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MANUAL, NÃO; METODOLOGIA, SIM!

A instrumentalidade no trabalho com famílias

Reflexão acerca da instrumentalidade no Serviço Social para o


trabalho com famílias, indivíduos e coletivos. Retoma a
compreensão dos instrumentos e técnicas como parte da
metodologia e apresenta elementos para a discussão sobre
terapia comunitária e mediação de conflitos, apontando
dissonância entre estas e o trabalho com famílias na
perspectiva sócio-histórica.

Palavras-chave: Metodologia, projeto ético-político, terapia


comunitária, mediação de conflitos, instrumentos e técnicas.

Damares Vicente - Doutora em Serviço Social - Professora e Coordenadora dos cursos


de Pós-graduação lato sensu - Serviço Social Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU
Rua Vergueiro, 3135- cep: 04101-300 – Vila Mariana – São Paulo-SP
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Priscila Cardoso - Doutora em Serviço Social - Professora Adjunta da Universidade


Federal de São Paulo - Campus Baixada Santista – Curso de Serviço Social -
Departamento Saúde, Educação e Sociedade
Av. Almirante Saldanha da Gama, 89 - cep: 11030-400 - Ponta da Praia – Santos/SP
(11) 36624148 ou (11) 83697962 - pfcardoso@superig.com.br

Apresentação
Este trabalho é fruto do exercício da docência em curso de Pós-Graduação Lato Sensu,
“Trabalho Social com Famílias”, sobre metodologia de trabalho com famílias na perspectiva
sócio-histórica.
A realidade encontrada em sala de aula, trazida pelas alunas inseridas em diferentes
campos de atuação profissional, somada à nossa trajetória profissional, provocou momentos
de preocupação, de necessidade de compartilhamento de concepções, opiniões e, por fim, o
desejo de produzir um material que expressasse algumas das reflexões realizadas neste
período, na tentativa de tornar públicas inquietações, mas também posições, acerca das
ações realizadas com famílias nos diferentes espaços sócio-ocupacionais.
Avaliamos que uma das razões que pode gerar ansiedade nos profissionais, motivando-os a
buscar “fórmulas” ou “manuais” que orientem sua ação com grupos, indivíduos e coletivos é
a sensação de que não foram e não estão preparadas para o “fazer” profissional. É
recorrente a manifestação de insatisfação dos profissionais com sua formação (na
graduação), na perspectiva da preparação para este “fazer”, especialmente neste momento
de implantação de políticas, como por exemplo, o Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), que determina que as ações profissionais devem ter centralidade na família.
Diante dos desafios encontrados, os assistentes sociais interpretam como suas as
dificuldades, qualificando-as como falta de habilidade ou de capacidade técnica para criar,
executar, ou manusear instrumentos e técnicas, que se traduzem numa busca incessante
pelo aprendizado ou a descoberta de “fórmulas” para este “fazer”.
Pudemos perceber um processo que Yolanda Guerra denominou de “fetiche dos
instrumentos e técnicas”. Conforme nos apresenta a autora: “Ao perseguir nosso objeto de
análise, qual seja, instrumentalidade do Serviço Social, defrontamo-nos com a tendência,
presente nas requisições profissionais, de atribuir aos instrumentos e técnicas, municiadores
da intervenção, um status superior àquele que é dado aos demais componentes da prática
profissional”. (1995: 168 – grifo nosso)
Esta não é uma demanda profissional recente. O texto da autora data de 1995, portanto,
anterior às diretrizes curriculares de 1996. Constatamos que 15 anos depois, esta ainda é
uma demanda posta à profissão quer seja por profissionais formados há muito tempo, quer
seja por profissionais já formados após as mudanças propiciadas pelas Diretrizes
Curriculares de 1996.
Parece-nos, então, que para consolidação de nosso projeto ético-político profissional, se faz
necessário, ainda, “encarar de frente” tal demanda, pois, o que vivenciamos é por um lado a
angústia dos profissionais nesta busca e, por outro, a crescente oferta de “soluções” via
extratos de teorias que remontam o conservadorismo e reforçam a idéia de metodologia
apenas como um arsenal de instrumentos e técnicas.
Neste sentido, muitos profissionais relatam certa paralisação diante da sensação de
impotência gerada pelo “não saber fazer” ou, agarram-se em propostas que se apresentam
como metodologias de trabalho social, mas que representam apenas fragmentos
metodológicos, muitas vezes incoerentes com a intencionalidade de nosso projeto ético-
político e das ações desejadas no exercício profissional. Fato que continua reforçando a
falsa idéia da clássica frase: “na prática, a teoria é outra...”. Noção equivocada que deve ser
enfrentada, demonstrando que algumas questões ainda necessitam de reflexão acerca da
formação regular e continuada dos assistentes sociais.
Como por exemplo: O que tem feito os profissionais realizarem essa cisão entre as
diferentes dimensões do trabalho profissional? Porque ao realizarem essa cisão,
superestimam a dimensão técnico-operativa? Que concepção de metodologia é apreendida
pelos profissionais? Como podemos avançar para formarmos profissionais que ao chegarem
aos espaços sócio-ocupacionais de atuação estejam preparados para não realizar tal cisão?
Como prepará-los para que estejam seguros e verdadeiramente dêem conta de desenvolver
ações com competência teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa?
É, portanto, com esta preocupação e desejo de poder contribuir com esta discussão, que
apresentamos esta comunicação trazendo alguns elementos que colaborem na reflexão do
uso dos instrumentos e técnicas como parte de um processo maior denominado
metodologia, por meio da reflexão sobre algumas das propostas de intervenção em
evidência neste momento.
I. Instrumentos e técnicas como parte do processo metodológico1
Acreditamos que um dos caminhos necessários à construção de uma resposta crítica à
busca dos profissionais por “fórmulas” ou “manuais” no atendimento a indivíduos, famílias e
coletivos, é o fortalecimento da concepção de que os instrumentos e técnicas fazem parte
de um processo muito maior denominado metodologia.
“... o fazer a que nos referimos exige que o profissional detenha o domínio do método que
lhe possa servir de guia ao conhecimento, conhecimento que lhe possibilitará estabelecer
estratégias e táticas de intervenção profissional” (Guerra, 1997: 62).
Ter clareza de uma metodologia significa, portanto, para além de saber escolher ou utilizar
uma técnica ou instrumento, posicionar-se quanto ao método e as referências que
embasarão todo o trabalho profissional. Faz-se mais do que necessário retomar o conceito
de metodologia e explicitar a sua importância como parte do processo de trabalho dos
assistentes sociais.
Mas o que estamos chamando de metodologia?
Uma série de procedimentos utilizados na ação profissional, que incluem um arsenal de
técnicas e instrumentos, mas que vai muito além disso. Tais procedimentos têm base em
orientações teóricas que orientarão a escolha destes, bem como o caminho a ser seguido
no uso das técnicas e instrumentos, ou seja, ao falar de metodologia do trabalho social,
estamos falando de definições conceituais e teóricas que direcionarão a escolha dos
caminhos a serem traçados junto ao público a ser atendido, que por sua vez, orientarão a
escolha dos instrumentos e técnicas a serem utilizados. Temos um “o que fazer?”,
direcionado por um “como fazer?”, que por sua vez, é orientado por um “para que fazer?” .

1
Esta reflexão foi originalmente realizada como parte da dissertação de mestrado intitulada A hegemonia do
projeto profissional na década de 90 – questionar é preciso, aderir (não) é preciso!. São Paulo, PUC/SP, 1999.
sendo adaptada para esta comunicação.
Essas três perguntas, didaticamente, nos levam à compreensão de que toda e qualquer
ação profissional é perpassada por três dimensões: ético-política, teórico-metodológica e
técnico-operativa2.
Entendemos que o trabalho do assistente social é uma das práticas sociais realizadas pelo
homem e, assim, um processo de objetivação do ser social. O homem, como ser social,
diferencia-se do ser natural através de seu trabalho, no qual, a partir de suas necessidades,
transforma a natureza, objetivando-se no seu produto final3.
“Marx, ao tratar do trabalho humano, mostra como a atividade do homem é atividade que se
desenvolve de acordo com finalidades que, à sua vez, só existem através do homem como
produto de sua consciência – ainda que seja uma certa consciência da finalidade – e como
liberdade de escolha entre alternativas – ainda que seja uma certa liberdade de escolha
entre determinadas alternativas. Mediante o processo de trabalho, pode objetivar-se no
mundo como ser capaz de formular escolhas e como tal é potencialmente livre e criativo.
Dispondo de capacidade teleológica, projetiva, consciente, o ser social se põe capaz de
liberdade.” (Paixão 1997:65/66)
Para realizar sua produção, o homem realiza um processo de antecipação, idealização
daquilo que no real será produzido (o que por si só, não garante que o resultado dessa ação
se dê conforme projetado).
Para efetivar sua ação, o assistente social está realizando o processo de uma prévia
ideação, uma antecipação; ou seja, essa ação tem como pressuposto uma finalidade, que é
posta pelo indivíduo (atentando para todas as condições objetivas e subjetivas para a
definição dessa finalidade).
Essa ação terá, portanto, uma intencionalidade que é informada por componentes ideo-
políticos, o que chamamos de dimensão ético-política. Trata-se de uma opção que parte de
uma determinada visão de homem, mundo e sociedade, informada por valores ético-
políticos que direcionam essa ação, apontando para um projeto de sociedade.
As respostas profissionais serão dadas, portanto, a partir das “razões e vontades” que
orientam a intencionalidade da ação do profissional. Porém, essas “razões e vontades” que
compõem a intencionalidade desse trabalho profissional necessitam de explicações e
interpretações que fundamentem os valores ético-políticos que a informam.
A visão de homem, de mundo e de sociedade necessita de: 1. uma base que explique e
interprete a sociedade, seu modo de constituir-se e os possíveis caminhos de intervenção
nessa realidade para sua manutenção ou transformação, de acordo com sua
intencionalidade; 2. de um método de análise da realidade, por sua vez constitutivo de uma

2
Para aprofundar tal concepção, consultar: Guerra (1995, 1997 e 1998) e Cardoso (1999).
3
Sobre esta discussão ver: Netto e Braz (2006) e Lessa (1999)
teoria social relacionada aos componentes ideo-políticos, conforme acima mencionados. A
isto chamamos de dimensão teórico-metodológica.
A elaboração teórica diz respeito ao entendimento e interpretação das conexões, relações,
vínculos das “coisas” entre si. A teoria é o que possibilita e constitui essa apreensão. Como
vemos em Marx: a teoria é “a reprodução ideal do movimento real do objeto”, podemos,
portanto, afirmar que a teoria informa a prática, que é elemento constitutivo da teoria.
“Pensar y ser, por tanto, aunque difieran, forman al mismo tiempo una unidad el uno com el
outro” (Marx e Engels 1987: 620).
A opção pela incorporação dos referenciais teórico-metodológicos, ou seja, de um método
de uma determinada teoria, nos apresenta a relação entre essas duas dimensões – a
dimensão ético-política e a dimensão teórico-metodológica – pois ao buscar explicações em
determinada teoria há a opção por uma teoria que esteja de acordo com a intencionalidade
da ação profissional.
Da mesma maneira, a forma de explicar e entender a realidade, de demonstrar as relações,
vínculos, conexões existentes entre as “coisas”, também está imbuída de componentes
ideo-políticos, se partirmos do suposto da não-neutralidade da teoria, e do fato de que toda
teoria tem em si a defesa de um ponto de vista na sociedade, tomando assim, a defesa de
uma das classes sociais.
Para que a ação se concretize na relação com essas duas dimensões, entram os
componentes técnico-operativos que dão concretude às outras duas dimensões,
possibilitando a finalização do que foi antecipado anteriormente, muitas vezes tendo um
produto final diferenciado do idealizado.
A terceira dimensão que chamamos de dimensão técnico-operativa, diz respeito, portanto,
ao modo de concretizar-se da metodologia, à forma como a intencionalidade e a abstração
se apresentarão no real.
As três dimensões influenciam-se mutuamente e concomitantemente em todos os
momentos do exercício profissional. Desde o momento de antecipação, que é composto
pelos componentes ideo-políticos e teórico-metodológicos, até o momento de concretização
desta antecipação, que é realizado por meio dos componentes técnico-operativos, porém
colados aos outros componentes que vão se refazendo no processo de ideação e
concretização.
Retomemos as três questões, agora pautadas na explicitação das três dimensões:
Para que fazer? A resposta desta questão explicita ao profissional a intencionalidade de sua
ação, conferindo sentido à metodologia a ser construída. Aponta aonde ele quer chegar com
a realização desse fazer, ou seja, a direção social que imprimirá a sua ação.
Como fazer? Diz respeito ao “caminho” que o profissional utilizará para concretizar a
intencionalidade de sua ação. Para tanto, é necessário um aporte teórico-metodológico que
sustente tal ação, orientando, informando e explicando todas as nuances que envolvem a
metodologia.
O que fazer? Está diretamente relacionada ao cotidiano na sua operacionalização, porém
depende completamente da resposta dada às outras duas questões e das condições
objetivas postas à realização dessa metodologia. Só podemos pensar o que fazer, se
sabemos como fazer e para que fazer, senão apenas fazemos por fazer.
Em síntese temos um “o que fazer?” com a população (técnicas, instrumentos e atividades),
direcionado por um “como fazer?” (método que se tem de apreensão da realidade e do
papel profissional, que dará o caminho para o uso das técnicas, instrumentos e condução
das atividades), que por sua vez é orientado por um “para que fazer?” (intencionalidade da
ação com base nas referências teóricas que dão sustentação ao trabalho).
Há, portanto, uma maneira de construir a metodologia que se orienta pela necessidade de
olhar a realidade, refletir sobre esta, reconstruí-la no plano ideal (das idéias), “retornando” a
esta realidade em forma de estratégias e táticas, num permanente processo de reflexão.
Portanto, o fazer profissional necessita de construções intelectivas e pressupõe a criação e
manuseio de técnicas e instrumentos, bem como, a criação de estratégias para a ação. É
importantíssimo saber que concepções embasam as escolhas tanto dos procedimentos
metodológicos quanto das ações, sobretudo no que se refere à coerência com o projeto
ético-político profissional.
II Apontamentos sobre alguns usos de instrumentos e técnicas no exercício
profissional do assistente social
Muitas têm sido as técnicas e instrumentos supostamente disponíveis para a ação
profissional dos assistentes sociais. Como apresentaremos a seguir, em geral, a
apropriação de algumas modalidades de intervenção, são estranhas ao aqui colocado como
metodologia. Os “fragmentos metodológicos” utilizados são, muitas vezes, sustentados por
leituras superficiais de certas teorias sociais. São incorporados ao trabalho profissional
procedimentos travestidos como metodologias de ação, mas, extremamente focados na
descrição de técnicas e instrumentos: sedutoras, porém perigosas, à medida que são
tomadas em si e sem a compreensão de seus fundamentos e objetivos.
Destacaremos, para uma breve reflexão, duas delas: A Terapia Comunitária e a Mediação
de Conflitos.
Terapia Comunitária: A Terapia Comunitária foi criada e desenvolvida a partir de 1988, em
Pirambu - Fortaleza-CE, pelo Prof. Dr. Adalberto Barreto, médico psiquiatra, antropólogo e
docente do Curso de Medicina Social da Universidade Federal do Ceará; surgiu a partir de
sua experiência profissional no trato com pessoas que eram encaminhadas por um centro
de direitos humanos em Pirambu-CE, por apresentarem sofrimento psíquico. A partir do
aumento do número de pessoas que necessitavam dessa atenção, juntou as pessoas
encaminhadas e seus alunos, em um espaço ao ar livre “debaixo do cajueiro”
(www.4varas.com.br). A conversa se iniciava com a exposição das dificuldades
apresentadas pelas pessoas e com a eleição de uma “situação-problema” que passava a
ser objeto de discussão. “Trata-se de um grupo de ajuda mútua, em que cada um dá suporte
ao que sofre. A que foi ajudada sente-se melhor, vislumbra uma solução para seus
problemas e a que ajudou sente-se prestigiada. É a chamada Terapia Comunitária
construindo a teia das relações sociais” . Atualmente, a Terapia Comunitária transformou-se
numa proposta de intervenção que implica numa formação para Terapeuta Comunitário,
com cerca de 210 horas de estudos e vivências (embora outros cursos com carga horária
muito menor também estejam sendo ofertados e procurados por assistentes sociais). As
bases teóricas referidas são: pensamento sistêmico; antropologia; pedagogia Paulo Freire;
resiliência (www.4varas.com.br). A metodologia foi adotada pelo Ministério da Saúde, por
meio de convênio com a Associação Brasileira de Terapia Comunitária (ABRATECOM), que
realiza capacitações para os profissionais de saúde em todo o território nacional.
Muitos assistentes sociais têm participado dessas capacitações e praticado a Terapia
Comunitária nas áreas da saúde e da assistência social, principalmente, e a despeito das
determinações em contrário do Conselho Federal de Serviço Social4. A partir daí é que nos
interessa refletir sobre qual é a intencionalidade da ação profissional do assistente social e
quais as mediações técnico-operativas necessárias para sua consecução. Partindo da
intencionalidade das ações, temos que a auto-ajuda, a eleição de uma situação-problema, a
devolução da busca de uma solução comunitária das expressões da questão social, estas
potencialmente geradoras do sofrimento psíquico, têm sido objeto de amplo debate ético e
teórico-metodológico no âmbito do Serviço Social.
Os conceitos utilizados pela Terapia Comunitária, bem como seu referencial teórico,
parecem nos remeter a um determinado momento da profissão que chamávamos “colcha de
retalhos”, caracterizado pela junção de vários fragmentos teóricos e metodológicos, mas
com uma forte base religiosa, donde o grande valor atribuído às boas intenções, à escuta,
ao aconselhamento e para uma perspectiva “romântica” de comunidade, que tem
novamente povoado o vocabulário profissional.
Do ponto de vista metodológico, temos que não são os instrumentos e as técnicas, ou
mesmo a troca de experiências, que farão brotar as soluções para as dificuldades vividas
pela população, especialmente aquelas que foram vítimas de violência. As questões
apresentadas podem apresentar-se, infelizmente, de maneira muito mais complexa e, por
melhores que sejam as intenções dos profissionais e dos demais envolvidos nas situações,
elas implicam muitas vezes em rupturas, em desfechos, em pontos finais, ou seja,

4
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. PARECER JURÍDICO N.º 16/ 08. Assunto : Práticas terapêuticas utilizadas
no âmbito da atividade do Serviço Social/ Serviço Social Clínico/ Componentes Jurídicos. Disponível em: www.cfess.org.br
necessitam de ações efetivas para a cessação das violações de direitos. Portanto, as
mediações técnico-operativas devem, a nosso ver, ser buscadas a partir dessa perspectiva,
melhor dizendo: a realidade necessita de transformação.
A utilização dessa proposta pelos assistentes sociais, que não mais trabalham numa
perspectiva curativa, pode ocasionar uma investida não dimensionada nas subjetividades
dos envolvidos, podendo ainda provocar mais sofrimento e nenhuma saída. Lembrando
ainda que não sendo o assistente social formado para essa exercer essa modalidade de
intervenção, pode abrir “portas” que não terá competência profissional para lidar.
Mediação de conflitos
Nascida na Universidade de Harvard na área do Direito, como alternativa extrajudicial, no
Brasil foi introduzida e adaptada em trabalhos realizados pela ONG – Pró-Mulher, Família e
Cidadania (PMFC), sob coordenação de Malvina Ester Muszkat, psicanalista e autora de
textos sobre a mediação de conflitos; a proposta foi criada para “buscar acordos entre
pessoas em litígio por meio da transformação da dinâmica adversarial, comum ao
tratamento de conflitos, para uma dinâmica cooperativa, improvável nesse contexto“
(Muszkat, 2005, p. 13).
Com relação ao caminho proposto, Muszkat desenvolveu em seu trabalho no PMFC, um
treinamento em grupos chamados de pré-mediação de “alfabetização comunicacional”, que
“por meio da integração dos princípios de intersubjetividade, das noções de poder relacional
(co-construção, resistência) e do desenvolvimento do protagonismo das partes, tornou-se
possível superar a dicotomia reducionista de agressor-dominador-força/ vítima-dominado-
fraqueza e reavaliar, com as partes, os verdadeiros poderes que cada uma exerce na
relação” (2005, p. 25 – grifo da autora).
Há uma confluência de autores que trabalham com a categoria de poder, como Michel
Foucault, com apropriações operativas mais recentes, por exemplo, a noção de
empoderamento, somadas à psicanálise, “numa espistemologia contemporânea de
perspectiva ecológica e construtivista, aplicável a todo e qualquer campo da vida humana”
(Muszkat, 2005, p. 12).
No Serviço Social, essa proposta, ou derivações dela, tem sido desenvolvida por
profissionais ligados ao judiciário, à saúde e à assistência social. É certo que desejamos o
fim das práticas violentas. Parece-nos certo, igualmente, que nas relações sociais estão
contidos princípios e valores que perpetuam a violência, contudo, a utilização da categoria
poder deslocada do contexto que o produz e reproduz poderá estreitar, e mesmo
particularizar, as situações de modo que se perca de vista quais são as determinações
históricas que conferem a perpetuação e legitimidade dessas práticas. Se tomarmos como
exemplo as centenas de situações-limite com as quais os assistentes sociais lidam
cotidianamente, perceberemos, via de regra, que a população refere que diante de toda
sorte de dificuldades vividas, restam como saídas a resignação religiosa ou a reação
espontânea. Ambas não estão pautadas na liberdade para decidir; só escolhe aquele que,
dentro das circunstâncias históricas possui, efetivamente, alternativas que apontem para
uma transformação de sua realidade, de forma que isso possa pautar-se na busca do
humano-genérico, segundo Barroco, “quando o indivíduo ascende à consciência humano-
genérica, sua singularidade é superada e ele se torna” inteiramente homem “ (2001, p. 40,
grifo da autora).
Assim, partindo do pressuposto que são as sociabilidades que alimentam as subjetividades,
e não o contrário, avaliamos que estas necessitam, sim, ser transformadas para que
possam pautar-se em princípios e valores contrários ao individualismo, à competitividade e à
violência. Para tanto, é fundamental que recuperemos a reflexão sobre a categoria
alienação, compreendendo a diversidade de suas apresentações e conseqüências,
especialmente no que se refere ao sofrimento físico, psíquico e social (perpetrado ou
sofrido).
As sementes das situações de violência são postas e repostas cotidianamente e
incessantemente em nossas vidas; dialogar sobre suas manifestações é fundamental, mas
em nosso ponto de vista, somente o diálogo, ainda que fundamental, não poderá dar conta
da complexidade das situações colocadas nesse momento, sobretudo aos assistentes
sociais. Novamente, a realidade necessita de transformação.
Somos sujeitos políticos, portanto, nos parece que o exercício político é fundamental, não
somente pela possibilidade de debate e reflexão, mas principalmente pelas evidências que a
política foi e é uma mediação fundamental nas conquistas históricas obtidas pelos que
vivem do trabalho. Segundo Chauí, “em lugar de reprimir os conflitos pelo uso da força e da
violência das armas, a política aparece como trabalho legítimo dos conflitos, de tal modo
que o fracasso nesse trabalho é a causa do uso da força e da violência” (2004, p. 348).
III - Manual, não; Metodologia, sim!
Quais são os reais conhecimentos que assistentes sociais têm sobre essas metodologias
que têm sido incorporadas de maneira fragmentadas por eles? Estas têm sido incorporadas
realmente como metodologias, ou como manuais? Seus usos realmente servem às
intencionalidades que informam o trabalho do assistente social hoje? Em que medida
contribuem com a efetivação de nosso projeto ético-político? É papel do assistente social
realizar processos terapêuticos ou contornar conflitos?
Essas metodologias, se bem fundamentadas, podem ter lugar em outras áreas profissionais,
cumprindo papéis importantes em outros contextos sociais que não os expressos pelos
usuários do Serviço Social, na vivência das múltiplas expressões da questão social.
A construção de metodologias deve estar pautada na leitura da realidade de cada lugar,
bem como, na análise das expressões da questão social mais evidentes em cada espaço
sócio-ocupacional. Não podemos “importar” metodologias (ou seus fragmentos) e encaixá-
las na realidade como se elas fossem neutras ou servissem a todos e a tudo.
Não desconhecemos a existência de técnicas e instrumentos capazes de auxiliar na
abordagem de questões relativas à relação subjetividade-objetividade, entretanto, não
podemos perder de vista a necessária coerência com nosso projeto ético-político
profissional, na construção de uma metodologia de trabalho sustentada em referenciais
teórico-metodológicos, com clareza dos objetivos e das finalidades . Entendemos que: “os
indivíduos só se configuram como personalidades e suas trajetórias só se organizam como
biografias sobre a base objetiva das formas históricas de individualidade” (Sève apud
Vicente, 2005, p. 53).
Firmamos um compromisso histórico com a sociedade: devemos contribuir, efetivamente,
pelos meios profissionais, para os quais fomos preparados e dos quais dispomos e criamos
para buscar, coletivamente, conquistas de novos direitos e garantia dos já alcançados pelos
que vivem do trabalho. Essas são, a nosso ver, a competência e a intencionalidade
requeridas para a ação profissional.

Referências Bibliográficas
BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. São Paulo:
Cortez, 2001.
CARDOSO, Priscila F. G. A hegemonia do projeto profissional na década de 90 – questionar
é preciso, aderir (não) é preciso!. Dissertação de mestrado. São Paulo, PUC/SP, 1999.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora, Ática, 2004; 13ª ed.
GUERRA, Yolanda. A dialética Causalidade e Teleologia: elementos para pensar os Rumos
da Profissão in: Caderno de Comunicações do IX CBAS. Goiânia: CFESS, 1998.
_________________ Ontologia social e formação profissional. In: Ontologia social,
formação profissional e política – Caderno do Núcleo de Estudos e Aprofundamento
Marxista (NEAM) Nº 1, PUC/SP. 1997
_________________ A instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1995.
MUSZKAT, MALVINA Ester. Guia prático de mediação de conflitos em famílias e
organizações. São Paulo: Summus Editorial, 2005.
LESSA, Sérgio. O processo de produção-reprodução social: trabalho e sociabilidade.
Capacitação em Serviço Social e política social, módulo .2: Reprodução social, trabalho e
Serviço Social. Brasília, CFESS/ABEPSS/CEAD, UNB, 1999.
MISMEC-CE . MOVIMENTO INTEGRADO DE SAÚDE MENTAL COMUNITÁRIA. Disponível
em: www.4varas.com.br. Acesso em: 25 de fevereiro de 2010.
MARX, Karl e FRIEDERICH, Engels. Tercer Manuscrito. Carlos Marx e Federico Engels.
Obras fundamentales 1. México: Fondo de Cultura Económica, 1987.
NETTO, José Paulo e BRAZ, Marcelo. Economia Política – uma introdução crítica. Biblioteca
Básica do Serviço Social Vol. 1. São Paulo, Cortez, 2006.
PAIXÃO, Márcia Calhes. A política como objetivação. In: Ontologia Social, formação
profissional e política – Caderno NEAM Nº 1, PUC/SP. 1997
VICENTE, Damares Pereira. O tempo do trabalho: mediações subjetivas no trabalho de
assistentes sócias. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC/SP, 2005.

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