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Apresentação
APRESENTAÇÃO
Sob o ponto de vista didático, os temas das aulas teóricas e práticas do curso foram
escolhidos pelos pós-graduandos e agrupados em eixos temáticos - módulos. Para que a
falta de conceitos ou a repetição dos mesmos fossem evitadas, a comissão organizadora
promoveu um espaço para que os pós-graduandos envolvidos pudessem discustir sobre os
temas abordados em suas respectivas aulas.
Contudo, a comissão organizadora do VIII Curso de Inverno - Tópicos em Fisiologia
Comparativa gostaria de aproveitar a oportunidade para parabenizá-los e, desejar a todos
uma boa estadia durante o curso.
Comissão Organizadora
VIII Curso de Inverno: Tópicos em Fisiologia Comparativa
Universidade de São Paulo
4 a 22 de Julho de 2011
SUMÁRIO
Unidade 1
Neurociência Cognitiva
Capítulo 1 Neurofisiologia Básica pág. 07
Capítulo 2 Comunicação celular e padrões de conectividade pág. 22
Capítulo 3 Aprendizagem e Memória pág. 34
Capítulo 4 Neurogênese no sistema nervoso central adulto: onde, como e com
que propósito? pág. 55
Capítulo 5 Atenção pág. 68
Capítulo 6 Percepção pág. 79
Capítulo 7 Ação pág. 94
Capítulo 8 Decisão pág. 116
Capítulo 9 Emoção pág. 139
Capítulo 10 História da Neurociência pág. 160
Bibliografia pág. 172
Unidade 2
Fisiologia na Dinâmica Ambiental
Unidade 3
Bases Cronobiológicas da Fisiologia
Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
Neurofisiologia Básica
Logo após o tubo neural ser formado, a sua região rostral se diferencia,
tornando-se maior e mais pronunciada. Essa região virá a se tornar o encéfalo,
enquanto o restante será a medula espinal. O crescimento do encéfalo ocorre devido
à migração e proliferação de células para esta região. As primeiras diferenciações
do encéfalo, já visíveis após 25 dias no ser humano, são chamadas de prosencéfalo,
a região mais rostral, mesencéfalo e o romboencéfalo, contínuo à medula espinal
(Figura 2A). O canal central do tubo neural irá se diferenciar na região encefálica,
formando ventrículos e canais de comunicação dentro do encéfalo, enquanto na
região da medula este não passa por grandes alterações.
Com sete semanas de gestação, o prosencéfalo se diferencia em telencéfalo
e diencéfalo. O telencéfalo corresponde à região do cérebro*, enquanto o diencéfalo
corresponde à região do tálamo e ao hipotálamo. O mesencéfalo, por não passar por
grandes mudanças, continua com a mesma denominação. Já romboencéfalo se
diferencia no metencéfalo e no mielencéfalo (Figura 2B,C). O metencéfalo
corresponde à região da ponte e, em contato com a região dorsal desta, o cerebelo.
O mielencéfalo corresponde à região do bulbo, região mais caudal do encéfalo,
contínuo com a ponte e a medula espinal. O mesencéfalo, a ponte e o bulbo juntos
são considerados o tronco encefálico. Este nome vem do fato destes juntos estarem
no centro do encéfalo e interligarem todas as estruturas encefálicas (Figura 2C).
A partir de 11 semanas de vida, já é possível identificar no embrião as suas
principais estruturas anatômicas e, com cinco meses, estas já estão com aspecto do
sistema nervoso desenvolvido. Ao nascer, o bebê já possui o mesmo número de
neurônios de um adulto (Figura 2D). Mas, mesmo com todas as estruturas do sistema
nervoso humano já diferenciadas, muitas ainda não são funcionais. O hipocampo,
por exemplo, estrutura do cérebro relacionada com a formação de memória, apenas
se tornará funcional após três anos após o nascimento do organismo. É por isso que
possuímos memórias apenas a partir dos três anos de vida em média. Estruturas
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
Figura 3 – Principais divisões do córtex cerebral e a localização do hipocampo (em azul, região
interna do córtex temporal) (Modificado de Moraes, 2009).
CEREBELO
Rostralmente ao diencéfalo, encontramos o tronco encefálico e, ligado a este,
o cerebelo. Apesar da única via de comunicação do cerebelo ser com a ponte, este
apresenta mais semelhanças com o cérebro do que com os núcleos mais próximos
deste.
O cerebelo ocupa cerca de um quarto do volume craniano no homem, o que
dá uma idéia de sua importância funcional. Ele consiste em uma estrutura globosa
formada por uma camada externa de matéria cinzenta, chamada de córtex
cerebelar. Este córtex, que também apresenta sulcos e giros, cobre um núcleo de
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Neurociência Cognitiva
Figura 4 – Anatomia macroscópica do cerebelo, vista dorsal (adaptado de Kandel et al., 1995).
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Dorsal
Raiz dorsal
Gânglio
Ventral
Figura 5 – Corte transversal da medula espinal. A parte escura em formato de H representa a matéria
cinzenta, enquanto que a parte branca em volta, a matéria branca (adaptado de Zigmond e col.,
1998).
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Neurociência Cognitiva
Figura 6 – Sistema nervoso central: encéfalo, medula e estruturas associadas (Modificado de Moraes,
2009).
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Neurociência Cognitiva
alongado e quase reto. Os bulbos olfativos tendem a ser menores que os dos
peixes. Os tratos olfativos são longos. Os encéfalos das aves são relativamente
grandes, uniformes e peculiares. Os bulbos e tratos olfativos são, de modo geral,
menores do que nos outros vertebrados. O hemisfério cerebral das aves é superado
em tamanho apenas pelo de alguns mamíferos, isso devido ao enorme
desenvolvimento do corpo estriado com seu neocórtex. Os nervos, tratos e quiasma
ópticos são grandes. Nas aves e mamíferos, o cerebelo é muito volumoso, lobulado
e convoluto, formando giros e sulcos. As porções superficiais do córtex são delgadas
e a substância cinzenta tornou-se externa. Nas aves, o cerebelo é maior do que nos
outros vertebrados, salvo alguns mamíferos.
Nos mamíferos, os bulbos e tratos olfativos variam de imensos a muito
pequenos. Embora menor que nos répteis e aves, o corpo estriado é bem
desenvolvido. O amplo neocórtex representa a característica dos mamíferos,
dominando o encéfalo estruturalmente e funcionalmente. Estes são lisos em
mamíferos pequenos e convolutos na maioria dos de grande porte. Uma nova
comissura, o corpo caloso, liga os hemisférios.
A cobertura dorsal do mesencéfalo, denominada teto, é o local onde
encontramos em todos os vertebrados, salvo os mamíferos, o centro primário de
percepção da visão. Nos mamíferos, a percepção visual é migrada, em grande
parte, para o cérebro, apesar do teto do mesencéfalo ainda ser funcional na visão.
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Anfíbio (sapo)
Peixe
Réptil (tartaruga)
Aves (pássaro preto)
AGRADECIMENTO:
Ao Dr. Andreas Betz pela revisão do capítulo.
Marina F. de Oliveira
Laboratório de Ciências da Cognição
marinafaveri@usp.br
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
Figura 5 – As junções
elétricas acontecem em regiões
especializadas da membrana
celular. A distância entre as células
nessas regiões cai de 20nm para
3,5nm. Os canais de comunicação
estão inseridos em ambas as
membranas (pré e pós sinápticas) e
alinhados, de forma que o
citoplasma e íons nele dissolvidos
são compartilhados, permitindo o
fluxo de corrente entre as células.
(Adaptado de Kandel, 2000)
A atuação dos receptores nos canais iônicos pode ser direta ou indireta. O receptor
pode ser parte do canal (canais ligante dependentes ionotrópicos) ou desencadear uma
série de reações celulares via segundos mensageiros que atuam nos receptores
intracelularmente (canais ligante dependentes metabotrópicos). Nas sinapses excitatórias, a
A variação do potencial de
membrana, a partir de um limiar (em torno de -55mV), altera a conformação de canais
iônicos voltagem dependentes, permitindo a sua abertura e desencadeando o potencial de
ação. A despolarização da membrana ativa canais de Na+ voltagem dependentes,
permitindo o rápido influxo de Na+. Esse influxo despolariza ainda mais a membrana,
levando a uma reação em cadeia na qual muitos canais de Na+ são abertos em um intervalo
de tempo muito curto (em torno de 1ms), caracterizando a curva ascendente do potencial de
ação. A despolarização desencadeia (de forma mais lenta) a inativação desses canais, de
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Neurociência Cognitiva
forma que há o seu fechamento automático após a sua abertura, e o canal só pode ser
ativado novamente após um período fixo. Fig. 8. (Kandel, 2000)
A despolarização da membrana também ativa canais de K+ voltagem dependentes. A
cinética desses canais é mais lenta do que a dos canais de Na+, de forma que a crescente
despolarização decorrente do influxo de sódio aumenta o número de canais de K+ que são
abertos. Como os canais de K+ permanecem abertos enquanto a célula estiver
despolarizada, o efluxo deste íon faz com que o potencial de membrana seja
progressivamente restabelecido. A cinética de fechamento dos canais de potássio é
relativamente lenta (quando comparada à dos canais de Na+), de forma que mesmo após
atingir o potencial de repouso, ainda há saída de potássio e a célula passa por um período
de hiperpolarização. Fig. 8. (Kandel, 2000)
A movimentação dos íons através da membrana afeta a distribuição dos íons nas
regiões adjacentes da membrana, de forma que há um espalhamento do potencial de ação
devido à condução eletrotônica de íons no citoplasma. Nos axônios, com sua estrutura
tubular, mesmo que a condução eletrotônica se propague em direção ao corpo celular, o
efluxo de potássio é maior do que a corrente despolarizante, e a membrana continua o curso
de repolarização pós potencial de ação. Fig. 9. A zona gatilho, no cone de implantação do
axônio, é uma região densamente povoada de canais voltagem dependentes, e considerada
por isso a geradora do potencial de ação. (Kandel, 2000)
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Neurociência Cognitiva
Figura 12 – Esquerda: sinapses axo-dendríticas nas quais a célula pré sináptica estabelece
contato nos espinhos dos dendritos ou no ramo. Nas sinapses axo-somáticas, o botão terminal do
axônio faz contato com corpo celular do neurônio pós sináptico. Direita: as sinapses axo-dendríticas
em geral são excitatórias, e possuem características morfológicas específicas, como: vesículas
sinápticas arredondadas, fenda sináptica larga, e zona ativa (área da sinapse) grande. Em contraste,
as sinapses axo-somáticas em geral são inibitórias e suas características morfológicas são: vesículas
ovaladas, fenda sináptica estreita e zona ativa pequena. Apesar de existirem muitos tipos de
neurotransmissores e de sua ação depender fundamentalmente da atividade do receptor ao qual ele
se liga, o glutamato é o neurotransmissor mais amplamente distribuído no sistema nervoso central
com atividade excitatória, e o ácido- -amino-butírico (GABA) na atividade inibitória.
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Neurociência Cognitiva
Aprendizagem e Memória
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Neurociência Cognitiva
afetaria uma função mais do que outra. A mais famosa citação de Flourens sobre
suas conclusões foi escrita em 1824: “Todas as sensações, todas as percepções, e
todas as vontades ocupam o mesmo espaço nestas estruturas (encéfalo). As
faculdades de sensação, percepção e vontade são, essencialmente, uma só
faculdade”.
O debate sobre as teorias propostas por Gall e Flourens durou por muitas
décadas, chamando a atenção de outros neurocientistas para o problema. Dois
desses cientistas foram os médicos Pierre Paul Broca (1824-1880) e Karl Wernicke
(1848-1905). Ambos descreveram casos de pacientes afásicos (indivíduos
portadores de distúrbios relacionados com a linguagem). Broca examinou um
paciente que era incapaz de falar fluentemente ou emitir frases completas com
algum sentido, embora pudesse compreender o que ouvia. Por outro lado, Wernicke
descreveu um paciente portador do quadro oposto ao paciente de Broca. Esse
indivíduo tinha dificuldades de compreensão da linguagem falada ou escrita, no
entanto, podia falar normalmente. Os exames post-mortem desses pacientes
mostraram que eles possuíam lesões no lobo frontal esquerdo (no caso do paciente
descrito por Broca) ou na parte posterior do mesmo hemisfério (paciente de
Werninke). Os casos clínicos descritos por Broca e Wernicke deram uma grande
contribuição para a área de estudo, pois foram as primeiras evidências empíricas de
que uma capacidade mental bem conhecida poderia ser atribuída a uma região
específica do córtex cerebral. Além disso, contribuíram muito com o estabelecimento
de teorias sobre conexões corticais relacionadas com a linguagem.
Sabendo-se agora que existem regiões corticais especializadas em
determinadas funções, foi natural que as pesquisas da época se voltassem para o
estudo de uma capacidade mental bastante intrigante: a memória.
Os primeiros relatos sobre a tentativa de desvendar como as memórias estão
organizadas foram feitas pelo psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus (1850-1909)
que foi o pioneiro na análise experimental de funções da memória. Para isso, o
pesquisador elaborou cerca de 2.300 sílabas formadas por uma vogal entre duas
consoantes (e.g. NEX, LAZ, JEK) que não faziam qualquer sentido. Ebbinghaus
escreveu cada uma dessas sílabas em um pedaço de papel, misturava-as e retirava
aleatoriamente para formar listas com essas sílabas. Usando a si mesmo como
sujeito experimental, ele aprendeu1 várias dessas listas e depois testava sua
memória em diferentes intervalos de tempo; adicionalmente também quantificava o
número de repetições e o tempo necessário para reaprender cada lista.
Com esse desenho experimental, Ebbinghaus estabeleceu importantes
características da memória. Primeiro, ele demonstrou que as memórias possuem
diferentes tempos de duração (Fig.1); algumas por alguns poucos minutos e outras
que podem permanecer por dias ou até meses. Segundo, a repetição exerce papel
fundamental para que a informação dure por mais tempo, ou seja, em uma única
sessão de treino uma lista de sílabas poderia durar poucos minutos na memória,
mas com a repetição esse prazo poderia estender-se por dias ou semanas,
dependendo da quantidade de repetições.
1
Cabe ressaltar aqui que a aprendizagem ocorre quando o indivíduo é exposto a alguma informação
e nesse momento direciona certa quantidade de atenção à ela, o que não quer dizer que a mesma
será consolidada na memória. Para esta última ocorrer, o indivíduo precisa ser capaz de evocar
posteriormente a informação aprendida. Por exemplo, Ebbinghaus conseguia aprender sobre as listas
de sílabas, mas elas só poderiam ser relembradas certo tempo depois se o processo de
aprendizagem fora efetivo, por exemplo, com uma grande quantidade de repetições na leitura.
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Neurociência Cognitiva
alguma dessas capacidades prejudicadas, ele pode usar outras como compensação
e desempenhar a tarefa tão bem quanto um rato normal. Dessa forma, o animal
pode usar uma ou mais estratégias concomitantemente para se locomover no
labirinto e desempenhar a tarefa normalmente sem o uso de qualquer informação
armazenada na memória. Porém, se a lesão for abrangente o suficiente para impedir
o uso de qualquer uma dessas capacidades sensoriais, o prejuízo torna-se evidente,
com mostrou Lashley. Segundo, nos seus experimentos, o pesquisador explorou o
córtex e não as regiões mais profundas do encéfalo, que mais tarde foram
evidenciadas como tendo função crucial para a formação de memórias.
Em 1948, o neurocirurgião canadense Wilder Graves Penfield (1891-1976)
que fora influenciado diretamente pelo renomado neurofisiologista Charles
Sherrington, reforçou a teoria localizacionista mostrando fortes evidências empíricas
sobre a localização da memória. Penfield tratava cirurgicamente pacientes
portadores de epilepsia focal. Para isso, ele precisava que os indivíduos
permanecessem conscientes durante a cirurgia e, como o encéfalo não possui
receptores de dor, bastava a aplicação de anestesia local. Conhecedor dos
trabalhos de Broca e Wernicke, antes da remoção do foco epilético Penfield
estimulava a região com uma pequena corrente elétrica e se o paciente emitisse
alguma resposta, ele poderia evitar remover áreas que estivessem relacionadas com
funções de linguagem. Ao longo de sua careira, Penfield fez esse tipo de
experimento com mais de mil pessoas, observando que algumas respondiam à
estimulação relatando certas experiências visuais e até mesmo olfativas. Esses
poucos pacientes estavam recebendo estímulos nos lobos temporais, o que levou
Penfield a sugerir que essas sensações faziam parte de experiências anteriores das
pessoas, ou seja, ele acreditava que a estimulação naquelas regiões era capaz de
evocar memórias das pessoas.
Como esperado, foram feitas algumas críticas sobre o trabalho de Penfield,
contestando os seus achados. Em primeiro lugar, todos os pacientes operados
tinham encéfalos anormais devido à epilepsia, além disso, as experiências relatadas
em boa parte dos casos eram fantasiosas e alucinatórias, o que era muito próximo
do que ocorria quando os pacientes entravam em crise. Assim, acreditava-se que o
que Penfield estava fazendo era simplesmente induzir eventos semelhantes às
crises epiléticas. Segundo, a remoção dessas áreas estimuladas não apagava a
lembrança do paciente.
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Neurociência Cognitiva
medial, incluído córtex entorrinal, amígdala e dois terços anteriores do hipocampo (regiões
destacadas em vermelho).
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Neurociência Cognitiva
Figura 4- Teste do desenho refletido no espelho. Nesse teste o indivíduo deve contornar
precisamente o espaço entre as duas estrelas. Henry realizou três blocos de 10 tentativas cada e
mostrou um desempenho tão bom quanto de um indivíduo normal, revelado pela queda acentuada no
número de erros ao longo dos dias de teste.
desempenho do paciente melhorou ao longo dos dias por conta do treino repetitivo,
porém o seu desempenho nunca se aproximava do grupo controle na leitura das
tríades repetidas.
Com base nos estudos com o paciente Henry Molaison, Brenda Milner extraiu
importantes conclusões: (1) a memória de longa duração é uma capacidade distinta
de outras funções como percepção e está envolvida com estruturas dos lobos
temporais mediais do encéfalo; (2) as estruturas do lobo temporal medial não são
necessárias para formar uma memória de curta duração, pois Henry conseguia
guardar informações o tempo suficiente para estabelecer uma conversa fluente,
desde que não fosse distraído; (3) as estruturas do lobo temporal medial, como o
hipocampo, não são o local final de armazenamento da memória, pois o paciente
lembrava perfeitamente de fatos ocorridos na sua infância e; (4) Henry possuía um
tipo de memória que estava intacta e, portanto, independente de estruturas do lobo
temporal medial. Esse tipo de memória o permitia realizar tarefas motoras e
perceptuais normalmente, o que forneceu evidências de que havia mais de um tipo
de memória e que elas estariam armazenadas em locais diferentes do encéfalo.
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Neurociência Cognitiva
Por outro lado, pacientes com lesões em estruturas que compõem os núcleos
basais, como ocorre na doença de Huntington e Parkinson, por exemplo, exibem o
quadro oposto ao do paciente descrito por Milner. Eles apresentam dificuldades na
realização de tarefas motoras e não mostram qualquer prejuízo de memória para
fatos e eventos ocorridos anteriormente. Em conjunto, os estudos com esses
pacientes permitiram o estabelecimento de sistemas distintos de memória: (1) a
memória declarativa ou explícita, que estava prejudicada no paciente Henry, é uma
memória para fatos e eventos elucidada verbalmente. Esse tipo de memória é
dependente de estruturas do lobo temporal medial, como o hipocampo; e (2)
memória não-declarativa ou implícita, que se encontra prejudicada em pacientes
com lesões em estruturas dos núcleos basais. Esse tipo de memória é dependente
do treino repetitivo e expressa por meio do desempenho motor.
Existe ainda um terceiro tipo de memória que permanecia intacta no paciente
Henry Molaison: a memória operacional; uma memória de curta duração que arquiva
informações de contextos específicos que podem ser aplicadas somente em uma
situação e é descartável após o seu uso. Por exemplo, enquanto uma pessoa está
falando, ela retém na memória operacional a sequência de palavras que diz o tempo
suficiente para estabelecer um raciocínio lógico e completar uma determinada frase.
Depois disso, aquelas informações não são necessariamente úteis e podem ser
descartadas. O neurocientista britânico Alan Baddeley descreveu um modelo
hipotético para o funcionamento da memória operacional. Este modelo é composto
por (1) uma central executiva, relacionada com regiões do lobo frontal e que é
responsável pelo gerenciamento das informações que chegam à memória
operacional, selecionando informações relevantes e fazendo a conexão com o
sistema de memória de longa duração; (2) a alça de suporte visuo-espacial, ligada
com regiões occipitais e parietais, sendo responsável por lidar com informações
visuais e espaciais; (3) a alça de suporte fonológico, que lida com informações
verbais auditivas e está relacionada com o funcionamento do giro supramarginal e
angular do hemisfério esquerdo e por último, (4) o retentor episódico, que promove a
integração entre os sistemas de suporte fonológico e visuo-espacial. Também
interage com a memória de longa duração trazendo informações armazenadas na
memória declarativa à consciência para o planejamento de novas ações (Baddeley,
2000).
repetido várias vezes, o animal aprende a encolher o sifão apenas com a aplicação
do primeiro estímulo). Conhecendo o repertório comportamental da Aplysia e sua
anatomia relativamente simples, o próximo passo dos pesquisadores foi identificar
os circuitos e os tipos de neurônios envolvidos em cada um desses comportamentos
(habituação, sensibilização e condicionamento clássico). Na habituação, os animais
foram treinados a deixar de responder a um estímulo inofensivo produzido por um
leve toque no sifão, o que causava uma diminuição gradual no reflexo de retirada da
brânquia. O grupo de Kandel mostrou que o circuito envolvido nesse comportamento
é composto por um conjunto de neurônios sensoriais que inervam o sifão, os quais
se conectam com neurônios motores que ativam diretamente a brânquia. Esses
neurônios motores recebem sinapses diretamente dos neurônios sensoriais que
inervam o sifão ou indiretamente através de interneurônios. Para investigar os
mecanismos em nível celular, os pesquisadores implantaram microeletrodos no
neurônio sensorial e no motor. Foi observado no momento do primeiro estímulo leve
do sifão o aparecimento de um potencial de ação (PA) no neurônio sensorial seguido
de um potencial pós- sináptico excitatório (PPSE) no neurônio motor (Fig. 6A). Com
a repetição, o PA do neurônio sensorial não se altera, porém, a amplitude do PPSE
do neurônio motor cai gradativamente, desaparecendo em alguns minutos (Fig. 6B).
Essa diminuição do PPSE no neurônio motor se deve ao decréscimo na liberação de
glutamato (que aqui atua como neurotransmissor excitatório) no terminal pré-
sináptico do neurônio sensorial. Uma possível explicação molecular para esse
fenômeno de habituação entre o neurônio sensorial e o motor é o fato de que com a
estimulação repetitiva, ocorre inativação dos canais de cálcio (Ca++) do tipo N,
causando diminuição da entrada de íons Ca++ no terminal e, consequentemente,
maior dificuldade de ancoragem das vesículas sinápticas nas zonas ativas do
neurônio para a liberação de glutamato.
Figura 6- Fenômeno de habituação na Aplysia. Um leve borrifo de água no sifão pode desencadear
potenciais de ação observados no neurônio sensorial e consequente potencial pós-sináptico no
neurônio motor (A). No entanto, com a repetição do estímulo, a transmissão do impulso nervoso para
o neurônio motor deixa de existir, embora o neurônio sensorial ainda responda com potenciais de
ação (B). (Retirado de Roberto Lent, 2005).
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Neurociência Cognitiva
na fenda sináptica ativa proteínas-quinases, que por sua vez, são responsáveis (1)
pelo fechamento dos canais de K+ (o que retarda a fase de repolarização do impulso
e, portanto, prolonga a duração dos PAs) e (2) a abertura dos canais de Ca++ do tipo
N (o que aumenta a entrada de íons Ca++ no terminal do neurônio sensorial). Esses
eventos contribuem para o aumento no número de vesículas sinápticas ancoradas
nas zonas ativas e o consequente aumento na liberação de glutamato na fenda (Fig.
8). Portanto, é possível concluir que o neurônio facilitador nesse caso tem a função
de aumentar a força da transmissão sináptica entre o neurônio sensorial e o
neurônio motor, resultando no comportamento reflexo exacerbado (sensibilização)
na Aplysia.
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Neurociência Cognitiva
2
As informações que chegam ao hipocampo através do córtex entorrinal projetam-se para o giro
denteado por meio da via perfurante; do giro denteado, as informações seguem para as células da
região CA3 por meio da via das fibras musgosas e então passam para as células de CA1 através da
via das colaterais de Schaffer. De CA1, as informações passam pelo subículo e então retornam para
o córtex entorrinal, de onde seguem para áreas de associação no córtex.
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Neurociência Cognitiva
sináptica. Essa despolarização, ao atingir valor limiar, remove o íon Mg++ que
normalmente bloqueia o canal do tipo NMDA, e ele se abre. O resultado é o
aumento no deslocamento transmembrana dos cátions monovalentes; além disso,
passa pelo canal uma grande quantidade de Ca++, do exterior para o interior das
espinhas dendríticas.
Figura 10- Registro da potenciação de longo prazo (LTP) no hipocampo do rato. Os pesquisadores
estimularam a via das colaterais de Schaffer e então registraram o potencial pós-sináptico excitatório
(PPSE) por meio de eletrodos implantados nas células piramidais da região CA1 (A). O gráfico mostra
a porcentagem de aumento no PPSE depois de quatro estímulos de 100 Hz aplicados a cada 60
segundos em função do tempo (B). Note que a estimulação repetitiva faz com que a LTP dure por
várias horas, podendo até mesmo estender-se por vários dias. (Retirado de Kandel, Schwartz e Jessell,
2000).
sináptico, o que faz com que o fenômeno da LTP dure por mais tempo. No entanto,
para que a LTP possa durar até mesmo dias, faz-se necessário a participação de
mecanismos adicionais de plasticidade sináptica. Possivelmente, esses mecanismos
envolvem a ação da calmodulina no aumento da síntese de AMPc pela adenil-
ciclase, sendo essa a origem da via de sinalização intracelular que chega ao DNA. O
AMPc ativa a proteína-quinase A (PKA) e é esta que parece se translocar,
provocando a ativação de fatores de transcrição chamados CREBs. Estes por sua
vez, ativam genes imediatos responsáveis pela ativação de outros genes capazes
de sintetizar elementos estruturais das sinapses como novos receptores e novos
sítios pós-sinápticos nas espinhas dendríticas.
Figura 11- Mecanismos moleculares envolvidos na LTP. Os eventos intracelulares na LTP são
mediados pelos receptores de NMDA, não-NMDA e o metabotrópico. O primeiro receptor a ser
ativado é o não-NMDA, o qual se abre a cátions e despolariza a membrana, permitindo a retirada do
Mg++ do receptor NMDA, assim, mais cátions atravessam a membrana e a despolarização é
acentuada. Já o receptor metabotrópico ativa reações que permitem a liberação de Ca++. Depois
disso, a despolarização é acentuada pela produção do óxido nítrico, que por sua vez, permite maior
liberação de glutamato na fenda sináptica. (Retirado de Roberto Lent, 2005).
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Neurociência Cognitiva
4- Considerações finais
Desde o nascimento, todos os animais, incluindo o homem, recebem uma grande
quantidade de estímulos e informações que são recebidas por um ou mais dos cinco
sentidos: tato, visão, olfato, gustação e audição. Esses estímulos são processados
de maneira única por cada indivíduo, pois a estrutura genética de cada um
determina os detalhes sobre a forma de processamento pelo sistema nervoso.
Esses detalhes diferem em relação ao padrão de conexões entre os neurônios e a
efetividade dessas conexões, fazendo com que cada indivíduo experimente e reaja
ao mundo de forma diferente. Além disso, o ambiente proporciona experiências
particulares a cada ser vivo, as quais alteram constantemente os circuitos neuronais,
proporcionando o desenvolvimento de habilidades necessárias à sobrevivência.
Esse conjunto particular de alterações estruturais no sistema nervoso de cada
indivíduo é que explica, por exemplo, porque uma pessoa que resolve começar a
tocar piano aos 40 anos de idade dificilmente atingirá o mesmo nível de outra que
iniciou sua prática no instrumento durante a infância. A prática constante realizada
pelo músico experiente ao longo dos anos faz com que o seu sistema nervoso
AGRADECIMENTO:
Ao Dr. Felipe Viegas Rodriques pela revisão do capítulo
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Neurociência Cognitiva
“No sistema nervoso central dos adultos, as vias neuronais são fixas e imutáveis. Todas as células deverão
morrer e não ocorrerá regeneração.” Santiago Ramon y Cajal, 1913
2- Neurogênese
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Neurociência Cognitiva
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Neurociência Cognitiva
Figura 4. Novas células geradas na zona subventricular dos ventrículos laterais (ZSV)
migram para o bulbo olfatório (BO), através da corrente rostral migratória (CRM). No
BO, elas se diferenciam em interneurônios e diferentes tipos celulares. Adaptado de
Taupin, 2007
3- Modulação da neurogênese
Enriquecimento + Kempermann e col., 2002
ambiental
Fatores de
BDNF + Pencea e col., 2001
crescimento
Pág. 60 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
EGF + Kunh e col., 1997
FGF‐2 + Kunh e col., 1997
IGF‐1 + Alberg e col., 2000
VEGF + Jin e col., 2002
Hormônios Corticosterona + Cameron e col., 1994
Estrogênio + Tanapat e col., 1999
Testosterona + Brannvall e col., 2005
Isquemia + Takagi e col.,1999
Corrida em esteira
Atividade física + Van Praag e col., 1999
voluntária
Corrida em esteira +
forçada
Stress Odor de predador ‐ Tanapat e col., 2001
Psicosocial ‐ Gould e col, 1997
Restrição ‐ Pham e col., 2003
Isolamento social ‐ Lu e col., 2003
Hormônios sexuais
Complexidade ambiental
Pág. 62 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
Aprendizado
Pág. 64 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
Pág. 66 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
AGRADECIMENTO:
À Dra. Barbara Onishi pela revisão do capítulo.
Atenção
Diego de Carvalho
Laboratório de Neurociência e Comportamento
diegocarvalho@ib.usp.br
Pág. 68 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
Pág. 70 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
de “filtro atenuador”, em que todas as informações passariam pelo filtro que reduziria a intensidade da
informação, portanto, se ela fosse relevante e forte captaria a atenção do sujeito. C) Teoria alternativa
que propõe a existência de um filtro que amplifica a intensidade dos estímulos atendidos. Retirado de
Helene e Xavier (2003).
Pág. 72 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
Figura 10 – Paradigma de teste com pista espacial de Posner (1980). Envolvendo condições de pista
válida, isto é, aponta verdadeiramente o local de aparecimento do alvo, pista inválida, ou seja,
sinaliza a posição incorreta de aparecimento do alvo; e pista neutra, que não indica a probabilidade
de aparecimento do alvo em qualquer local. O tempo entre o aparecimento da pista e do alvo (SOA –
Stimulus onset asyncrony) pode ser variável. Adaptado de Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006).
Figura 11 – Tempo de resposta para condições de pista válida, neutra e inválida no paradigma de
Posner. Note que a pista válida favorece o desempenho do sujeito enquanto a inválida gera os piores
tempos de reação.
Figura 12 – Busca de cena visual, o sujeito deve responder o mais rápido possível à localização do
alvo. A) O alvo é a barra vermelha que está entre as barras pretas. O estímulo difere tanto do padrão
dos distratores que capta a atenção do sujeito automaticamente, com efeito, o tempo de resposta é
rápido. B) O Alvo é o mesmo da condição anterior, porém, os distratores são barras pretas horizontais
e barras vermelhas verticais. Existe a combinação de características entre alvo e distratores, portanto,
a busca é lentificada pela necessidade de processamento ativo pelo sujeito.
Pág. 74 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
Figura 13 – Exemplo do efeito “Stroop”. O sujeito deve nomear a cor das letras inibindo a leitura, que
é automatizada. Em virtude desta concorrência, o tempo de resposta é lentificado.
Pág. 76 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
AGRADECIMENTO:
À Dra. Claudia Sallai pela revisão do capítulo
Pág. 78 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
Percepção
Diego de Carvalho
Laboratório de Neurociência e Comportamento
diegocarvalho@ib.usp.br
Figura 15 - Representação de um cavalo ou sapo, dependendo da orientação da imagem.
Pág. 80 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
Figura 16 – Representação da imagem de um carro em diferentes posições. As imagens certamente
são siferentes, entretanto, não há dificuldade em perceber que se trata do mesmo objeto. Retirado de
Gazzaniga, Ivry e Mangun (2006).
deve ser alterado para que possa que tal alteração seja percebida. Essa regra,
conhecida como Lei de Weber (Figura 3), foi proposta por Ernst Weber (1981), que
postula que para percebermos que um dado estímulo sensorial sofre alguma
mudança, a alteração mínima deve ser proporcional a magnitude inicial do estímulo
original. Para exemplificar, se for adicionado 500 g em um saco de cimento de 50 kg
a pessoa que estiver carregando provavelmente não sentirá diferença. Entretanto,
se for adicionado os mesmos 500g em um saco de arroz de 1 kg o carregador
certamente perceberá a diferença.
Figura 17 – Fómula da Lei de Weber, em que ∆E é a diferença apenas perceptível, isto é, a alteração
mínima para que uma mudança no estímulo seja percebido. C é a constante de proporcionalidade,
conhecida por constante de Weber e E éa magnitude do estímulo inicial.
1- Neurobiologia da Percepção
Pág. 82 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
Figura 18 – Organização funcional do sistema visual. As informações captadas pela retina são
encaminhadas ao tálamo e posteriormente ao córtex visual primário. Note que as informações do
hemicampo medial seguem para processamento no córtex contralateral e as informações do
hemicampo lateral seguem ipsolateralmente. Retirado de Lent (2006).
Figura 19 - Vias paralelas de processamento visual. Via dorsal responsável pela codificação de
estimulo visuo-espacial, isto é, definição de “onde” o objeto se encontra e via dorsal responsável pela
codificação de forma e cor, ou seja, definição do “que” é o objeto. Retirado de Kandel e col (2000).
Ao longo dessas sequências de processamento as informações sofrem um
Pág. 84 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
afunilamento para cada vez menos células. A hipótese acerca dessa informação é
que a cada passo os neurônios tornam-se mais específicos para formação daquele
percepto. Note na figura 6 que quanto mais adiante um neurônio está na hierarquia
do processamento visual mais complexo é o grau de reconhecimento, ao passo que
as células de codificação inical respondem a estímulos simples como margens e
bordas.
Figura 20 – Codificação hierárquica, na qual elementos combinados se unem para processar uma
forma final. Note que a via é convergente, isto é, a informação converge para células cada vez mais
especialidades na formação do percepto final. Adaptado de Lent (2006).
Portanto, as informações visuais são processadas por vias paralelas e que
codificam características diferentes dos objetos presentes no ambiente. Quando
vemos um carro em movimento, as bordas que definem seu contorno e sua forma,
sua cor e seu movimento são vistos como uma informação única. Mas como, se as
informações de forma e cor são processadas em região diferente das informações
de movimento e localização espacial, não vemos a forma, as cores e o movimento
separadamente? Essa questão de não vermos as características visuais
fragamentadas, mas sim uma imagem coerente, embora existam vias de
processamento paralelas as codificando, caracteriza o “binding problem”. Acredita-
se que a resposta para este problema esteja na sincronização da atividade
eletrofisiológica dos neurônios das diferentes regiões corticais que processam os
diferentes aspectos da informação visual. No entanto, essa questão ainda não está
bem estabelecida.
Pág. 86 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
Figura 21 – Esquema da organização funcional do sistema auditivo. Processamento auditivo inicia-se
com a recepção das ondas mecânicas do som no ouvido interno. O sinal é transduzido e levado aos
núcleos cocleares do tronco encefálico através do nervo auditivo. Posteriormente o sinal é
encaminhado ao núcleo geniculado medial do tálamo e ao córtex auditivo primário. Adaptado de Bear
e cols. (2000) e de Gazzaniga e cols. (2006).
2- Percepção e Ação
Figura 22 – Setas de Müeller-Lyer. Os segmentos de reta são exatamente iguais.
3- Ilusões
Figura 23 – Representação bidimensional de um cubo (a). É possível a formação de dois ou mais
perceptos frente a uma mesma imagem (b) dependendo da orientação da atenção. Retirado de Baldo
e Haddad (2003).
Figura 24 – Vaso de Rubin, as visões dos pares de faces se alternam a percepção do vaso.
As ilusões visuais são os fenômenos mais estudados, entretanto, ilusões
auditivas e somestésicas são existentes. Frequentemente, as ilusões visuais são
denominadas de ilusões de óptica, embora poucas ilusões derivem de fenômenos
ópticos em si. Muitas ilusões são influenciadas por componentes cognitivos da
percepção, como atenção e memória.
Note a ilusão de Ponzo (Figura 11), as linhas parecem de tamanhos
diferentes. Uma explicação plausível é que de acordo com nossa experiência,
objetos que parecem estar mais distantes são vistos com tamanho menor; e, nesta
representação, as linhas convergentes dão a perspectiva de profundidade. Fato
análogo ocorre na sala ilusória de Ames (Figura 12), em que esperamos que as
paredes laterais sejam paralelas e o teto tenha altura constante. Portanto, a pessoa
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Neurociência Cognitiva
Figura 25 – Ilusão de Ponzo. Os segmento de reta são exatamente iguais, entretanto, a presença das
linhas convergentes dão perspectiva de profundidade que cria o fenômeno ilusório
Figura 26 – Sala ilusória de Ames. Espera-se a parede ao fundo forme um ângulo reto com as
paredes laterais. Percebemos a pessoa que está a frente como gigante.
Nosso treino para deteccção de bordas e limites faz com que enxerguemos
figuras geométricas inexistentes. Por exemplo, no triângulo de Kanisa (Figura 13),
em que as formas da composição sugerem a existência de um triângulo em primeiro
plano.
Figura 27 – Triângulo de Kanisa. Observa-se claramente a formação de um triângulo em primeiro
plano mesmo sem as arestas que formam a figura geométrica.
As ilusões podem então ser derivadas de fenômenos ópticos, como um lápis
mergulhado em um copo d’água que parece ser torto ou quebrado devido ao
fenômeno de refração da luz; podem derivar de fenômenos cognitivos, como vimos
anteriormente, ou ainda podem advir dos receptores sensoriais e sua
hiperestimulação. Fixe seus olhos na imagem da figura 14 por 30 segundos, depois
olhe para uma parede branca. Esta ilusão é criada a partir da estimulação
prolongada de receptores da retina para aquela cor, fazendo com que, quando se
olha para um fundo branco, as cores complementares àquelas previamente
observadas sejam percebidas.
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Neurociência Cognitiva
Figura 28 - Fixe seus olhos na centro da figura por 30 segundos, depois olhe para uma parede
branca.
A ilusão, portanto, pode ser concebida como a percepção de algo em um
contexto diferente ao que estamos acostumados, ou ainda, como a discrepância do
percebido em uma situação e, depois, em situação diferente.
Como visto, a percepção é construção ativa do sistema nervoso, é inferência.
Nossa percepção foi ajustada de forma a conferir melhor vantagem adaptativa para
a espécie.
Como os demais processos cognitivos, a percepção não é um fenômeno
isolado. Depende da integração da informação sensorial, motora, atencional,
emocional e de memória para que os perceptos sejam construídos.
AGRADECIMENTO:
À Dra. Claudia Sallai pela revisão do capítulo.
Ação
Marina F. de Oliveira
Laboratório de Ciências da Cognição
marinafaveri@usp.br
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Neurociência Cognitiva
Pág. 96 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
Figura 2 – Corte transverso da medula espinhal em nível lombar. Esquerda: foto micrografia.
Direita: esquema com a distribuição dos principais núcleos e feixes de axônios. (Adaptado de
Carpenter, 1976)
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Neurociência Cognitiva
reflexos eram abolidos e sua persistência era sinal de lesão do SNC. Ainda
consideramos a persistência, em sua forma estereotipada, sinal de acometimento do
SNC, porém não mais entendemos que eles são abolidos da motricidade. (Fukuda,
1961)
bola. Mas podemos reparar que, do lado direito, tanto o braço quanto a perna estão
fletidos, facilitando o equilíbrio do jogador na perna esquerda estendida. Mesmo no
movimento voluntário, o reflexo postural está envolvido na facilitação do movimento
iniciado pelo jogador e no ajuste automático do tônus do lado contralateral na
facilitação da manutenção do equilíbrio. (Fukuda, 1961)
O reflexo tônico labiríntico foi pesquisado em gatos também descerebrados,
porém com os labirintos intactos. Com o pescoço fixado por uma tala e girando o
gato (Fig. 7, esquerda), observa-se progressivamente diferentes equilíbrios tônicos
nos membros. O maior tônus extensor é obtido com o gato em decúbito dorsal, com
a cabeça formando um ângulo de 45° com o plano do chão, e o maior tônus flexor
com o gato em decúbito ventral, com a cabeça a -45° do plano do chão. O exame
neurológico do lactente mostra esse mesmo padrão de resposta dos membros e do
tronco em relação à posição da cabeça em humanos (Fig. 7, direita). Observamos
esse reflexo em várias situações esportivas, como no salto ornamental, quando há
extensão completa de tronco e membros na fase de vôo, e a flexão que se inicia
pela cabeça em uma cambalhota (Fig. 8).
Figura 7 – À esquerda: os diversos ângulos nos quais foi analisado o tônus muscular do gato
descerebrado com o labirinto preservado. No centro: o maior tônus extensor é obtido com a cabeça a
+45º e o menor com a cabeça a -135º. À direita: comportamento semelhante é observado em bebês
humanos. (Adaptado de Fukuda, 1961)
voluntário. À esquerda, fase de vôo do salto ornamental, no qual o tônus extensor do tronco e dos
membros superiores e inferiores é facilitado pela extensão da cabeça. À direita, a cambalhota (flexão
do tronco e dos membros) é facilitada pela flexão da cabeça.
Figura 9 – Projeções da região profunda do colículo superior para a medula espinhal são
responsáveis pelo direcionamento da cabeça à estímulos visuais e auditivos (azul). Sua atuação é
resultante da entrada de informações visuais provenientes da região superficial do colículo superior,
informações sobre os movimentos oculares dos núcleos que controlam a motricidade ocular e das
informações auditivas, provenientes de projeções do nervo troclear. Além de terminar em
interneurônios que atuam sobre motoneurônios na região cervical da medula espinhal, esse trato
termina também na formação reticular do bulbo, atuando, portanto em ajustes posturais globais. As
projeções do núcleo rubro são uma exceção dentro do conjunto de projeções do tronco encefálico
para a medula, já que elas terminam em regiões dorsolaterais do corno ventral (em vermelho).
(Adaptado de Carpenter, 1976)
Figura 10: Dois núcleos vestibulares, localizados na junção bulbo-pontina, atuam no controle
Figura 11: As formações reticulares pontina (em vermelho) e a bulbar (em preto) projetam
para motoneurônios gama tanto de regiões ventromediais como dorsolaterais, regulando o tônus
muscular. Quanto mais os motoneurônios gama são excitados, mais as fibras musculares intrafusais
ficam retesadas, e portanto, sensíveis a qualquer estiramento, de forma que o tônus muscular é alto.
De forma inversa, a falta de atuação desses núcleos diminui a atividade dos motoneurônios gama,
diminuindo o tônus muscular. (Adaptado de Carpenter, 1976)
do trato córtico espinhal lateral terminam principalmente nos motoneurônios das regiões dorsolaterais
do corno ventral, permitindo o controle fino da ativação de unidades motoras de acordo com o
movimento desejado. Essa via controla ativamente a entrada sensorial: neurônios do próprio córtex
somatossensorial projetam para interneurônios medulares que atuam nos núcleos dorsais sensitivos
da medula espinhal, permitindo que determinadas informações sejam amplificadas e outras
reduzidas. (Adaptado de Kandel, 2000)
Figura 13 – Além das projeções para a medula espinhal, os córtices motores fazem alças
com o cerebelo e os núcleos da base via diversos núcleos do tálamo, de forma que essas estruturas
atuam de forma indireta no controle motor. Aqui vemos em verde claro o M1, anterior ao sulco central.
Anteriormente à ele, temos duas áreas pré-motoras: em azul a SMA, que se estende pela face
superior e medial da área 6 de Brodmann; em verde escuro a PMd, que ocupa a porção mais lateral
da mesma área. O tálamo está representado em roxo e os núcleos da base em azul. Ambas
estruturas são profundas, estão mostradas aqui por transparência. (Adaptado de Kandel, 2000)
Figura 14: Homúnculo de Penfield. Neurônios do córtex motor primário tem distribuição
topográfica organizada e proporcional à inervação que fazem de cada musculatura. Neste corte
sagital do giro pré-central, observamos a distribuição de medial para lateral dos neurônios que se
dirigem às diversas partes do corpo. A musculatura da língua, da deglutição, da face e dos músculos
da mastigação é controlada por núcleos motores de nervos cranianos (XII, IX e X, VII, V,
respectivamente). As regiões laterais do M1 projetam para esses núcleos da mesma forma que para
Figura 18 – O cerebelo pode ser divido de acordo com suas aferências (A) e eferências (B). O
vestíbulo cerebelo (lobo flóculonodular, destacado inferiormente da figura grande), recebe informação
cortical via núcleos pontinos e vestibular diretamente pelos núcleos vestibulares. Suas projeções para
os próprios núcleos vestibulares permitem que o cerebelo atue no controle do equilíbrio e dos
movimentos oculares. O espino cerebelo é formado pela região central (vérmis, em amarelo) e pela
parte medial dos hemisférios cerebelares. A região do vérmis recebe informações visuais, auditivas,
somestésicas e vestibulares, e suas eferências pelos núcleos fastigiais termina em vias descendentes
do córtex cerebral e do tronco encefálico que fazem parte do sistema ventromedial, atuando portanto
nos ajustes posturais antecipatórios. A região paravermiana recebe principalmente informação
proprioceptiva dos segmentos distais do corpo, e sua eferência via núcleos interpósitos atua nas vias
descendentes laterais, participando do ajuste dos movimentos distais. As regiões laterais dos
hemisférios cerebelares recebem informação exclusivamente do córtex cerebebral, e suas projeções
via núcleos denteados atuam em áreas pré-motoras e motoras primárias, assim como em outras
regiões do lobo frontal, estando envolvida, portanto, no planejamento motor. (Adaptado de Kandel,
2000)
AGRADECIMENTO:
Ao Dr. Pedro Leite Ribeiro pela revisão do capítulo.
Decisão
Camile Correa1
Marcelo Arruda2
1
Laboratório de Neurociência e Comportamento
2
Laboratório de Ciências da Cognição
1
camile.mc.correa@gmail.com
2
marcelo_arruda@yahoo.com
1- Introdução
que ele ocorreu. Em geral, espera-se que quanto maior o número dessas repetições
independentes, mais precisa é a razão calculada, que reflete a probabilidade de
ocorrência do evento. Por exemplo, ao se lançar um dado várias vezes, pode-se
verificar a frequência com que se obteve cada face dentro do número total de
resultados obtidos, e interpretar essa frequência como a probabilidade de obtenção
de cada face, ou a probabilidade de cada evento. Essa definição de probabilidade,
amplamente reconhecida e utilizada, é conhecida como interpretação frequentista
das probabilidades.
3- Utilidade
“no valid measurement of the value of risk can be given without consideration
of its utility, that is the utility of whatever gain accrues to the individual ”
4- Risco
entre o valor de utilidade do sujeito e o valor de utilidade dado por u(x) = x, que é
nada mais do que o valor financeiro esperado do jogo, maior a aversão ao risco.
O risco é uma questão central no processo de decisão, e, como mostrado
acima, pode-se quantificá-lo em termos de utilidade. Desta forma pode-se
determinar o quanto estamos dispostos a pagar para não correr riscos. A teoria de
Von Neumann-Morgenstern, que define toda a teoria da utilidade esperada em
termos axiomáticos, torna bastante evidente esta questão. Há uma série de
questões relacionadas a esse teorema, e da prova dele pode se chegar a
conclusões importantes, mas que fogem do escopo deste texto. Em resumo, o que a
teoria (exemplo e explicação adaptado de Resnik, 2000) define é que dada uma
condição em que o resultado A é preferível a B, e este a C (A >p B >p C), dado que
B é um evento certo, existe uma probabilidade p tal que a utilidade esperada do
evento certo B é igual à utilidade esperada da condição em o resultado A ocorre com
probabilidade p, e C com probabilidade 1-p.
5- Escalas
Existe ainda a escala de razão que possui outro tipo de métrica. Essas
escalas apresentam duas peculiaridades: (i) elas têm um valor zero natural, por
exemplo, 0 metros, (ii) as escalas representam uma razão entre o observado e um
valor padrão de medida, por exemplo 5 metros significa cinco vezes um metro que é
uma unidade padrão. No caso deste tipo de escala, uma equivalente pode ser
produzida pela multiplicação de uma constante, exemplo f(x) = 5 * x, e não por
qualquer transformação linear como no caso da escala intervalar. Exemplos deste
tipo de escala são as unidades métricas como o metro e jardas. Em ambas escalas,
o zero tem um mesmo significado, são correspondentes. Além disso, a
transformação entre elas se dá de acordo com uma constante de multiplicação ( 1
jarda = 0,9144 metros ).
Para utilidade se utiliza a escala intervalar. Desta forma, não se pode fazer
afirmações baseadas na aritmética usada na escala de razão como estamos
acostumados. Por exemplo, se um valor de utilidade é o dobro de outro, a utilidade
não é necessariamente o dobro da outra, pois numa outra escala equivalente, dada
por f(x) = 5 * x + 2, o segundo valor pode não ser o dobro do primeiro.
O que a escala de utilidade revela é ser uma escala das preferências de um
agente decisor. Dessa forma, comparar valores de utilidade esperada é algo análogo
a comparar intervalos (distâncias) dentro de uma mesma escala. Portanto, a teoria
da utilidade é uma ferramenta que permite colocar as subjetividades relativas à
preferência entre diferentes condições dentro de uma lógica formal, permitindo a
utilização de algo de natureza subjetiva em problemas de decisão, inclusive sob
condições de incerteza, dado que está totalmente em acordo com a teoria da
probabilidade.
Apesar do seu valor matemático, várias críticas são feitas à teoria da utilidade
quanto à sua capacidade de explicar certos comportamentos.
Um exemplo é o experimento popularizado por Tversky e Kahneman, em que
sujeitos devem escolher uma estratégia para lidar com o início de uma epidemia. A
estratégia A salva 200 pessoas de 600, enquanto a estratégia B pode salvar todos
ou ninguém. Quando o problema é colocado desta forma, a maioria dos sujeitos
escolhe a estratégia A. Entretanto, quando a estratégia A é descrita como uma ação
que mata 400 pessoas de 600, a maioria dos sujeitos escolhe a estratégia B
(Tversky e Kahneman, 1981). Vale notar que o problema é exatamente o mesmo, as
probabilidades associadas a cada evento podem ser dadas como iguais. No entanto
a resposta varia radicalmente em razão de como o problema é posto.
Com esta perspectiva Tversky propôs uma teoria diferente da utilidade,
chamada “Prospect Theory”, em que o valor de um resultado possível de um
problema é avaliado com base num valor de referência. A idéia de Tversky é deixar
evidente o que ele chamou de framing, o fato de um mesmo problema posto de uma
forma diferente gerar outra decisão. O nome framing proposto sugere que o
fenômeno pode ser interpretado como algo parecido a um efeito de ilusão de ótica,
em que há percepções diferentes sobre um mesmo percepto, sobre uma mesma
imagem. Outra situação em que este comportamento é observado nos problemas de
decisão é no caso da punição altruística, quando o indivíduo deixa de ganhar para
punir alguém que teve um comportamento socialmente reprovável.
7- Decisões adaptativas
1 )Sistema pavloviano
Atribui valores a um conjunto pequeno de comportamentos que são respostas
apropriadas, em termos evolutivos, ao estímulo. Podem parecer repostas
automáticas, no entanto, como podem ser interrompidas por outros sistemas
cerebrais, a elas devem ser atribuído um valor, permitindo que elas possam
"competir" com outras ações, favorecidas por outros sistemas.
Respostas ativas e passivas relacionadas a estímulos negativos parecem
corresponder a uma organização espacial específica ao longo do eixo dorsal da
substância cinzenta periaquedutal. Para respostas relacionadas aos valores que lhe
foram atribuídas, aparentemente estão envolvidas a amídala, o estriado e o córtex
orbitofrontal. A atividade no núcleo central da amídala, com suas ligações com os
núcleos basais e o nucleus accumbens, parece estar envolvida em respostas
preparatórias, enquanto o complexo basolateral da amídala, com suas conexões
para o hipotálamo, parece estar relacionado a respostas mais específicas. Essas
especificidades em relação às áreas da amídala vão de encontro ao fato de que os
núcleos basais estão relacionados ao desempenho de funções simples, cujo
programa motor é automático. Em contrapartida, o hipotálamo está relacionado,
entre outras funções autonômicas e endócrinas, a processos relacionados ao estado
motivacional.
2) Sistema de habituação
Segundo esse sistema pode haver o aprendizado, através de treino, da
atribuição de valores a um número grande de ações possíveis. Entre suas
características estão: (i)aprendizado da atribuição de valores à associações de
estímulos e suas respectivas respostas na base da tentativa e erro; (ii) em condições
suficientes é capaz de aprender a atribuir valores às expectativas de recompensa;
(iii) aprendem relativamente devagar (na base da tentativa e erro) e se adapta
devagar à alterações na situação de decisão; (iv) baseia-se na generalização.
Estudos sugerem a participação crucial do estriado dorsolateral nos
comportamentos relativos a hábitos. Além disso, foi sugerido que a representação
eventos posteriores. O FM, portanto, refletiria a busca por padrões. (Yellott, 1969,
apud. Wolford, Miller e Gazzaniga, 2004).
estereotipada como “ao acertar, repetem; ao errar, mudam”, têm ganho menor,
igualando as frequências de escolha às probabilidades de recompensa (0.7 * 0.7 +
0.3 * 0.3 = 0.58) (dados de Bitterman, 1975).
14.1- Por que humanos adotam estratégia menos eficiente do que ratos?
15- Conclusões
AGRADECIMENTOS:
Ao Dr. Pedro Leite Ribeiro e Dr. Pedro Cravo pela revisão do capítulo.
Emoção
Elisa Mari Akagi Jordão
Laboratório de Neurociência e Comportamento
elisajordao@yahoo.com.br
1- O que é emoção?
objetivo. Freud lamentava por não haver uma teoria das pulsões que proporcionasse
uma orientação confiável ao investigador da psicologia.
Darwin (1809-1882) também teve um especial interesse em lidar com
aspectos da emoção. Ele realizou um detalhado estudo das expressões das
emoções em humanos e animais defendendo que elas possuem um grande valor
adaptativo por serem importantes para a comunicação entre indivíduos. Darwin
percebeu semelhanças entre as expressões emocionais de seres humanos de
diferentes culturas, e mesmo entre as expressões emocionais de animais de
diferentes espécies. A partir dessa observação, ele propôs que as expressões
emocionais seriam herdadas ou inatas, ou seja, o indivíduo nasce “sabendo” como
expressá-las, sem necessidade de aprendizado. Em humanos, estudou expressões
faciais e corporais relacionadas ao sofrimento, tristeza, alegria e desamparo (e.g., as
expressões do choro, principalmente em bebês). Em animais, também estudou as
expressões faciais e corporais, bem como os sons emitidos por eles. A partir deste
vasto estudo, Darwin considerou que “estimulações” no sistema nervoso seriam
responsáveis por ações que exprimem um estado de espírito, sendo este um dos
princípios da origem dessas expressões (Darwin, 1872).
Em 1884, surgiu a teoria de James e Lange, uma das primeiras teorias sobre
emoção bem definida. O psicólogo e filósofo William James e o psicólogo Carl Lange
compartilharam ideias similares acerca das emoções: a experiência de emoções
seria causada pelas mudanças fisiológicas do corpo. Em outras palavras, segundo
eles, um indivíduo fica com medo porque treme, fica triste porque chora, ou bravo
porque ataca. James, em seu artigo intitulado What is emotion? afirmou que “...as
mudanças corporais seguem diretamente a percepção do fato excitante, e o nosso
sentimento dessas mudanças como elas ocorrem é a emoção”. O que ele defendia,
portanto, era que a percepção das mudanças fisiológicas é a emoção.
Em 1927, o fisiologista Walter Cannon publicou um artigo criticando vários
aspectos da teoria de James e Lange, a qual se tornara tão popular. A teoria
proposta por Cannon foi posteriormente modificada por Philip Bard, tornando-se
conhecida como teoria Cannon-Bard. Essa teoria postula que a experiência
emocional pode ocorrer independentemente da expressão emocional. Cannon, em
estudos realizados com animais, observou que mesmo eliminando as sensações
das mudanças fisiológicas com uma transecção da medula espinal, eles ainda
mostravam sinais de experiência emocional. A teoria de Cannon e Bard atribuía uma
dificuldade de lidar com algo tão variável e imprevisível. Porém, como vimos,
estudos estão aumentando, e técnicas para eliciar e medir emoção estão emergindo.
Citarei, a seguir, algumas dessas técnicas.
Figura 3- Representação do sistema límbico proposto por James Papez. Modificado de Bear (1996).
Figura 4- (A) o crânio de Phineas Gage conservado; (B) a reconstrução da imagem de como a barra
teria trespassado seu encéfalo. Modificado de Lent (2001).
Numerosos estudos têm mostrado que o aumento do alerta (induzido também pela
experiência com estímulos emocionais) melhora a capacidade de recordação de
uma memória declarativa (dependente do hipocampo), e que essa melhora pode ser
bloqueada por lesões na amígdala. Isso sugere que a amígdala modula a atividade
do hipocampo de forma a alterar a capacidade de recordação de memórias
declarativas (Gazzaniga e col., 2006).
Outra função cognitiva influenciada pela emoção é a atenção. Zajonc (1980)
propôs que indivíduos teriam maior facilidade em perceber ou processar
informações emocionais especialmente de medo ou ameaça, porque seriam
importantes para a sobrevivência. Essa melhora na percepção de informações de
natureza emocional seria fruto do maior direcionamento da atenção a esses
estímulos. O paradigma denominado apresentação visual seriada rápida foi utilizado
para testar esta hipótese. Esta tarefa consiste em apresentar palavras em série com
durações muito rápidas, da ordem de aproximadamente cem milissegundos. Como o
tempo de apresentação de cada palavra era muito curto, as pessoas tinham
dificuldade em ver ou lembrar-se de todas as palavras, de tal forma que os
voluntários eram instruídos a focar sua atenção em somente duas palavras-alvo que
eram apresentadas em uma cor diferente das demais. Deste modo os voluntários
não apresentaram dificuldades em notar e identificar essas duas palavras-alvo;
porém, se elas eram apresentadas uma em seguida da outra, os voluntários
mostravam dificuldade em identificar a segunda delas. Esse efeito foi denominado
piscar atencional, pois é como se a habilidade de focar a atenção tivesse um período
refratário, ou seja, tivesse dado uma “piscada”. Os pesquisadores, então, utilizaram
esse paradigma para testar se esse fenômeno atencional seria alterado pela
apresentação de um estímulo emocional apresentando palavras com significado
emocional negativo como o segundo alvo. De fato, foi observada uma melhora na
percepção do segundo alvo quando este era uma palavra negativa em comparação
com a situação controle em que ambos os alvos eram palavras neutras, indicando
que os estímulos emocionais, ao menos os negativos, captam maiores recursos
atencionais e são melhor percebidos que os estímulos neutros. Mais tarde também
foi observado que pacientes com lesão na amígdala não demonstram essa melhora
na percepção de estímulos emocionais, sugerindo que a amígdala pode exercer um
papel na facilitação do processamento de informações de natureza emocional, ou
em outras palavras, no mecanismo atencional direcionado a estímulos emocionais
Pág. 154 Julho/2011
Neurociência Cognitiva
(Gazzaniga e col., 2006). Numa perspectiva evolutiva, esse mecanismo tem um alto
valor adaptativo, pois aumenta a probabilidade de que um estímulo com significância
biológica para o indivíduo seja percebido.
que sofriam desses transtornos era grande. Foi então que Egas Moniz introduziu o
procedimento cirúrgico de isolamento do córtex pré-frontal do resto do cérebro em
seres humanos com o objetivo de curar esquizofrênicos e deprimidos, depois de ter
conhecimento que a ablação de parte do lobo frontal havia produzido mansidão em
chimpanzés. Essa técnica sofreu algumas modificações por Walter Freeman, e
tornou-se mais conhecida como lobotomia (Fig.6), a qual consiste na destruição de
parte do lobo frontal por meio da inserção de uma haste de metal através da parte
superior do olho. Na época, esse procedimento foi muito bem recebido rendendo um
prêmio Nobel para Moniz em 1949.
7- Considerações finais
AGRADECIMENTO:
À Dra. Bárbara Onishi pela revisão do capítulo.
História da Neurociência
1- Introdução
que promoveria a recuperação e cura. Crânios com perfurações feitas em vida foram
encontrados em sítios que datam de até 10.000 anos.
Pela cicatrização, há indícios de que as pessoas sobreviviam a esse procedimento.
Ora, alguns casos de coma eram devidos a um aumento da pressão intracraniana e
essa cirurgia realmente promove alívio da hipertensão intracraniana podendo, em
alguns casos, ter até valor terapêutico. Cadáveres dessa forma foram encontrados
em quase todas as civilizações do mundo e, mesmo povos modernos, como os da
Oceania, ainda praticam essa laboriosa e arriscada cirurgia.
Uma segunda questão tão intrigante quanto a localização diz respeito à forma
como mente e corpo viriam a se influenciar. Se uma mente existe e se ela está no
corpo, qual o mecanismo de interação dessa mente com esse corpo?
Um outro indício, documental, de que há muito se associava o cérebro à
mente é o Papiro Cirúrgico de Edwin Smith, americano que adquiriu a relíquia em
1862. Considerada o tratado científico mais antigo conhecido, foi escrito no Egito e
data, embora não haja consenso, de 1600 a.C. Lá estão descritos 30 casos de
referências diretas ao cérebro. Descrições anatômicas, traumatológicas e clínicas,
com detalhes sobre o que acontecia com um trauma de guerra, provocando
epilepsia, convulsões, paralisia, problemas sensoriais e até alteração do sistema
nervoso autônomo nas pessoas que haviam sido vítimas dessas lesões.
idéia, como veremos, teve enorme importância na “neurofisiologia” dos séculos que
se seguiram.
Os filósofos gregos Alcaemeon e Demócrito acreditavam que a sede da
mente era o cérebro. Para eles, a constituição interna dos nervos era oca e seriam
estas as estruturas responsáveis por transmitir uma espécie de fluido vital, chamado
espírito animal, base da mente, da alma e até da alma imortal.
Na filosofia ocidental dois nomes entraram em intenso debate. Hipócrates - o
pai da medicina - e Aristóteles, pai das ciências do conhecimento natural, cujas
idéias foram propagadas até a idade moderna.
Hipócrates (460-379 a.C.) acreditava que o cérebro era a sede da mente, dos
sentimentos e das emoções; ele seria a estrutura responsável pelos sonhos, terrores
noturnos e problemas mentais. "Deveria ser sabido que ele é a fonte do nosso
prazer, alegria, riso e diversão, assim como nosso pesar, dor, ansiedade e lágrimas,
e nenhum outro que não o cérebro. Na época não havia conhecimento sistematizado
sobre a anatomia cerebral, pois não se praticavam dissecações. As declarações
hipocráticas eram, portanto, fruto de intuições filosóficas baseadas na observação
clínica de que o cérebro seria a sede de tudo o que hoje se acredita que seja (juízo,
emoções, sentimentos etc.)
Porém, esse conhecimento dos hipocráticos sofreu uma regressão com
Aristóteles, (384 a.C. - 322 a.C)., para quem a sede dos referidos fenômenos estava
no coração. Seus argumentos eram simples: o coração hospeda a razão por ser
quente e ativo, enquanto o cérebro serve para resfriar o sangue, por ser frio e inerte.
Ora, quando se experiencia uma emoção forte, ela é sentida no coração, pela
ativação simpática. Diz-se que o coração está pesado, que se gosta de alguém “de
coração” ou até mesmo que se sabe algo de cor; do latim, decorado. Acreditava-se,
inclusive, que até a memória estaria no coração.
Na época, associou-se erradamente o efeito à causa, quer dizer, a emoção
está no cérebro, a sua expressão está no coração. Porém, Aristóteles não era
experimentador, era um filósofo, pensava essencialmente de acordo com a lógica.
O médico romano Galeno (130-200) foi importante na história da neurociência
porque foi o primeiro a refutar o que disse Aristóteles. Para aquele, não haveria
sentido em afirmar que o cérebro tivesse a função de esfriar as paixões do coração.
Pela dissecação de animais ele destinou muita atenção às meninges e às cavidades
4- Descartes e o mecanicismo
A seguir são elencados quatro conceitos que, nos séculos XVIII e XIX,
permearam o início da era científica em neurociência (Consenza, 2002).
de impregnação das estruturas nervosas pela prata (método de Golgi) foi possível
uma observação mais acurada, resultando nos trabalhos de Santiago Ramón y Cajal
(1852-1934) que, já em 1889, argumentava que as células nervosas eram elementos
isolados. Em 1891 Wilhelm von Waldeyer (1836-1921) cunhou o termo “neurônio”
para designar a unidade anatômica e funcional do sistema nervoso.(Consenza,
2002).
Finalmente veio a descoberta, por Charles Scott Sherrington (1857-1952), dos
espaços existentes nas junções entre células nervosas ou entre estas e as células
musculares. Sherrington chamou essas estruturas de “sinapses”.
aquela área era a responsável exclusiva da elaboração da linguagem. Essa idéia foi
a primeira comprovação científica de que tal mapeamento pudesse realmente existir.
7- Novos Paradigmas
Entender o que nos faz humanos recruta, há milênios, desde idéias místicas,
passando pelo conhecimento filosófico, e modernamente contando também com as
metodologias científicas. O avanço dessas pesquisas alimenta a visão que a
humanidade faz sobre a sua própria vida mental.
Ao propormos uma divisão didática das idéias no tempo, percebemos que é
possível agrupar a evolução do conceito sobre estrutura e funcionamento do sistema
nervoso. A história é sempre um recurso precioso para o estudo do movimento das
idéias. Olhando retroativamente, assistimos ao surgimento de uma determinada
proposição, medimos seu impacto imediato ou tardio, seu declínio, seu retorno em
outro tempo sob condições diferentes ou sua rejeição definitiva pela falta de
evidências. (Kristensen et al. 2001)
A mente é uma definição que tenta resgatar a essência do ser humano. A
essência de uma pessoa emerge da existência de funções mentais que nos
permitem pensar e perceber, amar e odiar, aprender e lembrar, resolver problemas,
comunicar, criar e destruir civilizações. Essas expressões são intrinsecamente
relacionadas ao funcionamento cerebral. Além disso, sem o cérebro, a mente não
pode existir; sem a manifestação do comportamento, a mente não pode ser
expressa.
A evolução humana é notável na medida em que foi marcada por vários
pontos de viragem cultural. Exemplos disso foram as peculiares descobertas do
fogo, do abrigo, das ferramentas, da linguagem, que exigia uma combinação de
fatores genéticos e mudanças culturais. Com o surgimento da consciência, incluindo
um sentido de si mesmo e uma sensação de continuidade com o passado e futuro, o
homem começou a olhar sobre seus próprios ombros e a questionar acerca das
suas próprias origens. Quem sou? De onde vim? Para onde vou?
As revoluções científicas transformam nossa visão de mundo. Ironicamente,
apesar do conhecimento detalhado de quase tudo no universo, em todas as escalas
imagináveis (o sistema solar, galáxias distantes, os buracos negros, os átomos,
moléculas, a teoria das cordas, DNA, hereditariedade, os mecanismos da vida etc.),
ainda não sabemos quase nada sobre o órgão que fez todas essas descobertas. O
conhecimento das funções do cérebro permanece tão primitivo como o nosso
conhecimento do resto do corpo humano um ou dois séculos atrás. Como podemos
AGRADECIMENTO:
Ao Prof. Dr. André Frazão Helene pela revisão do capítulo
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1
Carlos Eduardo Tolussi
ctolussi@gmail.com
2
Stefanny Christie Gomes Monteiro
stefannychristie@gmail.com
1
Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos
2
Laboratório de Comportamento e Fisiologiia Ambiental
com a fisiologia alterada destes processos, age de forma programada no ciclo de vida e não
simplesmente como resposta a mudança de algum ponto específico que poderia
comprometer a vida do animal. Ou seja, a homeostase é um conjunto de processos que
previne flutuações na fisiologia de um organismo (Baumann, 2000; McEwen e Wingfield,
2010).
Acreditava-se que a estabilidade interna dos organismos vivos era completamente
independente de fatores ambientais, mas pesquisadores dos ritmos circadianos procuravam
argumentar contra, relatando que não existe um “set point”, simplesmente porque o
organismo possui funcionalidade sujeita a mudanças constantes no seu comportamento em
função das suas relações com o meio ambiente e que constância não é fundamental para a
vida, mas sim a noção de que parâmetros variam e que isto antecipa a demanda requerida
pelo organismo como, por exemplo, as variações na temperatura corporal, pressão interna,
dentre outras (Ruoff e Rensing, 2004; Yang e Shieh, 2009).
Sterling (2004) utilizaram as variações na pressão arterial para tentar explicar como
isso acontece, por exemplo, na parte da manhã, após se levantar, a pressão arterial sobe
afim de manter o fluxo sanguíneo no cérebro devido ao ínicio de uma atividade, esse tipo de
alostase faz com que os níveis de oxigênio se mantenham constantes no cérebro. Outro
exemplo são as elevações de catecolaminas e glucocorticóides na corrente sanguínea
durante as atividades físicas afim de mobilizar e restabelecer a energia necessária para o
bom funcionamento do corpo, em geral mantendo o metabolismo e a temperatura corporal
ideais para o momento. Estes e outros modelos são demandas requeridas pelo organismos
em respostas aos eventos que ocorrem no ciclo de vida de cada animal e dependem de
condições ambientais e do contexto social a que eles estão inseridos (McEwen e Wingfield,
2003).
seja reduzida a um nível administrável, ou uma nova fonte de alimento surgir (McEwen e
Wingfield, 2003).
Demanda metabólica
Insulina Insulina
Glucagon Glucagon
Hormônios tireoidianos Catecolaminas
Peptídeos cerebrais Hormônios tireoidianos
Leptina Peptídeos cerebrais
Grelina Glicocorticóides
Glicocorticóides Hormônio do crescimento
Figura 1 - Respostas do metabolismo com ou sem disponibilidade de alimento a eventos previsíveis
e imprevisíveis durante o ciclo de vida dos animais. Modificado de McEwen and Wingfield (2003),
Wingfield (2004), Korte e col. (2005).
organismo, ou seja, mudança no set point, mas a capacidade de adaptação é o mesmo que
em condições normais (Koolhaas e col. 2011).
As condições ambientais que excedem a capacidade adaptativa resultam em falha nas
respostas fisiológicas. A distinção entre a faixa de regulação e a capacidade de adaptação
implica que um fator de estresse pode afetar tanto a capacidade adaptativa (fig. 2B), ou o
intervalo regulamentar (fig.2C). A redução da capacidade adaptativa como indicado na fig.
2B implica que as intensidades de estímulo que não foram inicialmente percebidos como
estressores e permitiram uma resposta fisiológica e comportamental normal (fig.2A) são
agora percebidas como incontroláveis (fig.2B). Alternativamente, uma mudança no intervalo
regulamentar, ou seja, no conjunto de respostas ao estímulo (fig. 2C) implica que as
condições que foram inicialmente percebidas como um fator de estresse são totalmente
controláveis e previsíveis (Mc Ewen e Wingfield, 2010).
Figura 3 - Alterações nos índices de batimento cardíaco e temperatura corporal de albatrozes nas
Ilhas Maldivas que podem indicar o momento do forrageio. Modificado de Bevan e cols (1995).
O estudo destes autores (Bevan e col.1995) implica na conservação desta espécie que
está ameaçada por duas situações imprevisíveis para o indivíduo: 1) há sobrepesca no local
diminuindo a oferta de alimento para estes animais, o que poderá gerar uma sobrecarga
alostática do tipo 1 assim que os estoques energéticos começaram a diminuir, caso estes
animais tenham que forragear em outro lugar ou por um tempo maior levará a uma demanda
energética excessiva, a qual não será suprida por alimento e isso pode ser enfrentado
como um fator estressante. 2) No momento do mergulho os animais correm o risco de
ficarem presos nas redes de pescas e morrerem afogados, neste caso nenhum fator
fisiológico pode ser capaz de reverter a situação.
2) Se a demanda de energia não for excedida e o organismo continuar a armazenar
energia a mais do que o necessário ocorrerá uma sobrecarga alostática do tipo 2, isso
pode ser resultado da escolha por uma dieta rica em gorduras ou um desequilíbrio
metabólico como um estado pré-diabético por exemplo (Mc Ewen e Wingfield, 2003).
No caso da obesidade, as células do tecido adiposo sintetizam uma proteína
chamada leptina, que é circulante no plasma. Esta proteína é sinalizadora do estado
lipolítico do organismo para o cérebro induzindo a lipólise e saciedade alimentar (Sandoval e
Davis, 2003) em repostas aos sinais hormonais. É certo que a alta concentração de leptina
causa diversas patogêneses devido ao desbalanço provocado no sistema de defesa
antioxidante do organismo, levando a alterações na produção de insulina e disfunção das
células β pancreáticas, pois estas células são sensíveis às espécies reativas de oxigênio
devido à baixa síntese de enzimas antioxidantes (Lenzen e col. 1996). Como mecanismos
de defesa, as células β pancreáticas diminuem a produção de insulina e consequentemente
o metabolismo de glicose. A falha deste mecanismo pode promover a diminuição de leptina
circulante a qual ficará deficiente em comunicação com o sistema nervoso central levando a
formação de outras patologias, principalmente de diabetes do tipo 2 (Brownlee, 2001).
Em ambientes em mudanças, os animais tem que otimizar a sobrevivência e, além
disso, o sucesso reprodutivo (Wingfield, 1983). No entanto, algumas mudanças nas
condições ambientais ocorrem rapidamente e não podem ser antecipadas e exigem ajustes
fisiológicos e comportamentais em um curto espaço de tempo. Tais mudanças imprevisíveis,
geralmente são respondidas pelo eixo hipotálamo-hipófise-adrenal através da liberação de
hormônios de respostas ao estresse (Wingfield e col., 1997), mecanismos estes que serão
um pouco mais discutidos no capítulo: Cortisol indica estresse ou só estressa?
Entender e prever como os organismos respondem às mudanças ambientais é um
desafio constante, devido às mudanças nos ecossistemas e a crescente ameaça da
atividade humana. Efeitos das perturbações antrópicas são amplos, e podem afetar todos os
níveis de organização biológica. Nos próximos capítulos serão discutidos alguns pontos
1- Introdução
mas o ciclo anual de deposição de gordura persiste (Barnes e Mrosovsky, 1974), fornecendo
um indício da robustez desta resposta sazonal. Desta maneira, estes ciclos parecem ser
rigidamente controlados, provavelmente por um mecanismo central, que deve utilizar-se de
um sinal proveniente do tecido adiposo branco que informa a quantidade total de reservas e,
desta forma, possibilita o ajuste da adiposidade do animal ao momento de seu ciclo anual de
atividades.
Nos animais que apresentam dormência sazonal, os eventos de
deposição/mobilização de lipídios, que resultam em aumento/diminuição da massa adiposa,
da taxa metabólica basal (TMB) e da ingestão de alimentos estão ligeiramente
dessincronizados. A diminuição da ingestão de alimentos ocorre bem antes que a massa
corpórea atinja seu máximo. E uma diminuição da TMB já no meio do verão, antes que a
ingestão de alimentos diminua, possibilita um aumento da massa corpórea dado pelo
acúmulo de gordura. A massa corpórea máxima é atingida no final do verão ou início do
outono, quando a secreção de insulina (hormônio lipogênico) também é máxima e os níveis
de absorção de glicose são mínimos, indicando uma possível insensibilidade à insulina nos
adipócitos (Dark, 2005). Tais fenômenos são bem caracterizados em mamíferos, mas ciclos
semelhantes de deposição/mobilização de lipídios ocorrem em ectotermos (Souza e col.,
2004).
Quando o nível de adiposidade adequado é atingido e o animal está pronto para
iniciar a fase de hibernação ele progressivamente diminui a atividade e procura um abrigo,
onde permanecerá até a primavera. A hibernação em mamíferos consiste em uma
sequência de fases de torpor, com duração entre uma a três semanas, interrompidas por
episódios de despertar com duração de menos de 24 h, quando os animais acordam,
elevam a temperatura corpórea e restabelecem todas as funções fisiológicas (Fig. 2). Este
padrão consome substancialmente mais energia comparativamente ao padrão contínuo de
dormência, sem episódios de despertar, como apresentado por muitos anfíbios e répteis
incluindo o lagarto teiú. A importância fisiológica dos episódios de despertar ainda não é
conhecida, mas sugere-se que tenham um papel no reconhecimento de patógenos e
iniciação de resposta imune, além de reposição de mRNAs e proteínas degradados durante
o hipometabolismo (Prendergast e col., 2002; Knight e col., 2000). Nos mamíferos, a entrada
em hibernação é caracterizada por uma redução em uníssono das frequências cardíaca e
ventilatória e da taxa metabólica que, associada a ajustes hipotalâmicos, contribui para uma
acentuada diminuição da temperatura corpórea. Durante as fases de torpor, a temperatura
corpórea destes animais é regulada num novo patamar, que se situa 2 a 3ºC acima da
temperatura do abrigo, e pode chegar a valores tão baixos quanto 0ºC, de modo que a
contribuição do efeito termodinâmico para a redução do metabolismo parece ser
predominante (Heldmaier e col., 2004; Storey e Storey, 2004). Em contraste com
Figura 2– Registro contínuo da taxa metabólica (TM) e da temperatura corpórea (Tc) na marmota
(Marmota marmota), evidenciando o hipometabolismo e hipotermia durante a entrada em hibernação
(1), a manutenção do hipometabolismo durante a hibernação (2), o rápido reaquecimento durante o
despertar (3), e a eutermia (4). A ventilação é reduzida em uníssono com a queda da taxa metabólica
e assume um padrão episódico, com ventilações seguidas por períodos de apnéia que podem durar
de alguns minutos a uma hora ou mais (à direita). Ta representa temperatura ambiente. Modificado de
Heldmaier e col., (2004).
a FC correlaciona positivamente com a temperatura e pode alcançar 100 bpm (Abe, 1983;
Galli e col., 2006). Já outros processos fisiológicos, como a alimentação e a digestão, são
totalmente interrompidos.
A natureza homeostática das funções nos organismos se expressa na habilidade de
exibir mudanças em resposta a variações de demanda. O tamanho da maioria dos órgãos,
por exemplo, não é fixo e pode mudar em resposta à demanda (Hulbert e Else, 2005).
Animais que apresentam dormência sazonal apresentam acentuada atrofia do intestino na
fase em que a alimentação é interrompida, embora a capacidade funcional do órgão seja
preservada, garantindo que o animal esteja apto a digerir e absorver nutrientes após o
despertar (Nascimento, 2009; Pennisi, 2005). Essa atrofia contribui significativamente para a
economia energética do animal na fase dormente, dado que o custo de manutenção do
tecido intestinal é alto e atinge 20-30% do metabolismo basal em mamíferos (Tracy e
Diamond, 2005). Em anfíbios e répteis a alimentação impõe um aumento de demanda ao
trato gastrointestinal e ao sistema cardiorrespiratório simultaneamente, associado com um
aumento da taxa de consumo de O2 para níveis próximos ou superiores aos alcançados
durante exercício físico máximo (Wang e col., 2005). Assim, a interrupção da alimentação
associada à inatividade física e à acentuada redução da FC, características da depressão
metabólica, contribuem para uma redução pronunciada da demanda sobre a função
cardíaca o que poderia resultar em atrofia do coração (Perhonen e col., 2001).
Em adição ao efeito da inatividade, quando submetidos ao jejum prolongado os
animais frequentemente mobilizam aminoácidos de órgãos musculares, substratos utilizados
na gliconeogênese e na reposição de intermediários do ciclo do ácido cítrico, e podem sofrer
atrofia cardíaca (Castelini e Rea, 1992). No entanto, no esquilo Spermophilus lateralis, no
lagarto Liolaemus nigroviridis e no lagarto teiú ocorre um efeito inverso de aumento da
massa ventricular relativa durante a dormência sazonal, isto é, da massa ventricular
expressa como uma porcentagem da massa corpórea, em contraste com a atrofia de
músculos esqueléticos e de órgãos relacionados à alimentação (Naya e col., 2009; Silveira,
2010; Wickler e col., 1991). Esses dados evidenciam a priorização da manutenção da
função cardíaca durante a dormência sazonal, porém, a natureza dessa hipertrofia não é
clara. No esquilo Citellus lateralis, há um aumento do número de gotículas de lipídios
associadas às mitocôndrias, substrato provavelmente mobilizado durante os episódios de
despertar (Burlington e col., 1972), sugerindo que a hipertrofia cardíaca pode estar
relacionada a um aumento do volume dos cardiomiócitos (hipertrofia), devido ao aumento do
conteúdo de substratos como lipídios e glicogênio. Já no lagarto teiú, o aumento da massa
ventricular relativa parece ocorrer devido a um aumento do órgão como um todo, com a
manutenção da proporção de componentes macromoleculares, e está associada a uma
notável mudança da morfologia do músculo cardíaco (Silveira, 2010). Por outro lado, o
impacto do jejum associado à dormência sazonal e do jejum por restrição alimentar na fase
ativa sobre a massa cardíaca parece ser distinto, uma vez que nesta última condição há
uma tendência à redução da massa ventricular dos jovens teiús, evidenciando a importância
da fase de antecipação e armazenamento de substratos.
2.2- Migração
A migração é um fenômeno biológico que têm fascinado cientistas por séculos. Com
base na variedade de organismos que podem ser considerados migradores e na diversidade
de modos de migração, Dingle (1996) propôs cinco características que definem o
comportamento de migração: (1) movimentos persistentes e de longa duração entre
habitats; (2) movimento direto e sem retornos; (3) inibição de respostas a estímulos que
interrompem o movimento migratório (alimento, por exemplo) e subsequente reativação da
resposta; (4) padrões de atividade característicos antes da partida e após a chegada, como
a hiperfagia que antecede migração; (5) padrões específicos de alocação de substratos que
fornecem a energia necessária para a migração, como o armazenamento de grande
quantidade de lipídios por aves. O organismo que migra pode apresentar todas estas
características ou somente algumas; a distância da migração pode ser de milhares de
quilômetros ou somente de alguns metros e a migração pode ocorrer sazonalmente ou não.
Neste texto, serão abordados alguns aspectos da migração sazonal em aves, tomando
como animal-modelo o maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus).
2.2.1- Maçarico-de-papo-vermelho
Os maçaricos-de-papo-vermelho (Calidris
canutus, Fig. 3) são aves da ordem Charadriiforme
e da família Scolopacidae, que são encontradas em
diversas regiões do planeta. Cada uma das seis
subespécies conhecidas se reproduz em uma
determinada região ártica durante o verão e, após a
estação reprodutiva e tão logo os filhotes aprendem
a voar, migra para o sul, retornando para a região
costeira de origem. Apesar de todas se Figura 3 - Calidris canutus rufa
reproduzirem no ártico, as subespécies raramente fotografado na costa do Rio Grande do
Sul. Fonte:
se encontram e todas compartilham um ancestral http://www.flickr.com/photos/cdtimm/45
64657088/in/photostream/
comum recente de cerca de 20.000 anos, de modo
que há pouca variação genética entre elas (Piersma e col., 2005). Os maçaricos chegam à
tundra do ártico antes ou tão logo a neve começa a derreter. No Canadá e na Groenlândia
os primeiros maçaricos chegam nos últimos dias de Maio, mas na Sibéria o gelo não derrete
até meados de Junho e, portanto, os maçaricos chegam depois. Mesmo no verão, as
condições ambientais destes locais de nidificação são bastante extremas. A vegetação é
esparsa e a temperatura baixa, sobretudo considerando que algumas destas subespécies
passam a maior parte do ano em regiões próximas aos trópicos (subespécies canutus e
piersmai, por exemplo)3. Após uma ou duas semanas de formação dos pares e
estabelecimento do território e três semanas de incubação (compartilhada entre os pais), as
fêmeas partem para o sul assim que os ovos eclodem e deixam os machos, que cuidam dos
filhotes. Elas são seguidas pelos machos e pelos filhotes quase quatro semanas depois.
Nesta época, final de julho ou início de agosto, a abundância de artrópodes começa a
diminuir e a probabilidade de neve aumenta. Os maçaricos migram em grupos de 10 a 100
indivíduos, geralmente partindo para a migração de longa distância no final da tarde ou
início da noite. As partidas para as áreas de nidificação e de invernagem tendem a ser
altamente sincronizadas entre os indivíduos da população (Piersma e col., 2005).
Na tundra do ártico, os maçaricos se alimentam principalmente capturando aranhas
e artrópodes na superfície. Já nas regiões costeiras nas quais passam o inverno, eles se
alimentam de bivalves, gastrópodes e às vezes pequenos crustáceos que ficam enterrados
na lama e que são identificados com o auxílio de um órgão especializado (corpúsculo de
Herbest) que se localiza na ponta do bico e detecta gradientes de pressão (Piersma, 2002).
Esta especialização para o forrageamento nas regiões costeiras poderia explicar a escolha
destes habitats fora da estação reprodutiva. No entanto, isto não explica o porquê da
necessidade de migração para o ártico na estação reprodutiva. Uma das hipóteses
sugeridas por Piersma (2002) é a de que o sistema imune dos pássaros que se reproduzem
no ártico possui uma capacidade reduzida e que por isso a reprodução nas regiões árticas,
áreas relativamente livre de parasitas, foi favorecida.
Na Fig. 4 estão representadas as rotas de migração para as áreas de reprodução do
norte de cada uma das seis subespécies. A subespécie Calidris canutus rufa, por exemplo,
migra da Patagônia no hemisfério sul até a região ártica canadense parando na costa do Rio
Grande do Sul, uma área de condicionamento (‘stopover’) onde ocorre uma muda e acúmulo
de reservas energéticas suficientes para a migração até a próxima área de condicionamento
no Maranhão. Ao todo, esta ave migra 15.000 Km entre as áreas de invernagem e de
nidificação, o que representa 30.000 Km de vôo migratório por ano. A distância entre as
áreas de condicionamento frequentemente excede 1.000 Km e em alguns casos 6.000 Km
3
Por que então viajar tanto para nidificar no ártico?
(Piersma e col., 2005). Para realizarem estes vôos as aves precisam armazenar
quantidades consideráveis de substratos, que em sua maior parte consiste de lipídio. Sabe-
se hoje, no entanto, que as variações de massa corpórea observada nas aves migratórias
Figura 4 – Resumo esquemático dos vôos de longa distância para seis sub-espécies de
Maçaricos-de-papo-vermelho durante a migração para o norte. Áreas de invernagem (blocos
vazios espessos), áreas de condicionamento (blocos vazios finos) e áreas de nidificação
(blocos pretos) são dados em relação à latitude; distâncias do vôo são dadas pelas flechas e
em kilômetros (modificada de Piersma e col 2005.)
não ocorrem somente devido a variações da quantidade de lipídio armazenado, mas que
órgãos musculares também sofrem variações de massa consideráveis (Piersma e col.,
1999). Para analisar estas variações, vamos nos concentrar na subespécie islandica, mas é
importante lembrar que diversos ajustes descritos já foram documentados para outras
subespécies bem como outras espécies de aves migratórias.
A subespécie islandica inverna na costa noroeste européia e nidifica na Groelândia
ou na região nordeste do Canadá, passando por uma área de condicionamento na Islândia.
Os animais chegam à Islândia em maio, primavera no hemisfério norte, após um vôo sem
escalas de aproximadamente 1850 Km e permanecem cerca de 3-4 semanas se alimentado
durante dia e noite antes de continuarem a migração para as áreas de nidificação, quando
voam adicionais 2830 Km sem paradas. De julho até setembro os pássaros passam
novamente pela Islândia na sua viagem de volta à costa européia, desta vez acompanhados
dos jovens maçaricos (Piersma e col., 2005).
A Fig. 5 mostra 3 maçaricos, nos quais foi feita uma incisão longitudinal ventral e cuja
pele foi rebatida para as laterais. Da esquerda para a direita, encontra-se um animal
capturado logo após a chegada à Islândia (dia 3), 17 dias depois, e no auge da partida das
aves para a área de nidificação (dia 27), observando-se claramente o aumento da
espessura da camada de tecido adiposo subcutâneo bem como do volume dos órgãos
internos durante a fase de reabastecimento. Nesta fase, a massa corpórea média aumenta
cerca de 50% e o armazenamento de lipídios contribui para 78% deste aumento. Esta
variação, no entanto, ocorreu de modo não linear ao longo da fase de reabastecimento, com
uma menor taxa de ganho de massa corpórea na primeira semana e na última, antes da
partida para a área de nidificação. Durante a primeira semana na área de reabastecimento
praticamente não ocorre deposição de lipídios. Ao longo dos 10 dias seguintes há deposição
de, em média, 3,5g de lipídio por dia e na última semana 2,8g de lipídio por dia (Piersma e
col., 1999).
O restante do aumento da massa corpórea deve-se à variação da massa de outros
órgãos. O estômago, o intestino e o fígado sofrem atrofia uma semana antes da partida para
o ártico, mesmo com os animais se alimentando ativamente, durante dia e noite. O mesmo
ocorre com os músculos das patas. Já em órgãos relacionados ao vôo, como o coração e o
músculo peitoral, ocorre hipertrofia na semana que antecede o vôo migratório. A atrofia dos
órgãos envolvidos na alimentação dias antes da partida favorece a economia energética ao
reduzir o custo de manutenção destes órgãos, que é alto, e ao reduzir o custo de transporte
de órgãos que estariam não funcionais ao longo da jornada de migração. Adicionalmente,
uma vez que o estômago dos maçaricos é um órgão especializado para quebrar as conchas
de moluscos e gastrópodes, dos quais ele se alimenta nas regiões costeiras, e que no ártico
sua dieta consistirá predominantemente de artrópodes, este ajuste pode ter caráter
antecipatório, dado que na nova dieta um estômago com tais características não será
necessário. Além disso, os maçaricos retardam a hipertrofia do coração e do músculo
peitoral até o momento que antecede o início do vôo migratório, tornando a economia
energética ainda maior (Piersma e Lindström, 1997; Piersma e col., 1999).
O tamanho dos órgãos pode ser modificado por mecanismos ativos (neurais e
hormonais) ou passivos (mudanças da demanda imposta sobre eles). Os exemplos acima
sugerem que a regulação interna, através de mecanismos neurais e hormonais,
desempenha um importante papel nestes ajustes em aves migratórias. Mais que isso, a
hipertrofia do músculo peitoral observada em C. canutus mantidos em cativeiro, sob
fotoperíodo constante, sugere o envolvimento de um temporizador circanual endógeno na
regulação da variação de massa deste músculo (Dietz, e col., 1999). Além disso, os padrões
de variação da massa corpórea e plumagem apresentado por estes animais assemelham-se
aos apresentados por animais em seu ambiente natural. Por outro lado, as variações de
Além dos exemplos vistos na sessão anterior, todos os organismos são capazes de
perceber sinais ambientais que têm o potencial de deflagrar ajustes antecipatórios, os quais
permitem a sincronização entre os eventos do ciclo de vida e as condições ambientais. No
entanto, sobrepostos a este ciclo de vida previsível estão os eventos imprevisíveis e
causadores de estresse para os animais, como tempestades, secas, fogo, escassez de
alimento e a interferência humana, e uma vez que estes eventos não podem ser previstos,
ou com suficiente antecedência, os ajustes fisiológicos ocorrem durante e após o estresse
(Wingfield e col., 2011).
A disponibilidade de alimento é uma das variáveis ambientais mais críticas e sujeita
a flutuações imprevisíveis. Muitos répteis de regiões tropicais e subtropicais, principalmente
cobras como boas e pítons, passam por fases de jejum que podem durar vários meses e
não possuem um padrão sazonal de ocorrência. Este fenômeno será analisado na cobra
píton, um dos exemplos de jejum mais notável e melhor estudado.
A píton Python molurus é uma cobra constritora, que pode alcançar um comprimento
de 6,5 m e exceder 100 Kg (Fig. 6, Secor e Diamond, 1998). Estes répteis geralmente
passam por fases de jejum que duram vários meses, mas podem permanecer sem se
alimentar por mais de 1 ano. As longas fases de jejum se devem, em grande parte, ao fato
4
Répteis de alimentação frequente não apresentam inibição metabólica e atrofia de órgãos significativos entre as
refeições Você consegue explicar por quê?
Agradecimentos
Agradeço à Profa. Dra. Silvia Cristina Ribeiro de Souza pelas sugestões e pela
revisão do texto.
cerebral tem uma alta taxa metabólica e alta necessidade da manutenção do meio
intracelular 2- geralmente o cérebro está confinado dentro de uma caixa craniana, sendo
esta na maioria das vezes pouco expansível. Com a ruptura da homeostase do meio interno,
as células tendem a edemaciar, e quando este processo ocorre dentro de uma caixa
fechada (caixa craniana) a pressão interna sobe cada vez mais até um ponto em que o
próprio edema cerebral impede a circulação sanguínea no órgão, impedindo assim, que este
cérebro volte ao seu estado normal ainda que o aporte de oxigênio seja restituído.
Existe uma variação grande entre as diferentes espécies no tempo necessário para um
edema cerebral se desenvolver até o ponto aonde a pressão intracraniana torna o quadro
irreversível, e esta diferença basicamente está relacionada com a taxa metabólica do animal
e com o tamanho de sua caixa craniana. A maioria dos ectotérmicos, por exemplo, é capaz
de se recuperar sem grandes sequelas de quadros anóxicos moderados, devido as suas
taxas metabólicas mais baixas e alguma “margem de segurança” craniana que permite que
o cérebro edemacie um pouco sem o aumento da pressão craniana. Todavia a maioria dos
mamíferos e aves são extremamente suscetíveis a estes eventos e tempos de anóxia
cerebral superiores a 3 minutos já são considerados irreversíveis para vários mamíferos.
Outro set point celular problemático recentemente avaliado durante estados
hipóxicos/anóxicos é o comprometimento mitocondrial devido ao não bombeamento do íon
H+ para fora da mitocôndria (devido a falta de ATP), com isso a membrana mitocondrial
despolariza e sinais apoptóticos são lançados no meio intracelular programando a morte
celular, e novamente, ainda que seja restituído o aporte de oxigênio para estas células, após
a liberação destes fatores apoptóticos, a mesma seguirá irreversivelmente para necrose e
morte.
Tendo em vista a importância do suprimento constante de oxigênio na vida dos
vertebrados é intrigante imaginar como certos peixes habitam lagos altamente hipóxicos,
como certos mamíferos são capazes de mergulhar por longos períodos, como certas aves
são capazes de sobrevoar alturas superiores as do Everest aonde o ar rarefeito deveria
comprometer o suprimento adequado de oxigênio para os tecidos, etc. Nas próximas
páginas veremos alguns exemplos de como os vertebrados se munem de uma série de
artifícios fisiológicos e comportamentais para prosperar em condições extremas. Todavia,
antes, faz-se necessária uma pequena revisão do processo e estruturas envolvidas na
respiração.
Para que o oxigênio chegue a célula nos vertebrados ele tem basicamente que passar
pelas seguintes rotas: 1) sair do meio em que está diluído (seja ar ou água), atravessar a
barreira do órgão respiratório (seja ele pulmão, brânquia ou outros), ser transportado pela
corrente sanguínea (seja através de proteína transportadora ou não) e entrar no tecido.
O que basicamente rege este circuito é o processo de difusão. Definimos como difusão
o processo aonde algo (através do movimento de massas) difunde-se, ou seja, “caminha” do
local de maior pressão para o local de menor pressão. Assim, o oxigênio vindo do ar
atmosférico difunde-se para o ambiente de menor pressão (no caso o interior do órgão
respiratório), que então se difundirá para a corrente sanguínea (aonde esta pressão é ainda
mais baixa) e após ter sido transportado até o tecido alvo se difundirá para este último. O
gás carbônico por sua vez segue, na maioria dos animais, segue a rota contrária, partindo
do tecido até o meio externo pelas mesmas regras difusionais.
Todavia é de suma importância caracterizarmos aqui oque afeta a velocidade
difusional, afinal de contas não importa única exclusivamente que a difusão ocorra, ela tem
de ocorrer em taxas certas para que a vida seja possível de ser mantida, assim sendo, a
difusão do oxigênio deve suprir as necessidades metabólicas dos animais. Para vermos
como alguns parâmetros afetam a difusão vamos elaborar o seguinte cenário (Figura 1):
Vamos imaginar um ambiente separado por uma membrana permeável. Determinado
gás é colocado de um lado deste ambiente e aos poucos a partícula deste gás vão
atravessando esta membrana até que a pressão em ambos os lados do ambiente se iguale.
Pensando desta maneira quanto mais partículas de gás estiverem de um lado mais
rapidamente as partículas atravessarão para o outro lado da membrana, em outras palavras,
quanto maior for a diferença de pressão dos gases Δ (pressão 1- pressão 2) maior será a
velocidade de difusão.
Nesta mesma situação, analisando a membrana, caso aumentemos a área desta,
maior será a área de passagem para partículas. Caso a área seja pequena poucas
partículas passarão por unidade de tempo, todavia se esta área for maior as partículas
migraram entre os dois lados do ambiente mais rapidamente, com isso temos que a área da
membrana aonde a troca ocorrerá é proporcional a velocidade em que a difusão ocorrerá.
Ainda olhando para a membrana perceberemos que ela tem uma espessura e quanto maior
for esta espessura mais tempo as partículas levarão para atravessá-la, e assim podemos
dizer que a distância a ser percorrida dentro da membrana é inversamente proporcional a
velocidade difusional, além disso, a velocidade com que as partículas atravessam esta
membrana também é dependente do quão permeável esta é, e chamaremos esta
propriedade da membrana de coeficiente de difusão K, sendo que quanto maior for este
coeficiente de difusão maior será a velocidade com que a difusão ocorrerá, logo, K é
proporcional a velocidade de difusão. E deste modo obtemos a lei de Fick que estabelece
que a velocidade de transferência de um gás através de uma membrana permeável a este
gás é diretamente proporcional a área desta membrana, ao gradiente de pressão parcial
Figura 1- Representação gráfica da lei de Fick, aonde Vgás é a velocidade de difusão, A é a área da
membrana, Δ(P1-P2) é o gradiente de pressão do gás, K é a constante de difusão e T é a espessura
da membrana. (Modificado de http://www.unifesp.br/dcir/anestesia/fisio_resp.pdf)
A respiração dos vertebrados dentro da água é feita basicamente por brânquias (ainda
que existam algumas exceções como trocas gasosas pela pele e mucosas), por outro lado a
respiração fora da água é basicamente feita por pulmões (ainda que também existam
exceções).
Denominamos brânquias os órgãos respiratórios evaginados (voltados para fora) e de
pulmões os órgãos respiratórios invaginados (voltados para dentro) e apesar das diferenças
do processo respiratório dentro e fora da água, ambos funcionam basicamente como uma
grande área altamente vascularizada e cuja barreira para o meio externo é relativamente
fina permitindo assim o processo de difusão dos gases.
As brânquias são constituídas por oito arcos branquiais (elasmobrânquios e
teleósteos) a partir dos quais se projetam as lamelas branquiais. De cada lamela por sua
vez partem pequenas novas projeções lamelares (as lamelas secundárias). Através deste
arranjo, com uma grane área de superfície, a água é impulsionada e ocorrem as trocas
gasosas (Figura 4).
Figura 4 - Representação diagramática brânquia, formada pelos filamentos adjacentes através dos
quais a água flui da cavidade oral em direção ao opérculo. (B) Peça anatômica de corrosão de um
peixe gato (Claria batrachus) o arranjo paralelo das lamelas secundárias, resultando num discreto
canal intralamelar (IL) por onde a água flui, (CV= veia colateral) (Modificado a partir de Olson 2002 e
Nilsson, 2010).
Esta área de superfície varia conforme a espécie em questão sendo que espécies
mais ativas apresentam áreas branquiais maiores, enquanto animais bentônicos e pouco
ativos tendem a apresentar uma área de superfície branquial relativamente menor. A esta
altura talvez nos perguntemos o porque de todos os peixes não apresentarem as maiores
brânquias possíveis mesmo que não possuam hábitos ativos, a resposta para esta pergunta
é multifatorial, mas basicamente envolve o fato da brânquia servir de porta de entrada para
uma série de patógenos, assim, quanto maior a brânquia maior a área exposta, e
principalmente devido ao compromisso osmótico destes animais já que a brânquia devido a
sua alta permeabilidade permite a passagem de diversos íons e afeta a osmoregulação dos
animais, sendo assim animais que possuem grandes áreas branquiais, também possuem
A difusão dos gases da brânquia para o sangue pode ser modulada pela circulação
local, e dependendo da situação os animais podem modular o volume sanguíneo que
percorre as brânquias em determinado tempo através principalmente do aumento de
freqüência cardíaca, aumento da perfusão de determinadas porções branquiais e até
mesmo recrutamento de novas lamelas para a respiração, suprindo assim aumentos de
demanda e compensando menores concentrações de oxigênio no ambiente.
Os peixes possuem uma particularidade na circulação branquial que os permite
maximizar as trocas gasosas o mecanismo de troca em contracorrente (Figura 6).
Basicamente oque ocorre no mecanismo de contra corrente é que a direção dos fluxos
sanguíneos e de água dentro da lamela secundária são opostos, o que permite com que o
sangue consiga atingir uma maior concentração de oxigênio já que a diferença de pressão
(ou diferença de concentração) é mantida ao longo de toda a área de contato.
Respiração no ar:
Mergulhos:
Um dos maiores desafios dos vertebrados com relação a demanda de oxigênio ocorre
durante mergulhos, ainda assim uma séries de mamíferos, aves e répteis são capazes de
efetuá-los. O mergulho em si impede que os animais realizem captação extra de oxigênio,
assim sendo, os animais pulmonados(ao menos aves e mamíferos), são incapazes de
qualquer outro tipo efetivo de troca gasosa durante o mergulho. Focas e Elefantes marinhos
são capazes de mergulhos prolongados que excedem uma hora, todavia, quando
analisamos a capacidade pulmonar destes animais as diferenças obtidas não são totalmente
condizentes com o tempo gasto no mergulho, então como estes animais conseguem passar
tanto tempo debaixo da água?
Algumas diferenças hematológicas parecem influenciar fortemente a capacidade de
mergulho de certos focideos de mergulhos profundos (p.ex focas de Wendell), sendo que
em sua maioria, os focideos capazes de longos mergulhos apresentam uma quantidade de
glóbulos vermelhos e taxas de hemoglobina elevadas quando comparados aos animais
terrestres. Todavia este aumento do hematócrito vem de encontro a uma complicação, pois
quanto maior o hematócrito, maior é a viscosidade do sangue e maior é a dificuldade para
este fluir pelo sistema. Neste contexto, entra a grande importância do baço nestes animais.
Que atua como órgão seqüestrador de hemácias enquanto o animal está na superfície,
todavia, durante o mergulho esta grande quantidade de células vermelhas é mobilizada para
a circulação do animal, permitindo uma oxigenação tecidual mais eficiente.
A alta concentração de mioglobina também parece ser uma característica comum nos
animais de mergulho longo, sendo está especialmente concentrada no tecido cardíaco e
muscular destes animais. A alta concentração de mioglobina aumenta a capacidade do
tecido em reter o oxigênio, mantendo assim por certo tempo a sua disponibilidade ao tecido
muscular durante o mergulho, ainda que a circulação local diminua substancialmente (ver
adiante)
Diferentemente do que se possa imaginar animais de mergulhos prolongados, no
geral, não possuem volumes pulmonares relativamente maiores e/ou uma maior afinidade
em sua hemoglobina do que os animais terrestres, e além disso estes animais geralmente
exalam o ar dos pulmões antes do mergulho, evitando assim doença descompressiva. Por
outro lado animais de mergulhos mais curtos e rasos parecem ter pulmões relativamente
maiores e utilizam a máxima tomada de oxigênio antes de cada mergulho.
Os mergulhos de longa duração estão associados a uma série de alterações de
estados fisiológicos dos animais. Quando uma foca faz um mergulho de longa duração,
quase que imediatamente acontece uma resposta bradicardica, um redirecionamento do
fluxo sanguíneo e uma diminuição expressiva da taxa metabólica. O fluxo sanguíneo passa
a ser quase que totalmente direcionado a órgãos vitais como cérebro e coração, enquanto o
fluxo para outros como: fígado, rins, intestinos e musculatura esquelética é praticamente
interrompido. A interrupção do fluxo de sangue para a musculatura esquelética pode parecer
a princípio incoerente com a atividade que está sendo realizada, todavia devido a baixa
metabólica, grande parte da atividade muscular pode ser sustentada através das grandes
quantidades de mioglobina contidas no músculo, fosfocreatina, e através do metabolismo
anaeróbico local.
O hipometamobolismo durante o mergulho está também associado a uma diminuição
de temperatura interna destes animais, inclusive a temperatura cerebral. Viu-se para
taxa respiratória parece ser uma das primeiras saídas fisiológicas para se manter a
normoxemia, e de fato, parece ser importante tanto nestes animais quanto naqueles
expostos agudamente a altitudes extremas. Entre os mamíferos não humanos sabe-se hoje
em dia, que a maior adaptação para a vida em altitude vem da capacidade de transportar O2
no sangue e a afinidade da hemoglobina, que é muito maior nestes animais, assim sendo
eles são capazes de saturar o sangue de oxigênio sobre pressões de oxigênio menores.
Por outro lado, diferentemente dos mamíferos e ectotérmicos, a maioria das aves
parece já ser bem adaptada a vida em ambientes de ar rarefeito, sendo que mesmo
espécies que sabidamente não sobrevoam grandes altitudes são relativamente mais
tolerantes a ambientes de ar rarefeito do que os mamíferos.
Um dos motivos desta grande diferença é exatamente a capacidade de extração de
oxigênio no ambiente rarefeito. Os pulmões das aves seguem um modelo diferenciado que
as permite uma grande troca gasosa, veja a seguir:
O sistema respiratório das aves é uma das chaves para a compreensão do porque que
quando levamos um camundongo e um pardal de mesma massa e taxas metabólicas muito
próximas a uma altura de 6000m por exemplo, o primeiro mal consegue rastejar enquanto o
outro é capaz de continuar voando.
O fato acima se dá principalmente por conta da eficiência do sistema respiratório das
aves que é superior a dos mamíferos, esta superioridade advém de dois pontos principais:
1-fluxo unidirecional de ar, ou seja, nas aves diferentemente dos mamíferos todo ar inalado
passa através dos pulmões. 2- As aves apresentam um sistema de corrente cruzada na
interface sangue-ar, que de forma parecida com o que ocorre nos peixes maximiza as trocas
gasosas.
Os pulmões das aves são relativamente pequenos e sua unidade funcional são os
parabrônquios, diferentemente dos alvéolos, o ar passa diretamente através dos
parabrônquios e é durante esta passagem que os gases são trocados. Como dito
anteriormente, um arranjo vascular denominado de corrente cruzada, parecido com o
mecanismo de contra-corrente das brânquias está presente neste pulmão, oque aumenta o
potencial de troca gasosa deste pulmão.
O sistema respiratório das aves também é constituído por sacos aéreos, sendo que
estes se expandem dos pulmões e dos brônquios e apesar de não realizarem a troca
gasosa em si funcionam como foles direcionando o ar no sistema respiratório e permitindo o
sistema unidirecional (Figura 8).
Figura 8 - Diagrama representando a anatomia do sistema respiratório das aves. Note a presença
dos sacos aéreos tanto caudais como craniais ao pulmão. (Modificado de Schimidt-Nielssen, 2010).
O aumento da capacidade difusional por outro lado, ocorre por conta de uma
membrana relativamente mais delgada do que as membranas parabrônquiais das demais
aves, assim como vimos pela lei de Fick no início do texto, uma membrana mais delgada
significa que a distância difusional a ser percorrida é menor, e como a distância difusional
(espessura da membrana) é inversamente proporcional a velocidade de difusão de um gás,
esta característica também confere uma significativa vantagem para os animais que
sobrevoam altitudes extremas.
1- Introdução
Os seres vivos não são sistemas hermeticamente fechados, ao contrário, estão
abertos e realizam trocas (ganhos e perdas) obrigatórias e reguladas de material (água,
solutos, energia, etc.) com o ambiente externo. O ambiente interno de um animal metazoário
corresponde a um compartimento contendo uma solução aquosa cuja composição química e
as concentrações de moléculas orgânicas e de íons tendem a ser reguladas, assim como de
outros parâmetros biológicos (temperatura, pressão parcial dos gases, pH, etc.). Nesse
ambiente interno identificamos mais dois subcompartimentos: o intracelular e o extracelular.
O compartimento intracelular refere-se à totalidade do volume interno da célula e o
extracelular, ao volume externo. O volume extracelular, por sua vez, é dividido em volume
intersticial e volume plasmático.
No século XIX, os conhecimentos sobre fisiologia começaram a se acumular
rapidamente, incluindo a formulação do conceito de milieu interieur (meio interno) por
Claude Bernard (1818-1878), em 1872. Ele postulou que os organismos vivos preservam as
condições do ambiente interno, apesar de mudanças no ambiente externo (Moyes e Schulte,
2010). Este conceito da habilidade de manter um ambiente interno constante foi melhor
trabalhado em 1929 por Walter B. Cannon (1871-1945), que estendeu o conceito de Bernard
para o nível de célula, tecidos e órgãos, cunhando o termo Homeostase (Withers, 1992)
(Fig.1).
Figura 1- Sistemas regulatórios mantém uma pequena flutuação do meio interno apesar de uma
grande variação de qualquer parâmetro ambiental do meio externo (Modificado de Randall e
col.,1997).
Não podemos, porém, confundir constância de um determinado parâmetro,
homeostase e regulação. Muitas vezes um parâmetro fisiológico interno pode ser constante
sem apresentar qualquer tipo de sistema de regulação. Por exemplo, alguns peixes que
vivem nas águas frias da região antártica, apresentam uma temperatura corpórea que varia
menos de 1°C no decorrer do ano. Isso significa uma constância maior do que a observada
no corpo humano no decorrer de um dia, porém, essa manutenção é apenas um reflexo do
ambiente onde esse peixe vive, que apresenta uma temperatura extremamente constante.
Além disso, apresentar um sistema de regulação não implica em absoluta homeostase
(Withers, 1992) (Fig.2).
independentemente das alterações do meio externo (Fig.2). Por outro lado, animais
considerados conformadores são aqueles incapazes manter a homeostase do meio interno
de parâmetros como osmolaridade, oxigenação de tecidos, etc. (Fig.2) (Randall e col.,1997).
Estes últimos costumam apresentar, por sua vez, uma zona maior de tolerância, dentro da
qual o indivíduo consegue sobreviver normalmente, localizada entre as duas zonas de
resistência, onde os valores para os parâmetros excedem ou ficam aquém dos ideais,
comprometendo o tempo de sobrevivência do indivíduo (Fig.3), representando as situações
mais extremas dentro das condições ambientais naturais.
disponível nesses dois ambientes, sua concentração, de uma maneira generalizada, é cerca
de 30 vezes mais alta na atmosfera quando comparada um ambiente aquático; ou ainda a
temperatura, cuja variação costuma ser muito menor em um ambiente aquático que em um
ambiente terrestre. Porém, neste capitulo, a atenção estará voltada aos desafios hídricos
impostos por esses diferentes ambientes, uma vez que a manutenção de um volume e uma
concentração osmótica dos fluidos corpóreos relativamente constantes é fundamental para a
manutenção da homeostase.
Ainda comparando ambientes terrestres e aquáticos, o desafio hídrico apresentado
por cada um deles é diferente. Animais que vivem em terra vão sempre sofrer com o risco
da desidratação seja pela evapotranspiração, pela respiração ou pela excreção, enquanto
animais que vivem na água deverão lidar com as diferenças de concentração osmótica e
iônica entre a água e os fluidos corpóreos, influenciar diretamente o balanço hídrico. Este
problema osmótico é potencializado ainda quando comparamos diferentes ambientes
aquáticos e alguns íons osmoticamente ativos que os compõe (Tab.1).
Portanto, este ciclo de sódio e potássio através da membrana baso-lateral faz com que a
concentração de cloreto aumente no interior da célula até que fique maior do que a
apresentada pela água do mar fazendo com que os íons de cloreto deixam a célula através
de canais de cloreto. Esse movimento de cloreto cria um gradiente eletroquímico fazendo
com que os íons de sódio atravessem do plasma para a água do mar através da via
paracelular.
uma urina hiperconcentrada: uma grande proporção de medula renal em relação ã região
cortical, além de uma alta proporção de néfrons justamedulares (Tab.2), com longas alças
de Henle (Fig.6). Contribuindo para a economia de água, existe uma alta absorção de água
na porção retal, resultando em fezes extremamente secas. Porém, a questão mais
interessante do rato canguru está no fato de que ele nunca ingere água livre, toda água
obtida vem diretamente do alimento, que apesar de se resumir à sementes secas, ainda
representa cerca de 10% da necessidade de água. O restante de água é obtido a partir da
oxidação dos alimentos, que geram cerca de 90% do total de água adquirida.
Já os mamíferos de grande porte não têm essa opção de procurar abrigos em tocas
e acabam tendo de enfrentar as altas temperaturas. Os dromedários, por exemplo, não
apresentam glândulas sudoríparas, e quando estão em situação onde são privados de água,
permitem que a temperatura do corpo aumente (durante o dia) e diminua (durante a noite)
reduzindo a taxa de perda de água por evaporação associada à termorregulação (Fig.7). A
inércia termica associada à grande massa corpórea do camelo é fundamental no sucesso
desta estratégia fisiológica, já que a temperatura cai lentamente durante a noite fria do
deserto e sobe lentamente durante o dia, reduzindo flutuações excessivas. Além disso,
apresentam uma camada grossa de pelos corpóreos que formam uma camada isolante.
Figura 7- Maior flutuação diária da temperatura retal do camelo quando desidratado do que quando
hidratado (modificado de Schmidt-Nelsen, 1996).
5- Agradecimentos
Agradeço ao Professor Dr. Fernando Ribeiro Gomes pela revisão do texto.
área pré-óptica, hipotálamo anterior, pedúnculo cerebral e medula espinhal (sabe-se que os
receptores cutâneos apresentam maior sensibilidade ao frio enquanto os receptores internos
apresentam maior sensibilidade ao calor). Poucos trabalhos focam em termosensores em
ectotermos, porém alguns trabalhos descrevem receptores cutâneos, intra-abdominais e
medulares em anfíbios enquanto lagartos e peixes apresentam receptores cutâneos e
hipotalâmicos (Bicego e col., 2007).
Integrações: A área pré-óptica (POA) é uma região do hipotálamo em vertebrados e
tem papel importante em muitas funções, incluindo a termorregulação. É nessa região que
informações sobre a temperatura cerebral e de outras regiões internas integram-se e ativam
os efetores de repostas imediatas. Nos ectotermos o papel hipotalâmico na termorregulação
foi descrito por trabalhos que lesionavam regiões específicas do SNC e detectavam o
declínio de respostas comportamentais frente às alterações em Ta, como um exemplo a
falta de padrões de distribuição de peixes na coluna d´água. Em aves um grande número de
estudos em pombos, pingüins, codornas, galinhas e patos apontam uma baixa e
inapropriada função hipotalâmica na termorregulação quando comparada como mamíferos,
sendo necessária, para este grupo, a integração de vários sensores extra SNC para
desencadear uma resposta efetiva (Bicego e col., 2007).
Efetores: Depois de integrados os sinais térmicos da Ta e Tc muitos efetores são
recrutados e iniciam seu trabalho, sendo que agora a natureza ecto ou endotermo difere de
forma fantástica o tipo de resposta nos vertebrados, mais detalhes destes mecanismos
serão abordados no capítulo: Das tocas às bactérias: como estímulos ambientais
influenciam a temperatura corporal?
Para alcançar uma análise da biologia térmica que abrange todo o espectro de
conhecimentos, do processo molecular às questões das alterações ecológicas e climáticas
de larga escala, a partir deste momento será destacado e explorado um aspecto bioquímico
importantíssimo da aclimatação dos animais que ocorre de forma independente à relação
termal: as mudanças associadas às membranas e o consequente controle da expressão
gênica das enzimas dessaturases que modulam a fluidez das mesmas em todos os tecidos
e órgão dos animais e o papel da temperatura nesta modulação.
maior parte do ano, enquanto que períodos marcados de crescimento são restritos a
organismos de altitude e maiores valores latitudinais (i.e., ambientes “frios”; Adolph e Porter,
1996). Espécies de ampla distribuição geográfica estão expostas a ambientes altamente
contrastantes e suas populações podem exibir variações em diversos aspectos de sua
história natural. A esqueletocronologia tem sido utilizada para detectar estes padrões (Miaud
e col., 2001), oferecendo resultados exatos sobre diferenças de parâmetros como a idade
de maturação sexual e longevidade.
Em anuros, estas variações parecem estar bem documentadas: Rana sylvatica e
Rana temporaria (Ranidae) exibem maior tamanho corporal, idade de maturação sexual e
longevidade em áreas de maiores altitudes (Berven, 1982; Miaud e col., 1999); populações
de R. septentrionalis ao norte da distribuição geral da espécie mostram maiores valores
médios de idade e de tamanho corporal que as populações meridionais (Leclair e Laurin,
1996); Bufo bufo (Bufonidae) mostra grande variação de tamanho corporal ao longo de sua
ampla distribuição na Europa, sem relações óbvias com parâmetros de altitude e latitude
(Hemelaar, 1988).
Quanto à maturação sexual o grupo também apresenta diversos padrões. Em
Urodela, a idade de maturação sexual é por vezes relativamente constante [e.g.
Notophthalmus uiridescens (Salamandridae); sensu Caetano e Leclair, 1996], mas na
maioria dos casos, as populações de áreas de maior altitude atingem a maturação sexual
mais tardiamente e com tamanhos corporais maiores do que as populações de regiões
baixas [e.g. Desmognathus ochrophaeus e D. monticola (Plethodontidae), sensu Tilley,
1973, 1980]. Os indivíduos das populações de Triturus cristatus (Salamandridae:
Pleurodelinae) da Europa Central são menores e amadurecem mais tardiamente que os do
sudoeste da Noruega (Dolmen, 1983), enquanto que T. marmoratus apresenta uma
correlação clara entre um maior tamanho corporal e uma maturação tardia (Caetano e
Castanet, 1993; Diaz-Paniagua e col., 1996).
Os fatores genéticos e ambientais também influem na historia natural dos répteis. As
taxas de crescimento, por exemplo, podem ser afetadas tanto pelas diferenças genéticas
inter-populacionais quanto pelas variações ambientais de fatores ou recursos (p. ex.
disponibilidade de alimento). Dentros do grupo dos répteis, os lagartos têm sido os mais
estudados, talvez pela simplicidade da estrutura óssea e a pouca vascularização (exceto em
varanídeos) nos ossos longos, que diminui o grau de remodelação e perda de anéis
possibilitando assim a estimação da idade individual com mais exatidão (Castanet, 1994).
Seguindo o primeiro trabalho em Lacerta agilis (Smirina, 1974) têm se sucedido muitos
estudos em eco-demografia de diferentes familias e espécies de lagartos (Pilorge e
Castanet, 1981; Nouira e col., 1982; Zug e Rand, 1987; Saint Girons e col., 1989; Castanet e
Baez, 1991). A Tabela 1 mostra uma compilação de estimações de longevidade e idade de
H. maculatus 17-36 4
PHYLLODACTYLIDAE
Homonota darwini 7-9 16
Tarentola mauritanica 8-9 14
RHYNCHOCEPHALIA
SPHENODONTIDAE
Sphenodon guntheri 60
S. punctatus 30-60 9-13 ≥ 77
SERPENTES
COLUBRIDAE
Elaphe scalaris 15-16
Malpolon monspessulanus 18-20
Natrix natris 16-19 3-5 20
VIPERIDAE
Trimeresurus flavoviridis 7-14
T. okinavensis 15-19
Vipera aspis 15, 18 22-25
CHELONIA
TESTUDINIDAE
Testudo graeca 19-20 12-13 102
T. hermanni 18-20 12-13 ≥ 90
EMYDIDAE
Chrysemys picta 20 5-10
Emys orbicularis 16 120
CHELYDRIDAE
Chelydra serpentina 20 8-10 ≥ 20
CHELONIDAE
Caretta caretta 75-80 13-15 ≥ 37
CROCODILIA
CROCODYLIDAE
Crocodylus niloticus 40-50
C. siamensis 12
ALLIGATORIDAE
Alligator mississippiensis 22-25 ≥ 56
taxas metabólicas e vidas curtas até espécies com características opostas, o que estaria
relacionado não só com uma questão da condição gênica mas também com os fatores
ambientais.
Basta lembrar que a grande maioria das espécies de animais da Terra é composta
por organismos ectotérmicos. Não obstante, nos primeiros trabalhos em fisiologia
comparativa esses grupos eram vistos como grupos evolutivos antigos e simples, ao
contrário dos grupos endotérmicos. Com o decorrer do tempo e o concomitante
desenvolvimento do conhecimento, o termo “vertebrados inferiores” foi caindo em desuso.
De fato, a ectotermia é uma característica ancestral dos vertebrados, mas os animais
ectotérmicos estão tão adaptados a seu modo de vida quanto as aves e mamíferos à
endotermia, e os mecanismos de termorregulação ectotérmica são tão complexos e
especializados quanto os mecanismos da endotermia. As diferenças principais residem nas
necessidades energéticas de cada grupo.
Enquanto um mamífero pequeno
depende de produção de calor interna, um
lagarto utiliza a radiação solar para se
aquecer. Por outro lado, as taxas de uso
energético de um animal ectotérmico são
sete a dez vezes menores às de um animal
endotérmico do mesmo tamanho ou massa
corporal (Fig. 3). À noite a temperatura
corporal (Tc) do lagarto baixa e o uso
energetico passa ser un terço da taxa de
uso diurna. Um rato também apresenta uma Figura 3 - Taxas metabólicas de vertebrados
mudança no consumo de energia, mas ectotérmicos e endotérmicos em função do
numa direção oposta à do lagarto. O rato tamanho corporal (massa corporal e utilizando
precisa acelerar o metabolismo para repor o uma escala logarítmica). As taxas metabólicas
calor perdido e manter uma Tc apropiada. de aves e mamíferos são 7 a 10 vezes maiores
Em busca de padrões...
Um dos objetivos da procura por padrões em estudos de variação geográfica reside
em interpretar tendências adaptativas em função das pressões e fatores seletivos
ambientais (Gould e Johnston, 1972: 457; Endler, 1977; Ashton, 2004). Assim surgiram
generalizações empíricas em biologia evolutiva, mas elas geralmente carecem da força
modal que se espera de leis. A regra de Cope, por exemplo, afirma que as espécies
evoluem na direção de um aumento de tamanho. Segundo Bunnin e Tsui-James (2002),
este postulado constitui no máximo uma regra prática que resume um padrão encontrado no
registro fóssil, será verdadeira como generalização estatística, mas não será uma lei.
Outro exemplo de generalização empírica é a regra de Bergmann, que postula que
os tamanhos corporais maiores estão associados a regiões de climas mais frios, definindo a
relação entre temperatura e tamanho corporal nos vários ambientes naturais [Bergmann
(1847), traduzido para o inglês pela primeira vez por James (1970)] e recentemte discutido
em contexto filogenético por Diniz-Filho e col. (2007) e Olalla-Tárraga e col. (2009). As
explicações que sustentam a validade da regra de Bergmann têm se concentrado nos
benefícios potenciais em se alcançar um tamanho corporal maior (Blackburn e col., 1999;
Zani, 2008); indivíduos de maior tamanho estariam melhor preparados para sobreviver aos
períodos de baixa disponibilidade de recursos alimentares devido a sua alta capacidade de
armazenamento de gordura (Ashton e col., 2000; Ashton e Feldman, 2003; Heinze e col.,
2003). Do ponto de vista meramente termorregulatório, seria esperada a seleção de um
menor tamanho corporal para répteis típicos de ambientes frios, já que um aumento da
relação superfície/volume permite aquecimento e esfriamento mais rápidos. Entretanto, os
estudos demostram que algumas espécies crescem mais lentamente e antingem tamanho
corporal maior como resposta ao aumento da latitude e da altitude (e a conseqüênte
diminuição da temperatura) (Sinervo e Adolph, 1994; Angilletta, 2001; Niewiarowski, 2001).
Outros mostram que o aumento de tamanho corporal ocorre nestas regiões como resposta
evolutiva à competição reduzida e à baixa densidade de predadores (Ashton e col., 2000;
Ashton, 2001; Ashton e Feldman, 2003), além de ser uma estratégia para sobreviver aos
longos invernos com maior eficácia (Civantos e Forsman, 2000; Smith, 2002).
No contexto específico de cada linhagem, o mais óbvio benefício em se alcançar um
tamanho maior em vertebrados ectotérmicos está diretamente relacionado a um aumento da
fecundidade (Tinkle e Ballinger, 1972; Ballinger e Congdon, 1981; Stearns, 1992; Tinkle e
permitindo que estes indivíduos atinjam maiores tamanhos corporais e usufruam dos
beneficios associados a esta condição (e.g. competição, predação). Pincheira-Donoso e col.
(2007) apontam os beneficios de ser “pequeno” em lagartos de ambientes frios (nesse caso
do gênero Liolaemus): o aumento do tamanho corporal resultaria numa diminuição das taxas
de aquecimento. Logo, as temperaturas ótimas necessarias para os processos biológicos e
fisiológicos básicos podem ser atingidas mais rápidamente. Isso explica os resultados de
Ashton e Feldman (2003) que demonstram que, diferentemente dos quelônios, as serpentes
e os lagartos geralmente apresenatam padrões contrários à regra de Bergmann: 61 de 83
espécies estudadas mostraram uma diminução no tamanho corporal com o aumento da
latitude; 40 de 56 espécies exibiram um incremento do tamanho, acompanhando o da
temperatura.
Frequentemente registra-se divergência genética entre populações de uma mesma
espécie que apresentam variações significativas de tamanho corporal (Berven, 1982;
Partridge e Coyne, 1997) bem como a determinados aspectos de história natural (e.g. taxa
de crescimento, tamanho dos ovos, coeficente da temperatura de desenvolvimento) (Moore,
1949; 1952; Berven e Gill, 1983; Berven, 1995). A variação geográfica intraespecífica destes
aspectos da história natural e sua concordância com os gradientes de latitude e altitude têm
sido utilizadas de forma recorrente como exemplo de variação adaptativa (Mayr, 1963). Não
obstante, os estudos comparativos não permitem distinguir definitivamente as causas e
efeitos destas variações, dependendo de dados que corroborem hipóteses específicas sobre
os custos e beneficíos de diferentes histórias de vida para detectar seus fatores causais. Por
exemplo, um incremento do tamanho corporal é recorrente para a maioria dos animais
ectotérmicos quando estes são artificialmente expostos a temperaturas ambientais mais
baixas que as de seu ambiente natural (simulando aumento nos parâmentros de latitude
e/ou altitude), indicando que nestes grupos a plasticidade fenotípica também tem um papel
importante (Atkinson, 1994, 1995; Atkinson e col., 2003; Angilletta e col., 2004).
Como exposto anteriormente, a relação entre Tc e crescimento existe pela
dependência termal dos determinantes fisiológicos da taxa de crescimento (mobilidade do
intestino, taxa de secreção de enzimas digestivas, atividade enzimática, digestão, passagem
do alimento, eficiência da assimilação, atividade tiroidea e metabolismo; ver citações em
Sinervo, 1990). Devido a essa influência nas taxas biológicas a temperatura pode alterar a
relação entre o tempo cronológico e o tempo fisiológico (Adolph e Porter, 1993)
determinando diferentes padrões de crescimento.
Por isso e tendo em conta os conceitos e os resultados dos estudos aqui discutidos
conclui-se que não é simples fornecer uma explicação geral sobre a relação entre a
temperatura e aspectos da historia natural (e.g o tamanho corporal, sucesso reprodutivo) no
ambiente natural aplicável para répteis e anfíbios. Talvez a maior aproximação aos padrões
resfriado - o que garante um menor gradiente termal entre a superfície corporal e a água
que rodeia, implicando em menor perda de calor do animal - enquanto o sangue venoso
chega ao centro do corpo mais aquecido, conservando o calor dentro do animal. A gordura,
por sua vez, contribui para a conservação da energia térmica endógena por ser um bom
isolante térmico e um tecido pouco vascularizado (Willmer e col., 2005).
A respeito dos mecanismos de produção de calor, pode-se dizer que eles incluem
basicamente os resultantes da termogênese obrigatória e da atividade física, além daqueles
dependentes e independentes de tremor. Todos os processos metabólicos de um organismo
resultam na liberação de energia sob a forma de calor. Assim, termogênese obrigatória é a
produção de calor decorrente do metabolismo basal de um animal e, toda atividade física,
esteja ela envolvida com locomoção, fuga, forrageamento ou exercício físico programado
contribui para o aumento do conteúdo de energia térmica corpórea. Ainda, o tremor consiste
em movimentos involuntários da musculatura esquelética sem que haja realização de
trabalho mecânico, resultando no aumento da taxa de produção de calor (Randall, e col.,
2000; Branco e col, 2005; Bícego e col., 2007; Glossary of Terms for Thermal Physiology,
2001). Em contrapartida, a produção de energia térmica independente de tremor, embora
possa se originar no músculo esquelético de aves (Bicudo e col., 2002), não depende de
movimentos desta musculatura, como o próprio nome já indica. Este tipo de produção de
calor também pode ser encontrado no tecido adiposo marrom de mamíferos localizado
próximo às escápulas e aos rins e, de especial importância para os animais de pequeno
tamanho, recém-nascidos e aclimatados ao frio (Mackowiak, 1998; Branco e col., 2005).
O tecido adiposo marrom é bastante vascularizado e apresenta alta densidade de
mitocôndrias. Nas mitocôndrias das células em geral, a oxidação dos substratos resulta em
um gradiente de prótons entre o espaço intermembrana e a matriz mitocondrial, sendo que
estes retornam para a matriz através da enzima ATP sintase. Parte da energia armazenada
no gradiente é utilizada na formação de ATP e parte é dissipada na forma de calor. No
tecido adiposo marrom uma proteína desacopladora de prótons (UCP1), conhecida
anteriormente como termogenina, é encontrada na membrana interna das mitocôndrias e
funciona como uma via alternativa para o fluxo de prótons independente da ATP sintase,
logo uma grande parte da energia armazenada no gradiente é dissipada como calor, o que
contribui para o aquecimento dos animais (Fig. 1). Outras UCPs foram encontradas em
diferentes tecidos de várias espécies, mas suas funções ainda não estão totalmente
esclarecidas. Alguns estudos demonstraram a existência de uma proteína homóloga, a
UCPhm no músculo esquelético de aves, indicando que tal musculatura também pode ser
capaz de produzir energia térmica independente de tremor (Bicudo e col., 2002; Branco e
col., 2005; Nelson e col., 2004).
sangue venoso que retorna das veias nasais ao interior do organismo e, assim, o encéfalo é
mantido mais resfriado do que o restante do corpo (Willmer e col., 2005).
Por fim, os mecanismos comportamentais estão relacionados ao contato com
superfícies mais quentes ou mais frias ou à adoção de posturas corporais que facilitem ou
evitem a troca de energia térmica entre o animal e o ambiente. Um comportamento muito
comum em ratos é espalhar saliva sobre os pêlos quando expostos a um ambiente quente,
o que promove uma perda evaporativa de energia térmica nesses animais (Bícego e col.,
2007). Estes mecanismos são os mais antigos na escala filogenética e os de menor custo
energéticopara os animais. Além dos mecanismos comportamentais, alguns ectotermos
também apresentam mecanismos autonômicos de controle da Tc. Por exemplo, o
Crocodylus porosus aumenta o fluxo sanguíneo cutâneo e a frequência cardíaca durante
exposição ao calor e reduzem estas variáveis quando a fonte de calor é removida
(Seebacher e Franklin, 2007).
Cabe também comentar que no sistema nervoso central (SNC) de vertebrados há
uma região chave no controle dos mecanismos termorreguladores principalmente
autonômicos, denominada área pré-óptica do hipotálamo anterior (APO). A APO é
considerada termossensível (pois detecta as alterações térmicas locais) além de
termointegradora já que recebe informações térmicas de várias regiões do organismo por
meio dos termorreceptores cutâneos e/ou espinais. Há um modelo que propõe que os
neurônios da APO quando ativados por alta Ta e/ou temperatura local estimulam a perda e
inibem a produção de energia térmica levando à manutenção da Tc. Por outro lado, quando
esses neurônios são inibidos pela queda na Ta e/ou temperatura local, ocorre uma redução
na perda e um aumento na produção de energia térmica com consequente manutenção da
Tc (Hammel 1965; Boulant 2006).
Agora, visto quais são os mecanismos que podem ser usados por um animal na
manutenção da Tc e qual é a região chave na termorregulação, veremos como a Tc é
alterada frente alguns estímulos ambientais.
Figura 2- Esquema das relações entre VO2, Ta e Tc durante eutermia, hipotermia e hipertermia. A
linha tracejada representa as variações de VO2 em relação à Ta. A linha contínua representa as
variações da Tc em relação à Ta. VO2: consumo de O2 (reflete o custo energético); TCI: temperatura
crítica inferior; TCS: temperatura crítica superior; Tc: temperatura corporal
pesquisadores: alguns consideram 39ºC, enquanto outros afirmam que febres de até 41ºC
não são perigosas para humanos (Branco e col., 2005).
Após o contato do organismo com os pirogênios exógenos (geralmente
microorganismos invasores), estes são fagocitados por células do sistema imune. Os
fagócitos produzem citocinas (IL-1ß, IL-6, TNF-α, IFN-α) que atuam como pirogênios
endógenos e induzem a síntese e a liberação de prostaglandina (PG), principalmente a
PGE2 que atua na APO ativando os mecanismos de ganho e inibindo os de perda de
energia térmica (Kluger, 1991; Matsuda e col., 1992; Blatteis e Sehic, 1997a,b). Em
contrapartida, estudos (Zampronio e col., 1994; Fabricio e col., 1998) demonstraram que em
ratos há alguns pirogênios endógenos (MIP-1, IL-6 e endotelina-1) que desencadeiam febre
independente da liberação de PGE2. Acredita-se que a febre seja gerada por um balanço
entre a ação dos pirogênios e dos antipiréticos endógenos. Os antipiréticos são definidos
como aqueles agentes que reduzem a resposta febril, mas não alteram a Tc no estado de
eutermia (Branco e col., 2005).
Por fim, os benefícios conferidos pela febre podem ser evidenciados (1) pelo
aumento da sobrevida de animais infectados e febris (mamíferos - inclusive humanos -,
lagartos, peixes e grilos) em comparação àqueles infectados não febris e (2) pelo aumento
da mortalidade de animais (lagartos e coelhos) infectados quando tratados com fármacos
antipiréticos sem o acompanhamento de antibióticos (Branco e col., 2005).
em fluidos corpóreos como a saliva e as lágrimas, bem como aqueles produzidos pela flora
bacteriana normal; por fatores solúveis, que constituem a imunidade humoral, os quais são
as proteínas de fase aguda, o sistema complemento, citocinas e quimiocinas, e elementos
celulares (leucócitos, macrófagos, células NK e células dendríticas). Uma vez que ela é não-
específica, atua como um mecanismo de defesa inicial contra a colonização por
microorganismos e/ou parasitas multicelulares logo após a infecção, sendo rapidamente
ativada e atuando de forma a eliminar ou retardar os estágios iniciais da infecção.
A resposta humoral atua promovendo a morte, inativação e opsonização de
microorganismos, ativação dos leucócitos, além de bloquear os tecidos infectados pela ação
dos fatores de coagulação. Os elementos celulares da resposta inata possuem
características e funções distintas, dentre as principais podemos citar: neutrófilos, são as
células mais numerosas do sistema imune, polimorfonucleadas e repletas de grânulos no
citoplasma, que estão preenchidos por enzimas capazes de promover a lise celular dos
patógenos, atuam no reconhecimento, fagocitose e eliminação de agentes infecciosos,
principalmente das bactérias; eosinófilos, células responsáveis pela resposta imunitária em
caso de verminoses e alergias; basófilos, células repletas de grânulos, atuando
principalmente, na resposta alérgica; mastócitos, células granuladas que atuam na alergia
e no combate aos helmintos; células NK, responsáveis pela lise de células infectadas e
ativação dos macrófagos; células dendríticas, atuam na apresentação de antígenos aos
linfócitos nos tecidos linfóides; macrófagos, fagocitam microorganismos patogênicos, além
de reconhecerem as células invasoras e apresentá-las aos linfócitos T através da liberação
de citocinas (Interleucina-1), desencadeando assim a resposta imunológica adquirida (Figura
2). Além disso, as células NK e os macrófagos secretam quimiocinas que atraem e ativam
os fagócitos estimulando a reação celular da imunidade inata, chamada inflamação. A
inflamação é formada por um recrutamento de leucócitos e pelo extravasamento de várias
proteínas plasmáticas em um local de infecção, onde tanto as células quanto as proteínas,
atuam na eliminação do agente infeccioso.
A imunidade adquirida está presente apenas nos vertebrados mandibulados e possui
duas características fundamentais: a especificidade, sendo seus receptores produzidos pela
recombinação somática dos segmentos dos genes; e memória, requerendo uma exposição
prévia a antígenos específicos antes que o organismo hospedeiro possa apresentar uma
resposta imunológica a estes. Esta resposta é complexa e muitas vezes dependente de
vários dias para ser completamente ativada, sendo composta pelos linfócitos B, anticorpos
produzidos pelos linfócitos B e linfócitos T específicos. Os linfócitos B se encontram em sua
forma inativa nos tecidos linfóides e, quando ativados, aumentam a atividade celular e são
denominados plasmócitos, sendo responsáveis pela ativação linfócitos T, produção de
anticorpos e de células de memória. Os linfócitos T reconhecem os antígenos de
fagocíticos nos tecidos. Os mastócitos completam sua maturação nos tecidos, sendo importantes,
principalmente, nas respostas alérgicas. (Modificado de Janeway e col., 2007).
Tabela 1 – Componentes do sistema imune em diversos grupos de animais. Evolução do sistema
imune. (Modificado de Abbas & Lichtman, 2008).
Imunidade
natural Imunidade adaptativa
Células Células Linfócitos
fagocitárias NK Anticorpos TeB Linfonodos
Invertebrados
Protozoários + - - - -
Esponjas + - - - -
Anelídeos + + - - -
Artrópodes + - - - -
Vertebrados
Elasmobrânquios
(tubarões, arraias) + + + (IgM) + -
+ (IgM e
Teleósteos (peixes) + + outras?) + -
+ (2 ou 3
Anfíbios + + classes) + -
Répteis + + + (3 classes) + -
+ (algumas
Pássaros + + + (3 classes) + espécies)
+ (7 ou 8
Mamíferos + + classes) + +
Chave: +, presente; -, ausente
Figura 2 – Ativação da imunidade adaptativa: mediada por anticorpos (A) e por células T (B). Ao entrar em contato com o
patógeno, o macrófago é ativado e libera interleucina-1, a qual ativa o linfócito T-helper, este por sua vez libera dois tipos de
citocinas, o fator de crescimento do linfócito B, que ativa os linfócitos B, promovendo a produção e liberação de anticorpos
específicos, que se ligam a superfície protéica do patógeno inativando-o tornando-o alvo de células; e a interleucina-2, que
ativa outros linfócitos T, conduzindo a maturação e proliferação dos linfócitos T citotóxicos, os quais são responsáveis pela
eliminação do patógeno. (Adaptado de Sapolsky, 2002).
15°C e 35°C o plasma é eficiente contra este patógeno, e a temperaturas abaixo de 15°C a
CBP diminui progressivamente (Figura 4).
Aula prática
Temperatura x imunidade e locomoção em anfíbios
Responsáveis:
Bráz Titon Júnior
Carla Piantoni
Carolina da Silveira Scarpellini
Cristiéle da Silva Ribeiro
Stefanny Christie Gomes Monteiro
Introdução
Objetivos
Para a maioria das pessoas, a palavra parasita traz à mente imagens de doenças e
patologias, sangue e intestinos, grave desfigurações ou até mesmo morte. Esta noção pode
ser conseqüência das imagens e notícias sugestivas dos meios de comunicação que
divulgam os índices de mortalidade por malária e leishmaniose. No caso dos donos de
animais de estimação, os parasitas são lembrados quando o veterinário pede para que os
animais sejam vermifugados. Para as pessoas que viajam pelo mundo, provavelmente já foi
requerido que se imunizassem ou tomassem remédios para parasitas que nunca tenham
ouvido falar (Bush e col., 2002). Também talvez nos lembremos dos parasitas quando temos
que lavar com cuidado nossas frutas e verduras.
O parasitismo é uma relação na qual há um parasita que está abrigado por e vive à
custa de um hospedeiro. Os parasitas podem causar injúrias mecânicas nos tecidos, gerar
processos inflamatórios danosos ou simplesmente drenar os nutrientes de seu hospedeiro.
Os parasitas que vivem na superfície dos organismos são chamados de ectoparasitas, os
que são internos são chamados de endoparasitas (Schmidt e Roberts, 2009). Podemos citar
como exemplos de ectoparasitas os carrapatos, pernilongos e borrachudos, os
endoparasitas são muito conhecidos entre nós, por exemplo, a Taenia ssp., conhecida
popularmente como solitária, e o Ascaris lumbricoides, conhecido como lombriga.
Uma visão tradicional da interação parasita-hospedeiro afirma que um organismo
simbionte tornou-se progressivamente especializado ao longo da evolução, , isto é,
aumentou sua especificidade em relação ao hospedeiro. O componente vital deste processo
é o habitat (hospedeiro), que é um organismo vivo e dinâmico. O hospedeiro reage ao
organismo invasor e os que foram bem sucedidos são aqueles que conseguiram
desenvolver estratégias de evasão às defesas do hospedeiro. De forma geral, a definição de
suscetibilidade de um hospedeiro é quando este não consegue eliminar o parasita antes que
este consiga se estabelecer; um hospedeiro resistente é aquele que possui um status
fisiológico que previne o estabelecimento e sobrevivência do parasita. Os termos
correspondentes do ponto de vista do parasita são infeccioso e não infeccioso (Schmidt e
Roberts, 2009).
Os humanos tem sofrido durante muitos séculos por causa dos parasitas. Moscas e
as bactérias carreadas nos membros destes insetos assolaram a Europa do século 17,
malária, esquistossomose e a doença do sono africana mataram milhões de pessoas
(Schmidt e Roberts, 2009). Na Tabela 1, podemos observar a prevalência de parasitoses em
humanos e as mortes que estas causam por ano. No entanto, muitas dessas mortes seriam
evitadas se houvesse um forte investimento em eliminar a miséria, subnutrição e poluição do
meio ambiente, pois estes agentes facilitam e disseminam a transmissão de doenças
causadas por parasitas.
Tabela 1. Algumas infecções humanas causadas por parasitas
defasada no tempo. A defasagem no tempo ocorre devido ao fato dos parasitas não
poderem, instantaneamente, responder às mudanças na população de hospedeiros e vice-
versa (Lively 2001).
Legenda:
Alelos dos sapos: A e B
Alelos dos parasitas: A’ e B’
O hospedeiro portador do alelo A é suscetível ao parasita com alelo A’. O hospedeiro
portador do alelo B é suscetível ao parasita com alelo B’. O número sapos de cada tipo
nas gerações é representação da freqüência alélica na população.
Então, para Hamilton e Zuk (1982), quando muitos ciclos de infecção parasitária de
diferentes períodos estão em progresso, a escolha do parceiro reprodutivo torna-se
extremamente relevante, pois a escolha certa pela fêmea possibilitará aos descendentes
uma aptidão que será, confiavelmente, acima da média. Para isso, os animais devem
escolher parceiros com boa saúde e livres de parasitas e essas qualidades são indicadas,
principalmente, pelos ornamentos mais desenvolvidos. Ou seja, apenas machos em
excelentes condições e com genes resistentes a parasitas estão aptos para expressar com
maior intensidade suas características de exibição (Hamilton e Zuk, 1982). Desta forma, a
intensidade da expressão das características sexuais secundárias dos machos constituiria
uma sinalização honesta de sua resistência a parasitas. Esta hipótese vem sendo conhecida
na literatura como “a hipótese da rainha vermelha”.
Em seu artigo original, Hamilton e Zuk (1982) propuseram que, em nível
intraespecífico, deveria ocorrer uma correlação negativa entre nível de parasitismo e
intensidade da expressão das características sexuais secundárias nos machos (Fig. 2), para
que a hipótese pudesse ser confirmada. Ou seja, a evolução de ornamentos e displays
sexuais encontrar-se-ia associada a um mecanismo de sinalização honesta da resistência
dos machos aos parasitas. Já em comparações interespecíficas, um padrão de correlação
positiva interespecífica entre carga parasitária e grau de elaboração dos caracteres sexuais
secundários deveria ser encontrada (Fig. 3), sugerindo que grupos filogenéticos que
tivessem um alto grau de infestação durante sua história evolutiva passariam também por
uma intensa seleção direcional da sinalização sexual. Estes dois padrões foram
corroborados pelos autores em um estudo realizado com uma grande amostra de
passeriformes da América do Norte, associando o grau de desenvolvimento das
características sexuais secundárias nos machos (padrões de coloração da plumagem e
complexidade das vocalizações) e a incidência de parasitas no sangue.
Em 1992, Folstad e Karter (1992) propuseram a hipótese do obstáculo
imunocompetente, que complementa a hipótese de Hamilton e Zuk (1982). Esses autores
postularam um mecanismo fisiológico para a restrição imposta ao desenvolvimento das
características sexuais secundárias, enfatizando o papel do parasitismo na seleção sexual.
Doenças e estado nutricional são os principais fatores bióticos externos que influenciam o
crescimento dos vertebrados (Vander et al. 1986). As concentrações de testosterona,
hormônio requerido para o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários dos
machos, decai nitidamente durante a escassez de alimentos (Wilson et al. 1979; Wingfield
1980), e o estado nutricional tem sido considerado fator limitante para a expressão de
qualquer caractere ligado a este hormônio (Ligon et al. 1990).
Entretanto, a regulação dos níveis de testosterona não pode ser explicada somente
por considerações de ordem energética. As doenças parasitárias tem um papel importante
neste processo. Enquanto a testosterona confere o desenvolvimento das características
sexuais secundárias e potencialmente aumento o sucesso reprodutivo, causa
imunossupressão Esta situação cria um dilema fisiológico em potencial, uma vez que essa
depressão do sistema imune, por sua vez, facilita a proliferação dos parasitas já
estabelecidos, assim como a ocorrência de novas infecções (Cohen and Sadun 1976). Uma
infecção parasitária instalada ou acidental expõe o macho a um custo substancial durante o
período em que necessita desenvolver e manter os caracteres sexuais secundários (Folstad
and Karter, 1992).
A hipótese de Folstad e Karter também sugere que os níveis de testosterona e/ou
sua responsividade a este hormônio, e conseqüentemente a imunossupressão e expressão
dos caracteres sexuais secundários, são auto regulados pela carga parasitária (Fig. 4).
Entretanto, esta regulação parasita-dependente não é independente da restrição imposta
pela resistência genética individual (ou seja, se o individuo possui ou não bons genes). Os
machos que possuem a regulação de expressão dos caracteres sexuais secundários
mediado pela carga parasitária podem obter uma clara vantagem em relação àqueles que
superinvestem em indicadores de viabilidade e, conseqüentemente, sofrem com a
concomitante imunossupressão. Sendo assim, a imunossupressão testosterona-dependente
Devido ao conspícuo comportamento vocal dos machos de anuros, este grupo têm
se mostrado particularmente interessante para testes de premissas associadas à seleção
sexual (Hausfater 1990; Sullivan 1991; Pfennig and Tinsley 2002; Sullivan and Kwiatkowski
2007; Castellano 2009). Para a maior parte das espécies de anuros, caracteres associados
ao tamanho corpóreo e propriedades das vocalizações são importantes nos processos de
seleção intra e inter-sexual. Fêmeas de diversos grupos de anuros preferem, de uma forma
geral, características comportamentais energeticamente exigentes, como a manutenção de
altas taxa de vocalização, e que expõe os machos a um maior risco de predação (custo
direto) e/ou redução do crescimento (custo indireto), mas que, provavelmente, aumentam o
sucesso reprodutivo dos machos (Hinshaw and Sullivan 1990; Sullivan and Kwiatkowski
2007; Andersson 1994; Wells 2001). Em anfíbios, por exemplo, as propriedades temporais
do comportamento vocal estão sujeitas à seleção intersexual direcional, mas a motivação de
vocalizar está associada ao ambiente social em que os indivíduos se encontram (Wells
1988; Penna et al. 2005). Além disso, o desenvolvimento das bases controladoras e efetoras
do comportamento vocal, bem como sua ativação na época reprodutiva, é mediado por
hormônios esteróides, como a testosterona (Wilczynski and Chu 2001) e a corticosterona,
que está relacionada à mobilização energética necessária para a sustentação desta
atividade (Emerson 2001). Tanto os andrógenos quanto os hormônios inter-renais podem
apresentar efeitos imunossupressores, aumentando a probabilidade de infecções
parasitarias (Wingfield 1994).
Madelaire e colaboradores (submetido para publicação) investigaram as relações
entre carga parasitária e comportamento vocal em duas populações de Hypsiboas prasinus
que diferiam em densidade do coro, e encontraram uma relação negativa entre carga de
parasitas em diferentes órgãos e características temporais das vocalizações. Entretanto, os
resultados foram muito mais claros para a população de maior densidade de coro, indicando
a importância do ambiente social estimulando os indivíduos a vocalizarem a taxa mais
próxima de seu desempenho máximo, que representa um alto custo energético, na
determinação da força da correlação com a carga parasitária. Desta forma, características
temporais do comportamento vocal, principalmente a taxa de vocalização, poderiam
funcionar como um sinal honesto da resistência dos machos aos parasitas, mas a expressão
deste sinal é dependente do ambiente social.
Além do comportamento de corte, outros aspectos do fenótipo dos hospedeiros são
remodelados devido à interação com parasitas, afetando potencialmente seu valor
adaptativo. Rhabdias bufonis é uma espécie de nematódeo parasita de pulmões do sapo
Bufo bufo, sendo que esta espécie de parasita causa anorexia e reduz as taxas de
crescimento em jovens infectados experimentalmente comparado com os animais controle
não parasitados (Goater e Ward, 1992). Goater e col. (1993) encontraram que parasitas
pulmonares também reduzem o desempenho locomotor em Bufonídeos, e isso pode ser
explicado por dois mecanismos. Primeiro, a redução da taxa de crescimento dos animais
parasitados leva à redução de tamanho corpóreo e, consequentemente, do desempenho
locomotor absoluto. Segundo, logo após a infecção parasitária, a quantidade de ingestão de
alimento diminui, levando a uma redução na taxa de crescimento e conseqüentemente no
tamanho corpóreo, além de também diminuir o índice de sobrevivência. Schall (1982)
encontrou que o lagarto Sceloporus occidentalis infectado com malária tem uma redução em
20% no desempenho aeróbio sustentado.
Moretti e col. (submetido para publicação) encontraram em uma população de sapos
(Rhinella icterica), uma correlação negativa entre desempenho locomotor e carga parasitária
pulmonar e intestinal. Isso sugere que os parasitas alojados em sistemas responsáveis pela
aquisição de nutrientes, trocas dos gases respiratórios e distribuição de nutrientes e gases
respiratórios, podem significativamente prejudicar seu balanço energético, comprometendo
seu desempenho locomotor e potencialmente afetar sua aptidão (Schall et al. 1982; Holmes
and Zohar 1990; Goater et al. 1993; Kristan and Hammond 2003). Pois a locomoção é um
componente fundamental para a maior parte dos comportamentos, estando intrinsicamente
associada à defesa territorial, forrageamento, escape de predadores, interações de corte,
migração, entre outros; freqüentemente refletindo aspectos da ecologia comportamental das
espécies, populações e até mesmo sexos dentro de uma espécie.
A capacidade locomotora e a taxa de vocalização na temporada reprodutiva de
anfíbios podem variar segundo a estratégia (Wells, 1977). Machos de espécies com
períodos reprodutivos curtos variam de estratégia dependendo da densidade de machos no
sítio reprodutivo. Quando a densidade de coro é alta, machos procuram ativamente por
fêmeas e interações agressivas entre os machos tornam-se comuns. Neste caso, fatores
relacionados ao desempenho locomotor podem ser mais importantes no sucesso
reprodutivo. Contudo, quando a densidade de coro é baixa ficam vocalizando em lugares
fixos na tentativa de atrair as fêmeas. Neste caso, fatores relacionados as propriedades da
vocalização podem ser mais importantes no sucesso reprodutivo. Em densidades
intermediárias, os machos adotam uma estratégia incorporando elementos de atração por
vocalização e procura ativa (Wells 1977). Desta forma, podemos observar a importância da
infecção parasitária em caracteres importantes na sobrevivência e reprodução de anfíbios
anuros e conseqüentemente no fitness dos indivíduos.
Agradecimentos:
Ao Prof. Dr. Fernando Ribeiro Gomes, pela revisão do texto.
Ao M. Sc. Eduardo Hermógenes Moretti, por ceder sua monografia de qualificação para
consulta.
Figura 1- . Resumo da atuação do eixo hipotálamo - hipófise – gônadas nas fêmeas (direita)
e machos (esquerda) (odificado e baseado em Baldisserotto, 2005). (+) Estimulação, (-) Inibição.
Nas fêmeas, nas camadas foliculares dos ovários, na fase de maturação gonadal, o
FSH estimula a síntese de testosterona na camada teca que é difundida para a granulosa
onde é aromatizada pela enzima aromatase e convertida em 17-estradiol (E2) (Fig 4).
O E2 é o principal esteróide produzido na fase de maturação gonadal e sua ação
principal é estimular o fígado a sintetizar a fosfoglicolipoproteína conhecida como
vitelogenina captada pelos oócitos (ação mediada pelo FHS) e incorporada na formação do
vitelo (Rocha & Rocha, 2006).
Figura 4- Interação das camadas foliculares teca e granula na produção de 17-estradiol (E2) na fase
de vitelogênese e de17,20-dihydroxy-4- pregnen-3-one na fase de maturação (modificado de
Lubzens et al., 2010).
Figura 7- Resumo esquemático dos papéis de FSH, regulando os processos durante a fase mitótica,
e do LH, importante papel durante os processos de regulação fase espermiogênica durante
espermatogênese de peixes (modificado de Schulz et al., 2010).
cérebro nas fêmeas, e isto parece ser importante para a expressão do comportamento
sexual feminino na vida adulta.
também é controlada pelo sistema nervoso central, assim os dois sistemas estão
mutuamente envolvidos no controle da reprodução. A maioria das pesquisas que examinam
os mecanismos que controlam o comportamento sexual vem sendo conduzidas em
roedores, tais como ratos, camundongos e hamsters.
3.1- Fêmeas
A reprodução das fêmeas é cíclica, isto significa que as fêmeas não estão
sexualmente receptivas de forma contínua, de fato, sua resposta comportamental está
coordenada com a resposta fisiológica à ovulação (algumas exceções são os humanos,
alguns primatas e os cavalos). A precisão de tempo entre estes dois eventos (receptividade
e ovulação) em relação um ao outro, e se eles vão ocorrer espontaneamente ou em
resposta a dicas sociais e ambientais, varia grandemente entre e dentro das espécies.
Em ratos, como na maioria dos vertebrados, o estradiol e a progesterona são os
hormônios produzidos em grandes quantidades pelos ovários. Liberados na corrente
sanguínea, estes hormônios esteróides ganham acesso ao cérebro, onde vão regular tanto
o comportamento quanto a função secretora da hipófise, que por sua vez, regula a atividade
secretora do ovário. Enquanto os esteróides atuam no cérebro, mais especificamente em
regiões localizadas no hipotálamo, induzindo a receptividade sexual, eles estão ao mesmo
tempo preparando o útero para a possível chegada de um ovo recém-fertilizado. Se isso não
ocorre, o ovário cessa com a produção de esteróides, as paredes do útero são reabsorvidas
ou descartadas, e o comportamento de receptividade termina.
O VMN é o principal centro que controla a lordose. Contém uma densa coleção de
neurônios que possuem receptores para estrógeno, e se lesionado, gera a abolição do
comportamento de lordose. A POA é uma área considerada inibitória do comportamento
sexual nas fêmeas, já que lesões nesta área aumentam a exibição do comportamento de
lordose. Há uma grande projeção da POA diretamente para o VMN, e esta pode ser a fonte
da influência inibitória exercida pela POA.
3.3- Machos
O comportamento sexual dos machos consiste de componentes motivacionais e
consumatórios. Os componentes motivacionais incluem os comportamentos de aproximação
e acesso à fêmea, e os componentes consumatórios são aqueles necessários para a cópula
(monta, ereção, intromissão e ejaculação). A testosterona, secretada pelas células de
Leydig dos testículos, ou um de seus metabólitos, atua no cérebro e no pênis para facilitar a
Figura 6 - Mudanças nos níveis hormonais de anuros reproduzindo, como predito pelo
modelo da relação entre comportamento, energética e hormônios esteróides. Cort =
corticosterona; T = testosterona; s = linha basal da estação reprodutiva; HPA = eixo
hipotálamo-hipófise-adrenal. Modificado de Emerson, 2001.
Figura 1- Para que ocorra comunicação, é necessário que haja um individuo para emitir o sinal e outro para recebê-
lo. O sinal é emitido devido a um contexto e um estado fisiológico específico e deve provocar uma resposta
comportamental no indivíduo receptor (modificado da aula da professora Silvia Mitiko Nishida, UNESP)
Em 1872, Charles Darwin publicou seu livro “The expression of the emotions in man
and animals” (A expressão das emoções no homem e nos animais). Através de capítulos
que discorrem desde sentimentos como ira, raiva até devoção e paciência, Darwin se
preocupou em mostrar como as expressões humanas conectam movimentos com estado
emocional, e seriam determinadas por fator hereditário e derivadas de ações e expressões
animais. Darwin notou a natureza universal das expressões faciais: "…the young and the old
of widely different races, both with man and animals, express the same state of mind by the
same movements (... os jovens e os velhos de raças muito diferentes, tanto com o homem e
os animais, expressam o mesmo estado de espírito com os mesmos movimentos...).
Atualmente, o estudo da comunicação animal recebeu a denominação de zoossemiótica e
possui uma importante participação em áreas como a etologia, sociobiologia e estudo da
cognição em animais.
A comunicação pode ser dar tanto inter como intraespecificamente, dentro dos mais
diversos contextos: atração de parceiras reprodutivas, demarcação territorial, mecanismo
anti-predatório e combate co-específico. Neste capítulo, irei enfatizar a comunicação
acústica e visual dentro de contextos reprodutivos e mostrar como o sistema endócrino
concomitante com o sistema nervoso exercem forte influência sobre a produção dos mais
diversos tipos de comportamentos sexuais.
1- Comunicação acústica
espécies de anuros, se reproduz durante a noite, quando o níveis luminosos estão baixos,
dificultando assim a captura de imagens pelo sistemas visuais.
A produção do canto de anúncio por parte do macho depende da presença de
andrógenos circulantes na circulação (Emerson e Boyd, 1999) que são produzidos pelos
testículos e em última instância regulados em sua produção pelo GnRh, o hormônio
liberador de gonadotrofina, produzido pelo hipotálamo, que causa a liberação dos hormônios
LH e FSH pela hipófise anterior. O aparato vocal necessário para a produção de som, a
laringe, é diferente entre machos e fêmeas, tanto no tamanho na forma (Schneider, 1988;
McClelland e col., 1997). Machos também possuem na laringe maior quantidade de fibras
musculares e predomínio de fibras de rápida contração (Sassoon e Kelley, 1986; Tobias e
col., 1991). Este dimorfismo estrutural ocorre devido a presença de andrógenos circulantes
durante a fase pós-metamórfica, que proporciona uma masculinização da laringe.
Os esteróides gonadais variam sazonalmente ( Licht e col., 1983, Emerson e Hess,
1996), e a produção do canto de anúncio vem se mostrado correlacionado com essas
variação para grande parte das espécies (Emerson e Hess, 1996). A castração dos machos
cessa a vocalização de corte enquanto a reposição hormonal pode reverter esse efeito
(Wetzel e Kelley, 1983). Mesmo em fêmeas, a injeção de andrógenos pode induzir um canto
semelhante ao dos machos, ao contrário do que se pensou durante muito tempo de que as
fêmeas fossem incapazes de vocalizar (Penna e col., 1992; Emerson e Boyd ,1999)
Locais específicos nas vias de controle da vocalização do sistema nervoso central e a
laringe são os principais tecidos alvos dos andrógenos, sugerindo que estes hormônios
devam modular o canto agindo centralmente (Kelley e Tobias, 1999) Além destes locais, os
andrógenos apresentam um efeito na musculatura peitoral, a responsável por dar potência à
vocalização; machos com elevados níveis plasmáticos de testosterona apresentaram maior
massa muscular e maior quantidade de fibras musculares de rápida contração do que
machos fora do período reprodutivo (Gingerath e Marsh, 2003). A arginina vasotocina (AVT),
produzida por neurônios no telencéfalo e no diencéfalo, participa do controle da motivação
para vocalizar em anuros. Nos anfíbios, este hormônio equivale ao arginina vasopressina
(AVP) encontrado nos mamíferos e atua como um neuromodulardor no sistema. Os
neuromoduladores são substâncias que produzem efeitos mais prolongados sobre a
excitabilidade da membrana neuronal, tendo capacidade de modificar a função dos
verdadeiros neurotransmissores,. Nos mamíferos, aves e peixes, a AVP, além de sua
principal função na manutenção da homeostase, ao regular a quantidade de água, açúcar e
sais na corrente sanguínea, exerce também uma influência significativa na comunicação
intraespecífica, no comportamento social e na regulação da agressão (Roche e Leshner
1979; Goodson, 1998 ).
A seleção sexual gerada pela preferência das fêmeas é um processo que envolve
comunicação. O macho é quem envia o sinal, e o sinal enviado é a vocalização de anúncio,
por exemplo; a fêmea é quem recebe, e o sinal, após passar por seus sistemas sensoriais e
endócrinos, estimula a produção de uma resposta. As fêmeas de anfíbios possuem
preferências específicas para os cantos de anúncio encontrados em uma população
(Gerhardt, 1994, Ryan e Rand 2003). A preferência delas para caracteres específicos do
canto dos machos, como a complexidade da vocalização, vocalização por minuto, duração,
entre outros, pode produzir uma seleção entre os machos candidatos a reprodução,
gerando, assim, uma variabilidade no sucesso reprodutivo dos machos e provocando uma
influência na evolução do sinal (Kirkpatrick e Ryan, 1991)
Estudos realizados com Physalaemus pustulosus, ou sapo de Túngara, demonstraram
que as fêmeas possuem uma elevada preferência para a parte mais variada do canto, que é
a variação temporal, como taxa de repetições por minuto, por exemplo, e pouca preferência
direcionada para a freqüência fundamental, que é a parte mais forte do canto, presente no
“whine”, pois a variação desta é mínima na população (Bosch e col., 2000). O “chuck” é
muito variável entre machos – na quantidade em que é emitida e nas características
fundamentais, além disso, indica o tamanho do individuo: quanto menor a freqüência do
“chuck”, maior o macho e quanto maior o macho, mais elevado seria o sucesso reprodutivo
da fêmea, por isso as fêmeas apresentariam uma sensibilidade maior para captar variações
entre os diferentes “chucks” da população (Ryan e col., 1990)
Machos injetados com AVT apresentaram maior predisposição a iniciar o
comportamento vocal, ao mesmo tempo em que inseriram mais “chucks” no canto. Porém,
ao contrário do que seria de se esperar, estes machos não se tornaram mais atraentes para
as fêmeas (Kime e col., 2010). Isto provavelmente ocorreu porque o AVT alterou não só a
taxa de emissão de “chucks”, mas também a estrutura básica do canto, como as freqüências
finais e fundamentais usadas pela fêmea na discriminação do canto (Figura 2) (Kime e col.,
2010). Este estudo demonstra que as fêmeas são muito mais sensíveis em identificar
pequenas variações individuais do canto de anúncio dentro uma população do que se
imaginava, no entanto, isso não quer dizer que numa população natural, as fêmeas vão
todas optar obrigatoriamente por um único fenótipo.
Figura 2- (A) oscilograma e (B) sonograma de um canto de macho sem injeção de AVT. (C) Oscilograma e
(D) sonograma de um canto de macho após a injeção de AVT (modificado de Kime e col., 2010)
2- Comunicação visual
Um dos vários objetivos da comunicação acústica é que a fonte emissora seja localizada
e identificada. Porém, na comunicação por sinais visuais, a percepção da fonte é direta e
obrigatória. Exceto para espécies que possuem receptores de luz mais primitivos, é difícil
um animal detectar um sinal visual sem imediatamente ter uma idéia da sua fonte. Uma das
grandes vantagens do estímulo visual ocorrer simultaneamente com o acústico, é que os
sinais acústicos permitem uma localização aproximada, enquanto a movimentação e a cor
que geralmente são fatores que se somam na comunicação visual, auxiliam numa
localização mais precisa da fonte.
O sinal deve ter conteúdo, ou seja, deve transmitir uma mensagem, e ser eficiente
em transmitir essa mensagem (Guillford e Dawkins, 1995). A comunicação visual é
composta por expressões visuais, corporais, movimentos específicos de regiões do corpo
podendo incluir coloração ou não. Ao se estudar o efeito dos sinais visuais em determinada
espécie, é preciso considerar as condições ambientais que o sinal está sendo emitido e o
efeito da luz sobre a capacidade do sinal em ser efetivamente captado. Em ambientes
altamente florestados, por exemplo, é de se esperar que a luz, que passa com dificuldade
por entre a copa das árvores, atue como um fator limitante para a boa visualização do sinal.
Faz-se então necessário que ocorra uma seleção do ambiente onde será emitido o sinal,
Pág. 330 Julho/2011
Fisiologia na Dinâmica Ambiental
caso contrário poderá haver uma interferência do meio externo sobre a mensagem final que
esta sendo emitida.
Assim como no na comunicação acústica, o macho reprodutivamente ativo também
pode sinalizar informações a respeito de sua qualidade em relação aos demais machos do
grupo. Esta informação pode ser atestada, dependendo da espécie, pela intensidade da
coloração das penas de aves e escamas de peixes, pela complexidade do display de corte,
pelo tempo que o animal passa sinalizando (Houde e Endler 1990; Hill, 1990).
Embora a sinalização acústica seja o principal meio de comunicação para o anfíbios
anuros, trabalhos recentes vêm mostrando a existência de displays visuais e sua
importância tanto para espécies de hábitos diurnos como noturnos (Hartmann e col., 2005).
Os parâmetros necessários para a propagação dos sinais visuais variam de espécie para
espécie (Hodl e Amézquita, 2001). No caso específico de ambientes ruidosos, como
proximidade de riachos e cachoeiras, a propagação e a recepção dos sinais acústicos são
prejudicadas, e a sinalização visual teria surgido múltiplas vezes ao longo do processo
evolutivo como um complemento ou uma alternativa á comunicação acústica (Amézquita e
Hodl, 2004; Hartman e col., 2005).
De acordo com Ries e col. (2008), os sinais visuais podem ser classificados em
estáticos e dinâmicos. Os sinais estáticos são aqueles que permanecem constantes por
longos períodos, como a coloração aposemática em Dendrobates pumilio (Figura 3), que
tem como função principal advetir aos predadores sobre a sua toxicidade; os sinais
dinâmicos são aqueles que se manifestam por curtos períodos, tendo sua visibilidade
aumentada por movimentos específicos do corpo, como acenos de patas anteriores e
posteriores (Figura 4). Fora dos momentos de interação social, o animal permanece críptico
a maior parte do tempo.
Conclusão
A definição de estresse foi proposta primeiramente por Selye (1950), como uma
resposta inespecífica do corpo sobre algum agente estressor. Desde então, uma variedade
de definições foram apresentadas, demonstrando que o estresse é uma resposta fisiológica
a uma demanda, o estressor, e conceitos mais específicos sobre o tema, tendem a envolver
uma cascata endócrina como parte desta resposta inespecífica (Schreck, 2010).
Schreck (2000) argumenta que a visão do conceito de estresse deve ser mais ampla,
sendo, um conjunto de respostas que consistem em cascatas fisiológicas, que ocorrem
quando o organismo está tentando resistir à morte ou restabelecer a homeostase frente a
uma injúria. Mais recentemente Schreck (2010) menciona que a resposta ao estresse
consiste em uma cascata de eventos fisiológicos, que são iniciados pela percepção do
estressor e uma comunicação para o corpo, realizada via sistema nervoso central, agindo
tanto via neural quanto hormonal. Primeiramente, os hormônios presentes envolvidos são as
catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) e aqueles liberados pelo eixo hipotálamo-
hipófise- adrenal, que são respectivamente o hormônio liberador de corticotrofina (CRH),
que estimula o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e este por sua vez estimula a
produção de cortisol (Schreck, 2010).
As catecolaminas atuam diretamente no fígado, estimulando a glicogenólise, que eleva
a concentração de glicose plasmática para atender a demanda energética. O cortisol
apresenta diversas funções, sendo que em peixes, ele age primeiramente nas células
branquiais, intestinais e hepáticas, nas quais foram identificadas até o momento funções
adaptativas relacionadas à osmorregulação e a manutenção e balanceamento do
metabolismo energético (Wendelaar Bonga, 1997), devido ao catabolismo de carboidratos,
lipídios e proteínas em diferentes tecidos (Mazeaud e Mazeaud, 1981). Estas ações em
longo prazo podem causar alterações no crescimento, sucesso reprodutivo e diminuição de
resistência às doenças (Barton, 2002).
Em outro estudo realizado por Tolussi (2010), agora com Steindachneridion parahybae
um teleósteo da ordem dos Siluriformes, foi avaliado o papel de variações médias de 20C de
temperatura da água no desempenho e parâmetros metabólicos dos animais. Para a análise
do cortisol o autor levou em consideração um dos fatores mencionados acima que podem
mascarar os resultados da concentração de cortisol plasmático e assim gerar dúvidas sobre
a importância deste hormônio como um indicador de estresse, o procedimento de
amostragens. Como o cortisol é um hormônio que demora alguns minutos para ser liberado,
é necessário que as coletas de sangue sejam realizadas o mais rápido possível (de 1 a 3
minutos). Este trabalho mostra que os surubins do Paraíba que eram retirados dos tanques
experimentais, mas que tinham o seu sangue coletado após 3 minutos (independente do
grupo experimental que ele consistia), apresentavam concentrações de cortisol plasmático
maiores que os animais que retirados dos tanques experimentais e imediatamente
anestesiados (menos de 3 minutos) e amostrados (Fig. 2).
Figura 3 – Visão resumida das dinâmicas do cortisol e das catecolaminas na produção de glicose.
(+) significa modulação positiva e (-) significa modulação negativa (Modificado de Martinez-Porchas e
col., 2009).
Glicose Plasmática
a
40 a
b
(m g/m L)
30 b
b b b b
20
10
0
Início Sem Estufa Sem Estufa Sem Estufa
Estufa Estufa Estufa
Figura 5- Concentração de glicose plasmática (mg/mL) nos animais do
grupo Estufa (barra vermelha) e Sem Estufa (barra azul) ao longo do
experimento – Setembro de 2009 (coleta inicial) a março de 2010 (coleta
a,b
final). (média ± EPM). Letras diferentes representam diferença
estatística (P < 0,05) dentro do mesmo grupo experimental ao longo do
tempo (Modificado de Tolussi,2010).
experimentais e também para o grupo coberto com a estufa no mesmo período. Entretanto,
as maiores concentrações de glicose foram encontradas em março, nos dois grupos
experimentais. Ao observar os resultados de massa corpórea (tab. 2), os animais do grupo
sem a cobertura da estufa obtiveram valores estatisticamente maiores.
Os resultados apresentados na tab.2, supostamente estão contra aos observado na
fig. 3 e da fig.4, já que em nenhum dos animais de ambos os grupos experimentais
apresentaram queda nos valores de massa corpóreos, assim como nenhum indício que
explicasse os dados encontrados para o cortisol e glicose, sugerindo que a concentração
de cortisol e de glicose plasmáticos podem ser alterados também devido a possíveis
interações sociais que ocorrem com os animais nos próprios tanques experimentais
momentos antes da coleta e que possivelmente podem ter refletido nos resultados
encontrados por Tolussi (2010).
Tabela 2 - Massa corpórea (g) e Comprimento total (cm) do Surubim do Paraíba (Steindachneridion
parahybae) ao longo do experimento (Média ± EPM).
Massa Out/09 Nov/09 Dez/09 Jan/10
b c
Sem Estufa 38,9±0,28 35,7±0,48 44,3±0,76ª 44,7±0,90a
Estufa 38,9±0,28c 37,6±0,68c * 51,9±0,93b * 59,1±1,20a *
a,b
As letras representam diferença estatística maior entre as coletas no próprio grupo experimental.
*Representa as diferenças estatísticas significativas entre os grupos experimentais dentro das
respectivas coletas. (P<0,05) (Modificado de Tolussi,2010).
indivíduos), é disparado um estágio de vida de emergência (Fig. 6), que tem a função de
redirecionar os indivíduos a um modo de sobrevivência, ou seja, é reduzida a carga
alostática para um balanço positivo (sai da sobrecarga alostática tipo 1), e com isso, a
secreção de glicocorticóides declina como consequência, permitindo agora que o
organismo viva com a perturbação e com um balaço energético positivo.
Outro fator que pode ter influência nas concentrações de cortisol foi constatado em
aves que apresentaram uma evidente resposta da adrenocortical devido aos chamados
fatores de perturbações instáveis, que são modulados tanto por sazonalidade quanto
individualmente. Essas mudanças podem ocorrem por bases ecológicas como, estado
reprodutivo (o cortisol é um hormônio para adaptação a água salgada em peixes
catádromos, com isso no período reprodutivo há uma elevação do cortisol nestas espécies),
status social, condição corporal e etc (McEwen e Wingfield, 2003). Isto é possível devido
Sendo assim, nós poderíamos definir o cortisol como um dos indicadores de estresse,
porém apenas ele não é suficiente para que sejam feitas afirmações definitivas do estado
dos animais, porém este hormônio pode ser adequadamente utilizado, sendo um bom
indicadores de estresse. No entanto, caso sua interpretação não seja adequada, ele
realmente irá nos estressar.
A B
C D
Figura 1- Estrutura dos ácidos graxos saturados (A), monoinsaturados (B), polinsaturados (C) e
altamente insaturados (D) (modificado de http:
www.webmotors.com.br/wmpublicador/Teses_Conteudovxpub?hnid=36437 – 20/05/2011).0/05/2011).
Deste modo, a função dos ácidos graxos na fisiologia dos animais é muito variada.
Os SFAs com o seu alto conteúdo calórico são primariamente utilizados como fonte de
energia, enquanto os PUFAs participam da regulação da fluidez de membranas biológicas,
além de serem precursores de eicosanóides (Brett e Muller-Navarra, 1997). É bem
conhecido que o aumento na proporção de PUFAs nas membranas celulares permite o
aumento da fluidez, uma característica vantajosa para organismos que vivem em baixas
temperaturas. Este processo é muito bem estabelecido para zooplâncton e peixes marinhos
e dulcícolas, bem como para outros ectotérmicos. Entre os HUFAs, particularmente os AGs
ômega (n) 6 e 3, como o ácido araquidônico (AA – C20:4n6) e ácido eicosapentanóico (EPA
– C20:5n3) e ácido docosahexanóico (DHA – C22:6n3), respectivamente, atuam como
precursores de eicosanóides em invertebrados e vertebrados, os quais incluem
prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos. Estes componentes podem influenciar no
crescimento; na regulação da produção de ovos, oviposição, desova e eclosão; no controle
do fluxo de íons e água e no ajuste de set point da temperatura, além de mediarem
respostas imunológicas a infecções e terem um papel importante na neurofisiologia (Bell e
col., 1995; Stanley-Samuelson, 1994).
Assim, os lipídios mais simples construídos a partir de ácidos graxos são os
triacilgliceróis (TG), compostos por 3 ácidos graxos unidos por uma ligação éster ao mesmo
glicerol. Nos vertebrados, os adipócitos armazenam grande quantidade de triacilgliceróis
como gotículas de gordura, servindo como depósito de combustível metabólico. Uma das
vantagens em utilizar os TG como fonte de energia é que a sua oxidação fornece mais do
que o dobro de energia que os açúcares; e, além disso, como são hidrofóbicos não
necessitam de água para o seu armazenamento (Nelson e Cox, 2005). Outra importante
classe de lipídios é a dos fosfolipídios (FL), nos quais dois ácidos graxos estão unidos em
ligação éster ao carbono 1 (C1) e 2 do glicerol e um grupo altamente polar está ligado por
meio de uma ligação fosfodiéster ao carbono 3. De modo geral, os FLs contêm um ácido
graxo saturado no C1 e um ácido graxo insaturado no C2. Esses compostos são os
principais componentes de membranas biológicas e lipoproteínas. Os esfingolipídios
também participam da composição de membranas biológicas e possuem uma importante
função no sistema nervoso (Schreiner, 2003). De modo geral, estes AGs com diferentes
funções e estruturas podem variar entre espécies e em resposta às condições ambientais,
mas em algas, a síntese de TG relaciona-se diretamente às condições do ambiente,
enquanto os fosfolipídios têm uma composição de AGs relativamente constante. Então,
pode ser antecipado que os AGs derivados dos TG podem ser mais indicativos do estado
fisiológico do organismo, enquanto àqueles derivados dos FLs podem ser relacionados à
taxonomia do organismo (Parrish e col., 1995).
C10 de um ácido graxo saturado. A ação desta Δ9 dessaturase em C16:0 e C18:0 produz
C16:1 e C18:1, respectivamente (Fig. 2). Em seguida, a Δ12 e Δ15 dessaturase inserem
uma dupla ligação no C18:1 formando o C18:2n6 (ácido linoléico, LA) e C18:3n3 (ácido α-
linolênico, ALA) (Fig. 2). Esses PUFAs com 18C podem ser elongados e dessaturados pelas
enzimas Δ5 e Δ6 dessaturases, que introduzem uma série consecutiva de elongações e
dessaturações na cadeia para gerar os HUFAs ômega 6 e 3, como AA, e EPA e DHA,
respectivamente (Fig. 2) (Henderson, 1996).
AA
n6
EPA
n3
DHA
energia das plantas para os herbívoros e por último aos predadores do topo da cadeia. Nas
cadeias alimentares aquáticas, a produção do fitoplâncton é limitada pela disponibilidade de
nutrientes, principalmente fósforo e nitrogênio, além da luz, enquanto a produção dos
predadores é limitada pela disponibilidade de presas e a habilidade do predador capturar e
processar esta presa (Ivlev, 1961 apud Brett e Muller-Navarra, 1997).
Como visto, os PUFAs C18 originam-se de produtores primários e podem ser
modificados quando passam ao longo da cadeia alimentar (Fig. 3). Os AGs C18:2n6 e
C18:3n3, por exemplo, são encontrados em elevadas quantidades na maioria das plantas
terrestres, sendo usados como biomarcadores. Nas amostras aquáticas encontradas com
mais de 2,5% destes AGs pode-se considerar que há material terrestre como uma fonte
significante de matéria orgânica (Parrish e col., 2000). O grau de síntese de HUFAs a partir
de PUFAs C18 é dependente das atividades das elongases e/ou dessaturases, como já
visto, e por sua vez, isto pode ser dependente dos HUFAs disponíveis na dieta (Fig. 3). De
modo geral, os ácidos graxos de origem aquática são caracterizados pela predominância do
ácido palmítico (C16:0), bem como pela presença de HUFAs (AA, EPA e DHA) (Parrish,
1998). Contudo, os SFA possuem pequeno valor taxonômico como biomarcadores, pois são
sintetizados por todos os organismos (Parrish, 1995).
Dieta
C18:2n
C18: Plantas terrestres
C18:3n
Dieta
3.2- Zooplâncton
O zooplâncton participa de uma importante ligação entre os níveis tróficos mais
baixos e mais altos da cadeia alimentar. Esses animais apresentam grande habilidade em
produzir ácidos graxos monoinsaturados de cadeia longa, como C20:1 e C22:1, que quando
encontrados em organismos superiores, são normalmente originários dos copépodas
(Parrish e col., 2000). Contudo, alguns componentes do zooplâncton são incapazes de
sintetizar HUFAs e a taxa de crescimento e sucesso reprodutivo desses animais tem sido
diretamente relacionado a disponibilidade destes AGs no fitoplâncton. Bell e col. (2007)
testaram a habilidade de síntese de HUFAS a partir de C18:3n3 em 4 espécies de
copépodas marinhos e observaram que após 96 horas de incubação com ALA essas
espécies foram incapazes de sintetizar HUFAs em taxas ecologicamente significativas sob
as condições do experimento. Contudo, trabalhos feitos com copépodas de água doce
demonstraram acúmulo de DHA (Desvilettes e col., 1997) e EPA (Schlectriem e col., 2006)
quando alimentados com alga verde, que não possui estes AGs.
A maior quantidade de DHA nos copépodas pode ser devido ao maior
desenvolvimento do sistema nervoso desses animais comparado aos outros animais do
zooplâncton (Scott e col., 2002). Os copépodas tem um sistema nervoso altamente
desenvolvido para estratégias de ataque às presas e fuga de predadores, os quais permite
Insetos
Aves aquáticos Animais
carnívoros e
Peixes
Emergente
Anfíbios
Zooplâncton
A função dos corpos d’água como uma fonte hídrica é bem estabelecida, e deve ser
argumentada também pelo reconhecimento explícito da sua função na suplementação dos
ecossistemas terrestres com lipídios essenciais. Também é importante notar que os
ecossistemas aquáticos diferem em sua habilidade de produzir HUFAs (Gladyshev e col.,
2009), pois corpos d’águas dominados por cianobactérias, por exemplo, tem menos
produção de HUFAs que aqueles dominados por diatomáceas (Muller-Navarra e col., 2004).
Então, processos em larga-escala, como eutrofização e aquecimento global, podem atuar
independentemente e afetar uma diminuição global na produção de HUFAs em
ecossistemas aquáticos com possíveis implicações negativas nos ecossistemas terrestres
ao redor (Gladyshev e col., 2009).
algas calcárias e de animais como moluscos, corais, crustáceos e outros (Berchez e col.,
2008).
1.Contaminantes Orgânicos
Os compostos orgânicos gerados antropicamente apresentam diferentes tamanhos
moleculares e grupos funcionais e, é este último, que determina a reatividade e a toxicidade
destes compostos. Possuem baixa solubilidade e alta toxicidade e são persistentes no
ambiente principalmente no sedimento (Zagatto e Bertoletti, 2006).
2008). No Brasil, até 20% de etanol é adicionado à gasolina, agravando ainda mais sua
estabilidade na água, pois aumenta a solubilidade dos hidrocarbonetos facilitando sua
dispersão nos ambientes aquáticos (Tiburtius e col., 2005).
2. Contaminantes inorgânicos
2.1- Metais
Os metais são empregados de maneira diversificada nos corpos d’água,
principalmente por fontes industriais desde o refino do petróleo à produção de fertilizantes
(Forstner e Wittmann, 1981). A especiação de metais nos ecossistemas aquáticos
compreende a distribuição destes em várias formas físico-química na coluna d’água e no
sedimento. Os metais podem estar presentes da seguinte forma: Livre e dissolvido;
complexado a matéria orgânica dissolvida; complexados a frações lipídicas presentes na
água, adsorvidos nas partículas coloidais ou particulados orgânicos e inorgânicos e
insolubilizados (Zagatto e Bertoletti, 2006). A especiação em uma amostra de água é
necessária para compreender a toxicidade, biodisponibilidade e bioacumulação de um metal
(Florence, 1981).
Nem sempre os metais presentes na água são representativos de poluição e
toxicidade, muitos deles, como o ferro, manganês e o cobre são nutrientes indispensáveis
às plantas e aos seres humanos em baixas concentrações, porém, a maioria deles adquire
propriedades tóxicas quando presentes em altas concentrações (Tavares e Carvalho, 1992)
Figura 1 - Escala de sucessão dos efeitos causados por poluentes no organismo e no ecossistema
(modificado de Clements 2000).
1.1- Biomarcadores
Os biomarcadores são definidos como qualquer mudança na resposta biológica
(molecular, celular, fisiológica e comportamental) relacionado com a exposição a
substâncias químicas no ambiente (Peakall, 1994). De acordo com Who (1993) os
biomarcadores podem ser divididos em 3 classes:
Biomarcadores de exposição- avalia o quanto da substância e seus metabólitos
estão interagindo no organismo, deve representar uma resposta bem caracterizada levando
1.1 Biotransformação
Uma vez presente no organismo, um contaminante pode ser excretado de duas
maneiras: ou em sua forma original, ou biotransformado. Geralmente ocorre a formação de
compostos mais hidrofílicos que são mais facilmente excretados, sendo que o principal
órgão envolvido neste processo é o fígado. A biotransformação pode alterar a toxicidade do
composto tanto para uma forma mais benéfica ou não, sendo este processo determinante
na atividade, duração e a meia vida do composto no organismo (Van der Oost e col., 2003).
1.2- Bioacumulação
É o processo pelo qual um composto químico se acumula em altas concentrações no
organismo podendo ocorrer de forma direta, via contaminação do meio ambiente por todas
as vias de exposição através da respiração, nutrição, epiderme e ainda locais que os
contaminantes estejam presentes como água, sedimento e outro organismos; e de forma
indireta via cadeia alimentar (Van der Oost e col., 2003), pois muitos compostos apresentam
características particulares que conferem resistência à degradação biótica e/ou abiótica.
1.3- Biomagnificação
É o aumento na concentração de um contaminante a cada nível da cadeia alimentar
(Van der Oost e col., 2003). Este tópico foi discutido no capítulo anterior (Você é o que você
come: Importância dos ácidos graxos na cadeia trófica).
1.4- Bioindicadores
São considerados bioindicadores os organismos que oferecem informações das
condições ambientais no seu habitat pela sua presença, ausência ou mudança
comportamental (Van der Oost e col., 2003). É importante que os organismos utilizados para
os testes ecotoxicológicos sejam espécies-chave para o ecossistema em risco (Calow,
1994) e vale ressaltar que a permanência de uma espécie em um ecossistema não está
somente relacionada com a sua capacidade de adaptação e sobrevivência, mas também na
capacidade se reproduzir na presença destes poluentes (Kime, 1995). Os peixes são
amplamente utilizados no biomonitoramento da poluição aquática devido a sua importância
econômica e ecológica (Zhou e col., 2008) e a contaminação em peixes deve ser
considerada muito relevante, pois algumas espécies estão no topo da cadeia alimentar e
outras, servem de alimentos para outros animais. Outro ponto que se deve considerar é o
tamanho, disponibilidade e fácil manutenção em laboratório, para tanto, a espécie Daphnia
magna, um microcrustáceo, também tem sido muito utilizado nos testes de ecotoxicidade
devido a sua alta taxa reprodutiva e de crescimento, além de apresentar um ciclo de vida
curto, facilitando a análise rápida dos efeitos causados na fisiologia animal por poluentes
aquáticos (Koivisto, 1995).
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forma a oscilar independente do ambiente, ditando o ritmo biológico. Agora podemos chegar
mais perto do que se trata a organização temporal: significa em como nos preparamos para
responder às mudanças no ambiente associadas ao tempo. A partir disso surgirão ainda
várias questões, o que seria a organização em um ser vivo, que estruturas, órgãos,
moléculas estão envolvidas, isso é padrão? Como é a resposta de um animal à variação?
Ela também se assemelha entre as espécies, são mecanismos conservados? Sobre essas
formas de perceber o tempo e de marcar o tempo que vivemos será tratada em nosso
módulo. Queremos discutir os vários aspectos da ritmicidade biológica, como a sua
importância, sua história filogenética, de como a dimensão temporal está incorporada aos
processos biológicos, mais especificamente como vários processos fisiológicos são
coordenados de forma a acontecer no tempo adequado para as diversas funções vitais.
Como exemplo de ritmicidade tratamos sobre como o sistema imunológico se organiza ao
longo do tempo, exemplificando também como estruturas do sistema de temporização dos
vertebrados também compõe parte da resposta de defesa do organismo.
Introdução à Cronobiologia
Período, por sua vez, refere-se ao tempo necessário para que seja
completado um ciclo rítmico, que pode ser representado, por exemplo, através da
distância existente entre dois pontos que contemplem um ciclo completo (Smolensky
e Peppas, 2007). É importante atentar-se ao erro conceitual cometido na utilização
dos verbetes noturnos e diurnos (ou demais verbetes de igual significância
semântica) como sendo períodos. Note que noite e dia são duas fases que estão
contidas em um mesmo período. Isto é, em um período de 24 horas, há a fase de
claro e há a fase de escuro.
A amplitude (A) pode ser entendida como a diferença entre o nível mínimo e o
máximo da curva rítmica (Koukkari e Sothern, 2006) ou como a distância entre o
nível médio da curva (medida de tendência central) até uma de suas extremidades
(Marques e Menna-Barreto, 2003). Tais parâmetros, que são elementos que
caracterizam um ritmo, podem ser observados na figura 1.
Figura 1 - Parâmetros rítmicos demonstrados em uma onda sinusóide (modificado de Refinetti, 2006).
Figura 2 - Distinção entre ritmo e frequência. A e B tiveram sua atividade medida durante 6 minutos.
Em A, as ondas compõem um período maior, apresentando ângulos mais abertos do que em B, em
que as ondas apresentam um período menor. Desse modo, diz-se que A tem uma frequência menor
do que B, uma vez que o intervalo de repetição entre os períodos é maior e, portanto, ocorre um
menor número de ciclos do que em B (modificado de Refinetti, 2006).
Figura 3 - Relação dos ritmos com suas respectivas frequências e período. O ritmo infradiano é
aquela com o maior período (aferido em horas) e menor frequência (medida em microHertz). O ritmo
ultradiano apresenta menor período e maior frequência. O ritmo circadiano apresenta valores
intermediários.
É importante ressaltar que a prefixação “ultra” e “infra” remete ao estudo das
radiações eletromagnéticas e, portanto, ao comprimento de ondas –
respectivamente, menor e maior que o comprimento da luz visível. Apesar de estes
serem os ritmos mais comuns, há outros ritmos bastante utilizados como
exemplificado na tabela 1.
Tabela 1- Diferentes ritmos ultradianos e infradianos. Dado que o ritmo ultradiano compreende um
período inferior a 20 horas, os ritmos cardíacos e de maré estão contidos na categoria ritmo
ultradiano, mas apresentam uma especificação de período. O ritmo infradiano é todo aquele que tem
um período superior a 28 horas, os ritmos circaseptano, circatringintano, circanual e lunar estão
contidanos na categoria ritmo infradiano, mas apresentam uma especificação de período (adaptado
de Giuseppe e Giovanni, 2002; Koukkari e Sothern, 2006).
Ultradianos
Maré (12,4 horas) Caranguejos que só desentocam
durante a maré baixa (Refinetti,
2006).
Figura 4 - Árvore filogenética. Os anos indicam o surgimento aproximado de cada um dos domínios –
Bacteria, Archea e Eukarya. As horas referem-se ao tempo que a Terra levava para completar uma
volta completa ao redor de seu próprio eixo nos referidos anos (Adaptado de Refinetti, 2006).
Assume-se que o ritmo circadiano dos seres vivos atuais foi herdado
diretamente do domínio Bacteria, uma vez que diversos organismos de diferentes
filos, como as cianobactérias, apresentam ritmicidade endógena circadiana
(Lemmer, 2009). Todavia, por falta de evidências fósseis, há a possibilidade de que
essa ritmicidade possa ter surgido em caráter de novo diversas vezes ao longo do
tempo nas diferentes espécies (Refinetti, 2006).
Como a duração dos dias ao longo das eras foi sendo alterada à medida que
o movimento de rotação da Terra foi se tornando mais lento, é possível afirmar que o
oscilador endógeno, enquanto herdado, também foi evoluindo e se adaptando
conforme os dias tornavam-se mais longos (Refinetti, 2006).
A investigação da presença de ritmos biológicos data de 1729 com o trabalho
acerca do movimento das folhas de Mimosa realizado por de Mairan. Neste
experimento o vegetal, que apresentava o movimento característico de abrir suas
folhas durante o dia e de fechá-las durante a noite – portanto heliotrópica, foi
submetido a um ambiente de escuro constante (Rotenberg e col., 2003).
O resultado observado foi que, mesmo na ausência da luz solar, o vegetal
continuava a exibir o mesmo comportamento de abertura e fechamento de suas
folhas em ritmo semelhante, sugerindo que seu mecanismo de regulação obedecia
às variações da luz solar ao longo do dia, ainda que esta não estivesse exposta ao
sol, demonstrando que este era um fenômeno gerado endogenamente (Rotenberg e
col., 2003).
Outros experimentos endossaram os conhecimentos acerca desse fenômeno,
como o de du Monceau, publicado em 1759, que demonstrou que os movimentos
foliares não dependiam das variações de temperatura e o de de Candolle, publicado
em 1832, que submeteu a mesma espécie vegetal utilizada por de Mairan a um
ambiente de luz constante, ou seja, 24 horas de exposição, e constatou que sim, os
movimentos foliares eram mantidos, contudo, em um ritmo que durava entre 22 e 23
horas, reafirmando a presença de algum mecanismo inerente ao organismo vegetal,
portanto endógeno e responsável pelo movimento foliar (Golombek e Rosentein,
2010).
Como colocado anteriormente, esse mecanismo de antecipação às variações
ambientais é de extrema relevância para a manutenção da homeostase de um
organismo, representando uma grande vantagem adaptativa (Bell-Pedersen e col.,
2005; Smolensky e Peppas, 2007). Por exemplo, o organismo humano se programa
para que possa atingir seu pico de atividade máxima na fase de claro, enquanto na
fase de escuro há uma preparação para a fase de sono (Refinetti, 2006). Outro
exemplo é a necessidade que animais que hibernam tem de acumular energia nas
fases de primavera e verão para suportar as alterações climáticas subsequentes
sem demandar mais alimentos, em recolhimento (Enright, 1970).
A realização de experimentos em que os organismos são submetidos a
condições constantes de luz, temperatura, umidade, ausência de alimento e
congêneres foram importantes para a demonstração da endogenicidade dos ritmos
biológicos. A essa experimentação foi dada o nome de livre-curso, uma vez que os
organismos passam a expressar seus ritmos biológicos endógenos de maneira livre,
desprendido de uma modulação externa, portanto não sincronizado, apresentando o
período de um ritmo endógeno, o qual é representado pela letra grega tau – τ – e é
de extrema importância para a caracterização de um ritmo biológico (Marques e col.,
2003).
Um importante instrumento para o estudo dos ritmos é o actograma. Este é
uma representação gráfica que demonstra, por exemplo, a atividade locomotora de
um organismo ao longo do tempo. Na figura 5 é apresentado um actograma de
atividade locomotora do roedor Mus musculus onde cada linha representa um dia na
vida deste animal. Na primeira situação, o animal foi submetido a um ciclo claro-
escuro de 12:12 horas expressando seu ritmo de atividade sincronizado ao escuro,
visto ser um animal de hábito noturno. Na segunda situação, o animal foi exposto a
uma situação de escuro constante, passando a expressar seu ritmo em livre-curso.
Esse experimento evidencia o importante papel que pistas ambientais exercem
sobre o ritmo endógeno – o de sincronização. O ciclo ambiental promove esta
sincronização entre esses ritmos através do arrastamento da fase e da frequência
do ritmo endógeno em livre-curso (Marques e col., 2003).
Os ritmos endógenos são gerados pelos chamados relógios biológicos, que
são as estruturas responsáveis por produzir oscilações regulares que, juntamente
com os ritmos ambientais, compõem os mecanismos temporizadores (Rotenberg e
col., 2003; Marques e col., 2003; Refinetti, 2006).
Desse modo, o ciclo claro-escuro promove o arrastamento do relógio
biológico, sincronizando-o com as 24 horas do referido ciclo, o que é demonstrado
no actograma pelo perfil mais linearizado verticalmente na primeira situação da
figura 5.
Figura 5 - Actograma de Mus musculus em ciclo claro escuro e em condição de escuro constante,
respectivamente. As barras superiores representam o período de 24 horas. Quando não hachuradas,
indica fase de claro, porém, quando hachuradas, indicam o período em que o animal foi submetido à
fase de escuro. Desse modo, na primeira situação o animal foi submetido a um ciclo claro/escuro e
apresentou seu ritmo sincronizado. Na segunda situação, de escuro constante, o animal apresentou
seu ritmo em livre-curso. Os tracejados inferiores indicam a atividade locomotora do animal e as
linhas de cada situação indicam os diferentes dias. Na primeira situação há um ritmo motor
sincronizado, enquanto isso, na situação de escuro constante, conforme o passar dos dias, a curva
de atividade locomotora do animal tende para a esquerda, demonstrando que seu ritmo endógeno é
menor do que 24 horas (modificado de Refinetti, 2006).
Figura 6 - Demonstração de alguns dos zeitgebers que atuam no rato, sincronizando seu relógio
biológico e arrastando seus ritmos (modificado de Refinetti, 2006).
Agradecimentos
Este texto foi gentilmente revisado pela Profa. Zulma S. Ferreira (Dep.de
Fisiologia, IB-USP). Meus sinceros agradecimentos.
Erika Cecon
Laboratório de Cronofarmacologia
erika.cecon@usp.br
1976). Posteriormente, Inouye e Kawamura (1979) estabeleceram alguns critérios para que
uma estrutura possa ser considerada um oscilador endógeno, sendo que a glândula pineal
de aves obedecia a todos eles. Tais critérios são:
- persistência da oscilação em condições de cultura (in vitro), ou seja, na ausência de
aferências e eferências;
- transferência do padrão de oscilação no caso de transplante do órgão, sendo que o
indivíduo transplantado passa a exibir o período e a fase da oscilação correspondente ao
que era encontrado no indivíduo doador.
Este último quesito, porém, só poderia ser utilizado no caso de um oscilador que se
comunique com o resto do organismo por vias humorais, como é o caso da glândula pineal
nos pardais, pois a técnica de transplante não se aplicaria se a estrutura se comunicasse
por vias neurais, como parecia ser o caso nos roedores (Inouye e Kawamura, 1979).
Figura 1 – Ritmo circadiano de disparos no núcleo caudado e no hipotálamo de animais intactos (A)
ou na ilha de NSQ isolado (B). Nas abscissas, a barra preta indica a fase de escuro, das 21h00 às
09h00 (Retirado de Inouye e Kawamura, 1979).
Por fim, o experimento que faltava para sanar qualquer dúvida remanescente a
respeito da identidade do relógio biológico de mamíferos era o transplante dessa estrutura
entre animais que apresentassem diferentes fases ou período para um mesmo ritmo, de
acordo com os critérios já citados. Isso foi possível somente muitos anos depois e foi
realizado em hamsters “tau-mutantes” (que apresentam mutação no período circadiano,
20h), cujos NSQs foram transplantados em hamsters selvagens ( 24h). Os animais
selvagens, ao terem os NSQs lesionados, ficaram arrítmicos e, após o transplante,
passaram a apresentar ritmos de atividade-repouso com o mesmo período do doador
mutante (Ralph e col., 1990). Confirmara-se então o caráter oscilatório dos NSQs de
mamíferos.
Figura 2 – Actogramas de dois ratos em livre-curso, implantados com cânulas no NSQ e perfundidos
com fluido cérebro-espinhal artificial (A) ou tetrodotoxina (B) durante os 14 dias indicados pelas setas
(Retirado de Schwartz e col., 1987).
Figura 3 – Ritmo circadiano na taxa de disparos elétricos registrados em dois neurônios dos NSQs
(azul e vermelho). Esses neurônios são de uma mesma cultura, em posição bem próxima um ao
outro, e apresentam esse ritmo em oposição de fase (Retirado de Welsh e col., 1995).
Indo um pouco mais além, sabemos que a fase de atividade do animal limita a
ocorrência de muitos outros ritmos, delimitando a janela temporal em que ocorre a
tomada de alimento ou a caça, por exemplo, mantendo-os também sincronizados.
Por outro lado, a sensação de fome e a alimentação em si são fortes Zeitgebers
para a grande maioria dos relógios periféricos, propiciando pistas temporais
provavelmente através dos níveis de glicose plasmática, dos hormônios
relacionados aos processos digestivos ou mesmo pelas vias neurais provenientes do
NSQ, mas que não envolvem o trato retino-hipotalâmico. Essas pistas temporais são
capazes de arrastar os ritmos nesses relógios periféricos sem que o relógio central
seja alterado (Damiola e col., 2000; Stokkan e col., 2001). Os ritmos de alimentação
e atividade/repouso também são capazes de influenciar a temperatura corporal,
apesar de esta ser majoritariamente controlada pelo NSQ. Por sua vez, a
temperatura corporal também constitui outro forte Zeitgeber para os relógios
periféricos (Fig.9).
Agradecimentos
Este texto foi gentilmente revisado pela Profa. Zulma S. Ferreira (Dep.de
Fisiologia, IB-USP). Meus sinceros agradecimentos.
Figura 3 – Fotorrecepção na Retina: (A) A luz atravessa várias estruturas antes de chegar à
retina. À direita (quadro) na região da fóvea, estão localizados alguns tipos celulares da retina. (B)
Esquema simplificado que mostra os principais tipos celulares da retina: fotorreceptoras (cones,
bastonetes, células ganglionares), células bipolares, células amácrinas e células horizontais que atuam
principalmente como interneurônios. (Modificado de Baldo & Hamassaki-Britto, 1999).
diferentes no SNC. Portanto, apesar destes indivíduos não projetarem informações captadas
por cones e bastonetes para o córtex visual e formar a visão, estes ainda se mantêm
sincronizados ao ambiente externo, se as células ganglionares se mantiverem intactas.
A partir de agora, abordaremos como as aferências da retina chegam ao relógio
biológico central e como este relógio se projeta para outras áreas para adequar o
comportamento e as respostas fisiológicas.
Em mamíferos, as informações relacionadas ao ciclo claro/escuro ambiental
percebidas pela melanopsina das células ganglionares (Fig. 4) são projetadas
através do trato retino-hipotalâmico (TRH) para o hipotálamo, onde estão localizados
os núcleos supraquiasmáticos (NSQs). Em resposta a luz, os neurotransmissores
glutamato e PACAP (do inglês, pituitary adenilate cyclase-activating peptide) são
liberados no terminal axonal do TRH e estimulam seus receptores localizados nos
neurônios dos NSQs para que a sinalização intracelular promova a sincronização do
oscilador endógeno (Hannibal, 2002, Hirota e Fukada, 2004, revisto por Meijer e
Schwartz, 2003).
Figura 6 – Representação esquemática dos efeitos da luz sobre o ritmo circadiano de um animal em
ciclo de claro/escuro (LD, do inglês Light/Dark) e, portanto, sincronizado a um ritmo de 24 horas.
Quando este animal é mantido em escuro constante (DD, do inglês Dark/Dark) e na ausência de
qualquer outra pista ambiental, entra em livre curso. Um pulso de luz no final do período de atividade,
ou seja, no final da noite subjetiva promove um adiantamento de fase (em inglês phase advance) e
um pulso de luz no início do período de atividade, ou seja, no inicio da noite subjetiva promove um
atraso de fase (em inglês phase delay). As barras pretas indicam a atividade do animal (roedor se
movimentando na gaiola, bebendo água ou se alimentando) em dias sucessivos. A lesão nos NSQs
faz com que a luz ambiental não seja mais interpretada (apesar de ainda estar sendo percebida)
havendo desincronização, o que explica a fragmentação do registro de atividade deste animal
(Modificado de Esseveldt e col., 2000).
Figura 7 – Evolução filogenética dos pinealócitos e sua estrutura microscópica: (A) Em peixes,
anfíbios, répteis e aves as células da pineal atuam como células fotorreceptoras ou células
Após termos abordado como a luz sincroniza o oscilador central (em mamíferos) ou
os osciladores (em vertebrados não-mamíferos), voltaremos nossa atenção para os
mamíferos para compreender como a sincronização do relógio central modula o
funcionamento do organismo. A partir deste ponto discutiremos como esta sincronização
modula processos fisiológicos (eferência). Neste contexto, as glândulas pineal e adrenal são
ótimos exemplos para demonstrar a via eferente do sistema de temporização interna do
organismo, o qual tem os NSQs como sincronizador central.
A informação temporal gerada pelo relógio biológico central (NSQs) chega a todo
organismo através de vias neurais que são projetadas para estruturas alvo. Estas
eferências, portanto, controlam o funcionamento destas estruturas e assim, modulam o
funcionamento do organismo. Para o controle das glândulas pineal e adrenal, as vias
eferentes dos NSQs ustilizam uma estação sináptica localizada nos núcleos
paraventriculares do hipotálamo (PVN). É interessante notar que a lesão nos NSQs não
elimina a produção hormonal destas glândulas, entretanto, dessincroniza o ritmo diário da
síntese destes hormônios (Simonneaux e Ribelayga, 2003).
Com relação à produção circadiana de melatonina (produção pela glândula pineal) as
projeções do PVN seguem para a porção intermédio-lateral da medula espinhal. A partir daí,
via gânglio cervical superior (GCS), fibras pós-ganglionares simpáticas promoverão
liberação de noradrenalina diretamente na glândula pineal e a ativação da via biosintética de
melatonina durante a fase de escuro ambiental. (Simonneaux; Ribelayga, 2003).
Já a produção rítmica de corticosterona estimulada pelos NSQs via PVN pode
ocorrer de duas formas: a primeira é por uma via neuroendócrina que consiste na atuação
do PVN sobre a adeno-hipófise induzindo a secreção de hormônios, entre eles o hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) que, via circulação sistêmica, chega ao córtex da glândula
adrenal e estimula a produção de corticosterona (Buijs e Kalsbeek, 2001; Kalsbeek e Buijs,
2002). Já a via neuroendócrina também utiliza a coluna intermédio-lateral da medula
espinhal. Como já discutido, a projeção da coluna intermédio-lateral para o gânglio cervical
superior controla a produção de melatonina. Por outro lado, uma projeção da coluna
intermédio-lateral descende pela medula espinhal e inerva diretamente o córtex da adrenal
Agradecimentos
Este texto foi gentilmente revisado pela Profa. Luciana Pinato (Departamento
de Fonoaudiologia, UNESP, Campus Marília, SP) e pelo Prof. Pedro Augusto Carlos
Magno Fernandes (Departamento de Fisiologia, IB-USP). Meus sinceros
agradecimentos.
transcrição de 100-150 vezes maior durante a noite (Borjigin e col., 1995; Roseboom
e col., 1996; Garidou e col., 2001). Em ungulados e primatas o gene Aanat é
expresso constitutivamente, não havendo diferenças significativas dos níveis de
RNAm entre o dia e a noite (Coon e col., 1995; Johnston e col., 2004; Schomerus e
col., 2000). Neste caso, embora haja a transcrição da AA-NAT ela é rapidamente
degradada assim que traduzida. A liberação noturna de noradrenalina na glândula
leva a ativação da PKA que fosforila a enzima prevenindo a degradação da AA-NAT
(Korf e col., 1998; Stehle e col., 2001). Desse modo, a regulação da AA-NAT, seja
sobre a atividade ou sobre a transcrição do gene é o passo chave para síntese e o
ritmo circadiano da melatonina.
Os receptores alfa adrenérgicos são acoplados à proteína Gq que, ao se
ligarem a noradrenalina, ativam a enzima fosfolipase C (PLC) promovendo aumento
do cálcio intracelular (Ca+2) via inositol trifosfato (IP3) e, consequentemente, a
ativação da proteína quinase dependente de cálcio (PKC) (Sugden e col., 1984;
Vanecek e col., 1985). Dessa forma, a estimulação dos receptores α1 converge com
a resposta β-adrenérgica por promover a regulação positiva da PKC sobre a adenilil
ciclase e, portanto, potencializando a via de sinalização da AA-NAT. As cascatas de
sinalização estão representadas em forma esquemática na figura 2.
A melatonina é sintetizada a partir do aminoácido triptofano captado da
corrente sanguínea. Esse precursor é hidroxilado a 5-hidroxitriptofano pela enzima
triptofano hidroxilase e é, em seguida, descarboxilado pela enzima descarboxilase
de L-aminoácidos aromáticos formando serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT). A
serotonina é acetilada pela enzima AA-NAT à N-acetilserotonina que é, por fim,
convertida em melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina) pela enzima hidroxindol-O-
metiltransferase (HIOMT) (Axerold e Weissbach, 1960). As cascatas de sinalização
estão representadas de forma esquemática na figura 2.
Como já descrito anteriormente, a produção circadiana de melatonina é
gerada pelo ritmo de atividade/transcrição da enzima AA-NAT. Já a enzima HIOMT,
não apresenta ritmo diário evidente sendo sua atividade regulada a longo termo
(Axelrod e col., 1965; Ribelayga e col., 1997; Sugden e Klein, 1983a, b;) e
participando da resposta sazonal da síntese de melatonina (Ribelayga e col., 1999,
2000).
líquido cefalorraquidiano (Reiter, 1991). Por ser uma molécula altamente lipofílica a
melatonina pode atravessar passivamente a membrana celular e dessa forma, além
de atuar sobre receptores, pode regular diretamente reações/funções no interior das
células independentemente da interação com receptores. Por outro lado, diversas
ações da melatonina são mediadas pelos receptores de membrana MT1 e MT2
(Dubocovich, 1988; Dubocovich e col., 1997, Reppert e col., 1994, 1995). Esses
receptores pertencem a família de receptores acoplados a proteína G, que contém
sete domínios transmembrânicos e são responsáveis principalmente pelos efeitos
cronobiológicos sobre o NSQ. (para revisão, Dubocovich e col., 2010). Um terceiro
receptor da melatonina é intracelular, inicialmente descrito como MT3 (Dubocovich,
1988) foi caracterizado posteriormente como enzima quinona redutase II (Nosjean e
col., 2000). Esse receptor ainda não foi clonado e por isso e de acordo o comitê de
nomenclatura IUPHAR é grafado em itálico (Dubocovich e col., 2010). A quinona
redutase participa da proteção contra o estresse oxidativo evitando reações de
transferência de elétrons de quinonas (Foster e col., 2000). A melatonina também se
liga com baixa afinidade à calmodulina, proteína que regulada pelo aumento de
cálcio intracelular altera a atividade de proteínas-alvo, (Benitez-King, 2006), assim
como a receptores nucleares da família do ácido retinóico RORα1, RORα2 e RZRβ
(Carlberg, 2000; Wiesenberg e col., 1995). Parte das ações antioxidantes da
melatonina são mediadas por mecanismos dependentes de receptor, mas também
incluem ações que não dependem dessa interação constituindo da ligação direta a
radicais livres e reações de transferência de elétrons na cadeia respiratória
(Poeggeler e col., 2002).
essa molécula é altamente distribuída nos seres vivos, uma vez que confere um
caráter adaptativo, ele tende a ser conservado. A origem monofilética da melatonina,
ou seja, a partir de um único ancestral comum é difícil de ser demonstrada por causa
de sua ubiquidade, possivelmente ela pode ter evoluído independentemente várias
vezes a partir de um precursor comum. A evolução das funções da melatonina é
relacionada também ao desenvolvimento de órgãos e células especializadas para
sua síntese. Um ponto importante é que mesmo com a evolução morfológica e
macromolecular a função primária da melatonina não foi perdida durante o
desenvolvimento de funções fisiológicas adicionais (Tan e col., 2010).
Melatonina Dia
(pg/g tecido)
Noite
Peixes Truta 264 596
Anfíbios Salamandra tigre 249 174
Répteis Jabuti 180 20
Aves Codorna 400 10
Mamíferos Rato 75 6
Ovelha 240 10
Porco 76 22
Humano 97 23
5- Conclusões
A função mais entendida e reconhecida da melatonina é como molécula
marcadora da noite. Ela age como um relógio interno ao prover o tempo de eventos
diários e sincronizar os ritmos circadianos como o sono-vigília. Da mesma forma, a
melatonina também age como um “calendário” interno ao indicar a informação
fotoperiódica, crucial para as adaptações sazonais fisiológicas e comportamentais.
Identificada inicialmente como hormônio da pineal de mamíferos a melatonina
também pode ser produzida por outros órgãos e tecidos onde atua de forma
parácrina. Além de sua função indicadora do tempo a melatonina assume uma
diversidade de ações. Em comparação com outras moléculas sinalizadoras, as
funções atribuídas à melatonina são consideradas excepcionais. A versatilidade da
melatonina pode ser entendida como uma manifestação de sua importância como
moduladora global em diversos níveis de hierarquia. A sua ubiquidade pode ser
justificada por sua notável propriedade antioxidante e por conferir vantagem
adaptativa evoluiu gradativamente em praticamente todos os filos. As diversas
funções que são atribuídas a melatonina são consideradas evolutivamente mais
recentes de forma que em organismos mais complexos, a melatonina tenha
acumulado outros papéis, como por exemplo molécula transdutora do escuro em
pineais de vertebrados.
Agradecimentos
Agradeço ao pós-doutorando Eduardo Koji Tamura (Laboratório de
Cronofarmacologia, Departamento de Fisiologia, IB-USP) pelas sugestões e críticas
acerca deste texto.
Sandra M Muxel
Laboratório de Cronofarmacologia
sandrammuxel@gmail.com
1- Introdução
A progressão de fases de claro-escuro ambiental (dia-noite) durante o período
de 24 horas de rotação da terra pode influenciar profundamente a função do sistema
imunológico nos homens e em outros organismos. Estudos na área da
neuroimunologia indicam que o sistema imunológico é susceptível a modificações
causadas por vários hormônios, em decorrência de mudanças neuroendócrinas
mediadas pelo sistema oscilatório endógeno que codifica a informação luminosa em
sinais hormonais rítmicos. Além disso, muitos estudos têm demonstrado que
diversas funções e parâmetros do sistema imunológico sofrem variações
dependendo da hora do dia. Este é o caso, por exemplo, da apresentação
antigênica, proliferação de linfócitos e expressão de genes da citocinas, seus
receptores e seus níveis no sangue, ativação de células NK, resposta imune
humoral (anticorpos), número de células do sistema imune circulantes no sangue e
seus subtipos, nível de cortisol no sangue, entre outros.
Os ritmos sistêmicos comandados pelos hormônios glicocorticóides,
melatonina e adrenérgicos/noradrenérgicos possuem um papel importante na
sincronização da resposta imunológica em organismos saudáveis. No entanto, os
genes de relógios circadianos também são ritmicamente expressos nos órgãos
linfóides secundários de modelos murinos, como o baço e linfonodos, e também são
expressos em macrófagos peritoneais, sendo capazes de regular a secreção
temporal das citocinas IL-6 e TNF-α nestas células.
As condições de luz, estado nutricional, privação do sono e horário de maior
atividade dos indivíduos podem determinar variações na susceptibilidade a infecções
e doenças como o câncer, na progressão de doenças como a artrite reumatóide ou
asma e em parâmetros para o diagnóstico clínico das doenças, bem como na melhor
maneira de aplicar a terapia farmacológica, integrando o sistema circadiano e o
sistema imunológico.
Figura 1- Diagrama das rotas de comunicação entre o cérebro e sistema imune, modificado de
(Jeannette I. Webster, 2002).
é regulado pelo sistema nervoso e pelos sinais vindos da periferia, como hormonais
e citocinas. Os glicocorticóides regulam negativamente o eixo HPA, atuando sobre o
hipotálamo e a glândula pituitária. Outros fatores também regulam o eixo HPA, entre
eles, sistema nervoso simpático, citocinas e neuropeptídeos.
Os glicocorticóides fazem parte de uma complexa rede de interação entre
diversas porções do CNS, dentre elas as relacionadas ao sistema neuroendócrino, e
o sistema imune. A rede é composta por nervos, cascatas hormonais e interações
celulares que levam o CNS a regular localmente a resposta imune, seja atuando no
foco inflamatório, nos órgãos linfóides ou atuando sistemicamente via hormônios.
3- Receptores de glicocorticóides (GR)
Os glicocorticóides atuam via receptores de glicocorticóides (GR) que são
receptores intracelulares com a capacidade de translocar para o núcleo, onde
interagem com outras moléculas para regular a transcrição gênica. As proteínas dos
receptores de glicocorticóides possuem sua estrutura dividida em 3 domínios: (1)
domínio de transativação N-terminal variável que contém domínios de ativação de
transcrição AF-1, (2) domínio de ligação ao DNA que contém duas regiões “zinc
finger” fundamentais para a dimerização, ligação ao sítio-alvo e ativação ou
repressão da transcrição e (3) domínio de ligação C-terminal que ligam-se a
hormônios, chaperonas hsp90 e coativadores (Kumar, 1999, Pratt, 1997).
4.2- Th1/Th1
As respostas dos linfócitos T CD4+ apresentam habilidades funcionais distintas
em resposta aos microorganismos, tanto no homem quanto em camundongos. A
capacidade de secretar citocinas associada com a resposta inflamatória gerada ou
com os isótipos de imunoglobulinas produzidas pelos linfócitos B em resposta ao
estímulo vindo dos linfócitos T CD4+, nos permite classificar os linfócitos CD4+ em
dois subtipos: “T helper” (Th)1 ou Th2. Os linfócitos CD4+ Th1 são capazes de
produzir IL-2, interferon (IFN)-γ e TNF-α, promovem a ativação de macrófagos,
células NK, linfócitos T CD8+ (citotóxicas) que estão envolvidas na fagocitose e
morte de microorganismos. Além de induzir os linfócitos B a produzir anticorpos com
isótipo IgG2. A IL-12 é a citocina que induz a ativação de linfócitos CD4+ Th1 e a
produção de IFN-γ, que promove um aumento na produção de IL-12 por macrófagos
e células dendríticas. Os linfócitos CD4+ Th2 são capazes de produzir IL-4, IL-5, IL-
10 e IL-13 e induzir os linfócitos B a produzir uma resposta com altos níveis dos
isótipos IgG1 e IgE (Bottomly, 1997). Os glicocorticóides inibem diretamente a
ativação e proliferação dos linfócitos através da inibição da produção de IL-2 e do
receptor de IL-2 e indiretamente através da redução da síntese de IL-2 pelos
linfócitos pela diminuição de IL-1 pelos macrófagos (Ross e col, 1990).
A dexametasona, medicamento da classe dos corticóides, inibe a produção das
citocinas IL-1, IL-6, IL-8, TNF-α, IL-2, IL-4, IL-10 e IFN-γ pelas células
mononucleares do sangue periférico (PBMC) de indivíduos saudáveis estimuladas
com lipolissacarídeos (LPS) de bactérias GRAM negativas ou fitohemaglutinina
(PHA) in vitro. No entanto, a produção de IFN-γ sofre uma maior redução quando
comparada a produção de IL-4 e IL-10. Desse modo, os glicocorticóides afetam a
transcrição de várias citocinas, aumentando a produção de citocinas anti-
inflamatórias e reduzindo a produção de citocinas pro-inflamatórias, promovendo
uma mudança da resposta com um perfil de linfócitos CD4+ Th1 para o perfil Th2
(Franchimont e col., 1998).
Os glicocorticóides também são capazes de modular a expressão de IL-12 e do
receptor de IL-12, este é o maior mecanismo de regulação da mudança de um perfil
de resposta Th1 para Th2. A diminuição da produção de IL-12 ocorre através da
Células Efeitos
Linfócitos Reduz número de células circulantes
Inibe a ativação/proliferação (inibindo IL-2)
Induz apoptose
Suprime a ativação das células NK
Monócitos Reduz número de células circulantes
Inibe secreção de Il-1, IL-6, TNF-α e quimiocinas
Reduz síntese de colagenase, elastase ativador de
plasminogem no tecido
Eosinófilos Reduz número de células circulantes
Reduz sobrevivência (diminuição na liberação de GM-CSF
endotelial)
Reduz a aderência ao endotélio (inibição IL-1)
Basófilos Reduz número de células circulantes
Diminui a liberação de histamina e leucotrienos
Inibe a expansão de mastócitos
Neutrófilos Aumenta número de células circulantes
Reduz quimiotaxia (diminuição de Il-1, IL-8 e leucotrieno B4)
Reduz a aderência ao endotélio
Agradecimentos
Este texto foi analisado pelo Prof. Pedro Augusto Carlos Magno Fernandes.
(Departamento de Fisiologia, IB-USP). Meus sinceros agradecimentos.
O Eixo Imune-Pineal
1- Primeiras evidências
Inicialmente, o papel da melatonina na defesa dos organismos foi atribuído a
função antioxidante dessa molécula. Porém, nos últimos anos, tem-se acumulado
diversos estudos que demonstram um importante papel imunomodulatório dessa
Pág. 472 Julho/2011
Bases Cronobiológicas da Fisiologia
Horário
Figura 1- Variação relativa do espessamento de patas de camundongos C57Bl/6 injetados com BCG
com relação a patas de camundongos controle, injetados com o veículo (modificado de Lopes e col.,
2001).
B)
Melatonina (pg/mL)
TNF (pg/mL)
4- Melatonina – defesa
Na busca dos mecanismos celulares envolvidos no controle da produção de
melatonina por moduladores inflamatórios, observou-se a ativação da via de
transcrição NFKB em pineais de ratos frente a diferentes estímulos inflamatórios.
Foram avaliados os efeitos de lipopolissacarídeos (LPS, endotoxina de bactérias
Gram-negativas), da citocina pró-inflamatória fator de necrose tumoral (TNF) e da
corticosterona, liberada pela adrenal na ativação do Eixo Hipotálamo-Pituitária-
Hipófise (HPA). Os dois primeiros agentes ativam a via NFKB inibindo a produção de
melatonina induzida por noradrenalina em pineais de rato em cultura (Fernandes e
col., 2006). Já a corticosterona bloqueia a via NFKB potenciando a produção de
melatonina nessas pineais (Ferreira e col., 2005; Fernandes e col., 2006). O
tratamento com TNF inibiu a transcrição do gene Aa-nat, fundamental na biossíntese
de melatonina conforme colocado previamente, juntamente com a síntese de N-
acetilserotonina, precursor de melatonina (Fernandes e col., 2006). Logo,
considerando que essa é uma via central para o desencadeamento e o controle do
Agradecimentos
Este texto foi gentilmente revisado pela Profa. Regina P. Markus (Dep.de
Fisiologia, IB-USP). Meus sinceros agradecimentos.
Estudos de Casos
Roberto Salgado-Delgado, Manuel Angeles-Castellanos, Nadia Saderi, Ruud M. Buijs, and Carolina
Escobar (Endocrinologia 151: 1019-1029, 2010).
1- Introdução
2- Material e Métodos
3- Desenho experimental
Os ratos foram distribuídos em dois grupos: Controle (C) ou trabalhador
noturno (W). Os controles foram alojados em gaiolas individuais no sistema de
monitoramento e foram deixados sem perturbações durante o início e nas 5
semanas adicionais, correspondentes às manipulações de trabalho. Os ratos
trabalhadores foram monitorados por 8-10 dias para obtenção dos valores basais e
foram, então, submetidos ao protocolo de trabalho de 8h diárias de 2ª a 6ª feira por 5
semanas. Controles experimentais foram submetidos a diferentes grupos de acordo
com 3 condições de alimentação: ad libitum (AL), restrição alimentar durante o dia
(FD) e restrição alimentar durante a noite (FN), resultando nos seguintes grupos: C-
AL, C-FD, C-FN, W-AL, W-FD, W-FN.
4- Protocolo de trabalho
Para induzir atividade, os ratos foram colocados em rodas, com uma rotação
lenta, que são utilizadas para privação do sono. Os animais (de acordo com cada
grupo) puderam alimentar ou beber durante o trabalho na roda. Após 8h de trabalho,
os animais retornaram às suas caixas até o próximo dia (2ª à 6ª feira). Nos finais de
semana, os animais foram mantidos sem perturbação com alimento ad libitum.
5. Resultados
Figura 1 – Actogramas representativos da atividade geral para ratos controles (n=8) com alimento ad
libitum (esq.), com alimento apenas durante o dia (centro) e com alimento apenas durante a noite
(dir.). As curvas médias representam o padrão de atividade diário durante a 1ª semana (1), durante a
4ª semana (4) e a porcentagem de atividade noturna e diurna. Os ritmos diários observados são
claramente sincronizados ao ciclo C/E. Linhas diagonais, acesso ao alimento. Barras no topo, ciclo
C/E.
Tabela 1 – Média ± epm da ingestão de alimento (gamas) por semana para controles e trabalhadores
W-FN (Fig. 3 C e D). Além disso, a proporção de bolsas de gordura acumulada por
massa corporal estava maior para os grupos comeram durante a fase de claro (Tab.
2). A análise de variância de duas vias para o acúmulo de gordura intraperitoneal
indicou um efeito significativo devido ao protocolo de alimentação (p<0,0001), mas
não devido ao protocolo de trabalho (NS) e um efeito significativo devido à interação
de ambos (p<0,001). Para a gordura peritoneal, a mesma análise indicou um efeito
significativo devido ao protocolo de alimentação (p<0,0001), devido ao protocolo de
trabalho (p<0,001) e também para a interação de ambos os protocolos (p<0,001).
Figura 3 – Média diária da ingestão de alimento ± epm (A), ganho de massa corporal (B), acúmulo de
gordura retroperitoneal (C) e peritoneal (D) de ratos controles e trabalhadores com comida ad libitum
(barras cinzas claras), com alimento durante o dia (barras brancas) e comida durante a noite (barras
cinzas escuras); barras hachuradas, grupos trabalhadores. Todos os grupos mostraram um padrão
diário semelhante de consumo de alimento (A); entretanto, grupos que comem durante a fase normal
de repouso (C-FD, W-AL e W-FD) mostrando mostraram um maior aumento do ganho de massa
corporal (B) e alto acúmulo de gordura (C e D). As diferentes letras indicam diferenças significativas
entre os grupos (p<0,001).
Tabela 2 – Média da massa corporal ± epm para a semana basal e quatro semanas experimentais.
Figura 4 – Valores diários de glicose, TAG e corticosterona para grupos controles (A,C e E) e
trabalhadores (B, D e F) após 4 semanas com alimento ad libitum (círculos cinzas), com alimento
durante o dia (FD; quadrados brancos) ou com alimento durante a noite (FN; triângulos cinzas
escuros). Barras horizontais brancas e negras, ciclo C/E; barras hachuradas, tempo na roda de
atividade.
grupos W-AL e W-FD exibiram valores mais altos durante o dia (W-AL, p<0,016; W-
FD, p<0,017 e W-FN, p<0,008).
Figura 5 – Curva da temperatura diária para os grupos controle e trabalhadores com alimento ad
libitum (círculos cinzas, topo), com alimento durante o dia (quadrados brancos, meio) e com alimento
durante a noite (triângulos cinzas escuros, abaixo) após 4 semanas. Barras brancas e pretas
horizontais, ciclo C/E; Gráficos de barras, valores médios para a temperatura de dia e de noite.
Grupos controles barras vazias e trabalhadores barras hachuradas.
Tabela 3 – Valores diários entre os grupos e a relação de fase (ψ) entre controles e trabalhadores
Bellavía SL, Carpentieri AR, Vaqué AM, Macchione AF, Vermouth NT (Physiology & Behavior 89
(2006) 342–349).
1- Introdução
Em mamíferos, a sincronização fotoperiódica do sistema circadiana é
realizada por um complexo mecanismo neuroendócrino. Um relógio circadiano
localizado nos núcleos supraquiasmáticos (NSQs) integra a luz ambiental e gera
ritmos circadianos sincronizados às variações diárias de intensidade luminosa. Os
NSQs contêm múltiplas células autônomas que oscilam circadianamente e estão
acopladas umas às outras, gerando um ritmo único.
Em roedores, durante a fase embrionária final e o início do desenvolvimento
neonatal, o ritmo circadiano se desenvolve em sincronia com o da mãe que, por sua
vez, está sincronizado ao fotoperíodo ambiental. Evidência desse fenômeno de
arrastamento maternal tem sido observada através da análise do ritmo circadiano de
filhotes criados por mães adotivas e expostos à luz constante a partir do nascimento.
Medindo-se a fase circadiana da atividade da enzima chave na síntese de
melatonina, N-acetiltransferase (NAT) em populações de ratos de 10 dias de idade,
foi observado que a atividade da NAT é próxima à da mãe biológica, que foi exposta
a um fotoperíodo diferente da mãe adotiva durante a gestação. O mesmo fenômeno
é encontrado no nível de corticosterona plasmático e da temperatura corporal.
No entanto, a maior evidência de arrastamento materno é a sincronia mãe-
filhote observada no ritmo comportamental de beber em filhotes de ratos e no ritmo
locomotor de hamsters e camundongos. Como a fase circadiana de cada filhote
sincronizada à da mãe, há uma sincronia circadiana dentro da ninhada. A sincronia
circadiana também é observada entre diferentes ninhadas se as mães foram
expostas ao mesmo fotoperíodo durante a gestação.
Alguns estudos tem centrado na identificação da natureza dos sinais
maternos. Lesões nos NSQs maternos durante a fase inicial da gestação
comprometem a sincronização de filhotes de hamsters e de ratos. O ritmo de
atividade da NAT na pineal em ratos de 10 dias de idade é perdido, enquanto que o
ritmo locomotor em hamster jovens e o ritmo de beber em filhotes de ratos mostram
circadiano dos filhotes começa muito cedo no desenvolvimento fetal do rato e o ritmo
de secreção de melatonina da glândula pineal materna tem um papel importante.
Entretanto, ainda não se sabe se a pinealectomia materna poderia ter efeitos
semelhantes aos da ganglionectomia materna sobre o ritmo circadiano dos filhotes,
já que o GCS provê inervação simpática para um número de estruturas intra- e
extra-cranial, incluindo a glândula pineal, vasos sanguíneos cefálicos, plexo coróide,
olho, corpos carótidos, glândulas salivar e tireóide.
No presente trabalho, nós examinamos os efeitos da GCSx e da Px materna
no ritmo de beber de filhotes de rato, um efeito que pode ser continuamente
monitorado individualmente por muitos dias após o desmame. As características do
período (Tau) do ritmo circadiano em livre curso, a fase, a amplitude e o valor de alfa
em ambos os tratamentos foram significativamente afetados comparados com os
dos ratos controles, nascidos de mães falso-operadas. Além disso, o tratamento da
mãe com melatonina durante a fase tardia de gestação reverteu os efeitos da GCSx
e da Px materna. Com exceção dos parâmetros alfa, ambos os tratamentos tiveram
efeitos semelhantes.
2- Material e Métodos
3- Resultados
Figura 2 – Distribuição de fase para o comportamento de beber em filhotes nascidos de (A) controle
GCSx, (B) GCSx e GCSx + Mel, plotados relativamente ao tempo do relógio. Os círculos grandes
representam as 24h do dia em que ocorreu o desmame e cada um dos círculos pequenos a fase
individual de cada filhote. A média da fase de cada grupo é indicada por uma seta no interior do
círculo grande. O comprimento da seta (r) indica o grau de sincronia de cada grupo de filhotes. A fase
média da mãe é indicada por uma seta do lado de fora do círculo grande. As fases são
significativamente diferentes da distribuição uniforme em mães falso-operadas GCSx, GCSx e GCSx
+ mel (p<0,05). A fase média e a distribuição do desvio angular no grupo GCSx são
significativamente diferentes daqueles dos falso-operadas GCSx e GCSx + Mel (p < 0,01).
Figura 3 – Distribuição de fase para o comportamento de beber em filhotes nascidos de (A) controle
de Px, (B) Px e Px + Mel, plotados relativamente ao tempo do relógio. Convenções iguais as da figura
2. A distribuição de fase para os grupos controles e Px + Mel são significativamente diferentes da
distribuição uniforme (p < 0,05). A fase média e a distribuição do desvio angular nos grupos de
filhotes Px são significativamente diferentes dos grupos controle falso-operado e Px + Mel (p <0,01).
Yair Shemesh, Ada Eban-Rothschild, Mira Cohen, and Guy Bloch (The Journal of
Neuroscience, 30: 12517–12525).
1. Introdução
genes do relógio do cérebro revelou uma forte oscilação em forrageadoras, mas não
em enfermeiras, independentemente do regime de oscilação. Esses estudos
sugerem que a plasticidade no ritmo de atividade está associada com plasticidade
molecular do relógio. A falta de oscilação em enfermeiras não é consistente com
hipótese alternativa de que em enfermeiras os ritmos circadianos são mascarados
por fatores externos ou que seus relógios são desacoplados do centro de controle
da atividade motora; ambas as hipóteses, do “mascaramento” e do
“desacoplamento” prevêem que o relógio das enfermeiras produzem oscilações
moleculares normais.
No presente estudo, nós testamos duas hipóteses. A primeira é que a
plasticidade no ritmo circadiano é regulada por contato direto com a ninhada. A
segunda é que a atividade durante todo o dia em enfermeiras é dependente do
contexto. Nossos resultados dão crédito a ambas as hipóteses.
2- Material e Métodos
nas pernas. A colônia de observação foi montada em uma caixa transparente com
conexão para o exterior. Nos dois primeiros dias nós mantivemos a colônia em
escuro constante para evitar que as abelhas saíssem. A partir do terceiro dia
abrimos a entrada da colônia todos os dias às 8h e fechamos às 20h.
Experimento 1 - Influência das crias no ritmo de comportamento e molecular
de abelhas jovens: nós prevenimos a interação direta de um conjunto de enfermeiras
marcadas com as crias, prendendo-as em um favo vazio dentro da colônia dentro de
câmaras de plástico transparente para auxiliar a observação. As abelhas podiam
mover-se livremente para dentro e para fora do favo. No sétimo dia nós observamos
atividade (andar continuamente por pelo menos 3s) das abelhas marcadas dentro e
fora do favo a cada 3 h (colônia H7 e S26) e a cada 2h (colônia S77) em regime
claro-escuro (LD). Após a última observação, nós coletamos 15-20 forrageadoras
(com mais de 21 dias de idade), 15-20 enfermeiras e 15-20 abelhas privadas do
contato com as crias (6-7 dias de idade) para análise de atividade locomotora (veja
abaixo). Enfermeiras e forrageadoras foram identificadas como já descrito. No dia 9
coletamos abelhas para análise de RNAm de 3 grupos diferentes: (1) enfermeiras (7
dias de idade), (2) enfermeiras privadas do contato com a cria (7 dias de idade) e (3)
forrageadoras de idade desconhecida (>21 dias de idade).
Experimento 2 – influência da cria no ritmo de comportamento e molecular de
abelhas jovens submetidas a caixas pequenas fora da colônia. Nós marcamos
~1500 abelhas recém-emergidas com uma cor (1300 abelhas) ou com um número
(200 abelhas) e as reintroduzimos na colônia de origem. Após 4 dias na colônia, nós
transferimos 600 abelhas marcadas (das quais 100 continham números) para uma
caixa contendo favos com cria dentro (+ brood). Nós transferimos outras 600
abelhas (das quais 100 continham números) para caixas contendo favos sem cria ( –
brood). Numa terceira caixa contendo favos sem cria, nós colocamos 600
forrageadoras. As 3 caixas foram submetidas a um ciclo LD 12:12h. No terceiro dia
de experimento, nós registramos a atividade e o cuidado com a cria das abelhas
marcadas durante 1h por 3 dias. No 7º dia, coletamos o RNAm a cada 4h em 7
pontos diferentes.
Experimento 3 – Ritmo circadiano da atividade locomotora de abelhas
transferidas da colônia para caixas individuais em condições constantes: Nós
removemos enfermeiras, forrageadoras e abelhas privadas do contato com a cria da
colônia usadas nos experimentos 1 e 5 para condições constantes. Nós colocamos
3- Resultados
Figura
1 – Enfermeiras na ausência da cira são mais ativas durante a fotofase, enquanto que enfermeiras na
presença da cria são aitvas igualmente durante todo o dia. A, Enfermeira representativa
apresentando atividade distribuida durante a fase de claro (colunas e fundo amarelos) e a fase de
escuro (colunas pretas e fundo cinza). B, Enfermeira representativa em um favo sem cria mais ativa
durante o dia. C, Sumário da análise estatística.
de remoção da colônia foram examinados em seis colônias adicionais, nas quais nós
monitoramos a atividade locomotora em enfermeiras removidas da colônia. Esta
análise indicou que o início da atividade estava correlacionado com a manhã
subjetiva (8h), mas não com o horário em que as enfermeras foram removidas. Esta
análise do comportamento indica que o sistema oscilador de enfermeiras está
desenvolvido e também sincronizado ao regime LD, mas o ritmo circadiano evidente
não se expressa no contexto de cuidado da cria. Assim, enfermeiras que estão
ativas constantemente ao longo do dia sob regime LD sem nehuma oscilação
aparente dos genes do relógio no cérebro ainda são capazes de mensurar o tempo
e responder aos zeitgebers ambientais.
Nos experimentos 4 e 5, nós estudamos a dinâmica molecular da plasticidade
dependente do contexto no ritmo circadiano, nós transferimos enfermeiras jovens de
colônia em regime LD para pequenas caixas de madeira mantidas em condições
constantes. No experimento 4, nós coletamos essas abelhas para análise de RNA a
cada 4h, iniciando 16 h após a remoção da colônia. Nós verificamos que 16h na
caixa eram suficientes para produzir uma alteração significativa no padrão temporal
de expressão dos genes do relógio: o padrão era circadiano com altos níveis durante
a noite, tanto para o gene Per quanto para o Cry (p<0,05) (Fig. 2). Este padrão é
reminescente do padrão das forrageadoras, mas com amplitude mais baixa (Fig. 2).
Os resultados desse experimento sugerem que a reorganização molecular no relógio
já está presente, mas ainda não completa depois de 16-40h fora da colônia.
Figura 4 – Enfermeiras mostram ritmo circadiano na atividade locomotora menores depois de serem
transferidas do regime LD para condição constante. A, actogramas representativos da atividade
locomotora de uma enfermeira (esq.), uma enfermeira restrita ao favo sem a cria (centro) e uma
forrageadora (direita). As abelhas foram monitoradas individualmente sob condições constantes. O
eixo y mostra os dias após a remoção das abelhas da colônia. A altura das pequenas barras para
cada dia corresponde à atividade locomotora. Barras horizontais no topo dos gráficos correspondem
ao regime de iluminação; barras cinzas, dia subjetivo; barras pretas, noites subjetivas. As setas
apontam para o início da aquisição dos dados. B, Sumário da atividade locomotora durante os 3
primeiros dias para abelhas removidas ao meio-dia. Todas as abelhas apresentaram atividade
locomotora maior durante o dia subjetivo (barra cinza) em relação à noite subjetiva (barra preta). Esta
diferença já era visível no primeiro dia de isolamento. O dia e a noite subjetiva foram baseadas no
período (tau) em livre curso de cada abelha.
Figura 6 – A influência do ambiente social no padrão temporal da expressão dos genes do relógio. A,
Índices do grau de oscilação na expressão dos genes do relógio. A linha preta retrata o melhor
modelo co-seno; os círculos são as medidas médias dos níveis de RNAm do cérebro para cada ponto
do tempo. O coeficiente de regressão (ajustado R2) e a amplitude foram usados para construção dos
gráficos em B. B, Coeficiente de regressão médio (esq.) e amplitude (dir.) para expressão do RNAm
de Cry e Per. N, enfermeiras confinadas a caixa por >16h fora da colônia; IH, enfermeiras que
desenvolveram na ausência de cria dentro da colônia; F , forrageadoras. Os valores foram
normalizados em relação aos valores das enfermeiras da mesma colônia.
1- Introdução
A luz solar é a principal zeitgeber de ritmos endógenos. O estímulo de luz é
percebido por fotorreceptores especiais da retina e retransmitido para o núcleo
supraquiasmático (NSQ) por meio de projeções neuronais. O NSQ, por sua vez,
inerva a glândula pineal, que é responsável pela produção e liberação de melatonina
de forma rítmica. O estímulo luminoso causa uma atenuação da secreção de
melatonina pela glândula pineal; Enquanto que, a interrupção de luz aumenta a
secreção de melatonina e induz o sono em mamíferos diurnos. Assim, o ritmo
circadiano da secreção de melatonina implica em uma elevação gradual do nível
deste hormônio à noite, com um pico a meia-noite, e um declínio gradual em seguida
em direção a um ponto mais baixo na madrugada.
O ritmo circadiano da secreção de melatonina e as 24 h do ciclo vigília-sono
apresentam relações de fase constante e consistente com o ritmo circadiano de
muitas funções fisiológicas, tais como o apetite, a temperatura corporal, freqüência
cardíaca, pressão arterial e diversas variáveis metabólicas e endócrinas. Essa
sincronização cuidadosamente afinada entre os relógios também depende muito do
ciclo claro-escuro ambiental. Alteração ou perda da oscilação da secreção de
melatonina resulta em irregularidades do ciclo vigília-sono, e pode até causar
dessincronização entre o ritmo circadiano de várias funções fisiológicas. Esse, por
exemplo, é o caso de pacientes com Alzheimer, que apresentam fragmentação do
ciclo vigília-sono devido à diminuição dos níveis de melatonina como resultado da
degeneração da glândula pineal. Da mesma forma, a supressão da secreção de
melatonina pela exposição crônica e prolongada à luz branca (intensidade > 3000
lux) durante a noite causa uma dessincronização entre os relógios e uma profunda
perturbação do ciclo vigília-sono.
O caso que aqui apresentamos demonstra os efeitos negativos da exposição
diária à luz durante à noite, sobre a regulação do ciclo vigília-sono e sincronização
2- Histórico do caso
Um homem, solteiro de 47 anos de idade, foi admitido no Instituto de Fadiga e
Medicina do Sono com queixas de fadiga severa, sonolência diurna, e incapacidade
de manter um cronograma regular de sono durante os últimos 20 anos. Esta
condição lhe causou sofrimento acentuado e prejudicou severamente seu bem-estar
e sua capacidade de manter uma rotina diária normal. No retorno, o paciente relatou
ser notívago durante a adolescência e início da idade adulta, sempre preferindo ficar
acordado até tarde da noite, seja para estudar ou trabalhar. No entanto, deve notar-
se que este fato não lhe impediu de terminar o colegial com sucesso, nem de
realizar o serviço militar como oficial. Poucos anos depois da sua demissão do
serviço militar, em meados de seus vinte anos, o paciente começou a sofrer de
fadiga diurna, dificuldade em adormecer à noite, e / ou obter a duração normal do
sono. Inicialmente, ele tentou gerir o seu próprio cansaço, ele começou uma rotina
de exercícios na praia todas as manhãs para ter mais disposição. No entanto,
embora ele tenha aliviado os sintomas com estes novos hábitos, isto não se
mantinha por muito tempo. Assim, a fragmentação do seu período de sono piorava
progressivamente. Há sete anos, ele mudou para um emprego com regime de tempo
parcial, porque ele não era mais capaz de tolerar um horário de trabalho regular em
tempo integral. Durante esses anos, ele foi diagnosticado com depressão e
síndrome da fadiga crônica (SFC). Os antidepressivos não conseguiram melhorar
sua condição. Além disso, a tentativa de consolidar seu sono com hipnóticos
também foi ineficazes.
3- Procedimento e Resultado
Na admissão para o Instituto de Fadiga e Medicina do Sono, o paciente
submeteu-se a polissonografia para detectar distúrbios do sono como causa de suas
Tabela 1 - Hora de início do sono e duração do sono no dia estraidos das gravações actigráficas
antes do tratamento, durante o tratamento inicial com melatonina e durante o tratamento definitivo
com melatonina associado a terapia com luz branca (BLT)
Temperatura oral (C) antes e depois do tratamento com melatonina e terapia de luz branca
(BLT)
Figura 2 - Temporal (24 h) alterações da temperatura oral antes do tratamento (preto) e após o
tratamento com melatonina plus terapia clara brilhante (BLT) (cinza).
4- Diagnóstico
No geral, o acompanhamento actigráfico (Fig. 1A) revelou um padrão vigília-
sono irregular. Tanto o início do sono quanto a duração do sono mostram grande
variação (Tab. 1), o início do sono variou aproximadamente de 3:00 a 09:00 h
(média: 06:10 h, SD = 1,75 h) e a duração do sono variou aproximadamente de 4 a
13 h (média: 8,55 h; SD = 2,36 h.) A avaliação da temperatura oral (Fig. 2, linha
escura) e níveis de melatonina salivar (cinza) (Fig. 3) também apresentaram padrões
anormais, com o pico de melatonina por volta do meio dia e pico de temperatura oral
por volta do amanhecer.
3- Resultados
Figura 2.- Relação da idade com a incidência de ciclos estrais irregulares em ratas mantidas em
diferentes regimes claro / escuro. Ordenada, o número de ratos com ciclos estrais irregulares (%).
Nível de significância estatística p <0,05.
menor do que no grupo LD (Fig. 1). Nas fêmeas, a relação da idade com o número
de animais com ciclos estrais irregulares foi acelerado, tanto no grupo NL quanto no
LL, considerando que foi retardada no grupo DD (Fig. 2). Assim, a iluminação
natural e constante acelera o envelhecimento em ratos, avaliados pelo coeficiente de
estabilidade homeostática.
Notas: Nível de significância estatística p <0,05. #, intervalo de confiança 95% .MRDT, taxa de mortalidade por
tempo de repetição.
Notas: Nível de significância estatística a,p <0,05; b, p <0,01; c, p <0,001. #, intervalo de confiança 95%
.MRDT, taxa de mortalidade por tempo de repetição.
Figura 3 - Efeito da exposição a vários regimes de luz na sobrevivência e tumorigênese em ratos. (A)
- a sobrevivência, do ratos; (B) - sobrevida de ratas; (C) - A incidência total do tumor, em ratos; (D) - a
incidência total do tumor, em ratas; (E) - A incidência de tumor maligno em ratos; (F) - incidência de
tumores malignos, em ratas.
1. Introdução
ser específicos para esta doença. Distúrbios do sono grave e um ritmo circadiano
incomum são características quase constantes da síndrome. Outras características
variáveis incluem problemas cardíacos, anomalias renais, convulsões, fenda
palatina, baixos níveis de imunoglobulina e mau funcionamento da tireóide. SMS é
um modelo emblemático das síndromes de microdeleção. De fato, a elucidação de
fenótipos comportamentais nas síndromes com retardo mental foi um primeiro passo
para o cuidado médico destes pacientes, principalmente crianças. Ouvindo
particularidades clínicas e estudando distúrbios de sono em pacientes com SMS
descrevemos uma das poucas anomalias geneticamente determinados afetando o
ritmo circadiano humano: a inversão do ritmo de síntese da melatonina em pacientes
com SMS. Este achado “abriu a porta" para o estudo genético dos ritmos circadianos
e para o tratamento de distúrbios do sono. Com efeito, na SMS, onde o ritmo
circadiano da secreção de melatonina é deslocado, antagonistas β1-adrenérgicos
combinados à administração de melatonina à noite restauraram o ritmo circadiano
de secreção de melatonina, suprimindo a secreção de diurna de melatonina
inadequada, melhorando o sono e distúrbios comportamentais.
meio-dia e à noite, respectivamente. Assim, é tentador supor que pelo menos parte
da hiperatividade e déficit de atenção ocorra em consequência da luta dos pacientes
contra a sonolência decorrente dos efeitos fisiológicos de altos níveis de melatonina
durante o dia. Isto é particularmente relevante para o comportamento da criança. Por
motivos éticos, não há estudos que investigam os padrões de sono em pacientes
SMS autorizados a escolher livremente seus tempos de sono. Seria de se esperar
que os pacientes SMS dormissem durante o dia e ficassem acordados durante a
noite. Curiosamente, há relatos de pacientes SMS viajando através dos fusos
horários, que, em seguida, dormem bem por algumas noites.
Figura 1. Variação circadiana dos níveis plasmáticos de melatonina em oito crianças SMS e controle.
As linhas contínuas referem-se às crianças SMS de 5-6 anos (a-c), 7-8 anos (d-f), 12 anos (g) e 17
anos (h). As linhas pontilhadas referem-se a controles de idade comparável. Idosos compatíveis
foram crianças saudáveis e adolescentes internados por baixa estatura. Observe o ritmo de
melatonina invertido em pacientes SMS, independentemente da idade e sexo. Reproduzido com
permissão da referência. [12].
Figura 2. Variação circadiana dos níveis do cortisol (a), GH (b) e melatonina (c) em uma criança SMS
de 9 anos de idade e um controle. Cortisol e GH tem um ritmo circadiano normal, enquanto que o
ritmo de melatonina é invertido. O valores de GH são inferiores aos do grupo controle, mas a
secreção é prolongada e a quantidade total de GH secretado está dentro do intervalo normal. Esses
resultados foram similares para todos os pacientes com SMS estudados. Modificado, com a
permissão, a partir de Ref. [12].
Figura 4. Variação circadiana dos níveis plasmáticos de melatonina antes do tratamento (dia 1), após
administração de manhã de β-bloqueador sozinho (dia 2) e depois da administração de manhã β-
bloqueador e administração de melatonina à noite (dia 3) de uma criança de 8 anos de idade. Esses
resultados foram similares para todos os pacientes SMS estudados. Observe a secreção de
melatonina invertida antes do tratamento no dia 1, a supressão da secreção de melatonina após o
tratamento com β-bloqueador em dois dias e a reposição dos níveis normais de melatonina no
plasma após o tratamento de β-bloqueador no tratamento de manhã e melatonina à noite. O nível de
melatonina média aumentou em 170 vezes, duas horas após a administração da droga, manteve-se
elevado a partir de 22.00 h às 02.00 h, e reduzida lentamente até 06.00 h. Reproduzido com
permissão da referência. [32].
Agradecimentos
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