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VIII Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa i

Apresentação

APRESENTAÇÃO

O Curso de Inverno - Tópicos de Fisiologia Comparativa (CI) é uma iniciativa dos


alunos da pós-graduação do Programa de Pós-Graduação em Fisiologia Geral do Instituto
de Biociências da USP (IB-USP), em São Paulo. O curso é voltado para alunos de
graduação e recém-graduados originários das diversas áreas do conhecimento que se
interessem pelo tema de uma forma geral ou então para aqueles que almejem ingressar em
um programa de pós-graduação em Fisiologia.
O I Curso de Inverno - Tópicos em Fisiologia Comparativa foi realizado em 2004,
com o apoio dos professores do departamento e da direção do IB-USP. Este teve duração
de três semanas, sendo que durante as duas primeiras semanas foram de aulas teóricas e
práticas, nas quais se abordaram tópicos de Fisiologia em três níveis de organização:
celular, organismo e ambiente. Na terceira semana do curso, os alunos desenvolveram
projetos sob orientação dos pós-graduandos e supervisão dos professores doutores
responsáveis pelos laboratórios onde as atividades estavam sendo desenvolvidas.
Em 2007 reformulou-se a estrutura original do curso, sendo que a abordagem
centrada nos três níveis de organização aplicada desde 2004 foi abandonada para dar lugar
à estrutura de módulos coesos, coordenados por pós-graduandos e organizados por temas
ligados às pesquisas desenvolvidas nos respectivos laboratórios do departamento. Ainda
neste ano criou-se uma apostila que conteria os resumos das aulas que seriam ministradas
e um livro didático separado em capítulos que apresentariam uma maior quantidade de
informações a respeito dos tópicos abordados em cada uma das aulas.
Atualmente, a comissão organizadora do VIII Curso de Inverno, preocupada com a
contextualização e inserção do curso nas políticas nacionais reformulou seus objetivos:
i) apresentar aos alunos de graduação e recém-graduados tópicos e
atualidades em Fisiologia Geral, abordando os aspectos comparados associados ao
seu estudo;
ii) promover o contato dos alunos de graduação e recém-graduados com
laboratórios e linhas de pesquisa do Departamento de Fisiologia Geral do Instituto de
Biociências da USP;
iii) proporcionar um espaço onde estes futuros acadêmicos e interessados na
área sejam estimulados a elaborar perguntas científicas relevantes em Fisiologia,
tendo em mente sua aplicação em pesquisa científica de base ou aplicada;
iv) complementar a formação dos pós-graduandos do Departamento de
Fisiologia Geral do Instituto de Biociências da USP criando um espaço de vivência

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Apresentação

pedagógica completa (da criação, organização, preparação e execução das aulas e do


curso);
v) proporcionar o acesso de alunos procedentes de todas as regiões do país ao
Instituto de Biociências, num contexto de formação complementar e aprimoramento
científico;
vi) inspirar outros institutos de pesquisa da região Sudeste a realizar atividades
similares alertando para a necessidade de mais iniciativas de extensão como o Curso
de Inverno – Tópicos em Fisiologia Comparativa.

Sob o ponto de vista didático, os temas das aulas teóricas e práticas do curso foram
escolhidos pelos pós-graduandos e agrupados em eixos temáticos - módulos. Para que a
falta de conceitos ou a repetição dos mesmos fossem evitadas, a comissão organizadora
promoveu um espaço para que os pós-graduandos envolvidos pudessem discustir sobre os
temas abordados em suas respectivas aulas.
Contudo, a comissão organizadora do VIII Curso de Inverno - Tópicos em Fisiologia
Comparativa gostaria de aproveitar a oportunidade para parabenizá-los e, desejar a todos
uma boa estadia durante o curso.

Comissão Organizadora
VIII Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa
Universidade de São Paulo
4 a 22 de Julho de 2011

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Sumário

SUMÁRIO

Unidade 1
Neurociência Cognitiva
Capítulo 1 Neurofisiologia Básica pág. 07
Capítulo 2 Comunicação celular e padrões de conectividade pág. 22
Capítulo 3 Aprendizagem e Memória pág. 34
Capítulo 4 Neurogênese no sistema nervoso central adulto: onde, como e com
que propósito? pág. 55
Capítulo 5 Atenção pág. 68
Capítulo 6 Percepção pág. 79
Capítulo 7 Ação pág. 94
Capítulo 8 Decisão pág. 116
Capítulo 9 Emoção pág. 139
Capítulo 10 História da Neurociência pág. 160
Bibliografia pág. 172

Unidade 2
Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Capítulo 11 Fisiologia e Ambiente: uma introdução pág. 189


Capítulo 12 Fisiologia, Animais e Ambiente. A importância da plasticidade
fenotípica nos ajustes a mudanças ambientais previsíveis e imprevisíveis pág. 198
Capítulo 13 A respiração dos vertebrados: Ambientes extremos pág. 214
Capítulo 14 Desafio hídrico dos vertebrados em ambientes extremos pág. 232
Capítulo 15 Temperatura: “Macro e Micro fisiologia” pág. 246
Capítulo 16 O papel da temperatura no crescimento de anfíbios e répteis
pág. 255
Capítulo 17 Das tocas às bactérias: como estímulos ambientais influenciam a
temperatura corporal? pág. 267
Capítulo 18 Efeito da temperatura sobre a resposta imunológica em vertebrados
ectotérmicos pág. 276
Capítulo 19 Aula prática - Temperatura x imunidade e locomoção em anfíbios
pág. 287

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Sumário

Capítulo 20 Dinâmica parasita-hospedeiro: Aspectos metabólicos, reprodutivos e


evolutivos pág. 291
Capítulo 21 Os processos fisiológicos na conservação das espécies. Um estudo
de caso: A reprodução dos peixes teleósteos pág. 300
Capítulo 22 Neuroendocrinologia do comportamento reprodutivo, com ênfase em
anfíbios pág. 310
Capítulo 23 Comunicando-se sem palavras: a dinâmica fisiologia da
comunicação animal na reprodução pág. 321
Capítulo 24 O cortisol indica estresse ou só estressa? pág. 332
Capítulo 25 Você é o que você come: importância dos ácidos graxos na cadeia
trófica pág. 342
Capítulo 26 O mundo pede socorro! Poluição Aquática e Fisiologia da
Conservação pág. 354
Bibliografia pág. 365

Unidade 3
Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Capítulo 27 Introdução à Cronobiologia pág. 404


Capítulo 28 Desvendando as engrenagens do “relógio biológico” pág. 415
Capítulo 29 Está na Hora de Acender as Luzes: Fotorrecepção e Sincronização
do Organismo ao Meio Externo pág. 430
Capítulo 30 Melatonina: a Hora e a Vez de uma Molécula Multifacetada pág. 443
Capítulo 31 Ritmo no Sistema Imunológico pág. 458
Capítulo 32 O Eixo Imune-Pineal pág. 470
Capítulo 33 Estudos de Casos pág. 481
Bibliografia pág. 535

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Unidade 1

Neurociência Cognitiva

Elisa Mari Akagi Jordão


elisajordao@yahoo.com.br
Laboratório de Neurociência e Comportamento

A humanidade impulsionada pela curiosidade é capaz de encontrar respostas,


porém, outra capacidade, talvez mais interessante, é a de questionar. A ciência tem
como base esses dois aspectos. Uma das questões mais intrigante da ciência atual
é como o cérebro possibilita a mente e permite funções cognitivas como o
pensamento, a linguagem e a memória. Para chegar a tal questão foi necessária a
produção de muitos conhecimentos acerca de um sistema complexo, o sistema
nervoso (SN). Existem diferentes níveis de abordagem do sistema nervoso que
levam a estudos de seus diferentes fenômenos (comportamentais, fisiológicos,
celulares, moleculares), os quais coexistem simultaneamente, em paralelo. Assim, a
partir da combinação de diferentes campos científicos como a neurofisiologia,
neuroanatomia, a psicologia, a medicina, a química originou-se uma abordagem
científica funcional do encéfalo denominada Neurociência Cognitiva. Assim,
pensamos neste módulo como uma forma de transmitir e fazer entender como esse
sistema trabalha, processa e produz tais fenômenos e funções cognitivas.
A história é um recurso importante para entender a evolução do conceito
sobre estrutura e funcionamento do sistema nervoso. Foram séculos de
questionamentos, experimentos e pensamentos sobre a mente humana.
Interpretações filosóficas sobre a mente são registradas desde a antiguidade grega.
Era um assunto impossível de ser abordado por pensadores como Aristóteles e
Hipócrates. Muito se especulou sobre qual região do nosso corpo seria responsável
por aquilo que pensamos, agimos, sentimos. Porém, ideias derivadas de
introspecção podem ser facilmente questionadas ou refutadas. Foi assim que, no fim
do século XVIII, começaram as abordagens experimentais científicas acerca de
variados aspectos da mente. Conceitos importantes que permearam a formação da
neurociência surgiram entre os séculos XVIII e XIX como a doutrina neural, a
VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

natureza elétrica da condução nervosa, a localização de áreas cerebrais e a teoria


da evolução. Porém, é somente no século XX que veremos uma vasta produção
científica na neurociência cognitiva.
Para podermos falar de neurociência cognitiva precisamos ter noções básicas
do que constitui o principal objeto de estudo nessa ciência, o sistema nervoso. O
desenvolvimento ontogenético desse sistema ocorre em etapas específicas desde a
origem do embrião e até sua idade adulta. Além do mais, após a completa formação
desse sistema podemos localizar estruturas e observar algumas de suas funções.
Deste modo, é interessante compreender a evolução desse sistema
filogeneticamente entre os vertebrados. Pois, algumas estruturas como as do tronco
encefálico são preservadas entre diferentes classes, mas também temos estruturas
que variam de acordo com o modo de vida de cada animal como o desenvolvimento
do cerebelo em animais com alta demanda de atividade motora.
Essa visão de como o SN se desenvolve e como ocorrem as conexões locais
entre estruturas são necessárias para começarmos a entender como esse sistema
permite as funções cognitivas. Tendo estabelecido alguns conceitos, pesquisadores
não demoraram a procurar explicações para uma das funções cognitivas mais
intrigantes à neurociência, a memória. Foram muitos anos de investigações sobre
diferentes aspectos dessa função, caracterizações, experimentos comportamentais,
intervenções neurocirúrgicas em animais, estudos de casos clínicos. Assim,
podemos citar um caso clínico que contribuiu significativamente na compreensão
neurobiológica da memoria, o do paciente Henry Molaison (1928-2008). Este
paciente teve prejuízo na formação de memórias de longa duração explícitas após
uma cirurgia para o tratamento de epilepsia, assim, muitos testes foram aplicados e
ideias propostas acerca desse prejuízo. A cirurgia consistiu na retirada de porções
bilaterais do lobo temporal medial, onde se localiza o hipocampo, estrutura
responsável pela memória explícita. Os mecanismos celulares e moleculares
envolvidos nos processos de formação da memória também são pesquisados e
evidências encontradas por meio de experimentos realizados em animais.
Atualmente o mecanismo de potenciação de longa duração observado em ratos é o
mais aceito para explicar como as memórias são armazenadas. Assim, é devido a
um sistema plástico e dinâmico que podemos aprender e armazenar novas
experiências.

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Neurociência Cognitiva

Foi seguindo a ideia de plasticidade do sistema nervoso que pesquisadores


se depararam com um fenômeno recente na história da neurociência, a
neurogênese. Por quase um século foi postulado que o sistema nervoso era incapaz
de produzir novas células na idade adulta. Porém, a partir do estabelecimento de
novas técnicas para marcação molecular de divisão celular foi possível observar
que, mesmo após a idade adulta, a formação de novos neurônios ocorre. Em
mamíferos, estudos mostram que essas novas células são formadas principalmente
no hipocampo, uma estrutura de função bastante conhecida no processo de
aprendizagem e memória. No entanto, por ser algo recém-descoberto, a
neurogênese é um fenômeno rodeado por evidências controversas e incertezas.
Como ela ocorre e por que ainda são questões no início de serem respondidas.
A atenção é um assunto abordado diversas vezes em estudos de
neurociência. Isso porque é um fenômeno que se relaciona com outras funções
cognitivas como a memória e percepção. Para muitos neurocientistas a definição de
atenção é clara: atividade neural que facilita o processamento de uma informação e
inibe o processamento de outras concorrentes. Existem também categorizações da
atenção como atenção espacial e temporal, voluntária e automática. Foi a partir de
diversos experimentos e estudos clínicos que chegamos a essas definições. Os
experimentos delineados para o estudo dessa atividade neural normalmente
consistem em tarefas de percepção visual e de tempo de reação. Além disso,
estudos clínicos são surpreendentes em demonstrar quais as consequências de
lesões em regiões do encéfalo que possivelmente seriam responsáveis pela
dinâmica atencional. Estudos observam que é difícil isolar os processos cognitivos
como memória operacional e percepção do fenômeno da atenção. Talvez seja por
isso que ainda é incerto afirmar quais regiões neurais seriam ativadas para o
processamento atencional isoladamente.
A formação do percepto é influenciada pelo foco atencional e por outros
fatores como a memória, os sistemas sensoriais, experiências emocionais. Por isso,
a percepção não forma um retrato fiel da realidade, assim, cada pessoa percebe o
mundo de um jeito. Essa função cognitiva pode ser inconstante para algumas
modalidades sensoriais como é o caso da sensação térmica. Para humanos e
primatas a neurobiologia da percepção trata de estudar mais do que o
processamento das sensações, também tenta entender onde e como todas essas
informações interagem com outras funções cognitivas e influenciam

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

comportamentos específicos. As percepções mais estudadas são visuais e auditivas.


Além dessas, podemos estabelecer uma íntima relação entre percepção e ação. A
percepção é dependente de exploração ambiental e aprendizado, deste modo, é
influenciada pela ação. Porém, a formação de novas percepções guia novas ações.
A ação como vimos anteriormente, estabelece importantes relações com as
funções cognitivas. Sendo o comportamento motor substrato de todos os
comportamentos, é necessário entender como ele emerge das diversas conexões
neurais que coordenadamente ativam e inibem as unidades motoras. A organização
dos sistemas motores é complexa, pois, além das estruturas arcaicas que atuam na
formação de um movimento, há a modulação direta e indireta dos motoneurônios
pelos sistemas corticais descendentes. Podemos citar diversos níveis de
organização do controle motor como as vias reflexas medulares, o tronco encefálico
no comportamento postural e os ajustes antecipatórios dos córtices motores. Assim,
é o conjunto de atividade de diferentes núcleos ao longo do eixo neural que
coordenarão um movimento desde a percepção sensorial, da decisão do que fazer
e, assim, resultando em uma reação.
Neste sentindo podemos especular sobre essa “decisão do que fazer” na
neurociência. É a tomada de decisão que faz com que um comportamento seja ou
não produzido. Assim, o que está envolvido nessa tomada de decisão? Sejam elas
simples ou complexas, o sistema nervoso avalia as variáveis que se colocam dentre
as alternativas possíveis, geralmente de forma a maximizar os ganhos e minimizar
as perdas. Deste modo, a neurociência parte do pressuposto que tomar uma
decisão depende da experiência do indivíduo e de sua capacidade de identificar os
principais fatores da situação na qual ele deve decidir. Portanto, estudos nesta área
estão desenvolvendo métodos que avaliam a contribuição de outras funções
cognitivas como emoção, atenção e memória em tarefas que envolvem decisão. Por
isso que também podemos encontrar tentativas de compreensão das emoções por
meio de estudos de decisão.
A emoção é uma função cognitiva de extrema relevância para a sobrevivência
do indivíduo e da espécie. Apesar de parecer algo tão subjetivo e intangível, foram
séculos de questionamentos e estudos acerca das emoções. Porém, foi
recentemente que se despertou um maior interesse nesta área por parte da
neurociência. São estudos realizados com animais humanos e não-humanos que
identificam regiões do encéfalo responsáveis pelos processamentos de emoções
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Neurociência Cognitiva

como medo, ansiedade, agressão, prazer. Técnicas de neuroimagem ou técnicas de


lesão neurotóxica em regiões específicas em conjunto com abordagens
comportamentais, eletrofisiológicas ou respostas fisiológicas podem ser utilizadas
como métodos de inferência nesses estudos. Além disso, é a partir da combinação
desses estudos com a neuroquímica e genética que podemos melhor entender as
causas das desordens afetivas e ajudar aqueles que sofrem com elas.
Após citar diversos assuntos da neurociência cognitiva que serão abordados
neste módulo podemos notar que é impossível falar de uma função ou fenômeno do
sistema nervoso sem considerar os outros. Devemos pensar as funções do sistema
nervoso como algo dinâmico que interagem continuamente. Assim, o indivíduo
pensa, realiza tarefas, fala, sente devido à interação de conexões neurais de
diversas regiões. Por isso, foi pensando didaticamente que apresentamos a vocês,
alunos do curso de inverno, uma sequência de aulas coerente para um claro
entendimento dos estudos da neurociência cognitiva.

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Capítulo 1 Neurofisiologia Básica pág. 07


Sergio Marinho da Silva
Capítulo 2 Comunicação celular e padrões de conectividade pág. 22
Marina F. de Oliveira
Capítulo 3 Aprendizagem e Memória pág. 34
Ilton Santos da Silva
Capítulo 4 Neurogênese no sistema nervoso central adulto: onde, como e com
que propósito? pág. 55
Lívia Clemente Motta Teixeira
Capítulo 5 Atenção pág. 68
Diego de Carvalho
Capítulo 6 Percepção pág. 79
Diego de Carvalho
Capítulo 7 Ação pág. 94
Marina F. de Oliveira
Capítulo 8 Decisão pág. 116
Camile Correa e Marcelo Arruda
Capítulo 9 Emoção pág. 139
Elisa Mari Akagi Jordão
Capítulo 10 História da neurociência pág. 160
Camile Maria Costa Corrêa
Bibliografia pág. 172

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Neurociência Cognitiva

Neurofisiologia Básica

Sergio Marinho da Silva


Laboratório de Controle Neural da Pressão Arterial
sergio.marinho.silva@usp.br

Para se estudar neurociência, é necessário que o aluno saiba quais são as


estruturas que formam o sistema nervoso, desde os diferentes tipos celulares até as
diferentes estruturas encontradas pelo organismo. Contudo, para facilitar a
compreensão de como funciona o sistema nervoso, iremos neste capítulo discorrer
sobre o seu desenvolvimento tanto na ontogenia quanto na filogenia. Ou seja, além
de falar sobre as diferentes estruturas do sistema nervoso e suas funções, será
descrito também o desenvolvimento do sistema nervoso humano desde o embrião
até o indivíduo adulto e serão comparados os sistemas nervosos dos principais
grupos de vertebrados. A discussão sobre esta comparação será deixada para o
final do capítulo.

1- DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA NERVOSO


As primeiras células que irão se diferenciar em células do sistema nervoso
surgem no ser humano após cerca de 20 dias da origem do embrião, em um
processo chamado de neurulação. Nesta fase, o embrião possui apenas três tipos
de tecidos: ectoderme, endoderme e mesoderma. Parte da mesoderma forma um
tubo localizado próximo da superfície ventral do organismo. Este tubo, chamado de
notocorda, induz a ectoderma imediatamente acima a se invaginar e formar um tubo,
separado do resto da ectoderma (Figura 1A). Este tubo formado de tecido
ectodermal irá então se tornar o tubo neural. Algumas células se desprendem
durante a formação do tubo neural, e são denominadas de cristas neurais. O
sistema nervoso central – encéfalo e medula espinal - será originado do tubo neural,
enquanto que o sistema nervoso periférico será formado pelas cristas neurais (Figura
1B).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 1 – Formação do tubo neural (Modificado de Moraes, 2009).

Logo após o tubo neural ser formado, a sua região rostral se diferencia,
tornando-se maior e mais pronunciada. Essa região virá a se tornar o encéfalo,
enquanto o restante será a medula espinal. O crescimento do encéfalo ocorre devido
à migração e proliferação de células para esta região. As primeiras diferenciações
do encéfalo, já visíveis após 25 dias no ser humano, são chamadas de prosencéfalo,
a região mais rostral, mesencéfalo e o romboencéfalo, contínuo à medula espinal
(Figura 2A). O canal central do tubo neural irá se diferenciar na região encefálica,
formando ventrículos e canais de comunicação dentro do encéfalo, enquanto na
região da medula este não passa por grandes alterações.
Com sete semanas de gestação, o prosencéfalo se diferencia em telencéfalo
e diencéfalo. O telencéfalo corresponde à região do cérebro*, enquanto o diencéfalo
corresponde à região do tálamo e ao hipotálamo. O mesencéfalo, por não passar por
grandes mudanças, continua com a mesma denominação. Já romboencéfalo se
diferencia no metencéfalo e no mielencéfalo (Figura 2B,C). O metencéfalo
corresponde à região da ponte e, em contato com a região dorsal desta, o cerebelo.
O mielencéfalo corresponde à região do bulbo, região mais caudal do encéfalo,
contínuo com a ponte e a medula espinal. O mesencéfalo, a ponte e o bulbo juntos
são considerados o tronco encefálico. Este nome vem do fato destes juntos estarem
no centro do encéfalo e interligarem todas as estruturas encefálicas (Figura 2C).
A partir de 11 semanas de vida, já é possível identificar no embrião as suas
principais estruturas anatômicas e, com cinco meses, estas já estão com aspecto do
sistema nervoso desenvolvido. Ao nascer, o bebê já possui o mesmo número de
neurônios de um adulto (Figura 2D). Mas, mesmo com todas as estruturas do sistema
nervoso humano já diferenciadas, muitas ainda não são funcionais. O hipocampo,
por exemplo, estrutura do cérebro relacionada com a formação de memória, apenas
se tornará funcional após três anos após o nascimento do organismo. É por isso que
possuímos memórias apenas a partir dos três anos de vida em média. Estruturas

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Neurociência Cognitiva

relacionadas com a manutenção do organismo, encontrados principalmente no


tronco encefálico, já são funcionais e estão com as células diferenciadas logo após o
nascimento.
Simultaneamente ao desenvolvimento do sistema nervoso central, ocorre o
desenvolvimento do sistema nervoso periférico. Este se dá pela proliferação e
migração das células das cristas neurais para diferentes regiões do organismo,
formando aglomerados de neurônios e células gliais chamados de gânglios. Os
neurônios destes gânglios entram em contato com neurônios medulares e inervam
diferentes órgãos e tecidos do organismo.
* Aqui denominamos como encéfalo a porção do sistema nervoso localizado no crânio e cérebro como o conjunto do córtex
cerebral e dos núcleos basais.

Figura 2 – Desenvolvimento das principais estruturas do encéfalo humano até o nascimento.


A – feto com 3 semanas; B – com 7 semanas; C – com 11 semanas; D – no nascimento (Modificado
de Moraes, 2009).

Todas as regiões descritas acima, exceto a medula espinal, se encontram na


cabeça do organismo, dentro da caixa craniana e protegidas por diversas meninges,
chamadas de dura-máter, aracnóide e pia-máter (Figura 6). A região do crânio é uma
das mais protegidas de todo o organismo, não possuindo articulações e possuindo
pequenas fenestras apenas para a comunicação entre o encéfalo e a medula
espinal, para o nervo ótico, para o bulbo olfatório, para o nervo auditório e para os
nervos cranianos. Dentro do sistema nervoso não passam vasos sanguíneos, o que
acarreta em um problema de distribuição de nutrientes. Para contornar esta
situação, as células do sistema nervoso obtêm os nutrientes da circulação através
do contato dos astrócitos com os vasos sanguíneos próximos.

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

2- ESTRUTURAS DO SISTEMA NERVOSO


TELENCÉFALO  CÓRTEX CEREBRAL E NÚCLEOS DA BASE
Ocupando a parte superior do crânio, o cérebro consiste em dois hemisférios
cerebrais unidos por largos feixes de fibras nervosas, chamados de corpo caloso. A
camada externa do cérebro, chamada de córtex cerebral, é responsável pelo
controle de diversas atividades, como o controle da movimentação do organismo,
recebimento e processamento de diversos estímulos sensoriais, aprendizado e
memória, entre outros. Abaixo do córtex e separado deste por uma região de
matéria branca, encontramos os núcleos da base. Em humanos, o córtex é
recoberto por sulcos e giros, dando a este uma aparência rugosa. Através disso, a
área cortical é bastante aumentada, permitindo um número de células maior do que
seria possível caso o córtex fosse liso. A superfície do córtex é formada pela matéria
cinzenta, e abaixo desta encontramos a matéria branca.
O córtex de cada hemisfério é dividido em quatro lobos, denominados a partir
dos ossos cranianos localizados acima deles (Figura 3). É possível delimitar diversas
funções corticais a lobos específicos, sendo que ambos os córtex possuem funções
similares. A diferença entre os hemisférios corticais é que cada hemisfério é
responsável pelo controle do lado oposto do indivíduo. Ou seja, o lado esquerdo do
corpo é controlado pelo hemisfério direito. Além disso, acredita-se que possuímos
um hemisfério dominante. Os hemisférios se comunicam através do corpo caloso. O
lobo temporal, localizado nas partes laterais do crânio, é relacionado primariamente
com o sentido de audição, possibilitando o reconhecimento de tons específicos e
intensidade do som. O lobo frontal, que se localiza na frente do encéfalo, abaixo do
osso frontal do crânio, é responsável pela elaboração do pensamento, planejamento,
programação de necessidades individuais e emoção. O lobo parietal, localizado
dorsalmente, atrás do lobo frontal, é responsável pela sensação de dor, tato,
gustação, temperatura, pressão. Também está relacionado com a lógica
matemática. O lobo occipital, localizado na região da nuca, é responsável pelo
processamento da informação visual.
Localizado no lobo temporal, o hipocampo é um núcleo cortical envolvido na
conversão de memórias de curto-prazo em memórias de longo-prazo (Figura 3). Esta
é uma das regiões mais estudadas do sistema nervoso devido a sua importância e
por estar relacionada com o mal de Alzheimer.

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Neurociência Cognitiva

Figura 3 – Principais divisões do córtex cerebral e a localização do hipocampo (em azul, região
interna do córtex temporal) (Modificado de Moraes, 2009).

Entre os hemisférios, estão os ventrículos cerebrais (ventrículos laterais e


terceiro ventrículo). Contamos ainda com um quarto ventrículo, localizado mais
abaixo, ao nível do tronco encefálico. São reservatórios do líquido cefalorraquidiano.
Estes ventrículos são contínuos e unidos com o canal central da medula espinal.
Abaixo do córtex cerebral, logo após a matéria branca, encontramos os
núcleos da base. Este é formado por um aglomerado de gânglios que estão
relacionados, de modo geral, com o controle da movimentação estereotipada,
manutenção do tônus muscular e postura. Os principais aglomerados celulares dos
núcleos da base são o corpo estriado (este subdividido em núcleo caudado,
putamen e globo pálido) e o núcleo subtalâmico. A degeneração dos núcleos da
base pode desencadear distúrbios motores, como a doença de Huntington e o mal
de Parkinson.
DIENCÉFALO  TÁLAMO E HIPOTÁLAMO
Posterior aos núcleos da base, encontramos o diencéfalo, representado pelo
tálamo e o hipotálamo. O hipotálamo ocupa a porção mais ventral do diencéfalo,
englobando a região coberta pelo quiasma ótico e se estendendo até o mesencéfalo
(Figura 6). Logo abaixo do hipotálamo encontramos a hipófise, importante glândula
secretora de hormônios, produzidos tanto pelo hipotálamo quanto pela própria
hipófise. O hipotálamo realiza diversas conexões com todo o organismo através de

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

conexões com diversas estruturas encefálicas, a medula espinal e mesmo com


órgãos periféricos através do sistema hipófise-hipotálamo, o que o torna envolvido
no controle de diversas atividades. O hipotálamo está intimamente envolvido no
controle da homeostasia, sendo responsável, por exemplo, pela sensação de frio e
calor, fome, sede, etc.
O tálamo é um centro de pré-processamento e de transmissão de sinais,
principalmente de informação sensorial proveniente de segmentos inferiores, da
medula espinal e do bulbo, para centros superiores. O tálamo também está
relacionado com outras atividades, como o controle do sono e da vigília, além de
alterações no comportamento emocional que decorre, não só da própria atividade,
mas também de conexões com outras estruturas neurais.
SISTEMA LÍMBICO
O comportamento motivacional e o controle das emoções são realizados por
diversas estruturas localizadas no telencéfalo e no diencéfalo. Essas regiões
recebem o nome de sistema límbico. Ainda não se sabe completamente quais
núcleos fazem parte do sistema límbico. Contudo, sabe-se que os seguintes núcleos
atuam de modo ativo no comportamento emocional: o córtex cingulado, o
hipocampo, o hipotálamo e os núcleos anteriores do tálamo. Um importante núcleo
límbico é a amígdala. Localizada no interior dos córtices temporais, ela atua como,
provavelmente, o principal desencadeador de toda experiência emocional. As outras
estruturas, apesar de fundamentais para o desencadeamento da resposta
emocional, estariam relacionadas com a associação de memórias com emoções,
como é o caso do hipocampo, ou então relacionadas com o desencadeamento de
respostas fisiológicas, no caso do hipotálamo (Figura 6).

CEREBELO
Rostralmente ao diencéfalo, encontramos o tronco encefálico e, ligado a este,
o cerebelo. Apesar da única via de comunicação do cerebelo ser com a ponte, este
apresenta mais semelhanças com o cérebro do que com os núcleos mais próximos
deste.
O cerebelo ocupa cerca de um quarto do volume craniano no homem, o que
dá uma idéia de sua importância funcional. Ele consiste em uma estrutura globosa
formada por uma camada externa de matéria cinzenta, chamada de córtex
cerebelar. Este córtex, que também apresenta sulcos e giros, cobre um núcleo de
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Neurociência Cognitiva

matéria branca. Nesta matéria branca, encontram-se três aglomerados de matéria


cinzenta. Esses são o núcleo fastigial, os interpostos e o núcleo denteado (Figura 4).
O cerebelo está envolvido no controle da postura e do tônus muscular, além
da produção de movimentos locomotores coordenados. Estas funções são
integradas com as informações do córtex primário motor e com os núcleos da base,
além de outras regiões encefálicas

Figura 4 – Anatomia macroscópica do cerebelo, vista dorsal (adaptado de Kandel et al., 1995).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 13


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

TRONCO ENCEFÁLICO  MESENCÉFALO, PONTE E BULBO


O tronco encefálico interpõe-se entre a medula espinal e o diencéfalo,
situando-se ventralmente ao cerebelo. Ela é responsável por receber informações
sensitivas de estruturas cranianas e controlar os músculos da cabeça, transmitir
informações entre a medula espinal, o telencéfalo e o diencéfalo, e regular a
atenção, função esta que é mediada pela formação reticular. Além destas funções,
diversos núcleos localizados no mesencéfalo, ponte e bulbo são responsáveis pela
manutenção da sobrevivência do organismo através da regulação e modulação de
atividades fisiológicas como, por exemplo, o controle da pressão arterial.
Muitos dos núcleos do tronco encefálico emitem fibras nervosas que se
comunicam com a periferia do organismo sem passar pela medula espinal (Figura
2B). Esses nervos, chamados de nervos cranianos, entram em contato com o

encéfalo através de uma fenestra no crânio. Em humanos, são encontrados 12


pares de nervos cranianos, numerados de I a XII, e podem ser classificados como
sensoriais e motores. Fibras sensoriais trazem informações das vísceras para o
encéfalo, enquanto fibras motoras transportam informação para o organismo.
O mesencéfalo situa-se rostralmente à ponte e controla muitas funções
sensoriais e motoras, incluindo os movimentos oculares e a coordenação dos
reflexos visuais e auditivos (Figura 6). Um dos principais núcleos mesencefálicos é a
substância negra. Este núcleo, assim chamado devido à sua cor, está intimamente
relacionado com o controle da movimentação e a sua lesão está diretamente
relacionada com o parkinsonismo. Esta relação se dá porque a substância negra é
um dos grandes centros dopaminérgicos no sistema nervoso e, em pacientes com
parkinsonismo, comumente se encontra baixos níveis de dopamina no sistema
nervoso e com menor número de células neste núcleo.
Localizado caudalmente ao mesencéfalo, encontramos a ponte. Esta região é
chave para a comunicação entre a medula espinal, o bulbo, o cerebelo e os centros
superiores (Figura 6). Encontramos nela o locus coeruleus, um denso aglomerado de
neurônios produtores de noradrenalina. Este núcleo envia projeções para a todas as
principais regiões encefálicas e da medula espinal, e está envolvido no controle de
diversas atividades, dentre elas, o controle do sono e do estresse.
Logo após a ponte, encontramos o bulbo. Esta região é anatomicamente e
funcionalmente similar à medula espinal. Este possui diversos centros responsáveis
por funções autonômicas vitais, como a digestão, a respiração e o controle da

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Neurociência Cognitiva

frequência cardíaca. Um núcleo bulbar que se destaca é o núcleo do trato solitário.


Localizado na região dorsal, este é o primeiro centro no sistema nervoso a receber e
processar informações sensoriais de diversos órgãos viscerais.
MEDULA ESPINAL
A medula espinal é a parte mais caudal do sistema nervoso central e, em
muitos aspectos, a parte mais simples. Ela se estende da base do crânio até a
primeira vértebra lombar. A medula espinal recebe informação sensória da pele, dos
músculos, do tronco, dos membros e contém neurônios motores responsáveis por
ambos os movimentos voluntários e reflexos (Figura 6).
Ao longo de seu comprimento, a medula espinal varia em tamanho e formato,
dependendo se os nervos emergentes irão inervar os membros ou o tronco. A
coluna é dividida em matéria cinzenta e matéria branca que a envolve. A matéria
cinzenta, que contém diversos corpos celulares, é tipicamente dividida em cornos
dorsais e ventrais (assim chamados porque a matéria cinzenta parece ter o formato
da letra H em secções transversais). O chifre dorsal contém uma disposição
ordenada de neurônios sensoriais que recebem aferências - estímulos de outras
células - da periferia, enquanto o chifre ventral contêm neurônios motores que
inervam músculos específicos. A matéria branca é formada de tratos longitudinais de
axônios mielinizados que formam vias ascendentes através da qual a informação
sensória chega ao encéfalo e vias descendentes que carregam comandos motores e
influências modulatórias do encéfalo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 15


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Dorsal
Raiz dorsal

Gânglio

Ventral
Figura 5 – Corte transversal da medula espinal. A parte escura em formato de H representa a matéria
cinzenta, enquanto que a parte branca em volta, a matéria branca (adaptado de Zigmond e col.,
1998).

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Neurociência Cognitiva

Figura 6 – Sistema nervoso central: encéfalo, medula e estruturas associadas (Modificado de Moraes,
2009).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 17


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO


O sistema nervoso autônomo é a parte que está relacionada ao controle da
vida vegetativa, ou seja, controla funções como a respiração, circulação do sangue,
controle de temperatura e digestão. Desta forma, ele é o principal responsável pelo
controle automático do corpo frente às diversidades do ambiente, mantendo assim a
homeostase. Apesar de se chamar sistema nervoso autônomo ele não é
independente do restante do sistema nervoso. Ele é interligado com diversas partes
do sistema nervoso central, principalmente com o tronco encefálico e com o
hipotálamo.
O sistema nervoso autônomo é constituído por um conjunto de neurônios que
se encontram na medula espinal e no tronco encefálico. Estes, através de gânglios
periféricos, coordenam a atividade da musculatura lisa, da musculatura cardíaca e
de inúmeras glândulas exócrinas. O sistema nervoso autônomo divide-se em
sistema nervoso simpático e sistema nervoso parassimpático. Os neurônios pré-
ganglionares do sistema simpático emergem dos segmentos tóraco-lombares (da
região do peito e logo abaixo), ao passo que os do sistema parassimpático emergem
dos segmentos céfalo-sacrais (da região da cabeça e logo acima dos glúteos) (Figura
7).

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Neurociência Cognitiva

Figura 7 – Sistema nervoso autônomo. Divisão simpática e parassimpática (adaptada de Kandel e


col., 1995)

3- EVOLUÇÃO DO SISTEMA NERVOSO DENTRE OS VERTEBRADOS


Ao longo da evolução, o encéfalo sofreu mudanças consideráveis. Em
comparação com os sistemas nervosos primitivos de invertebrados, o encéfalo dos
vertebrados é um órgão bem desenvolvido e altamente interconectado.
Dentre os vertebrados, as estruturas que menos se modificaram são as
encontradas no tronco encefálico, justamente devido a importância dessas para a
sobrevivência do organismo. Outras estruturas já variam bastante de acordo com o
estilo de vida dos animais. O cerebelo, por exemplo, é mais desenvolvido em
animais que dependem de grande coordenação motora, como é o caso da maioria
dos peixes, das aves e dos mamíferos.
O encéfalo dos peixes varia muito, devido ao grande número de gêneros de
peixes existentes. De modo geral, o telencéfalo é indiviso, havendo apenas um
canal, ao invés de canais laterais que nem nos mamíferos. O encéfalo dos anfíbios é
notavelmente não especializado. Os hemisférios cerebrais são mais separados entre
si que nos peixes, de modo que quase não possuem um ventrículo comum. O corpo
estriado é pequeno. Os lobos ópticos apresentam dimensões pequenas a
moderadas. O cerebelo ainda é rudimentar. O encéfalo dos répteis é estreito,

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 19


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

alongado e quase reto. Os bulbos olfativos tendem a ser menores que os dos
peixes. Os tratos olfativos são longos. Os encéfalos das aves são relativamente
grandes, uniformes e peculiares. Os bulbos e tratos olfativos são, de modo geral,
menores do que nos outros vertebrados. O hemisfério cerebral das aves é superado
em tamanho apenas pelo de alguns mamíferos, isso devido ao enorme
desenvolvimento do corpo estriado com seu neocórtex. Os nervos, tratos e quiasma
ópticos são grandes. Nas aves e mamíferos, o cerebelo é muito volumoso, lobulado
e convoluto, formando giros e sulcos. As porções superficiais do córtex são delgadas
e a substância cinzenta tornou-se externa. Nas aves, o cerebelo é maior do que nos
outros vertebrados, salvo alguns mamíferos.
Nos mamíferos, os bulbos e tratos olfativos variam de imensos a muito
pequenos. Embora menor que nos répteis e aves, o corpo estriado é bem
desenvolvido. O amplo neocórtex representa a característica dos mamíferos,
dominando o encéfalo estruturalmente e funcionalmente. Estes são lisos em
mamíferos pequenos e convolutos na maioria dos de grande porte. Uma nova
comissura, o corpo caloso, liga os hemisférios.
A cobertura dorsal do mesencéfalo, denominada teto, é o local onde
encontramos em todos os vertebrados, salvo os mamíferos, o centro primário de
percepção da visão. Nos mamíferos, a percepção visual é migrada, em grande
parte, para o cérebro, apesar do teto do mesencéfalo ainda ser funcional na visão.

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Neurociência Cognitiva

Anfíbio (sapo)
Peixe

Réptil (tartaruga)
Aves (pássaro preto)

Figura 8 – Formato geral do encéfalo em diferentes vertebrados (Modificado de Moraes, 2009)Cores:


Vermelho – cerebelo
Amarelo – lobo óptico
Laranja – cérebro
Verde – hipófise
Rosa – bulbo
Cinza – bulbo olfatório

AGRADECIMENTO:
Ao Dr. Andreas Betz pela revisão do capítulo.

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Comunicação celular e padrões de conectividade

Marina F. de Oliveira
Laboratório de Ciências da Cognição
marinafaveri@usp.br

Os neurônios são a unidade fundamental de comunicação no sistema nervoso.


Apesar de células de todos os tecidos exibirem propriedades comunicativas, os neurônios
são extremamente especializados na recepção, integração e transmissão de sinais.
Abordaremos aqui algumas características celulares que conferem as propriedades
comunicativas neuronais, assim como de que forma padrões de conectividade entre as
unidades elementares altera o resultado da sinalização neural. (Kandel, 2000)
A variedade de tipos de neurônios encontrados no sistema nervoso é muito maior do
que em qualquer outro tecido corporal. Como podemos observar na Fig. 1 na página ao
lado, a característica comum a todos os neurônios é a existência de prolongamentos que
partem do corpo celular. Esses prolongamentos são especializados na recepção e na
transmissão de sinais entre células, permitindo que a informação trafegue em um único
sentido. A polarização da célula nervosa é, portanto, uma característica importante a ser
considerada na análise dos padrões de conectividade entre os neurônios. Citologicamente,
dividimos essas células em três componentes: dendritos, corpo celular e axônios. Cada
componente tem especializações, como o tipo de organelas citoplasmáticas, que permitem
funções celulares e de comunicação distintas. (Kandel, 2000)
Os dendritos são prolongamentos do corpo celular especializados na recepção de
informação. Cada prolongamento se subdivide múltiplas vezes, o que confere ao conjunto
um aspecto de árvore. Cada ramo possui espinhos, pequenas projeções cujas membranas
celulares possuem aparato especial para a recepção de sinais químicos provenientes de
outros neurônios. De forma geral, os dendritos possuem as mesmas organelas
citoplasmáticas que o corpo celular, o que inclui o retículo endoplasmático rugoso e
ribossomos, responsáveis pela síntese e dobramento de proteínas. Fig. 2 (Kandel, 2000)
Apesar de essas estruturas também estarem presentes nos dendritos, a maior parte
das proteínas neuronais é sintetizada no corpo celular. No corpo celular está localizado o
núcleo, que contém os cromossomos a partir dos quais partes do DNA são transcritas em
RNA mensageiro para a síntese protéica. O RNA mensageiro produzido no núcleo é
responsável, no citossol, por guiar a seqüência de aminoácidos das proteínas durante sua
síntese.

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Neurociência Cognitiva

Figura 1 – Os neurônios são extremamente variados em sua forma e distribuição de prolongamentos.


A: célula unipolar. Neurônio típico de invertebrados, com um único prolongamento. Segmentos
diferentes servem como receptores e terminações. B: célula bipolar da retina. Com dois
prolongamentos, cada um serve a uma função específica: dendritos levam informação à célula e o
axônio transmite informação para outras células. C: célula pseudo-unipolar. Inicia seu
desenvolvimento como célula bipolar, e ao longo do crescimento há a fusão do tronco dos dendritos e
do axônio em um único ramo emergindo do corpo celular. São células sensitivas, cujo corpo celular
encontra-se fora do sistema nervoso central, em gânglios. D: células multipolares (um neurônio motor
da medula espinhal, célula piramidal do hipocampo e célula de Purkinje do cerebelo). A grande
arborização dendrítica permite que essas células recebem muito mais sinapses. (Adaptado de
Kandel, 2000)
Os ribossomos são as organelas que fazem a ligação dos aminoácidos conforme a
seqüência de nucléolos no RNA mensageiro, e, nos neurônios, sua localização pode ser

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 23


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

livre no citossol ou em associação a membranas, formando o retículo endoplasmático


rugoso. Entre as proteínas sintetizadas no corpo celular, estão aquelas secretadas pelo
neurônio, também conhecidas como neurotransmissores. O local de secreção é o terminal
axonal, onde existem especializações de membrana responsáveis pela exocitose de
vesículas contendo os neurotransmissores. Fig. 2 (Kandel, 2000)

Figura 2 – Citologia do neurônio: do corpo celular


saem prolongamentos em forma de árvore (dendritos),
com espinhos onde a membrana citoplasmática tem
especializações para a recepção de sinais (membrana
pós sináptica). O corpo celular abriga o núcleo e a
maquinaria celular para a síntese protéica. As
vesículas são transportadas pelo axônio até seu sítio
de liberação. (Adaptado de Kandel, 2000)

Os axônios transportam as vesículas


contendo neurotransmissores ativamente por um
complexo sistema de proteínas que formam o
citoesqueleto. No corpo celular, essas proteínas
são entrelaçadas em forma de rede, conferindo
aspecto esférico, piramidal ou outros,
dependendo do tipo de neurônio. Nos axônios, o
citoesqueleto mantém a estrutura tubular de
forma que este prolongamento celular pode
chegar a medir mais de um metro de
comprimento. Os axônios trafegam não somente vesículas: é por eles que o sinal elétrico
resultante das aferências neuronais é conduzido. Ao contrário dos dendritos, os axônios
possuem poucas ramificações, chamadas colaterais. Fig. 2 (Kandel, 2000)
A comunicação química entre neurônios depende da somação dos sinais recebidos
pelos diversos dendritos. Chamamos essa somação de integração neural, já que ela é a
resultante de estímulos excitatórios e inibitórios de múltiplos neurônios. Dependendo da
resultante, um sinal pode ser emitido pelo neurônio no ponto de emergência do axônio,
chamada de zona gatilho. Esse sinal é conduzido pelo axônio até sua terminação,
culminando na liberação de neurotransmissores que atuarão em outros neurônios, podendo
excitá-los ou inibi-los. Como veremos agora em detalhes, a natureza desse sinal é
eletroquímica, e depende da distribuição de íons dentro e fora dos neurônios, assim como

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Neurociência Cognitiva

da capacidade dos neurônios de se tornarem mais ou menos permeáveis a íons específicos.


(Kandel, 2000)
A membrana neuronal é constituída de uma bicamada lipídica, impermeável a íons
dissolvidos tanto no citossol como no meio extracelular. A movimentação de íons através da
membrana celular acontece passivamente (sem gasto energético) por canais iônicos. Os
canais iônicos são proteínas transmembrânicas, em geral seletivas para a passagem de um
único íon (de sódio, potássio, cálcio ou cloreto), mas também podendo ser permeável a uma
classe de íons (cátions ou ânions). Fig 3. Alguns canais iônicos são permanentemente
abertos, permitindo um fluxo constante de íons e participando da manutenção da diferença
de concentração iônica dentro e fora da célula. Outros canais são abertos somente por
estímulos químicos, mecânicos ou elétricos, e participam da sinalização celular. (Kandel,
2000)

Figura 3 – a passagem de íons pelos canais


é passiva. À esquerda, um cátion de sódio (Na+) não
interage diretamente com a bicamada lipídica da
membrana. À direita, ele perde parte de sua camada
de hidratação momentaneamente enquanto interage
com um sítio polar do poro do canal. Por ser uma
interação fraca, logo o íon restabelece sua camada
de hidratação no meio intracelular. Em baixo:
segmento de membrana contendo canais de potássio
(K+) e de Na+. O K+ tem maior diâmetro iônico, o que
diminui a força de interação com a água e, portanto,
a sua camada de hidratação. O resultado é que o
diâmetro total é menor que o do Na+, permitindo que
os canais de K+ filtrem seu íon pelo tamanho. À
direita, o K+ hidratado é muito grande para passar pelo poro, e sua interação com a parede do canal
muito fraca para que ele perca a sua camada de água, selecionando então íons de Na+. (Adaptado de
Kandel, 2000)

A concentração de íons não é igual nos meios extra e intracelular: enquanto a


concentração de potássio e ânions orgânicos é maior dentro, a de sódio e de cloreto é maior
fora da célula. Essa diferença de concentrações promove uma tendência de movimentação
dos íons tanto pela ação de forças químicas, como pelo gradiente elétrico, gerando um
acúmulo de cargas nas proximidades da membrana à que chamamos diferença de potencial
de membrana. Essa movimentação acontece por canais iônicos de repouso, que
permanecem constantemente abertos. Fig. 4 (Kandel, 2000)

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 25


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 4 – Em A: Forças químicas (em


azul) e elétricas que atuam sobre o K+ e o fluxo
iônico resultante em três canais de repouso
permeáveis ao potássio. O íon tende a sair da
célula devido ao gradiente de concentração, mas
sua saída leva ao acúmulo de cargas positivas na
borda externa da célula, o que gera uma força
repulsiva aos próprios íons de K+ e diminui a
intensidade da corrente de saída. Em B: Um
quarto canal, permeável ao sódio, está
representado. Aqui, tanto o gradiente químico (em
azul), quanto o elétrico (em vermelho), estão a
favor da entrada do Na+, levando a uma alta força
eletroquímica resultante no sentido do influxo de
sódio. Em C: As forças elétricas para a entrada do
K+ são diminuídas quando consideramos a
contribuição de cargas positivas do Na+ no
estabelecimento do gradiente elétrico.
Considerando-se que, de fato, o número de
canais de repouso de potássio é muito maior do que o de sódio, essas correntes são balanceadas, e
a movimentação de cargas através da membrana é igual. (Adaptado de Kandel, 2000)

A movimentação passiva de íons pela membrana celular mantém a face interna da


membrana ligeiramente mais negativa que a face externa, o que gera um potencial elétrico
de aproximadamente -65mV. A tendência de equilíbrio de concentração dos íons pela
movimentação passiva nos canais de repouso (entrada de sódio e saída de potássio) é
revertida pela ação da sódio-potássio-ATPase, também conhecida como bomba de sódio-
potássio. Essa proteína transmembrânica transporta ativamente íons Na+ e K+ contra seus
gradientes de concentração, mantendo a diferença de potencial estável. (Kandel, 2000)
A sinalização no sistema nervoso depende de alterações no potencial de repouso
das membranas celulares. Nas sinapses elétricas, as células envolvidas (pré e pós)
apresentam uma contigüidade de citoplasmas, de forma que alterações na distribuição de
íons desencadeadas em uma célula (corrente iônica) são diretamente transmitidas para a
outra. Fig. 5. Nas sinapses químicas, uma fenda separa as duas membranas celulares,
isolando eletricamente os dois neurônios envolvidos. A transmissão do sinal acontece pela
liberação de um neurotransmissor na fenda sináptica. Esse mediador químico se liga a

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Neurociência Cognitiva

receptores na membrana pós-sináptica, e esses atuam no fechamento ou abertura de


canais iônicos. Fig. 6. (Kandel, 2000)

Figura 5 – As junções
elétricas acontecem em regiões
especializadas da membrana
celular. A distância entre as células
nessas regiões cai de 20nm para
3,5nm. Os canais de comunicação
estão inseridos em ambas as
membranas (pré e pós sinápticas) e
alinhados, de forma que o
citoplasma e íons nele dissolvidos
são compartilhados, permitindo o
fluxo de corrente entre as células.
(Adaptado de Kandel, 2000)

Figura 6 – Transmissão de sinal em sinapses químicas. A: O potencial de ação em um terminal


sináptico ativa canais de cálcio voltagem dependentes, promovendo um influxo de Ca++. B: A entrada
do Ca++ provoca a fusão de vesículas contendo neurotransmissores na membrana celular, liberando
seu conteúdo na fenda sináptica. C: os neurotransmissores se ligam a receptores específicos na
membrana da célula pós-sináptica, ativando canais iônicos específicos de acordo com o receptor.

A atuação dos receptores nos canais iônicos pode ser direta ou indireta. O receptor
pode ser parte do canal (canais ligante dependentes ionotrópicos) ou desencadear uma
série de reações celulares via segundos mensageiros que atuam nos receptores
intracelularmente (canais ligante dependentes metabotrópicos). Nas sinapses excitatórias, a

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

conexão do neurotransmissor com seu respectivo receptor acaba por desencadear a


abertura de canais permeáveis ao Na+ e ao K+. Como as forças que atuam sobre esses íons
é diferente, observamos que há uma entrada de sódio ligeiramente maior do que saída de
K+, de forma que a célula tem seu potencial de membrana aumentado (de 0,2 a 1mV). Na
sinapses inibitórias, o neurotransmissor abre canais permeáveis ao íon cloreto, que entra no
neurônio e desloca o potencial de membrana para mais negativo (até -70mV). (Kandel,
2000)
Essas pequenas interferências no potencial de membrana de um neurônio seriam
desprezíveis se um único neurônio não recebesse contato sináptico de centenas e até
milhares de outros neurônios. A somação das alterações promovidas pelas várias sinapses
excitatórias e inibitórias que um neurônio recebe acontece de duas formas: espacial e
temporal. Na somação espacial, várias sinapses vizinhas são ativadas simultaneamente, de
forma que o resultado dos vários potenciais pós sinápticos são somados. Na somação
temporal, uma mesma sinapse é ativada várias vezes dentro de um curto intervalo de
tempo, de forma que antes que o potencial de repouso seja restabelecido, outra variação é
induzida, permitindo que potenciais pós sinápticos subseqüentes sejam somados. A
integração neural nada mais é, portanto, do que a variação no potencial de membrana
resultante dos diversos potenciais pós sinápticos em um neurônio em um intervalo de
tempo. Fig. 7. (Kandel, 2000)

Figura 7 – À esquerda, somação


temporal: dois estímulos consecutivos na
mesma sinapse podem ser somados e atingir o
limiar de excitação (parte inferior). À direita,
somação espacial: sinapses próximas são
ativadas simultaneamente. A corrente gerada é
somada e pode gerar um potencial de ação
(parte inferior). (Adaptado de Kandel, 2000)

A variação do potencial de
membrana, a partir de um limiar (em torno de -55mV), altera a conformação de canais
iônicos voltagem dependentes, permitindo a sua abertura e desencadeando o potencial de
ação. A despolarização da membrana ativa canais de Na+ voltagem dependentes,
permitindo o rápido influxo de Na+. Esse influxo despolariza ainda mais a membrana,
levando a uma reação em cadeia na qual muitos canais de Na+ são abertos em um intervalo
de tempo muito curto (em torno de 1ms), caracterizando a curva ascendente do potencial de
ação. A despolarização desencadeia (de forma mais lenta) a inativação desses canais, de

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Neurociência Cognitiva

forma que há o seu fechamento automático após a sua abertura, e o canal só pode ser
ativado novamente após um período fixo. Fig. 8. (Kandel, 2000)
A despolarização da membrana também ativa canais de K+ voltagem dependentes. A
cinética desses canais é mais lenta do que a dos canais de Na+, de forma que a crescente
despolarização decorrente do influxo de sódio aumenta o número de canais de K+ que são
abertos. Como os canais de K+ permanecem abertos enquanto a célula estiver
despolarizada, o efluxo deste íon faz com que o potencial de membrana seja
progressivamente restabelecido. A cinética de fechamento dos canais de potássio é
relativamente lenta (quando comparada à dos canais de Na+), de forma que mesmo após
atingir o potencial de repouso, ainda há saída de potássio e a célula passa por um período
de hiperpolarização. Fig. 8. (Kandel, 2000)

Figura 8 – Em vermelho: variação do potencial de


membrana no decurso temporal de um potencial de
ação. Há um pico (em torno de 30mV) atingido
rapidamente a partir do limiar de disparo (-55mV), e
um vale abaixo do potencial de repouso (em torno
de -70mV). Em azul: Condutância dos canais de
Na+ e K+ é diferente ao longo do tempo devido à
cinética particular de cada canal. O formato mais
estreito da curva do Na+ mostra a rápida abertura e
fechamento dos canais desse íon. Apesar da
presença de uma quantidade menor de canais de
K+ (aproximadamente 75% da quantidade de canais
de Na+), eles permanecem abertos por mais tempo.
(Adaptado de Kandel, 2000)

A movimentação dos íons através da membrana afeta a distribuição dos íons nas
regiões adjacentes da membrana, de forma que há um espalhamento do potencial de ação
devido à condução eletrotônica de íons no citoplasma. Nos axônios, com sua estrutura
tubular, mesmo que a condução eletrotônica se propague em direção ao corpo celular, o
efluxo de potássio é maior do que a corrente despolarizante, e a membrana continua o curso
de repolarização pós potencial de ação. Fig. 9. A zona gatilho, no cone de implantação do
axônio, é uma região densamente povoada de canais voltagem dependentes, e considerada
por isso a geradora do potencial de ação. (Kandel, 2000)

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 29


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 9 – Estrutura de propagação de um


potencial de ação em um axônio, da
esquerda para a direita. Em A: as
correntes geradas pela despolarização
induzida pelo influxo de Na+ se espalham
bidirecionalmente de forma igual. Em B: o
potencial prossegue para esquerda pois o
potencial de membrana dessa região é o
de repouso, o que permite que a variação
de voltagem pela condução eletrotônica ative os canais de Na+ em repouso. A região 3 não apresenta
propagação do potencial de ação por ainda sofrer os efeitos hiperpolarizantes da abertura e
fechamento tardios dos canais de K+ que impede que a corrente eletrotônica seja suficiente para
ativar canais de Na+ voltagem dependentes. (Adaptado de Kandel, 2000)

O potencial de ação se propaga pelo axônio com velocidades variáveis dependendo


do calibre do axônio e de seu isolamento elétrico. O calibre do axônio interfere na
velocidade de condução da corrente no meio intracelular (eletrotônica), que é diretamente
proporcional ao diâmetro axonal. O isolamento elétrico depende da existência (ou não) de
uma bainha de mielina e de sua espessura. Quanto maior o isolamento, mais rapidamente o
sinal é conduzido. (Kandel, 2000)
O sinal é conduzido, então, até a terminação axonal, que pode exibir várias
ramificações. A membrana celular do botão axonal exibe especializações na região pré
sináptica, entre elas, canais de Ca++ voltagem dependentes. A abertura desses canais é
transiente (abertura seguida rapidamente do fechamento), permitindo o influxo de pequenas
quantidades de Ca++. O Ca++ se liga à proteínas do citoesqueleto que movem vesículas
contendo transmissores sinápticos em direção à membrana celular, onde elas se fundem
liberando seu conteúdo na fenda sináptica. A cada potencial de ação, há nova liberação de
neurotransmissores, permitindo um aumento na intensidade do sinal transmitido pela
somação temporal. (Kandel, 2000)
As sinapses podem ocorrer em diversas configurações, e veremos a seguir como
padrões de conexão entre neurônios afetam a integração da informação resultante no
neurônio pós sináptico. Figs. 10, 11, 12 e 13. (Kandel, 2000)

Pág. 30 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

Figura 10 - Neurônios que são espontaneamente ativos (os


potenciais de ação se seguem automaticamente sem a
necessidade de estímulos sinápticos) podem sofrer a ação
de neurônios inibitórios e com isso alterar a sua freqüência
de disparo. Acima: atividade espontânea. Abaixo: a
atividade de sinapses inibitórias altera o padrão rítmico de
disparo de potenciais de ação. A flecha indica o primeiro potencial inibitório pós sináptico e a
supressão do potencial de ação.

Figura 11 – Em A: circuitaria medular simplificada do reflexo de estiramento. Na ilustração, o


músculo estirado é o quadríceps, e os ísquiotibiais inibidos. No reflexo de estiramento, o neurônio
sensitivo se conecta diretamente com neurônios motores do músculo estirado por sinapses
excitatórias (em vermelho) e indiretamente com motoneurônios do músculo antagonista ao estirado
(interneurônios inibitórios em cinza). Em B: A provocação de potenciais excitatórios pós sinápticos
nos motoneurônios que controlam o músculo inervado pelo neurônio sensitivo acontece em massa
pela convergência de aferências (cada motoneurônio recebe contatos de múltiplos neurônios
sensoriais), permitindo a somação temporal e podendo até gerar o disparo de potenciais de ação e a

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

conseqüente contração muscular. A ativação do quadríceps é facilitada pelo circuito inibitório da


musculatura antagonista. O neurônio sensitivo ativa interneurônios inibitórios. A ativação desses
interneurônios provoca a hiperpolarização dos motoneurônios que inervam os músculos ísquiotibiais,
impedindo que eles sejam ativados durante a resposta de contração do quadríceps. (Adaptado de
Kandel, 2000)

Figura 12 – Esquerda: sinapses axo-dendríticas nas quais a célula pré sináptica estabelece
contato nos espinhos dos dendritos ou no ramo. Nas sinapses axo-somáticas, o botão terminal do
axônio faz contato com corpo celular do neurônio pós sináptico. Direita: as sinapses axo-dendríticas
em geral são excitatórias, e possuem características morfológicas específicas, como: vesículas
sinápticas arredondadas, fenda sináptica larga, e zona ativa (área da sinapse) grande. Em contraste,
as sinapses axo-somáticas em geral são inibitórias e suas características morfológicas são: vesículas
ovaladas, fenda sináptica estreita e zona ativa pequena. Apesar de existirem muitos tipos de
neurotransmissores e de sua ação depender fundamentalmente da atividade do receptor ao qual ele
se liga, o glutamato é o neurotransmissor mais amplamente distribuído no sistema nervoso central
com atividade excitatória, e o ácido- -amino-butírico (GABA) na atividade inibitória.

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Neurociência Cognitiva

Figura 13 – Contatos axo-axonais podem ser excitatórios ou inibitórios. (Em A, contato


inibitório e em B, excitatório). A atividade do neurônio pré sináptico modula a liberação de
neurotransmissor alterando o potencial de membrana na terminação axonal na chegada do potencial
de ação. Na coluna do meio, vemos a atividade da célula A (excitatória) sobre a célula B sem a
interferência da sinapse axo-axonal que C faz com A. O potencial de ação provoca uma variação no
potencial de membrana (em cinza), que abre canais de cálcio permitindo uma corrente de influxo
desse íon (em laranja). Em vermelho, a excitação pós sináptica em B devido à liberação de
neurotransmissores decorrente da entrada do Ca++ no terminal axonal de A. Na coluna da direita,
observamos que (em cima) a atividade de C reduz a corrente de Ca++, e conseqüentemente a
amplitude do potencial excitatório pós sináptico em B. Na facilitação (em baixo), a atividade de C
prolonga o potencial de ação, aumentando o influxo de Ca++ e o potencial excitatório pós sináptico.
A comunicação celular no sistema nervoso está intrinsecamente associada a
variações no potencial de membrana. O neurônio apresenta diversas especializações
citológicas relacionadas à manutenção e variação do potencial de membrana, como
receptores, canais iônicos, vesículas sinápticas (em sinapses químicas) ou junções
comunicantes (nas elétricas), além da distribuição desigual de organelas na célula. As
características intrínsecas morfofuncionais do neurônio por si só já permitem a integração de
informação, como vimos na somação espacial e temporal de potenciais pós sinápticos.
Quando acrescentamos a esses aspectos as múltiplas variações no padrão de conexão
entre os neurônios, podemos entender os princípios de organização e integração neural que
são subjacentes a todos os comportamentos animais. (Kandel, 2000)

AGRADECIMENTO: Ao Dr. Pedro Leite Ribeiro pela revisão do capítulo.

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Aprendizagem e Memória

Ilton Santos da Silva


Laboratório de Neurociência e Comportamento
ilton.silva2008@gmail.com

1- Concepções históricas sobre o funcionamento da memória


Uma das grandes questões que intrigavam os neurocientistas no início do
século XIX era a origem das funções cognitivas no encéfalo. Por um lado, os
adeptos da teoria localizacionista acreditavam que partes específicas do encéfalo
eram responsáveis por funções também específicas. Um dos preponentes dessa
teoria foi o médico alemão Franz Joseph Gall (1758-1828). Ele acreditava que as
faculdades mentais estavam localizadas em regiões particularmente distintas do
córtex cerebral e com base nesse princípio, ele preconizava que o desenvolvimento
dessas faculdades produziam protuberâncias no crânio do indivíduo. Assim, ele
fundou a Frenologia, que tinha como princípio a ideia de que a medição dessas
protuberâncias (craniometria) poderia indicar as habilidades e até mesmo o tipo de
personalidade do indivíduo. A teoria de Gall foi popularizada e gerou um grande
debate que durou por muito tempo. Porém a grande falha na sua concepção era que
ela designava certas regiões do córtex como sendo o centro de faculdades
complexas e abstratas, como por exemplo, cautela, discrição e esperança. Além
disso, sabe-se hoje que deformações no crânio não refletem qualquer aspecto da
personalidade dos indivíduos.
Por outro lado, alguns pesquisadores da época acreditavam que todas as
regiões do encéfalo eram igualmente importantes para o comportamento. Um dos
defensores dessa concepção holística sobre o funcionamento do sistema nervoso
era o fisiologista francês Jean Pierre Flourens (1794-1867). Flourens resolveu testar
experimentalmente a hipótese de Gall removendo uma a uma diversas regiões do
córtex em vários animais diferentes. Os resultados não mostraram qualquer déficit
de comportamento relacionado com áreas específicas do córtex, porém, o
pesquisador observou que a dimensão da área removida é que tinha relação com o
prejuízo comportamental. Dessa forma, Flourens concluiu que todas as áreas do
córtex eram igualmente importantes e um dano em uma região específica não

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Neurociência Cognitiva

afetaria uma função mais do que outra. A mais famosa citação de Flourens sobre
suas conclusões foi escrita em 1824: “Todas as sensações, todas as percepções, e
todas as vontades ocupam o mesmo espaço nestas estruturas (encéfalo). As
faculdades de sensação, percepção e vontade são, essencialmente, uma só
faculdade”.
O debate sobre as teorias propostas por Gall e Flourens durou por muitas
décadas, chamando a atenção de outros neurocientistas para o problema. Dois
desses cientistas foram os médicos Pierre Paul Broca (1824-1880) e Karl Wernicke
(1848-1905). Ambos descreveram casos de pacientes afásicos (indivíduos
portadores de distúrbios relacionados com a linguagem). Broca examinou um
paciente que era incapaz de falar fluentemente ou emitir frases completas com
algum sentido, embora pudesse compreender o que ouvia. Por outro lado, Wernicke
descreveu um paciente portador do quadro oposto ao paciente de Broca. Esse
indivíduo tinha dificuldades de compreensão da linguagem falada ou escrita, no
entanto, podia falar normalmente. Os exames post-mortem desses pacientes
mostraram que eles possuíam lesões no lobo frontal esquerdo (no caso do paciente
descrito por Broca) ou na parte posterior do mesmo hemisfério (paciente de
Werninke). Os casos clínicos descritos por Broca e Wernicke deram uma grande
contribuição para a área de estudo, pois foram as primeiras evidências empíricas de
que uma capacidade mental bem conhecida poderia ser atribuída a uma região
específica do córtex cerebral. Além disso, contribuíram muito com o estabelecimento
de teorias sobre conexões corticais relacionadas com a linguagem.
Sabendo-se agora que existem regiões corticais especializadas em
determinadas funções, foi natural que as pesquisas da época se voltassem para o
estudo de uma capacidade mental bastante intrigante: a memória.
Os primeiros relatos sobre a tentativa de desvendar como as memórias estão
organizadas foram feitas pelo psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus (1850-1909)
que foi o pioneiro na análise experimental de funções da memória. Para isso, o
pesquisador elaborou cerca de 2.300 sílabas formadas por uma vogal entre duas
consoantes (e.g. NEX, LAZ, JEK) que não faziam qualquer sentido. Ebbinghaus
escreveu cada uma dessas sílabas em um pedaço de papel, misturava-as e retirava
aleatoriamente para formar listas com essas sílabas. Usando a si mesmo como

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

sujeito experimental, ele aprendeu1 várias dessas listas e depois testava sua
memória em diferentes intervalos de tempo; adicionalmente também quantificava o
número de repetições e o tempo necessário para reaprender cada lista.
Com esse desenho experimental, Ebbinghaus estabeleceu importantes
características da memória. Primeiro, ele demonstrou que as memórias possuem
diferentes tempos de duração (Fig.1); algumas por alguns poucos minutos e outras
que podem permanecer por dias ou até meses. Segundo, a repetição exerce papel
fundamental para que a informação dure por mais tempo, ou seja, em uma única
sessão de treino uma lista de sílabas poderia durar poucos minutos na memória,
mas com a repetição esse prazo poderia estender-se por dias ou semanas,
dependendo da quantidade de repetições.

Figura 1- “Curva de esquecimento” de Ebbinghaus. Os experimentos do pesquisador mostraram que


com o passar do tempo, as listas de palavras tendiam a ser esquecidas, porém com suficientes
repetições, elas poderiam durar por mais tempo. O eixo Y do gráfico mostra a porcentagem de
lembrança das listas enquanto que o eixo X mostra o tempo decorrido desde a sua leitura.

Pouco tempo depois, o psicólogo estadunidense Karl Spencer Lashley (1890-


1958) realizou uma série de experimentos com ratos. Lashley procurava por
vestígios de localização da memória no cérebro, ou “engrama”, como ele chamava.

1
 Cabe ressaltar aqui que a aprendizagem ocorre quando o indivíduo é exposto a alguma informação
e nesse momento direciona certa quantidade de atenção à ela, o que não quer dizer que a mesma
será consolidada na memória. Para esta última ocorrer, o indivíduo precisa ser capaz de evocar
posteriormente a informação aprendida. Por exemplo, Ebbinghaus conseguia aprender sobre as listas
de sílabas, mas elas só poderiam ser relembradas certo tempo depois se o processo de
aprendizagem fora efetivo, por exemplo, com uma grande quantidade de repetições na leitura. 

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Neurociência Cognitiva

O pesquisador treinou os animais a percorrerem um labirinto e depois disso, removia


partes diferentes do córtex. Depois de 20 dias, ele resubmetia os animais ao labirinto
para testar quanto eles recordavam sobre a tarefa. Assim como nos experimentos
de Flourens, Lashley também não observou qualquer prejuízo relacionado com
áreas específicas do córtex e sim com a quantidade de tecido removido (Fig.2).
Assim, em 1920 ele escreveu: “É certo que o hábito em relação ao labirinto, uma vez
formado, não se localiza numa única área do córtex cerebral e que o desempenho
no labirinto está de alguma forma condicionada pela quantidade de tecido que
permaneceu intacto”. Com base nesse princípio, Lashley formulou a lei da ação de
massa, que dizia que a dimensão do prejuízo de memória estava correlacionada
com a extensão da área cortical removida.

Figura 2- Experimento de Karl Lashley. O pesquisador treinou ratos a percorrerem um labirinto e


então removeu partes do córtex. Depois de certo tempo submeteu os animais novamente ao teste. O
gráfico mostra a porcentagem de área do córtex removida em função do número de erros ao
desempenhar a tarefa. Observe que os animais cometeram poucos erros ao completar o labirinto. O
número de erros só aumenta quando a área removida é muito extensa. (Retirado de Squire e Kandel,
2003).

O trabalho de Lashley recebeu duas críticas importantes que contestaram os


seus resultados. Primeiro, a aprendizagem de labirintos inclui uma série de
modalidades sensoriais e motoras, como o olfato, visão e o tato e, não
necessariamente pode envolver funções de memória. Assim, se o animal tiver

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

alguma dessas capacidades prejudicadas, ele pode usar outras como compensação
e desempenhar a tarefa tão bem quanto um rato normal. Dessa forma, o animal
pode usar uma ou mais estratégias concomitantemente para se locomover no
labirinto e desempenhar a tarefa normalmente sem o uso de qualquer informação
armazenada na memória. Porém, se a lesão for abrangente o suficiente para impedir
o uso de qualquer uma dessas capacidades sensoriais, o prejuízo torna-se evidente,
com mostrou Lashley. Segundo, nos seus experimentos, o pesquisador explorou o
córtex e não as regiões mais profundas do encéfalo, que mais tarde foram
evidenciadas como tendo função crucial para a formação de memórias.
Em 1948, o neurocirurgião canadense Wilder Graves Penfield (1891-1976)
que fora influenciado diretamente pelo renomado neurofisiologista Charles
Sherrington, reforçou a teoria localizacionista mostrando fortes evidências empíricas
sobre a localização da memória. Penfield tratava cirurgicamente pacientes
portadores de epilepsia focal. Para isso, ele precisava que os indivíduos
permanecessem conscientes durante a cirurgia e, como o encéfalo não possui
receptores de dor, bastava a aplicação de anestesia local. Conhecedor dos
trabalhos de Broca e Wernicke, antes da remoção do foco epilético Penfield
estimulava a região com uma pequena corrente elétrica e se o paciente emitisse
alguma resposta, ele poderia evitar remover áreas que estivessem relacionadas com
funções de linguagem. Ao longo de sua careira, Penfield fez esse tipo de
experimento com mais de mil pessoas, observando que algumas respondiam à
estimulação relatando certas experiências visuais e até mesmo olfativas. Esses
poucos pacientes estavam recebendo estímulos nos lobos temporais, o que levou
Penfield a sugerir que essas sensações faziam parte de experiências anteriores das
pessoas, ou seja, ele acreditava que a estimulação naquelas regiões era capaz de
evocar memórias das pessoas.
Como esperado, foram feitas algumas críticas sobre o trabalho de Penfield,
contestando os seus achados. Em primeiro lugar, todos os pacientes operados
tinham encéfalos anormais devido à epilepsia, além disso, as experiências relatadas
em boa parte dos casos eram fantasiosas e alucinatórias, o que era muito próximo
do que ocorria quando os pacientes entravam em crise. Assim, acreditava-se que o
que Penfield estava fazendo era simplesmente induzir eventos semelhantes às
crises epiléticas. Segundo, a remoção dessas áreas estimuladas não apagava a
lembrança do paciente.
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Neurociência Cognitiva

Embora não conclusivos, os trabalhos de Penfield estimularam outros


médicos a investigar os sítios da memória. Entre eles, o jovem neurocirurgião
William Beecher Scoville (1906-1984), que mais tarde juntamente com a psicóloga
Brenda Milner, descreveu o caso de um paciente que revolucionou o conhecimento
sobre os processos de memória.

2- O paciente H.M. e os sistemas de memória


Henry Gustav Molaison (1926-2008), mais conhecido pelas iniciais H.M., sofria
de epilepsia devido a um traumatismo craniano provocado por um acidente de
bicicleta aos nove anos de idade. Com o passar do tempo, a ocorrência das crises
tornaram-se cada vez mais frequentes (até 10 crises de ausência por dia e ao
menos uma convulsiva por semana), fato que o deixou impossibilitado de cumprir
normalmente suas atividades diárias. Como os medicamentos já não eram
suficientes na contenção das crises, a última alternativa do médico que o tratava,
William Scoville, foi fazer a remoção cirúrgica do foco epilético. Em 1957 aos 27
anos de idade, Henry teve porções bilaterais do lobo temporal medial removidas
(Fig.3).

Figura 3- Representação esquemática do encéfalo de Henry (a) em comparação com um encéfalo


normal (b). Na tentativa de controlar as crises, o cirurgião removeu estruturas do lobo temporal

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

medial, incluído córtex entorrinal, amígdala e dois terços anteriores do hipocampo (regiões
destacadas em vermelho).

A cirurgia foi eficaz na contenção das crises, no entanto, Henry passou a


apresentar um grave prejuízo de memória. Ele não conseguia formar novas
memórias (amnésia anterógrada) e nem mesmo lembrar-se de qualquer evento
ocorrido até dois ou três anos antes da cirurgia (amnésia retrógrada temporalmente
graduada).
A psicóloga Brenda Milner, que acompanhou o caso de Henry por mais de trinta
anos, relatou uma série de características da memória do paciente. Ele era capaz de
estabelecer uma conversa, fazendo associações complexas e apresentando
opiniões sobre diversos assuntos, porém, se sua atenção fosse desviada, era
incapaz de relembrar sobre o que tinha falado anteriormente. Milner também relatou
que cada encontro com o paciente era como se fosse o primeiro; ele não se
lembrava de ter conhecido a pesquisadora, mesmo depois de anos em contato
frequente com ela.
A avaliação neuropsicológica de Henry revelou características intrigantes sobre o
seu quadro: ele era capaz de realizar algumas tarefas tão bem quanto um indivíduo
normal, porém em outras, apresentava um grave prejuízo. Uma dessas tarefas
empregadas por Brenda Milner requeria que o paciente desenhasse o contorno
entre duas estrelas observando indiretamente através de um espelho (Fig. 4). Cada
vez que o paciente contornasse fora da área entre as duas estrelas um erro era
contabilizado.

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Neurociência Cognitiva

Figura 4- Teste do desenho refletido no espelho. Nesse teste o indivíduo deve contornar
precisamente o espaço entre as duas estrelas. Henry realizou três blocos de 10 tentativas cada e
mostrou um desempenho tão bom quanto de um indivíduo normal, revelado pela queda acentuada no
número de erros ao longo dos dias de teste.

Henry aprendia normalmente a desempenhar a tarefa e no terceiro dia de


teste, ele quase não cometia erros, exatamente como um indivíduo saudável faria.
No entanto, ele nunca lembrava que tinha feito a tarefa no dia anterior. Henry
também foi submetido a outra tarefa, que consistia na leitura de tríades de palavras
invertidas, ou seja, palavras que eram apresentadas como se refletidas em um
espelho. Ele foi treinado a ler 50 dessas tríades ao longo de três dias consecutivos,
sendo que metade das tríades apresentadas era sempre repetida e a outra metade
era nova. Um grupo de indivíduos saudáveis e equiparável em nível de instrução foi
usado como controle. Os resultados mostraram que Henry adquiriu a habilidade da
leitura das palavras, reduzindo a média de tempo da tarefa ao longo dos dias e
mesmo três meses depois (Fig. 5). No entanto, analisando-se apenas o
desempenho para leitura das tríades repetidas, o desempenho de Henry era
acentuadamente pior do que os indivíduos controle, ou seja, ele não era capaz de se
beneficiar da memória para completar as tríades repetidas, ao contrário dos
indivíduos normais, que relatavam ler apenas a primeira palavra da tríade e as
outras duas eram lidas usando a memória. É interessante ainda notar que o

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

desempenho do paciente melhorou ao longo dos dias por conta do treino repetitivo,
porém o seu desempenho nunca se aproximava do grupo controle na leitura das
tríades repetidas.

Figura 5- Teste de leituras de tríades de palavras invertidas. Henry adquiriu a habilidade de


desempenhar a tarefa; ele conseguia melhorar o seu desempenho ao longo dos dias e mesmo três
meses depois da última sessão de treino, diminuindo a média de tempo para leitura. No entanto, ele
não melhorava seu desempenho na leitura das tríades repetidas, pois não conseguia armazenar as
informações sobre elas, adquiridas nos dias anteriores de treino.

Com base nos estudos com o paciente Henry Molaison, Brenda Milner extraiu
importantes conclusões: (1) a memória de longa duração é uma capacidade distinta
de outras funções como percepção e está envolvida com estruturas dos lobos
temporais mediais do encéfalo; (2) as estruturas do lobo temporal medial não são
necessárias para formar uma memória de curta duração, pois Henry conseguia
guardar informações o tempo suficiente para estabelecer uma conversa fluente,
desde que não fosse distraído; (3) as estruturas do lobo temporal medial, como o
hipocampo, não são o local final de armazenamento da memória, pois o paciente
lembrava perfeitamente de fatos ocorridos na sua infância e; (4) Henry possuía um
tipo de memória que estava intacta e, portanto, independente de estruturas do lobo
temporal medial. Esse tipo de memória o permitia realizar tarefas motoras e
perceptuais normalmente, o que forneceu evidências de que havia mais de um tipo
de memória e que elas estariam armazenadas em locais diferentes do encéfalo.

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Neurociência Cognitiva

Por outro lado, pacientes com lesões em estruturas que compõem os núcleos
basais, como ocorre na doença de Huntington e Parkinson, por exemplo, exibem o
quadro oposto ao do paciente descrito por Milner. Eles apresentam dificuldades na
realização de tarefas motoras e não mostram qualquer prejuízo de memória para
fatos e eventos ocorridos anteriormente. Em conjunto, os estudos com esses
pacientes permitiram o estabelecimento de sistemas distintos de memória: (1) a
memória declarativa ou explícita, que estava prejudicada no paciente Henry, é uma
memória para fatos e eventos elucidada verbalmente. Esse tipo de memória é
dependente de estruturas do lobo temporal medial, como o hipocampo; e (2)
memória não-declarativa ou implícita, que se encontra prejudicada em pacientes
com lesões em estruturas dos núcleos basais. Esse tipo de memória é dependente
do treino repetitivo e expressa por meio do desempenho motor.
Existe ainda um terceiro tipo de memória que permanecia intacta no paciente
Henry Molaison: a memória operacional; uma memória de curta duração que arquiva
informações de contextos específicos que podem ser aplicadas somente em uma
situação e é descartável após o seu uso. Por exemplo, enquanto uma pessoa está
falando, ela retém na memória operacional a sequência de palavras que diz o tempo
suficiente para estabelecer um raciocínio lógico e completar uma determinada frase.
Depois disso, aquelas informações não são necessariamente úteis e podem ser
descartadas. O neurocientista britânico Alan Baddeley descreveu um modelo
hipotético para o funcionamento da memória operacional. Este modelo é composto
por (1) uma central executiva, relacionada com regiões do lobo frontal e que é
responsável pelo gerenciamento das informações que chegam à memória
operacional, selecionando informações relevantes e fazendo a conexão com o
sistema de memória de longa duração; (2) a alça de suporte visuo-espacial, ligada
com regiões occipitais e parietais, sendo responsável por lidar com informações
visuais e espaciais; (3) a alça de suporte fonológico, que lida com informações
verbais auditivas e está relacionada com o funcionamento do giro supramarginal e
angular do hemisfério esquerdo e por último, (4) o retentor episódico, que promove a
integração entre os sistemas de suporte fonológico e visuo-espacial. Também
interage com a memória de longa duração trazendo informações armazenadas na
memória declarativa à consciência para o planejamento de novas ações (Baddeley,
2000).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Portanto, os estudos com pacientes neurológicos mostram que lesões em


regiões específicas podem trazer prejuízos também específicos de memória, como
observado no paciente de Brenda Milner. Em conjunto, esses dados fornecem
evidências experimentais de que a conversão de memórias de curta para de longa
duração depende de estruturas do lobo temporal medial. Uma vez convertidas,
essas memórias são armazenadas no córtex. Por fim, essa distinção entre tipos de
memória com envolvimento de diferentes estruturas no encéfalo refuta as ideias
iniciais de Karl Lashely sobre a lei de ação de massas e suporta uma das afirmações
de Gall, evidenciando que os processos mentais são biológicos e possuem regiões
definidas no encéfalo, embora algumas funções utilizem diferentes estruturas que
operam de forma conjunta.

3- Mecanismos neurais da memória


Uma grande parte do conhecimento atual sobre os mecanismos celulares e
moleculares envolvidos nos processos de memória se deve aos trabalhos do
pesquisador Eric Richard Kandel. O grupo liderado por ele utilizou como principal
modelo experimental a Aplysia californica, uma lesma marinha encontrada
principalmente nas costas do Pacífico Norte. O motivo da escolha desse animal se
deve ao fato de que ele possui um sistema nervoso bastante simples e sua anatomia
é bem conhecida. A Aplysia possui cerca de 20.000 células nervosas organizadas
em gânglios contendo cerca de 2.000 células cada um. Cada gânglio pode ser
responsável por mais de um comportamento do animal, como movimentos da
brânquia e do sifão, controle da frequência cardíaca e respiratória, resposta
defensiva de ejeção de tinta e liberação de hormônios. Outra característica
interessante desse invertebrado é que ele pode exibir diversos tipos de
aprendizagem, tanto de curta, quanto de longa duração. Por exemplo, o animal pode
exibir comportamentos de habituação (aprender a ignorar um estímulo sem
importância biológica, e.g. desaparecimento gradual do comportamento de retirada
da brânquia devido a um toque fraco no sifão), sensibilização (reagir de forma
diferente nas próximas vezes quando o estímulo anterior for aversivo, e.g.
encolhimento rápido da brânquia e emissão de tinta por conta de um estímulo
anterior forte) e até mesmo condicionamento clássico (associar dois estímulos, e.g.
um toque fraco no sifão pode não causar qualquer reação, mas se esse for seguido
de um choque na cauda em um intervalo curto de tempo e esse pareamento for
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Neurociência Cognitiva

repetido várias vezes, o animal aprende a encolher o sifão apenas com a aplicação
do primeiro estímulo). Conhecendo o repertório comportamental da Aplysia e sua
anatomia relativamente simples, o próximo passo dos pesquisadores foi identificar
os circuitos e os tipos de neurônios envolvidos em cada um desses comportamentos
(habituação, sensibilização e condicionamento clássico). Na habituação, os animais
foram treinados a deixar de responder a um estímulo inofensivo produzido por um
leve toque no sifão, o que causava uma diminuição gradual no reflexo de retirada da
brânquia. O grupo de Kandel mostrou que o circuito envolvido nesse comportamento
é composto por um conjunto de neurônios sensoriais que inervam o sifão, os quais
se conectam com neurônios motores que ativam diretamente a brânquia. Esses
neurônios motores recebem sinapses diretamente dos neurônios sensoriais que
inervam o sifão ou indiretamente através de interneurônios. Para investigar os
mecanismos em nível celular, os pesquisadores implantaram microeletrodos no
neurônio sensorial e no motor. Foi observado no momento do primeiro estímulo leve
do sifão o aparecimento de um potencial de ação (PA) no neurônio sensorial seguido
de um potencial pós- sináptico excitatório (PPSE) no neurônio motor (Fig. 6A). Com
a repetição, o PA do neurônio sensorial não se altera, porém, a amplitude do PPSE
do neurônio motor cai gradativamente, desaparecendo em alguns minutos (Fig. 6B).
Essa diminuição do PPSE no neurônio motor se deve ao decréscimo na liberação de
glutamato (que aqui atua como neurotransmissor excitatório) no terminal pré-
sináptico do neurônio sensorial. Uma possível explicação molecular para esse
fenômeno de habituação entre o neurônio sensorial e o motor é o fato de que com a
estimulação repetitiva, ocorre inativação dos canais de cálcio (Ca++) do tipo N,
causando diminuição da entrada de íons Ca++ no terminal e, consequentemente,
maior dificuldade de ancoragem das vesículas sinápticas nas zonas ativas do
neurônio para a liberação de glutamato.

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 6- Fenômeno de habituação na Aplysia. Um leve borrifo de água no sifão pode desencadear
potenciais de ação observados no neurônio sensorial e consequente potencial pós-sináptico no
neurônio motor (A). No entanto, com a repetição do estímulo, a transmissão do impulso nervoso para
o neurônio motor deixa de existir, embora o neurônio sensorial ainda responda com potenciais de
ação (B). (Retirado de Roberto Lent, 2005).

Já na sensibilização, os animais recebiam um choque na cauda, o que provocava


forte contração da brânquia e do sifão, bem como encolhimento da cauda e da
cabeça e até secreção de tinta. Depois desse estímulo forte na cauda, os animais
respondiam com os mesmos comportamentos quando o sifão era tocado levemente;
ou seja, o animal aprendia a reagir fortemente por conta da experiência aversiva
anterior, mesmo quando um estímulo inócuo era aplicado. Os fenômenos celulares
são basicamente os mesmos da habituação, porém com a participação de um
neurônio facilitador, cujo axônio estabelece sinapses com os terminais pré-sinápticos
dos neurônios sensoriais do sifão. Novamente com um microeletrodo posicionado no
neurônio motor, foi possível observar um PPSE que precede a resposta motora.
Quando o choque é aplicado na cauda, o animal responde fortemente e, após algum
tempo, quando é aplicado novamente o estímulo leve no sifão, o animal continua a
responder exacerbadamente e um grande PPSE é observado no neurônio motor
(Fig. 7). Nesse caso, o neurônio facilitador faz sinapse serotoninérgica com o
neurônio sensorial do sifão, o que resulta no acionamento de duas vias de
sinalização intracelular: a da adenil-ciclase (que produz o segundo mensageiro
monofosfato cíclico de adenosaina, AMPc) e a da fosfolipase C (que produz o
segundo mensageiro diacilglicerol, DAG). O aumento desses segundos mensageiros

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Neurociência Cognitiva

na fenda sináptica ativa proteínas-quinases, que por sua vez, são responsáveis (1)
pelo fechamento dos canais de K+ (o que retarda a fase de repolarização do impulso
e, portanto, prolonga a duração dos PAs) e (2) a abertura dos canais de Ca++ do tipo
N (o que aumenta a entrada de íons Ca++ no terminal do neurônio sensorial). Esses
eventos contribuem para o aumento no número de vesículas sinápticas ancoradas
nas zonas ativas e o consequente aumento na liberação de glutamato na fenda (Fig.
8). Portanto, é possível concluir que o neurônio facilitador nesse caso tem a função
de aumentar a força da transmissão sináptica entre o neurônio sensorial e o
neurônio motor, resultando no comportamento reflexo exacerbado (sensibilização)
na Aplysia.

Figura 7- Fenômeno de sensibilização na Aplysia. Inicialmente, o animal emite uma resposta


comportamental fraca diante de um estímulo leve (A), no entanto, quando um estímulo aversivo é
aplicado, a resposta defensiva passa a ser forte (B) e o animal passa a responder exacerbadamente
mesmo quando um estímulo leve é aplicado novamente (C). (Retirado de Roberto Lent, 2005).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 47


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 8- Mecanismos moleculares envolvidos no fenômeno de sensibilização na Aplysia. Duas


principais vias de sinalização celular atuam na sensibilização. A primeira via é a ativada pela
serotonina (5-HT), a qual se liga à proteína G, aumentando a atividade da adenil-ciclase e a
consequente produção do AMPc (A); a segunda via é ativada pela fosfolipase C (PLC) que produz o
Diacilglicerol (B). Esses segundos mensageiros então se ligam às proteínas quinases A e C,
consecutivamente (PKA e PKC) que por sua vez, são responsáveis pelo fechamento de canais de K+
e abertura dos canais de Ca++ do tipo N. Dessa forma, mais vesículas sinápticas são recrutadas e
ocorre maior liberação de glutmato na fenda, provendo o aumento na eficácia da sinapse. (Retirado de
Kandel, Schwartz e Jessell, 2000).

No condicionamento clássico, um estímulo fraco (leve toque no sifão) era


seguido por um forte (choque na cauda 0,5 segundo depois do primeiro estímulo) e
depois de vários pareamentos, os animais aprenderam a associar os dois estímulos,
respondendo fortemente quando o primeiro era aplicado. Nesse caso, o intervalo
entre os dois estímulos e a ordem em que eles são aplicados devem ser levados em
consideração: o comportamento de defesa diminui se o intervalo entre eles for maior
e o efeito não ocorre se o estímulo aversivo for aplicado primeiro. Os mecanismos
moleculares são semelhantes aos da sensibilização, porém, com dois processos
adicionais (Fig. 9). Primeiro, os PA´s que chegam ao terminal do neurônio sensorial
em virtude do primeiro estímulo promovem o influxo de cálcio, ativando a proteína

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Neurociência Cognitiva

Ca++calmodulina. Esta por sua vez, se liga à adenil-ciclase e provoca síntese de


AMPc. Logo em seguida, chegam ao terminal do interneurônio facilitador os
potenciais de ação provocados pelo segundo estímulo e então a atividade da adenil-
ciclase provocada pela ação da serotonina no terminal do neurônio sensorial se
soma à da Ca++/calmodulina, resultando numa maior produção de AMPc. Segundo,
quando o glutamato começa a exercer seus efeitos pós-sinápticos, alguns dos seus
receptores promovem o influxo de Ca++ no neurônio motor, liberando um mensageiro
retrógrado (possivelmente o óxido nítrico) que chega ao terminal do neurônio
sensorial provocando ainda maior liberação de glutamato. Dessa forma, a soma
desses eventos contribui para produzir um PPSE ainda maior no neurônio motor. Da
mesma forma que na sensibilização, esses mecanismos promovem o aumento da
eficácia na transmissão sináptica, no entanto, esse efeito é amplificado pela
atividade neural resultante do pareamento repetitivo dos estímulos.

Figura 9- Mecanismos moleculares envolvidos no condicionamento clássico na Aplysia. Os


mecanismos adicionais em relação à sensibilização são: (1) o influxo de Ca++ no terminal do
neurônio sensorial, que ativa a Ca++/calmodulina e aumenta a produção de AMPc; e (2) a ação
retrógrada do segundo mensageiro óxido nítrico (NO), que provoca maior liberação de glutamato na
fenda sináptica. (Retirado de Roberto Lent, 2005)

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Esses mecanismos descritos para os três tipos de aprendizagem são fenômenos


de plasticidade neural, os quais alteram o funcionamento do sistema nervoso em
virtude da experiência com o ambiente. Considerando a função desses eventos,
pode se concluir que eles explicam a base fisiológica da memória de curta duração
em invertebrados, como no caso da Aplysia e, é possível que esses fenômenos
também ocorram em organismos mais complexos, como em mamíferos, por
exemplo.
Em 1973, Tim Bliss e Terje L mo descreveram um mecanismo que atualmente é
o mais aceito para explicar o armazenamento da memória de longa duração em
mamíferos. Para investigar a hipótese de que as sinapses entre os neurônios do
hipocampo poderiam armazenar informações, esses pesquisadores planejaram o
seguinte experimento: eles estimularam uma via nervosa específica do hipocampo2
(via das colaterais de Schaffer, as quais fazem sinapses com as os dendritos das
células piramidais de CA1, Fig. 10A) de um rato anestesiado e observaram que um
breve período de atividade elétrica de alta frequência (tétano) aplicado artificialmente
produzia um aumento na efetividade sináptica, que durava por vários minutos e se
repetido, poderia persistir por várias horas ou mesmo dias em um animal alerta e
livre para mover-se (Fig. 10B). Esse fenômeno é conhecido como potenciação de
longa duração (LTP, do inglês long-term potentiation).
Os mecanismos moleculares da LTP envolvem uma série de elementos pré e
pós-sinápticos (Fig. 11). As sinapses entre as colaterais de Schaffer e as células de
CA1 usam como neurotransmissor o glutamato e a membrana pós-sináptica das
espinhas dendríticas possuem três tipos de receptores para esse transmissor: o tipo
NMDA, o não-NMDA e do tipo metabotrópico (estes últimos são receptores que não
possuem canal iônico, mas têm sua atividade associada a moléculas de sinalização
como a proteína G e segundos mensageiros). O receptor do tipo não-NMDA
responde à ação do glutamato liberado na fenda sináptica, logo após os primeiros
PA´s que chegam aos terminais de Schaffer. Consequentemente, esses canais se
abrem e há passagem de Na+ e K+, provocando a despolarização da membrana pós-

2
  As informações que chegam ao hipocampo através do córtex entorrinal projetam-se para o giro
denteado por meio da via perfurante; do giro denteado, as informações seguem para as células da
região CA3 por meio da via das fibras musgosas e então passam para as células de CA1 através da
via das colaterais de Schaffer. De CA1, as informações passam pelo subículo e então retornam para
o córtex entorrinal, de onde seguem para áreas de associação no córtex. 

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Neurociência Cognitiva

sináptica. Essa despolarização, ao atingir valor limiar, remove o íon Mg++ que
normalmente bloqueia o canal do tipo NMDA, e ele se abre. O resultado é o
aumento no deslocamento transmembrana dos cátions monovalentes; além disso,
passa pelo canal uma grande quantidade de Ca++, do exterior para o interior das
espinhas dendríticas.

Figura 10- Registro da potenciação de longo prazo (LTP) no hipocampo do rato. Os pesquisadores
estimularam a via das colaterais de Schaffer e então registraram o potencial pós-sináptico excitatório
(PPSE) por meio de eletrodos implantados nas células piramidais da região CA1 (A). O gráfico mostra
a porcentagem de aumento no PPSE depois de quatro estímulos de 100 Hz aplicados a cada 60
segundos em função do tempo (B). Note que a estimulação repetitiva faz com que a LTP dure por
várias horas, podendo até mesmo estender-se por vários dias. (Retirado de Kandel, Schwartz e Jessell,
2000).

Outros canais de Ca++, dependentes de voltagem e não ligados ao receptor


NMDA, também são abertos, amplificando o efeito. Possivelmente, nesse momento
também é ativado o receptor glutamatérgico metabotrópico, sendo que a sua ação
através da fosfolipase C se soma à liberação de Ca++ do retículo endoplasmático
para ativar as quinases dependentes de Ca++, como por exemplo, a calmodulina. A
partir de então, entre em ação um mensageiro retrógrado não convencional, o óxido
nítrico (NO). A ação do NO é aumentar a liberação de glutamato no terminal pré-

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

sináptico, o que faz com que o fenômeno da LTP dure por mais tempo. No entanto,
para que a LTP possa durar até mesmo dias, faz-se necessário a participação de
mecanismos adicionais de plasticidade sináptica. Possivelmente, esses mecanismos
envolvem a ação da calmodulina no aumento da síntese de AMPc pela adenil-
ciclase, sendo essa a origem da via de sinalização intracelular que chega ao DNA. O
AMPc ativa a proteína-quinase A (PKA) e é esta que parece se translocar,
provocando a ativação de fatores de transcrição chamados CREBs. Estes por sua
vez, ativam genes imediatos responsáveis pela ativação de outros genes capazes
de sintetizar elementos estruturais das sinapses como novos receptores e novos
sítios pós-sinápticos nas espinhas dendríticas.

Figura 11- Mecanismos moleculares envolvidos na LTP. Os eventos intracelulares na LTP são
mediados pelos receptores de NMDA, não-NMDA e o metabotrópico. O primeiro receptor a ser
ativado é o não-NMDA, o qual se abre a cátions e despolariza a membrana, permitindo a retirada do
Mg++ do receptor NMDA, assim, mais cátions atravessam a membrana e a despolarização é
acentuada. Já o receptor metabotrópico ativa reações que permitem a liberação de Ca++. Depois
disso, a despolarização é acentuada pela produção do óxido nítrico, que por sua vez, permite maior
liberação de glutamato na fenda sináptica. (Retirado de Roberto Lent, 2005).

Morris e col. (1986) mostraram que quando a LTP é prejudicada


experimentalmente, ocorre prejuízo de memória espacial. Os pesquisadores
injetaram um inibidor que bloqueia receptores de NMDA no hipocampo de ratos,
impedindo assim que a LTP ocorra normalmente. Os resultados mostraram que os
animais foram prejudicados ao desempenhar uma tarefa no labirinto aquático que é

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Neurociência Cognitiva

dependente da integridade do hipocampo (tarefa espacial), no entanto, os mesmos


animais realizaram normalmente uma tarefa que é independente dessa estrutura
(tarefa não espacial). Prejuízos semelhantes de memória espacial também foram
observados em camundongos nocautes que não apresentavam uma das
subunidades do receptor NMDA (Tsien e col. 1996).
Essas evidências experimentais sugerem que a LTP tem uma importante
participação na fisiologia da memória, promovendo alterações sinápticas que
contribuem para a ativação de genes específicos e a síntese de novas proteínas,
alterando dessa forma a morfologia dos neurônios e consequentemente a eficácia
das sinapses. Uma vez que a LTP pode ser observada principalmente no
hipocampo, faz sentido pensar que esse fenômeno seja um recurso que o sistema
nervoso utiliza na formação de memórias em mamíferos. Como previsto pelo
psicólogo canadense Donald Olding Hebb (1904-1985), a excitação do neurônio pré
e pós-sináptico é uma condição fundamental para o reforço das sinapses. Essas
sinapses entre neurônios que formam extensos circuitos por todo o sistema nervoso
são responsáveis pela transmissão e armazenamento de informações. Essa ideia de
neurônios formando redes é conhecida como a base da aprendizagem “Hebbiana”.

4- Considerações finais
Desde o nascimento, todos os animais, incluindo o homem, recebem uma grande
quantidade de estímulos e informações que são recebidas por um ou mais dos cinco
sentidos: tato, visão, olfato, gustação e audição. Esses estímulos são processados
de maneira única por cada indivíduo, pois a estrutura genética de cada um
determina os detalhes sobre a forma de processamento pelo sistema nervoso.
Esses detalhes diferem em relação ao padrão de conexões entre os neurônios e a
efetividade dessas conexões, fazendo com que cada indivíduo experimente e reaja
ao mundo de forma diferente. Além disso, o ambiente proporciona experiências
particulares a cada ser vivo, as quais alteram constantemente os circuitos neuronais,
proporcionando o desenvolvimento de habilidades necessárias à sobrevivência.
Esse conjunto particular de alterações estruturais no sistema nervoso de cada
indivíduo é que explica, por exemplo, porque uma pessoa que resolve começar a
tocar piano aos 40 anos de idade dificilmente atingirá o mesmo nível de outra que
iniciou sua prática no instrumento durante a infância. A prática constante realizada
pelo músico experiente ao longo dos anos faz com que o seu sistema nervoso

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

estabeleça “caminhos” no encéfalo, os quais vão sendo moldados, aperfeiçoados e


expandidos. Assim, o músico é capaz de executar obras de extrema complexidade
com certa facilidade, pois possui circuitos de neurônios especializados que permitem
a execução motora habilidosa do que foi extensamente treinado durante toda a sua
vida. Essa característica que o sistema nervoso tem de moldar-se pela exposição ao
ambiente de forma única em cada indivíduo é a base biológica da individualidade.
Esse conjunto de influências sofridas ao longo do tempo é que permite que cada um
tenha sua própria história e que uma nação seja reconhecida pelo conjunto de suas
memórias transmitidas de geração a geração: a cultura.

AGRADECIMENTO:
Ao Dr. Felipe Viegas Rodriques pela revisão do capítulo

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Neurociência Cognitiva

Neurogênese no sistema nervoso central adulto: onde, como e


com que propósito?

Lívia Clemente Motta Teixeira


Laboratório de Neurociência e Comportamento
liviaclemente@gmail.com

1- Neurogênese em mamíferos adultos: uma perspectiva histórica

“No sistema nervoso central dos adultos, as vias neuronais são fixas e imutáveis. Todas as células deverão
morrer e não ocorrerá regeneração.” Santiago Ramon y Cajal, 1913

No final do século XIX, utilizando as técnicas de coloração desenvolvidas por


Camilo Golgi, o histologista Ramón y Cajal (1928) estudou as diferentes fases de
desenvolvimento dos neurônios em mamíferos, e sugeriu que não havia surgimento
de novas células no encéfalo adulto, além daquelas já estabelecidas ao nascimento.
Entretanto, sugestões de que existiriam células em divisão no SNC pós-natal
estavam surgindo (Allen, 1912; Hamilton, 1901). Esses estudos, porém, foram
ignorados na época, pois as técnicas então disponíveis não eram capazes de
demonstrar com precisão que aquelas células eram neurônios propriamente ditos.
Desde então, a incapacidade do cérebro adulto gerar novos neurônios tornou-
se o dogma central da neurociência por quase um século. No final dos anos 50, com
o desenvolvimento do método da [3H]-Timidina, que é incorporada ao DNA durante
a fase S do ciclo celular, foi possível marcar células em divisão e detectá-las com
auto-radiografia. A geração de novos neurônios foi primeiramente reportada
utilizando essa técnica em encéfalos de ratos (Smart, 1961). Algum tempo depois,
Altman e colaboradores publicaram uma série de artigos relatando a ocorrência de
neurogênese em várias estruturas cerebrais de ratos jovens e adultos, incluindo giro
denteado do hipocampo, bulbo olfatório e neocórtex (Altman e Das, 1965; Altman,
1966; Altman, 1969).
A questão da neurogênese adulta foi revista no final da década de 70 quando
Kaplan e col., (1977) mostraram que as células com [3H]-Timidina incorporadas no
giro denteado e bulbo olfatório de ratos possuíam características ultra-estruturais de
neurônios, tais como dendritos e sinapses, o que não é observado em astrócitos e
oligodendrócitos (Kaplan e Hinds, 1977; Kaplan, 1984). As células-tronco neurais

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

adultas, fonte de novos neurônios, foram primeiramente isoladas do SNC de


roedores e depois em humanos (Kornack e col., 1999).
Gould e col. (1992) fizeram a terceira redescoberta da neurogênese em ratos.
O campo de pesquisa da neurogênese foi revolucionado com a introdução de 5-
bromo-3’-deoxiuridina (BrdU), um análogo sintético de timina, que é captado pelas
células durante a fase S da mitose, sendo desta forma, um marcador de células em
proliferação. As células marcadas com BrdU podem ser visualizadas por técnicas de
imunocitoquímica, para análise fenotípica e quantificação estereológica, sendo a
técnica mais comum empregada até os dias atuais.
Com o uso da técnica do BrdU, a neurogênese adulta tem sido descrita em
diversos grupos de animais, como crustáceos, reptéis, aves, anfíbios, roedores,
primatas e humanos (Ericksson e col., 1998).

2- Neurogênese

A neurogênese é o processo de produção de novos neurônios no encéfalo


adulto. O termo neurogênese vem sendo utilizado para referência a um conjunto de
processos que inclui proliferação, sobrevivência, maturação e diferenciação celular
(Figura 1), sendo cada uma dessas etapas passíveis de identificação por
marcadores específicos e características de desenvolvimento (Christie e Cameron,
2006; Kempermann e col., 2004; Piatti e col., 2006; Seri e col., 2004; von Bohlen
Und Halbach, 2007).

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Neurociência Cognitiva

Figura 1. Formação de novos neurônios. Adaptado de Lucassen e col., 2010

O grau de neurogênese pós-natal diminui com o aumento da complexidade


cerebral. A formação de novos neurônios em vertebrados inferiores adultos, tais
como lagartos, por exemplo, proporcionam um suplemento adicional de células
nervosas capazes de regenerar partes inteiras do cérebro, enquanto que em
mamíferos adultos a neurogênese é restrita apenas a algumas regiões (Lhedo e col.,
2006). As razões para a aparente redução da neurogênese nos primatas adultos não
são claras. O declínio da neurogênese adulta durante a evolução dos vertebrados
pode ser uma estratégia adaptativa para manter estáveis as populações neuronais
ao longo da vida (Taupin, 2006).
A neurogênese no encéfalo de vertebrados adultos é proeminente na zona
subventricular dos ventrículos laterais (ZSV) e na zona subgranular do giro denteado
(ZSG) (Figura 2) (Alvarez-Buylla e Garcia-Verdugo, 2002; Lledo e col., 2006; Curtis
e col., 2007). Embora existam evidências de produção de novos neurônios em
outras áreas do encéfalo adulto, incluindo o neocórtex (Gould e col., 1999; Dayer e
col., 2005), estriado, amígdala e hipotálamo (Fowler e col., 2002), há controvérsias
sobre sua real existência (Ehninger e Kempermann, 2003).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 2. Encéfalo de humano e de roedor: áreas de formação de novos neurônios

Em ratos e camundongos, a ZSG é uma região neurogênica localizada entre


a camada de células granulares do giro dentado (GD) e o hilo. Células nessa região
dividem-se assimetricamente para produzir células filhas que retêm a capacidade de
dividir-se em outras células que, por sua vez, migram através da camada granular
onde se diferenciam em neurônios ou células da glia. Entre 4 e 10 dias após a
mitose, as células granulares imaturas estendem axônios para a região CA3 do
hipocampo. A sua completa maturação, desde a proliferação, migração e
diferenciação em novas células neuronais da camada granular, leva
aproximadamente 4 semanas (Figura 3).

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Neurociência Cognitiva

Figura 3. Novas células geradas na zona subventricular do Giro Denteado (ZSG)


migram para a camada granular (CG), onde se diferenciam em neurônios ou células
da glia. As novas células neuronais da camada granular estendem suas projeções
axonais para o Cornu Ammonis região CA3.(Adaptado de Taupin, 2007)

As evidências de que as novas células podem se diferenciar em neurônios na


ZSG são fortes. Essas novas células recebem projeções sinápticas (Kaplan e Kinds,
1977), estendem axônios para CA3 (Hasting e Gould, 1999) e expressam
marcadores específicos típicos de neurônios (Kronenberg e col., 2006). Além disso,
geram potenciais de ação e exibem outras características eletrofisiológicas similares
as de células granulares maduras, mesmo em apenas um mês após a sua formação
(van Praag e col., 2002; Song e col., 2002). Algumas dessas células podem ter
ainda características de neurônios inibitórios (Liu e col., 2003).
Os novos neurônios nascidos na zona subventricular dos ventrículos laterais
(ZSV), por sua vez, migram através da corrente migratória rostral (CRM), onde
completam suas últimas divisões, e continuam a migrar para o bulbo olfatório local.
No bulbo olfatório se diferenciam em uma grande variedade de tipos celulares,
incluindo neurônios periglomerulares, interneurônios e também astrócitos e
oligodendrócitos (Figura 4).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 4. Novas células geradas na zona subventricular dos ventrículos laterais (ZSV)
migram para o bulbo olfatório (BO), através da corrente rostral migratória (CRM). No
BO, elas se diferenciam em interneurônios e diferentes tipos celulares. Adaptado de
Taupin, 2007

3- Modulação da neurogênese

A neurogênese no encéfalo adulto não é um processo estático, mas pode


flutuar em resposta a mudanças ambientais. Uma ampla gama de estímulos e
condições fisiopatológicas modulam a neurogênese em roedores (Tabela 1). Nesse
tópico será enfatizada a ação modulatória dos hormônios sexuais, da complexidade
ambiental e do aprendizado.

Tabela 1. Fatores que influenciam a neurogênese hipocampal


Fator  Efeito  Referências 

 
Enriquecimento  +  Kempermann e col., 2002 
ambiental   
Fatores de 
BDNF  +  Pencea e col., 2001 
crescimento 

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Neurociência Cognitiva

EGF  +  Kunh e col., 1997 
 

FGF‐2  +  Kunh e col., 1997 
 

IGF‐1  +  Alberg e col., 2000 
 

VEGF  +  Jin e col., 2002 
 
Hormônios  Corticosterona  +  Cameron e col., 1994 

Estrogênio  +  Tanapat e col., 1999 
 

Testosterona  +  Brannvall e col., 2005 
 

Isquemia  +  Takagi e col.,1999 
 
Corrida em esteira 
Atividade física  +  Van Praag e col., 1999 
voluntária 
Corrida em esteira  + 
  forçada   
Stress  Odor de predador  ‐  Tanapat e col., 2001 

Psicosocial  ‐  Gould e col, 1997 
 

Restrição  ‐  Pham e col., 2003 
 

Isolamento social  ‐  Lu e col., 2003 
 

Hormônios sexuais

Existem evidências de que o estrogênio, hormônio ovariano, propicia a


produção de novas células no hipocampo. Tanapat e col. (1999) mostraram que
ratas submetidas ao procedimento de ovariectomia, visando eliminar a produção de
estrógenos, apresentam menor número de células marcadas com BrdU. Essa
redução pode ser prevenida pela reposição de estrógeno. No mesmo estudo, foi
observado que durante o proestro (fase em que há elevados níveis de estrógeno), o
número de células proliferativas no giro denteado é máximo quando comparado às
outras fases do ciclo reprodutivo.

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Por outro lado, a castração de ratos machos adultos diminui a sobrevivência


de novas células no giro denteado, mas não tem efeito na proliferação de novas
células, em comparação com ratos machos não-castrados (Spritzer e Galea, 2007).
A sobrevivência de novas células no giro denteado de animais castrados é
aumentada após trinta dias de exposição à testosterona, por um mecanismo
dependente de receptor androgênico (Spritzer e Galea, 2007). Entretanto, um outro
estudo mostrou que a exposição a um análogo de testosterona promove a redução
da proliferação de novas células no giro denteado de ratos machos e fêmeas
(Brannvall e col., 2005). Mais estudos são necessários para compreender melhor o
papel dos hormônios sexuais masculinos na regulação da neurogênese hipocampal.

Complexidade ambiental

O enriquecimento ambiental (EA) objetiva a produção de ambientes


complexos que proporcionam ao animal uma grande variedade de oportunidades de
interação social, e desenvolvimento cognitivo, sensorial e motor, resultando em uma
melhora na qualidade de vida dos animais, ao satisfazer suas necessidades
comportamentais. Tem-se demonstrado que ambientes enriquecidos exercem uma
grande variedade de efeitos de longo prazo nos níveis neuroanatômico,
neuroquímico e comportamental em diversas espécies animais.
Em roedores adultos, por exemplo, o enriquecimento ambiental é realizado
pela introdução de pequenos brinquedos, túneis, rodas de atividade física e
obstáculos nas gaiolas viveiro (Figura 5). Essas modificações promovem aumento
significativo do número de células do giro denteado do hipocampo e aumento da
sobrevivência dessas novas células (Kempermann e col., 1997). Rosenzweig e col.
(1973) foram os primeiros a demonstrar que exposição ao enriquecimento ambiental
durante as primeiras fases do desenvolvimento ou mesmo na vida adulta modifica a
estrutura neural. Neurônios de roedores e macacos que vivem em ambientes
enriquecidos mostram mais espinhas dendríticas e sinapses do que neurônios de
animais em condição padrão de laboratório (Moser e col., 1997).
Não existe um consenso sobre qual componente do enriquecimento ambiental
é responsável pelos seus benefícios (Van Praag e col., 2000). A atividade física, por
exemplo, induzida pela introdução de rodas de atividade nos protocolos de EA,
poderia levar ao aumento da neurogênese hipocampal independentemente do

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Neurociência Cognitiva

enriquecimento ambiental. As investigações sobre o efeito da atividade física (Figura


5) na plasticidade e cognição ganharam impulso a partir do estudo de Van Praag e
col. (1999), que mostrou que a atividade física voluntária aumenta significativamente
a proliferação de células progenitoras neurais na ZSG de roedores jovens e idosos
(Van Praag e col, 2005). O exercício físico também aumenta a sobrevivência de
novos neurônios e a amplitude de potenciais de longa duração (LTP) no giro
denteado, assim como melhora o desempenho dos animais no labirinto aquático de
Morris (Dupret e col., 2007), indicando que a atividade física se correlaciona com o
aumento da neurogênese, com o aumento da atividade da rede e com a melhora
cognitiva. No entanto, é preciso considerar que a atividade física interage com outros
fatores na regulação da neurogênese, como o estresse e as interações sociais.
(Snyder e col., 2009; Leasure e col., 2009). Além disso, ainda não está claro por que
meios a atividade física promoveria aumento da neurogênese e melhora do
desempenho cognitivo; por exemplo, há evidências de que a atividade física
aumenta a angiogênese e a produção de fatores neurotróficos, os quais podem
exercer influência direta sobre os processos acima mencionados (Van Praag, 2009).

Figura 5. Enriquecimento ambiental para roedores e roda de atividade física

Por outro lado, o ambiente que envolve o animal no período neonatal e a


relação mãe-filhote neste período podem ter efeitos estáveis e de longo prazo no
comportamento e no sistema neuroendócrino deste animal (Francis e col., 1999).
Alguns experimentos demonstraram que as experiências no período neonatal, como
a estimulação dos filhotes e a separação materna, afetam a regulação da
neurogênese no hipocampo. Por exemplo, a separação materna no período neonatal
ocasionou diminuição da proliferação celular e produção de neurônios imaturos no

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

giro denteado em animais adultos quando comparados com seus respectivos


controles, que não haviam sido separados de suas mães (Mirescu e col., 2004).

Aprendizado

O aprendizado de tarefas dependentes do hipocampo também parece


contribuir para o aumento da neurogênese e da sobrevivência dos novos neurônios
nesta região (Ambrogini e col., 2000; Döbrössy e col., 2003; Dupret e col., 2007;
Gould e col., 1999; Hairston e col., 2005; Lemaire e col., 2000; Leuner e col., 2006;
Olariu e col., 2005), ao passo que a aprendizagem de tarefas independentes do
hipocampo não alteraria o número de novos neurônios na mesma região (Gould e
col.,1999; Van der Borght e col., 2005).
Entretanto, há controvérsias sobre o efeito do aprendizado na indução de
neurogênese, notadamente a respeito da aprendizagem espacial. Enquanto alguns
estudos referem-se a um aumento do número de novos neurônios no giro denteado
após aprendizagem espacial (Ambrogini e col., 2004, Mohapel e col., 2006; Epp e
col., 2009), outros apontam que esse tipo de aprendizagem não teria qualquer efeito
na sobrevivência desses novos neurônios (Döbrössy e col., 2003; Dupret e col.,
2007; Van der Borght e col., 2005).
Essas discrepâncias podem ser atribuídas a diversos fatores, incluindo as
linhagens dos animais empregadas (Snyder e col., 2009c), o tipo de paradigma de
aprendizado empregado (Garthe e col., 2009), e diferenças nos protocolos de
injeção de BrdU (Epp e col., 2011), entre outros. Outro fator que deve ser
considerado é o curso temporal envolvido na produção de células e sua relação com
as mudanças na capacidade de adquirir novas informações. Por exemplo, novos
neurônios podem ser críticos para o aprendizado apenas quando são maduros e
integrados em uma rede neural pré-existente.
A proposição de que o aprendizado induz o aumento de neurogênese
necessita ser completamente elucidada.

4- Com que propósito?


Um possível papel no aprendizado e memória

Pág. 64 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

A função desses novos neurônios no encéfalo adulto é um tópico em intensa


investigação e discussão. É frequentemente assumido que esses novos neurônios
exercem apoio às funções das regiões nervosas em que se desenvolvem. Acredita-
se portanto, que quando produzidos no hipocampo adulto, os novos neurônios
teriam um papel central na regulação da função cognitiva e emocional, sendo sua
integridade necessária para o aprendizado e processamento de memória (Altman e
Das, 1965; Squire, 1992; Cameron e col., 1994; Gould e col., 1999). Nesse contexto,
considerando que esses novos neurônios incorporam-se na circuitaria hipocampal, é
possível que a neurogênese corresponda a um mecanismo de expansão da
capacidade de armazenamento de informações no encéfalo adulto.
Consistentemente, a restrição ao desenvolvimento de novos neurônios tem
um impacto negativo sobre aspectos distintos da função hipocampal. Por exemplo,
redução ou bloqueio da neurogênese prejudica o desempenho de várias formas de
aprendizado e memória dependentes do hipocampo (Tabela 2) (Clelland e col.,
2009; Dupret e col., 2008; Garthe e col., 2009; Hernandez-Rabaza e col., 2009;
Jesseberg e col., 2009).
Tabela 2, Experimentos com ablação de neurogênese e seus efeitos em aprendizado e memória
Modelo Método de Espécie Efeito Referências
comportamental Ablação
Labirinto aquático Irradiação Camundongo Déficit Rola e col., 2004
de Morris
Irradiação Camundongo Sem Meshi e col., 2006
Déficit
Irradiação e Camundongo Sem Saxe e col., 2006
Ablação genética Déficit
Ablação genética Camundongo Déficit Zhang e col., 2008
Drogas anti-mitóticas Rato Sem déficit Shors e col.,2002
Irradiação Rato Sem déficit Madsen e col.,2003
Knockout Rato Déficit Jessberger e col.,2009

Medo Condicionado Irradiação Camundongo Sem déficit Saxe e col., 2006


ao contexto
Ablação genética Camundongo Déficit Imayoshi e col., 2008
Ablação genética Camundongo Sem déficit Zhang e col., 2008
Drogas anti-mitóticas Rato Sem déficit Shors e col., 2002
Irradiação Rato Déficit Winocur e col., 2006
Labirinto Radial Irradiação e ablação Camundongo Sem déficit Saxe e col., 2007
de 8 braços Genética Camundongo Melhora Saxe e col., 2007

Reconhecimento Irradiação Camundongo Sem déficit Rola e col., 2004


de objetos Irradicação Rato Sem déficit Madsen e col., 2003
Drogas anti-mitóticas Rato Sem déficit Bruel-Jungerman e col., 2005

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 65


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Knockout Rato Déficit Jessberger e col., 2009


Labirinto em Y Irradiação e Camundongo Sem déficit Saxe e col., 2006
Ablação genética
Transmissão social Knockout Rato Sem déficit Jessberger e col., 2009
de preferência alimentar

Entretanto, há relatos de que o bloqueio da neurogênese não teria qualquer


impacto sobre a aprendizagem (Meshi e col., 2006; Shors e col., 2002; Leuner e col.,
2006; Saxe e col., 2007; Jaholkowski e col., 2009). Por outro lado, condições que
aumentam a neurogênese, como enriquecimento ambiental e atividade física,
tendem a melhorar o desempenho em tarefas dependentes do hipocampo, como o
labirinto aquático de Morris e a tarefa de medo condicionado ao contexto
(Kempermann e col., 1997; Gobbo e O´Mara, 2004; Van Praag e col., 1999; 2005;
Rhodes e col., 2008).
É necessário enfatizar que o número de novos neurônios gerados no cérebro
adulto corresponde apenas a uma pequena proporção da população total dos
neurônios já existentes. A adição desses neurônios recém-gerados no hipocampo e
em outras áreas cerebrais que participam de circuitos envolvidos com aprendizado e
memória indica uma possível expansão da capacidade de armazenamento de
informações no cérebro adulto. É possível também que o papel dos novos neurônios
no mecanismo de aprendizagem e memória envolva o desenvolvimento de circuitos
inteiramente novos com elementos que anteriormente não eram utilizados, assim
como a modulação de velhos circuitos e conexões. O desenvolvimento de novas
metodologias que permitam o estudo da neurogênese per se sem os vieses das
metodologias atuais contribuirá para a elucidação destas questões.
Por fim, a neurogênese corresponde a um mecanismo de plasticidade
cerebral ainda presente em idades avançadas, o que pode ser relevante para o
desenvolvimento de estratégias terapêuticas no tratamento de doenças
neurodegenerativas e de lesões cerebrais.

5- Possível papel na ansiedade e depressão

Atualmente a depressão e os efeitos dos antidepressivos têm sido associados


ao fenômeno da neurogênese. De acordo com a “hipótese neurogênica da

Pág. 66 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

depressão”, a redução do volume hipocampal, típica em pacientes deprimidos, e os


sintomas associados com a depressão e a ansiedade seriam resultantes da redução
da neurogênese hipocampal nestes pacientes. Além disso, de acordo com esta
hipótese, a eficiência dos tratamentos antidepressivos seriam dependentes da sua
habilidade de restaurar os níveis normais de neurogênese. Estudos em roedores e
primatas corroboram essa hipótese (Encinas e col., 2006; Hodes e col., 2009;
Malberg e col., 2000; Perera e col., 2007). Por outro lado, alguns estudos falharam
em demonstrar que a neurogênese é necessária para os efeitos antidepressivos
(Holick e col., 2008; Surget e col., 2008), e que o bloqueio da neurogênese é capaz
de induzir os comportamentos relacionados à depressão e ansiedade (Airan e col.,
2007; Santarelli e col., 2003; Saxe e col., 2006; Shors e col., 2002), tornando a
hipótese neurogênica da depressão controversa.
Assim como o papel da neurogênese no aprendizado e memória, o
envolvimento específico dos novos neurônios na patogênese e na recuperação da
depressão ainda não está claro. Novos estudos são ainda necessários para avaliar
os efeitos da neurogênese na depressão, e para eventualmente desenvolver novas
modalidades terapêuticas em depressão com base neste conhecimento.

AGRADECIMENTO:
À Dra. Barbara Onishi pela revisão do capítulo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 67


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Atenção

Diego de Carvalho
Laboratório de Neurociência e Comportamento
diegocarvalho@ib.usp.br

“Todos sabem o que é atenção. É tomar posse da mente, de forma clara e


vívida, de um dos muitos que parecem ser os objetos e linhas de pensamento
simultaneamente possíveis...”. Essa interessante citação de William James de 1890
em sua obra “Principles of Psychology” carrega uma boa definição do que é atenção.
Na verdade, James observou características do fenômeno da atenção que só foram
colocadas sob investigação mais recentemente. Com esta citação ele coloca que o
sistema nervoso humano possui capacidade limitada em processar todos os
estímulos sensoriais apresentados no ambiente e através de um mecanismo
atencional pode-se filtrar os estímulos julgados mais relevantes. Além disso, a frase
de James evoca ao direcionamento da atenção que pode ser voluntária.
Em outras palavras, atenção pode ser definida como a atividade neural que
facilita o processamento de determinada informação selecionada e inibe o
processamento de informações concorrentes. Tais informações não são
necessariamente estímulos sensoriais. Pode-se focar a atenção em alguma
memória ou linha de pensamento. Não é incomum fatos em que, em uma conversa,
não “ouvimos” o interlocutor, pois estamos imersos em nossos próprios
pensamentos. É indubitável que a voz do interlocutor chegou às vias auditivas, no
entanto, como se tratava de informação concorrente, foi filtrada por um mecanismo
atencional. Apesar de existir toda uma gama de possibilidade e modalidades
atencionais, os estudos sobre a neurobiologia da atenção têm se focado
principalmente em mecanismos de atenção visual.
Hermann Von Helmholtz em 1894 criou um experimento extremamente
perspicaz e criativo, o qual serviu de base para experimentos de atenção visual dos
dias atuais. Helmholtz pintou letras em diferentes distâncias do centro de um cartaz.
O cartaz foi colocado no fundo de uma sala escura. Então, o cartaz era iluminado
rapidamente por uma faísca elétrica (flash de luz) que tornava as letras visíveis por
aquele curto período de tempo. Apesar de objetivar o estudo do processamento
visual quando estímulos eram apresentados brevemente, Helmholtz descobriu um

Pág. 68 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

interessante fenômeno. Mantendo os olhos focados ao centro do cartaz ele poderia


previamente e de forma voluntária prestar atenção, sem movimentar os olhos, em
uma região qualquer do cartaz; com efeito, ele só conseguia “ver” as letras daquela
região atendida, mas não conseguia discriminar as letras das outras regiões. Isto é,
Helmholtz descobrira o que hoje é chamado de atenção encoberta, fenômeno que
tem guiado diversos delineamentos e paradigmas experimentais, dentre eles o
paradigma de Posner que será descrito adiante.
Então, no caso da percepção visual, é possível selecionar o local que será
atendido mesmo sem direcionar os olhos para aquela determinada área no espaço.
No caso da percepção auditiva é possível selecionar o que se quer ouvir dentre os
muitos sons disponíveis no ambiente. Imagine-se em uma palestra interessante cujo
local tenha ruído de ar condicionado. Talvez inicialmente o ruído o distraia um
pouco, porém, ao longo do tempo existe uma tendência de ignorar o som
indesejado. Outro exemplo é quando se está em uma festa com muitas conversas
paralelas e música alta. É possível manter a conversação embora exista um sem
número de sons concorrentes no ambiente. Cherry (1953) investigou exatamente
este tipo de seleção na percepção auditiva. Voluntários utilizavam fones de ouvido
que apresentavam falas diferentes nos dois lados. Então, o pesquisador os instruía a
prestar atenção em um dos ouvidos e repetir o que estava sendo dito naquele
ouvido. Com efeito, os voluntários conseguiam relatar claramente o texto que lhes
haviam sido narrados no ouvido atendido, por outro lado, não conseguiam dar
detalhes do texto dito do lado não atendido. No entanto, quando estímulos com
significados muito relevantes eram ditos do lado contrário ao que se prestava
atenção como, por exemplo, o nome do voluntário, estes eram capazes de relatar o
fato. Esses experimentos motivaram a criação de modelos teóricos que explicassem
tais resultados.
Broadbent (1958) propôs um modelo em que o mecanismo da atenção atuaria
como um portão, isto é, haveria uma seleção dos estímulos que seriam processados
de acordo com sua relevância ou orientação da atenção. Os estímulos não
atendidos seriam bloqueados ainda em níveis sensoriais (Figura 1a). Mas se este
modelo fosse plenamente contemplativo, como explicar que os voluntários do
experimento de Cherry podiam relatar que ouviram seu nome no ouvido contrário ao
que se prestava atenção? Logo, talvez a pergunta mais apropriada e que intriga os
pesquisadores da área até o presente seja: em que momento de todo o evento do

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 69


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

processamento das informações, que inclui desde o processamento sensorial até a


codificação e análise do significado daquele estímulo, ocorre a seleção do que será
atendido?
Uma proposta alternativa à teoria de Broadbent foi apresentada por Treisman
(1969) que propôs que diferentemente de um portão, o mecanismo de seleção
atuaria como um filtro com ação atenuadora (Figura 1b). Ou seja, todas as
informações atingiriam níveis de processamento adicionais. No entanto, as
informações que não eram atendidas chegariam aos locais de processamento e
codificação de forma muito atenuada, porém se a natureza desta informação fosse
suficientemente relevante ela captaria a atenção do sujeito.
Ainda há um modelo adicional que também teoriza a existência de um filtro
seletivo de processamento. Neste modelo todos os estímulos atingiriam níveis
adicionais de processamento, entretanto, àqueles que foram atendidos seriam
amplificados ou intensificados tornando sua codificação e análise mais rápida e fácil
(Figura 1c).

Figura 9 – Esquema dos modelos explicativos do fenômeno da atenção. A) Esquema de “filtro


simples”, em que apenas os estímulos atendidos seguiriam para processamento adicional. B) Modelo

Pág. 70 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

de “filtro atenuador”, em que todas as informações passariam pelo filtro que reduziria a intensidade da
informação, portanto, se ela fosse relevante e forte captaria a atenção do sujeito. C) Teoria alternativa
que propõe a existência de um filtro que amplifica a intensidade dos estímulos atendidos. Retirado de
Helene e Xavier (2003).

É possível perceber que todos os modelos admitem um ponto específico de


seleção do estímulo durante o processamento das informações. Note que no
esquema inicialmente proposto por Broadbent a seleção é realizada nos estágios
iniciais do processamento, portanto, é uma seleção precoce, por outro lado as
teorias que afirmam que a seleção ocorre nos períodos mais próximos à codificação
e análise da informação são ditas de seleção tardia. Tanto nas teorias de seleção
precoce quanto tardia admite-se a existência de um “afunilamento” da informação
que será processada, que provavelmente decorre da capacidade limitada do sistema
nervoso em processar toda a informação disponível de uma vez.
Outro aspecto importante a se ressaltar sobre a seletividade do
processamento da informação pelo sistema nervoso versa sobre a sua orientação da
atenção ao estímulo. Imagine-se novamente em uma palestra interessante com sua
atenção totalmente focada no palestrante. Sem aviso uma janela da sala se fecha
pela ação do vento causando grande barulho. É quase inevitável que sua atenção
não seja capturada por este evento inesperado. Quando o estímulo ambiental é
surpreendente ou é muito diferente do padrão ao qual está inserido a atenção do
sujeito é captada automaticamente em direção ao estímulo, portanto, diz-se que
sua orientação da atenção é automática ou exógena. Neste caso não há esforço
para atender ao estímulo, a atenção do sujeito é captada antes mesmo de se ter
consciência do direcionamento atencional.
Entretanto, não é apenas o estímulo que define a orientação da atenção. O
direcionamento atencional pode ser realizado por vontade do sujeito. Isto é,
conscientemente direciona-se o foco atencional baseado na expectativa do estímulo
que está por vir. Neste caso a orientação da atenção é voluntária ou endógena.
Diferentemente dos processos automáticos, que não requerem controle ativo do
sujeito, os processos voluntários requerem recursos de processamento ativos; esse
é um dos motivos que torna difícil a realização de duas tarefas ao mesmo tempo. O
direcionamento da atenção pode vir acompanhado ainda de atividade motora em
direção ao estímulo (movimentação dos olhos, flexão do corpo, movimento de
cabeça, etc.), ou seja, orientação manifesta da atenção. Quando não há esse

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 71


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

componente motor a orientação da atenção ocorre de maneira encoberta.


Os testes capazes de avaliar a atenção em laboratório valem-se destes
conceitos e utilizam mais comumente tarefas de percepção visual e tempo de reação
para quantificar o fenômeno da atenção. Os testes são mais comuns em humanos,
no entanto, existem modelos de avaliação da atenção em animais de experimento.
Posner (1980) propôs uma tarefa visual para humanos em que o voluntário
tinha sua cabeça imobilizada e era instruído a manter o olhar fixado em um ponto na
tela de um computador a sua frente. Era então solicitado ao sujeito pressionar um
botão o mais rápido possível quando surgisse determinado estímulo na tela,
denominado alvo. Os voluntários eram também instruídos que a localização mais
provável do alvo é indicada por uma pista antecedente (Figura 2). A pista pode
indicar verdadeiramente o local do aparecimento do alvo, sendo, portanto, uma pista
válida. Quando a pista não sinaliza qualquer probabilidade de aparecimento do lado
correto do alvo é denominada pista neutra e quando a pista sinaliza a posição
incorreta do surgimento do alvo é chamada pista inválida. O experimento pode
variar as condições de validade da pista ao longo do teste. Quando a pista sinaliza a
maioria das vezes corretamente o surgimento do alvo (por exemplo, 80% das
vezes), então, o voluntário aprende a utilizar a pista para responder à localização do
alvo. Com efeito, o desempenho do voluntário é melhor. Em casos que a pista indica
apenas 50% das vezes a localização correta, portanto, pista neutra; o voluntário não
utiliza a informação da pista e responde mais lentamente ao alvo do que quando a
pista é válida. Em outra situação, a pista mais comum é inválida. Neste caso o
voluntário tem desempenho prejudicado em relação às outras duas condições. Este
efeito de melhora em decorrência da confiabilidade da pista é chamado de efeito de
validade (Figura 3). O grande valor da tarefa de Posner está na tentativa de
dissociar os elementos motores da resposta atencional, uma vez que os olhos e
cabeça dos voluntários permanecem parados o que força o sujeito a utilizar a
orientação encoberta da atenção.

Pág. 72 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

Figura 10 – Paradigma de teste com pista espacial de Posner (1980). Envolvendo condições de pista
válida, isto é, aponta verdadeiramente o local de aparecimento do alvo, pista inválida, ou seja,
sinaliza a posição incorreta de aparecimento do alvo; e pista neutra, que não indica a probabilidade
de aparecimento do alvo em qualquer local. O tempo entre o aparecimento da pista e do alvo (SOA –
Stimulus onset asyncrony) pode ser variável. Adaptado de Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006).

Figura 11 – Tempo de resposta para condições de pista válida, neutra e inválida no paradigma de
Posner. Note que a pista válida favorece o desempenho do sujeito enquanto a inválida gera os piores
tempos de reação.

Outro exemplo interessante de investigação em laboratório do fenômeno da


atenção é um experimento de busca visual (Figura 4). Voluntários deveriam buscar,

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 73


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

em um painel, alvos misturados com diversos outros estímulos novos, denominados


distratores. Verificou-se que quando os alvos eram completamente diferentes dos
distratores, por exemplo, uma barra vermelha entre barras pretas (Figura 4a), a
resposta dos participantes era dada rapidamente, independentemente do número de
distratores que havia na cena. Em outra condição experimental, os alvos eram
permeados por distratores que possuíam características compartilhadas com os
alvos, por exemplo, buscar um alvo em forma de barra vermelha horizontal entre
barras pretas horizontais e vermelhas verticais (Figura 4b). Neste caso o tempo de
reação do participante é mais lenta em relação à primeira condição experimental.
Uma possível interpretação destes resultados é que quando os alvos são muito
diferentes do padrão dos distratores, essa informação difere tanto do contexto no
qual está inserida que capta a atenção do sujeito de forma automática; portanto, a
resposta é rápida e não requer processamento ativo. Diferentemente, quando os
alvos possuem características congruentes ao padrão dos distratores no qual estão
inseridos, esta informação requer maior nível de processamento; portanto, demanda
maior tempo de busca e exige orientação voluntária da atenção.

Figura 12 – Busca de cena visual, o sujeito deve responder o mais rápido possível à localização do
alvo. A) O alvo é a barra vermelha que está entre as barras pretas. O estímulo difere tanto do padrão
dos distratores que capta a atenção do sujeito automaticamente, com efeito, o tempo de resposta é
rápido. B) O Alvo é o mesmo da condição anterior, porém, os distratores são barras pretas horizontais
e barras vermelhas verticais. Existe a combinação de características entre alvo e distratores, portanto,
a busca é lentificada pela necessidade de processamento ativo pelo sujeito.

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Neurociência Cognitiva

Manter o foco atencional em um tarefa ou estímulo pode requerer a


superação de uma resposta habitual forte, como ocorre, por exemplo, no efeito
“Stroop”. Este efeito demonstra a interferência de uma ação habituada e treinada
que deve ser suprimida para realização de outra tarefa. Por exemplo, em uma tarefa
em que o objetivo seja nomear a cor das letras impressas que formem palavras que
sejam o nome de cores diferentes daquela usada na impressão das letras (e.g.
palavra “verde” impressa em cor azul), o tempo da tarefa é lentificado (Figura 5). Em
pessoas alfabetizadas a leitura se dá de forma automática, logo, esse automatismo
deve ser inibido para execução da tarefa, porém, interfere diretamente no tempo de
reação.

Figura 13 – Exemplo do efeito “Stroop”. O sujeito deve nomear a cor das letras inibindo a leitura, que
é automatizada. Em virtude desta concorrência, o tempo de resposta é lentificado.

Os testes psicofísicos em laboratório são ferramentas importantes para


elucidar os mecanismos da fenomenologia da atenção. Entretanto, eles não são
capazes sozinhos de informar sobre os substratos neurais envolvidos neste
fenômeno. Muito do que se sabe da neurobiologia da atenção advém de testes com
pacientes com lesões em regiões específicas do encéfalo, uso de técnicas de
imageamento e uso de animais de experimento. Entretanto, testes de atenção
utilizando animais são técnicas mais recentes e esbarram em algumas dificuldades e
limitações, como a linguagem (não se consegue dar ordens verbais aos animais) e
possíveis diferenças nos mecanismos de atenção entre as diferentes espécies.
Na atenção para estímulos visuais admite-se a participação de pelo menos 3
regiões neurais distintas: o córtex parietal posterior, o mesencéfalo (colículos

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 75


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

superiores) e o tálamo (núcleo pulvinar). Essas diferentes estruturas apresentariam


funções diferentes ao longo da dinâmica atencional.
Pacientes acometidos de lesão unilateral no córtex parietal apresentam
frequentemente síndrome de negligência, em que o sujeito possui falhas na
percepção de objetos ou estímulos na região contralateral à lesão. É importante
ressaltar que a visão do paciente é normal, porém, há uma falha de processamento
daquele hemicampo visual. Ademais, pacientes com este tipo de síndrome podem
ser instruídos a prestar atenção ao lado negligenciado. Em teste com pistas e alvos
do paradigma de Posner, os pacientes respondiam rapidamente quando a pista era
válida, porém, apresentada do lado negligenciado. Entretanto, se a pista apontava
para o lado não-negligenciado e o alvo, por sua vez, aparecia no lado negligenciado,
estes sujeitos exibiam um prejuízo severo no tempo de reação.
Em um experimento envolvendo macacos treinados a responder a estímulos
que surgiam na tela (Figura 6), observou-se que quando o animal fazia rápidos
movimentos com os olhos em direção ao estímulo-alvo (movimentos sacádicos), as
células do colículo superior do mesencéfalo aumentavam suas taxas de disparo.
Constatou-se que essas células não tinham atividade aumentada quando havia
apenas os movimentos dos olhos sem direcionamento ao estímulo. Estes resultados
em conjunto com estudos em pacientes humanos com degeneração mesencefálica,
que apresentam prejuízo na orientação encoberta da atenção, permitem especular
que a participação do colículo superior participa do processo de atenção que não
envolve direcionamento direto dos olhos, atuando, possivelmente, como um inibidor
da atenção automática.

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Neurociência Cognitiva

Figura 14 – Esquema experimental da investigação da participação do colículo superior nos


movimentos sacádicos dos olhos de macaco treinado a responder ao surgimento de um alvo. A) o
animal mantém os olhos fixos no ponto central, pouca atividade na célula do colículo superior. B) o
macaco faz um movimento sacádico ao local do estímulo; as taxas de disparo da célula do colículo
superior aumentam. C) o animal moveu os olhos para um local fora do campo receptivo da célula cuja
atividade eletrofisiológica está sendo monitorada; pouca atividade nas células avaliadas. D) o macaco
prestou atenção no alvo porém não realizou movimentos sacádicos, observou-se alguns pulsos de
atividade. Retirado de Gazzaniga, Ivry e Mangun (2002).

O núcleo pulvinar do tálamo é outra estrutura subcortical importante envolvida


nos processos de atenção. É uma via alternativa ao núcleo geniculado lateral
possuindo conexões recíprocas com virtualmente todo o córtex e conexões com o
colículo superior do mesencéfalo. Esta região do tálamo possui células responsivas
que indicam seletividade para cor, movimento e orientação espacial. Em um
experimento que utilizava macacos com desativação de determinada região do
pulvinar, os pesquisadores avaliaram o efeito da inibição e da ativação destas
células. Quando as células eram inibidas, os animais não conseguiam orientar sua
atenção para alvos localizados no lado oposto da intervenção. Diferentemente,
quando aplicava-se um antagonista GABA nessa região, isto é, impedia-se a inibição

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 77


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

normal das células, os animais tinham o direcionamento da atenção facilitado para o


lado contralateral da intervenção. Portanto, o papel do pulvinar parece ser central na
orientação encoberta da atenção. Com efeito, pacientes com lesões talâmicas
exibem marcado prejuízo em tarefas que exijam o direcionamento encoberto da
atenção. Em contraste aos dados de pacientes com lesões parietais unilateriais, a
lesão talâmica prejudica o desempenho mesmo quando a pista é válida e requer
engajamento da atenção no lado contralateral à lesão.
As informações obtidas com os experimentos realizados no campo de estudo
da fenomenologia da atenção tem mostrado que este processo não é um evento
único. Certamente envolve o funcionamento concomitante de múltiplos eventos
neurais que permitem ao sujeito interagir de forma bem sucedida com o ambiente.
Portanto, a atenção pode ser considerada um processo cognitivo complexo e
de suma importância adaptativa, o qual exerce e sofre influência de outros
processos cognitivos básicos, por exemplo, a formação de um percepto é
extremamente dependente do ponto em que foca-se a atenção (ver sessão de
percepção deste capítulo). Ademais, no modelo teórico de memória operacional
proposto por Baddeley, tal processo teria uma central executiva que é coordenada
pelo sistema atencional supervisor, portanto, a relação entre memória operacional e
atenção seria extremamente íntima (ver Helene e Xavier, 2003). Estes exemplos
demonstram que é tarefa difícil dissociar os processos cognitivos entre eles e avaliá-
los isoladamente. De fato, é difícil imaginar uma tarefa que permita o isolamento
completo e total de um ou outro processo. Talvez por isso a definição dos substratos
neurais da atenção ainda não é clara e inconteste. Porém, estudos de imageamento
e aprimoramento de estudos com animais têm caminhado nesse sentido.

AGRADECIMENTO:
À Dra. Claudia Sallai pela revisão do capítulo

Pág. 78 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

Percepção

Diego de Carvalho
Laboratório de Neurociência e Comportamento
diegocarvalho@ib.usp.br 

Cada indivíduo carrega consigo suas experiências, vivências, memórias e


emoções. Todo esse conjunto influencia diretamente na interpretação dos dados
sensoriais que chegam ao sistema nervoso central e criam o que chamamos de
percepção. Portanto, a maneira como cada sujeito percebe o mundo é única.
Hermann Von Helmholtz (1821 – 1894) define a percepção humana como
inferências que realizamos inconscientemente do mundo que nos cerca. Tais
inferências seriam comparadas a cada instante com os dados sensoriais e, se as
expectativas não são correspondidas, o percepto é ajustado e novas inferências são
formadas. Isto é, percepção é a construção ativa de eventos e demais elementos
ambientais relevantes, fruto de atividade neural, porém longe de representar
fielmente a realidade do mundo.
Vivemos dentro de uma realidade perceptiva. Por exemplo, os ouvidos
humanos respondem à apenas uma estreita faixa de freqüências de vibrações
mecânicas que são percebidas como som. No ambiente existe uma gama de outras
freqüências, não só de som como de luz, que estão presentes rotineiramente que
são simplesmente ignoradas. Ademais, essa realidade perceptiva está, sem dúvida,
atrasada em relação ao “mundo real”. Isto se deve ao tempo de processamento e
condução dos estímulos sensoriais do ambiente.
Além disso, o fenômeno da percepção interage ativamente com outros
processos cognitivos, sobretudo com memória e atenção. De fato estes processos
mudam os perceptos formados de acordo com as experiências passadas (memórias)
e depende de como foca-se a atenção.
Por exemplo, em experimentos de julgamento de ordem temporal, em que
são apresentados dois estímulos em diferentes posições espaciais e o sujeito deve
decidir qual surgiu primeiro. Mesmo quando os estímulos são rigorosamente
simultâneos, os voluntários percebem como assincrônicos, pois direcionaram sua
atenção a um ou outro lado.
Da mesma forma, a percepção é dependente de exploração do ambiente e

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 79


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

aprendizagem sobre aquilo que se ouve, enxerga ou sente. Note a figura 1 e


responda o que é visto. A resposta será um sapo e um cavalo dependendo da
orientação da figura. Porém, imagine que um sujeito nunca tenha aprendido o que é
um sapo e, em contrapartida, conheça cavalos. Certamente este sujeito verá apenas
um cavalo.

 
Figura 15 - Representação de um cavalo ou sapo, dependendo da orientação da imagem.

Através do aprendizado torna-se possível identificar um objeto nas mais


diversas situações. Existe uma enorme variabilidade de formas de apresentação de
um objeto, por exemplo, posição e orientação espacial, cor, formas um pouco
diferentes. Entretanto, se virmos fotografias de um carro em diferentes posições, não
haverá grandes dificuldades em reconhecer que se trata do mesmo objeto (Figura
2).

Pág. 80 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

 
Figura 16 – Representação da imagem de um carro em diferentes posições. As imagens certamente
são siferentes, entretanto, não há dificuldade em perceber que se trata do mesmo objeto. Retirado de
Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006).

É interessante notar como essa constância na percepção de objetos não se


mantém para todas as modalidades sensoriais. Quando se coloca uma das mãos
em água gelada e a outra em água quente e, logo em seguida, colocam-se ambas
as mãos em água em temperatura ambiente, nota-se que na mão que estava em
água quente a temperatura ambiente parece fria e, na outra mão, quente. Esta
alteração na percepção para uma mesma temperatura tem explicação na
característica das células que compõe os receptores para frio e calor e não nos
componentes cognitivos que influem na percepção. Este é só um exemplo de como
a percepção apesar de apresentar certa constância pode ser um evento mutável.
A percepção de passagem do tempo é um exemplo evidente de como se
percebe o mundo diferentemente de acordo com a situação experimentada. Há
momentos, em geral em situações agradáveis, que o tempo parece passar rápido.
Diferentemente, quando se vive uma situação desagradável, o tempo parece passar
lentamente, apesar de que a unidade de tempo ser uma constante. Essas alterações
na percepção temporal parecem estar correlacionadas com as sucessões de
eventos em que se foca a atenção ao longo daquele evento.
Nesse mesmo sentido, estímulos sutilmente diferentes podem ser percebidos
como iguais. Por exemplo, a altura de duas pessoas, uma de 1,80 m e outra 1,83 m,
são facilmente percebidas como iguais apesar de existir uma diferença real de 3
centímetros. A psicofísica, disciplina que estuda as relações entre o contínuo físico e
contínuo psicológico, tentou criar uma regra para quantificar quanto um estímulo

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

deve ser alterado para que possa que tal alteração seja percebida. Essa regra,
conhecida como Lei de Weber (Figura 3), foi proposta por Ernst Weber (1981), que
postula que para percebermos que um dado estímulo sensorial sofre alguma
mudança, a alteração mínima deve ser proporcional a magnitude inicial do estímulo
original. Para exemplificar, se for adicionado 500 g em um saco de cimento de 50 kg
a pessoa que estiver carregando provavelmente não sentirá diferença. Entretanto,
se for adicionado os mesmos 500g em um saco de arroz de 1 kg o carregador
certamente perceberá a diferença.

 
Figura 17 – Fómula da Lei de Weber, em que ∆E é a diferença apenas perceptível, isto é, a alteração
mínima para que uma mudança no estímulo seja percebido. C é a constante de proporcionalidade,
conhecida por constante de Weber e E éa magnitude do estímulo inicial.

Para que se possa ter um entendimento da fenomenologia da percepção é


necessário que seja conhecido um pouco da neurobiologia deste fenômeno e como
o sistema nervoso processa as informações advindas do ambiente.

1- Neurobiologia da Percepção

As regiões encefálicas que recebem aferências sensoriais provenientes dos


córtices sensoriais primários, mediando e interagindo com o processamento
adicional dessas informações para desempenhar funções cognitivas superiores ou
comportamentos específicos, são denominados córtices associativos. Essas regiões
compreendem a maior parte do córtex humano e de outros primatas.
Para cada modalidade sensorial existe um sistema específico de
processamento e codificação no sistema nervoso central. Entretanto, os
mecanismos mais estudados são o de construção de uma imagem visual e
percepção auditiva. A seguir será realizada uma breve descrição do processamento
destas modalidades sensoriais em humanos.

1.1- Percepção visual

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Neurociência Cognitiva

A informação visual começa a ser processada já na retina. Essa região,


localizada na parte posterior do globo ocular, possui dois tipos de fotorrecepetores:
cones e bastonetes. Como todo receptor sensorial, os fotorreceptores atuam na
transdução dos estímulos sensoriais. Os bastonetes são mais sensíveis à luz,
podem responder a intensidades luminosas muito baixas, portanto, são sensíveis à
detecção de bordas e movimento. Os cones respondem diferentemente ao espectro
de frequências de onda de luz, isto é, a grosso modo, a diferentes cores.
A partir dessas diferenças nos receptores as vias que processam a
informação visual já começam a ser divididas. A informação proveniente dos
fotorreceptores converge para células ganglionares ainda na retina. Os axônios
dessas células formam o nervo óptico. O nervo óptico leva a maioria das
informações visuais, em forma de atividade eletrofisiológica, ao núcleo geniculado
lateral do tálamo. Porém, antes disso, parte das fibras do nervo óptico se cruza no
quiasma óptico; as fibras provenientes do hemicampo interno, isto é voltado ao
centro do corpo, de cada olho se cruzam, enquanto as fibras do hemicampo externo
correm ipsolateralmente (Figura 4).

 
Figura 18 – Organização funcional do sistema visual. As informações captadas pela retina são
encaminhadas ao tálamo e posteriormente ao córtex visual primário. Note que as informações do
hemicampo medial seguem para processamento no córtex contralateral e as informações do
hemicampo lateral seguem ipsolateralmente. Retirado de Lent (2006).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

O núcleo geniculado lateral é dividido em seis camadas citoarquitêtonicas. As


duas camadas inferiores contêm células maiores que carregam as informações
oriundas dos bastonetes. Essas camadas de células formam o sistema denominado
magnocelular (ou M). As outras camadas são compostas por células menores e
carregam as informações provenientes dos cones sensíveis às freqüências de luz
correspondentes ao vermelho e ao verde. Essas camadas compõem o sistema
parvocelular (ou P). Essas duas camadas são permeadas por células koniocelulares
que carregam as informações dos cones responsivos ao azul. Essas vias formadas
por essas camadas levam a informação ao córtex visual primário (V1) localizado no
córtex occipital que contém uma mapa retinotópico, ou seja, uma região cortical para
cada região da retina.
As células da via magnocelular se projetam de V1 para V2, V5 e outras
regiões associadas a funções visuo-espaciais. Relembre que essa via traz
informações dos bastonetes, mais sensíveis à luz, portanto, sensíveis à detecção de
bordas e movimento. Essa via é chamada de dorsal e está ligada ao processamento
de informação espacial e de movimento. As células da via parvocelular e
koniocelulares projetam-se, por sua vez das camadas mais profundas de V1 e V2 a
V4 e córtex temporal inferior, formando então a chamada via ventral. Essa via é
responsável pela percepção de forma e de cores (Figura 5).

 
Figura 19 - Vias paralelas de processamento visual. Via dorsal responsável pela codificação de
estimulo visuo-espacial, isto é, definição de “onde” o objeto se encontra e via dorsal responsável pela
codificação de forma e cor, ou seja, definição do “que” é o objeto. Retirado de Kandel e col (2000).
 
Ao longo dessas sequências de processamento as informações sofrem um

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Neurociência Cognitiva

afunilamento para cada vez menos células. A hipótese acerca dessa informação é
que a cada passo os neurônios tornam-se mais específicos para formação daquele
percepto. Note na figura 6 que quanto mais adiante um neurônio está na hierarquia
do processamento visual mais complexo é o grau de reconhecimento, ao passo que
as células de codificação inical respondem a estímulos simples como margens e
bordas.

 
Figura 20 – Codificação hierárquica, na qual elementos combinados se unem para processar uma
forma final. Note que a via é convergente, isto é, a informação converge para células cada vez mais
especialidades na formação do percepto final. Adaptado de Lent (2006).
 
Portanto, as informações visuais são processadas por vias paralelas e que
codificam características diferentes dos objetos presentes no ambiente. Quando
vemos um carro em movimento, as bordas que definem seu contorno e sua forma,
sua cor e seu movimento são vistos como uma informação única. Mas como, se as
informações de forma e cor são processadas em região diferente das informações
de movimento e localização espacial, não vemos a forma, as cores e o movimento
separadamente? Essa questão de não vermos as características visuais
fragamentadas, mas sim uma imagem coerente, embora existam vias de
processamento paralelas as codificando, caracteriza o “binding problem”. Acredita-
se que a resposta para este problema esteja na sincronização da atividade
eletrofisiológica dos neurônios das diferentes regiões corticais que processam os

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

diferentes aspectos da informação visual. No entanto, essa questão ainda não está
bem estabelecida.

1.2- Percepção auditiva

O conhecimento acerca da formação perceptual das modalidades sensoriais,


que não a visão, é escasso. Um resumo do esquema da organização funcional da
percepção auditiva será apresentado a seguir.
Inicialmente há a captação dos estímulos sonoros, que são estímulos
mecânicos, os quais fazem a membrana timpânica vibrar. Resumidamente, essas
vibrações produzem pequenas ondas no ouvido interno que alcança células ciliadas
localizadas na membrana basilar. Essas células são os principais receptores
auditivos. Assim que a membrana basilar vibra por ação das ondas transmitidas pela
membrana timpânica, as membranas dos receptores se despolarizam e, portanto, as
oscilações mecânicas são transduzidas. A posição das células ao longo do ouvido
interno facultará a que tipo de freqüência aquela célula responderá. Por exemplo, as
células da base da cóclea respondem a sons de alta freqüência. As informações
seguem da cóclea pelo nervo auditivo para duas estruturas no tronco encefálico; o
núcleo coclear e o colículo inferior. A exemplo do processamento visual, a
informação a ser processada chega ao tálamo, pórem, no caso da audição ao
núcleo geniculado medial antes de alcançar o córtex auditivo primário. Nesta córtex
auditivo existe um mapa tonotópico, isto é, uma região específica de codificação de
cada freqüência sonora. A existência deste mapa permite a identificação refinada
das freqüências, uma vez que as células receptoras respondem de forma mais
grosseira à estimulação sonora. Um esquema da organização funcional do sistema
auditivo pode ser visualizado na figura 7.

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Neurociência Cognitiva

 
Figura 21 – Esquema da organização funcional do sistema auditivo. Processamento auditivo inicia-se
com a recepção das ondas mecânicas do som no ouvido interno. O sinal é transduzido e levado aos
núcleos cocleares do tronco encefálico através do nervo auditivo. Posteriormente o sinal é
encaminhado ao núcleo geniculado medial do tálamo e ao córtex auditivo primário. Adaptado de Bear
e cols. (2000) e de Gazzaniga e cols. (2006).

Experimentos com animais têm apontado que a organização da percepção


auditiva tem um processamento convergente, ou seja, ao longo da sequência de
eventos de codificação do som os neurônios tornam-se mais específicos para cada
frqueência sonora; e existiria duas vias de processamento sonoro de forma análoga
ao sistema visual: uma via anteroventral, relacionada a percepção de características
como timbre e tonalidade e outra via posterodorsal relacionada às questões de
localização espacial da fonte de estímulo sonoro.
A questão da localização da fonte de estímulo sonoro torna-se evidentes em
animais que utilizam o som para guiar-se no ambiente. Morcegos são animais que
utilizam essa técnica de deslocamento no ambiente com extrema precisão. Ecos dos
sons realizados pelo animal reverberam no ambiente e criam uma imagem auditiva
do objeto.
Outro animal que utiliza a audição como um localizador adicional à visão é a
coruja. Este animal tem sido usado em estudos que investigam exatamente como
funciona a via do “onde” análoga a via dorsal da visão para audição. Para localizar a

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

fonte de um estímulo sonoro, a coruja utiliza a informação da diferença dos tempos


de chegadas do som nas duas orelhas. Esse processamento é amplificado neste
animal pela configuração da cabeça e assimetria entre a posição das duas orelhas,
as quais uma é situada abaixo da linha dos olhos e voltada para cima e a outra é
localizada acima da linha dos olhos e voltada para baixo. Isso permite que este
pássaro identifique tanto sons provenientes da sua frente ou trás quanto direita e
esquerda. Essa localização é de extrema importância para que a coruja possa
converter a percepção em ação, isto é, localizar precisamente sua presa através do
som e realizar um ataque igualmente preciso.
Portanto, a percepção pode e guiam ações nas mais diferentes espécies. Por
sua vez as ações modificam as percepções subseqüentes. A percepção pode ser
tida como apenas processamento de dados visuais, no entanto, ela pode ser
considerada por alguns autores parte de um ciclo de percepção e ação.

2- Percepção e Ação

A percepção é dependente de exploração ambiental e aprendizado. Portanto,


pode-se conceber que a fenomenologia da percepção depende de ação. Por sua
vez a formação da percepção guiará novas ações que culminará em novos ou
diferentes perceptos. Essa correlação torna-se evidente, por exemplo, nos múltiplos
movimentos oculares que são realizados para processar uma imagem, nos
movimentos de cabeça em direção a um estímulo auditivo ou ainda para discriminar
um objeto através do em que são necessários vários movimentos das mãos e dos
dedos.
Embora o ciclo percepção-ação possa ser assunto para um capítulo inteiro,
essa seção será limitada a apresentação de um caso clínico extremamente
interessante que dissocia a percepão da ação.
A paciente D.F. sofreu intoxicação por monóxido de carbono que culminou em
lesão bilateral dos lobos occipitais. Estas lesões levaram a paciente a apresentar um
grave distúrbio na discriminação de objetos, só conseguindo realizar descrições
grosseiras dos objetos que lhe era apresentado. Por exemplo, uma chave era para
D.F. apenas “longa, escura e fina”. As falhas na percepção de forma, cor e
movimento sem que haja deficiência visual (para percepção visual, neste caso) são
denominadas agnosia.
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Neurociência Cognitiva

Portanto, D.F. sofria de severa agnosia visual. Entretanto, quando a paciente


foi solicitada a introduzir um cartão em uma fenda, ela realizava essa tarefa sem que
houvesse prejuízo. Porém, se a paciente fosse instruída a apenas orientar o cartão
na posição da fenda, sem que houvesse a ação de introduzi-lo, a tarefa era
prejudicada. Se após realizar a ação, a paciente fosse instruída a orientar o cartão
para a posição da fenda, não havia novamente prejuízo. Demonstrando que a
memória para aquela ação estava intacta.
A dissociação entre ação e percepção também pode ser verificada em
indivíduos normais frente a estímulos ilusórios. Por exemplo, note a figura 8, as
linhas parecem ser de tamanhos diferentes, entretanto, se um voluntário fosse
orientado a realizar um movimento com os dedos que prendesse as duas linhas, tal
movimento seria essencialmente igual.

 
Figura 22 – Setas de Müeller-Lyer. Os segmentos de reta são exatamente iguais.

3- Ilusões

Como vimos, a experiência e o aprendizado alteram a formação dos


perceptos. Na verdade o aprendizado passado influencia tão diretamente na
percepção que não nos damos conta que o que percebemos é uma construção ativa
realizada pelo sistema nervoso, com base nas experiências e no foco atencional que
é dado. A representação de um cubo, por exemplo, é um desenho bidimensional que
representa uma estrutura tridimensional. Aprendemos, com a experiência, que
aquela imagem representa algo parecido com a informação visual que obtemos ao
ver um cubo real (Figura 9A). Note, entretanto, que para essa mesma representação
do cubo podemos enxergar na verdade dois cubos (Figura 9B) com orientações
espaciais distintas. Isto revela que uma mesma imagem pode gerar a formação de
dois ou mais perceptos. No caso do cubo, as diferentes vias que formam o sistema
de percepção visual, aquelas que processam o “o que” e o “onde”, competem entre

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

si e ora vemos um cubo e ora vemos o outro. De forma semelhante, ocorre o


processamento visual da famosa imagem de Edgar Rubin (1886-1951), os perceptos
se alternam em ora um par de faces e ora um desenho de um vaso (Figura 10),
dependendo da forma que focamos nossa atenção.

 
Figura 23 – Representação bidimensional de um cubo (a). É possível a formação de dois ou mais
perceptos frente a uma mesma imagem (b) dependendo da orientação da atenção. Retirado de Baldo
e Haddad (2003).
 

 
Figura 24 – Vaso de Rubin, as visões dos pares de faces se alternam a percepção do vaso.
As ilusões visuais são os fenômenos mais estudados, entretanto, ilusões
auditivas e somestésicas são existentes. Frequentemente, as ilusões visuais são
denominadas de ilusões de óptica, embora poucas ilusões derivem de fenômenos
ópticos em si. Muitas ilusões são influenciadas por componentes cognitivos da
percepção, como atenção e memória.
Note a ilusão de Ponzo (Figura 11), as linhas parecem de tamanhos
diferentes. Uma explicação plausível é que de acordo com nossa experiência,
objetos que parecem estar mais distantes são vistos com tamanho menor; e, nesta
representação, as linhas convergentes dão a perspectiva de profundidade. Fato
análogo ocorre na sala ilusória de Ames (Figura 12), em que esperamos que as
paredes laterais sejam paralelas e o teto tenha altura constante. Portanto, a pessoa

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Neurociência Cognitiva

que se localiza mais próxima é interpretada como gigante.

 
Figura 25 – Ilusão de Ponzo. Os segmento de reta são exatamente iguais, entretanto, a presença das
linhas convergentes dão perspectiva de profundidade que cria o fenômeno ilusório
 

 
Figura 26 – Sala ilusória de Ames. Espera-se a parede ao fundo forme um ângulo reto com as
paredes laterais. Percebemos a pessoa que está a frente como gigante.
Nosso treino para deteccção de bordas e limites faz com que enxerguemos
figuras geométricas inexistentes. Por exemplo, no triângulo de Kanisa (Figura 13),
em que as formas da composição sugerem a existência de um triângulo em primeiro
plano.

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

 
Figura 27 – Triângulo de Kanisa. Observa-se claramente a formação de um triângulo em primeiro
plano mesmo sem as arestas que formam a figura geométrica.
As ilusões podem então ser derivadas de fenômenos ópticos, como um lápis
mergulhado em um copo d’água que parece ser torto ou quebrado devido ao
fenômeno de refração da luz; podem derivar de fenômenos cognitivos, como vimos
anteriormente, ou ainda podem advir dos receptores sensoriais e sua
hiperestimulação. Fixe seus olhos na imagem da figura 14 por 30 segundos, depois
olhe para uma parede branca. Esta ilusão é criada a partir da estimulação
prolongada de receptores da retina para aquela cor, fazendo com que, quando se
olha para um fundo branco, as cores complementares àquelas previamente
observadas sejam percebidas.

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Neurociência Cognitiva

 
Figura 28 - Fixe seus olhos na centro da figura por 30 segundos, depois olhe para uma parede
branca.
A ilusão, portanto, pode ser concebida como a percepção de algo em um
contexto diferente ao que estamos acostumados, ou ainda, como a discrepância do
percebido em uma situação e, depois, em situação diferente.
Como visto, a percepção é construção ativa do sistema nervoso, é inferência.
Nossa percepção foi ajustada de forma a conferir melhor vantagem adaptativa para
a espécie.
Como os demais processos cognitivos, a percepção não é um fenômeno
isolado. Depende da integração da informação sensorial, motora, atencional,
emocional e de memória para que os perceptos sejam construídos.

AGRADECIMENTO:
À Dra. Claudia Sallai pela revisão do capítulo.

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Ação

Marina F. de Oliveira
Laboratório de Ciências da Cognição
marinafaveri@usp.br 

É pela percepção sensorial que temos consciência do ambiente externo e


interno ao nosso corpo. No entanto, de nada nos serve a percepção se não
pudermos agir em função dela. Todos os comportamentos são mediados pela ação.
Sem a capacidade de nos movimentar somos incapazes de caminhar por um terreno
acidentado em busca de água ou comida, fugir de um predador, manifestar nossas
emoções com a mímica facial, alcançar objetos ao nosso redor, manipular
ferramentas, mastigar e deglutir, falar, jogar futebol, etc. A percepção consciente é
fundamental na orientação de nossos movimentos voluntários, mas como veremos
ao longo do capítulo, muito do nosso comportamento motor é organizado de forma
inconsciente, com ajustes reflexos e automáticos integrados pela medula espinhal e
pelo tronco encefálico (Kandel, 2000).
Para que o movimento seja eficiente é fundamental que exista a coordenação
da ativação dos diversos grupos musculares. A organização dos sistemas motores é
tal que observamos hierarquias no controle da ativação muscular de forma que haja
a seleção adequada de quais músculos contrair e em qual ordem temporal, desde o
reflexo de estiramento até um movimento complexo como acertar uma bola de tênis
em movimento com uma raquete (Kandel, 2000).
Os reflexos são movimentos estereotipados, nos quais um dado estímulo
evoca sempre a mesma resposta. Há uma correspondência direta entre a
intensidade do estímulo e a da resposta, ou seja, quanto maior for o estímulo, maior
será o movimento provocado. Em contrapartida, movimentos voluntários são
altamente passíveis de variações: podemos escrever com letra de forma ou cursiva,
com a mão ou com os pés e assim por diante. Caracteristicamente, os movimentos
voluntários são melhores desempenhados com o treino. (Kandel, 2000) A
organização hierárquica dos sistemas motores permite não somente a preservação
de comportamentos reflexos importantes, que ajudam a manter nossa integridade
física permitindo reações rápidas e precisas, como permite também que a

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Neurociência Cognitiva

elaboração do movimento voluntário não precise se ocupar de todos os detalhes, por


exemplo, de um ajuste postural necessário para a realização de um movimento
(Fukuda, 1961; Kandel, 2000).
Para que o movimento aconteça, é necessário que os músculos sejam
ativados. A fibra muscular tem duas características fundamentais: elas são contráteis
(seu tamanho pode diminuir) e são excitáveis (existe um potencial de membrana que
é variável). De forma simplificada, a fibra muscular tem dois tipos de filamentos
protéicos (actina e miosina) imbricados, que podem aumentar sua sobreposição de
acordo com a disponibilidade de íons de cálcio no citoplasma. (Fig. 1) Para que o
Ca2+ seja liberado no citossol, é necessário que a fibra muscular seja estimulada.
Um neurônio motor conecta-se a várias fibras musculares por meio de uma sinapse
especial, chamada junção muscular. O terminal axonal dos motoneurônios libera
acetilcolina (ACh) após cada potencial de ação desencadeado no corpo do neurônio
(localizado na medula espinhal). A conexão da ACh com o receptor nicotínico na
membrana da fibra muscular abre canais ligante dependentes, permitindo o influxo
de Na+. O influxo de Na+ causa a despolarização da membrana, que se propaga
pelo sarcolema adentrando invaginações chamadas túbulos transversos (ou T). Os
túbulos T têm canais de cálcio voltagem dependentes, e sua abertura promove a
liberação do Ca2+ do retículo endoplasmático para citossol, onde ele pode ligar-se a
um sítio específico da actina e provocar o seu deslizamento sobre o filamento de
miosina (Kandel, 2000).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 1 – Em A: fibra muscular mostrando os túbulos T (invaginações da membrana celular,


em azul) e a disposição em série e em paralelo dos sarcômeros. Em B: um único sarcômero,
composto de filamentos protéicos interdigitados. Em C: estrutura macromolecular dos filamentos de
actina e miosina. (Adaptado de Kandel, 2000)
Cada motoneurônio pode inervar várias fibras musculares, e chamamos o
conjunto funcional do motoneurônio e das fibras musculares inervadas por ele de
Unidade Motora. As unidades motoras podem ter tamanhos variados, contatando
alguns milhares de células (por exemplo no músculo quadríceps, que tem função
postural e de potência, mas nunca de precisão), ou apenas algumas dezenas, como
observamos nos pequenos músculos intrínsecos da mão. O tamanho das unidades
motoras está relacionado, portanto, à função principal exercida pelo músculo:
unidades pequenas estão relacionadas a movimentos de precisão e unidades
grandes à potência. Um mesmo músculo pode ser inervado de forma variada, de
forma que ele pode estar envolvido na realização de movimentos de naturezas
distintas. (Kandel, 2000)
Os motoneurônios são células grandes, com axônios espessos e uma grossa
camada de mielina, permitindo uma transmissão rápida dos impulsos nervosos. Isso

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Neurociência Cognitiva

é fundamental, já que os corpos celulares estão algumas vezes localizados a até


mais do que um metro da terminação axonal, na medula espinhal. Os corpos
celulares destes neurônios se localizam no corno anterior da medula espinhal, e são
organizados topograficamente de forma que motoneurônios mais laterais inervam
músculos apendiculares (dos membros superiores e inferiores) e os mais mediais,
músculos axiais (do tronco e da cabeça). Da mesma forma, há uma organização no
sentido ântero-posterior para a musculatura ventral ou dorsal respectivamente.
(Carpenter, 1976) Figs. 2 e 3. A somatotopia da medula espinhal está ligada a uma
subdivisão funcional dos sistemas motores: o sistema dorsolateral, associado
principalmente aos movimentos voluntários da musculatura distal; e o sistema
ventromedial, relacionado ao controle da musculatura do tronco e a ajustes posturais
necessários para a manutenção do equilíbrio (Martin, 1998).

Figura 2 – Corte transverso da medula espinhal em nível lombar. Esquerda: foto micrografia.
Direita: esquema com a distribuição dos principais núcleos e feixes de axônios. (Adaptado de
Carpenter, 1976)

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 3 – À esquerda: Os axônios de motoneurônios de vários segmentos contíguos da


medula espinhal se unem na saída da raiz nervosa ventral, formando os núcleos motores.
Observamos a formação de colunas funcionais pela organização dos núcleos motores dorsolateral
(em verde) e ventromedial (em azul). À direita: interneurônio medular longo, conectando
motoneurônios ventromediais ao longo de toda a extensão da medula espinhal, o que permite que um
único comando descendente ative núcleos motores que atuam sobre a musculatura axial de todo o
corpo. (Adaptado de Kandel, 2000)
Além desses interneurônios que conectam os núcleos motores ventromediais,
os motoneurônios são interligados entre si por outros padrões de conexão de
interneurônios medulares. Essas conexões permitem a coordenação da atividade de
unidades motoras tanto no mesmo como em vários segmentos medulares contíguos,
e são a base do comportamento reflexo. O reflexo de retirada, por exemplo, é
desencadeado por uma estimulação cutânea dolorosa que promove a ativação da
musculatura flexora ao mesmo tempo em que há inibição da musculatura extensora
do membro via ativação de interneurônios inibitórios (Fig. 4). Sherrington denominou
essa reação de inervação recíproca, pois um único estímulo atua sobre dois grupos
musculares antagonistas. De forma muito interessante, esse mesmo estímulo pode
desencadear a atividade oposta no membro contralateral, ativando a musculatura
extensora e inibindo a flexora. A circuitaria medular é organizada de forma que, ao
mesmo tempo em que o indivíduo retira o membro estimulado ele aumenta o tônus
do membro contralateral automaticamente, permitindo a sustentação do peso
corporal. (Kandel, 2000)

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Neurociência Cognitiva

Figura 4 – Em vermelho: neurônios excitatórios. Em cinza: neurônios inibitórios. A Circuitaria


medular do reflexo de retirada. O neurônio sensitivo conecta-se a interneurônios medulares que
atuam em motoneurônios que inervam músculos agonistas e antagonistas de ambos os lados da
medula. No membro estimulado, motoneurônios que inervam a musculatura extensora são inibidos,
enquanto que os que inervam a musculatura flexora são excitados via conexões ipsilaterais. Ao
mesmo tempo, interneurônios que cruzam a linha média atuam no membro contralateral de forma
oposta, facilitando a atividade da musculatura extensora e inibindo a flexora, o que permite a
sustentação adequada do peso corpóreo. B Circuitaria medular do reflexo de estiramento. O
estiramento de um músculo provoca a ativação de motoneurônios que inervam o próprio músculo
(porção monossináptica do reflexo) e também de músculos com função semelhante (sinérgicos),
amplificando a resposta. A inibição dos motoneurônios que inervam a musculatura antagonista
facilitam ainda mais a resposta reflexa. (Adaptado de Kandel, 2000)

Outra circuitaria reflexa fundamental no controle motor é a do reflexo de


estiramento. A princípio, poderíamos considerar este um dos reflexos mais simples
de nosso organismo, dado que ele envolve apenas uma sinapse entre o neurônio
sensitivo e o motoneurônio. O estiramento de fusos musculares ativa os neurônios
sensitivos Ia e estes ativam os motoneurônios que inervam a musculatura estirada,
podendo atuar também em outros motoneurônios que atuam sobre músculos
sinérgicos via interneurônios excitatórios. De forma complementar, os neurônios Ia
também atuam sobre motoneurônios que inervam a musculatura antagonista via
interneurônios inibitórios. (Kandel, 2000)
No entanto, o fuso muscular é uma estrutura ativa, tendo ele mesmo fibras
musculares, que, como tais, têm propriedades contráteis. A sensibilidade do fuso é

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

regulada ativamente pelos sistemas descendentes, que atuam nos motoneurônios


que inervam as fibras intrafusais, chamados motoneurônios gama. A maior ou menor
tensão da fibra muscular intrafusal determina qual a intensidade do estímulo
necessária para promover o reflexo de estiramento. A excitabilidade do fuso
muscular é a base fisiológica do tônus muscular. Como existe o comando
descendente de qual deve ser o tamanho dos músculos (atuando sobre o a
excitabilidade do motoneurônio gama), quaisquer variações são prontamente
percebidas e automaticamente corrigidas pela via reflexa. O ajuste da sensibilidade
do fuso acontece também de forma dinâmica durante o movimento, permitindo
correções em tempo real da trajetória do movimento. (Kandel, 2000)
O tônus postural é um comportamento complexo, que envolve a manutenção
relativamente constante da atividade de múltiplos grupos musculares. Como vimos
anteriormente, os motoneurônios que inervam a musculatura axial são localizados
medialmente na medula espinhal. Apesar de receberem também aferências corticais
envolvidas com o movimento voluntário (por isso podemos fazer movimentos
voluntários do tronco), grande parte das aferências desses neurônios são
provenientes de vias subcorticais, como núcleos do tronco encefálico e cerebelo.
(Kandel, 2000; Martin 1998)
Esses circuitos são envolvidos não somente na manutenção da postura, mas
também nos ajustes posturais necessários para manter o equilíbrio dado
desequilíbrios internos ou externos. As alterações no centro de massa
desencadeadas por movimentos de nossos próprios segmentos corporais tem que
ser contrabalanceada por ajustes no tônus dos outros segmentos corporais de forma
que possamos manter o equilíbrio (Fig. 5). Essas alterações, no indivíduo saudável,
são realizadas antes mesmo da pessoa iniciar o movimento, e por isso são
chamados de ajustes antecipatórios. (Kandel, 20000; Shumway-Cook e Woollacott,
2007)
Os ajustes antecipatórios fazem uso das circuitarias medulares e são
organizados principalmente no tronco encefálico a partir da integração de
informações sensoriais proprioceptivas, vestibulares e visuais com a informação
cortical de qual é o movimento que será realizado. Esses ajustes estão presentes de
forma inata, sendo observados nos bebês até aproximadamente um ano de idade,
quando a mielinização do SNC está bem avançada e há o controle de centros
superiores sobre eles. Até o início da década de 1960, imaginava-se que esses
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Neurociência Cognitiva

reflexos eram abolidos e sua persistência era sinal de lesão do SNC. Ainda
consideramos a persistência, em sua forma estereotipada, sinal de acometimento do
SNC, porém não mais entendemos que eles são abolidos da motricidade. (Fukuda,
1961)

Figura 5 – Ajustes antecipatórios são regulações do tônus muscular que antecedem o


movimento voluntário. Na figura acima, observamos o movimento de alguns pontos (marcados na
sombra em A) durante a abertura da perna direita. Em B, cada linha corresponde à posição dos
pontos a cada 50ms. Todo o corpo se desloca para a esquerda, trazendo o centro de massa para o
membro inferior esquerdo. Em C, temos o registro cinemático do tornozelo direito (acima) e do ombro
(meio) e quadril (abaixo) esquerdos. O movimento do ombro e do quadril acontecem antes que do
início do movimento tornozelo direito, de forma que o centro de pressão na plataforma de força já
está todo no lado esquerdo quando o indivíduo começa a retirar o pé direito do chão. (Adaptado de
Kandel, 2000)

Em 1961, T. Fukuda publicou um estudo extenso da integração desses


reflexos nos movimentos esportivos, mostrando que as habilidades motoras no
indivíduo saudável somente são alcançadas quando há a utilização adequada
dessas circuitarias reflexas pelos centros superiores. Enquanto as estruturas
corticais se ocupam do movimento voluntário, uma cópia desse programa motor é

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 101


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

enviada ao tronco encefálico, que organiza movimentos globais dos outros


segmentos corporais de forma a recrutar músculos específicos para a adoção da
postura necessária para que o movimento voluntário se desenvolva de forma
adequada. (Fukuda, 1961)
Vamos analisar dois reflexos integrados no tronco encefálico que são
responsáveis por ajustes posturais fundamentais no controle motor voluntário: o
reflexo tônico cervical assimétrico (RTCA) e o reflexo tônico labiríntico (RTL). O
RTCA é desencadeado por alterações na posição da cabeça, e permanece mesmo
que o animal seja descerebrado (preparação na qual o tronco encefálico é separado
do resto do encéfalo) e que ambos os labirintos sejam lesados. O RTL também é
desencadeado por alterações na posição da cabeça, porém o sistema vestibular (e
não o proprioceptivo) é que é sua principal sua principal aferência. (Fukuda, 1961)

Figura 6 – A cima: reflexo tônico cervical


assimétrico presente em bebê saudável. À
direita: integração do mesmo reflexo em adulto
durante o ato motor voluntário. (Adaptado de
Fukuda, 1961)

O RTCA (Fig. 6, esquerda) é obtido quando a cabeça é rodada lateralmente.


Esse movimento provoca aumento do tônus extensor dos membros superior e
inferior do lado do rosto e do tônus flexor dos membros do lado da nuca. Se
observarmos um jogador de baseball pegando uma bola alta, que vem à sua
esquerda (Fig. 6, direita), podemos observar que sua cabeça está rodada para a
esquerda e que ele estende o braço esquerdo em direção à bola, ao mesmo tempo
em que pula estendendo o tornozelo, joelho e quadril da perna esquerda. Todos
esses são movimentos voluntários que o jogador faz com o propósito de alcançar a

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Neurociência Cognitiva

bola. Mas podemos reparar que, do lado direito, tanto o braço quanto a perna estão
fletidos, facilitando o equilíbrio do jogador na perna esquerda estendida. Mesmo no
movimento voluntário, o reflexo postural está envolvido na facilitação do movimento
iniciado pelo jogador e no ajuste automático do tônus do lado contralateral na
facilitação da manutenção do equilíbrio. (Fukuda, 1961)
O reflexo tônico labiríntico foi pesquisado em gatos também descerebrados,
porém com os labirintos intactos. Com o pescoço fixado por uma tala e girando o
gato (Fig. 7, esquerda), observa-se progressivamente diferentes equilíbrios tônicos
nos membros. O maior tônus extensor é obtido com o gato em decúbito dorsal, com
a cabeça formando um ângulo de 45° com o plano do chão, e o maior tônus flexor
com o gato em decúbito ventral, com a cabeça a -45° do plano do chão. O exame
neurológico do lactente mostra esse mesmo padrão de resposta dos membros e do
tronco em relação à posição da cabeça em humanos (Fig. 7, direita). Observamos
esse reflexo em várias situações esportivas, como no salto ornamental, quando há
extensão completa de tronco e membros na fase de vôo, e a flexão que se inicia
pela cabeça em uma cambalhota (Fig. 8).

Figura 7 – À esquerda: os diversos ângulos nos quais foi analisado o tônus muscular do gato
descerebrado com o labirinto preservado. No centro: o maior tônus extensor é obtido com a cabeça a
+45º e o menor com a cabeça a -135º. À direita: comportamento semelhante é observado em bebês
humanos. (Adaptado de Fukuda, 1961)

Figura 8 – Reflexo tônico labiríntico no comportamento motor de adultos durante o movimento

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

voluntário. À esquerda, fase de vôo do salto ornamental, no qual o tônus extensor do tronco e dos
membros superiores e inferiores é facilitado pela extensão da cabeça. À direita, a cambalhota (flexão
do tronco e dos membros) é facilitada pela flexão da cabeça.

O tronco encefálico participa fundamentalmente do controle postural,


integrando as informações visuais, proprioceptivas (principalmente cervicais) e
vestibulares (ou labirínticas). Diversos núcleos do tronco participam dessa
integração, como o colículo superior no mesencéfalo, que projeta para regiões
cervicais da medula espinhal e está envolvido no direcionamento da cabeça à
estímulos visuais e auditivos (Fig. 9). Os núcleos vestibulares lateral e medial
projetam para interneurônios da medula espinhal, terminando no corno anterior na
região medial e atuando sobre as circuitarias medulares envolvidas na manutenção
e ajustes do tônus postural (Fig. 10). A formação reticular também têm projeções
para a medula espinhal, onde faz sinapse com interneurônios e motoneurônios
gama tanto das porções mediais como laterais do corno anterior (Fig. 11). A
atividade integradora desses núcleos advém do fato de que, além da informação
sensitiva que chega até eles, projeções de centro superiores como os córtices motor
e pré-motores e o cerebelo também enviarem projeções para esses núcleos.
(Carpenter, 1976)

Figura 9 – Projeções da região profunda do colículo superior para a medula espinhal são

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Neurociência Cognitiva

responsáveis pelo direcionamento da cabeça à estímulos visuais e auditivos (azul). Sua atuação é
resultante da entrada de informações visuais provenientes da região superficial do colículo superior,
informações sobre os movimentos oculares dos núcleos que controlam a motricidade ocular e das
informações auditivas, provenientes de projeções do nervo troclear. Além de terminar em
interneurônios que atuam sobre motoneurônios na região cervical da medula espinhal, esse trato
termina também na formação reticular do bulbo, atuando, portanto em ajustes posturais globais. As
projeções do núcleo rubro são uma exceção dentro do conjunto de projeções do tronco encefálico
para a medula, já que elas terminam em regiões dorsolaterais do corno ventral (em vermelho).
(Adaptado de Carpenter, 1976)

Figura 10: Dois núcleos vestibulares, localizados na junção bulbo-pontina, atuam no controle

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 105


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

postural. Em vermelho, vemos as projeções do núcleo vestibular medial que se incorporam ao


fascículo longitudinal medial, com projeções terminando ipsilateralmente no núcleo espinhal do nervo
acessório (XI par craniano), que controla músculos do pescoço, e contralateralmente em regiões
ventromediais da medula espinhal cervical. O núcleo vestibular lateral (em azul), emite projeções que
terminam ipsilateralmente em regiões ventromediais de toda a extensão da medula espinhal. A
atuação conjunta dos aparatos vestibulares tem, portanto, conseqüências em toda a atividade dos
núcleos motores medulares responsáveis pela inervação de músculos do tronco e dos membros
(como o quadríceps e o gastrocnêmio) importantes para a postura. (Adaptado de Carpenter, 1976)

Figura 11: As formações reticulares pontina (em vermelho) e a bulbar (em preto) projetam
para motoneurônios gama tanto de regiões ventromediais como dorsolaterais, regulando o tônus
muscular. Quanto mais os motoneurônios gama são excitados, mais as fibras musculares intrafusais
ficam retesadas, e portanto, sensíveis a qualquer estiramento, de forma que o tônus muscular é alto.
De forma inversa, a falta de atuação desses núcleos diminui a atividade dos motoneurônios gama,
diminuindo o tônus muscular. (Adaptado de Carpenter, 1976)

O controle motor voluntário é fundamentalmente cortical. A atuação dos


córtices motores também segue a subdivisão funcional de sistemas ventromediais e
dorsolaterais, de forma que os neurônios que saem das regiões corticais podem
terminar diretamente nos motoneurônios da medula espinhal, ou indiretamente via
núcleos do tronco encefálico. Assim, temos que os córtices motores podem
controlar, em uma sinapse, a ativação de unidades motoras ao mesmo tempo em
que podem desencadear padrões posturais devido à sua atividade sobre os

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Neurociência Cognitiva

neurônios dos diversos núcleos do tronco encefálico. (Fig. 12).


Os córtices motores são divididos em uma área primária (M1), ligada a
aspectos básicos do movimento como força e direção, e áreas secundárias ou
associativas (córtex pré-motor, PMc, e área motora suplementar, SMA), ligadas ao
planejamento motor. As diversas áreas motoras corticais, além de conectarem-se
fortemente entre si por conexões córtico-corticais, recebem aferências importantes
do cerebelo e dos gânglios da base via tálamo. Essas estruturas subcorticais
participam do refinamento do controle motor principalmente por essa via cortical.
(Fig. 13) (Kandel, 2000)

Figura 12 – À esquerda, trato córtico espinhal ventral ou anterior. Os neurônios terminam na


região ventromedial do corno ventral da medula espinhal, atuando sobre a musculatura proximal dos
membros e axial do tronco. Sua atuação se dá de forma direta, com os neurônios axônios saindo do
córtex e fazendo sinapse com os motoneurônios da medula espinhal, ou por via indireta, fazendo
sinapses em neurônios do tronco encefálico (ilustrados aqui de forma genérica como núcleos
reticulares e vestibulares). A atuação direta e indireta é bilateral, ou seja, projeções de um hemisfério
cerebral terminam em ambos os lados da medula espinhal ou do tronco encefálico. À direita, as fibras

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

do trato córtico espinhal lateral terminam principalmente nos motoneurônios das regiões dorsolaterais
do corno ventral, permitindo o controle fino da ativação de unidades motoras de acordo com o
movimento desejado. Essa via controla ativamente a entrada sensorial: neurônios do próprio córtex
somatossensorial projetam para interneurônios medulares que atuam nos núcleos dorsais sensitivos
da medula espinhal, permitindo que determinadas informações sejam amplificadas e outras
reduzidas. (Adaptado de Kandel, 2000)

Figura 13 – Além das projeções para a medula espinhal, os córtices motores fazem alças
com o cerebelo e os núcleos da base via diversos núcleos do tálamo, de forma que essas estruturas
atuam de forma indireta no controle motor. Aqui vemos em verde claro o M1, anterior ao sulco central.
Anteriormente à ele, temos duas áreas pré-motoras: em azul a SMA, que se estende pela face
superior e medial da área 6 de Brodmann; em verde escuro a PMd, que ocupa a porção mais lateral
da mesma área. O tálamo está representado em roxo e os núcleos da base em azul. Ambas
estruturas são profundas, estão mostradas aqui por transparência. (Adaptado de Kandel, 2000)

Assim como na medula espinhal, os córtices motores têm organização


somatotópica, o que significa que áreas contíguas no córtex correspondem à
músculos próximos no corpo. Penfield estudou essa associação na década de 1950
estimulando eletricamente o M1 de indivíduos que fariam cirurgias de epilepsia,
verificando que, na face medial do sulco central, os estímulos provocavam
movimentos dos membros inferiores, e ao passo que conforme os estímulos eram
deslocados para a face lateral do giro pré central, progressivamente observava-se
movimentos do tronco, dos membros superiores e da face. (Fig.14) (Kandel, 2000)

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Neurociência Cognitiva

O homúnculo de Penfield é notório não somente por sua organização


somatotópica, mas também porque algumas áreas pequenas do corpo tem grande
representação cortical. Isso permite que os movimentos dessas áreas sejam
finamente controlados, e está relacionado ao tamanho das unidades motoras que
inervam um determinado músculo. Unidades motoras pequenas permitem grande
precisão na combinação do número total e na ordem em que fibras musculares são
recrutadas, mas ao mesmo tempo exigem um maior número de motoneurônios.
Essa relação se mantém no M1, de forma que podemos voluntariamente ativar com
precisão músculos da mão em movimentos finos de escrita e na manipulação de
ferramentas, assim como da boca e da língua na fala. (Kandel, 2000)

Figura 14: Homúnculo de Penfield. Neurônios do córtex motor primário tem distribuição
topográfica organizada e proporcional à inervação que fazem de cada musculatura. Neste corte
sagital do giro pré-central, observamos a distribuição de medial para lateral dos neurônios que se
dirigem às diversas partes do corpo. A musculatura da língua, da deglutição, da face e dos músculos
da mastigação é controlada por núcleos motores de nervos cranianos (XII, IX e X, VII, V,
respectivamente). As regiões laterais do M1 projetam para esses núcleos da mesma forma que para

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 109


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

núcleos motores da medula espinhal. (Adaptado de Kandel, 2000)

O registro elétrico de populações neurais do M1 de macacos acordados


permitiu observar que mais do que a organização somatotópica, o M1 codifica
alguns parâmetros básicos do movimento. Enquanto o macaco movia uma alavanca
em várias direções, observou-se que todas as células registradas disparavam
potenciais de ação, porém não na mesma freqüência para cada direção: cada célula
tinha uma direção preferencial. A somação proporcional do nível de atividade de
cada neurônio individualmente gerava então um vetor populacional de atividade,
esse sim correspondente ao vetor do movimento executado. (Fig. 15) (Kandel, 2000)

Figura 15 – A. Padrão de disparos de um único neurônio registrado no M1 de um macaco.


Para cada direção do movimento executado, observamos um padrão de disparo de potenciais de
ação particular, semelhante em várias tentativas. O neurônio registrado aumenta sua freqüência de
disparo em movimentos na direção de 90º a 225º, silenciando na faixa de 45º a 315º, e não
mostrando alteração alguma a 270º. B. Quando uma população de neurônios é registrada, podemos
fazer uma somação vetorial da atividade de cada neurônio de acordo com sua direção preferencial, e
assim obter uma direção resultante da atividade daquela população (seta cheia), que pode ser então
comparada com a o registro da direção do movimento (linha pontilhada). (Adaptado de Kandel, 2000)

Estudos mostraram também correlação linear entre a atividade elétrica (em


freqüência de disparos) de neurônios no M1 e a força muscular produzida. A
investigação anatômica desse achado mostrou que células que projetam
diretamente para motoneurônios da medula espinhal projetam, ao mesmo tempo,
para vários motoneurônios distribuídos não somente em unidades motoras de um

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Neurociência Cognitiva

mesmo músculo, mas de vários músculos diferentes e que sua freqüência de


disparo de potenciais de ação é correlacionada com a força produzida. Essas
células são divididas em duas populações distintas, uma cuja atividade acontece
durante o movimento (células fásicas) e outra na manutenção da força (células
tônicas). (Fig. 16) (Kandel, 2000)

Figura 16: A1 e A2 mostram padrão de atividade de um neurônio registrado durante


movimento de punho. Em A1, observamos o padrão de atividade de um neurônio fásico, cuja
freqüência de disparo apresenta um pico (primeira linha) durante o período em que há mudança no
torque articular (última linha). Em A2, observamos o padrão de disparo de um neurônio tônico, cujo
padrão de disparo aumenta na realização do torque e assim se mantém durante todo o período em
que a força é realizada. (Adaptado de Kandel, 2000)

As áreas pré-motoras tem papel essencialmente diferente do M1 na


organização do movimento. Enquanto o M1 é responsável pelo recrutamento de
motoneurônios medulares de forma a produzir movimento com determinada força e
direção, as áreas pré-motoras tem um papel fundamental no planejamento de
estratégias motoras complexas dado um objetivo. A SMA está envolvida com a
geração de seqüências de movimentos, como os que realizamos na manipulação de
ferramentas, enquanto que o PMc está envolvido na organização do movimento
dado um determinado estímulo externo. Um experimento no qual foram registradas
as três áreas do cérebro de macacos (M1, SMA e PMc) durante duas atividades
distintas mostra essas idéias claramente. (Fig. 17) (Kandel, 2000).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 111


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 17 – Gráfico de linhas: disparos de potenciais de ação registrados em um célula ao


longo do tempo. Cada linha é uma tentativa. Histogramas: distribuição dos disparos das várias
tentativas para cada momento de registro. Na primeira tarefa (acima), os macacos eram treinados
para apertar três botões conforme eles acendessem (estímulo visual) e na outra tarefa eles eram
treinados para apertar os botões em uma seqüência específica (abaixo). As colunas mostram a
atividade do mesmo neurônio registrado em M1 (colunas da esquerda), em PMd (colunas centrais) e
na SMA (colunas da direita) para ambas atividades. O registro elétrico do disparo dos neurônios
nessas três áreas mostrou que a célula de M1 teve o mesmo padrão de atividade nas duas tarefas, o
que é condizente com aspectos de força e direção característicos dessa área. Neurônio registrados
na SMA só ficaram ativos na tarefa com seqüência e o registrado em PMc, na tarefa guiada
visualmente. (Adaptado de Kandel, 2000)
Além da organização hierárquica, discutida até aqui, fazem parte do controle
motor duas alças chamadas paralelas, que envolvem o cerebelo e os núcleos da
base. Como vimos na Figura 17, ambos participam do controle motor via projeções
do tálamo para o córtex cerebral. A entrada dos circuitos cerebelares são núcleos
pontinos, e a saída são os núcleos cerebelares profundos. A estrutura de entrada
dos gânglios da base é o estriado, e a saída o globo pálido. Veremos como essas
duas alças atuam sobre o comportamento motor de forma a refiná-lo. (Kandel, 2000)
O cerebelo é filogeneticamente dividido em três partes de acordo com o tipo
de informação processada. O vestíbulocerebelo recebe aferências e envia
eferências para núcleos vestibulares e está relacionado aos ajustes de equilíbrio e
controle da motricidade ocular. O espinocerebelo recebe aferências medulares com
informações proprioceptivas, além de aferências de nervos cranianos com
informações visuais, auditivas, vestibulares e proprioceptivas da cabeça. Suas

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Neurociência Cognitiva

projeções atuam sobre os sistemas ventromediais no tronco encefálico e na medula


espinhal, participando dos ajustes posturais e da locomoção. Os hemisférios
cerebelares, também chamados de cérebrocerebelo por receberem aferências
exclusivamente do córtex cerebral, estão envolvidos com aspectos cognitivos do
movimento. (Fig. 18) (Kandel, 2000)

Figura 18 – O cerebelo pode ser divido de acordo com suas aferências (A) e eferências (B). O
vestíbulo cerebelo (lobo flóculonodular, destacado inferiormente da figura grande), recebe informação
cortical via núcleos pontinos e vestibular diretamente pelos núcleos vestibulares. Suas projeções para
os próprios núcleos vestibulares permitem que o cerebelo atue no controle do equilíbrio e dos
movimentos oculares. O espino cerebelo é formado pela região central (vérmis, em amarelo) e pela
parte medial dos hemisférios cerebelares. A região do vérmis recebe informações visuais, auditivas,
somestésicas e vestibulares, e suas eferências pelos núcleos fastigiais termina em vias descendentes
do córtex cerebral e do tronco encefálico que fazem parte do sistema ventromedial, atuando portanto
nos ajustes posturais antecipatórios. A região paravermiana recebe principalmente informação
proprioceptiva dos segmentos distais do corpo, e sua eferência via núcleos interpósitos atua nas vias
descendentes laterais, participando do ajuste dos movimentos distais. As regiões laterais dos
hemisférios cerebelares recebem informação exclusivamente do córtex cerebebral, e suas projeções
via núcleos denteados atuam em áreas pré-motoras e motoras primárias, assim como em outras
regiões do lobo frontal, estando envolvida, portanto, no planejamento motor. (Adaptado de Kandel,
2000)

Todas essas atuações são mediadas por uma mesma estrutura

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 113


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

citoarquitetônica que basicamente controla aspectos temporais da ação, realizando


ajustes nos movimentos enquanto esses acontecem. Isso é possível devido à
aferentação concomitante dos planos de movimento (corticais) e dos resultados
periféricos (entradas sensoriais visuais, vestibulares e proprioceptivas) da ação,
permitindo a detecção de erros entre as duas informações e o envio do sinal
corretivo para estruturas do tronco e para o próprio córtex cerebral. Além da
correção em tempo real do movimento, a capacidade plástica especialmente alta
das sinapses cerebelares parece ser fundamental para a aprendizagem motora.
(Kandel, 2000)
Os núcleos da base são um conjunto de estruturas que fazem parte de uma
alça tálamo-cortical na qual eles recebem aferências de todo o lobo frontal (através
do estriado – caudado e putâmen) e enviam eferências para todo o lobo frontal
(através de projeções do globo pálido interno para o tálamo e deste para o córtex
cerebral). Apesar de estabelecer essa alça com todas as regiões do lobo frontal, a
informação é processada de forma organizada topograficamente, permitindo que
cada alça seja processada independentemente. (Fig. 19) (Kandel, 2000)

Figura 19 – Organização topográfica do processamento na alça cortiço-gânglio-tálamo-


cortical permanece independente ao longo de toda a via. Em azul escuro, alça relacionada a
movimentos do membro superior; em azul claro, da face e; em verde, dos membros inferiores.
(Adaptado de Kandel, 2000)

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Neurociência Cognitiva

Os núcleos da base estão envolvidos na suavização dos movimentos,


podendo participar de forma excitatória ou inibitória no controle motor. As lesões dos
núcleos da base podem, na Doença de Parkinson, por exemplo, causar bradicinesia
(lentificação dos movimentos) e dificuldades em iniciar os movimentos. Outras
doenças que também acometem os núcleos da base, como a Doença de
Hungtington, podem causar um quadro oposto, onde há uma hipercinesia e a
presença de movimentos involuntários. Essas diferenças são devidas a um
desequilíbrio entre as duas principais vias dos núcleos da base: a via direta
(excitatória) e a via indireta (inibitória). (Kandel, 2000)
A ação é organizada em diversos níveis do sistema nervoso, de forma
hierárquica e paralela. A estrutura somatotópica é mantida ao longo de todas as vias
que atuam no controle dos sistemas motores, o que nos permite separar um sistema
dorsolateral, envolvido com os movimentos apendiculares, e um sistema
ventromedial, envolvido com a atividade da musculatura axial e o controle da postura
e do equilíbrio. Os programas motores dos movimentos voluntários são
fundamentalmente corticais e atuam sobre circuitos da medula e do tronco
encefálico. As alças paralelas cerebelares e dos núcleos da base contribuem para o
controle motor no aprendizado e na regulação fina do movimento. As patologias que
acometem os sistemas motores prejudicam amplamente a funcionalidade do
indivíduo, uma vez que todos os comportamentos só são possíveis pela ação.
(Kandel, 2000)

AGRADECIMENTO:
Ao Dr. Pedro Leite Ribeiro pela revisão do capítulo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 115


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Decisão

Camile Correa1
Marcelo Arruda2
1
Laboratório de Neurociência e Comportamento
2
Laboratório de Ciências da Cognição
1
camile.mc.correa@gmail.com
2
marcelo_arruda@yahoo.com

A pesquisa sobre tomada de decisões vem há muito intrigando cientistas de


muitas áreas do conhecimento, porém apenas recentemente tem havido tentativas
de formalização de experimentos e modelos voltados a esse assunto.
A proposta deste capítulo é abordar o tema da tomada de decisão por meio
de várias perspectivas. Os subitens têm uma lógica interna e permitem que o leitor
aborde o assunto que mais lhe interessa, na ordem que desejar. Assim, iniciamos
com uma pequena revisão de literatura, adicionada de considerações teóricas e
exemplos sobre conceitos fundamentais para o estudo da decisão, como “utilidade”
e “risco”. Passamos ao estudo de suas medidas, cuja abordagem é imprescindível
para planejar métodos de pesquisa em decisão. Na sequência revisamos estudos
sobre correlatos neurofisiológicos, de forma a enfatizar o substrato neural
responsável pelos comportamentos. A metade final do capitulo destina-se à
apresentação e aprofundamento do método de escolha binária, o que permitirá a
discussão de experimentos de decisão com humanos e animais.

1- Introdução

Tradicionalmente, a ênfase dos estudos sobre decisões residia na prescrição


das melhores estratégias de ações possíveis em situações controladas. Entretanto,
segundo Hastie (2001) apud Tonetto et al (2006), a ênfase tem sido modificada,
passando a incidir sobre os métodos utilizados em escolhas com informações não
confiáveis e incompletas, em ambientes complexos e suscetíveis a rápidas
mudanças, e levando em conta o processamento mental limitado.

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Neurociência Cognitiva

O tema da decisão acompanha as produções da humanidade tanto nas artes


como na filosofia e ciência, chegando às abordagens clínicas e experimentais do
tema. A pesquisa básica da chamada “decision making” vem tomando corpo com a
realização de experimentos associados a estudos da neurobiologia (vias de
neurotransmissores, correlatos anátomo-funcionais) principalmente em ratos e
primatas não humanos, utilizando modelos matemáticos e probabilísticos para a
análise dos dados (e.g., Körding e Wolpert, 2006; Kepecs, 2008). Recentemente,
pesquisas clínicas têm se debruçado sobre o tema e suas correlações com
desempenho de tarefas que envolvem decisão (distratibilidade, perseveração) em
populações com alterações funcionais em áreas específicas do sistema nervoso e
mesmo em grupos de pacientes psiquiátricos. (e.g., Bechara, 2001; 2004; Cavedini,
2002; Schurman, 2005).
Buscar padrões e atribuir-lhes significados faz parte da natureza humana. A
interação constante com um meio dinâmico faz da sensibilidade às seqüências
estruturais do meio uma dimensão crucial do sistema cognitivo, uma vez que
assegura a vantagem da previsibilidade e a extrapolação de eventos.
Em tomada de decisões, sejam simples ou complexas, o sistema nervoso
avalia as variáveis que se colocam dentre as alternativas possíveis, geralmente de
forma a maximizar os ganhos e minimizar as perdas. Assim, a neurociência vem
desenvolvendo métodos para avaliar a contribuição da cognição, emoção, atenção e
memória, além de outras variáveis, partindo do pressuposto de que a decisão não é
uma simples escolha entre alternativas, mas um processo dependente da
experiência do indivíduo e de sua capacidade de identificar os principais fatores da
situação na qual se deve decidir. Esses estudos vêm concluindo que o processo,
tanto em humanos quanto em outros animais, é modulado não só pelo contexto
ambiental, mas também pelo estado do organismo.

2- Incerteza: perspectivas frequentista e subjetiva

A tomada de decisões sob incerteza trata de problemas de decisão cujas


consequências não são inteiramente previsíveis. Uma forma de compreender a
probabilidade de ocorrência de um evento se dá pela razão entre o número de vezes
em que ele ocorre e o número de repetições independentes da mesma situação em

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

que ele ocorreu. Em geral, espera-se que quanto maior o número dessas repetições
independentes, mais precisa é a razão calculada, que reflete a probabilidade de
ocorrência do evento. Por exemplo, ao se lançar um dado várias vezes, pode-se
verificar a frequência com que se obteve cada face dentro do número total de
resultados obtidos, e interpretar essa frequência como a probabilidade de obtenção
de cada face, ou a probabilidade de cada evento. Essa definição de probabilidade,
amplamente reconhecida e utilizada, é conhecida como interpretação frequentista
das probabilidades.

No entanto, em alguns casos, como por exemplo ao se realizar o prognóstico


de um paciente, a intepretação frequentista da probabilidade está relacionada à
existência de uma população de pessoas na mesma condição, e que desenvolveria
a mesma condição que a do paciente sobre o qual se faz o prognóstico. Dessa
forma, é assumido que não só o mesmo quadro clínico tenha ocorrido em outros
pacientes, mas que os pacientes são, para os fins em questão, repetições
independentes do mesmo evento. Ou seja, a interpretação frequentista pode
depender de algumas suposições que nem sempre são as mais convenientes no
contexto de um problema de decisão. Num caso clínico, a interpretação frequentista
pode ser muito importante na análise de dados de vários pacientes, em que se
pretende determinar o padrão geral, ou uma tendência central. No caso do
prognóstico de um indivíduo, parte-se do geral para o específico. Pode haver
informações suficientes sobre o paciente para que se tenha uma expectativa em
torno de qual será o seu desvio em relação à tendência central observada. Neste
caso, o prognóstico com base na experiência de um médico e nas evidências
circunstanciais do estado do paciente podem fornecer uma estimativa melhor do que
a frequentista.
Dentro dessa perspectiva, numa tentativa de tratar a idéia de probabilidade de
uma forma mais geral, Ramsey e de Finetti (de Finetti, 1937) criaram, na década de
30, o conceito de probabilidade subjetiva. Nesta forma de interpretação, a
probabilidade é compreendida não mais como uma propriedade física de um dado
fenômeno, mas como uma propriedade do agente decisor (aquele que toma a
decisão).
A consequência desse tipo de interpretação de probabilidade é que ela
permite que as crenças individuais em torno da ocorrência de um evento sejam
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Neurociência Cognitiva

válidas contanto que respeitem as condições da probabilidade como conhecemos.


Ou seja, a teoria das probabilidades não fornece nenhuma razão a priori para que
qualquer concepção individual seja inválida, contanto que seja coerente. Por
exemplo, antes do início de uma partida de futebol, se o palpite de um torcedor
sobre as chances de vitória de seu time é de 70%, contanto que a sua estimativa
para os outros resultados (empate e derrota) seja de 30%, de forma que a soma dos
resultados possíveis seja 100%, não há razões teóricas para a rejeição deste palpite
a priori. Com uma moeda, se alguém crê que a proporção de caras e coroas seja 3:1
(lê-se três para um), não há razão a priori para que se rejeite esta possibilidade.
Dessa forma, a probabilidade subjetiva permite que se aplique todo o conhecimento
do cálculo e da teoria de probabilidades não só para a compreensão de um
fenômeno natural, mas para avaliar as concepções que nós temos sobre o
fenômeno, abrindo-se assim a possibilidade de que existam diferentes concepções.
A probabilidade subjetiva permite que se trate do problema de decisão de
forma a abordar o ponto de vista, ou as propriedades, de um agente decisor, e
dessa forma consiste numa forma de lidar com o problema de como os agentes
representam a incerteza num problema de decisão. Desse modo, contanto que o
agente decisor gere idéias coerentes, ele é livre para ter suas idéias sobre os
eventos observados. Contudo, isso requer que ele seja capaz de representar de
alguma forma o problema de decisão, avaliando as circunstâncias, criando sua
concepção, e então avaliando as possíveis decisões para que possa adotar uma
ação.

3- Utilidade

A existência de uma etapa de avaliação está relacionada à capacidade do


agente decisor em atribuir valores às situações e suas possíveis consequências, de
forma que possam ser comparadas no processo de decisão, e então se opte pela
melhor ação. No entanto, quais valores seriam esses, e como eles poderiam ser
representados para que se possa criar hipóteses a serem testadas sobre como se
toma uma decisão? Esse desafio é bastante grande na medida em que nenhum
valor conhecido, seja de natureza física ou não, reflete todos os fatores envolvidos
numa decisão.

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Uma possibilidade de tratamento dessa questão é a Teoria da Utilidade. Ela


foi proposta em 1738, por Daniel Bernoulli (Bernoulli, 1738), e ganhou uma base
matemática bastante sólida no século passado. A idéia principal desta teoria é que o
valor abordado pelos problemas de decisão pode ser pensado com base na relação
de preferência que o agente decisor tem com os possíveis resultados do problema.
A proposta de Bernoulli tratava, mais especificamente, do problema de decisão
envolvendo dinheiro, em que nem sempre a decisão adotada era a que levava o
agente decisor a maximizar o seu lucro, mesmo sendo esta decisão totalmente
consciente. Bernoulli propôs que as decisões seriam pautadas na utilidade que
determinado valor tinha para aquele sujeito. A utilidade de uma quantia bastante
modesta pode ser pequena para um sujeito rico, mas pode ser relativamente maior
para um sujeito menos afortunado.
Em situações de incerteza, pode-se calcular o valor esperado (VE) de uma
situação, calculando-se a somatória dos produtos entre resultado (z) (como o valor
do ganho financeiro) com a probabilidade do evento correspondente àquele ganho
(p(z)), para todos os resultados possíveis, segundo a equação abaixo:

Esta é uma forma de avaliar as situações para decidir entre opções em


condições de incerteza.A fim de maximizar o ganho financeiro deve-se preferir um
jogo A à um jogo B se VE[A] > VE[B].
De forma semelhante, pode-se calcular a utilidade esperada (UE) das
mesmas situações de decisão, calculando-se o valor da utilidade de cada resultado
possível, conforme a equação abaixo:

Onde u(z) é a função utilidade, que representa a utilidade dos valores


referentes aos resultados possíveis Z, de forma que um jogo A é preferido em
relação a um jogo B se UE[A] > UE[B].

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Neurociência Cognitiva

Voltando ao exemplo em que há dois sujeitos, um rico e um menos


afortunado: as quantias que o segundo pode julgar significativas podem ser muito
menos expressivas para o primeiro, o que indica que eles têm funções utilidade
diferentes sobre o dinheiro. Ao proceder segundo a análise da utilidade esperada,
por mais que as probabilidades sejam iguais para os dois indivíduos, e os valores
financeiros correspondentes à obtenção dos resultados sejam iguais para todos os
resultados possíveis, a utilidade esperada terá resultados diferentes para cada
sujeito. Em uma condição em que a cada um cabe escolher entre um jogo A e um
jogo B, por mais que o valor financeiro esperado para ambos os jogos seja
independente do decisor e indique um jogo preferível em relação ao outro, a decisão
baseada na utilidade esperada pode indicar o jogo A como preferível ao B para um,
e o oposto para o outro.
Dessa forma há, um caráter subjetivo na utilidade, que corresponde a estados
internos do agente decisor Esse é um aspecto muito relevante da teoria, e reflete a
sua preocupação inicial, como pode ser notado no trabalho do próprio Bernoulli
(Bernoulli, 1738):

“no valid measurement of the value of risk can be given without consideration
of its utility, that is the utility of whatever gain accrues to the individual ”

4- Risco

Imagine agora dois jogos. No primeiro, o ganho é certo, e no valor de um


milhão de reais. Já no segundo, com a probabilidade de 0,5 pode-se ganhar três
milhões, e com a mesma probabilidade não se ganha nada. Por mais que o valor
esperado do primeiro jogo (um milhão), seja menor que o do segundo (um milhão e
meio), grande parte das pessoas opta por jogar o primeiro se tiverem que escolher
entre um e outro. Para que essa preferência seja justificada, a utilidade de um
milhão deve ser maior do que metade da utilidade (probabilidade = ½) de três
milhões (vide fórmula de utilidade esperada). Isso é possível porque a função
utilidade não é tal que u(x) = x, Portanto, a função utilidade do sujeito atribui a um
milhão um valor do que atribuiria se u(x) = x. Essa é a condição que define o
comportamento de aversão a risco (Parmigiani, 2009). Quanto maior a diferença

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

entre o valor de utilidade do sujeito e o valor de utilidade dado por u(x) = x, que é
nada mais do que o valor financeiro esperado do jogo, maior a aversão ao risco.
O risco é uma questão central no processo de decisão, e, como mostrado
acima, pode-se quantificá-lo em termos de utilidade. Desta forma pode-se
determinar o quanto estamos dispostos a pagar para não correr riscos. A teoria de
Von Neumann-Morgenstern, que define toda a teoria da utilidade esperada em
termos axiomáticos, torna bastante evidente esta questão. Há uma série de
questões relacionadas a esse teorema, e da prova dele pode se chegar a
conclusões importantes, mas que fogem do escopo deste texto. Em resumo, o que a
teoria (exemplo e explicação adaptado de Resnik, 2000) define é que dada uma
condição em que o resultado A é preferível a B, e este a C (A >p B >p C), dado que
B é um evento certo, existe uma probabilidade p tal que a utilidade esperada do
evento certo B é igual à utilidade esperada da condição em o resultado A ocorre com
probabilidade p, e C com probabilidade 1-p.

De acordo com o teorema, se perguntarmos a um sujeito qual o valor de p


que ele definiria tal que fosse indiferente entre o jogo J1 e J2, e sua reposta fosse,
por exemplo, p = 0.75, poderíamos concluir que numa escala de preferências onde
C é o valor mínimo e A é o valor máximo, o valor B estaria em 0.75 do intervalo entre
C e A. Essa escala de preferências é a escala de utilidade, uma vez que a função
utilidade atribui a cada valor, financeiro, por exemplo, um valor de utilidade
correspondente. Mas o que quer dizer um valor de utilidade?

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Neurociência Cognitiva

A utilidade associada a cada resultado possível em um problema de decisão


não pode ser somente um número, deve representar não só a ordem, ou o ranking
entre as preferências, mas deve refletir uma escala, ou seja, estabelecer
preferências em função das utilidades esperadas. Deve ser análogo a comparar
distâncias numa reta numérica, onde os comprimentos relativos (os intervalos) e os
valores são representativos das preferências do decisor, e no conjunto, representam
a sua função utilidade.

5- Escalas

Há diferentes tipos de escalas. Faz-se necessária uma breve explicação


sobre elas para podermos retomar a questão das medidas de utilidade.
Uma das escalas mais simples é a ordinal, em que os valores representam a
ordem, por exemplo, das preferências num conjunto de resultados possíveis. Num
conjunto de sabores de sorvete de um cardápio S = {creme, chocolate, morango},
pode-se atribuir um número relativo a essas possibilidades U= {3, 2, 1}, e então o
sorvete de creme seria preferido ao de chocolate, pois 3 > 2 . Ou então, se esses
valores representam diretamente a ordem de preferência, então o de chocolate é
preferível ao de creme.
Já na escala intervalar, o que importa são os intervalos entre os valores.
Assim, o valor propriamente dito não possui necessariamente relação direta com a
natureza do fenômeno observado. Por exemplo, nas escalas de temperatura Celsius
e Fahrenheit, o valor zero não corresponde a “ausência de temperatura”. No entanto,
valores maiores de temperatura correspondem a um maior grau de agitação das
moléculas, e uma diferença de temperatura de 10 ºC corresponde ao dobro de uma
diferença de 5 ºC. Ou seja, os intervalos entre valores podem ser comparados
diretamente dentro da escala, pois representam quantitativamente a natureza do
fenômeno, Além disso, nesse tipo de escala, qualquer transformação linear gera
uma escala em que os intervalos são equivalentes aos da original. Por exemplo, a
transformação entre Celsius (c) e Fahrenheit (f) segundo a equação:

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Existe ainda a escala de razão que possui outro tipo de métrica. Essas
escalas apresentam duas peculiaridades: (i) elas têm um valor zero natural, por
exemplo, 0 metros, (ii) as escalas representam uma razão entre o observado e um
valor padrão de medida, por exemplo 5 metros significa cinco vezes um metro que é
uma unidade padrão. No caso deste tipo de escala, uma equivalente pode ser
produzida pela multiplicação de uma constante, exemplo f(x) = 5 * x, e não por
qualquer transformação linear como no caso da escala intervalar. Exemplos deste
tipo de escala são as unidades métricas como o metro e jardas. Em ambas escalas,
o zero tem um mesmo significado, são correspondentes. Além disso, a
transformação entre elas se dá de acordo com uma constante de multiplicação ( 1
jarda = 0,9144 metros ).
Para utilidade se utiliza a escala intervalar. Desta forma, não se pode fazer
afirmações baseadas na aritmética usada na escala de razão como estamos
acostumados. Por exemplo, se um valor de utilidade é o dobro de outro, a utilidade
não é necessariamente o dobro da outra, pois numa outra escala equivalente, dada
por f(x) = 5 * x + 2, o segundo valor pode não ser o dobro do primeiro.
O que a escala de utilidade revela é ser uma escala das preferências de um
agente decisor. Dessa forma, comparar valores de utilidade esperada é algo análogo
a comparar intervalos (distâncias) dentro de uma mesma escala. Portanto, a teoria
da utilidade é uma ferramenta que permite colocar as subjetividades relativas à
preferência entre diferentes condições dentro de uma lógica formal, permitindo a
utilização de algo de natureza subjetiva em problemas de decisão, inclusive sob
condições de incerteza, dado que está totalmente em acordo com a teoria da
probabilidade.

6- Críticas à teoria da utilidade

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Neurociência Cognitiva

Apesar do seu valor matemático, várias críticas são feitas à teoria da utilidade
quanto à sua capacidade de explicar certos comportamentos.
Um exemplo é o experimento popularizado por Tversky e Kahneman, em que
sujeitos devem escolher uma estratégia para lidar com o início de uma epidemia. A
estratégia A salva 200 pessoas de 600, enquanto a estratégia B pode salvar todos
ou ninguém. Quando o problema é colocado desta forma, a maioria dos sujeitos
escolhe a estratégia A. Entretanto, quando a estratégia A é descrita como uma ação
que mata 400 pessoas de 600, a maioria dos sujeitos escolhe a estratégia B
(Tversky e Kahneman, 1981). Vale notar que o problema é exatamente o mesmo, as
probabilidades associadas a cada evento podem ser dadas como iguais. No entanto
a resposta varia radicalmente em razão de como o problema é posto.
Com esta perspectiva Tversky propôs uma teoria diferente da utilidade,
chamada “Prospect Theory”, em que o valor de um resultado possível de um
problema é avaliado com base num valor de referência. A idéia de Tversky é deixar
evidente o que ele chamou de framing, o fato de um mesmo problema posto de uma
forma diferente gerar outra decisão. O nome framing proposto sugere que o
fenômeno pode ser interpretado como algo parecido a um efeito de ilusão de ótica,
em que há percepções diferentes sobre um mesmo percepto, sobre uma mesma
imagem. Outra situação em que este comportamento é observado nos problemas de
decisão é no caso da punição altruística, quando o indivíduo deixa de ganhar para
punir alguém que teve um comportamento socialmente reprovável.

7- Decisões adaptativas

Para que se escolha é necessário não só um funcionamento íntegro e


orquestrado do sistema nervoso, como a capacidade de selecionar informações e
estímulos aos quais o organismo é exposto e aos quais deve reagir - optando.
Campos, Santos e Xavier (1997) defenderam que regularidades ambientais
presentes ao longo da evolução das espécies possibilitaram a seleção de sistemas
adaptados e otimizados para esses ambientes, possibilitando a emissão de
respostas comportamentais antecipatórias. Porém, a complexidade ambiental teria
contribuído também para a seleção de mecanismos mais flexíveis, envolvendo o
acúmulo de informações sobre o ambiente. Mesmo bactérias, como a E. coli
apresentam sistemas sensórios voltados à detecção de nutrientes, fontes de

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

energia, toxinas e a capacidade para armazenar e avaliar as informações vindas


desses receptores. O resultado final da integração sensorial, no comportamento de
busca por nutrientes é a decisão, por exemplo, de continuar nadando numa mesma
direção ou mudar de rumo. Assim, características fundamentais de integração
cognitiva, tais como integração sensorial, memória, tomada de decisão e controle
comportamental podem ser encontradas em organismos muito simples. (Allman,
1999).
Além disso, a flexibilidade comportamental de diferentes grupos de animais
parece estar relacionada com a quantidade relativa de tecido nervoso
(proporcionalmente ao tamanho corpóreo). Em vertebrados, as porções anteriores
do sistema nervoso, relacionadas a manipulação e integração de informações,
memória, antecipação, atenção, e produção de respostas, variam enormemente,
sendo maiores nos primatas, particularmente em seres humanos (Campos, Santos e
Xavier, 1997). Apesar de estar presente em todas as espécies de mamíferos, o
córtex frontal sofreu grande expansão ao longo da evolução dos primatas,
especialmente nas regiões mais anteriores, contribuindo para o grande
desenvolvimento de capacidades cognitivas (Gazzaniga et al., 2006). Não
surpreende, portanto, seu envolvimento em processos de tomada de decisões. A
função dessa classe de comportamentos se estabelece na relação direta de nossas
ações, pois são elas as que sofrem seleção ao agirmos sobre o meio de forma
adaptativa.

8- Fisiologia das decisões

Percepção, emoção, atenção e memória, entre outras funções cognitivas,


interferem nesse processo, dependente da experiência prévia do indivíduo, de sua
capacidade de identificar os principais fatores da situação, de quais desses fatores
são ressaltados e valorizados, além da afetividade relacionada à decisão.
Que áreas, circuitos e vias de neurotransmissão são recrutados quando os
organismos são convocados a decidir? Doya (2008) concluiu que a expectativa de
um grande reforço motiva a escolha por ações que envolvem custos elevados e que
este comportamento é influenciado pelos níveis de dopamina no córtex cingulado
anterior. Além disso, se o protocolo é baseado na incerteza sobre os resultados de
uma ação, escolhas por comportamentos arriscados e exploratórios seriam
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Neurociência Cognitiva

promovidos, envolvendo a noradrenalina e o córtex órbito-frontal. Por outro lado,


ambientes previsíveis facilitam a escolha por grandes reforços mesmo quando
apresentados após longos intervalos em relação ao momento da escolha, sendo
esta resposta, dependente dos níveis de serotonina no estriado dorsal e córtex pré-
frontal.
Em 2004, Romo e colaboradores investigaram os processos de tomada de
decisões por meio de tarefas de discriminação vibrotáctil em macacos e a
participação do córtex pré-motor ventral na decisão. Para eles haveria a codificação
de estímulos iniciais, mantidos na memória operacional, e a codificação de estímulos
posteriores (a serem comparados aos traços de memória representando os
estímulos iniciais), sendo o resultado comunicado ao sistema motor para emissão da
resposta. Entretanto, para além disso, em 2001, um artigo de Romo e Salinas
concluía que a atividade dos neurônios do córtex pré-motor ventral não era
suficiente para explicar a tomada de decisões, sendo recomendável a investigação
da atividade de outras áreas corticais potencialmente envolvidas com a
complexidade das escolhas
Em humanos, Dehaene e Changeux (2000) investigaram de que forma
selecionamos ou rejeitamos regras baseados na avaliação de sinais de recompensa
e como somos capazes de manter ou suprimir representações ativas, dependendo
de sua adequação em determinado momento; essas funções parecem depender da
participação do córtex pré-frontal. O modelo proposto por esse grupo foi capaz de
prever padrões de ativação espaço-temporais nos córtices cingulado anterior e pré-
frontal dorsolateral, revelados por imageamento funcional por ressonância
magnética, durante o desempenho de tarefas cognitivas e sua relação com
mecanismos de recompensa e processamento de erros.
Num trabalho de 2008, Rushworth e Behrens revisaram o modelo de
aprendizagem por reforçamento tradicionalmente associado à função estriatal e à
dopamina, e alertaram que, embora seja capaz de prever escolhas em algumas
situações, ele não é capaz de explicar fatores como incerteza, riscos, valores e
custos, extremamente pertinentes ao estudo das escolhas humanas. Os autores
enfatizam a participação dos córtices cingulado e pré-frontal no processo de tomada
de decisões.
Em estudo similar, Behrens et al. (2007) postularam que pessoas são
capazes de ajustar sua tomada de decisões a “estimativas de volatilidade”

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

(transição/mudança). Os autores investigaram se pessoas são capazes de seguir as


estatísticas vinculadas ao valor reforçador do meio, adaptando suas taxas de
aprendizagem. Os autores observaram que essas estimativas correlacionam-se com
um aumento da atividade no córtex cingulado anterior, dependendo do resultado de
cada tentativa, e enfatizaram que é necessário atualizar constantemente as
estatísticas referentes ao meio de modo a escolher apropriadamente.
Rangel et al 2008 propôs organizar as questões relativas à decisão numa
estrutura que permitisse a integração de diversos conhecimentos de forma a
formular testes de hipóteses mais objetivos. Assim, foram colocadas três questões
como organizadoras dos problemas de decisão: os tipos de computações envolvidas
e realizadas pelo sistema nervoso, os sistemas responsáveis pela atribuição de
valores as múltiplas possibilidades, e as formas de modulação desses valores
atribuídos.
Foram propostas cinco computações envolvidas com a tomada de decisão:
1) a representação do problema, o que inclui a identificação dos estados
internos (como fome) e externos (como nível de alerta), e de potenciais ações a
serem adotadas nessas circunstâncias (exemplo: perseguir a presa);
2) avaliação das diferentes ações possíveis por meio da atribuição de valores
aos seus respectivos resultados, de forma que esses valores sejam preditores
confiáveis das consequências de cada ação possível;
3) a comparação dos valores das possíveis ações;
4) após a realização da ação, o cérebro mede o quão desejável foram os
resultados obtidos;
5) a utilização dessas medidas como feedback para o aprendizado e melhora
do desempenho nas próximas decisões.

Essas etapas podem não corresponder necessariamente aos


processamentos realizados no cérebro. Há uma série de discussões acerca de cada
uma dessas computações. No entanto, a divisão em etapas (dos processos
separados, porém em contextos) produz hipóteses testáveis, como a de que o
cérebro codifica sinais de valores relacionados à expectativa de cada resultado, e de
que processa um sinal correspondente ao valor de cada ação sob consideração.
Há uma série de considerações e problemas envolvidos em cada uma das
etapas, como, por exemplo, o que determinaria quais ações são possíveis na etapa
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Neurociência Cognitiva

de representação. Propõe-se que mecanismos do sistema nervoso envolveriam três


sistemas responsáveis por atribuir valores aos possíveis resultados, segundo cada
uma das ações possíveis:

1 )Sistema pavloviano
Atribui valores a um conjunto pequeno de comportamentos que são respostas
apropriadas, em termos evolutivos, ao estímulo. Podem parecer repostas
automáticas, no entanto, como podem ser interrompidas por outros sistemas
cerebrais, a elas devem ser atribuído um valor, permitindo que elas possam
"competir" com outras ações, favorecidas por outros sistemas.
Respostas ativas e passivas relacionadas a estímulos negativos parecem
corresponder a uma organização espacial específica ao longo do eixo dorsal da
substância cinzenta periaquedutal. Para respostas relacionadas aos valores que lhe
foram atribuídas, aparentemente estão envolvidas a amídala, o estriado e o córtex
orbitofrontal. A atividade no núcleo central da amídala, com suas ligações com os
núcleos basais e o nucleus accumbens, parece estar envolvida em respostas
preparatórias, enquanto o complexo basolateral da amídala, com suas conexões
para o hipotálamo, parece estar relacionado a respostas mais específicas. Essas
especificidades em relação às áreas da amídala vão de encontro ao fato de que os
núcleos basais estão relacionados ao desempenho de funções simples, cujo
programa motor é automático. Em contrapartida, o hipotálamo está relacionado,
entre outras funções autonômicas e endócrinas, a processos relacionados ao estado
motivacional.

2) Sistema de habituação
Segundo esse sistema pode haver o aprendizado, através de treino, da
atribuição de valores a um número grande de ações possíveis. Entre suas
características estão: (i)aprendizado da atribuição de valores à associações de
estímulos e suas respectivas respostas na base da tentativa e erro; (ii) em condições
suficientes é capaz de aprender a atribuir valores às expectativas de recompensa;
(iii) aprendem relativamente devagar (na base da tentativa e erro) e se adapta
devagar à alterações na situação de decisão; (iv) baseia-se na generalização.
Estudos sugerem a participação crucial do estriado dorsolateral nos
comportamentos relativos a hábitos. Além disso, foi sugerido que a representação

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

de associações entre estímulo e resposta é codificada em processos de loops entre


cortéx e tálamo.

3) Sistema dirigidos a objetivos


Esse sistema atribui valores às ações possíveis estabelecendo uma relação
entre uma ação e sua consequência e, posteriormente, avaliando os ganhos
proporcionados por suas respectivas ações. Em condições ideais, o valor atribuído a
uma ação corresponde à expectativa da recompensa que ela implica. Uma
característica importante é que ela é mais adaptável, mais dependente de um
contexto, no sentido que o valor que ele atribui a uma ação pode variar segundo as
condições internas e externas, sejam elas subjetivas (a aversão a risco, incerteza),
ou objetivas (a saciedade altera o valor atribuído ao ato de se alimentar). Para a
computação necessária, o sistema deve ser capaz de guardar associações entre
ações e seus resultados, e entre resultados e valores. Quanto à primeira
associação, estudos de lesões em ratos sugerem haver a participação de porções
dorsomediais do estriado, e do córtex orbitofrontal na segunda. Há evidências da
participação da amídala e do tálamo, que juntamente ao córtex pré-frontal formam o
loop associativo entre córtex e núcleos da base.

A terceira estrutura na organização proposta por Rangel diz respeito ao efeito


modulador de condições externas sobre os valores atribuídos a possíveis resultados,
e às possíveis ações. O contexto da situação em que se o problema de decisão é
posto atua sobre os valores que qualquer um dos três sistemas pode atribuir a uma
ação. Vale apresentar o papel apontado para o risco e incerteza no processo
decisório.

Decisões envolvem algum grau de risco na medida em que as associações


entre uma ação e os seus resultados são probabilísticas. Para tomar uma boa
decisão, o sistema deve levar em consideração a incerteza em torno das diferentes
conseqüências de uma ação. A teoria da utilidade e a "prospect theory" fornecem
uma visão de como os riscos e a incerteza são considerados, e de quais
computações são efetuadas pelo cérebro para integrar esses fatores.
Recentemente, registros de atividade por ressonância magnética encontraram no
estriado e no cortéx orbitofrontal um padrão de atividade consistente com a
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Neurociência Cognitiva

presença de sinais referentes ao cálculo de valores esperados, e consistentes com o


risco.
Numa situação em que apenas um sistema atribuísse valores às ações
possíveis em termos dos resultados, o valor daquelas (como o valor esperado, ou a
utilidade esperada) seriam comparados para determinar a ação a ser adotada. Com
a possibilidade de interação desses sistemas, cada ação poderia ainda ser avaliada
segundo cada um dos três sistemas. Sendo assim, alguns comportamentos
intrigantes em decisões difíceis podem surgir de conflitos entre sistemas de
avaliação.

9- Das áreas cerebrais para os fenômenos cognitivos: memória e


atenção

Memória e atenção são processos cognitivos didaticamente separados,


porém indissociáveis apoiadores do processo de decisão. Ora, com o acúmulo de
registros sobre ocorrências anteriores – memórias no sentido amplo da palavra- e a
identificação de regularidades na ocorrência desses eventos, o sistema nervoso
passa a gerar previsões (probabilísticas) sobre o ambiente. Xavier, Saito e Stein
(1991) sugeriram que a antecipação, com base na identificação de regularidades
ambientais passadas, permite reagir mais prontamente à estimulação esperada, pois
o organismo direciona atenção para os setores do ambiente que são relevantes.
A memória operacional, um tipo de memória temporária, contém
representações ativas do organismo em seu ambiente atual, com seus objetivos em
curso e com estruturas de conhecimentos explícitos (declarativos) já existentes,
ativadas por entradas perceptivas ou por outros processos dos quais não se tem
consciência.
Helene & Xavier (2007) postulam que, como produto de seu funcionamento, a
memória pode ser vista como base fundadora dos processos de formação, de um
vasto conjunto de comportamentos adaptativos, dentre eles, a decisão.
Já a orientação da atenção pode ser considerada um processo
fundamentalmente decisório. Desde os níveis mais elementares de tomada de
decisão até as escolhas mais complexas, o ato de decidir envolve o engajamento,
consciente ou não, de um foco atencional. Decidir envolve seleção e processamento
preferencial de alguns estímulos em detrimento de outros. Os processos que levam

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

a esse processamento dependem não apenas da história prévia do sistema, isto é,


suas memórias, como também de expectativas geradas com base nelas sobre
regularidades passadas e planos de ação.

10- Modelo de escolha binária

Eventos do cotidiano frequentemente são percebidos como sequencias


binárias alternando ao longo do tempo. Os nascimentos numa família são vistos
como sequencias de meninas e meninos; a previsão do tempo, como sequencias de
dias ensolarados e chuvosos; o mercado, como tendo períodos de altos e baixos e
jogos, por sua vez, como sequencias de vitórias e derrotas. Oskarsson et al (2009).
Um exemplo de decisões tomadas frente a sequências é o modelo de
escolha binária. Assim, em experimentos envolvendo escolhas, em que o indivíduo
deve escolher entre dois lados – um que oferece 70% das recompensas e o outro
30%, aleatoriamente, ao longo das tentativas – duas estratégias de resposta podem
surgir.
Na primeira, o indivíduo opta 70% das vezes pelo lado que recompensa 70%
das vezes e opta 30% das vezes pelo lado que recompensa 30% das vezes, ou
seja, “iguala as frequências” de escolhas em relação às ofertas de reforço em cada
lado (“frequency matching”). Ao adotar essa estratégia o indivíduo recebe 70% x
70% (assim 49%) + 30% x 30% (assim 9%) dos reforços; portanto, no conjunto,
recebe 58% dos reforços.
Na segunda estratégia de resposta o indivíduo opta 100% das vezes pelo
lado que recompensa 70% das vezes; portanto, recebe 70% dos reforços, o que
representa uma “otimização” das respostas.
Nesse tipo de tarefa os humanos também fazem “frequency matching”,
provavelmente como fruto da busca por padrões. Essa estratégia vem intrigando
cientistas desde 1930 por pelo menos duas razões: é uma estratégia não otimizada
para sequencias aleatórias e pelo fato de, em contrapartida, muitas outras espécies
exibirem a maximização – estratégia ótima (Hinson & Staddon, 1983, apud Wolford
et al. 2004).
Ora, frente a eventos aleatórios, a estratégia de tentar identificá-los é em vão.
Entretanto, em séries de escolhas probabilísticas, está posto um contexto cuja
observação pode levar à busca por tendências explicativas que ajudem a predizer
Pág. 132 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

eventos posteriores. O FM, portanto, refletiria a busca por padrões. (Yellott, 1969,
apud. Wolford, Miller e Gazzaniga, 2004).

11- O Frequency Matching não é padrão absoluto

Apesar de o FM ser um achado comum, está longe de ser universal, e a


receita exata para produzi-lo permanece desconhecida. (Shanks, Tunney &
McCarthy, 2002). Entretanto, aparentemente dependendo de fatores intrínsecos ou
mesmo do contexto experimental, assiste-se a mudanças no desempenho de
voluntários.
Shanks et al (2002) conduziram tarefas de aprendizagem probabilística
(escolhas repetidas entre duas alternativas) reportando três experimentos em que se
fornecia aos participantes: 1.Incentivos financeiros; 2. Feedback regular e 3. Treino
extensivo. Em cada um dos três experimentos uma grande proporção dos
participantes adotaram a estratégia de resposta otimizada o que, segundo os
autores, daria suporte à teoria das escolhas racionais.
Por esse estudo, depreende-se que a estratégia de frequency matching,
apesar de tradicionalmente considerada um exemplo de anomalia da tomada de
decisões, mostra-se contexto-dependente, podendo mesmo desaparecer sob
condições apropriadas da estrutura da tarefa, treinamento, motivação e feedback.
Esses resultados sugerem que a estratégia de frequency matching pode ser
contexto dependente. Assim, apesar de ser tradicionalmente considerada um
exemplo de anomalia da tomada de decisões, o frequency matching pode
desaparecer sob condições apropriadas da estrutura da tarefa, treinamento,
motivação e feedback. Em situações em que não se consegue promover a
maximização, os autores oferecem três razões para as quais alguém não otimiza (e
como esse fato não significa desistir da teoria de escolha racional):
 Taxas de aprendizado variam muito entre indivíduos;
 As funções de utilidade por dinheiro variam (presença de fontes de
utilidade concorrentes, como o valor em prever resultados raros ou se
desfazer do tédio da tarefa);

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 133


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

 Feedback altera o desempenho – as pessoas podem ter graus


diferentes de sensibilidade para tal.
Sabendo das condições que permeiam um paradigma de escolha binária, há
como prever porquê e em que momento um sujeito decide-se por uma estratégia de
FM ou de Otimização das escolhas?
Descrever as condições pelas quais o FM é encontrado ou manipular
contingências de forma a encorajar, por vezes o Frequency Matching, por vezes as
otimizações, prever condições ideais para a manifestação de um comportamento ou
outro, permite melhor compreender a quais variáveis nosso sistema nervoso está
sujeito quando percebemos, agimos e julgamos. Torna-se possível desenvolver
modelos preditivos, capazes de por à prova o comportamento de escolha nessas
condições controladas.

12- Fatores que influenciam o julgamento de sequências

Segundo Oskarsson (2009) quando se demanda a previsão de sequências,


há uma tendência a passar de julgamentos baseados em regularidades estatísticas
para regras simples e eventualmente para regras imersas em sistemas conceituais.
Para prever o que vem na sequencia, considera-se os eventos recentes desta
sequencia, adicionado a uma mistura de racionalizações de cima para baixo (o
observador entra na situação com crenças definidas sobre o mecanismo gerador) e
de baixo para cima - no contexto dado pelas informações da sequencia. Por isso a
aleatoridade parece não ser o único fator a dirigir a expectativa das pessoas.
(Oskarsson et al, 2009).

13- Olhar comparativo: escolha em humanos e ratos

Diferentes espécies de animais possuem estratégias distintas de resposta em


testes envolvendo escolha probabilística (Biterman, 1975). O “frequency matching”
vem intrigando cientistas desde 1930 por pelo menos duas razões: é uma estratégia
não otimizada para sequencias aleatórias e pelo fato de muitas outras espécies
exibirem a maximização (Hinson & Staddon, 1983, apud Wolford et al. 2004).

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Neurociência Cognitiva

O paradigma usado nessas séries de experimentos, tanto com ratos quanto


com humanos foi a escolha por dois lados que piscam aleatória, porém
probabilisticamente, por exemplo, ganho de recompensa 70% das vezes para o lado
esquerdo e 30% para o direito. (Bitterman, 1975).

Considere um exemplo hipotético, onde um organismo deve escolher entre


dois lados – um que oferece 70% de recompensa ao longo de tentativas aleatórias,
enquanto que outro, apenas 30%. Caso a estratégia adotada for o “frequency
matching” o organismo terá como resultado um ganho efetivo de 58%(0,7*0,7=0,49,
somado a 0,3*0,3=0,09).A otimização da resposta, por outro lado, permitirá ao
organismo conseguir o máximo de reforço do lado mais vantajoso, escolhendo
(1,0*0,7=0,7, somado a 0,0*0,3=0; resultando num ganho efetivo de 70%)
(Bitterman, 1975).
Nessas condições, macacos maximizam os seus ganhos após um período de
treinamento, escolhendo em todas as tentativas a opção com maior frequência de
recompensa, ignorando a opção menos reforçada.
O comportamento de macacos pode ser explicado pelo fato de eles a
princípio não manifestarem preferência, mas após treino repetitivo acabam por
maximizar os ganhos, escolhendo sempre a opção com maior probabilidade de
recompensa, como descrito acima. Peixes, que possivelmente usam estratégia

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 135


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

estereotipada como “ao acertar, repetem; ao errar, mudam”, têm ganho menor,
igualando as frequências de escolha às probabilidades de recompensa (0.7 * 0.7 +
0.3 * 0.3 = 0.58) (dados de Bitterman, 1975).

14- Experimento comparativo em escolha binária

O experimento a seguir traz uma discussão sobre a abordagem comparativa


(humanos e outros animais) no que tange às escolhas probabilísticas binárias. Essa
série de experimentos vem sendo realizada ao longo de anos com a colaboração de
alunos e orientadores de estágio ligados ao Curso de inverno. (Os dados que aqui
serão divulgados expressam basicamente os resultados dos trabalhos das alunas
Silvia de Lara e Letícia Zanchetta, estagiárias do Curso de Inverno: Tópicos em
Fisilogia Comparativa do IB-USP, anos 2008 e 2010, sob orientação de Rodrigo
Pavão).

Em experimento similar ao de Bitterman, que realizamos em laboratório com


humanos (N = 4) e ratos Wistar (N=4), envolvendo 500 tentativas, observamos um
resultado distinto do encontrado com macacos. Os humanos, que recebiam a
resposta do lado correto (esquerdo ou direito) a ser escolhido a cada tentativa,
igualaram sua frequência de escolha da opção 70% a probabilidades de
recompensa, sem maximização dos ganhos e com o mesmo desempenho que
peixes têm nessa tarefa. É possível argumentar que os humanos não otimizaram
porque não recebiam reforço correspondente ao recebido pelos ratos ou macacos.

Pág. 136 Julho/2011


Neurociência Cognitiva

Ratos, n=4, otimizam, blocos de 20 tentativas, num total de 500.


Atingem 70% de ganho.
Humanos n=4, igualam freqüência, assim como dados da literatura. 58% total
de 500 tentativas.

14.1- Por que humanos adotam estratégia menos eficiente do que ratos?

Segundo Mlodinow (2008), a partir do final do século XX surgiu um


movimento para estudar como a mente humana percebe a aleatoriedade; desde
então vem se concluindo que “as pessoas têm uma concepção muito fraca da
aleatoriedade, não a reconhecem quando a vêem e não conseguem produzi-la ao
tentarem” (p. 185). Além disso, tem-se o costume de avaliar equivocadamente o
papel do acaso em nossas vidas, tomando decisões comprovadamente prejudiciais
aos nossos interesses.

“Nossa visão é que os seres humanos acreditam que exista um padrão e,


mesmo quando a sequência é aleatóriam eles tentam descobri-lo”. Wolford, Miller e
Gazzaniga, 2000.
Neste contexto, ganha importância a discussão sobre como representamos a
incerteza: como uma percepção subjetiva individual, ou como uma manifestação

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 137


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

objetiva da natureza. Como é sabido, a probabilidade trata da incerteza relativa à


ocorrência de um determinado evento. No entanto, o conceito de probabilidade é
uma concepção matemática, e corresponde necessariamente à forma como o nosso
cérebro processa uma situação de incerteza. Isto sugere que, no que se refere à
decisão, haja outras concepções além da probabilidade, relativas às percepções
humanas diante da incerteza, que sejam capazes de representar outros aspectos
relevantes no processo decisório, e que interajam com a busca por padrões em
seqüências. Apesar do fato de que a capacidade de buscar e reconhecer padrões
não implica necessariamente a tomada de melhores decisões, em humanos, tal
busca parece ser a expressão de um comportamento selecionado ao longo da
evolução, e neste sentido não significa uma negação da teoria da racionalidade das
escolhas.
Interessantemente, perceber padrões é vantajoso quando há uma
regularidade efetiva, mas parece desvantajoso quando não há regra. Entretanto,
considerando que os humanos não recebem reforço alimentar ou monetário, pode-
se dizer que, nesse caso, só há real desvantagem quando o indivíduo perde algo
relevante. Uma vez que não o perca, o igualamento de frequências não pode ser
considerado propriamente “desvantajoso”
Se fomos selecionados num ambiente regular, que, não obstante, comporta
algumas alterações, é pertinente que haja flexibilidade comportamental; e é aí que
se faz necessário eleger tentativas não otimizadas e testar hipóteses para conseguir
informações., às custas do erro, pois é arriscando ir até as probabilidades mais
baixas que se consegue ter notícia das mudanças para ajustar o desempenho.

15- Conclusões

Se nós fomos selecionados num ambiente regular, que, não obstante,


comporta algumas alterações, é pertinente que haja flexibilidade comportamental; e
é aí que se faz necessário eleger tentativas não otimizadas e testar hipóteses para
conseguir informações, às custas do erro, pois é arriscando ir até as probabilidades
mais baixas que se consegue ter notícia das mudanças para ajustar o desempenho.

Apesar de ser de longa data o interesse em compreender como se dá a


tomada de decisão, grande parte das contribuições são bastante recentes se
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Neurociência Cognitiva

consideradas dentro de suas respectivas áreas. Conforme apresentado, há


perspectivas comuns quanto à natureza dos problemas de decisão, e mesmo sobre
os mecanismos atuantes no processo, mas, considerando-se a complexidade da
questão, a área ainda carece de uma estrutura que seja ao mesmo tempo mais
organizada e integrativa.

AGRADECIMENTOS:
Ao Dr. Pedro Leite Ribeiro e Dr. Pedro Cravo pela revisão do capítulo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 139


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Emoção
Elisa Mari Akagi Jordão
Laboratório de Neurociência e Comportamento
elisajordao@yahoo.com.br

1- O que é emoção?

Não há uma definição completa e aceita por todos. A tarefa de traduzir os


diferentes estados emocionais como tristeza, alegria, medo, raiva e suas diferentes
intensidades em algumas palavras ainda é impossível sem que haja algum
questionamento. Em uma definição operacional podemos afirmar que emoção é uma
experiência subjetiva acompanhada de manifestações fisiológicas e
comportamentais detectáveis, eliciada por estímulos externos ou internos que
possuem significância para o indivíduo. Desta forma, as emoções possuem um alto
valor adaptativo numa perspectiva evolutiva, aumentando as chances de
sobrevivência do indivíduo e da espécie.

2- A evolução das teorias sobre emoção

A humanidade sempre teve curiosidade sobre o que seriam as emoções, o


que provoca esses sentimentos ou por que razão experienciamos diversas
sensações. Há registros desses questionamentos desde o tempo de pensadores
como Aristóteles em 340 A.C., que acreditava que era no coração que se
encontravam os sentimentos humanos. Porém, foi no século XIX que grandes
estudiosos começaram a dar mais atenção para o papel do sistema nervoso na
expressão e experiência das emoções.
Freud (1856-1939), em seus estudos da psicanálise, observou numerosos
casos de pacientes com transtornos emocionais. Ele não utilizou o termo “emoção”,
mas uma noção de afeto que ele definiu como uma “tradução subjetiva da
quantidade de energia pulsional”. Essa pulsão foi definida por Freud como uma
carga energética, um fator de motricidade, que faz o indivíduo tender para um alvo
(LaPlanche e Pontalis, 1970). É provável que ele estivesse se referindo ao que hoje
chamamos de motivação, i.e., um estado que induz o indivíduo a tentar atingir um

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Neurociência Cognitiva

objetivo. Freud lamentava por não haver uma teoria das pulsões que proporcionasse
uma orientação confiável ao investigador da psicologia.
Darwin (1809-1882) também teve um especial interesse em lidar com
aspectos da emoção. Ele realizou um detalhado estudo das expressões das
emoções em humanos e animais defendendo que elas possuem um grande valor
adaptativo por serem importantes para a comunicação entre indivíduos. Darwin
percebeu semelhanças entre as expressões emocionais de seres humanos de
diferentes culturas, e mesmo entre as expressões emocionais de animais de
diferentes espécies. A partir dessa observação, ele propôs que as expressões
emocionais seriam herdadas ou inatas, ou seja, o indivíduo nasce “sabendo” como
expressá-las, sem necessidade de aprendizado. Em humanos, estudou expressões
faciais e corporais relacionadas ao sofrimento, tristeza, alegria e desamparo (e.g., as
expressões do choro, principalmente em bebês). Em animais, também estudou as
expressões faciais e corporais, bem como os sons emitidos por eles. A partir deste
vasto estudo, Darwin considerou que “estimulações” no sistema nervoso seriam
responsáveis por ações que exprimem um estado de espírito, sendo este um dos
princípios da origem dessas expressões (Darwin, 1872).
Em 1884, surgiu a teoria de James e Lange, uma das primeiras teorias sobre
emoção bem definida. O psicólogo e filósofo William James e o psicólogo Carl Lange
compartilharam ideias similares acerca das emoções: a experiência de emoções
seria causada pelas mudanças fisiológicas do corpo. Em outras palavras, segundo
eles, um indivíduo fica com medo porque treme, fica triste porque chora, ou bravo
porque ataca. James, em seu artigo intitulado What is emotion? afirmou que “...as
mudanças corporais seguem diretamente a percepção do fato excitante, e o nosso
sentimento dessas mudanças como elas ocorrem é a emoção”. O que ele defendia,
portanto, era que a percepção das mudanças fisiológicas é a emoção.
Em 1927, o fisiologista Walter Cannon publicou um artigo criticando vários
aspectos da teoria de James e Lange, a qual se tornara tão popular. A teoria
proposta por Cannon foi posteriormente modificada por Philip Bard, tornando-se
conhecida como teoria Cannon-Bard. Essa teoria postula que a experiência
emocional pode ocorrer independentemente da expressão emocional. Cannon, em
estudos realizados com animais, observou que mesmo eliminando as sensações
das mudanças fisiológicas com uma transecção da medula espinal, eles ainda
mostravam sinais de experiência emocional. A teoria de Cannon e Bard atribuía uma

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 141


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

maior especificidade a algumas estruturas neurais na coordenação das emoções;


por exemplo, centrava na ideia de que o tálamo possuía um papel importante na
produção das emoções.
Entre a década de 20 e a de 50, pouco foi estudado acerca das emoções,
muito em função dos pensamentos behavioristas da época, que consideravam não-
científicos os estudos sobre as emoções. A partir de 1950, com a emergência do
Cognitivismo, as emoções voltaram a receber um enfoque de estudo científico.
Assim, outros teorizaram sobre o que seriam as emoções e seus mecanismos.
Por exemplo, Edmund Rolls teoriza sobre as emoções de um modo
operacional enfatizando que elas são estados eliciados por recompensas e
punições. Por recompensa define-se algo que o indivíduo trabalha para obter, e por
punição, algo que ele trabalha para evitar. Ele ainda afirma que, como as emoções
podem ser produzidas pela apresentação, omissão ou finalização de uma
recompensa ou punição, poderíamos classificá-las por esses aspectos. Por
exemplo, felicidade seria produzida quando recebemos um abraço, um carinho ou a
produção de medo pelo som de um ônibus se aproximando quando estamos
atravessando a rua. Também podemos ter o exemplo da omissão de uma
recompensa (e.g. um prêmio) produzindo tristeza ou de uma punição (e.g. um
castigo) produzindo alívio (Rolls, 1999).
Já Antonio Damásio defende uma ideia que ressuscita a teoria de James-
Lange. Ele formulou a hipótese dos marcadores-somáticos, segundo a qual a
sensação das respostas fisiológicas (marcadores somáticos) provocadas pela
percepção de um estímulo significante contribui para a emissão de respostas frente
a este estímulo; em outras palavras, ela contribui para a tomada de uma decisão
(Damásio, 1996).
Independentemente dos detalhes de cada teoria, observamos alguns
aspectos comuns entre elas: as emoções são mecanismos de atribuição de valor a
estímulos, que contribuem para a emissão de respostas apropriadas a esses
estímulos, sejam elas comportamentais ou fisiológicas.

3- Como estudar emoção?

Manipular e medir emoção utilizando métodos científicos pode parecer uma


tarefa impossível. Por muito tempo o estudo das emoções foi negligenciado por essa
Pág. 142 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

dificuldade de lidar com algo tão variável e imprevisível. Porém, como vimos,
estudos estão aumentando, e técnicas para eliciar e medir emoção estão emergindo.
Citarei, a seguir, algumas dessas técnicas.

3.1- Estudos das bases neurais

Para uma abordagem anatomofuncional dos processamentos emocionais são


utilizadas técnicas para estudos com animais não-humanos e humanos.
Duas técnicas revolucionaram o estudo da anatomia funcional do cérebro
humano em atividade: a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e o
imageamento por ressonância magnética (MRI). Através dessas técnicas é possível
analisar a atividade do cérebro de um indivíduo enquanto este realiza uma tarefa
como sentir, pensar, perceber ou iniciar uma ação. As imagens da tomografia por
emissão de pósitrons refletem a distribuição de isótopos radioativos injetados ou
inalados pelo indivíduo nos tecidos. Assim, é utilizado um análogo da glicose (2-
deoxyglucose) para mapear o metabolismo desse monossacarídeo nas células
nervosas, um método que revela se elas estão em atividade. As imagens por
ressonância magnética são baseadas na diferenciação de tecidos pela sua
composição química. Assim, sua resolução espacial é melhor (Kandel e col., 1991).
No começo dos anos 90, uma outra técnica surgiu a partir dessa. O imageamento
funcional por ressonância magnética (fMRI), a qual consiste na análise das
mudanças hemodinâmicas após aumento da atividade neural, produz imagens que
revelam os locais de atividade no cérebro ao longo da execução de uma tarefa.
Em estudos com animais não-humanos é comum a utilização de intervenções
cirúrgicas como ablações, lesões neurotóxicas ou inativações temporárias de
estruturas neurais. Essas técnicas em conjunto com abordagens comportamentais
ou das respostas fisiológicas constituem a principal ferramenta de estudo das bases
neurais das funções cognitivas e, portanto, das emoções.

3.2- Reações emocionais aprendidas: o condicionamento

O condicionamento clássico, também conhecido por condicionamento


Pavloviano (Fig.1), é uma ferramenta comportamental muito utilizada em estudos de
neurociência. Ele foi descrito por Ivan Pavlov, um fisiologista russo, que estudava

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 143


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

mecanismos digestivos em cães. Pavlov, durante seus experimentos de mediação


da salivação, observou que seus cães salivavam antes mesmo da apresentação da
comida. Era necessário somente ver a vasilha de comida ou até mesmo ver a
pessoa que a fornecia para que eles salivassem. Assim, Pavlov, elaborou em
experimento que consistia na apresentação de um som (e.g. sineta; um estímulo
sem nenhum valor intrínseco), seguida da apresentação da comida (um estímulo
com um grande valor intrínseco). Ele observou que, após alguns pareamentos
desses estímulos, a apresentação do som da sineta por si só bastava para que o
cão salivasse. Os animais, portanto, associaram o som da sineta à apresentação da
comida, e aprenderam a emitir respostas de salivação ao estímulo sonoro, que antes
eram somente eliciadas pela comida.

Figura 1- O condicionamento pavloviano. Modificado de Moreira e Medeiros (2007).

O condicionamento clássico se torna, portanto, um procedimento importante


para o estudo das reações emocionais aprendidas. Por exemplo, o medo aprendido,
ou também chamado de medo condicionado, é amplamente estudado utilizando
essa ferramenta: o condicionamento clássico aversivo. Em estudos com animais
não-humanos, este método experimental consiste em parear um estímulo neutro,
usualmente um som, a um estímulo aversivo, usualmente um choque nas patas.
Após alguns pareamentos, o estímulo que antes era neutro, e, portanto, não eliciava
respostas de medo, passa a eliciar variadas respostas que são naturalmente
emitidas em uma situação de perigo, tais como resposta defensiva de congelamento

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Neurociência Cognitiva

(caracterizada pela completa imobilidade do corpo, exceto pelos movimentos da


respiração), aumento do batimento cardíaco e da pressão arterial, e liberação de
hormônios do estresse.
Um caso clássico de condicionamento aversivo em seres humanos foi
demonstrado por John Watson em 1920. Ele observou que um bebê chorava ao
ouvir um barulho estridente produzido por uma martelada em um metal. Em outras
palavras, o bebê apresentava naturalmente uma resposta de medo àquele som
estridente. Inversamente, ele não apresentava nenhuma resposta de medo aparente
a um rato albino, mas ao contrário, ficava curioso e tentava pegar o animal.
Entretanto, após repetidos pareamentos entre a apresentação do rato e a do som
estridente, o bebê passou a chorar somente com a presença do rato. Watson
demonstrou, portanto, que um indivíduo pode aprender a responder emocionalmente
a novos estímulos. Atualmente, estudos utilizando essa metodologia não seriam
aceitos por comitês de ética, porém, outros métodos de condicionamento aversivo
são utilizados em variadas pesquisas com humanos. O uso de sons altos (e.g. grito
à 103 dB) e choques (e.g. 500 Hz aplicado no pulso) são estímulos aversivos
comumente utilizados em humanos. Os métodos de avaliação de medo em
humanos são semelhantes aos utilizados em animais não-humanos: a medição de
respostas fisiológicas (e.g. condutância da pele) e de respostas defensivas (e.g.
sobressalto). Essa tarefa comportamental também tem sido amplamente utilizada
para desvendar os mecanismos e bases neurais envolvidos no processamento de
medo em seres humanos e animais não-humanos.
Outra ferramenta comportamental utilizada para estudar emoções aprendidas
é o condicionamento operante, o qual difere do condicionamento clássico por
produzir comportamentos operantes e não comportamentos respondentes, ou seja,
comportamentos que causam uma consequência. Neste caso, a emissão de uma
dada resposta pelo animal tem como consequência uma recompensa ou uma
punição. Em laboratórios, por exemplo, o estudo do medo por condicionamento
operante se dá pelos procedimentos de esquiva ativa ou de esquiva passiva, dentre
outros. No primeiro caso, o animal deve emitir “ativamente” uma determinada
resposta, como por exemplo, atravessar para um outro compartimento da caixa de
experimentação, para evitar receber um estímulo aversivo, em geral um choque nas
patas. No segundo caso, o animal deve inibir uma resposta natural, como por
exemplo, a de descer de uma plataforma elevada, como forma de evitar um choque

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 145


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

nas patas no piso de baixo da caixa de experimentação. A utilização do


condicionamento operante apetitivo (i.e., aquele que se vale de recompensas, e não
de punições) no estudo das emoções também é comum. A apresentação de
estímulos que eliciam sensações positivas aumenta a probabilidade do indivíduo
emitir respostas para a obtenção ou manutenção desse estímulo. O exemplo
clássico seria o procedimento que é realizado na caixa de Skinner, onde um animal
recebe uma recompensa (e.g. alimento) após emitir uma dada resposta (e.g.
pressionar uma barra). A estimulação elétrica em determinadas regiões do SNC
também é comumente utilizada como um estímulo recompensador; neste caso, o
animal aprende a emitir uma resposta para obter a estimulação elétrica.

3.3- Reações emocionais induzidas

Outra forma de estudar emoção em seres humanos é pela indução de


estados emocionais através da apresentação de estímulos, como figuras, histórias,
vídeos etc, com conteúdo emocional Com o intuito de prover um conjunto
padronizado de figuras que evocassem diferentes estados emocionais, e de acesso
internacional para experimentação, Peter Lang e colaboradores criaram o Sistema
Internacional de Figuras Afetivas (SIFA; “International Affective Picture System” –
IAPS, em inglês). Nesse sistema podemos encontrar centenas de fotos de cenas
que evocam diferentes reações emocionais (Fig.2). As fotos foram classificadas por
centenas de pessoas, numa escala de 1 a 10, quanto à sua valência (prazer ou
desprazer evocado), seu grau de alerta (alerta produzido) e dominância (dimensão
relacionada ao auto-controle diante da cena). São cenas de acidentes, de famílias,
de bebês, de conteúdo sexual de violência, cenas neutras, dentre outras. Utilizando
essa classificação, pesquisadores podem escolher quais cenas utilizar para evocar
as emoções pretendidas em seus experimentos. Procedimentos similares a este
também são utilizados, como o Sistema Internacional de Sons Digitalizados Afetivos
e o Dicionário de Palavras Afetivas em Inglês.

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Neurociência Cognitiva

Figura 2- Imagens catalogadas pelo IAPS. Modificado de Gazzaniga (2006).

4- Bases neurais das emoções

A tentativa de Cannon de elucidar as bases neurais das emoções despertou o


mesmo interesse em outros cientistas. O anatomista James Papez, em 1937,
sugeriu que um conjunto de estruturas nervosas associadas, incluindo o hipotálamo,
tálamo superior, giro do cíngulo e hipocampo, seria responsável pelas emoções. Foi,
então, que em 1952, o médico e neurocientista, Paul MacLean, conheceu o trabalho
de Papez e incluiu outras estruturas naquele circuito, como a amígdala, o córtex
orbitofrontal e porções dos núcleos da base. A este sistema ele atribuiu o nome de
sistema límbico (Fig.3), utilizando um termo previamente cunhado por Broca ao se
referir a uma coleção de áreas corticais comuns aos mamíferos que formava uma
borda ao redor do tronco cerebral (Bear e col., 1996).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 147


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 3- Representação do sistema límbico proposto por James Papez. Modificado de Bear (1996).

Apesar de ainda ser frequente a utilização do conceito de sistema límbico


como um sistema responsável pelo processamento emocional, essa utilização é
questionável. Sabemos hoje que estruturas neurais não pertencentes ao sistema
límbico de MacLean participam do processamento emocional, e que por outro lado,
algumas estruturas apontadas por MacLean não são importantes para esse tipo de
processamento, como é o caso do hipocampo, importante para processos de
memória (Lent, 2001). Além disso, de acordo com a concepção atual acerca das
bases neurais da emoção, o processamento de ordem emocional não se dá em um
sistema único, mas é distribuído em múltiplos circuitos neurais. Algumas estruturas
encefálicas têm se mostrado fundamentais para os processos de aprendizagem e
memória de natureza emocional, como a amígdala, o córtex orbitofrontal e o córtex
cingulado, como mostraremos a seguir.
Estudos voltados para o córtex orbitofrontal iniciaram-se devido a um curioso
caso ocorrido em 1848 em que um operário de uma estrada de ferro teve parte de
seu córtex orbitofrontal lesionado por um acidente com uma barra de ferro. Apesar
de nenhum dano em suas funções motoras, de inteligência ou percepção, Gage
ficou famoso por apresentar mudanças claras em seu comportamento. Após o

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Neurociência Cognitiva

acidente, ele, um homem calmo e responsável, bom gerenciador de sua vida


pessoal e profissional, tornara-se um homem impaciente e rude com ímpetos de
raiva com qualquer um que tentasse lhe aconselhar. Tinha também dificuldades em
planejar suas ações e tomar decisões apropriadas. Gage acabou sendo despedido
de seu trabalho, e tornou-se um andarilho até sua morte, em 1861. Em 1994, Hanna
Damásio e colaboradores “reconstruíram” o encéfalo de Gage e a lesão nele
provocada por meio de técnicas de imageamento cerebral graças à preservação do
seu crânio e da barra de ferro que produziu o acidente (Fig.4) (Lent, 2001). Em
humanos, danos no lobo frontal causam euforia, irresponsabilidade, e carência de
afeto.

Figura 4- (A) o crânio de Phineas Gage conservado; (B) a reconstrução da imagem de como a barra
teria trespassado seu encéfalo. Modificado de Lent (2001).

Estudos mais recentes demonstram que essas mudanças comportamentais


estariam relacionadas especificamente com danos ou alterações fisiológicas numa
porção do córtex orbitofrontal, a região ventromedial. Pacientes com lesões nessa
região demonstram anormalidades no processamento das emoções, principalmente
aqueles envolvidos com comportamento social. Esses pacientes não demonstram
constrangimento quando colocados em um contexto social inapropriado (Bechara e
col., 2000).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 149


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Damásio e colaboradores (1997) observaram um resultado interessante


quando compararam os desempenhos de voluntários normais e de pacientes com
lesão no córtex orbitofrontal numa tarefa de escolha chamada de Iowa Gambling
Task. Nessa tarefa, o voluntário é instruído a escolher cartas de qualquer das quatro
pilhas de cartas disponíveis (A, B, C, ou D). As cartas das pilhas A e B podem
resultar tanto em ganhos quanto em perdas monetárias maiores do que em C e D,
de tal forma que, a longo prazo, as pilhas C e D geram lucros, e as pilhas A e B
geram perdas. Ao perceber as contingências reforçadoras das diferentes pilhas com
o passar do treino, os voluntários normais passam a direcionar suas escolhas para
as pilhas vantajosas (i.e., C e D), ao contrário dos voluntários com lesão no córtex
orbitofrontal, que mantém suas escolhas nas pilhas que rendem maiores ganhos
imediatos, porém maiores perdas futuras (i.e., A e B), indicando mais uma vez que
lesão no córtex orbitofrontal resulta em prejuízo em tomar decisões vantajosas.
Neste estudo, os autores também fizeram medidas da condutância da pele dos
sujeitos - uma resposta fisiológica emocional. Diferente dos voluntários normais, os
pacientes com lesão no córtex orbitofrontal não apresentaram alterações na
condutância da pele imediatamente antes de efetuarem as suas escolhas, levando à
incapacidade de emitir respostas vantajosas. Esses resultados também são
relevantes para demonstrar que as emoções desempenham uma função importante
na tomada de decisões.
Por outro lado, macacos com lesão no córtex orbitofrontal se mostram
incapazes de mudar suas respostas quando elas não são mais apropriadas. Em
outras palavras, perseveram em ações previamente aprendidas que não são mais
vantajosas, sugerindo que o córtex orbitofrontal pode ser importante para a
flexibilidade comportamental, i.e., para a mudança comportamental frente a novas
contingências ambientais.
Os estudos de Klüver e Bucy (1939) contribuíram com as primeiras evidências
do envolvimento do lobo temporal com o processamento de informações de ordem
emocional em macacos. Realizando a ablação bilateral das porções anteriores do
lobo temporal de macacos Rhesus, os pesquisadores observaram que esses
indivíduos deixavam de responder normalmente aos estímulos que antes eliciavam
reações emocionais. Denominaram esse fenômeno de cegueira psíquica, por esses
estímulos serem essencialmente visuais. Do conjunto de comportamentos que
caracterizavam essa síndrome – mais tarde denominada de síndrome de Klüver e
Pág. 150 Julho/2011
Neurociência Cognitiva

Bucy – podemos citar exemplos como a perda do medo de cobras e pessoas, o


excesso de oralidade colocando objetos não comestíveis na boca e a tentativa de
cópula com animais de espécies diferentes.
A partir desta descoberta, muitos estudos foram realizados na tentativa de
especificar as estruturas envolvidas nessas mudanças de caráter emocional. Os
estudos de Weiskrantz (1956) foram os primeiros a identificar a amígdala (Fig.5)
como sendo a estrutura nervosa do lobo temporal responsável pelos prejuízos
observados por Klüver e Bucy. Os animais com ablação da amígdala apresentavam
mansidão, perda de responsividade emocional e consumo de alimentos previamente
rejeitados. Esses animais também falhavam na tarefa de esquiva ativa, onde tinham
que emitir uma resposta diante de um dado estímulo como forma de evitar um
choque nas patas. De modo similar, outros estudos mostraram que animais com
lesão da amígdala também apresentam prejuízo em emitir respostas como forma de
obterem recompensas (e.g. alimentos). Além disso, animais com lesão da amígdala
continuam respondendo a um estímulo cuja recompensa associada a ele passa a
ser desvalorizada. Em conjunto, essas observações resultaram na proposição de
que a amígdala seria uma estrutura responsável pelo aprendizado da associação de
um estímulo com um reforço, e que as mudanças observadas na síndrome de Klüver
e Bucy ocorreriam em decorrência desse tipo de prejuízo (Rolls, 1999).

Figura 5- Localização da amígdala no cérebro humano. Modificado de Bear (1996).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 151


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Corroborando essa proposição, estudos envolvendo lesão neurotóxica na


amígdala de ratos demonstram que ela possui um papel importante na tarefa de
medo condicionado. Ratos com esse tipo de lesão não apresentam respostas
aversivas (e.g. congelamento, aumento dos batimentos cardíacos) a um estímulo
previamente neutro que foi condicionado à apresentação de um estímulo aversivo
(e.g. choque nas patas) como um rato normal apresentaria. Através de seus três
grupos celulares (o basolateral, o cortical e o centromedial), a amígdala mantém
conexões com sistemas sensoriais, executivos, autonômicos e endócrinos do SNC,
como o tálamo, córtex sensorial, córtex orbitofrontal, hipocampo, gânglios da base,
hipotálamo e outras. Assim, ela é capaz de receber informações processadas de
estímulos, associar propriedades afetivas significantes a elas, e influenciar os
sistemas executivos motores e autonômicos para a emissão de respostas
apropriadas. De fato, estudos mostram que estimulação elétrica e química da
amígdala elicia variados comportamentos motivados e emocionais como
congelamento, defesa, agressão, exploração, e também algumas respostas
autonômicas como mudanças nos batimentos cardíacos e na pressão sanguínea.
Estudos com humanos mostram que pacientes com danos na amígdala
apresentam alterações no comportamento alimentar e emocional. Por exemplo, a
paciente S.M., com dano bilateral na amígdala, exibia prejuízo em reconhecer
expressões faciais. Dentro de uma escala de valência, ela classificava as
expressões de medo, raiva e surpresa com menor valência em comparação com os
voluntários normais.
Imagens de tomografia por emissão de pósitrons (PET) do cérebro de seres
humanos mostram que a amígdala esquerda se torna mais ativa quando o sujeito é
exposto a imagens de expressões faciais de medo do que de felicidade. E ainda,
que a ativação dessa região aumenta com o aumento da intensidade das
expressões de medo, e diminui com o aumento da intensidade das expressões de
felicidade. Apesar dos estudos darem ênfase ao processamento de medo pela
amígdala, é improvável que essa estrutura seja responsável por decodificar somente
emoções negativas. A estimulação elétrica em algumas regiões da amígdala de
seres humanos produz uma sensação de recompensa, que poderia ser classificada
como prazerosa (Rolls, 1999).
Além da amígdala e do córtex orbitofrontal, outras regiões do sistema nervoso
também possuem papel importante no processamento das emoções. O córtex
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Neurociência Cognitiva

cingulado, por exemplo, parece estar envolvido em aspectos afetivos da dor.


Pesquisadores mostraram que a sensação de dor se correlaciona com o aumento do
fluxo sanguíneo nessa região cerebral. Rolls (1999) propõe que o córtex cingulado
pode fazer parte de um sistema de seleção de respostas a estímulos
somatossensoriais aversivos, uma vez que essa região recebe projeções de áreas
somatossensoriais, do córtex orbitofrontal e da amígdala, e envia projeções para
áreas do tronco encefálico envolvidas com a sensação de dor, como a substância
cinzenta periaquedutal (ver adiante). Por outro lado, estimulação elétrica do
hipotálamo elicia variadas respostas como farejar, arfar e comer, assim como
comportamentos característicos de raiva ou medo. Conexões dessa estrutura
nervosa com a amígdala e o córtex orbitofrontal provêm saídas para respostas
autonômicas a estímulos emocionais. Estruturas do tronco encefálico também são
importantes na expressão e experiência de emoções; a substância cinzenta
periaquedutal, por exemplo, é importante na modulação da dor tanto em ratos,
macacos, como em humanos. Ela é responsável por efeitos de analgesia, os quais
são imprescindíveis em situações de perigo. Estimulação dessa área pode também
resultar em sensações de prazer, tal qual a estimulação na área tegmental ventral
do mesencéfalo. O mesencéfalo, por sua vez, possui um grupamento de neurônios
dopaminérgicos que enviam projeções para estruturas límbicas, formando a via
mesolímbica, que exerce um papel importante na adição a drogas. A via
mesolímbica inclui, por exemplo, o núcleo accumbens, que está envolvido nos
efeitos reforçadores de estímulos, e em comportamentos orientados a metas (Rolls,
1999).,
5- Relação da emoção com memória e atenção

Parece óbvio, em função da nossa experiência diária que memórias com


conteúdo afetivo são mais bem evocadas do que memórias com conteúdo neutro. É
bastante usual não conseguirmos lembrar o que comemos há três dias ou até
mesmo onde deixamos o carro estacionado, porém, conseguimos lembrar facilmente
quando foi o nosso primeiro beijo ou como foi que descobrimos que tínhamos
passado no vestibular, mesmo que esses acontecimentos sejam relativamente
antigos. Podemos pensar que isso ocorre porque experiências com conteúdo
emocional são importantes para a sobrevivência do indivíduo, e que, portanto,
recordar de eventos com relevância biológica tem um alto valor adaptativo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 153


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Numerosos estudos têm mostrado que o aumento do alerta (induzido também pela
experiência com estímulos emocionais) melhora a capacidade de recordação de
uma memória declarativa (dependente do hipocampo), e que essa melhora pode ser
bloqueada por lesões na amígdala. Isso sugere que a amígdala modula a atividade
do hipocampo de forma a alterar a capacidade de recordação de memórias
declarativas (Gazzaniga e col., 2006).
Outra função cognitiva influenciada pela emoção é a atenção. Zajonc (1980)
propôs que indivíduos teriam maior facilidade em perceber ou processar
informações emocionais especialmente de medo ou ameaça, porque seriam
importantes para a sobrevivência. Essa melhora na percepção de informações de
natureza emocional seria fruto do maior direcionamento da atenção a esses
estímulos. O paradigma denominado apresentação visual seriada rápida foi utilizado
para testar esta hipótese. Esta tarefa consiste em apresentar palavras em série com
durações muito rápidas, da ordem de aproximadamente cem milissegundos. Como o
tempo de apresentação de cada palavra era muito curto, as pessoas tinham
dificuldade em ver ou lembrar-se de todas as palavras, de tal forma que os
voluntários eram instruídos a focar sua atenção em somente duas palavras-alvo que
eram apresentadas em uma cor diferente das demais. Deste modo os voluntários
não apresentaram dificuldades em notar e identificar essas duas palavras-alvo;
porém, se elas eram apresentadas uma em seguida da outra, os voluntários
mostravam dificuldade em identificar a segunda delas. Esse efeito foi denominado
piscar atencional, pois é como se a habilidade de focar a atenção tivesse um período
refratário, ou seja, tivesse dado uma “piscada”. Os pesquisadores, então, utilizaram
esse paradigma para testar se esse fenômeno atencional seria alterado pela
apresentação de um estímulo emocional apresentando palavras com significado
emocional negativo como o segundo alvo. De fato, foi observada uma melhora na
percepção do segundo alvo quando este era uma palavra negativa em comparação
com a situação controle em que ambos os alvos eram palavras neutras, indicando
que os estímulos emocionais, ao menos os negativos, captam maiores recursos
atencionais e são melhor percebidos que os estímulos neutros. Mais tarde também
foi observado que pacientes com lesão na amígdala não demonstram essa melhora
na percepção de estímulos emocionais, sugerindo que a amígdala pode exercer um
papel na facilitação do processamento de informações de natureza emocional, ou
em outras palavras, no mecanismo atencional direcionado a estímulos emocionais
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Neurociência Cognitiva

(Gazzaniga e col., 2006). Numa perspectiva evolutiva, esse mecanismo tem um alto
valor adaptativo, pois aumenta a probabilidade de que um estímulo com significância
biológica para o indivíduo seja percebido.

6- Estudos das desordens emocionais

Muitos dos trabalhos realizados no estudo das emoções serviram de base


para o melhor entendimento dos processos envolvidos nas desordens afetivas (DA),
como a depressão, ansiedade, síndrome do pânico, fobias, etc. As causas dessas
doenças são multifatoriais envolvendo complexas interações genéticas, bioquímicas,
fatores de desenvolvimento e ambientais.
Foi somente em meados do século XIX que a psiquiatria surgiu como área
médica, e a partir daí os estudos das desordens emocionais passaram a ter um
caráter mais biológico. Porém, entre 1920 e 1940 houve um declínio nos estudos de
psiquiatria com enfoque biológico; a escassez em produção científica nessa área foi
intensa nesse período. A utilização de métodos muito invasivos tornou-se comum na
medicina psiquiátrica, de modo que no final da Segunda Guerra Mundial, ela era
reconhecida por tratamentos insensíveis e sem preocupação científica. Foi em 1950
que ocorreu o retorno dos estudos com bases mais científicas e a descoberta de
agentes psicofarmacológicos. Com o desenvolvimento dos antidepressivos tricíclicos
e dos inibidores de monoamina oxidase (MAO) ressurgiu o interesse em relacionar a
psiquiatria à biologia para que os modos de ação dessas novas drogas pudessem
ser entendidos (Post e Ballenger, 1984).
Alguns modelos de animais não-humanos foram idealizados para que
experimentos comportamentais, neurofisiológicos e farmacológicos pudessem ser
realizados. Os modelos animais têm o objetivo de reproduzir nos animais as
sensações características das desordens humanas. Por exemplo, modelos animais
de depressão tentam provocar sensações de desamparo e incapacidade em cães,
manipulando o ambiente do animal de uma tal maneira que ele aprende que não
consegue ter controle sobre seu ambiente. Para ilustrar, choques elétricos são
administrados nas patas do animal de forma que ele nada pode fazer para evitá-los;
passado um certo tempo, o animal desiste e pára de tentar responder, ficando
imóvel. Pesquisadores especulam que esse estado reflete o estado clínico
depressivo em que os pacientes relatam ter uma sensação de falta de controle das

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 155


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

suas vidas desenvolvendo expectativas negativas que levam a uma passividade.


Outro modelo de depressão utiliza condicionamento em roedores: alguns
pareamentos de um som com a injeção de uma substância que inibe a ação motora
induzem a imobilidade dos ratos após a apresentação do som, mesmo na ausência
do fármaco. Esse quadro é revertido com a administração de Imipramine, um
antidepressivo tricíclico (Post e Ballenger, 1984).
Modelos com primatas são comumente utilizados em estudos de ansiedade,
principalmente de caráter social. Em situações de separação de filhote de macaco
Rhesus de sua mãe são observados comportamentos como protesto e desespero,
característicos da ansiedade de separação, semelhantes aos observados na
separação do bebê humano de sua mãe (Post e Ballenger, 1984). Estudos com
primatas sociais também são úteis em recolher informações sobre subordinação e
dominância social utilizando os comportamentos do animal subordinado como
modelo de ansiedade. Os macacos subordinados passam mais tempo sozinhos e
apresentam mais medo do que os dominantes. Esses macacos também apresentam
uma hiperatividade do eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal), e uma diminuição
funcional do sistema serotonérgico e dopaminérgico: um fenômeno semelhante ao
encontrado em seres humanos com transtorno de ansiedade social (Mathew e col.,
2001).
Modelos animais para transtornos do pânico se baseiam no procedimento de
condicionamento aversivo. Apesar de existir um grande conjunto de informações
sobre os processos psicobiológicos subjacentes ao medo em modelos animais, o
estudo do transtorno do pânico em seres humanos é recente.
Apesar das variadas maneiras e possibilidades em estudar as DAs usando
modelos animais, muitas limitações emergem ao compará-las com as DAs em seres
humanos. Assim, na tentativa de esclarecer as causas e descobrir curas para as
DAs, estudos com humanos são mais comuns do que modelos animais, e seus
resultados são mais diretos, tanto na quantificação da produção de hormônios e
neurotransmissores como na observação de comportamentos. Além disso, com o
invento de técnicas de neuroimagem como a ressonância magnética funcional,
muitas das informações neurobiológicas acerca das DAs passaram a ser mais bem
esclarecidas.
Estudos dos transtornos de humor como a depressão ainda eram escassos
até meados de 1930, porém a necessidade de encontrar uma cura para pacientes
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Neurociência Cognitiva

que sofriam desses transtornos era grande. Foi então que Egas Moniz introduziu o
procedimento cirúrgico de isolamento do córtex pré-frontal do resto do cérebro em
seres humanos com o objetivo de curar esquizofrênicos e deprimidos, depois de ter
conhecimento que a ablação de parte do lobo frontal havia produzido mansidão em
chimpanzés. Essa técnica sofreu algumas modificações por Walter Freeman, e
tornou-se mais conhecida como lobotomia (Fig.6), a qual consiste na destruição de
parte do lobo frontal por meio da inserção de uma haste de metal através da parte
superior do olho. Na época, esse procedimento foi muito bem recebido rendendo um
prêmio Nobel para Moniz em 1949.

Figura 6- Ilustração do procedimento da lobotomia. Modificado de Bear (1996).

Atualmente, a utilização dessa técnica é incompatível com o que temos de


valor moral, ético e de conhecimento científico. Os relatos que se seguiram aos
numerosos casos em que o procedimento foi empregado eram de que os pacientes
tornaram-se incapazes de viver fora das instituições psiquiátricas, pois perderam a
capacidade de responder, de se concentrar, de demonstrar afeto e de planejar
ações (comportamentos semelhantes aos de Phineas Gage). Hoje sabemos que as
estruturas lesionadas pela lobotomia eram principalmente as do córtex pré-frontal.
Consistentemente com os relatos de diminuição da ansiedade e depressão por
sujeitos lobotomizados, as recentes imagens de ressonância magnética mostram
uma hiperatividade do córtex pré-frontal em sujeitos deprimidos (Gazzaniga e col.,
2006).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 157


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Muitos pesquisadores têm estudado a neuroanatomia das desordens afetivas;


cada vez mais é preciso entender quais estruturas nervosas estão envolvidas
nessas doenças. A identificação dessas estruturas nervosas e do papel que elas
exercem é uma tarefa difícil, pois numerosas conexões se estabelecem entre
diferentes estruturas responsáveis por variados aspectos desses transtornos de
humor. Diversos sistemas são ativados enquanto outros são inibidos em diferentes
situações em que o paciente se encontra. Por exemplo, estudos têm mostrado que o
transtorno de ansiedade social seria decorrente de uma disfunção no(s) sistema(s)
de recompensa, como a via mesolímbica, que avalia(m) os riscos e os benefícios
das afiliações sociais (Mathew e col., 2001). Também foram relacionadas à
ansiedade outras regiões nervosas como o locus coeruleus, áreas septais e
hipocampais (Adams e Victor, 1985). Por outro lado, os transtornos de pânico
parecem estar relacionados com um aumento da atividade da amígdala em
conseqüência de um prejuízo na transmissão de informações sensoriais no córtex e
no tálamo, resultando na produção inapropriada de respostas autonômicas e
comportamentais de medo (Mezzasalma e col., 2004). Há também evidências do
envolvimento da substância cinzenta periaquedutal em ataques de pânico (Del-Ben
e Graeff, 2009).
Os estudos das bases neuroquímicas as DAs também têm recebido bastante
atenção, pois é a partir de estudos dessa área combinados com estudos da
neurobiologia e genética que novos medicamentos são elaborados como
tratamentos para essas desordens. A quantificação de hormônios e de
neurotransmissores é realizada em estudos com seres humanos e animais não-
humanos quando colocados em diferentes situações comportamentais, assim como
em estudos comparativos entre pacientes e sujeitos controles.
Por exemplo, pacientes com depressão mostram uma deficiência funcional do
eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA) que resulta em uma secreção excessiva
de cortisol. A produção excessiva de cortisol é também observada em outros
distúrbios neuropsiquiátricos, como na doença de Cushing. Os níveis de
neurotransmissores, por sua vez, também são objeto de estudo em pacientes
deprimidos. Neste caso, porém, a presença de resultados controversos levou os
pesquisadores a especular sobre a existência de subgrupos de depressão, que
difeririam em características bioquímicas. Alguns resultados mostram que em
pacientes deprimidos há 1) esgotamento de noradrenalina no sistema nervoso
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Neurociência Cognitiva

central, 2) baixos níveis de metabólitos de dopamina e serotonina (aminas


biogênicas) no fluido cefalorraquidiano, e 3) hiperatividade do sistema colinérgico.
Desta forma, as drogas utilizadas para o tratamento da depressão em geral
aumentam a atividade noradrenérgica por inibir a recaptação de noradrenalina nas
fendas sinápticas, ou ainda estimulam as vias serotoninérgicas (Post e Ballenger,
1984).
Alguns pacientes com ansiedade aguda exibem níveis elevados de epinefrina
excretada na urina, enquanto outros exibem níveis elevados de norepinefrina e seus
metabólitos. Além disso, um estudo realizado com estudantes de medicina também
mostrou que durante um estado intenso de ansiedade, como nos dias que
antecedem uma prova, ocorre um aumento da excreção de aldosterona (hormônio
esteróide produzido pelo córtex adrenal) na urina. Consistentemente, as regiões
nervosas envolvidas com ansiedade utilizam norepinefrina como neurotransmissor
(Adams e Victor, 1985). Apesar de não haver evidências conclusivas se há uma
disfunção do sistema autonômico em casos de transtornos de ansiedade, é
observada uma superexcitação do estado autonômico em alguns pacientes (Mathew
e col., 2001). O tratamento dessa desordem utiliza alguns medicamentos similares
aos do tratamento da depressão, como os inibidores de monoamina oxidase, os
quais evitam a degradação de neurotransmissores do tipo monoaminas (dopamina,
serotonina, norepinefrina e epinefrina).
Os transtornos de pânico, por sua vez, parecem envolver uma disfunção da
atividade serotoninérgica. Deste modo, o principal tratamento para esse transtorno é
a utilização de inibidores seletivos de recaptação de serotonina, os quais aumentam
a disponibilidade de serotonina nas fendas sinápticas.

7- Considerações finais

O interesse na compreensão da anatomia funcional da emoção tornou


possível elucidar quais locais envolvidos em seu processamento. Porém, pouco se
sabe sobre outros aspectos da emoção como perceptuais, mnemônicos e
experienciais. Além disso, não está claro como a emoção se relaciona com outros
eixos das experiências afetivas como o humor. Sabemos que disfunção de regiões
neurais envolvidas com a emoção resulta em transtornos de humor, porém, estamos
longe de entender a natureza psicológica dessa relação.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 159


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Do mesmo modo, compreender como a emoção e a razão se relacionam é


necessário para desmistificar a ideia que alguns possuem de que a emoção nada se
relaciona com a razão ou a realidade.

AGRADECIMENTO:
À Dra. Bárbara Onishi pela revisão do capítulo.

Pág. 160 Julho/2011


Neurociência Cognitiva

História da Neurociência

Camile Maria Costa Corrêa


Laboratório de Neurociência e Comportamento
camile.mc.correa@gmail.com

A visão histórica da neurociência permite vislumbrar de que formas a


humanidade vem formulando suas perguntas fundamentais; dentre elas, uma das
mais inquietantes gira em torno da questão da mente humana e das hipóteses
elaboradas sobre sua essência, estrutura e leis de funcionamento. Traçar um
percurso que data de milênios, apontando os principais nomes que pensaram as
idéias sobre os fenômenos mentais possibilita a comparação das metodologias
usadas para responder a essas perguntas. Pistas sobre as hipóteses desenvolvidas
conduzem a registros de papiros cirúrgicos, passando por rituais de civilizações
antigas, pela produção do pensamento filosófico e médico ocidentais, chegando às
observações clínicas e aos experimentos científicos destinados à abordagem dessa
questão. Todas essas aproximações contribuíram direta ou indiretamente para
desvendar o funcionamento do próprio corpo humano (nossa anatomia, fisiologia,
psiquismo) e sobre o mistério das emoções e sentimentos. É pela via histórica,
portanto, que se percebem diferenças quanto aos tratamentos especulativo,
empírico, clínico ou experimental que marcaram verdadeiros paradigmas das idéias
sobre a vida mental ao longo do tempo. Atualmente, a neurociência propõe
metodologias para a compreensão das bases do funcionamento cerebral e do
comportamento, as quais são desenvolvidas levando em conta o conhecimento
acumulado aliado ao rigor científico do tratamento de suas observações.

1- Introdução

Como pensamos? Como interpretamos a nossa realidade? De que forma


situamo-nos no mundo e desenvolvemos nossa identidade, nossas relações,
crenças e loucuras? Como nos emocionamos, sonhamos e experienciamos

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 161


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

consciência? Como foi possível desenvolvermos filosofia, ciência e artes? Haveria


uma chave para entender os mistérios da vida mental?
Atualmente, nosso conhecimento entende o cérebro como órgão responsável
pelo comportamento e pelas faculdades mentais. Também aprendemos que
fenômenos eletroquímicos são os responsáveis pelo funcionamento do sistema
nervoso. No entanto, esses conhecimentos são relativamente recentes e durante
muitos séculos as crenças sobre a maneira de funcionar do cérebro foram
radicalmente diferentes das professadas hoje.
Investigar o tratamento histórico dessas questões permite vislumbrar de que
maneiras a humanidade vem formulando perguntas fundamentais sobre os aspectos
daquilo que tradicionalmente identificamos como mente: sua existência, essência,
localização, estrutura e função. Todos os passos, dos mais intuitivos aos mais
rigorosos do ponto de vista experimental, constituem juntos os alicerces do
conhecimento que hoje relacionamos à neurociência.

2- A mente nas antigas civilizações

Sabe-se que as civilizações antigas exerciam uma produção cultural muito


rica. Há registros de povos primitivos que praticavam religiões e acreditavam em
entidades tais como alma e espírito. Interessantemente, além de estarem presentes
no domínio do corpo, elas permeavam a própria natureza.
Entretanto, essas culturas não contavam com o que hoje se conhece sobre
fisiologia, fazendo com que as tentativas de localização da mente soassem
simplesmente ilógicas, uma vez que as pistas das sedes para os fenômenos mentais
eram intuídas a partir de observações cotidianas. Havia evidências de que a mente
poderia estar dentro da cabeça ao perceber, por exemplo, que um trauma nessa
região poderia causar alterações substanciais da percepção e do comportamento.
Uma evidência da aposta nessa localização são os achados dos rituais de
trepanação. A trepanação é uma técnica cirúrgica de abertura de uma ou mais
fendas no crânio, com o provável intuito de afastar maus espíritos. Povos antigos,
como os maias, (2000 a.C. – 900 d.C.) realizavam esse tipo de procedimento em
pessoas acordadas, provavelmente acreditando que espíritos maus existentes no
interior da cabeça seriam os responsáveis por patologias tais como epilepsia e o
estado de coma e, uma vez feitas essas aberturas, os espíritos poderiam escapar, o
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Neurociência Cognitiva

que promoveria a recuperação e cura. Crânios com perfurações feitas em vida foram
encontrados em sítios que datam de até 10.000 anos.
Pela cicatrização, há indícios de que as pessoas sobreviviam a esse procedimento.
Ora, alguns casos de coma eram devidos a um aumento da pressão intracraniana e
essa cirurgia realmente promove alívio da hipertensão intracraniana podendo, em
alguns casos, ter até valor terapêutico. Cadáveres dessa forma foram encontrados
em quase todas as civilizações do mundo e, mesmo povos modernos, como os da
Oceania, ainda praticam essa laboriosa e arriscada cirurgia.
Uma segunda questão tão intrigante quanto a localização diz respeito à forma
como mente e corpo viriam a se influenciar. Se uma mente existe e se ela está no
corpo, qual o mecanismo de interação dessa mente com esse corpo?
Um outro indício, documental, de que há muito se associava o cérebro à
mente é o Papiro Cirúrgico de Edwin Smith, americano que adquiriu a relíquia em
1862. Considerada o tratado científico mais antigo conhecido, foi escrito no Egito e
data, embora não haja consenso, de 1600 a.C. Lá estão descritos 30 casos de
referências diretas ao cérebro. Descrições anatômicas, traumatológicas e clínicas,
com detalhes sobre o que acontecia com um trauma de guerra, provocando
epilepsia, convulsões, paralisia, problemas sensoriais e até alteração do sistema
nervoso autônomo nas pessoas que haviam sido vítimas dessas lesões.

3- Abordagens Filosóficas Pioneiras

Foi na Antigüidade Grega, com o florescimento intelectual em Atenas, por


volta de 400-300 anos a.C., que começou a surgir o pensamento sistematizado
sobre algumas perguntas relativas à mente. (Consenza, 2002).
Na cultura ocidental, Alcmaeon de Crotona (século V a.C.) foi possivelmente o
primeiro a localizar no cérebro a sede das sensações. Para ele, os nervos ópticos,
que seriam ocos, levariam a informação ao cérebro, onde cada modalidade sensorial
teria seu próprio território de localização.
Ainda no século V a.C., Demócrito, Diógenes, Platão e Teófrasto punham no
cérebro o comando das atividades corporais. Também entre os gregos, Herófilo
(335-280 a.C.), que dissecou e escreveu sobre o cérebro, foi o primeiro a descrever
suas cavidades, os ventrículos cerebrais, associando-os às funções mentais. Essa

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

idéia, como veremos, teve enorme importância na “neurofisiologia” dos séculos que
se seguiram.
Os filósofos gregos Alcaemeon e Demócrito acreditavam que a sede da
mente era o cérebro. Para eles, a constituição interna dos nervos era oca e seriam
estas as estruturas responsáveis por transmitir uma espécie de fluido vital, chamado
espírito animal, base da mente, da alma e até da alma imortal.
Na filosofia ocidental dois nomes entraram em intenso debate. Hipócrates - o
pai da medicina - e Aristóteles, pai das ciências do conhecimento natural, cujas
idéias foram propagadas até a idade moderna.
Hipócrates (460-379 a.C.) acreditava que o cérebro era a sede da mente, dos
sentimentos e das emoções; ele seria a estrutura responsável pelos sonhos, terrores
noturnos e problemas mentais. "Deveria ser sabido que ele é a fonte do nosso
prazer, alegria, riso e diversão, assim como nosso pesar, dor, ansiedade e lágrimas,
e nenhum outro que não o cérebro. Na época não havia conhecimento sistematizado
sobre a anatomia cerebral, pois não se praticavam dissecações. As declarações
hipocráticas eram, portanto, fruto de intuições filosóficas baseadas na observação
clínica de que o cérebro seria a sede de tudo o que hoje se acredita que seja (juízo,
emoções, sentimentos etc.)
Porém, esse conhecimento dos hipocráticos sofreu uma regressão com
Aristóteles, (384 a.C. - 322 a.C)., para quem a sede dos referidos fenômenos estava
no coração. Seus argumentos eram simples: o coração hospeda a razão por ser
quente e ativo, enquanto o cérebro serve para resfriar o sangue, por ser frio e inerte.
Ora, quando se experiencia uma emoção forte, ela é sentida no coração, pela
ativação simpática. Diz-se que o coração está pesado, que se gosta de alguém “de
coração” ou até mesmo que se sabe algo de cor; do latim, decorado. Acreditava-se,
inclusive, que até a memória estaria no coração.
Na época, associou-se erradamente o efeito à causa, quer dizer, a emoção
está no cérebro, a sua expressão está no coração. Porém, Aristóteles não era
experimentador, era um filósofo, pensava essencialmente de acordo com a lógica.
O médico romano Galeno (130-200) foi importante na história da neurociência
porque foi o primeiro a refutar o que disse Aristóteles. Para aquele, não haveria
sentido em afirmar que o cérebro tivesse a função de esfriar as paixões do coração.
Pela dissecação de animais ele destinou muita atenção às meninges e às cavidades

Pág. 164 Julho/2011


Neurociência Cognitiva

encefálicas (contrastantes com a massa, amorfa, cerebral) fazendo com que se


buscasse relacionar os ventrículos com a mente.
Os ventrículos pareciam ser estruturas-chave na procura pela sede da mente
por serem espaços destacados, cheios de líquidos, e, uma vez que ainda era forte a
idéia vinda dos gregos de que a mente seria intermediada pelo espírito animal,
várias pistas indicavam que aqueles ventrículos cheios de fluido fossem a sua sede.
Esse conceito de Galeno foi apropriado durante toda a Idade Média pela
ciência médica. Acreditava-se, por especulação puramente teórica, que havia três
células dos ventrículos no cérebro. A primeira célula (anterior) seria responsável
pela sensação e percepção (nervos ligando os órgãos dos sentidos ao ventrículo 1).
A segunda célula seria a responsável pelo juízo, pensamento e razão (ventrículos
laterais; faculdades nobres, fluido resfriado e o refugo seria filtrado pelo sangue). Já
a terceira seria a responsável pela memória, e utilizada pelos outros dois ventrículos
para o funcionamento cerebral. Leonardo da Vinci, grande anatomista, também fez
desenhos dos ventrículos cerebrais.
Até aqui, tem-se uma teoria da mente que, embora não se baseasse na fisiologia,
não deixava de apresentar uma certa consistência interna. A idéia dos fluidos vigeu
durante muitos séculos.
Foi apenas a partir da Renascença que houve mudanças mais pronunciadas,
pelo conhecimento mais detalhado sobre a anatomia do cérebro. (Consenza, 2002).
O anatomista Vesalius, (1514-1564) escreveu o livro “Da Estrutura do Corpo
Humano” em que ele, através das dissecções que realizava em seres humanos e
em outros animais, notou que estes (inclusive asnos e jumentos) também tinham
ventrículos. Observou-se que o espaço ventricular nos homens e em outros primatas
era praticamente do mesmo tamanho, ao contrário do restante do cérebro que, no
homem, mostrava diferenças. Dessa forma, seria lógico pensar que os aspectos
intelectuais superiores, tão peculiares a nós, estariam não nos ventrículos, mas em
outras partes do cérebro.
Contudo, continuou-se a acreditar que os ventrículos cerebrais eram um local
de armazenamento dos espíritos animais, de onde eles partiriam para, através dos
nervos, atingir os órgãos sensoriais ou de movimento. Assim, a teoria da localização
ventricular perdurou por muito tempo.

4- Descartes e o mecanicismo

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 165


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

No século XVII, o filósofo, matemático e naturalista René Descartes (1596-


1650) especulava sobre a natureza do sistema nervoso, sobre de que maneira ele
funcionaria como a base da mente. Ele propôs o mecanismo da ação reflexa,
fenômeno que ocorre quando, ao encostar-se num estímulo nocivo, como o fogo,
retira-se o membro de forma rápida e involuntária.
Descartes propôs que o estímulo, ao atingir o pé, seria transmitido pelos
nervos até o cérebro, sendo que essa transmissão seria conduzida de forma
hidráulica. Assim, o aquecimento provocaria um aumento do fluxo do fluido (espírito
animal) para o cérebro, que iria aos ventrículos, até a glândula pineal, (reguladora
desse fluxo), voltando até o nervo motor, de forma a inchar o músculo tal qual um
fole que promoveria, finalmente, o movimento do membro. (Consenza, 2002).
Note-se que o modelo físico do cérebro na época era hidráulico, seguindo a
tecnologia disponível na época. Descartes comparou as fontes do jardim de
Versailles, da realeza francesa, cujos mecanismos eram hidráulicos, com a própria
complexidade do sistema nervoso.
Descartes fez uma série de desenhos, puramente especulativos, mostrando a
estrutura fibrosa do cérebro humano; e ele especulava que a glândula pineal
regulava o fluxo do espírito animal dentro do cérebro como se fosse uma válvula. Há
desenhos do encéfalo inflado e desinflado; correspondendo ao estado de vigília e de
sono. Ele argumentava que os fluxos iriam se acumulando durante o dia e inchando
o cérebro e, à noite, a pineal (válvula) entrava em funcionamento e isso promovia o
sono.
Nessa época almejava-se chegar ao conhecimento pela via da razão pura, da
dialética, do exame da lógica das palavras e do conhecimento, em detrimento da
experimentação.

5- O início dos experimentos

Em fins do século XVIII (1780, 1790) inaugurou-se realmente a era científica.


Na física, com Galileu Galilei, e na ciência biológica com outros dois italianos: Luigi
Galvani e Alessandro Volta. Esses dois cientistas foram pioneiros no estudo
experimental do sistema nervoso.

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Neurociência Cognitiva

A seguir são elencados quatro conceitos que, nos séculos XVIII e XIX,
permearam o início da era científica em neurociência (Consenza, 2002).

1. A eletricidade animal: a idéia de que “espíritos animais” percorriam os nervos,


cuja origem remonta ao pensamento grego, permaneceu corrente até o Século XVIII,
quando ficou demonstrada a natureza elétrica na condução nervosa, destacando-se
para isso o trabalho de Luigi Galvani;
2. A localização de áreas cerebrais: o conhecimento de que determinadas partes
do cérebro apresentam diferentes funções. Têm início as tentativas de aliar forma e
função para mapear faculdades cerebrais: ações motoras, percepções sensoriais
etc.;
3. A doutrina neuronal: uma especialização da doutrina celular. Cientistas
descobriram através do microscópio que as células não eram somente elementos
estruturais, mas os elementos funcionais de todos os organismos.
4. A teoria da Evolução: a partir da segunda metade do século XIX até hoje se
firma como o conceito mais revolucionário nas ciências biológicas; foi proposto por
Charles Darwin, cientista e naturalista inglês.

No final do século XVIII, Luigi Galvani (1737-1798) notou que, ao amarrar as


pernas de um sapo a uma grade metálica, submetendo-as a uma descarga, as
pernas se contraíam. Na época, os modelos físicos também estavam em
transformação. Uma hipótese seria a de que a eletricidade pudesse ser o fluido
animal, a base do espírito vital. Aliado a essa descoberta, o magnetismo fez com
que o paradigma hidráulico fosse banido da neurociência, que gradativamente
passou a adotar o modelo elétrico. Galvani fez uma série de experimentos
elegantes, demonstrando que a origem da eletricidade não era externa, mas interna,
do próprio tecido animal. A partir daí foram conduzidos os estudos sobre as
propriedades de comunicação no sistema nervoso.
Os conceitos fundamentais sobre o papel do tecido cerebral para as funções
nervosas também se desenvolveram no século XIX. Theodor Schwann (1810-1882),
que descreveu a bainha de mielina, foi quem primeiro propôs que todo o corpo seria
formado por células. Sua teoria teve ampla aceitação para todos os tecidos, com
exceção do sistema nervoso, em relação ao qual se acreditava que as células eram
contínuas, formando um grande sincício. Somente com a descoberta das técnicas

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 167


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

de impregnação das estruturas nervosas pela prata (método de Golgi) foi possível
uma observação mais acurada, resultando nos trabalhos de Santiago Ramón y Cajal
(1852-1934) que, já em 1889, argumentava que as células nervosas eram elementos
isolados. Em 1891 Wilhelm von Waldeyer (1836-1921) cunhou o termo “neurônio”
para designar a unidade anatômica e funcional do sistema nervoso.(Consenza,
2002).
Finalmente veio a descoberta, por Charles Scott Sherrington (1857-1952), dos
espaços existentes nas junções entre células nervosas ou entre estas e as células
musculares. Sherrington chamou essas estruturas de “sinapses”.

6- Frenologia e a localização cerebral

O médico alemão Franz Gall (1758-1828) propôs que o cérebro seria


composto de muitos sub-órgãos particulares, cada um deles relacionado ou
responsável por uma determinada faculdade mental. Ele propôs que o
desenvolvimento relativo das faculdades mentais em um indivíduo levaria a um
crescimento ou desenvolvimento de sub-órgãos responsáveis por eles. Assim, a
forma externa do crânio refletiria a forma interna do cérebro, cuja observação
poderia ser usada para diagnosticar faculdades mentais. (Sabbatini, 1997).
Embora não fosse experimentador, Gall propôs esse modelo em boa fé, por
observações feitas em centenas de crânios de pessoas normais, sentenciados,
doentes mentais etc. Apesar de ter proposto uma teoria sem fundamentação
científica, teve o mérito de chamar a atenção da ciência para o localizacionismo,
para o fato de que haveria um mapeamento das funções cerebrais em relação à sua
estrutura.
Esse movimento levou a uma série de estudos baseados em informações
clínicas, principalmente pela incidência de tumores ou de lesões em seres humanos,
que tornava possível correlacionar alterações estruturais a disfunções
comportamentais.
O médico francês Pierre Broca mostrou que havia no cérebro uma área
responsável pela linguagem falada. Ele estudou um paciente afásico (capaz de
emitir somente o som de uma palavra) e, quando da morte desse paciente, pela
realização de necrópsia, foi descoberta uma lesão, originada pela sífilis, numa área
muito pequena, restrita ao hemisfério esquerdo. Chegou-se à conclusão de que
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Neurociência Cognitiva

aquela área era a responsável exclusiva da elaboração da linguagem. Essa idéia foi
a primeira comprovação científica de que tal mapeamento pudesse realmente existir.

7- Novos Paradigmas

Na esteira de transformações, toda a ciência sofreu o impacto da revolução


paradigmática proposta por Darwin, pesquisador que violou conceitos profundos na
época; até então Deus teria criado o ser humano de maneira exclusiva, à parte do
Reino Animal, sendo que não fazíamos parte dessa cadeia por sermos nobres,
superiores. Darwin mostrou que éramos parte desse ambiente em evolução e, mais
ainda, que à medida que os organismos têm necessidade de se adaptar às
mudanças no ambiente, eles desenvolvem tecidos (cerebrais e não cerebrais) para
se adaptar àquela circunstância. A existência de vários fenômenos naturais,
inclusive o papel do sistema nervoso, passa a ser considerada resultado da
evolução pela seleção natural.
Ainda um conceito fundamental na época é o de homeostase. Claude
Bernard, um fisiologista francês da segunda metade do século, propôs um conceito
do meio interno: a estabilidade, a temperatura corporal, a quantidade de
determinados elementos sangüíneos, fluidos corporais ou intracelulares, tudo deve
se manter constante para que seja possível a vida. Assim, os organismos
desenvolveram formas extremamente sofisticadas (hormonais e neurais) de manter
esse equilíbrio interno a despeito de mudanças no ambiente. O cérebro, o sistema
endócrino, o sistema imune, funcionavam como isoladores do organismo em relação
ao ambiente, a exemplo do processo regulatório da homeotermia.
De forma análoga os próprios fenômenos mentais fariam igualmente parte
dos mecanismos de homeostasia, indicando que até os comportamentos
sofisticados como os das faculdades da mente humana fossem vistos como
resultados da evolução, como táticas selecionadas para manter o equilíbrio. Por
exemplo, no frio, os mecanismos bioquímicos promotores da homeotermia podem
não ser suficientes, o que nos leva a desenvolver roupas, casas, ou migrar para
clima mais quente (utilização de faculdades mentais).
Finalmente a doutrina neuronal foi proposta/adaptada por dois cientistas:
Ramón y Cajal (espanhol) e Camilo Golgi (italiano), que estudaram com grande
detalhe a estrutura microscópica interna do sistema nervoso e descobriram que

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

essas células pareciam se comunicar entre si através de processos fibrosos (axônios


e dendritos) e que não havia continuidade entre elas. O conceito de sinapse foi
desenvolvido posteriormente, como visto, por Sherrington.

8- O começo da psicologia experimental

A partir dessa época assistiu-se ao surgimento dos primeiros estudos de


aprendizagem e memória; o conceito de reflexo condicionado, que foi elaborado por
Ivan Pavlov, seria produto do funcionamento neuronal. Ele e Eric Kandel receberam
o prêmio Nobel, este último por sua contribuição para desvendar os mecanismos e
as bases celulares e moleculares do aprendizado. A partir daí vivemos uma
revolução das técnicas advindas do conhecimento acumulado. Esse saber teve
repercussões práticas, como o surgimento da psiquiatria científica e a mudança
conceitual que passou a considerar as doenças como disfunções do cérebro e o
conseqüente uso de conhecimentos psicológicos e fisiológicos na terapia. Os
sintomas não eram mais devidos à possessão ou falta de caráter, mas atribuíveis a
desordens biológicas.
Jean Marie Charcot, psiquiatra francês, juntamente com Pinel, foram
responsáveis pelas mudanças de atitude com relação à doença mental. Charcot é
conhecido pelo estudo dos fenômenos histéricos, vistos não mais como falhas de
caráter de mulheres que apresentavam essa neurose, mas como fruto de
fenômenos biológicos subjacentes.
O estudo da histeria influenciou o médico vienense Sigmund Freud, criador da
psicanálise, que também procurou dar um embasamento neurológico à teoria.
O desenvolvimento de medicamentos e de cirurgias foram marcantes na
história da neurociência, como a lobotomia pré-frontal, uma técnica cirúrgica
utilizada por décadas, muitas vezes sem motivo, desenvolvida pelo médico
português Egaz Moniz (prêmio Nobel da década de 40) para tratamento de
pacientes psicóticos. Já na década de 50 investiu-se na terapia medicamentosa, a
intervenção química como alternativa de tratamento seguro e efetivo das psicoses,
fazendo com que o conhecimento gerado pelas pesquisas se traduzisse também em
intervenções sociais.

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Neurociência Cognitiva

9- O Futuro da pesquisa do cérebro.

Entender o que nos faz humanos recruta, há milênios, desde idéias místicas,
passando pelo conhecimento filosófico, e modernamente contando também com as
metodologias científicas. O avanço dessas pesquisas alimenta a visão que a
humanidade faz sobre a sua própria vida mental.
Ao propormos uma divisão didática das idéias no tempo, percebemos que é
possível agrupar a evolução do conceito sobre estrutura e funcionamento do sistema
nervoso. A história é sempre um recurso precioso para o estudo do movimento das
idéias. Olhando retroativamente, assistimos ao surgimento de uma determinada
proposição, medimos seu impacto imediato ou tardio, seu declínio, seu retorno em
outro tempo sob condições diferentes ou sua rejeição definitiva pela falta de
evidências. (Kristensen et al. 2001)
A mente é uma definição que tenta resgatar a essência do ser humano. A
essência de uma pessoa emerge da existência de funções mentais que nos
permitem pensar e perceber, amar e odiar, aprender e lembrar, resolver problemas,
comunicar, criar e destruir civilizações. Essas expressões são intrinsecamente
relacionadas ao funcionamento cerebral. Além disso, sem o cérebro, a mente não
pode existir; sem a manifestação do comportamento, a mente não pode ser
expressa.
A evolução humana é notável na medida em que foi marcada por vários
pontos de viragem cultural. Exemplos disso foram as peculiares descobertas do
fogo, do abrigo, das ferramentas, da linguagem, que exigia uma combinação de
fatores genéticos e mudanças culturais. Com o surgimento da consciência, incluindo
um sentido de si mesmo e uma sensação de continuidade com o passado e futuro, o
homem começou a olhar sobre seus próprios ombros e a questionar acerca das
suas próprias origens. Quem sou? De onde vim? Para onde vou?
As revoluções científicas transformam nossa visão de mundo. Ironicamente,
apesar do conhecimento detalhado de quase tudo no universo, em todas as escalas
imagináveis (o sistema solar, galáxias distantes, os buracos negros, os átomos,
moléculas, a teoria das cordas, DNA, hereditariedade, os mecanismos da vida etc.),
ainda não sabemos quase nada sobre o órgão que fez todas essas descobertas. O
conhecimento das funções do cérebro permanece tão primitivo como o nosso
conhecimento do resto do corpo humano um ou dois séculos atrás. Como podemos

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 171


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

propor a consciência ambiental, a higiene do meio, o equilíbrio do ambiente; se não


cultivamos a nossa própria vida interior"?
Apesar do acúmulo de grandes quantidades de conhecimento sobre o cérebro
(cerca de 10.000 documentos são apresentados a cada ano na Sociedade para
reuniões de Neurociência), mesmo as perguntas mais básicas sobre nossas mentes
permanecem sem resposta. O que é a vontade? Quem é o “eu”? Como explicar o
sentimento de uma única pessoa que perdura no tempo e no espaço? O que é a
consciência? (Ramachandram, 2003).
Apesar de vislumbrarmos as correntes de pensamentos, percebemos que, ao
longo do tempo, a integração entre as idéias pode ser árida. A ciência da mente
depende da conversa integrada entre experimentos controlados e o esforço teórico,
articulados criticamente. O entendimento atual sobre origem, funcionamento e
capacidade do sistema nervoso é resultado do esforço de múltiplas áreas do
conhecimento, denominadas genericamente por neurociências.
A neurociência cognitiva assume o conceito de modularidade do
funcionamento do sistema nervoso, investigando funções como percepção, atenção,
memória, emoção, ação etc, por essa ser considerada uma estratégia de abordagem
coerente, além de didática. “Não mais estamos restritos a inferir sobre as funções
mentais simplesmente a partir da observação comportamental. Como resultado, a
neurociência durante as próximas décadas pode desenvolver os instrumentos
necessários para testar o mais profundo de todos os mistérios biológicos – as bases
biológicas da mente e da consciência”. (Kandel, 2003).
Portanto, ao elaborar as perguntas devidas, realizando os experimentos
devidos, pode-se começar a responder a estas perguntas que, até agora, continuam
a ser a preocupação dos filósofos. Ao entendermos a natureza humana baseada no
entendimento de nós mesmos, não sobram limites a serem alcançados. Sabemos
muito pouco sobre o cérebro, por isso temos de manter uma mente aberta e estar
preparados para surpresas.

AGRADECIMENTO:
Ao Prof. Dr. André Frazão Helene pela revisão do capítulo

Pág. 172 Julho/2011


Neurociência Cognitiva

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Unidade 2

Fisiologia na Dinâmica Ambiental

1
Carlos Eduardo Tolussi
ctolussi@gmail.com
2
Stefanny Christie Gomes Monteiro
stefannychristie@gmail.com
1
Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
2
Laboratório de Comportamento e Fisiologiia Ambiental

As variações ambientais, previsíveis ou imprevisíveis, influenciam diretamente na


fisiologia e no comportamento dos organismos, que por sua vez, respondem a estas
alterações de diversas maneiras, com o objetivo da manutenção da homeostase. Estudos
visando compreender estas distintas respostas e suas conseqüências são realizados por
meio da fisiologia e ecofisiologia. Frente a este quadro, o objetivo deste módulo é discutir a
importância da fisiologia por meio de estudos de modificações fisiológicas frente a
alterações ambientais. Uma vez que a fisiologia por si só não é suficiente para se
compreender estas variações o presente módulo discutirá diversos temas relacionados à
fisiologia como aliada às modificações ambientais.
Seguindo a idéia de analisar como os diferentes parâmetros podem interferir na
fisiologia dos animais, este módulo abordará temas relacionados aos diversos mecanismos
fisiológicos desencadeados em função de variáveis ambientais, como por exemplo, as
modificações que podem ocorrer durante o desenvolvimento dos animais em contraste com
as alterações fisiológicas imediatas que ocorrem em resposta a um estímulo ambiental;
como os animais percebem e se ajustam às variações ambientais ao longo de suas vidas,
durante um ano, seis meses, ou até mesmo um mês; a compreensão dos mecanismos
envolvidos na respiração e a relação entre o processo respiratório e o meio circundante para
uma ampla visão da relação do animal com o meio ambiente; as alterações e
especializações que ocorrem na fisiologia de animais que habitam locais com diferentes
concentrações de sais e disponibilidade de água (habitats terrestres, aquáticos, arborícolas)
e precisam manter a sua osmolaridade.
Uma variável ambiental que tem uma importante relação com os animais é a
temperatura, uma vez que ela modula diversos processos fisiológicos em diferentes níveis
de organização biológica. Os animais endotérmicos apresentam diversos tipos de
VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

mecanismos internos para compensar as variações ambientais de temperatura, entretanto,


animais ectotérmicos são diretamente influenciados por esta variável, uma vez que, variam
a temperatura corpórea em função da temperatura ambiente. Os capítulos relacionados a
este tema abordam aspectos fisiológicos que abrangem desde as estruturas moleculares
sensíveis às alterações de temperatura externa e interna ao funcionamento de tecidos,
órgãos e sistemas sob diferentes condições de temperatura. Estes temas serão abordados
através de estudos sobre os efeitos das mudanças de temperatura sobre os organismos a
nível molecular, como por exemplo, a reorganização dos ácidos graxos de membranas
biológicas, alteração na produção e atividade de proteínas e células envolvidas na
imunidade, alterações na taxas de respiração relacionadas ao consumo de oxigênio, maior
necessidade de aquisição de alimentos, aumento ou diminuição na taxa de crescimento,
tamanho corpóreo do adulto e locomoção.
Este módulo irá ainda abordar a entre animais e o ambiente com a reprodução,
focando temas relacionados à dinâmica parasita-hospedeiro, onde serão discutidos
aspectos metabólicos, reprodutivos e evolutivos, dentre os quais será abordada a relação
entre a carga parasitária dos animais e diversos processos fisiológicos envolvidos na
reprodução dos animais e como essa interação pode estar relacionada a aspectos
evolutivos; processos fisiológicos na conservação das espécies, abordando um estudo de
caso em peixes teleósteos; aspectos da neuroendocrinologia do comportamento
reprodutivo, através do estudo das moléculas envolvidas na sinalização e atuação celular,
com uma ênfase em anfíbios; e uma abordagem da relação fisiológica da comunicação,
avaliada sob diferentes aspectos da sinalização, sejam químicos, táteis, visuais, olfativos ou
auditivos, envolvidos na reprodução animal.
Ao final desta etapa o módulo abordará como os fatores ambientais podem ser prejudiciais
para a fisiologia. Neste assunto, os temas abordados serão: Uma análise dos indicadores de
estresse, principalmente o cortisol. Será abordado se este hormônio é ou não um indicador
eficiente de estresse; A influência da cadeia trófica na composição dos ácidos graxos. Este
capítulo apresenta também a interferência da ação antrópica na cadeia trófica e
consequentemente no perfil de ácidos graxos; Poluição e fisiologia da conservação. Este
capítulo trás conceitos e também demonstra alguns exemplos de estudos que tentam
analisar como determinados poluentes agem na fisiologia dos animais.

Pág. 188 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Capítulo 11 Fisiologia e Ambiente: uma introdução pág. 189


Vanessa Ap.Rocha Oliveira Vieira
Capítulo 12 Fisiologia, Animais e Ambiente. A importância da plasticidade
fenotípica nos ajustes a mudanças ambientais previsíveis e imprevisíveis pág. 198
Lilian Cristina da Silveira
Capítulo 13 A respiração dos vertebrados: Ambientes extremos pág. 214
Daniel Rodrigues Stuginski
Capítulo 14 Desafio hídrico dos vertebrados em ambientes extremos pág. 232
Braz Titon Junior
Capítulo 15 Temperatura: “Macro e Micro fisiologia” pág. 246
Cristiéle da Silva Ribeiro
Capítulo 16 O papel da temperatura no crescimento de anfíbios e répteis
pág. 255
Carla Piantoni
Capítulo 17 Das tocas às bactérias: como estímulos ambientais influenciam a
temperatura corporal? pág. 267
Carolina da Silveira Scarpellini
Capítulo 18 Efeito da temperatura sobre a resposta imunológica em vertebrados
ectotérmicos pág. 276
Stefanny Christie Gomes Monteiro
Capítulo 19 Aula prática - Temperatura x imunidade e locomoção em anfíbios
pág. 287
Bráz Titon Júnior, Carla Piantoni, Carolina da Silveira
Scarpellini, Cristiéle da Silva Ribeiro e Stefanny Christie Gomes Monteiro
Capítulo 20 Dinâmica parasita-hospedeiro: Aspectos metabólicos, reprodutivos e
evolutivos pág. 291
Carla Bonetti Madelaire
Capítulo 21 Os processos fisiológicos na conservação das espécies. Um estudo
de caso: A reprodução dos peixes teleósteos pág. 300
Carlos Eduardo de Oliveira Garcia
Capítulo 22 Neuroendocrinologia do comportamento reprodutivo, com ênfase em
anfíbios pág. 310
Vânia Regina de Assis

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 189


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Capítulo 23 Comunicando-se sem palavras: a dinâmica fisiologia da comunicação


animal na reprodução pág. 321
Leticia Regina do Amaral Braga
Capítulo 24 O cortisol indica estresse ou só estressa? pág. 332
Carlos Eduardo Tolussi
Capítulo 25 Você é o que você come: importância dos ácidos graxos na cadeia
trófica pág. 342
Aline Dal’Olio Gomes
Capítulo 26 O mundo pede socorro! Poluição Aquática e Fisiologia da
Conservação pág. 354
Vanessa Ap.Rocha Oliveira Vieira
Bibliografia pág. 365

Pág. 190 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Fisiologia e Ambiente: uma introdução

Vanessa Ap.Rocha Oliveira Vieira


Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
vroliveira@usp.br

Os organismos ajustam sua morfologia, fisiologia e comportamento durante seus


ciclos de vida, e estes ajustes ocorrem sazonalmente para muitas espécies e em muitos
casos, diariamente. Muitos eventos são previsíveis e a programação para estas respostas já
estão incluídas na carga genética do animal, mas muitos eventos imprevisíveis como
injúrias, mudanças no status social, ou doenças podem ocorrer, e o animal terá que se
ajustar para responder adequadamente (McEwen e Wingfield, 2010).
Muitos termos já foram citados na literatura a fim de tentar esclarecer quais os
ajustes adotados pelos organismos para lidar com os eventos a que são submetidos. Em
1932 Walter Brandford Cannon sugeriu o termo Homeostase do grego Homeo similar ou
igual, stasis estático, declarando que “Todos os mecanismos vitais tem somente um
objetivo, preservar constantemente as condições do meio interno” para tanto seria
necessário manter o “set point” (pontos de ajustes) das funções biológicas. As conclusões
de Cannon partiram das idéias propostas por Claude Bernard (1872) de que: "O corpo vivo,
embora necessite do ambiente que o circunda, é, apesar disso, relativamente independente
do mesmo. Esta independência do organismo com relação ao seu ambiente externo deriva
do fato de que, nos seres vivos, os tecidos são, de fato, removidos das influências externas
diretas, e são protegidos por um verdadeiro ambiente interno, que é constituído,
particularmente, pelos fluidos que circulam no corpo".
Mas o termo “constate” não seria um modelo ideal de estabilidade fisiológica, pois
muitos dos eventos programados que acontecem na vida de um animal como mudanças na
ingestão alimentar e metabolismo, nos processos osmorregulatórios durante a lactação
(Bauman, 2000) ou mudanças no metabolismo, morfologia muscular e comportamental que
ocorre nos processo de migração (Kuenzel e col., 1999), requerem ajustes ou mudanças
nos “set points” e muitas vezes, dependem de fatores externos, para dar início a estes
processos. Sendo assim, podemos dizer que os ajustes necessários para ocorrência de
muitos eventos, já não condiz com o termo “constância”, pois as mudanças necessárias não
dizem respeito às modificações na homeostase mas sim, às mudanças na regulação gênica.
Essas modificações podem estar associadas à a indução ou supressão de genes envolvidos
como uma resposta já programada geneticamente, que ocorreria em algum momento na
vida do animal, levando a discussão de que os ajustes homeostáticos necessários para lidar

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 191


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

com a fisiologia alterada destes processos, age de forma programada no ciclo de vida e não
simplesmente como resposta a mudança de algum ponto específico que poderia
comprometer a vida do animal. Ou seja, a homeostase é um conjunto de processos que
previne flutuações na fisiologia de um organismo (Baumann, 2000; McEwen e Wingfield,
2010).
Acreditava-se que a estabilidade interna dos organismos vivos era completamente
independente de fatores ambientais, mas pesquisadores dos ritmos circadianos procuravam
argumentar contra, relatando que não existe um “set point”, simplesmente porque o
organismo possui funcionalidade sujeita a mudanças constantes no seu comportamento em
função das suas relações com o meio ambiente e que constância não é fundamental para a
vida, mas sim a noção de que parâmetros variam e que isto antecipa a demanda requerida
pelo organismo como, por exemplo, as variações na temperatura corporal, pressão interna,
dentre outras (Ruoff e Rensing, 2004; Yang e Shieh, 2009).
Sterling (2004) utilizaram as variações na pressão arterial para tentar explicar como
isso acontece, por exemplo, na parte da manhã, após se levantar, a pressão arterial sobe
afim de manter o fluxo sanguíneo no cérebro devido ao ínicio de uma atividade, esse tipo de
alostase faz com que os níveis de oxigênio se mantenham constantes no cérebro. Outro
exemplo são as elevações de catecolaminas e glucocorticóides na corrente sanguínea
durante as atividades físicas afim de mobilizar e restabelecer a energia necessária para o
bom funcionamento do corpo, em geral mantendo o metabolismo e a temperatura corporal
ideais para o momento. Estes e outros modelos são demandas requeridas pelo organismos
em respostas aos eventos que ocorrem no ciclo de vida de cada animal e dependem de
condições ambientais e do contexto social a que eles estão inseridos (McEwen e Wingfield,
2003).

1- Alostase, Carga Alostática e Sobrecarga alostática

Neste contexto de confusões de terminologia, Romero e cols. (2009) sugeriram em


uma revisão, uma terminologia diferente para conceituar e descrever as mudanças,
combinando os conceitos de homeostase e estresse. Surgiu então o termo Alostase,
definido por McEwen and Wingfield (2007) como “o processo que mantém a estabilidade
através da mudança”, mantendo a homeostase através de ajustes nos parâmetros
essenciais para a vida mesmo que os pontos de ajustes e outros limites de controle sejam
modificados.
A alostase se refere à capacidade do corpo para produzir hormônios (como o
cortisol, adrenalina) e outros mediadores (com as citocinas, por exemplo), que ajudam o
animal a se ajustar a uma nova situação ou desafio, isso inclui os previsíveis e os

Pág. 192 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

imprevisíveis. Além disso, o organismo é capaz de antecipar as mudanças afim de reagir de


modo dinâmico e variável durante seu ciclo de vida. Um conjunto de respostas durante um
evento recebe o nome de carga alostática que, nada mais é, do que a demanda requerida
para responder a determinada situação, ela pode ser considerada como resultado das
rotinas diárias ou sazonais dos animais para busca de alimento para sobrevivência, energia
extra para migrar, proceder a muda e etc,...(eventos previsíveis e programados) (Mc Ewen e
Wingfield, 2003). Mas, uma pequena mudança nos níveis destes hormônios, refletindo na
produção excessiva de uns e/ou inadequada de outros por diversos motivos tais como
mudança de temperatura, disponibilidade de alimento, doenças, predadores, interações
sociais, clima, dentre outros, fatores estes que persistam a longos intervalos de tempo e a
demanda energética não for o suficiente, poderá levar a sobrecarga alostática (McEwen,
1998; Mc Ewen e Wingfield, 2003).
Por exemplo, para o sistema imune, a indução de um estressor agudo pode
promover a liberação de hormônios (corticóides e catecolaminas) que facilitem a circulação
de células do sistema imune para todo o corpo, necessárias para combater uma infecção ou
induzir outras repostas (Dhabhar e McEwen, 1999). No cérebro, estes mesmos hormônios
promoverão a formação de memórias de eventos potencialmente perigosos com a finalidade
de prevenção futura (Roozendaal, 2000).
As espécies são adaptadas a sobreviver em um hábitat espécie-específico, isso
implica que os indivíduos têm condições ambientais adequadas para regular os processos
metabólicos sem a necessidade de alterações, porém há grande variação de respostas de
um indivíduo para outro, ou seja, os indivíduos podem diferir na maneira como lidam com os
desafios ambientais. Estudos em uma grande variedade de espécies mostram que mesmo
dentro de uma determinada espécie, os indivíduos diferem em seu estilo de enfrentamento
(Koolhaas e col., 1999) e esta variação demostra ser uma forma de proteger as espécies
contra as flutuações ambientais (Sih e col., 2004;. Dingemanse e col., 2004). Mc Ewen e
Wingfield (2003) não enxergam estas variações entre indivíduos como deficiência, mas sim,
como um desafio para determinar as maneiras de medir as variáveis que contribuem para a
carga alostática, ou seja, o estímulo que pode ser entendido como efeito estressor para um
pode não ser para o outro.
A fig. 1 resume como o metabolismo age durante o ciclo de vida em momentos
previsíveis (diariamente e sazonalmente) e imprevisíveis podendo resultar em anabolismo
ou catabolismo dependendo da qualidade de alimento disponível. Se a quantidade de
alimentos for alta, o individuo é capaz de armazenar energia para situações futuras, se for
variável (num sentido temporal ou espacial) poderá haver mudanças na forma de utilização
de estados catabólicos para anabólicos por curtos períodos. Agora, se o oferecimento de
alimentos for abaixo do necessário a gordura deve ser mobilizada até que a carga alostática

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 193


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

seja reduzida a um nível administrável, ou uma nova fonte de alimento surgir (McEwen e
Wingfield, 2003).

Eventos previsíveis Eventos imprevisíveis


-Dia/noite -Tempestades/Furacões
-estações do ano - doenças
-regime de chuvas - predadores
-regime de marés - mudanças climáticas - poluição
-migração

Demanda metabólica

Combinação de aumento de Aumento da mobilização


Aumento do forrageio,
alimentação e mobilização de de estoques energéticos
alimentação e estoques
estoques energéticos
de energia

Insulina Insulina
Glucagon Glucagon
Hormônios tireoidianos Catecolaminas
Peptídeos cerebrais Hormônios tireoidianos
Leptina Peptídeos cerebrais
Grelina Glicocorticóides
Glicocorticóides Hormônio do crescimento
Figura 1 - Respostas do metabolismo com ou sem disponibilidade de alimento a eventos previsíveis
e imprevisíveis durante o ciclo de vida dos animais. Modificado de McEwen and Wingfield (2003),
Wingfield (2004), Korte e col. (2005).

Muitos hormônios são mediadores destas respostas e estão diretamente envolvidos


nestes processos de gestão de energia e metabolismo e suas integrações dependem das
condições do indivíduo tais como idade, status social, lesões, integridade de saúde
(McEwen e Wingfield, 2003; Wingfield, 2004; Korte e col. 2005). Os glicocorticóides,
principalmente, promovem a conversão de proteínas e lipídios em carboidratos para suprir a
necessidade energética em curto prazo, repondo as reservas após um período de atividade,
como fugir de um predador, por exemplo. Estes hormônios também agem no cérebro para
aumentar o apetite, a atividade locomotora e regular o comportamento de busca,
contribuindo para a regulação do consumo e gasto energético (Leibowitz e Hoebel, 1997).
Em algumas espécies, como beija-flores, o aumento de da concentração dos
glicocorticosteróides é correlacionado com o torpor, mecanismo para poupar energia nestes
animais (Hiebert e col., 2000).

Pág. 194 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Em casos de emergência, esta rede (fig.1) permite que o indivíduo suspenda


temporariamente o ciclo natural de vida (migração, reprodução), priorize a sobrevivência e
reduza a carga alostática a um nível administrável até que as condições ambientais
retornem aos níveis normais (McEwen and Wingfield, 2003).
Uma questão muito importante dentro da alostase é o estresse. Este termo
geralmente é definido como uma ameaça, real ou implícita, para a homeostase. No
passado, o uso da palavra se referia a desafios ambientais bem como os processos de
adaptação frequentemente associados aos processos patológicos, porém o uso comum
deste termo usualmente se refere a um evento ou sucessão de eventos que provocam uma
resposta e pode ser incluída tanto na carga alostática quanto na sobrecarga dos dois tipos
(Mc Ewen e Wingfield, 2010). Alguns eventos tornam-se estressantes pelo fato de
ultrapassar a capacidade do individuo de lidar com as variações (McEwen, 1998). O fato de
passar por algumas fases na vida, como reprodução, gera respostas tanto quanto tentar
sobreviver em um ambiente impactado, sendo evidente que a primeira faz parte da vida
normal do indivíduo, enquanto que a segunda, são perturbações que vão além do normal e
a alostase responde tanto entre os eventos do ciclo de vida como ás perturbações
imprevisíveis.
Considerando-se que diferentes indivíduos possam ter diferentes intervalos de
respostas, regulação e capacidade de adaptação, a fig. 2 representa como o organismo
saudável em boas condições físicas, integrada aos ritmos circadianos e sazonais e
experiências anteriores, etc.. (Wingfield, 2008) apresentam um conjunto de mecanismos que
é otimizado para um faixa de condições ambientais (intervalo regular) e responde às
mudanças ambientais previsíveis de acordo com sua capacidade (eixo x) (fig. 2A). Em um
segundo momento no entanto, existem muitas condições que podem reduzir a capacidade
de resposta e adaptação do individuo, como a escassez de alimento por exemplo, que leva
a uma deficiência no armazenamento de tecido adiposo e pode acarretar em uma maior
fragilidade em lidar com mudaças de temperatura, por exemplo. Nestas situações a sua
capacidade de adapatação será reduzida, algum fator estressante pode reduzir a
capacidade de adaptação e o estímulo será interpretado como um agente estressor levando
a uma resposta de estresse (fig.2B) (Mc Ewen e Wingfield, 2010). Lembra do contexto da
pressão arterial apresentado anteriormente? Neste caso se a pressão arterial se manter
elevada por longos períodos de tempo o resultado é uma sobrecarga alostática, a qual irá
promover a formação de placas arteroscleróticas, fontes de colesterol, lipídios e radicais
livres que poderão danificar a parede da artéria coronária levando a graves doenças
(Manuck e col., 1995). E em um terceiro momento, novamente ressaltando, no caso de
indíviduos saudáveis, o estresse provocou uma mudança na faixa de regulação do

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 195


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

organismo, ou seja, mudança no set point, mas a capacidade de adaptação é o mesmo que
em condições normais (Koolhaas e col. 2011).
As condições ambientais que excedem a capacidade adaptativa resultam em falha nas
respostas fisiológicas. A distinção entre a faixa de regulação e a capacidade de adaptação
implica que um fator de estresse pode afetar tanto a capacidade adaptativa (fig. 2B), ou o
intervalo regulamentar (fig.2C). A redução da capacidade adaptativa como indicado na fig.
2B implica que as intensidades de estímulo que não foram inicialmente percebidos como
estressores e permitiram uma resposta fisiológica e comportamental normal (fig.2A) são
agora percebidas como incontroláveis (fig.2B). Alternativamente, uma mudança no intervalo
regulamentar, ou seja, no conjunto de respostas ao estímulo (fig. 2C) implica que as
condições que foram inicialmente percebidas como um fator de estresse são totalmente
controláveis e previsíveis (Mc Ewen e Wingfield, 2010).

Figura 2 - Apresentação esquemática de regulação e capacidade de adaptação (A). Eixo X


representa as características do ambiente. (B) mostra que o estresse reduz a capacidade adaptativa
(linha sólida) em relação à capacidade original (linha pontilhada). (C) descreve uma situação em que
o estresse provoca uma mudança na faixa de regulação do organismo, enquanto o capacidade de
adaptação é o mesmo que em (A). Modificado de Koolhaas e col. 2011.

Pág. 196 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Como nenhum individuo responde ao ambiente como o outro, estas abordagens


permitem compreender como os indivíduos deveriam responder e lidar com suas
experiências num ambiente em mudança (Korte e col. 2005; Landys e col., 2006). Sendo
assim, as repostas com sobrecarga alostática podem ser divididas em 2 tipos:
1) Se a demanda energética exceder o rendimento energético que pode ser
mobilizado dos estoques ocorrerá uma sobrecarga do tipo I (Mc Ewen e Wigfield, 2003).
Por exemplo: As ilhas maldivas detém mais de 85% da população mundial da espécie
Diomedea melanophris e é uma importante área de reprodução destes albatrozes. Estes
animais realizam forrageamento constantemente em busca de alimento e pesquisadores
observaram diferenças nos batimentos cardíacos e na temperatura corporal, podendo
identificar o momento em que estes animais realizam a atividade, assim como indicado na
fig. 3 (Bevan e col.1995).
O primeiro gráfico mostra o índice de batimento cardíaco (batimentos/min) pelo tempo
de vôo e o segundo gráfico mostra as mudanças na temperatura corporal pelo tempo de
vôo. É possível perceber que no mesmo momento ocorre um aumento de batimentos
cardíacos e uma diminuição na temperatura corpórea, os autores sugerem que esta
temperatura diminua devido à ingestão de alimentos frios. Durante todo o evento,
percebemos que o animal se ajusta em resposta a este evento, previsível em sua vida, a fim
de estabelecer a homeostase e manter as condições vitais. Desta forma, no momento do
forrageio ocorre um aumento na carga alostática a qual se restabelece em questões de
minutos.

Figura 3 - Alterações nos índices de batimento cardíaco e temperatura corporal de albatrozes nas
Ilhas Maldivas que podem indicar o momento do forrageio. Modificado de Bevan e cols (1995).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 197


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

O estudo destes autores (Bevan e col.1995) implica na conservação desta espécie que
está ameaçada por duas situações imprevisíveis para o indivíduo: 1) há sobrepesca no local
diminuindo a oferta de alimento para estes animais, o que poderá gerar uma sobrecarga
alostática do tipo 1 assim que os estoques energéticos começaram a diminuir, caso estes
animais tenham que forragear em outro lugar ou por um tempo maior levará a uma demanda
energética excessiva, a qual não será suprida por alimento e isso pode ser enfrentado
como um fator estressante. 2) No momento do mergulho os animais correm o risco de
ficarem presos nas redes de pescas e morrerem afogados, neste caso nenhum fator
fisiológico pode ser capaz de reverter a situação.
2) Se a demanda de energia não for excedida e o organismo continuar a armazenar
energia a mais do que o necessário ocorrerá uma sobrecarga alostática do tipo 2, isso
pode ser resultado da escolha por uma dieta rica em gorduras ou um desequilíbrio
metabólico como um estado pré-diabético por exemplo (Mc Ewen e Wingfield, 2003).
No caso da obesidade, as células do tecido adiposo sintetizam uma proteína
chamada leptina, que é circulante no plasma. Esta proteína é sinalizadora do estado
lipolítico do organismo para o cérebro induzindo a lipólise e saciedade alimentar (Sandoval e
Davis, 2003) em repostas aos sinais hormonais. É certo que a alta concentração de leptina
causa diversas patogêneses devido ao desbalanço provocado no sistema de defesa
antioxidante do organismo, levando a alterações na produção de insulina e disfunção das
células β pancreáticas, pois estas células são sensíveis às espécies reativas de oxigênio
devido à baixa síntese de enzimas antioxidantes (Lenzen e col. 1996). Como mecanismos
de defesa, as células β pancreáticas diminuem a produção de insulina e consequentemente
o metabolismo de glicose. A falha deste mecanismo pode promover a diminuição de leptina
circulante a qual ficará deficiente em comunicação com o sistema nervoso central levando a
formação de outras patologias, principalmente de diabetes do tipo 2 (Brownlee, 2001).
Em ambientes em mudanças, os animais tem que otimizar a sobrevivência e, além
disso, o sucesso reprodutivo (Wingfield, 1983). No entanto, algumas mudanças nas
condições ambientais ocorrem rapidamente e não podem ser antecipadas e exigem ajustes
fisiológicos e comportamentais em um curto espaço de tempo. Tais mudanças imprevisíveis,
geralmente são respondidas pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal através da liberação de
hormônios de respostas ao estresse (Wingfield e col., 1997), mecanismos estes que serão
um pouco mais discutidos no capítulo: Cortisol indica estresse ou só estressa?
Entender e prever como os organismos respondem às mudanças ambientais é um
desafio constante, devido às mudanças nos ecossistemas e a crescente ameaça da
atividade humana. Efeitos das perturbações antrópicas são amplos, e podem afetar todos os
níveis de organização biológica. Nos próximos capítulos serão discutidos alguns pontos

Pág. 198 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

referentes às respostas desencadeadas pelos organismos no ambiente, sejam elas em um


evento previsível ou não.

Agradecimento: A Profa. Dra. Renata Guimarães Moreira pela revisão do capítulo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 199


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Fisiologia, Animais e Ambiente.


A importância da plasticidade fenotípica nos ajustes a
mudanças ambientais previsíveis e imprevisíveis

Lilian Cristina da Silveira


Laboratório de metabolismo e enegética
lcris.silveira@gmail.com

1- Introdução

Como visto, a homeostase em um sistema biológico resulta de ajustes coordenados


das funções que o mantém em equilíbrio; portanto, embora contra-intuitivo, a homeo’stase’
resulta de variação. Essa constatação deu origem ao conceito de alostase, o qual enfatiza o
processo através do qual a fisiologia dos organismos é ajustada em face de mudanças
ambientais (McEwen e Wingfield, 2003). A capacidade de exibir alterações reversíveis do
comportamento, fisiologia e morfologia frente a mudanças previsíveis e imprevisíveis das
variáveis ambientais, confere vantagem seletiva aos organismos.
Diversos animais são capazes de prever fases em que as condições do ambiente
tornam-se desfavoráveis para a manutenção de funções vitais, por meio de um sistema
temporizador interno e da percepção de sinais ambientais cíclicos, tais como fotoperíodo,
temperatura e umidade. Animais que apresentam dormência sazonal, por exemplo, são
capazes de se antecipar à fase de escassez de alimentos através de uma série de ajustes
comportamentais e metabólicos que possibilitam, dentre outros eventos, o armazenamento
de substratos energéticos. Em contraste, alterações súbitas e de curto prazo na
disponibilidade de alimento são imprevisíveis e a habilidade de exibir mudanças fenotípicas
rápidas e reversíveis implica em um aumento das chances de sobrevivência dos indivíduos
(Piersma e Drent, 2003). As respostas às flutuações ambientais previsíveis e imprevisíveis
possivelmente são regidas por diferentes vias de regulação e, sendo assim, organismos que
apresentam mudanças sazonais no seu fenótipo podem não apresentar o mesmo ajuste
para flutuações de curto prazo e vice-versa. Mas, aparentemente, os dois tipos de resposta
estão integrados e, em conjunto, permitem que os organismos se ajustem às flutuações
ambientais (Stark, 2005).
A plasticidade fenotípica é a propriedade de um único genótipo de produzir diferentes
fenótipos em resposta a diferentes condições ambientais (Pigliucci, 2001). Este termo é
usado mais frequentemente para se referir a variações fenotípicas irreversíveis em

Pág. 200 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

indivíduos adultos, que ocorrem durante o desenvolvimento ontogenético em consequência


da exposição a diferentes fatores ambientais. Pulgas d’água Daphnia lumholtzi, expostas a
sinais químicos de predador durante o desenvolvimento, por exemplo, desenvolvem
estruturas pontiagudas na cabeça e na cauda, enquanto clones não expostos a tais sinais
não desenvolvem estas estruturas (Agrawal, 2001). A morfologia destas pulgas torna-se tão
distinta que elas foram inicialmente descritas como duas espécies diferentes. Esta categoria
de plasticidade é denominada ‘plasticidade do desenvolvimento’ (‘developmental plasticity’),
embora na maioria das vezes seja denominada simplesmente ‘plasticidade fenotípica’
(Piersma e Drent, 2003; Piersma e Lindström, 1997). Por outro lado, algumas características
dos indivíduos adultos, como o nível de adiposidade, a plumagem, o tamanho e a
capacidade funcional de órgãos e características fisiológicas derivadas, tais como a taxa
metabólica basal (TMB), podem variar entre estações do ano e também em escalas
temporais mais curtas. Quando a variação ocorre sazonalmente, caracteriza uma categoria
de plasticidade fenotípica denominada ‘fase do ciclo de vida’ e pode estar sob a influência
de um sistema temporizador endógeno. Quando a variação ocorre em resposta a fatores
ambientais não sazonais, como a hipertrofia cardíaca decorrente do treinamento físico no
homem, esta plasticidade é denominada ‘flexibilidade fenotípica’. Outros exemplos de
flexibilidade fenotípica são os ajustes fisiológicos que ocorrem durante fases de aclimatação
e aclimatização, como o aumento da proporção de ácidos graxos poli-insaturados nas
membranas celulares de ectotermos aclimatados a baixas temperaturas (Hazel, 1995).
Neste texto, será adotada a classificação proposta por Piersma e Drent (2003), na qual as
fases do ciclo de vida podem ser consideradas uma sub-categoria de flexibilidade fenotípica
e este último termo será empregado para designar mudanças fenotípicas em resposta a
alterações ambientais previsíveis (sazonais) e imprevisíveis.
Ao longo deste capítulo pretende-se explorar cenários que oferecem alguns dos
exemplos mais fascinantes de flexibilidade fenotípica: a dormência sazonal em vertebrados,
a migração de aves e o jejum em alimentadores esporádicos. Por fim, uma breve discussão
será apresentada sobre os primeiros estudos relativos ao impacto de um aumento da
imprevisibilidade de eventos ambientais extremos sobre a flexibilidade fenotípica e a
adaptabilidade dos orgnanismos, associado às mudanças climáticas em curso no nosso
planeta.

2- Variações ambientais previsíveis

2.1- Dormência sazonal

A dormência sazonal é caracterizada pela presença de dois componentes principais:

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 201


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

o jejum e a depressão metabólica. A habilidade de deprimir a taxa metabólica de repouso é


considerada um dos exemplos mais fascinantes de flexibilidade fenotípica e ocorre
associada à dormência sazonal, como nos casos de estivação e hibernação, ou dissociada
da dormência sazonal, como no torpor diário, sono e anidrobiose. A estivação possibilita que
muitos animais, incluindo anfíbios anuros, peixes e caramujos, sobrevivam à escassez de
água. Já a hibernação geralmente está associada aos efeitos combinados de temperaturas
reduzidas e escassez de alimento. Beija-flores e alguns pequenos mamíferos apresentam
torpor diário, um estado de hipometabolismo semelhante à hibernação, mas com apenas
algumas horas de duração, que está associado à fase do dia na qual a disponibilidade de
alimento é reduzida. Tartarugas sobrevivem longos intervalos de tempo em anóxia, sem
acesso ao ar atmosférico, embaixo da camada de gelo que se forma nos lagos durante o
inverno. Seja na presença de oxigênio ou em condições anóxicas, a depressão metabólica
estende o tempo de sobrevivência dos organismos ao reduzir a demanda de energia e a
velocidade de utilização das reservas de substratos. Na maioria dos casos, a taxa
metabólica é reduzida para 5–40% da taxa metabólica de repouso, mas em alguns
organismos como esporos e cistos a depressão metabólica é ainda maior e, em alguns
casos, a taxa metabólica simplesmente não pode ser detectada, uma condição denominada
criptobiose (Storey e Storey, 2004; Carey e col., 2003).
Um dos aspectos mais característicos da dormência sazonal é a fase de preparação
que a antecede. Meses antes do estresse
ambiental, os animais iniciam uma série de
ajustes comportamentais e fisiológicos que
possibilitam, dentre outras respostas, o
armazenamento de substratos, seja na forma de
alimento em suas tocas ou tornando-se obesos,
ou ambos. A variação do nível de adiposidade
destes animais é a característica morfológica
mais óbvia na qual a flexibilidade fenotípica pode
Figura 29 – Lagartos teiú Tupinambis
ser observada. Esquilos do gênero merianae jovens.
Spermophilus, por exemplo, dobram sua massa corpórea e triplicam a massa adiposa
durante a fase de preparação para a dormência (Dark, 2005). Lagartos teiú Tupinambis
merianae (Fig. 1) acumulam grande quantidade de lipídios em corpos gordurosos
abdominais além de depósitos subcutâneos (Souza e col. 2004). Este aumento da
adiposidade em animais hibernantes não é simplesmente resultado de aumento da ingestão
de alimento e/ou diminuição da taxa metabólica, mas principalmente de uma mudança
programada do nível ideal de adiposidade (Dark, 2005). Lesões cerebrais que produzem
obesidade em ratos de laboratório também aumentam a massa corpórea em hibernantes,

Pág. 202 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

mas o ciclo anual de deposição de gordura persiste (Barnes e Mrosovsky, 1974), fornecendo
um indício da robustez desta resposta sazonal. Desta maneira, estes ciclos parecem ser
rigidamente controlados, provavelmente por um mecanismo central, que deve utilizar-se de
um sinal proveniente do tecido adiposo branco que informa a quantidade total de reservas e,
desta forma, possibilita o ajuste da adiposidade do animal ao momento de seu ciclo anual de
atividades.
Nos animais que apresentam dormência sazonal, os eventos de
deposição/mobilização de lipídios, que resultam em aumento/diminuição da massa adiposa,
da taxa metabólica basal (TMB) e da ingestão de alimentos estão ligeiramente
dessincronizados. A diminuição da ingestão de alimentos ocorre bem antes que a massa
corpórea atinja seu máximo. E uma diminuição da TMB já no meio do verão, antes que a
ingestão de alimentos diminua, possibilita um aumento da massa corpórea dado pelo
acúmulo de gordura. A massa corpórea máxima é atingida no final do verão ou início do
outono, quando a secreção de insulina (hormônio lipogênico) também é máxima e os níveis
de absorção de glicose são mínimos, indicando uma possível insensibilidade à insulina nos
adipócitos (Dark, 2005). Tais fenômenos são bem caracterizados em mamíferos, mas ciclos
semelhantes de deposição/mobilização de lipídios ocorrem em ectotermos (Souza e col.,
2004).
Quando o nível de adiposidade adequado é atingido e o animal está pronto para
iniciar a fase de hibernação ele progressivamente diminui a atividade e procura um abrigo,
onde permanecerá até a primavera. A hibernação em mamíferos consiste em uma
sequência de fases de torpor, com duração entre uma a três semanas, interrompidas por
episódios de despertar com duração de menos de 24 h, quando os animais acordam,
elevam a temperatura corpórea e restabelecem todas as funções fisiológicas (Fig. 2). Este
padrão consome substancialmente mais energia comparativamente ao padrão contínuo de
dormência, sem episódios de despertar, como apresentado por muitos anfíbios e répteis
incluindo o lagarto teiú. A importância fisiológica dos episódios de despertar ainda não é
conhecida, mas sugere-se que tenham um papel no reconhecimento de patógenos e
iniciação de resposta imune, além de reposição de mRNAs e proteínas degradados durante
o hipometabolismo (Prendergast e col., 2002; Knight e col., 2000). Nos mamíferos, a entrada
em hibernação é caracterizada por uma redução em uníssono das frequências cardíaca e
ventilatória e da taxa metabólica que, associada a ajustes hipotalâmicos, contribui para uma
acentuada diminuição da temperatura corpórea. Durante as fases de torpor, a temperatura
corpórea destes animais é regulada num novo patamar, que se situa 2 a 3ºC acima da
temperatura do abrigo, e pode chegar a valores tão baixos quanto 0ºC, de modo que a
contribuição do efeito termodinâmico para a redução do metabolismo parece ser
predominante (Heldmaier e col., 2004; Storey e Storey, 2004). Em contraste com

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 203


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

hibernantes clássicos, outros mamíferos apresentam depressão metabólica de magnitude


semelhante, porém a temperaturas corpóreas relativamente altas, como é o caso de
lêmures de Madagascar, além de diversos anfíbios e répteis (Heldmaier e col., 2004).
Lagartos teiú, amplamente distribuídos na América do Sul, apresentam dormência sazonal
nos meses de inverno tropical, a temperaturas ambientais amenas por volta de 17-20ºC, (e
nestes animais haveria uma maior contribuição de mecanismos intrínsecos e menor
influência do efeito termodinâmico para a inibição metabólica (Souza e col., 2004). Os
mecanismos intrínsecos de inibição metabólica consistem de expressão gênica diferencial
e/ou alterações pós-tradução de proteínas enzimas que contribuem para a inibição das
taxas de consumo e produção de energia nas células além de ajustes específicos, como a
mudança do tipo de substrato energético preferencial (Storey, 2004).

Figura 2– Registro contínuo da taxa metabólica (TM) e da temperatura corpórea (Tc) na marmota
(Marmota marmota), evidenciando o hipometabolismo e hipotermia durante a entrada em hibernação
(1), a manutenção do hipometabolismo durante a hibernação (2), o rápido reaquecimento durante o
despertar (3), e a eutermia (4). A ventilação é reduzida em uníssono com a queda da taxa metabólica
e assume um padrão episódico, com ventilações seguidas por períodos de apnéia que podem durar
de alguns minutos a uma hora ou mais (à direita). Ta representa temperatura ambiente. Modificado de
Heldmaier e col., (2004).

Uma notável característica da dormência sazonal é a função cardíaca reduzida,


contínua e regulada. Durante a dormência, o coração continua a bombear sangue a uma
temperatura corpórea usualmente menor e contra uma resistência periférica maior do que
durante a fase ativa do animal (Carey e col., 2003; Fahlman e col., 2000). Pequenos
mamíferos em torpor reduzem a frequência cardíaca (FC) de 200-300 batimentos por minuto
(bpm) para 3-5 bpm. Na dormência sazonal em lagartos teiú a FC é mantida em torno de 12
bpm, independente de variações da temperatura corpórea, enquanto que em animais ativos

Pág. 204 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

a FC correlaciona positivamente com a temperatura e pode alcançar 100 bpm (Abe, 1983;
Galli e col., 2006). Já outros processos fisiológicos, como a alimentação e a digestão, são
totalmente interrompidos.
A natureza homeostática das funções nos organismos se expressa na habilidade de
exibir mudanças em resposta a variações de demanda. O tamanho da maioria dos órgãos,
por exemplo, não é fixo e pode mudar em resposta à demanda (Hulbert e Else, 2005).
Animais que apresentam dormência sazonal apresentam acentuada atrofia do intestino na
fase em que a alimentação é interrompida, embora a capacidade funcional do órgão seja
preservada, garantindo que o animal esteja apto a digerir e absorver nutrientes após o
despertar (Nascimento, 2009; Pennisi, 2005). Essa atrofia contribui significativamente para a
economia energética do animal na fase dormente, dado que o custo de manutenção do
tecido intestinal é alto e atinge 20-30% do metabolismo basal em mamíferos (Tracy e
Diamond, 2005). Em anfíbios e répteis a alimentação impõe um aumento de demanda ao
trato gastrointestinal e ao sistema cardiorrespiratório simultaneamente, associado com um
aumento da taxa de consumo de O2 para níveis próximos ou superiores aos alcançados
durante exercício físico máximo (Wang e col., 2005). Assim, a interrupção da alimentação
associada à inatividade física e à acentuada redução da FC, características da depressão
metabólica, contribuem para uma redução pronunciada da demanda sobre a função
cardíaca o que poderia resultar em atrofia do coração (Perhonen e col., 2001).
Em adição ao efeito da inatividade, quando submetidos ao jejum prolongado os
animais frequentemente mobilizam aminoácidos de órgãos musculares, substratos utilizados
na gliconeogênese e na reposição de intermediários do ciclo do ácido cítrico, e podem sofrer
atrofia cardíaca (Castelini e Rea, 1992). No entanto, no esquilo Spermophilus lateralis, no
lagarto Liolaemus nigroviridis e no lagarto teiú ocorre um efeito inverso de aumento da
massa ventricular relativa durante a dormência sazonal, isto é, da massa ventricular
expressa como uma porcentagem da massa corpórea, em contraste com a atrofia de
músculos esqueléticos e de órgãos relacionados à alimentação (Naya e col., 2009; Silveira,
2010; Wickler e col., 1991). Esses dados evidenciam a priorização da manutenção da
função cardíaca durante a dormência sazonal, porém, a natureza dessa hipertrofia não é
clara. No esquilo Citellus lateralis, há um aumento do número de gotículas de lipídios
associadas às mitocôndrias, substrato provavelmente mobilizado durante os episódios de
despertar (Burlington e col., 1972), sugerindo que a hipertrofia cardíaca pode estar
relacionada a um aumento do volume dos cardiomiócitos (hipertrofia), devido ao aumento do
conteúdo de substratos como lipídios e glicogênio. Já no lagarto teiú, o aumento da massa
ventricular relativa parece ocorrer devido a um aumento do órgão como um todo, com a
manutenção da proporção de componentes macromoleculares, e está associada a uma
notável mudança da morfologia do músculo cardíaco (Silveira, 2010). Por outro lado, o

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 205


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

impacto do jejum associado à dormência sazonal e do jejum por restrição alimentar na fase
ativa sobre a massa cardíaca parece ser distinto, uma vez que nesta última condição há
uma tendência à redução da massa ventricular dos jovens teiús, evidenciando a importância
da fase de antecipação e armazenamento de substratos.

2.2- Migração

A migração é um fenômeno biológico que têm fascinado cientistas por séculos. Com
base na variedade de organismos que podem ser considerados migradores e na diversidade
de modos de migração, Dingle (1996) propôs cinco características que definem o
comportamento de migração: (1) movimentos persistentes e de longa duração entre
habitats; (2) movimento direto e sem retornos; (3) inibição de respostas a estímulos que
interrompem o movimento migratório (alimento, por exemplo) e subsequente reativação da
resposta; (4) padrões de atividade característicos antes da partida e após a chegada, como
a hiperfagia que antecede migração; (5) padrões específicos de alocação de substratos que
fornecem a energia necessária para a migração, como o armazenamento de grande
quantidade de lipídios por aves. O organismo que migra pode apresentar todas estas
características ou somente algumas; a distância da migração pode ser de milhares de
quilômetros ou somente de alguns metros e a migração pode ocorrer sazonalmente ou não.
Neste texto, serão abordados alguns aspectos da migração sazonal em aves, tomando
como animal-modelo o maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus).

2.2.1- Maçarico-de-papo-vermelho

Os maçaricos-de-papo-vermelho (Calidris
canutus, Fig. 3) são aves da ordem Charadriiforme
e da família Scolopacidae, que são encontradas em
diversas regiões do planeta. Cada uma das seis
subespécies conhecidas se reproduz em uma
determinada região ártica durante o verão e, após a
estação reprodutiva e tão logo os filhotes aprendem
a voar, migra para o sul, retornando para a região
costeira de origem. Apesar de todas se Figura 3 - Calidris canutus rufa
reproduzirem no ártico, as subespécies raramente fotografado na costa do Rio Grande do
Sul. Fonte:
se encontram e todas compartilham um ancestral http://www.flickr.com/photos/cdtimm/45
64657088/in/photostream/
comum recente de cerca de 20.000 anos, de modo

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

que há pouca variação genética entre elas (Piersma e col., 2005). Os maçaricos chegam à
tundra do ártico antes ou tão logo a neve começa a derreter. No Canadá e na Groenlândia
os primeiros maçaricos chegam nos últimos dias de Maio, mas na Sibéria o gelo não derrete
até meados de Junho e, portanto, os maçaricos chegam depois. Mesmo no verão, as
condições ambientais destes locais de nidificação são bastante extremas. A vegetação é
esparsa e a temperatura baixa, sobretudo considerando que algumas destas subespécies
passam a maior parte do ano em regiões próximas aos trópicos (subespécies canutus e
piersmai, por exemplo)3. Após uma ou duas semanas de formação dos pares e
estabelecimento do território e três semanas de incubação (compartilhada entre os pais), as
fêmeas partem para o sul assim que os ovos eclodem e deixam os machos, que cuidam dos
filhotes. Elas são seguidas pelos machos e pelos filhotes quase quatro semanas depois.
Nesta época, final de julho ou início de agosto, a abundância de artrópodes começa a
diminuir e a probabilidade de neve aumenta. Os maçaricos migram em grupos de 10 a 100
indivíduos, geralmente partindo para a migração de longa distância no final da tarde ou
início da noite. As partidas para as áreas de nidificação e de invernagem tendem a ser
altamente sincronizadas entre os indivíduos da população (Piersma e col., 2005).
Na tundra do ártico, os maçaricos se alimentam principalmente capturando aranhas
e artrópodes na superfície. Já nas regiões costeiras nas quais passam o inverno, eles se
alimentam de bivalves, gastrópodes e às vezes pequenos crustáceos que ficam enterrados
na lama e que são identificados com o auxílio de um órgão especializado (corpúsculo de
Herbest) que se localiza na ponta do bico e detecta gradientes de pressão (Piersma, 2002).
Esta especialização para o forrageamento nas regiões costeiras poderia explicar a escolha
destes habitats fora da estação reprodutiva. No entanto, isto não explica o porquê da
necessidade de migração para o ártico na estação reprodutiva. Uma das hipóteses
sugeridas por Piersma (2002) é a de que o sistema imune dos pássaros que se reproduzem
no ártico possui uma capacidade reduzida e que por isso a reprodução nas regiões árticas,
áreas relativamente livre de parasitas, foi favorecida.
Na Fig. 4 estão representadas as rotas de migração para as áreas de reprodução do
norte de cada uma das seis subespécies. A subespécie Calidris canutus rufa, por exemplo,
migra da Patagônia no hemisfério sul até a região ártica canadense parando na costa do Rio
Grande do Sul, uma área de condicionamento (‘stopover’) onde ocorre uma muda e acúmulo
de reservas energéticas suficientes para a migração até a próxima área de condicionamento
no Maranhão. Ao todo, esta ave migra 15.000 Km entre as áreas de invernagem e de
nidificação, o que representa 30.000 Km de vôo migratório por ano. A distância entre as
áreas de condicionamento frequentemente excede 1.000 Km e em alguns casos 6.000 Km

3
 Por que então viajar tanto para nidificar no ártico? 

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 207


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

(Piersma e col., 2005). Para realizarem estes vôos as aves precisam armazenar
quantidades consideráveis de substratos, que em sua maior parte consiste de lipídio. Sabe-
se hoje, no entanto, que as variações de massa corpórea observada nas aves migratórias

Figura 4 – Resumo esquemático dos vôos de longa distância para seis sub-espécies de
Maçaricos-de-papo-vermelho durante a migração para o norte. Áreas de invernagem (blocos
vazios espessos), áreas de condicionamento (blocos vazios finos) e áreas de nidificação

Pág. 208 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

(blocos pretos) são dados em relação à latitude; distâncias do vôo são dadas pelas flechas e
em kilômetros (modificada de Piersma e col 2005.)
não ocorrem somente devido a variações da quantidade de lipídio armazenado, mas que
órgãos musculares também sofrem variações de massa consideráveis (Piersma e col.,
1999). Para analisar estas variações, vamos nos concentrar na subespécie islandica, mas é
importante lembrar que diversos ajustes descritos já foram documentados para outras
subespécies bem como outras espécies de aves migratórias.
A subespécie islandica inverna na costa noroeste européia e nidifica na Groelândia
ou na região nordeste do Canadá, passando por uma área de condicionamento na Islândia.
Os animais chegam à Islândia em maio, primavera no hemisfério norte, após um vôo sem
escalas de aproximadamente 1850 Km e permanecem cerca de 3-4 semanas se alimentado
durante dia e noite antes de continuarem a migração para as áreas de nidificação, quando
voam adicionais 2830 Km sem paradas. De julho até setembro os pássaros passam
novamente pela Islândia na sua viagem de volta à costa européia, desta vez acompanhados
dos jovens maçaricos (Piersma e col., 2005).
A Fig. 5 mostra 3 maçaricos, nos quais foi feita uma incisão longitudinal ventral e cuja
pele foi rebatida para as laterais. Da esquerda para a direita, encontra-se um animal
capturado logo após a chegada à Islândia (dia 3), 17 dias depois, e no auge da partida das
aves para a área de nidificação (dia 27), observando-se claramente o aumento da
espessura da camada de tecido adiposo subcutâneo bem como do volume dos órgãos
internos durante a fase de reabastecimento. Nesta fase, a massa corpórea média aumenta
cerca de 50% e o armazenamento de lipídios contribui para 78% deste aumento. Esta
variação, no entanto, ocorreu de modo não linear ao longo da fase de reabastecimento, com
uma menor taxa de ganho de massa corpórea na primeira semana e na última, antes da
partida para a área de nidificação. Durante a primeira semana na área de reabastecimento
praticamente não ocorre deposição de lipídios. Ao longo dos 10 dias seguintes há deposição
de, em média, 3,5g de lipídio por dia e na última semana 2,8g de lipídio por dia (Piersma e
col., 1999).
O restante do aumento da massa corpórea deve-se à variação da massa de outros
órgãos. O estômago, o intestino e o fígado sofrem atrofia uma semana antes da partida para
o ártico, mesmo com os animais se alimentando ativamente, durante dia e noite. O mesmo
ocorre com os músculos das patas. Já em órgãos relacionados ao vôo, como o coração e o
músculo peitoral, ocorre hipertrofia na semana que antecede o vôo migratório. A atrofia dos
órgãos envolvidos na alimentação dias antes da partida favorece a economia energética ao
reduzir o custo de manutenção destes órgãos, que é alto, e ao reduzir o custo de transporte
de órgãos que estariam não funcionais ao longo da jornada de migração. Adicionalmente,
uma vez que o estômago dos maçaricos é um órgão especializado para quebrar as conchas

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 209


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

de moluscos e gastrópodes, dos quais ele se alimenta nas regiões costeiras, e que no ártico
sua dieta consistirá predominantemente de artrópodes, este ajuste pode ter caráter
antecipatório, dado que na nova dieta um estômago com tais características não será
necessário. Além disso, os maçaricos retardam a hipertrofia do coração e do músculo
peitoral até o momento que antecede o início do vôo migratório, tornando a economia
energética ainda maior (Piersma e Lindström, 1997; Piersma e col., 1999).

Figura 5 - Variação da morfologia interna de maçaricos-de-papo-vermelho (Calidris canutus


islandica) coletados durante a fase de reabastecimento na Islândia nos dias 3 (133g), 20 (176g)
e 27 (234g) de maio de 1994. As penas foram removidas e a pele (com a crescente camada de
tecido adiposo) aberta ao longo de uma incisão longitudinal. Imagem tirada de Piersma e col.,
1999.

O tamanho dos órgãos pode ser modificado por mecanismos ativos (neurais e
hormonais) ou passivos (mudanças da demanda imposta sobre eles). Os exemplos acima
sugerem que a regulação interna, através de mecanismos neurais e hormonais,
desempenha um importante papel nestes ajustes em aves migratórias. Mais que isso, a
hipertrofia do músculo peitoral observada em C. canutus mantidos em cativeiro, sob
fotoperíodo constante, sugere o envolvimento de um temporizador circanual endógeno na
regulação da variação de massa deste músculo (Dietz, e col., 1999). Além disso, os padrões
de variação da massa corpórea e plumagem apresentado por estes animais assemelham-se
aos apresentados por animais em seu ambiente natural. Por outro lado, as variações de

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

massa do estômago parecem estar mais relacionadas a mudanças na dieta e não a um


sistema temporizador endógeno que, no entanto, parece influenciar a massa do órgão de
maneira indireta, ao controlar as mudanças de preferência alimentar (Piersma e col., 2005).
Em geral, a flexibilidade de tamanho dos órgãos frente a mudanças ambientais
envolve um custo energético associado ao curso temporal das respostas de ajuste. Por
exemplo, a atrofia dos órgãos relacionados à alimentação antes do vôo migratório pode ser
a causa da ausência de ganho de peso na primeira semana após a chegada dos animais na
área de condicionamento. Com a maquinaria digestiva reduzida, os animais provavelmente
se alimentam menos e investem uma quantidade considerável de energia na reconstrução
dos órgãos atrofiados. Embora os mecanismos energéticos e outras funções que
determinam o tamanho dos órgãos não sejam totalmente compreendidos, está claro que a
flexibilidade fenotípica no nível de órgãos permite aos animais uma melhora do desempenho
e sobrevivência em condições ambientais variáveis (Piersma e Lindström, 1997).

3- Variações ambientais ‘im’previsíveis

Além dos exemplos vistos na sessão anterior, todos os organismos são capazes de
perceber sinais ambientais que têm o potencial de deflagrar ajustes antecipatórios, os quais
permitem a sincronização entre os eventos do ciclo de vida e as condições ambientais. No
entanto, sobrepostos a este ciclo de vida previsível estão os eventos imprevisíveis e
causadores de estresse para os animais, como tempestades, secas, fogo, escassez de
alimento e a interferência humana, e uma vez que estes eventos não podem ser previstos,
ou com suficiente antecedência, os ajustes fisiológicos ocorrem durante e após o estresse
(Wingfield e col., 2011).
A disponibilidade de alimento é uma das variáveis ambientais mais críticas e sujeita
a flutuações imprevisíveis. Muitos répteis de regiões tropicais e subtropicais, principalmente
cobras como boas e pítons, passam por fases de jejum que podem durar vários meses e
não possuem um padrão sazonal de ocorrência. Este fenômeno será analisado na cobra
píton, um dos exemplos de jejum mais notável e melhor estudado.

3.1- Alimentação esporádica em cobras píton

A píton Python molurus é uma cobra constritora, que pode alcançar um comprimento
de 6,5 m e exceder 100 Kg (Fig. 6, Secor e Diamond, 1998). Estes répteis geralmente
passam por fases de jejum que duram vários meses, mas podem permanecer sem se
alimentar por mais de 1 ano. As longas fases de jejum se devem, em grande parte, ao fato

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 211


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

destes animais adotarem a estratégia de forrageamento de emboscada e, portanto, as


oportunidades para captura de uma presa são raras. Nos longos intervalos entre as
refeições, todos os processos metabólicos são mantidos às custas de reservas energéticas
endógenas e a redução da taxa metabólica
de repouso ou padrão, associada à atrofia de
alguns órgãos, estende o tempo de duração
das reservas e aumenta as chances de
sobrevivência até a próxima refeição. Assim
como nos exemplos de dormência e vôo
migratório sazonal, o jejum na píton é
acompanhado de redução da massa e

consequentemente do custo de manutenção


Figura 6 – Cobra píton Python molurus,
dos órgãos gastrointestinais, particularmente Imagem retirada de
http://www.fotopedia.com/items/flickr-
o intestino anterior, contribuindo 2433637348
significativamente para a redução da taxa metabólica padrão, (Tracy e Diamond, 2005)4.
Após a ingestão de uma presa, a píton se enrola e permanece imóvel por mais de
duas semanas para digerir e absorver o alimento (Holmberg 2003, Secor e Diamond 1998).
Neste momento, a taxa metabólica se eleva muito, atingindo o maior valor 24h-48h após a
refeição, e há um aumento de demanda simultâneo sobre o sistema cardiorrespirátorio e
gastrointestinal que fazem parte do fenômeno conhecido como ‘ação dinâmica específica’
(ADE). A ADE consiste no aumento da taxa de consumo de O2 que se segue à alimentação
e que reflete o aumento da taxa dos processos de digestão, absorção, processamento e
distribuição de nutrientes. A ADE ocorre em todos os animais, mas é mais pronunciada em
alimentadores esporádicos, em consequência da redução da taxa metabólica destes
animais durante a fase de jejum. A amplitude da ADE é proporcional ao tamanho do
alimento e pode alcançar níveis próximos ou superiores aos alcançados durante exercício
físico máximo (Wang e col., 2005). Para uma cobra píton que se alimenta de uma presa com
massa corpórea equivalente à sua, por exemplo, esse aumento do metabolismo é de 44
vezes (Secor e Diamond, 1998). A ingestão de grandes presas compensa, parcialmente, as
longas fases de jejum; muitas cobras ingerem presas que representam mais de 25% da sua
massa corpórea e algumas delas podem matar e ingerir presas que excedem a sua própria
massa corpórea (Holmberg 2003).
Mas a digestão de grandes quantidades de alimento em seguida a uma fase
prolongada de jejum exige flexibilidade da função gastrointestinal. Assim, ao mesmo tempo

4
Répteis de alimentação frequente não apresentam inibição metabólica e atrofia de órgãos significativos entre as
refeições Você consegue explicar por quê?

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

que parece vantajoso reduzir o custo energético de manutenção de órgãos do sistema


gastrointestinal durante a fase de jejum, é também importante recuperar a habilidade de
digerir e absorver o alimento imediatamente após a ingestão. Estudos recentes têm relatado
mudanças abrangentes e muito rápidas da massa intestinal e das taxas de transporte de
nutrientes após a alimentação. Curiosamente, o custo metabólico da recuperação dos
órgãos atrofiados durante o jejum parece não ocorrer à custa dos nutrientes contidos no
alimento. A plasticidade fenotípica do sistema gastrointestinal destas cobras fornece um
exemplo importante de adaptação a um regime de alimentação intermitente (Holmberg,
2003). Neste aspecto, répteis certamente se encaixam no princípio de Krogh para a
Fisiologia Comparativa, o qual postula que para cada problema fisiológico há um animal
modelo ideal para estudo (Krogh, 1929).
Além de ajustes nos órgãos do sistema digestório, em apenas 48h após a
alimentação há um aumento de 40% da massa ventricular de pítons, associada a um
aumento da expressão de proteínas contráteis, uma variação cuja velocidade e magnitude
não encontram paralelos na natureza. Esta hipertrofia é completamente reversível e a
massa ventricular retorna aos níveis do jejum após a digestão (Andersen e col., 2005). O
estímulo fisiológico desencadeador do ajuste é ainda desconhecido, provavelmente inclui
fatores neurais e humorais, e o seu significado funcional seria o aumento da capacidade de
transporte de oxigênio; evidência disto é o aumento do volume sistólico pós-prandial, o qual
é 50% maior do que o medido em animais em jejum realizando exercício físico máximo! O
aumento da massa ventricular pós-prandial em pitons é muito rápido comparado a
mamíferos, nos quais uma hipertrofia de proporções similares demoraria semanas para se
desenvolver. Estes e outros impressionantes ajustes da massa de órgãos e da taxa
metabólica que acompanham os ciclos de jejum-alimentação em pítons fazem com que
estes animais sejam considerados modelos de regulação fisiológica extrema (Secor e
Diamond, 1998).

3.2- Mudanças climáticas globais

A resposta dos organismos a variações ambientais é alvo de estudos há muitas


décadas, mas recentemente tem recebido maior atenção devido às mudanças climáticas em
curso no nosso planeta. Estas mudanças consistem no aumento da concentração
atmosférica de dióxido de carbono e da temperatura da superfície da Terra, anormalidades
no regime de chuvas em diversas regiões do planeta e redução do pH dos oceanos em
relação às médias históricas. Ao longo do século passado a temperatura da superfície da
Terra aumentou 0,74ºC e estima-se um aumento de cerca de 3ºC nos próximo 100 anos,
juntamente a um aumento da frequência, intensidade e duração de eventos climáticos

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 213


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

extremos, tais como secas, e ‘ondas de calor’. O aumento da frequência e intensidade de


eventos climáticos extremos provavelmente impõe pressões seletivas diferentes daquelas
impostas por um aumento gradual da temperatura e acredita-se que será a principal causa
da extinção de espécies no próximo século (Canale e Henry, 2010; Hofmann e Todgham,
2010).
Diversos estudos têm demonstrado que as mudanças climáticas globais que
ocorreram nas últimas décadas tiveram grande impacto na migração, comportamento
reprodutivo e outros aspectos do ciclo de vida dos organismos (Wingfield, 2008) e tem se
tornado cada vez mais claro que os fisiologistas comparativos possuem um importante papel
na compreensão dos impactos destas mudanças na fisiologia dos organismos (Hofmann e
Todgham, 2010). Sabe-se hoje que as consequências do aquecimento do planeta são muito
mais complexas e imprevisíveis do que se poderia imaginar há algumas décadas. Na
concepção popular, as mudanças climáticas globais em curso resultarão em um
aquecimento generalizado, com o aumento do calor no verão, o que favorecerá espécies
com uma maior tolerância a temperaturas elevadas. No entanto, em regiões temperadas e
de latitudes elevadas o maior efeito do aquecimento global é observado no inverno, e este
efeito é mais pronunciado na direção dos pólos. O aquecimento global tem transformado os
climas temperados e polares mais parecidos com o equatorial, reduzindo a duração e
severidade do inverno sem aumentar substancialmente as temperaturas do verão. Como
consequência do aumento da temperatura no inverno, a primavera chega antes e o inverno
chega mais tarde, resultando em uma estação favorável ao crescimento, desenvolvimento e
reprodução mais longa (Bradshaw e Holzapfel, 2008). De um modo geral estas mudanças
resultam em uma pressão seletiva para uma alteração do momento de início e duração dos
eventos sazonais do ciclo de vida dos animais, tais como a dormência, a migração e a
reprodução. No entanto, o principal sinal ambiental utilizado pela maioria dos animais para a
sincronização dos eventos do ciclo de vida com as condições ambientais é o fotoperíodo, o
qual não será alterado. Assim, a sincronização dos eventos do ciclo de vida com as novas
condições ambientais deverá acontecer através de plasticidade fenotípica ou rápida
evolução de mudanças na resposta fotoperíódica ou da habilidade de utilizar a temperatura
como sinal antecipatório quando a resposta fotoperiódica permanecer inflexível (Bradshaw e
Holzapfel, 2008).
O sucesso reprodutivo de aves insetívoras, como o passarinho Sylvia atricapilla (Fig.
7), depende da sincronização entre a disponibilidade de alimentos e a eclosão dos filhotes.
Com o aumento do aquecimento da Terra, está ocorrendo um descompasso entre a
oviposição dos passarinhos, controlada fotoperiodicamente, e o desenvolvimento de suas
presas, animais ectotérmicos fortemente influenciados pela temperatura. Assim, quando os
filhotes de S. atricapilla eclodem na primavera, as lagartas das quais os filhotes se

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

alimentam já se transformaram em pupas e não estão mais disponíveis como recurso


alimentar para os filhotes, dando origem a uma pressão para a antecipação da oviposição
na primavera (Visser e col., 2004).

Figura 7 – Sylvia atricapilla


macho (Imagem retirada de
http://en.wikipedia.org/wiki/
File:Sylvia_atricapilla_male
_2.jpg)

De um modo geral, a resposta dos organismos às mudanças climáticas pode ser de


três tipos: (a) dispersão para um ambiente mais favorável; (b) tolerância às novas condições
através de plasticidade fenotípica; e (c) adaptação às novas condições ambientais através
de evolução. Devido à elevada velocidade das mudanças climáticas, muitas das populações
atuais presenciarão as novas condições ambientais, de modo que para muitas espécies não
haverá tempo suficiente para a resposta adaptativa evolutiva. Assim, acredita-se que a
plasticidade fenotípica, em suas mais variadas formas, será fundamental para a
sobrevivência dos organismos contemporâneos. Com o objetivo de tentar prever como e se
estes ajustes acontecerão e a vulnerabilidade relativa das espécies, diversos estudos têm
sido conduzidos visando avaliar (a) a sensibilidade dos organismos às variáveis ambientais
críticas nestas mudanças climáticas globais, especialmente o efeito da temperatura, e (b)
qual o grau de flexibilidade de um determinado fenótipo e até que ponto ele é capaz de
acomodar as mudanças ambientais previstas para os próximos 100 anos (Hofmann e
Todgham, 2010).

Agradecimentos
Agradeço à Profa. Dra. Silvia Cristina Ribeiro de Souza pelas sugestões e pela
revisão do texto.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 215


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

A respiração dos vertebrados: Ambientes extremos.

Daniel Rodrigues Stuginski


Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia Evolutiva
dstuginski@yahoo.com.br

A respiração é um processo fundamental na manutenção da vida dos vertebrados.


Todos os animais desde que iniciam a vida dependem fundamentalmente do aporte de
oxigênio e da eliminação do gás carbônico para sobreviverem. Tal processo é inato aos
animais e realizado em todos os momentos da vida destes.
Apesar de parecer razoavelmente dedutível para qualquer animal que o impedimento
da respiração, seja por qual meio ocorrer, é uma ameaça iminente a vida do mesmo, os
passos metabólicos por de trás deste processo não são tão simples.
Basicamente, na falta de oxigênio a via oxidativa metabólica cessa. Esta via é a
responsável pelo maior fornecimento de energia em forma de ATP para os vertebrados,
sendo que para cada molécula de glicose completamente oxidada são gerados de 38ATPs
através desta via, ao passo que através do metabolismo anaeróbio apenas uma “irrisória”
porção deste suprimento energético pode ser atingida (2ATPs + 2 NaDH).
Até agora é razoavelmente simples de entendermos que quando um ambiente se torna
anóxico ou hipóxico a aquisição de oxigênio pelos animais se torna deficitária e, com isso, a
cadeia respiratória é comprometida, levando cedo ou tarde a uma parada ou diminuição
drástica na produção do ATP.

Mas o que ocorre quando o ATP para de ser produzido?

Um dos grandes responsáveis pela manutenção de um meio intracelular estável é a


bomba Na/K, que mantém o gradiente iônico destes íons dentro e fora das células e impede
o ganho ou perda excessiva de água pela mesma. Todavia esta bomba (assim como outras)
é dependente de ATP, sendo inclusive uma das maiores consumidoras de ATP durante o
repouso. Com a falta de oxigênio e a subseqüente falta de ATP a atividade da bomba Na/K
fica comprometida e com isso a manutenção da concentração do meio intracelular se torna
inviável levando, via de regra, a um colapso osmótico celular e podendo levar a morte
celular.
A tolerância a estados anóxicos e hipóxicos varia enormemente entre as diferentes
espécies e os diferentes tecidos, entretanto, via de regra, é o cérebro geralmente o órgão
mais rápida e fatalmente acometido, e isso se deve basicamente a dois fatores: 1- o tecido

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

cerebral tem uma alta taxa metabólica e alta necessidade da manutenção do meio
intracelular 2- geralmente o cérebro está confinado dentro de uma caixa craniana, sendo
esta na maioria das vezes pouco expansível. Com a ruptura da homeostase do meio interno,
as células tendem a edemaciar, e quando este processo ocorre dentro de uma caixa
fechada (caixa craniana) a pressão interna sobe cada vez mais até um ponto em que o
próprio edema cerebral impede a circulação sanguínea no órgão, impedindo assim, que este
cérebro volte ao seu estado normal ainda que o aporte de oxigênio seja restituído.
Existe uma variação grande entre as diferentes espécies no tempo necessário para um
edema cerebral se desenvolver até o ponto aonde a pressão intracraniana torna o quadro
irreversível, e esta diferença basicamente está relacionada com a taxa metabólica do animal
e com o tamanho de sua caixa craniana. A maioria dos ectotérmicos, por exemplo, é capaz
de se recuperar sem grandes sequelas de quadros anóxicos moderados, devido as suas
taxas metabólicas mais baixas e alguma “margem de segurança” craniana que permite que
o cérebro edemacie um pouco sem o aumento da pressão craniana. Todavia a maioria dos
mamíferos e aves são extremamente suscetíveis a estes eventos e tempos de anóxia
cerebral superiores a 3 minutos já são considerados irreversíveis para vários mamíferos.
Outro set point celular problemático recentemente avaliado durante estados
hipóxicos/anóxicos é o comprometimento mitocondrial devido ao não bombeamento do íon
H+ para fora da mitocôndria (devido a falta de ATP), com isso a membrana mitocondrial
despolariza e sinais apoptóticos são lançados no meio intracelular programando a morte
celular, e novamente, ainda que seja restituído o aporte de oxigênio para estas células, após
a liberação destes fatores apoptóticos, a mesma seguirá irreversivelmente para necrose e
morte.
Tendo em vista a importância do suprimento constante de oxigênio na vida dos
vertebrados é intrigante imaginar como certos peixes habitam lagos altamente hipóxicos,
como certos mamíferos são capazes de mergulhar por longos períodos, como certas aves
são capazes de sobrevoar alturas superiores as do Everest aonde o ar rarefeito deveria
comprometer o suprimento adequado de oxigênio para os tecidos, etc. Nas próximas
páginas veremos alguns exemplos de como os vertebrados se munem de uma série de
artifícios fisiológicos e comportamentais para prosperar em condições extremas. Todavia,
antes, faz-se necessária uma pequena revisão do processo e estruturas envolvidas na
respiração.

Difusão e respiração: Será que a Lei de Fick é tão complexa assim ?

Para que o oxigênio chegue a célula nos vertebrados ele tem basicamente que passar
pelas seguintes rotas: 1) sair do meio em que está diluído (seja ar ou água), atravessar a

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 217


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

barreira do órgão respiratório (seja ele pulmão, brânquia ou outros), ser transportado pela
corrente sanguínea (seja através de proteína transportadora ou não) e entrar no tecido.
O que basicamente rege este circuito é o processo de difusão. Definimos como difusão
o processo aonde algo (através do movimento de massas) difunde-se, ou seja, “caminha” do
local de maior pressão para o local de menor pressão. Assim, o oxigênio vindo do ar
atmosférico difunde-se para o ambiente de menor pressão (no caso o interior do órgão
respiratório), que então se difundirá para a corrente sanguínea (aonde esta pressão é ainda
mais baixa) e após ter sido transportado até o tecido alvo se difundirá para este último. O
gás carbônico por sua vez segue, na maioria dos animais, segue a rota contrária, partindo
do tecido até o meio externo pelas mesmas regras difusionais.
Todavia é de suma importância caracterizarmos aqui oque afeta a velocidade
difusional, afinal de contas não importa única exclusivamente que a difusão ocorra, ela tem
de ocorrer em taxas certas para que a vida seja possível de ser mantida, assim sendo, a
difusão do oxigênio deve suprir as necessidades metabólicas dos animais. Para vermos
como alguns parâmetros afetam a difusão vamos elaborar o seguinte cenário (Figura 1):
Vamos imaginar um ambiente separado por uma membrana permeável. Determinado
gás é colocado de um lado deste ambiente e aos poucos a partícula deste gás vão
atravessando esta membrana até que a pressão em ambos os lados do ambiente se iguale.
Pensando desta maneira quanto mais partículas de gás estiverem de um lado mais
rapidamente as partículas atravessarão para o outro lado da membrana, em outras palavras,
quanto maior for a diferença de pressão dos gases Δ (pressão 1- pressão 2) maior será a
velocidade de difusão.
Nesta mesma situação, analisando a membrana, caso aumentemos a área desta,
maior será a área de passagem para partículas. Caso a área seja pequena poucas
partículas passarão por unidade de tempo, todavia se esta área for maior as partículas
migraram entre os dois lados do ambiente mais rapidamente, com isso temos que a área da
membrana aonde a troca ocorrerá é proporcional a velocidade em que a difusão ocorrerá.
Ainda olhando para a membrana perceberemos que ela tem uma espessura e quanto maior
for esta espessura mais tempo as partículas levarão para atravessá-la, e assim podemos
dizer que a distância a ser percorrida dentro da membrana é inversamente proporcional a
velocidade difusional, além disso, a velocidade com que as partículas atravessam esta
membrana também é dependente do quão permeável esta é, e chamaremos esta
propriedade da membrana de coeficiente de difusão K, sendo que quanto maior for este
coeficiente de difusão maior será a velocidade com que a difusão ocorrerá, logo, K é
proporcional a velocidade de difusão. E deste modo obtemos a lei de Fick que estabelece
que a velocidade de transferência de um gás através de uma membrana permeável a este
gás é diretamente proporcional a área desta membrana, ao gradiente de pressão parcial

Pág. 218 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

deste gás, ao coeficiente de difusão do gás e inversamente proporcional a espessura da


membrana.

Figura 1- Representação gráfica da lei de Fick, aonde Vgás é a velocidade de difusão, A é a área da
membrana, Δ(P1-P2) é o gradiente de pressão do gás, K é a constante de difusão e T é a espessura
da membrana. (Modificado de http://www.unifesp.br/dcir/anestesia/fisio_resp.pdf)

Se chamarmos agora um lado do ambiente de ar atmosférico, o outro lado de face


interna do órgão respiratório e a membrana de barreira celular (da brânquia ou do
pulmão)aqui exatamente a difusão como ela ocorre durante o processo respiratório.

Órgãos respiratórios e a diferença da respiração dentro e fora da água.

Respirar dentro e fora da água representa desafios razoavelmente diferentes e por


estas razões adequações nos órgãos respiratórios foram necessárias para o sucesso da
respiração nos diferentes ambientes.
A água possui uma solubilidade de oxigênio relativamente baixa em relação ao ar
(Figura 2), em termos práticos a quantidade de oxigênio dissolvida em 1Lde água é cerca de
30 vezes menor do que em 1Lde ar. Sendo que esta solubilidade é afetada por fatores como
temperatura (quanto mais alta menor a solubilidade do oxigênio) e a quantidade de solutos
dissolvida (a água do mar p.ex. tende a ter uma solubilidade de oxigênio ainda
menor)(Figura 3). Outra característica do meio aquoso é sua viscosidade, a água é quase
1000 vezes mais viscosa do que o ar, isso significa que para se mover uma determinada
massa de água através de um órgão respiratório é relativamente mais dispendioso
energeticamente do que através do ar. Além disso, a difusão do oxigênio ocorre de forma
muito mais vagarosa na água.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 219


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 2 - Representação das diferenças de concentração de oxigênio, constante de difusão e


viscosidade do ar em relação a água. (Modificado de Nilsson, 2010)

Figura 3 - Tabela apresentando a influência da temperatura na concentração de oxigênio na água


doce e na água do mar. (Modificado de Nilsson, 2010).

A respiração dos vertebrados dentro da água é feita basicamente por brânquias (ainda
que existam algumas exceções como trocas gasosas pela pele e mucosas), por outro lado a
respiração fora da água é basicamente feita por pulmões (ainda que também existam
exceções).
Denominamos brânquias os órgãos respiratórios evaginados (voltados para fora) e de
pulmões os órgãos respiratórios invaginados (voltados para dentro) e apesar das diferenças
do processo respiratório dentro e fora da água, ambos funcionam basicamente como uma

Pág. 220 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

grande área altamente vascularizada e cuja barreira para o meio externo é relativamente
fina permitindo assim o processo de difusão dos gases.
As brânquias são constituídas por oito arcos branquiais (elasmobrânquios e
teleósteos) a partir dos quais se projetam as lamelas branquiais. De cada lamela por sua
vez partem pequenas novas projeções lamelares (as lamelas secundárias). Através deste
arranjo, com uma grane área de superfície, a água é impulsionada e ocorrem as trocas
gasosas (Figura 4).

Figura 4 - Representação diagramática brânquia, formada pelos filamentos adjacentes através dos
quais a água flui da cavidade oral em direção ao opérculo. (B) Peça anatômica de corrosão de um
peixe gato (Claria batrachus) o arranjo paralelo das lamelas secundárias, resultando num discreto
canal intralamelar (IL) por onde a água flui, (CV= veia colateral) (Modificado a partir de Olson 2002 e
Nilsson, 2010).

Esta área de superfície varia conforme a espécie em questão sendo que espécies
mais ativas apresentam áreas branquiais maiores, enquanto animais bentônicos e pouco
ativos tendem a apresentar uma área de superfície branquial relativamente menor. A esta
altura talvez nos perguntemos o porque de todos os peixes não apresentarem as maiores
brânquias possíveis mesmo que não possuam hábitos ativos, a resposta para esta pergunta
é multifatorial, mas basicamente envolve o fato da brânquia servir de porta de entrada para
uma série de patógenos, assim, quanto maior a brânquia maior a área exposta, e
principalmente devido ao compromisso osmótico destes animais já que a brânquia devido a
sua alta permeabilidade permite a passagem de diversos íons e afeta a osmoregulação dos
animais, sendo assim animais que possuem grandes áreas branquiais, também possuem

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 221


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

um maior compromisso osmorespiratório, gastando mais energia para a manutenção da


homeostase osmótica.
A espessura da barreira celular das lamelas secundárias, como já vimos, também
exerce função na velocidade de difusão dos gases. Sendo esta espessura também
extremamente variável nas diversas espécies. Espécies cuja barreira é menos espessa tem
maior facilidade para difusão, oque maximiza seu potencial respiratório, em contrapartida
também possuem como visto anteriormente um maior compromisso osmorespiratório.
Veremos mais adiante que certos peixes são capazes de modular a espessura branquial
frente a diferentes pressões de oxigênio.
Para que seja mantida a difusão dos gases nas brânquias ou nos pulmões é
necessário que se mantenha um gradiente de PO2 entre a água e a brânquia. Para que isto
ocorra o animal depende basicamente do bombeamento de água e do fluxo de sangue.
O bombeamento de água nos peixes se dá de forma ativa através de um mecanismo
de bomba de pressão. Para a tomada de água os animais abrem a boca e abaixam o
assoalho da cavidade oral, diminuindo a pressão dentro da cavidade oral e permitindo a
entrada de água nesta. Após a entrada da água na cavidade oral a boca é fechada eo
assoalho da cavidade oral é erguido levando a um aumento de pressão dentro da cavidade
oral, neste momento uma prega de pele que funciona como válvula se abre e a água flui
para a cavidade branquial. Num segundo momento a válvula entre a cavidade oral e a
opercular é fechada, a parede de cada um dos opérculos é pressionada (diminuindo o
volume da cavidade) aumentando a pressão na cavidade opercular, e neste momento a
válvula opercular é aberta e a água pode finalmente fluir de volta ao meio (Figura 5).
Este processo é chamado de bombeamento ativo de água, porém nem todos os
peixes bombeiam água desta forma, sendo que alguns animais, principalmente animais de
alta performance natatória como atum, peixe-espada entre outros utilizam do próprionado
para impulssionar a água através das brânquias. Para isso estes animais nadam de boca
aberta através da coluna da água. Todavia vários outros peixes podem passar do
bombeamento ativo de água para o módulo “passivo” de respiração quando estão em nado
contínuo a acima de determinada velocidade, com isso eles conseguem minimizar o gasto
energético respiratório durante determinados eventos.

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Figura 5 - Diagrama mostrando o mecanismo de bombeamento da água através das


brânquias, de a-d os passos seqüenciais do bombeamento. (Modificado de Nilsson, 2010).

A difusão dos gases da brânquia para o sangue pode ser modulada pela circulação
local, e dependendo da situação os animais podem modular o volume sanguíneo que
percorre as brânquias em determinado tempo através principalmente do aumento de
freqüência cardíaca, aumento da perfusão de determinadas porções branquiais e até
mesmo recrutamento de novas lamelas para a respiração, suprindo assim aumentos de
demanda e compensando menores concentrações de oxigênio no ambiente.
Os peixes possuem uma particularidade na circulação branquial que os permite
maximizar as trocas gasosas o mecanismo de troca em contracorrente (Figura 6).
Basicamente oque ocorre no mecanismo de contra corrente é que a direção dos fluxos
sanguíneos e de água dentro da lamela secundária são opostos, o que permite com que o
sangue consiga atingir uma maior concentração de oxigênio já que a diferença de pressão
(ou diferença de concentração) é mantida ao longo de toda a área de contato.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 223


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 6 - Diagrama representando o fluxo em contra-corrente, note a PO2 do sangue e da


água são máximas nos extremos do vaso e do fluxo de água, assim conforme o fluxo ocorre é
possível se manter uma PO2 sanguínea capaz de suportar o processo difusional ao longo de toda a
extensão de contato, devido a diferença de pressão.

As brânquias são órgãos extremamente lábeis e adaptados a vida debaixo da água,


todavia seu uso em ambiente aéreo é quase inviável já que fora da água costumam colabar
diminuindo assim muito a área de superfície para a troca de gases. Veremos adiante
algumas modificações e modulações que ocorrem em certos animais em ambientes
extremos que os permitem sobreviver em áreas com pouca disponibilidade de oxigênio.

Respiração aquática em ambientes extremos:

A respiração aquática pode ser extremamente desafiadora em determinadas


condições, lagos, poças, recifes de corais muitas vezes tornam-se hipóxicos durante
determinados períodos. Para se ajustar a estes ambientes os animais passam por
modulações fisiológicase comportamentais. Basicamente,estas modulações afetam: a taxa
de extração deO2 do meio, o aumento do metabolismo anaeróbio quando esta extração já
não é mais sustentável, a diminuição da demanda, ou seja, a diminuição da taxa metabólica
e por últimomecanismos para minimizar os danos celulares frente a injúria anóxica.

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

De forma geral quando um ambiente torna-se hipóxico as duas primeiras respostas


fisiológicas da maioria dos vertebrados são o aumento da freqüência respiratória e o
aumento do aporte sanguíneoaos órgãos respiratórios. A capacidade dos peixes de regular
estas variáveis parece ser relativamente variável entre as diferentes espécies, todavia, são
respostas relativamente comuns a praticamente todos os vertebrados. O aumento da taxa
respiratória destes peixes muitas vezes vem em conjunto com manobras comportamentais
como a superficialização da natação na coluna da água e inclui não só o aumento da
freqüência respiratória como também o aumento do volume de água bombeado pela boca.
O aumento da perfusão branquial geralmente está ligado a um maior recrutamento lamelar e
uma maior perfusão destas lamelas, o que resulta, num expressivo aumento da área de
troca gasosa, estas alterações ocorrem nos peixes juntamente com um aumento de volume
de sangue ejetado pelo coração e ironicamente certo grau de bradicardia.
Em lagos hipóxicos existe uma grande diferença entre o conteúdo de oxigênio diluído
nos primeiros centímetros da superfície e das camadas mais profundas dos lagos, por isso,
alguns peixes quando em estado hipoxêmico,associam o aumento na taxa respiratória e a
perfusão dos órgãos respiratórios ao comportamento de natação próximo a flor da água. .
Certos peixes que habitam lagos hipóxicos são capazes de modulações morfológicas
para maximizar a troca de gases. O tambaqui (Colossomamacropomom), por exemplo, um
peixe amazônico que vive em lagos cuja disponibilidade de oxigênio pode se tornar bastante
baixa, desenvolve uma projeção bucal altamente vascularizada que funciona como
superfície de troca gasosa na flor da água quando exposto a situações hipóxicas (Figura 7).

Figura 7 - Projeção oral altamente vascularizada presente no tambaqui em situações hipóxicas


(Modificado de Nilsson, 2010)

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 225


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

A tolerância a baixas tensões de oxigênio varia enormemente entre diferentes


espécies de peixes. Sendo que chamamos de [PO2] crítico a tensão mínima de oxigênio na
qual determinado peixe é capaz de manter os níveis adequados de O2 sanguíneo. Sendo
esta uma medida de extrema valia na comparação da tolerância de diferentes espécies a
diferentes tensões de oxigênio, e no geral quanto menor o [PO2] crítico, maior é a
capacidade deste animal de se manter normoxemico frente a um desafio hipóxico.
Outra maneira de aumentar a captação de oxigênio está ligada amodulação da
estrutura branquial realizada por determinados peixes frente a desafioshipóxicos. Como foi
visto anteriormente a área de superfície e a barreira difusional influenciam na capacidade de
troca de gases nos animais e aliado a este fato está o compromisso osmoregulatório.
Estudos em kinguios e carpas mostraram uma diminuição de estratos celulares ligados a
barreira respiratória quando os animais foram submetidos a ambientes hipóxicos. A redução
das células intralamelares branquiais diminui a barreira difusional e aumenta a área de
superfície da lamela, facilitando assim a difusão em ambientes hipóxicos, sendo que tais
modulações podem ou não ser reversíveis dependendo da espécie envolvida.
A afinidade da hemoglobina também parece variar consistentemente nas diferentes
espécies de vertebrados. Sendo que existe uma tendência aos nadadores de alta
performance possuírem uma baixa afinidade de sua hemoglobina pelo oxigênio. Quanto
menor a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, mais facilmente esta se liga ou desliga da
molécula de oxigênio, assim, para que ocorra a saturação do sangue o animal que
apresenta uma hemoglobina de baixa afinidade pelo O2necessitará de uma maior pressão
de oxigênio (ou seja ambientes com boa quantidade de oxigênio dissolvido). Por outro lado,
peixes bentônico e pouco ativos, estão rotineiramente vivenciando situações hipóxicas, ao
se enterrar ou nadar junto ao substrato e nestes peixes a afinidade da hemoglobina é
consistentemente alta, permitindo assim que estes animais atinjam um índice adequado de
saturação de hemoglobina sem que seja necessária uma grande PO2 do meio.Por
conseqüência, em linhas gerais, a tolerância a hipóxica por peixes de alto desempenho é
consistentemente menor do que animais menos ativos.
A diminuição da demanda metabólica também é uma resposta que ocorre
relativamente rápido para determinados peixes durante estados hipoxêmicos. E a inibição
de processos não vitais como crescimento e reprodução já foi vista em espécies submetidas
a tensões de oxigênio mais baixas do que as habituais, assim os animais são capazes de
diminuir suas despesas energéticas adequando o consumo de O2 para a manutenção das
funções vitais. A procura por temperaturas mais baixas é um outro recurso que certos peixes
tentarão, caso lhes seja permitido, já que em temperaturas mais baixas o metabolismo dos
ectotérmicos tende a baixar mais, e com isso a demanda de oxigênio.

Pág. 226 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Os casos mais extremos de adaptação a ambientes hipóxicos em peixes,


provavelmente, envolvem os peixes capazes de respirar fora da água. Existem cerca de 400
espécies capazes de respirar fora da água, sendo que o órgão responsável pela troca
gasosa é variável. Certos peixes são capazes de trocas gasosas através da bexiga
natatória, outros através de mucosas orais, outros através do estômago e outros ainda
através de pulmões.
Existem basicamente dois tipos de peixes que respiram ar fora da água, aqueles que
se munem desta saída quando as condições do ambiente em que vive tornam-se hipóxicas,
e aqueles que normalmente respiram fora da água mesmo quando esta apresenta estados
normóxicos. Dentre os peixes que rotineiramente respiram ar atmosférico existem ainda
aqueles que o tem de fazer obrigatoriamente e se afogam caso o acesso ao ar não lhes seja
permitido, estes animais no geral tem brânquias menores. A respiração aérea em peixes
parece ter se originado exatamente devido ao desafio de se habitar um ambiente carente
em oxigênio e é provável que tenha inclusive uma grande influência no surgimento dos
vertebrados terrestres.
Um caso interessante de adaptação a respiração aérea e vida anfíbia em peixes é o
caso dos mudskippers. Os mudskippers são peixes capazes de viver em zonas de
intermarés e deslocam-se rotineiramente pela areia realizando suas atividades diárias. A
captação de oxigênio por estes animais é feita através de uma enorme mucosa
bucofaringeal. Estes animais apresentam uma respiração aérea estrita, podendo
potencialmente morrerem afogados. Interessantemente estes animais passam boa parte de
seu dia enterrados em buracos na lama, aonde estão potencialmente expostos a situações
hipóxicasdevido a impossibilidade de troca gasosa durante a maré alta. Todavia. para
contornar este problema,os mudskippers apresentam um interessante comportamento de
captação e estoque de oxigênio em suas tocas, mantendo uma bolsa de ar dentro de sua
toca, com a qual efetuam as trocas gasosas durante a maré alta.

Respiração no ar:

O ar atmosférico é composto de cerca de 20,95% de oxigênio, sendo assim a sua


disponibilidade para os animais terrestres é muito maior do que na maioria dos ambientes
aquáticos, além disso, a viscosidade do meio aéreo é muito menor do que no meio aquático,
o que torna a respiração aérea menos dispendiosa em termos energéticos. A perda de água
na respiração terrestre pode ser problemática em ambientes aonde o ar apresenta uma
baixa umidade, todavia, em termos gerais a respiração aérea é menos complexa de ser
realizada do que a respiração aquática.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 227


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

A respiração aérea se dá na maioria dos vertebrados através de pulmões, ainda que


existam casos de salamandras que não possuem pulmões e que efetuem toda a troca
gasosa respiratória através da pele, e como vimos peixes capazes de realizar a troca
gasosa através de outros órgãos especializados. Todavia para o presente momento nos
restringiremos a respiração pulmonar.
Os pulmões variam enormemente de estrutura e complexidade ao longo da filogenia,
partindo desde estruturas simples e ocas como nos pulmões dos anfíbios até o complexo
pulmão das aves (ver adiante). Todavia basicamente o pulmão é uma invaginação
respiratória na qual a troca gasosa se dá nos alvéolos ou parabronquios (que são as
unidades funcionais do pulmão). A troca gasosa se dá por difusão tal qual nas brânquias,
levando-se em consideração a diferença do coeficiente difusional do ar e da água.
Nos vertebrados pulmonados excluindo as aves a respiração pulmonar é bidirecional,
ou seja, diferentemente da brânquia aonde a água oxigenada flui em um sentido único, aqui,
o ar entra e sai pela mesma via, o que leva há algumas implicações.
Nos pulmões de mamíferos, répteis e anfíbios o ar nunca é totalmente expelido
durante a expiração, assim sendo, sempre algum ar residual permanece nas vias aeras e
todo novo ciclo respiratório nunca renova o ar todo. A proporção de ar renovado pode variar
do tanto que se expande do pulmão durante uma inspiração, mas invariavelmente o ar
nunca é inteiramente renovado.
O bombeamento de ar através das vias aéreas também é significativamente diferente
nas diferentes espécies, sendo que anfíbios empregam um mecanismo de bombeamento
ativo através da elevação do assoalho bucal, com posterior expiração passiva, já os répteis
de forma geral inspiram o ar através da instituição de pressão negativa no pulmão através
da expansão da musculatura intercostal e os mamíferos através da musculatura intercostal e
diafragmática, a expiração em contrapartida se dá através do relaxamento destes mesmos
músculos sendo um processo passivo.

Mergulhos:

Um dos maiores desafios dos vertebrados com relação a demanda de oxigênio ocorre
durante mergulhos, ainda assim uma séries de mamíferos, aves e répteis são capazes de
efetuá-los. O mergulho em si impede que os animais realizem captação extra de oxigênio,
assim sendo, os animais pulmonados(ao menos aves e mamíferos), são incapazes de
qualquer outro tipo efetivo de troca gasosa durante o mergulho. Focas e Elefantes marinhos
são capazes de mergulhos prolongados que excedem uma hora, todavia, quando
analisamos a capacidade pulmonar destes animais as diferenças obtidas não são totalmente

Pág. 228 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

condizentes com o tempo gasto no mergulho, então como estes animais conseguem passar
tanto tempo debaixo da água?
Algumas diferenças hematológicas parecem influenciar fortemente a capacidade de
mergulho de certos focideos de mergulhos profundos (p.ex focas de Wendell), sendo que
em sua maioria, os focideos capazes de longos mergulhos apresentam uma quantidade de
glóbulos vermelhos e taxas de hemoglobina elevadas quando comparados aos animais
terrestres. Todavia este aumento do hematócrito vem de encontro a uma complicação, pois
quanto maior o hematócrito, maior é a viscosidade do sangue e maior é a dificuldade para
este fluir pelo sistema. Neste contexto, entra a grande importância do baço nestes animais.
Que atua como órgão seqüestrador de hemácias enquanto o animal está na superfície,
todavia, durante o mergulho esta grande quantidade de células vermelhas é mobilizada para
a circulação do animal, permitindo uma oxigenação tecidual mais eficiente.
A alta concentração de mioglobina também parece ser uma característica comum nos
animais de mergulho longo, sendo está especialmente concentrada no tecido cardíaco e
muscular destes animais. A alta concentração de mioglobina aumenta a capacidade do
tecido em reter o oxigênio, mantendo assim por certo tempo a sua disponibilidade ao tecido
muscular durante o mergulho, ainda que a circulação local diminua substancialmente (ver
adiante)
Diferentemente do que se possa imaginar animais de mergulhos prolongados, no
geral, não possuem volumes pulmonares relativamente maiores e/ou uma maior afinidade
em sua hemoglobina do que os animais terrestres, e além disso estes animais geralmente
exalam o ar dos pulmões antes do mergulho, evitando assim doença descompressiva. Por
outro lado animais de mergulhos mais curtos e rasos parecem ter pulmões relativamente
maiores e utilizam a máxima tomada de oxigênio antes de cada mergulho.
Os mergulhos de longa duração estão associados a uma série de alterações de
estados fisiológicos dos animais. Quando uma foca faz um mergulho de longa duração,
quase que imediatamente acontece uma resposta bradicardica, um redirecionamento do
fluxo sanguíneo e uma diminuição expressiva da taxa metabólica. O fluxo sanguíneo passa
a ser quase que totalmente direcionado a órgãos vitais como cérebro e coração, enquanto o
fluxo para outros como: fígado, rins, intestinos e musculatura esquelética é praticamente
interrompido. A interrupção do fluxo de sangue para a musculatura esquelética pode parecer
a princípio incoerente com a atividade que está sendo realizada, todavia devido a baixa
metabólica, grande parte da atividade muscular pode ser sustentada através das grandes
quantidades de mioglobina contidas no músculo, fosfocreatina, e através do metabolismo
anaeróbico local.
O hipometamobolismo durante o mergulho está também associado a uma diminuição
de temperatura interna destes animais, inclusive a temperatura cerebral. Viu-se para

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 229


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

determinadas espécies que durante mergulhos prolongados este queda de temperatura


pode ser de 2-3°C. Esta queda na temperatura parece estar associada a um “afrouxamento”
na regulação térmica durante o mergulho e juntamente com esta manobra estes animais
alteram seu set point de termogênese muscular, ou seja, inibem os reflexos de “tremer de
frio”, assim, os animais garantem que a queda de temperatura não é acompanhada por uma
tentativa do próprio organismo de manter a temperatura dentro dos níveis aceitáveis.
Os maiores efeitos colaterais dos mergulhos de longa duração são o acúmulo de
lactato e de H+nestes animais, por isso um eficiente sistema de tamponamento é necessário
para a acomodação da variação de pH ocasionada pelo acúmulo de ácido. Quando na
superfície a liberação da circulação muscular (que está repleta de ácido lático) é feita de
forma gradativa para que o animal possa aos poucos oxidar este ácido sem sofrer uma
alteração muito abrupta de pH. Devido a este fato, de maneira geral, quanto mais tempo o
animal passa submerso num mergulho profundo, mais tempo ele deverá passar eliminando
o lactato e o H+ formado, logo, menos mergulhos este animal poderá realizar ao longo do
dia.

A vida nas alturas:

Apesar da composição do ar atmosférico se manter relativamente estável ao longo da


altitude, o ar se torna rarefeito,ou seja a quantidade de ar em determinado volume é menor
conforme atingimos altitudes maiores. Conforme maior a altitude a diversidade de
vertebrados que a habitam vai declinando. Além do ar rarefeito a altitude impõe outros
desafios à vida como: a queda de temperatura, a baixa umidade e o aumento da emissão de
raios UV, que tem seu índice muito maior em altitudes extremas.
Contudo, a vida prospera em habitats relativamente altos e tanto peixes, anfíbios,
répteis, aves e mamíferos tem representantes acima de 3000 metros de altitude. No caso
dos ectotérmicos as baixas taxas metabólicas e, por conseguinte, a relativa baixa demanda
de oxigênio,propiciam a estes animais a vida em relativa altitude, todavia as baixas
temperaturas limitam muito os horários de atividade para estes animais e acabam por
impedir que alguns ectotérmicos sobrevivam em áreas mais altas, ainda que em teoria a
situação de rarefação do ar pudesse ser contornada devido ao baixo consumo metabólico.
Mamíferos e aves por outro lado são endotérmicos e a questão da temperatura com
relação a altitude é de certa forma controlada através de camadas grossas de isolamento e
altas taxas metabólicas, todavia, uma alta taxa metabólica pode ser extremamente
complexa de ser atingida sob condições de ar rarefeito.
Ainda assim camelídeos sul americanos vivem em altitudes de 5000m e não parecem
ter suas taxas metabólicas diferentes do previsto para o tamanho relativo. O aumento da

Pág. 230 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

taxa respiratória parece ser uma das primeiras saídas fisiológicas para se manter a
normoxemia, e de fato, parece ser importante tanto nestes animais quanto naqueles
expostos agudamente a altitudes extremas. Entre os mamíferos não humanos sabe-se hoje
em dia, que a maior adaptação para a vida em altitude vem da capacidade de transportar O2
no sangue e a afinidade da hemoglobina, que é muito maior nestes animais, assim sendo
eles são capazes de saturar o sangue de oxigênio sobre pressões de oxigênio menores.
Por outro lado, diferentemente dos mamíferos e ectotérmicos, a maioria das aves
parece já ser bem adaptada a vida em ambientes de ar rarefeito, sendo que mesmo
espécies que sabidamente não sobrevoam grandes altitudes são relativamente mais
tolerantes a ambientes de ar rarefeito do que os mamíferos.
Um dos motivos desta grande diferença é exatamente a capacidade de extração de
oxigênio no ambiente rarefeito. Os pulmões das aves seguem um modelo diferenciado que
as permite uma grande troca gasosa, veja a seguir:

O sistema respiratório das aves e suas implicações na vida nas alturas:

O sistema respiratório das aves é uma das chaves para a compreensão do porque que
quando levamos um camundongo e um pardal de mesma massa e taxas metabólicas muito
próximas a uma altura de 6000m por exemplo, o primeiro mal consegue rastejar enquanto o
outro é capaz de continuar voando.
O fato acima se dá principalmente por conta da eficiência do sistema respiratório das
aves que é superior a dos mamíferos, esta superioridade advém de dois pontos principais:
1-fluxo unidirecional de ar, ou seja, nas aves diferentemente dos mamíferos todo ar inalado
passa através dos pulmões. 2- As aves apresentam um sistema de corrente cruzada na
interface sangue-ar, que de forma parecida com o que ocorre nos peixes maximiza as trocas
gasosas.
Os pulmões das aves são relativamente pequenos e sua unidade funcional são os
parabrônquios, diferentemente dos alvéolos, o ar passa diretamente através dos
parabrônquios e é durante esta passagem que os gases são trocados. Como dito
anteriormente, um arranjo vascular denominado de corrente cruzada, parecido com o
mecanismo de contra-corrente das brânquias está presente neste pulmão, oque aumenta o
potencial de troca gasosa deste pulmão.
O sistema respiratório das aves também é constituído por sacos aéreos, sendo que
estes se expandem dos pulmões e dos brônquios e apesar de não realizarem a troca
gasosa em si funcionam como foles direcionando o ar no sistema respiratório e permitindo o
sistema unidirecional (Figura 8).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 231


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 8 - Diagrama representando a anatomia do sistema respiratório das aves. Note a presença
dos sacos aéreos tanto caudais como craniais ao pulmão. (Modificado de Schimidt-Nielssen, 2010).

Basicamente durante a primeira inspiração o ar inalado é levado através dos brônquios


diretamente para os sacos aéreos terminais que se inflam, durante a primeira expiração os
sacos aéreos se contraem e este ar é forçado através dos pulmões aonde ocorre a troca
gasosa, durante a segunda inspiração esta massa de ar é direcionada para os sacos aéreos
craniais e durante a segunda expiração este mesmo ar é então expirado para o ambiente.
Assim sendo para que uma mesma massa de ar passe por todo o sistema são necessários
dois ciclos respiratórios completos, todavia, é necessário lembrar que o sistema não
trabalha com uma única massa de ar e que estas massas estão constantemente entrando
no ciclo fazendo com que desta forma o fluxo de ar no sistema respiratório das aves seja
unidirecional e constante (Figura 9).
Além da maior capacidade de troca gasosa do sistema respiratório das aves, existem
também algumas outras modificações que permitem não só a tolerância como a
manutenção de altas taxas metabólicas em situações de baixa pressão, sendo
especialmente importantes nas aves que rotineiramente sobrevoam grandes altitudes.
O Anser indicus, por exemplo, que sobrevoa o Everest durante a migração apresenta
uma maior taxa de ventilação, uma maior afinidade de hemoglobina e uma maior
capacidade difusional do que outras aves que habitam áreas de menor altitude.
A capacidade de aumento da taxa respiratória muito além dos níveis normais exige
destes animais uma maior tolerância a situações de alcalose respiratória. Já que como
consequência desta hiperventilação há uma eliminação excessiva de CO2 que acaba
confluindo para um estado relativamente alcalótico, sendo esta uma característica
importante para a capacidade de manutenção da normorexia sanguínea nesses animais.

Pág. 232 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Figura 9 - Representação do fluxo de ar no sistema respiratório das aves. (Modificado de Schimidt-


Nielsen, 2010).

O aumento da capacidade difusional por outro lado, ocorre por conta de uma
membrana relativamente mais delgada do que as membranas parabrônquiais das demais
aves, assim como vimos pela lei de Fick no início do texto, uma membrana mais delgada
significa que a distância difusional a ser percorrida é menor, e como a distância difusional
(espessura da membrana) é inversamente proporcional a velocidade de difusão de um gás,
esta característica também confere uma significativa vantagem para os animais que
sobrevoam altitudes extremas.

Agradecimentos: Ao Professor Doutor José Eduardo de Carvalho pela revisão


textual.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 233


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Desafio hídrico dos vertebrados em ambientes extremos

Braz Titon Junior


Laboratório de Comportamento e Fisiologia evolutiva
titonjr.b@usp.br

1- Introdução
Os seres vivos não são sistemas hermeticamente fechados, ao contrário, estão
abertos e realizam trocas (ganhos e perdas) obrigatórias e reguladas de material (água,
solutos, energia, etc.) com o ambiente externo. O ambiente interno de um animal metazoário
corresponde a um compartimento contendo uma solução aquosa cuja composição química e
as concentrações de moléculas orgânicas e de íons tendem a ser reguladas, assim como de
outros parâmetros biológicos (temperatura, pressão parcial dos gases, pH, etc.). Nesse
ambiente interno identificamos mais dois subcompartimentos: o intracelular e o extracelular.
O compartimento intracelular refere-se à totalidade do volume interno da célula e o
extracelular, ao volume externo. O volume extracelular, por sua vez, é dividido em volume
intersticial e volume plasmático.
No século XIX, os conhecimentos sobre fisiologia começaram a se acumular
rapidamente, incluindo a formulação do conceito de milieu interieur (meio interno) por
Claude Bernard (1818-1878), em 1872. Ele postulou que os organismos vivos preservam as
condições do ambiente interno, apesar de mudanças no ambiente externo (Moyes e Schulte,
2010). Este conceito da habilidade de manter um ambiente interno constante foi melhor
trabalhado em 1929 por Walter B. Cannon (1871-1945), que estendeu o conceito de Bernard
para o nível de célula, tecidos e órgãos, cunhando o termo Homeostase (Withers, 1992)
(Fig.1).

Pág. 234 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Figura 1- Sistemas regulatórios mantém uma pequena flutuação do meio interno apesar de uma
grande variação de qualquer parâmetro ambiental do meio externo (Modificado de Randall e
col.,1997).
Não podemos, porém, confundir constância de um determinado parâmetro,
homeostase e regulação. Muitas vezes um parâmetro fisiológico interno pode ser constante
sem apresentar qualquer tipo de sistema de regulação. Por exemplo, alguns peixes que
vivem nas águas frias da região antártica, apresentam uma temperatura corpórea que varia
menos de 1°C no decorrer do ano. Isso significa uma constância maior do que a observada
no corpo humano no decorrer de um dia, porém, essa manutenção é apenas um reflexo do
ambiente onde esse peixe vive, que apresenta uma temperatura extremamente constante.
Além disso, apresentar um sistema de regulação não implica em absoluta homeostase
(Withers, 1992) (Fig.2).

Figura 2- Conformadores ajustam as condições internas refletindo as alterações do meio, enquanto


reguladores mantém uma estabilidade interna apesar das alterações das condições externas. A:
quando os animais não apresentam algum mecanismo que compense as alterações do meio externo,
sua condição interna (linha grossa) irá variar de acordo o mesmo; B: quando os animais apresentam
algum sistema de controle, eles conseguem manter a estabilidade do meio interno (linha grossa)
apesar das variações do meio externo, dentro de uma faixa de eficácia do ajuste. (Modificado de
Randall e col.,1997).

Existem dois padrões básicos de alterações fisiológicas após alterações de algum


parâmetro do ambiente externo: Conformação e Regulação. Animais considerados
reguladores, como o próprio nome diz, utilizam-se de mecanismos bioquímicos, fisiológicos
e/ou comportamentais para regular e manter as condições do meio interno

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 235


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

independentemente das alterações do meio externo (Fig.2). Por outro lado, animais
considerados conformadores são aqueles incapazes manter a homeostase do meio interno
de parâmetros como osmolaridade, oxigenação de tecidos, etc. (Fig.2) (Randall e col.,1997).
Estes últimos costumam apresentar, por sua vez, uma zona maior de tolerância, dentro da
qual o indivíduo consegue sobreviver normalmente, localizada entre as duas zonas de
resistência, onde os valores para os parâmetros excedem ou ficam aquém dos ideais,
comprometendo o tempo de sobrevivência do indivíduo (Fig.3), representando as situações
mais extremas dentro das condições ambientais naturais.

Figura 3- Representação genérica das Zonas de Tolerância e de Resistência de animais


conformadores de acordo com o tempo de sobrevivência com a variação de algum parâmetro
ambiental.
Quando falamos de qualquer mecanismo de regulação ou controle são necessários
no mínimo três componentes fundamentais:
 Órgãos sensoriais: altamente sensíveis à detecção de mudanças específicas dos
meios interno ou externo.
 Órgãos de processamento e de integração: local de recebimento e processamento
da informação; está capacitado para analisar e elaborar comandos de ação.
 Órgãos Efetuadores: sistemas de órgãos que executam as tarefas necessárias para
o restabelecimento do controle.

2- Ambiente aquático e Ambiente terrestre


Quando comparados, o ambiente aquático e o terrestre são, muitas vezes, distintos
quanto a alguns parâmetros ambientais. Por exemplo, se considerarmos o oxigênio

Pág. 236 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

disponível nesses dois ambientes, sua concentração, de uma maneira generalizada, é cerca
de 30 vezes mais alta na atmosfera quando comparada um ambiente aquático; ou ainda a
temperatura, cuja variação costuma ser muito menor em um ambiente aquático que em um
ambiente terrestre. Porém, neste capitulo, a atenção estará voltada aos desafios hídricos
impostos por esses diferentes ambientes, uma vez que a manutenção de um volume e uma
concentração osmótica dos fluidos corpóreos relativamente constantes é fundamental para a
manutenção da homeostase.
Ainda comparando ambientes terrestres e aquáticos, o desafio hídrico apresentado
por cada um deles é diferente. Animais que vivem em terra vão sempre sofrer com o risco
da desidratação seja pela evapotranspiração, pela respiração ou pela excreção, enquanto
animais que vivem na água deverão lidar com as diferenças de concentração osmótica e
iônica entre a água e os fluidos corpóreos, influenciar diretamente o balanço hídrico. Este
problema osmótico é potencializado ainda quando comparamos diferentes ambientes
aquáticos e alguns íons osmoticamente ativos que os compõe (Tab.1).

Tabela 1- Concentração de íons em diferentes ambientes aquáticos registrados em milimóis por


quilograma de água (modificado de Schmidt-Nielsen, 1996).
Íon Água DoceA Água MarinhaB Lagos SalgadosC
Na+ 0,39 640 1955
Mg2+ 0,21 6 2028
Ca2+ 0,52 32 481
K+ 0,04 16 219
Cl- 0,23 630 7112
A: Composição média dos rios da América do Norte; B: Bad Water, Vale da Morte, Califórnia; C: Mar
Morto, Israel.

3- Animais que usam água como meio externo de trocas gasosas


Como vimos anteriormente a osmolaridade, do meio ambiente aquático é muito
variável (desde alguns miliosmois até valores superiores à 1000 miliosmois por litro). Os
animais aquáticos que respiram sob a água, apresentam, em geral, uma epiderme
impermeável, mas realizam trocas obrigatórias de água e íons com o meio externo através
da superfície respiratória, uma vez que dependem da permeabilidade dessa superfície para
trocas gasosas. Já quando pensamos em anfíbios de hábito aquático ou espécies de peixes
de respiração aérea facultativa, eles apresentam a pele permeável uma vez que esta
representa ainda um importante órgão de trocas gasosas.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 237


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

3.1- Elasmobrânquios marinhos


Os tubarões e arraias, assim como os demais vertebrados, apresentam a
concentração de sais de seus fluidos corporais em cerca de um terço da concentração da
água do mar. Essa situação deveria então causar uma perda de água para o ambiente
devido à diferença osmótica. Porém, o que observamos é estes animais são ligeiramente
hiperosmóticos, com um influxo de água passivo compensando a perda de águapor
excreção. Isto se deve à capacidade destes animais de acumular e tolerar altas
concentrações de uréia. Mais do que uma tolerância, os elasmobrânquios necessitam de
manter certas concentrações de uréia em todos seus tecido e órgãos para sobreviver. Além
da uréia, os elasmobrânquios acumulam ainda outro composto orgânico osmoticamente
importante: o óxido de trimetilamina (TMAO).
Apesar de parecer uma solução simples para a manutenção do equilíbrio osmótico
entre os meios interno e externo, sabe-se que a uréia é muito tóxica e desestabiliza muitas
proteínas, principalmente enzimas. Porém, esse dilema foi esclarecido quando descobriu-se
que esses animais acumulavam uréia e TMAO na proporção de 2:1, uma vez que a TMAO
apresenta efeito antagonista à desestabilização protéica causada pela uréia.
Além de serem isosmóticos em relação à água marinha, os elasmobrânquios
conseguem ainda manter um controle de íons, como por exemplo do Na+, o qual é mantido a
concentrações cerca de metade da observada no meio externo. A manutenção constante da
concentração interna de sódio e cloro está associada à glândula retal, que secreta um fluido
com altas concentrações de sódio e cloro, que é eliminado através de um ducto que se abre
no reto.

3.2- Teleósteos marinhos


Diferente dos elasmobrânquios, os teleósteos marinhos são hiposmóticos em relação
à água do mar, e dessa forma tendem a perder água para o ambiente. Para compensar
essa perda, eles ingerem água do mar, porém, ao fazer isso, os animais têm que lidar agora
com outro problema: o excesso de sal absorvido no trato gastrointestinal.
O rim dos teleósteos não apresenta capacidade de produzir uma urina
osmoticamente concentrada, portando esse excesso de sal ingerido é eliminado ativamente
por outro órgão: as brânquias. O transporte iônico não ocorre nas células epiteliais comuns,
mas por algumas células grandes conhecidas como: Células de Cloro (Fig.4). A membrana
baso-lateral dessas células apresenta bombas de sódio e potássio (Na+/K+ATPase) que
bombeiam sódio de dentro da célula para o plasma e potássio do plasma para o interior da
célula, porém, esse potássio volta para o plasma através de canais de potássio. A atividade
da Na+/K+ATPase cria um gradiente de sódio através da membrana que leva à captação de
NaCl via um co-transportador Na/2Cl/K também presente na membrana baso-lateral.

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Portanto, este ciclo de sódio e potássio através da membrana baso-lateral faz com que a
concentração de cloreto aumente no interior da célula até que fique maior do que a
apresentada pela água do mar fazendo com que os íons de cloreto deixam a célula através
de canais de cloreto. Esse movimento de cloreto cria um gradiente eletroquímico fazendo
com que os íons de sódio atravessem do plasma para a água do mar através da via
paracelular.

Figura 4- Esquema de funcionamento de uma célula de cloro de um peixe teleósteo marinho


(Modificado de Randall e col.,1997).

3.3- Teleósteos de água doce


Os teleósteos de água doce apresentam uma concentração osmótica um pouco
menor do que a observada para os de água salgada, porém, ainda assim continuam sendo
hiperosmóticos em relação ao ambiente onde vivem. Dessa forma tendem a ganhar água do
ambiente. Inicialmente, esse é um problema facilmente resolvido com a produção de uma
urina diluída. Os teleósteos de água doce produzem até um terço do seu peso em urina por
dia, porém, apesar de diluída, essa quantidade de urina causa uma perda substancial de
solutos que necessitam ser repostos.
A alimentação, apesar de repor parte dos solutos perdidos na urina, não é suficiente,
sendo as brânquias responsáveis pela captação ativa desses íons. O transporte iônico
ocorre através de células ricas em mitocôndria (Fig.5), onde, na membrana apical, a bomba
de prótons (H+ATPase) gera um gradiente eletroquímico favorável à entrada de sódio
através de canais de sódio. Essa acidificação da membrana apical ativa um trocador de
cloro e carbonato (Cl-/HCO3-) provendo então a entrada de cloro na célula. Os íons de

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 239


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

hidrogênio e de carbonato mandados para fora nesse processo são provenientes da


dissociação do ácido carbônico formado a partir da catalisação da reação do CO2 que entra
na célula por difusão, com a água do interior da célula, pela enzima anidrase carbônica (AC)
presente nessa célula. A captação de sódio é completada através de uma bomba de sódio e
potássio na membrana baso-lateral quem manda o sódio para o plasma enquanto o potássio
volta para o plasma através de canais de potássio. E por fim o cloreto vai para plasma
através de canais de cloro. Estas células apresentam ainda junções do tipo Gap com as
células pavimentosas vizinhas que minimizam as trocas paracelulares.

Figura 5- Esquema de funcionamento de uma célula rica em mitocôndria de um peixe teleósteo de


água doce (Modificado de Marshall., 2002).

3.4- Peixes migratórios


A maioria dos peixes teleósteos apresenta uma capacidade relativamente limitada de
movimentar-se entre a água doce e o mar. Porém, para algumas espécies como o salmão e
a enguia, essa movimentação é parte natural do seu ciclo de vida. Animais que nascem em
água salgada, vivem na água doce e voltam para a água salgada para se reproduzir, como a
enguia, são chamados Catádromos. Enquanto espécies que nascem em água doce, vivem
no oceano e voltam para a água doce para se reproduzir, como o salmão, são chamados
Anádromos. Tais movimentações, portanto, expõem esses indivíduos a alterações bruscas
nas demandas de seus mecanismos de osmorregulação.
Quando esses animais se movimentam da água doce para o mar, o aumento da
concentração de sódio no plasma leva a uma inativação da bomba de hidrogênio das
células ricas em mitocôndrias nas brânquias, além de causar um aumento na secreção de

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

cortisol e hormônio de crescimento (GH). A secreção desses hormônios levarão então à


ativação dos co-transportadores Na/2Cl/K, bem como uma proliferação de células de cloreto
nas brânquias. Todas essas ações conjuntas levam então á normalização dos níveis
plasmáticos de sódio mantendo a osmorregulação e conseqüentemente o balanço hídrico.
No caminho contrário, da água do mar para a água doce, a diminuição da
concentração plasmática de sódio ativa a bomba de hidrogênio células ricas em
mitocôndrias e promove o fechamento das junções em Gap das células das brânquias, além
de causar um aumento na secreção de prolactina. Esse hormônio vai agir nas células de
cloro desativando a bomba de sódio e potássio, além de promover uma regressão do
número dessas células nas brânquias, normalizando os níveis plasmáticos de sódio.

4- Animais que usam o ar como meio externo de trocas gasosas


Como já visto, a maior vantagem fisiológica do ambiente terrestre é o fácil acesso ao
oxigênio, porém, existe a desvantagem do risco da desidratação. Desde a ocupação deste
ambiente pelos vertebrados, a excreção e a evaporação tornaram-se as principais rotas de
perda de água. Duas novidades evolutivas permitiram aos tetrápodes uma grande economia
de água a partir da excreção, sendo de fundamental importância na ocupação do ambiente
terrestre: a mudança da amônia para uréia e ácido úrico como produtos de excreção de
nitrogênio e uma capacidade de reduzir drasticamente as taxas de filtração glomerular. Esta
última é particularmente desenvolvida nos tetrápodes não-endotermos, que não apresentam
capacidade de produzir urina osmoticamente mais concentrada que o plasma (McNab
2002). Outro aspecto importante da evolução dos vertebrados foi a orquestração de
caracteres que tornaram a pele cada vez menos permeável à água conforme as formas
invadiam e se adaptavam aos mais difíceis e secos ambientes terrestres. Além disso,
encontramos ainda os vertebrados que, mesmo respirando ar atmosférico, vivem em água
marinha e enfrentam a falta de água doce para ingerir ou o estresse osmótico imposto pela
ingestão da água do mar.

4.1- Glândulas de sal e a sobrevivência no mar


Répteis e aves marinhas (iguanas, tartarugas, crocodilos, gaivota, etc.) acabam
ingerindo água do mar para suprir a necessidade de água, porém, assim como os teleósteos
marinhos, eles não são capazes de produzir uma urina concentrada e, portanto, precisam de
outra forma de lidar com o excesso de sal gerado pela ingestão de água do mar. Eles o
fazem através de um órgão especializado chamado glândulas de sal, que apresentam
células que secretam sal para o lúmen de ductos confluentes, semelhantes às células de
cloro das brânquias dos teleósteos maninhos (Fig.4).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

4.2- O desafio hídrico dos mamíferos marinhos


Diferentemente dos répteis marinhos, os mamíferos não apresentam glândulas de
sal, dessa forma, a solução do problema hídrico está mais focada na conservação de água.
Por exemplo, focas e leões marinhos, apresentam coanas respiratórias eficientes
minimizando as perdas de água pela respiração. No caso das baleias e golfinhos, que não
apresentam um focinho tradicional com coanas, supõe-se que a expansão do ar provindo
dos pulmões, asssociada à alta velocidade de passagem, seja resfriado e condense na
região do orifício respiratório, promovendo economia de água.
Além disso, os mamíferos marinhos tendem a não beber água do mar, limitando o
influxo de água a partir dos alimentos e do metabolismo. Quando esses animais se
alimentam de presas hiposmóticas como peixes teleósteos, por exemplo, eles estão
ingerindo um alimento com baixa concentração de sal. Entretanto, se eles se alimentam de
animais conformadores ou de algas que são isosmóticas em relação à água do mar, eles
acabam ingerindo grandes quantidades de sal. Até mesmo ao ingerir qualquer alimento, os
mamíferos marinhos acabam ingerindo certa quantidade de água do mar. Como eles lidam
então com esse excesso de sal?
Os rins dos mamíferos marinhos são capazes de produzir uma urina
hiperconcentrada. A baleia, por exemplo, consegue produzir uma urina com concentração
de cloro de 820 mmol por litro de água, valor esse bem superior ao da água do mar
(aproximadamente 535 mmol por litro de água). Isso é possível porque as baleias
apresentam néfrons com alças de Henle longas e uma maior quantidade de néfrons justa-
medulares, lembrando os rins de mamíferos de deserto.

4.3- O desafio hídrico dos mamíferos de deserto


Os mamíferos que vivem em desertos estão expostos a um dilema: além de estarem
expostos à falta de água doce disponível, sofrem ainda com as altas temperaturas. Como o
superaquecimento é evitado principalmente através do resfriamento por evaporação, a
solução do segundo problema só faria agravar o primeiro.
Uma saída para contornar o problema da termorregulação é amenizar a necessidade
de termorregular. O rato canguru, por exemplo, evita as altas temperaturas do deserto
apresentando hábitos noturnos e se escondendo durante o dia em tocas. Adicionalmente, o
rato canguru também economiza água através de um sistema contracorrente no focinho,
associado a coanas respiratórias particularmente desenvolvidas, que promovem uma
eficiente condensação de água a partir do ar expirado. Entretanto, esse sistema só se
mantém funcional quando a temperatura ambiente é menor ou pelo menos próxima à
temperatura corpórea, enfatizando a necessidade da permanência em abrigos diurnos. Além
disso, esses animais ainda apresentam adaptações renais que permitem a produção de

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

uma urina hiperconcentrada: uma grande proporção de medula renal em relação ã região
cortical, além de uma alta proporção de néfrons justamedulares (Tab.2), com longas alças
de Henle (Fig.6). Contribuindo para a economia de água, existe uma alta absorção de água
na porção retal, resultando em fezes extremamente secas. Porém, a questão mais
interessante do rato canguru está no fato de que ele nunca ingere água livre, toda água
obtida vem diretamente do alimento, que apesar de se resumir à sementes secas, ainda
representa cerca de 10% da necessidade de água. O restante de água é obtido a partir da
oxidação dos alimentos, que geram cerca de 90% do total de água adquirida.

Figura 6- Espessura medular relativa e comprimento da alça de Henle de alguns mamíferos


(Modificado de Moyes e Schulte, 2010).

Tabela 2- Proporção de néfrons justa-medulares, espessura medular relativa e concentração


osmótica da urina produzida de diferentes mamíferos.
Néfrons justa- Espessura medular Osmolaridade da
Espécie
medulares (%) relativa* urina (Osm/L)
Castor 0 1,3 0,6
Homem 14 3 1,2
Cão 100 4,3 2,3
Gato 100 4,8 3,3
Rato-canguru 27 8,5 5,5
* Espessura medular relativa calculada como espessura medular em mm multiplicado por 10 e
dividido pela raiz quadrada do produto das dimensões do rim.

Já os mamíferos de grande porte não têm essa opção de procurar abrigos em tocas
e acabam tendo de enfrentar as altas temperaturas. Os dromedários, por exemplo, não
apresentam glândulas sudoríparas, e quando estão em situação onde são privados de água,
permitem que a temperatura do corpo aumente (durante o dia) e diminua (durante a noite)
reduzindo a taxa de perda de água por evaporação associada à termorregulação (Fig.7). A
inércia termica associada à grande massa corpórea do camelo é fundamental no sucesso
desta estratégia fisiológica, já que a temperatura cai lentamente durante a noite fria do

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 243


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

deserto e sobe lentamente durante o dia, reduzindo flutuações excessivas. Além disso,
apresentam uma camada grossa de pelos corpóreos que formam uma camada isolante.

Figura 7- Maior flutuação diária da temperatura retal do camelo quando desidratado do que quando
hidratado (modificado de Schmidt-Nelsen, 1996).

Os dromedários apresentam ainda um ajuste comportamental, no qual eles tendem a


se posicionar em relação ao sol de forma a manter a menor superfície corpórea possível
exposta. Além de reduzir a perda de água pela evaporação, os camelos ainda são capazes
de produzir uma urina concentrada e fezes secas, assim como o rato canguru para
economizar água. Outra característica importante é a capacidade de tolerar a desidratação,
sendo que eles toleram uma perda de até 24% de sua massa corpórea em água (o dobro do
suportado pelo homem), sem maiores problemas. Por fim, ao encontrar água disponível, o
dromedário tem capacidade de ingerir grandes quantidades de água por unidade de tempo
(cerca de 80l de uma só vez), tolerando uma alta diluição dos fluidos extra-celulares.

4.4- O desafio hídrico dos anfíbios


Dentre os tetrápodes, os anfíbios enfrentam um desafio hídrico particularmente
pungente em ambiente terrestre, dada a necessidade de manutenção de uma alta
permeabilidade de seu tegumento, que representa um importante órgão de troca de gases
respiratórios neste grupo. A alta permeabilidade tegumentar, característica da maior parte
das espécies de anfíbios, acarreta em taxas de perda de água particularmente elevadas
quando comparados a outros tetrápodes, e expõe estes animais a um alto risco de
desidratação em ambiente terrestre (McNab, 2002).

Pág. 244 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Por limitar potencialmente a manutenção das atividades normais, o alto risco de


desidratação em ambiente terrestre moldou diversos aspectos da história de vida dos
anfíbios, como por exemplo, a evolução de hábitos noturnos para a maior parte das
espécies (Haddad, 1995, mas veja também Navas e col., 2007). Porém, a resposta
fisiológica mais comum de anfíbios às altas taxas de desidratação em ambiente terrestre é a
tolerância à dessecação (McNab, 2002). Algumas espécies de anfíbios são capazes de
tolerar uma perda de água de até 50% de sua massa corpórea total, representando 60% do
volume total de água corpórea (McNab 2002).
Outra adaptação ao alto risco de desidratação é o aumento da resistência da pele à
perda evaporativa de água, cuja variação interespecífica também se encontra associada aos
diferentes hábitos. Em geral, anuros com hábitos arbóreos apresentam uma maior
resistência à perda de água quando comparados a espécies terrestres e aquáticas (Wygoda
1984). Em algumas espécies de anfíbios, principalmente entre os hilídeos, secreções ricas
em lipídeos e produzidas por glândulas da pele, apresentam um papel preponderante no
controle do movimento transepitelial de água. Tais secreções são geralmente espalhadas
através da superfície do corpo por movimentos estereotipados (Fig.8), conhecidos como
“body wipping”, sendo geralmente associada à busca de um local onde o animal permanece
praticamente imóvel por longos períodos do dia, em uma situação semelhante a um torpor
(Lilliwhite, 2006).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 245


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 8- Seqüência de movimentos estereotipados apresentados pelo hilídeo do gênero


Phyllomedusa durante o comportamento de “body wipping”.

Algumas espécies do gênero Phyllomedusa chamaram a atenção por apresentarem


níveis de resistência à perda de água por evaporação comparáveis àqueles observados em
répteis adaptados a desertos, passando estes anfíbios a serem considerados “a prova de
água” (Christian e Parry 1997; Lillywhite e col. 1997). Altas resistências forma observada
ainda em espécies de outros gênero como Hyperolius e Litoria (Withers et al. 1982, 1984).
Apesar da espessura da pele por si só não ser o principal mecanismo para reduzir a
perda evaporativa de água, a produção periódica de "cocoons" (casulos) em alguns grupos
filogenéticos de anfíbios certamente é uma exceção a esta generalização (Lillywhite, 2006).
Estes casulos podem ser constituídos por cerca de 40-60 camadas de células do extrato
cornificado, com lipídios e materiais protéicos secretados e imprensados entre estas
camadas (McClanahan e col., 1976; Ruibal e Hillman, 1981; Withers, 1995; Christian e
Parry, 1997). Estes casulos conferem uma considerável resistência à passagem de água,
permitindo que anuros com hábito de se enterrar estabeleçam-se a profundidades mais
rasas durante a seca do que as espécies sem casulos (Lee e Mercer, 1967; Ruibal e
Hillman, 1981; McClanahan e col., 1983; Withers, 1998). A formação de casulos está

Pág. 246 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

associada ainda ao hábito de se enterrar e à uma redução metabólica sobrevivendo assim à


períodos de seca.

5- Agradecimentos
Agradeço ao Professor Dr. Fernando Ribeiro Gomes pela revisão do texto.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 247


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Temperatura: “Macro e Micro fisiologia”

Cristiéle da Silva Ribeiro


Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
cristiele@usp.br

A temperatura é a medida dos movimentos moleculares induzidos termicamente; em


altas temperaturas as moléculas vibram mais rapidamente e o contrário também é
verdadeiro. Esta variável abiótica tem efeito profundo em reações físicas, químicas e
bioquímicas de todos os seres vivos, e para os animais a temperatura corpórea (Tc) pode
variar de -2 a +50°C em organismos ativos e em alguns casos os animais podem sobreviver
em estados dormentes quando expostos a temperaturas ambientais (Ta) mais altas ou
baixas que estes padrões (Withers, 1992).
Para se entender as relações termais nos organismo é necessário primeiramente
definir a terminologia usada para descrever como as mudanças no ambiente influenciam a
temperatura corpórea. Porém não há um modo simples e fácil de classificar as várias
reações ao ambiente térmico, e ao longo de séculos tentou-se, em vão, classificar os
animais em grupos distintos, chegando-se ao que se conhece atualmente: os animais
ectotermos e endotermos, sendo que o primeiro grupo depende do meio externo como fonte
de calor, enquanto que nos endotermos o calor é produzido de forma endógena (Schmidt-
Nielsen, 2002).
Esta terminologia também é bastante controversa, já que existem diversas espécies
de animais agrupadas na categoria dos ectotermos que conseguem, por diversos
mecanismos (comportamentais, anatômicos e fisiológicos), regular e manter a Tc
independente de Ta e endotermos que por algum tipo de ajuste para diminuição do gasto
energético apresentam características ectotérmicas, como apresentado no quadro 1. No
centro deste tipo de discussão desenvolveram-se os principais estudos que tentam elucidar
a evolução da endotermia a partir de répteis ectotermos, que se especializaram na produção
interna de calor (Grigg e col., 2004).

Pág. 248 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Quadro 1. Ectotermos ou Endotermos? Eis a questão!


A separação dos animais de acordo com a fonte de calor utilizada para a manutenção de Tc é
muito mais ligada à necessidade didática de separar os diferentes grupos de vertebrados que à
real separação filogenética de anfíbios, répteis e peixes na categoria de ectotermos e mamíferos
e aves como endotermos. Muitos exemplos de termorregulação de mamíferos e aves são
presentes em répteis, e, o grupo de mamíferos monotremados apresenta a endotermia como
característica facultativa.

 Este monotremado (Tachyglossus aculeatus) apresenta


controle termal muito distinto dos outros representantes dos
mamíferos, podendo termorregular com produção de calor metabólico
somente em alguns períodos cruciais do ciclo de vida (incubação dos
ovos) e se manter termoconformador em outros (como o intuito de
diminuir o gasto energético) (Grigg e col., 2004).

 Duas espécies de lêmures do gênero Microcebus aumentam


passivamente a Tc em relação a Ta (Schmid, 1996). Este exemplo
mostra claramente a importância dos aspectos comportamentais na
termorregulação de mamíferos em comparação com grupos
ectotermos.

 Pítons da espécie Python molurus podem gerar calor através


da termogênese por tremor, característica importante em endotermos,
durante o período de incubação dos ovos, aumentando assim a
temperatura de incubação e aumentando consideravelmente a taxa de
sobrevivência da prole (Hutchison e col., 1996).

 Grigg e Seebacher, (1999) demonstraram um aumento do


fluxo sanguíneo no lagarto Pogona barbata e consequente aumento da
temperatura corpórea durante a exposição em altas temperaturas no
campo. Após este período o fluxo sanguíneo é diminuído e a Tc se
mantém alta em relação a Ta por muitas horas.

Fotos modificadas de: (1) http: blugbrasil.blogspot.com/2010/07/equidna.html;(2) http:en.Wikipedia.


org/wiki/File:Microcebusmurinus(3)http:www.flickr.com/photos/javierreina/4413916066/(4)http:www.rb
gsyd.nsw.gov.au/science- Acesso: 23/05/2011.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 249


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Evolutivamente é bem estabelecido que tanto a endo quanto a ectotermia apresentam


vantagens e desvantagens, mas a forma com que ocorreu a transição de um estado de
baixo custo energético (ectotermia) para um estilo de vida com alto custo energético
(endotermia) ainda intriga os pesquisadores (Bicego e col., 2007) e levanta uma série de
modelos que tentam explicar a evolução da endotermia, dentre eles destacam-se:
 Expansão do nicho térmico (Crompton e col., 1978);
 Diminuição do tamanho corpóreo (McNab, 1978);
 Aumento da atividade aeróbica (Bennett e Ruben, 1979);
 Cuidado parental (Farmer, 2000; 2003);
 Pressão seletiva de caracteres plesiomórficos (Grigg e col., 2004).
Os animais ectotermos por sua vez apresentam baixo consumo energético por não
termorregular de maneira endógena (produção de calor metabólico) (Huey, 1982),
dependendo de fontes externas para manter a temperatura corporal dentro de uma margem
apropriada para a vida. As ferramentas comportamentais de termorregulação são utilizadas
pela maioria dos animais ectotermos como forma de reduzir o impacto de uma variação da
temperatura ambiental em escala temporal ou espacial na temperatura corpórea. Estes
padrões de comportamento dos ectotermos parecem ser governados por preferências
termais distintas dependendo de vários fatores (por exemplo, nutricionais ou estado
reprodutivo) (Angilletta e col., 2002) e esta enorme gama de ajustes comportamentais
termorreguladores são, provavelmente, o fator chave na extensão da distribuição destes
animais.
Alguns mecanismos termorregulatórios de ectotermos têm sido estudados
exaustivamente na ecofisiologia e incluem:
 Seleção de temperaturas em colunas de água estratificadas (Claireaux e col.,
1995);
 Exposição ao sol (Valdivieso e Tamsitt, 1974; Huey, 1982);
 Alterações temporais do padrão de atividade (Navas, 1995);
 Mudanças periódicas entre comportamentos tigmotérmico (ganho de calor por
contato com o substrato) (Brattstrom, 1979);
 Seleção de micro-habitats mais quentes ou menos variáveis (Navas, 1995).
A regulação da Tc depende da habilidade de sentir e integrar informações termais do
ambiente e corpórea e, apesar das diferenças no controle da Tc em relação a mudanças de
Ta, a grande maioria dos vertebrados exibe controles termosensoriais complexos que
trabalham em três frentes principais: Sensação, Integração e Efetuação (figura 1).
Sensores: Em mamíferos e aves é conhecido que a temperatura superficial é
detectada por sensores cutâneos e a temperatura interna por estruturas termosensíveis na

Pág. 250 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

área pré-óptica, hipotálamo anterior, pedúnculo cerebral e medula espinhal (sabe-se que os
receptores cutâneos apresentam maior sensibilidade ao frio enquanto os receptores internos
apresentam maior sensibilidade ao calor). Poucos trabalhos focam em termosensores em
ectotermos, porém alguns trabalhos descrevem receptores cutâneos, intra-abdominais e
medulares em anfíbios enquanto lagartos e peixes apresentam receptores cutâneos e
hipotalâmicos (Bicego e col., 2007).
Integrações: A área pré-óptica (POA) é uma região do hipotálamo em vertebrados e
tem papel importante em muitas funções, incluindo a termorregulação. É nessa região que
informações sobre a temperatura cerebral e de outras regiões internas integram-se e ativam
os efetores de repostas imediatas. Nos ectotermos o papel hipotalâmico na termorregulação
foi descrito por trabalhos que lesionavam regiões específicas do SNC e detectavam o
declínio de respostas comportamentais frente às alterações em Ta, como um exemplo a
falta de padrões de distribuição de peixes na coluna d´água. Em aves um grande número de
estudos em pombos, pingüins, codornas, galinhas e patos apontam uma baixa e
inapropriada função hipotalâmica na termorregulação quando comparada como mamíferos,
sendo necessária, para este grupo, a integração de vários sensores extra SNC para
desencadear uma resposta efetiva (Bicego e col., 2007).
Efetores: Depois de integrados os sinais térmicos da Ta e Tc muitos efetores são
recrutados e iniciam seu trabalho, sendo que agora a natureza ecto ou endotermo difere de
forma fantástica o tipo de resposta nos vertebrados, mais detalhes destes mecanismos
serão abordados no capítulo: Das tocas às bactérias: como estímulos ambientais
influenciam a temperatura corporal?
Para alcançar uma análise da biologia térmica que abrange todo o espectro de
conhecimentos, do processo molecular às questões das alterações ecológicas e climáticas
de larga escala, a partir deste momento será destacado e explorado um aspecto bioquímico
importantíssimo da aclimatação dos animais que ocorre de forma independente à relação
termal: as mudanças associadas às membranas e o consequente controle da expressão
gênica das enzimas dessaturases que modulam a fluidez das mesmas em todos os tecidos
e órgão dos animais e o papel da temperatura nesta modulação.

1-Estudo de caso: Temperatura, membranas e controle da expressão


gênica
Variações na temperatura alteram a estrutura das membranas celulares podendo
comprometer as atividades enzimáticas associadas às membranas e os processos de
transporte. O conjunto de alterações das propriedades químicas e físicas das membranas
resulta, em última análise, em mudanças na fluidez das mesmas (Hazel, 1984). A queda de
temperatura pode comprometer sua flexibilidade, devido a alterações na configuração dos

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 251


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

seus lipídios e proteínas, podendo limitar a sua estabilização. O grau de fluidez de


membranas biológicas pode ser estimado por muitos métodos físicos, tais como:
fluorescência, ressonância e espectroscopia. A extensão de insaturações dos ácidos graxos
contidos na estrutura da membrana é o fator majoritário na manutenção de diferentes graus
de fluidez (Kates e col., 1993).
A aclimatação ou adaptação a baixas temperaturas é um processo complexo durante
o qual os animais enfrentam muitas mudanças na composição das membranas. Essas
mudanças ocorrem no nível de organismos (taxas de respiração, alimentação, crescimento
e locomoção), de órgãos (modificações na massa ventricular, e desempenho no coração),
de organelas (mudanças no conteúdo mitocondrial), ou moléculas (capacidade catalítica de
enzimas e afinidade de substratos) (Lemieux e col., 2008).
Organismos vivos, em particular ectotérmicos respondem à diminuição da temperatura
por dessaturação de ácidos graxos nos lipídios de suas membranas. Esta resposta de
aclimatação confere habilidade de manutenção da fluidez de membranas biológicas abaixo
da temperatura crítica para o indivíduo. Este fenômeno é conhecido como aclimatação
homoviscosa ou, alternativamente, aclimatação homeofásica (Buda e col., 1994; Lemieux e
col., 2008). Os efeitos da temperatura no padrão de distribuição dos ácidos graxos e ação
de enzimas que participam da manutenção da fluidez da membrana em diferentes
organismos têm sido reportados por vários autores, sendo que a primeira observação foi
feita em 1901 (Torrengo e Brenner, 1976).
Quando se analisa a exposição aguda às baixas temperaturas é possível observar na
maioria das vezes um aumento na porcentagem de ácidos graxos insaturados nas
membranas celulares e redução na porcentagem de ácidos graxos saturados. Uma revisão
da literatura mostra que, de forma geral, animais que vivem em temperaturas mais baixas
apresentam uma maior porcentagem de ácidos graxos polinsaturados (PUFA) do que
aqueles de clima tropical (Hazel e Willians, 1990). Estas variações alteram o ponto de fusão
dos ácidos graxos esterificados nos fosfolipídios das membranas biológicas, alterando assim
a fluidez das mesmas (Hazel, 1989).
Esta habilidade das células de modular características físicas de suas membranas é
desempenhada pelas enzimas ácido graxo dessaturases, que operam em resposta a baixas
temperaturas de forma a assegurar as propriedades físicas que atuam na manutenção do
gradiente de íons e restauração de funções de enzimas associadas às membranas (Murata
e Wada, 1995). Pensando nisso Murata e Los, (1997) em revisão sobre estrutura e
expressão de ácido graxo dessaturases postularam 2 questões importantes que deveriam
ser respondidas a respeito dos mecanismos moleculares da regulação da expressão gênica
de genes de dessaturases em resposta à mudança de temperatura:
1- Como um organismo “sente” a mudança de temperatura?

Pág. 252 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

2- Como este sinal é transmitido para regiões reguladoras de genes de enzimas


dessaturases para induzir sua ativação em condições de baixas temperaturas?
Tentando responder estas questões, esses autores formularam o seguinte modelo:
abaixo de determinadas temperaturas a fluidez das membranas decresce. Este sinal é
detectado por um sensor de baixa temperatura e transmitido para mecanismos reguladores
que direta ou indiretamente interagem com regiões reguladoras de genes que codificam
enzimas dessaturases, ativando-os e levando a uma maior expressão da enzima. Como
resultado, o nível de enzimas aumenta e os ácidos graxos passam pelo processo de
insaturação. Finalmente, o acúmulo de ácidos graxos insaturados leva à recuperação da
fluidez de membrana e à restauração da atividade de enzimas membrana-associadas. Neste
modelo, as membranas assumem um papel chave na percepção e transdução de sinais de
temperatura para regiões regulatórias de genes destas enzimas. Porém, naquele momento
(1997), não se sabia como estes sinais eram reconhecidos pela maquinaria de expressão e
tradução destas enzimas.
Após muitos anos de pesquisa alguns pontos dessa sinalização começaram a ser
elucidados e em 2000 os mesmos autores, Los e Murata, descreveram alguns sinalizadores
principais, a saber:
-Proteínas quinase C em fungos;
-Mudanças na concentração de adenosina 3’5’ monofosfato em humanos;
-Aumento da concentração de Ca2+ em peixes e anfíbios;
-E, atividade aumentada dos receptores de fosfolipase C em ratos (Los e Murata,
2000).

2-Estrutura, função e regulação da expressão gênica das enzimas


dessaturases
Dessaturases de ácidos graxos são enzimas que convertem uma ligação simples (C-
C) a uma dupla (C=C) entre dois átomos de carbono na cadeia de ácidos graxos, como por
exemplo, nas posições ∆6, ∆9 ou ∆12 (Cossins e col., 2002), alterando, em casos extremos
a temperatura de transição das membranas plasmáticas de gel (sólido) para líquido
cristalino, promovendo a fluidez (Russel, 1984) e comprovadamente estão presentes em
todos os grupos de organismos (Los e Murata, 1998).
A reação desencadeada por estas enzimas requer oxigênio molecular e ocorre em
condições aeróbicas (Los e Murata, 1998), sendo uma reação de oxidação, que requer 2
elétrons em adição a uma molécula de oxigênio. Ferredoxina é o doador de elétrons na
reação catalisada pela acil-ACP dessaturase em cianobactérias e por acil-lipídios em
plastídeos de plantas, em contraste, as acil-CoA de animais e fungos se utilizam de
citocromo b5 como doadores de elétrons (Los e Murata, 1998). As acil-coA de animais são

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 253


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

expressas de forma mais efetiva no retículo endoplasmático do fígado de animais e podem


responder a centenas de estímulos endógenos e exógenos (Trueman e col., 2000).
A temperatura é considerada o principal elemento regulador do aumento de expressão
de enzimas dessaturases, porém, esta regulação é dependente da extensão da mudança
termal em contraste com a simples queda ou elevação da temperatura, por exemplo,
quando células aclimatadas a 38°C são exposta a 30°C existe um aumento de transcritos da
desA (dessaturase A) , enquanto que em células aclimatadas a 36°C este aumento começa
a ser detectado somente a 26°C (Los e col.,1993). O trabalho de Podrabsky e
Somero,(2004) ressaltou também a importância das flutuações diárias da temperatura na
regulação da expressão gênica da enzima dessaturase, encontrando maior volume de RNA
mensageiro da enzima em animais que passavam o dia na temperatura ambiental, sem
controle (20 a 37°C aproximadamente) quando comparado a animais aclimatados a
temperaturas constantes (20-30-37°C).
Todas essas observações feitas pelos autores abriram um grande leque de
conhecimento sobre a expressão gênica nos diferentes modelos experimentais nas
diferentes condições metodológicas empregadas, e começou-se a desenhar, como ocorreu
para todos os fenômenos de regulação da expressão gênica descobertos, modelos de como
o controle da temperatura age sobre regiões regulatórias e genes codificadores chegando-
se à hipótese de que, durante a aclimatação e mais extremo, na adaptação frente a
mudanças ambientais, dois tipos de respostas de regulação são esperadas:
- Regulação qualitativa - mudança no tipo de proteína expressa, como no caso de
produção de isoformas que desempenhariam a mesma função, com algumas propriedades
bioquímicas distintas;
- Regulação quantitativa - aumento da quantidade de transcritos de RNA mensageiro
e consequentemente de proteínas produzidas (Schulte, 2004).
Para exemplificar estes dois tipos de regulação foi escolhida a enzima dessaturase
mais estudada em relação à aclimatação a baixas temperaturas, a estearoil-CoA ∆9
dessaturase, que age acrescentando uma insaturação entre os carbonos 9 e 10 da cadeia
de ácidos graxos, modificando assim, propriedades físicas da membrana e como resultado
final aumentando a fluidez da mesma, sendo que essa enzima age em conjunto com acil-
transferases específicas que posicionam estes ácidos graxos modificados nos fosfolipídios
(Trueman e col.,2000, Pereira e col., 2003 e Polley e col.,2003).
Polley e col., (2003) demonstraram que carpas apresentam a expressão de 2
isoformas de estearoil-CoA ∆9 dessaturase (SCD), sendo que cada uma destas isoformas
responde a um tipo de estímulo especifico, a SCD1 aparece como sendo responsiva a
dietas enriquecidas com ácidos graxos saturados enquanto que a SCD2 apresenta aumento
da expressão gênica em resposta à mudanças na temperatura ambiental. A diferença entre

Pág. 254 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

estas duas isoformas está relacionada a um processo de splicing alternativo em que a


segunda isoforma perdeu cerca de 21 aminoácidos de sua cadeia.
Este fenômeno de duplicação possivelmente ocorreu no genoma de teleósteos
primitivos e foi evolutivamente conservado em alguns grupos, como é o caso dos
Ciprinídeos e de algumas espécies de peixes antárticos, possivelmente tendo divergido em
suas regiões regulatórias, cada qual respondendo a diferentes estímulos fisiológicos, porém
não divergindo em suas sequências codificadoras (Evans e col., 2008). Este mecanismo
promoveria a estes grupos, num contexto ambiental adverso, a adição de enzimas
complementares que confeririam maior plasticidade fisiológica, e como consequência
capacidade de tolerância a amplas condições ambientais (Polley e col., 2003).
Exemplificando-se agora a regulação quantitativa, novamente verificou-se que dois
tipos de regulação da expressão gênica são esperados, o primeiro em que RNAs
mensageiros latentes são ativados em processos pós-traducionais quando o animal é
defrontado com condições ambientais adversas, e num segundo momento, por sinalização
da primeira resposta, novos transcritos são produzidos e existe um aumento da expressão
gênica das enzimas dessaturases. Este fenômeno foi verificado em muitos trabalhos, como
por exemplo, Trueman e col., (2000) testando a aclimatação ao frio em carpas encontrou
alta expressão de RNA mensageiro (2 a 4 vezes maior que no grupo controle) somente no
2º dia de tratamento, enquanto que ação enzimática aumentada ocorreu em apenas
algumas horas de aclimatação.
Outro trabalho relatando a regulação da expressão gênica quantitativa mostrou
também a capacidade de diferentes espécies de suportar grandes mudanças de
temperatura ambiental. Hsieh e Kuo, (2005) testaram a aclimatação a frio (25 a 15°C) em
“milkfish” e carpa-comum, encontrando altas concentrações de RNA mensageiro de SCD no
primeiro grupo nos primeiros 4 dias de experimento, enquanto que as carpas mantinham
quantidades sempre constantes de transcritos ao longo do tempo. Porém, no 8º dia os
“milkfish” morreram por falência metabólica enquanto que as carpas sobreviveram até o final
do experimento, mostrando assim a plasticidade fenotípica das carpas em modificar sua
temperatura de conforto de forma mais eficiente quando comparado à outra espécie testada.
Em animais de clima temperado marinhos muitos estudos descrevem a expressão
gênica e funcional da enzima SCD dessaturase para peixes em ambiente natural e em
condições ambientais alteradas (Kraffe, e col., 2007; Buda, e col.,1994; Tocher, e col., 2006;
Hazel, e Willians., 1990). No entanto, para animais nativos de clima tropical poucos
trabalhos foram realizados e somente a composição de ácidos graxos teciduais é
normalmente avaliada (Andrade e col., 2006), sendo que o único trabalho encontrado a
respeito da ação de enzimas dessaturases atuando no metabolismo lipídico de peixes de
ambiente tropical nativos da América do sul data de 1976 (Torrengo e Brenner, 1976) o que

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 255


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

reforça a necessidade de trabalhos nestes ambientes principalmente em ecossistemas com


grande ação antrópica. E mais especificamente, tratando de aclimatação a mudanças
climáticas, sendo que um dos mais importantes e urgentes desafios da fisiologia atual é
entender a natureza dos efeitos diferenciais destas mudanças sobre diferentes espécies.
Os principais desafios enfrentados são: entender como as mudanças ambientais
interferem tanto da história de vida de um animal quanto em níveis populacionais e as vias
limitantes, as quais os organismos ajustam a sua fisiologia e diminuem o estresse gerado
por modificações ambientais nocivas, induzidas ou aceleradas pela ação antrópica,
predizendo o intervalo de respostas possíveis a tais mudanças. E finalmente, revelar quais
aspectos dos ciclos de vida dos indivíduos de uma população são mais afetados por
mudanças ambientais.

Agradecimento: Á Dra. Renata Guimarães Moreira pela revisão do capítulo.

Pág. 256 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

O papel da temperatura no crescimento de anfíbios e répteis


Carla Piantoni
Laboratório de Ecofisiologia e Fisiologia Evolutiva
carla.piantoni@gmail.com

Em 1632 nasce Antoine van Leeuwenhoek, o “Pai da Microbiologia”. Negociante e


cientista holandês, é considerado hoje como o criador da microbiologia ao constatar a
existência dos microrganismos, principalmente protozoários e bactérias, através de
observações em microscópios por ele mesmo construídos, refutando a tese da geração
espontânea para o surgimento dos seres inferiores. Desenvolveu profundos conhecimentos
sobre a reprodução sexual concluindo que os microrganismos presentes em qualquer
recipiente exposto ao ar não apareciam espontaneamente a partir da putrefação, mas
viajavam na água da chuva e no vento. Descobriu a circulação capilar de Malpighi e foi
pioneiro na identificação e descrição dos glóbulos vermelhos e dos espermatozóides (1667).
Também se aprofundou no estudo de alguns insetos, como comprovou sua cuidadosa
descrição da vida das formigas e de seus hábitos de reprodução.
As suas idéias, revolucionárias na época, trouxeram-lhe muito prestígio nos meios
científico e político. Muitos cientistas e entusiastas da Ciência o visitaram para observar
pessoalmente os microrganismos que ele descrevia, incluindo o czar Pedro I da Rússia, o
rei James II da Inglaterra e o imperador Frederick II da Prússia. Seus visitantes saíam
convencidos que novas formas de vida haviam sido encontradas. Publicou suas descobertas
nas Philosophical Transactions (1722), uma coletânea de artigos publicados pela Academia
de Ciências de Paris e pela Royal Society de Londres, da qual era membro eleito (1680).
Entre todas as fascinantes descobertas, Leeuwenhoek realiza as primeiras
observações de crescimento cíclico em estruturas ósseas e sugere uma correlação direta
entre certas impressões no esqueleto e o crescimento de animal. Estudando com atenção
um especimen de Anguila, observou que as escamas apresentavam círculos e que
aparentemente esses círculos tinham uma relação direta com a idade do peixe: as escamas
deveriam “aumentar cada ano com a adição de um círculo", e concluiu que o número de
anéis poderia refletir o número de anos de vida do peixe (Griffiths, 1961).
Trezentos anos se passaram antes que a segunda descrição de “anéis de
crescimento” em um animal ectotérmico fosse publicada. Em 1936, Norman T. Mattox
publica as suas observações de anéis em cortes de fêmur, mandíbula, e úmero de seis
tartarugas pintadas (Chrysemys marginata). Aparentemente e coincidindo com as
conclusões de Leeuwenhoek, essas marcas insinuavam ser produto da “ausência de
crescimento ou de um crescimento mais lento correspondente à hibernação” e sugeriam que

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 257


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

a idade do animal podia ser calculada diretamente a partir do número de bandas.


Analisando os ectopterigoides de serpentes, o ucraniano Bryuzgin (1939) também observou
que apresentavam uma série de linhas paralelas em ângulo recto ao eixo longitudinal do
osso. Bryuzgin chega assim à mesma conclusão que Mattox: a ossificação em alguns ossos
das serpentes provenientes de regiões com clima marcadamente sazonal se produziria
durante as épocas de maior atividade do animal. Enquanto que, por exemplo, durante o
inverno, o crescimento ósseo seria significantemente menor. Logo, cada “banda”
representaria um ano de ossificação e o conjunto de bandas “gravadas” no osso
corresponderia à idade do animal.
Na França, Petter-Rousseaux (1953) corrobora as conclusões de Bryuzgin utilizando
o método para calcular extensivamente as idades individuais e investigar o ciclo testicular de
espécimes de serpentes da espécie Natrix natrix. Seguindo os trabalhos de Bryuzgin e
Petter-Rousseaux na Europa, em 1958 Peabody decide utilizar a técnica em Pituophis
catenifer sayi, uma serpente típica da região de Kansas, Estados Unidos. Os resultados são
comparáveis aos de trabalhos anteriores,
corroborando mais uma vez a existencia
de um padrão de crescimento cíclico nos
vertebrados ectotérmicos observável nos
ossos (Fig. 1). William C. Senning (1940)
aplica a técnica para o estudo de
salamandras da espécie Necturus
maculosus detectando “estriações” ao
longo da margem lateral do osso
parasfenoide. Senning também sustenta
a ideia de que as bandas refletem uma Figura 1 - Marcas de crescimento em ossos
estação de atividade (crescimento ectopterygoides de Pituophis catenifer sayi
acelerado) seguida por outra estação de (modificado de Peabody, 1958).
hibernação ou inatividade (crescimento
“detido”) e conclui que a relação entre o número de bandas e a idade individual é “simples e
direta”.
Aparentemente o estudo de bandas de crescimento na superficie dos ossos do
crânio (p. ex. em serpentes) e a esqueletocronologia – estimação da idade individual através
da interpretação de marcas de crescimento ou “anéis” no tecido ósseo – têm demonstrado
ser ferramentas confiáveis permitindo uma determinação relativamente precisa da idade
(Esteban e col., 1998). Além disso, o método tem sido de grande utilidade na determinação
do significado taxonômico das diferenças temporais na dinâmica do crescimento de muitas

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

espécies de vertebrados tanto ectotérmicos como endotérmicos (Castanet e Báez, 1991;


Esteban e col., 1998; Klevezal, 1996).
Como já argumentam os autores dos primeiros trabalhos, o crescimento em anfíbios
e répteis característicos de climas marcadamente sazonais é cíclico, isto é, apresenta uma
alternância de períodos de crescimento rápido (durante a primavera e o verão ou à estação
chuvosa) e períodos de crescimento lento (associados ao outono e ao inverno ou estação
seca) como resposta às alterações do clima (Castanet, 1994). O crescimento corresponde-
se então com um crescimento diferencial nos ossos longos em forma de anéis concêntricos
e alguns ossos do crâneo (p. ex. ectopterigoide de serpentes) em bandas paralelas (Fig. 2).
A combinação de uma zona de crescimento lento com uma zona de crescimento rápido
corresponde normalmente a um ano (Fig. 2), ainda que em alguns casos este padrão possa
sofrer alterações (Wake e Castanet, 1995).
Em relação ao protocolo do método, Enllow (1969) propõe que deve basear-se em
ossos em que as alterações sejam mínimas; nas diáfises de ossos longos, por exemplo,
enquanto o diâmetro total aumenta pela deposição de osso periférico, os processos de
reabsorção endóstica removem progressivamente as bandas mais antigas, não refletindo os
padrões reais de idade. Leclair e Castanet publicaram em 1987 um protocolo de histologia
simples que foi posteriormente
utilizado em diversos trabahos: a
peça óssea deve ser previamente
descalcificada em uma solução de
EDTA a 4% durante
aproximadamente 3 dias
(dependendo do tamanho).
Prossegue-se com a desidratação e
hidratação em séries de etanol a
diferentes concentrações e a
inclusão em parafina ou paraplast.
Os cortes em micótomo podem ser
de 7 a 10 μm e coloração
Figura 2 - Secção transversal da diáfise femoral de um
comumente utilizada é Hematoxilina e
exemplar de Phymaturus tenebrosus (Iguania:
Eosina.
Liolaemidae). As setas apontam às linhas de “arresto”
A utilização do método em
(LAGs - linhas de crescimento correspondentes aos
estudos populacionais tem
invernos), que delimitam os anéis (ou zonas) de verão.
demonstrado adaptações fisiológicas
de certas espécies. Por exemplo, organismos de regiões baixas ou situadas em pontos de
baixas latitudes (i.e, ambientes “quentes”) podem crescer e permanecer ativos durante a

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 259


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

maior parte do ano, enquanto que períodos marcados de crescimento são restritos a
organismos de altitude e maiores valores latitudinais (i.e., ambientes “frios”; Adolph e Porter,
1996). Espécies de ampla distribuição geográfica estão expostas a ambientes altamente
contrastantes e suas populações podem exibir variações em diversos aspectos de sua
história natural. A esqueletocronologia tem sido utilizada para detectar estes padrões (Miaud
e col., 2001), oferecendo resultados exatos sobre diferenças de parâmetros como a idade
de maturação sexual e longevidade.
Em anuros, estas variações parecem estar bem documentadas: Rana sylvatica e
Rana temporaria (Ranidae) exibem maior tamanho corporal, idade de maturação sexual e
longevidade em áreas de maiores altitudes (Berven, 1982; Miaud e col., 1999); populações
de R. septentrionalis ao norte da distribuição geral da espécie mostram maiores valores
médios de idade e de tamanho corporal que as populações meridionais (Leclair e Laurin,
1996); Bufo bufo (Bufonidae) mostra grande variação de tamanho corporal ao longo de sua
ampla distribuição na Europa, sem relações óbvias com parâmetros de altitude e latitude
(Hemelaar, 1988).
Quanto à maturação sexual o grupo também apresenta diversos padrões. Em
Urodela, a idade de maturação sexual é por vezes relativamente constante [e.g.
Notophthalmus uiridescens (Salamandridae); sensu Caetano e Leclair, 1996], mas na
maioria dos casos, as populações de áreas de maior altitude atingem a maturação sexual
mais tardiamente e com tamanhos corporais maiores do que as populações de regiões
baixas [e.g. Desmognathus ochrophaeus e D. monticola (Plethodontidae), sensu Tilley,
1973, 1980]. Os indivíduos das populações de Triturus cristatus (Salamandridae:
Pleurodelinae) da Europa Central são menores e amadurecem mais tardiamente que os do
sudoeste da Noruega (Dolmen, 1983), enquanto que T. marmoratus apresenta uma
correlação clara entre um maior tamanho corporal e uma maturação tardia (Caetano e
Castanet, 1993; Diaz-Paniagua e col., 1996).
Os fatores genéticos e ambientais também influem na historia natural dos répteis. As
taxas de crescimento, por exemplo, podem ser afetadas tanto pelas diferenças genéticas
inter-populacionais quanto pelas variações ambientais de fatores ou recursos (p. ex.
disponibilidade de alimento). Dentros do grupo dos répteis, os lagartos têm sido os mais
estudados, talvez pela simplicidade da estrutura óssea e a pouca vascularização (exceto em
varanídeos) nos ossos longos, que diminui o grau de remodelação e perda de anéis
possibilitando assim a estimação da idade individual com mais exatidão (Castanet, 1994).
Seguindo o primeiro trabalho em Lacerta agilis (Smirina, 1974) têm se sucedido muitos
estudos em eco-demografia de diferentes familias e espécies de lagartos (Pilorge e
Castanet, 1981; Nouira e col., 1982; Zug e Rand, 1987; Saint Girons e col., 1989; Castanet e
Baez, 1991). A Tabela 1 mostra uma compilação de estimações de longevidade e idade de

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

maturação em répteis obtidos através de esqueletocronolgia (modificada do artigo de


Castanet, 1994).

Tabela 1. Estimações de longevidade e idade de maturação em répteis obtidos através de


esqueletocronolgia. Comparação com longevidade conhecidas quando forem maiores que as obtidas
com esqueletocronologia (modificada de Castanet, 1994).
Espécies Longevidade Idade de maturação Longevidades Conhecidas
SAUROPTERYGIA
Neusticosaurus peyeri 5
N. pusillus 7
LACERTILIA
LACERTIDAE
Acanthodactylus pardalis 3-4
Eremias olivieri 5
Gallotia atlantica 5-6
G. galloti 7-8
G. goliath ≥ 22
G. stehlini 11-12
Lacerta agilis 4-5
L. lepida 10 2-3 17
L. viridis 6 10
L. vivipara 3-4 5
Podarcis hispanica 3
P. muralis 4-5 10
TEIIDAE
Cnemidophorus scalaris 3
Leposoma guianense 2
AGAMIDAE
Calotes versicolor 4
Psammophilus dorsalis 3-4
IGUANIDAE
Cophosaurus texanus 3-4
Iguana iguana 9 4-5 19
Liolaemus pictus argentinus 3-6 8-9
Phymaturus tenebrosus 7-9 16
VARANIDAE
Varanus griseus 8-10 17
V. niloticus 8-9 15
DIPLODACTYLIDAE
Hoplodactylus duvaucelii 36 7

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 261


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

H. maculatus 17-36 4
PHYLLODACTYLIDAE
Homonota darwini 7-9 16
Tarentola mauritanica 8-9 14
RHYNCHOCEPHALIA
SPHENODONTIDAE
Sphenodon guntheri 60
S. punctatus 30-60 9-13 ≥ 77

SERPENTES
COLUBRIDAE
Elaphe scalaris 15-16
Malpolon monspessulanus 18-20
Natrix natris 16-19 3-5 20
VIPERIDAE
Trimeresurus flavoviridis 7-14
T. okinavensis 15-19
Vipera aspis 15, 18 22-25
CHELONIA
TESTUDINIDAE
Testudo graeca 19-20 12-13 102
T. hermanni 18-20 12-13 ≥ 90
EMYDIDAE
Chrysemys picta 20 5-10
Emys orbicularis 16 120
CHELYDRIDAE
Chelydra serpentina 20 8-10 ≥ 20
CHELONIDAE
Caretta caretta 75-80 13-15 ≥ 37
CROCODILIA
CROCODYLIDAE
Crocodylus niloticus 40-50
C. siamensis 12
ALLIGATORIDAE
Alligator mississippiensis 22-25 ≥ 56

Aspetos fisiológicos do crescimento em vertebrados ectotérmicos


Do ponto de vista fisiológico, a idade e a longevidade ao comparar entre espécies
são dados relativos. A vida animal está caracterizada pelo que podemos considerar uma
espécie de gradiente de fluxo de energia, desde espécies com crescimento rápido, altas

Pág. 262 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

taxas metabólicas e vidas curtas até espécies com características opostas, o que estaria
relacionado não só com uma questão da condição gênica mas também com os fatores
ambientais.
Basta lembrar que a grande maioria das espécies de animais da Terra é composta
por organismos ectotérmicos. Não obstante, nos primeiros trabalhos em fisiologia
comparativa esses grupos eram vistos como grupos evolutivos antigos e simples, ao
contrário dos grupos endotérmicos. Com o decorrer do tempo e o concomitante
desenvolvimento do conhecimento, o termo “vertebrados inferiores” foi caindo em desuso.
De fato, a ectotermia é uma característica ancestral dos vertebrados, mas os animais
ectotérmicos estão tão adaptados a seu modo de vida quanto as aves e mamíferos à
endotermia, e os mecanismos de termorregulação ectotérmica são tão complexos e
especializados quanto os mecanismos da endotermia. As diferenças principais residem nas
necessidades energéticas de cada grupo.
Enquanto um mamífero pequeno
depende de produção de calor interna, um
lagarto utiliza a radiação solar para se
aquecer. Por outro lado, as taxas de uso
energético de um animal ectotérmico são
sete a dez vezes menores às de um animal
endotérmico do mesmo tamanho ou massa
corporal (Fig. 3). À noite a temperatura
corporal (Tc) do lagarto baixa e o uso
energetico passa ser un terço da taxa de
uso diurna. Um rato também apresenta uma Figura 3 - Taxas metabólicas de vertebrados
mudança no consumo de energia, mas ectotérmicos e endotérmicos em função do
numa direção oposta à do lagarto. O rato tamanho corporal (massa corporal e utilizando
precisa acelerar o metabolismo para repor o uma escala logarítmica). As taxas metabólicas
calor perdido e manter uma Tc apropiada. de aves e mamíferos são 7 a 10 vezes maiores

Finalmente temos um terceiro fator para a do que as de salamandras, lagartos e outros


répteis do mesmo tamanho corporal (modificado
equação: a atividade. Um rato é mais ativo
que um lagarto, e a atividade requer um gasto de energia (Pough e col., 1998).
A combinação dos três fatores mencionados no parrágrafo anterior explica porque
um animal ectotérmico durante um dia utiliza apenas 3% da energia utilizada por um animal
endotérmico do mesmo porte. A baixa demanda energética e a capacidade de guardar
anergia relaxando seus limites de homeostase se traduzem numa necessidade menor de
tempo investido na procura de alimento, e, portanto, menos tempo de exposição a
predadores. Adicionalmente, as baixas necessidades energéticas lhes permitem explorar

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 263


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

ambientes de baixa produtividade biológica e investir uma maior proporção do orçamento


energetico na reprodução e no crescimento.
Por exemplo, em muitos bosques frios de montanhas do hemisferio norte a biomassa
de salamandras supera em muito a biomassa de outros pequenos vertebrados (Harpole e
Haas, 1999). As salamandras se alimentam de presas que são pequenas demais para as
aves e mamíferos e costumam capturar o alimento durante a noite, depois de chuvas ou
durante periodos de muita humedade. Adaptações refinadas (p.ex. glândulas de sal -
Iguánas de Galápagos) ou simples modificações do plano corporal ancestral (p. ex. pérdida
o reducção de membros com nos gimnoftalmídeos) permitiram-lhes ocupar ambientes
variados, quasi sem limites.
Diferentemente dos anfíbios, a maiora dos lagartos tem comportamento
termorregulatório, o que dificulta o discernimento dos efeitos da temperatura ambiente na
sua história de vida, sobretudo considerando que a Tc depende do contexto ecológico e
fisiológico (Adolph e Porter, 1993). Os lagartos diurnos mantêm Tc altas e constantes
durante o período de atividade, mediante mecanismos tanto fisiológicos quanto
comportamentais [ver trabalhos citados em Hertz e col., 1993 (pp. 797-798)]. Assim mesmo,
Bogert (1949) e autores posteriores (Brattstrom, 1965; Licht e col., 1966; Fuentes e Jaksic,
1979; Valencia e Jaksic, 1981), afirmam que a Tc de uma espécie é geralmente constante ao
longo das estações do ano e de gradientes geográficos. Além disso, dois aspetos da Tc
podem variar e dependem das mudanças ambientais ou geográficas: 1) a Tc nos períodos
de inatividade, que será determinada pelo substrato e pela temperatura ambiente, e 2) as
horas de atividade do dia, que dependerão das condições climáticas (Adolph e Porter,
1993). Lagartos co-específicos de regiões ou ambientes diferentes, podem compartilhar a
mesma Tc, mas o tempo total de exposição (e.g. a predação, radiação solar) sob esta Tc
pode diferir amplamente. Quanto maior o tempo de atividade de um lagarto, maior será o
seu potencial de captação e digestão de alimento e, consequentemente, mais energia
poderá ser investida na reprodução e no crescimento (Porter e col. 1973; Huey e col. 1977;
Porter e Tracy, 1983; Sinervo e Adolph, 1989; Adolph e Porter, 1993). A forma como a
energia será empregada durante o desenvolvimento organísmico e a reprodução dependerá
de fatores bióticos (e.g. maturação sexual, sexo, disponibilidade de alimentos, e predação) e
abióticos (e.g. temperatura, fotoperíodo e tempo de atividade sazonal) (Barbault, 1991;
Ghalambor e col., 2006; Werneck e col., 2009), enquanto que o excedente será armazenado
na forma de gordura para os períodos de escassez de recursos.
As temperaturas ambientais favoráveis têm efeitos positivos sobre o
desenvolvimento dos lagartos heliotérmicos, enquanto um aumento ou diminuição da
temperatura média anual provocará mudanças nas taxas de gasto metabólico, locomoção,
digestão e crescimento. Por exemplo, estudos têm demonstrado que, nas regiões

Pág. 264 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

temperadas, os répteis respondem ao aumento da temperatura através de um incremento


do tamanho de ninhada (Winkler e col., 2002; Angilletta e col., 2006), do sucesso
reprodutivo (Barbraud e Wimerskirch, 2001; Sanz e col., 2003; Angilletta e col., 2006) e de
alterações na proporção entre os sexos na população (Post e col., 1999).

Em busca de padrões...
Um dos objetivos da procura por padrões em estudos de variação geográfica reside
em interpretar tendências adaptativas em função das pressões e fatores seletivos
ambientais (Gould e Johnston, 1972: 457; Endler, 1977; Ashton, 2004). Assim surgiram
generalizações empíricas em biologia evolutiva, mas elas geralmente carecem da força
modal que se espera de leis. A regra de Cope, por exemplo, afirma que as espécies
evoluem na direção de um aumento de tamanho. Segundo Bunnin e Tsui-James (2002),
este postulado constitui no máximo uma regra prática que resume um padrão encontrado no
registro fóssil, será verdadeira como generalização estatística, mas não será uma lei.
Outro exemplo de generalização empírica é a regra de Bergmann, que postula que
os tamanhos corporais maiores estão associados a regiões de climas mais frios, definindo a
relação entre temperatura e tamanho corporal nos vários ambientes naturais [Bergmann
(1847), traduzido para o inglês pela primeira vez por James (1970)] e recentemte discutido
em contexto filogenético por Diniz-Filho e col. (2007) e Olalla-Tárraga e col. (2009). As
explicações que sustentam a validade da regra de Bergmann têm se concentrado nos
benefícios potenciais em se alcançar um tamanho corporal maior (Blackburn e col., 1999;
Zani, 2008); indivíduos de maior tamanho estariam melhor preparados para sobreviver aos
períodos de baixa disponibilidade de recursos alimentares devido a sua alta capacidade de
armazenamento de gordura (Ashton e col., 2000; Ashton e Feldman, 2003; Heinze e col.,
2003). Do ponto de vista meramente termorregulatório, seria esperada a seleção de um
menor tamanho corporal para répteis típicos de ambientes frios, já que um aumento da
relação superfície/volume permite aquecimento e esfriamento mais rápidos. Entretanto, os
estudos demostram que algumas espécies crescem mais lentamente e antingem tamanho
corporal maior como resposta ao aumento da latitude e da altitude (e a conseqüênte
diminuição da temperatura) (Sinervo e Adolph, 1994; Angilletta, 2001; Niewiarowski, 2001).
Outros mostram que o aumento de tamanho corporal ocorre nestas regiões como resposta
evolutiva à competição reduzida e à baixa densidade de predadores (Ashton e col., 2000;
Ashton, 2001; Ashton e Feldman, 2003), além de ser uma estratégia para sobreviver aos
longos invernos com maior eficácia (Civantos e Forsman, 2000; Smith, 2002).
No contexto específico de cada linhagem, o mais óbvio benefício em se alcançar um
tamanho maior em vertebrados ectotérmicos está diretamente relacionado a um aumento da
fecundidade (Tinkle e Ballinger, 1972; Ballinger e Congdon, 1981; Stearns, 1992; Tinkle e

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

col., 1993; Angilletta e Sears, 2004). O volume da cavidade abdominal e o tamanho da


cintura pélvica limitam a capacidade reprodutiva em número e tamanho de embriões ou
ovos (Boretto e col., 2007; Chamaillé-Jammes e col., 2006; Heatwole e Pianka, 1993).
Estudos de esqueletocronologia sobre Phymaturus tenebrosus (Liolaemidae - sensu
Lobo e Quinteros, 2005) e Homonota darwini (Phyllodactylidae), duas espécies de lagartos
habitantes da região de clima temperado frio das estepes da Patagônia, revelam um maior
crescimento e uma aquisição da maturação sexual mais precoce para as fêmeas que para
os machos, possivelmente refletindo uma adaptação à baixa fecundidade, que tende a
aumentar a longevidade reprodutiva e o tamanho dos embriões, ou da ninhada (Piantoni e
col., 2006a e 2006b). Estudos realizados sobre populações de Lacerta vivipara (Lacertidae),
na França, mostram um aumento de todos os componentes da aptidão (fitness) estudados
acompanhando o aumento da temperatura ambiental (Chamaillé-Jammes e col., 2006). Nos
últimos 13 anos, esta espécie apresentou um incremento de aproximadamente 28% no
tamanho corporal dos membros da população, especialmente entre os recém-nascidos.
Como resultado, o tamanho das fêmeas adultas tem aumentado notavelmente e, por
conseqüência, também aumentaram a fecundidade, o tamanho das ninhadas, o sucesso
reprodutivo (sensu Cree, 1994) e a sobrevivência dos adultos (Chamaillé-Jammes e col.,
2006).
Por outro lado, nos Estados Unidos os lagartos do gênero Sceloporus
(Phrynosomatidae) representam um exemplo interessante e exaustivamente estudado.
Algumas espécies, como S. undulatus, parecem respeitar integralmente as relações de
tamanho corporal e temperatura descritas pela regra de Bergmann: indivíduos de regiões
quentes atingem a maturação sexual com um ano de idade, enquanto que os característicos
de hábitats frios amadurecem sexualmente apenas no segundo ano de vida, quando são
consideravelmente maiores (Angilletta e Sears, 2004). Não obstante, há espécies do mesmo
gênero cujos padrões de crescimento contradizem esta regra. Segundo os resultados de
Sears (2005), indivíduos da espécie S. graciosus encontrados em áreas de elevada altitude,
além de estarem expostas a baixas temperaturas, apresentavam crescimento mais
acelerado do que as populações de regiões mais baixas. Este padrão estaria relacionado à
alta taxa de mortalidade durante um inverno mais longo e não à taxa de predação, que
parece ser similar em todas as populações estudadas pelo autor. Também contradizendo a
regra de Bergmann, Ballinger (1979) demonstrou que S. jarrovi tem desenvolvido estratégias
de vida particulares relacionadas diretamente à altitude; juvenis recém-nascidos transferidos
de maiores para menores altitudes exibiam um retardo da idade de maturação sexual,
diferentemente dos jovens nascidos originalmente em áreas baixas. Peters (1983) assinala
que os comportamentos termorregulatórios, tão essenciais para os répteis de regiões frias,
passam a ser um fator de seleção de menor importância nas espécies de climas quentes,

Pág. 266 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

permitindo que estes indivíduos atinjam maiores tamanhos corporais e usufruam dos
beneficios associados a esta condição (e.g. competição, predação). Pincheira-Donoso e col.
(2007) apontam os beneficios de ser “pequeno” em lagartos de ambientes frios (nesse caso
do gênero Liolaemus): o aumento do tamanho corporal resultaria numa diminuição das taxas
de aquecimento. Logo, as temperaturas ótimas necessarias para os processos biológicos e
fisiológicos básicos podem ser atingidas mais rápidamente. Isso explica os resultados de
Ashton e Feldman (2003) que demonstram que, diferentemente dos quelônios, as serpentes
e os lagartos geralmente apresenatam padrões contrários à regra de Bergmann: 61 de 83
espécies estudadas mostraram uma diminução no tamanho corporal com o aumento da
latitude; 40 de 56 espécies exibiram um incremento do tamanho, acompanhando o da
temperatura.
Frequentemente registra-se divergência genética entre populações de uma mesma
espécie que apresentam variações significativas de tamanho corporal (Berven, 1982;
Partridge e Coyne, 1997) bem como a determinados aspectos de história natural (e.g. taxa
de crescimento, tamanho dos ovos, coeficente da temperatura de desenvolvimento) (Moore,
1949; 1952; Berven e Gill, 1983; Berven, 1995). A variação geográfica intraespecífica destes
aspectos da história natural e sua concordância com os gradientes de latitude e altitude têm
sido utilizadas de forma recorrente como exemplo de variação adaptativa (Mayr, 1963). Não
obstante, os estudos comparativos não permitem distinguir definitivamente as causas e
efeitos destas variações, dependendo de dados que corroborem hipóteses específicas sobre
os custos e beneficíos de diferentes histórias de vida para detectar seus fatores causais. Por
exemplo, um incremento do tamanho corporal é recorrente para a maioria dos animais
ectotérmicos quando estes são artificialmente expostos a temperaturas ambientais mais
baixas que as de seu ambiente natural (simulando aumento nos parâmentros de latitude
e/ou altitude), indicando que nestes grupos a plasticidade fenotípica também tem um papel
importante (Atkinson, 1994, 1995; Atkinson e col., 2003; Angilletta e col., 2004).
Como exposto anteriormente, a relação entre Tc e crescimento existe pela
dependência termal dos determinantes fisiológicos da taxa de crescimento (mobilidade do
intestino, taxa de secreção de enzimas digestivas, atividade enzimática, digestão, passagem
do alimento, eficiência da assimilação, atividade tiroidea e metabolismo; ver citações em
Sinervo, 1990). Devido a essa influência nas taxas biológicas a temperatura pode alterar a
relação entre o tempo cronológico e o tempo fisiológico (Adolph e Porter, 1993)
determinando diferentes padrões de crescimento.
Por isso e tendo em conta os conceitos e os resultados dos estudos aqui discutidos
conclui-se que não é simples fornecer uma explicação geral sobre a relação entre a
temperatura e aspectos da historia natural (e.g o tamanho corporal, sucesso reprodutivo) no
ambiente natural aplicável para répteis e anfíbios. Talvez a maior aproximação aos padrões

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 267


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

reais possa ser atingida através da formulação e do teste de teorias aplicáveis


especificamente a organismos de comportamento e fisiologia similares (Angilletta e
Dunham, 2003) ou, pelo contrário, a organismos de taxons diferentes pertencentes a um
grupo monofilético e adaptados a condições ambientais contrastantes (Pincheira-Donoso e
col, 2007).

Agradecimentos: Agradeço profundamente ao Prof. Dr. Carlos A. Navas e ao Dr. Felipe F.


Curcio pela revisão deste manuscrito.

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Das tocas às bactérias: como estímulos ambientais


influenciam a temperatura corporal?

Carolina da Silveira Scarpellini


Laboratório de Fisiologia, Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal, UNESP,
carolinascarpellini@gmail.com

A temperatura corporal (Tc) tem forte influência sobre as variáveis fisiológicas e


bioquímicas de um animal, logo a manutenção da Tc dentro de certos limites é de extrema
importância para a sua sobrevivência. Por outro lado, a Tc pode também ser influenciada
por vários estímulos ambientais. Neste capítulo serão abordados alguns desses estímulos,
tais como a temperatura ambiente (Ta), o contato com agentes inflamatórios e/ou
infecciosos e ainda a baixa pressão parcial de oxigênio no ar.
Antes de estudarmos como estes estímulos alteram a Tc, é necessário conhecer um
pouco sobre os mecanismos termorreguladores utilizados pelos animais. Os ectotermos
(invertebrados, peixes, anfíbios e répteis) utilizam principalmentemecanismos
comportamentais, enquanto os endotermos (aves e mamíferos) utilizam, além dos
comportamentais, os autonômicos. Os mecanismos autonômicos podem ser divididos em
duas grandes categorias: os de ganho e os de perda de energia térmica (Branco e col.,
2005). Os mecanismos de ganho, por sua vez, podem ser subdividos em: conservação e
produção de energia térmica. A conservação de energia térmica ocorre principalmente por
vasoconstrição periférica e piloereção, embora alguns animais possuam outros artifícios
como o mecanismo de contracorrente e/ou camada subcutânea de gordura. A
vasoconstrição periférica implica em um menor fluxo sanguíneo para a pele causando uma
queda na temperatura deste órgão e, dessa forma, a diferença termal entre a pele e o
ambiente é reduzida. Além disso, durante a piloerecao, a camada de ar aprisionada entre os
pelos apresenta uma temperatura intermediária entre a temperatura da pele e a Ta e, assim,
a diferença termal entres os dois meios é gradativa ao invés de robusta. A redução na
diferença térmica ou a formação de um gradiente térmico entre os dois meios contribuem
para uma menor troca de calor entre o animal e o ambiente e, assim, mais energia térmica é
conservada no organismo (Willmer e col., 2005).
Alguns animais que vivem em ambientes frios, como golfinhos e baleias, possuem
um mecanismo extra de conservação da energia térmica corpórea, chamado “mecanismo de
contracorrente”. Nestes animais, as artérias (sangue aquecido) que se direcionam para as
extremidades são rodeadas por muitas veias (sangue resfriado), proporcionando assim troca
de calor entre os vasos sanguíneos, ou seja, o sangue arterial chega à extremidade mais

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 269


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

resfriado - o que garante um menor gradiente termal entre a superfície corporal e a água
que rodeia, implicando em menor perda de calor do animal - enquanto o sangue venoso
chega ao centro do corpo mais aquecido, conservando o calor dentro do animal. A gordura,
por sua vez, contribui para a conservação da energia térmica endógena por ser um bom
isolante térmico e um tecido pouco vascularizado (Willmer e col., 2005).
A respeito dos mecanismos de produção de calor, pode-se dizer que eles incluem
basicamente os resultantes da termogênese obrigatória e da atividade física, além daqueles
dependentes e independentes de tremor. Todos os processos metabólicos de um organismo
resultam na liberação de energia sob a forma de calor. Assim, termogênese obrigatória é a
produção de calor decorrente do metabolismo basal de um animal e, toda atividade física,
esteja ela envolvida com locomoção, fuga, forrageamento ou exercício físico programado
contribui para o aumento do conteúdo de energia térmica corpórea. Ainda, o tremor consiste
em movimentos involuntários da musculatura esquelética sem que haja realização de
trabalho mecânico, resultando no aumento da taxa de produção de calor (Randall, e col.,
2000; Branco e col, 2005; Bícego e col., 2007; Glossary of Terms for Thermal Physiology,
2001). Em contrapartida, a produção de energia térmica independente de tremor, embora
possa se originar no músculo esquelético de aves (Bicudo e col., 2002), não depende de
movimentos desta musculatura, como o próprio nome já indica. Este tipo de produção de
calor também pode ser encontrado no tecido adiposo marrom de mamíferos localizado
próximo às escápulas e aos rins e, de especial importância para os animais de pequeno
tamanho, recém-nascidos e aclimatados ao frio (Mackowiak, 1998; Branco e col., 2005).
O tecido adiposo marrom é bastante vascularizado e apresenta alta densidade de
mitocôndrias. Nas mitocôndrias das células em geral, a oxidação dos substratos resulta em
um gradiente de prótons entre o espaço intermembrana e a matriz mitocondrial, sendo que
estes retornam para a matriz através da enzima ATP sintase. Parte da energia armazenada
no gradiente é utilizada na formação de ATP e parte é dissipada na forma de calor. No
tecido adiposo marrom uma proteína desacopladora de prótons (UCP1), conhecida
anteriormente como termogenina, é encontrada na membrana interna das mitocôndrias e
funciona como uma via alternativa para o fluxo de prótons independente da ATP sintase,
logo uma grande parte da energia armazenada no gradiente é dissipada como calor, o que
contribui para o aquecimento dos animais (Fig. 1). Outras UCPs foram encontradas em
diferentes tecidos de várias espécies, mas suas funções ainda não estão totalmente
esclarecidas. Alguns estudos demonstraram a existência de uma proteína homóloga, a
UCPhm no músculo esquelético de aves, indicando que tal musculatura também pode ser
capaz de produzir energia térmica independente de tremor (Bicudo e col., 2002; Branco e
col., 2005; Nelson e col., 2004).

Pág. 270 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Figura 1- Representação do fluxo de prótons entre o


espaço intermembrana e a matriz em uma mitocôndria.
A seta tracejada representa a via pela qual os íons
atravessam a membrana interna durante a síntese de
ATP. A seta contínua que atravessa a proteína
desacopladora (termogenina) indica o caminho
alternativo dos prótons durante a dissipação de energia
térmica na termôgenese independente de tremor
(Modificado de Nelson e col., 2004).

Por outro lado, os mecanismos de perda de energia térmica são basicamente:


vasodilatação periférica e evaporação. Na vasodilatação ocorre exatamente o contrário do
que acontece na vasoconstrição: o fluxo sanguíneo periférico é aumentado e,
consequentemente, a temperatura da pele também, contribuindo assim com a perda de
calor do animal para o ambiente. A perda de calor pela evaporação consiste na passagem
da água do estado líquido para o gasoso a partir da energia térmica fornecida pelo próprio
organismo, contribuindo desta forma para a redução do conteúdo energético do animal.
Essa perda pode acontecer durante a sudorese ou o ofego. A evaporação de qualquer
líquido da superfície corporal ou das mucosas é o único meio de perder energia quando a
Ta é maior que a Tc e é extremamente importante para humanos, equinos e bovinos.
Durante o ofego (importante para cães, gatos, ovelhas e aves) a expiração pode acontecer
preferencialmente pela abertura oral ao invés das vias aéreas e, assim, contribuir para que a
energia térmica contida no ar expelido pelos pulmões seja dissipada mais eficientemente
que durante uma respiração não ofegante. Além disso, a exposição da língua ao ar favorece
a evaporação da água da saliva. Todos estes mecanismos cooperam para a redução da
energia corpórea (Schmidt-Nielsen e col, 1970; Randall, 1997).
Ainda, há animais que utilizam do mecanismo de contracorrente para manter
resfriada, ao invés de aquecida, determinada região do corpo, como é o caso da gazela
africana. Neste animal, o sangue arterial que ascende ao encéfalo perde calor para o

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 271


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

sangue venoso que retorna das veias nasais ao interior do organismo e, assim, o encéfalo é
mantido mais resfriado do que o restante do corpo (Willmer e col., 2005).
Por fim, os mecanismos comportamentais estão relacionados ao contato com
superfícies mais quentes ou mais frias ou à adoção de posturas corporais que facilitem ou
evitem a troca de energia térmica entre o animal e o ambiente. Um comportamento muito
comum em ratos é espalhar saliva sobre os pêlos quando expostos a um ambiente quente,
o que promove uma perda evaporativa de energia térmica nesses animais (Bícego e col.,
2007). Estes mecanismos são os mais antigos na escala filogenética e os de menor custo
energéticopara os animais. Além dos mecanismos comportamentais, alguns ectotermos
também apresentam mecanismos autonômicos de controle da Tc. Por exemplo, o
Crocodylus porosus aumenta o fluxo sanguíneo cutâneo e a frequência cardíaca durante
exposição ao calor e reduzem estas variáveis quando a fonte de calor é removida
(Seebacher e Franklin, 2007).
Cabe também comentar que no sistema nervoso central (SNC) de vertebrados há
uma região chave no controle dos mecanismos termorreguladores principalmente
autonômicos, denominada área pré-óptica do hipotálamo anterior (APO). A APO é
considerada termossensível (pois detecta as alterações térmicas locais) além de
termointegradora já que recebe informações térmicas de várias regiões do organismo por
meio dos termorreceptores cutâneos e/ou espinais. Há um modelo que propõe que os
neurônios da APO quando ativados por alta Ta e/ou temperatura local estimulam a perda e
inibem a produção de energia térmica levando à manutenção da Tc. Por outro lado, quando
esses neurônios são inibidos pela queda na Ta e/ou temperatura local, ocorre uma redução
na perda e um aumento na produção de energia térmica com consequente manutenção da
Tc (Hammel 1965; Boulant 2006).
Agora, visto quais são os mecanismos que podem ser usados por um animal na
manutenção da Tc e qual é a região chave na termorregulação, veremos como a Tc é
alterada frente alguns estímulos ambientais.

1- Temperatura ambiente (Ta)


Quando um animal apresenta uma Tc considerada típica para sua espécie, diz-se
que ele está em eutermia. Existe uma faixa de Ta na qual a eutermia é mantida apenas com
um custo energético mínimo. A essa faixa de Ta, dá-se o nome de “zona termoneutra” (ZTN)
ou “zona de conforto térmico”. Por exemplo, a Tc em eutermia para humanos é
aproximadamente 37ºC (lembrando que esse valor muda ao longo de 24 horas) e,
geralmente, a ZTN para humanos adultos nus, encontra-se entre 28 e 30ºC (Blatteis, 1998).
Assim, quando a Ta ultrapassa o limite crítico inferior ou superior da ZTN, energia extra é
empregada para manter a eutermia, ou seja, quando a Ta está acima ou abaixo dos limites

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

da ZTN, a Tc praticamente não se altera com a variação da Ta porque os mecanismos


termorreguladores são suficientes para a manutenção da Tc. Entretanto, se a Ta aumenta
ou reduz extremamente, nem mesmo a ativação dos mecanismos de perda ou de produção
de energia térmica é suficiente para a manutenção da eutermia e a Tc acaba
acompanhando tais alterações, resultando nos estados de hiper ou hipotermia,
respectivamente. Esses estados são consequência de alta carga de ganho ou perda de
energia térmica, que está acima da capacidade das respostas dos mecanismos
termorreguladores autonômicos. (Fig. 2).

Figura 2- Esquema das relações entre VO2, Ta e Tc durante eutermia, hipotermia e hipertermia. A
linha tracejada representa as variações de VO2 em relação à Ta. A linha contínua representa as
variações da Tc em relação à Ta. VO2: consumo de O2 (reflete o custo energético); TCI: temperatura
crítica inferior; TCS: temperatura crítica superior; Tc: temperatura corporal

Na hipertermia moderada, a vasodilatação não compromete a oferta de sangue para


outros tecidos porque há uma redistribuição do débito cardíaco. Essa redistribuição se dá
pela redução da perfusão para os tecidos não vitais ou para aqueles que recebem mais
sangue que o necessário, considerando o metabolismo local. Porém, na hipertermia severa,
a vasodilatação pode ser tão intensa que conflita com os mecanismos de regulação da
pressão arterial causando o chamado heat stroke, ou choque térmico. A hipertermia severa
resulta em edema nos membros inferiores, tontura, exaustão, dor de cabeça, vômito e
diarréia (Branco e col., 2005).
Já a hipotermia severa pode causar redução na velocidade de condução dos
impulsos nervosos culminando em comprometimento da coordenação motora, amnésia,

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 273


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

alucinação, decréscimo da frequência respiratória, dentre outros, podendo levar o indivíduo


ao coma. (Branco e col., 2005).
Os outros estímulos que serão abordados neste capítulo promovem alterações
reguladas da Tc (febre e anapirexia). Na febre, mecanismos de ganho de energia térmica
são ativados induzindo aumento da Tc (Kluger, 1991) e durante a anapirexia mecanismos
de perda de energia térmica são ativados reduzindo a Tc (Gordon, 2001; Steiner e Branco,
2002). Note que os mecanismos termorreguladores ativados durante a febre são opostos
àqueles ativados durante a hipertermia. O mesmo vale para os mecanismos ativados
durante a anapirexia e a hipotermia.
Nesse contexto, há situações em que é mais vantajoso para o organismo um
aumento ou uma queda regulada da Tc do que a manutenção da eutermia. Veremos a
seguir quais são essas situações, quais são seus potenciais benefícios, no que elas
diferenciam das alterações provenientes de falhas no sistema termorregulador (hiper e
hipotermia), quais são seus mediadores neuroquímicos e em quais espécies estão
presentes.

2 – Agentes inflamatórios ou infecciosos


A resposta febril é uma reação complexa, geralmente resultante do contato com
agentes inflamatórios ou infecciosos, chamados de pirogênios exógenos e tem sido descrita
em todos os grupos de vertebrados: mamíferos (Kluger, 1991), aves (D'Alecy e Kluger,1975;
Macari e col., 1993; Maloney e Gray, 1998), répteis (Hallman e col., 1990; Don e col., 1994),
anfíbios (Kluger, 1977; Bicego-Nahas e col., 2000) e peixes (Reynolds e col., 1976), além de
alguns invertebrados (Kluger, 1991).

Figura 3 - Esquema de um gradiente térmico. O animal é colocado no centro do aparato e pode


direcionar-se para o local com temperatura mais confortável. No caso da febre, o animal desloca-se
para o lado com Ta mais alta.

Pág. 274 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Como em ectotermos a Tc é muito semelhante à Ta e a termorregulação se dá


essencialmente por mecanismos comportamentais, uma forma de inferir a Tc dos animais é
mensurar a Ta selecionada por eles. Dessa forma, quando os ectotermos infectados são
colocados em um gradiente térmico que possibilite a “escolha” da Ta mais confortável, tais
animais direcionam-se e permanecem no lado mais quente do gradiente, desenvolvendo
assim a chamada febre comportamental (Fig. 3).
A ampla ocorrência da febre sugere que ela surgiu há muito tempo na escala
filogenética e, que por ser conservada ao longo de tantos anos, deve conferir benefícios aos
organismos (Kluger, 1991; Kluger e col., 1998). De fato, muitos estudos apontam o aumento
da atividade do sistema imune (Fig. 4) e a queda na sobrevida dos agentes patogênicos
como alguns dos benefícios do aumento regulado da Tc (Kluger, 1991; Marnila e col., 1995;
Kluger e col., 1998).
A febre é considerada um aumento regulado da Tc, pois é controlada por sinais
encefálicos que ativam os mecanismos de ganho de energia térmica, diferentemente do que
ocorre na hipertermia, que também é um aumento da Tc, porém devido a falhas no sistema
termorregulador. Para o desenvolvimento da febre num ambiente com Ta baixa, é
necessária intensa produção de energia térmica além de redução na sua perda, enquanto
em um ambiente com Ta alta, apenas uma diminuição da perda de energia térmica pode ser
suficiente para elevar a Tc aos níveis febris. A hipertermia, por outro lado, é mais
dependente da Ta: em uma Ta baixa a hipertermia dificilmente ocorrerá.

Figura 4 - Efeito da Tc sobre a fagocitose.


Modificado de Wenisch e col., 1996
Deve ser lembrado que valores de Tc muito altos e por muito tempo não são
benéficos, pois podem causar desidratação, delírio, lesões no encéfalo, convulsões, dentre
outros prejuízos. O aumento na produção de energia térmica, em decorrência do
desenvolvimento da febre, implica no aumento da taxa metabólica e isso pode representar
um perigo extra para indivíduos com substratos metabólicos limitados como recém-
nascidos, idosos e subnutridos. O limiar da Tc a partir do qual a febre é considerada
perigosa para a sobrevivência do indivíduo ainda é algo muito discutível entre os

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 275


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

pesquisadores: alguns consideram 39ºC, enquanto outros afirmam que febres de até 41ºC
não são perigosas para humanos (Branco e col., 2005).
Após o contato do organismo com os pirogênios exógenos (geralmente
microorganismos invasores), estes são fagocitados por células do sistema imune. Os
fagócitos produzem citocinas (IL-1ß, IL-6, TNF-α, IFN-α) que atuam como pirogênios
endógenos e induzem a síntese e a liberação de prostaglandina (PG), principalmente a
PGE2 que atua na APO ativando os mecanismos de ganho e inibindo os de perda de
energia térmica (Kluger, 1991; Matsuda e col., 1992; Blatteis e Sehic, 1997a,b). Em
contrapartida, estudos (Zampronio e col., 1994; Fabricio e col., 1998) demonstraram que em
ratos há alguns pirogênios endógenos (MIP-1, IL-6 e endotelina-1) que desencadeiam febre
independente da liberação de PGE2. Acredita-se que a febre seja gerada por um balanço
entre a ação dos pirogênios e dos antipiréticos endógenos. Os antipiréticos são definidos
como aqueles agentes que reduzem a resposta febril, mas não alteram a Tc no estado de
eutermia (Branco e col., 2005).
Por fim, os benefícios conferidos pela febre podem ser evidenciados (1) pelo
aumento da sobrevida de animais infectados e febris (mamíferos - inclusive humanos -,
lagartos, peixes e grilos) em comparação àqueles infectados não febris e (2) pelo aumento
da mortalidade de animais (lagartos e coelhos) infectados quando tratados com fármacos
antipiréticos sem o acompanhamento de antibióticos (Branco e col., 2005).

3 – Baixa pressão parcial de O2


O oxigênio (O2) é crucial para o metabolismo oxidativo e, consequentemente, para a
produção de energia na forma de ATP. Sendo assim, é evidente que um aporte adequado
de O2 é essencial para a sobrevivência dos animais e que um déficit desta molécula, mesmo
que localizado e passageiro, pode causar prejuízos irreversíveis (López-Barneo e col.,
2001). No entanto, alguns animais enfrentam condições de hipóxia (baixa pressão parcial de
O2) ao longo da vida seja por exposição ambiental (tocas, altas atitudes, etc) ou por
insuficiências cardíacas, respiratórias e/ou metabólicas, traumatismo craniano, acidentes
vasculares encefálicos, dentre outros (Bao e col., 1997; Reissmann e col., 2000; Gordon,
2001).
Então, como os animais sobrevivem a tais situações? Uma das respostas
adaptativas mais conhecidas parece ser a queda regulada da Tc, ou anapirexia, que é
observada ao longo de toda a escala filogenética dos vertebrados e até mesmo em
organismos unicelulares, como é o caso do Paramecium caudatum (Steiner e Branco,
2002). Essa nomenclatura (anapirexia), apesar de bem definida, ainda gera alguns conflitos
quanto ao seu uso (Romanovsky 2004), mas particularmente neste capítulo estas
divergências não serão levadas em conta.

Pág. 276 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Durante a anapirexia, ocorre atenuação da hiperventilação e do débito cardíaco


causados pela hipóxia e inibição da termogênese, além de aumento na afinidade da
hemoglobina pelo O2 o que facilita a captação desse gás na superfície respiratória (Mortola e
Gautier, 1995; Wood, 1995; Gautier, 1996; Barros e col., 2001; Steiner e Branco, 2002).
Todas essas respostas associadas à anapirexia conferem benefícios ao animal hipóxico,
pois diminuem respostas de alto custo , contribuindo para uma depressão no metabolismo e
facilitando a captação de O2 nos pulmões. Dessa forma, um aumento na sobrevida de ratos,
camundongos, lagartos e até mesmo no Paramecium é observado quando tais organismos
são expostos à hipóxia e têm suas Tcs reduzidas (Artru e Michenfelder, 1981; Hicks e
Wood, 1985; Malvin e Wood, 1992; Wood, 1995; Wood e Stabenau, 1998). De modo
semelhante ao que ocorre na febre comportamental, a queda da Tc pode ser evidenciada
quando ectotermos hipóxicos são colocados em um gradiente de temperatura e selecionam
regiões mais frias do que selecionariam em situações de normóxia (Hicks e Wood, 1985;
Gordon e Fogelson, 1991; Malvin e Wood, 1992).
Apesar da vasta observação da anapirexia hipóxica nos vertebrados e no
Paramecium caudatum, os mecanismos envolvidos nesta resposta ainda são pouco
conhecidos e apenas nas últimas décadas alguns de seus mediadores/modularores foram
descritos. Dentre estes estão a dopamina, a serotonina, o óxido nítrico e os receptores
opióides kappa atuando especificamente na APO induzindo a queda da Tc (Steiner e col.,
2002a; Gargaglioni e col., 2005; Scarpellini e col., 2009). Por outro lado, a adenosina e o
monóxido de carbono (Barros e Branco, 2000; Paro e col., 2001) parecem atuar em alguma
outra região no SNC para induzir e inibir, respectivamente, a anapirexia. Como pode ser
notado, a anapirexia parece ser resultado de um balanço entre agentes indutores e
inibidores da queda da Tc assim como acontece na febre.
O estudo da anapirexia também tem um apelo clínico já que a queda na Tc
associada à queda no metabolismo parece minimizar os efeitos do déficit de O2 e facilitar a
recuperação de indivíduos anêmicos, isquêmicos ou que passaram por envenenamento,
cirurgias cardíacas e traumas cranianos (Gordon, 2001).
Em suma, a Tc de um animal pode variar, dentre outros motivos, em decorrência das
alterações da Ta, do contato com patógenos ou da submissão à hipóxia. Cabe lembrar que
hipo e hipertermia são alterações resultantes de falhas nos sistemas controladores, mas, por
outro lado, a anapirexia e a febre são alterações reguladas da Tc e, desde que ocorram
dentro de certos limites, podem ser mais benéficas aos animais, nas condições já citadas,
que a manutenção da eutermia. Em contrapartida, veremos com mais detalhes no próximo
capítulo, como a Tc pode influenciar os parâmetros fisiológicos dos animais.

Agradecimento: A Profa. Dra. Kênia Cardoso Bícego pela revisão do capítulo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 277


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Efeito da temperatura sobre a resposta imunológica em


vertebrados ectotérmicos

Stefanny Christie Gomes Monteiro


Laboratório de Comportamento e Fisiologia Evolutiva
stefannychristie@gmail.com

Composição e ativação do sistema imune

Os animais precisam se defender continuamente da infiltração e colonização por


patógenos presentes em diversos tipos de habitats para garantir a sua sobrevivência. Essas
defesas ocorrem através de um mecanismo universal e evolutivamente conservado
composto por células e proteínas, cuja função fisiológica é a defesa contra agentes
infecciosos, denominado sistema imune. Este sistema reconhece as características de
patógenos que diferem das do hospedeiro, como por exemplo, os lipopolissacarídeos
presentes na porção externa da parece celular bacteriana, e não são encontrados nas
células do hospedeiro.
Todos os animais multicelulares têm mecanismos de defesa do hospedeiro contra
agentes infecciosos, constituídos pela imunidade natural. Em vertebrados estas defesas
ocorrem através de mecanismos complexos, desencadeados por diferentes grupos celulares
e protéicos, e podem ser divididas em dois tipos de respostas distintas, porém inter-
relacionadas: a imunidade inata e a imunidade adquirida. As características do sistema
imune em vertebrados são muito semelhantes, sugerindo uma origem comum e a
conservação evolutiva de seus componentes e mecanismos principais (Tabela 1).
Embora a imunidade possua características que a dividem em inata e adquirida, todos
os grupos de células do sistema imune se originam de um mesmo precursor, a célula-tronco
hematopoiética pluripotente na medula óssea. Ao se diferenciarem, as células migram para
os órgãos linfoides (em mamíferos: timo, baço, linfonodos) e tecidos periféricos através do
sangue e de um sistema especializado de vasos, denominado sistema linfático, onde
ocorrerão outras etapas da diferenciação e maturação celular específica para cada
morfotipo (Figura 1). Além dos diversos componentes celulares, a imunidade pode ser
composta por proteínas de fase aguda, outras que compõem o sistema complemento e
pelas imunoglobulinas/anticorpos.
A imunidade inata está presente em todos os organismos multicelulares e compreende
uma parcela significativa do sistema imunitário. É constituída pelas barreiras mecânicas de
revestimento corpóreo (epitélios), inibidores químicos e bioquímicos, como aqueles contidos

Pág. 278 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

em fluidos corpóreos como a saliva e as lágrimas, bem como aqueles produzidos pela flora
bacteriana normal; por fatores solúveis, que constituem a imunidade humoral, os quais são
as proteínas de fase aguda, o sistema complemento, citocinas e quimiocinas, e elementos
celulares (leucócitos, macrófagos, células NK e células dendríticas). Uma vez que ela é não-
específica, atua como um mecanismo de defesa inicial contra a colonização por
microorganismos e/ou parasitas multicelulares logo após a infecção, sendo rapidamente
ativada e atuando de forma a eliminar ou retardar os estágios iniciais da infecção.
A resposta humoral atua promovendo a morte, inativação e opsonização de
microorganismos, ativação dos leucócitos, além de bloquear os tecidos infectados pela ação
dos fatores de coagulação. Os elementos celulares da resposta inata possuem
características e funções distintas, dentre as principais podemos citar: neutrófilos, são as
células mais numerosas do sistema imune, polimorfonucleadas e repletas de grânulos no
citoplasma, que estão preenchidos por enzimas capazes de promover a lise celular dos
patógenos, atuam no reconhecimento, fagocitose e eliminação de agentes infecciosos,
principalmente das bactérias; eosinófilos, células responsáveis pela resposta imunitária em
caso de verminoses e alergias; basófilos, células repletas de grânulos, atuando
principalmente, na resposta alérgica; mastócitos, células granuladas que atuam na alergia
e no combate aos helmintos; células NK, responsáveis pela lise de células infectadas e
ativação dos macrófagos; células dendríticas, atuam na apresentação de antígenos aos
linfócitos nos tecidos linfóides; macrófagos, fagocitam microorganismos patogênicos, além
de reconhecerem as células invasoras e apresentá-las aos linfócitos T através da liberação
de citocinas (Interleucina-1), desencadeando assim a resposta imunológica adquirida (Figura
2). Além disso, as células NK e os macrófagos secretam quimiocinas que atraem e ativam
os fagócitos estimulando a reação celular da imunidade inata, chamada inflamação. A
inflamação é formada por um recrutamento de leucócitos e pelo extravasamento de várias
proteínas plasmáticas em um local de infecção, onde tanto as células quanto as proteínas,
atuam na eliminação do agente infeccioso.
A imunidade adquirida está presente apenas nos vertebrados mandibulados e possui
duas características fundamentais: a especificidade, sendo seus receptores produzidos pela
recombinação somática dos segmentos dos genes; e memória, requerendo uma exposição
prévia a antígenos específicos antes que o organismo hospedeiro possa apresentar uma
resposta imunológica a estes. Esta resposta é complexa e muitas vezes dependente de
vários dias para ser completamente ativada, sendo composta pelos linfócitos B, anticorpos
produzidos pelos linfócitos B e linfócitos T específicos. Os linfócitos B se encontram em sua
forma inativa nos tecidos linfóides e, quando ativados, aumentam a atividade celular e são
denominados plasmócitos, sendo responsáveis pela ativação linfócitos T, produção de
anticorpos e de células de memória. Os linfócitos T reconhecem os antígenos de

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 279


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

microorganismos intracelulares e desencadeiam a resposta imune modulando, através da


liberação de citocinas, a produção de linfócitos B e de outros tipos de linfócitos T (T-auxiliar,
T-citotóxico, T-regulador).

Figura 1 – Todos os elementos celulares do sangue são derivados das células-tronco


hematopoiéticas pluripotentes da medula óssea em mamíferos. As células pluripotentes se dividem
para produzirem dois tipos de células-tronco: um progenitor linfóide comum e um progenitor mielóide
comum. Na medula óssea ocorrem diferenciação e maturação celular e as células são liberadas na
corrente sanguínea. Os linfócitos migram para os linfonodos, local da futura ativação. A célula
dendrítica imatura se localiza nos tecidos, e ao ser ativada migra para os linfonodos. Os monócitos
são macrófagos imaturos circulantes na corrente sanguínea, e se diferenciam em macrófagos

Pág. 280 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

fagocíticos nos tecidos. Os mastócitos completam sua maturação nos tecidos, sendo importantes,
principalmente, nas respostas alérgicas. (Modificado de Janeway e col., 2007).
Tabela 1 – Componentes do sistema imune em diversos grupos de animais. Evolução do sistema
imune. (Modificado de Abbas & Lichtman, 2008).
Imunidade
natural Imunidade adaptativa
Células Células Linfócitos
fagocitárias NK Anticorpos TeB Linfonodos
Invertebrados
Protozoários + - - - -
Esponjas + - - - -
Anelídeos + + - - -
Artrópodes + - - - -
Vertebrados
Elasmobrânquios
(tubarões, arraias) + + + (IgM) + -
+ (IgM e
Teleósteos (peixes) + + outras?) + -
+ (2 ou 3
Anfíbios + + classes) + -
Répteis + + + (3 classes) + -
+ (algumas
Pássaros + + + (3 classes) + espécies)
+ (7 ou 8
Mamíferos + + classes) + +
Chave: +, presente; -, ausente

A interação que ocorre entre as células do sistema imune e os agentes infecciosos se


dá por meio de receptores de membrana capazes de reconhecer substâncias (açucares,
proteínas) presentes na região externa da superfície celular dos patógenos, enquanto que a
interação entre as células do sistema imune ocorre através da ligação entre receptores com
as moléculas apresentadoras de antígenos (proteínas ou peptídeos provenientes do
parasita) e por meio de sinalizadores químicos (citocinas e quimiocinas) produzidos por
estas mesmas células. A sinalização via contato direto receptor-molécula apresentadora de
antígeno e por meio dos sinalizadores químicos pode ocorrer ao mesmo tempo, modulando
a resposta imune. Entretanto, vale ressaltar que, embora apresentados separadamente, as
respostas imunológicas desencadeadas pelo sistema imune inato e adaptativo podem atuar
concomitantemente e os mecanismos de ativação e inativação dos mesmos estão inter-
relacionados, uma vez que as células e citocinas do sistema imune inato ativam as células
do sistema imune adaptativo e vice-versa.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 281


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 2 – Ativação da imunidade adaptativa: mediada por anticorpos (A) e por células T (B). Ao entrar em contato com o
patógeno, o macrófago é ativado e libera interleucina-1, a qual ativa o linfócito T-helper, este por sua vez libera dois tipos de
citocinas, o fator de crescimento do linfócito B, que ativa os linfócitos B, promovendo a produção e liberação de anticorpos
específicos, que se ligam a superfície protéica do patógeno inativando-o tornando-o alvo de células; e a interleucina-2, que
ativa outros linfócitos T, conduzindo a maturação e proliferação dos linfócitos T citotóxicos, os quais são responsáveis pela
eliminação do patógeno. (Adaptado de Sapolsky, 2002).

Pág. 282 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Temperatura e imunidade em vertebrados ectotérmicos

Embora uma resposta imunológica seja desencadeada diante de uma infecção, é


importante ressaltar que a eficácia desta resposta depende da síntese e proliferação dos
componentes das respostas inata e adaptativa, o que pode ser influenciado direta e
indiretamente pela temperatura e por moduladores endógenos (hormônios, por exemplo). A
temperatura pode atuar sobre o sistema imunológico aumentando ou diminuindo a síntese
dos componentes humorais e celulares da resposta imunológica, assim como pode
promover a desnaturação de proteínas plasmáticas e celulares.
A taxa metabólica de vertebrados ectotérmicos é diretamente influenciada pela
temperatura ambiente e, consequentemente, diversas funções fisiológicas são modificadas
com alterações desta variável. A resposta imunológica destes animais é temperatura-
dependente, e, portanto, sensível à condição desta variável no meio em que o animal se
encontra. Uma vez que muitos vertebrados ectotérmicos podem experimentar uma ampla
variação de temperatura corpórea diária e anual, influenciada pela temperatura ambiente, a
imunidade dos vertebrados ectotérmicos pode aumentar consideravelmente ou ser
suprimida, dependendo da variação e dos limites de temperatura que o animal vivencia.
Altas temperaturas podem otimizar a resposta imune em vertebrados ectotérmicos,
uma vez que a velocidade de muitas reações químicas aumenta com o aumento da
temperatura, ou ainda podem causar imunossupressão, uma vez que temperaturas
relativamente altas, podem promover a desnaturação de proteínas plasmáticas e/ou de
membrana das células envolvidas na resposta imunológica. De uma maneira geral, baixas
temperaturas podem causar imunossupressão diminuindo o tamanho dos órgãos linfóides e
a taxa de síntese e atividade dos linfócitos T e B, consequentemente, reduzindo o número
de linfócitos e anticorpos circulantes, além de reduzir a atividade do sistema complemento
em peixes, lagartos e anfíbios. É importante ressaltar que, os efeitos da temperatura sobre a
imunidade em animais ectotérmicos é bastante diverso e espécie específico, uma vez que
os diferentes componentes do sistema imune podem responder de maneira variada em cada
espécie estudada (Pxytycz e Józkowicz, 1994; Maniero e Carey, 1997; Zimmerman e col,
2010).
Peixes teleósteos, anuros e lagartos apresentam uma resposta imune humoral e
celular eficiente em uma ampla faixa de temperaturas, que variam de acordo com a espécie
estudada. A redução da temperatura, com valores próximos ou abaixo do limite ótimo,
promove modificações de tempo de indução da resposta imune em relação a diversos de
seus componentes, como por exemplo, a atividade fagocitária de células como macrófagos,
os níveis de anticorpos produzidos e o tempo necessário para atingir os níveis máximos de
produção e liberação de anticorpos. Espécies que hibernam, sob condições de frio intenso,

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 283


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

apresentam diversos aspectos celulares e humorais da resposta imune suprimidos ou


inibidos.
Os macrófagos têm um papel fundamental na defesa imunológica e são especialmente
importantes em condições de baixas temperaturas, quando a produção de linfócitos está
suprimida, e, consequentemente, o número de linfócitos está reduzido. Em um estudo
realizado por Pxytycz e Józkowicz (1994), foram observados diferentes efeitos da
temperatura sobre a função dos macrófagos de alguns vertebrados ectotérmicos (carpas,
peixes-dourados, salamandras e sapos) aclimatados por três semanas a duas temperaturas
diferentes (10 e 22oC). Os parâmetros avaliados para estudar a viabilidade dos macrófagos
foram: a capacidade da célula aderir ao substrato, a atividade da desidrogenase, enzima
capaz de promover a lise celular de um parasita e eficiência da endocitose (Figura 3). Nos
peixes, foi observado que a aderência dos macrófagos à superfície se manteve em
diferentes condições de temperatura nos dois grupos aclimatados. De maneira geral,
podemos observar que nos intervalos entre 10°C e 22°C, a atividade dos macrófagos é
eficiente. Nos anfíbios estudados, a atividade fagocítica se manteve relativamente estável
em uma ampla variação de temperatura, embora a atividade dos macrófagos estivesse
reduzida em temperaturas acima de 25°C, o que não ocorreu para os peixes. A fagocitose
aumenta a baixas temperaturas nos grupos aclimatados a 10°C quando comparado ao
grupo aclimatado a 22°C. Ao evidenciarmos diferenças metabólicas nos macrófagos de
animais da mesma espécie aclimatados em diferentes temperaturas, podemos observar
uma indicação da existência de uma aclimatação sazonal.

Pág. 284 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Figura 3 – Propriedades de macrófagos sob diferentes condições de temperatura in


vitro após a aclimatação dos animais a 22°C (linhas inteiras) e a 10°C (linhas
tracejadas). Onde aderência relativa é referente à aderência da célula ao substrato,
redução de MTT à atividade da desidrogenase e absorção de INK e NR à atividade
fagocítica da célula. (Modificado de Pxytycz e Józkowicz, 1994).

A capacidade bactericida plasmática (CBP) é um método utilizado para avaliar


imunocompetência em vertebrados. Este procedimento avalia a capacidade bactericida de
proteínas do sistema complemento e anticorpos naturais, uma vez que a porção celular foi,
previamente, separada e retirada do plasma. Em um estudo realizado com uma espécie de
crocodiliano norte-americano (Alligator mississippiensis), a existência de CBP foi
evidenciada contra diferentes grupos bacterianos, sendo observada uma relação entre
capacidade bactericida e temperatura a partir de testes de CBP com E. coli. Neste estudo foi
possível determinar uma relação entre a CBP e a temperatura, sendo que o plasma tratado
a altas temperaturas (56°C por 30 minutos) perde a CBP contra E. coli. Por outro lado, entre

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 285


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

15°C e 35°C o plasma é eficiente contra este patógeno, e a temperaturas abaixo de 15°C a
CBP diminui progressivamente (Figura 4).

Figura 4 – Ação bactericida plasmática temperatura-


dependende in vitro de Alligator mississippiensis. Amostras
de plasma (1ml) foram inoculadas com 104 UFC E. coli. As
amostras foram incubadas nas temperaturas indicadas por 30
min, diluídas e plaqueadas em ágar nutriente. Os resultados
são expressos como a média de quatro determinações.
(Modificado de Zimmerman e col, 2010).

Maniero e Carey (1997) observaram alterações na proporção de alguns tipos celulares


da resposta inata e adaptativa em relação à temperatura. Como por exemplo, a diminuição
da quantidade de eosinófilos circulantes (Figura 5), e da proliferação de linfócitos T em
resposta a estimulação por fitohemaglutinina, em anfíbios mantidos por três meses a 5°C
quando comparados ao grupo que permaneceu pelo mesmo período a 22°C. Embora a
síntese de proteínas do sistema complemento tenha sido reduzida a baixas temperaturas, a
atividade protéica foi preservada, mantendo assim uma resposta imunológica eficiente a 5°C
(Figura 6). Vale ressaltar que embora diversos ramos (linfócitos, eosinófilos, proteínas
circulantes) da resposta imune tenham sido suprimidos com a diminuição da temperatura,

Pág. 286 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

alguns tipos celulares como os neutrófilos e basófilos responderam de maneira contrária,


aumentando as suas concentrações a baixas temperaturas.

Figura 5 – Porcentagem média de tipos de leucócitos de


Rana pipiens mantidos a 22°C (barras listradas) ou 5°C
(barras abertas) durante 5 meses. (Modificado de Maniero
e Carey, 1997).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 287


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 6 – Média da atividade do sistema complemento


expressado como CH50 ml-1 de plasma de Rana pipiens
mantidos a 22°C (barras listradas) ou 5°C (barras abertas)
durante 5 meses, e ao retornarem a 22°C após terem
permanecidos a 5°C por 5 meses (barra preenchida).
(Modificado de Maniero e Carey, 1997).

De modo geral, pouco é conhecido sobre a imunidade em vertebrados ectotérmicos e


uma ênfase vem sendo dada à relação entre a resposta imune destes animais e a
temperatura, entretanto, o foco de muitos estudos está relacionado às temperaturas
extremas, principalmente frias. Embora tenha sido evidenciado que as temperaturas de
hibernação promovem uma imunossupressão, são necessários estudos relacionados ao
efeito da temperatura de um modo geral sobre a imunidade destes animais, com o objetivo
de entender como a temperatura atua na eficiência da resposta imunitária em diversos
intervalos de temperatura, observando a relevância para sua sobrevivência no intervalo
normal de variação de temperaturas em seu ambiente natural, bem como frente a possíveis
mudanças climáticas.

Agradecimento: Ao Professor Dr. Fernando Ribeiro Gomes pela revisão do texto.

Pág. 288 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Aula prática
Temperatura x imunidade e locomoção em anfíbios

Responsáveis:
Bráz Titon Júnior
Carla Piantoni
Carolina da Silveira Scarpellini
Cristiéle da Silva Ribeiro
Stefanny Christie Gomes Monteiro

Introdução

Animais ectotérmicos são particularmente sensíveis à temperatura do meio no qual se


encontram, uma vez que estes animais mantêm e regulam a temperatura corporal (Tc) de
acordo com a temperatura ambiente (Ta), sendo que a Tc é possivelmente a variável
ecofisiológica mais importante nas variações de desempenho nestes animais.
O estudo da biologia termal de vertebrados ectotermos tem sido enriquecido por
trabalhos focados em características fisiológicas e comportamentais que se correlacionam
com um baixo consumo energético (Huey, 1982), que como já relatado por centenas de
pesquisadores são, virtualmente, sensíveis à Tc (Angilletta e col., 2002), incluindo
locomoção, sistema imune, sistema sensorial, habilidade de forrageamento, corte, além de
taxas de crescimento e alimentação.
No nível celular, dentre outras modificações, a temperatura tem um impacto profundo
sobre a estrutura e a função das membranas biológicas (Kates e col., 1993), diminuindo a
permeabilidade e a capacidade de transporte, reduzindo as taxas de catabolização de
enzimas e restringindo a difusão de substratos metabólicos e gases respiratórios para as
mitocôndrias (Sidell, 1988). Sendo assim, se a Tc divergir da faixa de Ta a qual uma espécie
está adaptada do ponto de vista fisiológico, essas respostas celulares tendem a limitar ou
até mesmo impedir o desempenho dos organismos (Huey e Pianka, 1982).
A relação do desempenho e a Tc, no caso dos anfíbios, pode ser estudada através de
experimentos de locomoção a diferentes Ta. Dessa maneira, a altas temperaturas pode-se
observar um melhor desempenho locomotor do animal em relação a animais mantidos em
baixas temperaturas. Este grupo de vertebrados apresenta grandes variações com relação à
tolerância térmica, refletindo os diferentes regimes térmicos de seus habitats. Entretanto,

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 289


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

indivíduos podem se aclimatar a diferentes ambientes, o que resultará em alterações dos


limites de tolerância (Braga e Lima, 2001).
Tratando especificamente da relação entre desempenho locomotor (jump performance)
e Ta em anfíbios, as espécies R. clamitans e R. pippens apresentaram desempenho
relativamente independente da Ta numa faixa entre 10 e 25°C (Tracy, 1978), enquanto que
outros autores relacionam a distribuição geográfica aos diferentes padrões de desempenho
locomotor, como é o caso de trabalho de John-Alder e col., (1979), que verificou que
espécies de pererecas do norte dos EUA possuíam um melhor desempenho locomotor no
salto a baixas temperaturas do que espécies que vivem mais ao sul.
A resposta imunológica em anfíbios também é diretamente modulada pela
temperatura, uma vez que sua eficácia pode ser aumentada ou diminuída em função da Tc
do animal. Os mecanismos comportamentais, muito comum em ectotermos, podem ser
ativados durante uma infecção contribuindo, assim, para a elevação da Tc (febre
comportamental) que, por sua vez, colabora para o aumento da sobrevivência destes
animais comparados àqueles infectados, mas eutérmicos. O aumento na Tc, nestas
condições e dentro de certos limites, parece ser benéfico devido à menor proliferação dos
microoganismos causadores da infecção e à maior atividade do sistema imune (Bícego e
col, 2007).
Por outro lado, baixas temperaturas causam imunossupressão devido à diminuição
dos órgãos linfóides, do número de leucócitos circulante e da atividade protéica em anfíbios.
Maniero e Carey (1997) estudaram uma espécie hibernante de rã (Rana pipiens, rã
leopardo) e verificaram uma menor proliferação dos linfócitos (importantes para reconhecer
e responder aos antígenos) nos animais que foram mantidos a 5oC por cinco meses em
comparação aos animais mantidos a 22oC. Além disso, estes mesmos animais mantidos a
Ta baixa tiveram os níveis plasmáticos, bem como a atividade, do sistema complemento
(importante na proteção do organismo contra potenciais invasores) reduzidos em
comparação ao grupo controle. Dessa forma fica evidente que a Ta influencia o sistema
imune de anfíbios.
Diante do exposto, propomos uma aula prática com os seguintes objetivos:

Objetivos

Avaliar o efeito da temperatura sob o desempenho locomotor de sapos, por meio da


medida da distância saltada em diferentes temperaturas;
Observar o número e os tipos de leucócitos circulantes na corrente sanguínea de uma
espécie de sapo cururu;

Pág. 290 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Comparar esses dois parâmetros em animais aclimatados a diferentes temperaturas e


analisar possíveis variações em função da temperatura.

As duas atividades práticas a serem realizadas seguem os protocolos descritos abaixo:

1. Efeito da temperatura sobre a imunidade em anfíbios

Animais expostos ao ciclo natural de luz e temperatura de acordo com o grupo


experimental em que se encontram (12°C e 24°C; 2 animais por grupo) serão utilizados para
a realização desta atividade.
Amostras de sangue serão coletadas (50 μl) por punção cardíaca com seringas
previamente heparinizadas e identificadas. A partir de alíquotas de sangue serão montadas
duas lâminas, uma para contagem total de leucócitos e a outra para avaliar o perfil
leucocitário. Inicialmente, 20 μL de sangue serão diluídos em azul de toluidina a 0,01%, para
a contagem total de leucócitos. O azul de toluidina cora as células, facilitando a
diferenciação de leucócitos e hemácias. A diluição será então colocada em um
hemocitômetro, e a contagem total de leucócitos será realizada, em microscópio, por
aproximadamente 10.000 eritrócitos. Outros 20 μL de sangue serão utilizados para a
realização de esfregaços e, posteriormente, cada lâmina será corada com guiemsa para
realizar a contagem diferencial, ou seja, a contagem dos tipos de leucócitos individuais. As
lâminas serão então identificadas e armazenadas. Por meio de microscopia óptica, cem
leucócitos serão contados e classificados (neutrófilos, linfócitos, eosinófilos, basófilos e
monócitos) em cada esfregaço (Maniero & Carey, 1997; Chiesa et al., 2006).

2. Efeito da temperatura sobre o desempenho locomotor em sapos

Incialmente os animais serão acondicionados em recipientes individuais, contendo


um pouco de água para evitar desidratação, e posteriormente serão divididos em dois
grupos. Os recipientes com os animais do primeiro grupo serão mantidos à temperatura
ambiente, enquanto os recipientes contendo os animais do segundo grupo serão mantidos
dentro de um isopor com gelo. A temperatura da superfície dos animais será medida a cada
10 minutos através do uso de termômetros infravermelhos digitais (TI-860, Instrutherm).
Assim que a temperatura dos indivíduos acondicionados dentro do isopor com gelo atingir
cerca de 15°C, os animais serão submetidos ao teste de desempenho locomotor.
Após este período, os animais serão secos com papel absorvente, e medidos em seu
comprimento rostro-cloacal (± 0,01cm). O desempenho locomotor dos animais será
determinado como a maior distância saltada em uma série de 6 (seis) saltos no chão da

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 291


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

sala. A medida do comprimento rostro-cloacal é importante para calcular a distância saltada


relativa que é a distância absoluta dividida pelo comprimento rostro-cloacal, facilitando a
comparação de indivíduos de tamanhos diferentes.

Pág. 292 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Dinâmica parasita-hospedeiro: Aspectos metabólicos,


reprodutivos e evolutivos

Carla Bonetti Madelaire


Laboratório de Comportamento e Fisiologia Evolutiva
cmadelaire@yahoo.com.br

Para a maioria das pessoas, a palavra parasita traz à mente imagens de doenças e
patologias, sangue e intestinos, grave desfigurações ou até mesmo morte. Esta noção pode
ser conseqüência das imagens e notícias sugestivas dos meios de comunicação que
divulgam os índices de mortalidade por malária e leishmaniose. No caso dos donos de
animais de estimação, os parasitas são lembrados quando o veterinário pede para que os
animais sejam vermifugados. Para as pessoas que viajam pelo mundo, provavelmente já foi
requerido que se imunizassem ou tomassem remédios para parasitas que nunca tenham
ouvido falar (Bush e col., 2002). Também talvez nos lembremos dos parasitas quando temos
que lavar com cuidado nossas frutas e verduras.
O parasitismo é uma relação na qual há um parasita que está abrigado por e vive à
custa de um hospedeiro. Os parasitas podem causar injúrias mecânicas nos tecidos, gerar
processos inflamatórios danosos ou simplesmente drenar os nutrientes de seu hospedeiro.
Os parasitas que vivem na superfície dos organismos são chamados de ectoparasitas, os
que são internos são chamados de endoparasitas (Schmidt e Roberts, 2009). Podemos citar
como exemplos de ectoparasitas os carrapatos, pernilongos e borrachudos, os
endoparasitas são muito conhecidos entre nós, por exemplo, a Taenia ssp., conhecida
popularmente como solitária, e o Ascaris lumbricoides, conhecido como lombriga.
Uma visão tradicional da interação parasita-hospedeiro afirma que um organismo
simbionte tornou-se progressivamente especializado ao longo da evolução, , isto é,
aumentou sua especificidade em relação ao hospedeiro. O componente vital deste processo
é o habitat (hospedeiro), que é um organismo vivo e dinâmico. O hospedeiro reage ao
organismo invasor e os que foram bem sucedidos são aqueles que conseguiram
desenvolver estratégias de evasão às defesas do hospedeiro. De forma geral, a definição de
suscetibilidade de um hospedeiro é quando este não consegue eliminar o parasita antes que
este consiga se estabelecer; um hospedeiro resistente é aquele que possui um status
fisiológico que previne o estabelecimento e sobrevivência do parasita. Os termos
correspondentes do ponto de vista do parasita são infeccioso e não infeccioso (Schmidt e
Roberts, 2009).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 293


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Os humanos tem sofrido durante muitos séculos por causa dos parasitas. Moscas e
as bactérias carreadas nos membros destes insetos assolaram a Europa do século 17,
malária, esquistossomose e a doença do sono africana mataram milhões de pessoas
(Schmidt e Roberts, 2009). Na Tabela 1, podemos observar a prevalência de parasitoses em
humanos e as mortes que estas causam por ano. No entanto, muitas dessas mortes seriam
evitadas se houvesse um forte investimento em eliminar a miséria, subnutrição e poluição do
meio ambiente, pois estes agentes facilitam e disseminam a transmissão de doenças
causadas por parasitas.
Tabela 1. Algumas infecções humanas causadas por parasitas

Categoria da doença Infecção humana Mortes por ano


Todos os helmintos 4.46 bilhões
Ascaris lumbricoides (ascaridíase) 1221 milhões 60 mil
Necator americanus (ancilostomíase) 740 milhões 65 mil
Trichuris trichiura (tricuríase) 795 milhões 10 mil
Wuchereria bancrofti (filariose) 657 milhões 20-50 mil
Schistosoma mansoni (esquistosomose) 200 milhões 20 milhões
Plasmodium ssp. (malária) 298-659 milhões 1-2 milhões
Entamoeba histolytica (amebíase) 50 milhões 40 mil
Traduzido e adaptado de Foundations of Parasitology, Schmidt e Roberts, 2009.
No entanto, os parasitas e as relações com seus hospedeiros apresentam aspectos
muito mais abrangentes que os danos causados a humanos e animais de criação. Muitos
biólogos acreditam que a dinâmica parasita-hospedeiro contribui para a evolução da escolha
dos machos pelas fêmeas. Sabe-se que fêmeas de muitas espécies, pertencentes a grupos
filogeneticamente diversos, acasalam-se preferencialmente com machos que apresentam
características estruturais e/ou comportamentais exacerbadas (Anderson, 1994). Em alguns
casos, fêmeas podem obter um benefício direto a ela ou sua prole a partir desta escolha, já
que os machos mais atraentes provêm mais recursos alimentares, proteção ou cuidado
paternal (Thornhill, 1976; Hill 1991). Entretanto, as razões evolutivas da escolha das fêmeas
por características que parecem arbitrárias ou até mesmo desvantajosas em termos de
seleção natural, particularmente quando nenhuma vantagem direta encontra-se associada,
permanecem como um dos mais controversos tópicos dentro da biologia evolutiva (Futuyma,
1998).
Diversas hipóteses têm sido formuladas para explicar este padrão, tais como a
seleção sexual fugitiva (“runaway sexual selection”), exploração de viés sensorial (“pre-
existing bias and sensory exploitation”), e a hipótese dos bons genes (Andersson, 1994).
Esta última diz que, como as fêmeas são caracterizadas por um substancial investimento

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

energético da preparação para a reprodução, a escolha de parceiros reprodutivos executada


por estas foi selecionada de forma a priorizar machos com alta qualidade genética,
aumentando seu valor adaptativo (fitness). Qualquer característica dos machos que seja
correlacionada com sua qualidade genética poderia então guiar a busca de acasalamentos
vantajosos por parte das fêmeas, e uma propensão genética à escolha baseada nesta
característica poderia ter sido selecionada ao longo da história evolutiva (Møller e Atalato,
1999; Welch, 2000).
Um impasse teórico para a hipótese dos bons genes, entretanto, é o de que qualquer
polimorfismo para uma característica selecionada em uma situação de equilíbrio genético
apresenta herdabilidade nula para o valor adaptativo (“fitness”), de forma que nenhum
acasalamento poderia fornecer genes melhores que as outras opções. Hamilton e Zuk
(1982) propuseram uma solução a este impasse quando sugeriram que as freqüências de
alelos associados ao valor adaptativo podem não estar em equilíbrio porque alguma
característica do ambiente encontra-se em contínua transformação. Segundo estes autores,
a mudança contínua da composição genética da população de parasitas poderia manter a
variância genética aditiva das características de resistência a estes e, conseqüentemente, o
valor adaptativo da população dos hospedeiros (Hamilton e Zuk, 1982). Como a composição
genética das populações de parasitas muda rapidamente, a vantagem seletiva dos diversos
alelos de resistência parasitária torna-se cíclica, criando uma situação de equilíbrio dinâmico
e a manutenção do polimorfismo para o valor adaptativo na população dos hospedeiros (Fig.
1).
Para exemplificar, considere um genótipo muito comum em hospedeiros de uma
população exposta a parasitas. Assuma que o sucesso da infecção requer que os parasitas
sejam compatíveis (adaptados) ao genótipo do seu hospedeiro, caso contrário, o hospedeiro
reconhece o parasita como um invasor e o mata. O parasita com genótipo que pode infectar
com sucesso (ser compatível, adaptado) os hospedeiros, será favorecido pela seleção
natural e os alelos associados irão se espalhar na população, eventualmente conduzindo à
uma diminuição na freqüência desses hospedeiros suscetíveis. Quando a freqüência do
hospedeiro suscetível é diminuída, então algum novo genótipo (resistente) na população de
hospedeiros, anteriormente raro, começa a ser o mais comum. A partir de então, parasitas
com alelos capazes de driblar as defesas imunitárias do novo genótipo “resistente” de
hospedeiros também começam a aumentar sua frequência na população. Esse tipo de
interação coevolucionária pode facilmente levar a ciclos de freqüência alélica entre
hospedeiro e parasita e, como tal, ela se destaca como um poderoso mecanismo para a
manutenção da diversidade genética em populações naturais. Esse tipo de interação é
conhecido como “seleção frequente-dependente, tempo-defasada”, que simplesmente
significa que há seleção contra hospedeiros com genótipos comuns e que essa seleção é

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 295


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

defasada no tempo. A defasagem no tempo ocorre devido ao fato dos parasitas não
poderem, instantaneamente, responder às mudanças na população de hospedeiros e vice-
versa (Lively 2001).

Legenda:
Alelos dos sapos: A e B
Alelos dos parasitas: A’ e B’
O hospedeiro portador do alelo A é suscetível ao parasita com alelo A’. O hospedeiro
portador do alelo B é suscetível ao parasita com alelo B’. O número sapos de cada tipo
nas gerações é representação da freqüência alélica na população.

Figura 1. Dinâmica populacional entre parasita e hospedeiro. Conforme a pressão seletiva,


a freqüência dos alelos da população de parasitas e hospedeiros é alterada. Se nesta
geração há maior freqüência de alelos A nos hospedeiros, os parasitas se reproduzem e
aumentam a freqüência de alelos que é capaz de infectar os sapos. No entanto, devido à
variação populacional existem sapos que são resistentes aos parasitas daquela geração,
estes conseguem deixar mais descendentes. Assim é gerado um ciclo de coadaptação entre
resistência do hospedeiro e virulência dos parasitas.

Pág. 296 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Então, para Hamilton e Zuk (1982), quando muitos ciclos de infecção parasitária de
diferentes períodos estão em progresso, a escolha do parceiro reprodutivo torna-se
extremamente relevante, pois a escolha certa pela fêmea possibilitará aos descendentes
uma aptidão que será, confiavelmente, acima da média. Para isso, os animais devem
escolher parceiros com boa saúde e livres de parasitas e essas qualidades são indicadas,
principalmente, pelos ornamentos mais desenvolvidos. Ou seja, apenas machos em
excelentes condições e com genes resistentes a parasitas estão aptos para expressar com
maior intensidade suas características de exibição (Hamilton e Zuk, 1982). Desta forma, a
intensidade da expressão das características sexuais secundárias dos machos constituiria
uma sinalização honesta de sua resistência a parasitas. Esta hipótese vem sendo conhecida
na literatura como “a hipótese da rainha vermelha”.
Em seu artigo original, Hamilton e Zuk (1982) propuseram que, em nível
intraespecífico, deveria ocorrer uma correlação negativa entre nível de parasitismo e
intensidade da expressão das características sexuais secundárias nos machos (Fig. 2), para
que a hipótese pudesse ser confirmada. Ou seja, a evolução de ornamentos e displays
sexuais encontrar-se-ia associada a um mecanismo de sinalização honesta da resistência
dos machos aos parasitas. Já em comparações interespecíficas, um padrão de correlação
positiva interespecífica entre carga parasitária e grau de elaboração dos caracteres sexuais
secundários deveria ser encontrada (Fig. 3), sugerindo que grupos filogenéticos que
tivessem um alto grau de infestação durante sua história evolutiva passariam também por
uma intensa seleção direcional da sinalização sexual. Estes dois padrões foram
corroborados pelos autores em um estudo realizado com uma grande amostra de
passeriformes da América do Norte, associando o grau de desenvolvimento das
características sexuais secundárias nos machos (padrões de coloração da plumagem e
complexidade das vocalizações) e a incidência de parasitas no sangue.
Em 1992, Folstad e Karter (1992) propuseram a hipótese do obstáculo
imunocompetente, que complementa a hipótese de Hamilton e Zuk (1982). Esses autores
postularam um mecanismo fisiológico para a restrição imposta ao desenvolvimento das
características sexuais secundárias, enfatizando o papel do parasitismo na seleção sexual.
Doenças e estado nutricional são os principais fatores bióticos externos que influenciam o
crescimento dos vertebrados (Vander et al. 1986). As concentrações de testosterona,
hormônio requerido para o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários dos
machos, decai nitidamente durante a escassez de alimentos (Wilson et al. 1979; Wingfield
1980), e o estado nutricional tem sido considerado fator limitante para a expressão de
qualquer caractere ligado a este hormônio (Ligon et al. 1990).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 297


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 2. Relação entre nível de Figura 3. Relação entre intensidade de


ornamentação e quantidade de pressão seletiva dos parasitas e nível de
parasitas. Machos que apresentam ornamentação e extravagância dos machos.
menor resistência a parasitas e Populações que apresentam mais parasitas
consequentemente maior nível de evoluíram de forma que seus caracteres
infecção, apresenta seus caracteres de sexuais secundários ficavam mais
exibição em menor intensidade. exarcebados, sinalizando honestamente sua
qualidade genética.

Entretanto, a regulação dos níveis de testosterona não pode ser explicada somente
por considerações de ordem energética. As doenças parasitárias tem um papel importante
neste processo. Enquanto a testosterona confere o desenvolvimento das características
sexuais secundárias e potencialmente aumento o sucesso reprodutivo, causa
imunossupressão Esta situação cria um dilema fisiológico em potencial, uma vez que essa
depressão do sistema imune, por sua vez, facilita a proliferação dos parasitas já
estabelecidos, assim como a ocorrência de novas infecções (Cohen and Sadun 1976). Uma
infecção parasitária instalada ou acidental expõe o macho a um custo substancial durante o
período em que necessita desenvolver e manter os caracteres sexuais secundários (Folstad
and Karter, 1992).
A hipótese de Folstad e Karter também sugere que os níveis de testosterona e/ou
sua responsividade a este hormônio, e conseqüentemente a imunossupressão e expressão
dos caracteres sexuais secundários, são auto regulados pela carga parasitária (Fig. 4).
Entretanto, esta regulação parasita-dependente não é independente da restrição imposta
pela resistência genética individual (ou seja, se o individuo possui ou não bons genes). Os
machos que possuem a regulação de expressão dos caracteres sexuais secundários
mediado pela carga parasitária podem obter uma clara vantagem em relação àqueles que
superinvestem em indicadores de viabilidade e, conseqüentemente, sofrem com a
concomitante imunossupressão. Sendo assim, a imunossupressão testosterona-dependente

Pág. 298 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

representaria um alto custo para o indivíduo e, desta forma, a sinalização de viabilidade


difundida pelo caractere sexual se enquadraria nos critérios de indicador honesto.

Figura 4. Concentração de testosterona tem um efeito positivo no desenvolvimento de caracteres


sexuais secundários dos machos e dominância, enquanto dificulta a resposta imune (via A e B,
respectivamente). Parasitas que interagem com o sistema imune (via C), tem um efeito negativo no
desenvolvimento das características sexuais secundárias e dominância (via D) e causam redução dos
níveis de testosterona (via E). O desenvolvimento testosterona dependente dos caracteres sexuais
secundários ocorre concomitantemente com a redução da imunocompetência (via F). A hipótese de
Folstad e Karter sugere um sistema de feedback, no qual liga o desenvolvimento dos caracteres
sexuais secundários ao componente genético individual de resistência a parasitas (Traduzido e
modificado de Folstad e Karter, 1992).

Devido ao conspícuo comportamento vocal dos machos de anuros, este grupo têm
se mostrado particularmente interessante para testes de premissas associadas à seleção
sexual (Hausfater 1990; Sullivan 1991; Pfennig and Tinsley 2002; Sullivan and Kwiatkowski
2007; Castellano 2009). Para a maior parte das espécies de anuros, caracteres associados
ao tamanho corpóreo e propriedades das vocalizações são importantes nos processos de
seleção intra e inter-sexual. Fêmeas de diversos grupos de anuros preferem, de uma forma
geral, características comportamentais energeticamente exigentes, como a manutenção de
altas taxa de vocalização, e que expõe os machos a um maior risco de predação (custo
direto) e/ou redução do crescimento (custo indireto), mas que, provavelmente, aumentam o
sucesso reprodutivo dos machos (Hinshaw and Sullivan 1990; Sullivan and Kwiatkowski

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 299


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

2007; Andersson 1994; Wells 2001). Em anfíbios, por exemplo, as propriedades temporais
do comportamento vocal estão sujeitas à seleção intersexual direcional, mas a motivação de
vocalizar está associada ao ambiente social em que os indivíduos se encontram (Wells
1988; Penna et al. 2005). Além disso, o desenvolvimento das bases controladoras e efetoras
do comportamento vocal, bem como sua ativação na época reprodutiva, é mediado por
hormônios esteróides, como a testosterona (Wilczynski and Chu 2001) e a corticosterona,
que está relacionada à mobilização energética necessária para a sustentação desta
atividade (Emerson 2001). Tanto os andrógenos quanto os hormônios inter-renais podem
apresentar efeitos imunossupressores, aumentando a probabilidade de infecções
parasitarias (Wingfield 1994).
Madelaire e colaboradores (submetido para publicação) investigaram as relações
entre carga parasitária e comportamento vocal em duas populações de Hypsiboas prasinus
que diferiam em densidade do coro, e encontraram uma relação negativa entre carga de
parasitas em diferentes órgãos e características temporais das vocalizações. Entretanto, os
resultados foram muito mais claros para a população de maior densidade de coro, indicando
a importância do ambiente social estimulando os indivíduos a vocalizarem a taxa mais
próxima de seu desempenho máximo, que representa um alto custo energético, na
determinação da força da correlação com a carga parasitária. Desta forma, características
temporais do comportamento vocal, principalmente a taxa de vocalização, poderiam
funcionar como um sinal honesto da resistência dos machos aos parasitas, mas a expressão
deste sinal é dependente do ambiente social.
Além do comportamento de corte, outros aspectos do fenótipo dos hospedeiros são
remodelados devido à interação com parasitas, afetando potencialmente seu valor
adaptativo. Rhabdias bufonis é uma espécie de nematódeo parasita de pulmões do sapo
Bufo bufo, sendo que esta espécie de parasita causa anorexia e reduz as taxas de
crescimento em jovens infectados experimentalmente comparado com os animais controle
não parasitados (Goater e Ward, 1992). Goater e col. (1993) encontraram que parasitas
pulmonares também reduzem o desempenho locomotor em Bufonídeos, e isso pode ser
explicado por dois mecanismos. Primeiro, a redução da taxa de crescimento dos animais
parasitados leva à redução de tamanho corpóreo e, consequentemente, do desempenho
locomotor absoluto. Segundo, logo após a infecção parasitária, a quantidade de ingestão de
alimento diminui, levando a uma redução na taxa de crescimento e conseqüentemente no
tamanho corpóreo, além de também diminuir o índice de sobrevivência. Schall (1982)
encontrou que o lagarto Sceloporus occidentalis infectado com malária tem uma redução em
20% no desempenho aeróbio sustentado.
Moretti e col. (submetido para publicação) encontraram em uma população de sapos
(Rhinella icterica), uma correlação negativa entre desempenho locomotor e carga parasitária

Pág. 300 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

pulmonar e intestinal. Isso sugere que os parasitas alojados em sistemas responsáveis pela
aquisição de nutrientes, trocas dos gases respiratórios e distribuição de nutrientes e gases
respiratórios, podem significativamente prejudicar seu balanço energético, comprometendo
seu desempenho locomotor e potencialmente afetar sua aptidão (Schall et al. 1982; Holmes
and Zohar 1990; Goater et al. 1993; Kristan and Hammond 2003). Pois a locomoção é um
componente fundamental para a maior parte dos comportamentos, estando intrinsicamente
associada à defesa territorial, forrageamento, escape de predadores, interações de corte,
migração, entre outros; freqüentemente refletindo aspectos da ecologia comportamental das
espécies, populações e até mesmo sexos dentro de uma espécie.
A capacidade locomotora e a taxa de vocalização na temporada reprodutiva de
anfíbios podem variar segundo a estratégia (Wells, 1977). Machos de espécies com
períodos reprodutivos curtos variam de estratégia dependendo da densidade de machos no
sítio reprodutivo. Quando a densidade de coro é alta, machos procuram ativamente por
fêmeas e interações agressivas entre os machos tornam-se comuns. Neste caso, fatores
relacionados ao desempenho locomotor podem ser mais importantes no sucesso
reprodutivo. Contudo, quando a densidade de coro é baixa ficam vocalizando em lugares
fixos na tentativa de atrair as fêmeas. Neste caso, fatores relacionados as propriedades da
vocalização podem ser mais importantes no sucesso reprodutivo. Em densidades
intermediárias, os machos adotam uma estratégia incorporando elementos de atração por
vocalização e procura ativa (Wells 1977). Desta forma, podemos observar a importância da
infecção parasitária em caracteres importantes na sobrevivência e reprodução de anfíbios
anuros e conseqüentemente no fitness dos indivíduos.

Agradecimentos:
Ao Prof. Dr. Fernando Ribeiro Gomes, pela revisão do texto.
Ao M. Sc. Eduardo Hermógenes Moretti, por ceder sua monografia de qualificação para
consulta.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 301


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Os processos fisiológicos na conservação das espécies.


Um estudo de caso: A reprodução dos peixes teleósteos.

Carlos Eduardo de Oliveira Garcia.


Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
tiboja@gmail.com

As mudanças climáticas observadas nas últimas décadas podem promover


transformações extremas nos padrões climáticos das quatro estações podendo causar
mudanças drásticas nos ecossistemas, sobretudo nos ecossistemas aquáticos.
Cerca de 70% de nosso planeta está coberto por água envolvendo um delicado
equilíbrio entre a vida e a grande diversidade de sistemas ecológicos aquáticos que abrigam
diversificadas formas de vida. Nesses ambientes encontramos os peixes Teleósteos que
representam 50% de todas as espécies de vertebrados.
A água doce cobre apenas 1% da superfície terrestre e a distribuição desses animais
é bastante desproporcional, pois 41% de todas as espécies habitam esse tipo de água,
cerca de 58% vivem nos mares e 1% tolera a migração de um ambiente para o outro
podendo ser encontrados em ambos os ambientes (Wooton, 1990).
Considerando-se os aspectos reprodutivos é importante destacar que os padrões de
sexualidade dos peixes teleósteos são determinados por diferentes fatores, sejam eles
internos (fatores genéticos) e ou externos que podem desencadear alterações fisiológicas
na determinação do sexo (Price, 1984). São encontradas espécies gonocóricas (indivíduos
do sexo feminino ou masculino) sem características sexuais aparentes ou até espécies com
marcado dimorfismo sexual, acasalamentos complexos e comportamento de cuidado
parental, assim como espécies hermafroditas simultâneas e hermafroditas sequenciais (
Chan e Yeung, 1983; Price, 1984; Sadovy e Shapiro, 1987; Vazzoler, 1996, Reiboth, 1998,
Devlin e Nagahama, 2002).
A grande maioria dos peixes é ovípara com postura dos ovos no ambiente e
desenvolvimento dos embriões fora do sistema reprodutivo materno. No entanto há espécies
com desenvolvimento embrionário no interior do sistema reprodutor como em alguns
poecilídeos e no caso de alguns peixes cartilaginosos há desenvolvimento de uma placenta
especial (Wourms,1981).
Considerando-se o hermafroditismo, podem ser distinguidos dois tipos principais, o
hermafroditismo sequencial e o simultâneo. O hermafroditismo sequencial é amplamente
difundido entre os teleósteos apresentando-se em duas formas distintas: a protandria e a
protoginia (Reinboth, 1988). Na protandria, os indivíduos são inicialmente machos, e mais

Pág. 302 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

tarde, na vida adulta, transformam-se em fêmeas, sendo os testículos substituídos por


ovários funcionais. Mais frequente entre os teleósteos, na protoginia os indivíduos são
fêmeas, e posteriormente, na vida adulta, os ovários são substituídos por testículos,
transformando-os em machos reprodutivamente ativos (Devlin e Nagahama, 2002).
A inversão do sexo em hermafroditas sequenciais (protândricos ou protogínicos)
ocorre em decorrência de diversos fatores, dentre eles, fisiológicos, genéticos e
comportamentais podendo ser ainda decorrente do comportamento social. A idade e a taxa
de inversão sexual dos peixes hermafroditas são específicas em cada espécie e região
geográfica (Devlin e Nagahama, 2002). De uma forma geral, a diferenciação sexual é
influenciada pelos hormônios esteróides gonadais, sendo que a manutenção do sexo
feminino está relacionada com a concentração de estradiol e a espermatogênese pela
concentração de 11 ceto-testosterona (Fostier et al., 1983).
Em Synbranchus marmoratus, espécie protogínica dulcícola, o início da inversão
sexual foi associado a uma queda na concentração de estradiol plasmático, aumento na
concentração de testosterona, e variações não significativas na concentração de 11
cetotestosterona (Antoneli, 2006). Em algumas espécies hermafroditas protogínicas como,
por exemplo, em garoupas da espécie Epinephelus coiodes fatores sociais podem
determinar o momento da inversão de sexo. Quando o macho dominante desaparece ou
mesmo não consegue manter a hierarquia perante seus subordinados, uma das maiores
fêmeas pode mudar de sexo e assumir o papel de macho dominante (Quinitio,1997).
Os casos em que os fatores sociais atuam no controle da mudança de sexo resultam
na tentativa de maximizar o potencial reprodutivo da espécie e esse processo pode ser
afetado pelo tamanho dos peixes, pela hierarquia social e a proporção sexual dentro de uma
população (Quinitio,1997). A temperatura é outro fator que pode influenciar na determinação
do sexo nos animais ectotérmicos, esse fenômeno é denominado de determinação do sexo
dependente da temperatura (TSD) e sua ocorrência em peixes está sendo revista (Baroiller,
2001).
Como anteriormente citado, os ecossistemas aquáticos podem mudar rapidamente
ou lentamente obrigando seus habitantes a também se ajustarem. A capacidade alostática é
a capacidade do animal para a manutenção da homeostase, seu equilíbrio dinâmico em
condições ambientais variáveis, ou seja; como os animais organizam suas respostas
fisiológicas mediante aos desafios do ambiente como, por exemplo, as alterações
promovidas por ações antrópicas, a construção de barragens para a formação de represas
para hidroelétricas que causam a interrupção da reprodução em peixes reofílicos ou mesmo
a pesca predatória que pode afetar a biologia reprodutiva de uma determinada espécie.
Devido aos sucessivos barramentos de rios, as espécies tendem a se adequar às
novas situações ecológicas, para poder realizar satisfatoriamente o ciclo reprodutivo (Suzuki

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 303


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

e Agostinho, 1997). Muitos dos detalhes fisiológicos associados ao processo de interrupção


da reprodução em peixes neotropicais devido à construção de barragens são razoavelmente
conhecidos, porém, o entendimento de quais são e como funcionam os mecanismos
moleculares que regulam o eixo hipotálamo-hipófise na reprodução de peixes neotropicais
de piracema ainda estão para serem elucidados nas espécies reofílicas nativas (Hilsdorf e
Moreira, 2008). Desta forma, para que seja obtido sucesso nos estudos da reprodução de
uma espécie, é necessário em primeiro lugar, conhecer a fisiologia da reprodução, assim
como as táticas e estratégias que a espécie estudada adota ao longo do seu ciclo
reprodutivo (Baldisserotto e Gomes, 2005).

1- Endocrinologia do Sistema Reprodutivo de Peixes

O sistema endócrino é diverso e complexo envolvendo mecanismos de controle de


síntese, liberação, ativação e o transporte de hormônios para as células nas quais atuam.
Os hormônios são definidos como substâncias produzidas por um tipo celular específico
carreando um sinal até as células-alvo. A integração do sistema endócrino e nervoso é
observada e estudada na neuroendocrinologia e presente em vertebrados e invertebrados.
A reprodução em peixes, apesar de modulada por fatores ambientais é controlada
endogenamente por um sistema neuroendócrino. Os processos reprodutivos normalmente
apresentam ritmos endógenos estimulados por sinais ambientais, de modo que a
reprodução ocorra em um período em que o ambiente seja favorável ao desenvolvimento de
larvas e alevinos. Alterações de fatores ambientais, como fotoperíodo e temperatura, são
detectadas por receptores específicos, transmitidas ao hipotálamo, alterando a produção e
liberação de hormônios (Zohar et al., 2010).
De maneira geral, a produção de esteróides pelas gônadas dos peixes (e demais
vertebrados) é regulada pelo eixo hipotálamo – hipófise – gônadas. Neurônios hipotalâmicos
sintetizam e liberam o neurohormônio conhecido como GnRH (gonadotropin releasing
hormone) que estimula a hipófise a liberar as gonadotropinas, LH (hormônio luteinizante) e
FSH (hormônio folículo-estimulante), que irão por sua vez estimular a produção dos
esteróides gonadais (Fig.1). O hipotálamo pode modular a liberação das gonadotropinas
sintetizadas na hipófise (LH e FSH) pela liberação de vários neurohormônios como a
dopamina, ácido gamaminobutírico (GABA), o neuropeptídeo Y, a serotonina entre outros;
mas o agente hipotalâmico principal é o neuropeptídeo conhecido como GnRH (hormônio
liberador de gonadotropinas).

Pág. 304 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Figura 1- . Resumo da atuação do eixo hipotálamo - hipófise – gônadas nas fêmeas (direita)
e machos (esquerda) (odificado e baseado em Baldisserotto, 2005). (+) Estimulação, (-) Inibição.

A hipófise (Fig.2) consiste na adenohipófise e na neurohipófise e em todos os


vertebrados está ligada ao hipotálamo por um pedúnculo hipofisário curto. Em peixes não se
observa a presença da eminência média e do sistema porta hipofisário (vasos sanguíneos
para a liberação de hormônios) presente na maioria dos vertebrados. São observados
axônios hipotalâmicos que inervam e ramificam-se na adenohipófise, onde se localizam
diferentes células secretoras de hormônios hipofisários e portanto, representa a parte
glandular da hipófise ( Zohar et al., 2010).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 305


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Nos peixes, a adenohipófise está dividida em pars distalis (o lobo anterior de


vertebrados terrestres), que é subdividida em rostral e proximal pars distalis, e a pars
intermedia (lobo intermédio de vertebrados terrestres) (Olivereau e Ball, 1964). Na região
proximal pars distalis estão as células responsáveis pela síntese dos hormônios
gonadotrópicos (GtH) ( Zohar et al., 2010).

Figura 2- Esquema ilustrativo da organização da hipófise em teleósteos.

Nos vertebrados são encontradas 24 variantes de GnRH e em uma análise


filogenética foram descritas três variantes principais do GnRH nos teleósteos (Okubo &
Nagahama, 2008). É interessante notar que os GnRH 1 e 2 são isoformas presentes em
peixes e nos demais vertebrados terrestres, sendo que o GnRH 3 parece ser exclusiva de
peixes ( Zohar et al., 2010).
Além de promoverem o desenvolvimento e maturação das células reprodutivas os
hormônios gonadais, estrógenos e andrógenos; também estão envolvidos no controle de
feedback negativo na hipófise (liberação de FSH, LH) e no hipotálamo (liberação de GnRH)
que também sofre o efeito da inibição de liberação de gonadotropinas sob a ação da
dopamina (DA) (Evans e Claiborne, 2006).
Os esteróides são sintetizados a partir do colesterol, em vertebrados encontramos
células nas gônadas e no córtex adrenal de animais de ambos os sexos que expressam
uma série de enzimas esteroidogênicas que modificam o colesterol em hormônios

Pág. 306 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

esteróides. Uma proteína transportadora StAR (Steroidogenic acute regulatory protein) é


necessária para transportar o colesterol através da membrana mitocondrial (Young et. al.,
2005) .
Há três classes de hormônios esteróides que afetam a reprodução (os estrógenos,
andrógenos e progestágenos). Os esteróides podem exercer papéis diferentes em funções
especializadas, embora muitos esteróides sejam quimicamente idênticos na maioria das
classes de vertebrados. Os andrógenos e estrógenos são importantes em ambos os sexos,
entretanto, os andrógenos predominam nos machos, enquanto os estrógenos predominam
nas fêmeas.
Em peixes, anfíbios e répteis, os andrógenos desencadeiam o desenvolvimento das
características masculinas primárias no embrião e das características secundárias no
juvenil. Os andrógenos também contribuem para o crescimento geral e a síntese protéica,
em particular, a síntese de proteínas miofibrilares no músculo, como evidenciado pela maior
musculatura dos machos em relação às fêmeas em muitas espécies de vertebrados.
Durante o ciclo reprodutivo, os andrógenos são sintetizados em maior quantidade e
promovem a espermatogênese nos testículos. Já nas fêmeas os andrógenos servem de
substrato para a síntese dos estrógenos (Randall et al.,2000).
Nas fêmeas de vertebrados os progestágenos possuem papel importante na
maturação final e na ovulação. Em peixes, o LH estimula a camada teca do folículo a
produzir o progestágeno 17α-hidroxiprogesterona (17 α- OHP), que é transportado à
camada granulosa e convertido a 17 α -20β-dihidroxi-4-pregnen-3-one (17α, 20β-DHP) pela
enzima 20 β-hidroxiesteróide-desidrogenase (20 β HSD) (Fig.3). O 17α, 20β-DHP é o
principal progestágeno responsável pela maturação final dos oócitos e ovulação na maioria
dos teleósteos (Young et.al., 2005).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 307


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 3 - Biossíntese dos hormônios esteróides em peixes.

Nas fêmeas, nas camadas foliculares dos ovários, na fase de maturação gonadal, o
FSH estimula a síntese de testosterona na camada teca que é difundida para a granulosa
onde é aromatizada pela enzima aromatase e convertida em 17-estradiol (E2) (Fig 4).
O E2 é o principal esteróide produzido na fase de maturação gonadal e sua ação
principal é estimular o fígado a sintetizar a fosfoglicolipoproteína conhecida como
vitelogenina captada pelos oócitos (ação mediada pelo FHS) e incorporada na formação do
vitelo (Rocha & Rocha, 2006).

Pág. 308 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Figura 4- Interação das camadas foliculares teca e granula na produção de 17-estradiol (E2) na fase
de vitelogênese e de17,20-dihydroxy-4- pregnen-3-one na fase de maturação (modificado de
Lubzens et al., 2010).

A vitelogenina é a principal molécula precursora das proteínas do vitelo em


vertebrados e invertebrados, possuindo um papel essencial para o sucesso do
desenvolvimento embrionário e do crescimento larval (Finn, 2007). Sua composição é de
79% de proteínas e 19% de lipídios, sendo que destes lipídios, 70% correspondem aos
fosfolipídios (Jalabert, 2005).
A molécula de VTG é composta de duas subunidades de tamanho molecular entre
180 000 e 240 000 daltons de acordo com a espécie (Stifani et al., 1990). A molécula de
vitelogenina é altamente conservada na escala evolutiva, uma vez que quando sequências
de aminoácidos estão disponíveis, como no caso de aves, anfíbios e peixes, é possível
observar grande similaridade não apenas funcional como estrutural (Vilecco et al., 1999).
Nas gônadas masculinas (testículos) ocorre a espermatogênese, um processo
altamente organizado e coordenado onde as espermatogônias diplóides se proliferam e se
diferenciam para formar espermatozóides maduros (Nóbrega et al., 2009).
Ao longo do controle endócrino e parácrino do processo de espermatogênese
podemos observar três fases distintas:
- uma fase inicial de proliferação mitótica de células espermatogônias (células germinativas);

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 309


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

- a fase meiótica onde ocorre a recombinação das informações genéticas;


- a fase de espermiogênese, diferenciação e formação dos espermatozóides.
Na grande maioria dos vertebrados os testículos são divididos internamente em dois
compartimentos: o intersticial e o compartimento germinativo. No compartimento intersticial
estão presentes as células de Leydig com função esteroidogênica, vasos de sangue,vasos
linfáticos, macrófagos. Já no compartimento germinativo apresenta um epitélio com apenas
dois tipos de células, as células de Sertoli (células somáticas) e as células germinativas,
que são encontradas em diferentes estágios de desenvolvimento. As células germinativas só
sobrevivem em estreita e contínua interação com as células de Sertoli, de modo que o
número de células Sertoli pode determinar a capacidade espermatogênica de um testículo
além de exercerem um papel preponderante (células alvo) no sistemas de sinalização que
regulam a espermatogênese. As células de Sertoli vão dar suporte para a sobrevivência das
células germinativas garantindo o desenvolvimento e viabilidade dessas células (Fig.5)
(Matta et al. 2002). Antes do início da espermatogênese, o estradiol (E2) atua sobre as
células de Sertoli, promovendo um efeito que pode estar relacionada com a renovação das
células-tronco, espermatogônias (Miura e Miura, 2003).

Figura 5- Resumo esquemático dos possíveis mecanismos de controle do estradiol na renovação de


espermatogônias em peixes (modificado de Schulz et al., 2010).

Nos testículos dos peixes o processo de espermatogênese, assim como o de


espermiação é regulado pela secreção de FSH e LH hipofisário e pela ação dos hormônios
esteróides sexuais, bem como outros fatores de crescimento (Fig.6). Tanto o LH quanto o

Pág. 310 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

FSH produzidos na hipófise estimulam diretamente as células de Leydig promovendo a


produção de hormônios sexuais esteróides nas gônadas (Schulz et al., 2010). O andrógeno
11ceto-testosterona (11KT) é o principal regulador da espermatogênese, enquanto o
esteróide de indução de maturação (MIS) regula a espermiação. Ambos os esteróides são
sintetizados pelas células de Leydig dos testículos, após a estimulação das gonadotropinas
(Miura e Miura, 2003).

Figura 7- Resumo esquemático dos papéis de FSH, regulando os processos durante a fase mitótica,
e do LH, importante papel durante os processos de regulação fase espermiogênica durante
espermatogênese de peixes (modificado de Schulz et al., 2010).

O desenvolvimento e aprofundamento dos estudos da fisiologia que envolve a


reprodução das espécies subsidia o desenvolvimento de tecnologias para a reprodução em
condições assistidas assim como viabiliza os trabalhos onde a conservação da espécie em
seu ambiente natural só é possível perante uma ação antrópica direta.

Agradecimento: A Profa. Dra. Renata Guimarães Moreira pela revisão do capítulo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 311


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Neuroendocrinologia do comportamento reprodutivo, com


ênfase em anfíbios

Vânia Regina de Assis


Laboratório Comportamento e Fisiologia Evolutiva
v.regina.a@ib.usp.br

1- O que são hormônios e neurohormônios?


A endocrinologia é o estudo de certas glândulas chamadas de glândulas endócrinas,
ou glândulas de “secreção interna” que secretam seus produtos dentro do sangue. Essas
secreções foram chamadas de “hormônios” (hormon - que estimula ou excita) por causa
de seus efeitos em células alvo distantes. Cada hormônio se liga a um receptor, que é
uma molécula específica, localizada dentro (receptor citoplasmático) ou sobre uma célula
alvo (receptor de membrana) e resulta em um complexo hormônio-receptor que causa
uma mudança mensurável na célula alvo. Quanto à natureza química podem ser
classificados como proteínas (peptídeos), metabólitos de aminoácidos ou esteróides.
Uma vez que um hormônio é liberado na corrente sanguínea ele pode circular
livremente, se for solúvel em água (hidrofílico), ou pode estar ligado a uma proteína
carreadora. Devido à natureza química dos diferentes hormônios, alguns não são solúveis
no plasma (hidrofóbico) e por isso necessitam de uma proteína (que seja solúvel e que
permita a ligação com esse hormônio) para ser transportado. Este é o caso dos hormônios
esteróides, por exemplo, por sua natureza lipídica, se eles não estiverem ligados a uma
proteína de transporte, eles não conseguem circular no sangue devido a sua insolubilidade.
Em geral, aminas, peptídeos e proteínas por serem solúveis, circulam na sua forma livre.
Os neurohormônios, por sua vez, são mensageiros químicos liberados por células
neurosecretoras do sistema nervoso, sendo encontradas em todos os animais, de
artrópodes a vertebrados. Estas células neurosecretoras são capazes de conduzir impulsos,
mas não inervam órgãos efetores; recebem informações dos centros neurais via neurônios
aferentes e respondem através da liberação de mensageiros químicos na corrente
sanguínea. O terminal axônico está tipicamente em contato com vasos sanguíneos, mas
também pode estar dentro de órgãos neurohemais (centros de armazenamento e liberação)
tais como a neurohipófise e a eminência mediana de vertebrados.
Além da tradicional regulação endócrina, que é aquela onde o hormônio é liberado
dentro da corrente sanguínea e atua na célula alvo através da ligação com seu receptor,
atualmente têm sido reconhecidos outros padrões de biorregulação química (Fig. 1). O
primeiro deles envolve o sistema nervoso. Os neurônios produzem biorreguladores

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

chamados de neurotransmissores ou neuromoduladores que são secretados dentro das


sinapses formadas quando os neurônios fazem conexões diretas com suas células alvo
(tipicamente outros neurônios, células musculares ou glandulares). Também temos aqui os
neurohormônios (descritos acima). Além disso, temos os biorreguladores que são usados
para comunicação célula a célula dentro dos tecidos, tais biorreguladores são secretados
dentro do fluido extracelular e recebem o nome de “hormônios locais”. Esta categoria inclui,
dentro outros, fatores de crescimento, reguladores mitogênicos, inibidores e reguladores
imunológicos. Se estes hormônios reguladores também afetam a célula emissora, eles são
chamados de autócrinos, quando afetam outros tipos celulares eles são chamados de
parácrinos.

Figura 1 - Organização dos biorreguladores. A comunicação química envolve


neurotransmissores (1) e neurohormônios (2) bem como os hormônios (3) e reguladores
autócrinos e parácrinos. As células alvo podem produzir a retroalimentação negativa (linhas
pontilhadas) em células endócrinos ou neuroendócrinas. O fígado e o rim funcionam como os
principais centros para o metabolismo e excreção dos biorreguladores. ( neurotransmissores,
neuromodularoes, neurohormônio, hormônio, hormônios locais [Autócrino, Parácrino],
ns-neurônio = neurônio neurosecretor. Modificado de Norris, 2007.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 313


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

2- Diferenciação sexual em mamíferos


O processo durante o desenvolvimento através do qual um indivíduo se torna macho
ou fêmea é conhecido como diferenciação sexual. Existe variação no controle do processo
de diferenciação sexual. Em aves, serpentes e borboletas o sexo heterogamético é a fêmea,
em outros animais, como as abelhas, a fertilização ou não do ovo é o que determina o sexo.
Além disso, a temperatura pode afetar a diferenciação sexual em diversos grupos de
amniotas não endotérmicos, de diferentes modos.
Especificamente em mamíferos, onde o o sexo heterogamético é o macho, no início
do desenvolvimento, ambos os indivíduos XX e XY possuem gônadas que ainda não se
desenvolveram em testículos ou ovários, e são chamadas de gônadas indiferenciadas. (Fig.
2). Um gene no cromossomo Y chamado de Sry (região determinante do sexo no
cromossomo Y) promove a transformação da gônada indiferenciada em testículo, sendo que
na ausência deste gene, a gônada indiferenciada se transformará em ovário. Desta forma, o
sexo genético (se o individuo é XX ou XY) determina o sexo gonadal (se o individuo terá
ovários ou testículos). A partir deste momento, a diferenciação sexual não será mais dirigida
pelos cromossomos sexuais diretamente, mas sim pelos hormônios secretados pelas
gônadas.
No inicio, quando as gônadas ainda estão indiferenciadas, há dois tipos de ductos que
as conectam ao exterior: os ductos de Müller e os ductos de Wolff. Após a diferenciação das
gônadas, o hormônio peptídeo anti-mülleriano secretado somente pelos testículos, causa a
regressão dos ductos de Müller. Os ovários não secretam este hormônio e
consequentemente os ductos de Müller nas fêmeas se desenvolvem nas tubas uterinas,
útero, cérvice e vagina interior. O hormônio esteróide testosterona, também secretado pelos
testículos, promove a aceleração do crescimento dos ductos de Wolff, que formarão o
epidídimo, vasos deferentes e vesículas seminais nos machos. Na ausência de
testosterona, os ductos de Wolff tornam-se vestigiais.
O cérebro também passa por efeitos organizacionais devido à presença ou ausência
de secreções testiculares durante o desenvolvimento perinatal. Em roedores, a testosterona
masculiniza o cérebro impedindo a capacidade ovulatória e estabelecendo comportamentos
sexuais típicos de machos, contudo o estrógeno é igualmente capaz de masculinizar o
cérebro. Em machos é provável que isto seja um reflexo da conversão de testosterona a
estrógeno (aromatização) dentro do cérebro. Para não passar por este mesmo processo de
masculinização mediado por estrógeno, as fêmeas de roedores são protegidas do seu
próprio estrógeno e daquele que provém de suas mães pela presença de uma proteína no
sangue conhecida como alfa-feto-proteína. Esta proteína se liga ao estrógeno e limita a sua
entrada no cérebro. Contudo, uma pequena quantidade de estrógeno ganha acesso ao

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

cérebro nas fêmeas, e isto parece ser importante para a expressão do comportamento
sexual feminino na vida adulta.

Figura 2 - Desenvolvimento fetal do trato reprodutivo de machos e fêmeas. No início


do desenvolvimento (topo) as gônadas são indiferentes porque sua aparência é
idêntica em ambos os sexos. Os dois sistemas de ductos (müller e wolffian) conectam
as gônadas indiferentes à parede do corpo. Nos machos o ducto de wolffian cresce e
se diferencia, enquanto nas fêmeas quem cresce e se diferencia é o ducto de müller.
Modificado de http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK9967/ (23/05/2011)

3- Hormônios e o comportamento reprodutivo


Os hormônios atuam como coordenadores da reprodução. Os mesmos hormônios que
preparam a produção de ovos/óvulos e espermatozóides e controlam outros processos
fisiológicos diretamente envolvidos na reprodução, também preparam o sistema nervoso
para exibir os comportamentos de corte e copulatórios que são necessários para a
reprodução. De forma complementar a liberação dos hormônios envolvidos na reprodução

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 315


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

também é controlada pelo sistema nervoso central, assim os dois sistemas estão
mutuamente envolvidos no controle da reprodução. A maioria das pesquisas que examinam
os mecanismos que controlam o comportamento sexual vem sendo conduzidas em
roedores, tais como ratos, camundongos e hamsters.

3.1- Fêmeas
A reprodução das fêmeas é cíclica, isto significa que as fêmeas não estão
sexualmente receptivas de forma contínua, de fato, sua resposta comportamental está
coordenada com a resposta fisiológica à ovulação (algumas exceções são os humanos,
alguns primatas e os cavalos). A precisão de tempo entre estes dois eventos (receptividade
e ovulação) em relação um ao outro, e se eles vão ocorrer espontaneamente ou em
resposta a dicas sociais e ambientais, varia grandemente entre e dentro das espécies.
Em ratos, como na maioria dos vertebrados, o estradiol e a progesterona são os
hormônios produzidos em grandes quantidades pelos ovários. Liberados na corrente
sanguínea, estes hormônios esteróides ganham acesso ao cérebro, onde vão regular tanto
o comportamento quanto a função secretora da hipófise, que por sua vez, regula a atividade
secretora do ovário. Enquanto os esteróides atuam no cérebro, mais especificamente em
regiões localizadas no hipotálamo, induzindo a receptividade sexual, eles estão ao mesmo
tempo preparando o útero para a possível chegada de um ovo recém-fertilizado. Se isso não
ocorre, o ovário cessa com a produção de esteróides, as paredes do útero são reabsorvidas
ou descartadas, e o comportamento de receptividade termina.

3.2- O circuito neural que regula o comportamento sexual da fêmea


A circuitaria neural que media a resposta de lordose, que é a postura sexualmente
receptiva das fêmeas de rato (Fig. 3), tem sido bem mapeada. Ela começa na Área Pré-
Óptica (POA), conectando-se a um centro chave no Núcleo Ventromedial do Hipotálamo
(VMN), continuando através do mesencéfalo e termina nos neurônios motores da coluna
espinhal inervando os músculos das costas (Fig. 4).

Figura 3 - Comportamento de lordose, exibido pelas fêmeas de rato.


Modificado de http://www.flyfishingdevon.co.uk/salmon/ (23/05/2005).

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O VMN é o principal centro que controla a lordose. Contém uma densa coleção de
neurônios que possuem receptores para estrógeno, e se lesionado, gera a abolição do
comportamento de lordose. A POA é uma área considerada inibitória do comportamento
sexual nas fêmeas, já que lesões nesta área aumentam a exibição do comportamento de
lordose. Há uma grande projeção da POA diretamente para o VMN, e esta pode ser a fonte
da influência inibitória exercida pela POA.

Figura 4 - Principais centros nervosos de controle do comportamento reprodutivo.


Modificado de McCarthy e Becker, 2002.

De forma simplificada, o controle hormonal do comportamento sexual da fêmea se dá


da seguinte forma: O estradiol chega primeiro ao cérebro e, ao se ligar ao seu receptor,
ativa fatores de transcrição que induzem a síntese de receptores para progesterona e
ocitocina no hipotálamo. Esta sequência segue logicamente àquela do ciclo estral, onde a
secreção de estradiol precede a de progesterona e, como resultado, a ação da progesterona
é frequentemente dependente de um pico anterior de estradiol. A progesterona e a
ocitocina, atuam então nos seus receptores para induzir o comportamento de receptividade
sexual que culminará no comportamento de lordose.

3.3- Machos
O comportamento sexual dos machos consiste de componentes motivacionais e
consumatórios. Os componentes motivacionais incluem os comportamentos de aproximação
e acesso à fêmea, e os componentes consumatórios são aqueles necessários para a cópula
(monta, ereção, intromissão e ejaculação). A testosterona, secretada pelas células de
Leydig dos testículos, ou um de seus metabólitos, atua no cérebro e no pênis para facilitar a

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 317


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

exibição de ambos os componentes do comportamento sexual. Regulação neural e


periférica do comportamento sexual
A POA é o principal centro que controla o comportamento sexual dos machos. Se
lesionada, gera a abolição do comportamento consumatório e dificulta a ereção peniana. Na
POA, tanto a testosterona quanto o estradiol ativam o comportamento de monta e
intromissão. Em relação ao comportamento motivacional, o papel da POA ainda não está
bem estabelecido, sendo que a lesão desta área diminui a exibição do comportamento
motivacional em parte das espécies já estudadas.
No hipotálamo e em outras regiões cerebrais, não só de machos como também de
fêmeas, encontramos uma enzima, a aromatase, que converte testosterona em estradiol ou
outros metabólitos estrogênicos. Em machos, esta conversão de testosterona a estradiol
facilita aspectos do comportamento consumatório, como a monta e a intromissão.
No corpo cavernoso do pênis encontramos outra enzima, a 5α-redutase, que converte
testosterona em um metabólito androgênico chamado di-hidrotestosterona (DHT). Nesta
região, o DHT se liga aos receptores de andrógenos e regula a atividade de enzimas que
promovem a síntese de óxido nítrico. O óxido nítrico é um neurotransmissor gasoso que
está envolvido no controle da ereção. O aumento da concentração de óxido nítrico facilita a
ereção.

4- Endocrinologia do comportamento vocal em anuros machos


Existem diferenças significativas no comportamento reprodutivo das espécies, mas
esta variação acontece no contexto de certos hormônios reguladores do comportamento
comuns a diversas linhagens de vertebrados, o que torna possível comparar os efeitos de
uma variedade de hormônios sobre os comportamentos entre as espécies.

4.1- Atuação dos esteróides sexuais


A comunicação acústica em anuros é o principal componente do comportamento
reprodutivo para estes animais (Fig. 5). Estes sinais acústicos, também chamados de
coaxos, são efetivos em ambientes com pouca luminosidade, turvos ou com vegetação
densa, já que a maioria das espécies de anuros está reprodutivamente ativa durante a noite.
Além disto, os coaxos são determinados geneticamente, não havendo aprendizado e
apresentam alto custo energético. Dentre os tipos de vocalização emitidos por anuros
encontra-se o coaxo de anúncio, emitido pelos machos da maior parte das espécies, cuja
função é atrair fêmeas coespecíficas que estejam prontas para a oviposição, além de
proclamar a ocupação de um território.

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Figura 5 - Representação esquemática de um anuro mostrando quais as


estruturas envolvidas com a vocalização. Modificado de Duellman e
Trueb, 1986.

A produção de coaxo de anúncio por machos depende da presença de andrógenos


circulantes e a gonadectomia causa a cessação da vocalização, enquanto o tratamento com
andrógenos pode reverter este efeito. Os andrógenos influenciam não só o comportamento,
mas também o desenvolvimento e a diferenciação de estruturas sexualmente dimórficas.
Dentre as estruturas associadas à vocalização, sabe-se que a laringe é sexualmente
dimórfica em forma e tamanho, bem como em suas características fisiológicas. Este
dimorfismo é devido à presença de andrógenos circulantes durante a maturação pós-
metamórfica nos machos, que masculiniza a laringe aumentando o número de fibras
musculares de contração rápida, bem como sua inervação motora, aumentando o número
de fibras nervosas. Além da atuação na fase organizacional das estruturas associadas à
vocalização, os andrógenos também parecem ter efeito ativacional após a maturidade
sexual.
Os efeitos ativacionais dos esteróides gonadais na comunicação e em outros
aspectos da reprodução devem estar relacionados com seus efeitos no sistema nervoso
central. Assim como para mamíferos e outros vertebrados, em anfíbios machos o principal
centro nervoso responsável pela exibição do comportamento reprodutiva parece ser a POA.
Além disso, o comportamento de comunicação, a fisiologia reprodutiva e o estado
endocrinológico são sensíveis a uma gama de influências externas, incluindo os sinais de
comunicação produzidos por coespecíficos. Em anuros, a relação entre comportamento
vocal e andrógenos é bilateral, no sentido de que a condição hormonal de um indivíduo
pode ser modificada pelo entorno social.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 319


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

A administração de arginina vasotocina (homólogo à arginina vasopressina de


mamíferos), um peptídeo produzido por neurônios no telencéfalo e diencéfalo, também
facilita a expressão do comportamento vocal em diversos grupos filogenéticos de anuros. A
concentração dos receptores de vasotocina no sistema nervoso central é sensível à
manipulação com andrógenos, o que sugere que estes hormônios esteróides podem
modificar o comportamento vocal em anuros adultos através da modulação da concentração
dos receptores de vasotocina em áreas críticas do cérebro.

4.2- Atuação dos glicocorticóides


Os hormônios esteróides glicocorticóides, sendo a corticosterona o mais importante
para anfíbios, têm efeitos importantes sobre o metabolismo energético em situações de
aumento da demanda energética, incluindo o exercício, propiciando aumento da mobilização
dos estoques de triglicerídeos e aminoácidos, aumento da neoglicogênese e da oxidação de
ácidos graxos. A emissão de vocalizações de anúncio em anuros é uma das atividades de
maior dispêndio energético dentre os vertebrados ectotérmicos, sendo um exercício aeróbio
sustentado por fibras oxidativas de contração rápida da musculatura peitoral e da laringe.
Sendo assim, dada a importância dos glicocorticóides na mobilização de substratos
energéticos durante exercício aerobiamente sustentado, bem como a relevância do
exercício vocal em anuros durante a estação reprodutiva, é coerente esperar que os níveis
de corticosterona fossem positivamente correlacionados com o nível de exercício vocal em
anuros. Entretanto, como ocorre em outros grupos filogenéticos, o aumento dos níveis de
corticosterona associados ao exercício vocal pode inibir funções reprodutivas, incluindo a
própria atividade vocal.
Diversos pontos de inibição do eixo hipotálamo-hipófise-adrenais sobre o eixo
hipotálamo-hipófise-gônadas ocorrem em ambos os sexos, incluindo inibição da secreção
do hormônio liberador de gonadotropina (GnRH) pelo aumento dos níveis de β-endorfina e
do hormônio liberador de corticotropina (CRH), bem como uma redução da sensibilidade
hipofisária ao GnRH, redução da secreção do hormônio folículo estimulante (FSH) e do
hormônio luteinizante (LH) devido à ação inibitória dos glicocorticóides e também da
prolactina. Nos machos, níveis altos de glicocorticóides podem também diminuir a
sensibilidade testicular ao LH.
Embora esta visão clássica de inibição do eixo HPG pela ativação do eixo HPA seja
apoiada por diversos estudos experimentais, estudos que acompanharam a variação natural
dos níveis de corticosterona e testosterona ao longo do ano em diversos vertebrados,
incluindo anfíbios anuros, vem demonstrando que a interação entre estes dois eixos pode
ser bem mais complexa. Segundo estes estudos, os níveis de ambos os hormônios
encontram-se elevados e positivamente correlacionados durante a época reprodutiva, sendo

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

que os níveis elevados de corticosterona devem estar associados à facilitação da


manutenção do comportamento reprodutivo, dados os efeitos dos corticosteróides na
mobilização de reservas energéticas.

4.3- Modelo da relação entre comportamento, energética e hormônios


esteróides
No ano de 2001, Sharon Emerson lançou o modelo da relação entre comportamento
vocal, energética e hormônios esteróides, que está fundamentado na correlação positiva
entre o nível de exercício vocal e os níveis plasmáticos tanto de andrógenos quanto de
corticosterona em diversas espécies de anuros. Segundo a autora, apesar dos níveis
plasmáticos destes dois esteróides sempre diminuírem durante o dia (período de
inatividade), seus níveis basais elevam-se constantemente com o passar das noites em que
os machos vocalizam.
A exposição à vocalização dos demais indivíduos da espécie aumentaria os níveis de
andrógenos e os níveis de corticosterona estariam aumentando devido ao gasto de energia.
Desta forma a correlação positiva entre andrógenos e corticosterona ocorreria até que os
níveis de corticosterona se tornassem suficientemente elevados para evocar uma resposta
de estresse em curto prazo, promovendo a inibição do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas.
Este seria o ponto em que os níveis de corticosterona passariam a suprimir o
comportamento reprodutivo, os animais cessariam com a vocalização e iniciariam uma fase
de forrageamento. Durante esta fase, os níveis de corticosterona estariam negativamente
correlacionados aos de andrógenos (Fig. 6). A vocalização seria restaurada os níveis de
corticosterona estivessem reduzidos, e os andrógenos elevados novamente.
Desta forma, o limite para o esforço vocal de um indivíduo estaria relacionado à
elevação dos níveis de corticosterona e, de fato, machos de diferentes espécies de anuros
como Engystomops pustulosus, Anaxyrus cognatus e A. woodhousii tratados com níveis
altos de corticosterona normalmente apresentam uma diminuição da probabilidade de
vocalizar. Também em salamandras, a administração de corticosterona suprime
rapidamente a atividade estimuladora de neurônios medulares envolvidos no controle do
abraço durante a corte, sendo esta ação rápida associada a receptores de membrana para
este esteróide e independente de mecanismos genômicos. Os efeitos rápidos da aplicação
de corticosterona sobre o comportamento vocal em anuros talvez provavelmente também se
dão através da ativação destes receptores de membrana.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 321


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 6 - Mudanças nos níveis hormonais de anuros reproduzindo, como predito pelo
modelo da relação entre comportamento, energética e hormônios esteróides. Cort =
corticosterona; T = testosterona; s = linha basal da estação reprodutiva; HPA = eixo
hipotálamo-hipófise-adrenal. Modificado de Emerson, 2001.

Agradecimento: Ao Prof. Dr. Fernando Ribeiro Gomes pela revisão do capítulo.

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Comunicando-se sem palavras: a dinâmica fisiologia da


comunicação animal na reprodução

Leticia Regina do Amaral Braga


Laboratório de Comportamento e Fisiologia Evolutiva
let.regina.bio@gmail.com

Em todos os níveis de organização, a vida depende da comunicação. Entre os


animais, existe a comunicação por meio de sinais visuais, sonoros e odores, por exemplo.
No meio interno, os órgãos, os tecidos, e as células comunicam-se entre si usando sinais
químicos e elétricos e dentro das células ocorre a comunicação entre as organelas, como a
que ocorre entre o núcleo e os ribossomos do reticulo endoplasmático rugoso durante o
processo da síntese protéica. Em animais, dois tipos principais de comunicação celular
envolvem o sistema nervoso e o sistema endócrino.
A comunicação animal consiste em sinais produzidos por um animal que tenham
algum efeito imediato ou futuro sobre o comportamento de outro animal. Otte, 1974, define o
sinal como sendo: característica comportamental, fisiológica ou morfológica mantida pela
seleção natural devido ao fato de ser capaz de transmitir informações aos outros
organismos e por proporcionar vantagens significativas ao organismo produtor do sinal”.
Dentro da definição de Otte podemos incluir vocalizações, padrões de coloração,
movimentos corporais e odores específicos. A figura 1 ilustra aspectos importante da
comunicação: o estado fisiológico do indivíduo, que pode muitas vezes ser relacionado a um
contexto específico, como a estação reprodutiva, por exemplo, podem, conjuntamente,
determinar a motivação do individuo. A motivação vai dizer qual o tipo do sinal será emitido,
por parte do individuo sinalizador, e como este sinal deverá ser interpretado por parte do
indivíduo receptor de maneira a produzir uma resposta adequada.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 323


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 1- Para que ocorra comunicação, é necessário que haja um individuo para emitir o sinal e outro para recebê-
lo. O sinal é emitido devido a um contexto e um estado fisiológico específico e deve provocar uma resposta
comportamental no indivíduo receptor (modificado da aula da professora Silvia Mitiko Nishida, UNESP)

Em 1872, Charles Darwin publicou seu livro “The expression of the emotions in man
and animals” (A expressão das emoções no homem e nos animais). Através de capítulos
que discorrem desde sentimentos como ira, raiva até devoção e paciência, Darwin se
preocupou em mostrar como as expressões humanas conectam movimentos com estado
emocional, e seriam determinadas por fator hereditário e derivadas de ações e expressões
animais. Darwin notou a natureza universal das expressões faciais: "…the young and the old
of widely different races, both with man and animals, express the same state of mind by the
same movements (... os jovens e os velhos de raças muito diferentes, tanto com o homem e
os animais, expressam o mesmo estado de espírito com os mesmos movimentos...).
Atualmente, o estudo da comunicação animal recebeu a denominação de zoossemiótica e
possui uma importante participação em áreas como a etologia, sociobiologia e estudo da
cognição em animais.
A comunicação pode ser dar tanto inter como intraespecificamente, dentro dos mais
diversos contextos: atração de parceiras reprodutivas, demarcação territorial, mecanismo
anti-predatório e combate co-específico. Neste capítulo, irei enfatizar a comunicação
acústica e visual dentro de contextos reprodutivos e mostrar como o sistema endócrino
concomitante com o sistema nervoso exercem forte influência sobre a produção dos mais
diversos tipos de comportamentos sexuais.

1- Comunicação acústica

Em uma noite amena de verão, um macho de Physalaeumus pustulosu, popularmente


chamado de sapo de Túngara, emite seu canto de anúncio junto com outros tantos
indivíduos de sua espécie em uma lagoa no Panamá. A estrutura do canto se repete,
monótona, durante algum tempo até que, de repente, o macho adiciona um fragmento
diferente em seu canto e todo o cenário de modifica. Nas proximidades, os seus
companheiros de canto quase que instantaneamente modificam a estrutura de suas
vocalizações da mesma maneira. Uma fêmea que passava pela região, imediatamente se
mostra interessada e se dirige ao macho que possui o fragmento do canto mais chamativo e
o escolhe como parceiro (Ryan 1980, 1985).
A situação descrita acima se baseou em um estudo realizado com uma espécie de
anfíbio da América central, Physalaemus pustulosus, e serviu para mostrar a importância da

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

vocalização dos machos na atração de fêmeas ao apenas adicionar um pequeno fragmento


de som específico ao seu canto.
Apesar da natureza social dos sinais utilizados na comunicação, o significado e a função
do sinal acústico pode variar entre o animal que emitiu o sinal para o individuo faz a captura
desta informação (Marler, 1961). A função social da comunicação fica clara quando
observamos que os animais só emitem sinais, vocalizações, por exemplo, na presença de
uma platéia em potencial. Indivíduos machos de Gallus gallus produzem cantos de alarme
contra um potencial predador apenas quando se encontram na presença de outros membros
de sua mesma espécie e permaneceram praticamente em silêncio quando estão a sós,
mesmo na presença do predador (Gyger e col., 1986, Karakashian e col.,1988).
O que faz com que um indivíduo vocalize? Quais tipos de informações estão sendo
enviadas? Como os sons são produzidos e como podem ser escutados e interpretados? Por
que a fêmea de P. pustulosus foi atraída pelo canto após a inserção daquele pequeno
fragmento de som? Estas são algumas das várias perguntas que vem intrigando e
motivando o estudo da comunicação acústica ao longo dos anos.
Vocalizações podem ser produzidas por meio de estímulos específicos, como a visão de
um predador ou pelo canto de um coespecífico. Existem diversos tipos particulares de
vocalizações que são produzidos em circunstâncias sócio-ecológicas distintas, por exemplo,
quando forrageando, defendendo o território ou em contextos reprodutivos.
Em algum momento da vida, quase todos os animais vão se engajar em
comportamentos tipicamente reprodutivos como a corte. Este comportamento é comumente
realizado pelo macho, e é crucial para o sucesso da reprodução. O macho produz uma série
de sinais estereotipados durante a corte, com função de chamar atenção da fêmea e fazer
com que ela o selecione dentre vários outros machos que também realizam um
comportamento semelhante. Os parâmetros do canto, assim como o tempo em que o macho
passa vocalizando no coro, são fatores determinantes para o sucesso reprodutivo (Murphy,
1994). Fêmeas de um grande número de espécie demonstraram preferência por machos
capazes de vocalizar a elevadas taxas com um maior esforço e com maior intensidade
(Gehardt,1991; Sullivan e col., 1995)
Para os anfíbios anuros, o canto de anúncio é umas das principais formas de corte
realizada pelos machos e utilizada na atração de fêmeas. Algumas espécies produzem
coaxos de anúncio com somente uma nota, enquanto outras possuem vocalizações mais
complexas, formada por vários tipos de notas e trinados ( Wells, 1988; Martins e Jim,
2003)Por que sinais acústicos são mais utilizados por anfíbios do que sinais visuais?
Algumas das vantagens são que o sinal acústico se propaga com mais facilidade a longas
distâncias, servindo para atrair fêmeas que estejam distantes. Além disso, a maioria das

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 325


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

espécies de anuros, se reproduz durante a noite, quando o níveis luminosos estão baixos,
dificultando assim a captura de imagens pelo sistemas visuais.
A produção do canto de anúncio por parte do macho depende da presença de
andrógenos circulantes na circulação (Emerson e Boyd, 1999) que são produzidos pelos
testículos e em última instância regulados em sua produção pelo GnRh, o hormônio
liberador de gonadotrofina, produzido pelo hipotálamo, que causa a liberação dos hormônios
LH e FSH pela hipófise anterior. O aparato vocal necessário para a produção de som, a
laringe, é diferente entre machos e fêmeas, tanto no tamanho na forma (Schneider, 1988;
McClelland e col., 1997). Machos também possuem na laringe maior quantidade de fibras
musculares e predomínio de fibras de rápida contração (Sassoon e Kelley, 1986; Tobias e
col., 1991). Este dimorfismo estrutural ocorre devido a presença de andrógenos circulantes
durante a fase pós-metamórfica, que proporciona uma masculinização da laringe.
Os esteróides gonadais variam sazonalmente ( Licht e col., 1983, Emerson e Hess,
1996), e a produção do canto de anúncio vem se mostrado correlacionado com essas
variação para grande parte das espécies (Emerson e Hess, 1996). A castração dos machos
cessa a vocalização de corte enquanto a reposição hormonal pode reverter esse efeito
(Wetzel e Kelley, 1983). Mesmo em fêmeas, a injeção de andrógenos pode induzir um canto
semelhante ao dos machos, ao contrário do que se pensou durante muito tempo de que as
fêmeas fossem incapazes de vocalizar (Penna e col., 1992; Emerson e Boyd ,1999)
Locais específicos nas vias de controle da vocalização do sistema nervoso central e a
laringe são os principais tecidos alvos dos andrógenos, sugerindo que estes hormônios
devam modular o canto agindo centralmente (Kelley e Tobias, 1999) Além destes locais, os
andrógenos apresentam um efeito na musculatura peitoral, a responsável por dar potência à
vocalização; machos com elevados níveis plasmáticos de testosterona apresentaram maior
massa muscular e maior quantidade de fibras musculares de rápida contração do que
machos fora do período reprodutivo (Gingerath e Marsh, 2003). A arginina vasotocina (AVT),
produzida por neurônios no telencéfalo e no diencéfalo, participa do controle da motivação
para vocalizar em anuros. Nos anfíbios, este hormônio equivale ao arginina vasopressina
(AVP) encontrado nos mamíferos e atua como um neuromodulardor no sistema. Os
neuromoduladores são substâncias que produzem efeitos mais prolongados sobre a
excitabilidade da membrana neuronal, tendo capacidade de modificar a função dos
verdadeiros neurotransmissores,. Nos mamíferos, aves e peixes, a AVP, além de sua
principal função na manutenção da homeostase, ao regular a quantidade de água, açúcar e
sais na corrente sanguínea, exerce também uma influência significativa na comunicação
intraespecífica, no comportamento social e na regulação da agressão (Roche e Leshner
1979; Goodson, 1998 ).

Pág. 326 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Os neurônios que sintetizam e os que apresentam receptores para a AVT se mostram


estrategicamente localizados ao longo do circuito neural de controle vocal (Marler e col.,
1999). A concentração de receptores é diferente entre os sexos, sendo maior nos machos
de anfíbios e é também sensível a hormônios esteróides. Sendo assim, alguns modelos
propõem que os esteróides gonadais trabalham junto com a AVT para ajustar a vocalização
no machos em diferentes escalas temporais; a testosterona seria responsável por mudanças
a longo prazo enquanto a AVT produziria mudanças em questão de minutos (Marler et al.,
1999).
Para um sinal ser considerado efetivo, se faz necessário que ele seja captado e estimule
o sistema nervoso de outros indivíduos, como outros machos que vocalizem no mesmo coro
ou fêmeas, produzindo uma resposta fisiológica e comportamental adequada à situação.
Seria de pouca utilidade o macho se empenhar em uma tarefa energeticamente custosa,
como a vocalização, para atrair a fêmea e esta, ao contrário, partisse em fuga por interpretar
esse sinal como sendo uma ameaça.
Para uma série de vertebrados, incluindo seres humanos, já se demonstrou que a
percepção acústica é influenciada por hormônios circulantes (Wright e Crow, 1973; Lynch e
Wilczynski, 2008). Esta modulação hormonal sobre os sinais acústicos provavelmente age
facilitando a comunicação durante os comportamentos reprodutivos, de forma a garantir que
o sinal emitido pelo macho seja interpretado pela fêmea de maneira adequada. Embora a
maioria dos estudos tenha direcionado suas perguntas para os indivíduos emissores de
som, uma pequena gama de estudos vem crescendo e se focando no indivíduo que recebe
e responde ao som.
Os sons recebidos na membrana do ouvido externo dos anfíbios são direcionados por
meio de células ciliares para dois órgãos, a papila anfíbia (papilla amphibiorum),
responsáveis pela detecção de som de baixa freqüência, e a papila basilar, que detecta
sons de alta freqüência (Narins e Capranica, 1976). Os estímulos irão seguir para o sistema
nervoso central, chegando então no mesencéfalo auditivo e em seguida para núcleos
específicos no prosencéfalo; sendo esta via semelhante em todos os vertebrados.
No contexto reprodutivo, a fonotaxia, ou seja, o comportamento de um corpo em direção
a uma fonte sonora, é o comportamento mais evidente da fêmea em relação ao canto do
macho. Após ouvir uma série de machos, a fêmea irá optar por um deles. Estudos
demonstraram que flutuações nos níveis de estradiol e progesterona na estação reprodutiva
modificam o comportamento das fêmeas, e que após a injeção de estradiol as fêmeas fora
do estado reprodutivo passaram a apresentar o comportamento fonotático em direção ao
canto dos machos (Chakraborty e Burmeister, 2009), estes resultados sugerem que as
flutuações de estradiol seriam primariamente responsáveis pela mudança no
comportamento reprodutivos das fêmeas observados ao longo do ciclo de reprodução. A

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 327


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

receptividade e eficiência fonotática também é reforçada por injeções de gonadotrofina


coriônica (hCG) e AVT (Boyd 1992, 1994).Estudos como estes indicam que, nas fêmeas, a
fonotaxia e a capacidade de discriminar cantos de anúncio estão positivamente
correlacionadas com as variações de níveis plasmáticos de hormônios gonadais.
O comportamento fonotático é uma resposta motora acionada pela recepção dos sinais
acústicos, assim, pelo fato de ocorrer modulação coincidente da fonotaxia e dos níveis
hormonais, é sugerido que os hormônios provavelmente atuem diretamente no
processamento auditivo dos sinais acústicos nas fêmeas de anuros. Antes da expressão
máxima de permissividade e receptividade, que ocorre durante o pico da estação
reprodutiva, fêmeas de algumas espécies de anuros apresentam elevados níveis de
testosterona circulante. Verificou-se que para algumas espécies de anuros, as fêmeas
apresentam elevação dos níveis de testosterona no período que antecede o pico reprodutivo
e que a testosterona em fêmeas de anuro aumenta os limiares auditivos na região do
mesencéfalo para as freqüências correspondentes ao canto de anúncio do macho,
diminuindo, assim, a sensibilidade auditiva da fêmea para o canto do seu coespecífico. Uma
provável explicação para isto seria que a testosterona elevada antes do pico da reprodução
atua como uma espécie de “trava de segurança”, para impedir que fêmeas respondam ao
canto dos machos sem que esteja sexualmente maduras. Após atingir a maturidade, os
níveis de testosterona decairiam e ela passaria a responder com mais facilidade ao canto
dos machos (Miranda, 2007).
Verificou-se que o canto de Physalaemus pustulosos é formado por duas partes, uma
denominada comumente de “whine”, que consiste num som contínuo de freqüência
decrescente de duração aproximada de 300 milisegundos, seguido muitas vezes do “chuck”,
um som mais explosivo e de duração mais curta com cerca de 40 milisegundo de duração
(Ryan, 1985).Em resposta ao canto dos coespecificos, os machos costuma adicionar a
porção “chuck” ao canto a uma quantidade variável; o número de “ckucks” incorporado ao
canto é uma resposta a competição entre machos, e as fêmeas demonstram preferência por
cantos mais complexos (Rand e Ryan, 1981), ou seja, com maior quantidade de “chucks”.
Além disso, as características temporais e espectrais dos “whine” são necessárias tanto
para o reconhecimento intraespecífico como também tem importância na seleção sexual
(Rand e col., 1992). Quando estão vocalizando sozinhos, os machos produzem o canto mais
simples, provavelmente devido ao fato de que vocalizações mais complexas sejam mais
atraentes para predadores acusticamente orientados, como morcegos (Tuttle e Ryan, 1981).
A vocalização formada pelo “whine+chuck” se localiza nitidamente dentro da freqüência que
é melhor captada pelos sistemas auditivos tanto por fêmeas quanto por machos da mesma
espécie (Capranica, 1997).

Pág. 328 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

A seleção sexual gerada pela preferência das fêmeas é um processo que envolve
comunicação. O macho é quem envia o sinal, e o sinal enviado é a vocalização de anúncio,
por exemplo; a fêmea é quem recebe, e o sinal, após passar por seus sistemas sensoriais e
endócrinos, estimula a produção de uma resposta. As fêmeas de anfíbios possuem
preferências específicas para os cantos de anúncio encontrados em uma população
(Gerhardt, 1994, Ryan e Rand 2003). A preferência delas para caracteres específicos do
canto dos machos, como a complexidade da vocalização, vocalização por minuto, duração,
entre outros, pode produzir uma seleção entre os machos candidatos a reprodução,
gerando, assim, uma variabilidade no sucesso reprodutivo dos machos e provocando uma
influência na evolução do sinal (Kirkpatrick e Ryan, 1991)
Estudos realizados com Physalaemus pustulosus, ou sapo de Túngara, demonstraram
que as fêmeas possuem uma elevada preferência para a parte mais variada do canto, que é
a variação temporal, como taxa de repetições por minuto, por exemplo, e pouca preferência
direcionada para a freqüência fundamental, que é a parte mais forte do canto, presente no
“whine”, pois a variação desta é mínima na população (Bosch e col., 2000). O “chuck” é
muito variável entre machos – na quantidade em que é emitida e nas características
fundamentais, além disso, indica o tamanho do individuo: quanto menor a freqüência do
“chuck”, maior o macho e quanto maior o macho, mais elevado seria o sucesso reprodutivo
da fêmea, por isso as fêmeas apresentariam uma sensibilidade maior para captar variações
entre os diferentes “chucks” da população (Ryan e col., 1990)
Machos injetados com AVT apresentaram maior predisposição a iniciar o
comportamento vocal, ao mesmo tempo em que inseriram mais “chucks” no canto. Porém,
ao contrário do que seria de se esperar, estes machos não se tornaram mais atraentes para
as fêmeas (Kime e col., 2010). Isto provavelmente ocorreu porque o AVT alterou não só a
taxa de emissão de “chucks”, mas também a estrutura básica do canto, como as freqüências
finais e fundamentais usadas pela fêmea na discriminação do canto (Figura 2) (Kime e col.,
2010). Este estudo demonstra que as fêmeas são muito mais sensíveis em identificar
pequenas variações individuais do canto de anúncio dentro uma população do que se
imaginava, no entanto, isso não quer dizer que numa população natural, as fêmeas vão
todas optar obrigatoriamente por um único fenótipo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 329


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 2- (A) oscilograma e (B) sonograma de um canto de macho sem injeção de AVT. (C) Oscilograma e
(D) sonograma de um canto de macho após a injeção de AVT (modificado de Kime e col., 2010)

2- Comunicação visual

Um dos vários objetivos da comunicação acústica é que a fonte emissora seja localizada
e identificada. Porém, na comunicação por sinais visuais, a percepção da fonte é direta e
obrigatória. Exceto para espécies que possuem receptores de luz mais primitivos, é difícil
um animal detectar um sinal visual sem imediatamente ter uma idéia da sua fonte. Uma das
grandes vantagens do estímulo visual ocorrer simultaneamente com o acústico, é que os
sinais acústicos permitem uma localização aproximada, enquanto a movimentação e a cor
que geralmente são fatores que se somam na comunicação visual, auxiliam numa
localização mais precisa da fonte.
O sinal deve ter conteúdo, ou seja, deve transmitir uma mensagem, e ser eficiente
em transmitir essa mensagem (Guillford e Dawkins, 1995). A comunicação visual é
composta por expressões visuais, corporais, movimentos específicos de regiões do corpo
podendo incluir coloração ou não. Ao se estudar o efeito dos sinais visuais em determinada
espécie, é preciso considerar as condições ambientais que o sinal está sendo emitido e o
efeito da luz sobre a capacidade do sinal em ser efetivamente captado. Em ambientes
altamente florestados, por exemplo, é de se esperar que a luz, que passa com dificuldade
por entre a copa das árvores, atue como um fator limitante para a boa visualização do sinal.
Faz-se então necessário que ocorra uma seleção do ambiente onde será emitido o sinal,
Pág. 330 Julho/2011
Fisiologia na Dinâmica Ambiental

caso contrário poderá haver uma interferência do meio externo sobre a mensagem final que
esta sendo emitida.
Assim como no na comunicação acústica, o macho reprodutivamente ativo também
pode sinalizar informações a respeito de sua qualidade em relação aos demais machos do
grupo. Esta informação pode ser atestada, dependendo da espécie, pela intensidade da
coloração das penas de aves e escamas de peixes, pela complexidade do display de corte,
pelo tempo que o animal passa sinalizando (Houde e Endler 1990; Hill, 1990).
Embora a sinalização acústica seja o principal meio de comunicação para o anfíbios
anuros, trabalhos recentes vêm mostrando a existência de displays visuais e sua
importância tanto para espécies de hábitos diurnos como noturnos (Hartmann e col., 2005).
Os parâmetros necessários para a propagação dos sinais visuais variam de espécie para
espécie (Hodl e Amézquita, 2001). No caso específico de ambientes ruidosos, como
proximidade de riachos e cachoeiras, a propagação e a recepção dos sinais acústicos são
prejudicadas, e a sinalização visual teria surgido múltiplas vezes ao longo do processo
evolutivo como um complemento ou uma alternativa á comunicação acústica (Amézquita e
Hodl, 2004; Hartman e col., 2005).
De acordo com Ries e col. (2008), os sinais visuais podem ser classificados em
estáticos e dinâmicos. Os sinais estáticos são aqueles que permanecem constantes por
longos períodos, como a coloração aposemática em Dendrobates pumilio (Figura 3), que
tem como função principal advetir aos predadores sobre a sua toxicidade; os sinais
dinâmicos são aqueles que se manifestam por curtos períodos, tendo sua visibilidade
aumentada por movimentos específicos do corpo, como acenos de patas anteriores e
posteriores (Figura 4). Fora dos momentos de interação social, o animal permanece críptico
a maior parte do tempo.

Figura 3 - sinal estático ,Dendrobates pumilio


(modificado de www.luislouro.com)
Figura 4 - Sinal dinâmico, Hyla parviceps
(modificado de Hold, 2004) Fotografado p

A conspicuidade dos sinais visuais é alcançada pelo aumento do contraste dentre as


características do sinal, tais como o brilho, a cor e movimento, contra o ambiente de fundo
onde o sinal está sendo emitido (Endler 1992; Bradbury e Vehrencamp ,1998)

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 331


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Dentro do contexto reprodutivo, a coloração e a movimentação de membros tem se


mostrado quesitos importante para a seleção das fêmeas (Summer e col., 1999; Amézquita
e Hodl, 2004), além disso, trabalhos recentes vem atestando para a importância do saco
vocal na seleção sexual. O saco vocal, como estrutura morfológica, não teria evoluído
dentro do contexto da comunicação visual, mas sim da comunicação acústica, não podendo
por isso ser considerado um sinal visual, mas sim uma estrutura capaz de dar dicas visuais.
No entanto, as diversas cores que adornam os sacos vocais das mais variadas espécies,
teriam, por sua vez, evoluído dentro das circunstâncias da comunicação visual, podendo
ser, portando, consideradas um sinal visual propriamente dito (Hauser, 1996)
Trabalhos com fêmeas de Physalaemus pustulosus demonstraram que a atração
pelo canto de anuncio é modulada pela presença visual do saco vocal inflado, atestando
uma sensibilidade visual nesta espécie de hábitos noturnos, mesmo considerando a mínima
incidência de luz no ambiente de corte. Ao serem apresentadas a vocalização do macho em
conjunto com a imagem de um macho sem a presença do saco vocal inflado, as fêmeas não
demonstraram nenhuma resposta em direção ao estímulo, o que demonstra que talvez as
fêmeas tenham dificuldade em se direcionar a fonte sonora sem o auxílio visual do saco
vocal expandido (Rosenthal e col., 2004). A conspicuidade do saco vocal, dada por seu
movimento repetitivo e seu contraste contra o fundo mais escuro do ambiente, deve fornecer
às fêmeas uma fonte prontamente detectável do macho, além do próprio canto (Rosenthal e
col., 2004)
Fêmeas de espécies de anuros de hábitos diurnos devem responder ainda com mais
facilidade ao saco vocal na seleção sexual, atentando, provavelmente, para a variação
espaço- temporal e características espectrais dos sacos vocais de cada macho. Além disso,
Cummings e col.(2008), verificaram que o estágio reprodutivo das fêmeas influencia a sua
resposta a um mesmo estímulo visual. Fêmeas de Physalaemus pustulosus em estágio
reprodutivo, com níveis plasmáticos de estrógeno e progesterona elevados, se mostraram
mais responsivas ao estímulo do saco vocal inflado dos machos, o que evidencia um efeito
fisiológico hormonal no sistema visual que acaba por contribuir para o surgimento de
comportamentos reprodutivos específicos.
Resultado similar foi encontrado para uma espécie de peixe da família
Gasterosteidae, onde fêmeas no estado reprodutivo apresentaram maior sensibilidade do
que os machos para os comprimento de onda no espectro do vermelho, enquanto que fora
da temporada reprodutiva não foi verificada a existência de um dimorfismo visual (Cronly-
Dillon e Sharma, 1968). Para anfíbios, no entanto, ainda faltam estudos mais aprofundados
dos mecanismos da influência hormonal sobre os sistemas visuais.

Conclusão

Pág. 332 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Os sistemas sensoriais, os sinais que eles recebem , o comportamento de


sinalização, e a seleção de microhabitat devem ter evoluídos em conjunto, pois cada um
induz a seleção natural e seleção sexual atuando sobre o outro (Endler, 1992). As
características físicas do meio ambiente e as propriedades biofísicas gerais dos sinais e dos
receptores podem ser usadas para fazer predições sobre os rumos da evolução sobre este
grupo de caracteres, ainda que no meio natural isto seja difícil, dado a dificuldade em se
compreender na totalidade com as variáveis ambientais interagem entre si e influenciam os
eventos da comunicação animal.
É claro que o comportamento como um todo é intimamente relacionado ao sucesso
da comunicação; não é suficiente dizer que a comunicação meramente depende dos sinais
a serem transmitidos com sucesso pelo meio ambiente e recebidos pelos receptores. É
necessário que haja um comportamento específico do emissor de forma que sejam
selecionados a estação certa do ano, e o micro habitat próprio para que o sinal,
independente de qual sua natureza, seja transmitido com maior eficiência e menos
degradação ou atenuação, e de maneira a minimizar também os riscos de predação.
Como as condições da transmissão do sinal, e a interferência do meio podem variar
para cada microhabitat, é de se esperar que exista uma divergência comportamental e nas
propriedades dos receptores entre populações de mesma espécie. Assim, as variações
intraespecíficas do sinal podem não somente manter, mas também provocar diferenças
significativas entre as populações, podendo inclusive resultar em processos de especiação
(Lande 1981, 1982; Kirkpatrick 1982).
Ao estudar a comunicação animal, é importante não perder de vista o contexto em
que ela acontece, a fim de ser tentar inferir com maior segurança a mensagem do sinal que
esta sendo enviado e recebido. É preciso sempre considerar que sinais envolvendo canais
sensorais diferenciados estão sujeitos às vantagens e desvantagens inerentes, e por isso
muitas vezes são produzidos ao mesmo tempo, como forma de se tentar assegurar a
resposta final do individuo que a recebe de forma satisfatória.

Agradecimento: Ao Prof. Dr. Fernando Ribeiro Gomes pela revisão do capítulo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 333


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

O cortisol indica estresse ou só estressa?

Carlos Eduardo Tolussi


Laboratório de Metabolismos e Reprodução de Organismos Aquáticos
ctolussi@gmail.com

A definição de estresse foi proposta primeiramente por Selye (1950), como uma
resposta inespecífica do corpo sobre algum agente estressor. Desde então, uma variedade
de definições foram apresentadas, demonstrando que o estresse é uma resposta fisiológica
a uma demanda, o estressor, e conceitos mais específicos sobre o tema, tendem a envolver
uma cascata endócrina como parte desta resposta inespecífica (Schreck, 2010).
Schreck (2000) argumenta que a visão do conceito de estresse deve ser mais ampla,
sendo, um conjunto de respostas que consistem em cascatas fisiológicas, que ocorrem
quando o organismo está tentando resistir à morte ou restabelecer a homeostase frente a
uma injúria. Mais recentemente Schreck (2010) menciona que a resposta ao estresse
consiste em uma cascata de eventos fisiológicos, que são iniciados pela percepção do
estressor e uma comunicação para o corpo, realizada via sistema nervoso central, agindo
tanto via neural quanto hormonal. Primeiramente, os hormônios presentes envolvidos são as
catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) e aqueles liberados pelo eixo hipotálamo-
hipófise- adrenal, que são respectivamente o hormônio liberador de corticotrofina (CRH),
que estimula o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e este por sua vez estimula a
produção de cortisol (Schreck, 2010).
As catecolaminas atuam diretamente no fígado, estimulando a glicogenólise, que eleva
a concentração de glicose plasmática para atender a demanda energética. O cortisol
apresenta diversas funções, sendo que em peixes, ele age primeiramente nas células
branquiais, intestinais e hepáticas, nas quais foram identificadas até o momento funções
adaptativas relacionadas à osmorregulação e a manutenção e balanceamento do
metabolismo energético (Wendelaar Bonga, 1997), devido ao catabolismo de carboidratos,
lipídios e proteínas em diferentes tecidos (Mazeaud e Mazeaud, 1981). Estas ações em
longo prazo podem causar alterações no crescimento, sucesso reprodutivo e diminuição de
resistência às doenças (Barton, 2002).

Pág. 334 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Figura 30- Esquematização da liberação de catecolaminas e cortisol no


processo de resposta fisiológica ao estresse

Ainda no metabolismo energético, o cortisol desempenha um importante papel na


mobilização de substratos energéticos tais como a glicose e os ácidos graxos livres para a
manutenção da homeostase. Isto acarreta em efeitos diretos e indiretos no metabolismo
intermediário, que participam da resposta ao estresse (van der Boon e col.,1991). Desta
forma, é comum relacionar os processos envolvidos ao estresse, de algum modo, com a
eficiência energética (Emlen e col., 1998).
Como pode ser observado acima o cortisol é um importante hormônio no processo de
resposta ao estresse, e por este motivo, o seu estudo foi muito utilizado como um indicador
de estresse nos animais. Outro ponto que facilita o estudo do cortisol é a sua estrutura
molecular, que é bem conservada em todas as espécies de vertebrados já estudados (van
der Boon e col., 1991).
O cortisol ainda hoje é utilizado como um importante indicador de estresse, contudo,
muitos estudos já observaram uma falta de relação da concentração de cortisol plasmático
com o estresse. Com isso, há inconsistências e confusões na literatura sobre a ação do
cortisol durante o estresse em peixes (Mommsen, 1999). Muitas destas confusões
provavelmente aumentam devido as diferenças entre as espécies (Vijayan e Moon, 1994),
métodos empregados para observar a concentração do cortisol (Gamperl e col., 1994),
procedimento de amostragens (Laidley e Leatherland, 1998; Iwama e col. ,1989), variações
diárias e sazonais (Bry, 1982), fotoperíodo (Audet e col., 1986), condições nutricionais
(Vijayan e col., 1993; Reddy e col., 1995) e maturidade sexual do peixe (Pickering e col.,

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 335


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

1987). Um dos pressupostos subjacentes nos diferentes estudos é que a concentração de


cortisol elevada no plasma durante o estresse é deletéria para os peixes, embora a relação
causa-efeito atribuída ao cortisol ainda tem que ser estabelecida (Barton e Iwama, 1991).
Evidências sugerem que o cortisol diretamente e/ou indiretamente desempenha um
importante papel no metabolismo intermediário (Vijayan e col.,1996), regulação iônica e
osmótica (McCormick, 1995) e na função imune (revisado pro Wendelaar Bonga, 1997).
Todos estes autores defendem que o cortisol tem um papel adaptativo durante o estresse
em peixes (Mommsen, e col., 1999).
Como observado acima, a maioria dos trabalhos tende a correlacionar as alterações
fisiológicas durante o estresse com o cortisol, baseado primeiramente na concentração
circulante desse esteróide. Entretanto, a sua concentração plasmática é determinada em
grande parte pela produção e liberação do hormônio no plasma, isto é, uma soma de
processos dinâmicos, que podem regular a resposta fisiológica do cortisol. Foster e Moon
(1983) e Vijayan e col. (1991) mostraram que as alterações induzidas pelo cortisol nos
tecidos, por exemplo, ocorrem mesmo sem a elevação na concentração do cortisol
plasmático (Mommsen e col., 1999).
Um exemplo que pode demonstrar que alterações metabólicas podem ocorrer, mesmo
que as alterações de cortisol não sejam elevadas, é observado por Tolussi e col. (2010), em
um experimento realizado com piabanha (Brycon insigins), submetidos a duas diferentes
densidades de estocagens (3 e 6 peixes/m2). Os animais expostos a menor densidade de
estocagem apresentaram um melhor desempenho zootécnico, contudo a concentração de
cortisol plasmática observada entre os dois grupos não apresentaram diferença estatística
significativa.
A tabela 1 mostra os parâmetros zootécnicos, concentração de cortisol plasmático,
comprimento e massa corpórea das piabanhas dos dois grupos experimentais obtidos por
Tolussi e col (2010). É importante destacar que os animais que compunham o grupo de
menor densidade apresentaram valores mais elevados de massa corpórea e comprimento
médio final, além de terem obtido valores de eficiência alimentar e sobrevivência mais
elevados estatisticamente. Estes dois parâmetros poderiam ser um indicativo de que a
concentração de cortisol plasmática no grupo de maior densidade fosse mais elevada e
assim, explicar os resultados zootécnicos encontrados. Porém isso não ocorreu, já que os
dois grupos experimentais não apresentaram diferença na concentração plasmática deste
hormônio.

Pág. 336 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Tabela 1 – Parâmetros zootécnicos da Brycon insignis submetidas em duas desidades


de estocagem (3 peixes/m2 e 6 peixes/m2) em um período experimental de 16 meses
Densidade de Estocagem
3 peixes/m2 6 peixes/ m2
Comprimento inicial (cm) 15.5 ± 0.04 15.6 ± 0.01
a
Comprimento final (cm) 23.2 ± 0.08 22.2 ± 0.01b
Peso corpóreo inicial (g) 35.2 ± 0.46 35.7 ± 0.10
a
Peso corpóreo final (g) 118.4 ± 1.64 100.3 ± 0.64b
TCS (%) 0.3 ± 0.01a 0.2 ± 0.02b
GP (g) 235.8 ± 1.85 a 181.4 ± 0.57b
EA 53.7 ± 0.57 a 34.1 ± 0.20b
S (%) 100.0 a 88.0 ± 0.21b
Cortisol (ng/ml) 83.4 ± 2.57 96.0 ± 8.47
ab
Letras diferentes indicam diferença estatística significativa entre as densidades de
estocagem (P 0.05). Os dados são apresentados em média ±erro padrão. TCS (Taxa de
Crescimentos Específico); GP (Ganho de Peso); EA (Eficiência Alimentar); S
(Sobrevivência). Modificado de (Tolussi e col. 2010).

Em outro estudo realizado por Tolussi (2010), agora com Steindachneridion parahybae
um teleósteo da ordem dos Siluriformes, foi avaliado o papel de variações médias de 20C de
temperatura da água no desempenho e parâmetros metabólicos dos animais. Para a análise
do cortisol o autor levou em consideração um dos fatores mencionados acima que podem
mascarar os resultados da concentração de cortisol plasmático e assim gerar dúvidas sobre
a importância deste hormônio como um indicador de estresse, o procedimento de
amostragens. Como o cortisol é um hormônio que demora alguns minutos para ser liberado,
é necessário que as coletas de sangue sejam realizadas o mais rápido possível (de 1 a 3
minutos). Este trabalho mostra que os surubins do Paraíba que eram retirados dos tanques
experimentais, mas que tinham o seu sangue coletado após 3 minutos (independente do
grupo experimental que ele consistia), apresentavam concentrações de cortisol plasmático
maiores que os animais que retirados dos tanques experimentais e imediatamente
anestesiados (menos de 3 minutos) e amostrados (Fig. 2).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 337


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 2 - Concentração de cortisol plasmático plasmáticos em Surubins


do Paraíba, com o sangue retirado com menos e com mais de 3 minutos
após a coleta dos animais nos tanques. Estufa, referencem-se ao animais
que que tiveram seus tanques cobertos com uma estufa e Sem Estufa os
animas sem esta cobertura.

Como o cortisol apresenta uma ação na glicogenólise (quebra de glicogênio em


glicose), como foi mencionado acima e esquematizado na fig. 3, diversos trabalhos, assim
como o realizado por Tolussi (2010), utilizam-se também da concentração de glicose
plasmática como um indicador de estresse.

Figura 3 – Visão resumida das dinâmicas do cortisol e das catecolaminas na produção de glicose.
(+) significa modulação positiva e (-) significa modulação negativa (Modificado de Martinez-Porchas e
col., 2009).

Pág. 338 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Figura 4- Concentração de cortisol plasmático (µg/dL) nos animais do


grupo Estufa (barra vermelha) e Sem Estufa (barra azul) ao longo do
experimento – Setembro de 2009 (coleta inicial – barra preta) a março de
ab
2010 (coleta final). Letras diferentes representam diferença estatística
dentro do mesmo grupo experimental; * Indica diferenças entre os
grupos experimentais em uma determinada coleta (P<0,05) (Média ±
EPM) (Modificado de Tolussi,2010).

Glicose Plasmática
a
40 a
b
(m g/m L)

30 b
b b b b
20
10
0
Início Sem Estufa Sem Estufa Sem Estufa
Estufa Estufa Estufa

set/09 nov/09 jan/10 mar/10

 
Figura 5- Concentração de glicose plasmática (mg/mL) nos animais do
grupo Estufa (barra vermelha) e Sem Estufa (barra azul) ao longo do
experimento – Setembro de 2009 (coleta inicial) a março de 2010 (coleta
a,b
final). (média ± EPM). Letras diferentes representam diferença
estatística (P < 0,05) dentro do mesmo grupo experimental ao longo do
tempo (Modificado de Tolussi,2010).

Observa-se nas fig. 4 e 5 , que a concentração de cortisol e de glicose não seguem o


mesmo padrão, sendo que a concentração de cortisol na coleta de janeiro foi maior para os
animais do grupo estufa em relação a todas as coletas realizadas em ambos os grupos

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 339


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

experimentais e também para o grupo coberto com a estufa no mesmo período. Entretanto,
as maiores concentrações de glicose foram encontradas em março, nos dois grupos
experimentais. Ao observar os resultados de massa corpórea (tab. 2), os animais do grupo
sem a cobertura da estufa obtiveram valores estatisticamente maiores.
Os resultados apresentados na tab.2, supostamente estão contra aos observado na
fig. 3 e da fig.4, já que em nenhum dos animais de ambos os grupos experimentais
apresentaram queda nos valores de massa corpóreos, assim como nenhum indício que
explicasse os dados encontrados para o cortisol e glicose, sugerindo que a concentração
de cortisol e de glicose plasmáticos podem ser alterados também devido a possíveis
interações sociais que ocorrem com os animais nos próprios tanques experimentais
momentos antes da coleta e que possivelmente podem ter refletido nos resultados
encontrados por Tolussi (2010).

Tabela 2 - Massa corpórea (g) e Comprimento total (cm) do Surubim do Paraíba (Steindachneridion
parahybae) ao longo do experimento (Média ± EPM).
Massa Out/09 Nov/09 Dez/09 Jan/10
b c
Sem Estufa 38,9±0,28 35,7±0,48 44,3±0,76ª 44,7±0,90a
Estufa 38,9±0,28c 37,6±0,68c * 51,9±0,93b * 59,1±1,20a *
a,b
As letras representam diferença estatística maior entre as coletas no próprio grupo experimental.
*Representa as diferenças estatísticas significativas entre os grupos experimentais dentro das
respectivas coletas. (P<0,05) (Modificado de Tolussi,2010).

Além das condições experimentais, outros fatores podem alterar a concentração de


cortisol, como por exemplo, quando um o organismo é submetido a uma sobrecarga
alostática do tipo 1. Um dos princípios da sobrecarga alostática tipo 1 é a secreção de
glicocorticóides (o cortisol é um glicocorticóide) e outros mediadores periféricos para que a
alostase mantenha a homeostase (ler mais sobre os conceitos que envolvem alostase no
capítulo 1).
Quando os níveis dos glicocorticóides no sangue aumentam, ocorrem alterações
fisiológicas e comportamentais que asseguram que haja uma quantidade de energia
disponível suficiente para que o organismo possa enfrentar um agente estressor, ou outros
eventos do ciclo de vida que exigem a elevação de glicocorticóides, como a migração,
reprodução, etc. Se a carga alostática da força perturbadora for maior que a energia
disponível no ambiente, ocorre a sobrecarga alostática tipo 1, fazendo com que haja um
balanço energético negativo e os níveis de glicocorticóides irão continuar a se elevar ainda
mais (McEwen e Wingfield, 2003). Quando estes níveis passam por um determinada
concentração (provavelmente este linear relaciona-se com a população e entre os

Pág. 340 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

indivíduos), é disparado um estágio de vida de emergência (Fig. 6), que tem a função de
redirecionar os indivíduos a um modo de sobrevivência, ou seja, é reduzida a carga
alostática para um balanço positivo (sai da sobrecarga alostática tipo 1), e com isso, a
secreção de glicocorticóides declina como consequência, permitindo agora que o
organismo viva com a perturbação e com um balaço energético positivo.

Figura 6 – Resumo de sobrecarga alostática tipo 1 e secreção de


glicocorticóides. Aqui o Eo (demanda de energia devido à perturbação)
aumenta dramaticamente e eventualmente Eo+Ee+Ei excedem Eg (Ee –
energia para manutenção da homeostase; - Ei – energia requerida para
mudanças previsíveis; Eg energia provinda do ambiente). Elevação
significativa da secreção dos glicocorticóides quando há uma grande
perturbação. O resultado disso é suprimir a expressão para outro estágio
de vida, resultando em uma redução líquida da carga alostática para
valores menores que o Eg. O animal pode agora sobreviver à perturbação
em um balanço energético positivo e baixa secreção de glicocorticóides,
evitando patologias crônicas associados a níveis energéticos elevados
(Modificade de McEwen e Wingfield, 2003).

Outro fator que pode ter influência nas concentrações de cortisol foi constatado em
aves que apresentaram uma evidente resposta da adrenocortical devido aos chamados
fatores de perturbações instáveis, que são modulados tanto por sazonalidade quanto
individualmente. Essas mudanças podem ocorrem por bases ecológicas como, estado
reprodutivo (o cortisol é um hormônio para adaptação a água salgada em peixes
catádromos, com isso no período reprodutivo há uma elevação do cortisol nestas espécies),
status social, condição corporal e etc (McEwen e Wingfield, 2003). Isto é possível devido

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 341


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

aos mecanismos de controle da cascata hormonal do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal


(HPA), que podem mediar mudanças em respostas a condições sociais e ambientais
específicas (McEwen e Wingfield, 2003).
Alguns modelos simples baseados em disponibilidade de alimento em um habitat,
condição corpórea, status social e estágio de vida fornecem um quadro comum a testes
experimentalmente sensíveis do eixo HPA sobre diferentes condições de perturbações
(Wingfield e Ramenofsky, 1999). O acúmulo de dados claramente indica que há uma forte
seleção de mecanismos que permite que os indivíduos respondam a perturbações de uma
maneira adaptativa, evitando os efeitos deletérios do estresse, ou seja, a elevação dos
hormônios do eixo HPA, de forma sazonal pode “preparar” o animal frente ao perturbador.
Os dados também trazem a questão, sobre como nós devemos nos referir aos
glicocorticóides, como um hormônio estressor ou antiestressor? O que nos remete a
discussão dos efeitos de prevenção e os prejudiciais mediados pelos hormônios de estresse
(McEwen e Wingfield, 2003).
Os exemplos aqui demonstrados corroboram com o que foi discutido por Martínez-
Porchas e col., (2009) que revisaram a viabilidade em utilizar as análises de glicose e
cortisol como indicadores de estresse. Os autores concluem que o cortisol e a glicose não
podem ser eliminados da lista de indicadores de estresse, mas por sua alta variabilidade,
eles devem ser complementados com outras mediadas tais como outros hormônios,
proteínas de choque térmico (hsp), contagem das células sanguíneas (principalmente em
experimentos com estresse crônico), métodos não invasivos e/ou outros métodos que
permitam compreender um perfil mais completo sobre o status de estresse do organismo.
Os autores complementam que ao utilizar o cortisol e a glicose como indicador de
estresse o pesquisador precisa ser cuidadoso para identificar possíveis situações ou fatores
que podem influenciar as respostas ao estresse, para que se tenha certeza de que eles não
fazem parte do processo ou método experimental. Finalmente, os autores mencionam que
a credibilidade dos resultados de um experimento é significativamente elevada se um
número adequado e suficiente de testes for realizado (Martínez-Porchas e col., 2009).
A importância do cortisol nos estudos científicos é muito grande, tanto nas décadas
passadas, quanto nos trabalhos de hoje e os que serão realizados. Contudo, o mais
importante é ter a cautela nas análises dos seus resultados, assim como levar em
consideração o estágio de vida que o animal apresenta-se, os ritmos sazonais e também
diários, a aclimatação, a preparação e manutenção de uma ambiente de cativeiro
adequado, assim como o procedimento de coleta e manejo que serão utilizados durante o
experimento. Ou seja, muitos fatores devem ser observados e levados em consideração
para que o cortisol, juntamente com outros dados, nos auxilie para indicar se um animal
está ou não estressado.

Pág. 342 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

Sendo assim, nós poderíamos definir o cortisol como um dos indicadores de estresse,
porém apenas ele não é suficiente para que sejam feitas afirmações definitivas do estado
dos animais, porém este hormônio pode ser adequadamente utilizado, sendo um bom
indicadores de estresse. No entanto, caso sua interpretação não seja adequada, ele
realmente irá nos estressar.

Agradecimento: A Profa. Dra. Renata Guimarães Moreira pela revisão do capítulo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 343


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Você é o que você come: importância dos ácidos graxos na


cadeia trófica

Aline Dal’Olio Gomes


Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
eniladal@gmail.com

Para entender como o equilíbrio de um ecossistema se mantém, ou é alterado, uma


análise das relações alimentares é muito importante. Pensando no ambiente aquático,
muitos estudos têm focado nas relações tróficas de fitoplâncton, zooplâncton, bivalves e
peixes através de análises de conteúdo estomacal ou, mais recentemente, da composição
dos ácidos graxos presentes nesses organismos. Estes compostos apresentam diferentes
funções e estruturas que podem variar entre as espécies e em resposta às condições
ambientais. Assim, as alterações no ecossistema em grande escala, como mudança
climática e processos de eutrofização, estão frequentemente associadas às alterações na
estrutura de comunidades biológicas, o que pode afetar os padrões de fluxo de energia e
nutrientes, incluindo ácidos graxos, ao longo das cadeias alimentares.

1- O que é um ácido graxo? Estrutura e função


A maioria dos lipídios é composta por ácidos graxos (AG), que são ácidos
carboxílicos com cadeias hidrocarbonadas de 4 a 36 átomos de carbono (C) contendo ou
não duplas ligações que, em geral, são introduzidas nas cadeias com 16 ou 18 carbonos.
Os ácidos graxos que não possuem nenhuma insaturação em sua cadeia são chamados de
ácidos graxos saturados (SFA - Fig. 1A), os AGs que apresentam uma insaturação são os
monoinsaturados (MUFA – Fig. 1B), duas ou mais insaturações são denominados de
polinsaturados (PUFA – Fig. 1C) (Brett e Muller-Navarra, 1997; Nelson e Cox, 2005;),
podendo ser chamados também de HUFAs (ácidos graxos altamente insaturados) caso
tenham 4 ou mais insaturações (Fig. 1D). Os ácidos graxos com cadeia de 16 a 22C são
comumente encontrados na natureza, principalmente em espécies marinhas e as cadeias
mais curtas de ácidos graxos com 4C são encontradas, por exemplo, nos lipídios presentes
no leite (Kakela e col., 1995). As propriedades físicas dos ácidos graxos e dos compostos
que os contêm são principalmente determinadas pelo comprimento e insaturação da cadeia
(Nelson e Cox, 2005).
Embora a maioria dos ácidos graxos presentes nos organismos seja obtida
diretamente da dieta, alguns saturados e monoinsaturados podem também ser sintetizados
de precursores não-lipídicos. Contudo, independente de serem provenientes da dieta ou

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

formados endogenamente, os ácidos graxos podem ser submetidos a vários processos


metabólicos dentro dos organismos, dependendo da sua função, por exemplo, podem ser
esterificados em fosfolipídios, ser incorporados em triacilgliceróis; ou ainda outros processos
que envolvam elongação e dessaturação da cadeia, permitindo a conversão dos ácidos
graxos polinsaturados a eicosanóides (Henderson, 1996).

A B

Ácido araquídico - C20:0

Ácido esteárico – C18:0

Ácido erúcico Ácido


Ácido palmítico – C16:0 oléico
C20:1n9 C18:1n9

C D

Ácido linoleico Ácido α-linolênico Ácido


araquidônico
C18:2n6 C18:3n3 C20:4n6

Figura 1- Estrutura dos ácidos graxos saturados (A), monoinsaturados (B), polinsaturados (C) e
altamente insaturados (D) (modificado de http:
www.webmotors.com.br/wmpublicador/Teses_Conteudovxpub?hnid=36437 – 20/05/2011).0/05/2011).

Deste modo, a função dos ácidos graxos na fisiologia dos animais é muito variada.
Os SFAs com o seu alto conteúdo calórico são primariamente utilizados como fonte de
energia, enquanto os PUFAs participam da regulação da fluidez de membranas biológicas,
além de serem precursores de eicosanóides (Brett e Muller-Navarra, 1997). É bem
conhecido que o aumento na proporção de PUFAs nas membranas celulares permite o
aumento da fluidez, uma característica vantajosa para organismos que vivem em baixas

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 345


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

temperaturas. Este processo é muito bem estabelecido para zooplâncton e peixes marinhos
e dulcícolas, bem como para outros ectotérmicos. Entre os HUFAs, particularmente os AGs
ômega (n) 6 e 3, como o ácido araquidônico (AA – C20:4n6) e ácido eicosapentanóico (EPA
– C20:5n3) e ácido docosahexanóico (DHA – C22:6n3), respectivamente, atuam como
precursores de eicosanóides em invertebrados e vertebrados, os quais incluem
prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos. Estes componentes podem influenciar no
crescimento; na regulação da produção de ovos, oviposição, desova e eclosão; no controle
do fluxo de íons e água e no ajuste de set point da temperatura, além de mediarem
respostas imunológicas a infecções e terem um papel importante na neurofisiologia (Bell e
col., 1995; Stanley-Samuelson, 1994).
Assim, os lipídios mais simples construídos a partir de ácidos graxos são os
triacilgliceróis (TG), compostos por 3 ácidos graxos unidos por uma ligação éster ao mesmo
glicerol. Nos vertebrados, os adipócitos armazenam grande quantidade de triacilgliceróis
como gotículas de gordura, servindo como depósito de combustível metabólico. Uma das
vantagens em utilizar os TG como fonte de energia é que a sua oxidação fornece mais do
que o dobro de energia que os açúcares; e, além disso, como são hidrofóbicos não
necessitam de água para o seu armazenamento (Nelson e Cox, 2005). Outra importante
classe de lipídios é a dos fosfolipídios (FL), nos quais dois ácidos graxos estão unidos em
ligação éster ao carbono 1 (C1) e 2 do glicerol e um grupo altamente polar está ligado por
meio de uma ligação fosfodiéster ao carbono 3. De modo geral, os FLs contêm um ácido
graxo saturado no C1 e um ácido graxo insaturado no C2. Esses compostos são os
principais componentes de membranas biológicas e lipoproteínas. Os esfingolipídios
também participam da composição de membranas biológicas e possuem uma importante
função no sistema nervoso (Schreiner, 2003). De modo geral, estes AGs com diferentes
funções e estruturas podem variar entre espécies e em resposta às condições ambientais,
mas em algas, a síntese de TG relaciona-se diretamente às condições do ambiente,
enquanto os fosfolipídios têm uma composição de AGs relativamente constante. Então,
pode ser antecipado que os AGs derivados dos TG podem ser mais indicativos do estado
fisiológico do organismo, enquanto àqueles derivados dos FLs podem ser relacionados à
taxonomia do organismo (Parrish e col., 1995).

2- Biossíntese dos PUFAs


Com relação à biossíntese dos ácidos graxos polinsaturados, duas principais
enzimas estão envolvidas no processo, as dessaturases, que inserem uma dupla ligação
entre os carbonos; e as elongases, responsáveis por elongar a cadeia de hidrocarbonetos
através da adição de dois átomos de carbono (Henderson, 1996). Os organismos
eucarióticos possuem uma enzima dessaturase que insere uma dupla ligação entre o C9 e

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

C10 de um ácido graxo saturado. A ação desta Δ9 dessaturase em C16:0 e C18:0 produz
C16:1 e C18:1, respectivamente (Fig. 2). Em seguida, a Δ12 e Δ15 dessaturase inserem
uma dupla ligação no C18:1 formando o C18:2n6 (ácido linoléico, LA) e C18:3n3 (ácido α-
linolênico, ALA) (Fig. 2). Esses PUFAs com 18C podem ser elongados e dessaturados pelas
enzimas Δ5 e Δ6 dessaturases, que introduzem uma série consecutiva de elongações e
dessaturações na cadeia para gerar os HUFAs ômega 6 e 3, como AA, e EPA e DHA,
respectivamente (Fig. 2) (Henderson, 1996).

Contudo, os animais em geral não possuem a Δ12 e Δ15 dessaturase, necessárias


para síntese do LA e ALA. Consequentemente, apenas os vegetais conseguem realizar
esse processo e os animais então, são incapazes de sintetizar HUFAs de precursores não-
lipídicos (síntese de novo), assim os ácidos linoléico e α-linolênico são ácidos graxos
essenciais (AGE) e devem ser obtidos diretamente da dieta (Fig. 3) (Henderson, 1996;
Hasting e col., 2001).

AA
n6

EPA
n3

DHA

Figura 2- Padrão de biossíntese de PUFAs n3 e n6 nos organismos eucarióticos. Os círculos indicam


os HUFAs mais importantes fisiologicamente (Modificado de Bell e Tocher, 2009).

3- Ácidos graxos na cadeia trófica


O processo básico na dinâmica da cadeia alimentar é a transferência de energia de um
nível trófico a outro (Lindeman, 1942 apud Brett e Muller-Navarra, 1997). Isso pode ser
entendido como a assimilação da energia solar por produtores primários e o fluxo dessa

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 347


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

energia das plantas para os herbívoros e por último aos predadores do topo da cadeia. Nas
cadeias alimentares aquáticas, a produção do fitoplâncton é limitada pela disponibilidade de
nutrientes, principalmente fósforo e nitrogênio, além da luz, enquanto a produção dos
predadores é limitada pela disponibilidade de presas e a habilidade do predador capturar e
processar esta presa (Ivlev, 1961 apud Brett e Muller-Navarra, 1997).
Como visto, os PUFAs C18 originam-se de produtores primários e podem ser
modificados quando passam ao longo da cadeia alimentar (Fig. 3). Os AGs C18:2n6 e
C18:3n3, por exemplo, são encontrados em elevadas quantidades na maioria das plantas
terrestres, sendo usados como biomarcadores. Nas amostras aquáticas encontradas com
mais de 2,5% destes AGs pode-se considerar que há material terrestre como uma fonte
significante de matéria orgânica (Parrish e col., 2000). O grau de síntese de HUFAs a partir
de PUFAs C18 é dependente das atividades das elongases e/ou dessaturases, como já
visto, e por sua vez, isto pode ser dependente dos HUFAs disponíveis na dieta (Fig. 3). De
modo geral, os ácidos graxos de origem aquática são caracterizados pela predominância do
ácido palmítico (C16:0), bem como pela presença de HUFAs (AA, EPA e DHA) (Parrish,
1998). Contudo, os SFA possuem pequeno valor taxonômico como biomarcadores, pois são
sintetizados por todos os organismos (Parrish, 1995).

C18:2n ... C20:4n Animais

Dieta

C18:2n
C18: Plantas terrestres

C18:3n

Dieta

C18:3n ... C20:5n ... C22:6n Animais

Dieta Dieta Dieta

C18: C18:3n ... C20:5n ... C22:6n Algas

Figura 3- Esquema da biossíntese e transferência de PUFAs em diferentes organismos: setas pretas


– biossíntese; setas abertas – ingestão de alimentos. (Modificado de Gladyshev e col., 2009).

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

3.1- Produção primária dos ácidos graxos


As algas são a base da pirâmide trófica dos ecossistemas aquáticos, provida de
energia e nutrientes essenciais aos consumidores primários, sendo essencialmente os
únicos organismos aquáticos que possuem as enzimas necessárias à produção de PUFAs
C18 (Fig.3). Os PUFAs produzidos pelas algas são importantes biomarcadores, pois incluem
os AGs que são assimilados pelos animais em sua dieta ao longo de toda a cadeia trófica.
Os PUFAs C16, por exemplo, são abundantes em algas verdes e diatomáceas, enquanto os
AGs C18:2n6 e C18:3n3 são importantes na maioria das algas verdes e cianobactérias,
principalmente de água doce, e ao contrário disso, os HUFAs são tipicamente ausentes
nesses organismos dulcícolas (Volkman e col., 1998; Napolitano, 1999). Algumas
microalgas marinhas contêm altas concentrações de HUFAs n3 (Volkman e col., 1998),
como os dinoflagelados que são grandes produtores de DHA e servem como principal fonte
de HUFAs para os peixes e outros organismos marinhos (Singh e Ward, 1997). De modo
geral, a síntese de altas quantias de HUFAs n3 só ocorre em algas, em particular em
espécies fitoplanctônicas marinhas, enquanto as algas dulcícolas são principalmente
produtoras de PUFAs C18, especialmente n6 (Olsen, 1999).

3.2- Zooplâncton
O zooplâncton participa de uma importante ligação entre os níveis tróficos mais
baixos e mais altos da cadeia alimentar. Esses animais apresentam grande habilidade em
produzir ácidos graxos monoinsaturados de cadeia longa, como C20:1 e C22:1, que quando
encontrados em organismos superiores, são normalmente originários dos copépodas
(Parrish e col., 2000). Contudo, alguns componentes do zooplâncton são incapazes de
sintetizar HUFAs e a taxa de crescimento e sucesso reprodutivo desses animais tem sido
diretamente relacionado a disponibilidade destes AGs no fitoplâncton. Bell e col. (2007)
testaram a habilidade de síntese de HUFAS a partir de C18:3n3 em 4 espécies de
copépodas marinhos e observaram que após 96 horas de incubação com ALA essas
espécies foram incapazes de sintetizar HUFAs em taxas ecologicamente significativas sob
as condições do experimento. Contudo, trabalhos feitos com copépodas de água doce
demonstraram acúmulo de DHA (Desvilettes e col., 1997) e EPA (Schlectriem e col., 2006)
quando alimentados com alga verde, que não possui estes AGs.
A maior quantidade de DHA nos copépodas pode ser devido ao maior
desenvolvimento do sistema nervoso desses animais comparado aos outros animais do
zooplâncton (Scott e col., 2002). Os copépodas tem um sistema nervoso altamente
desenvolvido para estratégias de ataque às presas e fuga de predadores, os quais permite

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 349


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

responder a estímulos dentro de milissegundos (Lenz e col., 2000). Ao contrário disso,


outros componentes do zooplâncton, como os cladóceros e artêmia, possuem grande
quantidade de EPA e ARA, que pode estar relacionada ao maior potencial desses animais
para a reprodução (Persson e Vrede, 2006; Smyntek e col., 2008), e acumulam pouco DHA
da dieta (Vismara e col., 2003).
Falk-Petersen e col. (2000) utilizaram os AGs para deduzir o grau dos níveis tróficos
de vários eufasídeos (Krill) polares. Estes autores concluíram que a alta concentração de
C16:1, C18:1 e EPA indicam herbivoria, pois mais especificamente os AGs C16:1 e EPA são
indicadores do consumo de diatomáceas, enquanto a presença de alto conteúdo C20:1 e
C22:1 foi sugerido ser indicador de carnivoria, mais especificamente de copépodas. Estas
inferências dependem do pressuposto de que esses eufasídeos metabolizam e
bioconvertem os AG de maneiras similares. Em geral, a maioria dos componentes do
zooplâncton acumula pouco SFA e muito MUFA e PUFA, especialmente HUFA n6 e n3
(Brett e col., 2009).

3.3- Níveis tróficos superiores


Estudos comparativos da composição de AGs têm claramente demonstrado que as
concentrações de C18:2n6 e AA são maiores nos organismos de água doce do que nos
marinhos. Insetos e oligoquetas, por exemplo, além das algas, podem ser uma importante
fonte desses AGs para os peixes dulcícolas, mas são pobres em DHA (Napolitano, 1999).
De modo geral, os peixes de água doce têm a atividade da Δ5 e Δ6 dessaturases funcionais
e podem converter os AGE a todos os HUFAs n6 e n3 (Fig. 1), como AA, e EPA e DHA,
respectivamente (Henderson, 1996). Ao contrário disso, os peixes marinhos têm grande
quantidade de EPA e DHA em sua dieta natural, contudo a atividade da Δ5 dessaturase é
limitada, interferindo na biossíntese de HUFAs n3 (Mourente e Tocher, 1994). Desta forma,
embora peixes dulcícolas tenham evoluído originalmente dos oceanos, a capacidade de
conversão de PUFAs C18 a HUFAs C20-22 foi mantida, enquanto para os marinhos essa
característica não é vantajosa, pois conseguem obter os AGs diretamente da dieta (Bell e
Tocher, 2009). As diferenças observadas no perfil de todos os AGs entre os predadores do
mesmo nível filogenético é um modo qualitativo de olhar as interações tróficas,
especialmente nos níveis tróficos superiores (Iveson, 2009). Por exemplo, quando
bacalhaus do Atlântico foram alimentados com dietas consistindo de uma simples presa,
com baixo conteúdo lipídico (lulas) ou com concentração alta de lipídios (cavala), o perfil de
AGs destes peixes claramente refletiu o perfil da sua dieta (Kirsh e col., 1998). Similarmente,
estudos feitos com mamíferos aquáticos marinhos têm documentado a influência do perfil de
AG da dieta na composição desses animais (Iverson e col., 2004; Budge e col., 2006). A
foca do Havaí, Monachus schauinslandi, é umas das 2 espécies de Pinípedes que habitam

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

os ecossistemas tropicais. Nestes ambientes, os organismos apresentam um perfil de AGs


muito diferente daqueles ecossistemas temperados e polares das regiões norte. As presas
dos ecossistemas tropicais no Nordeste das ilhas do Havaí geralmente contêm baixas
concentrações de MUFAs de cadeia longa e relativamente altas concentrações de HUFAs
n6. Comparações entre o perfil de AG do tecido adiposo de focas alimentadas no nordeste
da ilhas do Havaí com as focas alimentadas com arenque do Atlântico Norte ilustram a
influência dramática que as dietas de AGs têm sobre os estoques de lipídios (Iverson e col.,
2003).
Contudo, não são todos os AGs que provêm informações relacionadas à dieta, por
exemplo, os ácidos graxos com menos de 14C encontrados nos consumidores são
originados de biossíntese de novo e dificilmente terão relação com a dieta. Além disso, com
o aumento do nível trófico, a habilidade para utilizar um único AG para traçar a transferência
do alimento ao longo da cadeia alimentar é reduzida (Iverson, 2009). Assim, a combinação
de AGs pode servir como biomarcadores de ecossistemas nos níveis tróficos superiores.

3.4- Outros biomarcadores


Outros tipos de biomarcadores incluem as cadeias ímpares ramificadas de 14-18C
(C13:0, C15:0, C17:0 e C21:0), que são produzidos por bactérias, podendo indicar uma
alimentação detritívora (Dalsgaard e col., 2003). Contudo, nos níveis tróficos superiores
estes AGs podem refletir a presença de bactérias da própria flora intestinal do consumidor
(Iverson e col., 2004). MUFAs, como C18:1, também podem ocorrer em bactérias, mas a
sua contribuição é tipicamente menor nas bactérias Gram-positivas, sendo assim, esses
AGs podem ser usados como biomarcadores de bactérias Gram-negativas (Zelles, 1999).

4- Transferência de HUFAs do ecossistema aquático para o terrestre


Os animais terrestres não apresentam uma dependência universal dos HUFAs n3,
contudo devido a grande importância desses AGs nos processos fisiológicos, esses são
requeridos ao mínimo em alguns tecidos e/ou alguns estágios de desenvolvimento e
reprodução e/ou durante as diferentes estações (Gladyshev e col., 2009). Como já visto, nos
ecosistemas aquáticos, os HUFAs produzidos por microalgas são transferidos aos
consumidores primários como zooplâncton e zoobentos. Naturalmente, esses organismos
incluem muitos níveis tróficos, isto é, animais carnívoros consomem HUFAs de suas presas
e então, os HUFAs são bioacumulados dentro das cadeias alimentares aquáticas (Kainz e
col., 2004), bem como reciclados dentro das comunidades planctônicas e bentônicas.
Contudo, embora esta cadeia alimentar funcional seja crucial para os ecossistemas
aquáticos, estão diretamente relacionadas à dinâmica de exportação dos HUFAs às cadeias

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 351


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

terrestres. Por exemplo, animais aquáticos integrantes do zooplâncton, crustáceos e peixes,


podem ser consumidos por aves aquáticas (Hebert e col., 2008) e animais ripários
(Koussoroplis e col., 2008), além de serem exportados também através de insetos e anfíbios
emergentes (Fig. 4) (Hilderbrand e col., 1999), e assim os HUFAs são exportados ao
ecossistema terrestre.

Insetos
Aves aquáticos Animais
carnívoros e

Peixes

Emergente
Anfíbios

Zooplâncton

Água doce Zoobento


Peixe
Detritos
Água salgada

Figura 4- Diagrama esquemático do fluxo direcional de HUFAs dos ecossistemas aquáticos


para terrestre (Modificado de Gladyshev e col., 2009).

A função dos corpos d’água como uma fonte hídrica é bem estabelecida, e deve ser
argumentada também pelo reconhecimento explícito da sua função na suplementação dos
ecossistemas terrestres com lipídios essenciais. Também é importante notar que os
ecossistemas aquáticos diferem em sua habilidade de produzir HUFAs (Gladyshev e col.,
2009), pois corpos d’águas dominados por cianobactérias, por exemplo, tem menos
produção de HUFAs que aqueles dominados por diatomáceas (Muller-Navarra e col., 2004).
Então, processos em larga-escala, como eutrofização e aquecimento global, podem atuar
independentemente e afetar uma diminuição global na produção de HUFAs em
ecossistemas aquáticos com possíveis implicações negativas nos ecossistemas terrestres
ao redor (Gladyshev e col., 2009).

Pág. 352 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

5- Efeito das mudanças ambientais globais sobre as águas


O planeta Terra foi chamado de “Planeta Azul” ou “Planeta água” quando visto do
espaço pelo primeiro astronauta na década de 1960. Essa beleza singular se deve, sem
dúvida alguma, às grandes massas de água que compõem sua hidrosfera e, em particular, à
água salgada líquida dos oceanos que cobre cerca de 2/3 da Terra. Apesar dessa grande
abundância de água, somente 2,6% do volume total consiste em água doce. Desse
percentual, 99,7% encontra-se indisponível, por estar congelado formando as calotas
polares (76,4%) ou fazer parte dos aquíferos (22,8%). Em outras palavras, apenas uma
fração ínfima (0,3% dos 2,6%) do total dos recursos de água doce está prontamente
acessível como água superficial, seja ela área alagada, rio, lago ou represa (Kalff, 2002).
Contudo, o aumento das atividades humanas impactantes e o contínuo crescimento
populacional em áreas de mananciais têm levado os ecossistemas aquáticos a níveis cada
vez mais altos de poluição, principalmente pelo aumento da disponibilidade de nutrientes
(geralmente nitrogênio e fósforo) e da proliferação de organismos fitoplanctônicos
(Straskraba e Tundisi, 2000). Além disso, os diversos cenários de mudanças climáticas
sugerem alterações nos padrões de temperatura e chuva que podem contribuir também
para a eutrofização desses corpos d’água. De modo geral, esta eutrofização artificial leva à
grande simplificação estrutural da comunidade aquática, aumento da produtividade,
crescimento descontrolado de macrófitas aquáticas e floração de cianobactérias tóxicas
(Bicudo e Bicudo, 2008).
Alguns trabalhos vêm demonstrando as alterações que podem ocorrer nas
comunidades planctônicas em decorrência dessas modificações ambientais. Tais resultados
permitiram concluir, por exemplo, que as cianobactérias respondem mais prontamente ao
aumento de temperatura do que as algas verdes e diatomáceas (Domis e col., 2007). Além
disso, a aplicação de um modelo preditivo sobre o efeito da turbulência da água sobre a
competição pela luz em espécies de fitoplâncton, que flutuam ou sedimentam, também
forneceu dados esclarecedores sobre o efeito do aquecimento global, demonstrando a maior
incidência de florações de cianobactérias tóxicas com o aumento da temperatura (Huisman
e col., 2004). Em relação ao ambiente marinho, o aumento da acidez da água do mar vem
sendo apontado em trabalhos recentes como um dos distúrbios mais críticos para a
comunidade marinha. Cerca de ¼ do dióxido de carbono liberado na atmosfera se dissolve
no oceano e parte deste CO2 reage com a água formando o ácido carbônico, que por sua
vez reage com íons carbonato presentes na água, resultando na liberação de íons H+ que
favorecem a acidificação do meio. Além de impactos na fisiologia dos organismos, por
alterações no balanço iônico das substâncias presentes na água do mar, a acidificação dos
oceanos provoca alterações no sistema carbonato, comprometendo a sobrevivência de

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 353


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

algas calcárias e de animais como moluscos, corais, crustáceos e outros (Berchez e col.,
2008).

5.1- Influência dos impactos na transferência de AGs ao longo da cadeia


alimentar
Como visto, as condições ambientais podem permitir uma alteração significativa na
comunidade biológica e, consequentemente, na composição de lipídios das microalgas,
afetando dramaticamente a distribuição dos AGs. A proporção desses lipídios pode variar
significativamente em resposta às alterações na intensidade de luz, salinidade e qualidade
dos nutrientes presentes na água (Volkman e col., 1998). Em algumas espécies, o grau de
insaturação dos ácidos graxos diminui com o aumento da irradiação, especialmente os
HUFAs n3 (Fabregas e col., 2004) e a baixa exposição a luz, em casos de eutrofização,
pode diminuir a proporção relativa de C18:1 (McLarnon-Riches e col., 1998). O aquecimento
global também tem potencial efeito na produção de HUFAs n3 na base da cadeia alimentar,
principalmente dos ecossistemas aquáticos frios. Algas reagem a baixas temperaturas por
aumento na produção de HUFAs n3 em suas biomembranas. Compondo isto, integrantes do
zooplâncton, os quais são consumidos por peixes planctívoros e muitas larvas de peixes,
também demonstraram reduzir as concentrações de HUFAs n3 em temperaturas altas em
sistemas de água doce. Por exemplo, membros do gênero Daphnia, espécie presa de
peixes, apresentaram redução na concentração de EPA em temperaturas mais altas
(Schlechtiem e col., 2006). Então, o aumento da temperatura da água previsto em trabalhos
experimentais, exerce um efeito negativo na disponibilidade subjacente de HUFAs n3 nos
ecossistemas, tornando deficiente a transferência de ácidos graxos para os peixes através
da cadeia alimentar. Isto também resulta em implicações nos sistemas terrestres, devido a
sua dependência dos HUFAs n3 dos sistemas aquáticos (Arts e Kohler, 2009).
Adicionalmente, eutrofizações provê exemplos de perturbações em larga-escala
com potencial para afetar os HUFAs n3 em ecossistemas aquáticos. Essa eutrofização
resulta em uma substituição de táxons ricos em HUFAs, como diatomáceas, criptófitas e
dinoflagelados (Brett e Muller-Navarra, 1997), por táxons pobres em HUFAs como clorófitas
e cianobactérias (Muller-Navara e col., 2004). Através da cadeia alimentar a disponibilidade
desses HUFAs diminui, ocasionando um prejuízo na captação desses AGs para as
biomembranas dos animais (Arts e Kohler, 2009). Em geral, criptófitas e diatomáceas tem
sido encontradas como alimento de alta qualidade, bem como algas verdes em alguns
casos e, cianobactérias e bactérias são geralmente pobres em qualidade de alimento
(Lundsted e Brett, 1991; Xu e Burns, 1991; Chen e Folt, 1993; Stuzman, 1995). Gomes e
col. (2010) encontraram alterações no perfil de ácidos graxos de fêmeas vitelogênicas do

Pág. 354 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

teleósteo Hypostomus affinis em relação ao grau de antropização da área de estudo. Neste


caso, os animais coletados na represa (ambiente lêntico) apresentaram maiores
porcentagens de HUFA n3, o DHA, e AGs bacteriais do que as fêmeas coletadas na
cachoeira (ambiente lótico), refletindo o efeito de eutrofização e fluxo lento do ambiente de
represa.
Trabalhos realizados nos Grandes Lagos, no Canadá, têm demonstrado que as
populações do anfípoda Diporeia, ricas em lipídios, declinaram em muitas áreas desses
lagos, potencialmente como consequência de interações com bivalves invasivos (Nalepa e
col., 2006). As diporéias são ricas em EPA e DHA (Arts, não publicado) e este fato,
combinado com sua alta densidade, sugere que esta espécie provê uma importante função
na contribuição de HUFAs essenciais aos peixes. Assim, a diminuição deste componente do
zooplâncton tem forte efeito na disponibilidade de HUFAs n3 para os peixes (Arts e Kohler,
2009). Hebert e col. (2008) afirmaram também que as alterações nos Grandes Lagos
decorridas dessas perturbações têm potencial efeito para afetar a fluidez de membrana em
peixes e seus predadores.
Alguns animais, notavelmente carnívoros, têm uma habilidade limitada em sintetizar
HUFAS. A remoção de uma pequena proporção de peixes próxima ou no topo da cadeia
alimentar parece remover uma produção total de anos de AGs. A explicação é simples, claro
que há uma grande quantidade de lipídios em todos os níveis tróficos marinhos, mas apenas
os HUFAs são conservados pelos animais em todos os níveis tróficos. A transferência de
AGs de plantas para animais é muito desigual podendo ser considerada em termos de
bioconcentração. Desta maneira, as alterações nas características físico-químicas da água
ou outras modificações do habitat podem resultar em diminuição ou eliminação de muitos
recursos alimentares para os peixes (Araújo, 1998), alterando assim, toda a composição de
lipídios, especificamente, ácidos graxos ao longo da cadeia alimentar.

Agradecimento: Á Dra. Renata Guimarães Moreira pela revisão do capítulo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 355


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

O mundo pede socorro!


Poluição Aquática e Fisiologia da Conservação

Vanessa Ap.Rocha Oliveira Vieira


Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
vroliveira@usp.br

Toda atividade humana constitui uma fonte potencial de contaminação nos


ecossistemas aquáticos e terrestres, e a crescente demanda e os conflitos quanto ao uso do
espaço, dos recursos e da disposição dos resíduos no ambiente tem causado preocupação
mundial. O ambiente aquático não é um compartimento de diluição infinita da poluição
gerada, um exemplo típico desta fragilidade é a previsão de escassez de recursos hídricos
com qualidade adequada e a diminuição de fontes de água potável (Zagatto e Bertoletti,
2006).
Dentre as maiores fontes de poluição aquática encontram-se os lançamentos de
efluentes líquidos domésticos e industriais sem o devido tratamento caracterizado como
fonte de poluição pontual (aquela que são identificáveis no espaço e no tempo) e os
processos de lixiviação agrícola, sedimentos e águas subterrâneas contaminadas como
fontes difusas de contaminação (não é possível a identificação nos termos temporais e
espaciais). Devido ao fato de muitos destes efluentes serem extremamente complexos em
sua estrutura e sua interação com outros compostos presentes na água, é necessário uma
caracterização adequada para o controle destes efluentes utilizando-se de estudos
integrados em análises físicas, químicas e ecotoxicológicas afim de avaliar e prever os
riscos ambientais que possam ocorrer (Bertoletti, 1990; Costan e col., 1993).
O interesse do homem pelas questões ambientais tem aumentado continuamente,
devido às ocorrências de acidentes com produtos químicos nas últimas décadas, um
exemplo que repercutiu mundialmente foi o uso indiscriminado do DDT (Dicloro-Difenil-
Tricloroetano). Este pesticida muito utilizado na década de 40 provocou a morte de muitas
espécies terrestres e aquáticas, e em função da sua alta persistência ambiental, ainda é
encontrado em águas em diferentes regiões do planeta mesmo tendo seu uso proibido a
mais de 20 anos (Carson, 1962; Hoffman e col., 1995).
Embora muitos estudos tenham sido realizados para detectar a toxicidade em
organismos aquáticos, com o objetivo de estabelecer a relação causa/efeito de substâncias
químicas, muitos deles estabeleceram os efeitos dos agentes tóxicos isoladamente, não
sendo consideradas as interações que cada substância possa sofrer com outros compostos

Pág. 356 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

presentes na água, potencializando ou reduzindo os efeitos nos organismos (Bertoletti e


col., 1989).
Os principais fatores abióticos que podem interferir na ação de um contaminante são:
pH, oxigênio dissolvido, temperatura e dureza da água. O pH influencia na dissociação dos
compostos, em alguns casos as formas não dissociadas são as mais tóxicas, ao contrário
dos metais que apresentam maior toxicidade em suas formas iônicas livres (Sprangue,
1985). A temperatura altera o metabolismo energético dos organismos o que influencia
diretamente na assimilação dos compostos e ainda pode interferir na solubilidade de muitas
substâncias e influenciar na estrutura química, além de agir diretamente sobre a
disponibilidade de oxigênio na água (Zagatto e Bertoletti, 2006). A dureza da água
representada pela presença de cálcio e magnésio, age principalmente sobre a ação de
metais, alguns deles como o cádmio por exemplo, pode precipitar na presença de água dura
diminuindo sua toxicidade (Rattner e Heath, 1995).
Diante deste contexto, devido a importância de interligar a composição de cada
substância presente na água e os efeitos por ela causado, surgiu a necessidade de associar
outras disciplinas à toxicologia que pudessem identificar os reais efeitos, e na década de 70
os testes toxicológicos começaram a integrar conceitos de Ecologia no que se diz respeito à
diversidade e representatividade dos organismos e seu significado ecológico nos
ecossistemas (PLAA, 1982). O termo Ecotoxicologia foi sugerido pela primeira vez em 1969
e em 1976 foi definido como: “ciência que estuda os efeitos das substâncias naturais ou
sintéticas sobre os organismos vivos, populações e comunidades, animais ou vegetais,
terrestres ou aquáticas, que constituem a biosfera, incluindo assim a interação das
substâncias com o meio nos quais os organismos vivem num contexto integrado” (PLAA,
1982).
A Ecotoxicologia, como na maioria das outras ciências, suporta aspectos de outras
disciplinas e um vasto campo de aplicação, como por exemplo, a Fisiologia que tem sido
uma ferramenta bastante utilizada para avaliar, quantificar e predizer os efeitos biológicos e
determinar a probabilidade de ocorrência e o nível de contaminação dos poluentes sob
diferentes condições ambientais (Rand, 1995) e ainda, dentro deste contexto a Fisiologia da
Conservação, uma disciplina emergente, que surgiu da união da Biologia da Conservação
com a Fisiologia sendo definida como “o estudo de respostas fisiológicas dos organismos,
frente às alterações antrópicas no meio ambiente, que possam causar ou contribuir para um
declínio populacional”. Neste estudo está incluso o organismo e suas interações com o meio
ambiente tais como: metabolismo, relações térmicas, nutrição, respostas endócrinas às
mudanças ambientais e alterações em padrões imunes (Wikelski e Cooke, 2006).
Para a avaliação ecotoxicológica de um determinado ambiente é fundamental
conhecer a fonte de emissão dos poluentes, suas transformações, difusões e destinos,

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 357


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

avaliar as propriedades destes agentes como transformação no ambiente, potencialidade de


bioacumulação, persistência e concentração, além disso, conhecer e entender os processos
metabólicos dos organismos como meios de absorção, distribuição, excreção e mecanismos
de detoxificação, determinando assim o efeito em diferentes níveis de organização biológica
como células, tecidos, órgãos, indivíduos, populações e comunidades (Zagatto e Bertoletti,
2006).
Neste capítulo veremos alguns dos poluentes presentes na água, a forma química
em que podem ser encontrados, de que forma prejudicam os organismos, quais efeitos
causam e como a fisiologia pode ser uma ferramenta útil para detectar estas alterações.

Alguns dos principais poluentes presentes na água e suas origens

1.Contaminantes Orgânicos
Os compostos orgânicos gerados antropicamente apresentam diferentes tamanhos
moleculares e grupos funcionais e, é este último, que determina a reatividade e a toxicidade
destes compostos. Possuem baixa solubilidade e alta toxicidade e são persistentes no
ambiente principalmente no sedimento (Zagatto e Bertoletti, 2006).

1.1 Os POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes) são compostos altamente estáveis


e que persistem no ambiente, resistindo à degradação química, fotolítica e biológica. Sua
alta capacidade de acumulação nos tecidos confere a toxicidade atuando em diferentes
sistemas tais como: reprodutivo, imunitário e endócrino (Basheer e col., 2008). Outra
característica muito importante é o fato de serem transportados a longas distâncias pela
água, vento ou pelos próprios animais através da cadeia alimentar.

1.2 HPAs (Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos). Os hidrocarbonetos


compreendem um grupo de compostos orgânicos, possuem um ou mais anéis aromáticos e
são transferidos para o ambiente por meio de queima de combustíveis fósseis e vazamentos
de óleos minerais. Eles podem ser bastante tóxicos aos animais aquáticos devido a
capacidade de se bioacumular nos tecidos gordurosos. Os HPAs mais comuns e com
propriedades carcinogênicas são os pirenos, benzopirenos e benzoantraceno
(Schwarzenbach e col., 1995). O petróleo e seus derivados, como a gasolina, estão dentro
os poluentes que apresentam maior impacto ecológico, e estima-se que além dos grandes
derramamentos, os pequenos vazamentos dos postos de gasolina, tanques subterrâneos e
atividades recreativas, como uso de pequenas embarcações, sejam os principais
responsáveis pela poluição do solo e dos corpos d’água (Tiburtius e col., 2005; Chen e col.,

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

2008). No Brasil, até 20% de etanol é adicionado à gasolina, agravando ainda mais sua
estabilidade na água, pois aumenta a solubilidade dos hidrocarbonetos facilitando sua
dispersão nos ambientes aquáticos (Tiburtius e col., 2005).

1.3 Halogenados. Os compostos da classe dos halogenados, como os presentes em


sistemas de refrigeração, solventes e pesticidas tais como clorados, diclorometano e
tetracloroetano, estão entre os mais comuns nos corpos d’água. Os mais conhecidos são o
DDT, PCP (pentaclorofenol), o PCB (bifenilas policloradas) e são muito utilizados com ação
herbicidas, fungicidas, e também nos capacitores dielétricos, fluídos hidráulicos e de
transferência de calor em muitas indústrias.

A contaminação por compostos orgânicos pode ainda levar ao fenômeno de


eutrofização que é causado pelo enriquecimento das águas com nutrientes, principalmente
nitratos e fosfafos, compostos que permitem o crescimento excessivo de algas que por sua
vez, competem com outros organismos aquáticos pelo oxigênio dissolvido (Harrison, 1995).

2. Contaminantes inorgânicos
2.1- Metais
Os metais são empregados de maneira diversificada nos corpos d’água,
principalmente por fontes industriais desde o refino do petróleo à produção de fertilizantes
(Forstner e Wittmann, 1981). A especiação de metais nos ecossistemas aquáticos
compreende a distribuição destes em várias formas físico-química na coluna d’água e no
sedimento. Os metais podem estar presentes da seguinte forma: Livre e dissolvido;
complexado a matéria orgânica dissolvida; complexados a frações lipídicas presentes na
água, adsorvidos nas partículas coloidais ou particulados orgânicos e inorgânicos e
insolubilizados (Zagatto e Bertoletti, 2006). A especiação em uma amostra de água é
necessária para compreender a toxicidade, biodisponibilidade e bioacumulação de um metal
(Florence, 1981).
Nem sempre os metais presentes na água são representativos de poluição e
toxicidade, muitos deles, como o ferro, manganês e o cobre são nutrientes indispensáveis
às plantas e aos seres humanos em baixas concentrações, porém, a maioria deles adquire
propriedades tóxicas quando presentes em altas concentrações (Tavares e Carvalho, 1992)

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 359


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Alguns termos utilizados em ecotoxicologia que auxiliam na compreensão dos


efeitos causados pelos poluentes
Um dos desafios da ecotoxicologia é identificar os efeitos dos poluentes em
respostas biológicas antecipadamente nos primeiros níveis de organização biológica
(molecular e celular), a fim de predizer os efeitos quando ainda são reversíveis facilitando a
sustentabilidade do ecossistema (Zagatto e Bertoletti, 2006). Os efeitos deletérios na
população, frequentemente, são difíceis de detectar, pois muitos dos efeitos tendem a se
manifestar somente após longos períodos de tempo e quando finalmente torna-se claro que
o processo de intoxicação pode ter ido além do ponto de reversão por ações de remediação
ou redução de risco (Bayne e col., 1985). A ordem de respostas de estresse a poluentes
dentro dos sistemas biológicos está representado na fig. 1.

Figura 1 - Escala de sucessão dos efeitos causados por poluentes no organismo e no ecossistema
(modificado de Clements 2000).

1.1- Biomarcadores
Os biomarcadores são definidos como qualquer mudança na resposta biológica
(molecular, celular, fisiológica e comportamental) relacionado com a exposição a
substâncias químicas no ambiente (Peakall, 1994). De acordo com Who (1993) os
biomarcadores podem ser divididos em 3 classes:
Biomarcadores de exposição- avalia o quanto da substância e seus metabólitos
estão interagindo no organismo, deve representar uma resposta bem caracterizada levando

Pág. 360 Julho/2011


Fisiologia na Dinâmica Ambiental

em conta a farmacodinânica do composto no organismo, que nada mais é que a relação


dose/efeito, os efeitos fisiológicos e seu mecanismo de ação, e as propriedades físico-
químicas do agente estressor (Zagatto e Bertoletti, 2006). Um exemplo deste tipo de
biomarcador é a dosagem de metalotioneínas sob exposição a metais (Stegeman e col.,
1992).
Biomarcadores de suscetibilidade- avalia a habilidade adquirida pelo organismo em
resposta ao contaminante ao longo do tempo e inclui fatores genéticos ou mudanças em
receptores (Van der Oost e col., 2003). Os organismos, mesmo sendo da mesma espécie,
respondem de forma diferente aos estressores. Vários fatores como idade, sexo, estádio de
desenvolvimento, influenciam nas respostas, e há significativas diferenças no controle das
respostas enzimáticas de bioativação ou detoxificação levando a suscetibilidade ou a
resistência (Zagatto e Bertoletti, 2006).
Biomarcadores- de Efeito: mostra as alterações bioquímicas ou fisiológicas do
organismo frente ao estressor. Em geral não são específicos e nem fornecem informações
sobre os estressores, mas mostram a ocorrência de um estresse que poderá ser reversível.
Estes biomarcadores são caracterizados por desencadear respostas dos mecanismos de
defesa sempre em nível molecular e celular, porém caso estes mecanismos falhem ou sua
capacidade de resposta seja ultrapassada as alterações tornam-se cada vez mais
irreversíveis, pois neste ponto, já são desencadeadas repostas fisiológicas e alterações
histológicas (Zagatto e Bertoletti, 2006). Neste caso as enzimas são potentes
biomarcadores, como por exemplo, as que representam estresse oxidativo (Winzer e col.,
2001) e as que são lançadas na corrente sanguínea logo após danos teciduais (Mayer e
col., 1992).

1.1 Biotransformação
Uma vez presente no organismo, um contaminante pode ser excretado de duas
maneiras: ou em sua forma original, ou biotransformado. Geralmente ocorre a formação de
compostos mais hidrofílicos que são mais facilmente excretados, sendo que o principal
órgão envolvido neste processo é o fígado. A biotransformação pode alterar a toxicidade do
composto tanto para uma forma mais benéfica ou não, sendo este processo determinante
na atividade, duração e a meia vida do composto no organismo (Van der Oost e col., 2003).

1.2- Bioacumulação
É o processo pelo qual um composto químico se acumula em altas concentrações no
organismo podendo ocorrer de forma direta, via contaminação do meio ambiente por todas
as vias de exposição através da respiração, nutrição, epiderme e ainda locais que os
contaminantes estejam presentes como água, sedimento e outro organismos; e de forma

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 361


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

indireta via cadeia alimentar (Van der Oost e col., 2003), pois muitos compostos apresentam
características particulares que conferem resistência à degradação biótica e/ou abiótica.

1.3- Biomagnificação
É o aumento na concentração de um contaminante a cada nível da cadeia alimentar
(Van der Oost e col., 2003). Este tópico foi discutido no capítulo anterior (Você é o que você
come: Importância dos ácidos graxos na cadeia trófica).

1.4- Bioindicadores
São considerados bioindicadores os organismos que oferecem informações das
condições ambientais no seu habitat pela sua presença, ausência ou mudança
comportamental (Van der Oost e col., 2003). É importante que os organismos utilizados para
os testes ecotoxicológicos sejam espécies-chave para o ecossistema em risco (Calow,
1994) e vale ressaltar que a permanência de uma espécie em um ecossistema não está
somente relacionada com a sua capacidade de adaptação e sobrevivência, mas também na
capacidade se reproduzir na presença destes poluentes (Kime, 1995). Os peixes são
amplamente utilizados no biomonitoramento da poluição aquática devido a sua importância
econômica e ecológica (Zhou e col., 2008) e a contaminação em peixes deve ser
considerada muito relevante, pois algumas espécies estão no topo da cadeia alimentar e
outras, servem de alimentos para outros animais. Outro ponto que se deve considerar é o
tamanho, disponibilidade e fácil manutenção em laboratório, para tanto, a espécie Daphnia
magna, um microcrustáceo, também tem sido muito utilizado nos testes de ecotoxicidade
devido a sua alta taxa reprodutiva e de crescimento, além de apresentar um ciclo de vida
curto, facilitando a análise rápida dos efeitos causados na fisiologia animal por poluentes
aquáticos (Koivisto, 1995).

2- Estudos em Fisiologia utilizados como biomarcadores de toxicidade


Em Fisiologia, algumas técnicas simples são capazes de detectar mínimas alterações
nos organismos causadas por poluentes, aqui vamos citar alguns exemplos:
Estresse oxidativo- Os produtos da redução do O2 molecular como o radical
superóxido (O2-), peróxido de hidrogênio (H2O2) e o radical hidroxil (OH-), exercem toxicidade
no organismos promovendo o estresse oxidativo (Di Giulio e col., 1989). As ROS (espécie
reativa de oxigênio) são potentes oxidantes capazes de reagir com macromoléculas
celulares, possivelmente levando a inativação enzimática, peroxidação lipídica (LPO), danos
ao DNA e, finalmente, a morte celular (Winston e Di Giulio, 1991). Muitas enzimas como a

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

superóxido dismutase (SOD), catalase (CAT), peroxidase glutationa-dependente (GPOX) e


glutationa redutase (GRED) são capazes de inibir a formação destes subprodutos
defendendo os organismos contras as ROS sendo importantes no processo de
detoxificação. Alguns antioxidantes de baixo peso molecular como a glutationa reduzida
(GSH), betacaroteno, vitamina B, ácido ascórbico (vitamina C), alfatocopherol (Vitamina E) e
ubiquinol10 também têm sido descritos com função de desintoxicação (Stegeman e col.,
1992; Lopez-Torres e col., 1993). As análises da atividade destas enzimas predizem os
efeitos causados por inúmeros compostos de ação oxidativa. A exposição dos peixes a
metais, por exemplo, pode causar aumentos de ROS, levando a disfunções
osmorregulatórias associadas com a inibição da ATPase e dano tecidual (Radi e Matkovics,
1988; Wong e Wong, 2000; Dautremepuits e col., 2004) e ainda a exposição a
organofosforados provoca a indução da atividade de várias enzimas oxidantes no fígado,
brânquias e músculo branco (Monteiro e col., 2006).
Metalotioneínas- Um grupo especial de proteínas de estresse de baixo peso
molecular, rico em cisteína, são as metalotioneínas (MTs), que funcionam na regulação de
metais essenciais como Cu e Zn e na desintoxicação destes e outros metais não essenciais
como Cd e Hg (Roesijadi e Robinson, 1994). A indução da síntese de MT é dependente da
espécie em questão, e pode ocorrer por aumento da concentração intracelular de metal
(Thiele, 1992), e alguns estudos mostram que glicocorticóides e hormônios peptídicos
também promovem sua indução (Gerpe e col., 2000). As proteínas de estresse ou HSPs
constituem um conjunto de proteínas abundantes envolvidas na proteção e reparação da
célula contra o estresse e condições prejudiciais como baixas e altas temperaturas, luz
ultravioleta, condições oxidativas, anóxia, metais e xenobióticos (Sanders, 1993). O
aumento na síntese destas proteínas pode indicar processo de toxicidade por metais. Muitos
trabalhos envolvendo invertebrados (Fraysse e col., 2006; Pellerin e Amiard, 2009) e peixes
(Fernandes e col., 2008) demonstram o aumento destas proteínas em resposta a
contaminação por metais.
Lipoperoxidação- Muitos compostos químicos, principalmente os metais, podem
reagir com macromoléculas e ligantes das membranas celulares, são estas características
que conferem a potencialidade de bioacumulação, biomagnificação, permanência no
ambiente e modificações nos processos biológicos (Tavares e Carvalho, 1992). Os
fosfolipídios de membrana de organismos aeróbios estão continuamente sujeitos a oxidação
por fontes tanto endógenas quanto exógenas, mas a própria célula contém mecanismos
antioxidantes para prevenção da peroxidação e uma variedade de mecanismos que mantém
a integridade da membrana e a homeostase (Vigo-Pelfrey, 1990; Dix e Aikens, 1993). O
processo de peroxidação é uma reação em cadeia especialmente para os ácidos graxos
polinsaturados que são mais sensíveis a ação de ROS devido à dupla ligação de carbonos.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 363


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Membranas peroxidadas tornam-se rígidas e perdem a permeabilidade e os produtos


resultantes podem provocar mutações no DNA e alterações nos padrões de expressão
gênica (Marnett, 1999) e os efeitos acumulativos deste processo podem implicar em
numerosas condições patológicas (Steinberg, 1997). Avaliar a integridade da membrana é
uma das possíveis técnicas fisiológicas para se avaliar lipoperoxidação. Estudos com
anfíbios expostos a metais mostraram que estes compostos reduzem a permeabilidade da
membrana podendo bloquear a passagem de Na+ e Cl- (Gordon e Sauerheber, 1982) e a
perda destes eletrólitos é a causa primária de morte destes animais (Freda & Dunson, 1984;
Freda & McDonald, 1990). A exposição aos organofosforados também promove
lipoperoxidação em brânquias e músculo de peixes podendo levar a sérias complicações,
acarretando problemas no metabolismo do animal (Monteiro e cols., 2006).
Alterações fisiológicas e/ou histológicas- As alterações na fisiologia e as
consequências desses efeitos também podem ser utilizadas como biomarcadores. A
determinação dos efeitos adversos causados por um composto pode ser realizada através
de análises dos substratos metabólicos onde já se observou diminuição dos estoques de
glicogênio no fígado em truta arco-íris (Ricard, 1998) e tilápia (Pratap e Wendelaar Bonga,
1990) e aumento na atividade de enzimas como a aspartato transaminase (AST) e alanina
transaminase (ALT), lactato desidrogenase (LDH) e malato desidrogenase (MDH) em
Channa punctatus (Sastry e col., 1997) ou através de alterações histológicas nos tecidos
(Ricard, 1998; Pratap e Wendelaar Bonga, 1990), que sofrem diretamente com a ação de
poluentes como os organofosforados, por exemplo, que em contato com as brânquias
promove hiperplasia, edema e distanciamento das lamelas além de alterações no intestino e
fígado causados imediatamente após a ingestão do contaminante (Fanta e cols., 2003).
Contudo, estudos recentes demonstram que até baixos níveis de contaminantes no meio
aquático podem alterar as funções neuromusculares agindo sobre a ação da
acetilcolinesterase (AChE) (Payne e col., 1996).
Reprodução- Os estudos de substâncias que de, alguma forma, causam impacto na
reprodução e na regulação hormonal dos animais têm atraído crescente interesse nos
últimos anos, uma vez que, uma diminuição na taxa reprodutiva das espécies pode, em
longo prazo, ameaçar a sobrevivência de um grande número de espécies alterando todo um
ecossistema (Spies e col., 1990). Dentre estes efeitos podemos destacar a diminuição na
síntese dos esteróides gonadais, vitelogenina, gonadotropinas e aumento nos níveis de
dopamina em percas expostas a efluentes (Karels e col., 1998). Em estudos com tilápias
foram relatadas elevações nos níveis de cortisol (Foo & Lam, 1993) e redução de
progestágenos (Correia e col., 2010); em Oncorhynchus mykiss houve impedimento e/ou
atraso no amadurecimento de espermatogônias em espermatócitos (Karels e col.,1998)
além de elevação e/ou diminuição dos níveis de esteróides fora do período reprodutivo e

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Fisiologia na Dinâmica Ambiental

inibição da síntese de gonadotropinas, com simultâneo bloqueio sobre as gônadas de


responderem à ação destes hormônios (Cooney, 1995). Em truta arco-íris, o cádmio pode
inibir a atividade dos receptores de estrogênio (Le Guevel e col., 2000).
Genotoxicidade- E ainda se o composto apresentar ação genotóxica uma cascata de
eventos pode ser induzida como, alterações estruturais e/ou dano no DNA e posterior
expressão do gene mutante e doenças resultantes de danos genéticos (Shugart e col.,
1992). Galindo e col., (2010) demonstraram que o alumínio possui ação genotóxica
causando danos ao DNA de eritrócitos de peixes quando expostos ao metal, assim como os
organoclorados que apresentam genotoxicidade em peixes expostos a curtos e longos
períodos de exposição (Marabini e col., 2011). Técnicas simples e sensíveis como
micronúcleo e ensaio cometa são capazes de detectar danos ao DNA e são considerados
biomarcadores potentes.
Sistema Imunológico- Um grande número de substâncias químicas ambientais tem o
potencial de prejudicar os componentes do sistema imunológico. Muitos anticorpos e células
mediadoras do sistema imune podem ser deprimidos por determinados poluentes, como
revisto por Vos e col. (1989). Embora a maioria das pesquisas sobre o sistema imune sejam
realizadas em espécies de mamíferos, outros organismos também podem ser considerados
como promissores neste campo de pesquisa (Wester e col., 1994).
Hematologia- Alguns parâmetros hematológicos também são potenciais
biomarcadores. A presença de enzimas específicas, como as transaminases, no sangue
pode ser indicativa de ruptura das membranas celulares em certos órgãos (Moss e col.,
1986). Apesar de serem menos específica, outros parâmetros hematológicos, como
hematócrito, hemoglobina, proteína e glicose, podem ser sensíveis a determinados tipos de
poluentes, como por exemplo, os derivados de petróleo (Simonato e col., 2008), além disso,
o aumento ou diminuição dos níveis de hormônios esteróides sanguíneos ou proteínas
normalmente induzidos por esses poluentes podem ser indicativos para determinados
efeitos toxicológicos (Correia e col., 2010).
Diante do exposto, fica claro perceber a importância de se compreender as relações
entre as espécies, seu ambiente e o ambiente impactado por ações antrópicas com a
finalidade de buscar a melhor maneira para protegê-las e manejá-las, prevenindo a extinção
e buscando reintegrar estas espécies ameaçadas aos seus ambientes naturais (Primack e
Rodrigues, 2001). A Fisiologia busca entender os mecanismos e os limites pelos quais se
atinge a estabilidade, e as vias utilizadas para ajustar as respostas e diminuir o estresse,
levando à sobrevivência e, se possível, a reprodução dentro de um ambiente desfavorável
(Wikelski e Cooke, 2006). Avaliar o custo energético associado a estes ajustes, possibilita
estabelecer a causa e o efeito dos agentes estressores e as respostas do organismo nos
diferentes níveis de organização biológica, pois observar as mudanças antecipadamente

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 365


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

reflete mais fielmente a complexidade da ação do contaminante no ambiente (Clements,


2000; Carlisle, 2000).
Agradecimento: Á Dra. Renata Guimarães Moreira pela revisão do capítulo.

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Pág. 402 Julho/2011


Unidade 3

Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Cláudia Emanuele Carvalho de Sousa


Laboratório de Cronofarmacologia
claudiaemanuelle@bol.com.br

A fisiologia é o estudo dos processos vitais dos organismos, particularmente no nível


de órgãos e sistemas e no nível do organismo como um todo. Ela é por essência uma
ciência integrativa, e incorpora diversos ramos como a anatomia, endocrinologia, biologia
molecular, farmacologia, neurociências, psicologia e outras. A cronobiologia lida com a
organização temporal dos fenômenos biológicos (Harberg, 1969) e por isso é também parte
integral do estudo da fisiologia animal. E como definir a organização temporal? O que nos
remete a palavra “tempo”? Podemos pensar de formas diversas: a duração de um processo,
de uma etapa enzimática por exemplo, em “ quanto” tempo um animal leva para construir
um ninho, para migrar de um ambiente à outro e podemos citar inúmeros exemplos. Aqui,
nós estamos referindo sim a um tempo que passa, mas em si, tratando do tempo que
ajustamos para desenvolver atividades, para início de um processo biológico, um
comportamento. Melhor referirmos ao termo de “quando” deverá ocorrer esses fenômenos,
e de que forma expressamos mecanismos para que isso sempre aconteça de forma regular,
ou seja, periodicamente. Nesse sentido, chegamos a definição do que é um “ritmo
biológico”.
Os animais mudam constantemente, com a virada do clima, com a hora, com o dia e
estação do ano, toda essa dinâmica é praticamente inerente a vida. É quase impossível
pensar na matéria viva como uma constituição estática, constante. Todas as formas de
mudanças constituem parte de um organismo vivo: estar preparado para viver as 24 horas
do dia, para chegada da noite, do inverno. O tempo é uma dimensão fundamental à vida na
Terra, por isso podemos estimar e admitir como ele é determinante sobre a viabilidade de
todas as espécies.
Se as espécies se adaptam às mudanças cíclicas no ambiente isso quer dizer que
elas respondem adequadamente aos sinais externos. Podemos pensar que essa resposta é
meramente reativa à nova condição ambiental, ou que existem mecanismos internos
capazes de prever essas mudanças antes mesmo que ocorram. À esses mecanismos
nomeamos “relógios biológicos”. Esses relógios são estruturas definidas e reguladas de
VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

forma a oscilar independente do ambiente, ditando o ritmo biológico. Agora podemos chegar
mais perto do que se trata a organização temporal: significa em como nos preparamos para
responder às mudanças no ambiente associadas ao tempo. A partir disso surgirão ainda
várias questões, o que seria a organização em um ser vivo, que estruturas, órgãos,
moléculas estão envolvidas, isso é padrão? Como é a resposta de um animal à variação?
Ela também se assemelha entre as espécies, são mecanismos conservados? Sobre essas
formas de perceber o tempo e de marcar o tempo que vivemos será tratada em nosso
módulo. Queremos discutir os vários aspectos da ritmicidade biológica, como a sua
importância, sua história filogenética, de como a dimensão temporal está incorporada aos
processos biológicos, mais especificamente como vários processos fisiológicos são
coordenados de forma a acontecer no tempo adequado para as diversas funções vitais.
Como exemplo de ritmicidade tratamos sobre como o sistema imunológico se organiza ao
longo do tempo, exemplificando também como estruturas do sistema de temporização dos
vertebrados também compõe parte da resposta de defesa do organismo.

Pág. 404 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Capítulo 27 Introdução à Cronobiologia pág. 404


Luis Henrique de Souza Teodoro
Capítulo 28 Desvendando as engrenagens do “relógio biológico” pág. 415
Erika Cecon
Capítulo 29 Está na Hora de Acender as Luzes: Fotorrecepção e Sincronização
do Organismo ao Meio Externo pág. 430
Sanseray da Silveira Cruz-Machado
Capítulo 30 Melatonina: a Hora e a Vez de uma Molécula Multifacetada pág. 443
Cláudia Emanuele Carvalho de Sousa
Capítulo 31 Ritmo no Sistema Imunológico pág. 458
Sandra M Muxel
Capítulo 32 O Eixo Imune-Pineal pág. 470
Maria Fernanda Laranjeira da Silva
Capítulo 33 Estudos de Casos pág. 481
Daiane Gil Franco e Camila Petrilli
Bibliografia pág. 535

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 405


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Introdução à Cronobiologia

Luis Henrique de Souza Teodoro


Laboratório de Cronofarmacologia
lhteodoro@usp.br

Uma análise etimológica da palavra cronobiologia, cunhada por Franz


Halberg, remete à língua grega em que, desmembrando-se os vocábulos, temos
“crono”, que deriva de khronos e significa tempo, “bio”, que é derivado de bios e
significa vida e, por fim, “logia”, que vem de logos e significa estudo (Refinetti, 2006).
Desse modo, através de uma explicação simplista, poder-se-ia dizer que é o estudo
da vida em função do tempo.
O "tempo" pode ser definido como um contínuo não-espacial em que ocorrem
eventos/fenômenos sucessivos (Refinetti, 2006). Constitui-se desta forma, numa
nova e importante variável no estudo da fisiologia, uma vez que a coordenação
interna dos processos biológicos é crucial para a homeostase e para a sobrevivência
da maioria dos seres vivos (Bell-Pedersen e col., 2005; Smolensky e Peppas, 2007).
O objeto de estudo da cronobiologia encontra-se na interação entre os
padrões rítmicos ambientais e as implicações destes com os padrões rítmicos
biológicos. Esse contexto, portanto, evidencia o relevante papel exercido pelos
ritmos. São eles os responsáveis por proverem a capacidade da percepção do
tempo, sendo esse um dos alicerces da ciência, visto que a análise de diversos
fenômenos físicos depende diretamente da sua repetição e previsibilidade (Markus e
col., 2003).
Ritmo também vem do grego (rhuthmos) e, denotativamente, é um
substantivo masculino referente à repetição periódica de um dado evento/fenômeno
ao longo do tempo. Ademais, o ritmo é definido por três caracteres elementares –
fase, amplitude (A) e período (Koukkari e Sothern, 2006).
Fase (σ) pode ser definida como cada um dos momentos passíveis de se
repetirem, isto é, todo e qualquer ponto de um ritmo. Comumente, o termo fase
também pode ser utilizado para designar um momento característico de um ritmo,
por exemplo, a fase de escuro ou a fase de claro do ciclo claro/escuro (Marques e
Menna-Barreto, 2003).

Pág. 406 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Período, por sua vez, refere-se ao tempo necessário para que seja
completado um ciclo rítmico, que pode ser representado, por exemplo, através da
distância existente entre dois pontos que contemplem um ciclo completo (Smolensky
e Peppas, 2007). É importante atentar-se ao erro conceitual cometido na utilização
dos verbetes noturnos e diurnos (ou demais verbetes de igual significância
semântica) como sendo períodos. Note que noite e dia são duas fases que estão
contidas em um mesmo período. Isto é, em um período de 24 horas, há a fase de
claro e há a fase de escuro.
A amplitude (A) pode ser entendida como a diferença entre o nível mínimo e o
máximo da curva rítmica (Koukkari e Sothern, 2006) ou como a distância entre o
nível médio da curva (medida de tendência central) até uma de suas extremidades
(Marques e Menna-Barreto, 2003). Tais parâmetros, que são elementos que
caracterizam um ritmo, podem ser observados na figura 1.

Figura 1 - Parâmetros rítmicos demonstrados em uma onda sinusóide (modificado de Refinetti, 2006).

Além dos elementos citados, outros elementos podem ser identificados em


um ritmo, como a acrofase ( ), que é a fase em que é expresso o maior valor de um
determinado ritmo (Marques e Menna-Barreto, 2003).
Outro elemento relevante que também pode ser aferido a partir do ritmo é a
frequência (f). Esta se relaciona ao intervalo de tempo em que um ciclo se repete,
sendo inversamente proporcional ao período, isto é, quanto maior a duração de um
período, menor será a sua frequência. Por outro lado, quanto menor a duração de
um período, maior será a sua frequência (Refinetti, 2006). Um exemplo a este
respeito pode ser visto na figura 2. Essa é uma importante distinção, visto que os
termos no vocabulário cotidiano se confundem e por vezes são utilizados como
sinônimos.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 407


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 2 - Distinção entre ritmo e frequência. A e B tiveram sua atividade medida durante 6 minutos.
Em A, as ondas compõem um período maior, apresentando ângulos mais abertos do que em B, em
que as ondas apresentam um período menor. Desse modo, diz-se que A tem uma frequência menor
do que B, uma vez que o intervalo de repetição entre os períodos é maior e, portanto, ocorre um
menor número de ciclos do que em B (modificado de Refinetti, 2006).

Existem diversos padrões rítmicos e estes são comumente agrupados em


três categorias – ultradiano, circadiano e infradiano. Os ritmos ultradianos são
aqueles com período inferior a 20 horas, os circadianos são aqueles com períodos
próximos a 24 horas (24±4h) enquanto os infradianos são aqueles com período
superior a 28 horas (Marques e col., 2003). A figura 3 apresenta a relação dos
referidos ritmos com a frequência.

Figura 3 - Relação dos ritmos com suas respectivas frequências e período. O ritmo infradiano é
aquela com o maior período (aferido em horas) e menor frequência (medida em microHertz). O ritmo
ultradiano apresenta menor período e maior frequência. O ritmo circadiano apresenta valores
intermediários.
É importante ressaltar que a prefixação “ultra” e “infra” remete ao estudo das
radiações eletromagnéticas e, portanto, ao comprimento de ondas –
respectivamente, menor e maior que o comprimento da luz visível. Apesar de estes
serem os ritmos mais comuns, há outros ritmos bastante utilizados como
exemplificado na tabela 1.

Pág. 408 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Tabela 1- Diferentes ritmos ultradianos e infradianos. Dado que o ritmo ultradiano compreende um
período inferior a 20 horas, os ritmos cardíacos e de maré estão contidos na categoria ritmo
ultradiano, mas apresentam uma especificação de período. O ritmo infradiano é todo aquele que tem
um período superior a 28 horas, os ritmos circaseptano, circatringintano, circanual e lunar estão
contidanos na categoria ritmo infradiano, mas apresentam uma especificação de período (adaptado
de Giuseppe e Giovanni, 2002; Koukkari e Sothern, 2006).

Ritmo (período) Exemplos

Cardíaco (±60 Frequência cardíaca (Giuseppe e


milissegundos) Giovanni, 2002).

Ultradianos
Maré (12,4 horas) Caranguejos que só desentocam
durante a maré baixa (Refinetti,
2006).

Mitose de epitélio corneal em


Circaseptano (7±3 dias) ratos (Araujo e Marques, 2003).

Circatringintano (30±3 Ciclo menstrual (Refinetti, 2006).


dias)
Infradianos
Padrão de migração de aves
Circanual/Sazonal (12±3 (Gwinner, 2003).
meses)

Eclosão de larvas de Clunio


Lunar (29,53 dias) marinus – lua cheia (Refinetti,
2006).

Assumindo que os ritmos circaseptano, circatringintano, circanual e lunar são


maiores que 28 horas, ainda que tais termos propiciem durações mais precisas,

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 409


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

genericamente todos podem ser considerados como contidos no ritmo infradiano,


uma vez que este engloba todos os ritmos em que o período é superior a 28 horas.
O mesmo pode ser dito acerca dos ritmos cardíaco e de maré, que estão contidos
na designação de ritmo ultradiano.
A grande prevalência dos ritmos em organismos vivos mantém relação
estreita com o fenômeno onipresente de ritmos ambientais na natureza. Desse
modo, a capacidade de antecipar-se aos padrões rítmicos confere uma vantagem
adaptativa que vem sendo mantida ao longo dos anos (Lemmer, 2009; Oddo, 2010).
Padrões rítmicos podem ser vistos e já foram descritos em diversos
organismos (Bell-Pedersen e col., 2005). A rotação da Terra ao redor de seu próprio
eixo, que promove mudanças de temperatura e de intensidade luminosa, é a mais
antiga e característica variação ambiental rítmica (Markson e O’Shea, 2009). Não
obstante, o ritmo circadiano é muito relevante e amplamente prevalente desde
organismos bastante primitivos, como os pertencentes ao domínio Bacteria, até os
mais complexos, representados pelo Eukarya, como apresentado na figura 4
(Refinetti, 2006).

Figura 4 - Árvore filogenética. Os anos indicam o surgimento aproximado de cada um dos domínios –
Bacteria, Archea e Eukarya. As horas referem-se ao tempo que a Terra levava para completar uma
volta completa ao redor de seu próprio eixo nos referidos anos (Adaptado de Refinetti, 2006).

Pág. 410 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Assume-se que o ritmo circadiano dos seres vivos atuais foi herdado
diretamente do domínio Bacteria, uma vez que diversos organismos de diferentes
filos, como as cianobactérias, apresentam ritmicidade endógena circadiana
(Lemmer, 2009). Todavia, por falta de evidências fósseis, há a possibilidade de que
essa ritmicidade possa ter surgido em caráter de novo diversas vezes ao longo do
tempo nas diferentes espécies (Refinetti, 2006).
Como a duração dos dias ao longo das eras foi sendo alterada à medida que
o movimento de rotação da Terra foi se tornando mais lento, é possível afirmar que o
oscilador endógeno, enquanto herdado, também foi evoluindo e se adaptando
conforme os dias tornavam-se mais longos (Refinetti, 2006).
A investigação da presença de ritmos biológicos data de 1729 com o trabalho
acerca do movimento das folhas de Mimosa realizado por de Mairan. Neste
experimento o vegetal, que apresentava o movimento característico de abrir suas
folhas durante o dia e de fechá-las durante a noite – portanto heliotrópica, foi
submetido a um ambiente de escuro constante (Rotenberg e col., 2003).
O resultado observado foi que, mesmo na ausência da luz solar, o vegetal
continuava a exibir o mesmo comportamento de abertura e fechamento de suas
folhas em ritmo semelhante, sugerindo que seu mecanismo de regulação obedecia
às variações da luz solar ao longo do dia, ainda que esta não estivesse exposta ao
sol, demonstrando que este era um fenômeno gerado endogenamente (Rotenberg e
col., 2003).
Outros experimentos endossaram os conhecimentos acerca desse fenômeno,
como o de du Monceau, publicado em 1759, que demonstrou que os movimentos
foliares não dependiam das variações de temperatura e o de de Candolle, publicado
em 1832, que submeteu a mesma espécie vegetal utilizada por de Mairan a um
ambiente de luz constante, ou seja, 24 horas de exposição, e constatou que sim, os
movimentos foliares eram mantidos, contudo, em um ritmo que durava entre 22 e 23
horas, reafirmando a presença de algum mecanismo inerente ao organismo vegetal,
portanto endógeno e responsável pelo movimento foliar (Golombek e Rosentein,
2010).
Como colocado anteriormente, esse mecanismo de antecipação às variações
ambientais é de extrema relevância para a manutenção da homeostase de um
organismo, representando uma grande vantagem adaptativa (Bell-Pedersen e col.,
2005; Smolensky e Peppas, 2007). Por exemplo, o organismo humano se programa

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 411


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

para que possa atingir seu pico de atividade máxima na fase de claro, enquanto na
fase de escuro há uma preparação para a fase de sono (Refinetti, 2006). Outro
exemplo é a necessidade que animais que hibernam tem de acumular energia nas
fases de primavera e verão para suportar as alterações climáticas subsequentes
sem demandar mais alimentos, em recolhimento (Enright, 1970).
A realização de experimentos em que os organismos são submetidos a
condições constantes de luz, temperatura, umidade, ausência de alimento e
congêneres foram importantes para a demonstração da endogenicidade dos ritmos
biológicos. A essa experimentação foi dada o nome de livre-curso, uma vez que os
organismos passam a expressar seus ritmos biológicos endógenos de maneira livre,
desprendido de uma modulação externa, portanto não sincronizado, apresentando o
período de um ritmo endógeno, o qual é representado pela letra grega tau – τ – e é
de extrema importância para a caracterização de um ritmo biológico (Marques e col.,
2003).
Um importante instrumento para o estudo dos ritmos é o actograma. Este é
uma representação gráfica que demonstra, por exemplo, a atividade locomotora de
um organismo ao longo do tempo. Na figura 5 é apresentado um actograma de
atividade locomotora do roedor Mus musculus onde cada linha representa um dia na
vida deste animal. Na primeira situação, o animal foi submetido a um ciclo claro-
escuro de 12:12 horas expressando seu ritmo de atividade sincronizado ao escuro,
visto ser um animal de hábito noturno. Na segunda situação, o animal foi exposto a
uma situação de escuro constante, passando a expressar seu ritmo em livre-curso.
Esse experimento evidencia o importante papel que pistas ambientais exercem
sobre o ritmo endógeno – o de sincronização. O ciclo ambiental promove esta
sincronização entre esses ritmos através do arrastamento da fase e da frequência
do ritmo endógeno em livre-curso (Marques e col., 2003).
Os ritmos endógenos são gerados pelos chamados relógios biológicos, que
são as estruturas responsáveis por produzir oscilações regulares que, juntamente
com os ritmos ambientais, compõem os mecanismos temporizadores (Rotenberg e
col., 2003; Marques e col., 2003; Refinetti, 2006).
Desse modo, o ciclo claro-escuro promove o arrastamento do relógio
biológico, sincronizando-o com as 24 horas do referido ciclo, o que é demonstrado
no actograma pelo perfil mais linearizado verticalmente na primeira situação da
figura 5.

Pág. 412 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Figura 5 - Actograma de Mus musculus em ciclo claro escuro e em condição de escuro constante,
respectivamente. As barras superiores representam o período de 24 horas. Quando não hachuradas,
indica fase de claro, porém, quando hachuradas, indicam o período em que o animal foi submetido à
fase de escuro. Desse modo, na primeira situação o animal foi submetido a um ciclo claro/escuro e
apresentou seu ritmo sincronizado. Na segunda situação, de escuro constante, o animal apresentou
seu ritmo em livre-curso. Os tracejados inferiores indicam a atividade locomotora do animal e as
linhas de cada situação indicam os diferentes dias. Na primeira situação há um ritmo motor
sincronizado, enquanto isso, na situação de escuro constante, conforme o passar dos dias, a curva
de atividade locomotora do animal tende para a esquerda, demonstrando que seu ritmo endógeno é
menor do que 24 horas (modificado de Refinetti, 2006).

O fator exógeno, portanto ambiental, exerce papel fundamental nessa


regulação do ritmo endógeno através do já mencionado processo de arrastamento.
A todo fator externo com a capacidade de sincronizar um ritmo endógeno foi
atribuído o neologismo em alemão - zeitgeber, que significa temporizador ou doador
de tempo (Koukkari e Sothern, 2006). É importante ressaltar que os zeitgebers não
são os promotores ou desencadeadores dos ritmos biológicos e que seu papel é o
de arrastamento dos ritmos endógenos a partir da sincronização do relógio biológico
(Smolensky e Peppas, 2007).
Como ilustrado na figura 6, existem diversos zeitgebers podendo citar, entre
outros, as marés, a disponibilidade de alimento, luz, temperatura, atividade física
regular, contato social, hormônios, etc (Simonneaux e Ribelayga, 2003; Refinetti,
2006).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 413


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 6 - Demonstração de alguns dos zeitgebers que atuam no rato, sincronizando seu relógio
biológico e arrastando seus ritmos (modificado de Refinetti, 2006).

Como demonstrado por alguns dos experimentos citados, o ritmo em livre-


curso apresenta um tau que não corresponde precisamente às 24 horas,
apresentando valores ligeiramente maiores ou menores que este, de acordo com o
organismo e o ritmo observado, mas ainda dentro do intervalo entre 20 e 28 horas,
que é a condição para que se caracterize como circadiano. O papel do zeitgeber,
nesse contexto, é o de sincronizar o relógio biológico com o ciclo claro escuro,
arrastando-o para 24 horas para que o organismo esteja apto a responder
adequadamente ao ambiente (Smolensky e Peppas, 2007).
Deve-se ressaltar que a sincronização não é a única forma de interação entre
o meio ambiente e o relógio biológico. Pode haver também um evento chamado de
mascaramento, que é uma espécie de sinal randômico, que pode ou não acontecer,
que desencadeia uma resposta específica. Esse estímulo pode alterar o padrão de
resposta vigente, ainda que temporariamente, visto que o sinal pode cessar por não
ser rítmico ambiental. Sua função pode ser atribuída a uma necessidade de resposta
rápida em função de um estímulo, por exemplo, de perigo (Golombek e Rosentein,
2010).

Pág. 414 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

O mascaramento pode atuar de duas formas, atenuando ou intensificando a


amplitude de um ritmo. Ademais, pode ser também produzido externamente, como
um relógio despertando, ou internamente, como a facilitação que o sono promove
sobre a síntese do hormônio de crescimento (Rotenberg e col., 2003; Marques e
col., 2003).
Tal como em um processo de sincronização e arrastamento verdadeiros, essa
mudança de padrão de resposta ocorre através de um deslocamento de fase (Δσ),
que pode ser gradual, em que ocorram alterações que atrasam ou adiantam
determinadas fases, ou abruptamente, como um único pulso de luz durante a noite,
que também pode alterar determinadas fases de um ritmo (Rotenberg e col., 2003,
Marques e col., 2003; Refinetti, 2006). Deve-se dizer, uma vez mais, que os sinais
que funcionam como mascaramento não são zeitgebers.
Acerca da via de funcionamento de um zeitgeber, este corresponde a um
sinal externo, que é percebido pelo organismo por uma via de aferência e exerce
alterações em seu relógio biológico que por sua vez, através de vias eferentes,
desencadeia uma resposta rítmica como demonstrado na figura 7.

Figura 7 - Modelo de sincronização de um ritmo circadiano (modificado de Golombek e Rosentein,


2010).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 415


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Como a vida é um fenômeno, em última análise, rítmico (Garaulet e Madrid,


2009), ter um oscilador autossustentado e endógeno é de extrema relevância para
um organismo porque este organismo não se limita a um padrão de resposta direta
às variações do ambiente, permitindo que elabore uma resposta antecipadamente
uma vez que as variações são, comumente, cíclicas (Enright, 1970)
Como visto anteriormente, diversos podem ser os zeitgebers e todos eles
demandam uma via de aferência que capta o sinal e o transmite para o relógio
biológico. Pode-se inferir, portanto, que um mesmo organismo está sujeito a
diversos estímulos sincronizadores diferentes e, portanto, pode apresentar diversos
perfis rítmicos diferentes, de acordo com a modalidade do estímulo, sua forma e seu
local de captação.
Dada a sua ampla relevância para a manutenção da vida, um entendimento
melhor do funcionamento dos mecanismos envolvidos na sincronização de ritmos
biológicos se faz necessário e começará a ser abordado pelo estudo do oscilador
endógeno – relógio biológico – suas características morfológicas, anatômicas e
genéticas, bem como suas vias de aferência e eferência, que são os elementos mais
importantes para a organização dos ritmos biológicos.

Agradecimentos
Este texto foi gentilmente revisado pela Profa. Zulma S. Ferreira (Dep.de
Fisiologia, IB-USP). Meus sinceros agradecimentos.

Pág. 416 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Desvendando as engrenagens do “relógio biológico”

Erika Cecon
Laboratório de Cronofarmacologia
erika.cecon@usp.br

O termo “relógio biológico” é uma analogia para se referir, em conjunto, a


mecanismos capazes de gerar oscilações rítmicas independente de estímulos externos. O
funcionamento desta maquinaria endógena em sincronia com os ciclos ambientais permite
que os organismos consigam prever tais variações externas, estando adaptados a elas. A
referência à existência de relógios internos nos organismos data dos primórdios da história
da Cronobiologia, estando presente nos relatos de Curt P. Richter (1960) que dizia que os
relógios biológicos seriam “instrumentos do corpo para manter a contagem do tempo
independentemente das condições e eventos externos”. Essa conclusão surgiu através da
análise de diversas variáveis fisiológicas em pacientes hospitalizados (temperatura
corpórea, número de células sanguíneas, horas de sono, dentre outros) levando-o à
observação de que, em determinadas situações de moléstias, surgem ritmos fisiológicos de
frequência diferente de 24h, indicando a capacidade do organismo em contar o tempo em
diversas unidades. Assim, este autor concluiu pioneiramente que nós possuímos diversos
relógios internos, capazes de atuar em conjunto ou individualmente (como no caso dos
pacientes analisados), e que a localização desses relógios pode ser periférica, nos mais
diversos tecidos, ou central, principalmente nas áreas hipotalâmicas. Dessa forma, após a
comprovação científica da existência dos ritmos biológicos endógenos, as pesquisas nesse
campo avançaram na direção de identificar a menor unidade responsável pela geração
dessa ritmicidade.
De modo geral, os primeiros ensaios voltados à identificação do relógio biológico
consistiram na realização de lesões locais em diversos órgãos, seguida da verificação de
suas consequências sobre o ritmo de atividade locomotora em diversos animais. Nessa
linha de experimentos, destaca-se o trabalho do grupo de Michael Menaker, de 1971, que
demonstrou que a extirpação da glândula pineal causava arritmicidade em pardais (Binkley
e col., 1971), indicando já a importância deste órgão para os ritmos endógenos em aves. A
continuação desses estudos provou ainda que o transplante deste órgão entre indivíduos
mantidos em condições de claro/escuro deslocados de 12h (ou seja, em fases invertidas em
relação ao outro) fazia com que cada indivíduo passasse a expressar atividade de acordo
com a fase determinada pelo doador. Com este dado ficou definitivamente comprovado que
a glândula pineal corresponde ao oscilador circadiano nessas aves (Menaker e Zimmerman,

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 417


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

1976). Posteriormente, Inouye e Kawamura (1979) estabeleceram alguns critérios para que
uma estrutura possa ser considerada um oscilador endógeno, sendo que a glândula pineal
de aves obedecia a todos eles. Tais critérios são:
- persistência da oscilação em condições de cultura (in vitro), ou seja, na ausência de
aferências e eferências;
- transferência do padrão de oscilação no caso de transplante do órgão, sendo que o
indivíduo transplantado passa a exibir o período e a fase da oscilação correspondente ao
que era encontrado no indivíduo doador.
Este último quesito, porém, só poderia ser utilizado no caso de um oscilador que se
comunique com o resto do organismo por vias humorais, como é o caso da glândula pineal
nos pardais, pois a técnica de transplante não se aplicaria se a estrutura se comunicasse
por vias neurais, como parecia ser o caso nos roedores (Inouye e Kawamura, 1979).

1- Relógio biológico central de mamíferos


Em continuidade aos experimentos de Richter em busca do oscilador de mamíferos,
Stephan e Zucker (1972) realizaram lesões sucessivas em diferentes regiões do hipotálamo
de ratos e identificaram os núcleos supraquiasmáticos (NSQs) como a estrutura final de
suas buscas. Moore e Eichler (1972) chegaram à mesma conclusão na mesma época,
através de marcação radioativa dos nervos que saem da retina e seguem por uma rota
nervosa distinta daquela responsável pela visão, dirigindo-se do trato retino-hipotalâmico
aos NSQs. Com tais experimentos, ficou constatado não somente que os NSQs estão
altamente relacionados aos ritmos biológicos como também que estes comunicam-se
diretamente com o meio externo através do trato retino-hipotalâmico, o que lhes permite ter
acesso direto às informações ambientais captadas sensorialmente pela percepção retiniana.
Em 1979, Inouye e Kawamura conseguiram isolar os NSQs in vivo, cortando todas
as ligações neurais entre os NSQs e o restante do hipotálamo, construindo o que eles
descreveram como “ilha hipotalâmica”. Neste experimento, eles demonstraram a existência
de ritmos circadianos na atividade elétrica detectada por eletrodos implantados na região
hipotalâmica externa e interna aos NSQs antes do isolamento neural. Após este isolamento,
a ritmicidade era evidenciada somente nos potenciais medidos pelos eletrodos internos,
ficando a região externa arrítmica (Fig.1).

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Figura 1 – Ritmo circadiano de disparos no núcleo caudado e no hipotálamo de animais intactos (A)
ou na ilha de NSQ isolado (B). Nas abscissas, a barra preta indica a fase de escuro, das 21h00 às
09h00 (Retirado de Inouye e Kawamura, 1979).

Por fim, o experimento que faltava para sanar qualquer dúvida remanescente a
respeito da identidade do relógio biológico de mamíferos era o transplante dessa estrutura
entre animais que apresentassem diferentes fases ou período para um mesmo ritmo, de
acordo com os critérios já citados. Isso foi possível somente muitos anos depois e foi
realizado em hamsters “tau-mutantes” (que apresentam mutação no período circadiano,  
20h), cujos NSQs foram transplantados em hamsters selvagens (  24h). Os animais
selvagens, ao terem os NSQs lesionados, ficaram arrítmicos e, após o transplante,
passaram a apresentar ritmos de atividade-repouso com o mesmo período do doador
mutante (Ralph e col., 1990). Confirmara-se então o caráter oscilatório dos NSQs de
mamíferos.

1.1- Da estrutura à célula


Desde os primeiros estudos a respeito dos ritmos biológicos, mesmo quando
ainda muito pouco era conhecido sobre este assunto, já era postulado que os
mecanismos básicos da maquinaria do relógio seriam encontrados na menor
unidade organizacional que compõe os organismos vivos – a célula. Essa hipótese
se justificava devido à presença de ritmos circadianos já bem descritos nos mais
diversos táxons, de vertebrados a organismos unicelulares, como Euglena e
Paramecium, e, inclusive, em células neuronais em cultura (Strumwasser, 1965).
Após a constatação de que os osciladores circadianos de mamíferos estão
nos NSQs, a etapa seguinte foi analisar quais as características destas células
seriam as responsáveis para a execução desta importante função. Considerando

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

que os NSQs são um conglomerado de neurônios, qual seria então a variável


correspondente ao oscilador circadiano nos NSQs?
Estudando essas células, foi observado que elas apresentam ritmos auto-
sustentados de consumo de glicose e de disparos de potenciais de ação (Schwartz e
Gainer, 1977; Schwartz e col., 1980). Pressupunha-se então que o ritmo metabólico
era uma consequência do ritmo de atividade (disparos) destes neurônios, e esta foi a
primeira variável candidata a ser a essência do oscilador – a atividade elétrica.
Um experimento chave na confirmação dessa hipótese foi realizado
bloqueando-se o potencial de ação dessas células pela perfusão crônica de
tetrodotoxina (TTX, um bloqueador seletivo de canais de sódio voltagem-
dependentes) no NSQ de ratos cirurgicamente cegos (ou seja, animais que não
podiam se sincronizar à informação luminosa ambiental e, portanto, expressavam
seus ritmos em livre-curso) (Schwartz e col., 1987). Os animais perfundidos com
solução-veículo (fluido cérebro-espinhal) apresentaram ritmo de atividade em livre-
curso, conforme esperado, enquanto que os animais perfundidos com TTX
tornaram-se totalmente arrítmicos durante a perfusão (Fig. 2). O fato realmente
interessante foi que, após o término da perfusão, os animais não só retomaram seu
ritmo de atividade em livre-curso, com o mesmo tau, mas também retomaram a
mesma fase prevista caso o livre-curso não tivesse sido interrompido nesses 14
dias.

Figura 2 – Actogramas de dois ratos em livre-curso, implantados com cânulas no NSQ e perfundidos
com fluido cérebro-espinhal artificial (A) ou tetrodotoxina (B) durante os 14 dias indicados pelas setas
(Retirado de Schwartz e col., 1987).

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O mesmo resultado foi obtido em experimentos com neurônios dos NSQs em


cultura. Após inibição da atividade de disparo de potenciais por dois dias e meio por
TTX, a retirada da droga resultou em retorno dos potenciais de ação em fase
consistente com a projetada a partir do ritmo exibido antes do tratamento (Welsh e
col., 1995). Dessa forma, foi constatado que a atividade elétrica dos NSQs
corresponde somente aos mecanismos de aferência (quando sincronizados pela
informação luminosa) e eferência (controlando os demais ritmos do organismo,
estejam eles sincronizados ou em livre-curso) do oscilador, mas não sua essência,
pois ele continuava sendo capaz de “contar” o tempo mesmo na presença de TTX.
Uma maior complexidade na compreensão do funcionamento dessas células
é ainda observada com os relatos de que uma única célula neuronal é capaz de
apresentar ritmo circadiano de atividade de disparos e, mais ainda, que cada célula
de uma mesma cultura apresenta ritmos circadianos independentes (Fig. 3).

Figura 3 – Ritmo circadiano na taxa de disparos elétricos registrados em dois neurônios dos NSQs
(azul e vermelho). Esses neurônios são de uma mesma cultura, em posição bem próxima um ao
outro, e apresentam esse ritmo em oposição de fase (Retirado de Welsh e col., 1995).

Atualmente, sabe-se que o núcleo supraquiasmático é, na verdade, uma


estrutura bem heterogênea, composta por grupos de neurônios que diferem entre si
quanto à morfologia, quanto às conexões aferentes e eferentes, aos neuropeptídeos
produzidos e também quanto à expressão de seus ritmos circadianos. Basicamente,
esse núcleo pode ser dividido em duas subpopulações neuronais, uma mais interna
(core) ou ventrolateral, e outra mais externa (shell) ou dorsomedial, sendo que a
interna recebe forte aferência da retina e apresenta baixa amplitude na oscilação
circadiana, enquanto que a região externa exibe uma alta amplitude. A comunicação

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 421


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

intercelular entre essas duas áreas é essencial à manutenção da sincronia dos


padrões oscilatórios dos NSQs (Yan, 2009). Assim, reunindo estas informações com
os dados sobre ritmos observados em organismos unicelulares, chegava-se então à
unidade básica do oscilador endógeno: a célula.

1.2- Da célula às bases moleculares


Paralelamente aos estudos citados anteirormente, já havia discussões a
respeito de qual compartimento celular (núcleo ou citoplasma) exerceria o papel de
relógio central. A realização de experimentos com actiomicina-D, um inibidor de
transcrição gênica, foi essencial em demonstrar a importância do núcleo
(Karakashian e Hastings, 1962; Snyder e col., 1967). Interessante observar que
desde a década de 30 o pesquisador alemão Erwin Bünning, através de estudos de
ritmos em plantas, já previa que, se a antecipação era algo tão generalizado dentre
os organismos vivos e a percepção do tempo algo tão importante, deveria haver
uma base genética para essa característica se perpetuar (Chandrashekaran, 2007).
Essa teoria pôde ser confirmada com a descoberta de algumas moscas-da-fruta
(Drosophila melanogaster) que apresentavam aberrações em seus ritmos de postura
de ovos e/ou de eclosão. A partir de então, este organismo consagrou-se como um
ótimo modelo ao estudo das características genéticas dos ritmos biológicos, devido
a sua fácil manipulação, desenvolvimento rápido e facilidade em obter linhagens
mutantes. Os primeiros genes alvos de mutações para investigar sua relação com a
expressão de ritmos foram genes responsáveis pelo desenvolvimento e
funcionamento do organismo como um todo, partindo do pressuposto de que a
expressão de um ritmo requer um sistema integrado (Konopka e Benzer, 1971).
O estudo de três mutantes de Drosófila, que apresentavam distúrbios nos
ritmos de eclosão e de locomoção, foi essencial a essa etapa de análise molecular
das estruturas do relógio biológico. Um dos mutantes era totalmente arrítmico, outro
exibia um período de 19h e o terceiro tinha período de 28h em relação ao ritmo de
eclosão das pupas, conforme demonstram os gráficos na figura 4. O ritmo de
locomoção também se encontra alterado nesses mutantes (Fig.5), confirmando a
ausência da expressão do relógio circadiano. Com isso, confirmava-se a base
genética dos ritmos circadianos, demonstrando, inclusive, que os genes mutados
responsáveis pelos fenótipos de ritmos alterados estão ligados ao cromossomo X
(Konopka e Benzer, 1971).

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Pelo fato de essas mutações resultarem em uma alteração no período dos


ritmos, até mesmo em condições constantes, o gene mutado recebeu o nome de per
(period), e foi o primeiro dos chamados “genes do relógio” a ser descoberto, pois
afeta a maquinaria básica do oscilador.

2- Os genes do relógio de mamíferos e seus mecanismos de auto-regulação


Os estudos genéticos em Drosófilas contribuíram muito para a descoberta dos
mecanismos moleculares do relógio circadiano de mamíferos, pois estimularam a
descoberta e descrição de diversos outros genes do relógio, sendo que muitos
genes ortólogos a estes foram encontrados em mamíferos. Em continuidade a esses
estudos, merece destaque o trabalho de Hardin e colaboradores (1990) no qual
descrevem que a própria proteína do gene per de Drosófila é necessária para que
ocorra o acúmulo cíclico de seu RNA mensageiro. Dessa forma, constataram que a
proteína auto-regula sua própria transcrição gênica através de um mecanismo de
alças de feedback negativo. Conforme sabemos hoje, este é o mecanismo básico

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

através do qual os genes do relógio expressam sua ritmicidade auto-sustentada,


regulam a transcrição de seus próprios componentes e de outros genes alvos,
constituindo a base molecular do relógio.
Atualmente, o relógio central molecular de mamíferos é composto por pelo
menos 11 proteínas distintas: PERIOD1, PERIOD2, PERIOD3, CLOCK, BMAL1 (do
inglês, brain and muscle ARNT-like 1, onde ARNT= aryl hydrocarbon receptor
nuclear translocator), CRYPTOCHROME1, CRYPTOCHROME2, CASEÍNA KINASE
I, REV-ERBα e β (Pando e Sassone-Corsi, 2001) e ROR (receptor órfão
relacionado ao ácido-retinóico; Dardente e Cermakian, 2007). Assim como em
Drosófilas, essas proteínas encontram-se altamente relacionadas nas alças de auto-
regulação e atuam sob a forma de heterodímeros.
No primeiro feedback estão os elementos que são membros da família de
fatores de transcrição que apresentam o domínio bHLH-PAS (do inglês, basic helix-
loop-helix, Period-ARNT-Single-minded) – CLOCK (CLK) e BMAL1 (Gekakis e col.,
1998). Estas duas proteínas formam um heterodímero capaz de se ligar a
promotores gênicos que contenham uma sequência E-box, regulando sua
transcrição, o que inclui os promotores de Period (Per1, 2 e 3) e Cryptochrome (Cry1
e 2). O feedback negativo é realizado pelo heterodímero das proteínas PER:CRY
que transloca-se ao núcleo e, após atingir determinada concentração, interage com
o heterodímero CLK:BMAL, cessando sua atividade de promoção de transcrição.
Como consequência, os níveis de RNAm e de proteína de PER e CRY vão
decrescendo até o ponto em que tornam-se insuficientes para reprimir a atividade de
CLK:BMAL que, então, volta a ativar a transcrição gênica, reiniciando um novo ciclo
(Yoo e col., 2005).
Além disso, o heterodímero CLK:BMAL1 inicia outra alça de feedback,
ativando a transcrição de Rev-erbα e Rorα, cujas proteínas competem entre si pela
ligação ao elemento responsivo ao ROR (ROREs) presente no promotor de Bmal1,
onde terão ações antagônicas: ROR ativa a transcrição de Bmal1 enquanto que
REV-ERB a inibe (Ko e Takahashi, 2006). Todos esses ciclos em conjunto levam
cerca de 24h para se completarem e a concentração fásica dessas diferentes
proteínas é o que constitui a base molecular do relógio biológico (Fig.6).
Modificações pós-traducionais, como a atividade de fosforilação de caseínas
kinase (CK I  e ), também são essenciais para a regulação rítmica desses
diferentes fatores, propiciando estabilidade e translocação nuclear adequadas. Sua
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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

relevância foi demonstrada em organismos mutantes que não expressavam essas


quinases e apresentavam fenótipos com ritmos circadianos alterados (Gachon e col.,
2004).

Figura 6 – Rede de alças de feedback nos processos de transcrição-tradução constituem o relógio


circadiano de mamíferos (Retirado de Ko e Takahashi, 2006).

Outra característica de extrema importância dessa maquinaria é o fato de que


as proteínas do relógio não só regulam sua própria transcrição gênica como também
a de outros genes alvos que codificam para diversos produtos. Tais genes são
denominados, em conjunto, de ccgs, (clock-controlled genes, Fig.6), ou seja, genes
controlados pelo relógio, e correspondem a diversos genes diferentes que tem em
comum o elemento E-box em sua região promotora, o que faz com que suas
transcrições sejam dependentes dos componentes do relógio biológico
(CLK:BMAL1). Dessa forma, esses genes também apresentam uma variação rítmica
e circadiana em sua expressão. Eles codificam as mais diversas substâncias,
podendo ser neuropeptídeos, como a vasopressina (Duffield, 2003),
neurotransmissores, hormônios, fatores de transcrição, moléculas de sinalização
intracelular, dentre outros, regulando a atividade dos neurônios dos NSQs que, por
sua vez, sincronizam o restante do organismo através de inervações diretas sobre o
tecido-alvo ou por secreção hormonal (Bosek e col., 2009). Dessa forma, os ccgs
constituem o mecanismo molecular de eferência do relógio biológico central, ou seja,

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

o mecanismo pelo qual a oscilação rítmica endógena garantida pelos genes do


relógio é passada a todo o organismo e resulta no fenótipo rítmico de diversos
processos fisiológicos.

3- Sincronização dos genes do relógio de mamíferos aos ciclos ambientais


Como mencionado no início deste capítulo, a presença de uma maquinaria
endógena rítmica possibilita aos organismos a organização temporal de seus
processos fisiológicos, independentemente de qualquer fator externo que estimule
essa maquinaria, garantindo a sobrevivência da espécie. Da mesma forma, a
sincronização desta maquinaria aos ciclos ambientais, principalmente ao ciclo de
claro/escuro, permite aos organismos prever tais variações cíclicas, garantindo-lhes
vantagem adaptativa. Assim, para que essa sincronização ocorra, toda essa
maquinaria molecular deve sofrer um reset diário pela informação ambiental e, como
consequência, os ritmos circadianos passam a ser expressos com período de 24h.
Os mecanismos pelos quais essa sincronização ocorre envolve um conjunto
de órgãos e estruturas que levam a informação fótica ambiental até os núcleos
supraquiasmáticos, onde a maquinaria molecular do relógio central está localizada.
Em mamíferos, acredita-se que a proteína que exerce esse papel de sincronizar as
alças de feedback às informações ambientais seja a PERIOD1. Isso porque os
níveis de seu RNAm aumentam rapidamente após um pulso de luz, enquanto os
outros componentes não são alterados (Field e col., 2000). Assim, o reset diário do
relógio é dado pelo aumento da transcrição de Per1 induzido pela luz (Fig.7).

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Figura 7 – Sincronização da maquinaria molecular do relógio biológico de mamíferos pelo aumento do


complexo PER(1/2):CRY(1/2) devido à indução da transcrição gênica de Per1 pela luz (Retirado de
Paranjpe e Sharma, 2005).

A informação luminosa é percebida pela retina, no caso dos mamíferos, e


transmitida aos núcleos supraquiasmáticos através do trato retino-hipotalâmico. Os
neurotransmissores glutamato e PACAP (peptídeo pituitário ativador de adenilil-
ciclase) são os mediadores dessa informação luminosa e, na membrana dos
neurônios dos NSQs, ativam uma cascata de sinalização intracelular que resulta na
ativação do fator de transcrição CREB (proteína de ligação ao elemento responsivo
a AMP-cíclico) que, por sua vez, induz a transcrição gênica de Per (Fig. 8).
Interessante notar que essa indução de Per é dependente somente do sítio de
ligação ao CREB (CRE) na região promotora do gene, e não do sítio E-box,
responsivo às proteínas do relógio (Reppert e Weaver, 2002).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 8 – A sincronização da oscilação molecular dos genes do relógio à informação luminosa


ambiental depende da percepção dessa informação pela retina e sua transmissão aos núcleos
supraquiasmáticos (SCN) pelo trato retino-hipotalâmico. Um pulso de luz durante a noite é capaz de
induzir uma cascata de sinalização, mediada por glutamato (Glu) e PACAP nos neurônios do SCN,
que culmina na ativação do fator de transcrição CREB e consequente indução da transcrição gênica
de Per1 (Modificado de Reppert e Weaver, 2002).

3.1- Relógios periféricos


Os genes de relógio descobertos nos neurônios dos NSQs foram
posteriormente identificados em praticamente todas as demais células dos
organismos, mas por estarem tão distante da principal via de aferência
sincronizadora (retiniana), supunha-se que o mecanismo oscilatório apresentado na
periferia deveria divergir daquele encontrado nos SCN. De fato, toda oscilação
rítmica descrita em tecidos periféricos foi atribuída a um controle neural proveniente
do relógio central.
O mecanismo geral de integração do sistema circadiano em mamíferos
depende então do relógio central (NSQs), que é diariamente sincronizado pela
informação fótica ambiental, e de eferências emitidas por esses neurônios a todo o
organismo, através de sinais neurais e humorais, controlando diversos processos
fisiológicos rítmicos, tais como a secreção hormonal. Como exemplo, podemos citar
os glicocorticóides, produzidos pela glândula adrenal, que estão intimamente
relacionados com a marcação da fase de atividade do animal, ou então a
melatonina, hormônio cuja produção só ocorre durante a fase de escuro ambiental,
sinalizando essa fase a todas as células do organismo.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Indo um pouco mais além, sabemos que a fase de atividade do animal limita a
ocorrência de muitos outros ritmos, delimitando a janela temporal em que ocorre a
tomada de alimento ou a caça, por exemplo, mantendo-os também sincronizados.
Por outro lado, a sensação de fome e a alimentação em si são fortes Zeitgebers
para a grande maioria dos relógios periféricos, propiciando pistas temporais
provavelmente através dos níveis de glicose plasmática, dos hormônios
relacionados aos processos digestivos ou mesmo pelas vias neurais provenientes do
NSQ, mas que não envolvem o trato retino-hipotalâmico. Essas pistas temporais são
capazes de arrastar os ritmos nesses relógios periféricos sem que o relógio central
seja alterado (Damiola e col., 2000; Stokkan e col., 2001). Os ritmos de alimentação
e atividade/repouso também são capazes de influenciar a temperatura corporal,
apesar de esta ser majoritariamente controlada pelo NSQ. Por sua vez, a
temperatura corporal também constitui outro forte Zeitgeber para os relógios
periféricos (Fig.9).

Figura 9 – Mecanismos de ajuste de fase dos osciladores circadianos central e periféricos em


roedores de hábito noturno (Vide explicação detalhada no texto). RHT = trato retino hipotalâmico;
SCN = núcleo supraquiasmático (Retirado de Schibler e Sassone-Corsi, 2002).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Apesar de os relógios periféricos dependerem dos sinais provenientes dos


NSQs para a sincronização de seu funcionamento, quando isolados eles também
são capazes de produzir uma ritmicidade autônoma e sustentada, tal qual os
neurônios dos NSQs em cultura. Isso foi comprovado através de experimentos que
utilizaram um gene-repórter para acompanhamento da expressão do gene Per em
diversos tecidos periféricos isolados, tendo sido observada uma ritmicidade que era
mantida por mais de 20 ciclos celulares (Yoo e col., 2004).
Dessa forma, a organização temporal do organismo é obtida através da
sincronização de todos os relógios periféricos em função do relógio central. Na
ausência deste, cada tecido ou mesmo cada célula fica livre para expressar sua
ritmicidade própria, com um período também próprio, de forma totalmente
independente em relação a outros órgãos e até outros indivíduos da mesma
espécie. A função do relógio central seria então de coordenar todos esses relógios
(e não de induzir uma expressão rítmica até então inexistente, como inicialmente
postulado) de modo que entrem em fase uns com os outros e possibilitem a perfeita
sincronização do meio interno ao meio externo. Este conceito encontra-se
esquematizado na figura 10 a seguir.

Figura 10 – Sincronização do sistema temporizador de mamíferos. A) O relógio central, sincronizado


diariamente pela informação fótica, atua como um maestro orquestrando todos os demais e inúmeros
osciladores periféricos. B) Após lesão dos NSQs, os relógios periféricos continuam oscilando, mas as
fases não são mais sincronizadas entre si, e os animais passam a apresentar comportamentos
arrítmicos (Retirado de Gachon e col., 2004).

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Os conceitos aqui apresentados permitem então uma compreensão geral do


sistema de temporização interno, desde os processos envolvidos na geração da
ritmicidade endógena, que reside no nível molecular através da regulação auto-
sustentada da expressão de genes específicos, até os mecanismos pelos quais essa
ritmicidade no núcleo celular é passada adiante, resultando no fenótipo final de
ritmos circadianos observados em diversos processos fisiológicos e até mesmo
comportamentais. Importante ressaltar que os componentes moleculares da
maquinaria do relógio foram aqui apresentados de forma simplificada, uma vez em
que constituem processos complexos de regulação que, quanto mais pesquisados,
mais componentes surgem, com descobertas de novos fatores de transcrição e
genes-alvos envolvidos neste cenário (revisto atualmente por Okamura e col., 2010).
A grande capacidade adaptativa conferida aos organismos por esse sistema
justifica que toda essa complexidade de mecanismos para a sincronização do
organismo ao meio externo tenha sido altamente conservada e selecionada ao longo
do processo evolutivo.

Agradecimentos
Este texto foi gentilmente revisado pela Profa. Zulma S. Ferreira (Dep.de
Fisiologia, IB-USP). Meus sinceros agradecimentos.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 431


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Está na Hora de Acender as Luzes: Fotorrecepção e Sincronização do


Organismo ao Meio Externo

Sanseray da Silveira Cruz-Machado


Laboratório de Cronofarmacologia
sanseray@usp.br

O organismo vivo multicelular precisa atuar de forma integrada e sincronizada. Neste


sentido, é necessário que haja comunicação entre os diferentes órgãos e sistemas. Esta
comunicação pode ser realizada de diferentes maneiras, mas, em linhas gerais, as
informações podem ser transmitidas de forma rápida e direcionada, como ocorre com a
transmissão através da rede neural, ou de forma difusa e integradora como ocorre com o
sistema endócrino. Nos dois casos os sistemas transmitem a informação em tempo real e os
órgãos-alvo vão reagir conforme o estado em que se encontram no momento em que
recebem o estímulo. Portanto, um adequado funcionamento do organismo parte da
premissa de que este esteja apto a receber uma informação e gerar uma resposta integrada.
Este conceito implica ainda na capacidade de perceber a informação que chega. Nesta aula,
utilizaremos o conceito de percepção e integração do estímulo para demonstrar como o
organismo consegue antecipar o que ocorre no ambiente externo e ajustar o seu
funcionamento de maneira apropriada.
Considerando os ciclos naturais aos quais somos submetidos, o organismo precisa
estar preparado para o amanhecer, o anoitecer e para os diferentes momentos das 24 horas
do dia (aproximadamente 12 horas de claro e 12 horas de escuro) para responder de forma
apropriada aos desafios que surgem. Para reconhecer estas variações no fotoperíodo
ambiental, os seres vivos necessitam de sensores que percebam a variação temporal de luz
e também de mecanismos que, através de sinais humorais e neurais, vão informar o estado
de iluminação ambiental ao organismo. Esta informação acaba por sincronizar o relógio
endógeno, responsável pela geração de vários ritmos biológicos, aos ciclos ambientais
regulares, adequando os sinais eferentes desta estrutura a cada momento.
Assim como ocorre em diversos sistemas sensoriais, a informação precisa ser
reconhecida por receptores. Quimiorreceptores, mecanorreceptores e receptores gustativos
percebem cheiros, movimentos articulares e sabores, respectivamente. Quando estamos
discutindo percepção da luz, estamos considerando os fotorreceptores presentes na retina,
os quais reconhecem comprimentos de onda específicos (Fig. 1). No entanto,
fotorreceptores diferentes percebem comprimentos de onda diferentes, como veremos a
seguir.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Figura 1 – Diagrama do sistema de temporização circadiana de mamíferos: Através da fotorrecepção,


a retina envia projeções neurais para diferentes regiões do sistema nervoso central. Em relação ao
sistema de temporização interna em mamíferos, esta projeção retiniana, o trato retino-hipotalâmico,
segue para o relógio biológico central, localizado nos núcleos supraquiasmáticos do hipotálamo, o
qual é sincronizado por esta e outras aferências e gera respostas eferentes coordenadas com o ciclo
fotoperiódico ambiental promovendo o ajuste das respostas fisiológicas, metabólicas e
comportamentais do organismo.

Através de fotopigmentos, os seres vivos percebem as variações ambientais


de luminosidade. Em vertebrados não-mamíferos, os fotopigmentos podem estar
localizados na glândula pineal, em áreas profundas do cérebro e na retina,
respondendo à luz que penetra pela pele, crânio, tecido cerebral e olhos. No
entanto, em mamíferos a fotorrecepção é feita exclusivamente por fotopigmentos
presentes nas células da retina. Dentre as principais células retinianas podemos
citar os cones, bastonetes, células ganglionares, células amácrinas e as células
bipolares (Menaker, 2003). Esta aula discutirá, a partir deste ponto, a fotorrecepção
em mamíferos e a análise comparativa com os vertebrados não mamíferos será
abordada no final deste capítulo.
Como vimos até o momento, a retina é composta por diferentes
fotorreceptores e também por interneurônios que modulam a saída das informações
percebidas para o restante do sistema nervoso central (SNC). Os cones têm
estrutura especial que ajuda na detecção de detalhes da imagem, como por
exemplo, o formato de um corpo ou de um objeto e ainda a visão em cores. Já os
bastonetes são os principais responsáveis pela visão no escuro.
Basicamente, os cones e os bastonetes apresentam dois segmentos (interno
e externo) que são responsáveis por funções distintas (Fig. 2). No segmento interno,
são encontradas organelas responsáveis pelo bom funcionamento celular. No

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

segmento externo há a presença de grande número de discos que correspondem a


invaginações da membrana celular do fotorreceptor. Cada célula fotorreceptora
possui cerca de 1.000 discos contendo fotopigmentos. No caso dos bastonetes, o
fotopigmento presente é a rodopsina e nos cones as substâncias fotoquímicas
possuem composição apenas ligeiramente diferente da composição da rodopsina.
Tanto a rodopsina como os outros fotopigmentos são proteínas conjugadas que
estão incorporadas às membranas dos discos sob forma de proteínas
transmembrânicas. As concentrações desses pigmentos fotossensíveis nos discos
são tão altas que eles constituem aproximadamente 40% da massa total do
segmento externo e funcionam praticamente da mesma maneira. No entanto, sua
sensibilidade a cada comprimento de onda é diferente (Guyton e Hall, 2002) o que
dá especificidade a cada célula fotorreceptora (Fig. 3)

Figura 2 – Células Fotorreceptoras especializadas da retina: Cones e Bastonetes são


divididos em: segmento externo (responsável pela fototransdução), segmento interno (onde se
encontra a maquinaria biossintética da célula) e o terminal sináptico (que faz sinapse com outros
neurônios). (Modificado de Baldo & Hamassaki-Britto, 1999).

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Figura 3 – Fotorrecepção na Retina: (A) A luz atravessa várias estruturas antes de chegar à
retina. À direita (quadro) na região da fóvea, estão localizados alguns tipos celulares da retina. (B)
Esquema simplificado que mostra os principais tipos celulares da retina: fotorreceptoras (cones,
bastonetes, células ganglionares), células bipolares, células amácrinas e células horizontais que atuam
principalmente como interneurônios. (Modificado de Baldo & Hamassaki-Britto, 1999).

Quando a energia luminosa é absorvida, as substâncias químicas presentes


no segmento externo de cones e bastonetes se decompõem pela exposição à luz e,
no processo, excitam fibras nervosas. Portanto, estes fotorreceptores convertem
uma informação fótica (comprimento de onda) em informação elétrica (impulso
nervoso em direção ao SNC). Esta característica também é observada em outros
sistemas sensoriais, como por exemplo, os quimiorreceptores presentes na mucosa

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 435


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

olfatória ou mecanorreceptores presentes nas articulações, que convertem


informação química (cheiro) ou pressão (movimento articular), respectivamente, em
informação elétrica.
É preciso que fique claro que na retina os três principais fotorreceptores
(cones, bastonetes e células ganglionares) apesar de ter uma característica comum
(converter comprimentos de onda em sinal elétrico), o fazem de forma diferente. Os
cones e os bastonetes são as principais células a perceber o meio externo e enviar
as projeções para o córtex visual primário localizado no lobo occipital (Guyton e Hall,
2002). Já as células ganglionares, além de modular a projeção das informações dos
cones e bastonetes, percebem as variações rítmicas de claro e escuro no ambiente
e as projetam para os núcleos supraquiasmáticos (NSQs) onde está localizado o
relógio biológico central.
Por muito tempo, pesquisadores acreditaram que os cones e os bastonetes,
fotorreceptores visuais clássicos da retina, constituíssem também os principais
fotorreceptores para transmissão da informação do fotoperíodo ambiental. No
entanto, ficou comprovado em experimentos com ratos e camundongos que quando
estes fotorreceptores são eliminados seletivamente sem que haja dano adicional à
retina, não há alteração na sincronização circadiana, demonstrando que outro
fotorreceptor deve estar envolvido no envio de informações ambientais para ajustar
o relógio biológico central (Menaker, 2003).
De fato, recentemente foi demonstrada a existência da melanopsina, um
fotopigmento presente nas células ganglionares da retina, que faz parte de uma
superfamília de receptores acoplados a proteínas G altamente sensíveis à luz. A
melanopsina é expressa na retina em todas as classes de vertebrados examinadas
até o momento, sendo vista desde peixes até mamíferos. O padrão de expressão de
melanopsina difere entre as classes de vertebrados, mas sua presença em células
ganglionares da retina é constante. Nos mamíferos, essas são as únicas células que
expressam melanopsina (Panda e col., 2002, revisto por Rollag e col., 2003).
Este conceito recente apresenta, portanto, a retina como uma estrutura que opera
transmitindo informações semelhantes, mas para estruturas-alvo diferentes. Esta proposta
permite explicar porque sujeitos que são cegos totais, sem nenhuma percepção visual
consciente, são capazes de ajustar o relógio biológico ao ciclo claro-escuro ambiental
(Foster, 1998). Como vimos até o momento, isto ocorre porque células diferentes estão
percebendo informações que, apesar de serem semelhantes, são projetadas para áreas

Pág. 436 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

diferentes no SNC. Portanto, apesar destes indivíduos não projetarem informações captadas
por cones e bastonetes para o córtex visual e formar a visão, estes ainda se mantêm
sincronizados ao ambiente externo, se as células ganglionares se mantiverem intactas.
A partir de agora, abordaremos como as aferências da retina chegam ao relógio
biológico central e como este relógio se projeta para outras áreas para adequar o
comportamento e as respostas fisiológicas.
Em mamíferos, as informações relacionadas ao ciclo claro/escuro ambiental
percebidas pela melanopsina das células ganglionares (Fig. 4) são projetadas
através do trato retino-hipotalâmico (TRH) para o hipotálamo, onde estão localizados
os núcleos supraquiasmáticos (NSQs). Em resposta a luz, os neurotransmissores
glutamato e PACAP (do inglês, pituitary adenilate cyclase-activating peptide) são
liberados no terminal axonal do TRH e estimulam seus receptores localizados nos
neurônios dos NSQs para que a sinalização intracelular promova a sincronização do
oscilador endógeno (Hannibal, 2002, Hirota e Fukada, 2004, revisto por Meijer e
Schwartz, 2003).

Figura 4 – Visão esquemática da circuitaria retiniana demonstrando a entrada de luz ao sistema


circadiano através das células ganglionares e projetando esta informação para os NSQs. A via de
transdução de sinal envolve a liberação de glutamato e/ou PACAP e sua atuação em seus receptores
de membrana, promovendo mudanças nos níveis intracelulares de Ca2+ e a ativação de kinases como
MAPK (do inglês, mitogen-activated pepitide kinase), PKA (do inglês, cAMP-activater protein kinase) e
CaMK (do inglês, Ca2+-Calmodulin-dependent kinase). Por último, estes sinais intracelulares poderão
promover a fosforilação e ativação de CREB (do inglês, cAMP-response-element-binding protein) e

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

induzir transcrição gênica e modulação da transcrição de genes do relógio (Modificado de Morse e


Sassone-Corsi, 2002, revisto por Meijer e Schwartz, 2003).

Além da percepção da luminosidade ambiental realizada pelas células


ganglionares da retina (aferência retiniana), a literatura descreve aferências neurais
originárias de outras regiões do SNC que influenciam e/ou modulam a sincronização
dos NSQs (Fig. 5). Exemplificaremos esta modulação através das duas maiores
aferências extra-retinianas projetadas aos NSQs originárias do folheto
intergeniculado do tálamo (IGL) e do núcleo mediano da rafe (MnR). O IGL envia
densas projeções neurais aos NSQs contendo neuropeptídeo Y (NPY).
Experimentos realizados com a infusão de NPY diretamente nos NSQs em animais
em livre-curso promoveram mudança de fase no ritmo circadiano da atividade
locomotora destes animais. Consistente com esta observação, estudos
demonstraram que a lesão bilateral do IGL bloqueia a atividade locomotora induzida
por mudanças de fase, sugerindo, portanto que o trato geniculo-hipotalâmico medeia
a entrada de estímulos não-fóticos para modular a sincronização do relógio biológico
(Moga e Moore, 1997).

Figura 5 – Representação esquemática da organização circadiana de mamíferos em relação às


aferências projetadas para os NSQs: A informação sobre luminosidade ambiental capitada pelas
células ganglionares permite liberação de glutamato pelo TRH, que atua nos NSQs e no IGL. Do IGL
há liberação de NPY que pode ser estimulado por glutamato proveniente do TRH. Do núcleo mediano
da rafe há liberação de serotonina. A liberação desses transmissores atua na transcrição/repressão
de genes que permitirão a sincronização do organismo e geração de ritmos fisiológicos, metabólicos
e comportamentais (Modificado de Ibata e col., 1999).

Pág. 438 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Os NSQs recebem ainda densa inervação de fibras contendo 5-


hidroxitriptamina (5-HT, serotonina) originárias do núcleo mediano da rafe. Além
disso, os NSQs possuem diferentes subtipos de receptores para 5-HT (Brown e
Piggins, 2007). Os efeitos deste neurotransmissor sobre o funcionamento dos NSQs
parecem ser predominantemente inibitórios tanto em animais de hábito diurno
quanto noturno. In vivo, os NSQs de ratos exibem um aumento na sensibilidade a
serotonina durante a noite. É interessante ainda, que agonistas de receptores de
serotonina inibem a atividade locomotora induzida pela luz em hamsters. Serotonina
e agonistas de receptores de 5-HT também são conhecidos por promover mudança
de fase em ratos e camundongos, além de avanço de fase quando administrado
durante o dia (Brown e Piggins, 2007). Portanto, neste ponto fica claro que a luz
percebida pela retina é o principal sincronizador do relógio, mas que outras
estruturas no SNC contribuem para a sincronização deste. Em outras palavras,
podemos observar um sistema dinâmico multifatorial que é convergente para a
sincronização do organismo (Fig. 6).

Figura 6 – Representação esquemática dos efeitos da luz sobre o ritmo circadiano de um animal em
ciclo de claro/escuro (LD, do inglês Light/Dark) e, portanto, sincronizado a um ritmo de 24 horas.
Quando este animal é mantido em escuro constante (DD, do inglês Dark/Dark) e na ausência de
qualquer outra pista ambiental, entra em livre curso. Um pulso de luz no final do período de atividade,
ou seja, no final da noite subjetiva promove um adiantamento de fase (em inglês phase advance) e
um pulso de luz no início do período de atividade, ou seja, no inicio da noite subjetiva promove um
atraso de fase (em inglês phase delay). As barras pretas indicam a atividade do animal (roedor se

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

movimentando na gaiola, bebendo água ou se alimentando) em dias sucessivos. A lesão nos NSQs
faz com que a luz ambiental não seja mais interpretada (apesar de ainda estar sendo percebida)
havendo desincronização, o que explica a fragmentação do registro de atividade deste animal
(Modificado de Esseveldt e col., 2000).

No início deste capítulo descrevemos que através do fotopigmento


melanopsina presente nas células ganglionares da retina, a maioria dos seres vivos
percebem as variações luminosas do ambiente e até o momento, apresentamos que
a luz é a principal aferência sincronizadora dos NSQs em mamíferos. Por outro lado,
em vertebrados não-mamíferos, é possível encontrar células fotorreceptoras em
outros locais além da retina, como em áreas profundas do cérebro e na glândula
pineal. Ainda é discutida a relevância da presença de fotorreceptores em áreas
profundas do cérebro, bem como sua função. No entanto, é bem evidente que em
peixes, anfíbios e aves a glândula pineal possui células fotorreceptoras semelhantes
às células da retina. Na figura 7 é possível observar a diferença entre os pinealócitos
(células secretoras de melatonina localizadas na glândula pineal) em diferentes
espécies. Em peixes, anfíbios, répteis e aves os pinealócitos também atuam como
células fotorreceptoras ou células fotorreceptoras rudimentares, pois apresentam o
segmento externo semelhante às células da retina e, portanto, fotopigmentos. Já em
mamíferos, estas células não apresentam esta característica, estando dependente
da sincronização dos NSQs para exercer sua função secretora de melatonina
durante a fase de escuro ambiental.

Figura 7 – Evolução filogenética dos pinealócitos e sua estrutura microscópica: (A) Em peixes,
anfíbios, répteis e aves as células da pineal atuam como células fotorreceptoras ou células

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

fotorreceptoras rudimentares, enquanto que em mamíferos, as células da pineal são caracterizadas


como pinealócitos, as quais apresentam apenas característica endócrina (Modificado de Nelson,
1995).

Utilizaremos o exemplo de aves, onde a existência de fotorreceptores extra-


retinianos em diversas espécies já foi bem estuda e descrita. Nestes animais, os
estudos indicam um sistema multi-fotorreceptor (Fig. 8) no qual os fotorreceptores
presentes na glândula pineal, na retina e em áreas profundas do cérebro atuam
como fotorreceptores e osciladores (relógios biológicos), modulando as funções
fisiológicas do organismo (revisto por Oishi e col., 2001). Portanto, mamíferos e não
mamíferos utilizam a fotorrecepção para ajustar o oscilador/osciladores endógenos
ao ciclo claro/escuro ambiental. Para que isso ocorra, existem células especializadas
que traduzem um estímulo luminoso em um estímulo elétrico para orquestrar um
bom funcionamento fisiológico do organismo. Comparativamente, existem diferenças
entre a fotorrecepção de mamíferos (exclusivamente retiniana) com a fotorrecepção
de vertebrados não-mamíferos (que pode ocorrer reciprocamente na retina, em
áreas profundas do cérebro e na glândula pineal). Em relação aos mamíferos, a
presença de melanopsina nas células ganglionares da retina permite a percepção de
uma informação específica para o ajuste do oscilador central e este mecanismo é
passível de modulação por vias neurais provenientes de outras áreas do sistema
nervoso central (aferências extra-retinianos).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 8 – Representação esquemática do sistema circadiano de mamíferos e vertebrados não-


mamíferos: Em mamíferos, o sistema circadiano é definido como um sistema unificado, em que a luz
é percebida por fotorreceptores retinianos que acabam por sincronizar o oscilador central (NSQs) e
gerar eferências rítmicas funcionais (ex. produção de melatonina pela glândula pineal). Já os
vertebrados não-mamíferos possuem organização em sistema de multi-fotorreceptores, onde a luz é
percebida por fotorreceptores situados em diferentes locais, os quais também atuam como
osciladores capazes de gerar eferências e modular o funcionamento fisiológico, metabólico e
comportamental do organismo.

Após termos abordado como a luz sincroniza o oscilador central (em mamíferos) ou
os osciladores (em vertebrados não-mamíferos), voltaremos nossa atenção para os
mamíferos para compreender como a sincronização do relógio central modula o
funcionamento do organismo. A partir deste ponto discutiremos como esta sincronização
modula processos fisiológicos (eferência). Neste contexto, as glândulas pineal e adrenal são
ótimos exemplos para demonstrar a via eferente do sistema de temporização interna do
organismo, o qual tem os NSQs como sincronizador central.
A informação temporal gerada pelo relógio biológico central (NSQs) chega a todo
organismo através de vias neurais que são projetadas para estruturas alvo. Estas
eferências, portanto, controlam o funcionamento destas estruturas e assim, modulam o
funcionamento do organismo. Para o controle das glândulas pineal e adrenal, as vias
eferentes dos NSQs ustilizam uma estação sináptica localizada nos núcleos
paraventriculares do hipotálamo (PVN). É interessante notar que a lesão nos NSQs não
elimina a produção hormonal destas glândulas, entretanto, dessincroniza o ritmo diário da
síntese destes hormônios (Simonneaux e Ribelayga, 2003).
Com relação à produção circadiana de melatonina (produção pela glândula pineal) as
projeções do PVN seguem para a porção intermédio-lateral da medula espinhal. A partir daí,
via gânglio cervical superior (GCS), fibras pós-ganglionares simpáticas promoverão
liberação de noradrenalina diretamente na glândula pineal e a ativação da via biosintética de
melatonina durante a fase de escuro ambiental. (Simonneaux; Ribelayga, 2003).
Já a produção rítmica de corticosterona estimulada pelos NSQs via PVN pode
ocorrer de duas formas: a primeira é por uma via neuroendócrina que consiste na atuação
do PVN sobre a adeno-hipófise induzindo a secreção de hormônios, entre eles o hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) que, via circulação sistêmica, chega ao córtex da glândula
adrenal e estimula a produção de corticosterona (Buijs e Kalsbeek, 2001; Kalsbeek e Buijs,
2002). Já a via neuroendócrina também utiliza a coluna intermédio-lateral da medula
espinhal. Como já discutido, a projeção da coluna intermédio-lateral para o gânglio cervical
superior controla a produção de melatonina. Por outro lado, uma projeção da coluna
intermédio-lateral descende pela medula espinhal e inerva diretamente o córtex da adrenal

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

estimulando a produção de corticosterona (Buijs e col., 1999). É interessante notar que na


grande maioria dos mamíferos a produção rítmica destes hormônios se dá em fases
diferentes, uma vez que a produção de melatonina ocorre apenas durante a fase de escuro
ambiental, enquanto que a produção de corticosterona (ou cortisol, em humanos) ocorre na
transição entre as fases de repouso para a de atividade (Fig. 9). Neste sentido, animais de
hábito noturno apresentam produção de corticosterona com pico no final da tarde, enquanto
que animais de hábito diurno apresentam produção de corticosterona com pico no fim da
fase de escuro.

Figura 9 – Controle circadiano da produção de melatonina e corticosterona pelo relógio


biológico central em roedores de hábito noturno. A informação de fotoperíodo ambiental é percebida
por células ganglionares na retina e integrada via trato retino-hipotalâmico nos núcleos
supraquiasmáticos (do inglês, suprachiasmatic nucleus, SCN) hipotalâmicos via trato retino-
hipotalâmico. Após a sincronização do relógio central, este sinaliza via núcleo paraventricular do
hipotálamo (do inglês, paraventricular nucleus, PVN) que exerce controle da liberação de
noradrenalina sobre a glândula pineal via coluna intermédio-lateral e gânglio cervical superior.
Noradrenalina liberada durante a fase de escuro induz a síntese do hormônio melatonina na pineal. O
PVN ainda controla a produção de corticosterona na glândula adrenal por uma via neuronal direta
através da coluna intermédio-lateral ou por uma via neuroendócrina que resulta na liberação
sistêmica de ACTH pela hipófise (Modificado de Schultz e Kay, 2003).

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Em conclusão, ao “acendermos as luzes” há a ativação de uma via neural aferente


que se inicia na retina e sincroniza a maquinaria molecular nos NSQs. O controle eferente
neural a partir deste núcleo é realizado através de diversas estações sinápticas em outras
áreas do SNC, estando o PVN como uma das principais. A partir daí, observamos que o
funcionamento de duas importantes glândulas, pineal e adrenal, possui sua atividade
endócrina sincronizada para orquestrar o bom funcionamento do organismo através da ação
pleiotrópica de seus hormônios. Estas e outras funções provenientes da sincronização do
organismo serão abordas e discutidas nos capítulos e aulas subsequentes.

Agradecimentos
Este texto foi gentilmente revisado pela Profa. Luciana Pinato (Departamento
de Fonoaudiologia, UNESP, Campus Marília, SP) e pelo Prof. Pedro Augusto Carlos
Magno Fernandes (Departamento de Fisiologia, IB-USP). Meus sinceros
agradecimentos.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Melatonina: a Hora e a Vez de uma Molécula Multifacetada

Cláudia Emanuele Carvalho de Sousa


Laboratório de Cronofarmacologia
claudiaemanuelle@bol.com.br

1- Melatonina e glândula pineal– um breve histórico


A glândula pineal tem um histórico notável, de antigo a místico. Sua primeira
descrição foi realizada pelo anatomista Herófilo entre os séculos III e IV a.C. Mais
tarde Cláudio Galeno (130-200), médico e filósofo grego foi o primeiro a identificar a
localização da pineal no cérebro humano e também a distinguir a pineal do tecido
nervoso caracterizando-a como glândula (Zrenner, 1985). René Descartes (1596-
1650), lembrado principalmente por suas contribuições matemáticas e filosóficas
estudou extensivamente a glândula pineal colocando-a como centro da alma e como
órgão regulador do fluxo de espíritos nos animais. Esta concepção é registrada no
histórico da glândula como um grande passo para o entendimento da função da
pineal embora carregada de significado filosófico. Descartes foi o primeiro a associar
que a pineal seria regulada pelo ambiente. O órgão também foi chamado de corpo
cervical ou epífise cerebral, este último nome se refere à localização da pineal acima
do cérebro. Assim como para outros órgãos e estruturas anatômicas a cunhagem do
nome da glândula refletiu o estado do conhecimento e do desenvolvimento
tecnológico da época. A primeira função fisiológica atribuída à pineal foi sugerida
pela análise de um caso clínico propondo a relação entre um tumor na pineal e o
aparecimento da puberdade precoce. Essa observação foi feita pelo médico Otto
Heubner que relacionou a alteração gonadal com o tumor da pineal. Vários estudos
se seguiram na tentativa de entender a ação dos hormônios da pineal sobre a
fisiologia reprodutiva. Muitos desses trabalhos avaliaram o efeito dos extratos da
pineal sobre o trato reprodutor (Kitay e Altschule, 1954; Moszkowska, 1951;
Simonnet e col., 1951). A associação da pineal com o sistema reprodutor ficou
estabelecida desde então e passou a ser estudada por diferentes pesquisadores.
A identificação da melatonina só aconteceu no final da década de 1950, um
grupo de pesquisadores conseguiu isolar e caracterizar a partir de extratos de pineal
bovina a indolamina N-acetil-5-metoxitriptamina (Lerner e col., 1959), denominada
melatonina por sua habilidade de promover a agregação de melanóforos da pele de

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

anfíbios (Lerner e col., 1958). Na década de 1960 é estabelecida a relação entre a


luz ambiental e a atividade metabólica da glândula pineal (Wurtman e col., 1963;
1967, Quay, 1967), sendo evidenciado o ritmo diário de serotonina (Quay, 1963) e
da melatonina em pineais de ratos (Quay, 1964).

2- Evolução estrutural e funcional da pineal nos vertebrados


A vida na Terra convive com o ciclo diário de sucessão da noite e do dia
desde os primórdios de sua existência. Por isso a presença de mecanismos de
detecção de luz provê vantagem adaptativa aos organismos vivos e evoluiu em
praticamente todos os filos de animais e plantas. A luz indica duas informações
básicas e essenciais para sobrevivência: a forma e a cor de objetos e o sinal
temporal que distingue o dia e a noite. Por meio da pressão seletiva dois sistemas
visuais evoluíram no diencéfalo de todos os vertebrados para organizar a informação
luminosa: os órgãos laterais, que formam as imagens dos objetos, e a glândula
pineal, a qual transforma a variação da luz ambiental em um sinal interno hormonal
(Mano e Fukada, 2007; Maronde e Stehle, 2007)
A glândula pineal é formada a partir da evaginação do teto do diencéfalo
durante o desenvolvimento. A pineal no indivíduo adulto é uma estrutura localizada
na linha média do cérebro e exibe uma alta variabilidade de formas entre as
espécies de vertebrados que também pode ser associada a órgãos acessórios como
o órgão parapineal em lampréias e peixes, o órgão frontal em anfíbios e o olho
parietal em répteis (Oksche, 1965). O complexo pineal pode ter uma porção
intracraniana e outra extra craniana O órgão pineal é sempre intracraniano assim
como em lampréias e peixes. A porção extra craniana geralmente possui lentes ou
estruturas semelhantes à córnea como o órgão frontal em anuros e o olho parietal
em lacertilianos (Ekström e Meissl, 2003)
A função fisiológica da glândula pineal mais conservada entre as diferentes
espécies é a produção rítmica da melatonina. Em vertebrados inferiores como em
lampréias, peixes, anfíbios, répteis e aves a pineal é diretamente fotossensível e
possui papel ativo como um órgão fotorreceptor e por isso chamada também de
“terceiro olho” (Mano e Fukada, 2007). Nestas espécies a pineal também contém um
oscilador circadiano intrínseco o qual é sincronizado pelo ciclo claro-escuro através
do sistema endógeno de detecção de luz (Takahashi e col., 1980, Okano e Fukada,
2001). Já em mamíferos a glândula pineal perde a habilidade fotorreceptora e de

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

marcação endógena de ritmo. É um órgão tipicamente neuroendócrino e os núcleos


supraquiasmáticos (NSQ) têm papel essencial na variação diária da produção de
melatonina, gerando o ritmo e propagando a resposta à luz detectada pela retina
(para revisão Kennaway e Wright, 2002; Moore, 1997;).
A modificação da função pineal de órgão fotossensorial para neuroendócrino
é correlacionado com a alteração da composição e morfologia das células da pineal.
O principal tipo celular parenquimal de todos os órgãos pineais é o pinealócito que
evoluiu durante a irradiação dos vertebrados através da perda gradual de caracteres
de fotorrecepção e aumento de caracteres neuroendócrinos. Sendo assim o
pinealócito de mamíferos evoluiu a partir de células fotorreceptoras, similares
aquelas de órgãos pineais de anamniotas (Collin, 1969, 1971; Collin e Oksche,
1981; Oksche ,1971;). Outra parte importante que compõe a pineal são as células
gliais, microglia e astroglia, que compreende 5-10 % das células (Karasek e Reiter,
1992).
Em lampréias, peixes e anfíbios as células fotorreceptoras da pineal possuem
segmentos externos lamelares que se assemelham aqueles encontrados na retina.
O sinal luminoso detectado por células fotorreceptoras da pineal é transformado em
sinais intracelulares que regulam a produção de melatonina e também é transmitido
a neurônios secundários através de sinapses no parênquima pineal. As células
fotorreceptoras de pineais de répteis e aves são chamadas de fotorreceptores
modificados as quais possuem regressão de alguns segmentos lamelares externos
em vários níveis. Os neurônios secundários são menos abundantes nestas classes,
provavelmente devido a redução da função fotossensorial. Por último, os
pinealócitos desprovidos de estruturas para fotorrecepção na glândula pineal de
mamíferos não possuem os segmentos exteriores (ver Fig.1). Nestas espécies a
pineal é regulada de maneira indireta através de projeções da retina para estruturas
do diencéfalo que chegam a pineal através de projeções diretas e indiretas pelo
sistema nervoso autônomo simpático (Ekström e Meissl, 2003).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 447


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 1- Cladograma mostrando as relações filogenéticas e os diferentes tipos de pinealócitos nos


grupos de vertebrados. O asterisco denota que o complexo pineal não está na mixinas e crocodilos. X
representa a divergência entre sauropsidas e mamíferos. (Modificado de Ekstrom e Meissl, 2003).

3- Produção de melatonina pela glândula pineal


A produção de melatonina segue passos comuns entre as várias espécies de
vertebrados, essa correspondência acontece em função de características
conservadas entre os animais. A síntese de melatonina é controlada pelo ciclo de
iluminação ambiental de maneira que independente da espécie considerada é
sempre deflagrada na fase noturna. Isso quer dizer que todos os organismos podem
contar o tempo usando este sinal, mas cada um pode utilizar o sinal de forma
diferente. A variação da duração entre noites mais curtas e longas também informa a
estação do ano. Outra característica comum da produção da melatonina é que ela é

Pág. 448 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

dirigida por um relógio circadiano, permitindo antecipar as mudanças ambientais


antes mesmo que aconteçam. Uma terceira característica se refere a maquinaria
molecular, o monofosfato de adenosina cíclico (AMPc) em pinealócitos de diferentes
espécies é controlado de formas distintas mas o seu papel sobre a enzima chave da
via biossintética da melatonina, arilalquilamina N-acetiltransferase (AA-NAT) é
altamente conservado (Ganguly e col., 2001, 2002; Klein e col., 2002, 2003;).
Em contraposição aos caracteres conservados a via biossintética da
melatonina ainda pode ser regulada de maneiras diferentes. Como já descrito, em
não-mamíferos, o relógio biológico, o mecanismo de fototransdução e a síntese de
melatonina propriamente dita é localizada no pinealócito (para revisão, Klein, 2006).
Em mamíferos ocorre a centralização do relógio que está localizado nos NSQ do
hipotálamo (Klein e Moore, 1979; Moore e Klein, 1974;) que se comunicam com a
pineal através de uma via neural multissináptica. Neste caso a informação luminosa
atua sobre o sistema rítmico de síntese de melatonina via retina e através do trato
retino-hipotalâmico sincroniza o relógio.
Em mamíferos, de forma comum, na ausência de iluminação há liberação de
noradrenalina no parênquima da pineal pelas fibras simpáticas provenientes do
gânglio cervical superior. A noradrenalina liberada pelos terminais simpáticos
interage com receptores pós-sinápticos dos tipos α1 e β1-adrenérgicos presentes na
membrana dos pinealócitos. A ativação dos adrenoceptores β é essencial para a
indução da síntese de melatonina enquanto que a estimulação de adrenoceptores
alfa potencia a resposta desencadeada por ativação dos adrenoceptores β (Klein e
col., 1983).
A ativação dos receptores β1 induz a ativação da proteína G estimulatória
(Gs) que, por sua vez, ativa a enzima adenilil ciclase (AC) promovendo a formação
do segundo mensageiro (AMPc). O aumento de AMPc ativa a proteína quinase
dependente de AMPc (PKA). Em roedores, a PKA induz a fosforilação do fator de
transcrição CREB (do inglês, cyclic-AMP regulating element binding) e da enzima
AA-NAT. CREB fosforilado se liga ao elemento CRE (do inglês, cAMP-responsive
element) do DNA no promotor do gene da AA-NAT promovendo a transcrição
gênica. A fosforilação da AA-NAT induz a sua interação com a chaperona 14-3-3
(Ganguly e col., 2001, 2002; Klein e col., 2002) impedindo sua degradação
proteassomal (Gastel e col., 1998; Ganguly e col., 2001). Nessas espécies, tanto o
gene quanto a proteína da AA-NAT apresentam um ritmo circadiano com níveis de

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

transcrição de 100-150 vezes maior durante a noite (Borjigin e col., 1995; Roseboom
e col., 1996; Garidou e col., 2001). Em ungulados e primatas o gene Aanat é
expresso constitutivamente, não havendo diferenças significativas dos níveis de
RNAm entre o dia e a noite (Coon e col., 1995; Johnston e col., 2004; Schomerus e
col., 2000). Neste caso, embora haja a transcrição da AA-NAT ela é rapidamente
degradada assim que traduzida. A liberação noturna de noradrenalina na glândula
leva a ativação da PKA que fosforila a enzima prevenindo a degradação da AA-NAT
(Korf e col., 1998; Stehle e col., 2001). Desse modo, a regulação da AA-NAT, seja
sobre a atividade ou sobre a transcrição do gene é o passo chave para síntese e o
ritmo circadiano da melatonina.
Os receptores alfa adrenérgicos são acoplados à proteína Gq que, ao se
ligarem a noradrenalina, ativam a enzima fosfolipase C (PLC) promovendo aumento
do cálcio intracelular (Ca+2) via inositol trifosfato (IP3) e, consequentemente, a
ativação da proteína quinase dependente de cálcio (PKC) (Sugden e col., 1984;
Vanecek e col., 1985). Dessa forma, a estimulação dos receptores α1 converge com
a resposta β-adrenérgica por promover a regulação positiva da PKC sobre a adenilil
ciclase e, portanto, potencializando a via de sinalização da AA-NAT. As cascatas de
sinalização estão representadas em forma esquemática na figura 2.
A melatonina é sintetizada a partir do aminoácido triptofano captado da
corrente sanguínea. Esse precursor é hidroxilado a 5-hidroxitriptofano pela enzima
triptofano hidroxilase e é, em seguida, descarboxilado pela enzima descarboxilase
de L-aminoácidos aromáticos formando serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT). A
serotonina é acetilada pela enzima AA-NAT à N-acetilserotonina que é, por fim,
convertida em melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina) pela enzima hidroxindol-O-
metiltransferase (HIOMT) (Axerold e Weissbach, 1960). As cascatas de sinalização
estão representadas de forma esquemática na figura 2.
Como já descrito anteriormente, a produção circadiana de melatonina é
gerada pelo ritmo de atividade/transcrição da enzima AA-NAT. Já a enzima HIOMT,
não apresenta ritmo diário evidente sendo sua atividade regulada a longo termo
(Axelrod e col., 1965; Ribelayga e col., 1997; Sugden e Klein, 1983a, b;) e
participando da resposta sazonal da síntese de melatonina (Ribelayga e col., 1999,
2000).

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Figura 2 - Via de biossintética da melatonina em roedores. No escuro as fibras pós-ganglionares


simpáticas liberam noradrenalina (NA) ativando os receptores β e α- adrenérgicos. A ativação dos
receptores β1 promove a ativação da adenilil ciclase (AC) que resulta no aumento dos níveis de
AMPc, ativação da proteína PKA e fosforilação o fator de transcrição CREB, que induz a transcrição
da AA-NAT (indicado nas setas verdes). A ativação dos receptores α1 pela noradrenalina induz a
cascata de sinalização que converge com a resposta β-adrenérgica (setas vermelhas). Esta via leva
ao aumento dos níveis de cálcio e a consequente ativação da PKC que, por sua vez, potencia a
atividade da enzima AC. A PKA também fosforila a enzima AA-NAT após sua tradução, permitindo
sua ligação à chaperona 14-3-3 e sua estabilização e ativação. AA-NAT é o fator chave para síntese
de melatonina, pois a via só prossegue após a sua tradução, como esquematizado na parte direita da
figura (Baseado em Simmoneaux e Ribelayga, 2003).

4. Melatonina Aspectos Gerais

4.1- Mecanismos de Sinalização


Diferente de outros hormônios não há maquinaria para estoque de melatonina
na glândula pineal. A maioria das glândulas endócrinas armazena em grandes
quantidades os hormônios que produz. Na glândula pineal, assim que sintetizada a
melatonina é rapidamente liberada nos capilares e difunde para circulação ou o

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

líquido cefalorraquidiano (Reiter, 1991). Por ser uma molécula altamente lipofílica a
melatonina pode atravessar passivamente a membrana celular e dessa forma, além
de atuar sobre receptores, pode regular diretamente reações/funções no interior das
células independentemente da interação com receptores. Por outro lado, diversas
ações da melatonina são mediadas pelos receptores de membrana MT1 e MT2
(Dubocovich, 1988; Dubocovich e col., 1997, Reppert e col., 1994, 1995). Esses
receptores pertencem a família de receptores acoplados a proteína G, que contém
sete domínios transmembrânicos e são responsáveis principalmente pelos efeitos
cronobiológicos sobre o NSQ. (para revisão, Dubocovich e col., 2010). Um terceiro
receptor da melatonina é intracelular, inicialmente descrito como MT3 (Dubocovich,
1988) foi caracterizado posteriormente como enzima quinona redutase II (Nosjean e
col., 2000). Esse receptor ainda não foi clonado e por isso e de acordo o comitê de
nomenclatura IUPHAR é grafado em itálico (Dubocovich e col., 2010). A quinona
redutase participa da proteção contra o estresse oxidativo evitando reações de
transferência de elétrons de quinonas (Foster e col., 2000). A melatonina também se
liga com baixa afinidade à calmodulina, proteína que regulada pelo aumento de
cálcio intracelular altera a atividade de proteínas-alvo, (Benitez-King, 2006), assim
como a receptores nucleares da família do ácido retinóico RORα1, RORα2 e RZRβ
(Carlberg, 2000; Wiesenberg e col., 1995). Parte das ações antioxidantes da
melatonina são mediadas por mecanismos dependentes de receptor, mas também
incluem ações que não dependem dessa interação constituindo da ligação direta a
radicais livres e reações de transferência de elétrons na cadeia respiratória
(Poeggeler e col., 2002).

4.2- Papel fisiológico da melatonina- múltiplas ações


A primeira função atribuída à melatonina no momento de sua descoberta foi
sua habilidade em clarear a pele de anfíbios (Lerner e col., 1958). Os estudos
subsequentes mostraram que as mudanças sazonais do fotoperíodo sincronizavam
as atividades reprodutivas anuais com os ambientes naturais de hamsters (Hoffman
e Reiter 1965a, b). Mais tarde, observou-se que as adaptações reprodutivas
dependentes do fotoperíodo eram mediadas pela variação da duração do níveis
noturnos da melatonina na circulação (Reiter, 1980a). O papel da melatonina como
molécula transdutora do ciclo claro-escuro ficou estabelecido desde então.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

A melatonina secretada de forma rítmica na circulação e nos diversos líquidos


corpóreos informa ao organismo se é dia ou noite no exterior e ainda o seu perfil
plasmático noturno, ou seja, sua duração, indica a estação do ano (Reiter, 1980b).
Sendo assim, a melatonina é um sinal essencial tanto para sincronização dos ritmos
diários como dos fenômenos sazonais. Vários estudos demonstraram que a
melatonina é o sinal essencial para adaptação sazonal em diversas atividades como
a reprodução, a resposta imunológica, o metabolismo e comportamento (para
revisão Arentd, 1998; Malpaux e col., 2002)). Na figura 3 é possível visualizar como
o perfil da secreção de melatonina varia com a mudança do fotoperíodo em ovelhas.
Em relação a reprodução por exemplo, nem todos os animais apresentam
respostas adaptativas às variações do fotoperíodo, e a capacidade da melatonina
em estimular ou suprimir as gônadas é dependente da espécie analisada como
também depende do período fértil e da duração da gestação do animal. Em ovelhas,
que possuem um longo período de gestação o aumento da amplitude do pico de
melatonina, no outono e no inverno, estimula o desenvolvimento das gônadas e o
comportamento reprodutivo. Já para os hamsters, que tem gestação curta, à medida
que os dias se tornam mais curtos, ou seja, com maior duração do escuro, e,
portanto da amplitude da secreção de melatonina, há inibição sobre as gônadas e
sobre os comportamentos relacionados à reprodução. Interessante ressaltar que
tanto os hamsters como as ovelhas são animais adaptados sazonalmente.
Independente da resposta mediada pela variação do perfil de secreção de
melatonina a concepção da prole sempre coincide com o período em que a
temperatura e disponibilidade de alimento são propícias ao desenvolvimento da
mesma. No caso das ovelhas, há estímulo à reprodução pela chegada de noites
longas e se acasalam no inverno, e como período de gestação é longo elas
concebem na primavera quando o ambiente é menos hostil. Já para os hamsters,
neste mesmo período há inibição, e como a gestação é curta só há estímulo para
reprodução na primavera, e a prole nasce no verão. Na figura 4, é mostrado um
exemplo de experimento que caracteriza a importância da secreção de melatonina
para adaptação sazonal também em ovelhas. Neste caso é possível ver em 4(b) que
quando é retirada a pineal há desincronização da liberação do hormônio
gonadotrófico LH. Este ritmo é restaurado quando as ovelhas pinealectomizadas
recebem diariamente infusões de melatonina equivalentes à secreção de dias longos
(4c).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 453


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 3 - Duração da secreção de melatonina em resposta à mudança de fotoperíodo em ovelhas (a)


e humanos (b). No verão tem-se dias longos, com menor duração do escuro e portanto menor
duração da secreção de melatonina. No inverno, os dias são curtos,com maior duração das horas de
escuro e também da secreção de melatonina. É notável que humanos não exibem diferença na
duração da secreção de melatonina, a menos que vivam em condição de fotoperíodo artificial com a
escuridão total por longos períodos. Um pequeno atraso de fase é normalmente visto no inverno.
(Modificado de Arendt, 1988).

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Figura 4 - Sincronização do ciclo reprodutivo em ovelhas pinealectomizadas por um bloco dia de 70


infusões diárias 8 h (sinal de dia longo), na primavera a partir de dados publicados por Woodfill e col.
(1994). Três grupos de ovelhas são apresentadas:
(a) pineais controles intactas;(b) pinealectomizadas (note a dessincronizaçãoda época de reprodução
do ciclo anual), (c) pinealectomizadas e infundidas por dia durante 70 dias com um perfil de melatoina
de dia longo (note a sincronização da atividade reprodutiva). Aumento de LH, representante da época
de reprodução normal. Este sinal de dia longo é suficiente para definir todo o ciclo anual, na ausência
de outroa informação fotoperiódica de secreção de melatonina. PX, pinealectomia. (Modificado de
Arendt, 1998)

Mais recentemente a melatonina foi também reconhecida como potente


antioxidante endógeno (Tan e col., 2003) e tornou-se um dos principais campos de
pesquisa acerca dessa molécula. Esses estudos têm demonstrado que a melatonina
protege efetivamente macromoléculas, células, tecidos, órgãos e organismos contra
danos oxidativos (Hardeland, 2005; Hardeland e Fuhrberg, 1996; Poeggeler e col.,
2002; Srinivasan e col., 2005). Suas ações antioxidantes são observadas em
diferentes níveis incluindo a atenuação da formação de radicais livres. Esses efeitos
se dão tanto pela interação direta da molécula de melatonina com espécies reativas

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 455


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

de oxigênio e nitrogênio como também por aumentar a expressão de enzimas


antioxidantes como a glutationa oxidase e peroxidase e também pela diminuição da
expressão de enzimas pró-oxidativas como as NO sintases e lipoxigenase
(Hardeland e col., 2006). Frente a esta notável propriedade, a atividade antioxidante
tem sido proposta como função primária da melatonina nos organismos (Hardeland
e col., 1995). Essa capacidade de atuar como antioxidante representa uma
propriedade química e por isso não depende do organismo investigado. Dessa
forma, essa propriedade é conservada e também considerada em organismos nos
quais a melatonina tenha evoluído novas funções, mas não necessariamente papéis
independentes.
A melatonina é também uma potente molécula anti-inflamatória devido a sua
capacidade de diminuir a expressão de enzimas e demais proteínas relacionadas à
montagem da resposta inflamatória (Crespo e col, 1999; Cuzzocrea e col, 2000;
Escames e col., 2003; Mayo e col, 2005; Pontes e col., 2006; Tamura e col., 2009,
2010). Outra importante atividade descrita da melatonina é sua capacidade de atuar
sobre a resposta imune, a melatonina possui propriedades imunoregulatórias que
são mediadas através de receptores de membrana e nuclear (Carrillo-Vico e col.,
2003; Gilad e col., 1998; Guerrero e Reiter, 2002; Maestroni, 1998; Nelson e Demas,
1997; Pontes e col., 2006). Os estudos iniciais sobre sua ação imunomodulatória
baseavam-se na retirada da glândula pineal e na observação de diversos
parâmetros imunológicos, incluindo principalmente os órgãos linfóides. A atenuação
da resposta celular e humoral, a atrofia do timo e a redução de células imunes no
baço após a retirada da pineal são evidências marcantes do papel
imunoestimulatório exercido pela melatonina no sistema imune (Brainard e col.,
1988; Csaba e Barath, 1975; Jankovic e col., 1994; Maestroni e col., 1986). Da
mesma forma ela atua diertamente potenciando a resposta celular e humoral,
promovendo aumento da proliferação de células do timo, ativação de células T, B,
NK e monócitos, produção de citocinas (interleucinas 1, 2, 6, 12, e interferon (IFN) e
diminuindo a apoptose (para revisão, Guerrero e Reiter, 2002; Srinivasan e col.,
2005).
De fato, a melatonina pode ser apontada como uma molécula multifacetada e
com considerações importantes sobre o porque de ter evoluído em organismos
diferentes de forma a acumular novas funções. Considerar os papéis da melatonina

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

em um contexto evolutivo nos ajuda a entender a ubiquidade de ações dessa


molécula.

4.3- Produção Extra-pineal


A melatonina foi primeiramente descrita como um hormônio produzido pela
glândula pineal e reconhecida como a molécula marcadora do escuro. No entanto
sua produção já foi detectada em vários órgãos e células além da pineal, tendo sido
descrita no trato gastrointestinal (Bubenik, 2002) na retina (Zmijewski e col., 2009),
na pele (Slominski e col., 1996, 2002), células da medula óssea (Conti e col., 2000),
e células imunocompetentes (Carrilo-Vico e col., 2004; Pontes e col., 2006, 2007). A
produção extrapineal pode ocorrer de maneira rítmica como acontece na retina ou
constitutiva como acontece no trato gastrointestinal. Nestes órgãos e células, a
melatonina produzida exerce papel regulatório local mas, em nenhum desses a
melatonina secretada parece contribuir para a variação rítmica do hormônio na
circulação, sendo este padrão dependente da produção pineal.

4.4- Ubiquidade da melatonina


A melatonina foi detectada pela primeira vez em pineais de mamíferos e
considerada por vários anos como um hormônio exclusivo de vertebrados. Em 1991,
Poeggeler e colaboradores descreveram que a melatonina também era produzida
por um organismo unicelular, o dinoflagelado Lingulodinium polyedrum. À esta
primeira descoberta seguiram-se vários estudos que demonstram a presença da
melatonina em outros táxons incluindo bactérias (Balzer e col., 2000; Manchester e
col., 1995), tripanossomatídeos (Macías e col., 1999), algas (Hardeland e Fuhrberg,
1996), plantas (Kolár e Machácková, 2005), fungos (Balzer e col., 2000; Hardeland,
1999; Sprenger e col., 1999), e vários filos de invertebrados (Hardeland e Fuhrberg,
1996). A presença de melatonina em praticamente todos os organismos
investigados, de bactérias mais primitivas ao homem, levou os pesquisadores a
reconsiderar suas ações biológicas, inicialmente descritas apenas como
cronobióticas. Considerando a distância filogenética dos organismos, sua definição
como um hormônio não é justificável. Uma vez que a melatonina interage com
espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio, foi hipotetizado que a função primária
da melatonina tenha sido proteger os organismos contra o estresse oxidativo
(Hardeland e col., 1995; Tan e col, 2007). Essa hipótese poderia justificar porque

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

essa molécula é altamente distribuída nos seres vivos, uma vez que confere um
caráter adaptativo, ele tende a ser conservado. A origem monofilética da melatonina,
ou seja, a partir de um único ancestral comum é difícil de ser demonstrada por causa
de sua ubiquidade, possivelmente ela pode ter evoluído independentemente várias
vezes a partir de um precursor comum. A evolução das funções da melatonina é
relacionada também ao desenvolvimento de órgãos e células especializadas para
sua síntese. Um ponto importante é que mesmo com a evolução morfológica e
macromolecular a função primária da melatonina não foi perdida durante o
desenvolvimento de funções fisiológicas adicionais (Tan e col., 2010).

Tabela 1. Níveis de Melatonina em animais e plantas. (Modificado de Nowak e Zawilska, 1998).

Família Espécie Melatonina (pg/g tecido)


Cruciferae Brassica spp (couve) 107

Umbelliferae Raphanus sativus (rabanete) 657

Rosaceae Fragaria ssp (morango) 624


Pirus malus (Maçã) 12

Cramineae Hordeum vulgare (cevada) 48


Oryza sativa (Arroz)
Classe Espécie Melatonina (pg/g tecido)
Insecta Musca autumnalis (mosca doméstica) 162 nmol/encéfalo

Crustacea Carcinus maenas (camarão) 40 pmol/g

Mollusca Sepia officinalis (choco) 2100-2800 pg/retina

Melatonina Dia
(pg/g tecido)
Noite
Peixes Truta 264 596
Anfíbios Salamandra tigre 249 174
Répteis Jabuti 180 20
Aves Codorna 400 10
Mamíferos Rato 75 6

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Ovelha 240 10
Porco 76 22
Humano 97 23

5- Conclusões
A função mais entendida e reconhecida da melatonina é como molécula
marcadora da noite. Ela age como um relógio interno ao prover o tempo de eventos
diários e sincronizar os ritmos circadianos como o sono-vigília. Da mesma forma, a
melatonina também age como um “calendário” interno ao indicar a informação
fotoperiódica, crucial para as adaptações sazonais fisiológicas e comportamentais.
Identificada inicialmente como hormônio da pineal de mamíferos a melatonina
também pode ser produzida por outros órgãos e tecidos onde atua de forma
parácrina. Além de sua função indicadora do tempo a melatonina assume uma
diversidade de ações. Em comparação com outras moléculas sinalizadoras, as
funções atribuídas à melatonina são consideradas excepcionais. A versatilidade da
melatonina pode ser entendida como uma manifestação de sua importância como
moduladora global em diversos níveis de hierarquia. A sua ubiquidade pode ser
justificada por sua notável propriedade antioxidante e por conferir vantagem
adaptativa evoluiu gradativamente em praticamente todos os filos. As diversas
funções que são atribuídas a melatonina são consideradas evolutivamente mais
recentes de forma que em organismos mais complexos, a melatonina tenha
acumulado outros papéis, como por exemplo molécula transdutora do escuro em
pineais de vertebrados.

Agradecimentos
Agradeço ao pós-doutorando Eduardo Koji Tamura (Laboratório de
Cronofarmacologia, Departamento de Fisiologia, IB-USP) pelas sugestões e críticas
acerca deste texto.

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Ritmo no Sistema Imunológico

Sandra M Muxel
Laboratório de Cronofarmacologia
sandrammuxel@gmail.com

1- Introdução
A progressão de fases de claro-escuro ambiental (dia-noite) durante o período
de 24 horas de rotação da terra pode influenciar profundamente a função do sistema
imunológico nos homens e em outros organismos. Estudos na área da
neuroimunologia indicam que o sistema imunológico é susceptível a modificações
causadas por vários hormônios, em decorrência de mudanças neuroendócrinas
mediadas pelo sistema oscilatório endógeno que codifica a informação luminosa em
sinais hormonais rítmicos. Além disso, muitos estudos têm demonstrado que
diversas funções e parâmetros do sistema imunológico sofrem variações
dependendo da hora do dia. Este é o caso, por exemplo, da apresentação
antigênica, proliferação de linfócitos e expressão de genes da citocinas, seus
receptores e seus níveis no sangue, ativação de células NK, resposta imune
humoral (anticorpos), número de células do sistema imune circulantes no sangue e
seus subtipos, nível de cortisol no sangue, entre outros.
Os ritmos sistêmicos comandados pelos hormônios glicocorticóides,
melatonina e adrenérgicos/noradrenérgicos possuem um papel importante na
sincronização da resposta imunológica em organismos saudáveis. No entanto, os
genes de relógios circadianos também são ritmicamente expressos nos órgãos
linfóides secundários de modelos murinos, como o baço e linfonodos, e também são
expressos em macrófagos peritoneais, sendo capazes de regular a secreção
temporal das citocinas IL-6 e TNF-α nestas células.
As condições de luz, estado nutricional, privação do sono e horário de maior
atividade dos indivíduos podem determinar variações na susceptibilidade a infecções
e doenças como o câncer, na progressão de doenças como a artrite reumatóide ou
asma e em parâmetros para o diagnóstico clínico das doenças, bem como na melhor
maneira de aplicar a terapia farmacológica, integrando o sistema circadiano e o
sistema imunológico.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

2- Comunicação entre o cérebro e o sistema imune


O sistema nervoso central (CNS) regula o sistema imune através de dois
mecanismos centrais: (1) com a resposta de hormônios do estresse e produção de
glicocorticóides e (2) liberação de noradrenalina pelo sistema nervoso autônomo. O
CNS também pode regular o sistema imune localmente através da liberação de
neuropeptídeos, substância P, pelos nervos periféricos ou produção do hormônio
corticotrofina (CRH).

Figura 1- Diagrama das rotas de comunicação entre o cérebro e sistema imune, modificado de
(Jeannette I. Webster, 2002).

O eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA) é o maior regulador dos efeitos


do glicocorticóide sobre o sistema imune. Os principais componentes do eixo HPA
são o núcleo paraventricular (PVN) que está localizado no hipotálamo do cérebro, a
glândula pituitária anterior que está na base do cérebro e a glândula adrenal. O CRH
é secretado pelo PVN e estimula a produção do hormônio adrenocorticotropina
(ACTH) pela glândula pituitária anterior. Por sua vez o ACTH circulante chega à
glândula adrenal onde induz a produção e secreção de glicocorticóides. O eixo HPA

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 461


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

é regulado pelo sistema nervoso e pelos sinais vindos da periferia, como hormonais
e citocinas. Os glicocorticóides regulam negativamente o eixo HPA, atuando sobre o
hipotálamo e a glândula pituitária. Outros fatores também regulam o eixo HPA, entre
eles, sistema nervoso simpático, citocinas e neuropeptídeos.
Os glicocorticóides fazem parte de uma complexa rede de interação entre
diversas porções do CNS, dentre elas as relacionadas ao sistema neuroendócrino, e
o sistema imune. A rede é composta por nervos, cascatas hormonais e interações
celulares que levam o CNS a regular localmente a resposta imune, seja atuando no
foco inflamatório, nos órgãos linfóides ou atuando sistemicamente via hormônios.
3- Receptores de glicocorticóides (GR)
Os glicocorticóides atuam via receptores de glicocorticóides (GR) que são
receptores intracelulares com a capacidade de translocar para o núcleo, onde
interagem com outras moléculas para regular a transcrição gênica. As proteínas dos
receptores de glicocorticóides possuem sua estrutura dividida em 3 domínios: (1)
domínio de transativação N-terminal variável que contém domínios de ativação de
transcrição AF-1, (2) domínio de ligação ao DNA que contém duas regiões “zinc
finger” fundamentais para a dimerização, ligação ao sítio-alvo e ativação ou
repressão da transcrição e (3) domínio de ligação C-terminal que ligam-se a
hormônios, chaperonas hsp90 e coativadores (Kumar, 1999, Pratt, 1997).

Figura 2- Domínios do receptor de glicocorticóide humano, modificado de (Necela e col., 2004).

Os receptores de glicocorticóides participam de numerosos processos para


manutenção da homeostase de vários tipos celulares. Os receptores de
glicocorticóides regula muitos genes, entre eles genes que regulam as enzimas do
metabolismo de carboidratos e aminoácidos, hormônios, receptores de hormônios,
proteínas de fase aguda, componentes de defesa anti-bactericida e proteínas do
soro. A expressão destes genes são regulados de 3 maneiras: (a) GR liga-se aos
elementos responsivos ao glicocorticóides (GRE) nos genes-alvo para ativar a

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

transcrição (ex. tirosina aminotransferase), (b) GR liga-se a regiões responsivas no


DNA inibindo a transcrição gênica (ex. osteocalcina), e (c) GR interage com outros
fatores de transcrição regulando a transcrição gênica (ex. colagenase, Interleucina
(IL)-1, beta-caseína).

Figura 3- Mecanismos de ação do receptor de glicocorticóide, modificado de (Necela e col., 2004).

Os glicocorticóides exercem ações antiinflamatórias em células, como


macrófagos, eosinófilos, mastócitos, linfócitos T, células dendríticas, células
epiteliais e neutrófilos, atuando sobre os genes que regulam a produção de
citocinas, quimiocinas, moléculas de adesão e enzimas inflamatórias. Os
glicocorticóides agem (a) aumentando a expressão de proteínas anti-inflamatórias,
(b) inibindo a ativação de genes pro-inflamatórios inibindo as MAP quinases e (c)
induzindo a apoptose de células envolvidas no processo inflamatório. Muitas das
ações anti-inflamatórias dos glicocorticóides são atribuídas pela inibição dos fatores
de transcrição AP-1 e NFkappaB, mediadores dos sinais pro-inflamatórios (Necela e
col., 2004).

4- Efeitos dos glicocorticóides nas células imunes


De maneira geral, os glicocorticóides e a melatonina, entre outras moléculas,
podem atuar na maturação, diferenciação, ativação e proliferação de células da

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

imunidade inata, como as células NK, monócitos e neutrófilos, bem como da


imunidade adquirida, células T e células B.

4.1- Imunidade inata


Em mamíferos, os monócitos são as células que auxiliam na ligação da
resposta imune inata ao desenvolvimento de uma resposta imune adquirida aos
microrganismos. Os monócitos são produzidos e maturados na medula óssea e logo
após circulam na corrente sanguínea onde recebem sinais para migrarem para os
tecidos onde se diferenciam em macrófagos, células de Langerhans, macrófagos
das mucosas e células dendríticas (DCs) em resposta a sinais inflamatórios (Auffray
e col, 1997).
Os glicocorticóides são utilizados como drogas anti-inflamatórias e
imunossupressoras. Os glicocorticóides interferem nas funções dos macrófagos
modulando a produção de mediadores inflamatórios, como mediadores derivados de
fosfolípideos (prostaglandinas), proteases e metabólitos de oxigênio, óxido nítrico
(NO) (glucocorticoids, 1992) e citocinas, incluindo o fator de necrose tumoral (TNF)-
α. Deste modo os glicocorticóides contribuem para o controle de muitas doenças
inflamatórias, como a artrite reumatóide em que o TNF-α contribui para sua
patogênese (Joyce, 1997). Além disso,os glicocorticóides reduzem o número de
monócitos circulantes, inibem a secreção de IL-1, IL-6 e TNF-α, fatores de ativação
de quimioatração de monócitos e diminui a síntese de colagenase, elastase e
ativador de plasminogem nos tecidos (O'Connor, 2000).
Os glicocorticóides diminuem o número de eosinófilos circulantes e residentes
nos tecidos. A sobrevivência dos eosinófilos é reduzida pela diminuição da produção
de fator de crescimento de colônia de granulócitos-monócitos (GM-CSF) pelas
células endoteliais, que é promovida pela diminuição da ativação das células
endoteliais mediadas pela IL-1, que também promove a redução da aderência dos
eosinófilos às células endoteliais. Altos níveis de glicocorticóides diminuem o
número de basófilos e a redução da liberação histamina e leucotrieno B4 mediado
pela ligação no imunógeno à IgE. Os glicocorticóides também diminuem o número
de mastócitos circulantes e sua aderência ao endotélio através da supressão da
produção de citocinas pelos linfócitos. Os glicocorticóides reduzem o número de
neutrófilos circulantes e também sua aderência ao endotélio, promovendo uma
diminuição na diapedese e migração dos neutrófilos aos tecidos inflamados,

Pág. 464 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

reduzindo a liberação de mediadores inflamatórios e quimioatraentes (IL-1, IL-8 e


leucotrieno B4) no foco inflamatório (O'Connor, 2000).

4.2- Th1/Th1
As respostas dos linfócitos T CD4+ apresentam habilidades funcionais distintas
em resposta aos microorganismos, tanto no homem quanto em camundongos. A
capacidade de secretar citocinas associada com a resposta inflamatória gerada ou
com os isótipos de imunoglobulinas produzidas pelos linfócitos B em resposta ao
estímulo vindo dos linfócitos T CD4+, nos permite classificar os linfócitos CD4+ em
dois subtipos: “T helper” (Th)1 ou Th2. Os linfócitos CD4+ Th1 são capazes de
produzir IL-2, interferon (IFN)-γ e TNF-α, promovem a ativação de macrófagos,
células NK, linfócitos T CD8+ (citotóxicas) que estão envolvidas na fagocitose e
morte de microorganismos. Além de induzir os linfócitos B a produzir anticorpos com
isótipo IgG2. A IL-12 é a citocina que induz a ativação de linfócitos CD4+ Th1 e a
produção de IFN-γ, que promove um aumento na produção de IL-12 por macrófagos
e células dendríticas. Os linfócitos CD4+ Th2 são capazes de produzir IL-4, IL-5, IL-
10 e IL-13 e induzir os linfócitos B a produzir uma resposta com altos níveis dos
isótipos IgG1 e IgE (Bottomly, 1997). Os glicocorticóides inibem diretamente a
ativação e proliferação dos linfócitos através da inibição da produção de IL-2 e do
receptor de IL-2 e indiretamente através da redução da síntese de IL-2 pelos
linfócitos pela diminuição de IL-1 pelos macrófagos (Ross e col, 1990).
A dexametasona, medicamento da classe dos corticóides, inibe a produção das
citocinas IL-1, IL-6, IL-8, TNF-α, IL-2, IL-4, IL-10 e IFN-γ pelas células
mononucleares do sangue periférico (PBMC) de indivíduos saudáveis estimuladas
com lipolissacarídeos (LPS) de bactérias GRAM negativas ou fitohemaglutinina
(PHA) in vitro. No entanto, a produção de IFN-γ sofre uma maior redução quando
comparada a produção de IL-4 e IL-10. Desse modo, os glicocorticóides afetam a
transcrição de várias citocinas, aumentando a produção de citocinas anti-
inflamatórias e reduzindo a produção de citocinas pro-inflamatórias, promovendo
uma mudança da resposta com um perfil de linfócitos CD4+ Th1 para o perfil Th2
(Franchimont e col., 1998).
Os glicocorticóides também são capazes de modular a expressão de IL-12 e do
receptor de IL-12, este é o maior mecanismo de regulação da mudança de um perfil
de resposta Th1 para Th2. A diminuição da produção de IL-12 ocorre através da

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 465


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

inibição da fosforilação de Stat4 (Franchimont e col., 2000), fator de transcrição que


promove o aumento nos níveis de produção de IFN-γ e manutenção do perfil Th1
(Szabo e col., 2003). Já os níveis de fosforilação de Stat6, que está envolvida na
cascata de sinalização de IL-4 (perfil Th2) (Szabo e col., 2003) não são afetados
pelos glicocorticóides (Franchimont e col., 2000).

Tabela 1: Efeitos dos glicocorticóiodes nas células imununocompetentes, modificado de (O'Connor


TM, 2000).

Células Efeitos
Linfócitos Reduz número de células circulantes
Inibe a ativação/proliferação (inibindo IL-2)
Induz apoptose
Suprime a ativação das células NK
Monócitos Reduz número de células circulantes
Inibe secreção de Il-1, IL-6, TNF-α e quimiocinas
Reduz síntese de colagenase, elastase ativador de
plasminogem no tecido
Eosinófilos Reduz número de células circulantes
Reduz sobrevivência (diminuição na liberação de GM-CSF
endotelial)
Reduz a aderência ao endotélio (inibição IL-1)
Basófilos Reduz número de células circulantes
Diminui a liberação de histamina e leucotrienos
Inibe a expansão de mastócitos
Neutrófilos Aumenta número de células circulantes
Reduz quimiotaxia (diminuição de Il-1, IL-8 e leucotrieno B4)
Reduz a aderência ao endotélio

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

5- Modulação do sistema imune pela melatonina


A melatonina é biosintetizada na glândula pineal a partir do triptofano captado
da corrente sanguínea e convertido em serotonina após um série de reações
enzimáticas. A serotinina, durante a noite é acetilada pela enzima arilaquilamina N-
acetiltransferase (AA-NAT) em N-acetilserotonina que, por sua vez, é convertida em
melatonina pela hidroxiindole-O-metiltransferase (HIOMT). A melatonina também é
sintetizada em muitos outros órgãos e tecidos, como os órgãos linfóides, medula
óssea, timo, monócitos e linfócitos. Em mamíferos, o mecanismo de controle de
produção circadiano de melatonina mais bem descrito está na relação entre a
glândula pineal e o núcleo supraquiasmático (NSQ) o qual resulta na transdução da
informação luminosa para o organismo. Deste modo,uma das funções da melatonina
é passar a informação biológica do período noturno uma vez que sua produção e
liberação ocorrem durante este período. Consequentemente, esta informação é
levada para outros órgãos e sistemas indicando o período do dia ou do ano em que
o organismo está e como conduzir as mais variadas funções biológicas. Além de sua
função cronobiótica, a melatonina também apresenta atividades antioxidantes,
oncostática, antienvelhecimento e propriedades imunomodulatórias (Carrillo-Vico e
col., 2005).
A melatonina está envolvida na regulação da imunidade celular e humoral
(produção de anticorpos), estimula a produção de células NK, monócitos e
neutrófilos pela medula óssea, além de participar na modulação da resposta Th1
versus Th2, aumentando a produção de IL-2, IL-6, IL-12 e IFN-γ (Srinivasan e col.,
2008). A função de regulação dos mecanismos imunológicos ocorre de maneira
circadiana e também sazonal conforme a maior ou menor produção de melatonina,
como já observado para as respostas neuroendócrinas, com um ritmo diurno e um
ritmo sazonal de proliferação celular na medula óssea e sistema linfóide dos
mamíferos, bem como subtipos de linfócitos, atividade de células NK, monócitos e
produção de citocinas (Carrillo-Vico e col., 2005).
A melatonina pode regular muitos mecanismos mediadores do sistema imune
através da regulação da expressão gênica e produção destes mediadores, como
aumentar a apresentação antigênica em macrófagos do baço de camundongos,
aumentando a expressão de moléculas do MHC de classe II e TNF-α (Pioli e col.,
1993). A melatonina também pode aumentar a expressão dos genes do fator
estimulador de colônia de monócitos (M-CSF), TNF-α, TGF-β em macrófagos

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 467


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

peritoneais de camundongos, assim como regular a produção de IL-1β, M-CSF e


TNF-α por células do baço de camundongos (Liu e col., 2001). A melatonina também
pode ativar as células T in vitro, através do aumento na expressão dos receptores de
IL-2 e produção de IL-2 (Bernard e col., 2001).

6- Modulação do sistema imune pelos sinais adrenérgicos e oradrenérgicos


A ativação do sistema nervoso simpático induz a produção de catecolaminas
pela medula da adrenal e pelos terminais dos nervos simpáticos (Stoddard e col.,
1986). O SNC pode regular o sistema imunológico através da associação entre as
fibras nervosas simpáticas e as células ou também através da via endócrina, com os
hormônios CRH, ACTH e glicocorticóides. Ao mesmo tempo, o sistema imune se
comunica com o SNC através de citocinas, que são capazes de ativar diretamente o
SNC ou induzir o SNC a produzir citocinas (Berkenbosch e col., 1987). O CNS
também pode afetar vários aspectos do sistema imune, uma vez que os tecidos
linfóides são inervados com fibras simpáticas pós-ganglionares noradrenérgicas que
estão associadas com os órgãos linfóides, timo, baço e linfonodos, e podem formar
conexões com linfócitos através da liberação de noradrenalina (Elenkov e col.,
2000). A noradrenalina atua no timo modulando a proliferação e diferenciação dos
linfócitos, já no baço e linfonodos está envolvida na resposta de geração de
anticorpos (Elenkov e col., 2000)
Os efeitos das catecolaminas são mediados através de adrenoreceptores e
estes receptores são expressos em linfócitos, macrófagos e em outras células do
sistema imune (Madden e col., 1995). Os adrenoreceptores são divididos em α-(α1 e
α2-) e β- (β1-, β2- e β3-) adrenérgicos. Os receptores α- e β-adrenérgicos são
expressos em linfócitos T e B, neutrófilos, monócitos e células NK. A ativação dos
receptores β2-adrenérgicos resulta no aumento das concentrações de AMPc, que
podem modular a produção de citocinas. A ativação dos receptores α-adrenérgicos
resulta na ativação de MAP kinases, gerando sinais diferentes dos anteriores.
As citocinas pró-inflamatórias, como a IL-1, IL-6 e TNF-α, que são liberadas
durante a resposta imune e a inflamação ativam componentes do sistema de
estresse, alteram a rede de neurotransmissores, induzem febre, fadiga, perda de
apetite, sono e libido. Além de ativarem a síntese de proteínas de fase aguda no
fígado, caracterizando a mudança de uma fase fisiológica para a fase aguda de
resposta. De maneira semelhante aos glicocorticóides, a noraepinefrina e a

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

epinefrina através da sinalização via receptores β2-adrenérgicos suprimem a


produção de IL-12 pelas APCs, o maior indutor da resposta Th1 (Blotta e col., 1997).
Os receptores β2-adrenérgicos são expressos nos linfócitos T CD4+ Th1, mas não
nos linfócitos T CD4+ Th2. Assim, as catecolaminas não regulam diretamente a
produção de citocinas pelos linfócitos T CD4+ Th2, mas agonistas de receptores β2-
adrenérgicos inibem a produção de IFN-γ pelas células Th1, sem alterar a produção
de IL-4 pelas células Th2, em camundongos e no homem (Borger e col., 1998).
Ainda, as catecolaminas, através da estimulação via receptores β2-adrenérgicos,
aumentam a produção da citocina antiinflamatória IL-10 pelas APCs (Elenkov e col.,
2000). Tanto os glicocorticóides quanto as catecolaminas inibem a produção de IL-1,
TNF-α e IFN-γ, mas as catecolaminas inibem a produção de TNF-α pelos monócitos,
células da microglia e astrócitos e suprimem a produção de IL-1 como um efeito
indireto da inibição do TNF-α e aumento da produção da IL-10 (Elenkov e col.,
2000).

7- Ritmo circadiano e sistema imune


O sistema nervoso simpático e o eixo HPA possuem um papel importante em
promover o ritmo circadiano para o sistema imune, controlando a redistribuição de
células T (Kawate e col., 1981), a produção de citocinas e seus receptores, de
quimiocinas e seus receptores, entre outros. A concentração de cortisol e
catecolaminas (adrenalina, noradrenalina e dopamina) no plasma ocorre com
variações circadianas, seus níveis são mínimos durante a noite (1-4 horas,
madrugada) e sobem no início do dia (8-11 horas, pela manhã), no homem (Born e
col., 1997, Dimitrov e col., 2009).
A variação circadiana do número total de linfócitos T circulantes possui uma
correlação negativa com as concentrações de cortisol no plasma no período das 24
horas do dia. O número de linfócitos T CD4+ ou CD8+ circulantes apresentam uma
variação circadiana ao longo das 24 horas, com valores máximos sendo observados
durante a noite (2 horas, madrugada) e valores mínimos durante o dia (14 horas),
para indivíduos com ciclo de dormir e acordar regular. O número das subpopulações
de linfócitos T circulantes também se correlaciona com as concentrações do
hormônio cortisol, apresentando uma correlação negativa entre os linfócitos T naive
(CD45RA+CD62L+), de memória central (CD45RA-CD62L+) e de linfócitos T CD4+ e
CD8+ de memória efetora (CD45RA+CD62L-) e a concentração de cortisol. No

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 469


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

entanto, o número de linfócitos T CD8+ efetores correlaciona-se positivamente aos


níveis de epinefrina (Dimitrov e col., 2009).
A administração de corticosteróides reduz o número de linfócitos T
circulantes, redistribuindo estas células para a medula óssea (Dimitrov e col., 2009,
Ottaway e col., 1994). Os GRs são expressos em níveis diferentes entre as
subpopulações de linfócitos T, com níveis mais altos nos linfócitos T CD8+ que nos
linfócitos T CD4+. As catecolaminas aumentam o número de linfócitos T circulantes.
A administração de catecolaminas induz o aumento no número de linfócitos T CD8+
(citotóxicos) e células NK circulantes (Benschop e col., 1996, Schedlowski e col.,
1996). Os níveis de receptores β-adrenérgicos são maiores nos linfócitos T CD8+
que nos linfócitos T CD4+.

8- Expressão de genes do relógio pelas células e órgãos do sistema


imunológico
Em mamíferos, o eixo HPA regula os ritmos circadianos relacionados à
fisiologia, metabolismo e comportamento. Recentemente, muitos estudos
demonstram que muitos órgãos, como o fígado, baço, coração, rim, pele e linhagens
de células expressam os genes do relógio (Lamia e col., 2008) e que estes genes
podem ter implicações na fisiologia local. Em camundongos, mantidos em ciclo de
12h de claro e 12h de escuro, o baço, linfonodos e macrófagos da periferia
expressam os genes do relógio, “Period 2” (Per2) e “RevErbα” e estes genes podem
operar autonomamente sem o auxílio de mediadores sistêmicos (Keller e col., 2009).
Estes genes do relógio regulam os ritmos circadianos da secreção de citocinas,
TNF-α e IL-6, em macrófagos do baço estimulados in vitro com LPS (Keller e col.,
2009).
O cortisol é um bom candidato a “regulador” dos ritmos de produção de
citocinas. Entretanto, camundongos adrenelectomizados, que não produzem
glicocorticóides, mostram que o cortisol não controla completamente o ritmo
circadiano de produção de citocinas (TNF-α e IL-6), uma vez que este ritmo não é
perdido nestas condições, mas que os genes do relógio é que mantém o ritmo de
produção de citocinas pelas células imunocompetentes do baço estimuladas in vitro
por LPS (Keller e col., 2009). Em macrófagos peritoneais de camundongos, genes
do relógio também são expressos ritmicamente, entre eles, Bma1, Cry1,Cry2,Per1,
Per2, Per3, Rev-Erbα e Rev-Erbβ. Além disso, a estimulação com LPS promove

Pág. 470 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

uma regulação da transcrição gênica com ritmo circadiano, incluindo elementos


essenciais para a ligação LPS/Toll like receptor 4 (TLR4) e via de produção de TNF-
α, coreceptores de LPS, Cd14, Mapk14, AP1 e as subunidades Jun e Fos (Keller e
col., 2009).

Agradecimentos
Este texto foi analisado pelo Prof. Pedro Augusto Carlos Magno Fernandes.
(Departamento de Fisiologia, IB-USP). Meus sinceros agradecimentos.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 471


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

O Eixo Imune-Pineal

Maria Fernanda Laranjeira da Silva


Laboratório de Cronofarmacologia
mfernandals@gmail.com

A melatonina produzida pela pineal durante a fase de escuro é responsável


pela sincronização de diversos processos fisiológicos com as mudanças ambientais
relacionados à disponibilidade de luz. Dessa forma, a glândula pineal de mamíferos
é responsável pela transdução do fotoperíodo ambiental em sinalização endócrina
liberando melatonina durante o escuro, que então sinaliza a existência e a duração
deste período. Logo, essa molécula é responsável pela sinalização da alternância
entre claro/escuro e entre as estações do ano, impondo ritmo a diversos processos
fisiológicos.
Recentemente, foi demonstrado que, além de seu papel como marcador do
relógio biológico interno, a glândula pineal está diretamente implicada no controle da
resposta inflamatória. A produção noturna de melatonina pela pineal é suspensa no
início da resposta de defesa, de forma que o organismo como um todo perde a
sinalização do escuro. Ao mesmo tempo, como a melatonina circulante restringe a
migração de leucócitos, passo essencial para a montagem da resposta de defesa, a
supressão da produção noturna de melatonina é altamente relevante para que haja
uma montagem eficiente dessa resposta. Num processo de alternância entre
produção endócrina e parácrina de melatonina, as células imunocompetentes
ativadas passam a produzir melatonina no local de injúria. As altas concentrações
que são atingidas nesses locais permitem que a melatonina exerça seus efeitos
antioxidantes e de inibição da via central de sinalização da resposta inflamatória, a
via do fator de transcrição nuclear kappa B (NFKB). Dessa forma, a melatonina
produzida localmente faz parte dos mediadores da inflamação implicados na
desativação do processo inflamatório (Markus e col., 2007).

1- Primeiras evidências
Inicialmente, o papel da melatonina na defesa dos organismos foi atribuído a
função antioxidante dessa molécula. Porém, nos últimos anos, tem-se acumulado
diversos estudos que demonstram um importante papel imunomodulatório dessa
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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

molécula. A primeira observação indicando uma possível inter-relação entre a pineal


e o sistema imune foi em 1926 por Berman. Nesse estudo Berman descreveu um
aumento em diversos parâmetros fisiológicos, inclusive na resistência a doenças
infecciosas, em gatos alimentados com glândulas pineais por 2 anos (Carrillo-Vico e
col., 2005).
Nas décadas seguintes foi mostrado que o tratamento com melatonina levava
ao aumento da resposta imune celular e humoral, a retirada da pineal suprimia a
imunidade e também foram descritos receptores de melatonina em células
imunocompetentes, entre outros (Maestroni e col., 1987; Giordano e col., 1993;
Lopes e col., 1997; Nelson e Demas, 1997). Em paralelo, foi mostrado que a
melatonina é capaz de inibir a produção de óxido nítrico (NO) pela óxido nítrico
sintase induzida (iNOS) em macrófagos, contribuindo para o efeito antiinflamatório
dessa indolamina (Gilad e col., 1998). Além disso, ainda foi descrita a ação
citoprotetora da melatonina devido a sua capacidade antioxidante e pela inibição de
vias desencadeadoras de respostas inflamatórias (Reiter e col., 2000) (Luchetti e
col., 2010).
Nesse contexto, também foi demonstrado que a melatonina regula a resposta
rítmica observada durante a inflamação granulomatosa crônica induzida por Bacillus
Calmett-Guerin (BCG) (Lopes e col., 1997) (Lopes e col., 2001) (Fig. 1). Esse tipo de
resposta rítmica já havia sido observada em inflamações agudas, onde o edema
inflamatório e a migração de leucócitos induzida por carragenina e BCG variam de
acordo com o horário de administração do estímulo (Loubaris e col., 1983; Bureau e
col., 1986; Garrelly e col., 1991). Nesses estudos, observou-se que o estímulo
aplicado durante a fase do escuro induzia uma resposta inflamatória atenuada em
relação ao estímulo aplicado durante a fase do claro.
Considerando que no início da resposta inflamatória observa-se o aumento do
fluxo sanguíneo local e da permeabilidade vascular, o que leva ao recrutamento de
leucócitos, levantou-se a hipótese que a melatonina poderia atuar modulando essas
alterações da microcirculação. Já era conhecida a capacidade da melatonina em
aumentar o tônus vascular periférico e cerebral (Ting e col., 1997). Além disso, havia
sido observada a variação diurna da migração de leucócitos para tecidos adjacentes
(Garrelly e col., 1991). Assim, conjecturou-se que a melatonina poderia inibir a
resposta inflamatória diminuindo o fluxo sanguíneo por contração arteriolar e ainda
poderia interferir no recrutamento de leucócitos.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 473


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Horário

Figura 1- Variação relativa do espessamento de patas de camundongos C57Bl/6 injetados com BCG
com relação a patas de camundongos controle, injetados com o veículo (modificado de Lopes e col.,
2001).

De fato, foi demonstrado que a melatonina inibe o rolamento e a adesão de


leucócitos a células endoteliais na microcirculação de ratos, prejudicando a
transmigração celular e, consequentemente, a permeabilidade vascular (Lotufo e
col., 2001). Nesse mesmo estudo, discutiu-se que o efeito observado ocorria na
presença de concentrações compatíveis à produção noturna de melatonina, que
então funcionaria como um freio para que leucócitos não atravessassem a barreira
endotelial promovendo a agressão dos tecidos e, por outro lado, resultando em uma
redução na capacidade de montagem de uma resposta inflamatória durante o
período noturno. Portanto, foi sugerido que o pico noturno de melatonina contribui na
prevenção da montagem de uma resposta inflamatória de defesa desnecessária,
que levaria a destruição tecidual prejudicial ao organismo. Por outro lado, quando o
organismo for lesionado, uma resposta de defesa pronta e eficiente é necessária
independentemente do horário. Com isso, elaborou-se a hipótese que no início de
uma resposta à injúria a produção de melatonina pela pineal deveria ser abolida,
permitindo que o recrutamento de leucócitos para os locais lesados pudesse ocorrer
de maneira eficiente. Para isso, a pineal deveria ser capaz de responder a agentes
infecciosos e citocinas pró-inflamatórias circulantes no início da resposta inflamatória
(Markus e col., 2007).

2- Consolidação do conceito: demonstração do eixo imune-pineal in vivo

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

O primeiro teste da hipótese de que agentes envolvidos em uma resposta


inflamatória seriam capazes de modular a produção de melatonina foi feito com um
modelo de inflamação aguda que ocorre em mulheres no início da lactação
(mastite). Nesse estudo, verificou-se que em mulheres saudáveis a concentração do
fator de necrose tumoral (TNF) no colostro estava abaixo do limite de detecção e
que existe um enorme aumento da secreção de melatonina à noite, quando
comparada com a secretada durante o dia. Já no caso de parturientes que
apresentavam mastite, não foi observado o pico noturno de melatonina e verificou-se
uma relação inversamente proporcional entre TNF e melatonina (Pontes e col.,
2006) (Fig. 2). Portanto, como havia sido previsto, a produção noturna de melatonina
é abolida na presença de TNF, que é uma citocina pró-inflamatória.
Ainda, conforme dito previamente, outras células são capazes de produzir
melatonina, entre elas leucócitos ativados, que produzem melatonina em
concentrações bastante altas. Um estudo com linfócitos humanos foi o primeiro a
reportar a síntese e liberação de grandes quantidades de melatonina mediante
estimulação com fitohemaglutinina (Carrillo-Vico e col., 2004). Foi descrita também a
produção de melatonina por macrófagos peritoneais de rato tratados com triptofano
(Martins e col., 2004). Utilizando fagócitos do colostro (mononucleares e
polimorfonucleares) foi mostrado que essas células, quando quiescentes, não
produzem melatonina e que após a estimulação da fagocitose com E. coli e zimosan
ocorre a produção de altas concentrações de melatonina (Pontes e col., 2006) (Fig.
3). O experimento com zimosan mostra que a produção de melatonina é de fato
proveniente dos fagócitos estimulados, e cessa no experimento com bactérias
devido à morte dessas.
Corroborando com a hipótese formulada, esse conjunto de dados demonstrou
in vivo que na vigência de uma resposta inflamatória, a supressão da produção
central de melatonina seria seguida pelo início de uma produção local por células
imunocompetentes, assim caracterizando uma alternância entre a produção pineal e
a produção periférica de melatonina. Essa alternância seria de extrema importância
considerando as duas etapas do processo infeccioso, na primeira etapa em que se
visa matar o agente agressor e, em seguida, reduzir e silenciar todas as reações que
seriam lesivas não apenas para o agente agressor, mas também para os tecidos dos
mamíferos.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 475


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

B)
Melatonina (pg/mL)

TNF (pg/mL)

Figura 2- A. Concentração de melatonina (pg/mL) no colostro de mães saudáveis e com mastite


durante o dia (símbolos abertos) e a noite (símbolos preenchidos). As linhas mostram a variação
diária de melatonina para cada mãe. B. Correlação entre a concentração de melatonina e TNF no
colostro das mães saudáveis e com mastite durante a noite (modificado de Pontes e col., 2006).

Nesse contexto é importante ressaltar que os diversos efeitos da melatonina


ocorrem em uma ampla faixa de concentrações, implicando que suas diferentes
ações estejam ou não relacionadas à ritmicidade circadiana. Durante o pico noturno
de melatonina produzida pela pineal, a concentração plasmática dessa molécula
está na faixa de pM a nM. Por outro lado, a melatonina produzida localmente por
células imunocompetentes atinge concentrações muito maiores, na faixa de µM a
mM (Pontes e col., 2006) (Markus e col., 2007) (Luchetti e col., 2010). Em qualquer
faixa de concentração a melatonina pode exercer seu efeito protetor e de modulação
Pág. 476 Julho/2011
Bases Cronobiológicas da Fisiologia

celular, mas os efeitos citoprotetores, devidos a sua ação antioxidante, e


imunoestimulatórios são observados na presença de altas concentrações de
melatonina, inclusive sua ação direta como “scavenger” de radicais livres (Poeggeler
e col., 2002) (Luchetti e col., 2010). Assim, como hormônio do escuro, a melatonina
inibe a montagem da resposta inflamatória, enquanto que a melatonina produzida no
sítio de injúria pelas células imunocompetentes exerce efeitos antiinflamatórios
locais. Portanto, a alternância entre a produção endócrina e parácrina de melatonina
contribui tanto para a montagem como para o encerramento da resposta inflamatória
caracterizando o Eixo Imune-Pineal.

Figura 3- A. Conteúdo bacteriano (E. coli) em fagócitos mono (círculos) e polimorfonucleares


(quadrados) do colostro de parturientes saudáveis (linha tracejada), e concentração de melatonina no
meio de cultivo dessas células (linha contínua). B. Concentração de melatonina no meio de cultivo de
fagócitos mono (círculos) e polimorfonucleares (quadrados) do colostro incubados com zimosan
(modificado de Pontes e col., 2006).

3- Fator nuclear kappa B (NFKB)


A via NFKB é fundamental na defesa imune-inata. A ativação dessa via
envolve a translocação nuclear de proteínas diméricas que quando no citoplasma
ficam ligadas a proteínas inibitórias (Bonizzi e Karin, 2004). Durante o processo de
ativação, as proteínas inibitórias são fosforiladas e degradadas pelo proteassomo,
levando a exposição do sinal de localização nuclear dos dímeros NFKB e sua
translocação para o núcleo (Fig. 4).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 477


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 4 - Esquema da ativação canônica de NFKB. A ativação de um receptor leva ao recrutamento


e ativação do complexo IKK que fosforila o fator IkB. Essa fosforilação endereça o IkB para
degradação via proteassomo. O NFKB (RelA/p50) é então translocado ao núcleo levando a
transcrição de genes alvos, que contêm os sítios de ligação kB (modificado de Hooper, 2011).

A família dos fatores de transcrição NFKB consiste de 5 membros nos


mamíferos: p65/RelA, c-Rel, RelB e as proteínas p50 e p52 que são geradas pela
proteólise regulada dos precursores p105 e p100, respectivamente. Essas proteínas
formam homo ou heterodímeros que se ligam a sequências consenso de DNA nas
regiões regulatórias dos genes alvo e assim regulam a transcrição desses genes.
Em células não ativadas, os dímeros de NFKB são mantidos inativos pela
associação a proteínas inibitórias da família IkB. O passo regulatório nessa via é a
ativação do complexo da quinase IkB (IKK), que consiste de duas subunidades
catalíticas (IKKa e/ou IKKb) e uma proteína regulatória NEMO (modulador essencial
de NFKB). Diante de um estímulo, a IkB quinase (IKK) fosforila as proteínas IkB
endereçando-as para degradação via proteassomo, permitindo o acúmulo de
dímeros NFKB no núcleo e a ativação da transcrição de determinados genes. A
ativação do NFKB é controlada por um mecanismo de “feedback” negativo que
regula a ativação do IKK. A via de ativação canônica de NFKB é induzida
principalmente por receptores de citocinas pró-inflamatórias e receptores de padrões

Pág. 478 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

moleculares associados a patógenos, e media a degradação de IkB e a translocação


nuclear dos dímeros com p50, p65 e c-Rel. Essa via de sinalização de NFKB induz a
expressão de diversos genes importantes na regulação das respostas imune e
inflamatórias, além de controlar a expressão de proteínas com atividades anti-
apoptóticas, proliferativas e antioxidantes (Wullaert e col., 2011).
A maioria dos dímeros que compõe o NFKB foi cristalizada mostrando que as
moléculas possuem na sua porção N-terminal um domínio homólogo a Rel (RHD)
responsável pela dimerização e ligação com sequência específica no DNA. Na
região C terminal pode ou não ser encontrado um domínio de transativação (TAD),
responsável pela indução de transcrição gênica. Pequenas diferenças na interface
dos dímeros e nas superfícies expostas ao meio solvente caracterizam a preferência
por parceiros na formação dos dímeros e seletividade por determinadas seqüências
de DNA (Hoffmann e col., 2006).
Em estudos com a glândula pineal, foi mostrado o acoplamento do ritmo diário
da pineal com a transcrição mediada por NFKB, essa via de transcrição é ativada
durante a fase do claro e reduz abruptamente no início da fase do escuro. Em
condições de escuro constante, esse ritmo e perdido, e a produção de melatonina
suprimida (Cecon e col., 2010).

4- Melatonina – defesa
Na busca dos mecanismos celulares envolvidos no controle da produção de
melatonina por moduladores inflamatórios, observou-se a ativação da via de
transcrição NFKB em pineais de ratos frente a diferentes estímulos inflamatórios.
Foram avaliados os efeitos de lipopolissacarídeos (LPS, endotoxina de bactérias
Gram-negativas), da citocina pró-inflamatória fator de necrose tumoral (TNF) e da
corticosterona, liberada pela adrenal na ativação do Eixo Hipotálamo-Pituitária-
Hipófise (HPA). Os dois primeiros agentes ativam a via NFKB inibindo a produção de
melatonina induzida por noradrenalina em pineais de rato em cultura (Fernandes e
col., 2006). Já a corticosterona bloqueia a via NFKB potenciando a produção de
melatonina nessas pineais (Ferreira e col., 2005; Fernandes e col., 2006). O
tratamento com TNF inibiu a transcrição do gene Aa-nat, fundamental na biossíntese
de melatonina conforme colocado previamente, juntamente com a síntese de N-
acetilserotonina, precursor de melatonina (Fernandes e col., 2006). Logo,
considerando que essa é uma via central para o desencadeamento e o controle do

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 479


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

decurso temporal da resposta inflamatória, surgem as primeiras evidências dos


mecanismos moleculares envolvidos no controle da pineal por sinalizadores de
inflamação.
Com relação à atuação da melatonina como citoprotetora, foi mostrado em
células HELA que a melatonina bloqueia a via de transcrição NFKB quando ativada
por citocinas, mitógenos e radiações ionizantes (Mohan e col., 1995). Em seguida foi
demonstrado que a melatonina também inibe a via NFKB em macrófagos de
murinos (Gilad e col., 1998). Atualmente já é sabido que melatonina é capaz de inibir
a via de sinalização NFKB em diferentes células, incluindo células endoteliais
(Tamura e col., 2009); pinealócitos (Cecon e col., 2010), tecido neural (Beni e col.,
2004), entre outros.
Também foi descrito o controle neuroendócrino de liberação de citocinas,
observou-se que o pico noturno de melatonina impõe ritmo ao sistema de defesa
aumentando a secreção de IL-2, IL-12, IL-10, IL-6 (Lissoni e col., 1998). Com isso,
em outro estudo com células de colostro humano, foi mostrado que o aumento de
TNF após o parto por cesárea está relacionado à inibição do pico noturno de
melatonina, que é acompanhado pela supressão do pico noturno de IL-2 (Pontes e
col., 2007). Com a recuperação na produção de melatonina noturna observou-se o
retorno do pico de IL-2. Estudos recentes que buscam esclarecer as bases
moleculares dos efeitos imunomodulatórios da melatonina indicam que tanto os
receptores nucleares de melatonina (RZR/ROR) como os de membrana (MT1 e MT2)
estão implicados nesses efeitos (Carrillo-Vico e col., 2005). No contexto da produção
de IL-2 regulada por melatonina, foi apontado o controle da expressão de receptores
nucleares ROR pela ativação de receptores de membrana MT1 (Lardone e col.,
2009).
Com o mesmo foco molecular, mostrou-se que a ativação de receptores “Toll-
like” 4 (TLR4) e CD14 por LPS, durante a montagem da resposta imune inata, é
responsável pela indução da translocação nuclear dos dímeros p50/p50 e p50/RelA
que levam a expressão de TNF e inibição da biossíntese de melatonina induzida por
noradrenalina na pineal (da Silveira Cruz-Machado e col., 2010). Além disso,
detectou-se a expressão de receptores de TNF em pinealócitos, que quando
ativados por essa citocina levam a translocação nuclear dos mesmos dímeros
p50/p50 e p50/RelA, também suprimindo a produção de melatonina na pineal
(Carvalho-Sousa e col., 2011).

Pág. 480 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Finalmente, esse conjunto de estudos permitiu o estabelecimento do modelo


do Eixo Imune-Pineal que consiste na alternância da produção de melatonina pela
pineal e por células imunocompetentes frente condições de injúria, em que o
organismo deixa de “responder” ao estimulo luminoso ambiental e foca na
montagem e resolução da resposta inflamatória. Esse evento transiente permite a
resolução eficiente da injúria para posterior restabelecimento da produção de
melatonina pela pineal e sincronização do organismo ao ambiente (Fig. 5).
Além da importância fisiológica implicada na descoberta dessa comunicação
bidirecional entre o sistema imune e a pineal, e do papel imunomodulatório da
melatonina endócrina, a caracterização do Eixo Imune-Pineal gera novas
perspectivas no estudo de inflamações agudas e crônicas, inclusive na busca de
quimioterápicos.

Figura 5 – Esquema do eixo imune-pineal. Em um organismo saudável, o pico noturno de melatonina


transduz a informação ambiental luminosa ao sistema de defesa estimulando a produção de IL-2
pelos linfócitos T (Th) e inibindo a transmigração de leucócitos. Em uma situação de injúria, as células
residentes nesse local produzem TNF que inibi a síntese de melatonina pela pineal permitindo a
transmigração de leucócitos que iniciam a produção local de melatonina com efeito antiinflamatório.
PMN, células polimorfonucleares e MN, mononucleares (modificado de Markus e col., 2007).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 481


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Agradecimentos
Este texto foi gentilmente revisado pela Profa. Regina P. Markus (Dep.de
Fisiologia, IB-USP). Meus sinceros agradecimentos.

Pág. 482 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Estudos de Casos

Daiane Gil Franco


daianegfranco@yahoo.com.br
Camila Petrilli
camipetrilli@msn.com

Neste capítulo o leitor encontrará seis artigos resumidos e traduzidos para o


português. Os artigos presentes foram selecionados com o intuito exclusicamente
didático, para mostrar ao leitor exemplos de trabalhos da área da cronobiologia e,
mais do que isso, dar ao leitor, conhecimentos sobre a abrangência do assunto na
vida cotidiana. Foram resumidos a introdução, os métodos e os resultados de cada
artigo, cabendo ao aluno-leitor fazer a discussão em sala de aula junto a um
professor. As referências bibliográficas dos artigos foram adicionadas junto às
demais referências no final do módulo.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 483


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Artigo 1: Consumo alimentar durante a fase de atividade normal


previne obesidade e dessincronização circadiana em modelo de
trabalho nocturno com ratos.

Roberto Salgado-Delgado, Manuel Angeles-Castellanos, Nadia Saderi, Ruud M. Buijs, and Carolina
Escobar (Endocrinologia 151: 1019-1029, 2010).

1- Introdução

O trabalho por turnos ou trabalho noturno força as pessoas a estarem ativas


em uma fase do ciclo claro-escuro (C/E) durante a qual normalmente estariam
dormindo. Muitos estudos indicam que a maioria dos trabalhadores noturnos relata
dificuldade para tolerar esta condição após terem vivido anos de trabalho noturno. A
longo prazo, este padrão de atividade leva a uma propensão ao desenvolvimento de
obesidade, síndromes metabólica, desordens cardiovasculares e gástricas e
aumento da mortalidade devido ao desenvolvimento de câncer. Atualmente, é
aceito, de forma geral, que este esquema de atividade gera sinais conflitantes com
ritmo fora de fase com os sinais temporais transmitidos pelo relógio biológico, os
núcleos supraquiasmáticos (NSQs).
Os NSQs são os principais marcadores do sistema circadiano, constituído por
uma rede complexa de feedback entre os NSQs e os osciladores periféricos. Devido
às suas relações anatômicas e funcionais com a eferência da retina, os NSQs são,
principalmente, sincronizados pelo ciclo C/E e transmitem mensagens rítmicas para
todo o organismo, acoplando a fisiologia e os osciladores periféricos aos ciclos
diários e mantendo a sincronização interna. Diversos fatores cíclicos no ambiente
podem deturpar a interação dos NSQs com os osciladores periféricos e promover
mudanças de fase nas oscilações comportamentais, hormonais e metabólicas
controladas pelos NSQs. Estas relações de fases deturpadas entre os NSQs e os
osciladores periféricos levam à dessincronização interna.
Já é bem documentado que estas mudanças de turno de trabalho ou trabalho
noturno promovem mudanças no padrão de alimentação, resultando em um
aumento na ingestão de alimentos durante a fase normal de repouso. Estes
trabalhadores tendem a esquematizar suas refeições de acordo com seus horários
de trabalho e é comum que eles escolham ingerir alimentos ricos em carboidratos.

Pág. 484 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Recentemente, algumas evidências indicam que este esquema de alimentação


exerce uma forte influencia sobre o arrastamento dos relógios periféricos, o
comportamento, ritmos viscerais e metabólicos, substituindo os sinais rítmicos
transmitidos pelos NSQs e, assim, podendo ser um fator relevante na promoção da
dessincronização interna.
Para investigar os mecanismos que levam a dessincronização interna, muitos
modelos experimentais foram desenvolvidos, em essência, baseados no
deslocamento repetido do ciclo C/E, que, no entanto, se assemelha mais à síndrome
do jet lag. Nós desenvolvemos um modelo de trabalhador noturno com ratos que
mimetiza as condições de trabalhadores noturnos e é baseado na vigília forçada e
na atividade durante a fase de claro, quando o relógio biológico está indicando um
forte impulso para o sono em ratos. É importante ressaltar que para nossos animais
trabalhadores, o ciclo C/E permanece constante. Com este modelo, nós
demonstramos que a atividade durante a fase de sono não apenas perturba o
padrão diário de sono/vigília, mas também altera o padrão noturno normal de
ingestão de alimentos devido às horas de trabalho na fase de claro, semelhante ao
observado em trabalhadores noturnos. Nós também observamos uma perda no
ritmo de glicose, inversão do ritmo de triglicérides e propensão à obesidade, como
descrito para os trabalhadores noturnos. Além disso, pudemos demonstrar que os
indicadores da atividade dos NSQs permaneceram sincronizados ao ciclo C/E,
indicando uma dessincronização interna. Ratos expostos à atividade forçada durante
sua fase normal de atividade (à noite) não mostraram alterações nos ritmos diários
ou alteraram o padrão de alimentação e permaneceram em todas as variáveis
semelhantes ao controle, indicando um efeito principal causado pela atividade
forçada durante a fase de sono. Devido ao fato do alimento exercer uma forte
influência sobre o arrastamento de fase dos osciladores periféricos, nós
hipotetizamos que a base para esta dessincronização interna observada no modelo
de trabalhador noturno em ratos seja devido à modificação no padrão de
alimentação, que é deslocado para a fase de sono. Esta mudança no padrão de
alimentação pode conduzir e desacoplar a ritmicidade periférica e metabólica do
ciclo C/E e dos NSQs. O presente trabalho foi desenhado para investigar a influência
da ingestão de alimentos nos ritmos metabólicos e comportamentais em ratos
submetidos ao protocolo de trabalho durante a fase de sono e testar se a ingestão

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 485


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

de alimentos durante a fase normal de atividade pode prevenir a dessincronização


interna.

2- Material e Métodos

2.1- Animais e habitação


Ratos Wistar machos (5-6 semanas) foram, no início do experimento, alojados
individualmente em uma sala de monitoramento em caixas isoladas para cada
animal. Os ratos foram mantidos durante todo o experimento em ciclo C/E 12:12,
com as luzes acendendo no Zeitgeber time 0 (ZT=0), temperatura e circulação de ar
constantes e livre acesso a água. Todos os animais tiveram livre acesso ao alimento
durante a fase inicial. Durante a fase de experimento, o acesso ao alimento foi
condicionado dependendo do grupo correspondente, como será explicado adiante.

3- Desenho experimental
Os ratos foram distribuídos em dois grupos: Controle (C) ou trabalhador
noturno (W). Os controles foram alojados em gaiolas individuais no sistema de
monitoramento e foram deixados sem perturbações durante o início e nas 5
semanas adicionais, correspondentes às manipulações de trabalho. Os ratos
trabalhadores foram monitorados por 8-10 dias para obtenção dos valores basais e
foram, então, submetidos ao protocolo de trabalho de 8h diárias de 2ª a 6ª feira por 5
semanas. Controles experimentais foram submetidos a diferentes grupos de acordo
com 3 condições de alimentação: ad libitum (AL), restrição alimentar durante o dia
(FD) e restrição alimentar durante a noite (FN), resultando nos seguintes grupos: C-
AL, C-FD, C-FN, W-AL, W-FD, W-FN.

4- Protocolo de trabalho
Para induzir atividade, os ratos foram colocados em rodas, com uma rotação
lenta, que são utilizadas para privação do sono. Os animais (de acordo com cada
grupo) puderam alimentar ou beber durante o trabalho na roda. Após 8h de trabalho,
os animais retornaram às suas caixas até o próximo dia (2ª à 6ª feira). Nos finais de
semana, os animais foram mantidos sem perturbação com alimento ad libitum.

Pág. 486 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

4.1- Ingestão de alimento e massa corporal


Os ratos foram pesados antes do experimento e no final da 4ª semana após o
protocolo de trabalho noturno. O ganho de massa corporal foi calculado para este
intervalo. O consumo de alimento foi monitorado duas vezes por semana.

4.2- Ritmos metabólicos e hormonais


No final da 4ª semana de trabalho, foram implantadas cânulas na jugular. Os
animais se recuperaram durante dois dias e o protocolo de trabalho seguiu por mais
uma semana (5ª semana). No final dessa semana, amostras de sangue foram
coletadas a cada 30 min. até cobrir 24h, através da cânula implantada. Foram
realizados ensaios colorimétricos para avaliação dos níveis de glicose, triacilglicerol
(TAG) e corticosterona.

4.3- Temperatura central e gordura intra-abdominal.


Para monitorar a temperatura central e antes de iniciar os protocolos de
trabalho e alimentação, alguns animais de cada grupo sofreram uma cirurgia para
implantação de um sensor de temperatura intra-abdominal. O sensor foi programado
para aferir a temperatura a cada 20 min. Os dados de temperatura foram
organizados por grupos e representados como a média da flutuação diária; valores
médios para o dia e para noite foram representados com barras. Após remoção dos
sensores de temperatura, as camadas de gordura mesentérica (peritoneal) e
retroperitoneal foram dissecadas bilateralmente e pesadas.

5. Resultados

5.1- Ritmo comportamental


Durante a fase inicial (basal) dos estudos, todos os ratos exibiam claramente
um ritmo diário sincronizado ao ciclo C/E. A proporção de atividade noturna para
todos os grupos variaram 74-81% da atividade total, enquanto que a atividade diurna
flutuou entre 19-26% (Fig. 1 e 2). Apesar do protocolo de alimentação, restrita para a

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 487


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

fase de claro ou de escuro, ratos C-FD e C-FN mantiveram o padrão temporal de


atividade semelhante ao basal e aos C-AL (Fig. 1).

Figura 1 – Actogramas representativos da atividade geral para ratos controles (n=8) com alimento ad
libitum (esq.), com alimento apenas durante o dia (centro) e com alimento apenas durante a noite
(dir.). As curvas médias representam o padrão de atividade diário durante a 1ª semana (1), durante a
4ª semana (4) e a porcentagem de atividade noturna e diurna. Os ritmos diários observados são
claramente sincronizados ao ciclo C/E. Linhas diagonais, acesso ao alimento. Barras no topo, ciclo
C/E.

Figura 2 – Actogramas representativos da atividade geral para ratos trabalhadores (n = 8) com


alimento ad libitum (esq.), com alimento somente durante o dia (centro) e alimento somente durante a
noite (dir.). Nos actogramas, a 1ª semana corresponde a atividade basal, seguido de quatro semanas
em condição de trabalho. As ondas de atividade representam os padrões de atividade diários durante
o primeiro final de semana (2d) de trabalho (1) e durante os quatro primeiro finais de semana (4).
Ratos W-AL e W-FD exibiram ao longo das semanas uma diminuição da atividade noturna e a
diminuição da atividade rítmica diária. Os ratos W-FN mantiveram proporções semelhantes de
atividade diária como observado na linha basal e o grupo controle. Barras listradas, tempo com
atividade forçada.

Ratos trabalhadores, forçados a atividade durante a fase normal de repouso


exibiram ao longo das semanas de trabalho uma diminuição progressiva na sua
atividade noturna como está demonstrado no actograma e na curva de atividade
média obtidas para as semanas 1 e 4. Este efeito foi observado especialmente nos
grupos W-AL e W-FD (Fig. 1, esq. e centro), ambos consumindo alimento durante o

Pág. 488 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

dia, como descrito previamente para W-AL. Durante o 4º final de semana, a


atividade noturna para os W-AL e W-FD diminuíram e representavam apenas 53%
do total de 24h de atividade, enquanto que a atividade durante o dia aumentou para
uma proporção de 47% (Fig. 2) resultando em uma perda de ritmo. Em contraste,
animais expostos ao mesmo protocolo de trabalho e com alimentação restrita a noite
mantiveram uma atividade noturna padrão com proporções semelhantes às basais e
aos grupos controles (Fig. 2, dir.).

5.2- Ingestão de alimento, massa corporal e gordura intra-abdominal


Durante as 4 semanas experimentais, todos os grupos de animais
consumiram uma quantidade de comida semelhante, independente da fase em que
tinham acesso a mesma (Fig 3A e Tab. 1). É interessante notar que ratos
alimentados exclusivamente (C-FD e W-FD) ou voluntariamente (W-AL) durante o
dia ganharam mais massa corporal que os controles alimentados ad libitum (C-AL),
os ratos C-FN e os W-FN, alimentados durante a noite (Fig. 3B e Tab. 2). No final do
estudo, a diferença de massa corporal quando comparado com o grupo C-AL foi de
+17±2,8% para o C-FD, +4±4,2% para o C-FN, +12±3,6% para o W-AL, +16±0,9%
para o W-FD e +7,6±0,8 para o W-FN. A análise de variância de duas vias indicou
uma diferença significativa na massa corporal devido ao protocolo de alimentação
(p<0,04), mas não devido ao protocolo de trabalho [não-significativo (NS)] ou para a
interação de ambos os fatores (NS). Quando a ingestão de alimento foi normalizada
pela massa corporal, todos os grupos ingeriram proporções semelhantes, variando
entre 7,6 e 6,6 g de comida/g de massa corporal (Tab. 1).

Tabela 1 – Média ± epm da ingestão de alimento (gamas) por semana para controles e trabalhadores

Da mesma forma, a gordura intraperitoneal e peritoneal acumulada (Fig. 3C e


D) estava aumentada nos grupos que foram alimentados durante a fase normal de
repouso (C-FD, W-AL e W-FD) quando comparados com os grupos C-AL, C-FN e

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 489


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

W-FN (Fig. 3 C e D). Além disso, a proporção de bolsas de gordura acumulada por
massa corporal estava maior para os grupos comeram durante a fase de claro (Tab.
2). A análise de variância de duas vias para o acúmulo de gordura intraperitoneal
indicou um efeito significativo devido ao protocolo de alimentação (p<0,0001), mas
não devido ao protocolo de trabalho (NS) e um efeito significativo devido à interação
de ambos (p<0,001). Para a gordura peritoneal, a mesma análise indicou um efeito
significativo devido ao protocolo de alimentação (p<0,0001), devido ao protocolo de
trabalho (p<0,001) e também para a interação de ambos os protocolos (p<0,001).

Figura 3 – Média diária da ingestão de alimento ± epm (A), ganho de massa corporal (B), acúmulo de
gordura retroperitoneal (C) e peritoneal (D) de ratos controles e trabalhadores com comida ad libitum
(barras cinzas claras), com alimento durante o dia (barras brancas) e comida durante a noite (barras
cinzas escuras); barras hachuradas, grupos trabalhadores. Todos os grupos mostraram um padrão
diário semelhante de consumo de alimento (A); entretanto, grupos que comem durante a fase normal
de repouso (C-FD, W-AL e W-FD) mostrando mostraram um maior aumento do ganho de massa
corporal (B) e alto acúmulo de gordura (C e D). As diferentes letras indicam diferenças significativas
entre os grupos (p<0,001).

Tabela 2 – Média da massa corporal ± epm para a semana basal e quatro semanas experimentais.

Pág. 490 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

5.3- Ritmos diários metabólico e hormonal


O grupo controle C-AL exibiu um ritmo diário de glicose com pico na transição
do claro para o escuro. De forma semelhante, o grupo C-FD exibiu o mesmo padrão,
indicando que a dieta restrita a fase de claro não modifica o ritmo de glicose (Fig.
4A). Além do mais, os ratos C-FN exibiram um pico noturno com aumento da
amplitude de glicose quando comparado com os outros dois grupos controles (Fig.
4A). Trabalho combinado com alimentação durante a fase normal de repouso para o
rato aboliu o ritmo diário de glicose nos ratos W-AL e W-FD (Fig. 4B), enquanto que
a restrição alimentar à noite nos ratos W-FN preveniu esta alteração e produziu uma
grande amplitude do ritmo com altos valores durante a noite, semelhante ao grupo
C-FN (Fig. 4B). A análise de variância multivariada indicou uma diferença
significativa entre os grupos controles e trabalhadores (p<0,0001), uma diferença
significativa devido ao protocolo de alimentação (p<0,0001) e uma diferença
significativa no tempo (p < 0,0001).

Figura 4 – Valores diários de glicose, TAG e corticosterona para grupos controles (A,C e E) e
trabalhadores (B, D e F) após 4 semanas com alimento ad libitum (círculos cinzas), com alimento
durante o dia (FD; quadrados brancos) ou com alimento durante a noite (FN; triângulos cinzas
escuros). Barras horizontais brancas e negras, ciclo C/E; barras hachuradas, tempo na roda de
atividade.

O ritmo diário de TAG seguiu, principalmente, o protocolo de alimentação.


Animais comendo predominantemente à noite (C-AL, C-FN e W-FN) mostraram
picos de valores entre os ZTs 15 e18 (Fig. 5C e D), enquanto que animais comendo
predominantemente durante a fase de claro (C-FD, W-AL e W-FD) exibiram uma
acrofase de TAG durante a fase de claro com os valores mais altos no ZT6 (Fig. 5C

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 491


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

e D). A análise de variância multivariada indicou uma diferença significativa entre


grupos controles e trabalhadores (p<0,005), uma diferença significativa devido ao
protocolo de alimentação (p<0,0001) e uma diferença significativa em relação ao
tempo (p<0,001).
Controles (C-AL, C-FD e C-FN) e trabalhadores (W-AL, W-FD, W-FN)
exibiram um ritmo de corticosterona esperado na transição C/E (Fig. 5E e F). Um
aumento adicional de corticosterona foi observado nos grupos alimentados durante o
dia (C-FD, W-AL e W-FD) possivelmente associado com a antecipação do consumo
de alimento. Devido a esse aumento adicional, em ambos os grupos, as médias dos
níveis de corticosterona estavam maiores (C-FD, 215,63 mg/dl; W-FD, 222,66 mg/dl)
que os grupos FD (C-AL, 127,59 mg/dl; W-AL, 130,34 mg/dl) e os grupos
alimentados à noite (C-FN, 187,53 mg/dl; W-FN, 163.23mg/dl). A análise de
variância indicou uma diferença significativa entre grupos controles e trabalhadores
(p<0,0001), uma diferença significativa entre os horários de alimentação (p<0,0001),
e uma diferença significativa em relação ao tempo (p<0,0001).

5.4- Temperatura central


Todos os grupos exibiram um ritmo diário de temperatura, que foi influenciado
pela atividade diária e pelo protocolo de alimentação. O ritmo diário em ratos C-AL
apresentou um baixo valor durante a fase de claro, um aumento aproximadamente
2h antes da fase de escura e um pico na primeira metade da noite (Fig. 5, alto à
esq.). A diferença dos valores médios de dia e noite foram significativos (p<0,017).
Ratos controles com restrição alimentar durante o dia (C-FD) mostraram um
deslocamento do ritmo de temperatura para a fase de claro, enquanto que ratos C-
FN com alimentação restrita à noite mostraram um claro padrão noturno (Fig. 5, esq.
meio e abaixo). Para o C-FD, a análise estatística não indicou diferença entre os
valores de dia-noite (p=0,491) e uma diferença significativa para C-FN (p<0,001).
Ratos trabalhadores alimentados durante o dia (W-AL e W-FD) apresentaram
um ritmo claro de temperatura, com uma fase adiantada em 6 ou 9h,
respectivamente e, assim, com um pico durante a fase de claro (Fig. 5, segunda
coluna). Ratos W-FN que trabalharam durante o dia e comeram durante a noite
mostraram um ritmo noturno de temperatura semelhante aos ratos C-AL (Fig. 5).
Valores médios para o dia e para a noite confirmaram um ritmo robusto para os três
grupos, com uma diferença significativa entre a temperatura de dia e de noite. Os
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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

grupos W-AL e W-FD exibiram valores mais altos durante o dia (W-AL, p<0,016; W-
FD, p<0,017 e W-FN, p<0,008).

Figura 5 – Curva da temperatura diária para os grupos controle e trabalhadores com alimento ad
libitum (círculos cinzas, topo), com alimento durante o dia (quadrados brancos, meio) e com alimento
durante a noite (triângulos cinzas escuros, abaixo) após 4 semanas. Barras brancas e pretas
horizontais, ciclo C/E; Gráficos de barras, valores médios para a temperatura de dia e de noite.
Grupos controles barras vazias e trabalhadores barras hachuradas.

5.5- Relação de fase e o ciclo externo


Quando comparamos os ritmos diários entre os grupos os protocolos de
alimentação e de trabalho produziram um deslocamento da temperatura e uma
perda de ritmo de TAG e de glicose (Tab. 3), modificando a relação de fase entre as
variáveis e o ZT12, indicando dessincronia interna.

Tabela 3 – Valores diários entre os grupos e a relação de fase (ψ) entre controles e trabalhadores

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 493


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Artigo 2: Arrastamento do ritmo circadiano em filhotes – efeito da


ganglionectomia ou pinealictomia maternal.

Bellavía SL, Carpentieri AR, Vaqué AM, Macchione AF, Vermouth NT (Physiology & Behavior 89
(2006) 342–349).

1- Introdução
Em mamíferos, a sincronização fotoperiódica do sistema circadiana é
realizada por um complexo mecanismo neuroendócrino. Um relógio circadiano
localizado nos núcleos supraquiasmáticos (NSQs) integra a luz ambiental e gera
ritmos circadianos sincronizados às variações diárias de intensidade luminosa. Os
NSQs contêm múltiplas células autônomas que oscilam circadianamente e estão
acopladas umas às outras, gerando um ritmo único.
Em roedores, durante a fase embrionária final e o início do desenvolvimento
neonatal, o ritmo circadiano se desenvolve em sincronia com o da mãe que, por sua
vez, está sincronizado ao fotoperíodo ambiental. Evidência desse fenômeno de
arrastamento maternal tem sido observada através da análise do ritmo circadiano de
filhotes criados por mães adotivas e expostos à luz constante a partir do nascimento.
Medindo-se a fase circadiana da atividade da enzima chave na síntese de
melatonina, N-acetiltransferase (NAT) em populações de ratos de 10 dias de idade,
foi observado que a atividade da NAT é próxima à da mãe biológica, que foi exposta
a um fotoperíodo diferente da mãe adotiva durante a gestação. O mesmo fenômeno
é encontrado no nível de corticosterona plasmático e da temperatura corporal.
No entanto, a maior evidência de arrastamento materno é a sincronia mãe-
filhote observada no ritmo comportamental de beber em filhotes de ratos e no ritmo
locomotor de hamsters e camundongos. Como a fase circadiana de cada filhote
sincronizada à da mãe, há uma sincronia circadiana dentro da ninhada. A sincronia
circadiana também é observada entre diferentes ninhadas se as mães foram
expostas ao mesmo fotoperíodo durante a gestação.
Alguns estudos tem centrado na identificação da natureza dos sinais
maternos. Lesões nos NSQs maternos durante a fase inicial da gestação
comprometem a sincronização de filhotes de hamsters e de ratos. O ritmo de
atividade da NAT na pineal em ratos de 10 dias de idade é perdido, enquanto que o
ritmo locomotor em hamster jovens e o ritmo de beber em filhotes de ratos mostram

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

uma distribuição da fase circadiana diferente quando comparados com filhotes


nascidos de mães falso-operadas. O fato de que lesões nos NSQs interrompem
diversos ritmos circadianos, sugere que um sinal circadiano materno pode estar
envolvido na transmissão de informações fotoperiódicas ao feto ou recém-nascidos.
Notavelmente, a melatonina foi o primeiro hormônio maternal sugerida por transferir
informações do fotoperíodo materno durante o desenvolvimento dos mamíferos.
Em ratos, foi examinado o papel de diversos hormônios maternais que
poderiam mediar o arrastamento, testando se a remoção de determinadas glândulas
endócrinas maternas (pineal, pituitária, tireóide, adrenal, ovários) no início da
gestação teria efeitos semelhantes ao efeito produzido pela lesão dos NSQs
maternos. Apesar de um efeito semelhante à pinealectomia ter sido encontrada para
valores de captação de 2-deoxi-D-glicose nos NSQs, os autores deste trabalho não
encontraram resultados semelhantes na atividade da NAT em pineais de ratos após
o nascimento. Isso sugere que o sinal maternal pode ser redundante, com muitos
ritmos agindo em conjunto para arrastar o sistema circadiano do feto e/ou do recém-
nascido. Assim, a eliminação de qualquer um desses sinais não seria suficiente para
romper o arrastamento materno.
Para testar a hipótese de que a melatonina materna age como um sinal
durante o início do desenvolvimento, um grupo pesquisadores injetou melatonina em
hamsters prenhas e com lesão nos NSQs. A injeção de melatonina na fase pré-natal
restaurou a sincronia de fase da atividade locomotora dos filhotes dentro e entre as
ninhadas. Este resultado mostra que melatonina exógena dada a mães durante a
gestação pode sincronizar o ritmo circadiano dos filhotes, mas isso não demonstrou
que a melatonina materna é um sinal fisiológico que sincroniza o feto.
Neurônios do gânglio cervical superior (GCS) fornecem inervação simpática
para a glândula pineal, controlando a síntese de melatonina. Em ratos,
ganglionectomia cervical superior (GCSx) bilateral destrói os terminais simpáticos da
pineal e suprime o ritmo de biossíntese de melatonina. Nós observamos que GCSx
em ratos, antes do acasalamento ou no início da gestação, desregula a
sincronização materna do ritmo circadiano de filhotes jovens. Este efeito só ocorreu
quando as mães foram ganglionectomizadas antes ou até o 11º dia de gestação.
Doses diárias de melatonina para mães ganglionectomizadas durante a fase final da
gestação gerou uma ritmo circadiano nos filhotes, mas apenas quando foi injetada
após o 11º dia de gestação. Foi, então, sugerido que a sincronização do ritmo

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 495


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

circadiano dos filhotes começa muito cedo no desenvolvimento fetal do rato e o ritmo
de secreção de melatonina da glândula pineal materna tem um papel importante.
Entretanto, ainda não se sabe se a pinealectomia materna poderia ter efeitos
semelhantes aos da ganglionectomia materna sobre o ritmo circadiano dos filhotes,
já que o GCS provê inervação simpática para um número de estruturas intra- e
extra-cranial, incluindo a glândula pineal, vasos sanguíneos cefálicos, plexo coróide,
olho, corpos carótidos, glândulas salivar e tireóide.
No presente trabalho, nós examinamos os efeitos da GCSx e da Px materna
no ritmo de beber de filhotes de rato, um efeito que pode ser continuamente
monitorado individualmente por muitos dias após o desmame. As características do
período (Tau) do ritmo circadiano em livre curso, a fase, a amplitude e o valor de alfa
em ambos os tratamentos foram significativamente afetados comparados com os
dos ratos controles, nascidos de mães falso-operadas. Além disso, o tratamento da
mãe com melatonina durante a fase tardia de gestação reverteu os efeitos da GCSx
e da Px materna. Com exceção dos parâmetros alfa, ambos os tratamentos tiveram
efeitos semelhantes.

2- Material e Métodos

2.1- Animais e procedimentos gerais


Ratos fêmeas Wistar de três meses de idade foram mantidas em temperatura
constante, sincronizadas ao ciclo claro/escuro (C/E, 14:10), com alimento e água ad
libitum. O ciclo estral foi determinado pelo esfregaço vaginal e os animais copularam
na noite da ovulação. No 18º dia gestacional, ratas prenhas foram transferidas para
caixas individuais e expostas ao escuro. As mães receberam injeção de melatonina
na fase final da gestação, na hora da secreção noturna endógena do hormônio, por
5 dias, um período considerado adequado para promover sincronização. Após o
parto, mães e filhotes permaneceram em escuro constante. No 3º dia após o
nascimento (P3), cada ninhada foi reduzida a oito machos. Após o dia do desmame
(P21), mães e filhotes foram mantidos em caixas individuais e foi realizado o
monitoramento da atividade de beber por 24 dias.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

2.2- Grupos de filhotes


Quatro a seis ninhadas foram incluídas em cada um dos seguintes grupos
experimentais:
1 ) Filhotes de mães ganglionectomizadas (GCSx) no 7º dia de gestação;
2 ) Filhotes de mães ganglionectomizadas, tratadas com melatonina (GCSx +
mel). As mães foram tratadas com melatonina (1 mg/Kg de peso corporal) às
19 h do 17º ao 21º dia de gestação.
3 ) Filhotes de mães pinealectomizadas (Px) no 7º dia de gestação.
4 ) Filhotes de mães pinealectomizadas, tratadas com melatonina (Px + mel).
As mães foram tratadas com melatonina (1 mg/Kg de peso corporal) às 19 h
do 17º ao 21º dia de gestação.
5 ) Filhotes de mães falso-operadas (controles)

2.3- Registro do ritmo de beber


O ritmo circadiano do comportamento de beber foi individualmente registrado
(por 24h) usando um detector de infra-vermelho. A atividade de beber foi detectada
quando a cabeça do rato interrompeu o feixe de luz infra-vermelha, localizado em
frente ao dispensador de água. Os sinais elétricos foram transformados em valores
numéricos por um programa de computador. A partir desses dados foi obtido um
actograma de cada animal (Fig. 1). O início da atividade foi definido como o primeiro
surto de atividade precedido por pelo menos 2h sem nenhuma atividade sustentada.
E o final da atividade foi considerado como o último surto de atividade que ocorreu
antes de 2h sem nenhuma atividade sustentada. Estas regras foram utilizadas para
calcular a fase (estágio instantâneo de uma oscilação dentro de um ciclo) no dia do
desmame, período (tau; porção do tempo necessária para completar um ciclo), alfa
(duração de uma atividade comportamental) e amplitude (diferença entre os valores
máximo e médio em uma oscilação sinusoidal) através de um programa de
computador. Os dados dos 3-4 primeiros dias foram excluídos da análise a fim de
controlar possíveis efeitos da aclimatação para a atividade de beber.

2.4- Ganglionectomia e pinealectomia de ratas mães


Fêmeas prenhas foram operadas no 7º dia de gestação, já que estudos
prévios indicaram que essas cirurgias nos 7º, 10º e 11º dia de gestação

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 497


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

interromperam o ritmo circadiano da enzima desidrogenase de malato testicular em


filhotes mantidos em condições constantes. Em contraste, nenhum efeito foi visto
quando as mães sofreram as cirurgias nos 12º ou 14º dias. Os gânglios foram
removidos bilateralmente. Fêmeas controles foram operadas sem que houvesse a
remoção do gânglio e da pineal.

3- Resultados

3.1- Distribuição cicadiana dos filhotes


A distribuição da fase do comportamento de beber em filhotes nascidos de
fêmeas controles, GCSx e GCSx + Mel foram plotados em relação ao horário do
relógio no dia do desmame como mostrado na Fig. 2. Em todos os grupos
examinados, a distribuição da fase circadiana não apresentou uniformidade
(p<0,05), mas estão agrupados próximos aos da fase circadiana da mãe. O grupo de
filhotes GCSx apresentou uma diferença significativa da fase circadiana média (µ) e
da distribuição do desvio angular (s) (µ ± s = 10:27 ±2:36h, n=34) comparado aos
grupos controle (8:15 ± 0:48 h, n=21) e GCSx + Mel (7:55 ± 0:56 h, n=21). O grau de
sincronização dos grupos GCSx + Mel e controle foi de 99% e 98%,
respectivamente, enquanto que o grupo GCSx foi de 76%.

Figura 1 – Actograma (perfil temporal) do comportamento de beber em filhotes nascidos de fêmea Px


e mantidos em escuro constante a partir do parto. O final da fase de atividade no dia do desmame é a
intercessão de uma reta através do deslocamento da atividade subseqüente (a). O tau foi
determinado pela estimativa do tempo (em horas) entre os deslocamentos sucessivos durante pelo
menos 10 dias de atividade. O alfa foi determinado, calculando-se o tempo (em horas) entre o início e
o final da atividade.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

A figura 3 mostra a distribuição de fase para o comportamento de beber de


filhotes nascidos de mães controle, sujeitas à Px ou Px + Mel, plotadas em relação à
hora do relógio no dia do desmame. A distribuição de fase do controle e Px + Mel
estavam significativamente diferentes da distribuição uniforme (p<0,05) e próximas à
fase das mães. Por outro lado, a distribuição de fase do grupo Px estava uniforme
(p<0,05; μ±s=13:41±3:48 h, n=34) e significativamente diferente do controle
(9:20±1:14 h, n=32, p<0.001) e Px + Mel (8:34±1:34 h, n=33) (p<0.01). A fase
circadiana média do grupo Px + Mel não foi significativamente diferente do grupo
controle (p<0,05). O grau de sincronização dos grupos Px + Mel e controle foram de
85 % e 90%, respectivamente, enquanto que o grupo Px foi de 46%.

Figura 2 – Distribuição de fase para o comportamento de beber em filhotes nascidos de (A) controle
GCSx, (B) GCSx e GCSx + Mel, plotados relativamente ao tempo do relógio. Os círculos grandes
representam as 24h do dia em que ocorreu o desmame e cada um dos círculos pequenos a fase
individual de cada filhote. A média da fase de cada grupo é indicada por uma seta no interior do
círculo grande. O comprimento da seta (r) indica o grau de sincronia de cada grupo de filhotes. A fase
média da mãe é indicada por uma seta do lado de fora do círculo grande. As fases são
significativamente diferentes da distribuição uniforme em mães falso-operadas GCSx, GCSx e GCSx
+ mel (p<0,05). A fase média e a distribuição do desvio angular no grupo GCSx são
significativamente diferentes daqueles dos falso-operadas GCSx e GCSx + Mel (p < 0,01).

Figura 3 – Distribuição de fase para o comportamento de beber em filhotes nascidos de (A) controle
de Px, (B) Px e Px + Mel, plotados relativamente ao tempo do relógio. Convenções iguais as da figura
2. A distribuição de fase para os grupos controles e Px + Mel são significativamente diferentes da
distribuição uniforme (p < 0,05). A fase média e a distribuição do desvio angular nos grupos de
filhotes Px são significativamente diferentes dos grupos controle falso-operado e Px + Mel (p <0,01).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 499


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

4- Período circadiano de filhotes em livre-curso


O período (tau) em livre curso dos filhotes dos grupos controle, GCSx e GCS
+ Mel está apresentado na figura 4. O comportamento de beber dos filhotes
nascidos de mães GCSx mostrou uma distribuição de tau diferente comparado aos
dos filhotes nascidos de mães controle falso-operadas. Análise não-paramétrica
indicou uma diferença significante entre valores médios dos filhotes dos grupos
GCSx (23.97± 0.045 h, n=34),controle (24.04 ± 0.005 h, n=45, p<0.003) e GCSx +
Mel (24.07 ± 0.006 h, n=21, p<0.05). Houve uma diferença significativa na
porcentagem de significância entre esses grupos (p<0,0001). E nenhuma diferença
significativa foi observada entre os grupos GCSx + Mel e controle (p>0,05).
Os valores de tau em livre-curso de filhotes nascidos de mães sujeitas a Px,
Px + Mel e aquelas falso-operadas também estão representadas na figura 4. Esses
grupos de filhotes apresentaram uma distribuição estatística normal do período (tau)
em livre-curso com diferenças significativas (p<1.10−7). O grupo Px (23,89±0,032 h,
n=34) apresentou diferença significativa com relação aos grupos controle
(24,041±0,005 h, n=45) e Px + Mel (23,97±0,014 h, n=33).

4.1- Amplitude circadiana dos filhotes

A figura 5 mostra a amplitude dos grupos de filhotes GCSx (34,71±1,87,


n=23), controle (29,96 ± 0,54, n=45) e GCSx + Mel (30,70 ± 1,86, n=20). O valor
médio do grupo GCSx foi um pouco maior que os valores médios para o grupo
GCSx + Mel, mas não há diferença significativa entre eles. O tratamento com
melatonina não reduziu a dispersão observada no grupo GCSx. A figura 5 também
mostra os valores de amplitude para os grupos Px (37,46±1,68, n=33), controle
(29,96±0,54, n=45) e Px + Mel (32,72±0,70, n=34). Todos esses grupos
apresentaram uma distribuição normal para os valores de amplitude. Os valores
médios do Px eram significativamente maiores do que os falso-operados (p<0,0001)
e Px + Mel (p<0,002). Não houve diferença significativa entre os grupos controle e
Px + Mel.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

4.2- Alfa circadiano dos filhotes


Os resultados dos valores do alfa circadiano dos grupos GCSx (13,43±0,16 h,
n=30), controles-GCSx (12,21±0,038 h, n=44) e GCSx + Mel (12,37±0,075h, n=23)
estão representados na figura 6. Todos os grupos de filhotes mostraram uma
distribuição normal dos valores de alfa. Os valores para o grupo GCSx foram
significativamente mais altos que os dos grupos controles e GCSx + Mel (p<0.0001)
e houve uma diferença significativa na porcentagem de variância entre esses grupos
(p<0,01). Não houve diferença significativa entre os grupos GCSx + Mel e controle.
A figura 6 também apresenta os valores de alfa para filhotes nascidos de mães Px
(11,89±0,168h, n=33), falso-operados (12,2±0,038h, n=44) e Px + Mel (11,84±0,126
h, n=34). Todos os grupos apresentaram uma distribuição normal para os valores de
alfa. Os valores de alfa médios dos Px estavam significativamente mais baixos que o
controle (p<0,05). Houve também uma diferença significativa na porcentagem de
variância entre esses mesmos grupos (p<0,003). Nenhuma diferença foi observada
entre os grupos Px + Mel e Px.

Figura 4 – Período circadiano do Figura 5 – Amplitude circadiana do


comportamento de beber em filhotes comportamento de beber em filhotes
nascidos de ratas falso-operadas nascidos de ratas falso-operadas
(controles), GCSx e Px e o efeito da (controles), GCSx e Px e o efeito da
melatonina. O grupo GCSx é melatonina. Os grupos controles e Px
significativamente diferente do + Mel são diferentes do grupo Px
controle e do GCSx + Mel (p<0,05) e (p<0,001).

Figura 6 – Período circadiano do valor


de alfa para o comportamento de
beber em filhotes nascidos de ratas
falso-operadas, GCSx e Px e o efeito
da melatonina. Os grupos controles e
GCSx + Mel são significativamente
diferentes do grupo GCSx (p<0,0001).
O grupo Px é diferente do controle

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 501


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Artigo 3: Dinâmica molecular e regulação social da plasticidade


dependente do contexto no relógio circadiano em abelhas.

Yair Shemesh, Ada Eban-Rothschild, Mira Cohen, and Guy Bloch (The Journal of
Neuroscience, 30: 12517–12525).

1. Introdução

Interações sociais influenciam o ritmo circadiano em diversos animais. Em


humanos, acredita-se que o desalinhamento entre o ambiente social e o relógio
pode contribuir para a expressão de muitas doenças mentais e transtornos do
humor. Entretanto, pouco se sabe sobre o funcionamento e o mecanismo desta
interação entre o ambiente social e o relógio. Não há uma relação clara entre o nível
de sociabilidade e a sensibilidade do sistema circadiano aos sinais sociais. Também
não está claro se influências sociais são mediadas por vias específicas que
conectam o sistema sensorial ao relógio ou por mecanismos gerais como excitação,
antecipação de alimentos ou propagação social das vias de entrada.
Insetos sociais, tais como as abelhas, são modelos interessantes para
estudar influencias sociais sobre o relógio devido ao rico repertório de interações
sociais, à possibilidade de manipular o ambiente social em um contexto
ecologicamente relevante e à aparente significância funcional de coordenação
temporal de seus comportamentos. Abelhas trabalhadoras apresentam uma
plasticidade natural no ritmo circadiano, trocando entre atividades, com ou sem ritmo
circadiano, dependendo da posição social que ocupam na colônia. “Enfermeiras”
(abelhas jovens) cuidam das ninhadas sem apresentar ritmo circadiano, enquanto
que as mais velhas forrageadoras apresentam um forte ritmo circadiano que é
necessário para o sincronismo das visitas às flores e para sua orientação pelo sol.
Abelhas trabalhadoras podem trocar de atividade entre enfermeiras e forrageadoras,
de acordo com a necessidade da colônia.
O relógio do animal é composto por uma rede de interações de células que
oscilam. Cada uma dessas células expressa um conjunto de “genes do relógio” que
são necessários para gerar oscilações moleculares autônomas. Essas oscilações
definidas na transcrição de proteínas tornam possível avaliar os mecanismos
moleculares subjacentes aos ritmos comportamentais. Análise da expressão de

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

genes do relógio do cérebro revelou uma forte oscilação em forrageadoras, mas não
em enfermeiras, independentemente do regime de oscilação. Esses estudos
sugerem que a plasticidade no ritmo de atividade está associada com plasticidade
molecular do relógio. A falta de oscilação em enfermeiras não é consistente com
hipótese alternativa de que em enfermeiras os ritmos circadianos são mascarados
por fatores externos ou que seus relógios são desacoplados do centro de controle
da atividade motora; ambas as hipóteses, do “mascaramento” e do
“desacoplamento” prevêem que o relógio das enfermeiras produzem oscilações
moleculares normais.
No presente estudo, nós testamos duas hipóteses. A primeira é que a
plasticidade no ritmo circadiano é regulada por contato direto com a ninhada. A
segunda é que a atividade durante todo o dia em enfermeiras é dependente do
contexto. Nossos resultados dão crédito a ambas as hipóteses.

2- Material e Métodos

Observação da colméia: As abelhas foram obtidas de colônias lideradas por


rainhas artificialmente inseminadas com sêmen de um único zangão (colônias S17,
S20, S21, S26, S77 e S85). A colônia H7 era liderada por uma rainha fecundada
naturalmente.
Para nossos experimentos, nós determinamos colônias com “tripla-coorte”
que é normalmente usada em estudos de divisão de trabalho e sociobiologia de
abelhas. Colônias de tripla-coorte são menores e mais padronizadas que as colônias
selvagens, mas a demografia de trabalhadores é determinada para mimetizar as
colônias naturais. Nossa colônia continha: ~1700 abelhas recém emergidas (0-24h
de idade), ~1700 enfermeiras, ~1700 forrageadoras, e a rainha. Para obter abelhas
recém-emergidas, nós transferimos favos selados contendo cria das colônias de
origem para uma incubadora, 24 h antes do estabelecimento da colônia. As abelhas
que emergiram na incubadora foram marcadas (ponto no tórax) com uma cor e
foram introduzidas na colônia de observação. Para obter as enfermeiras, nós
coletamos abelhas de idade desconhecida da colônia de origem que foram vistas
com a cabeça dentro dos favos contendo a cria. Para obter forrageadoras, nós
bloqueamos a entrada da colônia e coletamos abelhas que retornavam com pólen

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 503


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

nas pernas. A colônia de observação foi montada em uma caixa transparente com
conexão para o exterior. Nos dois primeiros dias nós mantivemos a colônia em
escuro constante para evitar que as abelhas saíssem. A partir do terceiro dia
abrimos a entrada da colônia todos os dias às 8h e fechamos às 20h.
Experimento 1 - Influência das crias no ritmo de comportamento e molecular
de abelhas jovens: nós prevenimos a interação direta de um conjunto de enfermeiras
marcadas com as crias, prendendo-as em um favo vazio dentro da colônia dentro de
câmaras de plástico transparente para auxiliar a observação. As abelhas podiam
mover-se livremente para dentro e para fora do favo. No sétimo dia nós observamos
atividade (andar continuamente por pelo menos 3s) das abelhas marcadas dentro e
fora do favo a cada 3 h (colônia H7 e S26) e a cada 2h (colônia S77) em regime
claro-escuro (LD). Após a última observação, nós coletamos 15-20 forrageadoras
(com mais de 21 dias de idade), 15-20 enfermeiras e 15-20 abelhas privadas do
contato com as crias (6-7 dias de idade) para análise de atividade locomotora (veja
abaixo). Enfermeiras e forrageadoras foram identificadas como já descrito. No dia 9
coletamos abelhas para análise de RNAm de 3 grupos diferentes: (1) enfermeiras (7
dias de idade), (2) enfermeiras privadas do contato com a cria (7 dias de idade) e (3)
forrageadoras de idade desconhecida (>21 dias de idade).
Experimento 2 – influência da cria no ritmo de comportamento e molecular de
abelhas jovens submetidas a caixas pequenas fora da colônia. Nós marcamos
~1500 abelhas recém-emergidas com uma cor (1300 abelhas) ou com um número
(200 abelhas) e as reintroduzimos na colônia de origem. Após 4 dias na colônia, nós
transferimos 600 abelhas marcadas (das quais 100 continham números) para uma
caixa contendo favos com cria dentro (+ brood). Nós transferimos outras 600
abelhas (das quais 100 continham números) para caixas contendo favos sem cria ( –
brood). Numa terceira caixa contendo favos sem cria, nós colocamos 600
forrageadoras. As 3 caixas foram submetidas a um ciclo LD 12:12h. No terceiro dia
de experimento, nós registramos a atividade e o cuidado com a cria das abelhas
marcadas durante 1h por 3 dias. No 7º dia, coletamos o RNAm a cada 4h em 7
pontos diferentes.
Experimento 3 – Ritmo circadiano da atividade locomotora de abelhas
transferidas da colônia para caixas individuais em condições constantes: Nós
removemos enfermeiras, forrageadoras e abelhas privadas do contato com a cria da
colônia usadas nos experimentos 1 e 5 para condições constantes. Nós colocamos

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

cada abelha em caixas individuais em escuro constante (DD) e monitoramos a


atividade locomotora durante 5 dias.
Experimento 4 – o relógio molecular em enfermeiras retiradas da colônia por
mais de 16h: Este experimento foi realizado concomitantemente ao experimento 1.
No 6º dia de experimento nós transferimos 105 enfermeiras para uma caixa isolada
e após 16h coletamos amostras dessas abelhas a cada 4h para análise do RNAm (7
pontos, 28h).
Experimento 5 – O relógio molecular de enfermeiras da colônia por mais de
8h: Nós estabelecemos 3 observações adicionais com abelhas das colônias S17,
S20 e S21. No 6º dia transferimos as abelhas para caixas isoladas e após 8h
coletamos amostras de enfermeiras, enfermeiras removidas para as caixas e
forrageadoras para análise de RNAm a cada 4h num total de 6 pontos.

3- Resultados

Nós testamos se a plasticidade no ritmo circadiano é modulada por sinais


sociais específicos ou por outro fator ambiental. No primeiro experimento, nós
comparamos o comportamento e a expressão de genes do relógio de abelhas que
estavam presas em favos sem a presença de crias dentro da colônia com abelhas
de idade e desenvolvimento genotípico semelhante e que estavam com os favos
contendo crias. As abelhas presas puderam continuar presenciando o ambiente da
colônia e estavam expostas aos odorantes voláteis, mas não tiveram contato direto
com a cria. Nós verificamos que no 6º dia de idade, o que é típico das enfermeiras
em colônias de campo, as abelhas que estavam com favos contendo cria, cuidaram
da cria e estavam ativas da mesma forma durante as fases de luz e de escuridão
(Fig. 1A). Do contrário, as abelhas com a mesma idade confinadas nos favos sem
cria apresentaram uma maior aitividade durante a fotofase. (Fig. 1B, C).

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 505


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura
1 – Enfermeiras na ausência da cira são mais ativas durante a fotofase, enquanto que enfermeiras na
presença da cria são aitvas igualmente durante todo o dia. A, Enfermeira representativa
apresentando atividade distribuida durante a fase de claro (colunas e fundo amarelos) e a fase de
escuro (colunas pretas e fundo cinza). B, Enfermeira representativa em um favo sem cria mais ativa
durante o dia. C, Sumário da análise estatística.

Nós também avaliamos os níveis do transcrito dos genes Cry e Per no


cérebro. Esses são genes que apresentam maior oscilação em abelhas. Nós vimos
que tanto Cry, quanto Per oscilaram com altos níveis durante a noite em
forrageadoras, mas não em enfermeiras (Fig. 2). O perfil de expressão temporal para
as abelhas confinadas nas colônias estava mais semelhante ao das forrageadoras
do que ao das enfermeiras.; tanto o RNAm do Cry quanto e de Per estavam
significativamente maiores durante o escuro (p<0,05). Esses resultados indicam que
as condições do micro-ambiente (ex. temperatura, umidade, concentração de CO2) e
o odor volátil da colonia, que eram semelhantes para as abelhas dentro e fora da
contenção, não estão relacionados à atividade constante ao longo do dia e a
atenuação dos genes do relógio em enfermeiras.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Figura 2 – O contexto social do padrão temporal da expressão de genes do relógio em abelhas


jovens. Os gráficos mostram os níveis de RNAm de Per e Cry para abelhas irmãs da colônia 77.
Forrageadoras (Foragers), enfermeiras (Nurses, 7dias de idade), Enfermeiras privadas do contato
com a cria que permaneceram dentro da colônia (In hive, brood-deprived); Enfermeiras por mais de
16h nas caixas fora da colônia (Nurses > 16h). A barra sob cada gráfico representa o regime de
iluminação. Barra preta, noite ou noite subjetiva; barra cinza dia subjetivo; barra amarela, dia (luz
acesa).

O experimento dentro da colônia é consistente com a hipótese de que a


plasticidade do ritmo circadiano é influenciada por contato direto com a cria.
Entretanto, o confinamento de abelhas em favos sem cria dentro da colônia poderia
afetar, não só suas interações com a cria, mas também com a rainha e outras
abelhas. Desta forma, nós realizamos um experimento adicional (experimento 2) no
qual nós comparamos o comportamento e a expressão de genes do relógio de
enfermeiras que estavam confinadas fora da colônia (sem rainha ou outras abelhas)
em favo com ou sem cria. Nós mostramos que as abelhas nos pequenos
confinamentos na presença da cria cuidavam da mesma e apresentavam atividade
igualmente distribuida durante as fases de claro e de escuro (Fig. 3A). Em
contraposição, abelhas com a mesma idade colocadas no isolamento sem cria
apresentaram maior atividae durante a fase de claro. Os níveis do transcrito de Cry e
Per no cérebro oscilaram, com altos níveis durante a noite em forrageadoras e em
enfermeiras confinadas sem cria (p<0,001; Fig. 3B). Estes resultados mostram que o
contato com a cria fora do contexto normal da colônia é suficiente para induzir a

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 507


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

atividade constante ao longo do dia em enfermeiras, com atenuação das oscilações


dos genes do relógio.

Figura 3 – A cria influencia o ritmo comportamental e molecular em abelhas jovens confinadas a


pequenas caixas fora da colônia. A, atividade locomotora de duas colonias. O gráfico mostra a
relação entre os níveis de atividade locomotora durante as fases de claro e de escuro. B, níveis do
transcrito do gene do relógio de abelhas da colônia S58. Enfermeiras confinadas em caixas na
presença da cria (+ brood) e enfermeiras confinadas em caixas na ausência de crias (-brood), ambas
fora da colônia.
No próximo passo, nós testamos se enfermeiras manifestam um ritmo
circadiano fraco ou não manifestam, pois seus sistema circadiano não suporta ritmos
fortes (ex. não está totalmente desenvolvido) ou porque eles são capazes de gerar
ritmos fortes mas que não são expressos em um contexto em que o animal se
comporte como enfermeira. No experimento 3, nós monitoramos a atividade
locomotora de enfermeiras, forrageadoras e enfermeiras privadas do contato com a
cria que foram transferidas para pequenos confinamentos individuais e mantidas em
condições constantes. Nós verificamos que a maioria das enfermeiras mostrou um
ritmo circadiano na atividade locomotora menor, depois da trasnferência para caixas
individuais em escuridão constante (Fig. 4). A força, a fase e o período do ritmo
circadiano foram semelhates aos expressados pelas abelhas privadas do contato
com a cria em condições semelhantes. As abelhas apresentaram uma diminuição
significativa na atividade locomotora durante a primeira noite subjetiva fora da
colônia (ocorrendo ~5h depois da transferência para as abelhas da colônia H7 e S26
que foram transferidas ao meio-dia e, imediatamente depois da transferência para
abelhas da colônia S77, que foram tranferidas por volta das 19h). Esse ritmo
circadiano na atividade locomotora continuou com uma fase semelhante durante os
dias subsequentes e foram semelhantes aos ritmos encontrados em forrageadoras
da mesma colônia (Fig. 4). Para testar as relações entre a fase de atividade em
confinamento individual no laboratório, o regime de iluminação na colônia e o horário

Pág. 508 Julho/2011


Bases Cronobiológicas da Fisiologia

de remoção da colônia foram examinados em seis colônias adicionais, nas quais nós
monitoramos a atividade locomotora em enfermeiras removidas da colônia. Esta
análise indicou que o início da atividade estava correlacionado com a manhã
subjetiva (8h), mas não com o horário em que as enfermeras foram removidas. Esta
análise do comportamento indica que o sistema oscilador de enfermeiras está
desenvolvido e também sincronizado ao regime LD, mas o ritmo circadiano evidente
não se expressa no contexto de cuidado da cria. Assim, enfermeiras que estão
ativas constantemente ao longo do dia sob regime LD sem nehuma oscilação
aparente dos genes do relógio no cérebro ainda são capazes de mensurar o tempo
e responder aos zeitgebers ambientais.
Nos experimentos 4 e 5, nós estudamos a dinâmica molecular da plasticidade
dependente do contexto no ritmo circadiano, nós transferimos enfermeiras jovens de
colônia em regime LD para pequenas caixas de madeira mantidas em condições
constantes. No experimento 4, nós coletamos essas abelhas para análise de RNA a
cada 4h, iniciando 16 h após a remoção da colônia. Nós verificamos que 16h na
caixa eram suficientes para produzir uma alteração significativa no padrão temporal
de expressão dos genes do relógio: o padrão era circadiano com altos níveis durante
a noite, tanto para o gene Per quanto para o Cry (p<0,05) (Fig. 2). Este padrão é
reminescente do padrão das forrageadoras, mas com amplitude mais baixa (Fig. 2).
Os resultados desse experimento sugerem que a reorganização molecular no relógio
já está presente, mas ainda não completa depois de 16-40h fora da colônia.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 509


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 4 – Enfermeiras mostram ritmo circadiano na atividade locomotora menores depois de serem
transferidas do regime LD para condição constante. A, actogramas representativos da atividade
locomotora de uma enfermeira (esq.), uma enfermeira restrita ao favo sem a cria (centro) e uma
forrageadora (direita). As abelhas foram monitoradas individualmente sob condições constantes. O
eixo y mostra os dias após a remoção das abelhas da colônia. A altura das pequenas barras para
cada dia corresponde à atividade locomotora. Barras horizontais no topo dos gráficos correspondem
ao regime de iluminação; barras cinzas, dia subjetivo; barras pretas, noites subjetivas. As setas
apontam para o início da aquisição dos dados. B, Sumário da atividade locomotora durante os 3
primeiros dias para abelhas removidas ao meio-dia. Todas as abelhas apresentaram atividade
locomotora maior durante o dia subjetivo (barra cinza) em relação à noite subjetiva (barra preta). Esta
diferença já era visível no primeiro dia de isolamento. O dia e a noite subjetiva foram baseadas no
período (tau) em livre curso de cada abelha.

Para uma avaliação mais refinada da dinâmica da plasticidade dependente do


contexto no relógio molecular, nós repetimos a remoção das enfermeiras em 3
colônias adicionais (experimento 5), mas, desta vez, mas desta vez iniciando a
amostragem das abelhas para extração do RNA mais cedo, após 8h na caixa. As
análises das forrageadoras e enfermeiras nessas colônias foram consistentes com
estudo prévios: Os níveis de RNAm de Per e Cry variaram significativamente durante
o dia em forrageadoras, mas não nas enfermeiras (Fig. 5). O padrão temporal da
expressão dos genes do relógio nas enfermeiras que foram amostradas ente 8-28h
na caixa estava diferente tanto das enfermeiras quanto das forrageadoras. Níveis do
transcrito de Cry e Per no cérebro apareceram maiores durante a noite subjetiva, o
que é mais semelhante às forrageadoras do que às enfermeiras, mas a variação
total estava mais baixa, o que é reminescente do padrão nas enfermeiras. A fase
também foi semelhante à tendência vista nas enfermeiras dessas colônias nos
pontos iniciais e às forrageadoras nos pontos finais (ex. Depois da meia-noite) (Fig.
5). Essas observações sugerem que uma reorganização molecular no relógio
biológico já tinha inciado em abelhas removidas da colônia por 8-28h.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Figura 5 – Enfermeiras removidas da colônia por 8h estão em um estágio inicial da reorganização do


relógio. Enfermeiras que foram transferidas para caixas fora da colônia 8-28h antes da coleta para
análise do RNAm. (Nurses > 8h in a cage). Outros detalhes, ver Fig. 2.

Finalmente, nós estávamos interessados em comparar o padrão da


expressão dos genes do relógio em enfermeiras (7 dias de idade) de diferentes
experimentos nos quais elas foram submetidas a diferentes ambientes sociais. Para
comparar abelhas de diferentes origens e experimentos, nós primeiramente
ajustamos um modelo co-seno para os valores dos níveis de RNAm de Per e Cry
durante todo o dia (Fig. 6A). Modelos co-seno, tipicamente, considera grande parte
da variação nos níveis de transcrito durante o dia para genes que são regulados
pelo relógio circadiano. Nós normalizamos a amplitude obtida e o R2 para cada
grupo relativo àqueles em enfermeiras da mesma colônia e experiemento (ex. os
valores são 1 se a amplitide das enfermeiras é semelhante ao das enfermeiras da
mesma colônia). Nós verificamos que o padrão das forrageadoras, mas não o das
enfermeiras, ajustam muito bem a uma curva co-seno com alta amplitude. O
coeficiente de regressão para abelhas confinadas ao favo na ausência da cria e
mantidas dentro da colônia foi tão bom quanto ao das forrageadoras, mas a
amplitude foi menor. Enfermeiras que foram removidas da colônia para uma
pequena caixa mostrarm uma troca gradual do padrão semelhante ao de enfermeira
para o padrão semelhante ao da forrageadora: depois de 8-28h na caixa, o
coeficiente de regressão e a amplitude eram menores, assim como em enfermeiras
(Fig. 6B). Depois de 16-40h fora da colônia o coeficiente de regressão estava tão

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 511


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

bom quando para as forrageadoras, mas a amplitude estava notavelmente menor


(Fig. 2, 6). A amplitude estava menor também do que as enfermeiras da mesma
idade que se desenvolveram dentro da colônia. Esses resultados sugerem que a
reorganização molecular inicia depois de 8-28h e em uma fase mais avançada
depois de 16-40h fora da colônia. Entretanto, 16-40h fora da colônia não são,
aparentemente, suficientes para completar a reorganização molecular pois a
amplitude nesse estágio ainda é mais baixa quando comparadas às enfermeiras da
mesma idade que permaneceram na colônia (indicando que abelhas nessa idade
podem ter uma forte oscilação molecular).

Figura 6 – A influência do ambiente social no padrão temporal da expressão dos genes do relógio. A,
Índices do grau de oscilação na expressão dos genes do relógio. A linha preta retrata o melhor
modelo co-seno; os círculos são as medidas médias dos níveis de RNAm do cérebro para cada ponto
do tempo. O coeficiente de regressão (ajustado R2) e a amplitude foram usados para construção dos
gráficos em B. B, Coeficiente de regressão médio (esq.) e amplitude (dir.) para expressão do RNAm
de Cry e Per. N, enfermeiras confinadas a caixa por >16h fora da colônia; IH, enfermeiras que
desenvolveram na ausência de cria dentro da colônia; F , forrageadoras. Os valores foram
normalizados em relação aos valores das enfermeiras da mesma colônia.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Artigo 4: Estudo com lâmpada com intensidade de luz do dia: Um


risco ocupacional para o desenvolvimento de distúrbios de sono do
ritmo circadano?

J. T. Doljansky H. Kannety, and Y. Dagan (Chronobiology International 22(3): 597–605, 2005)

1- Introdução
A luz solar é a principal zeitgeber de ritmos endógenos. O estímulo de luz é
percebido por fotorreceptores especiais da retina e retransmitido para o núcleo
supraquiasmático (NSQ) por meio de projeções neuronais. O NSQ, por sua vez,
inerva a glândula pineal, que é responsável pela produção e liberação de melatonina
de forma rítmica. O estímulo luminoso causa uma atenuação da secreção de
melatonina pela glândula pineal; Enquanto que, a interrupção de luz aumenta a
secreção de melatonina e induz o sono em mamíferos diurnos. Assim, o ritmo
circadiano da secreção de melatonina implica em uma elevação gradual do nível
deste hormônio à noite, com um pico a meia-noite, e um declínio gradual em seguida
em direção a um ponto mais baixo na madrugada.
O ritmo circadiano da secreção de melatonina e as 24 h do ciclo vigília-sono
apresentam relações de fase constante e consistente com o ritmo circadiano de
muitas funções fisiológicas, tais como o apetite, a temperatura corporal, freqüência
cardíaca, pressão arterial e diversas variáveis metabólicas e endócrinas. Essa
sincronização cuidadosamente afinada entre os relógios também depende muito do
ciclo claro-escuro ambiental. Alteração ou perda da oscilação da secreção de
melatonina resulta em irregularidades do ciclo vigília-sono, e pode até causar
dessincronização entre o ritmo circadiano de várias funções fisiológicas. Esse, por
exemplo, é o caso de pacientes com Alzheimer, que apresentam fragmentação do
ciclo vigília-sono devido à diminuição dos níveis de melatonina como resultado da
degeneração da glândula pineal. Da mesma forma, a supressão da secreção de
melatonina pela exposição crônica e prolongada à luz branca (intensidade > 3000
lux) durante a noite causa uma dessincronização entre os relógios e uma profunda
perturbação do ciclo vigília-sono.
O caso que aqui apresentamos demonstra os efeitos negativos da exposição
diária à luz durante à noite, sobre a regulação do ciclo vigília-sono e sincronização

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 513


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

interna dos ritmos circadianos de acordo com o padrão de 24h na secreção de


melatonina e com a temperatura corporal. O paciente, um lapidador de diamante
profissional, tinha desenvolvido um ciclo vigília-sono irregular caracterizado pela
duração do sono instável e uma grande variabilidade na latência do sono. Esta
condição afetava seriamente sua saúde e bem-estar. A ingestão de melatonina a
tarde combinada com terapia de luz branca pela manhã restaurou o seu ritmo
circadiano de sono-vigília.

2- Histórico do caso
Um homem, solteiro de 47 anos de idade, foi admitido no Instituto de Fadiga e
Medicina do Sono com queixas de fadiga severa, sonolência diurna, e incapacidade
de manter um cronograma regular de sono durante os últimos 20 anos. Esta
condição lhe causou sofrimento acentuado e prejudicou severamente seu bem-estar
e sua capacidade de manter uma rotina diária normal. No retorno, o paciente relatou
ser notívago durante a adolescência e início da idade adulta, sempre preferindo ficar
acordado até tarde da noite, seja para estudar ou trabalhar. No entanto, deve notar-
se que este fato não lhe impediu de terminar o colegial com sucesso, nem de
realizar o serviço militar como oficial. Poucos anos depois da sua demissão do
serviço militar, em meados de seus vinte anos, o paciente começou a sofrer de
fadiga diurna, dificuldade em adormecer à noite, e / ou obter a duração normal do
sono. Inicialmente, ele tentou gerir o seu próprio cansaço, ele começou uma rotina
de exercícios na praia todas as manhãs para ter mais disposição. No entanto,
embora ele tenha aliviado os sintomas com estes novos hábitos, isto não se
mantinha por muito tempo. Assim, a fragmentação do seu período de sono piorava
progressivamente. Há sete anos, ele mudou para um emprego com regime de tempo
parcial, porque ele não era mais capaz de tolerar um horário de trabalho regular em
tempo integral. Durante esses anos, ele foi diagnosticado com depressão e
síndrome da fadiga crônica (SFC). Os antidepressivos não conseguiram melhorar
sua condição. Além disso, a tentativa de consolidar seu sono com hipnóticos
também foi ineficazes.

3- Procedimento e Resultado
Na admissão para o Instituto de Fadiga e Medicina do Sono, o paciente
submeteu-se a polissonografia para detectar distúrbios do sono como causa de suas

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

queixas. Os resultados da polissonografia revelaram um grau muito leve, de índice


de distúrbio causado pela síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono (IDR) de 8,9
dessaturações sem oxigênio.
Isso não poderia explicar a sua extrema fadiga diurna, nem o padrão de sono
fragmentado e, portanto, apnéia do sono foi descartada como causa de suas
queixas. Uma avaliação objetiva da ritmicidade circadiana do paciente foi então
obtida com as gravações de pulso actigráfico para os padrões de sono e vigília. O
paciente foi orientado a usar o actígrafo no pulso não dominante para controlar os
movimentos das mãos, que foram registrados em intervalos de 1 minuto. Durante a
atividade de acompanhamento o paciente seguiu um tipo de condicionamento auto-
selecionado para a condição de livre-curso, na ausência de pistas ambientais, mas
sem isolamento. A figura 1 mostra o resultado do registro actigráfico antes do
diagnóstico (A), durante a tentativa de tratamento inicial (B), e durante o tratamento
conclusivo (C). A Tabela 1 resume os tempos do início do sono e a duração do sono
ao longo do acompanhamento actigráfico antes do diagnóstico, durante o tratamento
inicial e durante o tratamento conclusivo.
Além disso, o paciente foi orientado a medir a temperatura oral e a coletar
saliva para dosagem de melatonina a cada 3 h por 36 h durante o diagnóstico e
tratamento. A figura 2 mostra as variações temporais da temperatura oral durante o
período de estudo de 36 h antes do diagnóstico (preto) e durante o tratamento
conclusivo (cinza). A figura 3 mostra as mudanças no nível de melatonina durante as
36 h de avaliação antes do diagnóstico.

Figura 1 - Acompanhamento actigráfico (actograma) de repouso-atividade antes do tratamento (A),


durante o tratamento inicial com melatonina (B) e durante o tratamento com melatonina combinada
com terapia de luz branca (BLT) (C). Cada linha representa um único dia. Cada faixa preta vertical
representa um movimento. Um segmento com tiras de alta densidade é interpretado como a vigília,
enquanto um segmento com tiras de baixa densidade, é interpretado como o sono/repouso.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 515


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Tabela 1 - Hora de início do sono e duração do sono no dia estraidos das gravações actigráficas
antes do tratamento, durante o tratamento inicial com melatonina e durante o tratamento definitivo
com melatonina associado a terapia com luz branca (BLT)

Temperatura oral (C) antes e depois do tratamento com melatonina e terapia de luz branca
(BLT)

Figura 2 - Temporal (24 h) alterações da temperatura oral antes do tratamento (preto) e após o
tratamento com melatonina plus terapia clara brilhante (BLT) (cinza).

Nível de melatonina antes do tratamento

Figura 3 - Mudanças temporais na saliva nível de melatonina, antes do tratamento.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

4- Diagnóstico
No geral, o acompanhamento actigráfico (Fig. 1A) revelou um padrão vigília-
sono irregular. Tanto o início do sono quanto a duração do sono mostram grande
variação (Tab. 1), o início do sono variou aproximadamente de 3:00 a 09:00 h
(média: 06:10 h, SD = 1,75 h) e a duração do sono variou aproximadamente de 4 a
13 h (média: 8,55 h; SD = 2,36 h.) A avaliação da temperatura oral (Fig. 2, linha
escura) e níveis de melatonina salivar (cinza) (Fig. 3) também apresentaram padrões
anormais, com o pico de melatonina por volta do meio dia e pico de temperatura oral
por volta do amanhecer.

Tentativa de Tratamento inicial: Administração de Melatonina à noite


A fim de estabilizar o padrão de sono-vigília, iniciou-se o tratamento com
injestão de melatonina durante a noite (5 mg). No entanto, a avaliação actigráfica de
7 dias realizada após 6 semanas de tratamento não demonstrou qualquer melhoria
em seu sono. Como pode ser observado (Fig. 1B), o grau de variabilidade no início
do sono e a duração do sono é o mesmo que antes do tratamento. O início do sono
variou de 2:30-13:00 h (média = 10:00 h, SD = 3.7 h) e a duração do sono variou de
5-13,75 h (média = 8h, SD = 3.26 h), conforme resumido na Tabela 1.

5- Revisão e tratamento definitivo: Combinação de melatonina mais tratamento


com luz branca (BLT)
A ineficácia do tratamento com melatonina nos levou a suspeitar que a
irregularidade do ritmo vigília-sono, da secreção de melatonina e dos padrões de
temperatura oral poderia ser originária de sua exposição anormal à luz. Assim,
recomendamos a adição de terapia com luz branca pela manhã (BLT), desta forma,
o paciente era exposto a uma lâmpada branca ("caixa de luz") por 1 h ao acordar e
ingeria melatonina à noite. No entanto, para nossa surpresa, o paciente informou
que ele já era exposto a uma lâmpada de alta intensidade (8000 lux), que ele usa
em seu trabalho como lapidador de diamantes em diferentes momentos do dia,
inclusive à noite. Esta descoberta nos levou a postular que as irregularidades de seu
sono e falta de resposta ao tratamento de melatonina à noite poderia ser o resultado
da exposição crônica à luz da lâmpada que o paciente utilizava no trabalho. Assim, o
paciente foi imediatamente instruído a deixar de usar a luz à noite e continuar a
ingestão de melatonina, à noite e a exposição da lâmpada branca ao acordar como

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 517


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

recomendado anteriormente. Depois de 2 meses de tratamento, o paciente foi


submetido à avaliação actigráfica adicional por 14 dias e medição da temperatura
oral por 36 h. Desta vez, os resultados mostraram a estabilização do seu padrão
vigília-sono, com diminuição significativa da variabilidade no início do sono e
duração do sono (Fig. 1C). O início do sono agora variou de 00:00 - 00:46 h (média
= 00:28 h, SD = 0,27 h) e sua duração do sono variou agora 7,25 - 8,5 h (média =
8,05h, SD = 0,43 h, consulte Tabela 1). O ritmo da temperatura oral de 24 h também
apresentou normalização, com o pico na parte da tarde e queda ao amanhecer (Fig.
2, a linha cinza).

6- Análise Estatística da Atividade


Os tempos de início e duração do sono durante os três diferentes momentos,
antes do tratamento, durante o tratamento inicial com a melatonina, e após o
tratamento com melatonina mais BLT foram comparados usando teste de variância
ANOVA. As médias do tempo de latência do sono diferiram significativamente entre
as três avaliações (F2 29=49,62, p<0,0001), enquanto que nenhuma diferença
significativa foi encontrada na duração média do sono. Comparação post-hoc
usando o método LSD revelou que a tentativa inicial de tratamento com melatonina
atrasou significativamente o início do sono em relação à situação inicial, antes do
tratamento (p<0,0001). A terapia combinada com melatonina e BLT avançou
significativamente o início do sono em relação ao anterior (p<0,0001) e durante o
tratamento com melatonina isoladamente (p<0,0001). As variações na latência do
sono e duração do sono antes, durante a ingestão de melatonina e a terapia
combinada com melatonina e tratamento BLT (Tab. 1) foram submetidos ao teste de
Levene para análise de homogeneidade, a fim de avaliar a influência dos
tratamentos sobre a regularidade do tempo de início do sono e duração do sono. O
tratamento combinado com melatonina e BLT reduziu significativamente a
magnitude da variação na duração do sono e o início do sono em comparação com
a anterior (F = 6.764, p<0,05, e F = 17.064, p<0,0001, respectivamente) e durante o
tratamento apenas com melatonina (F =18,38, p<0,001 e F = 11.89, p<0,005,
respectivamente). Não foram observadas diferenças significativas na magnitude das
variações nessas medidas, antes e durante o tratamento apenas com melatonina.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Aartigo 5: Rompimento do ritmo circadiano induzido por exposição


a luz durante à noite acelera o envelhecimento e promove a
tumorigênese em ratos

Irina A. Vinogradova, Vladimir N. Anisimov, Andrey V. Bukalev, Anna V. Semenchenko, Mark A.


Zabezhinski (AGING 1(10):855-65, 2009)
1- Introdução
A alternância do dia e da noite é um dos ciclos circadianos regulador mais
importantes para uma grande variedade de ritmos fisiológicos nos organismos vivos,
incluindo os seres humanos. Devido à introdução da eletricidade e da luz artificial há
cem anos atrás, o padrão e duração da exposição humana à luz mudou
radicalmente e, portanto, a exposição à luz durante a noite tornou-se cada vez mais
essencial na vida moderna. A exposição à luz durante a noite parece estar
associada a graves problemas comportamentais e de saúde, incluindo excesso de
índice de massa corporal, doenças cardiovasculares, diabetes e câncer. Com base
em evidências limitadas observadas em seres humanos sobre a carcinogenicidade
relacionada ao trabalho por turnos, que envolve trabalho noturno, e evidências mais
abrangentes obtidas com experimentação animal, concluiu-se que o trabalho em
turnos, que envolve rompimento circadiano é provavelmente carcinogênico para
seres humanos (Grupo 2A).
Erren e Pekarski sugeriram que as populações indígenas na região do Ártico
deveriam correr menor risco de ter câncer. A incidência de câncer em Samis que
vivem no extremo norte da Europa têm demostrado um índice menor do que o
esperado. Vale notar que a mortalidade entre os povos nativos do Alasca (esquimós,
indianos e Aleut) por câncer de mama triplicou desde 1969 por razões
desconhecidas. Acreditamos que o aumento da poluição luminosa pode ser uma das
causas desse fenômeno. O papel de desvios genéticos e estilo de vida, bem como
diferenças metodológicas nas abordagens para extrair dados étnicos específicos
devem ser avaliados para a solução do problema. A análise dos dados sobre o risco
de câncer ,apresentados no "Câncer em Cinco Continentes" e publicado pela IARC,
mostrou que existe uma correlação positiva entre a latitude geográfica e a incidência
de câncer de mama, de colo e carcinoma endometrial e ausência de correlação em
casos de câncer de estômago e de pulmão.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 519


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

De acordo com a hipótese de rompimento circadiano, luz durante a noite pode


perturbar o ritmo circadiano endógeno e, especificamente, suprimir a produção
noturna de melatonina e sua secreção no sangue. No entanto, uma série de outros
mecanismos além da supressão de melatonina podem estar envolvidos no processo
de desenvolvimento de patologias devido a iluminação constante. Além disso, não
existem dados disponíveis sobre o efeito do regime de luz natural / escuro na região
circumpolar na vida e tumorigênese em roedores. O objetivo deste estudo foi avaliar
o efeito de vários regimes de claro / escuro sobre alguns parâmetros da
homeostase, idade biológica, sobrevivência, longevidade e tumorigênese em ratos
machos e fêmeas.
2- Material e Métodos
Foram utilizados 208 ratos e 203 ratas nascidos durante a primeira quinzena
de maio de 2003. Com 25 dias eles foram aleatoriamente subdividos em 4 grupos
(machos e fêmeas separados) e mantido sob 4 regimes diferente de claro / escuro:
1) regime de alternância padrão (LD) - 12 horas de claro (750 lux): 12 horas de
escuro; 2) luz natural / regime de escuro (NL) na latitude de Petrozavodsk (61º47” N)
- a iluminação de inverno mínima foi de 4,5 horas (noite polar), e no verão - 24 horas
de luz por dia ("noites brancas"), a iluminação das gaiolas variou de 50 a 200 lux na
parte da manhã a 1000 lux em dias ensolarados e cerca de 500 lux em dias
nublados ou chuvosos; 3) regime de luz constante (LL) - 24 horas de luz (750 lux); 4)
escuro constante (DD) - apenas luz vermelha de baixa intensidade (0 - 0,5 lux)
estava ligada nos momentos em os animais eram manipulados.
Todos os animais foram pesados uma vez por mês e a quantidade média de
alimento (em gramas) consumida por dia foi calculada para cada grupo. Todo mês
os ratos foram colocados em gaiolas metabólicas individuais para coleta de urina e
posterior mensuração da concentração de glicose.
A cada três meses, esfregaços citológicos foram examinados, diariamente por
duas semanas, para determinar o cilco estral das fêmeas. Com 3, 6, 12, 18 e 24
meses, 10 ratos machos de cada grupo foram guilhotinados após 24 horas de jejum.
Amostras de sangue foram coletadas de cada animal, centrifugadas e o soro foi
armazenado a -70 ºC para posterior estudo bioquímico. O nível sérico de
triiodotironina (T3), tiroxina (T4) e hormônio estimulador da tireóide (TSH) foi
estimado por método imunoenzimático, glicose por método enzimático,
concentração de

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

β-liporoteinas por método turbidimétrico. Concentraçôes de íons de potássio e de


sódio foram estimadas pelo método ionoseletivo com ETs ionometer-59, os níveis de
peptídeo C, prolactina, colesterol, creatinina e uréia foram mensurados através de
kits comerciais. A dinâmica integral de mudanças relacionadas à idade dos
parâmetros bioquímicos estudados foi avaliada como um Coeficiente de Estabilidade
Homeostático (CHS), que foi estimado como a razão entre o número total de
parâmetros bioquímicos e endócrinos e a causa de seus índices com 3 meses para
o número total dos parâmetros estudados.
Todos os outros ratos foram matidos vivos até o momento da morte natural e
depois submetidos a necropsia. Tumores, assim como os tecidos e órgãos com o
desenvolvimento de tumores suspeitos foram retirados e submetidos a histologia. Os
tumores foram classificados de acordo com as recomendações da Agência
Internacional para Pesquisa sobre Câncer (IARC).

3- Resultados

3.1- Efeito do regime de claro / escuro sobre os parâmetros


homeostáticos em ratos
Ganho seguido da redução de peso corporal relacionado à idade, foi
observado em ratos de todos os grupos em qualquer regime luz / escuro. No
entanto, o peso máximo dos ratos mantidos em esquemas LD ou NL foi observado
com 15 meses, enquanto nos animais mantidos em LL foi observado com 12 meses.
O número de ratos com obesidade abdominal foi maior nos grupos LL e NL, em
comparação ao grupo LD (dados não demonstrados). O consumo alimentar foi
amplamente variável em todos os grupos durante o período de observação. Em
geral, durante o outono e inverno o consumo foi maior do que na primavera e verão.
Ratos dos grupos LL e NL comiam mais alimentos em comparação com o grupo LD
com 18 e 21 meses. Testes mensais para avaliar a concentração de glicose
excretada na urina mostraram que não houve casos de excreção de glicose em
ratos de até 16 meses em todos os grupos. Com 16 meses, 20% dos ratos do grupo
mantidos em regime LL apresentavam glicose na urina e com 24 meses este
número subiu para 60%. No grupo NL, 40% dos ratos de 18 meses possuiam glicose
na urina. Tanto o nível de glicose no soro e de peptídeo-C foram muito maiores nos
ratos LL e NL de 18 e 24 meses do que nos ratos LD.

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 521


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 1. Dinâmica do coeficiente de estabilidade homeostática (CHS) no sexo feminino (A) e


masculino (B) ratos mantidos sobre regimes de luz diferentes.
^ A diferença com o parâmetro relevante no grupo LD é significativa, р <0,05;
* A diferença com o parâmetro com três meses de idade no mesmo grupo é significativa, р <0,05
(teste de Wilcoxon-Mann-Whytney).

Figura 2.- Relação da idade com a incidência de ciclos estrais irregulares em ratas mantidas em
diferentes regimes claro / escuro. Ordenada, o número de ratos com ciclos estrais irregulares (%).
Nível de significância estatística p <0,05.

O nível do colesterol sérico e β-lipoproteínas foi maior em ratos jovens de 3


meses e diminuiu significativamente em ratos de seis meses. O aumento dos níveis
de colesterol e β-lipoproteínas relacionado à idade foi observado em ratos de todos
os grupos. Vale notar que o nível de β-lipoproteínas foi maior nos ratos dos grupos
LL e NL do que nos ratos LD com 18 e 24 meses. Com seis meses, o coeficiente de
estabilidade homeostática (CHS) foi praticamente igual em todos os grupos. A
diminuição do CHS relacionada com a idade também foi observada em todos os
grupos. No entanto a queda mais significativa do seu valor foi observada nos grupos
NL e LL. Com ratos de 12 a 24 meses o CHS nesses grupos foi significativamente

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

menor do que no grupo LD (Fig. 1). Nas fêmeas, a relação da idade com o número
de animais com ciclos estrais irregulares foi acelerado, tanto no grupo NL quanto no
LL, considerando que foi retardada no grupo DD (Fig. 2). Assim, a iluminação
natural e constante acelera o envelhecimento em ratos, avaliados pelo coeficiente de
estabilidade homeostática.

3.2- Efeito do regime de claro / escuro na expectativa de vida dos ratos


Em ratos machos, a exposição a ambos os regimes NL e LL não influenciou
significativamente a expectativa de vida média dos animais, assim como os últimos
10% de sobreviventes (Tab. 1). Ao mesmo tempo, a taxa de envelhecimento da
população (parâmetro α na equação de Gompertz) foi ligeiramente maior no grupo
NL e diminuiu em LL, em comparação ao grupo LD. As curvas de sobrevivência para
os grupos de NL e MI foram significativamente deslocadas para a esquerda, em
comparação a curva de sobrevida para o grupo LD (Fig. 3A). O teste de log-rank
mostra a diferença significativa na distribuição de sobreviventes entre os grupos LD
e NL (р = 0,001; χ2 = 10,3) e entre os grupos LD e LL (р = 0,01; χ2 = 6,7). No teste
de variância ANOVA, a dependência da expectativa de vida ao regime de luz foi
significativa (15,45%, F = 15,32, p <0,001). Assim, ambos os regimes, LL e NL
aceleram a mortalidade nos ratos do sexo masculino.
Em ratas, a exposição a ambos os regimes NL e DD não influenciou
significativamente a expectativa de vida, mesmo entre as últimas 10% sobreviventes, porém
a exposição ao esquema de iluminação LL diminuiu significativamente a expectativa vida
(Tab. 2). Ao mesmo tempo, a taxa de envelhecimento da população aumentou
significativamente (2,1 vezes) no grupo NL e, consequentemente, diminuiu os
MRDT(mortality rate doubling time) em comparação ao grupo LD. As curvas de
sobrevivência para os grupos de NL e DD foram significativamente deslocados para a
esquerda, em comparação a curva dos LD (Fig. 3B). O teste de log-rank mostra diferença
significativa na distribuição de sobreviventes entre os grupos LD e NL (р = 0,0000243; χ2 =
22,2), entre os grupos LD e LL (p = 0,0000162; χ2 = 23,0) e entre LD e DD (p = 0,0741, χ2 =
3,2). No teste de variância ANOVA, a relação da expectativa de vida com o regime de luz foi
significativa (15,45%, F = 15,32, p <0,001). Assim, ambos os regimes de LL e NL aceleram a
mortalidade em ratas.

Tabela 1. Efeito do regime de luz na sobrevivência e expectativa de vida de ratos

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Notas: Nível de significância estatística p <0,05. #, intervalo de confiança 95% .MRDT, taxa de mortalidade por
tempo de repetição.

Tabela 2. Efeito do regime de luz na sobrevivência e expectativa de vida em ratas

Notas: Nível de significância estatística a,p <0,05; b, p <0,01; c, p <0,001. #, intervalo de confiança 95%
.MRDT, taxa de mortalidade por tempo de repetição.

3.3- Efeito do regime de claro / escuro na tumorigênese espontânea em


ratos
Análises anatomopatológicas mostram que os tumores benignos foram mais
freqüentes em todos os grupos de machos. Parte significante deles foi representada
por tumores de célula de Leydig (Tab. 3). Entre os tumores malignos os linfomas
foram os mais comuns no entanto, alguns casos de carcinoma hepatocelular,
sarcomas de tecidos moles e carcinomas esporádicos também foram detectados. A
exposição ao esquema LL acelerou o desenvolvimento de tumores espontâneos em
relação ao grupo LD e não influenciou esta incidência em machos (Tab. 3, Fig. 3C).
O primeiro tumor no grupo LL foi detectado cinco meses antes e o primeiro tumor no
grupo DD foi observado nove meses depois do tumor no grupo LD. Em fêmeas do
grupos NL, a incidência total de tumores foi significativamente maior do que no
grupo LD devido, principalmente, ao aumento de praticamente duas vezes na
incidência de tumores mamários benignos. Vale notar que no grupo NL foram
obseravados 3 adenocarcinomas endometriais, enquanto nenhum tipo de tumor
maligno foi observado no grupo LD. A privação de luz (grupo DD) inibiu o
desenvolvimento de todos os tumores, principalmente neoplasia mamária. O índice

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

de multiplicidade tumoral (número de tumores por rato portadores de tumor) foi


máxima (1,63) no grupo LL e mínima (1,07) no grupo DD (Tab. 4, Fig. 3D).

Figura 3 - Efeito da exposição a vários regimes de luz na sobrevivência e tumorigênese em ratos. (A)
- a sobrevivência, do ratos; (B) - sobrevida de ratas; (C) - A incidência total do tumor, em ratos; (D) - a
incidência total do tumor, em ratas; (E) - A incidência de tumor maligno em ratos; (F) - incidência de
tumores malignos, em ratas.

Tabela 3. Efeito do regime de luz na tumorigênese em ratos machos.(TBR - ratos portadores de


tumor.)

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 525


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

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Artigo 6: Ritmo de secreção de melatonina invertido na síndrome


de Smith-Magenis: dos sintomas ao tratamento

He´ le`ne De Leersnyder (Trends Endocrinol Metab 17(7):291-298, 2006)

1. Introdução

Inicialmente descrita por Smith e col., a síndrome de Smith-Magenis (SMS) é


um grave transtorno do desenvolvimento neurológico atribuída a uma deleção
intersticial do cromossomo 17 (17p11.2). O diagnóstico é baseado em
características clínicas e confirmado em cariótipo de alta resolução com o
apagamento detectável da 17p11.2 e pela hibridização fluorescente in situ (FISH) de
sonda específica para SMS. A maioria dos pacientes têm um intervalo de exclusão
comum de 3,5-5,0 megabases.
No entanto, as exclusões variaram de 2-9 megabases, e as mutações no
gene do ácido retinóico induzida (RAI1) foram mostradas em indivíduos que
apresentaram características fenotípicas consistentes com o SMS, mas não tem
supressões detectáveis por FISH no 17p11.2. A prevalência da síndrome é estimada
em um a cada 25.000 nascidos vivos. Todos os casos ocorrerem de novo, não há
imprinting parental.
Várias características distintas caracterizam o fenótipo de SMS, incluindo
braquicefalia com uma aparência típica craniofacial (hipoplasia do terço médio da
face, boca, característica com "arco do cupido" uma forma de prognatismo);
Alterações oculares (miopia e estrabismo, anomalias de íris), atraso na fala, com ou
sem perda auditiva, voz rouca e profunda, baixa estatura, com uma história de
insuficiência de crescimento; braquidactilia, neuropatia periférica (pés cavos ou pés
chatos, deprimidos reflexos profundos do tendão) e escoliose. Todos os pacientes
têm algum grau de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor e retardo mental;
Pontuações do quociente de inteligência variam entre 35 e 78, estando à maioria na
faixa moderada de 45-55. Os problemas de comportamento incluem agressividade,
baixa sensibilidade à dor, acessos de raiva, impulsividade, comportamentos
repetitivos e hiperatividade com déficit de atenção. Dois comportamentos
estereotipados - "auto-abraço", e lamber as mãos quando folheia página - parecem

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

ser específicos para esta doença. Distúrbios do sono grave e um ritmo circadiano
incomum são características quase constantes da síndrome. Outras características
variáveis incluem problemas cardíacos, anomalias renais, convulsões, fenda
palatina, baixos níveis de imunoglobulina e mau funcionamento da tireóide. SMS é
um modelo emblemático das síndromes de microdeleção. De fato, a elucidação de
fenótipos comportamentais nas síndromes com retardo mental foi um primeiro passo
para o cuidado médico destes pacientes, principalmente crianças. Ouvindo
particularidades clínicas e estudando distúrbios de sono em pacientes com SMS
descrevemos uma das poucas anomalias geneticamente determinados afetando o
ritmo circadiano humano: a inversão do ritmo de síntese da melatonina em pacientes
com SMS. Este achado “abriu a porta" para o estudo genético dos ritmos circadianos
e para o tratamento de distúrbios do sono. Com efeito, na SMS, onde o ritmo
circadiano da secreção de melatonina é deslocado, antagonistas β1-adrenérgicos
combinados à administração de melatonina à noite restauraram o ritmo circadiano
de secreção de melatonina, suprimindo a secreção de diurna de melatonina
inadequada, melhorando o sono e distúrbios comportamentais.

2. Distúrbios do sono em SMS


Sintomas significativos de distúrbio do sono são observados em 65-100% dos
pacientes SMS e têm um grande impacto sobre o paciente e outros membros da
família, muitos dos quais tornam-se também privados de sono. Problemas de sono
proeminentes incluem o início do sono precoce (19.30-20.30 h), repetidos e
prolongados despertares durante a noite e horário de dormir deslocado (04.00-05.00
h), independentemente da idade e do sexo. A duração média do sono noturno 7,50h,
diminui com a idade e é ligeiramente mais curto do que nos pacientes com idade
correspondente. O fato destes pacientes serem geralmente mentalmente retardadas
e hiperativos, força os pais e cuidadores a cuidar deles constantemente e a
encontrar formas de mantê-los na cama durante a noite (por exemplo, trancar a
porta, desligar a luz e retirar móveis e objetos para evitar acidentes). Durante o dia,
problemas de comportamento estão relacionados à insuficiência de sono noturno: a
maioria dos pacientes apresenta cansaço de manhã, quando sua vigilância deveria
ser elevada, têm crises de birra quando estão cansados e tiram chochilos durante o
dia (mais de 30 min). Frequentemente, têm "ataques de sono" no final do dia,
adormecimento súbito durante as refeições à noite, mesmo com a boca cheia.

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Vinte e quatro horas de polissonografia correlacionada com as gravações


actimétricas e diários de sono revelam um tempo de sono total reduzido em 57% dos
pacientes. Todas as fases do sono estão presentes, mas o estágio do sono 04/03 do
sono não REM está reduzido. O sono REM é interrompido e, ao despertar, o
aumento da atividade tônica no eletromiograma é frequente. Despertares (mais de
15 min) ocorrem em 75% dos casos.
Curiosamente, todos os pacientes com SMS mostram uma mudança de fase
no seu ritmo circadiano de secreção de melatonina (Fig. 1). Na verdade, o tempo de
início de secreção da melatonina no SMS é 06.00 ± 2 h (controle: 21.00 h ± 2 h),
com pico às 12.00 h ± 1 h (controle: 03.30 h ± 1,30 h) e deslocamento às 20.00 h ± 1
h (controle: 06.00 h ± 1 h). Pico máximo de melatonina 94 ± 12 pg / ml (controle: 76
pg / ml). Níveis irregulares de melatonina são encontrados durante o dia, com um
segundo pico entre as 18:00 h e as 20:00 h (45 ± 32 pg / ml), e a duração total da
secreção de melatonina é prolongada em pacientes com SMS, 15,5 ± 3,5 h
(controle: 8,0 ± 1,0 h). Da mesma forma, ensaios revelaram uma relação invertida
noite-dia na melatonina e no 6-sulfatoximelatonina (o principal metabólito da
melatonina secretado na urina). Pacientes com SMS sofrem uma mudança
constante no período de secreção de melatonina de 9,6 ± 0,9 h, mas não uma
reversão total do ritmo circadiano da melatonina. Este distúrbio não pode ser
considerado como um distúrbio de ritmo abrangente, pois não afeta a fase de outras
funções endócrinas geradas e reguladas por um sistema de temporização
circadiano. O cortisol, hormônio do crescimento (GH) e prolactina seguem seu
padrão habitual de secreção circadiana em pacientes SMS e estão dentro da faixa
normal (Fig. 2). O ritmo da temperatura corporal não parece ser invertido, embora
isso ainda não tenha sido estudado por longos períodos em condições basais.
Durante a noite, quando os níveis de melatonina são baixos, o início precoce do
sono, despertares freqüentes e início de sono deslocado são características
consistentes da doença e são critérios para diagnósticos específicos no SMS. Os
ataques de sono que ocorrem no fim do dia podem representar o início do sono
endógeno do paciente e poderia, portanto, ser considerado como equivalente a um
avanço de fase do sono. Segundo essa hipótese, o tempo de latência endógeno do
sono seria mascarado pelas atividades sociais impostas. Durante o dia, os pacientes
estão cansados, e as birras aparecem quando aumentam os níveis de melatonina.
Cochilos e ataques de sono ocorrem quando ocorrem os picos de melatonina ao

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VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

meio-dia e à noite, respectivamente. Assim, é tentador supor que pelo menos parte
da hiperatividade e déficit de atenção ocorra em consequência da luta dos pacientes
contra a sonolência decorrente dos efeitos fisiológicos de altos níveis de melatonina
durante o dia. Isto é particularmente relevante para o comportamento da criança. Por
motivos éticos, não há estudos que investigam os padrões de sono em pacientes
SMS autorizados a escolher livremente seus tempos de sono. Seria de se esperar
que os pacientes SMS dormissem durante o dia e ficassem acordados durante a
noite. Curiosamente, há relatos de pacientes SMS viajando através dos fusos
horários, que, em seguida, dormem bem por algumas noites.

3. Hipótese sobre a disfunção da melatonina


A melatonina, o principal hormônio secretado pela glândula pineal, é sintetizada a
partir de 5-hidroxitriptamina (5-HT). Sua síntese e liberação é estimulada pela
escuridão e inibida pela luz (Quadro 2). A luz passa através do trato retino
hipotalâmico (TRH) para alcançar o núcleo supraquiasmático (NSQ). O NSQ é o
marca-passo circadiano central, que gera todos os outros ritmos circadianos que são
arrastados por estímulos ambientais. Vários genes relógio que controlam o ritmo
circadiano, foram recentemente identificados em eucariotos superiores. Sua
expressão compartilha características comuns entre as espécies, na medida em que
oscilam com um ritmo de aproximadamente 24 horas que persiste na ausência dos
estímulos ambientais. O ritmo é reestabelecido pelas mudanças no ciclo claro-
escuro e sofre de retroalimentação negativa para regular sua própria atividade.
Considerando que os genes do relógio são expressos em um padrão circadiano no
NSQ, pode-se supor que a haploinsuficiência de um gene do relógio poderia ser
responsável por distúrbios do sono em SMS.

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Figura 1. Variação circadiana dos níveis plasmáticos de melatonina em oito crianças SMS e controle.
As linhas contínuas referem-se às crianças SMS de 5-6 anos (a-c), 7-8 anos (d-f), 12 anos (g) e 17
anos (h). As linhas pontilhadas referem-se a controles de idade comparável. Idosos compatíveis
foram crianças saudáveis e adolescentes internados por baixa estatura. Observe o ritmo de
melatonina invertido em pacientes SMS, independentemente da idade e sexo. Reproduzido com
permissão da referência. [12].

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 531


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

Figura 2. Variação circadiana dos níveis do cortisol (a), GH (b) e melatonina (c) em uma criança SMS
de 9 anos de idade e um controle. Cortisol e GH tem um ritmo circadiano normal, enquanto que o
ritmo de melatonina é invertido. O valores de GH são inferiores aos do grupo controle, mas a
secreção é prolongada e a quantidade total de GH secretado está dentro do intervalo normal. Esses
resultados foram similares para todos os pacientes com SMS estudados. Modificado, com a
permissão, a partir de Ref. [12].

Figura 3. Padrões de vigília-sono correlacionados com a secreção de melatonina em SMS. A curva


de melatonina foi obtida a partir dos valores médios das amostras de sangue de melatonina em oito
pacientes SMS. Reproduzido com permissão da referência. [12].

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Box 2. Fisiologia da secreção de melatonina

Alguns genes são candidatos em virtude da função e posição. O gene Per1 ,


um regulador circadiano crucial para a ritmicidade, é expresso em um ritmo de 24 h
no NSQ e mapameamentos para o cromossomo 17p12. Esta região não é excluída
em SMS. No entanto, a transdução de sinal da subunidade 3 do complexo COP9
(COPS3) é crítica na região do cromossomo 17p11.2 em pacientes com SMS. COP9
é essencial para o controle da luz sobre a expressão gênica durante o
desenvolvimento de plantas e é conservado entre espécies. No entanto,
haploinsuficiência em um gene pode não ser suficiente para explicar a mudança de
fase da melatonina em SMS; uma penetrância idade-dependente, especialmente
durante o desenvolvimento embrionário, poderia explicar parte da expressão do
fenótipo. Estudos recentes têm investigado a função da RAI1 em camundongos e
sugeriram que RAI1 está funcionando como um regulador transcricional sendo
necessário durante as fases de desenvolvimento e crucial para o desenvolvimento
embrionário.
Ritmicidade circadiana envolve não só os genes do relógio, mas requer
também uma via de sinalização de entrada para a detecção de sinais exógenos
(zeitgeber ou doador de tempo) e sua transmissão ao NSQ através do TRH. Uma via
de sinalização de fibras pós-ganglionares ascendentes para a glândula pineal é
necessária para a manutenção da secreção de melatonina sob o controle do NSQ. A
melatonina é o sinal circadiano que prepara o corpo para dormir, iniciando uma
vasodilatação das mãos e dos pés, o que leva à sonolência. A inversão do ritmo de
secreção da melatonina em SMS pode também resultar na alteração de entrada e
saída da via de sinalização (por exemplo, arrastamento fótico na retina através do

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 533


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

TRH, transdução de sinal β1-adrenérgicos para glândula pineal, ou atividade da


arilalquilamina N-acetiltransferase, a enzima que regula a síntese de melatonina). O
mecanismo de ação desta quantidade normal de secreção de melatonina, mas
ritmicamente anormal é desconhecido, por enquanto. Uma possibilidade é a de que
eles podem modificar os níveis cerebrais de monoaminas transmissoras, iniciando
assim, uma cascata de eventos que culmina com a ativação do sono. A ligação entre
a melatonina e o desenvolvimento neuropsicomotor em lactantes foi recentemente
discutida em outro trabalho.

4. Tratamento do ritmo de secreção de melatonina invertido em SMS


Comportamento mal-adaptativo e distúrbios do sono são extremamente
graves e difíceis de tratar. A maioria dos pacientes testaram vários medicamentos
para controlar o comportamento e os disturbios de sono, apresentando apenas
respostas leves aos tratamentos. Todos os tratamentos (neurolépticos,
antipsicóticos, hipnóticos, anticonvulsivantes, inibidores da recaptação da serotonina
e estimulantes) ajudam por um curto período de tempo, mas manifestam efeitos
colaterais, habituação ou efeitos adversos. Se considerarmos que a inversão do
ritmo circadiano da secreção de melatonina em SMS é uma anomalia do ritmo
biológico, devemos ser capazes de desenvolver uma abordagem terapêutica para
corrigi-lo. A melatonina é útil para os distúrbios do sono em crianças com
deficiências múltiplas. No SMS, a administração de melatonina em si não é
necessariamente garantia pois a quantidade de hormônio secretado é normal, mas
sua cinética de liberação é irregular, assim os receptores de melatonina são
totalmente ativados no final do dia. Um abordagem terapêutica inicial em pacientes
SMS seria o bloqueio das vias de sinalização da melatonina endógena combinada
com a administração de melatonina exógena. Para eliminar quaisquer possíveis
contra-indicações, uma completa revisão dos sistemas fisiológicos, incluindo a
cardíaca e exames pulmonares, foram realizados antes do tratamento. A asma é
uma contra-indicação deste tipo. O tratamento é iniciado seis meses após o
diagnóstico inicial e ajuda a gerenciar os problemas comportamentais, mas não cura
a síndrome, nem tem qualquer efeito sobre o atraso no desenvolvimento ou
malformações herdadas. De fato, a gestão comportamental e estratégias de
educação especial são as características mais importantes para o desenvolvimento
de um plano educacional individualizado e deve ser organizado antes de qualquer

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medicação ser prescrita. Como o ritmo circadiano da secreção de melatonina é


controlado pelo sistema nervoso simpático, pacientes com SMS receberam um
antagonista β1-adrenérgicos para reduzir a produção desse hormônio. Após a
administração do antagonista adrenérgico (acebutolol: 10 mg / kg em dose única
matinal), os níveis de melatonina no plasma rapidamente diminuiram em todos os
pacientes com SMS. Os níveis médios de melatonina caíram de 68 pg / ml para 8 pg
/ ml após a administração da medicação. Os níveis de melatonina individuais
diminuiram de 3 para 20 vezes, e mantiveram-se baixos a partir das 08.00 h às
06.00 h, do dia seguinte voltando a aumentar das 06.00 h às 08.00 h antes da
próxima administração de medicamentos (Fig. 4). Com este tratamento, durante o
dia houve melhora no comportamento. Considerando que sem o tratamento
pacientes tiveram 1-3 cochilos por dia e ataques de sono frequentes no final do dia,
a administração do antagonista β-adrenérgico resultou no desaparecimento dos
cochilos e ataques de sono. As birras explosivas (a cada 1-2 dias) foram menos
frequentes (uma ou duas por semana) e eram facilmente controladas. Pais,
professores, amigos e vizinhos desinformados notaram um comportamento mais
adequado. Antes do tratamento, pacientes com SMS tinham dificuldade de
concentração (menos de 10 min, mesmo para os mais antigos membros do grupo),
quando administrados os antagonistas β-adrenérgico, eles foram capazes de se
concentrar por períodos de 30-60 minutos ou mais para jogos de salão, informática,
assistindo televisão ou pequenos trabalhos de jardinagem ao redor da casa. Os
professores reconheceram melhores níveis de concentração durante o horário
escolar e julgaram as crianças mais silenciosas e menos hiperativas. O
comportamneto social e em casa melhorou, mas manteve-se problemático. Não foi
obsevado aumento significativo do desempenho cognitivo. A combinação de
antagonista β1-adrenérgico pela manhã e administração de melatonina à noite
restaurou a ritmicidade circadiana da melatonina no plasma, melhorou os disturbios
de comportamento e aumento a duração do sono na maior parte dos pacientes com
SMS. aEstudos foram realizados utilizando uma formulação de liberação controlada
de melatonina. Após uma única dose de melatonina exógena forma alcançados
níveis altos de melatonina no plasma rapidamente e então foram lentamente
diminuído, o que imita os efeitos da melatonina endógena no ritmo circadiano. A
média dos níveis de melatonina aumentou de 12,7 ± 10,6 pg / ml para 2189 ± 1800
pg / ml duas horas após a administração da droga. Os níveis individuais de

VII Curso de Inverno - IB/USP Pág. 535


VIII Curso de Inverno: “Tópicos em Fisiologia Comparativa”

melatonina aumentaram 170 vezes, em comparação com os níveis após a


administração do antagonista β1-adrenérgico e manteve-se alto das 22,00 h às
02,00 h, reduzindo lentamente até 06.00 h (Fig. 4). Isto significa que o início do sono
foi adiado por 30 min, o sono compensado por 60 min e o ganho médio de sono foi
de 30 min. Os despertares durante o sono desapareceram na maioria dos casos e o
início do sono foi retardado. Não houve dessensibilização observada ao longo de um
período de quatro anos de administração da droga. Atualmente, a maioria dos
pacientes com SMS recebem este tratamento. Este tratamento tem sido testado em
pacientes SMS no Reino Unido, Alemanha, EUA, Israel, Itália, Espanha, Canadá,
Holanda e Suíça, com resultados semelhantes. Não houve eventos adversos
relacionados ao tratamento, nem efeitos colaterais.

Figura 4. Variação circadiana dos níveis plasmáticos de melatonina antes do tratamento (dia 1), após
administração de manhã de β-bloqueador sozinho (dia 2) e depois da administração de manhã β-
bloqueador e administração de melatonina à noite (dia 3) de uma criança de 8 anos de idade. Esses
resultados foram similares para todos os pacientes SMS estudados. Observe a secreção de
melatonina invertida antes do tratamento no dia 1, a supressão da secreção de melatonina após o
tratamento com β-bloqueador em dois dias e a reposição dos níveis normais de melatonina no
plasma após o tratamento de β-bloqueador no tratamento de manhã e melatonina à noite. O nível de
melatonina média aumentou em 170 vezes, duas horas após a administração da droga, manteve-se
elevado a partir de 22.00 h às 02.00 h, e reduzida lentamente até 06.00 h. Reproduzido com
permissão da referência. [32].

Agradecimentos

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Bases Cronobiológicas da Fisiologia

Agradeçemos ao Professor Pedro Augusto Carlos Magno Fernandes


(Departamento de Fisiologia, IB-USP) pela revisão dos textos.

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