou uma pesquisa, tipo grupo controle, analisou o
encéfalo de pacientes com fobia. Um grupo havia se tratado
unicamente com terapias psicológicas, e outro grupo havia recorrido
a remédios convencionais. O resultado de seus estudos mostrou que
a terapia altera o funcionamento cerebral tanto quanto a química dos
medicamentos. 62 Comentando esse estudo, o alemão Klaus Grawe,
pesquisador da Universidade de Berna, destacou o fato de que
experiências de vida alteram o cérebro tanto quanto remédios.
Imaginem as possibilidades de alterações quando o paciente passa
por terapias envolvendo a hipnose.
PET - Positron-Emisson Tomography (Tomografia por Emissão
de Pósitrons). É uma ferramenta importante para explorar o
funcionamento do cérebro. Quando os neurônios disparam, o fluxo
de sangue para a região aumenta, e, embora o aumento seja
pequeno, ele é mensurável por imagens eletrônicas. Esse tipo de
imagens a partir de dados eletrônicos é chamado tomografia. 63
62
Revista VEJA. O equilíbrio do cérebro e da Alma. São Paulo, Editora Abril, ano
37, n. 48, p. 116 – 122, dez/2004.
63
Positron-Emisson Tomography - The Sciences: Na Integratwd Approach. N.
York, John Wilei & Sons, p. 307, 1995.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 123

Auto-Sugestão
Émile COUÉ (1857 – 1926) nasceu em Troyes, na França, era
farmacêutico e começou a estudar hipnotismo com Bernheim e
Liébaut, é considerado o pai da Auto-Hipnose e seu nome está
associado às pesquisas sobre o "Efeito Placebo". Efetuou muitos
estudos sobre comportamento pela sugestão e, baseado na teoria do
consciente e inconsciente, desenvolveu um método de terapia.
Sistematizando a hipnose como processo de auto-ajuda formulou
vários princípios e leis que fundamentam sua aplicação. Coué abriu e
dirigiu uma clínica em Nancy, onde o tratamento de seus pacientes
era exclusivamente gratuito e por auto-sugestão.
Coué propunha obter a transformação de certos atos
conscientes em inconscientes pela repetição. Uma vez
automatizados, eles continuam a agir. A partir daí, finalmente a
hipnose sai do domínio das aplicações médicas, terapêuticas ou
religiosas e finalmente é revelada como ferramenta de auto-ajuda
para solução de vários problemas humanos. Até então a hipnose era
praticada por religiosos ou médicos sem, contudo, nem a religião
nem a medicina reconhecerem sua eficácia e até negarem sua
prática.
A partir de seus estudos, Coué estabeleceu certo número de
regras e exercícios, com os quais organizou um sistema que permite
a qualquer um persuadir-se de que está passando bem, de que pode
resistir a doenças e curar-se. A originalidade do método consistia em
apelar para a auto-sugestão, exercida de forma clara e sistemática.
Dizia que uma vez que no fundo toda sugestão não passa de auto-
sugestão, cada pessoa pode auto-sugestionar, sendo o efeito mais
forte do que quando induzida por um hipnotizador:
... na verdade, não é a sugestão que o hipnotizador faz que
realiza qualquer coisa, é a sugestão que é aceita pela mente
do paciente. Todas as sugestões efetivas devem ser ou são
transformar em auto-sugestões (COUÉ)
Coué preferiu chamar auto-hipnose de auto-sugestão, com esse
nome criou escola e estabeleceu a lei da reversão dos efeitos ou do
efeito contrário que, em síntese, diz: “Num impacto entre a vontade e
a idéia, vence invariavelmente a idéia“. Também desenvolveu frases
que orientam a auto-sugestão como: “Todos os dias, de todas as
formas, eu estou melhorando cada vez mais”. Esta frase, para ser
repetida todas as manhãs, ao acordar, e todas as noites, logo ao
deitar, com os olhos fechados, e sem fixar a atenção ao que se diz, a
fim de ouvir as próprias palavras, faz parte do célebre método que
ele chamou de “domínio de si mesmo pela auto-sugestão
124 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

consciente”. Suas idéias e frases estão invariavelmente escritas nos


livros de auto-ajuda.
A relação da técnica e do método de Coué com a hipnose é
clara; primeiro pela técnica da repetição e segundo porque a mesma
frase deve ser muito repetida, ao acordar e antes de adormecer.
Como a frase abrange tudo que é preciso melhorar, é desnecessário
fazer qualquer auto-sugestão para casos específicos. Esta auto-
sugestão deve ser feita da maneira mais simples, mas mecânica
possível e sem o menor esforço. A fórmula deve ser repetida no tom
em que se rezam as ladainhas, assim consegue-se introduzi-la
mecanicamente no inconsciente. Este é um método não só curativo
como também preventivo.
Segundo Coué, a mera repetição da frase, de maneira
sistemática, é suficiente para causar mudanças para melhor, na vida
de quem a exercite, Uma dessas frases seria alojada no inconsciente
no exato momento situado entre o estado de vigília e o sono, é o
momento em que a mente inconsciente está mais aflorada e mais
propensa a aceitar sugestões. É válido o conceito segundo o qual a
hipnose corresponde a esse breve momento, quando as sugestões
são admitidas sem a crítica do consciente e, portanto, transformadas
em sugestão hipnótica. Neste caso não se trata de uma sugestão tão
consciente como insinua ser, é mais uma forma simples e bem
prática de auto-hipnose.
A tese de Coué demonstra, com precisão, o antagonismo
existente entre a “força imaginativa e a força de vontade”. Esta força
que ele chamou de “o nosso segundo eu” pertence ao indivíduo e
encontra-se escondida no inconsciente de cada um. Depois que se
toma conhecimento dessa força, só resta fazer uso dela para
promover a própria cura e bem-estar. Para ele, as forças curativas
estão no âmago de cada indivíduo.
Nos primeiros trabalhos Coué sugeria verbalizações definidas e
minuciosas, que quase sempre eram bem sucedidas. Porém, depois
decidiu ser mais eficaz através da utilização da sugestão não
específica, que evitava deliberadamente explicar ao inconsciente
como alcançar um propósito. No novo processo, a sugestão
específica era prévia e o maior objetivo era o aprofundamento do
nível do convencimento para que a idéia pudesse ser vitoriosa.
Explicando sua lei da inversão dos efeitos, Coué afirmou que,
se a pessoa pensar “eu devia gostar de fazer isto, mas não consigo”
(um pensamento negativo), quanto mais se esforça, menos
conseguirá. Semelhante a este princípio é o efeito de usar a palavra
“tentar” com relação a alguma coisa. Dizer “tentarei” implica duvidar,
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 125

isto é como se a pessoa ficasse na tentativa do fracasso. A tentativa


de realizar algo deve ser encarada de forma positiva. Deve ser dito
vamos fazer, não somente tentar.
Como exemplo da lei da inversão do efeito, descreve Coué que
se alguém colocasse no chão uma tábua com dez metros de
comprimento por vinte e cinco centímetros de largura, caminharia
sobre ela até de olhos fechados. Se a colocasse entre duas cadeiras,
a um metro do chão, ainda assim não teria dificuldades em andar de
uma ponta a outra, seria, neste caso, apenas necessário um pouco
mais de cautela. Se a tábua for estendida entre dois edifícios de dez
andares, é provável que a pessoa despencasse lá de cima ou nem
se aventurasse a atravessá-la porque o medo e a dúvida se
insinuariam e a lei da inversão do efeito tomaria conta da sua mente.
É assim que Coué expressa esse pensamento:
Suponhamos que há no solo uma tábua de dez metros de
comprimento por vinte e cinco centímetros de largura. Está
claro que todo mundo é capaz de ir de uma ponta a outra
dessa tábua, sem pôr o pé fora dela. Mudemos porem, as
condições da experiência e façamos de conta que está
colocada à altura das torres de uma catedral. Quem terá,
então, coragem de avançar um metro apenas? São os
senhores que me lêem? Não, sem dúvida. Antes de darem dois
passos, começarão a tremer, e, apesar de todos os esforços
de vontade, fatalmente cairão ao solo (COUÉ).
Se a tábua estiver no alto, a pessoa vai cair porque imagina
que não pode. Imagina que vai cair, e, assim, cria a impossibilidade
absoluta de realizar os passos mesmo que tenha vontade. Estando a
tábua no chão imagina que é fácil ir de uma ponta a outra e
consegue sem medo. Em outras palavras, as pessoas realizam
aquilo que imaginam. E, imaginar é visualizar, é ver mentalmente.
Outro exemplo comum lembrado por Coué, que também explica
o modo como a lei da inversão dos efeitos atua, é o caso do
indivíduo com problema de insônia quando se deita com o
pensamento de que não conseguirá dormir (uma sugestão negativa):
Uma pessoa supondo que não conseguirá dormir tenta e
quanto mais se esforça para adormecer, mais acordado fica.
Quando pára de tentar algum tempo depois, totalmente
esgotado, e começa a pensar em outra coisa, pega no sono
em questão de minutos (COUÉ).
E, cita como mais um exemplo desta lei:
Uma pessoa que está aprendendo a andar de bicicleta ainda
não se equilibra direito, vê uma árvore à sua frente e
imediatamente ela tem a certeza de que se chocará com a
126 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

árvore, desesperadamente procura evitá-la, mas vai fatalmente


ao seu encontro (COUÉ).
Coué fez ainda a observação: “Quando a imaginação e a
vontade estão em conflito, a imaginação sempre vence” Isto significa,
para Leslie M. LeCron, 64 que “o inconsciente sempre derrotará o
consciente na disputa”.
Outra contribuição de Coué foi o que denominou de lei do
esforço dominante, que se sintetiza como “uma idéia sempre tende a
se concretizar e a emoção mais forte neutraliza a mais fraca”. Assim,
ele diz que basta uma pessoa pensar que uma dor vai passar, para
sentir realmente a dor desaparecer pouco a pouco, e, inversamente,
é bastante pensar que sofre para imediatamente iniciar o sofrimento.
Exemplificando, diz:
Conheço certas pessoas que prognosticam que, em
determinado dia, vão sentir dor de cabeça, predizendo em que
circunstâncias, e, de fato, no dia assinalado, nas circunstâncias
anunciadas, sentem essa dor de cabeça. Essas pessoas
mesmas causam seu mal, assim como outras se curam pela
auto-sugestão (COUÉ).
Diz ainda que, se o nosso inconsciente é a fonte de muitos dos
nossos males, também pode trazer a cura das nossas doenças
morais e físicas. Tão grande é a sua ação sobre o nosso organismo
que ele pode não somente reparar o mal que nos fez como também
curar doenças reais. Portanto, se conseguirmos fazer crer a um
doente que vai acabar o seu sofrimento, este de fato desaparecerá e,
para que isso possa ser provado, Coué recomenda que:
Isole-se uma pessoa em um quarto, sente-se numa poltrona,
feche os olhos para evitar distração e pense unicamente
durante alguns instantes que ‘tal coisa está para desaparecer...
tal coisa vai acontecer’... Se for realmente feita a auto-
sugestão, isto é, se o seu inconsciente aceitou a sua idéia, com
grande admiração verá realizar-se aquilo em que havia
pensado (COUÉ).
Recomenda Coué que só se pode pensar em uma coisa de
cada vez, isto é, “duas idéias podem se justapor, mas não se
sobrepor”. Recomenda ainda que a vontade não deva intervir na
prática da auto-sugestão; porque, se ela não está de acordo com a
imaginação, se a gente pensa: “quero que tal coisa aconteça”, e a
imaginação diz: “tu queres, mas isso não sucederá”. Neste caso,
além de não conseguir o que se quer, se obtém exatamente o
contrário.
64
LeCRON Leslie M. Auto-hipnose. Ed. Record, 2ª Edição, Rio de Janeiro, 1979.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 127

O importante é a imaginação e não a vontade, não é a vontade


e sim a imaginação que nos faz agir. Não é importante querer, mas
sim imaginar. É “vendo” que as coisas acontecem como de fato se
quer. Não é importante querer ser vencedor, é importante imaginar e
ver-se vencedor. Visualizar a cena futura como se ela estivesse
acontecendo, é a forma mais eficaz de evitar a lei do efeito contrário.
Em Genebra, em 1920, Charles Baudouin publica o livro
Sugestão e Auto-sugestão e dedica esta obra ao seu mestre Coué,
revelando profunda admiração e respeito por seu método e
ensinamentos. A auto-sugestão ganha o mundo, os europeus
aplicaram sua teoria e a consideram de grande valor. O livro de
Coué, em 1956, é traduzido para o português 65 e logo encontra no
Brasil uma legião de seguidores, mas quando Coué fez uma série de
conferências nos Estados Unidos, jornalistas céticos ridicularizaram
suas idéias. No entanto o futuro lhe reservou a recompensa; hoje ele
é citado por centenas de autores americanos e milhares no mundo;
suas idéias representam a base dos livros de auto-ajuda.
Hipnose e psicopedagogia
Com base na teoria de Émile Coué, a hipnose passa a ser um
recurso instrumental com possibilidades de uso nas mais variadas
áreas do conhecimento, inclusive como possível solução de
problemas relativos a processos de ensino e aprendizagem. Pode
ser uma ferramenta bastante útil na motivação dos alunos pelo
professor e também para motivação do professor por ele mesmo.
Não basta apenas o recurso da hipnose no processo de ensinar
e aprender, principalmente no ensino formal. O professor deve, antes
de tudo, ser competente e dominar conteúdos, metodologia, técnicas
didáticas, fundamentos de organização escolar, além de vários
outros conhecimentos acumulados pela educação e pela
psicopedagia; mas pode complementar seu saber com um trabalho
sistemático e consistente na aplicação de técnicas sugestivas que
encantem o aluno no desejo de aprender. Além disso, deverá
permitir nele próprio, a facilitação de compreender a si mesmo para
poder lidar eficientemente com as dificuldades identificadas no
ambiente escolar.
Para os professores que buscam qualidade no ensino, os
conceitos e técnicas de Coué possibilitam uma maior aproximação
deles com o mundo dos estudantes, facilitando o estabelecimento de
uma comunicação eficaz dentro do espaço da escola, favorecendo o

65
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - Que digo e que faço - O domínio de se
mesmo. Rio de Janeiro, Minerva, 1956.
128 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

processo da construção do conhecimento. A hipnose ajuda o


professor a seduzir o aluno para que ele deseje aprender e,
desejando, aprenda. Neste sentido pode também aumentar a
eficiência do docente em seu papel; com essa ferramenta o
professor pode aprimorar a comunicação com seus alunos,
produzindo informações precisas que permita o estabelecimento de
relações de confiança e, desse modo, propiciar o aumento da
qualidade de suas aulas. Como efeito paralelo o estudante pode
concentrar-se mais nas lições para absorvê-las melhor, assim como
terá maior facilidade na compreensão das questões e na
memorização dos conceitos e fórmulas, eliminando, ou pelo menos
diminuindo, as dificuldades de memória e de concentração.
Com a hipnose fica estabelecido o rapport, isto é, o
relacionamento entre o professor e o aluno, envolvendo confiança,
respeito, seriedade e abertura para a comunicação entre ambos. São
esses fatores que aumentam as possibilidades de cada um,
professor e aluno, descobrir e se apropriar do saber. Usando
processos hipnóticos, estes atores passam das operações de
instrução e aprendizagem para a motivação e desejo no
desempenho de seus papéis. Após as práticas com a hipnose,
ocorre a elevação da auto-estima e, vencendo o medo de que não
pode aprender, o aluno coloca sua emoção a serviço do sucesso,
com isso sente maior confiança em si próprio, adquire mais coragem
para enfrentar os problemas e fica motivado para estudar, pesquisar
e descobrir suas próprias respostas.
Até mesmo com o simples exercício diário de relaxamento,
algumas barreiras para a aprendizagem podem ser derrubadas. Com
isso, um conjunto de sensações visuais, auditivas, táteis e outras é
extremamente ativado no aluno. Também através deste exercício, o
professor afetivamente inter-relacionado com os alunos, promove a
qualidade do relacionamento entre os próprios alunos, incentivando o
trabalho em grupo para conquistar a auto-educação, articulando a
teoria e práticas vivenciadas nas disciplinas, permitindo a aplicação
dos conhecimentos e habilidades adquiridos para análise de
situações, elaboração de soluções ou mesmo criação de novas
situações-problemas, com base na pedagogia da autonomia, através
da investigação científica orientada.
A hipnose coloca no mesmo patamar de importância a
inteligência e os sentimentos, ajudando o aluno a desenvolver a
capacidade de dar respostas adequadas e originais às situações
problemas que lhes são apresentados, com espontaneidade e
criatividade intuitiva que é proveniente de sua emoção. As respostas
desprovidas da autocensura, que é atributo da racionalidade, fluem
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 129

com emoção. Neste processo há maior apreensão e expressão do


conhecimento, porque são recuperados vínculos humanos como o
prazer, a afetividade, o saber e, principalmente, a auto-estima.
Embora na maioria das práticas didáticas seja aplicado o
exercício da razão, um princípio importante dentro de qualquer
contexto educativo é a relação conhecimento-emoção. É a emoção
que abre as portas do conhecimento quando motiva o aluno que não
tem interesse em aprender. A hipnose favorece, tranqüilizando o
aluno, quando tem de se ajustar e ficar preso ao rigor formal e
metodológico do ensino. Tranqüilo, mais solto, poderá obter um
melhor aproveitamento da informação que lhe é apresentada. Diante
do enfrentamento das situações problema, contará com mais
liberdade para expressar o que revela sua intuição e o seu
conhecimento acumulado, desenvolvendo assim habilidades e
competências.
Intuição é espécie de visão direta sem auxílio de raciocínio
explícito para apreensão e compreensão de um conhecimento. A
controvérsia é saber qual é a essência da intuição, se volitiva
intelectual ou emotiva. Para Dilthey a intuição é de natureza volitiva:
Para Husserl é de natureza intelectual e para Bergson de natureza
emotiva. A intuição pode ser fruto de todos os atributos da vida
interior do indivíduo, que são volitivos, intelectual e emotivo; é toda a
personalidade que se debruça sobre algo que a intriga. A intuição é,
portanto, fruto da interação da emoção com a inteligência e a
vontade, que formam a essência e a base da estrutura da
personalidade de cada ser humano.
Neste campo, tanto a auto-hipnose como a hetero-hipnose têm
revelado efeitos surpreendentes em alunos com dificuldade na
apropriação e assimilação de conhecimentos, além de reforçar o
desejo pelo estudo, desenvolve a confiança em sua própria intuição.
São muitas as experiências que provam essas hipóteses; aulas
ministradas a alunos que praticam hipnose prometem um rendimento
didático muito maior e a capacidade retentiva de conhecimentos
aumenta consideravelmente com esta prática. Isto se deve ao fato de
que a hipnose é pela sua própria natureza concentração, ou atenção
concentrada, elemento indispensável na aprendizagem.
As experiências demonstram que a hipnose influencia
aumentando a capacidade da memória; sua prática tem provado que
é fácil recuperar fatos da mais remota infância. Proporciona ainda o
desenvolvimento da concentração ou atenção concentrada e, assim,
se justifica a receptividade do indivíduo em relação às sugestões
130 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

concernentes à melhoria da atenção e da memória e, por


conseqüência, à melhoria do aprendizado.
A capacidade de ler, acumular, processar e divulgar qualquer
tipo de informação pode melhorar incrivelmente quando a auto-
estima é conquistada. Conseguir lembrar-se de uma grande
quantidade de conhecimentos, aperfeiçoando radicalmente a
habilidade de concentração e percepção, depende do estado
emocional do aprendiz. Desde que não haja uma história de doença
grave que sempre é diagnosticada antes mesmo da memória
fraquejar, a dificuldade de memorização pode ser relacionada a três
causas, isoladamente ou conjugadas:
• Estresse provocado principalmente pelo medo, pela ansiedade
ou pelo excesso de cobrança;
• desinteresse pelo assunto em questão que pode também ser
provocado pelo antagonismo ou aversão ao professor;
• auto-estima baixa que pode ter sido provocada pelo excesso
de críticas ao seu desempenho escolar ou profissional.
O mais comum é a associação do estresse com o desinteresse,
estimulados pela auto-estima baixa. Neste caso a pessoa estressa
com facilidade e se torna ansiosa, medrosa e ás vezes até agressiva.
Para resolver o problema de memória é preciso tão-somente ter sua
auto-estima levantada. Isto aumentará seu poder de concentração,
estimulará a sua capacidade de "sonhar" e sua criatividade,
fortalecerá sua confiança e os problemas de memória desaparecerão
facilitando a aprendizagem.
Como normalmente se imagina, "concentrar-se no estudo" não
significa despejar toda ansiedade e toda vontade no ato de aprender.
A concentração ótima para a aprendizagem não é aquela em que a
pessoa estimula o seu "estado de alerta" que faz aumentar os
batimentos cardíacos, a tensão muscular, o ritmo respiratório. A
concentração ótima é a concentração passiva, quando a pessoa não
está "preocupada em aprender", mas sim "divertir-se com o estudo".
Quando se assiste um filme sobre História, se aprende muito mais
sobre o fato do que quando se debruça sobre um livro de forma
ansiosa e se tenta decorar tudo.
Não faz sentido estudar alguma coisa e não conseguir lembrar-
se depois. E, essa "falha" normalmente acontece porque as pessoas
são habituadas a fazer anotações lineares, organizadas, item por
item. Para melhorar os resultados da aprendizagem, a auto-hipnose
ou hetero-hipnose pode ser um recurso didático a mais,
principalmente no estudo de matérias discursivas, podendo melhorar
bastante a capacidade de memorização.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 131

Também com a ajuda da hipnose, o aluno remove sentimentos


de rejeição a determinada disciplina, criando a condição propícia
para absorver novas informações competências e habilidades. Neste
novo cenário, com o aluno mais participativo e motivado, o professor
vai descobrindo, selecionando e explorando as condições mais
favoráveis para alcançar os objetivos do ensino e, aplicar os
conteúdos selecionados no seu planejamento.
Uma experiência descrita por Peter Mutke, 66 realizada na
Califórnia, no Monterey Peninsula College, demonstra como a
hipnose pode ajudar no desenvolvimento da aprendizagem. Durante
a experiência, ensinou-se o método Dan-Ro de leitura corretiva a um
grupo de estudantes hipnotizados e a outro grupo de estudantes não
hipnotizados. Enquanto o primeiro grupo obteve um aproveitamento
de setenta e oito por cento na interpretação de leituras complexas
em apenas cinco aulas, o segundo grupo alcançou aquela
porcentagem depois de vinte e duas aulas. O método Dan-Ro é
utilizado para habilitar alunos que apresentam determinadas
dificuldades de leitura e interpretação de textos.
Bernhardt Roger 67 descreve outra experiência realizada na
Califórnia, em Kentfield, no Child Center, com um grupo de alunos
com idades de 8 a 12 anos. Uma vez hipnotizados, os alunos
recebiam instruções para que visualizassem a si mesmos lavando o
próprio cérebro com uma mangueira para retirar todas as idéias
velhas que interferissem com o processo de aprendizagem. Em
seguida, eles se visualizariam lendo fluentemente, sem esforços,
com prazer. Formulou-se, então, a sugestão pós-hipnótica e que eles
se transformariam em pessoas que leriam bem e sentiriam prazer na
leitura. Dois meses mais tarde, estas crianças foram testadas e o seu
desempenho foi comparado a outro grupo formado por crianças que
também apresentavam dificuldades de leitura. A velocidade, a
precisão e a compreensão aumentaram no nível de conteúdo
equivalente a mais de um ano e oito meses para as crianças
submetidas à hipnose, contra apenas quatro meses para as crianças
que não haviam sido hipnotizadas. Além disso, a auto-estima das
crianças submetidas à auto-hipnose, ou seja, os sentimentos
otimistas que tinham em relação a si mesmas aumentaram dez
vezes mais em relação à auto-estima do grupo que não praticou a
hipnose.

66
MUTKE, Peter. The American Journal of Clinical hypnosis. Califórnia, EUA, abril
de 1967.
67
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através da auto-hipnose, Rio de Janeiro,
Record, 1976.
132 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

A hipnose ou a auto-hipnose estabelece a comunicação rápida


com o inconsciente que é considerado como uma segunda
inteligência. Sobre isso, alguns cientistas franceses em recente
experiência feita no Instituto Nacional de Saúde e da Pesquisa
Médica da França, 68 pediram que um grupo de doze voluntários
olhasse para a tela de um computador enquanto eram projetados
números tão rapidamente que os olhos não conseguiam captar. Foi
pedido aos participantes que acionassem um botão quando o
número projetado fosse menor que cinco e, com a outra mão,
acionavam outro botão quando o número projetado fosse maior. O
resultado provou que o cérebro não só reconhecia as informações
como também às interpretava. Em alguns momentos era projetado
apenas o número cinco, e nestas horas, os voluntários não
respondiam. Também foram realizadas operações aritméticas de
forma tão rápidas que se tornavam absolutamente imperceptíveis,
mas os resultados foram indicados corretamente pelo mesmo
principio anterior. Pela primeira vez essa faceta inteligente do
inconsciente foi comprovada de forma laboratorial.
O inconsciente percebe informações que não são percebidas
conscientemente, faz seus próprios julgamentos e dá palpites nas
decisões conscientes, sem que, ao menos, este se dê conta. É hábil
em executar tarefas sem que o consciente perceba e, muito rápido,
relaciona e toma decisões, determinando o que uma pessoa deve ou
não fazer. Funcionando de forma subjetiva, o inconsciente interfere o
tempo todo na rotina de uma pessoa; é uma ferramenta
poderosíssima e não apenas uma caixa em que se depositam
informações ou se escondem lembranças traumáticas. Como
exemplo dessa proeza, pode ser analisado o fato de que no
inconsciente é que se realizam praticamente todas as atividades
mecânicas. Para andar não é preciso calcular quanto cada perna tem
que ser flexionada ou a distância entre um passo e outro. O
inconsciente faz tudo isso sozinho sem que se perca tempo. É por
meio dele que o coração sabe quando tem que bater mais rápido por
causa de um esforço físico ou disparar a sensação de fome se o
nível de glicose no sangue baixar. Assim também acontece com a
sede e com os instintos sexuais; têm sua fonte nos estados
biológicos e não consciente do organismo.
Uma explicação bem aceita hoje é a de que o inconsciente não
é uma parte física, localizada em uma determinada região do
cérebro, é uma espécie de programa operacional capaz de

68
SUPER Interessante. A Segunda Inteligência, São Paulo, r. p. 61- 65, maio,
1999.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 133

processar, ao mesmo tempo, milhares de informações paralelas,


enquanto o consciente executa suas tarefas de forma serial, uma
atrás da outra. Fornecendo informações ao consciente sob forma de
intuição, o inconsciente pode determinar, em certas circunstâncias,
atitudes que um indivíduo deve tomar. Através das técnicas de
hipnose ou da auto-hipnose é despertada e ampliada essa
programação para utilizar mais os conhecimentos que estão
armazenados no inconsciente:
Alguém planeja uma viagem de carro e, de repente, vem
àquela sensação de que não se deve ir. Será um sinal do
inconsciente? O motorista pode ter ouvido no rádio dias antes
que a estrada não está boa (e nem prestou atenção) e,
enquanto dirigia de volta para casa, olhou para o céu e viu
nuvens escuras se formando. O cérebro juntou a informação
como um recado para o consciente: quem sabe não é uma boa
idéia viajar hoje? Isso é intuição, um serviço extra que as
células cinzentas realizam... (SUPER Interessante. A segunda
inteligência, São Paulo, maio, 1999, r. p. 60 - 65).
Vários alunos foram bem sucedidos com auto-hipnose, como
exemplo, o caso da aluna que tendo participado de duas sessões de
hipnose, revelou ser extremamente suscetível. 69 Ela que tinha
grande dificuldade em compreender determinada disciplina, odiava a
matéria, dizia que quanto mais estudava menos compreendia e não
conseguia esforçar-se para estudar da forma apropriada. Para
superação deste problema, foi aconselhada a fazer uso da auto-
hipnose e no semestre posterior contou que seguira o conselho
durante as férias e, no seu regresso às aulas, não só obteve altas
notas nas avaliações como conseguia agora entender com facilidade
conceitos e definições, além de ser capaz de resolver problemas
com grande facilidade e satisfação. Após a auto-hipnose, estudar o
assunto lhe dava prazer, mais ainda, passou até a gostar da
professora que antes era vista como sendo muito antipática.
Resultados semelhantes também vêm sendo repetidos com outros
alunos em diferentes disciplinas.
O cientificismo cria diferentes teorias para compreender e
explicar a aprendizagem e o processo educativo, além de se
estenderem para o campo da terapia dos distúrbios psicológicos.
Algumas dessas formas afastam-se da psicanálise e, por
conseqüência, da hipnose, foram criadas em ambientes
experimentais e, por isso, são facilmente aceitas pelo mundo
acadêmico, que se encarrega de disseminar os novos conceitos e

69
Sessão realizada pelo autor, publicada no Jornal Bahia Hoje, Salvador, 01.10.95.
134 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

conhecimentos como indispensáveis para professores, educadores e


psicólogos. No entanto, parece que nem uma dessas novas formas
invalida a hipnose como recurso facilitador da aprendizagem.
O tratamento científico de todos os fenômenos inicia o
psicologismo e a filosofia ficou fora de moda. Para muitos as
soluções dependem agora de uma psicologia científica vinculada ao
positivismo Os psicologistas passam pelo entendimento da lógica
(domínio da filosofia) positivamente, como ciência, como uma
disciplina definidora dos modos associativos do pensamento.
Surgem novas teorias e, entre as mais importantes, projeta-se a
corrente comportamentalista e a corrente cognitivista. Ambas
surgidas nos Estados Unidos entre 1950 a 1960 que defendiam um
olhar mais pragmático sobre o fenômeno psicológico.
Burrhus Frederic Skinner (1904-990) 70 é o principal nome da
escola comportamental, achava que mais importante do que abrir a
caixa-preta da mente, como queria Freud, era se deter sobre a
realidade observável dos transtornos e seus tratamentos. Sua teoria
se baseia nos conceitos de estímulos, resposta e reforço, por
exemplo, no tratamento utilizado para fobias o paciente é incentivado
a enfrentar aquilo que teme e, influenciado pelos trabalhos de Pavlov
e Watson, passou a estudar o comportamento operante,
desenvolvendo intensa atividade no estudo da psicologia da
aprendizagem.
Devido à sua preocupação com controles científicos estritos,
Skinner realizou a maioria de suas experiências com animais
inferiores, principalmente o rato branco e o pombo. Desenvolveu o
que se tornou conhecido por "Caixa de Skinner", um aparelho
adequado para estudo do comportamento animal. Um rato é
colocado dentro de uma caixa fechada que contém apenas uma
alavanca e um fornecedor de alimento. Quando o rato aperta a
alavanca sob as condições estabelecidas pelo experimentador, uma
bolinha de alimento cai na tigela de comida, recompensando assim o
rato. Após o rato ter fornecido essa resposta, o experimentador pode
colocar o comportamento do rato sob o controle de uma variedade
de condições de estímulo. Além disso, o comportamento pode ser
gradualmente modificado ou modelado até aparecerem novas
repostas que ordinariamente não fazem parte do repertório
comportamental do rato.

70
SKINNER lecionou nas Universidades americanas de Harvard, Indiana e
Minnesota e, entre outros trabalhos, publicou os livros: Behavior of Organisms (o
comportamento dos organismos), Verbal Behavior (comportamento verbal),
Science and Human Behavior (comportamento científico e humano).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 135

O êxito em experiências de comportamento condicionado levou


Skinner a acreditar que as leis de aprendizagem se aplicam também
ao ser humano. Em 1932 relatou suas observações e, seus estudos
permitiram criar métodos de ensino programado, que podem ser
aplicados sem a intervenção direta do professor, através de livros,
apostilas ou mesmo máquinas de ensinar. Em escolas, o
comportamento de alunos pode ser modelado pela apresentação de
materiais em cuidadosa seqüência e pelo oferecimento das
recompensas ou reforços apropriados.
Um dos princípios da teoria do condicionamento de Skinner é
que as pessoas são como “caixas pretas”, descobrindo-se qual o
estímulo que produz certa resposta num organismo, quando se
pretende obter a mesma resposta desse organismo, basta aplicar-lhe
o estímulo descoberto. De acordo com essa teoria, aprendizagem é
igual a condicionamento. Isso significa que, se quiser que uma
pessoa aprenda um novo comportamento, deve-se condicioná-la a
essa aprendizagem. De fato é possível conhecer os estímulos que as
atingem e as respostas que dão a esses estímulos, mas não se
podem conhecer experimentalmente os processos internos que
fazem com que determinado estímulo leve a uma dada resposta.
Aaron Beck é o criador da vertente cognitivista, achava que
grande parte das doenças psíquicas se devia a percepções
distorcidas da realidade, e caberia ao terapeuta corrigir essas
distorções. Por exemplo, um paciente deprimido que acha que não
tem condições de trabalhar é incentivado a escrever num caderno
várias situações em que foi chamado a desempenhar tarefas e se
saiu bem. Com base nos argumentos fornecidos pelo próprio
paciente, o terapeuta tenta convencê-lo de que ele é capaz. Em um
momento da história essas duas correntes se encontraram, e desse
encontro deriva a maioria das diferentes teorias consideradas, por
muitos psicólogos e educadores, como eficientes nos tratamento dos
distúrbios psicológicos e problemas na aprendizagem.
A corrente comportamentalista e a corrente cognitivista são
estritamente cartesianas e se afastam de hipótese não estruturada
nesta mesma linha, mas outros pensadores localizaram-se na
fronteira deste conflito intelectual. Em oposição ao behaviorismo
radical surgiu outra maneira de “ver” os fenômenos humanos,
incluídos também aí questões da aprendizagem.
Os behavioristas tendem ao usar métodos científicos rigorosos,
enfatizam a utilização da experimentação em laboratórios,
analisando o comportamento de seres animados. Suas pesquisas se
encaixam no modelo do ambiente laboratorial de investigação com o
136 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

critério da observação de dados que possam ser medido e avaliado.


Procuram fatos que são quantificados e comparados. Por fim, infere
deduções e criam teorias.
O behaviorista John B. Watson, em 1913, lançou um manifesto
chamado A Psicologia tal como a vê um behaviorista, afirmando que
a psicologia deveria ser redefinida como o estudo do comportamento.
Entre os fatos de que dispunha, relativo ao comportamento, estavam
os reflexos e os reflexos condicionados, e Watson explorou-os ao
máximo. O reflexo sugeria um tipo de causalidade mecânica
compatível com a concepção de ciência do século XIX. A mesma
impressão fora dada por Pavlov, publicado mais ou menos na
mesma época.
Nas pesquisas obtidas com animais, parece que o
comportamento humano não tem características distintivas, no
mesmo patamar de observação estavam ratos, pombos, cães e
seres humanos. Tudo válido para apoiar a afirmação de que a
psicologia é uma ciência, elaborada através de dados que são
medidos e comprovados cartesianamente. E, Pavlov vai mais longe,
fez empréstimos da anatomia e da fisiologia, quando insistiu que
seus experimentos sobre o comportamento eram, na realidade, "uma
investigação da atividade fisiológica do córtex cerebral", embora não
aponte qualquer observação direta do sistema nervoso que
esclarecesse o comportamento.
Watson afirmando que o pensamento era apenas uma fala sub-
vocal e Pavlov afirmando que a linguagem não passava de "um
segundo sistema de sinais". Nada, ou quase nada, tinham a dizer a
respeito de intenções, propósitos, emoção ou criatividade humana.
Eles acentuavam a promessa de uma ciência do comportamento,
que daria conta dos conflitos e problemas humanos e afastaria as
incertezas das teorias dialéticas.
Capitaneados por Max Wertheimer, Wolfgang Kohler 71 e Kurt
Koffka 72 realizaram uma série de investigações relacionadas com o
estudo da percepção, da aprendizagem e da solução terapêutica
para os problemas da mente humana. O resultado do conjunto
destas investigações possibilitou a construção de outra teoria
denominada Psicologia da Gestalt.
O termo “Gestalt” vem do alemão, “Gestaltismo” significa
Organização, Forma, Estrutura. Designa um conjunto de princípios,
métodos, experimentos e teorias em psicologia, resultante do

71
KOHLER, W. Psicologia da Gestalt. Belo Horizonte, Itatiaia, 1980.
72
KOFFKA, K. Princípios de Psicologia da Gestalt. São Paulo, Cultrix, 1982.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 137

movimento iniciado no começo do século XX, na Universidade de


Berlim, sob a orientação de Max Wertheimer. Tendo começado como
um estudo do processo perceptivo, a “Gestaltypsychologie” acabou
por abarcar o estudo da memória, do pensamento, do
desenvolvimento individual, da motivação e do comportamento dos
grupos, constituindo-se como um sistema psicológico análogo ao
Behaviorismo – apesar de lhe ser oposto teoricamente – cuja
pretensão era a de explicar a totalidade dos processos psicológicos.
A Gestalt induz acreditar, que no processo de aprendizagem, a
experiência e a percepção são mais importante que as respostas
específicas dadas a cada estímulo. A experiência e a percepção
englobam a totalidade do comportamento e não apenas respostas
isoladas e específicas. Quando um indivíduo vai iniciar um processo
de aprendizagem qualquer, ele já dispõe de uma série de atitudes,
habilidades e expectativas sobre sua própria capacidade de
aprender. Visto assim, o sucesso da aprendizagem vai depender de
suas experiências anteriores e de muitas informações que estão em
níveis inconscientes, neste caso o processo hipnótico pode fazer
aflorar essas informações com mais facilidade.
Para os gestaltistas a aprendizagem ocorre, principalmente,
por insight, ou seja, é uma espécie de estalo, de compreensão
repentina a que se chega depois de tentativas infrutíferas em busca
de uma solução. Em relação ao trabalho escolar, pode-se afirmar
que a teoria da Gestalt é mais rica que a teoria do condicionamento,
pois tenta explicar aspectos ligados à solução de problemas. Explica,
também, como ocorre o trabalho científico e artístico que, muitas
vezes, resulta de um estalo, de uma compreensão repentina, depois
que a pessoa lidou bastante com o assunto.
A Psicologia da Gestalt, como a própria nomenclatura em
alemão sugere (forma, configuração, reunião das partes de
determinada forma e que a partir da qual, gera-se um todo que se
distingue do somatório das partes), propõe que a aprendizagem não
pode ser entendida como uma aquisição de conhecimentos devidos
a ensaio e erro sobre uma situação específica. Ao contrário, diz que
tal aquisição se faz pela percepção do campo visto como um todo.
Isto conduz a uma súbita alteração do campo perceptual e coloca
uma série de comportamentos novos.
O problema para o gestaltista não é como o dado é
solucionado, mas como é estruturado. Subjacente a estes e a outros
conceitos, na psicologia da gestalt está a diferença entre a realidade
psíquica (o que eu percebo) e a realidade objetiva (o mundo das
coisas) e a impossibilidade de compreender o homem sem uma
138 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

visão holística do mesmo. Que agrupe numa Gestalt (numa


configuração) as partes deste homem bem como sua relação com os
outros homens e com a natureza. Esses dois universos podem ser
considerados como a percepção lógica (racional e consciente) e a
percepção emocional do mundo (intuitivo e inconsciente).
Idéias e conceitos próximos da Teoria Gestalt representa
também a Teoria de Campo ou Topológica, seu principal formulador
foi Kurt Lewin (1890 - 1947). De acordo com essa teoria, são as
forças do ambiente social que levam o indivíduo a reagir a alguns
estímulos e não a outros; ou que levam indivíduos diferentes a
reagirem de maneira diferente ao mesmo estímulo. A influência
dessas forças sobre o indivíduo dependeria, em alto grau, das
próprias necessidades, atitudes, sentimentos e expectativas do
próprio indivíduo, pois são estas condições internas que constituem o
campo psicológico de cada um. O campo psicológico seria um
ambiente, incluindo suas forças sociais, da maneira como é visto ou
percebido pelo indivíduo. Assim, muitas vezes, um capítulo de
história ou um trabalho de geografia são vistos como problemas a
serem resolvidos pelo professor ou por alguns alunos, mas não por
outros, cujo campo psicológico é diferente, e que têm outras
prioridades no momento. Tratando-se de aprendizagem infantil, a fim
compreender o campo psicológico das crianças, os professores
precisam desenvolver sua sensibilidade em relação aos sentimentos
e atitudes infantis.
Como os gestaltistas e cognitivistas, os teóricos da
fenomenologia também dão grande importância à maneira como o
aprendiz percebe a situação em que se encontra. Além disso,
entendem que a criança aprende naturalmente, que ela cresce por
sua própria natureza. A teoria fenomenológica defende a
aprendizagem a partir da própria experiência da criança, por meio da
utilização de material que tenha sentido pessoal para ela e do
aproveitamento do impulso universal para o desenvolvimento das
potencialidades pessoais.
A palavra «fenomenologia» (Phänomenologie) tornou-se
conhecida como o termo que assinala uma postura filosófica
preconizada por Edmund Husserl (1859-1938). É um movimento que
se dedica a descrever as estruturas da experiência como se
apresentam à consciência, sem o recurso da teoria, dedução ou
pressupostos de outras disciplinas. Compreende-se a concepção
fenomenológica como tentativa de resgatar o significado original da
filosofia que, em determinado período na Grécia, definiu sua tarefa
dentro da dicotomia opinião (doxa) e verdade (epísteme).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 139

Das linhas da psicologia, a Fenomenologia Existencial é,


provavelmente, a mais filosófica. Diferentemente da Psicanálise, que
partiu de uma discussão médica e chegou ao conceito de
inconsciente, ela nasceu do debate sobre a relação do homem com o
mundo. Surgiu como uma contestação ao método experimental e é o
ponto de partida de Husserl. Crítica as teorias científicas,
particularmente as de inspiração positivas, apegadas à objetividade,
à crença de que a realidade se reduz àquilo que percebemos pelos
sentidos e à noção de que o cientista e o objeto que pretende
conhecer são completamente separados e independentes. Para que
se possa chegar a isso, Husserl 73 propõe que o indivíduo suspenda
todo o juízo sobre os objetos que o cercam. Que nada afirme nem
negue sobre as coisas, adotando uma espécie de abandono do
mundo e recolhimento dentro de si mesmo. Tal atitude é denominada
de redução fenomenológica ou epoquê.
Entre os teóricos da psicologia da educação destaca-se
também Jean Piaget (1896-1980), nascido em Neuchâtel, na Suíça.
Na maior parte seu de trabalho, dedicou-se a estudar a teoria do
conhecimento; como ela se desenvolve, como se estrutura, quais
são suas principais características, abordando problemas relativos à
formação da inteligência infantil. Para isso, deixou de lado estudos
tradicionais, como as teorias behavioristas, skinnerianas, entre
outras, para criar a Epistemologia Genética, propondo o retorno às
fontes e à gênese propriamente dita do conhecimento, do qual a
epistemologia tradicional conhecia apenas os estados superiores,
isto é, certas resultantes finais de um complexo processo de
formação. 74

HUSSERL, E. Investigações Lógicas: sexta investigação. Elementos de uma


elucidação fenomenológica do conhecimento). In: Coleção Os Pensadores. São
Paulo, Abril Cultural, 1980.
74
O interesse de estudo de PIAGET se estendia ao campo da religião, biologia,
sociologia e filosofia. Através da biologia suspeitou que os processos de
conhecimento poderiam depender dos mecanismos de equilíbrio orgânico,
convencendo-se de que tanto as ações externas quanto os processos de
pensamento admitem uma organização lógica. Com seus estudos em laboratório,
PIAGET convenceu-se de que o caminho para conciliar a filosofia e a psicologia
deveria ser explicado na experimentação. Sua fama mundial foi adquirida após
desenvolver estudos sobre a criança. Mesmo sendo nomeado titular de filosofia
dando aulas de Psicologia e Sociologia, não deixou de lado a investigação
experimental sobre a lógica e ontologia infantil. Seus primeiros trabalhos de
epistemologia genética surgiram quando foi professor de história do pensamento
científico. Seu projeto de elaborar uma epistemologia baseou-se nas ciências
positivas concretizando-se em 1955 quando inaugurou o Centro Internacional de
Epistemologia Genética (N. do A.).
140 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Para Piaget, a capacidade para aprender está relacionada à


forma de organização da atividade mental sob seu duplo aspecto: o
motor ou intelectual e o afetivo que, segundo ele, são denominados
“estágios de desenvolvimento”, os quais estão distribuídos de acordo
com a idade da criança: o primeiro é o estágio sensório-motor (do
nascimento até os dois anos de idade); o segundo dividi-se em dois,
o de preparação para as operações lógico-concretas (2 a 7 anos) e o
de operações lógico-concretas (7 anos a adolescência). A partir daí
até a idade adulta, configura-se o estágio da lógica formal, é quando
o pensamento lógico alcança seu nível maior de equilibração.
No conceito de Piaget a inteligência é adaptação e, sua
estrutura muda através dessa adaptação a situações novas,
enfatizando o desenvolvimento da criança como sendo uma
adaptação desta ao ambiente ou ao mundo que a circunda, ou seja,
os indivíduos não apenas respondem a este, mas também atuam
sobre ele. E, para isso, utiliza-se de dois componentes: a assimilação
(que seria o processo cognitivo de classificar novos eventos em
esquemas existentes) e a acomodação (a modificação de um
esquema ou de uma estrutura em função das particularidades do
objeto a ser assimilado). Sendo que o balanço entre assimilação e
acomodação chama-se adaptação.
Outra variável interveniente na teoria de Piaget é a motivação
do estudante, onde o educador deve estruturar o ambiente de modo
a proporcionar uma rica fonte de estimulação ao aluno, permitindo
que ele se desenvolva no seu próprio ritmo, guiado pelos próprios
interesses de modo bastante livre. Se a educação, como Piaget
sugere, for planejada para permitir que o estudante manipule os
objetos do seu ambiente, transformando-os, encontrando sentido
para eles, dissociando-os e fazendo variar seus diferentes aspectos,
até adquirir condições de fazer inferências lógicas, desenvolvendo
novos esquemas e estruturas, o estudante chegará através de uma
seqüência de desequilíbrios sucessivos, seguidos de adaptações, ao
conhecimento.
No entanto, a diferença que se encontra entre o estudante
criança e o adulto, é que quando o adulto ingressa na escola todos
os estágios de desenvolvimento já foram percorridos, tornando-se
um desafio para o educador recuperar sua capacidade de
combinação e interação, principalmente quando tratarem de idéias
abstratas que é uma das maiores dificuldades demonstradas pelos
estudantes. Tendo assim, o educador, que se preocupar em dar para
o aluno condições de receber novas informações e
conseqüentemente operá-las. Piaget, em seus estudos, afirmou que
a inteligência está ligada à ação e o organismo (a mente) só recebe
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 141

uma nova mensagem se estiver “sensibilizado”, ou seja, preparado


para recebê-la.
Outra teoria sobre educação que envolve processos de
aprendizagem é do russo Lev Semenovich Vygotsky. 75
Profundamente marcado pelo materialismo-dialético e pelas suas
concepções sobre a interação entre o homem, a natureza, a
sociedade, o trabalho humano e o uso de instrumentos, construiu
sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como
resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da
linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa
teoria considerada histórico-social. Sua questão central é a aquisição
de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio.
Vygotsky e Luria 76 explicam que na área da percepção, a
criança no início de sua vida tem apenas sensações orgânicas -
tensão - dor - calor, principalmente nas áreas mais sensíveis.
Quando a criança deixa de sofrer influência desses processos
biológicos, passa a perceber a realidade. A percepção da realidade
requer processos biológicos como determinantes de experiência,
permitindo que seu organismo passe a ser afetado por fatores
externos, mas só a realidade dos fatores externos não determina
completamente essa percepção. A informação de que esses
processos biológicos tornam-se disponível no organismo é
organizado pela própria criança através de experiência social e
cultural. A criança passa a ver o mundo com sua própria visão,
administrando sob seu ponto de vista. Para Vygotsky, 77 a
percepção, memória, emoções e causas que são mediadas
socialmente substituem sensações orgânicas e habilita para o
contato com o mundo e, o meio social, passa a ser o responsável
pela condução da pessoa para a realização de todas as suas
potencialidades.
A concepção de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro
humano é em base biológica, com peculiaridades que definem limites
e possibilidades para o desenvolvimento humano. Essas concepções
fundamentam sua idéia de que as funções psicológicas superiores,

75
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), nasceu na cidade de Orsh, em Bielarus,
país da extinta União Soviética, onde também faleceu, vítima de tuberculose, aos
37 anos. Vasta foi a sua produção intelectual, se estendia desde a neurologia até
a crítica literária, passando pela psicologia, linguagem, deficiência, educação etc.
(N. do A.).
76
VYGOTSKY, L. S., LURIA, A. R. e LEONTIEV, A. N. Linguagem,
Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo, Editora da USP, 1988.
77
VYGOTSKY, L. - Pensamento e linguagem. SP, Martins Fontes, 1988.
142 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

como a linguagem e a memória, são construídas ao longo da história


social do ser humano, em sua relação com o mundo. As funções
psicológicas superiores referem-se a processos voluntários, ações
conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de
aprendizagem.
Vygotsky analisa as relações entre desenvolvimento e
aprendizagem sob dois ângulos: um que se refere à compreensão da
relação geral entre o aprendizado e o desenvolvimento, que tem
início desde o primeiro dia de vida de uma pessoa; e outro que diz
respeito às peculiaridades dessa relação no período escolar, quando
o aprendizado passa a produzir algo fundamentalmente novo no
desenvolvimento da criança. Para elaborar as dimensões do
aprendizado escolar, Vygotsky apresenta um conceito novo, zona de
desenvolvimento proximal e o aprendizado escolar é o responsável
maior por sua criação:
... zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível
de desenvolvimento real, que se costuma determinar através
da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de
problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração
com companheiros mais capazes (VYGOTSKY).78
Para Vygotsky o aprendizado é considerado como um aspecto
necessário e fundamental no processo de desenvolvimento das
funções psicológicas superiores, visto que o desenvolvimento pleno
do ser humano depende do que ele aprende num determinado grupo
cultural, a partir da interação com outros indivíduos de sua espécie.
Nessa perspectiva, é o aprendizado que possibilita e movimenta o
processo de desenvolvimento, garantindo a constituição das
características psicológicas especificamente humanas e
culturalmente organizadas.
Vygotsky identifica dois níveis de desenvolvimento: um que se
refere às conquistas já efetivadas, que ele chama de nível de
desenvolvimento real, e outro, o nível de desenvolvimento potencial,
que se relaciona com as capacidades em vias de serem construídas.
O nível de desenvolvimento real pode ser entendido como referentes
àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas
funções ou capacidades que ela já aprendeu e domina, pois já
consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais
experiente (pai, mão, professor, criança mais capaz etc.). Nas
escolas, na vida cotidiana e nas pesquisas sobre o desenvolvimento
78
VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. 4ª. ed., São Paulo, Martins
Fontes, 1991a
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 143

infantil, tradicionalmente, costuma-se avaliar a criança somente


neste nível, isto é, supõe-se que somente aquilo que ela é capaz de
fazer, sem a colaboração dos outros, é que é representativo do seu
desenvolvimento.
O nível de desenvolvimento potencial se refere àquilo que a
criança é capaz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa
(adultos ou crianças mais experientes). Nesse caso, a criança realiza
tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da colaboração, da
imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhe são
fornecidas. Esse nível, para Vygotsky, é bem mais indicativo do seu
desenvolvimento do que aquilo que ela consegue fazer sozinha.
A distância entre aquilo que alguém é capaz de fazer de forma
autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em
colaboração com os outros elementos de seu grupo social (nível de
desenvolvimento potencial), caracteriza o Vygotsky chamou de zona
de desenvolvimento proximal e define funções ainda não
amadurecidas, mas que estão em processo de maturação. Essas
funções poderiam ser chamadas de "brotos" ou "flores" do
desenvolvimento, ao invés de "frutos" do desenvolvimento. O
conhecimento adequado do desenvolvimento individual envolve,
então, tanto a consideração do nível de desenvolvimento real quanto
do potencial.
O aprendizado é o responsável por criar a zona de
desenvolvimento proximal, na medida em que, em interação com
outras pessoas, a criança é capaz de colocar em movimento vários
processos de desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam
impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e passam a
fazer parte do seu desenvolvimento individual. É por isso que
Vygotsky afirma que aquilo que é a zona de desenvolvimento
proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã, ou seja,
aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será
capaz de fazer sozinha amanhã.
As implicações pedagógicas da teorização de Vygotsky são
amplas, merecendo destaque as projeções para a condução do
processo pedagógico que se constitui num poderoso amparo para o
desenvolvimento pleno do aluno. Suas idéias a respeito da relação
entre o aprendizado e o desenvolvimento das potencialidades
humanas consideram que a educação antecede o desenvolvimento,
embora se realize com base no nível de desenvolvimento já
alcançado.
O processo pedagógico deve direcionar-se para a ampliação da
zona de desenvolvimento proximal para que desenvolva as
144 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

potencialidades de aprendizagem do aluno. Para ampliar a zona de


desenvolvimento proximal, o ensino deve estar voltado não apenas
para ações práticas e executivas, mas também para ações de
orientação, que permitam ao aluno, conhecendo a realidade, propor
ações executivas necessárias para a solução de novos problemas.
Para que o ensino alcance seus objetivos, é necessário considerar
não somente o que o aluno já é capaz de realizar sozinho, ou seja,
as aquisições já consumadas, mas também aquilo que esse
conhecimento possibilitou em termos de novas aquisições. O
conhecimento das potencialidades do aluno deve se constituir não
apenas numa base para orientar o desenvolvimento daquilo que ele
já é capaz de desenvolver, mas também nortear ações para que
novas potencialidades se desenvolvam.
Para Vygotsky, a escola deve se comprometer com a condução
adequada do desenvolvimento da pessoa, realizando ações
pedagógicas que permitam seu desenvolvimento. Para que isso
aconteça, é necessário partir da idéia de que a aprendizagem é um
processo de transformação que tem lugar no psiquismo humano,
realizada através da apropriação das experiências sócio-culturais
acumuladas pela humanidade, mas que se manifesta através das
ações transformadoras do mundo, projetando-se, então, para a
produção de um novo desenvolvimento. Nesse sentido, o processo
pedagógico deve ser capaz de promover, com base nas
potencialidades da pessoa, desafios cada vez maiores para que ela
possa realizar-se como "sujeito do aprender" e, conseqüentemente,
como sujeito transformador de seu mundo.
Em oposição à pedagogia tradicional que tem como valores a
disciplina, a transmissão de conteúdos do professor para o aluno e a
memorização, surgiram vários autores propondo novos pontos de
vista voltados para a chamada educação humanista. Um deles foi o
norte-americano Carl Ranson Rogers (1902-1987), 79 nascido em
Ilinois, Estados Unidos. Suas idéias, tendo sido propostas
inicialmente para o campo psicoterapêutico, foram ocupando
espaços nas Organizações, Educação, Escolas, Aprendizagem, etc.
Com isso Carl Rogers passa a ser conhecido como o criador do

79
Rogers, aos doze anos, foi morar em uma fazenda e, desde então, passou a
interessar-se pelas ciências naturais e pela agricultura. Graduou-se em Ciências
Físicas e Biológicas; formou-se em História e Psicologia. Em 1928, concluiu seu
mestrado e, em 1931, obteve o título de doutor na área de Psicologia. Foi
professor em diversas universidades: Ohio, Chicago e Wisconsin. Suas obras
principais foram: (1951) Terapia centrada no paciente. (1961) Tornar-se pessoa.
(1970) Grupos de encontro. (1972) Novas formas de amor. 1977) Sobre o poder
pessoal. (1980) Um jeito de ser. (1983) Liberdade para aprender nos 80 (N. do A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 145

"ensino centrado no estudante" a partir da Abordagem Centrada na


Pessoa, que se baseia fundamentalmente numa crença na
potencialidade interna e num respeito pela individualidade e
singularidade humana.
Para Carl Rogers o homem deve visto como uma totalidade, um
organismo em processo de integração de uma pessoa, na qual os
sentimentos e experiências exercem um papel muito importante
como fator de crescimento. Enquanto na educação tradicional, o
professor deve se manter o mais distante possível do aluno, e não
deve se envolver emocionalmente, na educação humanística só há
aprendizado quando há envolvimento emocional.
O ato de ensinar, no sentido tradicional do termo, não é aceito
por Carl Rogers, pois, implica uma pressão sobre o aluno que é
inútil. Os conhecimentos não são comunicáveis, não é o mestre que
deve dar algo ao aluno e sim o aluno que deve descobrir de que
precisa. A relação de autodescoberta entre aluno e ensino é
fundamental. Nessa abordagem, o aluno não é um simples
depositário de conhecimentos e a função do professor não é apenas
transmitir informações, mas principalmente criar condições para que
os alunos aprendam. Nesta perspectiva, o objetivo da educação é a
realização plena do ser humano e o uso pleno de suas
potencialidades e capacidades.
Segundo Carl Rogers, o indivíduo é capaz de dirigir-se a si
mesmo, de encontrar na sua própria natureza o seu equilíbrio e os
seus valores e sua alienação consiste em não ser fiel a si mesmo.
Para esse autor, somente quando o homem sente-se
incondicionalmente aceito, ele se atreve a aceitar-se como é e abrir-
se para o processo de aprendizado. Essa postura não aceita
qualquer projeto social que seja baseado no controle e na
manipulação das pessoas, ainda que isso seja feito com a
justificativa de tornar as pessoas mais felizes. As pessoas devem ser
acostumadas desde pequenas à autonomia e a assumirem a
responsabilidade das suas decisões pessoais.
Carl Rogers preferia chamar os professores de facilitadores,
essa palavra foi deformada com o tempo e perdeu quase
completamente seu significado original. Para muitos, o facilitador é
alguém que transfere a responsabilidade de aprendizado para o
aluno. Exemplos disso são os professores que no primeiro dia de
aula dividem os assuntos pelos diversos alunos e os mandam depois
apresentar o resultado dessa pesquisa (que quase nunca é
pesquisa, mas apenas repetição de idéias de um autor já
demarcado).
146 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

O facilitador, para Rogers, é alguém que tem confiança na


relação pedagógica e cria um clima apropriado para a convivência
apresentando aos alunos uma base para que eles possam avançar e
aceitar o grupo e cada um de seus membros como eles são. A
aceitação deve ser não só intelectual, mas principalmente afetiva;
alguém que se converte em um membro do grupo e participa
ativamente do ato coletivo da aprendizagem. Ou seja, facilitador é
alguém que cria condições para o aprendizado, incentivando os
alunos a se aprofundarem nos assuntos de acordo com seus
interesses. Por exemplo, após uma aula sobre a África, o aluno
poderia se aprofundar em temas como o tráfico de escravos, as
religiões africanas, etc., e depois compartilharem suas descobertas
com os colegas. É muito diferente de simplesmente deixar os alunos
darem aulas no lugar do professor, como alguns têm entendido a
proposta humanística.
Carl Rogers mostra que a educação deve ser centrada no
aluno, mas que o professor deve providenciar-lhe uma base que lhe
permita aprender. Além disso, ele ensina a importância da
afetividade no processo educacional. Os alunos só aprenderão se for
estabelecido um clima de amizade, em que todos sejam aceitos com
suas próprias características.
Outra grade contribuição para se entender o aprendizado e a
prática educativa foi de Paulo Freire que considera a educação como
uma prática política. Sua pedagogia é conhecida como: Pedagogia
do Oprimido, Pedagogia da Liberdade, Pedagogia da Esperança. Em
seus trabalhos. Defende a idéia de que a educação não pode ser um
depósito de informações do professor sobre o aluno tais como os
depósitos bancários. Respeitando-se a linguagem, a cultura e a
história de vida dos alunos, pode-se levá-los a tomar consciência da
realidade que os cerca, discutindo-a criticamente.
Paulo Freire revoluciona os métodos de alfabetizar pessoas
adultas usando-se os mesmos procedimentos utilizados com
crianças. Seu método parte do princípio de que é necessário
aproximar a cultura ao vocabulário dos alunos, desvelando-se a
realidade subjacente às palavras geradoras em debates. Dos
debates e da força das palavras geradoras, chega-se ao domínio do
código escrito.
Em seus livros Paulo Freire reflete sobre a alfabetização,
criticando a proposta simplificadora que se limita ao repetir de idéias
alheias e à memorização de palavras e letras. Na sua concepção, o
processo de alfabetizar deve permitir ao alfabetizando a
compreensão do ato de ler, de estudar, ensinando-o a pensar a partir
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 147

da realidade social que o cerca, estimulando, assim, a prática de um


diálogo conscientizador e gerador de uma reflexão crítica e
libertadora. 80
A base da pedagogia de Paulo Freire é o diálogo libertador e
não o monólogo opressivo do educador sobre o educando. A relação
dialógica estabelecida entre os dois, faz-se com que este aprenda a
aprender. Respeita-se o aluno não o excluindo da sua cultura,
fazendo-o de mero depositário da cultura dominante. Ao se descobrir
como produtor de cultura, os homens se vêem como sujeitos e não
como objetos da aprendizagem. Paulo Freire é um educador com
profunda consciência social. Para ele, mais do que ler escrever e
contar, a escola tem o compromisso de desvelar para os homens as
contradições da sociedade em que vivem. 81
Em 1958, Paulo Freire, no II Congresso de Educação de
Adultos, em Pernambuco, discute o ciclo de miséria gerado pelo
analfabetismo e defende os meios audiovisuais para alfabetizar
adultos. Palavra e imagem se reforçavam a seu ver, num processo
que partia da própria palavra do educando. Usando método próprio,
iniciou seu trabalho com cinco adultos analfabetos e os alfabetizou
em 30 horas. A partir de pesquisa sobre o universo vocabular dos
alunos, eram selecionadas palavras geradoras que davam origem a
debates, organizando-se temas de interesse dos alunos. A partir daí,
as palavras aliadas a imagens eram subdivididas em sílabas que,
reorganizadas, davam origem a outras palavras.
As breves considerações apresentadas neste livro a respeito
das diferentes teorias sobre a educação, a aprendizagem e o
desenvolvimento humano, não invalidam o uso da hipnose como
recurso instrucional ou educacional. Por qualquer hipótese teórica
aqui sinalizada, a hipnose pode acrescentar condições favoráveis
para a aprendizagem eficaz e contribuir para a educação facilitando
ato pedagógico.

80
Principais publicações de P. Freire: (1959) Educação e atualidade brasileira,
(1966). Educação como prática da liberdade, (1970). Pedagogia do oprimido,
(1971). Extensão ou comunicação, (1976). Ação cultural para a liberdade e outros
escritos, (1977). Cartas a Guné-Bissau, (1981). Educação e mudança, (1982). A
importância do ato de ler, (1988). Sobre educação (diálogos), (1992). Pedagogia
da esperança, (1993). Política e educação, (1994). Cartas à Cristina, (1995). À
sombra desta mangueira, (1996). Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários
à prática educativa, (2000). Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos (N. do A.).
81
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Ed. Paz e Terra, 23ª Edição, 1996.
148 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Hipnoterapia e outras psicoterapias


Para o conhecimento mais amplo do que pode ser entendido
como hipnose, é importante saber, pelo menos em linhas gerais, o
que diz as principais teorias que fundamentam as psicoterapias, se
incluído aí filosofias de vida e concepções de mundo. As diferentes
correntes de pensadores, lembradas nesta parte da leitura, podem
ajudar na compreensão da etiologia da hipnose, objeto de estudo do
próximo capítulo deste livro.
A hipnoterapia pode ser lembrada quando novos
conhecimentos reúnem conceitos antigos, ou ainda quando várias
correntes de pesadores se fundem ou se tangenciam, modificando,
extinguindo ou criado soluções para os conflitos humanos através de
novas reflexões e teorias. No mundo acadêmico, algumas se tornam
mais aceitas em relação às outras.
Da teoria da Gestalt, deriva a Gestalt-terapia que é uma
filosofia de vida além de uma prática psicoterápica. É um ponto de
interseção de várias correntes do pensamento, suas fontes de
influências são: o Humanismo, a Fenomenologia, o Existencialismo,
a Psicanálise, a análise Reicheana do Caráter, a Teoria Organísmica
de Goldstein, o Taoísmo e o Zen-budismo. Tais correntes tão
diversas possuem ou assumem concepções de vida também
diversas ou antagônicas entre si. Compreender qual a resultante do
somatório de contribuições tão distintas é talvez descobrir o ponto de
equilíbrio entre a razão e a emoção ou o consciente e o inconsciente
que norteiam a vida do ser humano.
O Humanismo pode ser entendido como uma doutrina que tem
como princípio a idéia de que o homem é a medida de todas as
coisas, elaborada pelo filósofo grego Pitágoras (485 a.C. e 410 a.C.).
É um antropocentrismo reflexivo, ou seja, o conhecimento do homem
pelo homem, que tem como objetivo valorizar o ser humano como
ser autônomo. Em sentido mais amplo, é qualquer sistema filosófico
que situe o homem no centro de sua reflexão. O termo humanismo é
usado também para descrever o movimento cultural e literário que se
dissemina na Europa nos séculos XIV e XV. Surge como movimento
nas Artes, na Literatura e na Filosofia durante o pré-renascimento
italiano. É uma reação contra a Escolástica, o conjunto das doutrinas
oficiais da Igreja Católica, que tenta conciliar razão e fé. O
humanismo renascentista considera a volta à cultura e aos ideais da
antiguidade greco-romana e, em particular, à sua literatura, como
única maneira de restaurar e valorizar a dignidade do espírito
humano. Nesse sentido, opõe-se potencialmente às religiões
reveladas, como o cristianismo.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 149

Os italianos: Francesco Petrarca (1304-1374), Coluccio Salutati


(1331-1406), Leonardo Bruni (1374-1444), Lorenzo VALLA (1407-
1457) e Desiderio Erasmo (1467-1536), lançam as bases do
movimento humanistas. A partir do século XIX, pensadores alemães
como Ludwing Feuerbach (1804-1872), Karl Marx (1818-1883) e
Friedrich Nietzsche (1844-1900) elaboram concepções filosóficas
humanistas. Segundo elas, do ponto de vista moral, o homem deve
abstrair-se de toda crença religiosa e construir seu futuro com base
apenas no potencial humano. No século XX, o humanismo é
retomado pelo existencialismo.
A Fenomenologia na perspectiva de Martin Heidegger
compreende a verdade com um caráter de provisoriedade,
mutabilidade e relatividade, radicalmente diferente do entendimento
que pressupõe a verdade una, estável e absoluta. Essa é uma das
razões por que se diz que a Fenomenologia é uma postura ou atitude
(um modo de compreender o mundo) e não uma teoria (modo de
explicar o mundo). A Fenomenologia orienta o seu olhar para o
fenômeno, ou seja, na relação sujeito-objeto (ser-no-mundo). Isso
representa o rompimento do clássico conceito sujeito/objeto.
O método fenomenológico se define como aquilo que aparece à
consciência, que se dá como objeto intencional. Toda consciência é
“consciência de alguma coisa”. Assim sendo, a consciência não é
uma substância, mas uma atividade constituída por atos (percepção,
imaginação, especulação, volição, paixão, etc.), com os quais visa
algo. As essências ou significações noema são objetos visados de
certa maneira pelos atos intencionais da consciência noesis. Afim de
que a investigação se ocupe apenas das operações realizadas pela
consciência, é necessário que se faça uma redução fenomenológica
ou Epoché, isto é, coloque-se entre parênteses toda a existência
efetiva do mundo exterior. As coisas, segundo Husserl, caracterizam-
se pelo seu inacabamento, pela possibilidade de sempre serem
visadas por noesis novas que as enriquecem e as modificam.
A teoria Gestalt assume uma concepção de humano como um
ser total, holístico. Mostra como a compreensão de aspectos
isolados deste ser e não permite ilações sobre o mesmo. Afirma que
o ser humano só existe no todo, isto é, ele é um ser bio-psico-social
e, que só assim, pode ser de fato entendido. O ser humano é este
“todo” composto de “partes”, sendo a singularidade da vida individual
produto da configuração de cada um, ou seja, de como cada sujeito
em particular agrupam-se e arranjam-se suas partes. A Gestalt-
terapia também o compreende assim, mas acrescenta que o ser
humano, ao se identificar com apenas algumas de suas partes que
são valorizadas por ele ou pelo meio no qual vive, e, ao se alienar de
150 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

outras partes, também suas, que são vistas como inadequadas, gera
em si mesmo um conflito de identificação X alienação.
Um exemplo para o conflito de identificação X alienação seria
alguém não querer ver o seu próprio egoísmo, então se aliena dele,
que para ele passa a não existir, mas continua nele a agir. A partir
desta alienação ou não percepção, o organismo fica dificultado na
sua busca de equilíbrio (homeostase) e na obtenção da auto-
realização. Dessa forma, a integração e organização humanas, ficam
comprometidas. Para a reversão desta situação faz-se necessário
um trabalho de tomada de consciência continuada (awareness
continuum) que colocará o sujeito em contato com as partes que ele
alienou, tornando-se inteiro, e aí se ele quiser poderá, de fato,
mudar. Esse processo se assemelha, na forma e no efeito, a terapia
praticada pela regressão hipnótica.
Também deriva da Gestalt a Teoria de Campo ou Topológica,
seu principal formulador foi Kurt Lewin. De acordo com essa teoria,
são as forças do ambiente social que levam o indivíduo a reagir a
alguns estímulos e não a outros; ou que levam indivíduos diferentes
a reagirem de maneira diferente ao mesmo estímulo. A influência
dessas forças sobre o indivíduo dependeria, em alto grau, das
próprias necessidades, atitudes, sentimentos e expectativas do
próprio indivíduo, pois são estas condições internas que constituem o
campo psicológico de cada um. O campo psicológico seria um
ambiente, incluindo suas forças sociais, da maneira como é visto ou
percebido pelo indivíduo.
Entre as teorias convencionais do ambiente acadêmico, torna-
se fundamental conhecer mais o pensamento de Carl Ranson
Rogers, responsável pela paternidade da Terapia Centrada na
Pessoa. Esta terapia, também é chamada de Terceira Força, é
contra o behaviorismo e tem forte base humanista. Afirma que o
homem apela para a vida por meio de auto-realização, ou seja, o
organismo tem como motivo básico a sua automotivação. 82 Um dos
seus livros mais importante “Tornar-se pessoa” afirma que um dos
principais objetivos do ser humano é buscar uma vida mais rica e
plena, pois tem o potencial de desenvolvimento, de crescimento e de
realização. Para que este processo de auto-realização ocorra o ser
humano precisa: ser libertado de suas peias internas e ser capaz de
um contato íntimo com outras pessoas, sem máscaras, sem jogos.
Para tanto, precisa crias novos projetos, ser cooperativo, receptivo e
amoroso.
82
ROGERS, C. R. (1951) Terapia Centrada no Paciente. Lisboa, Moraes Editores,
1974.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 151

Carl Rogers, na sua abordagem centrada na pessoa,


inicialmente postulou a existência de um processo direcional na vida
que denominou de tendência realizadora. Ele defendeu, ao longo da
sua carreira, que o indivíduo traz, em si, imensos recursos para a
autocompreensão e atualização de seus autoconceitos e autonomia
atitudinal latente. Esse potencial de autocrescimento e auto-
regulação é atualizado, reforçado e ativado quando ocorre fatores
motivacionais que favoreçam a elevação da auto estima.
A terapia centrada na pessoa, não-diretiva ou rogeriana, propõe
que o sujeito em análise ' fale'
. Ele precisa ter oportunidade para
refletir sobre o seu ' eu'
, revelar a consciência que tem de si mesmo e
como avalia o seu próprio comportamento. A auto-realização pode
ser alcançada pelo treinamento da sensibilidade, em grupos de
encontro e exercícios que promovam o crescimento pessoal.
A teoria rogeriana indica ainda que entre o cliente e o terapeuta
deve existir um clima emocional de cordialidade, apoio e aceitação
para que um ambiente seguro seja instalado. Para tanto, três
condições são exigidas do terapeuta nesta relação: Autenticidade,
Aceitação incondicional e Empatia. Resumindo, a tarefa do terapeuta
é clarificar a vida do seu cliente, funcionando como um espelho.
Neste campo amplo das terapias é necessário também refletir
mais o pensamento do soviético Lev Semenovich Vygotsky. Seu
trabalho ocorre na Rússia pós-revolucionária, quando ele fazia parte
de um grupo de estudiosos que, trabalhando num ambiente de
grande efervescência intelectual, buscava novos caminhos para a
sociedade que surgia, através da união entre a produção científica e
o regime social recém implantado na Rússia.
Vygotsky e seus colaboradores buscavam, mais
especificamente, a construção de uma nova psicologia, que
superasse as tendências do início do século (psicologia como ciência
natural ou como ciência da mente), na qual o homem pudesse ser
abordado enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser
social, enquanto membro da espécie humana e participante de um
processo histórico. Construiu sua teoria tendo por base o
desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-
histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem
nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-
social.
Trabalhando com vítimas da guerra e da revolução russa,
Vygotsky deparou-se com uma variedade de traumas somáticos e
psicológicos. Com esses pacientes verificou que poderiam ser
tratados com artefatos sociais, como o Braille e a quirologia, que
152 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

ajudaram a compensar os prejuízos físicos como a visão e audição.


O apoio social torna-se um fator de encorajamento e orientação,
compensando as deficiências físicas e psicológicas. Essas
compensações permitem ao indivíduo desenvolver suas funções,
lendo, comunicando, argumentando.
De acordo com Vygotsky, fenômenos psicológicos são sociais,
dependem de experiência social e tratamento, eles absorvem os
artefatos culturais. Experiência social inclui a maneira como as
pessoas estimulam e dirigem entre si, a atenção, o comportamento
padrão, (encorajar, desencorajar), controla movimentos e organiza
as relações de espaço entre indivíduos. Artefatos culturais são
sinais, símbolos, condições lingüísticas, industrialização de objetos e
instrumentos. Tratamento social e produtos socialmente produzidos
geram e caracterizam fenômenos psicológicos.
Identificando-se com a linguagem utilizada na hipnoterapia,
outras psicoterapias usam, dentro do mesmo enfoque, termos que
expressam sentimentos humanos. Entre as técnicas psicoterapicas,
do ponto de vista da emoção, elevação da auto-estima, valorização
do corpo através de constante processo sugestivo, a obra do médico
e naturalista Wilhelm Reich (1897-1957) é a mais completa. É um
apelo constante a uma volta ao corpo, a uma compreensão do
chamou de bioenergia das emoções (organobiofísica), a uma visão
mais ampla e aberta da sexualidade, a uma compreensão do corpo
como uma totalidade. As lembranças devem ser acompanhadas dos
afetos ligados a estas lembranças e o corpo deve estar presente no
ato psicoterapêutico. Reich descreveu a contração da musculatura
corporal como sendo o ato habitual de repressão, para ele a
repressão dos desejos manifesta-se na contração seletiva dos
músculos. A terapia é então devotada ao afrouxamento desta rigidez
corporal, de forma a liberar a excitação para o comportamento
natural que o indivíduo havia reprimido e o restabelecimento da
função orgástica é o foco principal da terapia. 83 Estes pensamentos
lembram em certa medida uma mescla da teoria de Mesmer
(energia) e de Freud (sexualidade).
Embora Reich tenha circulado pelas mais variadas áreas do
conhecimento, como a Psicanálise, a Epistemologia, a Sociologia, a
Antropologia, a Biofísica, a Física etc., o fio condutor de sua
pesquisa sempre foi a investigar o que denominou de processos
energéticos básicos. Inicialmente, nos domínios psíquico e social;
depois, na dimensão biofísica; por fim, no território cósmico.
83
POLSTER, E. & POLSTER, M. Gestalt-terapia integrada. Belo Horizonte,
Interlivros, 1979.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 153

Desenvolveu ampla pesquisa sobre o que acreditou ser “processos


energéticos primordiais e vitais”. Iniciou seu trabalho na década de
1920, tendo como principal objeto de estudo o funcionamento da
"bioenergia" ou "a função bioenergética da excitabilidade e
motilidade da substância viva". O encaminhamento desse trabalho
conduziu-o à hipótese de que existe uma "força básica” que atua não
só nos seres vivos, mas também no cosmos. Segundo acreditam
seus seguidores, esse tipo de energia foi experimentalmente
comprovado por Reich no período 1939-1940 e, então, nomeado
como "energia orgone cósmica".
Com a teoria de Reich, nasce a Orgonomia, se dedica ao
estudo das manifestações da energia orgone no micro e no macro
cosmos, no vivo e no inanimado. Reich desenvolve sua teoria inicial
por mais dezoito anos (até sua morte, em 1957) em várias
dimensões: Orgonoterapia; Física, Astrofísica e Biofísica Orgone;
Pedagogia Orgonômica; Orgonometria etc. (O termo "orgonomia",
além de indicar esse novo conhecimento, expressa, também, o
conjunto da produção intectual reichiana). Simultaneamente à
pesquisa sobre os processos energético-vitais, elaborou no decorrer
de seu percurso, três técnicas terapêuticas: a análise do caráter
(1923-1934), a vegetoterapia caractero-analítica (1934-1939) e a
orgonoterapia (1939-1957). E, também, um novo método de
pensamento e pesquisa (o Funcionalismo Orgonômico) e uma
técnica de ordenação das funções naturais, que associa as
dimensões qualitativas e quantitativas na pesquisa orgonômica (a
Orgonometria).
Com o pensamento de Kurt Goldstein 84 nasce a Teoria
Organísmica, compreende o homem como um ser em busca de
equilíbrio (homeostase) para a obtenção da auto-realização.
Goldstein, estudioso da neurologia, chegou à conclusão de que um
sintoma não podia ser considerado ou compreendido a partir apenas
de uma lesão orgânica, senão a partir da consideração do
organismo-como-um-todo, o organismo é uma só unidade, o que
ocorre em uma parte, afeta o todo.
A Teoria Organísmica assume que: 1) a pessoa é una,
integrada e consistente; 2) o organismo é um sistema organizado,
com o todo diferenciado em suas partes; 3) o ser humano possui um
impulso dominante de auto-regulação pelo qual é permanentemente
motivado; 4) o ser humano tem dentro dele as potencialidades que
regulam seu próprio crescimento, embora possa e receba influências
positivas de crescimento do meio exterior, as quais ele seleciona e
84
GOLDSTEIN, K. The organism. New York, American Book Co, 1939.
154 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

utiliza; 5) a utilização dos princípios da Psicologia da Gestalt,


enquanto funções isoladas, como percepção e aprendizagem,
ajudam na compreensão do organismo total, holístico.
São conceitos dinâmicos de Goldstein: a) equalização e
centragem como processo de redistribuição de energia pelo
organismo, que o leva a um estado de tensão normal; b) a auto-
realização como o motivo único do organismo, ou seja, é o princípio
orgânico pelo qual o organismo se desenvolve plenamente; c)
Composição, “por-se de acordo” com o ambiente, harmonização do
organismo compondo-se com o ambiente e, a partir daí, num
segundo momento, sobreposição aos problemas que surgem a partir
do contato com o mundo. Para Goldstein o ser humano se compõe
com o ambiente e ou redistribui intensamente sua energia pelo
organismo.
Grandes pesadores orientais, distante e antecedente da
preocupação com lógica - cientifica do mundo ocidental, também
contribuem para a compreensão do que pode ser determinado como
terapia holística. O hinduísmo, o budismo e o taoísmo, este em
especial, se interessam pela sabedoria intuitiva e não pelo
reconhecimento racional.
O Taoísmo com suas raízes provenientes da cultura chinesa,
tem como base o Tao que se define como a causa primeira e
fundamental de tudo. O Tao é invisível, ainda que através dele se
manifeste o mundo; sem forma, ainda que permeie todas as formas.
Definindo o que pode ser entendido como Tao, assim se refere o
escritor taoísta Lao-Tsé:85
É como um grande rio cósmico que flui através de todas as coisas. É o
caminho, a verdade e a meta. É a integração dinâmica do Yin e Yang, do
positivo e do negativo, do macho e da fêmea. É a mãe de todas as coisas
(LAO-TSÉ ).
Para Lao-Tsé, o homem perfeito é quem aprende a fluir com o
Tao. Ele é liberto do Ego e do mundo, com paz total e harmonia, ele
não empurra os acontecimentos, mas deixa a onda cósmica levá-lo.
Lao-Tsé deu várias instruções sobre como viver melhor, mas
reconheceu que a mudança mais importante é a interna, é uma
questão de consciência:
Quando um letrado da mais alta classe ouve falar do Tao, ele o segue com
zê-lo. Quando um letrado médio ouve falar da Tao, em certos momentos o
segue, em outros o perde. Quando os letrados da mais baixa classe ouvem
falar de Tao, riem-se dele. Mesmo que não se riam isso não significa que o

85
LAO-TSÉ. O livro do caminho perfeito, São Paulo, Pensamento, 1990.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 155

sigam. Há uma tradição antiga que diz: O Tao iluminado para muitos é
obscuro (LAO-TSÉ).
A concepção do ser humano subjacente ao taoísmo é a de um
ser que para se realizar deve torna-se integrado, isto é, suas forças
conflitantes devem ser trazidas a balanço e harmonia. Assim ele
passa a ser centrado, o que resulta em um estado espiritual de
esclarecimento. Os taoístas preconizam a integração humana, isto é,
a assimilação por parte do homem de todas as coisas disponíveis e
que conformam o Tao. Mostram que, fundamentalmente, a
integração se dá através de uma mudança interna que denominam
de consciência, e frisam o desapego egoísta para que, em paz e
harmonia, o homem possa ser levado pela “onda cósmica”.
Contribui com o pensamento do Tao, o Zen, ou doutrina do
coração de Buda, introduzida na China pelo monge Bodhidharma,
um dos grandes reformadores do budismo tradicional. Possui três
escolas principais: As duas primeiras são Soto, Obaku, que
enfatizam a meditação ou o Zen sentado; considera que para o ser
humano evoluir, a coisa mais importante é sentar e meditar. A
terceira escola é Rinzai, enfatiza o Koan que é uma frase oferecida a
cada discípulo, de acordo com a sua natureza. Essa frase é muitas
vezes alógica ou até risível. Exemplo: quando se bate com uma mão
de encontro com a outra se ouve um som, mas não se sabe qual é o
som produzido por uma mão só. Os Koans não são apenas enigmas
ou observações misteriosas, através disso objetivam impulsionar o
discípulo até o limite último da reflexão a fim de obter os segredos da
mente.
O Budismo de feição Zen 86 estima e valoriza o despojamento,
a simplicidade, a naturalidade, o gosto por paradoxos e pelos
“koans”, concebe a iluminação como uma necessidade que o ser
humano tem de dar sentido à sua própria existência. O Zen é uma
técnica que adota os seguintes recursos: paradoxo, ultrapassagem
dos opostos, contradição, afirmação e repetição. O objetivo último da
disciplina Zen é a aquisição do satori, isto é, a adoção de um novo
ponto de vista para olhar a essência das coisas. Não consiste em
produzir uma condição pré-determinada, por pensar-se intensamente
nela, mas sim adquirir um novo ponto de vista ao olhar para as
coisas.
A sentença que talvez se aproxime do pensamento Zen é:
“pouco adianta falar, muito menos escrever. Os pássaros cantam e o
sol surge diariamente, sem explicações. Assim deve ser em todas as

86
SUZUKI, D. C. Introdução do Zen-budismo. São Paulo, Pensamento, 1969.
156 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

coisas. Simplesmente”. Allan Watti, em Meaning of Happinen, fala do


Zen e, metaforicamente, refere-se a alguém que querendo examinar
o vento, prendia-o em uma caixa, e o que tinha não era mais vento e
sim ar estagnado. Para os Zen-Budistas o Zen não se explica, é
alógico, mas pode ser percebido.
A concepção de homem implícita no Zen é a de um ser em
busca de iluminação, de alguém que precisa aprender ou reaprender
a lidar com si e com o mundo de uma forma mais plena e total para
que possa de fato, ser e encontrar a si mesmo e com o mundo. Para
os Zen-budistas a busca da iluminação consiste em, simplesmente,
viver a vida com a consciência do momento presente, com a
consciência do aqui e agora, sem preocupações com o depois que
acontecerá naturalmente, simplesmente, como tem de acontecer.
Uma grande contribuição para o fortalecimento das teorias que
tentam compreender a essencialidade do ser humano e facilitar a
percepção da subjetividade das ações do inconsciente, foi a do
filósofo Edmond Hesserl. Enfrenta o Psicologismo na tentativa de
restaurar a filosofia e a "lógica pura" como forma de respostas para
as questões humanas e pretende que a Filosofia se liberte do
psicologismo utilizando-se da observação e da sistematização,
próprias do positivismo, no estudo de seus objetos ideais. Mais tarde
ampliou a fenomenologia à totalidade do pensamento, criando, com
o método fenomenológico, uma "filosofia fenomenológica" afirmando
que os objetos ideais têm realidade, existem na mente humana como
fenômenos mentais, podem ser examinados e classificados. São
como os universais de Platão, que existiam apenas no "mundo
inteligível", fora do alcance do homem. O objeto não precisa existir
no mundo real, basta existir no mundo ideal para ser pesquisado.
Husserl definiu a fenomenologia em termos de um retorno à
intuição (Anschauung) e a percepção da essência e não da
existência das coisas. Mais, a ênfase de Husserl sobre a intuição
deve ser entendida como uma refutação de qualquer abordagem
meramente especulativa da filosofia. Sua abordagem é concreta,
trata do fenômeno dos vários modos de consciência e de percepção
das coisas. Na filosofia fenomenológica, o que deve o filósofo
examinar é a relação entre a consciência e o Ser, e, ao fazê-lo, ele
precisa se conscientizar de que, do ponto de vista da epistemologia,
do conhecimento, o Ser somente é acessível a ele como um
correlato do ato de consciência.
Alguns fenomenologistas também salientam a necessidade de
se estudar os modos pelos quais os fenômenos aparecem na
consciência intencional (direcionada ao objeto) do homem. Mas, a
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 157

fenomenologia não restringe seus dados à faixa das experiências,


admite em igualdade de termos, dados não sensíveis (categoriais)
como as relações de valor.
Femonomenologia não é o fenomenalismo, este não leva em
conta a complexidade da estrutura intencional da consciência que o
homem tem dos fenômenos. A fenomenologia, diferentemente do
fenomenalismo, examina a relação entre a consciência e o Ser.
Dentro da filosofia, os críticos da fenomenologia são principalmente
os existencialistas, que em muitos aspectos são fenomenologistas,
mas consideram a existência humana imprópria para análise e
descrição fenomenalógica, porque isto significa tentar objetivar o não
objetivável. Na psicologia, a objeção é contra a possibilidade de se
viver com o paciente sua própria visão do mundo, de sua situação e
de si mesmo. Para isso é necessário que o terapeuta tenha uma
intuição desses aspectos inteiramente livre do seu próprio eu, do seu
próprio pensar, o que é pouco provável.
Através de onze volumes da publicação Jahrbuch für
Philosophie und phänomenologische Forschung (1913-30), o
movimento fenomenológico toma forma, do qual Husserl foi o
principal autor. Esse movimento influiu não somente sobre filósofos,
mas também psicólogos e sociólogos. Os existencialistas que o
seguiram foram, principalmente, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre
e Maurice Merleau-Ponty que se intitularam fenomenologistas.
Heidegger dedicou a Husserl sua obra fundamental, Sein und Zeit
(1927); "O Ser e o Tempo". Foi seu discípulo, mas logo surgiram
diferenças entre ele e o mestre. Sartre segue estritamente o
pensamento de Husserl na análise da consciência em seus primeiros
trabalhos, L' Imagination (1936) e L' Imaginaire: Psychologie
phénoménologique de l' imagination (1940), nos quais faz a distinção
entre a consciência perceptual e a consciência imaginativa aplicando
o conceito de intencionalidade de Husserl.
No livro Psychologie von empirischen Standpunkte (A
Psicologia de um ponto de vista empírico), de 1874, Franz Brentano
afirma: "Podemos assim definir os fenômenos psíquicos dizendo que
eles são aqueles fenômenos os quais, precisamente por serem
intencionais, contem neles próprios um objeto". Isto equivale, como
afirma Husserl, que os objetos dos fenômenos psíquicos independem
da existência de sua réplica exata no mundo real.
De quase tudo que foi visto até aqui, parece que pouco ou nada
se diferencia dos objetivos ou se afasta da prática da hipnose pura.
Tudo gira em torno do ser humano holístico, integrado, sereno, que
precisa esta constantemente em busca de si mesmo. E “o si mesmo”
158 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

pode ser entendido como um lado da mente, conceituado de


inconsciente, responsável por uma subjetiva metade de cada pessoa
em particular, a qual o próprio sujeito não conhece conscientemente,
e que às vezes o surpreende quando pratica determinadas ações,
sem saber conscientemente por que está praticando. Seria este lado
obscuro que se manifesta através de complicados mecanismos de
crença e convencimento.
Impregnada por várias correntes do pensamento, no final de
século XX a hipnose reaparece com diferentes nomes e explicações,
uma verdadeira babel de conceitos. A hipnoterapia agora vem
embutida nos mais diversos títulos, como Energia do Corpo e da
Mente, Relaxamento, Poder do Subconsciente, Ser Interior, Curas
Subconscientes e Psicotranse entre outros. Também ocorre perfeita
identidade, tanto de princípios como de métodos, em livros que
tratam de Terapia por Vidas Passadas, Projeções do Corpo Astral,
Dianética e Neuro Lingüística. É pelo menos curioso porque, na sua
maioria, autores que tratam desses novos temas não revelam sua
proximidade ou não lhes associam à hipnose que, em síntese,
parece ser o sutil substrato dos seus conteúdos. Quando
confrontados com outras leituras, parece que esses novos títulos são
produzidos a partir de compilações e plágios, das idéias clássicas e
isoladas que sustentam as diferentes e antagônicas explicações do
hipnotismo, da sugestão e do Mesmerismo.
Quando novos títulos são analisados aparecem facilmente
semelhanças com formas antigas de interpretação dos fenômenos
hipnóticos e concepções e termos já superados reaparecem como o
efeito magnético, fluido energético e ou astrais, influência de metais,
espíritos e até demônios. Tudo leva a crer que autores modernos
pensam que renomeado a hipnose, ou associado-a com novos
conceitos, conquistem dos leitores maior atenção ou maior
credibilidade que até então, injustamente, não lhe concedeu a
ciência e, por isso, negam propositadamente o seu verdadeiro nome.
A hipnose reaparece com maior ou menor intensidade de
tempos em tempos. Ressurge na maioria das vezes com nome
diferente, porém, basicamente sem mudanças nos resultados e na
sua forma prática. Isto aconteceu também na época dos grandes
clássicos quando era conhecida como se fosse prática exorcista,
como se fosse à ação do magnetismo ou a força de certa forma
energia vital ou ainda como força da sugestão. No Brasil, entre 1950
a 1960, por influencia da escola russa, a hipnose ressurgiu
fortemente com o nome de Letargia. Durante esse período eram
comuns apresentações dos efeitos da Letargia em demonstrações
públicas e múltiplas eram as explicações a seu respeito.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 159

Krasner e Ullmann 87 defendem que os termos que foram


atribuídos à hipnose, durante sua história, são metáforas. Em cada
época essas metáforas tiveram uma vida, declinaram e morreram
porque foram substituídas por metáforas mais de acordo com o
vocabulário corrente. Parece que cada termo novo que se aplica
para representar ou explicar a hipnose, busca a credibilidade por ser
o novo nome mais coerente com o pensamento dominante, ora
inclinado para a ciência, ora a religião ou filosofia. Não importa a
veracidade da explicação ou a lógica que se dê, o importante é
convencer, uma vez que alguém é convencido de sua possibilidade,
o fenômeno hipnótico ocorrerá no indivíduo que acreditou.

87
KRASNER, e ULMANN. Modificações de comportamento, São Paulo, ed. EPU,
1983.
160 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

CAPÍTULO II - ETIOLOGIA DA HIPNOSE

Processos e efeitos hipnóticos envolvendo rituais religiosos e


procedimentos de cura são características humanas, manifestadas
em diferentes fases do desenvolvimento da percepção e do
pensamento, no decorrer da evolução das civilizações. Por isso,
explicações sobre o hipnotismo passam por caminhos de muitos
vieses, incorporam conceitos e pré-conceitos centrados no
pensamento mítico, mesmo quando se aproximam do pensamento
cientifico contemporâneo.
Uma reflexão histórico-filosófica sobre a compreensão do
mundo é indispensável para melhor compreender os autores que, no
decorrer dos séculos, trataram do tema das terapias, incluído as
psicoterapias e, especificamente, a hipnoterapia. É importante
lembrar parte da história do desenvolvimento do conhecimento que
orientou teorias sobre a natureza dos homens, das coisas e do
Universo. As diferentes fases da evolução das idéias, embora
contraditórias entre si, preservam heranças e envolvem uma babel
conceitual e pré-conceitual que chega até a contemporaneidade
como sofismas atormentadores. Isso talvez explique, em parte, o
porquê e a gênese das práticas curativas, que possuem formas tão
antagônicas e se apresentam ora centrada na perspectiva da ciência
cartesiana, ora radicalizadas no mito, na filosofia ou na religião.
Diferentes formas de pensar e a conseqüente revelação do
conhecimento sempre fascinaram o ser humano. Não apenas as
formas construídas pelo senso comum, mas, principalmente, as que
se expressam como conhecimento dominante e que tem origem no
mundo acadêmico. Enquanto o senso comum revelava-se pela
cultura acumulada, o conhecimento dominante sempre foi agregado
a paradigmas – um conjunto de valores, crenças e convenções que
determinam as verdades ou respostas aos problemas humanos.
Cada paradigma representa longos períodos, nos quais se destacam
diferentes orientações para o pensamento e na forma de pesquisar
respostas.
Até o século V a.C., o mito era a forma de resposta para as
questões humanas praticada em diferentes sociedades antigas como
assírios, babilônios, chineses, indianos, egípcios, persas e hebreus.
Cada povo tinha, com base em seus mitos, uma visão própria da
natureza e maneiras diferenciadas de explicar os fenômenos e
processos naturais. Para o povo antigo, o mito representava mais
que uma invenção ou ficção ou uma fábula. O mito era
extremamente precioso por seu caráter exemplar, dogmático e
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 161

sagrado, sempre verdadeiro, confirmado na vida social, por tanto


inquestionável. Significava modelos para a conduta humana.
O pensamento mítico se caracteriza como uma forma pela qual
um povo explica aspectos essenciais da realidade em que vive, a
origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos
naturais, a origem e o destino das pessoas, bem como seus valores
básicos. O povo grego antigo tinha essa percepção de mundo e o
próprio termo grego mythos significa um tipo bastante especial de
discurso que pressupõe adesão e aceitação dos indivíduos para a
explicação mágica de sua experiência do real. O mito não se justifica,
não se fundamenta. Portanto, nem se presta ao questionamento, à
crítica ou à correção. É com base nesta forma de pensar que Platão
(427-347 a.C.) justifica a condição de mortal do ser humano,
separando o corpo da alma e dando-lhe eternidade.
Um dos elementos centrais do pensamento mítico é a forma de
explicar a realidade apelando para o sobrenatural, para o mistério, o
sagrado e magia. Assim, as causas dos fenômenos naturais, ou seja,
aquilo que acontece aos homens, são governadas por uma realidade
exterior ao mundo humano e natural, superior, misterioso e divino.
Forças superiores, universais e invisíveis provindas dos deuses, dos
espíritos, dos astros e das estrelas do céu, capazes de influir e
governar a natureza e o destino dos homens é crença muito antiga.
Sempre se acreditou que apenas sacerdotes e magos eram capazes
de interpretar os mistérios do mundo, através dos rituais praticados
nos oráculos e nas sociedades secretas. Eles serviam como
intermediários ou pontes entre o mundo humano e o mundo divino.
O pensamento mítico tem uma característica paradoxal.
Pretende uma explicação da realidade, mas recorre ao mistério e ao
sobrenatural, ou seja, exatamente àquilo que não se ser explicado,
que não se pode compreender por estar fora do plano da
compreensão humana. A explicação dada pelo pensamento mítico
esbarra, assim, no inexplicável, na impossibilidade do conhecimento.
Como proposta para o homem tentar entender o mundo sem
recorrer ao misterioso e dogmático surge, na Grécia no séc. VI a.C.,
o pensamento filosófico. É neste sentido que se justifica a tentativa
dos primeiros filósofos da escola jônica de buscar uma explicação do
mundo natural na física (physis), baseada essencialmente em causas
naturais, o que veio a se consistir no chamado naturalismo. A chave
da explicação do mundo e da experiência humana estaria então,
para esses pensadores, no próprio mundo, e não fora dele. Mas, isso
não significa o desaparecimento do mito como forma explicativa. Os
mitos sobrevivem e muitos elementos chegam às sociedades
162 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

contemporâneas e se manifestam como crenças, superstições e


fantasias, isto é, o imaginário coletivo.
O pensamento mítico fez parte de uma sociedade baseada em
uma monarquia divina em que a classe sacerdotal tinha grande
influência e o poder político era hereditário, sustentado por uma
aristocracia militar e mantido por uma economia agrária. A partir da
invasão da Grécia pelas tribos dóricas vindas provavelmente da Ásia
central, em torno de 900 a 750 a.C., começam a surgir cidades-
Estado, nas quais ocorre uma participação política mais ativa dos
cidadãos. A religião vai tendo seu papel reduzido paralelamente ao
surgimento de uma nova ordem econômica baseada agora em
atividades comerciais e mercantis.
Com seu apelo ao sobrenatural e aos mistérios, o pensamento
mítico vai deixando de satisfazer às necessidades da nova
organização social, mais preocupada com a realidade concreta, com
a atividade política mais intensa e com as trocas comerciais. É nesse
contexto que a filosofia encontrará as condições favoráveis para o
seu nascimento. Mas, a influência do pensamento mítico permanece
por muito tempo ativo também nas escolas de pensamento filosófico,
como no pitagorismo e na obra de Platão. A perda do poder
explicativo baseado no mito resulta de um longo período de transição
e de transformação da sociedade, que torna possível uma nova
forma de pensar e alimenta as primeiras escolas do pensamento
filosófico no séc. VI a.C.
O pensamento filosófico surgiu, não nas cidades do continente
grego como Atenas, Esparta, Tebas ou Micenas, mas nas antigas
colônias gregas do Mediterrâneo oriental, no mar Jônico, na
península da Anatólia, território que hoje faz parte da Turquia. Essas
colônias, dentre as quais se destacaram Mileto e Éfeso, eram
importantes portos e entrepostos comerciais, locais de encontro das
caravanas provenientes da Mesopotâmia, Pérsia, e, talvez também
de Índia e China. Para lá eram levadas mercadorias que eram
embarcadas e transportadas para outros pontos do Mediterrâneo que
os gregos cruzavam com suas embarcações. Tales de Mileto pode
ser considerado o primeiro filósofo.
Nas cidades gregas do Mediterrâneo oriental conviviam de
forma harmônica diferentes culturas, pois o interesse comercial fazia
com que os povos que ali se encontravam, sobretudo os gregos
fundadores das cidades, fossem bastante tolerantes. As colônias
gregas do mar Jônico eram então cidades cosmopolitas imersas no
pluralismo cultural, com a presença de diversas línguas, costumes,
cultos e mitos. Considerando o fato de que cada povo tem sua forma
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 163

de ver o mundo, seus costumes e valores, é possível que o confronto


entre as diferentes tradições míticas tenha contribuído para o
enfraquecimento do poder do mito, de dar explicações absolutas e
verdadeiras sobre os questionamentos humanos.
Nas sociedades gregas, dedicadas às práticas comerciais e
aos interesses pragmáticos, as tradições míticas e religiosas vão
perdendo progressivamente sua importância. Com isso, surge o tipo
de pensamento inaugurado por Tales e pela chamada Escola de
Mileto. Algumas das características centrais desse novo tipo de
pensamento exercem influências em quase todos os pensadores
daquele período (séculos VI e V a.C.), os assim chamados filósofos
pré-socráticos, por terem vivido antes de Sócrates.
A principal contribuição dos primeiros pensadores ao
desenvolvimento do pensamento filosófico e, pode-se dizer, também
científico, foi construir um conjunto de noções para tentar explicar a
realidade, a partir de alguns conceitos básicos que rompem com a
narrativa do mito. O pensamento das primeiras escolas de filosofia
toma por base:
• a noção de physis (natureza);
• a causalidade em termos estritamente naturais;
• o conceito de arqué ou elemento primordial;
• a concepção de kosmos (Universo racionalmente ordenado);
• o logos como explicação racional do kosmos;
• o caráter crítico, discussão e não dogmatismo.
A noção de physis
O objeto de investigação dos primeiros filósofos-cientistas é o
mundo natural. Suas teorias buscam dar uma explicação causal dos
processos e dos fenômenos da natureza, a partir de causas
puramente naturais, isto é, encontráveis no mundo natural e
concreto, e não em um mundo sobrenatural ou divino como nas
explicações míticas. Segundo esse tipo de visão, a compreensão da
realidade natural encontra-se nesta própria realidade e não fora dela.
Aristóteles (Metafísica I e II) chama os primeiros filósofos de
physiólogos, ou seja, estudiosos ou teóricos da natureza (phvsis).
A causalidade
Essa noção é a característica central da explicação da
natureza pelos primeiros filósofos. A natureza das coisas é
interpretada em termos puramente naturais. O estabelecimento de
uma conexão causal entre determinados fenômenos naturais
constitui a forma básica da explicação filosófico-científica. Explicar
passa a ser relacionar um efeito a uma causa que o antecede e o
164 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

determina; é reconstruir o nexo causal existente entre os fenômenos


da natureza; é tomar um fenômeno como efeito de uma causa. É a
existência desse nexo que torna a realidade inteligível e permite
considerá-la como tal, mas é importante, entretanto, que o nexo
causal se dê apenas entre fenômenos naturais, considerando que o
pensamento mítico também estabelece explicações causais entre
fenômenos naturais e sobrenaturais.
Na narrativa da guerra de Tróia na Ilíada de Homero, os
deuses tomam partido dos gregos e dos troianos e influenciam os
acontecimentos em favor de um ou de outro. Portanto, fenômenos
humanos e naturais têm, nesse caso, causas sobrenaturais. Trata-se
de uma explicação causal, porém dada através da referência a
causas sobrenaturais.
A explicação causal possui um caráter regressivo, ou seja,
explica sempre uma coisa por outra. É a possibilidade de buscar uma
causa anterior – mais básica – até o infinito. Cada fenômeno poderia
ser tomado como efeito de uma nova causa, que, por sua vez, seria
efeito de uma causa anterior, e assim sucessivamente, num
processo sem fim. Isso invalida o próprio sentido da explicação, pois,
mais uma vez, a exposição levaria ao inexplicável, a um mistério tal
como no pensamento mítico.
O conceito de arqué
Para evitar a regressão ao infinito da explicação causal surge a
necessidade de se estabelecer uma causa primeira, um princípio, ou
um conjunto de princípios, que possa servir de ponto de partida para
o processo racional. Neste ponto nasce a noção de arqué (elemento
primordial). Assim, os filósofos começam postular a existência de um
ponto de partida para todo o processo do pensamento. O primeiro a
formular essa noção é justamente Tales de Mileto. Para ele, a água
(hydro) era o princípio e o fim de tudo.
Tales escolheu a água como elemento primordial influenciado,
provavelmente, por antigos mitos do Egito e da Mesopotâmia –
regiões áridas onde a água teve um papel crucial para o
desenvolvimento de civilizações, principalmente em locais próximos
a deltas de rios. Outro fator que pode ter influenciado Tales é
presença da água, em seus três estados físicos (líquido, sólido e
gasoso), em quase tudo que existe na natureza. A busca por um
elemento primordial (água) que dá unidade à natureza é a
contribuição mais importante de Tales.
A água, enquanto princípio para a explicação do mundo, não
era simplesmente a substância encontrada em rios, mares e lagos. É
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 165

um principio simbolizado um elemento real, o mais básico, o mais


primordial; presente em todas as coisas em maior ou menor grau. No
imaginário coletivo a água vai se tornando referencia indispensável
para a explicação de todas as coisas questionáveis, se transforma
em um elemento mágico capaz de promover curas e purificações do
ser humano. Passa a ser a fonte de explicação para o que não se
pode compreender.
Diferentes pensadores buscaram eventualmente diferentes
princípios explicativos, assim, por exemplo, os sucessores de Tales
na Escola de Mileto, Anaxímenes e Anaximandro adotaram
respectivamente o ar e o apeíron, um princípio abstrato significando
algo de ilimitado, indefinido, subjacente à própria natureza.
Aromatizar o ar passa a ser entendido como forma de melhor sentir
sua presença e logo esse elemento passa a ser entendido como
também capaz de promover grades benefícios para o ser humano.
Heráclito dizia ser o fogo o princípio explicativo para tudo que
fosse questionável, e a chama de fogueiras, posteriormente de
lamparinas e velas, com o seu poder de exercer a fascinação, já não
se limitam apenas às iluminações de ambientes, passa a representar
mais uma facilidade na relação do humano com o divino.
Paradoxalmente a filosofia que surge em substituição ao pensamento
mítico, o fortalece.
Empédocles de Agrigento realizou uma síntese filosófica em
quatro elementos: água, ar, fogo e terra, tese retomada por Platão e
difundida em toda a Antigüidade, chegando até o período moderno
nas especulações da alquimia no Renascimento até o surgimento da
moderna química no século XVIII. Demócrito de Abdera acrescenta
mais um elemento, o átomo, acreditava que tudo era composto por
átomos e vazio e o atomismo passa a ser a medida para explicar
tudo.
A concepção de kosmos
Para os filósofos compreender o mundo era necessário outro
principio, o kosmos. O significado do termo para os gregos liga-se
diretamente às idéias de ordem, harmonia, circularidade, serenidade
e beleza representadas pelos astros, bem como o espaço celeste. A
beleza resulta da harmonia das formas vista no cosmo; daí, aliás, o
termo “cosmético” como símbolo de beleza. A visão do Cosmo
distinguia a natureza celeste da natureza terrestre, o mundo
supralunar e o mundo sublunar que se opunham, um como perfeito e
o outro imperfeito, o imperfeito corruptível e perecível se opõe ao
perfeito que é eterno e imutável. A idéia de um Cosmo finito, esférico,
fechado sobre si mesmo, inteiramente contido na esfera dos céus, a
166 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Terra imóvel em seu centro e fora do qual, como dizia Aristóteles,


nada existe, nem lugar, nem tempo. As coisas terrestres eram
imperfeitas, mas ao contrário da Terra, os astros celestes eram vistos
como circular, de movimento uniforme, perfeito, eterno, sem começo
nem fim, sempre girando em torno de um ponto central do qual não
se afasta nem se aproxima, próprio dos seres perfeitos e eternos que
habitavam os céus. O cosmo, entendido como ordem, se opõe ao
caos que seria precisamente a falta de ordem.
O cosmo passa a ser contemplado pelos pensadores como o
mundo real, natural e ordenado de acordo com certos princípios
racionais, em que certos elementos são mais básicos e se constitui
de forma determinada, tendo a causalidade como lei principal. Os
astros celestes, principalmente os noturnos como a Lua e as
Estrelas, passam a representar o modelo para a vida humana,
espelham harmonia, serenidade e equilíbrio, representa a idéia de
perfeição que deveria influenciar o humano, suas atitudes e sua
existência. Dessa idéia filosófica deriva a convicção da influencia dos
astros na vida e no destino das pessoas. Assim, a astrologia é
envolvida pelo pensamento mítico.
Há na concepção grega o pressuposto de correspondência
entre a razão humana e a racionalidade do real para a compreensão
do cosmo. É a racionalidade do mundo que o torna compreensível ao
entendimento humano e a ordem do cosmo é vista como uma ordem
racional, significando aí a existência de princípios e leis que regem e
organizam essa realidade. É porque este real pode ser
compreendido que se pode fazer ciência, isto é, tentar explicá-lo
teoricamente. Daí se origina o termo “cosmologia”, como explicação
dos processos e fenômenos naturais e como teoria geral sobre a
natureza e o funcionamento do Universo.
O logos como racionalidade
Para o grego compreender o mundo faltava outro princípio, a
argumentação da realidade, o discurso, o logos. O termo grego logos
significa literalmente discurso, e é com tal acepção que é explicitado,
por exemplo, em Heráclito de Eféso. O logos enquanto discurso
difere fundamentalmente do mythos, narrativa de caráter poético que
recorre aos deuses e ao mistério na descrição do real. O logos é uma
explicação em que razões são dadas. O discurso dos primeiros
filósofos explicando o real por meio de causas naturais, é um logos.
Logos são razões argumentativas, frutos não de uma
inspiração ou de uma revelação, mas simplesmente do pensamento
humano aplicado ao entendimento da natureza. O logos é, portanto,
o discurso racional em que as explicações são justificadas e estão
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 167

sujeitas à critica e à discussão. Daí deriva o termo “lógica”. Heráclito


caracteriza a realidade como tendo um logos, ou seja, uma
racionalidade que seria captada pela razão humana. Um dos
pressupostos básicos da visão dos primeiros filósofos é a
correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real, o
que tornaria possível um discurso racional sobre o real.
O caráter crítico
Para construir o logos era necessário o crítico, um dos
aspectos mais fundamentais do saber que fundamenta as primeiras
escolas de pensamento, sobretudo na escola jônica. O caráter crítico
impedia que as teorias formuladas fossem dogmáticas, apresentadas
como verdades absolutas e definitivas, mas como teorias passíveis
de serem discutidas, de suscitarem divergências e discordâncias, de
permitirem formulações e propostas alternativas. Como se trata de
construções do pensamento humano, de idéias de um filósofo, e não
de verdades reveladas de caráter divino ou sobrenatural, estão
sempre abertas à discussão, à reformulação, a correções, como
aconteceu na escola de Mileto com os dois principais seguidores de
Tales, Anaxímenes e Anaximandro, quando não aceitaram a idéia do
mestre de que a água seria o elemento primordial e postulam outros
elementos, como o ar e o apeiron como tendo esta função.
Nas escolas filosóficas o debate, a divergência e a formulação
de novas hipóteses eram estimulados, a única exigência era que as
propostas divergentes pudessem ser justificadas, explicadas e
fundamentadas por seus autores, e que pudessem por sua vez, ser
submetidas à critica. O que é acrescentado de novo na filosofia
grega, não é a substituição dos mitos por algo mais “científico”, mas
sim uma nova atitude em relação aos mitos, a atitude crítica. Em
lugar de uma transmissão dogmática da doutrina, na qual todo o
interesse consiste em preservar a tradição autêntica, encontra-se
uma tradição crítica da doutrina.
Outros pensadores começam a fazer perguntas a respeito do
mito, duvidam de sua veracidade, a dúvida e a crítica tornam-se
agora parte da tradição da filosofia. Uma tradição superior que
substitui a preservação tradicional do dogma e, em lugar da teoria
tradicional, do mito, encontra-se a tradição das teorias que criticam,
em si mesmas e, no decorrer dessa discussão crítica, a observação
é adotada como testemunha dos fatos. Não foi por mero acaso que
Anaximandro, discípulo de Tales, desenvolveu uma teoria que
divergia explícita e conscientemente de seu mestre, e que
Anaxímenes, discípulo de Anaximandro, tenha também divergido de
modo consciente da doutrina de seu mestre. A explicação parece ser
168 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

que o próprio fundador da escola tenha desafiado seus discípulos a


criticarem sua teoria, e que eles tenham transformado, com esta
atitude de fazer crítica, a tradição da escola, trocando o dogma pela
reflexão do pensamento.
Com base no conhecimento filosófico, principalmente do ponto
de vista das terapias, o mito prossegue exercendo grande influencia
e projetando as mais variadas hipóteses. Do elemento terra são
inferidos as mais fantasiosas hipóteses, os minerais, principalmente
os metais magnéticos, os cristais de rocha, passam a representar
elementos mágicos. O poder de cura da argila, encontrada na mãe
Terra, é considerada incontestável como remédio contra
enfermidades do corpo.
Aos imãs naturais eram atribuídos poderes de curas para as
enfermidades humanas. Acreditava-se que os imãs possuíam vida e
ao exercerem atração ao ferro dava-lhe vida também. O povo grego
acreditava que aplicando ímãs naturais em partes do corpo, a dor
ocasionada por numerosas enfermidades poderia ser aliviada. Essas
idéias atravessam os séculos e chegam até o fim do século XIX e,
mesmo sendo uma época de grande progresso da ciência, vão
incentivar muitas outras hipóteses de curas, inclussive defendidas
por Charcot e outros médicos ilustres de Paris. A “medicina
magnética” é largamente praticada no hospital La Salpêtrière até o
inicio do século XX.
Mais forte do que o imã era a crença no elemento primordial
hydro. E a água passa a fazer milagres, benzida, fluidificada ou
magnetizada é entendida como o elo de ligação entre o humano e o
divino. A crença prestigia também o ar como mais um elemento
poderoso na promoção da saúde e aromatizar é a forma mais prática
de sentir sua força e presença, o uso de incensos se faz necessário
para evidenciar o ar como meio de invocação do sobrenatural para
garantir a virtude e a saúde humana.
Mesmo com o avanço do conhecimento produzido pelos
pensadores astrônomos, no século XVI e no início do XVII o
pensamento ainda estavam impregnados do ocultismo e da magia
envolvendo a astrologia. A Igreja defendia a idéia de que o mundo
acima da Lua era reservado à habitação das substâncias mais puras,
mais perfeitas e divinas, superiores sobre o mundo imperfeito das
coisas terrestres. Acreditavam que esse mundo cósmico exercia
enorme influência sobre as formas de vida existente na Terra.
No século XVI e XVII a medicina e a igreja caminhavam juntas,
tinham como pressuposto básico a existência de um mundo perfeito
acima da Lua, habitado por seres perfeitos. Os astros, perfeitamente
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 169

lisos, perfeitamente esféricos, descrevendo órbitas perfeitamente


circulares, era oposto ao mundo imperfeito do dia-a-dia dos homens.
A concepção da Terra não perfeita, não lisa como os astros do céu,
induzia a crença de que as montanhas existiam em virtude do
pecado dos homens que habitavam esse mundo fechado, no topo do
qual, formando seu “teto”, estava a segurança do céu habitado por
Deus, lugar para onde se dirigiam os homens bons depois da morte.
A certeza da influencia dos astros na vida, na saúde e sorte
das pessoas fez surgir a medicina astrológica, objeto de grande
interesse científico na Europa. Tycho Brahe, estudioso da medicina
da época, chega mesmo a elaborar uma lista de equivalência entre
os astros e a saúde: ao Sol equivalia o coração, o estômago, o
cérebro, os nervos e o olho direito; à Lua, o braço, a cabeça, o ventre
e o estômago da mulher; a Vênus, o fígado, o umbigo, e assim por
diante.
Paracelsus, no século XVII, elabora todo um estudo das
doenças causadas por influências cósmico-climatológicas, apontando
o poder dos astros na saúde e na doença dos seres humanos, cada
parte do corpo humano estava sujeita a um astro. Essas idéias
encantam Mesmer na segunda metade do século XVIII que, com
base na visão de um fluido astral associado ao poder dos metais
magnéticos influenciando a vida na terra, elabora sua teoria do
“magnetismo animal”, marco teórico inicial para se entender os
efeitos da hipnoterapia.
Influenciados pelas escolas de filosofia quanto à concepção de
cosmo, na Grécia antiga aparecem os pensadores astrônomos que,
fazendo especulações sobre os astros celestes, iniciam a quebra do
dogmatismo. Aristóteles de Estagira explicou que as fases da Lua
dependem de quanto da parte de sua face é iluminada pelo sol e
está voltada para a Terra. Explicou também como ocorre um eclipse.
Heraclides de Pontus propôs que a Terra gira diariamente sobre seu
próprio eixo e que Vênus e Mercúrio orbitam o Sol. Aristarco de
Samos foi o primeiro astrônomo a propor que a Terra se movia em
volta do sol, antecipando Copérnico em quase dois mil anos.
Eratóstenes de Cirênia, bibliotecário e diretor da biblioteca
Alexandrina de 240 a 194 a.C. foi o primeiro a medir o diâmetro da
Terra. Hiparco de Nicéia, considerado o maior astrônomo da era pré-
cristã, construiu um observatório na ilha de rodes, onde fez
observações durante o período de 160 a 127 a.C. O último
astrônomo importante da antiguidade foi Ptolomeu que, afirmando
ser a terra o centro do Universo, cria o modelo geocêntrico.
170 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Entre a Baixa Idade Média (século XI a XV) até a Idade


Moderna (século XV ao XVIII), a observação dos astros celestes
continua encantando muitos outros pensadores, entre eles Nicolau
Copérnico que estabeleceu o Modelo Heliocêntrico (O Sol como
centro do Universo) e criou conceitos importantes. Observou que a
Terra é um dos seis planetas, então conhecidos, Mercúrio, Vênus,
Terra, Marte, Júpiter, Saturno, girando em torno do Sol. Deduziu que
quanto mais perto do Sol está o planeta maior é sua velocidade
orbital.
Baseado em Copérnico, Kepler cria a Lei das Órbitas Elípticas,
afirma que a distância do Sol ao planeta varia ao longo de sua órbita.
Cria também a Lei das Áreas, afirmando que a reta unindo o planeta
ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais. Finaliza com Lei
Harmônica, estabelecendo que planetas com órbitas maiores se
movem lentamente em torno do Sol.
Até o século XVI e no início do XVII, mesmo com o avanço do
conhecimento sobre o Universo, a igreja conservava o pensamento
dos antigos filósofos, impregnado do ocultismo, e trava o
desenvolvimento da ciência. Francis Bacon contesta a igreja,
afirmando que o seu papel não é explicar a natureza e sim a religião.
Segundo ele, deveria a igreja responder apenas questões sobre
Deus. Quanto à natureza, dizia, era da competência humana
investigar através da observação e da experimentação dos
fenômenos, cabendo assim ao ser humano investigar a natureza
para ela revelasse seus segredos. Bacon inaugura nova forma de
pensamento, tendo como principal edificador Galileu Galilei.
Embora a tradição filosófica do saber aristotélico, incorporado à
teologia católica sustentada pela igreja e ensinada nas escolas,
viesse sendo cautelosamente criticada, Galileu foi quem mais
frontalmente se opôs, embora outros o tenham antecedido como
Giordano Bruno, Copérnico, Bacon; além dos seus contemporâneos,
Descartes, Kepler e Campanella. Mas foi Galileu o primeiro a
formular o método experimental para se chegar à resposta, o
primeiro a formular o problema crítico do conhecimento.
Entre todos os astrônomos da Idade Média até a Moderna
Galileu Galilei foi o mais brilhante, nascido nas proximidades de
Pizza, em 1564, inventa a luneta, um instrumento que possibilitava o
ser humano transcender o limite da visão e dos conhecimentos da
época. Através dela, Galileu viu o espetáculo celeste que ninguém
antes dele tinha visto; as montanhas da lua, as manchas do sol, os
satélites de Júpiter e o anel de Saturno, as estrelas novas e as fases
de Vênus, a constituição da Via Láctea e de várias nebulosas. Essa
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 171

nova visão do cosmo contribui decididamente para consolidar o


modelo heliocêntrico, embora a igreja ainda impusesse o modelo
geocêntrico, Galileu sustentou a nova verdade contrária ao dogma da
igreja.
Do ponto de vista da historia do conhecimento, Galileu foi o
primeiro a estabelecer uma linguagem adequada para interrogar a
natureza através do método teórico experimental, o seu método
estabelecia passos como a observação dos fenômenos, análise dos
elementos constitutivos desse fenômeno, a indução de hipóteses, a
verificação das hipóteses, a generalização dos resultados e a
confirmação das hipóteses. Cria com o método experimental e a
teoria das experiências coincidentes, estabelecendo o principio de
Causa e Efeito para explicar os fenômenos. Com isso inaugura o
processo de pensamento no qual a resposta se revela por dedução a
partir dos fatos observados.
Galileu rompe com a filosofia tradicional e cria seu método
cientifico. Baseava-se nas observações, nas vinculações do que via
com as demonstrações quantitativas, matemáticas dos fatos. Criando
assim dois princípios inseparáveis para a construção da pesquisa; a
observação e a dedução. Da experiência sensível dos fatos e a
dedução necessária, seria inferida a solução do problema
investigado. Seu método pode ser resumido em quatros momento:
• A observação imediata do fenômeno na sua complexidade.
• Resolução da complexidade nos elementos simples traduzíveis
em relações quantitativas, ou em linguagem matemática.
• Formulação de uma hipótese explicativa (momento teórico).
• Verificação da hipótese como cálculo e experimento
(experimentação).
Galileu passa, assim, dos fatos à idéia da sua conexão
racional, e desta, volta aos fatos, mas com a dedução de
questionamentos. Dessa forma, as observações das montanhas na
Lua, das manchas no Sol, das Estrelas novas, eram provas e
documentação da unidade e igualdade entre a natureza celeste e a
natureza terrestre que a tradição aristotélica medieval e a igreja
opunha como contrárias. Sua descoberta é prova que Copérnico
tinha razão, o Sol, fonte de luz do mundo, estava no centro do
Universo e a Terra gira em torno dele e em torno do seu eixo. Com
essas descobertas, o homem perde a certeza dos céus depois da
morte, perde a certeza de sua saúde baseada na serenidade dos
astros. Tudo conta contra aos dogmas da igreja e Galileu é, por isso,
julgado e condenado pela Inquisição em 1633 e obrigado a renegar
suas afirmações. Morreu em 1642, aos 78 anos de idade,
172 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

completamente cego, sendo que sua cegueira foi atribuída pelo clero
como castigo divino.
O desenvolvimento das navegações, do comércio, da
manufatura, as novas terras que são incorporadas ao circuito
comercial europeu, a afirmação da burguesia mercantil por trás de
quase todos os grandes empreendimentos, especialmente nas
cidades portuárias, origem do sistema capitalista, modifica a maneira
de viver da sociedade européia ocidental e afeta o plano das idéias,
contribuindo para queda da produção cultural. Os intelectuais ligados
diretamente à igreja começam a ser substituído por outros não
comprometidos com dogmas religiosos.
No plano do conhecimento, quando a racionalidade do sentido
da vida, também ocorrem mudanças e, entre os séculos XIV e XV,
reaparece o humanismo, doutrina que tem como princípio a idéia de
que o homem é a medida de todas as coisas, elaborada pelo filósofo
grego Pitágoras (485 a.C. e 410 a.C.). O século XVI é marcado pelo
humanismo, ou seja, o conhecimento do homem pelo homem. É a
idéia de que o homem se faz por si mesmo. Trata-se agora não do
ser humano contemplar a natureza, mas intervir nela, atuar sobre ela.
O humanismo ressurge como movimento nas artes, na
literatura e na filosofia durante o pré-renascimento italiano que
considera a volta à cultura e aos ideais da antiguidade greco-romana
e, em particular, à sua literatura, como única maneira de restaurar e
valorizar a dignidade do espírito humano. É uma reação contra a
escolástica, o conjunto das doutrinas oficiais da igreja católica que
tenta conciliar razão e fé e, nesse sentido, opõe-se potencialmente
às religiões reveladas, como o cristianismo.
Na primeira metade do século XVII, René Descartes (1596-
1650), filósofo e matemático francês, foi considerado o fundador do
racionalismo moderno, repensou a filosofia da sua época,
desenvolvendo um corpo doutrinário segundo a imagem da “árvore
do conhecimento”, cujas raízes são a metafísica, o tronco, a física, e
os ramos, as ciências derivadas, de modo especial a medicina, a
mecânica e a moral. Descartes se afasta dos processos indutivos de
Galileu e propõe o método racionalista-dedutivo, afirmando ser o
único meio científico para se chega à certeza. Seu método
(cartesiano) é executado quando se pesa, mede, quantifica, etc. É
totalmente fundamentado nas leis da física e instrumentalizado,
sobretudo com o uso da Matemática.
Descartes postula quatro regras básicas para se chegar á
verdade cientifica:
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 173

• Regra da evidência – Não acolher jamais como verdadeira uma


coisa que não reconheça como tal.
• Regra da Análise – Divide cada um das dificuldades em tantas
partes quanto necessárias para resolvê-las (reducionismo).
• Regra da Síntese – Conduzir ordenadamente os pensamentos,
ou seja, ordenando através de complexidade crescente.
• Regra da Enumeração – Realizar enumeração cuidadosa para
ter certeza de não haver omissões.
Descartes utilizava a dúvida metódica como instrumento
básico de raciocínio contra o dogmatismo vigente na época “penso,
logo existo”. O seu método é analítico e implica na decomposição do
objeto em seus componentes básicos.
Na visão de Descartes (cartesiana), toda a natureza divide-se
em domínios distintos e independentes: o da mente (res cogitans) e o
da matéria (res extensa); “coisa pensante” e “coisa extensa”, alma e
corpo, sendo ambas determinadas por uma terceira, eterna e infinita
substância, Deus. Sob sua orientação intelectual, surgiu a concepção
mecanicista: o homem-máquina habita o grandioso Universo-
máquina, regido por leis matemáticas perfeitas. Com sua teoria do
conhecimento, Descartes tornou-se o pai do conhecimento moderno
e profeta do racionalismo.
Descartes cria o método da investigação cientifica, da
organização sistemática, e faz surgir a metodologia cientifica dando
uniformidade ao pensamento cientifico. A certeza agora vem através
da razão e a verdade se revela a partir da: a) Observação do
fenômeno b) Análise dos elementos constitutivos desse fenômeno c)
Indução de hipóteses d) Verificação das hipóteses e) Generalização
dos resultados e) Confirmação das hipóteses.
O método de Descartes é fundamentado em quatro princípios
básicos: a) Jamais aceitar alguma coisa como verdadeira sem ter
certeza de que esta o é, ou seja, evitando a precipitação e a
prevenção. b) Dividir os conceitos complexos em conceitos cada vez
mais simples (reducionismo), facilitando o seu entendimento e
análise. c) Ordenar os pensamentos de forma a começar pelos mais
simples avançando até os mais complexos, de maneira a assegurar
uma melhor compreensão dos mesmos (reducionismo). e) Fazer o
máximo de possibilidades para poder escolher a mais genérica e
fazer o máximo de revisões possíveis, para ter certeza de não
esquecer de nada.
Utilizando os princípios dedutivo e indutivo e as regras de
Descartes, no início do século XVIII, Isaac Newton (1642-1727)
matemático, físico, astrônomo e teólogo inglês, tem como obra
174 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

exponencial “Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, que


constitui a mais ampla e acabada sistematização da física clássica,
expondo os princípios e a metodologia da moderna pesquisa
científica da natureza. Graças a ele, estabeleceu-se a visão do
mundo como uma espetacular e perfeita máquina, movida por leis
causais.
Newton Inicia o novo paradigma, que estuda as partes para se
chegar ao todo e, nesta perspectiva, tudo é visto como uma máquina
e deve se entender cada peça para se entender o que é à máquina
(o todo), reduzindo-se a sua menor parte, melhor será o
entendimento pela simplificação do problema. A verdade cientifica
tem explicação mecânica (indutiva) e não inferitiva. Esse novo
método em busca de respostas passa a ser conhecido como
paradigma Mecanicista Reducionista Cartesiano-Newtoniano.
Isaac Newton é o fundador da Mecânica clássica, foi quem
estabeleceu, a lei gravitacional defendida no seu livro Principia
(1713), obtida a partir da observação dos fatos particulares, chega-se
por indução ao estabelecimento da lei geral e, a partir desta, por
dedução, outros fatos particulares são também inferidos. Superando
o método empírico-indutivo de Bacon e Galileu e o racional-dedutivo
de Descartes, o seu sistema de pensamento cientifico unificou a
metodologia da experiência e da matematização.
Foi Newton quem deu a explicação completa ao movimento e à
forma como as forças atuam criando a Lei da Inércia, Lei da Força,
Lei da Ação e Reação e estabeleceu os grupos de conceitos que
conformam o substrato conceitual da ciência moderna; os conceitos
de espaço e tempo absolutos e o de partículas materiais, que se
movimentam e interagem mecanicamente no espaço tridimensional.
Estabeleceu os conceitos de forças fundamentais distintas da
matéria e a descrição dos fenômenos em termos de relações
quantitativas, e o conceito de rigoroso determinismo e da
possibilidade de uma descrição objetiva dos fenômenos naturais.
O paradigma cartesiano-newtoniano consolidou-se no século
XVIII, influenciando o chamado Iluminismo, sendo um dos principais
mentores desse movimento John Locke (1632-1704), filósofo inglês
que, influenciado por Hobbes, advogava o empirismo filosófico
reduzindo o conhecimento ao seu aspecto psicológico. Criticava a
teoria do inatismo (idéias inatas existentes no espírito humano) e
considerava não existir nenhuma verdade autônoma, a mente era
como um tipo de papel em branco, onde todo o conhecimento seria
gravado a partir da experiência sensível e da reflexão. É considerado
o grande representante do individualismo liberal (diferente de Hobbes
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 175

que defendia a teoria do despotismo) e era contra o poder inato (de


origem divina).
No final do século XIX, a Física Clássica encontrava-se em
pleno apogeu, com seus grandes pilares: a Mecânica, a
Termodinâmica e a Eletricidade. O paradigma mecanicista começou
a ser abalado seriamente pela pesquisa dos fenômenos elétricos e
magnéticos nas primeiras décadas do século XX e começava a surgir
uma nova Física, facilitando o surgimento de um novo paradigma. A
noção cartesiana-newtoniana do mundo como uma espetacular
máquina torna-se obsoleta e insustentável.
O paradigma científico mecanicista, desencadeado por
Newton, encontra-se hoje em oposição com o paradigma da
chamada ciência holística. O mecanicismo vê o Universo como uma
máquina determinística, o holismo, sem negar as características
mecânicas que se apresentam na natureza, percebe o universo
como uma rede de inter-relações dinâmicas e orgânicas.
A. Einstein, investigado a natureza subatômica da matéria
inaugura o modo de “fazer ciência” na modernidade e pós-
modernidade. Questiona o mecanicismo, perguntando como se
explica de forma mecânica a transmissão da luz e das ondas
eletromagnéticas através de espaços com ausência de matéria. Cria
a teoria da relatividade, afirmando que tudo é relativo, porque a
compreensão dos espaços vazios entre os elementos do átomo de
uma matéria sólida passa a negar as concepções da física ortodoxa.
A partir dele, pode-se dizer, inicia o paradigma Holístico ou Sistêmico
como uma nova tendência do pensamento. Nesse paradigma toma-
se a aparte como componente de um todo (holos) ou sistema, do
todo se pode entender a parte e não da parte se pode entender o
todo (nega o reducionismo). Considera que cada parte, quando
analisada isoladamente, apresenta características que no todo se
modificam.
Bertallafly desenvolve a teoria geral dos sistemas e, facilitando
a visão Holística, elabora a linguagem de bloco que é base para a
análise sistêmica. A partir daí o objeto de investigação passa a ser
considerado como um subsistema que faz parte de sistemas
maiores, o todo é composto de subsistemas interdependentes e
auto-organizados.
O subsistema isoladamente possui características, elementos e
padrões que no todo se alteram, isto quer dizer que cada parte no
conjunto sistêmico se transforma e para se entender a parte é
preciso conhecer o todo. Com as contribuições dos pesquisadores
176 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

modernos, isso evolui para o quê passa a ser conhecido como a


Teoria Sistêmica da Vida; nada vive isoladamente.
Na Física moderna, o conceito do mundo é de um todo
unificado e inseparável, é complexa teia de relações onde todos os
fenômenos são determinados por suas conexões com a totalidade.
Essas conexões podem ser locais e não-locais, instantâneas e
imprevisíveis, conduzindo a uma nova noção de causalidade
estatística, que supera e transcende a concepção clássica e linear de
causa e efeito.
A realidade criada pela nova física apresenta-se viva e
essencialmente dinâmica, não há inércia, passividade ou
imutabilidade; tudo vibra e se renova perpetuamente e o único que
permanece é a mudança. Essa filosofia abandona a idéia de
constituintes fundamentais da matéria, não aceitando nenhuma
constante, lei ou equação fundamental. O universo é descrito como
uma “teia dinâmica de eventos inter-relacionados”, cuja estrutura é
determinada pela coerência total de todas as suas inter-relações.
As recentes idéias científicas criaram uma visão de Universo
inacessível à mentalidade cartesiano-newtoniana. Surge uma
realidade onde só há espaço, sem nenhuma divisão, onde toda
fronteira é criação da mente humana. O Universo com ilimitado
potencial de manifestação onde não existe um, mas diversos
modelos do Universo, não há lugar para teorias definitivas.
No paradigma holístico, o conceito de não-separatividade, de
correlação, de teia de interconexão, diz que cada elemento de um
campo é um evento refletindo e contendo todas as dimensões desse
campo. É uma visão na qual o todo, e cada uma de suas partes,
estão estreitamente ligadas, em interações constantes e paradoxais.
Defende que o “todo” é maior que a soma de suas “partes”, sendo
que cada parte contém o “todo”, mas o “todo” não contém a “parte”.
Se uma parte for dessecada e conhecida, no conjunto passa a ser
desconhecida porque vai adquiri outras propriedades que
isoladamente não se revelam.
O paradigma holístico desenvolveu-se a partir de uma
concepção sistêmica, nele subjacente, essa abordagem consiste na
consideração de que todos os fenômenos ou eventos se interligam e
se inter-relacionam de uma forma global; tudo é interdependente. A
Natureza é transcende a toda e qualquer noção de entidade ou
elemento, o Universo é uma teia dinâmica de eventos
interconectados, onde cada partícula, de certo modo, consiste em
todas as demais partículas. Então, a abordagem Holística pode ser
sintetizada nas seguintes características: a) Integra e ultrapassa a
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 177

dualidade e a dialética. b) Estimula a integração transdisciplinar. c)


Transcende com resposta e amplia as metas preestabelecidas. d)
Estimula e encoraja a pesquisa de novos caminhos.
Na nova visão de ciência é preciso um tipo de pesquisador
diferente daquele que rejeita tudo que não se enquadra na filosofia
de síntese dos dados científicos. Este pesquisador deve ser racional
e intuitivo para buscar, além do raciocínio crítico, respostas para as
verdades do homem e da natureza. Como alguém que encara os
acontecimentos não como ocorrências separadas, mas como elos
num sistema.
Na fase atual da pesquisa acadêmica, todos os ramos do
conhecimento devem ser abrangidos pela transdisciplinaridade, no
sentido de construir uma ciência. Sem negar a especialidade, a
transdisciplinalidade é que induz o questionamento do real, numa
abordagem aberta e evolutiva. De certa forma, volta aos pré-
socráticos, que não distinguiam filosofia e mística, ciência de poesia
e arte. Aristóteles denominou de física à filosofia e esta abrangia a
lógica, a ética, a estética e fenômenos da natureza. A partir daí, os
filósofos tinham uma compreensão total da realidade. De certa forma,
a Física subatômica retoma este conceito holístico original.
A verdade é que o pensamento cientifico, metódico,
sistemático, responsável pelo grande salto da humanidade, tem
pouco mais de três séculos. O novo paradigma do século XX deve,
antes de tudo, proporcionar caminhos para a descoberta de um
"novo" ser humano. Se esta nova metáfora é realmente a solução
para verdadeiras respostas, só o tempo e as aspirações do
conhecimento dirá.
Hipnoterapia e ciência
Trazer a hipnose para o conhecimento científico nasce quando,
de acordo com os padrões de ciência do século XIX, a noção de
verdade depende, necessariamente, de contar com o aval da ciência,
e o conhecimento científico passa, então, a ser aquele produzido em
laboratórios, com o uso de instrumentos de observação e medição.
Com o surgimento do Positivismo, sistema filosófico idealizado por
Augusto Comte (1798-1857), que postulava a necessidade de um
maior rigor científico na construção dos conhecimentos nas ciências
humanas e recomendava a explicação teórica para as observações
práticas, a própria filosofia adapta-se aos novos tempos.
O aspecto mecanicista-reducionista que se apresenta na
ciência atual foi consolidado definitivamente com os
extraordinários sucessos da física clássica do século XVIII e,
ficou ainda mais forte com o desenvolvimento da teoria
178 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

atômica da matéria. Com o exemplo dado pela física e o


reconhecimento que esta ciência obteve nos meios
intelectuais, a biologia e a medicina enveredaram pelo mesmo
caminho, obtendo grandiosos sucessos em revelar as bases
moleculares da vida, tendo como um dos pontos altos a
descoberta dos componentes e das estruturas dos organismos
vivos, por exemplo, o DNA (Fritjof Capra). 88
Desta forma, para se conhecer o psiquismo humano, passa a
ser necessário compreender o mecanismo e o funcionamento da
máquina de pensar do homem - seu cérebro. Assim, partindo das
premissas científicas, a explicação para a hipnose começa a trilhar
os caminhos da Fisiologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia. Se,
antes, a hipnose estava subordinada à filosofia, à teologia e até a
própria arte e a magia, a partir de Pavlov é vista pela perspectiva de
ligar-se à ciência; suas hipóteses tentaram se enquadrar no
paradigma científico baseado no mecanicismo reducionista Newton -
cartesiano, mas, por não lhe ter dado todas as respostas, a hipnose
não se liberta o suficiente para abandonar os padrões anteriores.
Segundo D. R. Hosfstadter, não se deve supor que a ciência
atual ensina tudo o que se pretende estudar. A ciência atual
mecanicista-reducionista-cartesiana, não responde as questões de
vários temas humanos. A emoção, o sentimento e o próprio
pensamento, embora existam, não podem ser medidos nem
pesados, por isso, não são possíveis de comprovações científicas.
A idéia de que o método reducionista é o único válido para
responder as questões humanas, provoca reações de muitos críticos.
Ilya Prigine, Prêmio Nobel de Química, afirma que a ciência teima em
retratar a vida como um acidental processo linear. Demonstra,
juntamente com outros biólogos sistêmicos, que um organismo
biológico é um sistema aberto, são sistemas autotranscendentes e
auto-organizadores, coisa que falta às máquinas convencionais, que
são sistemas fechados.
Para Davies autor de Deus e a nova física, ninguém pode
negar que um organismo é uma coleção de átomos, moléculas,
tecidos, etc. O erro está em se supor que ele é nada mais que isso.
O fato de um conceito ser abstrato em vez de concreto ou
substancial não o torna, por isso, irreal ou ilusório. O pensamento de
uma pessoa não pode ser pesado ou medido, nem ocupa nenhum
lugar no espaço e, contudo, ele é parte integrante do que ela é.
Conceitos como pensamentos, sonhos, entropia e informação não

88
CAPRA, Fritjof. A Teia da vida: uma nova compreensão científica dos seres
vivos, São Paulo, Ed. CULTRIX, 1986.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 179

envolvem objetos ou corpos definidos, mas relações e condições


entre objetos, e se destacam deles. Mas, a ciência não pode explicar
esses conceitos.
Fritjof Capra (A Teia da vida), referindo-se aos possíveis
equívocos dos cientistas na formulação de determinados conceitos,
afirma que o erro fundamental reside no fato de a ciência não levar
realmente em conta que um conjunto pode muito bem apresentar
propriedades que não se encontram nos seus componentes
individuais. Aponta como erro básico do paradigma científico
mecanicista reducionista e subjacente ao modelo biomédico, o fato
de que se confunde a vida com os seus elementos constituintes.
Para Capra, a ciência reducionista não responde amplamente
as questões investigadas. A distinção fundamental entre uma
perspectiva reducionista e uma outra de conjunto, ou sistêmica, é
representada por duas abordagens paradigmáticas distintas: a
abordagem mecanicista e a abordagem holística. Dentro destas duas
concepções a investigação científica caminha em sentido oposto.
O reducionismo ainda é a ênfase na pesquisa científica atual.
Pretende-se com isso ter uma visão compreensiva e mais
aprofundada do que seja a vida, mas para os pensadores holísticos,
quanto mais e mais se aprofunda no conhecimento das estruturas
microscópicas, mais se perde a visão de relação macro-sistêmica ou
a visão do conjunto da vida em si em suas manifestações dinâmicas.
O estudo da cooperação e da atividade integrativa, holística, se
apresenta como sendo de profunda importância para o
esclarecimento de muitos problemas que não podem ser
equacionados dentro da estrutura conceitual mecânico-reducionista.
Nesta concepção epistemológica são difíceis respostas para
questões que não são facilmente mensuráveis:
A ênfase básica e característica da ciência acadêmica oficial,
nos últimos três séculos e meio, tem sido mecanicista-
reducionista. Só que, hoje em dia, a análise leva sempre a
mais análise, e, freqüentemente, o problema original fica sem
solução (CAPRA).
Quando se refere à terapia, o conflito entre o paradigma
mecanicista-reducionista e o holístico, remete para as exigências de
uma abordagem multidimensional do ser humano e uma revisão dos
pressupostos antropológicos dos atuais métodos de cura, baseado
na visão menos fragmentária ou menos sectária, como ocorre nas
práticas terapêuticas convencionais. Falando sobre a demasiada
importância devotada a sofisticada tecnologia médico-instrumental
180 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

moderna, Medeiros 89 afirma que conhecer o homem significa mais


do que compreender seu mecanismo fisiológico, é preciso penetrar
nos seus sentimentos:
Conhecer este ser vivo chamado homem é não apenas
conhecer o mecanismo fisiológico e bioquímico dos diversos
aparelhos e sistemas, mas também penetrar nos sentimentos,
na alma de pessoas, que muitas vezes não estão doentes,
apenas “se sentem doentes” e até mesmo “querem ficar
doentes” (MEDEIROS).
Uma das características da medicina atual na busca da cura é
procurar tratar as doenças de forma multidisciplinar, o que ajuda
diminuir as conseqüências adversas às vezes provocadas pelo
estresse decorrente do próprio quadro. Cada paciente deve ser
abordado de forma individual, isso implica na melhor relação médico-
paciente. Um passo importante nesta relação é explicar, na medida
do possível e com linguagem clara, o conceito da presumível
doença, sua ação e expectativas, suas limitações de êxito ou
fracasso. Se a solução não aparecer após as primeiras intervenções,
a conversa pode diminuir a frustração e a desconfiança do paciente e
isso servirá de base sólida para o sucesso da ação terapêutica. Além
da interpretação etiológica, o médico deve ouvir o doente para
avaliar se suas queixas não estão associadas a distúrbios
psicossomáticos (emocionais) como estresse e depressão. A cura de
seu paciente também depende de sua influencia pessoal, de seu
prestigio, dos conselhos consoladores que sabe dar, se é um
hipnotista poderá sugestionar nesse sentido em grau máximo.
Dentro da visão puramente científica, o corpo humano ainda é
visto como uma máquina e, nestas condições, fica complicado e, até
contraditório, se considerar o ser humano como um ser bio-psico-
social, que de fato é. Visto assim, a ciência atual não é o único
caminho para respostas sobre o ser humano e, por isso, até hoje os
métodos terapêuticos convencionais não eliminaram os métodos de
curas alternativas que, embora deles se duvidem, funcionam. Dentro
desta concepção afirma Capra:
... quando os cientistas reduzem um todo a seus constituintes
fundamentais, sejam eles células, genes ou partículas
elementares, e tentam explicar todos os fenômenos em função
desses elementos, eles perdem a capacidade de entender as
atividades coordenadoras do sistema como um todo...
(CAPRA).

89
‘MEDEIROS, Damião Nobre de. A vitória da máquina. In: Medicina, Conselho
Federal. Brasília DF, rev. nº 98, outubro, 1998, p. 28.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 181

Cientificamente, conceitos como alma, espírito, sensibilidade,


paixão entre outros, os quais, por sua natureza, não podem ser
medidos ou observados, são totalmente inadmissíveis. O mesmo
acontece com os fenômenos hipnóticos; em sua complexidade não
pode ser totalmente compreendido pela ciência reducionista. Mesmo
assim, estudos científicos têm sido realizados. Mas, quando a ciência
estuda aquilo que não está integralmente na área científica, isto é,
aquilo que não pode ser compreendido pelo reducionismo, passa a
determinar valores científicos e a formular sobre o objeto da
pesquisa características de pseudociência. Isto é fetichização
científica, é o abandono do pensamento da contradição, da dialética,
para explicar-se àquilo que é contraditório e dialético; na ciência a
contradição não existe, até porque não faz parte de sua dimensão de
estudos, por isso mesmo é que ela é cartesiana.
Na maioria das explicações sobre hipnose, entre as diversas
concepções teóricas, é observado o princípio do contraditório, logo,
foge aos padrões da verdade única da ciência que, como é
praticada. A ciência resolve apenas os problemas para os quais seus
métodos e conceitos são adequados. Sendo o objeto do estudo
cientifico fora deste padrão o resultado é fetichização científica.
Segundo o princípio estabelecido na obra Crítica a razão pura
(1781) do alemão Immanuel Kant (1724–1804), se é ampliada a
dimensão do objeto de estudo a contradição surge e, por ser
contradição, deixa de ser científico. A extrema cientificação da
humanidade só se tornou possível com as previsões dos
comportamentos humanos numa visão behaviorista, tudo aquilo fora
destes padrões fica difícil para a linguagem da ciência. Também
afirma Kant que a razão teórica tem o papel de estabelecer as
condições de possibilidade do conhecimento (explicativa). No livro
Critica da razão prática (1788), Kant afirma que a razão prática
aplicada no campo da ação humana permite que o homem tome
suas decisões ao agir baseado em princípios. Seria a possibilidade
de estabelecer a adequação entre a coerência lógica explicativa e a
realidade empírica ou observada
As verdades da ciência estão subordinadas à racionalidade do
método cartesiano, tudo o que é contraditório é impensável, é
confuso e sinônimo de irracional, portanto não científico. A
contradição não pertence ao mundo científico por não possuir
instância lógica. Com base nestes fatores, a ciência, dentro do
paradigma atual, não pode apresentar explicações concludentes
sobre os contraditórios fenômenos hipnóticos.
182 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Uma maneira de se minimizar as diferenças entre o paradigma


reducionista cartesiano, atualmente dominante, e o paradigma
holístico, hoje emergente, talvez possa ser por meio da associação
da ciência e da filosofia para o entendimento do problema,
permitindo diferentes modos de percepção e de compreensão
dialética da realidade do ser humano (abordagem fenomenológica).
Partindo deste princípio haverá de surgir novas explicações para o
fenômeno hipnótico diferentes das obtidas e não convincentes até
aqui, porque foram isoladamente produzidas pelo reducionismo
mecanicista da ciência vigente ou produzidas pelo devaneio
fantasioso da imaginação.
Na fase atual, as pesquisas científicas sobre o tema do
hipnotismo encontram sérios problemas metodológicos. Contudo,
com a ciência caminhando para a visão holística, a hipnose poderá
sair do conceito de pseudociência e obter explicações mais
sustentáveis. O importante nesta questão é que a ciência se
aproximou da hipnose. Se ainda não explica, pelo menos a
reconhece como verdadeira e o tema do hipnotismo já conta com o
aval do reconhecimento científico. Os seguidores da escola russa
passam então a trabalhar a hipnose com investigações em
laboratórios, utilizando instrumentos de observação, medição e
controle das variáveis. Ainda assim, não se descobriu com precisão
o porquê, nem como ocorre a hipnose, mas, com certeza, já se sabe,
é verdadeira.
Na atualidade, cientistas americanos, na tentativa de
explicações neurológicas para a hipnose, utilizaram equipamentos
modernos, e conseguem imagens do cérebro funcionando durante o
transe. Uma experiência realizada na Universidade de Harvard,
juntamente com professores da Universidade Stanford, nos Estados
Unidos, 90 relata que dezesseis voluntários observavam imagens em
cores pintadas em uma tela e depois de hipnotizados, eles foram
sugestionados a acreditar que a mesma figura colorida vista outra
vez, era toda cinza. Neste instante os cientistas observaram, através
de instrumentos computadorizados (PET), que o cérebro hipnotizado
ativou uma região que inibe a visão das cores e passou a ver em
preto e branco. Mais tarde os mesmos voluntários foram induzidos a
ver cores em imagens onde elas não existiam e os resultados negam
as possibilidades de farsa, confirmando que o cérebro estava mesmo
vendo colorido.

90
SUPER Interessante. Visão hipnótica, São Paulo, revista mensal, Editora Abril,
maio de 1998, p. 40 - 45.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 183

Desde 1996, o PET, instrumento que mostra com precisão


quais regiões cerebrais estão sendo ativadas a cada momento,
passou a ser usado para investigação da hipnose, este instrumento
substitui o EEG - eletro encefalograma usado em experiências
anteriores que podem até mostrar a região da visão sendo ativada,
mas não informaria se o indivíduo hipnotizado estaria mesmo
enxergando, aquilo que foi apenas sugerido.
Profissionais da saúde, atualizados com informações de
pesquisas credenciadas por publicações científicas recentes, já
admitem o poder da cura pela hipnose como fato incontestável. Pelo
menos, alguns já afirmam que ninguém sabe como, mas que a
hipnose cura, não se discute, cura. Na década de 1990 cresce o
interesse do mundo acadêmico pelo assunto.
Wolberg 91 reconheceu que, mesmo não aceitando nenhuma
das explicações teóricas dadas até então ao fenômeno da hipnose,
não se justificava a sua explicação apenas pela hipótese da verdade
da científica positivista. Referindo-se a isso, ele disse:
Meu trabalho pessoal com a hipnose convenceu-me de que o
estado de transe não pode ser explicado quer em bases
psicológicas, quer em base fisiológica exclusiva. Ela é, antes,
uma reação psicossomática complexa que abrange os
elementos psicológicos e fisiológicos (WOLBERG).
A esta conclusão acrescentam-se os motivos que justificam as
possibilidades das explicações fluírem pela lógica filosófica. Para a
realização do processo de indução hipnótica são necessários
critérios como confiança, crença, fé e uma série de valores que
transcendem o psicológico convencional e o orgânico fisiológico
conhecido. O simples fato de existirem tantas explicações para o
hipnotismo é uma prova de que não há nenhuma na qual se possa
qualificar de certa ou verdadeira.
A interpretação do que pode ser a hipnose depende da análise
das múltiplas faces desse fenômeno e a reflexão dialética sobre a
diversidade dos saberes até então acumulados. Deve ser valorizado
o diálogo e a integração de diferentes áreas de conhecimentos para
descobrir, dentro da compreensão interdisciplinar, as bases
axiológicas do fenômeno hipnótico que só pode ser revelado a partir
da diversidade explicativa. Assim, a hermenêutica ganha relevância
neste estudo.
A hipnose enquanto filosofia está relacionada à alma humana,
descende da escola de Nancy, e hoje, por mais paradoxal que possa

91
WOLBERG, L. R. Hypnoanalysis, New. York, Grune & Stratton, 1945.
184 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

parecer, encontra amparo teórico quando se aproxima das teses que


sustentam as idéias psicanalíticas. Na visão puramente científica a
hipnose está baseada no critério da observação de dados que
possam ser medidos e comprovados, tem origem no hospital
Salpêtrière e ganha impulso com as idéias Pavloviana que tenta
enquadrá-la na estrutura físico-orgânico-cerebral, embora as
pesquisas tenham sido produzidas para soluções de problemas
quase que exclusivamente especulativos, por tanto, não científicos.
As principais teorias para explicar a hipnose surgiram a partir
de dois ambientes: o clínico e o de laboratório. No primeiro caso seu
desenvolvimento tem por base a busca da cura para algum problema
que perturba alguém, através de entrevistas e do convívio diário com
pacientes. No segundo caso a pesquisa é feita com análises e
experimentações formais, utiliza ferramenta da estatística para
chegar a uma conclusão, seguindo o que se chama na ciência de
Método Cartesiano de Investigação.
No ambiente laboratorial surgem os fisiologistas que se opõem
às idéias psicanalíticas, originadas no ambiente clinico. Os
fisiologistas consideram que os psicanalistas não têm prova
suficientemente palpável do inconsciente humano para afirmá-lo
como verdadeiro. Estes, por sua vez, defendem-se argumentando
que os resultados práticos da cura dos sintomas neuróticos
constituem uma prova suficiente da veracidade dos seus métodos e,
afirmam que partes do psíquico, estabelecidas por Freud, podem até
não ser áreas fisicamente delimitadas e mapeadas do cérebro
humano, mas se constituem de estados psíquicos.
De fato, o inconsciente e o consciente não são interpretados
como órgão ou lugar definido do cérebro e, modernamente, são
compreendidos como métodos de trabalho mental, ou tipos de
programas operacionais do pensamento. Assim como a psicanálise,
a hipnose também é um processo que se vincula ao conceito de
inconsciente, seu estudo não está limitado pelas fronteiras impostas
pela lógica, espaço e tempo e, por isso, não pode ser visto como
parte de uma máquina. O próprio Freud já afirmava que “o
consciente, é um estado eminentemente transitório”, mas para ele
isso não deixa de ser objeto de investigação científica:
A diferenciação do psíquico em consciente e inconsciente é a
premissa fundamental da psicanálise. Permite-lhe, com efeito,
chegar à compreensão dos processos patológicos da vida
anímica, tão freqüentes como importantes, e subordiná-los à
investigação científica. Ou, dito de outro modo: a psicanálise
não vê na consciência a essência do psíquico, mas somente
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 185

uma qualidade do psíquico que pode ser somada a outras ou


faltar em absoluto (FREUD).
Existem dezenas de explicações, outras dezenas ainda vão
surgir, de quando, por que e como ocorre a hipnose, mas não existe
uma abrangente e definitiva. É evidente que há uma discórdia
considerável com respeito à natureza dos fenômenos hipnóticos.
Mas, não pode ser negada a importância prática das diversas
hipóteses sobre hipnotismo, embora nenhuma delas satisfaça
isoladamente; contém cada uma, parcela maior ou menor da verdade
e, aproveitadas em conjunto, contribuem decididamente para
aprimorar o conhecimento sobre a natureza humana, além de
permitir a convicção que precisamos para interpretar o significado do
processo hipnótico.
Sarbin 92 vê na hipnose uma das manifestações mais
generalizáveis do comportamento social, e declara que as variantes
interpessoais inerentes ao fenômeno hipnótico são tão complexas,
que nem sequer podemos determinar-lhes as medidas, transcendem
em sua complexidade os limites das próprias explicações que
conhecemos. É um fenômeno permeado pela emoção e pela
intuição, duas variáveis que vão além do paradigma da razão e da
verdade científica atual.
Pelas diferentes interpretações considera-se a indefinição
teórica da hipnose como fato. O que se pode concluir é que ela se
divide em duas grandes correntes: Uma com base na essência e
outra na existência do ser humano. A primeira, ora centrada na
psicanálise, ora no desconhecido ou em conceitos espiritualistas,
alinha os autores que usam em suas explicações terminologias
próximas, como Sugestão, Subconsciente ou Inconsciente,
Transferência, Alma, etc. A segunda centrada no fisiologismo,
representada originalmente pela escola russa e fundamentada na
teoria dos reflexos condicionados. Esta última atribui à hipnose
razões puramente fisiológicas.
Leis e explicações da Hipnose
Para efeito de posição inicial quanto à questão de se tentar
entender como se processa o fenômeno hipnótico pode ser
analisada, sem tomar partido, as principais explicações e leis que se
conhecem a respeito. A partir daí, com visão plural das
argumentações, poderá ser assumida preferências ou definidas
convicções pessoais.

92
SARBIN, T. R. Contribution to roll-taking theory in hypnotic behaviour, Psychol.
rev. 57 - 255, 1950.
186 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Começando por analisar a afirmação de que, numa sessão de


hipnotismo observa-se um impacto, não precisamente entre duas
vontades, uma forte e outra fraca, o que se observa é um impacto
entre a vontade do hipnotizado e a imaginação ou a idéia do
hipnotista, estratégica e metodicamente elaborada. Quanto mais
forte aquela, tanto mais vitoriosa esta última. Assim sintetiza a lei da
reversão dos efeitos de Emile Coué: 93 “Num impacto entre a vontade
e a idéia, vence invariavelmente a idéia”.
Dentre os exemplos mais típicos da lei da reversão dos efeitos,
está a dificuldade que é experimentada quando, de súbito, alguém
quer lembrar um nome. Justamente no momento em que mais
precisa do nome, ele não vem à mente. Quanto maior a pressa,
quanto maior o esforço, maior a dificuldade. É o impacto da idéia do
esquecimento contra a vontade imperiosa da lembrança a bloquear a
memória. O nome invocado vem à mente, à medida que é
renunciado ou é moderada a vontade da lembrança.
Nas sessões de hipnotismo, a reversão de efeitos se produz
artificialmente pela intensa e súbita mobilização da vontade do
hipnotizável. Sendo dito ao hipnotizado que ele é incapaz de lembrar
de seu próprio nome, reage desesperadamente contra a sugestão,
ou seja, a idéia (no fundo, vontade dele) de provocar o fenômeno. E
por ser a vontade dele, não será capaz de dizer seu próprio nome.
Semelhantemente, sugere-se que ele não consegue articular uma
determinada palavra, que está preso na cadeira, que não consegue
abrir os olhos. Este é o efeito, ou melhor, a reversão de efeitos, a
produzir os resultados espetaculares que ocorrem nas
demonstrações de hipnotismo.
A lei reversão dos efeitos não se põe em ação com a mesma
simplicidade com que se põe a funcionar um engenho mecânico, isto
é, ligando uma chave ou apertando um comutador. Para que a
referida lei funcione, é preciso que o hipnotizável esteja convencido
da autenticidade da experiência e, subsidiariamente, também da
vontade que o fato ocorra. E, para tanto, é preciso que o hipnotista
convença. Não fora assim, qualquer pessoa, em qualquer
circunstância, poderia hipnotizar qualquer pessoa, bastaria proferir
uma sugestão para ser obedecido, o que só acontece se for o
indivíduo devidamente convencido de que, de fato, vai acontecer.
A Lei do efeito dominante afirma que a técnica hipnótica
consiste na animação e ativação de idéias, dramatizadas para fins

93
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - que digo e que faço - O domínio de si
mesmo. Rio de Janeiro, Minerva, 1956.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 187

determinados; tem de valer-se da seleção de efeitos emocionais


dominantes. Baudouin, Coué e Pierce acrescentaram a isso o
princípio da reversão dos efeitos e a lei do efeito dominante. Isto
significa que, nos indivíduos, uma emoção mais forte sobrepuja uma
emoção de intensidade menor. Exemplo: uma pessoa está sob a
emoção do prazer quando lhe sobrevém uma situação de perigo.
Produzindo o perigo, que é uma emoção mais forte do que o prazer,
o sentimento de prazer desaparece à medida que o de perigo ganha
proporções.
O expediente psicológico da emoção é válido quando se torna
necessário reavivar, fortalecer ou aprofundar o processo hipnótico,
condicionando as sugestões às experiências emocionais mais fortes
do hipnotizado, como amor, alegria, tristeza, ciúme, medo, repulsa,
entre outros. É por esse fato que, nas sessões de palco, ocorre
grande efeito sugestivo quando é sugerido para o hipnotizado viver
situações como tempestade, ataque de insetos, inundações ou
passeio no campo, pescaria no lago, montaria a cavalo, etc.
Uma pessoa hipnotizada transforma-se facilmente em
instrumentista, maestro, cantor, orador ou personagem histórico. É
que a idéia de sucesso representa um dos efeitos dominantes, por
ser o sucesso uma das emoções mais poderosas, capaz de fazer
desaparecer momentaneamente outras que, até então, vinham
ocupando as energias anímicas do indivíduo. Para os estudiosos do
comportamento, a própria autocrítica, ou seja, o medo de ser exposto
ao ridículo, desaparece facilmente diante da emoção toda poderosa
do êxito.
Fenômeno de projeção
Entre outras explicações, a hipnose pode ser vista como um
fenômeno de projeção. Não se pode esquecer que toda sugestão é,
em última análise, auto-sugestão, toda hipnose, em última análise, é
auto-hipnose e para produzir efeito tem de basear-se na
reciprocidade. A idéia externa, ou seja, o desejo do hipnotista tem de
refletir, de certo modo, a idéia interna, ou seja, o desejo do
hipnotizável. Este conscientemente, sem se dar conta do fato, projeta
sobre a pessoa do hipnotista os efeitos de sua própria vontade,
assim como projeta sobre ele suas próprias fantasias e seus próprios
desejos de realizar o inusitado. Por esta hipótese, o hipnotizado
sucumbe à sua própria vontade, que se confunde pela projeção com
a idéia ou a imaginação do hipnotista.
Na linguagem psicanalítica, o fenômeno da projeção é um
mecanismo de defesa, consiste na atribuição a outros de impulsos
que o indivíduo não pode aceitar, mas que são provenientes de seu
188 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

próprio aparelho psíquico. Sentimentos próprios indesejáveis são


atribuídos a outras pessoas.
Hipnose é sugestão
Esta tese defende a relação entre hipnose e
sugestionabilidade, afirmando ser a hipnose o resultado da sugestão.
Baseia-se no princípio de que, se o indivíduo é sugestionável, poderá
por sugestão ser levado ao estado hipnótico. Por intermédio das
palavras, é possível interferir no seu estado emocional, torná-lo
alegre ou triste, melancólico ou bravo.
Estbrooks, 94 referindo-se a sugestão como elemento que
desencadeia a estado hipnótico, diz que “O hipnotismo é um estado
de exagerada sugestionabilidade induzida por meios artificiais”. É
também com base nestes argumentos a definição do Warren, 95 um
dos mais acatados dicionários de termos psicológicos, define a
sugestão como sendo a condição para levar uma pessoa a agir
independentemente das suas funções críticas. Afirma que é a
indução ou tentativa de indução de uma idéia, crença, decisão ou ato
realizado na pessoa alheia, por meio de estímulos verbais ou outros
estímulos, cujo objetivo é levar uma pessoa a agir
independentemente das suas funções críticas.
Um estado tendente a aguçar a sugestibilidade quase equivale
a dizer que hipnose é, do princípio ao fim, sugestão. É na teoria de
Hull sugestibilidade aumentada ou generalizada. 96 Qualquer teoria
ou conceito sobre hipnose, seja qual for a parcela de verdade que
contenha e o grau de sua importância prática, não valem senão à
medida que elucida as motivações e os mecanismos desse
fenômeno eminentemente natural, que é a sugestão, nas suas
diversas graduações.
Há uma tendência de desmerecer o fenômeno da hipnose com
o argumento de que tudo não passa de sugestão, como se a
sugestão fosse necessariamente uma coisa superficial ou
desprezível, sem importância para a nossa vida. Acontece que a
sugestão representa uma das forças dinâmicas mais ponderáveis da
condição humana. Não acarreta unicamente alterações sensoriais e
modificações de memória, podendo afetar todas as funções vitais do
organismo, tanto no sentido positivo como negativo.

94
ESTBROOKS, G. H. Hipynotism. New York, Dutton, 1943.
95
WARREN, H. C. Dictionary of psychology, New York, Hougton Miffin, 1934.
96
HULL, C. L. Hypnosis and suggestibility. An: Experimental approach. D. Aplleton
- Century, 1933.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 189

A sugestibilidade, embora sujeita a variação de grau e de


natureza, é um fenômeno rigorosamente geral; é possível que todas
ou quase todas as pessoas fossem hipnotizadas se o hipnotista
aplicasse o método adequado para induzir a sugestão. Assim,
defende-se como tese que a sugestão é uma força que domina a
todos, em grau maior ou menor, não exerce apenas uma ação
superficial ou acidental em nossa vida, pelo contrário, pode até
definir o modo de viver.
Weissmann 97 define sugestão como sendo a tendência que o
indivíduo tem de agir sob o mando ou influência de outrem:
Por sugestão entendemos comumente a tendência que o indivíduo
tem de agir sob o mando ou a influência de outrem, quer por meio de uma
ordem ou instrução direta, quer por outros meios quaisquer (WEISSMANN).
A sugestão hipnótica poderia ser definida ainda como um
processo de comunicação que resulta na aceitação convicta de
idéias, crenças ou impulsos, sem necessidade de fundamento lógico.
É a tendência a criar na pessoa uma atitude, fazendo com que ela
aceite coisas imaginárias como se fossem reais. Considerando que
sugestão não é hipnose, seria pelo menos o preâmbulo da hipnose;
toda e qualquer hipnose começa pela sugestão, ainda que seja
veiculada por vias indiretas como ambientes e fatos que dispensam a
sugestão verbal.
Sugestão é prestígio
O prestígio do hipnotista é um dos fatores decisivos na indução
hipnótica; geralmente só se consegue hipnotizar pessoas junto às
quais se tem o prestígio. Essa explicação começa por analisar a
definição da sugestão como sendo “a tendência que a pessoa tem de
agir sob o mando ou a influência de outrem”, com base nesta
afirmação questiona-se o que determina a tendência de uma pessoa
agir a mando ou sob influência alheia, e aceitar coisas imaginárias
como se fossem reais. O prestígio deriva quase sempre da idéia de
poder, de competência ou de carisma que por sua vez, demanda da
aparência, conhecimento ou atitudes de uma pessoa.
Para os psicanalistas, o prestígio se forma em virtude de uma
situação de transferência. Seria, citando Sandor Ferenczi, 98 “a
expressão inconsciente instintiva e automática da submissão frente à
autoridade materna ou paterna”. O prestígio do hipnotista resultaria
da confusão inconsciente do hipnotizado que confunde a pessoa do
hipnotista como sendo seu “pai” ou “mãe”.
97
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. Rio de Janeiro, Ed. Prado, 1958.
98
FERENCZI, S. Theorie und technik der psychoanalyse. Boni & Liveright, 1927.
190 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Segundo Weissmann, esse ponto de vista psicanalítico não é


sempre aceito, considerando que nesse caso o hipnotista feminino
só conseguiria hipnotizar quem fosse dominado pela autoridade
materna, enquanto o hipnotista masculino só induziria indivíduos
habituados ao mando do pai, fenômeno este que, na realidade, nem
sempre se confirma. Acreditar, porém, no fato de que uma pessoa
pode ser hipnotizada praticamente por qualquer hipnotista,
independentemente das suas emoções pré-formadas, não chega a
invalidar essa tese, levando em conta que o fator prestígio não se
forma exclusivamente à base da experiência infantil da autoridade
parternal-maternal.
Hipnose é sono
No tempo de Mesmer o hipnotista ainda não era o homem que
faz dormir, embora sim em épocas anteriores. Nos primórdios do
hipnotismo clássico, o primeiro a associar o estado de hipnose ao
estado onírico foi o Marquês de Puységur com a teoria do
sonambulismo artificial. Ele tinha, sem dúvida, sua parcela de razão.
Até hoje são reconhecidos os indivíduos sonâmbulos como sendo
ótimos hipnotizáveis, atingem um estágio muito profundo da hipnose
denominado como sonambúlico.
O primeiro a intentar uma discriminação mais acirrada entre o
sono natural e o sono hipnótico foi Braid, com a teoria do neuro-
hipnotismo. Braid chamou o estado de hipnose de sono nervoso
provocado (nervous sleep) para diferenciá-lo do sono natural. A
hipnose passou a ser sono ou uma espécie de sono para a quase
totalidade dos pesquisadores, dentre os quais Liébeault, Binet, Fere,
Bernheim e muitos outros nomes mais ou menos eminentes.
Pavlov também descreve o estado hipnótico em termos
oníricos. Afirma que a diferença entre o “sono hipnótico” e o “sono
natural ou fisiológico” é de grau e não de natureza. Para ele, o sono
hipnótico apresentaria uma inibição cortical menos completa do que
a do sono fisiológico, assim a hipnose poderia ser um sono parcial.
Insiste ainda que a hipnose representa uma inibição das funções
cortical superiores. Outros autores, não concordando, afirmam que
se esse ponto de vista correspondesse à realidade, as pessoas
hipnotizadas seriam incapazes de executar atos inteligentes, o que
na prática não se verifica. É nesse sentido a opinião de Weissmann:
Reflexo condicionado pode prevalecer, de certo modo, como
explicação científica do sono fisiológico e do sono artificial, mas
não explica a hipnose humana, senão unicamente na parte
onírica (WEISSMANN).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 191

Dentro da própria psicanálise podem ser vistos ainda pontos


em favor dos conceitos oníricos da hipnose, no estado de transe ou
no sono fisiológico mergulhamos nos meandros do inconsciente. O
estado de hipnose apresenta fenômenos que se assemelham aos
mecanismos da dinâmica dos sonhos. E os sonhos, na definição de
Freud, representam, por sua vez, “a vida mental durante o sono”.
Mesmo contando com os muitos pontos em comum, a hipnose
não pode ser considerada como sono, são dois estados diferentes.
Existe no sono hipnótico uma série de efeitos extraordinários tais
como a rigidez cataléptica, a anestesia, a amnésia pós-hipnótica,
sem falar dos efeitos sugestivos de um modo geral, que são próprios
da hipnose, não ocorrendo no sono fisiológico. A pessoa
fisiologicamente adormecida não reage aos estímulos sensoriais da
mesma forma pela qual reage o indivíduo hipnotizado, a não ser que
tenha sido convertido o sono natural em sono hipnótico, ou que se
trate de um sonâmbulo. Enquanto o hipnotizado fica atento ao mais
leve sussurro, para fazer ouvir o adormecido alguém tem de falar alto
ou mesmo gritar.
É válido o conceito segundo o qual a hipnose corresponde ao
breve momento que medeia o estado de vigília e o sono. Esse breve
momento seria artificialmente induzido e prolongado pelo hipnotista,
mas, para o público de um modo geral, o hipnotista continuará, para
todos os efeitos e ainda por muito tempo, como sendo o homem que
faz dormir. No entanto, recentes pesquisas com o PET, põem
definitivamente fim na discussão. Os resultados mostram de forma
clara e precisa que embora o hipnotizado pareça adormecido, a área
cerebral da atenção é acionada como se ele estivesse em vigília. Se
o indivíduo estivesse em um estado próximo do sono, o que não
ocorre na hipnose, o mapa cerebral demonstrado no exame seria
completamente diferente, com outras áreas ativadas. 99 Logo,
definitivamente hipnose não é sono.
Entrega amorosa
Por esse ângulo a hipnose é vista como um paralelo traçado
entre a hipnose e o apaixonamento, o que não se justifica
unicamente por mecanismos sugestivos, mas também pela
motivação afetiva do hipnotizado que, inconscientemente, encontra
identidade de valores (reais ou transferidos) no hipnotista e promove
o que se denomina de entrega amorosa. Freud formulou sua
explicação para o estado hipnótico nesta base; segundo ele, o

99
SUPER Interessante. Visão hipnótica, São Paulo, revista mensal, Editora Abril,
maio de 1998, p. 40 - 45.
192 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

estado de hipnose corresponderia a uma entrega amorosa e para


justificar, em sua autobiografia, conta que uma jovem o abraçou
muito afetivamente ao sair do transe. Isso, de fato, pode ocorrer nas
sessões de hipnose embora não seja regra, parece que depende de
valores afetivos, nutrido independente do processo hipnótico, que se
manifestam mais livremente no transe ou logo após.
Concluiu Freud que a hipnose traz certo grau de satisfação de
caráter libidinal, as reações e a própria expressão fisionômica de
muitos pacientes femininos indicam visivelmente estados emocionais
que colaboram com essa explicação Freudiana. Muitos ao
despertarem do estado de hipnose, ainda que não cheguem a
abraçar o hipnotista, demonstram comportamento e expressão facial
de quem está apaixonada, podendo chegar, em outros casos, a uma
crise de pranto. Para aqueles que defendem essa hipótese, essas
reações talvez traduzam, mesmo que inconscientemente, aprovação
e ou arrependimento do hipnotizado pelas emoções que acabaram
de experimentar.
Também é dentro da perspectiva psicanalista que se encontra
a tese que associa a imagem do pai ou da mãe como uma figura
autoritária que, durante a hipnose, é confundida com o hipnotista.
Neste sentido o transe estaria relacionado com a aceitação do
hipnotizado a uma figura autoritária, o que provocaria uma regressão
emocional representada pela volta a uma fase anterior do
desenvolvimento emotivo, quando sobressairia o pensamento
mágico e simbólico. A mente do hipnotizado, regredida a um estágio
de dependência infantil, liga-se emocionalmente com o hipnotista
que fica revestido de qualidades excepcionais, podendo então fazê-
lo obedecer. Dentro dessa perspectiva, para o hipnotizado o
hipnotista representa a imagem do pai ou da mãe e a hipnose seria
uma evocação infantil da relação masoquista erótica.
A teoria psicanalítica descreve o estado hipnótico como
resultado do desejo do hipnotizado de ser controlado por uma
pessoa que, para ela, em determinados momentos, se parece com
um dos pais (transferência), ou como resultado do seu desejo de
satisfação de impulsos eróticos ou masoquistas inconscientes. Pode
também o hipnotizado, ao submeter-se à hipnose, representar neste
ato um desejo latente de proteção e segurança que se materializa na
transferência.
Freud justifica a entrega amorosa afirmando que a credulidade
como a que o hipnotizado se dispõe a ter para com o seu
hipnotizador, encontra-se, fora da hipnose, na vida real, somente na
criança face aos seus pais amados. Para ele a hipnose pode ser
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 193

entendida como uma relação amorosa com plena entrega; a


coincidência da estima exclusiva com a obediência crédula
caracteriza, sobretudo, o amor.
Em geral, nas explicações de origem Freudiana, dá-se uma
excessiva importância ao elemento sexual, integrado às relações
materno paternal. Contudo, é muito difícil a comprovação dessa
importância na relação entre o hipnotizado e o hipnotista. Muitos
autores se posicionam contrariando essa e outras explicações
baseadas nas hipóteses Freudianas, entre eles, Sarbin, quando
afirma “A hipnose representa uma forma de comportamento
psicológico social mais generalizado do que a simples entrega
amorosa ou o apaixonamento”.
Freud deu muita relevância ao lado sexual e, a isso, atrelou
quase que totalmente a suas conclusões. Ao elevar o lado sexual e
dar menor importância aos aspectos sociais e culturais, encontrou
em seus próprios seguidores muitos dissidentes e, por causa disso,
vários foram os que se afastaram um pouco de uma parcela das
suas teorias e formaram as chamadas teorias neofreudianas. Alguns
dos mais importantes são: Carl Jung, Alfred Adler, Karen Horney,
Harry Sullivan e Erik Erikson. Todos eles são considerados
neofreudianos e o ponto de divergência principal com o mestre é
justamente excessiva importância dada ao elemento sexual.
Mamadeira hipnótica
Fundamentada no desdobramento da teoria Freudiana, esta
explicação afirma que a hipnose se identifica com a experiência
infantil da lactação. Em síntese, defende que o indivíduo em transe
agarra-se às palavras do hipnotista, mais ou menos como a criança
se apega ao seio materno. O hipnotizado é verbalmente
amamentado pelo hipnotista, cujas palavras monótonas, constantes
e fluentes atuam como um substitutivo simbólico do leite materno.
A hipótese da mamadeira hipnótica tenta provar que, na
hipnose pela sugestão verbal, toca-se no inconsciente pela
associação com o processo da amamentação; desta forma a própria
voz do hipnotista é um dos elementos notoriamente importantes no
trabalho de indução, se incorpora ao Ego do paciente como se fosse
leite a amamentá-lo. A “mamadeira” a alimentar o transe são as
palavras suaves e monótonas do hipnotista.
De acordo com a teoria psicanalítica, a hipnose reproduz os
processos normais do desenvolvimento do Ego infantil. Apresenta
uma forma de prazer libidinoso inconsciente, por permitir uma
194 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

recapitulação da própria infância, da sua evolução libidinal 100 para a


genitalidade madura e adulta. Weissmann observa a esse respeito:
Muitos dos meus pacientes, segundo declarações feitas a mim
ou a outras pessoas, tiveram a impressão de que, entre outras
coisas, eu os fizera ‘mamar’ durante o transe. E note-se que,
dentre as pessoas mais hipnotizáveis, figuram os chamados
tipos orais, ou seja, aqueles indivíduos ‘mal desmamados’ que
se fixaram em sua evolução instintiva à fase pré-genital,
denominada fase oral, que é o primeiro dos três estágios
marcantes da evolução libidinal para a genitalidade madura e
adulta. De acordo com a teoria psicanalítica mais moderna, a
hipnose reproduz os processos normais do desenvolvimento
do Ego infantil. É uma recapitulação da própria infância
(WEISSMANN).
Weissmann demonstra uma forte tendência para aceitar as
explicações Freudianas, embora seja moderado quando revela suas
convicções, fato que o caracteriza como sendo um entre os melhores
autores sobre o tema do hipnotismo. 101
Gênero dramático
Neste caso a explicação seria a de que o hipnotizado é um
artista animado pelo desejo de representar o papel do indivíduo
hipnotizado. No entanto, essa explicação não indica,
necessariamente, ceticismo quanto à autenticidade dos fenômenos
hipnóticos, nem tampouco compromete a idoneidade dos “atores”. O
desejo de representar e ou de cooperar com o hipnotista e obedecer-
lhe, desde que não contrarie os interesses vitais ou morais, constitui
uma característica inerente à hipnose. É uma manifestação daquilo
que designamos pelo nome de rapport. Sem estar hipnoticamente
afetado, o “ator” não se dispõe a colaborar com tanta docilidade,
representando o papel de hipnotizado de forma tão perfeita e
convincente. Para fundamentar essa tese, Weissmann apresenta
como exemplo o paralelo da intoxicação etílica:

100
Nos primeiros tempos de vida o corpo é erotizado e as excitações sexuais,
localizadas em partes do corpo, desenvolvem-se progressivamente. Freud
postulou o desenvolvimento psicosexual em: fase oral (a zona de erotização é a
boca), fase anal (a zona é o ânus), fase fálica (a zona é o órgão sexual); em
seguida, vem um período de latência, que se prolonga até a puberdade e se
caracteriza por uma diminuição das atividades sexuais. E, finalmente, na
adolescência é atingida a última fase, a fase genital, quando o objeto de
erotização ou desejo não está mais no próprio corpo, mas em um objeto externo
ao indivíduo - o outro (N. do A.).
101
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. Rio de Janeiro, Ed. Prado, 1958.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 195

Ninguém põe em dúvida a realidade da intoxicação alcoólica


ao descobrir que o ébrio não é assim porque bebe, mas bebe
precisamente por ser assim. E não se duvida, tampouco, da
influência do álcool pelo fato de o indivíduo conservar a
lembrança parcial ou total do que ocorreu enquanto
influenciado pela bebida. Da mesma forma, o hipnotizado
representa o papel do indivíduo em transe, assim como o
alcoólatra representa o papel do ébrio. A fim de poder
representar convincentemente seu papel predileto, o ébrio tem
de recorrer ao álcool e o hipnotizado também não dispensa as
condições inerentes ao transe para poder desincumbir-se
devidamente de sua função. Contudo, os céticos acreditam no
álcool e, sem justificativa plausível, duvidam da hipnose
(WEISSMANN).
Diz ainda o autor que idêntico argumento tem sido usado
contra a autenticidade das alucinações negativas:
O hipnotizado em transe profundo recebe a sugestão seguinte:
“Ao abrir os olhos, você terá poderes para enxergar tudo,
menos uma determinada coisa ou pessoa”. A lógica nos diz
que o objeto que o hipnotizado não vê, é visto e não visto ao
mesmo tempo, pois para poder eliminar do campo visual o
objeto suprimido pela sugestão pós-hipnótica, o hipnotizado
tem de localizar e identificá-lo primeiro, sob pena de
desobedecer à sugestão do hipnotista (WEISSMANN).
Para Weissmann, o simples desejo de representar o papel do
indivíduo hipnotizado não será o bastante para que uma pessoa
sofra uma dor séria, como entre outras, uma extração de dentes sem
anestesia. Admitindo que não esteja anestesiado no sentido próprio
da palavra e que, no fundo, participe ativamente da dor a que é
submetido, o fato é que em estado normal ele não consegue assumir
essa atitude, de quem resolveu não tomar conhecimento do
sofrimento físico, fingindo simplesmente ignorá-lo. Isso não obsta
que se veja ainda nesses casos um sacrifício feito ao mero desejo de
representar e de impressionar os outros. Os pacientes de Esdaille,
que sofriam as intervenções cirúrgicas mais severas, inclusive
amputações, eram apontados pelos adversários do hipnotismo
daquele tempo como “um grupo de endurecidos e renitentes
impostores”.
Weissmann discordando da simples e pura dramatização se
refere ao sofrimento dos hipnotizados quando, por exemplo, se
produzem bolhas de queimadura na pele por efeito de sugestão
hipnótica. Embora efetivamente queimado o hipnotizado não reage.
Nesse caso a hipnose se for entendida como um gênero dramático
terá um esforço de simulação todo especial, capaz de suportar
196 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

dores, e de outros efeitos que não são possíveis em estado normal.


Logo não é só dramatização.
Algumas experiências modernas eliminam por completo a
dúvida da dramatização na hipnose e põe um ponto final na questão.
Desde 1996, já se pode observar através do PET o funcionamento
do cérebro. Os resultados dos exames, demonstrados nesse
instrumento, negam as possibilidades de ser o transe hipnótico
apenas dramatização. Prova que quando o hipnotizado é induzido a
sentir, vê ou fazer alguma coisa, mesmo que as sugestões sejam
falsas, se tornam verdadeiras para o seu cérebro.
Hipnose como dissociação
Uma das explicações mais populares sobre hipnose é a da
dissociação da personalidade, segundo a qual, a hipnose é um meio
de acesso ao inconsciente. Ao abrir a porta do inconsciente, a
hipnose fecha a do consciente, o hipnotizado quase sempre não se
recordava dos incidentes ocorridos durante o transe, nem dos papéis
que desempenhara nesse estado, porque seu consciente estava
fechado ou adormecido e só o inconsciente, por assim dizer,
acordado.
Esse fenômeno da dissociação opera dentro da expectativa do
próprio hipnotizado quando este espera que, à medida que entra em
transe, seu consciente se apague e seu inconsciente se manifeste. É
parte fundamental e convencional do indivíduo hipnotizado; ele
instintivamente se esforça por corresponder a esse imperativo
categórico do transe hipnótico. Ao acordar, apressa-se em declarar
que não se recorda de nada do que ocorreu, quando, às vezes, com
algum esforço, poderia recordar-se, ao menos em parte, do que se
passou.
Basta esclarecer aos hipnotizados que o clássico estado de
inconsciência e a conseqüente amnésia pós-hipnótica não são
essenciais, que já não constituem requisito e critério de hipnose,
para obtermos uma notável redução do mecanismo dissociativo. A
amnésia e outros fenômenos decorrentes da dissociação são, de
certo modo, impostos por sugestão, o que equivale a dizer que são
mais artificiais do que reais. A consciência moral (sensor crítico)
continua alerta no estado hipnótico, de um modo geral o hipnotizado
aceita o que lhe convém e rejeita o que não lhe convém. Isso não
invalida completamente a tese da dissociação, a qual, de certo
modo, está de acordo com a divisão psicanalítica da personalidade
em consciente, inconsciente e consciência.
A hipnose efetivamente inibe as funções do consciente (o Ego),
liberta, ainda que condicionalmente, o inconsciente (o Id), mas não
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 197

tem poder sobre a consciência (o Superego). Esta última é a “polícia


interior”, que continua vigilante no mais profundo transe hipnótico
para proteger o hipnotizado. Entretanto, os três aspectos da
personalidade citados não representam compartimentos estanques,
logo o Superego não é tão vigilante nem o Ego tão inconsciente
quanto se supõe.
Além do fenômeno da amnésia, apontam-se dissidências e
desarmonias intrapsíquicas como resultantes dissociativas.
Hipnoticamente divididas, uma parte da personalidade pode entrar
em conflito com a outra, porém é este um aspecto comum à
psicodinâmica; é a clássica falta de unidade de propósitos que Freud
assinalou como sendo uma das características fundamentais dos
indivíduos neuróticos. São as pessoas que vivem em dissidência
consigo mesmo, num conflito permanente entre os deveres e os
desejos.
Myers, 102 assim como Émilie Coué, com base nas formulações
Freudianas, alinham-se a essa explicação para descrever o estado
hipnótico, afirma que o ser humano possui duas consciências: a
supraliminar (o consciente) e a subliminar (o inconsciente). Para
eles, obtendo-se a ligação com o inconsciente, a hipnose ocorrerá.
Seria a hipnose um fenômeno inconsciente.
Neste caso, os métodos de indução momentaneamente
provocam o desligamento do consciente e, neste instante, ocorre a
revelação ou o afloramento do inconsciente. Assim, o hipnotizado
agiria durante o transe em estado de inconsciência. Suas
manifestações seriam conseqüências do que lhe foi sugerido pelo
hipnotista ou simplesmente fantasias dos seus desejos, crenças ou
fatos distantes que ocorreram em sua própria vida, dos quais, o
hipnotizado não se lembra conscientemente.
Estado normal
Por este ângulo a hipnose é um estado normal, não obstante
as alterações psicossomáticas que produz. Tenta provar a tese de
que a diferença de comportamento do indivíduo acordado para o
indivíduo hipnotizado é uma diferença quantitativa e não qualitativa.
Seria, portanto, uma diferença de grau e não de natureza.
Sob o efeito do transe hipnótico, as peculiaridades da
personalidade humana não se modificam em sua essência, mas
apenas aumentam ou diminuem. Diz a teoria do estado normal que

102
MYERS, J. K., Weissman MM. Tischler GL, et al. Six-month prevalence of
psychiatry disorders in three communities, (1980-1982). In: Arch Gen Psychiatry,
41; 959-967, 1984.
198 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

cada pessoa reage à sua maneira, de acordo com a sua própria


dinâmica e estrutura psíquica. Na hipnose, a dinâmica se exacerba
ou diminui, mas o indivíduo não muda de personalidade. Nunca
deixa de ser o que é apenas deixa, eventualmente, cair a máscara,
manifestando, conforme as circunstâncias, suas próprias tendências,
normalmente policiadas ou reprimidas. A hipnose altera, unicamente,
a velocidade e a intensidade dos processos psíquicos e produz no
hipnotizado, de acordo com as sugestões, modificações fisiológicas
transitórias.
Para reforçar essa explicação de que a hipnose representa um
estado psicológico normal, lembra-se o clássico conceito de
Bernheim, 103 segundo o qual “somos indivíduos potenciais e
efetivamente alucinados durante a maior parte das nossas vidas”. O
que equivale a dizer que todos vivem em regime mais ou menos
hipnótico à força da própria necessidade e do hábito. O hábito, esse
nosso aliado, representa o paradigma da normalidade e é, por
definição, uma hipnose permanente. A experiência tem mostrado que
o grau de subordinação ao hábito costuma servir, de certo modo,
como critério de suscetibilidade hipnótica. Compreender o indivíduo
hipnotizado equivale a compreendê-lo em seu estado normal.
Exclusão psíquica relativa
Essa explicação também tenta demonstrar que as pessoas têm
duas mentes, denomina uma de objetiva e a outra subjetiva. A mente
objetiva é a que controla os sentidos: audição, visão, gustação, tato e
olfato. A subjetiva é a que controla a memória. A mente objetiva é
capaz de raciocínio tanto indutivo quanto dedutivo. A mente subjetiva
é capaz somente de raciocínio dedutivo, não podendo raciocinar por
indução.
As duas mentes estão sempre presentes em cada indivíduo,
num estado relativo de equilíbrio, como uma gangorra e, para
assegurar o estado hipnótico, o hipnotista induz a mente objetiva do
hipnotizado a retroceder, trazendo assim à frente a mente subjetiva.
Mas, em vez de vir à frente, como vem no sono comum, sem ser
controlada ou submetida à sugestão externa, ela vem esperando ser
controlada por sugestões do hipnotista. Por essa explicação, a
hipnose pode ser definida como uma condição em que se consumou
uma troca nas posições relativas das mentes subjetiva e objetiva, e
em que a subjetiva foi posta em evidência na expectativa de ser

103
BERNHEIM, H. Hypnosis and suggestion in psychotherapy: A tratise on the
nature of hypnotism [Reprin]. Translad by CA Herte, New Hyde Park, New York,
Universrsity Books (1889) 1964.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 199

controlada pelo hipnotista ou pela mente objetiva em recesso. O


processo que alcança tal resultado é o hipnotismo.
Quando induzida por um hipnotista, a mente subjetiva avança
na expectativa de ser por ele controlada. Neste caso, o chamado
hipnotismo ocorre por controle externo. Quando o próprio indivíduo
induz a troca subjetiva e objetiva, e a mente subjetiva avança na
expectativa de ser controlada pela objetiva em recesso, ocorre o que
se chama de auto-hipnose ou auto-hipnotismo.
O controle, uma vez estabelecido, pode ser mantido e
prolongado à vontade do hipnotista, logo que a mente subjetiva do
hipnotizado aceita o hipnotista como sua fonte de sugestões;
qualquer sugestão daí por diante assume, para o hipnotizado, a
natureza de incontestável. O controle, depois que for assumido, pode
ser mantido ou ampliado pela simples sugestão, pois a sugestão de
manutenção ou extensão é aceita pela mente subjetiva como uma
verdade a ser cumprida.
A amplitude do controle não é ilimitada, está circunscrita pelo
grau em que a mente objetiva do hipnotizado, embora presente, se
acha em recesso. É por isso que, por mais bem sucedida que possa
ser a hipnose, é impossível dominar certos instintos básicos e
opiniões profundamente arraigadas do hipnotizado. Os instintos e as
opiniões variam entre diferentes indivíduos. Por exemplo: a maioria
das pessoas tem um instinto básico de autopreservação muito
apurado. Para uma grande percentagem de mulheres, a fidelidade é
um princípio profundamente arraigado. O mesmo é verdade com
relação às crenças religiosas que, com freqüência, estão enraizadas
firmemente e não cedem facilmente a uma contra-sugestão durante
a hipnose. De modo semelhante, outros valores morais, éticos e
espirituais assumem proporções significativas para muitas pessoas,
mas o grau atingido é uma questão individual, representam suas
próprias matrizes inconscientes.
Para Rhodes, 104 a quem se atribui a autoria do conceito de
mente objetiva e subjetiva, essa explicação é suficiente e supera
todas as outras. Na verdade essa forma de interpretar a hipnose não
contraria as explicações anteriores e até pode ser identificada como
apenas reformulação de conceitos sinônimos aos já conhecidos.
Fluxo de memória
Explicações parecidas com a anterior também surgiram
trocando apenas as palavras “objetiva e subjetiva” por “consciente e
104
RHODES, Raphael H. Hipnotismo sem mistérios. Rio de Janeiro, Ed. Record,
1972.
200 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

subconsciente” ou “consciente e inconsciente” ou, ainda, “razão e


emoção”. Mais modernamente essas palavras têm aparecido como
“memória de curto prazo e memória de longo prazo”. Tudo isso, pode
ser entendido como tentativas para atualizar a linguagem sobre a
explicação dos fenômenos hipnóticos com os novos conhecimentos.
Aproveitando o transcurso da era da microeletrônica, a
explicação do hipnotismo e seu envolvimento com termos
psicanalíticos, pode ser associado metaforicamente o consciente à
memória volátil dos sistemas computadorizados que analisa,
endereça e arquiva informações, e o inconsciente ao disco rígido do
computador (Winchester) como um grande arquivo de informações.
Do ponto de vista didático, essa associação parece ser eficaz para o
entendimento desse tema tão complexo. O consciente pode ser
entendido como se fosse apenas um processador de informações
que são requeridas do inconsciente onde está localizada a grande
memória, é um coordenador que processa a informação do
inconsciente e externa de forma psicomotora.
Quando alguém entra em hipnose, o consciente diminui de
ação, isto é, não processa a memória do inconsciente. Sem ação, o
hipnotizado permanece imóvel, em estado cataléptico, até que lhe
seja sugerida qualquer atitude ou situação. São as palavras do
hipnotista que assumem essa função controladora capaz de fazer
com que o hipnotizado processe a sugestão e a manifeste sem
análise, como se as sugestões fossem verdades contidas na sua
própria memória.
Para explicar o processo hipnótico, imagine o consciente como
uma esfera menor tangenciando outra esfera representando o
inconsciente e no ponto de tangência uma passagem, como se fosse
uma janela que comunica as duas mentes. Quando o consciente
necessita de uma informação, esta seria enviada pelo inconsciente
para ser processada e executada pelo consciente que é apenas um
coordenador; processa e externa informações memorizadas
(arquivadas) no inconsciente.
Imagine que as informações sobre conhecimentos normais só
sobem ao consciente quando solicitadas. Isso não acontece com as
matrizes que são informações mais fortes, construídas por várias
vezes repetidas na história de vida de cada um, as matrizes rompem
facilmente a barreira da janela e sobem despercebidas pelo
consciente, e justificam a ocorrência das intuições, geralmente
representadas de forma inconsciente, mas compulsivamente
capazes de impelir alguns dos nossos comportamentos ou
sensações.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 201

Pela janela que funciona como uma restrição, só passa uma


informação de cada vez e quando requerida pelo consciente,
dependendo da velocidade do processador, essa passagem pode
variar na velocidade, seria assim explicado o raciocínio rápido ou
lento dependendo do fluxo de informações. Se um indivíduo deseja
fazer algo como falar, cantar ou escrever, a informação seria
requerido do grande arquivo e, controlada; passa através da abertura
da janela para o coordenador. Essa abertura estaria limitada à
capacidade de processamento do consciente.

Consciente (coordenador)
Janela (passagem)
Inconsciente (arquivo)

A partir desse modelo didático pode ser considerada outra


hipótese; a de que o método hipnótico possa provocar a expansão
da abertura da janela que liga as duas esferas e, neste caso, sobe
mais informações do que seria possível o consciente processar
(coordenar), sem capacidade de processamento, o consciente
tornar-se-ia provisoriamente inativo. A pessoa neste estado não tem
qualquer manifestação psicomotora, sendo a ausência total de
movimentos a justificativa para a rigidez cataléptica que pode ser
observada em determinado nível de transe. Nestas condições, sem
ação, o hipnotizado permanecerá imóvel até que lhe é apresentada
uma sugestão. Assim, seria o hipnotista o coordenador externo que
substitui o consciente do hipnotizado.
O retorno ao estado normal representa o fechamento da janela
e a conseqüente regulagem do fluxo de informações da memória,
seria o retorno ao nível da capacidade de processamento do
consciente do hipnotizado. Talvez assim seja possível explicar
muitas situações presentes no transe hipnótico: a rigidez, por
exemplo, seria a absoluta falta de coordenação motora que é uma
função consciente. O hipnotizado não dispõe, a menos que lhe seja
sugerido, os sentidos convencionais durante o transe, por isso não
dispõe de oitiva, não vê e não sente dor e depende das sugestões
externas geradas pelo consciente do hipnotista.
Na auto-hipnose existiria sugestões prévias do próprio
hipnotizado, pronta para entrar em ação quando o transe estivesse
estabelecido. O mesmo acontece na auto-regressão: de alguma
forma, o hipnotizado já sabe, antecipadamente, o que poderá
manifestar no transe e, quando a janela abre, manifesta. Assim, uma
202 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

vez no transe, a pessoa manifestará aquilo que ficou anteriormente


sugerido como sentimentos de alegria, tristeza ou afeição, podendo
até assumir outra personalidade.
Esta explicação sobre o que ocorre no transe hipnótico
funciona ora de forma subsidiária, ora de forma cooperativa a tudo
que se disse sobre o assunto. Não pretende ser um modelo teórico,
mas sim uma representação didática e simbólica do funcionamento
da mente humana. Serve, talvez para aclarar, sem contestar outras
formas de explicar o complexo fenômeno hipnótico.
Níveis e Características
A indefinição teórica da hipnose é evidente, mas isso não
impede que a partir das observações práticas seu estudo não possa
ser sistematizado, como identificar a sintomatologia, reconhecer as
características e dividir o transe hipnótico em níveis diferenciados.
A hipnose é um fenômeno que se explica e se produz em
função do hipnotizado, por isso é possível que as expectativas sejam
variadas tanto para mais como para menos, a depender do indivíduo.
Alguns alcançam os níveis mais profundos no transcurso de várias
sessões. Há outros que quase instantaneamente entram em transe
profundo. Mas, é pela reação do hipnotizado que o hipnotista avalia a
autenticidade e a profundidade do transe.
Ocorre na pessoa hipnotizada mudança no estado físico e
mental, podendo produzir alterações no fisiologismo, na percepção,
nas sensações, no comportamento, nos sentimentos e na memória.
Nas mudanças fisiológicas que se produzem em conseqüência do
nível do transe, figura geralmente uma baixa na pulsação, ocorrendo
quedas mais ou menos acentuadas na pressão arterial. Ao iniciar-se
o transe, costuma haver vaso-constrição, seguida de vaso-dilatação
que se vai prorrogando até o momento de acordar. Equivale a dizer
que, no começo os batimentos cardíacos se aceleram, a pressão
pode subir um pouco, mas à medida que o transe se aprofunda
tende a cair. Na pessoa bem hipnotizada observa-se geralmente
uma mudança na temperatura periférica; variação de calor para mais
(hipertemia) no tórax e cabeça, associando com variação de calor
para menos (hipo-termia) nas extremidades das mãos e pés,
conservando-se geralmente assim durante todo o transe. Pequenas
diferenças podem ocorrer de um indivíduo para outro.
Durante o transe geralmente o hipnotizado apresenta-se como
estivesse experimentando um relaxamento geral, não obstante
também apresentar o aumento da percepção dos sentidos. Alguns
hipnotizados podem manifestar intensa excitação mental expressada
através de convulsões, gritos, crise de choro ou riso, ás vezes
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 203

alternadamente. A noção de tempo e espaço fica distorcida e, de


olhos abertos, as pupilas ficam dilatadas.
Quem experimenta o processo hipnótico perde a noção do
tempo; declara quando perguntado que seu transe durou apenas 5
ou 10 minutos, quando na verdade transcorreu em uma ou duas
horas, e se permanecer no ambiente onde acabou de ser
hipnotizado, poderá inclusive retornar espontaneamente para o
transe, sobretudo se outras pessoas hipnotizadas estiverem
presentes. Geralmente quem passa por esta experiência revela que
aumenta muito o nível do sono fisiológico e dorme mais
profundamente na noite posterior a sessão. Àqueles que atingem um
nível maior declara sentir a sensação de bem-estar mais profunda,
ficam como se estivesse sonolento por várias horas após o transe.
Estes sintomas são mais genéricos e outros ocorrem na medida em
que o transe evolui para seus diferentes níveis.
É comum a divisão da hipnose em três estágios ou níveis
genéricos: 1- hipnose ligeira. 2- hipnose média. 3- hipnose profunda.
Nesses níveis ocorrem as seguintes características:
• Hipnose ligeira, ou superficial: o hipnotizado tem
consciência de tudo que acontece. Dará e terá, inclusive, a
impressão de que nem sequer está hipnotizado. Porém, não
sabe explicar porque seguiu corretamente as sugestões do
hipnotista ou porque permaneceu imóvel enquanto durou a
sessão.
• Hipnose média: a pessoa conserva uma lembrança parcial
do que se passou durante o transe. Não terá dúvida, porém,
quanto ao estado de hipnose que experimentou.
• Hipnose profunda, também chamada de sonambúlica:
costuma ocorrer, entre outras coisas, a amnésia pós-
hipnótica. Ao acordar, declara não se recordar de nada do
que se passou.
Liébeault acreditava em cinco níveis, Bernheim em nove, e,
Davies e Husband, apresentam uma escala com trinta níveis e suas
características correspondentes. Mas, é de Le Cron e Bordeaux 105 a
escala considerada como a mais completa. Estes autores, após
pesquisar mais de quatro mil pessoas hipnotizadas, divide o estado
hipnótico em cinco fases e suas respectivas mudanças fisiológicas
espontâneas que se produzem naturalmente durante o transe com
cinqüenta diferentes características.
105
LeCRON, Leslie M. and BORDEAUX Jean. Hypnotism today. New York, Grune
and Stratton, 1947.
204 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Com base no referencial teórico estudado, principalmente na


escala de Le Cron e Bordeaux e em observações práticas, foi
possível identificar uma seqüência de reações espontâneas e
mudanças fisiológicas no hipnotizado. Essas situações não são
induzidas pelo hipnotista, surgem em conseqüência da evolução ou
aprofundamento do transe que pode ser divido em fases de I a V e
na numeração de um a cinqüenta:
FASE I - Hipnoidal - Noventa e oito por cento dos candidatos são
hipnotizáveis e, quando submetidos à hipnose, pelo menos se
enquadram nesta fase. Mostram uma expressão de cansaço,
freqüentemente tremores nas pálpebras e contrações espasmódicas
nos cantos da boca e nas mãos e aumento de batimento cardíaco.
Não obstante os sintomas, esta fase não é considerada como um
transe perfeito.
São características dos diferentes níveis da fase I:
1 - Fechamento dos olhos; 2 - Aparente sonolência; 3 - Tremor
das pálpebras; 4 - Contrações espasmódicas; 5 - Relaxamento
mental e físico, 6 - Aumento de batimento cardíaco.
FASE II - Transe ligeiro – Oitenta por cento dos candidatos, quando
submetidos à hipnose, evolui para esta fase. Começam a sentir os
membros pesados e finalmente todo o corpo pesado. Experimentam
um estado de alheamento, embora conserve ainda plena consciência
de tudo que se passa ao redor. Entre outros sintomas, apresenta-se
no hipnotizado a catalepsia ocular, a catalepsia dos membros e a
rigidez cataléptica, (Os músculos do corpo ficam enrijecidos durante
o estado de hipnose, porém não existe a fadiga muscular), pouca
inclinação a falar, já não quer mover-se ou mudar de posição. O
hipnotizado não tosse, mantém-se sério e imóvel, age como se não
estivesse criticamente afetado pelo que acontece no ambiente e a
respiração é mais lenta e mais profunda. Neste estágio, o
hipnotizado obedecerá às sugestões mais simples, embora possa
oferecer resistência às sugestões mais complicadas, quando retorna
do transe diz que se lembra de tudo que aconteceu, porém declara
sempre que, durante o transe, tentou mover-se em vão.
São características dos níveis da fase II:
7 - Catalepsia ocular; 8 - Catalepsia parcial dos membros; 9 -
Rigidez de pequenos grupos musculares; 10 - Respiração mais
lenta e mais profunda; 11 - Lassidão acentuada (sem
disposição para se mover, falar, pensar, agir); 12 - Contrações
espasmódicas da boca e do maxilar durante a indução; 13 -
Rapport entre hipnotizado e o hipnotista; 14 - Aceita sugestões
pós-hipnóticas simples; 15 - Contrações oculares ao despertar;
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 205

16 - Mudanças de personalidade; 17 - Sensação de peso no


corpo inteiro; 18 - Sensação de alheamento parcial.
FASE III - Transe médio - Setenta por cento dos candidatos, quando
submetidos à hipnose, evolui para esta fase. Embora conservem
alguma consciência do que se passa, estão efetivamente
hipnotizados, já não oferecem resistência às sugestões, salvo
quando estas contrariam seu código moral ou seus interesses vitais.
Freqüentemente, nesta fase, o hipnotizado fica com os olhos
entreabertos aparecendo a parte branca inferior da córnea. Nesta
altura se produze a catalepsia completa dos membros e do corpo, a
amnésia parcial, alucinações motoras, alucinações positivas e
negativas dos sentidos e alucinações cinestéticas.
No transe médio já se consegue efeitos analgésicos e mesmo
anestésicos locais, razão por que é o estágio indicado para
pequenas cirurgias. Ocorre espontaneamente a glove anestesia.
Nota-se ainda, uma hiperacuidade em relação às condições
atmosféricas com elevada sensação de frio ou calor.
São características dos níveis da fase III:
19 - O hipnotizado reconhece estar em transe, embora não o
descreva; 20 - Rigidez muscular nos braços e pernas; 21 -
Amnésia parcial é acentuada, lembra-se apenas de parte dos
fatos que ocorreram durante o transe; 22 - Glove anestesia
(anestesia das mãos); 23 – Presenças de ilusões sinestésicas;
24 – Ocorrências de ilusões do gosto; 25 - Alucinações
olfativas; 26 - Hiperacuidade das condições atmosféricas (frio
ou calor do ambiente; 27 - Hiperacuidade olfativas; auditivas e
táteis 28 - Rigidez geral dos membros e do corpo inteiro).
FASE IV - Transe profundo ou sonambúlico - Vinte a trinta por cento
dos candidatos, quando submetidos à hipnose evoluem para esta
fase, é o transe no sentido superlativo do termo, apresentam uma
expressão impressionantemente fixa com as pupilas visivelmente
dilatadas. O hipnotizado permanece com os olhos totalmente
abertos, mas não aparece a íris (olhos brancos). No aprofundamento
ocorre o fechar dos olhos e o movimento não coordenado dos globos
oculares; por debaixo das pálpebras, movem-se em todos os
sentidos, preferentemente para cima.
Freqüentemente na fase IV, o hipnotizado ainda que reaja com
maior ou menor presteza às sugestões do hipnotista, sua aparência
é a de quem está submerso num sono profundo. Neste estado são
aceitas sugestões pós-hipnóticas bizarras e o hipnotista pode
assumir o controle das funções orgânicas do hipnotizado, influindo
206 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

por meio de sugestões no ritmo das pulsações cardíacas, alterando a


pressão arterial, os processos metabólicos, etc.
A regressão de idade, as alucinações pós-hipnóticas visuais e
auditivas, negativas (vê e tem sensações táteis, ouve, sente cheiro
ou gustação de algo que não existe) e positivas (não vê e não tem
sensações táteis, não ouve, não sente cheiro ou gustação de algo
que existe), são outros tantos atributos do transe sonambúlico. A isso
pode ser acrescentada a anestesia e, o que é mais importante, a
anestesia pós-hipnótica. O hipnotista, indicando a região a ser
anestesiada, determina as condições específicas como o dia, a hora
ou local, quando a anestesia deve produzir efeito. Assim poderá ser
submetido à intervenção médico-odontológica, independente de nova
sessão e na ausência do hipnotista. A anestesia hipnótica completa,
além de ser um dos fenômenos clinicamente importantes, é uma das
provas mais convincentes do transe profundo.
Outra situação que pode ocorrer no transe sonambúlico é
quando o hipnotizado “se liga” mentalmente ao hipnotista,
aproximando a mão, mesmo sem ele vê, se sentirá atraído. Quando
o hipnotista se afasta, o hipnotizado manifesta inquietude, em certas
ocasiões o segue embora não o veja, andando como se fosse sua
sombra ou inclinando o corpo em sua direção.
São características dos níveis da fase IV:
29 - Olhar fixo, esgazeado e, com a incidência de luz as
pupilas dilatadas não contraem (midríase); 30 - O hipnotizado
permanece com os olhos totalmente abertos, mas não aparece
a íris (olhos brancos). 31 - Olhos se fecham e apresentam
movimentos não coordenados. 32 - Comporta-se como um
sonâmbulo (sonambulismo artificial); 33 - Amnésia é completa
ou sistematizada por sugestão pós-hipnótica; 34 - Anestesia é
completa; 35 - Anestesia pós-hipnótica; 36 - Sugestões pós-
hipnóticas bizarras; 37 - Alheamento total a tudo que ocorre no
ambiente; 38 - Sensação do desaparecimento e a aproximação
da voz do hipnotista; 39 - Alterações das funções orgânicas por
sugestão; alterações da pulsação, pressão, digestão, ritmo da
respiração, resfriamento de parte ou do corpo todo; 40 -
Lembrar coisas esquecidas; 41 - Regressão de idade com
absoluta precisão de lembranças de fatos mesmo que
ocorridos na fase mais infantil; 42 - Alucinações visuais e
auditivas positivas pós-hipnóticas; 43 - Alucinações visuais e
auditivas negativas pós-hipnóticas; 44 - Estimulação de sonhos
durante o transe ou pós, no sono normal; 45 - Estimulação de
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 207

hiperestesias; Atração pelo hipnotista por hiperestesia 46 -


Hiper sensações olfativas, aromáticas e odores.
FASE V - Transe pleno - Cinco a dez por cento dos candidatos,
quando submetidos à hipnose evoluem para esta fase. Mantém a
Boca seca e entreaberta, apresentam movimentos descontrolados do
globo ocular, um olho move para cima e o outro para baixo, ou ainda,
um olho para um lado e o outro em sentido contrário. Apresentam
ausência total de reação mesmo quando submetidos a fortes
estímulos do tato, da audição, da visão e do olfato. No entanto, o
hipnotizado está profundamente ligado e pronto para executar as
sugestões do hipnotista. Pode ocorrer a somatização das sugestões.
Encostando-se um objeto frio na pele do hipnotizado e dizendo ser
uma brasa, aparece a bolha como se fosse provocada por uma
queimadura.
É possível sugerir-se ao hipnotizado, ou pode surgir
naturalmente sem sugestão específica, o estado de sonambulismo e
a hiperestesia, que significa um extraordinário aumento dos sentidos
convencionais como tato, audição, visão, paladar e olfato.
Manifestações hiperestesicas em forma de clarividência,
clariaudiência e telecinesia (a clariaudiência é para o ouvido o que a
clarividência é para a vista). Ouvir, ver ou sentir através da mente,
ver a distancia e poder descrever qualquer lugar que lhe seja
solicitado, esta capacidade de visão indireta significa ver além do
olhar ou da visão convencional. Na linguagem da parapsicologia,
telecinesia é termo derivado das palavras gregas tele e kinesis,
significam “movimentar de longe”, é mover objetos sem contato
normal.
São características dos níveis da fase V:
47 - Inibição de todas as atividades espontâneas; 48 -
Movimentos descontrolados do globo ocular; 49 - Somatização
das sugestões; 50 - Pode ser observada a ocorrência de forte
hiperestesia, clarividência e até telecinesia associado a
transfiguração de fisionomia, alta palidez, contorno dos olhos e
unhas roxas além de mudança de voz.
Salvo em casos nos quais as mudanças fisiológicas ou as
reações indicadas sejam produzidas por efeito de sugestão direta, ou
indiretamente veiculada pelo hipnotista, estas mudanças devem
aparecer de forma espontânea e correspondem a cada nível de
aprofundamento do transe atingido pelo hipnotizado. Mas, dentro
desse esquema, tem de se levar em conta as variantes das reações
individuais, em alguns casos características do transe profundo
podem ocorrer no transe médio e até mesmo no ligeiro.
208 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Existe ainda, embora pouco freqüente, o tipo de hipnotizado


que entra no transe, apresenta sintomatologia de nível hipnoidal ou
médio e, mesmo assim, saem do transe espontaneamente como
também, independente de sugestões do hipnotista, permanecendo
no ambiente onde ocorre a sessão, principalmente se outros
estiverem hipnotizados, pode voltar ao estado anterior. Estes são
conhecidos como do tipo “liga-desliga”.
Quem é Suscetível ou Insuscetível
Um a dois por cento dos candidatos é insuscetível a hipnose,
embora perfeitamente normais, isto é, não apresenta fatores de
inibição ou resistência ao processo hipnótico, como exemplo:
portadores de patologias psiquiátricas sérias, incompatibilidade com
o hipnotista ou com o ambiente da sessão e, mesmo assim, não
apresenta reação de espécie alguma. É característica do insuscetível
a ausência de toda e qualquer reação aos testes de suscetibilidade.
Um fracasso do hipnotista quase sempre repercute para este
de forma depressiva, sobretudo se não têm o seu prestígio firmado.
Para evitar o fracasso, que pode até inviabilizar novas práticas, é
imperioso que antes das sessões o hipnotista possa identificar, com
precisão, as pessoas mais hipnotizáveis ou quem é mais suscetível.
Existem listas organizadas indicando, ou pretendendo indicar,
quais os tipos indivíduos são mais suscetíveis. Em princípio os
loucos e retardados mentais não são hipnotizáveis e os pouco
inteligentes oferecem bastante resistência. São apontados como
impossíveis ou dificílimos de ser hipnotizado, os psicóticos e os
excessivamente preocupados. Quanto ao sexo é também consenso
que entre a suscetibilidade do homem e a da mulher não há
diferença.
O grande público ainda preso a superstições, acredita ser o
hipnotista dotado de “força” ou “poder”. Imagina que os hipnotizáveis
não têm vontade forte ou são fracos de “energia”. Enquanto isso, a
realidade mostra exatamente o contrário, são mais facilmente
hipnotizáveis os intelectuais, os homens sensíveis e inteligentes, os
artistas por excelência, os curiosos, os românticos e todos aqueles
que têm força de vontade.
De acordo com a estatística organizada por Bramwell, 106
noventa e oito por cento dos indivíduos apresentam alguma
suscetibilidade. De dez a vinte por cento das pessoas mais jovens,
entre 8 e 25 anos, alcançariam os níveis mais profundos do transe
106
BRAMWELL, J. Hypnotism, Ist history, practice and theory, Philaephia, J. B.
Lippincott, 1930.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 209

hipnótico. Atualmente, computam-se de vinte e cinco a trinta por


cento das pessoas como propensa ao estágio sonambúlico, os
grandes mestres do hipnotismo como Liébaut e Bernheim
conseguiram esse estágio em aproximadamente vinte e cinco por
cento. Nas apresentações públicas, pelo menos oitenta por cento do
grupo presente responde positivamente aos testes de suscetibilidade
hipnótica.
Ser suscetível não caracteriza pessoas subservientes,
crédulas, dependentes ou preocupadas, mas pode caracterizar
pessoas felizes que, não tendo sido decepcionadas, não vivem em
guarda contra o mundo. Por isso, diz Weissmann: “dentre os
elementos femininos as moças bonitas e animadas sejam as mais
fáceis de induzir do que as suas companheiras menos favorecidas
pela natureza e pela sorte”.
Levantando outros fatores positivos para caracterizar pessoas
suscetíveis destacam-se, a inteligência, a imaginação e a
capacidade de concentração como condições para se obter o transe.
Roger 107 simplifica a questão ao afirmar:
Os indivíduos mais sensíveis à hipnose são justamente
aqueles que apresentam uma inteligência média ou superior,
que possuem uma acentuada capacidade de concentração e
trazem consigo uma grande motivação (ROGER).
Concordando com Roger, acrescenta Weissmann:
Não se consegue hipnotizar loucos nem débeis mentais. O
indivíduo tem que ter pelo menos a inteligência ou a vivacidade
intelectual suficiente para interpretar, executar e dramatizar as
situações sugeridas. Já parece estabelecido que a
suscetibilidade hipnótica cresça em razão da inteligência e na
razão direta da capacidade individual para as atitudes
abstratas (WEISSMANN).
Para Spiegel, 108 capacidade hipnótica ou suscetibilidade não é
um sinal de fraqueza mental. É, antes, uma capacidade de
concentração focalizada que, se existir, está associado à ausência
de perturbação psiquiátrica e neurológica séria.
Contrariamente ao que ensinam os livros populares, a fé
inabalável no hipnotismo e a vontade forte não constitui atributos
fundamentais e diretos do hipnotista, mas sim, do hipnotizado. A

107
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. Rio de Janeiro, ed.
Record, 1978.
108
SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de psiquiatria. Porto Alegre, Org. Talbott
et al, Ed. Artes médicas, 1993.
210 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

experiência mostra que os melhores hipnotizáveis são precisamente


os tipos impulsivos, os voluntariosos, as pessoas de muita vontade,
ou de vontade forte aliada a muita fé. É preciso, tanto para o
hipnotista quanto para o hipnotizado, crer para que se dê o transe
hipnótico. Outro ponto importante é a vontade inconsciente de ser
hipnotizado, pode ser que conscientemente declare que não quer,
mas inconscientemente deseja, portanto, o transe ocorrerá
aparentemente contra a vontade. O contrário também é válido, isto é,
declara que deseja, mas inconscientemente é refratário.
Segundo as estatísticas apresentadas Bramwell, 109 cinqüenta
e cinco por cento das crianças alcançam os transes mais profundos,
enquanto apenas sete por cento das pessoas acima dos 60 anos
chegariam a níveis hipnóticos de igual profundidade. A
suscetibilidade hipnótica alcança seu máximo potencial entre 8 e 14
anos e começa declinar entre 25 e 30 anos. Apesar disso, é bem
possível que pessoas idosas sejam hipnotizáveis e que,
inversamente, crianças possam decididamente resistir à hipnose.
Geralmente a suscetibilidade se apresenta como um dom de família
e é possível encontrar-se verdadeiras famílias de suscetíveis. Uma
vez identificado um, serão geralmente também suscetíveis os irmãos
e, pelo menos, um dos pais.
Usando a terminologia psicanalítica, a hipnose consiste
inicialmente na inibição das funções da personalidade consciente, ou
seja, do Ego. A outra parte chamada Id é irracional, instintiva,
automática e inconsciente da personalidade humana. Quanto mais a
pessoa é determinada pelo seu Id, ou seja, a sua parte irracional,
instintiva e automática, tanto mais propensa se mostrará à indução
hipnótica. Assim, a hipnose representa para a maioria dos
hipnotizáveis uma oportunidade de escapamento, uma fuga
temporária das censuras e coerções do Ego.
Tuckey 110 diz que a suscetibilidade hipnótica é um traço de
personalidade decididamente condicionado a repressões e
mecanismos de defesa e de impunidade, uma espécie de reação
compensatória a uma frustração instintiva. Daí, o tipo impulsivo, o
valente e brigão, de ação automática, se mostram mais suscetível às
impressões externas e às reações instintivas estereotipadas, as
quais a sugestão hipnótica se enquadra:

109
BRAMWELL, J. Hypnotism, its history, practice and theory. Philaephia,
Lippincott, 1930.
110
TUCKEY, C. L. Treatment by hipnotism and suggestion, London, Baillère
Trindall Cox, 1921.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 211

Um indivíduo que num gesto impulsivo, puramente automático,


agride um adversário que o insultou, é muito mais fácil de hipnotizar do que
um outro que, nas mesmas circunstâncias, chama a polícia e move um
processo contra o agressor (TUCKEY).
O transe
É um conceito básico no estudo e na prática da hipnose que se
caracteriza pelo fato do sujeito manifestar certa indiferença
temporária, relativa ou completa, às impressões recebidas pelos
órgãos dos sentidos com referencia as condições do ambiente e aos
acontecimentos onde e enquanto transcorre o transe. Trata-se de um
estado diferente da consciência habitual, mas normal na concepção
de que não é patológico e é sempre temporário. Fenômeno
relativamente comum ocorre em situações diversas como no
sonambulismo, nos rituais místicos, religiosos e nas sessões de
hipnose, as características do transe são as mesmas, embora cada
caso tenha seu propósito e sua própria explicação. Há pessoas, em
especial na fase da infância ou da adolescência, que entram em
transe espontaneamente, fala e se locomove, é capaz de praticar
atos que, ao sair do transe, não lembra e nem sabe explicar o
acontecido.
A Bristish Medical Association define o transe como um
temporário estado alterado de consciência e atenção do sujeito,
induzido por um hipnotista, no decurso do qual podem ocorrer vários
fenômenos, tanto espontâneos como em resposta as sugestões
verbais ou de outra natureza.
Milton Hyland Erickson (1901 – 1980), 111 psiquiatra americano,
repensou a hipnoterapia com o uso de metáforas que serviam para
alcançar o inconsciente do paciente e tratar as causas dos sintomas.
Atribuiu ao transe caráter terapêutico e o definiu como sendo um
momento especial e diferenciado, durante o qual o paciente tem
condições de quebrar, com mais facilidade, suas limitações e a
estrutura dos seus sistemas de crença pessoais e supostas
realidades, que regem a dinâmica de sua vida.
Na hipnose, há pessoas que alcançarão um transe satisfatório
no transcurso de várias sessões. Há outras que entram em transe
profundo quase que instantaneamente. Alguns reagem rapidamente,
outros com lentidão. Há pessoas que apresentam um tipo de transe
passivo, já outros se manifestam pela exacerbação dinâmica. Salvo
raríssimas exceções, a pessoa em transe não se mostra inclinada a

111
ERICKSON, M. H. Experimental demostration of the psychopathology of
everyday life. New York, 1939.
212 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

falar, tem uma tendência de responder às perguntas que se lhe


fazem, positiva ou negativamente, por meio de movimentos com a
cabeça. Quando coagido a falar, toma as recomendações ou ordens
muito ao pé da letra, manifestando-se na linguagem, como em tudo
mais, por uma ausência de iniciativa e de espontaneidade.
Geralmente fala baixo, não muda de posição e mantém-se sério, não
se deixa contagiar com o que ocorre no ambiente, é como se nada
ouvisse, visse ou sentisse espontaneamente.
As técnicas de indução ao transe hipnótico têm de variar de
acordo com a suscetibilidade específica do hipnotizado, salvo em
demonstrações públicas quando deve ser adotado um método mais
ou menos estereotipado que resultem no transe satisfatório na
maioria dos participantes. Neste caso, além da boa escolha dos
suscetíveis, o “Método da Estrela” é recomendado como padrão.
De um modo geral, durante o transe hipnótico, as reações do
indivíduo hipnotizado se dividem em duas categorias fundamentais: a
dramatização das situações sugeridas e as alterações psicofísicas
que se processam no hipnotizado. Na primeira categoria,
freqüentemente envolve a suspeita de que pode haver simulação. Na
segunda, os sinais físicos são mais confiáveis para que se possa
acreditar que a hipnose está instalada.
Sinais de hipnose
Para afirmar que o indivíduo está ou não hipnotizado, o
hipnotista recorre às provas características. E nota-se, para esse
efeito, uma tendência de acreditar mais nas provas físicas do que
nas provas demonstradas nos comportamentos, muito embora estas
últimas sejam tão precisas quanto às primeiras.
Dentre os sinais físicos de hipnose, o mais preciso é a
anestesia dos sentidos, que pode ser verificada pela ausência do
tato. Pica-se a mão do hipnotizado sem aviso prévio e sem que ele
possa perceber. A ausência de reação indica transe médio ou
profundo. Quanto mais imóvel, mais profundo será o transe
hipnótico, é quando a respiração é suave, profunda e rítmica. Os
bons suscetíveis logo aparentam palidez, às vezes bem acentuada, e
quanto mais lenta for a representação das situações sugeridas, mais
profundo é o transe; quanto mais lenta a resposta da sugestão do
levantamento dos braços, quanto mais lentos os movimentos
sugeridos, maior é o nível do transe.
Todos os demais testes catalépticos são realizados com a
participação da sugestão verbal, sendo por isso, de certo modo, mais
próximos de simulação. Pode-se ter certeza do estado profundo de
hipnose, se o hipnotizado revirar totalmente os olhos de forma que,
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 213

com as pálpebras levantadas não apareça a íris, isto é, ficam


totalmente brancos.
Outro teste consiste em levantar o braço e ou a perna do
hipnotizado e deixá-la erguida. Se permanecer na posição em que o
hipnotista largou, é sinal de transe médio ou profundo. Este teste não
oferece a mesma margem de segurança que a anterior, já que o
simples gesto de levantar o braço vale por uma insinuação e pode
ser considerado como uma sugestão.
Não obstante tudo que ocorre numa sessão de hipnose ainda
pode persistir a dúvida, tanto para o hipnotizado como para o
hipnotista e para quem assiste. Em certos casos, para se ter certeza
se houve ou não a ocorrência do estado hipnótico, um recurso sutil e
altamente convincente é a sugestão pós-hipnótica. Para tanto,
porém, é preciso que se tenha produzido um transe de nível médio
ou profundo, quando é apresentada ao participante uma sugestão de
efeito retardado, ou seja, de efeito pós-hipnótico, como exemplo:
Pode ser dito ao hipnotizado que ao acordar, sem ele falar nada,
sairá para beber água porque estará com muita sede, ou ainda, que
quando ouvir determinada palavra ou frase entrará novamente em
sono profundo. Tudo isto efetivamente acontecerá.
Ato de acordar
Acordar o hipnotizado constitui um ato delicado, não se deve
retornar ao estado normal subitamente como que arrancando de
forma violenta ou indelicadamente do transe em que se encontra. O
indivíduo pode mostrar-se assustado, ou mesmo impressionado, a
ponto de auto-sugestionar-se que o transe lhe fez mal. Pode, por
exemplo, queixar-se de sentir dor de cabeça, ou que continua com
as pernas imóveis, ou que mesmo acordado não pode se mexer, o
que jamais aconteceria se, antes de acordá-lo, lhe fosse aplicada
uma sugestão pós-hipnótica do tipo: “ao acordar se sentirá muito
bem, perfeitamente normal, feliz, etc.”.
Há pessoas que, no transe, insistem em prolongar o rapport,
ou seja, sua relação com o hipnotista e ocorrem efetivamente casos
que o ato de acordar se prolonga. Isso, em hipótese alguma, deve
constituir-se em motivo de pânico para o hipnotista, ainda que as
reações do hipnotizado assumam proporções espetaculares. No
caso do prolongamento do transe, o hipnotizado deve ser
surpreendido com uma ação mais enérgica do hipnotista e, se
mesmo assim persistir em não acordar ignore-o, até que saia
espontaneamente.
Uma das técnicas de acordar consiste em contar até dez,
fazendo preceder a contagem para atingir o resultado esperado
214 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

interpolando-se sugestões adequadas a alguns toques físicos. Por


exemplo:
• Agora, vou começar a acordá-lo contando até dez... Você
vai sentir-se maravilhosamente bem disposto... Uma sensação de
grande bem-estar, livre de qualquer desconforto ou qualquer
impressão desagradável... Vou começar a contar... Antes de chegar
aos dez, você já está praticamente acordando... Vai acordando
suavemente... Atenção, 1... 2... 3... Já está começando a acordar,
4... 5... 6... 7... Já está quase... 8... 9... 10. Pronto... Acordou.
A razão da contagem para efeitos de acordar é, simplesmente,
para dar ao hipnotizado o tempo para voltar ao seu estado normal.
Se não terminasse a contagem ele acordaria assim mesmo, no
máximo após duas horas, (tempo registrado). Dentro deste prazo o
sono hipnótico transforma-se em sono fisiológico e o hipnotizado
desperta normalmente. Invariavelmente deve ser acrescentada antes
de acordá-lo sugestões pós-hipnóticas positivas como:
• De hoje em diante, sua mente estará trabalhando em seu
benefício... Você será capaz de vencer suas adversidades... Seu
inconsciente estará trabalhando em seu benefício... Utilizando toda a
sua capacidade mental para o pleno êxito de sua vida... Será sempre
feliz... Acordará sentindo-se tranqüilo e muito bem disposto...
Outra técnica de uso freqüente para despertar o hipnotizado
consiste em soletrar o seu nome, dizendo, as letras uma a uma:
• À medida que eu for soletrando seu nome, você vai
acordando... Antes mesmo de terminar, você estará praticamente
acordado... Vai acordar bem disposto, com grande sensação de
bem-estar, livre de qualquer desconforto... Ao dizer a última letra de
seu nome, você estará perfeitamente acordado e maravilhosamente
bem disposto.
Hipnose acordada
Podem ser induzidos todos, ou praticamente todos, os
fenômenos clássicos inerentes ao estado de hipnose, sem submergir
o hipnotizado no sono hipnótico. Pode ser conseguida toda série de
demonstrações, como alucinações positivas e negativas dos
sentidos, inibições motoras, levitação dos braços, catalepsia,
amnésia, alterações de memória e regressão de idade, sem induzir o
hipnotizado ao sono. A técnica indutiva é basicamente igual as
anteriores, exceto na parte da sugestão do sono. É de uso recorrer
para esse efeito, entre outras coisas, ao expediente da fixação ocular
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 215

(método de Braid), pelo menos para produzir os primeiros efeitos.


Frank Pattie, 112 dá sua versão sobre a hipnose acordada:
Fitando os olhos do paciente, sugiro o balanço e os
movimentos correspondentes, para frente e para trás. Ordeno
ao paciente que dê um passo para trás a fim de evitar a queda.
Repito a experiência. Dessa vez, porém, sugiro ao paciente um
estado de rigidez nos joelhos dizendo que seus joelhos
endureceram. Já não pode dar o passo para trás. Não evitará a
queda. A queda é inevitável, mas terá uma pessoa para
ampará-lo. O paciente cai, e é amparado pelo assistente.
Passo para as provas catalépticas. Inicialmente, a catalepsia
das mãos. Em seguida sugiro a incapacidade de articular o
próprio nome. A impossibilidade de deslocar um pé do chão,
etc. (PATTIE).
Se o hipnotizado correspondeu a todas ou à maioria dessas
provas, passa-se à demonstração da amnésia. Diz Pattie, segurando
a mão do hipnotizável:
Vou largar-lhe lentamente a mão. No momento em que eu
largá-la de todo, você obedecerá a uma ordem minha, e
tornará a segurar a minha mão. Largo a mão do paciente e
peço-lhe um anel ou um relógio. Torno a segurar-lhe a mão,
enquanto embolso o objeto pedido, e sugiro que, à medida que
vá largando de novo, a lembrança do que acaba de executar,
se desvaneça de sua mente. Um dos assistentes, devidamente
instruído, perguntará depois ao hipnotizado, já dispensado e
fora do transe, pela hora ou pelo anel. O grau de autenticidade
da amnésia se verificará pela sua reação (PATTIE).
Esse método de hipnotização exige atitudes mais autoritárias e
maior desembaraço do que os processos que envolvem o “sono“. O
hipnotista tem de demonstrar maior domínio e maior grau de
confiança, quando atuando sobre uma pessoa de olhos abertos.
Substituindo a sugestão do sono pela recomendação do relaxamento
muscular e do exercício respiratório, muitos indivíduos rebeldes à
hipnose são levados aos níveis profundos do transe, e voltam sem
sequer desconfiarem de que foi hipnotizado, isso exige maior perícia
do hipnotista e maior suscetibilidade do hipnotizado.

112
PATTIE, F. The genuiness of some hypnotic phenomena: hypnosis and its
therapeutic application, New. York, Mac Grew-Hill Book Comp., 1956.
216 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

CAPÍTULO III - PRÁXIS DA HIPNOSE

Os efeitos práticos da hipnose são proporcionais ao domínio e


aplicação dos métodos e técnicas pelo hipnotista ou pelo próprio
hipnotizado no caso da auto-hipnose. Para a indução é aconselhável
um método progressivo e relativo ao nível do transe. Até atingir o
transe ligeiro as sugestões são menos incisivas, isto é,
preferentemente sugestões indiretas. Do transe médio em diante as
sugestões são mais impregnadas de autoridade e sugestões diretas,
levando-se sempre em conta as condições da pessoa e as
particularidades de sua psicodinâmica.
Existem indivíduos que não admitem o mando formal, mesmo
no transe hipnótico profundo reagem e se recusam a obedecer. Já
outros aceitam sugestões diretas e incisivas desde o início do
processo de indução. O efeito autoritário da sugestão hipnótica é
enormemente atenuado em virtude do próprio hipnotizado que passa
a experimentar as determinações proferidas pelo hipnotista como se
fosse à expressão de sua própria vontade. Os pensamentos e os
sentimentos do hipnotista afiguram-se para o hipnotizado, como se
fossem os seus próprios pensamentos e sentimentos. Obedece na
certeza de estar agindo por sua própria vontade ou porque quer
obedecer, salvo raríssimas exceções.
Há pessoas que não aceitam ordens nem de si mesmas e, a
essas, a ordem deve ser indireta. Um indivíduo desses resistirá à
sugestão verbal direta, por exemplo, a ordem de dançar - dance -
mas, se o hipnotista executar passos de dança diante dele,
provavelmente não deixará de condescender com a tentação de
imitar, assim a “ordem” é substituída por uma sugestão indireta
visual.
Invariavelmente a ordem indireta faz parte do método
sugestivo, é muito melhor convencer e sugerir do que mandar. A
ordem só atingirá os mais submissos, enquanto a sugestão atinge a
todos e quanto mais inteligente e convencido pelo hipnotista, mais o
hipnotizado saberá interpretar e executar a sugestão indireta. O
método que contempla a ordem indireta da sugestão deve, também,
valer-se da técnica da sugestão graduada. O hipnotista tem de
reservar-se a si mesmo uma margem para eventualidades, retiradas
estratégicas e avanços se for preciso.
Em lugar de dizer “sua dor de cabeça já passou”, deve ser dito
“logo estará tudo bem com você, tudo vai passar”. Deixamos assim,
a critério do indivíduo, o tempo para este tornar efetiva a sugestão
iniciada. Todavia, esse procedimento não deve refletir timidez ou
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 217

falta de segurança por parte do hipnotista. Esse vai passar tem de


merecer a devida atenção, suscitar a expectativa e a firme convicção
do hipnotizado quanto à autenticidade, para não dizer a infalibilidade,
do resultado a que se propõe.
As palavras dirigidas ao indivíduo em transe devem ser
cuidadosamente escolhidas, elas se dirigem ao inconsciente e no
inconsciente conservam seu valor original e, ali, representam
fielmente as idéias correspondentes. Na técnica sugestiva é
aconselhado evitar a palavra “não”, esta recomendação se baseia na
experiência, segundo a qual as sugestões afirmativas são mais fortes
do que as sugestões negativas, como exemplo, em lugar de dizer
“você não vai se sentir mal” pode ser dito “você vai se sentir bem”,
em lugar de “você não vai desanimar”, pode ser dito “você vai ter
ânimo”.
Outro princípio da técnica sugestiva é a preferência pelos
motivos visuais, que explora o fato de corresponder a um apelo à
capacidade da imaginação do hipnotizado. Imaginar é visualizar, ou
seja, ver mentalmente e o método de indução conhecido como
“Método da Estrela” tira desse princípio sua comprovada eficiência.
O hipnotista
No passado hipnotizar não era coisa que se aprendesse, era
considerado um dom extremamente raro. O consenso popular
sempre atribuiu ao hipnotista, principalmente os de palco, traços de
caráter mágico, envolvidos em lendas associadas às mais variadas
superstições, se incluindo aí poderes além do real. Quanto a isso,
assim se refere Weissmann:
Segundo o testemunho direto ou indireto da maioria de quem
espalha lendas sobre hipnose, está a do hipnotista X que se
apresentou no local Y, cujo nome e lugar variam no tempo, a
uma platéia impaciente, com um atraso de três ou quatro
horas. O hipnotista aparece e simulando surpresa com os
protestos, exigiu que a platéia consultasse os relógios e, sem
exceção, todos marcavam oito, ou seja, a hora marcada para o
início, em vez de meia-noite. Ato contínuo, o hipnotista
declarou encerrada a sessão e era este o seu número único e
suficiente. Jamais este fato aconteceu e, por outro lado, não é
de se admitir que a platéia tivesse a paciência de esperar
quatro horas para o início da apresentação (WEISSMANN).
Mas, é verdade que o hipnotista dispensa qualidades
excepcionais para o exercício da indução hipnótica. Um bom
hipnotista não depende de nenhuma formação, habilitação ou
qualificação profissional especifica. Weissmann é enfático quando
comenta que as restrições que se vêm fazendo ao hipnotismo, ainda
218 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

que eruditas e sensatas, sempre excluem automaticamente a


primeira pessoa, ninguém jamais se manifestou contra sua própria
prática, é contra apenas o hipnotismo praticado pelos outros.
Alguns hipnotistas não poupam sacrifícios para neutralizar uma
possível concorrência e tentam passar a idéia de que são perfeitos e
mais competentes. Para estes a hipnose é prestígio que, por sua
vez, é motivo de ciúme e exige exclusividade, mas, agindo dessa
forma é provável que diminua a credibilidade e ou a confiança em
relação à sua competência. Quem é competente não teme
concorrência.
O êxito do hipnotista está em função da credibilidade e da
suscetibilidade do hipnotizável. Em outras palavras, a pessoa se
deixa hipnotizar porque é suscetível e por que confia no hipnotista ou
lhe atribui poderes mágicos. Isso explica porque muitas vezes
pessoas escoladas e conhecedoras da teoria da hipnose fracassam,
enquanto indivíduos dotados apenas de conhecimento tácito sobre
hipnotismo conseguem bons resultados.
Ao hipnotizar, o hipnotista entra no código de valores e de fé,
entra na simbologia do ideário da crença do hipnotizável, adquirindo
sua confiança e credibilidade. Para que a sugestão seja eficaz, o
hipnotista tem que, pelo menos durante a indução, sentir o que
pensa e como pensa seu hipnotizável. Isso depende mais do
conhecimento tácito e menos do teórico.
A persuasão direta ou indireta, franca ou oculta, representa a
condição, não apenas do hipnotista, mas de toda pessoa que deseja
triunfar, no dia a dia, em qualquer atividade. Para o êxito na prática
da hipnose é preciso ter vocação, destreza, habilidade e
sensibilidade para exercer a persuasão. Um bom hipnotista seria o
indivíduo que possa reunir estas qualidades.
A crença popular segundo a qual o hipnotista domina pelos
olhos, faz com que, até hoje, a quase totalidade das pessoas o
imaginem dotado de olhos vivos e penetrantes; na realidade não é
preciso olhos especiais. Um fator que induz à hipnose e que
comporta algum tempo de treino é a voz (método de Liébault),
funciona como estímulo sensorial, monótono e suave, deve ser
preferentemente grave, rítmica e repetitiva.
Um traço de caráter indispensável ao exercício proficiente da
hipnose é certo grau de autoridade, obtida sempre pela competência
demonstrada ou pelo carisma pessoal. O hipnotista deve ser suave,
mas convincente; simples, mas competente. Não pode demonstrar
timidez ou falta de autoconfiança, seus gestos e palavras devem
refletir um alto grau de autoridade e de confiança para conquistar
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 219

atenção, suscitando expectativa e convicção do hipnotizável quanto


a sua habilidade.
É preciso ter prestígio em praticamente todas as atividades,
mas no exercício do hipnotismo este fator é duplamente necessário.
Se as pessoas de grande prestígio e vitoriosas em outras carreiras
se dedicassem à hipnose, muitos seriam grandes hipnotistas. É por
isso que, para hipnotizar, levam vantagem pessoas já
tradicionalmente prestigiadas, tais como professores, advogados,
médicos, artistas, líderes religiosos, etc.
A crença popular insiste quando afirma que o hipnotista, culto
ou ignorante, deve possuir um dom especial, ou aquilo que
popularmente se costuma designar por sexto sentido. B. Gindes, 113
diz que este sexto sentido “é a capacidade de colocar-se no lugar do
outro”. O hipnotizável tem de sentir, instintivamente, a mágica
presença de um indivíduo capaz de entrar em seu inconsciente e agir
em função das suas expectativas.
Quanto ao ambiente para se realizar as sessões, tem que ser
no máximo possível silencioso: deve ser evitado ruído de qualquer
natureza, para tanto é recomendado desligar telefones, evitar o bater
de portas, barulho de ventiladores, ruídos do trânsito; buzinas e
motores. Também não é aconselhável o uso de aparelhos de ar
condicionado, não só pelo frio como também pelo barulho que
produzem.
Nas sessões o ambiente não deve ser abafado, deve haver
circulação de ar natural, é recomendada iluminação fraca e indireta
pelo menos até a indução surtir os primeiros efeitos. Outro fator
negativo é a preocupação em relação ao tempo, tanto o hipnotista
como o hipnotizável não pode estar preocupado com outros
compromissos. Em tais casos é preferível adiar a sessão.
A presença de familiares consangüíneos ou afetivos como pai,
mãe, irmãos, cônjuges, podem dificultar a indução de seu parente.
Isto se explica porque a atenção do hipnotizável volta-se para os
familiares em lugar de concentrar-se no hipnotista. Também pode
perturbar a sessão, presenças de curiosos e de pessoas com
opiniões sem fundamentos, idéias negativas ou duvidosas.
Perfil do hipnotista
Antes de qualquer divisão de categorias de hipnotistas deve ser
considerado o fato que no cotidiano, independentemente de cultura,
credo, etnia, gênero, nível intelectual ou social, em determinados
113
GINDES, C. B. New concepts of hypnossis: as an adjunkt to psychotherapy and
medicine. London, George Allen and Unwin Ltd., 1951.
220 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

momentos e dependendo das circunstâncias, as pessoas normais


são ora hipnotizadores, ora hipnotizados. E mais ainda, o processo
da auto-hipnose é uma faculdade intrínseca do ser humano que pode
ser usada de forma consciente ou não.
Não existe proibição legal quanto ao uso da hipnose no Brasil.
O presidente Jânio Quadros assinou o Decreto-Lei n. 51.009 de
22/7/1961 proibindo a apresentação de espetáculos de hipnotismo
de palco em televisão, rádio ou outros veículos de comunicação de
massa. Esta foi a única norma proibitiva que tratou desse tema no
país e visava evitar o uso da hipnose para apregoar crenças
supersticiosas ou sensacionalistas e com objetivos financeiros.
Embora jamais obedecida, porque shows de hipnose direta ou
disfarçadamente sempre ocorreram, principalmente em programas
televisivos, trinta anos depois o presidente Fernando Collor de Mello
revogou totalmente essa norma através do Decreto-Lei n. 000011 de
21/1/1991.
Do ponto de vista legal nada proíbe a prática da hipnose, sua
divulgação ou aplicação por qualquer pessoa e em qualquer local. A
hipnose e sua prática passam longe de ser um saber monopólio de
qualquer profissão, porém, motivadas pelo desconhecimento ou
atitudes egoísticas ou corporativistas, algumas pessoas divulgam
falsas afirmações de proibição na tentativa de talvez limitar essa
prática como exclusiva para determinada categoria profissional.
Embora a Faculdade de Odontologia da Universidade Federal
da Bahia, até 1993, tenha oferecido estudos da aplicação da hipnose
em odontologia como disciplina regular, nenhum outro curso de
qualquer área do conhecimento, em nível de graduação ou de pós-
graduação, até hoje no Brasil, pratica o estudo metódico e
sistemático da hipnose como disciplina obrigatória em seus
currículos.
O hipnotismo geralmente é rejeitado como conhecimento
acadêmico; seu estudo quando raramente ocorre é como extensão
ou como rápidas citações complementando outros conhecimentos.
Mesmo assim, alguns conselhos de classes profissionais
reconhecem e autorizam o uso da hipnose no exercício da profissão.
O uso da hipnose esta autorizada no artigo 6º da Lei 5.081 de
24/08/66 que regulamenta a profissão dos Cirurgiões-Dentistas. O
Conselho Federal de Psicologia, através da Resolução 013 de
20/12/2000, aprovou e regulamentou o uso da hipnose como recurso
auxiliar de trabalho do Psicólogo. Também o Conselho Federal de
Medicina reconhece a hipnose como recurso terapêutico e autoriza
seu uso, CFM - Parecer 2.172/97 - aprovado em 20/08/99.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 221

Nenhuma formação acadêmica habilita alunos ou sequer os


inicia nesta área, mas por questões meramente corporativistas
alguns profissionais se declaram “donos da hipnose”. Ledo engano,
sua aplicação é tão vasta que seria impossível qualquer tentativa de
limitação a procedimentos exclusivos de qualquer categoria
profissional. Pode-se mesmo dizer que não há especialidade em que
não haja indicações do seu aproveitamento, podem fazer uso da
hipnose o professor, o advogado, o artista, o empresário, o
vendedor, o treinador físico, o médico, o dentista e tantos outros
profissionais que são impossíveis enumerar ou limitar seu uso ou
aplicação.
Mesmo não sendo a prática da hipnose privilégio de ninguém,
alguns profissionais atuam ou podem atuar com esse recurso em
suas atividades de formação acadêmica e, nesses casos, ocorre à
possibilidade do agrupamento por habilitação em, pelo menos, cinco
categorias: 1) Hipnotista de Cátedra, 2) Hipnoeducador, 3)
Hipnoanestesista, 4) Hipnoanalista 5) Hipnotista de Palco.
Hipnotista de Cátedra - Peritos Hipnotista, elevada formação
acadêmica, trabalhos publicados de reconhecido valor. Deve
realizar pesquisas nesta área juntamente com outros profissionais
de nível universitário. Transmite conhecimento sobre hipnose em
níveis de extensão, graduação e pós-graduação. Atuação em
ambientes acadêmicos.
Hipnoeducadore - Professor Licenciado, com curso de hipnose em
nível de extensão. Utiliza a hipnose como instrumento ou recurso
facilitador do processo de ensino-aprendizagem. Atuação em
salas de aula.
Hipnoanestesista - Médico, Odontólogo, Enfermeiro ou
Fisioterapeuta, com curso de hipnose em nível de extensão.
Utiliza a hipnose em procedimentos no seu campo de trabalho
para alívio ou eliminação da dor. Atuação em consultórios,
hospitais e clínicas especializadas.
Hipnoanalista – Profissional de formação superior,
preferencialmente da área de saúde. Médico, Psicólogo ou
Fonoaudiólogo, com curso de hipnose em nível de extensão.
Utiliza a hipnose em trabalhos terapêuticos. Atuação em
consultórios.
Hipnotista de palco - Recomendável formação superior e curso de
hipnose em nível de extensão. Pratica demonstrações de hipnose,
de forma artística e bem criativa, proporcionando não
simplesmente lazer e ou entretenimento, mas principalmente
esclarecimentos. Sua prática deve ter o objetivo de abrir canais,
222 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

através de apresentações, para que pessoas interessadas


possam iniciar-se nesta área. Atuação em escolas, faculdades,
auditórios, clubes e associações.
O poder do hipnotista
O fascínio que a prática e as lendas sobre o hipnotismo
exercem sobre as pessoas, explica-se pela mentalidade mágica e as
fantasias de onipotência que ainda nos dominam. Na realidade, o
poder do hipnotista é relativo, o hipnotizado não é esse autômato
indefeso e de obediência indiscriminada que geralmente se acredita.
O poder da hipnose sofre as limitações impostas nos códigos morais
e éticos, além das conveniências vitais da personalidade do
hipnotizado.
O hipnotizado só fará aquilo que, de acordo com seu caráter e
valores intrínsecos à sua personalidade, lhe é permitido fazer. O
exemplo mais comum seria se o hipnotista sugerisse a uma pessoa
hipnotizada que tirasse a roupa em público, esta reagiria de duas
formas: se o ato de desnudar-se em público fosse de encontro com
sua estrutura de pensamento ou comportamento ético, certamente
não concluiria a sugestão, inclusive, poderia até sair do transe. No
entanto, se por seus valores, esse ato fosse plausível, ou mesmo
que inconscientemente admitisse a idéia como válida, não só tiraria a
roupa como faria isso teatralmente.
Todos nós temos um mecanismo de defesa que funciona
inconsciente, instintiva e automaticamente, como uma “polícia
interior” que continua vigilante no mais profundo transe
hipnótico (WEISSMANN).
Com esse argumento da polícia interior, Weissmann elimina a
possibilidade de se induzir uma pessoa hipnotizada a um ato lesivo a
si mesmo ou a outrem. Mas, admite a possibilidade do hipnotista
burlar esse sensor interno quando analisa a questão e afirma seu
ponto de vista:
Cabe-nos ponderar, por um lado, sobre a relatividade do poder
da hipnose, e por outro, sobre a relatividade da eficiência
dessa polícia interior, polícia essa que, à maneira da polícia
externa, é suscetível de fraquezas, de doenças, de corrupção e
de suborno. Embora jamais o diga aos pacientes, estou
convencido da possibilidade, ao menos teórica, de burlar e
subornar a polícia interior em muitos casos. É só considerar a
quase absurda confiança que a maioria dos hipnotizados
deposita na pessoa do hipnotista. Podia dar-se o caso de um
hipnotizador não estar eticamente à altura da confiança que
nele se deposita. Hipótese essa que não se restringe aos
hipnotistas de palco, senão também aos médicos e aos
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 223

odontólogos, notando-se em favor do primeiro o fato de


atuarem em público, e o público é notoriamente vigilante
(WEISSMANN).
Se for sugerido a alguém hipnotizado que se jogue de uma
altura muito elevada do solo, certamente ele não fará e é possível
até que acorde. No entanto, embora difícil, pode se burlar o sensor
crítico, como exemplo, se o hipnotizado for convencido que está em
um trampolim de uma linda piscina, cheia de água azul e limpa e que
o mergulho lhe fará bem, etc. É pouco provável, mas, não é
impossível que o “campeão de saltos” pule, porque com esses
argumentos sua polícia interior foi burlada. Paul T. Adams 114 admite
essa hipótese, mesmo que remotamente, e apresenta o convincente
argumento:
É muito remotamente possível e, com certeza bastante difícil,
que uma pessoa infrinja seu código moral. Para fazer com que
uma pessoa aja contra sua própria vontade, o hipnotizador
precisaria ter contato diário com ela usando técnicas de
lavagem cerebral e subterfúgios, durante longo tempo
(ADAMS).
Seria assim, segundo Adams, um processo de convencimento
em longo prazo; pode ser entendido como uma alteração no código
moral do hipnotizado. Mas, o autor diz que, embora remotamente
possível, está seguro na suposição de que um indivíduo hipnotizado
não violará sua vontade. Cita como exemplo:
Muitos de vocês têm visto hipnose de palco, e já viram pessoas
fazendo coisas que ordinariamente não fariam. Poderia parecer
que estou aqui negando o que há pouco disse sobre a violação
da vontade própria. Na realidade, tal não se dá. Quando um
indivíduo voluntariamente se dispõe a ser hipnotizado em uma
sessão num teatro ou num clube, automaticamente ele está
dando seu consentimento para ser enganado, fazer o papel de
hipnotizado e ser, se for o caso, motivo de riso. Neste caso não
há violação da vontade ou da força moral (ADAMS).
Pode também o hipnotizado apenas resistir à sugestão ou até
mesmo a uma sugestão pós-hipnótica. Neste caso o hipnotista deve
retirá-la para que ele não fique em conflito entre aceitar ou resistir.
Nesse sentido Eastbrooks conta um caso típico:
Um professor hipnotizou um estudante universitário e disse:
Quando eu acender meu cigarro, você vai tirar o às de espada
do baralho que está sobre a mesa e vai entregá-lo para mim.
Em seguida acordou o aluno e, mais tarde, acendeu um
114
ADMES, Paul T. Ajuda-te pela nova auto-hipnose. São Paulo, Ed. Bestseller,
1972.
224 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

cigarro. Ora, o estudante interessava-se pelo hipnotismo e


estava familiarizado com seu uso. Seguiu imediatamente em
direção ao baralho, depois parou de repente e disse - acho que
isso é uma sugestão pós-hipnótica. É muito provável,
respondeu o professor, que deseja fazer? - Quero dar-lhe o às
de espadas - Muito bem, trata-se mesmo de uma sugestão
pós-hipnótica, o que você vai fazer? Disse o professor. - Não
vou executá-la, respondeu - Aposto um dólar como fará. O
estudante aceitou a aposta (EASTBROOKS).
Continua Eastbrooks descrevendo o comportamento do aluno
e, conclui com uma clara demonstração do poder compulsório da
sugestão pós-hipnótica:
O aluno lutava com grandes dificuldades. Inquieto, dirigia-se
para o baralho, mas dominava-se, depois se sentava,
levantava-se e caminhava pela sala, aborrecido. Mas resistiu e,
depois de uma hora e meia, recebeu o dólar do professor,
despediu-se sorrindo de todos e foi para casa. Entretanto, seu
tormento apenas começara. O professor não removera a
sugestão. O aluno, em casa continuava com vontade de
cumpri-la. Não podia aquietar-se, o às de espadas o perseguia
em todos os pensamentos. Quatro horas mais tarde, desistiu
da luta, voltou onde se dera a sessão, apanhou o às de espada
e levou até a casa do professor, devolvendo a carta do baralho
e dois dólares (EASTBROOKS).
Técnicas de indução
São muitas as técnicas que facilitam a indução do transe;
normalmente é comum sua aplicação antes do método e, em alguns
casos, quando bem aplicada é suficiente para produzir até o mais
profundo nível de transe. As mais aplicadas são: Repetição -
Contagem - Escada - Leveza e Respiração - Monotonia.
• Técnica da Repetição - Um dos grandes segredos da força
sugestiva reside na repetição. Espera-se algum tempo e,
fazendo de conta que foi obedecido da primeira vez, o
hipnotista repete a sugestão, dizendo novamente ou mais uma
vez seu braço se levanta. Esse novamente, mais uma vez,
implica a idéia de uma repetição e costuma, em muitos casos,
produzir surpreendentes resultados. O hipnotizado tem a
impressão de que já obedeceu e sente a sua resistência
quebrada. É como se uma voz lhe dissesse: “Isso já aconteceu
e vai acontecer de novo”.
• Técnica da Contagem - Outro recurso sugestivo,
universalmente aprovado em técnicas hipnóticas, é o da
contagem. É preciso dar tempo ao hipnotizado para que as
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 225

sugestões iniciadas se tornem efetivas. É esta a razão por que


todos os métodos de indução, dos mais antigos até aos mais
modernos, recorrem ao expediente da contagem. É uso
comum contar de 1 a 3, de 1 a 5 ou de 1 a 10 para produzir
certos efeitos sugestivos. A contagem serve para elevar ao
máximo a expectativa do hipnotizado. É como quem assinala o
momento preciso de um disparo inevitável ou uma explosão
iminente. A contagem, longe de dar tempo ao hipnotizado para
mobilizar-se em sentido contrário, paralisa-lhe toda a defensiva
e induz a uma grande expectativa. A contagem deve ser feita
vagarosa e pausadamente, com ênfase na afirmação da
sugestão progressiva.
• Técnica da Escada - Esta técnica faz bom uso da metáfora de
aprofundar ou elevar. Após a indução, pede-se ao hipnotizável
que se imagine descendo uma escada e, a cada degrau que
desce mais se aprofunda no transe. O número exato de
degraus que se empregam pode variar, dependendo da
receptividade do sujeito. Geralmente, utiliza-se de 5 a 10
degraus, mas parece não haver uma correlação exata entre o
número de degraus utilizado e a profundidade final do transe,
embora o sujeito possa pensar que há. De qualquer maneira
menos de 5 pode parecer breve e mais de 10 pode ser longo.
Ao final da escada, geralmente se aplica uma sugestão que
aumente a expectativa para o próximo passo.
• Técnica da Leveza e Respiração - Sugere-se que cada parte
do corpo começa a torna-se mais leve. “Quanto mais leve se
torna o corpo, mais relaxado se sentirá”. Também pode ser
sugerido que o corpo é tão leve que o sujeito se sente como se
flutuasse ou que se vai introduzindo, flutuando, em um transe
cada vez mais profundo. A técnica da leveza pode ser
associada à técnica da respiração: “Concentre-se em sua
respiração... Respire profunda e lentamente”. Sugere-se que,
com cada expiração, o sujeito vá entrando em um estado mais
profundo de relaxamento ou transe.
• Técnica da Monotonia - A ação sugestiva da repetição vem
confirmar um fator mais decisivo e fundamental para a indução
hipnótica: a monotonia. De um modo geral, as coisas se
tornam hipnóticas pela monotonia e monótonas pela repetição.
A monotonia não se produz unicamente por vias sensoriais,
senão, também, pelos expedientes imaginativos e ideativos,
logo subjetivos. A monotonia externa, ou seja, a monotonia do
hipnotista tem de sintonizar-se, de certo modo, com a
226 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

monotonia interna, ou seja, a monotonia subjetiva do


hipnotizado. O hipnotizado, sem se dar conscientemente conta
do fato, projeta sobre a pessoa do hipnotista os efeitos de sua
própria monotonia interior, assim como projeta sobre o mesmo,
seu próprio desejo de ter, de conquistar, de realizar etc.
Os seguidores da escola de Liébault acreditam que a hipnose
resulta de um estímulo sensorial monótono e suave e dentre esses
estímulos sensoriais a produzir o transe hipnótico, o auditivo é o mais
eficiente. O intérprete mais adequado e potente da monotonia
hipnótica é a voz. A monotonia da voz costuma superar a monotonia
dos gestos e a monotonia do olhar ou da expressão fisionômica.
A velha crença na força do olhar é um elemento que não se
deve desprezar, sobretudo quando o hipnotizado se confessa
propenso a esse tipo de ação sugestiva. Fixando firmemente os
olhos do hipnotizável, o hipnotista pode assegurar-se, em certos
casos, maior controle sobre a atenção requerida para a indução. No
entanto, o aprisionamento da atenção do paciente é a monotonia no
olhar, na voz e nos gestos. O expediente da fascinação deve vir
acompanhado de uma sugestão verbal adequada, além de
recomendações no sentido de um progressivo relaxamento
muscular, controle apropriado de respiração que deve ser lenta e
profunda. A voz deve ser preferentemente grave e sempre
monótona. Suave com uns e mais enérgica com outros, sempre de
acordo com as condições emocionais e culturais do hipnotizável.
Quanto ao teor da sugestão verbal para efeito de indução, tem de
obedecer a uns tantos requisitos fundamentais, os quais, com
ligeiras variantes, são os mesmos em todos os métodos.
Métodos de indução
Antes da aplicação dos métodos, é bom verificar alguns
detalhes que os antecedem nas induções propriamente ditas, como
por exemplo, o quê se deve ou não dizer nas sessões. Em muitos
casos não observar essas recomendações é o bastante para obstar
em definitivo uma indução hipnótica. Não se deve assustar o
hipnotizável e, conseqüentemente, produzir nele uma reação
defensiva, mobilizando a sua resistência. Deve ser evitada uma
linguagem arrogante; trocando a arrogância pela humildade e o
receio pela confiança, o hipnotista se impõe à admiração e ao
respeito, independentemente do resultado negativo ou positivo do
intento hipnótico. O hipnotista tem de manter certa independência
crítica e emocional diante do público e não insistirá para que alguém
se submeta à hipnose, o que não obsta que o convide para que
participe por vontade própria.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 227

A confiança entre o hipnotizável e o hipnotista é indispensável


para o êxito da indução hipnótica e deve sempre ser observado o
maior respeito pelos princípios éticos e morais nesta relação.
Terminada a sessão explica-se ao hipnotizado tudo quanto ele queira
saber. Convém lembrar ao hipnotizável que em hipótese alguma
correrá para ele perigo moral ou mental e que o hipnotista não
adquire, em momento algum, domínio sobre a sua pessoa, como
falsamente se diz.
Um dos temores sempre questionado por quem desconhece os
mecanismos e a natureza da hipnose é a idéia de não acordar e de
não voltar ao seu estado normal. Por isso, independentemente da
pergunta a esse respeito, convém informar que caso o hipnotista não
acorde o hipnotizado este acordará por si só, passando do sono
hipnótico para o sono natural e deste desperta normalmente. Para
terminar, explica-se ao interessado, que a hipnose se compara ao
momento que medeia entre estar acordado ou estar dormindo,
momento este extremamente agradável. E, concluindo, afirma-se
que as pessoas hipnotizáveis são favorecidas, porque possuem, pelo
menos em potencial, condições para serem emocionalmente
autocontroladas. A partir daí, pode ser iniciada a sessão.
A hipnose é universalmente aceita como um fenômeno de
caráter essencialmente sugestivo. A constatação desse fato justifica
a preferência moderna pelos métodos subjetivos de indução. Antes
da leitura de tais métodos, é importante revisar os chamados
elementos de indução. Às vezes esses procedimentos bastam para
concretizar o transe hipnótico.
Mesmer, através de expedientes mágicos, como a imposição
das mãos e passes complicados, produzia convulsões e fenômenos
subjetivos em seus pacientes. Também Esdaille empregava passes
magnéticos do ritual Mesmeriano, acrescentado leves e ritmadas
pancadas pelo corpo do paciente. Esse processo de indução
hipnótica prolongava-se geralmente por uma hora ou mais, até que
os pacientes estivessem em condições de sofrer a intervenção
cirúrgica.
Braid introduziu na hipnose o uso de bolas brilhantes e
espelhos giratórios, como objetos de fascinação. Usava vencer o
paciente pelo cansaço ocular; era o método da fascinação
prolongada. Enquanto o hipnotizável cansava o nervo óptico, a ponto
de congestionar os olhos e lacrimejar, era recomendado que
concentrasse a mente na idéia do sono. Braid mudou de tática já
quase no fim de sua carreira, quando descobriu que podia hipnotizar
cego ou pessoas em recintos completamente escuros. Dessa
228 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

observação em diante, passou a dar maior importância ao fator


imaginação, com a preponderância do uso da sugestão verbal e ao
detalhe da voz.
Braid, preocupado em estabelecer as causas físicas dos
fenômenos psíquicos, estava convencido da existência dos
chamados pontos termos-magnéticos da cabeça. Acreditava que
uma leve pressão nesses pontos provocava no hipnotizado a
manifestação de sentimentos. Os pontos hipnógenos localizados no
rosto e na face despertam sentimentos como auto-estima,
benevolência, fraternidade e caridade. Os localizados no alto da
cabeça, na nuca e, no pescoço, provocam, entre outros, sentimentos
de carinho, segurança e proteção.
Dentre os recursos de indução que complementam a sugestão
verbal, são os pontos anatômicos hipnógenos os mais usados.
Conhecidos desde Mesmer, admitidos por Braid e desenvolvidos na
Salpêtrière. Afirma a teoria que uma pressão exercida pela mão do
hipnotista no tórax do hipnotizado, na parte alta do externo e logo
abaixo do peito, na região que melhor possa sentir com os dedos o
ictus cárdio, pode provocar o sentimento de calma e passividade.
Acreditam que no centro do abdome são localizadas zonas que
tocadas despertam sentimentos de tranqüilidade e paz. Também
falam que um abraço amigo envolvendo o corpo inteiro seria
suficiente para acalmar uma crise de ansiedade ou forte distúrbio
emocional. Para surtir os efeitos esperados os toques devem ser
feitos no nível de transe ideal e nos pontos precisos, a pressão deve
ser adequada na intensidade e na duração. Tudo isso em função das
reações do hipnotizado, logo, depende da prática, da habilidade e da
destreza do hipnotista.
No conceito de Liébeault, a voz é o principal elemento de
indução, dispensando a utilização de equipamentos e muito menos
de contatos físicos com qualquer parte do corpo dos hipnotizados.
Só a voz, mais nada, na maioria dos casos é suficiente para induzir o
transe.
O método de indução predileto de Charcot era baseado na
excitação dos sentidos. Acreditava na existência das chamadas
zonas hipnógenas, as quais devidamente estimuladas provocavam e
aprofundavam o transe. Bastaria exercer uma leve pressão com a
mão no alto da testa, na raiz do nariz, no cotovelo ou no dedo
polegar, para produzir instantaneamente um efeito soporífico e,
ainda, friccionava a cabeça e a nuca para induzir o estado
sonambúlico. Quanto a esses elementos de indução, Weissmann
acredita que não passam de uma sugestão indireta e relata:
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 229

Charcot friccionava a cabeça e a nuca para induzir o estado


sonambúlico. Escusado será dizer que essas zonas
hipnógenas podem ser localizadas e multiplicadas à vontade;
funcionava no Salpêtrière e fora dela e funciona até hoje à
base da sugestão indireta (WEISSMANN).
Para Ernest Roth, 115 a indumentária do hipnotista e o ambiente
da sessão que reflitam cores combinadas ou jogo de luzes, podem
servir como sugestão subjetiva e despertar determinados
pensamentos ou sensações.
Roth relata algumas experiências que, segundo ele, revelam os
efeitos hipnóticos das cores. Descreve como pessoas se mostram
violentas num aposento de cor vermelho, tornando-se calmas e
amistosas num cor-de-rosa. Afirma que o cinzento está relacionado
com o medo e, portanto, as pessoas que têm medo injustificado não
devem usar roupas desta cor. O castanho indica egoísmo e deve ser
contrabalançado pelo azul, que representa altruísmo.
Diz Roth, a cor correta quando usada no ambiente pode
produzir bons pensamentos. A cor branca reflete e o preto absorve
todos os pensamentos produzidos pelas vibrações das cores. Os
hindus arianos usam a cor preta para absorver os pensamentos
excessivos, e assim podem atingir o monoteísmo ou estado de um
só pensamento que se torna poderosíssimo pelo aumento da
concentração em torno de uma só idéia. Diz ainda Roth que no Tibet
os chefes religiosos usam vestes cor de ouro para induzir o estado
de altas meditações e inspirações porque o amarelo proporciona
grande inspiração.
Segundo Weissmann, os hipnotistas antigos, baseado nas
idéias de Charcot, empregavam também muito flash, como descreve:
Enquanto se projetava uma luz instantânea e forte no rosto do
paciente, ordenava-se-lhe em voz tonitruante: DURMA! O
indivíduo tímido é destarte empurrado violentamente ao estado
de transe por uma espécie de indução relâmpago. Um susto ou
um choque. Temos ainda o Judô Japonês, é uma espécie de
estrangulamento nervoso por meio de uma pressão sobre
certos feixes de nervos na nuca... (WEISSMANN).
Outro elemento físico de indução que nasceu na escola russa é
o Judô Japonês. Logo aos primeiros sinais positivos da indução
verbal, a cabeça do hipnotizado é abraçada pelo hipnotista,
mantendo entrelaçarem os dedos da mão esquerda com os da
direita, por trás da cabeça, comprimindo-lhe fortemente. Nestas
115
ROTH, Ernest. Métodos para hipnotizar In: As cores do hipnotismo, Rio de
Janeiro, Tecnoprit, 1968.
230 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

condições observa-se que o hipnotizado não só aprofundará no


transe como não resiste ao hipnotista, embora demonstre, em vão,
querer livrar-se.
A prática demonstra que estando o hipnotizável com os braços
esticados e levantados ou com as mãos entrelaçadas sobre a
cabeça, facilita muito o processo de indução hipnótica. E, a isso,
basta acrescentar o estímulo sensorial auditivo produzido pela voz
do hipnotista; nos mais suscetíveis isso é suficiente para induzir o
transe.
Método de Bernheim
Dentre os métodos subjetivos de indução hipnótica, em
primeiro lugar vem o de Bernheim, considerado o fundador da escola
mentalista, ou seja, da escola psicológica. Todos os demais métodos
modernos são variantes do seu método fundamental. Diz Bernheim:
Eu começo por hipnotizar da seguinte maneira: dizendo ao
paciente que acredite que grandes benefícios virão para o seu
caso, através da terapêutica sugestiva, que é perfeitamente
possível curá-lo, ou pelo menos melhorar o seu estado de
saúde por meio da hipnose. Acrescento que nada há de
perigoso ou de estranho nesse processo, que é um sono no
sentido normal da palavra, ou então um estado de torpor, que
pode ser produzido em qualquer pessoa, estado esse que
restaura o equilíbrio do sistema nervoso. Se necessário,
hipnotizo uma das pessoas na presença do candidato, a fim de
mostrar-lhe que nada é doloroso nesse processo, e que não há
sensações estranhas a acompanhar o estado hipnótico. O
paciente já não se mostra desconfiado e refratário ao nosso
intento. Ato contínuo, digo-lhe: Olhe para mim e pense
unicamente no sono... Suas pálpebras estão cada vez mais
pesadas... Sua vista cansada começa a piscar... Seus olhos
estão se fechando... Estão úmidos... Você já não enxerga
nitidamente... Seus olhos vão se fechando, fechando...
Fecharam (BERNHEIM).
Bernheim referindo-se à aplicação de seu método de indução
dizia que há hipnotizáveis que fecham os olhos e entram em transe
quase instantaneamente. Já com outros é preciso repetir, e insistir
dizendo: “Preste mais atenção nas minhas palavras, preste mais
atenção. Mais concentração”. Induzia intensivamente a idéia do
sono:
As suas pálpebras estão pesadas, estão se fechando... Já não
consegue manter os olhos abertos... E agora já não consegue
abrir os olhos... Seus braços estão ficando pesados... Suas
pernas já não sentem o corpo... Suas mãos estão imóveis...
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 231

Vai dormir. Em tom imperativo acrescento: DURMA


(BERNHEIM).
Para Bernheim, em muitos casos, esta ordem tem ação
decisiva e resolve o problema. O hipnotizado fecha imediatamente os
olhos e fica influenciado pela hipnose. Assim que ele notava que
uma das sugestões estava sendo aceita aproveitava para formular a
indução. Às vezes, recomendava ao paciente acompanhar a
experiência por meio de movimentos com a cabeça e dizia: “Peço-lhe
que faça um sinal afirmativamente com a cabeça”. A resposta era
considerada uma conquista e era preciso aproveitá-la para outras
consecutivas; dizia ele ao paciente:
Está vendo como funciona bem, como está respondendo...?
Seu sono está se aprofundando realmente... Seus braços cada
vez mais pesados... Já não consegue baixar os braços, etc. Se
o paciente tenta baixar o braço, eu lhe resisto, dizendo: Não
adianta... Quanto mais se esforça para baixar o braço, mais o
seu braço vai se levantando... Vou fazer agora, com que seu
braço seja atraído pela sua própria cabeça, como se a cabeça
fosse um ímã (BERNHEIM).
Bernheim aconselha não sugerir a catalepsia dos braços, senão
da segunda ou terceira sessão em diante. Insiste o mesmo autor em
que não se deve fazer o hipnotizável fixar a vista demasiado tempo.
Um minuto, no máximo. E conclui: “Nas sessões seguintes fita-se a
pessoa durante dois segundos e profere-se a ordem
simultaneamente: DURMA! É o quanto basta”.
Método de Moss
Uma versão atualizada do método subjetivo de Bernheim é o
método de A. A. MOSS, 116 dentista e um dos pioneiros da
hipnodontia na América do Norte. Dirigindo-se ao paciente, Moss lhe
dizia:
Sente-se na cadeira da maneira mais cômoda possível. Agora
solte o corpo... Fixe esse ponto... [Há um ponto qualquer para
esse fim, situado de modo a forçar um pouco a vista do
paciente para o alto]. - Enquanto seus olhos fixam esse ponto...
Você fica ainda mais descansado... Afrouxe os músculos
rapidamente, totalmente (MOSS).
Moss recomenda esperar dez minutos, com o relógio na mão,
após este tempo as instruções dadas em voz monótona, suave e
sem titubear, pausadamente. Continuava então:

116
MOSS, A. A. The comfident dentist can eliminaté gagging. The Bristtish Journal
of medical hypnotism, v. 6, n°03, 1955.
232 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Suas pernas já estão ficando pesadas (esperar dez


segundos)... Seu corpo está se tornando pesado... Muito
pesado (espera dez segundos)... Suas pernas pesadas... Seus
braços pesados... Todo seu corpo pesado... Está descansando
comodamente, profundamente... Seus músculos continuam a
afrouxar-se cada vez mais... Mais... Mais... Mais (pausa
maior)... Seus músculos estão de tal forma relaxados que
agora sente também as pálpebras pesadas... Muito cansadas...
Muito cansadas... Você já está querendo fechar os olhos... Ao
fechar os olhos sentirá um extraordinário bem-estar... Entrará
num repouso profundo (pausa maior)... Seus músculos estão
num estado de perfeito relaxamento (MOSS).
Se os olhos do suscetível se fechavam, ele omitia o parágrafo
seguinte. Caso contrário continuava dizendo: “Seus olhos estão se
sentindo cada vez mais cansados... estão se fechando... Estão se
fechando... Fechando... Fechando”. Ele reprisava essas palavras
quatro ou cinco vezes se os olhos não se fechavam, dava a ordem:
“Feche os olhos...”. Se os olhos apresentavam um aspecto vítreo,
isto significava que o paciente estava em transe. Neste caso, o
hipnotista lhe fechava os olhos com a própria mão e dizia:
Agora você está descansando profundamente... Você está se
sentindo maravilhosamente bem... Sua mente não abriga
nenhum pensamento... Enquanto eu falo você vai entrando num
sono profundo... Você ouve minha voz como se estivesse vindo
de longe... Muito longe... Sua respiração está se tornando mais
lenta, mais profunda... Seus músculos estão se relaxando cada
vez mais... Você começa a sentir um formigamento, uma
dormência... De começo na nuca e depois envolvendo
lentamente o corpo todo, da nuca para baixo... Você não sente
mais nada... Nem a cadeira em que está assentado... É como
se estivesse flutuando nas nuvens... Continue a afrouxar os
músculos cada vez mais... Mais... Mais... Mais... Agora você
está no sono profundo... Agradável... Sem preocupação... Nada
o incomoda... Você está tão profundamente adormecido,
descansando tão bem, que não quer acordar... Está
descansado... Afrouxando os músculos cada vez mais... Seu
sono continua agradável e profundamente... Nada o molesta...
Já não há ruído capaz de despertá-lo... Você está totalmente
surdo... Só ouve minha voz... Só obedece a mim... Só eu posso
acordá-lo... Durma... Durma... Durma profundamente (MOSS).
Este método é considerado standard; trata-se de sugestões que
atuam largamente, em virtude de seu caráter antecipatório e
confirmativo, pois as sensações que vão sendo sugeridas ao
indivíduo parecem corresponder às reações ao próprio estado de
hipnose. Ele começa por sentir-se cansado. Suas pálpebras pesadas
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 233

tendem a fechar. Manifestam-se freqüentemente tremores nas


pálpebras e contrações espasmódicas nas mãos e nos cantos da
boca. Observa-se que a hipnose afeta mais rapidamente a vista e os
músculos oculares. E, mesmo estando o hipnotizado de olhos
fechados, o hipnotista ainda pode observar o movimento dos globos
oculares, debaixo das pálpebras, movendo-se em todos os sentidos,
preferentemente para cima. É própria do transe ainda uma sensação
de peso dos membros e uma dormência envolvendo o corpo, da
nuca para baixo, bem como a sensação de flutuar e a impressão de
que a voz do hipnotista, a princípio poderosamente envolvente, se
vai afastando cada vez mais, porém sempre serão ouvidas as
sugestões.
Método de Kuehner
G. F. Kuehner 117 elaborou uma adaptação do método de
MOSS para aplicações específicas em seus pacientes. Seu
procedimento fundamenta-se na supressão das palavras “hipnose” e
“sono”. Acreditava que essas palavras, muitas vezes, assustavam o
paciente, constituindo-se em empecilho insuperável no intento da
indução. Ele iniciava com um preâmbulo falando sobre as vantagens
do tratamento dentário com uso do relaxamento. Em seguida
passava à recomendação do relaxamento muscular, mandando que
olhasse, em frente, um ponto preto pintado na parede e que media
aproximadamente vinte centímetros de diâmetro. Recomendava este
autor que as sugestões fossem espaçadas com pausas de cinco
segundos. O seu processo de indução seguia, com ligeiras variantes,
o modelo descrito:
Vamos afrouxar primeiro bem os músculos. O relaxamento
muscular vai lhe proporcionar instantes muito agradáveis. Para
ajudá-lo a relaxar, pintei aquele ponto que poderá fixar. Terá de
respirar umas três vezes, profundamente, enchendo bem os
pulmões e expirando vagarosamente. Vou contar até três para
que você possa relaxar completamente... UM... Respire assim,
profundamente... Mais um pouco... Está bem. Agora solte todo
o ar dos pulmões. DOIS... Outra vez. Respire profundamente...
Mais um pouco... Solte o ar dos pulmões, completamente.
TRÊS... Repete com ligeiras variações a recomendação
anterior... À medida que você vai fixando este ponto vai
relaxando cada vez mais os músculos... Em virtude do
relaxamento muscular seus membros vão ficando pesados...
Agora suas pálpebras já estão ficando pesadas... Estão
querendo fechar... De olhos fechados, o relaxamento muscular

117
KUEHNER, G. F. Hypnosis in dentistry. New York, MacGraw-Hill Book
Company, 1956.
234 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

se completa... Seus músculos estão profundamente,


completamente afrouxados... Está se sentindo completo e,
agradavelmente relaxado... Vou agora levantar o seu braço...
Primeiro o que está mais próximo de mim... À medida que vou
levantando seu braço você vai relaxando ainda mais os
músculos, até alcançar o relaxamento mais completo... Você
está profundamente relaxado, afrouxado... Já está quase
completo o seu estado de relaxamento... Nunca em toda sua
vida você esteve com os músculos tão profundamente
relaxados... É esta uma sensação muitíssimo agradável
(KUEHNER).
Neste ponto Kuehner largava o braço do paciente e observa a
reação. Quando tudo corria de acordo com o esperado, o braço
continuava na posição em que o largou o hipnotista. Se isso
acontecesse, já tínhamos a rigidez cataléptica. E prosseguia:
Está bem... Vamos voltar com o braço à sua posição anterior...
Continuará completamente relaxado como está agora,
enquanto eu trabalho... Por motivo algum você vai querer sair
desse agradável estado... Nada incomoda... E o pouco
incômodo que por ventura experimentar, não será motivo para
despertá-lo do estado agradável em que se encontra agora
(KUEHNER).
O autor recomendava essa alusão a um possível pequeno
incômodo para favorecer a atitude do paciente em se manter inerte.
Para ele, isso funcionava como um estímulo à vaidade de quem sabe
suportar algum sofrimento. E terminando o trabalho dizia:
Por hoje é só... Vê, nenhum mal estar... Dentro de alguns
instantes vou lhe pedir para sair do relaxamento... Ao sair vai
sentir-se bem disposto e repousado... De agora em diante,
sempre que voltar para algum tratamento, você entrará rápida
e profundamente no estado de relaxamento muscular,
bastando que eu peça para você relaxar... E ao despertar
sentirá uma sensação desagradável... Sentir-se-á bem
disposto e descansado... Agora você vai contar, mentalmente,
de UM a TRÊS para acordar... Ao dizer TRÊS estará bem
acordado e sorridente (KUEHNER).
Kuehner elaborou ainda um método hipnótico engenhoso para
a odontopediatria; considerava o uso da própria linguagem do
paciente como condição para a indução ao transe. Sugeria que
primeiro fosse observado a melhor forma de comunicação; a
linguagem, os gestos, os costumes e os valores. O êxito da sugestão
era mais fácil e mais rápido quanto mais o hipnotista conhecia e
usava a forma de expressão da criança.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 235

Para impor à atenção concentrada de um suscetível, o


hipnotista tem que se colocar, ainda que ilusoriamente, no lugar dele,
usando, entre outras coisas suas, no mais possível sua própria
linguagem. As palavras de maior poder sugestivo são precisamente
aquelas que o próprio paciente usa. Para uma criança o hipnotista
tem que falar na linguagem dela usando o seu próprio vocabulário.
Método de Erickson e Wolberg
A tendência de iniciar o processo hipnótico com a sugestão do
levantamento dos braços e das mãos vem-se generalizando desde
os primórdios do hipnotismo. A levitação dos braços pode ocorrer,
em função do próprio transe, independentemente de sugestões
específicas. O hipnotista sugere esse movimento a título de reforço e
de antecipação. Milton Hyland Erickson (1901-1980) 118
conjuntamente com L. R. Wolberg 119 deram, nos EUA, maior
divulgação a esse recurso técnico utilizando em seu método de
indução. Ambos consideravam o estado hipnótico como um estado
de atenção e receptividade, intensificado e aumentado a reatividade
de uma idéia ou série de idéias. Embora esses dois autores tenham
trabalhado para o desenvolvimento do método, sua prática é
conhecida como hipnose ericksoriana.
Erickson, fundador da American Society of Clinical Hypnosis,
implementa uma linha de interpretação comportamentalista ao
processo hipnótico e, por essa razão, passou a ser preferido entre os
estudiosos do comportamento quando analisam este tema. Valoriza
o transe hipnótico como recurso terapêutico e, reconhece este
estado como sendo o período durante o qual o hipnotizado tem
condições de quebrar as suas próprias limitadas estruturas e
sistemas de crença, de tal maneira que pode experimentar outros
modelos de crença e, disso, se beneficiar.
Sugere Erickson que o hipnotista, no lugar de falar diretamente
com o paciente sobre seu problema, recorra ao uso de metáforas
como forma de sugestão para eliminar os sintomas, inclusive para
induzir o estado de hipnose. Do que se pode concluir que no estado
hipnótico ocorre o aumento da fé nas palavras do hipnotista e, por
isso, ocorrem curas. Quanto maior for a capacidade e habilidade do
hipnotista, maior será a fé do hipnotizado e mais rápido e eficaz será
a cura.

118
ERICKSON, M. H. Experimental demostration of the psychopathology of
everyday life. New York, 1939.
119
WOLBERG, L. R. Hypnoanalysis. New York, Grune & Stratton, 1945.
236 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

O método de Wolberg e Erickson consiste em que o hipnotista,


defronte ou do lado do hipnotizável, preferentemente sentados, após
a indução inicial, deixa que o próprio hipnotizado dê prosseguimento
ao processo, indo formulando sugestões em função das reações
apresentadas. O método ericksoriano tem a vantagem de permitir
que o hipnotizável dê o próprio passo para entrar e aprofundar no
transe. No entanto, apresenta desvantagem quando o paciente não
demonstra o comportamento dinâmico, perdendo-se aí oportunidade
da obtenção do transe em nível desejado, quando não o impossibilita
de vez. Também requer muita habilidade do hipnotista para criar a
seqüência do processo hipnótico com base nas reações do
hipnotizado, o que nem sempre é facilmente visível.
Em síntese, após a indução inicial, o hipnotista interpreta o
significado dos movimentos que demonstra o hipnotizado e vai
reforçando para incentivar e aprofundar as sensações reveladas
Parece que esse método só funciona quando encontramos
simultaneamente duas variáveis: um habilidoso hipnotista e um
suscetível ao transe médio ou profundo e que apresente
predisposição dinâmica. Aliás, nesta condição a hipnose se perfaz
com facilidade, independente de método.
Wolberg e Erickson iniciam o processo de indução com estas
palavras:
Afrouxe os músculos... As mãos sobre os joelhos... Vá
prestando toda atenção em suas mãos... Procure registrar tudo
que sente em relação a elas... É possível que sinta o calor ou
peso das mãos sobre as pernas... Às vezes, um
formigamento... Seja a sensação que experimentar... O que
importa é registrá-la... Repare agora a imobilidade das mãos...
Como estão imóveis... Em breve, um dos dedos começará a se
mover... Qual deles se moverá primeiro?... O indicador... O
mínimo?... O polegar?... Não se pode prever... Será o primeiro
dedo da mão direita?... Ou um da esquerda?... Repare, um já
começou a mover-se... Preste atenção... Outro... Agora, os
dedos vão-se abrindo... Estão-se separando cada vez mais...
Agora, as pontas dos dedos vão-se levantar... As pontas se
levantam... Agora, também as mãos vão começar a se
levantar... Também os braços se levantam... Quando as suas
mãos chegarem à altura do rosto, você estará profundamente
adormecido... À medida que as suas mãos se aproximam de
seu rosto, o seu sono (ou hipnose) se aprofunda... Ao tocarem
o rosto, você estará em sono profundo... Durma
tranqüilamente... Nada o molesta nada o preocupa... Sua
mente vazia... Você está perfeitamente à vontade... Está se
sentindo perfeitamente bem... É uma sensação agradável de
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 237

perfeito bem-estar... Só ouve minha voz... Só eu posso acordá-


lo, etc. (WOLBERG e ERICKSON).
Método da Autovisualização
Um dos métodos mais tipicamente subjetivos, não se sabe ao
certo a quem se atribuir autoria. Acomodada em uma cadeira,
poltrona ou leito, a pessoa recebe a recomendação de imaginar-se
com os olhos fechados, enquanto ele próprio se esforçará durante
algum tempo por manter os olhos abertos. A sugestão é processada
na forma imaginativa:
• Imagine-se de olhos fechados, dormindo... Mas, enquanto a
sua imagem é visualizada de olhos fechados, você
continuará de olhos abertos, enquanto puder... Você está
conseguindo imaginar-se a si mesmo de olhos fechados,
dormindo? (O hipnotizado responderá afirmativamente, com
o movimento da cabeça ou da mão). Você vai sentindo sono
também... Como exemplo de sua imagem, você vai também
entrando num profundo sono... Você vai sentindo sono
também... Pensando em si mesmo de olhos fechados... Já
está querendo dormir também... Etc.
Este método tem-se mostrado particularmente eficiente com
certas pessoas refratárias aos processos menos subjetivos de
indução. Já se disse que a hipnose se baseia acima de tudo nas leis
da imaginação. E imaginar é visualizar, é ver mentalmente. Algumas
pessoas, refratárias a assimilar sugestões prontas, contam com essa
facilidade e, por isso, são excelentes candidatas naturais aos
processos de auto-hipnose.
Método da Estrela
De autoria desconhecida, foge da linha dos métodos anteriores
por ser profundamente subjetivo e de grande efeito simbólico.
Conhecido desde o fim do século XIX, este método foi aplicado em
toda a Europa por Afredo Baron d’Hont apelidado de Donato (entre
1875 a 1886) e Karl Hansen (a parir de 1880) em suas conferencias
e experiências públicas com demonstrações de hipnose coletiva
(JAGOT) 120.
Estando o hipnotizável bem acomodado na cadeira, e instruído
quanto à maneira de colocar as mãos sobre os joelhos e recostar a
cabeça, com todos os músculos bem relaxados, o hipnotista pede
que feche os olhos. Em seguida, o processo é iniciado:

120
JAGOT Paul C. Magnetismo, Hipnotismo, Sugestão. (Trad. Raimundo Nonato
Corrêa), São Paulo, Editora Mestre Jou, 1959.
238 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

• Você agora vai usar de toda sua capacidade de


concentração nas minhas palavras... Toda sua força de
imaginação nas minhas palavras... Com os olhos de sua
mente você vai enxergar aquilo que vou lhe dizer.
O hipnotizável ainda não sabe o que vai ser sugerido, e isso
prende a atenção e aumenta nele a expectativa, dois aliados
indispensáveis na indução hipnótica. Como o hipnotizável ainda não
sabe o que vem pela frente, após uma pausa de pelo menos dez
segundos é dito:
• Uma estrela solitária no céu... Fixe bem esta estrela... A
estrela vem se aproximando lentamente... Lentamente a
estrela se aproxima de você... À medida que a estrela se
aproxima, seu brilho aumenta... A estrela é cada vez mais
brilhante... A estrela se aproxima cada vez mais... A estrela
vem chegando cada vez mais perto... Mais perto... Mais
perto...
Há pessoas que, nesta altura, cobrem os olhos, embora
fechados, a fim de proteger a vista contra o deslumbramento da luz
da estrela. Continuo:
• A estrela continua a se aproximar... Ela vem chegando cada
vez mais perto... A estrela se aproxima cada vez mais... A
estrela se aproxima cada vez mais... A estrela vem chegando
cada vez mais perto...
Essas frases, repetidas com uma monotonia rítmica, não deixam
de surtir efeito. Pode-se, eventualmente, observar movimentos
oculares dos hipnotizados por debaixo das pálpebras. Uma pausa
deve determinar o término da aproximação da estrela. E continua:
• Agora que a estrela está próxima, se afasta para o céu
distante... Vamos agora acompanhar a estrela em sua fuga
pelo espaço... Até a estrela desaparecer completamente no
céu... Vai desaparecer... Vai desaparecer... Desaparecer...
Há quem, nesta altura, execute com a cabeça movimentos
característicos de quem está acompanhando com a vista um
movimento da estrela. Não se determina o desaparecimento da
estrela, este fica a critério do hipnotizado.
Aqui termina o método da estrela. Após a indução inicial, vem a
ordem de respiração:
• Respire profundamente... Respire profundamente... A cada
respiração o sono se aprofunda mais... O sono se aprofunda
a cada respiração... A cada respiração o sono se aprofunda
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 239

mais... Nada será capaz de incomodar você agora... Dorme


profundamente... Profundamente...
Observar a pausa de cinco segundos a cada repetição. Em
seguida, observada uma pausa maior, é sugerida a levitação dos
braços:
• A primeira coisa que você vai sentir é uma atração nas mãos
e nos braços... Seus braços vão-se tornar leves... Leves...
Lenta, mais irresistivelmente, os braços começam a
levantar... Seus braços se levantam lenta mais
irresistivelmente... Seus braços continuam a levitar... Uma
força estranha puxa seus braços para cima...
A sugestão pode ser dada para que um só dos braços levante.
O esquerdo ou o direito. Em casos mais difíceis, a sugestão pode ser
reforçada fisicamente. O hipnotista ajuda com as mãos as pessoas a
levantarem os braços e, ao levantar, é que se sabe como está indo o
andamento do transe. Até então, o hipnotizável, de olhos fechados,
vinha meramente seguindo as instruções do hipnotista. A levitação
dos braços, porém, já indica estado de hipnose.
Há pessoas que levam a recomendação muito ao pé da letra.
Afirmam laconicamente, que não conseguem ver estrela alguma.
Nem por isso, a referida sugestão deixa, em muitos casos, de surtir
efeito. A estrela que o hipnotizável (mais auditiva do que visual) não
consegue visualizar é por ele trocada, freqüentemente, pela voz do
hipnotizador. Em lugar de uma estrela que se aproxima e depois se
afasta até desaparecer no céu, entra a voz do hipnotista. Quando o
hipnotista, afirma que a estrela vai fugindo, distanciando-se cada vez
mais, até sumir de vista, é a sua voz que foge aos ouvidos
conscientes dos hipnotizados até adormecerem.
Testes de suscetibilidade
Há vários testes que podem ser utilizados para avaliar a
capacidade para o transe. Alguns desses foram organizados em
tarefas seqüenciais e ideomotoras, outros têm por base a escala de
suscetibilidade hipnótica do testado. Essas provas, quando
efetivamente correspondidas, servem de preâmbulo para o estado
hipnótico propriamente dito.
Uma das demonstrações ideomotoras utilizada para iniciar o
processo sugestivo, é o teste de suscetibilidade chamado Pêndulo
de Chevreul. A partir de 1800, alguns estudiosos começaram o
estudo de pêndulos como instrumentos de adivinhações. Em 1854, o
240 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

cientista francês M. Chevreul 121 publica suas conclusões sobre o


assunto e, a partir da publicação, o pêndulo ganha o seu nome.
O teste do Pêndulo de Chevreul é feito com o cotovelo apoiado
sobre uma mesa, um suscetível prende entre o polegar e o indicador
um barbante de aproximadamente vinte e cinco centímetros de
comprimento, de cuja extremidade pende um pequeno peso como
um anel ou uma arruela de ferro. Sugere-se à pessoa o movimento
do pêndulo, que deverá acompanhar as linhas traçadas sobre a
mesa.
Olha-se fixamente para o pêndulo, imaginando que se mova e o
peso moverá de acordo com os ponteiros do relógio ou na direção
inversa, assim como de um lado para o outro ou para frente e para
trás. Ao segurar o pêndulo, a pessoa deve, inicialmente, movê-lo em
todas as quatro direções para depois conservá-lo imóvel de
propósito. O pêndulo poderá independente da vontade consciente da
pessoa que o está segurando, movimentar-se nas quatro direções
básicas. Como, conscientemente, a pessoa não provocou os
movimentos, acredita-se que isto ocorreu por determinação do seu
inconsciente que é capaz de controlar sua musculatura e, de forma
sutil, movimentar o pêndulo. Se isso ocorrer, tem o testado, a
possibilidade de ser um bom suscetível hipnótico, quando não
sensitivo.
O pêndulo pode ser ainda utilizado para se realizar predições
ou adivinhações. Isto acontece quando é estabelecido que o primeiro
movimento realizado pelo pêndulo significa sim, o segundo não, o
terceiro seria não sei e o quarto, não quero responder à pergunta.
Fazendo-se perguntas, recomenda-se que a pessoa não faça
voluntariamente o movimento do pêndulo, limitando-se a segurar o
barbante; o pêndulo se moverá sozinho para determinar as
respostas. Na maioria dos casos, o movimento começa por esboçar-
se na direção que indicará a resposta para a pergunta formulada,
que será inconsciente.
Confirmado o efeito da indução, o hipnotista aproveita o ensejo
para prosseguir, convencendo que, de acordo com a prova que
acaba de dar, todos, ou pelo menos a maioria dos pensamentos,
tendem a traduzir-se em realidade, bastando que se pense com a
devida intensidade. Nesta altura, o indivíduo geralmente já se
encontra a caminho do transe.

121
CHEVREUL, M. De la varilla advinatoria, del pendulo explorador y de las mesas
giratórias, Barcelona, editora Humanitas, 1938.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 241

Embora tenham aplicações de caráter geral, os testes podem


variar de tipo, conforme as finalidades específicas que se tem em
vista. Os testes citados são ideomotores, servem para medir a ação
motora da sugestão hipnótica. Já os testes sensoriais indicam a ação
sensorial da hipnose. Pessoas que reagem negativamente ao teste
motor podem reagir positivamente ao teste sensorial e vice-versa.
Dentre os testes sensoriais destacam-se, pela sua facilidade de
aplicação e importância prática, os olfativos e os térmicos. Para a
aplicação do teste olfativo, mostra-se ao indivíduo meia dúzia de
frascos devidamente rotulados, contendo cada um, uma essência
específica e condizente com o rótulo. O suscetível fecha os olhos e,
o hipnotista a uma distância de dois ou três metros, abre um dos
frascos, anunciando ao paciente a essência que o mesmo contém. O
suscetível não pode negar o perfume anunciado, uma vez que o
mesmo existe. O hipnotista passa, então, a anunciar a abertura do
segundo frasco, contendo outra essência por ele especificada.
Novamente tem de confirmar o cheiro. Do quarto frasco em diante,
porém, a essência é ilusória, pois o conteúdo dos últimos frascos não
corresponde aos rótulos anunciados pelo hipnotista. Contêm apenas
água.
Os testes térmicos apresentam variações quanto à forma de
execução, sendo o mais fácil de executar o chamado teste térmico
do dedo. O hipnotista coloca o indicador sobre o dorso da mão ou o
pulso do suscetível. Em seguida recomenda uma forte concentração
em relação à área que se encontra sob a pressão do seu dedo.
Pergunta ao suscetível se ele sente alguma sensação estranha,
algum aumento de calor, uma espécie de corrente elétrica ou
formigamento. Respondendo afirmativamente, estará selecionado
positivamente.
Para selecionar suscetíveis em um grupo de pessoas, pode ser
utilizado o teste que provoca sensações de paladar ou induz a
sensação de resfriamento térmico. No primeiro caso, o processo
pode ser desenvolvido dizendo-se:
• Feche os olhos... Imagine que você está indo até a cozinha
de sua casa... Vá até a geladeira... Pegue alguns limões...
Coloque em cima da pia... Pegue um copo... Pegue uma
faca. Agora, comece cortando um limão ao meio... Esprema
o limão no copo... Faça isso com todos os limões... Um a
um... Olhe o copo, está pelo meio de suco... Agora beba o
suco... Beba... Beba...
242 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

No segundo caso, pede-se que a pessoa feche os olhos e


imagine-se sentada em frente a uma grande barra de gelo,
produzindo a sugestão na seguinte forma:
• A barra de gelo está em sua frente... Comece a passar a
mão direita sobre a barra... Lentamente a mão escorrega da
esquerda para a direita... Passe mais a mão... Mais uma
vez... Agora pegue no seu braço esquerdo com a mão
direita que estava sendo passada na barra de gelo...
Pergunta-se: Quem sentiu, no primeiro teste, a boca encher de
saliva? Quanto ao segundo teste, quem ficou com a mão fria, ou
sentiu a sensação de resfriamento na mão ou no local do braço por
ela tocado? Os que responderam afirmativamente apresentam fortes
indícios de suscetibilidade.
Os testes citados fazem parte dos processos subjetivos da
sugestão, não se baseando em nenhum expediente de cansaço
físico ou sensorial. E note-se que, mesmo nos processos citados
anteriormente, o cansaço físico, com todas as suas características
aparentes, é ilusório. É sempre produto de sugestão. Mas, em alguns
casos, pode resultar em efeito somático, como, por exemplo, no caso
da barra de gelo: a mão do sugestionado pode realmente resfriar.
Neste caso, é possível quando hipnotizado, se o hipnotista encostar
um objeto em qualquer parte do corpo do suscetível, dizendo-lhe que
se trata de um cigarro acesso, é possível que surja no local uma
bolha ou pelo menos uma coloração avermelhada, como se de fato
tivesse sido a pele queimada.
Embora eventualmente possam ser utilizados os testes
anteriores, os mais aplicáveis são: Cansaço ocular, Balanço de
Corpo, Atar as mãos e Atração magnética.
Cansaço ocular - É sugerido o sono ilusório e subseqüente à fadiga
que se produz em função da fé e da expectativa. A pessoa testada
espera, crê que vai e deve sentir os efeitos pressupostos na indução
e os sente sem nenhuma necessidade específica ou física de sentir
tal cansaço. Prova é que, normalmente, as pessoas podem
permanecer de olhos abertos, quer numa leitura, quer na
contemplação de um objeto, horas seguidas, sem cair em transe e
sem se ressentir sensivelmente da fadiga visual.
Uma vez estabelecidas condições psicológicas para a indução,
logo se podem observar as respostas nos indivíduos testados.
Quando o teste é aplicado com base nos métodos subjetivos,
recorre-se, eventualmente, ao expediente da fixação ocular com a
concomitante sugestão do cansaço, por exemplo: “Você está ficando
com as pálpebras pesadas... Cansadas... Querendo fechar... Vão
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 243

fechar... Você verá que vão fechar... etc.”. De resto, as técnicas para
os testes e para a própria indução hipnótica pouco se diferenciam
umas das outras.
Em síntese, é aplicada a sugestão e são observados seus
efeitos nas reações do indivíduo. No teste das mãos e no teste do
balanço, para citar apenas estes, as respostas são quase
instantâneas e, quanto mais rápidas as respostas, maior será o grau
da suscetibilidade testada. Essas respostas positivas devem durar,
no máximo, o tempo em que o hipnotista profere as instruções e
conta até cinco.
Balanço do corpo - É um teste de suscetibilidade, geralmente
aplicado em grupo com mais de vinte pessoas (teste coletivo), e dará
resultado em média de oitenta e cinco por cento de presentes na
sessão. Todos ficam de pé, de preferência com o calcanhar junto,
pontas dos pés afastadas como formando um triângulo. O método de
indução é aplicado através da voz. Os participantes são solicitados
levantar-se e largar os objetos que porventura tenha nas mãos.
Recomenda-se, em seguida, não se apoiar na cadeira ou em outra
pessoa vizinha. Feita essa recomendação, passa-se à aplicação do
teste, dizendo-se as palavras aduzidas na seqüência certa, no tom
certo, lentas, porém firmes:
• Vou contar até cinco... Antes de chegar aos cinco, vocês
sentirão um balanço... Agora vocês se concentram... Liguem-
se em mim mentalmente... Vou contar de um a cinco e vocês
vão sentir o corpo balançar... Mas ficarão com os pés firmes
no chão, sem cair... Fechem os olhos e se concentrem
totalmente em mim... Vamos iniciar o exercício, fechem os
olhos... Fiquem calmos e concentrados em mim... Respirem
lenta e profundamente, só ouvindo minha voz.
Após uma pausa de meio minuto, inicia-se então a contagem, de
um a cinco, fazendo pausa de cinco segundos, aproximadamente,
entre um número e outro, na seqüência das palavras ditas com voz
calma e confiante:
• Um... Dois... Três... Quatro... Todos balançando para frente e
para trás... Cinco... Vocês estão sentindo o balanço... Os pés
estão firmes no chão... Estão calmos e tranqüilos...
Balançam cada vez mais... Para frente... Para trás... Cada
vez mais balançam... Balançam... Mais fortemente agora.
As pessoas mais suscetíveis balançam por meio minuto e
nesse tempo, o hipnotista deve observar todos com cuidado, porque
os mais suscetíveis podem cair no chão. Caso aconteça alguém cair,
será individualmente atendido por auxiliares, o teste não será
244 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

interrompido. Provoca-se, em seguida, o balanço lateral dizendo-se:


Vou contar até três e vocês vão balançar de um lado para o outro...
Um... Dois... Três... Para um lado... Para o outro... Continuam
balançando... Balançando... Balançam... Balançam... Para encerrar o
teste, acrescentam-se as palavras:
• Vou contar de um a três... E tudo voltará ao normal... Vocês
irão parar de balançar quando chegar a três... E, se sentirão
leves... Um... Dois... Três... Pronto, todos param de
balançar... Podem abrir os olhos.
Pode um indivíduo balançar e depois ser refratário à indução,
mas o grau e o modo do balanço indicam, com relativa margem de
segurança, a suscetibilidade. As pessoas que mais balançaram ou
as que caíram são as mais suscetíveis. Este teste é bem fácil e dá
resultados até com pessoas pouco suscetíveis, portanto quem não
balançar, deve ser excluído definitivamente das próximas
experiências.
Uma variante do teste do balanço é o da oscilação do corpo,
em que se colocam as mãos sobre os ombros do hipnotizável
enquanto o mantemos de olhos fechados. Ao aliviar a pressão das
mãos e, finalmente, suprimir o contato físico, ele mesmo, sem
receber sugestão verbal específica, oscila, acompanhando as mãos
do hipnotista, como se fora atraído por uma força magnética. Esse
fenômeno que ainda está por explicar é observado em pessoas bem
suscetíveis. O suscetível que reage satisfatoriamente a essa prova,
pode ser considerado bom para a hipnose e, não é raro, quando
induzido, atinge o grau de sonâmbulo hipnótico.
Atar as mãos - Este teste é coletivo e consiste no fato de pessoas,
sentadas ou de pé, entrelaçarem os dedos da mão esquerda com os
da direita, por trás da cabeça, na nuca ou na frente do corpo à altura
do umbigo. Ao propor o teste mostram-se primeiro, em todos os
detalhes, os movimentos a serem executados, dizendo-se: “Faça (ou
façam) como eu estou fazendo... Assim... Entrelaçando firmemente
os dedos”. E continua a instrução:
• Continue com as mãos nesta posição... Quando eu lhe pedir,
respire profundamente, prenda a respiração até eu terminar
de contar até cinco... Ao terminar a contagem, soltará a
respiração, porém suas mãos continuarão presas e cada vez
mais presas.
Dada essa instrução, pede-se para as pessoas fecharem os
olhos. Ato contínuo, respirarem fundo e prenderem a respiração.
Conta-se pausadamente até cinco. Se, ao terminar a contagem, os
participantes não conseguirem separar as mãos, não estarão apenas
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 245

selecionados, senão também profundamente sugestionados, quando


não hipnotizados. E, de olhos fechados, eles ouvem:
• Respirem tranqüilos... Profundamente... Vou contar de um a
cinco e vocês vão ficar com as mãos presas uma à outra...
Com as mãos presas... Quanto mais força para soltar, mais
presas estas ficarão... Só quando chegar a cinco pode soltá-
las.
Começa-se a contar pausadamente, fazendo um intervalo de
dez segundos entre cada número:
• Um... As mãos estão ficando presas... Dois... Ficando
presas... Três... As mãos estão ficando cada vez mais
presas... Quatro... Já estão completamente presas... É
impossível soltar as mãos... Quanto mais força, mais presas
ficam... Cinco... Podem soltar.
Depois de aproximadamente um minuto, em que eles tentaram
inutilmente soltar as mãos, continua a fala:
• Vou contar de um a três e todos se libertam... Um... Dois...
Três... Já estão todos libertados e sentindo-se muito bem...
(Se alguém continuar com as mãos presas, passa-se a mão
sobre a dele e diz): Pronto... Agora você já está livre...
Sentindo-se muito bem... Desprenda as mãos, agora...
Vamos... Pronto... Soltas.
Atração Magnética - É um teste de aplicação individual de grande
influência sugestiva. Se o indivíduo não apresentar resultado positivo
com este teste será categoricamente classificado como não ou
pouco suscetível, e com ele deve ser evitada tentativa de indução
hipnótica pelo menos em público. Sua indução provavelmente só
acontecerá em ambientes fechados e confortáveis, apropriados para
aplicação de induções não convencionais e específicas para seu
estado emocional.
Colocando-se a pessoa em pé, de olhos fechados, ao tempo
em que o hipnotista começa a esfregar suas mãos uma na outra,
espalmadas e em movimentos circulares, dizendo as seguintes
palavras:
• Estou esfregando minhas mãos... Cada vez mais, elas vão
ficando magnéticas... Estão ficando como um ímã... Cada
vez mais forte... O ímã esta cada vez mais forte... Minhas
mãos estão cada vez mais magnéticas.
Encostando-se levemente uma das mãos na testa da pessoa,
depois na nuca, em seguida encostam-se as mãos espalmadas nas
costas dizendo-se:
246 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

• Quando eu afastar as mãos, você sentirá uma atração


irresistível para trás... Estou afastando... Você sente
atração... É a atração cada vez mais forte... Muito forte...
Bastante forte agora...
O hipnotista prepara-se neste momento para aparar a pessoa
que está sendo testada, evitando que ela caia de costas. Logo após
a inclinação para trás, a pessoa é empurrada levemente para frente,
fazendo com que retroceda à sua posição normal. Este mesmo teste
pode ser repetido, fazendo-se a atração para frente ou para os lados,
sempre com muito cuidado para não cair totalmente, sendo antes
aparada pelo hipnotista ou por voluntários.
Ponte humana - Embora muito impressione os espectadores é uma
demonstração fácil, requer apenas o transe hipnótico de nível leve. É
apenas um teste de suscetibilidade mais aprofundado, porém não é
aconselhado para hipnotistas iniciantes, a menos que esteja bastante
seguro de que pode e, para isso, deve possuir autoconfiança
inabalável.
A ponte, embora de fácil consecução, é uma das provas
físicas da suscetibilidade mais espetaculares; é denominada como
sendo a prova da rigidez cataléptica. Após receber a sugestão de
que seu corpo irá endurecer até alcançar a rigidez completa, o
hipnotizado é estendido entre dois apoios, ficando o corpo
sustentado apenas na nuca e nos pés, permanecendo duro à
semelhança de uma tábua, comportando em cima do abdômen um
peso bem superior ao seu.
Uma variante da demonstração da ponte é aquela em que,
estando o hipnotizado apoiado entre duas cadeiras, uma pedra é
colocada em cima do tórax e partida a golpe de marreta. Devido ao
seu caráter espetacular e popularmente convincente, esse tipo de
apresentação é um clássico nas demonstrações de hipnotismo.
O teste da ponte é feito esfregando-se as mãos uma na outra e
depois se passando as mãos, de leve quase sem tocar, nas laterais
da cabeça e descendo-as até os pés do candidato, dizendo-se:
• Quando eu passar as minhas mãos sobre seu corpo, você
ficará totalmente rígido... Rígido como uma barra de ferro...
Totalmente rígido... Agora coloco as minhas mãos nas suas
costas... Quando eu afastá-las, você cairá para trás... Duro
como uma barra de ferro... Reto como uma tábua.
Com ajuda de dois colaboradores, o hipnotizado é seguro pelas
pernas e pelo ombro e colocado apoiado apenas nos pés e na
cabeça, entre duas mesas ou dois bancos. Quando já estiver nesta
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 247

posição então se dirá: Nada o incomoda... Nada o perturba... Você


se sente muito bem...
Nestas condições, pede-se para que alguém suba sobre o
hipnotizado, ficando de pé, podendo andar de um lado para o outro e
até pular se quiser. Pode ainda ser colocada uma pedra sobre o
peito do hipnotizado e quebrá-la com golpes de marreta, e ele nada
sentirá.
Para tirá-lo do transe, com ajuda da assistência, coloca-se o
hipnotizado de pé ou deitado no chão, procede-se com a indução
pós-hipnótica para, por fim, acordá-lo, dizendo-se:
• De hoje em diante sua mente estará cada vez mais
trabalhando em seu benefício... Você será capaz de superar
os seus problemas... Usará de todo o seu potencial mental
em seu próprio benefício... Vou contar até três... Quando
chegar a três... Você acordará... Feliz... Bem disposto...
Alegre por ter participado dessa experiência... Um... Dois...
Três...
Após a aplicação do método de indução adequado, quando o
processo for concluído com êxito, estando, portanto, instalado o
estado de hipnose no nível médio, poderão ser sugeridas várias
situações que alteram o estado físico do hipnotizado, como, por
exemplo, rigidez dos braços. Para isso, aproxime-se de um dos
hipnotizados e diga:
Seu braço está sendo atraído lentamente para cima... Fica rígido, vai
subindo e cada vez mais rígido... Ninguém conseguirá dobrar seu
braço... Seus músculos são fortes e estão ficando cada vez mais
rígidos.
Convidam-se os espectadores a tentar dobrar o braço do
hipnotizado, o que não acontecerá por mais força que se aplique.
Deve-se, no entanto, evitar que a platéia se exceda, às vezes várias
pessoas tentam, de uma só vez, dobrar o braço do hipnotizado e isso
poderá fazer com que ele caia no chão ou até, pela força excessiva,
quebre o braço.
Para desfazer a sugestão hipnótica do braço rígido, aplica-se a
indução:
• Vou contar até cinco e seu braço vai ficando frouxo... UM,
está afrouxando... DOIS, começando a descer lentamente...
TRÊS, está descendo e afrouxando... QUATRO, quando
chegar em baixo, estará totalmente relaxado... CINCO, está
perfeitamente normal, tudo agora está bem... Você está
muito bem.
248 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Outra demonstração semelhante é a atração magnética da


perna. A sugestão se processa com a ajuda de uma folha de papel
brilhante. Coloca-se a folha de papel no chão, pedindo para que o
hipnotizado passe perto dela, enquanto isso se aplica a sugestão de
que a perna dele ficará magnetizada. O hipnotista, após esfregar
uma mão na outra, passa as mãos na perna do hipnotizado, ao
mesmo tempo em que, se aplica a indução:
• Assim que você passar perto da folha de papel, ela irá atrair
sua perna... Você sente que ela o está atraindo... Você está
sendo atraído pela folha, e quando pisar nela vai ficar
preso... Sem sair do lugar... Quanto mais se esforce, mais
preso.
Depois de ter pisado na folha de papel, o hipnotizado tentará
inutilmente sair do lugar. Desfaz-se a sugestão, dizendo-se:
• Vou contar até três e você estará completamente livre... UM,
está começando... DOIS, quase solto... TRÊS, livre, pode
sair, sentindo-se muito bem...
Pode-se, ainda, fazer à mesma experiência, sugerindo que uma
cadeira está magnetizada, após passar as mãos no hipnotizado,
dizendo-lhe que, ao passar perto da cadeira, será por ela fortemente
atraído, será obrigado a sentar-se, sentirá uma atração violenta e se
jogará de qualquer maneira para cair sentado.
Uma situação bastante convincente, em que o hipnotizado pode
esquecer determinado assunto através da sugestão hipnótica, ou
pós-hipnótica, pode ser demonstrada. É o que se conhece como
Amnésia de Número. Isto ocorre quando se diz ao hipnotizado que
ele poderá falar perfeitamente sem acordar, diz-se ainda para que
ele conte de um a dez; feito isso, sugere-se várias vezes, por
exemplo, que o número três desapareceu, não existe. Pode isto ser
feito com qualquer outro número ou letra do alfabeto.
Pedindo-se ao hipnotizado para que conte novamente,
provavelmente ele fará uma pequena pausa entre os números dois e
quatro, e continuará até dez. Se forem feitas perguntas como, quanto
é dois mais um ou sete menos quatro, etc., responderá “não sei”.
Após verificação da amnésia de número, diz-se, então, que o
número três está de volta, que ele existe, pedindo-se ao hipnotizado
que conte de um a dez. Manda-se que ele efetue alguns cálculos
simples que envolvam o número três. Por fim, o hipnotizado acordará
como nas formas anteriores.
Pode-se ainda, nesta mesma apresentação, induzir sugestões
pós-hipnóticas que serão cumpridas imediatamente após o
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 249

hipnotizado sair do transe, como, por exemplo: que, quando ele


acordar, deverá abraçar determinada pessoa, ou deverá
imediatamente, sem nada dizer, sair para beber água porque estará
com muita sede, ou ainda, após ouvir determinada palavra ou frase,
deverá, imediatamente, entrar em transe profundo. Isso serve para
demonstrar aos presentes como a sugestão pós-hipnótica é
poderosa.
Hipnose de palco
No final do século XIX e no início do século XX surgiam
grandes nomes que se dedicaram à hipnose de palco. Donato entre
1875 a 1886, Karl Hansen entre 1880 a 1900, percorrendo a Europa
apresentavam demonstrações públicas e proporcionavam às platéias
grandes espetáculos. No Brasil, no período de 1940 a 1955, Karl
Weissmann lotava teatros por todo o país para demonstrações de
hipnose e, geralmente, após suas apresentações realizava cursos,
principalmente para médicos e dentistas. Foi ele sem dúvidas, direta
ou indiretamente, o responsável pela iniciação de outros tantos
grandes nomes no hipnotismo brasileiro.
A mais complexa sessão de hipnose é a demonstração pública
porque nesta não se admitem falhas e a indução coletiva exige muita
atenção que é redobrada em função do número de assistentes e dos
hipnotizados simultaneamente. O hipnotismo de palco exige do
hipnotista a chamada força moral, autocontrole e presença de
espírito e tem que ser o mais proficiente dos hipnotistas, porque o
público é exigente, e particularmente propenso a ver tudo como um
processo fraudulento. Embora este público seja generoso quando
acredita no que vê, consagra o hipnotista quando narra os fatos
acontecidos, dando seu testemunho de veracidade. É por isso que o
hipnotista de palco tem a imperiosa necessidade de êxito. Enquanto
um insucesso numa indução de gabinete repercute de forma
depressiva, sobretudo no hipnotista novo ainda necessitando de
estímulo, um fracasso em público é para ele algo desastroso; a
frustração é suficiente até para inibir outra tentativa.
Os mais eruditos autores não são contra a hipnose de palco,
entre eles Weissmann que reconhece o valor e a importância das
apresentações públicas e chama a atenção censurando quem a isso
se opõe; principalmente àqueles que injustamente se posicionam
contra a hipnose e aos hipnotistas de palco.
Um erro digno de correção, cometido pela quase totalidade dos
autores de livros sobre hipnose médica, é a clássica afirmação,
segundo a qual os hipnotistas de palco são leigos ou mal
formados. Condenam a hipnose de palco, dizendo que a
250 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

maioria dos hipnotistas que a praticam como espetáculo são


desqualificados. Demonstram, nessa generalização, um pouco
de tendenciosidade, além de revelar expressão de inveja e
ciúme pelo fato de que, realizando os mesmos processos de
indução, discreta e anonimamente, não desfrutam das grandes
gratificações emocionais provenientes da consagração pública
(WEISSMANN).
Weissmann escreve que algumas pessoas espalham antigas
lendas e boatos sobre a hipnose, às vezes por ciúmes ou para
neutralizar uma possível concorrência ou, por medo e ou ignorância,
contam estórias como se fossem verdades. Entre esses absurdos,
diz que a hipnose é perigosa ou que a pessoa hipnotizada pode não
retornar do transe, embora isto seja impossível.
Também é antiga e igualmente falsa a afirmação de que
alguém faleceu após ter recebido uma sugestão de choque de alta
tensão elétrica. Pior ainda, afirmam que existe uma lei proibindo o
uso da hipnose a não ser por determinada categoria profissional,
geralmente quem afirma isso pertence a essa categoria
“privilegiada”. Às vezes, algumas dessas mentiras são
inescrupulosamente publicadas.
Na verdade quem é contrário a demonstrações públicas de
hipnose, com certeza não é competente para realizá-la e,
geralmente, quem não é capaz de praticar hipnose coletiva,
dificilmente terá êxito em qualquer outro tipo de hipnose. Neste
aspecto, o que merece ser avaliado não é o hipnotista ou a hipnose
de palco, mas o tipo, a finalidade e a qualidade da apresentação.
• Quanto ao tipo - Não é aceitável em nenhuma condição, e muito
menos em uma sessão pública, alguém hipnotizado ser colocado
em ridículo, ou que se determine ao hipnotizado comer cebola
como se fosse maçã, beber vinagre como se fosse vinho, ou
ainda aspirar amoníaco como se fosse perfume. Também não é
aceitável induzir situações de emoções negativas como
demonstração de desconforto ou dor, ou para reavivar
sentimentos negativos, tais como raiva, ciúme, ódio e outros. Pior
ainda são as constrangedoras demonstrações de perfurar, com
agulhas ou estiletes, a pele do hipnotizado, ou queimá-los como
prova de anestesia hipnótica. Também é absurdo apregoar
crenças religiosas ou utilizar conscientemente de processos
hipnóticos como se fosse parte de um ritual religioso. E, mesmo
sendo o hipnotista habilitado para fazer diagnósticos de saúde,
isto não deve ocorrer em apresentações públicas, muito menos
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 251

prometer curas. 122 Estes expedientes demonstram má fé do


hipnotista que não sabe respeitar a confiança indevidamente nele
depositada pelo hipnotizado e pelo público.
• Quanto à finalidade - Defende-se que não se realize sessão de
hipnose apenas para proporcionar espetáculos para curiosos.
Deve ter as demonstrações finalidade esclarecedoras, educativas
e didáticas, desmistificando e aproximando as pessoas para
discussões, leituras e debates sobre a história e a prática deste
conhecimento.
• Quanto à qualidade - Deve ser acompanhada de aprofundamento
teórico suficiente, pelo menos para desencadear um processo de
aprendizagem eficaz. Preferencialmente, deve ser praticada no
meio acadêmico, sem mistérios ou fantasias. Dificilmente alguém
poderá compreender e praticar hipnose apenas por ter lido sobre
o assunto; por isso a demonstração prática é o veículo
indispensável para que se possa transmitir a hipnose como
conhecimento. Negar por negar a possibilidade das
apresentações públicas é uma postura egoísta daqueles que não
partilham o que sabe, ou sabem pouco para partilhar.
Na hipnose de palco podem-se induzir sugestões de ilusões
coletivas com as pessoas, selecionadas nos testes de
suscetibilidade, que estejam dispostas a participar da experiência.
Aplica-se um dos métodos de indução que, no momento, for mais
conveniente ao hipnotista. Na escolha do método deverão ser
observadas as características do grupo selecionado.
Uma vez que atinjam o estado de, pelo menos, transe leve
poderá ser sugerido que as pessoas são instrumentistas de uma
grande orquestra, que vão tocar violino, piano, violão ou outro
instrumento qualquer, e eles tocam ou têm a ilusão que estão
tocando e, mesmo que no ambiente não haja música, ouvirão música
imaginária. Se for sugerido que está chovendo, eles se sentem
molhados e com frio, como se estivessem debaixo de chuva.
Nestas situações, os hipnotizados vãos ver e viverão
ilusoriamente as sugestões apresentadas pelo hipnotista, como, por
exemplo, sugerido que estão às margens de um lago, com cisnes e
pássaros, verão e sentirão o perfume de flores; descreverão
pessoas, animais e locais que dirão reais. Se sugerido que estão
pescando, dando-lhes um caniço, realizarão os movimentos de quem
está verdadeiramente pescando. O hipnotizado reage como se

122
O Código Penal Brasileiro proíbe que, sem habilitação formal, mesmo que de
forma gratuita, alguém faça diagnósticos de saúde (artigo 284, inciso III).
252 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

estivesse vivendo realmente a cena sugerida, por este motivo é que


só devem ser sugeridas situações agradáveis.
Pode, também, nestas apresentações ser induzida sugestão
pós-hipnótica que será cumprida imediatamente após o hipnotizado
sair do transe. Nunca o hipnotizado deverá sair de transe sem
sugestões pós-hipnóticas de bem-estar, paz e felicidade. Deve-se se
aproveitar o momento em que a pessoa está em contato direto com
seu inconsciente, para sugestioná-la positivamente, como por
exemplo:
• A partir deste momento, você terá maiores condições de
superar seus problemas... Vencer suas dificuldades... Sua
mente estará, de agora em diante, trabalhando em seu
próprio benefício, etc. Quando eu o acordar, se sentirá
maravilhosamente bem disposto.
Na sessão podem ser demonstrados os fenômenos
alucinatórios, começando pela alucinação olfativa, como por
exemplo: Que forte perfume... É um perfume delicioso... Mesmo à
distância percebe-se o perfume... O perfume não existe, embora
além dos literalmente hipnotizados, outras pessoas suscetíveis
presentes na sessão afirmarão existir um forte perfume.
As ilusões sensoriais podem ser demonstradas sob a sua forma
positiva e negativa. Ao indivíduo que acabou de cheirar um perfume
inexistente, pode ser apresentado um vidro contendo amoníaco, sem
que, no entanto, acuse cheiro algum.
Para outra demonstração pode ser dito:
• Atenção... Vou contar até cinco e disparo um canhão...
Atenção, preparar o canhão... UM... DOIS... TRÊS...
QUATRO... CINCO. Todos os hipnotizados tampam os
ouvidos. Alguns se atiram ao chão. Ato contínuo:
• Pronto... Acabou... Apenas o susto.
Um número muito curioso e popularmente apreciado é o que
se chama de sensibilidade exteriorizada. Para obter esse efeito, é
anunciado:
• Atenção! Outra experiência... Tenho nas mãos uma agulha e
um boneco... Esse boneco representa você... No momento
preciso em que a agulha perfurar a mão direita do boneco,
vocês sentirão a picada da agulha no dorso da sua mão
direita.
Dito isso, o hipnotista se dirige para trás dos hipnotizados e
com as mãos levantadas, de maneira que a assistência possa ver,
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 253

executa o gesto anunciado. A essa experiência, reagem os mais


profundamente hipnotizados, especialmente os sonambúlicos. A
mesma experiência pode ser repetida com a variante apenas da mão
sugestivamente afetada. Em lugar de sentirem a agulhada no dorso
da mão direita, os hipnotizados a sentem no da mão esquerda.
Em conexão com esse tipo de experiência pode ser produzido
outro fenômeno inerente ao estado hipnótico, de efeito não menos
interessante, as alterações de memória, respectivamente a amnésia
e a hiperamnésia. É anunciado para os presentes que, ao terminar
uma contagem até cinco, determinado hipnotizado terá perdido a
memória, a ponto de não se lembrar do próprio nome. Terminada a
contagem, é perguntado ao hipnotizado pelo nome. Não obtendo
resposta, é aparentemente facilitado o processo de memorização; Vá
dizendo nomes a esmo. Às vezes, quem sabe, acerta por acaso o
seu.
Salvo raríssimas exceções, o hipnotizado pronuncia todos os
nomes possíveis e impossíveis, menos o seu próprio. Essa
experiência se torna espetacular quando apresenta natureza
hiperestésica. Isso pode ocorrer quando, antecipadamente, é escrita
por pessoas presente na platéia uma relação de 15 a 20 nomes.
Alguns hipnotizados, quando o hipnotista pergunta, “Vá dizendo
nomes... Às vezes acerta o seu...”, são capazes de reproduzir pela
ordem em que foi escrita, grande parte dos nomes constantes da
relação, ou mesmo toda a relação.
A angustia do “desmemoriado” termina quando é anunciado
que, ao ouvir contar novamente até cinco, a memória do hipnotizado
voltará. Ele será perfeitamente capaz de se lembrar de seu nome.
Toda demonstração pública de hipnotismo deve incluir uma ou
mais provas do fenômeno pós-hipnótico, que constitui um dos
aspectos mais convincentes da hipnose. Para isso, é selecionado
entre os mais profundamente hipnotizados, e lhes é dito:
• Vou acordar vocês... Mas, quando acordados e me ouvirem
pronunciar a frase a chuva faz a grama crescer, logo em
seguida, adormecerão como agora estão adormecidos.
A frase convencionada para voltar ao transe pode ser outra
como Tote, Tate, Tiza, e os atos a serem executados podem ser os
mais variados e até bizarros, desde que não contrarie os códigos
morais, nem os interesses vitais dos hipnotizados. O limite para esse
número é, mais uma vez, o da própria imaginação.
254 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Hipnose, Hiperestesia e clarividência


Embora ocorrências de fenômenos de hiperestesia e
clarividência hipnótica sejam restritas a pessoas extremamente
suscetíveis e especiais, de fato, não é tão raro assim. Sua
descoberta teve início nas induções provocadas pelo Marquês
PUYSÉGUR. Desde 1784, ele já observava em muitos dos seus
hipnotizados esses fenômenos.
Para se obter essa experiência, deve-se induzir um suscetível a
um nível profundo. Quando perceber que ele já está no ponto certo,
e recebeu sugestões de que, sem acordar, terá condições de falar
(fazendo-se alguma pergunta simples para testá-lo), deve ser dito:
• Agora você pode enxergar tudo o que se passa à sua volta...
Mesmo estando de olhos fechados... Você está enxergando
perfeitamente de olhos fechados.
Após repetir esta sugestão várias vezes, pergunta-se o que ele
está vendo; se ele responder que está escuro, que não consegue
ver, repete às sugestões de que ele pode ver perfeitamente bem.
Poderá ver com a mente e, que essa visão é muito melhor que a
convencional, que poderá ver com clareza tudo que está
acontecendo, mesmo com os olhos fechados.
Depois do hipnotizado dizer que está enxergando, pergunta-se
o que está fazendo uma pessoa que está atrás, e que, por isso, ele
não poderia enxergar seus movimentos. Se ele responder
corretamente, continua-se perguntando. Se ele responder que não
enxerga, repetem-se as mesmas sugestões, dizendo-se que sua
visão, através da mente, está aumentando, e que agora ele já pode
ver.
Aproxima-se sem encostar um objeto nele, sugerindo-se que o
objeto está realmente frio, como uma pedra de gelo, induzindo-o a
que sinta a frieza, insistindo-se na sugestão de que ele tem
condições de dizer onde está o objeto, de qual parte do seu corpo
está próximo, porque sente esfriando o local do qual se aproxima.
Se o objeto for aproximado por trás dele, portanto sem ele ver,
quando apontado para a cabeça ou para seus pés, ele
imediatamente afastará a parte do corpo envolvida, sem que para
isso seja dita uma só palavra.
Outra experiência descoberta pelo Marquês de PUYSÉGUR, e
que também pode ser praticada nas sessões é a da clarividência
hipnótica. Isto é possível com alguns hipnotizados. Geralmente,
quem apresenta respostas positivas no processo de hiperestesia,
também se revela clarividente hipnótico. Pode ser sugerido que esta
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 255

pessoa não só pode enxergar tudo o que se passa a sua volta, mas
também o que se passa em outros lugares.
A sugestão para obtenção deste fenômeno se processa quando
é dito para o hipnotizado que ele está indo, mentalmente, para um
lugar; por exemplo, ele está indo para uma sala ao lado da que se
encontra no momento da indução e, após alguns segundos, é
descrita sua ida até lá, dizendo que foi até a porta, saiu pelo
corredor, que já chegou ao seu destino e está vendo tudo que está
se passando. Perguntam-se, quem está lá naquele momento, o que
está fazendo, etc.
Alguns hipnotizados são capazes de dar descrições nítidas do
local sugerido, mesmo que lá nunca tivessem ido, como também são
capazes de dar informações exatas sobre as pessoas que lá se
encontram. Poderá dizer corretamente o que acontece, confirmado
posteriormente ou até simultaneamente ao relato. O hipnotizado
clarividente pode não só descrever o que está se passando em um
aposento pegado, como também em um local a quilômetros de
distância. 123
Outro fenômeno é a hiperestesia, ocorre quando o hipnotizado
é colocado em contato com outra pessoa pela junção das mãos,
fazendo-se a sugestão (diversas vezes) de que tem condições de
ligar-se inteiramente na pessoa que está em contato, que ela tem
condições de sentir tudo que a outra pessoa está sentindo.
Finalmente afirma-se que o hipnotizado é a outra pessoa e pensará
como ela, saberá tudo que a outra estará pensando.
Para induzir um suscetível ao estado hiperestésico é dito:
Agora você é... (o nome da pessoa que está ligada a ela), Sente tudo
como... (diz novamente o nome). Depois de fazer várias vezes esta
sugestão, pergunta-se o nome dela e ela dirá que é a pessoa que
está em contato pela mão, se isto não ocorrer, deve ser novamente
repetida as sugestões anteriores.
No estado de hiperestesia são surpreendentes os resultados; o
hipnotizado poderá dar informações que só a outra pessoa sabe de
forma consciente ou até inconscientemente, se portará exatamente
como a outra com quem se ligou ou de quem assumiu a
personalidade. Terminada a experiência, deve-se ter o cuidado de
“desligar” a pessoa hipnotizada da outra, sugerindo que ela é...
(dizendo-se seu nome) e que se desfez completamente a ligação,

123
Sessão realizada pelo autor, publicado no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, de
10.09.95.
256 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

que está inteiramente livre de todos os sintomas e preocupações da


outra pessoa, que está sentindo-se muito bem.
Regressão hipnótica
Praticamente há dois tipos de regressão. Numa delas, o
hipnotizado reage como quem está lembrando o que passou, ou
descreve de maneira semelhante a um espectador vendo
desenrolarem-se os fatos à sua frente. No outro tipo, a regressão
não se dá através da memória, o hipnotizado vive realmente o
passado, reagindo de acordo com a idade, a linguagem e os
conhecimentos adquiridos até aquele momento regredido. Assim,
aos seis anos (se lhe for induzido esta idade), usa linguagem infantil,
discorrendo sobre fatos do dia sugerido na regressão e desconhece
tudo que aconteceu ou experimentou após essa idade. Esse é o tipo
de regressão que mais ocorre, é também o tipo que mais
impressiona.
Na regressão hipnótica, a memória se aguça, realizando
verdadeiros prodígios, sobretudo quando o hipnotizado remonta aos
acontecimentos da sua mais remota infância. Ele poderá, não
apenas recordar, mas efetivamente reviver os fatos acontecidos,
principalmente acontecimentos festivos. Tais reminiscências muitas
vezes são confirmadas por parentes e amigos presentes à sessão.
É uma experiência fascinante; afirma-se ao hipnotizado que ele
está no jardim de infância, e ele citará com exatidão os nomes dos
antigos colegas e da sua antiga professora, nomes que, em estado
normal, não seria capaz de rememorar. Regressando à idade de seis
anos, se intimado a escrever ou desenhar sobre uma folha de papel,
escreverá o seu próprio nome, reproduzindo nos mínimos detalhes
os garranchos das primeiras letras, ou desenhos, exatamente iguais
aos que realmente desenhou na época referida. Contará, ainda,
quem foi que o ensinou e dirá que está vendo a pessoa junto a si.
Continuando, afirma-se que tem dez anos e a letra será outra,
correspondendo sempre à caligrafia da idade sugerida. Lembrará
com detalhes, descrevendo os fatos acontecidos como se
estivessem ocorrendo no momento. Descreve, como se estivesse
usando e vendo a roupa que vestiu em determinada fase da sua
mais remota infância. De forma imaginária, brincará com seus
amigos e com os brinquedos preferidos, os quais seriam impossíveis
de relembrar sem estar no estado de hipnose. Assim, acontecerá,
sempre que lhe for sugerida outra data, o hipnotizado passará a viver
e a enxergar fatos de dez, quinze, vinte anos atrás, poderá regressar
praticamente até o seu nascimento.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 257

O hipnotizado responde a testes que comprovam ter ele,


efetivamente, regredido na idade e, os resultados correspondem ao
nível mental e à inteligência da idade induzida hipnoticamente. Um
dos testes que impressionam os pesquisadores é o sinal de
Babinsky. 124 Neste teste, fricciona-se a sola de um dos pés e, as
reações diferem entre crianças de meses de vida e idade mais
avançada, na pessoa hipnoticamente regredida, o teste comprova
que o hipnotizado reage de acordo com a idade sugerida.
Quando sugerida a regressão para a idade fetal, assumirá esta
posição, deitando-se no chão e encurvando o corpo. Se perguntado
o que sente neste momento, possivelmente dirá que nada vê, mas
que escuta ruídos e batidas rítmicas, as quais descrevem
assemelhando-as a batimentos cardíacos. Se a sugestão prossegue
regredindo no tempo, como, por exemplo, 30 ou 40 anos antes de
nascer, e for perguntado qual é o seu nome, certamente dirá
qualquer outro menos o seu verdadeiro. Nessa fase, descreve
estranha situação que, por ele, seriam impossíveis de ter sido
realizada, quando acordado nada lembrará ter dito e, com certeza,
durante todo o transe os relatos, verdadeiros ou não, sempre
demonstram que o hipnotizado agiu com a mais absoluta boa fé. Isto
é, nada do que disse foi com o propósito de enganar, simular ou
mesmo inventar, pelo menos de forma consciente.
Este aspecto da hipnose é muito controvertido, a regressão
sofre o crivo severo da crítica científica. Mas, na verdade os
cientistas não têm uma explicação uniforme e completa sobre esse
fenômeno. No entanto, é indiscutível o consenso que afirma haver na
regressão um extraordinário aumento da memória.
À interpretação da regressão às vidas passadas, fundamenta-
se basicamente em duas correntes opostas: a tese da fantasia do
inconsciente e a tese da reencarnação. Algumas experiências são
excelentes, sem, contudo, apresentarem elementos suficientes para
a decisão de excluir uma das duas diferentes interpretações.
Um caso que muito impressionou a todos que assistiram, foi de uma
jovem professora, de 25 anos de idade, que participou de uma
experiência de hipnose regressiva. Ao regredir 40 anos antes de
nascer, ela se apresentou como se fosse um homem, com
impressionante mudança na voz, falando de forma muito
assemelhada à voz masculina. Apresentou também uma acentuada
transfiguração na aparência do rosto. Dizia que seu nome era José
124
Joseph François Félix Babinsky, desenvolveu o método usado até hoje na
pediatria para analisar o desenvolvimento neurológico de crianças recém-
nascidas, denominado de sinal de babinsky (N. do A.).
258 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Roberto Alves de Faria, falava expressões populares de uma época


bem passada, como: “sossega leão, sai pra lá violão, dá cá o meu,
etc.” Descrevia-se trajando calça branca engomada e usando
“Parada”, marca de chapéu masculino de uso no Brasil no período
aproximado entre 1935 e 1955, falava nomes e marcas de produtos
que dizia ver impressos em cartazes de propagandas, dizia estar no
interior de um bonde, transporte que efetivamente circulava nos
locais e épocas descritas. Dizia também ter consigo moedas de uso
na década de trinta. Descrevia prédios e estabelecimentos
comerciais como empórios, armazéns e lojas, inclusive escrevendo
com a ortografia da época, os nomes que dizia estar lendo nos
letreiros. Os prédios não mais estão edificados, os produtos não
mais existem, os locais foram transformados com o tempo. Para a
maioria das pessoas presentes, os fatos narrados foram
verdadeiros, e acreditaram que Roberto realmente vivera naquela
época.
Mudança de voz é comum na regressão de idade à própria
infância, quando o adulto regredido fala com voz infantil. Ocorre,
também na regressão à períodos anteriores ao próprio nascimento.
Em alguns casos indica que na regressão mudou de gênero e muda
também de voz.
A sessão para regressão hipnótica deve ser longa, não deve
comportar muitos observadores, as pessoas regredidas falam quase
sussurrando. A regressão depende de um bom aprofundamento do
transe e da aplicação de um método adequado. Só acontece após
ocorrer o estado hipnótico, quando prossegue o hipnotista dizendo
mais ou menos assim:
• Dorme profundamente... Você agora vai entrar em um
túnel... Vai voltar no tempo... Conto até três e você
começará a voltar... Quando chegar a cinco estará em
1990... UM, começando a voltar... DOIS, está voltando...
1993... TRÊS, está voltando... 1992... QUATRO, 1991...
CINCO, 1990... Você está em 1990, diga, que idade você
tem?...
Alguns hipnotizados precisam ser mais incentivados para falar,
outros falam com mais facilidade, geralmente apenas se limitam a
respostas bem objetivas. Depois das respostas continua o processo
de regressão:
• Continua dormindo profundamente... Agora você está
voltando mais rapidamente... Mais para trás... 1989... 1988...
1987... 1986... 1985... 1984... Você está em 1984... Onde
você está que lugar é esse? Tem alguém com você? O que
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 259

você está vendo? (Depois das respostas prossegue-se). O


que você está vendo? Descreva quem está com você...
Se o hipnotizado disser que está brincando, então lhe será
entregue qualquer objeto como se fosse o que ele descreveu, e ele
se disporá a manuseá-lo como se fosse seu verdadeiro brinquedo.
Prossegue-se a regressão com a contagem dos anos:
• 1983... 1982... 1981... 1980... Onde você está... Com quem
está... Está na escola?... Como é o nome da sua escola...
Seus colegas?... Descreva o que está vendo...
Com essa mesma técnica, induz-se a sugestão até
praticamente o nascimento. Quando regredido para a fase infantil, de
seis meses de idade, por exemplo, o hipnotizado poderá reagir, às
vezes com a voz infantil, chorando como um bebê e fazendo seus
movimentos típicos. Nesta fase, dependendo do desempenho do
hipnotizado, pode ser sugerida a regressão para a vida fetal e antes
dela:
• Você está com seis meses antes de nascer... Como é esse
lugar?... Você sente alguma coisa?... Vou contar até dez e
você estará com 20 anos antes de nascer... UM... DOIS...
TRÊS, está voltando... QUATRO... CINCO... SEIS, está
voltando... SETE... OITO... NOVE... DEZ... Pronto, 20 anos
antes de nascer... Como é seu nome?... Onde você está?...
Etc.
Com certeza, o hipnotizado dirá um nome diferente do seu e
contará uma vida bem diferente da sua, descrevendo estórias
surpreendentes. Pode mudar de voz, pode comportar-se como se
fosse de sexo diferente do seu, e até falar outro idioma. Seguindo
esse método, a regressão não terá limite no tempo e, para cada nova
época sugerida, o hipnotizado dirá que possui outro nome. Contará
outra estória de vida completamente diferente da anterior.
Para acordar o hipnotizado, realiza-se o processo inverso,
fazendo-o retornar até sua idade atual, dizendo-se que o tempo está
correndo para frente e que ele votará a sua idade atual, intercalando-
se na contagem de retorno sugestões de bem-estar, normalidade,
paz e felicidade pós-hipnótica. Por exemplo:
• Agora você está voltando... 1990... 1995... Vou contar até
cinco e você acordará... Calmo... Tranqüilo... Bem disposto...
Feliz... UM... DOIS... TRÊS... QUATRO... CINCO... Pronto...
Agora você está na sua idade atual... Normal.
É comum, nas sessões de regressão hipnótica, o hipnotista
sugerir que o hipnotizado é um grande artista, como um pintor ou
260 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

escritor famoso. Neste caso, ele começa a pintar ou escrever como


se verdadeiramente fosse a personalidade sugerida. Inclusive
declara seu nome, idade, ambiente no qual vive, mudando de voz e
até a forma de caligrafia. Tudo passa a ser bem diferente das
características da vida do hipnotizado.
Para que tal efeito possa surgir, é bastante que o transe esteja
estabelecido e a sugestão se processe na seguinte forma:
• Vou contar até cinco... Quando chegar a cinco, sua mente
estará completamente vazia... UM... DOIS... TRÊS,
esvaziando... QUATRO, vazia... CINCO, completamente
vazia... Agora outra personalidade vai incorporar você... Um
grande artista... Um Pintor... Como é seu nome?
A resposta é surpreendente; pode ser o nome de um artista
famoso e se for dado ao hipnotizado material de pintura, certamente
ele pintará. Se o artista ou sua obra foi conhecido pelo hipnotizado,
mesmo que em sua remota infância, mesmo que ele não se lembre
conscientemente deste fato, no transe hipnótico lembrará com
clareza e representará uma pintura bem parecida. Para isso, pode
ser dito: Pinte... Mostre sua arte... De fato ele pintará com muita
destreza e com detalhes impressionantes. Seu trabalho em muito
será fiel ao que ele armazenou em sua memória. O mesmo acontece
com relação à sugestão que referem escritores ou poetas.
Hipnose e terapia por vidas passadas
A possibilidade de vida e morte serem mais do que processos
biológicos, a existência da alma e a idéia de viver várias vezes são
temas que agitam discussões filosóficas e religiosas deste os tempos
remotos. O problema é que não existem provas contundentes
negando ou afirmando tais conceitos, o que leva pesquisadores para
as divagações, ao andar sem rumo por um percurso com voltas e
sinuosidades que conduzem ao raciocínio caótico ou a conclusões
dogmáticas. Mas é comum em sessões de regressão hipnótica a
pessoa hipnotizada descrever situações como se estivesse vivendo
em outra época ou em outra vida e, de fato, após o transe ocorrem
melhorias e até curas nas pessoas que “regrediram”. A isso se
convencionou chamar de TVP - Terapia por vidas passadas.
Terapia por Vidas Passadas pode ser analisada pela hipótese
da fantasia do inconsciente ou da reencarnação. Essa última
hipótese pode ser descartada quando o caso apresenta exagero ou
incoerência ou é propositadamente mistificado. Para hipnotizar é
necessário convencer, mas convencer não significa mistificar
enganosamente. É bom sempre lembrar que se argumentos sérios
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 261

não estão ao alcance, algumas pessoas podem convencer outras


através do dogma, do mistério e da magia. A sociedade, na sua
maioria, mesmo quando se observa bom nível de escolaridade, está
mais apta a ser convencida com argumentação excêntrica e rodeada
de ocultismo do que com explicações sérias e lógicas. Assim,
mistificar é o caminho mais fácil para enganadores e personagens
que vendem milagres ou, de alguma forma, exploram a fé pública. Aí
entram algumas técnicas hipnóticas, que podem até ter função
terapêutica, mas mistificadas como se fossem curas realizadas por
forças ocultas; vidas passadas, espíritos, santos, anjos, etc.
Essas práticas ocorrem em ambiente solene, os participantes
são convidados para uma sessão de “ocultismo”, onde se processará
“regressões para vidas passadas”, portanto, chegam já pré-
sugestionadas. Algumas dessas apresentações podem ser descritas
através dos procedimentos padrões; no ambiente, com pouca luz e
invariavelmente música suave de fundo, nota-se a presença de um
palestrante que sempre vem acompanhado de mais um ou dois
parceiros. Inicialmente apresentado o “currículo” do orador e seus
pares, recheados de cursos e experiências espirituais, fala de força,
luz, energias e dizem que são, invariavelmente, envolvidos com
extraterrestres. Contam até visitas que fizeram a outros planetas,
além de declararem ser portadores de alta escolaridade, porém
geralmente também falsa. Após se elogiarem mutuamente, estão
estabelecidas nos presentes a expectativa e a fé que permitirão a
indução hipnótica que logo se processará.
O palestrante anuncia suas “convicções” em vidas passadas,
faz um preâmbulo dizendo mais ou menos que “na memória de cada
um dos presentes estão arquivadas todas as lembranças de outras
vidas, que podem ser localizadas e revividas...”.
Após alguns testes de suscetibilidade, pede-se que todos
fechem os olhos, respirem fundo e se preparem para as
“lembranças” (técnicas hipnóticas). Pede-se ainda que um dos seus
parceiros fale em uma língua estranha e supostamente antiga que
aprendera em uma de suas “experiências”. Aí se ouve uma série de
sons sem sentido, pronunciados como se fosse um idioma
desconhecido. O tom da voz é cava, suave e repetitivo (o método).
O orador pergunta aos presentes, o que aconteceu enquanto
ouviam a experiência; sentiram alguma emoção mais forte como
arrepios, calor, alegria ou tristeza? Confirma-se assim o teste de
suscetibilidade aplicado anteriormente. Nas pessoas que respondem
afirmativamente a esse último teste, será concentrado o processo de
indução, pois esses são decididamente suscetíveis. Pede-se que
262 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

novamente fechem os olhos e agora, junto aos suscetíveis, é


repetida a fala como se com eles estivesse alguém conversando.
Após alguns segundos os “regredidos” iniciam a falar também sons
parecidos com os produzidos pelo seu indutor. O orador anuncia a
consumação da regressão a uma época remota cujo dialeto não se
conhece.
O indutor transforma sua fala em cântico e inicia movimentos
de dança (sugestão indireta) e é imediatamente seguido por imitação
pelo “regredido”. A saída do transe é feita da forma convencional,
efetuando-se a técnica da contagem de um a três ou cinco, com
sugestões pós-hipnóticas de bem-estar, cura, paz, felicidade etc. De
forma proposital, o transe hipnótico é mascarado como se fosse
regressão a uma vida passada. Neste tipo de indução não se dá,
pelo menos, a oportunidade do inconsciente do hipnotizado criar
suas próprias fantasias, essas são induzidas de forma incisiva pelas
sugestões proferidas.
É importante lembrar que os idiomas não existem, são
atribuídos a civilizações extintas e desconhecidas quando não de
outro planeta, porque se induz também, nessas sessões, a presença
de seres de outro mundo! A pergunta é: porque não um idioma
conhecido? A resposta é: porque não seria do conhecimento do
indutor e nem do induzido e, ainda, poderia ser do domínio de
algumas pessoas presentes. Ficaria assim difícil iludir o hipnotizado
e convencer as pessoas com facilidade. Por outro lado, não se pode
deixar de reconhecer, mesmo nestes casos que os efeitos da
sugestão pós-hipnótica são eficazes, isto é, o ”regredido” retornará
feliz do transe, quando não curado de um mal psicossomático,
através das sugestões pós-hipnóticas que lhe são aplicadas.
Os que passam pela experiência de assumir outras
personalidades ficam fascinados quando sabem que revelaram ter
vivido como alguém bem diferente, longe de seus hábitos e da sua
própria história de vida. Com esse processo, a maioria resolve
problemas psicológicos ou de saúde que a medicina ou terapia
convencional não deram conta de sanar.
Mesmo que idéias reencarnacionistas não façam parte da
crença religiosa ou filosófica de quem pratica TVP, a eficácia da
terapia estará garantida. Mesmo que as imagens, sensações e
sentimento despertados durante o processo não sejam lembranças
reais, e sim formas simbólicas representativas do inconsciente, elas
cumprem a função de trazer à tona problemas mal resolvidos e
traumas reprimidos. Para efeito terapêutico não faz diferença se as
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 263

memórias reveladas são verídicas ou não passam de elaboração


mental.
A mente cria dramas que ajudam a enfrentar diferentes
situações. Nesta linguagem inconsciente os problemas são tratados
metaforicamente, e não de forma direta. Para criar essas metáforas,
a mente recorre a todos os seus recursos disponíveis, lembranças
praticamente perdidas, imagens de filmes, trechos de conversas
conscientemente esquecidas e até situações traumáticas apagadas
da consciência.
A maioria das doenças tratadas com sucesso pela “regressão”,
faz parte das que se manifestam a partir de “gatilhos emocionais”,
são doenças psicossomáticas, que reagem de uma maneira ou de
outra a determinadas situações emocionais. Geralmente os sintomas
são associações de crises asmáticas e outras disfunções
respiratórias, também como doenças de pele, como as dermatites e
verrugas; úlceras, hipertensão, dores de cabeça e alguns distúrbios
gastrointestinais. O importante é que a “regressão” é um potente
veículo que o inconsciente encontra para manifestar-se e produzir
cura.
Vários livros que tratam de Terapia por Vidas Passadas relatam
casos que são, em síntese, um preâmbulo de indução e finalizam
descrevendo um método indiscutivelmente hipnótico. Geralmente
quem lê esse tipo de livro, que bem podem ser nomeados de
Hipnoterapia por Regressão, sendo suscetível a hipnose revela-se
um sucesso nas sessões de regressões, pois já chegam
hipnotizados, podendo por isso até espontaneamente entrar em
transe, o que para acontecer só depende da atmosfera gerada na
sessão e pelo ritual criado para que isso se estabeleça.
Por mais que pareça não existirem elementos suficientes para
negar que, algumas situações possam ser aceitas do ponto de vista
da reencarnação espírita; é preciso que antes sejam descartados
todas as possibilidades explicativas e evitar a tendência de acreditar
na transcendência do ser humano que, parece, na sua
essencialidade vai além do corpo físico. As análises dessas
ocorrências devem ser com neutralidade de valores, mas as
respostas, em sua maioria, ficam comprometidas aos dogmas
religiosos e as convicções pessoais de quem analisam. Para muitos
não cabe explicação e sim aceitação, porque tem por base revelação
doutrinária ou intuitiva e, isso pertence a cada indivíduo em
particular.
Algumas situações despertam mais questionamentos, mas
geralmente quando a regressão antecede o nascimento, as análises
264 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

e observações indicam que, de certa maneira, os fatos descritos


foram acontecidos na própria vida do hipnotizado e que podem ser
percebidos pelo hipnotista, de forma subjetiva ou sutil. Parece que na
representação do fenômeno da regressão a vidas passadas, o
hipnotizado, inconscientemente, revela o seu próprio desejo, e ou
problemas, e ou conflitos, através de um ideário simbólico e
fantasmagórico do contido no seu inconsciente.
O inconsciente é um perfeito gravador, ao qual nada escapa,
em qualquer fase de nossa vida, registra tudo e nada esquece. Essa
afirmação é antiga, Swedenborg (1688-1772) já apontava o que hoje
é incontestável. Tudo aquilo que o homem ouve, vê e sente de
qualquer modo, fica alojado como idéias ou sensações e afins em
sua memória, ás vezes sem que se tenha ciência disso; e tudo aí se
conserva sem nada se perder, ainda que as lembranças fiquem
obliteradas em sua memória. Nela também se acham inscritos todos
os fatos particulares e íntimos que em qualquer tempo pensou, falou
ou fez. Alguns desses fatos aparecem na lembrança como uma
sombra e, não importa se ocorreram na sua primeira infância ou na
sua extrema velhice. Em transe essas lembranças com detalhes
afloram, às vezes claras, às vezes envoltas em fantasias e, assim,
também acontece quando alguém afirma sentir a sensação de já
conhecer algo que se vê pela primeira vez. Esse fato conhecido
como déja-vu (Já visto) pode ocorrer inclusive em sonhos
recorrentes, mas em ambos os casos as imagens podem ser
informações contidas no inconsciente sem a lembrança consciente.
Muitos casos de dejá vu se explicam pela memória do
inconsciente. É freqüente o caso de pessoas que, chegando a
determinado lugar, declaram que já o conhece sem nunca terem
estado lá. Na linguagem da parapsicologia isto é conhecido como
Pantomnésia.
Em princípio, os casos de regressões obtidos com hipnose não
revelam verdadeiramente vidas passadas, trata-se da imaginação
fantasiosa do inconsciente do hipnotizado. “Nada é eliminado no
inconsciente, nada é superado ou esquecido” (Freud, A interpretação
dos sonhos). As lembranças despertadas e permitidas pela hipnose
podem aparecer, às vezes, atreladas a fantasias que funcionam
como mecanismo de atenuação da intensidade dos traumas
psíquicos. São revelações simbólicas dos conteúdos reprimidos.
Este mecanismo inconsciente é também conhecido como
deliriogênia, situação capaz de transformar fantasias latentes em
bem elaborados delírios de autoreferência.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 265

Na regressão á vidas passadas obtida por indução hipnótica


deve ser questionado o mérito, isto é, se realmente é uma
manifestação de vida passada ou uma fantasia do inconsciente em
torno de um fato real da vida do hipnotizado ou simplesmente
induzido por sugestões especificas. Quando é evidente o uso da
hipnose como condição para a indução, a explicação do fato não
deve ser apenas sob a ótica religiosa ou mística. Mas, algumas
pessoas evitam se posicionar quanto à questão com afirmações de
que o importante não é a explicação e sim a cura. Estes
procedimentos parecem significar o desejo de manter alguém em
erro ou equívoco. Assim como não é justificável o argumento
daqueles que não se pronunciam sobre o assunto sob alegação de
que têm de respeitar a crença alheia. Deve sim, respeitar a crença
alheia e também a sua própria crença, a omissão pode revelar um
comportamento enganoso quando não oportunista.
São vários os casos de regressão hipnótica que poderiam ser
confundidos como regressão para vidas passadas. Entre eles, dois
podem ser citados como ilustrações: O primeiro caso é de uma
mulher de 28 anos que aparentava sentimento de tristeza e sinais de
depressão. Quando regredida, mostrava-se de forma dinâmica,
brincava, escrevia e falava como criança. No entanto, vez por outra,
durante o transe mostrava-se triste e chorosa. Perguntada sobre o
motivo da tristeza não respondia, era como se algo extremamente
reprimido estivesse a incomodá-la e, mesmo em transe, o conteúdo
de sua repressão 125 se mantinha em segredo.
Sugerida a idade fetal, assim se comportou. Sugerida que
estava com 60 anos antes de nascer, ela declara possuir outro nome
e falava como se tivesse outra vida. No entanto, ainda se mostrava
triste. Perguntado sobre a tristeza, revela que naquela suposta vida
era espancada pelo marido. Sugerida que estava com 150 anos
antes de nascer, revelava outro nome, contava outra estória de vida,
porém diz que, ainda vive triste. Novamente perguntado sobre a
tristeza, respondia que era espancada pelo marido. E, assim
aconteceu por mais uma regressão.
Após três sessões de regressão hipnótica, finalmente confessa,
seu relacionamento com o esposo é semelhante ao que teria
125
Repressão, segundo a psicanálise, é o mecanismo de defesa através do qual
um impulso ou outro conteúdo psíquico desagradável ou inaceitável é suprimido
da parte consciente da mente. É a retirada de idéias, afeto ou desejos
perturbadores da consciência, pressionando para o inconsciente. Encontra-se na
origem das neuroses e psicoses, mas, em certa medida é inevitável como na
repressão dos impulsos sexuais e de agressão, quando reprimidos permitem a
existência civilizada da sociedade humana (N. do A.).
266 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

revelado seu inconsciente durante as sessões. Assim, é plausível


concluir que suas estórias foram apenas mecanismos fantasiosos,
encontrados pela sua inconsciência para liberar o que a incomodava
(fato real) e que a moralidade social a impedia de dizer. É como se
outra pessoa, e não ela própria estivesse falando sobre os
problemas que tanto lhe incomodavam. Agora nada mais a impede
de falar do seu problema conjugal. Compreendeu seu silêncio e seu
constrangimento e resolveu lutar contra isso para mudar de vida.
Um segundo caso aconteceu com uma mulher de 32 anos que
não conseguia entrar em lojas de departamentos, principalmente se
nas lojas tivessem seção de brinquedos. Quando regredida
mostrava-se dinâmica, contudo em determinada fase entrava em
pânico, chorando e tremendo de forma convulsiva, porém não
revelava o porquê do pânico. Sugerida outra vida, ela declara está
sendo perseguida por policiais, sobre a alegação de furto.
Perguntado o que teria furtado, responde que era muito pobre e teria
furtado pão para dar a própria mãe faminta.
Após duas sessões, realiza outra e, quando regredida à sua
infância, revela que quando tinha seis anos, dentro de uma loja de
brinquedos, em companhia da mãe, furtara de dentro de uma caixa
de jogo um par de dados e que o fato só foi percebido pela mãe
quando retornaram para casa. A mãe, após puni-la fisicamente, a
teria posta de castigo para que nunca mais furtasse. Este parece ser
o motivo que inconscientemente a impedia, agora adulta, de entrar
em lojas. Essas lembranças estavam tão reprimidas que, mesmo
hipnotizada, não as revelava, só sendo permitido revelar quando sua
mente pode simular ser outra existência, e aí, sem culpa, por ser
“outra pessoa”, pode, simbolicamente, se libertar das repressões
livrando-se da culpa e da vergonha que a punia. Quando ela,
hipnotizada, dizia que “era muito pobre e teria furtado pão para dar à
sua mãe faminta”, estava na verdade se desculpando, porque
quando furtara os dados, era uma criança e não sabia da gravidade
do que estava fazendo. Ficando curada, agora nada mais a impede
de entrar em qualquer loja.
Em outras situações, os sintomas podem desaparecer apenas
com lembranças da própria infância, sem que para isso seja preciso
uma regressão à “vidas passadas”. Nestes casos a intensidade do
trauma psicológico é pequena, a pessoa hipnotizada pode relembrar
com facilidade e superar o problema que a incomoda. Exemplo disso
foi o caso de uma mulher de 34 anos que sentia pânico quando
permanecia em recintos fechados e ou escuro. Quando regrediu aos
cincos anos mostrava-se chorosa e declarava medo, dizia que
estava em um lugar muito escuro. Continuando, revela que quando
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 267

brincava com sua irmã, esta a fechou dentro de um armário durante


alguns segundos. A porta foi logo aberta, mas isso foi suficiente para
gerar muito medo. Durante o transe ficou esclarecido para ela que a
porta foi fechada acidentalmente e que nenhuma conseqüência séria
havia para se preocupar. O fato ocorrido era inconscientemente
associado quando ela entrava em recintos fechados e ou escuros.
Daí vinha seu medo injustificado, após a sessão o sintoma
desapareceu. 126
A nova tendência teórica sobre terapia hipnótica é a de que não
é necessário, após a indução ao estado de transe médio ou
profundo, nada se dizer, perguntar ou sugerir ao hipnotizado. Este
ficará imóvel, algumas vezes apresentando rigidez e contratura
muscular nas mãos, braços, pernas ou até generalizada, outras
vezes com ligeiros tremores, ou ainda, em crises de choro. Neste
estado ocorre o processo automático de curas porque assim o
hipnotizado estará se libertando de suas repressões, refazendo seus
valores e revendo sua vida.
Como pressuposto básico da cura está a pré-sugestão de que,
ao submeter-se ao processo, o hipnotizável deseja curar-se de
alguns sintomas. O principal efeito da terapia decorre do fato de que,
em transe, ele por si só entra contato com o seu inconsciente e
enfrenta os traumas conseqüentes de situações que vivenciou. Nada
de regressões, nada de sugestões, apenas o transe hipnótico.
Curiosamente era isso que acontecia nas sessões de Mesmer, a
famosa convulsão terapêutica parece que agora retorna como se
fosse novidade para a cura através da hipnose.
Sugestão desejada e indesejada
A sugestão pode funcionar negativa ou positivamente; estamos
constantemente bombardeados de sugestões de todos os tipos. Se
não absorvemos as positivas que nos fará bem, nem sempre
podemos nos livrar das negativas que certamente nos fará mal.
O indivíduo é vítima de uma brincadeira de mau gosto no
ambiente onde trabalha; quando chega de manhã ao serviço, um
companheiro o saúda com a seguinte observação: “Minha nossa,
fulano, você deve ter tido uma noite horrível, está com uma
aparência terrível”. Fulano, que se sentia bem disposto, fica surpreso
com tal afirmativa. Minutos depois, alguém comenta casualmente:
“Esta manhã você está de ressaca? Você parece mal”. Outros
colegas complementam “Veja se fulano não está com febre”. A esta

126
Sessão realizada pelo autor e publicada no Correio da Bahia, Salvador,
31.08.95.
268 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

altura fulano está sentindo-se péssimo e é provável que com a


continuação desses comentários volte para casa realmente doente.
É muito importante que as pessoas saibam identificar as
sugestões negativas e prejudiciais que possam afetá-las, bem como
é preciso localizar rapidamente a sua fonte e neutralizá-la. As
pessoas trazem cotidianamente a possibilidade de serem
contaminados por sugestões negativas, e estão quase sempre
próximas de tipo baixo astral 127 que, sem motivo justificável, estão
sempre cheios de revolta e pessimismo. Embora nem sempre se
tenha consciência de sua influência, quando este tipo está presente
é bom estar de sobreaviso. Só assim alguém pode ficar imune às
suas induções e, uma vez imune, é possível até ajudá-lo.
Ainda há pessoas que passam essas sugestões negativas de
outra forma como, por exemplo, aquelas que sempre reclamam de
tudo. Certamente podem induzir um injustificado mal-estar, assim
como falta de esperança ou firmeza de bons propósitos, ou
simplesmente afastar das pessoas próximas a tão necessária
alegria.
Se não fora a sugestão hipnótica uma força de eficiência social
cotidiana incomparável, não se justificaria a mais abrangente de
todas as indústrias modernas, a indústria publicitária, isto é, os
anúncios, que ocupam a maior parte de quase todos os órgãos de
imprensa, além dos dispendiosos patrocínios de rádio e de televisão.
Veja o que diz Admes 128 sobre as possibilidades da eficácia das
sugestões cotidianas e a lei do efeito contrário:
O que alguém diz ou pensa a seu respeito não afeta seu
inconsciente, a menos que você aceite as sugestões. Nada
entra no inconsciente, salvo se vem da mente consciente. O
jovem, ao qual se diz que ele não é bom, não será afetado por
esta afirmativa, a menos que a aceite como fato. Se for capaz
de ‘controlar’ seu fluxo de pensamento, na realidade ele terá
sua autoconfiança aumentada (ADMES).
Para esse autor, o que quer que alguém possa dizer a você,
por mais horrível que seja, poderá ser nocivo, exceto se você não
aceitar o que foi dito. Você é a única pessoa que pode prejudicar-se
e isto poderá acontecer se acreditar e aceitar as coisas

127
Baixo astral - Termo de linguagem popular que classifica pessoas que podem
influenciar outras a serem pessimistas. Indivíduo que está ou vive mal-humorado,
infeliz, queixoso, como que sob má influência astral (AURÉLIO, Buarque de
Holanda Ferreira, Novo dicionário da língua portuguesa).
128
ADMES, Paul T. Ajuda-te pela nova auto-hipnose, São Paulo, Ed. Besteseller,
1972.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 269

desagradáveis que são ditas a seu respeito. Aconselha Admes,


“você deve jogar tais coisas fora”. Esqueça-as. Deixe de reprisá-las
na mente, para que elas não se gravem no inconsciente e lá
permaneça retroalimentando sua consciência para aborrecê-lo.
Esqueça-as, e ponto final. Lembre-se que nós somos aquilo que
pensamos e que inconscientemente acreditamos ser.
Hipnose contra a vontade
É possível a hipnose contra a vontade? A resposta a essa
pergunta implica aspectos mais sutis do que pode parecer à primeira
vista. Resta saber se a vontade que tradicionalmente subordinamos
a hipnotização é sincera. Geralmente se verifica uma falta de
unidade de propósitos, ao mesmo tempo em que a pessoa quer ser
hipnotizada, não quer e vice-versa. Enquanto a vontade consciente
se opõe à experiência hipnótica, a vontade inconsciente não se opõe
ou vice-versa. O que vai determinar o êxito do processo hipnótico é a
vontade inconsciente e não o que declara a pessoa.
Quando as pessoas enfrentam o hipnotista com propósitos de
desafios, chegando a ponto de apostar, geralmente são ótimos
hipnotizáveis. Trata-se de indivíduos no fundo desejosos de passar
pela experiência hipnótica e sua atitude desafiante não passa,
geralmente, de um reflexo da convicção íntima de sua
suscetibilidade. É, muitas vezes, um expediente provocativo de um
masoquismo disfarçado.
A hipnose pode ainda colher a pessoa de surpresa, não lhe
dando tempo para usar a própria vontade. Pode ser tão sutil que as
pessoas envolvidas (hipnotizador e hipnotizado) não se dão conta do
processo e, neste caso, quando começam a se dar conta da
situação, já está no transe. Muitos declaram “não estavam preparado
para uma situação tão fulminante. Tudo se deu de uma maneira tão
inesperada e rápida”.
A hipnotização contra a vontade do hipnotizável é tanto mais
fácil quando se trata de pessoa anteriormente hipnotizada, e
havendo uma sugestão pós-hipnótica no sentido de voltar ao transe
a um dado sinal ou condição, ou circunstância, a possibilidade de
resistir é mínima.
Não é difícil sistematizar uma conjectura plausível para analisar
as possibilidades de uma indução, a princípio, contra vontade do
induzido. Imagine um sujeito insistente que, se não for repelido de
imediato, poderá conseguir seu intento. Isto se aplica ao tipo na
270 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

linguagem popular conhecido como conversa mole, 129 geralmente


ignorante e brincalhão, ou ainda, mentiroso, coitadinho ou sonhador,
mesmo assim, com todas essas “qualidades”, consegue convencer
pela insistência. Convence, embora depois de revelar-se
inteiramente, e não sendo portador dos atributos desejados, suas
idéias são rejeitadas. Esse processo de indução pode ocorrer de
duas formas:
Primeiramente, se o elemento de convicção apresentado for
suficientemente forte, neste caso, a ação será instantânea, não
dando tempo de a pessoa refletir sobre seu consentimento ou
conseqüências disso. Mas, admitindo-se que isso não ocorreu
porque os argumentos não foram claramente válidos; fica no ar a
dúvida permitindo uma segunda oportunidade, quando voltará o
hipnotizador a insistir no seu firme propósito, a tendência é, a cada
vez que reaparece, ser mais convincente, porque quem dá a
segunda oportunidade está, por qualquer motivo que lhe interesse,
consciente ou inconscientemente, querendo acreditar. Assim
acontece com o vendedor que insiste muito na venda, se não for
rápido e energicamente repelido, poderá convencer o “cliente”,
mesmo sendo o produto, objeto da venda, de má qualidade e de alto
custo. Esses exemplos são possibilidades de induções hipnóticas
que passam despercebidas no cotidiano da vida das pessoas.
Sugestão hipnótica no cotidiano
Em qualquer momento somos acessíveis à sugestão e para
justificar esta afirmativa basta lembrar que somos inclinados ao
comportamento imitativo. Este comportamento é evidente quando,
em meio a uma multidão, alguém começa a tossir, não demora muito
e várias pessoas também tossem compulsivamente, sem motivo
orgânico que justifique. Ocorre também a sugestão, quando um
comercial de televisão anuncia um alimento com deliciosa aparência
e, de repente, aparece nos telespectadores vontade de comer. Tudo
isso prova o quanto somos sugestionáveis e isso significa que se nos
aprofundarmos em uma idéia estaremos a um passo da irresistível
compulsão hipnótica.
Somos passíveis de sugestão o tempo todo, mas se a sugestão
não for boa e não for rebatida pelo nosso senso crítico, dela não nos
livramos. A mente consciente possui o que denominamos “senso
crítico” que é um filtro para que possamos ou não aceitar as variadas
129
Conversa mole - Termo de linguagem popular que classifica pessoas que
utilizam argumentação sem procedência ou sentido. Conversa sem nenhum
resultado prático; conversa vazia, oca, conversa fiada, lero-lero, leréia (AURÉLIO,
Buarque de Holanda Ferreira, Novo dicionário da língua portuguesa).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 271

sugestões diárias. Quando este senso crítico é relaxado, perdemos o


poder de julgar e discernir.
Quando a mente consciente está relaxada, as sugestões
seguem diretamente para o inconsciente e, este, literalmente aceita
as sugestões. Se você estiver relaxado, e sugerir a si mesmo que
sentirá as mãos pesadas como dois blocos de chumbo, suas mãos
começarão a sentir tal peso. Se você estiver em estado normal, com
seu senso crítico em pleno funcionamento, isto não acontecerá. Sua
mente consciente fará o julgamento e dirá que “minhas mãos não
são dois blocos de chumbo, portanto, não sinto tal peso”. Mas,
quando a mente consciente está relaxada, a sugestão transforma-se
em realidade. Neste caso, vê-se o que não existe, sente-se o que
não acontece, e acredita-se no absurdo, até que o senso crítico volte
a atuar, ou seja, até se tomar consciência da realidade. Isto, às
vezes, demora a vida toda, porque o inconsciente, através de uma
realimentação constante, poderá estar sempre convencendo, de
forma enganosa, a consciência.
Não raramente a hipnose pode ser exercida sem o
conhecimento do hipnotizado, como também sem o conhecimento do
próprio hipnotizador. Algumas pessoas ignoram suas qualidades de
hipnotizadores, mas hipnotizam mesmo sem saber como. Entre
esses hipnotizadores podem ser encontrados até elementos
analfabetos e ou desprovido de respeitabilidade social. Weissmann
reforça essa posição descrevendo sua experiência:
Lembro-me de um paciente, um recluso, homem rústico e
analfabeto, que acompanhado de ficha antropológica bastante
desfavorável, apresentou-se em meu gabinete de psicologia.
Na ficha constava que o preso conseguira evadir-se
engenhosamente de diversos estabelecimentos penais.
Interrogado, o próprio detento confiou-me o segredo de sua
técnica fugitiva. Angariava a confiança dos guardas da prisão,
convencendo-os de que possuía uma reza secreta capaz de
‘endireitar-lhes’ a vida. Bastava que eles (guardas)
compartilhassem de sua fé e participassem com sua presença
de uma reza. Na própria cela, o presidiário improvisava o altar,
com uma simbologia: velas de cabeça para baixo, objetos
estranhos de toda ordem e mais os retratos dos guardas a
serem ‘beneficiados’. Estes últimos, dispostos em semicírculo,
assentados, recebiam do detento uma colher de água com
açúcar, além da recomendação de fecharem os olhos e se
concentrarem mentalmente, enquanto ele (detento) orava em
voz baixa. Passados poucos minutos, os guardas, assentados,
de fuzil em punho, entravam em transe, permitindo assim ao
preso subir à janela, serrar a grade e fugir. Quando os policiais
272 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

acordavam, o fugitivo já estava longe da prisão


(WEISSMANN).
Diz ainda Weissmann, o preso aplicou nos guardas do presídio
um engenhoso método de indução hipnótica, mesmo sem nunca ter
ouvido sequer a palavra hipnotismo em sua vida. E, no entanto, sua
técnica aplicada no fato narrado foi correta, baseada na atenção
concentrada, ou desviada, como diria Gindes, na fé e na expectativa.
Quando Weissmann 130 perguntou ao preso a que ele atribuía o
fato de os soldados terem dormido assim, profundamente, de fuzil na
mão, ele respondeu: “É a minha reza que tem esse poder”. O preso
trazia a prece numa pequena bolsa de couro pendurada ao pescoço.
Determinados indivíduos hipnotizam inconscientemente e até
possuem perfis de comportamentos definidos que revelam seus
métodos de indução. Entre eles, podem ser observados, pelo menos,
três tipos: o mentiroso, o coitadinho, e o sonhador.
O mentiroso engendra uma série de mentiras sobre fantásticas
fantasias e apresenta como se fossem verdades. Para isso primeiro
se convence de suas elucubrações e, uma vez convencido, será
suficientemente convincente a ponto de envolver alguém de seu
interesse em suas infundadas estórias. Por incrível que pareça,
algumas pessoas diante desse tipo podem perder o senso crítico,
quando ouvem repetidamente suas mentiras, invariavelmente,
aceitam como verdades. Isso acontece através de um processo de
indução cujo efeito se assemelha à hipnose. Neste processo quando
as pessoas se dão conta da realidade e, às vezes, nem se dão, já
estão envolvidas nas mais absurdas odisséias.
O coitadinho é o tipo que se caracteriza pela lamúria de vida,
revela-se, mesmo sem motivo plausível, como sendo uma pessoa
sempre muito frágil, perseguido pela família, geralmente com
dificuldades insuperáveis, mal compreendido ou mal amado,
severamente injustiçado por tudo e por todos. Geralmente revela-se,
falsamente, como religioso quando afirma que só Deus o ajudaria na
solução dos seus problemas. É aquele que, em síntese, quando quer
convencer alguém fica, o máximo de tempo que pode, diante dessa
pessoa e sempre afirmando coisas como: “ninguém me quer,
ninguém me liga, coitado de mim, meus sonhos são impossíveis, não
sei se digo, não sei se choro, só Deus pode me ajudar, etc.”. Com
isso, atingem a sensibilidade afetiva e o sentimento de proteção

130
Segundo sua autobiografia Weissmann foi hipnotista de palco e de gabinete,
trabalhava, na década de 40, como psicólogo na Penitenciária de Neves, no
Estado de Minas Gerais (N. do A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 273

latente nos indivíduos e, assim, estes desviam sua atenção da


realidade para concentrar-se apenas na obstinada e hipnótica
vontade de ajudar o “coitadinho” convencido de que é seu maior
protetor. Convencido de que é aquele Deus que o amigo precisa.
Nessa condição de proteger, inconscientemente, deixa-se ser usado
até que ocorra se e quando ocorrer, o restabelecimento do seu
senso crítico. Só nesta oportunidade é que poderá “acordar”,
arrependido, sem compreender como pôde ser usado de forma tão
injustificável.
O tipo sonhador é o que menos lógica requer da pessoa com
quem se relaciona. Consegue aniquilar o senso crítico do amigo,
parentes e conhecidos, através da hipótese do maravilhoso e do
sonho. O mundo fantástico e sem problema é seu abre-alas, defende
como verdade a utopia, ama a natureza e seus elementos; o mar, o
sol, o luar, a terra, as matas e os animais que são freqüentemente
evocados em suas argumentações como símbolos de pureza e
inocência. Com isso, convenhamos, não tem quem resista; a indução
hipnótica se perfaz rapidamente. Leva o sonhador a “viajarem”
consigo pessoas as quais consegue tirar da realidade para
embarcarem nas suas irresistíveis fantasias.
É importante lembrar que nem sempre o mentiroso sabe que é
mentiroso. Assim como o coitadinho nem sempre acredita que ele
mesmo seja tão sofredor como se revela. E o sonhador quase nunca
acredita nos seus próprios sonhos. Todos eles, no entanto, se fazem
acreditar pelas pessoas que podem, verdadeiramente, acreditar nos
seus argumentos, isto é, as pessoas são literalmente convencidas
por esses tipos de hipnotizadores a acreditarem, hipnoticamente, em
situações que eles mesmos geralmente não acreditam.
Muita gente pode ser hipnotizada sem saber, assim como quem
hipnotiza nem sempre sabe que utiliza um método hipnótico, ou sabe
o que é hipnose. Mas, se esse hipnotizador inconsciente consegue
reunir “qualidades” que se somem como, ao mesmo tempo, ser
mentiroso, coitadinho e ainda por cima sonhador, suas investidas
são terríveis; neste caso, ou se rebate de logo ou será fatalmente
induzido na sugestão, porque o rapport será facilmente estabelecido.
Pessoas entram em hipnose espontânea praticamente
centenas de vezes, dependendo da idade algumas ficaram em
transe vários dias, embora tais situações não sejam denominadas
hipnose. Sobre estes estados espontâneos da hipnose, diz o Griffith
Williams. 131

131
WILLIAMS, Griffith. Experimental Hypnosis, Nova York, ed. Macmillan, 1956.
274 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Sonhar acordado nada mais é do que um estado hipnótico,


talvez leve, talvez profundo. Quando nos concentramos
bastante em alguma coisa, tal como na leitura de um livro, em
um filme ou um programa de televisão ou até mesmo no
trabalho, tendemos a entrar em transe (WILLIAMS).
Estbrooks 132 vai além e diz que: “é até provável que o estado
de hipnose ocorra sempre que experimentamos uma forte emoção,
como medo, raiva, ou paixão”. M. LeCron 133 estende o estado de
hipnose para as atividades comuns do cotidiano e, sobre isso diz:
Quase todos os motoristas lembram-se de situações que
estimulam a hipnose - viajando na estrada deserta, relaxados
no volante, olhos presos na faixa branca da estrada, o ruído
monótono do motor, e de repente percebem que já passaram
por uma cidade, mas não se recordam de tê-lo feito. Estiveram
em hipnose, experimentaram sintomas de amnésia e depois
despertaram por conta própria (LeCRON).
Quando alguém está aprendendo a dirigir um automóvel, não
consegue definir bem o que fazer na seqüência dos procedimentos
para pôr o veículo em movimento e, quanto mais deseja, menos
acerta. No entanto, quando se acha capaz de dirigir suas atitudes
fluem automaticamente, é capaz de dirigir por longa distância sem se
dar conta de como está fazendo isto, são seus procedimentos de
motorista realizados inconscientemente, vira a curva, passa
marchas, enfim, faz tudo muito bem, sem se dar conta de como está
fazendo. Todo comportamento realizado mecanicamente é
inconsciente.
O processo hipnótico pode ser construído em um indivíduo
desde a sua infância; como exemplo, se uma criança não se adapta
bem nos estudos e, o pai ou a mãe ou até mesmo uma incompetente
professora, a repreende várias vezes, com comentários do tipo “você
é incapaz de aprender”, é possível que a criança aceite tais
observações, acredite nelas e então se torne incapaz de aprender
com facilidade mesmo sendo inteligente. Também ocorre se, durante
a vida, alguém diz repetidas vezes que “você só consegue fazer
bobagens” e a pessoa que ouve aceita estas idéias, alimentando
com elas o seu inconsciente, isto resultará em um terrível complexo
de inferioridade.
Assim também acontece se alguém ouve de vizinhos, amigos e
parentes que ele é um indivíduo bom e agradável e que tem bom
futuro, disto resultará o êxito certo. Quando essas idéias são aceitas,
132
ESTBROOKS, G. H. Hipynotism, New York, Dutton, 1943.
133
LeCRON, Leslie M. Auto-hipnose. ed. Record, 2. Ed., Rio de Janeiro, 1979.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 275

alimentam o inconsciente e este realimentará de volta a consciência.


Porém, essas sugestões podem ser novamente processadas. O
inconsciente pode ser alcançando e convencido corretamente, isto é
desipnotizar 134 ou hipnotizar para retirar sugestões negativas
instaladas no inconsciente.
Algumas pessoas foram sugestionadas com idéias repetidas
por longo tempo e disso resultam comportamentos inexplicáveis
como alguns hábitos e superstições. Como explicar o
comportamento supersticioso, de que até os mais céticos são
portadores, se não for pela compulsão inconsciente? 135 Como se
explica, ou como se justifica o fato de que muitas pessoas não
vestem determinada roupa, ou de determinada cor, não passam por
baixo de escada, acreditam, entre outras coisas, que gato preto
provoca azar, ou que pé de coelho provoca sorte. Estas situações,
dependendo do nível de crença do supersticioso, até se tornam
realidade. Isto só se justifica, porque durante o processo histórico de
vida, essas idéias foram alojadas em seu inconsciente e passam a
determinar suas ações.
Na vida cotidiana ocorrem situações que reproduzem os mais
engenhosos expedientes da hipnotização, mostrando assim que a
hipnose é efetivamente um estado normal e bastante comum. Roger
Bernhardt 136 sintetiza essa questão fazendo-nos algumas perguntas
cujas respostas para ele podem representar o fato ter ocorrido um
transe hipnótico:
1. Se você, em alguma ocasião, já experimentou a sensação de se
ter desligado de tudo enquanto lia um livro, ouvia uma música,
assistia a uma peça ou filme - você pode dizer que esteve
hipnotizado.
2. Se você, alguma vez, se encontrou perdido em pensamentos ou
se esqueceu por um momento de onde estava ou mesmo não
ouviu quando o chamaram pelo nome - pode dizer que já esteve
hipnotizado.

134
O ato de desipnotizar é chamado de anipnotizar, do grego an hypnotizó.
Significa acordar, sair do sono ou anular o seu efeito (N. do A.).
135
Na psicanálise, compulsão inconsciente se refere ao conjunto dos processos e
fatos psíquicos que atuam sobre a conduta do indivíduo, mas que escapam ao
âmbito da consciência e não podem ser lembrados por esforço da vontade
consciente (N. do A.).
136
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. Rio de Janeiro, ed.
Record, 1978.
276 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

3. Se você, em alguma ocasião, se apaixonou perdidamente,


permanecendo cego aos desejos de outra pessoa a ponto de não
dar ouvido a mais ninguém - pode dizer que já esteve
hipnotizado.
4. Se você, em algum momento, se sentiu como que transportado
durante suas orações - então, você já esteve hipnotizado.
Visto assim, o transe hipnótico é um fenômeno muito normal, as
pessoas de alguma forma já passaram por estes processos
espontâneos da hipnose. Sendo um processo natural, não tem
justificativa para sustentar a apreensão ou o medo de ser hipnotizado
ou de utilizar a auto-hipnose em seu próprio benefício. Além disso,
conhecendo seus mecanismos estará protegida para não sofrer
induções hipnóticas que não sejam plenamente desejadas.
Hipnose na Mídia
A hipnose pode ser observada também na propaganda através
dos diferentes veículos de comunicação, agindo de forma consciente
ou inconsciente na vida das pessoas, em seus mais ínfimos
detalhes. O processo hipnótico pode ocorrer na mídia como
estratégias de marketing, 137 induzindo a moda, estabelecendo
preferências de consumo ou implantando ideologias. O fato é que
esses mecanismos hipnóticos podem afastar das ações humanas a
autocrítica.
Os efeitos hipnóticos podem se revelar como atos coletivos
compulsivos e, às vezes, até fanáticos, característicos no
comportamento de indivíduos bastante sugestionados. A mídia,
através de mecanismos sutis de sugestão, pode colocar grande
contingente humano em situações próxima ao transe hipnótico.
Uma agência publicitária apresenta produtos na tevê e, para o
convencimento de seus consumidores, utiliza platéia durante o
comercial. A platéia, após a apresentação aplaude efusivamente o
apresentador, isso pode até ser ridículo, mas funciona, porque
exerce nos telespectadores o efeito da sugestão por comportamento
imitativo. Equivale a dizer que, se algumas pessoas correm sem
motivo em uma direção, várias outras farão o mesmo,
inconscientemente, sem saber por que estão também correndo.

137
Na década de 1950, surge o conceito de marketing, um sistema destinado a
promover e distribuir produtos e serviços para compradores atuais e futuros. Com
a disputa entre as marcas de Coca-Cola e Pepsi, a primeira até então líder de
mercado, as empresas passaram a procurar novas linguagens de comunicação
com seus clientes. As pessoas se decidiam pela compra de uma marca estimulada
por truques de marketing (N. do A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 277

Assim também é quando alguém fica no meio da rua olhando para


cima, mesmo sem ver nada; várias outras pessoas vão imitá-la sem
saber por que, ou para o quê estão olhando.
Outra forma de sugestão é através do convencimento com o
uso de sofismas. Para evitar o senso crítico das pessoas e
convencê-las a desempenharem tarefas difíceis e injustificadas, elas
são bombardeadas com perguntas do tipo: Você está satisfeito com
o que tem? Você tem tudo que precisa para viver bem? Você quer
passar a vida toda trabalhando? Obviamente a resposta será não,
tanto para quem pergunta como para quem é perguntado, mas assim
estará quebrada a resistência dos mais suscetíveis, sendo estes
facilmente induzidos para aceitarem a próxima idéia que é falsa ou
pelo menos duvidosa, porém é um sofisma. Por terem sido induzidos
através de verdades a dizerem “não”, quando lhes é formulada a
próxima pergunta bem que poderiam dizer “sim”, mas perdem o
senso crítico e afirmam “não”.
Através de palavras uma pessoa pode ser induzida a erros,
pode até falar ou concordar com absurdos. Como exemplo disso
pergunta-se a alguém; “se você for picado no braço por um inseto,
pode surgir um calombo ou um colombo?” Não importa a resposta,
ato continuo pergunte; “quem descobriu o Brasil?” Mais de 80%
incidem em erro, a resposta convicta será, “Cristóvão Colombo”.
Para colocar em prática seus objetivos, a dominação social
utiliza à mídia de forma indiscriminada, destruindo o que a população
deveria possuir de melhor, o seu senso crítico. Manifesta como se
fossem de interesse geral seus próprios interesses, impedindo os
grupos subalternos de visualizarem sua real situação e de
exprimirem suas próprias aspirações. Interesses particulares são
transmitidos como se fossem acontecimentos naturais, como se não
tivessem sido decididos por mentes de dominadores. Um dos
maiores êxitos da classe dominante consiste em conquistar adeptos
entre suas próprias vítimas através da propaganda.
A propaganda transforma o nosso corpo em um receptor de
consumo para os mais variados produtos, seja para melhorar o
cabelo, o tipo de roupa, sejam as próprias formas do corpo. Através
da publicidade é criado o homem da moda, a mulher da moda, o
nome da moda, tudo tem a sua própria moda e, em função disso, as
pessoas são, com freqüência, compelidas pela propaganda a
mudarem sua própria forma de apresentação pública. Essas atitudes
e comportamentos passam a ser planejados e executados por uma
grande maioria que agem, diante dos olhos das pessoas que os
278 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

vêem ou que desejariam que os vissem, como se fossem atores


representando papéis ditados pela propaganda.
De forma subliminar, 138 a mídia determina atos sociais
coletivos, que passam a ser materializado nas pessoas, pelas
preferências de marcas de bens de consumo, nas formas de
vestirem-se, na expressão do corpo, ingerindo medicamentos em
bases sugestivas e efetivando aquisições de objetos supérfluos.
Diante da televisão até os sentimentos das pessoas mudam, passam
a ser ora agressivos, ora complacentes, tudo de acordo com as
novelas e as reportagens que assistem. Tudo isso só acontece se as
pessoas acreditarem ou aceitarem como verdade o que lhes foi
sugerido; mas aceitar ou acreditar pode ser resultado de um
processo sugestivo induzido, portanto hipnótico.
O exemplo mais convincente da eficácia do poder da sugestão
é o hipnotismo de marketing dos modernos processos publicitários.
De acordo com as sugestões da propaganda, as ações populares
passam a corresponder aos componentes objetivos da indução, isto
é, conforme as mensagens publicitárias que desencadeiam atitudes
inconscientes. Na propaganda, os conceitos subliminar e hipnótico
são coincidentes, ambos baseados em estímulos abaixo do limiar da
consciência, sendo exatamente esses estímulos que produzem os
efeitos hipnóticos.
A propaganda permanece adormecida num estado subliminar,
além do limite da atenção consciente ou da memória. As rápidas
intuições que geram decisões de consumo são frutos da propaganda
subliminar. Neste sentido, afirma Weissmann:
Já existem sistemas de publicidade, sobretudo, a chamada
publicidade indireta. Capazes de criar no ânimo dos
consumidores um desejo irresistível e às vezes inconsciente de
adquirir determinados produtos, deixando-os num estado que
se avizinha bastante da hipnose (WEISSMANN).
Como afirma Mc Luhan “os anúncios não são endereçados ao
consumo consciente. São como pílulas para o inconsciente, com a
finalidade de exercer um feitiço hipnótico”. Estas mensagens que
pouco a pouco levam à adesão constituem a Propaganda Subliminar
através da Multimídia.
A Propaganda Subliminar surge na década de 50 nos Estados
Unidos, e esse tipo de publicidade foi reconhecido no início como

138
Subliminar - define um estímulo aos órgãos dos sentidos que não é
suficientemente claro para que o indivíduo fique consciente de sua existência,
mas, inconscientemente, atua para alcançar um efeito desejado (N. do A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 279

Hipnotismo Comercial. Tratava-se de uma nova entidade publicitária


chamada Subliminal Projection Company Inc., que utilizava uma
engenhosa projeção inconsciente que consiste na apresentação de
frases-relâmpago. Embora a mensagem seja imperceptível à visão
consciente dirige-se ao inconsciente, tal como faz o hipnotizador.
Weissmann, referindo-se à propaganda subliminar, acrescenta o
comentário:
Assusta pensar, o partido que um Hitler ou um Stalin poderiam
tirar de tal invenção. As autoridades da Comissão Federal de
Comunicações do Governo de Washington foram alertadas
para evitar possíveis abusos dessa inovação, ou melhor, desse
aperfeiçoamento da velha técnica publicitária, a qual, pela sua
própria natureza tem de ser sugestiva (WEISSMANN).
Uma matéria publicada no Jornal Sunday Times de Londres,
em 1956, sob o título Sales Through the Subconscions - Invisible
Advertisement passaria despercebida se Vance Packard, professor
de jornalismo em New Canaan, não lançasse sua obra The Hidden
Persuaders, comentando o assunto e desencadeando interesse por
esse tipo de propaganda.
O livro de Packard não tinha a preocupação de relatar com
exatidão ou de pesquisar com rigor científico. Apenas descreve
superficialmente os efeitos subliminares experimentados em um
cinema de Nova Jersey, nos Estados Unidos, em 1956, quando Jim
Vicary incluiu mensagens por frações de segundos, durante várias
sessões do filme Férias de Amor, insinuado o consumo de produtos
sem que os espectadores percebessem conscientemente.
Packard desencadeou a polêmica em torno do tema, mas
faltavam maiores dados, como, por exemplo, a descrição da tal
técnica e o responsável pelo seu desenvolvimento. Só, em 1963,
outro livro, Técnicas de persuasão: da propaganda à lavagem
cerebral, de J. A. C. Brown, vem acrescentar novos dados sobre
esse histórico experimento, descrevendo melhor o processo que
aconteceu na cidade de Nova Jersey:
Jim VICARY instalou em um cinema de Nova Jersey um
segundo projetor especial, o qual projetava intermitentemente
na tela frases como “Beba Coca-Cola” ou “Coma Pipoca”. Com
este experimento observou-se que houve o aumento da venda
da Coca-Cola em 57,7% e da pipoca de 18,10% (BROWN).
Um segundo projetor utilizado por Jim Vicary, o taquicoscópio,
é comparado a um tipo de projetor de slides que projeta um único
slide na velocidade 1/3000 de segundo. No cinema, fora colocado ao
lado do projetor do filme, cuja projeção era ao ritmo de 24
fotogramas por segundo, e ficava repetindo a imagem sobreposta ao
280 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

filme, a cada cinco segundos, para dar a ilusão de movimento. Com


isso, as palavras eram projetadas tão depressa que a mente
consciente não as podia perceber.
Esta técnica pode ser muito mais fácil de produzir com as
novas tecnologias, como exemplo, se utilizada em gravações de
comercias para tevê através de mídias eletrônicas como CD,
videogame ou softwares de computador. Assim, a projeção
subliminar visual em velocidade taquicoscópica é uma forma de
propaganda invisível que pode ser empregada no cinema e na
televisão. Pode ainda ser adaptada em programas de computador ou
outras formas de recursos similares. Evidencia-se, igualmente, que
os conteúdos destas mensagens podem variar desde a manipulação
na venda de produtos, até o uso clínico, à semelhança de sugestão
pós-hipnótica, para emagrecer ou parar de fumar.
Wilson Bryan Key pesquisou as bases fisiológicas para a
compreensão dos fenômenos e processos subliminares, na obra
Subliminal Seduction. Ele explica que os cursos de leitura dinâmica
baseiam-se na recepção de mensagens sem o crivo crítico da
consciência. Tudo que é visto, ouvido ou sentido sem a crítica da
consciência é armazenado no inconsciente e lá permanece de forma
subliminar.
Costa 139 afirma que todo discurso gráfico é subliminar, citam
como exemplo a ordenação dos textos, a diagramação, escolha da
família das letras, cor de tinta, tipo de papel, em suma, toda a
produção gráfica e editoração criam a imagem da empresa, a
identidade visual táctil do veículo. Na programação visual subliminar
pode-se orquestrar uma campanha publicitária abrangendo todas as
formas de comunicação visual com efeitos subliminares planejados,
veiculando a mesma mensagem em diversas mídias: cinema,
televisão, jornal, revista, quadrinhos, outdoors, placas de lojas, etc.
As mídias são subliminares... O metrô é subliminar. Os
shopping centers são subliminares. As lanchonetes modernas
todas paginadas, do hamburguer à roupa do cozinheiro, são
subliminares no seu efeito, no seu apelo, na sua sedução. Por
que você sempre volta ao McDonald’s, mesmo depois de
perceber que pesa, que é difícil de digerir? (COSTA).
Wilson Bryan Key foi quem melhor desenvolveu um método
para detectar mensagens dentro da mensagem principal. Para ele,
ante um anúncio publicitário ou ante qualquer imagem suspeita de
apresentar no seu conteúdo mensagens subliminares, deve-se,

139
COSTA, Mauro S. R. Alice no país subliminar, Folha de São Paulo, 9/10/84.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 281

primeiramente, tentar relaxar ao máximo, para então deixar o olho


percorrer lentamente, sem destino e sem focar nenhuma área de
interesse específica, toda a imagem, diversas vezes, observando
cada linha, sombra ou canto. Sugere que uma segunda leitura deve
ser crítica e checar cada mínimo detalhe da imagem, cada cenário,
cada borrão ou sombra ou reflexo em vidros, dobras de tecidos,
nuvens no céu, manchas em paredes e todo o padrão pode parecer
de forma confusa, irregular e caótica, cuja desordem aparente serve
de camuflagem e disfarce para uma imagem subliminar. É nessa
segunda leitura que se presta o máximo de atenção a tudo que
possa parecer sem importância.
Segundo Key, o anúncio publicitário é desenhado para ser lido
em um ou dois segundos, pois ninguém compra uma revista e lê
todos os anúncios. As pessoas folheiam revistas e pulam os
anúncios, no máximo lendo de relance os títulos. O mesmo se passa
com os cartazes e outdoors; são planejados e diagramados para
uma leitura instantânea, os detalhes de fundo dos desenhos ou fotos
nem são olhados, sendo os fundos subliminares captados pela visão
periférica, o canto do olho. Logo, uma boa quantidade de informação
entra pela visão periférica, percebida e registrada num golpe de vista
de um segundo.
Para Key, o efeito subliminar não começa em um ponto
estatístico invariável para qualquer receptor da mensagem; pelo
contrário, a percepção de subliminares pode mesmo ser consciente,
dependendo do grau de destreza do público. Os limites de percepção
consciente variam de pessoa para pessoa, variam também de
acordo com o sexo, a idade, o grau de instrução e o nível cultural.
Todas essas variáveis são condicionantes subliminares; precisam
ser levadas em consideração ao se confeccionar as mensagens
subliminares.
Em seu livro, Key apresenta fotografias contendo os
subliminares embutidos e, para fundamentar, remonta até a arte
grega. Conta que foi no século XVI que o italiano Giuseppe
Arcimboldo (1527-1593) desenvolveu uma técnica sistematizada,
denominada efeito Arcimboldo, que consistia em combinar elementos
diversos para formar a imagem da face dos aristocratas da época.
Arcimboldo desenvolveu uma linguagem visual própria onde conchas
representam orelhas; um joelho curvado forma um nariz. Foi ele
quem apurou a incrível técnica de implantar mensagens dentro de
mensagens. Visto de longe ou de relance, um retrato é um rosto
comum; visto de perto ou detalhadamente com a atenção
concentrada, apresenta-se como um discurso visual subliminar de
282 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

alta complexidade. Key explica uma forma de imagem embutida,


abordando as anamorfoses:
Anamorfose é uma técnica de distorção de imagens visuais
percebidas apenas no nível inconsciente. Pode ser definida como
uma imagem intencionalmente deformada ou produzida por um
método que a torne irreconhecível, a não ser que seja vista de certo
ângulo ou com um dispositivo ou condição do observador que a
reconstitua:
Holbein retratou Jean de Dienteville, embaixador da França, e
seu amigo, o bispo Georges de Selve. Os dois nobres são
retratados cercados de objetos, artefatos de comércio, ciência
e arte, arrogantes aparentam poder. Contudo, observado por
quem entra pela direita no salão de baile onde o quadro é
exposto, em um ângulo de 5 a 10 graus, surge o vislumbre de
uma caveira humana, “subliminar” (KEY).
Tanto quanto os recursos visuais, a tecnologia subliminar
recorre também aos sonoros e é possível ser aplicada em processos
de aprendizagem. Por exemplo, o aparelho que ensina as pessoas
quando estão dormindo, pois a lição é gravada e um fone toca
subliminarmente sob o travesseiro.
A engenharia de emoções tem o objetivo de alterar o
comportamento sem a consciência do receptor, que é manipulado
subliminarmente por sons, cores e imagens. A pessoa é manipulada
inconscientemente, recebendo a mensagem pela visão e pelo
ouvido, atingindo o inconsciente para estabelecer uma sugestão de
efeito pós-hipnótico.
O efeito da música e todos os seus elementos, sons, ritmos,
melodias e harmonias, se tornam aliadas no processo de indução ao
transe. A melodia, por sua vez, está ligada à efetividade, podendo
levar o ouvinte a estado de alegria, relaxamento, nostalgia etc. As
utilizações dos mantras, sons vocalizados por hidus, budistas e
yogues, por ser repetitivos e monótonos podem exercer um poderoso
efeito hipnótico.
As cores têm efeitos subliminares psicossomáticos, elas entram
pelos olhos, pela consciência e, sem serem percebidas, alcança
regiões subliminares onde funcionam hipnoticamente, cada uma
gerando uma emoção diferente; conseqüentemente, o emprego
errado de cores ou sua má articulação com áudio, vídeo, olfato, tato
ou paladar pode anular completamente os resultados de uma
orquestração subliminar multimídia. A cor tem seu significado;
mesmo que não seja consciente, pode induzir a escolha de uma
embalagem na prateleira de um supermercado, pode levar o
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 283

empregado a trabalhar mais tranqüilamente, pode curar a pressão


arterial ou ser relaxante.
Segundo Roth, 140 o organismo psíquico é sensível às
vibrações das cores. O vermelho estimula a iniciativa; o azul celeste
acalma o ímpeto; o roxo cura; o verde agrada porque desperta paz e
harmonia; o alaranjado ilumina o pensamento e favorece a
criatividade; o amarelo penetra dando convicção sobre determinada
idéia; o cinzento amortece as iniciativas; o violeta elimina vontades, o
castanho repousa e descansa eliminando o estresse; o cor-de-rosa
desenvolve sensações de paz. Uma imagem onde aparecem cores
básicas se sobrepondo em degradê desperta atenção, curiosidade e
concentração na mensagem subseqüente e, isto já é usado em
mídias visuais.
O merchandising, 141 também, é subliminar. O termo assume
vários significados dentro das diferentes áreas do marketing, da
propaganda e da publicidade. De uma maneira geral, o conceito é
aplicado de acordo com os profissionais que o manipulam. Na
verdade, esta técnica de se veicular um produto ou serviço embutido
em outra mensagem, ou seja, mensagem dentro da mensagem,
rotulada de merchandising já é antiga; segundo o publicitário Jorge
ABID, apareceu nos anos 20, quando o governo americano teve uma
super safra de espinafre e, criando o Popeye, acelerou o consumo
entre crianças.
Para Flávio Calazans, com as quantias absurdas gastas com o
merchandising, começaram a surgir mega contratos para filmes, já
que contavam com todo o custo operacional pago por multinacionais,
surgindo também os primeiros investimentos nas novelas, ampliando
as áreas de sua extensão e alcance. Incluía-se determinado produto
no meio das novelas, sendo “naturalmente” usado pelas
personagens. São tantos produtos que são lançados nas novelas,

140
Ernest ROTH. Métodos para hipnotizar In: As cores do hipnotismo, Rio de
Janeiro, Tecnoprit, 1968)
141
O conceito de merchandising é diferenciado entre autores: A) Convencionou-se
chamar de merchandising em propaganda a aparição dos produtos no vídeo, no
áudio ou nos artigos impressos, em situação normal de consumo, sem declaração
ostensiva da marca (TAHARA, Mizuho. Contato imediato com a mídia). B) Nova
modalidade de comercialização de espaços sem o rótulo da propaganda. Batizou-
se a idéia como Merchandising (SIMÕES, Roberto. O que é merchandising?
Revista Marketing). C) Compreende um conjunto de operações táticas efetuadas
no ponto de venda, para se colocar no mercado o produto ou serviço certo, na
quantidade certa, no preço certo, no tempo certo, com impacto visual adequado e
na exposição correta. É basicamente o cenário do produto no ponto de venda
(COBRA, Marcos. Administração de marketing).
284 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

através do recurso do merchandising, que viram moda e se difundem


numa sociedade voltada para a mídia, provando a massificação dos
meios de comunicação e, cada vez mais, a utilização da propaganda
indireta. Todos possuem um sistema de defesa, mas o
merchandising consegue burlá-lo: por exemplo, quando os intervalos
comerciais começam, imediatamente o nosso sistema de defesa é
acionado, mas é quando recomeça o programa ou novela que os
telespectadores estão vulneráveis, e não percebem que estão sendo
atacados pelo merchandising.
Para o autor, os bombardeios diários de outdoors, anúncios de
rádio, televisão, cartazes e tantos outros tipos de mídia, contribuem
para seduzir e formar uma consciência alienante a respeito do
produto anunciado. Embora os anúncios subliminares sejam
antiéticos, não há lei explicitando ser uma tecnologia ilícita quando
aplicada com fins comerciais, eleitorais ou religiosos. Porém, o que
se sabe a respeito do efeito subliminar é o suficiente para se
intimidar, para se temer e se prevenir por ser este recurso voltado
para o direcionamento do consumo de determinado produto ou
ideologia, contribuindo para que, cada vez mais, o consumidor haja
pelo inconsciente na sua tomada de decisões.
A modernização cada vez mais sofisticada da tecnologia de
persuasão, na segunda metade do século XX, mudou as antigas
regras da propaganda. À medida que a indústria de publicidade e
relações públicas torna-se cada vez mais habilidosa em manipular a
opinião, as crenças, as posturas e os sistemas de valores, torna-se
necessário que se conheçam esses processos para destes defender-
se. A manipulação da percepção não pode ser alcançada se for
reconhecida.
No momento em que pessoas aceitam como verdade uma
informação externa sem o crivo do consciente, elas tornam-se
vulneráveis, manipuláveis e eminentemente exploradas. Elas deixam
de agir como indivíduos autônomos, criativos e pensantes. Quando a
mídia, o marketing e a religião se associam e usam como
instrumento alguns expedientes hipnóticos para focalizar suas metas,
atingem mais seguramente seus objetivos. Podem, neste caso,
formar opinião e ditar costumes, modelando de forma alienada e, por
vezes, contraditória grande contingente humano.
Hipnose no Direito
A medicina e a religião não foram os únicos campos onde
se discutiram o alcance dos fenômenos hipnóticos, o hipnotismo se
apresentou sob aspectos que também interessavam às Faculdades
de Direito. Numerosos foram os sábios que se dedicaram à hipnose
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 285

forense e tomando partido pró ou contra os fenômenos hipnóticos


envolvendo questões da psicologia jurídica destam-se: Liégeois, de
Nancy; Delboeuf, de Liéfe; Raoul e Emele Young, de Genebra;
Ochorowics, de Lamberg; Focachon, de Charmes (Moselle); Cesare
Lombroso, de Turim na Itália. Em Paris: Paul e Pierre Janet, Victor
Meunier, Peirre Veron, Feré, o Padre de Meissas, o coronel de
Rochas, Mas, nesta área, quem mais se destacou foi August Henri
Forel (1848 – 1931). 142
Forel, em 1866, foi estudar medicina na Universidade de
Zurique e atraído pelos cursos e estudos clínicos sobre psiquiatria,
devotou-se também ao estudo da psicologia, sem deixar de lado o
estudo das ciências naturais. O seu interesse pela psicologia e
sociologia, aliado a psiquiatria e ao direito, conduziram-lhe a efetuar
na Suíça inúmeras reformas, não somente psiquiátricas, mas
também contribuiu para mudanças importantes no código penal
suíço. A pesquisa sobre a hipnose fascinou-o também e escreveu
muito sobre esse assunto, tornando-se autoridade no que veio a ser
conhecido mais tarde como hipnose forense. Fundou o Jornal de
Hipnose de Zeitschrif e, em 1902, o nome mudou para Jornal de
Neurologia e Psicologia e, em 1954, foi rebatizado como Jornal da
Pesquisa Cerebral. Sua última publicação ocorreu em 1998.
A possibilidade teórica de um crime ser cometido por sugestão
hipnótica foi estudada exaustivamente por August Forel. Após
pesquisar sobre a possibilidade de um indivíduo cometer um crime
devido a sugestões durante sessões de hipnose, Forel chegou à

142
Forel nasceu na cidade de Morges na costa do Lago Genebra na Suíça. Em
1879 foi nomeado professor de psiquiatria na Universidade Médica de Zurique
bem como diretor do importante Asilo Cantonal Burghölzli em Zurique. Foi o
primeiro a conseguir amostras cerebrais da espécie humana. Seus estudos sobre
regiões particulares do cérebro tornaram-no um mestre do desenvolvimento da
anatomia microscópica do sistema nervoso. Em 1875 fez a primeira secção
completa de todo o cérebro e formulou o conceito das unidades celulares e
funcionais (denominada mais tarde de Teoria do Neurônio); realizou estudos
notáveis sobre a topografia dos nervos trigeminal, pneumogástrico e hipoglossal e
deu uma descrição precisa do hipotálamo – nos dias atuais, o núcleo do
hipotálamo é chamado de Campo de Forel ou Corpo de Forel em sua
homenagem. Em 1877 descreveu diversas estruturas ainda desconhecidas do
cérebro, chegando a descobrir, em 1885, a origem do nervo acústico no cérebro.
Sua vida foi impressionante; fundou pelo menos vinte instituições, fez inúmeras
pesquisas, bem como invenções em diferentes campos, autor de mais de 1.200
publicações científicas, livros e artigos em jornais em quase todos os assuntos
imagináveis. Em 1912, Forel sofreu um acidente vascular cerebral tendo por
resultado a hemiplegia do lado direito e corajosamente superou; aos 64 anos de
idade aprendeu a escrever com sua mão esquerda e permaneceu ativo até sua
morte em 27 de julho de 1931, aos 83 anos.
286 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

conclusão de que pessoas normais podem sempre resistir a


sugestões criminais; mas por outro lado, pessoas eticamente fracas,
psicopaticamente inferiores, infantis, faltando o contrapeso e a
resistência moral, podem ser induzidas a cometer crimes reais
através da sugestão hipnótica.
Forel publicou, em 1889, um artigo sobre a importância forense
do hipnotismo e, em 1907, publicou um livro detalhando seu
entendimento sobre terapia em casos psiquiátricos com o uso da
hipnose, envolvendo ainda análises da conduta criminosa,
psicológica e psiquiátrica do marginal social. 143 Ao relatar a hipótese
de que, teoricamente, o crime hipnótico pode ser viável se, pelo
menos, preexistir no hipnotizado uma predisposição latente para o
ato criminal sugerido, recebeu comentários e críticas de Freud que,
elaborando uma resenha 144 na qual conclui:
Como sabemos, até o momento, os “crimes sugeridos” são
simplesmente uma possibilidade para a qual os juristas estão
se preparando, e que os romancistas podem prever como “não
tão improváveis que não possam acontecer algum dia”. De
fato, em laboratório, não é difícil induzir um bom sonâmbulo a
cometer um crime imaginário. Mas, depois das perspicazes
críticas de Delboeuf aos experimentos de Liégeois, deve
permanecer em aberto a questão de até que ponto a
consciência de se tratar apenas de uma experiência facilita à
pessoa hipnotizada a execução do crime (FREUD).
Experiências feitas com o fim de averiguar a possibilidade de
indução ao crime, não se validaram em virtude de seu próprio caráter
experimental, como exemplo de um hipnotizado que recebe do
hipnotista um copo contendo ácido com a devida explicação sobre
seus efeitos. Em seguida recebe a ordem de atirar o ácido ao rosto
de alguém e, sem hesitar, obedece. Acontece que o rosto da “vítima”
está protegido, conforme seria de esperar, por uma parede de vidro a
qual não é possível de ser percebida por estar o hipnotizado
portando vendas nos olhos. Pode ainda ser analisado um segundo
exemplo; um hipnotizado é armado de um punhal para investir contra
a pessoa do próprio hipnotista e investe, mas o punhal é de
borracha, embora o hipnotizado não tenha sido avisado.

143
FOREL, August. Hypnotism and Psychotherapy [Reprin]. Allied Books, (1907)
1988.
144
Extraído do Volume I da edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund freud. Resenha de hipnotismo, de August Forel. In: Textos
escolhidos de psicanálise de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Ed. Imago Ltda. 27 -
44, 1969.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 287

Nos dois casos citados, pode-se supor que nas experiências os


hipnotizados tenham agido de boa fé, intimamente convencidos do
caráter inofensivo dos atos sugeridos, seja pela extrema confiança
no hipnotista, seja por, inconscientemente, perceber a proteção que
invalida a ação agressiva. Para que tais experiências se revestissem
de validez, seria preciso reconstituí-las em bases reais, sem nenhum
aparato protetor. A esta conclusão também chegou Cesare
Lombroso, 145 acrescentando que para a realização do crime
induzido seria bastante a predisposição inata do indivíduo para o
comportamento criminal.
Saindo da expectativa de explicar a ação do criminoso, a
hipnose se volta para o campo da investigação. De fato, notícias
quanto à aplicação da hipnose neste campo têm ocorrido com
resultados espetaculares, em alguns casos com o propósito de
refrescar lembranças de testemunhas e vítimas de crimes, como no
caso conhecido nos tribunais americano “o Povo verso Schoenfeld,
1980”, envolvendo o motorista de um ônibus escolar seqüestrado em
Chowchilla, na Califórnia. Sob hipnose e não antes, o motorista foi
capaz de dar o retrato falado perfeito do bandido e lembrar os
números e letras da placa do carro que interceptou o ônibus. Isto
levou à prisão e condenação dos seqüestradores.
Não obstante bons resultados em procedimentos investigativos
de crimes, tem havido sérias críticas ao uso de hipnose com
testemunhas e vítimas. Spiegel 146 aponta duas delas:
Duas acusações são feitas à técnica: uma é a de
confabulação, que uma testemunha hipnotizada forjará material
e se tornará o que foi chamado de um mentiroso honesto,
representado por alguém que acredita em suas falsas

145
Lombroso (1835-1909) Nascido em Verona, Itália, foi diretor do hospício
provincial de Pesaro (1871), cinco anos depois ensinava medicina legal e higiene
pública na Universidade de Turim, onde foi também professor de psiquiatria e
clínica psiquiátrica. Apesar de forte oposição, suas idéias relacionam certas
características físicas à psicopatologia criminal ou a tendência inata de indivíduos
para o crime. Em 1864, publicou o livro Gênio e Loucura. Em 1867, escreve Ações
dos Astros e dos Cometas sobre a Mente Humana e, no ano seguinte Relações
entre a Idade, as Posições da Lua e os Acessos das Alienações Mentais,
trabalhos recebidos com muitas reservas pelos cientistas. Acreditava que o meio
social, aliado às influências astrais, preparasse para a ação criminosa indivíduos
cuja natureza fosse anti-social. Em 1882, no ensaio; Estudo sobre o Hipnotismo,
relata a possibilidade de um sonâmbulo realizar um crime. Entre seus livros mais
famosos estão: (1876) O Homem Criminoso; (1899) O crime, Suas Causas e
Soluções (N. do A.).
146
SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de Psiquiatria, Org. Talbott et al, Ed.
Porto Alegre, Artes médicas, 687-690, 1986.
288 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

declarações por desejo de agradar ao hipnotizador ou


simplesmente como resultado de estar no próprio estado
hipnótico não racional. A outra é a de concreção, que mesmo
que novas informações não sejam forjadas, o indivíduo, tendo
passado pelo processo de hipnose, emergirá dele com uma
convicção aumentada de que suas memórias são corretas e,
portanto, será mais convincente para um júri do que poderia
ser (ORNE, 1979 e DIAMOND, 1980 apud SPIEGEL 1986).
Referindo-se aos processos judiciais americanos, Spiegel
afirma que os tribunais têm sido uniformemente relutantes em admitir
o testemunho de uma pessoa hipnotizada durante um julgamento.
Relata ainda que, recentemente, os tribunais também começaram a
excluir testemunhos de pessoas que foram antes hipnotizadas para
depois depor sobre os fatos acontecidos.
O tipo de situação na qual a hipnose tem maior probabilidade
de valer é aquela na qual há uma amnésia traumática para os
eventos de um crime. A literatura legal tem fornecido exemplos de
casos processuais nos quais ocorreu o uso da hipnose, como no
processo “o Povo verso Shirley, 1982”; uma mulher, cuja memória
dos detalhes de uma agressão sexual questionável foi obscurecida
devido a ela ter ingerido uma quantidade substancial de álcool, foi
hipnotizada por um membro da equipe da acusação na noite anterior
ao seu testemunho. Seu depoimento melhorou dramaticamente. No
entanto, a acusação foi derrubada pela Suprema Corte de Justiça do
Estado da Califórnia, que determinou que qualquer testemunha ou
vítima que fosse hipnotizada para depor sobre os fatos de um crime
não poderia testemunhar subseqüentemente ao processo hipnótico.
Neste caso, o uso da hipnose criou um problema mais de
admissibilidade do que de peso dado ao próprio testemunho.
Outro processo citado é o de “o Povo verso Guerra, 1984”,
nesse caso a condenação de um estuprador foi da mesma forma
derrubada, uma vez que detalhes críticos relativos à natureza do
ataque foram fornecidos pela testemunha apenas durante uma
sessão de hipnose na qual foi aplicada pressão considerável para
que ela recordasse ter sido penetrada pelo agressor. Entretanto,
neste caso, a Suprema Corte da Califórnia deixou em aberto a
possibilidade de que pudesse ser mantido o testemunho de uma
vítima, cuja história não mudou apesar de um interrogatório sob
hipnose.
A Suprema Corte de Justiça do Estado do Arizona (Estado
verso Collins, verso Corte Suprema, 1982) recuou de sua posição
extrema e adotou um padrão mantido em Nova York (o Povo verso
Hugher, 1983) e Nova Jersey (o Povo verso Hurd, 1980), entre
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 289

outros estados americanos, que é admitir que tais testemunhas


possam depor sobre suas lembranças pré-hipnose dos
acontecimentos.
A legislatura da Califórnia (1985) fez passar uma lei
sustentando o uso da hipnose com testemunhas desde que certas
orientações fossem seguidas. Estas orientações incluem o
acompanhamento de um profissional especializado como consultor
em hipnose, documentação cuidadosa da memória da testemunha
antes da hipnose, registro eletrônico de todas as interações antes,
durante e após as sessões de hipnose. A recomendação é de que a
hipnose não deve ser usada como substituição ao trabalho policial de
rotina.
Uma comissão de especialistas americanos, constituída para
apresentar parecer sobre o uso da hipnose em processos judiciais,
após examinar a questão, apresentou relatório concluindo que as
evidências existentes indicam que o uso da hipnose tende a
aumentar a produtividade da testemunha, resultando em novas
memórias. Além disso, alguns estudos demonstraram um aumento
na confiança atribuída por indivíduos hipnotizados e suas memórias.
A comissão recomendou que fossem seguidas orientações
semelhantes àquelas delineadas na legislação do Estado da
Califórnia, quando a hipnose for utilizada em um processo legal. A
esse respeito, diz ainda Spiegel:
Certamente é evidente que a hipnose não é o soro da verdade
e, que os tribunais devem pesar os efeitos de qualquer
cerimonial hipnótico sobre uma testemunha. Ao mesmo tempo,
a hipnose pode, em certos casos, ajudar uma testemunha
traumatizada e amnésica a recordar detalhes, não acessíveis
através de métodos convencionais de interrogatório
(SPIEGEL).
No Brasil a hipnose pode ocorrer durante os processos judiciais
de forma subjetiva, principalmente em Tribunais do Júri Popular que,
em seu rito, apresenta o papel do advogado e do promotor de justiça
no convencimento dos jurados através de argumentações. Tribunais
do Júri julgam como culpados ou inocentes os acusados de crimes
contra a vida humana na forma dolosa. Jurados são os Juizes de
Fato e, uma vez convencidos pelas argumentações, votam pela
condenação ou absolvição dos réus. A longa duração da fala da
defesa e da acusação representa bem a técnica hipnótica da
monotonia, assim como a réplica e a tréplica do argumento
representa a técnica hipnótica da repetição. Também contribui o
silêncio nas sessões de julgamento, a forma solene em que
transcorrem, além da vestimenta dos advogados, promotores, juizes
290 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

e serventuários da justiça, todos de beca e paramentados, cria no


ambiente o clima de atenção concentrada.
Ao longo da sessão de um julgamento que às vezes duram
dias, alguns dos sete jurados, quando não todos, já estão
hipnotizados pelas palavras monótonas e repetitivas dos oradores.
Assim, pode a defesa ou a acusação, conhecendo ou não as
técnicas hipnóticas, se beneficiar da própria atmosfera dos tribunais
para “convencer” melhor o corpo do júri com as suas argumentações
que, na maioria das vezes, são muito mais emotivas do que lógicas
ou técnicas. Talvez se deva a esse fato quando o veredicto é
absolutamente contrário às provas produzidas na fase de instrução
do processo.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 291

CAPÍTULO IV - AUTO-HIPNOSE

As pessoas buscam conhecer a hipnose por curiosidade ou


para ampliar o conhecimento sobre o assunto, mas podem procurar
também como forma alternativa para alivio de um sofrimento. Neste
caso geralmente antes procurou um médico e não teve uma doença
definida ou um tratamento indicado e outras soluções também foram
buscadas, como amigos para conversar, viagens, filosofias ou
religiões que, em suas concepções mais variadas, pareciam ser a
melhor solução para o seu problema. Esgotadas as alternativas, sem
resultado positivo, a hipnose é lembrada e um hipnotista é
procurado.
Mas a hipnose ainda é uma solução que vem de fora e pode
não satisfaz plenamente como resposta porque, para algumas
pessoas, se sua dúvida ou necessidade é satisfeita, surge outra;
precisa-se de amor, vem o desejo, se vence o desejo, vem a
insegurança, se vence a insegurança, vem a ansiedade, e outras
dúvidas ou necessidades vão-se sobrepondo. Ocorrendo isso, só o
próprio interessado poderá construir, de forma completa, uma
solução para seu problema e aí a auto-hipnose entra em cena. Em
princípio, na primeira, segunda e, no máximo, numa terceira sessão
pode até ser induzida por um hipnotista, mas as sessões posteriores
devem ocorrer por iniciativa e conta exclusiva do hipnotizado, como
explica Émile Coué: 147
Não imponho coisa alguma a ninguém. Apenas auxilio as
pessoas a fazer aquilo que desejariam e que elas se julgam
incapazes de fazê-lo. Não é uma luta, e sim, uma associação
que se exige entre elas e eu. Não sou eu quem age, mas uma
força que nelas existe e da qual eu lhes ensino a se utilizarem
(COUÉ).
As pessoas não estão habituadas a confiar na existência do
grande potencial que pertence a cada uma em particular, que desde
a origem trazem dentro de si para ser usado em benefício de sua
evolução. Desde criança, sempre foram condicionadas a colocar a
atenção para fora, no mundo exterior e, é esta uma das razões por
que a maioria dos seres humanos funciona muito abaixo de suas
reais condições de potencialidade. Foram acostumadas a esperar as
soluções dos outros e não buscar respostas em si mesmo, em sua
própria dimensão interior. Esta dimensão pode ser o que, às vezes, é
chamada de alma, mente, espírito ou outra rotulação qualquer. Mas,
147
COUÉ, E. Auto-sugestão consciente - que digo e que faço - O domínio de si
mesmo. Rio de Janeiro, Minerva, 1956.
292 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

é certo que esta dimensão existe; descobrindo como usá-la pode ser
eliminada a dependência de soluções externas.
A dependência externa é que explica, em parte, a necessidade
que tem a maioria das pessoas de viverem buscando através de
religiões ou filosofias soluções ou explicações para seus conflitos.
Enquanto buscam, as respostas estão bem perto, estão em seu
próprio íntimo, na força interna que determina o seu modo de vida. A
auto-hipnose estimula essa capacidade inata de autocura, presente
em qualquer pessoa para melhorar seus estados orgânicos e
emocionais. Um dia, no futuro, para aliviar seus sofrimentos as
pessoas vão saber buscar as soluções de seus conflitos na sua força
inata.
Os seres humanos passam a vida toda analisando situações,
fazendo julgamentos sobre as coisas que os cercam, mas nenhuma
dessas conjecturas é mais importante que aquela que fazem sobre si
mesmo, quando pensam como funcionam interna e externamente, na
forma como vivem e se relacionam com o mundo, sobre como
manter a saúde física e mental equilibrada. Neste sentido é a
afirmação de Lao-Tsé. 148
Aquele que sabe muito sobre os outros pode ser instruído, mas
aquele que se compreende é mais inteligente. Aquele que
controla o outro pode ser mais forte, mas aquele que se
domina é ainda mais poderoso (LAO-TSÉ).
Usada eficazmente, a auto-hipnose pode ser uma ferramenta
poderosa, efetuando as modificações necessárias para reeducar a
mente, que passará a pensar de uma maneira nova e saudável. Com
ela pode ser desenvolvida e utilizada ao máximo a potencialidade e
modelar o próprio destino. As pessoas podem escolher como querem
ser e, para isso, não dependem de soluções externas, não
necessitam de ser conduzidas, pelo contrário, podem e devem
conduzir o seu próprio destino. São poucos os que sabem fazer uso
adequado deste poder incrível que possuem, sobretudo quando não
sabem por onde começar, nem como fazer.
A ajuda de outras pessoas parece uma solução muito cômoda,
mas, às vezes, limita a capacidade de reagir em situações simples.
Procurar dentro de si aquela força, aquela determinação que resulta
na segurança para o enfrentamento das dificuldades e superar as
próprias deficiências, as próprias frustrações. Nada impede que, sem
148
Afirmação filosófica atribuída ao chinês Lao-Tsé, escrita por Tao-Te King. O
nome de Lao-Tsé é também escrito como Lao-Tzu, e o de Tao-Te King como Tao
Te’Ching, (WELHELM, Richard. O Livro do caminho perfeito, São Paulo, Editora
Pensamento, 1982).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 293

desprezar outras formas de ajuda, todos façam a sua parte para a


solução de muitos dos seus próprios problemas.
Muitas pessoas tornam-se mais infelizes ao se apoiarem
excessivamente em objetos, pessoas ou sistemas. Mas, quando se
apóiam em alguma coisa externa, inibe e limita a sua própria
capacidade de se auto-ajudar. Se alguém for carregado, não terá
necessidade de movimentar as próprias pernas, deixará de utilizar a
sua capacidade total e ficará cada vez mais dependente, tornando-se
cada vez mais vítima fácil de inúmeras dependências. Em resumo, a
vida deve ser desenvolvida por cada um, sob sua responsabilidade.
Quando o individuo concentra a atenção para dentro de si
constata que muitas soluções dependem unicamente dele mesmo,
verifica que o mundo exterior é conseqüência do seu mundo interior
e vice-versa. Descobrindo o seu lado inconsciente, descobre quem é
e como pode ser conscientemente. Isso é possível com a auto-
hipnose, uma ferramenta que pode promover o autoconhecimento.
Praticar auto-hipnose é uma forma de compreender como usar mais
e melhor o próprio potencial, é um mecanismo que permite o
aumento da autoconfiança e do auto-respeito, dois componentes
básicos da auto-estima.
A auto-hipnose revela o inconsciente e, desta revelação, se
pode obter benefícios em várias áreas, no sentido de alcançar
maiores resultados profissionais, saúde física e mental, maior
controle emocional, enfim, melhor qualidade de vida. Permite superar
com facilidade as chamadas doenças psicossomáticas, vencer a
insônia, o medo, o cansaço, a tensão e o estresse. Pode ser
melhorada a memória, a concentração e, ainda, aprender a superar
hábitos indesejáveis. Também pode eliminar fobias, ansiedade,
insegurança, desenvolver a criatividade, a intuição e a capacidade
para programar e ampliar a auto-estima e o prazer de viver.
Para as neurociências, é um desafio desvendar como o
processo de autocura acontece. Uma das explicações mais aceita é
de que o inconsciente é capaz de processar informações
paralelamente, ao mesmo tempo, enquanto o consciente executa
suas tarefas de uma forma serial, uma atrás da outra. Enquanto os
cientistas buscam as causas de tamanha eficiência, o inconsciente
continua incansável em sua missão de revelar soluções para
problemas diários e isso ocorre quando alguém está agindo pela
intuição.
É através das técnicas de hipnose ou da auto-hipnose que é
despertada e ampliada a programação da função inconsciente e
revelar soluções, utilizando mais e melhor os conhecimentos que
294 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

estão armazenados no inconsciente. Este processo mental livra o


indivíduo da crítica excessiva do seu próprio consciente e permite
que a intuição possa fluir com mais facilidade. Para que isso ocorra,
é necessário que se vença a preocupação por alguns instantes, é
preciso que se relaxe a mente para que as melhorias possam ser
programadas pelo inconsciente.
Quando uma pessoa está muito preocupada com determinado
problema e esgota os caminhos convencionais para a solução, deve
deixar de pensar no caso por algum tempo e a solução poderá
aparecer de repente. Enquanto se prática outra coisa, o inconsciente
digere o problema e revela as saídas. Sobre isso conta a história,
Einstein dizia que pensava 99 vezes e nada descobria, mas, deixava
de pensar e a verdade era revelada; nestas horas ele tocava violino.
Churchill era menos musical e preferia empilhar tijolos. Gandhi
costumava tecer. Beethoven fazia longa caminhada. Sherlock
Holmes, o famoso detetive dos livros de Conan Doyle, levava seu
companheiro Watson a um concerto sempre que a trama que teria de
desvendar se tornava complicada. Quando o problema for difícil,
deve-se relaxar e deixar o inconsciente trabalhar. O relaxamento é o
preâmbulo da auto-hipnose, passo decisivo para a busca de
soluções.
Cada vez mais vem se tornando consenso a necessidade de
tranqüilizar a mente como forma de tratamento de doenças. Neste
caso, além de relaxar, o mais importante é o tipo de pensamento que
a nutre e mudar a forma de pensar pode ser a superação de
problemas da saúde. Louise L. Hay 149 defende a tese de que o
pensamento cria o futuro e norteia a vida e alerta que todos sofrem
de culpa e ódio voltados contra si próprio e que a frase presente na
maioria das pessoas é “sou incapaz”. Diz Hay, isso é apenas um
pensamento e um pensamento pode ser modificado, a crítica, a
culpa e o ressentimento, são padrões de pensamento mais
prejudiciais, removê-los representa cura para muitas enfermidades:
Quando realmente amamos a nós mesmos, tudo na vida
funciona. Devemos nos libertar do passado e perdoar a todos.
Devemos estar dispostos a começar a aprender a nos amar. A
auto-aprovação e a auto-aceitação no agora é a chave para
mudanças positivas. Cada uma das chamadas “doenças” em
nosso corpo é criada por nós (HAY).

149
Hay relata como despertar idéias positivas, superar doenças e viver
plenamente (HAY, Louise L. Você pode curar sua vida, São Paulo, Ed. Best Seller,
1996).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 295

Lembrando a crença, bastante difundida, de que as doenças só


se manifestam quando pensamos nelas, Hay afirma que cultivar
pensamentos negativos é um passo para a evolução de doenças ou
sentimentos nocivos. Diz que é preciso haver uma perfeita sintonia
entre a mente e o corpo e, se a saúde não anda bem as razões
devem ser buscadas no desequilíbrio dessas duas forças, não
bastando o ataque frontal a determinada doença. Lembra ainda, a
possibilidade de doenças que têm seus sintomas agravados por
pensamentos que são acumulados durante longo tempo e reagem
negativamente no organismo. Segundo Hay, a mente gera as
doenças físicas:
Não se pode mais ignorar que o pensamento e a fé influenciam
a saúde da pessoa, assim como seu destino pode ser
determinado por aquilo que ela tem inconscientemente como
objetivo de vida (HAY).
Os pensamentos são os alimentadores do estado físico e
mental e, parece verdade que os pensamentos que as pessoas mais
utilizam compõem o quadro de suas vidas. Se o pensamento reflete
conflitos, a vida será cheia de dificuldades. Se o pensamento reflete
esperança, a vida será cheia de realizações. A auto-hipnose é um
instrumento que dará o suporte que permitirá ao indivíduo mudar a
forma de pensar. Facilitará a compreensão dos conteúdos que lhe
causa o transtorno, o que poderá levá-lo a uma reorganização
pessoal quanto a valores, projeto de vida, aprender a conviver com
perdas, frustrações e descobrir outras fontes de gratificação na sua
relação com o mundo.
Para reorganizar a vida e ser merecedor de bem-estar é preciso
ter pensamentos positivos, amorosos, perdoar os outros e ter
sentimento de carinho. A escolha dos tipos de pensamentos que vai
alimentar o inconsciente determina o modo de viver. Se escolher a
raiva, a agressão e o ressentimento, será merecedor apenas de mais
raiva, mais agressão e mais ressentimentos. Para alguém ser
merecedor de alegria, é preciso pensar em alegria, assim como para
sentir paz e calma é preciso alimentar o inconsciente de
pensamentos pacíficos.
Em muitos momentos da vida, uma pessoa pode viver em
situações difíceis e de sofrimento tão intenso que pensa que algo vai
arrebentar dentro de si, que não vai suportar, que vai perder o
controle sobre si mesmo, fica a ponto de acreditar que vai
enlouquecer. Isto pode ocorrer quando se perde alguém muito
querido, em situações muito estressantes, em situações em que o
indivíduo se vê com muitas dúvidas e não percebe a possibilidade de
pedir ajuda, em casos nos quais deverá resolver sozinho tal
296 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

problema. A pessoa, então, busca a superação desse sofrimento, o


restabelecimento de sua organização pessoal e de seu equilíbrio,
isto é, o retorno àquelas condições anteriores de rotina de sua vida,
em que não tinha insônia, não chorava a toda hora, não tremia o
corpo de forma injustificada. Não é possível apenas se falar de
doença física nesses casos e a auto-hipnose pode ser uma boa
ajuda.
Mesmo que alguém se encontre numa situação infeliz, a auto-
hipnose vai permitir perceber que isso não passa de uma situação
transitória ou de um equívoco, com certeza, logo acabará
melhorando. O importante é perceber que a situação ruim é
momentânea e mesmo que não se verifique uma melhora imediata,
jamais se deve ficar aflito, duvidoso ou impaciente. Ao tranqüilizar a
mente, estará trabalhando para atingir uma situação de melhoria.
Existem dois tipos de pessoas: aquelas que estão sempre com
a expressão triste, reclamando como se estivessem sempre
insatisfeitas e infelizes e aquelas que mantêm somente pensamentos
radiantes, repletos de alegria e gratidão. Pessoas que estão sempre
reclamando têm uma vida infeliz, enquanto aquelas que vivem
sempre repletas de alegria têm uma vida feliz. Pessoas que passam
a vida reclamando da crise econômica, do salário, da maldade
alheia, da pobreza, da falta de saúde, acabam atraindo pelo poder da
palavra e do pensamento a situação da qual reclamam. A essas
pessoas não brotam pensamentos construtivos que as tornem
prósperas, saudáveis e ricas, mas somente pensamentos de
destruição, desesperança e automutilação.
Na atualidade as pessoas vivem as turbulências da vida, em
acirrada competição com os outros e até consigo mesmas, em busca
desenfreada da satisfação imediata em um mundo cada vez mais
competitivo, onde a racionalidade e a crítica são imperiosamente
cobradas. Como o ser humano não é apenas racional e crítico, é
preciso conhecer onde ficam as suas emoções e como elas atuam
em seu cotidiano.
Conhecer o emocional do ser humano, é entrar em contato com
um lado, às vezes meio esquecido, mas que influencia a sua
existência. Neste lado que estão armazenadas as lembranças
prazerosas, fatos acontecidos nos dias felizes e em momentos
generosos que foram vivenciados. É preciso na lembrança reviver
estes fatos, isso afasta a tristeza e faz esquecer o sofrimento. A
auto-hipnose facilita o reviver de boas emoções; as boas lembranças
vão permitir que se viva sempre na expectativa de dias melhores,
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 297

somente o que há de melhor, de mais grandioso, de mais elevado


pode acontecer.
Segundo Brun, 150 o filósofo grego Epicuro (341 - 270 a.C.),
conhecido como o médico da alma, afirmava que podemos desviar à
dor recorrendo a lembranças agradáveis ou idéias prazerosas. Se a
dor existe deve ser curada, afastada através de mecanismos que o
próprio ser humano possui, quando a dor é física dever ser eliminada
rememorizando uma situação prazerosa do passado ou uma
esperança do futuro. Quando a dor é moral devem ser revistos os
valores que orientam a vida. Para Epicuro e seus seguidores, assim
como o médico se ocupa das doenças e dos sofrimentos do corpo,
ao filósofo cabe cuidar das doenças e dos sofrimentos da alma.
Para Farrington 151 A terapia de Epicuro significa o princípio de
que o prazer efetivamente existe, não obstante a existência do
sofrimento. Afirmava enfaticamente que todos e qualquer um nasce
com o direito a ser feliz, viver bem, ter prazer, viver sereno e morrer
sereno e feliz. A felicidade não é doada nem outorgada por ninguém
nem por divindades, depende exclusivamente de como cada um
administra sua própria vida.
Aconselha Epicuro que para alguém viver bem e feliz, apenas
deve gostar de coisas simples e de um modo de vida não luxuoso,
porque assim se adquire meios para enfrentar, corajosamente, as
adversidades da vida. Os períodos de uma existência rica devem ser
aproveitados, mas também se deve estar preparado para enfrentar,
sem temor, as vicissitudes da sorte. O remédio para uma vida serena
é se afastar da turbulência das competições egoísticas, do jogo de
interesse, da arrogância, procurar os prazeres moderados, satisfazer
apenas necessidades imediatas, manter-se longe dos antagonismos
da vida pública, cultivar a amizade, conquistar sempre mais
conhecimento e rejeitar o medo da morte.
Uma grande aspiração atrai um grandioso destino. Uma
pequena aspiração atrai pequenas realizações. Pessoas que não
conseguem realizar um grandioso sonho só conseguem realizar
pequenas obras. São consideradas como pessoas que acabam
desvirtuando o canal que comunica com a sua força interior e, dela
não tira o proveito que pode; pelo contrário, se prejudicam. Aqueles
que têm pequenas aspirações vêem-se como pigmeus e diminuem a
si próprio. E quando se pensam assim pequenas, acabam se
tornando de fato seres pequeninos e escravos do destino. Tornar o

150
BRUN, Jean. O epicurismo. Trad. João Amado. Lisboa, Setenta, 1987.
151
FARRINGTON, Benjamim. A fé de Epicuro. Rio de Janeiro, Zahar, 1968.
298 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

destino grandioso ou insignificante depende de como se enxerga.


Existe uma verdade que diz que as pessoas se tornam exatamente
como se crêem ser.
Quem idealiza para si um grandioso sonho, quem tem uma
grande aspiração, quem acredita piamente na sua concretização,
conseguirá alcançar o seu grandioso objetivo. Não há quem tenha
realizado algo grandioso sem se considerar merecedor. Seja o que
for não há quem consiga realizá-lo acreditando que não irá
conseguir. Por isso, não deve ser dito “não consigo realizar isso”. A
ordem é acreditar, como recomenda Émile Coué, “o que quer que
aconteça, brotará em mim uma força redobrada. Haja o que houver
durante o percurso, acredito que no final virá somente a vitória”.
Tudo acontece exatamente como se crê.
Geralmente, os livros indicam a aplicação da auto-hipnose,
também, para eliminação de hábitos como tabagismo, alcoolismo,
comer em excesso, uso de drogas, gagueira, roer unha, bruxismo 152
e outros hábitos nervosos. Também indicam como solução de
distúrbios emocionais como tremores e fobias, tristeza ou depressão,
raiva ou hostilidade, irritação, ódio, timidez, ansiedade e tensão. Seu
uso é ainda referido para o tratamento de dores, alergias, resfriados
crônicos, insônia, cansaço ou fadiga, soluços, coceiras e asma.
Ultimamente, também tem sido indicada para cura de doenças de
pele como psoríase e vitiligo, além de anorexia nervosa, bulimia,
obesidade, síndromes pós-traumáticas, síndrome do pânico e tantas
outras doenças que é impossível relacionar todas em só lista.
A hipnose tem sido aplicada para que mulheres, principalmente
adolescentes, desenvolvam uma maternidade serena no período de
sua gravidez e no parto. Pesquisadores na Universidade da Flórida,
nos Estados Unidos, afirmam que certos medos comuns na gravidez
podem ser aliviados quando a hipnose for aplicada à gestante entre
152
Bruxismo se caracteriza pelo fato do individuo ranger fortemente os dentes em
movimentos involuntários que produz o desgaste dentário, geralmente ocorre
durante o sono e de forma despercebida. Não é considerada uma doença e sim
uma disfunção do aparelho mastigador. A causa pode ser física, como falha na
oclusão dos dentes, ou psicológica provocada por tensões emocionais ligada à
ansiedade, raiva, insegurança, agressividade reprimida, frustrações do dia-a-dia,
entre outras. O bruxismo acaba sendo um acumulo de sentimentos que encontra
uma descarga no ranger dos dentes, tensões acumuladas que tornam as
mandíbulas rígidas e friccionadas. Os episódios vivenciados pelo individuo, podem
variar bastante e a descarga emocional, pode ser tênue ou severa. Provoca o
desgaste do esmalte dentário e o deslocamento da mordedura, a pessoa acorda
com fortes dores nos dentes e músculos da articulação das mandíbulas. O
tratamento pela hipnose pode remover as causas psicológicas, proporcionando
uma estabilidade emocional, além de restaurar as funções do sono (N. do A.).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 299

a vigésima e a vigésima quarta semana de gestação, reduzindo a


ansiedade na reta final da gravidez e as dores do parto; diminui,
assim, a necessidade de reforçar a dose de anestésico. 153 A hipnose
induz a grávida a criar uma expectativa positiva, ensina a relaxar e
apaga fantasias negativas, criando através da sugestão a
expectativa positiva de que vai ganhar um presente.
A hipnose é indicada também para desenvolver atitudes e
sentimentos positivos, como amor, afetividade, bom humor,
determinação e coragem. Também é indicada para desenvolver ou
ampliar habilidades da mente e do corpo, permitindo, por exemplo,
melhor desempenho atlético ou esportivo, eficiência e organização,
desempenho profissional, aumento da criatividade e habilidades.
A prática da auto-hipnose pode permitir o controle sobre
pensamentos, emoções, ações e destino. Construindo um modelo
mais eficiente de pensamento, direcionado para o que realmente é
importante, o praticante aprende a definir e alcançar objetivos,
avaliar seus pontos fortes para enfrentar desafios e obter sucessos.
Aprende a agir, e não apenas reagir, para melhorar a qualidade de
vida, buscando soluções e não apenas enfrentando os problemas,
retirando obstáculos para seguir no caminho que foi definido para si
mesmo, agindo de modo mais eficiente sobre o pensamento e o que
está fazendo.
Como praticar auto-hipnose
Um indivíduo pode habituar-se a entrar no transe hipnótico ao
ler um determinado texto, numa determinada posição, ao proferir ou
pensar uma determinada palavra ou frase, ao contar até cinco, dez
ou vinte. Conseguindo o transe inicial, a pessoa dá a si mesma as
sugestões que deseja e inclusive as sugestões pós-hipnóticas
necessárias para o progressivo aprofundamento. Poderá sugerir a si
mesmo: “hoje o transe será mais profundo do que o de ontem, e o de
amanhã mais satisfatório ainda do que o de hoje, etc.”. Não
adiantará, entretanto, recorrer ao auto-engano para efeitos
sugestivos, fazendo simplesmente de conta que está (ou esteve)
hipnotizado, a sugestão pós-hipnótica não surtirá efeito.
Como na hetero-hipnose, também a auto-hipnose vem
precedida de uma espécie de preâmbulo. O indivíduo tem de
preparar-se como se estivesse preparando outra pessoa para ser
hipnotizada, e convencer-se. E esse autoconvencimento, para
produzir o efeito desejado, tem de ser mais seguro e mais severo do

153
SAÚDE, revista, p. 47, julho de 2001.
300 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

que o convencimento destinado aos ouvidos e às consciências


alheias.
A auto-hipnose, pela sua própria natureza, vincula-se a
propósitos sérios, como a superação de problemas pessoais, mas as
pessoas deveriam capacitar-se ao seu uso, inicialmente, sem
propósitos emergentes, isto é, primeiro deveriam aprender a se auto-
hipnotizar, para depois aplicá-la na solução de seus problemas. Na
prática isto quase não acontece e só se recorre a ela nos momentos
críticos; neste caso conta contra alguns fatores como ansiedades,
dúvidas e frustrações.
Na hetero-hipnose, não se obtém resultado com as pessoas
junto às quais não se tem prestígio necessário. Também na auto-
hipnose ocorre algo semelhante, o indivíduo tem de sentir-se credor
de sua própria confiança e consideração, o êxito na auto-hipnose
depende da confiança e do crédito moral que a pessoa tem que
depositar em si mesma, de conquistar, antes de tudo, a auto-estima
e a fé na possibilidade da auto-ajuda. Sem esses fatores, nem
sempre estará a ajuda ao alcance de quem a almeja e, nestes casos,
a melhor saída será, pelo menos inicialmente, a hetero-hipnose.
Assim como na hetero, a auto-hipnose funciona à base de
sugestão, exigindo nesta segunda hipótese uma atitude passiva do
próprio indivíduo em face das palavras proferidas ou imaginadas por
ele mesmo. Produz-se, assim, o estado de sugestionabilidade
aumentada ou generalizada, que é a condição para o transe
hipnótico, citada teoria de Hull. 154
São vários os caminhos para se chegar à auto-hipnose;
seguramente, o melhor deles é a pessoa antes ser hetero-
hipnotizada e receber uma sugestão pós-hipnótica de que, a partir
daí, será capaz de se auto-hipnotizar. Outra forma também rápida é
com a utilização de gravação de músicas para ajudar na indução e o
som de voz própria ou de outrem, com palavras que induza ao
transe. Os mais suscetíveis conseguem induzir o estado auto-
hipnótico sem ajuda alheia ou de qualquer recurso eletrônico,
descobrem e se antecipam sem qualquer iniciação formal.
Descobrem, por sua própria conta, como hipnotizar a si mesmos,
articulando ou simplesmente pensando em fórmulas sugestivas,
normalmente iniciadas por técnicas de relaxamento. Esta seria uma
auto-hipnose no sentido mais justo da palavra.

154
HULL, C. L. Hypnosis and suggestibility. In: Experimental approach. New York,
D. Aplleton Century, Century, 1933.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 301

Neste sentido, Weissmann aponta os médiuns espíritas não só


como pessoas altamente propensas a serem hipnotizadas, como
também à auto-indução. Ele assim se refere:
Entre as pessoas particularmente propensas à auto-hipnose
espontânea apontam-se, freqüentemente, os médiuns
espíritas. É do conhecimento geral, que os espíritas são
particularmente sensíveis à hipnose. Sabemos que a
suscetibilidade hipnótica cresce em razão da fé, do exercício
de concentração e da propensão individual para as atitudes
abstratas. Já não estranhamos as propaladas facilidades dos
espíritas nesse domínio, muito embora, entre eles, a
verdadeira natureza de semelhantes fenômenos anímicos
costuma ser deliberadamente ignorada (WEISSMANN).
A técnica que mais se recomenda para o desenvolvimento da
prática da auto-indução é, paradoxalmente, a auto-hetero-hipnose,
ou seja, um misto de auto e hetero-hipnose. Isto é possível segundo
Leslie M. LeCron e Jean Bordeaux 155 que apontam o recurso da
hetero-hipnose como primeira condição para se chegar à auto-
hipnose:
Colocar o candidato em transe profundo, o mais profundo
possível. Uma vez no transe necessário dizer o seguinte: De
hoje em diante você poderá chegar sozinho a um transe igual a
este e até mais profundo. Para tanto, bastará acomodar-se
confortavelmente, assentado ou deitado e relaxando os
músculos conforme lhe ensinei. Para facilitar o relaxamento
muscular bastará respirar profundamente. Uma vez com os
músculos relaxados, é só fechar os olhos e dizer-se a si
mesmo: Agora entro em estado de hipnose. Esta frase você
poderá proferir em voz alta ou apenas em pensamento. Em
seguida comece a respirar lenta e profundamente. Não será
preciso contar, pois ao chegar à décima respiração estará em
transe profundo. Se encontrar dificuldade na concentração
inicial, fixe os olhos em um ponto do teto, ou então, de olhos
fechados, fite algum ponto imaginário. Pode também manter a
vista fixa vagamente na área cinzenta imaginária da visão
comum. Durante a hipnose você se manterá alerta,
perfeitamente capaz de dar-se a si mesmo as sugestões que
quiser. Você poderá assim induzir em você mesmo qualquer
fenômeno hipnótico que desejar. Para acordar bastará dizer-se
a si mesmo: Agora vou acordar. Contará até três e estará
perfeitamente acordado. Se, porventura, tiver necessidade de
acordar antes para atender ao telefone ou a uma situação de
emergência, como no caso de um incêndio, por exemplo, você
155
LeCRON, L. M., and BORDEAUX J. Hypnotism today, New. York, Grune and
Stratton, 1947.
302 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

acordará instantânea e automaticamente. Nesse seu estado de


auto-hipnose você poderá ainda ouvir a minha voz e seguir as
minhas instruções como se eu estivesse presente (LeCRON e
BORDEAUX).
Esta última recomendação é necessária para manter o rapport
entre o auto-hipnotizado e o hipnotista. Isto dará a confiança
necessária e a segurança de que precisa o indivíduo e, observando-
se cuidadosamente as outras recomendações, nada há a recear.
Não se deve ser excessivamente analítico quando se quer
conquistar a auto-hipnose, se começar a analisar todos os
movimentos que fizer e duvidar da eficácia do que está fazendo, o
transe será difícil de ser atingido. A atitude de tirar a prova impedirá a
eficácia, por isso, em vez de examinar-se, apenas deve relaxar e
deixar que as coisas sigam seu curso; os resultados virão. Quem se
preocupa se estão ou não sob hipnose, prejudica seus próprios
esforços e, se não passam no teste que impõem a si mesmas, sente-
se como se não estivessem fazendo progressos.
Quando uma pessoa deseja ardentemente ser hipnotizada, a
ponto de tornar-se ansiosa e tensa, a maior parte do tempo consiste
no processo de acalmá-la e relaxá-la antes, para depois poder ser
hipnotizada. A calma é o que trará resultados, o maior inimigo da
hipnose é a tensão, por isso deve ser evitados a ansiedade com os
resultados, espera-se que apenas aconteçam. Toda vez que se
anseia muito por uma coisa, fica-se nervoso e tenso, assim não se
consegue bons resultados. Isto acontece com um estudante tenso
que se transforma em um mau estudante e aprende pouco. Assim
também, nestas condições, será impossível reagir favoravelmente à
hipnose.
Quando se começar a aprender auto-hipnose, se dá tempo ao
tempo. Começa-se como principiante e relaxa-se, deixa as coisas
acontecerem em seu curso normal. Para obter melhores resultados,
deve o exercício acontecer sempre na mesma hora e no mesmo
lugar, todos os dias.
Relaxamento
O êxito da auto-hipnose é um bom relaxamento, condição
básica usada de forma vestibular para a aplicação do método
hipnótico. Através dessa prática, elimina-se o estado de tensão que
em nada contribui para a vida, mas é uma constante nos indivíduos
que vivem em grandes cidades onde a rotina diária é estressante.
Não só aplicado com propósitos hipnóticos, o relaxamento está
presente em várias outras propostas (às vezes religiosas ou
filosóficas), sempre com o objetivo de aliviar tensões físicas e
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 303

emocionais. 156 Em qualquer caso, quando é alcançado um bom


nível de relaxamento, a mente consegue uma extraordinária
habilidade para controlar procedimentos e objetivar soluções. Nessa
fase, sem tensões ou sobrecargas, são encontradas saídas para
alguns problemas que antes pareciam intransponíveis.
O relaxamento inicia-se pelo físico (corpo) e completa-se pelo
relaxamento da consciência (mente) permitindo, a partir daí, a
instalação do estado hipnótico. Todo método de auto-hipnose inclui a
fase de relaxamento, começando pelo nível físico, quando promove a
liberação de tensões musculares e, no nível mental, acalmando
excitações nervosas (ansiedades, preocupações, angústias, etc.),
resultando, assim, em um estado de calma e tranqüilidade. É
recomendado ser praticado pela manhã, após o despertar, e à noite,
antes de dormir. Esses exercícios duram, inicialmente, em torno de
quinze minutos até que se domine a técnica e sinta-se familiarizado
com ela. Mais tarde, cada experiência não deverá durar mais do que
um minuto e isso poderá se tornar parte de um ritual tranqüilizador
que, independente da hipnose plena, trará grandes modificações na
vida do praticante.
O relaxamento facilita o sono e isso também representa
solução para muitos problemas. A influência do sono sobre o nível de
aprendizado é boa, também no humor e na capacidade de memória,
quem dorme mal tem problemas para se lembrar de fatos recentes.
O sono pode provê condições para o desempenho de diversas
atividades de maneira altamente eficiente.
Durante o sono, o relaxamento antecede e amplia a fase do
sono REM (rapid eyes movment) que se caracteriza pelo rápido
movimento dos olhos. É nesta fase que se atinge o ápice do
relaxamento e as funções do sono são potencializadas ao máximo.
Algumas pessoas na prática do transe hipnótico apresentam
sintomas como se estivessem na fase REM do sono. 157
O método de relaxamento é muito variado, porém segue uma
linha básica que norteia sua aplicação. Para os iniciantes deve ser
falado por outra pessoa ou gravado com a própria voz, com clareza,
calma e serenidade, com a seqüência que determine as fases
descritas:

156
O relaxamento faz parte das práticas recomendadas, entre outros lideres, pelos
a
Mestres da Yôga (DeRose, L.S. A. Faça Yôga antes que você precise. 6 . edição,
São Paulo, Editora União Nacional de Yôga, 1995).
157
MAAS, James B. Power Sleep, Harper Perennial, N. York, 1998.
304 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

• Fase I. Fecho os olhos... Relaxo a testa... Relaxo os músculos da


face e dos olhos... Relaxo o pescoço... Relaxo os braços,
antebraços e mãos... Relaxo a musculatura do peito... Relaxo o
abdome... Relaxo os músculos das coxas... Relaxo os pés...
Procuro sentir todo corpo... Sinta que meu corpo está ficando
cada vez mais pesado... Cada vez mais pesado... Mais pesado...
Relaxo as pernas... Relaxo os músculos da cintura... Deixo o
corpo pesar... Relaxo a nuca.
• Fase II. A partir de agora aumenta o poder de concentração em
tudo que penso... Procuro visualizar tudo que da maneira que
mais agradável... Visualizo um gramado... Um bosque de verde
intenso... Estou neste bosque... O gramado é macio, gostoso...
Olho para cima e vejo imensas copas das árvores... Raios de luz
que passam por entre as folhas... A temperatura é agradável,
muito agradável... Nem calor, nem frio... Respiro fundo, Uma...
Duas... Três... Quatro... Cinco vezes... Estou relaxado
profundamente.
• Fase III. Lentamente, com os olhos da mente, vejo à frente uma
escada... Conto e vejo que tem dez degraus... Essa escada é
bonita e a sombra das folhas se projeta em seus degraus... Sinto
uma vontade enorme de subir esses degraus e, aos poucos, vou
subir... À medida que subo... Ganho confiança e fico mais leve...
UM... Começo a subir... DOIS... TRÊS... QUATRO... Estou mais
confiante e mais leve... Libertando as preocupações... CINCO...
Já foi a metade da escada e, a mente fica vazia... Sem
preocupações... Essa subida dá prazer... Muito prazer... SEIS...
SETE... OITO... Estou muito leve... Seguro... NOVE... DEZ...
Chegou o topo da escada... Vejo uma enorme porta que se abre
permitindo que eu entre numa sala ampla... Tudo em volta é em
cores suaves...
• Fase IV. Respiro fundo... Absorvendo tranqüilidade, calma... Na
proporção que respiro, esqueço... Esqueço o corpo... Imagino
meu corpo... É difícil saber qual posição estão os braços... Em
qual posição estão os pés ou pernas... o pensamento começa,
também, a desaparecer... Apenas percebo um círculo luminoso à
altura da testa... Apenas percebo... O círculo é cada vez mais
forte... O relaxamento mental é pleno... Isso vai durar algum
tempo... A mente vazia sem pensamentos... Relaxo plenamente,
física e mentalmente... Isso vai durar alguns minutos... A partir de
agora entro em completo relaxamento.
• Fase V. (Após, pelo menos três minutos de silêncio). Começo a
visualizar uma floresta e, nele, avista um lago... Um imenso lago
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 305

de água tranqüila... O lago espelha em sua superfície muita


calma... Respiro fundo e absorvo essa tranqüilidade... Essa
tranqüilidade transmite segurança... À medida que respiro fica
mais seguro, seguro das coisas que quero... Observo a natureza,
tudo é constante, tudo é determinado... Absorvo essa constância
e essa determinação... A partir de agora vejo que tudo vai
melhorar em minha vida... Sinto que tudo vai melhorar... Percebo
uma ponte... Olho os detalhes dessa ponte, sobre uma parte
estreita do lago... Vou atravessar a ponte... Atravesso, sem olhar
para trás... Vou chegar ao outro lado... É um lugar macio, este
lugar é maravilhoso... Esse lugar representa uma nova vida... É
um lugar melhor que o anterior... A ponte era uma etapa que foi
vencida... Neste gramado imenso, corro, brinco, e experimento
tudo que mais gosto de fazer... Respiro toda a energia desse
lugar... A partir de agora estarei sempre bem disposto... Este
lugar é maravilhoso... Respiro fundo e absorvo a grandeza deste
lugar... De hoje em diante, estarei revigorado pela energia da
natureza.
Na fase VI, se a pessoa estiver deitada e podendo continuar
assim, apenas adormece, e acordará quando for necessário,
revigorado e bem disposto. Caso necessite de sair do relaxamento,
procedera como a seguir indicado.
• Fase V. Respiro profundamente e ao expirar preparo minha
mente para sair do relaxamento... Vou contar até cinco e
retornarei ao nível de consciência normal... De hoje em diante,
terei a mente trabalhando em meu benefício... Cada vez mais,
saberei superar problemas e vencer adversidades... Vou começar
a contagem e retornar feliz e bem disposto... UM... DOIS...
TRÊS... Estou retornando... QUATRO... Retornando... CINCO...
Abro os olhos... Movimento todos os músculos... Retorno
plenamente.
Algumas pessoas preferem um método mais direto, menos
metafórico, se identificam com a linguagem clara e precisa; nestes
casos o relaxamento pode ser atingido com as proposições
construídas a seguir:
• Faço uma respiração profunda e relaxo ao expirar... Relaxo
profundamente e deixo a mente serena... Relaxo o corpo todo
como se estivesse derretendo e, sentindo mais a força de atração
da terra puxando meu corpo para baixo... Agora relaxo o corpo
todo... Tornando a respiração mais suave... Irradiando
descontração pela coluna vertebral e desta para o corpo todo...
Faço outra respiração profunda e relaxo ao expirar... Relaxando e
306 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

descontraindo a pele, músculos e nervos... Relaxando e


descontraindo até a medula... Soltando... Abandonando...
Desconcentrando... Relaxando os pés... Tornozelos... Pernas...
Joelhos... Coxas... Agora, também relaxando e descontraindo os
órgãos do abdome... Órgãos do tórax... Relaxando os ombros...
Braços... Mãos... Dedos... Agora, relaxo e descontraio o
pescoço... A cabeça... Soltando e descontraindo os maxilares...
Face... Lábios... Nariz... Olhos... Sobrancelhas... A testa e o couro
cabeludo... Relaxo por inteiro... Vou contar de dez a um e, a cada
número regressivo, estarei aprofundando mais ainda, neste
estado agradável de relaxamento... Descontraio... 10... 9... 8... 7...
6... 5... 4... 3... 2... 1... Agora um estágio mais profundo, mais
receptivo a boas sugestões e mais saudável... Sinto-me invadido
por um bem-estar indescritível... De muita leveza... Saúde e
felicidade... Sinto uma transbordante disposição para viver...
Trabalhar e Sorrir... Quando começar a abrir os olhos, sentirei
tudo isso de maneira mais forte... Estarei cheio de energia...
Respiro profundamente e, ao expirar, preparo a saída do
relaxamento... Vou contar até cinco e retornar ao nível de
consciência normal... De hoje em diante, terei a mente
trabalhando em meu benefício... Cada vez mais saberei superar
problemas e vencer adversidades... Agora, conto até cinco e
estarei completamente despertado... UM... Estou despertando...
DOIS... Todas as sensações da hipnose deixam o meu corpo...
TRÊS... Estou ficando cada vez mais desperto e
maravilhosamente bem... QUATRO... Os olhos se abrem...
CINCO... Respiro profundamente e estou completamente alerta...
Feliz e bem disposto.
Testes para auto-hipnose
Noventa e oito por cento dos indivíduos são hipnotizáveis, o
segredo está em descobrir de que modo se é mais sugestionável.
Conhecer os testes de auto-sugestão e praticar um teste diferente
por dia, pelo menos uma vez por dia durante duas semanas, é a
forma mais rápida de criar os elementos básicos que permitirão o
emprego da auto-hipnose. Depois de praticar todos os testes, deve
ser escolhido aquele em que se aprofundou mais e, continuar a
praticá-lo até o fim da segunda semana para adquirir proficiência
prática.
• Teste I - Junte as pontas do polegar e do dedo indicador e aperte.
Ao mesmo tempo, contemple-os mentalmente e imagine que
estão grudados com cola. Imagine ainda que ao redor das unhas
haja fortes cintas de esparadrapo, unindo-as mais fortemente. À
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 307

medida que for exercendo maior pressão, diga a você mesmo que
as pontas dos dedos estão ficando cada vez mais afixadas entre
si e que não se separam. Quando você contar até três, o dedo
indicador e o polegar não se separam até que você diga JÁ.
Quanto mais você tentar separá-los, mais grudados eles ficarão.
Se você reagir de maneira satisfatória a esse teste, não terá
dificuldades em aprender a hipnotizar-se. Se sua reação não for tão
favorável, não se aborreça, porque eventualmente você encontrará
sua área de sugestibilidade.
• Teste II - Junte bem as mãos e estenda os braços a sua frente.
Feche os olhos e imagine que as mãos estão sendo fundidas.
Imagine-as como um sólido bloco de madeira. À medida que você
for imaginando, vá apertando as mãos gradativamente. Diga a
você mesmo: Minha mão está sendo colada completamente, uma
na outra... Quando eu contar até três, serei incapaz de separá-las
até que diga JÁ.
A maioria das pessoas reagirá favoravelmente a este teste,
desde que dêem tempo ao tempo e façam bom uso da imaginação.
Os que reagem bem a este teste deverão ter imaginação forte.
Quando você testar-se desta forma, não se preocupe com o tempo e
vá tentando, tanto quando lhe seja possível ver suas mãos como um
sólido bloco.
• Teste III - Sente-se confortavelmente numa cadeira reta, deixe que
as mãos fiquem caídas, sem esforço, ao longo de cada um de
seus lados. Feche os olhos e relaxe, imagine que suas mãos são
dois pesos de chumbo. Diga a você mesmo o seguinte: Minhas
mãos estão ficando cada vez mais pesadas... Sinto que são muito
grandes e pesa como nunca... Minhas mãos sentem-se
preguiçosas e cansadas... Neste momento, para mim, a coisa
mais difícil é levantá-las, porque estão cansadas e preguiçosas...
Quando eu contar até três, será impossível levantá-las, até que eu
diga JÁ.
• Teste IV - Uma vez mais se sente confortavelmente numa cadeira
reta. Coloque as plantas dos pés contra o chão. Deixe uma das
mãos descansar relaxadamente sobre a coxa, logo acima do
joelho. Deixe que o corpo relaxe e olhe mentalmente para a mão.
Pense o seguinte: Minha mão está ficando muito leve... Dentro em
pouco ficará mais leve que o ar... Começará a flutuar... Minha mão
está ficando cada vez mais leve... Tão leve como uma pluma...
Sinto a mão como uma pluma soprada pelo vento... Quando a
mão começar a erguer-se, diga a você mesmo: Minha mão
308 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

continuará a ficar mais leve, e continuará a subir até que eu diga


JÁ.
Esse teste consome mais tempo do que os outros, porém, se
os resultados forem satisfatórios, é sinal de que o praticante vai indo
muito bem.
Os próximos testes dependem inteiramente da imaginação. Os
primeiros quatro usaram a imaginação, mas houve também fatores
físicos fortemente envolvidos. A ênfase agora recai sobre a
imaginação e a aptidão para criar imagens mentais.
• Teste V - Deite-se de costas para fazer este exercício mental.
Feche os olhos, após o relaxamento comece a pensar num
momento que lhe foi agradável e em que experimentou uma forte
emoção. Vá devagar; deixe a mente derivar lentamente para a
ocasião. Veja-se naquele ambiente, veja a cor das paredes,
móveis, detalhes. Veja as outras (se houver) pessoas presentes.
Agora, comece a sentir-se no lugar, relembre detalhadamente o
que conversou, comece a ouvir e a dizer mentalmente tudo que
você falou, na mesma ordem cronológica. Vá devagar e reviva
integralmente, reviva o detalhe que lhe deu mais prazer, sinta
emoções, reviva tudo que lhe deu prazer.
Os que reagem bem a esse teste são capazes de conseguir
muito êxito com auto-hipnose dentro de bem pouco tempo.
• Teste VI - Feche os olhos e, após o relaxamento, visualize um
ponto preto no meio de sua testa. Dê tempo ao tempo e permita
que o ponto se materialize. Quando o ponto aparecer, sem
pressa, veja formar-se um círculo vermelho ao seu redor, depois
um círculo azulado, até que outras cores se formem sem que
você as determine, poderá aparecer a cor branca, amarelada ou
rosa. Finalmente, você verá o ponto se transformar em uma luz.
Veja a luz no meio de sua testa. Só a luz, não pense mais em
nada.
Esse teste geralmente surpreende aos que por eles passam,
porque sentem uma calma e um relaxamento profundo logo depois.
• Teste VII - Deite-se de costas numa superfície plana, como um
tapete no chão. Fique deitado com os braços estendidos ao longo
do corpo, deixe o corpo completamente solto. Relaxe. Relaxe
mais ainda. Com os olhos fechados, lentamente expire, depois
inspire; retenha a respiração por dois segundos, então expire
lentamente outra vez. Repita várias vezes esse procedimento.
Imagine seus pés, depois não os sinta mais, como se não
existissem. Pense em suas pernas até não senti-las, o tórax, o
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 309

abdômen, esqueça-os. Você não mais os sente. Sinta os braços e


esqueça-os. Você agora só sente sua cabeça, esqueça a boca.
Agora você só vê um círculo em torno de seus olhos. O círculo
começa a brilhar. Cada vez mais. Agora você vê apenas uma luz.
Nada o incomoda. Sente uma sensação de estar flutuando. Vê
apenas uma luz. Relaxe. Conte até cinco e acorde. Ao acordar
experimentará uma paz como nunca sentiu antes.
É esse, entre todos os testes, o mais gratificante e só depois
dele deverá praticar o próximo.
• Teste VIII - Deite-se como no teste anterior. Deixe o corpo
completamente solto. Relaxe. Lentamente expire, depois inspire.
Retenha a respiração por dois segundos, então expire lentamente
outra vez. Repita esse procedimento por dez vezes, continue a
fazer até não perceber como está fazendo. Faça isso durante
cinco minutos. Inicie o processo, aprofundando o relaxamento do
corpo, até o relaxamento completo. Comece a sentir-se como se
fosse uma bola cheia de ar lentamente esvaziando, pense que
você está se desligando do seu próprio corpo, pense que sua
mente está sendo separada de seu corpo. Está se separando de
você mesmo. Comece a ver à sua volta, os móveis, veja bem,
com detalhes. Sinta-se como se estivesse andando. Vá andando
até a porta. Olhe devagar para trás. Agora você se verá deitado.
Não se assuste. Veja-se bem, como se você fosse outra pessoa.
Relaxe, não pense em mais nada agora. Acorde devagar. Só abra
os olhos após contar até cinco e quando você disser JÁ.
Nesta experiência, as pessoas retornam com uma sensação de
leveza indescritível.
Métodos de auto-hipnose
Os métodos são fórmulas que conduzem ao estado hipnótico,
tanto hetero-hipnose como auto-hipnose. Antes de se adotar um
método, deve-se escolher um dos testes já apresentados, aquele em
que se foi mais bem sucedido, como preâmbulo para aplicação do
método que levará ao transe. Feito o teste, antes de finalizá-lo a
pessoa deverá dizer a si mesmo que, a partir desse momento, terá
início à indução hipnótica.
Se reagir bem ao teste sete ou oito, é sinal que já está muito
próximo ao transe hipnótico. As fórmulas são divididas em quatro
momentos. A primeira contém o relaxamento progressivo, a segunda
é a indução, a terceira é a sugestão real (matriz) dada para a reação
pós-hipnótica e a quarta parte é o chamado processo de despertar.
310 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

O método auto-hipnótico apresentado deve ser aplicado após a


pessoa escolher numa posição na qual se sinta mais confortável
possível. Dizendo a si mesmo:
• 1º Passo - À medida que fecho os olhos, entro em completo
estado de relaxamento... Presto atenção apenas aos
pensamentos voltados para mim mesmo... Agora me sinto
completamente confortável e à vontade... Minha respiração é
fácil, normal e suave... Cada vez que respiro aprofunda o
relaxamento... Sinto o fluxo do ar entrando nos meus pulmões e
isso me faz relaxar mais profundamente ainda... Agora, centralizo
a atenção nos meus pés... Começando a relaxar pelos dedos dos
pés... Sinto essa sensação de relaxamento deslocar-se pelo pé
até o calcanhar... Os pés estão frouxos, sem força;
completamente relaxados... Esta sensação de relaxamento sobe
aos tornozelos, que estão ficando frouxos e sem movimento...
Esta sensação sobe pelas pernas, que se tornam frouxas e
relaxadas... Estão relaxadas. A sensação sobe para os joelhos,
que ficam completamente frouxos... Toda contração muscular
desapareceu... A sensação sobe mais, dos joelhos para as
pernas inteiras... As pernas estão totalmente relaxadas frouxas...
Aprofundo-me mais e mais a cada vez que respiro... A sensação
de relaxamento chega ao abdômen... O relaxamento começa a
chegar às costas... Cada vez que respiro, isto me faz relaxar mais
e mais... Meus ombros estão relaxando... Os músculos das
costas estão se afrouxando... Relaxando as costas e os ombros...
O peito está relaxando, mais e mais... Começo a relaxar os dedos
das mãos... Os dedos estão se afrouxando... Isto sobe para as
mãos... Vagarosamente sobe para os braços. Perfeitamente
relaxado... Estou cada vez mais relaxado... Meu pescoço está
relaxando... Sinto minha garganta descontraída e relaxando,
relaxando... Esta maravilhosa sensação calmante agora sobe da
nuca até o alto da minha cabeça... O alto da minha cabeça está
tão relaxado, que o meu cabelo se afrouxa... Todos os fios estão
frouxos... Estou entrando em hipnose... Cada vez mais profunda...
Nada será capaz de me perturbar agora, sinto-me
maravilhosamente leve... Uma sensação extremamente agradável
toma conta de mim... Agora, meu corpo todo está no mais
completo relaxamento... Não sinto nada... Todo o corpo está
afrouxado... Eu sou apenas uma sombra... Uma sombra... Uma
sombra... Uma paz... Uma paz toma conta de minha mente...
Minha mente está relaxando como meu corpo... Minha mente está
relaxando e experimentando esta maravilhosa sensação de paz e
tranqüilidade... Toda tensão, preocupação e dúvida
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 311

desapareceram... Meu inconsciente está ficando receptivo aos


bons pensamentos e idéias que logo darei a mim mesmo.
Nesta fase estará completado o relaxamento, que é o primeiro
estágio da auto-hipnose e, fica mais próximo ir ao encontro do “Eu
Interior”. Quando encontrá-lo, si pode conversar com ele e colocar as
matrizes que quiser, serão essas que orientarão a vida daqui para
frente. Poderão ser superados problemas, estabelecer metas e
atingir os objetivos de vida desejados.
A partir daqui, se for necessário, poderá ser usado um meio
eletrônico para reproduzir o áudio que si deseja ouvir. Será a última
etapa da fase anterior. O som deverá ser ligado sem muito esforço
físico, aconselha-se o uso de controle remoto. Além da voz poderá
também ser gravado um fundo musical suave, normalmente
utilizando-se de músicas clássicas ou específicas para esse fim.
• 2º. Passo - Agora estou sentindo uma sensação de profunda
leveza... Cada vez maior... Cada vez mais profunda... Vou
começar a contar de 10 a 0, aprofundando-me neste estado até
entrar em contato com meu inconsciente... DEZ... Estou
começando a descer a escada que me levará ao meu
inconsciente... NOVE... Muito relaxado, aprofundando-me cada
vez mais, no mais absoluto relaxamento... OITO... Para baixo,
para baixo, para baixo... SETE... Mais profundo ainda, descendo
cada vez mais... SEIS... Profundo, mais profundo, mais
profundo... CINCO... Sinto o mais absoluto silêncio, uma paz
profunda... QUATRO... Apenas vejo uma luz... TRÊS... A luz do
meu inconsciente, DOIS... Um estado de relaxamento profundo,
pleno, absoluto... UM... Vejo a luz... Só a luz, mais nada...
Encontrei o meu Eu... ZERO... Agora estou em contato direto com
meu inconsciente... Estou pronto para receber boas sugestões.
Nesta fase, tudo que for informado ao inconsciente será
obedecido, não só poderá estabelecer novas metas, como também
poderá suprimir matriz antiga que estão a dificultar a vida,
reprogramar em parte ou no todo o pensamento, a expectativa de
vida e as possibilidades de melhoria em todos os sentidos. Pode
acrescentar qualquer sugestão desejada e formar novas matrizes no
inconsciente. Neste terceiro passo, se não houver uma matriz
prioritária, é aconselhado seguir algumas sugestões preliminares
como, por exemplo:
• 3º. Passo - No futuro, quando eu quiser chegar a este estágio da
hipnose, tudo o que terei a fazer é instalar-me confortavelmente e
dizer a mim mesmo... Vamos, relaxe agora, relaxe, relaxe,
profundo... Quando eu disser essas palavras a mim mesmo,
312 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

imediatamente entrarei em hipnose... Cada vez que me


hipnotizar, conseguirei fazê-lo melhor... Cada vez será mais
rápida e mais profundamente do que a anterior... Cada vez que
me hipnotizar, automaticamente conseguirei melhor equilíbrio
entre a minha mente consciente e a minha mente inconsciente...
Estas sugestões estão agora penetrando em meu inconsciente...
Meu inconsciente automaticamente realimentará estes
pensamentos em minha vida consciente... A partir de agora,
desenvolvo a faculdade de controlar minha própria vida e
felicidade e, a cada dia, estarei aperfeiçoando isso... Ponho em
uso a minha mente e desenvolvo novas potencialidades em todos
os instantes do dia... Tudo que eu imaginar de bom realizar-se-á
em curto prazo e com exatidão... Estou no caminho certo para
adquirir tudo de positivo para o meu corpo e minha mente...
Jamais me aborreço... Boas soluções sempre vão surgir em
minha vida... Estou agindo, no momento mais adequado, com
determinação para merecer sempre a vitória... Hoje serei melhor
do que ontem... Amanhã serei melhor do que hoje e, assim,
continuarei melhorando constantemente.
• 4º. Passo - Agora voltarei ao meu estado normal de consciência...
Quando despertar, minha mente estará alerta e o meu corpo
perfeitamente coordenado... Estarei cheio de energia, vigor e
vitalidade... Descansado e rejuvenescido... Estarei, de todas as
maneiras possíveis, em estado normal... Conto até cinco e estarei
completamente despertado... UM... Estou despertando... DOIS...
Todas as sensações da hipnose deixam o meu corpo... TRÊS...
Estou ficando cada vez mais desperto e sinto-me
maravilhosamente bem... QUATRO... Meus olhos se abrem...
CINCO... Respiro profundamente e estou completamente alerta,
feliz e bem disposto.
Tipos de matrizes
Matriz é a sugestão elaborada para convencer o inconsciente
e fazer com que aconteçam ações compulsivas, geradoras de
mudanças na vida das pessoas através da conquista de novas
metas. Para formular uma matriz é preciso saber como pode ser
direcionado o processo de elaboração dos pensamentos e como os
sentimentos e estados emocionais influenciam neste resultado. É
preciso saber também usar os sentidos internamente, vendo
imagens mentais, falando a si próprio, ouvir sons e ter sensações.
Assim é possível programar uma linguagem que seja eficaz para
convencer o inconsciente.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 313

Quando Émile Coué explica a lei do efeito contrário, diz que


existem duas maneiras pelas quais a sugestão é processada; uma é
a sugestão guiada pelas palavras, a outra é guiada pelas imagens
visuais que as palavras geram na mente. Quando uma pessoa ouve
ou pensa palavras, o cérebro imediatamente processa como
imagens e, freqüentemente, a imagem criada no cérebro é contrária
à idéia que as pessoas estão tentando comunicar com palavras.
Algumas palavras como não, não posso, não devo, devem ser
suprimidas quando se formula uma Matriz, para se evitar a formação
de imagens que favoreçam o efeito contrário do que representam as
palavras.
A imagem visual não processa imagem negativa expressa
pela palavra não, pelo contrário, projeta a imagem positiva do fato
negado, justamente a que "não" era para ser projetada. Quando
alguém tenta "não" imaginar um gorila rosa, primeiro imagina o gorila
para depois tentar esquecer em vão. Outro exemplo é quando a mãe
dirigindo-se ao filho e diz "Agora, querido, não derrame seu leite", a
imagem visual criada imediatamente na mente da criança é o leite
derramando e, inconscientemente, fará isso acontecer. Uma vez que
a imagem visual é criada, o inconsciente procura transformar aquela
visão em realidade. A criança estava "imaginando" o leite derramado
pela mesa e, logo em seguida, o braço bate "acidentalmente" no
copo, porque inconscientemente está procurando trazer para a
realidade a imagem visual que está vendo. Embora a mãe a
repreenda por "não prestar atenção", a criança, verdadeiramente,
estava atenta ao que a mãe disse, mas, agiu em sentido contrário.
Para Roger 158 as pessoas são aquilo que pensam, imaginam e
percebem. Se os pensamentos, imagens e percepções são
destrutivos, pode evitar seus efeitos distraindo a atenção do aspecto
negativo e concentrando no positivo e, isto significa ignora o
negativo. Quanto a palavra “não” aconselha que deve evitada porque
ela fatalmente reforçará a lembrança do que não se quer lembrar. Se
alguém disser, “não sentirei dor”, lembra da dor e a reforçara; se
disser, “não soluçarei mais” reforçara o soluço; “não permanecerei
acordado a noite inteira”, reforçara a insônia. Para obter êxito o
problema tem que ser esquecido por inteiro, a mente deve ser
ocupada com outro fato diferente, que fará esquecer o anterior. A
técnica da distração não visa apenas substituir o pensamento
negativo pelo positivo, mas na verdade, pretende enfatizar o positivo.

158
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através a auto-hipnose. Rio de Janeiro, ed.
Record, 1978.
314 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

Esse esquecimento do problema pode ser iniciado conscientemente


e, após o relaxamento, poderá ser instalado como matriz.
Antes do processo de relaxamento é preciso especificar
exatamente o que se quer, em uma linguagem programada com o
uso de imagens, sons e sensações. A meta precisa ser estabelecida
antes do processo hipnótico, como uma pré-sugestão. Deve ser
determinado o que quer, em que contexto, onde, quando, com quem
etc. É preciso deixar claro previamente ao processo da auto-hipnose,
o quê especificamente vai ver, sentir, ouvir e estar fazendo durante o
transe. A meta precisa ser elaborada em termos positivos, uma meta
negativa do tipo eu não quero, cria o efeito contrário, mas não posso.
Também devem ser substituídas palavras do tipo quero, tentarei,
talvez, etc. Exemplo: eu quero parar de... Eu quero viver sem...
Frases devem ser conscientemente escolhidas para formular a
imagens mentais positivas, escolhendo as palavras para comunicar a
idéia de maneira correta. Em vez de, não cometerei muitos erros ou
não passarei no teste, deve ser, acertarei o máximo e a nota no teste
será excelente. Neste sentido, como forma de evitar o uso de frases
mal formuladas, podem ser usadas metáforas (técnica de Milton
Erickson) que, embora perca a especificidade, ganham por favorecer
a construção de imagens mentais de metas positivas.
As sugestões instaladas no inconsciente são chamadas de
matriz e vão realimentar o consciente fazendo com que a pessoa
execute atos compulsivos até atingir suas metas. Usada
eficazmente, a auto-hipnose pode ser uma ferramenta poderosa para
efetuar as modificações que sejam necessárias para reeducar a
mente. Instalando novas matrizes, a pessoa passará a pensar de
uma maneira nova e saudável.
Se uma pessoa não é feliz, é imperativo que reeduque o seu
inconsciente, só assim, acreditará e será feliz em todas e quaisquer
circunstâncias. A pessoa é aquilo que seu inconsciente acredita e, o
que este acredita é enviado de volta à sua vida consciente,
determinando sua maneira de agir. Quando o inconsciente se
convence de um fato verdadeiro ou falso, passa a ser verdadeiro na
vida de uma pessoa e é capaz de afetá-la física e emocionalmente
para gerar transformações. Em parte, é através desse fenômeno que
se pode explicar as curas religiosas, para as quais são difíceis as
explicações.
O ser humano tem em seu interior todos os recursos
necessários para obter (ou não obter) o sucesso. E, isso só depende
de cada um. A concretização de objetivos de felicidade e qualquer
outra coisa necessária para desfrutar uma vida completa depende
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 315

exclusivamente da programação que for estabelecida no seu


inconsciente, que realimentará as idéias que programar ou permitir
que sejam programadas.
Ao estabelecer novas matrizes, a pessoa deverá definir bem as
metas para sua própria vida. Inicialmente, deve remover as matrizes
velhas que não sejam boas, eliminar o pessimismo, a falta de
confiança; eliminar, principalmente, idéias de autopunição que são
terríveis por serem autodestruidoras. Depois deve implantar a
confiança, a auto-estima e idéias de auto-realização. Concluída essa
etapa, reprograma seu inconsciente implantando as metas que
pretende atingir. Deve ser realista e, ao mesmo tempo, otimista na
programação. Também específico e determinando exatamente o que
quer, visualizando mentalmente, isto é, “vendo” o quadro com
imagens vivendo a situação desejada. Determinando a meta um
pouco mais alta do que se senta capaz de realizar no momento.
Quando verdadeiramente atingir a nova condição, avança na meta
para outro patamar acima do conquistado, e assim sucessivamente.
Fazendo isso, qualquer pessoa poderá surpreender-se em curto
prazo.
O poder de visualização mental é chamado de mentalização,
consiste na capacidade que têm as pessoas de pensar em algo e
imaginá-lo nas formas e cores que quiser. Mentalizar ou imaginar é
formar uma imagem mental, é se ver na cena imaginada como se
estivesse acontecendo, é operar mentalmente, figurando ou
concebendo fantasias e imagens como se fossem verdadeiras. As
pessoas podem desenvolver e aperfeiçoar essa técnica de imaginar
qualquer coisa que quiser, e, assim, estará contribuindo para que de
fato aconteça.
Se alguém estiver confuso na maneira de conduzir a
reprogramação do seu inconsciente, não deve se preocupar, a teoria
mais recente sobre o assunto diz que existe um outro caminho, é
como se fosse uma auto-reprogramação. Para isso, conscientemente
deve-se pensar nas mudanças, imaginar-se e “ver-se” conquistando
novas metas, depois apenas relaxa-se e deixa-se o inconsciente
trabalhar, ele executará a autoprogramação. Nesta hipótese entra-se
em transe hipnótico e permite que, automaticamente ocorram
mudanças curativas na mente e no corpo. As possibilidades de curas
ou de sucesso são plausíveis, considerando que nesta situação o
potencial do inconsciente pode ser revelado, e o poder de cura
desenvolvido.
Como bem ensinou o Marquês de Puységur, através da
hipnose todo o conhecimento de vida interior está disponível para
316 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

qualquer pessoa. O inconsciente sabe como resolver o problema de


cada um e, sabe muito bem o que é melhor para cada caso, porque
sabe a resposta certa. Poderá ser usada auto-hipnose para atingir a
informação e a solução que se precisar e, para isso, não é
necessário conhecer exatamente os mecanismos pelos quais
funciona a mente.
À medida que a mente se torna mais leve através do
relaxamento, tornam-se mais claros os conhecimentos, e a hipnose,
pela própria experiência, torna-se mais eficaz porque a pessoa
aprende a viver em harmonia com o seu Eu interior, com o seu Eu
inconsciente; a intuição natural desvendará os mistérios, a
aprendizagem ocorrerá sem necessidade de submeter-se a um
elaborado sistema de autodisciplina. Ocorrerá naturalmente melhoria
no seu modo de vida, de seus hábitos, de sua forma de ver o mundo
e nele melhor viver.
São infinitas as possibilidades de geração de matrizes que
devem ser construídas de acordo com as necessidades do
hipnotizado, mas deve ser aplicada uma de cada vez, por prioridades
entre todos os anseios. Não se deve instalar mais de uma matriz
numa mesma sessão e, só após a conquista de uma meta, outra
deve ser proposta, e assim sucessivamente. As criações de novos
modelos podem ser desenvolvidas para melhorar a aprendizagem, a
saúde, a criatividade, a liderança e a comunicação entre pessoas.
Depois de elaboradas, as Matrizes devem ser repetidas até que o
inconsciente aceite e ponha em prática.
Entre muitas outras matrizes que podem ser criadas pelo
próprio interessado e especificamente para sua necessidade, quatro
são clássicas, como: 1) Tratamento de saúde e estética do corpo, 2)
Ativadora de maior memória e facilidades para a aprendizagem, 3)
Solução de gagueira, 4) Tratamento da dor.
Tratamento de saúde e estética do corpo
A matriz sugerida a seguir é para tratamento de saúde e
estética do corpo, e dentro dessa concepção poderão ser feitas
adequações específicas para o hipnotizado, retirando ou
acrescentando sugestões:
• Ao ingerir qualquer alimento, imagino automaticamente que o
alimento sólido ou líquido será muito bem digerido e assimilado...
Funcionará como um remédio natural para garantir a saúde
perfeita do corpo e da minha mente... Curando qualquer coisa
que seja necessário curar... Mentalizo meu corpo para que
permaneça sempre saudável e perfeito... Projeto atenção sobre
meu corpo, parte a parte, beneficiando com esta prática o seu
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 317

funcionamento perfeito... Projeto atenção sobre meu sistema


nervoso, ordenando saúde, reflexos rápidos, mas sob controle,
tranqüilidade, mas com dinamismo... Projeto atenção sobre meu
cérebro, ordenando saúde e que aumente sua potência,
assimilando todo o oxigênio que precisar para a utilização de cem
por cento de sua capacidade... Projeto beleza física ao meu
aspecto exterior... É importante que meu corpo seja perfeito
interna e externamente... Imagino minha cintura, mantendo-a com
musculatura firme, proporcional e elegante... Imagino minha pele,
para que se torne cada vez mais bonita e saudável... Imagino
meu cabelo, para que permaneça jovem e bonito... Imagino meu
corpo todo com aspecto perfeito e agradável... Ele transforma-se
para atingir a forma que desejo. Meu cérebro esta ativando, na
sua melhor forma, para proporcionar a cura de meu corpo. A
partir de agora minha mente controla meu corpo... Estarei sempre
melhor, cada vez mais saudável... Cada vez melhor...
Ativadora da memória
Outra matriz freqüentemente utilizada por alunos de qualquer
grau de estudo é a ativadora de maior memória e, por conseqüência,
melhores facilidades para a aprendizagem. Dentro dessa concepção,
poderão ser feitas as adequações que identificam as necessidades
do hipnotizado. O método de auto-indução começa por um processo
de relaxamento convencional e para o aprofundamento passa pela
autocontagem de 1 a 10, nesta fase lhe é introspectado no
inconsciente uma auto-sugestão que pode ser elaborada nos
seguintes termos:
• Dia a dia minha memória melhora. Aprenderei com facilidade e
lembrarei de tudo que estudar. De agora em diante, minha
memória será fiel. Minha capacidade de concentração melhora
consideravelmente. Serei capaz de concentrar minha atenção no
que for útil ou necessário para ser ótimo aluno, em todas as
disciplinas, sem exceção. Minha atenção e memória dia a dia
ficam mais eficientes. Terei prazer em aprender e facilidade para
estudar qualquer disciplina. O ambiente da minha escola será
sempre bom, porque bons são meus colegas e meus professores.
Para o bom resultado é aconselhado visualizar a sala de aula,
os colegas e professores, imaginando a situação desejada. A
visualização pode ser complementada com o pensamento a seguir:
• A partir de agora minha memória torna-se infalível e poderei
recordar de todos os fatos, datas e números que eu tenha visto,
ouvido ou lido uma única vez... Serei capaz de reproduzir com
exatidão a qualquer momento que desejar... Meu poder de
318 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

concentração se amplia e se desenvolve aceleradamente... Cada


vez mais serei capaz de concentrar, imediatamente, meu
pensamento com perfeição naquilo em que quiser... Quando
estiver estudando, ruídos e outros estímulos, se ocorrer, ajudarão
a aprofundar mais a concentração... Por conseqüência da minha
memória clara e rápida, da minha concentração imediata e
profunda, minha inteligência aumenta cada dia mais... A
capacidade de ler, acumular, processar e comunicar qualquer
tipo de informação irá melhorar muito. Conseguirei lembrar de
uma grande quantidade de conhecimentos, aperfeiçoando
radicalmente a habilidade de concentração e percepção. Saberei
usar com equilíbrio e harmonia os conhecimentos que acumulo
em minha memória.
Nas primeiras sessões as sugestões para facilitar o
aprendizado devem ser específicas quanto ao objetivo desejado e o
tempo para o aluno efetivar seus efeitos. Exemplo:
• Meus olhos e centros visuais do meu cérebro desenvolvem a
propriedade da leitura rápida com assimilação integral... A cada
dia que passa, aumenta a quantidade de palavras assimiladas por
minuto de leitura, a ponto de simplesmente folhear um livro e
absorvê-lo por inteiro. Posso fazer citações do texto dizendo o
número da página em que se encontra impresso... Posso
aprender sem nenhuma dificuldade... Logo, bastará eu pensar no
título de um livro ou então no nome do autor e recordarei bem do
seu conteúdo... Tudo que eu me propuser a aprender, aprenderei
rapidamente para nunca mais esquecer... Quando acordar
amanhã, sentirei uma vontade irresistível de estudar... Sempre
que for possível estudarei com prazer e com aproveitamento...
Enquanto estiver estudando, sentirei uma sensação de alegria
intensa, uma impressão agradável de quem está progredindo, de
quem está vencendo na vida... (repetir).
Estas sugestões devem ser claramente expressas e repetidas,
pelo menos, duas vezes, em até cinco ou seis sessões; a partir daí,
as sugestões podem ganhar o conteúdo mais geral, por exemplo: “a
partir de hoje gostarei sempre de estudar e farei isso sempre que for
possível, obterei excelentes resultados nas verificações escolares”.
O estudante sentirá com intensidade as emoções sugeridas e
estudará com entusiasmo. Porém, como a sugestão nas primeiras
vezes foi limitada no tempo “amanhã, durante duas horas, você
estudará...”, deverá nas sessões posteriores se ampliar. Exemplo:
• Quando eu for estudar as lições, sentirei um prazer extraordinário
e o farei com grande aproveitamento e atenção. Minha memória
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 319

estará clara e eficiente, eu sentirei muita disposição para


estudar... E tudo se repetirá, cada vez que for a hora do estudo...
Cada dia que passe, meu interesse será maior... (repetir).
Solução de gagueira
É freqüente a aplicação da auto-hipnose na solução de alguns tipos
de gagueira. Segundo Weissmann: 159
A gagueira, via de regra, é a expressão neurótica de um
traumatismo emocional da infância. O ato de falar produz no
gago (e não apenas no gago, senão freqüentemente também
nos que ouvem), estados nervosos de angústia e inibições
fóbicas... O gago, intimidado, ainda que inconscientemente
diante de um possível castigo, pede, por assim dizer,
desculpas por estar dizendo o que não devia dizer. A gagueira
corresponde a uma fobia oral. A causa dessa fobia (ou
dificuldade) reside invariavelmente em alguma experiência
traumática do passado infantil. Um trauma psíquico equivale a
uma impressão. Por sua vez, uma impressão deriva de uma
sugestão original que continua efetiva no inconsciente
(WEISSMANN).
Considera Weissmann que uma sugestão só se neutraliza com
outra sugestão mais efetiva, ou então por uma análise elucidativa (o
que pode ocorrer com o auxilio da hipno-análise). Isso equivale a
dizer que só uma sugestão hipnótica, mais forte ainda do que a
sugestão que produziu o sintoma indesejado poderá produzir a cura.
Em caso de gagueira, os resultados devem ser obtidos ao longo de,
pelo menos, dez sessões realizadas com intervalos de dez a quinze
dias. Quanto a isso Weissmann afirma:
A gagueira corresponde a uma fobia e as fobias são mais
difíceis de eliminar hipnoticamente do que meros atos
obsessivos. Portanto, a cura da gagueira pela hipnose se inclui
entre as mais trabalhosas. Sempre exige uma série de sessões
(WEISSMANN).
O gago, sob efeito da sugestão pós-hipnótica, provavelmente
aceitará a sugestão corretiva, mas como precisa aprender a ajustar-
se a um ritmo, sua cura completa comportará pelo menos uma
dezena de sessões devidamente dramatizadas. A idéia do ritmo
pode estar contida na própria sugestão da forma seguinte:
• Falarei num ritmo de um pêndulo de um grande relógio... Vejo um
grande relógio de pêndulo... O pêndulo balança lentamente... De
um lado para outro... Preciso... Seguro... Ritmado... É assim que
sairão as palavras quando eu falar... Quando iniciar a falar,
159
WEISSMANN, Karl. O hipnotismo. Rio de Janeiro, Ed. Prado, 1958.
320 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

lembrarei inconscientemente do movimento desse pêndulo e


falarei nesse ritmo, sem atropelos... Posso, a partir de hoje, falar
fluente e fácil... Posso falar tão fluentemente quanto cantar...
Quando eu emergir deste estado hipnótico, descobrirei que sou
capaz de falar e cantar fluente e ritmicamente... Como se
estivesse ouvindo o compasso do pêndulo do relógio... Falarei
fluentemente e sem embaraços... A idéia do pêndulo eliminará
por completo o medo e o temor de falar... Terei autoconfiança
para desenvolver ótimo desempenho da fala... Ao falar, estarei
satisfeito comigo mesmo... Proferindo minhas palavras com
segurança e firmeza.
Nas sessões posteriores, o reforço pode ser complementado
por sugestões que reafirmem os argumentos anteriores de forma
mais decisivas, como exemplo:
• Posso de agora em diante articular perfeitamente todas as
palavras... No compasso do pêndulo do relógio, vou falar com
prazer, serena e despreocupadamente, sem gaguejar... A causa
da gagueira era o medo de tropeçar nas palavras... Temia a
crítica e a censura dos outros... Este medo desapareceu... Posso
falar livre, sem nenhuma dificuldade... Sem gaguejar... Vou
acordar contando vagarosamente até dez... A cada número,
penso no movimento do pêndulo... À medida que eu vou
contando vou acordando... Ao terminar a contagem, estarei
acordado e em condições de falar perfeitamente sem gaguejar...
De hoje em diante vou falar no ritmo do pêndulo.
Tratamento da dor
É significativa a relação entre a capacidade para o transe e a
capacidade de controle da dor, por isso a hipnose foi muito utilizada
por cirurgiões antes da invenção dos anestésicos químicos e, ainda é
usada por alguns dentistas e médicos em casos em que os pacientes
são alérgicos à anestesia. Mas, antes da sua aplicação no controle
da dor e outros males físicos, é necessário que se certifique antes
dos motivos de sua origem. Em termos acadêmicos a dor é definida
como uma sensação desagradável, provocada por lesão ou por
estado anômalo dos órgãos e, é através dela que se tem a condição
de saber se alguma região do corpo não se encontra bem.
Tratando-se de sintoma de alguma doença, a dor representa
um mecanismo de alerta. Por isso, se alguém sofre de alguma dor,
ou se sente adoentado, ou suspeita de que há algo errado com seu
organismo ou seu psiquismo, deve procurar um médico; é bom
lembrar que só médicos tem prerrogativas legais para fazer
diagnóstico de saúde. O recurso da hipnose não deve ser
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 321

considerado terapia alternativa, não se propõe substituir tratamento


convencional, é opção paralela. Ocorrendo um problema de saúde o
médico deve sempre ser consultado. Peça para o médico esclarecer
se há uma causa para o mal que o aflige; se há uma anomalia é
necessário tratá-la de forma convencional. Somente então é que se
deve recorrer à hipnose para eliminar ou atenuar a sensação de dor.
É fato que a experiência da dor é um fenômeno tanto físico
como psicológico. Por isso, uma pessoa pode perceber e ampliar a
dor em função de fatores cognitivos, perceptivos, emocionais,
comportamentais e interpessoais. As primeiras experiências do
indivíduo influenciam seu comportamento perante a dor, a influência
das atitudes dos pais sobre a criança representa seu comportamento
quando adulto; algumas famílias ficam agitadas com pequenos
golpes e contusões insignificantes, enquanto que outras têm
tendência a dar pouca atenção a ferimentos de certa gravidade. As
observações cotidianas levam a pensar que as atitudes, perante a
dor, adquirida na infância persistem na idade adulta.
Entre outros fatores de agravamento da dor, também está o
grau de atenção, ansiedade e distração. Se uma pessoa concentra a
atenção numa situação potencialmente dolorosa, tende a sentir
dores mais intensas do que o normal. A expectativa da dor é o
bastante para aumentar a ansiedade e conseqüentemente a dor
sentida. Assim Dowd 160 descreve esses fatores:
a) Fatores Cognitivos e Perceptivos - Os indivíduos com dor tendem
a pensar nela constantemente e de modo catastrófico. É possível
diminuir a experiência de dor desviando sua atenção, envolvendo-
se em imagens incompatíveis, como, por exemplo, uma cena
tranqüila na praia, e tendo pensamentos positivos sobre a própria
capacidade para afrontá-la. Os indivíduos relativamente
desocupados são especialmente vulneráveis à experiência de
dor. Os pensamentos negativos geralmente aumentam a dor,
enquanto os pensamentos positivos normalmente a diminuem.
b) Fatores Emocionais - A experiência de dor pode causar também
uma grande quantidade de emoções, especialmente a ansiedade.
Quando o tipo de dor é esporádico, então os indivíduos podem
ficar muito nervosos enquanto espera o começo da dor, o que só
serve para intensificá-la quando ocorrer. Este efeito recíproco
pode ser um fator importante no agravamento da dor.

160
DOWD, E. Thomas. Hipnoterapia. In: Manual de técnica de terapia e
modificação comportamental. Org. Caballo, Vicente E., São Paulo, Ed. L. Santos,
609 - 628, 1987.
322 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

c) Fatores Comportamentais - A pessoa com dor, geralmente


manifesta muito “comportamento de dor”, como queixas verbais,
lamentos, andar rigidamente, esfregar a zona dolorida e tencionar
os músculos. Além de servirem como estímulo que
constantemente os lembram que têm dor, algumas destas
atividades, como o contrair e tornar rígidos os músculos, cria uma
dor adicional.
d) Fatores interpessoais - A dor é também um fenômeno social,
tanto físico como psicológico. Os indivíduos com dor recebem
mais reforçadores sociais provenientes de outras pessoas de seu
ambiente. Isto pode converter-se em algo muito reforçador
socialmente e pode persistir inclusive após ter desaparecido a
base física da dor. Além disso, algumas pessoas com dor se
beneficiam com a atenção para si por outras pessoas, e por isso
não podem inconscientemente abandoná-la.
Corroborando as afirmações de Dowd, Spiegel 161 assim se
refere:
A capacidade de indivíduos hipnotizáveis de focalizar a
atenção e alterar suas respostas à percepção enquanto ao
mesmo tempo provocam um estado físico de relaxamento lhe
dá uma oportunidade incomum de reestruturar suas
experiências de dor e, deste modo, desenvolver um senso de
domínio sobre elas. Visto que a experiência de dor é tanto
psicológica como física, a técnica mobiliza e focaliza a
experiência cognitiva enquanto produz um senso de
relaxamento físico. Ela pode ser especialmente útil para dar
aos indivíduos um senso de domínio. Afinal de contas, a
tensão na dor situa-se principalmente no cérebro (SPIEGEL).
A dor apenas como psicológica é tema da tese de doutorado
apresentada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) pela
médica reumatologista do hospital Albert Einstein, Evelin
Goldenberg. 162 Ela explica que os traumas resultantes da violência
sexual trazem danos à saúde da mulher e afirma que 10% das
mulheres com fibromialgia, em determinada fase de suas vidas,
sofreram abuso sexual.
Há mulheres que hoje estão com a vida feliz, estável, mas
sentem muitas dores pelo corpo. Com uma conversa

161
SPIEGEL, David. Hipnose. In: Tratado de psiquiatria. Porto Alegre, Org. Talbott
et al, Ed. Artes Médicas, 1993.
162
GOLDENBERG, Evelin. Vítimas de violência sexual sentem mais dor durante a
vida. Resumo de Tese de Doutoramento (Jornal Correio da Bahia, Saúde, p. 6.
23/04/2004).
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 323

percebemos que as dores são frutos de alguma violência


sofrida no passado. A fibromialgia se caracteriza por dores
generalizadas na coluna e no corpo, cansaço permanente e
depressão. As mulheres vítimas de abuso ou violência passam
a vida inteira fazendo exames para determinar a causa da dor,
mas nunca conseguem um diagnóstico. (GOLDENBERG).
Pesquisas publicadas na Medscape, site internacional de
publicação médica, e dados publicados pelo Centro Feminista de
Assessoria – CEFEMEA têm demonstrado que o trauma emocional
da violência leva muitas crianças e adolescentes a sentirem dores
abdominais, mesmo algum tempo depois do ato de violência sofrida.
Nestes casos, as reações ou sintomas dos traumas observados em
crianças, apontam também dificuldades para dormir e evitar
situações a que antes da violência se submetia espontaneamente.
Também revela perda de interesse pelos estudos e uma
conseqüente queda no desempenho escolar.
Considerando a presença dos diferentes componentes
psicológicos que contribuem para sensação dolorosa, uma das
maiores expectativas da hipnose e da auto-hipnose é sua cura.
Neste sentido, o procedimento mais aplicado utiliza a técnica da
distração. É uma técnica simples e poderosa, porque a mente
humana permite que nos concentremos somente em uma única
coisa de cada vez; podemos até mesmo permanecer consciente das
outras coisas à nossa volta, mas só nos concentramos em um único
alvo. Para Roger, 163 podemos esquecer a dor se concentramos
nossa atenção no prazer. E, cita como exemplo:
O que acontece quando uma criança cai, arranha o joelho e
começa a chorar? Se for uma garotinha podemos distraí-la da
dor chamando-lhe a atenção para o vestido lindo que está
usando ou para as flores à sua volta. Milagrosamente, as
lágrimas param de rolar e o choro diminui quando ela,
distraindo sua atenção da dor, passa a concentrar-se no
vestido ou nas flores (ROGER).
Partindo do princípio de que você consultou um médico que,
por sua vez, não encontrou quaisquer causas orgânicas para a sua
dor ou, então, descobriu realmente uma anomalia orgânica que já
está sendo tratada e, qualquer que seja o caso, você deseja
combater a dor, uma Matriz com esse objetivo deve ser elaborada.
Após a indução usual ao estado de relaxamento, tenha em mente
proposições onde palavras como “dor” ou “lesão” devem ser evitadas

163
ROGER, Bernhardt. Autodomínio através da auto-hipnose. Rio de Janeiro, ed.
Record, 1978.
324 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

e, incentivadas palavras do tipo “conforto”, “bem-estar” e


“relaxamento”.
• À medida que for aprofundado o transe, fico cada vez mais
confortável em todos os sentidos... Meu corpo é totalmente
comandado pela minha mente... Sou capaz de direcionar meu
corpo e minha vida... A cada dia, aumento o controle sobre meu
corpo... O corpo sente o que a mente permite... Concentrarei
minha mente em situações boas... Minha mente desenvolve
plenamente o controle das sensações... Eu posso sentir ou deixar
de sentir o que desejar... Toda vez que qualquer desconforto
estiver me ocorrendo, eu trocarei automaticamente esta sensação
por lembranças de cenas agradáveis... Meu cérebro é capaz de
alterar seu mecanismo e ignorar sensações que incomodam...
Apenas sinto o quero sentir... Poderá substituir uma sensação
desagradável por outra que represente bem-estar... A partir de
hoje e cada vez mais, assumo total controle sobre minha mente e
meu corpo... Sou o senhor de meu corpo, dono das minhas
sensações... Posso me livrar de qualquer sensação que se
apresente em meu corpo... Meu cérebro demonstrará que é o
senhor de meu corpo... Quero viver bem, por isso passarei a
controlar mais e melhor meu corpo... Solto mais ainda o corpo...
Relaxo ainda mais... Agora apenas respiro... Sem esforço...
Respiro regularmente... Agora estou concentrado na minha
mente... Conto até quatro, e minha mente entra em perfeita
harmonia com o meu corpo... Um... Dois... Três... Quatro... Minha
mente está em perfeita harmonia com o meu corpo... Todo o meu
corpo está em perfeita sintonia com minha mente... Minha mente
dará a ordem infalível ao meu corpo... Sem esforço, posso
comandar meu corpo e todas as sensações que nele possam
ocorrer... Posso sentir ou deixar de sentir o que quiser... Imagino
um lugar muito especial... Passo algum tempo apreciando esse
lugar... Agora visualizo neste lugar especial uma cena
agradável... Estou participando ativamente desta cena... Nesse
lugar eu estou seguro e relaxado... Qualquer hora do dia ou da
noite que eu necessitar bastará sentar e fechar os olhos, relaxar
novamente e verei este lugar... Agradável... Seguro... Tranqüilo...
Toda vez que necessitar suprimir uma sensação desagradável...
Contarei até quatro e esta cena realimentará meu consciente...
Mesmo estando consciente, desenvolverei cada vez mais
habilidades de controlar as sensações do meu corpo...
Desenvolverei o controle sobre meus sentidos, permitindo ou
rejeitando qualquer sensação que possa me ocorrer. Formo uma
imagem do meu corpo com saúde e praticando uma atividade que
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 325

gosto... Estou aprendendo a usar mais a minha mente, e vou usá-


la em meu benefício... Vou aproveitar este estado de harmonia e
equilíbrio interior para imaginar meu completo bem-estar... A
partir de agora, minha mente estará trabalhando neste sentido...
Promovendo, cada vez mais, o pleno controle das sensações em
meu corpo...
326 Antonio Almeida Carreiro, Dr. Sc.

CONCLUSÃO

A hipnose já percorreu um grande caminho, desde o ímã


milagroso de Paracelsus, passando pelas expulsões demoníacas do
Padre Gassner, pelo magnetismo de Mesmer e, embutida nos mais
diferentes rituais e procedimentos de cura, chega até hoje
produzindo os mesmos efeitos. Longe de desaparecer está sendo
direta ou indiretamente cada vez mais utilizada e instituída. Quando
transformada em instrumento de manipulação através dos meios de
comunicação de massa, seus efeitos podem atingir grandes coletivos
sociais.
No domínio das hipóteses para explicar o processo hipnótico
ocorreram poucos avanços, continua empírica como sempre foi. Por
haver fatos sobre os quais ainda não se chegou a consenso,
algumas questões são polêmicas e as explicações teóricas ainda
não satisfazem. Neste campo, as opiniões conhecidas não
respondem todos os questionamentos e as conclusões até então
existentes, tão contraditórias, talvez sejam válidas apenas como
base para o estudo deste assunto.
Tanto na vida acadêmica quanto no conhecimento popular,
ocorre lamentável desconhecimento e enorme preconceito sobre a
hipnose, incluindo-se aí profissionais de nível superior. Por isso é
importante que muitos autores estejam preparados para correr o
risco de uma hostilidade por parte de quem tenta silenciar o debate
sobre hipnose e seus efeitos no cotidiano dos indivíduos, sob o falso
argumento de que não é importante ou não funciona. Não há porque
duvidar, a hipnose é importante sim e também funciona.
Embora não aceitando algumas explicações, existem razões
especiais, baseadas na história e na prática, para que se possa
acreditar nas possibilidades que tem a hipnose de resolver, pelo
menos em parte, alguns problemas que tanto afligem o ser humano.
Após a leitura deste trabalho, resta a certeza de que muito ainda
pode ser esclarecido, mas já se sabe o suficiente para eliminar
preconceitos e fundamentar uma pesquisa profunda nesta área.
Considerando as dúvidas ainda existentes, este livro
apresentou argumentos de modo perspicaz, demonstrando as
controvérsias sobre as explicações teóricas e apontando fatos
práticos, mas não foi doutrinário, permitiu ao leitor refletir e se definir
pela sua própria descoberta e, como qualquer professor, apenas
incentiva mostrando um caminho. Cabe ao leitor caminhar em busca
de suas próprias respostas.
Hipnose e psicoterapia: Etiologia e práxis 327

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