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Adler Homero Fonseca de Castro

Orientadores

Flávio Gomes, PPGHC-UFRJ


Carlos Eugênio Líbano Soares, UFRRJ.

Tese apresentada como requisito


para a obtenção do título de doutor
no Curso de Pós-Graduação em
História Comparada da UFRJ
(PPGHC-UFRJ).

Rio de Janeiro – UFRJ – Junho de 2017


Ficha catalográfica

Ficha catalográfica

II
Sumário

Sumário

Ficha catalográfica ............................................................................................................ II


Sumário ........................................................................................................................... III
Índice de figuras ............................................................................................................ VII
Índice de gráficos............................................................................................................ IX
Índice de tabelas ...............................................................................................................X
Agradecimentos. ............................................................................................................. XI
Resumo ........................................................................................................................ XIV
Abstract..........................................................................................................................XV
1. Introdução ................................................................................................................. 2
1.1 Proposta............................................................................................................ 13
1.2 Quadro teórico ................................................................................................. 18
1.3 Metodologia ..................................................................................................... 24
1.4 Plano da obra.................................................................................................... 28
1.5 Passos tomados. ............................................................................................... 30
2. Modelos explicativos da economia brasileira. ........................................................ 33
2.1 A questão dos modelos. ................................................................................... 35
2.2 Modelos sobre o Brasil Colonial...................................................................... 39
2.2.1 O modelo dos ciclos econômicos. ............................................................ 40
2.2.2 O modelo da dependência estrutural – Caio Prado Jr............................... 48
2.2.3 Celso Furtado e a Formação Econômica do Brasil................................... 53
2.2.4 O Antigo Sistema Colonial. ...................................................................... 60
2.2.5 O modo de produção escravista colonial .................................................. 61
2.3 O fim da procura por modelos ......................................................................... 63
2.4 O início da industrialização ............................................................................. 65
2.5 Algumas considerações.................................................................................... 71
3. As forças armadas como consumidora de mercadorias .......................................... 77
3.1. Suprindo os soldados. ...................................................................................... 78
3.2 Logística ........................................................................................................... 81
3.3 Revolução Militar ............................................................................................ 87
3.3.1 A cultura da guerra ................................................................................. 102
3.4 A supremacia europeia ................................................................................... 106
3.5 Necessidades logísticas – Portugal e Brasil ................................................... 111
3.5.1 A vida sobre permanente tensão ............................................................. 111
3.5.2 O Brasil, país de conflitos....................................................................... 116
3.5.3 Milícias, Ordenanças, Guarda Nacional: o apoio ao exército. ............... 119
3.6 O exército no Brasil ....................................................................................... 121
3.7 O exército nacional, do Brasil. ....................................................................... 129
3.8 Um novo exército em formação ..................................................................... 133
3.9 O exército como consumidor. ........................................................................ 136
3.10 Observações preliminares sobre a questão dos exércitos............................... 140
4 Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil ..................................... 146
4.1 O incentivo governamental as manufaturas ................................................... 151
4.2 A situação das manufaturas no Rio de Janeiro na 1ª metade do século XIX. 157
4.3 Observações preliminares sobre a mão de obra escrava ................................ 160
4.4 Uso de motores em uma economia pré-industrial.......................................... 164
4.5 Alguns exemplos de manufaturas ligados às forças armadas ........................ 168

III
Sumário

4.5.1 A Fábrica São Pedro de Alcântara.......................................................... 169


4.5.2 Sapatos Carioclave ................................................................................. 172
4.6 A Ponta da Areia ............................................................................................ 174
4.7 Siderúrgicas.................................................................................................... 183
4.8 Encerrando o capítulo .................................................................................... 186
5 A pré-indústria e a produção de artigos militares ................................................. 192
5.1 Uniformes ...................................................................................................... 199
5.2 Fabricação de Canhões .................................................................................. 207
5.2.1 Aspectos técnicos ................................................................................... 208
5.2.2 O sistema Gribeauval e a padronização .................................................. 213
5.3 Manufatura de armas de fogo ........................................................................ 219
5.3.1 As peças intercambiáveis........................................................................ 232
5.4 A fábrica de moitões. ..................................................................................... 240
5.5 O surgimento da moderna indústria ............................................................... 241
5.6 A Fábrica moderna ......................................................................................... 253
6 A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil ............................ 256
6.1 A fase inicial .................................................................................................. 256
6.1.1 Os Arsenais de Marinha .............................................................................. 257
6.1.1.1 O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro ........................................ 259
6.1.2 Os Trens .................................................................................................. 271
6.2 As fábricas de armas das capitanias ............................................................... 274
6.2.1 A Fábrica de Armas de São Paulo .......................................................... 276
6.2.2 Laboratórios pirotécnicos ....................................................................... 279
6.2.3 A Fábrica de Ferro de São João Batista de Ipanema .............................. 281
6.2.4 A fábrica de Pólvora ............................................................................... 291
6.3 Arsenais provinciais ....................................................................................... 295
6.3.1 Arsenal do Pará....................................................................................... 298
6.3.2 Arsenal de Pernambuco .......................................................................... 300
6.3.3 Arsenal da Bahia ..................................................................................... 301
6.3.4 Arsenal de Mato Grosso ......................................................................... 302
6.3.5 Arsenal do Rio Grande do Sul ................................................................ 306
6.4 Algumas considerações preliminares............................................................. 308
7 O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa.................. 314
7.1 História ........................................................................................................... 314
7.2 Estrutura administrativa ................................................................................. 326
7.2.1 A Junta dos Arsenais .............................................................................. 326
7.2.2 O novo regulamento, 1832 ..................................................................... 330
7.2.3 Preparo técnico da direção...................................................................... 334
7.2.4 O corpo de engenheiros .......................................................................... 337
7.2.5 As Comissões Prática de Artilharia e de Melhoramentos ...................... 340
7.2.6 A reforma de 1853 .................................................................................. 342
7.2.7 Os ajudantes............................................................................................ 343
7.2.8 Almoxarifado .......................................................................................... 347
7.2.9 O setor de Compras ................................................................................ 351
8 Uma manufatura, muitas oficinas. ........................................................................ 364
8.1 Oficinas existentes antes do regulamento de 1832. ....................................... 368
8.1.1 Abridores ................................................................................................ 368
8.1.2 Lavrantes ................................................................................................ 368
8.1.3 Fundição de artilharia ............................................................................. 369
8.2 Oficinas do regulamento de 1832 .................................................................. 370

IV
Sumário

8.2.1 Primeira classe: ....................................................................................... 371


8.2.1.1 Construção....................................................................................... 371
8.2.1.2 Carpintaria de obra branca .............................................................. 377
8.2.1.3 Torneiros ......................................................................................... 378
8.2.1.4 Tanoeiros ......................................................................................... 380
8.2.2 A segunda classe ..................................................................................... 381
8.2.2.1 Coronheiros ..................................................................................... 381
8.2.3 Terceira classe ........................................................................................ 383
8.2.3.1 Ferreiros .......................................................................................... 383
8.2.3.2 Serralheiros...................................................................................... 385
8.2.3.3 Espingardeiros ................................................................................. 386
8.2.4 A quarta classe ........................................................................................ 391
8.2.4.1 Latoeiros.......................................................................................... 391
8.2.4.2 Instrumentos Bélicos ....................................................................... 393
8.2.4.3 Funileiros ......................................................................................... 394
8.2.5 A quinta classe ........................................................................................ 395
8.2.5.1 Correeiros ........................................................................................ 395
8.2.5.2 Seleiros ............................................................................................ 396
8.2.5.3 Sapateiros ........................................................................................ 398
8.2.6 Sexta classe ............................................................................................. 398
8.2.6.1 Alfaiates .......................................................................................... 398
8.2.6.2 Bandeireiros .................................................................................... 400
8.2.6.3 Barraqueiros .................................................................................... 401
8.2.7 Sétima classe........................................................................................... 401
8.2.7.1 Pintores............................................................................................ 402
8.2.7.2 Escultores ........................................................................................ 403
8.2.7.3 Desenhadores .................................................................................. 403
8.2.7.4 Gravadores ...................................................................................... 405
8.2.8 Oficinas criadas depois de 1844 ............................................................. 406
8.2.8.1 Instrumentos matemáticos ............................................................... 406
8.2.8.2 Maquinistas ..................................................................................... 408
8.2.8.3 Troço ............................................................................................... 410
8.2.8.4 Pedreiros.......................................................................................... 411
8.3 Remadores...................................................................................................... 412
8.4 A Repartição de Costuras............................................................................... 412
8.5 Mecanização das oficinas .............................................................................. 419
8.6 Notas sobre as oficinas................................................................................... 423
9 Repartições Externas ............................................................................................ 428
9.1 O laboratório do Castelo ................................................................................ 428
9.2 A Casa de Armas da Conceição. .................................................................... 431
9.2.1 Os armeiros alemães ............................................................................... 433
9.2.2 A Fábrica de Armas da Conceição ......................................................... 437
9.2.3 A Nova Fábrica da Conceição ................................................................ 445
9.3 A Oficina de foguetes/Laboratório Pirotécnico do Campinho ...................... 458
9.4 Um projeto de fábricas................................................................................... 468
10 Mão de obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista ................ 472
10.1 Artesões livres ................................................................................................ 472
10.1.1 O Construtor ........................................................................................... 475
10.1.2 Mestrança................................................................................................ 482
10.1.3 Oficiais e mancebos ................................................................................ 487

V
Sumário

10.1.4 Serventes e remadores ............................................................................ 499


10.1.5 Aprendizes .............................................................................................. 503
10.2 Os cativos ....................................................................................................... 510
10.3 A militarização da mão de obra ..................................................................... 526
10.3.1 Os Artífices ............................................................................................. 527
10.3.2 Aprendizes menores ............................................................................... 538
10.4 Breves considerações sobre o quadro de pessoal. .......................................... 548
11 Conclusão – uma tentativa malograda de incentivo manufatureiro...................... 552
12 Glossário: .............................................................................................................. 564
12.1 Nota sobre as fontes ....................................................................................... 564
12.2 A-E ................................................................................................................. 565
12.3 F-J. ................................................................................................................. 570
12.4 K-P. ................................................................................................................ 573
12.5 R-Z. ................................................................................................................ 575
13 Bibliografia. .......................................................................................................... 580
13.1 Livros. ............................................................................................................ 580
13.2 Fontes impressas. ........................................................................................... 588
13.3 Manuscritos. ................................................................................................... 595
13.4 Legislação ...................................................................................................... 615
13.5 Obras não impressas. ..................................................................................... 618

VI
Sumário

Índice de figuras

Figura 1 – Caricatura de Benedito Calixto. ...................................................................... 5


Figura 2 – Planta do atual conjunto do Museu Histórico Nacional. ................................. 7
Figura 3 – Planta da Fábrica de Pólvora da Bahia, 1751................................................ 11
Figura 4 – Companhia de infantaria em linha. ............................................................... 88
Figura 5 – Treinamento de um arcabuzeiro. ................................................................... 89
Figura 6 – Plano de baluartes e ataque a uma brecha. .................................................... 93
Figura 7 – Distribuição das forças militares no Brasil. ................................................ 132
Figura 8 – Soldados equipados, 1850. .......................................................................... 138
Figura 9 – Reconstituição da Casa dos Pilões .............................................................. 153
Figura 10 – Loja de Sapateiro....................................................................................... 162
Figura 11 – Motor estático fabricado por Miers & Maylor. ......................................... 166
Figura 12 – Anúncio da manufatura de Costa & Braga. .............................................. 167
Figura 13 – Estaleiro da ponta Ponta de Areia, c. 1857 ............................................... 179
Figura 14 – Canhão feito na Fundição Ponta da Areia, 1857. ...................................... 181
Figura 15 – Peças de armamento e equipamento pedidas para Minas Gerais, 1766. ... 197
Figura 16 – Forte de Tabatinga, no Rio Amazonas, fronteira com o Peru. .................. 202
Figura 17 – Colagem de imagem de soldados de regimentos no Brasil. ...................... 204
Figura 18 – Preparo para a fundição de canhões. ......................................................... 209
Figura 19 – Fundição de canhões. ................................................................................ 210
Figura 20 – Acabamento das peças de artilharia. ......................................................... 211
Figura 21 – Fundição de Douai, c. 1770....................................................................... 211
Figura 22 – Croquis de um torno horizontal de canhões. ............................................. 214
Figura 23 – Manufaturas das forças armadas francesas antes de 1789. ....................... 215
Figura 24 – Reparo de varais do sistema Gribeauval. .................................................. 217
Figura 25 – Localização de oficinas em Saint-Étienne. ............................................... 221
Figura 26 – Oficina de um armeiro, 1718. ................................................................... 222
Figura 27 – Oficina de desbaste de canos, 1751........................................................... 224
Figura 28 – Peças de um fecho. .................................................................................... 226
Figura 29 – réplica de um torno copiador de Blanchard. ............................................. 249
Figura 30 – Conjunto de gabaritos de William Thornton. ............................................ 250
Figura 31 – Etapas da fabricação de espingardas, Arsenal de Springfield. .................. 252
Figura 32 – Planta do Arsenal de Marinha, Henry Law, 1858. .................................... 263
Figura 33 – Projeto para a Casa do Trem de Belém, 1686. Arquivo Ultramarino. ...... 272
Figura 34 – Detalhe do projeto da fábrica de ferro de Ipanema, 1810. ........................ 283
Figura 35 – Canhão fundido em Ipanema .................................................................... 284
Figura 36 – Distribuição de manufaturas militares, 1852-65. ...................................... 304
Figura 37 – Rotas de comunicação com Cuiabá........................................................... 306
Figura 38 – Detalhe da planta do Rio de Janeiro de 1758. ........................................... 316
Figura 39 – Projeto de expansão do Arsenal de Guerra, 1770. .................................... 321
Figura 40 – “Saracura” e carro alegórico das festividades. .......................................... 323
Figura 41 – Beco da Batalha......................................................................................... 325
Figura 42 – Detalhe de planta dos arredores do Arsenal, 1869. ................................... 334
Figura 43 – Arma selada. .............................................................................................. 361
Figura 44 – Desdobradores, Debret, 1822. ................................................................... 365
Figura 45 – Peça de 6 libras curta fundida no Arsenal do Rio de Janeiro em 1820. .... 370
Figura 46 – Plano do Arsenal Real do Exército, c. 1815.............................................. 374
Figura 47 – Duas fases da fabricação de reparos, Arsenal de Watervliet, EUA. ......... 376
Figura 48 – Planta (detalhe) da oficina de ferreiros, 1879. .......................................... 384

VII
Sumário

Figura 49 – Barretina do 21º Batalhão de Caçadores, c. 1850. .................................... 392


Figura 50 – Interior do antigo Arsenal, 1921. .............................................................. 397
Figura 51 – Detalhe de espingarda de brinquedo, 1834. .............................................. 406
Figura 52 – Vista da Casa de Armas da Colônia de Sacramento, Uruguai, 1735. ....... 431
Figura 53 – Plano da fortaleza da Conceição, 1771. .................................................... 433
Figura 54 – Estabelecimentos ligados ao AGC, 1851-1863. ........................................ 441
Figura 55 – Fechos de armas trabalhadas na Conceição. ............................................. 449
Figura 56 – Fecho transformado na Conceição, 1859. ................................................. 450
Figura 57 – Dois mosquetões Minié, do modelo adotado em 1857. ............................ 457
Figura 58 – Material necessário para fazer um cartucho de arma Minié, 1860............ 468
Figura 59 – Reparo a Onofre. ....................................................................................... 476
Figura 60 – Detalhe de gravura de Bertichen da entrada do Arsenal de Guerra, s.d.... 527
Figura 61 – Desenho da Semana Ilustrada, sobre os menores da Correção. ............... 544

VIII
Sumário

Índice de gráficos

Gráfico 1 – Evolução da população urbana versus a rural no Brasil. ............................. 39


Gráfico 2 – Valores da pauta de exportações brasileiras no período colonial. ............... 44
Gráfico 3 – Pauta de exportações no Império, por percentagem do total. ...................... 45
Gráfico 4 – Saldos e déficits do orçamento do Império. ................................................ 47
Gráfico 5 – Receita governamental no Brasil – 1823-1865. .......................................... 52
Gráfico 6 – Modelo dos ciclos de Kondratieff e de um índice econômico real. ............ 59
Gráfico 7 – Taxa de câmbio médio (mil réis por libra esterlina), 1808-1865. ............... 68
Gráfico 8 – Proporção geral das forças de combate norte-americanas (1917-2005)...... 82
Gráfico 9 – Navios enviados para as Índias – 1500-1580. ............................................. 95
Gráfico 10 – Aumento do exército francês até o século XIX. ........................................ 97
Gráfico 11 – Evolução dos efetivos do exército Português. ......................................... 112
Gráfico 12 – Quadro mostrando das guerras em território brasileiro. .......................... 118
Gráfico 13 – Distribuição da Guarda Nacional no Império.......................................... 120
Gráfico 14 – Tropas no Brasil, logo após a Independência. ......................................... 129
Gráfico 15 – Evolução dos efetivos do exército durante o império. ............................ 133
Gráfico 16 – Despesas militares no Império. ............................................................... 135
Gráfico 17 – Despesas do ministério da Guerra. .......................................................... 136
Gráfico 18 – Sumário dos privilégios industriais ......................................................... 157
Gráfico 19 – Evolução do pessoal do Estaleiro da Ponta da Areia. ............................. 176
Gráfico 20 – Produção de máquinas de costura da Wheeler and Wilson ..................... 253
Gráfico 21 – Percentuais das despesas dos Arsenais provinciais, 1850. ...................... 297
Gráfico 22 – Número de operários do AGC ao longo dos anos. .................................. 400
Gráfico 23 – Percentagem de serventes no corpo de trabalhadores do AGC. .............. 503

IX
Sumário

Índice de tabelas

Tabela 1 – População do Brasil em 1819. ...................................................................... 73


Tabela 2 – Quadro tamanho das armadas europeias, 1689-1815. .................................. 99
Tabela 3 – Despesa e receita da Inglaterra em tempo de guerra, 1688-1815. .............. 101
Tabela 4 – Parcelas relativas de produção manufatureira mundial 1750-1860. ........... 107
Tabela 5 – Níveis per capita de industrialização. 1750-1860 ...................................... 107
Tabela 6 – Estabelecimentos manufatureiros 1855 e 1856. ......................................... 160
Tabela 7 – Empresas estabelecidas no Rio de Janeiro.................................................. 163
Tabela 8 – Mapa do pessoal empregado no estaleiro da Ponta da Areia em 1848. ...... 177
Tabela 9 – Navios produzidos nos estaleiros do País. .................................................. 260
Tabela 10 – Funcionários do Arsenal de Marinha em 1845. ........................................ 264
Tabela 11 – Produção de ferro da Fábrica de Ipanema – 1823-1827. .......................... 282
Tabela 12 – Corpo funcional da Fábrica de Ferro de Ipanema em 1838...................... 288
Tabela 13 – Trabalhadores nas manufaturas do Exército em 1845. ............................. 308
Tabela 14 – Compras de armas pelo Arsenal de Guerra. ............................................. 357
Tabela 15 – Quadro de trabalhadores do Arsenal de Guerra da Corte em 1845. ......... 410
Tabela 16 – Profissionais necessários para uma fábrica de armas. .............................. 434
Tabela 17 – Operários alemães enviados para o Brasil em 1810. ................................ 438
Tabela 18 – Trabalhadores na Fábrica de Armas da Conceição em 1827. ................... 442
Tabela 19 – Relação do pessoal na Fábrica de Armas da Conceição, 1864. ................ 456
Tabela 20 – Pessoal das oficinas pirotécnicas do Campinho, 1861-1862. ................... 467
Tabela 21 – Tabela de jornais do AGC em réis, 1854. ................................................. 497
Tabela 22 – Tabela de vencimentos militares, 1852. ................................................... 498
Tabela 23 – Mapa da força das Companhias de Artífices do AGC 1842. .................... 536
Tabela 24 – Aprendizes menores empregados em oficinas em 1862. .......................... 547

X
Agradecimentos

Agradecimentos.

O autor dessas linhas não gosta de escrever agradecimentos. Isso não por que
não sejam devidos, mas por serem sempre injustos: é impossível em uma obra de grande
extensão fazer justiça, reconhecendo o trabalho de todos que apoiaram sua execução.
Neste caso, a situação é ainda mais complicada, considerando que a tese foi o resultado
de uma pesquisa iniciada há mais de trinta anos. Várias pessoas ajudaram nas institui-
ções de pesquisa como no Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional e Arquivo do Exérci-
to, um número difícil até de quantificar e impossível de nomear isoladamente.

Para manter uma tradição, no entanto, resolvi mesmo assim fazer uma declara-
ção de dívida a várias pessoas. Começo por minha família, especialmente meu pai, Jair
Homero, professor de história que apreciava assuntos ligados à história militar, mas não
o militarismo e que sempre incentivou a leitura, uma ferramenta indispensável para os
profissionais de nossa área. Foi seguindo o exemplo desse interesse que comecei a ler
cada vez mais sobre o tema e o que me levou a ter meu primeiro emprego, ainda antes
de entrar na universidade. Nesse, trabalhei com a pesquisa histórica sobre uniformes
militares da América do Sul para uma companhia irlandesa que fabricava soldadinhos
de chumbo, mostrando o caminho dos estudos de história material.

Isso me levou a meu segundo emprego, ainda na área de pesquisa de história, só


que com fortificações, sob a chefia de Diocleciano Azambuja. Um excelente amigo e
que incentivou a ampliar os conhecimentos específicos para a execução do trabalho que
estava sendo feito, sobre a história das fortificações brasileiras. Um projeto que desen-
volvo até os dias de hoje, deixando aqui meu agradecimento a ele e aos colegas do ex-
tinto Grupo de Pesquisas de Fortificações Tombadas, da Fundação Pró-Memória.

Na lista de dívidas, que estou tratando de forma abreviada, devo deixar meu tri-
buto de gratidão aos colegas do Museu Histórico Nacional, especialmente aos da Reser-
va Técnica. Entre todos eles, seleciono o nome de Juarez Guerra, com quem conversei
muito sobre o trabalho de catalogação de armas. Ele ajudou na redação desse texto, pro-
curando, encontrando e dando acesso às peças que precisava para ilustrar alguns pontos
da tese, algumas delas que me lembrava apenas vagamente de existir entre as dezenas
de milhares de objetos da variadíssima e estranha coleção do Museu.

XI
Agradecimentos

Também prestaram uma valiosa ajuda dando acesso às suas armas históricas os
colecionadores Sebastião Oliveira e Carlos Almeida Costa. Ambos possuem excelentes
coleções, com peças que não estão disponíveis em museus oficiais. Sebastião Oliveira,
além da troca de ideias sobre o tema, prestou o imenso favor de desmontar algumas de
suas armas, para poderem ser examinadas para a redação desta tese, algo que só poderia
ser feito em um museu público com imensa dificuldade, nem que seja pelo fato dos mu-
seus, normalmente, não terem as ferramentas adequadas para fazer essa desmontagem.

Voltando ao Museu Histórico, lá trabalhei com o amigo José Neves, também in-
teressado em história militar e com quem mantenho até hoje conversas sobre um tema
que é pouco conhecido e desenvolvido no Brasil. José Neves até auxiliou diretamente
nessa tese, como pode ser visto na fotografia da “Saracura” do mestre Valentim, uma
escultura de bronze que se encontra no Museu da Cidade do Rio de Janeiro e que ele
encontrou e deu acesso durante sua passagem por aquela instituição, há mais de vinte
anos atrás.

Aos colegas do IPHAN agradeço a compreensão por terem convivido com uma
pessoa que trabalha, por opção, com um assunto estranho e por terem aceitado a incor-
poração de algumas ideias na mecânica de trabalho da instituição. Infelizmente não pos-
so estender esse agradecimento a todos os chefes: alguns apoiaram a pesquisa direta-
mente, outros só merecem um “agradecimento” às avessas, por trem abandonado o setor
onde trabalhava – às vezes por anos. Isso deu tempo para a execução das pesquisas.
Nesse número de maus funcionários, não incluo Monica Costa, a quem agradeço por
rapidamente liberar a licença para completar esse trabalho. Isso depois do pedido ter
ficado parado mais de um ano e meio na mesa do chefe anterior, sem resposta, positiva
ou negativa. Coisas do serviço público.

Não posso deixar de mencionar Márcia, a secretária do programa de pós-


graduação em história comparada da UFRJ, por sua inacreditável paciência e eficiência
em resolver todos os problemas criados por mim ao longo do curso. Sem esse auxílio, o
presente trabalho não teria sido possível.

Para encerrar esses agradecimentos, deixo registrada minha dívida com Carlos
Eugênio, por discutir por horas e horas esse assunto tão árido, dando sugestões que en-
riqueceram o trabalho. Também noto minha gratidão para com Flávio Gomes, colega
desde os bancos da graduação, que acolheu a proposta de orientar essa tese tão fora da

XII
Agradecimentos

normalidade dos trabalhos acadêmicos, aceitando os muitos atrasos e percalços criados


ao longo da escrita dessa tese.

Há problemas no texto, tudo por minha culpa. Não foram causados por falta de
apoio dos amigos, para quem termino escrevendo: obrigado!

XIII
Resumo

Resumo

Este trabalho faz um levantamento dos modelos explicativos clássicos – isto é, aqueles
que procuraram elucidar de forma geral a história nacional através de sua formação
econômica até a segunda metade do século XIX. A partir desse levantamento, aponta-
mos que ponto normalmente ignorado, mas que não é irrelevante, o papel das forças
armadas como criadores de uma demanda de fornecimento de produtos manufaturados,
levando ao surgimento de vários estabelecimentos especializados no atendimento das
necessidades das forças armadas. Vamos então tratar como algumas dessas instalações
se organizavam até o século XIX, numa situação que pode ser chamada de pré-indústria,
ou seja, quando não havia ainda ocorrido a transição para a fábrica moderna. Mesmo
assim, essas manufaturas militares estiveram à frente do processo de mudança da situa-
ção de manufatura para instalações fabris, com maior ou menor sucesso, na França, In-
glaterra e Estados Unidos. No caso do Brasil, entre essas manufaturas militares, desde o
século XVII, se encontravam vários estabelecimentos, os mais relevantes sendo os
trens, organizações destinadas ao fabrico e armazenamento de equipamentos bélicos, o
maior e mais relevante de todos sendo o do Rio de Janeiro, que se tornaria no Arsenal
de Guerra do Rio de Janeiro. A partir desses elementos podemos traçar uma comparação
entre uma situação pouco estudada, a das manufaturas militares – com base no Arsenal
do Rio –, com a apresentada nos modelos explicativos tradicionais da historiografia
brasileira, centrados em aspectos de econômicos da dependência de uma economia agrá-
ria, baseada em uma mão de obra pouco qualificada, a escrava. A proposta governamen-
tal no Brasil da primeira metade do século XIX, entre outros aspectos, era usar essas
manufaturas para criar uma base de industrialização para o País, seguindo um processo
que foi adotado nos Estados Unidos no mesmo período, mas com resultados muito dife-
rentes para o Brasil.

XIV
Abstract

Abstract

The present thesis makes a study of the classical explicating models of Brazilian history
– that is, those that envision elucidating the national history in general, through the eco-
nomic structures of the country up to the second half of the 19th Century. From this
study, we make a note about a question that usually is ignored, but should not be con-
sidered irrelevant, the role of the armed forces as originators of demands for the provi-
sion of manufactured goods. Those demands resulted in the creation of various manu-
facturing plants specialized in the supply of the needs of the armed forces. From those
starting points we will study how some of those installations organised themselves up to
the 19th century, in a situation that can be called pre-industrial, a moment when the tran-
sition from manufacture to modern industry had not occurred yet. Even so, those army
suppliers were in the forefront of the process of changing the production organization,
from one based in artisanal manufactures to the modern factory. This process had vary-
ing degrees of success in France, United Kingdom and the United States of America. In
the case of Brazil, among the military manufactures there were many army plants, the
most important being the trens, organizations created to make and store military equip-
ment, the biggest of all being the Trem of Rio de Janeiro, that would became the Arse-
nal de Guerra do Rio de Janeiro [Rio de Janeiro Army Arsenal]. From these elements,
we can trace a comparison between a understudied situation, the one of the military
manufactories – concentrating in the Rio de Janeiro Arsenal –, with the one presented
by the traditional explicating models created by the Brazilian historiography, centred in
aspects of economic history of an dependent agrarian economy, based on the use of an
unqualified workforce – the slave labour. The government proposal in the first half of
the 19th century, among other aspects, was to use those military manufactories to create
an industrialization base in the country, following a process that was adopted in the
United States of America in the same period, but with much different results.

XV
Introdução

Sumário
1. Introdução
1.1. Proposta
1.2. Quadro teórico
1.3. Metodologia
1.4. Plano da obra
1.5. Passos tomados

1
Introdução

1. Introdução

O presente trabalho originou-se de uma necessidade eminentemente prática: o


autor trabalhou por dez anos no Museu Histórico Nacional (MHN) em diversas ativida-
des. Uma dessas foi o estudo da história da instituição, situada no centro do Rio de Ja-
neiro, também realizando pesquisas sobre parte de seu acervo – entre o qual se inclui o
próprio prédio do conjunto.1 Para se ter uma noção da relevância disso, deve-se dizer
que o museu foi fundado em 1922 no antigo complexo de prédios da Casa do Trem2 e
do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro. Este conjunto, segundo a historiografia, teve
sua construção iniciada em 1762 para abrigar a principal manufatura3 do exército, vol-
tada para o fornecimento de material bélico para aquela força. A manufatura continuaria
a ocupar as instalações até 1903, quando foi transferida para o bairro do Caju, subúrbio
da cidade.

Depois de um curto período sem uso militar maior, o grande conjunto de edifí-
cios – que no início do século XX ocupava toda a ponta do Calabouço e boa parte do
bairro da Misericórdia – foi aproveitado em 1922 para ser parte das festividades da Ex-
posição Internacional do Centenário da Independência e parte dessa adaptação incluía a
criação de um Museu Histórico. Este seria o primeiro a ter um caráter genérico no cam-
po com uma abrangência nacional: antes da sua criação já havia alguns museus históri-
cos, como o do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, particular, ou os museus do
Exército e da Marinha, mas esses últimos eram monográficos, ligados às duas forças
armadas. O Museu Paulista se aproximava muito da proposta do MHN, mas era uma
instituição estadual.

O Museu Histórico, que ao ser criado era muito pequeno, abrangendo apenas
duas salas do antigo complexo do Arsenal, teve em suas origens algumas condicionan-

1
Esse entendimento foi consagrado em 1998, quando o Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tombou o prédio e acervo do Museu Histórico Nacional, o
prédio sendo considerado como parte da coleção museológica. Ver: BRASIL – Instituto do Patrimô-
nio Histórico e Artístico Nacional. Processo de tombamento 1.392-T-97, Prédios do Museu Histórico
Nacional e Coleções que ali se abrigam, com exclusão da Coleção Bibliográfica. Arquivo Noronha
Santos, IPHAN. (mimeo.)
2
No final do trabalho incluímos um glossário com os termos e conceitos usados na presente tese, estes
estando marcados em itálico no texto.
3
Entende-se manufatura, no sentido estrito, como um local concentrado onde produtos são fabricados a
mão, isto é, sem o uso de máquinas. Difere da oficina por os meios de produção não pertencerem aos
trabalhadores. MARX, Karl. Capital. London, Encyclopaedia Britannica, c. 1952. Edição completa e
comentada p. 164.

2
Introdução

tes que hoje seriam consideradas como exóticas: a formação do acervo por parte de seu
primeiro diretor, Gustavo Dodt Barroso, foi direcionada por suas ideias e pelo poder que
lhe foi concedido pelo presidente Epitácio Pessoa.4

Gustavo Barroso nasceu em 1888 e era advogado, escritor e jornalista, sendo


eleito deputado federal pelo Ceará em 1915. O intelectual cearense era amigo do presi-
dente Epitácio Pessoa, pois fora secretário da delegação brasileira à Convenção de Ver-
salhes, em 1919, chefiada pelo futuro mandatário nacional. 5 Já antes disso vinha bata-
lhando por um museu voltado para assuntos militares no País, tendo escrito um artigo
no Jornal do Comércio de 1911, com o título de “Museu Militar”, defendendo a criação
de uma instituição voltada para a preservação do passado pátrio, do ponto de vista mar-
cial. 6

A proposta de criação não foi adiante naquele momento, tendo sido reiterada em
outros textos do mesmo autor, reproduzidos no livro Ideias e Palavras,7 de 1917, pois
Barroso tinha um forte interesse no campo da história militar. Fora o defensor de que o
1º Regimento de Cavalaria passasse a usar um uniforme histórico baseado na Imperial
Guarda de Honra e passasse a ser chamado de Imperial Guarda de Honra,8 o que acon-
teceu justo em 1922, ano das comemorações do centenário da Independência. Naquele
ano ele também lançou, junto com Washt Rodrigues, o livro Uniformes do Exército
Brasileiro,9 obra que ainda hoje é referência sobre o assunto, apesar do mérito disso
recair mais sobre o trabalho de pesquisa e de ilustração de Rodrigues.

Mais tarde, Barroso se tornou um autor prolifico de livros – escreveu 128 deles,
muitos dos quais voltados para a crônica de assuntos bélicos. Não eram obras de história
propriamente dita, misturavam fantasia com fatos, sem citar referências, mas no contex-

4
Ver: BRASIL – Decreto nº 15.596, de 2 de agosto de 1922. Cria o Museu Histórico Nacional e aprova
o seu regulamento. Ver especialmente o artigo 83, que autoriza o recolhimento de acervos de outras
instituições federais.
5
ABREU, Regina. A fabricação do imortal: memória, história e estratégias de consagração no Brasil.
Rio de Janeiro: Lapa: Rocco, 1996. pp. 107 e segs.
6
DUMANS, Adolpho. A ideia de Criação do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpi-
ca, 1947. p. 98.
7
BARROSO, Gustavo. Ideias e Palavras. Rio de Janeiro, Leite Ribeiro e Maurilio, 1917.
8
Id. pp. 27 e segs. Este é um caso explícito de construção de uma memória, já que a Imperial Guarda de
Honra nunca foi uma tropa do exército, pertencendo à casa Imperial, até sua extinção em 1831, na
Regência. Além disso, o uniforme histórico da unidade é de 1825, não tendo relação direta com a In-
dependência. Finalmente, a unidade nunca foi de dragões, infantaria montada, sendo de cavalaria pe-
sada – a única do tipo a existir no Brasil.
9
BARROSO, Gustavo Dodt & RODRIGUES, Washt. Uniformes do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1922.

3
Introdução

to da época tinham forte apelo popular por sua temática extremamente ufanista e nacio-
nalista. Nesse sentido, não podemos deixar de mencionar que Gustavo Barroso foi um
dos ideólogos do integralismo e chefe da milícia do partido, além de ser o maior autor
do antissemitismo brasileiro. Foi o tradutor da edição brasileira do folheto “Os protoco-
los dos sábios do Sião”, 10 um falso plano judeu para domínio do mundo, forjado no iní-
cio do século XIX na Rússia – isso além de escrever outras obras nessa linha. Apesar
disso, e de suas ligações com os políticos da “República Velha”, ele teve uma imensa
resiliência política, conseguindo sobreviver na direção do Museu mesmo em face de
fortes mudanças do poder, como a Revolução de 1930, a Intentona Integralista de 1938
e a redemocratização de 1945, perdendo seu cargo por apenas curtos períodos e efeti-
vamente permanecendo na direção da Instituição até sua morte, em 1957.

Desta forma, apesar do mundo ter passado por um momento traumático, a 1ª


Guerra Mundial, quando toda uma geração fora massacrada nas trincheiras europeias, e
que afetou a forma como a história era escrita – na França, é o momento do surgimento
da escola dos Annales, que se preocupava em ir contra a história nacionalista do século
XIX –, isso não se refletiu na historiografia apresentada nas exposições do Museu His-
tórico. O projeto do diretor da instituição era a de criação de um museu voltado para a
glorificação do passado bélico brasileiro e, desta forma, com o apoio da presidência da
República, ele conseguiu reunir uma grande quantidade de peças museológicas ligadas a
sua ideia, como o acervo do antigo Museu de Artilharia ou as armas da coleção Victor
Meirelles, que estavam na Escola Nacional de Belas Artes e que tinham sido usadas
pelo pintor nos seus estudos para a preparação de quadros famosos, como a Batalha de
Guararapes. O mesmo aconteceu com o Museu Naval, extinto em 1932 e incorporado
ao MHN. 11 Vale ressaltar que, mesmo considerando que as décadas de 20 e 30 seriam
de crise política e econômica, Barroso conseguiu créditos extras para fazer a compra de
objetos preservados por particulares, muitos deles voltadas para o patrimônio das forças
armadas, como a coleção de armas de José Washt Rodrigues.

O resultado é que, mesmo com a mudança nos modelos museológicos e historio-


gráficos que se consolidaram no Brasil após a década de 1960, as coleções feitas por
Barroso são numericamente muito importantes – milhares de objetos – e apesar de ser
uma instituição civil, não há outro acervo militar semelhante no País em termos de

10
OS PROTOCOLOS dos Sábios do Sião. São Paulo: Agencia Minerva. 1936.
11
O museu foi recriado quarenta anos depois, com um grande número de peças devolvidas pelo MHN.

4
Introdução

abrangência temporal e de qualidade. Esse material não é o mais o centro das exposi-
ções há décadas e as coleções como um todo hoje são muito variadas, incluindo desde
objetos de uso cotidiano, como eletrodomésticos, até ícones tradicionais da museologia
clássica, ligados aos “próceres nacionais” e aos grandes eventos. Dessa forma, o acervo
formado anteriormente à década de 1960, não poderia – nem deveria – ser descartado e
ignorado e o autor desse texto foi designado para estudar e catalogar a coleção de arma-
ria, que hoje se encontra quase toda em Reserva técnica, isto é armazenada, mas que
precisava ser processada para usos eventuais tendo em vista. Isso se fazia mais necessá-
rio quando vemos que Gustavo Barroso tinha formado o acervo visando uma determi-
nada posição historiográfica, como colocamos acima, em ocasiões falseando a interpre-
tação sobre as peças museológicas. Um exemplo disso são as peças das Guerras Holan-
desas usadas por Barroso em suas exposições. Estas incluíam algumas que ele sabia que
não eram do período, mas que foram “reclassificadas” como sendo pertinentes ao as-
sunto, para enriquecer as exposições do tema, caro à historiografia militar nacional.12
Isso já era percebido na época da fundação do Museu, como vemos na crítica de Calix-
to, na imagem abaixo (Figura 1). Para o museu, era preciso revisar a catalogação do
acervo.

Figura 1 – Caricatura de Benedito Calixto.


Alusiva à formação do acervo do Museu Histórico Nacional por Gustavo Barroso, com peças de questio-
nável valor histórico. No caso, cremos que Calixto, ele mesmo um autor de livros de história, referia-se
não há uma visão de sobre a existência ou não de um eventual valor histórico de cada objeto, mas sim a
postura do fundador do museu, de criar suas próprias interpretações, fossem estas baseadas em fatos ou
não, e difundir essas em seus livros. Fon-Fon, 1922. Arquivo do Museu Histórico Nacional.

12
Para uma discussão disso, ver o trabalho do autor da presente tese: Armas que documentam as Guerras
Holandesas: revisitando um texto dos Anais e uma coleção do Museu Histórico Nacional. Anais do
Museu Histórico Nacional n° 32, 2000.

5
Introdução

O relevante nessa discussão inicial é que no trabalho com as peças museológicas


recolhidas por Barroso, desde cedo percebemos que alguns pontos muito caros à histo-
riografia tradicional não combinavam com a situação real ilustrada pelos testemunhos
da cultura material preservados nas coleções do museu. Quando se fala na incapacidade
técnica e econômica para a criação de manufaturas no Brasil até a primeira metade do
século XIX, isso ignora a existência de uma série de peças fabricadas localmente, que
incluem até itens de extrema complexidade, como canhões, alguns deles experimentais13
(ver Figura 14). Isso seria, no mínimo, um indicativo de que o exército nacional não era
um simples comprador de produtos acabados importados, mas podia também os fabricar
e que procurava modelos próprios, para se adequar às necessidades brasileiras. Tal situ-
ação não se restringia a objetos do final do século XIX, mas alguns da primeira metade
daquele século, o que, como dissemos, nos levava a questionar os modelos de explica-
ção da situação econômica do Brasil em termos de uma situação de total desindustriali-
zação.

Outro aspecto que nos levou a conceber o tema da presente tese é o conjunto ar-
quitetônico do Museu – como dissemos, ele foi o antigo Arsenal de Guerra do Rio de
Janeiro, depois “da Corte”. Os edifícios que existem hoje, com 19.000 metros quadra-
dos, apesar de ocuparem uma imensa área (Figura 2), são apenas uma parcela reduzida
daqueles que compunham o conjunto original (ver Figura 42), já que muitos dos seus
prédios foram demolidos nas obras de preparação da Exposição Comemorativa do Cen-
tenário da Independência, para criar espaços abertos para ela.

Como parte de nossas atividades no MHN incluíam a pesquisa sobre o edifício, a


questão que se colocava imediatamente era o que teria impelido o governo colonial – os
primeiros elementos do conjunto de hoje datam de 1762, repetimos – e depois o Imperi-
al –, a fazerem investimentos tão grandes em uma instalação manufatureira, se a eco-
nomia do País era, supostamente, de subsistência e todos os produtos mais elaborados
deveriam ser importados?

13
No Museu há um canhão de alma oblonga, para disparar duas balas ao mesmo tempo, de invenção de
um operário do Arsenal, José Francisco Barriga, em 1856. CASTRO, Adler Homero Fonseca de &
ANDRADA, Ruth Beatriz S. Caldeira de. O pátio Epitácio Pessoa: seu histórico e acervo. Rio de
Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1993 (mimeo). Peça nº 015884 (ver Figura 14).

6
Introdução

Figura 2 – Planta do atual conjunto do Museu Histórico Nacional.


Contém suas principais ampliações que sobreviveram até os dias de hoje e servem para ilustrar o imenso
tamanho do complexo arquitetônico do Arsenal de Guerra já no século XVIII e as várias ampliações por
que o conjunto passou ao longo dos séculos.
Também consideramos válido apontar que um dos pontos da historiografia revi-
sionista das décadas de 1970 e 1980 é que a Guerra do Paraguai, o maior conflito da
história da América do Sul, teria sido originário de uma pressão inglesa para eliminar
uma possível competição paraguaia aos produtos manufaturados ingleses. 14 Entretanto,
os dados usados para sustentar essa hipótese, referente a uma suposta industrialização
paraguaia, mostram que aquele país tinha uma infraestrutura mínima em termos compa-
rativos com o Brasil de então, tornando toda a proposta risível, para dizer o mínimo.
Isso, contudo, não fica evidente na historiografia brasileira, que ignora as manufaturas
existentes no Brasil da época da guerra. Ou seja, o desconhecimento da situação real
propiciou a difusão de uma hipótese que não tem sustentação factual.

Consideramos essas colocações pertinentes, pois o setor público manufatureiro


não é muito trabalhado nos estudos de história econômica colonial ou da primeira meta-
de do século XIX – na verdade, é praticamente ignorado até o momento dos grandes
investimentos do Governo Vargas na indústria, em meados do século XX. Cremos parte
desta explicação pode ser vista nos modelos explicativos de origem marxista, voltados
para a questão da acumulação e reprodução do capital, pelos quais os envolvimentos

14
Esta tese foi inicialmente desenvolvida por POMER, León. A Guerra do Paraguai: a grande tragédia
rio-platense. São Paulo: Global, 1981 (primeira edição em espanhol de 1965). O livro mais difundi-
do no Brasil a defender esse ponto de vista é: CHIAVENATTO, Júlio José. Genocídio americano: a
Guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1987. A primeira edição da obra é de 1979 – houve, pe-
lo menos, 32 edições.

7
Introdução

governamentais não são considerados como relevantes ou eficientes,15 sendo ignorados,


mesmo quando conhecemos seu evidente impacto na economia e sociedade. Por exem-
plo, as forças armadas, seja de regulares ou de milícias, chegaram a corresponder até a
4% da população colonial16 e no início do Império essa proporção era de, pelo menos,
2,7% da população.17

Desta forma, a presença militar era certamente era uma questão presente e im-
portante no Brasil até a segunda metade do século XIX. Esta questão se torna mais visí-
vel quando se percebe que a percentagem de participação militar na população acima
citada desconsidera as crianças (abaixo de 14 anos), idosos (homens com mais de 50
anos), todas as pessoas de sexo feminino e os escravos. Levando essas parcelas em con-
ta, temos uma cifra em que um em cada quatro ou cinco adultos livres do sexo masculi-
no estava ligado à atividade militar. Pessoal que tinha que ser suprido de alimentação,
uniformes, armas e munições, mesmo que isso fosse feito de forma precária, pois de
outra maneira não teriam efetividade alguma como força militar – e a própria história
nacional, com seus vários conflitos, prova que o exército funcionava bem o suficiente
para garantir a existência do País.

Notamos que o papel dos militares com a sociedade é um ponto central de al-
guns estudos sobre a história recente do Brasil, em termos de intervencionismo dos mi-
litares, 18 mas esses se preocupam com a questão política, uma visão tradicional da histó-
ria. A “nova história militar”19 tem uma aproximação mais ampla, em se tratando do
efeito dos militares na sociedade como um todo e vice-versa. Consideramos essa apro-

15
Frisamos que aqui estamos falando em termos de acumulação do capital, algo que é restrito à iniciativa
privada.
16
NOGUEIRA, Shirley. Razões para Desertar: a institucionalização do Exército no Grão-Pará no últi-
mo quartel dos setecentos. Belém: UFPA, 2000. (Dissertação de mestrado). p. 59. Dados de uma sé-
rie de 1784-1794.
17
MAPA da força militar das províncias, incluindo-se o Rio de Janeiro. Sl [182_]. Supostamente 1825.
Mss. BN. II-30,28,001.
18
Há uma grande bibliografia sobre o tema, que foge ao nosso trabalho. Apesar de ser uma obra antiga,
pode-se consultar o levantamento crítico feito Edmundo de Campos: CAMPOS, Edmundo de. A Ins-
tituição Militar no Brasil. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais-BIB.
Rio de Janeiro, n. 19, 1.º semestre de 1985. pp. 5 e segs.
19
A nova história militar propõe-se a trabalhar com outros aspectos do envolvimento dos militares com a
sociedade que não o estudo das ações de combate. O termo se tornou popular por meio de dois li-
vros: BARATA, Manuel Temudo & TEIXEIRA, Nuno Severiano. Nova história militar de Portu-
gal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2004 (5 vols.) e, do mesmo ano, a obra: CASTRO, Celso; IZECK-
SOHN, Vitor; KRAAY, Hendrik. Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2004. Não simpatizamos com o uso do termo, pois o mesmo teria sua definição baseada em um outro
conceito, qual seja, uma oposição a uma “velha história militar”, não tendo, portanto, significado por
si. Preferimos a prática inglesa, que chama o mesmo conceito de história social da guerra. A expres-
são, contudo, já se popularizou no uso da historiografia brasileira.

8
Introdução

ximação importante, pois é evidente que não se pode pensar o papel das forças armadas
como uma questão específica ou limitada aos períodos de conflito armado ou apenas ao
campo político. Tropas, equipamentos, fortificações e belonaves tinham que existir e ser
mantidas mesmo quando não havia uma guerra em andamento e isso envolvia um imen-
so aparato fiscal e logístico que não podia ser criado a partir do nada quando era neces-
sário. Há mesmo todo um campo de pesquisa, o ligado à teoria da “Revolução Militar”,
que aponta que a necessidade dos monarcas de obterem o monopólio da violência legí-
tima e a criação de exércitos permanentes e sua infraestrutura teria sido o elemento fun-
damental na formação dos estados nacionais.20

A ideia da Revolução Militar não se resume a isso, mas cabe apontar que antes
do período moderno (1452-1789) havia uma situação de extrema precariedade, na qual
os grandes proprietários de terras – e não os governos centrais – eram responsáveis por
todos os aspectos de sustento das forças envolvidas em uma campanha. A partir de en-
tão houve um processo de crescente envolvimento dos governos na montagem de es-
quemas em que a administração central assumia essas responsabilidades, inicialmente
com o fornecimento das munições, depois das armas, que passaram a ser padronizadas,
assim como o equipamento e a alimentação. Isso até chegar ao ponto do uso de fardas,
roupas uniformizadas, fornecidas pelo governo.

Neste caso, devemos lembrar que, ao contrário do que os filmes de Hollywood


mostram, o uso de fardas é muito recente, só se iniciando no século XVII e o processo
de uniformização das roupas de uso por militares de um país só tendo se concluído na
Primeira Guerra Mundial, em pleno século XX, com a adoção de vestimentas que pro-
curavam mimetizar o terreno. Na verdade, a padronização no equipamento das forças
armadas foi um processo básico que se estendeu, de forma geral do século XVI até o
XVIII, mas que não se encerrou naquela época. Até hoje ainda há uma preocupação das
lideranças em moldar não só a aparência externa dos homens alistados, mas até a sua
forma de pensar – e isso não sendo um entendimento restrito às ditaduras, pois mesmo
os exércitos de países democráticos dependem disso para funcionarem de forma regular.

Uma solução para fornecer os materiais padronizados, necessários para o funci-


onamento dos exércitos era tentar fazer com que os diversos fornecedores das forças

20
Para a questão do monopólio da violência, ver: WEBER, Max. Ensaios de Sociologia Rio de Janeiro:
Ed. Guanabara, 1982. p. 301 e segs. Sobre a revolução militar: ROBERTS, Michael. The Military
Revolution, 1560-1660. Belfast: Queen’s University, 1956.

9
Introdução

armadas produzissem equipamentos idênticos. Tal proposta era complicada por causa
dos problemas que isso implicava: não havia sequer unidades de medidas padronizadas
– o sistema métrico data da Revolução Francesa, antes disso cada país, às vezes cada
região de um mesmo país, usavam suas próprias medidas, incompatíveis com as dos
outros. Outra solução, que teve muita importância, foi a de concentrar a produção de
artigos militares em instalações manufatureiras governamentais, os Arsenais, que passa-
ram a adquirir grande importância em todos os países.

Em uma perspectiva comparativa, se o processo descrito acima é válido para as


forças armadas europeias, sempre nos perguntamos por que tal assunto, o do forneci-
mento de equipamentos militares não foi estudado no Brasil, levando em conta a evi-
dente importância dos assuntos bélicos na história do País nos quatro primeiros séculos
de sua existência. O fato é que, como dissemos, as forças armadas como uma forma de
mercado consumidor e, mais ainda, o papel das manufaturas do governo é praticamente
ignorado pela historiografia.

Há alguns trabalhos que tratam da história corporativa das instituições fabris mi-
litares, entre elas a Fábrica de Ferro de Ipanema (SP), administrada pelo Exército, sendo
um dos assuntos mais pesquisados, 21 mas a complexa rede das organizações de produ-
ção de artigos militares não é muito conhecida. Além das conhecidas Fábrica de Ferro e
Fábrica de Pólvora do Rio de Janeiro (inicialmente no Jardim Botânico, na Corte, de-
pois no município de Magé), tinha havido um estabelecimento de fabricação de Pólvora
em Salvador, no século XVIII 22 (ver Figura 3), sendo uma instituição que, ate onde sa-
bemos, não é citada em nenhum trabalho que trata da história da economia colonial, um
ponto importante, quando lembramos que a pólvora era um dos itens usados no escam-
bo de escravos na África.

A “Ribeira das Naus” da Bahia é outro elemento importante, normalmente rele-


vado na historiografia, apesar de ter sido instalada no século XVII e elevada à categoria

21
Podemos citar as obras de FELICÍSSIMO Jr. J. História da Siderurgia de São Paulo, seus persona-
gens, seus feitos. São Paulo: ABM, 1969. E SANTOS, Nilton Pereira dos. A Fábrica de Ferro de
Ipanema: economia e política nas últimas décadas do Segundo Reinado (1860-1889). Dissertação de
Mestrado. Universidade de São Paulo, 2009.
22
PLANTA, Perfil, fachada e a metade do telhado da casa, em que se fabricou a pólvora na Cidade da
Bahia. 1751. Mss. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Lisboa. Cópia disponível no Arquivo do
IPHAN.

10
Introdução

de Arsenal de Marinha em 1714 – era uma das duas instalações do gênero em todo o
Império Português, o outro arsenal naval sendo o de Lisboa. 23

Também são desconsiderados pela historiografia os Arsenais do Exército do Pa-


rá,24 Pernambuco,25 Bahia, Rio de Janeiro (este divido em duas unidades, o Arsenal
propriamente dito e a Fábrica de Armas do Morro da Conceição), Rio Grande do Sul e
Mato Grosso 26 – na Revolução Farroupilha chegou a haver um Arsenal de Guerra rebel-
de, funcionando em Pelotas e, depois, em Caçapava.27

Figura 3 – Planta da Fábrica de Pólvora da Bahia, 1751.28


Esta instalação ficava no “campo dos Aflitos”, onde hoje se situa o quartel do Comando Geral da Policia
Militar da Bahia. Originalmente, no local havia uma Casa do Trem, substituído pelo prédio ilustrado,
construído em 1705. Depois o edifício voltaria a ser usada como Casa do Trem.

23
SELVAGEM, Carlos. Portugal Militar: compêndio de história militar e naval de Portugal, desde as
origens do estado Portucalense até o fim da Dinastia de Bragança. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa
da Moeda, 1991. p. 467. Deve-se dizer que havia outras instalações que construíam navios no Impé-
rio Português, como em Goa ou em outras capitanias do Brasil, mas essas não tinham o status de Ar-
senal.
24
Há um trabalho que trata tangencialmente do Arsenal de Guerra do Pará, sob o ponto de vista dos Afri-
canos livres: BEZERRA NETO, José Maia. O africano indesejado. Combate ao tráfico, segurança
pública e reforma civilizadora (Grão-Pará, 1850-1860). Afro-Ásia, nº 44, 2011.
25
Deve-se dizer que o Arsenal de Pernambuco é um dos com mais trabalhos acadêmicos, podendo-se
citar a dissertação de mestrado: CATARINO, Acácio José Lopes. Da oficina ao Arsenal: Estado e
redefinições urbanas no limiar da descolonização. Recife: UFPE, 1993. De forma mais resumida,
também há: VIEIRA, Hugo Coelho. Aprendizes castigados: a infância sem destino nos labirintos do
arsenal de guerra - 1827-1835. https://goo.gl/LwvuJa (acesso em outubro de 2015).
26
Há um trabalho interessante sobre os aprendizes menores do Arsenal de Mato Grosso: CRUDO, Matil-
de Araki. Infância, trabalho e educação : os aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato Grosso
(Cuiabá, 1842-1899). Campinas: Unicamp, 2005. (tese de doutorado).
27
REPÚBLICA Rio Grandense – Regulamento para a administração geral do Comissariado de víveres e
transportes do exército republicano Rio-Grandense. Título II. Anais do Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre, 1980. vol.V. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1981. 5. Cole-
ção Alfredo Varela. Correspondência ativa. p. 69 e segs.
28
PLANTA, Profil (1751), op. cit.

11
Introdução

A série de manufaturas militares continua, havendo ainda os Arsenais de Mari-


nha do Pará, Pernambuco, Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Alagoas e
Rio Grande do Sul; os Laboratórios Pirotécnicos, em todas as províncias; a já mencio-
nada Fábrica de Armas da Conceição e a Oficina de Foguetes, no Rio de Janeiro. 29 Por
essa época – meados do século XIX – praticamente todas as províncias tinham seus la-
boratórios pirotécnicos e depósitos de artigos bélicos, onde eram feitos reparos em ar-
mas, apesar desses dois tipos de instalação, na maior parte dos casos, serem de pequeno
porte. Passando quase despercebidas são as fábricas de armas em São Paulo e Minas
Gerais, que são mencionadas na legislação e em livros de cronistas, mas sobre as quais
as informações são, para todos os efeitos, inexistentes.30

As obras de maior fôlego tratando das manufaturas do governo que existem fo-
ram escritas há muito tempo, seguindo padrões que hoje não se adequam à norma aca-
dêmica. É o caso da obra de Juvenal Greenhalgh, 31 um oficial que tratou do Arsenal de
Marinha do Rio de Janeiro, escrevendo mais uma crônica do que um trabalho de caráter
histórico e mesmo assim, com falhas e lapsos de informação. Outra obra sobre arsenais
é a de Pimentel Winz, a História da Casa do Trem, 32 que trabalha com a descrição dos
fatos em torno do conjunto arquitetônico do Museu Histórico Nacional e suas proximi-
dades, usando uma grande quantidade de fontes – o livro tem 677 páginas, justamente
por causa da reprodução integral de dezenas de documentos.

Nenhum dos dois livros acima procura fazer uma interpretação da história das
instalações inseridas em um contexto maior, tanto em termos de história regional ou
nacional. Também não fazem uma crítica sobre os conceitos universalmente aceitos pela

29
Os laboratórios Pirotécnicos do Castelo e do Campinho (originalmente, a Oficina de Foguetes), assim
como a Fábrica de Armas da Conceição foram subordinados ao Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro.
Para um estudo da Oficina de Foguetes, há nosso trabalho: Os primórdios da Indústria aeroespacial
no Brasil – o foguete de Halle do Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional
n° 34, 2002.
30
Alice Canabrava cita os decretos de 13 de maio de 1810, 12 de novembro de 1811 e a carta régia de 24-
1-1812, que tratam da Fábrica de Canos de Espingarda, CANABRAVA, A. P. Manufaturas e indús-
tria no período de D. João VI no Brasil. IN: PILLA, Luiz (org.). Uma experiência de intercâmbio
cultural. Porto Alegre: Universidade do Rio Grande do Sul, 1963. p. 166. Enquanto Saint-Hilaire tra-
tou brevemente da Fábrica de Armas de São Paulo. SAINT-HILAIRE, Augusto de. Viagem à Pro-
víncia de São Paulo e resumo das viagens ao Brasil., Província Cisplatina e missões do Paraguai.
São Paulo: Livraria Martins, 1972. p. 163. Mas os dados sobre essas instituições são sumaríssimos.
Ver também: CANABRAVA, op. cit.
31
GREENHALGH, Juvenal. O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na História: 1763-1822. Rio de
Janeiro: Editora a Noite, 1951. Fazemos a ressalva que só depois de concluída nossa pesquisa toma-
mos conhecimento da obra: MALVASIO, Ney Paes Loureiro. Distantes estaleiros: arsenais de ma-
rinha e a reforma naval pombalina. São Paulo: Paco editorial, 2012.
32
WINZ, Pimentel. História da casa do Trem. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1962.

12
Introdução

historiografia, apesar das instituições estudadas obviamente não se encaixarem nesses


conceitos – são livros que refletem o momento histórico em que foram feitos e das habi-
litações de seus autores, que não eram ligados à academia (Winz, funcionário do MHN,
depois passou a ser sócio do IHGB), não escreviam pensando nela e sim em um público
mais amplo.

Desta forma, consideramos que há uma oportunidade de se fazer uma ligação do


nosso trabalho no Museu Histórico Nacional, com um assunto que consideramos como
inédito. Para isso apontamos uma visão que cremos ser intrigante, pois é ignorada pela
historiografia: o papel do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como instalação manufa-
tureira do governo na primeira metade do século XIX, numa perspectiva de história
comparada.

1.1 Proposta
Conforme escrito acima, ainda não foi feito um estudo aprofundado sobre as ins-
talações fabris/manufatureiras do governo, pelo menos no que tange ao século XIX.
Entretanto, o número delas era muito grande – no levantamento que fizemos, apenas
tratando das instalações diretamente administradas pelas forças armadas, essas excedem
o número de vinte, algumas de porte muito grande. Esse número não inclui as empresas
civis relacionadas diretamente ao suprimento da atividade militar, mas que não eram
administradas pelas forças armadas, como as Fábricas de Armas das províncias e até
instalações que seriam consideradas inteiramente privadas, mas que se atrelavam a um
projeto de incentivo industrial do governo. Um exemplo dessas seriam as manufaturas
de algodão, as quais receberiam incentivos na forma de compras obrigatórias de tecidos
para as tropas.33

Outro problema desta temática, além de sua complexidade, é sua extensão cro-
nológica: o papel do governo na manufatura de artigos militares se iniciou, até onde
podemos constatar, com a fundição de canhões de Olinda, que funcionou naquela cidade
nas primeiras décadas do século XVII. 34 Apesar daquela instalação não ter sido bem

33
PORTUGAL – Alvará de 28 de abril de 1809. Isenta de direitos as matérias primas do uso das fabri-
cas e concede outros favores aos fabricantes e da navegação Nacional. Inciso III: “Todos os farda-
mentos das minhas Tropas serão comprados ás fabricas nacionais do Reino, e ás que se houverem de
estabelecer no Brasil”.
34
MORENO, Diogo de Campos [suposto autor]. Livro que dá razão ao Estado do Brasil. Rio de Janeiro,
Instituto Nacional do Livro, 1969. Edição fac-similar de manuscrito de 1612, sem numeração de pá-
ginas.

13
Introdução

sucedida, não houve uma solução de continuidade na atividade como um todo: há men-
ções à existência de Casas do Trem ao longo dos séculos XVII e XVIII, bem como a
outras instalações, como a já citada Fábrica de Pólvora de Salvador. O marquês de
Pombal implantou no Brasil uma rede de trens, com instalações no Rio de Janeiro, Ba-
hia, Pernambuco e Pará. Dessas bases, o esforço fabril das forças armadas continuou a
ser importante até a década de 1970.

A quantidade de fontes sobre essas manufaturas é muito grande, especialmente


considerando a disponibilização de fundos arquivísticos que ocorreu na última década,
com a internet. São centenas e centenas de documentos, que não tratam apenas das ma-
nufaturas em si, mas do suprimento das forças armadas e que nos trazem informações
sobre a estrutura produtiva criada para atender às necessidades bélicas das administra-
ções militares, portuguesa e do Brasil.

Desta forma, tornava-se óbvio que um estudo que procurasse abarcar em pro-
fundidade toda a complexidade da história das manufaturas e fábricas do exército estaria
fadado ao fracasso, devido à complexidade e extensão do tema. Era necessário estabele-
cer recortes temporais e espaciais que permitissem uma análise de fenômenos nacionais
a partir de estudos mais objetivos, refletidos em um tema mais limitado, o Arsenal de
Guerra.

Entretanto, deparamo-nos com um problema que é o referente às fontes: essas


são numerosas e volumosas, mas não se pode dizer que formam um corpo documental
homogêneo e compacto: os documentos estão espalhados por vários arquivos e institui-
ções e houve consideráveis perdas de material ao longo dos anos, criando fundos irregu-
lares em seu conteúdo. Estes, em nossa opinião não permitem o estudo de um tema mui-
to específico, como a formação da mão de obra dentro das manufaturas militares. Mes-
mo algumas instalações complementares menores, como a oficina de foguetes, não dis-
põem de arquivos completos o suficiente para se fazer um estudo conclusivo. Isso foi
reconhecido já no século XIX, quando os textos oficiais falavam nas “escriturações e
ajustes de contas que, em consequência do atropelo que houve, ficaram em tal estado de
atraso e confusão, que só muita paciência e perseverança poderiam remediar,”35 se refe-
rindo ao período da Guerra do Paraguai. Como já tínhamos levantado a história e a do-

35
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Relatório da Diretoria do laboratório Pirotécnico do
Campinho relativo ao ano de 1872. Augusto Fausto de Souza, Capitão Diretor Interino. Rio de Ja-
neiro, 13 de fevereiro de 1873. Mss. ANRJ, GIFI OI 5B 267.

14
Introdução

cumentação sobre o Arsenal de Guerra, mesmo com todas as suas falhas, parecia-nos
que a escolha dessa instalação específica parecia ser óbvia, constituindo-se assim um
primeiro recorte dentro do conjunto de manufaturas militares.

Outra escolha necessária de se estabelecer era a temporal – em uma primeira op-


ção, gostaríamos de ter trabalhado com o Arsenal no período Colonial, por ser um caso
que consideramos mais marcante de exceção à linha de um modelo explicativo da histó-
ria econômica do Brasil. Infelizmente, isso apresenta suas próprias dificuldades, a maior
delas sendo a irregularidade das fontes disponíveis, muito esparsas. É possível que em
Portugal haja mais dados, mas isso não era uma hipótese que pudesse ser verificada a
priori, por causa da dificuldade de acesso aos arquivos militares de lá. Aqui cremos que
vale mencionar um caso de natureza anedótica: na década de 1980 um particular ofere-
ceu à venda no Museu Histórico Nacional um documento de 94 páginas36 contendo uma
relação de tudo o que foi fornecido pelo Arsenal do Rio de Janeiro de 1769 até 1777,
um período crítico, por englobar as Guerras no Sul do País. Não encontramos outras
cópias de tal documento, que consideramos ter sido extraído de um arquivo oficial e sua
própria existência seria desconhecida, se não fosse o acesso que tivemos a ele na ocasi-
ão de sua oferta ao museu, quando o fotografamos. Infelizmente, essa situação de extra-
vio, longe de ser a exceção, parece ser representativa da situação dos arquivos sobre
assuntos militares no Brasil.

Sendo assim, e considerando que o fundo documental mais rico que encontra-
mos é o da série Arsenal de Guerra do Arquivo Nacional (IG7) e que este fundo concen-
tra-se no período posterior à chegada da família Real e, mais especificamente, após a
criação da Junta da Fazenda dos Arsenais, Fábricas e Fundição, pelo alvará de 1º de
março de 1811, nossa opção foi escolher o ano de 1808 como o momento inicial de nos-
sa pesquisa no que tange especificamente ao Arsenal. Isso permite trabalhar com uma
situação onde o País ainda se encontrava no período colonial tanto em termos formais
como políticos.

O recorte final seria um problema mais complexo, pois há uma série de fatos
marcantes que aconteceram do Brasil que poderiam ser usados como marcos delimita-

36
SILVA, Crispim Teixeira, Sargento Mor Intendente. Relação das Obras, Munições e mais Petrechos
que se tem feito no Trem de S. Majestade Fidelíssima do Rio de Janeiro, no tempo Governo do Il.mo e
Ex.mo Sr. Marquês do Lavradio Vice Rei e Capitam General de Mar e Terra do Estado do Brasil,
continuado de 31 de outubro de 1769, até 31 de Agosto de 1776. Mss. Coleção Particular.

15
Introdução

dores: a Independência (1822) e a consequente autonomia política; a Regência (1831),


com a proposta de redução das forças armadas; ou o período de 1850, com o fim do
tráfico de escravos e a redução no uso de cativos no Arsenal no ano anterior. Preferi-
mos, contudo, usar um recorte mais amplo, indo até 1864, excluindo o ano inicial das
operações da Guerra do Paraguai, 1865.

Os motivos para a escolha de um período tão amplo são diversos, mas um dos
principais é o relativo à base documental. Trabalhar com um período mais curto impli-
caria em fazer um estudo não tão completo quanto o consideraríamos desejável, já que a
própria complexidade administrativa do Arsenal de Guerra aumentou ao longo dos
anos, com uma crescente produção de documentos que esclarecem a forma de funcio-
namento do sistema. Na verdade, ao longo da redação desta tese vimo-nos forçados a
tratar de assuntos vários de períodos anteriores ao recorte acima, para poder contextua-
lizar o tema, especialmente quando falamos nos termos de nossas comparações.

O ano de 1864 parece ser uma escolha necessária. Por um lado, a produção de
material bélico cresceu de forma exponencial a partir daquele ano, de forma que seria
complicado trabalhar com o que aconteceu durante o conflito (1865-1870) – este pode-
ria ser, por si, o objeto de uma dissertação de mestrado ou mesmo um trabalho de dou-
torado, pela complexidade dos acontecimentos e seus efeitos na sociedade brasileira.

O ano de 1864 trás também outros acontecimentos relevantes, como o fim defi-
nitivo do uso de escravos no estabelecimento fabril, se adiantando em alguns anos no
que ocorreu no resto da sociedade brasileira e mesmo com relação ao caso de outras
manufaturas do governo, como a Fábrica de Pólvora, que continuou a usar cativos na
sua força de trabalho por mais alguns anos. 37

Por fim, devemos dizer que, em termos de história econômica, o período de


1808 a 1850 é visto como anômalo: o Antigo Sistema Colonial tinha acabado formal-
mente em 1808 e o sistema político do Brasil se alteraria em 1815, com o Reino Unido,
a separação definitiva de Portugal se dando sete anos depois. Contudo, a historiografia
não descreve que a economia brasileira tenha sofrido uma mudança radical até a década
de 1850, quando o fim do tráfico e o crescimento da economia cafeeira já se fazia sentir.

37
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação nominal dos escravos e escravas da nação sujeitos ao Arsenal
de guerra da Corte. Arsenal de Guerra da Corte, escritório da 1a Seção. Major Joaquim Jerônimo
Barrão, 1º ajudante. Rio de Janeiro, 23 de julho de 1865. Mss. ANRJ. IG7 27.

16
Introdução

Para alguns autores o período é um “hiato”,38 um período sem mudanças marcantes.


Para nós é óbvio que essa explicação, que ignora mudanças de quase meio século é,
para dizer o mínimo, de entendimento questionável, ainda mais quando vemos que a
introdução de medidas tarifárias em 1844 criaram condições para o desenvolvimento de
manufaturas no País, ainda que por um curto período, até a década de 1860. Dessa for-
ma, tratar desse espaço de tempo, de pouco mais de cinquenta anos, permitiria entender
a evolução de uma instalação manufatureira inserida em um contexto em alteração, o
que não seria possível em se tratando de um recorte cronológico mais restrito.

Nesse sentido, um primeiro momento a ser trabalhado é o da instalação da corte


portuguesa no Brasil. Então, alguns aspectos do mercantilismo francês de Colbert che-
garam a fazer parte do projeto do príncipe regente D. João, quando este permitiu a insta-
lação de manufaturas no Brasil. Estas medidas, em uma conjuntura bem diferente, tive-
ram resultados igualmente limitados, nem que fosse por uma oposição do pensamento
liberal, cujas premissas eram convenientes para as elites governantes daquele período.39

Consideramos de vital importância para o trabalho uma análise dos modelos ex-
plicativos da economia brasileira na historiografia, com relação a uma manufatura no
período cronológico relacionado. Como foi dito, esse é um momento que é visto como
um “hiato”, entre um suposto término do artesanato colonial, em 1808 e um surgimento
de uma indústria brasileiro, a partir da tarifa Alves Branco (1844), sem ter havido mu-
danças sérias em termos de economia com relação à prática colonial, apesar de todos os
problemas que essa premissa traz. Consideramos que entender os modelos clássicos
tendo em vista nosso objeto de pesquisa torna-se um dos objetivos a serem alcançados,
tendo em vista as incongruências que se observam mesmo em uma análise sumária do
tema.

Assim sendo, fizemos um estudo entre uma instalação manufatureira específica


– o Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro – no período de 1808 a 1864. Além disso,
apresentamos uma análise que insere a manufatura militar dentro de um modelo que é
difundido na historiografia do Brasil, como sendo uma sociedade escravista, voltada
inteiramente para a produção de produtos primários para exportação. Trataremos tam-

38
Este termo é usado por: PRADO Júnior, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1977. p. 257.
39
LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria, e estabelecimento de fábricas no
Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999.

17
Introdução

bém, do passado do Arsenal e sua instituição em um sistema maior, de manufaturas mi-


litares voltadas para o abastecimento das forças armadas e, secundariamente, para o
desenvolvimento econômico do País. O resultado é uma discussão sobre a validade des-
se modelo, pelo menos quando comparado com a realidade restrita de uma instalação
manufatureira do governo.

1.2 Quadro teórico


Ao fazermos o levantamento da bibliografia relativa à tese encontramos uma
obra de características muito relevantes para o trabalho por seu conteúdo de pesquisa: a
dissertação de mestrado de Luiz Carlos Soares, defendida em 1980.40 Esta, seguindo o
padrão normal das dissertações, faz uma revisão bibliográfica, listando e fazendo a críti-
ca das obras sobre o tema, apontando um problema que também encontramos em nossas
pesquisas e que se transformaria em um dos objetos do trabalho. Isto seria o fato de que
os “estudos geralmente realizados sobre as atividades industriais no ‘Brasil’ no século
passado se caracterizam pela generalidade e são muito pouco fundamentados em infor-
mações de fontes primárias”.41 Esta é uma afirmação com a qual concordamos inteira-
mente. O autor faz, contudo, uma exceção para os estudos de Stanley Stein (The Brazi-
lian cotton manufacture) e de Maria Eulália Lahmeyer Lobo (História do Rio de Janei-
ro). Mesmo assim, Soares critica a esses dois trabalhos, afirmando que “são obras muito
descritivas e não se lançam a uma abordagem teórica mais aprofundada”.42

No caso, consideramos a última sentença de Soares relevante, pois aponta um


problema típico da historiografia daquele período, marcada por uma visão da teoria
marxista do desenvolvimento social. Por esta, haveria uma “lei geral” que as sociedades
seguiriam, passando inevitavelmente de um estágio pré-determinado de desenvolvimen-
to das forças produtivas para outro, mais “avançado”, em direção a um modelo teórico
ideal, ainda não alcançado. Assim, o estudo da situação das especificidades do Brasil
ajudaria a entender como o País se enquadraria nesses modelos.

A questão teórica tinha, portanto, mais valor do que os trabalhos empíricos indu-
tivos, que partiam do levantamento dos dados para montar uma visão mais compreensi-

40
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação econômica e social escravista no sudeste : um estu-
do das atividades manufatureiras na região fluminense, 1840-1880. Niterói: UFF, 1980. (Disserta-
ção de mestrado).
41
id. p. 2.
42
id. pp. 2-3.

18
Introdução

va de um determinado processo histórico. Tal abordagem evidentemente se alterou ao


longo dos anos.

A nosso ver, a questão teórica adquire outro ponto de vista – a questão do de-
senvolvimento ou aplicação de uma teoria específica nunca foi primordial nas pesquisas
desenvolvidas. O problema que se colocava inicialmente e que nos levou aos estudos
foi, como colocado anteriormente, uma exigência do trabalho no Museu Histórico Naci-
onal, que demandava uma pesquisa empírica. Esta era voltada para a busca de respostas
a perguntas práticas e de uso imediato, sobre a história institucional do Museu, de seu
prédio e da formação de uma coleção específica, a das armas.

No entanto, a leitura do trabalho de Soares e outros, especialmente o de Geraldo


Beauclair,43 apontam um caminho que acreditamos ser válido seguir, por permitir a aná-
lise do Arsenal como uma unidade produtiva que se enquadra em uma situação de tran-
sição. Este seria o conceito de pré-indústria, pelo qual teríamos uma situação que, como
o nome indica, seria antes da indústria, mas com o empresa já inserida em uma econo-
mia plenamente capitalista, antes de se passar a uma situação de fábrica. Ou seja, era
uma economia onde havia manufaturas, mas estas não eram mecanizadas, uma situação
em que o Arsenal de Guerra, bem como uma série de outros empreendimentos no Brasil
e do resto do mundo, como as manufaturas militares francesas da primeira metade do
século XIX se enquadram perfeitamente.

Considerando o que foi colocado acima, o método comparativo nos parecia ser o
mais adequado para realizar um trabalho que processasse de forma sistemática o materi-
al que já tinha sido recolhido, bem como o que seria obtido nas pesquisas específicas do
doutorado. A razão dessa escolha pode ser dita que foi oriunda de uma perspectiva tra-
dicional na abordagem da história econômica, que sempre se valeu de estudos compara-
tivos para a montagem de seus modelos teóricos, desde pelo menos o trabalho de Adam
Smith, A riqueza das nações, de 1776, onde ele procurava explicar uma dada conjuntura
em face da situação de outros países. É claro que esses estudos não são propriamente de
história comparada, tal como a entendemos hoje, mas podem ser considerados como
precursores do método.44

43
OLIVEIRA, Geraldo de Beauclair Mendes de. A pré-indústria fluminense: 1808/1860. São Paulo:
1987. (Tese de doutorado). pp. 6 e segs.
44
Deve-se dizer que os estudos de história econômica que faziam comparações baseavam-se, muitas
vezes, em um preconceito explícito, criando uma “escala evolutiva”, de economias menos complexas
Continua –––––––

19
Introdução

Não cremos que caiba aqui uma discussão maior sobre a evolução da historio-
grafia que trabalha usando uma forma ou outra de comparação econômica.45 Contudo é
necessário apontar que na histórica econômica brasileira a comparação foi um elemento
de grande relevância, a partir de uma pergunta simples: por que o Brasil e os Estados
Unidos, partindo de bases semelhantes – ou até melhores para o país sul-americano,
como coloca Roberto Simonsen 46 – não desenvolveu uma sociedade industrializada no
século XIX?47 Ou seja, partiu-se de um problema acadêmico específico, sincrônico –
isto é, uma situação ocorrendo em dois países em um mesmo período histórico –, para
se tentar obter uma explicação para a situação contemporânea do Brasil na época em
que os livros foram escritos, meados do século XX, quando o País estava efetivamente
se industrializando depois de um período de atraso.

Esse problema acadêmico relativo ao não desenvolvimento industrial do Brasil


foi tratado de várias formas, voltadas para se obter uma explicação que seguisse os mo-
delos teóricos aceitos. Por exemplo, se coloca que haveria um modo de produção escra-
vista que caracterizaria a sociedade brasileira colonial e aquela que existiria durante boa
parte do século XIX, por meio do uso extensivo de cativos. Este era um modo de produ-
ção que seria, naturalmente, um entrave ao desenvolvimento econômico do país, impe-
dindo o surgimento de indústrias, pois o “caminho natural” a ser seguido seria o da ex-
ploração agrícola em latifúndios, para exportação.

Outras pesquisas não adotaram esta opção metodológica, sendo baseados em li-
nhas sociológicas, buscando uma lei geral, um “sentido da colonização”,48 sem se fun-
damentarem, contudo, em uma pesquisa empírica profunda. Tal tipo de trabalho, abran-
gendo todo o território brasileiro em trezentos anos de história, seria extremamente difí-
cil de realizar, se levarmos em consideração o volume de informações que seria neces-
Continuação–––––––––––
para as mais avançadas, em um caminho unidirecional de desenvolvimento para um sistema visto
como o ideal, fosse este último um modelo utópico ou a própria sociedade ocidental contemporânea,
visão que era – ainda é – comum na historiografia ocidental.
45
Para uma discussão da história do método comparativo na história econômica, ver: BARROS, José
d’Assunção. História Comparada. Petrópolis: Vozes, 2014. pp. 8 e segs. e MAIER, Charles S. La
historia comparada. Studia Historica Contemporanea. Vol. X-XI (1992-93). pp. 11-32
46
SIMONSEN, Roberto C. Evolução industrial do Brasil e outros estudos. São Paulo: Companhia Edito-
ra Nacional, 1973. pp. 6 e segs.
47
Para outros autores que colocam essa pergunta, ver: LIMA, Heitor Ferreira. História político-
econômica e industrial do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973. pp. 271-272. e,
mais conhecido, FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora
Nacional: Publifolha, 2000. p. 106.
48
PRADO Júnior, op. cit. Para o autor, o primeiro a desenvolver o tema, haveria uma síntese do caráter
geral da economia brasileira, que seria a exploração de recursos naturais em proveito do comércio
europeu. p. 102.

20
Introdução

sário processar sobre o passado do País, especialmente considerando a falta de pesqui-


sas setoriais mais profundas. Desta forma, em nossa opinião, estes trabalhos resultaram
em modelos que decididamente “explicam” a situação do Brasil de hoje – era essa sua
preocupação. Mas isso não quer dizer que sua fundamentação empírica fosse suficiente.
De fato, há muitas pesquisas mais recentes mostrando justamente o contrário, em diver-
sos níveis – por exemplo, as explicações gerais tendem a ignorar o papel e importância
do comércio interno, em função de um mercado consumidor que existia e era relevante,
se preocupando com o modelo de uma sociedade escravista, supostamente dividida em
apenas senhores e escravos.49

Sendo assim, queremos deixar claro alguns dos sentidos seguidos em nossa pes-
quisa. Sem nos propormos a fazer um trabalho de histórica econômica, usando a termi-
nologia e metodologia específica da área, estudamos uma unidade manufatureira inseri-
da em um contexto em que, pelos modelos teóricos, ela não deveria existir.

Essa proposta resultou de uma pesquisa tradicional, buscando levantar nos fun-
dos documentais existentes as informações sobre a organização militar do Arsenal de
Guerra, através de suas especificidades, a partir de uma perspectiva de história instituci-
onal.50 Tratamos de sua organização, funcionamento, quadro funcional e, mais impor-
tante, a demanda que levou à sua existência e o resultado de seus trabalhos: os produtos
militares como uma parte dos mecanismos que o Governo tinha para assegurar sua exis-
tência. Também consideramos relevante à questão do quadro de operários, pois o Arse-
nal não era apenas uma manufatura, mas também era uma instalação inserida em um
universo onde a escravidão era dominante, a instituição tendo, portanto, que se adequar
à situação reinante, apesar desta estar em alteração, isso sendo bem evidente no caso do
Arsenal.

Entretanto, um trabalho de pesquisa na tradição acadêmica brasileira, não pode


ser meramente indutivo, surgido a partir do conhecimento das fontes, para então se en-
caixar o estudo em uma teoria já existente ou elaborar uma própria. Seria necessário
direcionar a pesquisa em termos de um modelo teórico existente. No caso, utilizando-se

49
Há várias obras nesse tema. Uma recente é: CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com Empreendedo-
res. São Paulo: Mameluco, 2009.
50
No sentido de campo que trabalha com “a análise histórica das instituições que integram a organização
administrativa do estado”. PORRAS, Juan Daniel Flórez. Guía Metodológica para las investigacio-
nes de história institucionales : modelo de orientación general. Bogotá: Alcadía Mayor de Bogotá,
2005. p. 35.

21
Introdução

da metodologia da história comparada, nosso objetivo era observar até que ponto a ins-
talação manufatureira do Arsenal se encaixa no modelo tradicional da economia escra-
vista no Brasil.

Nesse ponto, deve-se dizer que a historiografia dá uma grande relevância aos es-
critos e ações do Visconde de Cairu,51 um ardente defensor do liberalismo econômico,
que seria o representante intelectual de uma elite que teria retardado a industrialização
do País,52 este sendo um modelo que deve ser discutido, pois, apesar da influência do
visconde na política, o que ele defendia não se encaixa, pelo menos em parte, em uma
realidade observável nas ações do ministério da guerra, tal como já colocamos anteri-
ormente.

Sendo assim, fizemos, em parte, fazer uma comparação sobre uma realidade
palpável e os modelos teóricos tradicionais, discutidos no primeiro capítulo, para verifi-
car a validade do mesmo, ressalvando que o objetivo do trabalho não é elaborar a ques-
tão de forma de uma nova teoria ou modelo explicativo, mas sim centrar-se em eventos
concretos. Ou seja, a questão teórica, ao contrário do comentado por Soares mais acima,
não é um objetivo em si, apenas uma ferramenta analítica.

Nesse sentido, consideramos o caso francês como particularmente relevante,


pois algumas formas de ação do Governo com relação ao incentivo ao surgimento de
manufaturas adotadas no Brasil, tanto em termos gerais, como específicos, espelham-se
na experiência daquele país. Isso tendo em vista especificamente uma faceta do mercan-
tilismo daquele país, que procurava incentivar a balança comercial através do protecio-
nismo e o incentivo direto às manufaturas, tal como fez D. João assim que liberou as
manufaturas o Brasil. Pelo Alvará de 28 de Abril de 1809, que “isenta de direitos as
matérias primas do uso das fabricas”, se dava uma série de privilégios para as manufatu-
ras locais, 53 com mecanismos semelhantes aos usados na França 150 anos antes para a
proteção da indústria e que iam contra a política liberal que estava se consolidando no
mundo.

Mais tarde, no século XIX, o caso dos Estados Unidos, baseado em técnicas in-
troduzidas pelos franceses no século anterior, adquire maior importância, pois lá o papel
51
LISBOA, op. cit.
52
Entre outros, ver: ANDRADE, Rômulo Garcia de. Burocracia e economia na primeira metade do sécu-
lo XIX (a Junta de Comércio e as atividades artesanais e manufatureiras na cidade do Rio de Janei-
ro: 1808-50). Niterói: UFF, 1980. (Dissertação de mestrado). pp. 58-60.
53
PORTUGAL. Alvará de 28 de abril de 1809, op. cit.

22
Introdução

das forças armadas no desenvolvimento de novas técnicas fabris é marcante, pela neces-
sidade de se equipar forças de centenas de milhares de homens. Mesmo considerando
sua proximidade cronológica, o modelo fabril norte-americano não foi adotado pelo
Exército Brasileiro, tendo havido um conflito básico de entendimento de como estas
manufaturas deveriam funcionar.

Apesar do modelo de protecionismo na indústria civil no Brasil ter se esgotado


nos primeiros anos do século XIX, já que o incentivo direto a algumas manufaturas pau-
latinamente deixou de ser praticado, isto não foi uma questão que tenha sido abandona-
da de todo. Uma das razões disso foi porque o interesse do governo em criar suas pró-
prias instituições e canais de abastecimento locais era grande. Isso é um ponto relevante:
ao contrário de muitos países, que dependiam inteiramente de importações, mesmo para
seus produtos militares, no Brasil havia uma proposta de autossuficiência nesse campo,
inclusive com a fabricação de armas e, para isso, era necessário haver manufaturas, al-
gumas delas sendo bem complexas.

Tendo em vista a singularidade da situação brasileira, de um sistema escravista


inserido em um contexto radicalmente diferente do francês, é necessário procurar um
termo de comparação e, como dissemos antes, vamos usar o conceito de pré-indústria,54
pelo qual as organizações que se encaixam nesse esquema, segundo Braudel, se dividi-
riam em três tipos principais. A primeira, de oficinas familiares, não se encaixa na situ-
ação das atividades manufatureiras governamentais e a segunda forma de organização,
as oficinas dispersas, teve um papel muito limitado. 55 Do ponto de vista de maior inte-
resse para nós é o terceiro caso, o da manufatura aglomerada, que reúne em só lugar as
atividades manufatureiras.

Marx faz uma divisão diferente, mencionando a manufatura heterogênea, onde


cada artesão, ou oficina, é responsável pela fabricação de um determinado segmento de
um todo complexo, retendo, porém, certa independência umas das outras. A outra forma
de manufatura é a serial, onde os “artigos passam através de fases de desenvolvimento

54
OLIVEIRA, op. cit. pp. 6 e segs.
55
Trata-se de “uma sucessão de trabalhos que dependem um dos outros, até ao acabamento do produto
fabricado e à operação mercantil”, mas sem estarem reunidos em um local específico. OLIVEIRA,
op. cit. pp. 9-10. apud BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, economia e capitalismo. t.2 (os
jogos das trocas). Lisboa, cosmos, 1985. p. 281. No caso, a repartição de costuras do Arsenal de
Guerra funcionaria nesse esquema.

23
Introdução

conectadas passo a passo, como o fio metálico na manufatura de agulhas, que passa
através das mãos de 72 trabalhadores”.56

Ainda outra etapa do desenvolvimento das manufaturas surge da combinação de


manufaturas, com a integração vertical: Marx usa o exemplo dos fabricantes de vidros
ingleses, que fabricavam seus próprios cadinhos de cerâmica, por a qualidade destes
cadinhos ser decisiva para o processo de preparo dos vidros. O mesmo tipo de manufa-
tura podia estar combinada com o corte dos vidros e fundição de latão, para preparar um
produto acabado de vidro. Nestes casos, as várias oficinas combinadas formam seções
de uma empresa maior, ainda que fossem processos independentes. Segundo Marx, ape-
sar das vantagens desse processo, ele “nunca se transforma em um sistema técnico com-
pleto em suas próprias fundações. Isto somente acontecesse em uma indústria [fábrica]
movida por máquinas”. 57

Para Marx, a conclusão do processo de formação das manufaturas seria o uso de


maquinas, que já tinha sido iniciado desde a antiguidade, ele citando o caso das manufa-
turas primitivas de papel, onde os trapos eram macerados em moinhos de papel ou o das
metalurgias, onde o bater dos minérios era feito por moinhos de apiloamento. No entan-
to, o ponto principal da fábrica seria o uso do trabalho dividido em especialidades ex-
clusivas, potencializado com o uso de máquinas, que acabam lentamente com o trabalho
artesanal, ao mesmo tempo em que se amplia a produção.58

Este último ponto é importante para nosso objeto de estudo, pois o Arsenal de
Guerra da Corte (AGC) tem uma situação anômala, se encarado em diversas dessas de-
finições, tendo características mistas, com aspectos de diferentes tipos de manufatura e
até de fábrica.

1.3 Metodologia
Em termos de história comparada, onde o método é relevante para se definir os
caminhos a serem seguidos em uma pesquisa, a questão que se coloca é a respeito de
quais seriam os parâmetros de comparação a serem seguidos. Esses já foram delineados
acima e seriam, inicialmente, como se deu, de forma geral, o incentivo governamental
ao desenvolvimento manufatureiro. Isso quando se observa especialmente o campo lo-

56
MARX, op. cit. p. 168.
57
id. p. 170.
58
Ver SOARES (1980), op. cit. pp. 100-111 para uma ampla discussão das definições de Marx sobre
manufaturas e fábricas.

24
Introdução

gístico militar – processos de produção, composição da força de trabalho, uso de má-


quinas e o “mercado consumidor” que eram atendidos por esses produtos, tendo por
base uma formação ideológica condicionada por fatores locais.

Assim, no caso do Arsenal do Rio de Janeiro, procuraremos analisar não somen-


te as implicações da questão econômica e sua inserção no mercado brasileiro, mas tam-
bém os problemas de organização e funcionamento técnico de manufaturas em uma
economia dependente. Isso no que tange a aquisição/uso de máquinas e meios de produ-
ção e as propostas que guiavam a ação dos planejadores no que tange a esta unidade
governamental. Igualmente, pretendemos dar uma maior atenção a questão da mão de
obra , em especial vendo sua inserção em uma economia escravista, avaliando as pre-
missas e consequências que esta inserção geraria em grandes oficinas, como as dos ar-
senais, onde havia certa especialização de atividades e, até certo ponto, uma divisão do
trabalho.

Sendo um programa de história comparada, consideramos necessário entender a


questão central acima mencionada em quadro maior, da conjuntura internacional e as-
sim apontamos que o estudo do papel do governo, através de seus arsenais estatais, no
surgimento de indústria ou pelo menos de precursores “modernos” da produção indus-
trial, é apontado como marcante em pelo menos três países: França,59 Inglaterra e Esta-
dos Unidos, 60 países em que as manufaturas militares serviram como motivador do sur-
gimento das primeiras fábricas em série e, a partir dessas, para o surgimento de proces-
sos industriais visando aumentar a escala e a qualidade da produção.

O caso da França é particularmente interessante na análise a que nos propomos,


pois o papel do governo como empreendedor industrial é marcante, especialmente no
período anterior à Revolução Francesa. Este foi tomado como um modelo teórico a ser
seguido na organização das fábricas do exército Brasileiro do século XIX, apesar das
mudanças mais marcantes, como a adoção da produção de peças intercambiáveis, de
fundamental importância para o surgimento da indústria moderna, não ter sido seguida
aqui. Na Europa, ao longo da primeira metade do século XIX, os governos se responsa-

59
Para a França, ver ALDER, Ken. Engineering the revolution: arms & enlightenment in France, 1763-
1815. Chicago: University of Chicago, 1992.
60
Podemos citar textos que trabalham com essa questão os de CREVELD, Martin van. Technology and
War: from 2.000 b.C. to the Present. London: Brassey`s, 1991 ou MCNEILL, William H. The Pur-
suit of Power: Technology, Armed Force, and Society since a.D. 1000. Chicago: University of Chi-
cago, 1984.

25
Introdução

bilizaram por cada vez mais fábricas e arsenais de produção, que serviram como incen-
tivo ao surgimento de indústrias civis que pudessem fornecer os artigos necessários às
forças armadas.

Outro elemento comparado seria o do modelo desenvolvido pela historiografia


tratando do desenvolvimento manufatureiro, de processos de produção, composição da
força de trabalho, uso de máquinas e o “mercado consumidor”. Pontos que, em tese, não
seriam atendidos por instalações nacionais, tendo por base as limitações de uma socie-
dade escravista.

Do ponto de vista dos modelos explicativos, a análise será bem menos comple-
xa, feita a partir da bibliografia já produzida sobre a história econômica do País, pois a
ideia é fazer a comparação com modelos, construções teóricas nacionais, isso não impli-
cando na produção de pesquisas empíricas sobre os fatos relativos aos temas desenvol-
vidos pelos diversos autores.

Do ponto de vista dos modelos explicativos, a análise será bem menos comple-
xa, feita a partir da bibliografia já produzida sobre a história econômica do País, pois a
ideia é fazer a comparação com modelos, construções teóricas nacionais, isso não impli-
cando na produção de pesquisas empíricas sobre os fatos relativos aos temas desenvol-
vidos pelos diversos autores.

No caso de nosso texto, este se baseia em comparações simples, pois o objeto de


estudo seria montado com base em situações culturalmente muito próximas e cronologi-
camente não muito diferenciadas. Como colocou Marc Bloch, é um caso de estudar
“dois ou vários fenômenos que parecem à primeira vista, apresentar certas analogias
entre si”.61

Para os leitores que não estão acostumados com a metodologia da história com-
parada, cremos ser relevante apontar que a proposta metodológica desse ramo da histó-
ria não implica, necessariamente, na análise de dois ou mais aspectos que tenham seme-
lhança entre si, que tenham proximidade geográfica ou mesmo que sejam contemporâ-
neos. Assim, segundo José Assunção de Barros ao tratar do primeiro autor a sistemati-
zar a moderna história comparada, “o intuito de [Marc] Bloch era também o de liberar o
historiador das fronteiras artificiais que até então vinham sendo delimitadas pelas clau-

61
BLOCH, Marc. História e Historiadores: textos reunidos por Étienne Bloch. Lisboa: Editorial Teore-
ma, 1998. p. 121.

26
Introdução

suras nacionais e governamentais da velha história política no século XIX”.62 Isso é


muito importante para nossa análise, pois estudamos casos aparentemente bem diversos
entre si, especificamente os processos de modernização manufatureira com base na ati-
vidade militar, mas que não são síncronos ou ocorreram em áreas geográficas aproxi-
madas. De fato, como colocou Kocka:

A abordagem comparativa pressupõe que as unidades de comparação


possam ser separas uma das outras. Não é a continuidade entre dois
fenômenos nem as influências mútuas entre eles que os constituem
como casos para comparação. Ao invés, eles são vistos como casos
independentes que são reunidos analiticamente ao perguntar sobre se-
melhanças e diferenças entre eles. Em outras palavras, a comparação
rompe continuidades, corta emaranhados e interrompe o fluxo da nar-
rativa. Entretanto, a reconstrução das continuidades, a ênfase na inter-
dependência, assim como formas narrativas de apresentação são ele-
mentos clássicos da História como disciplina.63
Não nos propomos a fazer um estudo multidisciplinar e que permitisse a compa-
ração entre eventos muito distintos, como propõe Detienne, em seu livro Comparar o
Incomparável,64 mas dele tiramos a nossa proposta chave, que seria a comparação de
mentalidades, de forma de pensar, que podem ter relação entre si, mesmo que os objetos
de estudo estejam muito afastados entre si. Para nós, como trataremos na tese, não foi
uma questão técnica, de mão de obra ou econômica que levou a um determinado desen-
volvimento nas atividades manufatureiras do Brasil, mas sim uma forma de pensar es-
pecífica. Isso explica por que trabalhamos com problemas das manufaturas militares
francesas do século XVIII com relação as do Brasil do século seguinte: problemas não
de todo dissemelhantes tiveram resultados bem diferentes por causa da forma com os
problemas foram tratados nos dois países.

Voltando para a questão metodológica, observamos que uma proposta inicial,


que até embasou a primeira ideia desta pesquisa, foi usar a cultura material como um
dos elementos para fundamentar a argumentação do trabalho. Esses itens seriam, basi-
camente, os objetos produzidos no Arsenal de Guerra65 e manufaturas militares france-
sas para se verificar, dentro dos períodos de pesquisa, similaridades e diferenças entre
62
BARROS, José Assunção de. História Comparada. Rio de Janeiro: Vozes, 2014. p. 47.
63
KOCKA, Jürgen. Comparison and Beyond. History and Theory, 42. February 2003. p. 40.
64
DETIENNE, Marcel. Comparar o incomparável. Aparecida: Idéias e Letras, 2004.
65
Devido à natureza de seus produtos, as fábricas de pólvora, os laboratórios pirotécnicos, assim como os
estaleiros, não deixaram vestígios materiais analisáveis destes. Estes, contudo, são encontráveis no
caso dos Arsenais do Exército, através de armas e outros petrechos existentes em coleções particula-
res ou acervos de museus, alguns dos quais já foram estudados pelo abaixo assinado em suas ativi-
dades como pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. CASTRO (1993),
op. cit.

27
Introdução

os processos adotados nos dois países. Entretanto, desistimos desse caminho por causa
do reduzido número de peças francesas existentes em coleções de museus brasileiros66 –
apenas dois canhões, um deles do período mais recente,67 bem como algumas armas
portáteis, menos de dez peças – inviabilizando a criação de séries de objetos e, com isso,
essa linha de pesquisa. Mesmo assim, pretendemos usar alguns objetos para ilustrar cer-
tos aspectos específicos da pesquisa.

Também usaremos uma grande quantidade de ilustrações – isso não por ser ne-
cessário em termos da proposta de pesquisa escrita, mas por causa da formação do au-
tor: fomos influenciados pela experiência de trabalho em um museu e no IPHAN, ór-
gãos onde o uso de imagens é fundamental em qualquer trabalho escrito, por serem ins-
tituições que trabalham com a cultura material. Desta forma, o procedimento de usar
figuras para ilustrar e documentar alguns pontos tornou-se uma segunda natureza para o
autor, que é difícil de ser ignorada.

Deve ficar claro que não pretendemos inovar com a metodologia de pesquisa a
ser adotada. A existência de fontes arquivistas e bibliográficas em quantidade permitiu
dispensar o uso de recursos especiais, como a análise de objetos da cultura material. O
trabalho de pesquisa propriamente dito, se resumiu nas tradicionais etapas de levanta-
mento e correlação de dados, visando a montagem de um arcabouço de fatos que nos
possibilitou a análise do assunto dentro do quadro teórico escolhido, para verificar a
validade das hipóteses, objetivos e conceitos apresentados, seguindo a formação e expe-
riência profissional deste autor.

1.4 Plano da obra


Consideramos como indispensável em uma tese de doutorado um capítulo inicial
que faça uma recapitulação das pesquisas, em termos de bibliografia que discutem o
assunto do ponto de vista das explicações sobre a economia brasileira no período da
primeira metade do século XIX – e até um pouco antes, por causa de peculiaridades que
serão abordados no local apropriado. No nosso caso, cremos que essa parte do texto é

66
Obviamente, há muitos desses objetos preservados em museus Europeus. De fato, há mais armas brasi-
leiras preservadas em museus Belgas do que existentes aqui (ver: GAIER, Claude. Prestige de
l’armuriere portugaise. La part de Liège. Liège, Musee D’Armes de Liège, 1991), mas não havia
previsão de fazer um trabalho de levantamento de campo no exterior, de forma que tivemos que nos
contentar com os acervos disponíveis no Rio de Janeiro, muito limitados.
67
Peças 015888 e 006920, o primeiro fundido em Rocheford, em 1793 e o segundo um canhão em data
não especificada, no reinado de Luís XIV. Cf. id.

28
Introdução

fundamental e deve ser vista como expandida, levando em conta não apenas as publica-
ções correntes, mas também as que fundamentaram as teorias sobre a formação econô-
mica do Brasil. Isso por ser parte da própria proposta da tese, a discussão dos modelos
teóricos sobre a questão econômica e como o nosso objeto de estudo se enquadra – ou
deixa de se enquadrar – nos citados modelos teóricos.

Para se entender o problema que se levanta com o estudo que está sendo feito,
foi feito um capítulo que trata dos motivadores de toda a questão do envolvimento dos
militares com um aspecto que pareceria ser estranho à sua cultura, o da fabricação de
produtos. Para isso é importante entender as demandas que a sociedade do mundo mo-
derno e contemporâneo criaram para a formação de grandes exércitos, que têm que ser
providos de equipamentos. Estes, por sua vez, são, de forma geral, inúteis para uma
sociedade em paz – um canhão não serve para nada a não ser para destruir, mas o faz de
forma muito ineficiente, se for analisado simplesmente como uma ferramenta de demo-
lição. No entanto, esses equipamentos são indispensáveis para a própria existência e
consolidação dos Estados modernos, criando uma lógica própria. Esta é aceita como se
fosse “natural” por todos, até hoje, mas que tem suas origens em necessidades específi-
cas, como é o caso do uso de uniformes – nada obriga que um exército os use e, na ver-
dade, o próprio termo “uniforme” é pouco apropriado para o período em estudo, já que
as roupas usadas pelos militares nada tinham de uniformes, variando para cada batalhão.
No entanto, as fardas são elementos fundamentais à própria cultura militar. Dessa for-
ma, abordar as condicionantes da produção de artigos voltados para esse “mercado con-
sumidor” específico é de fundamental importância para se entender uma das razões que
levaram a implantação de uma estrutura fabril nos países que estamos estudando.

O corpo do texto, que servirá de ponto base para o estudo, será a forma como os
governos organizaram a produção industrial voltada para o atendimento do consumo de
suas tropas, dando ênfase a organização do trabalho; a introdução de técnicas de produ-
ção de equipamentos com peças intercambiáveis e a mecanização da produção. Em se-
guida será feito uma análise da estrutura geral criada no Brasil para resolver o problema
do abastecimento militar, com suas unidades específicas, desde a Fábrica de Pólvora até
os Laboratórios Pirotécnicos.

Seguiremos com o ponto principal de nossa proposta, o Arsenal de Guerra do


Rio de Janeiro e instalações congéneres na França, com uma discussão sobre a organi-
zação e funcionamento dessas instalações, abordando a questão da mão de obra – no

29
Introdução

caso do Brasil, incluindo o uso de escravos, alguns altamente especializados –, sua es-
trutura de funcionamento, instalações, máquinas, ferramentas e processos produtivos.

A conclusão do trabalho sumarizará o que foi discutido acima, procurando apre-


sentar os resultados da pesquisa em função dos objetivos propostos nesta teste.

1.5 Passos tomados.


Como parte de qualquer pesquisa, os passos iniciais foram o levantamento do
corpus documental existente sobre o tema “Arsenal de Guerra”, em repositórios como o
Arquivo Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arquivo do Exército e
Biblioteca Nacional. Tal trabalho foi feito, em grande parte, quando ainda estávamos
trabalhando no Museu Histórico Nacional e continuado no Instituto do Patrimônio His-
tórico e Artístico Nacional, onde a proposta, especialmente com relação ao Arquivo
Nacional, foi a de esgotar toda a série referente ao Arsenal (fundo IG7) 68, o que foi feito.
Também se pesquisaram alguns outros fundos específicos, tais como os referentes ao
Laboratório Pirotécnico do Campinho e à Comissão de Melhoramentos do Material do
Exército, órgão criado em 1849 para tratar de aspectos técnicos do suprimento militar,
tais como a padronização, modelos a serem adotados e assim por diante.

Não se pode dizer que todas as fontes possíveis tenham sido consultadas, já que
a organização da documentação é precária, havendo material disperso em muitos outros
fundos e arquivos. Na verdade, alguns fundos de documentos, dependem até de uma
consulta direta, simplesmente para se saber qual é a sua temática geral, pois as indica-
ções arquivistas sobre eles sequer dão noção sobre qual instituição ou período tratam,
tornando qualquer pesquisa maior excessivamente exaustiva e improdutiva. Não esta-
mos falando do conteúdo específico dos documentos, mas sim do assunto geral dos ma-
ços, que apesar de terem a indicação de que eram relativos ao Arsenal de Guerra, podi-
am conter textos sem nenhuma relação com a instituição. Este seria o caso de papeis
gerados pelo ministério da Marinha ou da Justiça que, por um motivo ou outro, foram
incorporados ao acervo do Arsenal de Guerra e, depois, enviados para o Arquivo Naci-
onal.

De qualquer maneira, foram consultados perto de 600 maços de documentos,


com o conteúdo variando de umas poucas páginas – mesmo apenas uma – até algumas

68
O fundo “Arsenais de Guerra” do Arquivo Nacional (ANRJ) contém 516 maços de documentos.

30
Introdução

centenas de folhas por maço, a documentação se concentrando no período final da pes-


quisa, referente às décadas de 1840 e 1850. Isso reflete um aumento da própria comple-
xidade das demandas do Exército, assolado por várias rebeliões no período da Regência
e o aumento das exigências burocráticas, com um maior controle sobre as atividades de
cada aspecto da vida cotidiana militar.

Curiosamente, o Arquivo Histórico do Exército (AHEx) proveu poucas fontes


documentais, pois o Arsenal ainda é uma instituição em funcionamento e o AHEx des-
tina-se a receber acervos de organizações militares extintas. Por sua vez, quando traba-
lhávamos no Museu Histórico Nacional tivemos poucas oportunidades de fazer pesqui-
sas no Arsenal, devido à sua inacessibilidade (é distante do centro e uma organização
operacional, com preocupações de segurança). Voltando ao local mais recentemente,
pudemos constatar que a pouca documentação que havia sobrevivido sobre os momen-
tos iniciais da história da instituição tinha sido descartada, dentro de programas de “qua-
lidade total”, considerando que não eram mais documentos correntes. De qualquer for-
ma, tivemos acesso a uma série de plantas da mapoteca do AHEx e do extinto Centro de
Documentação do Exército (Brasília), que permitem entender melhor o funcionamento
da instituição – suas expansões, funcionamento, organização etc., ao longo dos anos.

Várias outras instituições tiveram seus arquivos pesquisados, para se comple-


mentar os dados obtidos de forma central no Arquivo Nacional, se destacando nesse
conjunto a Biblioteca Nacional, em suas seções de periódicos, obras raras e manuscri-
tos, e a Biblioteca Noronha Santos, do IPHAN, Biblioteca do Exército e Biblioteca da
Marinha, em termos de recuperação de fontes bibliográficas coevas aos períodos estu-
dados.

Finalmente – e apesar de não formar um corpo “documental” coeso –, se usaram


os objetos disponíveis no acervo do Museu Histórico Nacional para se obterem infor-
mações complementares sobre os temas abordados no trabalho.

31
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Sumário

2. Modelos explicativos da economia brasileira.

2.1 A questão dos modelos.


2.2 Modelos sobre o Brasil Colonial.
2.2.1 O modelo dos ciclos econômicos.
2.2.2 O modelo da dependência estrutural – Caio Prado Jr.
2.2.3 Celso Furtado e a Formação Econômica do Brasil.
2.2.4 O Antigo Sistema Colonial.
2.2.5 O modo de produção escravista colonial
2.3 O fim da procura por modelos
2.5 O início da industrialização
2.6 Algumas considerações

32
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

2. Modelos explicativos da economia brasileira.

Antes de iniciarmos essa parte do texto, gostaríamos de repetir uma observação


de fundamental importância para a leitura do capítulo: esta tese não é para ser uma obra
de história econômica ou de historiografia sobre o tema. Usando a metodologia da his-
tória comparada, queremos realizar uma história militar mais atualizada, voltada para
alguns aspectos que tem uma interface com a questão econômica, de forma que a ênfase
não pretende, nem poderia ser, de história econômica. Essa consideração é muito rele-
vante, pois existe uma longa bibliografia “revisionista”, recente, que aborda que a situa-
ção da economia brasileira na primeira metade do século XIX não se conforma aos mo-
delos tradicionais. 1 Entretanto, não é nosso objetivo trabalhar com esta nova bibliogra-
fia, mas sim lidar apenas com a visão já estabelecida e consolidada, que pode ser cha-
mada de clássica, e que teve uma imensa importância na construção da visão de País
ainda imperante.

Apontamos também que há uma imensa quantidade de trabalhos sobre a situação


econômica do Brasil, elaborados usando uma série de técnicas, algumas altamente com-
plexas, escritos com um imenso cuidado com relação à metodologia e terminologia. Só
que isso, novamente, não é nosso caso, queremos estudar apenas uma unidade manufa-
tureira, inserida em uma sociedade escravista e uma das consequências dessa proposta é
que aceitamos os diferentes usos da terminologia, algumas vezes questionáveis, feitos
pelos vários autores. Por exemplo, apesar de ser um termo de uso comum na bibliogra-
fia, a palavra “industrialização” seria de uso complicado para o momento histórico ana-
lisado, pois não havia fábricas no País, apenas manufaturas. Dessa forma, não dedicar-
mos um grande tempo em nosso estudo tratando de homogeneizar o uso do vocabulário
e estudando conceitos que, para nós, seriam de uso restrito: apontamos que foi elabora-
do um glossário, que está inserido no final do texto, com os termos e definições usados
ao longo do texto, que estão marcados em itálico na primeira vez que aparecem.

Finalmente, um problema que afeta a questão dos modelos é que eles, com ape-
nas pequenas exceções, não trabalham com nosso objeto de trabalho explícito, as manu-
faturas do governo, representadas no caso específico pelo Arsenal de Guerra do Rio de

1
Para alguns breves comentários sobre essa bibliografia revisionista ver: TENA-JUNGUITO, Antonio &
ABSELL, Christopher David. Brazilian export growth and divergence in the tropics during the nine-
teenth century. IN: Working Papers in Economic History. WP15-03, May 2015.
https://goo.gl/7sp2SK (acesso em março de 2016).

33
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Janeiro. Isso por que as teorias clássicas econômicas desconsideram, em larga parte, o
papel do governo na economia, classificando seus gastos como “inúteis” ou “estéreis”.
Por exemplo, Adam Smith, no livro “A riqueza das Nações”, escreveu:

O soberano, por exemplo, com todos os oficiais de justiça e de guerra


que servem sob suas ordens, todo o Exército e Marinha, são trabalha-
dores improdutivos. São servidores públicos e são mantidos por uma
parte da produção da indústria de outros cidadãos. Seu serviço, por
mais honroso, útil ou necessário que seja, não produz nada que seme-
lhante que uma igual quantidade possa obter posteriormente. A prote-
ção, segurança e defesa da comunidade, o efeito de seu trabalho neste
ano, não comprará sua proteção, segurança e defesa para o ano seguin-
te.2
Adam Smith continuava, colocando na mesma categoria de trabalhadores im-
produtivos, os clérigos, advogados, médicos, intelectuais, artistas, palhaços, bufões,
músicos, etc. O trabalho deles “não produz nada que possa depois comprar ou obter
igual quantidade de trabalho (...) o trabalho de todos eles perece no mesmo momento de
sua produção”.3 Em suma, para Smith, todo setor de serviços não gera riqueza, só a faz
circular e, como os militares – junto com todos os produtos feitos pelo governo – são
colocados nessa categoria, seu trabalho era inútil.

Esse pensamento é reproduzido por Marx, apesar dele não tratar especificamente
do caso das manufaturas do governo. Para ele, o objeto da acumulação do capital é a
colocação das mercadorias em circulação, “elas tem que ser vendidas, seu valor trans-
formado em dinheiro, este dinheiro novamente convertido em capital e assim uma e
outra vez”.4 Ou seja, a produção de bens e serviços que não sejam voltados para a circu-
lação geral resultaria na esterilização do capital, se aplicando o mesmo colocado por
Adam Smith com relação aos gastos públicos ou do setor de serviços – eram gastos pior
do que inúteis, pois prejudicavam a economia. No caso, vale a pena repetir, que a ques-
tão importante para Marx era a acumulação de capital, visando a sua reprodução, algo
que o governo não faria.

No entanto, ambas as visões, se faziam certo sentido nos séculos XVIII e XIX,
são complicadas hoje, pois ignoram boa parte das economias nacionais, o setor de servi-

2
SMITH, Adam. An Inquiry into the nature and causes of the wealth of Nations. London: Encyclopaedia
Britannica, c. 1952. p. 143.
3
id. p. 143.
4
MARX, Karl. Capital. London: Encyclopaedia Britannica, c. 1952. p. 279.

34
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

ços.5 No caso das manufaturas do governo, podemos apontar que estas tinham outros
efeitos, além de sua relevância econômica direta, como será tratado nas páginas seguin-
tes. Podemos adiantar que havia seu papel indutor em outros setores da economia, atra-
vés da compra de insumos e produtos acabados já que as forças armadas constituíam um
importante “mercado consumidor” de produtos manufaturados.

De nosso ponto de vista, a inserção do setor governamental na economia não


pode ser ignorada, especialmente nos séculos XVI à XIX, onde as questões relacionadas
à defesa não eram apenas importantes para os governos, mas também para as sociedades
como um todo, como trabalharemos nos capítulos seguintes. Assim, o estudo dos mode-
los seria importante pelos contrastes que suas limitações trazem ao tópico da atuação da
manufatura militar em estudo.

Com essas ressalvas em mente, iniciamos trabalhando com um aspecto que con-
sideramos importante para se entender a singularidade do Arsenal, que seria a forma
como a história econômica vê a questão do surgimento de manufaturas no Brasil, a par-
tir dos modelos idealizados criados para fazer essa questão.

2.1 A questão dos modelos.


Podemos começar este capítulo com uma pergunta que é muito comum nos ban-
cos escolares ou mesmo na sociedade em geral, que às vezes questiona a necessidade da
existência de disciplinas “inúteis”,6 ao contrário das “exatas”, como a matemática, que
teria usos imediatos para todos: para que serve a história? Há várias respostas, uma de-
las é a clássica, a de Cícero,7 que ela seria a “mestre da vida” e isso, seja verdade ou
não, é aceito pela sociedade em geral.

Daí se entende perfeitamente uma pergunta que se colocou de forma bem clara
no início do século XX: porque éramos – e ainda somos – um país subdesenvolvido, ao
contrário do que acontece com as potências europeias ou os Estados Unidos, mesmo

5
HAKSEVER, Cengiz & RENDER, Barry. The Important Role Services Play in an Economy. July 25,
2013. http://www.ftpress.com/articles/article.aspx?p=2095734&seqNum=3 (acesso em março de
2016).
6
Não se referindo especificamente à história, mas sim a filosofia e a sociologia, a própria presidente do
Brasil fez uma colocação sobre o excesso de disciplinas no ensino médio. Bom dia Brasil entrevista
Dilma Roussef. 22 de setembro de 2014. https://goo.gl/wZdbnO (acesso em fevereiro de 2016). Tal
visão é compartilhada por outras pessoas, que não questionam, contudo, a necessidade da existência
das disciplinas exatas.
7
Marco Túlio Cícero, filósofo, orador, político e advogado. CICERO, Marco Túlio. De Oratore. Cambri-
ge: Harvad University Press, 1967. p. 233.

35
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

considerando que as condições iniciais do Brasil e dos EUA, no século XVIII, eram
semelhantes, ou até melhores para o Brasil, pois este último tinha um território maior e
exportações mais relevantes no período, por causa da exploração do ouro?8

A resposta para o questionamento básico, de como a sociedade do Brasil tinha se


formado em termos econômicos, seria obtida pelo estudo histórico, o que levou à reda-
ção de uma série de estudos explicativos de como o País se constituiu como tal. Estes
podem ser chamados de “modelos explicativos” 9 da nação, pelos quais se procurava a
construção de uma teoria de como a sociedade funcionava no passado. O objetivo dessa
operação seria entender o presente e isso seria feito através da elaboração de uma visão
teórica de como a organização social deveria ter funcionado. Tal demanda por uma ex-
plicação não teve uma resposta imediata, o que se fez foi o resultado de uma construção
da historiografia brasileira, que levou décadas até a chegar a uma fruição.

Na construção dos modelos podemos dizer que há uma divisão cronológica usual
divide a historiografia nacional em três períodos: um anterior a 1838, o segundo inici-
ando naquele ano, com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
e o terceiro a partir de 1931, quando alguns trabalhos hoje fundamentais foram escri-
tos.10 De fato, antes do século XIX, autores como Rocha Pita11 e Southey12, apesar de
terem sua utilidade, podem ser classificados não como historiadores, mas sim como
cronistas, relatando apenas os fatos, sem um embasamento ou mesmo uma abordagem
científica, em termos teóricos. Também não havia critérios que sustentassem suas pro-
postas de manejo das fontes, de forma que é muito difícil uma crítica ao trabalho de
pesquisa feito por esses autores. Mais importante, contudo, é que esses livros se dedica-
vam, quase que exclusivamente, aos campos político-militar e diplomático, ignorando
muitos outros aspectos, mesmo aqueles que mais tarde seriam considerados como liga-
dos a uma “história oficial”, como os econômicos.

8
Essa pergunta aparece tanto na obra de SIMONSEN, Roberto C. Evolução industrial do Brasil e outros
estudos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973. p. 6, quanto na de FURTADO, Celso. For-
mação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional : Publifolha, 2000. p. 106. As
notas sobre a existência de melhores condições no Brasil com relação aos Estados Unidos no século
XVIII estão no livro de Simonsen.
9
Usamos o conceito de modelo explicativo tal como apresentado na obra: FONTES, Virgínia. História e
Modelos. In: CARDOSO, Ciro Flamarion Santana & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da Historia:
Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. pp. 355 e segs.
10
IGLÉSIAS, Francisco. Os historiadores do Brasil, capitulo de historiografia brasileira. Rio de Janeiro,
Nova Fronteira; Belo Horizonte, MG: UFMG, IPEA, 2000.
11
PITA, Sebastião da Rocha. História da América portuguesa. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo,
EDUSP, 1976.
12
SOUTHEY, Robert. História do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia : São Paulo, EDUSP, 1981.

36
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Uma segunda fase teria sido iniciada com a fundação do IHGB: anteriormente
tinham existido as academias dos “Esquecidos”, de 1724 e dos “Renascidos”, esta de
1759, ambas de curta duração – cerca de um ano. Estas tinham entre suas propostas es-
crever histórias do País, como seus membros efetivamente fizeram: Sebastião da Rocha
Pita, com sua História da América Portuguesa, de 1730 e Frei Gaspar da Madre de
Deus, com as Memórias para a História da Capitania de São Paulo (1797) ou José de
Miralles, com a História Militar do Brasil (1762).13 Dessa forma, o IHGB não foi a
primeira iniciativa sistemática de estudo de história do Brasil, mas foi a instituição que
apresentou resultados mais concretos, existindo até os dias de hoje, tendo se replicado
em cópias estaduais e órgãos especializados, como o Instituto de Geografia e História
Militar do Brasil (IGHMB), de forma que ele certamente marcou uma época.

Os estudos feitos pelo Instituto Histórico trazem a diferença, talvez fundamental,


com relação aos anteriores, pelo uso maciço de fontes primárias, apesar de muitas vezes
essas fontes não serem referenciadas de forma alguma. De qualquer forma, uma das
visões da história “positivista”, e não apenas aquela ligada ao positivismo formal, de
Augusto Comte, era uma procura de uma aproximação científica ao objeto de estudo,
vendo que “a história não era uma arte; é ciência pura. Ela não consiste em contar um
conto14 agradável ou em filosofar profundamente. Como todas as ciências, ela consiste
em exprimir os fatos, em analisá-los, em agrupá-los, e fazer as conexões entre eles”.15

A ênfase nessa visão de história era, como dissemos, na coleta e organização dos
fatos, de forma que foi feito um esforço para esse trabalho, através da Revista do Institu-
to Histórico e Geográfico Brasileiro. Esta ainda é uma importante fonte de informações
sobre o passado brasileiro, justamente por esse trabalho de sistematização de documen-
tos e livros raros. Essa ideia de que o Instituto não se restringiria apenas à coleta e re-
produção de textos é muito aceita pelos que comentam a historiografia do período, se
enfatizando que os trabalhos da época teriam uma visão acrítica, o que consideramos
uma injustiça ou, no mínimo, um anacronismo. Por exemplo, já no início da história da

13
RODRIGUES, José Honório. História da História do Brasil: 1ª parte historiografia colonial. São Pau-
lo: Companhia Editora Nacional, 1979. p. 144.
14
No original “story”, uma palavra que normalmente é traduzida como história, apesar do termo estória,
estar se tornando comum em Português, para designar um texto de ficção, em oposição ao estudo do
passado. Para evitar confusão, usamos o termo “conto”, que nos parece adequado.
15
FUSTEL DE COULANGES, citado em: REWALD, John. The History of Impressionism. IN:
O’BRIAN, John (ed.). Clement Greenberg: The collected essays and criticism. Volume 2: Arrogant
Purpose, 1945-1949. Chicago: University of Chicago, 1987. p. 235. (todas as traduções no texto são
nossas, a não ser que especificado em contrário).

37
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

instituição foi feito um concurso para uma monografia sobre como se deveria escrever a
história do país, propondo, de forma implícita, que o historiador tivesse uma postura
crítica, reflexiva.16

É certo que esses autores do IHGB não tinham uma proposta que consideraría-
mos “moderna” ou “atual”, que criticasse a situação. Por outro lado, podemos dizer que
tinham posições políticas, expressas em seus trabalhos: Martius defendia o unitarismo
sob o Império e Varnhagen, em seus trabalhos, era conservador, favorável aos grupos
dominantes e a Portugal.17 Rio Branco,18 por sua vez, tinha uma forte visão militarista
da sociedade, tendo em vista a importância desse tema para as questões de relações in-
ternacionais naquele momento e podem-se citar muitos outros autores com propostas
embutidas na redação de seus trabalhos.

Uma última ressalva que é feita aos historiadores do período do IHGB é que al-
guns deles não fizeram trabalhos de síntese geral,19 uma crítica que vemos como parti-
cularmente estranha, considerando que poucos autores – até os dias de hoje – se pro-
põem a fazer tal tipo de trabalho e não parece ser coerente apontar uma falha em um
texto que não tinha o objetivo de atender a esse ponto. No entanto, a objeção faz sentido
quando analisamos o período subsequente na historiografia nacional – aquele definido
por Iglésias como sendo o momento da “contribuição da universidade”,20 que foi mar-
cado, justamente, por grandes trabalhos de síntese, que procuravam estabelecer modelos
explicativos, buscando entender o País de então como resultando de determinantes ori-
undos de seu passado colonial.

Alguns dos estudos da fase da “contribuição universitária” foram revolucioná-


rios no campo. Estes seriam os de Caio Prado Júnior, Gilberto Freire e Sérgio Buarque
de Holanda, por estarem preocupados em achar um “sentido” para o Brasil. Eram textos
que se encaixavam na conjuntura da época, bem específica, na qual se buscava de forma
redobrada os elementos para a construção de uma identidade nacional própria, com raí-
zes específicas. Dava-se ênfase não mais a uma história política, diplomática ou militar
e sim aos estudos que privilegiavam os conflitos de classe e as conjunturas que impedi-
am o desenvolvimento nacional. Tudo isso ocorrendo em um momento de forte contes-

16
Comentários em IGLÉSIAS, op. cit. p. 67.
17
Id. p. 70 e 83.
18
RIO BRANCO, Barão de. Efemérides Brasileiras. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946.
19
Por exemplo, Iglésias crítica Capistrano de Abreu por Isso. IGLÉSIAS, op. cit. p. 123.
20
id. p. 181.

38
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

tação à situação política vigente, vista como inadequada para o Brasil de então. Isso em
um contexto da crise mundial causada pelo crack da bolsa de 1929 e da transição pela
qual o País passava, indo de uma sociedade agrária para uma mais urbanizada, na qual o
processo de industrialização era visto como vital (ver gráfico 1).

100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0

População urbana (%) População rural (%)

Gráfico 1 – Evolução da população urbana versus a rural no Brasil. 21


Apesar de na década de 1930 a população rural ainda ser três vezes maior do que a urbana, a tendência
pela alteração da proporção, que ocorreria na década de 1960, já era evidente, conforme se observa no
gráfico acima.
Um ponto importante para o presente texto é que esses trabalhos explicativos
que começaram a ser feitos na década de 1930 se dedicaram ao passado colonial, na
procura das “raízes” do Brasil. Isso, para nós, apresenta um problema, pois poucos des-
ses estudos que resultaram em modelos trabalham com o Império, que era um passado
recente, enquanto a República ainda estava em construção. Desta forma, o recorte de
interesse para a questão do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, a primeira metade do
século XIX, em teoria, não seria abordado. Isso por aquele momento, na visão da época,
não ser fundamental para se entender o Brasil, pois o período sequer era visto como de
transição com relação às estruturas econômicas do período colonial – este último sim
seria fundamental para entender a construção do que viria a ser o Brasil. Como colocou
Caio Prado era o momento que permitiria entender o Brasil contemporâneo.22

2.2 Modelos sobre o Brasil Colonial.


No século XX foram escritos vários livros sobre a história econômica em geral,
sem contar obras específicas, como a de Pandiá Calógeras, que tratava de política finan-

21
BRASIL – IBGE. Malhas territoriais, municípios. https://goo.gl/ixVST9 (acesso em julho de 2017).
22
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo : colônia. São Paulo: Brasiliense, 2000.
p. 1.

39
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

ceira.23 O primeiro a ser escrito com uma proposta de trabalhar a economia de forma
geral foi o de Vitor Viana, de 1922,24 elaborado no contexto das comemorações do cen-
tenário da Independência do Brasil. Entretanto, apesar de seu título, História da forma-
ção econômica do Brasil, realmente não se pode considerar como tendo atingido seu
objetivo – cremos que o impacto dessa obra na historiografia foi nulo, pois não passava
de uma coletânea de dados esparsos.25 O livro não tem uma clara ideia unificadora, a
não ser a de uma forte defesa dos princípios do liberalismo econômico. De forma geral,
contudo, deixa evidente que sua ideia era a de um país com uma economia dependente e
complementar a da Europa.26

No ano seguinte (1923), foi publicada a obra de Lemos de Brito, Pontos de par-
tida para a história econômica do Brasil,27que se liga mais a tradição documentarista da
história, do tipo estabelecido pelos historiadores ligados ao IHGB. É uma obra que, ape-
sar de seu título genérico, é dedicada ao período Colonial, sendo bem embasada em uma
pesquisa documental – em fontes secundárias, é verdade. Mesmo assim, foi o pioneiro
ao notar a existência de manufaturas militares no Brasil colonial, como a fundição de
Olinda e, principalmente, a questão da construção naval, apontada por ele como “a ver-
dadeira indústria fabril da colônia”. 28 Não é uma obra, contudo, que apresente uma sín-
tese analítica, uma conclusão ou mesmo uma proposta de explicação do porque a eco-
nomia nacional tinha evoluído como acontecera.

2.2.1 O modelo dos ciclos econômicos.


A obra seguinte que foi publicada no Brasil sobre a história econômica, a Histó-
ria econômica do Brasil,29de Roberto Simonsen, datada de 1937, teve – e ainda tem –
um profundo impacto sobre a historiografia brasileira, pois seus efeitos perduram até
hoje. Isso apesar a proposta teórica do livro já ter sido contestada, com sucesso, prati-
camente desde o lançamento do livro.

23
CALÓGERAS, João Pandiá. A Política Monetária do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1960.
24
VIANA, Victor. História da formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922.
25
id. p. 75.
26
id. Ver, por exemplo, a página 14 do livro.
27
BRITO, Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1980.
28
id. p. 252.
29
SIMONSEN, Robert C. História econômica do Brasil (1500/1820). São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1977.

40
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Roberto Simonsen era um paulista, engenheiro, empresário, fundador da Confe-


deração das Indústrias de São Paulo (1928), responsável pela mobilização industrial
daquele estado durante a Revolução Constitucionalista e deputado constituinte em 1933.
Três anos depois lecionou a disciplina de História Econômica Nacional na Escola de
Sociologia e Política da Universidade de São Paulo, seu livro sendo o resultado dessas
aulas. Sua carreira continuou por muitos mais anos, publicando, também, os livros Pos-
sibilidades da expansão industrial brasileira (1937), A indústria em face da economia
nacional (1937), A evolução industrial do Brasil (1939), A evolução industrial do Bra-
sil e outros estudos (1973),30 Recursos econômicos e movimentos das populações
(1940), Níveis de vida e a economia nacional (1940) e As indústrias e as pesquisas tec-
nológicas (1941).31

A obra de Simonsen era um estudo eminentemente empírico, fazendo o levan-


tamento de séries econômicas e atualizando os valores monetários, suas propostas teóri-
cas se fundamentando em um trabalho anterior, de João Lúcio de Azevedo,32 de 1929.
Nesse último, se fazia uma história econômica de Portugal baseada na ideia de ciclos,
que seriam momentos sucessivos da história, em que a atividade econômica do país se
voltava para um produto ou atividade específica, que superava a importância de todos os
outros. Azevedo apontava os “ciclos” da pimenta (relativo à exploração colonial portu-
guesa na Ásia), do açúcar, do ouro e diamantes, discutindo também outros assuntos,
como a relevância do tratado de Methuen.

Simonsen seguiu o mesmo esquema geral, detalhando os ciclos (ou fases) no


Brasil referentes ao extrativismo; o ciclo do açúcar, com economias subsidiárias a ele,
como a da pecuária; e a mineração, tratando, de forma periférica, de outros assuntos,
como aquilo que ele chamava eufemisticamente de ciclo do despovoamento do interior
do Brasil, ao se referir às expedições de bandeirantes em caça de escravos indígenas.33
O livro termina abordando os preliminares do “ciclo” seguinte, o do café, mas não se
aprofunda no tema, não indo além do período colonial. Conforme colocaram com muita

30
Coletânea publicada pós mortem.
31
FUNDAÇÃO Getúlio Vargas. Dicionário histórico-biográfico brasileiro – Dhbb. Verbete Roberto
Cocharane Simonsen. https://goo.gl/vdWjgS. (acesso em fevereiro de 2016).
32
AZEVEDO, J. Lúcio de. Épocas de Portugal económico: esboços de história. Lisboa: Livraria Clássica
Editora, 1978.
33
SIMONSEN (1977), op. cit. p. 293.

41
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

propriedade Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira, 34 era uma proposta que
se adequava bem à visão conservadora da política do momento, pois pelos ciclos, o que
mudava era apenas a conjuntura – técnicas e/ou produto –, “permanecendo o essencial,
a inserção no mercado mundial”. 35

Simonsen estabelece um modelo explicativo para a economia do Brasil, justa-


mente o dos ciclos, uma proposta que, como dito, teve enorme influência na historiogra-
fia nacional, pois permitia a elaboração de um quadro evolutivo simples e facilmente
compreensível sobre o desenvolvimento econômico. Neste fica implícita não só a de-
pendência da colônia em relação à metrópole, mas a total vinculação da mesma às ques-
tões europeias. Por ele o Brasil existia em função e como complemento das necessida-
des portuguesas, por ser apenas um exportador de produtos primários (açúcar e ouro).
Por sua vez, isso também implicava que a economia do País se concentrava em produtos
pouco elaborados e que a exportação e distribuição eram controladas por pessoas não
ligadas diretamente à produção, ou seja, que não tinham nascido ou viviam no Brasil.

Dentro da análise de Simonsen, um ponto importante em sua explicação para o


não desenvolvimento do Brasil foi:

A ausência de capitais, de organizações técnicas e a política de livre-


câmbio, que fomos forçados a adotar até 1844 – impediram aqui a im-
plantação de indústrias e a possível melhoria do nosso padrão de vida,
por um intenso intercâmbio interno. 36
Uma conclusão que repetiria em sua obra sobre a história da industrialização, o
autor apontando que havia falta de mercados e que sem uma política protecionista seria
impossível iniciar-se um processo de industrialização.37 Para ele, era uma situação que
se prolongava na década de 1930 – e Simonsen era, por causa disso, um defensor do
intervencionismo e planejamento estatal para incentivar a indústria, chegando a apresen-
tar ao governo do Presidente Vargas um plano para isso, que não chegou a ser implan-
tado, por oposição de políticos de vertente liberal.

Em termos de crítica, a proposta dos ciclos econômicos tinha vários problemas.


Por exemplo, deixa de considerar a existência de lavradores independentes ou pequenos
produtores familiares na pecuária, ou seja, ignora os aspectos relativos ao mercado in-

34
LINHARES, Maria Yedda & Francisco Carlos Teixeira da Silva. História da Agricultura Brasileira :
combates e controvérsias. São Paulo: Brasiliense, 1981.
35
Id. p. 19.
36
SIMONSEN (1977), op. cit. p. 436.
37
SIMONSEN (1973), op. cit. pp. 8-9.

42
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

terno, conforme apontado por Maria Yedda e Francisco Carlos Teixeira. 38 Maria Yedda
também faz outras críticas aos conceitos embutidos nos ciclos, como o fato da proposta
só ter “favorecido uma visão compartimentada e estanque da história, como numa pro-
jeção de diapositivos: sai o pau-brasil, entra o açúcar e assim por diante”.39 Considera-
mos essa a principal e mais válida observação que é feita à teoria de Simonsen, pois a
tendência seria aceitar que houve de fato um processo de substituição de um produto por
outro, o item substituído “desaparecendo” da agenda econômica nacional, o que é um
absurdo.

Curiosamente, o próprio livro de Simonsen demonstra a falácia do raciocínio dos


ciclos, pois o autor faz um levantamento da renda obtida pelas exportações de açúcar e
ouro durante o período colonial e pelos dados obtidos (ver Gráfico 2 abaixo). Neste ob-
serva-se que, apesar de ter havido uma retração nas rendas obtidas na exportação de
açúcar depois do fim das Guerras Holandesas (1630-1654), o valor com o produto agrí-
cola sempre foi superior ao obtido com as exportações de metal precioso, mesmo no
período de maior rendimento da atividade mineradora, em meados do século XVIII.
Além disso, apesar da atividade mineradora ter realmente se esgotado, o mesmo não é
perceptível com o açúcar, que se manteve como uma importante parcela da pauta de
exportações brasileiras, pelo menos até a década de 1870.40

38
LINHARES, op. cit. p. 11.
39
id. p. 11.
40
SINGER, Paul. O Brasil no Contexto do Capitalismo Internacional : 1889-1930. IN: FAUSTO, Boris
(dir.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo. III. O Brasil Republicano. Volume 1. Estrutu-
ra de poder e economia (1889-1930). São Paulo DIFEL, 1985. p. 355.

43
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Exportações Brasileiras em libras exterlinas

4000000
3500000
3000000
2500000
2000000
1500000
1000000
500000
0

Anos

Açúcar Ouro

Gráfico 2 – Valores da pauta de exportações brasileiras no período colonial.


Baseado em dados da obra de Simonsen, 41 demonstra graficamente que a ideia de uma economia de ciclos
sucessivos, de um produto que substituía outro, não pode ser considerada como válida: mesmo levando
em contra o período de maior produção do metal precioso, a década de 1760, os valores do ouro exporta-
do oficialmente nunca ultrapassaram os obtidos com a lavoura de um só produto. É verdade que se deve
fazer uma ressalva: a obtenção de dados oficiais para a exportação de açúcar, uma mercadoria de baixo
valor e grande volume, era mais simples e confiável do que para o ouro, muito mais fácil de ser contra-
bandeado do que o produto agrícola. Simonsen estima que 40% do ouro retirado do Brasil não pagou o
quinto,42 ou seja, não seria registrado nos dados governamentais. De qualquer forma, isso não afeta o
entendimento do gráfico, pois ele ainda mostra a permanência da importância do açúcar na pauta de ex-
portações, independente dos valores reais enviados para o exterior.
Em termos da presente tese, devemos notar que o livro de Simonsen apresenta
outro problema, que se repete em praticamente todos os autores que o seguiram: apre-
senta seus “ciclos”, terminando com o início da exploração do café, na década de 1820,
um momento considerado como fundamental para eles. Contudo, naquele momento esse
produto não era um elemento fundamental na balança de comércio nacional, os valores
de sua exportação (18,6% da pauta) pouco excedendo os do couro (13,6%), sendo infe-
riores até aos obtidos com a exportação do algodão, que eram de 20,6% (ver Gráfico
3).43 Isso apresenta um problema conceitual para a teoria dos ciclos: se a fase da mine-
ração tinha se encerrado no século XVIII e o do café só começaria a se fazer dominante
na década de 1830, quando passou a representar mais de 40% da pauta de exportações,
como se caracterizaria o período do início do século XIX?

Consideramos a questão acima como tendo particular relevância, tendo em vista


que esse momento não se encaixa em nenhum dos “ciclos” propostos, ainda mais tendo
em vista que não havia, segundo Simonsen, realmente uma mercadoria dominante na
produção agrícola daquele período. Essa é uma pergunta que merece uma análise, mes-

41
SIMONSEN (1977), op. cit. p. 383.
42
id. p. 253.
43
SINGER, op. cit. p. 355.

44
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

mo por aqueles que apoiam a teoria dos ciclos, pois existiria um momento em que a
economia não teria um “motor”, devendo ter caído em profunda depressão, o que não
ocorreu, pelo menos em termos facilmente observáveis. Deve-se dizer que os livros que
tratam da questão de modelos econômicos no Brasil, praticamente sem exceção, têm
dificuldade de trabalhar com esse período, pois ele não se encaixa facilmente nas noções
preconcebidas sobre o funcionamento da economia.

Produtos de exportação (1821-1870)

100%

80%
Percentuais

60%

40%

20%

0%
1821-30 1831-40 1841-50 1851-60 1861-60
café Açúcar Algodão Outros

Gráfico 3 – Pauta de exportações no Império, por percentagem do total. 44


Somente na década de 1830 é que o café se torna o produto de exportação mais importante do País, mas
no período analisado, nunca chegou a superar a marca de 50% das exportações. Certamente não se pode
dizer que fosse o produto dominante no período anterior à Independência.
Ainda com relação à pergunta sobre o que teria acontecido nas primeiras déca-
das do século XIX, apontamos que Simonsen deixa claro que a industrialização do País
teria ocorrido depois da década de 1870, com apenas um período inicial a partir da Tari-
fa Alves Branco, de 1844.45

Aqui vale fazer um interlúdio para falar da tarifa, já que essa é central em várias
obras que tratam da economia no Império. Esse imposto foi criada pelo decreto de 12 de
agosto de 1844, assinado pelo ministro da fazenda Manoel Alves Branco, o texto legal
estabelecendo alíquotas que iam de 60% até 2% para a importação de produtos.46 Houve
vários motivos para a implantação da tarifa, um deles, apontado no próprio relatório do
Ministro da Fazenda, seria uma retaliação contra uma medida Inglesa que aumentava o
taxação sobre o açúcar brasileiro. 47 Assim, os artigos 20 e 21 do decreto de criação da

44
id. p. 355.
45
SIMONSEN (1973), op. cit. p. 14.
46
BRASIL – Decreto nº 376, de 12 de Agosto de 1844. Manda executar o Regulamento e Tarifa para as
Alfandegas do Império.
47
BRASIL – Ministério da Fazenda. Proposta e Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa
na 1ª Sessão da 6ª Legislatura, pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, Ma-
noel Alves Branco. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1845. p. 33. Eram cobrados 63 shillings e
5% do valor açúcar brasileiro, 34 shillings e 5% do açúcar asiático e apenas 24 shillings do produto
vindo das colônias inglesas.

45
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

tarifa explicitam que ela era uma reparação com relação aos países que “cobrarem sobre
quaisquer gêneros importados (...) maiores direitos de consumo”. 48

Não podemos deixar de conjecturar, também, que as tensões com a Inglaterra,


por causa da questão do Pirara, justamente em 1844 e que quase tinham resultado em
um conflito com os britânicos, tenham influenciado na adoção da tarifa.49 Por sua vez,
se coloca que o Bill Aberdeen, que aumentava a intervenção inglesa contra o comércio
de escravos para o Brasil, teria sido uma reação britânica ao aumento dos impostos, pois
estes afetariam principalmente os interesses ingleses. 50

De qualquer forma, o próprio relatório do ministro Alves Branco, explicitava


que os motivadores da tarifa foram duplos: o imposto por um lado destinar-se-ia a “pro-
teger os capitais nacionais já empregados dentro do país em alguma indústria fabril, e
animar outros a procurarem igual destino”. 51 Só que o texto frisava também que “o pri-
meiro objeto da tarifa [era] preencher o déficit, em que há anos labora o país”,52 ou seja,
queria-se aumentar a arrecadação. De qualquer forma, a questão da proteção às indús-
trias não pode ser descartada, apenas devendo-se notar que o imposto não foi dirigido
diretamente e unicamente para esse objetivo.53

48
BRASIL – Decreto nº 376, op. cit.
49
Para um breve relato sobre intenção de guerra criada pela intervenção inglesa em Roraima, ver: CA-
LÓGERAS, Pandiá. A política exterior do Império. vol. III. Da Regência à queda de Rosas. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. pp. 311-312.
50
IGLÉSIAS, op. cit. p. 42.
51
id. p. 34.
52
id. p. 34.
53
id. p. 37.

46
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Balança orçamentária

80
Bilhões

60

40

20

0
1823

1825

1827

1829

1831

1833

1835

1837

1839

1841

1843

1845

1847

1849

1851

1853

1855

1857

1859

1861

1863
-20

-40
-60

-80

-100
Gráfico 4 – Saldos e déficits do orçamento do Império.54
O gráfico mostra, em bilhões de libras esterlinas (valores atualizados), a longa série negativa de valores
da despesa orçamentária, quando comparada com as receitas governamentais, a situação sendo bem grave
pouco antes da implantação da tarifa Alves Branco. O problema só passaria a ser menos crítico bem mais
para o final do século XIX.
A tarifa e seus efeitos são controversos. Para alguns, ela não poderia ser conside-
rada como protecionista, “porque não havia indústria a defender”,55 mas, independente
de uma relação causal, o fato é que por essa época surgiram as primeiras manufaturas
civis de grande porte – as do governo, como os arsenais, já existiam há décadas. Desta
forma, sua importância como elemento relacionado com o processo de aceleração indus-
trial não pode ser descartada, sendo ela um elemento recorrente nos modelos explicati-
vos que tratam da industrialização brasileira, como dissemos acima, apesar de seus efei-
tos serem considerados como transitórios.

Retornando às propostas de Simonsen, devemos dizer que o modelo dos ciclos


econômicos teve um enorme efeito na historiografia nacional. Em parte, por ser usado
em outras obras, mesmo muito depois do embasamento da proposta ter sido criticado
com sucesso.56 Por exemplo, Weber Baer, escrevendo na década de 1970, adotava a
periodização de ciclos, afirmando que teria havido “estagnação” do açúcar no século
XVII, seguido pelo período do ouro, que foi sucedido por outro período de estagnação,
pois a economia era, de acordo com o autor, totalmente dependente do exterior.

54
Dados extraídos de: CARREIRA, Liberato de Castro. História Financeira e Orçamentária do Império
do Brasil. Brasília: Senado, 1980. pp. 127 e segs. Os valores foram atualizados usando as cotações
médias da libra esterlina em cada ano, com a correção monetária sendo feita com os dados obtidos
em: https://goo.gl/rtcTbc. (acesso em dezembro de 2015). O parâmetro de conversão foi o do “valor
real” da moeda britânica, a menor de todas as atualizações monetárias disponíveis.
55
Comentário de Ferreira Lima, que rebate essa visão, apontando a importância da tarifa para o surgimen-
to de manufaturas. LIMA, Heitor Ferreira. História político-econômica e industrial do Brasil. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973. p. 263.
56
BAER, Werner. A industrialização e o desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro: FGV,
1977. pp. 4 e segs.

47
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Apesar da resistência da ideia dos ciclos, esse modelo explicativo foi questiona-
do, com sucesso, por Caio Prado Jr., em sua obra publicada em 1945. Não que ele negue
a sucessão de produtos primários na economia do Brasil, ele a reconhece explicitamen-
te,57 mas o autor aponta que não é a simples alternância desses que poderia explicar a
economia nacional.

2.2.2 O modelo da dependência estrutural – Caio Prado Jr.


O próximo livro sobre história econômica teria um efeito igualmente forte e pro-
longado na historiografia nacional: a obra de Caio Prado Jr.58 O autor era um advogado
que tinha se envolvido na política já no final da década de 1920, pouco depois de se
formar na faculdade. Se filiou ao Partido Comunista em 1931, sendo, contudo, rejeitado
pela direção do partido por suas origens burguesas. Dois anos depois publicou o Evolu-
ção política do Brasil, livro interessante por não aceitar uma visão marxista simplista,
de que o Brasil estaria em um momento de transição entre o feudalismo e o capitalismo,
já que por ele não tinha havido feudalismo no País. 59 Como dito acima, em 1942, Caio
Prado escreveu o livro Formação do Brasil contemporâneo, que é considerado como
uma das dez obras mais importantes para se compreender o Brasil. 60 Neste livro se apre-
sentavam as bases de suas teses sobre as origens da situação econômica do Brasil con-
temporâneo, que seriam desenvolvidas três anos depois, com o História Econômica do
Brasil.

Em suas obras, Caio Prado faz algumas observações de extrema relevância para
o entendimento do assunto da história econômica, a começar por sua contestação da
teoria dos ciclos. Apontava que havia problemas estruturais que perpassavam toda a
história do País e que, portanto, as conjunturas momentâneas, relativas a um determina-
do tipo de produto (açúcar, ouro ou café) não seriam fundamentais para a explicação do
Brasil. Esse último ponto é importante, pois para o autor havia a necessidade de se
compreender a estrutura e historicidade da sociedade, o seu “sentido”, algo que, em suas
palavras “se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos e
acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo”.61 Continua-

57
PRADO JÚNIOR, op. cit. p. 20.
58
id. & PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo : Brasiliense, 1977.
59
FUNDAÇÃO Getúlio Vargas, op. cit. Verbete Caio Prado Júnior. https://goo.gl/5xxBsU. (acesso em
fevereiro de 2016).
60
LEÃO, Igor Zanoni Constant Carneiro & SILVA, Newton Gracia da. A relação entre Caio Prado e
Celso Furtado. Economia & Tecnologia. Ano 07, vol. 27, out. /dez. de 2011. p. 100.
61
PRADO JÚNIOR (2000), op. cit. p. 7.

48
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

va, apresentando a necessidade que havia de se estudar uma nação não em seus fatos
isolados, mas sua estrutura e organicidade – Caio Prado colocaria que a colonização “é
apenas parte de um todo, incompleto sem a visão deste todo”.62

Dentro dessa forma estrutural de se ver a história é que se entenderia a coloniza-


ção do Brasil – e da América Hispânica – como um vasto empreendimento comercial
visando complementar as economias europeias, em uma atividade que no Brasil se es-
tende desde o século XVI ao XVIII. Assim, Caio Prado apresenta como sua síntese da
economia nacional a questão de sua dependência do comércio europeu, com base na
produção de produtos primários para exportação para as potências coloniais, no caso,
Portugal. Também apontava como um dos determinantes da colonização do território o
fato do Brasil ser uma colônia de exploração e não uma de ocupação, como ocorreria na
América, o que seria ocasionado pela necessidade do Europeu encontrar nas zonas tro-
picais meios econômicos que justificassem sua vinda para uma região de clima não hos-
pitaleiro. 63

Como consequência do estabelecimento de colônias de exploração, voltadas para


a exportação de produtos agrícolas ao contrário do que ocorria na América temperada,
era necessário que os empreendedores tivessem vultosos capitais, necessários para a
montagem de grandes unidades produtoras latifundiárias, o engenho e suas plantações.
Estas, por sua vez, teriam que ter uma grande força de trabalho, que seria majoritaria-
mente composta por cativos, já que não havia braços livres para isso. Um processo que
teria inferências culturais, como grande a aversão ao exercício de atividades mecânicas.
Como escreveria o autor, havia uma

proporção considerável de populações que, com o tempo, vão ficando


à margem da atividade produtiva normal da colonização. O círculo
dessa atividade se encerra quase exclusivamente com os dois termos
fundamentais da organização econômica e social da colônia: senhores
e escravos; os primeiros promotores e dirigentes da colonização; os
outros, seus agentes.64
De forma resumida, pode-se dizer que a proposta estabelecia as seguintes carac-
terísticas para o Brasil colonial: seu sentido seria o de uma economia agrícola, de expor-
tação, completamente dependente da Europeia, a quem devera fornecer gêneros tropi-

62
id. p. 9.
63
id. pp. 16-17.
64
id. p. 369.

49
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

cais, sem ter uma produção local de produtos manufaturados. Conforme o autor escre-
veu:

Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos


constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais
tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o
comércio europeu. Nada mais que isto. E com tal objetivo, objetivo
exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que
não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a socie-
dade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a es-
trutura, bem como as atividades do país.65
A proposta de Caio Prado seria criticada mais tarde justamente por sua premissa
central, de que a sociedade nacional seria totalmente dependente das demandas de Por-
tugal, o que implicaria não haver movimentos econômicos internos de relevância. De
um ponto de vista muito simples já era evidente que isso era incorreto na época em que
escreveu, havendo dados sobre a produção de alguns produtos que não se destinavam
primordialmente para o mercado europeu, tais como o tabaco.

O autor, ao se concentrar no latifúndio exportador, divide a sociedade entre


grandes proprietários e escravos, descartando o resto da população como “agregados”
ou “desocupados permanentes”,66 por estes não produzirem para o mercado. Usa até
palavras fortes, dizendo que em torno do núcleo escravista havia um “vácuo” – uma
posição difícil de ser defendida, quando se olha, mesmo que de forma passageira, a di-
nâmica da população colonial, com pequenos produtores, tais como proprietários de
currais no Rio São Francisco, depois citados por Maria Yedda.

Em se tratando da presente tese, devemos dizer que o livro Formação do Brasil


Contemporâneo deveria ser uma obra de vários volumes, mas só foi publicado o refe-
rente ao período colonial. A obra História Econômica do Brasil, contudo, prossegue
com a análise ate períodos mais recentes – nas últimas edições, chega até a década de
1960. O livro em sua parte inicial repete o que foi colocado na Formação do Brasil Con-
temporâneo, em especial a questão básica, do que seria o sentido do Brasil, o de uma
economia dependente, seu caráter geral sendo a exploração de recursos naturais em pro-
veito da metrópole, todas as atividades girando em torno de fornecimento ao comércio
internacional de alguns produtos tropicais. 67

65
PRADO JÚNIOR (2000), op. cit. p. 20.
66
id. p. 290.
67
PRADO JÚNIOR (2007), op. cit. pp. 102-103.

50
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Após o término formal do período colonial, ou seja, 1808, Caio Prado aponta
que não houve nenhuma mudança brusca. Em primeiro lugar, havia a questão estrutural,
que não teria se alterado, pois a situação era dificultada pela ausência de uma postura
protecionista. A tarifa de 15% implantada junto com a abertura dos portos em 1808, não
permitia uma efetiva competição local com os produtos europeus,68 de forma que as
iniciativas de industrialização intentadas na 1ª metade do século XIX fracassaram. O
fim do protecionismo causado pelo exclusivo colonial causaria, segundo o autor, a ruína
do artesanato local, a ponto de haver uma interrupção no desenvolvimento econômico
do País, como ele coloca:

Entre a primitiva indústria artesanal da colônia e a moderna maquino-


fatura, interpõe-se na evolução econômica do Brasil um grande hi-
ato. Aquela decaiu e praticamente se anulou antes que a outra surgis-
se. Assinalei em capítulo anterior que a abertura dos portos ao livre
comércio exterior em 1808, aniquilou a rudimentar indústria artesanal
que existia na colônia. Não somente se abriram os portos, mas permi-
tiu-se que as mercadorias estrangeiras viessem a concorrer no merca-
do brasileiro em igualdades de condições com a produção interna,
graças a tarifas alfandegárias muito baixas (15% ad valorem) que se
mantiveram até 1844. As débeis manufaturas brasileiras, já tão
embaraçadas pelas precárias condições econômicas e sociais do
país, sofrem com isto um golpe de morte. Diante da concorrência
dos produtos da indústria europeia, de qualidade superior, muito mais
variados e de baixo custo, elas não somente se tornavam incapazes de
progredir, mas praticamente se paralisam. E quando, mercê de novas
circunstâncias, a indústria brasileira se restabelece, terá por isso que
partir do nada, já sem tradição manufatureira, sem condições materiais
e sobretudo elemento humano aproveitáveis.69
Uma posição que consideramos como complicada, pois parte do princípio de que
o fim do período colonial, ou seja, o início da obtenção da autonomia política represen-
tou que as condições internas se degradaram em termos de economia. Não há dados
empíricos apontando para isso e há vários trabalhos notando que houve um crescimento
do mercado interno, o que implicaria que houve um aumento da demanda local e não o
contrário, como fica implícito no livro de Caio Prado.70

Outro problema, mais visível nessa descrição da situação econômica apresentada


por Caio Prado para a primeira metade do século XIX ainda está associado à questão
dos ciclos: segundo seu modelo explicativo, entre o fim da exploração do ouro e o início

68
id. p. 134.
69
id. p. 257. Os grifos são nossos.
70
Para uma longa e bem fundamentada discussão sobre os problemas da tese de Caio Prado, ver CAL-
DEIRA, Jorge. História do Brasil com Empreendedores. São Paulo: Mameluco, 2009.

51
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

do “ciclo” seguinte, o do café – quando finalmente teria começado a industrialização do


Brasil –, teria que haver um período de estagnação e declínio, o que não é observável
em dados empíricos (ver Gráfico 5).

Receita do Império

45
40
35
30
25
20
15
10
5
0

Gráfico 5 – Receita governamental no Brasil – 1823-1865.


Apesar de não ser uma real representação do produto interno bruto do País, o gráfico, em bilhões de libras
esterlinas (valores atualizados para 2014), mostra que não houve um período prolongado de retração
econômica na primeira metade do século XIX, ao contrário do que seria de se esperar no modelo dos
“ciclos” ou na proposta estrutural de Caio Prado Jr. Se constata que houve um lento, porém constante,
aumento das despesas governamentais, o que pode ser tomado como um índice de uma crescente ativida-
de econômica.71
Independente de seus problemas, o texto de Caio Prado é sem dúvida, até os dias
de hoje, uma das obras consideradas como das mais relevantes como modelo explicati-
vo do Brasil, tendo sido escritos diversos trabalhos discutindo sua visão sobre o desen-
volvimento histórico nacional. Isto por seu modelo ser, aparentemente, suficiente para
explicar em termos iniciais a situação do Brasil tal como existia na década de 1940, ape-
sar de trabalhos acadêmicos posteriores terem, crescentemente mostrado que o mesmo
não é adequado quando se leva em consideração detalhes de como funcionava de fato o
sistema.

71
Dados extraídos de: CARREIRA, op. cit. pp. 127 e segs. A atualização monetária foi feita com base e m
no “preço real” da moeda britânica, atualizado a partir do sítio: Measuring Worth.
https://goo.gl/rtcTbc. (acesso em dezembro de 2015). Observe-se que o aumento da receita no final
da década de 1820 pode ser atribuído a uma taxa de câmbio mais favorável naquele momento, con-
forme pode ser visto no Gráfico 7, abaixo).

52
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

2.2.3 Celso Furtado e a Formação Econômica do Brasil.


Um terceiro livro sobre história econômica que teve grande influência na histo-
riografia nacional foi o de Celso Furtado, o Formação econômica do Brasil, publicado
em 1959. O autor era formado em direito, tendo ingressado no serviço público em 1943.
Serviu na Força Expedicionária Brasileira na Itália como oficial de ligação junto ao V
Exército Norte-Americano, sendo ferido em combate. Depois de um curto período de
tempo de volta ao Brasil, retornou à Europa, inscrevendo-se no doutorado em economia
na Sorbonne. Em 1947 fez um período de estudos na London School of Economics, de-
fendendo no ano seguinte sua tese sobre a economia colonial brasileira.

Celso Furtado trabalhou na Comissão Econômica para a América Latina (CE-


PAL), da ONU, sendo nomeado diretor da Divisão de Desenvolvimento Econômico da
CEPAL, no cargo “defendendo a teoria que propunha o desenvolvimento para a Améri-
ca Latina através de transformações da estrutura econômica, tais como a reforma agrária
e mudanças radicais nas relações de comércio exterior”.72 Esta foi uma posição política
que manteria ao longo de toda a sua carreira política e acadêmica e que ser refletiria em
suas obras de 1954 e 1956, os livros A economia brasileira: contribuição à análise de
seu desenvolvimento e o Uma economia dependente, nas quais analisava as estruturas da
economia nacional e seu passado colonial. Indo para a Inglaterra para ministrar um cur-
so e para realizar um ano de estudos de pós-graduação no King’s College, quando es-
creveu o livro Formação econômica do Brasil, de 1959, talvez sua obra mais conhecida
pelos historiadores.

Não nos alongaremos em sua trajetória profissional posterior, pois apesar de ser
muito longa, prolífica e extremamente importante em termos sociais e políticos, 73 não
nos parece ser relevante ao presente trabalho. Basta dizer que, segundo Francisco Iglé-
sias, a obra de Celso Furtado, a Formação Econômica do Brasil, é o “livro mais ecoante
dos últimos tempos no campo das ciências sociais e da historiografia”, Iglesias continu-
ando, dizendo que é “um livro seminal a bibliografia nativa: quanto se produz em ciên-
cia social o leva em conta”.74

72
FUNDAÇÃO Getúlio Vargas, op. cit. Verbete Celso Furtado. https://goo.gl/lPoBEJ. (acesso em feve-
reiro de 2016).
73
id.
74
IGLÉSIAS, op. cit. p. 226.

53
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Do ponto de vista da construção de seu modelo da economia colonial, são evi-


dentes as influências da vida profissional de Celso Furtado em suas conclusões. Por
exemplo, o conceito fundamental de sua obra é a questão da dependência, com a divisão
internacional da economia. Nesta situação haveria um centro capitalista, a Europa, em
desenvolvimento e que seria encarregado dos produtos manufaturados e uma periferia
que forneceria produtos primários a baixo custo para as áreas centrais. Isso gerava uma
crescente diferenciação entre a situação econômica das duas regiões, com uma igual-
mente crescente dependência da periferia com relação às áreas desenvolvidas. Uma si-
tuação que era agravada no caso específico do Brasil, pois Portugal, para Furtado, era
um simples “entreposto”, repassando os produtos agrícolas para outras economias euro-
peias, em troca de produtos manufaturados, também feitos fora do território nacional,
para a colônia.75

Decorrente do modelo de Celso Furtado havia o fato de que não haveria necessi-
dade de um mercado consumidor interno na colônia, isso por dois motivos: primordial-
mente, a dinâmica da economia, sendo dependente da venda de produtos para a Europa,
não criaria esse mercado. Os engenhos e fazendas, geradores de renda seriam adminis-
trados por um grupo muito reduzido de pessoas, cujas necessidades podiam ser supridas
localmente, por uma produção de autoabastecimento ou por pequenas importações, en-
quanto a força de trabalho era escrava, ou seja, excluída do circuito de consumo.

Segundo ele, não havia sequer uma classe de grandes comerciantes locais, pois
essa atividade seria dominada por interesses da metrópole. 76 Portanto, fica implícito que
não havia outros grupos economicamente relevantes na colônia, só senhores e escravos.
A inexistência de pessoas que pudessem se conformar como um mercado consumidor é
de fundamental importância na explicação de Furtado, pois o autor, como resposta à
pergunta de que “porque o Brasil não se industrializou como os norte-americanos?”
responderia que os domínios portugueses na América do Sul foram criados como uma
colônia de exploração. Ai o objetivo, o sentido da colonização seria o da produção agrí-
cola para exportação, enquanto os Estados Unidos teriam sido estabelecidos como uma
“colônia de povoamento”, para o estabelecimento de excedentes populacionais ingle-

75
FURTADO (2000), op. cit. p. 100.
76
id. p. 100.

54
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

ses,77 criando um mercado e a possibilidade de estabelecimento de manufaturas locais,


tal como já colocado por Caio Prado Júnior.

Aqui devemos fazer uma observação: em vários momentos de sua obra Celso
Furtado, tal como Caio Prado, faz suposições e extrapolações, como quando diz que a
renda no Brasil deve (sic) ter diminuído com a queda dos preços do açúcar e a redução
da produção do ouro em Minas Gerais. 78 Não aponta, contudo, dados empíricos que
sustentem essas conjecturas, algumas contestadas em pesquisas posteriores de outros
autores. Tal é o caso da dinâmica econômica de Minas Gerais, que, segundo essas pes-
quisas posteriores, não sofreu uma retração e depressão com o fim da mineração como
seria de se esperar de seu modelo e como Furtado aponta que teria acontecido em sua
obra. A explicação para a manutenção de atividades econômicas relevantes na região
sendo que lá havia um mercado consumidor, a economia local tendo se realinhado para
superar os problemas da decadência da produção do ouro.79

Outro fator que também pode ser questionado é a relevância – ou mesmo a hipó-
tese – dos Estados Unidos terem sido criados como uma colônia de povoamento. Isso
independentemente da própria validade do próprio conceito de “colônia de povoamento
versus colônia de exploração”. A simples ocupação do espaço físico não era o pensa-
mento inglês que levou à colonização do território e essa classificação, de “povoamen-
to”, certamente não se aplica à região sulina dos EUA. Mais importante, a população
das treze colônias não era significativamente diferente da do Brasil no momento de suas
independências – era de cerca de dois milhões e meio em 1775 nos EUA e de dois mi-
lhões no Brasil de 1800. 80 A rápida diferenciação na quantidade de moradores das duas
áreas podendo ser facilmente explicável pela imensa imigração feita para os Estados
Unidos após a independência de lá: havia lá seis milhões de habitantes em 1800 e 24
milhões em 1850. 81 Um crescimento que o Brasil não acompanhou, mas essa diferença

77
id. p. 106.
78
id. p. 102.
79
Ver, por exemplo, LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista:
Minas no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.
80
Não incluindo 800.000 índios não assimilados que existiriam em 1819. Com esses, a população brasi-
leira perto da Independência ultrapassaria a norte americana na mesma época. Contudo, não se pode
considerar os nativos como parte do mercado consumidor. Os dados sobre os indígenas foram retira-
dos de: MARCÍLIO, Maria Luiza. Crescimento Histórico da População Brasileira até 1872.
https://goo.gl/7zTD4f. (acesso em março de 2016).
81
MCEVEDY, Colin & JONES, Richard. Atlas of world population history. Harmondsworth: Penguin,
1978. pp. 286 e 306. É bem verdade que a população de escravos no Brasil, de 30% em 1819, era
Continua –––––––

55
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

não pode ser atribuída ao fato de um país ser colônia de exploração ou de povoamento,
já que o período colonial tinha se encerrado nos dois casos.

Esses pontos polêmicos, tendo em vista a falta de estudos empíricos por parte de
Celso Furtado geraram, inclusive, severas críticas, como a de Maurício Coutinho:

Das Minas, Furtado conhecia muito pouco; e menos ainda do que su-
cedeu à região mineira no século XIX. Suas conclusões, desse modo,
estão pouco referidas ao quadro histórico real. Pode-se dizer que se
sustentam, em grau bem maior do que no restante do livro, em racio-
nalizações construídas com base em um modelo geral de história eco-
nômica brasileira.82
Retornando à análise da obra de Celso Furtado, como apontamos, para ele havia
uma situação de total dependência, que resultaria em um modelo de economia interna
com as seguintes características:

1. Preponderância do latifúndio agroexportador, de fazendas e engenhos;

2. As propriedades agrícolas seriam autossuficientes, produzindo tanto os bens exportá-


veis, centrais da economia, quanto os alimentos e produtos necessários à subsistên-
cia dos cativos;

3. Os segmentos intermediários na economia seriam virtualmente inexistentes e haveria


uma polarização entre dois extremos bem afastados entre si: um pequeno núcleo de
proprietários de terras e uma massa de trabalhadores escravos, que não tinham ren-
da própria, pois esta pertencia aos senhores;

Como consequência do colocado acima, não havia setores intermediários, ou se-


ja, mão de obra livre com renda própria, capaz de criar um mercado consumidor. Por-
tanto:

4. O restante da economia colonial podia ser desconsiderado, pois não haveria um mer-
cado que absorvesse excedentes: era uma economia de subsistência, que não tinha
valor econômico 83;

5. Decorre daí que não havia monetização na economia interna, pois não havia também
um comércio interno significativo, nem o pagamento de salários, toda a renda se
concentrando na mão dos proprietários. Os senhores de escravos, por sua vez, rein-
Continuação–––––––––––
consideravelmente maior do que nos EUA pouco depois da Independência de lá – os cativos eram
apenas 18% da população norte-americana em 1790.
82
COUTINHO, Maurício C. Economia de Minas e economia da mineração em Celso Furtado. Nova Eco-
nomia. Belo Horizonte 18 (3), set./dez.de 2008. p. 362.
83
FURTADO, op. cit. p. 126.

56
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

vestiam na produção, consumiam produtos de luxo importados ou esterilizavam o


capital, fazendo gastos com bens de luxo não relacionados com a acumulação de
capital, como obras suntuárias. Tudo isso dificultava o surgimento de um comércio
interno;

6. Como decorrência da concentração da renda em um grupo de exportadores, as trocas


monetárias praticamente se restringem a uma relação com a metrópole, tendo em
vista que havia apenas a renda da exportação de produtos primários. Os fluxos mo-
netários seriam centrados na esfera das relações internacionais, pela receita de ex-
portação, remessas de pagamentos e importação de bens para os proprietários.84

Em suma, para Celso Furtado a economia nacional no período colonial, se vista


fora do contexto de sua subordinação ao mercado externo, simplesmente não existia ou
era completamente irrelevante. Para o autor, o único setor do mercado interno que tinha
alguma importância era o da pecuária e esta era voltada para o apoio às atividades de
exportação, não tendo uma dinâmica própria relevante.

Do ponto de vista do presente trabalho, Celso Furtado prossegue com a constru-


ção de seu modelo, este indo além do período colonial. Uma sequência lógica, já que
procurava esclarecer a situação do Brasil no seu período contemporâneo, as décadas de
1940 e 1950. No entanto, seu modelo cria uma situação complicada, que seria o que
teria acontecido no final do período colonial – ou, mais propriamente, no final do século
XVIII. Naquele momento, a produção de ouro diminuiu e, segundo suas palavras, “ex-
cluído o núcleo maranhense, todo o resto da economia atravessou uma etapa de séria
prostração nos últimos anos do século”.85

Tal situação de decadência, segundo o autor teria continuado até a “fase” seguin-
te, a da produção do café, que teria começado na década de 1830 e que só resultaria em
mudanças estruturais mais tarde. Furtado se referia a um período de três quartos de sé-
culo (1775 a 1850), o qual, por seu modelo, seria um de estagnação e retração econômi-
ca. Segundo suas colocações, o Brasil era um país dependente do mercado externo e não
havia, até o café, um produto de exportação que desse embasamento ao “sentido” da

84
COUTINHO, op. cit. pp. 363-364.
85
FURTADO (2000), op. cit. p. 97.

57
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

econômica nacional. “A causa principal do grande atraso relativo da economia brasileira


na primeira metade do século XIX foi, portanto, o estancamento de suas exportações”.86

Para Furtado, a retração econômica dos primeiros anos do Império seria a expli-
cação para a longa série de revoluções da Regência, bem como para o sentimento de
revolta que a população sentia com relação aos portugueses. Estes eram vistos como
responsáveis pela inflação e pela contração dos rendimentos, a renda sendo menor do
que no final do período colonial. 87 A retração econômica também seria uma das expli-
cações da não industrialização nacional, pois, como já colocado, não haveria um merca-
do interno para os produtos.

Desta forma, as tentativas de industrialização de D. João VI estavam fadadas ao


fracasso, pois, segundo ele “nenhuma indústria cria mercado para si mesma”.88 Mais
importante, apesar de fugir ao assunto desta tese, essa suposta retração seria a explica-
ção da situação do País em meados do século XX:

Esse atraso tem sua causa não no ritmo de desenvolvimento dos últi-
mos cem anos [1850-1950], o qual parece ter sido razoavelmente in-
tenso, mas no retrocesso ocorrido nos três quartos de século anteriores
[1775-1850]. Não conseguindo o Brasil integrar-se nas correntes em
expansão do comércio mundial durante essa etapa de rápida transfor-
mação das estruturas econômicas dos países mais avançados, criaram-
se profundas dissimilitudes entre seu sistema econômico e os daqueles
países.89
Uma argumentação lógica, que se encaixava na situação observável, pelo menos
aparentemente. No entanto, tem alguns problemas, os quais seriam, para o autor da pre-
sente tese, o “súbito” surgimento de um mercado interno a partir da década de 1850.
Este teria permitido as mudanças econômicas do período posterior, apesar da situação
estrutural, tal como definida por Furtado, de uma economia dependente, não ter se alte-
rado de forma fundamental. A base ainda era o latifúndio agroexportador, só havia mu-
dado o produto de exportação, do açúcar para o café. A introdução do trabalho assalari-
ado com o fim do tráfico negreiro poderia ser uma resposta para essa questão, mas não
se pode afirmar que seus efeitos tenham sido imediatos e instantâneos, como pareceria
ser o caso se colocarmos o momento de inflexão justamente no ano de 1850, quando
cessou o tráfico.

86
id. p. 112.
87
id. p. 103 e p. 113.
88
id. p. 111.
89
id. pp. 153-154.

58
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Do ponto de vista da existência de um período de estagnação, a afirmação não é


comprovável em dados empíricos. É um fato que, segundo a análise econômica clássica,
o período de 1815 a 1850 é marcado, na Europa, por uma fase econômica recessiva (ver
Gráfico 6), mas essa não se reflete no Brasil. De fato, houve o movimento contrário, o
que se reflete no crescimento da atividade econômica.

Gráfico 6 – Modelo dos ciclos de Kondratieff e de um índice econômico real.90


Nikolai Kondratieff, um economista soviético, preconizou em seu livro Os grandes ciclos econômicos, a
existência de alternâncias de períodos de crescimento e recessão econômica (superciclos), de quarenta a
sessenta anos de duração, relacionados diretamente com o aparecimento de novas tecnologias e a suplan-
tação da importância dessas por outras novas. Por essa visão, o 1º ciclo de Kondratieff, ligado ao surgi-
mento das máquinas a vapor por volta de 1780, estava em sua fase recessiva a partir de 1815 (na Europa),
no fim das Guerras Napoleônicas.
Exemplos dessa situação de crescimento do Brasil nesse momento são visíveis
em dados tais como os dos orçamentos do Império (ver Gráfico 5) ou no fato de ter ha-
vido um aumento de 4% ao ano nas importações de escravos no Rio de Janeiro entre
1815 e 1830, a principal força de trabalho no período. 91 Informações que não são com-
patíveis com uma visão de uma economia estagnada ou em recessão, como colocamos.
Dessa forma, Fragoso e Florentino 92 apontam que o quadro na primeira metade do sécu-
lo XIX, no Brasil, não é recessivo, havendo, portanto, um descolamento do mercado
internacional. Isso é uma prova de que a economia brasileira era mais complexa e, prin-

90
Gráfico adaptado de The Kondratieff Theory. https://goo.gl/gMlGDK (acesso em março de 2016).
91
FRAGOSO, João Luís R. Homens de Grossa Ventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do
Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992. p. 18.
92
FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade
agracia e elite mercantil em uma economia colonial tardia. Rio de Janeiro, c. 1790-c.1840. São
Paulo: Civilização Brasileira, 2001. p. 96.

59
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

cipalmente, não podia ser vista apenas como um apenso dependente do mercado inter-
nacional.

2.2.4 O Antigo Sistema Colonial.


Um livro seguinte que foi – e é – de fundamental importância para a historiogra-
fia nacional, foi o de Fernando Novais,93 resultado de sua tese de doutoramento de
1973. Este, em linhas muito gerais, estabelece o funcionamento do antigo sistema colo-
nial (ASC), por ele definido como sendo o período de relações econômicas exclusivas
entre a metrópole e a colônia. Não cremos caber aqui discutir os detalhes de seu mode-
lo, justamente por trabalhar só com o ASC, encerrado com a abertura dos portos às na-
ções amigas em 1808, o que ficaria fora do recorte por nós trabalhado. Contudo, pode-
mos sumarizar dizendo que ele aponta algumas caraterísticas que já tinham sido desen-
volvidas antes, como a da economia colonial ser voltada para o mercado externo, de
forma que a situação econômica do Brasil seria regida pelas flutuações do mercado eu-
ropeu. Por seu modelo era uma economia subordinada, não tendo uma autonomia pró-
pria e, um ponto que consideramos importante, o autor apontava as dificuldades de sur-
gimento de um mercado interno, pois os senhores fariam que seus escravos produzissem
para sua subsistência.94 Além disso, para ele, a primazia econômica no Brasil Colônia
ficaria no setor comercial internacional e não na área de produção agrícola.

Duas características, contudo, fazem a obra de Novais merecedora de nota, pelo


menos no que tange ao presente trabalho. Primeiro, ele faz um questionamento sobre as
leis proibindo a existência de manufaturas no Brasil colônia, argumentando que sua
eficácia foi reduzida no tocante aos têxteis. 95 O autor também coloca dados colocando
em dúvida a afirmação de que Portugal seria um simples “entreposto” inglês, apontando
o certo sucesso que teve a política de industrialização portuguesa no período pombali-
no,96 que também teve iniciativas no Brasil, entre as quais citaríamos as manufaturas
militares. Ou seja, Novais começa um processo de revisão dos princípios estabelecidos

93
NOVAIS, Fernando. Portugal e o Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo:
Hucitec, 1986. Observamos que Novais, ao contrário do que Iglésias coloca, foi o primeiro represen-
tante de uma instituição acadêmica no período da “contribuição da Universidade”. Simonsen, que era
professor universitário, era primordialmente um empresário, Furtado, após se formar, tornou-se um
pesquisador no serviço público.
94
id. p. 109.
95
id. p. 274.
96
id. p. 295.

60
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

pelos modelos que previam a total dependência econômica, não só do Brasil, mas tam-
bém a de Portugal.

2.2.5 O modo de produção escravista colonial


Na década de 70, Ciro Flamarion Santana Cardoso apresentou uma contraposi-
ção à posição de seus antecessores. Colocou que a colonização só se entenderia tendo
em vista a questão de sua inserção em um mercado internacional, mas questiona a ideia
de que haveria um sentido da colonização, ao qual todas as atividades da colônia se su-
bordinariam, apresentando a ideia que as colônias

possuem uma lógica que não se reduz exclusivamente ao impacto da


sua ligação com o mercado mundial em formação e com as metrópo-
les europeias. Por isso, a sua concepção em termos de anexos com-
plementares, de partes constitutivas de conjuntos mais amplos, mesmo
sendo – como é – um momento central da pesquisa, é claramente insu-
ficiente. Sem analisar as estruturas internas das colônias em si mes-
mas, na sua maneira de funcionar, o quadro fica incompleto, insatisfa-
tório, por não poderem ser explicadas algumas das questões mais es-
senciais (como o porquê das diferenças profundas constatáveis na
época colonial como na atualidade, entre as estruturas econômico-
sociais do México, da Costa Rica e do Brasil, por exemplo).97
Para Ciro Flamarion, haveria no Brasil, em termos marxistas, o modo de produ-
ção “escravista colonial”, que seria definido por uma série de características:

1 – havia uma ligação inseparável entre o funcionamento do sistema e o capital mercan-


til;

2 – o sistema dependia dos mercados externos, para os quais a produção se voltava;

3 – existia um setor dominante, de exportação de produtos primários. Mas o sistema não


se restringiria a isso, havendo outro, voltado para a subsistência. Este era, em parte,
função dos escravos;

4 – o modo de produção escravista colonial teria problemas pela uma tendência geral de
estagnação técnica, com um crescimento da atividade produtiva sendo efetuada de
forma quantitativa e extensiva, de baixa produtividade;

5 – associado ao colocado acima, a rentabilidade dos empreendimentos escravistas de-


pendia da redução dos custos de produção. Isso especialmente a mão de obra , e in-
sumos, procurando-se a autossuficiência no tocante a esses últimos;
97
CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. As concepções acerca do ‘Sistema Econômico Mundial’ e do
‘Antigo Sistema Colonial’: a preocupação obsessiva com a ‘extração de excedente’. IN: LAPA, José
Roberto Amaral (ed.) Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980.

61
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

6 – a reprodução do sistema seria garantida pela importação de mão de obra escrava e


por fatores extraeconômicos.

Em 1978 Jacob Gorender deu continuidade a essas ideias. 98 Tal como Caio Pra-
do Júnior, Gorender tinha uma ligação com o Partido Comunista, apresentando uma
visão de que a escravidão colonial do Brasil teria suas leis próprias, podendo ser classi-
ficada dentro de um modo de produção específico e totalmente novo, o já citado escra-
vista-colonial. Neste ficaria clara a natureza capitalista do escravismo que havia no
Brasil, ao contrário do que ocorria no mundo antigo, onde haveria o escravismo patriar-
cal.99 Essa visão é importante, pois ele, tal como Ciro Flamarion, criticava a postura de
que o sistema colonial só existia para transferir o excedente da colônia para a metrópole,
como desenvolvido pelos autores anteriormente mencionados. Por outro lado, Gorender
reforça a visão tradicional apresentada pelos autores das décadas anteriores, de que o
escravismo colonial não gerou um mercado interno e que a economia colonial, basica-
mente, acompanhava a situação conjuntural dos mercados dos países desenvolvidos, a
situação na colônia sendo incapaz de gerar, por si mesma, uma dinâmica própria.

O que consideramos importante nesse modelo é que ele não estaria restrito ao
período colonial. Tal como Caio Prado e Celso Furtado, e se encaixando na visão mar-
xista, o modelo considera que a questão fundamental da economia brasileira é estrutural
– Ciro Flamarion deixaria isso claro ao tratar do modo de produção escravista colonial,
dizendo que

o termo ‘colonial’ emprega-se no sentido de definir uma relação estru-


tural de dependência e não um sentido político; desta forma, por
exemplo, a Independência do Brasil em 1822 não significou a derru-
bada do modo de produção escravista colonial no País, o qual conti-
nuou sendo dominante até mais ou menos 1850, para desaparecer so-
mente em 1888.100
Portanto, questões superestruturais, tais como o tipo de mercadoria explorado ou
mesmo a situação social – ou a política – não seriam relevantes, mas sim o como funci-
ona o modo de produção. Neste, segundo Gorender, a ferramenta fundamental de sua
reprodução era o tráfico de escravos e o trabalho dos cativos era a forma de funciona-

98
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1988.
99
id. p. 42.
100
CARDOSO, Ciro F. S. Sobre los modos de producción colônias de América. apud FRAGOSO, João
Luís. Homens de grossa ventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro –
1790-1830. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990. 81.

62
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

mento do modo de produção: enquanto se usassem escravos de forma capitalista, seu


modelo seria válido.

A proposta do autor é interessante para lidar com a questão de um modelo expli-


cativo que abrangesse o período que estamos estudando, o posterior à colônia. Isso ape-
sar dele se concentrar nos elementos que considerava fundamentais ao entendimento do
modo de produção, o trabalho escravo na agricultura – em seu livro ele dedica apenas
três páginas à “escravidão e industrialização”.101 Deve-se dizer que ele, tal como Ciro
Flamarion, praticamente descarta o papel dos escravos nas atividades manufatureiras,
argumentando que o modo de produção escravista colonial seria caracterizado pela es-
tagnação técnica. Mesmo nas áreas urbanas, onde havia a possibilidade de escravos tra-
balharem em atividades que exigiam maior habilidade técnica, o sistema de exploração
seria “hostil à formação de trabalhadores qualificados para tarefas complexas e de alta
precisão”,102 enquanto a própria lógica de um sistema baseado na exploração fazia com
que o trabalhador não tivesse nenhum incentivo em fornecer um serviço de maior pro-
dutividade.

Como nos trabalhos anteriores, era claro a visão de que a economia colonial,
apesar de poder ter uma dinâmica própria, não era uma que permitisse a geração de ma-
nufaturas locais, novamente por não haver um mercado consumidor.

2.3 O fim da procura por modelos


Do ponto de vista da presente tese, que procura uma comparação com modelos
ideais sobre o sentido da formação histórica do Brasil, podemos dizer que o grande au-
mento de trabalhos acadêmicos produzidos nas décadas de 80 colocaram em cheque as
noções anteriores, de que seria ideal procurar um “sentido” geral para o Brasil. É desse
momento o surgimento de diversos empíricos questionaram vários pontos dos modelos
explicativos mais tradicionais. Não cabe aqui apontar a longa série de trabalhos acadê-
micos que apontam para as inconsistências dos modelos tradicionais no que tange à de-
pendência exclusiva da economia brasileira de fatores externos.103 Como colocou José
do Amaral Lapa sobre esse tema:

Somente quase 500 anos depois, alguns autores começam a perceber


que essa, afinal, é a perspectiva ideológica do colonizador que o colo-

101
GORENDER, op. cit. pp. 481-484.
102
id. p 482.
103
Uma discussão disso pode ser vista em FRAGOSO, op. cit. pp. 74 e segs.

63
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

nizado assumiu e arrastou até ontem, provocando equívocos em dife-


rentes níveis, colocando-nos agentes e ideias fora do seu exato lugar...
Somos o que eles queriam ou querem que sejamos. Mas, do nível ide-
ológico é preciso descer ao nível empírico e/ou subir ao científico, pa-
ra reprojetarmos outra imagem que, sem descartar propriamente as te-
orias, quer da colonização, quer da dependência, demonstre em todo
caso que tanto esta quanto a subordinação não anulam a capacidade de
gerar uma economia com certo grau de autonomia ou pelo menos cer-
ta dinâmica que lhe é imanente. 104

Daí se entende que para Lapa não se possa explicar o comércio colonial em um
esquema meramente bipolar, como colocariam Novais, Ciro Cardoso 105 e Gorender,106
mas multipolar, no qual se deve levar em conta as transações entre:

1 – Metrópoles-Metrópoles;

2 – Metrópoles-Colônias;

3 – Colônia-Colônia de uma mesma metrópole;

4 – Colônia-Colônia de metrópoles diferentes;

5 – Economias regionais de uma mesma metrópole.

Ou seja, um esquema bem mais complexo do que qualquer noção de dependên-


cia relativa ou absoluta da colônia com relação à metrópole. Também é um que se ade-
qua bem para mostrar certa continuidade de relações econômicas com a situação no
Império, quando certamente não havia uma continuação da dependência direta. Mesmo
com a predominância do comércio inglês depois da abertura dos portos, em 1808, havia
uma liberdade de ação muito grande impedindo a formação de uma situação de exclusi-
vo, de relações únicas com uma metrópole neocolonial.

A partir desse momento, como dissemos, a procura de um modelo geral deixou


de ser uma realidade, apesar da procura de uma “lei geral” ainda ser um ideal para al-
guns, havendo diversos e excelentes trabalhos que mostram como a questão de uma
“explicação” geral para o País é complexa e difícil – se não impossível – de se obter.

104
LAPA, José Roberto do Amaral. O Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1982.
p. 42.
105
Lapa cita: CARDOSO, Ciro Flamarion Santana. As concepções acerca do ‘Sistema Econômico Mun-
dial’ e do ‘Antigo Sistema Colonial’. IN: LAPA, José Roberto do Amaral (org.). Modos de produção
e realidade brasileira. Petrópolis: vozes, 1980.
106
GORENDER op. cit. 1980.

64
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

2.4 O início da industrialização


Todos os textos acima tratam da questão de modelos explicativos da economia
colonial e isso supostamente não se referiria estritamente ao recorte escolhido por nós,
de 1808 a 1864. Contudo, como se nota ao longo do texto acima, todos os autores não
tomaram como um fator decisivo, ou mesmo relevante, a questão da autonomia política.
Ou seja, o fim do antigo sistema colonial, que deveria representar uma clara ruptura
com os sistemas de exploração por parte da metrópole, não teria criado alterações maio-
res em termos econômicos. Para os autores dos modelos “clássicos”, os que enfatizam a
dependência, a questão era estrutural, de uma economia com base na produção latifun-
diária de exportação.

A questão chega ao ponto de se desconsiderar a própria Independência política,


se alongando um “período colonial”, ainda que “tardio”, até a década de 1840, como
fazem Manolo e Fragoso, 107 apesar de todos os problemas conceituais que isso trás, de
se fazer essa extensão do conceito de dependência colonial em um momento em que
essa não existia em termos políticos.

Sendo assim, como se trataria da questão da industrialização? De início, pode-


mos apontar que esta não ocorreu no Brasil até o século XX, pelo menos no sentido
preciso do termo, do surgimento de uma economia capaz de alterar a situação do modo
de produção imperante no País,108 do capital comercial passando a ser subordinado ao
industrial. 109 Mas, e quanto a uma mudança menos radical, o simples crescimento da
capacidade manufatureira e fabril, o que o uso tradicional chama de industrialização?

Simonsen, em seu livro Evolução Industrial do Brasil, trata da falha do Brasil


em se industrializar como os Estados Unidos – uma questão que para ele fazia sentido,
já que o País na época em escreveu estava iniciando o processo de mudança de uma
economia agrária para uma industrializada. Sua explicação era baseada em parte em
motivos ecológicos – os EUA teriam recursos naturais necessários ao processo de cria-
ção de fábricas: riquezas naturais, especialmente o ferro para siderurgias e carvão aces-
sível, para a força motriz. Para o autor e outros, isso seria importante, pois o vapor per-
107
FRAGOSO & FLORENTINO (2001). op. cit.
108
HEES, Felipe. A industrialização brasileira em perspectiva histórica (1808-1956). Em Tempo de His-
tórias - Publicação do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília PPG-
HIS, nº. 18, Brasília, jan./jul. 2011. p. 31.
109
ANDRADE, Rômulo Garcia de. Burocracia e economia na primeira metade do século XIX (a Junta
de Comércio e as atividades artesanais e manufatureiras na cidade do Rio de Janeiro: 1808-50).
Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 1980 (mimeo). p. 62

65
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

mitiria o desenvolvimento das máquinas e dai às indústrias manufatureiras.110 Outro


fator seria o histórico local, a situação relativamente pacífica do continente norte-
americano, não afetado pelas guerras europeias, que teriam facilitado o surgimento de
uma grande corrente migratória para a América do Norte. Este aumentaria a capacidade
produtora e consumidora daquele país. Finalmente, os Estados Unidos se beneficiaram
de uma forte política protecionista, que abrigou o surgimento de indústrias locais.

No seu modelo para o Brasil, Simonsen argumenta que as condições aqui não
eram tão favoráveis. A economia da colônia se baseava na exportação de produtos agrí-
colas tropicas e, se havia ferro e carvão, houve uma falha do governo em desenvolver
uma indústria siderúrgica. Isto por causa dos custos de transporte dos itens e devido a
não haver um mercado consumidor, uma observação que vai aparecer de forma recor-
rendo nos escritos de outros autores.

Para o autor, tal como descrito em sua História Econômica, a política de não
protecionismo e a falta de capitais seriam fatores predominantes até a instalação da tari-
fa Alves Branco, a qual, junto com o surgimento do café como produto de exportação,
teria permitido um primeiro movimento em direção à industrialização.111

Caio Prado Júnior aponta que no Brasil Colônia havia pequenas manufaturas:
olarias, caieiras (preparo de cal), cerâmicas, curtumes, cordoarias, têxteis e até de ferro,
algumas “relativamente grandes”,112 pois, de forma contraditória com o que escrevia,
para ele haveria um mercado local igualmente grande, em termos relativos. Contudo,
estas manufaturas teriam sido extintas pelo alvará de D. Maria, de 1785, que proibiu a
fabricação de têxteis mais elaborados. 113 Como Simonsen, o autor aponta que uma baixa
tarifa de importação de 15% (após 1808), impediria o surgimento de uma produção lo-
cal, bem como os problemas geográficos, de deficiência de fontes de energia (carvão) e
dificuldades de acesso ao minério de ferro.

Entretanto, dentro da proposta do autor, ele não considerava esses fatores con-
junturais, de tarifas e condições geográficas, como decisivos. Como já descrito, para ele
a questão era estrutural, de que a economia local era uma de agricultura de exportação,
fator que só começaria a ser corrigido a partir de 1880 – ou seja, no período de nosso
110
SIMONSEN (1973), op. cit. p. 7.
111
SIMONSEN (1977), op. cit. p. 436.
112
PRADO JÚNIOR (1977), op. cit. p. 107.
113
id. p. 107. Mais adiante no livro, ele aponta que as indústrias têxteis e de metais teriam conseguido se
estabelecer no período colonial, apesar da oposição portuguesa (p. 136).

66
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

estudo, de 1808 a 1864, não haveria industrialização. Seria o hiato no desenvolvimento


da economia nacional, entre o fim da mineração do ouro e os efeitos da mudança do
produto de exportação para o café (ver a citação na página 51, acima).

Celso Furtado não altera em muito o quadro acima descrito para a industrializa-
ção, apesar de dar mais detalhes sobre os problemas da industrialização. Por exemplo,
no capítulo que compara o Brasil com os Estados Unidos, tece interessantes considera-
ções sobre o período logo após a abertura dos portos até a assinatura do Tratado de Tra-
tado de Amizade, Navegação, e Comércio, de 1827. Esse manteve as taxas de importa-
ção vantajosas para a Inglaterra: naquela época havia um forte déficit do governo impe-
rial, por causa das guerras de Independência (1822-1826) e Cisplatina (1825-1828), e
isso levou a uma desvalorização da moeda (o câmbio realmente caiu pela metade entre
1823 e 1831).114 Uma consequência relevante apontada por Celso Furtado é que essa
desvalorização da moeda teria sido uma “medida protecionista” equivalente à criação de
uma taxa de importação de 50%, o que o levaria a questionar a afirmação sobre a não
existência de uma política protecionista teria sido a motivadora da não industrialização,
feita por Simonsen e outros.

No entanto, é verdade que a desvalorização da moeda não auxiliou as manufatu-


ras locais, Celso Furtado argumentando que isso seria, em parte, devido a uma questão
de mentalidade. Nos Estados Unidos teria havido pessoas, como Alexander Hamilton,115
que apoiariam a industrialização, enquanto no Brasil os pensadores que obtiveram he-
gemonia, como o visconde de Cairu, 116 tinham um pensamento liberal, defendendo o
livre comércio e o papel da agricultura na economia, não se criando condições para a
industrialização local.

114
CARREIRA, op. cit. vol. II p. 742.
115
Alexander Hamilton nasceu nas Antilhas Britânicas em 1755. Mudando para o que é hoje os Estados
Unidos, tomou parte das operações militares da Guerra de Independência norte-americana, sendo se-
cretário do general do General Washington, comandante em chefe norte-americano. Depois da Inde-
pendência, foi membro do congresso, tendo sido um dos assinantes da constituição. Foi o primeiro
secretário do tesouro (ministro da fazenda) dos Estados Unidos, na presidência de Washington e,
nesta função, publicou em 1791 um artigo sobre as manufaturas, propondo sua defesa por meio de
pagamento de bônus e tarifas protetivas contra importações, em linhas Colbertistas. No governo, su-
as posições políticas eram conservadoras e centralizadoras, defendendo um forte governo central.
Alexander Hamilton morreu em um duelo travado com Aaron Burr, em 1804. ENCYCLOPAEDIA
Britannica. London: Encyclopeaedia Britannica, 1952. Verbete Alexander Hamilton, pp. 121-125.
116
LISBOA, José da Silva [Visconde de Cairu]. Observações sobre a franqueza da indústria, e estabele-
cimento de fábricas no Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999.

67
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

12
10
8
6
4
2
0

Gráfico 7 – Taxa de câmbio médio (mil réis por libra esterlina), 1808-1865.117
Em vermelho, a linha de tendência do crescimento em longo prazo do câmbio. A abrupta queda do valor
do mil réis no período da guerra da Cisplatina (1825-1828 - seta) poderia ter atuado como uma barreira às
importações, mas não teve esse efeito. De qualquer forma, o câmbio, de forma geral, se estabilizou a
partir da maioridade do Imperador Pedro II, deixando de ser um fator contrário ao aumento de importa-
ções e inviabilizando a hipótese de Celso Furtado de que a taxa de câmbio atuava como política protecio-
nista.
Outro aspecto que Furtado aponta como tendo impedido a industrialização nesse
momento foi a falta de mercados: as tentativas de criação de siderurgia feitas por D.
João VI teriam falhado por não haver quem consumisse esses produtos. Segundo ele
uma proposta de industrialização tendo que começar por um mercado já existente, ci-
tando a situação dos têxteis grosseiros, para escravos.118 Fica explícito em seu livro a
visão de que a população local era insignificante para poder se considerada como con-
sumidora devido ao domínio do trabalho escravo na economia, o que impediria o sur-
gimento de uma economia de mercado interno.119 Isso foi um fator central na sua análi-
se, podendo ser usado como explicação por que o primeiro surto industrial do Brasil só
teria ocorrido no século XX, quando, após a abolição, já havia um mercado consumidor
suficiente para absorver a produção de manufaturados local.

Nícia Vilela da Luz, que tem alguns trabalhos especializados no estudo da indus-
trialização na primeira metade do século XIX120 e que trabalha mais de forma factual do
que em termos de modelos idealizados, aponta que houve um esforço de implantação de
manufaturas executado no período da primeira metade do século XIX, este esforço sen-
117
MOURA FILHO, Heitor Pinto de. Câmbio de longo prazo do mil-réis: uma abordagem empírica refe-
rente às taxas contra a libra esterlina e o dólar (1795-1913). Cadernos de História, PUC Minas Ge-
rais, v. 11, n. 15 (2010). pp. 23 e segs.
118
FURTADO, op. cit. p. 111.
119
id. p. 156.
120
LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização do Brasil. São Paulo: Difusão Europeia do Livro,
1961. LUZ, Nícia Vilela. A política de D. João VI e a primeira tentativa de industrialização no Bra-
sil. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, USP, n 5, 1968 e LUZ, Nícia Vilela. O industrialis-
mo e o desenvolvimento econômico do Brasil: 1808-1920. Revista de História, USP, nº 56, 4º Tri-
mestre de 1963. p. 7.

68
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

do caracterizado por dois momentos. O primeiro, no reinado de D. João, foi baseado em


medidas mercantilistas, de incentivo direto a indústrias específicas, através de privilé-
gios. Estes seriam a isenção de recrutamento de artesãos; loterias para financiar empre-
endimentos; prioridade de compra por parte do governo, como no caso do algodão, usa-
do em uniformes militares; e isenção de impostos de importação, só que esse processo
não teve um sucesso maior.

Nícia Luz aponta que houve um segundo momento, de movimento de industria-


lização “inusitado”, em meados do século, este sendo reflexo da tarifa Alves Branco e
da expansão econômica do Brasil na época, mas este surto não teria sido suficiente para
garantir um movimento autossustentável, ela conjecturando que, talvez, uma tarifa ul-
traprotecionsta teria permitido enfrentar a competição europeia. Isso não teria sido pos-
sível devido à forma de pensar das elites da época, voltadas mais a políticas liberais,
pois o livre comércio atenderia mais aos seus interesses de importadores de produtos
manufaturados.121

Francisco Iglesias em 1963 lançou um livro sobre a periodização do processo


econômico brasileiro, 122 que aparentemente foi resumido em um opúsculo posterior. 123
Nesta, o autor aponta quatro períodos para a história da industrialização do Brasil: um
na colônia; outro se iniciando em 1808; o terceiro com a abolição do tráfico escravidão,
em 1850; o quarto e último sendo correspondente ao período após a abolição, em 1888,
ficando clara a ligação básica da economia com o problema do trabalho cativo. Quanto
ao período colonial ele lista uma série de fatores que teriam impedido o surgimento de
manufaturas: o pacto colonial; a falta de tradição tecnológica; a menor contribuição do
índio com relação à importância do escravo africano; e a predominância da monocultura
de exportação, associada à agricultura de subsistência e, portanto, a autossuficiência das
fazendas.124

Iglésias colocava como central, contudo, a inexistência de um mercado consu-


midor e a incompatibilidade da monocultura escravista de grandes propriedades com um

121
LUZ, (1961). op. cit. p. 29.
122
Não conseguimos localizar sequer um exemplar dela nas bibliotecas universitárias do Rio de Janeiro,
apesar dela ter sido usada como obra básica de ensino nas universidades. Cf. SANTOS, Alessandra
Soares. Francisco Iglésias e as interpretações do Brasil: notas sobre um discurso historiográfico.
ANPUH – XXV Simpósio nacional de história – Fortaleza, 2009, Anais. https://goo.gl/2476Vv.
(acesso em fevereiro de 2016).
123
IGLÉSIAS, Francisco. A industrialização Brasileira. São Paulo : Brasiliense, 1986.
124
IGLÉSIAS, op. cit. p. 12.

69
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

esforço manufatureiro. Ainda segundo ele, a falta de protecionismo em 1808 teria signi-
ficado o fracasso da tentativa da implantação de manufaturas por D. João VI, enquanto
o impulso dado com a tarifa Alves Branco teria sido meramente conjuntural, esta tendo
sido introduzida por causa de necessidades fiscais e não por uma proposta de incentivo a
manufaturas.

Ferreira Lima, escrevendo em 1973,125 faz um levantamento interessante das


muitas manufaturas existentes no período colonial, normalmente desprezadas na histo-
riografia. Na verdade, faz uma observação que escapa à maior parte dos autores, a que
os engenhos de açúcar são uma forma de manufatura,126 processando uma matéria pri-
ma, a cana de açúcar, em um produto acabado, o açúcar, para exportação. Além disso,
apesar dele não colocar dessa forma, no engenho havia certa divisão de trabalho, repe-
tindo o que Antonil127 escreveu com relação ao pessoal de um engenho, onde haveria
feitores (feitores, “mor” e “menores”: de partidos ou roças), mestre de açúcar, banquei-
ro, contra banqueiro, purgador, caixeiro no engenho e outro na cidade. Na base da pi-
râmide de trabalho no engenho ficavam os escravos, mas deve-se deixar claro que os
trabalhadores mencionados anteriormente eram assalariados, o que normalmente escapa
em uma visão tradicional, de divisão entre “senhores e escravos”

Ferreira Lima coloca que essas manufaturas coloniais teriam “um papel nada in-
significante, se levarmos em conta a época e o conjunto das suas realizações.”128 O au-
tor então passa a descrever as razões por que não houve um processo de surgimento de
manufaturas no final do século XVIII, repetindo o que já tinha sido colocado anterior-
mente, ou seja, a existência de leis restritivas; impostos sobre a produção (tecidos); a
existência de um mercado limitado, de três milhões de habitantes, com metade deles
escravos e trezentos mil índios; a autossuficiência das fazendas e engenhos; uma popu-
lação proletária que não consumia; limitações do progresso técnico; dispersão do agro-
negócio; deficiências dos meios de transporte e a escassez de capitais.129

125
LIMA, op. cit. Na introdução, o autor aponta que o livro estava pronto, basicamente, em 1961.
126
Oliveira Viana, que foi uma das fontes inspiradoras de Caio Prado Júnior, já apontava que o engenho
era uma “cultura industrial”, que “exige grandes cabedais”. VIANA, Oliveira. Evolução do povo
brasileiro. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. p. 73. No entanto, essa passagem, ao con-
trário de outras, não foi usada por Caio Prado.
127
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1982. p. 81 e segs.
128
id. p. 120. Geraldo Beauclair faz também um levantamento das manufaturas existentes na Colônia:
OLIVEIRA, Geraldo Beauclair Mendes de. A construção inacabada: a economia brasileira, 1822-
1860. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2001.
129
LIMA, op. cit. pp. 121-125.

70
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Quanto ao período do Império, Ferreira Lima apontava ainda à elevada taxa de


juros local e, principalmente, a inconsistência das taxas aduaneiras, como fatores que
não criaram uma política protecionista. Apenas a tarifa Alves Branco e a existência de
um mercado consumidor, permitiriam o aparecimento de algumas manufaturas e indús-
trias em meados do século. Neste caso, cabe notar que o autor nota como componentes
deste mercado consumidor em surgimento a burguesia urbana, caixeiros, ferroviários,
bancários, pequenos comerciantes, artesões, funcionários públicos e, de forma que se
encaixa na proposta da presente tese, no aumento do Exército, como uma forma de mer-
cado consumidor. 130

2.5 Algumas considerações


De forma geral há alguns consensos quanto a uma periodização sobre a industri-
alização no Brasil – afinal, não importando as causas, em um estudo sobre o tema é evi-
dente que efetivamente há uma grande diferença do que aconteceu em termos de indus-
trialização entre o Brasil e os Estados Unidos. Dessa forma, como já colocamos, a pro-
cura dos motivos dessas diferenças foi uma das questões básicas da historiografia da
década de 1940.

De um ponto de vista central para nós, devemos dizer que todos os autores con-
cordam com uma periodização que mostra uma continuidade entre a colônia e a primei-
ra metade do século XIX. Mesmo aqueles que apontam que houve um esforço de im-
plantação de manufaturas no País entre 1808 e 1850 notam que esses fracassaram, de
forma que o estudo da situação do período colonial é relevante para se entender a situa-
ção na primeira metade do Império. Autores como Manolo e Fragoso chegam até a
afirmar que esse período seria uma continuação da situação anterior, um “colonial tar-
dio”, posterior a 1822, 131 apesar de todos os problemas conceituais que isso trás, por
causa da evidente mudança estrutural que foi o fim do Antigo Sistema Colonial e a In-
dependência.

No sentido de uma análise sobre a situação econômica, há uma unanimidade na


historiografia: uma das razões da não industrialização do País seria a questão da inexis-
tência de um mercado consumidor, já que todos os autores “clássicos” apontam que a

130
id. pp. 272-273.
131
FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo, op. cit. pp. 83 e 84. Tal assunto seria retomado e m
FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo. Notas sobre o colonial tardio. Locus, vol. 6, 2000.

71
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

força de trabalho existente no País era escrava. Segundo eles, o país ser uma colônia de
exploração, voltada para a exportação de produtos agrícolas primários.

A visão acima relatada certamente se encaixa nos modelos tradicionais, mas es-
barra em alguns problemas que não foram considerados, especificamente o simplismo
de sua premissa básica. Esta seria a de que o país seria dividido apenas entre senhores e
escravos – conforme colocou Caio Prado Júnior, o setor inorgânico, ou seja, o não en-
volvido diretamente com a agroexportação, seria composto por uma “nebulosa social
incoerente e desconexa”,132 sendo desconsiderada.

Entretanto, uma simples análise populacional brasileira demonstra a dificuldade


de se aceitar essa premissa. Por exemplo, no final do período colonial, cerca de um terço
dos habitantes do país era composta de escravos – mas isso implica que outros dois ter-
ços não era de cativos (ver Tabela 1). Como nem todos os brancos eram senhores de
engenho, a pergunta que fica é: toda essa população restante eram apenas “agregados”
dos proprietários? Uma afirmação que não tem base em pesquisas empíricas e que nos
parece ser muito difícil – se não impossível – de ser provada. A imensa ênfase que se dá
a questão dos mercados chega a praticamente se criar um raciocínio circular: não havia
mercados por não haver manufaturas que gerassem empregos assalariados e não havia
manufaturas por não haver mercados de consumo!

Outra hipótese sobre a massa da população seria a que esse grosso da população
formava uma “ralé”, sem destino, como colocou uma autora:

Assim, numa sociedade em que há concentração de meios de produ-


ção, onde vagarosa mas progressivamente aumentam os mercados, pa-
ralelamente forma-se um conjunto de homens livres e expropriados
que não conhecem os rigores do trabalho forçado e não se proletariza-
ram. Formou-se, antes, uma ‘ralé’ que cresceu e vagou ao longo de
quatro séculos: homens a rigor dispensáveis, desvinculados dos pro-
cessos essenciais à sociedade. A agricultura baseada na escravidão si-
multaneamente abria espaço para sua existência e os deixava sem ra-
zão de ser.133
Seria esse o caso? Não queremos tecer considerações sem maiores pesquisas,
mas nos parece muito estranha essa afirmação, que coloca uma massa de pessoas como
“desvinculada dos processos essenciais à sociedade”, especialmente quando lembramos

132
PRADO JÚNIOR, op. cit. p. 355.
133
FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. Homens Livres na ordem escravocrata. São Paulo: IEB, 1969. p.
12. Apud MELLO, João Manuel Cardoso. O capitalismo tardio : contribuição à revisão crítica da
formação e do desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 77.

72
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

que estamos falando de um número de pessoas que é numericamente, superior aos traba-
lhadores cativos, como se pode ver na tabela abaixo.

Então, considerando que as elites econômicas são, necessariamente, reduzidas,


ficaria a questão de qual seria o papel do restante da população branca – um assunto que
abordaremos nos capítulos seguintes era seu uso como parte das forças armadas, o que,
com a exceção de uma breve menção de Ferreira Lima, não foi tratado nos livros de
história.

Regiões Livres Escravos % Soma


Norte 104211 39040 27,2% 143251
Nordeste 1135900 567211 33,0% 1703111
Sudeste 1090262 422733 27,9% 1512995
Sul 98786 37425 27,5% 136211
Centro-Oeste 59584 40980 40,8% 100564
TOTAIS 2488743 1107389 30,8% 3596132
Tabela 1 – População do Brasil em 1819.
Dividida em livres, escravos e a percentagem de cativos no todo. 134 Os dados da tabela não são totalmente
confiáveis, considerando a situação do Brasil na época. Por exemplo, a altíssima percentagem de escravos
na região centro-oeste, maior do que às das áreas agroexportadoras tradicionais, não parece ter uma expli-
cação aceitável, considerando que, depois do final do período de mineração do ouro, a região era uma
área periférica, apartada do circuito de abastecimento colonial por causa de seu isolamento geográfico. 135
De qualquer forma, as percentagens mostram que a população escrava não era majoritária em lugar al-
gum. Observe-se ainda que aos números acima devem ser acrescentados 800.000 “índios errantes”, que
pelo menos um autor 136 considera como inseridos na economia, pois podiam participar de processos
econômicos de troca. Não é essa nossa opinião, contudo, pois cremos que isso confunde índios fora de
sua cultura tradicional (os “civilizados”), inseridos nas aldeias já contatadas e que produziam para o mer-
cado, com os nativos ainda totalmente livres, só muito ocasionalmente empregados em atividades de
interesse para a sociedade colonial.
De forma mais direta ao tema em estudo, também há um consenso entre os histo-
riadores sobre a irrelevância das atividades manufatureiras no período colonial e na
primeira metade do século XIX. Isso apesar de trabalhos mais recentes terem começado
a questionar essa afirmação, apontando a existência de uma variedade de empreendi-
mentos do gênero no Brasil. Para nós, o caso mais notável por ser ignorado pelos auto-
res “clássicos” é o que Ferreira Lima nota, reproduzindo Oliveira Viana, que os enge-
nhos de açúcar eram uma manufatura de certa escala o que, frisamos, implicava em cer-
ta divisão de trabalho entre os diversos especialistas, esses sendo assalariados.

134
MARCÍLIO, op. cit.
135
Por exemplo, em 1787 um momento mais próximo do auge da atividade da mineração, a população
escrava do Mato Grosso correspondia a apenas 48,6% do total. SERRA, Ricardo Franco de Almeida.
Plano de Guerra e defesa da capitania do Mato Grosso enviado ao governador Caetano Pinto da
Miranda Monte Negro. Coimbra, 31 de janeiro de 1800. Mss BN. I-29,6,48.
136
CALDEIRA, op. cit. p. 15.

73
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

Outro tipo de manufatura importante, citada por Ferreira Lima e muitos outros,
era a de construção naval – esta já foi objeto de alguns estudos, mas que carecem de
maior profundidade, pois não basta saber que se produziam navios no Brasil. Isso mes-
mo que considerarmos que o processo se iniciou mesmo antes da implantação das pri-
meiras vilas no Brasil, pois se construiu um bergantim em São Vicente, em 1527.137
Também não se leva em conta que a atividade teria uma constante e grande importância
ao longo de toda a Colônia e Império, inclusive com construção de embarcações de
grande porte, como naus de guerra e navios de longo curso, para o comércio de escra-
vos. É famoso o caso do galeão Padre Eterno, tratado na obra de Boxer. Esta observa
que, pela documentação da época, não faltavam carpinteiros e construtores navais no
Brasil e o trabalho desses resultou na construção “de um dos maiores navios construídos
no século XVII”. 138 Esta embarcação, lançada em 1659 foi incorporada à memória da
cidade, pois o local de sua construção ainda é conhecido como “ponta do Galeão”.

A questão relevante, que parece escapar aos que estudam do impacto da constru-
ção naval, é que para lançar um navio ao mar é necessária uma imensa série de insumos,
que demandam trabalhadores especializados para supri-los: cordoeiros, tanoeiros (para
os vasos usados a bordo), veleiros (e os tecelões que fabricavam as lonas), polieiros e
madeireiros (para o abate das árvores usadas na construção). Tudo isso afora os artesãos
que trabalhavam diretamente nas ribeiras, os estaleiros, como carpinteiros, ferreiros,
fundidores (para peças de bronze, tais como cavilhas e roldanas), calafates, torneiros e
feitores. Mesmo que se considere que parte desses trabalhadores era escrava, os mestres
destes seriam assalariados e constituíram um relevante “classe média” na colônia.

O parágrafo acima nos leva a um aspecto que gostaríamos de frisar e que será
abordado nos capítulos seguintes: a questão do papel indutor das manufaturas do gover-
no, inclusive os arsenais do exército, que não é abordado nos estudos de história eco-
nômica do Brasil Colonial. A própria existência desses é ignorada, assim como o papel
das forças armadas como um tipo de mercado consumidor.

Obviamente, a existência de atividades manufatureiras, em maior ou menor es-


cala, assim como a de um mercado consumidor não alteram o fato básico, de que o país

137
SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos: 1532-1936. Vol. I. São Paulo: Revista dos Tri-
bunais, 1937. p. 27.
138
BOXER, C.R. Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola: 1602-1686. London: Athlone
Press, 1952. p. 310.

74
Capítulo 2 – Modelos explicativos da economia brasileira

não se industrializou no recorte de nosso estudo – isso é um fato inquestionável. A


questão, portanto, seria qual a explicação para o evento. Neste caso, devemos lembrar
que os modelos explicativos são apenas isso, modelos, não se propõem a reproduzir a
realidade. Como colocou Virgínia Fontes:

O modelo jamais e idêntico, por definição, a realidade observada. Ele


permite captar a dinâmica – movimento de um conjunto – ou a estru-
tura – formas de articulação de um grupo de fenômenos. Mas, em sua
elaboração, o modelo remete necessariamente a formas especificas – a
priori – de apreensão da realidade.139
No entanto, a própria variedade dos modelos apresentados, bem como suas inco-
erências internas, colocam em dúvida a sua validade para responder a pergunta básica
apresentada por Caio Prado e Roberto Simonsen: porque o Brasil não se industrializou?
Cremos que a resposta a essa pergunta seja bem complexa e que esteja além de nossas
possibilidades. O que podemos fazer é seguir no caminho de tantos outros, mostrando
como os modelos acima não atendem à realidade, no caso, tratando especificamente de
um aspecto que não foi priorizado em pesquisas, ou seja, o papel da guerra nas socieda-
des e como o suprimento militar seria relevante para se entender qualquer organização
social e econômica nos séculos XVIII e XIX.

139
FONTES, op. cit. p. 356.

75
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Sumário

3. As forças armadas como consumidora de mercadorias


3.1. Suprindo os soldados.
3.2 Logística
3.3 Revolução Militar
3.3.1 A cultura da Guerra
3.4 A supremacia europeia
3.5 Necessidades logísticas – Portugal e Brasil
3.5.1 A vida sobre permanente tensão
3.5.2 O Brasil, país de conflitos
3.5.3 Milícias, Ordenanças, Guarda Nacional: o apoio ao exército.
3.6 O exército no Brasil
3.7 O exército nacional, do Brasil.
3.8 Um novo exército em formação
3.9 O exército como consumidor
3.10 Observações preliminares sobre a questão dos exércitos

76
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

3. As forças armadas como consumidora de mercadorias

Antes de iniciarmos a trabalhar com a questão das forças armadas como uma
forma de mercado, ou seja, a dinâmica de suprimentos militares, é necessário definir
uma questão básica: o que é guerra ou, mais importante, o que é a história social da
guerra, o que no Brasil recentemente se convencionou chamar de “nova história mili-
tar”.

De início, nos parece que a definição de Clausewitz, 1 de que a guerra é “(...) um


ato de violência destinado a compelir nosso oponente a obedecer nosso desejos”2 ainda
é a mais adequada, especialmente quando levamos em contra que a força física, para o
autor, é o meio, enquanto a submissão do inimigo a nossa vontade é o objeto último da
ação. Ou seja, a força é apenas um instrumento da política ou, como é dito na já muito
batida frase: “guerra é a continuação da política por outros meios”.3 Devendo-se fazer a
nota que Clausewitz subentende que se trata de uma ação entre governos e não outras
formas mais genéricas de violência.

A definição de Clausewitz nos parece ser particularmente interessante por não


partir do princípio que seriam necessárias hostilidades abertas para se caracterizar uma
situação de guerra – o uso da violência pode estar apenas implícito nas ações dos parti-
cipantes, o caso mais claro sendo o de um ultimatum, uma demanda cuja recusa é segui-
da do início de hostilidades. Há também uma grande graduação de nuances diplomáticas
no uso da violência, como “demonstrações de força”, embargos etc. Assim, a definição
de Hobbes para a guerra é esclarecedora de uma ideia que é de fundamental importância
para o presente texto:

Pois a guerra consiste não somente na batalha, ou no ato de lutar, mas


num período, onde o desejo de competir pelo combate é suficiente-
mente conhecido: e assim a noção de tempo deve ser considerada na
natureza da guerra como na natureza do clima, pois a natureza do cli-
ma ruim não fica em uma pancada ou duas de chuva, mas numa incli-
nação de ser assim por muitos dias seguidos; assim a natureza da guer-
ra não consiste no combate real, mas na disposição conhecida para

1
Militar prussiano (1780-1831), chegou ao posto de general de divisão e sua esposa publicou postuma-
mente seu opus magnus, o livro “da Guerra”, que é considerado o trabalho mais influente na filosofia
da guerra, tendo sido traduzido em todas as principais línguas do mundo. BASSFORD, Christopher.
Carl von Clausewitz. https://goo.gl/v8h54h (acesso em novembro de 2015).
2
CLAUSEWITZ, Carl Von. On War. Harmondsworth: Penguin Books, 1984. p. 101.
3
id. p. 119.

77
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

tanto, durante todo o tempo não havendo segurança para o contrário.


Todo o outro tempo é paz.4
Isso deve ser visto como um ponto central da presente obra, pois, apesar do
grande número e extensão de conflitos abertos que houve no mundo, isso não implica
que nos períodos de paz tenham se desmontado as estruturas criadas para lidar com as
questões militares em tempo de hostilidades. Basta lembrar a famosa frase de Vegetius,
ci vis pacem parabelum: “se queres a paz, prepara-te para a guerra”.5

Desta maneira, a história social da guerra – ou a nova história militar – ao traba-


lhar com a influência do esforço militar sobre a sociedade, em oposição apenas ao estu-
do dos períodos em que houve guerra aberta, se concentra justamente nos momentos em
que não há operações bélicas. Isso por os efeitos da preparação para o embate militar
sobre as sociedades são permanentes e marcantes – até os dias de hoje –, apesar de não
serem claramente visíveis quando não há operações militares em andamento. Assim, o
campo de estudo dessa linha de história não é somente a questão das forças armadas em
momento de conflito, trata dos “vínculos de sociabilidade, as operações formais e in-
formais das hierarquias, os sistemas de progressão e punição operantes (...)”.6

Do nosso ponto de vista, o importante é que esse tipo de estudo aborda, também,
todo o sistema de apoio, formal e conceitual, criado para o funcionamento das forças
armadas, incluindo todos os aspectos materiais, como os objetos, bem como os imateri-
ais, as pessoas e a criação de um suporte mental para sustentar moralmente os exércitos.
Esse esquema de apoio tem profundas implicações sociais, cujo conhecimento ajudaria
a entender a sociedade de cada região e tempo: um desses sistemas de apoio, talvez o
mais importante, é o referente à logística, a parte da organização governamental que
trata do sustento das forças militares através do fornecimento de meios e serviços. 7

3.1. Suprindo os soldados.


Sobre esse tema, os militares norte-americanos têm um ditado que citam muito:
“amadores pensam em estratégia, generais em logística”, para apontar uma questão que

4
HOBBES, Thomas. Leviathan. Chicago: University of Chicago, 1952. p. 85. (grifos nossos).
5
VEGETIUS, Públius Flavius. Vegetius: epitome of military Science. Liverpool: Liverpool University,
1993. p. 63.
6
CASTRO, Celso, et alii. Da história militar à nova história militar. IN: CASTRO, Celso; IZECKSOHN,
Vitor; KRAAY, Hendrik. Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. p 12
7
BIBLIEX - BIBLIOTECA DO EXÉRCITO. Dicionário militar brasileiro. Rio de Janeiro: Bibliex,
2005. p. 548.

78
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

muitas vezes é ignorada até pelos profissionais do ramo, os próprios militares8: sem os
meios de subsistência adequados não existe um exército. Os soldados são seres huma-
nos, têm que se alimentar e receber alojamento como qualquer outra pessoa para pode-
rem sobreviver, sendo que eles sofrem de uma necessidade específica, que não afeta à
sociedade civil como um todo: têm que ser armados, municiados e receberem fardamen-
to.

São imperativos de abastecimento importantes e, ao contrário do que aparece em


algumas ocasiões em livros, de que um exército em campanha pode “viver da terra”,
isso só é possível em termos muito limitados. Na verdade, é um problema para qualquer
grupo humano maior: fantasia-se muito sobre uma situação idílica, de se viver em har-
monia com a natureza, mas isso só é possível com grupos muito reduzidos de pessoas,
que são obrigadas a estarem em movimentação constante, em busca de novas fontes de
recursos, uma vez que os produtos locais tenham se esgotado.

Assim, à guisa de exemplo, para se entender o problema logístico, deve-se ver


que a alimentação mais comum nas forças armadas brasileiras até o século XX era a
farinha de mandioca, que provê 3.640 calorias e 100 gramas de proteína por quilo, de
forma que um quilograma dela teria, em tese, a quantidade mínima de energia para ali-
mentar uma pessoa por um dia, ignorando-se perdas, a ausência total de algumas vita-
minas etc. Na prática – ou mesmo na teoria – a alimentação não era tão monótona, res-
trita e insalubre, a legislação que regulava o pagamento das etapas, a alimentação diária
dos soldados, 9 previa uma ração básica de 1/40 alqueire de farinha (725 gramas),10 uma
libra (459 gramas) de carne fresca, quatro onças (115 gramas) de arroz, duas onças (58
gramas) de toucinho e uma onça (29 gramas) de sal. Ou seja, aproximadamente 1,4 kg
de gêneros. A lei previa ainda 24 onças (688 gramas) de lenha, para cozinhar os alimen-
tos – para cada pessoa, por dia, era necessária disponibilizar 2.100 gramas de material

8
Martin van Creveld, autor de dezessete livros sobre história militar, na sua obra Supplying War (abaste-
cendo a guerra), aponta que a falha em tratar aspectos logísticos é comum tanto aos historiadores ci-
vis quanto aos militares. Contudo, ele observa que os exércitos ao longo da história não podem se
mover independente de sua cadeia de suprimentos. CREVELD, Martin van. Supplying war:
logísticas from Wallenstein to Patton. New York: Cambridge University Press, 1990. p. 2.
9
BRASIL – Lei de 24 de setembro de 1828. Regula o fornecimento das rações de etapa do Exercito. A
lei previa que a carne fresca e o arroz podiam ser substituídos por meia libra de carne seca e 1/160 de
alqueire de feijão. Essa tabela de etapas permaneceu em curso até a década de 1880.
10
A transformação de unidades arcaicas de volume em peso depende da densidade do produto que, por
sua vez, é condicionada por uma série de fatores, como o tipo de farinha, granulação, humidade etc.
De forma muito geral trabalhamos com a densidade da farinha de mandioca como sendo de 800
gramas por litro e o alqueire como tendo 36,37 litros.

79
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

para alimentação, isso sem contar com dois litros de água, que normalmente podia ser
obtida na natureza. Tais números, que podem parecer pequenos, crescem de forma as-
sustadora quando pensamos que a alimentação não era fornecida para um homem, mas
sim para pelo menos um batalhão, a unidade militar formalmente devendo ter 800 sol-
dados (na prática, o normal era a metade disso). Desta forma, os valores a serem forne-
cidos passam então a serem bem mais críticos. Para um exército então, como o que ope-
rava contra os Farrapos, em 1845, com 9.254 homens, 11 isso implicava em um consumo
de diário de vinte toneladas, só de comida para os soldados. Essa questão, que é descon-
siderada por muitos, aparece aqui para mostrar as necessidades logísticas de uma força
militar, que podem escapar da visão de um leitor desavisado. Torna-se mais relevante
em nosso caso quando vemos que havia sistemas centralizados de abastecimento de
alimentos, que passavam pela burocracia do Arsenal de Guerra.

Tais fatores, como dissemos, são muitas vezes ignorados por amadores até por
profissionais. A tendência normal é achar que o poderio de um exército é medida pelo
número de “baionetas”, soldados armados, que se pode colocar em um campo de bata-
lha. Entretanto, isso é um erro, já que uma força que não tenha um mínimo de meios
para se alimentar desaparece rapidamente. O caso mais visível dessa situação é o das
tropas cercadas onde, apesar do chavão das ordens de “resistir até o último homem”,
isso raramente acontece. O problema não é a falta de coragem das pessoas e seus líde-
res, mas sua incapacidade de continuarem a combater sem combustível (lenha), comida
e, muito secundariamente, munições. Essas últimas se esgotam de forma muito mais
lenta do que os outros itens,12 apesar disso acontecer, como foi o caso da rendição do
Forte de Coimbra em 1864, no Mato Grosso do Sul, que teve que ser abandonado quan-
do as munições disponíveis acabaram. Isso por uma falha do sistema de suprimento do
exército imperial – especificamente o Arsenal de Guerra local –, que não enviou cartu-
chos do tipo adequado para o forte.13

11
BRASIL – Exército em Operações na Província de São Pedro. Mapa da Força do exército, quartel ge-
neral em Porto Alegre, 11 de março de 1846. IN: Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
v. 7. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1983. Coleção de Alfredo Varela. Correspondência
ativa. pp. 52-53. O mapa não inclui a força da Guarda Nacional destacada, possivelmente um núme-
ro semelhante aos soldados de linha citados.
12
CREVELD, op. cit. p. 35.
13
FRAGOSO, Augusto Tasso. História da Guerra entre a tríplice aliança e o Paraguai. I volume. Rio de
Janeiro: Imprensa do Estado Maior do Exército, 1934. p. 229.

80
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

O problema do suprimento de uma força militar em marcha é, portanto, comple-


xo e no Brasil ainda não foram feitos muitos estudos sobre o tema de como se abastecia
um exército – uma questão que consideramos uma falha da historiografia tradicional
que trata do estudo das operações bélicas e isso até o século XX. Uma das condicionan-
tes disso é que este objeto de estudos é pouco atraente, pois não trata de combates e re-
sistências heroicas ou da capacidade dos líderes nacionais, mas sim de simples – mas
vitais – aspectos administrativos.

No caso do fornecimento das unidades militares em tempo de paz o problema


militar não é tão crítico, pois a estabilidade de localização e a redução dos números en-
volvidos permitiam que se estabelecessem, com economia, canais de suprimento fixos
com fornecedores civis, meios que podiam ser mantidos com regularidade. Isso é espe-
cialmente verdadeiro para os itens de consumo regular, como a comida e forragem, mas
há dificuldades a serem tratadas que são específicas do campo militar, como o forneci-
mento de armas, e fardas, que são o objeto principal de trabalho dos arsenais, no campo
que é conhecido como da logística militar.

3.2 Logística
Apesar de o termo logística ter sido incorporado na linguagem diária das pesso-
as, por causa de seu uso na área de administração, onde tem o significado dos processos
usados para o eficiente e efetivo transporte e armazenamento de mercadorias,14 a pala-
vra tem uma origem muito mais antiga e abrangente, sendo formalmente definido da
seguinte maneira pelo Exército Brasileiro:

Logística, S.f. (Mil) Parte da arte da guerra que trata do planejamento


e execução das atividades de sustentação das forças em campanha, pe-
la obtenção e provisão de meios de toda sorte e pela obtenção e pres-
tação de serviços de natureza administrativa e técnica.15
Ou seja, não é um assunto restrito ao movimento de bens, como no campo civil,
mas inclui serviços prestados às tropas, tais como o sanitário, religioso16 e, é claro, o
fornecimento de alimentos, armas, uniformes e munição. O termo tem uma etimologia

14
COUNCIL of Supply Chain Management Professionals. Glossary of terms. https://goo.gl/xHihpo
(acesso em novembro de 2015).
15
BIBLIEX, op cit. p. 548
16
Pode parecer estranho, mas os Arsenais eram responsáveis pelo fornecimento de material de saúde e,
até, religioso, como as alfaias usadas em capelas e para missas campais. Há muitos documentos so-
bre isso, como o: BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro ao diretor do Arsenal, José de
Vitória Soares de Andréa, mandando fornecer alfaias à colônia de Santa Thereza. Rio de Janeiro, 11
de Novembro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 356.

81
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

recente, a maior parte dos autores concordando que vem do francês loger, alojar. No
entanto, outra origem da palavra, mais aproximada com o sentido moderno seria o ter-
mo grego logistike, significando cálculo, palavra usada pelos exércitos bizantinos no
século X para designar um oficial encarregado dos problemas administrativos das forças
armadas. Eram, portanto, atividades que sempre foram necessárias para garantir a pró-
pria guerra. 17

Hoje em dia, tal atividade cresceu a tal ponto que houve uma inversão da aparen-
te lógica da formação das forças militares: há mais pessoal empregado em atividades
administrativas e de apoio do que em combate. Na prosaica frase usada pelo exército
americano, a relação tooth to tail ratio (T³R), ou “relação dente para rabo”, referente ao
número de tropas empregadas em funções de combate em relação aos de apoio, a situa-
ção hoje é tal que há um homem na linha de combate (o dente) sendo servido por nove
na retaguarda, o “rabo” logístico, na pitoresca gíria do exército norte-americano.

Tropas de combate e de apoio


% de tropas de combate no total
28

19
17

11
7,5 7,2

Gráfico 8 – Proporção geral das forças de combate norte-americanas (1917-2005).18


Os dados usados no gráfico acima incluem não apenas o pessoal empregado no
suprimento normal das tropas, mais também aqueles que, no Brasil, seriam considera-
dos como forças de combate, como a polícia militar ou unidades de comando, mas a
estimativa americana parece ser mais correta, pois essas forças não se destinam, primor-
dialmente, a usar seus equipamentos diretamente contra um inimigo, como é o caso das

17
BREEMEN, Henk van den (ed.). Breaktrough: from innovation to impact. Lunteren: The Owls Foun-
dation, 2014. p. 21.
18
MCGRATH, John J. The other end of the spear: the tooth-to-tail ratio (T3R) in modern military opera-
tions. Fort Leavenworth: Combat Studies Institute Press, 2007. p. 105.

82
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

unidades de combate, mas sim a dar apoio para que estas sim possam exercer a força
contra um oponente.

Também deve ser visto que o crescimento da estrutura de apoio é, em parte, um


fenômeno do século XX, principalmente após a 1ª Guerra Mundial, devido à motoriza-
ção dos exércitos: é necessário manter veículos em funcionamento e para isso são indis-
pensáveis mecânicos; pessoal de abastecimento; almoxarifado; reposição de peças; for-
necimento de lubrificantes; combustível e assim por diante. Além disso, a maior com-
plexidade administrativa fez crescer em muito os trabalhos burocráticos, ainda que le-
vemos em consideração os modernos meios de registro e manipulação de dados. Por
exemplo, na França, em 1515, havia um funcionário governamental para cada 115 qui-
lômetros quadrados de território e 950 habitantes, cem anos depois, a relação era de um
burocrata para cada 10 quilômetros quadrados e 76 habitantes.19 Estes dedicados, basi-
camente a dar apoio burocrático e fiscal necessário para as atividades bélicas do país.

De um ponto de vista de condicionantes das operações, os exércitos, até meados


do século XIX, tinham que sobreviver da terra ao seu redor, seja pela compra de supri-
mentos, seja, em parte, pelo saque. Isso gerava uma série de condicionantes militares:
por exemplo, as campanhas eram relativamente curtas, pois não se conseguia alimenta-
ção no inverno e primavera, quando não havia grandes excedentes agrícolas e era neces-
sário guardar os suprimentos até a próxima colheita. Na verdade, o período preferido
para a execução de operações militares era o verão, já que na primavera e outono, o pe-
ríodo de plantio e colheita, os soldados tinham que cuidar de suas plantações. Por
exemplo, em 1602, Maurício de Nassau, com um exército de 24.000 holandeses se mo-
veu contra as forças espanholas em Flandres, mas lançou a expedição muito cedo: cru-
zando o rio Mosa em 20 de junho, chegou ao teatro de operações antes que os cereais
estivessem maduros para colheita, tendo que encerrar suas operações por falta de ali-
mentos que pudessem ser saqueados.20 Aqui no Brasil, o governador do Rio Grande do
Sul comunicava que “atendendo a ser tempo de colher os trigos, e charquear as carnes,
determinei que só marchassem (...) para as fronteiras (...) os indivíduos que menos falta

19
LANGINS, Janis. Conserving the Enlightenment: French Military Engineering from Vauban to the
Revolution. Cambridge: MIT Press, 2004. p. 125
20
CREVELD, op. cit. p. 11.

83
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

fizerem naqueles ofícios”,21 um indicador da gravidade do problema de mobilização,


pois se tratava de um período logo depois da Invasão do Uruguai em 1811, quando as
tensões nas fronteiras ainda estavam elevadas.

Outra consequência é que os exércitos não tinham condições de se manter por


muito tempo estacionados em um local, pois rapidamente esgotavam os recursos de uma
área, mesmo os que eram comprados a dinheiro. Dessa forma, as forças combatentes
tinham que se manter em movimento, para poder usufruir dos produtos de áreas que não
tinham sido explorados até a exaustão. Esse é um dos princípios atrás da estratégia da
“terra arrasada”, onde um lado destrói tudo em seu caminho, para que os produtos de
uma área fossem negados ao inimigo, obrigando-o a procurar outras fontes de suprimen-
to. Na guerra da Sucessão Espanhola (1702-1714), na batalha de Caia (1709), os aliados
anglo-portugueses sofreram uma derrota esmagadora, com a perda de 4.000 homens,
por que os portugueses tinham sido forçados a combater em uma situação desfavorável,
para tentar impedir que os espanhóis queimassem a colheita. Dois anos depois, o co-
mando espanhol conseguiu parar uma invasão portuguesa quando começou a destruir as
plantações nas fronteiras.22

De forma prática, as forças armadas tinha crescido astronomicamente depois da


Idade Média, o que foi acompanhado pelas demandas de suprimento em campanha, cri-
ando novos problemas que tiveram que ser abordados. No entanto, as alterações na or-
ganização militar se deram gradualmente, não foram, de forma alguma, instantâneas.
Como já dissemos os governos, militares e até os cidadãos comuns têm uma percepção
de quantos mais homens armados na frente de combate, melhor seria para um exército,
só que havia – e ainda há –, dificuldades específicas de se manter as forças em opera-
ções, ainda mais levando em conta o seu crescimento no período.

No início tentou-se um sistema de abastecimento em que os próprios soldados


procuravam obter sua subsistência, através do saque. Uma situação que gerava quebra
de disciplina, pois os homens tinham que agir como se fossem bandidos. Além disso, as
operações militares tinham que ficar restritas a regiões onde pudessem se coletar as
“contribuições” dos civis ou que permitissem o abastecimento por meio de barcos, ca-

21
OFÍCIO de D. Diogo de Souza ao Conde de Linhares, Porto Alegre, 16 de dezembro de 1811. Revista
do Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Setembro de 1923, nº 11. Porto Alegre: Escola de Enge-
nharia de Porto Alegre, s.d. p. 17.
22
CHILDS, John, Armies and warfare in Europe: 1648-1789. New York: Holmes and Meier, 1982. p.
154.

84
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

pazes de transportar os suprimentos necessários para um exército. Isso limitava as pos-


sibilidades de ação em locais onde a população fosse escassa ou pobre – uma situação
particularmente comum no Brasil e na região do Cone Sul. Lá havia uma baixa densida-
de populacional, sendo habitada por índios seminômades, a não ser pelas reduções je-
suíticas. Estas, portanto, se tornavam os alvos militares das operações de guerra, não por
só motivos estratégicos, mas também logísticos. O cardeal Richelieu sumarizou bem os
problemas de abastecimento, ao dizer que a:

história conhece mais exércitos arruinados pela necessidade e desor-


dem do que pelos esforços de seus inimigos; e testemunhei como to-
dos os empreendimentos que foram iniciados nos meus dias eram fa-
lhos por essa razão.23
Na Europa, a crescente complexidade do sistema de fornecimento militar come-
ça a se tornar evidente no século XVII: Michel Le Tellier iniciou um processo de mo-
dernização do sistema logístico francês assim que assumiu o cargo de secretário de es-
tado (ministro) da guerra, estabelecendo, antes de qualquer coisa, um sistema que defi-
nisse as necessidades das tropas: quanto pão era consumido, a quantidade de equipa-
mento que era necessária para cada pessoa e regimento, a de carroças e cavalos da
bagagem e assim por diante. Um sistema básico, que permitia ao comandante prever, de
início, as necessidades logísticas de sua tropa.

Le Tellier também estabeleceu um sistema de abastecimento móvel, a equipage


de vivres, um trem de transporte sob controle militar, que acompanharia o exército, le-
vando as necessidades básicas da tropa, por um tempo limitado, é verdade.24 Também
foi criada uma cadeia de depósitos de suprimento nas principais fortalezas e cidades de
fronteira, que podiam abastecer um exército que começasse a operar em território ini-
migo. Finalmente, foi estabelecida uma rede de quartéis, que reduzia ou acabava com o
sistema de aboletamento, o costume dos soldados se alojarem em casas de civis.

Em termos do presente trabalho, o período de Le Tellier marca uma mudança de


fundamental importância, através da implantação um sistema de fornecimento de armas
padronizadas. Dois dos grandes arsenais franceses, as fábricas de armas de Saint-

23
CREVELD, op. cit. p. 17.
24
MACCASKILL, Douglas C. Logistics in the Age of Marlborough. Strategy & Tactics Magazine, nr.
78. Jul-Aug. 1978. p. 36.

85
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Étienne e de Charleville 25, foram criados por ele. Produziram 600.000 fuzis na última
década do século XVII e este modelo, pelo qual o governo se responsabilizava pelo for-
necimento de equipamentos uniformes para suas tropas, foi copiado pelos outros países,
apesar do processo desse procedimento ter sido lento.26 Na própria França o sistema de
fábricas governamental conviveu com os fornecedores privados, mas a simples ideia de
que a administração pública devia assumir essa função foi uma revolução na forma de
se pensar a guerra na Idade Moderna.

De qualquer forma, a medida mais básica e talvez de maior importância foi defi-
nir as necessidades das forças, tal como foi dito: isso teve uma influência marcante, até
os dias de hoje. Por exemplo, até aquele momento não se forneciam uniformes para as
tropas, essas indo para campanha com suas próprias roupas, o que resultava que, ao lon-
go de alguns meses, os homens estavam descalços e maltrapilhos. Le Tellier introduziu
um sistema de fornecimento de roupas, em prazos definidos, sem descontos no paga-
mento dos soldados. Isso abriu o caminho para o uso de uniformes, que se generalizaria
ao correr do século XVII, se tornando universal nas forças armadas do ocidente no sécu-
lo seguinte. Ou seja, o estado passava a assumir a responsabilidade por equipar suas
forças, mesmo em tempo de paz, um passo importantíssimo em termos de montagem de
um aparato logístico tal como entendemos hoje em dia.

O que é evidente nessas breves linhas é que houve todo um processo de transi-
ção, de um sistema logístico praticamente inexistente, para um cada vez mais complexo,
a ponto de que hoje em dia, como colocamos anteriormente, haja mais pessoas empre-
gadas em atividades de apoio do que propriamente combatendo. Esse foi um processo
mais ou menos universal, afetando mesmo economias atrasadas, já que a importação de
alguns produtos era inviável, como era o caso de uniformes. Uma das soluções foi, co-
mo no caso da França, a implantação de arsenais, para o fornecimento de peças de repo-
sição, armamento, equipamento e, principalmente uniformes e isso teve uma grande
influência na formação dos estados nacionais, como veremos a seguir. No entanto, vale
um aparte para apontar que, mesmo numa colônia como o Brasil, a ocupação das diver-
sas regiões foi acompanhada pela implantação de depósitos de artigos bélicos, trens e,

25
Criados respectivamente, em 1665 e 1675. MORTAL, Patrick. Les armuriers de l’État: du Grand Siè-
cle a la globalisation, 1665-1989. Villeneuve d’Ascq: Presses Universitaires du Septentrion, 2007.
p. 38.
26
LYNN, John A. Giant of the Grande Siècle: the French army, 1610-1715. Cambridge: Cambridge
University Press, 2006. p. 181.

86
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

mais tarde, os Arsenais, o principal deles sendo o do Rio de Janeiro, como será tratado
mais além.

3.3 Revolução Militar


Em 1955 o prof. Michael Roberts, da Queen’s University de Belfast, apresentou
uma aula inaugural onde desenvolveu a proposta teórica de que havia uma relação direta
e específica entre mudanças na arte da guerra que ocorreram no Renascimento e a for-
mação dos estados nacionais, ao longo do período de 1560 a 1660. Chamou as conse-
quências dessas alterações de Revolução Militar,27 um termo que se consolidou na bi-
bliografia, havendo diversos livros publicados sobre esse tema.28

Segundo o autor, transformações alterações na organização dos exércitos intro-


duzidas pelo holandês Maurício de Orange e pelo rei sueco Gustavo Adolfo teriam tido
grande influência tática. Basicamente, o processo seria uma mudança de ênfase na com-
posição dos exércitos, estes deixando de serem baseados em forças de cavalaria, relati-
vamente pouco numerosas, para terem como fundamento uma infantaria mais forte.
Uma transformação que já vinha ocorrendo desde o século XV, quando os piqueiros
suíços conseguiram derrotar de forma consistente e regular a cavalaria medieval. No
entanto, as mudanças táticas dos dois generais citados representaram um retorno a for-
mações lineares (ver figura 4), de pouca profundidade, em substituição às técnicas inici-
ais do Renascimento, de tropas dispostas em grandes massas. Isso para que as tropas
pudessem usar as armas de fogo – que começavam a ser tornar comuns – de forma mais
eficiente.

27
ROBERTS, Michael. The Military Revolution, 1560-1660. Belfast: Queen’s University, 1956. O Texto
foi revisado e reeditado em ROBERTS, Michael (ed.) Essays in Swedish History. London:
Weidnfeld & Nicolson, 1967. A obra foi novamente reeditada em 1995, como parte da coletânea
preparada por Clifford J. Rogers: The Military Revolution Debate : Readings on the Military Trans-
formation of Early Modern Europe. Oxford: Westview Press, 1995. pp. 13-35.
28
Podemos citar, entre muitas outras obras, as de PARKER, Geoffrey. The military revolution, 1550-
1660 - a myth? Journal of Modern History, 48, June, 1976. e The Military Revolution : Military in-
novation and the Rise of the West, 1500-1800. Cambridge: Cambridge University Press, 1988, bem
como a de BLACK, Jeremy. A military revolution : military change and European society - 1550-
1800. London: Macmillan, 1991. e DUFFY, Michael (ed.): The military revolution and the State :
1500-1800. Exeter: Exeter University Press, 1986. Em português, o livro que mais trabalha com o
conceito é o de KENNEDY, Paul. Ascenção e queda das grandes potências: transformação econô-
mica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

87
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Figura 4 – Companhia de infantaria em linha. 29


Desenho de um manual espanhol do século XVIII que, apesar da data, ainda mostra a organização básica
introduzida por Gustavo Adolfo, com quatro fileiras. No centro do dispositivo, piqueiros, usados no com-
bate de choque, com arcabuzeiros no lado e mosqueteiros nos flancos. Os homens adiante das linhas estão
armados com alabardas, indicando que eram sargentos, e o homem a cavalo é o capitão, o comandante da
tropa. Atrás da segunda fileira está um alferes, o oficial que portava o estandarte e seis tambores com dois
tocadores de pífano, indispensáveis para transmitir as ordens e manter o compasso dos homens em movi-
mento.
As formações lineares necessitavam que os soldados se movessem em forma
uníssona e compassada, assim como exigiam que houvesse um número maior de oficiais
para coordenar seu movimento. Como escreveu Roberts:

O exército não deveria mais ser uma massa bruta, no estilo suíço, nem
uma coleção de indivíduos belicosos, no estilo feudal; era para ser um
organismo articulado do qual cada parte respondia aos impulsos de
cima. A demanda por unanimidade e precisão de movimento levou na-
turalmente a inovação da marcha em cadência.30
Para tudo isso funcionar, era necessário que os soldados fossem treinados em
complexas manobras de grupo, aplicando sua força de forma combinada, como se fos-
sem peças de uma máquina. Como consequência, não era mais viável, como antigamen-
te, montar-se um exército a partir do nada, para apenas uma campanha, dispensando-o
em seguida: sem a mobilização permanente não seria possível manter o nível de conhe-
cimento das tropas de uma estação de campanha para a seguinte. Aqui cremos ser inte-
ressante notar que Nassau ordenou a preparação do primeiro manual de treinamento de
soldados, o Kriegskunst zu Fuss (ver Figura 5), que foi copiado por diversos países: só
na Inglaterra foram feitas três versões dele. O livro, feito objetivando atender um exérci-

29
ZUÑIGA, Melchor de Alcazar. Arte de esquadronar, y exercicios de la infanteria por el Maestro del
Campo D. Melchor de Alcazar y Zuñiga, Marqués del Valle de la Paloma. Madrid: Juan Garcia
Infanzon, 1703. p. 14.
30
ROBERTS, op. cit. p. 198.

88
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

to composto de analfabetos, era composto de uma série de desenhos mostrando cada


passo que o soldado deveria tomar para executar sua tarefa: esgrimir com um pique, dar
um tiro com um arcabuz ou com um mosquete.

Figura 5 – Treinamento de um arcabuzeiro.31


A figura mostra o 12º passo no carregamento de um arcabuz: “abaixe sua peça e a balance na sua mão
esquerda, com o cano para o ar”. O Manual, Kriegskunst zu Fuss (1607), de Jacob de Gheyn, mostrava 42
passos para carregar e disparar um arcabuz, 43 para um mosquete (uma arma mais pesada) e 32 posições
de manejo de piques: a proposta era que todos os soldados fossem treinados para executar esses movi-
mentos de forma idêntica, ao mesmo tempo, seguindo os comandos de seus superiores.
Outra consequência da adoção da tática linear era que o uso eficaz das armas de-
pendia que essas fossem padronizadas. Não era possível que cada um trouxesse seu
próprio equipamento de casa, como tinha sido o caso nas hostes medievais, pois assim o
combate não seria possível. Todos os homens teriam que ter equipamentos mais ou me-
nos iguais, como piques do mesmo comprimento, para formar uma defesa eficaz contra
a cavalaria e as armas de fogo tinham que ser do mesmo calibre, para que munição pa-
dronizada pudesse ser distribuída, pelo menos dentro de uma mesma unidade do exérci-
to. Mais um motivo para que as armas fossem semelhantes era que o treinamento tinha
que ser aplicado de forma coletiva, de forma que a eficiência da tropa não dependesse
mais da proficiência individual de cada membro do exército. A implicação disse sendo a
necessidade de existência de um sistema de fornecimento para esses equipamentos pa-
dronizados, em muitos casos a solução sendo a construção de manufaturas governamen-
tais, os futuros arsenais.

Outra mudança tática associada ao período Moderno é relativa à composição das


forças combatentes: apesar das normas do direito feudal preverem o emprego não remu-

31
GHEYN, Jacob de. The Renaissance drill book. London: Greenhill books, 2003. p. 33.

89
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

nerado dos vassalos de um senhor, na prática, no final do período medieval as tropas já


eram compostas, em larga escala, por mercenários, soldados que lutavam por dinheiro,
sendo dispensados quando a campanha acabava. Só que à medida que as operações mili-
tares se prolongavam e aumentavam os efetivos mobilizados, como ocorreu no período,
o procedimento de formar exércitos com mercenários foi se tornando caro, tendo sido
necessário buscar alternativas.

O ponto central da teoria de Roberts é que as inovações táticas foram apenas o


“gatilho” para mudanças sociais profundas, pois a própria existência dessas novas forças
demostram que surgiram estruturas logísticas e, mais importante, administrativas e fis-
cais, para que os novos exércitos pudessem funcionar e serem financiados.

Logo de início, era necessário um sistema de fornecimento de armas mais ou


menos padronizadas, pois, como dissemos, a prática comum do próprio soldado se
equipar não era mais adequada. Outro aspecto importante da formação dos novos exér-
citos é que eles, por serem mais bem treinados, equipados, supridos e com mais oficiais
profissionais, permitiam o desdobramento das operações militares em um número maior
de frentes, sem a supervisão direta do líder de cada país, como tinha sido a prática usual.
Isso dava possibilidades militares muito amplas para as grandes potências e, por isso, se
via a necessidade de criar um sistema de oficiais, profissionais, fiéis aos governos e que
controlassem as tropas em nome dos monarcas. Esse foi um dos passos decisivos visan-
do à obtenção do monopólio da violência legítima, tal como colocado por Weber.32

Dessa forma, a característica desse momento, causada pela mudança na forma de


combate, foi o crescimento tanto das forças combatentes, como da escala das operações:
o exército espanhol passou de vinte mil homens em 1475, para trezentos mil 160 anos
depois, um crescimento de 1.400%, muito maior do que o aumento populacional. 33

As possibilidades de haver maiores e mais numerosos exércitos em operação ao


mesmo tempo, levaram a uma mudança conceitual de maior relevância, que foi a altera-
ção da escala das operações: agora a guerra não era mais travada apenas em termos lo-
cais ou mesmo regionais, havendo esforços em todo o continente Europeu. Também,
diferente do que tinha ocorrido até então, em todas as culturas, em todo o mundo, come-

32
WEBER, Max. Ensaios de Sociologia Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1982. p. 301 e segs. Ver tam-
bém: FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes,
1989. p. 257 e segs.
33
BLACK, op. cit. p. 6.

90
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

çaram a haver ações operações militares que se desdobravam em escala global. A gran-
de potência do período, a Espanha, era o império onde “o sol nunca se punha”, tendo
colônias espalhadas das Américas ao Oceano Pacífico, incluindo, depois de 1580, as
possessões portuguesas na África, Ásia e América. Com a contestação das Províncias
Unidas dos Países Baixos34 ao domínio espanhol, a luta se expandiria para envolver
todos os continentes habitados, transformando o conflito, quando se generalizou na
Guerra dos Trinta Anos, no que alguns autores chamam da “Primeira Guerra Mundi-
al”.35

É importante apontar que esse crescimento das forças armadas ampliou em mui-
to o impacto da guerra e o da preparação para o conflito nas sociedades. Estamos falan-
do de dezenas de milhares de homens “improdutivos”, já que os soldados, em tese, estão
alijados do circuito econômico, pois em uma visão estritamente clássica de economia,
eles não produzem nada, como tratamos anteriormente. Além disso, seu potencial como
consumidores individuais é reduzido, eles sobrevivendo em um nível básico, de subsis-
tência, com fornecimento de necessidades mínimas pelo estado, apesar deles serem as-
salariados. Ver as forças armadas por esse aspecto improdutivo, contudo, é uma visão
simplista e que consideramos equivocada.

Apesar de poder parecer polêmico em termos de uma análise simplesmente eco-


nômica, cremos ser importante notar que os militares atendiam à uma demanda essenci-
al das comunidades, pelo menos até a segunda metade do século XX. Eles são, ou eram,
responsáveis pelo sentimento de segurança para a sociedade, pois sem eles as pessoas,
ou pelo menos os governos, se sentiriam indefesos ante uma imensidade de perigos.
Estes iam desde guerras externas até revoluções e rebeliões internas, criando um receio
que não é familiar a uma pessoa dos dias de hoje, mas cuja prevenção pelos exércitos
era tão fundamental quanto a necessidade de existência no mundo ocidental de um gru-
po que fizesse a intermediação entre o divino e a sociedade, o clero. Sem a visão de que

34
Na terminologia brasileira usa-se a palavra Holanda, para designar os Países Baixos (Nederland). Con-
sideramos o uso do nome como complexo, especialmente tendo em vista que a Holanda é apenas
uma das sete províncias que originalmente compunham a confederação. Na verdade, um dos nomes
do país, em holandês, é Republiek der Zeven Verenigde Nederlanden, a República das Sete
Províncias dos Países Baixos.
35
Durante a Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648), de independência dos Países Baixos, estes iriam ata-
car as colônias luso-espanholas na América, como na invasão de Pernambuco, em 1630; na África,
com a conquista de Angola, em 1641 e, principalmente, na Ásia. Nesta última região, o conflito pra-
ticamente eliminou o império lusitano que existia ali. ISRAEL, Jonathan I. The Dutch Republic and
the Spanish world, 1606-1661. Oxford, Oxford University Press, 1986. pp. 117, 197, 271 e segs.

91
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

as necessidades psicológicas estavam sendo atendidas, a sociedade daquela época não


poderia funcionar. Mais importante, no caso dos militares, a necessidade de produção de
um sentimento de segurança não era apenas psicológica como dissemos e como vere-
mos mais adiante: havia, de fato, vários riscos reais, que se concretizaram ao longo dos
séculos, exigindo a presença de um aparato militar para os mitigar.

Isso sem falar no uso das tropas na expansão da base econômica dos países, co-
mo foi o caso das forças do Rio de Janeiro que participaram na Reconquista de Angola,
em 1648,36 uma das principais fontes de escravos do Brasil. Os cativos eram um “insu-
mo” indispensável para a economia agroexportadora, que fora tornado inacessível aos
luso-brasileiros pela ação militar da Companhia das Índias Ocidentais holandesa e que
foi recuperado por outra ação bélica. Além dessas questões, os militares consumiam
uma boa parte das mercadorias produzidas pela sociedade, gerando a movimentação de
recursos avultados, o que ativava o comércio.

De qualquer forma, segundo Roberts, as consequências das mudanças tátias seri-


am profundas:

Por volta de 1660, a moderna arte da guerra tinha nascido. Exércitos


em massa, estrita disciplina, o controle do Estado, a submersão do in-
divíduo já tinham chegado; a ascendência conjunta do poder financei-
ro e da ciência aplicada já estava estabelecidas em toda a sua maligni-
dade; o uso da propaganda, guerra psicológica e terrorismo como ar-
mas militares já eram familiares para vários teóricos, bem como para
comandantes em campo. As últimas preocupações remanescentes a
respeito da legitimidade religiosa ou ética da guerra pareciam ter sido
eliminadas. A estrada estava aberta, larga e reta, para o abismo do sé-
culo XX. 37
Outros autores ampliam os conceitos apresentados por Roberts, apontando dois
pontos importantes no crescimento do esquema militar dos governos que se somavam à
questão da formação dos exércitos permanentes: as fortalezas e as frotas.

O surgimento da artilharia levou à mudança das defesas: os antigos castelos me-


dievais tinham torres colocadas a cerca de trinta metros uma das outras, pois essa era a
distância em que um arco e flecha podiam causar danos de forma mais eficiente. As
armas de fogo, entretanto, tinham um alcance muito maior, algo que se convencionou

36
BOXER, Charles. Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola: 1602-1686. London: Atho-
lone press, 1952. p. 257 e segs.
37
ROBERTS, op. cit. p. 218. (A tradução desse texto – e de todos os outros, a não ser que especificado
em contrário, é nossa).

92
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

ser de 220 metros,38 de forma que os pontos de flanqueamento podiam ficar mais distan-
tes (ver Figura 6). Na verdade, ficar mais longe uns dos outros era uma necessidade, por
causa da maior espessura das muralhas, às vezes de até 50 metros.

Essas condicionantes resultaram em tipo de planta específico, que surgiu nos


primeiros anos do século XVI em uma região onde então havia fortes conflitos entre
diversas potências: a área que hoje é conhecida como Itália. Por isso o desenho moderno
de fortes passou a ser conhecido como “traçado italiano”, tendo se consolidado lá entre
as décadas de 1500 e 1530,39 o seu desenvolvimento no resto da Europa, em meados do
século XVI, sendo igualmente rápido.

O traçado italiano era composto de uma estrutura específica, o baluarte (ver Fi-
gura 6), uma construção quadrangular, que se projetava entre dois lanços de muralha e a
partir da qual os canhões podiam flanquear os muros adjacentes.

Figura 6 – Plano de baluartes e ataque a uma brecha. 40


No alto, à esquerda, plano de um baluarte, em Troyes, na França, sobreposto às antigas muralhas da Idade
Média. Observa-se a escala da nova construção, em comparação com a das pequenas estruturas medie-
vais. Embaixo, esquema apresentando diferentes tipos de baluartes, e a maneira como o fogo de um co-
bria as faces dos outros. À direita, representação artística de um ataque contra uma brecha aberta nos
muros, mostrando como o fogo do flanco seria mortal para as tropas assaltantes.

38
O alcance com pontaria das armas de fogo era bem menor, mas essa distância, conhecida como “um
tiro de mosquete”, era a que disparos feitos em conjunto teriam efeito. Canhões tinham um alcance
muito maior, seu maior efeito sendo até a distância de quatrocentos metros. PIMENTEL, Luís Ser-
rão. Método lusitânico de Desenhar as Fortificações das Praças Regulares, & Irregulares, Fortes de
Campanha, e outras obras pertencentes a arquitetura militar. Lisboa: Antônio Craesbeeck, 1680. p.
21 e HUGHES, B. P. La puissance de Feu: L’efficacité des armes sur le champ de bataille de 1630 à
1850. Lausanne: Edita-Vilo, 1976. p. 32.
39
HALE, J. R. The Early development of the Bastion : an Italian Chronology, c. 1450-c.1534. IN: HALE,
J. R. Renaissance War Studies. London: Hambledon, 1983. p. 37
40
VIOLLET-LE-DUC, E. E. Military Architecture. London: Greenwich Books, 1990. pp. 238 e segs.

93
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Este desenho de fortes teve um imenso efeito, se espalhando de forma muito rá-
pida por toda a Europa e por suas colônias – Francisco de Holanda, que fora enviado
pelo rei de Portugal à península italiana para observar os desenvolvimentos técnicos e
artísticos da região, construiu já em 1541 uma muralha fortificada usando o traçado ita-
liano na cidade de Mazagão, no Marrocos, ocupada pelos Portugueses. Como colocou
um autor:

“Outro significativo desenvolvimento foi a forma como os engenhei-


ros italianos se dispersaram por todas as nações da Europa e algumas
de suas colônias mais distantes. Conhecimentos militares naquele pe-
ríodo ainda eram um problema de especialidade nacional. Assim como
os Suíços eram afamados por seus piqueiros ou os espanhóis por seus
mosqueteiros, os Italianos eram louvados por todos os grupos comba-
tentes como os mestres da nova ciência de fortificação de artilharia.
Nós vimos um fenômeno parecido após a Segunda Guerra Mundial,
quando americanos e russos puseram as mãos nos cientistas de mísseis
alemães”.41
Por sua vez, os novos desenhos implicavam em gastos extremamente elevados,
pois, ao contrário dos castelos, tinham que ter muralhas muito espessas e com uma mai-
or extensão, além de serem armados com um número considerável de canhões, cada um
deles custando uma fortuna. Os valores necessários para a construção de um grande
sistema fortificado eram tão elevados que mesmo alguns estados tradicionais, como as
cidades-estados italianas, tiveram dificuldades para arcar com os gastos de construção
das novas defesas. Era necessário um governo centralizado e uma grande área onde se
pudesse coletar impostos para custear a construção das novas fortificações.42

O mesmo argumento sobre a necessidade de uma máquina de arrecadação pode


ser feito com relação às belonaves, que deixam de ser navios mercantes adaptados para
o combate, passando a ser embarcações construídas especificamente para o combate.
Isso exigia uma imensa quantidade de recursos, especialmente para a compra de ca-
nhões: um navio de linha, a principal unidade de combate do período, podia ter 60 ca-
nhões, como o Santíssimo Sacramento, que naufragou na Bahia, em 1668.43

41
DUFFY, Christopher. Siege Warfare : the fortress in the early modern world 1494-1660. London:
Routledge & Keegan Paul, 1979. p. 41.
42
Para um estudo de um caso específico dos gastos em fortificações, o de Siena, na Itália, ver PEPPER,
Simon & ADAMS, Nicholas. Firearms & Fortification : Military Architecture and Siege Warfare in
Sixteenth-Century Siena. Chicago: University of Chicago Press, 1986. A cidade-estado, incapaz de
arcar com os gastos da construção de novas fortificações para suas dependências, não teve condições
de mobilizar um exército capaz de resistir às tropas do Sacro Império, sendo ocupada.
43
GUILMARTIN Jr., John F. Os canhões do Santíssimo Sacramento. IN: Navigator, Rio de Janeiro, n°
17, 1981.

94
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

O imenso custo dessa artilharia inviabilizava a manutenção de navios de guerra


por particulares ou até mesmo a montagem de grandes frotas por potências menores,
especialmente considerando que as naus não tinham outro uso que não o combate. Nos
períodos de paz podiam ser colocados em reserva, mas ainda assim tinham que ser man-
tidos, com despesas elevadas.44 Por outro lado, a mera presença de uma só belonave era
suficiente para garantir o controle dos mares, já que barcos mercantes ou piratas não
tinham condições de competir com elas: isso foi uma das ferramentas fundamentais que
explicam como Portugal conseguiu manter um monopólio do comércio no Índico, pois
nenhum dos príncipes locais conseguiu montar uma frota como as da nação europeia
(ver Gráfico 9).

120

100

80
Navios

60

40

20

Gráfico 9 – Navios enviados para as Índias – 1500-1580.45


O número de naus enviadas nos anos iniciais da formação do Estado da Índia mostra o imenso esforço
que o governo português fez para estabelecer o monopólio comercial no Índico, o número se reduzindo –
mas ainda sendo muito elevado – com a estabilização da situação.
De um ponto de vista prático, a questão central da Revolução Militar é que o fi-
nanciamento dessas tropas, fortalezas e navios se tornaram o principal problema para os
governos, obrigando ao surgimento de uma estrutura burocrática para a sua administra-
ção e, principalmente, manutenção, mesmo em períodos em que não havia um conflito.
A ideia é que o crescimento das ações governamentais no campo militar obrigou ao sur-

44
Na marinha Brasileira, chamavam-se esses navios em reserva de “desarmados”, isto é, não estavam em
situação de combater, apesar de poderem manter seus canhões e terem tripulações reduzidas. Em
1829, depois da paz com a Argentina, havia 29 navios desarmados, inclusive o maior da frota, a nau
Pedro I, de 74 canhões. No mesmo ano, apenas dezesseis navios estavam em serviço ativo. BRASIL
– Ministério da Fazenda. Documentos com que instruiu o seu relatório à Assembleia Geral Legisla-
tiva do Império do Brasil o Ministro Secretario de Estado dos Negócios da Fazenda, e Presidente do
Tesouro Nacional, Miguel Calmon Du Pin e Almeida, na sessão de 1829. Rio de Janeiro: Tip. Impe-
rial e Nacional, 1829, p. 320.
45
O ACHAMENTO do Atlântico Sul: relação anônima dos capitães-mores e Barcos do Reino se tem ido
vindo a Índia (1497-1696). IN: Anais da Biblioteca Nacional. Vol. 112. Rio de Janeiro: 1994. pp. 9-
34.

95
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

gimento de toda uma estrutura governamental – civil – que aumentou as possibilidades


de ação dos governos centrais ante a sociedade. Uma proposta já desenvolvida por We-
ber, mas a qual os teóricos da Revolução Militar deslocam a origem, colocando essa,
como dissemos, nas mudanças táticas, que teriam levado ao surgimento do aparato go-
vernamental de cobrança e administração de impostos. Este aparato, por sua vez, resulta
em uma supremacia do governo central sobre a nobreza e os governos locais.

Esse processo foi um que se deu no mundo todo: as nações que não importaram
e assimilaram os valores militares europeus – e com isso sua estrutura de arrecadação
de impostos e de governo – ficaram sujeitas a serem elas mesmas conquistadas e trans-
formadas em colônias. Como disse Geoffrey Parker:

O Ocidente tinha agora realmente obtido a ascendência. Numa manei-


ra que poucos podiam ter previsto, a preocupação constante dos Esta-
dos europeus de lutar uns com os outros, por terra ou por mar, tinha
dado belos dividendos. Graças acima de tudo a sua superioridade mili-
tar, fundada na Revolução Militar dos séculos XVI e XVII, as nações
ocidentais tinham conseguido criar a primeira hegemonia global da
História.46
Esse ponto é importante, pois os efeitos da Revolução Militar foram realmente
globais. Pela primeira vez os acontecimentos de uma dada região do mundo teriam efei-
tos em todos os continentes, em maior ou menor escala. Assim, e apesar da mitologia
existente no Brasil, de que ele seria um país pacífico, a questão militar teve uma grande
influência no País, desde sua fundação.

Para a presente tese, a questão da Revolução Militar também é fundamental: ela


explica porque os governos viam a necessidade de investir, de forma crescente, os par-
cos recursos disponíveis em uma questão não produtiva, a defesa. Como razão e conse-
quência, havia a formação de grandes exércitos, que por sua vez tinham que ser alimen-
tados, vestidos, armados e municiados. Isso criava demandas específicas, uma forma de
“mercado consumidor” que tinha que ser atendido, isso sendo feito, de forma crescente,
por instalações pertencentes ao próprio governo, os Arsenais.

O processo iniciado no século XVI continuou a se firmar na Europa posterior-


mente. Para efeito do presente trabalho, o período da Revolução Industrial vai trazer
algumas modificações na estrutura administrativa dos governos para a guerra. A mais
notável foi de organização, causada principalmente pela Revolução Francesa: como a

46
id. p. 154.

96
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

oficialidade daquele país era, basicamente, de extração nobre, um grande número deles
desertou da França quando a Revolução eclodiu e o exército ficou sem suas lideranças.
Dessa forma, o combate contra exércitos profissionais, altamente treinados como eram
os das outras monarquias europeias, se dava em situação de desvantagem para as forças
revolucionárias. Uma das formas encontradas para resolver esse problema foi a mobili-
zação popular, que para funcionar dependia basicamente de um sentido de patriotismo
para que o soldado continuasse a operar – nos exércitos tradicionais, rígidos, isso era
impossível, pois as tropas desertariam. 47

Os modelos adotados pelos franceses nas guerras da Revolução e Napoleônicas,


especialmente o uso de exércitos recrutados em toda a população, onde o serviço era
visto como um dever patriótico e não como um castigo, se tornaram mais ou menos
universais ao longo do século XIX. Não houve mudanças táticas importantes, apesar de
ter havido melhoria nas armas e o crescimento dos exércitos, ainda mais do que tinha
havido anteriormente – passava a se fazer uma ligação entre nação, cidadania e serviço
militar, levando ao surgimento de exércitos de massa, de tamanho colossal se compara-
dos com os padrões anteriores – ou mesmo com os atuais.

800.000

600.000

400.000

200.000

Gráfico 10 – Aumento do exército francês até o século XIX. 48


Para efeitos de comparação, hoje em dia o efetivo do exército francês é de 110.000 homens, menos do
que tinha em 1655.
O sistema militar existente em meados do século XIX foi o ápice das mudanças
que tinham se iniciado no século XVI, cada país tendo uma evolução diferenciada na
formação de seus exércitos, relacionada com a rapidez e eficácia como essas táticas fo-

47
Vale a pena repetir a famosa frase de Frederico, o Grande: “a maior parte dos soldados precisa do olhar
de seus oficiais e o medo das punições, para induzi-los a cumprir seu dever”. LEE, Wayne E. War-
fare and Culture in World History. In: LYNN II, John A. The battle culture of Forbearance, 1660-
1789. New York: New York University, 2011. p. 97.
48
Dados obtidos em BLACK, op. cit. p. 6 e LYNN, John. The pattern of army growth, 1445-1945. In:
LYNN. John. Tools of war: instruments, ideas, and institutions of warfare, 1445-1871. Chicago:
University of Illinois, 1990. pp. 3 e segs.

97
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

ram adotadas. Mais importante, contudo, foram os passos tomados por cada país para
lidar com as necessidades militares, que não foram idênticos e não tiveram o mesmo
sucesso.

Por exemplo, a Inglaterra conseguiu sua expansão colonial não através do au-
mento da forças de terra – essas eram numericamente reduzidas até o século XX. 49 O
caminho seguido pelos britânicos foi o crescimento naval, eles se tornando a principal
força marítima mundial a partir da segunda metade do século XVII. Os meios usados
para se alcançar essa supremacia em termos militares-navais são vários, o estabeleci-
mento de uma burocracia para regular as atividades militares, como os Board of Ord-
nance (Departamento de Material Bélico) e o Navy Board (Departamento da Marinha)
sendo fundamentais. Estes eram encarregados do fornecimento de armas, com seus pró-
prios laboratórios pirotécnicos, fundições de canhões e fábricas de pólvora (Board of
Ordnance), enquanto o Navy Board mantinha vários arsenais reais, tendo sido respon-
sável, inclusive, pela criação do que é considerada como a primeira fábrica usando os
princípios de produção em massa, a fábrica de moitões de Portsmouth, que abordamos
no quinto capítulo. 50 E o papel indutor da marinha inglesa na formação de manufaturas
também foi muito grande. Como colocou Hobsbawn:

Mais ainda, a guerra – e especialmente, aquela organização de classe


média muito orientada para o comércio, a Marinha Britânica – contri-
buiu ainda mais diretamente para a inovação tecnológica e industriali-
zação. Suas demandas não eram desprezíveis: a tonelagem da marinha
multiplicou-se de 100.000 em 1685 para cerca de 325.000 em 1760 e
sua demanda por canhões cresceu substancialmente, apesar de forma
menos dramática. A guerra era certamente o maior consumidor de fer-
ro e firmas como Wilkinson, the Walkers, e a fundição Carron deviam
o tamanho de seus empreendimentos parcialmente aos contratos go-
vernamentais de canhões, enquanto a indústria de ferro de Gales meri-
dional dependia de combates. De forma mais geral, contratos gover-
namentais, ou aqueles das vastas corporações quase-governamentais,
como a Companhia das Índias Orientais, vinham em grandes blocos e
tinham que ser atendidos a tempo. Valia a pena para um homem de
negócios introduzir meios revolucionários para os atender. Volta e
meia encontramos algum inventor ou empreendedor estimulado por
um prospecto tão lucrativo. Henry Cort, que revolucionou a manufatu-
ra do ferro, começou nos anos de 1760 como um agente da Marinha,

49
Isso não quer dizer que o recrutamento para as forças armadas fosse menos severo lá. Em 1801 o par-
lamento autorizou o recrutamento de 350.000 homens para o exército, marinha e para o Ordnance
Department. Em 1811, foram autorizados 514.000 homens, um imenso esforço. DEANE, Phyllis.
War and industrialisation. WINTER, J. M. (ed.) War and economic development: Essays in memory
of David Joslin. Cambridge: Cambridge University, 1975. p. 97.
50
COOPER, Carolyn C. The Portsmouth System of Manufacture. Technology and Culture. vol. 25, nr. 2
(Apr., 1984). The Johns Hopkins University Press. pp. 182 e segs.

98
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

ansioso para melhorar a qualidade do produto inglês, ‘em relação com


o fornecimento de ferro para a marinha.’ Henry Maudslay, o pioneiro
nas máquinas-ferramentas, iniciou sua carreira no Arsenal de Wo-
olwich e seu destino (como aquele do grande engenheiro Mark Isam-
bar Brunel, anteriormente da Marinha francesa), permaneceu muito re-
lacionada com os contratos navais.51
É importante entender que a missão de abastecer a frota era, no mínimo, compli-
cada, quando vemos que a tripulação de um grande navio de guerra contava de 600 ho-
mens ou mais52 e a embarcação podia ficar seis meses no mar, com suprimentos para
todos os marinheiros durante esse período. Uma história que circula na internet53 fala do
cruzeiro da USS Constitution, uma fragata norte-americana com 475 tripulantes, que
teria zarpado para uma missão de combate em 1812, com 181 mil litros de água, 7.400
balas de canhão, cinco toneladas de pólvora e trezentos mil (sic) litros de rum. 54 Deve-se
ter em mente que uma frota como a britânica podia contar dezenas de navios desse porte
em operação ao mesmo tempo, conforme pode ser ver no quadro comparativo abaixo:
Países 1689 1739 1756 1779 1790 1815
Grã-Bretanha 100 124 105 90 195 214
Dinamarca 29 38
França 120 50 70 63 81 80
Rússia 30 40 67 40
Espanha 34 48 72 25
Suécia 40 27
Províncias Unidas 66 49 20 44
Tabela 2 – Quadro tamanho das armadas europeias, 1689-1815.55
A tabela mostra o tamanho das frotas em datas selecionadas, correspondendo à momentos de conflito na
Europa: o início da Guerra da Grande Aliança (1688-1697); o início do conflito que é conhecido nos
países anglo-saxões como “Guerra da Orelha de Jenkins”, de 1739 até 1748; o ano inicial da Guerra dos
Sete Anos (1756-1763); o momento logo antes do início das Guerras da Revolução Francesa (1790), que
continuariam praticamente sem interrupção até o Tratado de Paris, de 1815, correspondente á última co-
luna do gráfico.
O apoio à armada era facilitado pela existência de um grande número de estalei-
ros particulares e pela frota mercante: as manufaturas navais privadas usualmente não

51
HOBSBAWM, E. J. Industry and Empire : From 1750 to the Present Day. Harmondsworth: Penguin,
1985. p. 50.
52
Essa era a tripulação “em tempo de guerra”, de uma nau de 74 canhões do Brasil, a Imperador do Bra-
sil, que longe estava de ser a maior do período. Cf. MAPA de navios desarmados. Rio de Janeiro, 26
de abril de 1832, João Taylor, Chefe de Divisão. Quartel General da Marinha. IN: BRASIL – Minis-
tério da Marinha. Relatório do Ministro da Marinha do ano de 1831 apresentado à Assembleia geral
em 7 de maio de 1832. S.n.t.
53
Ver o discurso do Secretário da Marinha dos Estados Unidos, John H. Dalton, feito em Pittsburgh, 19
de setembro de 1997. DALTON, John H. Remarks as delivered by The Honorable John H. Dalton
Secretary of the Navy Biennial Convention of the Maritime Trades Department Pittsburgh, Pennsyl-
vania. 19 September 1997. https://goo.gl/VnkTEf (acesso em novembro de 2015).
54
Na época, o consumo de água doce, no mar, era complicado, pois não havia tratamento d’água eficaz e
a durabilidade da água em barris era pequena, o que não ocorria com o álcool. Dai a elevada quanti-
dade de bebidas que normalmente eram carregadas a bordo, apesar do número citado certamente ser
excessivo para um cruzeiro de seis meses: 3,5 litros, por dia, por homem.
55
KENNEDY, op. cit. p. 103.

99
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

construíam navios de maior porte para o governo, mas estavam disponíveis para dar
suporte logístico a eles e a marinha mercante era uma fonte – não inesgotável, é verdade
– de pessoal treinado.56

Talvez mais importante, foi a manutenção de um sistema fiscal que não era par-
ticularmente moderno, mas era considerado confiável, de forma que a Grã-Bretanha
conseguia financiar suas atividades governamentais em condições vantajosas. Por
exemplo, o Banco de Londres, que se tornaria um paradigma de instituição financeira,
foi fundado em 1694, facilitando a obtenção de empréstimos por parte do governo. Des-
sa solidez financeira surgiu a possibilidade de se fazerem mais gastos em tempo de
guerra: por exemplo, no período de 1600 a 1604, durante a guerra contra a Espanha, os
gastos militares corresponderam a 70,7% do orçamento inglês uma percentagem seme-
lhante aos gastos que foram feitas na Guerra da Grande Aliança (1688-1697), de 72,8%,
apesar dos valores envolvidos terem crescido nada menos do que 23 vezes (ver Tabela
3).57 Um sistema financeiro saudável permitia um nível de participação militar bem
além do que o tamanho dos exércitos de terra poderia indicar – um diferencial nas cam-
panhas militares inglesas foram os subsídios oferecidos pela coroa britânica aos seus
aliados, como as 670.000 libras esterlinas fornecidas à Frederico da Prússia pela con-
venção anglo-britânica de 1758.58

56
O termo presiganga, que no Brasil significava um navio prisão, surgiu, segundo a maior parte das fon-
tes, da expressão inglesa press gang, um grupo de recrutamento forçado para as forças armadas, uma
prática que deixou suas marcas mesmo no Brasil. Para uma discussão sobre a Presiganga, ver: SOA-
RES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava no Rio de Janeiro: 1808-1850. Campinas: Univer-
sidade Estadual de Campinas, 1998. Tese de Doutorado.
57
WHEELER, Ames Scot. The Making of a World Power: war and the military revolution in seventy
century England. London: Sutton, 1999. p. d209.
58
SCHWEIZER, Karl W. England Prussia and the Seven Years War : Studies in allied policies and di-
plomacy. Lewiston: Edwin Mellen, 1989. p. 61.

100
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Anos Despesa total Receita total Saldo coberto Empréstimos como


por empréstimos % da despesa.
1688-1697 49.320.145 32.766.754 16.533.391 33,6
1702-1713 93.644.560 64.239.477 29.405.083 31,4
1739-1748 95.628.159 65.903.964 20.724.195 31,1
1756-1763 160.573.366 100.555.123 60.018.243 37,4
1776-1783 236.462.689 141.901.620 94.560.069 39,9
1792-1815 1.657.854.518 1.217.556.439 440.298.079 26,6
Tabela 3 – Despesa e receita da Inglaterra em tempo de guerra, 1688-1815.59
Os ciclos da tabela mostram a os momentos de conflito: as guerras da Grande Aliança (1688-1697), da
Sucessão Espanhola (1702-1713), da Orelha de Jenkins (1739-1748), a dos Sete Anos (1756-1763), da
Independência Norte-Americana (1776-1783) e as da Revolução e Napoleônicas (1792-1815), ocasiões
em que os gastos militares, principalmente os militares, excederam em muito a receita, tendo que ser
cobertos por empréstimos no mercado financeiro. Excepcional é o longo tempo que duraram esses confli-
tos: para cada ano de paz, a Inglaterra se envolveu em um ano de conflito, mas ainda assim não foi força-
da a bancarrota pelos imensos gastos.
Pode-se dizer que esses fatores levaram a que a Inglaterra tivesse uma posição,
não de supremacia, mas de “fiel da balança” na política militar europeia, com o apoio
militar e, mais importante, financeiro aos beligerantes. Servia, então, de contraponto à
França, o maior poder militar continental, mas que não podia acompanhar esses nível de
gastos ou manter uma frota semelhante à inglesa, como visto na Tabela 2 mais acima.

A França, que, como dissemos, tinha o maior exército na Europa, teve seu ativo
papel militar nos séculos XVII e XVIII possibilitado também por uma administração
eficiente dos recursos locais, fundamentada no grande aparato burocrático voltado para
a questão da manutenção das operações bélicas. Um desses aspectos foi a construção de
um cinturão de fortificações para a defesa das fronteiras francesas pelo marechal Vau-
ban, que edificou ou modernizou mais de 300 fortificações. Essas obras defensivas,
imensamente caras – Neuf-Brisach, a mais marcante de todas, custou, até 1705,
2.916.565 libras tornesas, em uma época em que o salário mensal de um trabalhador era
em média de 19 libras tornesas por mês. Isso, junto com a manutenção de imensos exér-
citos, implicava na necessidade de um aparato fiscal eficiente, que conseguiu fazer com
que a França sobrevivesse com constantes e imensos déficits durante todo o período
moderno, com só duas bancarrotas – apesar da de 1788 certamente ter sido de funda-
mental importância no fim do regime, como observou um autor:

A expansão militar (...), começando nos anos de 1620 e concluída na


década de 1680, criou o estado absolutista.60 Através de um longo
processo, administrativo, fiscal e político, o estado Francês lutou para

59
KENNEDY, op. cit. p. 87.
60
Utilizando programas de atualização monetária, este valor corresponde a oitocentos milhões de dólares
de hoje. Correção feita com base no “valor de trabalho” da moeda britânica, atualizado a partir do sí-
tio: Measuring Worth. https://goo.gl/rtcTbc. (acesso em agosto de 2017).

101
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

sustentar forças armadas de sete a dez vezes maiores do que qualquer


outra mantida no passado. Para fazer isso, a monarquia Bourbon pa-
trocinou uma dramática metamorfose política sob Luís XIII e Luís
XIV. De fato, mesmo depois de forjar o estado absolutista, os recursos
monetários da monarquia nunca igualaram as necessidades de suas
forças armadas, e a guerra continuou a ameaçar o estado com a ban-
carrota.61

3.3.1 A cultura da guerra


Um fator importante para o entendimento do funcionamento dos Arsenais brasi-
leiros vem de uma questão cultural, de como os ensinamentos militares eram difundidos
e absorvidos. Os autores que trabalhavam com as questões filosóficas da guerra procu-
ravam estudar o tema à luz de princípios gerais, racionais, como era a base do pensa-
mento iluminista, e, no século XVIII, há uma concentração em trabalhos escritos por
franceses nessas linhas. 62

A influência técnica dos autores franceses era facilitada pelo fato de que seu idi-
oma era uma espécie de língua franca à época, sendo falada nos centros das monarquias
europeias do período: por exemplo, os sete volumes sobre teoria militar do italiano
Conde de Algarotti foram publicados em Berlim, em 1772, só que em francês.63 Até no
distante Brasil, quando era necessária a comunicação entre pessoas que não dominavam
o português, se usava a língua francesa: foi o caso dos oficiais mercenários enviados
para o Brasil em meados do século XVIII. Italianos, alemães e até um sueco, como o
general Funck, se comunicavam em francês, às vezes claudicante, como informava o
próprio Rei D. José ao conde da Cunha, em 1767 sobre Funck: “parecerá a V. Ex. (...)
um homem inepto, pela grande dificuldade que tem para se explicar em qualquer língua
que não seja a de Suécia, sua pátria”.64 Mas toda a documentação produzida por eles,
pelo menos no início, era em francês.

A difusão de valores franceses no mundo era compreensível, mesmo se descon-


siderássemos a influência dos filósofos e pensadores do país. A França tinha um exérci-
to imenso, poderoso e eficiente que, para ser derrotado nas ocasiões em que isso ocor-
reu, dependeu da montagem de grandes coalisões contra ela. Desta forma, os assuntos
militares desenvolvidos lá desde o século XVIII tinham uma grande influência na di-

61
LYNN, op. cit. p. 9.
62
DUFFY, Christopher. The Military Experience in the Age of Reason. London: Routledge & Kegan
Paul, 1987. p. 18
63
AGAROTTI, Conde. Ouvres du Comte Agarotti. Berlim: G. J. Decker, 1772. 6 vols.
64
CARTA régia de 20 de junho de 1767 para o conde da Cunha. In: WINZ, Pimentel. História da Casa
do Trem. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1962. p. 524.

102
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

plomacia europeia e os efeitos do país na cultura militar não diminuíram com a Revolu-
ção Francesa, apesar dos valores da Revolução serem repulsivos às lideranças militares
do período, ligadas às nobrezas e casas reinantes nacionais.

O papel destacado dos exércitos revolucionários e napoleônicos como exemplo


foi devido a seu sucesso: apesar do corpo de oficiais franceses, nobre, ter desertado em
massa 65 ou até passado para o lado inimigo, os exércitos revolucionários foram incri-
velmente bem sucedidos, mesmo enfrentando alianças muito fortes. Até Portugal che-
gou a invadir a França, em 1794, na campanha do Rossilhão e seriam formadas sete
coalizões contra a França entre 1792 e 1815, até que esta foi derrotada, com grande difi-
culdade.

Até a Revolução Francesa os exércitos dos países, apesar de numerosos, eram


vistos como locais onde indesejáveis e pessoas não produtivas eram colocados e onde
permaneceriam por longos períodos – em alguns casos, por toda a vida.66 Mesmo em
Portugal e no Brasil o serviço militar era um fardo, tendo sido reduzido para dezesseis
anos em 1808 para os que não fossem voluntários, a justificativa dessa medida sendo
“abrandar e moderar”(!) o recrutamento67 praticado até então. Esses homens formavam
tropas treinadas e que custavam caro para manter, nas quais a obediência cega e irrefle-
tida aos comandos dos oficiais era indispensável para o funcionamento, por causa das
táticas lineares do período. Isso se tornava um problema quando vemos que as batalhas
daquela época, ainda por causa das técnicas de combate, eram muito mortíferas, de for-
ma que os generais preferiam evitar o embate direto, manobrando de forma a tentar co-
locar o adversário em uma situação desvantajosa, procurando vencer as guerras sem
haver confrontos campais.

A França revolucionária, sem um corpo de oficiais coeso e capaz, buscou uma


solução em que sua vantagem populacional e a ideologia do novo regime, popular, pu-
desse ser maximizada. Dessa forma, foi implantado o recrutamento militar obrigatório,

65
Um caso muito citado é o da batalha naval conhecida como o Glorioso Primeiro de Junho, de 1794, a
frota francesa foi comandada pelo contra-almirante Louis Thomas Villaret de Joyeuse, que era ape-
nas um tenente até 1792, quando fez o “juramente cívico” à República. GARDINER, Robert. War-
ships of the Napoleonic Era: Design, Development and Deployment. Barnsley: Seaford, 2011. p.
112.
66
O serviço militar vitalício foi introduzido por Pedro o Grande em 1699. MOON, David. The Russian
peasantry: 1600-1930, the World the Peasants Made. London: Routledge and Keegan Paul, 1999. p.
83.
67
PORTUGAL – Regência. Decreto de 13 de maio de 1808. Sobre recrutamento para os regimentos do
Brasil.

103
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

afetando todos os homens – na verdade, a ideia era incluir toda a população em um en-
saio de guerra total. O radical decreto que instituiu a medida, chamada de levée en mas-
se (conscrição em massa), deixava isso muito claro, ao especificar que:

Deste momento, até quando o inimigo tenha sido expulso do solo da


República, todos os franceses estão sob requisição permanente para o
serviço dos exércitos.
Os jovens irão ao combate; os casados forjarão as armas e transporta-
rão provisões; as mulheres farão tendas, roupas e servirão nos hospi-
tais; as crianças desfiarão roupas velhas em estopa; os idosos irão às
praças públicas, para encorajar os guerreiros, pregar o ódio aos reis e a
unidade da República.
Os prédios públicos serão convertidos em quartéis, as praças públicas
em oficinas de armas, o solo dos porões será lixiviado para extrair o
salitre [para pólvora].68
O novo regime, acabando com os privilégios da nobreza, fazia com que as tropas
revolucionárias fossem mais motivadas – e as autoridades francesas fizeram um esforço
para reforçar isso, com a implantação de mecanismos de fomento da identidade nacio-
nal, como o museu do Louvre. Este foi inaugurado em 1793 com as obras confiscadas à
monarquia e as igrejas, sua função sendo criar um sentimento de orgulho pátrio. Mais
conhecido é o caso do hino francês, a Marselhesa, cujo título original era o “canto de
guerra do Exército do Reno”, uma música de marcha dos soldados que iam de Marselha
para combater na região que hoje é a Alemanha.

A Marselhesa mostra uma inovação do ponto de visto militar, ao conclamar os


soldados a combater “pelo amor sagrado à pátria”. Isso é de extrema importância, pois a
questão militar passava a ser a nacional e de cidadania e não o combate por causa de
uma disciplina férrea ou pelo pagamento – as tropas de mercenárias deixam de ser usa-
das, por exemplo. Passava-se a se fazer uma ligação entre cidadania e serviço militar.
Isso teve importantes efeitos militares: as unidades francesas, apesar de não serem tão
treinadas quanto os exércitos do tipo do século XVIII, eram muito mais motivadas e
podiam operar em ordem aberta e com um grau de iniciativa muito maior, sem que os
generais se preocupassem excessivamente com a deserção – um problema dos antigos
exércitos. O recrutamento militar obrigatório criou um novo tipo de força armada: por
exemplo, o decreto do levée en masse, de 1793 resultou que o exército francês passasse
de 204.000 homens em fevereiro, 397.000 em maio, 554.000 em dezembro daquele ano,

68
FRANÇA – Decrét qui determine le mode de réquisition des citoyens français contre les ennemis de la
France. 24 de Agosto de 1793. Artigo 1º. IN: DUVERGIER, J. B. Lois, Décrets, Ordonnances, Ré-
glements, Avis du Conseil-D’État. Tome Sixiéme. Paris: A. Guyot, 1834. p. 107.

104
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

atingindo, 732.000 em setembro de 1794 e 804.000 em dezembro 69, tamanhos e cresci-


mento inaudito até então.

Essas forças muito numerosas e motivadas permitiram que a França Revolucio-


nária e, mais tarde, Napoleão, tivessem a capacidade de lutar em diversas frentes ao
mesmo tempo, mesmo contra grandes alianças inimigas: como já dissemos, praticamen-
te toda a Europa monárquica se voltou contra o elemento alienígena que era uma “repú-
blica regicida” e que era baseada em lemas como “igualdade e fraternidade”.

O sistema revolucionário foi tão eficiente que conseguiu derrotar os principais


exércitos europeus do período, inclusive aquele que era considerado como um dos me-
lhores da época, o prussiano, em esmagadoras vitórias em Jena e Auerstädt (1806), o
que foi tornado mais significativo por os franceses estarem em inferioridade numérica
nos dois embates. Isso obrigou a Prússia – e em seguida, a maior parte dos países – a
reformularem suas forças militares em bases mais democráticas, usando os princípios de
recrutamento compulsório, como o Francês. As tropas agora eram compostas por toda a
população, não mais pelos estratos mais baixos da sociedade, e tinham que servir por
períodos curtos de tempo, sendo treinadas e dispensadas, passando a compor reservas
mobilizáveis rapidamente em caso de necessidade. Era o surgimento dos grandes exérci-
tos de conscritos, que marcariam os conflitos da primeira metade do século XX.

Não cabe aqui discutir as campanhas de Napoleão e depois dele, basta dizer que
o exército francês surgiu, na primeira metade do século XIX, como o paradigma em
assuntos militares, que quase todos os países tentavam copiar, com maior ou menor su-
cesso. O mesmo acontecia com relação à marinha inglesa, a ponto de mesmo as tradi-
ções de um e outro serem copiadas, como o uso de uniformes de zuavos, inicialmente
uma tropa de argelinos a serviço da França, mas que tiveram unidades usando os trajes
típicos em vários países, como os Estados Unidos ou o Brasil. Em termos navais, quase
todas as marinhas do mundo (não a francesa, é claro) usam nas insígnias de seus oficiais
uma volta, lembrando o laço que o almirante Nelson usava para amarrar a manga de seu
uniforme, depois de perder o braço em combate.

Para o exército brasileiro, os franceses forneceriam o modelo teórico a ser segui-


do, o que só começou a ser questionado depois da vitória alemã na Guerra de 1870.

69
CHEMINADE, Jacques. A citizen of all places, and a contemporary of all times. Executive Intelligence
Review. Volume 26, Number 2, January 8, 1999. p. 74

105
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Mesmo assim, a influência francesa continuou no país até a 2ª Guerra Mundial, pois o
Brasil contratou uma missão militar naquele país, em 1919. Mas a adoção dos princípios
usados pelo exército europeu, tanto em termos logísticos como táticos ou de organiza-
ção nunca foi completa ou mesmo muita extensa, devido aos problemas da realidade
nacional.

3.4 A supremacia europeia


Apesar de poder parecer espacialmente e cronologicamente afastado do Brasil
do século XIX, a Europa do período moderno (1452-1789) veria uma mudança com
implicações globais, que teriam um impacto decisivo em termos de formação dos esta-
dos nacionais n resto do globo. Isso não em termos que consideraríamos agradáveis ou
familiares, como a difusão das belas artes ou da literatura – o papel dessas ferramentas
de dominação cultural modernas e contemporâneas era irrelevante no resto do mundo,
até que seus valores foram impostos de fora, por força das armas.

Por sua vez, é inegável o papel unificador e homogeneizador da cultura através


da emulação de valores militares. Por exemplo, o “passo de ganso”, introduzido pelos
alemães para que seus soldados mantivessem suas rígidas formações lineares, é pratica-
do até hoje por países que seguiram o modelo cultural do exército daquele país. Exem-
plos são o Chile e os estados que foram clientes da União Soviética, como a China, já
que a Rússia tzarista modelou seu exército no alemão no século XVIII, mostrando o
efeito cultural da eficiência militar sobre todo o mundo. 70 Em termos menos restritos, de
uma redução simplificadora da cultura, hoje em dia, 83 países têm o inglês, como sua
língua oficial e quarenta o francês, resultados da aplicação da força no domínio do
mundo, em um processo que é bem conhecido, de colonização e neocolonialismo.

Duas tabelas ilustram como a questão militar – e não a econômica ou cultural –


teve um papel decisivo na obtenção da superioridade dos europeus sobre o resto do
mundo. A primeira (Tabela 4) mostra que, apesar da Europa já ter alcançado um nível
de supremacia em termos de produção manufatureira em meados do século XVIII, ela

70
George Orwell, em nossa opinião, resumiu bem a filosofia atrás da adoção do passo de Ganso: “uma
parada militar é realmente um tipo de dança ritual, algo como o balé, expressando certa filosofia de
vida. O passo de ganso, por exemplo, é uma das visões mais horríveis no mundo, muito mais aterro-
rizante que um bombardeio de mergulho. É simplesmente uma afirmação aberta de força; contida
nele, bem consciente e intencionalmente, está a visão de uma bota espatifando um rosto. Sua feiura
é parte de sua essência, pois o que ele diz é ‘sim, sou feio, e você não se atreve a rir de mim’, como
um valentão que faz caretas para sua vítima”. ORWELL, George. England your England.
https://goo.gl/DgcZTI (acesso em dezembro de 2016).

106
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

estava longe de ser hegemônica. Os países da África, Ásia e Américas podiam atender
suas necessidades sem terem que recorrer em massa à importação de produtos europeus
– mesmo porque isso seria tecnicamente inviável, dada a tecnologia de transportes da
época. A situação se reverte com a segunda Revolução Industrial, de meados do século
XIX, mas esta mudança não foi um instrumento indispensável na conquista do mundo,
que já tinha se delineado cem anos antes.

Paises 1750 1800 1830 1860


Toda a Europa 25,2 28,1 34,2 53,2
Reino Unido 1,9 4,3 9,5 19,9
Império Habsburgo 2,9 3,2 3,2 4,2
França 4,0 4,2 5,2 7,9
Estados Alemães 2,9 3,5 3,5 4,9
Estados Italianos 2,4 2,5 2,3 2,5
Rússia 5,0 5,6 5,6 7,0
Terceiro Mundo 73,0 67,7 60,5 36,6
Tabela 4 – Parcelas relativas de produção manufatureira mundial 1750-1860.71
O mesmo se observa quando se analisa a capacidade manufatureira das princi-
pais potências da época, conforme se vê na Tabela 5, abaixo: apesar de ter havido um
imenso crescimento na capacidade econômica europeia, especialmente da Inglaterra,
não se pode dizer que o sucesso militar e colonial daquele país esteja associado a este
aspecto, mas sim as melhores escolhas e uma situação geográfica específica, que favo-
receram um melhor uso de sua marinha de Guerra na ocupação e manutenção de um
império colonial. Por outro lado, alguns países adquiriram importância diplomática, não
por causa de sua relevância econômica, mas devido ao número de “baionetas”, solda-
dos, que podiam colocar em campo de batalha, o exemplo mais visível sendo o da Rús-
sia antes da Revolução de 1917.

Países 1750 1800 1830 1860


Toda a Europa 8 8 11 16
Reino Unido 10 16 25 64
Império Habsburgo 7 7 8 11
França 9 9 12 20
Estados Alemães 8 8 12 15
Estados Italianos 8 8 8 19
Rússia 6 6 7 8
Terceiro Mundo 7 6 6 4
Tabela 5 – Níveis per capita de industrialização. 1750-186072
O índice de comparação é a Inglaterra em 1900, que corresponderia a 100.
Assim, a formação dos grandes exércitos nacionais foi o fator que deu a supre-
macia aos europeus sobre as outras nações. Por sua vez, essa hegemonia também não foi

71
KENNEDY, op. cit. p. 148.
72
Id. p. 148.

107
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

baseada em aspectos meramente técnicos – as armas, fortificações ou navios – pois es-


ses fatores não apresentavam inovações impossíveis para muitos países ditos periféri-
cos, já que eram elementos conhecidos no mundo não europeu, como nos países otoma-
nos. O que resultará na superioridade dos europeus e foi decisivo no seu desenvolvi-
mento, foi uma mudança de mentalidade e, principalmente, de organização e envolvi-
mento da administração centralizada, simbolizada em entidades tais como os Arsenais.

Os Estados passaram a se aparelhar em termos de obtenção do monopólio da vi-


olência legítima por parte do governo, não como um meio, mas como um fim em si
mesmo, 73 se valendo de estruturas de financiamento complexas para levantar e manter
suas forças armadas. O papel das marinhas e exércitos não pode, contudo, ser resumido
ao de uma tradicional história diplomática, de procura de obtenção de vantagens políti-
cas por força das armas, apesar de toda a importância que esse objetivo tenha tido no
resultado final. O mundo é o que é hoje, com valores em larga parte impostos do oci-
dente europeu, justamente por causa da maior eficiência militar dos soldados europeus
na imposição de uma cultura.

Não que a questão técnica fosse inteiramente irrelevante, o efeito indutivo das
guerras para o desenvolvimento técnico e científico do mundo ocidental também já foi
trabalhado em livros74 e o abordaremos no capítulo 5 deste trabalho. Menos trabalhado
foi o papel do surgimento e consolidação das forças armadas nas economias nacionais,
apesar desses efeitos serem conhecidos de longa data. O rei Frederico, o Grande, da
Prússia, em uma das suas cartas com o filósofo d’Alembert, escreveu:

E, depois de tudo, os grandes exércitos não despovoam o campo, nem


fazem faltar braços à indústria. Em todos os países, não pode haver
além de um número de agricultores proporcional às terras que vão cul-
tivar, e certo número de artesãos proporcionais à medida das necessi-
dades; os excedentes se tornam ou mendigos ou salteadores. Mais ain-
da, estes numerosos exércitos fazem circular a moeda e a espalham
nas províncias, com uma distribuição igual, os subsídios que o povo
fornece ao governo.75

73
Este ponto pode parecer polêmico, mas como descrito mais acima, a partir do século XVII, com a Re-
volução Militar, nenhum grande senhor teve condições de desafiar de forma bem sucedida o poder
dos monarcas. Isso, contudo, não implicou em uma mudança conceitual na proposta de que só o go-
verno pode exercer de forma legítima a violência.
74
Entre outros, ver MUNFORD, Lewis. Technics and civilization. New York, Harcourt, Brase and Co.,
1934. p. 81 e segs.
75
CARTA de Frederico da Prússia a d'Alembert, Berlim, 18 outubro 1770. IN: FREDERICO, Rei da
Prússia. Œuvres de Frédéric le Grand. Berlin: Imprimiere Royale: 1854. vol. 24. p. 506

108
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Reconhecemos que a questão dos benefícios econômicos das guerras é muito


discutível, 76 havendo aqueles que afirmam que nenhum conflito se “pagou”, ou seja,
gerou mais renda do que prejuízo. No entanto, é inegável que há benefícios econômicos
de curto prazo no próprio conflito, como o estímulo da economia nacional, redução do
desemprego, uso da capacidade ociosa de produção e assim por diante.

Mais importante nos termos do presente trabalho, a simples presença de tropas


tem um efeito positivo, provendo mercado para “alfaiates, sapateiros, empresas de
transporte, mercantes de alimentos, negociantes de cavalos, vendedores de produtos de
luxo e prostitutas”.77 Em Berlim, em 1740, no início da Guerra da Sucessão Austríaca, a
população civil de setenta mil habitantes tinha que atender uma guarnição de vinte mil
soldados, com óbvios benefícios para os negócios, já que os soldados em casernas não
estavam inseridos em uma economia de subsistência.

Deve-se dizer que as tropas podiam ser usadas para se abastecerem em tempos
de paz, como na própria Prússia, onde os soldados eram dispensados por parte de tempo
para trabalhar nas terras de seus senhores feudais. Algo semelhante acontecia na França,
onde os homens tinham autorização para exercer seus ofícios quando não estavam de
serviço – o que acontecia durante dez meses por ano, neste período eles não sendo pa-
gos pelo governo, tendo que sobreviver por seus próprios meios. 78 Mesmo no Brasil –
raras situações, é verdade –, os soldados tinham permissão para trabalhar na agricultura,
como aconteceu com o regimento enviado de Portugal para Macapá, em 1754. Mas este
era um caso de uma proposta mista, de colonização e defesa, não a situação normal das
tropas do Brasil.

No final, os soldados de toros os países tinham que ser abastecidas pelo governo
quando estavam nos quartéis, às vezes em situações que só podem ser vistas como de
tensão para os recursos locais: durante as guerras holandesas, o Padre Vieira calculava,
de forma subestimada, a população de Salvador em 3.500 pessoas, enquanto a guarnição
da cidade era de 2.500 soldados79 – praticamente um homem no serviço militar para

76
Para uma discussão do tema, ver: GOLDSTEIN, Joshua S. War and Economic History. IN: Mokyr, Joel
(ed.). The Oxford Encyclopedia of economic history. Oxford: Oxford University, 2003. Vol. 5. pp.
215-218
77
CHILDS, op. cit. p. 147.
78
Id. p. 58.
79
VIEIRA, Antônio. Discurso do Padre Antônio Vieira em que persuade a entrega de Pernambuco aos
Holandeses. s.d. [1648]. IN: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LVI, parte
I. Rio de Janeiro: Companhia Tipográfica do Brasil, 1893. p. 42.

109
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

cada morador da cidade, certamente um grande estímulo para a economia local. O efeito
positivo era contrabalançado pelos impostos necessários para manter a tropa, que, de um
ponto de vista moderno, de “estado mínimo”, seriam considerados como “gastos esté-
reis”, mas não há dúvida que eram necessários – o documento de Vieira foi escrito em
1648, pouco tempo depois da Companhia das Índias Ocidentais ter mantido o Recônca-
vo baiano sob cerco, com uma frota estabelecida na ilha de Itaparica por vários meses.

Por sua vez, o abastecimento das forças foi se tornando cada vez mais complica-
do, à medida que as necessidades das forças foram aumentando. Não bastava mais sim-
plesmente alimentar os soldados: como já foi dito, era necessário fornecer uma série de
outros elementos, como armas, uniformes e equipamentos, de forma que os governos
começaram, crescentemente, a criar sua própria estrutura manufatureira, gerando em-
pregos nas cidades.

Dessa forma, a montagem de modernos mecanismos administrativos foi uma das


consequências e fator necessário para a criação dos estados nacionais modernos. Sem
impostos não se poderia pagar a força ou levantar fortificações e construir navios. Um
grande pessoal burocrático ligado aos governos era necessário para gerir a arrecadação e
gastos desses impostos para a construção de um aparato logístico que fornecesse as for-
ças sustentadas por esses impostos, recolocando no mercado os recursos arrecadados.
Isso criava um ciclo de retroalimentação, um fator sustentando o outro onde, no final,
todos os aspectos da vida cotidiana passaram a ser acompanhados pela burocracia esta-
tal, até os dias de hoje, apesar da questão não estar mais ligada diretamente à assuntos
militares.

A articulação desse processo com nossa proposta de trabalho pode não parecer
evidente, mas quando falamos de uma estrutura burocrática necessária para a formação
de grandes exércitos e marinhas, não estamos tratando apenas de salários. A questão do
pagamento direto às tropas, por incrível que pareça, não é um fator decisivo no funcio-
namento das tropas não mercenárias. No entanto, a arrecadação de recursos é de funda-
mental importância para sustentar as forças em campanha e para prepara-las para as
operações, com a compra de uniformes, equipamentos e armas, o que, no caso do Brasil,
era feito pelo Arsenal de Guerra. Além disso, era necessário um aparato governamental
para distribuir esses recursos para as tropas, tudo demandando pessoal e impostos.

110
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

3.5 Necessidades logísticas – Portugal e Brasil


3.5.1 A vida sobre permanente tensão
A supremacia militar é uma questão ambígua para a história de Portugal. Por um
lado, o assunto foi fundamental importância para garantir a posse da Ásia de seu impé-
rio asiático, através de navios e fortes bem superiores aos de seus oponentes asiáticos.
Por outro lado – e de forma aparentemente contraditória –, os assuntos militares não
eram uma prioridade para o país: como não podia, por si, ter uma política agressiva con-
tra a Espanha, o único país com que tinha fronteiras, sua diplomacia usual era a de evi-
tar conflitos. O que acontecia era exatamente o oposto da França e Prússia: o exército
não era uma ferramenta diplomática para os portugueses, pelo contrário, pelo menos em
assuntos metropolitanos. Com isso, a qualidade das tropas sofria, ainda mais quando se
leva em consideração que, no século XVIII, o exército espanhol, o oponente regular dos
lusitanos, não era das melhores, não sendo um inimigo formidável, que obrigasse a ma-
nutenção de um aparato militar de primeira qualidade para a defesa do reino.

O resultado de uma conjuntura desfavorável foi que as forças armadas de Portu-


gal passavam por longos períodos de estagnação e decadência, que tinham que ser re-
solvidos, muitas vezes, de forma emergencial e com apoio estrangeiro: a guerra de res-
tauração (1640-1668) foi vencida com o apoio inglês e francês e sob o comando de um
general alemão a serviço dos franceses, Friedrich Hermann von Schomberg. Na Guerra
da Sucessão Espanhola (1701-1714), houve uma pesada participação inglesa nas opera-
ções militares – apoio resultante dos famosos tratados de Methuen, tão vantajosos para a
economia Inglesa, mas que tiveram suas origens nas necessidades militares lusitanas80.
Na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), o exército português teve que ser novamente
reorganizado por um estrangeiro, o alemão Conde de Schaumburg-Lippe. Finalmente,
nas guerras napoleônicas as forças armadas portuguesas foram incapazes sequer de fa-
zer uma demonstração de força, o país sendo ocupado pelos franceses sem resistência, o
exército de lá tendo que ser, mais uma vez, novamente reorganizado por estrangeiros,
sob o comando de Wellington. Não era uma questão de números: as forças armadas

80
Apesar dos efeitos de longo prazo do tratado de comércio, ele era apenas uma parte dos textos assina-
dos. Com três artigos, é muito mais sucinto que os dois tratados militares assinados então, que lidam
com as operações bélicas na Espanha e das vantagens prometidas para Portugal por sua participação
no conflito, inclusive a garantia de posse da Colônia de Sacramento. BATISTA, Felipe de Alvaren-
ga. Os tratados de Methuen de 1703: guerra, portos, panos e vinhos. Dissertação de mestrado. Rio
de Janeiro: UFRJ, Instituto de Economia, 2014 (mimeo). pp. 114 e segs.

111
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

lusitanas eram consideráveis (ver Gráfico 11), quando vemos as dimensões e população
do país. Mas não se pode dizer que era uma força eficiente ou mesmo atualizada.

Efetivos do exército Português

70000

60000

50000

40000

30000

20000

10000

Gráfico 11 – Evolução dos efetivos do exército Português. 81


Não inclui Milícias e Ordenanças.
Para o Brasil, um dos resultados desse descaso com uma direção centralizada da
metrópole em assuntos militares era que cada capitania cuidava de sua defesa, não ha-
vendo uma cooperação regular entre elas, apesar da intenção do governo central em
realizar essa coordenação.82 Na verdade, as elites locais tinham uma autoridade muito
grande, já que os recursos para a defesa eram levantados em cada capitania, estas po-
dendo até contestar as ordens da administração central. Em 1618 o governador geral, em
visita à Paraíba, determinou a construção de um novo forte na localidade, fornecendo
três mil cruzados para a construção, pois a Paraíba era uma capitania do rei. Essa quan-
tia era insuficiente, contudo, os moradores devendo aceitar um imposto especial – só
que foi eleita uma comissão especial de colonos para analisar o assunto, que acabou
votando por pagar uma quantia menor, em um espaço maior de tempo, condições que o
governo teve que aceitar.83

Essa autonomia tinha grandes implicações militares, que afetaram toda a história
do Brasil colonial e, mais além, continuariam a ter efeitos por quase toda a primeira

81
MARQUES, Fernando Pereira. Exército e sociedade em Portugal: no declínio do Antigo Regime e
advento do Liberalismo. Lisboa: A regra do Jogo, 1981. p. 306.
82
Tal intenção é observável nos Regimentos dos Governadores Gerais, como o de Tomé de Souza. RE-
GIMENTO DE TOMÉ DE SOUZA, op. cit.
83
BRASIL- Governo geral. Auto que mandou fazer o Sr. governador e capitão geral deste estado do Bra-
sil dom Luís de Souza sobre o forte novo que sua majestade ordena se faça, para fortificação do por-
to desta capitania. IN: LIVRO PRIMEIRO do Governo do Brasil, 1607-1633. Rio de Janeiro: Minis-
tério das Relações Exteriores, 1958. p. 255.

112
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

metade do século XIX. Ao contrário do que coloca a historiografia militar, não havia
um “exército brasileiro”. Os livros de história escritos pelas forças armadas colocam as
origens da força no “compromisso de honra”, assinado por moradores de Pernambuco,
em 1645, se comemorando o dia 19 de abril de 1648, quando foi travada a batalha de
Guararapes, como o “dia do Exército brasileiro”, mas isso é uma construção que não
tem relação com a realidade. Sequer havia um “Exército português no Brasil”: cada re-
gião84 respondia, sozinha, por sua defesa, não havendo um esforço coordenado em caso
de necessidade. Sintomático disso são os bandeirantes paulistas, que quando atuavam
como parte de um programa militar governamental fora de sua região de origem, como
nas guerras contra Palmares ou contra os indígenas no Açu, faziam isso visando o lucro
pessoal e não como tropas do rei. Daí se explica a relutância deles em participar nas
guerras holandesas, onde não havia lucros a serem obtidos, os paulistas preferindo sa-
quear as reduções hispânicas que, no período da União das Coroas Ibéricas, eram parte
da mesma monarquia.

As unidades militares eram levantadas e mantidas localmente, sendo também


sustentadas por impostos administrados pelas câmaras municipais, não havendo contato
maior entre as tropas de uma capitania e outra. Até a formação de oficiais técnicos, feita
nas Aulas de Fortificação e Arquitetura Militar, eram regionalizada, com cursos nas
principais capitanias: Pará, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. O isolamento militar
implicava que um oficial que entrasse em uma unidade de uma capitania teria que fazer
toda a sua carreira nela, sem maiores contatos com as outras regiões do Brasil. Isso im-
pedia que fossem criados laços entre as capitanias e impossibilitava um treinamento
padronizado para os soldados. Um problema muito grave nas capitanias mais pobres,
onde havia menos tropas e, portanto, os soldados eram mais sobrecarregados com o
serviço diário não militar, de policiamento, atender aos governadores, cobrança de im-
postos, transporte de correio e assim por diante.

As consequências desse sistema foram que, como dissemos, não havia um exér-
cito unificado na colônia e, portanto, era muito difícil implantar uma grande infraestru-

84
No século XVII se consolidou um sistema em que havia capitanias principais e subordinadas, em ter-
mos militares: Maranhão e Pará, com o Piauí; Pernambuco, controlando toda a costa do Nordeste, do
Ceará até a área que viria a ser a província de Alagoas; a Bahia sendo responsável pela defesa de
Sergipe e Espírito Santo, enquanto o Rio de Janeiro se encarregava dos assuntos militares da costa
Sul. PORTUGAL – Decreto de 3 de setembro de 1810. Torna o Espírito Santo independente da Ba-
hia em termos militares. Estas capitanias centrais foram os locais onde mais tarde se estabeleceram
arsenais.

113
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

tura logística no Brasil. Apesar da presença militar ser muito significativa, era fragmen-
tada, como se no Brasil houvesse vários pequenos exércitos e não um maior. Dessa
forma, não havia um grande arsenal, estaleiro ou fábrica de armas, somente algumas
experiências locais, de menor impacto. São os casos da fábrica de pólvora na Bahia no
século XVIII 85 e de uma fundição de artilharia em Pernambuco no século anterior, sen-
do que há muito poucas informações sobre estas, de forma que não se sabe com certeza
se sequer chegaram a funcionar regularmente.86 Isso se entende quando percebemos que
não havia demanda suficiente em cada capitania para justificar investimentos na área
manufatureira militar, ainda mais considerando que a metrópole podia suprir diretamen-
te as necessidades locais.

Mesmo assim, havia necessidade de se fazerem gastos com a defesa: a pequena


presença portuguesa, especialmente a naval, tornava a colônia um alvo tentador para um
ataque estrangeiro. De fato, a história do Brasil pode ser vista como de permanente con-
flito, externo ou interno: no início da colonização (1500 a 1548), além da ameaça de
ataques indígenas, como o que destruiu a feitoria implantada por Américo Vespúcio no
Rio de Janeiro, havia a ação de comerciantes estrangeiros na costa, piratas e corsários.

A partir de 1548, no período do Governo Geral, o perigo de guerras contra os na-


tivos continuou, adicionado ao da revolta de escravos, a possibilidade de invasões es-
trangeiras, como a do Rio de Janeiro entre 1555 e 1567. Isso sem contar a permanente
ameaça de ataques de corsários e mesmo simples de piratas, que podiam fazer incursões
contra o país – Salvador, a capital do Brasil, sofreu um assalto desse tipo, em 1720,
quando o pirata “Black Bart”, roubou um navio carregado de ouro dentro do porto da
cidade.87

Com a União das Coroas Ibéricas (1580-1640), o risco de uma investida estran-
geira cresceu de forma, literalmente, assustadora para os moradores. Portugal passou a
ter os mesmo inimigos da Espanha – as Províncias Unidas, Inglaterra e França –, e com
isso aumentou o risco da colônia ser investida por corsários desses países, potências

85
PLANTA, Profil, fachada e a metade do telhado da casa, em que se fabricou a pólvora na Cidade da
Bahia. 1751. Mss. AHU, Lisboa. Cópia disponível no Arquivo do IPHAN.
86
Sobre a fundição de Pernambuco há alguns documentos de época, como: MORENO, op. cit. Um artigo
do Diário do Rio de Janeiro, de 1862, menciona dois canhões fundidos em 1630 na Bahia, mas não
encontramos outros dados sobre isso. Cf. A exposição Nacional. Diário do Rio de Janeiro, 16 de
março de 1862. p. 1.
87
JOHNSON, Charles. A general history of the robberies & murders of the most notorious pirates. Lon-
don: Conway, 2009. p. 171.

114
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

navais. Isso ocorreria em diversos casos, como nas expedições lideradas por Robert
Withrington e Christopher Lister, que em 1587 ficaram um mês e meio pilhando o re-
côncavo da Bahia de todos os Santos. Quatro anos depois, Thomas Cavendish atacou
Santos, em 1595 Lancaster saqueou Recife durante um mês e Oliver Van Noort fez uma
tentativa contra o Rio de Janeiro em 1599. 88 No início do século XVII haveria outra
intervenção francesa, desta vez no Maranhão, a França Equinocial.

Uma ameaça ainda mais séria ocorreu por essa época, as guerras holandesas, que
marcaram profundamente todo o século XVII. Nesse momento, o tamanho, intensidade
e frequência dos ataques, cresceu – os neerlandeses fundaram seus primeiros fortes no
Brasil, no Amazonas, em 1599 e de 1630 a 1654 eles dominariam boa parte do Nordeste
Brasileiro. A expulsão dos invasores do Recife naquele último ano não terminaria o
conflito, o que só ocorreria com a assinatura de um tratado de paz, nove anos depois. A
Guerra da Restauração contra a Espanha só acabaria em 1668, mas não houve pausa nos
embates que ocorriam no território brasileiro: já tinha começado a campanha que levaria
à destruição de Palmares (1667-1695), seguida da Guerra do Açu (1687-1720), contra
os indígenas no Nordeste do País – isso sem falar na construção da Colônia de Sacra-
mento (1680) e o imediato contra-ataque espanhol que se seguiu.

Em termos de uma ameaça europeia, mesmo sem Portugal ter participado ofici-
almente das hostilidades, houve a Guerra da Grande Aliança (1688 a 1697), com ações
militares no norte, como a destruição, pelos franceses, dos fortes de Cumaú e Parú no
Amapá e Pará, criando uma sensação de risco no resto do Brasil. O mesmo ocorreu na
guerra da Sucessão Polonesa (1733-1738), quando a França ocupou Fernando de Noro-
nha e os espanhóis colocaram a Colônia de Sacramento sob cerco.

No início do século XVIII houve a Guerra da Sucessão Espanhola (1702-1714),


na qual Portugal participou, com consequências nas Américas: a Colônia de Sacramento
foi novamente sitiada (1704-1705) e houve os ataques e saque do Rio de Janeiro pelos
Franceses (1710-1711). Esta guerra é interessante para ilustrar a percepção de risco, que
gerava a sensação que defesas eram necessárias: em Salvador, o medo de um ataque
francês depois do saque do Rio de Janeiro em 1711 resultou no “Segundo Motim do
Maneta”, uma revolta popular exigindo que o governo aperfeiçoasse as defesas da cida-

88
BERGER, Paulo et alii. Incursões de corsários e piratas à costa do Brasil – 1500-1622. IN: História
Naval Brasileira. Vol. I, Tomo II. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação Geral da Marinha,
1975. 486 e segs.

115
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

de,89 ainda que isso isso representasse mais impostos para a cidade. Essa sensação de
medo e de a defesa das comunidades ser necessária gerou o grande número de fortes
construídos no Brasil.

Podemos continuar com essa lista de ameaças por todo o século XVIII, como a
Guerra dos Sete Anos (1756-1763), com a tomada da Colônia de Sacramento e a do Rio
Grande do Sul; a contra os espanhóis no Sul (1763-1777), nunca declarada, mas repleta
de ações militares; finalmente as da Revolução Francesa e Napoleônicas (1794-1815),
com alguns corsários atuando o Brasil. 90

Mesmo quando não havia uma fonte de tensão aberta, questões diplomáticas fa-
ziam com que a coroa – e a população – estivesse sempre em atenção contra uma possí-
vel invasão de outra potência, como quando o marquês de Pombal alertou o vice-rei
conde da Cunha “no caso de fazerem os ingleses uma expedição contra o Rio de Janei-
ro”,91 temeroso que os britânicos tentassem se apoderar do ouro das Minas Gerais, ape-
sar da longa tradição de aliança entre os britânicos e Portugal.

O Século XIX havia a ameaça de ataque francês, além da invasão paraense da


Guiana Francesa (1809) e as operações no Uruguai contra as forças que buscavam a
independência do país, em 1812. Isso foi seguido da campanha de corsários platinos
contra o Brasil (1817-1821), por causa da incorporação da Província Cisplatina (1816),
e as revoltas em Pernambuco em 1817 e 1824.

3.5.2 O Brasil, país de conflitos


A Independência do Brasil não levaria à uma situação de paz, começando com a
esquecida Guerra de Independência (1822-1826), que mobilizou as defesas do Brasil
como nunca tinha acontecido antes, seguida da campanha contra as Províncias Unidas
do Rio da Prata, em torno da posse do Uruguai (1825-1828).

89
ROCHA PITA, Sebastião da. História da América Portuguesa. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976, p. 200.
90
Um caso de corsários atuando nas costas do Brasil, na Bahia, pode ser visto em: FIEL relação do que
obrou a nação francesa nesta freguesia de Santa Cruz, desde o dia 8 até o dia 12 do mês de agosto
deste ano, e do valor e grandeza com que aqueles poucos moradores lhe impediram o paço. S. l.
(1796). Mss. BN, I – 4,2,38 e PORTUGAL – Rei. Provisão Régia dirigida ao Governador e Capitão
Geral da Bahia, determinando sejam premiados os oficiais da relação inclusa, que se distinguiram
na luta contra os franceses que atacaram a Coroa Vermelha nesta Capitania e castigados os que
não quiseram lutar. Lisboa, 25 de setembro de 1798. Mss. BN, II – 33,29,3.
91
PORTUGAL – Carta régia de 20 de junho de 1767 para o conde da Cunha. In: WINZ, Pimentel. Histó-
ria da Casa do Trem. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1962. p. 523.

116
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

O período da Regência (1831-1840) seria marcado por uma série de rebeliões,


que se estenderiam por longo tempo: Cabanagem (PA), Balaiada (MA e PI), Sabinada
(BA), Guerra dos Farrapos (RS e SC), Carneiradas (PE), Revolta do Guanais (BA), In-
surreição do Crato (CE), Abrilada e Novembrada (PE), Setembrada (PE e MA), Revolta
de Carrancas (MG) e Rusgas (MT). Estas rebeliões, contudo, não se interromperam com
a coroação de Pedro II: a Farroupilha continuaria até 1845 e ainda estourariam a Revolta
Liberal de 1842 (MG e SP), Revolução Praieira de 1848 (PE).92

Depois da estabilização interna, o Império se envolveu em intervenções no Prata


em 1851-1852, 1854 e 1864 (Uruguai), 1856 e 1857-1858 (Paraguai). Estes últimos são
incidentes importantes, apesar de pouco conhecidos: na ameaça, não concretizada, de
um conflito contra o Paraguai em 1857, foram comprados 11 navios e uma imensa
quantidade de armamento – foram autorizados gastos de 250 contos (250 milhões de
réis) para a compra de fuzis, clavinas e pistolas, 93 além de se manter um exército de
9.700 homens no Rio Grande do Sul, suplementado por outro de 2.700 no Mato Gros-
so.94 Nesse momento, o Arsenal de Guerra da Corte foi reequipado e o Arsenal de Mato
Grosso, ampliado.

Tudo isso sem tratar das ocasiões em que se cogitou entrar em guerra com a In-
glaterra em 1844 (Questão do Pirara), 1850 (Tráfico de Escravos) e 1863 (Questão
Christie), eventos em que o Império chegou a se preparar seriamente para um conflito
com a grande potência do período, mesmo que com poucas chances de vencer. Como
escreveu o ministro da guerra em 1844, ao falar contra a incorporação pelos britânicos
da região do Pirara, em Roraima: “antes ser vencido do que atentar contra a honra e a
dignidade nacionais”, 95 uma opção belicista, mesmo que no final o território tenha sido
cedido.

92
DONATO, Hernani. Dicionário das Batalhas Brasileiras. São Paulo: IBRASA, 1987.
93
BRASIL – Ministério da Guerra. Nota da quantidade e qualidade de armamento, equipamento, pólvora
e outros objetos cuja compra ou ajuste se encarrega de fazer na Europa o Major de Engenheiros
Francisco Primo de Sousa Aguiar. Jerônimo Francisco Coelho, ministro da guerra. Rio de Janeiro,
12 de agosto de 1857. Mss. ANRJ. IG7 376. Este valor pode ser atualizado monetariamente para a
quantia de cem milhões de dólares de hoje.
94
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. La “cuasi guerra” de 1857-1858: Movilización brasileña para
atacar Paraguay en las negociaciones de navegación fluvial. In: CASAL, Juan Manuel. Paraguay:
investigaciones de historia social social y política (II). Estudios en homenaje a Jerry W. Cooney. IV
Jornadas Internacionales de Historia del Paraguay en la Universidad de Montevideo. Asunción:
Tiempo de Historia/Universidad de Montevideo, 2016. pp. 107 e segs.
95
CALÓGERAS, Pandiá. A política exterior do Império. Vol. III. Da Regência à queda de Rosas. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933, p. 312.

117
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

O que é importante apontar nessa longa lista de conflitos e ameaças é o quanto o


Brasil teve de paz em relação aos períodos de tensão: em 370 anos de história, de 1500 a
1870, o País teve menos de 60 de relativa tranquilidade – e frisamos o termo “relativa”,
pois não falamos do risco de revoltas de escravos, uma preocupação constante da socie-
dade do período. Ou seja, ao contrário da noção comum, aproximadamente cinco em
cada seis anos de história do Brasil foram de medo que atividades militares, revoltas ou
rebeliões poderiam resultar em ataques, destruição e mortes.

Cabe também notar que parece ser evidente que concentrar o estudo do papel das
forças armadas apenas nos momentos em que houve combates é arriscado, pois isso não
se encontra apoiado numa realidade concreta da situação vivenciada no Brasil. Mesmo
que as ameaças não afetassem todo o país, é importante levar em conta que as pessoas,
na época, muitas vezes não tinham ciência de que um problema militar era regional e
não “nacional” – a inteligência militar não era tão boa assim, como ainda não é, diga-se
de passagem. Em 1777, quando os espanhóis atacaram Santa Catarina, os moradores do
Brasil e a administração colonial não sabiam que a expedição era destinada para lá, ou
para Salvador, Rio de Janeiro ou Recife. Avisos foram emitidos para todos os governa-
dores de capitanias se prepararem para um ataque. Nada menos do que dezesseis fortifi-
cações temporárias sendo erguidas em Salvador, para lidar com a eventualidade de um
ataque espanhol naquele ano.96

Gráfico 12 – Quadro mostrando das guerras em território brasileiro.


A existência de conflitos abertos – ou a ameaça de eclosão deles – foram fatores permanentes na história
do País até a segunda metade do século XIX.
Dessa forma, ao contrário do mito muito comum, de que o brasileiro seria um
povo “pacífico”, havia um permanente estado de tensão e medo de um ataque, rebelião

96
CASTRO (2013), vol. 2, pp. 59 e segs.

118
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

ou mesmo uma invasão, o que justifica o altíssimo nível de participação militar na soci-
edade.

3.5.3 Milícias, Ordenanças, Guarda Nacional: o apoio ao exército.


Desta questão do medo permanente e generalizado se entende a ideia original de
Portugal, de que todos os moradores, de 15 a 60 anos, estariam sujeitos ao serviço mili-
tar e nas ordenanças, uma forma de milícia criada em 1570 e que dependia da adminis-
tração municipal.97 Mais tarde, seriam criados os auxiliares, outro tipo de milícia, me-
lhor organizada e efetiva do que as ordenanças, esta devendo ser treinada por oficiais
designados pelo governo e receber armamentos fornecidos pelos Arsenais, os soldados
sendo pagos em caso de mobilização e controlados pelo governo das capitanias.

Em 1831, as ordenanças e milícias foram substituídas pela Guarda Nacional. Es-


ta era uma força que estaria menos sujeita ao governo central, sendo mais uma ferra-
menta dos poderes locais. Apesar dos muitos inconvenientes que essa organização tra-
zia, a Guarda funcionou até certo ponto, exercendo funções policiais e militares, como a
vigilância de estabelecimentos do governo, no combate de revoluções ou na substituição
do exército nas fortalezas. Isso ocorreu especialmente na guerra do Paraguai, quando
foram mobilizados 14.000 guardas nacionais para substituir o exército, que tinha sido
enviado para o teatro de operações.

A força podia até fazer intervenções no estrangeiro: quando das ameaças de in-
vasão ao Paraguai em 1855 e 1857, a Guarda Nacional do Rio Grande do Sul e do Mato
Grosso foi mobilizada – 5.192 deles no Rio Grande do Sul, 98 sendo que para isso fosse
possível foi necessário que o governo baixasse um decreto, de questionável legalidade,
autorizando o emprego dos guardas no Exterior. Finalmente, na Guerra do Paraguai,
muitos batalhões de Voluntários da Pátria foram formados com base em unidades da
Guarda e a quase totalidade da cavalaria do exército em operações era de regimentos de
Cavalaria da Guarda do Rio Grande do Sul. Nas vésperas da Guerra do Paraguai, o rela-
tório do Ministério da Justiça aponta a existência de 107.116 Guardas,99 (ver Gráfico

97
Cf. LIMA, Henrique de Campos Ferreira. O exército Português. Porto: Livraria Lello, 1928.
98
RIO GRANDE DO SUL – Governo da Província. Informe do presidente da província de S. Pedro do
Rio Grande do Sul, Angelo Moniz da Silva Ferraz, apresentado à Assembléia legislativa provincial
na 1ª Sessão da 8ª Legislatura. Porto Alegre: Tipografia do Correio do Sul, 1858. p. 67.
99
FORÇA da Guarda Nacional, conforme os mapas que tem recebido essa secção. João Pedro de Almei-
da Franco. BRASIL – Ministério da Justiça. Relatório do ministério da justiça apresentado à assem-
bleia geral legislativa na terceira sessão da décima segunda legislatura pelo respectivo ministro e
Continua –––––––

119
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

13) apesar de esse número ser, ao mesmo tempo, parcial e pouco confiável, já que seria
praticamente impossível mobilizar toda essa força.

Mesmo considerando os problemas, os efetivos da Guarda podiam ser impressi-


onantes: em 1851, na crise da guerra contra Oribe e Rosas, o “mapa da força” do exérci-
to aponta que havia em serviço 20.048 soldados em serviço, abaixo do limite aprovado
para o serviço extraordinário, que seriam 27.000 homens. Mas a força era suplementada
por 8.323 guardas nacionais destacados,100 o equivalente a 41,5% do efetivo das tropas
regulares mobilizadas, um valor que não pode ser desprezado.

Guarda Nacional - 1864

60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
AL AM MT ES PB SC Corte CE PA RN SE PI PA SP RJ MG RS BA PE

Províncias

Gráfico 13 – Distribuição da Guarda Nacional no Império.101


O gráfico, feito às vésperas da Guerra do Paraguai apesar dos números impressionantes, deve ser visto
com muito cuidado, pois não representa a realidade da força. Na verdade, a própria estatística é falha,
como o mapa demonstra, não registrando várias unidades pelas províncias e sequer listando as forças de
Goiás e Maranhão. Na prática, em ocasiões de conflito, a mobilização da Guarda sempre foi muito com-
plicada.
De qualquer forma, dois pontos são importantes quando consideramos a força:
em primeiro, o serviço da Guarda na primeira metade do século não pode ser confundi-
do com que ocorreria depois, quando ela passou a ser vista mais como um local de car-
gos honoríficos, para os famosos “coronéis”. Pelo menos em seu período inicial, era
uma tropa real, cuja existência afetava boa parte da população. Em segundo lugar, ape-
sar dos uniformes terem de ser adquiridos pelos próprios guardas, a menos que estes
Continuação–––––––––––
secretário de estado. Francisco José Furtado. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1865. Anexo H,
p. 2.
100
BRASIL – Ministério da Guerra. Mapa da Força do exército conforme os últimos mapas parciais.
Libanio Augusto da Cunha Matos, 1 de abril de 1851. IN: BRASIL – Ministério da Guerra. Relató-
rio apresentado à assembleia geral legislativa na quarta sessão da oitava legislatura, pelo ministro
e secretário de estado dos negócios da guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro:
Tipografia Nacional, 1852.
101
FORÇA da Guarda Nacional, 1865, op. cit..

120
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

estivessem “destacados”, seu equipamento e armamento eram para ser fornecido pelo
governo, como no caso das milícias. A administração central sendo, em última instân-
cia, a responsável pelo abastecimento dessa força, um encargo para o sistema logístico
militar.102

3.6 O exército no Brasil

Quanto ao Exército propriamente dito, infelizmente a historiografia das próprias


forças armadas nunca se preocupou em levantar o tamanho e composição das tropas no
período colonial103 e, mesmo com relação ao Império, os dados existentes não são dos
mais completos. 104 Dessa forma, não temos as bases para saber qual foi o real impacto
da tropa na sociedade, a não ser por alguns dados isolados, quase de natureza anedótica,
mas que mostram que sempre houve um forte impacto das questões militares no cotidi-
ano do País. Por exemplo, quando da implantação do Governo Geral, Tomé de Souza
trouxe uma tropa de 600 homens, 105 assim como instruções para a construção de embar-
cações de patrulha, mostrando uma intenção da metrópole em assumir um papel inter-
vencionista nos assuntos da colônia.

Essa ação mais direta não se efetivou, por uma série de fatores, inclusive a resis-
tência local, pois as câmaras, como dissemos, financiavam com os impostos recolhidos
localmente as questões de defesa, não querendo perder o controle que isso permitia.
Nunca foi criado um “cofre centralizado”, que recolhesse os impostos das diversas capi-
tanias, redistribuindo o dinheiro para as regiões mais necessitadas. Os donatários das
capitanias que tiveram sucesso, especialmente a de Pernambuco, também sempre foram
muito ciosos de suas prerrogativas, restringindo as possibilidades do governo central.
Quando da criação do Governo Geral, em 1548, os colonos e o donatário de Pernambu-

102
Os armamentos da Guarda Nacional deveriam ser fornecidos pelo Ministério da Justiça. Na prática as
armas era repassadas pelo arsenal de Guerra ao Ministério da Justiça, que as entregava às unidades
da Guarda. Um desses casos pode ver no preparo de unidades Catarinenses durante a Revolução Far-
roupilha, o ministro da Guerra mandando fornecer, por conta do Ministério da Justiça, instrumentos
para oito batalhões de infantaria e dois corpos de cavalaria, bem como outros itens. BRASIL – Arse-
nal de Guerra. Aviso do Ministro, José Clemente Pereira, ao Diretor do Arsenal de Guerra, José dos
Santos Oliveira sobre o fornecimento de equipamentos e armas. Rio de Janeiro, 13 de junho de
1841. Mss. Arquivo Nacional. IG7 327.
103
Isto pode ser visto numa das histórias oficiais do Exército: BRASIL – Estado-Maior do Exército. His-
tória do Exército Brasileiro: perfil militar de um povo. Rio de Janeiro: IBGE, 1972. 3 vols. e O
EXÉRCITO na história do Brasil. Rio de Janeiro, BIBLIEX: Salvador, Odebrecht, 1998. 4 vols.
104
Ver: REGO MONTEIRO, Jônatas do. O Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar, 1939.
105
CARNEIRO, Edson. A Cidade do Salvador. Rio de Janeiro: Organização Simões, 1954. pp. 128-143.

121
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

co conseguiram até que o Rei proibisse a ida do governador geral para a capitania.106
Finalmente, a própria proposta militar para o Brasil, que enfatizava a ação local, não
amparava esforços centralizadores.

Entretanto, o tipo de organização social e militar usando os recursos locais não


era ineficiente: moradores de São Vicente foram os responsáveis, já no século XVI, pela
expulsão dos franceses do Rio de Janeiro, com apenas uma pequena ajuda do governo
geral. Colonos de Pernambuco fizeram a expansão para o Amazonas, conquistando o
território aos indígenas e vencendo a presença estrangeira, sucessivamente, na Paraíba,
Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Pará. Deve-se observar que nessas duas últi-
mas capitanias havia uma grande presença estrangeira: os franceses tinham três fortes
em São Luís e havia quinze fortes holandeses, ingleses e irlandeses no Pará e Amapá.107
Mais tarde, os paulistas, em busca de escravos, descobriram metais preciosos em Minas
Gerais e Mato Grosso, levando à ocupação dessas áreas.

O resultado foi um esforço militar de natureza diferente do feito na Europa, na


Ásia Portuguesa ou mesmo nas outras colônias europeias nas Américas. Por exemplo,
um caso importante para entender a Revolução militar e os investimentos feitos na cria-
ção de uma estrutura militar eram as fortificações. No entanto, como Portugal não cen-
tralizava as decisões militares para o Brasil, essas defesas eram feitas de acordo com os
recursos disponíveis em um momento de tensão e tendo em vista os projetos de gover-
nadores, influenciados pelas câmaras, que tinham que arrecadar os impostos. Assim, ao
contrário da Ásia, onde no século XVII se conheciam 45 praças fortes de grande porte,
no Brasil só houve sete cidades muradas durante todo o período colonial, e a manuten-
ção dessas defesas só foi levada a sério na Colônia de Sacramento, ante a ameaça per-
manente dos espanhóis vindos de Buenos Aires. A autonomia local também resultou em
projetos de má qualidade, conforme foi apontado ainda no próprio século XVIII pelo
general Böhm, enviado para modernizar o exército colonial, quando comentou sobre as
defesas do Rio de Janeiro, a sede do vice-reinado:

Gastei o tempo que me restava para fazer uma visita aos fortes e forta-
lezas nesta cidade e na baía, mas seu número é excessivo, quase como
que cada governador teve vontades diferentes das de Seus Antecesso-
res, deixando pela metade os trabalhos que cada um começou, para

106
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Governo Geral. IN: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do
Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000. p. 265.
107
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Muralhas de pedra, canhões de bronze, homens de ferro: forti-
ficações do Brasil, 1503-2006. vols 1 a 3. Rio de Janeiro: FUNCEB, 2013. pp. 25 e segs.

122
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

construir outros, de acordo com os planos de defesa, que ele mesmo


tinha feito; um terceiro fez outro tanto e desta forma as fortificações (a
maior parte das quais foi feita por oficiais talvez zelosos, mas sem
grandes conhecimentos) se acumularam e o que era necessário foi
desprezado.108
Por sua vez, a ausência de um projeto militar claro resultava em investimentos
feitos sem muita ordem. Muitas vezes, como colocou o general Böhm, os governadores
seguiam suas vontades ou das elites locais em projetos de defesa voltados para interes-
ses estritamente paroquiais. Foi feito um imenso número de fortes – pelo menos 1.200
em áreas controladas por portugueses na América do Sul. 109 Só que em termos adminis-
trativos, o extenso sistema de fortificações era um pesadelo: em longo prazo era caro,
ineficiente, desperdiçava recursos e dispersava os esforços de defesa. Contudo, era uma
consequência do modelo militar implantado no Brasil no período das capitanias heredi-
tárias. Salvador teve sete conjuntos de muralhas, as obras tendo que ser periodicamente
refeitas a cada ameaça de guerra. A razão disso sendo que os moradores não aceitavam
as limitações impostas pelos muros e defesas externas, que impediam o crescimento
urbano,110 de forma que os próprios habitantes contribuíam para derrubar as muralhas
uma vez que a sensação de perigo tivesse passado.111 Obviamente, era um sistema que
representava um esbanjamento de recursos, já que essas muralhas eram grandes empre-
endimentos de engenharia. Mas não havia uma autoridade local capaz de decidir e man-
ter um programa de construção de fortificações coerente – era mais fácil fazer uma obra
nova em um momento de risco do que aceitar o custo político e financeiro da manuten-
ção de uma antiga, que incomodava as elites das vilas e cidades.

Como as fortificações construídas no Brasil não eram eficazes e como as milí-


cias locais não eram confiáveis, pelo menos em um embate inicial, a solução foi aumen-
tar as forças regulares. Por volta de 1760 havia tropas espalhadas desde o Rio da Prata
108
CARTA de João Henrique Böhm ao conde de Oeiras, julho de 1767, citada em MAGALHÃES, J. B.
A defesa do Rio de Janeiro no Século XVIII (estudos e obras de época). IN: Revista Trimestral do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 200, 1948. pp. 7-8.
109
Este é um trabalho em andamento, mas já foi levantado um número ligeiramente maior do que 1.200
fortes no Brasil. CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Muralhas de pedra, canhões de bronze, ho-
mens de ferro: fortificações do Brasil, 1503-2006. Vol. 3. Rio de Janeiro: FUNCEB, 2015.
110
Para mostrar como a exigência de não construir fora das muralhas podia ser um custo para as cidades,
em Gênova, onde se mantinham as fortificações de forma eficaz, por falta de espaço dentro das mu-
ralhas os cidadãos foram obrigados a construir prédios residenciais de até dez andares de altura, nu-
ma época em que não havia elevadores. CHILDS, op. cit. p. 147.
111
Um caso sintomático é o de 1725, quando a câmara municipal do Rio de Janeiro pediu autorização ao
rei para construir casas fora do muro, o que foi negado. Mesmo assim, a muralha da cidade foi anu-
lada pela expansão urbana do Rio de Janeiro. CAVALCANTI, Nireu Oliveira. O Rio de Janeiro Se-
tencentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte. Rio de Ja-
neiro: Jorge Zahar, 2004. p. 51.

123
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

(o Regimento da Colônia de Sacramento), até o Amapá, um levantamento preliminar


apontando para a existência de 24 regimentos,112 mais tropas isoladas, como os esqua-
drões de cavalaria em várias capitanias, com o efetivo de mais dois regimentos, assim
como regimentos de artilharia em algumas outras capitanias. Se formos trabalhar com
os efetivos completos, essas tropas representariam haver pelo menos 17.000 soldados no
Brasil, forças consideráveis, 1,1% da população de 1760. A proporção aumenta se le-
varmos em conta que uma boa parte da população não podia ser contada para o serviço
militar – eram escravos. O autor do presente texto não encontrou dados sobre a percen-
tagem de cativos na população como um todo em meados do século XVIII, mas, para
simples efeitos de cálculo, podemos estimar, de forma conservadora, que fossem por
volta de 30%-40% da população113. Nesse caso, a percentagem da participação militar
sobe para uma faixa de 1,4% a 1,8% – e isso em tempo de paz, sem levar em conta a
participação das forças Auxiliares e de Ordenanças mobilizadas para a defesa em caso
de conflito.

Outra questão que deve se levar em conta nessas estatísticas é que, na população
em geral, a proporção de soldados estava longe de representar a massa dos habitantes,
mesmo entre os homens: em um levantamento feito em Mato Grosso no final do século
XVIII aponta que em uma população de 24.000 pessoas, apenas 2.748 estavam em con-
dições de servir nas tropas – homens adultos livres, com mais de 14 e menos de 50 anos.
Ou seja, apenas 11,5% dos moradores da capitania.114 Neste sentido, aqueles que eram
efetivamente recrutados representavam uma parcela realmente significativa da força de
trabalho livre.

Ainda para efeito de comparação, a França, no auge da Guerra da Sucessão Es-


panhola (1702-1714), chegou a mobilizar 2,5% de sua população total115 – mas isso,

112
Um detalhe técnico que deve ser observado ao usar o termo “Regimento” no Brasil: ao contrário de
Portugal, onde os regimentos deveriam, teoricamente, ter dois batalhões, na América essas unidades
não eram divididas, tendo, portanto, metade do efetivo regulamentar das tropas europeias, pelo me-
nos até 1762, quando o Conde de Lippe transforma os Regimentos portugueses em unidades com
efetivo de batalhão. Isso, contudo, não implica que os regimentos do Brasil fossem necessariamente
menores do que os da metrópole, devido aos imensos desfalques das forças em Portugal. Cf. FER-
NANDO, Dores Costa. Guerra no tempo de Lippe e de Pombal. In: BARATA, op. cit. vol. 2. p. 341.
113
Os dados disponíveis sobre a população escrava, estimativas, variam de 33% da população no final do
século XVIII e 30% em 1650. LAGO, Luiz Aranha Corrêa do. Da escravidão ao trabalho livre:
Brasil, 1550 -1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 33.
114
SERRA, Ricardo Franco de Almeida. Plano de Guerra e defesa da capitania do Mato Grosso enviado
ao governador Caetano Pinto da Miranda Monte Negro. Coimbra, 31 de janeiro de 1800. Mss. BN.
I-29,6,48.
115
CHILDS, op. cit. p. 43.

124
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

como colocado, foi no meio de um conflito de maiores proporções. Em termos mais


usuais, nas vésperas da revolução francesa, os Russos tinham 1,3% de sua população
em armas; a Áustria, 1,1%; enquanto a Prússia tinha 3,8%, mas em um sistema que boa
parte do exército ficava licenciada por dois terços do ano. A França, que tinha sofrido
várias reduções em suas forças armadas, tinha 0,65% de sua população alistada.116

Dessa forma, cremos ser evidente que as forças mobilizadas no Brasil colonial
eram consideráveis e elas tinham que ser alimentadas, vestidas e alojadas com recursos
levantados localmente, já que não vinham recursos financeiros de Portugal.

A década de 1760 é importante, pois então se tentou modificar a filosofia militar


vigente, tanto na metrópole quanto no Brasil. Na Europa, o marquês de Pombal contra-
tou uma série de oficiais estrangeiros, dando o comando do exército ao monarca do pe-
queno condado de Schaumburg-Lippe, parte da atual Alemanha e tomou uma série de
medidas visando aperfeiçoar as forças armadas lusitanas, que estavam em muito mal
estado, tanto em termos operacionais como logísticos. A situação era tão ruim que o
marquês foi obrigado a pedir reforço de tropas inglesas (6.500 homens), para servir de
exemplo nas operações, assim como algumas centenas de cavalos, material de artilharia
– quarenta canhões pesados e leves, munição, 26.000 mil fuzis, além de 4.800 clavinas,
pistolas e espadas de cavalaria, tendas para todo o exército e um subsídio de duzentas
mil libras esterlinas. 117 Nas tropas portuguesas, Lippe procurou regularizar a situação
dos soldos, comumente atrasados, o que gerava um grande nível de deserções, pois, nas
palavras do próprio Lippe, “a necessidade e a fome não têm lei”.118

Ou seja, antes daquele momento, Portugal tinha, reconhecidamente, uma capaci-


dade militar muito reduzida, mesmo contra o exército espanhol, por essa época conside-
rado como em situação decadente em termos militares. A perda das possibilidades logís-
ticas lusitanas – a ponto de ter que importar até tendas – é um fator importante, quando
vemos que Portugal tinha fabricado excelentes canhões nos século XVI e XVII, mas
tinha deixado de ter a capacidade de suprir suas próprias forças. A proposta, então, era
modernizar as Forças Armadas, seguindo, em parte, as linhas do exército Prussiano, um

116
DUFFY(1987), op. cit. p. 17.
117
FERNANDO, op. cit. p. 334.
118
id. p. 341. Apud SCHAUMBURG-LIPPE, conde de. Cartas ao marquês de Pombal. Boletim do Arqui-
vo Histórico Militar, nº 4, 1933. p. 244-245.

125
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

dos melhores do mundo então, para isso sendo adotados os primeiros regulamentos do
exército, escritos pelo conde de Lippe.119

Quanto ao Brasil, Pombal também tentou atualizar o exército, mandando adotar


os regulamentos do Conde de Lippe e enviando alguns oficiais estrangeiros para co-
mando e treinamento das tropas, chefiados pelo Marechal Böhm, alemão e o brigadeiro
Funck, sueco. Estes tinham instruções de adestrar as tropas locais, equiparando-as às de
Portugal, e organizar os regimentos de Auxiliares. Outra medida inédita que foi tomada
foi o envio de três regimentos portugueses para o Rio de Janeiro em 1767, os de Bra-
gança, Estremóz e Moura. Isso não para guarnecer a cidade, pois o Rio já tinha três re-
gimentos de infantaria e um de artilharia, mas para “girar”, isso é, se alternar no Brasil.
Dessa forma as tropas transmitiriam os conhecimentos adquiridos na Europa durante a
guerra dos Sete Anos, para que “todas elas constituam um só é único exército debaixo
das mesmas regras, e da mesma idêntica disciplina, sem diferença alguma”.120 A subor-
dinação do Estado do Grão Pará e Maranhão ao Vice-Reinado, que também foi decidida
nesse período, é compreensível como uma medida igualmente de alcance militar, para
unificar o comando das tropas do País.

Mais importante do ponto de vista do presente trabalho foi a tentativa de implan-


tação de uma estrutura de abastecimento das imensas (proporcionalmente) forças arma-
das do País, com o aumento da importância das Casas do Trem das principais capitani-
as: Pará, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, esta última para uma situação semelhante
ao status de arsenal, em 1764 – uma medida que corresponde à elevação da Tenência de
artilharia de Lisboa à situação de Arsenal, no mesmo ano.121 Também foi implantada
uma rede de arsenais de marinha nas mesmas cidades em que havia arsenais de guerra.

A tentativa de aperfeiçoar e unificar a situação militar deu certo por algum tem-
po, havendo no Rio Grande do Sul e Colônia do Sacramento, pela primeira vez, uma
real colaboração entre as forças da metrópole e diversas capitanias – Pernambuco, Rio

119
SCHAUMBURG LIPPE. Regulamento para o Exercício, e Disciplina, dos regimentos de Infantaria
dos Exércitos de Sua Majestade Fidelíssima – feito por ordem do mesmo Senhor por Sua Alteza o
Conde Reinante de Schaumburg Lippe, Marechal General. Lisboa: Secretaria de Estado, 1763. Ha-
via ainda outros três regulamentos escritos pelo conde.
120
PORTUGAL – Carta Régia de 20 de junho de 1767, op. cit. p. 525.
121
Devemos observar que a interpretação que o Arsenal foi criado 1764 é comum em obras secundárias,
mas todos os documentos do século XVIII chamam as instalações do Exército no Brasil Colônia de
“Trem”, ou “Arsenal do Trem” até 1811, quando de fato foi criado o Arsenal. PORTUGAL – Alvará
de 1º de março de 1811. Cria a Real Junta de Fazenda dos Arsenais, Fábricas, e Fundição da Capi-
tania do Rio de Janeiro e uma Contadoria dos mesmos Arsenais.

126
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e até uma companhia de arti-
lharia de Lagos (Portugal). No entanto, deve-se observar que o exemplo da Colônia de
Sacramento, que levou a essa ação no Sul do Brasil, é uma exceção, que se aproxima
em certos termos ao que ocorrera na Ásia Portuguesa duzentos anos antes, em um perí-
odo que o governo central português fazia investimentos diretos de defesa lá. Era uma
povoação que existia em função do comércio de contrabando, de uma mercadoria de
alto valor, a prata do Peru, sendo implantada em um terreno hostil e sem possibilidades
de se expandir, por causa do bloqueio espanhol. Ai, o esquema tradicional do Brasil,
dos colonos serem encarregados da defesa, era inviável, necessitando da intervenção
direta do governo.

De qualquer forma, o ano de 1777 marcaria o final das reformas militares no


Brasil e em Portugal. Em fevereiro, os espanhóis tomaram a ilha de Santa Catarina,
mostrando as limitações do esquema militar implantado na Colônia e Pombal renunciou
em março daquele ano. O novo regime preferiu negociar uma paz, retornando à política
de apaziguamento diplomático que era característica de Portugal, de forma que os gas-
tos militares assumiram um papel secundário, pelo menos em relação à metrópole.

Houve uma mudança de situação com a vinda da família real para o Rio de Ja-
neiro em 1808, em parte porque era necessário recriar a estrutura logística que tinha
existido na Europa, mas que não era mais acessível por causa da invasão francesa. Por
outro lado, foi necessário implantar uma administração efetivamente centralizada, que
aumentasse a eficiência do dispositivo militar na colônia. É nesse período em que Por-
tugal assume efetivamente, pela primeira vez, parte das responsabilidades militares no
Brasil, com o envio de uma Divisão de Voluntários para lutar no Uruguai, uma prática
tão estranha – e cara – que gerou descontentamento em Portugal,122 podendo ser consi-
derada como uma das causas da Revolução Liberal do Porto, de 1820.

Numa sequência, a maior presença militar na sociedade, proporcionalmente,


ocorre com a Independência: apesar da historiografia da metade do século XIX ter enfa-
tizado a questão da obtenção da autonomia política como uma transferência pacífica, de
“pai para filho”, o assunto não foi visto dessa forma na época. Havia o receio, que se
provou infundado, de que a metrópole enviaria um exército para tentar recolonizar o

122
MARQUES, Fernando Pereira. Exército e sociedade em Portugal: no declínio do Antigo Regime e
advento do Liberalismo. Lisboa: Regra do Jogo, 1981. p. 164.

127
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Brasil. Hipólito da Costa, diretor do Correio Brasiliense, publicava a seguinte notícia


em 1822:

Notícias de Espanha, referem que a Corte de Madri fez um tratado


com a de Lisboa, para esta lhe enviar um auxílio de 12.000 homens, e
adiantam mais que, com efeito, um corpo de 2.000 homens de cavala-
ria, comandados pelo General Bernardo Correia de Castro e Sepúlve-
da, e um belo parque de artilharia (...). Ora, o governo de Lisboa tem
resolvido mandar para o Brasil 8.000 homens, que com esses 12.000
da Espanha fazem 20.000.123
Havia a percepção da necessidade de se mobilizar para enfrentar esse possível
contra-ataque lusitano: o exército que combateu as unidades do brigadeiro Madeira de
Melo na Bahia tinha, pelo menos, 9.161 combatentes e 987 funcionários civis, 124 reu-
nindo tropas locais e enviadas do Rio de Janeiro e Pernambuco, em um esforço combi-
nado. As forças concentradas no Rio de Janeiro para a defesa da capital tinham perto de
10.000 homens e houve importantes ações militares no Maranhão e na Província Cispla-
tina, o atual Uruguai, último ponto da América Portuguesa a reconhecer a Independên-
cia, em 1824.

Além disso, foi criada – praticamente do nada, já que o País só tivera uma frota
baseada aqui depois da vinda da família Real – uma marinha de guerra, que logo se tor-
nou muito poderosa, tendo inclusive naus de 74 canhões. Uma força que no auge da
Guerra da Cisplatina, em 1828, teria 76 navios e 8.414 marinheiros, 125 necessitando de
imensos gastos não só para alimentar e fardar esse pessoal, mas também para comprar
canhões e navios. Da mesma forma, foram feitos programas de fortificação na costa, os
maiores da história do Brasil – só em Pernambuco foram erguidos 26 fortes inteiramen-
te novos, sem contar os que foram reparados nesse período.126

Em 1825, a atividade militar envolvia um pouco mais de 26.000 homens no


exército, perto de 9.000 na marinha, mais 109.000 mil nas Milícias127 (ver Gráfico 14 e

123
Escritos em Portugal contra o Brasil. Correio Braziliense, XXVIII, 732. Apud RODRIGUES, José
Honório. Independência: Revolução e Contra-Revolução: as forças Armadas. Rio de Janeiro: Fran-
cisco Alves, 1975. vol. III, p.51
124
BRASIL – Província da Bahia. Relatório dos trabalhos do Conselho Interino de governo da Província
da Bahia, em prol da regência e império de Sua Majestade Imperial O senhor D. Pedro I e da Inde-
pendência política do Brasil. Bahia: Tipografia Nacional, 1823. p. 10.
125
BRASIL – Câmara dos deputados. Diário da Câmara dos deputados à Assembleia Geral Legislativa
do Império do Brasil. Seção de 3 de julho de 1828. Rio de Janeiro: Imprensa Imperial e Nacional,
1828. p. 4.
126
Dados levantados em CASTRO, op. cit. Vol. 3.
127
MAPA da força militar das províncias, incluindo-se o Rio de Janeiro. S.l. [182_]. Supostamente 1825.
Mss BN, II-30,28,001.

128
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Figura 7) – e isso numa época que a população do país era quarenta vezes menor do que
na atualidade. Era um índice de participação militar de um homem para cada 34 habi-
tantes, sem incluir as Ordenanças, que por essa época já não eram mais um elemento de
defesa eficaz, apesar de ainda existirem e serem mobilizadas para treinamento. Sempre
se deve relembrar que os índices de participação militar devem ser vistos dentro do con-
texto da época, ou seja, excluindo menores de 18 anos e maiores de 50, mas também as
mulheres e, especialmente os escravos. Para efeito de comparação o Brasil hoje tem
forças armadas de 314.000 homens, com mais 404.000 policiais militares. São 718.000
pessoas dedicadas diretamente a atividade militar – 0,35% da população, ou um em ca-
da 284 habitantes do país.

Tropas de terra

15000

10000

5000 Linha
Milícias
0
GO
PI
RN
SE
SP
ES
AL
SC
MT
PB
CE
MA
MG
RS

PA
BA

PE

PC

RJ

Gráfico 14 – Tropas no Brasil, logo após a Independência.128


PC se refere à Província Cisplatina. Os elevados efetivos no Rio de Janeiro indicam que esses dados fo-
ram obtidos antes da paz com Portugal, em agosto de 1825, quando havia ainda o receio de um contra-
ataque lusitano.

3.7 O exército nacional, do Brasil.


A organização militar que começava a se implantar no Brasil após a Indepen-
dência era, finalmente a de um sistema centralizado, que permitira se falar em um exér-
cito do Brasil, não mais implementado como uma força desconexa, apenas existente no
território nacional. Este processo de formação, contudo, sofreu um baque em 1831, com
uma nova proposta. Inicialmente, a justificativa oficial era ser necessário diminuir os

128
id.

129
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

gastos militares, que tinham chegado a níveis insustentáveis com a Guerra da Cisplati-
na. Contudo, e mais importante, a Regência procurou implantar um novo modelo de
organização militar, diminuindo a importância do Exército – visto como um instrumen-
to centralizador e um fator de desestabilização – favorecendo uma nova milícia, a Guar-
da Nacional.

Isso resultou na radical diminuição de números de militares, que no biênio de


1837-1838 representavam apenas 20% dos existentes dez anos antes (ver Gráfico 15),
com dezenas de oficiais ficando desempregados, a ponto de ter sido criado uma unidade
de oficiais-soldados, o “batalhão sagrado”.129 O esquema de fortificações colonial tam-
bém foi desativado – eram 191 fortes em funcionamento em 1829,130 mas em 1857 o
exército só considerava como de “1ª e 2ª ordem” quinze deles, 131 a imensa maioria dos
outros tendo sido desativada, pois não havia pessoal para guarnecê-los.

A redução no número de fortes se entende também quando vemos que um dos


sustentáculos da defesa colonial – a ideia que os moradores deveriam pagar por suas
defesas, tinha se tornado inviável com a constituição de 1824. A partir de então não
eram mais possíveis as cobranças de pessoal e material para os serviços nas fortalezas,
sem que isso fosse indenizado. As reclamações já ocorrem em 1824, quando o governo
determinou que fossem requisitados até um em dez, ou até um em cinco, dos escravos
de proprietários com mais de cinco ou dez cativos do Rio de Janeiro para trabalhar nas
obras de defesa que se construíam na cidade, para a defesa contra um possível contra-
ataque lusitano: estavam sendo feitas 27 fortificações na província, além de reformas
em várias outras. No entanto, os proprietários logo recorreram à justiça para receber o
valor dos serviços de seus cativos, o ministro do Império informando que havia proble-
mas na requisição,

129
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da guerra Manoel, da Fonseca Lima e Silva, ao
diretor do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, José de Vasconcelos Meneses de Drummond sobre
uso do quartel do esquadrão de cavalaria para acomodar os Oficiais Soldados Voluntários da Pá-
tria. Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1831. Mss. ANRJ. IG7 44.
130
MONTEIRO, Jonathas da Costa do Rego. Relação dos fortes Existentes no Brasil em 1829 com indi-
cação de seu armamento. Revista Militar Brasileira, jul-set 1927. p. 218 e segs.
131
PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo. Organização e Administração do Ministério da Guerra no
Império. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1986. p. 250

130
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

pois que os proprietários [de escravos] muito resignadamente respon-


dem com o artigo 179 da Constituição, que manda respeitar o direito
de propriedade, e que no § 22 se lhe manda pagar mui prontamente.132
A redução dos efetivos foi duradoura – só no século XX o exército alcançaria os
mesmos números que tinha tido 1829 em tempos de paz –, e por anos foi proibida a
promoção de oficiais. Uma consequência importante da diminuição da força militar foi
a interrupção na evolução do avanço técnico do exército: os arsenais continuaram a fun-
cionar e até não sofreram uma redução tão marcante quanto à da tropa, mas não havia
meios ou até incentivos para mudar a estrutura militar do período, pois os principais
problemas enfrentados eram revoluções e rebeliões, para as quais não havia a necessi-
dade de aperfeiçoamentos técnicos maiores.

Ainda como efeito da diminuição das forças armadas houve a dificuldade em


acabar com as práticas coloniais, como a divisão regional das unidades: só em 1844 foi
implantado um sistema de promoções unificado a nível nacional, representado pelo Al-
manaque do Exército. Esta era uma publicação com os nomes de todos os detentores de
patentes militares, suas graduações, tempo de serviço, condecorações e qualificações, de
forma que só então seria viável ter um oficialato verdadeiramente nacional. Antes disso,
não era possível que um membro das forças armadas estacionado em uma região sou-
besse de sua situação em termos de antiguidade com relação ao outro, estacionado em
uma província diferente, impedindo o avanço na carreira em termos nacionais. A im-
plantação efetiva de uma comissão de promoções geral ocorreria apenas em 1851, atu-
ando com base na lei de promoções do ano anterior, que acabou com os favorecimentos
que podiam ocorrer até então.

132
BRASIL – Ministério do Império. Aviso de Estevão Ribeiro Resende, ministro do Império a João
Gomes da Silveira Mendonça ministro da guerra, a quota dos escravos no serviço das Fortificações
do Barro Vermelho. Rio de Janeiro, 15 de maio de 1824. Mss. ANRJ, GIFI OI 5B 243.

131
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Figura 7 – Distribuição das forças militares no Brasil.


O mapa mostra, de forma resumida, o comprometimento militar em termos de fortificações, tropas de
linha e de Milícias em cada província do Império, no Primeiro Reinado. Em vermelho, o número de forti-
ficações nas povoações: eram 33 no Rio de Janeiro, 18 em Salvador e assim por diante.
Deve-se dizer que a diminuição no número de fortes resultou em vantagens, em
uma racionalização e maior eficiência do sistema. A ideia passara a ser que as forças
armadas, um exército e armada móveis, agissem ativamente para a defesa. Com isso, as
ações militares deixavam de ser passivas, esperando que um risco se concretizasse para
que a população local lidasse com o problema. Um rompimento conceitual fundamental
com as práticas coloniais.

132
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

70000

60000

50000

40000

30000

20000

10000

Gráfico 15 – Evolução dos efetivos do exército durante o império.133


No Império o efetivo das forças armadas tinha que ser voltado anualmente na Parlamento, o gráfico repre-
sentando essas leis anuais, que não necessariamente reproduzem a realidade. A linha vermelha mostra os
efetivos autorizados para “situações extraordinárias”, ou seja, tempo de guerra ou revoltas, enquanto a
azul os de tempo de paz.

3.8 Um novo exército em formação


A década de 1850, portanto, abriu uma série de oportunidades para que o exérci-
to se “reconstruísse” em bases mais modernas. Não foi muito cedo: a Primeira Revolu-
ção Industrial já estava se encerrando e começava a Segunda, e as mudanças técnicas
aconteciam com uma rapidez crescente. Sem um pensamento que refletisse essas mu-
danças, o Exército Imperial ficaria irremediavelmente defasado com relação aos das
potências militares de então. Isso implicaria em mudanças radicais. Um oficial, como o
futuro duque de Caxias, ao assentar praça, no início do século XIX (1805), teria uma
perspectiva clara de como era a tática e do que poderia esperar dos armamentos usados:
a espingarda (fuzil) padrão em uso, na época chamada de “granadeira”, era basicamente
a mesma que Portugal vinha usando a mais de cem anos (a adoção da espingarda de
pederneira como arma padrão da Infantaria, em Portugal, data de 1703) e, do ponto de
vista do assunto deste capítulo, deve-se dizer que só saiu de serviço no Brasil pouco
antes da Guerra do Paraguai – depois de mais de 150 anos em uso.

133
A fonte básica dos dados do gráfico é: Leis de fixação das forças de terra do Império do Brasil, 1831-
1840. SCHULZ, John. O exército na política: origens da intervenção militar: 1850-1894. São Paulo:
EDUSP, 1994. p. 204.

133
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Em meados do século XIX a situação estava se alterando de forma muito rápida


com a adoção de armas mais modernas, como as de fulminante, depois as raiadas e até
de carregar pela culatra. Assim, foi necessário um esforço para que o exército moderni-
zasse seus equipamentos e, principalmente, suas práticas, já que os antigos ensinamen-
tos não eram mais válidos.

Foi muito difícil superar as dificuldades causadas pelo descaso da Regência e


para se vencer a natural resistência psicológica do corpo de oficiais e da própria socie-
dade em se adaptar às novas tecnologias, o processo de mudança continuando bem além
da Guerra do Paraguai. Um exemplo dessa situação eram os “corpos de guarnição”,
tropas de pequeno efetivo que ficavam “estáticas” a uma província (também eram cha-
madas de “corpos fixos”) e serviam como forças policiais e em atividades de apoio ad-
ministrativo aos governadores, como era comum no antigo exército colonial. Isso apesar
dos problemas que criavam para o funcionamento efetivo do Exército.

Desta forma, é evidente que o nível de participação militar na sociedade era im-
portante na primeira metade do século XIX, pois o exército cumpria um papel social
que ia muito além de suas funções estritamente militares, servindo de polícia, fiscais nas
estradas, correios e outros serviços públicos, para os quais não havia funcionários do
governo imperial, além dos soldados dispersos pelas províncias. Isso exigia que uma
boa parcela dos recursos financeiros e administrativos fosse dedicada às forças armadas
(ver Gráfico 16), o que não era incomum no mundo – em 1838, o orçamento do governo
paraguaio dedicado a questões de defesa era de nada menos do que 94,5% do total de
gastos governamentais. 134 Ou seja, praticamente tudo o que o governo de lá arrecadava
era voltado para a questão militar. No Brasil isso não era muito diferente.

134
WHITE, Richard Alan. Paraguay’s autonomous revolution: 1810-1840. Albuquerque: University of
New Mexico Press, 1978. p. 208.

134
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%

Guerra Marinha Soma


Gráfico 16 – Despesas militares no Império.135
Ilustradas como percentagem do orçamento nacional, é visível que raramente se gastou abaixo do limite
de um terço do orçamento brasileiro com as forças armadas, sem contar os gastos com as Milícias e
Guarda Nacional. Apesar da diminuição das forças armadas, a série de rebeliões do período regencial
impediu uma real diminuição percentual das despesas militares, mesmo com o rápido crescimento das
receitas do Império.
Consideramos a questão dos gastos militares importante, pois as explicações tra-
dicionais mais simplistas que tratam da sociedade brasileira tendem a fazer uma divisão
da sociedade local entre “senhores e escravos”, ignorando a existência de todo um grupo
intermediário majoritário, com poder aquisitivo variável. Ninguém pode disputar o fato
de que a oficialidade – tanto das forças armadas regulamentares, quanto das Milícias,
compunham em grande parte uma classe média, pois é evidente que nem todos os mem-
bros das forças armadas tinham condições de ser grandes proprietários de terras. Por sua
vez, esse pessoal era numeroso: um só batalhão tinha 679 praças e 37 oficiais (5,4%).

Mesmo os praças (sargentos, cabos e soldados) que, de fato, eram oriundos dos
estratos mais baixos da sociedade, eram assalariados e não escravos. É verdade que seus
vencimentos eram reduzidos e que ficarem crescentemente defasados, pois só houve
poucos reajustes durante todo o período estudado. Além disso, a alimentação (etapa)
dos homens era descontada de seu soldo, de forma que restava muito pouco para eles
gastarem com si, mas mesmo assim não estavam excluídos do mercado.

135
Dados extraídos de: CARREIRA, Liberato de Castro. História Financeira e Orçamentária do Império
do Brasil. Brasília: Senado, 1980. p. 127 e segs.

135
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Orçamento da guerra em valores corrigidos


3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0

Gráfico 17 – Despesas do ministério da Guerra.136


O gráfico apresenta os gastos do ministério da guerra em valores constantes e atualizados (milhões de
libras esterlinas de 2014). Em vermelho, a linha de tendência de crescimento dos orçamentos militares. A
imagem é interessante quando comparada com os efetivos do exército (ver página 133). Apesar da redu-
ção do tamanho da força e sua relativa estabilidade numérica após 1839, os gastos militares tiveram uma
tendência regular de crescimento, tanto em valores absolutos como relativos, depois de atualização mone-
tária. Isso pode ser explicado pela crescente complexidade das necessidades militares.

3.9 O exército como consumidor.


Mais importante do que a questão dos militares serem consumidores diretos – is-
to é, do poder de compra de soldados e oficiais – há a questão principal que deve ser
vista: mesmo com salários reduzidos e muitas vezes em atraso, eles tinham que ser man-
tidos pelo governo: suas armas tinham que ser municiadas, de outra forma as forças
armadas não poderiam atuar – canhões sem pólvora e balas são apenas grandes e pesa-
dos pedaços de ferro velho. Soldados, sem alimento ou pagamento, desertam.

Era necessário dar um mínimo de condições para o funcionamento dessas tropas,


pois, como dissemos antes, sem meios, elas perdem a disciplina e se transformam numa
turba sem eficácia para exercer suas funções, como ocorreu em diversos momentos da
história. Por exemplo, em 1645, um ataque à vila de Itamaracá, as tropas portuguesas
que participaram do ataque dispersaram-se para poder saquear a povoação, já que o seu
pagamento e suprimento era muito irregular. Como resultado, os holandeses consegui-
ram se reorganizar e derrotar os atacantes.137

O problema do abastecimento ficaria ainda mais evidente em operações de guer-


ra, pois acertos e contratos estabelecidos em tempo de paz eram rompidos muito rapi-

136
Dados extraídos de: CARREIRA, op. cit. Correção feita com base no “valor de trabalho” da moeda
britânica, atualizado a partir do sítio: Measuring Worth. https://goo.gl/rtcTbc. (acesso em dezembro
de 2015). Observamos que o índice de preço real é o menor dos disponíveis para cálculo de inflação
da libra, não sendo, necessariamente, o mais correto. Em outros casos, preferimos usar o índice do
“custo econômico. Para efeitos de impacto econômico, contudo, os dados são suficientes para mos-
trar o crescimento dos orçamentos.
137
JESUS, Raphael de. História da Guerra entre o Brasil e a Holanda. Paris: J.P. Aillaud, 1844. p. 359.

136
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

damente e o consumo crescia de forma exponencial: na Guerra do Paraguai (1865-


1870), uma das razões porque as operações foram interrompidas logo após a entrada das
forças aliadas naquele país foi a falta de cavalos. Com um efetivo de 21.000 homens,
havia apenas seiscentos animais – devido ao atrito normal de uma campanha, a perda de
cavalos foi tanta que era impossível movimentar as forças e a cavalaria ficou a pé. No
final da Guerra, o Conde d’Eu teve que fazer contratos com fornecedores particulares
para a venda de mais de 2.000 cavalos por mês, para que seu exército mantivesse a mo-
bilidade. Os problemas de suprimentos foram bem sumarizados em um relatório do mi-
nistério da guerra, escrito no contexto da Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852):

Infelizmente, nas épocas calamitosas de guerra externa ou interna, na-


vegam os governos entre dois escolhos: se por má entendida econo-
mia, ou por não poderem avaliar bem a extensão das necessidades,
que tem de aparecer com os movimentos militares, deixam de pronti-
ficar todo o dispendioso provimento de artigos bélicos, são acusados
de imprevidência e de expor a graves ofensas a honra e dignidade na-
cional, ou a ordem pública. Se previram bem aquelas necessidades, se
tiveram a coragem de carregar com a responsabilidade de ordenar as
grandes despesas indispensáveis para obter o material preciso para a
eventualidade, que se aproxima, surge acusação de outra espécie – fa-
zem-se despesas desnecessárias e enormes – ficando logo esquecidas a
honra, dignidade nacional, e a ordem pública! Pior ainda é, se, na pre-
sença dos mais veementes indícios de rompimento de uma guerra, se
prepara o governo; e se depois, por meios honrosos, chega a dissipar
as causas do rompimento: então as acusações de despesas excessivas e
desnecessárias tomam enorme vulto!138
E, de fato, a administração das forças armadas era um custo elevado: em meados
do século XIX um soldado recebia como seu equipamento completo de 54 objetos, des-
de o fuzil até uma simples esteira para colocar na sua tarimba, um desembolso inicial
total de 102.600 réis, o valor de seiscentos dias de trabalho deste homem. O equipamen-
to inicial de um cavalariano custava um pouco mais, 121.470 réis, por causa dos gastos
com seus arreios. Tudo fabricado ou fornecido pelo Arsenal de Guerra.

Equipar um batalhão de infantaria, além do material fornecido diretamente aos


soldados implicaria em outros gastos: peças de uso coletivo, como material de cozinha,
instrumentos da banda, carroças de transporte – tudo produzido pelo Arsenal, assim
como material médico (comprado pela instituição mas não feito lá) e assim por diante.
Contudo, para efeito de uma ordem de grandeza, só para dar o material (ver Figura 8)

138
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos negócios da guerra apresentado à as-
sembleia geral legislativa pelo respectivo ministro e secretário de estado Manoel Felizardo de Sou-
za e Melo. Rio de Janeiro: Laemmert, 1853. p. 14.

137
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

que cada um dos oitocentos soldados – o efetivo de um batalhão – recebia vez ao se


juntar ao exército representaria um dispêndio de 82 contos de réis, o equivalente ao pa-
gamento de 382 operários não especializados durante um ano no Arsenal de Guerra.139
Poucos anos antes, durante a revolução Farroupilha, só para se uniformizar uma força
de 8.000 homens, o ministro da Guerra pediu ao congresso uma verba suplementar de
239 contos.140

Figura 8 – Soldados equipados, 1850.141


Mostra alguns itens de equipamento que eram fornecidos para soldados de infantaria ligeira (caçadores, a
esquerda) e fuzileiros,142 a direita. A imagem mostra as fardetas, os uniformes de uso diário. Além desse,
o soldados recebiam um uniforme de gala, bem mais elaborado, para uso em ocasiões festivas e em com-
bate.

139
Cálculo baseado em um jornal, pagamento diário, de 600 réis para um servente. BRASIL – Arsenal de
Guerra. Ofício do diretor do Arsenal José Maria da Silva Bittencourt ao Ministro da Guerra, Mano-
el Felizardo de Souza e Mello, sobre vencimentos de soldados inválidos. Rio de Janeiro, 3 de outu-
bro de 1850. Mss. ANRJ. IG7 11. A listagem de equipamento de um soldado, com seus valores, po-
de ser vista no BRASIL – Decreto nº 547 de 8 de Janeiro de 1848. Aprova a Tabela dos preços de
diversos artigos de armamento, equipamento, arreios, fardamentos e mais objetos para o Exercito e
Fortalezas.
140
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da guerra apresentado à as-
sembleia geral legislativa na 1ª sessão da 6ª legislatura, pelo ministro e secretário de estado dos ne-
gócios da guerra Jerônimo Francisco Coelho. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1845. p. 29.
141
BARROSO, Gustavo Dodt & RODRIGUES, Washt. Uniformes do Exército Brasileiro. Rio de Janei-
ro: Imprensa Nacional, 1922. p. 45.
142
O autor da imagem cometeu um erro, pois em 1850 não havia tropas de granadeiros em serviço, o
equipamento mostrado é de um soldado de fuzileiros.

138
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

Esses custos não podiam ser encarados como gastos momentâneos: alguns dos
itens fornecidos aos soldados eram de longa duração, como as armas, que deveriam ofi-
cialmente resistir dez anos, mas que na prática poderiam ter um tempo de vida útil mui-
to menor, de acordo com as circunstâncias:143 o serviço em campanha representava um
atrito muito grande de todos os itens que eram fornecidos às tropas. Outras peças, con-
tudo, tinham que ser substituídas à medida que inevitavelmente se desgastavam – e isso
ocorria rapidamente e de forma constante, na paz e na guerra: sapatos tinham que ser
trocados a cada seis meses, se não antes, e o ministro da guerra, de forma muito realista,
escrevia o seguinte:

Considere-se, por exemplo, que a tabela de fardamentos em vigor


marca um par de calças, uma camisa e um par de sapatos para seis
meses, uma fardeta para um ano, uma farda para dois, um capote para
seis anos etc., e que nesta razão se costumam pedir os fundos ordiná-
rios: ora, se tais fardamentos não podem de maneira alguma durar os
prazos marcados, ainda mesmo supondo a tropa nos seus quartéis, o
que não será para o soldado em campanha, sem abrigo algum, em con-
tínuos movimentos, exposto a todas as intempéries, e nas retiradas à
perda de seus efeitos, tomados pelo inimigo?
Em tais casos a primeira necessidade em campanha é ter sempre o
soldado bem vestido e pronto, e para esse fim exige o bem do serviço
que se excedam os fundos ordinários que se votam.144
Obviamente, a munição era descartável. A cada disparo, a pólvora e bala eram
gastos e não podiam ser reutilizados, o que também gerava uma despesa elevada. Uma
salva de 21 tiros dada por canhões de médio porte, o que era comum nas fortalezas em
dias de festa ou quando um navio de guerra entrava no porto, podia consumir 29 quilos
de pólvora,145 transformados, literalmente, em fumaça. Em ocasiões especiais, o gasto
podia ser ainda maior: em um aniversário do Rei D. José, o Arsenal do Rio teve que
distribuir 710 kg de pólvora para as salvas comemorativas do evento.146

Como se pode ver, as necessidades de consumo de um exército com milhares de


homens fazem com que haja interesse na logística de uma campanha militar – de fato,
há certa bibliografia sobre o assunto no Brasil, em especial no tocante à guerra do Para-

143
Somente em 1851, com um efetivo nominal de 16.000 homens, o exército comprou 11.640 espingar-
das, bem mais do que seria necessário se as armas durassem 12 anos. Relatório da comissão de exa-
me do Arsenal de Guerra. In: BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório de 1853, op. cit. p. XXI.
144
Id. p. 29.
145
Usamos como base de cálculo um canhão de 9 libras, como os que eram usados na Fortaleza de Ville-
gaignon para saldar os navios de guerra estrangeiros. CASTRO (2009), op. cit. p. 297.
146
SILVA, Crispim Teixeira, Sargento Mor Intendente. Relação das Obras, Munições e mais Petrechos
que se tem feito no Trem de S. Majestade Fidelíssima do Rio de Janeiro, no tempo Governo do Il.mo e
Ex.mo Sr. Marquês do Lavradio Vice Rei e Capitam General de Mar e Terra do Estado do Brasil,
continuado de 31 de outubro de 1769, até 31 de Agosto de 1776. Mss. Coleção particular.

139
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

guai. 147 Mas, e o suprimento quando não havia um conflito? Como colocamos, os exér-
citos não deixam de existir quando não há operações militares ocorrendo, mas a questão
do suporte para essas tropas não é tratada na historiografia tradicional, militar ou civil,
como se as maciças forças militares existentes no País pudessem ser ignoradas e se sus-
tentassem no ar, sem apoio. Não se sabe sequer o número e efetivos das unidades milita-
res existentes no País no período colonial e nos primeiros anos do Império – dados so-
bre a estrutura de suprimentos para sustenta-las, então, são ainda mais ignorados e difí-
ceis de obter em bibliografia publicada. Consideramos isso curioso e, talvez, um erro
dos pesquisadores, já que há uma vasta documentação histórica sobre o assunto. Boa
parte da documentação produzida pela administração militar, tanto na Colônia, quanto
no Império, diz respeito à questão do funcionamento das forças armadas, sua adminis-
tração, fardamento, alimentação e alojamento.

3.10 Observações preliminares sobre a questão dos exércitos


Do ponto de vista militar, é interessante apontar alguns pontos de comparação
nas questões abordadas até o momento: a França, a líder militar do final do Período
Moderno, era um país que dependia do seu exército para a execução de sua política ex-
terna, dando uma grande importância para o tamanho e qualidade de suas forças arma-
das – isso era parte da mentalidade do período, a nobreza francesa dependendo do exér-
cito para obter empregos para seus filhos e para manter sua situação socioeconômica no
país. 148

Portugal tinha uma situação oposta: sem ser uma potência, a monarquia lusitana
dependia do não emprego da força militar para sua sobrevivência, pois a Espanha tinha
condições de derrotá-la, se não houvesse uma coligação que pudesse proteger o país.
Dessa forma, se entende a situação de recorrente despreparo das forças portuguesas, que
não eram vistas como sendo uma ocupação de prestígio: viajantes alemães no final do
século XVIII apontavam que mesmo as reformas do Conde de Lippe não tinham tido
um efeito duradouro no País, notando, certamente de forma exagerada, que:

A maior parte dos subalternos pertencentes à guarnição de Lisboa


também tem a honra de servir como criado de algum homem rico, ou
fidalgo. Você pode ver um tenente português, completamente unifor-

147
Podemos citar as obras: BOITEUX, Nylson Reis. Aspectos Logísticos da Guerra do Paraguai. Campo
Grane: Life Editora, 2015. FIGUEIRA, Divalte Garcia. Soldados e negociantes na Guerra do Para-
guai. São Paulo: Humanitas-FFLCH/USP, 2001.
148
CHILDS, op. cit. p. 84.

140
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

mizado, com seu gorjal sobre seu queixo, deixar seu posto na guarda e
dirigir-se para seu segundo mestre, de forma a colocar suas meias, en-
tregar-lhe sua touca de dormir, ou pentear sua peruca.149
Uma das consequências desse despreparo e falta de confiança nas forças arma-
das era a confiança que era colocada nas fortificações, com a construção de grandes
praças de guerra, cidades com grandes circuitos murados, como Almeida, Elvas ou Se-
tubal. Como se escrevia na época em um memorial, perfeitamente aplicável à Portugal,
que seria “um estado medíocre”:

Um pequeno estado, que tem uma, ou duas boas, praças de guerra po-
de-se defender e manter-se algum tempo, até que algum de seus vizi-
nhos, que vê com zelos crescer o poder de um, e outro, junte as tropas
para o socorrer.
Os estados medíocres, que tem um corpo de tropa, e boas praças, po-
dem se defender por elas mesmas: Mas o corpo de tropa sem praça, é
forçado a desamparar tudo a um Exército superior: e as praças sem
tropas são obrigadas a se render, quando os víveres começam a faltar
[...].
Deve-se defender, como os estados medíocres, aqueles, em que as
províncias são separadas umas das outras.150
Inerente desse desprestígio e despreparo era uma ausência de uma cultura de
pensamento militar, havendo poucos livros publicados sobre assuntos militares em Por-
tugal, e esses com edições reduzidas. Manuais militares eram raros, os regulamentos do
Conde de Lippe – sintomaticamente escritos por um estrangeiro – continuaram a ter
validade até as guerras Napoleônicas, quando foram substituídos, em parte, pelos regu-
lamentos do marechal Beresford,151 ele também um estrangeiro.

No Brasil, que herdou muita coisa de Portugal, a situação era em parte diferente.
Aqui, o oficialato nas forças militares era visto com mais prestígio, sendo um dos cami-
nhos para o enobrecimento das pessoas. Por outro lado, era uma colônia, com limitações
muito severas – por exemplo, até 1808 não havia tipografias no País, de forma que não
seriam de se esperar publicações militares, apesar de oficiais do Brasil terem publicado

149
DUFFY (1986), op. cit. p. 298. Apud WARNERY, Charles E. Des Herrn Generalmajor von Warnery
saemtliche Schriften. Hanover: Helwing, 1786. vol. IV, p. 298.
150
MEMORIAL DA GUERRA apud MOURA, José de Almeida e. Movimentos da cavalaria com adição
para Dragões e infantaria e Obra utilíssima para todo o Militar oferecida ao Sereníssimo senhor In-
fante D. Antônio por... Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo, Sargento mor de cavalaria Drago-
ens de Beja etc. Lisboa: Oficina da Música e da Sagrada Religião de Malta, 1741. p. 355-356.
151
BERESFORD, William Carr. Instruções para o exercício dos regimentos de infantaria por ordem do
ilustríssimo e excelentíssimo senhor (...), marechal e comandante em chefe dos exércitos. Bahia:
Manoel António da Silva Serva, 1817.

141
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

alguma coisa em Portugal, o exemplo mais notável sendo o brigadeiro Alpoim. 152 Mes-
mo depois, não foi parte da cultura do nosso exército a realização de pesquisas acadê-
micas ou empíricas ou mesmo a publicação de textos sobre assuntos militares.153

Também era difícil o desenvolvimento de uma teoria formal sobre a guerra, pois
a aplicação de doutrinas dependia da autorização de Portugal, onde tais assuntos não
eram vistos como atenção. Algumas formas específicas de organização militar foram
desenvolvidas no Brasil, como o uso de infantaria ligeira, mas isso por necessidades
locais, sem repercussão na metrópole. Mais importante, a estrutura militar implantada
desde o início da colonização, assim como as dimensões do País, dificultava em muito a
realização de grandes projetos militares, como a formação de um exército centralizado
ou mesmo a construção de sistemas defensivos eficazes.

Havia dezenas de fortificações, mas eram pequenas, isoladas e de pouca eficiên-


cia em face de um exército moderno, como pode ser visto no caso dos ataques ao Rio de
Janeiro em 1711 e de Santa Catarina, em 1777. Curiosamente, isso se explica em parte
por razões culturais, como dito antes: as capitanias mais ricas, como a Bahia, Recife ou
Rio de Janeiro tinham condições de construir sistemas de defesa eficazes e, de fato, os
iniciaram. Mas uma cidade murada é um grande inconveniente para os moradores, que
vem suas possibilidades de ir e vir restritas, além de se limitar a expansão urbana ao
circuito das muralhas. 154 Dessa forma, os planos de fortificação iniciados nessas cidades
fracassaram, por causa da resistência dos moradores e da incapacidade dos governos em
força-los a obedecer. Deve-se dizer que essas limitações seriam, em tese, possíveis, bas-
tando ver as grandes cidades fortificadas existentes nas Américas Hispânica e Francesa.
O caso do Brasil sendo o resultado de um problema do sistema de defesa baseado em

152
ALPOIM, José Fernandes Pinto. Exame de artilheiros. Rio de Janeiro: Xerox do Brasil, 1987. Fac-
símile da edição de: Lisboa: José Antônio Plates, 1744.
153
O primeiro texto legal falando da adoção de manuais no Exército brasileiro data de apenas de 1850.
Dois dos três manuais citados eram portugueses, um deles datando de 1816(!). BRASIL - Decreto
nº 705, de 5 de Outubro de 1850. Determina quais as Instruções por que se devem regular as mano-
bras e exercícios das diferentes armas do Exército.
154
Na Idade Média as cidades podiam se expandir além das muralhas, bastando para isso que as casas
fossem construídas além do alcance eficaz dos arcos e flechas, apenas trinta metros, de forma que is-
so aconteceu em várias ocasiões. Na Idade Moderna o problema era bem mais complexo, pois a zona
que deveria ser mantida livre de construções em torno de uma fortificação correspondia à distância
do alcance de um canhão, no mínimo oitocentos metros, inviabilizando a expansão urbana extramu-
ros. A legislação portuguesa, por exemplo, controlava a construção de edificações numa distância de
seiscentas braças (1.320 metros) das muralhas. Curiosamente, essa é uma lei que ainda é corrente no
Brasil, tendo sido revalidada por um decreto-lei de 1941. BRASIL – Decreto-lei 3.4.37 de 17 de ju-
lho de 1941. Dispõe sobre o aforamento de terrenos e a construção de edifícios em torno das fortifi-
cações. Artigo 2º e incisos.

142
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

recursos locais, que dava autonomia às câmaras municipais, que arrecadavam os impos-
tos que pagavam sua própria defesa, sem uma intermediação do governo central. Por
sua vez, as dezenas de fortificações, apesar de não serem eficientes, cumpriam um im-
portante papel social, provendo postos de comando para moradores. Estes empregos
eram, muitas vezes, meramente honoríficos, mas tinham um papel social importante,
pois davam acesso ao mundo da elite política da sua cidade.155

Não podemos deixar de frisar a importância desse último ponto: apesar do Brasil
ser uma colônia e o serviço militar ser tratado com certo desprezo na metrópole, o ofici-
alato no Brasil, era visto como uma forma de enobrecimento, o que alcançava maior
importância considerando que não havia uma nobreza de sangue nativa. Aqui havia até
tabelas do governo, fazendo a comparação de honras que deveriam ser dadas aos mem-
bros das forças armadas e os titulares da nobreza – por exemplo, um capitão do exército
ou capitão-tenente da armada teriam as honras de um cavaleiro fidalgo e um brigadeiro,
as de um barão.156 Isso resultava em um maior prestígio para o serviço militar – de ofi-
ciais, é claro –, do que ocorria em Portugal, onde a fidalguia era mais comum.

Por sua vez os governos das capitanias e, mais ainda, o do Império, não hesita-
vam em se valer das forças armadas como ferramentas diplomáticas. Um exemplo disso
sendo o caso do emprego de fortificações para se garantir a posse do território. A Colô-
nia de Sacramento é o caso mais evidente dessa política, do uso de uma instalação mili-
tar feita com a intenção de fomentar o comércio de contrabando e garantir a posse de
um território que dificilmente poderia ser considerado como português.

A situação no futuro Uruguai continuaria por um longo período e até afetou o


Império, com a guerra da Cisplatina (1825-1828), a bacia do Prata servindo também do
exemplo mais claro do uso das forças armadas como ferramenta de relações exteriores.
Foi o que ocorreu nas intervenções no Uruguai, em 1851-1852 (guerra de Oribe e Ro-
sas), 1854 (a Divisão Imperial de Observação, que entrou no Uruguai, a pedido do go-
verno), em 1855-1856, como envio dos onze navios da Divisão Naval do chefe de divi-
são (almirante) Pedro Ferreira de Oliveira, para abrir a navegação do Rio Paraguai. Um
processo que teve continuidade em 1857-1858, quando os Paraguaios renegaram os

155
FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, socieda-
de agraria e elite mercantil em uma economia colonial tardia. Rio de Janeiro, c. 1790-c.1840. São
Paulo: Civilização Brasileira, 2001. p. 69.
156
MATOS, Raimundo José da Cunha. Repertório da legislação militar atualmente em vigor no exército
e armada do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Seignot-Plancher, 1837.vol. II, 1837. p. 285.

143
Capítulo 3 - As forças armadas como consumidora de mercadorias.

termos do acordo de navegação que lhes fora imposto, sendo necessária a mobilização
de uma grande força de terra e naval para invadir o Paraguai, caso esses não aceitassem
as imposições do governo brasileiro. 157

A questão central dessa longa apresentação sobre os problemas militares especí-


ficos é que a Revolução Militar tinha obrigado os países, mesmo o longínquo Brasil, a
seguir um modelo de exército de parâmetros bem definidos, um dos quais era a questã
do tamanho da força – quanto maior, melhor. A tática linear do período implicava na
necessidade de uma disciplina férrea, quase transformando os soldados em autônomos,
se movendo em passo cadenciado, a uma só voz, a de seus oficiais. Como parte necessá-
ria destas táticas era preciso que os homens recebessem um mesmo treinamento e equi-
pamento, o que implicou no uso de uniformes. Um encadeamento de fatores que impli-
cou na criação de uma estrutura administrativa para levantar as tropas e as manter em
funcionamento, que foi feita em maior ou menor grau em todo mundo.

No entanto, a criação de um exército verdadeiramente nacional e brasileiro, se-


guindo padrões locais, não foi um processo simples, devido a diversos condicionantes,
dois dos quais consideramos fundamentais: a situação da Regência. Naquele momento,
as forças armadas foram vistas como um risco para as elites locais, devendo ser supri-
midas e, portanto, não eram merecedoras de gastos maiores. Em segundo lugar, com a
estabilização política, quando o Exército e Marinha voltaram a ser uma ferramenta im-
portante da diplomacia do Império, para a qual era necessário fornecer os meios neces-
sários para seu funcionamento. O Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, como parte fun-
damental do funcionamento das forças armadas, se situava entre esses dois extremos,
conforme abordaremos depois.

157
CASTRO (2016), op. cit.

144
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Sumário

4. Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil


4.1 O incentivo governamental as manufaturas
4.2 A situação das manufaturas no Rio de Janeiro na 1ª metade do século
4.3 Observações preliminares sobre a mão de obra escrava
4.4 Uso de motores em uma economia pré-industrial.
4.5 Alguns exemplos de manufaturas ligados às forças armadas
4.5.1 A Fábrica São Pedro de Alcântara
4.5.2 Sapatos Carioclave
4.6 A Ponta da Areia
4.7 Encerrando o capítulo

145
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

4 Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Um conceito fundamental para se entender os arsenais de guerra na primeira me-


tade do século XIX é o de pré-indústria e, antes de principiar, devemos dizer que este é,
de fato, um conceito, tem sentido e significado precisos, 1 sendo esta uma dúvida que
deve ser tratada. Fazemos essa colocação, pois há uma corrente de pensamento que
questiona o uso de palavras adjetivadas para definir alguma coisa, seja um objeto ou um
conceito.

No caso, a palavra pré-indústria, em si, apresenta o problema de se basear em


outra, indústria, o que em termos epistemológicos não é o ideal. A pré-indústria seria
aquilo que vinha antes da indústria, uma forma de explicação que não tem existência
própria, mas depende de outra, no caso, o de indústria, o que é uma forma questionável
de se trabalhar com um conceito, qualquer que seja. Em termos práticos, contudo, é um
termo que já se firmou na bibliografia para definir o conceito, tendo sido usado por di-
versos autores, como Braudel2 ou Frederick Mauro. 3 No Brasil, o tema já foi objeto da
dissertação de Luiz Carlos Soares4 e da tese de Geraldo Beauclair de Oliveira,5 de forma
que cremos que não é necessário tratar em profundidade o assunto, nos concentrando no
seu sentido e significado.

As características de uma economia pré-industrial seriam múltiplas. Antes de tu-


do, e de forma óbvia, não era industrial, ou seja, a principal atividade econômica era a
agricultura ou, tal como colocado por Braudel, não havia uma separação clara entre a
vida agrícola e a artesanal.6 O que existia segundo o autor era

a coexistência da rigidez, das inércias e dos movimentos limitados e


minoritários, mas vivos e poderosos, de um crescimento moderno. Por
um lado, os camponeses nas aldeias, vivendo de uma forma quase au-
tônoma, quase em autarquia; por outro lado, uma economia de merca-
do e de um capitalismo em expansão, que, como uma mancha de óleo,
vai elaborando, pouco a pouco, e prefiguram já, este mundo em que

1
OLIVEIRA, Geraldo de Beauclair Mendes de. A pré-indústria fluminense: 1808/1860. Tese de Douto-
rado. São Paulo: USP, 1987. (mimeo).p. 9.
2
BRAUDEL, Fernand. Civilización material, economía y capitalismo: siglos XV-XVIII. Madrid: Alianza
Editorial, 1979. Vol. 2. p. 252.
3
MAURO, Fréderic (org.). La préindustrialisation du Brésil. Essais sur une économie en transition:
1830/50 – 1930/50. Paris: Centre National de la Recherche Scientifique, 1984.
4
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação econômica e social escravista no sudeste : um estu-
do das atividades manufatureiras na região fluminense, 1840-1880. Dissertação de mestrado. Nite-
rói: UFF, 1980. (mimeo).
5
OLIVEIRA, op. cit.
6
BRAUDEL, op. cit. p. 258.

146
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

vivemos. Temos assim dois universos, pelo menos, dois tipos de vida
alheios um ao outro e cujas massas, no entanto, se explicam mutua-
mente.7
Estamos, portanto, falando de uma situação de transição – o usual nas economias
agrícolas era que o trabalho com o plantio atraísse os trabalhadores, mesmo os do arte-
sanato, em uma situação sazonal. Como nos exércitos da época, o período de colheita
também implicava na captação dos trabalhadores para os empreendimentos agrícolas,
enquanto nos momentos de pausa no campo, essa mão de obra tendia a se dedicar a ou-
tras atividades, inclusive às das oficinas artesanais.8 Entretanto, a pré-indústria é dife-
rente desse modelo simplesmente agrícola, pois, apesar das atividades primárias ainda
serem dominantes, já há uma maior representatividade do artesanato, que é exercido de
forma permanente, mobilizando trabalhadores de forma constante. Isto em instalações
de maior porte do que a simples oficina que empregava basicamente um trabalhador
especializado, o mestre, como era o caso anterior.

Nesse sentido, é interessante apontar certa divergência na definição: para Brau-


del, a pré-indústria é um conceito amplo, que engloba toda a atividade manufatureira
antes da indústria, incluindo as pequenas oficinas existentes na área agrícola. 9 Uma de-
finição extremamente ampla, vasta demais em nossa opinião, já que abrange todo o pe-
ríodo histórico antes da industrialização.

Outra característica geral apontada para as sociedades pré-industriais é sua situa-


ção de inércia, em termos de nível de vida e produtividade. Ao contrário das economias
já afetadas pela Revolução Industrial, ela está basicamente estagnada, o crescimento que
acontece é lento e espasmódico. Finalmente, não havia integração entre as diferentes
regiões de um país, por causa de um precário sistema de comunicação.10

Os estabelecimentos manufatureiros existentes nessas sociedades são relativa-


mente primitivos. Podiam ser a oficina familiar, onde o trabalho era executado por um
artesão, sua família e aprendizes, com ferramentas e matérias primas próprios. Neste
caso, como dito acima, seria um estabelecimento permanente, ao contrário dos sazonais
das economias agrárias. Os estabelecimentos também podiam ser organizados pelo sis-

7
BRAUDEL, Fernand. A dinâmica do Capitalismo. Lisboa: Editorial Teorema, 1986. p. 13.
8
OLIVEIRA, op. cit. p. 6.
9
BRAUDEL, op. cit. p. 263.
10
OLIVEIRA, op. cit. p. 6.

147
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

tema doméstico (putting out),11 no qual os artesãos continuavam a possuir suas ferra-
mentas, mas recebiam a matéria prima de um capitalista, trabalhando em suas casas e
devolvendo o produto acabado. Funcionava, basicamente como uma oficina artesanal
doméstica tradicional, a não ser pela propriedade da matéria prima e o fato de serem
empregados por um capitalista, que gerencia as atividades. Este último tipo de organiza-
ção é marcante, pois, apesar de muito primitivo em termos de organização, define um
momento decisivo na origem das empresas, por depender de um empreendedor, um ca-
pitalista, para gerenciar a produção.

Uma discussão gerando uma definição mais restritiva do que seria pré-indústria
surgiu na década de 1960. Esta trabalhava com o conceito semelhante, mas não idêntico,
o da protoindustrialização. Esta seria uma fase intermediária, antes do surgimento da
industrialização, com cinco características básicas: não era um processo nacional ou
internacional, mas sim regional; os empreendimentos não podiam ser classificadas co-
mo as antigas oficinas artesanais, pois as empresas passavam a produzir para um merca-
do local ou regional, vendendo seus produtos para fora de suas regiões de origem; era
uma atividade principalmente de áreas rurais, surgindo de uma relação simbiótica com o
comércio agrícola. Finalmente, “era ‘dinâmica: era definida como um crescimento ao
longo do tempo do emprego industrial de trabalhadores rurais”.12 Douglas Libby, ao
trabalhar com as pequenas manufaturas têxteis e de metais em Minas Gerais, se utilizou
deste conceito, para tratar das manufaturas que surgiram no ambiente rural de Minas
Gerais do Século XIX, as têxteis e de metalurgia. 13 Em outro texto, ele faz uma distin-
ção importante, em termos de identificação do que seria a protoindústria: para Libby “a
protoindustrialização pode ser definida como a produção em grande escala de bens in-
dustriais destinados a mercados distantes, baseada em mão de obra barata e campone-
sa”.14

Geraldo Beauclair de Oliveira, faz uma distinção que nos parece muito útil na
questão que estamos trabalhando, definindo a pré-industria como um conceito diferente

11
O sistema de putting out tem uma grande relevância para o Arsenal de Guerra, pois era a forma como
funcionava a “Repartição de Costuras” da Instituição, conforme trataremos em outro capítulo.
12
OGILVIE, Sheilagh. Proto-industrialization. https://goo.gl/V4OQSW (acesso em outubro de 2016). p.
3.
13
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas no século XIX.
São Paulo: Brasiliense, 1988.
14
LIBBY, Douglas Cole. Protoindustralização em uma sociedade escravista: o caso de Minas Gerais. IN:
SZMRECSÁNY, Tamás & LAPA, José do Amaral (org). História econômica da Independência e do
Império. São Paulo: Hucitec, 2002. p. 238

148
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

do da protoindústria, por este ser um fenômeno particularmente urbano, o que se en-


quadra mais no estudo que estamos realizando.15

Nas áreas urbanas maiores, a tendência era a de começarem a surgir sistemas


mais complexos, como o de cooperação, onde um grupo de artesãos de várias especiali-
dades é reunido em um ambiente único, sob o controle de um empregador, o produto
final passando pelas mãos de todos. Marx exemplifica este caso com a manufatura de
coches,

que anteriormente era o resultado do trabalho de um grande número


de artesões independentes, tais como carpinteiros de rodas, correeiros,
alfaiates, serralheiros, estofadores, torneiros, artesões de franjas, [frin-
ge-makers], vidraceiros, pintores, polidores, douradores etc. Na manu-
fatura de coches, entretanto, todos estes artesãos são reunidos em um
só prédio, onde o trabalho segue de mão em mão. 16
Marx continua, apontando que a tendência dessa cooperação é que os artesãos,
por estarem ocupados em uma só atividade específica, gradualmente perdem a prática
do trabalho de seu ofício como um todo, passando, contudo, a se aperfeiçoar e especia-
lizar nas atividades específicas que exercem na oficina. Deixam de ser generalistas em
seu ofício e vão se especializando.

Ainda seguindo o que consta do Capital, haveria outra origem da manufatura,


que seria a reunião em um só espaço dos artesãos, todos fazendo o mesmo tipo de traba-
lho, numa forma de cooperação das mais elementares. Cada um deles produz toda a
mercadoria, fazendo em sucessão todas as operações necessárias. Contudo, a tendência
com o tempo era, novamente, pela divisão do trabalho, as atividades, passando a ser
separadas em segmentos especializados e a mercadoria “a partir de ser o produto de um
artífice individual, torna-se o produto social de uma união de artífices, cada um dos
quais realiza uma, e apenas uma, das operações parciais constituintes”. 17 Marx repetindo
então o exemplo dado por Adam Smith, do fabricante de alfinetes, onde o trabalho, an-
tes feito por vinte artesãos trabalhando lado a lado, cada um executando todas as vinte
operações necessárias para o acabamento do alfinete, passa por uma transformação, os
vinte artesãos “completos” sendo substituídos por vinte outros, especializados, cada um
deles executando apenas uma tarefa específica, aumentando em muito a produção.18

15
OLIVEIRA, op. cit. p. 6.
16
MARX, Karl. Capital. London: Encyclopaedia Britannica, c. 1952. p. 164.
17
id. p. 164.
18
SMITH, Adam. An Inquiry into the nature and causes of the wealth of Nations. London: Encyclopaedia
Britannica, c. 1952. p. 9. Adam Smith copiou esse exemplo da enciclopédia de Diderot e
Continua –––––––

149
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Esta é uma característica que voltaremos a tratar quando tratarmos do Arsenal de Guerra
da Corte.

Implícito nessas definições, ao contrário do que acontecia nas antigas oficinas


artesanais, é a separação entre o capital e o trabalho. Passa a haver um empregador, ou
organizador da força de trabalho, que controla, mesmo que em parte, os meios de pro-
dução: ferramentas, local de trabalho ou, no mínimo, as matérias primas.

Com a adoção de máquinas motrizes, a manufatura com divisão de trabalho tor-


na-se uma fábrica (ver Figura 9). Em termos de pré-indústria, a simples existência de
algumas fábricas não implica que a sociedade seja industrializada, como se pode obser-
var no Brasil, onde houve algumas poucas delas na primeira metade do século XIX, mas
estas não se consolidaram de forma suficiente para caracterizar a sociedade como um
todo. Luiz Carlos Soares coloca a pré-indústria no Rio de Janeiro como estando associ-
ado ao momento da passagem da economia do café, a partir da década de 1840,19 quan-
do havia a existência de certo número de manufaturas, mas essas não sendo um aspecto
definidor da economia, a mudança para um processo de industrialização real ocorreria
mais tarde.

De qualquer forma, o crescimento urbano começa a concentrar cada vez mais


atividades artesanais em núcleos populacionais maiores e a complexidade da organiza-
ção dessas atividades foi aumentando, a ponto do surgimento do que Braudel chama de
indústrias piloto, “que atraem os capitais, os benefícios e a mão de obra e cujos impul-
sos, em princípio, [vão] repercutir sobre os setores vizinhos e incentiva-los”, 20 servindo
de momento inicial do desenvolvimento industrial.

Ou seja, começam a aparecer manufaturas ou indústrias que permitem o surgi-


mento de um crescimento autossustentável dessas, o que se costume chamar de industri-
alização. Esta, historicamente

envolveu uma utilização mais produtiva dos fatores de produção, al-


cançada em parte através da alteração das proporções em que intervi-

Continuação–––––––––––
D’Alembert, que por sua vez citava um estudo de Perronet, de 1762. ALDER, Ken. Engineering the
revolution: arms & enlightenment in France, 1763-1815. Chicago: University of Chicago, 1992. p.
135
19
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na sociedade escravista: o surto manufatureiro no Rio de Janeiro
e nas suas circunvizinhanças (1840-1870). IN: MAURO, op. cit. p. 13 e segs.
20
BRAUDEL (1979), op. cit. p. 263.

150
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

nha, e também através da melhoria da sua eficiência e da introdução


de novas técnicas21.
De forma concisa, para nós, portanto, a pré-indústria é um fenômeno urbano, ca-
racterizado pela divisão entre o capital e o trabalho, que resultou na criação de oficinas e
manufaturas. Nestas havia certa divisão de trabalho e uso de máquinas, mas sem que
estes fatores permitam caracterizar as instalações como indústrias, onde o sistema já é
totalmente baseado na divisão de trabalho e uso de máquinas motrizes.

A pré-indústria no contexto do presente trabalho é, portanto, uma fase relativa-


mente curta em termos temporais, em um processo no qual a economia está em trans-
formação, de uma centrada na agricultura para outra com base industrial, indústria que
no Brasil só vai começar a ser bem percebido a partir de 1870-1880, como colocado
pelos autores que tratam da história econômica.

4.1 O incentivo governamental as manufaturas


Toda essa questão conceitual da pré-indústria é relevante em termos comparati-
vos, pois as grandes potências militares do período de nosso estudo, o início do XIX,
estavam mais ou menos no mesmo estágio na manufatura de artigos militares. Isso pelo
mens em termos qualitativos, apesar da escala da produção, a quantidade, ser muito di-
versa. No entanto, o processo de transformação da produção, de uma baseada em ofici-
nas e manufaturas para uma de fábricas, se deu de forma diferente nos países do hemis-
fério norte com relação ao Brasil, com reflexos na estrutura de produção de artigos mili-
tares, os arsenais, como será tratado nos capítulos subsequentes.

Sobre o período da pré-indústria no Brasil, os trabalhos que tratam do tópico


apontam para a existência de iniciativas governamentais no incentivo às manufaturas no
início do século, com a chegada da família real e a revogação de uma política de restri-
ção às medidas de produção local de produtos não agrícolas. Assim, o Alvará de 28 de
abril de 1809 criava incentivos para a implantação de instalações manufatureiras:22 a
isenção total de impostos de todas as matérias primas para manufaturas; isenção de im-
postos de exportação da produção e a autorização para a realização de loterias, no valor
de sessenta mil cruzados [aproximadamente 145 milhões de reais em valores de hoje],23

21
KEMP, Tom. A Revolução industrial na Europa do Século XIX. Lisboa: Edições 70, 1985. p. 23.
22
BRASIL – Alvará de 28 de abril de 1809. Isenta de direitos as matérias primas do uso das fabricas e
concede outros favores aos fabricantes e da navegação Nacional.
23
Cálculo de inflação feito usando o índice de “custo econômico”, de acordo com o sítio Measuring
Worth. https://goo.gl/rtcTbc (acesso em outubro de 2016).

151
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

cujos resultados seriam aplicados nas empresas. Finalmente, foi estabelecida uma regra
para “privilégios industriais”, semelhante ao atual sistema de patentes, onde se dava
proteção, por até vários anos, às “descobertas” tecnológicas implantadas no País, mes-
mo que essas já fossem conhecidas na Europa.

Duas das medidas de incentivo estavam diretamente relacionadas com as forças


armadas. Uma era uma vantagem todo importante: a determinação que se deveria evitar
o recrutamento onde a “agricultura e as artes necessitam de braços”. 24 Uma proteção
relevante, pois o recrutamento para o serviço militar, tanto nas tropas de linha como nas
milícias, era um pesado encargo para a sociedade, como apontado no capítulo anterior e
foi um problema apontado constantemente para o funcionamento do Arsenal de Guerra.
Na documentação da instituição há vários documentos tratando da isenção de recruta-
mento, como um relatório, de 1849, onde o diretor do Arsenal de Guerra escrevia ao
ministro da guerra nos seguintes termos, a respeito do pessoal da Fábrica de Armas da
Conceição, uma repartição do Arsenal de Guerra:

insisto pois como pedi o ano passado em seu favor por um privilégio
de isenção de todo o serviço da Guarda Nacional, pois que a decadên-
cia deste Estabelecimento provem em parte de serem os aprendizes
alistados para a dita Guarda 25
Se o serviço militar dos artesãos era uma dificuldade para uma instalação gover-
namental – e justamente uma voltada para o apoio direto ao serviço militar – podemos
ter certeza que o recrutamento era mais grave para as organizações privadas.

Além dessa norma de isenção de recrutamento, em 1809 o governo estabeleceu a


previsão que:

Todos os fardamentos das minhas Tropas serão comprados ás fábricas


nacionais do Reino, e às que se houverem de estabelecer no Brasil,
quando os cabedais que hoje têm melhor emprego na cultura das ter-
ras, puderem ser aplicados ás artes com mais vantagem; e não se po-
derão para este fim comprar manufaturas estrangeiras, senão no caso
de não terem as do Reino e Brasil com que suprir a necessidade publi-
ca. E ao Presidente do meu Real Erário hei por muito recomendado,
que procure sempre com prontos pagamentos auxiliar os fabricantes
dos meus Estados, a fim de que possam suprir o fornecimento dos
meus Exércitos, e se promova por este meio a extensão e aumento da
indústria nacional. 26

24
BRASIL – Alvará de 28 de abril de 1809, op. cit.
25
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Marechal João Carlos Pardal, diretor do Arsenal de Guer-
ra, ao Ministro da Guerra. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1848. Mss. ANRJ. IG7 10.
26
BRASIL – Alvará de 28 de abril de 1809, op. cit.

152
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Nessa linha, em 1813, em São Paulo, foi estabelecida uma tecelagem de algo-
dão, privada, mas que se beneficiou da proteção estabelecida pelo alvará de 28 de abril
de 1809, ficando subordinada à supervisão da Real Junta de Comércio.27

Eram ações de apoio direto e indireto, mas o texto do Alvará não continha medi-
das mais eficazes, ou seja, algo que implantasse um protecionismo fiscal – e mesmo as
previsões do alvará não foram efetivadas, em grande parte.

Outra medida tomada nesse momento inicial, logo após a chegada da família
Real, foi a ação direta do governo no estabelecimento de manufaturas próprias, como a
Fábrica de Pólvora da Lagoa, no Rio de Janeiro (ver Figura 9), a de Ferro de Ipanema
(SP), as Fábricas de Tecidos da Lagoa e do Catumbi, também no Rio de Janeiro.

Figura 9 – Reconstituição da Casa dos Pilões28


Reconstituição com base em pesquisas arqueológicas feitas na Casa dos Pilões, parte da Real Fábrica de
Pólvora, criada em 1808. Esta instalação era usada para macerar os produtos necessários para a fabricação
do explosivo. A localização da instalação, na Lagoa, se deveu ao fato de nas proximidades haver disponí-
vel água abundante para mover as máquinas, como a roda d’água copeira ilustrada. Para a levar a água até
as máquinas foi construído um aqueduto, até hoje existente. Tais equipamentos permitiriam classificar o
estabelecimento como uma fábrica e não como uma manufatura, a instalação estando adiante de seu tem-
po no Rio de Janeiro.
Talvez mais importante tenha sido o Colégio de Fábricas. Este, segundo a inter-
pretação de Oliveira, teria surgido com o objetivo de criar uma “matriz de oficinas”, que
27
MELLO, Maria Regina Ciparrone. A industrialização do algodão em São Paulo. São Paulo: Perspecti-
va, 1983. p. 40.
28
BRASIL – Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, 6ª Coordenação Regional. Casa dos Pilões:
museu, sítio arqueológico. Rio de Janeiro: IBPC, s.d.

153
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

pudesse servir de base para outros empreendimentos.29 Colocamos a condicional, teria,


pois o texto do decreto que estabeleceu o Colégio das Fábricas especificava que este
fora criado:

com o único fim de socorrer a subsistência e educação de alguns artis-


tas e aprendizes vindos de Portugal, enquanto se não empregassem
nos trabalhos das fabricas que os particulares exigissem30
Apesar dessa previsão, podemos dizer que havia também um ponto de vista dife-
rente, de que a proposta do colégio era realmente a do incentivo às manufaturas. Isto é
evidente em um voto do deputado da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e
Navegação, Leonardo Pinheiro de Vasconcelos, que, em 1812, escreveu que o Colégio
das Fábricas teria como objetivo:

Incentivar no Brasil o estabelecimento de fábricas, verdadeiro manan-


cial de riqueza e civilização, fechado neste continente até a chegada da
Alteza Real a estes Estados; e não foi certamente a esperança de rápi-
dos e vantajosos lucros, porque estes não se conseguem logo nesta es-
pécie de estabelecimento. 31
Como exemplo dessa atividade de geração de empresas por meio do incentivo
do governo, o deputado citava o exemplo “do estabelecimento da fábrica de sedas ao
tempo de D. João V (1734), nasceram as diversas fábricas que existem em Portugal,
onde se empregam grande número de cidadãos e suas famílias”. 32

Ainda nessa mesma linha, outro indício da preocupação do governo em criar


uma estrutura que servisse para incentivar as indústrias através da formação de mão de
obra, pode ser visto, curiosamente, na missão francesa vinda para o Brasil em 1816.
Além dos artistas de belas artes que normalmente são citados, o pessoal que veio incluía
o professor de artes mecânicas, o mestre ferreiro François Ovide; o mestre em constru-
ção naval Jean-Baptiste Level; Nicolas Magliori Enout, serralheiro; os carpinteiros e
fabricantes de carros Louis-Joseph Roy e seu filho Hippolyte Roy; os peleteiros Fabre e
Pelite; os especialistas em estereotomia,33 Charles-Henri Lavasseur e Louis Symphorien

29
OLIVEIRA, Geraldo Beclauir Mendes de. A construção inacabada: a economia brasileira, 1822-1860.
Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2001. p. 91.
30
PORTUGAL – Decreto de 31 de outubro de 1811. Comete á Real Junta do Comércio do Estado do
Brasil a inspeção do Colégio das fabricas.
31
Arquivo Nacional. Junta de Comércio. Consulta da Real Junta sobre o estabelecimento do Colégio das
fábricas. Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1812. apud OLIVEIRA (2001), op. cit. pp. 91-92.
32
id. pp. 91-92.
33
A estereotomia é o estudo das formas das pedras, tendo em vista suas possibilidades de corte e entalhe.
Tal profissão pode ser associada à escultura, no preparo de peças para estátuas. No entanto, cremos
que os profissionais da Missão Artística estivessem ligados a outro entendimento da profissão, o li-
Continua –––––––

154
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Meunié.34 Marc Ferrez, o professor de escultura da missão, seria também o mestre da


oficina de escultura do Arsenal de Guerra da Corte.35

Para a atividade de ensino, o governo instalou por decreto a Escola Real de Ci-
ências, Artes e Ofícios, que tinha um objetivo de formação de “artistas”, não como pen-
saríamos hoje, de belas artes, mas em um dos sentidos usado na época, de sinônimo de
artífice.36 No texto legal se previa também um subsídio para artesões que viessem para o
Brasil, para promover e difundir a instrução indispensável “não só aos empregos públi-
cos da administração do Estado, mas também ao progresso da agricultura, mineralogia,
indústria e comércio”.37 Vale frisar que o texto deixava claro que isso se aplicava aos
“ofícios mecânicos, cuja pratica, perfeição e utilidade depende dos conhecimentos teóri-
cos” das “ciências naturais, físicas e exatas”,38 ou seja, era uma proposta voltada para a
manufatura. Essa medida, contudo, não teve sequência, já em 1820 a escola passava a se
chamar Real Academia de Desenho, Pintura, Escultura e Arquitetura Civil, com um
currículo pouco ligado aos ofícios, esses desaparecendo totalmente das atividades da
Academia com a reforma da instituição, em 1831.39

Ainda outra medida de caráter semelhante foi a fundação da Academia Militar,


que seria a única formação superior na área de “exatas” no Brasil na primeira metade do
século XIX. O decreto de sua criação especificava que o curso formaria oficiais de arti-
lharia e engenheiros, que pudessem também “ter o útil emprego de dirigir objetos admi-
nistrativos de minas [mineração], de caminhos, portos, canais, pontes, fontes, e calça-
das”,40 o curso compreendendo as “ciências matemáticas, de ciências de observações,
quais a física, química, mineralogia, metalurgia e historia natural, que compreenderá o
reino vegetal e animal”. O texto da lei que criou a academia continuando, quase como
uma nota, que na Academia Militar seriam lecionadas, também, as “ciências milita-

Continuação–––––––––––
gado a construção civil, o tema sendo ensinado nas escolas de arquitetura no século XIX, sendo ne-
cessário o conhecimento de desenho de perspectiva isonométrica.
34
CARDOSO, Rafael. A Academia Imperial de Belas Artes e o Ensino Técnico. 19&20, Rio de Janeiro,
v. III, n. 1, jan. 2008. Disponível em: https://goo.gl/hiZ76T. (acesso em agosto de 2016).
35
ALMANAK do Rio de Janeiro para o ano de 1827. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1827. p. 214.
36
SILVA, Antônio. Dicionário da língua portuguesa - recompilado dos vocabulários impressos ate ago-
ra, e nesta segunda edição novamente emendado e muito acrescentado. Lisboa: Tipografia Lacerdi-
na, 1813. Verbete artista. p. 201.
37
REINO UNIDO – Decreto de 12 de agosto de 1816. Concede pensões a diversos artistas que vieram
estabelecer-se no país.
38
Id.
39
Para uma discussão interessante sobre o tema, ver: CARDOSO, op. cit.
40
PORTUGAL – Lei de 4 de dezembro de 1810. Cria uma Academia Real Militar na Corte e Cidade do
Rio o de Janeiro.

155
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

res”.41 O ensino dos futuros oficiais durava sete anos, dos quais apenas os três últimos
tinham cadeiras voltadas para assuntos militares, apesar de nesses anos continuarem a se
ensinar matérias ligadas às ciências.

A formação bélica dos alunos da academia deixou marcas duradouras na nossa


sociedade: até hoje a especialidade da engenharia que trata do ramo da construção é a
engenharia civil, já que o curso de engenharia propriamente dita, originalmente, era
puramente militar. Sintomaticamente para a relevância da proposta da Academia, suas
instalações iniciais foram colocadas na Casa do Trem, um dos prédios vizinhos ao Ar-
senal. Situada ao lado das oficinas, as matérias que demandassem o uso de oficinas ou
aulas práticas com objetos poderiam ser dadas na instalação manufatureira.

Deve-se fazer a ressalva que essas políticas de fomento técnico não tiveram uma
continuidade nem foram uma unanimidade entre as próprias lideranças políticas do País.
Estas eram ligadas à agricultura de exportação, fator já notado por Celso Furtado42 e
elas não teriam interesse particular na questão da montagem de manufaturas locais, pois
isso não atenderia seus interesses específicos.

O maior representante dessa corrente liberal da economia certamente foi o Vis-


conde de Cairu, José da Silva Lisboa43 que argumentava: “O Brasil pode ainda por lon-
go tempo ter muita indústria e riqueza, sem estabelecer as fábricas refinadas e de luxo
que distinguem a Europa.”44 Ele era contrário aos princípios gerais estabelecidos no
Alvará de 28 de abril de 1809, que previa a possibilidade de se dar privilégios à indus-
trias nascentes, opondo-se a qualquer outra forma de protecionismo e defendendo ape-
nas que “as fábricas que por ora mais convêm no Brasil são as que proximamente se
associam à agricultura, comércio, navegação, e artes da geral acomodação do povo”45.
Só que mesmo neste caso, Cairu tinha uma posição controversa, escrevendo:

41
id.
42
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional: Publifo-
lha, 2000. p. 106.
43
José Maria da Silva Lisboa, visconde de Cairu (1756-1835), era baiano, formado em direito canônico e
filosofia em Coimbra. Teve vários cargos no serviço público, inclusive o de professor de economia
política. Escreveu vários livros, inclusive o Princípios da economia política, defendendo o liberalis-
mo. Era conservador, defensor da monarquia e foi deputado e senador do Império. BRASIL – Ar-
quivo Nacional. Mapa memória da administração pública brasileira. Verbete José Maria da Silva
Lisboa, visconde de Cairu. https://goo.gl/dFlca1 (acesso em outubro de 2016).
44
LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria, e estabelecimento de fábricas no
Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999. p. 35.
45
Id. p. 35.

156
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Deve-se porém notar, que convém haver muita circunspecção em tras-


passar para o Brasil grandes máquinas, ainda para as manufaturas que
nos podem ser mui úteis, como as de algodão. Grandes máquinas e fá-
bricas, onde não houver vasta população serão quimeras.46
Ou seja, Cairú tinha uma postura claramente antimanufatureira e ele teve um pa-
pel importante na política econômica nacional, não só por seus escritos, mas também
por ser membro do Tribunal da Junta de Comércio, onde tinha, justamente, que apresen-
tar pareceres sobre a defesa das manufaturas.47 Essas dicotomias, entre posições que
defendiam as manufaturas e outras mais liberalistas, se refletiriam na organização da
fábricas do Governo, em diferentes momentos estas recebendo apoio, em outras sendo
relegadas, como veremos no caso do Arsenal de Guerra.

4.2 A situação das manufaturas no Rio de Janeiro na 1ª metade do século XIX


Claramente, a ideia era que essas iniciativas de incentivo no período logo após a
vinda da família real tivessem um efeito de criar uma indústria piloto, no sentido que
Braudel trabalhou, como colocado por alguns dos políticos do período. Na prática, pou-
cos privilégios industriais foram dados (ver Gráfico 18), um indicativo, nas palavras de
um autor, do “pouco desenvolvimento das forças produtivas da época”.48

Privilégios de invenção

42%

16%

10%
32%

Agricultura Outros Navegação Manufatura


Gráfico 18 – Sumário dos privilégios industriais
Concedidos pela Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação de 1808 a 1850, o gráfico
acima foi montado com base no levantamento feito por Rômulo Garcia Andrade. Como é visível, foram
concedidos apenas 35 privilégios, a maioria voltada para atividades agrícolas.49

46
Id. p. 97.
47
ANDRADE, Rômulo Garcia de. Burocracia e economia na primeira metade do século XIX (a Junta de
Comércio e as atividades artesanais e manufatureiras na cidade do Rio de Janeiro: 1808-50). Dis-
sertação de Mestrado. Niterói: UFF, 1980 (mimeo). p. 62.
48
Id. p. 24.
49
id. pp. 26 e 33 e segs.

157
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Esse pouco desenvolvimento das manufaturas também é perceptível no número


das que existiram até 1850 – Andrade cita 36 empresas que receberam apoio governa-
mental, 75% delas sendo voltadas para a produção de bens de consumo. Eram manufa-
turas de chapéus, vidros papel e assemelhados, 50 a maior parte delas com um pequeno
corpo de artesãos. Na década seguinte a situação muda um pouco, aumentando de forma
significativa o número de estabelecimentos, entre os quais passam a existir alguns de
grande porte.

Duas tabelas publicadas no Relatório do Ministro da Fazenda de 1856 listam 66


manufaturas na capital do Império. Estas tinham privilégios de isenção de impostos de
importação, exportação ou ambos. Ou seja, as tabelas não mostram o conjunto de em-
presas existentes no Rio de Janeiro, muito menos no Brasil como um todo, pois não
incluíam as que não tinham esses privilégios. 51 Mesmo assim, o número da amostragem
já mostra um claro crescimento de valores com relação à situação anterior, as informa-
ções do relatório da fazenda também são interessantes, pois ilustram a forma como se
compunha o seu quadro de pessoal. A lista por nós compilada (ver Tabela 6) relaciona
apenas as 55 empresas que apresentam dados sobre seus empregados e se nota que as
maiores manufaturas do Rio de Janeiro eram os empreendimentos do barão de Mauá:
376 trabalhadores na Fábrica Esteárica, de produtos de iluminação, e 350 no Estaleiro
da Ponta da Areia, este em Niterói. O único outro estabelecimento a exceder cem traba-
lhadores era a fundição de João e Francisco Miers, com 145 empregados.

No todo, eram 2.245 operários em manufaturas com privilégios na cidade do


Rio, o valor médio sendo de apenas de 42 trabalhadores por manufatura. A concentra-
ção de empresas ainda era na área de bens de consumo – apenas cinco eram do ramo de
metalurgia e de máquinas, apesar dessas serem grandes empregadoras, com 587 traba-
lhadores (26%). Havia ainda duas cordoarias, material importantíssimo para a navega-
ção à vela, e uma do ramo de produtos químicos.

Eram apenas oito empresas “de base” – e isso com certa latitude –, as outras tra-
tando de bens de consumo, os mais importantes sendo o setor de sabão e velas, com 15
empresas e 438 funcionários (19,5% do total) e de chapéus, com 18 estabelecimentos e

50
id. pp. 153-154.
51
O Almanaque Laemmert de 1856, lista uma imensa quantidade de empresas na cidade do Rio de Janei-
ro, mas não é possível ter uma noção de suas dimensões ou sequer se eram simplesmente lojas de re-
talho, oficinais individuais ou algo maior. ALMANAK administrativo mercantil e industrial e provín-
cia do Rio de Janeiro para o ano de 1856. Rio de Janeiro: Laemmert, 1856. pp. 597 e segs.

158
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

572 trabalhadores (25,5%). No tocante ao quadro de funcionários, vale apontar que se


desconsiderarmos na lista as empresas maiores, as de Mauá e Miers, a média de empre-
gados pelas companhias cai para 27. Algumas das companhias – oito delas – eram, para
usar uma expressão de Braudel, liliputianas,52 com menos de dez trabalhadores.

Quanto às manufaturas de chapéus, essas empresas eram resultantes do costume


da época, quando o uso de coberturas de cabeça era uma exigência social, maior até que
o uso de sapatos – não havia fabricantes de sapatos nas listas de empresas com privilé-
gios. Curiosamente, apesar da importância das manufaturas deste tipo de artigo no Rio
de Janeiro e do fato de cada soldado receber um boné e uma barretina, encontramos
poucas menções a compra de chapéus pelo Arsenal de Guerra e esses eram apenas os de
desenho mais simples, os bonés. A maior parte das peças fornecidas para o exército era
manufaturada pelo governo, pois encontramos apenas dados de compras de chapéus em
1849 (barretinas e bonés), chapéus de palha, no ano seguinte, e bonés de caçadores, em
1852.53 Em 1862 o Arsenal fez um contrato com Manoel Augusto dos Santos, aparen-
temente com a intenção de que sua empresa substituísse o Arsenal no fornecimento de
bonés, pois ordem era para dispensar os alfaiates e sirgueiros da manufatura “logo que
seus serviços não forem mais preciso”.54 Não sabemos se essa substituição chegou a se
concretizar, contudo. De qualquer maneira, o grande número de manufaturas de chapéus
da cidade aparentemente não se beneficiou das compras regulares do Exército.

52
BRAUDEL (1979), op. cit. p. 280. Braudel, na verdade, é mais contundente, considerando como em-
presas de tamanho reduzido algumas com mais empregados, como as fábricas de sabão de Marselha,
que tinham pouco mais de 26 empregados por unidade, em média.
53
Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, edições de 29 de abril de 1849, 10 de outubro de 1850 e 17
de junho de 1852.
54
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso da 3ª Diretoria, 3ª Seção, do Ministério da Guerra ao diretor
do Arsenal de Guerra informando sobre contrato com Manoel Augusto dos Santos para fabricação
de bonés a 600 réis. Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 360.

159
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Estabelecimentos Ramo Nº de Empresas Operários


Companhia de Iluminação Gás 1 376
Ponta da Areia Máquinas 1 350
Fructuoso Luís da Motta Galões 1 22
Antônio Salustiano de Castro Produtos químicos 1 9
Viúva Folco Vidros 1 8
João Henrique Habbert Vinagre 1 8
Pacova & Silva Metalurgia 1 5
Várias Couros 2 58
Id. Cerveja 2 28
Id. Cordoaria 2 17
Id. Fundição55 3 232
Id. Rapé 6 122
Id. Sabão e velas 15 438
Id. Chapéus 18 572
Soma 55 2245
Tabela 6 – Estabelecimentos manufatureiros 1855 e 1856.
Situação dos estabelecimentos manufatureiros que gozavam de isenção de impostos de importação entre
março de 1855 e março de 1856.56 Foram removidos da tabela onze empresas sobre as quais não se sabe o
número de operários, reduzindo a amostragem.
Sobre um período um pouco posterior, Soares cita que na exposição universal de
1861 participaram 163 estabelecimentos manufatureiros, dos quais 89 situados no mu-
nicípio neutro, a capital, inclusive nove dedicados à fundição e máquinas.57

4.3 Observações preliminares sobre a mão de obra escrava


Outro ponto característico da pré-indústria, este específico do Brasil, foi o uso de
mão de obra escrava. Nesse caso, é importante notar que existe a noção de que o traba-
lho escravo seria incompatível com seu uso em manufaturas, pois, como coloca um au-
tor, o cativo, “enquanto escravo, era incapaz de assimilar procedimentos técnicos um
pouco mais sofisticados”, 58 se chegando à conclusão, genérica, que a escravidão resul-
tava, necessariamente, em um baixo grau de sofisticação do processo produtivo.59

Esta é uma visão pré-concebida, que acreditamos ter origem em um pensamento,


aparentemente lógico, de que o proprietário não estaria disposto a investir no aprendiza-
do de seu cativo, pois isso não implicaria em um retorno imediato. Além desse suposto
óbice, a escravidão, em tese, impediria o aperfeiçoamento técnico das manufaturas, co-
mo colocado em um texto:

55
Inclui os estabelecimentos de Francisco Miers, com 145 trabalhadores e o de Caetano da Rocha Paco-
va, com 73
56
SOARES, op. cit. pp. 20-23
57
id. pp. 18-19.
58
MELLO, João Manuel Cardoso. O capitalismo tardio : contribuição à revisão crítica da formação e do
desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 33.
59
LIMA, Carlos A. M. Artífices do Rio de Janeiro (1790-1808). Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. p. 203.

160
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Se passarmos a raciocinar (como convém) dinamicamente, veremos


que as coisas ficarão muito piores para a indústria escravista. O pro-
gresso técnico é próprio ao capitalismo, enquanto está, praticamente,
excluído da indústria escravista. Não somente porque existem limites
estreitos à técnica adotada, decorrentes da presença do escravo, mas,
também, porque é inteiramente irracional ao empresário elevar o grau
de mecanização, ‘sucateando’ parte do ‘equipamento’ representado
pelo mancípio antes que se esgote sua ‘vida útil’.
Conclua-se, pois, que o diferencial de custos subiria constantemente,
uma vez que o diferencial de produtividade aumentaria da mesma
forma. Não se pode imaginar, nem de longe, que uma possível dife-
rença entre a taxa de salários e o custo de manutenção do escravo
compensasse todos os fatores que apontamos.60
O problema desse argumento é o de ser preconceituoso, trabalha com uma visão
idealizada de como as coisas deviam se processar, em termos aparentemente lógicos,
mas ignora a realidade, de como de fato aconteciam. Nesse sentido, é evidente na do-
cumentação que o uso de mão de obra cativa era importante na pré-indústria do Brasil,
estando presente em praticamente todas as atividades, mesmo as que necessitavam de
maior habilidade e formação, e os motivos disso eram igualmente lógicos. Por exemplo,
no tocante ao aperfeiçoamento técnico dos cativos, Thomas Ewbank coloca que os
monges carmelitas tinham uma fazenda, onde se cultivava apenas mandioca e feijão,
mas não para venda:

os proprietários achavam mais lucrativo criar escravos do que [plan-


tar] café, ou qualquer outra coisa. Os jovens de certa idade são envia-
dos para a cidade e ligados aos ofícios, ‘pelo que se recebe o dobro do
que se estivessem empregados no plantio’.61
Ou seja, se percebia que a formação profissional de um cativo, mesmo custando
caro, em termos de lucros não auferidos e até para pagar sua educação em um ofício,
representava um investimento com retornos mais consideráveis em longo prazo do que
o trabalho braçal. De fato, Spix e Martius chegaram a notar uma vantagem do mercado
do trabalho no Brasil com relação à Europa do período: sem haver uma rígida estrutura
de corporações de ofício, era possível empregar os escravos em muitos desses ofícios,
sem maiores restrições, ao contrário do que ocorria no Velho Mundo naquele momento
(ver Figura 10).62

60
MELLO, op. cit. p. 75.
61
EWBANK, Thomas. Life in Brazil; or a journal of a visit to the land of the cocoa and the palm. New
York: Harper & Brothers, 1856. p. 370.
62
SPIX, Johann Baptist von & MARTIUS Carl Friedrich Phillip von. Travels in Brazil in the years 1817-
1820. Vol. 1. London: Longman, 1824. p. 168.

161
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Figura 10 – Loja de Sapateiro.


Figura icônica de Debret, normalmente é tratada do ponto de vista de maus tratos aos cativos. A imagem,
contudo, é mais informativa sobre a formação de mão de obra qualificada. Segundo o texto que a acom-
panha, trata-se uma loja “opulenta de um sapateiro português”, 63 o proprietário, o mestre, sendo ilustrado
castigando um escravo de sua propriedade, enquanto os outros dois cativos são “diaristas”. O texto não
deixa claro se são escravos de aluguel ou escravos de ganho, apesar de cremos que esta última opinião ser
pouco provável, já que os demonstram ter certo conhecimento técnico, executando tarefas que exigem
maior habilitação, o que não seria de se esperar de pessoal não qualificado. Debret continua mencionando
que com a vinda da família real houve o costume de se importarem sapatos de Londres, se estabelecendo
na cidade artesãos franceses. Conclui o raciocínio dizendo que “foi então, sem dúvida, que os operários
negros ou mulatos empregados nessas lojas se tornaram os rivais de seus senhores”, Debret dando a en-
tender que esses operários tinham suas próprias lojas: “de fato, agora se encontra nas lojas dessa gente de
cor, toda a espécie de calçados perfeitamente confeccionados”. 64
O importante, no caso, é que a presença dos cativos era comum nas oficinas e
manufaturas de todas as escalas na primeira metade do século XIX, constituindo um
aspecto específico da pré-indústria no Brasil, por este ser um país escravista. O relatório
do ministro da fazenda de 1855, traz uma nova relação de manufaturas que tinham pri-
vilégios de isenção de impostos de importação ou exportação:

63
DEBRET, Jean Baptiste. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Tome II. Paris: Firmin Didot
Frers, 1835. p. 92.
64
id. p. 93.

162
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Empresa Ramo Brasileiros Estrangeiros Escravos Soma


Hom Mul Hom Mul Hom Mul
Villas Boas & Cia Cerveja - - 18 - - - 18
Braga & Rocha Chapéus - - 72 - 24 - 96
Bernardes & Raythe Chapéus 1 - 45 - 12 - 58
José de Carvalho Pinto & Cia Chapéus 4 - 6 - 40 2 52
Francisco Antônio da Costa Chapéus 5 9 31 - 4 - 49
João de Lemos Pinheiro Chapéus 6 5 7 - 12 1 31
José Calazans Outeiro Chapéus 8 5 3 - 14 - 30
Roberto Augusto d'Almeida Chapéus 2 3 12 - 5 1 23
André Maunier Chapéus - - 2 - 9 1 12
Pedro Desray Chapéus 1 - 2 2 4 - 9
Manoel Antônio da Silva Roxo Cordoaria - - 6 - 3 - 9
Alexandre Bristol Cordoaria - - 4 - 4 - 8
João e Francisco Miers Fundição 39 - 92 - 14 - 145
Adam Urbach Fundição 10 - 4 - - - 14
Fructuoso Luís da Mota Galões 3 - - - 14 - 17
Companhia de iluminação Gás 73 - 233 - 70 - 376
Pacova & Cia Metalurgia 4 - - - 1 - 5
Estevão Gasse Rapé - - 1 - 16 - 17
Napoleão Meuron & Cia Rapé - - 7 - 4 4 15
D. Clara Francisca Bernardes Rapé - - 1 - 10 - 11
João José da Rocha & Sobrinho Rapé - - 1 - 6 - 7
Joaquim José Pereira Guimarães Rapé - - - - 4 - 4
Lenoir & Filho Sabão 1 - 13 - 73 5 92
Companhia de luz Stearica Sabão 1 - 10 - 21 - 32
Lopes & Lousada Sabão 4 - 19 - - - 23
José Jacintho de Lima Sabão 3 - 10 - 8 - 21
Luís Manoel Bastos & Cia Sabão - - 6 - 13 - 19
Silva & Ferreira Sabão - - 11 - 7 - 18
Luiz Francisco da Silva Sabão 3 - 2 - 12 - 17
Antônio Pinto de Mesquita Sabão 1 4 3 - 7 1 16
Antônio José Pereira de Carvalho Sabão 2 - 2 - 10 - 14
Jerônimo Jacintho de Almeida & Cia Sabão - - 9 - 3 - 12
José Pereira de Menezes Sabão - 6 - - 4 - 10
João Henrique Habbert Vinagre 2 - - - 8 - 10
SOMAS 173 32 632 2 436 15 1290
Tabela 7 – Empresas estabelecidas no Rio de Janeiro.
Lista apenas as que tinham isenção de impostos no despacho de matérias primas, 1856.65
A tabela acima, parcial, pois só trata de empresas com isenção de impostos de
exportação, apresenta alguns dados que valem a pena ser discutidos, ainda que de forma
breve. De início, nos pareceu notável a grande participação de artesãos estrangeiros na
força de trabalho – eram 634, ou seja, quase metade (49%) do total, o que apoiaria uma
afirmação muito comum nos escritos de época, de que havia falta de operários no País.
Os trabalhadores livres brasileiros eram poucos, apenas 16% da amostragem, e o núme-
ro de mulheres, fossem estrangeiras, brasileiras ou escravas, era ainda mais reduzido,
praticamente irrelevante: eram apenas 49, ou apenas 3,8% do total, um ponto que cre-

65
BRASIL – Ministério da Fazenda. Proposta e Relatório do Ministério da Fazenda apresentados à
Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia
Nacional, 1857. Tabela 68.

163
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

mos ser interessante apontar, para futura referência quando tratarmos da repartição de
costuras do Arsenal de Guerra.

No entanto, mais importante em termos de um suposto modelo geral de funcio-


namento da economia brasileira é a questão da participação de mão de obra escrava,
que, como colocado anteriormente, por alguns aspectos supostamente lógicos de funci-
onamento empresarial, não deveria existir ou ser insignificante em manufaturas. Só que
a amostragem relaciona 451 cativos, ou um pouco mais de um terço da força de traba-
lho, 35% para ser mais preciso. Uma lista de empresas um pouco maior, com dados dis-
poníveis no mesmo relatório do ministro da Fazenda,66 mostra que em 51 manufaturas
havia 2008 operários, entre eles 886 cativos, ou 44%, uma percentagem ainda mais sig-
nificativa do quadro funcional. Ou seja, a mão de obra escrava, ainda na metade do sé-
culo XIX, era fundamental para se entender o funcionamento de uma manufatura no Rio
de Janeiro.

4.4 Uso de motores em uma economia pré-industrial.


Podemos dizer que o índice de mecanização das empresas existentes no Rio de
Janeiro também era baixo, ainda que os registros de uso de máquinas motrizes sejam
escassos: o conde de Gestas, escrevendo em 1837, menciona apenas uma manufatura
com máquinas motrizes, a de papel e papelão, do Sr. Gaillard, no Andaraí, mas essa era
movida por força hidráulica.67 O mesmo com relação à grande fábrica de Santo Aleixo –
instalada em 1849. Esta tinha um complemento de máquinas de diversos tipos, não só
cinquenta teares, mas também equipamentos para descaroçar, limpar e fiar algodão,
capazes de produzir um milhão de metros de tecidos por ano.

No caso da Santo Aleixo, cremos ser interessante fazer um aparte para notar a
proposta de criar uma integração vertical, não se preocupando só com o produto final, o
tecido, mas também com o principal insumo usado, o fio. Essa medida deve ter sido o
resultado de um problema específico do Brasil e que afetaria o Arsenal de Guerra em
todas as suas atividades, especialmente as de maior demanda, à produção de uniformes:
a falta de matéria prima produzida localmente, como trataremos no momento oportuno.

66
id. tabelas 68 e 69. Os dados dessas tabelas, contudo, devem ser vistos com certa cautela, pois há em-
presas que aparecem nas duas, com dados numéricos diferentes entre elas. Fizemos uma opção pelos
maiores valores de trabalhadores encontrados.
67
GESTAS, Aymar Marie Jacques. Conde de. A memória sobre o estado atual da indústria na cidade do
Rio de Janeiro e lugares circunvizinhos. O auxiliador da indústria Nacional. Rio de Janeiro, socie-
dade auxiliadora da indústria nacional, Rio de Janeiro, nº 3, 1837. p. 82.

164
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

De qualquer forma, na manufatura todos os equipamentos eram movidos por uma roda
d’agua, esta muito grande, de 9 metros de diâmetro, com a potência de 60 cavalos, mai-
or do que a maior parte das máquinas a vapor usadas em indústrias ou navios do perío-
do.68

Dados concretos sobre maquinas a vapor são mais escassos, mas existem: em
1820 já funcionava uma serraria a vapor no Rio, mas não encontramos dados sobre
ela.69 Mais tarde, a manufatura de chapéus de José Carvalho de Pinto e a de sabão e
velas de José Maria de Sá, ambas já existentes na década de 1840, tinham máquinas a
vapor.70

Na verdade, sabe-se que havia até oficinas de fabricação de motores no País, a


primeira menção a elas datando de 1816,71 enquanto na década de 1850 podemos citar
os estabelecimentos de Miers e o da Ponta da Areia, ambos fabricando motores a vapor
(ver Figura 11). A fundição de Miers, que tinha mais de uma centena de empregados em
1856, podia não só de produzir os equipamentos motrizes, mas também navios comple-
tos, de alta complexidade: em 1858 lá foi feito o Tamandatahy, um vapor de rodas de
casco de ferro – o primeiro feito no País –, tendo 28 toneladas72. Esse barco, que foi
feito especialmente para a Marinha equipar a Colônia Militar de Itapura, no Tietê, inte-
rior do estado de São Paulo, era totalmente desmontável, para poder subir a serra de
Cubatão e passar por terra pelas cachoeiras daquele rio, sua maior peça tendo apenas
175 kg, 73 de forma a poder ser transportada no lombo de mulas – um respeitável feito
para o período.

68
RIO DE JANEIRO – Governo Provincial. Relatório do Presidente de Província do Rio de Janeiro o
senador Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho na abertura da 1ª sessão da 7ª legislatura da As-
sembleia Provincial, no dia 1º de abril de 1848. Rio de Janeiro: Diário de N. L. Vianna, 1848. p. 45.
69
MATOS, Raimundo José da Cunha. Memória estatística, econômica e administrativa sobre o arsenal
do exército, fábricas e fundições da cidade do Rio de Janeiro. Vila Nova de Famalicão: s.ed. 1939.
p. 14.
70
ANDRADE, op. cit. pp. 132 e 134.
71
OLIVEIRA (2001), op. cit. p. 88.
72
O relatório do ministro da marinha de 1858 informa que o navio tinha 2800 toneladas, o que certamente
está errado. O Tamandatahy tinha 35 tripulantes, um canhão de 6 libras e 16 cavalos de motor. Cus-
tou 20 contos de réis (cerca de 21 milhões de reais de hoje) e calava 1,22 m a ré e 1,04 m avante.
BRASIL – Ministério da Marinha. Relatório apresentado a assembleia geral legislativa na Segunda
Sessão da Décima Legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da marinha, José
Antônio Saraiva. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1858. p. 6. A atualização monetária foi feita
usando o índice do custo econômico. Cf. Measuring Worth: op. cit. (acesso em outubro de 2016).
73
BRASIL – Ministério da Marinha (1858), op. cit. p. 6.

165
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Figura 11 – Motor estático fabricado por Miers & Maylor.


Peça constante da exposição Nacional de 1861, este motor oscilante era para uso fixo e não em navios,
sendo adequado para engenhos e manufaturas. No livro Recordações da exposição nacional de 1861,
estão ilustrados quatro motores feitos no Brasil: há também um pequeno, igualmente estático, da Fundi-
ção Ponta da Areia e dois do Arsenal de Marinha da Corte, um oscilante, de três cilindros, e outro, de alta
pressão e dois cilindros, ambos de uso naval, mostrando a difusão do conhecimento técnico especializado
no período.74
Ou seja, a questão da não mecanização não se devia especificamente a uma in-
capacidade técnica do País. Motores de alta complexidade e grande potência eram feitos
aqui, como discutiremos brevemente no trecho sobre a Fundição da Ponta da Areia. O
problema era, provavelmente, um de escala dos empreendimentos, o uso de máquinas
não sendo necessário em instalações de menor porte ou que podiam se valer de uso ex-
tensivo de mão de obra, relativamente barata. Por exemplo, por uma gravura publicada
em um jornal, podemos ver que outra manufatura tinha suas máquinas movidas por
meios mecânicos, a de Costa Braga & Cia. Esta, pelas tabelas do relatório do ministério
da Fazenda e por seus próprios anúncios tinha 96 operários, sendo a maior manufatura
do ramo no Rio de Janeiro, dai, talvez, se justificando a motorização da empresa.

74
INSTITUTO artístico de Fleuiss irmãos & Linde. Recordações da Exposição nacional de 1861. Rio de
Janeiro: Laemmert, 1862. Sem numeração de páginas.

166
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Figura 12 – Anúncio da manufatura de Costa & Braga. 75


Esta empresa, a maior do ramo no Município Neutro e no Brasil, se orgulhava de sua produção anual de
cem mil chapéus, como colocado no anúncio.
Aqui vale um aparte, pois, como dissemos, a Costa & Braga publicou um anún-
cio sobre a empresa, com uma imagem que, supostamente, representa suas instalações
(ver Figura 12). Esta adquire certa relevância para o presente estudo, pois é a única figu-
ra que encontramos que mostra, ainda que em desenho, uma instalação manufatureira no
Rio de Janeiro no período que estudamos.

A imagem ilustra com destaque, no seu centro, o motor vertical, a vapor, de um


cilindro, usado para mover algumas máquinas, como uma prensa de rolos, à esquerda.
O desenho também permite perceber parte da organização da oficina, aparentemente
com divisão de trabalho, já que as estações dos artesãos, à direita, são compartilhadas
por quatro trabalhadores. Isso dá a entender que uma etapa da produção do chapéu é
conduzida em cada estação, que teria apenas as ferramentas apropriadas para parte da
atividade – nestas estações não há espaço para todos os equipamentos necessários para o

75
Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 16 de março de 1864.

167
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

preparo do produto completo. Além disso, é visível o uso de um trabalhador, que supo-
mos que fosse um escravo, por ser negro, estar descalço e sem camisa. Este desenvolve
uma atividade não especializada, a de foguista, alimentado de carvão a caldeira. No cen-
tro, encostado a uma coluna, uma pessoa que cremos ser um feitor, por estar usando
uma casaca e chapéu, enquanto os trabalhadores (são ilustrados quinze deles) estão em
mangas de camisa ou sem camisa, mas não são ilustrados como negros. Finalmente, na
esquerda aparecem algumas pessoas usando casacas e cartolas, que talvez sejam fregue-
ses ou pessoal da administração da companhia. Um microcosmo de uma manufatura
“moderna”, com técnicas mais atualizadas do que o Arsenal de Guerra tinha no período,
conforme discutiremos em outro capítulo.

4.5 Alguns exemplos de manufaturas ligados às forças armadas


No campo das empresas existentes no Rio de Janeiro, podemos dizer que o go-
verno em determinado momento teve o interesse em apoiar o surgimento de manufatu-
ras civis que pudessem fornecer os produtos básicos necessários para o funcionamento
do Exército. Essa era uma necessidade evidente para o País na época, pois dependentes
totalmente de importações, o funcionamento das forças armadas – e de todo o país –
ficaria sujeito aos efeitos de um bloqueio, que poderia ser aplicado por uma grande po-
tência.

Essa questão não era um problema teórico, a experiência prévia com situações
semelhantes era marcante e recente: na Guerra da Cisplatina, as Províncias Unidas do
Rio da Prata, apesar de estarem muito inferiorizadas em termos navais, mantiveram uma
grande campanha de corso e mais de trezentos navios de comércio brasileiros foram
apresados pelos argentinos e uruguaios. 76 Entre 1844 e 1850, a ação antiescravidão in-
glesa capturou dezenas de navios negreiros, vários deles em águas nacionais, às vezes
sob o fogo de canhões de fortes, incapazes de impedir a ação britânica.77 Entre 1838 e
1845 uma esquadra francesa tinha mantido Buenos Aires sob bloqueio, o que se repetiu
entre 1845 e 1850, agora com uma força naval anglo-francesa. Foram ações observadas
de perto pelo Brasil, por causa de seus interesses no Uruguai. A solução para evitar os

76
RODRIGUEZ, Horacio & ARGUINDEGUY, Pablo E. El Corso Rioplantense. Buenos Aires: Instituto
Browniano, 1996. Anexo II.
77
MACKENZIE-GRIEVE, Averil. The Last of the Brazilian Slavers, 1851. In: Mariner’s Mirror, 31,
1945, p. 4.

168
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

piores problemas de um eventual bloqueio seria prover o país de uma infraestrutura mí-
nima de produção, em caso de necessidade.

Dessa forma, o ministro da Guerra, no mesmo ano da introdução da Tarifa Alves


Branco, 1844, já defendia a aplicação de taxas de importação mais elevadas, para prote-
ger a produção local, no caso, da fábrica de Pólvora. Chegava-se a falar no retorna da
proibição total de importação do produto78 como já tinha ocorrido até 1832. Os minis-
tros também procuravam proteção para a Fábrica de Ferro de Ipanema, igualmente ad-
ministrada pelo exército.79

Entretanto, a ação dos ministros na proteção das manufaturas não se restringia


àquelas que eram administradas pela força e que ofereciam produtos no mercado civil,
como as duas anteriormente citadas. Na documentação se encontram alguns casos em
que o Exército, através do Arsenal de Guerra, o órgão que gerenciava a aquisição de
material para a força, procurou apoiar empresas que surgiam. Não eram medidas visan-
do economia de gastos, pelo contrário, às vezes implicavam em aumento de despesas,
mas pretendiam efetivamente criar uma base de fornecimento de material para as forças
armadas, como veremos mais abaixo, como estudos de caso resumidos.

4.5.1 A Fábrica São Pedro de Alcântara


Uma das manufaturas que aparece bastante na documentação do Arsenal de
Guerra é a manufatura de algodão de João Diogo Hartley e cremos que ela merece um
comentário um pouco maior por causa da proteção do governo que empresário receberia
na forma de subsídios diretos. O primeiro desses seria um empréstimo de 100 contos de
réis, 80 apesar do empresário ter tido problemas com as condições do empréstimo. Mes-
mo com esse apoio, no final reduzido, o empresário chegou de fato a montar uma manu-
fatura, com 76 teares, movida por uma máquina a vapor de 30 HP a partir de 1848. Con-
tudo, o empreendimento, chamado de Fábrica São Pedro de Alcântara, situada no An-

78
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da guerra apresentado à As-
sembleia Geral Legislativa em 14 de maio de 1845 pelo respectivo ministro e secretário de estado
Jerônimo Francisco Coelho. Rio de Janeiro: Tipografia de Barros, 1845. p. 8.
79
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na quarta
Sessão da nona legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da guerra, Marquês de
Caxias. Rio de Janeiro: Tipografia de Laemmert, 1856. p. 32.
80
BRASIL – Decreto nº 491, de 28 de Setembro de 1847 – Autoriza ao Governo a emprestar a Joaquim
Diogo Hartley a quantia de cem contos de réis para auxiliar a sua fabrica de tecidos de algodão,
debaixo de certas condições.

169
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

daraí (RJ), não se firmou e viria a falir muito pouco tempo depois – em 1855 o governo
já buscava meios de ressarcir os valores do contrato de empréstimo. 81

Aqui vale ressaltar que uma das razões apontadas para a falência do estabeleci-
mento de Hartley na historiografia mais moderna foi a competição com a produção es-
trangeira e a falta de mercados para seus produtos.82 Entretanto, no caso cremos ser im-
portante notar que essa falta de mercados deve ser relativizada. Já em 1849 encontramos
documentação do ministro da guerra, perguntando se os produtos da manufatura podiam
ser utilizados na fabricação de fardamentos.83 Isto seguiria os termos do alvará de 28 de
abril de 1809, que poderia já estar “esquecido”, mas não foi o caso. A decisão dos arte-
sãos do Arsenal de Guerra foi favorável ao uso dos tecidos e a partir daí foi dada uma
ordem do Ministro, determinando que só fossem importados tecidos da Europa se as
manufaturas nacionais não os pudessem fornecer.84 A medida, mesmo na época, era
vista como protecionista, um autor escrevendo:

Sabem todos que por diversas vezes se tem tentado nesta Corte, e em
várias Províncias a criação de semelhantes Fábricas, e que não só os
grandes embaraços que a natureza da empresa opõe, como os opostos
pelos importadores de algodão manufaturado, fizeram perecer essas
empresas muito breve, arrastando o aniquilamento daqueles que ai
empregaram seus cabedais.
Ao estabelecimento do Sr. Hartley não caberá melhor sorte, se o go-
verno Imperial o não proteger. Embora o estabelecimento esteja sofri-
velmente montado, embora o empresário não se poupe à sacrifícios
para vencer todas as dificuldades; o que pode tudo isto se os importa-
dores de algodão empreenderem destruí-lo? Só uma proteção obstina-
da do governo o pode fortificar. E o Ex. Sr. Manoel Felizardo [Minis-
tro da Guerra] tanto compreendeu esta necessidade, que põe em ação
todos os recursos para animar a dita fábrica dando grande extração aos
seus produtos.
Para o obter S. Ex. ordenou que no Hospital Militar, Arsenal de Guer-
ra e corpos desta Guarnição, sempre que fosse possível se empregasse
o algodão da Fábrica Brasileira; e se são exatas as notícias que temos,
S. Ex. tem em vista dar maior latitude à sua ordem.85

81
Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1855.
82
LAHMEYER LOBO, Eulália Maria. História do Rio de Janeiro (do capital comercial ao capital indus-
trial e financeiro). Rio de Janeiro, IBMEC, 1978. p. 117.
83
BRASIL – Ministério da Guerra. Expediente de 24 de novembro de 1849. Diário do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1849.
84
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro Manoel Felizardo de Sousa e Melo ao diretor do
Arsenal de Guerra da Corte, José Maria da Silva Bitancourt. 14 de maio de 1850. Mss. ANRJ. IG7
404.
85
PROTEÇÃO à indústria manufatureira. O Liberal, Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 1850.

170
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

O Ministro da Guerra chegou até a autorizar que treze dos menores que faziam
aprendizado no Arsenal de Guerra fossem entregues a Hartley, para receberem ensino
sobre o ofício e para servirem de apoio à iniciativa. 86

Em nossa opinião, mais interessante do que poderia parecer apenas boas inten-
ções, há registros de diversas compras efetivas de tecidos na manufatura Pedro de Al-
cântara, publicados no Diário do Rio de Janeiro: em 26 de fevereiro de 1850 foi pago a
Hartley o valor de 765$750 referente a algodão vendido ao Arsenal, 87 quantia que foi
seguida por outras: em 2 de maio, 1:004$350 rs; 1:294$4000 rs em 13 de maio e assim
por diante. Além disso, o tecido da Fábrica foi usado em outros Arsenais, havendo men-
ções do envio, pelo Arsenal de Guerra da Corte, de 444 varas (488 metros) para o Ma-
ranhão e 8.140 varas (8.954 metros) de algodão para o Arsenal de Pernambuco, esta
última remessa no valor de 2:035$000 rs.

No total, encontramos no Diário do Rio de Janeiro pagamentos no total de


25$085:000 rs a Hartley, feitos em menos de dois anos. 88 Não temos como saber se este
foi o total dos desembolsos, cremos ser provável que não, pois não há um registro ar-
quivístico confiável dessas compras. De qualquer maneira, os dados existentes já mos-
tram uma quantia respeitável, considerando que corresponde a 25% do empréstimo pre-
tendido para a Fábrica São Pedro de Alcântara, mostrando a força do Exército como
consumidor de produtos manufaturados nacionalmente.

Sendo assim, o colocado pelo Ministro do Império, Visconde de Mont’Alegre,


em um relatório publicado em 1850, onde traçava um quadro dramático da situação do
estabelecimento de Hartley parece estranho, especialmente a menção à falta de mercado
consumidor:

“O Fabricante que até o presente não tinha dado o menor sinal de ar-
rependimento hoje parece esmorecido, apontando entre outras causas,
o alto preço do algodão, o empate do que existe fabricado, que sendo a
princípio mui procurado, não acha hoje compradores, o que lhe é tal-
vez devido à baixa do preço do algodão estrangeiro, e finalmente a es-
cassez do auxílio solicitado, pois tendo pedido 250.000$ não passou a

86
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Diretor do Arsenal de Guerra, Jeronimo Francisco Coelho, ao
Ministro da Guerra, Pedro d’Alcantara Bellegarde sobre o retorno de treze menores ao Arsenal.
Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1854. Mss. ANRJ. IG7 14.
87
BRASIL – Ministério da Guerra. Expediente de 19 de fevereiro de 1850. Diário do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 26 de fevereiro de 1850.
88
A cotação padrão da vara (unidade de medida equivalente a 1,1 metros) de algodão da fábrica de Har-
tley era de 250 réis, de forma que os valores acima correspondem a 110.000 metros de tecido. Diário
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1850.

171
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

proteção de 100.000$ dos quais apenas recebeu metade; dificultando a


percepção da outra metade, por se entender que a Lei concedeu a pres-
tação exigindo fiança, não admite em lugar dela caução, que ele se
ofereceu a prestar. Esta circunstância dificultava muito o recebimento
da prestação; e diz o Fabricante que a não ter mui especial proteção do
Governo, deixará sua maquina de trabalhar por ser infalível o prejuí-
zo.89
O fato é que o empreendimento fracassou, e a manufatura fechou. Um último
“apoio” a companhia foi a compra da uma máquina a vapor, calculada como tendo 19
HP de força, bem como outras máquinas da empresa, aquisições decididas pelo Ministro
da Guerra, em julho de 1852, 90 para que o material fosse reaproveitado no Arsenal de
Guerra.

4.5.2 Sapatos Carioclave


Ainda no ramo de vestuário, outro tipo empreendimento que recebeu apoio do
governo foi a fabricação de calçados. Este era um item de grande consumo no exército –
as tabelas oficiais de fornecimento de material previam que os soldados de cavalaria
recebessem um par de sapatos e um de coturnos (botas de cano curto), a cada oito meses
e os de infantaria um par de sapatos a cada três meses, o “prazo de validade”, a duração
legal de cada calçado sendo reduzida pela metade em tempo de guerra,91 por causa do
desgaste normal em uma campanha militar – e devemos lembrar que no período de nos-
so estudo a situação de guerra era muito mais comum do que a paz. Eram dezenas de
milhares de pares de calçados comprados por ano: apenas em 1856, um ano em que o
Exército mantinha uma divisão de observação na fronteira do Rio Grande do Sul, mas
não estava envolvido em operações de guerra, encontramos anúncios para compra de
24.354 pares de calçado em fevereiro, 16.764 em agosto e 25.065 em setembro.92 Um
total de 66.163 pares, o número efetivo podendo até ser maior que esse, por falhas na
documentação.

89
BRASIL – Ministério do Império. Relatório da Repartição dos negócios do Império apresentado à
Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da oitava legislatura pelo respectivo ministro e se-
cretário de estado, Visconde de Monte Alegre. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1850. p. 33. O
grifo é nosso.
90
BRASIL – Comissão de Melhoramentos do Material do Exército. Parecer sobre a compra da Máquina
da Fábrica de Panos de Algodão de Hartley. Rio de Janeiro, 28 de junho de 1852. Mss. ANRJ. IG7
13.
91
BRASIL – DECRETO nº 547 de 8 de Janeiro de 1848. Aprova a Tabela dos preços de diversos artigos
de armamento, equipamento, arreios, fardamentos e mais objetos para o Exercito e Fortalezas.
92
BRASIL – Ministério da Guerra. Expedientes. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, edições de 10
de fevereiro, 14 de agosto e 16 de setembro de 1856.

172
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Assim, em termos de incentivo à fabricação local, já em 1844, em um dos mui-


tos anúncios de compra de material pelo Arsenal de Guerra, foi solicitada a venda de
calçados para o exército, com a especificação de que eles “devem ser manufaturados
aqui”.93 Uma previsão que não encontramos em outros documentos, apesar de conside-
rarmos interessante essa especificação, já naquele ano. Isso por na época, ou pouco de-
pois, não haver grandes fabricantes de calçados no Rio de Janeiro: o Almanaque Laem-
mert, de 1856, por exemplo, lista apenas uma “fábrica”, apesar de haver muitas lojas de
sapatos.94

De qualquer forma, em 1850 foi concedido um privilégio por dez anos para João
Marcos Vieira de Sousa Pereira, o proprietário da Imperial manufatura de calçado cari-
oclave à prova d'agua.95 Este tipo de calçado, carioclave, ou coiroclave, na França, era
considerado apropriado aos militares e era usado desde 1816 – nele, a sola não era presa
ao resto do calçado por fios encerados, como era comum então, mas sim por cravos,
fixados no interior do sapato por peças metálicas. Os cravos faziam que a sola se gastas-
se no mesmo ritmo do tacão (salto) e o sapato durasse mais, 96 de forma que os exércitos
inglês e alemão usaram uma bota que seguia os mesmos princípios até pelo menos a
Segunda Guerra, pois era apropriada para o uso em campanhas.

Pensando justamente nesse uso militar, o governo provincial do Rio de Janeiro,


procurou o Ministério da Guerra para oferecer o produto da manufatura, estabelecida
em Petrópolis em outubro de 1850.97 O ministro da guerra ordenou o exame do calçado
e este foi aprovado pelos mestres do Arsenal de Guerra, o resultado sendo que em junho
do ano seguinte o ministro encaminhou ao Arsenal de Guerra o contrato feito com a
empresa, que previa a compra, a 1.600 réis a unidade, de 1.500 pares de sapatos por
mês, o número podendo ser aumentado de acordo com as possibilidades do fabricante.98
Parece que o exército tinha a intenção de comprar toda a produção da empresa, já que
ainda na vigência do contrato foi feito outro, com José Maria Palhares, um importador,

93
DECLARAÇÕES. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 1844.
94
ALMANAK, op. cit. p. 628 e pp. 674 e segs.
95
BRASIL – Decreto nº 677, de 6 de Julho de 1850. Concede a João Marcos Vieira de Sousa Pereira
privilegio exclusivo por dez anos para estabelecer nesta Corte uma manufatura de calçado cario-
clave com o titulo de – Imperial Manufatura de calçado carioclave á prova d'agua.
96
LA CHAUSSURE corioclave. https://goo.gl/JupoHn. (Acesso em julho de 2016).
97
RIO DE JANEIRO – Governo Provincial. Expediente de 8 de outubro de 1850. Diário do Rio de Janei-
ro, Rio de Janeiro, 2 de novembro de 1850.
98
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro Manoel Felizardo de Sousa e Melo ao diretor do
Arsenal, José Maria da Silva Bitancourt, encaminhando o contrato estabelecido com a Imperial
Manufatura. Rio de Janeiro, 5 de junho de 1851. Mss. ANRJ. IG7 404.

173
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

para a venda de quatro mil pares por mês, em 1852 – curiosamente, estes custando 100
réis a mais do que da manufatura nacional.99 Ainda assim, a Imperial Manufatura tam-
bém procurou obter um contrato com a Marinha. Apesar do contrato com o Exército, só
encontramos na documentação do Arsenal uma referência ao recebimento de sapatos da
Imperial manufatura – apenas seiscentos pares, em abril de 1853, o fabricante se des-
culpando pela demora na entrega, usando como justificativa a falta de mão de obra em
Petrópolis. 100

Independente dos problemas de atraso, os sapatos efetivamente entregues não fo-


ram considerados de boa qualidade pelo Arsenal, se argumentando que os cravos “im-
pediam o uso prolongado”,101 ou seja, eram incômodos, o governo ordenando correções
no produto. Não é apontado na documentação, mas não podemos deixar de notar que o
nome da empresa, de “sapatos impermeáveis” era um embuste, pois eles certamente não
o eram, o que pode ter sido mais um problema na aceitação dos calçados.

O fato é que a empresa fechou em 1852, novamente, como no caso de Hartley,


não se podendo dizer que isso tenha sido por falta de um mercado, já que o Exército
tinha condições de comprar uma grande quantidade dos sapatos – o problema parece ter
sido do empresário, que não soube gerir sua companhia.

4.6 A Ponta da Areia


Outro importante estabelecimento manufatureiro que recebeu apoio do governo
foi a Fundição da Ponta da Areia, do Barão de Mauá. Não vamos entrar em detalhes
sobre essa manufatura, mas podemos dizer que ela era excepcional no País, tanto por
sua complexidade quanto por sua capacidade técnica.102 Suas origens estavam na Fundi-

99
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício da diretoria do Arsenal, Marechal de Exército José Maria da
Silva Betencourt, ao Ministro da Guerra sobre a compra de sapatos a José Maria Palhares. Rio de
Janeiro, 9 de julho de 1851. Mss. ANRJ. IG7 13
100
CARTA de João Marcos Vieira de Souza Pereira ao oficial maior da Secretaria de Estado dos Negó-
cios da Guerra, Libanio Augusto da Cunha Mattos. Petrópolis, 29 de abril de 1852. Mss. ANRJ. IG7
13.
101
BRASIL – Comissão de Melhoramentos do Material do Exército. Parecer sobre os sapatos Coirocla-
ve. Rio de Janeiro, 28 de junho de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
102
Existe uma grande quantidade de obras tratando dos empreendimentos de Mauá, especialmente a Pon-
ta da Areia, a começar pela própria defesa do Barão: SOUZA, Irineu Evangelista de. Exposição do
Visconde de Mauá aos credores de Mauá & C. e ao público. Rio de Janeiro: J. Villeneuve, 1878.
Além dessa, podemos citar BESOUCHET, Lídia. Mauá e seu tempo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1978; CALDEIRA, Jorge. Mauá Empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. A
obra que mais utilizamos no presente trabalho foi a: MOMESSO, Beatriz Piva. Indústria e trabalho
no século XIX: o estabelecimento de Fundição de Máquinas de Ponta d’Areia. Dissertação de mes-
trado. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2007. (mimeo).

174
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

ção com o mesmo nome, estabelecida pelo inglês Carlos [Charles] Colmann, em mea-
dos de 1844. O barão de Mauá, em sua Exposição, onde apresentava suas explicações
para o insucesso de suas empresas, chamava a empresa que fora comprada de uma mi-
niatura, do que seria o futuro estabelecimento. Mas a empresa de Colmann não era uma
manufatura pequena – em 1845 ela lançou ao mar uma barca a vapor, a Fluminense,
para a Sociedade Macaé-Campista, segundo a empresa, a maior embarcação feita no
Brasil até então,103 o estaleiro também sendo capaz de fundir ferro, uma tecnologia
complicada para o período. Ou seja, já havia uma importante base a partir da qual Mauá
poderia expandir seu empreendimento.

De qualquer forma, dois anos depois de Colmann estabelecer sua empresa, Mauá
comprou a fundição pois, segundo ele, “o Brasil precisava de alguma indústria dessas
que podem medrar sem grandes auxílios”. 104 No entanto, o próprio autor se contradiz ao
tratar dos “auxílios”, colocando a necessidade que havia de apoio governamental para o
empreendimento:

Desde que o estabelecimento da Ponta d’Areia ficou montado para


produzir em grande escala, havia-me eu aproximado dos homens de
governo do país em demanda de TRABALHO para o estabelecimento
industrial, cônscio de que essa proteção era devida, mormente preci-
sando o Estado dos serviços que eram solicitados, em concorrência
com encomendas que da Europa tinham de ser enviadas.105
Era um momento apropriado para a iniciativa, já que a introdução da tarifa Alves
Branco, de 1844, dava uma proteção adicional ao empreendimento, que teve um desen-
volvimento muito rápido.

103
Diário do Rio de Janeiro, 3 de junho de 1845.
104
SOUZA, op. cit. p. 8. Grifos do autor.
105
id. p. 13. Grifos do autor.

175
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Quadro de trabalhadores
800
700
600
500
400 441 505

300 343
281
265 273
200
122
100 148 181 162
85 130 101
73
0

Escravos Livres

Gráfico 19 – Evolução do pessoal do Estaleiro da Ponta da Areia.


Afora os Arsenais de Marinha e de Guerra do Rio de Janeiro, o estabelecimento da Ponta da Areia era o
maior empregador da região da cidade do Rio de Janeiro, apesar do estabelecimento estar sediado em
Niterói. Mesmo considerando a escala muito maior do estabelecimento, este acompanhava a tendência
das outras manufaturas do Rio de Janeiro, com a percentagem de escravos no corpo funcional nunca fi-
cando abaixo de 24,3%.
O Relatório do presidente de província do Rio de Janeiro de 1848 mencionava
que quando da incorporação da companhia, dois anos antes, o pessoal da empresa era de
80 trabalhadores – outra fonte informa que 28 deles (35%) eram escravos, comprados
com o estabelecimento,106 o mesmo relatório mostrando o rápido crescimento da fundi-
ção, ao informar que já havia 491 trabalhadores. Entretanto, manteve-se como uma em-
presa pré-industrial, com uma força de trabalho mista: ainda em 1848, 148 dos operários
eram escravos, correspondendo a 30% do quadro de pessoal, enquanto os estrangeiros
correspondiam a outros 36% (ver Tabela 8).
Outra relação de empregados, feita sete anos depois, aponta que dos 411 traba-
lhadores então no estabelecimento, 117 eram brasileiros, 119 portugueses e 45 de outras
nacionalidades, o único engenheiro do estabelecimento sendo um inglês. 107 Além disso,
havia 130 escravos (32% do total de trabalhadores), dos quais 45 eram “de particula-
res”, ou seja, escravos de aluguel. O número de operários ainda aumentaria mais, che-
gando a 667, em 1857. 108

106
MOMESSO, op. cit. p. 55.
107
id. pp. 124 e 125.
108
id. p. 123.

176
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Ocupações Estrangei. Brasileiros Aprendizes Serventes Escravos Total


Fundidores de ferro 26 5 12 14 18 75
Maquinistas 33 12 8 - 12 65
Modeladores 6 4 3 - 4 17
Caldeireiros 21 8 9 10 15 63
Ferreiros 9 7 - - 8 24
Operários de galvanismo 8 2 4 - 5 19
Fundidores de bronze 2 3 2 - 2 9
Carpinteiros de estala- 56 21 8 - 16 101
gem109
Carpinteiros obra branca 7 11 - - - 18
Calafates 7 5 3 - 7 22
Pedreiros/carpinteiros aux. - - - - 34 34
Serventes - - - - 27 27
Engenheiros/mestres 11 - - - - 11
Caixeiros 1 5 - - - 6
Soma 187 83 49 24 148 491
Tabela 8 – Mapa do pessoal empregado no estaleiro da Ponta da Areia em 1848. 110
Sobre os escravos da Ponta da Areia em 1855 é relevante notar que a tabela de
funcionários deixa perceber que eles não eram apenas trabalhadores braçais. A categoria
de pessoal normalmente associada com serviços manuais simples, os serventes, era to-
talmente composta por cativos, mas eram apenas 27 deles, ou 14% do total de cativos,
os outros estando listados como operários das diversas oficinas.

No outro extremo da escala de trabalhadores, os mais especializados, um ponto


que fica aparente nas duas listas de pessoal mencionadas é a falta de operários qualifi-
cados brasileiros. Dois anos depois da fundação da empresa todos os mestres e enge-
nheiros eram ingleses (dez deles) ou portugueses (um só), o que, em tese, tende a con-
firmar um problema que havia falta de pessoal técnico habilitado a trabalhos industriais
no País. Esta é uma situação que se repete na tabela de operários de 1855, pois então
nenhum dos mestres era brasileiro. É verdade que a primeira relação de operários, de
1848, mostra uma tentativa de solucionar a dificuldade de mão de obra qualificada, pois
estão listados 49 aprendizes, todos brasileiros, mas na segunda estes já não aparecem
mais. 111

Um último ponto a comentar sobre a divisão dos operários da Ponta da Areia era
a escala das oficinas: em 1851 eram dez: de fundição de ferro, de bronze, mecânica,
ferraria, caldeireiro de ferro, serralheiros, construção naval, modeladores, aparelho e

109
Não conseguimos descobrir qual seria essa especialidade. Pelo número de empregados, cremos que
seria algo como o carpinteiro de machado nos arsenais do exército e de marinha.
110
MOMESSO, op. cit. p. 124.
111
id. pp. 124 e 125.

177
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

velame e de galvanoplastia,112 esta última uma novidade técnica na época. Quatro anos
depois, havia seis delas funcionando, as de maquinistas, malhadores, 113 caldeireiros,
carpinteiros, modeladores, e calafates. As duas últimas eram muito especializadas e de
emprego restrito, com um pequeno quadro técnico, por outro lado, as quatro outras ti-
nham, respectivamente, 70, 85, 67 e 117 trabalhadores,114 mais um mestre em cada ofi-
cina, uma média de 84 operários, o que mostra a grande escala da empresa, já que cada
oficina, isoladamente, era maior do que a maior parte dos empreendimentos do Rio,
como visto antes (ver Tabela 7, acima).

A empresa também tinha uma alta capacidade técnica, em 1848 podendo fundir
peças de artilharia até de calibre 36 libras – um objeto pesando perto de 3,5 toneladas.
Isso nos dá um indicativo da capacidade da sua fundição, já que uma boca de fogo tem
que ser feita de uma vez só, de forma que os fornos tinham que ser capazes de derreter
essa quantidade de ferro, pelo menos. A empresa também podia fabricar motores a va-
por pesando até 500 arrobas (7.300 kg) e, naquele ano, se estava construindo um “savei-
ro de ferro”, com lotação de 6.000 arrobas, 88 toneladas (Figura 13). 115 Ao longo da
história da instituição, ela fabricaria 72 navios completos, alguns de grande porte, inclu-
sive o segundo vapor com casco de ferro construído no País, o Corumbá, lançado ao
mar em 1860.

112
RIO DE JANEIRO – Governo Provincial. Relatório apresentado ao Exmo. vice-presidente da província
do Rio de Janeiro, o comendador João Pereira Darrique Faro, pelo presidente, o conselheiro Luiz
Pedreira do Couto Ferraz, por ocasião de passar-lhe a administração da mesma província no dia 5
de maio de 1851. Rio de Janeiro: Diário do Rio de Janeiro, 1851. p. 28.
113
A categoria malhador, na Ponta da Areia tem um sentido diferente do que era usual no Arsenal de
Guerra. Na empresa de Niterói, o termo aparentemente é usado como sinônimo de oficina de ferrei-
ros, seu mestre sendo um inglês, tendo também 84 operários qualificados. No Arsenal de Guerra, o
malhador era um servente, trabalhador braçal dos ofícios de ferro, apesar de as vezes ser contato en-
tre o corpo de artesãos.
114
MOMESSO, op. cit. p. 125.
115
RIO DE JANERIO, Relatório (1848), op. cit. p. 45.

178
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

Figura 13 – Estaleiro da ponta Ponta de Areia, c. 1857116


Litografia colorizada. Mostra as instalações do empreendimento de Mauá. Na imagem, aparecem as ma-
deiras de construção naval, colocadas ao longo da paria, um esqueleto de navio em construção e, ancora-
do, um navio mercante de rodas, fluvial, de grande porte. Notável são as pequenas dimensões da instala-
ção, se comparadas com os arsenais de Marinha e, especialmente, o de Guerra.
Apesar da capacidade da indústria e das afirmações de seu dono, de que não que-
ria apoio do Estado, Mauá pediu – e conseguiu – um empréstimo subsidiado, de trezen-
tos contos de réis em 1848. Pago esse, solicitou outro, em 1857, também no valor de
trezentos contos. Em termos mais indiretos, o governo também o apoiou na medida do
possível com compras diretas, mas é claro que sendo um estaleiro a maior parte das
compras governamentais veio da Marinha – esta adquiriu oito navios feitos por Mauá,117
alguns de grande porte. Um exemplo seria o vapor de rodas Paraense, de madeira, com
59 metros de comprimento e deslocando 1.500 toneladas e que custou, só ele,
359:376$000 réis. 118 No caso, vale notar que a informação de Mauá, de que o estaleiro
estava habilitado a construir naus, é confirmada pelo Paraense. Este poderia ser classi-
ficado como uma fragata, mas seu deslocamento era o mesmo de uma nau de cinquenta
anos antes.

Também cremos ser interessante notar que Momesso,119 comentando brevemen-


te a questão da capacidade técnica do estaleiro, menciona que os motores feitos lá “eram
bastante simples”. Isso, por, segundo ela, a Ponta da Areia ter feito uma máquina de

116
BERTICHEM, Pieter Gotfried. Fábrica Ponta de Areia. BARÃO de Mauá, o empreendedor.
https://goo.gl/PZw7Yk (acesso em outubro de 2016).
117
Segundo BOITEAUX, seriam: Iguassu, Recife, Dom Pedro II, Paraense, Dom Pedro, Apa, Paraná,
Jaguarão e Corumbá, BOITEAUX, Lucas Alexandre. Das nossas naus de ontem aos submarinos de
hoje. Subsídios para a história marítima do Brasil. Diversos volumes. Rio de Janeiro, desde 1956.
118
Esse valor, pago em 1851, corresponde a aproximadamente a 540 milhões de reais de hoje. Cálculo de
inflação feito usando o índice de “custo econômico”, de acordo com o sítio Measuring Worth.
https://goo.gl/rtcTbc (acesso em outubro de 2016).
119
MOMESSO, op. cit. p. 77.

179
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

apenas cem cavalos, enquanto na Inglaterra se faziam máquinas de “4 milhões de cava-


los”. O comentário não faz muito sentido, primeiro, por o último número ser um grande
absurdo, pois até hoje não se produzem máquinas com essa capacidade – o maior motor
marítimo existente hoje, diesel, tem 107.000 HP. Na época, um dos maiores navios fei-
tos, o encouraçado Warrior, lançado em 1860, tinha seu motor com 5.770 iHP (indica-
ted horse power, potência calculada e 1.250 HP nominais). Em segundo lugar, a capaci-
dade do estaleiro não estava limitada a máquinas pequenas. Em termos de comparação,
o Paraense, construído para a Marinha pelo estaleiro da Ponta da Areia em 1851, tinha
máquinas de 900 iHP (220 HP nominais), 120 mostrando que o estaleiro não era atrasado.
Isso ainda mais considerando que o Paraense deslocava seis vezes menos do que o
Warrior, a empresa de Niterói tendo condições de fazer máquinas que mantinham a
relação potência/deslocamento com o grande encouraçado.

O exército também fez algumas compras na fundição: em 1851 tinha sido adota-
do um novo tipo de peça de artilharia, o canhão-obus João Paulo,121 e as peças necessá-
rias foram encomendadas na Ponta da Areia, cada uma custando 1:600$000 (peças de
24 libras) e 1:400$000 réis (peças de 12 libras, as mais comuns). 122 Só que eram muito
poucas armas – se destinavam a equipar a única unidade de artilharia de campanha do
Exército, que necessitava de apenas 24 peças. Uma bateria, seis canhões, também foi
fabricada, para ser presenteada ao governo do Paraguai em 1851 e outra foi enviada
para Mato Grosso em 1857, na crise com o Paraguai daquele ano.

O Arsenal fez outras encomendas junto a Mauá, como peças para foguetes de
Halle, máquinas para suas oficinas, como quatro prensas para fabricação de cartuchos,
instaladas no Laboratório Pirotécnico do Campinho e muita munição123 – desde a déca-
da de 1830 não encontramos menções ao fornecimento de projéteis pela fábrica de Ferro

120
BOITEAUX, op. cit. Vol. XXIV. Rio de Janeiro, 1971. p. 76.
121
A história desse tipo de canhão é desconhecida no País, apesar de ser o primeiro armamento desenhado
e fabricado inteiramente no Brasil. Pela documentação dispersa do Arsenal de Guerra, disponível no
Arquivo Nacional (série IG7 ) sabe-se que foi o material padrão da Artilharia de Campanha brasilei-
ra entre 1852 e 1861, ano em que começaram a ser substituídas por peças francesas, La Hitte. Algu-
mas ainda fizeram a campanha do Paraguai, sendo recolhidas aos depósitos apenas em 1868.
122
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro Manoel Felizardo de Sousa e Melo ao diretor do
Arsenal, José Maria da Silva Bitancourt, sobre diversas compras na Ponta da Areia. Rio de Janeiro,
17 de abril de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
123
Entre muitas encomendas de munição, podemos citar: BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Mi-
nistro da Guerra Manoel F. de Sousa e Mello ao Diretor do Arsenal de Guerra, Alexandre Manoel
Albino de Carvalho, autorizando a mandar fundir no Estabelecimento da Ponta d’Areia vinte mil
balas de ferro para pirâmides de calibre 30 e de 24. Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1859. Mss.
ANRJ. IG7 406.

180
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

de Ipanema, que deveria fornecer este insumo para o exército – e outros equipamentos,
inclusive armas: 2.000 lanças para cavalaria, em 1860 (ver Figura 14). 124

Figura 14 – Canhão feito na Fundição Ponta da Areia, 1857.


Esta peça, resultado de um projeto do operário do Arsenal de Guerra José Francisco Barriga, foi feita na
Ponta da Areia por ordem do ministro da Guerra, Marquês de Caxias,125 como uma forma de testar um
conceito, de uma peça capaz de disparar duas balas ao mesmo tempo. Ela segue os princípios de um de-
terminado tipo de boca de fogo do Império Russo,126 mas não foi muito usado fora de lá e o experimento
não deve ter sido um sucesso no Brasil, já que não foi adotada. Este é um dos poucos objetos que se co-
nhece que foram feitos na Ponta da Areia que chegaram aos dias de hoje e representa um elevado grau de
capacidade técnica – maior do que o usado n as peças de artilharia feitas no Arsenal para a Guerra do
Paraguai.127
Deve-se dizer que todas as compras feitas pelo Exército, apesar de expressivas,
não se comparavam com a renda obtida na venda de apenas um navio como o Paraense.
Assim, não se pode considerar que o Arsenal de Guerra tenha sido decisivo para a exis-
tência da Ponta da Areia, mesmo que tenha sido feito um esforço para ajudar o empre-
endimento, na medida do possível.

O apoio indireto do governo, entretanto, sofreu um baque maior a partir de 1857,


com a mudança da política tarifária do Império. Primeiro, pelo decreto nº 1.914 daquele
ano, as matérias primas deixaram de ter isenção de impostos de importação, aumentan-
do o custo da produção e dificultando a competição com produtos importados. Isso foi

124
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro, Rego Barros, ao diretor do Arsenal de Guerra,
Coronel Alexandre Manoel Albino de Carvalho, sobre diversas encomendas feitas na Fundição da
Ponta da Areia. Rio de Janeiro, 19 de junho de 1860. Mss. ANRJ. IG7 368.
125
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro da Guerra, Marques de Caxias, ao Diretor do
Arsenal de Guerra da Corte, autorizando a fundição de José Francisco Barriga. Rio de Janeiro, 26
de fevereiro de 1856. Mss. ANRJ. IG7 522.
126
HOGG, Ian V. A History of artillery. London, Hamlyn, 1974. p. 11
127
MUSEU Histórico Nacional, peça número de inventário SIGA 15.884. Para efeito de comparação co m
um canhão fundido no Arsenal de Guerra, ver a peça nº SIGA 15.883, fabricada em 1867. Deve-se
dizer que em 1856 o Arsenal de Guerra ainda era incapaz de fabricar canhões.

181
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

uma medida que afetou até os estabelecimentos do governo, pois até então era possível
que um importador que vendesse para o Arsenal de Guerra conseguisse “isenção de
direitos”, o que ficou expressamente proibido pelo decreto, implicando em um aumento
dos preços do material adquirido pelas forças armadas.128

O golpe mais importante nas manufaturas privadas como um todo foi a tarifa
Silva Ferraz (decreto nº 2.684, de 3 de fevereiro de 1860), que diminuiu as taxas de im-
portação de diversos produtos acabados. Além disso, houve uma mudança na política do
governo, que deixou de dar o apoio a manufaturas locais que era visível na documenta-
ção anterior. Mauá reclamou disso, ao falar dos investimentos feitos em suas oficinas:

achavam-se elas preparadas para produzir em grande escala os varia-


dos produtos que ali se manipulam; porém falharam em sua totalida-
de as encomendas do governo, e o serviço particular era mínimo; foi,
portanto, preciso fechar as portas das oficinas à mingua de traba-
lho.129
Na verdade, o Arsenal de Guerra continuou a colocar encomendas junto a Ponta
da Areia por vários anos, como um contrato para seis mil granadas La Hitte, em
1861.130 Mas os próprios canhões La Hitte, que seriam a base da artilharia de campanha
do Exército por vários anos, foram comprados no exterior ou fundidos no Arsenal de
Marinha – 36 canhões foram encomendados naquela repartição governamental em
1862,131 uma medida de economia para o governo, mas que privava o estaleiro de servi-
ços.

De qualquer maneira a Tarifa Silva Ferraz, bem como medidas liberando a na-
vegação de cabotagem a navios estrangeiros (lei 177, de 9 de setembro de 1863), certa-
mente representaram sérios problemas para as manufaturas nacionais – era mais fácil
contratar um navio estrangeiro do que mandar fazer um em um estaleiro local, como o
de Mauá ou Miers & Maylor. Como colocou Ferreira Lima, a nova postura representada
pela lei de 1860 “prejudicou enormemente a Ponta da Areia, levando-a a uma decadên-

128
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra, Marechal João Carlos Pardal,
ao Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Souza, sobre a compra de quatro mil capotes salvos
dos direitos da alfândega. Rio de Janeiro, 20 de março de 1848. Mss. ANRJ. IG7 10.
129
SOUZA, op. cit. p. 10. Grifo do autor.
130
BRASIL – Ministério da Guerra. Portaria do Marques de Caxias, ministro da guerra ao diretor do
Arsenal. Autorizando mandar fundir na fábrica da ponta da areia as balas para as peças raiadas.
Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 526.
131
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha
Jordão, ao coronel diretor do Arsenal de Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea, remetendo
bocas de fogo inutilizadas para o Arsenal de Marinha para fundição de trinta e seis canhões de ca-
libre quatro do sistema La Hitte. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 515.

182
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

cia que lhe foi fatal”,132 a Fundição fechando em 1868, o encerramento de suas ativida-
des podendo ser considerado como representativo do fim do primeiro surto manufaturei-
ro civil do País.

Sendo assim, a fundição de Mauá – que foi o que consideramos ter se aproximou
mais do conceito de indústria piloto de Braudel, no Brasil, não conseguiu se firmar –
apesar dela ter apoiado a ação de outras empresas, fornecendo materiais. Não conseguiu
vencer a “rigidez e inércias” nas economias pré-industriais, como colocava Braudel.

4.7 Siderúrgicas
Fazemos essa entrada por causa da Fábrica de Ferro de São João de Ipanema,
pois esta foi parte da estrutura manufatureira do Ministério da Guerra, que vai ser abor-
dada no capitulo 6.

Sempre houve uma pequena produção de ferro no País no período colonial, arte-
sanal, usando forjas catalãs, o metal sendo usado, inclusive, na produção artesanal de
armas.133 O barão Eschwege, autor do Pluto Brasiliensis, escreveu:

Por ocasião de minha chegada a Minas, em 1811, era comum esse


processo bárbaro de produção de ferro. A maioria dos ferreiros e
grandes fazendeiros que possuíam ferraria, tinham também o seu for-
ninho de fundição, sempre diferente um do outro, pois cada proprietá-
rio, na construção, seguia suas próprias ideias.134
O barão menciona que nenhum dos fornos em Minas Gerais produzia mais que
7,5 kg de ferro por jornada, a exceção sendo de uma instalação que já tinha característi-
cas mais modernas, usando um fole movido por roda d’água, que também acionava uma
serra. Esse caso é particularmente interessante, pois: “O proprietário possuía várias for-
jas de ferreiro para fundição de ferro, e uma pequena máquina de perfurar, para fabrica-
ção de canos de espingarda”.135

Como colocado por Eschwege, a quantidade total de metal feito nessas forjas
não era muito grande: a proposta de criação da fábrica de ferro de Araçoiaba, em 1682
em São Paulo, previa a operação de cinco forjas, com a capacidade de produção de tre-

132
LIMA, Heitor Ferreira. História político-econômica e industrial do Brasil. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1973. p. 264.
133
CALDEIRA, Jorge. História do Brasil com Empreendedores. São Paulo: Mameluco, 2009. p. 137.
134
ESCHWEGE, W. L. von. Pluto Brasiliensis. Vol. II. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944. p.
341.
135
id. pp. 341-342.

183
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

zentos quilos de ferro por dia no total e 72 toneladas por ano.136 A quantidade pode pa-
recer expressiva, mas deve-se ter em mente que havia muitas perdas, pois o material
tinha que ser processado para a obtenção de metais da qualidade e quantidade necessária
para os serviços de uma indústria.

O consumo, por sua vez, era elevado: o único documento que encontramos sobre
pedidos de ferro para o Arsenal é de 1798, quando se pedia a importação de cerca de 76
toneladas de ferro em barra para as suas oficinas, tonelagem que se fosse realmente ad-
quirida equivaleria a 34,5% de todas as importações de ferro que efetivamente passaram
pela Alfândega do Rio de Janeiro naquele ano.137

Mesmo as quantidades mencionadas para apenas um trabalhador eram avultadas:


em 1849, quando foram contratados espingardeiros para servir no Arsenal de Mato
Grosso, foi preparada uma extensiva lista de materiais necessários para eles, para quatro
anos de atividades. Só de limas, de vários tipos, eram relacionadas quase três mil, todas
feitas de aço de alta qualidade, pesando perto de uma tonelada. Além disso, se requisi-
tava para cada trabalhador seiscentos quilos de ferro, dos quais 120 de aço, metal de
maior qualidade, mais difícil de obter e mais caro.138 Isso representava um gasto anual
de aproximadamente quatrocentos quilos de ferro e aço por trabalhador. O consumo
pode ser avaliado quando vemos que apenas a pequena oficina de reparos de armas do
Arsenal de Guerra no mesmo período, tinha quatorze operários e oito aprendizes, 139 sem
incluir a Fábrica de Armas da Conceição (ver capítulo 8). Obviamente, o consumo de
uma região geográfica maior era bem significativo: Eschwege menciona a passagem de
108 toneladas de ferro e vinte de aço por ano nos postos fiscais de Minas Gerais, no
final do período colonial. 140

Assim, a quantidade de forjas que existia no País – por comuns que fossem – só
tinha uma capacidade muito limitada, mesmo para atender ao próprio consumo local das
fazendas, sendo incapaz de fornecer material para as necessidades de oficinas, ainda que
136
TAUNAY, Affonso de E. História geral das bandeiras paulistas. Tomo X. São Paulo: Imprensa Ofi-
cial do Estado, 1949. p. 218.
137
Sobre requisição de ferro ver SANTOS, Manoel Francisco dos. Relação do que se precisa para forne-
cimento do real trem do Rio de Janeiro (...). Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1798. Mss. Biblioteca
Nacional, I-31,21,40 Para ver as importações de ferro que passaram pela alfândega consultar AR-
RUDA, José Jobson de. O Brasil no Comércio Colonial. São Paulo, Ática, 1980. p. 562.
138
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício Nº. 34, do diretor do Arsenal de Guerra, Antônio João Rangel de
Vasconcelos ao Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro, 30 de abril
de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
139
id.
140
ESCHWEGE, op. cit. p. 440.

184
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

artesanais. Tentativas de fabricação de metal foram feitas, todas pré-industriais, como a


fábrica de ferro de Sorocaba, da década de 1760, uma empresa privada com apoio esta-
tal que, entre outros objetivos tinha a proposta de fornecer munição para as forças ar-
madas:

Segundo o que V. Ex.ª me refere da fábrica de ferro, eu me não desa-


nimara a poder conseguir dela as balas, bombas e granadas, em que
lhe falei, pois se poderiam fazer, suprindo-se com um proporcionado e
pequeno forno e instrumentos conducentes à mesma manufatura. 141
O documento também mencionando a possibilidade de fabricação de ferro “para
outra qualidade de obras de ferraria, armaria e serralheiros (...)”. 142 Mas o empreendi-
mento não deu certo.

No século XIX, o governo decidiu fazer investimentos diretos na fabricação de


ferro, apoiando a Real Fábrica do Morro do Pilar, em Minas Gerais, e a de Ipanema, em
Sorocaba, São Paulo. A primeira era para ter três altos-fornos e doze fornos de refino,
capazes de suprir a demanda de todo o Brasil e até para exportar para países vizinhos.
Contudo, a empresa não teve sucesso, Libby considerando como um das causas a pró-
pria grandiosidade da proposta, além de problemas administrativos e ao fato da empresa
só funcionar com pessoal técnico estrangeiro. 143 Uma segunda tentativa foi feita com a
Fábrica de Ferro de Ipanema, que trataremos no capítulo 6.

Em termos de empresas privadas, foi aberta a Fábrica de Ferro Patriótica, em


Congonhas do Campo, sob a direção do barão de Eschwege, com quatro pequenos for-
nos, produzindo uma média anual de 13,6 toneladas de ferro, 144 uma quantidade sufici-
ente para gerar lucros para a empresa, mas muito reduzida para suprir as necessidades
militares, muito menos as civis. Entretanto, ela é um sinal que havia um mercado con-
sumidor para o ferro e que a sua exploração econômica era viável, tanto é que várias
outras siderúrgicas elementares surgiram em Minas Gerais: Eschwege menciona a exis-
tência de mais de trinta delas por volta de 1821, cada uma produzindo apenas de uma
tonelada e meia a seis toneladas de ferro por ano.145 Para dez anos depois, Libby cita 35

141
CARTA de Luiz Diogo Lobo da Silva, governador da Capitania de Minas Gerais a Luís António de
Sousa Botelho Mourão, governador da Capitania de São Paulo, Vila Rica, 21 de setembro de 1766.
DOCUMENTOS interessantes. Vol. XIV. São Paulo: Industrial de São Paulo, 1895. p. 182.
142
id. p. 182.
143
LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista: Minas no século XIX.
São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 136.
144
id. p. 138.
145
ESCHWEGE, op. cit. p. 442.

185
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

fundições, mas a produção certamente ainda era reduzida: o autor encontrou dados par-
ciais, que mostram que trabalhavam nessas instalações 242 escravos e 72 jornaleiros,
sendo que 55 escravos estavam concentrados em uma instalação, a Patriótica.146 No
caso, a média de trabalhadores era oito cativos e dois livres por unidade, obviamente
sendo pequenas oficinas artesanais, o que, com umas poucas exceções, parece caracteri-
zar a situação da produção metalúrgica de Minas Gerais na primeira metade do século
XIX. Estas empresas sobreviveram e até se desenvolveram por causa do isolamento
geográfico, como apontado em um relatório do ministério da Guerra:

Se as províncias marítimas podem fornecer-se de ferro por preço razo-


ável, independentemente de fábricas nacionais, o mesmo não acontece
às centrais.
Alguns fornos catalães mantinham-se, e talvez que ainda hoje existam
na província de Minas Gerais, dando a seus empresários benefícios,
que os convidavam a não trocarem esta por qualquer outra indústria.
O alto preço dos transportes opõe forte barreira à concorrência de gê-
neros estrangeiros da mesma qualidade; e o interesse individual se en-
carregará de melhorar a manipulação, obtendo assim melhores e mais
abundantes produtos com menor dispêndio.147
No entanto, a introdução das ferrovias em Minas Gerais levaria ao fim desse tipo
de atividade, mas isso ocorreu fora o recorte de nosso estudo. No meio tempo, o gover-
no tentou implantar suas próprias unidades de produção desse insumo vital, como será
tratado na parte sobre as manufaturas militares.

4.8 Encerrando o capítulo


Perdemos certo tempo discutindo os números acima, na tentativa de mostrar que
houve um desenvolvimento manufatureiro, com certo aprimoramento técnico, mas não
se pode dizer de forma alguma que estava se iniciando um movimento de industrializa-
ção. Era uma situação claramente pré-industrial e uma em que o trabalho escravo ainda
era um elemento fundamental para o entendimento de qualquer empreendimento, mes-
mo os mais complexos.

Os números também servirão para contextualizar a situação do Arsenal de Guer-


ra que, como veremos, era claramente excepcional no período, a única comparação pos-
sível no ramo privado sendo o Estaleiro da Ponta da Areia. Este último, em certos as-
pectos, era moderno, mas, curiosamente, em outro, especificamente o uso de mão de

146
LIBBY, op. cit. p. 164.
147
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório do ministério da Guerra apresentado à Assembleia Geral
Legislativa na terceira sessão da décima legislatura pelo ministro Manoel Felizardo de Souza e
Mello. Rio de Janeiro: Laemmert, 1859. p. 15.

186
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

obra escrava, assumia um aspecto mais arcaico. Como Braudel coloca, era uma instala-
ção em que convivia a rigidez, inércias de uma sociedade pré-industrial, com os “mo-
vimentos limitados e minoritários, mas vivos e poderosos, de um crescimento moder-
no”.148

Finalmente, outro problema que fica evidente, especialmente pela experiência


siderúrgica em Minas, é a não existência de integração entre as diferentes regiões do
país, por causa de um precário sistema de comunicação, um tema tratado como caracte-
rístico das economias pré-industriais. 149 A questão de mercados para as manufaturas
cariocas aparece apenas com relação ao Rio de Janeiro, os empreendimentos não se be-
neficiando muito de possibilidades abertas para o fornecimento de outras províncias.
Nesse caso, o Arsenal de Guerra da Corte, agindo como central de compras de todo o
Exército, até tendia a superar parte desse problema, como no caso do envio de tecidos
para outras instalações manufatureiras, mas é evidente que isso foi insuficiente para
garantir uma integração entre as diferentes regiões.

Quanto ao tamanho reduzido dos empreendimentos, os números ilustrados na


Tabela 7, além de permitirem uma noção de escala dos existentes, mostram um proble-
ma com relação às necessidades do Exército: as compras normais feitas pela força mili-
tar variavam muito. Assim, uma mesma relação de objetos, requisitados em 1838 para
as tropas em operações no Rio Grande do Sul contra os Farrapos, podia incluir dois sin-
gelos quadrantes e, ao mesmo tempo, dois mil chapéus, uma quantidade de vulto. 150 O
problema disso é que poucas das manufaturas existentes tinham condições de receber as
encomendas de maior porte, que podiam surgir de forma inesperada e muitas vezes ti-
nham que ser atendidas de forma emergencial.

Os problemas de fornecimento podem ser vistos no caso de 1851, quando se


mobilizou o exército para atuar no Uruguai, na campanha contra Oribe e Rosas. Isso
envolveu o envio de tropas de todo o Brasil, inclusive algumas do Norte e Nordeste. Era
necessária a compra de capotes para abrigar os soldados do frio que podia ocorrer no
Sul, de forma que foi necessário recorrer ao comércio para suplementar as peças que
eram fabricadas no Arsenal. Assim, foram colocados anúncios na imprensa para a com-

148
BRAUDEL (1979), op. cit. p. 258.
149
id. p. 6.
150
BRASIL – Exército em Operações. Relação dos objetos precisos ao Exército na Província de São
Pedro do Rio Grande do Sul, Antônio Elizário de Miranda e Brito. Quartel General em Porto Alegre,
18 de dezembro de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323.

187
Capítulo 4 - Pré-indústria e o primeiro surto manufatureiro no Brasil

pra de seis mil capotes em janeiro daquele ano.151 Todos os que se apresentaram para a
venda foram importadores, pois não havia nenhuma empresa no Rio que pudesse fazer o
fornecimento com peças fabricadas localmente, apesar do valor ser bem elevado. Pela
menor proposta, de 6$800 réis por capote, “livre de direitos”, isso é, sem pagar os im-
postos de importação, se atingia um total, nada desprezível, de 40:800$000 réis. No
entanto, o produto importado era bem mais barato do que o feito por alfaiates privados
no Brasil (14$000 réis por unidade) ou mesmo no Arsenal de Guerra (10$730 réis por
peça).

O importante é que simplesmente não havia uma empresa nacional que pudesse
atender com produtos locais as necessidades do exército naquela situação e mesmo o
Arsenal teria imensa dificuldade em fazer o fornecimento, tanto é que se preferiu a im-
portação. Nessas circunstâncias, fica evidente que a implantação de uma manufatura
nacional seria muito difícil, ainda mais considerando a competição com os preços pagos
em Londres, muito inferiores aos locais. 152

Havia algumas soluções possíveis para resolver os problemas de demandas do


exército, como a criação de estoques de reserva, ou ativar a produção das instalações
dos arsenais. Outra medida seria o apoio à formação de manufaturas locais que pudes-
sem suprir o governo em situações normais, nem que fosse como fornecedores de maté-
ria prima não processada. O exército tentou todas as opções, delas, a mais simples, já
que não dependia de fatores externos, foi a expansão e manutenção das instalações do
Arsenal, como trataremos nos capítulos seguintes.

Também se intentou o apoio direto a empresas que tentavam se instalar, como


foi o caso da Fábrica São Pedro de Alcântara e da Imperial Manufatura de calçado cari-
oclave, que foram consideradas de interesse pelo Ministério da Guerra. Estas forneceri-
am elementos indispensáveis para a entrega de um produto de maior consumo, o uni-
forme dos soldados. Entretanto, apesar da intenção dessa ação servir de apoio às empre-
sas estar claramente presente na ação do governo, nenhuma das ações resultou em um
efeito de atrair, para as empresas privadas, “os capitais, os benefícios e a mão de obra”
para “repercutir sobre os setores vizinhos e incentiva-los”, 153 como colocou Braudel.

151
Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1851.
152
O Brasil e o Sr. Ministro da Guerra. O LIBERAL: periódico político e literário. Rio de Janeiro, 5 de
março de 1851.
153
BRAUDEL (1979), op. cit. p. 263.

188
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Sumário

5 A pré-indústria e a produção de artigos militares


5.1 Uniformes
5.2 Fabricação de Canhões
5.2.1 Aspectos técnicos
5.2.2 O sistema Gribeauval e a padronização
5.3 Manufatura de armas de fogo
5.3.1 As peças intercambiáveis
5.4 A fábrica de moitões.
5.5 O surgimento da moderna indústria
5.6 A Fábrica moderna

191
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

5 A pré-indústria e a produção de artigos militares

No capítulo anterior, ao tratarmos do conceito de pré-indústria, apontamos que a


produção de artigos militares no mundo ocidental no século XVIII não era qualitativa-
mente muito diferente do que ocorria no Brasil no mesmo período ou mesmo na primei-
ra metade do século seguinte. A principal distinção que era visível era de escala – os
grandes exércitos europeus exigiam a produção de quantidades muito superiores às ne-
cessidades das forças armadas de Portugal e da sua colônia americana ou às do Império
do Brasil. Na França, só a Fábrica de Armas de Saint-Étienne, um dos quatro arsenais
estatais franceses, produziu mais de vinte mil espingardas por ano entre 1765 e 1769,1
um total que superava em muito os efetivos, tanto do exército Português ou do Brasil
Imperial em um período posterior.

Não eram, portanto, necessárias instalações manufatureiras de porte maior em


Portugal, o que se encaixava bem na filosofia do funcionamento de suas forças armadas,
trazida em parte para o Brasil. No século XVI os lusitanos estavam na frente dos acon-
tecimentos da Revolução Militar (ver capítulo 2), pelo menos em um setor, o naval.2
Seu sistema de controle do comércio asiático dependia da presença de navios de guerra
do estilo europeu, armados com canhões, para operarem contra as galeras de remos dos
otomanos no Índico e no Mar Vermelho, seus principais inimigos no início do século
XVI. A questão chave era que os navios de alto bordo, com propulsão a vela, tinham os
costados livres para a instalação de canhões, o que era exatamente o contrário do que do
que acontecia com as galeras, onde o único espaço disponível para colocar as bocas de
fogo era a proa, que só podia acomodar umas poucas peças.

Para se aproveitar do maior poder de fogo que os navios europeus permitiam, era
necessário equipar os galeões com o maior número de canhões possível, e Portugal es-
teve adiantado nas técnicas de produção de bocas de fogo de bronze no século XVI e na
primeira metade do XVII, 3 chegando a montar fundições de Canhões na Ásia4 e até no

1
ALDER, Ken. Engineering the Revolution: Arms & Enlightenment in France, 1763-1815. Chicago: The
University of Chicago, 2007. p. 173.
2
Para uma discussão sobre a Revolução Militar na Ásia Portuguesa, ver: CASTRO, Adler Homero Fon-
seca de. Guerra e sociedade no Brasil Colonial: a influência da guerra na organização social 1500-
1665. Niterói: Dissertação de mestrado, UFF, 1995. (mimeo).
3
Para uma discussão disso ver: GUILMARTIN, John Francis. Gunpowder & Galleys: Changing Tech-
nology & Mediterranean warfare at sea in the 16th century. London: Conway, 2003. pp. 272 e segs.
4
Viterbo menciona a existência da fundição no Estado da Índia como já existindo há algum tempo em
1589. VITERBO, Sousa. Fundidores de artilharia. Lisboa: tipografia universal, 1901. p. 35.

192
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Brasil, 5 apesar de não se conhecerem maiores dados sobre essa última instalação – há,
contudo, vários exemplares de canhões feitos na Ásia Portuguesa, inclusive em museus
britânicos, como o fort Nelson, onde está um grande canhão de 48 libras, feito por Pedro
Dias Bocarro em 1640, na cidade de Chaul.6 Da mesma forma, há em museus várias
peças feitas na fundição de Lisboa no século XVII, sendo visível a grande qualidade
técnica deles, como no caso das recuperadas no naufrágio do galeão Santíssimo Sacra-
mento, que afundou em 1668.7

No entanto, depois da Guerra de Restauração (1640-1668), Portugal perdeu essa


capacidade técnica – sua marinha tinha passado a ser de segunda ordem e não havia a
mesma necessidade de fabricar boa artilharia. As bocas de fogo portuguesas existentes
no Museu Histórico Nacional e no Museu Militar de Lisboa, que datam da primeira me-
tade do século XVIII são, em sua maior parte, holandesas, havendo até algumas italia-
nas,8 feitas sob encomenda para Portugal.

A perda da capacidade técnica dos lusitanos em produzir canhões de bronze se


somava ao fato de que eles, pelo menos até o século XIX, não fabricaram canhões de
ferro fundido. Este material tinha uma série de inconvenientes para uso militar, oriundos
do próprio metal: a resistência a esforços de tensão no ferro fundido é muito mais baixa
do que a do bronze. Desta forma, para uma peça de ferro ter a mesma resistência do que
uma de bronze era necessário dar-lhes maior espessura, o que aumentava seu peso e
tornava seu uso em campanha impossível, pelo menos nos calibres maiores. 9 Um ca-
nhão de ferro de calibre 6 pesava 66% a mais do que uma arma do mesmo calibre e
comprimento feita de bronze. 10 No entanto, o preço das armas feitas de ferro era muito
inferior, de forma que elas eram as preferidas para fortificações e navios, onde a questão

5
MORENO, Diogo de Campos [suposto autor]. Livro que dá razão ao Estado do Brasil. Rio de Janeiro,
Instituto Nacional do Livro, 1969. Edição fac-similar de manuscrito de 1612, sem numeração de pá-
ginas.
6
ROTH, Rudi. Portuguese bronze Leão, drawing nº 365. Journal of the Ordnance Society, volume 7,
1995. Capa.
7
Sobre o tema, ver: GUILMARTIN, John Francis. Os canhões do Santíssimo Sacramento. Navigator, Rio
de Janeiro, Serviço de Documentação Geral da Marinha, n. 17, dez. 1981.
8
O Museu Histórico Nacional, por exemplo, tem três peças de 1714, fundidas por Giacomo Rocca, arte-
são de Gênova. Peças do Sistema Informatizado de Gerenciamento de Acervos – SIGA 015890,
015893 e 015900.
9
MONGE, Gaspard. Description de l'art de fabriquer des canons : faite en exécution de l'arrêté du Co-
mité de salut public, du 18 pluviôse de l'an II de la République française, une et indivisible. Paris:
Comité de Salut Public, [1792]. p. 42
10
CARUANA, Adrian B. The identification of British Muzzle Loading Artillery : Part 2, the piece. The
Canadian Journal of Arms Collecting. vol. 22, n° 1 (Feb. 1984). pp. 15 e 16.

193
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

do peso não era tão crítica. Como esses usos eram os que necessitavam do maior núme-
ro de bocas de fogo, a produção de peças de ferro era maior.

Apesar das vantagens do material, Portugal, no período colonial, não produziu


peças de ferro11 – estas necessitavam de um alto-forno, capaz de atingir as temperaturas
necessárias para derreter o metal, mais de 1.500 graus. Dessa forma, os lusitanos tive-
ram que procurar fornecedores alternativos quando da Guerra da Restauração e, depois
daquela data, o país passou a depender cada vez mais da importação de armamentos
pesados para o fornecimento de seus exércitos, a ponto de, em 1694, por exemplo, ter
sido o maior importador individual de canhões de ferro feitos na Suécia.12 No Brasil,
apesar de haver vários canhões suecos, especialmente no Nordeste, as peças que são
mais comuns nos fortes costeiros são inglesas, vendidos a preço de sucata para Portugal
ou para o Brasil Império. 13

De qualquer forma, o marquês de Pombal, dentro de sua política de promoção de


manufaturas, voltou a incentivar a produção de canhões de bronze em Portugal, na fun-
dição de Lisboa – a lenda dizendo que foi necessário o envio de artesãos para a Inglater-
ra para reaprenderem o ofício de fabricação deste tipo de material.14 Certamente, o
grande hiato na produção de armas incentivava, e era ao mesmo tempo o resultado, de
uma cultura em que não se dava ênfase à questão da produção de armas local, Portugal
continuando a depender da importação de material estrangeiro. Isso era ainda mais evi-
dente no campo das armas portáteis, área em que o país não tinha uma tradição, apesar
de haver armeiros locais que faziam armas de qualidade. Só que isso era em pequena
escala e mais para atender ao comércio de luxo.15

11
Refutando essa afirmação, que aparece em alguns autores, o autor do livro “A espingarda perfeita”, do
início do século XVIII, escreveu que “o nosso [ferro] tem excelentes provas na fundição de artilha-
ria”. FIOSCONI, Antônio & GUSERIO, Jordam. Espingarda Perfeyta. Lisboa: Antônio Pedrozo
Galram, 1718. p. 26.
12
CIPOLLA, Carlo M. Guns Sails and Empires: Technological innovation and the early phases of Euro-
pean Expansion, 1400-1700. Manhattan, Sunflower University Press, 1988. p. 56
13
BRASIL – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Inventário Nacional de Artilharia.
Pará e Amapá. Belém: IPHAN, 2000. (mimeo).
14
BRASIL – Museu Histórico Nacional. Inventário Geral. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional,
1990. (mimeo). Dossiê da peça SIGA 015897.
15
Chegou a haver duas obras tratando especificamente da fabricação de armas em Portugal: STOOTER,
João. Spingardeiro com conta, pezo, & medida. Anvers: Henrio & Cornelio Verdussen, 1719. Tam-
bém havia o já citado Espingarda Perfeyta.

194
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Produtos menos acabados e de um nível tecnológico mais baixo, 16 como era o


caso das armas militares em geral, certamente eram feitos em Portugal – Souza Viterbo
reproduz um contrato de 1654 de um armeiro, Antônio Cacela, para o fornecimento de
400 arcabuzes em um ano para o governo.17

O contrato com Cacela é interessante por diversos aspectos. Primeiro, o artesão


se classifica como “serralheiro” e não como armeiro, indicativo que sua profissão prin-
cipal não era no ramo. Além disso, são mencionadas as “oficinas de armas de sua ma-
jestade” em Alcobaça, uma cidade que nunca teve um arsenal, as tais oficinas se tratan-
do provavelmente de um trem para reparos de armas, do tipo que havia nas capitanias
do Brasil. Também parece relevante o próprio contrato, com um armeiro que se coloca-
va como empregado de S. Majestade, mas assumia uma obrigação comercial, uma práti-
ca comum em outros locais, como nos Arsenais franceses, como trataremos mais abai-
xo. Finalmente, o próprio número de armas contratadas – quatrocentas por ano –, apesar
de parecer pequeno, era bem mais do que um armeiro sozinho ou mesmo uma pequena
oficina, com mais um ou dois oficiais18, podia produzir em um ano – cada fecho levava
dois dias para ser feito por um armeiro especializado. 19 Tudo indica que Cacela era um
pequeno empreendedor, subcontratando a manufatura de peças entre outros armeiros,
um padrão que era comum no resto da Europa.

Uma situação semelhante ocorreu com as Reais Ferrarias de Figueró e Tomar,


que foram arrendadas a Francisco Dufour em 1663, para a produção de artigos de ferro
para o exército, especialmente folhas de espada e munição de artilharia. Apesar do no-
me, de “Reais Ferrarias”, não era uma fábrica estatal, mas sim um empreendimento pri-

16
No sentido de que determinados avanços técnicos, introduzidos visando aperfeiçoar o funcionamento
de uma arma, mas que não eram essenciais, às vezes não eram introduzidos nas armas militares. Um
exemplo disso é o rolamento colocado nas molas da bateria (ver Figura 28). Esses rolamentos eram
usadas em algumas armas militares, resultando em um funcionamento mais suave. Entretanto, o
normal era ser omitido, por não ser indispensável, pois era dispendioso. REID, Stuart. The Flintlock
Musket: Brown Bess and Charleville 1715-1865. New York: Osprey, 2106. p. 11.
17
OBRIGAÇÃO e contrato de Antônio Cacella, morador de Alcobaça, mestre das oficinas das armas de
S. Maj. que há nesta vila. Lisboa, Alcobaça, 19 de dezembro de 1644. In: VITERBO, Sousa, A ar-
maria em Portugal. Lisboa: Tipografia da Academia, 1908. p. 49-51.
18
Aqui deve-se fazer uma ressalva: o leitor deve ter cautela ao ler a palavra “oficial” no presente texto.
Esta pode se referir a um militar detentor de patente ou a um artesão de nível intermediário, a etimo-
logia de ambos os termos sendo a mesma, a de uma pessoa que exerce um ofício.
19
ALDER, op. cit. p. 268.

195
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

vado, fornecendo para o governo,20 sua situação se assemelhando às das manufaturas de


armas francesas, tratadas mais abaixo.

Independente desses dados é evidente que o exemplo de Cacela mostra que a


produção prevista era insuficiente para o consumo regular de todo o exército, mesmo
em tempo de paz, e a pesquisa de Viterbo e de outros autores não localizaram outros
contratos semelhantes. Desta forma, é evidente que Portugal dependia da importação de
armas – no ano de 1675, um momento de paz, foram importadas 5.000 espingardas da
França.21

Assim, um documento da capitania da Bahia, datado de 1721, menciona no


Trem de Salvador, armas holandesas, espanholas, Italianas e inglesas, algumas muito
antigas, ainda com baionetas de cabo de madeira, do tipo que tapava o cano da espin-
garda quando era usada e que tinham ficado obsoletas quarenta anos antes. Curiosamen-
te, o mesmo documento também cita “escopetas” (clavinas) feitas no Porto, Portugal e
espingardas aparelhadas de canos com fechos portugueses. No entanto, parece, nova-
mente, que estas eram muito antigas, pois as espingardas são listadas junto com “arca-
buzes”, um tipo de arma que também não era mais usado há décadas. Certamente, os
equipamentos mais numerosos, mesmo em tempo de paz, não eram armas feitas em
Portugal,22 apesar do livro Discursos sobre a disciplina militar, de 1737, mencionar que
já “tem bom princípio” uma fábrica de armas em Lisboa (ver Figura 15). 23

Em tempo de guerra, quando as necessidades militares cresciam de forma expo-


nencial, com o aumento de efetivos e do desgaste do material a situação se complicava.
Assim, encontra-se a menção de mais e mais importações de armas, especialmente da
Inglaterra: na Guerra da Sucessão Espanhola (1702-1713), os britânicos se compromete-
ram a fornecer 13.000 armas, para os lusitanos.24 Nas Guerras Napoleônicas, em seis

20
PORTELA, Miguel Ângelo. A superintendência dos tenentes de Artilharia Francisco Dufour e Pedro
Dufour nas reais ferrarias na foz de Alge e Machuca. Atas do XXI Colóquio de História Militar. Co-
missão Portuguesa de História Militar, Lisboa, 2012. pp. 505-520.
21
PINTO, Renato Fernando Marques. As indústrias militares e as armas de fogo portáteis no exército
português. Revista Militar, Lisboa, n.º 2495, dezembro de 2009. https://goo.gl/rjKvd9 (acesso em
outubro de 2016).
22
REGISTRO da avaliação das armas e munições. Salvador, 12 de setembro de 1722. DOCUMENTOS
HISTÓRICOS. Livro 1º de Regimentos. 1684-1725. Registro de provisões da casa da moeda da Ba-
hia. 1775. Vol. LXXX. Biblioteca Nacional. s.n.t. p. 311.
23
RODRIGUES, Manoel A. Ribeiro. 300 anos de uniformes militares do exército de Portugal: 1660-
1960. Lisboa: Madeira & Madeira, 1998. p. 38.
24
INGLATERRA – War Office. CARTA sobre o envio de armas a Portugal. Nottingham ao Duque de
Marlborough, de 13 de março de 1703. National Archives, Public Record Office, Londres. Mss WO
55-343 fl. 206.

196
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

anos, de 1808 a 1814, Portugal recebeu nada menos do que 160.000 espingardas, 2.300
carabinas raiadas, 3.000 clavinas, 7.000 pistolas e 15.000 sabres da Inglaterra25 – uma
parte dos quais acabaria no Exército no Brasil.

Figura 15 – Peças de armamento e equipamento pedidas para Minas Gerais, 1766.


Desenho do Arquivo Ultramarino 26 a imagem mostra peças diversas de armamento que deveria ser pa-
dronizadas para as tropas de milícia da Capitania, com uma espingarda, uma clavina, uma pistola, um
sabre, à esquerda, um cinturão com pala para o sabre e baioneta, à direita, uma cartucheira. No documen-
to que a imagem acompanha, o governador de Minas Gerais informa que seriam necessárias 19.620 (!)
espingardas do modelo desenhado para armar as milícias da capitania, algo que certamente excedia a
capacidade de fornecimento de Portugal. Do ponto de vista do presente texto, a espingarda (figura 1)
ilustrada tem detalhes, especialmente a baioneta, em forma de “lança”, que são diferentes das armas usa-
das na Inglaterra, França, Holanda e Espanha no mesmo período. Isso nos leva a crer que seja um desenho
de arma feita em Portugal e um indicativo que havia produção de armamentos de lá, apesar de não po-
dermos afirmar isso com certeza.
Infelizmente, não temos maiores dados sobre o fornecimento em Portugal e de
suas colônias de outros artigos necessários ao abastecimento de um exército, desde
equipamentos de couro (correame) até carroças. Um problema que se repete com rela-
ção a outros países – não encontramos informações sobre como esse processo logístico
se dava no século XVIII ou mesmo no XIX. Mas certamente isso era um problema em
Portugal, ainda que com relação a artigos de baixo nível tecnológico – no contexto das
Guerras Napoleônicas, os lusitanos tiveram que importar itens como sapatos (60.000 em

25
PINTO, op. cit.
26
MINAS GERAIS – Governo. Ofício do Governador de Minas, Luís Diogo Lobo da Silva para o Secre-
tário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarino, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, so-
bre a necessidade das Tropas Auxiliares e Milícias serem equipadas com armamento do mesmo pa-
drão e igual calibre, assim como haver uma uniformização dos fardamentos. Vila Rica, 24 de agosto
de 1766. Mss. Arquivo Ultramarino. AHU_CU_017, Cx. 28, D. 28.

197
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

1810, 51.000 pares dois anos depois, 15.100 no ano seguinte), camisas (49.000 em
1813), cantis (36.000 em 1812), cartucheiras (3.000 em 1810) e até uniformes comple-
tos (30.000 em 1810).27

Mesmo no Brasil, os dados sobre o passado colonial são esparsos, mas indicam
grandes dificuldades, apesar de haver uma estrutura de produção local já no período
Colonial. Por exemplo, há menção à fabricação de cartucheiras de couro na Bahia em
172228 e em 1775, quando foi necessário enviar tropas para o Rio Grande do Sul se fez
um esforço especial para a produção de sapatos, o governador de São Paulo enviando
ordens para fazer algumas centenas de pares de calçado, empregando para isso todos os
sapateiros de Santos, além dos que estavam sendo contratados na capital.29

A ausência de informações sobre esses procedimentos manufatureiros para o


abastecimento de um exército com itens “menos bélicos”, isto é, que não tratam direta-
mente de armas, cria um problema em termos de história comparada, pois torna difícil a
utilização do método comparativo em sua plenitude. Os livros que conseguimos locali-
zar abordam a produção de artigos militares para os mais diversos exércitos, da França30
até ao arsenal da Companhia das Índias Orientais inglesa, na Índia, 31 passando pela
Rússia. 32 No entanto, essas obras tratam quase que exclusivamente de dois aspectos: a
produção de armas, portáteis ou artilharia, e a de pólvora, bens intimamente relaciona-
dos com a atividade bélica, mas que, como foi tratado anteriormente, não abrangem a
total complexidade da demanda por artigos de um exército. Os norte-americanos, consi-
derando sua cultura de armas e a importância da introdução do sistema americano, de

27
COELHO, Sérgio Veludo. Os Arsenais Reais de Lisboa e do porto: 1800-1814. Porto: Fronteira do
Caos, 2013. pp. 140 e segs. Deve-se lembrar que a ocupação francesa de Portugal foi muito curta,
por causa da revolta na Espanha. A partir de 1809 já havia um grande exército português operando
com os ingleses.
28
REGISTRO da avaliação, op. cit. p. 311.
29
SÃO PAULO – Governo. Carta do Governador, Martim Lopes Lobo de Saldanha, para o comandante
de Santos, Fernando Leite Guimarães. São Paulo, 23 de outubro de 1775. DOCUMENTOS Interes-
santes, vol. LXXIV. São Paulo, s.ed. 1954. p. 246.
30
Como a proposta da tese era tratar do estudo comparativo com a França, foram coletadas diversas obras
sobre o tema, começando com a Encyclopédie de Diderot e D’Alembert (DIDEROT, M. &
D’ALEMBERT, M. Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers. Pa-
ris: Briasson, 1751. Vol. 1. Verbete Arquebusier, p. 704) e outras que serão citadas no texto.
31
YOUNG, H.A. The East India Company’s Arsenals & Manufactories. Uckfield: The Naval & Military
Press, s.d. Facsimile de um livro publicado em 1937. Este livro é interessante, pois tem um pequeno
capítulo, de oito páginas, sobre a fabricação de correame e arreios.
32
GAMEL, Iosif. Description of the Tula Weapon Factory: in regard to historical and technical aspects.
Washington: Smithsonian Institution, 1988. Esta é uma tradução de um trabalho publicado em 1828.

198
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

produção de artigos em massa na indústria bélica, publicaram uma grande quantidade de


livros sobre o tema da produção de armamentos, mas apenas sobre isso.33

Essa questão da concentração da bibliografia em uns poucos temas se complica


quando analisamos nosso objeto de pesquisa. No Brasil, a fabricação de pólvora era de
responsabilidade de um estabelecimento fabril, também do Exército, mas não ligado ao
Arsenal de Guerra da Corte: a Fábrica de Pólvora da Lagoa (1808-1831). Esta foi depois
substituída pela Fábrica de Pólvora na Estrela (Magé), onde funciona de 1831 até os
dias de hoje, ligada à IMBEL, Indústria Brasileira de Material Bélico. Por não ser uma
instituição dependente do AGC, não consideramos apropriado nos aprofundarmos no
aspecto da produção de pólvora. Isso apesar de em alguns pontos o funcionamento da-
quela instituição no Império se assemelha em muito ao do Arsenal e deste insumo ser de
fundamental importância em algumas repartições do Arsenal de Guerra da Corte, espe-
cialmente os Laboratórios do Castelo e do Campinho e a Oficina de Foguetes, também
no Campinho.

O estudo comparativo, contudo, não fica inviabilizado. Há três assuntos que são
tratados na literatura produzida no exterior e que têm relação com a organização do Ar-
senal de Guerra da Corte: a feitura de uniformes, a de canhões e a de armas portáteis,
que serão abordados nas páginas seguintes, para que possamos apreender as condicio-
nantes que afetavam o funcionamento das manufaturas militares, para se estabelecer um
padrão de análise do Arsenal de Guerra da Corte, que será trabalhado nos capítulos sub-
sequentes.

5.1 Uniformes
A uniformidade dos Armamentos, fardamentos, equipamentos, utensí-
lios e sistema de serviço das Tropas, é muito conveniente, tanto á dis-
ciplina do Exercito, como á economia da Fazenda Nacional, e dos
próprios militares. Eles devem ser cômodos, elegantes, e pouco dis-
pendiosos. Em não havendo uniformidade, introduz-se o arbítrio, o
serviço padece, e a Fazenda Nacional fica exposta a desembolsos des-
necessários.34

33
Podemos citar: SMITH, Merritt Roe. Harpers Ferry Armory and the New Technology : the challenge of
change. Ithaca: Cornell University, 1977, THOMAS, Dean S. Confederate Arsenals, Laboratories
and Ordnance Depots. Gettysburg: Thomas Publications, 2014, 3 vols., e FARLEY, James J. Mak-
ing arms in the Machine Age: Philadelphia’s Frankford Arsenal, 1816-1870. University Park:
Pennsylvania State University, 1994.
34
MATOS, Raimundo José da Cunha. Repertório da legislação militar atualmente em vigor no exército e
armada do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia Imparcial de F. P. Brito, 1842. Vol. III. pp.
245-246.

199
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Como colocou acima o general Cunha Matos, um dos fundadores do Instituto


Histórico e Geográfico Brasileiro, a questão dos uniformes é uma de fundamental im-
portância para se entender o funcionamento do Exército e, com ele, a do Arsenal de
Guerra. Entretanto, as informações disponíveis para se fazer a comparação com outros
países são escassas por falta de bibliografia, como dito acima. Podemos, contudo, apre-
sentar algumas considerações gerais para contextualizar a questão.

De início o problema dos uniformes, apesar de hoje em dia ser considerado co-
mo algo de fundamental importância para os exércitos, pois são artigos que lhes dão sua
identidade, nem sempre foi vista como algo relevante. Nesse sentido, deve-se apontar
que a roupa usada pelos soldados tem duas espécies de função – a primeira, e que hoje
seria considerada como mais importante – é a utilitária, voltada para a proteção do ho-
mem dos efeitos negativos do clima. O outro papel da roupa militar é o diacrítico, o “de
sinalizar distinções internas e externas”35 na vestimenta, ou seja, desta servir como sím-
bolo de status, de identificação e pertencimento a um determinado grupo.

O primeiro aspecto, o utilitário, poderia ser visto como realmente de fundamen-


tal importância, já que em alguns casos a falta de roupa pode impedir que um homem
cumpra suas funções. O exemplo mais óbvio sendo o do frio, abaixo de 15º, no qual
uma pessoa, sem abrigo adequado está sujeita à hipotermia, a diminuição da temperatu-
ra corporal, que leva à letargia, falta de coordenação motora e a morte, se o problema
não for solucionado de forma relativamente rápida.

Menos danosa era a chuva, algo que não teve uma solução no período em estu-
do, além do uso de chapéus, por causa da dificuldade de manufatura de tecidos imper-
meáveis. Outro obstáculo que as roupas, supostamente, teriam que superar era a do calor
excessivo. Mas isso, por incrível que pareça ao nosso modo de ver, não era uma preocu-
pação dos militares até o século XX, as fardas simplesmente não eram pensadas nesse
aspecto. A única concessão ao conforto, em termos de proteção contra o sol sendo, no-
vamente, o uso de um chapéu. Mas mesmo este era mais usado por ser uma imposição
cultural da época, onde as pessoas normalmente os vestiam.

Aqui se deve notar que a moda tinha uma influência muito grande no traje dos
militares – até o século XVIII, as roupas usadas por eles tinham um desenho que se

35
ALMEIDA, Adilson José de. Uniformes da Guarda Nacional (1831-1852): a indumentária na organiza-
ção e funcionamento de uma associação armada. Anais do Museu Paulista: história e cultura mate-
rial. Vol. 8/9, 2000-2001. São Paulo: USP, 2003. p. 109.

200
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

aproximava muito à dos civis. Um obstáculo causado por isso era com relação ao teci-
do: na Europa, de onde vinham os padrões de luxo no vestir, o tecido preferido era a lã,
adequado à situação climática de lá. A outra opção disponível era o linho, mas este não
era usado em uniformes, por causa de seu custo. Não se usavam roupas de algodão, pelo
menos de forma generalizada, até a segunda metade do século XIX.

A lã, muito quente, junto com a questão da moda, fazia com o soldado recebesse
uma farda inadequada para um clima tropical ou equatorial. Para isso, basta ver que,
tanto no Nordeste Brasileiro quanto no Saara francês a composição do uniforme usado
até a Primeira Guerra era basicamente a mesma: uma sobrecasaca de lã, forrada, sobre
um colete (mas este deixou de ser usado no século XIX). Debaixo disso tudo, uma ca-
misa, com uma gravata de couro rígido, que impedia o soldado de abaixar a cabeça.
Complementavam os uniformes, calças e calçado, mas não roupa de baixo – as primei-
ras menções que encontramos ao fornecimento de meias e ceroulas são de apenas de
1866 e estas para prisioneiros de guerra paraguaios. 36 Obviamente, uma roupa extrema-
mente incômoda e pouca prática (Figura 16).

O uso de algodão nos uniformes só foi adotado muito tarde – no Brasil, as pri-
meiras menções que encontramos à distribuição de peças para “uniformes de verão”,
calças feitas de brim, são apenas de 1837.37 Só que depois dessa data, e até a década de
1930, se manteve o uniforme de lã para uso no “inverno”, mesmo onde esta estação não
era fria, como na Amazônia. Como um ponto anedótico, o uniforme histórico da Aca-
demia Militar de Agulhas Negras, que reproduz a farda usada no Brasil em 1852, era
confeccionado em lã até a década de 1980, quando foi substituído por uma mescla de
tecido sintético – isso por causa de problemas com cadetes, que desmaiavam em forma-
turas, por causa do calor da farda de lã.

36
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício da 1ª Seção da Diretoria Central, mandando fornecer peças de
fardamento aos prisioneiros de guerra Paraguaios a serviço da Escola Militar. Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 8 de outubro de 1867. Mss. ANRJ. IG7 370.
37
BRASIL – Arsenal de Guerra. Declarações. Anúncio para costuras de uniformes. Diário do Rio de
Janeiro, 26 de setembro de 1837.

201
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Figura 16 – Forte de Tabatinga, no Rio Amazonas, fronteira com o Peru.


Foto de Albert Frisch, de 1863, mostra dois soldados usando o uniforme azul, de lã, distribuído aos sol-
dados para uso no inverno, ilustrando a inadequação dos fardamentos ao clima e a pouca preocupação
com a questão do conforto dos soldados, típica do período.
Esta questão do tecido pode parecer pouco importante para o tópico do presente
trabalho, mas foi um problema recorrente na produção de uniformes no Brasil: como já
foi colocado em capítulos anteriores, mas vale repetir, o exército aqui sempre procurou
obter a autossuficiência no abastecimento de suas tropas, chegando a apoiar diretamente
empresas que produzissem os insumos necessários ao funcionamento da força. No en-
tanto, a produção de lã, que dependia de grandes rebanhos de carneiros, não era uma
grande indústria no Brasil38 ou mesmo em Portugal. Isso apesar do marquês de Pombal
ter incentivado a criação de uma tecelagem de lã, a Real Fábrica de Panos de Covilhã,
em Portugal, instituída em 1764, tendo como uma das suas funções o fornecimento de
tecido para o Exército.39 Assim, o exército Brasileiro continuou dependente da importa-
ção de tecidos até o século XX, quando, finalmente, se passou a usar trajes mais ade-
quados ao nosso clima, feitos de algodão.

A questão diacrítica dos uniformes teve uma importância maior na produção de


artigos militares, mas isso é uma construção recente e que praticamente só vai ter efeitos
muito tarde em termos históricos. Em primeiro lugar, a separação da corporação militar
da sociedade civil por meio de fardas é muito recente. Como falamos, até o final do sé-

38
O médico Sueco Gustave Beyer, ao visitar São Paulo em 1813 mencionava o elevado custo das roupas,
importadas, “apesar do país produzir lã e algodão em abundância.” BEYER, G. Ligeiras notas de vi-
agem do Rio de Janeiro à capitania de São Paulo em 1813. Revista do instituto histórico e geográfico
de São Paulo. Volume 12. São Paulo: Diário Oficial, 1907. p. 299. No entanto, não encontramos ne-
nhuma referência à compra de lã brasileira pelo Arsenal de Guerra.
39
COELHO, op. cit. p. 51. Já havia, contudo, tecelagens em Covilhã em datas anteriores. Um livro de
1737 recomendava que fossem usadas lãs dessa região para fardas as tropas. RODRIGUES, op. cit.
p. 36.

202
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

culo XVIII as roupas dos militares não eram, basicamente, diferentes das usadas pelos
civis. Até aquele momento não era uma prática dos governos fornecerem roupas – de
qualquer tipo – a seus soldados. Quando era necessário reconhecer as tropas de um lado
de outro, se usavam recursos: por exemplo, nas Guerras Holandesas, no Brasil, um Re-
gimento da Companhia das Índias Ocidentais holandesa foi subornado para desertar
para o lado Português, mas os soldados desejaram voltar para o lado da Companhia.
Como escreveu frei Manuel Calado: “e dali por diante deram todos em trazer uns pape-
linhos brancos nas tranças dos chapéus, para divisa de serem conhecidos, e nos encon-
tros que tivéssemos com os do Arrecife lhes não atirassem”, 40 ou seja, a solução era usar
um sinal privado para que os soldados fossem reconhecidos. Roche, um pesquisador
sobre a história do vestuário, cita outros recursos usados para isso, como o uso de faixas
largas, de cores distintas, amarradas na cintura, chapéus de formas diferentes e vários
sinais distintivos no chapéu ou na sobrecasaca.41

Quando a distribuição de uniformes começou, durante a Guerra dos Trinta Anos


(1630-1648), inicialmente no exército Sueco e, pouco depois, no Inglês, as roupas for-
necidas não seriam classificadas como uniformes pelos critérios de hoje. Apenas a cor
geral das sobrecasacas era generalizada: amarela para o exército sueco e vermelha para
os britânicos. Além disso, não havia um sistema centralizado de produção desses trajes,
inicialmente as roupas sequer eram distribuídas para um regimento, os capitães tendo
autonomia para vestir os soldados de suas companhias como julgassem adequado.42
Mais tarde, isso passou para a alçada dos coronéis comandantes de Regimento, que “da-
vam aos vestidos dos soldados o talhe que mais lhes agradava, e ordinariamente eram
no todo, ou pelo menos nos canhões, golas e forros das cores das suas librés”. 43

Um sistema menos irregular foi implantado na França no final do século XVII,


onde o ministro da guerra, Louvois, começou a assumir maior responsabilidade sobre o
regulamento dos uniformes. Isso, segundo Roche como parte de um projeto do governo
absolutista de Luís XIV: “outro mecanismo substitui nesse momento a eficácia da imi-
tação da moda e da necessidade imediata: o de um impulso de regulamentação coletiva

40
CALADO, Manuel. O Valeroso Lucideno. Belo Horizonte : Itatiaia ; São Paulo : EDUSP, 1987. p. 118.
41
ROCHE, Daniel. La culture des apparences: une histoire du vêtement (XVII e-XVIIIe siècle). Paris:
Fayard, 1989. p. 213.
42
ROCHE, op. cit. p. 213. Para o mesmo costume em Portugal, ver: CUNHA MATOS, op. cit. p. 246.
43
MATOS, op. cit. p. 246.

203
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

que tem lugar na constituição do absolutismo”. 44 Uma proposta vital para entender a
dinâmica dos exércitos, onde, a questão da aparência e do conforto dos soldados se su-
bordinava à ideia de criação de um sentimento de uniformidade e de ações na tropa.
Entretanto, longe de ser um sistema regular, o fornecimento de um fardamento realmen-
te padronizado por parte do governo demoraria muito tempo para se consolidar.

Mesmo uma possível “economia de escala” não se aplicava bem à questão – co-
mo colocado acima, era o costume que cada regimento de um exército tivesse seu pró-
prio “uniforme”, ainda que este seguisse padrão geral para cada país, como o vermelho
inglês ou o branco dos franceses. Os coronéis comandantes definiam como seriam os
forros das casacas, bem como alguns detalhes, como o padrão de cores dos canhões
(punhos), a colocação e desenho dos botões ou mesmo o corte da farda – como colocado
por Cunha Matos mais acima, um dos costumes era que os comandantes dos regimentos
dessem ao uniforme dos soldados de sua tropa as cores de suas casas nobres. A implica-
ção disso era que um exército “nacional” tinha tantos tipos de uniformes quantas fossem
suas unidades componentes – e esses trajes variavam com a mudança dos comandos dos
regimentos. Não havia um modelo geral que fosse seguido por toda a tropa e que pudes-
se ser facilmente copiado em uma manufatura centralizada (ver Figura 17).

Figura 17 – Colagem de imagem de soldados de regimentos no Brasil.45


Da esquerda para a direita: da Colônia de Sacramento (Uruguai); do Rio de Janeiro; Olinda (PE) e de
Macapá (AP). As fardas, todas feitas de lã, mostram a inadequação das vestimentas ao clima e a sua não
uniformidade, mais um sinal do que foi colocado no capítulo 3, sobre a existência de pequenos exércitos,
em cada capitania. A cor padrão, azul, era individualizada por regimento através das cores dos forros e
véstias, bem como o corte específico de cada farda, apesar de todas seguirem, de forma geral, o traje civil
da época. A mesma situação, de individualização de uniformes por regimento, existia em Portugal e em
outros países, decorrente da própria maneira como os trajes eram confeccionados.

44
ROCHE, op. cit. p. 213.
45
Estampas de uniformes militares do terceiro quartel do século XVIII, Mss. Arquivo Histórico do Museu
Histórico Nacional.

204
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Na prática, a solução encontrada em todos os exércitos, foi a manufatura descen-


tralizada, local, de uniformes, sem intermediação de arsenais. Um processo que conti-
nuou no Brasil até meados do século XIX, apesar dos frequentes abusos que a medida
permitia, em termos de corrupção – um livro do século XVIII descrevia que as “miude-
zas” de que se compunham o uniforme dos homens, como os galões, não eram pagos
pelo governo, de forma que os oficiais “por não faltarem ao costume, ou por se não ve-
rem excedidos dos outros”, usavam recursos questionáveis, “menos descentes e contrá-
rios à boa disciplina e arrecadação da fazenda”.46

O procedimento adotado era que os comandantes das unidades recebiam os re-


cursos para fazer as fardas de seu regimento – os regulamentos de uniformes da Ingla-
terra, ainda em 1830, previam que os coronéis recebessem quantias para certos itens de
fardamento e equipamento de sua tropa,47 dando-lhes chance de fazer economias no
fardamento, embolsando a diferença dos valores encaminhados. O costume de se “pas-
sar em revista” a tropa surgiu da necessidade do governo de verificar se os soldados a
quem se estava pagando os salários e se fornecendo roupas e armas realmente existiam e
estavam propriamente equipados. Ainda hoje se mantém uma forma dessa atividade se
mantém nas forças armadas, na forma da revista de mostra.48

A questão da produção local de uniformes ficou mais complicada no Brasil e no


mundo no início do século XIX. Nesse período, concomitantemente e por causa do sur-
gimento dos exércitos movidos por um sentimento nacional, apareceu uma nova moda
militar, na qual as fardas, propositalmente, passaram a ser bem diferentes das vestimen-
tas civis. Isso é visível pelo uso de pitorescos, multicoloridos e, normalmente, pouco
práticos trajes da época, como os usados pelos hussardos, os quais vestiam um casaco
em apenas um dos braços, a manga do outro sendo deixada pendente, a ponto do casaco
passar a ser feito de forma que não podia ser usado nos dois braços. Mais importante,
foi a introdução de coberturas de cabeça, as barretinas, que não tinham relação alguma
com os chapéus usados pela sociedade civil, às vezes empregando materiais exóticos na
sua fabricação. Este é o caso das barretinas dos granadeiros franceses, confeccionadas

46
RODRIGUES, op. cit. p. 36. TELLES DA SILVA, Tomás. Discursos sobre a disciplina militar, e
ciência de um soldado, dedicados aos soldados novos. Lisboa: Joseph Antônio da Silva, 1737. pp.
35-40.
47
SPENCER-SMITH, Jenny. Portraits for a King: the British Military Paintings of A. F. Jubois Drahone
(1791-1831). London: National Army Museum, 1990. p. 12.
48
BIBLIEX - BIBLIOTECA DO EXÉRCITO. Dicionário militar brasileiro. Rio de Janeiro: Bibliex,
2005. p. 800.

205
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

com peles de urso, como são feitas, ainda hoje, as usadas pelos granadeiros ingleses da
guarda da rainha.

Contudo, mesmo com esse aumento da complexidade na confecção dos unifor-


mes, não conseguimos perceber na documentação que tenha havida um processo de
mecanização da produção dos trajes militares. As razões disso parecem ser claras: por
um lado, uma possível divisão de trabalho na produção de roupas era limitada pelas
características dos objetos – as vestimentas até podiam ser cortadas em pequenos gru-
pos, a tesoura, mas tinham que ser costuradas individualmente. Não havia como usar em
maior escala técnicas visando acelerar a produção, como se dividindo o trabalho em
operações mais simples e repetitivas, ao contrário do que era possível em outras manu-
faturas.

Outro motivo era “fabril”: não havia como aperfeiçoar muito a produção de rou-
pas nesse período. Mesmo onde era possível aplicar os princípios de divisão de trabalho
havia problemas, como no caso da manufatura de Marc Isambar Brunel em Battershea.
Lá ele introduziu máquinas para o corte do couro e uma para rebitar os sapatos, como
no tipo Carioclave (ver página 172). Mais importante, introduziu uma estrita divisão de
trabalho, suas operações empregando 25 operários, cada um executando apenas uma
tarefa.49

Entretanto, o empreendimento de Brunel não foi bem sucedido, durando pouco


tempo: a mecanização possível era muito limitada, pois a etapa principal, a costura dos
sapatos, ainda tinha que ser feita à mão. Não havia máquinas de costura, já que o pri-
meiro modelo deste equipamento, o de Singer, data de 1851.50 As máquinas do tipo ti-
veram um desenvolvimento e difusão rápidos: no Brasil já há anúncios deste tipo de
artefato no final da década de 1850,51 mas não a ponto de modificar de forma radical
fornecimento de roupas para os militares no período que estamos estudando, pelo menos
até onde pudemos constatar.

Dessa forma, a produção de uniformes era um trabalho muito volumoso, como


pode ser constatado nos dados de importação de camisas e uniformes completos por
Portugal nas Guerras Napoleônicas, acima mencionados, contudo manteve suas caracte-
49
PHILLIPS, Kew. Morning's Walk from London to Kew. London: John Adlard, 1817. p. 47.
50
DERRY T. K. e WILLIANS, Trevor I. História de la Tecnologia. Vol. 3. Desde 1750 hasta 1900 (II).
Madrid, Siglo Veintiuno Editores, 1987. p. 841.
51
Ver: CORREIO Mercantil, ano XIV, nº 14, Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1857, anúncio de máquinas
de costura. p. 3.

206
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

rísticas antiquadas no período que estamos trabalhando, não havendo soluções para oti-
mizar a questão.

Em termos de técnicas de manufatura, as descrições disponíveis apontam que o


sistema de abastecimento de uniformes, usado geralmente, tanto no Brasil quanto no
exterior, era o de putting out, onde um empreendedor, que podia ser a próprio exército
(no caso, o Regimento que fazia a aquisição de suas fardas), distribuía os tecidos, botões
e fios para artesãos domésticos, que costuravam as roupas. Ou seja, como mencionado
anteriormente, neste importante campo da produção de artigos militares não havia dife-
rença maior entre o Arsenal de Guerra da Corte e as outras instalações fabris de forças
armadas de outros países. Isso até a década de 1860, quando começaram a se tornarem
comuns as máquinas de costura. Esse é um ponto que consideramos relevante e que
voltaremos a abordar: a Repartição de Costuras do Arsenal de Guerra do Rio de Janei-
ro.

5.2 Fabricação de Canhões


Ao contrário do que ocorre com os uniformes, há uma bibliografia bem extensa
que trata da manufatura de canhões no mundo. Isso porque as bocas de fogo, além de
seu aspecto utilitário, de armas, têm associadas a elas um grande simbolismo. Em parte,
por serem objetos muito caros, realmente dispendiosos, a ponto de, como colocamos no
segundo capítulo, apenas os monarcas poderem ter grandes trens de artilharia. Além
disso, eram os equipamentos mais destrutivos que havia na época, justificando o uso da
famosa frase que era gravada nos canhões franceses fundidos no reinado de Luís XIV.
Nesses se lia que eles eram a ultima ratio regum, o “último argumento dos reis”. Ou
seja, a força armada é a que decidia, em última instância, a discussão entre países.

Como parte do simbolismo, os canhões também tinham gravado em locais pro-


eminentes o nome dos monarcas e seu brasão, passando a ser, em parte, uma representa-
ção das próprias nações. Isso a ponto de ter se tornado comum a ação de se procurar
capturar os canhões do inimigo, não como ferramentas que podiam ser usadas, mas co-
mo uma representação da própria vitória de um país sobre outro – os museus dos países
ocidentais estão repletos de bocas de fogo capturadas, os troféus de guerra. Por exem-
plo, o Museu Histórico Nacional tem em suas coleções treze canhões de vários países,

207
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

preservados como troféus de guerra de vários conflitos. 52 A atividade de coleta de tro-


féus ainda hoje é feita – na Guerra do Golfo (1990-1991), foram levadas armas para
compor os acervos de museus dos países da coalização que derrotou Sadam Hussein.

Também se deve dizer que a feitura de uma boca de fogo exigia uma elevada ca-
pacidade técnica. O material preferido para peças de campanha, o bronze, era muito
caro, como já mencionamos. Mas era usado em quantidades prodigiosas: uma peça de 6
libras pesava perto de 250 kg e uma bateria de artilharia teria seis delas, ou seja, era
preciso uma tonelada e meia de bronze para as armas – e um canhão de 6 libras é uma
peça de pequeno porte, por qualquer padrão de medida possível. Como a arma tinha que
ser fundida de uma vez, era necessário um grande forno, capaz de derreter as quantida-
des de metal necessárias. Isso sem falar nos conhecimentos empíricos, como o ponto de
fusão de metais e as proporções dos elementos componentes da liga (cobre, estanho e
outros produtos que o fundidor julgasse necessários). A complexidade da manufatura do
produto gerava um grande interesse, não só por parte dos especialistas em assuntos mili-
tares, mas também por outros, já que as técnicas usadas na feitura dos canhões tinha
relação com a usada na fundição de sinos e estátuas.

Por sua vez, apesar do poder e simbolismo das bocas de fogo, deve-se dizer que,
apesar de algumas tentativas falhadas, o Arsenal de Guerra da Corte não produziu ca-
nhões em nosso recorte de estudos, que se encerra em 1864. Essa atividade só se tor-
nando importante na Guerra do Paraguai. No entanto, estudar os métodos de se fazer
canhões é importante em termos de comparação de como funcionava uma manufatura
militar e serve também para se entender uma questão que consideramos de fundamental
importância. Esta foi o papel dos engenheiros militares franceses na formação das bases
de uma racionalidade, valorizando o ensino técnico naquele país, algo vital para a com-
preensão dos métodos manufatureiros do final do século XVIII e primeira metade do
seguinte.

5.2.1 Aspectos técnicos


A manufatura de bocas de fogo era exatamente isso, uma manufatura – o proces-
so podia usar máquinas em aspectos secundários de sua produção, mas pela própria na-
tureza do objeto, cada canhão era feito de forma individual. Começava-se com um nú-

52
Uma discussão do papel dos troféus pode ser visto em: CASTRO, Adler Homero Fonseca de. O poder
político vem do cano de uma arma. In: MONTENEGRO, Aline (org.) 90 anos do Museu Histórico
Nacional em debate. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2014. pp. 111-123.

208
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

cleo de madeira, o mandril, sob o qual se enrolavam cordas e argila, em cima dessas, era
feita a deposição de cera, com exatamente o formato do objeto final. A camada de cera
era então recoberta com argila, que então era aquecida. O calor fazia derreter a cera – o
processo chama-se, justamente, de cera perdida – e criava um espaço vazio no interior
do molde, na forma exata da peça a ser fundida. A alma era definida por meio de uma
peça cilíndrica de argila, também chamada de mandril, que era centrado no interior do
molde (ver Figura 19).

Feito o molde, este era colocado em posição vertical, abaixo do forno e o metal
fundido derramado em seu interior (ver Figura 19 e Figura 21). Depois de um longo
período de resfriamento, o molde era quebrado – não podia ser reaproveitado frisamos –
retirando-se a arma. O mandril era removido, deixando o espaço da alma no interior,
que tinha que ser fresado, para eliminar imperfeições, e o exterior finalizado a cinzel,
em um serviço semelhante ao de um escultor, devido à riqueza de detalhes e de decora-
ções, algo inerente ao gosto barroco.53

Como se pode ver, a produção desse tipo de arma em bronze era muito cara (ver
sequência de imagens a seguir), de forma que muitos países implantaram fundições go-
vernamentais para sua produção, como foi o caso da França, em Douai, Estrasburgo,
Lyon, para o Exército e Ruelle, da Marinha; Inglaterra, em Woolwich; a Espanha em
Sevilha e Barcelona, enquanto Portugal tinha a sua em Lisboa.

e
Figura 18 – Preparo para a fundição de canhões. 54
À esquerda: forno de reverbero para fundição de canhões, mostrando a complexidade da estrutura. À
direita, dando as formas externas básicas ao canhão, usando um escantilhão – no caso, uma tábua recorta-
da com o perfil da boca de fogo. Esse passo era fundamental para se padronizar a produção das armas,
ainda que esta fosse totalmente feita de forma artesanal.
Por sua vez, os canhões de ferro fundido, apesar de serem produzidos de forma
virtualmente idêntica, eram muito mais baratos, como já apontamos acima. Isso apesar
53
Em português, há uma boa descrição do processo de fabricação de canhões em: GUILMARTIN, op. cit.
54
Todas as imagens sobre fundição de canhões foram retiradas da enciclopédia de Diderot e D’Alembert.
DIDEROT, M. & D’ALEMBERT, M. op. cit. vol. 5. Planches.

209
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

de exigirem uma infraestrutura maior para serem feitos: o ferro só se funde a 1540
graus, enquanto o bronze derrete a temperaturas de cerca de 1.000 graus. A diferença é
grande – é comum usar um forno de reverbero para fundir canhões de bronze, mas os de
ferro normalmente exigem um alto forno, uma estrutura bem mais complexa e que de-
mandava máquinas hidráulicas, para insuflar o ar necessário ao aumento da temperatura.
Curiosamente, isso poderia levar a crer que o governo teria mais condições de operar
uma fundição de ferro, no entanto, as maiores existentes, na Inglaterra e Suécia, eram
privadas, enquanto as francesas e espanholas eram governamentais.

Figura 19 – Fundição de canhões.


Molde completo: à esquerda nesta figura, um corte do mesmo, mostrando ao lado a peça que vai servir de
alma, em seções, de acordo com o material (ferro e arame no centro, com argila em volta). No centro da
imagem, ao alto, uma vista superior do poço de fundição, com os canais para o metal derretido correr, no
caso, para fundição simultânea de quatro canhões. A imagem da direita é de um torno vertical para a
fresagem da alma, movido a animais – a única máquina em uma fundição de canhões. Observe-se que
neste torno, é a fresa que gira, o canhão ficando imobilizado, só descendo à medida que era necessário, o
que gera imperfeições no trabalho.
Do ponto de vista da presente tese, a questão da fundição de canhões tem uma
importância direta no desenvolvimento de técnicas industriais modernas, apesar disso
normalmente não ser enfatizado nos livros de história administrativa. Na Guerra dos
Sete Anos a artilharia francesa tinha sido superada em muito pela ação das armas de
seus aliados austríacos. Uma das razões era que os canhões usados pelas tropas de Luís
XV eram do tipo do general Florent-Jean Vallière, que tinha introduzido o primeiro sis-
tema de peças padronizadas no exército francês, em 1732 (ver Figura 20), com a adoção
de um número reduzido de canhões, com dimensões bem específicas. Peças padroniza-
das tem uma importância fundamental para o funcionamento dos exércitos, mesmo que
a uniformidade delas não seja das maiores: é necessário saber o calibre das armas para
se poder suprir os projéteis, a pólvora e a palamenta adequada a cada peça. O peso dos
canhões tinha que ser mais ou menos conhecido, para se saber o número de cavalos ne-
cessários para puxá-los em cada tipo de terreno O desempenho das peças tinha que ser

210
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

regular, para que os artilheiros soubessem o que esperar das armas que usavam e os en-
genheiros pudessem aplicar seus conhecimentos na construção de fortificações e assim
por diante.

Figura 20 – Acabamento das peças de artilharia.


Canhões acabados, do sistema Vallière, altamente decorados – são estes os que têm a inscrição “ultima
ratio regum”. Este tipo de relevos implicava que as armas não podiam ter acabamento externo em um
torno, necessitando de um artesão qualificado para cinzelá-las.

Figura 21 – Fundição de Douai, c. 1770.55


Cena mostrando diversas fases da manufatura de um canhão. O mestre fundidor – um artesão, frisamos –
olha para o interior do forno, verificando se a liga metálica derretida está pronta para ser vertida para os
moldes, enquanto outros trabalhadores manejam uma pá, para retirar a escória. No centro da imagem um
operário está pronto para levantar a portinhola, liberando o metal para os moldes. Uma comitiva de auto-
ridades, inclusive suas esposas, observa essa fase do projeto. Deve-se notar que eles não estão olhando
para aquilo que era a parte fundamental dessa sequência: o estado do metal derretido, ou seja, não estão
supervisionando de fato o trabalho, que é controlado pelo mestre de fundição. Este, por sua vez, não se
valia de instrumentos para verificar a situação do metal em fundição, toda a operação dependendo de sua
análise subjetiva, baseada em seu conhecimento empírico.

55
Pintura de Johann Ernst Heinsius (1740-1812). DE BEER, Carel. The art of gunfounding: the casting of
bronze cannon in the late 18th century. Rotherfield: Jean Boudriot, 1991. p. 27.

211
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

O sistema de Vallière foi, de certa forma, uma revolução: antes disso apenas a
Inglaterra tinha padronizado a produção de suas bocas de fogo, com o sistema Arms-
trong, de 1727. Entretanto, mesmo que todas as peças fossem feitas com base em um
desenho padrão, o sistema inglês tinha uma imensa variedade de armas: havia, por
exemplo, pelo menos cinco comprimentos de canhão para cada calibre. Uma peça de 9
libras de ferro podia ter seis, sete, sete e meio, oito e meio e nove pés de comprimento
(de 1,82 a 2,74 metros),56 pesando de 1270 a 1570 kg. Essa variedade complicava o
trabalho dos artilheiros, que tinham que lidar com armas de desempenho e comporta-
mento bem diferente durante o disparo. Mais importante, era um problema grave para os
arsenais, pois a palamenta e, principalmente, os reparos têm que ser feitos com suas
dimensões variando de acordo com o comprimento e peso da arma.57 Vallière, no entan-
to, decidiu fazer canhões de apenas um comprimento para cada calibre, simplificando a
produção de acessórios.

Os canhões feitos de acordo com o novo sistema francês, contudo, tinham um


grande problema: eram muito pesados para uso em campanha, pois foram projetados
para terem múltiplas funções, servindo como peças de fortificação, fixas, ou como mó-
veis, em cercos a fortes e em campanha. Uma peça de 4 libras francesa tinha uma massa
de 650 kg, ou seja, 325 libras por cada libra da bala disparada e o seu grande peso difi-
cultava sua movimentação no campo de batalha, enquanto os austríacos, em 1753, ti-
nham feito experiências e adotado um sistema de artilharia (chamado de Liechtenstein,
por causa de seu autor, o príncipe Joseph Wenzel Liechtenstein). Este era composto de
armas destinadas especificamente para o uso em campanha, sendo bem mais leves (um
canhão pesava menos de metade de um do mesmo calibre francês, 152 libras por libra
de bala), sendo bem mais móveis. Além disso, tinha algumas outras inovações técnicas,
a mais notável sendo a adoção de um sistema padronizado de reparos, armões e outras
viaturas, estas com apenas dois tamanhos de roda, com uma tolerância de apenas sete
mm. Isso facilitava os consertos em campanha, permitindo, por exemplo, que uma roda

56
CARUANA, op. cit.
57
RIO GRANDE DO SUL - Presidência. Ofício do presidente de província, Francisco José de Souza
Soares de Andrea, ao Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Sousa e Melo, enviando as dimen-
sões das peças de 12 libras existentes em Porto Alegre, para manufatura de Reparos. Palácio do
Governo em Porto Alegre, 19 de novembro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 336. Apesar das 36 peças se-
rem, majoritariamente, inglesas, foi necessário enviar uma relação detalhada de quatorze tamanhos
diferentes de armas, todos do mesmo calibre para que o Arsenal de Guerra da Corte fizesse novos
reparos para elas.

212
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

de um canhão danificado fosse substituída imediatamente por outra sobressalente ou


mesmo por uma de viatura menos importante, que pudesse ser descartada.58

5.2.2 O sistema Gribeauval e a padronização


Para resolver o problema da sua artilharia, os franceses fizeram um esforço de
pesquisa, visando desenvolver peças mais leves. Para isso, se valeram dos desenhos
inspirados no pensamento do General Jean-Baptiste Vaquette de Gribeauval, que tinha
servido na Áustria na Guerra dos Sete Anos, chegando ao posto de FeldMarschall-
Leutnant (tenente-general, ou general de divisão). Retornando à França em 1763 decidiu
adotar uma série de detalhes do armamento daquele País, em um sistema próprio, o que
foi possível, pois foi nomeado inspetor geral da Artilharia francesa dois anos depois de
seu retorno. Em outubro de 1765, o seu sistema de bocas de fogo foi adotado oficial-
mente, por ordem real.59

O sistema de Gribeauval seguia os princípios básicos da artilharia austríaca, de


um número reduzido de peças, estas sendo leves e de desenho externo mais simples.
Ele, contudo, introduziu algumas modificações novas, visando a melhorar à produção
do material, uma delas sendo importante para o desenvolvimento das técnicas de produ-
ção: a fundição em sólido. Como os canhões eram mais curtos, eles tinham um alcance
menor e para resolver isso, foi adotada a fundição de canhões sem o mandril que dava a
forma a alma, esta sendo furada em um torno horizontal, no qual a peça girava e não a
broca (ver Figura 22). Isso permitiu a redução nas tolerâncias, as margens de erro, das
almas, como uma forma de manter a pressão elevada durante o disparo e, com isso, o
alcance, mesmo com as peças sendo mais curtas. Junto com esse método de fabricação,
foram abolidas as decorações vistosas, as que permaneceram sendo abertas a buril e não
mais esculpidas em relevo, de forma que o canhão podia ser torneado externamente,
diminuindo o custo de produção e a necessidade de artesãos especializados.

Dentro da política de facilitar a produção, Gribeauval também introduziu um sis-


tema de viaturas e reparos padronizados e intercambiáveis, como o austríaco.

58
MACLENNAN, Ken. Liechtenstein and Gribeauval: ‘Artillery Revolution’ in Political and Cultural
Context. War In History. 2003, número 10. p. 255.
59
CHARTRAND, René. Napoleon's Guns 1792–1815 (1): Field Artillery. Elms Way: Osprey, 2003. p. 6.

213
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Figura 22 – Croquis de um torno horizontal de canhões. 60


Esta máquina era de fundamental importância nas novas peças de artilharia, do final do século XVIII em
diante, pois permitia a feitura mais precisa das almas. Ao mesmo tempo, as superfícies exteriores podiam
ser acabadas por fresas, como mostrado aqui, com dois operários fazendo o torneamento. O desenho mos-
tra um torno, instalado na fundição de Woolwich em 1795, movido por quatro ou dois cavalos, dependen-
do do tamanho do canhão sendo trabalhado.
Uma vez vencidas a resistência do pensamento conservador, a implantação dos
novos critérios na artilharia francesa foi algo fácil, já que a os oficiais dessa especiali-
dade supervisionavam as manufaturas que forneciam armas ao governo e administravam
diretamente os Arsenais de Construção (Ateliers de Construction d'affuts et Voitures –
oficinas de construção de reparos e viaturas), onde eram feitos as carretas. Estes eram
estabelecimentos que existiam em Douai, Estrasburgo, Metz, Auxonne, La Fère e Nan-
tes, junto a grandes guarnições de artilharia, sendo notável que eles se assemelhavam
em muito às funções da oficina de construção do Arsenal de Guerra do Rio (ver capítulo
8). Eram instituições que trabalhavam com obras de madeira, objetos de nível técnico
relativamente reduzido, pois apenas poucas das peças usadas eram de ferro. Também
funcionavam, em parte, como a manufatura brasileira, em bases militares. No caso da
França eram administrados por oficiais da artilharia com maior vocação técnica, que
também comandavam os batalhões de artífices militares. Estas eram unidades com 15
graduados, soldados promovidos para atuarem como feitores, e de 420 a 629 soldados
com formação artesanal, empregados nos estabelecimentos, ajudados por artesãos con-
tratados.61

O importante, contudo, é que a artilharia tinha o controle total sobre o que era
feito nos arsenais de construção, o que não era normal em outros tipos de manufaturas
francesas que supriam as forças armadas. Também se deve dizer que essas instituições
foram importantes na formação dos oficiais, pois os estudantes de engenharia militar
eram obrigados a os visitar, visando aprender

60
LANDMAN, Isaac. The founding of bronze guns, 1793. In: DE BEER, op. cit. p. 199.
61
ALDER, op. cit. p. 157.

214
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

as principais dimensões das peças de todos os reparos de artilharia, o


calibre definido para cada tipo de [canhão] fundido, o peso das princi-
pais munições e, finalmente, o preço comum da madeira, ferro e ou-
tras matérias primas nas diferentes províncias.62
Sendo que, como foi dito, os oficiais de maior vocação seguiriam na carreira de
gerenciamento da produção dos reparos de artilharia. Os melhores entre esses eram se-
lecionados para agirem como inspetores nas fundições de canhões e manufaturas de
espingardas privadas. 63

Figura 23 – Manufaturas das forças armadas francesas antes de 1789.


Tulle e Rouellé se dedicavam ao abastecimento da marinha, enquanto as outras serviam ao exército. Em
Douai e Estrasburgo havia arsenais de construção e fundições de canhões. O principal centro de produção
de armas portáteis era Saint-Étienne, onde tradicionalmente já havia um grande número de manufaturas
civis. O governo francês tendo estabelecido as manufaturas de Charleville e de Maubeuge para se apro-
veitar da mão de obra de armeiros belgas, vindos de Liège. O mesmo se deu com Klingenthal, criada para
se aproveitar do trabalho de alfagemes da região de Sühl, na Alemanha, onde, tal como em Liége, já havia
uma tradição de produção de armas. Esses arsenais situados nas fronteiras, contudo, corriam o risco de
serem ocupados por forças estrangeiras em caso de invasão, como de fato ocorreu em 1794, prejudicando
o esforço de guerra francês.
Tais detalhes, contudo, poderiam ficar mais no campo da curiosidade. O relevan-
te aqui é a importância que a nova filosofia por trás do sistema Gribeauval trouxe para a

62
ORDONNANCE du Roi concernant le Corps Royal de l’Artillerie, 3 de outubro de 1774. p. 112, Mss
Service Historique de l’Armée de Terre. Apud ALDER, op. cit. p. 74.
63
id. p. 74.

215
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

França. O general era um membro da artilharia, um serviço que na França era conhecido
como a Arme Savant, a arma intelectual ou, como era conhecida no Brasil, uma das
“armas científicas”. 64 Isso se devia ao fato da operação dos canhões e os trabalhos de
engenharia, que era subordinada à artilharia, exigir uma formação técnica, acadêmica, o
que não acontecia com os oficiais da infantaria e cavalaria, chamadas no Brasil de “ar-
mas combatentes”. Curiosamente, essa divisão entre armas “científicas” e “combaten-
tes”, fazia com que, na maior parte dos países – inclusive na França –, a artilharia fosse
um pouco menosprezada no serviço militar, justamente por ser considerada como uma
arma acadêmica, a nobreza dando preferência para o serviço nas “armas combatentes”.
Só que, na França, os artilheiros e engenheiros conseguiram superar esse problema,
usando justamente seu conhecimento científico.

A artilharia introduziu, por exemplo, novas técnicas, como a ênfase no desenho


técnico, ensinado nas academias militares e cursos técnicos como uma forma de racio-
nalizar a atividade dos profissionais de engenharia na construção e defesa de fortifica-
ções.65 Na verdade, a geometria descritiva uma disciplina criada na França, por Gaspard
Monge, 66 um professor da escola de engenharia militar em Mézières, que também de-
senvolveria técnicas de geometria analítica e geometria diferencial. Essas disciplinas
foram de fundamental importância no desenvolvimento de técnicas racionais de produ-
ção de artigos militares, pois eram formas reproduzir matematicamente o mundo real,
permitindo a construção de uma cópia mental sem o acesso aos objetos em si. Facilitou
muito a aplicação desses processos a introdução de um conjunto padronizado de medi-
das, o sistema métrico, pela Revolução Francesa, no qual trabalharam Prieur67 e Monge.

64
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra, relativo ao ano de 1869. Dr. Francisco
Carlos da Luz, diretor interino. Arsenal de Guerra, 18 de abril de 1870. Mss. ANRJ. IG7 24.
65
LANGINS, Janis. Conserving the Enlightenment: French Military Engineering from Vauban to the
Revolution. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology, 2003. p. 191 e segs.
66
Gaspard Monge, (1746-1818). Matemático, inventor da geometria descritiva. Foi professor de física em
Lyons quando tinha 16 anos, e de matemática na Academia Militar de Mézières em 1768, quando ti-
nha 22. Três anos depois, foi nomeado professor de matemática na Academia. Em 1780 passou a le-
cionar também hidráulica no Liceu de Paris e se tornou membro da Academia. Escreveu vários tex-
tos sobre matemática. Tornou-se ministro da Marinha em 1792-1793. Apoiou o esforço de produção
de artigos bélicos, seguindo o pedido do Comitê de Salvação Nacional, publicando a Description de
l'art de fabriquer des canons (op. cit.). Foi fundador da Escola Normal e da Escola Politécnica. Re-
cebeu, sob Napoleão, o título de Conde de Péluse. ENCYCLOPAEDIA Britannica. London: En-
cyclopaedia Britannica, 1952. Vol. 15, Verbete Monge, Gaspard. p. 705.
67
Claude Antonie Prieur-Duvernois, também conhecido como Prieur de la Côte d’Or. Membro da As-
sembleia e da Convenção na Revolução Francesa, se tornou membro do Comité de Salvação Pública
em 1793, trabalhando com Carnot no suprimento dos exércitos. Foi um dos fundadores da Escola
Politécnica e do Instituto da França, que agrupa as cinco grandes academias francesas. Trabalhou na
adoção do sistema métrico e na criação do Bureau des Longitudes, responsável pelo estabelecimento
Continua –––––––

216
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Deve-se frisar que tudo isso se inseria numa forma de pensar iluminista, que valorizava
o pensamento racional como a principal fonte da autoridade e legitimidade 68 – pode-se
dizer que as ações dos oficiais da artilharia francesa marcariam a supremacia da corren-
te filosófica dentro das forças armadas francesas, em um processo que teria grande in-
fluência na manufatura de armas naquele país.

Como já colocamos, na França a artilharia era responsável pela administração do


que hoje seria conhecido como serviço de material bélico, o projeto, aquisição e distri-
buição de armas e equipamentos. Só que as reformas de Gribeauval tiveram uma in-
fluência que foi muito além do desenho dos canhões, o general e seus seguidores ten-
tando implantar um projeto que reformaria a sociedade francesa em um modelo tecno-
crático, centralizado, a partir do sucesso que suas reformas tiveram na aquisição de ma-
terial bélico.

Figura 24 – Reparo de varais do sistema Gribeauval.69


Carreta para peça de pequeno calibre. O interessante nesta imagem, feita para uso dos arsenais de cons-
trução, é o próprio desenho técnico, que usa projeções ortogonais (vistas superior e lateral), bem como a
geometria. Marcamos com uma hachura a parte do desenho onde se emprega um ponto central para se
definir uma curva na lateral do reparo, no caso, um arco de círculo. Tais técnicas permitiam se dispensar a
avaliação individual e subjetiva do artesão na feitura do objeto, possibilitando a produção de bens idênti-
cos por operários diferentes, mesmo em instalações afastadas uma das outras.
Não cabe aqui discutir os embates políticos em torno dessa proposta dos enge-
nheiros militares franceses – e foram muitos. 70 Mas ela teve um sucesso notável, se não
completo, representado pela ascensão de oficiais de engenharia a altos cargos durante a
Continuação–––––––––––
de dados para navegação. ENCYCLOPAEDIA Britannica, op. cit. Vol. 18. p. 483. Verbete Prieur-
Duvernois, Claude Antonie, comte.
68
BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasí-
lia: EDUNB, 1993. Vol. I. Verbete iluminismo. p. 605.
69
Reproduzido de ALDER, op. cit. p. 123.
70
Uma discussão sobre esse tema pode ser vista em vários pontos da obra de ALDER, op. cit.

217
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Revolução, entre os quais se incluíam nomes como Carnot,71 Prieur e Monge.72 A ques-
tão que consideramos ser relevante é que os oficiais militares, responsáveis pela produ-
ção de artigos bélicos ou fiscalização das manufaturas, tiveram um importante papel na
adoção de técnicas experimentais visando aperfeiçoar o funcionamento da arma. A fa-
mosa locomotiva a vapor de Cugnot, de 1769,73 foi resultado de experimentos feitos no
Arsenal de Paris,74 visando facilitar a condução de artilharia – Cugnot era capitão da
arma.

Mais relevante em termos do presente texto, foi a procura de métodos para se


aperfeiçoar a produção manufatureira, entre os mais importantes se incluindo a adoção
de peças intercambiáveis, que seria um elemento vital da indústria moderna. Nesse sen-
tido, um autor estabeleceu quatro pré-requisitos necessários para o estabelecimento da
indústria moderna, de produção em massa: máquinas ferramentas de precisão; gabaritos
e aparelhos de medição precisos; padrões de medição uniformes e, finalmente, métodos
de desenho técnico.75 Na produção dos canhões, uma peça que por sua natureza é única,
os engenheiros militares franceses estabeleceram – na verdade, criaram –, três desses
fatores, só faltando as máquinas ferramentas. Essas só seriam introduzidas na feitura de
canhões na segunda metade do século XIX, quando se começaram a usar bocas de fogo
de ferro forjado e depois de aço, mudando a tecnologia da artilharia.

A questão das raízes da indústria moderna pode ser ainda vistas nos esforços dos
artilheiros franceses para o controle da produção de armas portáteis.

71
Lazare Carnot (1753-1823), era capitão de engenharia quando da Revolução Francesa, a quem se jun-
tou. Foi eleito deputado por Pais-de-Calais na Assembleia de 1791, sendo um dos deputados que vo-
tou a pena de morte para Luís XVI. Nomeado delegado dos Exércitos no Comité de Salvação Públi-
ca em 1793, participou de várias campanhas militares, obtendo importantes vitórias. Conseguiu so-
breviver à revolução do Thermidor, continuando a ser um membro do Diretório, o órgão executivo
da Revolução. Exilado por um curto tempo em 1797, retornou ao governo, sendo brevemente minis-
tro da Guerra, em 1800. Continuou a agir na administração militar sob Napoleão, sendo exilado em
1815, por ser um regicida. Foi o autor de um importante livro sobre fortificações em 1810. Por seu
papel nas ações logísticas ele recebeu o cognome de o “Organizador da vitória”. ENCYCLOPAE-
DIA Britannica, op. cit. Vol. 4, Verbete Carnot, Lazare Nicolas Marguerite. p. 939.
72
Não era oficial de artilharia, mas estava ligado à arma, por ser professor da Escola de Mézières. Ver
nota 66, acima.
73
DERRY e WILLIANS, op. cit. vol. I. p. 563. A carroço a vapor foi o primeiro veículo automotor da
história. A ideia que embasou o projeto sendo a obtenção de veículos para tracionar peças de artilha-
ria.
74
No século XVIII, o Arsenal de Paris não tinha mais funções fabris, servindo como residência a vários
nobres. Os prédios, contudo, ficava ao lado da Bastilha, uma casa de armas. CHEVREL, Claudine.
La Bibliothèque de L'Arsenal. https://goo.gl/zAc6EC (acesso em outubro de 2016).
75
WOODBURY, Robert S. The Legend of Eli Whitney and interchangeable parts. Technology and Cul-
ture. Vol. 1 Nr. 3, Summer 1960. p. 247.

218
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

5.3 Manufatura de armas de fogo


Ao contrário do que acontecia com os uniformes e com a artilharia, atividades
claramente pré-industriais, a manufatura de armas de fogo é uma em que as característi-
cas das manufaturas pré-industriais em mudança para uma com atributos industriais, de
fábricas mecanizadas, são mais visíveis. Na verdade a adoção prática e efetiva de toda a
série de processos necessários para a implantação da indústria moderna surgiu na manu-
fatura de armas portáteis, ao contrário do que tinha ocorrido com as de reparos de arti-
lharia e canhões, onde o processo de transição para métodos modernos tinha ficado in-
completo.

As características de transição da indústria militar são visíveis nesse campo: ini-


cialmente a produção de armas portáteis não era muito diferente da de outros produtos
feitos artesanalmente. Os mestres armeiros tinham uns poucos artesãos e aprendizes sob
sua responsabilidade, estes trabalhando na execução de alguns serviços mais simples e
atividades onde o emprego da força era necessário. O uso de máquinas era restrito a
algumas etapas do processo produtivo, o serviço dependendo, basicamente, da habilida-
de dos artesãos em avaliar o que tinha que ser feito manualmente, usando sua força físi-
ca e as próprias oficinas de trabalho eram modestas: em média 30 m² nos arsenais de
Charleville ou Maubeuge, chegando a um pouco mais de 50 m² em Klingenthal, para o
caso das cidades francesas onde havia arsenais.76

Consideramos essa questão da força hidráulica interessante, em termos de com-


paração. É evidente que o uso de máquinas movidas à água não era indispensável, nas
condições de produção descritas era possível fazer as peças inteiramente a mão. Só que
o uso de força mecânica poderia aumentar em muito a eficiência das oficinas, ao mesmo
tempo em que diminuiria os custos operacionais ao reduzir os esforços dos artesãos e
eliminando a mão de obra não qualificada que era necessária não só para mover as má-
quinas, mas também para executar certos serviços, como o desdobrar (serrar) madeiras
ou malhar o ferro nas forjas.

Por outro lado, a força hidráulica tinha alguns problemas. Eram necessários
grandes investimentos iniciais para a aquisição das máquinas, dos terrenos apropriados
e a construção dos prédios especiais. Também era preciso haver uma fonte de água com

76
MORTAL, Patrick. Les armuriers de l’État: du Grand Siècle a la globalisation, 1665-1989. Villeneuve
d’Ascq: Presses Universitaires du Septentrion, 2007. p. 31. Para efeito de comparação, a oficina do
Arsenal de Guerra da Corte ilustrada na Figura 50 (página 398), tem 450 metros quadrados.

219
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

certo volume, velocidade e, principalmente, regularidade ao longo do ano, para poder


haver o aproveitamento econômico dos engenhos ao longo de todo o período produtivo,
sem que secas paralisassem o funcionamento das rodas. Às vezes era necessário até
construir represas para garantir o fornecimento de água, como teve que ser feito na fá-
brica de armas de Ipanema. Só que mesmo esse tipo de recurso não era sempre suficien-
te: durante a Guerra da Criméia (1753-1856) a fábrica de armas norte-americana Rob-
bins & Lawrence recebeu do governo inglês uma encomenda de 20.000 armas do mode-
lo 1853, mas não conseguiram entregar, pois uma seca impediu que suas serras movidas
por rodas d’água funcionassem, resultando no cancelamento da encomenda.77

Perdemos um pouco de tempo falando das máquinas hidráulicas, pois esta era
uma questão de fundamental importância. Até a adoção generalizada dos motores a va-
por, a instalação de manufaturas que pudessem se valer das possibilidades da mecaniza-
ção dependia do terreno, como foi o caso tanto da Fábrica de Pólvora da Lagoa como a
da Estrela. Por sua vez, o Arsenal de Lisboa, localizado no centro da cidade, estava li-
mitado em suas possibilidades de uso de máquinas pesadas – o máximo que se conse-
guia lá foi a montagem de aparelhos movidos por animais, havendo uma abegoaria,78
um estábulo para abrigar os animais necessários ao funcionamento das máquinas de lá.

A questão do Arsenal de Lisboa é interessante por causa da comparação que se


pode estabelecer neste aspecto com os do Brasil: no local das instalações dessas manu-
faturas, em todas as cidades em que foram feitas aqui, seria impossível o uso de máqui-
nas hidráulicas, tal como acontecia em Portugal. Por sua vez, Coelho, um autor que es-
tudo os Arsenais de Lisboa e do Porto, aponta, de forma pertinente, que a introdução do
uso de máquinas só era necessária onde esta resultaria em diminuição de custos. Onde a
mão de obra era barata, não havia um grande incentivo para isso, o que era o caso do
Arsenal de Lisboa. 79 No caso, apesar de sua natureza anedótica, consideramos interes-
sante notar que no início do século XIX, a força humana necessária para mover as má-
quinas em Lisboa era provida por cegos, 80 pessoas que não teriam outra inserção eco-
nômica na sociedade portuguesa e cujos salários seriam, necessariamente, baixos.

77
SMITHURST, Peter G. Gunmaking by machinery: birth of the consumer society. Lecture at the Impe-
rial War Museum, 20th June, 2011. https://goo.gl/LKS8H2 (acesso em outubro de 2016).
78
COELHO, op. cit. p. 233.
79
id. p. 63.
80
id. p. 245. Há sinais que essa prática continuou no Brasil, apesar de não ter sido comum: em 1827 o
Arsenal de Guerra publicou um anúncio para contratação “todos os cegos, e mutilados livres, que
Continua –––––––

220
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

De qualquer forma, a fabricação centralizada de grandes números de armas de-


pendia de locais onde rodas d’água pudessem ser instaladas (ver Figura 25) – em Paris,
durante a Revolução Francesa, as oficinas de acabamento de canos foram montadas em
barcos no rio Sena, para se aproveitar da correnteza para mover as máquinas.81 A opção
seria a descentralização na fabricação das armas ou de suas peças, instalando as oficinas
onde houvesse força hidráulica disponível.

Figura 25 – Localização de oficinas em Saint-Étienne. 82


O rio Furan era indispensável para a instalação de rodas d’águas que pudessem mover as máquinas usadas
na manufatura de armas, principalmente os rebolos usados no desbaste (esmerilhamento) dos canos. O
mapa mostra a descentralização da manufatura de armas – a maior da França – mas que era dividida em
dezenas de pequenas oficinas artesanais.
Isso nos leva a outro ponto da pré-indústria das armas militares na Europa: era
um tipo de atividade em que já havia uma clara divisão de trabalho nos maiores centros
de produção da Europa. Enquanto na produção tradicional, o mestre era responsável
pela feitura de toda a arma, do cano a coronha de madeira, em um processo complicado,
que levava mais de 21 homens-dias para ser concluído, 83 na Inglaterra, França, Bélgica

Continuação–––––––––––
possam ser empregados nos trabalhos de rodas e foles” Diário do Rio de Janeiro, nº 10. Rio de Ja-
neiro, 11 de agosto de 1827. p. 1.
81
ALDER, op. cit. p. 267.
82
Desenho baseado em: DAUMAS, Maurice. L’Archéologie industrielle em France. Paris: Éditions Rob-
ert Laffont, 1980. p. 94.
83
WOODBURY, op. cit. p. 247. Esse número refere-se ao Arsenal norte-americano de Springfield, em
1799, uma manufatura mais moderna que as oficinas tradicionais. p. 245.

221
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

e regiões da atual Alemanha, a feitura de uma arma era dividida em uma série de pro-
cessos separados, a cargo de diferentes artesãos.

Figura 26 – Oficina de um armeiro, 1718.84


A gravura mostra as ferramentas necessárias para a produção de uma arma em uma oficina artesanal tra-
dicional. Nela estão mostradas, a forja, à esquerda, com a bigorna, malhos e, no chão, as lâminas de ferro
para forjamento. Em primeiro plano, um torno, ou broca de canos, movido à força humana. Junto à janela,
a bancada, com duas morsas de ferreiro e várias ferramentas, sendo observáveis uma pequena bigorna e
várias limas, necessárias para dar o acabamento das peças metálicas. Também podem ser observadas
várias escalas e compassos para medição e controle da peça em produção. Na parede ao fundo estão pen-
durados vários mandris – que o autor chama de “espetões” –, correspondentes aos diversos calibres de
armas que podiam ser fabricados. Cremos ser notável, a direita dos mandris, a adarmeira e o escantilhão
(as duas últimas peças penduradas, à direita), reforçando a ideia que o autor da imagem queira passar com
os compassos e escalas, de um controle da produção de objetos com medidas precisas e, até certo ponto,
padronizadas. Entretanto, o mestre armeiro está examinando, a olho, um corte de uma lâmina de ferro, em
uma análise cristalográfica muito primitiva, que dependia inteiramente de seu julgamento subjetivo, base-
ado em anos de experiência.
Eram cerca de duas dúzias de especialidades: forjadores e desbastadores de ca-
nos; forjadores e limadores de culatras; fabricantes de parafusos; fabricantes de fechos;
coronheiros; fabricantes de guarnições; forjadores de baioneta e assim por diante.85 Ca-
da um, como no exemplo da manufatura de alfinetes mencionada por Adam Smith, exe-

84
FIOSCONI & GUSERIO, op. cit. entre as páginas 4 e 5.
85
ALDER, op. cit. p. 176.

222
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

cutando uma atividade repetitiva, com as ferramentas necessárias para a tarefa sobre a
qual tinham responsabilidade, aumentando em muito o volume produção. Só que, ao
contrário de um processo que consideraríamos “natural”, essa divisão de trabalho não
implicava em uma manufatura concentrada. Cada mestre tinha sua própria oficina
(Figura 25), trabalhando na produção de um componente específico, que depois era en-
viado para um atelier central, onde o produto final era montado por outro operário espe-
cializado, o ajustador.

Na prática a feitura de uma arma era dividida em uma série de processos mais
simples, mas ainda assim necessitando um elevado grau de especialização por parte dos
mestres. Em termos gerais, podemos trabalhar a fabricação da arma de fogo como com-
posta de três atividades principais: a feitura do cano, a do fecho e a ajustagem final,
sendo que alguns autores apontam a manufatura do cano como um processo que envol-
via a elite dos trabalhadores. Em Saint-Étienne, na França, na produção de cada cano
trabalhavam treze armeiros diferentes, em vários momentos do acabamento da peça.86

De fato, o forjamento do cano era um processo que demandava um grande co-


nhecimento. Primeiro, para reconhecer o melhor metal para o preparo da peça: o livro a
espingarda perfeita, um manual de fabricação de armas publicado em Portugal, 87 dedica
seis páginas a descrição do ferro apropriado para cada tarefa, material que devia ser
escolhido pela análise visual da granulação do material (ver Figura 26). Além disso,
exigia um grande cuidado na feitura: o cano era feito a partir de um pedaço retangular
de ferro, que era aquecido até estar em rubro e então esticado a força de marteladas, até
que tivesse o comprimento necessário, sendo então dobrado ao redor de um mandril. A
soldagem, a união dos metais, era feita na forja, a força de martelos do mestre e de um
ou dois artesãos, o acabamento da peça sendo feito por limas no caso das oficinas arte-
sanais comuns, ou com rebolos, em locais com disponibilidade de força hidráulica (ver
Figura 27).

86
id.
87
FIOSCONI & GUSERIO, op. cit. pp 26 a 32.

223
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Figura 27 – Oficina de desbaste de canos, 1751. 88


Uma das poucas etapas mecanizadas na produção de armas, só usada em alguns locais. Os artesãos espe-
cialistas nesse ramo trabalhavam para remover as imperfeições e dar a forma final ao cano da arma usan-
do grandes rebolos de esmeril movidos por força hidráulica. Era um serviço perigoso, pois as rodas podi-
am explodir com a pressão dos motores, ferindo os operários. Além disso, os homens estavam sujeitos a
sofrer de silicose, uma doença pulmonar, por respirarem a poeira dos rebolos. O processo, contudo, acele-
rava em muito a produção de armas, apesar de ainda demandar um artesão qualificado, para julgar visu-
almente o quanto do cano deveria ser esmerilhado.
Todo o processo era muito empírico e podia resultar em problemas – em meados
do século XVIII, em Saint-Étienne, na França, de 20 a 30% dos canos falhava no teste
no banco de prova.89 O processo de teste era vital, pois de outra forma a arma podia
explodir durante o disparo, obviamente com resultados desastrosos para o usuário.

Menos sensível a problemas, mas um elemento bem mais difícil de ser feito, era
o mecanismo de disparo, o fecho. Enquanto um cano podia ser forjado e acabado em
menos de quatro horas de trabalho total, esse tipo de peça levava, na melhor das hipóte-
ses, 14 horas.90 No caso, a divisão de trabalho não é tão visível, apesar de existir em
alguns casos. O problema é que o mecanismo de disparo é complexo, com uma série de
peças interagindo mecanicamente, devendo estas ser ajustadas com precisão: o cão, com
a pedra de sílex, tinha que atingir o fuzil em um ângulo bem preciso, de forma a forçar a

88
DIDEROT & D’ALEMBERT, op. cit. Fabrique des Armes.
89
ALDER, op. cit. p. 174.
90
DIDEROT, M. & D’ALEMBERT, M. op. cit. vol. 5. Planches.

224
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

abertura da caçoleta, ao mesmo tempo em que as fagulhas produzidas pelo impacto do


sílex contra o fuzil atingiam a escorva, permitindo o disparo. O movimento do cão era
liberado pela noz, uma peça de desenho complexo, que tinha que ser cuidadosamente
ajustada para o mecanismo funcionar (ver Figura 28).

Todo esse complicado mecanismo precisava que seus elementos componentes


fossem ajustados individualmente, de fecho para fecho – as peças de um não serviam
em outro, sendo necessário o emprego de um operário especializado, um ajustador, que
faria os trabalhos de forjamento e limagem precisos para a montagem do objeto final.
Algo que não era simples, pois tudo era feito em aço, um material difícil de trabalhar
por causa de sua dureza, apesar da têmpera final

A produção desse mecanismo não era uma atividade que pudesse ser deixada a
cargo de um aprendiz ou mesmo a de um trabalhador pouco habilitado – quando na
França Revolucionária foram montados emergencialmente diversos arsenais, usando
artesãos com diferentes ofícios para fazer os fechos, uma das oficinas, a do bairro Qua-
tre-Vingt, em Paris, subordinada ao Arsenal criado na cidade, tinha 83 operários fazen-
do essas peças. Em uma década, a semana de dez dias adotada durante a Revolução
Francesa, dezesseis desses trabalhadores fizeram três fechos completos cada, 28 deles
completaram dois e dezenove conseguiram acabar um. Os outros vinte artesãos não ti-
nham completado um mecanismo sequer em dez dias e a produtividade máxima por
artesão era de apenas três fechos por “década”. Um mestre das manufaturas tradicionais
conseguia terminar cinco desses mecanismos por década.91

91
id. p. 268.

225
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Lista das peças.92


1 – Chapa do fecho;93
2 – Cão;
3 – Fuzil;
4 – Caçoleta;
5 – Mola da bateria;
6 – Mandíbula superior;
7 – Parafuso do cão;
8 – Pederneira;
9 – Mola real;
10 – Noz;
11 – Ponte da noz;
12 – Gatilho;94
13 – Mola do gatilho.

Figura 28 – Peças de um fecho.


Desenho do mecanismo de uma arma militar, datando de 1855, 95 com a terminologia oficial do exército
brasileiro. Com os parafusos, eram vinte peças. O desenho desse mecanismo foi inventado por volta de
1615 na França – é conhecido na bibliografia como “fecho francês”. Basicamente é o mesmo tipo de
aparato que começou a ser adotado nos exércitos europeus no terceiro quartel do século XVII, permane-
cendo em uso em todos eles até a primeira metade do XIX, ou seja, por aproximadamente 175 anos. Em-
baixo, à direita, colocamos um detalhe com um desenho em projeção ortogonal de uma noz, com seu
parafuso. 96 Esta peça era considerada “o cérebro do fecho”, 97 pois transmitia a força da mola real para o
cão, depois de o gatilho ser acionado. Era um objeto de desenho e construção bem complexa, os entalhes
com os números 1 e 2 servindo, respectivamente, para engatilhar a arma ou a colocar em posição de segu-
rança (meio engatilhada), enquanto a curva depois dos entalhes era irregular, forma necessária para asse-
gurar o movimento suave do mecanismo no ato colocar a arma em situação de disparar.
Outro problema da complexidade da feitura dos fechos era a dificuldade de se
fazer uma divisão de trabalho efetiva que produzisse uma peça completa capaz de fun-
cionar sem um grande trabalho de ajustagem – Carnot, o ministro da guerra, no início da
Revolução Francesa, chegou até a ordenar que se adotasse nas manufaturas do governo
o processo antigo de produção, onde um trabalhador faria todo o fecho mecanismo sozi-
nho, sem divisão de trabalho, tentando aumentar a produção, o que se entende tendo em
vista a falta de artesãos habilitados para fazer a ajustagem.

92
Usando os termos constantes do manual do exército: PEIXOTO, Luiz Ribeiro dos Guimaraens. Ensaio
da nomenclatura das pecas de que se compõem as armas em uso na infantaria e cavalaria do Exér-
cito brasileiro. Rio de Janeiro: Litografia do Arquivo Militar, 1855. pp. 4 a 6.
93
Curiosamente, o “Ensaio da nomenclatura” não dá o nome dessa peça, nem o da contra-chapa, que
retiramos da documentação do Arsenal. Cf. id.
94
Hoje em dia gatilho é outra peça do mecanismo, que na época se chamava de “desarmador”.
95
PEIXOTO, op. cit. p. 5. (Os números em vermelho foram colocados por nós).
96
DIDEROT, M. & D’ALEMBERT, M. op. cit. vol. 5. Planches.
97
ALDER, op. cit. p. 197.

226
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Mesmo assim, em Saint-Étienne, chegava a haver 47 pessoas trabalhando na


produção de apenas um fecho, sendo que um bom número sequer vivia na cidade: em
1799 eram 584 fabricantes de fechos lá, dos quais apenas 12% viviam na povoação
Saint-Étienne. 30% até trabalhavam fora do Departamento (Província)98 o que certa-
mente implicava problemas na montagem do mecanismo. Isso justifica a maior produti-
vidade dos arsenais de Maubeuge e Charleville, cerca de 50% maior do que a de Saint-
Étienne no que tange aos fechos.99 Também explica o menor preço das armas produzi-
das pelos arsenais do governo: um fuzil feito em Maubeuge, uma manufatura concen-
trada, era 41% mais barato do que um de Saint-Étienne.100

De todas essas dificuldades, se entende o gargalo que a manufatura desses obje-


tos representava no preparo de armas de fogo: durante os 13 meses de funcionamento do
improvisado Arsenal de Paris durante a Revolução (novembro de 1793 a dezembro de
1794), foram preparadas 145.600 espingardas completas, com 11.649 canos ficando
excedentes. Entretanto, houve um déficit de mais de 100.000 fechos: só tinham sido
feitos 44.012 deles durante a existência do Arsenal, a diferença tendo que ser suprida
pelo conserto de mecanismos de armas inutilizadas em combate,101 um expediente que
não poderia ser contado como uma solução de longo prazo. A procura de métodos efici-
entes para a produção de fechos é um ponto central para se entender os esforços de mo-
dernização de processos de manufatura que seriam empreendidos inicialmente na Fran-
ça, conforme trabalharemos mais abaixo.

De qualquer forma, o processo descentralizado de fabricação de armas tinha uma


série de consequências que já eram vistas como negativas na época. Um era que as ar-
mas eram objetos individuais, feitos à mão. Mesmo que aparentemente fossem idênti-
cos, eram necessariamente diferentes. Realmente, o único elemento cuja padronização
era vital era o calibre e este, pelo menos, podia ser facilmente determinado pelo mandril
pelo qual se formava o cano da arma, de forma que não era um grande problema. Em
termos práticos isso era o mínimo necessário, pois era o elemento fundamental no for-
necimento de munições – as armas tinham que ter o mesmo calibre, para poderem rece-
ber as mesmas balas, um elemento vital em termos logísticos.
98
id. p. 335.
99
id. pp. 245-246.
100
ROUSSEAU Jean. Les manufactures d'armes sous la Révolution et l'Empire [note critique]. École
pratique des hautes études. 4e section, Sciences historiques et philologiques. Année 1970 Volume
102 Numéro 1. p. 725.
101
ALDER, op. cit. p. 288.

227
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

No entanto, a falta de justeza nas peças gerava custos de ajustagem: os franceses


tinham uma manufatura especializada em armas brancas, Klingenthal, de forma que as
baionetas prontas eram despachadas para os outros Arsenais. No caso de Saint-Étienne,
isso representava uma viagem de 530 km, obrigando a que houvesse profissionais espe-
cializados em armas brancas nessa última localidade, pois seria impossível devolver as
lâminas para Klingenthal para os ajustes necessários. Esse problema fica mais evidente
no caso de equipamentos que precisassem de consertos no campo de batalha: como não
era possível haver peças de reposição padronizadas, qualquer defeito implicava que toda
a arma tinha que ser devolvida para um Arsenal para ser reparada.

Outra das consequências dessa forma de manufatura descentralizada era que se-
ria difícil para um exército se equipar de forma rápida ou regular, negociando com de-
zenas ou mesmo centenas de armeiros individuais – novamente em Saint-Étienne, po-
demos dizer que havia de cem a duzentos mestres fazendo armas em oficinas próprias, a
maior parte deles produzindo menos de dez espingardas por ano.102 Isso ainda mais le-
vando em conta que as forças armadas tinham que competir com o mercado civil, que
em situações normais correspondia de 160% a 240% da produção de armas militares,
uma boa quantidade dessas sendo de armas baratas, mais fáceis de fazer, destinadas ao
tráfico de escravos.103

Uma solução encontrada foi a criação de departamentos centralizados para ge-


renciar a compra de armas. Um desses, na Inglaterra, foi o Board of Ordnance, que ad-
quiria os elementos separados, os inspecionava e os montava em uma instalação central,
a Torre de Londres. As armas marcadas com a palavra “Tower” (da Torre), comuns em
coleções de museus, não foram inteiramente feitas naquele Arsenal, mas montadas lá,
com peças vindas inicialmente de armeiros de Londres, aos que se somaram os de Bir-
mingham no século XVII. Ao contrário do que alguns escrevem, isso não quer dizer que
a Torre não fosse uma manufatura,104 pois o serviço de montagem da arma era compli-
cado e exigia ajustadores qualificados, como tratado acima.

No contexto emergencial das guerras Napoleônicas, os ingleses chegaram a criar


um arsenal governamental para produção de armas, situado em Lewisham, para a pro-

102
id. p. 175.
103
id. p. 176. Os dados se referem às manufaturas de Saint-Étienne, na França, mas a mesma situação se
repetia em Birmingham (Inglaterra) e em Liège, Bélgica.
104
REID, op. cit. p. 12.

228
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

dução de fechos e canos, que seriam enviados para a Torre, para serem acabados. A
manufatura de Lewisham, que começou a funcionar em 1807, usava rodas d’água e,
depois, um motor a vapor para mover diversas máquinas e tinha o objetivo de fabricar
50.000 canos por ano. Em 1810 empregavam 156 homens, entre os quais três feitores e
inspetores; 82 limadores de fecho; quatro limadores de canos; quatro fresadores de ca-
nos, sete desbastadores de canos e dez forjadores de canos. Estes conseguiram atingir
uma produção bem razoável, de 33.121 canos e 23.697 fechos em 1811 – se tomarmos
este último número como índice da quantidade de armas fabricadas, isso implicaria em
151 espingardas feitas por cada trabalhador por ano – um número bem razoável, muito à
media por trabalhadores das manufaturas do período. Mesmo assim, foram tomadas
medidas para aumentar a produção, como tornos de canos, máquinas de estampagem de
cães, a precisão sendo aferida por conjuntos de aparelhos de medição e gabaritos padro-
nizados. Curiosamente, Blackmore, um autor que estudou o assunto, aponta que o gar-
galo na produção era a fabricação de um dos elementos menos técnicos da arma, a coro-
nha, ainda feita inteiramente de forma manual, com um trabalhador especializando en-
carregado de todo o trabalho de talha para abrir os espaços para o cano e fecho, assim
como dar a forma final ao objeto. 105

O fim das guerras Napoleônicas impediu um avanço maior das técnicas de ma-
nufatura de armas na Inglaterra, apesar de uma nova manufatura governamental ter sido
instalada em Enfield em 1816. Na prática, o exército voltou a usar o sistema de compras
em armeiros privados de Birmingham. 106 A situação na Inglaterra começou a mudar em
1854. Naquele ano o país estava envolvido na Guerra da Criméia (1853-1856) e o sis-
tema de fornecimento de armas por empreendedores não estava atendendo às necessida-
des do exército. Para tentar resolver o problema, o governo criou comitê para estudar a
questão da fabricação de armas, com ênfase no estudo da possibilidade do uso dos mé-
todos dos arsenais americanos de produção de armas. O comitê executou uma série de
entrevistas com armeiros e engenheiros de renome, muitas das questões girando em
torno da viabilidade do funcionamento do sistema – havia várias autoridades que não
acreditavam ser possível fabricar armas usando primordialmente máquinas, mas a deci-
são foi pela importação de todo um conjunto de máquinas ferramentas norte-americanas

105
BLACKMORE, Howard L. Military gun manufacture in London and the adoption of interchangeabil-
ity. Arms Collecting, vol. 29, nº 4. pp. 115-117
106
id. pp. 117.

229
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

para fazer armas segundo o sistema dos arsenais dos Estados Unidos, que, como trata-
remos mais abaixo, foi revolucionário. 107

Por sua vez, a França tentou resolver o problema, como já dito anteriormente,
montando “manufaturas reais” de armas: Saint-Étienne em 1665; Charleville, dez anos
depois; Maubeuge em 1701; Klingenthal – especializada na feitura de armas brancas –
em 1730; e Tulle, que fabricava armas para a Marinha e as colônias a partir de 1690. No
entanto, não se deve pensar em uma organização moderna para essas manufaturas, espe-
cialmente a de Saint-Étienne, uma cidade que já existia como centro produtor de arma-
mentos há séculos.

Em todos os casos acima citados, o governo francês não assumiu a responsabili-


dade direta pela produção: nas fábricas criadas especificamente, era dado a um particu-
lar o direito de explorar as instalações, servindo de intermediário entre os artesãos e o
governo. Assim, a carta patente de 15 de julho de 1730, que criou a Manufatura de
Klingenthal apenas concorda com “a proposta do Senhor Anthés, de estabelecer uma
manufatura de armas de armas brancas em nossa província da Alsácia”, a fábrica sendo
vendida para o Senhor Wolf em 1736. Com este morrendo em 1755, os privilégios da
manufatura foram repassados pelo tutor dos filhos menores de Wolf a Lucien-Jacques
Maupetit, que os cedeu a Louis-Antoine Gau.108 Há outros documentos semelhantes,
dando privilégios aos “proprietários” das manufaturas reais109 que, como vimos eram
tratadas como se fossem patrimônio de um particular. Na prática, o sistema se transfor-
mava em um oligopsônio, uma estrutura de mercado caracterizada por haver um peque-
no número de compradores. No caso, o freguês final eram as forças armadas, que ti-
nham direitos exclusivos sobre certos itens: a venda de armas de calibres em uso pelas
forças armadas foi proibida na França.

107
HOUNSHELL, David A. From the American System to Mass Production: 1800-1932. Baltimore: John
Hopkins, 1984. p. 61.
108
FRANÇA – Rei. Lettres patentes du Roi qui accordent au sieur Gau le privilège pendant 30 années,
pour l'entreprise de la manufacture d’armes blanches d’Alsace. Versailles, 20 de abril de 1765. Pa-
ris: Imprimiere Royale, 1765.
109
FRANÇA – Conselho de Estado. Arrêt du conseil d'état rendu en faveur de la manufacture royale
d'armes de Charleville. 15 de dezembro de 1767. Paris: Imprimiere Royale, 1767. O documento cita
os senhores Baudard de Vaudesir e Cotheret, “proprietários da Manufatura Real de Armas de Char-
leville”. O mesmo com relação à manufatura de Tulle, que foi transformada em Manufatura Real em
1777, sendo propriedade do Senhor Fenis de Saint Victour. FRANÇA – Rei. Lettres patentes du Roi
pour l'érection de la manufacture d'armes à feu établie dans la ville de Tulle en manufacture royale
pour le servise de la Marine. Paris, 27 de dezembro de 1777. Paris: Prault, s.d.

230
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Em Saint-Étienne, o maior centro, inicialmente havia um sistema em que “em-


preendedores” (entrepeneurs) contratavam com o governo o fornecimento de armas e,
por sua vez, empregavam artesões isolados para fazer as armas ou as peças delas. Esses
empreendedores possuíam capitais para financiar a produção, adquirindo a matéria pri-
ma, adiantavam dinheiro para os artesãos e possuíam instalações que exigiam maiores
aportes financeiros, como moinhos d’água e as máquinas para fresar e esmerilhar os
canos.110 Assim, em 1755 o governo assinou um contrato com oito empresários da cida-
de para a produção de 27.000 espingardas, cinco deles devendo entregar 2.500 armas,
dois 4.500 e o maior de todos, Girard Robers, 5.500 espingardas. 111 Neste caso, deve-se
frisar que os empresários não produziam as armas por si, elas eram feitas nas pequenas
oficinas dispersas, acima citadas.

Desta forma, a fabricação de armas em Saint-Étienne se encaixa perfeitamente


no conceito de uma pré-indústria discutido anteriormente, no quarto capítulo. Na verda-
de, a situação lá se assemelha ao conceito semelhante, de proto-indústria, de uma ativi-
dade artesanal dispersa em um ambiente rural: os trabalhadores, como no modelo discu-
tido por Braudel (ver página 147), gastavam parte de seu tempo com a agricultura de
subsistência, a ponto de no início da Revolução Francesa, na crise militar que surgiu, o
governo ter baixado leis vedando que os armeiros se afastassem de suas oficinas, proi-
bindo folgas nos domingos e feriados, assim como que deixassem de trabalhar, para
cuidar de suas colheitas.112

A situação de Saint-Étienne, apesar dela também ter o título de Manufatura Real,


era diferente das outras, que funcionavam em instalações mais centralizadas, apesar de
também serem um pouco dispersas e de serem administradas por um particular. É ver-
dade, que mesmo em Saint-Étienne o sistema de empreendedores privados que atuavam
como intermediários entre o governo e os artesãos, foi substituído por um contratador
único, administrando a produção113 de modo privado, tal como nos outros arsenais, mas
a manufatura lá permaneceu como uma organização extremamente descentralizada.

110
COTTY, H. Supplément au Dicitionnarie de l’Artillerie. Paris: Librairie Militaire d’Anselin, 1832.
Verbete entrepeneurs des manufactures royales d’armas portatives. p. 188.
111
ARGENSON, Antoine-René de Voyer. Etat des fusils de soldats que les entrepreneurs de la manufac-
ture d'armes de St. Étienne sont chargés de faire fabriquer en l’anne present 1755 en consequence
des marchés qui leur ont passé le 20 decembre dernier. Mss. Biblioteque Nationale de France.
112
ALDER, op. cit. p. 324.
113
VIRET, Jéréme-Luther. L'industrie des armes portatives à Saint-Étienne,1777-1810. L'inévitable
mécanisation? Revue d’histoire moderne et contemporaine, 1/2007 (no 54-1), p. 191.

231
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

O que era semelhante nos arsenais administrados por empreendedores era o sis-
tema de supervisão: em todos os casos, como já dissemos antes, a aquisição das armas
era feita pela Artilharia. Esta, apesar de não gerenciar diretamente a feitura das armas,
tinha o poder de fiscalização sobre os resultados finais, com um inspetor trabalhando
em cada Arsenal, este oficial sendo selecionado entre aqueles que demostrassem maior
aptidão técnica.114 O inspetor era apoiado por três controladores civis, que faziam a pro-
va dos canos, dos fechos e da arma montada.

Além disso, a artilharia tinha a autoridade para estabelecer as normas de funcio-


namento do banco de prova onde se testavam as armas, definindo dessa forma padrões
mínimos de controle de qualidade. Mais importante, como compradora, podia determi-
nar o que seria feito em termos de modelo. Esse último ponto é vital na história das téc-
nicas de manufatura, pois a situação das fábricas de armas, especialmente na descentra-
lizada Saint-Étienne, não era vista como ideal pela irregularidade dos produtos. Isso se
torna importante quando reiteramos o que falamos sobre a fundição de canhões, no que
tange do pensamento iluminista que baseava a produção de canhões e a introdução de
técnicas de desenho, mencionadas acima: uma das propostas da artilharia francesa foi a
de “‘normalizar’ o desempenho de suas armas, tornar sua operação mais regular, precisa
e mortífera”.115 Para obter esse objetivo os franceses tomaram um passo fundamental
para se estabelecer alguns dos modernos princípios de fabricação em massa.

5.3.1 As peças intercambiáveis


Como tratamos brevemente acima, com a carroça a vapor de Cugnot, a artilharia
francesa tinha interesse em inovações e uma das áreas em que foram feitos investimen-
tos no desenvolvimento de novas técnicas foi na manufatura de armas. O sistema de
produção existente era muito irregular, causando prejuízos para o funcionamento das
tropas. Uma solução possível seria estender o trabalho que tinha sido feito com os ca-
nhões e reparos, de adoção de peças intercambiáveis, para as armas portáteis, algo que,
voltamos a frisar, teria uma imensa influência na formação das indústrias modernas.

Pelo sistema de peças intercambiáveis, cada elemento de uma arma deveria ser
feito de acordo com padrões rígidos de tolerância, de forma que todas as peças, do me-
nor parafuso até o cano, pudessem se encaixar em qualquer outra arma, sem ser necessá-

114
id. p. 74.
115
id. p. 128.

232
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

rio um ajuste prévio. Isso tinha evidentes vantagens em termos de peças de reposição. O
famoso químico francês Réaumur,116 que defendia a adoção de chapas de fecho feitas de
ferro fundido, descreveu bem as vantagens do sistema:

Uma espingarda com um cano quebrado se torna inútil por que seu fe-
cho, ou peças do fecho, não podem ser adaptados à outra espingarda;
contudo, desde que todas as peças sejam do mesmo calibre [dimen-
sões], as de umas podem trocadas por aquelas de outras. Umas poucas
peças quebradas não mais tornarão todas as outras inúteis. O que resta
de uma espingarda muita estraçalhada servirá para reparar outra.117
Outro ponto positivo do sistema seria que, se uma parte do conjunto se danifi-
casse, como uma mola (um defeito comum), esta poderia ser substituída por outra por
um artesão, mesmo que este estivesse fora se sua oficina, como os armeiros dos regi-
mentos,118 ele não precisando de instalações fixas ou mesmo de ferramentas mais espe-
cíficas.

Por outro lado, a ideia de peças intercambiáveis tinha suas desvantagens. A prin-
cipal era ser muito mais caro, se feito usando as técnicas tradicionais. Um exemplo dis-
so é o caso percussor da proposta. Guillaume Deschamps tinha feito seiscentos fechos
por esse sistema em 1727, os testando perante o Rei. Mas a sua produção, ainda feita à
mão, exigia um controle de qualidade muito rígido para que as peças pudessem ser re-
almente trocadas entre um mecanismo e outro, de forma que os fechos custavam sete
vezes mais do que os normais. Isso tornava sua adoção inviável naquele momento, a
manufatura de Deschamps cessando suas atividades em 1735.119

Na verdade, nas condições da época, com a produção sendo dividida entre vários
artesãos e oficinas, a produção com tais padrões rígidos de controle de qualidade era
impossível. A proposta francesa, de montagem de Arsenais centralizados, apesar de ter
sido implantada de forma incompleta, teria sido mais adequada em termos de criação de

116
René Antoine Ferchault de Réamur (1683-1757). Cientista francês, em 1710 foi encarregado de fazer
uma descrição oficial das artes e manufaturas úteis da França. Foi o autor da escala de Réaumur. Foi
autor de diversos livros, inclusive alguns da Enciclopédia de Diderot. ENCYCLOPAEDIA Britan-
nica, op. cit. Vol. 19. p. 9B. Verbete René Antoine Ferchault de Réaumur.
117
RÉAMUR, René Antoine Ferchault de. L’art de convertir le fer forgé en acier et l'art d’adoucir le fer
fondu. Paris: Michel Brunet, 1722. p. 559.
118
Era do regulamento dos exércitos português e francês que cada regimento de infantaria tivesse um
espingardeiro e um coronheiro. Para Portugal, ver: RANGEL, José Correa. Defesa da Ilha de Santa
Catarina e do Rio Grande de São Pedro dividida em duas partes: a primeira contém as fortificações
e uniformes da tropa da ilha de Santa Catarina: a segunda o que pertence ao Rio Grande. 1786. In:
TONERA, Roberto & OLIVEIRA, Mário Mendonça. As defesas da ilha de Santa Catarina e do Rio
Grande de São Pedro em 1786 de José Correia Rangel. Florianópolis: UFSC, 2015. p. 91 e segs.
119
PEAUCELLE, Jean-Louis. Du concept d’interchangeabilité à sa réalisation: le fusil des XVIIIe et XIXe
siècles. Gérer et Comprendre. Les Annales des Mines. N° 80 – Juin, 2005. pp. 58-59.

233
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

um sistema de peças intercambiáveis, por causa das vantagens da concentração dos tra-
balhadores. Nesse sentido, se entende o papel da artilharia em apoiar Honoré Blanc na
tentativa de criação de um sistema de fabricação mais racional para as armas.

Blanc, nascido em 1736, era um mestre armeiro em Avignon, depois sendo no-
meado como um dos controladores no Arsenal de Charleville. Tal função implicava no
trabalho de testes das armas enviadas pelos artesãos ou pelo próprio arsenal, para serem
examinadas, tendo em vista verificar se elas atendiam aos requisitos mínimos de funci-
onamento e segurança. Em 1763, quando os engenheiros de Gribeauval adotaram um
novo fuzil, Blanc foi nomeado como um dos controladores de Saint-Étienne, um em-
prego lucrativo, pois os contratadores e armeiros pagavam pelos testes que ele era res-
ponsável. Nessa função o armeiro atraiu a atenção do próprio general, pois um projeto
seu foi escolhido para ser o novo fuzil padrão francês, em 1777, já que o modelo anteri-
or tinha sido criticado pelas tropas, por ser muito pesado.

No entanto, Blanc – e os engenheiros militares franceses – não consideravam a


nova arma, de 1777, ideal, pois ela sofria dos mesmos problemas da artilharia de Valliè-
re: afora o calibre, a arma não era padronizada, de forma que, em caso de necessidade
de reparos em campanha, estes só poderiam ser feitos por um armeiro especializado,
que dispusesse das ferramentas e equipamentos necessários. Ao contrário dos carros
introduzidos por Gribeauval, não se podia pegar uma peça sobressalente ou mesmo reti-
rar uma de uma espingarda inutilizada, aplicando-a na que necessitasse de conserto.

De qualquer forma, a reputação de Blanc junto a Gribeauval fez com que ele
fosse nomeado como controlador geral dos três arsenais do Exército (Saint-Étienne,
Maubeuge e Charleville) em 1778, recebendo a missão de equipar essas manufaturas
com as “ferramentas e instrumentos necessários para assegurar uniformidade, acelerar o
trabalho e economizar no preço”,120 da produção. Um passo necessário, já que a adoção
de procedimentos de controle mais rígidos na feitura das armas tinha resultado em um
grande aumento no preço das mesmas: as espingardas armas do modelo de 1777 custa-
vam 40% a mais do que as de 1763 e o dobro das do modelo de 1754. A economia se
tornava uma questão premente nas circunstâncias da paz de 1783, após o fim da Guerra
de Independência dos Estados Unidos (1776-1783), que tinha sido apoiada pela França:

120
ALDER, op. cit. p. 224.

234
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

no período logo após a paz, os orçamentos da artilharia destinados à compra de armas


portáteis foram reduzidos à apenas 8,3% daqueles durante as hostilidades. 121

Após visitar os três arsenais governamentais, a proposta de Blanc para resolver


os diversos problemas na fabricação de armas portáteis foi de atacar a questão do garga-
lo da produção, os fechos. Para ele, a adoção de métodos visando à produção de peças
intercambiáveis resultaria em economia de custos, pois os artesãos qualificados seriam
substituídos por operários que apenas operariam máquinas, diminuindo o custo com
artesãos qualificados e eliminando a etapa de montagem final. Ou seja, o objetivo não
era apenas um meramente de curiosidade técnica, como os fechos feitos por Deschamps,
mas um que buscava um objetivo viável, de redução de custos, o que tinha sido o gran-
de problema da tentativa anterior.

Para atingir essa meta, Blanc montou em 1785 uma oficina visando desenvolver
as técnicas de manufatura necessárias: algumas das peças seriam estampadas, um pro-
cesso pelo qual uma peça é completada por pressão, como na cunhagem de moedas.
Além disso, ele desenhou e desenvolveu máquinas de fresagem para dar forma precisa
aos objetos, introduzindo também gabaritos para limagem, que guiariam a ação do arte-
são no processo de acabamento. Finalmente, Blanc pesquisou e introduziu técnicas vi-
sando manter as dimensões do aço depois do mesmo ser temperado – processo que alte-
ra as dimensões dos objetos –, de forma que as continuassem a ser intercambiáveis,
mesmo após todo o processo de manufatura estar concluído.

Mais importante, o armeiro tomou o cuidado de criar uma série de gabaritos para
a medição das peças sendo feitas. Isso já era uma prática das oficinas de armas e fundi-
ções de canhões, com o uso do escantilhão (ver Figura 26), que nada mais é que um
gabarito. Mas o uso deste, bem como de escalas, esquadros e outros aparelhos de medi-
ção, era reduzido a alguma peças críticas: no livro a Espingarda Perfeita, onde são cita-
dos diversos escantilhões, compassos e esquadros – o autor chega a dedicar uma das
ilustrações de seu livro a um escantilhão e a ferramenta aparece também em outras ilus-
trações (ver Figura 26). 122 Contudo estes aparelhos de medição apenas são citados pelo
autor no contexto da feitura dos canos e são visivelmente bem elementares. Blanc au-
mentou em muito o número de gabaritos, introduzindo também o conceito de tolerância,
a variação nas dimensões máxima e mínima de um objeto que ainda permitiam que o
121
id. p. 224.
122
FIOSCONI & GUSERIO, op. cit. p. 11 e segs. O escantilhão é mostrado entre as páginas 81 e 82.

235
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

mesmo pudesse ser aproveitado no fecho. Para manter essas tolerâncias constantes ao
longo do tempo, ele construiu um conjunto de padrões e gabaritos mestres de metal que
serviriam como referência na reprodução de outros instrumentos de aferição.

Não se pode confundir o processo de Blanc com a produção em massa ou mes-


mo com técnicas adequadas a uma fábrica: o uso de máquinas-ferramentas era, a princí-
pio, nulo. Mesmo as prensas de estampagem que ele usava eram manuais: os moldes de
estampagem eram colocados em pesos, que eram elevados por força humana e deixadas
cair por gravidade sobre a lâmina de metal sendo trabalhada, cortando-a no formato
desejado. Mais tarde, Blanc usou uma prensa da Casa da Moeda de Rouen, também
movida a braço. Os gabaritos para limagem eram exatamente isso, uma guia que permi-
tia ao operário atuar sobre a peça – eles eliminavam, em parte, o julgamento individual
do artesão: a guia indicava os movimentos a serem feitos, mas não a força a ser aplica-
da, a ação ainda era manual, dependia da avaliação visual do homem fazendo o traba-
lho. As máquinas de fresagem, uma das maiores inovações do processo, também eram
movidas a mão e a estrutura de todos os equipamentos era de madeira, ou seja, sujeitas a
deformações que poderiam alterar o produto final, além de serem pouco apropriadas
para a aplicação de motores.

Os resultados iniciais do experimento não foram inequívocos. O processo permi-


tiu a economia em certas etapas da produção do fecho, permitindo a substituição de ar-
tesãos qualificados por trabalhadores genéricos. Também, de forma muito apreciada
pelos engenheiros militares, racionalizou a produção, com cada peça sendo reproduzida
em desenhos ortogonais e todo o processo passando a ser reduzido a uma sequência de
passos simples, facilmente reprodutíveis. Por exemplo, a fabricação da noz (ver Figura
28), a peça mais complicada do mecanismo, foi reduzida a 22 passos, que podiam ser
descritos sem dificuldade, apesar de sua feitura ainda ser complexa.

Blanc, contudo, não conseguiu alcançar um dos objetivos propostos, que seria
eliminar a ajustagem final na montagem do produto acabado – ainda era necessário que
um artesão fizesse o acabamento do objeto durante a montagem. Quando o procedimen-
to de fabricação foi aperfeiçoado, os fechos ainda demoravam mais a ser feitos do que
pelos métodos tradicionais: 30% a mais do que um feito em Saint-Étienne e o dobro do
tempo de um dos arsenais centralizados. Também eram mais caros, apesar de se notar

236
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

uma notável melhoria em relação ao processo de Deschamps: custavam apenas de 20 a


30% a mais do que os feitos em Saint-Étienne.123

Por sua vez, o armeiro atingiu um dos objetivos caros aos oficiais de artilharia:
os fechos produzidos por ele eram completamente intercambiáveis, isso sendo demons-
trando em diversas ocasiões. Em 1785 foi feita uma experiência quando havia duzentos
fechos prontos. Na frente de uma comissão de generais, incluindo o próprio Gribeauval,
se desmontaram 25 fechos de armas do Regimento do Rei e as peças foram misturadas,
os mecanismos sendo remontados com peças escolhidas ao acaso, sem dificuldade.124

Uma das razões do insucesso parcial do projeto deve-se ao fato que os trabalhos
de Blanc eram mais de natureza experimental do que industrial. Ele era bem subsidiado:
recebera autorização para usar o castelo de Vincennes para instalar sua oficina e era
financiado pelo governo com uma quantia elevada, correspondente a 15% de todos os
gastos com a aquisição de armas portáteis entre 1785 e 1790. Só que estes valores eram
para despesas com o desenvolvimento de técnicas e não para fabricação em grande es-
cala – até 1791 ele só tinha produzido mil fechos. 125

A situação mudou com a Revolução Francesa. Como já dissemos, era necessário


equipar um imenso exército e a artilharia francesa, que administrava os Arsenais, se viu
de frente a um dos seus maiores pesadelos: os austríacos tomaram as manufaturas de
Charleville e Maubeuge, situadas nas fronteiras e ouve problemas trabalhistas com os
artesãos de Saint-Étienne, ameaçando a entrega de armas para as tropas revolucionárias.
Para lidar com o problema, foi tomada uma série de medidas. A mais famosa foi o de-
creto do recrutamento em massa, citado na página 104, que conclamava todos a colabo-
rar no esforço de guerra, mas foram feitas outras modificações importantes: todas as
manufaturas de armas foram estatizadas, passando a funcionar pelo sistema de Régie,
onde a administração das manufaturas passava a ser exercida diretamente por oficiais de
artilharia, sem o recurso a empreendedores privados.

Também foram criados vários arsenais improvisados: Moulins em 1792; o de Pa-


ris em Bretonvilliers; Clermont-Ferrand; Montauban; Charité-sur-Loire; Bergerac;

123
ALDER, op. cit. pp. 245-246.
124
id. p. 224.
125
PEAUCELLE, op. cit. p. 64

237
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Autun e Versailles, todos em 1793. 126 Também são citados os de Nantes e Thiers.127
Mais tarde acrescidos por ainda outros, como o de Vincennes (1796), Mutzig (1803) e os
feitos em cidades conquistadas em Liège (Bélgica), Turim (Itália) e Culembourg (Países
Baixos) – realmente um grande número de manufaturas. A maior de todas essas manu-
faturas improvisadas foi a de Paris, que chegou a ter cinco mil artesãos trabalhando nela,
em trinta estabelecimentos dispersos por toda a cidade.128

Blanc tinha conseguido manter sua oficina mesmo nessa conjuntura emergenci-
al: em 1790 ele tinha apresentado à Assembleia Nacional francesa uma proposta para a
montagem de uma manufatura de armas,129 agora incorporada ao Atelier de Perfection-
ment, (Oficina de Aperfeiçoamento), uma instituição criada pela Revolução Francesa,
com o objetivo de pesquisar técnicas para produção de armas com peças intercambiá-
veis, diminuindo seu custo. Era, portanto, como a oficina de Blanc em Vincennes, mas
funcionando em princípios mais científicos, sob a direção de Alexandre-Theophile
Vandermonde, um cientista, membro da academia – fora responsável pela montagem da
coleção de máquinas da instituição – e que tinha apoiado a Revolução desde o início.130
O estabelecimento começou a aumentar a produção, usando operários do Arsenal de
Paris – chegou a empregar 95 armeiros, bem como máquinas requisitadas: foi aqui que
se usou a prensa da Casa da Moeda de Rouen, anteriormente mencionada. Contudo, o
término da crise na fabricação de armas e a vitória dos exércitos revolucionários em
1794 levaram ao fechamento da manufatura de Paris e a transformação do Atelier de
Perfectionment em uma repartição voltada para a fabricação de máquinas ferramentas e
de padrões de pesos e medidas para o sistema métrico. Depois o Atelier foi reunido ao
Conservatoire National des Arts et Metiers (Conservatório Nacional das Artes e Ofí-
cios), uma espécie de instituição mista, de ensino e museu, voltada ao desenvolvimento
técnico e científico – mas isso não é do nosso interesse específico, a não ser no sentido

126
TABLE GÉNÉRALE par ordre alphabétique de matèries des lois, sénatus-consultes, décrets, arrêtés,
avis du conseil d’État, etc. Publiés dans le bulletin des lois et collections officielles. Tome 1er. Paris:
Rondonneau et Decle, 1816. p. 193. A manufatura de Versalhes foi instalada em uma das alas do pa-
lácio real. Curiosamente, apesar da maior parte dos arsenais de emergência ter sido fechadas depois
do fim da crise de 1794, a Manufatura Nacional de Versalhes continuou funcionando até 1818, fa-
zendo armas de luxo para serem presenteadas pelo governo. TAYLOR, Dean G. Nicolas-Noel Bou-
tet and the manufacture of arms at Versailles. Arms Collecting, vol. 20 nº. 4. pp. 107 e segs.
127
ROUSSEAU, op. cit. p. 724.
128
ALDER, op. cit. p. 257.
129
BLANC, Honoré. Mémoire important sur la fabrication des armes de guerre : à l'Assemblée natio-
nale. Paris: L. M. Cellot, 1790
130
GILLSPIE, Charles Coulston. Science and Polity in France: the Revolutionary and Napoleonic Years.
Princeton: Princeton University, 2004. pp. 388 e 426.

238
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

que foi uma instituição que manteve os ideias de racionalização dos ofícios, através do
ensino técnico, tal como era a mentalidade dos oficiais de artilharia no período de Gri-
beauval.131

Blanc continuaria com seus esforços de produção de fechos, montando uma ma-
nufatura, em Roanne – depois do fim do Diretório, as Manufaturas de Armas voltaram a
ser entregues a administração de empreendedores particulares. Neste caso, o armeiro já
começou a trabalhar em nível “industrial”, produzindo 1.500 fechos em 1795, usando
técnicas aperfeiçoadas, como uma melhor divisão do trabalho entre os artesãos, assim
como adotando mais máquinas, dedicadas a tarefas específicas, não precisando ser ajus-
tadas quando era necessário mudar o tipo de peça a ser feita. Usando essas técnicas,
Blanc conseguiu entregar quatro mil de fechos, dois anos depois prometendo completar
de 25.000 a 30.000 por ano, mais do que Saint-Étienne produzia antes das guerras da
Revolução.132 No entanto, Blanc faleceu em 1801, sem cumprir esse objetivo. A manu-
fatura foi comprada por outro empreendedor, que assumiu o compromisso de ir além do
que Blanc tinha feito, prometendo entregar 12.000 espingardas totalmente intercambiá-
veis por ano. Só que isso nunca foi feito – até o encerramento das atividades em Roan-
ne, em 1807, tinham sido entregues 12.000 fechos e 2.000 espingardas.

De qualquer forma, a situação tinha mudado, a lógica do novo regime francês


não era exatamente a mesma que regera as ações de Gribeauval, apesar de muitos de
seus ideais terem saído triunfantes nas revoluções sociais da virada para o século XIX.
Em termos de armas, a questão dos custos se tornara uma de maior importância, a ponto
de se ter redesenhado, de forma temporária, o fuzil padrão francês, para um mais barato
de fazer, o modelo no ano I (1792), ainda que este fosse de qualidade inferior. O impor-
tante eram os números de armas a serem colocados nas mãos dos soldados e não mais a
luta por um ideal filosófico – este tinha saído vitorioso com a Revolução. A mudança
foi uma com efeitos prolongados: depois da fábrica de Roanne ter fechado, cessaram os
esforços de fabricação de armas com peças intercambiáveis na França, o sistema de ma-
nufaturas pré-industrial, com empreendedores controlando o serviço de artesãos disse-
minados voltou a ser adotado e a França só teria um sistema de Arsenais com a produ-

131
Id. p. 426.
132
ALDER, op. cit. p. 321.

239
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

ção centralizada e mecanizada na década de 1860,133 o sistema de manufaturas militares


permanecendo até lá com um funcionamento baseado na pré-indústria.

5.4 A fábrica de moitões.


Como é visível, os franceses não levaram o sistema de peças intercambiáveis a
seu limite extremo, ou melhor dizendo, à sua conclusão natural. A etapa seguinte na
evolução das técnicas de manufatura dependia da motorização da produção, com o uso
de máquinas ferramentas movidas por energia mecânica, diminuindo o uso de artesãos
especializados, o que os métodos de Blanc nunca tinham previsto. Nesse sentido, um
passo inicial foi tomado pela Marinha Britânica, no caso da fabricação de moitões. Es-
tes, junto com as bigotas, eram peças fundamentais para o funcionamento de um navio,
um de grande porte precisando mais de mil moitões para fazer seu complicado sistema
de cabos e velas funcionar. Isso implicava em um grande custo para uma marinha como
a Britânica: só um fabricante dessas peças, um dos primeiros a mecanizar a produção,
usando rodas d’agua, chegou a fornecer cem mil moitões por ano, ao valor de 34.000
libras esterlinas, uma imensa quantia na época.134

No início do século XIX três engenheiros se associaram para produzir para a


Marinha Britânica maquinário especializado e que trabalhasse de forma coordenada
para produzir em série os moitões, cortando os componentes no tamanho apropriado.
Desta forma, não precisavam de acabamento por parte de um artesão especializado – as
peças eram intercambiáveis, apesar disso não ser um problema grave, por causa da natu-
reza do material, a madeira, muito menos suscetível a problemas de ajustagem do que
peças de metal.

A manufatura inglesa, cuja montagem terminou em 1807, tinha algumas caracte-


rísticas notáveis, que contrastam com as experiências de Blanc: cada máquina executava
apenas uma tarefa, não precisando ser ajustada para produzir diferentes peças; eram
inteiramente feitas de metal, montadas em berços de ferro fundido, rígidos, permitindo a
manutenção da precisão das operações, e as máquinas eram capazes de produzir mais de
uma peça por vez. Mais importante, eram movidas por máquinas a vapor, que tinham

133
BRUN, Jean Francois. La Mécanisation de l’Armurerie Militaire (1855-1869). Acta Universitatis
Danubius. No. 1/2010. p. 110. Na prática, a produção mecanizada na França só foi adotada em
1866, com a introdução do fuzil Chassepot.
134
COOPER, Carolyn C. The Portsmouth System of Manufacture. Technology and Culture. Vol. 25 Nr.
2, April 1984. p. 186.

240
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

sido instaladas no Estaleiro de Portsmouth na mesma época, e isso resolvia os proble-


mas da força humana, animal ou hidráulica.135 Por sua vez, a ideia básica da produção
guarda algumas semelhanças com as tentativas francesas: o processo foi feito dentro de
uma racionalidade científica, por engenheiros, e financiado pelo governo, pois era uma
proposta que não interessava e excedia as possibilidades da iniciativa privada daquele
momento.

As instalações foram um sucesso: em 1808 foram produzidos 130.000 moitões,


no valor de £ 50.000 – estima-se que a fábrica se pagou em quatro anos. Eram 45 má-
quinas, operadas por vinte operários, que faziam o serviço antes executado por 220 arte-
sãos. Mais importante, algumas máquinas eram totalmente automáticas, dispensando
uma formação maior dos operários para sua operação, reduzindo os custos de operação.
A manufatura da marinha britânica já pode ser classificada, sem nenhuma dúvida, como
uma fábrica, uma empresa em que já há divisão de trabalho, usando máquinas para au-
mentar a produção.

A proposta de Portsmouth foi tão bem sucedida que o maquinário adquirido em


1807 permaneceu em uso, sem modificações, até o fim do uso de navios a vela, bem
dentro do século XX e hoje em dias os prédios da fábrica de moitões são um patrimônio
inglês. No entanto, o sistema, como as experiências de Blanc, não teve maiores efeitos
sobre o desenvolvimento industrial: esse tipo de fábrica não era visto como sendo real-
mente necessário na maior parte dos países, de forma que a ideia não foi copiada.

5.5 O surgimento da moderna indústria


Em 1785, Thomas Jefferson, que era embaixador norte-americano na França, vi-
sitou a oficina de Honoré Blanc em Vincennes, escrevendo a seguinte carta ao secretário
de relações internacionais (ministro do exterior) dos Estados Unidos:

Um aperfeiçoamento foi feito aqui na construção de espingardas que


pode ser interessante que o Congresso conheça, caso eles em algum
momento se proponham a o encomendar. Consiste em fazer cada parte
delas tão exatamente iguais que o que pertença a uma, pode ser usada
para todas as outras espingardas no armazém. O governo aqui exami-
nou e aprovou o método e está criando uma grande manufatura para o
propósito.
Até o momento, o inventor somente terminou o fecho da espingarda
de acordo com esse plano. Ele seguirá imediatamente para ter o cano,
coronha e suas peças feitas da mesma forma. Supondo que isso possa

135
id. p. 193.

241
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

ser útil para os E.U.A., fui até o artesão e ele me mostrou as peças pa-
ra 50 fechos desmontados. Eu próprio montei vários, pegando peças
ao acaso, à medida que as pegava, e elas se encaixavam na mais per-
feita forma. As vantagens isso, quando armas precisam de consertos,
são evidentes. Ele consegue isso por ferramentas de sua própria in-
venção, que ao mesmo tempo resumem o trabalho, de forma que ele
pensa que será capaz de acabar uma espingarda por duas libras [ester-
linas] a menos do que o preço usual. Mas ainda serão precisos dois ou
três anos antes que ele seja capaz de acabar quantidade maior delas.
Eu o menciono agora, pois isso pode ter influência no plano para
equipar nossos armazéns com esta arma.136
Como escrito acima, Jefferson demonstrou um grande interesse pelo estudo das
peças intercambiáveis com armas: ele ainda escreveria três outras cartas sobre o tema,
uma para o governador do estado da Virgínia (24 de janeiro de 1786) e duas para o ge-
neral Henry Knox, o secretário (ministro) da guerra dos EUA, em 12 de setembro de
1789 e 24 de novembro 1790. Com a carta de 1789 ele enviou sete fechos completos
(seis do modelo de espingarda de oficial e um para a de soldados) feitos por Blanc, bem
como as ferramentas necessárias para a montagem dos mesmos. Nela, reiterou as vanta-
gens do sistema de peças intercambiáveis para os consertos na arma e sugeriu que Blanc
poderia ser contratado para trabalhar em uma manufatura norte-americana.137 Na última
carta, de 1790,138 ele remeteu uma cópia da memória apresentada por Blanc à Assem-
bleia Nacional sobre sua proposta de fabricação de armas (ver nota 129, acima).

Dessa forma, parece que os Estados Unidos estavam informados sobre os desen-
volvimentos no campo da manufatura de armas. Só que o passo seguinte na conforma-
ção da moderna produção fabril surgiu justamente lá e os americanos colocam em dúvi-
da o papel de seus predecessores na introdução da fabricação de armas na América do
Norte – eles preferem assumir todo o crédito pela introdução das novas técnicas. O que
é certo é que no país já havia a fabricação de armamentos, mas em pequena escala, por
armeiros privados, mas esta não era um ramo importante entre as manufaturas existentes
nos Estados Unidos. Por parte do governo, as primeiras ações foram modestas: um mo-
mento inicial na montagem de arsenais federais no país começou com a Guerra de Inde-

136
CARTA de Thomas Jefferson embaixador dos Estados Unidos na França, a John Jay, secretário de
relações exteriores, Paris, 30 de agosto de 1785. National Archives: Founders on line.
https://goo.gl/61lrzA (acesso em outubro de 2016).
137
CARTA de Thomas Jefferson embaixador dos Estados Unidos na França, a Henry Knox, secretário da
guerra, Paris, 12 de setembro de 1789. National Archives: Founders on line. https://goo.gl/lTuheF
(acesso em outubro de 2016).
138
CARTA de Thomas Jefferson embaixador dos Estados Unidos na França, a Henry Knox, secretário da
guerra, Paris, 24 de novembro de 1789. National Archives: Founders on line. https://goo.gl/48mizh
(acesso em outubro de 2016).

242
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

pendência (1776-1783). Só que no princípio essas manufaturas faziam apenas munição,


reparos de artilharia e consertos em armas, como as casas do trem no Brasil. Alguns
deles continuariam a ter apenas essa função de depósito de armas e manufatura de mu-
nição até bem tarde no século XIX.139 Durante a Guerra de Independência, o exército
norte-americano foi equipado com armas capturadas e, principalmente, por equipamen-
tos enviados da França: cópias das espingardas do modelo francês de 1763 seriam a
base do armamento dos Estados Unidos até 1819 e a artilharia do padrão Gribeauval
seria o modelo oficial adotado no país, com manuais baseados nos franceses.140

No final do século XVIII, os EUA julgaram necessário reformar seu sistema mi-
litar – inicialmente em bases bem diferentes dos de outros países, é verdade, já que a
ênfase, por muitos anos, continuaria na ideia da defesa por parte de milícias. Assim, em
1792 foi aprovada uma lei para “estabelecer uma milícia uniforme pelos Estados Uni-
dos”,141 e dois anos depois, foi aprovada outra norma legal, determinando o estabeleci-
mento de Arsenais, com um superintendente e um mestre armeiro, bem assim como
operários, desde que esses não excedessem cem, em todos os arsenais.142 Apesar da
proposta ser modesta, dois Arsenais foram estabelecidos, os de Springfield, Massachu-
setts e o de Harpers Ferry, Pensilvânia e as primeiras armas começaram a ser fabricadas
já em 1795.

Em 1802, Springfield tinha 76 operários trabalhando, que tinham crescido para


225 em 1814, no contexto da guerra com a Inglaterra de 1812-1815. Não se sabem os
números de trabalhadores inicialmente alocados para Harpers Ferry, mas segundo um
autor, eram bem menos do que os do outro arsenal estatal.143 De qualquer forma,
Springfield conseguiu fabricar 16.120 armas nos seis primeiros anos de sua existência,
um número que não é muito grande, considerando a força de trabalho – se usarmos o
número de 76 operários de 1802 como base, a produção por homem teria sido de 35

139
Ver o caso do Arsenal de Frankford: FARLEY, op. cit.
140
Por exemplo: SCHEEL, Heinrich Otto. De Scheel´s treatise on artillery. Blomefield : Museum Resto-
ration Service, 1984.
141
PALMER, Dave R. 1794: America, its Army, and the Birth of the Nation. Novato: Presidio Press,
1994. p. 217.
142
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA – An act to provide for the erecting and repairing of arsenals
and magazines and for other purposes. 2 de dezembro de 1793.
143
WOODBURY, op. cit. p. 242.

243
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

armas por ano por homem, um claro indicativo que os métodos de produção usados ini-
cialmente lá eram primitivos. 144

Entretanto – e ainda que levemos em consideração seu pequeno tamanho relati-


vo –, os dois arsenais tinham uma diferença com relação à prática das grandes potências
europeias: eram instituições públicas, administradas diretamente pelo governo, com a
manufatura dos objetos sendo centralizada em prédios dedicados a atividade, equipados
com rodas d’água. O fato de serem instituições públicas terá uma grande influência na
filosofia da produção de armamentos do país, apesar dessa relação não ser imediatamen-
te visível. Isso ainda mais considerando que os Estados Unidos mantiveram o costume
de encomendar armas em empresas privadas, como suplemento às feitas pelos órgãos
governamentais.

O que é importante frisar nesse momento é que os americanos estavam avança-


dos em relação às potências europeias, não só em termos conceituais, depois do aban-
dono da França da fabricação de armas com peças intercambiáveis, mas também em
termos práticos, efetivos, mesmo que essa vantagem não fosse evidente imediatamente.

De fato, quando o Congresso dos EUA resolveu se preparar contra uma possível
guerra contra a França, em 1798, por causa da ação de corsários na costa americana, foi
autorizada a assinatura de contratos com companhias privadas para o fornecimento de
armas. Uma dessas empresas foi a de Eli Whitney, um dos heróis do imaginário norte-
americano, por suas atividades pela industrialização do País, sendo considerado por
alguns como o responsável pela “gênese do poder industrial dos Estados Unidos”.145
Whitney tinha tido um papel importante no desenvolvimento de uma máquina para des-
caroçar algodão, vital para a agricultura do sul dos EUA, mas não obtivera lucros com
ela, por causa da lei de patentes de lá. Acossado por dívidas, o inventor se propôs a for-
necer dez mil espingardas para o exército americano, conseguindo um contrato diferente
dos outros fornecedores, com condições vantajosas, podendo receber adiantamentos
antes da entrega das armas, algo que lhe seria vital para sobreviver ao assédio de seus
credores.146

144
Certamente o número de armas por homem/ano dever ter sido maior, já que o Arsenal tinha outras
funções, como a fabricação de reparos, mas ainda assim, o número seria pequeno, bastando compa-
rar com as 150 armas feitas por ano na fábrica inglesa de Levisham, em 1811 (ver página 39).
145
MIRSKY, Jeannette. The world of Eli Whitney. New York: Macmillan, 1952. p. IX. A bibliografia
sobre o inventor é vasta, indo de artigos técnicos até livros de divulgação.
146
WOODBURY, op. cit. p. 238.

244
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Whitney não tinha experiência nenhuma na produção de armamentos, não possu-


ía uma fábrica ou empregava artesãos. Mesmo assim, seu contrato previa a fabricação
de quatro mil armas em quinze meses, com as restantes seis mil sendo entregues no ano
seguinte. Uma proposta ousada, que o autor se propunha atender com “novos métodos
de produção”147 – não se sabe quais seriam esses, mas ele tinha um problema grave, que
seria a falta de pessoal. De fato, é parte do imaginário americano que a falta de mão de
obra qualificada nos seus anos formativos teria sido compensada pela engenhosidade
local, 148 o que se encaixa no mito de Eli Whitney. A solução encontrada pelo inventor
para atender a seu contrato seria a invenção de máquinas que permitissem que trabalha-
dores não especializados executassem as tarefas técnicas dos artesãos qualificados, o
serviço sendo guiado por máquinas-ferramentas, como no sistema de Blanc. Isso ainda
que Whitney negue qualquer influência externa no seu trabalho149 e que ele tenha man-
tido contatos com Thomas Jefferson que, como vimos, fora um dos defensores da ado-
ção do sistema nos Estados Unidos.

Apesar da fama e do mito sobre o inventor, é fato que ele levou dez anos e meio
para completar seu contrato e nunca alcançou uma arma com peças intercambiáveis, que
seria um dos seus objetivos: em uma demonstração do princípio, feita em 1801, com a
presença do então presidente eleito, Thomas Jefferson, ele conseguiu colocar dez fechos
em uma mesma espingarda,150 mas isso não implica que a ajustagem mais fina, das pe-
ças do fecho, tivesse sido alcançada. Woodbury, que tem um excelente artigo desmitifi-
cando a figura de Whitney, afirma que, de fato, os fechos feitos pelo inventor não ti-
nham peças intercambiáveis, um dos elementos fundamentais para isso, o uso de gabari-
tos, não estando presente em seus processos.151

De qualquer forma, a documentação deixa claro que Whitney montou uma fábri-
ca – e usamos o termo no seu sentido estrito – centralizada, com divisão de trabalho e
máquinas ferramentas movidas a água. 152 Mais importante, ele produziu as armas com
essas técnicas, obtendo lucro, um passo importante na evolução dos processos fabris.
Sua influência foi ainda maior no meio militar, pois a ideia de armas intercambiáveis

147
MIRSKY, op. cit. p. 196.
148
WOODBURY, op. cit. 242.
149
id. p. 244.
150
SMITHURST, op. cit. p. 7.
151
WOODBURY, op. cit. p. 247 e 249.
152
Id. p. 249.

245
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

tinha vantagens inegáveis e a influência da proposta foi grande no desenvolvimento de


uma forma de pensar específica.

É verdade que a regularidade das armas feitas inicialmente para o exército norte-
americano não era das melhores, parecendo até ser pior do que em outros países. Em
1834 o mestre armeiro do Arsenal de Frankford, que atuava como uma casa do trem,
recebendo armas de fabricantes privados e de arsenais do governo para distribuição a
unidades, inspecionou uma série de 145 caixas de armas. Estas já tinham sido aceitas
para serviço e tinham sido feitas, supostamente, de acordo com os modelos aprovados.
No entanto, o armeiro encontrou canos variando de 96,5 cm até 114 cm, sendo que o
modelo oficial deveria ter 107 cm. Mais relevante, em termos de uso das armas, era que
o calibre variava até meio milímetro, o que poderia impedir o uso da espingarda com a
munição regular, se o calibre estivesse abaixo do padrão.153

O certo é que em 1812 foi criado o Ordnance Department (Departamento de


Material Bélico). Formado inicialmente por oficiais de artilharia, o departamento foi
montão como uma repartição ligada à Secretaria da Guerra, com uma série de responsa-
bilidades, como a de contatar artesãos para os arsenais, que foram colocados sob sua
administração. Eram poderes bem amplos, ainda mais que entre suas responsabilidades
estava a de fornecer armas para a milícia, 154 força numericamente maior do que o exér-
cito regular. No caso, vale dizer que o departamento foi criado com 44 oficiais, um nú-
mero muito elevado, quando consideramos que no início daquele ano todo o exército
americano tinha apenas 299 oficiais e 6.686 soldados, o que permite perceber a impor-
tância relativa do departamento dentro das forças armadas.155

Os oficiais do Ordnance Department, como os artilheiros na França, tiveram um


papel importante na introdução de novas técnicas de fabricação de armas. Em 1813,
John North, um armeiro privado, recebeu um contrato de fabricação de vinte mil pisto-
las, no qual se especificava que “as partes componentes das pistolas devem correspon-
der tão exatamente que qualquer elemento ou parte de uma pistola possa ser montado
em qualquer outra das vinte mil”. 156 Um marco, pois foi o primeiro contrato governa-

153
FARLEY, op. cit. p. 19
154
RODENBOUGH, Theo. F. & HASKIN, William L. The Army of the United States: Historical Sketch-
es of Staff and Line with Portraits of Generals-in-Chief. New York: Maynard, Merrill, 1896. p. 126.
155
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA – Department of defense. Selected manpower statistics: fiscal
year 1997. Washington: Washington headquarter services, s.d. [1997]. pp. 46 e 55.
156
HOUNSHELL, op. cit. p. 28.

246
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

mental a especificar a necessidade de peças intercambiáveis. Para atender a encomenda,


North usou algumas das técnicas já desenvolvidas por Blanc, como gabaritos e máqui-
nas especialmente feitas para a produção dos componentes específicos das armas – se
atribui ao armeiro a invenção da primeira fresadora a ser usada nos Estados Unidos. 157
No entanto, os custos elevados de produção fizeram com que ele abandonasse o princí-
pio de produção de peças intercambiáveis depois de ter feito duzentas pistolas.

Apesar da falha inicial, o contrato de North é um sinal evidente que havia um in-
teresse governamental na feitura de armas usando os princípios industriais: por exem-
plo, North visitou o Arsenal de Springfield, com o objetivo expresso fazer que “seu pla-
no de trabalho uniforme” fosse adotado na instalação.158 Essa proposta de aperfeiçoar as
instalações do governo se confirma na forma como a arma de John Hall foi introduzida
no exército americano. Este inventor, em 1811, tinha conseguiu a patente para a fabrica-
ção de um fuzil de pederneira, com mecanismo de carregamento de retrocarga.159 Neste
caso, a necessidade de vedação da culatra, para que gases não escapassem durante o
disparo era um imperativo e isso poderia ser obtido de forma mais fácil com o uso de
técnicas fabris de precisão, tais como as usadas na feitura de peças intercambiáveis –
uma coisa era decorrente da outra. As armas de Hall eram mais caras que o usual, mes-
mo assim ele foi contratado pelo governo federal para trabalhar no Arsenal de Harpers
Ferry, recebendo um salário e um royalty de um dólar por cada fuzil feito, tendo sido
encomendados mil deles, entregues em 1824. 160

A “encomenda” de Hall mostra um ponto importante: apesar de ele ser um em-


presário, trabalhava em um arsenal governamental e as técnicas e maquinário necessá-
rios para a feitura das armas foram incorporadas aos processos de trabalho da organiza-
ção estatal. Na verdade, o governo gastou uma imensa quantia no desenvolvimento das
maquinas para podê-las produzir, a ponto de ser criada uma comissão parlamentar de
inquérito, o “comité Carrington” para estudar a questão do custo das armas de Hall, a

157
id. p. 29.
158
SMITH. Merritt Roe John H. Hall, Simeon North, and the Milling Machine: The Nature of Innovation
among Antebellum Arms Makers. Technology and Culture. Vol. 14, No. 4, Oct., 1973. p. 578.
159
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA– Patent Office. John H. Hall, of Portland, Maine, and William
Thornton, of Washington, D.O. Improvement in fire-arms. Specification forming part of Letters Pa-
tent dated May 21, 1811.
160
PEAUCELLE, op. cit. p. 65.

247
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

conclusão do comité sendo muito elogiosa para a arma e processos adotados na sua ma-
nufatura.161

No entanto, deve-se frisar que os gastos investigados não podem ser associados
apenas à arma, se devendo mais aos custos de desenvolvimento e, principalmente, aqui-
sição de capital: Em 1819 foi introduzido o torno copiador de Blanchard para fazer co-
ronhas – baseado nas máquinas da fábrica de moitões de Portsmouth (ver Figura 29).162
No ano seguinte foi adquirida uma nova fresa para preparo das peças e em 1829 uma
máquina para produzir canos por laminação, substituindo o martinete movido à força
hidráulica, que já tinha sido uma inovação dos arsenais americanos.163 Hall também
desenhou maquinário para estampar peças por gravidade, o seu maior invento sendo,
contudo, novos tipos de fresa, capazes de funcionar sem supervisão de trabalhadores
especializados: nas palavras do Comitê Carrington:

[nas máquinas a] atividade é mais necessária que julgamento, pois as


máquinas, depois que o trabalho é colocado nelas, executam a opera-
ção sem mais ajuda do rapaz, e quando a operação termina, avisam o
rapaz, que durante a operação, estava ocupado em colocar e tirar o
trabalho de outras máquinas.164
Ou seja, a máquina-ferramenta fazia as operações sozinhas, o operário apenas
colocando a peça nela – algo que não demandava nenhum conhecimento, a ponto do
comitê chamar o operador de rapaz (boy), sendo provável que ele fosse realmente uma
criança. Este até podia supervisionar a operação de várias máquinas ao mesmo tempo,
com apreciáveis economias na produção, já que o maior custo na feitura e uma arma era
o da mão de obra.

161
SMITH (1973), op. cit. p. 584.
162
HOUNSHELL, op. cit. p. 35
163
KENNEDY, R.N., Jr. Notes on the model 1816 U.S. Flintlock musket. Bulletin of the American Socie-
ty of arms collectors, Nr 31, Spring, 1975. p. 41.
164
SMITH (1973), op. cit. p. 582. apud CARRINGTON Committee Report, January, 6, 1827. Grifo de
Smith.

248
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Figura 29 – réplica de um torno copiador de Blanchard.165


Esta máquina, apesar de ter uma estrutura de madeira, trabalhava a nogueira, a madeira usada em coro-
nha, de forma uniforme e regular. Isso permitia a reprodução com precisão o desenho da arma a ser feita,
já que a ferramenta de corte era movida por meio de um pantógrafo, que seguia o contorno de uma peça
mestre, copiando-a exatamente.
Segundo Hounshell, que pesquisou a introdução do sistema fabril dos arsenais
em outras indústrias, o incentivo dado pelo Departamento de Material Bélico do Exérci-
to dos Estados Unidos ao desenvolvimento de novas técnicas foi um fator fundamental
no surgimento da moderna indústria.166 Por exemplo, quando as milícias do país preci-
saram se reequipar, a venda de armas para eles, por impedimentos legais, não podia ser
feita por arsenais do governo, de forma que tiveram que se valer de empresas privadas,
apesar da intermediação do Ordnance Department.

Uma das companhias selecionadas para o fornecimento das milícias foi a de


North, que recebeu contratos, com a condição de fazer armas da patente de Hall, estas
devendo ser padronizadas com as feitas nos arsenais do governo, inclusive com peças
intercambiáveis. Isso não só com as feitas por North, mas também com as produzidas

165
Fotografado pelo autor da presente tese na exposição permanente do Museu Nacional de História
Americana, Smithsonian. 2001.
166
HOUNSHELL, op. cit. p. 3.

249
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

pelo Arsenal de Springfield. Um passo notável, considerando que se queria fazer armas,
basicamente idênticas, em duas fábricas separadas, para dois clientes distintos. No en-
tanto, o exame das peças existentes em museus, prova que esse objetivo foi atingido, o
que prova que o uso de complexos sistemas de gabaritos tinha sido desenvolvido com
sucesso, permitindo a cópia de todas as peças da arma.167

Figura 30 – Conjunto de gabaritos de William Thornton. 168


O conjunto de gabaritos, composto de dezenas de peças, com medições detalha-
das de várias partes da arma, permitia se verificar as dimensões de todas as partes da
arma. No processo dos arsenais norte-americanos, havia três tipos desses gabaritos, um
usado nas oficinas, outro, como o ilustrado (Figura 30), era para ser empregado pelos
inspetores do exército, finalmente havendo um terceiro, o “mestre”, que era mantido de
reserva, para poder ser reproduzido e ser usado para checar os outros.169 Na Figura 30
está o conjunto de gabaritos de William Thornton, um oficial, formado em West Point,
que chegou ao posto de capitão no Departamento de Material Bélico. Sua função era ir
de arsenal em arsenal, checando se as dimensões das armas – no caso, espingardas do

167
GORDON, Robert B. Simeon North, John Hall and Mechanized Manufacturing. Technology and Cul-
ture. Vol. 30. Nr. 1, Jan. 1989. p. 183.
168
Fotografado pelo autor da presente tese na exposição permanente do Museu Nacional de História
Americana, Smithsonian. 2001.
169
HOUNSHELL, op. cit. p. 41.

250
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

modelo 1841 – estavam dentro das tolerâncias aceitáveis, usando essas ferramentas.170
Vale uma comparação deste conjunto de gabaritos com o simples escantilhão usado
pelos armeiros portugueses (ver Figura 26).

Retornando à questão do desenvolvimento técnico, outro fator de incentivo do


governo para o desenvolvimento das armas ainda pode ser visto no contrato de Hall: a
transmissão de conhecimento. As máquinas do inventor foram patenteadas, apesar de
poderem ser usadas nos arsenais do governo sem pagar royalties. Só que não eram con-
sideradas segredos de estado, como seria a tendência dos dias atuais. Os oficiais de ma-
terial bélico autorizavam a visita de outros armeiros e fabricantes à Harpers Ferry, o que
foi feito por diversos deles durante os anos de 1820 e 1830. Além disso, o pessoal que
trabalhou com North foi contratado por outras empresas do ramo, difundindo o conhe-
cimento sobre as técnicas que estavam sendo desenvolvidas. 171

Na sequência do desenvolvimento das técnicas de produção, o Arsenal de


Springfield foi totalmente reequipado para a produção de uma nova espingarda, o mode-
lo 1841, esta já totalmente feita segundo os padrões de peças intercambiáveis. Essas
armas, ao contrário de todas as anteriores, foram feitas em grande quantidade: dez mil
delas foram inicialmente encomendadas e efetivamente feitas. Mais importante, os mé-
todos adotados, pela primeira vez, conseguiram atingir o objetivo proposto por Blanc,
no século XVIII: a produção das armas ficou mais barata. Para efeito de comparação,
em 1815, um forjador de canos podia fabricar 1.087 canos por ano, a um custo de 35
centavos por cano (o serviço era por empreitada). 25 anos depois, a produção tinha su-
bido para 2.207 canos por homem/ano, um crescimento da produtividade de 88 vezes.
Só que o custo tinha caído para 27 centavos por cano – as vantagens eram evidentes.172

170
LUBAR, Steven. Engines of change: an exhibition on the American Industrial Revolution at eh Na-
tional Museum of American History, Smithsonian Institution. Washington: National Museum of
American History, 1986. p. 59.
171
SMITH (1973), op. cit. p. 584.
172
KENNEDY, op. cit. p. 42.

251
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

Figura 31 – Etapas da fabricação de espingardas, Arsenal de Springfield.173


Numeramos em vermelho as diferentes etapas. A figura mostra uma série de máquinas ferramentas em-
pregadas na fabricação de um fuzil raiado modelo de 1861. Entretanto, mesmo com a introdução da divi-
são de trabalho e de máquinas ferramentas, algumas atividades continuavam a depender de artesãos espe-
cializados, como mostrado nas etapas da segunda linha da imagem: “acabamento” (4), “testando a baione-
ta” (5), “endireitando o cano” (6) e “polindo a baioneta” (7). A descrição do artigo original aponta, contu-
do, que a baioneta era fresada e não esmerilhada “e assim sua manufatura passa a ser menos destrutiva ao
trabalhador”,174 referindo-se à silicose, que afligia os operadores de rebolos (comparar com a Figura 27).
O mesmo texto faz uma observação sobre um fator que normalmente não é notado na mecanização da
produção ou, às vezes, é mesmo visto como falso: ao invés de piorar a qualidade, a mecanização podia a
aumentar. Enquanto nas manufaturas francesas do século XVIII o índice de falhas no fabrico dos canos
era de 20-30% (ver nota 89 acima), em Springfield o índice de falhas nos canos era de apenas 1,6%,175
dezenove vezes melhor do que antes. Nesse sentido, consideramos notável a máquina de laminação de
canos (3), capaz não só de acelerar a fabricação, como também aperfeiçoar a qualidade do produto, apesar
de exigir um melhor controle de qualidade na seleção do aço a ser usado no produto.

173
HARPER'S WEEKLY Sept. 21, 1861. p. 605.
174
id. p. 607.
175
id. p. 607.

252
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

5.6 A Fábrica moderna


Essa forma de manufatura, usando divisão de trabalho, máquinas específicas,
movidas a força hidráulica – e depois a vapor –, junto com trabalhadores não especiali-
zados e gabaritos para a produção, gerou a moderna fábrica, tendo uma grande influên-
cia em outras empresas, como a de revólveres de Samuel Colt. O sistema também foi
adotado por outras companhias, que empregaram funcionários oriundos dos Arsenais
para modernizar sua produção. Este foi o caso da manufatura de máquinas agrícolas de
McCormick e a de máquinas de costura de Wheeler e, depois, de Singer 176 – estas últi-
mas, sendo consideradas como um marco no desenvolvimento da fábrica moderna, por
causa do aumento gigantesco de sua produção, usando técnicas de produção em massa.

Máquinas de costura
45000
40000
35000
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0

Gráfico 20 – Produção de máquinas de costura da Wheeler and Wilson177


A companhia de Wheeler foi estabelecida usando o sistema de produção dos arsenais, contratando em
1857 Joseph Dana Alvord, um engenheiro que tinha trabalhado no Arsenal de Springfield por oito anos.
O aumento da produção nesse ano é visível no gráfico. Outra companhia de máquinas de costura, Brown
& Sharpe, empregou Henry Leland, que posteriormente fundaria a fábrica de carros Cadillac. Este arte-
são, em seus anos formativos, também tinha sido empregado em Springfield. Mais tarde, em 1870, a
fábrica Singer subcontrataria a fabricação de uma das suas máquinas com a Providence Tool Company,
uma manufatura de armas e anos depois, empregaria L. B. Miller, que antes tinha trabalhado na Manhat-
tan Firearms Company, para modernizar seus métodos de produção178 – em 1880, Singer fabricaria
500.000 máquinas de costura, usando os princípios de fabricação dos arsenais.
O sistema dos arsenais americanos também teve um papel importante na Europa.
Apesar da experiência de Blanc na França e da fábrica de moitões de Portsmouth, a pro-
dução de armas na Europa, em meados do século XIX, ainda seguia os princípios pré-
industriais, como já dissemos antes, apesar do número de trabalhadores envolvidos po-
der ser muito grande, como era o caso da França e da Inglaterra. Desta forma, quando

176
HOUNSHELL, op. cit. p. 69 e 182.
177
id. p. 89.
178
id. pp. 70, 80 e 92.

253
Capitulo 5 - A pré-indústria e a produção de artigos militares

da introdução de processos modernos na criação da fábrica Enfield, foram usadas má-


quinas e a organização dos arsenais dos Estados Unidos, os métodos de produção usa-
dos então sendo chamados de “sistema americano”. De fato, ate hoje as fábricas que na
época usavam os princípios básicos modernos são conhecidas como seguindo tal siste-
ma, do uso de força mecânica, máquinas ferramentas e gabaritos precisos179

O sistema americano já não seria o de uma manufatura, mas sim um de fábrica


regular, onde quase todos os processos modernos estariam presentes: divisão do traba-
lho; o uso de máquinas e controle da produção por meio de desenhos e gabaritos preci-
sos, usando padrões de medição uniformes. Isso com o resultado de peças intercambiá-
veis, produzidas em grande quantidade e com baixo custo. Mais tarde, os procedimentos
do sistema americano seriam a base para diversos outros empreendimentos industriais,
como o de máquinas agrícolas e de costura. Só faltava o passo da introdução da linha de
montagem para se caracterizar a produção em massa, o que seria feito por Henry Ford,
em 1914.

Uma nota que deve ser frisada é que na introdução dos métodos de produção
modernos as forças armadas tiveram um papel fundamental. Os engenheiros militares de
Gribeauval, os oficiais de marinha de Portsmouth e os engenheiros militares do Depar-
tamento de Material Bélico nos Estados Unidos foram elementos que defenderam e in-
centivaram a modernização. Em todos esses casos, os militares aceitaram fazer grandes
investimentos em tempo e dinheiro, em empreendimentos experimentais arriscados,
visando à obtenção de resultados ideais e não necessariamente os mais econômicos. Isso
apesar da resistência que havia, não só por parte de políticos e intelectuais, que viam os
desembolsos militares como “estéreis”, assim como os dos empreendedores privados e
trabalhadores, que viam a mudança como uma ameaça a seu modo de vida.180

O sistema americano foi um passo revolucionário, mas tomado tardiamente em


termos históricos. Pode-se dizer que se consolidou apenas no final de nosso período de
estudo, 1864 e sequer foi adotado por todos os países: a França não o fez de forma ime-
diata. O caso do Arsenal de Guerra da Corte, que passaremos analisar a seguir, deve ser
visto dentro deste contexto.

179
HOUNSHELL, op. cit. p. 331.
180
Ver, por exemplo, ALDER, op. cit. p. 270, sobre a resistência dos trabalhadores em trabalhar por em-
preitada, ao invés de por jornal, como queriam os engenheiros militares.

254
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Sumário

6 A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil


6.1 A fase inicial
6.1.1 Os Arsenais de Marinha
6.1.1.1 O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro
6.1.2 Os Trens
6.2 As fábricas de armas das capitanias
6.2.1 A Fábrica de Armas de São Paulo
6.2.2 Laboratórios pirotécnicos
6.2.3 A Fábrica de Ferro de São João Batista de Ipanema
6.2.4 A fábrica de Pólvora
6.3 Arsenais provinciais
6.3.1 Arsenal do Pará
6.3.2 Arsenal de Pernambuco
6.3.3 Arsenal da Bahia
6.3.4 Arsenal de Mato Grosso
6.3.5 Arsenal do Rio Grande do Sul
6.4 Algumas considerações preliminares

255
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

6 A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

6.1 A fase inicial


Como colocado no capítulo anterior, a produção de artigos militares era uma ati-
vidade que, até certo ponto, podia ser feita em oficinas dispersas: produtos tinham con-
dições de ser manufaturados localmente, sem depender de fornecimentos ou mesmo de
uma administração centralizados. Esta foi uma solução implantada desde cedo na colô-
nia, mas não foi uma política sistemática e, nesse sentido, vale dizer que examinando
alguns casos particulares, pode-se ver que a proposta de fornecimento de artigos para as
forças armadas no Brasil Colônia era “oportunista”, valendo-se de recursos locais em
alguns casos, em outros se importando os produtos acabados da Europa, de acordo com
as melhores condições de um dado momento.

Certamente, os produtos de maior complexidade eram importados, tal como de-


via acontecer na própria metrópole, por falta de uma estrutura manufatureira mais ela-
borada, tal como já abordado. Os uniformes, até bem tarde na história colonial, vinham
de Portugal,1 o que gerava constantes problemas pelo atraso na entrega das roupas, às
vezes por anos: em 1716, a guarnição de Santos ficou cinco anos sem receber suas far-
das, o que a própria administração real reconhecia como uma razão para que os solda-
dos desertassem.2

Problemas de suprimento podiam até levar a graves crises no funcionamento das


tropas, como no caso do Rio Grande do Sul. Lá, em 1742, a força militar da capitania,
uma região de fronteira e onde tinha ocorrido pouco antes um conflito com os espanhóis
(o cerco da colônia de Sacramento – 1735-1737), estava sem receber soldo há vinte me-
ses e os uniformes estavam três anos atrasados. Dessa forma, os soldados se amotina-
ram, nomeando seus próprios oficiais para manter o serviço de vigilância. A falta de
fornecimento foi considerada tão grave e incorreta que o governador do Rio de Janeiro,

1
RELAÇÃO que mostra os fardamentos que se têm remetido dos Armazéns Reais desta provedoria para
a Capitania de São Paulo, e dos que tem recebido nestes mesmos Armazéns, vindos do Arsenal Real
dos Exércitos para a mesma Capitania. O desembargador procurador da Fazenda Real, Francisco Jo-
sé Brandão. Rio de Janeiro, 8 de agosto de 1776. DOCUMENTOS Interessantes. Vol. XVII. São
Paulo: Paulista, 1895. p. 136.
2
PORTUGAL – Rei. Provisão Régia ordenando ao Governador da capitania do Rio de Janeiro que pagas-
se os soldos atrasados e fardasse os soldados da Praça de Santos. Lisboa, 22 de fevereiro de 1716. p.
188. DOCUMENTOS Interessantes, vol. XLIX. São Paulo: Irmãos Ferraz, 1926. A provisão infor-
mava que em fevereiro do ano anterior, os soldos estavam atrasados quatro meses e os uniformes
quatro anos.

256
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

a quem se subordinava a capitania, determinou o perdão dos amotinados, uma decisão


praticamente sem precedentes.3

Por sua vez, nem tudo dependia de Portugal, havia uma estrutura local de produ-
ção e esta não pode ser desprezada, como colocada nos capítulos anteriores. Um dos
elementos centrais na estratégia portuguesa eram os estaleiros governamentais.

6.1.1 Os Arsenais de Marinha


A Ribeira das Naus de Salvador já existia desde pelo menos 1626. 4 Isso apesar
de antes, já no início da ocupação da cidade, terem sido feitos pequenos barcos na cida-
de: o “Regimento” de Tomé de Souza, de 1548, já ordenava que o governador fizesse
barcos a remo, levando “oficiais [artesãos] e dos meus armazéns as munições necessá-
rias”5 para a construção. Em 1650, uma carta régia mandava que se construísse, todos os
anos, um navio de 800 toneladas na Bahia e em 1714 a ribeira foi elevada à categoria de
Arsenal, o mesmo status que o de Lisboa. 6

Esse tipo de atividade não ficou restrito à capital. “Ribeiras”, estaleiros gover-
namentais, de maior ou menos porte, foram instalados em praticamente todas as capita-
nias costeiras e até em áreas sem acesso direto ao mar, como Mato Grosso, onde o go-
verno mantinha uma pequena flotilha de canoas artilhadas. No Rio de Janeiro, em 1734
já havia um “engenho”, uma máquina para querenar, para poder limpar o fundo de na-
vios7 e o esquema de pequenas carreiras regionais se expandiu a partir do governo do
marquês de Pombal (1756-1777), quando foram criados vários arsenais ou transforma-
das as antigas ribeiras. Foram elevados à situação de Arsenal de Marinha as instalações

3
REGISTRO de uma representação que fez o Corpo de Dragões ao Governador Diogo Osório Cardoso.
Porto do Rio Grande de São Pedro, 11 de janeiro de 1742. Anais do Arquivo Histórico do Rio Gran-
de do Sul. Vol. I. Porto Alegre, 1977. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1977. p. 152.
4
REQUERIMENTO dos almoxarifes dos armazéns de artilharia, pólvora e Ribeira das Naus, ao rei [D.
Filipe III], sobre um compromisso que tomaram com o galeão Santa Ana, o qual vindo de torna via-
gem no ano de 1624, se perdeu na ilha de São Jorge. [ant. 1626, Maio, 27]. Mss. Arquivo Ultramari-
no. AHU_CU_005-02, Cx. 4, D. 429. Gastão Penalva informa que a Ribeira foi criada no governo de
D. Francisco de Souza (1591-1602). PENALVA, Gastão. Homens e coisas da velha armada: a idade
de ouro da construção naval. ILUSTRAÇÃO brasileira. Ano V, nº 44, abril de 1944. s.n.p. De fato,
em 1609 se pediu um orçamento para a construção de uma nau de 400 toneladas na Bahia. LAPA,
José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da Índia. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1968. p. 53.
5
REGIMENTO DE TOMÉ DE SOUZA, 17 de dezembro de 1548. Apud TAPAJÓS, Vicente. História
Administrativa do Brasil. vol. II. Rio de Janeiro: D.A.S.P. - Serviço de Documentação, 1966. p. 103.
6
SELVAGEM, Carlos. Portugal Militar: compêndio de história militar e naval de Portugal, desde as
origens do estado Portucalense até o fim da Dinastia de Bragança. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa
da Moeda, 1991. p. 467.
7
GREENHALGH, Juvenal. O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na História: 1763-1822. Rio de
Janeiro: Editora a Noite, 1951. p. 26.

257
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

da Pará (1761, existia desde 1729), Rio de Janeiro (1763) e Maranhão (já existia em
1733), que receberam instruções de construir navios de grande porte: no Rio, foi lança-
da a quilha da nau D. Sebastião, de 64 canhões e o do Pará construiu a Nau Belém, de
74 peças. 8

A expansão do sistema de construção naval não parou com essas instalações re-
lativamente grandes. Em Porto Alegre havia uma instalação que fez o Brigue Bellona
em 1771, em plena guerra com os espanhóis, que dominavam a margem sul do canal de
acesso à lagoa dos Patos, em tese impedindo o reabastecimento das forças militares no
Rio Grande do Sul. Pernambuco teve um Arsenal construído em 1798. Já no século
XIX, em Santa Catarina, que não chegou a ter oficialmente um Arsenal, apenas uma
intendência, foram feitas barcas canhoneiras em 1820. No mesmo ano foi criada uma
instalação de maior porte em Alagoas, onde foram lançadas as corvetas Maceió e São
Cristóvão. No Império, foi montada um Trem Naval em Mato Grosso, onde foram feitas
barcas canhoneiras (1825), o mesmo sendo feito em São Paulo.9 Durante a ocupação do
Uruguai como Província Cisplatina (1816-1828), o antigo Apostadero Naval dos espa-
nhóis em de Montevidéu teve um status de Arsenal de Marinha.

Tais Arsenais tinham dimensões variáveis. O do Pará, por exemplo, que não era
o maior de todos, em 1770 tinha 207 operários, mais 71 serventes e marinheiros,10 e até
1800 foram lançadas nele: uma nau de 74 canhões, cinco fragatas de 44 canhões, quatro
charruas, quatro brigues e doze chalupas artilhadas. O governador do Pará informando
que estavam

ao serviço do Arsenal mais de dois mil homens indianos [índios], en-


tre empregados no corte das madeiras destinadas a construção naval,
embarque desse mesmo material, trabalhos nas oficinas para a feitura
das embarcações, tripulando os navios de guerra que defendiam a ci-
dade de Belém, e as embarcações armadas expedidas para diversas di-
ligências”.11
A razão da existência dessas várias instalações nas capitanias pode ser explicada
pela descentralização administrativa do País, bem como a necessidade de obter os insu-
mos necessários para a construção naval, especificamente as madeiras de lei com as
dimensões e formatos necessários para um navio, algo que não era facilmente encontra-

8
id. p. 27.
9
PENALVA, op. cit. n.p.
10
LOPES, Thoribio. Arsenal de Marinha do Pará: Sua origem e sua história. Belém, s.ed 1945. pp. 81-
82.
11
id. p. 89.

258
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

do em todas as regiões. No período colonial, a organização dessas instalações reflete um


aspecto importante da formação das manufaturas mais complexas no Brasil, dependen-
do da cooperação entre oficinas para a feitura de um produto único. De certa forma,
eram instalações mais adiantadas do que seriam os Arsenais do Exército no século XIX
– uma demonstração que o atraso técnico não era uma imposição da situação colonial do
País.

Com a Regência (1831), houve uma redução no sistema de construção de navios


de guerra, sendo ordenado que se extinguissem os cargos de intendentes e se despedis-
sem os funcionários dos arsenais do Maranhão, Pernambuco, Santos (SP) e Santa Cata-
rina, fechando-os. O do Pará deveria continuar a existir, sem um intendente e com um
orçamento reduzido.12 Somente os Arsenais da Bahia e do Rio foram mantidos oficial-
mente, só que com pessoal reduzido. Depois, o Arsenal de Marinha de Pernambuco e o
de Cuiabá seriam recriados.

Essas manufaturas e oficinas da Marinha tinham uma importante função no for-


necimento das unidades militares, não só as navais, mas também as do Exército, haven-
do um considerável intercâmbio de pessoal, matérias primas e produtos acabados entre
as diferentes organizações, já que em todas as províncias onde havia arsenais de Mari-
nha também havia os do Exército (ver Figura 36).

Das instalações da Marinha, três tinham um papel fundamental: no período que


estamos tratando, que vai até 1864, as de Belém e da Bahia tinham um papel preponde-
rante na construção de navios, enquanto a do Rio de Janeiro assumia um papel mais
diversificado.

6.1.1.1 O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro


Poderia parecer que o Arsenal da capital seria o principal em termos de constru-
ção naval no Império. Contudo, a falta de um recurso vital explica por que ele teve pro-
blemas de desenvolvimento: não havia fontes fáceis de madeira de lei de grandes di-
mensões na capitania/província. Dessa forma, no início do século XIX, a instituição
tinha apenas uma tanoaria, uma ferraria, uma oficina de calafates e, naturalmente, uma

12
BRASIL – Decreto de 27 de março de 1832. Extingue as Intendências da Marinha do Pará, Maranhão,
Pernambuco, e Santos, e providencia a respeito do fornecimento dos navios da Armada e dos traba-
lhos do Arsenal de Marinha do Pará.

259
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

carpintaria,13 instalações bem simples, capazes apenas de fazer reparos menos comple-
xos, ainda que houvesse uma carreira no Arsenal.

Na verdade, mesmo depois da Independência, o Arsenal de Belém continuou a


fazer mais navios do que o do Rio: um levantamento feito pelo Ministério da Marinha
das embarcações lançadas nos Arsenais de Belém, Rio, Salvador e Recife, aponta que
de 75 grandes unidades fabricadas no Brasil até 1865, somente 25% foram feitas no Rio
de Janeiro, sendo que em termos de embarcações de maior porte, a única nau feita no
Brasil depois da Independência, a Imperador do Brasil, foi construída na Bahia – e este
arsenal tinha feito três outras naus entre 1780 e 1820, bem como oito fragatas, uma cor-
veta e onze brigues e escunas (ver Tabela 9).14

Arsenal Nº de Navios
Belém 21
Rio de Janeiro 19
Bahia 16
Recife 11
Vários 8
Soma 75
Tabela 9 – Navios produzidos nos estaleiros do País.15
Na linha “vários” estão incluídos os navios feitos em Santos, Maceió e Desterro (Florianópolis). Só estão
listados navios oceânicos, a não ser no caso de Recife, onde aparecem três dragas de grande porte – as
únicas construídas pela Marinha no Brasil Império.
O número de navios feitos em Belém até 1864 é notável, sendo que o último de-
les feito dentro do nosso recorte, o D. Pedro, de 1863, já era a vapor,16 mostrando que
houve uma tentativa e modernizar a instalação, algo que também aconteceu em Salva-
dor, onde foi batida a quilha do vapor Moema, em janeiro de 1865.

Entretanto, se o Arsenal do Rio não era o principal local de construção de navi-


os, tecnicamente era o mais avançado: seis dos últimos navios feitos na Bahia e Per-
nambuco foram projetados por engenheiros do Rio de Janeiro e este arsenal lançou o
primeiro vapor feito pela Marinha, o Thetis, em 1843. Lá se construiram até 1865 outros
três, inclusive com suas máquinas. Neste último ano, fora do nosso recorte, o Arsenal
bateu a quilha de três encouraçados.17

13
GREENHALGH, op. cit. p. 52.
14
BRASIL – Ministério da Marinha. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na segunda
sessão da décima terceira legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da marinha,
Afonso Celso de Assis Figueiredo. Rio de Janeiro: Diário do Rio de Janeiro, 1868. Anexo VIII.
15
id. Anexo VIII.
16
id. Anexo VIII.
17
id. anexo VIII.

260
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Não vamos nos aprofundar na evolução técnica do Arsenal de Marinha do Rio


de Janeiro (AMRJ), mas é importante mostrar alguns pontos básicos, para efeito de
comparação. Um deles é o do desenvolvimento técnico: nos exércitos do período, o
principal elemento para as operações era o humano. Material bélico, como fuzis, ca-
nhões ou cavalos eram, até certo ponto, secundários: apesar de nos dias de hoje, onde
tudo depende da tecnologia, é anti-intuitivo falar que a parte técnica era irrelevante, mas
isso não era visto dessa forma até o século XIX, o importante era o número de soldados
que podiam ser colocados em campo de batalha, tanto é que vários países – inclusive o
Brasil – cogitaram ou até chegaram a fornecer piques para seus soldados, isso no século
XIX, um retrocesso técnico de 200 anos.18

No caso das marinhas, apesar do elemento humano ainda ser vital, esse só podia
ser aplicado através das embarcações e seus armamentos. Dessa forma, manter os navi-
os atualizados era uma necessidade, não só em termos de seus desenhos básicos, mas
também em detalhes de seu funcionamento. Um exemplo disso pode ser visto no caso
dos suprimentos: uma das principais oficinas dos antigos Arsenais de Marinha era a de
tanoaria, para fabricação de toneis, necessários não só para o transporte de líquidos, mas
também de alguns sólidos. Para aperfeiçoar esse detalhe, em 1832 o Arsenal de Marinha
do Rio de Janeiro (AMRJ) passou a fabricar tanques de ferro para o fornecimento das
embarcações, o que demandava uma oficina de serralheira bem equipada e exigiria uma
de galvanização, para dar maior durabilidade aos tanques. Nesse mesmo ano, se tentou
instalar duas máquinas a vapor, uma para serrar e outra para encurvar madeiras e foram
instalados teares para produção de velas.19

Essas iniciativas de modernização são surpreendentes quando vemos que o perí-


odo em que foram feitas era de corte de despesas: a força da Marinha tinha sido reduzi-
da de 8.000 homens em 1828 para 2.700 em 1831, dos quais 1.200 do Corpo de Artilha-
ria de Marinha, correspondente ao atual Corpo de Fuzileiros Navais. Ou seja, apenas
1.500 eram marinheiros. Nesse sentido, é relevante e surpreendente vermos que naquele

18
No Brasil, durante a Guerra de Independência, se forneceram chuços para armar as ordenanças. Nos
Estados Unidos, na Guerra Civil (1860-1865), o uso de piques chegou a ser aprovado pelo coman-
dante confederado do Exército do Norte da Virgínia, General Lee, apesar das armas não terem sido
distribuídas. Para o caso do Brasil, ver: BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício de Manoel da Costa
Pinto ao Ministro da Guerra, conde da Lage, sobre pedido feito pela Marinha. Rio de Janeiro, 13 de
janeiro de 1822. Mss. Arquivo Nacional. IG7 3. Quanto ao fornecimento de piques para as tropas
confederadas, ver: GWYNNE, S. C. Rebel Yell: The Violence, Passion, and Redemption of Stone-
wall Jackson. New York, Scribner, 2014. p. 196.
19
BRASIL – Ministério da Marinha. Relatório do ano de 1832. s.n.t. [1833]. p. 5

261
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

ano o número de operários do AMRJ era 567, divididos em doze especialidades. 20 Para
efeito de comparação, o Exército, no pique do corte de gastos com a força de terra, em
1836, com um quadro de efetivos autorizado de 6.320 soldados, o Arsenal de Guerra da
Corte tinha apenas 231 operários, divididos em quatorze especialidades. 21

As esparsas indicações que temos apontam que o Arsenal de Marinha usualmen-


te tinha um corpo de operários mais numeroso do que o do ministério da Guerra. Em
1845, por exemplo, havia 1.266 trabalhadores no Arsenal de Marinha, enquanto no de
Guerra eram 1.093 (sem contar os Aprendizes Menores, ver Tabela 13). O AMRJ tam-
bém tinha uma variedade maior de oficinas e um corpo funcional que certamente era
único no Brasil (ver Tabela 10).

De forma geral, o funcionamento do AMRJ era semelhante às outras manufatu-


ras do período. Uma exceção parece ser o caso das oficinas mais técnicas. Isso é visível
na escala de jornais: os pagamentos dos operários eram feitos de acordo com sua habili-
dade e com a oficina onde eram empregados e os oficiais de fundição de ferro e máqui-
nas a vapor eram muito valorizados, ganhavam mais que os mestres de todas as ofici-
nas, menos os da de máquinas e de galvanoplastia; os aprendizes de construção naval
recebiam mais que os mancebos da fundição de bronze e assim por diante, mostrando a
valorização de uma mão de obra altamente especializada e difícil de contratar no País.

Cremos ser importante notar que os pagamentos de alguns desses operários mais
especializados era realmente elevado, pelo menos em comparação com os soldos das
forças armadas: em 1845, o jornal (diária) de cinco dos aprendizes da oficina de máqui-
nas era de 2.000 réis. Com base em um mês de trabalho de 26 dias isso implicava em
vencimentos mensais de 52.000 réis – nesse período, o soldo de um capitão, um oficial
de grau intermediário, era de 50.000 réis, menos do que ganhava um aprendiz, um traba-
lhador que sequer tinha sua formação completa. Os artesãos mais bem pagos das ofici-
nas de fundição de ferro e de máquinas recebiam 4.000 réis por dia, ou 106.000 réis
mensais, mais do que um tenente-coronel, enquanto os mestres, com 5.000 réis, 22 rece-

20
TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da engenharia no Brasil (século XVI a XIX). Vol. I. Rio de
Janeiro: Clavero, 1994. p. 294.
21
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal das oficinas do Arsenal de Guerra da
Corte e dos objetos que se devem presentemente nelas fabricar. Rio de Janeiro, 24 de novembro de
1836. Mss. ANRJ. IG7 19.
22
BRASIL – Ministério da Marinha. Relatório da Repartição dos Negócios da Marinha apresentado à
Assembleia Geral Legislativa na 2ª sessão da 6ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de
estado Antônio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti d’Albuquerque. Rio de Janeiro: Laem-
Continua –––––––

262
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

biam um valor mensal acima do soldo de um brigadeiro, um oficial general.23 Algo no-
tável, considerando como o trabalho manual era visto na sociedade da época, uma refle-
xão do mercado de trabalho para essas especialidades, que certamente tinham muito
pouco trabalhadores no Brasil – o Relatório do Ministro da Marinha especifica que es-
ses operários de máquinas eram belgas, contratados na Europa para a oficina.24 Por sua
vez, o trabalho na cordoaria, uma atividade não muito especializada e que tinha um
mercado de trabalho local, não era um bem pago, o mestre recebia apenas 1.800 réis
(46.800 réis) e o mancebo com menor pagamento tinha uma diária de 480 réis, apenas
um pouco acima do que ganhava um sargento do exército.

Figura 32 – Planta do Arsenal de Marinha, Henry Law, 1858. 25


Realçamos em vermelho as instalações do Arsenal de Guerra e em Azul as da Marinha, o que dá certa
noção das dimensões das duas instalações. Contudo, deve-se notar que a planta do AGC está incompleta e
não inclui os Laboratórios do Campinho, do Castelo e a Fábrica da Conceição. O Arsenal de Marinha
original, inclusive a carreira, é o que se situa no continente, tendo vários prédios auxiliares na ilha das
Cobras. Esta era também parcialmente ocupada por enfermarias, por armazéns da Alfândega, havendo até
um trapiche privado, o do Lopes. É bem visível a natureza dispersa das oficinas da Marinha, que usual-
mente trabalhavam de forma independente uma das outras, como no Arsenal de Guerra.
No outro extremo da escala técnica, havia um contingente de características bem
arcaicas: além dos trabalhadores livres, se empregavam soldados, inválidos, sentencia-

Continuação–––––––––––
mert, 1845. Nº 2. Quadro das oficinas e diversos serviços do Arsenal da Marinha da Corte, seu
pessoal, vencimentos individuais em dia util, e férias vencidas no mês de fevereiro de 1845.
23
SCHULZ, John. O exército na política: origens da intervenção militar: 1850-1894. São Paulo:
EDUSP, 1994. p. 211.
24
BRASIL – Ministério da Marinha. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na terceira
sessão da oitava legislatura pelo ministro e secretário de estado, Manoel Vieira Costa. Rio de Janei-
ro: Tipografia Nacional, 1851. p. 14.
25
PLANTA do Arsenal de Marinha, Henry Law. Mss. Biblioteca Nacional.

263
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

dos,26 escravos da nação, africanos livres e escravos de aluguel relacionados como tra-
balhando na instituição, a categoria de sentenciados não tendo correspondência no Ar-
senal de Guerra da Corte. A Marinha tinha até o direito de apenar, requisitar a força um
quarto da força de artesãos livres das oficinas particulares para trabalhar no Arsenal, um
direito legal que consta em repertórios de legislação militar, 27 mas isso não era uma
prática normal.

Trabalhavam diretamente no Arsenal 20 africanos, 7 crioulos, “5 crias [crianças]


que ainda não servem”, bem como 9 africanos livres, havendo ainda 27 nos escaleres e
51 “no serviço geral do Arsenal”, esta categoria incluindo todas as 34 mulheres que
estavam na instituição (dezessete africanas e dezessete crioulas). Além desses 139 cati-
vos, havia ainda 108 outros subordinados ao Arsenal, mas destacados em diversos ser-
viços em outros locais. 28

Oficinas Mestrança Oficiais Mancebos Aprendizes Outros Soma


Construção Naval 10 87 113 107 13 330
Cordoaria 1 11 7 1 - 20
Espoletas e Tacos - 16 - - - 16
Fundição de Ferro - 4 5 17 8 34
Maquinas a vapor 1 3 4 17 4 29
Arquitetura civil e coronheiros 2 34 28 64 4 132
Calafates 6 37 19 24 - 86
Ferreiros e Serralheiros 2 22 24 32 4 84
Espingardeiros 1 3 6 8 1 19
Fundição de Bronze 1 9 2 - 2 14
Tanoeiros 1 7 5 - - 13
Funileiros 1 6 5 4 7 23
Correeiros e bandeireiros 1 7 8 12 - 28
Poleeiros e torneiros 1 9 3 8 9 30
Pedreiros 4 33 16 11 44 108
Galvanização 1 1 1 - - 3
Velame 1 21 2 - 7 31
Aparelho de Navio 1 7 2 - 13 23
Pintores 1 4 4 - - 9
Canteiros e cavouqueiros - 6 - 38 - 44
Totais 36 327 254 343 116 1076
Tabela 10 – Funcionários do Arsenal de Marinha em 1845. 29
Além dos operários das oficinas, eram empregados 131 homens para a tripulação dos diversos barcos
usados pela instituição, além do pessoal de direção e administrativo. Cremos ser necessário apontar, para
evitar confusões, que a mestrança, se refere aos mestres, contramestres e aparelhadores dos Arsenais.
Oficiais são aqueles que exercem um ofício. Mancebos são os artesãos qualificados, que terminaram o
aprendizado, mas ainda não atingiram o grau de proficiência para serem classificados como oficiais.
Aprendizes são os que ainda estão aprendendo um ofício.

26
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava no Rio de Janeiro: 1808-1850. Tese de Douto-
rado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1998. (mimeo). pp. 81.
27
MATOS, Raimundo José da Cunha. Repertório da legislação militar atualmente em vigor no exército e
armada do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Seignot-Plancher, 1837. Vol. I. p. 21.
28
BRASIL – Ministério da Marinha. Relatório de 1845, op. cit. Quadro nº 6.
29
id. mapa 2. Observamos que algumas das somas da tabela original não estão corretas.

264
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Não estão discriminados na tabela, mas havia na instituição duas companhias de


Artífices Militares, soldados que tinham formação técnica e que trabalhavam nas ofici-
nas, recebendo o vencimento de operários quando trabalhavam nelas.30 Eram 190 solda-
dos e 22 graduados. Isso faria com que o quadro de artesãos em 1845 passasse a ser de
1.266 operários, maior do que qualquer manufatura do exército no mesmo ano (ver Ta-
bela 13).

Consideramos interessante a comparação desta tabela com a da página 177, refe-


rente aos empregados do Estaleiro da Ponta Areia em 1848: o número de trabalhadores
da empresa de Mauá era apenas 40% do efetivo empregado no Arsenal de Marinha, só
que nas oficinas que consideramos chave como índice de desenvolvimento técnico, as
de fundição de metal e de máquinas, o número de empregados da Ponta da Areia supe-
rava em mais de duas vezes os do governo, mostrando certo atraso da instituição militar.
Só que esta, por sua vez, era a mais avançada das manufaturas do governo, como disse-
mos.

De fato, além das maiores dimensões do corpo de trabalhadores, a Marinha tinha


instalações e equipamentos mais complexos e modernos que os do exército. Em 1840 o
Engenheiro Weinschenk, civil, tinha criado no AMRJ uma fundição de ferro e bronze e
uma oficina mecânica, na Oficina de Maquinistas. 31 Esta tinha dois fornos de cúpula
para ferro e um martinete mecânico, assim como um torno para canhões e uma serra de
desdobrar, tudo movido a vapor, por uma máquina de 13 HP. Em 1845, o engenheiro
belga Carlos Rouhette assumiu a Oficina de Maquinistas, 32 onde ficou até ser contratado
pelo Arsenal de Guerra da Corte em 1852, onde implantaria oficinas mecanizadas.

A capacidade técnica das oficinas da Marinha pode ser demonstrada no fato das
máquinas do vapor Recife, construído no estaleiro da Ponta da Areia em 1849, terem
sido feitas no Arsenal. 33 Além disso, em 1850 se iniciou a fundição de canhões de bron-
ze,34 sendo que a instituição forneceria ao exército os primeiros canhões raiados fabri-

30
BRASIL – Decreto nº 54, de 26 de Outubro de 1840. Determinando que as duas Companhias, que
restam para o completo do Corpo de Imperiais Marinheiros, sejam compostas de Operários das
Oficinas do Arsenal da Marinha, e consideradas nele destacadas.
31
GREENHALGH, Juvenal. O Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro na História: 1822-1899. Rio de
Janeiro: Editora a Noite, 1965. p. 124.
32
TELLES, op. cit. p. 296.
33
BRASIL – Ministério da Marinha. Relatório de 1851, op. cit. p. 14.
34
O Museu Histórico Nacional tem preservado quatro canhões fundidos pela Marinha na década de 1850,
peças Siga 016170, 015892, 016171 e 004420.

265
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

cados no Brasil, 35 além de peças e munições de ferro fundido. Nas décadas de 1850 e
1860 – e, podemos supor, antes –, quando o Arsenal do Exército precisava de uma as-
sessoria técnica sobre um assunto mais complexo, os engenheiros e mestres da Marinha
eram consultados. 36 Por sua vez, devemos dizer que Rouhette patenteou uma máquina
de descaroçar algodão e em 1846 o ministro da Marinha solicitou que essa máquina
fosse feita no Arsenal de Guerra, 37 o que dá a entender que as oficinas do Exército eram
mais flexíveis do que as da Marinha, podendo atender com mais facilidade pedidos ex-
traordinários. Isso, por si, não é um fator positivo, pois indica uma organização mais
artesanal do trabalho.

O aspecto mais técnico-tecnológico na instalação naval nos leva à questão da


formação do corpo de trabalhadores da Marinha: esta se assemelhava, até certo ponto,
ao que ocorria no exército, com o pessoal sendo organizado em classes, no topo estando
os mestres e contramestres, a mestrança; os artesãos – oficiais e aprendizes – ficando
em um campo intermediário e a base sendo formada pelos serventes, essas duas últimas
categorias podendo ser compostas por livres e escravos. Notam-se duas importantes
diferenças com relação ao Arsenal de Guerra: a primeira era que havia um tipo de traba-
lhador empregado na Marinha que não tinha correspondência no quadro de pessoal do
exército, o dos condenados a galés, que eram usados na construção do dique imperial,
mas que não tinham função direta nas oficinas. 38 Parece que esta ideia de emprego de
indesejáveis deveria até ser expandida: o inspetor do Arsenal, seu diretor, chegou a en-
viar um ofício ao chefe de polícia em 1838 sobre os “muitos mendigos e vadios... que
podem ser aproveitados no serviço desse Arsenal (...), conseguindo-se por esse meio
limpar a cidade de semelhantes indivíduos”. 39

35
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jor-
dão ao coronel diretor do Arsenal de Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea, mandando forne-
cer bronze de canhões velhos para a fundição de 36 canhões no Arsenal da Marinha. Rio de Janei-
ro, 28 de fevereiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 515
36
Em 1862, se solicitou aos 1os tenentes engenheiros da Marinha, Braconnot e Antônio Gomes de Matos,
para darem um parecer sobre a máquina de raiar canhões que tinha sido feita no BRASIL – Ministé-
rio da Guerra. Ofício de Vicente Pereira da Costa Piragibe, da 1ª Diretoria Geral, 1ª Seção, ao Di-
retor do Arsenal de Guerra da Corte, Coronel Alexandre Albino Manoel de Carvalho, sobre maqui-
nistas da marinha. 20 de setembro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 498.
37
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra, Antônio Francisco de Paula e Hollanda
Cavalcanti d’Albuquerque, ao diretor do Arsenal de Guerra, mandando dar a Carlos Rouhette os
meios de fazer a máquina de descaroçar algodão. Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1846. Mss.
ANRJ. IG7 404.
38
Para uma discussão sobre os galés empregados no dique, ver: SOARES, op. cit.
39
TELLES, op. cit. p. 294.

266
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Em contraponto, nas repartições do ministério da Guerra, só encontramos o uso


de condenados em raras ocasiões. Na verdade, em 1829, o Inspetor da Junta dos Arse-
nais, escrevia que ao ministro que:

Abusando muito o resto dos presos sentenciados que foram removidos


da Presiganga para este Arsenal para trabalhar pelos seus ofícios do
grandiosíssimo benefício que obtiveram, comportando-se alguns mui-
to mal, e não correspondendo nenhum deles ao trabalho, que podem, e
devem prestar, e podendo mui bem dispensar-se atualmente todos eles
(...) cumpre-me rogar a V. Ex.a a regressão de todos para o seu verda-
deiro, e antigo destino da Presiganga.40
Houve outras tentativas de uso condenados como trabalhadores no AGC, mas
parece que este era limitado à limpeza de armamentos na Casa de Armas e nas costuras,
que podiam ser feitas nas prisões. 41

Mais importante do que os condenados era o outro extremo do corpo de operá-


rios – havia um cargo do Arsenal de Marinha que não tinha uma equivalência exata no
Arsenal de Guerra, o de construtor, o encarregado do desenho e construção dos navios,
originalmente sendo um operário qualificado, 42 só que com o tempo passou a ser um
engenheiro com formação técnica e caráter militar. Na documentação do AMRJ, o pri-
meiro construtor do Brasil Independente, José dos Santos Primeiro (sic), tinha a patente
de tenente, o mesmo acontecendo com seus sucessores, ainda que este posto fosse hono-
rário.

Em parte, o maior status dado a este funcionário era devido à necessidade técni-
ca do desenho de produtos complexos, como um navio, mesmo que isso tenha sido tra-
dicionalmente feito por artesãos, como dito. Em nossa opinião, mais importante era uma
mudança de concepção, que encarava a construção naval como uma atividade intelectu-
al e não manual, que necessitava de um projeto e coordenação de várias diferentes espe-

40
BRASIL – Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército. Ofício do Inspetor, José Francisco da Silva ao
ministro da Guerra, Joaquim de Oliveira Alves, 28 de abril de 1829. Mss. ANRJ. IG7 18.
41
BRASIL – Ministro da Guerra. Aviso do Ministro, José Clemente Ferreira, para o diretor do Arsenal,
José dos Santos e Oliveira. Rio de Janeiro, 7 de junho de 1842. Mss. ANRJ, IG7 503. O aviso era
para o diretor emitir “ordem para que nunca falte trabalho aos referidos presos”, oficiais de correeiro
e alfaiates da fortaleza de Santa Cruz e Aljube.
42
O construtor das quatro fragatas de Belém no período colonial era Valentim José, “mestre da Ribeira”,
um artesão, que chegou a fazer um requerimento de uma devassa contra seu superior, o superinten-
dente do Arsenal, algo impensável dentro da hierarquia militar normal. REQUERIMENTO do mes-
tre da Ribeira, Valentim José para o rei, solicitando a realização de uma devassa contra o intendente
da Marinha do Pará, João António a favor da Fazenda Nacional. s.d. [1821] Mss. Arquivo Ultrama-
rino. AHU_CU_013, Cx. 151, D. 11654.

267
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

cialidades artesanais, um passo conceitual que consideramos de fundamental importân-


cia.

Dessa forma, o operário Napoleão João Batista Level, filho de Jean Baptiste Le-
vel, mestre serralheiro e construtor naval que tinha vindo para o Brasil com a Missão
Artística Francesa, começou seu aprendizado – na forma tradicional, aos quatorze anos,
estudando de forma prática – no Arsenal de Marinha da Bahia. Só que, ao contrário dos
outros construtores e trabalhadores da instituição, a Marinha fez um investimento na sua
formação acadêmica: Level foi enviado para a França, para fazer o curso de engenharia
naval, retornando em 1852, com a patente honorária de 1º tenente – devendo-se frisar
que ele não fez o curso da Escola Naval, de formação de oficiais de Marinha.43 No
mesmo ano de seu retorno, projetou a corveta Imperial Marinheiro, desenhando mais
oito navios no Arsenal do Rio de Janeiro e três no da Bahia até 1865.

A formação acadêmica dos construtores do Arsenal não acabou com o envio de


Level em 1852. O engenheiro foi novamente designado para ir a Europa dez anos de-
pois, para estudar o projeto de encouraçados e os 1os tenentes, Carlos Braconnot, diretor
das oficinas, e Antônio Gomes de Matos, também foram enviados para a Europa em
1852, no caso deles para estudar engenharia mecânica, para poderem projetar e construir
motores a vapor. Segundo uma fonte de Marinha, a ideia era apoiar as empresas nacio-
nais:

(...) se as empresas marítimas, movidas por vapor, não podem dispen-


sar subvenções – e as terrestres também, por longo tempo, garantias
de juro, que são as mesmas subvenções disfarçadas com outra deno-
minação, não precisamos grande esforço para provar: que a mudança
da navegação de cabotagem a vela para a movida a vapor era indis-
pensável e não podia ser adiada em presença do progresso que nesse
sentido faziam as nações mais adiantadas.
E tanto o reconheceu assim o governo, que em 1853 ou 54 mandou a
Europa estudar máquinas os oficias da armada nacional Antônio Go-
mes de Matos e Braconnot 44
Nesse sentido, é interessante notar que o engenheiro Maylor, que fundaria uma
das grandes empresas no Rio de Janeiro (ver Figura 11), veio para o Brasil em 1849
como maquinista do vapor Afonso, passando a ser desenhista da Oficina de Máquinas
do Arsenal de Marinha, fazendo o aprendizado técnico lá. Depois, foi contratado para

43
TELLES, op. cit. p. 296.
44
Navegação de Cabotagem. Revista Marítima Brasileira, Ano V, Vol. IX. Rio de Janeiro: Lombaerts,
1883. p. 60.

268
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Mauá como engenheiro, até se associar com Miers para criar a Miers & Maylor, 45 o
segundo maior estaleiro/fundição/fábrica de máquinas do Rio de Janeiro na década de
1850.

Retornando ao nosso assunto, outro nome técnico que trabalhou no Arsenal era o
Henrique Antônio Batista, assim como Braconnot um oficial de carreira, que no Arsenal
era responsável pela diretoria de Artilharia e que foi enviado para a Europa em 1862,
para estudar o tema, sendo responsável pela criação do Laboratório Pirotécnico da Ma-
rinha.46 No caso, apontamos que eram quatro oficiais com formação superior, além dos
engenheiros civis que trabalhavam nas oficinas do Arsenal de Marinha – não como ad-
ministradores, mas como técnicos, um aspecto único em todas as manufaturas do go-
verno da época.

Consideramos importante frisar que esses técnicos eram oficiais respeitados:


Braconnot chegou ao posto de capitão de fragata, equivalente a tenente-coronel, um
oficial superior, e ele, assim como Level, foram homenageados pela Marinha, com ba-
tismo de navios com seus nomes.

A preocupação com o preparo do pessoal não se restringia ao de formação supe-


rior. A Marinha, como todas as instalações manufatureiras do governo, tinha um papel
educativo mais geral: em 1857 foi organizada uma Companhia de Aprendizes Menores,
como as que funcionavam no Arsenal de Guerra da Corte (ver capítulo 10), e o número
de aprendizes comuns nas oficinas é um indicativo de um desejo de fomentar a habilita-
ção profissional dos trabalhadores. Na Tabela 10 acima, referente à Marinha, em 1845,
32% dos trabalhadores das oficinas estavam fazendo o aprendizado. Para efeitos de
comparação, pode ser visto na tabela na página 177 que no estaleiro da Ponta da Areia,
em 1848, essa categoria correspondia à apenas 10% do pessoal e que na relação de em-
pregados da companhia de Mauá, de 1855, não constam aprendizes.

Ainda no campo do treinamento técnico, o relatório da Marinha de 1844 menci-


ona que havia uma “Aula de Risco de Construção Naval” (curso de desenho técnico),

45
A EXPOSIÇÃO Nacional - XX. Diário do Rio de Janeiro. Ano XLII, nº 70. Rio de Janeiro, 12 de março
de 1862.
46
MOITREL, Mônica Hartz Oliveira. A logística naval na Marinha Imperial durante a guerra da Trípli-
ce Aliança contra o governo do Paraguai. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. p.
105. No entanto, deve-se dizer que já havia uma oficina que atuava como laboratório antes, Gree-
nhalgh informando que muitas vezes esta era dirigida por um oficial do Exército. GREENHALGH
(1965), op. cit. p. 56.

269
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

com nove operários e um aluno externo matriculado. 47 Essa escola certamente era de
ensino avançado, já que ainda havia outra funcionando na instituição, uma “Escola de
Desenho”, com oito aprendizes inscritos, de onze a quatorze anos. Cremos ser notável a
presença dessas duas classes, tendo em vista a importância do desenho técnico na for-
mação do pensamento técnico do mundo moderno, como tratado no capítulo anterior.

Como uma última atividade em termos de formação de pessoal, existia uma “Es-
cola de Primeiras Letras”, com cadeiras de leitura, caligrafia e aritmética prática, basi-
camente destinada a crianças que trabalhavam na instituição, com 121 alunos. A relação
de alunos dessa Escola é curiosa, pois foi a única fonte que encontramos com a idade
dos trabalhadores das empresas do governo. Não podemos deixar de notar que essa es-
cola obviamente se dedicava ao pessoal mais jovem e menos qualificado, mas para uma
forma moderna de ver, é notável a presença de crianças de sete e oito anos trabalhando
como artesões, mesmo em funções de certo risco e que exigiam força física, como os
carpinteiros de machado.48 Tal prática, aparentemente, não era adotada no Arsenal de
Guerra, como vemos no caso dos aprendizes da oficina de fundição, mencionados antes,
onde se fez questão de enviar para a Marinha estudantes que já tivessem certo desenvol-
vimento físico.

Em termos de uma base de comparação com as outras manufaturas do governo


no período de nosso estudo, cremos que o Arsenal de Marinha, a partir da década de
1840, é a que mais se assemelha ao conceito de fábrica, por fazer amplo uso de máqui-
nas em diversos estágios da produção, como nas serrarias e nas oficinas de maquinistas,
fundição, poleeiros e funileiros. Contudo, o trabalho lá não era totalmente mecanizado,
havendo ainda grandes setores onde o trabalho artesanal era predominante ou exclusivo.
Por exemplo, na oficina de poleeiros, se usavam máquinas em duas fases da elaboração
do produto, mas as outras peças eram feitas manualmente, ao contrário do que acontecia
na Fábrica de Moitões de Portsmouth. 49 Mais importante, nessa fase da história da insti-
tuição, diversas oficinas e atividades eram totalmente artesanais, como as de costuras,
cordoaria e laboratório pirotécnico.

Deve-se frisar que a existência do Arsenal de Marinha, apesar de não ser o obje-
to de nosso estudo, é importante para entender o funcionamento da manufatura do Exér-

47
BRASIL – Ministério da Marinha. Relatório de 1845, op. cit. Mapa nº 3.
48
BRASIL – Ministério da Marinha. Relatório de 1845, op. cit. Mapa nº 5.
49
BRASIL – Ministério da Marinha. Relatório de 1851, op. cit. p. 14.

270
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

cito. Por exemplo, um dos problemas sempre apontado como uma dificuldade para a
existência de manufaturas no País foi a falta de mão de obra especializada,50 tal como
será tratado em outro capítulo e como as relações de pessoal da Fundição da Ponta da
Areia poderiam dar a entender (ver Tabela 8), no entanto, os arsenais de marinha eram
grandes empregadores de pessoal – tudo indica que seriam os maiores do país, havendo
constantes trocas de pessoal, serviços e materiais entre essas instalações,51 como já tra-
tamos brevemente.

6.1.2 Os Trens
Desde o início da colonização a coroa instalou vários armazéns reais, que guar-
davam as armas e munições que seriam necessários para as tropas – já são citados no
início da colonização, como em 1552, quando o Governo Geral forneceu armas e muni-
ções para a capitania de São Vicente.52 No entanto, como colocado antes, um sistema de
simples armazéns não era suficiente, a existência de manufaturas para as forças armadas
se justifica quando vemos que não era viável economicamente ou administrativamente a
produção de bens de natureza única ou de necessidade imediata somente na Europa,
aguardando-se então seu envio pra o Brasil.

Dessa forma, são conhecidas algumas instalações para a feitura e/ou reparo de
artigos militares existentes, desde o século XVII, como os Trens – mesmo os armazéns
reais podiam, às vezes, executar essas funções, como pode ser visto no caso da nomea-
ção de um armeiro para os de Salvador, em 1655.53 No entanto, não foi feito um estudo
sobre esses trens e as informações disponíveis são extremamente vagas. Consultando os
catálogos do Arquivo Ultramarino, antes do período Pombalino, encontramos algumas
referências passageiras aos do Pará e Bahia, já no século XVII, além de Pernambuco e
Rio de Janeiro no século seguinte. Parece ser evidente que, pelo menos, as grandes capi-
tanias, que tinham outras subordinadas a elas, tinham essas organizações. Isso sem falar
de capitanias subordinadas que as vezes também as tinham: Santos (SP) tinha uma des-

50
Entre outros, ver: FERREIRA, Armando Amorim. A indústria Naval Militar no Brasil através do Tem-
po. Revista Marítima Brasileira. 4º Trimestre, 1980. Rio de Janeiro: SDGM, 1980. p. 22.
51
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra, Major José de Vasconcellos
Menezes Albuquerque, ao Ministro da Guerra, Conde de Lages, sobre contratação de pessoal do
Arsenal de Guerra pelo de Marinha. Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1839. Mss. ANRJ.
52
CERTIDÃO que passou o provedor mor ao provedor Antônio Cubas provedor da fazenda de Sua Alte-
za nas capitanias de São Vicente e Santo Amaro, Salvador, 13 de fevereiro de 1552. DOCUMEN-
TOS históricos. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Monroe, 1929. p. 399.
53
REGISTRO de uma patente do Conde de Atouguia em que nomeia Antônio Parente por armeiro de Sua
Majestade. D. Jerônimo de Ataíde. Salvador, 16 de novembro de 1655. DOCUMENTOS Históricos.
Vol. XIX. Rio de Janeiro: Monroe, 1930. p. 436.

271
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

sas instalações desde pelo menos 1743, que é a data de construção do prédio ainda hoje
existente, tombado pelo IPHAN.

A difusão dessas organizações é fácil de explicar, sendo uma consequência natu-


ral da descentralização administrativa colonial e da facilidade de sua criação, já que
eram instalações bem básicas. Um exemplo disso é visível no caso de Alagoas. Em
1818, ano que foi criada a Capitania, desmembrada de Pernambuco, o Arsenal de Guer-
ra do Rio de Janeiro recebeu ordens de enviar para lá material para a criação de um pe-
queno trem com um laboratório pirotécnico anexo. Dessa forma, além de armas para
formar um depósito na nova capitania, foram remetidos: “uma forma de bronze do
adarme 17 para fundir balas de chumbo”, e “oficinas com todos os seus utensílios”,
para ferreiros, espingardeiros, coronheiros e artífices de fogo,54 mostrando a descentra-
lização dessas unidades básicas e a facilidade de sua criação.

Figura 33 – Projeto para a Casa do Trem de Belém, 1686. Arquivo Ultramarino.


A instalação proposta era uma ampliação da existente, ainda sendo muito simples, basicamente um depó-
sito de armas, artilharia e munições, as oficinas, na parte superior direita da planta, ocupando apenas
cinquenta metros quadrados, com duas forjas. Não são citadas outras oficinas além de armeiros.
Entretanto, é difícil saber como eram essas instalações. As dimensões dessas
manufaturas coloniais não eram das maiores, como mostra a figura do trem de Belém
acima ou o próprio tamanho das duas Casas do Trem que chegaram até os dias de hoje,
as de Santos e do Rio de Janeiro (ver Figura 2).

As instalações do tipo no período colonial eram descentralizadas, sendo subordi-


nadas aos governadores das capitanias, de forma que não havia uma grande integração

54
REINO UNIDO – Real Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e Fundições. Ofício da
Real junta ao Rei encaminhando lista de gêneros que se acham prontos para a capitania das Alago-
as. Rio de Janeiro, 10 de outubro de 1818. Mss. ANRJ, IG7 1.

272
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

entre elas, apesar do Arsenal do Rio às vezes fornecer materiais para outras instituições
do tipo. Um desses casos foi o já citado de Alagoas, outro quando foi preparado o mate-
rial para um pequeno parque de campanha, incluindo objetos para um laboratório e fer-
ramentas de ferreiros, serralheiros, funileiros, tanoeiros, carpinteiros de machado e de
obra branca, tudo seguindo com os reforços para o exército que foi combater no Rio
Grande do Sul em 1776, 55 ano da fundação do Trem de Porto Alegre. Mas essa situação
era atípica e devia-se ao fato do Rio de Janeiro ser responsável pelo fornecimento de
Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Os trens do Exército foram extintos com o regulamento do Arsenal de Guerra de


1832, que transformou os do Pará, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul e Mato
Grosso em Arsenais, o mesmo decreto determinando que nas outras províncias houves-
se apenas Armazéns de Artigos Bélicos. 56 Os novos armazéns em tese não tinham mais
a função de fabricar ou reparar itens, serviam apenas de entrepostos, onde os materiais
enviados pelos arsenais eram guardados até serem requisitados pelas unidades. Cada
província tinha seu próprio Armazém de Artigos Bélicos, com exceção de São Paulo,
que viria a ter três (Santos, São Sebastião e na capital da província) e o Rio Grande do
Sul, que teria vários (Rio Grande, Caçapava, São Gabriel, Rio Pardo e Pelotas57), por
causa do risco de guerra com o Uruguai ou Argentina. Cada um desses depósitos deve-
ria ter apenas um encarregado e dois serventes. Nesse sentido, a criação dos Depósitos
em 1832 foi uma medida relativamente atualizada, visando aumentar a eficiência admi-
nistrativa e evitando a duplicação de esforços decorrente da existência de muitas peque-
nas oficinas em locais com pouca infraestrutura.

Esse sistema de armazéns do Exército era complementado por uma rede de de-
pósitos de pólvora, todas as províncias tendo pelo menos um deles – no Rio de Janeiro
havia, funcionando ao mesmo tempo, vários deles (Boqueirão, Santa Bárbara, Fortaleza
de Santa Cruz e Andaraí).

55
SILVA, Crispim Teixeira, Sargento Mor Intendente. Relação das Obras, Munições e mais Petrechos
que se tem feito no Trem de S. Majestade Fidelíssima do Rio de Janeiro, no tempo Governo do Il.mo e
Ex.mo Sr. Marquês do Lavradio Vice Rei e Capitam General de Mar e Terra do Estado do Brasil,
continuado de 31 de outubro de 1769, até 31 de Agosto de 1776. Mss. Coleção Particular.
56
BRASIL – Decreto de 21 de fevereiro de 1832. Dá Regulamentos para o Arsenal de Guerra da Corte,
Fábrica da Pólvora da Estrela, Arsenais de Guerra e Armazéns de depósitos de artigos bélicos.
57
O depósito de Pelotas aparece apenas em um documento que localizamos, com a informação que lá se
faziam lanças, o que não deveria ser o caso de um depósito de artigos bélicos. BRASIL – Arsenal de
Guerra de Porto Alegre. Ofício do diretor do Arsenal ao Comandante das Armas. Porto Alegre, 12
de julho de 1853. Mss. ANRJ. IG7 460.

273
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

6.2 As fábricas de armas das capitanias


Com a vinda da Família Real portuguesa para o Brasil se iniciou um processo
generalizado de procura de meios de produzir armas no País, para suprir as necessidades
das forças armadas locais, cortadas de fornecimentos regulares vindos da Metrópole.
Uma tentativa foi feita com a Fábrica de Canos da Conceição, que será tratada entre as
repartições do Arsenal de Guerra. Mas esta não foi a única iniciativa. Na Gazeta do Rio
de Janeiro de 15 de maio de 1811 foi publicada uma pequena nota sobre as atividades
de defesa do Conde dos Arcos, na Bahia, em que se menciona que ele teria formado
“um trem com fábrica de armas, bombas e balas”,58 mas não encontramos outros dados
sobre essa proposta.

Outra tentativa foi feita no mesmo ano em Minas Gerais, sobre a qual temos
mais informações: em novembro uma espingarda feita na capitania foi enviada para ser
examinada pelo general Napion, 59 o inspetor geral da artilharia, e no mês seguinte um
“aviso régio determinava ao Governador da Capitania informar se em cada semestre
poderiam ser aprontados mil fechos de espingarda”.60

Notamos que a prioridade era a fabricação de fechos e não de armas completas,


pois havia muitos canos utilizáveis disponíveis em depósito: os fechos e coronhas, sen-
do peças mais delicadas, se estragavam mais facilmente, de forma que havia em depósi-
to uma grande quantidade das outras peças e as coronhas podiam ser feitas por artesãos
de menor qualificação. Em 1843, o senador Clemente Pereira, reproduzindo uma situa-
ção comum por toda a 1ª metade do século XIX, dizia no senado: “Não convém por isso

58
GAZETA do Rio de Janeiro, nº 39, 15 de maio de 1811. p. 3.
59
Carlo Gerolamo Antonio Maria Galleani Napione di Coconato, filho caçula do conde de Coconato.
Com treze anos assentou praça como cadete de artilharia em 1770, frequentando a Escola Real Teó-
rica e Prática de Artilharia, onde foi discípulo de Alessandro Vittorio Papacino D’Antoni. Se formou
com especialização em mineração, química e metalurgia. Mais tarde foi instrutor da escola de arti-
lharia e catedrático de química, tendo participado de comissões científicas e publicado trabalhos na
área de mineralogia. Em 1790, já promovido a capitão, foi indicado para trabalhar no Arsenal do Pi-
emonte, onde aperfeiçoou os processos metalúrgicos e de fabricação de Pólvora. Cinco anos depois,
foi promovido a major e nomeado Inspetor do Conselho das Minas. Com a conquista do Piomonte
pelos franceses em 1798, ele passou ao serviço de Portugal em 1800, recebendo a patente de tenente-
coronel no ano seguinte. Foi nomeado Inspetor (diretor) do Arsenal de Lisboa em 1801, com a fun-
ção de modernizar os processos manufatureiros lá. Em 1807 foi promovido a brigadeiro, vindo para
o Brasil com a família real no ano seguinte. No País, foi Inspetor-Geral da Real Junta Fazenda dos
Arsenais, Fábricas e Fundições; Inspetor-Geral de Artilharia; membro do Conselho Supremo Militar;
Inspetor e Fiscal da Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema; e Presidente da Junta Militar da
Academia Real Militar. Faleceu como tenente-general (general de divisão) em 1814. NAPIONE,
Carlo Antonio. Dizionario Biografico degli Italiani - Volume 77 (2012). https://goo.gl/bVv9Yk
(acesso em abril de 2017).
60
DORNAS Filho, João. O ouro das Gerais e a civilização da capitania. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1957. p. 159.

274
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

atualmente fabricar espingardas novas; creio, porém, que será muito útil aproveitar o
grande número de canos, baionetas, varetas e ferragens que existe nos arsenais em bom
estado”.61 No mesmo ano, havia 17.335 espingardas em depósito na Conceição, das
quais apenas 1.772 (10%) prontas para uso. Havia também 5.365 canos em depósito,
mas apenas 853 fechos, todos precisando de conserto.62

Desta forma, se solicitou que a empresa de Minas Gerais, situada em Vila Rica,
se concentrasse na fabricação dos mecanismos de disparo, a manufatura devendo ficar
sob a administração do barão de Eschwege, o diretor da Fábrica de Ferro Patriótica,
como tratamos no capítulo 5. Em 21 de janeiro de 1812 foi emitida uma carta régia diri-
gida ao Conde da Palma, capitão general de Minas Gerais, para criar uma escola de ser-
ralheiros e espingardeiros para preparar os fechos, aproveitando

alguns hábeis artistas espingardeiros e serralheiros para formarem uma


escola e viveiro de aprendizes e oficiais que exclusivamente se ocu-
passem de preparar bons fechos para armas de tropa, segundo os mo-
delos que daqui se vos mandaram, a ai fizeste primorosamente execu-
tar, de que resultaria, enquanto ai não mando também estabelecer uma
grande fábrica de armas, o poderem vir fechos em grande quantidade,
que facilitassem aprontar-se logo uma numerosa quantidade de armas,
de que muito necessita a minha Tropa de Linha e Milícias.63
A carta régia deixando claro que as funções dessa escola, que faria as peças en-
quanto não se instalasse uma fábrica na capitania, seria a de fornecer fechos para a Fá-
brica de Armas da Conceição (ver capítulo 9) – os preços dos mecanismos sendo regu-
lados pelos que eram pagos na manufatura do Rio de Janeiro.64

Em abril, o capitão general informou que tinham ido para a corte os dois mestres
espingardeiros da capitania, quatro oficiais de serralheiro e quatro ferreiros, para se
apresentarem na Fortaleza da Conceição, afim de “aprenderem e se aperfeiçoarem na
arte de fabricar espingardas”.65

61
ANAIS do Senado, tomo I. Brasília: Secretaria de Anais, 1978. Sessão de 3 de abril de 1843. p. 66.
62
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado à As-
sembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 5ª legislatura pelo Respectivo ministro e secretário de
estado dos negócios, Jerônimo Francisco Coelho. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1844. Mapa
5.
63
PORTUGAL – Carta Régia de 21 de janeiro de 1812. Manda formar na Capitania de Minas Gerais
uma escola de serralheiros, oficiais de lima e espingardeiros para se ocuparem de preparar fechos
de armas.
64
id.
65
FONSECA, Celso Suckow. História do ensino industrial no Brasil. Vol. I. Rio de Janeiro: Rio de Ja-
neiro: s.ed., 1961. p. 97.

275
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Não sabemos bem por que, em agosto de 1812 se mandou suspender a instalação
da fábrica de fechos. Mesmo assim, o conde de Palma tinha ordenado que um mestre
local fabricasse espingardas completas, que custariam 8.000 réis cada, feitas com o ferro
obtido nas forjas locais. Com a entrega dessas armas, acabou a iniciativa de fabricação
de armas em Minas Gerais. 66 Outra tentativa seria feita em São Paulo.

6.2.1 A Fábrica de Armas de São Paulo


Em 1801, Portugal tentou instalar uma fábrica de armas no Porto e se contrata-
ram armeiros na Prússia para a montar, pessoal que veio para o Brasil em 1810 (ver
capítulo 9). Não há maiores informações sobre os armeiros prussianos contratados em
Portugal até 1816, quando temos a rápida menção a uma ordem para o envio de um de-
les, junto com uma máquina de brocar canos para Minas Gerais, 67 algo que não foi feito.
Sabemos que, após chegarem, permaneceram na Fortaleza da Conceição, onde o pro-
blema da falta de máquinas adequadas para o seu estilo de trabalho certamente implicou
que pouco poderiam fazer ali, algo que Saint-Hilaire corrobora, dizendo que permanece-
ram “alguns anos no Rio de Janeiro, quase sem nada fazer”.68 Uma mudança ocorreu em
1816, quando terminou o prazo de seu contrato inicial e um novo ajuste foi negociado
com alguns deles em abril de 1817, com uma duração de cinco anos.69

Pelo contrato, os armeiros deveriam seguir para São Paulo, levando as máquinas
que tinham trazido da Europa e que estavam sem uso na Fortaleza da Conceição.70 Na
capitania, montariam uma fábrica de armas – parece que a intenção era que esta fosse
instalada junto da Fábrica de Ferro de Ipanema, onde haveria matéria prima e força mo-
triz, mas não temos como ter certeza disso. O fato é que os armeiros foram para a capi-
tania em 1818, se estabelecendo na capital, no Trem de São Paulo, que tinha sido criado
em 1798, junto com um laboratório de fogos artificiais e que funcionava junto do quar-
tel da cidade. O local, novamente, não tinha acesso a um rio que pudesse mover as má-

66
FONSECA, op. cit. p. 99.
67
REINO UNIDO – Ministério da Guerra. Aviso do ministro dos negócios de estrangeiros e a Guerra.
Aviso do marquês do Aguiar à Junta de Arsenais, mandando remeter para a capitania de Minas Ge-
rais uma broca de cano de espingarda e um artífice alemão que trabalha na Real Casa das Armas
da Fortaleza da Conceição. Rio de Janeiro, 17 de abril de 1816. Mss. ANRJ. IG7 33.
68
SAINT-HILAIRE, Augusto de. Viagem à Província de São Paulo e resumo das viagens ao Brasil,
Província Cisplatina e missões do Paraguai. São Paulo: Livraria Martins, 1972. p. 163.
69
BOLETIM do arquivo histórico militar, 16º volume. Vila Nova do Famalicão: Minerva, 1946. p.13
70
REINO UNIDO – Ministério da Guerra. Aviso do ministro dos negócios estrangeiros e da guerra para
a Real Junta do Arsenal do Exército, Fábricas e Fundições, sobre novo contrato dos armeiros prus-
sianos e envio de máquina de brocar cano para São Paulo. Conde da Barca. Rio de Janeiro, 17 de
abril de 1817. Mss. ANRJ. IG7 34.

276
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

quinas, o problema básico dos motores continuando. A solução foi remeter a broca hi-
dráulica que deveria fazer os canos para Ipanema,71 enquanto os armeiros das outras
especialidades ficavam na capital – no mínimo, isso indica uma divisão de trabalho nes-
sa manufatura.

Segundo as informações disponíveis, na Fábrica de São Paulo ficaram dez ar-


meiros, inicialmente sob a direção do tenente coronel engenheiro Daniel Pedro Müller,
filho de alemães. Lá os trabalhadores sofriam de uma série de problemas, como a difi-
culdade da língua – mesmo depois de doze anos em Portugal e no Brasil – além de não
haver força motriz, como dito acima.72 Saint-Hilaire aponta ainda outra dificuldade em
formar mão de obra local, dizendo que havia problemas de rotação de pessoal nacional,
que ficava pouco tempo na Fábrica, tendo até que ser compelido a trabalhar. Não sabe-
mos se essa reclamação é correta: Martius, escrevendo sobre suas viagens, diz que uma
das espingardas de sua expedição “foi consertada bastante bem por um negro apren-
diz”. 73 Além disso, se mencionam que na fábrica trabalhavam sessenta operários nacio-
nais, segundo um autor “quase todos negros ou mulatos”. 74 Apesar de suas críticas,
Saint-Hilaire se contradiz um pouco com relação à questão do pessoal nacional, dizendo
que os armeiros prussianos tinham formado aprendizes, “com os quais a administração,
em pouco tempo, pode dispensar o trabalho estrangeiro”.75

Os trabalhadores prussianos tinham um salário elevadíssimo para a época, de


2.000 réis por dia, que equivaleria ao soldo de um major pela tabela de soldos de 1825,
tendo também uma série de benefícios. As cláusulas do contrato de 1817 previam o pa-
gamento mesmo em domingos e dias santos, que eles teriam moradia paga pelo gover-
no, que receberiam seus vencimentos mesmo enquanto a fábrica não estivesse montada,
teriam auxílio médico, seus filhos seriam educados à custa da coroa, que estes seriam
isentos de recrutamento, suas viúvas receberiam pensões em caso de morte dos mestres,
todos teriam transporte para a Europa no final de seus contratos e teriam direito a uma
aposentadoria.76 Condições extremamente vantajosas, só que eles apresentavam proble-

71
ATA da 43ª sessão do governo provisório de São Paulo, São Paulo, 6 de outubro de 1821. DOCU-
MENTOS interessantes, vol. 11. São Paulo: Cândido Filho, 1913. p. 68.
72
SAINT-HILAIRE, op. cit. p. 163.
73
SPIX, J. B. von & MARTIUS, C. F. P. von. Viagem pelo Brasil: 1187-1820. Vol. I. São Paulo: Melho-
ramentos, 1976. p. 125.
74
AZEVEDO, Aroldo. A cidade de São Paulo: aspectos de geografia urbana. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1958. p. 27.
75
SAINT-HILAIRE, op. cit. p. 163.
76
BOLETIM, op. cit. pp. 14-15.

277
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

mas de ajuste à sua situação, Saint-Hilaire escrevendo que a embriaguez era comum
entre eles.77

A fábrica de São Paulo, quando foi visitada por Saint-Hilaire em 1820, dois anos
depois de sua fundação, tinha produzido apenas seiscentas armas, feitas pelo padrão
prussiano, um número muito reduzido para os esforços feitos, o que resultava em um
custo muito elevado por cada espingarda, levando em conta as imensas vantagens dadas
aos armeiros europeus. A eficiência, contudo, aumentou, aparentemente depois da de-
missão dos estrangeiros: em um relatório escrito muitos anos depois da fábrica ter fe-
chado, se informa que a produção do estabelecimento foi suficiente para armar três bata-
lhões e um esquadrão de cavalaria em 1822-24,78 o que pode ser avaliado entre 1.300 e
2.600 armas. Consideramos que isso ainda era pouco para pelo menos dois anos de tra-
balho – as armas feitas foram tão poucas que não se conhecem exemplares delas em
coleções públicas ou particulares hoje em dia.

De qualquer forma, em 1822, o diretor da Fábrica, então o 1º tenente de enge-


nheiros José Joaquim de Abreu, escreveu uma representação dizendo que afirmava que
a manufatura estava florescendo e que não havia necessidade de conservar os espingar-
deiros estrangeiros – ele menciona alemães e suecos, esses últimos provavelmente vin-
dos com Hedberg, para a fábrica de Ipanema.79 A representação continuava, pedindo
medidas para expandir o estabelecimento, uma pergunta que fazia sentido, pois o con-
trato com os estrangeiros acabou naquele ano, sendo necessário tomar medidas para a
continuidade e ampliação da instituição. Só que aparentemente essas medidas não foram
tomadas – o relatório de Capanema sobre a fábrica de ferro, de 1863, dá uma noção do
destino final da Fábrica de Armas. Segundo ele, o diretor de Ipanema entre 1824 e 1833,
Antônio Hernandez Ferreira, determinou a mudança das oficinas de armas para Ipane-
ma, o que gerou problemas:

o ato mais saliente de sua administração foi a mudança da fábrica de


armas da capital para Ipanema; os mestres que eram nacionais, e ti-
nham família em São Paulo, não estiveram pela remoção, e extinguiu-

77
id. p. 163.
78
Relatório sobre a Fábrica de ferro de Ipanema. Guilherme Schüch de Capanema. 31 de março de 1864.
In: BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na se-
gunda sessão da décima-segunda legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da
Guerra, José Marianno de Matos. Rio de Janeiro: Laemmert, 1864. p. 30.
79
MATOS, Raimundo José da Cunha. Memória estatística, econômica e administrativa sobre o arsenal
do exército, fábricas e fundições da cidade do Rio de Janeiro. Vila Nova de Famalicão: s.ed. 1939.
p. 32.

278
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

se por este modo um estabelecimento utilíssimo; a consequência foi o


Brasil ter mais tarde de recorrer à Europa, para comprar armas da cos-
ta d’África80, e até ser envolvido em pouco airoso processo. 81
As oficinas aparentemente ainda existiam em 1830, pois o relatório do ministro
da Guerra, ao tratar das manufaturas do exército, no que tange à Fábrica de Armas da
Conceição, diz que “o Governo por mais de uma vez tem desejado remover as oficinas
de espingardeiro para a província de São Paulo”. 82 Mas certamente não funcionavam
mais após as reformas da Regência, que implicaram em grande redução de despesas do
Ministério da Guerra.

6.2.2 Laboratórios pirotécnicos


Um tipo muito pouco conhecido de manufatura que existia no Brasil Colônia e
Império eram os laboratórios pirotécnicos, pequenas unidades, para fabricação de muni-
ção e fogos artificiais. Temos indicações que estes eram bem comuns, por dois motivos:
primeiro, por ser necessário um suprimento regular de munição, mesmo em locais onde
não havia operações militares – havia um gasto constante com treinamentos e festivida-
des, como nas diversas procissões da época, onde era comum que as tropas participas-
sem e fizessem salvas. 83 Como a principal munição da época, o cartucho de armas por-
táteis, era muito frágil, de papel, usando um propelente altamente higroscópico (suscetí-
vel a humidade), deixando de funcionar se ficasse armazenado muito tempo, era neces-
sária uma produção constante dessa munição.

Outra razão que fazia com que houvesse vários laboratórios espalhados pelo País
era sua grande simplicidade: a feitura de munições de armas portáteis nessa época im-
plicava em três atividades principais. A primeira era, literalmente, a de embrulhar em
papel a pólvora e a bala para fazer o cartucho. Em segundo lugar, os laboratórios enchi-
am com pólvora alguns tipos de projéteis específicos e de uso muito ocasional, como as
bombas e granadas. Finalmente, se faziam algumas munições e artefatos de uso especi-

80
O autor refere-se à armas de baixa qualidade, produzidas na Europa para o comércio de escravos. As
vezes, comerciantes pediam armas inutilizadas da Conceição para esse mesmo fim. Ver: PETIÇÃO
de Manoel Rodrigues Teixeira para comprar cem Espingardas Inúteis das que se acham no Depósito
da Fortaleza da Conceição cujas espingardas pretende o suplicante transportar para a Costa da África
para o seu produto vir em marfim ou cera. Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1835. Mss. ANRJ. IG7
320.
81
id. p. 30.
82
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório do ano de 1830. s.n.t. p. 10.
83
Entre outros, ver: BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro da Guerra Manoel da Fonseca
Lima e Silva ao Sr. José de Vasconcelos Meneses de Drummond [diretor do Arsenal de Guerra], au-
torizando a venda de 1100 cartuchos desembalados de adarme 12 para a Procissão do Santíssimo
Sacramento. Rio de Janeiro, 4 de junho de 1836. Mss. ANRJ, IG7 321.

279
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

al, como granadas de iluminação e incendiárias, velas de composição, espoletas etc., o


que na época se chamava de fogos artificiais.

O trabalho não envolvia grandes instalações, o uso de máquinas ou ferramentas


complicadas e empregava apenas alguns homens. O assunto do quadro de pessoal deve
ser enfatizado, pois essas manufaturas tinham o aspecto único no país, de serem basi-
camente organizações militares, todo o pessoal que trabalhava nelas sendo de soldados,
retirados das unidades militares locais. Ocasionalmente podiam se usar empregados
civis, como o caso de um artífice do fogo, que após dar baixa foi contratado pelo Arse-
nal o Rio para continuar trabalhando no Laboratório do morro do Castelo.84 Mas isso
era a exceção: mesmo o mestre da oficina era um artífice de fogo, um militar. 85 O mes-
mo ocorria no Laboratório Pirotécnico de Belém em 1862, onde o encarregado era um
“mancebo artífice”, adido ao 3º Batalhão de Artilharia a Pé, ou seja, era um praça desta-
cado de uma das Companhias de Artífices de outras províncias, destacado lá para admi-
nistrar a instalação. Neste caso, mostra-se um dos problemas da prática: a oficina parava
de funcionar quando o artífice era chamado para as formaturas de seu batalhão.86

Os laboratórios, mesmo normalmente ficando em locais isolados, para não cau-


sarem danos à população em caso de explosão acidental, eram subordinados aos Arse-
nais e Trens locais. Isso se entende tendo em vista que não havia a necessidade de haver
uma estrutura burocrática própria para essas instalações e pelo fato de que a produção
dependia de insumos – pólvora, papel e projéteis vazios –, que eram fornecidos pelos
Arsenais, que também faziam a distribuição do material produzido nessas pequenas ma-
nufaturas, que tinham a caraterística de oficinas artesanais.

Este tipo de unidade de produção começou a ser substituído com a evolução das
técnicas: a partir de 1851 o exército adotou de forma limitada armas de fulminante, que
disparavam usando uma cápsula de cobre com uma pequena quantidade de fulminato de
mercúrio (Hg(CNO)2), uma substância altamente explosiva e que, mais importante, ne-
cessitava de um laboratório químico para ser preparada. As próprias cápsulas onde o

84
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, Marechal de Exército José Maria da Silva
Bittencourt ao ministro da Guerra. Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1852. Mss. ANRJ, IG7 13.
85
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra, 30 de janeiro de 1860. Mss. ANRJ,
IG7 17.
86
BRASIL – Tesouraria da Fazenda do Exército no Pará. Relatório da inspeção a que, por ordem do
Governo Imperial, se procedeu no Arsenal de Guerra da Província do Pará. Coronel Francisco Er-
nestino Ferreira de Araújo, Francisco Pedro Gurjão, chefe de seção da Tesouraria da Fazenda. Be-
lém, 5 de dezembro de 1862. Mss. ANRJ, coleção Polidoro, maço 10.

280
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

produto era colocado eram feitas em máquinas que cortavam e dobravam o cobre na
forma necessária. Isso fez com que a produção de munições começasse a se concentrar
em instalações com caráter mais fabril, a primeira delas sendo o Laboratório Pirotécnico
do Campinho, RJ, criado em 1851 e que será tratado quando falarmos das repartições do
Arsenal de Guerra. Os laboratórios pirotécnicos comuns, das províncias, continuaram a
existir até a década de 1870, quando a produção de munição passou a se concentrar em
três unidades, maiores, as do Campinho, Cuiabá e Menino de Deus (RS), já totalmente
mecanizadas.

6.2.3 A Fábrica de Ferro de São João Batista de Ipanema


Como dito no capítulo 4, no campo dos empreendimentos metalúrgicos, o go-
verno deu subsídios para a Fábrica de Ferro do Morro do Pilar (Ouro Preto) e a de Ipa-
nema (Sorocaba). Apesar de não ser um dos objetos centrais desse trabalho, Ipanema
tem um interesse para a história dos empreendimentos manufatureiros do governo, es-
pecialmente para a do Arsenal, considerando suas semelhanças e contrastes com o fun-
cionamento da instituição do Rio de Janeiro.

A ideia de uma nova fábrica em Sorocaba começou em 1809, quando o governo


mandou vir um engenheiro militar alemão especializado na fundição de ferro, Friedrich
Ludwig Wilhelm Varnhagen 87, que elaborou o projeto inicial do empreendimento, a ser
operado por pessoal vindo da Suécia. Este seria uma empresa “de capital misto”, com
22% dos investimentos sendo feitos pelo príncipe Regente, que cedeu 85 escravos da
nação e bois de tração para integralizar sua participação.88

O empreendimento foi localizado em uma região onde se concentravam os ele-


mentos necessários para a produção: florestas para a feitura de carvão, necessário como
combustível; mineral de ferro e calcário. Também havia uma fonte de água corrente,
capaz de mover máquinas hidráulicas, indispensáveis para o funcionamento de uma
fundição: martinetes e foles, além de outras para dar acabamento aos produtos.

A companhia começou a produzir ferro em 1813, mas não usando os altos fornos
projetados por Varnhagen (ver Figura 34), que poderiam resultar na fundição integral do
metal e sim um sistema mais primitivo, de forjas catalãs. Eschwege e o Senador Ver-
gueiro acusaram o administrador inicialmente encarregado do empreendimento, o sueco
87
O pai do historiador, Visconde de Porto Seguro, que nasceu em Ipanema.
88
PORTUGAL – Carta Régia de 4 de dezembro de 1810. Manda fundar um estabelecimento montanhis-
tico em Sorocaba para extração do ferro das minas que existem na Capitania de S. Paulo.

281
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Hedberg, de malversação de recursos,89 os trabalhos sob sua direção não tendo tido bons
resultados. Os problemas foram tais que o general Napion, inspetor geral da Artilharia,
foi para Ipanema em 1812, tentar os resolver, sem conseguir. Varnhagen finalmente
assumiu a administração geral dos trabalhos três anos depois e implementou seu projeto,
com a construção de dois altos fornos, capazes de uma produção mais elevada.

Um curioso documento90 da Junta da Fábrica de Ipanema de 1828, já depois da


volta de Varnhagen para a Europa, especifica uma produção média de 131 toneladas por
ano, quase dez vezes mais do que a média de quinze toneladas da fábrica de Eschwe-
ge. 91 Mais notável é a capacidade que a Fábrica tinha de produzir objetos acabados de
ferro fundido, como canos, engrenagens, cilindros e eixos de engenhos, munições92 e
assim por diante.

Ferro em
Ano Soma ton. % modelado Empreiteiros
Barra ton. Modelado ton.
1823 46 99 145 68% 190
1824 32 122 154 79% 320
1825 36 101 137 74% 350
1826 47 45 92 49% 427
1827 44 86 130 66% 500
93
Tabela 11 – Produção de ferro da Fábrica de Ipanema – 1823-1827.
A menção a objetos modelados é interessante, pois mostra que a maior parte da produção era de produtos
acabados, como munições, feitos pela modelagem em caixa de areia. Para isso, a fábrica tinha entre seus
operários um mestre modelador, o alemão Estevan Schmit, que foi contratado com a condição de fazer
seu ofício e “prestar-se à organização de fundições tanto para munição e artilharia, como para outros
fabricados ordinários e usuais”.94

89
ESCHWEGE, W. L. von. Pluto Brasiliensis. Vol. II. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944.
pp. 368 e 369 e VERGUEIRO, Nicolau Pereira de Campos. História da Fábrica de Ipanema e defe-
sa perante o Senado. Brasília: Senado Federal, 1979. pp. 21-22
90
O documento é exótico, pois trata de uma reclamação feita pelos oficiais de milícias quanto ao excessi-
vo número de empreiteiros contratados pela fábrica, pois esses, com base na legislação de incentivo
às manufaturas, estavam isentos do recrutamento, atrapalhando o serviço militar na região. BRASIL
– Junta da Fábrica de São João de Ipanema. Atas do Conselho da Presidência da Província de São
Paulo. 85ª Sessão. 18 de outubro de 1828. DOCUMENTOS interessantes. Vol. 86. São Paulo: s.ed.,
1961. p. 162.
91
ESCHWEGE, op. cit. p. 427.
92
Em 1821, o diretor do Arsenal de Guerra do Rio apontava um erro na feitura de “avultadíssimo número
de projéteis fundidos na fábrica de Sorocaba”, o autor especificando que isso não fora falta de Var-
nhagen, mas um erro oriundo de não haver uma “ordenança” (regulamento) com as dimensões da ar-
tilharia em uso no País. MATOS, 1939, op. cit. p. 36.
93
BRASIL – Junta da Fábrica de São João de Ipanema. 18 de outubro de 1828, op. cit. Uma relação da
produção da manufatura, de 1828, informa que tinham sido fundidas 152 toneladas de ferro naquele
último ano. CONTA dos produtos fundidos na próxima passada campanha de forno alto desde 5 de
outubro de 1827 até 18 de maio de 1828. Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, 17 de setembro
de 1828. O FAROL Paulistano, nº 155, São Paulo 11 de outubro de 1828. p. 648.
94
BRASIL – Legação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve em Berlim. Contrato com o mestre
moldador Estevan Schmid. VERGUEIRO, op. cit. p. 43.

282
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Apesar dessa tabela, se considera que depois da volta de Varnhagen para a Eu-
ropa, em 1821, a fábrica entrou em decadência, por problemas em erro no projeto do
açude que forneceria água para as máquinas; pelo esgotamento das florestas que forne-
ciam carvão e, principalmente, “pela incompetência dos administradores”.95 A direção
do estabelecimento realmente apresentou problemas: havia a proposta de fabricar peças
de espingardas em Ipanema e foram enviadas máquinas para isso, mas elas nunca che-
garam a ser instaladas. Também houve o problema da transferência da Fábrica de Ar-
mas de São Paulo, já citado. O torno de brocar canhões que estava no Arsenal de Guer-
ra da Corte e que foi enviado para Ipanema, igualmente não foi montado.96

Figura 34 – Detalhe do projeto da fábrica de ferro de Ipanema, 1810. 97


Identificamos em vermelho as oficinas ilustradas: um corte dos altos-fornos no centro (1), ladeados pelos
foles. Ao lado da casa dos fornos, dois engenhos de maceração de minério (2). Nas extremidades, duas
casas para martinetes, com forjas de refino (3), tudo movido por força hidráulica. Como se vê pelo dese-
nho, o uso das rodas d’água era um componente indispensável ao projeto de Varnhagen.
As dificuldades administrativas continuaram até o major Bloem assumir a dire-
ção da manufatura em 1834 – a Fábrica tinha passado à administração do Exército em
1832. Este oficial reorganizou e retomou a produção em 1836, fornecendo materiais
para o Exército, principalmente munição,98 mas incluindo outros produtos. Entre estes
estavam limas, ferramentas feitas de aço de alta qualidade99 e pelo menos dois canhões
foram feitos, que hoje encontram-se no acervo do Museu Paulista (ver Figura 35).

95
ESCHWEGE, op. cit. p. 415.
96
A EXPOSIÇÃO Nacional - XXI. Diário do Rio de Janeiro. Ano XLII, nº 71. Rio de Janeiro, 13 de mar-
ço de 1862.
97
FÁBRICA de ferro de Ipanema, projeto do capitão Frederico L. G. Varnhagen em 1810. Cópia de João
Sá Filho. Rio de Janeiro, 1916. Mss. Arquivo Histórico do Exército.
98
BRASIL – Fábrica de Ferro de S. João de Ipanema. Relação e importância dos objetos ora remetidos
deste Armazém, por ordem superior ao Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro. Francisco Cândido
Sagaterra, Almoxarife. Ipanema, 23 de agosto de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323. Essa remessa, uma de
várias do mesmo ano, trata de munição, com o peso de 3.500 kg.
99
BRASIL – Fábrica de Ferro de S. João de Ipanema. Ofício de João Bloem, major diretor da Fábrica de
Ipanema ao Ministro da Guerra, Conde de Lages, pedindo conhecimento de material enviado ao Ar-
senal de Guerra da Corte. Ipanema, 7 de setembro de 1839. Mss. ANRJ. IG7 325.

283
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Figura 35 – Canhão fundido em Ipanema 100


Este canhão, que tem as inscrições “25 de agosto” e “viva o Major Luiz Pacheco” não tem data e a única
referência que encontramos a um major Luiz Pacheco é posterior ao nosso recorte, apesar desta peça
certamente ser de um estilo arcaico, feita por um artesão que não tinha conhecimento sobre a manufatura
de peças de artilharia, com decorações excessivas e inúteis, do tipo que tinham sido eliminadas pelo gene-
ral Gribeauval no século XVIII. É mais uma peça de apresentação do que utilitária. O Museu Paulista tem
outra peça de ferro fundido feita em Ipanema, datada de 23 de Julho de 1840, 101 igualmente feita se m
seguir as práticas da época, indicativos de que ambos eram canhões comemorativos e não propriamente
funcionais.
Foram até fabricadas peças para uma máquina a vapor para o Arsenal de Guerra,
que não chegou a ser instalada, mas duas outras foram postas para funcionar na própria
Ipanema. Outros produtos, civis, incluíam canos para águas.

A tubulação acima mencionada é interessante, pois a documentação permite es-


tabelecer uma comparação com material importado e com a produção local fora de Ipa-
nema. Os canos, para o chafariz de Santa Rita, na cidade do Rio, foram orçados a 70
réis por libra, se feitos em Ipanema; a 73 réis, se importados da Inglaterra; e a 280 réis
por libra, quatro vezes mais caros, se fossem feitos em fundições do Rio de Janeiro.102
No entanto, o diretor do Arsenal observava que nesse orçamento não entrava o frete de

100
Peça número RG 3739.
101
Peça número RG 3741.
102
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, José de Vasconcelos Menezes de Drum-
mond ao Ministro da Guerra. Rio de Janeiro, 6 de março de 1837. Mss. ANRJ, IG7 20.

284
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Sorocaba para a Corte, que para munição era de 320 réis por arroba, ou seja, 10 réis por
libra, valor que tornaria o produto menos competitivo com o importado, a não ser que
fosse implantada uma taxa de importação.103 De qualquer forma, os custos de produção
de Ipanema não eram absurdamente elevados, sendo até competitivos com os importa-
dos, em certas circunstâncias.

Tudo indica que na administração de Bloem teria havido uma recuperação na si-
tuação de Ipanema – chegou-se até a se ordenar um ensaio de fabricação de fechos de
clavinas e pistolas em 1841, produtos altamente técnicos.104 Contudo, o major Bloem
apoiou a Revolução Liberal de 1842 e foi demitido com a derrota dos revolucionários.
Depois disso a Fábrica não teve o mesmo desenvolvimento, não sendo dirigida por pes-
soal administrativo habilitado. Isso é um problema recorrente nas forças armadas até
hoje, onde é comum a troca regular de diretores de organizações militares. Nem sempre
uma pessoa com os conhecimentos adequados assumia a responsabilidade por um servi-
ço e, mais importante, isso criava dificuldades em muito a manutenção de uma política
regular e constante para uma instalação. Esse fator era ainda mais complicado com a
questão política, pois os ministros da Guerra se alternavam com uma rapidez muito
grande, sendo que drásticas alterações na política das forças armadas eram usuais, mui-
tas vezes se abandonando grandes investimentos feitos, por não se enquadrarem na vi-
são de um administrador que substituía outro. Isso já era reconhecido no século XIX,
como foi colocado em uma sessão do Senado, em 1843:

Qualquer que seja porém a organização do nosso exército, será sempre


um grande inconveniente que cada ministro lhe dê uma forma diferen-
te; isto não afeta só a disciplina do exército, afeta também a despesa
pública, obriga a despesas enormíssimas sem utilidade pública. Cada
ministro organiza o exército como lhe parece, e não pode haver di-
nheiro que chegue para fazer face as despesas que essas mudanças tra-
zem consigo.105
Dessa forma, e ainda que levemos em conta que em 1851 o estabelecimento te-
nha gerado um pequeno lucro e que Arsenal de Guerra tenha enviado aprendizes treina-

103
O preço do frete consta de BRASIL – Fábrica de Ferro de S. João de Ipanema. Ofício de João Bloem,
7 de setembro de 1839, op. cit. Este, contudo, refere-se ao transporte de munição, objetos bem me-
nos complicados de transportar que canos.
104
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro, José Clemente Pereira, ao Diretor do Arsenal de
Guerra, José dos Santos Oliveira, mandando entregar ao Sr. Major João Bloem modelos das clavi-
nas e pistolas. 16 de setembro de 1841. Mss. ANRJ, IG7 328.
105
Discurso de Holanda Cavalcanti. ANAIS do Senado, op. cit. sessão de 3 de abril, p. 48.

285
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

dos nas fundições do Arsenal de Marinha para lá,106 a lei de orçamento de 1850107 auto-
rizou que o governo arrendasse a Fábrica de Ipanema para particulares. Não se conse-
guiu fazer essa privatização, mas deve-se dizer que isso não implicava na descrença do
governo na proposta de haver a autossuficiência na produção de ferro, tanto é que a fá-
brica não foi desativada totalmente. Em 1859 o ministro da guerra, depois de mencionar
que a dificuldade dos transportes servia de proteção às forjas em Minas Gerais, escrevia:

Em outras províncias porém não deve o governo deixar ao interesse


particular a criação de fábricas de ferro, e cumpre-lhe tomar a iniciati-
va. Entre elas citarei a de Mato Grosso, como aquela em que não só
razões econômicas, como políticas, aconselham o estabelecimento, ao
princípio em ponto pequeno, de uma fábrica, que com o tempo e con-
forme o consumo se vá estendendo.
Como dependência necessária dos arsenais de marinha e de guerra,
um tal estabelecimento se torna da mais palpitante conveniência, se-
não necessidade, bem como uma pequena fábrica de pólvora, afim de
termos em bom estado esse primeiro elemento de guerra, como para
poupar-nos o transporte de 7/8 do peso da pólvora, representado pelo
salitre e carvão, que nela entram.108
Pouco tempo depois, o governo enviou o engenheiro alemão Rudolf Wackneldt,
que já tinha trabalhado no Arsenal em dois empregos diferentes, para examinar o estado
da Fábrica de Ipanema. Entretanto, esse funcionário se enquadra na situação dos “maus
administradores” anteriormente descritos – todos os empreendimentos em que ele se
envolveu para o Ministério da Guerra deram resultados negativos, isso sendo atribuído à
sua incompetência. Um documento apócrifo, da coleção do General Polidoro da Fonse-
ca Quintanilha Jordão, que foi ministro da Guerra em 1861, refere-se a ele nos seguintes
termos:

Rodolfo Wackneldt não é mais do que um mercenário especulador,


com alta dose de impostura; e o Governo Imperial nenhuma esperança
pode nutrir de que ele monte as Fábricas de ferro e de pólvora: estran-
geiro sem amor de glória, sem nenhum interesse pelo bem do País, e
unicamente movido pelo sórdido ganho, Rodolfo só o que quer é lo-
cupletar-se à custa do Brasil.
Rodolfo de um gênio miniamente orgulhoso e exigente se tem mal-
quistado com os chefes de todos os estabelecimentos em que tem ser-
vido, e neles nada tem feito, se não que o digam o Arsenal de Guerra,

106
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, José Maria da Silva Bittencourt ao Minis-
tro da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello, sobre menores instruídos no Arsenal de Mari-
nha. Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1850. Mss. ANRJ. IG7 11.
107
BRASIL – Lei nº 555 de 15 de Junho de 1850. Fixa a despesa e orça a receita para o exercício de
1850 a 1851.
108
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório do ministério da Guerra apresentado à Assembleia Geral
Legislativa na terceira sessão da décima legislatura pelo ministro Manoel Felizardo de Souza e
Mello. Rio de Janeiro: Laemmert, 1859. p. 15.

286
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

a Fábrica de Pólvora da Estrela, o Laboratório Pirotécnico do Campi-


nho e a Fábrica de ferro de Ipanema. 109
Wackneldt foi encarregado de montar as fábricas de pólvora e de ferro no Mato
Grosso, 110 recebendo autorização para retirar de Ipanema os trabalhadores, escravos e
máquinas que julgasse convenientes, fazendo isso em 1860. 111 Entretanto, ele não teve
sucesso na empresa em Mato Grosso e o resultado prático de suas ações foi a extinção
temporária de Ipanema. Mais tarde, fora do recorte de nosso estudo, a Fábrica foi reati-
vada, mas continuaria a sofrer de problemas de continuidade de uma boa administração.

Devemos dizer que Ipanema foi parte do programa de incentivo à implantação


de manufaturas no Brasil de D. João VI, mas é a instalação em que menos percebemos a
ideia de servir como polo de difusão de mão de obra especializada. Em 1838, quando
estava sob a direção do major Bloem, o número de funcionários nacionais era extrema-
mente reduzido e o de aprendizes brasileiros, insignificante, conforme a Tabela 12 abai-
xo. Não havia também uma escola ou programa de formação de operários. Finalmente
não existia um bom número de aprendizes brasileiros e não encontramos dados sobre a
presença de uma escola de aprendizado ou mesmo de ensino básico no local.

A falta de um programa de treinamento é bem visível em uma tabela de 1838


que contém os dados sobre a composição da força de trabalho da instituição:

109
Documento sem assinatura e data [c. 1861]. Mss. ANRJ, coleção Polidoro, maço 11.
110
Uma tentativa, fracassada, já tinha sido feita em 1819, com a criação de uma companhia de mineração
na Província. BRASIL – Reino Unido. Carta Régia de 29 de Março de 1819. Concede à companhia
de mineração do Cuiabá, na Província de Mato Grosso privilegio exclusivo para extrair e fazer fun-
dir ferro.
111
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra, Alexandre Manoel Albino de
Carvalho, ao ministro da Guerra, Sebastião do Rego Barros, sobre o material para o Laboratório
das Fábricas de ferro, e pólvora, que o Engenheiro Rodolpho Wachneldt vai estabelecer na Provín-
cia de Mato Grosso. Rio de Janeiro, 8 de junho de 1860. Mss. ANRJ. IG7 17.

287
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Especialidades Empregado Nacionalidade Qtd.


Direção Diretor Brasileiro 1
Almoxarife Brasileiro 1
Escrivão Brasileiro 1
Diretor de Máquinas Estrangeiro 1
Diretor de fornos Estrangeiro 1
Apoio Tropeiros Brasileiro 1
Feitores Brasileiros 2
Carroceiros Estrangeiros 2
Maquinistas Mestre Estrangeiro 1
Maquinistas Estrangeiros 5
Ferreiros Estrangeiros 3
Serralheiros Estrangeiros 2
Modelagem Mestres (*) Estrangeiros 6
Moldadores Estrangeiro 1
Torneiros Estrangeiros 2
Pedreiros e mineiros Estrangeiros 3
Foguistas Estrangeiro 1
Aprendizes Estrangeiros 15
Brasileiros 5
Africanos Livres 47
Escravos da Nação 128
Total 229
Tabela 12 – Corpo funcional da Fábrica de Ferro de Ipanema em 1838. 112
(*) Havia mestres modeladores em barro, em areia, mais um marceneiro e três modeladores carpinteiros.
De todo o pessoal livre, apenas dez (19%) eram brasileiros. Entre os trabalhadores nacionais, apenas a
metade (9%) estava nas oficinas, como aprendizes. Entre os cativos, Africanos livres e escravos da nação,
42 eram mulheres, 42 crianças e 7 inválidos.
No entanto, a tabela acima não representa a realidade do corpo funcional da Fá-
brica. Depois da saída de Varnhagen de Ipanema, esta ficou a cargo de estrangeiros. Em
1827, o mestre da fundição era um sueco, Lars Hultgren, e este teve dificuldades com o
complexo funcionamento do alto forno. Segundo a imprensa, aconteceu um evento úni-
co: os escravos da fundição, já experimentados nos trabalhos, pediram ao administrador
autorização para operar o forno, recebendo-a. Como se publicou na época “a fundição
continua e sempre bem, debaixo da direção dos escravos”,113 sendo curioso notar que as
oficinas, sob a administração dos escravos, tiveram a maior produção em cinco anos.114
De fato, o Ensaio de um quadro Estatístico da província de São Paulo, com dados refe-
rentes a 1837, o ano anterior ao dos dados da tabela acima, especifica que havia na fá-
brica 50 africanos livres e 159 escravos da nação. Entre esses últimos, vários tinham
cargos técnicos, alguns de grande complexidade e/ou de direção: um mestre de fundi-
ção, dois fundidores, três mestres refinadores, cinco oficiais de refinação, três encarre-

112
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na sessão
ordinária de 1839 pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra. Rio de Janeiro: Ti-
pografia Nacional, 1839. Mapa nº 5.
113
O FAROL Paulistano, nº 56, São Paulo, 20 de outubro de 1827. p. 224.
114
Ver a Tabela 11 e a nota 93, acima.

288
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

gados dos fornos altos, quatro moldadores, dois ferreiros, um pedreiro, sete carpinteiros,
três mestres carvoeiros, oito oficiais carvoeiros, três carroceiros, três tropeiros, um sapa-
teiro, 24 tiradores de carvão e 18 lavradores.115 Isso implica em 88 escravos com profis-
sões especificadas, dos quais 46 (52%) deles eram técnicas e sete (8%) de direção de
trabalhos.

Um documento do presidente de província, de 1848 mostra que essa situação


não tinha se alterado de forma substancial:

[...] No tocante aos mestres e operários livres não passam de sete, de-
vo mencionar que muitos dos escravos e africanos vão se aperfeiçoan-
do nos ofícios de moldador, ferreiro, carpinteiro e que alguns outros
têm adquirido bastante prática do serviço dos fornos altos.116
Esses cativos tinham funções de mestres, contramestres, encarregados e até ma-
quinistas em uma situação única entre todas as manufaturas do Exército na primeira
metade do século. Ou seja, se não havia a transmissão de conhecimento para aprendizes
livres, os escravos e africanos livres tinham suprido essa falta, pelo menos parcialmente.
Talvez tenha sido esse o motivo por que as oficinas de espingardeiros e coronheiros, 117
que são listadas como existindo em 1835, não apareçam mais na relação acima: não
teria havido um aprendizado efetivo que transmitisse os conhecimentos desses ofícios
para operários, livres ou escravos.

Ainda que tenhamos em mente essas considerações sobre uma possível dificul-
dade de formação de aprendizes livres, em 1821 o Senador Vergueiro defendia o uso do
estabelecimento como instituição de ensino e difusão técnica, propondo que:

Estabeleçam-se fábricas de manufaturação em todos os ramos que for


possível. E, para perpetuar, aperfeiçoar e propagar estas novas artes,
estabeleçam-se escolas de ensino teórico e prático. Aqui pode ser um
dos mais importantes colégios para os órfãos pobres e filhos vagos ou

115
MÜLLER, Daniel Pedro. Ensaio de um quadro estatístico da província de São Paulo: ordenando
pelas leis municipais de 11 de abril de 1836 e 10 de março de 1837. São Paulo: Governo do Estado,
1978. p. 240.
116
BRASIL – Fábrica de Ferro de Ipanema. Ofício do diretor ao presidente da província de São Paulo.
Fábrica de Ferro Ipanema, 15 de novembro de 1848. Apud SCHATZER, Mariana Alice Pereira.
Africanos livres na Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema: Funções, Origens Étnicas e Rotina
de Trabalho (1840-1850). Sankofa. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africa-
na. Ano VI, nº XII, dezembro de 2013. p. 26.
117
BRASIL – Ministério da Guerra. Proposta e relatório da repartição dos negócios da Guerra apresen-
tados à Assembleia Geral Legislativa na sessão ordinária de 1836 pelo ministro e secretário de es-
tado dos negócios da Guerra, Manoel da Fonseca Lima e Silva. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional,
1836. Mapa B.

289
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

de pais indolentes, que aprendendo as primeiras letras, os princípios


da religião, da moral e um ofício, se formarão cidadãos úteis.118
Considerando os preconceitos da época, parece-nos que o uso de cativos em fun-
ções técnicas não permitira a propagação das novas artes tal como sugerido por Ver-
gueiro. Uma escola e uma Companhia de Aprendizes, que seriam a solução padrão do
Exército para a formação de pessoal, só viriam a ser implantadas em Ipanema em 1867,
fora do nosso recorte cronológico. 119

Em oposição a essa composição inusitada da força de trabalho, que incorporava


elementos arcaicos, de uso de escravos em funções técnicas, com trabalhadores livres, a
organização teórica do pessoal era mais “moderna”, o organograma prevendo no topo
da organização dois profissionais técnicos, o diretor das Máquinas e de Fornos Altos e o
de Refino. Para nós, o significativo desses dois cargos é que eles não eram listados entre
os operários, mas sim na direção do estabelecimento. Isso não era a situação normal nas
instalações manufatureiras do exército, onde a direção era preenchida por pessoal pura-
mente administrativo, sem conhecimentos técnicos maiores, enquanto os operários e
pessoas de cargo técnico tinham uma ingerência muito reduzida no funcionamento ad-
ministrativo das instalações.

De qualquer forma, apesar do uso extensivo de máquinas na produção, como as


hidráulicas para os insufladores e pilões, e até de máquinas a vapor (instaladas em
1838),120 Ipanema se enquadra mais no conceito de uma manufatura protoindustrial, de
uma instalação situada no ambiente rural, com um corpo funcional técnico reduzido, de
trabalhadores especializados estrangeiros e uma massa de escravos. Estes assumiam o
papel que os camponeses tinham na Europa, plantando as colheitas necessárias para o
sustento do pessoal, além de minerarem o ferro e produzirem o carvão.

Problemas de transporte das mercadorias impediram que a unidade tivesse um


impacto maior na história do País na primeira metade do século XIX, ainda que houves-
se um constante intercambio dela com outras instalações manufatureiras do Exército, às
vezes com resultados negativos, por falta de uma política constante para ela e para as

118
VERGUEIRO, op. cit. p. 49.
119
DANIELI NETO, Mário. Escravidão e Indústria: um estudo sobre a Fábrica de Ferro São João de
Ipanema – Sorocaba (SP) – 1765-1895. Tese de Doutorado. Campinas: Universidade Estadual de
Campinas, 2006. (mimeo). p. 102.
120
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na segunda
sessão da oitava legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Manoel
Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1850. p. 7.

290
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

outras manufaturas. Isso pode ser ilustrado na proposta de montagem da fábrica de ferro
em Mato Grosso, que só prejudicou Ipanema, não resultando em nada benéfico para as
forças armadas ou para o País.

6.2.4 A fábrica de Pólvora


A fabricação de pólvora sempre foi – ainda é – uma atividade simples, que se di-
fundiu pelo território nacional, mesmo no início do período colonial. Não era necessária
uma tecnologia muito avançada: os componentes eram simples, apenas carvão de ma-
deira, salitre (nitrato de potássio, KNO3) e enxofre, triturados e misturados mecanica-
mente. O maior problema era a obtenção do salitre, que correspondia a 75% da compo-
sição e não era um produto de existência comum no Brasil, apesar da produção do com-
ponente por meios químicos ser relativamente fácil, apesar de trabalhosa. Assim, houve
várias manufaturas de pólvora no País: mesmo os rebeldes Farrapos tiveram uma, que
funcionava no Trem que estabeleceram em Caçapava.121 Isso era perfeitamente compre-
ensível, um suprimento garantido do propelente era vital: como colocava o ministro da
Guerra em 1843 a respeito do produto: “nenhum povo deve levar a imprevidência ao
ponto de não poder nas ocasiões de guerra preparar por si mesmo os meios das próprias
defesas, sem dependência de auxílio de estranho, que é sempre precário e falível”.122

Dessa forma, três meses depois da chegada da família real portuguesa ao Rio de
Janeiro o príncipe regente baixou o decreto de 13 de junho de 1808, incorporando as
terras do Engenho da Lagoa ao patrimônio da coroa, com o argumento da “grave e ur-
gente necessidade que há de erigir sem perda de tempo uma fabrica de pólvora, onde se
manufature este tão necessário gênero para a defesa dos meus Estados”.123 O local, onde
hoje estão instalados o Jardim Botânico e Horto Florestal, era apropriado para isso, por
estar afastado da cidade e não gerar risco em caso de acidentes, e por ter fontes de água
corrente que poderiam mover máquinas motrizes (ver Figura 9). A questão das máqui-

121
AUTO de testemunho do Cel. José Mariano de Matos sobre a petição de Domingos José de Almeida.
Joaquim Pereira Borba, escrivão. Caçapava, 14 de março de 1842. In: Anais do Arquivo Histórico do
Rio Grande do Sul. Vol. III. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1979. Coleção de Alfredo Va-
rela. Correspondência ativa. p. 79. Neste documento se especifica que, além das oficinas do Trem,
“havia também em separado uma ferraria com algumas forjas, sendo uma destinada à fundição de
balas de artilharia, uma alfaiataria, casa de fabrico de pólvora, casa de refinar o salitre (...) etc” o
grifo é nosso.
122
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório de 1844, op. cit. p. 22.
123
PORTUGAL – Decreto de 13 de junho de 1808. Manda incorporar aos próprios da coroa e engenho e
terras da lagoa de Rodrigo de Freitas.

291
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

nas justifica a previsão contida no decreto de criação da Fábrica de Pólvora, que o local
também seria usado para:

outra fabrica para a fundição, torneação e perfuração das peças de arti-


lharia, o que tudo exige não só um local espaçoso, mas ainda abun-
dancia de aguas, para o movimento das diferentes máquinas, por cujo
meio se hão de executar todas as necessárias operações.124
Além disso, a área, apesar de originalmente pertencer a um engenho de açúcar,
ainda tinha vastos terrenos com matas, que podiam fornecer madeira para carvão, e ti-
nha certa facilidade de comunicação com a cidade.

Para o inspetor (diretor) da Fábrica foi indicado o coronel Napion, e o governo


fez um empréstimo entre os comerciantes do Rio de Janeiro, no valor de quarenta con-
tos, para custear a empresa, que iniciou a produção em 1810.125 No ano seguinte a insti-
tuição passou a compor a Real Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e
Fundições.

Ao contrário das outras iniciativas do governo, foi feita uma tentativa de se criar
um protecionismo para essa manufatura, não através de uma tarifa, mas sim de uma
medida mais antiquada, um monopólio estatal. Pelo edital de 16 de agosto de 1813, foi
comunicado que “ficou inteiramente proibido o poder-se fabricar pólvora em casas par-
ticulares”,126 usando como base legal um alvará de 1754. Esse monopólio foi ampliado
depois para incluir a proibição de importação do produto, mesmo que a medida não te-
nha se aplicado a todo o Brasil: em 1816 foi baixada uma Carta Régia dando o monopó-
lio de venda de pólvora em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso para uma empresa pri-
vada de Vila Rica.127 Dois anos depois, a Carta Régia de 15 de maio mandou estabele-
cer uma pequena fábrica de pólvora em Mato Grosso 128 e em 1829 havia uma fábrica de
pólvora privada na cidade de São Paulo.129

124
id.
125
MASCARENHAS, José Manuel. Portuguese Overseas Gunpowder factories, in particular those o f
Goa (India) and Rio de Janeiro (Brazil). IN: BUCAHANA, Brenda J. (ed). Gunpowder, Explosives
and the State: a technological history. Aldershot: Ashgate, 2006. p. 196.
126
GAZETA do Rio de Janeiro, nº 68, 25 de agosto de 1813. p. 3.
127
BRASIL – Reino Unido. Carta Régia de 19 de fevereiro de 1819. Aprova e confirma o Estabelecimen-
to, e Fábrica de Pólvora, ereta em Vila Rica, capitania de Minas Gerais, de que são Proprietários
os Sargento-Mor José Bento Soares, Francisco de Paulo Dias Bicalho e outros interessados.
128
MATOS, 1837, op. cit. p. 243.
129
Atas das reuniões da Câmara municipal, 19 de agosto de 1829. O FAROL Paulistano, nº 244, São
Paulo, 5 de setembro de 1829.

292
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

No entanto, o monopólio ampliou duas medidas de incentivo que já tinham sido


tomadas anteriormente: a carta Régia de 22 de julho de 1811 tinha estabelecido zonas
para as fábricas de Lisboa e do Rio de Janeiro, a da Lagoa tendo a jurisdição para a
venda exclusiva nas capitanias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio
Grande e Portos da Costa da África.130 A outra medida foi de 1812, quando se concedeu
a isenção de impostos para a circulação da pólvora da Fábrica dentro dos domínios por-
tugueses.

Entre 1815 e 1824 a fábrica foi desligada da Junta de Arsenais, mas continuou a
precisar do apoio desta: em 1822 seu diretor pediu para a junta, especificamente para o
Arsenal, que fossem construídas mais duas galgas para fabricação de pólvora militar,
tendo em vista que a capacidade da fábrica era inferior à demanda.131 O problema de
capacidade que se agravou dois anos depois, quando a instalação passou a fazer tal pól-
vora de caça, mais fina. Dessa forma, o governo decidiu transferir a manufatura para o
município de Magé, na região de Estrela, onde podia ser facilmente ampliada. A cons-
trução das novas instalações foram iniciadas em 1826 e ficando pronta seis anos depois,
quando a Fábrica da Lagoa foi desativada.

Entretanto, o monopólio de pólvora foi revogado na conjuntura da Regência, em


1832, o que dificultou em muito a situação da empresa: até então ela podia vender toda
sua produção sem problemas, gerando grandes superávits que eram aplicados nos Arse-
nais. Depois daquela data, teve que concorrer com os produtos estrangeiros. É bem ver-
dade que a qualidade do produto local era até superior ao do importado, o fator principal
de competição sendo o menor custo da pólvora importada,132 ainda assim os relatórios
do ministro da Guerra apontam que a fábrica usualmente gerava um superávit.

130
PORTUGAL - Carta Régia de 22 de Julho de 1811. Declara as Capitanias do Brasil para consumo da
pólvora das Reais Fábricas do Rio de Janeiro e da de Lisboa.
131
CHAVES, Carlos Dittz & CARVALHO, Marcelo Pereira. Casa dos Pilões: Uma oficina da fábrica da
Pólvora da Lagoa de Rodrigo de Freitas. Agosto de 1992. (mimeo) Arquivo da Superintendência
Regional do IPHAN no Rio de Janeiro. Sem numeração de páginas.
132
Experiências sistemáticas com pólvora começaram a ser feitas a partir de 1849, os resultados variando
muito, em 1858, por exemplo, a pólvora comprada pelo Arsenal variou de força de 59 e 1/3 a 120 em
um aparelho de teste, sendo que os valores mínimos aceitáveis ficavam entre 60 (pólvora de exercí-
cio) e 100 (pólvora de guerra). Nos testes feitos, a pólvora nacional, na média e em valores absolu-
tos, foi superior à importada, a vantagem da força da pólvora nacional chegando a ser 11% sobre a
importada. BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra da Corte. Manoel Albino
de Carvalho, o diretor, ao Conselheiro José Maria da Silva Paranhos, ministro da Guerra. Rio de
Janeiro, 31 de janeiro de 1859. Mss. ANRJ. IG7 16. Ofícios tratando desses testes são muito comuns
na documentação da época.

293
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

No sentido de uma competição com produtos importados deve-se dizer que os


métodos de fabricação da Fábrica da Lagoa e depois da Estrela eram modernos, haven-
do divisão de trabalho, em oficinas separadas: de refino (preparo de salitre e enxofre);
pulverização; mistos (mistura dos materiais); trituração; granização; carpintaria e tanoa-
ria; ferraria; latoaria e fundição. Na fábrica se fazia o uso de máquinas, como uma pren-
sa hidráulica e até uma ferrovia de vagonetes interna, para ligar as diversas oficinas,
que eram afastadas umas das outra por questões de segurança.133

Por sua vez, o corpo funcional guardava algumas características arcaicas, com
uma quantidade elevadíssima de escravos: em 1838, eram 255 empregados na Fábrica
da Estrela, 62 livres, 160 escravos da nação (27 mulheres) e 33 africanos livres (17 mu-
lheres) – 63% da força de trabalho era cativa. Entre esses, 30 trabalhavam nas oficinas
(32%) do total, mostrando, mais uma vez, o emprego de cativos em atividades técnicas,
apesar da tabela não especificar as funções que eles exerciam.134 O mapa de 1839 ainda
especificava que havia 21 empregados livres na “fazenda” e seis no laboratório pirotéc-
nico. Este último devia ser o do Castelo, oficialmente subordinado à fábrica de pólvora
pelo regulamento de 1832, mas que na prática era semi-independente e pouco depois
passou a ser uma das repartições do Arsenal de Guerra da Corte.

Pela documentação, o quadro propriamente técnico da fábrica era reduzido: em


1846 são listados apenas cinco mestres e sete contramestres nas oficinas, doze pessoas.
Em comparação, havia treze funcionários da área administrativa e 28 na de apoio (guar-
das, feitores, etc.), empregados nas oficinas e na “fazenda”. Complementavam as “ofi-
cinas de pólvora”, as voltadas diretamente para a fabricação do produto, 37 operários
em oficinas auxiliares (carpintaria, pedreiros, tanoaria, ferraria, fundição e serraria).
Também são listados 93 africanos livres e 103 escravos da nação, sem funções especifi-
cadas,135 mas vários desses últimos eram empregados nas oficinas como artesãos. No
caso, apontamos uma situação que consideramos única em todas as manufaturas do go-

133
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado à As-
sembleia Geral Legislativa na terceira sessão da nona legislatura pelo respectivo ministro e secre-
tário de Estado dos Negócios da Guerra, Pedro de Alcântara Bellegarde. Rio de Janeiro: Laemmert,
1855. p. 14.
134
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na sessão
ordinária de 1838 pelo respectivo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Sebastião
do Rego Barros. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1838. Mapa nº 5.
135
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado à As-
sembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 6ª legislatura pelo respectivo Ministro e Secretário de
estado dos negócios da Guerra João Paulo dos Santos Barreto. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional,
1846. Mapa 18.

294
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

verno, que era o uso de mulheres em atividades técnicas: havia dezessete delas nas ofi-
cinas de pólvora e seis na de pedreiros. 136

Em 1853 o relatório do Ministro da Guerra menciona a presença de 370 escravos


da nação e africanos livres, que criavam uma despesa muito grande, produzisse a fábrica
ou não: tinha havido uma explosão na instituição em 1849 e ela ainda não tinha retoma-
do totalmente a manufatura de pólvora. O ministro recomendava acabar com a fazenda,
a “parte rural” da fábrica, ou seja, ao plantio de alimentos e madeira para carvão, para se
dedicar exclusivamente à produção de pólvora. 137 Essa modificação foi feita, assim co-
mo o destacamento para lá de meia companhia de Artífices do Arsenal de Guerra, só
que não houve nenhuma mudança radical na instituição, que continuou a funcionar co-
mo uma organização protoindustrial, apesar de ter sido a manufatura das forças armadas
mais bem sucedida em termos comerciais na primeira metade do século XIX.

6.3 Arsenais provinciais


O decreto de 21 de fevereiro de 1832, que deu a organização para os arsenais do
Império determinou que os trens de algumas províncias fossem transformados em Arse-
nais. Com exceção do Rio de Janeiro, a mudança foi simplesmente burocrática e de no-
menclatura: as manufaturas não foram ampliadas de forma alguma, só se regulou o pes-
soal administrativo das mesmas, dando um número fixo de empregados (nove) para
todos os estabelecimentos,138 algo de valor duvidoso, já que os arsenais variavam muito
em tamanho e responsabilidades.

Também não houve uma alteração na jurisdição administrativa: desde o período


colonial, os trens eram de responsabilidade dos capitães-gerais das capitanias e com a
Independência e o regulamento de 1832, continuaram subordinadas aos Presidentes de
Província. Não respondiam à Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e
Fundições, do Rio, o Regulamento dos Arsenais determinando que seus diretores seriam
136
MOREIRA, Alinnie Silvestre. Liberdade tutelada: Os africanos livres e as relações de trabalho na
Fábrica de Pólvora da Estrela, Serra da Estrela/RJ (c. 1831- c.1870). (Dissertação de mestrado).
Campinas: Unicamp, 2005. p. 175.
137
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da guerra apresentado a As-
sembleia Geral Legislativa na primeira sessão da 9ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário
de estado dos negócios da guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro: Laemmert,
1853. p. 9.
138
BRASIL – Decreto de 21 de fevereiro de 1832, op. cit. O artigo 3º do Regulamento dos Arsenais pro-
vinciais contido no decreto especifica que seriam: “Um Diretor, um Ajudante do Diretor, um Almo-
xarife, um Escrivão, um Escriturário, um Amanuense, um Fiel, um Apontador, um Porteiro, um Aju-
dante do Porteiro, e o numero de Guardas dos Armazéns, que forem indispensáveis á boa arrecada-
ção.”

295
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

nomeados pelos Presidentes, que também determinavam a distribuição do material pro-


duzido. 139 A dependência das instalações às autoridades civis chegou ao ponto do decre-
to que baixou o regulamento dos Comandos de Armas (comandantes do exército) nas
províncias, de 1843, ter especificado que os Arsenais, Depósitos de Artigos Bélicos e
Depósitos de Munições pertenciam “privativamente à inspeção e direção do presidente
de província”,140 a ingerência que os oficiais comandantes das forças militares das pro-
víncias poderiam ter sobre as manufaturas se restringia à “inspeção” (fiscalização) des-
sas manufaturas. Pode-se dizer que eram organizações provinciais e não do governo
central.

Essa organização implica que há poucos dados disponíveis sobre o desenvolvi-


mento dos arsenais provinciais, pois poucas informações eram coletadas pela adminis-
tração do Ministério, no Rio de Janeiro. O relatório da Guerra de 1830 chegava a des-
crever que

Em todas as províncias do Império existem Arsenais, ou Trens de


Guerra, alguns deles mui consideráveis, tanto pela extensão dos edifí-
cios, como pela quantidade dos trabalhos, que ai se fazem: tais são os
das províncias da Bahia, Pernambuco e S. Pedro [Rio Grande do Sul]:
o do Pará não se acha atualmente em bom pé. Eu não estou suficien-
temente habilitado a apresentar à respeito deles informações tão minu-
ciosas e circunstanciadas, como desejo.141
Em termos genéricos, podemos dizer que nenhum dos Arsenais era mecanizado,
todos empregavam mão de obra escrava e a organização do trabalho não era moderna,
cada instituição sendo composta por diversas oficinas independentes, sem maior divisão
de trabalho ou mesmo cooperação entre elas.

Sabe-se que essas manufaturas eram claramente inferiores ao do Rio de Janeiro


em escala e em diversidade: nenhuma delas tinha o mesmo número de oficinas ou em-
pregados do que a instalação na capital e os próprios salários da administração eram
bem superiores na Corte. Em 1833, o diretor do Arsenal de Guerra da Corte recebia um
conto de réis por ano a mais do que os das províncias e os gastos com a instituição cen-
tral eram um pouco superiores à soma dos outros cinco Arsenais – 50,4% das despesas

139
id.
140
BRASIL – Decreto nº 293, de 8 de Maio de 1843. Aprova o Regulamento sobre as atribuições dos
Comandantes das Armas.
141
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório do ano de 1830. op. cit. p. 10.

296
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

com essas instituições, 142 uma situação que continuou ou até se intensificou por todo o
período analisado: em 1850, o Arsenal da Corte tinha um orçamento correspondente a
65% de todos os gastos com Arsenais.

% dos orçamento dos Arsenais

PA
MT
4%
RS 4%
8%
BA
8%

PE
11% Corte
65%

Gráfico 21 – Percentuais das despesas dos Arsenais provinciais, 1850.143


Mostra o crescimento, percentual, da importância do Arsenal de Guerra da Corte no sistema de Arsenais
do Exército desde a Regência e a diminuição do papel do de Porto Alegre, após o fim da Revolução Far-
roupilha.
Além disso, alguns fornecimentos às províncias eram feitos diretamente pelo Ar-
senal de Guerra da Corte, como armas, munições mais complexas ou até artefatos que
supostamente poderiam ser feitas localmente.144 Em 1848 o AGC fornecia artigos béli-
cos para 32 unidades militares, cerca de três quartos do exército de então, espalhados
em oito províncias, inclusive o Mato Grosso e Rio Grande do Sul, onde havia Arse-
nais. 145 Depois de 1853 o Rio de Janeiro foi responsabilizado oficialmente pelo forne-

142
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da administração do ministério da Guerra apresentado na
augusta Câmara dos Senhores deputados na sessão de 1833. Rio de Janeiro: Gueffier & Cia, 1833.
Mapa 11.
143
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado à As-
sembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 8ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de es-
tado dos negócios da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro: Americana de I.P.
Costa, 1851. Tabela.
144
Um caso disso é o fornecimento de quinze reparos de artilharia para a fortaleza de Cabedelo (PB), em
1850, um produto basicamente de madeira, com pouca complexidade. BRASIL – Ministério da
Guerra. Aviso do ministro, Manoel Felizardo de Souza e Mello, ao Diretor do Arsenal, José Maria
da Silva Bitancourt mandando transportar quinze reparos, que se acham prontos nesse Arsenal para
a Fortaleza do Cabedelo. 28 de maio de 1850. Mss. ANRJ. IG7 343.
145
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício do secretário geral ao presidente do Conselho Administrativo,
enviando o quadro geral dos Corpos do Exército para quem o Arsenal de Guerra da Corte tem de
fornecer artigos bélicos, na forma a tabela de 2 de janeiro de 1848. Rio de Janeiro, 12 de maio de
1848. Mss. ANRJ. IG7 345.

297
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

cimento de uniformes para essas províncias (ver Figura 36), o que antes era feito local-
mente.

Ao longo dos anos, a responsabilidades do Arsenal do Rio vão lentamente au-


mentando e, com isso, vão diminuindo as dos Arsenais Provinciais: já em 1846 um mi-
nistro escrevia que “seu número poderia ser reduzido, e especialmente naquelas provín-
cias em que se acham estabelecidos os de Marinha”,146 implicando uma ideia de colabo-
ração entre as instituições dos dois ministérios. O ministro defendia, ao invés da exis-
tência desses arsenais, a criação de fábricas de armas de fogo e brancas, para se livrar da
dependência do exterior. Mesmo assim, esses arsenais provinciais tinham sua importân-
cia e especificidades, como trataremos a seguir.

6.3.1 Arsenal do Pará


Sobre os arsenais, podemos dizer que em 1845 o Ministro da Guerra fez um le-
vantamento da situação de cada um deles – o único estudo geral que encontramos na
documentação analisada. Por este estudo, o do Pará funcionava em Belém, em parte do
Convento das Mercês, tendo tido o problema de ter sido tomado a força, depois de duros
combates, em 1835. Naquele ano, uma pequena força governamental resistiu por uma
semana aos ataques Cabanos, as instalações da manufatura sendo danificadas nos com-
bates.147

No ano do relatório disponível, 1845, o Pará tinha cinco oficinas e “um pequeno
e acanhado quarto que serve de laboratório (...)”.148 O relatório apontava um sério pro-
blema de pessoal, o ministro dizendo que “há nele muita falta de operários e sente-se
especialmente a de serventes”.149 Este último dado parecendo ser estranho, pois por essa
época essa função era normalmente exercida por escravos da nação, africanos livres ou
mesmo de aluguel e, portanto, não sabemos por que a falta desse pessoal seria um pro-
blema. De qualquer forma, só se registravam dez operários na instituição, várias oficinas
estando desativadas e não havia Companhia de Artífices Militares, ou de Aprendizes
Menores (ver capitulo 10), apesar de a instituição receber até vinte educandos aprendi-

146
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório do ministro, op. cit. 1846. p. 4.
147
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Muralhas de pedra, canhões de bronze, homens de ferro: forti-
ficações do Brasil, 1503-2006. Rio de Janeiro: FUNCEB, 2013. Vol. 2. p. 61.
148
BRASIL – Arsenal de Guerra do Pará. Relatório do Arsenal de Guerra da Província do Pará. Ansel-
mo Joaquim da Silva, tenente coronel diretor. Belém, 30 de junho de 1845. Mss. ANRJ. IG7 32.
149
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório de 1845, op. cit. p. 19.

298
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

zes, pagos pelo governo provincial. 150 Os serviços necessários para o fornecimento da
tropa que não podiam ser supridos pelo Arsenal eram contratados com artesãos priva-
dos.151

Para tentar resolver em parte o problema de pessoal, o ministro da Guerra man-


dou que o Arsenal da Corte contratasse um artífice de fogo e um operário de construção
para seguir para o Para ainda naquele ano,152 mas as dificuldades continuaram. Em 1852
se informava que as coronhas de armas necessárias para o exército eram feitas fora do
Arsenal. 153

Outro relatório dessa manufatura, de 1862, aponta ainda os problemas de espaço


para a instituição, o prédio do convento dos Mercenários154, era parcialmente usado co-
mo armazéns da Alfândega, não havendo aquartelamentos para os menores, se estes
tivessem sua força completa. Ainda existiam cinco oficinas, com 39 operários, dos quais
quinze Aprendizes Menores, o diretor reclamando que não podia dar uma educação téc-
nica a eles, pois nas “oficinas não se trabalha senão em consertos e em obras toscas, e
assim [os aprendizes] nunca se habilitarão e chegarão a ser peritos oficiais.” 155

A passagem acima, sobre a questão dos consertos é interessante, pois parece que
essa era a função principal dos arsenais provinciais. De fato, uma tabela contida no tex-
to, referente aos gastos feitos com material pela instituição, aponta que no exercício de
1861-62, o Arsenal de Belém movimentou 241.752.200 réis, dos quais 53% referentes a
materiais comprados pelo Conselho Administrativo provincial no mercado civil, 39%
correspondiam a artigos remetidos pelo Arsenal de Guerra da Corte e apenas 8% eram

150
Alunos dos Estabelecimento dos Educandos ou Aprendizes Artistas. De 109 alunos em 1842, 22 traba-
lhavam no Arsenal de Marinha e 20 no de Guerra. PARÁ – Governo Provincial. Discurso recitado
pelo Ex.mo Sr. Dr. Bernardo de Sousa Franco, vice-presidente da provínvia do Pará na abertura da
assembleia geral legislativa provincial no dia 14 de abril de 1842. Belém: Santos & Menor, 1842.
Mapa, sem numeração.
151
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório de 1845, op. cit. p. 19.
152
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro, Jeronimo Francisco Coelho ao Diretor do Arse-
nal de Guerra, Barão de Itapecuru-Mirim, Rio de Janeiro, 17 de maio de 1845. Mss. ANRJ. IG7
436.
153
BRASIL – Arsenal de Guerra do Pará. Ofício do Diretor do Arsenal de Guerra do Pará, tenente-
coronel José Joaquim Romão de Almeida, sobre madeiras de coronhas no Pará. Belém, 23 de feve-
reiro de 1852. IG7 516
154
O nome parece estranho, mas refere-se à ordem de Nossa Senhora das Mercês, o termo sendo comum
na documentação colonial. Ver, entre outros: CARTA do comendador [da Ordem de Nossa Senhora
das Mercês], fr. Basílio Soares, para o rei [D. João V], sobre o pedido que lhe foi feito pelos morado-
res da vila da Vigia de Nazaré para que os religiosos mercenários fundassem um hospital naquela lo-
calidade. Belém, 8 de outubro de 1729. Mss. Arquivo Ultramarino.
155
BRASIL – Tesouraria da Fazenda do Exército no Pará. Relatório da inspeção, op. cit.

299
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

de objetos manufaturados nas oficinas do Arsenal do Pará.156 O seja, naquele momento


o fornecimento das unidades estacionadas no Pará e Amazonas dependia, basicamente
de compras no mercado civil e de material enviado pelo Arsenal de Guerra da Corte, a
importância real da instalação local sendo muito reduzida, algo que certamente se re-
produzia nos outros arsenais provinciais. De fato, o Arsenal de Belém nunca se tornou
uma grande instalação e foi extinto em 1899, junto com os da Bahia e Pernambuco.

6.3.2 Arsenal de Pernambuco


O Trem de Recife começou pequeno – em 1811 tinha apenas duas oficinas, de
carpintaria e de armeiros, mas logo se expandiu: seis anos depois, a oficina de ferreiros
da Marinha foi colocada sob a autoridade do Trem, já que o preparo de navios dependia
do apoio das instalações do Exército. No ano seguinte já são mencionadas oficinas de
pedreiros; correeiros e funileiros, além das já existentes, a manufatura tendo 250 traba-
lhadores em 1825. 157

Pelo relatório geral dos arsenais de 1845, a manufatura tinha quinze funcionários
administrativos ou de apoio, o excedente de seis com relação ao regulamento de 1832
sendo empregado na Companhia de Aprendizes Menores. Em termos de artesãos, no
Arsenal trabalhavam cem operários, que tinham as seguintes especialidades: construção
e reparos; obra branca; tanoeiros; coronheiros; ferreiros; serralheiros; espingardeiros;
latoeiros fundidores; instrumentos bélicos; funileiros; correeiros e seleiros; pintores e
taqueiros,158 empregados em cinco oficinas. No entanto, todas tinham pequenos quadros
funcionais, a maior sendo a de correios e seleiros, com dezenove trabalhadores.

O Arsenal de Recife também tinha uma Companhia de Artífices, criada em 1843


e que dois anos depois já tinha 80 homens. Também havia uma Companhia de Aprendi-
zes, que existia informalmente desde pelo menos desde 1819, mas o relatório não espe-

156
id.
157
CATARINO, Acácio José Lopes. Da oficina ao Arsenal: Estado e redefinições urbanas no limiar da
descolonização. Dissertação de Mestrado. Recife: UFPE, 1993. (mimeo) pp. 113-114.
158
Não conseguimos saber qual seria essa profissão. Na época havia um elemento da munição de artilha-
ria que era o “taco”, mas não era algo complicado de fazer, que exigisse um artesão especializado e
um dos documentos que citam esta oficina informa que os tacos eram feitos na oficina de Constru-
ção. Só o Arsenal de Pernambuco tinha essa oficina listada, que aparece novamente em 1849. BRA-
SIL – Arsenal de Guerra de Pernambuco. Relação das obras manufaturadas nas diversas oficinas do
arsenal de guerra desta província [Pernambuco] durante o mês de janeiro próximo passado com
declaração de seus valores. João Francisco do Rego Barreto, cap. Ajudante. Recife, 28 de fevereiro
de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.

300
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

cifica o número de crianças, como também não menciona escravos da nação ou africa-
nos livres159 da instituição.

A produção dessas oficinas era não era muito grande: em janeiro de 1849, ti-
nham sido feitas dez coronhas e consertadas oitenta na de coronheiros e consertadas 441
armas na de espingardeiros, por exemplo, se movimentando no total três contos de réis
de valor dos serviços. 160 Isso parece estranho, quando consideramos que esse arsenal era
responsável pelo fornecimento de quatro outras províncias: Alagoas; Paraíba; Rio
Grande do Norte e Ceará (ver Figura 36).

6.3.3 Arsenal da Bahia


O Arsenal da Bahia, ainda em 1845, tinha sete oficinas, com operários de: cons-
trução e reparos; obra branca; tanoeiros; coronheiros; ferreiros; serralheiros; espingar-
deiros; latoeiros fundidores; funileiros; correeiros e seleiros; e pedreiros, “que mutua-
mente se relacionam e coadjuvam”.161 Uma menção interessante, já que as oficinas
normalmente eram autônomas, uma explicação possível para isso sendo o fato de que
havia mais especialidades de artesãos – doze – do que oficinas – apenas sete –, como
visto acima. Também havia um laboratório pirotécnico subordinado ao Arsenal, instala-
do no forte da Jequitaia.

Em Salvador trabalhavam dezesseis funcionários administrativos – oito deles na


Companhia de Menores, que tinha 60 alunos, e o corpo de operários era de 122 artesãos.
Além disso, havia 78 soldados da Companhia de Artífices.162 A principal reclamação
que aparece na documentação era no tocante às pequenas dimensões da manufatura, que
realmente não permitiam uma expansão, este Arsenal sendo extinto em 1899. Os pré-
dios do antigo arsenal ainda existem, ficando ao lado do colégio dos Órfãos de São Joa-
quim.

159
BRASIL – Arsenal de Guerra de Pernambuco. Relatório sobre o Arsenal de Guerra da Província de
Pernambuco. José Maria H. Jacome da Veiga Pessoa, Ten.-cel. diretor. Recife, 26 de agosto de
1844. Mss. ANRJ. IG7 32.
160
BRASIL – Arsenal de Guerra de Pernambuco. Relação das obras manufaturadas nas diversas oficinas
do arsenal de guerra desta província durante o mês de janeiro próximo passado com declaração de
seus valores. João Francisco do Rego Barreto, capitão ajudante. Recife, 28 de fevereiro de 1849.
Mss. ANRJ. IG7 10.
161
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório de 1845, op. cit. p. 18.
162
BRASIL – Ministério da Guerra. Avaliação dos relatórios dos arsenais provinciais dirigida ao minis-
tro da Guerra, Antônio Francisco de Paulo e Holanda Cavalcante de Albuquerque. Rio de Janeiro,
16 de abril de 1846. Mss. ANRJ. IG7 32.

301
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

6.3.4 Arsenal de Mato Grosso


O Arsenal do Mato Grosso, situado em Cuiabá, era talvez o mais problemático
do Império por causa do isolamento da Província e da dificuldade de contar com o uso
de artesãos civis. Um trem foi oficialmente criado na capitania em 1818, supostamente
para funcionar como o de São Paulo, onde estava sendo montada a Fábrica de Armas
anteriormente mencionada. Segundo a carta Régia que criou a instituição, ela deveria
ser uma organização em que “não só se concertem, mas sendo possível, se construam as
diferentes armas, e mais obras metálicas, cujo uso tem principal lugar no meu Exérci-
to”.163 O que não ocorreu, as dificuldades sendo muito grandes para isso.

Em 1845 o Arsenal só tinha cinco oficinas: carpinteiros; marceneiros; ferreiros;


latoeiros e correeiros, tendo problemas muito sérios de pessoal, o relatório do Ministro
da Guerra informando que “há mingua absoluta de construtores de reparos, de coronhei-
ros, de armeiros, e ferreiros.” O documento continuando, informando que “seus fabri-
cos, de maneira alguma correspondem às despesas de sua administração, e muito menos
às necessidades do serviço militar naquela província”.164 Para resolver a questão do
abastecimento da província, ela tinha que ser suprida diretamente pelo Arsenal da Corte,
com grandes despesas e dificuldades, um problema que continuou até a abertura do Rio
Paraguai à navegação, em 1858, mas que voltaria a ser crítico com a guerra do Paraguai
e a interrupção das comunicações fluviais.

Como medidas visando diminuir as dificuldades com o quadro de operários, o


governo criou em Mato Grosso uma companhia de Aprendizes Menores em 1842 e uma
“meia companhia” de Artífices no ano seguinte, tropa que deveria ter 42 homens.165
Contudo, o preenchimento desses quadros era lento: entre 1842 e 1845 foram admitidos
33 menores, de um efetivo aprovado de cem.166 Uma medida de caráter excepcional foi
a remessa, pelo Arsenal de Guerra, de operários qualificados, se ordenando a contrata-
ção de dezesseis artífices de treze ofícios, a ordem para o diretor do Arsenal de Guerra
da Corte sendo que “no caso de não haver quem queira contratar-se, V.M.ce nomeará

163
BRASIL – Reino Unido. Carta Régia de 18 de abril de 1818. Manda criar na capitania de Mato Gros-
so um trem onde se fabrique e concerte o armamento e mais objetos de uso do Exército.
164
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Guerra, 1845, op. cit. p. 18.
165
BRASIL – decreto nº 301, de 27 de maio de 1843. Aprova o novo plano da organização dos Corpos
do Exercito do Império do Brasil.
166
CRUDO, Matilde Araki. Infância, trabalho e educação : os aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato
Grosso (Cuiabá, 1842-1899). Tese de doutorado Campinas: Unicamp, 2005. (mimeo). p. 78.

302
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

praças das Companhias de Artífices com os ofícios indicados”.167 O pessoal que acabou
indo sendo contratado entre os próprios operários do Arsenal do Rio.

Naquele momento a situação do Arsenal de Cuiabá era crítica: na oficina de cor-


reeiros, seleiros e sapateiros, combinada, havia apenas cinco trabalhadores, todos da
meia Companhia de Artífices da província. A oficina de alfaiates não tinha pessoal lis-
tado, no entanto, o relatório dizia que nesse ramo estava “o Arsenal apto a ocorrer às
necessidades do serviço, mesmo em circunstâncias extraordinárias”,168 o que indica que
o pessoal de lá era da Meia Companhia, apesar de alfaiates não ser uma das especialida-
des dessa tropa. No todo, se informava que havia apenas dezessete operários no Arsenal,
não identificando os militares e civis ou mencionando o efetivo da Companhia de
Aprendizes. Também não se informa a presença de escravos no corpo de trabalhadores,
apenas se relata que os únicos tanoeiros da província eram escravos de um particular
que vivia do trabalho deles. 169

A questão dos trabalhadores para o Mato Grosso era complexa, devido à falta de
pessoal civil qualificado na Província e sua distância dos grandes centros. Em 1849 foi
feito um contrato para o envio de sete oficiais do Rio para Cuiabá, devendo-se notar que
todos queriam ser chamados de “mestres”, ainda que o diretor do Arsenal do Rio não
concordasse com isso, a transferência sendo visto como uma forma de aumento de sta-
tus. Mesmo considerando a baixa opinião do diretor sobre a capacidade técnica desse
pessoal, os jornais acordados eram extremamente elevados, variando de 5.000 rs por dia,
para um ferreiro forjador a 3.200 para um construtor, mais do que recebiam os mestres
que já trabalhavam na Província.170 O valor de 5.000 rs diários era o mesmo que alguns
poucos anos depois se pagaria a um engenheiro que assumiu a mais importante oficina
do Arsenal do Rio, a de máquinas. Entretanto, esses valores são compreensíveis, pois
sem um grande incentivo pecuniário seria difícil conseguir pessoal que aceitasse a mu-
dança para a distante província.

167
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra Jerônimo Francisco Coelho ao diretor
do Arsenal de Guerra da Corte, Brigadeiro João Eduardo Pereira Colaço Amado, mandando reme-
ter armas e contratar artistas para Mato Grosso. Rio de Janeiro, 13 de novembro de 1844. Mss.
ANRJ. IG7 339.
168
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Guerra, 1845, op. cit. p. 18.
169
BRASIL – Arsenal de Guerra de Cuiabá. Relatório do Diretor ao presidente e comandante de armas
da província, Ricardo José Gomes Jardim. Cuiabá, 2 de maio de 1845. Mss. ANRJ. IG7 32.
170
BRASIL – Arsenal de Guerra. Contrato de 4 de maio de 1849 para operários irem trabalhar nas ofi-
cinas do Arsenal de Guerra do Mato Grosso, Baixo Paraguai. Mss. ANRJ. IG7 10.

303
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Figura 36 – Distribuição de manufaturas militares, 1852-65.


O mapa mostra também a área de atuação dos diversos arsenais, de acordo com o decreto que criou os
Conselhos Administrativos para o fornecimento dos Arsenais de Guerra e unidades militares,171 em 1852.
Esses conselhos, que faziam as compras no mercado civil, existiam no Rio de Janeiro, Bahia, Pernambu-
co, Belém e São Luís. Nesta última cidade, onde não havia um arsenal, os uniformes para o Maranhão e o
Piauí eram encomendados pelo Conselho Administrativo e distribuídos pelo Depósito de Artigos Bélicos,
as fardas devendo ser feitas por trabalhadores ou empreiteiros privados. De um ponto de vista prático, os
Arsenais de Porto Alegre e de Cuiabá – e as unidades militares onde eles se situavam – eram fornecidos
pelo Arsenal da Corte, pelo menos em alguns artigos, como uniformes e matéria prima para os trabalhos
regulares.172 Em 1858, na conjuntura da possibilidade de Guerra com o Paraguai, o AGC enviou 1.804
volumes para o Rio Grande do Sul e 1.460 para o Arsenal do Mato Grosso, para suprir as forças mobilia-
das nesses locais.173
Em 1858, no auge da tensão com o Paraguai e tendo em vista uma possível guer-
ra, o Exército novamente reforçou o Arsenal da Província, aumentando o efetivo da
Companhia de Artífices para seu estado completo e enviando 29 conjuntos completos

171
BRASIL – Ministério da Guerra. Decreto nº 1.090, de 14 de Dezembro de 1852. Aprova o Regulamen-
to para execução do § 3.º do Art. 10 da Lei N.º 648 de 18 de Agosto de 1852.
172
BRASIL – Repartição do Quartel Mestre General. Conselhos administrativos para fornecimento dos
Arsenais de Guerra. Rio de Janeiro, 11 de julho de 1857. Mss. ANRJ. IG7 22.
173
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra da Corte. Manoel Albino de Carvalho,
o diretor, ao Conselheiro José Maria da Silva Paranhos, ministro da Guerra. Rio de Janeiro, 31 de
janeiro de 1859. Mss. ANRJ. IG7 16.

304
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

de ferramentas para diferentes ofícios. 174 Também foram transferidos dezessete africa-
nos livres da Casa de Correção, estes com ofícios de pedreiros, carpinteiros e ferrei-
ros.175 Finalmente, o ministro da Guerra informava que igualmente tinham seguido para
a província 48 operários contratados por dois ou quatro anos.176

Mais importante do nosso ponto de vista, foram também enviados uma máquina
de brocar e um molde de canos,177 um indicativo que o governo pretendia instalar uma
fábrica de armas na Província, junto com uma fábrica de pólvora e outra de ferro (ver
página 287), como parte de um programa de autossuficiência no fornecimento de artigos
para as forças armadas.

Mesmo com essas medidas, os problemas do Arsenal de Mato Grosso continua-


ram em todo o período por nós analisado – as fábricas projetadas não foram implanta-
das, por exemplo. Outra dificuldade é que, mesmo com a liberação da navegação co-
mercial para a Província, o Exército, para não criar maiores animosidades com o gover-
no do Paraguai, não mandava artigos bélicos pela via fluvial. Para isso foi necessário
manter a complicada, demorada e extremamente cara comunicação por terra,178 deixan-
do a província extremamente vulnerável a um ataque, como o que ocorreu em 1865.

O arsenal de Mato Grosso foi extinto em 1899, mas seus prédios ainda existem,
sendo ocupados pelo SESC.

174
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos objetos mandados fornecer à província de Mato Grosso,
com declaração dos que estão prontos. Elias Afonso Lima, secretário. Rio de Janeiro, 15 de feverei-
ro de 1858. Mss. ANRJ, IG7 15.
175
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos africanos livres recebidos da casa de correção com desti-
no para Mato Grosso. Estevão José de Fleury, Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ.
IG7 15.
176
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia geral legislativa na segunda
sessão da décima legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Jerônimo
Francisco Coelho. Rio de Janeiro: Laemmert, 1858. p. 17.
177
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos objetos, op. cit.
178
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. La “cuasi guerra” de 1857-1858: Movilización brasileña para
atacar Paraguay en las negociaciones de navegación fluvial. In: CASAL, Juan Manuel. Paraguay:
investigaciones de historia social social y política (II). Estudios en homenaje a Jerry W. Cooney. IV
Jornadas Internacionales de Historia del Paraguay en la Universidad de Montevideo. Asunción:
Tiempo de Historia/Universidad de Montevideo, 2016. p. 48.

305
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Figura 37 – Rotas de comunicação com Cuiabá.


Até a abertura do Rio Paraguai à navegação, em 1858, todos os suprimentos para o Mato Grosso tinham
que seguir por um dos dois caminhos ilustrados, todos eles com trechos por terra. Para facilitar as comu-
nicações, o exército fez em 1850 um varadouro, uma estrada carroçável para transporte de canoas, entre
Nioaque e Brilhante, estabelecendo nas duas povoações colônias militares. Também foram criadas mais
duas colônias militares em São Paulo, as de Avanhadava e de Itapura, esta última da Marinha, com um
navio, o Tamandataí.179 Nada disso realmente resolveu o problema de transporte de itens militares até o
arsenal de Cuiabá.

6.3.5 Arsenal do Rio Grande do Sul


O Rio Grande de São Pedro foi o fulcro de atividades militares desde a sua colo-
nização em 1737, com campanhas naquele ano e as de 1754-56 (guerras Guaraníticas);
1763-1777 (guerras contra os Espanhóis); 1802 (campanha das Missões); 1811-12 (in-
vasão do Uruguai); 1816-1818 (nova invasão do Uruguai); 1822-1824 (Guerra de Inde-
pendência); e de 1825 a 1828 (Campanha Cisplatina). De 1835 a 1845 a província foi o
local do conflito mais longo da história contemporânea do País, a Revolução Farroupi-
lha. Mesmo em tempos de paz, o maior contingente militar do Império se encontrava
sediado na Província e era necessário provê-lo de recursos. Dessa forma, foi erguido um
trem na capitania em 1777.180

Em alguns aspectos o Arsenal de Porto Alegre esteve adiante do da Corte. Por


exemplo, em 1811 a manufatura instalou um torno para brocar canhões, usado para au-
mentar o calibre de peças antigas, fazendo isso com várias bocas de fogo,181 havendo

179
id. pp. 48 e segs.
180
PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo. Organização e Administração do Ministério da Guerra no
Império. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1986. p. 71.
181
RIO GRANDE DO SUL – Capitania. Ofício de D. Diogo de Souza, governador do Rio Grande a José
Maria Xavier de Brito, inspetor do Trem. Quartel General no Acampamento de Bagé, 12 de julho de
Continua –––––––

306
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

também uma fundição de ferro, processos que o Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro
não conseguiu instalar até bem mais tarde no século.

Assim, em 1845 o Arsenal de Porto Alegre era o segundo do Império, o que é


perfeitamente compreensível quando vemos que este foi o ano final dos dez que durou a
Revolução Farroupilha. Segundo o relatório do ministro da Guerra, a instalação “tem a
seu cargo acudir as imensas necessidades do Exército em operações naquela Província”,
o documento fazendo a ressalva que “ainda assim, mal pode ele bastar para satisfazê-
las, sendo preciso que o da Corte o supra a miúdo com copiosas remessas de artigos
fabricados”.182 Havia na época sete oficinas e 287 operários, divididos entre de constru-
ção de reparos; coronheiros; ferreiros; espingardeiros; latoeiros; funileiro – era apenas
um; correeiros e seleiros; alfaiates e um laboratório, este com apenas dois trabalhadores.
Também havia 31 aprendizes sustentados por uma verba do governo provincial – depois
seria criada uma Companhia de Menores ali, ainda paga parcialmente pela província.

Mesmo com os problemas de pessoal, o Rio Grande, contudo, nunca teve uma
companhia de artífices, o que consideramos estranho, tendo em vista que o diretor da
instalação, ainda em 1845, “tem requisitado e requisita que sejam para ali enviados da
Corte [artesãos], tais são coronheiros, ferreiros, serralheiros, espingardeiros, latoeiros e
funileiros”. 183 No ano anterior o diretor pedira ao Ministro o envio de vinte artesãos
dessas especialidades, especificando que às vezes era necessário recorrer ao chefe de
polícia, quando tinha obras urgentes a fazer, indicando o uso de presos da correção ou o
uso de trabalho forçado.184 Há outros documentos mencionando a contratação de pesso-
al do Arsenal do Rio de Janeiro para envio ao Rio Grande, também ganhando salários
elevados, apesar de não tanto quanto os que eram pagos aos contratados para o Mato
Grosso. 185 A falta de pessoal talvez justifique o fato de que, a partir de 1853, os unifor-
mes das unidades do Rio Grande do Sul passaram a ser fornecidos pelo Arsenal do Rio
de Janeiro (ver Figura 36).

Continuação–––––––––––
1811. Revista do Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Setembro de 1923, nº 11. Porto Alegre: Es-
cola de Engenharia de Porto Alegre, s.d. p. 132.
182
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório de 1845, op. cit. p. 19.
183
BRASIL – Ministério da Guerra. Avaliação dos relatórios, op. cit.
184
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho ao diretor
do Arsenal de Guerra da Corte, Brigadeiro João Eduardo Pereira Colaço Amado, encaminhando
pedido de artesãos para o Rio Grande. Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1844. Mss. ANRJ. IG7
440.
185
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, José Maria da Silva Bittencourt ao Minis-
tro da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello. 25 de junho de 1850. Mss. ANRJ. IG7 11.

307
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Ainda que seja um pouco fora do recorte de nosso estudo, devemos notar que a
instalação não tinha só problemas: em outubro de 1865, já durante a Guerra do Para-
guai, o diretor do Arsenal escreveu ao presidente da província, solicitando que “não
sejam mais remetidas [do Arsenal de Guerra da Corte] ferragens para lanças, pois que
nesta Província fabricam-se muito mais baratas e há abundância delas neste Arsenal
hoje”.186

O Arsenal de Porto Alegre continuou a existir até 1934, seus prédios hoje abri-
gando o Museu do Comando Militar do Sul.

6.4 Algumas considerações preliminares


Resumindo o levantamento feito pelo ministro da Guerra em 1845, elaboramos a
seguinte tabela de pessoal:

Manufaturas Adm. Oficinas Menores Artífices Escravos Af. Livre Soma


Arsenal da Bahia 16 122 60 78 - - 276
Arsenal Mato Grosso 8 16 33 - - - 57
Arsenal do Pará 8 10 20 - - - 38
Arsenal de PE 15 100 - 80 - - 195
Arsenal do RS 12 287 31 - - - 330
Arsenal da Corte 35 868 190 115 - - 1208
Fábrica da Conceição - 149 - - - - 149
Fábrica da Estrela 41 49 - - 93 103 286
Fábrica de Ipanema 18 11 - - 170 141 340
Total 59 1612 221 115 263 244 2879
Tabela 13 – Trabalhadores nas manufaturas do Exército em 1845. 187
Artífices são os praças das companhias de Artífices Militares, duas do Rio de Janeiro, uma da Bahia,
outra de Pernambuco e uma meia companhia de Mato Grosso, todas incompletas, como pode ser visto na
tabela acima. Também havia Companhias de Aprendizes Menores nos Arsenais do Rio, Salvador e Recife
e Cuiabá, sendo que os de Porto Alegre e Belém tinham aprendizes pagos por suas províncias, só depois
tendo Companhias de Aprendizes.
A tabela acima não especifica escravos da nação, africanos livres e escravos de
aluguel nos arsenais. Eles existiam e eram numerosos, mas estão listados entre os traba-
lhadores das oficinas, como veremos no capítulo 10, para o caso do Arsenal de Guerra
do Rio de Janeiro. O sumário acima também não inclui os menores da companhia de
Pernambuco, bem como os aprendizes pagos pelas províncias, no Pará e no Rio Grande
do Sul. Mais importante, as costureiras que trabalhavam para os diversos arsenais não
são mencionadas.

186
BRASIL – Arsenal de Guerra do Rio Grande. Ofício do Major diretor José Joaquim da Lima e Silva
ao presidente de província do Rio Grande do Sul, Visconde de Boa Vista. 19 de outubro de 1865.
Mss. ANRJ. IG7 501.
187
BRASIL – Ministério da Guerra. Avaliação dos relatórios, op. cit.

308
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Ainda sobre a tabela acima, devemos notar que a Fábrica de Armas da Concei-
ção, apesar do seu nome, nessa época não era uma manufatura independente, sendo uma
repartição do Arsenal de Guerra, como trataremos no capítulo 9. Dai que não apareçam
funcionários administrativos ou Aprendizes Menores lá, pois estes estão listados entre
os do Arsenal.

Os dados sobre pessoal, mesmo incompletos, demonstram a importância das


manufaturas do Exército como fator de geração de empregos no País. Nesse sentido,
consideramos relevante uma comparação com as tabelas 7 e 8, nas páginas 163 e 177,
que tratam dos trabalhadores das empresas privadas no Rio de Janeiro, mais ou menos
na mesma época. Por exemplo, o Arsenal da Corte, contando a Fábrica da Conceição,
em 1845 tinha mais empregados de que todas as outras empresas listadas na Tabela 7,
referente à onze anos depois. Mesmo a Fundição da Ponta da Areia (Tabela 8) tinha um
pessoal bem menor que o Arsenal da Corte, ainda que superasse o número de todas as
outras manufaturas do Exército. Mesmo os pequenos arsenais provinciais tinham qua-
dros de pessoal consideráveis, quando comparados com as manufaturas privadas do Rio
de Janeiro, apesar da organização dos Arsenais, inclusive o da Marinha, em oficinas
menores, dever ser levada em consideração: não se deve pensar nessas organizações
como uma grande empresa, mas sim como uma soma de oficinas individuais menores.

As manufaturas das forças armadas formavam um conjunto bem amplo e diver-


sificado. Mais importante, até certo ponto funcionavam como uma rede, interagindo
entre si além da questão de artigos bélicos. O governo procou obter a autossuficiência
em pelo menos dois artigos de importância fundamental para as forças armadas, o ferro
e, mais importante, a pólvora, alcançando-se alguns resultados positivos com esses dois
itens. Em termos de uma rede, os Arsenais faziam trocas de materiais entre si, as pro-
víncias enviando para a Corte alguns insumos, como é visível no caso das madeiras para
coronhas, a melhor das quais disponíveis no Brasil era a açoita cavalos, Luehea divari-
cata, que era fornecida pelo Arsenal de Porto Alegre para o do Rio de Janeiro, que por
sua vez as enviava aos outros arsenais. 188 Nesse sentido, o Arsenal do Rio, concentran-
do uma série de atividades, como a compra de armas, era o que fazia a maior interação

188
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da guerra, Manoel Felizardo de Souza e Melo, ao
diretor do Arsenal de Guerra, Marechal José Maria da Silva Bitancourt, mandando serrar coronhas
de açouta-cavalos não só para as oficinas da Fortaleza da Conceição e do referido Arsenal, mas
também para remeterem-se duzentos cortes para a Província de Pernambuco e outros tantos para a
da Bahia. Rio de Janeiro, 14 de abril de 1852. Mss. ANRJ. IG7 516.

309
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

com as organizações do exército – e em menor escala, com as dos ministérios da Justiça


(Guarda Nacional) e da Marinha.

No Rio de Janeiro, o Arsenal de Marinha é uma constante na documentação do


ministério da Guerra, pois as melhores condições técnicas dessa instituição faziam com
que se recorresse constantemente a ela para o fornecimento de artigos mais elaborados,
como munições, feitas na fundição de ferro da Marinha189 ou até canhões, como já men-
cionado.

Da parte do Ministério da Guerra, se fornecia para a Marinha armas e outros


equipamentos de campanha, mais facilmente disponíveis nos armazéns do AGC. Assim,
em 1854, quando a Marinha preparava a expedição do Almirante Pedro Ferreira que ia
negociar, pela força, a abertura do rio Paraguai a Navegação, a Fábrica de Foguetes for-
neceu 200 foguetes a Congreve e duas estativas, feitas lá,190 enquanto o Arsenal enviou
armas de precisão e retrocarga para o Batalhão Naval.191

Mais importante era a troca de pessoal que ocorria entre as instituições, isso sen-
do bem visível na documentação sobre o Rio de Janeiro, mas podemos imaginar que o
mesmo ocorresse nas províncias: os Arsenais, sendo os maiores contratadores de pesso-
al nessas cidades, permitiam que operários e até mestres de uma das instituições passas-
sem de uma para outra, os vencimentos pagos por elas sendo mais ou menos idênticos,
para evitar que uma atraísse e retivesse o pessoal de outra, apesar de existirem diferen-
ças. Chegou a ser uma estratégia dos trabalhadores passar de uma instituição para outra
em busca de vantagens, o diretor do Arsenal de Guerra tendo que pedir que isso fosse
proibido, o que nunca se conseguiu. 192

Não podemos deixar de notar que o Arsenal de Guerra recorria à instituição na-
val para a formação de pessoal mais técnico: em 1849 o ministro da Guerra ordenou o
envio de menores aprendizes para serem colocados como estudantes na fundição da

189
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício vice do diretor interino, ten.-cel. José Manoel da Silva, ao Mi-
nistro da Guerra, Marquês de Caxias informando sobre as 4.000 bombas de 80 para Óbidos man-
dadas fundir no Arsenal de Marinha. Rio de Janeiro, 9 de julho de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.
190
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro Pedro de S. Bellegarde ao diretor do Arsenal,
Jerônimo Francisco Coelho, sobre remessa do Laboratório do Campinho para o Arsenal de Guerra
200 foguetes à Congreve para serem entregues à Repartição de Marinha. Rio de Janeiro, 4 de de-
zembro de 1854. IG7 335.
191
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, Jeronimo
Francisco Coelho, ao Ministro da Guerra, Pedro d’Alcantara Bellegarde, sobre fornecimentos ao
Chefe de Esquadra Pedro Ferreira de Oliveira, 22 de dezembro de 1854. Mss. ANRJ. IG7 14.
192
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de 5 de novembro de 1839, op. cit.

310
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

Marinha, a condição sendo que estes alunos deveriam ser escolhidos entre os que não
tivessem família. Isso apresentava problemas, pois os únicos menores que estavam nes-
sa situação eram aqueles que tinham vindo como expostos da Santa Casa, mas estes não
tinham idade suficiente para trabalharem nas oficinas, tendo apenas oito anos. 193 As
condições de trabalho dos menores que foram remetidos não devem ter sido das melho-
res, pois cinco dos oito aprendizes que foram efetivamente empregados na fundição da
Marinha desertaram passados poucos meses. 194

A questão dos aprendizes nos leva a um ponto importante no conjunto das manu-
faturas do governo: todas elas, mas principalmente as do Exército, tinham como parte
de suas funções a formação de pessoal técnico, isso às vezes implicando em números
elevados de estudantes. Como pode ser visto na Tabela 13, em Pernambuco os aprendi-
zes eram 44% dos trabalhadores do Arsenal de lá, enquanto no Mato Grosso chegavam
a superar em número os operários regulares do Arsenal. Isso era claramente uma parte
de uma política do ministério da Guerra.

Por sua vez, também é claro na análise das manufaturas militares que todas elas
se encontravam no nível da pré-indústria, em geral com várias oficinas descentralizadas
e com muito pouca colaboração entre si, fazendo um uso muito limitado de máquinas –
na imensa maioria dos casos não se percebe sequer uma divisão do trabalho. Uma parte
importante da composição da mão de obra era escrava, o que também apresentava limi-
tações, mesmo considerando que estes podiam chegar ao topo da carreira dos operários
de uma instituição, como ocorreu na Fábrica de Ferro de Ipanema.

Podemos concluir essa parte com o que escreveu o ministro da guerra, o Mar-
quês de Caxias, em 1856:

Todas essas contrariedades que ressaltam da insuficiência do atual sis-


tema administrativo dos arsenais, sobressaem mais no da Corte, que,
pela sua posição na capital do Império, tem que satisfazer muitas ne-
cessidades das províncias, o que o coloca na atitude ostensiva de um
arsenal geral do exército.195

193
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal Antônio João Rangel de Vasconcelos ao
Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro, 7 de julho de 1849. Mss.
ANRJ. IG7 10.
194
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício Nº. 34, do diretor do Arsenal de Guerra, Antônio João Rangel de
Vasconcelos ao Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro, 30 de abril
de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
195
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta
sessão da nona legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da guerra, marquês de
Caxias. Rio de Janeiro: Laemmert, 1856. p. 13.

311
Capitulo 6 - A estrutura de produção de artigos para os militares no Brasil

O estudo do funcionamento da maior manufatura do Exército, que pretendemos


fazer nos capítulos seguintes, serve, portanto, como modelo da proposta do governo
para suas atividades logísticas. O entendimento das razões por que essa instituição to-
mou um caminho tão diferente do seguido por outras, civis e militares, auxiliará a en-
tender as especificidades da formação industrial brasileira.

312
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Sumário

7 O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa


7.1 História
7.2 Estrutura administrativa
7.2.1 A Junta dos Arsenais
7.2.2 O novo regulamento, 1832
7.2.3 Preparo técnico da direção
7.2.4 O corpo de engenheiros
7.2.5 As Comissões Prática de Artilharia e de Melhoramentos
7.2.6 A reforma de 1853
7.2.7 Os ajudantes
7.2.8 Almoxarifado
7.2.9 O setor de Compras

313
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

7 O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrati-


va

7.1 História
Como já apontamos anteriormente, não há uma publicação que trace a história
do Trem do Rio de Janeiro antes de 1763, quando foi construída uma nova instalação, a
construção desse prédio sendo usada como marca de criação da instituição.1 Isso certa-
mente é incorreto, havendo uma menção à um trem desde os primeiros anos do século
XVIII. Mais relevante, em termos do nosso trabalho, é a existência dos Armazéns Reais.
Normalmente esses são associados à outras atividades, como a estocagem de madeiras
para exportação e de produtos civis usados pela administração colonial. Só que eles não
estavam restritos a essas atividades.

Em Salvador, como parte dos funcionários da alfândega e subordinado ao pro-


vedor mor, havia um funcionário civil com o título de “almoxarife das munições”. Um
cargo sobre o qual não encontramos informações na bibliografia sobre a história admi-
nistrativa,2 mas que existia desde o século XVII, sendo encarregado da entrega de armas
e munições3 às tropas e navios. Tinha também responsabilidade pela fabricação de uni-
formes, 4 e, aparentemente, outros equipamentos militares.5

Ou seja, os armazéns exerciam a atividade de suprimento das forças armadas, o


que no Rio de Janeiro é visível em um inventário de 1718. Este trata da artilharia da
cidade, mas especifica que havia nos Armazéns da Fazenda 11 canhões, 3.269 armas de

1
WINZ, Pimentel. História da casa do Trem. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1962. p. 101.
Essa posição é repetida em obra mais recentes, como NAZARETH, Otávio & TOSTES, Vera Lúcia.
Bottrel. Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro: Olhares, 2013.
2
SALGADO, Graça. Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 1985. O cargo de “almoxarife da pólvora” é citado em: PORTUGAL – Regimento das coi-
sas comuns e gerais aos oficiais dos armazéns. 17 de Março de 1674.
3
DESPACHO do provedor-mor da Fazenda Real da Bahia, Luís Lopes Pegado Serpe a ordenar que o
Almoxarife das Munições dê cumprimento a Portaria em que pede se fora entregue balas de artilha-
ria, pólvora, murrão e barris. Salvador, 20 de maio de 1737. Mss. Arquivo Ultramarino.
AHU_ACL_CU_005, Cx. 59, D. 5028. E CARTA de vossa majestade ao provedor-mor da fazenda
do Estado do Brasil, Francisco Lamberto sobre o refino de pólvora. Lisboa, 16 de outubro de 1685.
DOCUMENTOS históricos, volume LXXXIX. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1950. p. 47.
4
PORTARIA para o provedor mor para que ordene ao Almoxarife das munições que faça setenta fardas.
Salvador, 9 de julho de 1734. DOCUMENTOS históricos, volume LXXV. Rio de Janeiro: Baptista
de Souza, 1947. p. 331.
5
Há um documento da Bahia, de 1722 que menciona a fabricação de cartucheiras e os ofícios de Armei-
ro, alfaiate, correeiro e latoeiro. REGISTRO da avaliação das armas e munições. Salvador, 12 de se-
tembro de 1722. DOCUMENTOS HISTÓRICOS. Livro 1º de Regimentos. 1684-1725. Registro de
provisões da casa da moeda da Bahia. 1775. Vol. LXXX. Biblioteca Nacional. s.n.t. p. 311.

314
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

fogo portáteis e uma grande quantidade de acessórios e munições, inclusive 88 tonela-


das de pólvora.6

Para fazer a manutenção desse armamento era necessário, no mínimo, uma pe-
quena estrutura de oficinas, que comporiam o Trem e o do Rio é mencionado desde
1703, em um texto que nos dá a impressão que a instalação já era antiga. Naquele ano, o
governador reclamava dos problemas de lentidão dos trabalhos no “trem da artilharia”,
por causa dos artesãos que abandonavam seus postos para ir para as recém-descobertas
lavras de ouro em Minas Gerais. Entre esses se contava até o “mestre das carretas [que]
fugiu”.7

As indicações são que esse primeiro Trem do Rio era uma organização mista,
atendendo às necessidades das forças de terra e navais: uma petição do mestre das carre-
tas do Trem, de 1719, menciona que o operário tinha participado nos trabalhos de cons-
trução de carretas de artilharia para as fortalezas da cidade e da Colônia de Sacramento,
bem como no lançamento de dois lanchões e dois saveiros “assistindo a todas as obras
assim de mar como de terra”.8 Deve-se fazer uma nota que o próprio pedido feito pelo
mestre, de uma patente de tenente general de artilharia, é um indicativo da importância
da instalação. De qualquer forma, em 1742 há um documento mencionando Vicente de
Araújo Silva, que tinha o “ofício de mestre das Naus e Trem da cidade do Rio de Janei-
ro”,9 mostrando ainda uma organização mista.

Não sabemos como era esse primeiro Trem, nem onde ficava, mas se seguisse a
prática do final do século XVIII – e a lógica –, deveria estar próximo dos armazéns on-
de ficavam as armas. Apoiando essa conclusão existe a planta do Rio de Janeiro, do

6
CONTA sobre a fortificação e artilharia e mais fortalezas da praça e armazéns do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2 de março de 1718. Antônio Brito de Menezes. REVISTA do Instituto Histórico e Geográ-
fico Brasileiro. Tomo LV, parte I. Rio de Janeiro: Companhia Tipográfica do Brasil, 1892. pp. 226-
227.
7
CARTA de d. Álvaro da Silveira de Albuquerque, governador do Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas
Gerais ao rei, dando-lhe conta do mau estado da defesa militar do Rio de Janeiro por influência das
Minas. Rio de Janeiro, 22 de março de 1703. DOCUMENTOS interessantes. Vol. LI. São Paulo: Ir-
mãos Ferraz, 1930. p. 161.
8
PARECER do Conselho Ultramarino sobre o requerimento do mestre do trem e carretas do Rio de Ja-
neiro, João Batista, solicitando a patente no posto de tenente-general de artilharia. Lisboa, 7 de maio
de 1725. Mss. Arquivo Ultramarino. AHU_CU_017, Cx. 15, D. 1644.
9
ESCRITO do secretário da Junta dos Três Estados, João dos Santos Leite Bressane, ao conselheiro do
Conselho Ultramarino, Manoel Caetano Lopes de Lavre, solicitando a cobrança de uma fiança no
valor do rendimento do ofício de mestre da Ribeira das Naus e Trem da cidade do Rio de Janeiro, no
qual serve Vicente de Araújo Silva. Lisboa, 30 de abril 1742. AHU_CU_017, Cx. 34, D. 3598.

315
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

brigadeiro Massé, 10 de 1714, que informa que os armazéns ficavam onde hoje é o Paço
Imperial, junto da Casa da Moeda – uma situação que faz sentido, já que a Casa da Mo-
eda tinha oficinas que poderiam apoiar na manutenção das armas, como forjas, vestígios
das quais foram encontrados nas pesquisas arqueológicas do Paço Imperial, em 1986.

De qualquer forma, os armazéns foram transferidos em 1744 para o antigo Palá-


cio do governo, na atual rua 1º de Março.11 Mas essas instalações aparentemente não
duraram muito, já que a Planta do Rio de Janeiro de 1750 já mostram o Trem situado na
Ponta do Calabouço, aparentemente com o formato que já teria o futuro Arsenal de
Guerra.12

Figura 38 – Detalhe da planta do Rio de Janeiro de 1758.13


Mostra a região da Ponta do Calabouço. Mostrando os quartéis na região. Aparece claramente identifica-
do o Trem, com uma forma semelhante aos dos prédios em torno do Pátio de Minerva, no Museu Históri-
co Nacional. Também apontamos duas pontes para embarque de mercadorias, essenciais para o funcio-
namento de uma instalação de apoio às forças armadas. Vale comparar essa imagem com a Figura 2, que
mostra o conjunto do Museu Histórico Nacional de hoje.
Essa situação, na época tinha muitas vantagens: era no centro da cidade, com
acesso fácil ao transporte marítimo e próximo dos quartéis que forneceriam pessoal para
o funcionamento da organização e que receberiam os artigos manufaturados por ela. Por
outro lado, tinha vários problemas, alguns dos quais decisivos para o funcionamento da
instituição.

10
PLANTA da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro com suas fortificações. [1714]. Mss. Arquivo
Ultramarino. AHU_CARTm_017,D.1064.
11
CARTA do provedor da Fazenda Real do Rio de Janeiro, Francisco Cordovil de Sequeira e Melo, ao rei
D. João V, informando que se transferiram a Casa do Despacho e Armazéns e a Casa de Armas para
o palácio antigo. Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1744. Mss. Arquivo Ultramarino.
AHU_CU_017, Cx. 37, D. 3873. O palácio ficava onde hoje está o Centro Cultural Banco do Brasil.
12
CARTA Topográfica da Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, tirada, e executada pelo Capitão
André Vaz Figueira, Acadêmico da Aula Militar. Ano de 1750. Mss. Biblioteca Nacional.
13
[PLANTA da Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro]. S.d. [1758-1760]. Mss. Biblioteca Nacional.

316
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Um das dificuldades mais sérias causadas pela topografia era uma total ausência
de água corrente ou mesmo fontes de água potável: toda a que era usada na manufatura
no início de sua história vinha de pipas e essas tinha que ser trazidas de longe – o chafa-
riz do Moura, fora das instalações do Trem foi inaugurado apenas em 1794. Em 1840 o
Arsenal comprou da Santa Casa, o prédio ao lado da manufatura, um “anel de água”, o
que hoje se chamaria de pena d’água, um cano com um fluxo constante, mas limitado,
de água. Essa pena era insuficiente e em 1848 o diretor da instituição informou que era
necessário comprar quatro ou cinco pipas d’água por dia.14 Só no ano seguinte foi cons-
truído um cano para abastecer um chafariz em um pátio interno das instalações e, em
1852, quando o Arsenal instalou uma máquina a vapor foi necessário cavar um poço
para abastecer as caldeiras.15

A solução para a falta de água potável não resolveu a questão básica da institui-
ção, de não haver água corrente – um rio – que pudesse servir de força motriz. Tudo
tinha que ser movido a braço humano até a introdução dos motores a vapor. Isso sem
falar no uso de água em uma série de outras atividades manufatureiras. Como apontado
pelo diretor do Arsenal, Cunha Matos: “ali não há espaço para se assentarem grandes
máquinas, e todas as que se estabelecerem para trabalhar com forças vivas, ou por águas
do mar, hão de ser muito dispendiosas”. 16

Havia ainda outro problema da localização, que vai aparecer constantemente na


documentação do Arsenal até sua remoção para o Caju: o espaço da Ponta do Calabouço
era limitado, dificultando a expansão das instalações.17 Foram feitas várias desapropria-
ções e remanejamentos de usos de prédios na região, como o famoso Calabouço dos
Escravos, que, depois de ter sido transferido para o Castelo, foi demolido para a cons-
trução de um anexo. Mas ainda assim não era possível ampliar as instalações além de
certos limites, obrigando a construção de alguns prédios de três andares, o que certa-
mente não era muito adequado para uma instalação manufatureira movendo peças de

14
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Marechal João Carlos Pardal, ao ministro Antônio
Manoel de Melo, sobre falta d’água no Arsenal. Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1848. Mss.
ANRJ. IG7 10.
15
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra, Marechal de campo José Maria da
Silva Bitancourt, Rio de Janeiro, 1 de março de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13
16
MATOS, Raimundo José da Cunha. Memória estatística, econômica e administrativa sobre o arsenal
do exército, fábricas e fundições da cidade do Rio de Janeiro. Vila Nova de Famalicão: s.ed. 1939.
p. 15.
17
Isso aparece em praticamente todos os relatórios do Arsenal, como: BRASIL – Arsenal de Guerra.
Relatório do Arsenal de Guerra, 1852, op. cit.

317
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

certo volume e peso. As ruas em torno da instalação eram estreitas e tortuosas, dificul-
tando o transporte de itens mais pesados por terra (ver Figura 41).

Finalmente, uma situação grave que constantemente é mencionada nos relatórios


dos diretores da instituição é a tocante à questão da defesa. No final do século XVIII
tinha sido edificada uma fortificação cercando os prédios pelo lado do mar, compondo
duas baterias, a “do Trem”, olhando para a entrada da baía de Guanabara e a “do Cafo-
fo” (sic), apontando para a praia de Santa Luzia, ambas se somando ao antigo forte de
Santiago, de 1603. Entretanto, elas não protegiam os prédios da manufatura, que fica-
vam à beira mar e poderiam ser bombardeados em caso de ataque – como de fato che-
gou a acontecer, apesar de fora de nosso recorte cronológico: durante a Revolta da Ar-
mada os prédios chegaram a ser alvejados pela Marinha, causando ferimentos nos ope-
rários que continuaram a trabalhar, mesmo sob fogo dos rebeldes. 18 Os problemas de
localização foram sumarizados em um relatório do ministro da guerra, de 1840:

Reconhece o Governo que o local em que se acha o Arsenal da Corte é


defeituoso, por estar muito perto da barra, e por isso exposto aos ata-
ques de qualquer inimigo, e sem espaço próprio para o desenvolvi-
mento exigido pelo aumento das forças do Império, além de ser aca-
nhado em sua superfície, estando alias encravado na grande população
da Capital, e assim mais exposto aos estragos e incêndios; por todas
estas razões concebeu o projeto de construção de um novo e grande
Arsenal do Império. 19
Nenhuma providência foi tomada, a não ser a lenta construção de diversos ane-
xos: em 1830, 1835, 1839, 1847, 1852 e 1865, isso além da ocupação de prédios exter-
nos para armazéns, no Andaraí e na Lagoa Rodrigo de Freitas. Em seu momento de
maior desenvolvimento, no recorte que estamos trabalhando, o Arsenal na ponta do Ca-
labouço chegou a ter 25 mil metros quadrados, 20 (ver Figura 42). Isso afora os diversos
conjuntos de edificações externas, como o Laboratório do Castelo, a Fábrica de Armas
da Conceição, a Oficina de Foguetes/Laboratório do Campinho e os armazéns do An-
daraí e da Lagoa. Só que isso não era suficiente: o ministro da Guerra, em 1864, depois

18
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício da 2ª Seção do Arsenal comunicando que o aprendiz-alfaiate
Napoleão Prestino foi ferido por bala de fuzil na mão direita estando a trabalhar na sua oficina. Rio
de Janeiro, 30 de dezembro de 1893. Mss. ANRJ. IG7 306.
19
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado a As-
sembleia geral legislativa na sessão ordinária de 1840 pelo respectivo ministro e secretário de Es-
tado, Conde da Lage. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1840.
20
BRASIL – Arsenal de Guerra. [Área do Arsenal de Guerra da Corte]. Escritório das oficinas, 10 de
dezembro de 1868. Mss. ANRJ. IG7 28.

318
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

da crise causada pela Questão Christie, quando o Arsenal chegou a ter 1.500 operários
trabalhando ao mesmo tempo, escrevia:

O local em que se acha o arsenal da Corte é, como sabeis, exposto a


perigos, e, além disso, de tão estreito espaço que nele não se podem
convenientemente montar as oficinas necessárias. Tudo ali é acanha-
do; e ainda no conflito que infelizmente suscitou-se o ano passado
com a legação inglesa nesta Corte, reconheceu-se que nem os arma-
zéns ou lugares próprios havia para os trabalhos indispensáveis ao ar-
mamento de nossas fortalezas. Tivemos de armar toldos no pátio, onde
os operários se acumulavam para desempenhar o serviço e ainda nesse
mesmo local o espaço não era suficiente para conter materiais que os
armazéns não podiam receber.21
Apesar dos problemas – que só se agravariam com a Guerra do Paraguai –, a lo-
calização das instalações só foi alterada a partir de 1903, quando o estabelecimento co-
meçou a ser transferido para a Ponta do Caju, para uma área muito maior que a do Cala-
bouço e onde também estaria menos exposto a um ataque.

De qualquer forma, o Trem era considerado uma função importante, tanto é que
em 1753, seu mestre, o mesmo Vicente de Araújo e Silva já mencionado onze anos an-
tes, recebeu como recompensa por seus serviços uma sesmaria com uma légua em Ma-
caé – o que faz presumir que ele teria os recursos econômicos para explorar a doação,
nos termos da legislação da época. Além disso, a doação o colocaria em uma situação
próxima da elite da colônia, a dos senhores de terras – algo notável para um artesão.22
Pouco depois, há um documento, de 1759, que permite ver que Trem continuava sendo
uma organização mista, atendendo às necessidades dos navios da armada portuguesa e
dos fortes da cidade.23

Esta situação mudaria em 1762, quando o Conde de Bobadela mandou erguer


um novo prédio para a Casa do Trem, com um corpo central de dois pavimentos e duas

21
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado á assembleia geral legislativa na segunda
sessão da décima segunda legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da guerra,
José Marianno de Mattos. Rio de Janeiro: Laemmert, 1864. p. 8.
22
CARTA DE SESMARIA passada pelo alcaide-mor da cidade do Rio de Janeiro e donatário da capita-
nia de Paraíba do Sul, visconde de Asseca, Martim Correia de Sá e Benevides Velasco, ao adminis-
trador do Trem Real, Vicente de Araújo e Silva, concedendo-lhe uma légua de terras devolutas e ma-
tos nas cercanias do rio Macaé, fronteiras com as terras dos falecidos João Madureira Machado, do
alcaide-mor Caetano de Barcelos e dos Padres da Companhia de Jesus, no Rio de Janeiro. Lisboa, 4
de maio de 1753. Mss. Arquivo Ultramarino. AHU_CU_017, Cx. 46, D. 4673.
23
OFÍCIO do governador interino do Rio de Janeiro e Minas Gerais, José Antônio Gomes Freire de An-
drade, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sobre o
requerimento do mestre do Trem do Rio de Janeiro, Vicente de Araújo Silva, solicitando pagamento
pelos serviços prestados naquela cidade. Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1759. Mss. Arquivo Ultra-
marino. AHU_CU_017, Cx. 55, D. 5401.

319
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

alas de três andares, tornando-o um dos prédios mais imponentes da zona costeira da
cidade. Tendo 16 por 36 metros, era também maior do que as Casas do Trem de outras
capitanias sobre as quais temos informações (ver Figura 32).

Não cremos que as instalações da época se resumissem ao prédio da Casa do


Trem, como aparece nas plantas de Vaz Figueira (1750) e na Figura 38: por essa época,
o Rio de Janeiro já era responsável pelo suprimento de materiais para toda a área das
capitanias a ele subordinadas: Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, São Paulo, Santa Ca-
tarina, Rio Grande do Sul e a Colônia do Sacramento. Além disso, o local deveria servir
como armazém de armas e munições, inclusive artilharia, sendo que as dimensões do
prédio eram acanhadas para receber muitas bocas de fogo e suas carretas. O problema
de espaço era tanto, que o prédio foi ampliado em 1764, quando foi fundado o Arsenal
de Guerra do Rio de Janeiro, na conjuntura da transferência da capital e da criação do
vice-reinado no Rio de Janeiro, um fato que deve ser levado em consideração quando
vemos o Trem: como colocamos no capítulo anterior, a instalação era parte de um con-
junto, no Rio de Janeiro formado por um laboratório, o do Castelo, o Arsenal de Guerra,
o de Marinha, a Casa de Armas da Conceição e o paiol de pólvora de Santa Bárbara,24
tudo voltado para a questão do abastecimento das forças armadas coloniais.

Há poucas informações sobre o novo Arsenal no período Colonial. Um docu-


mento de 1768 critica a desorganização e falta de materiais no Trem, “que deveria ser
um depósito capaz de fornecer a artilharia de todo o necessário (...) quando atualmente
lhe faltam muitas coisas necessárias”25 – isso apesar do texto mencionar que havia 119
canhões nos armazéns de artigos bélicos do Trem. O problema dos depósitos de artilha-
ria era tamanho que se chegou a fazer um projeto de expansão das instalações em 1770,
mesmo ele já tendo sido ampliado em 1762 e 1764.

24
O paiol de Santa Bárbara ficava na ilha do mesmo nome – já existia em 1768 e funcionou desde mea-
dos do século XVIII até o final do XIX.
25
FUNCK, Jacques. Relation Generale de toutes les pieces d'artillerie de l'ammunition que se trouvent
actuallement dans le trem et sur toutes les forteresses autout le port de Rio de Janeiro. Rio de Janei-
ro, 6 de março de 1768. Biblioteca Nacional, Microfilme Ms 453(1).

320
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Figura 39 – Projeto de expansão do Arsenal de Guerra, 1770.26


Em vermelho, os prédios que existiam em 1770, compondo o Arsenal. Colocamos letras vermelhas, mar-
cando o Arsenal com a letra “a”. Em rosa, a Casa do Trem, marcado com a letra “e”. Em amarelo, as
propostas de expansão. Pela legenda, em “b” ficavam as ferrarias. Em “d”, os alojamentos da artilharia,
onde estava aquartelada a companhia de Artífices/Pontoneiros. Em “f”, a ponte de embarque do Arsenal.
A expansão proposta seria feita apenas em 1830, com uma planta ligeiramente diferente.
Nessa época os artigos da marinha ainda eram guardados juntos com os do Exér-
cito, o que criava confusão na administração. Um texto do marechal Funck, de 1768,27
menciona ainda que havia “caixas” para os ofícios de correeiro, de carpinteiro de obra
branca e de ferreiro – não sabemos se isso representava as oficinas que havia no Trem
ou, mais provavelmente, significava material que era necessário para fornecimento de
um eventual exército em campanha – de qualquer forma, tais instrumentos só teriam
sentido se existissem artesãos desses ofícios trabalhando no Trem. O marechal também
pedia caixas para ferreiros, carpinteiros de rodas, três para carpinteiros de obra branca,
duas para torneiros e duas para tanoeiros, o que, mesmo que se refira a material para
prover um trem de campanha, implica que havia oficiais para essas especialidades na
cidade.28 Isso não é surpreendente, pois havia uma Companhia de Artífices e Pontonei-
ros no Regimento de Artilharia do Rio desde 1765, com 26 artífices, de nove especiali-
dades diferentes (funileiros, torneiros, tanoeiros, cordeeiros, fundidores, serralheiros,

26
PROJETO para acrescentar ao Arsenal do Trem da Cidade do Rio de Janeiro. Jacques Funck, 28 de
fevereiro de 1770. Mss. Biblioteca Nacional. Mss 49,1,27 n1-8.
27
FUNCK, 1768, op. cit.
28
id.

321
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

“carpinteiros de carros”29 e carpinteiros de obra branca, como trataremos quando falar-


mos da composição da força de trabalho do Arsenal – deve-se notar que o Regimento de
Artilharia era aquartelado nos fundos da Casa do Trem (ver Figura 46).

Em 1776, o major intendente do Trem, Crispim Teixeira Silva, elaborou uma re-
lação de 99 páginas com tudo o que tinha sido feito na instalação, para o fornecimento
do Exército, desde 1768 – nesse período, devemos lembrar, a Colônia estava em Guerra
com os espanhóis no Sul. Por essa época, a manufatura continuava a atender as necessi-
dades da marinha: são listados suprimentos enviados para 23 navios. O documento tam-
bém informando que havia trabalhando na manufatura artesãos de ferreiros; serralhei-
ros; carpinteiros de machado; carpinteiros de obra branca; torneiros; tanoeiros; funilei-
ros; e cordeeiros, esta última uma profissão mais ligada à atividade naval. Finalmente,
havia um Laboratório Pirotécnico, o do Castelo, criado por essa época, mas este não
parece ser parte da estrutura administrativa do Trem do Rio.

No Trem também se mencionava a existência de uma fundição e um “torno para


broquear artilharia” (ver Figura 19 e Figura 22), que pela descrição de suas peças era
moderno, do tipo horizontal. 30 No caso, consideramos interessante apontar que o docu-
mento deixa implícito que esta máquina, bem como outras ferramentas e máquinas
complexas foram feitas no próprio Trem. A fundição que havia no local tinha a capaci-
dade de fazer obras de certo porte e de qualidade artística – a partir de 1783 foram fun-
didas diversas estátuas de bronze no Arsenal, como algumas que ainda hoje decoram o
Jardim Botânico.31 Poucos anos depois, nas comemorações do casamento de D. João
com D. Carlota Joaquina, foram feitos elaborados carros alegóricos, mostrando a capa-
cidade das instalações de produzir viaturas mais complicadas que as usadas pelo Exérci-
to (ver Figura 40).

29
Normalmente, na documentação do Arsenal, se faz uma separação entre “carpinteiros de machado” e
“carpinteiros de obra branca”, os primeiros sendo falquejadores, ou seja, trabalhavam a madeira de
forma grosseira, usando machado, enquanto os de obra branca fariam objetos necessitando de maior
habilidade. Certamente, “carpinteiros de carros” se enquadram na segunda categoria, contudo.
30
SILVA, Crispim Teixeira, Sargento Mor Intendente. Relação das Obras, Munições e mais Petrechos
que se tem feito no Trem de S. Majestade Fidelíssima do Rio de Janeiro, no tempo Governo do Il.mo e
Ex.mo Sr Marquês do Lavradio Vice Rei e Capitam General de Mar e Terra do Estado do Brasil,
continuado de 31 de outubro de 1769, até 31 de Agosto de 1776. Mss. Coleção Particular. O “enge-
nho de broquear artilharia” tinha uma “calhe de madeira com seu baileo [plataforma] para andar a
Peça”, o que só seria necessário em um torno horizontal.
31
WINZ, op. cit. pp. 177 e segs.

322
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Figura 40 – “Saracura” e carro alegórico das festividades.32


A escultura, representando uma espécie de pato, fazia parte do chafariz das Saracuras, de desenho do
Mestre Valentim, feito em 1795 no convento da Ajuda, onde hoje é a Praça da Cinelândia. O carro alegó-
rico é um dos que foi feito para as comemorações do casamento do príncipe D. João com D. Carlota Joa-
quina em 1786. As duas obras feitas no Trem do Rio de Janeiro. No caso da escultura de bronze, além da
qualidade do trabalho artístico é visível parte do sistema de canalização de água, com a torneira para ela
funcionar e até as roscas do cano, mostrando certo grau de capacidade técnica da manufatura colonial.
As capacidades da instalação podem ser medidas pelo fato de que ela tinha um
guindaste, ou seja, havia a previsão de movimentação de muitas e pesadas cargas, e que
havia pessoal e ferramentas excedentes para enviar equipamentos de ferreiros; serralhei-
ros; tanoeiros; carpinteiros de machado e carpinteiros de obra branca para o Rio Grande
do Sul, bem como um torneiro e um funileiro que foram para o Trem de Santa Catari-
na.33 O Trem do Rio de Janeiro tendo capacidade de receber uma imensa quantidade de
material: em 1780 eram listadas como armazenadas lá 271 bocas de fogo, 279 reparos e
dezenas de milhares de outros itens.34

Mesmo com a paz no sul e com a diminuição do apoio que o Marquês de Pom-
bal dava à instalação de manufaturas militares no Brasil, o Trem não perdeu importância
no período e manteve uma capacidade técnica razoável para o Período. Em 1792 seu
intendente ainda era Crispim Teixeira Silva, só que com a patente de tenente coronel,
um oficial superior, tendo três funcionários civis no “Trem”: um escrivão; um ajudante
comercial e almoxarife; e um fiel. Infelizmente, o almanaque do Rio não mencionando
os nomes dos mestres das oficinas daquele período, de forma que não sabemos quais

32
A escultura de bronze é do acervo do Museu da Cidade, fotografada em 1991 e o carro é do documento:
RELAÇÃO dos magníficos carros que se fizeram de arquitetura e fogos, os quais se executaram por
ordem de Il mo. e Exmo. Senhor Luiz de Vasconcelos e Sousa, Capitão General de Mar e Terra & Vice
Rei dos Estados do Brasil nas Festividades dos desposórios dos Sereníssimos Srs. Infantes de Portu-
gal Nesta Cidade do Rio de Janeiro. [Antônio Francisco Soares], 1786. Mss. IHGB, Lata 51 -
Doc. 20.
33
SILVA, op. cit.
34
REVISTA Geral de Artilharia e Munições que se acham ao todo no Rio de Janeiro. Ano de 1779. Jac-
ques Funck. Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 1780. Mss. Biblioteca Nacional. MS-453 (11).

323
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

estavam funcionando naquele período. 35 Seis anos depois, há um documento informan-


do quais eram as requisições de material para a instalação: 1.100 quintais (66 toneladas)
de ferro da Suécia, doze toneladas de ferro de Biscaia (Espanha), doze toneladas de aço
de Flandres, seis toneladas de aço de Milão e seis toneladas de aço de mola, no total,
103 toneladas36 – uma relação interessante por demonstrar a dependência das forças
armadas da importação de ferro, como apontado nos capítulos 4 e 5. Além disso, se pe-
diam milhares de outras ferramentas, como 24 dúzias de grosas de limas – 3.456 delas –
duas mil goivas, quatro mil verrumas e assim por diante.

Uma planta (Figura 46) sem data, mas que podemos atribuir a poucos anos de-
pois da vinda da família real portuguesa, mostra ainda uma instalação muito modesta,
com dez oficinas, ocupando o Arsenal de 1764 e um anexo feito em data não definida –
a antiga Casa do Trem, nessa época, era usada como cavalariça real. Na planta três pon-
tos outros merecem destaque: primeiro, as pequenas dimensões de algumas oficinas: as
de Abridores, Lavrantes, Funileiros e Fundidores ocupam uma área total de 66 m², divi-
das em seis pequenos cubículos, certamente reproduzindo a estrutura de uma “tenda”, a
oficina artesanal privada da época, onde trabalhavam o mestre e um ou dois oficiais. Em
segundo lugar, aparece uma “estrebaria”, algo que não é mais mencionado em docu-
mentos posteriores – só não sabemos se os animais se destinavam a tração de carroças
ou para mover alguma máquina, apesar de duvidarmos dessa última hipótese, por causa
das oficinas discriminadas, que não demandavam esse tipo de força motriz.

Finalmente, um ponto que consideramos curioso são as casinhas, onde moravam


trabalhadores – dez delas, também de pequenas dimensões. Mais do que um atavismo,
de uma visão arcaica, que transformava o Arsenal em uma espécie de oficina domésti-
ca,37 isso é um sinal de que a instalação não tinha uma demanda de trabalho que exigis-

35
ALMANAQUES da cidade do Rio de Janeiro para os anos de 1792 e 1794. Anais da Biblioteca Nacio-
nal, vol. 59, 1937. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1940. p. 256.
36
RELAÇÃO do que se precisa para o fornecimento do Real Trem do Rio de Janeiro, do qual se fornece
todo o continente do Rio Grande de São Pedro, Ilha de Santa Catarina, mais praças pertencentes à
mesma capitania. Manoel Francisco dos Santos, Sargento-mor intendente. Rio de Janeiro, 26 de fe-
vereiro de 1798. Mss. Biblioteca Nacional. I-31,21,40. A soma da quantidade de aço pedido não ba-
te, por causa da conversão do sistema de medida português arcaico para o métrico.
37
Na documentação encontramos vários ofícios tratando do gradual despejo de moradores de prédios que
seriam ocupados por atividades do AGC. Em 1838 se enviou uma ordem para remoção de moradores
do quartel do Moura, que passaria a ser usado pela Companhia de Artífices. Em 1857 se proibiu a re-
sidência de vária famílias no interior da Fortaleza da Conceição. Mesmo assim, várias pessoas ti-
nham autorização para morar no interior do Arsenal. BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do mi-
nistro, Jerônimo Francisco Coelho, ao diretor do Arsenal de Guerra, coronel do Estado-Maior de 1ª
Continua –––––––

324
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

se uma intensiva ocupação do espaço. Isso também é visível pelas fortificações erguidas
no final do século XVIII, as baterias do Trem e do Cafofo, que ainda estavam operacio-
nais no início do século XIX – posteriormente só a do Cafofo, a menor, ficou parcial-
mente ativa, para ser usada em treinamentos, o terrapleno onde eram colocados os ca-
nhões da Bateria do Trem tendo sido aproveitado para a edificação de anexos da manu-
fatura. O uso dos prédios públicos por particulares continuou por todo o período que
estamos estudando e até além – no Beco da Batalha, havia um conjunto de casas co-
muns, pertencentes ao Arsenal, mas usados por trabalhadores e funcionários do Arsenal,
que viviam, lado a lado dos africanos livres (ver Figura 41 e Figura 42). 38

Figura 41 – Beco da Batalha. 39


À direita o prédio do Arsenal de Guerra. As casas ao fundo, a esquerda, pertenciam ao Arsenal e, em
1838, em uma delas morava o mestre da oficina de Obra Branca, enquanto em outra “habitam os Africa-
nos Livres, marinheiros dos escaleres, e serventes do Arsenal, e em canto dessa mesma Casa está residin-
do o Tenente Virgílio Fogaça da Silva, também empregado no Arsenal”,40 mostrando a natureza arcaica
do Arsenal enquanto empresa, pois se esperava que a instituição fornecesse residência para alguns traba-
lhadores, tal como acontecia em uma oficina artesanal civil, onde o mestre e os aprendizes residiam no
seu local de trabalho. A foto também mostra uma das dificuldades de funcionamento do Arsenal, a estrei-
teza das ruas ao seu redor, que dificultavam o trânsito de materiais.

Continuação–––––––––––
Classe Alexandre Manoel Albino de Carvalho, proibindo a residência de famílias na Fábrica de ar-
mas da Conceição. Rio de Janeiro, 28 de outubro de 1857. Mss. ANRJ. IG7 396.
38
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor interino, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, ao
ministro da Guerra, Conde de Lages, sobre despejo de pessoas do quartel do Moura, para ser ocu-
pado pela Companhia de Artífices. Rio de Janeiro 5 de janeiro de 1838. Mss. ANRJ. IG7 20.
39
Foto de Augusto Malta, s.d., cópia existente no Museu Histórico Nacional.
40
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor interino, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão ao
ministro da Guerra, Rio de Janeiro, sobre moradores de casas no Arsenal. Rio de Janeiro, 11 de ja-
neiro de 1838. Mss. ANRJ. IG7 20.

325
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Uma segunda parte da história do Arsenal é a relativa ao período após a vinda da


Família Real, a parte oficial podendo ser resumida na sua história como manufatura.

7.2 Estrutura administrativa


Não encontramos outros documentos sobre o Arsenal antes de nosso recorte,
mesmo com a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, a documentação sobre a
instituição é escassa – apesar do diretor do Trem ser chamado de “intendente”, parece
que sua administração era, no início do século XVIII, subordinada à do Arsenal de Ma-
rinha.

Sabemos que no ano da vinda do Príncipe Regente, tanto o Trem, como a Casa
de Armas da Conceição e a Fábrica de Pólvora, criadas naquele ano, passaram a ficar
sujeitos à fiscalização do Inspetor Geral da Artilharia da Corte e Capitania do Rio de
Janeiro, o general Napion, que também teria a responsabilidade de fazer o mesmo com
o Regimento de Artilharia e as Fortificações da cidade.41 As manufaturas, contudo, con-
tinuaram a ser dirigidas por administradores locais, no caso da Conceição, o Governa-
dor42 e o intendente, no Arsenal.

Desse período, sabe-se que em 1808 foi instalada uma oficina de cordoaria do
Arsenal, com a função de fabricação de lonas de algodão 43 – algo ainda mais relaciona-
do com a Marinha do que com o Exército. Dois anos depois foi levantada a companhia
de Artífices, 44 que será abordada em outro capítulo, mas sobre a qual podemos adiantar
que tinha a função de fornecer pessoal para as oficinas.

7.2.1 A Junta dos Arsenais


Uma modificação maior ocorreria em 1811, com a criação da Real Junta de Fa-
zenda dos Arsenais, Fábricas, e Fundição da Capitania do Rio de Janeiro.45 Este é um
texto que consideramos extremamente importante, não tanto pelas questões administra-

41
PORTUGAL – Decreto de 24 de junho de 1808. Dá instruções para o Inspetor Geral da Artilharia da
Corte e Capitania do Rio de Janeiro.
42
Até 1830, governador era o título dado ao comandante de um forte. MATOS, Raimundo José da Cunha.
Repertório da legislação militar atualmente em vigor no exército e armada do Império do Brasil.
Rio de Janeiro: Seignot-Plancher, 1837. Vol. 1. p. 94.
43
id. p. 172.
44
PORTUGAL – Decreto de 3 de setembro de 1810. Manda organizar uma Companhia de Artífices do
Arsenal Real do Exercito.
45
PORTUGAL – Alvará de 1º de março de 1811. Cria a Real Junta de Fazenda dos Arsenais, Fábricas,
e Fundição da Capitania do Rio de Janeiro e uma Contadoria dos mesmos Arsenais.

326
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

tivas tratadas – apesar dessas serem importantes – mas pelo fator conceitual contido no
documento.

De início, o Trem do Rio de Janeiro foi finalmente transformado em Arsenal,46


passando a ser denominado de Arsenal Real do Exército e sendo equiparado, em tese,
aos de Lisboa e do Porto e além de ficar independente da Intendência da Marinha. Mas
a Junta era um órgão maior do que o Arsenal, tendo assumido funções que eram do Ins-
petor Geral de Artilharia. Sua jurisdição englobava a Fábrica de Pólvora, a Fábrica de
Canos da Conceição – que viria a ser a Fábrica de Armas –, “como também das outras
fabricas e fundições que sucessivamente me proponho estabelecer”,47 nas palavras do
rei. A proposta de futura criação de novas manufaturas, e o próprio nome de Junta, de
Arsenais, Fábricas, e Fundição, esta última uma instituição que não existia na capitania,
mostra uma intenção de aumento da estrutura manufatureira do governo subordinada ao
Exército. Por sua vez, outras manufaturas, como a Fábrica de Algodão da Lagoa ou
mesmo o Arsenal de Marinha, não estavam à cargo da Junta.

Entretanto, a medida de criação de uma entidade centralizadora foi parcial. Co-


mo já dissemos acima, não incluía outras organizações militares: de fato a proposta era
separar a administração da Intendência da Marinha, como já colocado. Consideramos
esse ponto de nota: pelo menos na Inglaterra, já havia um sistema de administração de
suprimentos militares unificado, para ambas as forças armadas, com o Board of Ord-
nance. Em outros países, não havia um sistema único para a Marinha e Exército, mas já
havia um que centralizava o fornecimento de artigos para o Exército: como já tratamos
no capítulo 4, nos Estados Unidos havia o Ordnance Service e na França isso era feito
pela arma de artilharia, que controlava a administração e fiscalização dos diversos arse-
nais e manufaturas que forneciam para as tropas. Mesmo em Portugal, a Junta de Arse-
nais de lá tinha autoridade sobre os arsenais de Lisboa e do Porto, os dois existentes no
País.48 Essa não foi a situação da repartição criada no Brasil: esta tinha jurisdição exclu-
sivamente sobre as instituições do Rio de Janeiro, não atuando sobre as manufaturas das
regiões vizinhas, como os Trens de São Paulo, Minas e Espírito Santo ou a Fábrica de

46
Pelo menos de forma “oficial”, pois o decreto que criou a companhia de artífices já chama o Trem de
“Arsenal Real do Exército”. PORTUGAL – Decreto de 3 de setembro de 1810, op. cit.
47
id.
48
COELHO, Sérgio Veludo. Os Arsenais Reais de Lisboa e do porto: 1800-1814. Porto: Fronteira do
Caos, 2013. p. 397.

327
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Ferro de Sorocaba, que eram controladas pelos capitães generais, os governadores lo-
cais.

Outro problema é que as funções da Junta eram primordialmente financeiras,


como consta do próprio nome da organização: era uma Junta da Fazenda, igual as que
existiam para administrar as finanças de outros serviços públicos, como as que tinham
existido no Brasil desde o século XVIII. Não era um órgão feito para coordenar ativida-
des técnicas ou manufatureiras e isso pode, até certo ponto, ser visto na sua composição:
o presidente era o Tenente General de Artilharia, Inspetor Geral e Diretor das Fabricas e
Fundições do Arsenal Real do Exercito, o General Napion. Subordinado a ele haveria
sete “deputados”: um intendente dos armazéns reais; o vice-inspetor das oficinas do
Arsenal e o vice-inspetor da Fábrica de Pólvora – neste caso, deve-se entender que o
inspetor titular dessas manufaturas era Napion; o tesoureiro do cofre do Arsenal e da
Pólvora;49 do contador do Arsenal e da Fábrica de Pólvora; o fiscal da Fazenda Real e o
secretário da Fazenda, esses quatro últimos funcionários da área financeira.

Além desses deputados, havia ainda um corpo de 28 outros empregados admi-


nistrativos, 50 o que parece excessivo, ainda mais que apenas cinco deles parecem estar
relacionados diretamente com o funcionamento diário das manufaturas,51 os outros sen-
do meramente cargos burocráticos e os únicos oficiais do exército na Junta eram os vi-
ce-inspetores que administravam as diferentes manufaturas. Deve-se dizer que alguns
dos Almanaques do Rio de Janeiro mencionavam como empregados da Junta alguns
“oficiais de patente” – militares. Eram seis em 1816 (três majores, um capitão e dois
tenentes).52 Não sabemos quais eram suas funções na repartição, mas não eram enge-
nheiros, como o próprio Almanaque permite averiguar.

A questão da composição da repartição é relevante, pois não há nenhuma men-


ção a uma repartição ou mesmo pessoal técnico, de engenharia ou artilharia, as “armas
científicas”, para trabalhar na Junta. Sequer havia a previsão para pessoal com conheci-
mento prático relacionado a assuntos manufatureiros em sua composição. Fazemos a
49
Deve-se notar que a venda para particulares da pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas era feita no Arse-
nal de Guerra. Ver Diário do Rio de Janeiro, nº 17, Rio de Janeiro, 21 de março de 1832. p. 1.
50
PORTUGAL – Decreto de 22 de julho de 1811. Marca o número e vencimentos dos empregados das
diferentes repartições da Real Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e Fundições.
Um almanaque de 1816 lista outros sete empregados na Junta, em funções auxiliares. ALMANAQUE
do Rio de Janeiro para o ano de 1816. Rio de Janeiro: Impressão Régia, s.d. pp. 140 e segs.
51
Eram um comprador, um apontador e um supranumerário e dois porteiros, estes especificamente do
Arsenal. id.
52
ALMANAQUE do Rio de Janeiro, 1816, op. cit. p. 146.

328
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

ressalva que o Almanaque do Rio de Janeiro, de 1824, menciona como compondo a


Junta dos Arsenais o matemático Gaspar José Marques e que este fez, a pedido da Junta
de Alfândega, uma avaliação de máquinas de debulhar café.53 Isto parece indicar certa
capacidade técnica do profissional, mas não foi parte de uma proposta de alteração das
funções da repartição, pois o almanaque do ano seguinte já não lista mais o matemático
entre os empregados. Não podemos deixar de considerar tal como curioso, quando ve-
mos que entre as funções da Junta e seus estabelecimentos subordinados estava a de
procurar “animar neles a criação e educação de oficiais e artistas hábeis que para o futu-
ro promovam e adiantem sempre todos os objetos do meu real serviço”.54

As atividades do órgão seriam, então, decidir sobre as despesas, empregos, pa-


gamentos e a determinação dos procedimentos adequados à administração fazendária,
bem como a nomeação dos “mestres, contramestres e aparelhadores dos diferentes ofí-
cios do arsenal e fabricas e das oficinas que lhe são anexas”.55 A Junta também tinha o
poder de decidir o preço de alguns insumos, como o salitre, e estabelecer o quanto seria
pago pela pólvora – foi ela que estabeleceu o monopólio da fabricação do produto para
a Fábrica da Lagoa.56

Por sua vez, a Junta tinha algumas funções exóticas, sem qualquer ligação com
as manufaturas militares ou mesmo outras oficinas privadas em geral. Por exemplo, o
inciso 22 do alvará de criação da organização determinava que o Inspetor Geral deveria
também fiscalizar todos os estabelecimentos que deveriam ser feitos na Lagoa Rodrigo
de Freitas, como “olarias, caieiras, cortes de madeiras e sua extração (...)”.57 O oficial
também tinha a obrigação de criar o “jardim botânico da cultura em grande [escala] de
plantas exóticas que mando se haja de formar na dita fazenda da Lagoa”, devendo pro-
mover “a cultura das moscadeiras, alcanforeiras, cravos da Índia, canela, pimenta, e os
cactos com a cochonilha”. O texto finalizava que deveria se investigar os meios de aper-
feiçoar a criação de bosques artificiais de madeiras de lei e cuidar da boa agricultura da
fazenda. Medidas economicamente benéficas, mas que de forma alguma teriam utilida-
de imediata para as forças armadas.

53
ALMANAQUE do Rio de Janeiro para o ano de 1824. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, s.d., p. 205.
E SILVA, César Agenor Fernandes da. Ciência, técnica e periodismo no Rio de Janeiro (1808-
1852). (Tese de doutorado). Franca: UNESP, 2010. p. 76.
54
PORTUGAL – Alvará de 1º de março de 1811, op. cit.
55
id. inciso XIII.
56
GAZETA do Rio de Janeiro, nº 68, 25 de agosto de 1813. p. 3.
57
PORTUGAL – Alvará de 1º de março de 1811, op. cit. inciso XXXII.

329
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

As reuniões da Junta eram para serem feitas no Arsenal de Guerra, em apenas


três sessões semanais, só que o regulamento tinha poucas estipulações com relação à
manufatura, todas muito genéricas: o vice-inspetor, que tinha a incumbência de admi-
nistrar o dia a dia da instalação, devia dirigir o trabalho dos mestres, contramestres e
oficiais das oficinas; cuidar do “ponto”, a presença dos operários; evitar extravios, po-
dendo mandar prender os operários acusados de desobediência ou de furtos; deveria
propor os salários dos operários, depois de consultados os mestres das oficinas e, final-
mente, o administrador tinha que residir em uma casa no interior das instalações, uma
medida que continuou válida por toda a história da instituição. Uma estipulação menci-
ona que o vice-inspetor também deveria impedir que “Mestre algum tome empreitada,
nem que os Oficiais se empreguem em trabalhos que não pertençam ao meu serviço [do
Rei]”,58 indicando que antes daquela estipulação os trabalhadores podiam fazer serviços
particulares no Arsenal.

Os pontos especificados eram banais, o longo regulamento não se concentrando


em aspectos que hoje consideraríamos mais relevantes, ou seja, os específicos ao funci-
onamento da instituição. Não definia, por exemplo, quais seriam as oficinas das diferen-
tes manufaturas, nem como seria feita uma cooperação entre as diferentes instituições –
se essa era a ideia. Na verdade, era uma organização administrativa pesada, dispendiosa
e sem uma função clara – o próprio governo reconheceu, em parte, seus problemas, de-
terminando que a Fábrica de Pólvora da Lagoa deixasse de fazer parte da entidade mai-
or, pelo decreto de 7 de abril de 1815, apesar de seu inspetor continuar a ser um dos
delegados da Junta. Poucos anos depois, o Brigadeiro Cunha Matos, que fora o inspetor
do Arsenal de 1819 a 1823, propôs a extinção da Junta.59 Isso só ocorreria depois de
alguns anos, mas o decreto de 14 de maio de 1823 deixou claro que o Arsenal não era
mais subordinado à ela, pelo menos em termos administrativos: o texto legal marca as
atribuições do inspetor da instituição, que deixava, portanto, de ser dirigida por um vi-
ce-inspetor, subordinado ao Inspetor Geral da Artilharia.

7.2.2 O novo regulamento, 1832


Em 1832, no contexto da grande reforma militar do ano anterior, foi criada uma
comissão para examinar a administração das manufaturas do exército. O relatório do
Ministro da Guerra daquele ano sendo duro com o Arsenal, dizendo que ele não tinha

58
id. inciso XLIII.
59
MATOS, 1939, op. cit. p. 19.

330
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

correspondido aos propósitos de sua criação e que tinha absorvido gastos de vulto, “sem
produzir resultados proporcionados aos sacrifícios”, a Junta dos Arsenais sendo conde-
nada por morosa e “desleixada na fiscalização”.60 Havia problemas no funcionamento
do órgão, como o brigadeiro Cunha Matos já tinha apontado e que também se refletiam
em outros autores. Carl Seidler, um viajante suíço, foi muito crítico a instituição, depois
de elogiar o Arsenal de Marinha, escrevendo que:

O Arsenal de Guerra é menos importante e desde começo foi constru-


ído caro e mal, e as obras nele executadas são em geral inservíveis.
Assim, por exemplo, os uniformes azuis do 27° Batalhão de Caçado-
res em menos de quatro semanas ficaram cor de raposa, as costuras se
desfaziam e os sapatos, com toda a boa vontade, não era mais possível
usá-los. Nem D. Pedro podia obviar a essa desordem, nem impedir a
roubalheira. Ele ia várias vezes por semana a cavalo ao arsenal e era
frequente assistir aos fornecimentos.
Um dia, tomado de justificado zelo, a tal ponto se irritou com uma fal-
catrua que descobriu, que na presença de mais de vinte oficiais deu ele
mesmo uma bofetada no diretor do arsenal, brigadeiro do corpo de en-
genheiros; não obstante nada adiantou. 61
A afirmação de Seidler não pode ser descartada como um exagero de um cronis-
ta estrangeiro, cheio de preconceitos. O próprio relatório do ministro da Guerra, de
1830, fazia duras críticas ao funcionamento do Arsenal, colocando que as “obras feitas
nos Arsenais e Trens de Guerra importam em preço muito superior àquelas que são fei-
tas em oficinas particulares”,62 os motivos disso sendo os altos preços das matérias pri-
mas e a morosidade dos pagamentos feitos aos fornecedores – um problema que, até
hoje, aumenta os custos dos produtos fornecidos ao governo. Além disso, o ministro
prosseguia, apontando erros específicos da administração do Arsenal, como “a qualida-
de dos gêneros, quase sempre pouco fiscalizada”,63 falhas de fiscalização, pois as ofici-
nas eram “vastas [e] distantes entre si”64 e, um ponto que afetava mais os outros arse-
nais, havia o desvio de função de alguns artesãos, usados para suprir necessidades de
outras repartições do governo, especialmente as responsáveis pelas obras públicas.

Mais importante para entendermos o funcionamento da instituição, o ministro


acusava a administração das oficinas, “dirigidas, quase sempre, por Mestres e Aparelha-

60
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da administração do ministério da Guerra apresentado à
augusta Câmara dos senhores deputados na sessão de 1832. Rio de Janeiro: D’Astrea, 1832. p. 10.
61
SEIDLER, Carl. Dez anos no Brasil. São Paulo: Livraria Martins, s.d. p. 50.
62
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório do ano de 1830 apresentado à Assembleia Geral Legislati-
va no ano de 1830 na sessão de 1831. Ministro José Manoel de Moraes. s.n.t. p. 10
63
id. p. 10.
64
id. p. 10.

331
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

dores pouco zelosos pelo adiantamento do serviço”,65 uma falha básica da instituição,
não sanada ao longo de todo nosso recorte de estudo, pois não havia uma supervisão
técnica das oficinas por parte da administração militar. Tudo isso contribuía para que
houvesse uma “enorme diferença entre os valores dos artigos prontificados nas Fábricas
Nacionais [as manufaturas do governo] e aqueles que são construídos em oficinas parti-
culares”, o ministro continuando, afirmando que a respeito disso “No Arsenal do Rio de
Janeiro reinou a esse respeito a mais escandalosa relaxação e desordem”.66

O resultado da revisão feita em 1832 foi a aprovação de uma lei extinguindo a


Junta dos Arsenais e dando um novo regulamento para os arsenais e Fábrica de Pólvora,
o decreto de 21 de fevereiro daquele ano. O texto legal é longo, detalhado e tem alguns
avanços com relação ao anterior, tratando não apenas das manufaturas do Rio de Janei-
ro, mas de todo o Império – como já foi dito, foi o decreto que acabou com os Trens
provinciais, transformando os do Pará, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Pernambuco e
Bahia em arsenais e reduzindo os outros a condição de Armazéns de Artigos Bélicos.
Uma medida que pode ser vista como de racionalização, evitando repetição de esforços
e a aplicação de recursos em pequenas manufaturas, de produção muito reduzida. Entre-
tanto, é claro que o objetivo geral deve ser encarado como estando inserido no contexto
geral daquele ano, de redução de gastos militares.

Afora a criação dos arsenais provinciais, o decreto tinha uma série de outras de-
terminações, como rebatizar o do Rio de Janeiro como Arsenal de Guerra da Corte
(AGC) e criar o cargo de diretor, com as funções que tinha o presidente da Junta, pelo
menos no que tange à manufatura. O antigo vice-inspetor passou a se chamar de vice-
diretor, sendo o cargo reservado a um militar, que passou a exercer um grande numero
de atividades, colocando uma grande carga de responsabilidade sobre ele. Deveria fisca-
lizar as oficinas, faria o registro dos artigos comprados e daqueles produzidos, rubrican-
do as guias de material e as folhas de salário; finalmente, deveria assistir à entrada e
saída de material nos armazéns do almoxarifado, se assegurando da sua autenticidade,
bem como que não tinha havido desvios de material. Eram funções que claramente seri-
am impossíveis de serem cumpridas por apenas um homem e que não lhe deixariam
tempo para executar outras tarefas de caráter não burocrático. O regulamento previa

65
id. p. 11.
66
id. p. 11.

332
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

ainda 31 funcionários administrativos, desde o secretário até contínuos, cada um com


suas funções esmiuçadas, também se definindo seus vencimentos. 67

Em termos técnicos, pela primeira vez aparecem reguladas as oficinas, com o


seu pessoal dirigente (a mestrança), mas, ao contrário do que ocorria com os funcioná-
rios administrativos, não se estabelecia a função de cada um dos artesãos, a não ser
quais oficinas teriam um mestre próprio e quais teriam apenas um contramestre ou apa-
relhador na sua direção. Também se definia que os mestres responderiam ao já sobrecar-
regado vice-diretor. Finalmente, o decreto regularizou a situação da Companhia de
Aprendizes Menores do Arsenal, que será tratada quando falarmos do quadro de pesso-
al.

Esse regulamento ficou válido até 1872, quando foi substituído por outro mais
completo. Mas não era um texto que na época fosse considerado como bom, isso a pon-
to de já em 1835 ter se estudado uma reforma no texto legal68 e da questão ter sido leva-
da ao parlamento, que autorizou a mudança do regulamento nas leis de fixação de força
do exército em 1841, 1856 e, de novo, em 1860, todas não executadas neste aspecto.
Entretanto, no período que estamos estudando houve algumas modificações na adminis-
tração da manufatura69 e, principalmente, como ela se relacionava com as forças arma-
das, especificamente, a forma como eram organizadas as Companhias de Aprendizes
Menores e a de Artífices, tal como será tratado em outro lugar dessa tese. Outras altera-
ções aconteceram de forma periférica, como em órgãos externos relacionados proxima-
mente com a instituição.

67
BRASIL – Decreto de 21 de fevereiro de 1832. Dá Regulamentos para o Arsenal de Guerra da Corte,
Fábrica da Pólvora da Estrela, Arsenais de Guerra e Armazéns de depósitos de artigos bélicos.
68
BRASIL – Ministério da Guerra. Proposta e relatório da repartição dos negócios da Guerra apresen-
tados à Assembleia Geral Legislativa na sessão ordinária de 1836 pelo respectivo ministro e secre-
tário de estado dos negócios da Guerra, Manoel da Fonseca Lima e Silva. Rio de Janeiro: Tipogra-
fia Nacional, 1836. p. 11.
69
Os decretos Decreto nº 210, de 3 de Agosto de 1842 e nº 778 de 15 de abril de 1851, trataram da Con-
tadoria Geral da Guerra, que cuidaria da administração financeira do Exército. Ambos os textos deta-
lhavam a escrituração das contas do Arsenal, mas não alteravam basicamente a organização da insti-
tuição.

333
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Figura 42 – Detalhe de planta dos arredores do Arsenal, 1869.70


Destacamos em cor o conjunto do Arsenal e identificamos seus elementos principais. A planta mostra a
maior extensão ocupada pelas instalações e, nessa época, todo o espaço disponível era basicamente ocu-
pado por oficinas. “3” é a antiga Casa do Trem, reocupada pelo Arsenal em 1830, ano que também resul-
tou na construção do anexo marcado como “4”, duas alas do qual passaram a ser ocupados pelo Quartel
dos Menores. “6” é o antigo quartel do Moura, que foi incorporado ao Arsenal como quartel do Corpo de
Artífices em 1838. Em “9”, havia algumas casas, que eram usadas como residências por alguns funcioná-
rios e, até 1865, para alojar os africanos livres e seu feitor. Em “10” está uma área extra muros que sedia-
va a Contadoria Geral da Guerra e outras repartições e, a partir de 1852, o novo quartel dos Artífices. Em
1865 passaria a ser o Quartel dos Menores. Comparar com a Figura 39 e Figura 46. Além desses prédios,
o Arsenal tinha o Laboratório do Castelo, a Fábrica da Conceição e a Oficina de Foguetes. Em 1863, a
instituição também tinha dois grandes armazéns externos, um no Andaraí e outro próximo do Jardim
Botânico,71 removidos de acordo com ordem ministerial para proteger os depósitos de possíveis bombar-
deios de navios ingleses.72 As estruturas de números 6 a 12 foram demolidas com as obras da Exposição
Nacional e 1922.

7.2.3 Preparo técnico da direção


Um aspecto que é conspícuo por sua ausência na organização de 1832 é um qua-
dro técnico: apenas dois funcionários da lista de empregados deveriam ser militares e,
mais importante, não se definia sua formação. Tal omissão é notável: em 1828, o antigo
diretor do Arsenal, Cunha Matos, que era então deputado do parlamento imperial, apre-

70
Detalhe da PLANTA do Arsenal de Guerra da capital do Império do Brasil e seus arredores. Rio de
Janeiro, 20 de março de 1869. Mss. Arquivo Histórico do Exército.
71
BRASIL – Ministério da Guerra. BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do ministro da Guerra.
1864. op. cit. Relação demonstrativa dos próprios nacionais.
72
BRASIL – Arsenal de Guerra. Despacho do ministro exarado no ofício do diretor José Victória Soares
de Andrea ao ministro da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão. Rio de Janeiro, 11 de
janeiro de 1863. Mss. ANRJ, coleção Polidoro, Maço 11.

334
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

sentou um projeto de lei de organização do Arsenal, pelo qual haveria um oficial diretor
das oficinas, que deveria ter “conhecimentos mui largos dos trabalhos das máquinas de
Guerra”,73 Cunha Matos lembrando que a Junta de Arsenais de Lisboa tinha três ofici-
ais, um de artilharia, outro de infantaria e o terceiro de cavalaria, para assessorar a dire-
ção em assuntos técnicos de suas armas.

Não foi uma posição isolada: os diretores do Arsenal constantemente recomen-


davam que as funções de direção fossem dadas a pessoas com conhecimentos técni-
cos,74 mas isso não era uma prática seguida. Os próprios regulamentos do Exército pre-
judicavam isso – segundo estes, os cargos militares dos arsenais eram para ser preen-
chidos por oficiais do “estado maior de segunda classe”75 e esses oficiais eram aqueles
julgados incapazes para o serviço ativo. Um decreto de 1851 determinava até que não
deveriam ser empregados oficiais com os estudos completos da academia nas Compa-
nhias de Artífices, que compunham uma quantidade razoável da força de trabalho das
manufaturas militares. 76

É aparente que inicialmente os ministros da Guerra não consideravam necessário


um quadro militar altamente qualificado para essas instalações, mesmo que alguns dos
diretores tenham se destacado neste campo. Essa visão oscilaria com o tempo. Em 1834,
o ministro 77 sugeriria que se mandassem oficiais estudarem na Europa, entre outras coi-
sas para se habilitarem a “melhorar nossos arsenais e fábricas e a empreender novos
estabelecimentos ou quaisquer outras obras de pública utilidade”.78 Só que isso não se
tornou comum. De fato, no caso das manufaturas do exército só ocorreu uma vez, na
fundação do Laboratório do Campinho, como trataremos mais adiante em nosso traba-
lho.

Por sua vez, a posição governamental sobre a formação dos quadros dirigentes
das manufaturas do governo em geral mudaria um pouco com o tempo: em 1860 foi
feito um novo regulamento para a Fábrica de Pólvora, em substituição ao decreto de
73
BRASIL – Câmara dos deputados. Diário da câmara dos deputados à Assembleia Geral Legislativa do
Império do Brasil. sessão de 24 de julho de 1828. s.n.t. p. 2.
74
MATOS, 1837, op. cit. vol. 2 p. 165.
75
BRASIL – Decreto de 4 de dezembro de 1822. Determina que as promoções do Exército, até Coronel
inclusive, sejam gerais em cada Província e Arma.
76
BRASIL - Decreto nº 782, de 19 de abril de 1851. Aprova o Plano da organização do Exercito em
circunstâncias ordinárias.
77
Brigadeiro Antero José Ferreira de Brito, oriundo da artilharia, uma das armas “científicas”.
78
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado ao à
Assembleia Geral Legislativa na sessão ordinária de 1834 pelo respectivo ministro e secretário de
estado, Antero José Ferreira de Brito. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1834. p. 9.

335
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

1832. O novo texto já especificando que o ajudante do diretor de lá deveria ser um ofi-
cial “com pelo menos o curso de artilharia”. 79 O regulamento também previa uma medi-
da simples, mas eficaz, considerando que não havia ensino técnico no País: a de que o
dirigente deveria visitar “todas as vezes que puder, o recinto das novas oficinas, para
adquirir o maior conhecimento prático dos trabalhos de fabrico e do laboratório quími-
co”.80

Apesar da alteração dos regulamentos que foi feita naquele ano na Fábrica de
Pólvora e no Laboratório do Campinho, onde também havia a previsão de uma direção
mais técnica, tal não foi feito Arsenal de Guerra, apesar de o legislativo ter aprovado os
trabalhos para alteração do regulamento. Três anos depois, o ministro da Guerra, Poli-
doro da Fonseca Quintanilha Jordão, ele mesmo um oficial oriundo da arma de artilha-
ria, propôs a criação de um estado maior para a arma, a ser formado por oficiais com os
“conhecimentos teóricos e práticos que lhe são relativos, e com os das ciências acessó-
rias indispensáveis as suas diversas aplicações e trabalhos técnicos.” 81 O pessoal desse
estado maior deveria ser empregado em atividades de supervisão bem como na “direção
das fábricas de pólvora, das fundições, laboratórios pirotécnicos, arsenais, e em geral
em numerosas comissões que só podem ser bem desempenhadas por quem, aos conhe-
cimentos teóricos, reúna a necessária prática”.82

Por volta de 1845, foi apresentada uma proposta de reforma do Arsenal, pela
qual a maior parte dos cargos administrativos do Arsenal passariam a ser exercidos por
oficiais do Exército, indo desde um general ou oficial superior na direção até dois alfe-
res como praticantes da contadoria – se previam 36 oficiais na nova organização admi-
nistrativa, além de treze civis em cargos menores, como os de contínuos, guardas e por-

79
Em boa parte da história do Império, o Curso da Academia Militar era cumulativo, os oficiais de infan-
taria tendo que estudar menos, seguidos pelos de cavalaria, artilharia, engenharia e estado maior,
com uma crescente carga de estudos. A infantaria e cavalaria eram chamadas de “armas combaten-
tes” e as outras de “armas científicas”. Dessa forma, o regulamento da fábrica de pólvora previa que
somente um oficial de arma científica poderia ser o ajudante do diretor, este supostamente tendo uma
formação técnica. SIQUEIRA, Rogério Monteiro de & MORMÊLLO, Ben Hur. A gênese ilustrada
da Academia Real Militar e suas onze reformas curriculares (1810-1874). História da Ciência e En-
sino: construindo interfaces. PUC-SP, Volume 3, (20 de julho de 2011). p. 21.
80
BRASIL – Decreto nº 2.555, de 17 de Março de 1860. Aprova o Regulamento para a administração
geral da fabrica de pólvora da Estrela.
81
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na terceira
sessão da décima primeira legislatura pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Guerra,
Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão. Rio de Janeiro: Laemmert, 1863. p. 7.
82
id.

336
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

teiros.83 Deve-se dizer que seria uma organização semelhante à prática atual, onde quase
todos os cargos de chefia de uma organização militar são preenchidos por militares.
Contudo, a ideia não alterava a estrutura básica do Arsenal, pois todos os oficiais traba-
lhariam em funções burocráticas, na direção – para a qual se sugeriam três ajudantes,
como seria de fato implantado mais tarde –, contadoria e pagadoria. Nas oficinas, se
previam apenas dois oficiais, um capitão e um tenente, mas não em funções técnicas,
pois deviam atuar como escrivão e apontador, cargos burocráticos.

Novamente, nada resultou dessas propostas e o Arsenal continuou a funcionar


sem um quadro administrativo que pudesse gerenciar as atividades técnicas além do
mais básico em termos burocráticos.

7.2.4 O corpo de engenheiros


Antes de continuarmos, deve-se fazer uma nota: como colocamos, no Brasil as
“armas científicas” eram a artilharia e a engenharia.84 Incluímos a engenharia por ser
esta a prática do período de nosso estudo, mas deve-se ter em mente que naquele mo-
mento ela não era uma “arma”, uma organização com tropas, e sim um “corpo”, uma
especialidade inicialmente formada apenas por oficiais, sem soldados sob seu comando.

Ao contrário da infantaria e cavalaria, as “armas combatentes”, os engenheiros e


artilheiros tinham suas promoções definidas por exames, sendo que para pertencer às
armas científicas era necessário ter feito um curso de formação específico – no início do
império, para a engenharia era necessário completar sete anos de estudos.

A engenharia era um corpo de grande importância, pois não havia uma faculdade
de formação de engenheiros civis – todos os profissionais com formação técnica nessa
área no País ou eram estrangeiros ou tinham que, necessariamente, passar pela Escola
Militar. Só que este era um curso voltado para as necessidades militares. Em 1811 havia
cadeiras de matemática, astronomia (esta importante para cartografia), geometria descri-
tiva, física, geografia e desenho, além de cadeiras militares propriamente ditas, cursadas
pelos alunos de todas as armas. Frisamos que desenho, no currículo de 1811, era uma

83
PROJETO de um regulamento para o Arsenal de Guerra da Corte, s.d. [1845]. Quadro do Pessoal da
administração do Arsenal de Guerra da Corte, nas graduações, vencimentos, e empregos, o qual vai
anexo ao projeto do Regulamento para o mesmo Arsenal. Mss. ANRJ, coleção Polidoro, maço 7.
84
Havia também o “estado maior de primeira classe”, composto pelos oficiais que concluíam o curso
completo da Academia Militar.

337
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

cadeira que se repetia nos quatro primeiros e no sexto ano do curso de sete anos, mos-
trando a importância do desenho para a formação de uma mentalidade técnica.

O curso da Escola Militar para engenheiros tinha outras matérias, como química;
mineralogia; história natural e certa concentração no que chamaríamos de “engenharia
civil”, com princípios de arquitetura civil; traço e construções das estradas; terminando
com pontes, canais e portos.85 Era uma formação muito acadêmica e com pouca ênase
na prática, a ponto de ser constantemente criticada na época. Em 1861 o presidente da
Comissão de Melhoramentos do Material do Exército escreveu: “Os nossos oficiais de
engenheiros e de Estado-maior, geralmente falando, pouca ou nenhuma prática tem do
serviço de artilharia, infantaria e cavalaria. São quase todos doutores ou bacharéis, raro
é quem é soldado ou que deseja sê-lo.”86

Como uma da críticas ao pouco conhecimento prático dos oficiais engenheiros,


vale citar que o Capitão Francisco Carlos da Luz, que era diretor do Laboratório Piro-
técnico do Campinho, mas tinha sido eleito deputado pela província de Santa Catarina
em 1861, fez um discurso na Câmara, defendendo vários pontos para uma nova organi-
zação do exército, entre os quais estava a criação de um “estado maior destinado ao ma-
terial de artilharia”,87 ficando claro pela proposta do deputado que este estado maior
seria uma espécie de corpo de material bélico, voltado para a “administração técnica dos
seus arsenais, laboratórios, fábricas e oficinas militares”. O deputado faz uma crítica ao
sistema adotado, de emprego de oficiais de engenharia para a direção técnica-
administrativa dessas instituições, por serem “oficiais estranhos ao serviço técnico da
artilharia, como, por exemplo, do corpo de engenheiros, poucos dos quais podem ser
considerados profissionais neste assunto,”88 uma crítica interessante, considerando que
ele mesmo era oficial de engenharia exercendo a administração de uma fábrica do go-
verno.

Do nosso ponto de vista, deve-se dizer que a Academia Militar realmente não
preparava para a administração de uma manufatura: nela não se abordava assuntos vol-

85
SIQUEIRA & Mormêllo, op. cit.. p. 22.
86
BRASIL – Comissão de Melhoramentos do Material do Exército. Relatório da comissão para o ano de
1860. José Mariano de Matos. Presidente interino Rio de Janeiro, 1 de janeiro de 1861. Mss. Ar-
quivo Nacional. GIFI12.1 5B 246.
87
LUZ, Carlos da. Discurso proferido da sessão de 24 de agosto de 1861. O Argos da província de Santa
Catarina. Ano V, nº 800. Desterro, 4 de outubro de 1861. p. 3.
88
LUZ, op. cit. O Argos da província de Santa Catarina. Ano V, nº 801. Desterro, 5 de outubro de 1861.
p. 3.

338
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

tados para aspectos da engenharia mecânica (máquinas) ou de administração de empre-


sas – mesmo a administração militar não era um tópico de ensino antes de 1874. A isso
se somava outro problema: o corpo de engenheiros, que era o que mais se aproximava
de uma possível formação técnica no Brasil, era insuficiente para as múltiplas funções
que tinha que exercer. Isso não por que os engenheiros militares eram poucos em núme-
ro, pois na verdade formavam um quadro de pessoal relativamente numeroso com rela-
ção às outras armas, mas por terem tantas atribuições que dificilmente poderiam cum-
prir todas.

Na ausência de um curso de formação de engenheiros civis, todos os trabalhos


do tipo que tinham que ser executados por governos das capitanias e provinciais caiam
na alçada do corpo de engenheiros militares. O ministro da Guerra já reconhecia isso em
1837, dizendo que mesmo que todos os formados na Escola Militar fossem habilitados
para os serviços de engenharia, ainda seriam insuficientes, por causa das exigências
colocadas sobre o corpo: “para prova do que bastará considerar-se as contínuas requisi-
ções, que de todas as províncias são dirigidas ao governo pelos seus respectivos presi-
dentes”.89

Em 1854, Manoel da Cunha Galvão, o primeiro doutor em matemática titulado


no Brasil e ele mesmo um formando da Academia Militar, defendeu em um artigo a
ampliação do corpo de engenheiros, mostrando a sua insuficiência: naquele ano o qua-
dro de engenheiros era de 150 oficiais, dos quais 41 estavam na Corte:

dos quais na escola militar 8; na repartição do quartel mestre general


6; na comissão de engenheiros 4; nas obras públicas 4; no observató-
rio astronômico 4; na câmara municipal 3; no arquivo militar 3; na
academia de marinha 2; nas obras militares 1; na cada da moeda 1; no
arsenal de guerra 1; no laboratório do Campinho 1; na fábrica de ar-
mas da Conceição 1; na codificação das leis militares 1; na diretoria
geral das terras 1 (...)90
O doutor engenheiro continuando que, descontando as vagas existentes e pessoal
empregado na fronteira do Rio Grande do Sul, só restariam dois ou três oficiais por pro-
víncia, colocando que “este número nunca pode ser suficiente.”91 Isso parece ser óbvio e
era um problema insolúvel, considerando a multiplicidade de obrigações que os enge-

89
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na sessão
ordinária de 1838 pelo respectivo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Sebastião
do Rego Barros. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1838. p. 5.
90
GALVÃO, Dr. Manoel da Cunha. Aumento do Quadro de Engenheiros. Rio de Janeiro, 25 de agosto de
1854. Diário do Rio de Janeiro, ano XXXIII, nº 248. Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1854. p. 2.
91
id.

339
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

nheiros tinham que cumprir. Do nosso ponto de vista, criava uma dificuldade insuperá-
vel para a criação de um corpo técnico qualificado nas manufaturas do governo, pois
simplesmente não havia pessoal para designar aos Arsenais. Assim, como a lista de
Galvão mostra, havia apenas um engenheiro no Arsenal, um na Fábrica de Armas e ou-
tro no Laboratório do Campinho. Podemos adiantar que todos exerciam basicamente
funções administrativas, pois não teriam tempo para mais do que isso.

Sem um esforço especial para designar oficiais com habilitação para essas ativi-
dades, as instituições teriam que seguir sem uma direção técnica. A solução proposta
por Polidoro da Fonseca e depois por Carlos da Luz, de criação de um quadro específico
para a administração das fábricas, seria uma alternativa viável – tal tinha sido feito nos
Estados Unidos, mas não foi este o caminho seguido no Brasil, o quadro de Material
Bélico só foi criado aqui em 1959.

7.2.5 As Comissões Prática de Artilharia e de Melhoramentos


Uma das medidas feitas para resolver o problema técnico no exército foi a cria-
ção da Comissão Prática de Artilharia em julho de 1844. Este era um grupo de oficiais,
inicialmente dirigidos pelo diretor do Arsenal, o Marechal Pardal, sendo uma organiza-
ção conceitualmente importante, pois foi a primeira no âmbito do Exército a pensar a
questão do estudo científico, visando o aperfeiçoamento técnico, algo especialmente
necessário tendo em vista a decadência que tinha afetado a parte técnica da força depois
das reformas da Regência. Como colocado em um artigo de jornal:

Alguns oficiais de reconhecido mérito sob a presidência do marechal


Francisco de Paula Vasconcelos, um dos poucos que jamais pode
resignar-se à decadência de sua predileta arma [a artilharia] e do
exército, tentaram dar impulso ao carro cujas rodas por demais se
haviam aprofundado no falso terreno do indiferentismo, e de que as
molas se opunham ao movimento pela falta sentida a longos anos da
benéfica influência governamental. 92
Cinco anos depois, a Comissão Prática foi transformada em Comissão de Melho-
ramentos do Material do Exército. Esta tinha entre suas funções algo que faltava ao Ar-
senal ou a um departamento de material bélico, não existente no Exército: devia estudar
as armas, propondo as que fossem vantajosas; estudar e aperfeiçoar os equipamentos da

92
EWBANK, Luís Henrique d’Oliveira. A arma de artilharia no Brasil. Indicador Militar: Gazeta Quin-
zenal. Ano 1, nº 9. Rio de Janeiro, 1º de maio de 1862. p. 140.

340
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

artilharia; e fazer as discussões para a adoção de um “sistema de calibre de peças”93 –


algo que Gribevaul tinha introduzido na França noventa anos antes. Mais importante,
pelo menos em tese, a Comissão de Melhoramentos deveria se encarregar de fazer as
experiências para aperfeiçoar objetos úteis à arte da Guerra.

Apesar das boas intenções, a Comissão de Melhoramentos não teve os efeitos


esperados para modernizar as forças armadas: ainda que os diretores do Arsenal de
Guerra e da Fábrica de Pólvora fossem membros dela e das reuniões serem feitas em
uma sala do AGC, seus efeitos sobre a organização do Exército foram reduzidos, parte
por problemas políticos. Um jornal, de oposição é verdade, descreveu o seguinte sobre a
Comissão de Melhoramentos, em 1860:

Por muito tempo consideraram-na como um corpo de consulta privada


do ministro. Os seus trabalhos, as suas propostas, algumas de grande
valor, eram arquivados ou desprezados e a ação que lhe devia perten-
cer era destruída por elementos os mais heterogêneos. Por algum tem-
po foi rebaixada até o ponto de a condenarem ao exame único e roti-
neiro da pólvora que se tinha de comprar.94
Havia até problemas com a direção do Arsenal. Este seria o principal órgão a se
beneficiar e, ao mesmo tempo, auxiliar os trabalhos da Comissão de Melhoramentos.
Como colocava o mesmo artigo:

Um diretor do arsenal intrigava a comissão para com o ministro; ne-


gava-se a assistir aos seus trabalhos e experiências, para os quais era
convidado, porém espionava o que ela fazia, interrogava até os serven-
tes para sorrateiramente alcançar o que recusava obter por meios dire-
tos.95
Pode parecer uma reclamação de um membro da oposição visando obter uma
vantagem política sobre a situação, mas a leitura da série de documentos deixados pela
Comissão de Melhoramentos96 demonstra que ela realmente ficou relegada a fazer ser-
viços secundários, como o teste de pólvora. Apesar disso, a organização alcançou al-
guns resultados importantes, como a adoção do canhão-obus João Paulo, inventado pelo
general desse nome quando era diretor da Comissão de Artilharia e do Arsenal. Pode-
mos supor que tal sucesso dependeu de uma circunstância fortuita, do acúmulo de fun-

93
BRASIL – Decreto nº 663, de 24 de Dezembro de 1849. Cria uma Comissão de Melhoramentos do
Material do Exercito.
94
EXPOSIÇÃO Nacional, XXI. Diário do Rio de Janeiro, ano LVII, nº 71, Rio de Janeiro, 12 de março
de 1862.
95
id.
96
Arquivo Nacional, Fundo Comissão de Melhoramentos, GIFI 12.1 5B.

341
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

ções, do diretor das duas entidades, além da própria patente do presidente da Comissão
de Melhoramentos, de oficial general, que carregava por si uma grande autoridade.

Deve-se dizer que as Comissões sofriam de um mesmo problema básico, que era
a falta de um regimento com atribuições claras e, da forma como foram organizadas,
suas funções não eram executivas, mas consultivas – o Arsenal usou várias vezes da
Comissão de Melhoramentos para resolver dúvidas técnicas. Só que essa estrutura não
lhe dava condições de cumprir regularmente sua função, de fomentar o avanço técnico
das manufaturas do governo, pelo menos no período que estudamos – faltava-lhe auto-
ridade para implantar suas decisões e recomendações.

7.2.6 A reforma de 1853


Em 1852, no contexto da Guerra contra Oribe e Rosas, houve um grande escân-
dalo com relação ao fornecimento dos materiais do Exército em campanha e, com isso,
com a administração do Arsenal da Corte. Esta foi acusada de comprar gêneros desne-
cessários; de qualidade inferior; pagar muito por eles; de extraviar materiais e de prepa-
rar produtos de má qualidade.97

Houve acalorados debates no Parlamento sobre o tema e foi criada uma comis-
são de inquérito, que produziu um relatório de 232 páginas defendendo o governo e a
administração do Arsenal, publicado junto com o relatório do ministro de 1853. O dire-
tor, marechal Bitancourt também publicou uma defesa de sua administração, com 277
páginas. 98 Só que, mesmo com os esforços do governo para abafar o escândalo, foram
achadas irregularidades suficientes para, em outubro, se demitir o diretor, marechal de
campo José M. da Silva Bitancourt e o vice-diretor, major Vicente Marques Lisboa,
bem como dez empregados civis, além do mestre e contramestre de correeiros e o con-
tramestre de alfaiates.99

Do ponto de vista da presente tese, o escândalo resultou em mudanças no funci-


onamento do sistema de suprimentos do Exército e no Arsenal. Foram extintos os Con-
selhos de Administração das unidades militares, que compravam os tecidos e aviamen-

97
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado à As-
sembleia Geral Legislativa na primeira sessão da nona legislatura pelo respectivo ministro e secre-
tário de estado Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro: Laemmert, 1853. p. 10.
98
MARINHO, Joaquim Saldanha. Defesa do Marechal de campo José Maria da Silva Bitancourt feita
perante o conselho de guerra por ele requerido para justificar sua conduta como diretor do Arsenal
de Guerra. Rio de Janeiro: A. L. Navarro, 1853.
99
Diário do Rio de Janeiro, ano XXXI, nº 9142. Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1852. p. 1.

342
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

tos, mandando fazer localmente os uniformes. Para substituí-los, foram criados Conse-
lhos centralizados nos arsenais, que deveriam se responsabilizar pelo fornecimento de
matérias primas para as manufaturas do governo, apesar de não serem ligados direta-
mente a elas, deve-se frisar. Isso regularizou a questão de suprimento militar – a Figura
36 do capítulo 6, mostra o aumento da influência da manufatura do Rio de Janeiro por
causa desta medida.

A reforma de 1853, secundariamente, teve o efeito de começar a dar uma apa-


rência uniforme ao exército, pois até então cada comandante decidia como seria o uni-
forme de sua unidade. Além dessa mudança maior, outras menores foram tomadas, co-
mo a decisão de se fazerem apenas serviços por empreitada nas oficinas – apesar disso
ser vedado pelo regulamento de 1811 e de não ter sido um sucesso total, por causa das
resistências a essa medida. Um medida de maior eficácia, tomada quatro anos depois,
foi a criação dos cargos de ajudantes do Arsenal.

7.2.7 Os ajudantes
Um dos problemas da administração do Arsenal, como colocado acima, era a
falta de profissionais com formação científica, por só haver dois oficiais do exército na
direção da instituição, o diretor e seu vice. Só que esse problema não se restringia aos
aspectos técnicos: o regulamento de 1832 e os que o emendaram tratavam, basicamente,
da questão financeira, de compras e pagamentos. Não havia pessoal que cuidasse da
administração do dia a dia da instituição, a não ser a mestrança, mas esta era composta
por operários com níveis muito diferentes de instrução. Além disso, eles lidavam apenas
com suas próprias oficinas, a exceção sendo o construtor, que abordaremos em outra
parte dessa tese.

Isso criava um problema grave de sobrecarga de serviços para o diretor e o vice,


pois estes eram os responsáveis pelas atividades de manufatura dos artigos bélicos, das
armas na Fábrica da Conceição, pelos imensos depósitos de artigos bélicos que eram os
armazéns do Arsenal, além de tratarem da contratação com fornecedores externos a fa-
bricação e fornecimento de produtos que não eram feitos na manufatura. Assim, toda a
vez que se necessitava do suprimento de um determinado equipamento, as unidades do
Exército solicitavam ao ministro e este encaminhava o pedido ao diretor, podendo esta
ordem ministerial incluir não apenas o fornecimento de material – de todos os tipos –,
mas também a determinação de se fazer estudos para aperfeiçoamento de equipamentos
dos mais diversos, a obtenção de orçamentos e a avaliação de material oferecido para a

343
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

venda para o Exército. Como colocava um artigo de jornal, “À vista desta magnífica
tradição o lugar de diretor tem apenas o inconveniente de ser impossível!!”, comple-
mentando que “Basta só a papelada para anula-lo.”100

Assim, a última reforma administrativa no período que estamos estudando ocor-


reu em 1857, com o decreto 1.913, de 28 de março daquele ano. Esta foi uma modifica-
ção feita pelo marquês de Caxias quando era ministro da Guerra, se valendo da autori-
zação para mudar o regulamento do Arsenal, dada pela lei de fixação de forças de 1856.
A medida reconhecia que o cargo de vice-diretor do Arsenal estava sobrecarregado e
que isso atrapalhava o andamento dos serviços. Como solução, foram criados três aju-
dantes, ainda com funções excessivamente amplas.

Vamos nos alongar um pouco sobre essas responsabilidades, pois o exercício


dessas atividades aparece de forma recorrente na documentação que vamos tratar. As-
sim, o 1º Ajudante, o qual para nós tem mais importância, teria a seu cargo as oficinas,
devendo fazer:

1º A Inspeção do serviço interno das mesmas oficinas, sua escritura-


ção e balanços; a demissão e despedimento de operários e feitura das
listas de féria.
2º A policia interna do Arsenal e sua segurança, e a vigilância sobre os
extravios de objetos á saída do edifício.
3º A fiscalização do corte de fardamentos, e a distribuição das costu-
ras.
4º A administração do serviço de apresto de bombas e de extinção de
incêndios.101
5º A do serviço dos escaleres e da competente marinhagem.
6º A inspeção dos escravos e africanos livres ao serviço do Arsenal.
7º A do Estabelecimento de aprendizes menores; ensino e tratamento
destes.102
Ou seja, o 1º Ajudante cuidava de praticamente tudo relativo à administração das
parte de produção, além de ser o responsável pela complicada e imensamente trabalhosa
repartição de costuras (ver capítulo 8), pelos escravos, africanos livres e pelos menores
– centenas de pessoas. Certamente isso excedia em muito a capacidade de uma só pes-
soa, mantendo o problema que tinha sido constatado antes com relação ao vice-diretor.

100
A EXPOSIÇÃO Nacional. Diário do Rio de Janeiro, nº 71, 1862. op. cit. p. 1.
101
O Arsenal de Guerra tinha uma sessão de combate a incêndios desde o século XVIII. Em 1836, o mi-
nistro da Guerra autorizou que as bombas d’água do Arsenal fossem imediatamente usadas em com-
bates a incêndios, sem precisar de autorização prévia, e em 1848 foi criada uma sessão de bombei-
ros, usando soldados das companhias de artífices do Arsenal. CASTRO, Adler Homero Fonseca de.
Os Artífices do Fogo. Da Cultura, Rio de Janeiro, ano VI, nº 11, 2006. pp. 32 e segs.
102
BRASIL – Decreto nº 1.913, de 28 de março de 1857. Extingue o lugar de Vice-Diretor do Arsenal de
Guerra da Corte e cria em substituição o de Ajudante do Diretor.

344
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

O 2º Ajudante seria responsável pelo almoxarifado – uma função de extrema


importância, tendo em vista o elevado movimento de recursos financeiros envolvidos
com as compras e remessas de material para as unidades. Ele deveria:

1º Assistir á verificação dos gêneros nas entradas e saídas do Almoxa-


rifado; aos encaixotamentos e enfardamentos; e aos termos de consu-
mo, balanços e inventários.
2º Fiscalizar o apresto dos suprimentos ordenados para as Províncias,
e para os Corpos e Repartições diversas da Corte.
3º Velar sobre a boa guarda e conservação nos armazéns do Almoxari-
fado, dos objetos concernentes a fardamento, equipamento, correame,
instrumental, ferramenta, máquinas, e em geral qualquer matéria pri-
ma.
4º Ter em dia a demonstração da existência e estado dos objetos de
fardamento, e das fazendas e aviamentos em ser destinados para
apronta-lo; e do mesmo modo a respeito do equipamento e correame.
5º Providenciar sobre os embarques e desembarques de objetos reme-
tidos de diferentes pontos para o Arsenal, e vice-versa; e sobre o ajus-
te de fretes, transportes e conduções por mar e por terra.
6º Fiscalizar as contas apresentadas pelo Agente de compras; a quali-
dade e preço dos objetos por ele comprados; e a efetuação da entrada
dos mesmos objetos.
7º Assistir ás Sessões do Conselho Administrativo nas ocasiões de
compra.103
Finalmente, o terceiro ajudante era o incumbido do serviço de artilharia e arma-
mento, sendo também relevante por causa de suas responsabilidades das duas oficinas
externas ao Arsenal, a Fábrica de Armas da Conceição e o Laboratório Pirotécnico do
Castelo – apesar de não ter ingerência sobre o do Campinho. Suas funções seriam:

1º A inspeção da Fabrica de Armas da Fortaleza da Conceição.


2º A do Laboratório Pirotécnico do Morro do Castelo.
3º A do que for relativo á construção, guarda e apresto dos parques de
artilharia, seus reparos, palamenta e munições; máquinas, transportes
de artilharia, instrumentos e artifícios de guerra.
4º A do que for tendente aos melhoramentos materiais dos objetos
destinados ao uso do Exercito.
5º A organização de uma sala de modelos, e a guarda e asseio da casa
d'armas.104
O 3º Ajudante residia na fortaleza da Conceição, mas o exercício de suas ativi-
dades implicava a administração dos depósitos de artilharia, situados no Conjunto do

103
id.
104
BRASIL – Decreto nº 1.913, 1857, op. cit. Esta sala de modelos seria o núcleo do museu do Arsenal,
iniciado em 1857, onde foram “depositadas algumas peças de fardamento, de equipamento, arma-
mento, correame, ambulâncias, e outros artigos vindos ultimamente da Europa, e que devem servir
de amostras e modelos, formando assim um Museu Militar”. Este museu, contudo, não sobreviveu às
diversas mudanças administrativas no Arsenal. BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal
de Guerra, João José da Costa Pimentel, Brigadeiro Diretor. Rio de Janeiro, 5 de março de 1857.
Mss. ANRJ. IG7 22.

345
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Arsenal até 1863, bem como os da outra instalação externa, o Laboratório do Castelo.
Ambas, o Castelo e a Conceição eram próximos ao Arsenal, implicando em menos de
meia hora de caminhada para chegar nelas. Só que considerando que era impossível a
uma pessoa estar em três lugares ao mesmo tempo, era inviável ao 3º Ajudante manter
uma fiscalização constante sobre as atividades nos três locais. Na prática, pela docu-
mentação, ele se concentrava muito na Fábrica de Armas, que tinha uma dimensão de
vulto, com mais de cem trabalhadores.

Os três ajudantes deveriam ser militares, mas, conforme se pode ver por suas
atribuições, eles teriam poucas oportunidades de participar do funcionamento técnico do
arsenal, apesar do 3º ajudante ser encarregado do melhoramento do material do exército.
A sobrecarga de serviço burocrático certamente diminuiu com relação às responsabili-
dades do antigo vice-diretor, mas cada um deles continuou a ter excessivas responsabi-
lidades.

Deve-se dizer que o diretor e os ajudantes teriam pessoal de apoio, mas neste ca-
so, novamente, se vê certo descaso da administração do ministério da Guerra com o
funcionamento da sua principal manufatura. Em 1853, o diretor do Arsenal tinha requi-
sitado especificamente um oficial de artilharia para auxiliar nos serviços, ao que o mi-
nistro da Guerra informou que “que oficiais de artilharia lhe faziam falta para os corpos
[unidades]”.105 Por coincidência, estava de licença no Rio o capitão de artilharia João
Carlos de Villagran Cabrita, que tinha o curso de engenharia e era bacharel em Matemá-
ticas e ciências físicas. Aproveitando-se disso, o diretor requisitou-o para trabalhar no
Arsenal, o ministro concordando: Villagran Cabrita era um oficial técnico respeitado,
que foi membro da Comissão de Melhoramentos do Material do Exército e foi enviado
como instrutor para o exército paraguaio, tendo depois se tornado o patrono da Arma de
Engenharia. Contudo, foi uma solução extemporânea, que não reflete uma mudança de
política em relação ao pessoal técnico: o capitão ficou menos de um ano no Arsenal.

A situação normal era outra: em 1863 foi feita uma avaliação dos oito oficiais
que apoiavam a ação dos ajudantes, o resultado sendo muito negativo. Antes de qual-
quer coisa, cinco deles eram oficiais reformados e como na época não havia aposentado-
ria, isso significava que eram pessoas que tinham sido julgadas totalmente incapazes do
serviço militar normal. Além disso, as notações feitas pelo diretor sobre os oficiais são
105
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Pedro d’Alcântara Bellegarde, diretor, ao ministro da Guer-
ra, Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro, 3 de maio de 1853. Mss. ANRJ. IG7 14.

346
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

do tipo: “é velho, sem grandes recursos intelectuais e mole para o serviço”, ao se falar
do tenente-coronel reformado Francisco Antônio Tourinho ou: é “velho, cansado e sem
recursos alguns intelectuais; inútil no serviço do Arsenal”, quando se referia ao major
reformado Antônio Corrêa Viana. Os dois oficiais da ativa não eram tratados de forma
melhor: o major do estado maior de 2ª classe Diogo Garcez Palha, que acabaria sendo
dispensado do serviço do Arsenal, recebeu a seguinte anotação: “é moço, forte, porém
muito vadio” e o tenente, também do estado maior de 2ª classe, Jacinto Cândido Viana,
“tem inteligência, é ativo, porém adoece a minudo de erisipelas”. 106 Neste caso, deve-se
lembrar que os oficiais do estado maior de 2ª classe eram aqueles que já tinham sido
julgados incapazes de serviço mais ativo.

Alguns funcionários civis também apoiavam os ajudantes, mas a carência de co-


nhecimentos sobre as necessidades específicas das forças armadas, assim como a falta
da disciplina inerente às forças armadas atrapalharia o exercício das funções do arsenal.
Assim, em 1863, o ministro da Guerra, Caxias, um oficial muito rigoroso, repreenderia
formalmente e por escrito o diretor, coronel Albino de Carvalho, pela lentidão na con-
dução dos trabalhos no Arsenal durante a Questão Christie, 107 algo que talvez não esti-
vesse sob o controle do diretor, especialmente na situação de crise daquele momento.

Mesmo cheio de problemas e com as constantes reclamações dos diretores do


Arsenal, o relevante é que a estrutura administrativa básica criada pelo decreto de 1832
permaneceu válida por todo o nosso recorte, ainda que muito criticada nos relatórios dos
diretores e dos ministros da Guerra. 108

7.2.8 Almoxarifado
Não podemos deixar de dedicar umas poucas linhas à essa parte do Arsenal, nem
que fosse por seus aspectos, que podem ser considerados como exóticos nos dias de
hoje. Não era uma “oficina”, não produzia nada, mas era um elemento importante da
administração do AGC.

106
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício confidencial do diretor, José Victória Soares de Andrea ao mi-
nistro da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão. Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1863.
Mss. ANRJ, coleção Polidoro, maço 11.
107
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Marques de Caxias, ministro, ao diretor do Arsenal de
Guerra, Albino de Carvalho, sobre pedido de demissão do diretor. Rio de Janeiro, 10 de maio de
1862. Mss. ANRJ. IG7 534.
108
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta
sessão da nona legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Marques de
Caxias. Rio de Janeiro: Laemmert, 1856. p. 13.

347
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

O almoxarifado de certo ponto de vista, não era diferente das organizações se-
melhantes que existem até hoje em uma fábrica ou empresa de grande porte, sendo um
depósito de matérias primas que seriam usadas nas oficinas ou dos produtos acabados,
que deveriam ser despachados para as unidades. A diferença era que o pessoal dessa
sessão do Arsenal – civil, frise-se – tinha que lidar com produtos muito especializados,
o que às vezes criava confusões, isso por que os pedidos eram genéricos, como um dos
que foi feito para combater a Revolução Pernambucana de 1817, quando se mandou
aprontar um parque de doze canhões e obuses, “com toda a Palamenta e munições cor-
respondentes a estas bocas de fogo, calculando-se a cem tiros por cada uma (...)”.109
Nada mais estava especificado, mas tal parque representava dezenas de peças diferentes,
necessárias para as armas operarem: soquetes, lanadas, velas de composição, agulhas,
espeques e muitos outros objetos com nomes estranhos. Isso exigia certos conhecimen-
tos para o atendimento do pedido, algo nem sempre disponível para aos funcionários
civis. Um exemplo disso pode ser visto em 1861, quando o ministro da Guerra, o mar-
quês de Caxias, foi assistir uma experiência com novos canhões raiados, o ministro no-
tando problemas no material preparado para testes, como a falta de dedeiras, necessárias
para o exercício.

No caso das dedeiras, a documentação procura tirar o ônus das ações da admi-
nistração do Arsenal, colocando a culpa pela falta em um erro do almoxarife que prepa-
rou o material. Caxias, contudo, mandou prender os oficiais responsáveis pelos testes
por três dias e os dispensar de suas funções, 110 pois, no final das contas, os responsáveis
pelo andamento dos serviços eram os oficiais e não os civis que os executavam.

Curiosamente, tendo em vista sua importância, o almoxarifado não aparece mui-


to na documentação do Arsenal ou do ministério, a não ser nos momentos em que a ses-
são se envolveu em escândalos. De qualquer maneira, como dissemos no início deste
capítulo, já havia um almoxarife das munições desde o século XVII, associado aos
Trens. O regulamento da Junta de Fazenda dos Arsenais, de 1811, menciona o cargo
várias vezes, mas sem detalhar suas funções, a não ser o fato de que recebia e despacha-
va materiais, fiscalizado pelo intendente do Arsenal e pelo contador da Junta.
109
REINO UNIDO – Paço do Rio de Janeiro. Aviso do Paço para a Real Junta do Arsenal do Exército,
Fábricas e Fundições, Conde da Barca, mandando aprontar um parque. Rio de Janeiro, 28 de mar-
ço de 1817. Mss. ANRJ. IG7 34
110
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Alexandre Manuel Albino de Carvalho, ao ministro
da Guerra, Marquês de Caxias, sobre punição dos responsáveis pela falha do exercício na escola de
tiro de Campo Grande. Rio de Janeiro, 5 de outubro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 23.

348
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

O regulamento de 1832 já é mais detalhado sobre o almoxarifado, contendo dez


artigos sobre a sessão, que era dividida em três classes: a “1ª a da guerra, na qual se
compreenderão todas as diferentes armas, munições, palamentas, equipamento, máqui-
nas de guerra, e de transporte, etc”;111 a 2ª de matérias primas e a última dos outros ob-
jetos.

Pelo regulamento é visível que o almoxarife tinha uma grande independência


dentro do Arsenal, tendo a autoridade de nomear os fieis responsáveis pelos armazéns e
os guardas do almoxarifado. Também subordinado a ele estava o agente de compras,
que fazia aquisições de produtos de pequeno valor, dispensados de licitação, bem como
as costuras que não excedessem 12.000 réis. Deve-se dizer que até a criação da reparti-
ção de costuras, o almoxarife era o encarregado da distribuição dos serviços para as
costureiras externas. Os funcionários respondiam diretamente ao diretor, mas este não
tinha autoridade para demiti-los ou a seu pessoal: em 1841 o diretor do Arsenal teve que
fazer uma representação ao ministro da Guerra contra um escrivão do almoxarifado que,
segundo o oficial, era lento, mexeriqueiro e insubordinado.112

Também era um cargo que não dependia apenas da competência: o titular tinha
que apresentar um fiador, que assumiria a responsabilidade pelos valores dados a cargo
de seu afiançado – uma medida que não era apenas teórica, pois no Arsenal de Guerra
do Pará, depois da demissão do almoxarife, foram sequestrados os bens de seu fiador.113
A consequência disso é que não era qualquer pessoa que tinha condições de exercer a
função, a qual não era particularmente bem remunerada – fica a dúvida, então, por que
alguém se apresentaria como candidato a ela.

Nesse sentido, podemos dizer que a procura pelo cargo faz sentido quando ve-
mos que o funcionário tinha a seu cargo imensos valores e tinha possibilidades de obter
vantagens, algumas pequenas, como o fato de poderem ficar com materiais excedentes
do Arsenal, tais como caixões e capas de produtos, uma prática que só se encerrou em
1841.114 Outras vantagens, maiores, eram inerentes à função, como favores na distribui-

111
BRASIL – Decreto de 21 de fevereiro de 1832, op. cit. artigo 23.
112
BRASIL – Arsenal de Guerra. Representação do diretor, Miguel de Frias e Vasconcellos, ao ministro
da Guerra, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1841.
Diário do Rio de Janeiro, ano XX, nº 30. Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 1841. p. 4.
113
Diário do Rio de Janeiro, ano XXX, nº 8734. Rio de Janeiro, 5 de julho de 1851. p. 1.
114
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, José Clemente Pereira, ao diretor do Arsenal de
Guerra, ordenando que cesse a prática de entregar ao almoxarife as caixas e capas de gêneros que
entram no Arsenal. Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1841. Mss. ANRJ. IG7 328.

349
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

ção das costuras; influência no mercado ou pior, casos de corrupção: os almoxarifes e


seus funcionários podiam estar envolvidos no recebimento de matérias primas inferio-
res, um problema muito citado no Arsenal, pois ao almoxarife competia examinar e re-
ceber o material que era vendido para o Arsenal.115 Além disso, podiam ocorrer desvios
de material: em 1852, como parte do escândalo daquele ano, foi criada uma comissão
para inventariar todo o almoxarifado e foram demitidos o almoxarife, o escrivão da 3ª
classe, seu amanuense, o agente de compras, dois fieis e quatro guardas do almoxarifa-
do,116 considerados suspeitos no caso de desvios. 117

Independente dos problemas, o número de funcionários do almoxarifado era


muito elevado, indo bem além do autorizado pela legislação: além do almoxarife criado
pelo decreto de 1832, pelo texto legal deveria haver ainda dez outros funcionários, entre
fieis e guardas, além do agente de compras. Em 1855 foram instituídos mais dois almo-
xarifes, um para cada classe do almoxarifado,118 sendo quatorze o total teórico de traba-
lhadores. Só que em 1861 trabalhavam nos almoxarifados nada menos do que 91 ser-
ventes braçais, um imenso corpo de trabalhadores – e, mesmo com a redução de pessoal
ordenado naquele ano, somente 41 deles foram demitidos, 119 mostrando as dimensões e
necessidades da repartição.

Entretanto, era uma instituição arcaica, como demonstra a manutenção da prática


da fiança, que fazia com que a relação de trabalho dos almoxarifes fosse uma baseada
na desconfiança, ao contrário do que acontece nos dias de hoje: não é necessário exigir-
se essa segurança financeira de um funcionário, pois se espera que ele não vá cometer
desvios. Mais importante, em termos da presente tese, é o fato de que eram funcionários
civis que tinham que lidar com assuntos militares e isso já era visto como negativo na
época. Mesmo sendo fora do nosso recorte, vale a pena citar o relatório do diretor do
115
BRASIL – decreto nº 778 de 15 de abril de 1851. Cria na Corte uma Repartição com o título de Con-
tadoria Geral da Guerra. artigo 36. Tal exame deveria ser feito junto com o vice-diretor, algo que o
oficial deveria ter dificuldade de fazer, devido a seus encargos.
116
Diário do Rio de Janeiro, nº 9142, op. cit. p. 1.
117
O relatório do ministro de 1854 informa que “A comissão encarregada de tomar conta do almoxarifado
achou muitas irregularidades e faltas na escrituração, porem nenhuma prova de improbidade da parte
do ex-almoxarife”. BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da guerra
apresentado à Assembleia Geral legislativa na segunda sessão da nona legislatura pelo respectivo
ministro e secretario de Estado Pedro d’Alcântara Bellegarde. Rio de Janeiro: Laemmert, 1854. p.
8.
118
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Brigadeiro, Diretor interino, João José da Costa Pimen-
tel, Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.
119
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao
Sr. chefe da 1ª seção da 1ª diretoria geral da Secretaria de Estado da Guerra, Mariano Carlos de
Sousa Correa. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 24. O grifo é do original.

350
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Arsenal de 1869 sobre a questão, em que se sugeria remover da responsabilidade da 1ª


classe do almoxarifado o material de artilharia, pois “não só porque ela tem muitos en-
cargos sobre si, em relação à outras duas classes, como também porque o seu pessoal,
composto todo de indivíduos estranhos à classe militar, não é idôneo para curar [cuidar]
de semelhante mister.”120

Entretanto, como muitas outras estruturas arcaicas do Arsenal, a do Almoxarifa-


do não foi alterada, permanecendo arcaica e ineficiente.

7.2.9 O setor de Compras


Os dispositivos legais e regulamentos do AGC, desde o da Junta de Arsenais e
Fundições de 1811, dedicam muito tempo à questão da administração contábil. Isso era
compreensível, quando consideramos a natureza única da instituição dentro do Exército:
não havia serviços de material bélico, de intendência ou mesmo uma repartição do Esta-
do Maior do Exército, que cuidasse da parte de aquisição de material, tudo ficava ao
cargo dos Trens e, depois, dos arsenais provinciais, que necessariamente movimenta-
vam grandes quantias de dinheiro.

As aquisições compreendiam uma imensa variedade de itens, desde material de


escritório, até pedidos de grandes quantidades de objetos, suficientes para equipar todo
um exército em campanha, com milhares de homens – tudo o que não era fabricado em
um dos arsenais era comprado por eles no mercado civil, como era o caso de instrumen-
tos cirúrgicos. 121 No período colonial, o Arsenal do Rio respondia até pelo eventual for-
necimento de armas para a África, como quando houve um pedido feito por Moçambi-
que.122

Dessa forma, a rubrica “arsenais”, do orçamento do ministério da Guerra sempre


era a segunda maior das despesas do ministério, só perdendo para os gastos com os salá-
rios da tropa. Representavam uma média de 8,5% dos gastos da força de terra – esse

120
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra, relativo ao ano de 1869, Dr. Francis-
co Carlos da Luz, diretor interino, Rio de Janeiro, 18 de abril de 1870. Mss. ANRJ. IG7 24. (grifo
no original).
121
BRASIL – Exército em campanha no Rio Grande do Sul. Relação dos objetos precisos. Quartel Gene-
ral em Porto Alegre, Antônio Elizário de Miranda e Brito. 18 de dezembro de 1838. Mss. ANRJ.
IG7 323. Uma loja no Rio de Janeiro chegava a usar o fato de ser a única fornecedora do Arsenal de
Guerra entre suas qualidades. Anúncio da Fábrica Imperial de instrumentos cirúrgicos e de dentista.
Diário do Rio de Janeiro. Ano XLIV, nº 221. Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1864.
122
BRASIL – Reino Unido. Aviso do Paço para a Real Junta do Arsenal do Exército, Fábricas e Fundi-
ções, Marques de Aguiar, mandando remeter quinhentas espingardas para a Capitania de Moçam-
bique. Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1816. Mss. ANRJ. IG7 33.

351
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

número podendo chegar a 19% em períodos de crise, como na preparação para uma
possível guerra com o Paraguai, em 1857-1858, que não chegou a acontecer.123

A responsabilidade fiscal do Arsenal do Rio de Janeiro aumentava quando ve-


mos que a instituição era a única encarregada de algumas atividades para todo o Impé-
rio: em 1825, apesar da grande descentralização dos assuntos de defesa, se proibiu que
as províncias comprassem “armamento, fardamento, e até munições de guerra para seu
uso respectivo nos países estrangeiros”124 como era a prática até então, tal atividade
passando a ser concentrada nos trens. No caso das armas, todas elas tinham que ser
compradas no AGRJ.

A dificuldade maior com essa prática era que o sistema de aquisição do ministé-
rio da Guerra era extremamente primitivo. Por um lado, por boa parte da história do
Exército no século XIX, havia a falta de regularidade em seus fornecimentos, às vezes
por causa de equívocos da própria oficialidade. O relatório do ministro da Guerra de
1830 apontava que

uma causa muito notável das grandes despesas e poucos progressos


ostensivos dos trabalhos do Arsenal, era o antieconômico e ilegal sis-
tema ali estacionado de desfazer-se hoje aquilo que tinham feito on-
tem. O arbítrio e a indiferença com que se alteravam os Padrões dos
uniformes davam lugar ao consumo inútil de um imenso cabedal. (...)
Um botão [a] mais em uma farda parece despesa nula; trinta mil bo-
tões para outras tantas fardas importam em muitos centos de milhares
de réis. Eu aponto este exemplo, que é o mais insignificante, para por
ele se fazer ideia das avultadíssimas somas, que desnecessariamente e
ilegalmente se tem despendido no Arsenal. Uma força oculta dava
descaminho aos dinheiros públicos.125
A reclamação do ministro parece estranha, já que o Arsenal não deveria ter inge-
rência sobre o padrão dos uniformes do Exército. Ainda assim, o ministro escrevia que
tinha determinado “proscrever o péssimo sistema da alteração dos padrões, armamentos,
equipamentos e utensílios que pelo Arsenal e Trens de Guerra se fornecem aos Corpos e
estabelecimentos militares”.126 No final das contas, a determinação de se estabelecerem
equipamentos padronizados – a “ordenança”, com tipos uniformes de equipamento –
seria difícil de implantar, pois a série de crises políticas e militares, seguidas por curtos

123
BRASIL - Lei nº 939, de 26 de setembro de 1857. Fixando a Despesa e orçando a Receita para o
exercício de 1858 - 1859.
124
BRASIL – Legação em Londres. Ofício do Ministro da Legação Imperial em Londres, Manoel Rodri-
gues Garneiro Pessoa, a João Vieira de Carvalho, Ministro dos Negócios do Império. Londres, 18
de julho de 1825. Mss. ANRJ. IG7 558.
125
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório de 1831, op. cit.
126
id. p. 11.

352
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

períodos de desmonte da máquina militar, dificultava o estabelecimento de rotinas ou


políticas de longo prazo, sempre se tentando resolver um problema imediato, que se
sucedia a outro. Um exemplo disso é visível nas autorizações que foram dadas para re-
formar o regulamento de 1832, em 1856 e 1860, que não foram usadas, pois houve a
mobilização para atacar o Paraguai entre 1856 e 1858 e, em 1863, ocorreu a crise da
Questão Christie, todos os esforços se concentrando na preparação das defesas para o
caso de um conflito com a Inglaterra, interrompendo os trabalhos de reforma.127

Quanto às compras, como dissemos, não havia um departamento de material bé-


lico, o que mais se aproximava disso era a Repartição do Quartel-Mestre General, criada
em 1852. Entretanto, as atribuições dessa eram extremamente amplas e, ao mesmo tem-
po, limitadas, a ponto de se tornarem inúteis. Por um lado deveria cuidar do estado do
armamento, petrechos, provisões de guerra, equipamento, fardamento, arreios, insígnias
e utensílios. Também deveria lidar com “tudo o que for relativo a fortificações, arsenais,
fábricas, hospitais, aquartelamentos, prisões, corpos de guarda, e mais estabelecimentos
militares pertencentes á Repartição da Guerra”.128 Entretanto, a única atividade que é
especificada com relação a essas atribuições era apenas manter um registro dos materi-
ais.

Novamente, o pessoal técnico da Repartição do Quartel-Mestre era reduzido: o


decreto de criação só previa um quartel-mestre engenheiro e três chefes de seção, estes
podendo ser oficiais de engenharia, estado-maior de 1ª ou 2ª classe ou até reformados.
Os outros funcionários poderiam ser civis. 129 Era impossível que esse pessoal assumisse
a função de cuidar de todos os ramos da logística e do desenvolvimento do material
bélico do exército. De fato, na documentação do Arsenal há vários ofícios do quartel-
mestre general, todos tratando de fornecimento de material, não se observando neles
qualquer ingerência sobre o processo de aquisição ou, principalmente, do desenho des-
ses equipamentos.

No final, o processo de aquisição de materiais ficava a cargo do AGC, que tam-


bém não tinha pessoal técnico militar. Isso implicava que se ficava restrito a repetir o
que sempre tinha sido feito, sem maiores possibilidades de se aperfeiçoar o sistema. De

127
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório, 1864, op. cit. p. 7.
128
BRASIL – decreto nº 1.127 de 26 de fevereiro de 1853. Cria a Repartição de Quartel-Mestre General,
e regula as suas funções.
129
Em 1854, havia seis engenheiros trabalhando na Repartição do Quartel-mestre general. Diário do Rio
de Janeiro, ano XXXIII, nº 248. Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1854. p. 2.

353
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

forma prática, o processo de compra era bem parecido com o que continuaria a ser usa-
do por muitos anos: alguns produtos eram sujeitos à licitação, sendo feitos anúncios nos
jornais para sua aquisição, os comerciantes apresentando cartas lacradas e amostras dos
produtos.

O sistema era cheio de percalços. Do nosso ponto de vista, a falta de especifica-


ções técnicas dos produtos para a avaliação dos mesmos criava sérios entraves: os anún-
cios encontrados são muito vagos, só mencionando o bem a ser comprado, como por
exemplo, um de 1855, pelo qual se pedia a aquisição de 1.500 pistolas, “2.500 espadas
com bainhas de ferro do uniforme de cavalaria” e outros itens, sem citar detalhes.130 É
óbvio que tal tipo de anúncio permitia uma grande latitude aos comerciantes quanto ao
material oferecido. Isso era grave, pois, voltamos a frisar, não havia uma “ordenança”,
que determinasse o tipo e qualidade dos produtos de consumo regular do Exército. Co-
mo colocava-se no relatório da direção do Arsenal, de 1851:

O Arsenal de Guerra não tem uma regra para dirigir-se em suas cons-
truções, todos os objetos que faz são a capricho daqueles a quem tem
de ser fornecidos, uma ordenança é indispensável para que possa ha-
ver as precisas reservas. Nossa Artilharia, nosso armamento geralmen-
te falando é todo desigual, quantos inconvenientes isso trás? As peças
de uma Espingarda inutilizada, que a serem iguais poderiam servir ao
concerto de outras são desprezadas; quanto perde pois a nação por fal-
ta de uma ordenança? Conheço que de momento não será possível
substituir quanto tempos por aquilo que devemos ter, reclamo porém o
princípio desse trabalho, comece-se pelos uniformes do Exército, e o
tempo, e a perseverança sempre necessárias as grandes obras o conse-
guirão. 131
A crítica era ainda mais contundente quando vemos que em um projeto apresen-
tado pelo deputado Cunha Matos em 1828, já se previa que nas compras acima de dez
contos de réis no exterior se deveria enviar para o país de venda um “hábil oficial de
artilharia que fique responsável pela solidez e boa construção dos gêneros encomenda-
dos”,132 o projeto continuando todos os produtos comprados deveriam ser:

experimentados a fogo, água, esquadro, calibres cilíndricos, cabrestan-


te, e por diversos métodos que qualifiquem as suas exatas dimensões,
liga, solidez, resistência, e outras qualidades, tendo particular atenção
às peças de metal, e madeira, que se acharem pintadas a óleo, e às fer-

130
Diário do Rio de Janeiro, ano XXXIV, nº 60. Rio de Janeiro, 1 de março de 1855. p. 2.
131
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Estado do Arsenal de Guerra da Corte. José Maria da
Silva Bittencourt, Marechal de Exército. Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7
12
132
BRASIL – Câmara dos deputados. Diário da câmara dos deputados à Assembleia Geral Legislativa
do Império do Brasil. sessão de 1º de julho de 1828. s.n.t. p. 6

354
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

ragens de rosca, e outras que estiverem cobertas; as engras, e curvatu-


ras das madeiras, mechas, entalhes e mortagens, e quem ordinaria-
mente se sobre a maior deterioração; e se os ditos artigos comprados
resistem às provas e estiverem conforme às amostras ou às qualidades
exigidas pelo governo receberão a marca de prova (...)133
Ou seja, um cuidadoso processo de exame de objetos, mas algo que não foi ado-
tado na época ou em todo nosso período de estudos. Pior ainda, não havia nada definin-
do os modelos usados pelo Exército, apenas indicativos genéricos, como as coleções de
pranchas de uniformes, a primeira das quais abrangendo todo o exército foi publicada
apenas em 1854.

A prática era a compra de produtos, mesmo os mais complicados, ser feita contra
a apresentação de amostras: o vendedor entregava uma peça, supostamente idêntica
àquelas que estavam sendo oferecidas, e esta seria visualmente examinada para ver se
era aceitável, essa análise sendo feita por um dos mestres dos arsenais. Era um costume
sujeito a imensos abusos, desvios e até “cenas desagradáveis e grosseiras”, 134 quando os
vendedores discordavam das avaliações feitas pelos peritos do Arsenal: não havendo
uma especificação clara do produto sendo comprado, tudo dependia da análise, total-
mente subjetiva, do mestre da oficina que tratava do tipo de material sendo oferecido.
Isso era uma garantia da não padronização dos equipamentos, o que já era um problema
percebido na época, como colocado em uma matéria de jornal atacando a administração
do Exército:

O exame da comissão [de compras] por outro lado é nulo, como se


demonstra com as compras por ela feitas e com os anúncios para cha-
mar concorrentes.
As comissões europeias procedem de outro modo e, para se preveni-
rem contra as falcatruas dos fabricantes, marcam o número de fios em
um comprimento dado da trama e da urdidura, e para que não façam
esses fios fofos, em uma superfície dada, o pano deve ter um peso de-
terminado; uma última indicação leva-as a verificar se não houve fal-
sificação das tintas ou mistura com algodão.135
Finalmente, a forma de exame dos produtos permitia a venalidade no processo,
tanto é que em 1840 o diretor do Arsenal foi exonerado por vários problemas, inclusive
acusações quanto à má qualidade dos artigos feitos no Arsenal, usando matéria prima

133
id. p. 6.
134
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro, Felizardo, ao Vice-Diretor do Arsenal de Guerra
sobre processo de licitação. Rio de Janeiro, 12 de março de 1849. Mss. ANRJ. IG7 336.
135
A EXPOSIÇÃO Nacional, XXI. Diário do Rio de Janeiro, ano XLII, nº 12. Rio de Janeiro 13 de mar-
ço de 1862.

355
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

inferior. 136 Em 1852 e novamente em 1863, os mestres da oficina de Alfaiates – uma


das que mais movimentava materiais para o exército – foram demitidos por causa de
denúncias no processo de licitação, no que tange à escolha e recebimento dos materiais
sendo adquiridos. 137

Pelo sistema adotado, os preços eram outro dos problemas: as aquisições do


Exército podiam alcançar quantidades prodigiosas, muito acima do que uma loja podia
ter em seus estoques normais. Isso fazia com que poucos comerciantes tivessem condi-
ções de fornecer as forças armadas. O ministro da Guerra, em 1859, dizia com proprie-
dade que as compras “a retalho” implicavam que o País nunca estava preparado para
uma emergência, o que resultava na imposição de duras condições por parte dos forne-
cedores e tinha que se aceitar produtos inferiores, por falta de opção.138 Se criavam tam-
bém condições para o surgimento de cartéis, como ocorreu em 1858, na compra de
6.200 chapéus: um só fornecedor açambarcou todas as peças disponíveis no mercado,
controlando os preços, a venda ao Exército sendo feita por “laranjas”, prepostos atuan-
do em seu nome. 139

Uma das razões dessa dificuldade era que alguns produtos simplesmente não
existiam no mercado do Rio de Janeiro nas quantidades necessárias pelo exército. O
caso mais evidente sendo o das armas, as quais o Arsenal raramente comprava menos de
cem de mesmo tipo, o normal sendo adquirir algumas centenas, muito mais do que o
mercado civil podia consumir. O processo, neste caso, era um comerciante trazer espe-
culativamente equipamentos bélicos para venda, o que resultava na oferta de uma imen-
sa quantidade de itens diferentes, alguns até usados ou com defeitos. O problema é que,
em ocasiões de emergência, estes equipamentos tinham que ser adquiridos, por falta de
opções. Em janeiro de 1851, por exemplo, o mestre de espingardeiros avaliou uma par-
tida de armas chegadas da Inglaterra, informando que elas tinham “fechos mostram ser
usados e uns mais bem concertados que outros”, alguns tendo “cães, cabeças e parafu-

136
VASCONCELLOS, João Rangel de. Apologia do coronel Antônio João Rangel de Vasconcellos, dire-
tor do Arsenal de Guerra. Rio de Janeiro, tipografia do Diário, 1840. pp. 23 e segs.
137
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do coronel Diretor, José Victoria de Soares de Andrea Andrea,
ao ministro da Guerra, José Mariano de Mattos Sobre a denúncia do dia 18 de janeiro quanto a es-
colha de fazendas pelo Arsenal. 1 de fevereiro de 1864. Mss. ANRJ. IG7 26.
138
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na terceira
sessão da décima legislatura pelo respectivo ministro e secretário de estado dos negócios da Guer-
ra, Manoel Felizardo de Souza e Melo. Rio de Janeiro: Laemmert, 1859. p. 18.
139
SENADO, sessão de 28 de agosto de 1858. Diário do Rio de Janeiro, ano XXXVIII, nº 234. Rio de
Janeiro, 30 de agosto de 1858. p. 1.

356
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

sos, que não seguram bem a pedra, havendo algumas molas fracas e parafusos remoí-
dos”.140 Como as armas foram avaliadas entre 8.000 e 9.500 réis, valores que não cons-
tam da Tabela 14 abaixo, parece que essa compra não foi aceita. Contudo, ainda em
1851, no contexto da Guerra contra Oribe e Rosas, o ministro autorizou a compra “dada
à urgência, de 500 terçados, que segundo a avaliação do mestre de espingardeiros são
usados e em mau estado, tendo bainhas de couro e guarnições novas”.141

Data Vendedor Ad 17 env. Ad 17 bran. Ad 17 c/ Ad Preços


espadas 12
4/4/1850 Joaquim Ferreira Alves 200
10.500
6/5/1850 Joaquim Ferreira Alves 1.000 14.300
29/5/1850 Joaquim Ferreira Alves 360 11.500
20/7/1850 Domingos J. G. Almeida 100 400 13.500
23/10/1850 Nathan irmãos 240 10.600
23/10/1850 Nathan irmãos 460 300 10.000
30/11/1850 Joaquim Ferreira Alves 500 10.300
23/1/1851 Nathan irmãos 500 11.000
6/2/1851 Joaquim Ferreira Alves 1.400 10.300
25/6/1851 De Londres/Governo 1.800 10.655
26/6/1851 De Londres/Governo 1.200 13.008
29/9/1851 Nathan irmãos 2.008 12.582
29/9/1851 Nathan irmãos 1.000 11.351
9/10/1851 Hobkirk & Cia 2.500 13.810
21/11/1851 Nathan irmãos 740 13.500
Totais 5.900 4.868 3.240 700
Tabela 14 – Compras de armas pelo Arsenal de Guerra.142
Esta tabela, elaborada pelo almoxarifado do Arsenal, mostra os problemas de compras feitas “no merca-
do”. São especificados três tipos de armas diferentes, de dois adarmes (calibres), 17 e 12; com “canos
envernizados” (com canos pretos) e canos brancos (polidos); além de armas usando baionetas espadas,
que não eram regulamentares – quatro armas diferentes, portanto. As pequenas quantidades e preços vari-
ando muito são outros indicativos de tipos diferentes de armas, o que criava uma grande dificuldade de
planejamento orçamentário.
A Tabela 14, acima, que trata das compras de armas para o Exército iniciadas no
período imediatamente antes da Guerra contra Oribe e Rosas, é relevante para ilustrar as
dificuldades com a aquisição de material. De início, vale notar que em um período de
um ano e oito meses, o exército comprou 14.008 espingardas, mais do que o suficiente
para armar todo seu efetivo, de oficialmente 16.000 homens, já que a cavalaria e os ofi-
ciais não usavam esse tipo de arma. Disso se vê que o volume de compras resultava que
o controle de preços era dificultado, por só haver quatro fornecedores para o Exército.
140
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Vicente Marques Lisboa, Vice diretor ao diretor, José Maria
da Silva Bittencourt, Marechal de Exército, sobre armas chegadas da Inglaterra. Rio de Janeiro, 22
de janeiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12
141
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa Mello ao
diretor do Arsenal de guerra, autorizando a compra de terçados. Rio de Janeiro, 6 de agosto de
1851. Mss. ANRJ. IG7 404.
142
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa das espingardas compradas desde abril de 1850 até dezembro de
1851. s.d. Mss. ANRJ. IG7 460.

357
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Em termos de detalhes, o contrato originalmente assinado com a companhia in-


glesa Hobkirk Westman & Co. em 1849, resultou na recusa inicial das armas e sua de-
volução ao comerciante, sendo assinado um novo termo, cujas armas foram entregues
em outubro de 1851 (ver Tabela 14). Esse novo contrato previa as seguintes condições:
as armas que deveriam ser apresentadas em substituição deveriam ser de fabricação in-
glesa; se aceitariam as armas com uma tolerância de calibre de meio adarme para baixo
ou para cima; as coronhas deveriam ser nogueira; e tudo devendo ser entregue em oito
meses. As espingardas deveriam ser iguais a dois exemplares selados, um que ficaria no
Arsenal, o outro sendo entregue a Hobkirk. Essas são as únicas especificações técnicas,
que visivelmente ainda permitem uma imensa latitude na entrega da encomenda.143

Na tabela é igualmente notável que a compra de armas pelo governo, sem inter-
mediários, não tenha sido feita com menores preços que as dos comerciantes, já que o
custo médio das armas vendidas por particulares foi de 11.800 rs, o mesmo valor médio
das compradas pelo Exército. Além disso, aquisições diretas não implicavam em maior
qualidade: em uma compra anterior, feita pelo governo na Europa, foram examinadas
104 armas, se encontrando apenas 39 com o calibre de acordo com a encomenda (adar-
me 17). A armas eram diferentes entre si, como na forma do fuzil (peça do mecanismo),
no acabamento das molas, os “guarda-matos são mais franzinos, e não combinam com o
padrão”, os fechos de duas espingardas “eram velhos, conquanto estejam reparados”.
Mais grave, as baionetas eram de ferro, não podendo receber têmpera “e por isso ver-
gam para qualquer lado, além de que todas, são mal formadas e acabadas”.144 Isso tudo
apesar do Arsenal ter enviado uma espingarda para ser copiada. Tudo isso sendo um
indicativo dos problemas da politica de compras do Arsenal.

Uma solução simples para muitos dos problemas de compras seria a adoção de
um sistema de padronização de armamentos e equipamentos, a “ordenança”, que é cita-
da nos documentos – algo que tinha sido feito na Europa no início do século XVIII,
repetimos. Só que o único esforço que foi feito nesse sentido foi a adoção de um plano
nacional de uniformes, em 1854, como também já citamos. Mas mesmo este era pro-
blemático, pois ainda matinha peças que tinham que ser feitas artesanalmente para cada

143
BRASIL – Arsenal de Guerra. Contrato com Hobkirk e Westman, Rio de Janeiro, 30 de setembro de
1850. Mss. ANRJ. IG7 391.
144
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Francisco Soares da Silva, mestre armeiro, ao Vice-Diretor
do Arsenal, sobre exame nas armas recebidas. Rio de Janeiro, 24 de julho de 1850. Mss. ANRJ. IG7
11.

358
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

unidade – esse plano, publicado em 1858, é composto por sete volumes, com dois uni-
formes diferentes para cada organização militar existente então.145 Isso além da roupa
em si ser muito caro: somente com a guerra do Paraguai se padronizou uma farda para o
exército, escolhendo-se modelos mais baratos para uniformizar – literal e figurativa-
mente – a tropa.

Outra possibilidade igualmente simples para se resolver os problemas, seria a


compra direta de produtos por contrato ou na Europa. Entretanto, não era uma coisa
fácil de implantar, pois a legislação não ajudava: como colocado por um diretor do Ar-
senal, ao dizer que “as ordens para tais fornecimentos [para as unidades] são sempre
com urgência”, não sendo possível cumpri-las a tempo se fosse necessário seguir o pro-
cesso de “anúncios, propostas, exames, informações, decisões e expedições de ordens,
[que] levam muito tempo e esse é ainda aumentado com a preparação dos objetos”.146 O
diretor complementava que o regulamento da Contadoria da Guerra impedia a formação
de reservas de material pronto “quando [a contadoria] exige que os pedidos precedam a
qualquer processo de compra”.147

Mesmo com dificuldades, a aquisição de peças prontas e matéria prima no exte-


rior foi feito em algumas ocasiões. Em 1860, o ministro Rego Barros, tentou fazer um
processo de compra na Europa, mandando para as embaixadas na Inglaterra e Prússia
amostras dos tecidos que compunham o uniforme do exército, pedindo cotações dos
preços da matéria prima na Europa, o ministro informando que tinha determinado seguir
esse caminho, de eliminar o intermediário local. 148

Nesse sentido, deve-se dizer que o processo de compras no exterior era mais
comum com armas, o que era feito, ocasionalmente, desde o 1º Reinado. Entretanto,
novamente se esbarrava na ausência de uma ordenança para os equipamentos: os pedi-
dos eram extremamente vagos, como no caso da compra de oito mil armas de fogo, duas
mil espadas, 1.500 terçados e doze canhões em 1837, em que a única anotação que
consta no pedido é que “todo o armamento deve ser do padrão, e igual ao que atualmen-

145
LECOR, Luiz Pedro. Coleção de desenhos das figuras e detalhes que designam os diferentes unifor-
mes para todos os corpos do Exército. Rio de Janeiro: Eduardo Rensburg, 1858. 8 vols.
146
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra, 1 de março de 1852. op. cit.
147
id.
148
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta
sessão da décima legislatura pelo respectivo ministro pelo ministro e secretário de estado dos negó-
cios da Guerra, Sebastião do Rego Barros. Rio de Janeiro: Laemmert, 1860. p. 7.

359
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

te usa o exército inglês”.149 Mais tarde, como no já citado contrato com Hobkirk, o nível
de detalhes no pedido aumentou um pouco, mas não a ponto de se tornar útil para defi-
nir-se como era a arma a ser adotada.

Uma mudança começou em 1856, no contexto de uma possível Guerra com o


Paraguai, quando se mandaram oficiais para a Europa, para fazer a compra de armas ou
se fizeram aquisições por meio das legações (embaixadas). Mas foi um processo confu-
so: inicialmente foi o engenheiro Capanema, que novamente tinha instruções vagas so-
bre as armas, ele fazendo na Bélgica a compra de armas de calibre e modelos france-
ses.150 No ano seguinte foi enviado o Capitão Primo de Souza Aguiar, com instruções
um pouco mais claras, com a informação que elas deveriam, contudo, diferir em deta-
lhes das anteriores(!). No final, as armas que foram compradas sequer eram do mesmo
calibre, de forma que uma não podia usar a munição da outra.151 Mesmo quando a mu-
nição servia, havia diferenças entre as armas, a Comissão de Melhoramentos, ao exami-
nar o material escrevia que tinha encontrado nas armas compradas na Europa “notáveis
diferenças nos fechos, sendo uns pelo antigo sistema, ou 1a transformação, outros cha-
mados de 2a transformação, e finalmente outros segundo o sistema moderno”. 152 Havia
até diferenças nos pistões, peças fundamentais para o funcionamento das armas, pois
tinham que ter um diâmetro uniforme para receber as cápsulas de fulminante. Em 1861
o governo teve que mandar importar a Bélgica pistões de diâmetro uniforme,153 para que
não houvesse problemas com a munição produzida no Brasil.

149
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos objetos que se julgam precisos para o Arsenal de Guerra
da Corte, e que convém sejam encomendados fora do Império. Rio de Janeiro, 15 de dezembro de
1837. Mss. ANRJ. IG7 20.
150
J. LEMILLE. Facture par duplicata accompagnant la marchandire fourni au Gouvernment Imperial
du Bresil par J. Lemille à Liège. Liège, 29 de juillet de 1856. Mss. ANRJ. IG7 363.
151
BRASIL – Ministério da Guerra. Nota da quantidade e qualidade de armamento, equipamento, pólvo-
ra e outros objetos cuja compra ou ajuste se encarrega de fazer na Europa o Major de Engenheiros
Francisco Primo de Sousa Aguiar. Jerônimo Francisco Coelho. Rio de Janeiro, 12 de agosto de
1857. Mss. ANRJ. IG7 366.
152
BRASIL – Comissão de Melhoramentos. Cópia de ofício do Presidente, José Mariano de Mattos, ao
ministro da Guerra, marquês de Caxias. 19 de março de 1862. Mss. ANRJ. IG7 387. A diferença se
refere a dois tipos de fecho onde a mola real ficava adiante do cão e uma terceira, a do tipo “moder-
no”, que ficava atrás do cão.
153
BRASIL – Comissão de Melhoramentos. Ofício de José Mariano de Matos, presidente, ao diretor
geral da 1ª Diretoria Geral da Secretaria da Guerra, tenente coronel Vicente Ferreira da Costa Pi-
ragibe sobre problemas de explosões de cápsulas de fulminante. Rio de Janeiro, 14 de novembro de
1861. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 267.

360
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Figura 43 – Arma selada.154


Este tipo de arma, especificamente uma clavina da fábrica Lemille feita para o Governo Brasileiro, rece-
bia um lacre da legação imperial, devendo servir de modelo para a fabricação de outras. Três exemplares
de cada arma eram selados: um ficando com o fabricante, um com a Legação e o terceiro indo para o
Arsenal,155 as armas fabricadas devendo se conformar ao modelo selado. Isso, contudo, sem uma coleção
de gabaritos e desenhos técnicos seria impossível de se obter, a não ser em termos muito genéricos. Infe-
lizmente nenhuma dessas armas seladas sobreviveu em museus brasileiros, a da foto pertencendo à cole-
ção do Museu de Armas de Liège
Em 1863, quando se mandou o ten.-cel. Antônio Francisco Rapozo para uma
nova comissão para a Europa, junto seguiu o mestre de espingardeiros, Otto Mehering,
para dar assessoria na aquisição. Junto com eles foram enviadas armas para servirem de
modelo (ver Figura 43). 156 Cremos ser esse tipo de ação significativo de como o Exérci-
to ainda não tinha compreendido as vantagens do sistema de padronização. Nessa época,
o sistema americano já tinha implicado na adoção de gabaritos precisos para cada peça
de uma arma, com jogos de precisão para medida delas (ver Figura 30). O envio de uma
arma, ou a preparação de uma peça para servir como modelo para o fabricante157 não
substituía a apresentação de desenhos técnicos das peças e especificações precisas sobre
sua composição, como tinha sido uma preocupação dos artilheiros franceses desde o
século anterior. O máximo que se conseguiria seria que as armas compradas a partir
desse modelo fossem iguais entre si, mas necessariamente seriam diferentes das adqui-
ridas anteriormente, como de fato aconteceu.

154
GAYER, Claude. Prestige de l’armuriere portugaise. La parte de Liége. Liège: Musse d’armes de
Liège, 1991. p. 158.
155
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Marquês de Caxias, ao diretor do Arsenal, reme-
tendo ao diretor do Arsenal de Guerra da Corte uma espingarda com baioneta e uma clavina com
sabre, ambos da fábrica Lemille, com selo. Rio de Janeiro, 16 de maio de 1856. Mss. ANRJ. IG7
521.
156
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão ao co-
ronel diretor do Arsenal de Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea ordenando que, sob a dire-
ção do presidente da Comissão de Melhoramentos do Material do Exército, escolha armas para ser-
virem de amostra. Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 515.
157
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão ao co-
ronel diretor do Arsenal de Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea, autorizando a construção
de uma barraca portátil de madeira francesa, para modelo. Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de1863.
Mss. ANRJ. IG7 515.

361
Capítulo 7 – O arsenal de Guerra do Rio de Janeiro como unidade administrativa

Podemos concluir esse capítulo repetindo o que escreveu a Comissão de Melho-


ramentos ao falar das compras de armas feitas na Europa, mas que também serve para
tratar do funcionamento de todo o sistema administrativo do Arsenal: com elas “não
ficou o nosso Exército tão bem servido de armamento como devia”.158

158
BRASIL – Comissão de Melhoramentos. Cópia de ofício do Presidente, 19 de março de 1862. op. cit.

362
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Sumário

8 Uma manufatura, muitas oficinas.


8.1 Oficinas existentes antes do regulamento de 1832.
8.1.1 Abridores
8.1.2 Lavrantes
8.1.3 Fundição de artilharia
8.2 Oficinas do regulamento de 1832
8.2.1 Primeira Classe:
8.2.1.1 Construção
8.2.1.2 Carpintaria de obra branca
8.2.1.3 Torneiros
8.2.1.4 Tanoeiros
8.2.2 A segunda classe
8.2.2.1 Coronheiros
8.2.3 Terceira classe
8.2.3.1 Ferreiros
8.2.3.2 Serralheiros
8.2.3.3 Espingardeiros
8.2.4 A quarta classe
8.2.4.1 Latoeiros
8.2.4.2 Instrumentos Bélicos
8.2.4.3 Funileiros
8.2.5 A quinta classe
8.2.5.1 Correeiros
8.2.5.2 Seleiros
8.2.5.3 Sapateiros
8.2.6 Sexta Classe
8.2.6.1 Alfaiates
8.2.6.2 Bandeireiros
8.2.6.3 Barraqueiros
8.2.7 Sétima classe
8.2.7.1 Pintores
8.2.7.2 Escultores
8.2.7.3 Desenhadores
8.2.7.4 Gravadores
8.2.8 Oficinas criadas depois de 1844
8.2.8.1 Instrumentos matemáticos
8.2.8.2 Maquinistas
8.2.8.3 Troço
8.2.8.4 Pedreiros
8.3 Remadores
8.4 A Repartição de Costuras
8.5 Mecanização das oficinas
8.6 Notas sobre as oficinas

363
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

8 Uma manufatura, muitas oficinas.

Ainda com relação à administração, outra face do funcionamento Arsenal eram


suas oficinas, sua atividade fim, como se colocaria hoje em dia. No caso, é importante
ter em mente que a manufatura tem uma diferença conceitual importante com relação às
outras das forças armadas: em princípio, um Arsenal de Marinha é para ser um estaleiro,
um local onde primordialmente se constroem navios, apesar deles poderem ter oficinas
ou funções complementares, como pode ser visto na Tabela 8, referente à Fundição da
Ponta da Areia. A função das Fábricas da Estrela e a de Ipanema era fazer pólvora e
objetos de Ferro, respectivamente. No caso do Arsenal de Guerra a situação era bem
diferente: ele não tinha a função de fazer um bem específico, mas sim produzir ou for-
necer uma imensa variedade de coisas, que iam desde roupa de baixo até canhões. Dessa
forma, ao invés de ser uma organização voltada para um serviço único, ela deve ser vis-
ta como um conjunto de oficinas separadas, cada uma produzindo um determinado tipo
de produto, com as consequências disso. Assim, a questão, da organização e funciona-
mento das oficinas, é importante para entendermos como o Arsenal pode ser comparado
com as outras manufaturas de armas, na França e Estados Unidos.

O regulamento de 1832 tratou do tema da organização das oficinas, especifican-


do quais as que deveriam existir em cada arsenal do País.1 No da Corte seriam vinte
delas, divididas em sete classes. Na primeira classe, que reunia as de carpinteiros de
construção de reparos e máquinas; obra branca; torneiros; e tanoeiros, deveria haver um
mestre para as quatro, havendo também um contramestre em todas elas, além dos apare-
lhadores necessários.

A segunda “classe”, só era composta por uma oficina, a de coronheiros, que ti-
nha sido transferida da extinta fábrica de Armas da Conceição, devendo ela ter um mes-
tre e um contramestre. Consideramos essa organização curiosa, tendo em vista a relativa
pouca importância dessa atividade, como trataremos depois, e a classificação se torna
ainda mais curiosa quando vemos que duas das oficinas mais importantes da manufatu-
ra, a de obras brancas e de construção de reparos, compartilhavam uma classe, com
apenas um mestre. Na verdade, em 1836, o único mestre que é relacionado nas listas de

1
BRASIL – Decreto de 21 de fevereiro de 1832. Dá Regulamentos para o Arsenal de Guerra da Corte,
Fábrica da Pólvora da Estrela, Arsenais de Guerra e Armazéns de depósitos de artigos bélicos.

364
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

operários do Arsenal está na oficina de coronheiros. 2 Outro ponto que não parece lógico
é que essa especialidade é um “ofício de madeira”, como as da classe anterior, comparti-
lhando, até certo ponto, ferramentas, matérias primas e pessoal não especializados, os
“serradores”, um tipo de servente associado às oficinas de construção e de obra branca
(ver Figura 44).

Figura 44 – Desdobradores, Debret, 1822.


Debret reproduz essa imagem, criticando o “espírito estacionário e a oposição geral a qualquer inovação”
do Brasil, dizendo que havia uma repugnância ao estabelecimento serrarias mecânicas.3 A crítica deve ser
vista com certo cuidado, pois se o emprego de serradores, como os escravos ilustrados era comum, tam-
bém havia serrarias a vapor, como uma que ofereceu seus serviços para o Arsenal em 1820. 4 Ainda assim,
o AGRJ continuou a usar serradores por praticamente todo o período de nosso estudo – na ilustração, a
peça que estão cortando, por exemplo, seria do tamanho de uma falca de um reparo de artilharia de gran-
de calibre.
Continuando, a terceira classe das oficinas reunia as de ferreiros; serralheiros e
espingardeiros, com um mestre para todas e um contramestre em cada uma, além dos
aparelhadores indispensáveis. Essa organização faz sentido, já que todas eram ativida-
des que dependiam de forjas para seus trabalhos, necessitando de instalações especiais
para isso – quando a primeira máquina a vapor foi instalada no Arsenal, em 1851, uma

2
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal das oficinas do Arsenal de Guerra da
Corte e dos objetos que se devem presentemente nelas fabricar. Rio de Janeiro, 24 de novembro de
1836. Mss. ANRJ. IG7 19.
3
DEBRET, Jean Baptiste. Voyage pittoresque et historique au Brésil. Tome II. Paris: Firmin Didot Fre-
res, 1835. p. 65.
4
MATOS, Raimundo José da Cunha. Memória estatística, econômica e administrativa sobre o arsenal
do exército, fábricas e fundições da cidade do Rio de Janeiro. Vila Nova de Famalicão: s.ed. 1939.
p. 14.

365
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

das atividades em que ela foi usada era a movimentação de um ventilador para manter
em brasa o carvão das forjas.5 Essas oficinas compartilhavam também de um tipo espe-
cífico de servente, o malhador que, como o nome indica, trabalhava na bigorna, marte-
lando o ferro que estava sendo forjado, um serviço de força bruta. Finalmente, na Euro-
pa serralheiros tradicionalmente faziam fechos de armas e os ferreiros forjavam canos,
de forma que era compatível agrupar a profissão com os espingardeiros. Mesmo assim,
não parece razoável que estas oficinas, que tinham um papel importante, só tivessem um
mestre, especialmente considerando o caso dos coronheiros, tratado acima.

As oficinas de latoeiros, instrumentistas e funileiros foram agrupadas na quarta


classe, certamente por causa da matéria prima usada por eles, basicamente folhas metá-
licas, de cobre, latão ou folha de flandres. Tinha apenas um mestre, três contramestres
nas oficinas e um aparelhador na de latoeiros, a maior delas.

A quinta classe era composta por correeiros, seleiros e sapateiros, também agru-
pados por tipo de matéria prima trabalhada, o couro. Entretanto, se os ofícios guarda-
vam certa semelhança entre si, tinham aspectos que os diferenciavam: por exemplo, na
feitura de correias era necessário usar uma grande quantidade de peças de latão, as five-
las, o que não ocorria com os sapatos, enquanto as selas precisavam de uma estrutura de
madeira para serem feitas. Pela documentação é evidente que a principal oficina era a de
correeiros, enquanto sapateiros e seleiros eram muito secundárias, tanto é que o regula-
mento só previa um mestre para essas oficinas, além de um contramestre em correeiros
e um aparelhador em cada uma delas.

Alfaiates, bandeireiros e barraqueiros foram agrupados na sexta classe, aqui


não só em função da matéria prima, o tecido, mas também tendo em vista o tipo de tra-
balho executado – todos eram artesãos que trabalhavam com costuras, só que a produ-
ção de bandeiras e barracas nunca foi muito numerosa, sempre tendo muito poucos arte-
sãos no Arsenal, de forma que se entende a previsão do regulamento, de só haver um
mestre e um aparelhador para as três oficinas.

A última classe de oficinas era a de pintores, escultores, desenhadores


e gravadores – todas com pessoal muito reduzido, em alguns anos apenas uma pessoa.
Mesmo assim, o regulamento de 1832 foi muito generoso com elas, com a previsão que

5
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Estado do Arsenal de Guerra da Corte. José Maria da Silva
Bittencourt, Marechal de Campo e diretor. Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7
12.

366
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

houvesse um mestre geral e um contramestre em cada um delas. Isso talvez se deva à


natureza “artística” dos trabalhos, pois inicialmente se dedicavam a atividades mais li-
gadas às belas artes do que as artes práticas.

Essa organização das oficinas era diferente das anteriores a 1832 e se alteraria ao
longo dos anos, com a extinção e criação de algumas oficinas, como as de maquinistas e
de instrumentos matemáticos. Além disso, outras mudanças foram feitas, às vezes in-
formalmente. Por exemplo, não encontramos nenhum documento falando nisso, mas as
relações de pessoal do Arsenal demonstram que em algum momento em 1847 foram
nomeados mestres e contramestres para praticamente todas as oficinas,6 contrariando o
disposto no decreto de 21 de fevereiro de 1832, que só previa seis mestres para todas as
21 oficinas.

Reclamações sobre a inconveniência do organograma de 1832 seriam comuns ao


longo de quarenta anos, até que ele foi oficialmente alterado em 1872. O ministro da
Guerra, em 1845, em seu relatório deixou isso claro, ao dizer que o Regulamento do
Arsenal fora feito “quando a diminuição, ou antes aniquilação da força armada se repu-
tava uma necessidade pública, [e] ressente-se da falta de muitas providências”,7 referin-
do-se às reformas da Regência. Onze anos depois, o conde de Caxias, quando ministro
da Guerra, escrevia que o texto legal não permitia ao governo “acudir ás necessidades
do fornecimento de armas, munições, fardamento e equipamentos ao exército...”.8

Como foi dito antes, foram baixados uma série de normas que mudaram o pre-
visto no regulamento, principalmente relativas à questão da administração financeira,
como os regulamentos da Contadoria Geral da Guerra, de 1842 e 1851. Só que o núcleo
básico do texto de 1832 permaneceu válido, apesar de ter sofrido uma série de modifi-
cações. Algumas foram muito importantes, especificamente a transferência do Labora-
tório do Castelo para a responsabilidade do Arsenal; a recriação da Fábrica de Armas da
Conceição e a criação do Laboratório do Campinho, que serão abordados em outro capí-

6
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa nº 9. Número de operários das diferentes oficinas deste Arsenal
existentes em 1º de Janeiro. Joaquim José Cabral. Tenente ajudante do Sr. Vice-diretor, Rio de Ja-
neiro, 31 de janeiro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
7
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da guerra apresentado à Assem-
bleia Geral Legislativa a 14 de maio de 1845 pelo respectivo ministro e secretário de estado dos ne-
gócios da Guerra. Rio de Janeiro: Barros & Cia., 1845. p. 3.
8
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta ses-
são da nona legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Marques de
Caxias. Rio de Janeiro: Laemmert, 1856. p. 13.

367
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

tulo. Em termos práticos, contudo, a história do funcionamento do AGC pode ser vista
nas próprias oficinas, como trataremos a seguir.

8.1 Oficinas existentes antes do regulamento de 1832.


Antes de tratarmos do regulamento do Arsenal de 1832, uma norma de funda-
mental importância, vamos abordar algumas das oficinas que existiam antes da promul-
gação do texto legal e que deixaram de existir com o decreto de 21 de fevereiro de 1832.
Duas delas, as de abridores e lavrantes, ao que tudo indica, foram reunidas na nova
oficina de gravadores, enquanto a fundição de artilharia foi definitivamente extinta, uma
organização com as mesmas funções só sendo recriada no Arsenal durante a Guerra do
Paraguai.

8.1.1 Abridores
Esta oficina é citada por Cunha Matos em 1820, não havendo muitas outras in-
formações sobre ela, mas é evidente que se refere à atividade de “abridores de cunho”,
pessoal que fazia gravações para a produção de cunhos, pois sua produção, em 1823, era
desses cunhos e de sinetes.9 Se infere do texto de Cunha Matos que era uma atividade
mais artística do que artesanal, pois o brigadeiro, que era vice-inspetor do Arsenal, re-
comendava que ela deveria ficar “o mais próximo, que for possível à Aula de Desenho,
com que tem muitas relações”.10 Não era, portanto, uma atividade ligada diretamente às
necessidades militares, se superpunha ao mesmo tipo de serviço que era feito na Casa da
Moeda. Além disso, a única outra informação que temos é que era uma oficina pequena,
que funcionava junto com a de lavrantes.

Essa repartição do Arsenal se transformou na oficina de Gravadores com o regu-


lamento de 1832, em alguns documentos posteriores ao texto legal a nova oficina ainda
é chamada como “de abridores”.11

8.1.2 Lavrantes
Outra das oficinas que é citada no trabalho de Cunha Matos, mas não aparece no
Almanaque de 1829,12 não havendo outras informações sobre ela, a não ser que funcio-

9
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação das obras, 1823, op. cit. Entre outros, o MHN possui um sinete
feito para o 1º Regimento de Cavalaria Ligeira, peça SIGA 112704.
10
MATOS, 1939, op. cit. p. 18.
11
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Brigadeiro diretor interino, João José da Costa Pimentel,
28 de fevereiro de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.
12
ALMANAK Imperial, op. cit. p. 86

368
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

nava junto à de abridores. Pelo sentido geral de seu nome, devia ser uma especialidade
relativa à gravação, o ato de “lavrar” metais, no sentido artístico: Cunha Matos reco-
mendava que a instalação, que funcionava junto com a de Abridores, ficasse próximo a
Aula de Desenho, “com que tem muitas relações”.13 Com o regulamento de 1832, ela
passou a ser chamada de “Gravadores”.

8.1.3 Fundição de artilharia


Esta oficina teve uma história muito curta no Arsenal de Guerra do Rio de Janei-
ro. Como já tratado anteriormente, foi feita uma tentativa de se criar esse tipo de insta-
lação no século XVIII, mas ela não teve prosseguimento. Entretanto, em julho de 1819
se estava novamente trabalhando em uma fundição de metais, 14 se fazendo um grande
investimento com o forno para isso. Em 1820 se fundiram três obuses, seis peças de 6
libras curtas (ver Figura 45) e duas de 3 libras,15 mas as bocas de fogo não tiveram suas
almas perfuradas, segundo um documento, por falta de espaço para montar a máquina
de tornear,16 indicando uma falta de planejamento.

Em 1829 o governo comprou um torno para fazer o acabamento de canhões, ser-


vindo também para perfurar (brocar) a alma das peças, máquina feita para ser movida a
vapor. O equipamento custou a razoável quantia de 733 libras esterlinas, algo como dois
milhões de reais em valores de hoje, e deveria ser instalado em um prédio anexo, que
custaria 60 contos de réis (aproximadamente dezenove milhões de reais de hoje), para
criar uma fundição capaz de fazer cem peças de artilharia por ano,17 só que o prédio
para ela não foi feito e, em 1830, o ministro escrevia que “a fundição de artilharia acha-
se reduzida à uma completa nulidade”.18 O resultado foi que a fundição de artilharia foi
extinta com os cortes de gastos da reforma de 1832 e o Arsenal só viria a voltar a fazer
canhões na Guerra do Paraguai, depois do período que estamos estudando.

13
MATOS, 1939, op. cit. p. 18.
14
REINO UNIDO – Arsenal de Guerra. Ofício da Intendência do Arsenal, Thomaz Antônio de Villanova
Portugal, examinando armas e munições. Rio de Janeiro, 13 de julho de 1819. Mss. ANRJ. IG7 1.
15
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Marechal João Carlos Pardal, ao ministro da Guerra,
João Paulo dos Santos Barreto sobre brocar peças fundidas no Arsenal. Rio de Janeiro, 5 de agosto
de 1848. Mss. ANRJ. IG7 10.
16
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício de José dos Santos Oliveira, Sargento Mor Inspetor do Arsenal
de Guerra ao ministro da Guerra, João Vieira de Carvalho. Rio de Janeiro, 20 de novembro de
1822. Mss. ANRJ. IG7 2.
17
ANAIS do Parlamento Brasileiro. Câmara dos Srs. Deputados, quarto ano da 1ª legislatura, sessão de
1829. Rio de Janeiro: H.J. Pinto, 1877. p. 63.
18
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório do ano de 1830 apresentado à Assembleia Geral Legislati-
va na sessão de 1831. s.n.t. p. 9.

369
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Figura 45 – Peça de 6 libras curta fundida no Arsenal do Rio de Janeiro em 1820. 19


A imagem mostra a peça completa, tal como acabada em 1859, quase quarenta anos depois da sua fundi-
ção.20 O tubo, o canhão em si, desta boca de fogo feito na oficina de fundição tinha problemas de liga, por
ter sido feita aproveitando-se metal de canhões antigos.21 A imagem mostra também um trabalho de coo-
peração das oficinas do Arsenal, com a oficina de máquinas fazendo o acabamento da peça em torno. Os
maquinistas também fizeram algumas peças metálicas, como o parafuso de elevação; a oficina de cons-
trução preparou as peças de madeira e montou o reparo e armão; a de ferreiros fez as diversas peças metá-
licas; e tanoeiros fizeram os baldes. Dentro do armão iriam vários acessórios, alguns preparados pelo
Laboratório Pirotécnico do Castelo e alguns projéteis com seus cartuchos, costurados pelos alfaiates.

8.2 Oficinas do regulamento de 1832


Assim, apesar da organização do Arsenal ter sofrido algumas alterações durante
os anos, a primeira norma clara definindo sua estrutura administrativa foi estabelecida
pelo decreto de 21 de fevereiro de 1832, um texto legal que ficaria válido pelos quarenta
anos seguintes. Observamos que praticamente todas as oficinas constantes do regula-
mento de 1832 já existiam antes daquela data, mas foram oficializadas com o texto do
decreto. As exceções que encontramos sendo as oficinas de espingardeiros e coronhei-
ros, que estavam antes organizadas na Fábrica de Armas da Conceição. Também não
constavam como existindo antes do regulamento as de bandeireiros, escultores, e dese-
nhadores.

Dessa forma, nossa relação de oficinas se concentra na organização estabelecida


pelo decreto, depois tratando de algumas oficinas foram criadas depois, sem que tivesse

19
INSTITUTO artístico de Fleuiss irmãos & Linde. Recordações da Exposição nacional de 1861. Rio de
Janeiro: Laemmert, 1862. Sem numeração de páginas.
20
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra da Corte. Manoel Albino de Carvalho,
o diretor, ao Conselheiro José Maria da Silva Paranhos, ministro da Guerra. Rio de Janeiro, 31 de
janeiro de 1859. Mss. ANRJ. IG7 16.
21
A Exposição Nacional, XXI. Diário do Rio de Janeiro, ano XLII, nº 71. Rio de Janeiro, 13 de março de
1861. p.1

370
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

sido aprovado um novo regulamento ou modificado o antigo. Assim, a estrutura do no-


vo regulamento, que era dividida em “classes”, era a seguinte.

8.2.1 Primeira classe:

8.2.1.1 Construção
Todos os antigos trens das capitanias no período colonial surgiram em torno des-
sa especialidade, apesar de no período colonial e até o regulamento de 1832 ela às vezes
ser chamada “de carpinteiros de machado”,22 indicativo de que seus produtos eram
grosseiros, acabados a machado e enxó. De fato, a principal função da oficina era de
construção de reparos de canhões, objetos grandes e pesados, mas de pouca complexi-
dade. Secundariamente, fazia artigos assemelhados, como as viaturas usadas na época,
tal como os armões (ver Figura 45). Nesse sentido, encontramos alguns anúncios para a
contratação de segeiros para as oficinas em jornais do Rio 23 e em 1865 foi baixada uma
ordem para que se empregassem os Menores em cinco especialidades, entre as quais as
de segeiros. 24 Isso apesar de não haver uma oficina com essa especialidade: tudo indica
que eram empregados na fabricação de carros na de construção.

Entretanto, a fabricação de reparos para os canhões era certamente a atividade


mais relevante. De certa forma, a oficina pode ser vista como a principal dos Arsenais e
Trens, pois as carretas não podiam ser feitos de forma conveniente no exterior. No caso,
vale a pena repetir que o fato do Brasil não ter adotado uma ordenança, um regulamento
definindo o tamanho de cada tipo de canhão, como fizera Gribeauval na França, tinha
seus efeitos: havia no País uma quantidade e variedade muito grande de canhões em
uso: portugueses, ingleses, holandeses, franceses, espanhóis e suecos.25

O problema chegava ao ponto de ser necessário identificar o calibre e a naciona-


lidade de uma boca de fogo nos inventários, pois as armas, mesmo sendo do mesmo
calibre nominal, tinham dimensões diferentes, inclusive o calibre real.26 Assim, uma

22
MATOS, 1939, op. cit. p. 16. Ver também a Figura 46.
23
Diário do Rio de Janeiro, nº 21. Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1826.
24
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Ângelo Moniz da Costa Ferraz, ao diretor do Ar-
senal, Antônio Pinto de Figueiredo Mendes Antas, sobre emprego dos menores. Rio de Janeiro, 28
de junho de 1865. Mss. ANRJ. IG7 456.
25
Para ver essa variedade, basta consultar a coleção de artilharia do Museu Histórico Nacional. CAS-
TRO, Adler Homero Fonseca de & ANDRADA, Ruth Beatriz S. Caldeira de. O pátio Epitácio Pes-
soa: seu histórico e acervo. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1993 (mimeo).
26
As armas tinham um calibre nominal, o peso do projétil em unidades de peso nacionais que dispara-
vam, e um calibre real, correspondendo ao diâmetro da boca, medido em uma unidade padronizada,
Continua –––––––

371
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

relação de peças de artilharia armazenadas no Arsenal em 1849, lista 32 canhões de


calibre 6 libras nos depósitos, dos quais seis ingleses, dezessete portugueses longos, sete
portugueses curtas e quatro franceses.27 Isso implicava que os reparos para essas bocas
de fogo tinham que ser feitos de forma artesanal, para cada canhão, como um alfaiate
ajustando um terno a um freguês. Por sua vez, a “vida útil” de uma carreta não era mui-
to longa, no máximo quinze anos, de forma que era constantemente necessário os subs-
tituir: em 1829 havia 1.490 canhões em fortes no País28 e se os reparos fossem substitu-
ídos ao ritmo de anual 1/15 deles – 7% ao ano –, de forma que todos fossem trocados a
cada quinze anos, seria necessário fazer 105 novas carretas todos os anos. Isso só para
os fortes, sem contar as peças de artilharia em armazéns ou distribuídas para as unidades
de artilharia móvel.

Assim, nas primeiras menções aos Trens que encontramos, como no caso do
mestre do Rio que desertou seu posto em 1703, a construção é a especialidade dos arte-
sãos citados. Apesar de não estar evidente na documentação, parece que as outras ofici-
nas iniciais dos Trens também eram relacionadas com a atividade de produção de repa-
ros, como a de ferreiros, que deveriam fazer as ferragens: cavilhas; aros de rodas e ou-
tros detalhes das carretas, armões e carroças.

A importância da oficina fica clara na Figura 46 acima, referente aos primeiros


anos do século XIX, quando vemos as dimensões da área do Arsenal dedicada às ofici-
nas de construção, obra branca e ferraria. Naquela planta pode-se notar uma organização
espacial articulada, todos os ofícios de madeira se situando em torno de um pátio, en-
quanto as ferrarias, que trabalhavam com forjas, ficam isoladas das de madeira, talvez
por risco de incêndio, mas ainda assim próximas a elas.

Outros aspectos mostram a importância da oficina de construção, apesar dessa


não poder ser equiparada com a do Arsenal de Marinha, que era a atividade fim daquela
instituição. Por exemplo, o mestre da oficina também era chamado de construtor e tinha
uma situação que podemos ser considerada como a mais assemelhada à de um enge-
nheiro no Arsenal, vistoriando os trabalhos das outras oficinas, como trataremos em
Continuação–––––––––––
de uma nação. Assim, um canhão de 6 libras inglês tinha um calibre, diâmetro de boca, diferente de
um canhão de 6 libras português, a munição de uma arma não servindo na outra.
27
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa das bocas de fogo existentes no Arsenal de Guerra da Corte.
Francisco Manolo de Morais, servindo de escrivão. Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1849. Mss.
ANRJ. IG7 10.
28
MONTEIRO, Jonathas da Costa. Relação dos fortes Existentes no Brasil em 1829 com indicação de
seu armamento. Revista Militar Brasileira, jul-set 1927, pp. 218 e segs.

372
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

outro capítulo.29 Em 1829, essa oficina, além do mestre, tinha dois contramestres e dois
aparelhadores, um número elevado para a mestrança, talvez para poder gerenciar os
muitos serviços. 30 Dessa maneira, se entende perfeitamente que no regulamento de 1832
essa oficina tenha ficado no grupo das “de 1ª classe”, com um mestre próprio, que era o
construtor do AGC.

Ainda sobre o construtor, sua oficina, pelo regulamento de 1832, era chamada de
“construção de reparos e máquinas,” o AGC tendo certa capacidade de fazer mecanis-
mos complexos. Em 1808, a Mesa de Inspeção do Rio de Janeiro tratou da situação dos
artesãos portugueses que tinham vindo com a família real, mas que se encontravam sem
emprego na cidade, o documento sendo crítico quando à sua capacidade, dizendo que
eram “homens práticos e sem capacidade até para desenhar as máquinas de que necessi-
tavam”. O local que se recomendava para a efetiva feitura desses artefatos sendo o
Trem, “onde havia oficiais aptos para o fabrico”.31 Em 1844 o maquinista francês Au-
guste Merlet inventou um aparelho de descaroçar algodão que foi comprada pelo gover-
no.32 Para difundir seu uso no País, o ministro do Império solicitou ao da Guerra que
seis deles fossem construídas no Arsenal, como o local mais apropriado para a manufa-
tura dos mecanismos. 33

29
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Inspetor da Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fá-
bricas e Fundições, José Francisco da Silva ao ministro da Guerra, sobre a situação de Sebastião
José Lopes, mestre de construção do antigo Trem de Montevidéu. Rio de Janeiro, 27 de março de
1829. Mss. ANRJ. IG7 18.
30
ALMANAK Imperial do comércio e das corporações civis e militares do Império do Brasil, publicado
por Pedro Plancher-Seignot para 1829. Rio de Janeiro: Plancher-Seignot, 1829. p. 86.
31
ANDRADE, Rômulo Garcia de. Burocracia e economia na primeira metade do século XIX (a Junta de
Comércio e as atividades artesanais e manufatureiras na cidade do Rio de Janeiro: 1808-50). Dis-
sertação de Mestrado. Niterói: UFF, 1980 (mimeo). p. 83.
32
BRASIL – Ministério do Império. Relatório da repartição dos Negócios do Império apresentado à
assembleia geral legislativa na 1ª sessão da 6ª legislatura pelo ministro e secretário de estado dos
negócios do Império, José Carlo de Almeida Torres. Rio de Janeiro: tipografia nacional, 1845. p. 18.
33
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra Antônio Francisco de Paula e Holanda
Cavalcanti d’Albuquerque ao diretor do Arsenal de Guerra remetendo aviso do ministro dos negó-
cios do Império pedindo que com brevidade se concluam as seis máquinas de descaroçar algodão
que se mandaram construir nesse Arsenal de Guerra, pelo modelo comprado a Augusto Merlete. Rio
de Janeiro, 1 de janeiro de 1846. Mss. ANRJ. IG7 404.

373
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Figura 46 – Plano do Arsenal Real do Exército, c. 1815.34


Mostra como eram as instalações ainda pouco influenciadas pela chegada da família real portuguesa. A
legenda, no que tange às oficinas, é: G – Oficinas de Obra Branca; H – Tanoaria; I – Construção de Repa-
ros; L – Local onde estão os serradores; M – telheiro para madeiras; N – Serralheria; O – Ferraria Peque-
na; P – Ferraria Grande; Z – Oficinas de Abridores, Lavrantes, Funileiros e Fundidores (situadas ao longo
do cais, do lado da porta); X – Estrebaria; Y – “casinhas onde residem alguns artistas do Arsenal”.
Ligado a esta aparelho de descaroçar está a primeira menção a um técnico no
Arsenal, pois Merlet foi contratado em 1844, para o “risco e fabrico de máquinas para
uso das oficinas”.35 O relatório do ministro da guerra de dois anos depois cita um grupo
de quatro maquinistas trabalhando na manufatura, outros doze sendo contratados ao
longo do ano seguinte, trabalhando todos na oficina de construção.36 Isso talvez pelo
fato de que, quando finalmente se introduziu o motor a vapor, a oficina de construção
deveria ser uma das mais beneficiadas com a serraria movida a vapor, já que usavam
imensos pranchões de madeira, que podiam ter quatro metros de comprimento e vinte
centímetros de espessura (ver Figura 44).

34
PLANO do Arsenal Real do Exército, Coronel de artilharia, Carlos José do Reis e Gama, vice-inspetor
do Arsenal. s.d. Mss. Arquivo Histórico do Exército. 04.01.576.
35
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra Jerônimo Francisco Coelho ao diretor
do Arsenal de Guerra da Corte, Brigadeiro João Eduardo Pereira Colaço Amado sobre a contrata-
ção de Augusto Merlet. Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1844. Mss. ANRJ. IG7 405.
36
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra apresentado à Assem-
bleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 6ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de estado
João Paulo dos Santos Barreto. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1846. Mapa 13.

374
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Mesmo considerando a introdução de máquinas, ainda em 1862 se estavam con-


tratando carpinteiros de machado no Arsenal,37 pessoal que, em tese, seria desnecessário
com uma serraria em funcionamento. Além disso, sabe-se que o processo de produção
não era totalmente mecanizado: no escândalo que ocorreu em 1863, sobre desperdícios
na fabricação de equipamentos no Arsenal, um dos quesitos apresentados na imprensa
foi o custo das carretas feitas no Arsenal, que seriam superiores às do Arsenal de Mari-
nha – denúncia que não se comprovou. Ainda assim, o diretor argumentava que o valor
das carretas não podia ser igual, já que a Marinha dispunha de uma serraria a vapor e
“isso diminui o custo das obras ali feitas”,38 continuando que os furos nas carretas eram
feitos no AGC usando um trado, o que tornava o trabalho imperfeito – indicativos que a
produção dessa oficina continuava a ser, basicamente, artesanal.

Uma das razões das grandes dimensões dessa especialidade no Arsenal é o fato
dela não ter um similar na indústria civil que pudesse atender às necessidades militares:
como colocamos acima, um fabricante de carruagens, o segeiro, poderia fazer um repa-
ro, pois os elementos componentes deles eram os mesmos. Contudo, um reparo exigia
peças de dimensões bem mais robustas que as necessárias para carruagem ou carroça,
além do que, as pequenas oficinas existentes no país dificilmente teriam condições de
atender ao volume das demandas do exército.

Um exemplo da capacidade do Arsenal pode ser visto na crise causada pela


Questão Christie, em janeiro de 1863. Então se ordenou que a oficina de construção
fizesse 141 reparos de canhão, para substituir os que estavam em mal estado nos fortes
do Império. Dois meses depois, 114 deles já estavam prontos, um ritmo de produção
que as pequenas oficinas existentes no País não teriam condições de suprir – é bem ver-
dade que para atender tão rapidamente essa encomenda, a oficina de construção chegou
a ter 418 jornaleiros e empreiteiros trabalhando,39 em uma demonstração de uso intensi-
vo de mão de obra (ver Figura 47), mas a própria capacidade do Arsenal de acomodar e
gerenciar o trabalho de um número tão elevado de empregados não poderia ser reprodu-
zida em uma oficina artesanal civil.

37
Diário do Rio de Janeiro, nº 25, ano XLIII. Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1863. p. 3.
38
COMISSÃO de inquérito nomeada por aviso de 25 de fevereiro de 1863 para examinar o Arsenal de
Guerra da Corte. p. 48. In: BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia
Geral Legislativa na Segunda Sessão da décima segunda legislatura pelo ministro e secretário de
estado dos negócios da Guerra, José Mariano de Mattos. Rio de Janeiro: Laemmert, 1864.
39
Id. p. 22.

375
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Figura 47 – Duas fases da fabricação de reparos, Arsenal de Watervliet, EUA. 40


Imagens da época da Guerra Civil Americana (1861-1865), mostram cenas que, pela descrições, são em
tudo semelhantes às das oficinas do AGC: as oficinas de construção, acima e a de ferreiros, abaixo. Deve-
se observar que em nenhum das duas imagens aparecem máquinas: os operários trabalham com serrotes,
trados, limas e marretas, sem o uso de furadeiras, serras ou um martinete, tudo com o uso intensivo de
mão de obra. Vale a pena comparar essa imagem com a planta da oficina de ferreiros (ver Figura 48) e a
única imagem disponível do interior de uma das oficinas do AGC (Figura 50), apesar de fazermos a res-
salva que as forjas ilustradas na imagem acima são relativamente pequenas se comparadas com as do
Arsenal, provavelmente por se destinarem apenas a fabricação de peças de carreta de artilharia, enquanto
as do AGC eram para uso mais geral.
Isso nos leva a um ponto importante: por causa da importância da oficina de
Construção, ela sempre foi muito grande em termos numéricos: em 1819 já eram 66
trabalhadores lá.41 Analisando vinte relações de pessoal do AGC, 42 (ver Gráfico 22) e
excluindo o ano de 1863, atípico, encontramos uma média de 70 operários empregados
na oficina, um número maior que praticamente todas as manufaturas civis do Rio de

40
THOMAS, Dean. S. Cannons: an introduction to Civil War Artillery. Gettysburg: Thomas Publica-
tions, 1985. p.14.
41
REINO UNIDO – Arsenal de Guerra. Ofício do Intendente Thomaz Antônio de Villanova Portugal,
examinando armas. Rio de Janeiro, 13 de julho de 1819. Mss. ANRJ. IG7 1.
42
Publicadas nos relatórios do ministro da Guerra e constantes de vários manuscritos com relatórios dos
diretores do Arsenal.

376
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Janeiro e do País, ainda que isso representasse apenas 10% da média do pessoal da ma-
nufatura que encontramos naquelas relações. Contudo, nem sempre era a maior oficina
do Arsenal. Nessas tabelas, os construtores chegaram a representar 19,2% do pessoal do
AGC, em 1836,43 mas em algumas ocasiões outras oficinas chegavam a ter mais impor-
tância numérica, como as de correeiros e alfaiates, em vários anos.

Fazemos uma nota informando que no acervo do Museu Histórico Nacional há


três exemplares de carretas de artilharia feitas nessa oficina, mas dois são claramente
posteriores ao período de estudo (estão em um morteiro de 1869 e em um canhão de
1883)44 e a outra não tem data, mas também aparenta ter sido feita mais tarde, pois suas
madeiras foram aparelhadas a serra e é composto por uma grande quantidade de peças
de ferro,45 usando processos de manufatura mais refinados do que os citado na docu-
mentação do Arsenal. O que podemos dizer é que uma das salas da exposição perma-
nente do Museu, que hoje abriga a coleção de carruagens (anexo de 1830), ainda tem os
barrotes do piso do 2º pavimento falquejados a machado, certamente feitos na oficina de
Construção.

8.2.1.2 Carpintaria de obra branca


Esta é uma das oficinas mais antigas citadas na documentação, já aparecendo no
século XVIII: o alvará de 1763, que criou as companhias de artífices nos regimentos de
artilharia (ver capítulo 10), previa que essas unidades tivessem quatro desses artesãos,
“que também saibam trabalhar de marceneiros”.46 A menção a marceneiros sendo rele-
vante, pois os artesãos dessa oficina deviam fazer objetos assemelhados aos que eram
feitos por marceneiros.

A atividade era considerada como vital para as forças armadas, essa especialida-
de ficando entre as cinco oficinas “de 1ª Classe”, de acordo com o regulamento de 1832.
Assim, era uma das principais divisões da manufatura, empregando uma quantidade
elevada de trabalhadores – nas dezenove listas que encontramos, eram em média 59,
com um mínimo de quinze em 1837 e o máximo de 103 operários, na crise de 1863.
De fato, o número de artesãos chegou a ser tão elevado que em 1820, antes da

43
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836. op. cit.
44
Peças SIGA 016174 e 004414.
45
Peça SIGA 17442. O eixo do reparo é de ferro, como os recomendados por Gribeauval, mas que apa-
rentemente não era comum no Brasil, tal como no caso da peça SIGA 004414.
46
PORTUGAL – Alvará de 15 de julho de 1763. Plano que sua majestade manda seguir e observar na
formatura e serviços dos regimentos da artilharia destes reinos.

377
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

construção dos anexos do Arsenal (ver Figura 46), essa oficina era considerada, “suma-
mente acanhada, e por isso quando há trabalhos volumosos, ou em maior número, é
necessário fraciona-la colocando os Artífices em lugares fora do alcance das vistas do
mestre”.47 Uma situação de falta de espaço que se repetiu em 1863, na questão Christie,
quando foi necessário espalhar os operários pelo Arsenal, para que trabalhassem sob
telheiros construídos especialmente para eles.

A importância da oficina permite entender por que os diretores a consideravam


como prioritária: era tão privilegiada que, em 1849, quando se baixou uma ordem para
demitir os escravos de aluguel que trabalhavam no AGC, o vice-diretor tentou impedir
que os escravos serventes de cinco oficinas fossem incluídos na medida, entre eles os
serradores das oficinas de construção e obra branca.48 Mesmo assim, mais tarde, durante
a crise de 1863, chegou até a ser levantada, em parte, a proibição do uso de escravos de
aluguel – foram feitos anúncios para a contração de operários, livres e escravos, com as
especialidades de carpinteiros de obra branca e de machado,49 por essa oficina e a de
construção serem consideradas como vitais à mobilização que se fazia contra a Inglater-
ra.

Por sua vez, a importância dada a esta especialidade tem um aspecto que nos pa-
rece estranha: os produtos desses artesãos não eram nada demais em termos de trabalho
de um carpinteiro. Incluíam móveis, peças de palamenta, tambores, guaritas, cunhetes e,
em 1849, prosaicas latrinas.50 Tudo isso poderia ser adquirido no mercado civil, a única
explicação que encontramos para a existência dessa oficina sendo uma tentativa do
Exército de controlar o máximo o possível da produção para suas necessidades.51

8.2.1.3 Torneiros
A oficina dos operadores de tornos mecânicos e de madeira é interessante por ser
uma das que não tinha a função de produzir um item específico para as forças armadas,

47
MATOS, 1939, op. cit. p. 17.
48
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do vice-diretor, Vicente Marques Lisboa, ao Diretor Antônio
João S. Rangel de Vasconcelos, sobre demissão de operários. Rio de Janeiro, 17 de setembro de
1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
49
Diário do Rio de Janeiro, nº 25, 1863. op. cit. p. 3.
50
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa nº 10 Relação das obras manufaturadas nas diferentes oficinas
deste arsenal desde 1o de janeiro até o último do mês de dezembro de 1848. Joaquim José Cabral,
Ajudante do Sr. Vice-Diretor. Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
51
O Museu Histórico Nacional possuiu duas escrivaninhas de campanha, uma do General Osório (SIGA
006111) e outra do Barão de Paquequer (SIGA 006268). Mas são objetos mais trabalhados do que as
escrivaninhas de campanha que eram feitas pelo AGC.

378
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

somente apoiava outras atividades.52 É um caso explícito – e raro no AGC – de divisão


de trabalho, o que se entende perfeitamente, considerando que não seria prático ter um
torno e um operário especializado em cada oficina que necessitasse de seus serviços.
Entretanto, essa divisão de trabalho era apenas interna ao Arsenal: tanto o Campinho
como a Fábrica da Conceição teriam tornos para apoiar suas próprias atividades. 53

Os torneiros eram uma das especialidades mais antigas do Trem: este ofício já
era citado como componente da Companhia de Artífices, criada em 1763, 54 mas era uma
oficina extremamente pequena: na planta do Arsenal de cerca de 1815 ela sequer é men-
cionada (ver Figura 46), indicativo que esses trabalhadores provavelmente ficavam adi-
dos à de construção. Já existia como uma organização separada em 1820, pois é citada
pelo então coronel Cunha Matos, em seu estudo sobre o Arsenal, daquele ano, o coronel
prevendo que deveria ser ampliada. 55 Só que em 1825 se pediu o AGRJ enviasse um
torneiro para Pernambuco, o inspetor interino o Arsenal informando que não podia fazer
isso, por que a “oficina de Torneiros deste Arsenal compõe-se unicamente de alguns
aprendizes e de um mestre”.56 De fato, o número de operários empregados nessa divisão
da manufatura nunca foi muito grande, o maior número que encontramos sendo de 29
deles, durante a crise de 1863, a média de trabalhadores ao longo dos anos sendo de 15
homens. Algo que também é de se esperar, pois o número de operários trabalhando nes-
se ofício dependia basicamente, das máquinas: não adiantava haver muitos deles, se o
número de tornos disponível fosse reduzido, como sempre foi – em 1842 havia somente
um torno para ferro, por exemplo. Depois, com a criação da oficina de máquinas, os
tornos para trabalhos em metal passaram para aquela repartição.

Mesmo com o reduzido número de empregados, aparentemente havia uma difi-


culdade em encontrar funcionários para trabalhar na manufatura: são recorrentes os
anúncios publicados na imprensa pedindo a contratação dessa e de outras profissões, a

52
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836. op. cit.
53
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Oto Mehring, mestre espingardeiro, para o Major de enge-
nheiros Juvêncio Manoel Cabral de Meneses, 3º Ajudante. Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1859.
Mss. ANRJ. IG7 455.
54
PORTUGAL – Alvará de 15 de julho de 1763. op. cit.
55
MATOS, 1939, op. cit. p. 18.
56
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Inspetor Interino do Arsenal de Guerra, Francisco de Paula e
Vasconcellos, ao Ministro da Guerra, João Vieira de Carvalho, sobre a impossibilidade de envio de
um torneiro para o trem de Pernambuco. Rio de Janeiro, 3 de agosto de 1825. Mss. ANRJ. IG7 2.

379
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

ponto de em 1836 se ter publicado um anúncio oferecendo “jornais mais vantajosos do


que os que pagam as oficinas particulares”.57

No acervo do Museu Histórico Nacional há diversas espoletas de tempo58 e tacos


de madeira para artilharia lisa – os principais produtos feitos em torno, milhares delas
sendo feitas anualmente.59 Nada de muito complexo em termos técnicos. Um dos pro-
blemas é que até a mecanização do Arsenal, os tornos eram movidos à mão, de forma
que as dimensões das peças feitas não podiam ser das maiores. Outra dificuldade é que
os tornos tinham estruturas de madeira, o que impossibilitava a realização de trabalhos
de precisão – um problema que só foi resolvido em 1851, como veremos quando tratar-
mos da mecanização das oficinas (ver página 419).

8.2.1.4 Tanoeiros
Pouco se pode falar desse ramo de atividades, formado por artesãos que faziam
vasilhames: baldes de madeira e barris, inclusive alguns pequenos, usados como cantis
pelos soldados. 60 Uma função que tinha certa importância, tanto é que era prevista na
organização das companhias de artífices de 1763, com dois tanoeiros, mas não era uma
atividade altamente especializada e o mercado civil dispunha de artesãos que podiam
fornecer esse tipo de material, pois havia uma grande demanda no mercado por esse tipo
de artigo, já que os barris eram os únicos vasilhames disponíveis para transporte de lí-
quidos, sendo usados também para alguns sólidos.

A demanda civil implicava que, apesar de haver oficinas de tanoeiros nos Arse-
nais provinciais, no de Marinha e na Fábrica de Pólvora, este era um produto que pode-
ria ser suprido pelo mercado civil, tanto é que há anúncios do Arsenal para a compra de
cantis na iniciativa privada.61 Cogitamos que a única razão para que esta especialidade
estivesse presente no Arsenal era que a demanda do Exército, às vezes, era emergencial
e implicava na feitura de um grande numero de peças: em 1842 o ministro ordenou o
envio de peças para equipar quatro mil soldados do exército em operações no Rio Gran-

57
Diário do Rio de Janeiro, nº 5. Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1836. p. 2.
58
Por exemplo, peça SIGA 016191.
59
BRASIL – Arsenal de Guerra. Tabela dos preços de mão-de-obra dos objetos feitos por empreitada na
oficina de torneiros do Arsenal de Guerra da Corte, conforme aviso desta data, João Antônio de Ca-
lazans Rodrigues. Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 505.
60
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Salvador José Maciel, ao diretor, João Eduardo
Pereira Colaço, mandando fornecer cantis de madeira e não de folha. Rio de Janeiro, 29 de julho de
1843. Mss. ANRJ. IG7 340.
61
Diário do Rio de Janeiro, ano XX, nº 229. Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1841. p. 2.

380
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

de do Sul, inclusive cantis, um número que seria difícil atender por uma oficina artesa-
nal civil. 62 Isso, e uma tentativa de se tentar controlar a produção de todos os tipos de
materiais para o Exército, talvez expliquem a permanência dessa oficina. Mas nunca
teve uma quantidade elevada de trabalhadores – o maior número que encontramos foi
em 1863, quando eram 35, mas a média anual era bem menor, de apenas dez trabalhado-
res.

8.2.2 A segunda classe

8.2.2.1 Coronheiros
Esta oficina não é citada na documentação do AGC até 1832, o que se entende
perfeitamente, já que estava sediada na Fábrica de Armas da Conceição até a sua extin-
ção no início da Regência. A transferência da Fábrica de Armas para o Arsenal não im-
plicou no surgimento de uma oficina importante, apesar dos coronheiros, por si, compo-
rem a “2ª Classe” das oficinas do AGC: entre 1836 e 1844 – ano em que a Fábrica da
Conceição foi recriada – encontramos seis relações de pessoal, o número inicial de tra-
balhadores dela sendo de apenas cinco, dos quais quatro eram da “mestrança”: o mestre,
contramestre e dois aparelhadores. O trabalhador restante era um mero aprendiz, uma
situação claramente de excesso de chefes.

Depois, a situação do quadro de pessoal foi melhorando, de forma muito rápida:


em 1840 eram treze operários e trinta em 1844, um número relativamente elevado. Isso
se explica quando vemos que essa especialidade tinha uma grande demanda no exército
– um documento da manufatura diz que essa era uma “cujos trabalhos são só privativos
do Arsenal”.63

De fato, não era uma profissão tão necessária na iniciativa privada, já que um
carpinteiro ou, mais facilmente, um marceneiro, podia fazer ou reparar uma coronha.
Isso talvez explique a dificuldade que o Arsenal tinha de contratar operários dessa espe-
cialidade, havendo anúncios de jornal que ofereciam trabalho, enfatizando as vantagens
do emprego, como “salários vantajosos”, horas de trabalho reduzidas e isenção do servi-

62
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos artigos bélicos, fardamentos, e equipamento que devem ser
remetidos para a Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro, 2 de novembro de
1842. Mss. ANRJ. IG7 333.
63
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Antônio Rangel de Vasconcelos, ao Ministro da Guer-
ra, Sebastião do Rego Barros. Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1837. Mss. ANRJ. IG7 20.

381
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

ço militar na tropa de linha e na Guarda Nacional.64 Chegou-se até a contratar trabalha-


dores em Portugal para essa oficina, em 1839 65 e se tentar fazer o mesmo em 1844.

Uma solução para o problema da falta de pessoal seria a formação local dessa
especialidade através do aprendizado: por exemplo, em 1849 se determinou que se pa-
gasse uma diária para todos os aprendizes das oficinas de espingardeiros, coronheiros,
serralheiros e ferreiros, assim que se engajassem, mesmo que não tivessem condição de
fazer algum trabalho.66 Isso em oposição à norma usual, que era que os aprendizes só
recebessem depois de três meses de trabalho ou quando fossem julgados aptos a faze-
rem algum trabalho útil. Nesse sentido, em 1845, quando foi recriada a Fábrica de Ar-
mas, se determinou que um oficial, promovido a contramestre, ficasse no Arsenal, para
ensinar aos Aprendizes Menores o ofício e repararem as armas dos corpos de guarni-
ção.67 O resultado foi que, durante alguns anos, manteve-se uma segunda oficina de
coronheiros, que teve um certo desenvolvimento, apesar de criar uma duplicação de
esforços que é difícil de entender e que se tornaria grave: em 1851 e 1852 havia, respec-
tivamente, 41 e 53 coronheiros no Arsenal – números superiores aos que trabalhavam
na Conceição nesses anos.

Não sabemos por que essa decisão de manter duas instalações com funções se-
melhantes, mas o número de coronheiros do Arsenal variou muito: em 1856 e 57 eram
poucos (cinco e oito, respectivamente), mas em 1862 eram 22. No ano seguinte não
havia mais operários listados. Consideramos essas variações um indicativo da falta de
política clara para esse ramo das atividades da manufatura, até bem tarde não se dava a
prioridade para a Fábrica de Armas, que seria o local adequado para concentrar o pesso-
al. Isso é marcante, considerando que a Fábrica deveria ser indispensável para o Exérci-
to, por causa do imenso consumo de armas importadas, algo que poderia ser sanado, em
parte, com o conserto da grande quantidade de armas que precisavam de reparos relati-
vamente simples.

64
Diário do Rio de Janeiro, nº 18. Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1837. p. 1.
65
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos operários que vieram engajados da Europa para serem
adidos no Arsenal, Francisco José Carvalho, Vice-diretor. Rio de Janeiro, 29 de julho de 1839. Mss.
ANRJ.
66
Diário do Rio de Janeiro. Ano XXVIII, n. 8252. Rio de Janeiro, 14 de novembro de 1849. p. 3.
67
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho ao diretor do Arsenal
de Guerra da Corte, Brigadeiro João Eduardo Pereira Colaço Amado, aprovando proposta do vice-
diretor do Arsenal, Galdino Justiniano da Silva Pimentel, sobre a permanência no Arsenal de dois
dos oficiais mais hábeis, para ensinar os aprendizes artífices. Rio de Janeiro, 29 de julho de 1844.
Mss. ANRJ, IG7405.

382
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

8.2.3 Terceira classe

8.2.3.1 Ferreiros
Os Ferreiros compunham uma unidade semelhante aos torneiros no Arsenal: sua
função era apoiar as outras oficinas, produzindo artigos de ferro que comporiam outros
objetos, como no caso de um reparo de artilharia, que tinha elementos metálicos: cavi-
lhas; chapas para as conteiras e para os munhões; aros de rodas e assim por diante (ver
Figura 47). Também faziam serviços gerais, como ferragens para portões; utensílios de
cozinha; peças de carros; grades e outras assemelhadas.68 Por sua vez, as necessidades
de peças de ferro genéricas eram bem maiores do que as torneadas, de forma que essa
oficina era antiga, equipamento para ela já é mencionado no início da história da manu-
fatura. Também era bem numerosa, contando com um mínimo de 11 operários em 1836
(5% do quadro de pessoal do AGC), até o impressionante número de 184 operários du-
rante o ano da Questão Christie (11,6% do pessoal).

Vale dizer que no caso de 1863, não sabemos como a manufatura conseguiu
acomodar tantos trabalhadores, já que eles dependiam de instalações fixas, as forjas. Por
exemplo, Cunha Matos, escrevendo em 1820, informava que a oficina, naquele ano, era
pequena e tinha “um tão diminuto número de forjas, que em ocasiões de trabalhos vio-
lentos (sic), torna-se indispensável mandar forjar obras à fabrica da Conceição, e ainda
mesmo a casa de ferreiros particulares”.69 Tal problema aparentemente não foi resolvido
totalmente – a única informação que temos sobre o número de forjas é uma planta pos-
terior ao recorte, de 1879, que mostra apenas dez delas, apesar delas serem de grande
porte.70

Não parece que antes o Arsenal tivesse mais do que essas dez forjas. Por sua
vez, elas eram compartilhadas por mais de um trabalhador (ver Figura 47), o oficial
executando o trabalho e os malhadores. Também, em caso de emergências no Arsenal,
seria possível usar forjas de campanha para executar alguns serviços menores. Ainda
assim, não deixa de ser curioso como se encontrou espaço para acomodar 184 trabalha-
dores, mesmo que esses se revezassem em turnos, algo que era difícil, já que no Arsenal
só havia iluminação natural, dificultando o trabalho noturno (ver Figura 50).

68
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836. op. cit.
69
MATOS, 1939, op. cit. p. 17.
70
PLANTA da oficina de ferreiros e da casa do primeiro ajudante. Ten.-cel. José Simeão de Oliveira e
major Antônio de Sena Madureira. Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1879. Mss. Arquivo Histórico
do Exército. 04.01.569.

383
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Figura 48 – Planta (detalhe) da oficina de ferreiros, 1879.71


À esquerda temos o forte de São Tiago, com a residência do vice-diretor no sobrado feito sobre a fortifi-
cação. No térreo funcionava a oficina de instrumentos matemáticos. À direita, a planta da oficina de fer-
reiros, com dez forjas (“F”). A esquerda da oficina ficava a máquina a vapor, que movia os ventiladores.
Com cerca de 34 metros de comprimento, por 11 de largura, a oficina de ferreiros era capaz de trabalhar
com objetos de certo porte, ainda mais que, pela planta, cada forja tinha cerca de quatro metros de largu-
ra.
A escala dos trabalhos em 1863, ou mesmo antes, mostra, de novo, a razão da
existência dessa oficina: os serviços de ferreiro eram de uma especialidade comum na
época, quando quase tudo era feito de madeira ou ferro. Mesmo as fazendas maiores
tinham que ter artesãos dessa área, para consertar ferramentas; ferrar montarias e outras
atividades. A consequência dessa demanda geral era que a competição por esses arte-
sãos era grande e era difícil para o Arsenal manter um quadro de pessoal, como se pode
ver pelo grande número de anúncios de contratação deles ao longo dos anos, inclusive
um dos já citados, que ofereciam maiores salários do que na iniciativa privada. Só que,
mesmo com a existência comum desses artesãos na cidade, certamente a única manufa-
tura que, talvez, pudesse dar condições para um número tão grande de artesãos trabalha-
rem ao mesmo tempo era a Ponta d’Areia, que em 1855 tinha 85 ferreiros, naquela uni-
dade, chamados de malhadores.

Apesar da necessidade dos trabalhos dessa oficina para o Arsenal, ela ainda era
completamente artesanal – não há menções a martinetes ou rebolos mecânicos em uso,
pelo menos até o início de 1862, 72 ano em que um martinete comprado para a Fábrica de
Armas da Conceição foi instalado no Arsenal. A única modernização técnica nos traba-
lhos foi que os foles movidos a braço, necessários para o funcionamento das forjas fo-
ram sido substituídos por ventiladores mecânicos, movidos a vapor, em 1852.

71
id.
72
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, ao
Sr. chefe da 1a Seção da 1a Diretoria Geral da Secretaria de Estado, Mariano Carlos de Sousa Cor-
rea, envia o Relatório do movimento administrativo de 1861. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de
1862. Mss. ANRJ. IG7 24.

384
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

8.2.3.2 Serralheiros
A serralheria formava outra das especialidades antigas no Arsenal – a Compa-
nhia de Artífices, pelo regulamento de 1763, deveria ter quatro artesãos dessa atividade,
com a previsão de “que sejam ao mesmo tempo espingardeiros”. 73 Isso por que, como
dissemos, um serralheiro podia fabricar um fecho de espingarda, 74 podendo facilmente
reparar um deles. De fato, é possível que esses profissionais estivessem trabalhando na
fábrica de armas, isso sendo hipótese para explicar por que no início do século XIX não
havia uma oficina de serralheiros no Arsenal (ver Figura 46). De qualquer forma, em
1820 já estava estabelecida a oficina, apesar de ser pequena.75 Usualmente a atividade
não era das que exigiam mas pessoal no AGC, apesar de trabalharem nela dois contra-
mestres em 182976 – um indicativo de que era necessário supervisionar o trabalho de
muitas pessoas. Em uma situação que consideramos atípica, chegou a ter 109 artesãos
em 1852, ainda que nesse número estejam incluídos 66 aprendizes (61% da força de
trabalho), um número excepcionalmente alto. Na crise de 1863, eram 217 serralheiros
trabalhando no Arsenal, o que, novamente, parece meio estranho considerando a falta de
meios de trabalho – eles compartilhavam da necessidade de forjas, tais como os ferrei-
ros, e essas instalações eram reduzidas no AGC.

Deve-se frisar que a oficina sempre teve um número razoável ou alto de aprendi-
zes, talvez por essa profissão ser considerada como uma das “privativas do Arsenal”.77
Uma afirmação que parece estranha, já que a serralheira não era, de forma alguma, uma
atividade que pudesse ser associada apenas, ou primordialmente, às necessidades milita-
res, ao contrário de espingardeiros e coronheiros. De qualquer forma, não era uma com
grande mercado de trabalho civil, como apontado pelo ministro da guerra que, ao dis-
cursar no senado em 1843, informou que incentivara o aprendizado no AGC, encontra-
do dificuldades, pois “todos fugiam de ser serralheiros e espingardeiros; queriam só
aplicar-se ao ofício de carpinteiro, alfaiate etc.”,78 profissões com maior mercado de
trabalho civil. Isso explica por que em 1849 a oficina foi uma das que recebeu autoriza-

73
PORTUGAL – Alvará de 15 de julho de 1763. op. cit.
74
Em 1841 o Arsenal forneceu à fábrica de Ferro de Ipanema peças de fechos fabricados na oficina de
Serralheiros, para poder servir de modelo para a feitura de outros lá. BRASIL – Ministério da Guer-
ra. Aviso do Ministro, José Clemente Pereira, ao Diretor do Arsenal de Guerra, mandando entregar
armas e peças. Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1841. Mss. ANRJ. IG7 328.
75
MATOS, 1939, op. cit. p. 17.
76
ALMANAK Imperial, op. cit. p. 86.
77
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, 24 de outubro de 1837. op. cit.
78
ANAIS do Senado. Tomo I. Brasília: Secretaria de Anais, 1978. Sessão de 3 de abril de 1843. p. 60.

385
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

ção para contratar aprendizes com vencimento, mesmo que eles não tivessem nenhuma
experiência, “como ofícios de maior utilidade e mais próprios deste estabelecimento”.79

Como colocado acima, os trabalhos usuais desses operários no Arsenal não


eram, contudo, os voltados para atender especificamente as necessidades bélicas, a não
ser na fabricação, ocasional, de lanças80 e hipoteticamente, o reparo de fechos de armas.
Uma lista de objetos feitos por eles mostra apenas itens comuns: fechaduras; ferrolhos;
ferragem para carros; ferragem de selins; estribos e freios; e ferragem miúda dos repa-
ros,81 nada excepcional, apesar de alguns objetos serem complexos, como as fechaduras
ou o relógio que ficava na torre do pátio do Arsenal,82 feito por um serralheiro. Conside-
rando isso, era uma oficina completamente artesanal e não podia deixar de ser, já que
seus produtos não eram de volume tal que se justificasse a implantação de um sistema
de produção seriada ou mesmo usando máquinas mais complexas.

8.2.3.3 Espingardeiros
A oficina de espingardeiros não existia no Arsenal até 1832, a razão sendo cla-
ramente por causa da Fábrica de Armas na Conceição, onde eles estavam estabelecidos.
Com a extinção da unidade, na Regência, a oficina foi transferida para o Arsenal, sendo
agrupada com as de ferreiros e serralheiros, ofícios que podiam ser relacionados com a
produção de peças para armas e que compartilhavam as mesmas necessidades logísticas,
como o uso de forjas; bigornas etc.

Esta profissão sempre foi uma problemática para o Exército como um todo – era
uma função vital para a força, já que o reparo de armas era uma necessidade permanen-
te, mesmo em tempo de paz, tanto é que em 1808 foi baixado um decreto determinando
que todos os regimentos deveriam ter uma oficina de espingardeiros, com um desses
profissionais, 83 a medida especificando que os canos e coronhas84 das armas seriam for-
necidas pela Fábrica de Armas da Conceição. No entanto, eles não eram profissionais
que podiam ser facilmente contratados na iniciativa privada, pois a fabricação de armas

79
Diário do Rio de Janeiro, 14 de novembro de 1849, op. cit.
80
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa nº 10, Relação das obras, 1848, op. cit.
81
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836. op. cit.
82
VASCONCELLOS, Antônio João Rangel de. Carta, 21 de setembro de 1851. Diário do Rio de Janeiro,
ano XXX, nº 8803. Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1851. p. 2.
83
PORTUGAL – Decreto de 12 de novembro de 1811. Manda estabelecer em cada um dos regimentos
de infantaria e artilharia uma oficina de espingardeiros.
84
O Decreto nº 30, de 22 de Fevereiro de 1839, que dava nova organização ao Exercito do Brasil, recriou
o cargo de coronheiros nos batalhões e regimentos do exército.

386
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

não era uma grande indústria no País, de forma que, na prática, os reparos mais comple-
xos de armas teriam que ser feitos nos Trens, Arsenais e na Fábrica de Armas, onde
havia pessoal para executar tais serviços. Como dizia um ministro da guerra, essa era
uma especialidade “privativa do arsenal”.85

Quando a oficina foi recriada no Arsenal em 1832 ela teve problemas. Um deles
foi que o governo tinha demitido uma grande quantidade de operários do Arsenal e da
Fábrica de Armas com a instalação da Regência, tendo que publicar anúncios na im-
prensa para recontratar quase que de imediato esse pessoal, pois a demanda de trabalha-
dores não diminuiu no mesmo ritmo da redução das forças armadas – as revoltas da
Regência criaram a necessidade de suprimentos de armas para o Exército, forças provi-
sórias e para a Guarda Nacional. Assim, em junho de 1831 o Arsenal fez publicar um
anúncio, convocando todos os operários licenciados do Arsenal e da Fábrica de Armas
da Conceição, “para serem outra vez empregados nas respectivas oficinas”. 86

A proposta de recontratação não foi uma solução, conforme se vê nos recorren-


tes anúncios da época – em junho de 1832 se informa que era necessário proceder-se
com urgência “a um grande número de espingardas de adarme e padrão do Exército”,
sendo comum a publicação de pedidos para a contratação de espingardeiros. 87 A razão
pela dificuldade em se obter profissionais dessa especialidade é uma realidade bem co-
nhecida da historiografia brasileira: em teoria não haveria artesãos no País. Essa coloca-
ção não se comprova nas oficinas militares em geral, que apesar de reclamações, anún-
cios nos jornais etc., sempre conseguiram funcionar com pessoal contratado localmente.
Contudo, a exceção a isso parece ter sido os armeiros: neste caso específico há na do-
cumentação vários indícios de uma dificuldade excepcional de engajar trabalhadores
especializados: em 1833 se chegou a pedir o envio de um preso condenado pela justiça
para trabalhar na oficina de espingardeiros, um caso único na documentação.88 Mas isso
certamente não era uma solução de longo prazo – parece mais uma medida de desespe-
ro, como foi o caso da oferta que foi feita em agosto 1836, de vantagens para aqueles

85
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, 24 de outubro de 1837. op. cit.
86
Diário do Rio de Janeiro, nº 3, Rio de Janeiro, 4 de junho de 1831. p. 2.
87
Diário do Rio de Janeiro, nº 17, Rio de Janeiro, 25 de junho de 1832. p. 1.
88
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Brigadeiro Antero José Ferreira de Brito, ao dire-
tor do Arsenal de Guerra, Vasconcelos de Menezes de Drummond, sobre pedido ao ministro da jus-
tiça do envio ao Arsenal do Espingardeiro Sabino Correia do Amor Divino para ser ali conservado
em prisão, e empregado na oficina respectiva. Rio de Janeiro, 2 de julho de 1833. Mss. ANRJ. IG7
317.

387
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

que quisessem trabalhar no AGC, inclusive com vencimentos maiores que os da inciati-
va privada.89

Aparentemente a oferta de melhores salários de 1836 não deu certo. Três meses
depois de sua publicação, o diretor do Arsenal novamente encaminhou um ofício ao
ministro da Guerra solicitando a contratação de espingardeiros – dezesseis deles. Esse
documento é muito importante para entendermos as diferenças do Arsenal com relação
a manufaturas militares de outros países, pois no ofício o diretor escrevia que a única
opção seria o engajamento de operários estrangeiros.90 Deve-se frisar que, na época,
essa seria uma medida extrema, quando ocorriam as revoltas do “mata marinheiro”,
contra a presença de portugueses no País, como as que ocorreram em Santa Catarina,
Mato Grosso e, depois, em Pernambuco. O próprio exército tinha demitido quase todos
os estrangeiros no serviço militar em 1830. 91

A presença de estrangeiros não era bem vista por todos no Exército: mais tarde,
em 1844, um ministro reclamava da “multidão de artistas estrangeiros, com os quais o
Nacional perde a esperança de concorrer vantajosamente”,92 a solução, segundo o mi-
nistro, seria a formação de aprendizes brasileiros. Só que isso também foi tentado, sem
muito sucesso, como colocado acima, quando falamos sobre os serralheiros: os aprendi-
zes fugiam de ser espingardeiros, procurando profissões com um maior mercado de tra-
balho.

Mesmo com seus problemas, o recurso aos profissionais vindos do exterior foi
uma maneira de resolver a questão de falta de pessoal que já fora tentada antes, tanto na
Conceição como, depois, na Fábrica de Armas de São Paulo, com os armeiros prussia-
nos (ver página 276). Não se pode dizer que a experiência tinha sido bem sucedida e
com os novos pedidos de contratação se tentou resolver um dos problemas que se per-
cebia na época, o fato dos estrangeiros não seguirem o costume de trabalho adotado no
País. O diretor do Arsenal informando que:

89
Diário do Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1836, op. cit. p. 2.
90
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal ao Ministro da Guerra, informando que o
Arsenal necessita de dezesseis espingardeiros. Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1836. Mss.
ANRJ. IG7 19.
91
BRASIL – Lei de 24 de novembro de 1830. Fixa as forças de terra para o ano financeiro de 1831-
1832. O decreto excetuava apenas os que tinham lutado nas guerras da Independência e os soldados
que quisessem, voluntariamente, cumprir o termo de seus alistamentos.
92
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório, 1ª sessão da 6ª legislatura, 1845. op. cit. p. 18.

388
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

O sistema de trabalho das fabricas de armamento dos outros Países da


Europa, não é seguido em Portugal, naqueles cada operário fabrica
uma só peça das que entram na composição de uma arma, e neste cada
operário fabrica uma arma; devem, portanto ter oficiais completos os
Portugueses, por estas razões eu preferiria o engajamento destes.93
Uma passagem que demonstra uma completa incompreensão dos processos fa-
bris mais atualizados para a época, tal como era praticado na França, Inglaterra, Prússia
(com os armeiros prussianos contratados em 1808) e Estados Unidos: a divisão de traba-
lho. Ao se pretender contratar armeiros “completos”, ou seja, capazes de fazer, sozi-
nhos, uma arma, se optava por um processo de produção necessariamente muito mais
caro e lento. Também era um que impedia a mecanização e a adoção de peças intercam-
biáveis.

Outro detalhe do pedido de contratação também mostra um problema da propos-


ta de trazer os europeus: o ministro especificava que dois dos espingardeiros deveriam
ser forjadores de canos, um dos quais soubesse “trochar”, isto é, fabricar canos com
metais retorcidos,94 algo que só era usado em armas de luxo, civis. De fato, a documen-
tação aponta que foram feitas algumas armas de luxo: nas comemorações do aniversário
de quatorze anos do futuro Imperador, os espingardeiros do Arsenal deram a D. Pedro
uma caixa com um “par de pistolas primorosamente acabadas”, que D. Pedro imediata-
mente presenteou ao príncipe de Saboia e Carginano, que estava presente.95 Uma capa-
cidade artística de pouca utilidade para as forças armadas (ver Figura 51).

Apesar dos inúmeros problemas da ideia, a recomendação do diretor foi seguida:


em 1838 chegaram doze artesãos portugueses, mas a relação de suas profissões parece
indicar que houve uma tentativa de enganar o governo brasileiro, para que este pagasse
a imigração deles: apenas um era de um ofício diretamente ligado às armas, um coro-
nheiro, os outros sendo latoeiros; carpinteiros; ferreiros e até um carpinteiro de macha-
do, esta última uma profissão que certamente não tinha relação com a manufatura de
armas.96 Um dos armeiros contratados em 1838, Silvestre Luiz, ainda a serviço do
Exército, no Arsenal de Porto Alegre em 1850, não era “perito na construção total de
qualquer arma de fogo, mas sim para consertar armamentos, fazendo algumas peças

93
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, 12 de novembro de 1836. op. cit.
94
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, 12 de novembro de 1836, op. cit.
95
Diário do Rio de Janeiro, ano XVIII, nº 275, Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1839.
96
BRASIL – Ministério da Guerra. Relação dos colonos artífices que vem a bordo do Navio – Monte
Deserto. Rio de Janeiro 18 de junho de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323. O documento trás a nota: “al-
guns destes, ainda que alistados por serralheiros e carpinteiros são espingardeiros”.

389
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

novas”.97 Outro dos portugueses, Joaquim da Silva, era “por hábito tão vagaroso em
trabalhar” que cada arma reparada custava mais de três vezes mais do que as feitas por
outros armeiros. 98

Eram evidentes problemas com o procedimento de contratação adotado, já que


não era possível avaliar sua capacidade profissional antes de serem assinados seus enga-
jamentos. Ainda assim, outras contratações foram feitas em Portugal: em 1844 o minis-
tro autorizou a contratação de mais dezesseis espingardeiros portugueses99, sendo que
um ano antes já tinham sido trazidos mais alguns.

Não se pode dizer que solução tenha dado muito certo. No Senado, o ministro da
Guerra, depois de informar que se trabalhava nas oficinas de serralheiros e espingardei-
ros “com uma perfeição superior a toda expectação”,100 disse que as armas feitas no
Arsenal saiam de 16 a 20.000 réis, “preço que sem dúvida é muito caro”,101 o que é evi-
dente, considerando que na mesma época um importador inglês se propunha a entregar
espingardas de fulminante, mais modernas e com acessórios, a 14.000 réis cada.102 Ten-
do em vista esse preço elevado, o ministro concluiria que “não convém por isso atual-
mente fabricar espingardas novas”.103 Na verdade, chegaria a uma conclusão oposta à
proposta feita em 1838: deveriam ser importados três mil fechos prontos da Europa,104
se implantando assim certa divisão de trabalho, só que com material estrangeiro. Se
usariam as peças existentes nos depósitos ou feitas localmente, os canos; guarnições e
coronhas, sendo colocados os fechos novos nelas. Só que isso não era uma opção que
permitisse o País a se livrar da dependência do estrangeiro.

97
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Francisco Soares de Lisboa ao diretor, José Maria da Silva
Bitancourt, sobre espingardeiro Silvestre Luís. Rio de Janeiro, 7 de julho de 1850. Mss. ANRJ. IG7
343.
98
BRASIL – Arsenal de Guerra de Porto Alegre. Ofício nº 249, do diretor ao Tenente-General Francisco
José de Soares d’Andréa, presidente e comandante do Exército, pedindo autorização para demitir o
espingardeiro Joaquim da Silva. Porto Alegre, 31 de outubro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
99
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra. Jerônimo Francisco Coelho, informan-
do que tinha se autorizado o engajamento na Europa de dezesseis armeiros. Rio de Janeiro, 20 de
setembro de 1845. Mss. ANRJ. IG7 405.
100
ANAIS do Senado, Sessão de 3 de abril de 1843, op. cit. p. 66.
101
id.
102
OFERTA de espingardas, de Henrique Greenwood. Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 1842. Mss.
ANRJ. IG7 390.
103
ANAIS do Senado, Sessão de 3 de abril de 1843, op. cit. p. 66.
104
Id. p. 66.

390
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Mesmo com todos os problemas de pessoal, no ano antes da recriação da Fábrica


de Armas da Conceição, 1844, chegou a haver 54 operários e 73 aprendizes trabalhando
como espingardeiros no AGC.

Com a retomada das atividades na Conceição, as dificuldades de contração de


pessoal foram transferidos para lá. No entanto, como dissemos antes, a oficina de Es-
pingardeiros não foi extinta no Arsenal, sendo mantido um contramestre para ensinar os
Aprendizes Menores. A instalação que permaneceu no Arsenal, contudo, era de porte
reduzido: funcionava em cima da oficina da de torneiros, de forma que não podia ter
forjas e o número de operários caiu muito, mas ainda assim era alto – chegaram a ser 29
em 1851, com 39 aprendizes (57% da força de trabalho).

Em 1857 a oficina foi extinta, ou pelo menos perdeu seu mestre, passando a ser
adida à de Serralheiros105 e a produção dela passou a ser realmente muito pequena. Em
1863 não é mais listada como tendo pessoal, o que é um indicativo que finalmente aca-
bara a divisão de esforços, se concentrando todo o pessoal na Conceição, algo que faz
sentido no processo de reformulação daquela manufatura, que vamos tratar mais adiante
no texto.

8.2.4 A quarta classe

8.2.4.1 Latoeiros
Os latoeiros eram outra das oficinas complementares no Arsenal: provavelmente
já existiam no início do século XIX, sendo chamados de “fundidores” (ver Figura 46), e
já apareciam claramente na relação do brigadeiro cunha Matos, de 1820,106 sendo cha-
mados de “latoeiros fundidores”, mas não produziam nada de uso específico para as
forças armadas, fazendo mais trabalhos para complementar o de outras especialidades,
como obra branca; correeiros – as correias dos uniformes usavam uma grande quantida-
de de peças de latão –; ferraria e instrumentos bélicos. Quando a Fábrica de Armas da
Conceição foi recriada, foi estabelecida lá outra oficina de latoeiros, certamente para
fazer as guarnições das armas.

Por outro lado, como eles tinham uma fundição e eram os responsáveis pela fei-
tura de balas de chumbo – em 1849 eles fizeram 69.000 delas, vinte toneladas de projé-

105
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa demonstrativo do armamento que se prontificou de janeiro a
dezembro de 1857 na oficina de espingardeiros adida a de serralheiros. Jacinto Antônio de Andra-
de, Mestre. Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 4.
106
MATOS, 1939, op. cit. p. 17.

391
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

teis.107 Às vezes era necessário até se mobilizarem os Aprendizes menores para corta-
rem as rebarbas das balas, a ponto de prejudicar sua formação.108 Mais tarde essa ativi-
dade de preparo de projéteis passou a ser feita nos Laboratórios Pirotécnicos.

Figura 49 – Barretina do 21º Batalhão de Caçadores, c. 1850.109


Essa peça feita de couro, era o resultado do trabalho de pelo menos dois artesãos. O primeiro seria um
correeiro, que faria a barretina propriamente dita e costuraria a jugular e a palmatória, feitas de fio de
ouro, importado. Finalmente colocaria a chapa da barretina e o tope. O segundo artesão, um latoeiro,
faria a chapa de barretina, o tope e a açucena. Apontamos a chapa de barretina como uma peça bem com-
plexa, que, contudo, poderia ser facilmente feita usando uma prensa, só que essas não são mencionadas
no AGC, a chapa ilustrada visivelmente tendo sido feita a mão.
A profissão era uma procurada no mercado civil, de forma que era difícil conse-
guir e manter pessoal nas oficinas, mas ainda assim eram bem numerosos em diversas
ocasiões pois, como dissemos antes, os uniformes militares usavam uma grande quanti-
dade de peças de latão, como botões; chapas de barretina; dragonas e fivelas para diver-
sas correias e cintos, bem como outras insígnias. Dessa forma, os operários chegaram a
ser 207 na crise de 1863 – a maior percentagem de latoeiros no corpo de trabalhadores
nas listagens de pessoal, naquele ano eles sendo 13%, do corpo de trabalhadores do
AGC.

Observamos, novamente, que na documentação não há indícios do uso de má-


quinas nessa oficina. O MHN possui em suas coleções centenas de objetos feitos por
latoeiros do Arsenal, feitos por fundição, como fivelas de cintos ou chapas de talim,110
ou por estamparia, como chapas de barretinas.111 No caso das peças estampadas, que
hoje são feitas usando prensas, deve-se dizer que não há registros dessas máquinas ofi-

107
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa nº 10 Relação das obras, 1848, op. cit.
108
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Antônio José de Freitas [Mestre de Espingardeiros] ao dire-
tor, Antônio João Rangel de Vasconcellos sobre merecimento de Aprendizes. Rio de Janeiro, 6 de
julho de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323.
109
Museu Histórico Nacional, peça SIGA 20.333.
110
Por exemplo, peça SIGA 019864.
111
Um exemplo é uma chapa de barretina do 16º de caçadores, peça SIGA 013220.

392
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

cinas, de forma que mesmo o trabalho dessas complicadas chapas era feito totalmente a
mão, pelo processo de repuxado, martelando-se a chapa metálica contra um molde (ver
Figura 49).

8.2.4.2 Instrumentos Bélicos


A oficina de instrumentos bélicos, normalmente chamada só de instrumentos e
com seus operários sendo conhecidos como “instrumentalistas”, é uma que pode ser
considerada como exótica na manufatura, especialmente por um olhar dos dias de hoje.
Já existia desde pelo menos 1827, 112 dedicando-se à fabricação de instrumentos musi-
cais para as unidades militares, tanto para as bandas como, mais importante, para os
músicos que eram usados para marcar o ritmo do movimento das tropas ou para trans-
mitir ordens: tambores, pífanos, cornetas e clarins – em 1836 também faziam pequenas
escrivaninhas de latão, usadas por oficiais em campanha. 113 Não era um tipo de produ-
ção com grande demanda – cada batalhão de infantaria tinha apenas dezesseis cornetas e
essas deviam durar seis anos, de forma que a reposição das peças não era muito comum.
Também não era uma profissão “privativa” do AGC, já havia um comércio privado des-
ses produtos no século XVIII, tanto é que no Rio de Janeiro havia uma “Rua das Vio-
las” (atual Teófilo Ottoni), dedicada ao comércio de instrumentos musicais. Além disso,
em 1842 e 1850, o Arsenal publicou anúncios para a compra do material para bandas de
música,114 ou seja, havia fornecedores civis que podiam atender aos pedidos das forças
armadas.

Com isso em mente, se entende que essa oficina, já existente em 1820,115 nunca
tenha sido grande, ou que se tenha usado seus trabalhadores para apoiar os latoeiros. 116
Na maior parte dos anos a oficina era apenas composta pelo contramestre e um ou dois
operários: o maior número de artesãos qualificados que encontramos nela foi de cinco,
em 1844. Também não era uma profissão que atraísse aprendizes – em 1856 eram treze,

112
ALMANAK do Rio de Janeiro para o ano de 1827. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1827. p. 214.
113
Em 1836 eles também faziam escrivaninhas de latão, usadas por oficiais em campanha. BRASIL –
Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836. op. cit.
114
Diário do Rio de Janeiro, ano XXI, nº 49. Rio de Janeiro, 3 de março de 1842. P. 2
115
MATOS, 1939, op. cit. p. 17.
116
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836. op. cit.

393
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

mas doze deles eram Aprendizes Menores, da companhia que existia no Arsenal,117 o
que não serviria como um indicador da procura civil pela profissão.

Apesar do corpo funcional reduzido, sua produção podia representar um valor


elevado, devido ao custo dos itens manufaturados: numa lista de produtos das oficinas,
de 1823, os instrumentalistas fizeram peças totalizando 203$840 réis, superando o valor
dos itens manufaturados por serralheiros, tanoeiros, abridores, torneiros e pintores118 –
algo que não se repete nas listagens de produtos posteriores.

Sobre seus produtos, podemos fazer uma nota: o MHN possuiu o instrumental de
uma banda desse período, inclusive uma árvore de campainha, que mostra a colabora-
ção de vários ofícios na sua execução: marceneiros, latoeiros, torneiros, pintores e ins-
trumentalistas, algo que era mais a exceção do que a regra no AGC.119 De qualquer
forma, a pequena dimensão da oficina fez com que a mesma fosse incorporada à de la-
toeiros em 1858, perdendo seu mestre.

8.2.4.3 Funileiros
Esta é a última oficina da “4ª Classe” do AGC, sendo uma das mais antigas na
instituição: um dos conjuntos de ferramentas encaminhado pelo Trem do Rio para o de
Porto Alegre, em 1776, era para o ofício de funileiros, 120 o que, como já foi dito, impli-
ca que havia artesãos dessa especialidade, tanto no Rio, quanto no Rio Grande. Uma
oficina deles já existia no início do século XIX (ver Figura 46), apesar de ser bem pe-
quena. Em 1820, um documento a chama de “funileiros de folha branca”,121 certamente
por trabalharem, a frio, com folha de flandres, de cor prateada, e para os distinguirem
dos latoeiros, que trabalhavam com materiais cuprosos (ou “metal amarelo”).

117
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa Geral da Companhia de Aprendizes Menores do Arsenal de
Guerra da Corte. O pedagogo Capitão João Rodrigues Seival. Rio de Janeiro, S.d. [janeiro de
1856]. Mss. ANRJ. IG7 21.
118
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação das obras que fizeram as diferentes oficinas do Arsenal do
Exercito no mês de Agosto do presente ano de 1823. Cel. Salvador José Maciel, inspetor. Rio de Ja-
neiro, 10 de setembro de 1823. Mss. ANRJ. IG7 2.
119
Peça SIGA 016286.
120
SILVA, Crispim Teixeira, Sargento Mor Intendente. Relação das Obras, Munições e mais Petrechos
que se tem feito no Trem de S. Majestade Fidelíssima do Rio de Janeiro, no tempo Governo do Il.mo e
Ex.mo Sr Marquês do Lavradio Vice Rei e Capitam General de Mar e Terra do Estado do Brasil,
continuado de 31 de outubro de 1769, até 31 de Agosto de 1776. Mss. Coleção Particular.
121
REINO UNIDO – Arsenal Real do Exército. Relação das oficinas que se acham estabelecidas no
Arsenal Real do Exército. José da Cunha Matos, Cel. Vice-Inspetor. Rio de Janeiro, 20 de agosto de
1820. Mss. ANRJ. IG7 1.

394
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

A funilaria era uma profissão com muita demanda na sociedade civil, por causa
da fabricação de vasilhames de folha de flandres, de forma que havia uma grande com-
petição por empregos, tal como demonstrado por vários anúncios de jornal. O exército
também tinha uma grande necessidade de produtos de folha, resistentes a corrosão:
marmitas; panelas; cartucheiras e alguns tipos de munição, como lanternetas e cintas
para fixar granadas a tacos.122 Entretanto, essa oficina não teve um grande desenvolvi-
mento, o maior número de artesãos trabalhando nela sendo de 38, em 1844, a média de
trabalhadores em dezenove listas de pessoal sendo de apenas quatorze operários.

Não encontramos menções a máquinas nessas oficinas, a não ser uma menção
dúbia ao envio de “uma máquina completa de funileiro” para Mato Grosso, em 1857.123
Entretanto, cremos que isso se referia a um conjunto completo de ferramentas e não
uma máquina propriamente dita: não há nos documentos dados sobre prensas; calan-
dras; viradeiras de chapas ou outros equipamentos pesados que pudessem auxiliar na
preparação dos objetos, que eram basicamente feitos à mão, um a um. Nesse sentido, o
MHN possui um porta documento feito de folha de flandres, com areeiro e tinteiro in-
corporado, uma peça de uso de secretários de unidades militares em campanha, de certa
complexidade e que não estava disponível no mercado civil, tendo que ser feita especi-
almente para o Exército, no AGC. 124 Nesta peça e em outras semelhantes125 é observá-
vel que foram feitas de forma inteiramente artesanal.

8.2.5 A quinta classe

8.2.5.1 Correeiros
Como o nome diz, essa especialidade era composta pelos artesãos que faziam
correias de couro, algo indispensável na época, não só para sustentar os equipamentos
dos soldados no corpo, mas para barretinas (ver Figura 49); arreios; bainhas de armas;
caixas de equipamento e assim por diante. Por exemplo, o Trem da Bahia fazia patronas
de couro da Rússia, já em 1722.126 Por sua vez, não era uma profissão específica das

122
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa nº 10 Relação das obras, 1848, op. cit.
123
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos objetos que falta fornecer à Província de Mato Grosso em
virtude das ordens seguintes. O escrivão Ignácio Viegas Rangel. Rio de Janeiro, 22 de maio de
1857. Mss. ANRJ. IG7 22.
124
Peça SIGA 014009.
125
O autor deste texto tem outro porta documento, mais simples do que o do MHN, mas igualmente feito
para o Exército no século XIX.
126
REGISTRO da avaliação das armas e munições. Salvador, 12 de setembro de 1722. DOCUMENTOS
HISTÓRICOS. Livro 1º de Regimentos. 1684-1725. Registro de provisões da casa da moeda da Ba-
Continua –––––––

395
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

necessidades militares, na época quase tudo tinha que ser feito de materiais naturais,
madeira e couro, de forma que o correeiro era uma profissão comum na sociedade. Isso
é uma das razões por que havia uma competição para a obtenção de mão de obra para o
AGC, anúncios para a contratação de correeiros sendo comuns, inclusive um dos que
ofereciam maiores salários do que os pagos pelo mercado para os que se engajassem no
Arsenal. 127 Outra vantagem que se oferecia era que quando houve uma mudança na le-
gislação e os operários voltaram a ser recrutados para o serviço da Guarda Nacional,
esta foi uma das oficinas, junto com espingardeiros e coronheiros, para as quais se soli-
citou ao ministro da Justiça a isenção do serviço ativo. 128

Apesar das dificuldades de recrutamento, a especialidade manteve uma média de


10% do corpo de trabalhadores nas listagens de pessoal do AGC que encontramos, che-
gando a haver 173 deles trabalhando em 1844, a produção da oficina sendo muito vo-
lumosa. Este grande número de trabalhadores parece curioso, pois a tarefa mais traba-
lhosa na produção de objetos de couro, o cozimento, era uma das que era terceirizada,
com os serviços sendo distribuídos para fora do Arsenal pela Repartição de Costuras.129
Deve-se dizer que essa forma de trabalho, com costuras terceirizadas, é um indicativo
de um grande atraso: não havia nenhuma máquina em uso na oficina, de forma que a
laboriosa atividade tinha que ser distribuída para fora.

8.2.5.2 Seleiros
Há pouco a dizer sobre essa especialidade, que era muito aproximada da de cor-
reeiros, já que trabalhava o couro para produzir selas; selins e cangalhas. Na verdade, o
vice-inspetor do Arsenal, Cunha Matos escreveu que eles faziam o mesmo serviço, as
duas oficinas tendo sido separadas em 1820, o que ele considerava como prejudicial. 130
Isso talvez isso explique por que a oficina não era mencionada entre as existentes em

Continuação–––––––––––
hia. 1775. Vol. LXXX. Biblioteca Nacional. s.n.t. p. 311. Couro da Rússia: couro fino, flexível, de
grande impermeabilidade à água, com odor característico de alcatrão de bétula.
127
Diário do Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1836, op. cit. p. 2.
128
BRASIL – Corte. Ofício de sua majestade ao ministro da justiça isentando os operários de espingar-
deiros, coronheiros e correeiros do serviço na Guarda Nacional nos dias de trabalho, excetuando-se
os dias em que a Guarda Nacional tiver que reunir-se em parada geral. Rio de Janeiro, 7 de julho
de 1841. Mss. ANRJ. IG7 6.
129
Há vários anúncios de jornal sobre a distribuição de peças de costura de correias para serem feitas fora
do Arsenal. Ver: Diário do Rio de Janeiro, ano XXXVIII, nº 206, Rio de Janeiro, 1 de agosto de
1858. p. 3.
130
MATOS, 1939, op. cit. p. 18.

396
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

1829,131 fato que torna estranho que ela tenha sido uma das mencionadas no regulamen-
to de 1832.

Certamente não era uma atividade exclusiva aos militares, era comum no merca-
do civil. De fato, o consumo de selas devia ser muito maior entre os civis do que a de-
manda do Exército na Corte, pois um selim tinha uma duração de oito anos e só havia
um regimento de cavalaria no Rio de Janeiro. Dessa forma, seria possível equipar os
soldados com objetos adquiridos no mercado civil, a única dificuldade sendo algumas
cangalhas de uso especial, como as usadas para transportar peças de artilharia de Dorso,
que não eram um tipo de artigo de consumo civil. Tanto isso era possível que o almana-
que dos comerciantes de 1832 informa que o Arsenal já não mais importava selins,
comprando-as em uma fábrica de selins ingleses existente em Minas Gerais. 132

A pouca demanda se reflete no número reduzido de operários da oficina, um


máximo de seis, em 1845, e pelo fato dela ter sido extinta em 1848, a partir dai os ope-
rários dela sendo relacionados como pertencendo à oficina de correeiros.

Figura 50 – Interior do antigo Arsenal, 1921.133


Esta é a única imagem que conhecemos mostrando uma sala das antigas oficinas do Arsenal de Guerra, só
que feita após sua desativação. Apesar de datar do século XX, já com instalações elétricas, ainda assim
são visíveis algumas características da antiga manufatura, como o piso de lajes de granito, para suportar o
peso das peças sendo trabalhadas. As arcadas, sem fechamento, são uma forma de ventilar e iluminar as
oficinas, que não dispunham de iluminação artificial no período de nosso estudo, 134 restringindo a produ-
ção ao período em que havia luz natural, apesar dos trabalhadores, ocasionalmente, trabalharem à luz de
candeeiros.

131
ALMANAK Imperial, op. cit. p. 88.
132
ALMANAK Nacional do comércio do Império do Brasil para 1832. Rio de Janeiro: Seignot-Plancher,
1832. p. 51
133
MALTA, Augusto, maio de 1921. Antigo Arsenal de Guerra. Acervo do Museu da Imagem e do Som,
negativo 6997.
134
Em 1857, o Arsenal tinha 146 bicos de gás, nenhum deles em oficinas. BRASIL – Arsenal de Guerra.
Relação do número de bicos de gás existentes nas diversas repartições deste Arsenal, com declara-
Continua –––––––

397
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

8.2.5.3 Sapateiros
Essa oficina sempre foi insignificante no Arsenal – não é relacionada nas listas
de antes de 1832 e na primeira menção que encontramos a ela, de 1836, só havia um
operário da especialidade, que trabalhava como correeiro, “por que tem sido até agora
desnecessário o trabalho de sapateiros”.135 É evidente que essa não era uma atividade
realmente necessária ao Arsenal, pois sapatos podiam ser adquiridos na iniciativa priva-
da e o exército procurava incentivar as empresas nacionais, como já tratamos no capítu-
lo 4. O ministro do Exército chegaria até a escrever que tinha determinado ao coman-
dante de armas da Corte que mandasse todos os recrutas que soubessem um ofício arte-
sanal para as Companhias de Artífices do Arsenal, com a ressalva: “não sendo alfaiates
ou sapateiros”,136 ou seja, era uma profissão considerada como desnecessária aos servi-
ços da manufatura militar. De fato, sempre foi uma atividade reduzida, com, no máxi-
mo, cinco operários, em 1844. Ela deixa de ser mencionada como uma oficina a partir
de 1847, passando a ser anexa à de correeiros.

8.2.6 Sexta classe

8.2.6.1 Alfaiates
A fabricação de uniformes era uma das maiores necessidades do Exército, o mo-
vimento financeiro da oficina de alfaiates chegava a ser o maior do Arsenal,137 ela exis-
tindo desde pelo menos 1820, apesar de não ser listada entre aquelas que funcionavam
no início do século (ver Figura 46).

No entanto, a organização dessa oficina era diferente das outras: não havendo
máquinas de costura, tudo tinha que ser cosido manualmente, o que demandava uma
grande quantidade de mão de obra para realizar um serviço relativamente simples, o do
cozimento. A solução encontrada sendo a terceirização do serviço pela Repartição de
Costuras, que trataremos abaixo. Dessa forma, os alfaiates faziam alguns objetos mais
Continuação–––––––––––
ção dos que se acendem, e duração das luzes. Arsenal de Guerra da Corte José Manoel da Silva, 1º
Ajudante. s.d. [1857]. Mss. ANRJ. IG7 22.
135
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836. op. cit.
136
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro, Manoel da Fonseca Lima e Silva ao Sr. José de
Vasconcelos Meneses de Drummond, comunicando que já passou aviso ao Comandante das armas
interino da Corte, a fim de mandar para a Companhia de Artífices desse Arsenal os recrutas que ti-
verem ofícios. Rio de Janeiro, 11 de maio de 1836. Mss. ANRJ. IG7 321.
137
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta
sessão da décima legislatura pelo respectivo ministro pelo ministro e secretário de estado dos negó-
cios da Guerra, Sebastião do Rego Barros. Rio de Janeiro: Laemmert, 1860. MAPA demonstrativo
das férias das diversas oficinas do Arsenal de Guerra da Corte de janeiro a dezembro do ano próximo
passado Janeiro de 1860.

398
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

complexos como sobrecasacas e bonés,138 mas a sua função básica era apenas cortar o
tecido nas formas padronizadas, estas sendo eram acabadas fora da manufatura. Levan-
do em conta essa metodologia de trabalho, a oficina sofreu uma transformação que não
ocorreu nas outras: a partir de 1849 há instruções para não se contratarem mais mance-
bos e aprendizes de alfaiates, assim como determinando que os empregados da oficina
não deveriam exceder a 50,139 por medida de economia, sendo que estes passariam a
receber por “empreitada”, por peça feita, e não mais salários diários. 140

Na verdade, todos os artesãos comuns da oficina chegaram a ser demitidos, as


relações de funcionários de 1851 e 1852 listando apenas os três membros da mestrança.
Isso não significa que a oficina ficou sem trabalhadores, mas estes eram empreiteiros –
e eram bem numerosos. Com o fim dos conselhos administrativos de unidades, a fabri-
cação e uniformes foi centralizada nos Arsenais, sendo que o do Rio de Janeiro era o
responsável pelo fornecimento de nove províncias e da Corte (ver Figura 36). Dessa
forma, há registro de emprego de 173 e 177 alfaiates em 1856 e 1857, mas destes ape-
nas treze e quinze, respectivamente, trabalhavam por salários, dos quais três eram da
mestrança e outros sete e cinco, também respectivamente, eram aprendizes. 141

Consideramos que essa forma de organização, na qual a maior parte do serviço


era executado pelo sistema de putting out, é significativa, já que havia lojas vendendo
máquinas de costura no Rio de Janeiro desde pelo menos 1857 142 e seu uso permitiria
aumentar a produção de forma exponencial. No entanto o Arsenal não as utilizava, pre-
ferindo manter o antiquado sistema artesanal e o putting out.

O Museu Histórico Nacional possui dezenas de peças de uniforme, normalmente


feitas em alfaiatarias particulares, pois se destinavam ao uso de oficiais, que compravam

138
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Coronel Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao
Ministro, tenente-general Marquês de Caxias, solicitando a contratação de 30 alfaiates para a feitu-
ra de peças que não se dão por arrematação. Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1862. Mss. ANRJ.
IG7 24
139
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Manuel Felizardo de Souza e Mello, ao Diretor
do Arsenal, José Maria da Silva Bitancourt, ao diretor do Arsenal, coronel Antônio João Rangel de
Vasconcelos, determinando que não se conserve escravo algum nas oficinas do Arsenal. Rio de Ja-
neiro, 19 de novembro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 336.
140
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Manuel Felizardo de Souza e Mello, ao Diretor
do Arsenal, José Maria da Silva Bitancourt, informando os operários das oficinas de Alfaiates e Sa-
pateiros do Arsenal de Guerra não deverão perceber jornais. Rio de Janeiro, 16 de setembro de
1850. Mss. ANRJ. IG7 343.
141
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa demonstrativo do número de operários de diferentes oficinas
deste Arsenal existentes em o 1o de janeiro de 1856. Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1857. Mss.
ANRJ. IG7 22.
142
CORREIO Mercantil, ano XIV, nº 14. Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1857. p. 3.

399
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

seus próprios uniformes, mas há algumas peças destinadas ao uso de praças. Neste caso,
vale notar que, apesar das várias reclamações quanto à baixa qualidade dos uniformes
das praças, não observamos uma diferença marcante com relação àquelas feitas por ofi-
cinas privadas. 143

Operários do AGC 1836-1864

1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0

Gráfico 22 – Número de operários do AGC ao longo dos anos. 144


Infelizmente, não foi possível obter uma série completa de pessoal das oficinas no período de nosso recor-
te. Os dados também não guardam uma consistência total entre si, às vezes as tabelas de pessoal incluindo
ou deixando de listar os Aprendizes Artífices, os Soldados das Companhias de Artífices, os remadores ou
mesmo algumas categorias de trabalhadores regulares das oficinas, como os serventes. No entanto, os
dados disponíveis já permitem apontar algumas tendências, como a grande variação no número de empre-
gados, indo de um mínimo de 231 em 1836, no período da redução do Exército, durante a Regência, até
1590 na crise da Questão Christie, em 1863 (uma variação de 588%). Apesar da mencionada redução nas
forças armadas durante a Regência, as revoltas dos Farrapos, Cabanagem, Sabinada, Farroupilha e Praiei-
ra obrigaram o exército a manter um grande quadro de pessoal no Arsenal até 1848. No ano seguinte,
apesar de não termos uma relação de pessoal, sabe-se que o Arsenal demitiu uma grande quantidade de
operários, começando por mais de cem escravos de aluguel que trabalhavam nas oficinas.145 Novos au-
mentos de pessoal ocorrem em 1851-1852, com a Guerra contra Oribe e Rosas e com o risco de um ata-
que contra o Paraguai em 1857 e 1858. Depois disso houve uma grande redução no efetivo, com o minis-
tro, Caxias ordenando que só ficassem 450 trabalhadores no Arsenal em 1861, 146 determinação que teve
que ser revertida no início de 1863, com a crise da Questão Christie.

8.2.6.2 Bandeireiros
Os bandeireiros são uma profissão específica das forças armadas e uma que pa-
rece não ser tido muito especializada, pois costuravam bandeiras, galhardetes, bandeiro-

143
Ver, entre outras, a peça SIGA 018898.
144
Este gráfico foi feito com base em diversas relações de pessoal encontradas nos relatórios dos diretores
do Arsenal, contidos na documentação do Arquivo Nacional, bem como outros publicados nos rela-
tórios do Ministério da Guerra, até 1864. Para 1827, usamos: ALMANAK dos Negociantes, 1827. op.
cit. p. XII.
145
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro Manuel Felizardo de Souza e Mello ao diretor do
Arsenal. determinado a redução no número de seus operários e demissão dos escravos. Rio de Ja-
neiro, 12 de setembro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 336.
146
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ordem do dia nº 78, sobre demissão de trabalhadores. Diretoria do
Arsenal de Guerra da Corte, Rio de Janeiro, 10 de outubro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 23.

400
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

las e pendões, algo que um alfaiate podia fazer. Não era profissão antiga, não aparece na
documentação do Arsenal antes do regulamento de 1832, as bandeiras antes sendo feitas
pelos alfaiates147 e, mesmo depois, as insígnias mais complexas tinham que ser acaba-
das pelos pintores. 148 Essa oficina nunca teve muito pessoal – só encontramos três rela-
ções que os mencionam, em 1836, 1838 e 1839, com três, cinco e três artesãos respecti-
vamente, sendo que a partir desse último ano a oficina passou a ser adida à de Alfaiates,
assim como a de barraqueiros. Apesar disso, alguns relatórios da direção do Arsenal
ainda a mencionam como existente, apesar de não ter pessoal dedicado exclusivamente
à atividade.

8.2.6.3 Barraqueiros
Essa é outra oficina que parece não ter muita razão de ser, apesar de seu produto
– barracas – ser de muito uso no exército. Barracas são objetos simples e, como dizia
Cunha Matos em 1820, “estes dois ofícios [alfaiates e barraqueiros] são exercitados
pelos mesmos operários”.149 A oficina já existia na época de Cunha Matos mas não é
mencionada em 1829.150

Recriada em 1832, certamente não tinha muita importância: em 1836 a notação


na relação de pessoal era que não tinha pessoal “porque não tem tido trabalhos desse
gênero”.151 De fato, somente em 1838 e 1839 as relações de pessoal do exército indicam
trabalhadores nessa oficina, quatro e dez, respectivamente. Em 1839 a oficina foi incor-
porada à de alfaiates, como a de bandeireiros, só que alguns relatórios do Arsenal ainda
a mencionam, apesar de não listarem pessoal trabalhando nessa atividade. Mesmo as-
sim, ainda havia especialistas em fazer barracas, como dois soldados Artífices, em
1842.152

8.2.7 Sétima classe


Aqui vale uma nota: a última classe das oficinas do Arsenal originalmente com-
binava as que menos se assemelham às de uma manufatura: na verdade, duas delas, as

147
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação das obras, 1823, op. cit.
148
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836, op. cit.
149
MATOS, op. cit. 1939, p. 18
150
ALMANAK Imperial, op. cit. p. 86.
151
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836, op. cit.
152
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado a As-
sembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 5ª Legislatura, pelo respectivo ministro e secretário
d'Estado José Clemente Pereira. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1843. Mapa da força das
companhias de artífices do Arsenal de Guerra do Corte 7 de janeiro de 1842. João Eduardo Pereira
Collaço Amado, coronel Diretor.

401
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

de pintores e escultores, eram de especialidades que sequer eram consideradas como


“ofícios mecânicos”.153 Compartilhavam com a profissão de arquitetura um status mais
artístico do que prático. Isso torna a sua presença em uma manufatura militar um pouco
exótica, demonstrando uma falta de projeto claro para a instituição, ainda mais que, por
essa época, já existiam a Academia de Belas Artes e a Casa da Moeda, que poderiam
prover os serviços prestados por essas oficinas “artísticas”. Isso talvez explique por que
a natureza dessas oficinas mudou ao longo dos anos e por que elas acabaram sendo ex-
tintas mais tarde.

8.2.7.1 Pintores
O oficina de pintores já existia em 1820, mas era muito criticada pelo vice-
intendente de então, Cunha Matos, ele dizendo que era muito pequena e que seu mestre,
“vence um jornal enorme, e raras vezes trabalha”.154 O vice-intendente deixando claro
que o trabalho que era executado ali era artístico, não visando à produção de volume
pois, segundo ele, bastaria para o Arsenal um ou dois “borradores”, pintores comuns, “e
quando muito um indiferente oficial que saiba pintar e dourar obras ordinárias” e que
“quando haja precisão de algum trabalho mais delicado deve encomendar-se a artista
fora do Arsenal”.155 Nesse sentido, vale a pena dizer que em 1841 ainda foi publicado
um anúncio para a contratação de um “hábil oficial de pintor para pintar bandeiras”,156
uma atividade de caráter mais artístico.

Mesmo assim, a relação de serviços feitos pela oficina em agosto de 1823 in-
forma que nela se havia pintado balas e mochilas, 157 trabalhos práticos, e em 1836 eles
faziam pintura para conservação de objetos, além de bandeiras.158 Ou seja, até certo
ponto podia ser vista como uma oficina de apoio às outras. Entretanto, o serviço dela era
muito reduzido: até 1840 a média de empregados nesses trabalhos era de apenas três
pessoas.

153
MARTINS, Mônica de Souza N. Entre a cruz e o capital: as corporações de ofícios no Rio de Janeiro
após a chegada da Família Real, 1808-1824. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. p. 33.
154
MATOS, 1939, op. cit. p. 18. É possível que o mestre, Fabiano Xavier Muzzi, fosse o filho do pintor
artístico colonial João Francisco Muzzi. O pintor ainda aparece como mestre da oficina até 1846.
ALMANAQUE Laemmert. Rio de Janeiro: Laemmert, 1847. p. 160
155
MATOS, 1939, op. cit. p. 18.
156
Diário do Rio de Janeiro, ano XX, nº 239. Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1841. p. 3.
157
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação das obras, 1823, op. cit.
158
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836, op. cit.

402
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

A partir de 1844 encontramos um maior número de pintores no Arsenal, com


uma média de 25 trabalhadores por ano, havendo um pico de 72 deles em 1848. Ainda é
mencionada a pintura de bandeiras, mas torna-se mais comum a referência à trabalhos
de apoio a outras oficinas, como na pintura de mochilas dos alfaiates, cantis dos tanoei-
ros, e reparos de artilharia da oficina de construção,159 ela definitivamente passando a
ser uma atividade complementar. Mais importante, tornava-se um indício – ténue – de
divisão de trabalho no Arsenal, pois as outras oficinas não mais preparam o “produto
completo”, necessitavam da cooperação dos pintores.

8.2.7.2 Escultores
Essa oficina só é mencionada na documentação do Arsenal a partir do regula-
mento de 1832 e certamente era voltada para as artes e não para uma produção manufa-
tureira, ao contrário dos modeladores de uma fundição, como os da Fábrica de Ferro de
Ipanema. Na relação das atividades das oficinas de 1836, a única em que encontramos
essa especialidade mencionada, diz que nela havia apenas o contramestre e dois apren-
dizes e que naquele ano “o estudo que atualmente se faz nesta oficina, é sobre uma está-
tua de sua majestade o Imperador”,160 o pessoal só tendo expediente da parte da manhã.

Ainda em 1839, quando se publicavam anúncios convidando as pessoas a envia-


rem seus filhos para fazerem o aprendizado no Arsenal, a escultura era mencionada co-
mo uma das especialidades ensinadas às crianças.161 Depois disso, a oficina deixa de
aparecer como uma entidade independente, passando a compor uma só com os desenha-
dores e gravadores. A especialidade deixa de ser citada como um todo depois de 1856.

8.2.7.3 Desenhadores
Em 1820, reproduzindo uma prática que já havia no Trem de Pernambuco, foi
criada uma aula de desenho no Arsenal, lecionada pelo alferes Manuel Antônio da Silva
Brandão, o ensino sendo facultado não somente aos aprendizes da instituição, mas a
todos os que quisessem comparecer.162

Consideramos importante fazer uma nota sobre a aula, tendo em vista a impor-
tância do desenho para o desenvolvimento de atividades manufatureiro-técnicas: ao con-

159
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa nº 10 Relação das obras, 1848, op. cit.
160
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836, op. cit.
161
Diário do Rio de Janeiro, ano XVIII, nº 14. Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1839. p. 3.
162
REINO UNIDO – Decisão nº 54, Guerra, 11 de setembro de 1820. Manda admitir na aula de desenho
do Arsenal de Guerra as pessoas que de seu estudo se quiserem se aproveitar.

403
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

trário do que tinha ocorrido na França, com o desenvolvimento de técnicas de desenho


técnico, essa Aula aparentemente tinha mais um caráter artístico: Cunha Matos a relaci-
ona como estando ligada a duas atividades de caráter artesanais do Arsenal, as de lavra-
dores e abridores, que tinham características artísticas, de produção de objetos únicos.
Além disso, o professor era um alferes, uma patente de oficial de cavalaria ou infantaria,
sem formação técnica. Não era um oficial de uma das armas técnicas, engenharia ou
artilharia, nas quais o posto equivalente era de 2º Tenente. Finalmente, Cunha Matos
informa que tinha enviado uma coleção de livros para serem desenhados pelos alunos,
indicativo de que se tratava de reprodução de desenhos artísticos e não de assuntos téc-
nicos. 163 Mesmo assim, essa aula foi extinta pouco tempo depois, sendo recriada anos
depois para ensino dos Aprendizes Menores.

Especificamente sobre a atividade dos artesãos desenhadores do Arsenal, essa é


uma com muito poucas informações. O almanaque do Rio de Janeiro para o ano de
1827 informa que havia no Arsenal um mestre de “modelador e desenhador”,164 este era
Marc Ferrez, um gravador e escultor que tinha vindo com a Missão Artística Francesa e
que, naquele ano, era professor da Academia de Belas Artes, não podendo, portanto, se
dedicar em tempo integral ao Arsenal.

A presença de um mestre indica que havia uma oficina com essas especialidades,
mas na documentação ela só aparece depois do regulamento de 1832, havendo muito
poucas informações sobre ela. Em 1836, se informava que ela só funcionava pela parte
da manhã e que, além dos seus alunos regulares, permitia-se que os aprendizes de outras
oficinas comparecessem a organização.165 O documento, contudo, não discrimina os
produtos feitos pelos desenhadores, ao contrário do que acontecia com todas as outras
do AGC. Naquele ano, havia apenas um contramestre empregado na oficina, que ensi-
nava a onze aprendizes. Para nós, isso indica que ela era mais um curso de formação de
desenhistas do que uma oficina propriamente dita. Como uma nota, observamos que,
como profissão, a profissão de desenhador é citada nos relatórios do ministério da Guer-
ra como estando ligada ao Arquivo Militar, mas estes profissionais do Arquivo eram
oficiais de engenharia, com formação superior, e não artesãos.

163
MATOS, 1939, op. cit. p. 27.
164
ALMANAK do Rio de Janeiro para o ano de 1827, op. cit. p. 214.
165
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836, op. cit.

404
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

No AGC, a especialidade ainda aparecia como uma das oferecidas para o ensino
a aprendizes em anúncios em junho de 1840, 166 mas depois disso, na relação de pessoal
de 1844, ela aparece como parte de uma oficina maior, de “desenhadores e gravadores”.
Depois de 1857 ela deixa de ser citada na documentação do AGC.

8.2.7.4 Gravadores
Esta é a última das oficinas do regulamento de 1832, já existindo antes, dividida
em duas: as de lavrantes e abridores (ver acima). A função da oficina de gravadores era,
basicamente, fazer gravações em peças, podendo ser artísticas (ver Figura 51), como as
das oficinas de abridores e lavrantes, ou utilitárias, como as que eram usadas para iden-
tificar um fecho de arma regulamentar, esta sendo uma das atividades regulares desses
trabalhadores.167 Dessa forma, ao contrário dos lavrantes e abridores, os gravadores em
tese não podiam ser considerados como meramente artistas, tendo uma função real na
instituição, de forma que essa oficina continuou a existir durante todo o período por nós
analisado.

Ainda assim, parece que no início da história desta oficina ela tinha um aspecto
mais artístico: o mapa de pessoal das oficinas de 1836 informa que havia apenas três
trabalhadores na oficina, um contramestre, um aparelhador e um aprendiz e os serviços
listados como sendo feitos ali eram de “chapas de impressão e selos de armas”,168 ou
seja, basicamente o que faziam os abridores, continuando a não ter uma função técnica.
Isso talvez explique por que as oficinas de desenhadores e escultores tenham sido incor-
poradas aos gravadores a partir de 1844, a oficina combinada nunca tendo um número
expressivo de artesãos, o máximo sendo de quinze operários em 1861.

A oficina de gravadores foi adida à de Instrumentos Matemáticos em 1858, mas


o pessoal continuou a atuar, fazendo apenas pequenos trabalhos manuais: somente em
1864 é que se comprou uma “máquina para carimbar fechos” para fazer as gravações
necessárias nos mecanismos das armas produzidas na Conceição usando cunhos.169

166
Diário do Rio de Janeiro, ano XIX, nº 134, Rio de Janeiro, 16 de junho de 1840. p. 2.
167
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação das obras mais triviais que se gravam na oficina de gravado-
res, e que se podem dar preço da mão-de-obra e matéria prima. Manoel Alves Guerobino da Silva
Penna, mestre da oficina de gravadores no Arsenal de Guerra da Corte. Rio de Janeiro, 10 de mar-
ço de 1852. Mss. ANRJ. IG7 12.
168
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836, op. cit.
169
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício do diretor, ten. cel. em comissão, Francisco Antônio Raposo
ao ministro da Guerra. José Marianno de Matos, informando sobre a remessa de armas e de máqui-
nas para a Conceição. Rio de Janeiro, 20 de abril de 1864. Mss. ANRJ. IG7 346.

405
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Uma medida relativamente simples, mas que demorou muito a ser tomada, já que essas
as gravações nas armas eram simples e padronizadas, no entanto o método artesanal
continuando a ser usado até então.

Figura 51 – Detalhe de espingarda de brinquedo, 1834. 170


Essa peça, com ricas gravações, foi feita pelo armeiro Francisco Soares da Silva, no Arsenal de Guerra da
Corte, em 1834. Este espingardeiro foi contramestre da oficina de espingardeiros do Arsenal até 1844.
Quando da recriação da Fábrica de armas ele assumiu a mestria da oficina que ficou no Arsenal, a exer-
cendo até 1854. A peça é uma arma de brinquedo, disparando rolhas, feita para o nono aniversário do
Imperador. Em termos das oficinas do Arsenal, é ambígua, pois mostra a capacidade de fazer objetos de
luxo, ao mesmo tempo em que ilustra certa incompetência técnica: a gravação com o nome do autor está
encoberta pela mola da bateria, um erro primário. Isso indica que a gravação foi feita por outro profissio-
nal que não o espingardeiro, provavelmente um da oficina de gravadores. Isso é um exemplo de trabalho
por cooperação, mas feito de forma improvisada, pois este segundo artesão não tinha conhecimento da
estrutura de um fecho, nem do nome correto do artesão, escrevendo “F. Suares da Silva” e não Soares.

8.2.8 Oficinas criadas depois de 1844

8.2.8.1 Instrumentos matemáticos


As forças armadas tinham uma demanda – reduzida, é bem verdade – por ins-
trumentos de precisão, pois os trabalhos de obras públicas no Império eram muitas ve-
zes conduzidos por engenheiros militares. Em 1838 há, por exemplo, um anúncio de
compra de vários instrumentos para agrimensura, como um teodolito, uma bússola, duas
trenas e outros, os únicos destinados exclusivamente ao serviço militar sendo duas esca-
las de calibres para canhões.171 De qualquer forma, o número desses instrumentos, como
é visível pela relação, era muito reduzido e eles não estavam sujeitos a um grande des-

170
A peça, sem número de tombo, foi examinada no Museu de Armas Históricas Ferreira da Cunha, onde
não tinha número de registro, antes da mesma ser doada ao Museu Imperial.
171
Diário do Rio de Janeiro, ano XVII, n. 102, Rio de Janeiro, 7 de maio de 1838. p. 2.

406
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

gaste, de forma que sua reposição não era uma necessidade constante. Por outro lado,
deve-se dizer que casas civis especializadas no ramo eram raras.

Talvez por isso em 1844 o ministro da Guerra determinou que fosse criada uma
oficina de instrumentos matemáticos no AGC, 172 ordenando a aquisição de ferramentas
e maquinismos para a equipar, bem como uma coleção de instrumentos para servirem de
modelo. Igualmente, no final daquele ano um oficial foi enviado para a Europa para
contratar dois artesãos e comprar uma máquina de cortar dentes de engrenagens, a justi-
ficativa do ministro sendo que “Não havendo nesta Corte, artistas hábeis, não já para
construir, mas para concertar convenientemente os instrumentos mais usados nas opera-
ções topográficas e geodésicas” 173 para o fornecimento do exército.

A oficina só foi oficializada em 1847, por um decreto de 28 de agosto, mas ela


sempre foi pequena, com uma média de treze trabalhadores. Isso por que o serviço es-
pecífico dela era reduzido, ainda que os valores envolvidos fossem elevados, devido à
raridade dos equipamentos: em 1848, três máquinas elétricas feitas na oficina para se-
rem usadas em experiências científicas de repartições do governo, chegavam a custar
mais do que a produção de toda a oficina de gravadores naquele ano.174

Em 1855 foi incorporada a ela a oficina de gravadores da Fábrica de Armas e,


dois anos depois a de gravadores que havia no próprio Arsenal, criando o problema de
uma oficina com três mestres. No entanto, deve-se dizer que é sintomático que as ofici-
nas de gravadores, que tinham surgido com um aspecto mais “artístico”, tenham passa-
do a compor a de Instrumentos Matemáticos, dando-lhes um caráter mais técnico. No
mesmo ano o mestre principal da oficina, Antônio Correia de Melo e Oliveira, certa-
mente por sua habilidade técnica, também foi nomeado como “construtor”, com respon-
sabilidade para supervisionar o trabalho das outras oficinas que trabalhavam o metal no
Arsenal (ver capítulo 10). 175

172
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho ao diretor
do Arsenal de Guerra da Corte, Brigadeiro João Eduardo Pereira Colaço Amado pedindo uma re-
lação de artigos para uma oficina de instrumentos matemáticos. Rio de Janeiro, 5 de julho de 1844.
Mss. ANRJ. IG7 405.
173
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório, 1ª sessão da 6ª legislatura, 1845. op. cit. p. 13.
174
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa nº 10 Relação das obras, 1848, op. cit.
175
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro, Conde de Caxias, ao Diretor do Arsenal de Guer-
ra, Brigadeiro João José da Costa Pimentel, nomeando Antônio Corrêa de Mello e Oliveira como
Construtor. Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 351.

407
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

8.2.8.2 Maquinistas
A última das oficinas do Arsenal surge igualmente em 1844, também com um
aspecto técnico, mas agora voltada diretamente para a produção manufatureira: foi a de
máquinas. Ela está intimamente associada com a questão de mecanização do Arsenal,
que será abordada em outro ponto deste capítulo, de forma que só trataremos do básico
aqui. A ideia atrás de sua criação era modernizar a produção da manufatura, adotando-
se máquinas para facilitar certos trabalhos e provendo pessoal para operá-las – aqui se
deve apontar que o termo maquinista tem o mesmo sentido que engineer (engenheiro)
em inglês, o de operador de engenhos, ou máquinas, pois na Inglaterra esse era um ca-
minho para a formação técnico profissional superior. Na época, a distinção entre o en-
genheiro operador de máquinas e o engenheiro, profissional de nível superior, era bem
menor que hoje.

O objetivo da oficina era “a construção dos modelos de todas as máquinas e


utensílios em grande, necessários aos trabalhos do Arsenal”,176 o ministro informando
que já tinham sido feitos modelos de um torno à charriot (de carro, para trabalhos de
precisão em metal), os de duas bombas e um ventilador para a nova fundição de ferro
que estava sendo implantada naquele ano.

Dessa forma, os trabalhos iniciais dessa oficina foram o de prover o próprio Ar-
senal de máquinas, resolvendo inclusive o problema com algumas que já existiam há
anos sem aproveitamento, em alguns casos tendo se danificado por incúria, com perda
de peças, como o próprio motor a vapor original da manufatura.177 Assim, em 1850 se
fez uma segunda caldeira para o motor do AGC, que resultou em uma peça de 1,67 m
de diâmetro, três metros de comprimento, 6 mm de espessura, pesando 1.100 kg.178 Ou-
tra responsabilidade dos operários da oficina era a operação das próprias máquinas.

Posteriormente, a documentação indica que os maquinistas passaram a funcionar


como a oficina de ferreiros tinha agido antes, de forma complementar às atividades do
Arsenal, fornecendo peças metálicas acabadas para outras oficinas: a organização che-

176
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório, 1ª sessão da 6ª legislatura, 1845. pp. 15-16.
177
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado à as-
sembleia geral Legislativa na 4ª sessão da 6ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Es-
tado, João Paulo dos Santos Barreto. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1847. p. 17.
178
BRASIL – Arsenal de Guerra. Informação de Carlos Rouhette, engenheiro, ao vice-diretor do Arse-
nal, Major de engenheiros Vicente Marques Lisboa, sobre preços de uma segunda caldeira para a
máquina a vapor que se constrói no Arsenal. Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1850. Mss. ANRJ.
IG7 11.

408
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

gou a ter ferreiros e os tornos para trabalho com ferro foram transferidos para ela, apesar
destes serem pouco numerosos – em 1863 eram apenas dois, um número que foi sufici-
ente para as necessidades da manufatura, até que a crise daquele último ano fez com que
se pedisse emprestado mais um torno à Marinha. 179

Com essas funções ela chegou a ter um grande número de trabalhadores: eram
87 no ano da Questão Christie, 1863 e eles exerciam as funções técnicas do Arsenal: o
mestre da oficina às vezes aparece na documentação como engenheiro, em 1858 rece-
bendo um vencimento muito alto, superior ao de um general do exército.180 Além disso,
recebia tarefas técnicas: quando se precisou fundir canhões convencionais em 1857, se
determinou que o Construtor – no documento chamado de “maquinista” – fizesse os
desenhos das peças, inglesas e portuguesas, para serem feitos na Ponta da Areia.181
Consideramos essa medida de nota por dois aspectos, o primeiro para demonstrar que os
operários é que exerciam a função técnica no Arsenal. A ordem demonstra que essa
tarefa, a de padronizar o projeto do armamento, que tinha sido um dos passos vitais na
França do século XVIII para a implantação de um sistema manufatureiro militar, não
era feita por um oficial técnico, de artilharia ou engenharia. Em segundo lugar – e talvez
mais importante –, mostra que não havia sequer o conceito de padronização, o ministro
da guerra ordenando que fossem preparados desenhos de dois conjuntos diferentes de
bocas de fogo, de origens e dimensões diferentes.

179
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Antônio Correa de Mello e Oliveira, construtor a Joaquim da
Silva Maia, capitão, 2o Ajudante, solicitando o empréstimo de um torno. 27 de janeiro de 1863. Mss.
ANRJ. IG7 25.
180
O vencimento dos mestres de maquinistas e de instrumentos matemáticos (o construtor), pela tabela de
1858, era de 6.000 réis diários, o que equivaleria a 156.000 réis por mês. O soldo de um brigadeiro
era de 144.000 réis mensais. BRASIL – Ministério da Guerra. Tabela de jornais dos mestres, ofici-
ais, mancebos e Aprendizes do Arsenal de Guerra da Corte. Bernardo Joaquim de Matos, Oficial
Maior da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra. Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1858. Mss.
ANRJ. IG7 518.
181
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro da Guerra, Conde de Caxias, ao Diretor do Arse-
nal de Guerra, João José da Costa Pimentel para emitir ordem ao maquinista A. Correa de Melo
para que, com toda a urgência, apronte os riscos, desenhos e perfis de bocas de fogo de campanha.
Rio de Janeiro, 22 de setembro de 1857. Mss. ANRJ. IG7 396.

409
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Oficinas Mestrança Oficiais Mancebos Aprendizes Total


M. CM Ap. Externos Menores
Construção 1 1 2 45 19 16 3 87
Obra branca 1 1 22 12 29 13 78
Torneiros 1 3 2 8 4 18
Tanoeiros 1 10 5 2 4 22
Coronheiros 1 2 11 1 5 10 30
Ferreiros 1 1 9 3 5 37
Serralheiros 1 1 22 6 22 4 56
Espingardeiros 1 1 1 39 15 36 37 130
Latoeiros e Fundidores 1 1 2 27 8 16 35 90
Instrumentos bélicos 1 3 1 1 5 11
Funileiros 1 1 12 2 7 15 38
Correeiros/Selei./Sapateiros 1 1 3 61 20 52 35 173
Alfaiates/Band./barraqueiros 1 19 9 4 17 50
Pintores 1 8 8 4 21
Desenhadores e Gravadores 1 2 1 10
Pedreiros 1 36 37
Maquinistas 6 1 1 8
Instrumentos matemáticos 1 1 4 2 8
Feitores 4
Serventes 148
Porteiros e carreiros 3
Remadores 17
Soma 8 13 14 336 112 213 190 1058
Tabela 15 – Quadro de trabalhadores do Arsenal de Guerra da Corte em 1845. 182
A mestrança é composta de mestres (M.), contramestres (CM) e aparelhadores (Ap.). Esta tabela foi feita
pouco depois da criação das oficinas de instrumentos matemáticos e de maquinistas, é interessante com-
parar o quadro de pessoal com o do Arsenal de Marinha, também de 1845 (Tabela 10), e da Fundição da
Ponta da Areia, em 1848 (Tabela 8). De início, é visível que todas as instituições tinham uma grande
quantidade de repartições – dezessete no Arsenal de Guerra,183 dezoito no de Marinha, enquanto a Ponta
da Areia eram apenas dez, mostrando a concentração de esforços desta última instituição. As manufaturas
militares, que tinham que atender uma grande quantidade de demandas diferentes não podiam ter essa
concentração. Como índice de desenvolvimento técnico, apontamos que os maquinistas eram muito mais
numerosos na Ponta da Areia, onde correspondiam a 13% do pessoal. No AMRJ eram apenas 3% do
pessoal e no AGC eram menos de 1% do quadro de trabalhadores. Por sua vez, é visível que tanto a Ma-
rinha quanto o Exército davam uma grande importância à questão dos aprendizes, no AGC estes represen-
tando nada menos do que 38% de sua força de trabalho e no AMRJ 32%, enquanto na Ponta da Areia
eram apenas 10%.

8.2.8.3 Troço
Confessamos nossa ignorância sobre essa oficina, que só aparece em muito pou-
cos documentos que pesquisamos. Em 1854, na relação de jornais pagos aos operários
do AGC, são mencionados os “serventes da casa do troço”.184 Em 1861 eram seis operá-
rios, cinco civis e um Aprendiz Menor trabalhando nessa oficina, que funcionava junto
da de construção. Contudo, todos foram demitidos no corte de pessoal daquele ano,

182
BRASIL – Ministério do Império. Relatório de 1845. op. cit. Mapa do pessoal do arsenal de guerra da
Corte.
183
Isso não inclui as oficinas do Laboratório do Castelo e da Fábrica de Armas da Conceição.
184
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Diretor, Jeronimo Francisco Coelho, ao Ministro da Guerra,
Pedro d’Alcântara Bellegarde, com proposta de tabela, regulando a tarifa dos jornais dos operários
deste arsenal. Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1854. Mss. ANRJ. IG7 14.

410
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

quando foram desligados mais de cem trabalhadores do Arsenal. 185 No ano seguinte
aparecem em dois mapas de pessoal, de janeiro e março, que listam, respectivamente
cinco e dez operários civis trabalhando nela, sem pessoal da mestrança, enquanto em
agosto são mencionados dois africanos livres “na oficina do troço (arsenal)”.186 O único
ofício que encontramos associados a eles era que em 1863 dois operários do troço esta-
vam ensinando os praças do 1º Batalhão de Artilharia a fazer tacos,187 dando a entender
que era uma atividade ligada à produção de munição.

8.2.8.4 Pedreiros
A oficina de pedreiros existiu na década de 1820,188 mas não foi uma das con-
templadas pelo regulamento de 1832 – e não deveria sê-lo, pois eles não produziam
nada para o exército, eram trabalhadores usados nas obras do exército no Rio de Janeiro,
tendo um mestre de obras e alguns artesãos entre seu pessoal. 189 Apesar disso, era uma
atividade importante para a instituição, pois o AGC executava obras em outras instala-
ções militares190 e o próprio Arsenal estava em permanente expansão, com a construção
de sucessivos anexos, tanto é que em 1850, quando se deu a ordem para demitir os es-
cravos de aluguel no AGC, uma das exceções aprovadas foi a manutenção dos cativos
serventes de pedreiro.191

Curiosamente, a oficina nunca foi criada oficialmente, apesar de ela às vezes ser
mencionada entre as do AGC (ver Tabela 15) e de sempre ter tido um contingente razo-
ável de pessoal – chegaram a ser 67 trabalhadores em 1852. Também de forma exótica,
pois não existia como tal, a oficina de pedreiros foi extinta por um aviso do ministro em

185
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ordem do dia 83. Quadro demonstrativo do pessoal dos operários
militares das diferentes oficinas que ficam nos respectivos serviços e dos que são eliminados. Rio de
Janeiro, 24 de outubro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 23.
186
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa demonstrativo do pessoal existente atualmente em cada uma das
oficinas do Arsenal de Guerra da Corte, organizado na conformidade da ordem do S. Ex.a o Minis-
tro da Guerra expressa no ofício da 1a Diretoria Geral da Guerra de 28 do corrente. Secretaria do
Arsenal de Guerra da Corte, 31 de março de 1862. O secretário José Antônio Frederico da Silva.
Mss. ANRJ. IG7 24.
187
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso da 1ª Diretoria Geral, 1ª Seção, Antônio Manoel de Mello, ao
Diretor do Arsenal, José de Vitória Soares de’Andréa, mandando recolher ao Arsenal de Guerra da
Corte os dois operários da oficina do troço. Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1863. Mss. ANRJ.
IG7 356.
188
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa demonstrativo da despesa feita na Inspeção do Arsenal do Exér-
cito e do valor das obras executadas nas diferentes oficinas no mês de agosto de 1823, Salvador Jo-
sé Maciel. s.d. Mss. ANRJ. IG7 2.
189
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836, op. cit.
190
Em 1844, o Arsenal publicou anúncios contratando serventes para obras no Quartel do Campo. Diário
do Rio de Janeiro, ano XXIII, nº 6521, Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1844. p. 2.
191
BRASIL – Arsenal de Guerra. Aviso o ministro da Guerra, 19 de novembro de 1849. op. cit.

411
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

1861,192 as relações de pessoal deste ano até 1864 não mais mencionando trabalhadores
dessa categoria. Apesar de estar fora do nosso recorte, devemos dizer que essa oficina
volta a aparecer como tal em 1865,193 ainda sem ter sido criada oficialmente.

8.3 Remadores
A marinhagem do Arsenal de Guerra não compunha uma oficina ou mesmo uma
repartição. Não tinha um mestre, apenas um patrão, o indivíduo que controla uma em-
barcação de pequeno porte. No entanto, quase sempre aparece nas listagens de oficinas
(ver Tabela 15), com um número razoável de trabalhadores – eram 35 em 1856, sendo
responsáveis por tripular a pequena flotilha do AGC: ainda em 1856, eram uma lancha,
três escaleres, dois botes, uma canoa e mais uma pequena galeota, o diretor informando
que “nem o material, nem o pessoal são suficientes para o serviço, sendo necessário
constantemente despender-se grandes quantias com o aluguel de faluas”. 194

Essas embarcações eram usadas para fazer transportes na baía, entre os diferen-
tes fortes e os depósitos de pólvora, bem como fazer o transbordo para os navios da ma-
rinha e mercantes: as unidades do exército que embarcavam para fora do Rio de Janeiro
o faziam normalmente do Arsenal, que tinha uma ponte de embarque, provida de um
guindaste e, depois de 1856,195 uma pequena ferrovia interna, com pouco mais de qui-
nhentos metros de extensão, para fazer a movimentação de peças de maior porte, facili-
tando o transbordo de mercadorias e pessoal para os navios oceânicos.

8.4 A Repartição de Costuras


A Repartição de Costuras não era uma oficina propriamente dita e nunca apare-
ceu nas listas de oficinas do Arsenal. Contudo, ao contrário dos pedreiros e remadores,
era uma atividade dedicada diretamente à produção de itens para o exército. No período
de nosso estudo, a feitura de uniformes e peças de correame tinha que ser feita à mão,
com o corte das peças (modelagem) e a união dos cortes, sendo feita manualmente, por
artesãos. Só que enquanto o corte dos tecidos era uma atividade mais complexa, que não
estava ao alcance de todos, a costura era uma ação que não demandava muita habilidade

192
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra, Conde de Caxias, ordenando a extin-
ção da oficina de Pedreiros. Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1861. Mss. ANRJ. IG7 492.
193
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa demonstrativo do número de Empregados, Serventes e mais ope-
rários deste Arsenal sob a fiscalização do 2o Ajudante. Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1865.
Mss. ANRJ. IG7 27.
194
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório, 28 de fevereiro de 1856, op. cit.
195
id.

412
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

ou esforço físico, apesar de poder ser muito exigente para os trabalhadores: Mary Ka-
rasch menciona que o trabalho de costuras feito por escravos era tão intenso que chega-
va a deformar seus dedos.196 Também era laboriosa em termos de gasto de tempo: eram
horas para fazer uma peça, mesmo simples. Dessa forma, a produção em massa de far-
das podia ser feita mais facilmente usando a divisão de trabalho, com alguns artesãos
cortando o tecido de acordo com as dimensões aceitas – o exército preparava uniformes
de apenas três tamanhos –, o serviço de cozimento sendo feito por operários ganhando
menos. Assim, em 1845 havia no Arsenal do Rio Grande do Sul seis oficiais “de corte e
costura” e 55 “oficiais de costura”, estes últimos recebendo menos do que os primei-
ros.197

O sistema aumentaria a produtividade se a divisão de trabalho fosse ainda mais


ampliada, terceirizando o trabalho de costuras, e o meio achado para isso foi a implanta-
ção de uma produção externa. Como já tratado, esta forma de trabalho é também conhe-
cida como sistema doméstico ou putting out, pelo qual os tecidos previamente cortados
e os botões, a matéria prima, eram fornecidos pelo Arsenal para pessoas comuns, para
que essas fizessem os trabalhos em suas casas. Um sistema manufatureiro bem primiti-
vo, na qual o produtor detém apenas o controle sobre a matéria prima, as “ferramentas”
(as agulhas) e a mão de obra continuando em mãos dos trabalhadores.

Dessa forma, os Arsenais usavam o sistema de costuras externas – sabe-se que o


do Rio de Janeiro o fazia desde antes de 1826, ano em que se deixou de dar as linhas
para os trabalhadores externos.198 No entanto, tal atividade não aparece nos regulamen-
tos de 1811 ou de 1832. Em 1851 o assunto foi tratado na reforma da parte contábil,
com o decreto que criou a Contadoria Geral da Guerra contendo seis artigos sobre o
tema,199 mas sem dar detalhes sobre o funcionamento do processo das costuras. Este só
foi efetivamente regulamentado três anos depois, pela portaria de 15 de novembro de
1854, por causa da quantidade de trabalho que estava envolvida na distribuição das cos-
turas.

196
KARASCH, Mary. Slave Life in Rio de Janeiro. Princeton: Princeton University, 1987. p. 201.
197
BRASIL – Arsenal de Porto Alegre. Relatório, Francisco Felipe de Macedo e Vasconcelos, Ten.-cel.
Diretor. Porto Alegre, 19 de fevereiro de 1845. Mss. ANRJ. IG7 32.
198
RELATÓRIO da comissão de Exame do Arsenal de Guerra da Corte. p. XX. In: BRASIL – Ministério
da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado à Assembleia Geral Legis-
lativa na primeira sessão da nona legislatura pelo respectivo ministro e secretário de estado Manoel
Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro: Laemmert, 1853.
199
BRASIL – Decreto nº 778, de 15 de abril de 1851. Cria na Corte uma Repartição com o título de
Contadoria Geral da Guerra. artigos 58 a 63.

413
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Pela portaria de 1854 se criou a “Repartição de Costuras”, que fazia a distribui-


ção dos tecidos a serem trabalhados, estes sendo entregues por meio de uma guia, os
artesãos devendo fazer o cozimento das peças cortadas, que seriam devolvidas, exami-
nadas pelo pessoal da oficina de alfaiates e, caso o serviço fosse aprovado, seria autori-
zado o pagamento. Se fossem pequenas quantias, até 12.000 réis, o desembolso deveria
ser feito pelo pagador do Arsenal, acima dessa quantia pela Contadoria Geral da Guerra,
de forma que o desembolso seria mais lento. De fato, eram comuns anúncios na impren-
sa se informando que seriam pagos os bilhetes de costura “até onde chegar a soma para
esse fim recebida”,200 ou seja, era possível que um trabalhador externo comparecesse ao
AGC com uma guia válida, mas mesmo assim não recebesse logo por seu serviço, tendo
que retornar em outra ocasião.

Esses atrasos tornam-se curiosos, quando vemos que a Repartição também tinha
uma natureza social, de ajuda a pessoas necessitadas, “famílias e pessoas pobres”, 201 a
documentação oficial até usando palavras sentimentalistas para designar as pessoas que
recebiam o trabalho:

Conduzido pelas lágrimas e razões que apresentam viúvas, e filhas de


oficiais que tiveram a honra de servir a nação, as quais acham-se hoje
em tristes circunstâncias, e obrigadas a recorrer ao Arsenal de Guerra
para lhes dar algumas costuras, a fim de receberem pela paga dos fei-
tios delas alguma quantia para seu alimento 202.
Ou seja, apesar do papel social da atividade, o governo não se preocupava muito
com a rápida remuneração das pessoas necessitadas, algo que se agrava quando vemos
que não era um serviço bem pago. Os poucos bilhetes de costura que foram encontrados
na documentação pesquisada são para um número reduzido de peças, a média sendo de
cerca de 25 itens entregues a cada trabalhador, e a tabela de feitura das peças, todas
simples, era de valores reduzidos: em 1854 eram 360 réis para uma calça de brim, ou
700 para uma fardeta (túnica curta).203 Não era, portanto, um trabalho que atraísse arte-
sões qualificados, normalmente se usando o termo “costureiras” para as que recebiam
essa incumbência. De fato, a documentação do Arsenal menciona que os principais em-

200
Diário do Rio de Janeiro, ano XXXIII, nº 6560, Rio de Janeiro, 29 de fevereiro de 1844. p. 3.
201
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra, Rio de Janeiro 30 de janeiro de 1861.
Mss. ANRJ, IG7 23.
202
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Diretor interino do Arsenal, Manoel Ignácio Brício ao Minis-
tro da Guerra, Pedro d’Alcântara Bellegarde. Rio de Janeiro, 13 de maio de 1854. Mss. ANRJ, IG7
14.
203
BRASIL – Arsenal de Guerra. Tabela Preços dos feitios de costuras Arsenal de Guerra, Rio de Janei-
ro, 13 de maio 1854. Mss. ANRJ, IG7 14.

414
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

pregados nesse ofício eram mulheres – uma das únicas oportunidades que tinham, den-
tro de um restrito mercado de trabalho aberto a elas no período. Por sua vez, o emprego
de mulheres era visto como negativo, um diretor da manufatura escrevendo que o pes-
soal do Arsenal tinha que lidar “com pessoas que, pelo seu sexo, não deviam ser tão
repetidas vezes admitidas num estabelecimento militar, em que deve reinar uma rigoro-
sa polícia”.204

Mesmo assim, a procura por esses serviços era muito grande, isso a ponto de em
pelo menos três ocasiões ter ocorrido reduções nos valores pagos aos trabalhadores ex-
ternos, por causa da grande procura de pessoas para fazerem essas costuras: em 1840,
houve uma redução de cerca de 30% preços estabelecidos.205 Em 1852 um empreende-
dor procurou o ministério da Guerra, oferendo um rebate (desconto) de 40 réis por peça
cosida.206 Finalmente, quando foi adotado o sistema de contratos de maiores vultos, o
desconto que se exigia era de 30 a 40%, a procura pelo trabalho ainda sendo alta – como
colocou o diretor do Arsenal: “Não obstante isto [os descontos,] os pretendentes às cos-
turas que se dão para fora do Arsenal são em tamanha quantidade que ameaçam fazer
quase uma revolução por não haver com que possa satisfaze-los”. 207

O número de costureiras inscritas no AGC era muito grande: em 1858 se recebe-


ram 136.978 peças costuradas por 4.261 pessoas. 208 No ano seguinte eram 4.440 costu-
reiras cadastradas.209 O próprio gigantismo dos serviços da Repartição das Costuras
implicava em seus problemas únicos: o trabalho gerado para sua administração era “in-
sano e muito desagradável pela inconsideração e insuportáveis exigências de grande
parte dos pretendentes”, além da “dificuldade de conseguir a pontualidade na entrega

204
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Pedro d’Alcântara Bellegarde, ao ministro da Guer-
ra, Manuel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro, 3 de maio de 1853. Mss. ANRJ. IG7 14.
205
PREÇOS de costuras mandadas manufaturar fora deste arsenal tanto os da tabela antiga como os da
moderna. Rio de Janeiro, 7 de julho de 1840, Thomaz José de Aguillar Saúde Nabo. 7 de julho de
1840. In: VASCONCELLOS, João Rangel de. Apologia do coronel Antônio João Rangel de Vas-
concellos, diretor do Arsenal de Guerra. Rio de Janeiro, tipografia do Diário, 1840. p. 23.
206
Diário do Rio de Janeiro, ano XXXI, nº 9030. Rio de Janeiro, 9 de julho de 1852.
207
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Coronel Antônio Francisco Raposo, ao o ministro da
Guerra, José Antônio Saraiva, sobre alistamento de alfaiates. 20 de agosto de 1865. Mss. ANRJ.
IG7 27.
208
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal, 31 de janeiro de 1859. op. cit.
209
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra, Rio de Janeiro 30 de janeiro de 1860.
Mss. ANRJ, IG7 17. Deve-se apontar que o Arsenal de Marinha também tinha sua repartição de cos-
turas.

415
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

das peças a eles confiadas, e a reparação das faltas e prejuízos que tais costureiros cau-
savam”.210 Em 1858 havia um atraso na entrega de nada menos do que 14.438 peças.211

Por sua vez, com tantas pessoas trabalhando sem acompanhamento, haveria difi-
culdades com a qualidade dos produtos era natural. Muitos dos objetos entregues eram
rejeitados, com prejuízo para o governo e para as trabalhadoras: um artigo de jornal,
provavelmente exagerando muito, menciona uma taxa de rejeição de 25% das peças
apresentadas.212 Para o Arsenal seria possível reaproveitar essas peças, desfazendo as
costuras e entregando as peças para outras costureiras – talvez por isso houvesse a práti-
ca das trabalhadoras terem que usar suas próprias linhas nos trabalhos. Contudo, mesmo
assim, isso representava custos em termos de tempo e mão de obra do governo.

Finalmente, havia uma dificuldade com “rebatedores”, especuladores que com-


pravam, a juro, os bilhetes de costuras feitas, tendo em vista se aproveitar da demora do
governo em fazer os pagamentos. Há anúncios de penhoristas, que descontavam “co-
nhecimentos [fatura] de costuras do Arsenal de Guerra”,213 o que era possível, pois es-
ses eram ao portador. Os ministros da Guerra tentaram combater esse abuso, como um
caso em 1852, quando um indivíduo se apresentou com “bilhetes de costuras feitas por
diversas pessoas”. 214 O sistema, contudo, era muito sujeito a vícios, como o uso de “la-
ranjas”: um consultor do próprio ministério da guerra, dando um parecer sobre a ques-
tão, escreveu que um amigo seu, querendo obter trabalho para sua família e algumas
escravas “apresentara uma mulher pobre para as pedir em seu nome”.215 Um sistema
sujeito a abusos: como colocou um artigo de jornal, “as melhores costuras eram para os
grandalhões da terra e não para a pobreza, porque a essa tocava sempre o pior”.216

Tentou-se disciplinar a ação dos trabalhadores externos com uma série de medi-
das paliativas, como a reiterada exigência da entrega de feitios atrasados, publicados em
vários jornais e exames mais rigorosos sobre a qualidade dos produtos acabados. Con-
tudo, as ações sempre esbarrariam no pouco controle que a Repartição de Costuras po-
210
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório de 1861. op. cit.
211
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa resumo das costuras que se acham fora do Arsenal para se ma-
nufaturar desde 1845 até o fim de agosto do corrente ano. Hermenegildo Machado do Nascimento.
Major graduado encarregado da distribuição. Rio de Janeiro, 23 de junho de 1858. Mss. ANRJ. IG7
15.
212
Diário do Rio de Janeiro, ano LVII, nº 239, op. cit.
213
Diário do Rio de Janeiro, ano XXII, nº 135, Rio de Janeiro, 19 de junho de 1843.
214
Diário do Rio de Janeiro, ano XXXI, nº 8913, Rio de Janeiro, 12 de fevereiro de 1852.
215
BRASIL – Arsenal de Guerra. Parecer de Joaquim Francisco Viana [senador], sobre costuras do
Arsenal. 14 de fevereiro de 1860. Mss. ANRJ. IG7 17.
216
Diário do Rio de Janeiro, ano LVII, nº 239, Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1862.

416
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

deria exercer sobre o serviço externo. Como uma solução, em 1853 se sugeriu a adoção
de contratos de grande porte, mas isso só viria a ser adotado sete anos depois, o Arsenal
passando a anunciar na imprensa a contratação dos serviços de costuras em grande
quantidade, que seriam assumidos por empreiteiros.

A medida de distribuir as costuras por contrato foi adotada em 1860, com gran-
des resistências – um dos argumentos levantados na imprensa é que isso prejudicaria as
pessoas desvalidas e não resultaria em economias para o governo.217 Isso parece ser
verdade, pelo menos no que tange à ação social, pois junto com anúncios para a licita-
ção de grandes quantidades de peças, como para 5.458 camisas, 2.953 fardetas de brim e
2.160 pares de polainas,218 se encontram anúncios de empresas privadas contratando
pessoas especificamente para fazer costuras para o Arsenal, estes empregados obvia-
mente recebendo com descontos sobre o valor pago pelo governo. 219 Assim, um artigo
colocava que:

o particular arremata essas costuras e dá para fazer a centenares de


famílias pobres, que muitas vezes trabalham dia e noite para fazer
meia dúzia de peças, que correm apressadas à casa do arrematador pa-
ra receberem esses cobres para comerem muitas vezes no mesmo
dia.220
Curiosamente, apesar da ideia do sistema de contrato ser diminuir o trabalho do
e os custos, o Arsenal criou dificuldades com o serviço feito por um determinado tipo
de máquina de costuras, não aceitando as feitas pelas que usavam o sistema de ponto de
cadeia, as de Grover & Baker. Isso é estranho, já que as máquinas resultariam em um
trabalho mais perfeito e rápido do que o manual – as de ponto de cadeia trabalhavam de
forma parecida com o overloque de hoje, que na época já era bom.221

O sistema de contratos foi flexibilizado pelo menos desde 1862, se voltando a


oferecer bilhetes de costuras para pessoas pobres,222 também se dando preferência aos

217
BREVES considerações sobre a desmoralização da época, ass. o Inválido, 27 de abril de 1860. Diário
do Rio de Janeiro, ano XL, nº 37, Rio de Janeiro, 1 de maio de 1860. p. 2.
218
Diário do Rio de Janeiro, ano XL, nº 150. Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1860. Deve-se dizer que o
Arsenal não conseguiu licitar esse contrato de imediato.
219
Diário do Rio de Janeiro, ano XL, nº 46. Rio de Janeiro, 10 de maio de 1860. p. 3.
220
Diário do Rio de Janeiro, ano LVII, nº 239, op. cit.
221
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso urgente, do gabinete do ministro Ângelo Moniz da Costa Fer-
raz ao Coronel Dr. Francisco Antônio Raposo, diretor interino do Arsenal de Guerra. Rio de Janei-
ro, 25 de setembro de 1865. Mss. ANRJ. IG7 497.
222
Diário do Rio de Janeiro, ano XLII, nº 234. Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1862. p. l.

417
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

detentos da Casa de Correção.223 Nesse momento se adotaram para todos os pretenden-


tes as normas que tinham sido determinadas para os contratadores: a apresentação de
fiadores e a aceitação de um contrato, com especificação de multas pelo atraso e outras
condições, que visavam a reduzir as perdas do Arsenal.

Apesar de ser um pouco fora do nosso recorte, consideramos importante apontar


que o sistema de contratadores foi, para todos os efeitos, abandonado em 1866, em ple-
na Guerra do Paraguai, voltando-se a prática antiga, de distribuição de costuras direta-
mente pelo Arsenal, apesar dos problemas que isso causava. Na época, o ministro orde-
nou que na distribuição das costuras se desse prioridade “às viúvas e órfãs dos que tem
falecido em consequência de ferimentos ou moléstias adquiridos em campanha” e as
famílias dos oficiais e praças que estavam no Paraguai, que se acham em serviço no
teatro de guerra. Depois se deveria dar preferência às famílias “dos oficiais e emprega-
dos da Repartição da Guerra” e, por fim, “às famílias mais necessitadas”, o ministro
recomendando uma fiscalização aproximada da atividade, para evitar “o grande número
de reclamações que sempre aparecem, encarregando da distribuição um oficial cujos
precedentes inspirem confiança.”224

Por causa da Repartição de Costuras, o AGC era, certamente, o maior emprega-


dor da cidade do Rio de Janeiro do período, pois a demanda de costuras pela Marinha,
que seguia o mesmo sistema, era menor do que a do Exército. Deve-se notar que esse
sistema de produção de uniformes e correias, que parece ser incrivelmente primitivo,
continuou a ser usado pelo Exército até a década de 1920. Certamente isso não era por
sua eficiência e qualidade da produção, pois desde a década de 1850 seria possível me-
canizar a produção de fardas, com resultados mais baratos e de melhor qualidade, só que
isso não foi feito. Nesse sentido, e apesar de, novamente, ficar fora do nosso recorte,
deve-se dizer que a primeira vez que aparece uma máquina de costura dentro da docu-

223
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão ao dire-
tor do Arsenal, autorizando a mandar fazer no estabelecimento da casa de correção da Corte as
costuras pertencentes a esse arsenal. Rio de Janeiro, 5 de setembro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 498.
224
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro João Lustosa da Cunha Paranaguá ao Diretor do
Arsenal de Guerra da Corte, Dr. Francisco Antônio Raposo, Rio de Janeiro, 18 de dezembro de
1866. Mss. ANRJ. IG7 350.

418
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

mentação do Arsenal é apenas em 1884 e, mesmo assim, ela pertencia a um artesão em-
preiteiro e não ao governo.225

Atendendo, pelo menos em teoria, pessoas pobres e, especialmente, mulheres,


que teriam muito menos possibilidades de inserção no mercado de trabalho, podemos
considerar que as razões da continuidade desse processo se deram por suas característi-
cas assistencialistas. Só que isso não levava em conta as reais necessidades econômicas
do próprio exército, sendo mais um símbolo do atraso de seu sistema manufatureiro.

8.5 Mecanização das oficinas


Uma questão importante na transformação de qualquer manufatura em uma fá-
brica é a disponibilidade de meios para mover as máquinas e, dada as condições geográ-
ficas da Ponta do Calabouço, onde se situava o Arsenal de Guerra da Corte, a única so-
lução possível para isso seria o uso de um motor a vapor. Isso, em teoria, já seria possí-
vel no século XVIII, mas, na prática, é só a partir do início do século seguinte que en-
contramos maiores referências sobre o assunto.

Em 1820, o diretor do Arsenal, Cunha Matos, menciona o pedido de contratação


do inglês John Guilmore para montar uma máquina a vapor na manufatura, o inglês não
aceitando essa proposta.226 Essa passagem é relevante, pois por ela fica evidente que já
se tinha comprado uma máquina a vapor para o AGC no período. Outro motor teria vin-
do em 1828, para mover uma máquina de brocar peças de artilharia, mas ela também
não chegou a ficar operacional, suas peças se perdendo com o tempo, certamente por
causa do caos oriundo das reformas da Regência. Como escreveu um cronista muitos
anos depois: “tal máquina nunca se montou, e foi destruída por um vergonhoso vanda-
lismo. Ainda hoje andam peças dela por ai espalhadas”.227 Em 1839 se tentou coloca-la
em funcionamento, mandando-se fazer na Fábrica de Ferro de Ipanema as peças que
tinham se extraviado, mas isso também não teve um resultado efetivo.228

Assim, somente em 1847 é que se começou a instalar um motor no Arsenal,


muito depois do que tinha acontecido no Arsenal de Marinha ou até em outras manufa-
225
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro ao diretor do Arsenal de Guerra, mandando en-
tregar ao cônsul a máquina de costura do finado empreiteiro italiano Luís Pisano, da Oficina de al-
faiates. Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 1884. Mss. ANRJ. IG7 65.
226
MATOS, 1939, op. cit. p. 27.
227
A Exposição Nacional, XXI. Diário do Rio de Janeiro, nº 71, 13 de março de 1861, op. cit.. p.1
228
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra, conde de Lages, ao diretor do Arsenal
pedindo informações sobre as peças que faltavam na máquina a vapor. Rio de Janeiro, 27 de agosto
de 1839. Mss. ANRJ. IG7 325.

419
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

turas do próprio Exército, como nas Fábricas de Ferro de Ipanema e na de Pólvora da


Estrela. Consideramos essa demora como notável, tendo em vista as notáveis economias
de mão de obra e de custo de produção que tal equipamento poderia trazer – um artigo
publicado em 1862, sobre a máquina de serrar do Arsenal de Marinha, calculava em
nada menos do que 83% a economia gerada por uma serraria a vapor com relação ao
complicado e lento corte manual de tábuas (ver Figura 44). O texto do artigo acrescen-
tava, com muita propriedade, que a operação da serra mecânica “apenas exige serventes,
no entretanto que o galivar [dar forma a] madeiras à mão é serviço que só pode ser feito
por oficiais dos mais peritos”, 229 ou seja, antes eram necessários artesãos com maiores
vencimentos. O ministro da Guerra estimava que as duas serras montadas no Arsenal
em 1852 produziam mais do que cinquenta serventes poderiam.230

Assim, era lógico a instalação de força motriz no Arsenal, o primeiro motor sen-
do usado para as “rodas da oficina de torneiros, até hoje movidas a braços”,231 as má-
quinas de aplainar; as de cunhar e os ventiladores da ferraria. Não era um motor muito
potente, tinha apenas 6 H.P., a ponto do diretor do Arsenal ter escrito que, como essas
oficinas exigiam maior força, talvez fosse necessário alternar o uso das máquinas.232
Este foi um problema que provou não ser grave, pois já em 1852 seriam acionadas tam-
bém os tornos existentes, duas serras e estavam em construção uma máquina de cortar e
punçar metais; um grande torno; seis de polir e amolar; uma de aplainar madeira e outra
de furar cartucheiras. Havia também em projeto a construção de uma máquina de aplai-
nar ferro (uma fresa), uma de atarraxar e outra de brocar.233

O aumento no uso de máquinas levou a que um segundo motor fosse comprado,


o diretor pedindo um de 12 a 16 cavalos, sendo ordenada a aquisição de uma máquina a
vapor usada, de dezenove H.P., oferecida por Diogo Hartley, da fábrica de São Pedro de
Alcântara (ver página 169).234 Depois da falência de Hartley, outro motor da sua fábrica,

229
A EXPOSIÇÃO Nacional. Diário do Rio de Janeiro, nº 63, Rio de Janeiro, 4 de março de 1862.
230
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório, 1852, op. cit. p. 6.
231
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Estado do Arsenal, 1851, op. cit.
232
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do estado do pessoal, 1836, op. cit.
233
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra, Marechal de Exército José Maria da
Silva Bentancourt, Rio de Janeiro, 1 de março de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
234
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra Marechal José Maria da Silva
Bittencourt, para o ministro da Guerra, Manuel Felizardo de Souza e Mello, sobre a necessidade de
comprar uma nova máquina a vapor. Rio de Janeiro, 11 de junho de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.

420
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

bem como outras máquinas foram incorporadas ao AGC e, junto com elas, uma terceira
máquina a vapor foi instalada na Fábrica de Armas da Conceição.235

A mecanização das atividades do AGC continuou. Em 1851 o maquinista tinha


solicitado a substituição dos oito tornos das oficinas, cujas estruturas eram de madeira,
por outros construídos de ferro, que teriam muitas vantagens sobre os antigos. Ainda
naquele ano, calculava-se que a substituição de uma plaina com estrado de madeira por
outra com estrutura de ferro, além de economizar no uso da força motriz – seria neces-
sária apenas metade da potência para operá-la, 3 H.P. –, resultaria na substituição de
trabalho de doze operários, um valor que amortizaria o valor da máquina (três contos de
réis) em seis meses. 236 Ainda com relação à essas máquinas de estrutura metálica, po-
demos apontar que elas davam uma maior precisão dos resultados, já que as estruturas
de madeira sofriam estresses e se distorciam durante o trabalho, ainda mais com a apli-
cação da força motriz a vapor.237 A substituição dessas máquinas antigas foi um passo
simples, mas significativo na passagem para uma produção completamente artesanal
para outra, onde se iniciava uma cultura de maior controle sobre a qualidade dos produ-
tos.

Em 1858, o construtor, Antônio Correia de Melo e Oliveira pediu uma série de


equipamentos: uma máquina de aplainar, capaz de trabalhar peças de noventa centíme-
tros de largura e seis metros de comprimento; um torno mecânico com barramento
(comprimento) de seis metros e outro com cinco metros; uma máquina de furar de mesa;
uma de fazer roscas de até 75 mm de diâmetro; um torno de artilharia para peças de
calibre 3 até 24 libras238 e uma máquina de furar até 37 mm (1 e ½ polegada). Além
dessas máquinas, se pediu uma plataforma graduada com divisões métricas e em graus,
minutos e segundos, assim como com graduações do sistema arcaico português (palmos,

235
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao Ministro da
Guerra, Conselheiro Sebastião do Rego Barros sobre condução de uma máquina a Vapor para a
fortaleza da Conceição. Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1859. Mss. ANRJ. IG7 16.
236
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal José Maria da Silva Bittencourt, Marechal
de Exército, ao Ministro da Guerra, Conselheiro Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janei-
ro 13 de janeiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12.
237
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Maquinista Carlos Rouhette sobre a substituição dos tornos
de madeira por outros de ferro. Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12.
238
Para uma noção do tamanho desse torno, uma peça de 24 libras de bronze pesava 2.690 kg e tinha três
metros de comprimento. CARUANA, Adrian B. The identification of British Muzzle Loading Artil-
lery : Part 2, the piece. The Canadian Journal of Arms Collecting. vol. 22, n° 1 (feb. 1984). p. 17.

421
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

polegadas, linhas e pontos), para calibração de trabalhos de precisão.239 A compra foi


autorizada, se liberando um crédito de cem mil francos para a legação na Europa enco-
mendar o material. 240

A mecanização chegou ao ponto de algumas máquinas terem sido feitas na pró-


pria instituição. Em 1861 se ordenou ao Arsenal a fabricação de uma para raiar peças de
artilharia, 241 que teria utilidade para a conversão de bocas de fogo para o sistema La
Hitte, permitindo que canhões antigos pudessem ser usados como armas novas – o Mu-
seu Histórico Nacional tem em suas coleções um canhão feito em 1680, raiado usando
essa máquina, a boca de fogo obsoleta se tornando moderna com essa modificação.242
Em 1863 se ordenou que o Arsenal fizesse uma máquina de tornear munhões de ca-
nhões, permitindo dar acabamento mecânico aos mesmos. 243

Esses equipamentos são um indício de que mudava a filosofia da manufatura,


para uma mais moderna, em transição para se tornar uma fábrica. Mas são apenas indí-
cios e devem ser vistos com cautela. Por exemplo, são máquinas individuais, para reali-
zar serviços específicos e pesados – não são equipamentos numerosos, para acelerar a
produção dos artesãos em geral. Também não serviam para produzir peças em série.
Outro problema é a falta de máquinas de precisão, indispensáveis para a produção de
peças intercambiáveis: em 1864 o Jornal do Comércio publicou um texto onde se ques-
tionava por que o Arsenal de Guerra tinha encomendado ao de Marinha a fabricação de
determinadas engrenagens e por que o orçamento do AGC, de 1.250.000 réis por reparo
de artilharia, era tão superior ao preço pelo qual eles seriam feitas na Marinha. A expli-
cação do diretor do AGC era bem simples e vale a pena reproduzir em sua íntegra:

O Arsenal de Marinha possui máquinas próprias para prontificar as


diversas peças de máquinas; tem, portanto, a sua máquina para abrir
dentes em rodas, e o Arsenal de Guerra não possuindo tal máquina
precisa abrir os dentes de rodas à mão, e depois limar etc.; isto leva

239
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Construtor do Arsenal, Antônio Correia de Melo e Oliveira
ao diretor. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
240
BRASIL – Ministério da Guerra. Carta do Ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho ao minis-
tro do Brasil em Londres, Francisco Ignácio de Carvalho Moreira sobre compra de máquinas para
o Arsenal. Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
241
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao ministro
da Guerra, Conde de Caxias, pedindo exoneração. Rio de Janeiro, 8 de maio de 1862. Mss. ANRJ.
IG7 534.
242
Peça SIGA 015882. O canhão, que tem 2,74 m, também teve seu bocal reforçado, sendo torneado e m
um dos tornos do Arsenal.
243
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício do ministro, Antônio Manoel de Mello ao diretor do Arsenal,
José de Vitória Soares de Andréa. Rio de Janeiro, 19 de maio de 1863. Mss. ANRJ. IG7 392.

422
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

muito tempo e é serviço que só pode ser feito por oficiais de 1a classe
os quais vencem maior jornal. 244
Ou seja, a manufatura de artigos de precisão ainda tinha ser feita artesanalmente
o que, como já colocamos no capítulo 5, implicava em lentidão na produção, imprecisão
nos resultados, menor qualidade dos produtos e custos mais elevados dos mesmos.

Certamente os motores e máquinas certamente auxiliaram em muito o funcio-


namento da instituição, aumentaram a qualidade das peças feitas e, principalmente, re-
duziram os custos. Ainda que não tenhamos encontrado documentos sobre isso, não
podemos deixar de fazer uma ligação entre o início da mecanização do AGC com o fato
de que em 1849 se ordenou que os escravos de aluguel que trabalhavam na manufatura
fossem dispensados. Tal ação encareceu o custo da mão de obra não qualificada, que
fazia funcionar as antigas máquinas manuais, 245 pois se teve que contratar trabalhadores
livres (ver capítulo 10). Contudo, isso seria mais do que compensado pela economia
causada pela dispensa de trabalhadores braçais com a adoção do uso de máquinas.

Nesse sentido, apontamos que a mecanização da oficina da Conceição, tratada


em outro ponto do presente trabalho, é um exemplo importante do processo de trans-
formação da manufatura para uma manquinofatura e dos percalços encontrados nessa
transição que, como vimos pelos dados acima, não chegou a se concretizar no Arsenal.

8.6 Notas sobre as oficinas


A organização do Arsenal é importante para se entender a filosofia do Exército
na área manufatureira: não havia uma concepção clara de como deveria funcionar uma
organização moderna para os padrões da época. Cremos ser evidente, até, que não che-
gou a haver uma só manufatura: o AGC era um conjunto inarticulado de oficinas, algu-
mas de grande porte (ver Tabela 15), sem maior cooperação entre si. Isso, em parte, se
entende quando vemos que a instituição, ao contrário das outras manufaturas existentes
no Rio de Janeiro, não se voltava para o preparo de apenas um produto para seu merca-
do de consumo. Por exemplo, uma fábrica de chapéus (ver Figura 12) fazia apenas um
tipo de objeto, apesar de poder haver diversas variantes deles. As manufaturas de armas

244
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Coronel José Victoria de Soares de Andrea, ao mi-
nistro da Guerra, José Mariano de Mattos, sobre artigo publicado no Jornal do Comércio. Rio de
Janeiro, 10 de março de 1864. Mss. ANRJ. IG7 26.
245
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos escravos que existiam nas oficinas e que foram despedidos
hoje, Manoel José da Silva, apontador. Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1849. Mss. ANRJ.
IG710.

423
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

francesas produziam apenas uns poucos tipos de bens (espingardas, carabinas, mosque-
tões, clavinas, pistolas e, em instalações especializadas, armas brancas e reparos de arti-
lharia – ver Figura 23), todos os produtos com características básicas idênticas.

Ao contrário disso, o AGC, tinha que fornecer tudo para o exército, inclusive
bens que ele próprio não tinha condições de fazer, tendo que comprar no mercado civil
– só que o Exército procurava evitar isso. Dai a permanência de oficinas arcaicas e que
certamente poderiam ser vistas como inúteis, tais como as de instrumentos bélicos ou a
de abridores. Cremos que também é claro que não havia uma proposta de mecanização
das oficinas, com todas as possibilidades que isso criaria. O processo de aquisição e
instalação de máquinas foi tardio, não sistemático e incompleto, sem haver um objetivo
claro em vista, tudo isso indicando que a organização permaneceu como uma pré-
indústria, apesar de ter tido condições de avançar para um estágio mais avançado, o de
fábrica.

Finalmente, devemos dizer que não há uma justifica para a resistência em adotar
um sistema de divisão de trabalho, com as oficinas colaborando entre si de forma mais
sistemática. Isso já era feito no País (ver Figura 12) e poderia ter sido implantado sem
problemas no AGC. Contudo, pelo contrário, se observa até a duplicação de esforços,
como a existências de oficinas de espingardeiros, coronheiros, latoeiros e abridores tan-
to da Fortaleza da Conceição quanto no Arsenal propriamente dito. Algo que, em parte,
explica o imenso quadro de artesãos empregado na instituição (ver Gráfico 22). Além
disso, era um corpo de trabalhadores que apresentava seus problemas, também mal re-
solvidos, como trataremos no último capítulo de nosso trabalho.

Para encerrarmos o presente capítulo apontamos que a história das oficinas indi-
ca uma série de problemas, alguns que escapavam ao controle da administração do pró-
prio exército. Com uma situação política muito acidentada, seria difícil manter uma evo-
lução constante na instituição, o caso mais grave sendo a Regência, que significou uma
solução de continuidade no avanço técnico da instituição, que regrediu a padrões bem
mais primitivos do que tinha pouco antes. O exemplo mais evidente disso sendo o do
fechamento da Fábrica de Armas e a transferência de suas atividades para o Arsenal. A
instalação isolada tinha uma imensa possibilidade de criar uma verdadeira indústria me-
canizada no País, como trataremos no capítulo seguinte, mas foi simplesmente extinta,
por causa de uma visão imediatista, de economia de recursos, como parte de um proces-
so de desmonte do próprio exército.

424
Capítulo 8 – Uma manufatura, muitas oficinas.

Talvez mais importante do que a própria redução no tamanho do Arsenal em


1831, tenha sido a estrutura administrativa aprovada pelo decreto de 21 de fevereiro de
1832. Esta institucionalizou uma organização administrativa muito ruim, com oficinas
cuja função era pouco clara e de utilidade muito questionável para o Exército. Também
não fazia previsão de pessoal técnico – este último para nós sendo um ponto central para
entendermos as diferenças do Arsenal com relação às fábricas de armas na Europa e
Estados Unidos.

Somente após o final do período regencial, é que se observam medidas para


aperfeiçoar a manufatura, com a extinção das oficinas mais questionáveis, como as de
desenhadores e escultores. Passos mais evidentes são ainda mais tardios, como a criação
das oficinas de instrumentos matemáticos – uma organização técnica – e de máquinas,
em 1844. No entanto, a própria organização política do país, com a alternância de mi-
nistros da Guerra, alguns sem uma visão clara das necessidades da instituição, represen-
tarem retrocessos, que impediram que a instituição atingisse seu pleno potencial. Ou
seja, em todo nosso período analisado, as bases pré-industriais da instituição, criadas já
no século XVIII, não se alteraram, apesar de haver no exterior exemplos de como isso
poderia ser feito.

425
Capítulo 9 – Repartições externas

Sumário

9 Repartições Externas
9.1 O laboratório do Castelo
9.2 A Casa de Armas da Conceição
9.2.1 Os armeiros alemães
9.2.2 A Fábrica de Armas da Conceição
9.2.3 A Nova Fábrica da Conceição
9.3 A Oficina de foguetes/Laboratório Pirotécnico do Campinho
9.4 Um projeto de fábricas

427
Capítulo 9 – Repartições Externas

9 Repartições Externas

Além das oficinas localizadas na instalação central do Arsenal, ele, como já foi
comentado, teve três outras “repartições”, que não funcionavam na ponta do Calabouço.
A mais importante em termos de força de trabalho, a Fábrica de Armas da Conceição,
surgiu como uma entidade independente, com sua própria organização administrativa.
Outra, o Laboratório Pirotécnico do Castelo, foi criado de forma “semi-independente”,
sendo depois incorporada ao AGC. Finalmente, a Oficina de Foguetes/Laboratório Piro-
técnico do Campinho existiu por muitos anos em uma espécie de “limbo” administrati-
vo, sem ter sido oficializada, mas, como as outras, dependendo, em maior ou menor
grau, para seu funcionamento do Arsenal. Como dito, todas elas não funcionam como
parte do conjunto de prédios do Arsenal, estando afastados dele – o do Campinho fican-
do bem distante, cerca de vinte quilômetros da Ponta do Calabouço.

Consideramos que conhecer o funcionamento da Fábrica de Armas e da Oficina


de Foguetes/Laboratório do Campinho é de extrema importância para entender a menta-
lidade do Exército no campo manufatureiro, especialmente tendo em vista as diferenças
de funcionamento dessas unidades menores com relação à grande manufatura, pois em
alguns aspectos estavam adiante dele em termos de organização do trabalho.

9.1 O laboratório do Castelo


Iniciamos este capítulo falando da menor e menos importante de todas as repar-
tições externas do Arsenal, o Castelo. Este era um Laboratório Pirotécnico comum, do
tipo que existia em praticamente todas as outras províncias, como tratado anteriormente.
Sua localização original foi na Praia de Santa Luzia, mas foi transferido para o interior
do antigo forte de São Januário, próximo da Sé, no morro do Castelo, durante o governo
do vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa (1778-1790). 1 Até 1810 ele era subordinado ao
regimento de Artilharia do Rio de Janeiro, passando a ter um diretor próprio nesse últi-
mo ano.2

1
PORTUGAL – Desembargo do Paço. Parecer do Desembargador dos Feitos da Coroa, Joaquim de
Amorim e Castro, sobre a propriedade do forte de São Januário. Rio de Janeiro, 23 de janeiro de
1812. Mss. ANRJ. Coleção Polidoro, maço 12.
2
PORTUGAL – Decreto de 24 de janeiro de 1810. Cria o lugar de diretor do Laboratório de Fogos
Artificiais.

428
Capítulo 9 – Repartições externas

Com o decreto de regulamentação dos Arsenais,3 de 1832, o Laboratório passou


a ser administrativamente dependente da Fábrica de Pólvora da Estrela, algo que teori-
camente faz sentido, pois a instalação dependia basicamente do produto da Fábrica. Mas
isso é apenas uma conclusão superficial, já que a pólvora, na prática, vinha dos depósi-
tos e não diretamente da Estrela, enquanto os outros insumos, como as balas, papel para
os cartuchos ou munições de ferro fundido, eram fornecidos pelo AGC. Além disso, a
Fábrica de Pólvora estava colocada a uma grande distância do centro da cidade – 53 km
por terra –, dificultando as comunicações regulares. Dessa forma, essa ligação adminis-
trativa com a Fábrica de Pólvora não durou muito tempo: em 1837 já há documentos do
Arsenal tratando da administração do Laboratório.4

A instalação nunca foi muito grande: ainda em 1837 tinha como corpo funcional
apenas um tenente encarregado, quatro artífices de fogo, operários militares especializa-
dos na fabricação de artefatos pirotécnicos e, ocasionalmente, de dez a vinte aprendizes
enviados do Arsenal, quando havia a necessidade de aumentar a produção.5 Em 1851,
em plena crise causada pela Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852), o Laboratório do
Castelo tinha apenas um fiel, dois operários paisanos e quatro artífices do fogo. Naquele
ano, quando a produção necessitou aumentar, os trabalhadores regulares foram auxilia-
dos por um destacamento de doze soldados do 1º Batalhão de Infantaria e vinte aprendi-
zes do Arsenal. 6 Mesmo com esse efetivo reduzido e as instalações sendo apenas “três
pequenas casas baixas e mal construídas” 7, preparou-se em alguns meses cerca de um
milhão e oitocentos mil cartuchos e cinquenta mil outros artefatos pirotécnicos.

A instalação foi um pouco modernizada justamente em 1851, pois naquele ano


foi criada outra oficina no Laboratório, esta para a fabricação de cartuchos para espin-

3
BRASIL – Decreto de 21 de fevereiro de 1832. Dá Regulamentos para o Arsenal de Guerra da Corte,
Fábrica da Pólvora da Estrela, Arsenais de Guerra e Armazéns de depósitos de artigos bélicos.
4
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Antônio João Rangel de Vasconcellos ao ministro da
Guerra, sobre a construção de prédios internos no Laboratório do Castelo. Rio de Janeiro, 14 de fe-
vereiro de 1836. Mss. ANRJ. IG7 20.
5
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício de Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão [vice-diretor do
Arsenal] à Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara, juiz de direito chefe de polícia, pedin-
do entrega de barris de água. Rio de Janeiro, 14 de junho de 1837. Mss. Arquivo Nacional, IG720.
6
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa dos artífices que trabalham nos diferentes artifícios de guerra no
laboratório. Relatório do Arsenal de Guerra. José Maria da Silva Bittencourt, 1 de março de 1852.
Mss. ANRJ. IG7 13.
7
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Estado do Arsenal de Guerra da Corte. José Maria da Silva
Bittencourt, Marechal de Campo e diretor. Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7
12.

429
Capítulo 9 – Repartições Externas

gardas Dreyse. 8 Esta arma, ao contrário das antigas, dependia de uma munição feita de
papel de formato e composição especiais, que só podia ser preparada à máquina. Para
isso foram adquiridas duas delas para enrolar e outra para comprimir papel, obviamente
movidas à mão, já que o laboratório não dispunha de motores.9 Esse cartucho também
necessitava de uma pequena quantidade de fulminato de mercúrio, que era fornecido
pela Oficina de Foguetes do Campinho, que tinha um laboratório químico capaz de pro-
duzir esse produto. De fato, a fabricação dessa munição seria, mais tarde, concentrada
no Laboratório do Campinho, melhor equipado para isso.

Em termos de funcionamento, o mais interessante que podemos apontar é que


em meados do século, o diretor do Laboratório era o capitão reformado Francisco de
Paula Faria que, segundo o diretor do AGC, era doente e “já não pode ter toda a ativida-
de precisa nem bastante energia para se fazer obedecer”.10 Em outro relatório, se escre-
veu que “a marcha dos trabalhos, e mesmo a execução deles começou a ressentir-se do
estado de decrepitude em que se acha o capitão”.11 Mencionamos isso apenas como um
exemplo da forma como eram tratadas as manufaturas militares, com pessoal que não
era considerado como apto para o serviço ativo sendo encarregado de funções importan-
tes.

Devido aos problemas do funcionamento do Laboratório, bem como a duplica-


ção de esforços que havia entre este e o do Campinho, o Laboratório do Castelo foi ex-
tinto por aviso de 3 de setembro de 1861,12 o remanescente das atividades que ainda
eram executadas lá, a fabricação de cartuchos para armas de alma lisa, sendo transferida
para o Laboratório do Campinho.

8
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia geral legislativa na quarta sessão
da oitava legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Manoel Felizardo
de Souza e Mello. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1852. p. 8.
9
BRASIL – Arsenal de Guerra. Conta do maquinista Carlos Rouhette ao diretor, Vicente Marques Lis-
boa do recebimento de máquinas. 11 de dezembro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12.
10
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, Cel. Jeronimo Francisco Coelho ao minis-
tro da Guerra, Pedro d’Alcântara Bellegarde, Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1855. Mss. ANRJ.
IG7 14.
11
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra da Corte. Manoel Albino de Carvalho,
o diretor, ao Conselheiro José Maria da Silva Paranhos, ministro da Guerra. Rio de Janeiro, 31 de
janeiro de 1859. Mss. ANRJ. IG7 16.
12
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, ao
Sr. chefe da 1a Seção da 1a Diretoria Geral da Secretaria de Estado, Mariano Carlos de Sousa Cor-
rea, envia o Relatório do movimento administrativo de 1861. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de
1862. Mss. ANRJ. IG7 24.

430
Capítulo 9 – Repartições externas

9.2 A Casa de Armas da Conceição.

A Casa de Armas é um caso específico de Trem (ver capítulo 6), pois original-
mente se destinava a armazenar apenas armamento portátil, algo que normalmente era
feito nos Trens, que mantinham depósitos de outros artigos, tal como artilharia, farda-
mentos e assim por diante.

Em termos históricos, o termo “casa de armas” era um usado do século XVII até
o XIX para indicar o depósito de material bélico de uma unidade militar, como nas for-
talezas. Entretanto, a Casa de Armas da Conceição parece ter sido um caso atípico, tal-
vez por suas dimensões, grandes para a época: o edifício onde eram acomodados os
armamentos ainda existe e é um prédio de 12 metros de frente por 30 de fundo, sendo
um pouco maior que a Casa do Trem de Santos, para efeitos de comparação.

Figura 52 – Vista da Casa de Armas da Colônia de Sacramento, Uruguai, 1735.13


Datada de 1735, esta é a única imagem do interior de uma instalação para guarda e manutenção de arma-
mento do Exército que encontramos. As armas estão colocadas em uma única série de cabides, enquanto
na Conceição eram três andares deles, com pistolas colocadas acima das armas longas, tal como na ilus-
tração acima. Apesar do aspecto barroco do armazém, o excesso de decorações era comum, como pode
ser visto em uma gravura de Surirey de Saint-Remy que mostra o interior da Bastilha, a casa de armas de
Paris.14
A instituição foi fundada em 1765 pelo vice-rei Conde da Cunha e tinha uma
grande capacidade para armazenamento de armamento – o Trem da Colônia de Sacra-

13
RELAÇÃO do sítio, op. cit. s.n.p.
14
SAINT-RÉMY, Pierre Surirey de. Mémoires d'artillerie. Paris: Rigaud, 1707. Prancha 108.

431
Capítulo 9 – Repartições Externas

mento (Figura 52) podia acomodar 3.000 espingardas e clavinas, 15 mas a Casa da Con-
ceição podia receber 10.000 espingardas, 5.000 clavinas e 7.000 espadas.16 Isso apesar
desse número, posteriormente, ter sido considerado como insuficiente, o Arsenal cons-
truindo sua própria Casa de Armas, com capacidade para mais 18.000 armas. 17

Mais importante, o conde da Cunha criou duas oficinas de armeiros na Concei-


ção: a de espingardeiros, com dez trabalhadores, e a de coronheiros, com seis, (ver Figu-
ra 53), mandados vir de Portugal para trabalhar no Rio de Janeiro, sob a direção de um
Inspetor. Mais tarde, ainda no período colonial, a Casa de Armas também passou a ter
pessoal civil: um almoxarife, um escrivão e um fiel, além de se terem contratado apren-
dizes para o aumento das oficinas. 18 Ou seja, a Conceição atuava efetivamente como um
Trem, apesar de seu campo de ação ser muito restrito, dedicado apenas às armas portá-
teis. Não servia só como depósito, mas também fazia consertos.

Quanto à sua história, devemos dizer que o Almanaque do Rio de Janeiro de


1794 denomina a instalação de “Fábrica de Armamentos”, voltando a dizer que lá havia
um inspetor, termo que na época indicava diretor de instalação manufatureira. Também
menciona a existência de mestres de espingardeiros (com um contramestre apoiando-o),
latoeiros e coronheiros, 19 indicativo que havia pelo menos essas três oficinas funcionan-
do no local. Contudo, ao que tudo indica, estas instalações não eram para a fabricação
de armas, no sentido de que não faziam armas novas, apenas realizavam consertos nos
equipamentos depositados. As armas reparadas, depois, seriam usados para abastecer as
capitanias subordinadas ao Rio de Janeiro, bem como aos regimentos sediados na cida-
de.

15
RELAÇÃO do sítio, que o governador de Buenos Aires D. Miguel de Salcedo pôs no ano de 1735 à
praça da Nova Colônia do Sacramento, sendo governador da mesma praça Antônio Pedro de Vas-
concelos. Lisboa: Francisco Luiz Ameno, 1748. s.n.p.
16
BRASIL –Arsenal de Guerra. Relatório do Estado do Arsenal, 1851, op. cit. Com o aproveitamento de
outros prédios em 1845 chegaram a ficar guardadas 21.000 armas na fortaleza. BRASIL – Ministério
da Guerra. Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra apresentado à Assembleia Geral Legis-
lativa na 1ª Sessão da 6ª Legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra,
Jerônimo Francisco Coelho. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1845. p. 14.
17
id. p. 15.
18
CRUZ, J. de Souza. Acontecimentos da Fortaleza da Conceição do Rio de Janeiro, 1844. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo XXV, 1862. Nendeln: Kraus-Thompson, 1973. p.
454.
19
ALMANAQUES da cidade do Rio de Janeiro para os anos de 1792 e 1794. Anais da Biblioteca Nacio-
nal, vol. 59, 1937. Rio de Janeiro: Ministério da Educação, 1940. p. 303.

432
Capítulo 9 – Repartições externas

Figura 53 – Plano da fortaleza da Conceição, 1771.20


Reforçamos em vermelho as letras que marcam locais que consideramos importantes. A Casa das Armas
está ilustrada com a indicação “K”, enquanto as duas oficinas de armeiros aparecem no interior da fortifi-
cação, marcadas com a letra “F”. Nessa época, o forte ainda estava ativo como parte das defesas do Rio
de Janeiro, deixando de sê-lo apenas em 1831.
A instalação seria muito ampliada a partir de 1808, como abordaremos mais
abaixo, ao falarmos da Fábrica de Armas da Conceição.

9.2.1 Os armeiros alemães


Antes de entrarmos no assunto da Fábrica de Armas da Conceição, cremos ser
necessário fazer um desvio para falar de uma iniciativa portuguesa para a implantação
de um sistema manufatureiro na Europa e que teria efeitos no Brasil. No início do sécu-
lo XIX o governo português decidiu importar armamento da região de Suhl, na atual
Alemanha, fazendo uma compra de 30.000 armas em 1802. Junto com a aquisição das
espingardas deveriam ser contratados mestres alemães para instalar manufaturas em
Lisboa e no Porto e para isso se fizeram estudos visando verificar o que seria necessário
para a iniciativa. Em termos de trabalhadores, os ofícios que eram listados como neces-
sários para uma das manufaturas eram os seguintes:

20
RELATION et plan des ouvrages reparés et additionaux a la forteresse de Conceição fait par ordres de
son Ex.ce le Marquis vice Roi. Jacques Funck, Rio de Janeiro, 26 de abril e 1771. Mss. Cópia foto-
gráfica da Biblioteca da Marinha.

433
Capítulo 9 – Repartições Externas

Pessoal Qtd
Diretor 1
Fabricantes de canos 3
Desbastador de canos 1
Coronheiros 2
Fabricantes de fechos 2
Ferreiros para baionetas e varetas 2
Desbastadores de baionetas e varetas 2
Latoeiros para as guarnições 2
Torneiros 2
Ajustador 1
Total 18
Tabela 16 – Profissionais necessários para uma fábrica de armas. 21
De acordo com recomendação feita por Heinrich Anschutz em 1802, empresário da Turíngia, fornecedor
do Exército português.
Na elaboração do pedido de pessoal a ser admitido, surgiu uma dúvida interes-
sante: em Suhl a feitura das peças era realizada por artesãos descentralizados, especiali-
zados na manufatura de peças específicas, com alta divisão do trabalho. As armas de-
pois sendo montadas em um estabelecimento central, tal como em Saint-Étienne, tratada
anteriormente (ver página 219). No entanto, em Portugal, haveria uma fábrica central,
de forma que se enviou para o empresário responsável pela contratação duas hipóteses:
em uma seriam trazidos artesãos com todos os ofícios necessários para o preparo de
uma arma e outra só com alguns especialistas, as peças complementares, como as guar-
nições, devendo ser feita por portugueses.22

A dúvida sobre a composição do corpo funcional da futura manufatura é um in-


dicativo de que não havia uma visão clara de como deveria funcionar a fábrica, já que a
feitura de algumas peças, como varetas, parafusos e guarnições, não demandavam técni-
cos altamente especializados. Como tratado no capítulo 5, apenas os canos e fechos
eram peças críticas, o resto podendo ser preparado por artesões com conhecimentos
básicos de suas especialidades, como marceneiros para as coronhas. No final, fica claro
que a opção escolhida por Portugal foi a contratação de todos os profissionais necessá-
rios para fazer funcionar a Fábrica (ver Tabela 16), o que talvez não teria sido necessá-
rio ou conveniente.

A dúvida sobre o engajamento ainda tinha outros aspectos além da questão das
especialidades, um dos maiores sendo o pagamento: foi oferecido aos alemães um salá-
rio anual extremamente alto, de 220.000 réis, que seria acrescido pelos gastos com mo-

21
COELHO, Sérgio Veludo. Os Arsenais Reais de Lisboa e do porto: 1800-1814. Porto: Fronteira do
Caos, 2013. p. 190.
22
id. p. 191.

434
Capítulo 9 – Repartições externas

radia, de responsabilidade do governo português e por um valor equivalente à que os


aprendizes pagariam aos mestres na Europa.23 Na prática, os salários oferecidos eram
muito superiores aos dos artesãos portugueses, apesar do próprio encarregado da lega-
ção portuguesa na Prússia colocar dúvidas sobre a qualidade da mão de obra que seria
empregada. Os armeiros foram contratados por dez anos em 1806, com a obrigação de
ficar em Portugal durante esse período e assumir o ensino de aprendizes, estes últimos
sendo destinados a dar continuidade às Fábricas de Armas. Alguns dos armeiros contra-
tados foram para Lisboa, outros para a cidade do Porto, havendo a previsão de se mon-
tar uma manufatura nas proximidades do rio Souza, próximo ao Porto, onde havia força
hidráulica.

As instruções dadas para a criação da fábrica eram bem lógicas e julgamos que
vale a pena reproduzi-las, para comparar com o que de fato foi implantado nas tentati-
vas feitas no Brasil e para perceber as intenções dos funcionários do governo português
que planejaram a fábrica:

O sítio, que se deve escolher, deverá ser saudável, e que tenha água
bastante, para fazer mover em todas as estações do ano as Máquinas
de brocar e as de forjar as lâminas para os canos de espingarda; reu-
nindo também as condições de ser junto de algum porto, ou rio nave-
gável, para se diminuir a despesa dos transportes; e, além disso, deve-
rá preferir-se aquele onde o carvão de madeira for mais barato, e em
que não puder com facilidade extinguir a madeira de que ele deve ser
feito, para o que deverão tomar medidas a respeito dos cortes. Da
combinação de todas estas circunstâncias com as de ter carvão de pe-
dra, e ferro por meio de transporte de água resultará a boa escolha da
fábrica.
Os fabricantes deverão estar reunidos em uma povoação junto das
máquinas de furar os canos, e forjar as lâminas, e para cada um deles
se deve construir uma casa, em que trabalhem e vivam: esta casa de-
verá ser térrea, na primeira de fora se fará uma forja, e em duas de
dentro terão a sua família com uma pequena água furtada em que
durmam. Para o estabelecimento das máquinas de furar os canos, e pa-
ra as de forjar as lâminas se estabelecerão barracões.24
Ou seja, o projeto previa os elementos básicos de uma fábrica – e usamos o ter-
mo no seu sentido estrito – mecanizada, a ser movida por força hidráulica, em um local
com reservas de madeira para carvão, havendo a previsão para utilização de carvão de
pedra. Determinava-se que o local tivesse disponibilidade de transporte fluvial, para

23
id. p. 192.
24
APONTAMENTOS para o estabelecimento da Fábrica de Espingardas, Pedro Inácio Álvares Ribeiro
Diretor da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do alto Douro, s.d. [1807]. CARDOSO Jú-
nior, Bernardo Gabriel. O Trem do Ouro. O tripeiro: do porto pelo porto. Nº 1 maio de 1958, V sé-
rie, ano XIV, s.n.t. pp. 20-21.

435
Capítulo 9 – Repartições Externas

diminuir o custo do despacho dos produtos e matérias primas. Por sua vez, ainda havia
presente a questão que os artesãos trabalhariam em oficinas em suas casas, repetindo a
situação das oficinas artesanais arcaicas, o projeto mantendo suas características pré-
industriais.

Continuando com as especificações, a produção no local deveria seguir os se-


guintes princípios:

As armas fabricadas para o uso do Exército deverão ser conforme os


modelos que se devem dar do Arsenal, Calcular-se-á o preço porque
Sua Alteza as deve pagar, o qual será resultado da combinação dos
géneros primos [matéria prima] fornecidos pela Companhia dos Ar-
tistas, e do ganho destes pela sua mão de obra, a que se deve acrescen-
tar o lucro suficiente pelo empate do dinheiro empregado nos géneros
e obras e na administração.
Será livre à Companhia fabricar Armas de Caça, ou para negócio, de-
pois de completar o número, que em cada ano deve fornecer ao Arse-
nal, o qual deve ser deverá ser arbitrado depois do primeiro ano, que a
Fábrica trabalhar.25
Essa parte do texto deixa claro que a empresa não seria estatal, pelo menos no
sentido que entendemos hoje, sendo uma entidade privada, que teria como obrigação o
fornecimento de material para o exército, mas podendo vender excedentes para o mer-
cado, como forma de aumentar os vencimentos dos artesãos.

Na direção da Fábrica deve haver um inspetor, e um subinspector e


um guarda armazéns, que será também guarda-livros, todos à escolha
da Companhia que os deve pagar. Haverá também dois aprovadores
das obras por conta da Companhia e dois oficiais de artilharia por con-
ta do Estado, que todos farão a prova dos canos na forma que se usa
em outras partes, e os oficiais de artilharia assistirão sempre a elas, e
aprovarão ou rejeitarão os que devem servir para o Exercito, assim
como as Espingardas, que devem entrar no Arsenal.
Todas as outras peças devem igualmente ser aprovadas pelos aprova-
dores e só pagas as que merecem aprovação.
Os oficiais de Artilharia Aprovadores serão nomeados pelo Estado.
Haverá na Fábrica uma Companhia de Veteranos, para conservar a
boa ordem, e será paga pelo Estado.
As Máquinas que agora forem precisas far-se-ão [no] Arsenal.
O Estado assegurará a consignação para o pagamento das armas, que
receber.26
Quanto aos aprendizes deve-se frisar que era um interesse específico da coroa
portuguesa que os armeiros treinassem profissionais, tanto é que os contratos feitos ti-

25
id. p. 21.
26
id. p. 21.

436
Capítulo 9 – Repartições externas

nham uma cláusula específica nesse sentido, como no feito com Koenig, Mendel e
Winkler:

§ 8º Os três referidos Mestres, ficam também obrigados de ensinar


perfeitamente, e no tempo que se há de estabelecer ainda no futuro,
todos os Aprendizes que se lhes entregar, não só na fabricação de Ar-
mas, e até onde chegar os seus conhecimentos; mas também de lhes
fazer conhecer, sem exceção alguma, todo o particular da sua arte.27
Fica claro que a proposta era a criação uma empresa semiprivada, e de artesãos
semi-independentes. Haveria, contudo, certo controle estatal, com a presença de fiscais
do produto, os “oficiais aprovadores”. Tudo isso com uma forma de atuação que lembra
muito como funcionava a Manufacture de Saint-Étienne, na França –parece que a pro-
posta portuguesa se baseava nas práticas francesas de então, não necessariamente as
mais modernas, mas as mais conhecidas. Ou seja, era uma ideia aparentemente prática,
apesar da estrutura francesa, de inspetores, controladores e, principalmente, modelos
padronizados que permitissem uma fiscalização por parte do governo, não existir em
Portugal. Tudo talvez fosse viável, mas a ideia era embasada em princípios antiquados,
de uma pré-indústria.

9.2.2 A Fábrica de Armas da Conceição


Fosse factível ou não, a fábrica do Porto não foi adiante por causa da invasão
Francesa de 1807. O que aconteceu foi que o príncipe D. João ordenou que os armeiros
contratados viessem para o Brasil, o que aconteceu em 1810.

Segundo Viterbo,28 teriam vindo para o Rio de Janeiro pelo menos dezesseis ar-
meiros:

27
CONTRATO entre J. Koenig, J. F. Mendel e J. J. Winkler, armeiros de Spandau e Silvestre Pinheiro
Ribeiro, representante da corte portuguesa na Prússia. Charllotenburg, 1º de setembro de 1806. In:
VITERBO, Sousa. A armaria em Portugal. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1908. p. 113.
28
id.

437
Capítulo 9 – Repartições Externas

Armeiros Especialidades
Johann Koenig 29
Mestre fabricante de canos
Johann Gottfried Rottenberger Mestre fabricante de baionetas e varetas
Johann George Bauer Mestre ferreiro
Johann Friedrich Graeff Mestre fabricantes de fechos
João Ernesto Martinho Riga Mestre forjador de canos
José Mathias Dumoulin Mestre forjador de canos
Eustachius Ludwig Lebeck Mestre forjador e polidor de canos
Johann Julius Lebeck Mestre forjador, brocador e polidor de canos
Emmanuel Kraatz Mestre coronheiro
Johann Friedrich Beth Oficial de baionetas
Benjamim Baer Mestre em forjar baionetas
Friedrich Wilhe m Meyer Oficial serralheiro
João Daniel Voigt 30
Oficial espingardeiro
Frederico Beth Oficial espingardeiro
Anastacius Ludwig ?
Jorge Henrique Christiano Aurin ?
João Jorge Baner ?
Tabela 17 – Operários alemães enviados para o Brasil em 1810.31
Deve-se observar que praticamente todos os ofícios necessários para a fabrica-
ção de uma arma estão representados nesta lista. Não aparecem, contudo, três profis-
sões: de fundidores de latão, necessários para as guarnições de uma arma 32; torneiros,
para os parafusos e outras peças; e, finalmente e mais importante, um ajustador, que
montasse o produto final. Talvez isso indique uma mudança com relação à proposta de
Anschulz, de montagem de uma manufatura completa, com todos os ofícios necessários
para a manufatura de uma arma estando representados. Também é possível que essas
profissões fossem as de Ludwig, Aurin e Baner, artesãos sobre os quais não encontra-
mos informações precisas. Entretanto, mesmo que esse fosse não fosse o caso e os três
armeiros não tivessem as profissões ausentes, não cremos que a falta desses técnicos
poderia ser uma dificuldade, pois seria fácil que esses ofícios que não constam da lista
fossem supridos por empregados luso-brasileiros, já que não são altamente especializa-
dos, com exceção do ajustador, como colocado anteriormente.

Mais importante para entender as dificuldades para o funcionamento de uma fá-


brica no Rio de Janeiro do que a existência ou não de todas as especialidades de artesãos
era a questão da localização. Tanto o Arsenal de Guerra quanto a Fábrica de Armas da

29
Baer é listado como forjador de baionetas e ferramentas e Voigt como mestre serralheiro no contrato de
1817. BOLETIM do arquivo histórico militar, 16º volume. Vila Nova do Famalicão: Minerva, 1946.
p. 14.
30
Este assinou o contrato de 19 de abril de 1817, sendo listado neste como mestre. id. p. 14.
31
id. p. 181. Os últimos cinco nomes foram coletados em COELHO, op. cit. pp. 197 e 449, onde não
consta a especialidade de alguns dos armeiros.
32
Isso, talvez, por que as armas do padrão montadas na fábrica usassem guarnições de ferro, não temos
como saber.

438
Capítulo 9 – Repartições externas

Conceição, como já tratado, tinham um impedimento para o funcionamento de uma ma-


nufatura mecanizada: não havia como instalar motores nos locais onde funcionavam no
início do século XIX, pois não havia água que pudesse mover acionar os equipamentos,
tudo tinha que ser acionado por força humana, de forma ineficiente.

Assim, os mestres Lebeck são listados como “polidores de canos”, o que indica
que estavam acostumados a trabalhar com rebolos e não com limas. As pedras dos rebo-
los podiam ser giradas manualmente, mas não tão rápido; com a mesma força ou a regu-
laridade que uma roda hidráulica permitiria. Mais grave era o caso de martinetes, que
simplesmente não eram possíveis de serem empregados manualmente. Ou seja, havia
um retrocesso entre o projeto que deveria ser implantado na Europa com relação ao que
era possível fazer no Rio de Janeiro, pelo menos se fosse mantida a escolha da localiza-
ção, na antiga Casa de Armas.

Nesse sentido, deve-se dizer que em 1810 foi autorizado um empréstimo para es-
tabelecer uma fundição de artilharia e fábrica de canos de espingarda, junto da fábrica
de Pólvora da Lagoa,33 tal com tinha se projetado desde dois anos antes. No ano seguin-
te, o decreto de 18 de julho determinava separar terrenos na Fábrica de Pólvora da La-
goa para estabelecer a “fábrica de canos de espingardas e para os brocar e amolar, que
também será necessário fazer perto do lugar onde há águas suficientes para mover en-
genhos d’águas”.34

Entretanto, essa obra em um local mais adequado, projetada pelo general


Napion, não foi adiante. O que aconteceu foi que a Casa de Armas na Conceição passou
a ser chamada de Fábrica de Armas, no ano seguinte, 1811, sendo denominada na do-
cumentação oficial como “Fábrica de Canos de Espingarda”, a escolha do nome certa-
mente sendo influenciada pela chegada de armeiros alemães vindos de Portugal.

Desta forma, a nova instituição continuava sofrendo com a situação da sua insta-
lação, inadequada ao método de trabalho dos alemães, que exigia a divisão do trabalho e
o uso de máquinas. No entanto, ela já funcionava bem o suficiente para que o Príncipe
Regente baixasse um decreto determinando que cada regimento de infantaria e artilharia
tivesse uma oficina de espingardeiros, que faria os consertos básicos das armas, o texto

33
PORTUGAL – Decreto de 13 de maio de 1810. Manda contrair um empréstimo para estabelecimento
de uma fabrica de fundição de peças de artilharia.
34
PORTUGAL – Decreto de 18 de julho de 1811. Manda desapropriar as benfeitorias da lagoa de Ro-
drigo de Freitas, necessárias a Fabrica de Pólvora.

439
Capítulo 9 – Repartições Externas

do decreto especificando que a medida foi tomada para que na “Real Casa das Armas se
não interrompa com os ditos concertos a fabricação de espingardas novas que tão neces-
sárias são para o serviço do meu Real Exercito”.35 Na criação da Junta de Fazenda dos
Arsenais, a Fábrica, então ainda Fábrica de Canos da Conceição foi incluída entre as
instituições administradas por ela. 36

Em 1815 foi estabelecida na Conceição uma oficina de abridores, com um mes-


tre vindo de Portugal, 37 no caso parecendo que esta se dedicava mais ao embelezamento
de armas de luxo do que ao serviço de fazer gravações em equipamentos fabricadas na
Conceição. As informações desse período são escassas, havendo apenas uma passagem
aqui e outra ali: em 1816, encontramos na documentação do Arsenal de Guerra uma
ordem para que um dos artífices prussianos e uma broca de canos de espingarda fossem
enviados para Minas Gerais, certamente para a projetada Fábrica de Vila Rica, anteri-
ormente abordada, mas parece que esse envio não aconteceu.38

Mais sério, em 1817 a fábrica sofreu a perda dos armeiros alemães: seu contrato
de trabalho original expirou naquele ano e alguns deles assinaram um novo, para irem
trabalhar na Fábrica de Armas de São Paulo, também já abordada anteriormente. Inde-
pendente dos efeitos disso, sobre os quais não temos informações, o fim do contrato dos
alemães de fato se torna um problema em termos de história: a partir daquele ano as
informações sobre a Fábrica da Conceição passam a ser ainda mais escassas que já
eram.

O que podemos dizer é que o Almanaque para o Rio de Janeiro39 de 1827 infor-
ma que havia na Conceição um inspetor, com a patente de brigadeiro; mais dois oficiais
do exército, um deles de cavalaria, ou seja, sem formação na área técnica, e cinco funci-
onários administrativos. No topo do quadro técnico, estavam o mestre de espingardei-
ros, “que também rege a oficina de latoeiros e ferreiros”, 40 e os mestres de coronheiros e
abridores. A instituição tinha nada menos do que 129 aprendizes, deixando clara a pro-
35
PORTUGAL – Decreto de 12 de novembro de 1811. Manda estabelecer em cada um dos regimentos
de infantaria e artilharia uma oficina de espingardeiros.
36
PORTUGAL – Alvará de 1º de março de 1811.Cria a Real Junta de Fazenda dos Arsenais, Fabricas, e
Fundição da Capitania do Rio de Janeiro e uma Contadoria dos mesmos Arsenais.
37
CRUZ, op. cit. p. 436.
38
REINO UNIDO – Ministério dos Negócios do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Aviso do
Marquês de Aguiar para a Real Junta do Arsenal do Exército, Fábricas e Fundições. Rio de Janei-
ro, 17 de abril de 1816. Mss. Arquivo Nacional, IG7 33.
39
ALMANAK do Rio de Janeiro para o ano de 1827. Rio de Janeiro: imprensa Nacional, 1827. p. 215.
40
PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo. Organização e administração do Ministério da Guerra no
Império. Rio de Janeiro: Bibliex, 1986. p. 65.

440
Capítulo 9 – Repartições externas

posta de formação de pessoal numa área que era considerada como crítica para o gover-
no.

Cremos ser interessante apontar que havia oficinas de espingardeiros, coronhei-


ros e latoeiros, que teriam funções diretas na fabricação de uma arma. Por sua vez, havia
também duas outras oficinas, de ferreiros e abridores, de utilidade menor ou mesmo
questionável. De fato, a especialidade de espingardeiros tinha condições de fazer tudo o
que os ferreiros podiam em termos de forjas e a gravação nas armas. O trabalho feito
pelos abridores podia ser executado por trabalhadores não especializados, usando cu-
nhos padronizados, pelo menos para as armas utilitárias.

Figura 54 – Estabelecimentos ligados ao AGC, 1851-1863.


Um dos problemas da administração do Arsenal era a dispersão das instalações manufatureiras do exérci-
to na cidade do Rio de Janeiro. Isso seria especialmente sentido depois da criação do Laboratório do
Campinho, distante 20 km do centro da cidade, numa época em que não havia transportes coletivos – para
resolver isso, durante a guerra do Paraguai, foi feito um ramal ferroviário ligando a Estrada de Ferro Pe-
dro II ao Laboratório. Os depósitos do Andaraí e da Lagoa tiveram uma curta duração, tendo sido feitos
para isolar material bélico de um possível bombardeio inglês na conjuntura da Questão Christie (1863).
Além das cinco oficinas, havia uma aula de desenho, regida pelo mestre e por
um oficial de abridores, com 46 alunos, aprendizes de abridores e de outras oficinas. A
menção que a aula era dada pelos abridores, uma profissão de natureza artística, nos
leva a crer que esse curso não era de desenho técnico, que seria mais adequada a uma
fábrica de armas, repetindo a situação da Aula de Desenho que tinha existido no Arsenal
em 1820. Não era, portanto, algo muito apropriado ao desenvolvimento técnico de pro-
fissionais.

441
Capítulo 9 – Repartições Externas

Oficinas Mestres Contramestres Oficiais Aprendizes Serventes Soma


Espingardeiros 1 2 41 81 - 125
Latoeiros - - 30 3 - 33
Ferreiros - - 10 2 20 32
Coronheiros 1 1 14 21 - 37
Abridores 1 - 3 22 - 25
Soma 3 3 98 129 20 252
Tabela 18 – Trabalhadores na Fábrica de Armas da Conceição em 1827. 41
O almanaque de 1827 apresenta algumas informações e permite inferir outras.
Os serventes de ferreiros, mais numerosos que os próprios artesãos qualificados na pro-
fissão, eram divididos entre quinze malhadores e cinco puxadores de fole, mostrando a
falta de martinetes e, mais importante, de máquinas que permitissem a insuflação de ar
para as forjas. O almanaque não menciona serventes nas outras oficinas, certamente
uma omissão, pois entre os armeiros alemães que vieram para o Rio, havia um desbas-
tador de canos e dois de baionetas e lâminas (ver Tabela 17), que necessitariam de ser-
ventes não qualificados para mover os rebolos, mas estes não são mencionados, tal co-
mo outros trabalhadores que deviam mover as outras máquinas simples usadas na Fá-
brica.

Para a época é notável o número de empregados listados, 252 no total. Destes,


104 eram artesãos qualificados – mestrança e oficiais – trabalhando das oficinas, com
55 dos quais tendo as profissões altamente especializadas, de espingardeiros e coronhei-
ros, que teriam dificuldade para encontrar empregos na iniciativa privada. Justamente
por isso julgamos importante frisar o igualmente grande número de aprendizes dessas
oficinas e na de abridores, se comparado com o reduzido contingente deles nas de fer-
reiros e latoeiros – profissões com um maior mercado de trabalho civil. Parece que ha-
via uma clara intenção do governo em incentivar a formação de pessoal especializado
para atender às necessidades específicas do Exército.

O almanaque conclui sua entrada para o ano de 1827, informando que havia na
fortaleza um “moço”, “que rege vários aprendizes pobres, que são domiciliados da dita
fortaleza”.42 Deve-se considerar que esse internato profissional não devia ser parte dos
“Aprendizes Menores”, que trataremos com maior profundidade no capítulo 10, já que a
Conceição, naquele momento, era uma instituição separada do AGRJ.

41
ALMANAK, op. cit. p. 215.
42
id. p. 218.

442
Capítulo 9 – Repartições externas

Em termos de produção de artefatos, os documentos da época dão a entender que


esta não tinha muito peso com relação às necessidades do Exército: o relatório do minis-
tério da Guerra de 1830 diz que a Fábrica era “um dos não pequenos sorvedouros dos
dinheiros nacionais” e que “nas suas oficinas apenas se consertam ou remontam os ar-
mamentos estragados, e raríssimas vezes se forjam e brocam canos novos”. 43 O docu-
mento ainda reiterando a questão da má localização, pois o sítio onde ficava em um lo-
cal que “não apresenta qualidade alguma das que exigem para os estabelecimentos deste
género: falta de água e em uma posição muito elevada, todas as conduções são dificul-
tosas”.44 Mesmo assim, em 1843 ainda havia em depósito 128 armas feitas na Concei-
ção.45 Considerando que se tinham passado doze anos desde o fechamento da oficina, o
número de armas feitas lá não deve ter sido desprezível.

Parece que depois da saída dos armeiros alemães a fabrica dedicou-se, em parte,
à feitura de armas de luxo, usadas por D. João para presentear dignitários, 46 reproduzin-
do o que tinha ocorrido com a Manufacture d’Armes de Versailles entre 1802 e 1818
(ver nota 126, no capítulo 5). Nesse sentido, deve-se dizer que o Museu Brennand, de
Pernambuco, tem duas espingardas de luxo, de 1814, curiosamente com a indicação que
foram feitas no Arsenal, pelo armeiro João Batista, implicando que não são da Concei-
ção. A coleção do Imperador Pedro I tinha uma espingarda de luxo do mesmo armeiro e
ano, também com a indicação que era do Arsenal, mas que se sabe que não é uma das
duas acima.47

Um texto diz que depois da Independência, o Imperador, “fez com que tivesse
novos, e maiores impulsos a dita fábrica com as repetidas visitas animadoras”, 48 conti-

43
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório do ano de 1830. s.n.t. p. 10.
44
id. p. 10.
45
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da repartição dos negócios da Guerra apresentado à As-
sembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 5ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Es-
tado, Jerônimo Francisco Coelho. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1844. Nº 5 Mapa do arma-
mento e mais objetos existentes nos armazéns de 1ª classe do almoxarifado do Arsenal de Guerra ora
nesta fortaleza. Fortaleza da Conceição, 1 de abril de 1844.
46
CRUZ, op. cit. p. 436.
47
A coleção de armas de luxo do Imperador ficou guardada na Fortaleza da Conceição depois de sua ida
para a Europa. Entre as 63 armas de fogo listadas, todas de luxo, seis – bem como uma espada – fo-
ram feitas na Conceição; três no Arsenal de Guerra; uma em São Paulo e outra em Goiás. BRASIL –
Fábrica de Armas. Relação do Armamento que se acha no Depósito da Fábrica de Nossa Senhora
da Conceição pertencente à Casa Imperial. Joaquim Caetano da Silva, Brigadeiro, Comandante e
inspetor. Rio de Janeiro, 11 de abril de 1831. IG7320. Entre as armas do imperador havia duas com
a assinatura de João Batista, mas uma tinha o cano de outro armeiro e a assinatura da segunda ficava
na caçoleta, o que não é o caso das peças em Pernambuco.
48
CRUZ, op. cit. p. 456.

443
Capítulo 9 – Repartições Externas

nuando a informar que o ministro da Guerra, o conde de Lages, também ia constante-


mente à Fábrica, “rompendo este todos os obstáculos que se opunham ao andamento
progressivo da fábrica”.49

Só que com a saída do ministro, no final de 1827, começou a decadência da ma-


nufatura. Ela passou a ser suprida pelo Arsenal, a Junta das Fábricas ordenando sucessi-
vas reduções nas férias, o pagamento dos trabalhadores: inicialmente de 50%, de dois
contos, para um, obrigando a demissão de trabalhadores – enquanto em 1827 eram 252
trabalhadores na Fábrica, dois anos depois o quadro era de 131 operários, uma redução
de 48%.50

Em 1831, houve uma nova ordem para reduzir as despesas totais para 600.000
réis, incluindo toda a despesa administrativa. Finalmente, houve um novo corte para
500.000 réis, tudo ordenado pela Junta de Fazenda das Fábricas e Arsenais, “em conse-
quência da escassez da consignação decretada pelo corpo legislativo para as despesas do
arsenal do exército. Desses cortes proveio a diminuição dos operários e a destruição da
fábrica”.51

Assim, em 1831, a decisão foi desativar a Conceição. Segundo uma fonte, por
um motivo fútil: o comandante da fortaleza era um general reformado, “que se incomo-
dava com a fumaça das forjas e o barulho dos malhos”, 52 de forma que ele conseguiu
que as oficinas fossem fechadas em outubro de 1831, sendo transferidas para o Arsenal
de Guerra. Isso pode ser um motivo apenas folclórico, apesar de não impossível, 53 só
que as reduções de custos com a Regência e as mudanças do ministério foram uma cau-
sa mais provável para o encerramento das atividades da Fábrica.

49
id. p. 456.
50
ALMANAK Imperial do comércio e das corporações civis e militares do Império do Brasil (...) para
1829. Rio de Janeiro: Plancher-Seignot, 1829. p. 88.
51
id. p. 456.
52
A EXPOSIÇÃO Nacional - XXIV. Diário do Rio de Janeiro. Ano XLII, nº 75. Rio de Janeiro, 17 de
março de 1862.
53
O comando (governo) do forte era um cargo que não tinha relação com o Arsenal. Mais tarde, outro
conflito ocorreu com o mesmo oficial que tinha criado dificuldades em 1831, o Marechal Francisco
Carlos de Morais. Em 1860 o comando do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro era exercido pelo
diretor da Fábrica da Conceição e Morais, “octogenário e doente” mantendo as chaves do portão do
forte, controlava o acesso noturno ao estabelecimento, com prejuízos ao serviço dos bombeiros.
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra, Alexandre Manoel Albino de
Carvalho ao Ministro da Guerra, Sebastião do Rego Barros, Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 1860.
Mss. ANRJ. IG7 17.

444
Capítulo 9 – Repartições externas

9.2.3 A Nova Fábrica da Conceição


A extinção da Fábrica de Armas da Conceição em 1832 criou uma demanda re-
primida para o exército: havia uma grande quantidade de armas necessitando de conser-
tos e as rebeliões do período da Regência exigiam que tropas fossem equipadas. A solu-
ção possível, comprar armas com comerciantes privados, era cara e muito ineficiente,
devido à forma como operava o exército então, fazendo aquisições de armas importadas
no mercado civil brasileiro.

Nesse momento é importante notar que a documentação deixa claro que a priori-
dade do Exército tinha mudado: não mais havia a intenção de criar uma Fábrica capaz
de fazer armas a partir do zero, a ideia agora era apenas aproveitar os milhares de armas
defeituosas existentes. Assim, o relatório do ministro da Guerra de 1832 escrevia que
tinham se contratado “serventes entendidos no trabalho de limpar armas”, mas mesmo
essa contratação era apenas uma medida temporária, eles devendo “ser despedidos logo
que não haja deles necessidade”.54 Isso demonstra uma incompreensão básica da situa-
ção do País na época e nos anos que se seguiriam: não seria possível demitir artesãos
diminuindo ainda mais o pessoal, pois a demanda por armas para as forças armadas só
veio a aumentar.

A redução de pessoal e o fechamento da Conceição, nesse contexto, não foi uma


solução boa, como notou em 1851 o ministro Jerônimo Francisco Coelho: as “Oficinas
assim reduzidas mal podiam acudir ao concerto do armamento em serviço ordinário, e o
Exército era quase sempre mal servido com a péssima qualidade do armamento que
aparece no nosso mercado”.55 O ministro então apontava um dos problemas do sistema
de compras do exército, que era a necessidade – comum – de se fazer reparos nas peças
adquiridas, por estas muitas vezes serem de má qualidade; defeituosas; usadas ou tudo
isso junto. 56 Concluía sobre a falta de uma produção local, que gerava “a necessidade de

54
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da administração do Ministério da Guerra apresentado na
Augusta Câmara dos senhores deputados na sessão de 1832. Rio de Janeiro: Patriótica d’Astrea,
1832. p. 12.
55
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório, 1ª sessão da 6ª legislatura, 1845. op. cit. p. 14.
56
Podemos citar o caso, entre outros: BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de João José da Costa Pimen-
tel, Brigadeiro, diretor interino, ao ministro da Guerra, Marques de Caxias sobre avaliação de 500
pares de pistolas oferecidas por Henrique Nathan. Rio de Janeiro, 15 de março de 1836. Mss.
ANRJ. IG7 21. As pistolas não eram do modelo em uso no exército e “compõem-se de peças usadas”.

445
Capítulo 9 – Repartições Externas

se despender anualmente perto de cem contos de reis com a compra de mau armamen-
to.”57

Tentar reparar os milhares de espingardas em depósito seria uma solução óbvia,


só que para isso seriam necessários artesãos e instalações. Assim, passados poucos me-
ses depois da extinção da Fábrica de armas, o Exército publicou anúncios para recontra-
tar o pessoal demitido 58 e reativou parcialmente as oficinas, desta vez dentro do corpo
principal do Arsenal, na ponta do Calabouço. Frisamos que a reabertura foi parcial: en-
quanto a Fábrica de Armas chegou a ter 162 armeiros em 1827 (ver Tabela 18), em
1836 havia apenas cinquenta espingardeiros e coronheiros nas novas oficinas, criadas no
Arsenal. 59 Por sua vez, o volume de trabalho de reparos era realmente de vulto: em 1843
se concertaram 10.279 armas, 60 um volume muito grande quando consideramos que o
efetivo do exército era de quinze mil soldados.

Com o crescimento da demanda, por causa da Revolução Farroupilha, uma solu-


ção para os problemas seria reinstalar as oficinas de conserto da Conceição, o que foi
feito em setembro de 1844. Cremos que isso foi feito nem que fosse pela falta de espaço
no Arsenal: naquele ano já estavam trabalhando 130 espingardeiros e trinta coronheiros
no prédio principal, 61 um contingente razoável, semelhante ao que já tinha existido em
1827. Nota-se que a recriação da Fábrica da Conceição foi feita em bases diferentes das
anteriores: logo de início não era mais uma instituição independente, passava a compor
uma das sessões do Arsenal. Só que sua instalação foi feita da mesma maneira que fun-
cionavam as oficinas que existiam no AGC: a proposta inicial foi de mecanizar a produ-
ção, se montando uma máquina de brocar e outra de alisar (esmerilhar) canos de espin-
garda.62 Mas, como tinha acontecido com a criação da Fábrica de Armas original, em
1811, estas teriam que ser operadas manualmente, já que a Conceição não podia ter má-
quinas motrizes antes da introdução do vapor.

57
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório, 1ª sessão da 6ª legislatura, 1845. op. cit. p. 15.
58
Diário do Rio de Janeiro, nº 3, Rio de Janeiro, 4 de junho de 1831. p. 2.
59
BRASIL – Arsenal de Guerra. RELATÓRIO do estado do pessoal das oficinas do Arsenal de Guerra
da Corte e dos objetos que se devem presentemente nelas fabricar. Rio de Janeiro, 24 de novembro
de 1836. Mss. ANRJ. IG7 19.
60
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra apresentado a As-
sembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 5ª Legislatura, pelo respectivo ministro e secretário
d'Estado José Clemente Pereira. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1843. Relação de artigos béli-
cos manufaturados para o fornecimento do exército do Exército no Arsenal de Guerra da Corte de 1º
de abril até 31 de dezembro de 1842.
61
BRASIL – Ministério da Guerra, Relatório, 1844, op. cit. Mapa 7, mapa do pessoal do Arsenal de
Guerra da Corte.
62
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório, 1ª sessão da 6ª legislatura, 1845. op. cit. p. 14.

446
Capítulo 9 – Repartições externas

Os trabalhos na nova instalação inicialmente não foram muito eficientes, o mi-


nistro da guerra fazendo manobras contábeis para justificar o sucesso da iniciativa: em
1847 tinham sido reparadas armas no valor de 55.856.800 réis, ao custo, em salários, de
51.043.535. Um saldo teórico de 4.813.265 réis, 63 8,6% do investimento feito. Mas para
se alcançar esse saldo positivo, o ministro da Guerra, João Paulo Santo Barreto, consi-
derava as armas reparadas como se tivessem o mesmo valor de novas e se ignorava o
gasto de materiais e amortização das ferramentas, equipamentos e instalações.

Apesar do malabarismo com os números, o argumento apresentado pelo ministro


sobre o custo das armas consertadas não deixa de ter valor: “ainda que nos custasse
mais caro, a vantagem de utilizar o que se achava incapaz de servir, e de criar uma in-
dústria nova no país, compensaria o acréscimo de despesa”,64 uma posição compartilha-
da por outro ministro, Manoel Felizardo,65 que escreveu em 1848 que seria:

muito para desejar, atente a utilidade de possuirmos uma fabrica desta


natureza regularmente montada, tanto para não ficarmos na inteira de-
pendência do Estrangeiro, como para o desenvolvimento deste ramo
da indústria fabril entre nós, que a Fabrica da Conceição fosse rece-
bendo os melhoramentos de que carece.66
A Fábrica, de fato, recebeu atenção por parte do ministério – em 1851 se toma-
ram várias providências para contratar pessoal habilitado, sem muito sucesso, entretan-
to: alguns, vindos do Ceará, se alistaram sob falsos pretextos, para que o governo pagas-
se suas passagens. 67 Também se tentou, de novo, contratar armeiros em Portugal; Ham-
burgo, na atual Alemanha; e em Liège, Bélgica, mas sem oferecer imensas vantagens
como tinha acontecido com os prussianos no período de D. João VI, de forma que não

63
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra apresentado à as-
sembleia geral Legislativa na 4ª sessão da 6ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Es-
tado, João Paulo dos Santos Barreto. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1847. p. 18.
64
id. p. 18. João Paulo dos Santos Barreto era oficial de artilharia, tendo feito estudos práticos de enge-
nharia e hidráulica na França. Foi fundador da Comissão Prática de Artilharia e da Comissão de Me-
lhoramentos do Material do Exército, sendo o projetista do Canhão-obus João Paulo, adotado pelo
exército em 1851. SISSON, S. A. (ed.). Galeria dos brasileiros ilustres. Brasília: Senado Federal,
1999. Vol. II. pp. 195 e segs.
65
Manuel Felizardo de Sousa e Melo era formado em matemática, foi professor da Escola Militar, tendo a
graduação de capitão do corpo de engenheiros, acabando sua carreira como brigadeiro graduado. A
maior parte de sua vida pública foi como político, tendo sido ministro da Guerra em três ocasiões.
Ocupou o cargo de setembro de 1848 a setembro de 1853, a mais longa gestão ministerial no 2º Rei-
nado. SISSON, op. cit. Vol. I. pp. 421 e segs.
66
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra apresentado a As-
sembleia geral legislativa na 1ª sessão da 7ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de Es-
tado Interino Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro: Laemmert, 1848. p. 16.
67
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de José Manoel Justino da Cunha, major encarregado da Con-
ceição, ao diretor do Arsenal, sobre coronheiros cearenses. 24 de março de 1851. Mss. ANRJ. IG7
12.

447
Capítulo 9 – Repartições Externas

se conseguiu fazer essas contratações no exterior,68 apesar de dois espingardeiros e um


coronheiro alemães terem vindo em 1851. 69 Os dados que dispomos apontam que o
quadro de pessoal não cresceu muito, ficando abaixo do existente no primeiro reinado:
em 1848 eram 136 empregados; dois anos depois, 112. Em 1853 eram 124. 70

Esses trabalhadores eram divididos inicialmente em três oficinas, de espingar-


deiros; coronheiros e abridores, essa última sendo muito pequena, com um aparelhador
e quatro aprendizes em 1850. Ou seja, nos abridores havia apenas um trabalhador quali-
ficado, que seria encarregado de fazer manualmente as inscrições nas armas aprontadas
na Fábrica (ver Figura 55). Ainda naquele ano foi criada mais uma oficina, de latoeiros,
destinada apenas a fundir as peças de latão da guarnição de uma arma, sendo igualmente
reduzida, com apenas dois latoeiros. 71 Ou seja, era uma oficina trabalhando em coope-
ração com a de espingardeiros, assim como a de abridores. Esta última, como já foi dita,
foi incorporada à do Arsenal em 1855, uma medida que faz sentido, considerando o seu
tamanho reduzido e a proximidade física com a ponta do Calabouço, mas não represen-
tou uma economia de custos, já que não se demitiu o mestre existente.

68
BRASIL – Legação em Lisboa. Resposta da Legação Brasileira em Lisboa, Antônio de Menezes Vas-
concelos de Drummond, sobre pedido de contratação de armeiros. Lisboa, 11 de janeiro de 1853.
Mss. ANRJ. IG7 12.
69
BRASIL – Arsenal de Guerra. Minuta de contrato que faz o Marechal de Campo, Diretor do Arsenal
de Guerra da Corte, José Maria da Silva Bitencourt com os Operários Alemães chegados de Ham-
burgo. s.d. [setembro de 1851]. Mss. ANRJ. IG7 12.
70
Dados retirados do Relatório do Ministério da guerra de 1848 (op. cit. p. 15); BRASIL – Arsenal de
Guerra. Nº 11 Mapa do número de operários que trabalharam nas oficinas da Casa de Armas da
fortaleza da Conceição em dezembro de 1850, José Hipólito de Araújo, secretário. Rio de Janeiro,
15 de fevereiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12. BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório da Fábrica de
armas, Paulo José Pereira, encarregado da Fábrica, Rio de Janeiro, 18 de novembro de 1853. Mss.
ANRJ. IG7 25.
71
BRASIL – Arsenal de Guerra. Nº 12 Mapa do número de operários que trabalharam nas oficinas da
Casa de Armas da fortaleza da Conceição em dezembro de 1850. [Rio de Janeiro, s.d.]. Mss. ANRJ.
IG7

448
Capítulo 9 – Repartições externas

Figura 55 – Fechos de armas trabalhadas na Conceição.


A arma da esquerda, da coleção de Sebastião de Oliveira, datada de 1851, é uma que foi trabalhada nas
oficinas da Conceição, sendo de um tipo que é comum em coleções particulares e em Museus. É uma
arma do padrão inglês, do tipo conhecido como “India Pattern”, modificado no Brasil, o que na época era
chamado de “modelo inglês”, que seria o preferido pelas forças armadas na primeira metade do Império.
Entretanto, não se pode dizer que as oito peças do modelo examinadas para esta tese tenham um padrão
exato, havendo variações no calibre, comprimento e tipo do cano, tipos de guarnições e no acabamento
em geral. A arma da direita, do Acervo do MHN, 72 é uma transformação para fulminante feita na Concei-
ção, bem mais rara em coleções. De fato, pela data marcada no fecho, 1846, e pela forma do mesmo,
parece que esta peça foi feita experimentalmente, já que o Exército, por essa época, apenas estava come-
çando a adotar armas de fulminante. Nesse sentido, as gravações que constam do fecho não são do padrão
que normalmente se encontra nas outras que foram trabalhadas na Conceição. Observamos ainda que as
gravações de ambas as armas foram claramente feitas por gravadores, usando processos manuais, o em-
prego de cunhos se restringido a coroa Imperial e os dizeres “P11”,73 da arma da esquerda.
Em novembro de 1852 foi designado o já mencionado engenheiro prussiano Ru-
dolf Wackneldt para fazer a conversão de armas de pederneira para fulminante na Fá-
brica de Armas, e uma “oficina de transformação” foi criada na Conceição. Isso apesar
dessas conversões já serem feitas antes, tanto é que o aviso que nomeou o engenheiro
determinava que este fizesse a transformação “segundo o sistema adotado na Fábrica
d’armas da Conceição” (ver Figura 55, com uma arma transformada, datada de 1846).74

Aqui fazemos um aparte: pela documentação, parece que Wackneldt era um en-
genheiro, com formação em mecânica; metalurgia e pirotecnia. Isso levaria a supor que
seria uma adição interessante em termos técnicos para as manufaturas militares. Só que
em todos os locais em que Wackneldt se envolveu, criou problemas. No início, o encar-
regado da Fábrica de Foguetes teve que escrever ao ministro pedindo a remoção do es-
trangeiro. Assumindo a conversão das armas na Conceição, Wackneldt quis manter uma
série de privilégios, como o de fazer ele mesmo o pagamento aos armeiros alemães, o

72
Peça SIGA 004198.
73
Não sabemos por que, mas o gravador que fez o cunho da gravação cometeu um erro: todas as armas
desse período feitas na Conceição que foram examinadas têm a mesma coroa e a inscrição “P11”
(Pedro Onze), ao invés de “PII”.
74
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro Manoel Felizardo de Souza e Melo ao diretor do
Arsenal de Guerra, Marechal José Maria da Silva Bitancourt, sobre transformação de armas. Rio
de Janeiro, 3 de novembro de 1852. Mss. ANRJ. IG7 451.

449
Capítulo 9 – Repartições Externas

ministro da Guerra tendo que ordenar que se seguissem as normas, do pagador do Arse-
nal entregar os vencimentos aos trabalhadores. 75 Mais tarde, ele se envolveu numa com-
pra irregular, sem licitação, de limas, no valor de mais de três contos de réis, o que era
ilegal. O diretor do Arsenal desculparia o erro por causa da barreira da língua – mas isso
não foi algo que impedisse o prussiano de fazer a imensa compra em primeiro lugar. 76

Figura 56 – Fecho transformado na Conceição, 1859.77


Cremos ser interessante uma comparação com a Figura 28, que mostra um fecho de pederneira original,
desmontado. O processo de transformação era simples, implicando na troca do cão, remoção do fuzil,
caçoleta e da mola de bateria, com a obturação dos furos dos parafusos correspondentes. No cano era
soldado um pistão, para a colocação das cápsulas de fulminante. As outras peças podiam ser aproveitadas
integralmente, todo o processo não implicando em custos elevados. Observe-se que a gravação da legen-
da, bem mais simples do que as usadas anteriormente, apenas com a coroa imperial, as iniciais “PII”,
“A.G.C.” e a data “1859”, já foram feitas usando cunhos e não por gravação, mas ainda em um processo
manual, como se observa pelo desalinhamento das letras e números.
Independente das suspeitas que possamos ter sobre o comportamento de
Wackneldt é fato que a oficina sobre sua administração não funcionou da forma como
deveria – ele se comprometera a entregar uma arma convertida pelo valor de 4.000 réis,
cerca de metade do valor de uma nova na época, o que já seria alto, considerando o tra-
balho a ser feito (ver Figura 56). Entretanto, o engenheiro foi aumentando as estimativas
do valor da arma acabada, primeiro para 8.000, chegando no final ao imenso valor de
28.800 réis,78 três vezes o preço de uma arma nova!79 O diretor do Arsenal escrevendo

75
BRASIL – Ministério da Guerra. Bilhete do ministro, Manoel Felizardo de Souza e Mello, 31 de janei-
ro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 476.
76
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Brigadeiro Feliciano Antônio Falcão ao ministro da
guerra Felizardo. Rio de Janeiro. 7 de fevereiro de 1853. Mss. ANRJ. IG7 14.
77
Coleção de Sebastião Oliveira, que gentilmente desmontou o fecho para fazer essa foto, algo que não
seria possível com uma peça de museu.
78
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício do diretor, Brigadeiro Feliciano Antônio Falcão ao ministro
M. F. de Sousa e Mello, sobre os trabalhos feitos nas oficinas da Conceição para a conversão das
armas de pederneira. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1853. Mss. ANRJ. IG7 460.

450
Capítulo 9 – Repartições externas

que “tão exagerado preço não pode provir senão da má direção da respectiva oficina, e
da nenhuma fiscalização que sobre ela exerce o Major José Manoel Justino da Cunha”,
este sendo o terceiro ajudante do Arsenal, encarregado da Fábrica de Armas. 80 De fato,
em 1862, dez anos depois de o alemão ter começado a trabalhar e mesmo com a infla-
ção do período, a Conceição, já sob nova direção, fazia as conversões a 4.120 réis.81
Finalmente, o processo de transformação que foi adotado por Wackneldt era diferente
do usado antes ou do que era feito na Europa: ele brocava novamente os canos, aumen-
tando o calibre dos mesmos e deixando suas paredes mais finas, a ponto dessas ficarem
perigosas, “ficando as armas transformadas impróprias para o serviço de guerra”.82

O resultado das ações do engenheiro foi ele ser dispensado do serviço de modifi-
cação das armas e a oficina de transformação foi extinta em 1855.83 Wackneldt fora
contratado por um longo período de tempo, seu contrato não tendo previsão de demis-
são. Desta forma que ele continuaria a serviço do Exército, vindo ainda a causar prejuí-
zos à força, como no caso já relatado da Fábrica de Ferro de Mato Grosso. Da experiên-
cia com o engenheiro prussiano no Arsenal, a única coisa boa que ficou foi a presença
do mestre de espingardeiros Otto Mehring, um artesão competente que fora contratado
com os outros alemães em 1851.

Retornando ao nosso assunto, a conversão das armas recomeçou em 1857, sendo


feita sobre outras bases, se determinando que não fossem mais modificados os canos.84
Uma medida tardia, mas que se fazia necessária, pois a partir daquele ano se proibiu a
remessa de armas de pederneira para as unidades, sendo necessário aproveitar os gran-
des estoques delas, que de outra forma seriam descartados.85 Só que, já naquele ano se
Continuação–––––––––––
79
Em 1852 o comerciante Nathan Irmãos ofereceu vender ao Arsenal 1000 espingardas de fulminante a
14.000 réis, o mestre espingardeiro do Arsenal as avaliando em 9.500 réis. BRASIL – Ministério da
Guerra. Ofício do mestre da oficina de espingardeiros, Francisco Soares da Silva ao diretor do Ar-
senal, sobre as armas da proposta de Nathan Irmãos. s.d. [abril de 1852]. Mss. ANRJ. IG7 393.
80
id.
81
Diário do Imperador, 3 de janeiro de 1862 Informação gentilmente cedida pelo diretor do Museu Impe-
rial, Maurício Vicente Ferreira Júnior
82
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Cel. Jerônimo Francisco Coelho ao ministro da Guer-
ra, Pedro d’Alcântara Bellegarde, Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 14.
83
BRASIL – Arsenal de Guerra. Portaria nº. 48 do diretor do Arsenal, Cel. Jerônimo Francisco Coelho.
Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 14.
84
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho, ao Diretor do Arsenal
de Guerra, Coronel do Estado-Maior de 1a Classe Alexandre Manoel Albino de Carvalho, mandan-
do transformar todas as pistolas e clavinas de adarme 12 em fulminante, assim como substituir os
canos das armas transformadas anteriormente por outros novos. Rio de Janeiro, 29 de agosto de
1857. Mss. ANRJ. IG7 366.
85
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Cel. Jerônimo Francisco Coelho, ao primeiro ajudan-
te, sobre a conversão de armas. Rio de Janeiro, 19 de setembro de 1857. Mss. ANRJ. IG7 366.

451
Capítulo 9 – Repartições Externas

sabia que essa era uma solução paliativa, considerando que novas armas, com maior
precisão, estavam começando a ser empregadas no mundo e no Brasil. A França, por
exemplo, tinha adotado seu último modelo de Pederneira em 1822 (modelo 1822), elas
começando a ser convertidas para usarem um fecho de fulminante a partir de 1840 (mo-
delo 1840T, de transformée). Seis anos depois, uma nova conversão foi iniciada, desta
vez transformando as espingardas de fulminante em armas raiadas (modelo 1840TBis).

O Brasil também começou a armar suas tropas com armas de fulminante na dé-
cada de 1840, um processo que foi feito de forma muito lenta e cheio de percalços, co-
mo relatado nos parágrafos anteriores. Só que, no contexto da Guerra Contra Oribe e
Rosas (1851-1852), começaram a se fornecer algumas armas raiadas importadas para
unidades escolhidas, 86 esses equipamentos sendo muito superiores aos antigos, permi-
tindo o disparo com precisão a distâncias até quatro vezes superiores às antigas. As van-
tagens evidentes fizeram com que o processo de troca acelerasse com o tempo, a ponto
de em 1857, como colocado acima, se ter vedado o envio de armas de pederneira para as
unidades.

As novas armas raiadas, contudo, não diferiam muito em termos mecânicos das
antigas, de fulminante, as diferenças básicas sendo a abertura de sulcos helicoidais no
interior do cano e a soldagem de uma alça de mira graduada no exterior da peça, algo
que poderia ser feito sem muita dificuldade, como os franceses fizeram com a arma do
modelo 1840 TBis. O mesmo com as armas que foram adotadas na Europa depois das
armas transformadas, as do sistema Minié – essas também não tinham uma diferença
maior em termos de sua mecânica, apesar delas terem que ser feitas a partir do zero,
pois seu calibre era reduzido em relação às armas usadas anteriormente: neste caso não
se podia reaproveitar os canos.87

De um ponto de vista prático, se um país tinha a capacidade de fabricar armas de


fulminante, ele teria poucas dificuldades em fazer as raiadas, pois isso apenas implicaria
no uso de mais uma máquina relativamente simples, 88 a de abrir as raias no cano. As-
sim, o governo decidiu implantar na fábrica da Conceição uma fábrica de armas, impor-

86
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Manoel Felizardo de Souza e Melo ao diretor do
Arsenal de Guerra, José Maria da Silva Bitancourt, mandando fazer cartuchos e fornecer espingar-
das a Tige. Rio de Janeiro, 16 de abril de 1852. Mss. ANRJ. IG7 516.
87
Para uma discussão sobre o processo de adoção de armas no Brasil em meados do século XIX, ver:
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. O armamento do Exército Brasileiro à época de Sampaio. Re-
vista do Exército Brasileiro, vol. 147, edição especial, 2010. pp. 22-33.
88
Ilustrada na Figura 31, no canto inferior extremo direito.

452
Capítulo 9 – Repartições externas

tando máquinas para facilitar o processo. Para isso, em 1859 foi comprado um motor a
vapor para movê-las e, no mesmo ano, o armeiro Otto Mehring apresentou um projeto
para a criação de uma verdadeira fábrica de armas.

Para montar a fábrica seria necessário o motor e vários outros equipamentos,


com os quais se poderiam fazer 3.000 armas por ano. Para isso o armeiro informava que
com essas se mudaria o sistema de trabalho, não mais “carecendo de um número avulta-
do de operários da primeira ordem, mas sim de mediocridade, todavia diligente e prin-
cipalmente assíduo”. 89 Isto é, seriam necessários operários não qualificados e não arte-
sãos, o processo tendo a vantagem adicional da redução dos custos. Mehring, portanto,
defendia exatamente o que os artilheiros franceses tinham colocado no século XVIII,
que a introdução de máquinas permitiria reduzir os custos de fabricação, eliminando as
caras etapas de ajustamento dos equipamentos, feito por artesãos altamente qualificados,
que seriam substituídos por meros operadores de máquinas, com pouco treinamento.

Mehring recomendava a aquisição das seguintes máquinas: um martinete; uma


máquina de furar, “para brocar simultaneamente seis canos no plano vertical”; uma de
endireitar canos; uma para raiar simultaneamente quatro canos; macacos (prensas) para
estampar peças miúdas; um torno de 50 polegadas [127 cm] entre pontas; um torno de
fazer parafusos; uma máquina de aplainar; uma de serrar coronhas; uma de compressão
para fabrico de balas Minié 90; e outra para desbastar peças de fechos.91 Outro documen-
to, com uma lista de máquinas entregues em 1862, menciona ainda uma máquina de
polir canos e três máquinas de furar, bem como quatro rebolos de 12 palmos [2,64 m]
de diâmetro.92

Ou seja, pela primeira vez se pensava no âmbito do exército na aquisição de má-


quinas e ferramentas capazes de fazer peças intercambiáveis em série e de forma rápida,
como indicado pela sugestão dos “macacos” para estamparia ou máquinas que usinavam
múltiplas peças ao mesmo tempo. Apesar da proposta de Mehring ter sido aceita, sua
execução teve seus percalços: na compra das máquinas, feita pela legação do Brasil na
89
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Otto Mehring, mestre espingardeiro, para o Major de enge-
nheiros Juvêncio Manoel Cabral de Meneses, 3o Ajudante. Fábrica de armas na Fortaleza da Con-
ceição, Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1859. Mss. ANRJ. IG7 362.
90
A produção de balas antes era feita por fundição, em moldes. Esses deixavam uma rebarba de metal,
que tinha que ser aparada manualmente. BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Antônio José de
Freitas [Mestre de Espingardeiros] ao diretor, Antônio João Rangel de Vasconcellos sobre mereci-
mento de Aprendizes. Rio de Janeiro, 6 de julho de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323.
91
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de 3 de novembro de 1859, op. cit.
92
BRASIL – Arsenal de Guerra. Envia o relatório do movimento administrativo de 1861. op. cit.

453
Capítulo 9 – Repartições Externas

Europa em 1862, houve malversação de fundos, pois, como se colocou na imprensa da


época – e é confirmado por documentação do próprio Arsenal –, parte das máquinas
veio já sendo usadas, sem os acessórios adequados ou era incapaz de ser montada na
Fábrica de Armas, por restrições de espaço ou de peso.93

Outro problema da encomenda de 1862 foi que deixaram de ser compradas al-
gumas máquinas vitais para um fábrica de armas moderna, como um torno copiador de
coronhas.94 Consideramos notável a falta de aparelhos para laminar canos e gabaritos,
apesar de ser imaginável que esses últimos pudessem ser feitos na própria Conceição.
Também só foi encomendada uma fresa – se a “máquina de desbastar peças de fechos”
fosse esse tipo de aparelho, como parece ser o caso. Isso era negativo, pois para a pro-
dução em série era necessária uma fresa para cada peça, de outra forma seria necessário
ajustar a máquina para cada etapa da manufatura dos componentes do fecho em fabrica-
ção, o que reduziria em muito a eficiência de seu uso. No final, a máquina de aplainar
metais e o martinete foram montados no Arsenal, inviabilizando seu uso na fabricação
de armas.

Cabe aqui apontar que o pessoal do Arsenal devia saber da existência de fresas:
Eli Whitney, o filho do armeiro mencionado no capítulo 5 como estando ligado ao pro-
cesso de industrialização da produção de armamento, em 1850 ofereceu espingardas
para o Exército brasileiro, sua oferta sendo acompanhada de outra, de venda de “uma
máquina de fazer armas de seu pai”,95 o americano sendo conhecido como um dos in-
ventores de uma fresa para uso na fabricação de armas. Isso torna estranha a omissão de
um maior desse importante tipo de aparelho na encomenda de armas da Fábrica de Ar-
mas.

Em 3 janeiro 1862, pouco depois das máquinas chegaram, o imperador fez uma
das suas muitas visitas à Conceição, deixando consignado em seu diário:

93
A EXPOSIÇÃO Nacional. Diário do Rio de Janeiro, ano LXXII, nº 73, Rio de Janeiro, 17 de março de
1862. p. 1. De fato, a máquina de aplainar e o martinete foram remetidos para o Arsenal, pois suas
proporções não eram adequadas à Fábrica de Armas ver: BRASIL – Arsenal de Guerra. Envia o re-
latório do movimento administrativo de 1861. op. cit.
94
Cremos que a máquina de serra coronhas mencionada na lista de Mehring fosse uma serra de fita, para
dar a forma grosseira ao objeto e não um torno copiador (ver Figura 29), máquina muito mais com-
plexa.
95
BRASIL – Legação em Londres. Despacho reservado da Legação do Império do Brasil na Grã Breta-
nha, Ministro Joaquim Thomaz de Andrade ao Ministro da Guerra Manoel Felizardo de Souza e
Mello, Comunicando o recebimento de despacho de 7 de setembro de 1850 mandando ter toda a vi-
gilância possível na execução da ordem de 3.000 espingardas, recentemente confiada a esta lega-
ção. Londres, 4 de novembro de 1850. Mss. ANRJ. IG1 558.

454
Capítulo 9 – Repartições externas

Fui hoje ao Arsenal de Guerra. A casa de armas ainda não tem livro de
entrada e saída como oficina do Arsenal de Guerra. Há diversas má-
quinas trabalhando; mas as principais ainda não estão montadas apesar
de chegadas há muitos meses e outras ainda se não lhes aplicou o mo-
tor que é uma máquina de vapor de força de 6 cavalos. Uma espingar-
da de espoleta faz-se em 3 dias e por 30$000; uma pistola por 12$500.
Transforma-se uma espingarda de pederneira em fulminante por
4$140, termo médio; mas se há acabamento como dizem, isto é, con-
serto, sobe a 6$000.96
A informação contida no diário do Imperador é interessante, pois mostra que,
mesmo com a mecanização incompleta e sem o uso do motor a vapor, a fábrica já tinha
condições de produzir uma arma completa em três dias, o que só seria possível com
uma divisão de trabalho bem avançada. Como vimos no capítulo 5, na França, apenas a
feitura de um fecho pelo método artesanal levava mais do que esses três dias. Além dis-
so, o valor da arma feita no Arsenal era compatível com o de uma importada, que podia
custar de 26:000 a 30:000 réis, dependendo do câmbio. 97 A capacidade da instalação era
tal, que um artigo de jornal menciona que o mestre da oficina, o alemão Otto Mehring,
chegou a se oferecer para fabricar por empreitada as armas raiadas, vendendo-as a
27.000 réis ao governo, desde que pudesse usar as máquinas da Conceição.98

O maquinário comprado, apesar de incompleto, foi usado em algumas atividades


complementares: o Exército, ao adquirir as novas armas raiadas na Bélgica, em 1857,
comprou junto uma grande quantidade de pistolas de cano liso,99 obsoletas, em uma das
idiossincrasias do processo de compras adotado. Como as armas eram inferiores, seis
anos depois se ordenou que 3.024 delas, quase a totalidade da encomenda, fosse raiada
na Conceição.100 Essa foi uma ordem de vulto, mas que não gerou maiores problemas
na sua execução, pelo menos que se constate na documentação. Em 1864 foram adqui-
ridas, finalmente, algumas fresas para a Conceição, duas para baionetas e uma compos-

96
Diário do Imperador, op. cit.
97
A EXPOSIÇÃO Nacional. Diário do Rio de Janeiro, ano LXXII, nº 71, Rio de Janeiro, 15 de março de
1862. p. 1.
98
id.
99
BRASIL – Arsenal de Guerra. Nota da quantidade e qualidade de armamento, equipamento, pólvora e
outros objetos cuja compra ou ajuste se encarrega de fazer na Europa o Major de Engenheiros
Francisco Primo de Sousa Aguiar. s.d. [1857]. Mss. ANRJ. IG7 396.
100
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, ao
coronel diretor do Arsenal de Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea, mandando raiar na ofi-
cina de espingardeiros da fábrica de armas da Conceição três mil e vinte e quatro pistolas de canos
lisos de adarmes 14,8 mm. Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 515.

455
Capítulo 9 – Repartições Externas

ta, que fazia duas operações para o preparo da chapa do fecho,101 complementando o
maquinário comprado, mas muito tarde para se ter um efeito prático, apesar de armas
terem sido feitas na fábrica (ver Figura 57).

Em 1864 tinha sido extinta a oficina de latoeiros, pois com a adoção de métodos
modernos de fabricação seria possível racionalizar a produção, fazendo apenas uns pou-
cos componentes padronizados, dispensando profissionais com maior habilitação. O
pessoal das oficinas remanescentes era:

Artesão Coronheiros Espingardeiros Total


Mestrança 3 3 6
Oficiais jornaleiros 1 10 11
Oficiais empreiteiros 4 23 27
Oficiais Artífices empreiteiros 0 3 3
Mancebos jornaleiros 7 10 17
Mancebos Artífices jornaleiros 0 4 4
Mancebos empreiteiros 0 4 4
Aprendizes jornaleiros 3 17 20
Aprendizes sem vencime nto 0 12 12
Serventes braçais 0 5 5
Totais 18 91 109
Tabela 19 – Relação do pessoal na Fábrica de Armas da Conceição, 1864.102
A tabela mostra que o quadro de pessoal das oficinas da Conceição continuava a diminuir com relação
aos anos anteriores. A complicada estrutura trabalhista, com operários recebendo pagamento diário (jor-
nal), enquanto outros recebiam por “empreitada” (peças prontas), mostra uma proposta que foi iniciada
em 1852, no sentido que todos os serviços artesanais no Arsenal deverem ser pagos por peças feitas e não
por salário fixo. Isso não teve os resultados esperados pelo governo, havendo ainda vários operários rece-
bendo por jornal. Observe-se também a presença de soldados das companhias de Artífices (12% dos arte-
sãos qualificados) e aprendizes. Entre esses últimos havendo um grupo que iniciava o ensino técnico:
durante três meses eles não recebiam vencimentos. Note-se também que o número desses aprendizes era
elevado, de 29% da força de trabalho. Finalmente, observamos o pequeno número de serventes braçais,
apenas um quarto dos que eram listados em 1827, um indicativo que a instalação já podia dispensar a
maior parte desses operários não especializados, substituídos pela máquina a vapor.
Apesar dos esforços feitos na montagem da Fábrica, a crise da Questão Christie
impediu momentaneamente seu desenvolvimento. Na verdade, a crise mostrou um pro-
blema conceitual da proposta de Mehring: a produção prevista, de três mil armas anuais,
poderia ser suficiente para, lentamente, repor todo o armamento do exército em alguns
anos, mas não resolveria o problema da aquisição de armas em uma situação emergen-
cial – e emergências surgiram. Isso levou ao envio de missões para a Europa para com-
prar armas já em 1863. Depois, já com os efeitos da Guerra contra Aguirre (1864) e dos
momentos iniciais da Guerra do Paraguai (iniciada em dezembro de 1864), seriam ad-
101
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício do diretor, ten. cel. em comissão, Francisco Antônio Raposo
ao ministro da Guerra. José Marianno de Matos, informando sobre a remessa de armas e de máqui-
nas para a Conceição. Rio de Janeiro, 20 de abril de 1864. Mss. ANRJ. IG7 346.
102
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação n.º 1 do pessoal existente nesta oficina. Oficina de espingar-
deiros da Fábrica de armas na fortaleza da Conceição, Joaquim Miguel Pinto Real. Rio de Janeiro,
31 de dezembro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 26.

456
Capítulo 9 – Repartições externas

quiridas 149.000 armas de fogo raiadas até o início de 1866, 103 número que correspon-
deria à quase cinquenta anos de produção da fábrica prevista. Considerando essas ne-
cessidades surgidas em momentos de crise, a Fábrica de Armas não chegou a se estrutu-
rar.

Figura 57 – Dois mosquetões Minié, do modelo adotado em 1857. 104


O de cima foi feita por Lemille, de Liège, não tendo data. O de baixo tem marcado no fecho a inscrição
com a coroa imperial e os dizeres “P. II”, “A.G.C.” e a data “1865”, o que, junto com outros detalhes, nos
faz crer que foi feita na Fábrica de Armas da Conceição. Aparentemente são duas armas idênticas, o que
permitiria supor que seriam feitas dentro de um padrão idêntico. Entretanto fazendo uma comparação
mais cuidadosa, é possível ver que as armas tem uma série de pequenas diferenças, a mais crítica sendo
que a de Lemille tem uma alça de mira regulável, enquanto a do Arsenal é fixa, o que geraria problemas
de uso. Definitivamente não são armas cujas peças fossem intercambiáveis.
Apesar de ser um pouco posterior ao nosso recorte, vale a pena reproduzir uma
carta do fabricante John Barnett, inglês, que forneceu armas ao Exército Brasileiro e que
visitou a fortaleza da Conceição no início de 1866, pois o que ele escreve reflete a situa-
ção da Fábrica de Armas no final de nosso período de estudo: “Tendo inspecionado esta
manhã o estabelecimento Imperial de manufatura de armas pequenas (Espingardas, cla-
vinas, pistolas etc.) na Conceição estimo poder dar um parecer favorável da oficina de
reparos.”105

Consideramos esse trecho da carta importante, pois inicia tratando da Conceição


como uma oficina e não como uma verdadeira fábrica, continuando, que sob esse aspec-
to, de oficina de consertos, Barnett não apresentava recomendações, a não ser observar
o fato de que, em caso de guerra, seria necessário aumentar o número de operários.
Quanto à fabricação de armas, Barnett foi mais incisivo:

103
BRASIL – Arsenal de Guerra. Nota do armamento, equipamento, fardamento, munições e outros
artigos encomendados na Europa em diferentes datas. João Rodrigues dos Santos Mello, Almoxari-
fe. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1866. Mss. ANRJ. IG7 495.
104
Da coleção de Carlos Almeida Costa.
105
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício da 3ª Diretoria, 3ª Seção, do ministério da Guerra, visconde
de Camamu, remetendo cópia de carta de John Barnett de 6 de janeiro de 1866, relativa à visita que
esse fez à fábrica de armas da fortaleza da Conceição. Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 1866. Mss.
ANRJ. IG7 350. (A tradução e o grifo são do original).

457
Capítulo 9 – Repartições Externas

Não posso dizer muito em favor dos esforços feitos para o fabrico de
novas armas no arsenal Imperial. Para o fabrico de canos dispendiosas
máquinas de rolar e brocar (expensive Rolling mills & Boring machi-
nes) são necessárias e seria difícil em Inglaterra achar trabalhadores
que pudessem completar um cano sem estas máquinas. Em Inglaterra
cada ramo é mui subdividido.
Estas mesmas observações podem ser aplicadas ao fabrico de Fechos,
Baionetas et etc.106
Ou seja, mesmo com a aquisição de máquinas e o início da subdivisão do traba-
lho, o que o fabricante inglês observou na Conceição foi ainda uma situação que a ca-
racterizava como oficina pré-industrial e não como uma verdadeira fábrica.

9.3 A Oficina de foguetes/Laboratório Pirotécnico do Campinho


A terceira das unidades externas ao Arsenal surgiu de forma parcialmente aci-
dental e informal. Em 1850, o ministro da Guerra escrevia sobre o Laboratório Pirotéc-
nico do Castelo:

Existindo no Arsenal de Guerra da Corte uma oficina com o pomposo


nome de Laboratório de Fogos Artificiais, entretanto que a arte piro-
técnica está sumamente atrasada entre nós, o governo, sentindo a ne-
cessidade de montar esse estabelecimento em relação às circunstâncias
do País, mandou à Europa um oficial do Exército, que, estudando este
ramo das ciências, adquira [sic] os precisos conhecimentos práticos e
teóricos, para serem convenientemente implantados aqui.107
A situação da fabricação da munição era de fato um problema. Como colocado
antes, em 1851, no contexto da Guerra contra Oribe e Rosas, o exército começou um
programa de modernização de seus armamentos, adotando, para uso restrito, duas novas
armas. Uma delas, a Tige, era muito semelhante às espingardas em uso, ou seja, de car-
regar pela boca, usando um cartucho de papel. Contudo, a escorva que a disparava era
uma espoleta de cobre, cheia de fulminato de mercúrio, um produto que tinha que ser
produzido em um laboratório químico. Além disso, era um material explosivo de grande
potência e altamente sensível, que detonava ao menor impacto, exigindo cuidados espe-
ciais na sua fabricação e uso. Para complicar ainda mais a produção da munição da Ti-
ge, como dissemos, a matéria detonante era colocada em na pequena cápsula de cobre,
que só podia ser feita em uma máquina que cortasse a folha de metal e a dobrasse com a
forma e dimensões corretas. Nenhum dos estabelecimentos do Exército existentes então
tinha condições de manipular a matéria prima das cápsulas.
106
id.
107
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão
da 8ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de estado Manuel Felizardo de Souza e Mello.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1850. p. 15.

458
Capítulo 9 – Repartições externas

Outra arma que foi adotada no mesmo ano, a Dreyse, também usava um cartu-
cho de papel, mas este tinha que ser enrolado mecanicamente junto com o projétil e a
espoleta de fulminante. Esse cartucho, para poder entrar na arma, tinha que ter dimen-
sões regulares e constantes. Isso implicava no uso de processos mecânicos, que não
eram usados nos laboratórios pirotécnicos existentes, onde tudo era feito manualmente.

Outra necessidade que também surgiu naquele ano foi oriunda da opção pela
adoção de foguetes de guerra. Esses eram tubos de ferro com uma granada na ponta,
cheios de uma mistura de pólvora fortemente comprimida e que queimava lentamente,
impulsionando o artefato. A manufatura desse tipo de objeto podia ser feita de forma
inteiramente manual, mas o uso de certas máquinas, especialmente prensas, melhoraria
a qualidade do artefato, além de acelerar a produção.108

A solução para esses problemas foi instalar, em 1851, uma nova manufatura para
fazer essas munições, com as máquinas necessárias para fabricar o fulminato e as cápsu-
las, aproveitando os prédios também para a fabricação dos foguetes – inicialmente a
instalação era chamada de “Oficina de Foguetes”, sendo no ano seguinte elevada, extra-
oficialmente, à situação de laboratório pirotécnico.109 Para abrigar a organização se usou
o forte do Campinho, situado no afastado bairro do Irajá, onde uma explosão acidental
não afetaria muito os moradores, pouco numerosos à sua volta,. 110

Em termos administrativos, a situação da Oficina de Foguetes/Laboratório Piro-


técnico ficou em um limbo, pois ela não foi criada oficialmente, sendo parcialmente
independente e parcialmente subordinada ao Arsenal de Guerra, sem ter funções ou or-
ganograma específicos, uma situação que perdurou por dez anos. Isso mesmo com a
instalação ter, aos poucos, substituído os trabalhos que antes eram feitos no Laboratório
do Castelo, este sim subordinado diretamente ao AGC.

108
Para uma discussão sobre os processos de fabricação de foguetes na época, ver: CASTRO, Adler Ho-
mero Fonseca de. Os primórdios da indústria aeroespacial: o Foguete de Halle do Museu Histórico
Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional. vol. 34. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional,
2002. pp. 297-318.
109
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Relatório da Diretoria do laboratório Pirotécnico
do Campinho relativo ao ano de 1872. Augusto Fausto de Souza, Capitão Diretor Interino. Rio de
Janeiro, 13 de fevereiro de 1873. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 267.
110
De fato, ocorreu um acidente desses em 14 de outubro de 1857, com a morte de quatro operários.
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Ofício do capitão diretor, Francisco Carlos da
Luz ao ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho, Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1857.
Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.

459
Capítulo 9 – Repartições Externas

Para o funcionamento desse novo laboratório foram tomadas algumas medidas


técnicas, como o mencionado envio de um oficial para estudar na Europa, – um caso
único na história das manufaturas do exército. Também se designou um engenheiro para
pesquisas, visando fazer engenharia reversa para a obtenção de munições de que as For-
ças Armadas careciam, este sendo o caso do Dr. Guilherme Schüch de Capanema,111
que conseguiu fabricar cartuchos das espingardas Dreyse, um segredo do Exército prus-
siano. 112

Como diretor da oficina foi designado o 1º Tenente Francisco Carlos da Luz,


sendo importante apontar que este era um oficial de engenheiros. Também se contrata-
ram vários artesãos estrangeiros junto com as tropas mercenárias que tinham vindo de
Hamburgo e, junto com eles, veio o engenheiro prussiano Rudolf Wackneldt, para fazer
a fabricação dos foguetes e gerenciar tecnicamente a instituição, contratado por dez
anos (sem uma cláusula de rescisão) pelo imenso soldo de dez contos de réis anuais. 113

Fazemos um aparte para dizer que a contratação do prussiano foi uma medida
que geraria problemas na Oficina de Foguetes por causa da sua ação ao longo dos anos,
muito voltada para seus próprios interesses, contestando a autoridade dos militares. Em
1852, o Wackneldt escreveu ao ministro solicitando o controle técnico das oficinas do
Campinho, que lhe caberiam exclusivamente. No caso, o ministro concordou, infor-
mando ao diretor do Arsenal que sua autoridade era restrita ao comando do Forte do
Campinho, 114 onde se situava a Oficina de Foguetes. Não podemos deixar de considerar
essa uma solução, no mínimo, tão exótica quanto foi temporária – de fato, o relatório do
Ministro da Guerra publicado em 1853 colocava o Campinho como uma dependência

111
Capanema era um engenheiro civil, que estudou no Instituto Politécnico de Viena e na Bergakademie,
de Freiberg, na Saxônia. Voltando ao Brasil, se tornou professor da Escola Militar em 1848, rece-
bendo a patente de capitão honorário. FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. Ciência e tecno-
logia no Brasil Imperial Guilherme Schüch, Barão de Capanema (1824-1908). Varia história, vol.21
nº 34 Belo Horizonte, Julho de 2005.
112
BRASIL – Comissão de Melhoramentos do Material do Exército. Ofício do Presidente, João Paulo
dos Santos Barreto, Marechal de Campo, aprovando os cartuchos de espingarda de agulha na com-
posição do Doutor Guilherme Schüch de Capanema, em 14 de dezembro de 1850. Mss. ANRJ.
GIF12.1 5B 246.
113
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Cel. Jerônimo Francisco Coelho ao ministro da
Guerra, Pedro d’Alcântara Bellegarde, Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 14.
114
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Rodolpho Wackneldt ao ministro da Guerra, sobre a direção
técnica da Oficina de Foguetes, Rio de Janeiro, 16 de maio de 1852. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.

460
Capítulo 9 – Repartições externas

do Arsenal de Guerra.115 Os problemas com Wackneldt continuariam, mais tarde, um


diretor do Arsenal escreveria:

O dito Engenheiro nem ao menos tem dado provas de sua aptidão pro-
fissional, pois nos dois encargos que recebeu do Governo, o 1o no La-
boratório do Campinho para fabricação de foguetes a Congreve, o 2o
na Fábrica de armas da Conceição para transformação de espingardas
de pederneira para de percussão, somente apresentou resultados esté-
reis, inúteis, dispendiosos, e prejudiciais. Depois destas duas provas,
que tantos contos custaram à Nação, que confiança pode ele merecer
para se lhe incumbir novos encargos?116
Mesmo com essas considerações, o alemão ainda receberia o encargo de montar
uma fábrica de pólvora e outra de ferro em Mato Grosso, novamente falhando em cum-
prir essas missões.

Retornando ao Campinho, outra exigência de Wackneldt que podemos conside-


rar estranha foi fazer com que o primeiro tenente de artilharia Ayres Antônio de Moraes
Âncora, que fora encarregado pelo ministro de aprender as técnicas de fabricação de
foguetes, assinasse um termo, onde jurava sobre o “livro dos Santos Evangelhos em que
ponho minha mão direita, guardar todo segredo do que aprender sobre a confecção e
exercício dos foguetes a Congreve, e mais fogos de guerra, que se fabricam no Labora-
tório do Campinho”.117 Uma medida contrária aos interesses do Exército e que, por isso
mesmo, foi solenemente ignorada, o “segredo” da fabricação dos foguetes se difundindo
entre os artesãos e técnicos da Oficina de Foguetes. Wackneldt foi um personagem tão
complicada que o encarregado do Laboratório, ainda em 1852, escreveu um longo ofício
ao ministro reclamando do “comportamento inatencioso, grosseiro, e certamente bem
estranhável”118 do engenheiro estrangeiro, a solução sendo retirar do alemão a respon-
sabilidade sobre as oficinas, que passou ao tenente Luz.

Mesmo com esses percalços, as medidas tomadas pelo ministro em relação à di-
reção da nova instalação marcam uma mudança, pelo menos parcial, da visão predomi-
nante sobre o funcionamento das manufaturas do Exército: na Oficina de Foguetes havia

115
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra apresentado à
Assembleia Geral Legislativa na quarta sessão da oitava legislatura pelo respectivo ministro e se-
cretário de Estado, Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro: Laemmert, 1853. p. 14.
116
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, 22 de janeiro de 1855, op. cit.
117
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Quartel general da Corte, Antônio José de Brito. Ao diretor
do Laboratório do Campinho, passando o termo de juramento de Aires Antônio de Moraes Âncora.
Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1853. Mss. Arquivo Nacional, GIFI OI 5B 260.
118
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do 1º tenente, Francisco Carlos da Luz ao Ministro da Guerra,
Manoel Felizardo de Souza e Mello, sobre a direção da oficina de foguetes. Rio de Janeiro, 8 de de-
zembro de 1852. Mss. Arquivo Nacional, GIFI OI 5B 260.

461
Capítulo 9 – Repartições Externas

uma mentalidade de criação de um corpo técnico. Em 1857 trabalhavam no Campinho o


capitão diretor, Francisco Carlos da Luz, seu vice, o 1º tenente Aires Antônio de Morais
Âncora e mais um 2º tenente, João Jorge Bouret, encarregado das oficinas de fogos,119
este último oficial sendo um francês, contratado em 1856. Ou seja, inicialmente havia a
previsão de que haveria mais oficiais do exército trabalhando no Campinho do que no
próprio Arsenal, uma unidade muito maior e com atividades mais complexas e variadas,
mas onde os únicos oficiais no organograma eram o diretor e seu vice. Os oficiais do
Laboratório deviam ter formação técnica, inclusive especializada, como a do que foi
enviado para a Europa para estudar os meios de fabricação de munição de fulminante ou
o tenente Bouret. Além disso, a longa permanência de Luz na direção da instituição,
doze anos, de 1853 a 1865, ano em que passou a ser o 2º Ajudante do AGC, certamente
contribuiu para que este oficial adquirisse conhecimentos e experiência nas atividades
sob sua responsabilidade.

Deve-se notar também que os oficiais indicados, além de terem formação técni-
ca, das “armas científicas”, eram capazes: os tenentes Carlos da Luz e Morais Âncora
chegaram, mais tarde, ao generalato, ambos tendo tido importantes comissões técnicas
no Exército – Luz era professor da Escola Militar. Ambos, mais tarde, também chega-
ram a ser diretores do Arsenal de Guerra,120 Luz com a patente de capitão, o oficial de
menor posto a ocupar tão relevante cargo na história da instituição.121 Eles, mesmo com
a obstrução feita por Wackneldt, conseguiram superar os problemas no desenvolvimen-
to da manufatura, ao contrário do que aconteceria mais tarde, na Fábrica de Armas da
Conceição.

Nesse sentido, de formação técnica, deve-se dizer que, ao contrário do que ocor-
ria no Arsenal, a intermediação das atividades manufatureiras com as autoridades e em-

119
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Relação nominal dos empregados do Laboratório
Pirotécnico do Campinho. José Raimundo de Miranda Machado, escriturário. Rio de Janeiro, 22 de
julho de 1857. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
120
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos Inspetores de Artilharia, Arsenais, Fábricas e Fundições e
Diretores que tem tido o Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro de 1811 a 1911. s.d. [1925]. Mss.
ANRJ. IG7 96.
121
Deve-se frisar que Luz assumiu a direção interina do Arsenal de Guerra em abril de 1868, no contexto
da Guerra do Paraguai, ficando no cargo até o final do conflito, em 1870. Ele terminaria sua carreira
na República com o posto de general de divisão, em 1897 sendo presidente da Comissão Técnica
Militar Consultiva, novo nome da Comissão de Melhoramentos do Material do Exército. BRASIL –
Comissão Técnica Militar Consultiva. Ofício do presidente, General de Divisão Francisco Carlos da
Luz ao Diretor do Arsenal de Guerra, Cel. Neiva, sobre proposta de nova lança, modificando a
aprovada no parecer nº 92, de 23 de junho de 1892. Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1897. Mss.
Arquivo Nacional. IG7 146.

462
Capítulo 9 – Repartições externas

presas civis não era feita por um operário, mesmo que fosse o mestre de uma oficina: no
Campinho, ficava efetivamente ao cargo do diretor, um engenheiro. Dessa forma, quan-
do o ministro da Guerra determinou ao diretor do Arsenal fabricar no Estaleiro Mauá
peças para um novo tipo de foguete, se ordenou que se ouvisse a opinião técnica do te-
nente Carlos da Luz, encarregado do Laboratório,122 uma prática que não era seguida no
AGC em todo o período por nós estudado, onde a parte técnica ficava a cargo do cons-
trutor ou dos mestres das oficinas, com todos os problemas que isso podia causar.

Outra diferença do Campinho com relação ao AGC era a questão da mecaniza-


ção das oficinas: como dissemos anteriormente, a produção de munições mais modernas
exigia máquinas, não podia ser feita a mão, como era o caso dos cartuchos de papel das
Dreyse ou as cápsulas de fulminante. Mesmo a forma tradicional de fazer projéteis, por
fundição, era muito lenta para as necessidades do Exército, sendo preciso um trabalho
manual para limar as rebarbas das balas, a produção de projéteis por compressão, usan-
do uma máquina específica, sendo muito mais eficiente. Quanto aos foguetes, esses ti-
nham seus motores feitos por pólvora muito comprimida, para assegurar uma queima
lenta e gradual. Anteriormente, a compressão da pólvora era feita martelando-se a mão
o propelente dentro do tubo do foguete ou usando-se uma prensa martelete por gravida-
de, uma atividade perigosa e que não garantia uma regularidade no funcionamento do
motor, o melhor sendo o emprego de uma prensa hidráulica e uma máquina de brocar.

Tendo em vista resolver essas dificuldades, desde o início da história da Oficina


de Foguetes/Laboratório do Campinho lá se usaram máquinas. Essas inicialmente eram
manuais: em 1857 o diretor do laboratório pedia cinco ou seis africanos livres para tocar
as bombas das prensas hidráulicas da oficina de foguetes.123 Quatro anos depois, o capi-
tão Carlos da Luz reclamava que o laminador usado na fabricação de espoletas era ruim,
por exigir “o emprego de quatro a seis homens”, pedindo um novo, que podia ser movi-
do por uma só pessoa.124 A prensa hidráulica originalmente usada na Oficina de Fogue-
tes era uma antiga, da década de 1830, que tinha saído de serviço na fábrica de pólvo-

122
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício do Cel. Francisco de Souza, ao Brigadeiro José Manoel Car-
los de Gusmão sobre encomenda de peças na Ponta da Areia. Rio de Janeiro, 9 de junho de 1853.
Mss. Arquivo Nacional, IG7345.
123
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Ofício de Francisco Carlos da Luz o ministro da
Guerra, Jerônimo Francisco Coelho sobre serviços de africanos livres no laboratório. Rio de Janei-
ro, 1 de dezembro de 1857. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
124
BRASIL – Laboratório Pirotécnico. Parecer do diretor do Campinho, Capitão Francisco Carlos da
Luz, sobre a compra de um laminador. Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1861. Mss. ANRJ. IG7
510.

463
Capítulo 9 – Repartições Externas

ra.125 As máquinas de enrolar e comprimir papel, também manuais, tinham sido inicial-
mente instaladas no Laboratório do Castelo antes de serem transferidas para o Campi-
nho e a de fazer balas de chumbo por compressão originalmente tinha ido para a Con-
ceição, só seguindo para o Campinho mais tarde.

Contudo, a ideia central é que a manufatura das munições já deveria ser feita, se
não totalmente, pelo menos em grande parte, por máquinas, ainda que inicialmente es-
sas fossem movidas a força humana – as oficinas só seriam motorizadas em 1867, no
contexto da Guerra do Paraguai. Mesmo assim, a produção era elevada: as máquinas de
fazer espoletas tinham a capacidade de fazer trinta mil cápsulas por dia,126 sendo que tal
produção diária foi atingida na Guerra do Paraguai – era um número suficiente para
abastecer o Exército, mesmo em caso de uma guerra curta.

A produção de munição também era elevada: em agosto de 1857 se ordenou que


o Campinho fizesse uma grande quantidade de cartuchos para várias armas, dois meses
depois o laboratório já tendo feito 216.070 cartuchos.127 Em 1859, a produção do Labo-
ratório foi de 846.420 cartuchos; 640.660 espoletas; além de diversos outros artigos. 128

Como dissemos antes, o Laboratório ficou por muitos anos em um limbo admi-
nistrativo. Passou a existir oficialmente apenas em fevereiro de 1861, sendo baixado um
regulamento para ele. Por esse, a instalação ficou independente do Arsenal e deveria
assumir a fabricação da munição do Exército, menos a mais simples, como a de armas
lisas, que poderia continuar a ser feita nos laboratórios provinciais, como o do Castelo –
este só seria extinto seis meses depois.

O regulamento de 1861 previa que Campinho seria uma “escola prática de piro-
tecnia militar, na qual deverão habilitar-se os artífices de fogo que trabalharem nas pro-

125
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, José Maria da Silva Bittencourt, ao ministro a Guer-
ra, Manoel Felizardo de Souza e Mello sobre o transporte de uma prensa hidráulica, que do porto
da Estrela foi para o Campinho. Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12.
126
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Francisco Carlos da Luz o ministro da Guerra, Manoel Feli-
zardo de Souza e Mello, sobre capacidade de fabricação de cápsulas. Rio de Janeiro, 26 de abril de
1859. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
127
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Mapa demonstrativo do estado em que se acha a
confecção do cartuchame embalado para Infantaria no Laboratório pirotécnico do Campinho, a
partir do dia 1° de Agosto do corrente ano em diante. José Raimundo de Miranda Machado, escritu-
rário. Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1857. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
128
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Relatório do ano de 1859. Rio de Janeiro, 31 de
janeiro de 1860. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.

464
Capítulo 9 – Repartições externas

víncias em que houver laboratórios”. 129 Por essa época, se determinava que dois oficiais
trabalhassem na instalação, o diretor e seu ajudante, mas havia um cargo técnico civil, o
“preparador”, que seria o encarregado da operação do laboratório químico, que era uma
das oficinas do Campinho – em 1856, este técnico era o farmacêutico Jeremias Luiz de
Mello, formado pela faculdade do Rio de Janeiro, 130 e dois anos depois, para substituí-lo
se exigiu a apresentação por parte dos candidatos do diploma de farmacêutico.131 Tam-
bém havia a previsão de um maquinista, normalmente um cargo igualmente técnico –
em 1861, este era o alemão André Koelbl, que tinha o título de “Mestre geral de fogos e
maquinista”.132 No caso, contudo, deve-se frisar que Koelbl era classificado entre os
operários, como era a situação dos mestres do Arsenal. Não era um dos cargos da dire-
ção, como era o preparador.

No regulamento de 1860 constava a proposta que o contingente de trabalhadores


da instalação seria integralmente composto por praças das Companhias de Artífices do
AGC, com o título de “artífices do fogo”. É relevante notar que essas praças eram divi-
didas em três classes, sendo que se exigia que para pertencer às 2ª e 1ª classes, que os
soldados, além de conhecimentos profissionais, soubessem ler, escrever e executar as
quatro operações matemáticas e para se verificar isso, teriam que passar por um exame
prático. Isso é relevante, pois pela primeira vez aparecem claras exigências de forma-
ção, mesmo que elementares, para trabalhadores em uma manufatura do governo.133

A exigência de formação dos artífices do fogo é uma distinção importante, pois,


como dissemos, havia a intenção que o pessoal do Laboratório fosse composto por mili-
tares, no máximo de cinquenta deles. Só se deveria contratar pessoal civil em caso de
necessidade, “porém em nenhum caso para as oficinas de fogos”,134 ou seja, a atividade
fim do Laboratório ficaria inteiramente a cargo dos praças de Artífices, o que faz senti-

129
BRASIL – Ministério da Guerra. Regulamento do Laboratório do Campinho, p. 2. In: Relatório apre-
sentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima legislatura pelo ministro e
secretário de Estado, Marquês de Caxias. Rio de Janeiro: Laemmert, 1861.
130
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Ofício do Capitão diretor, Francisco Carlos da Luz,
ao Ministro da Guerra, marquês Caxias, sobre o preparador do laboratório pirotécnico. 4 de junho
de 1856. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
131
Diário do Rio de Janeiro, ano XXXVIII, nº 7, Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1858.
132
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Relação nominal dos operários das oficinas piro-
técnicas deste estabelecimento, com declaração de seus vencimentos, admissão, e tempo de serviço
de cada tem. Escriturário Seara, Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1861. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B
260.
133
Id. p. 10.
134
Id. p. 10.

465
Capítulo 9 – Repartições Externas

do quando consideramos que esta era uma atividade perigosa e que não tinha possibili-
dades de emprego na iniciativa privada de então.

Sobre a questão do quadro de pessoal, infelizmente não encontramos uma tabela


de trabalhadores ou mesmo um quadro da organização da manufatura. Podemos dizer,
contudo, que regulamento de 1860 previa a existência de três Sessões no Laboratório, a
primeira, da “atividade fim”, com as seguintes oficinas: a “fábrica de cápsulas fulminan-
tes”; a oficina munição de armas raiadas; o laboratório de foguetes de guerra; a sala de
artifícios diversos e o gabinete de preparações pirotécnicas, a serem manejados por sol-
dados das Companhias de Artífices. A segunda sessão, de “oficinas auxiliares”, teria um
laboratório químico, uma oficina de fundição, uma de serralheiros, outra de carpinteiros
e uma “sala de pintura”, o pessoal destas podendo ser civil. A terceira Sessão seria
composta não por oficinas, mas por organizações de apoio, como armazéns e enferma-
ria.

Deve-se deixar claro que o Laboratório tinha uma função clara e única, que seria
o preparo de munições. Ao contrário do Arsenal, onde existiam uma multiplicidade de
atividades independentes e desconexas, as oficinas auxiliares do Campinho eram exa-
tamente isso, organizações complementares para se alcançar esse objetivo principal,
trabalhando apenas em “cofres de munição, cunhetes, caudas para foguetes (...) bem
assim, na execução de todo e qualquer trabalho sobre metal que requerer a prontificação
dos tubos de ferro para os [foguetes] congreves e o fabrico de outros artigos bélicos”. 135

As oficinas não eram grandes, mesmo porque o regulamento previa que não
mais de quarenta soldados Artífices trabalhariam nas da Primeira Sessão. Reunindo du-
as tabelas de pessoa, uma de 1861 e outra de 1862, o pessoal empregado era o seguinte:

135
BRASIL – Ministério da Guerra. Regulamento do Laboratório do Campinho, op. cit. p. 11.

466
Capítulo 9 – Repartições externas

Oficina Artesãos Soma


Mestre geral Contramestre ou Mandador Artífices Paisanos
Cartuchame 1 1 7 9
Cápsulas 1 4 5
Artifícios 1 5 6
Serralheria 1 2 3 6
Carpintaria 1 1 5 7
Soma 1 5 19 8 33
Tabela 20 – Pessoal das oficinas pirotécnicas do Campinho, 1861-1862. 136
Apontamos nessa tabela de pessoal que, além do mestre geral, as outras oficinas de Artifícios teriam um
contramestre ou mandador, mantendo a estrutura funcional herdada das corporações de ofício (ver capítu-
lo 10), mesmo que nelas só trabalhassem de soldados de Artífices e não de artesãos civis.
A proposta de apenas usar soldados de Artífices nas oficinas de fogos seria um
problema, pois esses eram destacados das duas companhias sediadas no Arsenal e não
era fácil encontrar entre eles pessoal com as habilitações necessárias. Na crise causada
pela Questão Christie, em 1863, foi necessário ao diretor pedir a autorização para con-
tratar paisanos para trabalhar no Campinho, chegando-se ao ponto de se estender o ex-
pediente até as 20:00 horas nas oficinas que não trabalhavam com produtos explosivos e
até “distribuir pelas famílias da vizinhança certos serviços secundários (...) mais pró-
prios de mulheres e crianças, do que de operários aproveitáveis para trabalhos mais im-
portantes”.137 Consideramos essa curta passagem como interessante, pois permite dizer
que pelo menos o conceito de divisão de trabalho já era compreendido pela direção do
Laboratório, que se valeu desse princípio para acelerar a produção, pois passou as ativi-
dades mais simples e mecânicas para trabalhadores não especializados, podendo-se
afirmar com certeza que estes não tinham nenhuma experiência profissional na fabrica-
ção de munição.

136
Os dados referentes às oficinas de carpinteiros e serralheiros foram obtidos em: BRASIL – Laboratório
Pirotécnico do Campinho. Relação nominal dos operários paisanos e militares pertencentes às ofi-
cinas deste laboratório, com declaração de seus vencimentos, data de admissão, e tempo de serviço
que cada um tem. Escriturário Seara, Rio de Janeiro 20 de setembro de 1861. Mss. ANRJ. GIFI OI
5B 221. Os das outras oficinas consta de: BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Mapa
demonstrativo das munições e artifícios de guerra elaborados nas oficinas do mesmo durante o tri-
mestre de janeiro a março de 1862. Escrivão das oficinas, Júlio César Leal. Rio de Janeiro, 8 de
abril de 1862. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 261.
137
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Ofício do capitão diretor, Francisco Carlos da Luz
ao ministro da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão sobre pedidos feitos ao Laborató-
rio. Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1863. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 261. A especificação que o
trabalho noturno foi feito até as 20:00 apenas nas oficinas não pirotécnicas deve-se ao risco de ex-
plosão se fossem usadas lanternas nessas.

467
Capítulo 9 – Repartições Externas

Figura 58 – Material necessário para fazer um cartucho de arma Minié, 1860. 138
O papel, mostrado à esquerda, era enrolado em torno de um mandril, ilustrado na parte de cima, à direita.
Depois disso era colocado o projétil e a pólvora, o produto final sendo fechado com nós de barbante em
cada extremidade. No caso da divisão de trabalho no Laboratório do Campinho, se terceirizou o processo
de enrolar o papel em torno do mandril. A colocação do projétil e da pólvora, bem como o fechamento do
cartucho, fases mais delicadas e perigosas, eram feitas por artífices do fogo, no Laboratório. As únicas
ferramentas usadas no processo de produção desses cartuchos eram os mandris e simples ferramentas para
cortar o papel e o barbante.
Também se deve dizer que, apesar do número muito reduzido de trabalhadores
(ver Tabela 20), o Laboratório conseguiu atender às necessidades da crise de 1863. Não
foram suficientes para a Guerra do Paraguai, contudo, obrigando a mudanças na organi-
zação. Em 1865, o Laboratório do Campinho passou a ser oficialmente uma dependên-
cia do Arsenal. 139

9.4 Um projeto de fábricas


Das três manufaturas externas ao Arsenal, temos pouco a comentar sobre o La-
boratório do Castelo, que se organizava de forma bem primitiva, como uma pré-
indústria. Era uma operação em pequena escala, inteiramente baseada no emprego ex-
tensivo de mão de obra, esta de pouco conhecimento técnico, sem que fosse feito o uso
de qualquer tipo de máquinas.

As duas outras, a Fábrica de Armas da Conceição e o Laboratório Pirotécnico do


Campinho são outro caso. Apesar de ter tido uma implementação inicial muito confusa
e entrecortada, é evidente que a Fábrica de Armas foi criada com a intenção de ser uma
instalação de grande porte, capaz de produzir um elevado número de armas para o Exér-
cito. Para isso o projeto original da empresa, tal como projetado em Portugal, já previa a

138
SMALL arms ammunition for rifle muskets. 1860, Edward Mounier Boxer. http://i.imgur.com/A9Upi-
pd.jpg. (acesso em abril de 2017).
139
BRASIL – Decreto nº 3.470, de 22 de Maio de 1865. Dá nova organização á Comissão de melhora-
mentos do material do Exercito.

468
Capítulo 9 – Repartições externas

adoção de métodos mais modernos de produção, com divisão de trabalho e mecaniza-


ção, além de previsões administrativas para o controle de qualidade dos produtos, base-
adas em práticas francesas.

O mesmo pode ser dito com o Laboratório Pirotécnico do Campinho, que já sur-
giu com a ideia de uma produção mecanizada. Apesar de não termos encontrado deta-
lhes sobre os métodos adotados na instalação, a própria natureza dos produtos, do méto-
do de trabalho e a escala da produção já pressupõem a existência de divisão de trabalho.
Sobre as máquinas, apesar dessas terem sido implantadas originalmente como equipa-
mentos movidos a mão, a natureza da produção dependia, na sua quase totalidade, da
presença de equipamentos que regulassem a feitura de produtos de qualidade uniforme.
No Campinho, máquinas, ao contrário do que ocorria no Arsenal de Guerra propriamen-
te dito, já eram centrais ao funcionamento da instalação, estas não sendo equipamentos
destinados simplesmente a facilitar certas etapas da produção. A Fábrica de Armas, no
final do nosso recorte de estudo, também começou a implantar uma produção mecani-
zada, mas a mesma não foi feita na mesma escala – ou com a mesma eficiência – que
tinha sido empregada no Laboratório Pirotécnico.

O Campinho também pode ser visto como um marco importante para se mostrar
um desenvolvimento possível das manufaturas do governo: a questão técnica. Lá se
decidiu, desde o início, no uso um profissional civil (o farmacêutico) e oficiais ou for-
mados e preparados para exercer funções não apenas burocráticas, mas também técni-
cas. Nesse sentido, a solução das dificuldades experimentadas com o trabalho de estran-
geiros sem interesse pelo o Brasil é um bom exemplo do que poderia ser feito em uma
instalação do governo.

No Campinho, ao contrário do que tinha ocorrido em Ipanema com o sueco He-


dberg (ver capítulo 6), os próprios oficiais da manufatura tiveram condições de avaliar
os serviços que estavam sendo prestados. No caso do Wackneldt se conseguiu a sua
dispensa antes que ele causasse mais prejuízos. Isso não aconteceu na oficina de trans-
formação da Conceição, onde o próprio diretor do Arsenal acusava seu 3º Ajudante de
falhas de fiscalização, como apontado mais acima. O fato é que essa falta de supervisão
por parte de oficiais capazes de compreender o que estava sendo feito, tanto na Concei-
ção quanto em Ipanema, resultou que o trabalho dos técnicos estrangeiros gerou mais
problemas do que resultados práticos para o Exército sendo, na verdade, um retrocesso
com relação o que já tinha sido feito antes. Isso se evitou no Campinho.

469
Capítulo 9 – Repartições Externas

Também consideramos de nota o fato de ter sido a falta de pessoal técnico que
levou ao fracasso da proposta de instalar uma fábrica moderna na Conceição, pois o
responsável por ela, o armeiro Otto Mehring, aparentemente não tinha conhecimento
suficiente para fazer um projeto completo para a aquisição das máquinas que permitisse
a montagem de uma fábrica moderna, o processo de mecanização sendo feita de forma
incompleta, ainda dependendo de mão de obra especializada para uma série de etapas e
sem poder ter uma produção em larga escala, pelas faltas que Barnett apontou na época

Mesmo assim, Conceição e Campinho são as que se aproximam mais ao concei-


to de fábricas no exército e este último, com a instalação de motores a vapor, sem dúvi-
da seria uma Fábrica, mas isso ocorreu depois de nosso recorte.

470
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Sumário

10 Mão de obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista


10.1 Artesões livres
10.1.1 O Construtor
10.1.2 Mestrança
10.1.3 Oficiais e mancebos
10.1.4 Serventes e remadores
10.1.5 Aprendizes
10.2 Os cativos
10.3 A militarização da mão de obra
10.3.1 Os Artífices
10.3.2 Aprendizes menores
10.4 Breves considerações sobre o quadro de pessoal.

471
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

10 Mão de obra em uma manufatura inserida numa sociedade escra-


vista

10.1 Artesões livres


Para entendermos o funcionamento do Arsenal como uma manufatura pré-
industrial, cremos ser importante falar de seu quadro de pessoal. No capítulo sete trata-
mos brevemente da estrutura administrativa da instituição, com o seu pessoal de dire-
ção, mas o funcionamento da manufatura dependia, na prática, de seus trabalhadores,
que se apresentavam de forma bem mais complexa do que uma empresa civil do mesmo
período.

De início frisamos um ponto importante para nossa tese, que é o relativo à visão
padrão que é difundida na historiografia sobre a questão da mão de obra: o Brasil era
uma sociedade escravista e, ao contrário do que acontecia nos Estados Unidos, escravos
eram usados em manufaturas militares.1 Mais importante, pode-se dizer que é um con-
senso que a escravidão teve um importante e negativo efeito na formação da força de
trabalho e, com isso, na formação das manufaturas do País, como abordado no capítu-
lo 2.

Tal visão não é recente, já aparece de forma recorrente em cronistas, que são
muito citados para descrever a realidade do país. Luccock, escrevendo em 1808, esti-
mava em apenas 1.250 o número de artesãos existentes no Rio de Janeiro, descrevendo-
os de forma muito negativa, que julgamos valer repetir em sua íntegra:

Todas as artes eram praticadas da maneira mais formalística e aborre-


cida possível. Cada trabalhador se considerava iniciado nalgum misté-
rio que apenas eles e os de sua confraria podiam compreender. Houve
carpinteiros que exprimiram seu espanto ao verem um inglês tomar de
uma serra e manejá-la com a mesma destreza e rapidez maior que a
deles próprios. Era tão difícil rivalizar com eles em inteligência como
na qualidade de seus trabalhos. Tão ignorantes e estúpidos eram, que,
frequentemente, se tornava necessário fazer um modelo grosseiro da-
quilo que se lhes encomendava e ir de oficina em oficina até descobrir
algum que estivesse disposto a executá-lo pelo engenho humano, em-

1
O Arsenal de Springfield ficava em Massachusetts, um estado não escravista. O de Harper’s Ferry fica-
va na Virgínia, escravista, mas não empregava cativos em sua força de trabalho. O que mais se apro-
xima da situação brasileira é o caso da fundição privada de Tredegar, que produziu canhões para o
exército confederado durante a Guerra da Secessão (1861-1865). Este estabelecimento usava escra-
vos como parte de sua força de trabalho, seu emprego até crescendo durante a Guerra. SQYRES,
Ted. T. The Tredegar Logistical Support in the American Civil War. Maxwell: Air War College,
1989. pp. 8 e segs.

472
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

bora se tratasse, talvez, de um dos objetos de uso caseiro mais co-


mum. 2
Continuando com a sua tirada, obviamente preconceituosa, o viajante inglês co-
loca:

A isso, os mecânicos brancos juntaram mais uma loucura; conside-


ram-se todos fidalgos demais para trabalhar em público e que ficariam
degradados se vistos carregando a menor coisa, pelas ruas, ainda que
fossem as ferramentas do seu ofício. O orgulho tolo e a presunção
formalizada que dominava em todas as classes da sociedade brasileira,
atingiam nesta categoria de homens a um absurdo singular e ridículo.3
O autor então cita o caso de um carpinteiro que só saiu para trabalhar “vestido de
grande gala, de tricórnio, fivelas nos sapatos e abaixo dos joelhos, e outras quejandas
magnificentes”,4 esperando para um negro de ganho passar para lhe carregar as poucas
ferramentas que portava.

Essa visão negativa dos trabalhadores no Brasil aparece também em Debret (ver
Figura 44) ou em Saint-Hilaire, que escreveu: “a primeira coisa que seduz um operário
em Tejuco [Diamantina], quando ele consegue economizar algum dinheiro, é arranjar
um escravo”.5 A conclusão a ser tirada dessa situação era como colocava Ewbank:

a tendência inevitável da escravidão por toda parte é tornar o trabalho


desonroso, resultado superlativamente mau, pois inverte a ordem natu-
ral e destrói a harmonia da civilização. No Brasil predomina a escra-
vidão negra e os brasileiros recuam com algo semelhante ao horror di-
ante dos serviços manuais.6
Tal visão, como colocamos, foi incorporada pela historiografia. Só que os livros
não fazem uma leitura crítica desses autores do século XIX, que estavam escrevendo
justamente para mostrar os aspectos exóticos da sociedade brasileira para um público
que a desconhecia totalmente. Não se faz uma apreciação sobre o preconceito natural da
época, na qual cada país se julgava superior aos outros, especialmente aos povos dos
trópicos, isso justificando a própria dominação colonial e cultural. O efeito prático é que
essas leituras acríticas ajudavam a criar e difundir a ilusão de que no Brasil só haveria

2
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo Horizonte: Itati-
aia; São Paulo. Edusp, 1975. p. 8.
3
id. p. 9.
4
id. p. 9.
5
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem ao Distrito Diamantino. Apud ARAÚJO, Emanuel. O teatro dos
Vícios : Transgressão e transigência na sociedade urbana colonial. Rio de Janeiro, José Olympio,
1993. p. 85.
6
EWBANK, Thomas. Life in Brazil: or a journal of a visit to the land of cocoa and the palm. New York:
Harper & Brother, 1856. p. 184.

473
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

senhores e escravos, o que deveria ser um absurdo autoevidente, mas mesmo assim foi
incorporado ao modo de se ver o Brasil.

É verdade que realmente havia um preconceito com relação ao trabalho manual


no País, em parte por causa do motivo óbvio da escravidão. Por sua vez, se tende a ig-
norar que esse preconceito também era comum em países que não exploravam o traba-
lho escravo, pois a mentalidade medieval, de que havia aqueles que lutavam, os nobres;
que os que rezavam, o sacerdócio; e os que trabalhavam, os escravos e servos; ainda era
comum na Europa do século XIX. Dessa forma, incorporar esse preconceito à forma
como hoje vemos o Brasil de então é perigoso. Como já foi abordado neste texto, havia
artesãos livres, estes eram numerosos e, como abordaremos a seguir, eles podiam ter um
status elevado, de certa forma até pertencendo à fidalguia.

Sobre os trabalhadores especificamente, devemos dizer que à nomenclatura ado-


tada no Arsenal poderia fazer parecer que havia semelhanças entre sua estrutura de pes-
soal com a das corporações de ofícios – estas tinham sido criadas na Idade Média como
associações profissionais destinadas a criar monopólios de certas atividades e defender
os interesses de seus associados. 7 Tanto no Arsenal quanto nas corporações, havia mes-
tres, oficiais – aqueles que exerciam um ofício – e aprendizes, mas a aparência é apenas
superficial. Podemos dizer até o contrário, que o Arsenal era independente das exigên-
cias das corporações, como a de haver oficiais examinados, ou seja, os trabalhadores
dependerem de um exame da corporação para poderem trabalhar. Na manufatura do
governo, quem fazia a avaliação da habilidade dos empregados eram os mestres do
AGC. O mesmo com relação a exigências de idade mínima para a admissão de aprendi-
zes: em 1805, o compromisso da corporação dos carpinteiros e pedreiros determinava
que só seriam admitidos aprendizes jovens, de quatorze anos para cima.8 Tal limitação
nunca se aplicou ao Arsenal, mesmo antes da extinção das corporações de ofícios em
1824, os Aprendizes Menores sendo compostos por crianças de oito a doze anos, como
abordaremos mais adiante.

Dessa forma, o funcionamento do corpo de trabalhadores do Arsenal era marca-


do por suas particularidades que, até certo ponto, só eram reproduzidas em outras insti-
tuições do Governo, como o Arsenal de Marinha, a começar pela direção das oficinas.

7
MARTINS, Mônica de Souza N. Entre a Cruz e o capital: as corporações de ofícios no Rio de Janeiro
após a chegada da família real (1808-1824). Rio de Janeiro: Garamond, 2008. p. 20.
8
id. p. 86.

474
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

10.1.1 O Construtor
Como tratado no capítulo 8, tradicionalmente o mestre da oficina de construção
era chamado de “construtor”, sendo considerado como o principal artesão do Arsenal de
Guerra, tal como era no de Marinha. No entanto, havia uma grande diferença entre as
duas instalações: no Exército, o mestre construtor, em princípio, era apenas responsável
pela feitura dos reparos de artilharia, algo que demandava pouca inovação e conheci-
mento técnico. Na Marinha este cargo correspondia ao de engenheiro naval, sendo o
encarregado do projeto de embarcações, a atividade fim da instituição e que exigia um
grau de conhecimento técnico bem superior, mesmo que esse tivesse sido adquirido na
prática.

Na década de 1820 o construtor do AGRJ era Manoel José Onofre, um artesão


que todos os documentos apontam que era muito hábil: em 1822 foi o autor do desenho
do “reparo a Onofre”, um tipo de carreta de artilharia que era mais barata do que o usa-
da até então, recebendo por isso uma gratificação de duzentos mil réis por ordem do
Imperador9.

Mais tarde, Onofre seria agraciado com a patente de tenente honorário de artilha-
ria, como recompensa por seus serviços10 – uma honraria importante, não em termos de
salários, pois não era acompanhada de soldo e o mestre ganhava bem mais do que um
tenente, mas sim quando levamos em conta que a patente de oficial equivalia a receber
os foros de fidalgo. Onofre ainda seria promovido ao posto de capitão, também sem
soldo, alguns anos depois. Finalmente, ele seria agraciado com uma comenda de cava-
leiro da ordem de cristo. 11

Não foram recompensas por motivo fútil, pois a inovação foi importante para o
Exército: o “reparo a Onofre” continuaria a ser usado até o início do século XX como o
principal tipo de carreta de artilharia de fortificações (ver Figura 59). O artesão era tão

9
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso reservado do ministro da guerra, Luiz Pereira da Nóbrega de
Souza Coutinho, ordenando que a Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e Fundições
gratifique com duzentos mil réis o Construtor Manoel José Onofre. Rio de Janeiro, 18 de outubro de
1822. Mss. ANRJ. IG7 39.
10
BRASIL – Ministério da Guerra. Proposta e relatório da Repartição dos Negócios da Guerra apresen-
tados à Assembleia Geral Legislativa na sessão ordinária de 1836 pelo respectivo ministro e secre-
tário de estado Manoel da Fonseca Lima e Silva. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1836. apud
Anexo A. Modificações julgadas necessárias ao regulamento de 21 de fevereiro de 1832. (Arsenal de
Guerra). Artigo 37º.
11
ALMANAK Laemmert para o ano de 1850. Rio de Janeiro: Laemmert, 1850. p. 154.

475
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

considerado que em 1827 foi uma das pessoas nomeadas para compor a direção da So-
ciedade Auxiliadora da Indústria Nacional. 12

Onofre, na primeira metade do século XIX é o que mais se parece com um en-
genheiro mecânico no Arsenal, agindo como supervisor de outros trabalhos. Em 1829
chegou-se a argumentar que ele não era efetivamente o mestre da oficina, sendo sim
“tão somente construtor, o que abrange em geral as outras oficinas, principalmente a de
obra branca”.13 De fato, a partir dessa data, ele passa a ser intitulado de “construtor”, a
oficina de construção passando a ser gerida pelo antigo mestre da oficina de construção
do Trem de Montevidéu, Sebastião José Lopes. 14

Figura 59 – Reparo a Onofre.15


Este tipo de reparo, introduzido pelo construtor Manoel José Onofre, em 1822, ficou em uso no Brasil até
1922, com a desativação dos fortes do Brum (PE) e São Marcelo (BA), sendo vantajoso por custar a me-
tade de um reparo convencional e 67% do custo de uma carreta de marinha. Esta figura, publicada em um
manual oficial do Exército de 1870, é interessante por mostrar um dos problemas para o funcionamento
dos Arsenais brasileiros: não é um desenho técnico, ortogonal (ver Figura 24). Através dessa imagem não
é possível reproduzir um reparo do tipo, pois não contêm uma vista frontal das peças e, além disso, visi-
velmente contêm graves erros de projeção. Não é um desenho de projeto, apenas uma ilustração, para a
efetiva execução prática de uma carreta, seria necessário o conhecimento do artesão, o que é contrário ao
princípio da reprodutibilidade, fundamental para a produção em série.
Entretanto, não se pode confundir Onofre com um verdadeiro engenheiro, no
Arsenal sua situação era ambígua. Por exemplo, no relatório do ministério da Guerra de
1833 ele é listado entre os cargos administrativos da instituição e seu salário era relati-
vamente elevado, recebendo 729:000 réis anuais, valor ligeiramente superior ao de um
tenente-coronel. Só que praticamente todos os funcionários administrativos tinham salá-

12
Diário Fluminense, vol. 10, nº 75. Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1827. p. 2.
13
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Inspetor da Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fá-
bricas e Fundições, José Francisco da Silva ao ministro da Guerra, sobre a situação de Sebastião
José Lopes, mestre de construção do antigo Trem de Montevidéu. Rio de Janeiro, 27 de março de
1829. Mss. ANRJ. IG7 18.
14
Id.
15
Cópia de estampa do Manual do Aprendiz Artilheiro (1870), detalhe. IN: OLIVÉRIO, Ten. O exame
Prático. Vol. II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1895. Estampa C.

476
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

rios maiores que isso. 16 Por sua vez, nos documentos mais usuais ele aparece entre o
corpo de artesãos, com todas as implicações que isso tinha em termos de status: deve-
mos lembrar o preconceito que havia com relação ao trabalho manual.

A classificação de Onofre entre os outros trabalhadores manuais fazia sentido:


era um artesão, não tinha formação técnica além da adquirida em anos de trabalho. O
seu título sempre foi de mestre construtor e frisamos a palavra mestre, associada ao tra-
balho artesanal. Nesse sentido, em termos de título, chegou a haver uma proposta de
alteração do regulamento dos arsenais de 1832, com a previsão da criação de um cargo
de “engenheiro construtor”, com a patente de capitão,17 como acontecia no Arsenal de
Marinha. Só que não foi esse o caminho escolhido: ao contrário da Marinha, o Exército
optou por negar o reconhecimento dos seus mais expressivos quadros técnicos: o decre-
to que regulamentava a lei de promoções de 1850 passou a proibir a concessão de “toda
e qualquer graduação militar a empregados civis das secretarias, contadorias, arsenais e
outros estabelecimentos”.18 Uma opção que nos parece estranha, já que na época havia a
prática de se concederem patentes honorárias a civis e a proibição de concessão de pa-
tentes impedia que os construtores alcançassem um grau maior de interação com a hie-
rarquia militar tradicional.

Nesse sentido, cremos que o brigadeiro Cunha Matos fez o que consideramos
uma avaliação que reflete o modo de ver da hierarquia militar com relação aos trabalha-
dores do Arsenal, mesmo os mais qualificados. O brigadeiro, ao defender na câmara de
deputados um projeto prevendo a presença de oficiais técnicos no AGC, escreveu contra
a admissão de trabalhadores civis na direção, tratando de Onofre, sem citar seu nome:

No Arsenal do Exercito existe um Carpinteiro habilíssimo, que é co-


mo o diretor das construções das grandes máquinas de guerra. Ele sa-
be trabalhar em madeiras muito bem, sem saber talvez da razão das
Leis dos movimentos, ou das resistências dos materiais! eu tenho co-
nhecimentos teóricos, e ele têm conhecimentos práticos dos trabalhos,
quando ele mete a mão a um machado para galivar uma falca, pina, ou
16
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da administração do Ministério da Guerra apresentado à
augusta Câmara dos senhores deputados na sessão de 1833. Rio de Janeiro: Tipografia de Gueffier
R. G., 1833. Mapa 11. Em 1838 Onofre teve um aumento de gratificação, passando a receber perto
de 900.000 réis anuais, ligeiramente mais que um coronel do exército e mais do que muitos funcio-
nários administrativos, mas não todos. BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Sebastião
do Rego Barros, ao diretor do Arsenal de Guerra, Antônio João Rangel de Vasconcellos mandando
aumentar a gratificação de Manoel José Onofre, Tenente Graduado e Construtor do Arsenal. Rio de
Janeiro, 29 de maro de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323.
17
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório de 1836. Anexo A, op. cit.
18
BRASIL – Decreto nº 772 de 31 de Março de 1851. Aprova o regulamento para execução da lei de
promoções.

477
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

raio, quando abre os olhos dos cubos, ou os furos das cavilhas; quando
ajunta, ou assenta uma peça de ferro em qualquer parte de um reparo,
ele sabe fazer maquinalmente este serviço melhor do que eu; porém as
leis da tática, e mecânica, com que as obras devem ser feitas, eu as sei
muito melhor do que ele; e nisto há grande diferença.
(...)
Eu conheço tudo aquilo, que é necessário para a boa construção de
uma máquina de guerra; o Carpinteiro não sabe senão pôr uma peça
junta á outra, meter-lhe uma cavilha etc., isto sabe ele melhor do que
eu, porém as leis daquele trabalho são por ele desconhecidas. Isto que
acontece com os Carpinteiros, acontece com os Ferreiros; e por con-
seguinte só os oficiais Militares muito instruídos na teoria, e pratica
das máquinas de guerra, são próprios para Diretores dos Arsenais.19
Independente dessa avaliação, Onofre continuou a exercer as funções de inter-
mediário técnico entre a direção e as oficinas até sua morte, em 1853. 20 Isso mesmo que
por algum tempo, tenha havido um engenheiro trabalhando no Arsenal, inicialmente,
em 1844, com Augusto Merlet. Este último foi contratado para “todo o serviço, (...) re-
lativamente ao risco e fabrico de máquinas para uso das oficinas, e nestas terá aquela
inspeção ou ingerência, que lhe for permitida pelo diretor”,21 mas a documentação é
omissa sobre seus serviços no Arsenal e ele ficou empregado no AGC por apenas dois
anos.

Depois foi contratado Carlos Rouhette, que tinha vindo do Arsenal de Marinha.22
Este, contudo, também ficou pouco tempo no AGC, pouco depois passando a Fábrica de
Pólvora. No mesmo período foi empregado o alemão Wackneldt para trabalhar no La-
boratório do Campinho e na Fábrica de Armas da Conceição, mas este também ficou
pouco tempo no Arsenal.

Depois desses engenheiros estrangeiros que trabalharam no Arsenal de 1844 a


1855, o máximo que houve foi o emprego de maquinistas que, de certa forma, podiam
ser considerados como engenheiros, pelo menos na noção da época, quando os operado-
res de máquinas eram vistos como tal, apesar de não terem formação técnico-acadêmica.
Assim, em 1864, o mestre da oficina de maquinistas, que trabalhava há quinze anos no

19
Diário da Câmara dos Deputados à Assembleia Geral Legislativa do Império do Brasil. sessão de 24
de julho de 1828. s.n.t. p. 2.
20
Entre outros documentos tratando de assuntos técnicos podemos citar um parecer de Onofre sobre bo-
cas de fogo, algo fora da sua especialidade, de carpinteiro. BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do
vice-diretor, Vicente Marques Lisboa ao diretor, Antônio Manoel de Melo, sobre peças de bronze
inutilizadas. Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1846. Mss. ANRJ. IG7 334.
21
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho, ao diretor do Arsenal
autorizando o contrato de Augusto Merlet. Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1844. Mss. ANRJ. IG7
405.
22
Diário do Rio de Janeiro, ano XXVIII, nº 8250. Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1850. p. 1.

478
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Arsenal, tendo subido os degraus de aparelhador e contramestre, tinha vindo original-


mente do Arsenal de Marinha, onde recebera o grau de “2º engenheiro maquinista”.23
No entanto, ao contrário do que acontecia com Onofre e com os engenheiros propria-
mente ditos, não encontramos na documentação dados sobre ações de intermediação
técnica entre os maquinistas e a direção do AGC.

Essa situação de falta de contato entre os operários e a direção não foi a mesma
com o novo construtor: em 1855 foi nomeado Antônio Corrêa de Melo e Oliveira, serra-
lheiro e mestre da oficina de instrumentos matemáticos, como construtor do Arsenal.
Neste caso, o ato de sua nomeação especifica suas funções: ele deveria assumir a “ins-
peção geral de todas as oficinas que trabalham em metal”,24 mantendo suas obrigações
como mestre de instrumentos matemáticos. Ele recebeu essa função por ser bem consi-
derado por alguns diretores do AGC: em 1856, o brigadeiro João José da Costa Pimen-
tel ao falar sobre as oficinas, informava que “entre os operários que nelas trabalham há
alguns bons Mestres e oficiais, e sobressai a todos o distinto Mestre da Oficina de Ins-
trumentos Matemáticos e Serralheria, Antônio Correia de Melo”.25

Mais tarde, um artigo de jornal, criticando a mostra do Arsenal na Exposição


Nacional de 1862, escreveu que uma das peças que fazia parte da exibição era um freio
“mas que não representa o produto das oficinas de serralheiro”, continuando que era
apenas “uma curiosidade histórica”, tendo sido feito vinte anos antes por Correia de
Melo quando era ainda um artesão de serralheiros, completando com o que considera-
mos mais interessante “É trabalho bem acabado e que revela gosto, tanto mais notável
quanto o autor não teve escola onde aprendesse”.26 Na verdade, o novo construtor serve
de exemplo da evolução lenta dos operários dentro do Arsenal: em 1845 Correia e Melo
era aparelhador de serralheiros, tendo sido promovido para contramestre da oficina de
instrumentos matemáticos, 27 depois assumindo o cargo de mestre de especialidade. Cer-

23
COMISSÃO de inquérito nomeada por aviso de 25 de fevereiro de 1863 para examinar o Arsenal de
Guerra da Corte. p. 24. In: BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia
Geral Legislativa na Segunda Sessão da décima segunda legislatura pelo ministro e secretário de
estado dos negócios da Guerra, José Mariano de Mattos. Rio de Janeiro: Laemmert, 1864.
24
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, conde de Caxias, ao diretor do Arsenal de Guerra,
brigadeiro João José da Costa Pimentel, nomeando Antônio Corrêa de Melo e Oliveira construtor
do Arsenal. Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 351
25
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Brigadeiro, Diretor interino, João José da Costa Pimentel,
Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.
26
A EXPOSIÇÃO Nacional - XXIV. Diário do Rio de Janeiro. Ano XLII, nº 75. Rio de Janeiro, 17 de
março de 1862. p. 1. O grifo é nosso.
27
JORNAL do Commercio. Ano XX, nº 47. Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1845. p. 1.

479
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

tamente Correia e Melo era um autodidata e um bem capaz: já no ano que foi nomeado
como construtor, preparou uma máquina para raiar peças de artilharia, fazendo, a pedido
da Comissão de Melhoramentos do Material do Exército, um canhão raiado de pequeno
calibre.28

O que é importante é que Correia de Melo de fato assumiu o papel de supervisi-


onar o trabalho de outras oficinas, servindo de ligação entre elas e a direção do Arsenal:
já dois meses depois de ter sido nomeado construtor encontramos um parecer dele recu-
sando uma oferta e venda de armas de qualidade inferior e que, além disso, tinham pe-
ças usadas, demonstrando má fé por parte do vendedor.29 No caso, deve-se notar que
uma venda de armas nas normas do Arsenal deveria ter sido avaliada pelo mestre de
espingardeiros e não pelo de instrumentos matemáticos ou mesmo por um serralheiro.

Em 1858, o diretor do Arsenal incumbiu ao construtor fazer o acabamento das


bocas de fogo fundidas em 1820, ele conseguindo fazê-lo, apesar do Arsenal não ter as
máquinas adequadas para isso.30 Ele também foi o encarregado de apresentar uma lista
de máquinas que a manufatura necessitava, uma missão de vital importância,31 sendo
sintomático que essa função não foi dada a um maquinista, que seria o mais próximo a
uma pessoa com formação em engenheira mecânica no AGC. O mesmo com relação à
uma ordem do conde de Caxias, de 1857, para preparar desenhos de peça de artilharia
para serem fundidas na Ponta da Areia.32 Dois anos depois, o operário projetou um tor-
no para acabar um canhão, tanto na sua alma como nos seus munhões, sem ter que mu-
dar a peça de lugar.33 Em 1862 ele inventou uma nova máquina de raiar peças de arti-

28
AMARAL, Antônio José do. O canhão La Hitte. O Indicador Militar, nº 3. Rio de Janeiro, s.d. 1862. p.
47.
29
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Antônio Corrêa de Melo e Oliveira, construtor, ao vice-
diretor, José Manoel da Silva, com exame de armas oferecidas por Hogg Adam. Rio de Janeiro 9 de
janeiro de 1856. Mss. ANRJ. IG7 351.
30
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ordem do dia n. 10, do diretor Alexandre Manoel Albino de Carvalho
ao ministro Coelho, Rio de Janeiro, 12 de abril de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
31
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Construtor do Arsenal, Antônio Correia de Melo e Oliveira ao
diretor. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
32
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro da Guerra, Conde de Caxias, ao Diretor do Arse-
nal de Guerra, João José da Costa Pimentel para emitir ordem ao maquinista A. Correa de Melo
para que, com toda a urgência, apronte os riscos, desenhos e perfis de bocas de fogo de campanha.
Rio de Janeiro, 22 de setembro de 1857. Mss. ANRJ. IG7 396.
33
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra da Corte em 31 de janeiro de 1859.
Mss. ANRJ. IG716.

480
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

lharia, que seria usada no Arsenal na Guerra do Paraguai, pela qual ele pediu uma re-
compensa ao ministério da Guerra.34

Talvez por suas realizações e talvez por seu papel na sociedade,35 ele recebeu as
comendas da ordem da Rosa e de Cristo, ambas em grau de cavaleiro. No caso, aponta-
mos que o mestre de obra branca também foi agraciado com as Ordens da Rosa e de
Cristo, igualmente em grau de cavaleiro.36 Nesse sentido, deve-se frisar que essas co-
mendas davam o status de fidalgo ao seu agraciado – isso não era tão importante no
Brasil Império quanto na Colônia, mas ainda representava alguns privilégios, como o de
seus filhos poderem ser admitidos como primeiros cadetes no Exército, representando
uma situação longe do estereótipo do desprezo pelo trabalho manual.

Por sua vez, nem todos viam a ação técnica do construtor como sendo algo posi-
tivo: a oficina de instrumentos matemáticos foi um dos objetos do inquérito feito em
1863, quando se constataram uma série de problemas no Arsenal depois da emergência
da Questão Christie. No caso da oficina foi apresentada a acusação de que seria muito
dispendiosa – o que parece ser verdade.

Outra crítica, contudo, é de maior interesse ao nosso trabalho, pois Melo e Oli-
veira, como dissemos, recebera a autoridade de supervisionar o trabalho das oficinas,
atuando como uma instância técnica. A comissão de inquérito considerava que isso era
“uma censura prévia à execução das deliberações do diretor, cuja autoridade é ataca-
da”,37 mostrando uma incompreensão das necessidades de uma manufatura, tendo em
vista a impossibilidade do diretor, ainda que auxiliado pelos ajudantes, se dedicar aos
aspectos técnicos da instalação. A própria defesa do diretor do Arsenal deixa isso muito
claro, explicando que o motivo da autoridade dada ao Construtor era acelerar os traba-

34
BRASIL – Ministério da Guerra. Bilhete ao Sr. tenente coronel Antônio Pinto de Figueiredo Mendes
Antas, pedindo para enviar cópia de informação sobre requerimento do Construtor do Arsenal de
Guerra da Corte, Antônio Correa de Melo e Oliveira, pedindo um prêmio pela invenção de uma
máquina de raiar artilharia. Rio de Janeiro, 13 de maio de 1864. Mss. ANRJ. IG7 496.
35
Oliveira e Melo também teria a patente de capitão, mas essa aparentemente era da Guarda Nacional.
ALMANAK Laemmert, 1864. Rio de Janeiro: Laemmert, 1864. p. 264. O almanaque de 1871 já o lis-
ta como major.
36
ALMANAK Laemmert, 1865. Rio de Janeiro: Laemmert, 1865. p. 261. O mestre de obra branca, Antô-
nio José Ferreira, em 1868 era listado como major, depois como tenente-coronel, ele pertencendo à
Guarda Nacional, suas comendas devendo estar relacionadas com essa atividade, o que talvez tam-
bém fosse o caso de Melo e Oliveira.
37
COMISSÃO de inquérito nomeada por aviso de 25 de fevereiro de 1863 para examinar o Arsenal de
Guerra da Corte. p. 5 In: BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Ge-
ral Legislativa na Segunda Sessão da décima segunda legislatura pelo ministro e secretário de esta-
do dos negócios da Guerra, José Mariano de Mattos. Rio de Janeiro: Laemmert, 1864.

481
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

lhos, pois os mestres das oficinas não precisavam recorrer ao diretor para sanar dúvi-
das.38 Era uma argumentação extremamente válida e, em nossa opinião, óbvia. No en-
tanto, a própria necessidade de que fosse feita mostra um atraso na forma de pensar de
muitos oficiais da época, inclusive os da comissão de inquérito, que não viam a necessi-
dade de uma instância técnica.

O ponto importante, contudo, era que o construtor do Arsenal, apesar dos dois
que exerceram o cargo serem evidentemente capazes e inteligentes, durante o período
em que trabalhavam, eram apenas uma pessoa. Serviam para diminuir o grave problema
que o AGC tinha na área de pessoal técnico, mas não teriam condições de, por eles, re-
solver a questão de quem proveria o pessoal para aperfeiçoar as estruturas de funciona-
mento do Arsenal. Isso era ainda mais complicado pelo fato de trabalharem em uma
instalação militar, baseada em rígidas regras de hierarquia. Nesse sentido, deve-se dizer
que os dois construtores tinham patentes de oficial, entretanto, essas eram honorárias, de
postos intermediários, de capitão, e no caso de Melo e Oliveira, da Guarda Nacional.
Dessa forma eles teriam chances reduzidas para influenciar os tomadores de decisão o
Exército como um todo, especialmente em assuntos de política e de organização da ma-
nufatura. Ainda menos influência teriam os outros mestres do Arsenal, como trataremos
a seguir.

10.1.2 Mestrança
Como temos frisado e repetido ao longo do presente trabalho, não havia um
quadro técnico no Arsenal de Guerra, todos os assuntos que dependiam de conhecimen-
tos específicos sobre o assunto manufatureiro sendo tratado por operários, inclusive a
administração das próprias oficinas do AGC. Entretanto, os trabalhadores que exerciam
essas funções mais complexas não eram artesãos comuns, compunham um segmento
específico do corpo de trabalhadores do Arsenal, a mestrança.

A mestrança, formada por mestres; contramestres e aparelhadores,39 era um gru-


po de trabalhadores que não era oficialmente considerado como parte da administração
dos arsenais, compondo a elite do corpo operário. Eram artesãos, mas tinham uma situ-
ação especial: ao contrário dos artesãos comuns, eram empregados permanentes do qua-
ro da instituição e, pelo alvará de 1811, eram nomeados diretamente pela junta dos Ar-

38
id. p. 33.
39
PORTUGAL – Alvará de 11 de março de 1811. Cria a Real Junta de Fazenda dos Arsenais, Fabricas,
e Fundição da Capitania do Rio de Janeiro e uma Contadoria dos mesmos Arsenais. inciso XIII.

482
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

senais. Como foi dito, cabia a eles a administração de cada oficina, escriturando o que
acontecia e dirigindo os trabalhos que eram feitos. Além disso, tinham uma imensa res-
ponsabilidade: avaliavam a proficiência técnica dos operários e definiam seus venci-
mentos, sendo responsáveis também pelo desenvolvimento dos trabalhos nas oficinas.
Finalmente, eram os responsáveis teóricos pela formação técnica dos aprendizes, tal
como acontecia nas corporações de ofício.

Mais importante, na ausência de uma ordenança – especificações detalhadas dos


equipamentos – cabia a eles determinar como os produtos de suas oficinas seriam feitos.
Os mestres também assessoravam os diretores do Arsenal e a Comissão de Melhora-
mentos em questões técnicas relativas às suas especialidades e eram encarregados das
avaliações dos produtos a serem adquiridos pelo Arsenal, ainda nos seus ramos de ativi-
dade.40 Isso poderia envolver quantias muito elevadas e que certamente tinham muitos
efeitos no funcionamento do Exército, como no caso da compra de armas – o diretor do
AGC encaminhava as avaliações dos exemplares oferecidos feitas pelos mestres para o
ministro da Guerra, que então tomava a decisão final de compra ou não.

Por sua vez, o exercício dessas responsabilidades técnicas não quer dizer que os
membros da mestrança não eram operários no sentido explícito do termo: como dito, os
mestres tinham que supervisionar os trabalhos de artesãos, e para isso era preciso que
tivessem o conhecimento prático de seus ofícios. Dessa forma, realizavam trabalhos
manuais, apesar das evidências apontarem que isso era feito apenas na execução de pe-
ças mais complicadas ou excepcionais (ver Figura 51).

Por sua vez, os contramestres e aparelhadores trabalhavam direta e regularmente


como operários, as exceções sendo quando eram encarregados de uma oficina41 ou
quando substituíam os mestres nos trabalhos administrativos na ausência destes últimos.
Assim, por exemplo, em 1853, o mestre e o contramestre de espingardeiros da Fábrica

40
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro da Guerra Manuel Felizardo de Sousa e Melo ao
Diretor do Arsenal de Guerra, Coronel Vicente Marques Lisboa sobre processo de compras pelo
Arsenal, Rio de Janeiro, 12 de março de 1849. Mss. ANRJ. IG7 336.
41
Pelo Regulamento do Arsenal de Guerra de 1832, diversas oficinas eram dirigidas por contramestres ou
aparelhadores. Cf. BRASIL - Decreto de 21 de fevereiro de 1832. Dá regulamentos para o Arsenal
de Guerra da Corte, fábrica da Pólvora da Estrela, Arsenais de Guerra e Armazéns de Depósito de
artigos bélicos. Artigos 39 a 45.

483
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

de Armas da Conceição estavam aposentados e o trabalho de fiscalização e direção da


oficina era exercido pelo aparelhador.42

Atingir um dos cargos da mestrança não era necessariamente um processo de


evolução, como se fosse uma carreira: era possível que fossem contratados fora do Ar-
senal, havendo diversos casos disso sendo feito com pessoal do Arsenal de Marinha.
Houve até um caso de anúncios em jornais para um concurso público, tendo em vista o
preenchimento dos cargos de mestre e aparelhador de alfaiates, em 1852.43

No entanto, a forma mais usual de preenchimento da mestrança era por promo-


ção dentro do próprio Arsenal: mesmo no caso do concurso citado, o diretor escreveu
que optou por essa forma de contratação, “porque eu não tinha conhecimento de pessoas
idôneas”44 para os cargos, a situação sendo ainda complicada por causa das acusações
de corrupção que tinham atingido a oficina de alfaiates naquele ano, resultando na de-
missão do contramestre.45 Assim, a documentação dá a entender que o normal era se
escolher uma pessoa qualificada entre os artesãos para preencher o cargo de aparelha-
dor, este então sendo promovido para contramestre e depois a mestre, à medida que os
ocupantes dessas funções morriam.

Desta forma, um membro da mestrança teria feito uma longa carreira – às vezes
de décadas – no corpo de artesãos antes de chegar ao seu cargo, devendo saber ler; es-
crever; fazer cálculos e, pelo menos, interpretar desenhos técnicos, quando não fosse
necessário saber ele mesmo desenhar. Isso apesar de ser evidente que as habilitações
“acadêmicas” nem sempre eram consideradas como de vital importância: em 1838 há
um pequeno documento escrito pelo mestre da oficina de coronheiros, José Antônio de
Souza, em que se vê que a caligrafia do mesmo era de uma pessoa que tinha dificuldade
de escrever, além de conter grave erro de português, ele escrevendo “çer” ao invés de
“ser”.46

42
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório da Fábrica de Armas, Paulo José Pereira, encarregado. Rio
de Janeiro, 18 de novembro de 1853. Mss. ANRJ. IG7 25.
43
Diário do Rio de Janeiro, ano XXXI, nº 9014. Rio de Janeiro, 17 de junho de 1852. p. 3.
44
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do vice-diretor, Vicente Marques Lisboa ao diretor, Marechal de
Exército José Maria da Silva Bentancourt, sobre contratação de mestre e aparelhador para oficinas
de Alfaiates. Rio de Janeiro 27 de maio de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
45
Diário de Rio de Janiero, ano XXXI, nº 9142, 30 de outubro de 1852. p. 1.
46
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de José Antônio de Souza [mestre de coronheiros] para o vice-
diretor sobre premiação de aprendizes. Rio de Janeiro, 6 de julho de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323.

484
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

O importante era que o mestre tivesse a capacidade de exercer seu ofício artesa-
nal: em 1834 um operário do Arsenal, Francisco Soares da Silva, fez uma espingardinha
de mola para disparar rolhas, para o príncipe D. Pedro, que então teria nove anos de
idade (ver Figura 51). Tal brinquedo, em forma de uma arma funcional do período, é
ricamente decorado com gravações e incrustações a ouro, podendo ser até uma “obra
prima”, o trabalho que era feito por um artesão nas antigas corporações de ofício para
comprovar sua capacidade como mestre na arte. Sabe-se que Soares da Silva era con-
tramestre da oficina de espingardeiros do Arsenal em 1844, sendo considerado como
um de seus artesãos mais hábeis naquele ano47 e que ele ainda trabalharia na instituição
dez anos depois, já com a função de mestre, ou seja, teve uma longa carreira dentro da
instituição, subindo na escala de graduações do corpo de operários.

A promoção nos cargos era um processo lento, pois não havia aposentadoria por
idade ou tempo de serviço, de forma que ocupar um cargo por décadas era comum: o
citado mestre de coronheiros José Antônio de Souza em 1848 exercia o cargo há 43
anos e o mestre de espingardeiros tinha essa função desde 1816, 32 anos, 48 mas esses
números não levam em conta o período que tinham como artesãos e contramestres, an-
tes de assumirem suas oficinas: em 1865 há uma informação sobre a mestrança da ofici-
na de construção, onde consta que o mestre, Antônio Januário Gonçalves, tinha sido
admitido como oficial – ou seja, já depois de ter completado seu aprendizado – em
1817. O contramestre tinha sido admitido como oficial em 1814 e o aparelhador apenas
em 1834, tendo “apenas” trinta e um anos de serviço no Arsenal. 49 O mestre Januário
Gonçalves, que tinha assumido o cargo de contramestre em 1849, depois de 32 anos de
serviço, e o de mestre sete anos depois, ainda estava na folha de pagamento do Arsenal

47
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho ao diretor do Arsenal
de Guerra da Corte, Brigadeiro João Eduardo Pereira Colaço Amado, aprovando proposta do vice-
diretor do Arsenal, Galdino Justiniano da Silva Pimentel, sobre a permanência no Arsenal de dois
dos oficiais mais hábeis, para ensinar os aprendizes artífices. Rio de Janeiro, 29 de julho de 1844.
Mss. ANRJ, IG7405.
48
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do marechal João Carlos Pardal, diretor, ao Ministro da
Guerra. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1848. Mss. ANRJ. IG7 10.
49
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação nominal da mestrança da oficina de construção do Arsenal de
Guerra da Corte com declaração do tempo de serviço que tem. O secretário, José Antônio Frederi-
co. Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1865. Mss. ANRJ. IG7 502.

485
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

em 1871, quanto tinha 77 anos de idade,50 o caso dele não podendo ser considerado co-
mo atípico.

Um fator que justifica as longas carreiras no Arsenal era, além da necessária es-
tabilidade dos cargos, o fato que a mestrança recebia por jornal, o dia trabalhado – era
um assalariado – isso mesmo quando foi implantado o sistema de pagamento por em-
preitada. Deve-se dizer que os vencimentos da mestrança eram elevados para o período:
em 1844 recebiam diariamente de 5.000 (o mestre da oficina de máquinas) até 2.400
réis (o aparelhador de pedreiros), 51 o que podia corresponder a um salário mensal de
130.000 a 62.400 réis, se fossem trabalhados todos os seis dias de cada semana. Para
efeitos de comparação, o soldo de um capitão do Exército – que certamente seria classi-
ficado como pertencente à classe média –, era de 50.000 réis e o de um coronel era de
100.000 réis, pela tabela de 1841.52 O mestre de máquinas, o engenheiro Merlet, chegou
a receber pouco mais do que um brigadeiro, um oficial general, cujo soldo entre 1841 e
1852 era de dez mil réis a menos do que o do operário.

O pessoal da mestrança também tinha alguns privilégios únicos no período, in-


clusive uma forma de aposentadoria ou, mais propriamente, uma licença com vencimen-
tos: a dispensa do ponto. Inicialmente a vantagem podia ser simples, apenas o que o
nome indica, uma autorização para não ter que passar pelas chamadas de presença na
entrada e na volta do almoço, podendo, portanto, ter horas flexíveis de trabalho. Em
casos mais extremos, contudo, o operário continuaria a receber seu pagamento integral,
mesmo sem que tivesse que trabalhar.53 Assim, o mestre da oficina de Construção, o já
citado Januário Gonçalves e outros quatro artesãos, tiveram requisições de liberação do
ponto aprovados em 1863. 54 Deve-se dizer que esta era uma regalia rara no Arsenal e
um privilégio que não existia nem mesmo entre os oficiais do Exército, onde a reforma,
a aposentadoria militar, implicava em uma redução de soldos.

50
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Domingos Jaguaribe, ao diretor do Arsenal de
Guerra, Aires Antônio de Morais Âncora sobre mestres dispensados do ponto. Rio de Janeiro, 22 de
maio de 1871. Mss. ANRJ. IG7 375
51
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro P.de S. Bellegarde ao diretor do Arsenal Jerônimo
Francisco Coelho, aprovando a tabela regulando o jornal e vencimentos dos operários e serventes
do Arsenal de Guerra da Corte. Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1854. Mss. ANRJ, IG7 341.
52
SCHULZ, John. O exército na Política: origens da intervenção militar: origens da intervenção militar
– 1850-1894. São Paulo: EDUSP, 1994. p. 211.
53
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa extraído do ponto dos operários que trabalharam nas oficinas do
Arsenal de guerra nesta fortaleza, José Manoel Justino da Cunha, major encarregado. Rio de Janei-
ro, 30 de dezembro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10. Naquele ano, a oficina de coronheiros tinha um dos
seus d\ois mestres em licença por problemas de saúde há três anos.
54
CORREIO Mercantil, nº 179. Rio de Janeiro, 30 de junho de 1863. p. 2.

486
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Considerando as vantagens e exigências feitas a eles, pode-se dizer que o pessoal


da mestrança tinha uma situação de classe média, apesar de serem trabalhadores manu-
ais.

10.1.3 Oficiais e mancebos


Como colocamos antes, uma das observações constantes na literatura de viajan-
tes era a ausência de mão de obra qualificada o Brasil, isso por causa dos escravos. Tal
afirmação é reproduzida pela historiografia, que tem que se basear nas informações dis-
poníveis, as mais facilmente obtiveis sendo justamente as de caráter genérico, como os
viajantes, tais como Luccock e Saint-Hilaire.

De fato, a documentação aparenta sustentar que havia falta de pessoal, tanto é


que foram feitos esforços para contratação na Europa de operários com qualificações
específicas – armeiros – para a Fábrica de Armas da Conceição, tal como já abordado.
Mesmo no Arsenal propriamente dito foram contratados operários: em 1811 vieram
para o Brasil vários trabalhadores dos arsenais portugueses: um aparelhador e dois ofi-
ciais de engenhos de artilharia, dois carpinteiros de obra branca, um mestre de carpinta-
ria (do Arsenal do Porto), um abridor, um aparelhador carpinteiro de machados, três
espingardeiros, dois ferreiros, um mestre e três oficiais de instrumentos bélicos, um con-
tramestre, um aparelhador e um oficial de fundir artilharia e um gravador de artilharia –
20 operários no todo.55 Certamente pelo menos os três espingardeiros foram para a
Conceição, já que o Arsenal, nesta data, não tinha oficinas dessa especialidade.

Como já tratamos antes, o próprio governo tomou medidas para incentivar a


permanência de operários em suas manufaturas: em Portugal, a portaria que regulava as
isenções ao recrutamento para o serviço militar, tanto na linha quanto na Milícia, espe-
cificava que os “mestres, oficiais, aprendizes, operários e indivíduos empregados nos
Arsenais Reais do Exército, da Marinha das Obras Públicas e Militares”56 não seriam
recrutados. A portaria também isentava os trabalhadores das fábricas estabelecidas por
mandado da Real Junto de Comércio, bem como mestres e aprendizes até a idade de 20
anos, que tivessem uma série de ofícios especificados. Essa foi uma medida também
implantada no Brasil: o brigadeiro Cunha Matos reclamava em 1820 que “Muita gente

55
RELAÇÃO dos operários do Arsenal Real do Exército que passam a servir no Rio de Janeiro, aos quais
são devidos os salários abaixo declarados. Lisboa, Contadoria dos Arsenais Reais do Exército 20 de
dezembro de 1809. In: VITERBO, Sousa. A armaria em Portugal. Lisboa: Academia Real das Ciên-
cias, 1908. p. 89.
56
PORTUGAL – Portaria de 28 de setembro de 1813. Determina normas de isenção de recrutamento.

487
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

desta corte na ocasião em que se tratava o recrutamento vinha pedir se admitisse no Ar-
senal na classe de aprendizes com as únicas vistas de obter suas ressalvas e com elas
ficar isentos de terem praças na tropa de linha e miliciana”.57

A isenção de serviço militar era uma grande vantagem para os trabalhadores, da-
do os labores do serviço militar, mesmo que este fosse na milícia, só que esse privilégio
acabou com a criação a Guarda Nacional: a lei de criação da força continha previsões
explícitas que os “empregados nos arsenais e oficinas nacionais”58 poderiam ser recru-
tados para ela. Nesse ponto vale observar que a questão do serviço de operários na
Guarda Nacional já é por si um indicativo de status dos trabalhadores, pois a Guarda foi
criada como uma força proprietária, para excluir os elementos mais baixos da socieda-
de.59 Seus soldados deveriam ter uma renda anual suficiente para lhes permitir votar, de
100.000 (eleitores de paróquia) ou 200.000 réis para poderem ser eleitores de província,
uma renda que já na década de 1830 era alcançada por praticamente todos os trabalha-
dores do Arsenal, menos os serventes e aprendizes.

Também relacionado ao serviço na Guarda, há outro ponto interessante: muito


mais do que a escravidão, os diretores acusavam o serviço na Guarda como uma das
razões das faltas dos operários, desmentindo o possível efeito do uso dos escravos como
uma das causas de falta de pessoal. São constantes os pedidos do diretor do Arsenal no
sentido de obter a isenção para os trabalhadores da instituição.60 Estes às vezes eram
atendidos, como em 1841, por causa da Revolução Farroupilha.61 Chegou-se até se usar
a dispensa do serviço na Guarda como uma forma de atrair trabalhadores, como em um
anúncio publicado em 1837, oferecendo empregos para alfaiates, correeiros, ferreiros,
malhadores, espingardeiros e coronheiros “que serão bem pagos e liberados do serviço
ativo da Guarda Nacional, enquanto estiverem no Arsenal”.62 Por sua vez, a própria
recorrência desses pedidos na documentação permite ver que essas dispensas eram tem-

57
MATOS, Raimundo José da Cunha. Memória estatística, econômica e administrativa sobre o arsenal
do exército, fábricas e fundições da cidade do Rio de Janeiro. Vila Nova de Famalicão: s.ed. 1939.
p. 21.
58
BRASIL – Lei de 18 de Agosto de 1831. Cria as Guardas Nacionais e extingue os corpos de milícias,
guardas municipais e ordenanças. Artigo 18, § 4º.
59
CASTRO, Jeanne Berrance. A milícia cidadã: A Guarda Nacional de 1831 a 1850. São Paulo: Compa-
nhia Editora Nacional, 1979. p. 21.
60
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório de 1848, op. cit.
61
BRASIL – Trono. Ofício de sua majestade ao ministro da justiça isentando os operários de espingar-
deiros, coronheiros e correeiros do serviço na Guarda Nacional nos dias de trabalho, excetuando-se
os dias em que a Guarda Nacional tiver que reunir-se em parada geral. Rio de Janeiro, 7 de julho
de 1841. Mss. ANRJ. IG7 6.
62
Diário do Rio de Janeiro, nº 23, Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1837. p. 1.

488
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

porárias, tendo que ser constantemente reiteradas, de forma que o serviço na Guarda
continuou a ser um problema para o funcionamento do AGC em todo o período de nos-
so estudo, o que não ocorreu com a escravidão, como veremos mais abaixo.

Apesar de suas vantagens, os trabalhadores tinham outros problemas específicos


ao trabalharem na manufatura: em tese, estariam sujeitos a uma forma branda de disci-
plina militar, podendo ser presos pelos diretores, que os entregariam às autoridades po-
liciais63 e o diretor do Arsenal podia usar o alistamento no Exército como uma forma de
disciplinar seus servidores civis, apesar disso não ser comum: em 1837 há um caso em
que se solicitou ao ministro o alistamento na Companhia de Artífices de nada menos do
que 55 operários, “visto, que pelas faltas que cometem não devem prevalecer-se do in-
dulto de serem empregados, para se furtarem ao recrutamento”. A medida sendo positi-
va para o Arsenal, pois não privaria a instituição dessa mão de obra , que passaria a tra-
balhar como soldados Artífices.64

A disciplina inerente aos militares aplicada na instituição levava a formas de or-


ganização que parecem ser únicas. Durante a Revolução Praieira, em janeiro e fevereiro
de 1849, os artesãos do Arsenal de Pernambuco formaram uma unidade de “Operários
Voluntários” que, junto com os soldados da companhia de Artífices, guarneceram trin-
cheiras e dois canhões em frente ao Arsenal, para proteger a instalação, repelindo ata-
ques praieiros. 65 Talvez por isso, o ministro da Guerra tenha aprovado o decreto 600, de
março daquele ano, organizando um “Corpo de Operários Artistas do Arsenal de Guerra
da Corte”,66 que seria composto pelo pessoal livre do AGC, a razão de uma companhia
por oficina, comandada pelo mestre, a tropa sendo dividida em esquadras, lideradas
pelos contramestres e aparelhadores. O pessoal tendo que usar um uniforme relativa-
mente simples para a época: uma fardeta de lã azul, com as iniciais “AG” na gola. O
objetivo da tropa sendo:

a defesa e guarda do Estabelecimento, que os alimenta e a suas famí-


lias: aqueles pois dos referidos operários que, por motivos não justifi-
cados, não se apresentarem na forma do disposto no Art. 8º, serão

63
MATOS, Raimundo José da Cunha. Repertório da legislação militar atualmente em vigor no exército e
armada do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Seignot-Plancher, 1837. Vol. 2. p. 320.
64
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício do diretor interino, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão
ao ministro da Guerra, enviando lista de operários a serem recrutados. Rio de Janeiro, 18 de junho
de 1838. Mss. ANRJ. IG7 20.
65
Diário do Rio de Janeiro, ano XXVIII, nº 8020. Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1849. pp. 2 e 3.
66
BRASIL – Decreto nº 600, de 25 de Março de 1849. Aprova o Regulamento para a organização do
Corpo de Operários artistas do Arsenal de Guerra da Corte.

489
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

considerados menos dignos de fazer parte dos empregados dele, e por


conseguinte despedidos das oficinas a que pertencerem. 67
Ou seja, como não se podia compelir ao serviço na unidade, se usava a ameaça
de demissão para forçar a participação. Deve-se dizer, contudo, que esse corpo não era
parte do Exército ou da Guarda Nacional, os operários só foram militarizados superfici-
almente. De fato, há poucas menções na documentação aos operários voluntários, mas
sabe-se que os uniformes ficaram em uso, pelo menos por algum tempo: em 1851 um
artigo publicado no Correio Mercantil reclamava que um operário, José Barriga (ver
Figura 14) “teve ordem do vice-diretor para apresentar-se de sobrecasaca militar, e não
de fardeta”, apesar de não ser mestre, contramestre ou aparelhador “pois só aqueles que
o são têm o direito de usar de sobrecasaca militar”,68 o jornal reclamando que o privilé-
gio era por Barriga ser português, algo que sempre gerava reclamações, visto a xenofo-
bia da época.

Retornando ao tema do trabalho, ao contrário da mestrança, os operários qualifi-


cados da instituição – os oficiais e mancebos – eram empregados jornaleiros, o que
chamaríamos de “diaristas”, recebendo por dia de trabalho. Não eram propriamente as-
salariados, apesar do ideal para o Exército ser a contratação por longo prazo. Só que
isso não impedia reduções do quadro de trabalhadores em massa sempre que a adminis-
tração do ministério da Guerra considerava que se podia diminuir o ritmo dos trabalhos,
usualmente uma vez passada uma das muitas crises militares momentâneas na história
do País. Assim, em 1845, depois do fim da Revolução Farroupilha, o Arsenal teve uma
grande redução de pessoal, na ordem de 40% da força de trabalho.69

Em 1849, com a paz após a derrota da Revolução Praieira, o ministro ordenou


novas demissões, inclusive a de todos os escravos de aluguel a serviço do Arsenal. Na-
quele ano a situação chegou ao ponto do diretor ter escrito ao ministro pedindo autori-
zação para contratar pessoal, não para atender uma emergência, mas para manter um
nível de produção mínimo e criar um quadro de pessoal estável: a proposta era empregar

67
id. artigo 10.
68
CORREIO Mercantil, ano VIII, nº 309. Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 1851. p. 3.
69
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos negócios da Guerra apresentado à As-
sembleia Geral Legislativa na 1ª Sessão da 6ª Legislatura pelo ministro e secretário de estado dos
negócios da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1845, mapa
nº 7 & BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa nº 7. Número de operários das diferentes oficinas deste
Arsenal existentes em 1o de Janeiro de 1847 e das alterações ocorridas daquela data até o último de
dezembro do mesmo ano. s.d. Mss. ANRJ. IG7 10.

490
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

os operários mediante um contrato de longo prazo. 70 Só que isso não foi seguido, o sis-
tema de diaristas continuando, apesar de o Exército usar contratos de trabalho de dois a
seis anos com os operários estrangeiros e com os que eram enviados para trabalhar nas
províncias.

Ainda em termos de trabalho, os artesãos eram classificados por suas habilida-


des, tais como avaliados pelos mestres: inicialmente havia oficiais – os artesãos qualifi-
cados para o exercício de um ofício – e mancebos, com menos habilidades71. Em 1854
foi aprovada a reclassificação dos operários em seis classes, devendo cessar o uso do
nome “mancebo”, mas isso não ocorreu, na verdade, em 1857 foi baixada uma nova
tabela de vencimentos, que previa as seis classes de oficiais, mais quatro classes de
mancebos.72 Havia ainda os serventes e os aprendizes, a evolução de uma classe para
outra sendo feita de acordo com as habilidades de cada um, sempre de acordo com a
avaliação dos mestres das oficinas. Apesar de ter havido essa tentativa de racionalização
na composição da força de trabalho, criando uma estrutura de cargos, um passo mais
além, o de empregar por contrato, não foi adotado como dissemos. Na verdade, houve
uma alteração na direção oposta, o pagamento por peça feita, ou empreitada.

O sistema de empreitada era aparentemente vantajoso para o empregador, pois


com o pagamento por jornal era difícil controlar a produção: como colocado no capítulo
5, a produção de um fecho de espingarda podia ser feita em dois dias por alguns traba-
lhadores, outros não conseguiam completar sequer um em dez dias, mas todos receberi-
am o mesmo pagamento por jornal. Em 1849, um dos espingardeiros contratados no Rio
de Janeiro para servir no Arsenal de Porto Alegre, pelo bom salário de 2.500 réis diá-
rios, era “por hábito tão vagaroso em trabalhar que, tendo 253 dias apontados de no-

70
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Antônio João Rangel de Vasconcelos, ao ministro da
Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello, sobre a necessidade de contratar trabalhadores. Rio de
Janeiro, 24 de maio de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
71
Não deixa de ser curioso que a etimologia do termo venha do latim mancipium, “ação de adquirir ou
tomar na mão”, por extensão sendo uma palavra que designava escravo, ou servo, o que pode ser vis-
to como um indicativo da forma pejorativa de como era visto o trabalho na sociedade brasileira.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 493.
72
BRASIL – Ministério da Guerra. Tabela demonstrativa dos jornais que devem vencer os mestres, con-
tramestres e mais operários das quatro oficinas abaixo mencionadas, aprovada por aviso desta da-
ta. No impedimento do oficial maior, Bernardo Joaquim de Matos. Rio de Janeiro, 20 de maio de
1857. Mss. ANRJ. IG7 367.

491
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

vembro passado até hoje, tem apenas composto 36 armas”,73 um número ridiculamente
baixo, se recomendando sua demissão.

Uma solução para esse problema seria o pagamento por empreitada, a feitura de
uma peça. Como colocou Hobsbawn:

Marx chamou-a a melhor forma de retribuição por salários para o ca-


pitalismo. Fornecia um incentivo genuíno para o trabalhador intensifi-
car o seu trabalho e, consequentemente, aumentar sua produtividade,
uma garantia contra a negligência em geral, uma solução para reduzir
a conta de salários em tempos de depressão, assim como um método
adequado para reduzir os custos do trabalho e impedir que salários
aumentassem mais do que era necessário e conveniente. Também di-
vidia os trabalhadores entre si, já que o que recebiam podia variar
enormemente dentro do mesmo estabelecimento, ou diferentes tipos
de trabalho poderiam ser pagos através de formas inteiramente dife-
rentes.74
Alguns oficiais do Exército reconheciam essas vantagens: Cunha Matos, em seu
relatório sobre o Arsenal, de 1820, recomendava a adoção deste modo de trabalho, mas
comentava que o regulamento da Junta de Arsenais proibia esse tipo de pagamento, co-
mo acontecia de fato.75 Bem mais tarde, o ministro Felizardo viria a adotar a medida,
primeiro na Fábrica de Armas, em 1852, 76 o sistema em seguida sendo estendido para
outras oficinas.

Como ocorreu na Europa, o procedimento de empreitada não foi empregado sem


problemas. Uma das dificuldades mais óbvias é inerente ao próprio sistema: o pagamen-
to os artesãos depende de sua produção, de forma que os trabalhadores com um menor
rendimento saiam prejudicados por sua adoção. Eles também perdiam o direito a adici-
onais por horas extras, as “sestas”, que eram comuns, dado a situação usual das forças
armadas brasileiras, indo de emergência para emergência, que exigiam o prolongamento
das atividades nos Arsenais.

73
BRASIL – Arsenal de Guerra de Porto Alegre. Ofício nº 249, do diretor ao Tenente-General Francisco
José de Soares d’Andréa, presidente e comandante do Exército. Porto Alegre, 31 de outubro de
1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
74
HOBSBAWN, Eric. A era do Capital: 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 231.
75
MATOS, 1939, op. cit. p. 22. De fato, o artigo 43 do Alvará de 1º de março de 1811 especificava que
os vice-inspetores das manufaturas do governo: “Não consentirão que Mestre algum tome empreita-
da, nem que os oficiais se empreguem em trabalhos que não pertençam ao meu serviço,” a leitura
feita na época foi que essa determinação de impedir a empreitada se aplicava à todos os trabalhado-
res e não apenas aos mestres. PORTUGAL – Alvará de 1º de março de 1811. Cria a Real Junta de
Fazenda dos Arsenais, Fabricas, e Fundição da Capitania do Rio de Janeiro e uma Contadoria dos
mesmos Arsenais.
76
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa, na 4ª sessão
da 8ª legislatura, pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Manoel Felizardo de
Souza e Melo. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1852. p. 9.

492
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Talvez mais importante, com o fim do sistema de pagamentos por jornais, os


trabalhadores que tinham que servir na Guarda Nacional saiam prejudicados: o Arsenal,
sendo um serviço público, pagava o jornal integral quando o trabalhador tinha que dar
serviço na Guarda, mas isso não acontecia com o sistema de empreitada, havendo re-
clamações dos próprios trabalhadores: em 1854, José Lúcio de Araújo, oficial da oficina
de sapateiros enviou um requerimento ao diretor, pedindo para voltar a receber por jor-
nal, pois o serviço na Guarda Nacional tinha resultado em prejuízos nos seus vencimen-
tos depois que a norma de trabalho por empreitada foi adotada na sua oficina, em abril
daquele ano.77 O assunto chegou ao ministro, que negou o pedido.

Outro problema mais específico era a própria complexidade do sistema: para ele
funcionar era necessário preparar tabelas especificando todos os trabalhos que poderiam
ser feitos e por quanto seriam remunerados. Em uma manufatura com poucos produtos e
com processos bem controlados de produção isso seria possível, mas tal não era o caso
do Arsenal: na manufatura se fazia uma imensidade de itens diferentes, se usando múl-
tiplos processos de trabalho, o que gerava confusões.

Em 1857, os operários da Conceição, encarregados de reaparelhar a oficina de


transformação de armas de pederneira para fulminante, escreverem uma petição para o
diretor do Arsenal, reclamando “sobre a injustiça alegada de não passarem a jornal en-
quanto aprontam as ferramentas apropriadas para a transformação das pistolas de peder-
neira”.78 Ou seja, não havia preços estabelecidos para serviços extraordinários, resultan-
do em dificuldades de pagamento.

Outra dificuldade surgia com relação à avaliação dos serviços executados, que
era feita pelos mestres. Estes recebiam o produto acabado por um dos artesãos e verifi-
cavam se o mesmo atendia aos padrões de qualidade aceitáveis. Isso podia reduzir o
valor a ser pago ao trabalhador, caso fosse julgado que o produto feito era inferior e,
novamente, esse era um procedimento que gerava reclamações, inclusive na imprensa.
Um artigo do Diário do Rio de Janeiro atacou o sistema de empreitada, defendendo a
posição dos alfaiates, que tinham perdido seu pagamento por jornal – e a segurança de

77
BRASIL – Arsenal de Guerra. Requerimento de José Lúcio de Araújo. Rio de Janeiro, [sem dia], julho
de 1854. Mss. ANRJ. IG7 335.
78
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho, ao diretor do Arsenal
de Guerra, Coronel do Estado-Maior de 1a Classe Alexandre Manoel Albino de Carvalho, sobre re-
presentação feita pelos operários empreiteiros da Conceição sobre seus vencimentos. Rio de Janei-
ro, 16 de setembro de 1857. Mss. ANRJ. IG7 396.

493
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

trabalho que isso implicava –, não tinham mais horas extras e tinham que se sujeitar às
avaliações dos mestres. Uma última reclamação era no tocante a imposição de um horá-
rio de trabalho aos empreiteiros, começando às 05:15 h, apesar deles não serem assala-
riados e não terem, em tese, horários a cumprir.79

A questão do pagamento pelos serviços era realmente complicada e serve para


ilustrar as dificuldades de funcionamento do Arsenal: algumas das tabelas de empreita-
da sobreviveram, como uma elaborada pelo Construtor do Arsenal, referente aos custos
de uma espingarda Minié. Esta contém valores de quarenta peças, desde a coronha, cus-
tando 3.700 réis, até um simples pino que prendia o gatilho, a “cavilha do desarmador”,
avaliada em apenas 10 réis. O documento, contudo, não especifica nada além da feitura
de peças completas, não permitindo saber quanto seria o conserto de um componente,
algo que gerava mais possibilidades de arbítrio por parte da mestrança.80 A relação de
peças também mostra outro problema do funcionamento do Arsenal: não previa a divi-
são de trabalho. Enquanto em uma fábrica europeia ou norte-americana o operário se
concentraria em uma etapa da produção de uma peça, como forjar ou esmerilhar um
cano, a tabela trata apenas do componente completo, não permitindo esse tipo de orga-
nização do trabalho.

A forma de produção por empreitada nunca foi total no Arsenal: como já trata-
mos no capítulo anterior, empreiteiros e jornaleiros conviviam na organização (ver Ta-
bela 19), talvez por causa dos múltiplos problemas dessa forma de organização do traba-
lho. A empreitada não era uma forma propícia a criar uma força de trabalho dedicada –
por exemplo, houve uma grande redução no quadro de operários em 1860. Naquele ano,
passada a crise da possibilidade de guerra com o Paraguai, de 1857-58, o ministro Caxi-
as determinou cortar a força de trabalho para apenas 400 operários, especialmente nas
oficinas que trabalhassem com produtos que tivessem similar no mercado civil. A redu-
ção foi tão grande que o ministro tomou uma decisão incomum, a de ordenar que não se
pagassem mais aos aprendizes, a não ser os da Fábrica de Armas da Conceição. 81 A

79
O Arsenal de Guerra da Corte. O Proletário. Diário do Rio de Janeiro, ano XLII, nº 29. Rio de Janeiro,
20 de janeiro de 1862. p. 2.
80
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa 2º Ajudante – preço das diferentes peças duma espingarda a
Minié de 14,8 mm, Antônio Correia de Melo Oliveira, construtor. Rio de Janeiro, 4 de janeiro de
1864. Mss. ANRJ. IG7 500.
81
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Marques de Caxias para o diretor do Arsenal,
Alexandre Manoel Albino de Carvalho sobre demissão de operários. Rio de Janeiro, 1 de outubro de
1860. Mss. ANRJ. IG7 372.

494
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

medida gerou protestos, como o caso do maquinista Luís Virgílio França, que “ao reti-
rar-se praticou atos de desatino, insubordinação e insultos em prejuízo do maquinismo
da oficina e contra a autoridade do mestre”.82

Por sua vez, a direção do AGC ocasionalmente tomava algumas medidas para
manter o corpo funcional. Considerando a inflação da época, muitas vezes o pagamento
ficava abaixo dos valores de mercado, exigindo o uso de recursos, o famoso “jeitinho”.
Um desses era o trabalho fora do Arsenal – como dizia o diretor, em resposta a um pe-
dido de informações do ministro da Guerra, Caxias, em 1856:

Os operários deste Arsenal só quando faltam 15 dias consecutivos é


que são despedidos; antes de completarem este prazo são aceitos: da-
qui já se vê que é possível que eles neste intervalo de tempo vão traba-
lhar fora, onde lhes dão mais dinheiros, e é isto ao que eles chamam
gancho (...)83
As faltas dos artesãos ao trabalho diário eram um problema sempre apontado nos
relatórios do Arsenal, assim como a dificuldade de contratação de pessoal habilitado, o
que parece ser interessante, na medida em que, mesmo com os problemas de salário
reduzido, os operários não desistiam totalmente do serviço no Arsenal, indicando que o
mesmo era um emprego fixo e seguro, que valia a pena ser mantido, mesmo com os
jornais reduzidos. Assim, há registros de trabalhadores que serviram por décadas, mes-
mo que não tenham ascendido na hierarquia para a mestrança – por exemplo, em 1842
há uma petição de aumento de vencimentos de Camilo Maria das Dores, oficial da ofi-
cina de espingardeiros, que trabalhava no Arsenal há 29 anos.84

Outro recurso usado para manter os empregados antes da implantação da em-


preitada era aumentar os salários usando horas extras, as “sestas” como eram chamadas
na época, já que qualquer tempo trabalhado, mesmo que apenas uma hora, feito das
16:30 até as 20:30 horas implicava no pagamento integral de meia jornada de trabalho.
Isso era negativo, conforme apontado em 1857, a solução dada então sendo um aumento

82
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Alexandre Manuel Albino de Carvalho, ao ministro da
Guerra, Marques de Caxias. Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 23.
83
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício reservado de João José da Costa Pimentel, Brigadeiro, diretor
interino do Arsenal, ao ministro da Guerra, Marques de Caxias. Rio de Janeiro, 22 de dezembro de
1856. Mss. ANRJ. IG721.
84
DORES, Camilo Maria das. Petição de aumento de vencimentos. Rio de Janeiro, s.d. Mss. ANRJ. IG7
330. A petição foi atendida pelo ministro da Guerra em 19 de fevereiro de 1842.

495
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

de vencimentos, com a proibição das sestas para aqueles que ainda recebiam por jor-
nal.85

Mesmo assim, durante a questão Christie (1861-1863) o Arsenal funcionou de


forma acelerada, de forma que foi aprovada uma tabela com pagamento de horas extras,
com previsão para trabalho até aos domingos, durante 24 horas por dia. Isso era algo
complicado, considerando que o trabalho teria que ser feito à luz de candeeiros. Em
termos de uma rotina, o horário de trabalho normal do Arsenal era relativamente mode-
rado. Ia das 06:00 até as 18:00 horas. Isso com duas pausas, uma às 08:00 h, para o
“almoço” (café da manhã) e outra, de duas horas, a partir de meio dia, para o “jantar”,
representando 9 e ½ horas de expediente efetivo,86 o trabalho além desse período sendo
pago pela tabela de horas extras.87

Mais tarde o horário foi aumentado, havendo reclamações que o expediente se


iniciava às 5 da manhã,88 um indicativo que o serviço passou a ser mais severo, de doze
horas no verão e dez no inverno, tal como praticado no Laboratório do Campinho. 89 Isso
não deixa de ser curioso, quando nos lembramos das lutas da classe trabalhadora para
limitar as horas de trabalho excessivas, que às vezes incluíam jornadas de quatorze ho-
ras no Arsenal, apesar de ser bem mais do que as oito horas de hoje, ainda assim não era
tão severa quanto em outras empresas do período. Nesse sentido, vale lembrar que a
primeira legislação inglesa limitando o trabalho infantil, a “lei para a preservação da

85
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Alexandre Manoel Albino de Carvalho, diretor, ao ministro da
Guerra, Marquês de Caxias. Rio de Janeiro, 28 de abril de 1857. Mss. ANRJ. IG7 22.
86
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal Antônio João Rangel de Vasconcelos ao
Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello sobre horário de trabalho no Arsenal. Rio
de Janeiro. 28 de maio de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10. O documento propunha uma redução na carga
horária, para 8 e ½ horas diárias, retirando, contudo, as pausas para refeições.
87
BRASIL – Arsenal de Guerra. Tabela Marcando as horas de trabalho e vencimentos de jornais dos
operários deste Arsenal, nas sestas, serões e domingos ou dias santificados. Apontador Eduardo Jo-
sé Maria, s.d. Em anexo a ofício do 2o Ajudante ao Diretor do Arsenal, Tenente-Coronel Antônio
Pinto de Figueiredo Mendes Antas, sobre pagamento de sestas. Rio de Janeiro, 30 de janeiro de
1862. Mss. ANRJ. IG7498.
88
Diário do Rio de Janeiro. Ano XXXVII, nº 335. Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1857. A reclama-
ção feita era que os operários eram admitidos às 04h45min, aguardando quinze minutos pela chama-
da do ponto.
89
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Tabela de distribuição do tempo de trabalho para os
operários desse Estabelecimento, em vista do Artigo 58 do regulamento de 28 de fevereiro pp. com-
binado com o artigo 57 do mesmo, o escriturário Carlos Frederico Olaria. Rio de Janeiro, 10 de
abril de 1861. Mss. ANRJ, GIFI OI 5B 267.

496
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

saúde e moral dos aprendizes”, de 1802, previa que menores de idade só podiam traba-
lhar doze horas por dia, excluindo-se o horário das refeições.90

Não conhecemos estudos sobre as condições de vida dos trabalhadores livres na


primeira metade do século XIX, mas parece que os vencimentos dos operários, apesar
das reclamações, não era ruim, pelo menos em comparação com outros, pagos pelo
Exército. Os salários dos artesãos comuns, pela tabela de jornais de 1854, iam de 2.200
a 1.000 réis por dia, ou seja, de 57.200 a 26.000 réis por mês de 26 dias. Estes eram
valores astronômicos em termos de vencimento de um soldado, de apenas 90 réis por
dia (2.700 réis por mês de 30 dias), mas a paga dos artesãos, mesmo considerando os
soldos mensais de um oficial, não eram desprezíveis, tal como pode ser visto na Tabela
22 abaixo.

Oficinas Mestrança Classes de operários


Mestres C.Mes. Apar. 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª
Maquinistas 130.000 91.000 78.000 62.400 49.400 44.200 39.000 33.800 31.200
Inst. Mat. 130.000 91.000 78.000 62.400 49.400 44.200 39.000 33.800 31.200
Torneiros 93.600 78.000 67.600 57.200 49.400 44.200 39.000 33.800 28.600
Serralheiros 93.600 78.000 67.600 57.200 54.600 46.800 41.600 36.400 28.600
Obra branca 93.600 78.000 67.600 57.200 49.400 44.200 39.000 33.800 28.600
Gravadores 93.600 78.000 67.600 57.200 49.400 44.200 39.000 33.800 28.600
Ferraria 93.600 78.000 67.600 57.200 54.600 46.800 41.600 36.400 28.600
Espingardeiros 93.600 78.000 67.600 57.200 49.400 44.200 39.000 33.800 28.600
Correeiros 93.600 78.000 67.600 57.200 49.400 44.200 39.000 33.800 28.600
Seleiros 57.200 46.800 41.600 36.400 31.200 28.600
Sapateiros 62.400 52.000 49.400 44.200 39.000 33.800 26.000
Coronheiros 93.600 78.000 67.600 57.200 46.800 41.600 36.400 31.200 28.600
Construção 93.600 78.000 67.600 57.200 46.800 41.600 36.400 31.200 28.600
Tanoeiros 83.200 72.800 62.400 52.000 46.800 41.600 36.400 31.200 26.000
Pintores 83.200 72.800 62.400 52.000 49.400 44.200 39.000 33.800 26.000
Pedreiros 83.200 72.800 62.400 52.000 46.800 41.600 36.400 31.200 26.000
Latoeiros 83.200 72.800 62.400 52.000 46.800 41.600 36.400 31.200 26.000
Inst. Bélicos 52.000 46.800 41.600 36.400 31.200 26.000
Funileiros 83.200 72.800 62.400 52.000 49.400 44.200 39.000 33.800 26.000
Alfaiates 83.200 72.800 62.400 52.000 46.800 41.600 36.400 31.200 26.000
Tabela 21 – Tabela de jornais do AGC em réis, 1854.91
A tabela original previa o pagamentos por jornal, dia trabalhado. Fizemos a conversão para um valor
mensal, usando um mês de 26 dias e ordenamos a tabela pelo soldo dos mestres. Além desses, a tabela de
jornais previa que os mancebos e serventes, divididos em três classes, receberiam de 20.800 a 10.400 réis
por mês e os aprendizes, também organizados em três classes, de 7.800 a 2.600 réis mensais.

90
RAITHBY, John. The Statues of the United Kingdom of Great Britain and Ireland. London: George
Eyre and Andrew Strahan, 1822. p. 386.
91
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, P. de S. Bellegarde, ao diretor do Arsenal, Manoel
Ignácio Brício, aprova a tarifa (sic) regulando o jornal e vencimentos dos operários e serventes do
Arsenal de Guerra da Corte. Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1854. Mss. ANRJ. IG7 335. A mes-
trança era composta de mestres, contramestres e aparelhadores, nomes abreviados por falta de espa-
ço.

497
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Oficiais/Praças Soldo
Coronel 120.000
Tenente coronel 96.000
Major 84.000
Capitão 60.000
1º tenente 42.000
2º tenente 36.000
Sargento ajudante 10.200
1º sargento 8.400
2º sargento 7.200
3º sargento 6.600
Cabo 5.700
Anspeçada 4.500
Soldado 4.200
Tabela 22 – Tabela de vencimentos militares, 1852.92
Incluirmos essa tabela para efeito de comparação com os jornais dos operários do AGC. Os soldos dos
praças está de acordo com a tabela de 1825, já que não houve reajustes para eles em 1841 e 1852, os
valores mostrados sendo os mais elevados de cada graduação, convertidos para um mês de trinta dias,
pois os praças também recebiam por dia trabalhado. Os vencimentos dos oficiais do Exército mostram o
“soldo base”, seu salário mensal, sem incluir as usuais gratificações por exercício de função e as vanta-
gens do posto, como a alimentação (etapa). Deve-se lembrar que todas as praças também recebiam a
etapa e uniforme. O posto de 2º tenente de infantaria ou cavalaria era equivalente ao de alferes de enge-
nharia ou artilharia.
A comparação das duas tabelas de vencimento mostra que todos os artesãos qua-
lificados do AGC recebiam mais que as praças do Exército. Somente as categorias mais
baixas de operários – as 5ª e 6ª classes de oficiais, os mancebos, serventes e os aprendi-
zes recebiam menos que o degrau inicial da carreira dos oficiais do Exército. Mesmo os
que ainda estavam no estágio do aprendizado podiam receber tanto quanto um 2º sar-
gento, basicamente um graduado com bastante tempo de serviço.

Fazemos a ressalva que talvez os salários dos operários não fossem tão altos as-
sim, mas que os vencimentos dos oficiais eram, estes sim, reduzidos – o que não seria
um exagero, pois os pagamentos dos militares eram realmente baixos na época. Tam-
bém sofriam do problema de só serem corrigidos esporadicamente: durante todo o im-
pério só houve quatro reajustes nos soldos: em 1825, 1841, 1852 e 1873, 93 enquanto os
pagamentos dos operários, dependentes de um mercado de trabalho, eram aumentados
com uma frequência muito maior: a tabela de 1854, ela mesmo já um aumento de ven-
cimentos, foi parcialmente corrigida três anos depois, com um aumento de até 10% para
os trabalhadores de algumas oficinas. 94

92
SCHULZ, op. cit. p. 211.
93
SCHULZ, op. cit. p. 211.
94
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, ao ministro da
Guerra, marquês de Caxias, propondo aumento de vencimentos aos operários. Rio de Janeiro, 28 de
abril de 1857. Mss. ANRJ. IG7 22.

498
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

De qualquer forma, a comparação com soldos militares é ilustrativa dos jornais


dos operários do Arsenal – e podemos extrapolar esses para os das outras manufaturas
da cidade. Para nós é relevante, pois eles permitem dizer que esses trabalhadores com-
punham parte de um grupo com certo poder de consumo. A questão dos vencimentos
dos artesãos do Arsenal nos permite dizer que o Arsenal não era o pior pagador da cida-
de, de outra forma não se conseguiria manter a força de trabalho.

Em termos mais genéricos, juntando com as informações sobre as outras manu-


faturas da cidade (ver Tabela 6, Tabela 8 e Tabela 10), podemos dizer que havia um
número considerável de operários na cidade. Isso não só em termos absolutos, mas tam-
bém e mais importante, de percentagem da população: se considerarmos as outras ma-
nufaturas existentes, como a Ponta da Areia, Miers & Maylor, além das outras institui-
ções do Governo, como o Arsenal de Marinha, o número dos operários listados nas ta-
belas dos capítulos precedentes, somando perto de quatro mil operários, sem contar os
das oficinas artesanais e os empregados no comércio, todos com salários que não devi-
am ser muito distantes dos pagos no AGC.

O total de artesãos das manufaturas da cidade não era um número desprezível: a


população urbana livre do Rio de Janeiro no recenseamento de 1849 era de 73.265 ho-
mens livres, dos quais 65% estariam na idade de trabalhar (14 anos em diante), ou seja,
havia cerca de 48.000 homens livres na faixa etária produtiva na cidade,95 dos quais
uma percentagem não muito longe de 10% era de artesãos e operários com vencimentos
razoáveis, o que não se conforma com os modelos normalmente conhecidos, que tratam
de uma sociedade dividida entre senhores e escravos.

10.1.4 Serventes e remadores


Na escala de pessoal do AGC, abaixo dos oficiais e mancebos estavam os ser-
ventes, que eram encarregados de serviços onde fosse necessário o emprego da força
humana – ou seja, apoiavam quase tudo o que era feito no Arsenal que excedia as possi-
bilidades de um artesão isolado, já que não havia motores e o Arsenal não usava ani-
mais para mover seus maquinismos. Dessa forma, compunham pessoal não especializa-
do e apesar de haver poucos documentos sobre eles, justamente por sua falta de especia-

95
HADDOCK LOBO, Roberto Jorge. Recenseamento do Rio de Janeiro de 1849. https://goo.gl/uqz9xp
(acesso em abril de 2017).

499
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

lização, sabe-se que eram numerosos: em 1845 eram 178 deles, 27% da força de traba-
lho do AGC naquele ano. 96

Considerando que seu serviço, de forma geral, era apenas braçal, sem especiali-
dade, na primeira metade do século XIX o usual era que os serventes fossem escravos:
em 1820, Cunha Matos escrevia que de todos os serventes do Arsenal, apenas dois não
eram cativos97 e são comuns anúncios para contratação de serventes escravos: encon-
tramos até publicações em jornais pedindo aos senhores para mandar seus escravos para
o Arsenal, onde encontrariam trabalho, sendo “pretos reforçados”.98

Deve-se dizer que não se usavam exclusivamente escravos nessa função: em


maio e junho de 1827 há anúncios na imprensa para a contratação de “todos os homens
livres mutilados, ou cegos que puderem e quiserem ser empregados no trabalho de rodas
e foles”,99 tal como se fazia no Arsenal de Lisboa. 100 Entretanto, são apenas dois anún-
cios e o uso de inválidos não aparece mais na documentação, a não ser em dois casos:
em 1836 se fez uma experiência com o emprego de dez soldados das companhias de
inválidos, usados para limpar armas na Fábrica da Conceição. Não foi uma experiência
bem sucedida, eles sendo dispensados depois de apenas dois meses, sendo substituídos
por quatro serventes civis. 101 Três anos depois encontramos outro anúncio para contra-
tação de pessoas para limpar armamentos, com a seguinte notação: eram “próprios para
esse serviço soldados velhos reformados, ou outros indivíduos idosos”, 102 o valor ofere-
cido para o serviço então, de 400 réis, sendo o pagamento de um servente.

Como dissemos acima, ainda que os escravos fossem comuns nos trabalhos bra-
çais, nem todos os serventes eram cativos e mesmo assim o número desses foi dimi-
nuindo ao longo dos anos. Supomos que isso represente uma mudança na própria estru-
tura de composição da força de trabalho na cidade e nas preferências do próprio Exérci-
to, considerando que havia uma legislação prevendo que não podiam ser admitidos es-
cravos como operários ou serventes nos serviços públicos, se houvesse livres ou libertos

96
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição, 1845, mapa nº 7, op. cit..
97
MATOS, 1939, op. cit. p. 21.
98
Diário do Rio de Janeiro, nº 8. Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1836. p. 2.
99
Diário do Rio de Janeiro, nº 11. Rio de Janeiro, 12 de maio de 1827. p. 1.
100
COELHO, Sérgio Veludo. Os Arsenais Reais de Lisboa e do porto: 1800-1814. Porto: Fronteira do
Caos, 2013. p. 214.
101
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, José Maria da Silva Bittencourt, ao Ministro da
Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello, sobre a inconveniência de manter os oito soldados in-
válidos na Conceição. Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1850. Mss. ANRJ. IG7 11.
102
Diário do Rio de Janeiro, ano XVIII, nº 3. Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1830. p. 2.

500
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

que desejassem esses empregos. 103 Nesse sentido, observamos que é com os serventes
que observamos um caso específico de diferença de tratamento de empregados: em
1838 havendo dois anúncios de contratação de “marinheiros” (remadores), com a espe
cificação de que seria pago 500 réis a eles, se fossem livres, e apenas 400, se fossem
escravos, “preferindo-se os primeiros”. 104 Abordaremos a questão dos trabalhadores
cativos, inclusive os escravos da nação e os africanos livres mais adiante neste texto.

Sobre os serventes em geral, como dissemos, eles aparecem pouco na documen-


tação, são trabalhadores sem face e sem nome, sequer suas funções estão muito claras,
já que nas relações de operários eles normalmente aparecem como pertencentes a uma
“reserva de pessoal” genérica, sem especificar onde estavam empregados.

No entanto, as listas de 1836, 1838 e 1859, relacionam o número deles por ofici-
na. Por esses documentos, sabemos que nem todas as oficinas os empregavam: em 1836
e 1838 aparecem apenas nas de Construção; Coronheiros; Ferreiros e Correeiros. Na
relação de 1859, são citados também nas de Maquinistas; Pedreiros e Espingardeiros do
Arsenal. 105 Na Fábrica de Armas da Conceição igualmente havia serventes, subordina-
dos a Espingardeiros, usados para limpeza de armas; para acionar os foles e servir de
malhadores. Finalmente, havia os “marinheiros”, os remadores das embarcações do es-
caler. Estes normalmente não são listados como serventes, mas compartilhavam com
eles uma série de características, a principal sendo os baixos vencimentos e o emprego
de escravos, ainda que para o exercício dessa função fosse necessário algum treinamen-
to.

Um pedido de aumento dos trabalhadores do Arsenal, de 1854, mostra a hierar-


quia desses serventes, o diretor colocando que “os serventes em geral das oficinas, casa
do troço, armazéns dos parques e diferentes serviços braçais terão o jornal de 800 réis

103
BRASIL – Decreto de 25 de junho de 1831. Proíbe a admissão de escravos como trabalhadores, ou
como oficiais das artes necessárias, nas estações públicas da Província da Bahia. O decreto é espe-
cífico sobre a Bahia, mas Cunha Matos, em seu Repertório da Legislação Militar, informa que isso
era uma norma geral, tanto para a Marinha quanto para o Exército. MATOS, 1837, op. cit. pp. 229-
230.
104
Diário do Rio de Janeiro, ano XVII, nº 232. Rio de Janeiro, 16 de outubro de 1838. p. 2.
105
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório apresentada à Assembleia Geral Legislativa na quinta
sessão da décima legislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Sebastião
do Rego Barros. Rio de Janeiro: Laemmert, 1860. Mapa demonstrativo do número de operários das
diferentes oficinas do Arsenal de Guerra da Corte em 1º de Janeiro e 1859, e das alterações ocorridas
daquela data até o ultimo de dezembro do mesmo ano.

501
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

nos dias úteis.”106 Isso não abrangeria “os empregados na limpeza do armamento, toca-
dores de foles, e rodas do torno, que somente vencerão 600rs”. Finalmente, havia um
grupo de maiores vencimentos, os “serventes do almoxarifado, e os empregados no ser-
viço de escrituração terão 1.000” diários.107

A passagem acima mostra que nem todos esses operários eram simples trabalha-
dores braçais, alguns parecem ter tido certa especialidade, pois os documentos do AGC
mencionam, como parte do corpo de serventes surradores, que preparavam os couros
para uso nas oficinas de correeiros, malhadores, que manejavam os malhos para forja na
oficina de ferreiros, os serradores, das oficinas de construção e de obra branca e os ma-
rinheiros. Um ponto os unificava: o pagamento de todos eles era bem reduzido, o que
dificultava a contratação de homens livres para a execução desses trabalhos. Isso se tor-
nou grave a partir de 1849, quando o Ministro da Guerra ordenou que os todos os escra-
vos de aluguel a serviço do Arsenal fossem demitidos. 108 Mesmo assim, deve-se dizer
que perto 60% dos serventes do AGC naquele ano já eram livres. 109

Uma última categoria de serventes, essa sim bem especializada, era a dos “ser-
ventes de escrita”, uma profissão que depois seria chamada de escriturários, pessoal que
fazia o lançamento dos registros nos diversos livros administrativos da instituição. Este
era claramente um trabalho mais intelectual: em 1860, um deles chegou a assumir, inte-
rinamente, a regência do curso de primeiras letras dos aprendizes na Fábrica de Armas,
com 32 alunos110 e no ano seguinte foi aplicado um exame escrito a eles, dos quais três
não o prestaram, “dois por terem títulos de aprovações da Escola Militar, um por ter
diploma do governo, que também o isenta”.111

106
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Diretor, Jeronimo Francisco Coelho, ao Ministro da Guerra,
Pedro d’Alcântara Bellegarde, com proposta de tabela, regulando a tarifa dos jornais dos operários
deste arsenal. Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1854. Mss. ANRJ. IG7 14.
107
id.
108
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do vice-diretor, Vicente Marques Lisboa, ao Diretor Antônio
João S. Rangel de Vasconcelos, sobre redução do corpo de artesãos. Rio de Janeiro, 17 de setembro
de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
109
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos escravos que existiam nas oficinas e que foram despedidos
hoje, Manoel José da Silva, apontador. Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1849. Mss. ANRJ.
IG710.
110
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal de Guerra, 30 de janeiro de 1860. Mss. ANRJ,
IG7 17.
111
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Diretor do Arsenal de Guerra da Corte Alexandre Manuel
Albino de Carvalho ao Ministro, Marques de Caxias. Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1861. Mss.
ANRJ. IG7 23.

502
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Os serventes de escrita recebiam vencimentos maiores: em 1863 foi proposta


uma tabela de jornais para os serventes, prevendo o pagamento de cinco “faixas salari-
ais”: as três primeiras, de serventes de escrita, receberiam de 2.000 a 1.200 réis diários,
enquanto as duas últimas seriam de serventes braçais, com vencimentos de 1.280 e
1.000 réis diários112 – note-se que essa era uma categoria para a qual a proposta de tra-
balho por empreitada não era de aplicação viável, de forma que sempre receberam jor-
nais por dia de trabalho. O documento também especifica que, no máximo, deveriam ser
36 os serventes de escrita no Arsenal, um número que nos parece ser razoável.

% de Serventes
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%

Gráfico 23 – Percentagem de serventes no corpo de trabalhadores do AGC. 113


O gráfico deve ser visto como um indicativo, pois os dados nem sempre são consistentes, deixando de
incluir os remadores em 1836 e 1848. No entanto, serve como um indicativo da importância do trabalho
braçal na composição da força de trabalho, normalmente acima de 15%. Observa-se no gráfico uma ten-
dência na diminuição na percentagem de serventes ao longo dos anos, talvez uma indicação dos efeitos da
mecanização das oficinas.
De um ponto de vista de organização do trabalho, o elevado número de serventes
(ver Gráfico 23) mostra a relativa insignificância da mecanização da organização do
trabalho, dependente em todo o período analisado da força humana para a execução de
serviços – não se usavam sequer embarcações a vapor, o que teria economizado tempo e
o uso de remadores (ver a relação da pequena flotilha do Arsenal na página 412).

10.1.5 Aprendizes
A mais baixa classificação dos trabalhadores do Arsenal eram os aprendizes, de-
vendo-se fazer uma observação: essa é uma categoria em que supostamente não se acei-
tavam escravos – o aprendizado nos Arsenais, tanto do Exército, quando o de Marinha,

112
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso da 4a Diretoria Geral, Antônio Manoel de Mello a Andrea ao
diretor do Arsenal, José de Vitória Soares d‘Andréa. Rio de Janeiro, 10 de agosto de 1863. Mss.
ANRJ. IG7 357.
113
Dados obtidos em diversas relações de pessoal encontradas nos relatórios dos diretores do Arsenal,
contidos na documentação do Arquivo Nacional, bem como outros publicados nos relatórios do Mi-
nistério da Guerra.

503
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

era uma atividade supostamente dirigida exclusivamente aos livres e libertos. Dito isso,
como já foi colocado, o AGC não se insere em um contexto em que havia corporações
de ofício, mas mantinha muitas de suas tradições, uma das quais era o trabalho de pes-
soas que estavam aprendendo um ofício – na verdade, a formação de mão de obra era
considerada como uma das principais funções da instalação e se chegava a publicar
anúncios na imprensa, informando que o Arsenal recebia todas as crianças livres que
quisessem aprender ofícios. 114 A atividade de adestramento também era uma das obri-
gações dos mestres, isso constando até em contratos de operários que eram enviados
para arsenais das províncias. 115

Se o Arsenal mantinha a tradição do aprendizado, as diferenças com a instituição


tal como praticada pelas corporações de ofício eram marcantes. Um exemplo disso é a
questão do pagamento: os termos da corporação dos carpinteiros e pedreiros na Bahia
de 1805 previam vencimentos fixos para mestres, oficiais e aprendizes, com jornais va-
riando de 160 a 320 réis. 116 Também definia que as pessoas só deveriam começar seu
aprendizado aos 14 anos, limitando o tempo de aprendizado a cinco anos. 117 Não sabe-
mos se as especificações da corporação de carpinteiros e pedreiros foram de fato segui-
das ou se eram aplicáveis às outras corporações – nesse sentido, fazemos a observação
que a remuneração de aprendizes nas antigas corporações não era uma regra geral, ha-
vendo até casos em contrário, em que a família pagava ao mestre o ensino, pelo assim
chamado dote: como escreveu Cunha Matos sobre os vencimentos dos aprendizes:

Não acontecia assim fora do arsenal: os aprendizes que são admitidos


em qualquer loja, em vez de perceberem jornais, pagam ao mestre, e
quando muito favor lhes faz, servem pelo tempo de seus ajustes, isto
é, 4 ou 5 anos, sendo os mestres obrigados unicamente a dar-lhes de
comer.118
Já no Arsenal isso era bem diferente, os anúncios publicados pelo Arsenal che-
gavam até a frisar que o ensino era feito sem ônus para as famílias, ao apontar que em
1839 se tinha

114
Ver, por exemplo, Anúncio publicado no Diário do Rio de Janeiro, nº 24. Rio de Janeiro, 28 de outu-
bro de 1838. p. 2.
115
BRASIL – Arsenal de Guerra. Contrato com o operário Antônio Soares Proença. Rio de Janeiro, 25
de Junho de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13. A 5ª cláusula do contrato especificada que “O referido Mes-
tre obriga-se a dar ao fim do prazo porque se contrata oficial apto dentre os Aprendizes, para substi-
tuí-lo”.
116
MARTINS, op. cit. p. 68.
117
id. p. 86.
118
MATOS, 1939, op. cit. p. 22.

504
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

ordenado que se admitam grátis, e sem ônus algum, a todos os me-


ninos brasileiros, que quiserem aprender os ofícios mecânicos de que
constam as oficinas deste arsenal de guerra: os pais de família que
quiserem aproveitar-se desta providência de S. Ex. o Sr. ministro da
guerra, podem trazer aqui os aprendizes, para que gratuitamente diri-
gidos por hábeis mestres, como os tem este arsenal, adquiram meios
de viver honestos, e de honrosa indústria, tanto mais, que se sabe a fa-
cilidade com que aprendem os jovens brasileiros, e a necessidade que
há de aparecer de artistas nacionais, como já se vai sentindo 119
Se o ensino gratuito era a regra, a remuneração de aprendizes foi uma medida
adotada lentamente e às vezes podia até ser retirada, como fez o marquês de Caxias em
1860. Os valores dos vencimentos também não eram tão altos quanto os determinados
pela norma civil de 1805: até 1833 se pagava apenas 160 réis a eles no Arsenal, não
havendo previsão para valores maiores do que isso até 1833, quando tiveram um au-
mento geral. 120 A progressão nos vencimentos, tal como previsto no regulamento da
corporação de ofícios da Bahia, também só foi adotada bem mais tarde no AGC. De
qualquer forma, deve-se dizer que se os jornais dos aprendizes não eram elevados, eles
não podem ser chamados de desprezíveis: em 1854, na proposta de tabela salarial apre-
sentada pelo diretor do Arsenal, os que estavam fazendo o aprendizado deviam receber
de 100 a 300 réis121 – 2.600 a 7.800 réis por mês, o que era, mais ou menos, equivalente
ao recebiam os praças de menor graduação do Exército (ver Tabela 22).

Mais importante, o aprendizado no AGRJ era considerado como uma atividade


para crianças: em 1820 o ministro determinou que só seriam aceitos no Arsenal aqueles
com menos de doze anos, para evitar que pessoas se valessem do trabalho na manufatu-
ra como uma forma de evitar o serviço militar. 122 Isso fez com que pelo menos uma
autora, ao analisar a situação dos Aprendizes do Arsenal de Guerra de Mato Grosso,
dizer naquela instituição “o ensino de ofícios encobre a exploração do trabalho infantil,

119
Diário do Rio de Janeiro, ano XXXVII, nº 51. Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 1857. p. 1. Os grifos
são nossos.
120
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da guerra, brigadeiro Antero José Ferreira de
Brito ao diretor do Arsenal de Guerra, Vasconcelos de Menezes de Drummond, determinando que a
diária dos aprendizes seja elevada de 160 para 200 réis. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1833. Mss.
ANRJ. IG7 316.
121
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do Diretor, Jeronimo Francisco Coelho, ao Ministro da Guerra,
Pedro d’Alcântara Bellegarde, com proposta de tabela, regulando a tarifa dos jornais dos operários
deste arsenal. Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1854. Mss. ANRJ. IG7 14.
122
MATOS, 1939, op. cit. p. 21.

505
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

as crianças são recolhidas para trabalhar nas oficinas do arsenal e a isso se dá o nome de
ensino de ofício, uma iniciativa filantrópica e humanitária”.123

A crítica sobre o trabalho infantil não deixa de ter certa validade, pelo menos no
modo de ver dos dias de hoje – mas aplicar esse julgamento ao AGC ou mesmo às cor-
porações de ofício da época, implica em um julgamento anacrônico, usando valores de
hoje para uma questão que, no século XIX, era vista de forma diferente.124 Também se
deve dizer que em nenhum momento da documentação aparece a noção que a institui-
ção foi criada com objetivos de obter trabalho barato, para corrigir menores marginais
ou como uma forma de controle social, ao contrário do que acontecia com os menores
da Casa de Correção (ver Figura 61). Na verdade, Aprendizes Menores do Arsenal jul-
gados como problemáticos eram enviados para as companhias de Aprendizes Marinhei-
ros, essas sim criadas com certo aspecto de controle social.125

É verdade que os aprendizes efetivamente trabalhavam, executavam várias tare-


fas, algo que era a norma na época: na França, no século XVIII, nas Manufaturas Reais
de Charleville e Maubege, cerca de um quarto do trabalho era feito por pessoas ainda
em aprendizado, uma relação que era muito maior nas oficinas de Saint-Étienne.126 No
entanto, o objetivo da instituição não era obter mão de obra barata, era ensinar um ofí-
cio, na única forma que existia então, realizando tarefas de crescente complexidade, sob
a supervisão de um artesão qualificado. Isso pode ser visto no caso da redução das des-
pesas ordenada em 1860 – para suprir a falta de pessoal nas oficinas, passou-se a usar
alguns Aprendizes Menores como serventes nas oficinas, mas o diretor reclamou que
eles, “tendo sido admitidos neste Estabelecimento para aprenderem ofícios, o que de
certo modo não aprenderão empregados como serventes”,127 o ministro da Guerra auto-

123
CRUDO, Matilde Araki. Ensino de ofícios: práticas e representações dos militares na província de
Mato Grosso, na Segunda Metade do Século XIX. In: Anais dos Congressos Brasileiros de História
da Educação. 2000. https://goo.gl/l2u4sF (acesso em abril de 2017). O grifo é do original.
124
Lembramos que o aprendizado infantil, de crianças de 14 anos, só foi regulamentado pela Consolida-
ção das leis do trabalho de 1943 e que a primeira norma legal proibindo o trabalho de menores de
dez anos é o decreto 2.141 do governo de São Paulo, de 1911. FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e
conflito social: 1890-1920l. São Paulo: DIFEL, 1976. p. 224.
125
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, cel. Jerônimo Francisco Coelho ao ministro P.de S.
Bellegarde sobre o envio do menor Abrahão Pedro de Alcântara que feriu com uma pequena faca o
soldado da companhia de Artífices Manoel Antônio da Silva para a companhia de aprendizes mari-
nheiros. Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 14.
126
ALDER, Ken. Engineering the Revolution: Arms & Enlightenment in France, 1763-1815. Chicago:
The University of Chicago, 2007. p. 245.
127
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, coronel José de Vitória Soares d’Andrea,
ao ministro da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, Rio de Janeiro, 12 de julho de
1862. Mss. ANRJ. IG7 24.

506
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

rizando a contratação de serventes para liberar os menores para realizar seu aprendiza-
do, apesar do corte de despesas vigente então.

Essa questão do trabalho também leva a uma das diferenças existentes entre as
corporações de ofício e o AGC: nas primeiras, o ensino era para ser feito pelos mestres,
que supervisionavam diretamente as atividades de seus pupilos. Os mestres nas corpo-
rações tinham imensos poderes sobre os aprendizes, podendo até usar castigos físicos
contra eles: em 1857 foi publicada uma matéria no Diário do Rio de Janeiro, sobre um
“sapateiro morador na rua do Cano n. 191 costuma ter em casa alguns aprendizes rapa-
zes e mulheres a quem espanca barbaramente a ponto de incomodar a vizinhança com
os gritos dos padecentes”.128

Isso, de forma alguma era a norma do Arsenal. Não encontramos registro de cas-
tigos aplicados a civis, a não ser dois curiosos casos de pais que colocaram seus filhos
para trabalhar no AGC como medida disciplinar.129 Entretanto, os alunos das companhi-
as de Aprendizes Menores e soldados das Companhias de Artífices podiam ser punidos:
em 1846, um soldado adido aos Artífices, com apenas quinze anos, recebeu a maior
pena de açoite do duro regulamento militar, cinquenta pranchadas, “por praticar em um
moleque do vice-diretor uma ação imoral.”130 Para os Aprendizes Menores, para quem
havia previsão legal de punições corporais “os castigos moderados, com que é licito aos
pais corrigir as faltas de seus filhos, e aos mestres as de seus discípulos”, 131 a partir de
certo momento estes dependiam de autorização do diretor, o que diminuía a arbitrarie-
dade dos mestres nesse tema.132 Em caso de abusos, os menores também podiam recor-
rer à instâncias superiores, como no caso de um que procurou diretamente o ministro
sobre a aplicação de pancadas com uma tira de sola à dois colegas seus em 1862, um

128
Diário do Rio de Janeiro, ano XVIII, nº 14. Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1839. p. 2
129
Diário do Rio de Janeiro, ano XXVIII, nº 8138. Rio de Janeiro, 9 de junho de 1849. p. 2.
130
Diário do Rio de Janeiro, ano XXV, nº 7343. Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1846. p. 2. Observamos
que o código penal especificava a pena de “açoites”, mas o castigo era feito dando-se golpes com a
prancha (a lateral) de uma espada especial (“de prancha”), sem corte ou ponta.
131
BRASIL – Decreto nº 113, de 03 de janeiro de 1842. Dando nova organização às Companhias de
Aprendizes Menores dos Arsenais de Guerra.
132
Diário do Rio de Janeiro, ano XXXVII, nº 187. Rio de Janeiro, 11 de julho de 1857. p. 1 e BRASIL –
Arsenal de Guerra. Ofício do diretor e Alexandre Manoel Albino de Carvalho, ao ministro, Jerônimo
Francisco Coelho, sobre castigos corporais aplicados aos menores, Rio de Janeiro, 11 de julho de
1857. Mss. ANRJ. IG7 22.

507
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

dos professores dos menores sendo formalmente repreendido por os aplicar e ameaçado
de demissão caso repetisse o ato.133

É verdade que a questão dos castigos aplicados podia ser excessiva, até pela vi-
são da época: em duas ocasiões o assunto chegou até a imprensa: em 1857 o jornal Diá-
rio do Rio de Janeiro publicou uma matéria sobre abusos na aplicação de castigos físi-
cos aos menores, o que gerou questionamentos por parte do ministro da Guerra, a dire-
ção do Arsenal negando os abusos.134 Em 1863, no Laboratório Pirotécnico do Campi-
nho, o diretor mandou punir um soldado de Artífices menor de idade com a aplicação de
golpes de palmatória, a imprensa novamente reclamando. O fato foi julgado sério o su-
ficiente para gerar um conselho de Guerra, uma corte marcial, que resultou na demissão
do diretor e na prisão do comandante do destacamento do Campinho,135 mostrando que
castigos abusivos não eram a norma – ou pelo menos não deveriam ser.

O ensino que se dava pelas normas das corporações também era bem diferente
do praticado no Arsenal: a norma tradicional era, como já dissemos, que o mestre fizes-
se a instrução dos seus pupilos, um processo lento e de interação pessoal. Assim é que
na França, 48 fabricantes de fechos no final do século XVIII, tinham treinado apenas
127 aprendizes em trinta anos, menos de um a cada dez anos por mestre, 136 indicando
um ensino feito com acompanhamento aproximado por parte dos mestres, o longo tem-
po despendido na formação dos novos artesãos não constituindo um problema para os
artesãos qualificados.

O caso do Arsenal era diferente, pois o número de aprendizes nas oficinas era
elevado demais para a aplicação de métodos tradicionais de aprendizado. Em 1852 ha-
via 215 aprendizes em um do corpo funcional de exatamente 1.000 operários137 e, em
termos percentuais, o número deles empregados variava de 6 a 22% da força de trabalho
ao longo dos anos, a média ficando mais próxima desse último número. Esses altos nú-
meros mostrando que a formação de pessoal era uma prioridade clara do Exército, isso

133
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ordem do dia n.º 5, de 13 de janeiro de 1862, Coronel Alexandre Ma-
noel Albino de Carvalho. Sobre ordem de repreender severamente Francisco Guedes de Araújo
Guimarães substituto do Professor de 1as letras. Rio de Janeiro, Mss. ANRJ. IG7 24.
134
Diário do Rio de Janeiro, ano XXXVII nº 157. Rio de Janeiro, 10 de junho de 1857 e BRASIL – Ar-
senal de Guerra. Ofício do diretor, 11 de julho de 1857, op. cit.
135
Diário do Rio de Janeiro, ano XLIV, Nº 345. Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 1864.
136
ALDER, op. cit. p. 177.
137
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa nº 9. Número de operários das diferentes oficinas deste Arsenal
existentes em 1o de Janeiro de 1851, e das alterações ocorridas daquela data até o 1o de Janeiro de
1852. Mss. ANRJ. IG7 13.

508
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

aparecendo em vários documentos, como quando Cunha Matos escreveu, em 1820: “Os
arsenais militares devem ser considerados como grande escola de artes e ofícios, escolas
públicas em que o cidadão pobre é habilitado para ser útil a sua pátria”.138 Opinião reite-
rada anos mais tarde, em 1849, por um vice-diretor da instituição: “os Arsenais são ver-
dadeiros viveiros de artistas; seu interesse é o interesse da nação, isto é a formação de
artistas, que vão depois ser outros tantos mestres das artes e ofícios, que aprende-
ram”.139

Dessa forma, se entende o esforço que foi feito, não só no AGC, mas em outras
manufaturas do governo, para treinar pessoal. No entanto, isso implicava que a forma
tradicional de ensino, dos mestres passando tarefas para os aprendizes e acompanhando
o trabalho desses, não era viável: era comum haver várias crianças fazendo o aprendiza-
do em cada oficina, às vezes dezenas. Em 1844, havia nada menos do que 45 deles na
oficina de correeiros, o que, por si, impediria o ensino por parte do mestre, sem falar nas
outras obrigações que ele deveriam desempenhar.140 A solução encontrada era que ou-
tros artesãos se encarregassem do ensino prático, estes sendo chamados de “oficiais
mentores”, mas a qualidade do ensino desses variava, a ponto do diretor apontar a ne-
cessidade de se estabelecer “medidas enérgicas que obriguem os mestres e oficiais men-
tores das oficinas a tomarem o devido interesse pelos mesmos aprendizes”.141

Um ponto importante, que elaboraremos mais adiante, quando falarmos dos


Aprendizes Menores, é que não havia previsão de ensino teórico para aqueles que fazi-
am seu aprendizado no Arsenal. As aulas de primeiras letras e de desenho existentes
eram abertas a eles, mas não eram obrigatórias, o ensino se baseando ainda nas propos-
tas antigas das corporações, de transmissão direta de conhecimento. Como colocado
pelo ministro da Guerra:

Tanto nas oficinas públicas, como nas particulares, todos sabemos a


maneira porque se aprendem os ofícios. O aprendiz faz maquinalmen-
te e por imitação o que vê fazer seu mestre; e no fim sai um operário

138
MATOS, 1939, op. cit. p. 23.
139
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do vice-diretor, 17 de setembro de 1849. op. cit.
140
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório da Repartição dos negócios da Guerra apresentado à Assem-
bleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 6ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de estado
João Paulo dos Santos Barreto. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1846. Mapa 13.
141
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, Alexandre Manoel Albino de Carvalho,
ao Sr. chefe da 1a Seção da 1a Diretoria Geral da Secretaria de Estado, Mariano Carlos de Sousa
Correa, envia o Relatório do movimento administrativo de 1861. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de
1862. Mss. ANRJ. IG7 24.

509
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

rotineiro, sem regra e sem arte, e se algum sair perfeito, a si o deve e a


seu natural talento.142
Como colocado pelo ministro, se o aluno fosse talentoso, o processo tinha a van-
tagem de criar “artesãos rotineiros”, ou seja, capaz de executar todas as tarefas usuais de
um dado ofício. Só que limitava o conhecimento àquele que os próprios mestres tinham
e não criavam uma cultura de estudos teóricos, que permitissem ultrapassar os limites
da prática cotidiana. Isso era uma situação que, no século XIX, estava começando a
ficar obsoleta no ensino artesanal em geral, ainda mais com a divisão do trabalho, pela
qual a antiga formação dos artesãos era desnecessária. Como colocou um autor sobre a
questão do trabalho não especializado, referindo-se ao trabalho em tecelagens a partir
do final do século XVIII:

o fato de que uma parte tão conspícua da mão de obra pudesse, pela
primeira vez na história, ser constituída de meninos e rapazes, prova
que sua instrução e a sua educação não importavam mais nada. As
operações tinham sido simplificadas ao ponto em que qualquer um
podia desenvolvê-las, contando que não fosse deficiente. Depois, com
o advento da indústria a vapor aumentando a incidência do fator má-
quina, este processo se torna ainda mais exasperado. O artesão e o ar-
tesanato, no século XIX, sobreviverão somente nos espaços e nos ni-
chos deixados intactos, ou pouco atingidos pela produção e pela co-
mercialização da grande indústria. A atitude pedagógica do artesão,
em consequência, será ulteriormente enfraquecida, de modo que a cul-
tura artesanal será cada vez mais desvalorizada.143
A situação do AGC foi essa, de arcaísmo. A instituição não foi afetada pelas
técnicas das modernas manufaturas e fábricas, tornando-se o abrigo de métodos que, em
meados do século XIX, já estavam decididamente ultrapassados.

10.2 Os cativos
Toda a questão da mão de obra acima relatada aborda apenas de forma passagei-
ra um elemento fundamental da sociedade da primeira metade do século XIX: os escra-
vos, que tinham o seu nicho na instituição. Como era praxe no Exército, as unidades
militares do AGC, os Artífices e os Aprendizes, não aceitavam cativos em suas fileiras.
Na mestrança do Arsenal, ao contrário do que ocorria na Fábrica de Ferro de Ipanema,
também não havia escravos. Entretanto, seria impossível pensar em uma instalação do
porte do AGC, inserida em uma sociedade escravista, que não utilizasse cativos em
grandes números – e isso era fato: em 1849 havia 221 escravos de aluguel, 66 africanos

142
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição, 1845, op. cit. pp. 16-17.
143
RUGIU, Antônio Santoni. Nostalgia do mestre Artesão. Campinas: Editores Associados, 1998. pp.
128-129.

510
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

livres144 e 59 escravos da nação listados como trabalhando no Arsenal. No todo, 346


pessoas, algo perto de 40% da força de trabalho. Nesse número se incluíam as únicas
mulheres que trabalhavam na instituição, as esposas dos africanos livres e escravos da
nação, empregadas em serviços domésticos, especialmente na lavagem de roupa dos
Aprendizes Menores. 145 Os filhos dos escravos da nação e africanos livres, quando ti-
nham idade para isso, compareciam as aulas, sendo depois empregados como aprendi-
zes nas oficinas.

Colocamos os números referentes a 1849, pois essa data é relevante, por dois
motivos: no ano seguinte seria efetivada a proibição de entrada de escravos africanos no
Brasil. Mais importante, 1849 marcou o ano que o Arsenal começou realmente a dimi-
nuir o número de cativos trabalhando na instituição, como trataremos mais a seguir.

Voltando ao início do século XIX, não encontramos documentos restringindo o


uso de escravos, como dissemos: Cunha Matos nos diz que em 1820 quase todos os
serventes do Arsenal eram escravos,146 ao mesmo tempo em que apontava um problema
do uso desse pessoal: seu trabalho “só remunera o interesse dos seus senhores, e nunca
suas vantagens particulares”,147 de forma que não tinham o menor interesse no progres-
so dos trabalhos. Mesmo considerando essa opinião negativa, os anúncios que encon-
tramos para a contratação de serventes na década de 1820 especificam que os empregos
oferecidos eram para escravos.148 Só que as ofertas para empregos de artesãos especiali-
zados, voltadas para homens livres, também eram abertas à contratação de cativos, co-
mo se pode ver em um anúncio de 1825, onde se informava que se admitiam “oficiais
de sapateiro ainda mesmo sendo escravos”.149

144
Fazemos uma ressalva que a categoria “Africano Livre” se aplica aos negros trazidos no tráfico de
escravos após 1815, quando apreendidos pelas autoridades. Não eram formalmente considerados
como escravos – daí seu nome de “livre” e tinham alguns privilégios com relação aos escravos da
nação. Entretanto, compartilhavam com os escravos da nação uma série de características, a princi-
pal a sua categoria de cativo, de uma pessoa sem liberdade para dispor de si como quisesse.
145
Deve-se dizer que o número de Africanos Livres que efetivamente estavam no Arsenal era bem menor,
já que muitos dos que estavam listados como trabalhando ali na verdade tinham outras funções.
Apenas 33 deles efetivamente estavam nas oficinas. BRASIL – Arsenal de Guerra. BRASIL – Arse-
nal de Guerra. Mapa nº 9. Número de operários das diferentes oficinas deste Arsenal existentes em
1º de Janeiro. Joaquim José Cabral. Tenente ajudante do Sr. Vice-diretor. Rio de Janeiro, 31 de ja-
neiro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
146
MATOS, 1939, op. cit. p. 21.
147
id. p. 21.
148
Diário do Rio de Janeiro, nº 15. Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1824. p. 59.
149
Diário do Rio de Janeiro, nº 6. Rio de Janeiro, 8 de novembro de 1825. p. 1.

511
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

O importante é que o uso de trabalhadores escravos nunca foi visto como algo
positivo ou desejável, pelo menos pela administração do ministério da Guerra, apesar
dos diretores do Arsenal terem uma visão mais pragmática. Assim, em teoria só se acei-
tavam aprendizes livres, apesar disso, como muita coisa no AGC, nem sempre ser uma
decisão definitiva: em 1833 há um anúncio de fuga do africano João Feliciano, de nação
quilimane, “oficial de carpinteiro, e entende também de tanoeiro, cujo ofício aprendeu
no Arsenal de Guerra”,150 mostrando que a norma não era aplicada a risca, isso nem que
fosse o fato dos filhos dos escravos da nação que estavam no AGC serem empregados
como aprendizes nas oficinas.

Outra restrição que havia era nos vencimentos: considerando que eram os mes-
tres que avaliavam o serviço dos escravos, é de se esperar que houvesse reduções aos
valores pagos, havendo pelo menos um caso que essas limitações ficam explícitas na
documentação: na contratação de remeiros em 1836, o Arsenal publicou anúncios onde
se informava que se pagaria 20% a mais aos trabalhadores livres do que aos cativos. 151
Como dissemos, podemos supor que esse preconceito também afetava as outras catego-
rias de trabalhadores, apesar de não encontrarmos isso explícito na documentação, a não
ser um anúncio publicado em 1849, que informava que os operários do Arsenal teriam o
direito de serem reavaliados semestralmente para efeitos de aumento de salário, algo
que o anúncio informava que se aplicava apenas aos artesãos livres. 152

A partir de 1830 começam a aparecer na documentação restrições explícitas à


contratação de cativos: uma lei daquele ano determinou que “só no caso de falta de ci-
dadãos brasileiros serão admitidos escravos nas oficinas, e outros serviços do Arse-
nal.”153 Uma medida que foi geral, pois também foi adotada pelo Arsenal de Marinha, e
foi reiterada em outros documentos legais da época. No entanto, a norma legal não foi
aplicada de forma total, pois continuou a haver a contratação de escravos para trabalha-
rem no Arsenal. Nestes casos, o que era feito era um contrato entre o proprietário e a
repartição pública, o escravo sendo examinado por um dos mestres para se verificar suas
habilidades, isso determinando um jornal que ele deveria receber. O valor devido por

150
Diário do Rio de Janeiro, nº 15. Rio de Janeiro, 24 de dezembro de 1833. p. 4.
151
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Manoel da Fonseca Lima e Silva ao Sr. José de
Vasconcelos Meneses de Drummond, diretor do Arsenal sobre proposta de aumento de jornais para
o Patrão e remeiros do Arsenal, Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1836. Mss. ANRJ. IG7 321
152
Diário do Rio de Janeiro, ano XXVIII, nº 8244. Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1849. p. 2
153
BRASIL – Lei de 27 de Outubro de 1831. Autoriza credito para as despesas com o concerto das mu-
ralhas e outras obras do Arsenal do Exercito. Artigo 4º.

512
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

seu trabalho sendo pago ao proprietário ou ao próprio escravo, para que esse entregasse
a seu dono, de quinze em quinze dias. 154

Podemos dizer que todos os tipos de cativos foram empregados na instalação:


escravos, pertencentes a operários, funcionários do Arsenal, militares ou a particulares,
alugados por longas durações; escravos de ganho; os da nação e até prisioneiros negros
de rebeliões internas, que eufemisticamente eram considerados como “libertos pela na-
ção”. Assim, a partir de outubro de 1835 começou a prática de se usarem os africanos
livres, africanos apresados em navios negreiros capturados enquanto faziam o tráfico:
em 1836, vinte homens e vinte mulheres, foram apresados na captura do navio negreiro
Orion,155 sendo enviados para o Arsenal para trabalhar lá. Ao longo de trinta anos que a
instituição dos africanos livres funcionou, o Arsenal receberia 279 deles, os últimos
sendo libertados em 1864. 156

O uso de cativos foi muito comum, como vimos acima, só que, curiosamente,
aparecem pouco na documentação, por refletirem apenas uma situação de rotina, os da-
dos começando a ter uma maior recorrência nas décadas de 1840 e 1850, quando o uso
de trabalhadores cativos começa a sofrer problemas na repartição. De qualquer forma, a
questão do trabalho cativo era uma preocupação indireta para as direções do Arsenal,
devido às dificuldades que supostamente causava na formação de um corpo de operá-
rios, o problema já sendo colocado em 1837:

Na presente época poucos são aqueles, que se propõem a ganhar a vi-


da por meio de profissão de artista, quer isto aconteça pela abundância
de recursos, e de meios de que tanto abunda o Brasil quer mesmo pela
concorrência de escravos nesta parte industrial. Desta sorte ninguém
se oferece para aprender certos ofícios, que só têm exercício no Arse-
nal.157
Cremos ser de interesse na citação a parte sobre “certos ofícios, que só têm exer-
cício no Arsenal”. Aparentemente isso se refere especialmente aos espingardeiros e co-

154
BRASIL – Arsenal de Guerra. Instruções sobre o modo de efetuar-se o pagamento das férias dos
Operários do Arsenal de Guerra da Corte. Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1848. Mss. ANRJ.
IG7 337.
155
Diário do Rio de Janeiro, nº 18. Rio de Janeiro, 22 de março de 1836. p. 2. No Orion foram apreendi-
dos 250 jovens africanos, dos quais quarenta foram para o Arsenal.
156
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação nominal dos Africanos que têm estado neste Arsenal com de-
claração de seus destinos, extraída dos respectivos livros de matrículas. Encarregado da 1a Seção
do Arsenal de Guerra da Corte, M. Roiz Guimarães. Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 1865. Mss.
ANRJ. IG7 27.
157
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Antônio Rangel de Vasconcelos, diretor do Arsenal de Guer-
ra ao Ministro da Guerra, Sebastião do Rego Barros. Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1837. Mss.
ANRJ. IG7 20.

513
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

ronheiros, tal como aparece em vários locais na documentação, mostrando a real preo-
cupação da direção: o problema não era geral, de falta de pessoal habilitado causado
pela escravidão, era a dificuldade de encontrar pessoas interessadas em desenvolver
certas profissões. Uma situação criada em parte pelo próprio AGC, que não conseguia
atrair e manter aprendizes para as profissões críticas para o Exército. Dados os procedi-
mentos da época, era uma situação inevitável e com que a direção do Arsenal tinha que
conviver.

Em termos de condições de trabalho, podemos dizer que o Arsenal era um patrão


benevolente, pelo menos em termos do imaginário dos dias de hoje sobre a situação do
trabalho escravo no Brasil, pelo qual se traça uma visão muito negativa sobre sua situa-
ção. Por exemplo, no Arsenal todos os cativos, mesmo os do governo, recebiam um
pagamento por seus serviços, normalmente de acordo com suas habilidades, como foi
dito. Até os que não trabalhavam tinham direito a uma pequena ajuda de custo, apesar
de essa ser realmente muito reduzida – em 1844, seguindo uma prática da Casa de Cor-
reção, se pagava apenas vinte réis, um vintém, 158 um quarto do que recebia o servente
menos qualificado na época.159

Os africanos livres, durante certo tempo, moraram em uma casa fora das instala-
ções, no Beco da Batalha, vizinha a residência do mestre de obra branca, sendo que o
“Tenente Virgílio Fogaça da Silva, também empregado no Arsenal”, residia em um
“canto da mesma casa”,160 (ver Figura 41 e Figura 42), ou seja, os alojamentos com cer-
teza eram acanhados e limitados, mas não eram em um prédio de qualidade inferior.
Mais importante, não eram dentro da instalação militar, que tinha vigilância permanen-
te.

A alimentação dos cativos também não podia ser chamada de ruim: pela docu-
mentação, os escravos da nação recebiam a mesma comida que os soldados da Compa-
nhia de Artífices, enquanto os africanos livres que, como dissemos, era uma categoria

158
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava no Rio de Janeiro: 1808-1850. Tese de Douto-
rado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1998. (mimeo). p. 342.
159
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho, ao brigadeiro diretor
do Arsenal de Guerra, João Eduardo Pereira Colaço Amado, mandando abonar 20 réis diários aos
Africanos e escravos da nação, como era feito anteriormente. Rio de Janeiro, 12 de março de 1844.
Mss. ANRJ. IG7 403
160
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, vice-diretor, ao
Ministro da guerra, sobre despejo de pessoas do quartel do Moura, para ser ocupado pela compa-
nhia de operários. Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 1838. Mss. ANRJ. IG7 20. Depois de removidos
os africanos e escravos foram alojados em alojamentos construídos dentro do estabelecimento.

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Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

com mais privilégios que os escravos da nação, eram alimentados com os mesmos gêne-
ros que os Aprendizes Menores. Isso significa que os alimentos dados aos africanos não
eram muito variados: constavam somente de carne seca, açúcar mascavo, toucinho, ba-
calhau, café, carne fresca, farinha, arroz, canjica, azeite doce e pão.161 Só que a dieta dos
soldados era menos variada, não incluindo açúcar, bacalhau, café, canjica, azeite ou pão.
Uma alimentação muito monótona, mas pode-se dizer que, pelo menos, era de uma qua-
lidade aceitável, considerando que os alimentos dados aos cativos eram os mesmos dis-
tribuídos aos soldados e menores.

Os cativos, tanto africanos quanto escravos da nação, recebiam roupas. Estas


eram simples, uma camisa e uma calça a cada quatro meses, um barrete e uma japona,
As escravas recebiam um vestido, uma roupinha, uma saia e um lenço anualmente. A
todos eram entregues também uma manta e uma esteira anualmente. Como as tabelas
mostram, era um fornecimento regular, de forma que não se pode dizer que eram andra-
josos. 162

Também havia certas possibilidades de mobilidade para os escravos dentro da


cidade: na documentação há muitos pedidos de casamento de escravos e africanos livres
com outros de sua situação que se encontravam trabalhando em outras instalações do
governo. Algumas delas eram distantes entre si, como por exemplo, a Fábrica de Pólvo-
ra da Estrela, em Magé, a mais de 34 km (em linha reta) do Calabouço havendo, portan-
to um contato que permitia o cortejo dos casais e, uma vez casados, os cônjuges eram
mantidos unidos. 163 Assim, entre outros, houve um casamento do africano livre Tertuli-
ano, que estava alojado na fortaleza da Lage, um dos pontos mais isolados da cidade,
ficando em uma ilha de difícil acesso. No entanto, não só foi autorizado seu casamento,
como se ordenou que ele fosse removido para o Arsenal, para ficar junto de sua esposa,
pois se considerava a fortaleza um lugar perigoso para mulheres.164 Outro exemplo é o

161
PROPOSTA de Castro e Correa para o fornecimento de alimentos aos menores, e Africanos Livres,
existentes no Arsenal de Guerra. Rio de Janeiro, s.d. [julho de 1843], Mss. ANRJ. IG7 340.
162
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa demonstrativo do vestuário dos africanos libertos, escravos e
escravos da nação tanto antes da tabela como depois. O tenente Encarregado Manoel José da Silva.
Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 1848. Mss. ANRJ. IG7 10.
163
Ver, por exemplo. BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministério da guerra, João Paulo dos
Santos Barreto, ao diretor do Arsenal de Guerra, Antônio Manoel de Melo, com ordem de envio da
escrava da nação, Domingas, da Fábrica de Pólvora que tem de casar com José Raimundo, do Ar-
senal. Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1844. Mss. ANRJ. IG7 334.
164
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de João José da Costa Pimentel, Brigadeiro, diretor interino, ao
ministro marquês de Caxias sobre o casamento do africano livre Tertuliano que se achava ao servi-
ço da Fortaleza da Laje. Rio de Janeiro, 4 de junho de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.

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Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

de Querobina, africana livre emancipada – ou seja, já não era mais cativa do governo.
Esta se casou com o africano Quitério, do Arsenal em 1863, o ministério da guerra auto-
rizando a contratação dela como lavadeira da Companhia de Menores, o único emprego
disponível para mulheres no AGC, para não inviabilizar o casamento. Nesse emprego,
Querobina receberia a minúscula quantia de 160 réis diários, uma ração de alimentação
diária 165 e, presumimos, a roupa dada às outras africanas.

Mesmo em caso de doenças, os cativos não eram enviados para a Santa Casa,
que era o estabelecimento hospitalar de caridade da cidade, vizinho do Arsenal. Iam
para o Hospital Militar, apesar de serem mantidos segregados lá. O caso mais exótico de
privilégios dado – ou presumido – aos escravos que encontramos foi o requerimento do
escravo da nação Thimóteo, que pediu seis meses de licença, com vencimentos, para ir
ao Piauí buscar sua filha. Infelizmente, não conseguimos encontrar o despacho final do
ministro sobre esse pedido, mas ele não foi negado de imediato, tendo resultado em uma
troca de correspondência com o ministério da Guerra,166 de forma que podemos afirmar
que o pedido não foi visto como absurdo na forma de ver da época.

Como colocado acima, os cativos tinham a possibilidade de formar e manter fa-


mílias: uma relação de escravos da nação e africanos livres, de 1857, aponta que sob a
autoridade do Arsenal havia 21 escravos da nação, 31 africanos livres, 12 escravas da
nação e 3 africanas livres, 67 no total. Desses, todas as mulheres eram casadas – uma
era viúva e outra era casada com um forro – elas tendo quinze filhos. 167 Deve-se dizer
que a presença dessas crianças era considerada como negativa no Arsenal, em 1859 o
diretor solicitando que as crianças que tinham sido libertadas fossem retiradas do esta-
belecimento, o que foi negado, pois a prática continuou.168

165
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso da 1a Diretoria Geral 1a Seção, Antônio Manoel de Mello, ao
diretor do Arsenal, José de Vitória Soares de’Andréa, autorizando o africano livre a serviço do Ar-
senal de Guerra, Quitério, a casar-se com a africana livre emancipada Querobina. Rio de Janeiro,
29 de setembro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 453.
166
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício do ajudante geral da 2a Diretoria Geral da Secretaria de
Estado dos Negócios da Guerra, José Maria da Silva Betancourt, ao Diretor do Arsenal, Cel. José
de Vitória de Soares Andrea sobre a pretensão do Escravo da Nação Thimoteo, ao serviço desse Ar-
senal. Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 1864. Mss IG7 500.
167
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação nominal dos Africanos livres e escravos da nação ao serviço
deste Arsenal, com declaração dos serviços que prestam, seus ofícios, e bem assim quais os casados
e com quantos filhos. Rio de Janeiro, s. dia, Julho 1857. Mss. ANRJ. IG7 22.
168
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro, Sebastião do Rego Barros, ao diretor do Arsenal
de Guerra, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, sobre o requerimento do escravo da Nação ao
serviço deste Arsenal, Thimóteo, que pede a liberdade de sua filha menor de nome Alexandrina, Rio
de Janeiro, 27 de setembro de 1859. Mss. ANRJ. IG7 388.

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Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Finalmente, os cativos do governo tinham a possibilidade de comprar a sua li-


berdade, às vezes por valores elevados: em 1865, o escravo da nação Longuinho, que
trabalhava no Arsenal desde pelo menos 1846,169 quando se casou com Maria Simoa,
solicitou a liberdade para si, sua esposa e dois filhos. No caso, foi estimado que ele de-
veria reembolsar os cofres públicos com 2.900.000 réis, o equivalente a 2.400 dias de
trabalho de um escravo artesão qualificado na época. Não sabemos se ele tinha toda essa
quantia disponível, o importante é que o próprio pedido é um indicativo que julgava que
teria os meios para obter a liberdade para ele e sua família. 170 Por sua vez, a avaliação
dada aos cativos que pediam a alforria podia ser reduzida: em 1863, o escravo Ângelo,
um espingardeiro casado e com três filhos, pediu para ser avaliado, com fins de comprar
sua liberdade, a comissão encarregada do trabalho apresentando o seguinte parecer:

os membros da comissão acordaram em avaliar o supracitado escravo


Ângelo na quantia de trezentos mil réis, em atenção a sua idade, bons
serviços, que sempre há prestado, três filhos escravos que deixa no Es-
tabelecimento, suas doenças e por sofrer uma hérnia.171
O valor – 300.000 réis – na época era bem reduzido, ainda mais por correspon-
der à um operário qualificado, apesar do mesmo ser doente e idoso, pois parece que
Ângelo era um dos escravos vindos do Piauí, em 1844 e que tinha se casado em 1846
anos depois com a escrava Maria Eugênia. 172

Mais comum na documentação era a autorização de manumissão de seus filhos,


pois as avaliações das crianças eram mais baixas. Em 1863 chegou até a haver um caso
de liberdade de uma criança sem pagamento de indenização, “em atenção aos bons e
dilatados serviços prestados pelos mesmos pais daquele recém-nascido”.173 Os pais,

169
Longuinho era relacionado em 1846 como um dos escravos que tinha vindo das fazendas nacionais do
Piauí, sendo provavelmente um dos trinta encaminhados para o Rio de Janeiro dois anos antes, dos
quais dez foram destacados para servir como serventes no Arsenal. Sua esposa, também das fazendas
do Piauí, trabalhava então na Fábrica de Pólvora, sendo transferida para o Arsenal quando do casa-
mento. BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministério da guerra, João Paulo dos Santos Bar-
reto, ao diretor do Arsenal de Guerra, Antônio Manoel de Mello, respondendo favoravelmente aos
requerimentos de Luís Rufo, Praxedes José, Ângelo, e Longuinhos, escravos das fazendas Nacionais
do Piauí ao serviço desse Arsenal, que podem unir-se em matrimônio. Rio de Janeiro, 13 de agosto
de 1846. Mss. ANRJ. IG7 334.
170
BRASIL – Ministro da Guerra. Aviso do ministro da Guerra, José A. Saraiva, ao diretor do Arsenal,
Coronel Antônio Francisco Raposo, comunicando o deferimento do requerimento do escravo da na-
ção Longuinho, em que solicita liberdade, desde que pagasse sua avaliação. Rio de Janeiro, 4 de
Agosto de 1865. Mss. ANRJ. IG7 497.
171
BRASIL – Arsenal de Guerra. Comissão de avaliação. Joaquim de Lima e Silva major, 1º Ajudante.
Rio de Janeiro, 18 de maio de 1863. Mss. ANRJ. IG7 392.
172
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministério, 13 de agosto de 1846. op. cit.
173
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, ao
coronel diretor do Arsenal de Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea mandando passar título
Continua –––––––

517
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Cyriaco Pereira, carpinteiro de machado, e Joana, tinham vindo do Piauí em 1844 e já


tinham tido autorização para comprar a liberdade de uma filha sua em 1846. 174 Em 1864
o próprio Cyriaco solicitaria sua liberdade, especificando que não queria pagar a indeni-
zação, argumentando que já servia há 22 anos, o requerimento sendo encaminhado para
avaliação do ministro da Guerra: ou seja, não foi automaticamente desconsiderado, de
forma que não era visto como um pedido absurdo. 175

Como curiosidade, apontamos a possibilidade legal que havia, dos africanos re-
tornarem para a África, caso conseguissem pagar suas passagens. Isso aconteceu com o
africano livre Romão, que teve condições de voltar para a África em 1853.176 Quatro
anos depois, o ministro autorizou que onze africanos livres de nação Mina fossem
emancipados e “reexportados” para a costa da África, às suas custas.177

Também não podemos deixar de mencionar outro caso que consideramos exóti-
co, o do escravo da nação Domingos, que requereu ao ministro da Guerra, Caxias, que
seu sobrinho, escravo menor de idade, trabalhando no Jardim Botânico, fosse removido
para o Arsenal, para aprender o ofício de alfaiate. O requerimento foi atendido, tanto
pelo ministro da Guerra como pelo da Agricultura, o menor recebendo ordens de se
apresentar no Arsenal em 1861,178 onde teria maiores possibilidades de obter melhor
vencimentos e, com isso, sua liberdade. O próprio Domingos conseguiu comprar sua
liberdade em 1864. 179

Continuação–––––––––––
de liberdade ao recém-nascido filho dos escravos da Nação Cyriaco Pereira e Joanna 2a, ao serviço
do Arsenal de Guerra. Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 515.
174
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, João Paulo dos Santos Barreto, ao diretor do
Arsenal, Antônio Manoel de Mello manda dar liberdade, sob pagamento a filha dos escravos da Na-
ção, Cyriaco e Joana. Rio de Janeiro, 5 de setembro de 1846. Mss. ANRJ. IG7 334.
175
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício do chefe da 1a Seção da Diretoria Geral, Mariano Carlos de
Souza Correia ao diretor do Arsenal pedindo para informar sobre o requerimento do Escravo da
Nação Cyriaco que alegando servir desde 1842. Rio de Janeiro, 23 de novembro de 1864. Mss.
ANRJ. IG7 346
176
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro, M. F. de Sousa e Mello, ao diretor do Arsenal,
Brigadeiro Feliciano Antônio Falcão, mandando eliminar do serviço do Arsenal de Guerra o Afri-
cano Livre do nome Romão, uma vez que se retire para seu país. Rio de Janeiro, 12 de janeiro de
1853. Mss. ANRJ. IG7 460
177
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício de Bernardo Joaquim de Matos, ao diretor do Arsenal de
Guerra, coronel do estado-maior de 1ª classe, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, enviando a
Relação dos Africanos livres em serviço no Arsenal de Guerra da Corte e nas Fortalezas de Santa
Cruz, Villegagnon, e Ilha das Cobras a quem, por Aviso do Ministério da Justiça de 13 do corrente,
se manda passar Cartas de Emancipação para serem reexportadas à Costa da África. Rio de Janei-
ro, 20 de julho de 1857. Mss. ANRJ. IG7 366.
178
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro da Guerra, marquês de Caxias para o diretor do
Arsenal, Major Antônio Pinto Figueiredo Mendes Antas, mandando receber o sobrinho do escravo
Domingos no Arsenal. Rio de Janeiro, 12 de junho de 1861. Mss. ANRJ. IG7 394.
179
Diário do Rio de Janeiro, ano XLIV, nº 30, 30 de janeiro de 1864. p. 2.

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Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Em oposição a esse quadro que falsamente pode parecer róseo, devemos frisar
que a situação dos cativos do governo estava longe de ser boa: eram trabalhadores for-
çados antes de tudo e eram tratados como tal: estavam sujeitos a castigos físicos, a chi-
bata ou a palmatória. Não temos dados sobre a aplicação dos castigos, mas não deveri-
am ser algo insignificante, pois a legislação militar já era violenta para com os soldados,
livres, prevendo a aplicação de até cinquenta golpes com a espada de prancha por faltas
consideradas “leves”.180 Em 1863, o diretor do Laboratório Pirotécnico do Campinho
foi acusado de aplicar castigos corporais pesados – o africano Benedito afirmando que
tinha recebido cinquenta dúzias de palmatoadas (golpes da palmatória, nas mãos). O
diretor, Francisco Carlos da Luz, escrevendo que mandara castiga-lo, com “apenas” três
dúzias de golpes de palmatória e que “Findo o castigo, mandei apresentá-lo [Benedito]
na botica, como sempre pratico em casos tais”, dando a entender que era uma prática
comum. 181

Além disso, os cativos tinham um feitor que morava no Arsenal, que podia co-
meter abusos. Em 1856, “o escravo da nação José Joaquim, espancou barbaramente, no
Largo do Moura, o Feitor dos Africanos e Escravos da Nação, deste Arsenal”,182 o que
só podemos supor fosse devido a mal tratos aplicados pelo feitor. Por outro lado, mes-
mo considerando que eram perto de cem escravos da nação e africanos livres no Arse-
nal, só havia um feitor na manufatura, enquanto no de Marinha eram três – é há docu-
mentos citando que os administradores de lá pediam o dobro –,183 mostrando que a situ-
ação na manufatura do Exército não demandava uma disciplina tão severa quanto na
instalação naval.

Talvez essa suposta disciplina mais relaxada não fosse o caso no Laboratório do
Campinho, em cuja correspondência com o ministro se encontram vários casos de fuga
de africanos livres – não sabemos por que, mas esse tipo de incidente era muito menor

180
SCHAUMBURG-LIPPE. Regulamento para o Exercício, e Disciplina, dos regimentos de cavalaria
dos exércitos de Sua Majestade Fidelíssima – feito por ordem do mesmo Senhor por Sua Alteza o
Conde Reinante de Schaumburg Lippe, Marechal General. Lisboa : Régia Oficina Tipográfica,
1798. pp. 166 e segs. O regulamento do Conde de Lippe, de 1763, ficaria valendo no Exército até
1898.
181
CÓPIA. N. 26 (reservado) Escritório das Oficinas pirotécnicas do Laboratório do Campinho, 15 de
julho de 1863. Antônio Valeriano da Silva Fialho, tenente ajudante. In: VIANNA, Antônio Ferreira.
Defesa do Dr. Francisco Carlos da Luz diretor do Estabelecimento Pirotechnico do Campinho pe-
rante o conselho de guerra e supremo conselho militar. Rio de Janeiro: Tipografia de Pinheiro &
Comp. 1865. p. 12. O grifo é do original.
182
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de João José da Costa Pimentel, Brigadeiro, diretor interino, ao
ministro da Guerra, marques de Caxias. Rio de Janeiro, 16 de abril de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.
183
SOARES, op. cit. p. 207.

519
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

com escravos da nação. Algumas das fugas eram repetidas e feitas em pouco espaço de
tempo. Assim, o africano Scipião, de nação Benguela (oriundo da atual Angola) fugiu
em fevereiro de 1852, julho de 1853, novembro de 1854, novembro de 1855, fevereiro
de 1858, fevereiro de 1859 e janeiro de 1861, a ponto do diretor solicitar sua transferên-
cia, “por ser de maus costumes, e viver quase sempre ébrio, anda constantemente fugi-
do, e, por conseguinte seu trabalho neste Estabelecimento é nenhum, trazendo com isto
mau exemplo aos demais.” 184

Os cativos que fugiam certamente eram castigados, mas mesmo assim, alguns
retornavam por vontade própria ao Campinho, como o próprio Scipião, que se apresen-
tou em dezembro de 1858, depois de ficar fugido por dez meses. 185 Na verdade, um do-
cumento sobre sua fuga, de novembro de 1854, dá entender que a prática era não comu-
nicar as ausências por alguns dias, na esperança que os cativos voltassem186 – nesse
sentido, a documentação sobre o Arsenal propriamente dito não menciona “fugas”, ape-
nas ausências, dando novamente a entender que a ausência dos cativos era visto como
algo temporário.

A reapresentação do cativo nem sempre acontecia, contudo: o mesmo Scipião


foi capturado em março de 1863, após quinze meses, tendo passando “a maior parte do
tempo escondido no mato”.187 Deve-se dizer, contudo, que o número de fugas bem su-
cedidas, não era elevado: em um registro de dezembro de 1865, de 178 africanos livres,
entrados no Arsenal desde a década de 1840, apenas oito eram listados como ainda es-
tando extraviados, sete deles tendo escapado entre janeiro de 1863 e julho de 1864, ou
seja, com menos de dois anos de fuga, 188 isso apesar da facilidade de fuga das instala-
ções do governo, onde o controle de entrada e saída não era dos mais severos.

184
BRASIL – Laboratório do Campinho. Ofício do capitão diretor, Francisco Carlos da Luz, ao ministro
da Guerra, marquês de Caxias informando que Scipião fugiu do laboratório. Rio de Janeiro, 8 de
dezembro de 1861. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 267.
185
BRASIL – Laboratório do Campinho. Ofício do capitão diretor, Francisco Carlos da Luz, ao ministro
da Guerra, José Maria da Silva Paranhos, comunicando que o Africano livre de nome Scipião, fugi-
do em 18 de fevereiro aqui se apresentou ontem e acha-se outra vez no serviço deste estabelecimen-
to. Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1858. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260
186
BRASIL – Laboratório do Campinho. Ofício do capitão diretor, Francisco Carlos da Luz, ao ministro
da Guerra, P.de S. Bellegarde sobre a fuga do africano livre Scipião. Rio de Janeiro, 11 de novem-
bro de 1854. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
187
BRASIL – Laboratório do Campinho. Ofício do Capitão diretor, Francisco Carlos da Luz ao ministro
da Guerra, Antônio Moraes de Melo participando que fora aqui entregue o Africano livre Scipião.
Rio de Janeiro, 10 de março de 1863. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 261.
188
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação nominal dos Africanos, 26 de dezembro de 1865. op. cit.

520
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Sobre os castigos, a burocracia do serviço público chegava, de certa forma, a


proteger os cativos: na documentação há um caso curioso, de dois escravos da nação,
que fugiram e foram procurar diretamente o ministro da Guerra para evitar um castigo
físico por terem saído do Arsenal sem seu uniforme. O ministro mandou soltar os escra-
vos e o feitor foi punido com uma suspensão de três dias, por ter aplicado a chibata em
um terceiro escravo, sem ter ordens para tanto.189

Outro problema da instituição no tratamento dos cativos é mais difícil de verifi-


car: Mary Karasch, ao tratar da Fábrica de Ferro de Ipanema aponta problemas de con-
dições de trabalho no local, levando a um grande número de mortes em 1847.190 Não
encontramos situação semelhante no AGC, mas o número de mortes entre os africanos
livres era realmente elevado. Sobre aqueles que temos dados, um grande número faleceu
pouco depois de entrar no Arsenal, não sabemos por que, 191 talvez pela razão apontada
por Karasch, problemas com varíola – o AGC tinha normas de vacinação obrigatória
para os Aprendizes Menores, 192 mas não o para os cativos.

Finalmente, os cativos do Arsenal estavam sujeitos a arbitrariedades: o caso de


três prisioneiros de guerra negros ilustra isso muito bem – encontramos documentação
sobre três deles, um prisioneiro da Sabinada, em 1836 e dois farroupilhas (ou seja, cap-
turados antes de 1845). Todos eram considerados como “libertos pela nação”, uma cate-
goria que não existia legalmente, mas foram incorporados como trabalhadores forçados
ao quadro do Arsenal. Os três ainda eram trabalhadores no Arsenal em 1857, muito
tempo depois do fim dos conflitos, sendo tratados como cativos, inclusive, com puni-
ções corporais. O ministro da Guerra, perguntado pelo diretor do Arsenal sobre a situa-
ção “do Preto Antônio Simões”, preso farroupilha, emitiu um despacho no sentido de
que “Sendo a Repartição militar, e este liberto pela nação involuntário nela, e por tanto
sujeito à disciplina em condições análogas aos dos Africanos Livres do Arsenal e de-
mais Repartições, pode castiga-lo pelo mesmo modo que se pratica com os ditos Afri-

189
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, ao ministro
da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Melo. Rio de Janeiro, 31 de maio de 1859. Mss. ANRJ.
IG7 16.
190
KARASCH, Mary. Slave Life in Rio de Janeiro. Princeton: Princeton University, 1987. p. 197.
191
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação nominal, 26 de dezembro de 1865. op. cit.
192
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, João Paulo dos Santos Barreto ao diretor do
Arsenal de Guerra, João Carlos Pardal mandando vacinar todos os Aprendizes Menores do Arsenal
de Guerra que ainda não tinham sido vacinados. Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1846. Mss.
ANRJ. IG7 399.

521
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

canos”.193 Isso sendo feito apesar do acordo de paz com os farroupilhas explicitamente
dizer que os libertos por eles não seriam reescravizados.

Outra arbitrariedade que os cativos sofreram foi a restrição de suas possibilida-


des de trabalho. Os cativos realizavam, na maior parte, trabalhos braçais, não especiali-
zados, especialmente os africanos livres, por estes normalmente não terem formação
artesanal, por terem chegado recentemente da África.194 Só que havia vários com habili-
tações profissionais, com maiores vencimentos. No entanto, quando a redução no núme-
ro de escravos da nação e africanos livres atingiu um ponto crítico, com poucos deles na
instalação, eles perderam a possibilidade de trabalhar como artesãos especializados.
Assim, em 1857, havia 52 africanos livres e escravos da nação no Arsenal, dezenove
(37%) dos quais tinham ofícios, inclusive quatro espingardeiros e um coronheiro, pro-
fissões críticas para o Arsenal. No entanto, pelas palavras do diretor todos estavam em-
pregados como serventes braçais, por falta desses trabalhadores não especializados. 195
Deve-se dizer que essa restrição foi mais teórica do que prática, pois há documentos
posteriores mostrando que os escravos ainda trabalhavam como artesãos.

Mesmo assim, a gradual eliminação do trabalho escravo já era previsível na dé-


cada de 1850. O tráfico tinha, para todos os efeitos, cessado a partir de 1850 e em 1853
tinha sido baixado um decreto determinando que os Africanos Livres a serviço de parti-
culares deveriam ser emancipados após quatorze anos de serviço.196 Esse decreto era
específico, tratando apenas dos africanos dados a particulares, mas aparentemente foi
estendida informalmente aos que estavam a serviço de repartições públicas, com a van-
tagem do tempo de serviço pedido sendo de apenas dez anos. Assim, em 1860, quando
houve a proposta de transferir o pessoal da Fábrica de Ferro de Ipanema para o Mato
Grosso (ver capítulo 6), o diretor de lá escreveu que os africanos livres “sempre bem
193
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, Alexandre Manoel Albino de Carvalho,
ao ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho sobre castigos corporais do preto Antônio Si-
mões. Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1857. Mss. ANRJ. IG722.
194
BRASIL – Arsenal de Guerra. Féria dos operários e mais empregados do Arsenal de Guerra na 1ª
quinzena de 1858. O encarregado, Estevão José de Bury. Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1858.
Mss. ANRJ. IG7 538. O pagamento médio dos africanos era inferior ao dos escravos da nação
195
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação nominal, s. dia, Julho 1857. op. cit. Na mesma relação estão
listadas quinze mulheres, todas sem ofício. Sabe-se que elas eram usadas em trabalhos domésticos
dentro do Arsenal, especialmente lavagem de roupas dos Aprendizes menores. BRASIL – Arsenal de
Guerra. Mapa demonstrativo do número de operários de diferentes oficinas deste Arsenal existentes
em o 1o de janeiro de 1856 e das [ileg.]. [Rio de Janeiro], 18 de fevereiro de 1857. Mss. ANRJ. IG7
22.
196
BRASIL – Decreto nº 1.303, de 28 de Dezembro de 1853. Declara que os Africanos livres, cujos ser-
viços foram arrematados por particulares, ficam emancipados depois de quatorze anos, quando o
requeiram, e providencia sobre o destino dos mesmos Africanos.

522
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

tratados neste Estabelecimento, onde se mostravam satisfeitos; e somente, depois que


tiveram lugar as primeiras remoções, manifestarem desejos de emancipar-se”,197 o dire-
tor, em outro documento, de 1859, informando que dezenove africanos livres tinham
condições de pedir a emancipação, por terem mais de dez anos de serviço e eles “têm
tido boa conduta, e mostrado subordinação.”198

A gradual eliminação do trabalho compulsório já era vista como inevitável em


1861, quando o diretor escreveu sobre os escravos e africanos livres:

Sobre este pessoal só me ocorre fazer uma observação e vem a ser que
ele vai diminuindo sensivelmente: e não havendo donde obter gente
das mesmas condições dentro em pouco tempo há de ser indispensável
substituí-lo por serventes livres, engajados e aquartelados, afim de
ocorrer devidamente aos diversos e necessários serviços em que é aqui
empregado.199
O motivo dessa situação foi, como dissemos acima, que em 1849 uma boa per-
centagem dos escravos de aluguel foi despedida do Arsenal – como tratado, os escravos
privados eram em número elevado na instituição – 215, ou seja, 25% da força de traba-
lho, daquele ano. Entretanto, 123 deles foram demitidos. Isso não por um sentimento
abolicionista, mas por medida de economia, ordenada pelo ministro da Guerra – foi da
lista de demitidos daquele ano em que conseguimos obter a maior parte das informações
sobre a composição do quadro de escravos do Arsenal. A isso se somava a liberdade
gradual dos africanos livres: como dito, eles, em teoria, teriam que servir no máximo
quatorze anos, de forma que com o fim das capturas de navios negreiros no início da
década de 1850, os africanos teriam que ser livres em meados da década seguinte.

Apesar dos cativos sempre terem sido apenas uma parcela do corpo de funcioná-
rios, do ponto de vista de uma história da escravidão, onde muito se discutiu a capaci-
dade do cativo em exercer ofícios complexos, podemos dizer que o Arsenal, tal como a
Fábrica de Ferro de Ipanema, é uma comprovação de que podiam ter habilitação técni-
ca: havia pelo menos um cativo na elite dos artesãos – um ferreiro com vencimento de
1.800 réis, equivalente a um oficial de 1º classe, aqueles que recebiam maiores salários.
Para efeito de comparação, esse valor equivale a um salário mensal de 46.800 réis, mais

197
BRASIL – Fábrica de Ferro de Ipanema. Ofício reservado do major diretor, João Pedro de Lima Gu-
tierrez ao ministro da Guerra, Sebastião do Rego Barros. Fábrica de Ferro de Ipanema, 16 de agosto
de 1860. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B-253.
198
BRASIL – Fábrica de Ferro de Ipanema. Ofício do major diretor, João Pedro de Lima Gutierrez ao
Presidente de São Paulo, Ipanema, 7 de dezembro de 1859. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B-253.
199
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal ao ministro da Guerra, Rego Barros. Alexandre
Manuel Albino de Carvalho. Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 23.

523
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

do que recebia um 1º tenente do Exército (ver Tabela 22). 200 Quatro outros escravos
artesãos recebiam jornais maiores que 1.400 réis por dia, equivalente a 36.400 réis, mais
do que recebia um 2º tenente do Exército.

Além desses casos isolados, deve-se dizer que um número razoável deles tinha
bons vencimentos – pelo menos 78 deles (63% dos cativos demitidos) recebiam um
pagamento equivalente ao de um operário livre, o restante sendo trabalhadores menos
qualificados, serventes ou aprendizes.201 Deve-se dizer que a média de vencimentos
diários dos demitidos era de 814 réis (21.164 réis por mês), o que equivale ao pagamen-
to de um operário, não de um aprendiz, sendo ligeiramente superior ao que era pago aos
serventes não qualificados. Essa quantia correspondia a dois terços do soldo (sem grati-
ficações) de um 2º tenente202 e o dobro do que era pago a um sargento (ver Tabela 22),
o que certamente não pode ser considerado como desprezível. Por fim, como dissemos
acima, havia na lista de demitidos pelo menos doze aprendizes, ou seja, o arsenal estava
aberto ao ensino de escravos, o que em tese, não seria possível.

Sobre a propriedade dos cativos, apontamos que da lista de 123 cativos, a maio-
ria dos donos era de pessoas com apenas um escravo, havendo 17 proprietários com
mais de um, os escravos destes somando 43, o que tinha mais era o padre José Gomes,
com cinco deles. 66 pertenciam a mulheres e, pelo menos oito (é difícil precisar esse
número, pois se baseia no conhecimento do autor dessas linhas dos nomes dos proprie-
tários) eram de propriedade de militares, inclusive um que pertencia ao Conde de Caxi-
as.203 Nada excepcional, se conformando com a situação da escravidão urbana do perío-
do.

Deve-se dizer que mesmo depois de 1849 os diretores do Arsenal foram muito
resistentes em aceitar que a escravidão estava fadada a acabar, procurando soluções para
a falta de serventes cativos. Não se conseguiu isso, chegando-se a usar escravos de ga-
nho nos serviços braçais, o que era considerado como uma despesa muito avultada, pois

200
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos escravos, 21 de novembro de 1849, op. cit.
201
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos escravos, 21 de novembro de 1849, op. cit. e BRASIL –
Arsenal de Guerra. Relação dos operários cativos que em virtude do aviso de 19 do corrente foram
despedidos dos trabalhos destas oficinas, João José da Silva, Oficinas do Arsenal de Guerra na
Conceição. Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1849. Mss. ANRJ. IG710.
202
SCHULZ, op. cit. p. 211.
203
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos escravos, 21 de novembro de 1849, op. cit.

524
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

as diárias desses eram superiores aos contratos de trabalho de maior duração.204 No en-
tanto, a determinação do ministério foi pela dispensa dos escravos, só se poupando,
temporariamente, os serventes (94 deles), as ordens não livrando da demissão mesmo
aqueles que a direção do Arsenal considerava como indispensáveis, os serventes de fer-
reiros e serralheiros; os malhadores de espingardeiros; os surradores de correeiros; os
serradores de construção e obra branca; os da fundição de latoeiros e os de pedreiros.
Desta lista de trabalhadores “indispensáveis”, foram mantidos apenas os pedreiros, car-
pinteiros e serventes que estavam trabalhando nas obras de prédios do Exército no Rio
de Janeiro.

O Arsenal continuou a empregar escravos de particulares até pelo menos 1858,


entretanto eram apenas seis pedreiros,205 trabalhando nas obras do Exército. Há também
menções a uso de cativos por particulares que conseguiam bilhetes de costuras, mas isso
era uma situação sobre a qual o Arsenal não tinha controle ou ingerência. Finalmente,
na emergência da questão Christie, o ministro autorizou a contratação de operários es-
cravos, mas tal foi claramente feita em uma situação de emergência.206

Na prática, o uso de escravos de aluguel acabou na década de 1850 no Arsenal e


os africanos livres foram sendo liberados a partir de 1856, não havendo mais deles na
instalação em 1864. 207 Quanto aos escravos da nação, eles não duraram muito mais
tempo: ainda em 1864, o diretor escrevia que:

Tendo-se emancipado quase todos os africanos e escravos da nação


pertencentes a este Arsenal, cuja redução tem trazido graves embara-
ços a este Estabelecimento a ponto de quase já não haver quem faça o
serviço diário indispensável; rogo a V. Ex.a se digne providenciar a
que sejam transferidos da Casa de Correção para aqui quatro africanas
e seis africanos afim de se empregarem no serviço geral e na lavagem
da roupa dos menores.208

204
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do 1o Ajudante do Arsenal, José Joaquim de Lima e Silva, ao
diretor, Coronel José de Vitória Soares d’Andrea, sobre a insuficiência do número de africanos no
Arsenal. Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1862. Mss. ANRJ. IG7 24.
205
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor do Arsenal, Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao
ministro da Guerra, José Antônio Saraiva, sobre o engajamento de colonos para o serviço deste Ar-
senal. Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
206
BRASIL – Ministério da Guerra. Despacho do ministro Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão no
ofício do coronel diretor do Arsenal, José de Vitória de Soares d’Andrea ao Ministro, sobre admis-
são de escravos. Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 25.
207
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação nominal, 26 de dezembro de 1865, op. cit.
208
BRASIL – Ministério da Guerra. Parecer da 1a seção, 1a diretoria geral, Carlos Antônio Pereira de
Barros, 1o oficial, no impedimento do chefe de seção sobre a inutilidade de requisitarem-se africa-
nos livres para as repartições do ministério. Rio de Janeiro, 15 de julho de 1864. Mss. ANRJ. IG7
26.

525
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Um pedido que sequer foi despachado para a Casa de Correção, pois o ministro
da Guerra o considerou inútil, devido à falta geral que havia de africanos livres para
serem empregados em obras públicas.

Dois anos depois, o diretor do Arsenal escrevia que “não existe escravo algum
neste Arsenal desde 28 de março do corrente ano, data em que seguiram os últimos para
a Fábrica de Pólvora da Estrela”,209 encerrando o uso de escravos no Arsenal poucos
anos antes do fim da prática nas instituições do governo, em 1871.

10.3 A militarização da mão de obra


No corpo de trabalho do Arsenal havia ainda duas categorias que lhe eram espe-
cíficas, os Artífices e os Aprendizes Artífices, ambas as instituições sendo mistas, com-
binando características militares e de trabalhadores civis. Tanto os outros Arsenais de
Guerra, algumas outras manufaturas militares quanto o Arsenal de Marinha tiveram
instituições semelhantes.

209
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Coronel Antônio Francisco Raposo, sobre a existên-
cia de escravos de 18 a 40 anos no Arsenal. Rio de Janeiro 8 de novembro de 1866. Mss. ANRJ. IG7
28.

526
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Figura 60 – Detalhe de gravura de Bertichen da entrada do Arsenal de Guerra, s.d.210


Tomada da Rua do Trem, a imagem pode ser datada como tendo sido feita pouco antes de 1852, por causa
do uso dos bonés de polícia por parte dos militares. A litografia mostra o aspecto militar da instituição,
com sentinelas do Corpo de Artífices e, visíveis ao fundo, algumas crianças de Aprendizes Menores,
usando seus uniformes.

10.3.1 Os Artífices
Os soldados Artífices têm sua origem no período colonial: dentro das reformas
do Conde Lippe, pelo alvará de 15 de julho de 1763, foi estabelecida uma nova organi-
zação para a artilharia e esta nova formação seguiu uma prática francesa do século ante-
rior, a da existência de compaignes d’ouvriers – em 1671 a França tinha criado o Régi-
ment des Fusiliers du Roi211 para fazer a guarda da artilharia, com quatro companhias,
duas das quais de ouvriers (trabalhadores ou artífices). Esses soldados, em tempos de
paz, eram empregados em trabalhos nos Arsenais, especialmente nos de construção de
reparos de canhões,212 sendo uma organização militar que consolidou-se na França, com
algumas modificações na sua estrutura funcional ao longo dos anos.

210
BERTICHEN, P. Entrada do Arsenal de Guerra, s.d. Acervo do Arquivo histórico do Museu Histórico
Nacional.
211
A tropa recebeu este nome por ter sido armada com fuzis, armas de pederneira, mais adiantadas do que
as de mecha até então usadas. Foi a primeira tropa do exército francês a usar baioneta de alvado. Cf.
ÉTAT Militaire du corpos de l’Artillerie de France. Paris: Levrault, 1837. p. VIII.
212
ALDER, op. cit. p. 157.

527
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Em Portugal, muito semelhante ao que os franceses tinham adotado para a sua


tropa a partir de uma modificação na unidade de Ouvriers feita em 1705, o regulamento
do Conde de Lippe previa que os regimentos de artilharia tivessem doze companhias,
nove delas de artilheiros e três companhias especiais, de efetivo dobrado. A primeira
delas era de bombeiros-artilheiros, soldados que operavam com morteiros, 213 unidade
que não tinha graduados – cabos e sargentos –, mas sim por seis artífices do fogo, um
nome que normalmente indica artesãos especializados na fabricação de munição, que
tinham salários ligeiramente superiores aos de um sargento.

Outra companhia especial era a de mineiros e sapadores, ou seja, o que hoje se-
ria chamado de engenheiros de combate, pessoal encarregado de fazer trabalhos de en-
genharia de ataque, como abertura de trincheiras e outras obras de assédio contra fortifi-
cações. Mais importante, a 12ª companhia do regimento era composta por artífices e
pontoneiros, homens que serviam para acompanhar as tropas em campanha, provendo
as necessidades básicas de realização de obras, como a construção de pontes e consertos
de equipamento, como se fossem membros de uma unidade de manutenção de retaguar-
da dos dias de hoje. Para manutenção menos elaborada, no nível da unidade, os regula-
mentos do conde de Lippe previam que cada regimento de infantaria ou cavalaria tives-
sem seus próprios espingardeiros e coronheiros214.

A Companhia de Artífices e Pontoneiros era formada por um capitão, um 1º te-


nente e um 2º tenente215, não sendo formalmente dividida em pelotões, mas organizada
em dois grupos: um de engenheiros, com um sargento da especialidade, dois cabos de
esquadra e 26 soldados pontoneiros, o outro grupo sendo de artífices. Ester tinham um
sargento, que recebia o maior soldo entre os de mesma graduação do Regimento, 190
réis por dia, 58% a mais do que os vencimentos de um sargento artilheiro, que eram de
120 réis por dia, e dois cabos de esquadra artífices, também com soldos elevados, de
170 réis por dia.

No caso das praças da Companhia de Artífices e Pontoneiros se observa uma si-


tuação exótica, havia a previsão de 26 artífices, quase todos recebendo 200 réis por dia

213
Curiosamente, os franceses tinham separado as companhias de Mineiros (engenheiros) e de Artífices
dos regimentos de artilharia em 1729, ou seja, a organização do Conde de Lippe não era mais tão
atual, considerando que os franceses estavam à frente do desenvolvimento da doutrina de artilharia
no período. ÉTAT Militaire, op. cit. p. X.
214
Por exemplo, ver: SCHAUMBOURG-LIPPE, op. cit.
215
As “armas científicas”, a engenharia e a artilharia não portavam estandartes, logo não tinham alferes, o
oficial de posto equivalente nas unidades de infantaria e cavalaria.

528
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

(6.000 réis por mês), mais do que qualquer outra praça do regimento e bem próximo do
soldo dos segundos-tenentes, (7.200 réis por mês).216 A hipótese que levantamos é de
que esses vencimentos elevados tenham sido necessários para atrair operários especiali-
zados, que poderiam encontrar outros empregos na vida privada.

A composição dos soldados-artífices era a seguinte: dois funileiros; dois tornei-


ros; dois tanoeiros; um costeiro 217; um fundidor “que seja ao mesmo tempo torneiro de
metal”; quatro ferreiros “de obra grossa”; quatro serralheiros “que sejam ao mesmo
tempo espingardeiros”; quatro carpinteiros de carros (fabricantes de viaturas); e quatro
carpinteiros de obra branca, “que também saibam trabalhar de marceneiros”.218

Comparando com a estrutura das oficinas do Arsenal de Guerra (ver capítulo 8),
vê-se que esta organização era bem completa, podendo oferecer apoio em quase todos
os aspectos de operações de campanha, mesmo considerando o número reduzido de
artífices e que esse pessoal não poderia dispor de uma infraestrutura em termos de má-
quinas e ferramentas mais complexas, já que deveriam ser uma tropa móvel.

Quatro anos depois da criação das Companhias de Artífices nos Regimentos de


Artilharia, em 1767, houve pequenas mudanças, sendo a principal delas o acréscimo de
um cordeeiro e de um cesteiro (artesão que fabricava cestos) no efetivo da companhia.
O regulamento daquele ano previa ainda que os carpinteiros de carros passariam a se
chamar carpinteiros de machado, ou carpinteiros de carros e engenhos, e que os carpin-
teiros de obra branca também deveriam atuar como coronheiros. Os soldos elevados
foram mantidos219, o que nos leva a questionar se a proposta era possível de se efetivar
em sua totalidade, pois evidentemente exigiria mão de obra altamente qualificada, algo
difícil de obter em uma cidade colonial, especialmente em concorrência com o mercado
de trabalho civil.

216
Esse pagamento referia-se à Europa, não sendo, necessariamente, os mesmos valores praticados no
Brasil.
217
Não conseguimos identificar essa profissão, era a que recebia o menor vencimento dos artífices (120
réis), igual à de um sargento artilheiro. Pela modificação de 1766 na composição da companhia,
cremos que o costeiro deve ser um cordeeiro, artesão que trabalhava com cordas.
218
PORTUGAL – Alvará de 15 de julho de 1763. Plano que sua majestade manda seguir e observar na
formatura e serviços dos regimentos da artilharia destes reinos. Essa organização foi alterada quatro
anos depois, acrescentando à companhia dois furriéis, uma graduação entre o cabo de esquadra e o
sargento, e dois tambores, dando uma formação mais aproximada a de uma tropa de combate do pe-
ríodo.
219
PORTUGAL – Alvará de 4 de junho de 1766, por qual sua Majestade há por bem declarar e ampliar
o outro alvará de 15 de julho de 1763, que estabelece a formatura dos regimentos de artilharia do
seu exército; ordenando que o plano que com ele baixo se observe inviolavelmente em tudo o que
neste se não acha alterado.

529
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

De qualquer forma, a documentação disponível aponta que esta tropa foi implan-
tada no Brasil, – pelo menos no Regimento de Artilharia do Rio de Janeiro isso ocorreu
em 1765, ano seguinte à construção do Arsenal da cidade. Sabe-se que a unidade tinha,
inclusive, um pequeno número de equipamentos móveis para operários atuarem em
campanha. Como já tratamos antes, o marechal Funck, em 1768, solicitou várias caixas
de ferramentas para ferreiros, carpinteiros de roda e carpinteiros de obra branca, ferra-
mentas cujo número era insuficiente na cidade. Também se pediram ferramentas para
torneiros, que não estavam disponíveis nos armazéns na época220. Estas últimas são cu-
riosas, já que implicam na existência de um torno, uma máquina que seria de uso com-
plexo em campanha.

Em 1776, na Campanha do Rio Grande do Sul, um destacamento do Regimento


de Artilharia do Rio de Janeiro seguiu para a região com um “parque” (equipamento)
contendo ferramentas para ferreiros; serralheiros; funileiros; tanoeiros; carpinteiros de
machado e carpinteiros de obra branca221 Ou seja, praticamente todas as especialidades
dos soldados artífices, menos aquelas que dependiam de instalações fixas para seu fun-
cionamento, como os torneiros e o fundidor.

Não há mais informações sobre as Companhias de Artífices dos regimentos de


artilharia no final do século XVIII, mesmo porque depois de 1777 o País ficou em paz,
ou seja, seu papel de tropa de apoio em campanha não foi necessário, mas a organização
certamente foi mantida e, ao que tudo indica, em períodos de paz trabalhavam nos Trens
das capitanias.

Pouco depois da chegada da família real, o decreto de 3 de setembro 1810 orde-


nou a criação de uma Companhia de Artífices no Arsenal do Rio de Janeiro, para que:
“mantendo-se na disciplina necessária e boa ordem militar, hajam de empregar-se nos

220
FUNCK, Jacques. Artilharia e munições que se requer da Europa para completar o que presentemen-
te é necessário à praça do Rio de Janeiro em 17 do mês de março do ano de 1768. Mss Biblioteca
Nacional, Ms 453(1).
221
SILVA, Crispim Teixeira, Sargento Mor Intendente. Relação das Obras, Munições e mais Petrechos
que se tem feito no Trem de S. Majestade Fidelíssima do Rio de Janeiro, no tempo Governo do Il.mo e
Ex.mo Sr Marquês do Lavradio Vice Rei e Capitam General de Mar e Terra do Estado do Brasil,
continuado de 31 de outubro de 1769, até 31 de Agosto de 1776. Mss. Coleção Particular. Um do-
cumento de 1780 menciona que havia quatro coronheiros e dezoito espingardeiros trabalhando no
forte da cidade do Rio Grande, que aparentemente servia de trem. RELAÇÃO do que se deve aos
apontadores e artífices que trabalharam no forte da vila de S. Pedro do Rio grande do primeiro de se-
tembro de 1777 até 15 de abril de 1778 e da alteração que tem havido até 22 de junho de 1780. Mss
Biblioteca Nacional. I-28,25,32.

530
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

respectivos trabalhos a que são destinados em uma semelhante repartição”.222 A base


desta tropa seria a antiga Companhia de Artífices e Pontoneiros do Regimento de Arti-
lharia, a quem a nova unidade continuaria adida, porém passando a ser destacada per-
manentemente no Arsenal de Guerra, sob o comando do inspetor do mesmo: havia até a
proibição explícita de aplicar a tropa a outros serviços que não os do Arsenal. Os solda-
dos pontoneiros, que não foram incorporados na nova unidade, deveriam ser distribuí-
dos entre as outras companhias do Regimento de Artilharia.

O texto do decreto de 1810 especificava uma nova formação para a unidade, que
passaria a ser composta por 60 soldados, dos quais “uma terça parte será de ferreiros e
serralheiros” 223. O problema do elevado soldo dos Artífices foi solucionado: com o no-
vo regulamento, o pagamento dos soldados-artífices deveria ser de apenas um tostão (80
réis) por dia, o valor recebido por um soldado comum após os descontos de fardas e
etapa. Esta quantia deveria então ser complementada pelos jornais recebidos nas ofici-
nas de acordo com o trabalho executado nelas e suas habilidades. O texto do decreto
ainda dá detalhes de uniformes, que seriam os mesmos do Regimento de Artilharia, com
duas fitas amarelas no braço esquerdo. Finalmente informava que seu armamento seria
um chilfarote e os soldados usariam machados, como os porta-machados da infantaria.

A formação da companhia seria a seguinte: um capitão; um 1º tenente; um 2º te-


nente; um 2º tenente agregado; dois sargentos; um furriel; quatro cabos e dois tambores
– os oficiais, graduados e tambores não seriam artesãos e não trabalhariam nas oficinas.
Como soldados-operários, havia a previsão de 37 carpinteiros de machado e obra bran-
ca; 20 ferreiros e serralheiros; um torneiro de madeira; um funileiro e um tanoeiro. To-
talizavam 73 homens, ainda com o objetivo de apoiar as forças em campanha – só que
agora se previa explicitamente que os Artífices pudessem trabalhar nas oficinas do Ar-
senal, compondo parte da força de trabalho da instalação fabril, formada em maioria por
operários civis.

Tendo em vista as necessidades do Arsenal e de outras manufaturas do Exército,


os efetivos da tropa foram sendo lentamente aumentados. Em 1820, os Artífices passa-

222
PORTUGAL – Decreto de 3 de setembro de 1810. Manda organizar uma Companhia de Artífices do
Arsenal Real do Exercito.
223
PORTUGAL - Plano da organização da Companhia de Artífices do Arsenal Real do Exército, estabe-
lecida por decreto da data de hoje. In: PORTUGAL – Decreto de 3 de setembro de 1810, op. cit.

531
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

ram a ser 140 homens. 224 Em 1831 já formavam duas companhias, com o efetivo de
duzentos homens, porém não concentrados no Arsenal: a segunda companhia foi criada
para o Arsenal de Pernambuco e a do Rio fornecia destacamentos para outras instala-
ções do Exército na cidade. Em 1857, quando já havia duas companhias no Rio, de 168
soldados, dos quais 44 serviam na Fábrica de Pólvora e 39 no laboratório do Campinho,
deixando apenas 91 para trabalhar regularmente nas oficinas. 225

Em 1838, quando já havia quatro Companhias de Artífices, duas no Rio de Ja-


neiro – um corpo – elas passaram a ser independentes do Regimento de Artilharia 226, ou
seja, a atuação como operários militares, em oposição à função de tropas de apoio de
um exército em operações, aumentou e se consolidou.

A necessidade de operários para as instalações fabris do Exército fez com que


fossem criadas mais Companhias de Artífices. Em 1839, ainda no período que o Exérci-
to sofria com os cortes de seu pessoal, o ministro da Guerra chegou a sugerir que fos-
sem criadas mais quatro companhias de artífices, elevando o efetivo total para oito,227
mas na prática só foram formadas mais duas, fazendo com que o efetivo passasse a ser
de duas companhias no Rio de Janeiro, uma na Bahia e outra em Pernambuco.228 Quatro
anos depois, foi criada mais uma “meia companhia” no Mato Grosso, incorporada ao 1º
Corpo Fixo de Artilharia daquela província 229, unidade que foi elevada ao nível de com-
panhia três anos depois, mantendo-se anexa ao Corpo Fixo. Finalmente, em 1855 foi
criado um destacamento de Artífices, de 50 praças, na Fábrica e Pólvora da Estrela, ele-
vado ao efetivo de companhia em 1860.

224
REINO UNIDO – Arsenal de Guerra. Ofício de Raimundo José da Cunha Matos, coronel Vice Inspe-
tor, ao ministro da Guerra, Thomaz Antônio de Villa Nova Portugal, Comunicando a recepção do
aviso de 2 do corrente sobre a autorização de recrutamento para aumentar a cia de artífices para
140 praças. Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1820. Mss. ANRJ. IG7 1.
225
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Arsenal para o ano de 1857. Diretoria do Arsenal de
Guerra, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1858. Mss.
ANRJ. IG7 4. Havia ainda 31 Artífices empregados na Sessão de Bombeiros. Estes eram isentos do
serviço de guardas, mas continuariam a trabalhar nas oficinas.
226
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro, Sebastião do Rego Barros, ao Diretor do Arsenal
de Guerra, Antônio João Rangel de Vasconcellos, informando do desligamento da Companhia de
Artífices do 1º Corpo de Artilharia de Posição e da criação de uma segunda companhia. Rio de Ja-
neiro, 5 de dezembro de 1838. Mss Arquivo Nacional.
227
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos negócios da Guerra apresentado à
Assembleia geral legislativa na sessão ordinária de 1839 pelo respectivo ministro e secretário de
Estado. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1839. p. 6.
228
BRASIL - Decreto nº 30, de 22 de fevereiro de 1839. Dando nova organização ao Exercito do Brasil.
229
BRASIL - Decreto nº 301, de 27 de maio de 1843. Aprova o novo plano da organização dos Corpos
do Exercito do Império do Brasil.

532
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Apontamos que a companhia de Mato Grosso é um bom exemplo da utilidade


dos soldados Artífices: considerando a dificuldade e custos de contratar artesãos para
trabalhar no Arsenal de Cuiabá, uma solução simples e usada em várias ocasiões foi
enviar soldados de Artífices do Rio de Janeiro para servirem na unidade do Mato Gros-
so.230

A força de Artífices não era vista como uma força de combate, havendo até certa
prevenção contra elas; no Decreto 782 de 1851, como já dito, se especificava que “nas
Companhias de Artífices não serão empregados os oficiais moços, ou com estudos
completos; exceto se por suas circunstâncias forem incapazes de serviço ativo”. 231 Ou
seja, as companhias, que eram parte da arma de artilharia, seriam um destino para ofici-
ais mais idosos, sem serem formados pela Escola Militar, isto é, “sem terem os estudos
completos” como consta o texto do decreto. Consideramos essa medida de grande – e
negativo – efeito na ideia da tropa e no funcionamento do AGC: certamente, oficiais de
maior idade dificultariam o emprego da Companhia em campanha.

Mais importante do que o uso em campanha, as unidades estavam adidas às ins-


talações fabris de maior importância do Exército, que poderiam ter se beneficiado de
oficiais com conhecimentos técnicos na área de manufatura; nos Arsenais, onde não
havia um “quadro técnico” com formação acadêmica. Este poderia ter sido suprido pe-
los sete oficiais das Companhias de Artífices, mas não era o objetivo da tropa. Na ver-
dade, pela documentação, os oficiais dos Artífices não tinham ingerência nenhuma no
funcionamento do Arsenal, apenas cuidavam da administração da unidade.

O uso das Companhias de Artífices como força de apoio em campanha foi su-
plementado em 1855 com a criação do Batalhão de Engenheiros. Este apresentava uma
formação semelhante a que o Conde de Lippe havia dado, noventa anos antes, aos regi-
mentos de artilharia: havia soldados com os ofícios de espingardeiro; coronheiro; selei-
ro; ferrador e artífice de fogo, todos ligados ao comando do Batalhão. Cada uma das
quatro companhias teria uma força de 24 soldados Artífices e 48 trabalhadores, além de
quatro “2º Sargentos mandadores”, que seriam mestres de obra, dois deles sendo traba-
lhadores de madeira, um de ferro e um mestre pedreiro. Os soldados-trabalhadores das

230
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro, Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcan-
ti de Albuquerque, ao diretor do Arsenal de Guerra, barão de Itapecuru Mirim, sobre o envio de ar-
tesãos para o Mato Grosso. Rio de Janeiro, 9 de julho de 1845. Mss. ANRJ. IG7 463.
231
BRASIL - Decreto nº 782, de 19 de abril de 1851. Aprova o Plano da organização do Exercito em
circunstâncias ordinárias.

533
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

companhias eram divididos na mesma proporção232. Mesmo com a criação do Batalhão


de Engenharia, os Artífices continuaram a fornecer pessoal para apoiar instalações mili-
tares e tropas em campanha. A ideia que os homens da Companhia executassem as fun-
ções dos operários comuns, além do serviço militar, de guarda do Arsenal (ver Figura
60).

De qualquer forma, o duplo papel, de operários e militares, criava problemas,


pois os Artífices se julgavam isentos de obedecerem às ordens dos mestres das oficinas
e não podiam se dedicar integralmente a seus ofícios, tendo que fazer atividades de sol-
dados. Como escreveu o diretor do AGC, a prática:

resulta que em vez de serem efetivamente úteis os Artífices Militares,


eles se tornam verdadeiramente perniciosos como Soldados, e péssi-
mos como Artistas, porque nas Oficinas nenhuma sujeição querem ter
aos mestres, e aos oficiais, pondo em dúvida a devida obediência ao
Diretor na persuasão de que só ao seu Comandante devem obedecer,
em qualquer serviço que deles se exija.233
Com o tempo se tentaram outras soluções, com outras unidades do Exército ou
mesmo da Guarda Nacional dando guarda no Arsenal, mas isso ia um pouco contra a
própria proposta dos Artífices, de haver operários com as habilidades de soldados. En-
tretanto, a formação técnica dos praças e seu treinamento, levaram a que uma das pri-
meiras tropas de bombeiros da cidade fosse formada com trinta membros da Companhia
de Artífices234 – uma função útil, mas que ainda assim era um desvio do seu papel de
operários militares. Apesar de todos esses problemas, há registros do uso de Artífices
nas funções para o qual a companhia foi originalmente criada, a de apoiar o Exército em
campanha.235

Afora essas particularidades, as informações coletadas apontam que os soldados


Artífices trabalhavam como operários comuns nas oficinas e devem ter tido um relativo
sucesso: em 1862, dos 400 operários autorizados na instalação depois da redução de
pessoal ordenada pelo marquês de Caxias, 100 (25%) eram soldados. 236 Em algumas

232
BRASIL – Decreto nº 1.535 de 23 de janeiro de 1855. Cria um Batalhão de Engenheiros.
233
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório de 1848, op. cit.
234
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Artífices do fogo. Da Cultura, ano VI, nº 11, p. 32 e segs.
235
Por exemplo, em 1858, quando se montou um corpo de exército para atacar o Paraguai, entre as tropas
enviadas do Rio de Janeiro havia um contingente de 40 artilheiros. Acompanhavam estes quatro artí-
fices: correeiro, ferreiro, carpinteiro e serralheiro. BRASIL – Ministério da Guerra. Relação a que se
refere o aviso desta data, dos artigos de guerra para as bocas de fogo ao mando do Capitão José
Thomas de Almeida Pereira Valente, que segue em comissão para Montevidéu. Rio de Janeiro, 16
de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 518.
236
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de 28 de fevereiro de 1862, op. cit..

534
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

instalações, como no Laboratório Pirotécnico do Campinho, as Companhias de Artífices


eram indispensáveis, pois o regulamento dessas previa que só os soldados especializa-
dos poderiam trabalhar naquela manufatura militar – o diretor chegou a pedir a criação
de uma companhia específica para lá, no que não foi atendido, 237 apesar dele também
defender a proposta no Parlamento, como em um discurso em que colocou, dando seus
motivos para a ideia:

Urge, senhores, que se realize esta antiga, porém boa ideia, e igual-
mente que se dê maior desenvolvimento às companhias de trabalhado-
res militares, ou de soldados artífices, das quais não se pode prescin-
dir, sobretudo em um país novo, onde nem sempre a indústria privada
está habilitada a fornecer artistas hábeis ao Estado.238
O problema é que, para a ideia funcionar era necessário vencer a grande dificul-
dade dos Artífices, que sempre foi a de conseguir soldados com habilitação profissional:
os operários qualificados podiam obter empregos melhor remunerados na inciativa pri-
vada,239 onde também não estariam sujeitos à rígida disciplina na tropa, que incluía cas-
tigos corporais. Nesse sentido, vale repetir que, na época, o serviço militar era univer-
salmente visto como uma forma de punição: em 1838, o diretor do Arsenal mandou
recrutar 55 operários civis, como medida disciplinar contra eles, tal como já dito aci-
ma.240

Assim, apesar de haver registros de pessoas que se apresentavam para servir vo-
luntariamente na Companhia e de haver reiteradas ordens ao Comando das Armas para
enviar ao Arsenal todos os recrutas com conhecimento de ofícios,241 completar os efeti-
vos não era simples, a ponto de serem recrutados para as companhias pessoal não ade-
quado. Pela listagem mostrada abaixo (ver Tabela 23), vários dos Artífices são de pro-
fissões não previstas nos regulamentos e que teriam pouca ou nenhuma utilidade para

237
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Relatório, do diretor, Francisco Carlos da Luz para
Mariano Carlos de Souza Correa, chefe de seção da 1a diretoria da Secretaria da Guerra, servindo
de Diretor Geral. Rio de Janeiro, 26 de outubro de 1863. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 261.
238
Câmara dos Deputados. Discurso proferido pelo deputado Carlos da Luz da sessão de 24 de agosto de
1861. O Argos da província de Santa Catarina. Ano V, Desterro, 5 de outubro de 1861, n. 801. p. 1.
239
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, Domingos de Souza Coelho Caldas, ao ministro da
Guerra, João Vieira de Carvalho, sobre falta de pessoal na companhia de artífices, 10 de maio de
1836. Mss. ANRJ. IG7 19.
240
BRASIL – Ministério da Guerra. Ofício de 18 de junho de 1838, op. cit.
241
Ver, entre outros: BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro da Guerra Manoel da Fonseca
Lima e Silva ao Sr. José de Vasconcelos Meneses de Drummond, diretor do Arsenal, comunicando
ter passado aviso ao Comandante das armas interino da Corte, a fim de mandar para a Companhia
de Artífices desse Arsenal os recrutas que tiverem ofícios (não sendo alfaiates ou sapateiros). Rio de
Janeiro, 11 de maio de 1836, Mss IG7 321.

535
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

um exército em campanha, como pintores, barraqueiros e o curioso empalhador,242 para


o qual não haveria utilidade em campanha e seu emprego, mesmo nas oficinas do Arse-
nal, seria bem reduzido. Consideramos relevante apontar que, apesar desses operários
em tese serem voltados para as necessidades do Exército, apenas doze deles, 10% do
total, se dedicavam à profissão mais necessária ao Exército, a de espingardeiros, o que
de certa forma mostra um fracasso em usar a tropa como uma forma de suprir as neces-
sidades especificamente militares.
Tropa Artesãos
Capitão - Artífices de fogo 4
1º Tenentes 2 Obra branca 24
2º Tenentes 3 Construção 23
1º Sargentos 2 Correeiros 15
2º Sargentos 3 Pedreiros 14
Furriéis 1 Espingardeiros 12
Cabos 11 Pintores 8
Tambores 3 Alfaiates 5
Tanoeiros 5
Ferreiros 4
Serralheiros 4
Barraqueiros 3
Funileiros 2
Empalhadores 1
Latoeiros 1
Sapateiros 1
Seleiros 1
TOTAIS 15 127
Tabela 23 – Mapa da força das Companhias de Artífices do AGC 1842. 243
A tabela mostra o “estado efetivo”, ou seja, o pessoal realmente disponível para o serviço. No caso, falta-
vam 58 homens para completar as duas companhias, inclusive os dois capitães comandantes. A coluna da
esquerda mostra o pessoal estritamente militar, sem funções de operários, a da direita os artesãos propri-
amente ditos, incluindo os quatro artífices do fogo, que tinham uma graduação semelhante à de 2º sargen-
to, sendo artesãos especializados na produção de artefatos pirotécnicos.
Na ausência de voluntários para servir nas Companhias de Artífices, a solução
para se recompletar o pessoal da tropa sendo a Companhia de Aprendizes Menores, so-
bre a qual trataremos mais adiante.

Em 1863, durante a questão Christie, todos os fortes do Rio de Janeiro tinham


pelo menos um soldado das companhias adido às suas guarnições244. Quando da campa-

242
Os dicionários da época mencionam a atividade de empalhar “forrar com capa de palha ou vimes teci-
dos algum vaso de vidro para não quebrar facilmente”. MORAIS SILVA, António de. Dicionário da
língua portuguesa. Lisboa: Lacerdina, 1789. vol. 1. p. 665. É possível que fosse um empalhador que
trabalhasse com móveis de palhinha ou mesmo um empalhador de animais. Nenhum das funções de
utilidade no Arsenal.
243
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos negócios da Guerra apresentado a
Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 5ª Legislatura, pelo respectivo ministro e secretário
d'Estado José‚ Clemente Pereira. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1843. João Eduardo Pereira
Collaço Amado. Coronel Diretor. Nº 8 Mapa da força das companhias de artífices do Arsenal de
Guerra do Corte 7 de janeiro de 1842.

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Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

nha do Uruguai (1864) e início da Guerra do Paraguai, os Artífices também atuavam em


apoio às forças em campanha – em janeiro de 1865, 55 deles estavam destacados no
Laboratório Pirotécnico do Campinho, dois estudavam na Escola Militar, dezesseis
exerciam funções administrativas e onze estavam destacados no Batalhão de Engenha-
ria. Mais importante, 31 deles estavam “em diligência no Rio Grande do Sul”, acompa-
nhando o Exército em Operações contra o Uruguai e Paraguai245.

Os Artífices destacados no Sul exerceram uma função além dos trabalhos de


apoio e de manutenção: o 1º Regimento de Artilharia a Cavalo já usava canhões raiados
La Hitte, de forma que seu equipamento antigo, os canhões obuses João Paulo, de alma
lisa, estava disponível e foi cedido ao Corpo de Exército do General Canabarro, que
defenderia o Rio Grande da invasão paraguaia. Entretanto, não havia artilheiros dispo-
níveis, de forma que as oito peças tiveram que ser manejadas pelos soldados da Guarda
Nacional e pelos Artífices do Rio de Janeiro, uma decisão lógica, já que possuíam trei-
namento – de artilharia de costa –, mas ainda assim um conhecimento bem maior do
que os soldados de cavalaria da Guarda Nacional246. Esses soldados formaram a linha de
fogo que se postou ante Uruguaiana, para atacar os Paraguaios cercados na cidade, o
que não foi necessário, pois eles se renderam.

A Guerra do Paraguai marcaria o fim das Companhias de Artífices. O conflito


veria a mobilização de todo o Exército: pela primeira e única vez na história do País, a
totalidade da força militar foi mobilizada e enviada para frente de combate, com a única
exceção do 1º Regimento de Cavalaria, que atuava como guarda do Imperador. Os Artí-
fices seriam necessários no conflito, mas isso não era evidente no início das hostilida-
des, de forma que as companhias foram extintas e seus soldados foram enviados para os
campos de batalha.

A extinção não era uma solução inevitável nem necessária ou apropriada. Duran-
te a guerra, no Paraguai, Argentina e Uruguai, foram criadas oficinas para produção de
munição, reparo de armamento e fabricação de equipamentos na linha de frente, como
Continuação–––––––––––
244
REFERENTE ao pessoal para defesa das Fortalezas e fortificações de Santa Cruz, São João, Laje, Pico
e Praia de Fora, Praia Vermelha, Caraguatá. s.l.n.d. [1863]. Mss Arquivo Nacional. Coleção Polido-
ro, Maço 10.
245
BRASIL – Arsenal de Guerra da Corte. Relação nominal das praças do corpo de Artífices da corte
com declaração dos ofícios de cada uma e dos destinos em que se acham. Major Antônio de Castro
Viana, Quartel do Arsenal de Guerra, 29 de janeiro de 1865. Mss Arquivo Nacional. Coleção Poli-
doro, Maço 7.
246
BORGES FORTES, Heitor. Velhos Regimentos: Ensaio sobre a evolução da artilharia de campanha
brasileira de 1831 a 1959. Rio de Janeiro, BIBLIEX, 1964. p. 33.

537
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

em Montevidéu e Corrientes.247 O exercício dessas funções de apoio no campo de bata-


lha era a razão para a qual os Artífices tinham sido criados e eram especificamente habi-
litados – na verdade, vários dos antigos Artífices exerceram esse tipo de trabalho nas
oficinas da linha de frente248. Mais ainda, no Exército francês, que havia criado as com-
pagnies d’ouvriers no século XVII, esse tipo de tropa não foi extinto, persistindo até o
século XX.

No entanto, no Brasil o fim das Companhias de Artífices foi irreversível. Em seu


lugar foi criada outra organização, as companhias de operários militares, mas esses eram
mais artesãos do que soldados, deveriam servir apenas nos Arsenais, sequer eram consi-
derados como fazendo parte dos quadros do Exército. A recriação de um serviço de ma-
terial bélico no País só ocorreu quando a evolução técnica dos exércitos tornou isso ine-
vitável, já o século XX. Assim, a experiência de um século, de 1765 a 1865, foi descar-
tada.

10.3.2 Aprendizes menores


Esta é outra faceta diferente do Arsenal, também única no que tange à formação
de operários no Império, devido à situação da instituição como órgão militar do serviço
público. A Companhia de Aprendizes Menores era exatamente o que o nome indica:
menores de idade que iam trabalhar no AGC para fazerem o aprendizado de um ofício,
estando inseridos em uma organização militar, uma companhia.

O início da prática de se usarem menores como aprendizes internos no AGC


começou em 1818, quando foi extinto o Seminário São Joaquim e o governo, no decreto
que incorporou o prédio ao patrimônio da Coroa, determinou que os alunos que não
estivessem suficientemente avançados nos seus estudos religiosos fossem enviados para
o Arsenal, ficando adidos ao mesmo. Lá receberiam meio soldo; alimentação e unifor-
mes, estudando um ofício até adquirirem habilidades técnicas, passando então a recebe-
rem o soldo por inteiro. 249 Este costume, de se receberem crianças como internos para

247
CARVALHO, José Carlos de. Noções de artilharia para instrução dos oficiais inferiores da arma no
exército em operações fora do Império pelo Dr. José Carlos de Carvalho, chefe da comissão de en-
genheiros do 1o Corpo do mesmo Exército. Montevidéu: Tipografia del Pueblo, 1866. p. 59.
248
Um estudo sobre um soldado da companhia de Artífices, inclusive na Campanha do Paraguai, pode ser
visto no artigo: CASTRO, Adler Homero Fonseca de. Aos esquecidos, uma reparação. Estudo sobre
um operário do Arsenal de Guerra na Guerra do Paraguai. Anais do Museu Histórico Nacional, vol.
42, 2010. pp. 47-72.
249
BRASIL – Decreto de 5 de janeiro de 1818. Manda incorporar aos próprios da Coroa o Seminário de
S. Joaquim e destina-o para aquartelamento das tropas.

538
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

aprender ofícios, continuaria até o final do século XIX, criando a militarização de um


sistema de ensino profissional, que existira no AGC paralelamente à dos aprendizes
civis.

Além da informação sobre os internos do Seminário de São Joaquim, o relatório


do ministério da Guerra de 1839 historia que a instituição foi oficialmente criada em 11
de dezembro de 1824.250 Entretanto, isso parece ser incorreto, pois em 1820 o vice-
inspetor do Arsenal, coronel Cunha Matos, informava que os menores adidos à Compa-
nhia de Artífices não deveriam receber treinamento militar junto com o resto da tropa
até terem a idade apropriada, dezesseis anos, 251 ou seja, a prática de se colocarem meno-
res para aprenderem no Arsenal e deles terem uma organização militar já estava conso-
lidada naquele ano.

A instituição desde o início tinha um aspecto social: já em 1825 encontramos um


documento determinando que dez expostos da Santa Casa passassem a ser adidos à
Companhia de Artífices, 252 o que mostra a intenção de dar apoio aos elementos menos
privilegiados da sociedade. Os expostos eram bebês ou crianças pequenas deixados
anonimamente nas Santas Casas de Misericórdia 253 para serem criados pela instituição,
já que seus pais não tinham condições para isso. As Santas Casas os enviavam para
amas de leite até os sete anos de idade, quando então procuravam um destino para os
menores. Podiam ser encaminhados para os colégios de religiosos, seminários diocesa-
nos, recolhimentos de meninas órfãs ou serem dados à famílias para serem criados.

Todas as soluções encontradas para cuidar das crianças quando atingiam a idade
de sair da Santa Casa eram problemáticas devido à falta de recursos financeiros gover-
namentais para sustentar os órfãos. Isso representava uma situação grave, considerando
que o número de crianças abandonadas era muito grande, mesmo com a elevada morta-
lidade existente na Casa dos Expostos. Há na documentação do Arsenal menções à me-

250
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos negócios da Guerra apresentado à
Assembleia geral legislativa na sessão ordinária de 1840 pelo respectivo ministro e secretário de
Estado, Conde da Lage. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1840. p. 8.
251
REINO UNIDO – Arsenal de Guerra. Prospecto para organização de uma companhia de artífices
para o Arsenal Real do Exército sendo composta de 140 praças, Raimundo José da Cunha Matos,
Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1820. Mss. ANRJ. IG7 1.
252
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação dos expostos que por ordem de sua Majestade Imperial assen-
taram praça de adidos na Companhia de Artífices. Coronel Francisco de Paula e Vasconcellos. Rio
de Janeiro, 22 de julho de 1825. Mss. ANRJ. IG7 2.
253
Cabe lembrar que a Santa Casa do Rio de Janeiro era um prédio vizinho ao Arsenal, ficando do outro
lado do Largo da Misericórdia.

539
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

nores com número de matrícula da Santa Casa na ordem de quinze mil, 254 indicativo que
a instituição de caridade recebia uma média de pelo menos 150 crianças por ano, desde
sua criação no século XVIII. Colocar alguns dos meninos nos Arsenais, a fim de apren-
der um ofício, atendia à postura de caridade da instituição e daria às crianças a expecta-
tiva de terem um futuro onde teriam condições de se sustentar e de se encaixar como
cidadãos úteis à sociedade.

Mesmo assim, em 1831, como medida de economia, na conjuntura do corte de


gastos da Regência, se mandou deixar de pagar os menores e encerrar a prática de adir
as crianças à Companhia de Artífices,255 mas a determinação, não sabemos por que, não
foi seguida. Pelo contrário, o que antes era uma prática informal do Arsenal foi regula-
mentada em 1832, com o decreto que reorganizou os arsenais.256 A previsão era até de
aumento das despesas, com a contratação de um pedagogo – um encarregado acadêmico
da instituição e professor –, pois o regulamento do Arsenal daquele ano previa que os
menores deveriam ser educados nas primeiras letras e em desenho, além de aprenderem
um ofício nas oficinas.

A questão da assistência social foi frisada e regulamentada: o decreto de 1832


deixa isso bem claro, ao dizer que só poderiam ser admitidos nos Aprendizes Menores
os expostos da Santa Casa da Misericórdia; órfãos indigentes e “filhos de pais nimia-
mente pobres”, o Arsenal fornecendo alojamento, alimentação, vestuário e outros mate-
riais, já que os menores ficavam em regime de internato, só podendo visitar suas famí-
lias aos domingos.

A previsão inicial era que seriam instruídos cem menores, a idade de admissão
dos alunos sendo de 8 a 12 anos, mas a escola de primeiras letras era aberta a todas as
pessoas que desejavam colocar seus filhos para estudar como externos. Nela eram mi-
nistradas aulas para “meninos nacionais e estrangeiros”,257 com as disciplinas de “pri-
meiras letras” (ler, escrever e contar), desenho e escultura, estas sendo aplicadas pela

254
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro Jerônimo Francisco Coelho ao brigadeiro diretor
do Arsenal de Guerra, Salvador José Maciel mandando admitir nas Companhias de Aprendizes seis
expostos. Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1844. Mss. ANRJ. IG7 403.
255
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro da Guerra, Manoel da Fonseca Lima e Silva de-
terminando a suspenção dos vencimentos dos Artífices Menores e os desliguem da Companhia de
Artífices. Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1831. Mss. ANRJ. IG7 44.
256
BRASIL - Decreto de 21 de fevereiro de 1832, op. cit.
257
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da administração do ministério da Guerra apresentado na
Augusta Câmara dos senhores deputados na Sessão de 1832. Rio de Janeiro: Tipografia Patriótica
D'Astrea, 1832. p. 11.

540
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

manhã, enquanto as atividades nas oficinas eram à tarde. Mais tarde, os menores foram
divididos em classes, com três turnos, certamente para diminuir o tamanho das tur-
mas. 258 Fazemos a ressalva repetindo que o desenho ensinado aos menores era o artísti-
co e não o técnico.

Os internos continuaram adidos à Companhia de Artífices, recebendo meio soldo


para custeio de alimentação, vestimenta e morada, tal como especificado desde 1818,
além de uma pequena gratificação de 50 réis por dia trabalhado nas oficinas. No Arsenal
se destinou uma sala a eles para servir de dormitório e os professores lecionavam gratui-
tamente.259 A previsão inicial de que só deveriam ser cem internos logo sendo excedida,
pois em 1834 já eram 114, segundo as fontes o número só não sendo maior por falta de
acomodações para recebê-los, o governo decidindo pela construção de um prédio para
receber duzentos menores260 – isso em plena crise financeira e de cortes de despesas do
ministério da Guerra. De fato, a lei do orçamento para 1837-1838 autorizou o aumento
dos menores do Rio de Janeiro para duzentos.

É evidente que a instituição tinha um custo elevado para o governo, pois era ne-
cessário providenciar alojamento – em 1833 foi iniciada a construção de um prédio só
para eles, acima citado, e havia outras despesas, ainda que inicialmente houvesse a pre-
visão de descontar as refeições e roupas de seu soldo e jornais por dia trabalhado por
eles como empregados nas oficinas, como era costume na época nas forças armadas.
Porém, o pagamento desses jornais não era comum a todos e, mesmo para os que traba-
lhavam, os valores que podiam ser descontados eram reduzidos, pois a capacidade pro-
dutiva das crianças, tanto em termos de habilidade técnica como de força física era mui-
to reduzida, de forma que a proposta do Arsenal, assistencialista, era realmente excepci-
onal.

Com as condições vantajosas para a época, havia uma procura de pessoas para
colocar seus dependentes nos Aprendizes Menores,261 entretanto, para o Arsenal, as

258
BRASIL – Arsenal de Guerra. Representação do Professor Substituto, Sr. Francisco Guedes de Araú-
jo Guimarães, ao 1o Ajudante, Lima e Silva, sobre ordem que recebeu de assumir as classes do pro-
fessor. Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 24.
259
id.
260
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição dos negócios da Guerra apresentado à
Assembleia geral legislativa na sessão ordinária de 1835 pelo respectivo ministro e secretário de
Estado, Barão do Itapicuru-Mirim. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1835. p. 9.
261
Ver, entre outros, BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro da Guerra, Sebastião do Rego
Barros, ao Diretor do Arsenal de Guerra, Antônio João Rangel de Vasconcellos sobre Requerimento
do Padre Manoel Gomes Santo, mandando examinar os quatro órfãos, filhos do Tenente de Artilha-
Continua –––––––

541
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

vantagens eram mais teóricas: se estava formando mão de obra para o trabalho em ofi-
cinas, só que não necessariamente nas manufaturas do governo ou para o serviço mili-
tar. Os alunos, ao atingirem a idade militar, poderiam ser recrutados, mas não havia uma
obrigatoriedade para isso: o regulamento dos menores, de 1837, apenas previa que, ao
atingirem 21 anos, o menor “poderá ser contratado como operário efetivo do Arsenal de
Guerra”.262 Além disso, as crianças que tivessem pais, parentes ou tutores podiam ser
removidas do Arsenal a qualquer momento, fazendo com que os dispêndios com sua
educação fossem perdidos para o governo.

De qualquer forma, a instituição dos menores depois de seu momento inicial te-
ve uma notável e rápida expansão: além dos duzentos no Rio de Janeiro, havia ainda
cinquenta Aprendizes no Rio Grande do Sul, em parte pagos pelo governo provincial;
cem na Bahia; cem em Pernambuco, outros cinquenta no Pará, também parcialmente
pagos pelo governo provincial; e mais cinquenta no Mato Grosso, totalizando 550
Aprendizes em 1840. 263

A importância que era dada aos menores também é visível em um caso específi-
co que ocorreu no Arsenal: o segundo alojamento feito para os menores não era adequa-
do em termos de condições de saúde, de forma que em 1843 eles foram transferidos
para uma área no anexo atrás da Casa do Trem, no atual Pátio dos Canhões, que na épo-
ca passou a ser conhecido como Pátio dos Menores. Essa medida foi tomada, mesmo
isso implicando que “o Arsenal ficasse privado de uma das suas melhores oficinas cons-
truída de novo [recentemente]”, como colocou o ministro em 1842. 264 Ou seja, se colo-
cou a saúde das crianças acima das necessidades da manufatura.

Apesar das grandes despesas e da procura das pessoas para colocar seus filhos
nos Aprendizes Menores, tendo em vista as oportunidades de emprego abertas aos for-
mados, podemos afirmar que poucos decidiriam seguir a árdua carreira militar. Isso ob-
viamente não era bom para o Exército, ainda mais considerando as grandes despesas da
instituição em um momento de corte de despesas. Na proposta de orçamento do Império

Continuação–––––––––––
ria Antônio Pereira Lopes quanto a sua capacidade física para os admitir entre os Aprendizes Me-
nores. Rio de Janeiro, 28 de julho de 1837. Mss. ANRJ. IG7323.
262
BRASIL – Decreto de 29 de dezembro de 1837. Regulando o modo da admissão dos aprendizes me-
nores nas oficinas do Arsenal de Guerra, e outras disposições a respeito.
263
Diário do Rio de Janeiro, ano XIX, nº 176, Rio de Janeiro, 10 de agosto de 1840. p. 1.
264
BRASIL – Ministério da Guerra. Proposta da Repartição dos Negócios da Guerra apresentada à
Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 5ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de
estado José Clemente Pereira. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1843. p. 11.

542
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

de 1839, de um total de cinco mil contos de réis previstos para o exército, se previa um
gasto de 332 contos com os Arsenais (6,6% do total) e 115 contos com os Artífices e
Aprendizes (2,3% dos gastos), enquanto a Escola Militar, o curso de formação de ofici-
ais do Exército, receberia apenas cinquenta contos (1% do orçamento). Os Artífices e
Aprendizes correspondiam ao terceiro maior gasto do orçamento do Exército, só per-
dendo para os gastos com pessoal e o dos próprios arsenais. 265

Uma solução para o governo seria obrigar os responsáveis pelos menores a pagar
pelos custos da educação e isso foi uma ideia adotada em 1842: o regulamento daquele
ano266 determinava que fossem contabilizados todos os gastos feitos com a educação
dos menores, os responsáveis por eles, fossem parentes ou o juiz de órfãos, tendo que
assinar um compromisso de que cumpririam o regulamento, que previa o reembolso das
despesas com a educação dos meninos. Caso essas despesas não fossem pagas, o menor
teria que servir nas Companhias de Artífices.

Pelo novo regulamento as crianças eram obrigados a frequentarem as aulas até


saberem ler, escrever e executar as quatro operações matemáticas – uma exigência im-
portante para o Exército, pois o analfabetismo era uma dificuldade permanente e somen-
te poderiam ser graduados como sargentos aqueles eu soubessem ler e escrever. Mais
tarde, o currículo foi ampliado: em 1849 ele incluía das aulas de primeiras letras e dese-
nho, além de outras, de escultura, música marcial e instrumental. Mas pela relação exis-
tente, a presença nessas aulas não era obrigatória a todos: naquele ano havia 200 Apren-
dizes estudando, mas apenas nove assistiam as aulas de desenho, quatro as de escultura
e quarenta as de música.267

Os menores naturalmente deveriam fazer o aprendizado nas oficinas. Assim que


atingissem um estágio de conhecimento que permitissem ser classificados como mance-
bos, passariam para a Companhia de Artífices como adidos, situação em que permane-
ceriam até atingir a idade de 18 anos, quando assentariam praça na tropa. Eram obriga-
dos então a servir nela por oito anos período em que uma parte de seus vencimentos era
descontada para pagar sua educação.268 Apesar dessas novas exigências, a instituição

265
Diário do Rio de Janeiro, ano XVIII, nº 193, Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1839. p. 1.
266
BRASIL – Decreto nº 113, de 03 de janeiro de 1842, op. cit. Artigo 4º.
267
BRASIL – Arsenal de Guerra. Designação das aulas e oficinas frequentadas pelos menores. Rio de
Janeiro, 31 de dezembro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
268
BRASIL – Ministério da Guerra. Regulamento nº 113 de 3 de janeiro de 1842, dando nova organiza-
ção às Companhias de Aprendizes Menores dos Arsenais de Guerra. Mss. ANRJ. IG7 330.

543
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

ainda era procurada por pais para colocar seus filhos, como consta de um relatório do
Arsenal, que dizia que a utilidade da companhia é “confirmada pelo concurso de preten-
dentes a admissão de seus filhos, e pupilos, que por falta de meios de educação se torna-
riam entes pesadas a sociedade”.269

Figura 61 – Desenho da Semana Ilustrada, sobre os menores da Correção.270


Durante o império surgiram várias instituições de ensino artesanal para crianças necessitadas, usualmente
com algum grau de militarização, usando uniformes e estrutura militar – no Rio de Janeiro existiram as
companhias de Aprendizes Menores dos dois Arsenais; a Escola de Aprendizes Marinheiros e a de
Aprendizes Artilheiros, do Exército. Outra das organizações criadas foi o Instituto de Menores Artesãos
da Casa de Correção da Corte, uma instituição penal para menores infratores ou órfãos, que lhes dava
ensino técnico. Ao contrário dos Aprendizes do Arsenal, existiu apenas entre 1860 e 1865, ano em que os
menores precisando de correção passaram a ser mandados para as companhias de Aprendizes Marinhei-
ros.271
Dever-se repetir e frisar que a educação e sustento dos menores custavam valo-
res bem elevados para a época, algumas das cadernetas de Aprendizes Menores, em
1866, chegavam a relacionar gastos de um conto e trezentos mil réis, o equivalente ao
soldo de um tenente por três anos. Isso criava uma dívida que deveria ser paga pelo
Aprendiz, em alguns casos em até doze anos, com o desconto de parte de seus venci-
mentos, quando passasse a compor o quadro de funcionários do Arsenal. 272 Deve-se
observar, contudo, que o sistema de cobrança dos gastos não era um inerentemente in-
justo ou impossível de cumprir: havia a possibilidade de o menor economizar com seu

269
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relatório do Estado do Arsenal de Guerra da Corte. José Maria da
Silva Bittencourt, Marechal de Campo e diretor. Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1851. Mss.
ANRJ. IG7 12.
270
Semana Ilustrada. Recorte, s.d.
271
Instituto de Menores Artesãos da Casa de Correção da Corte. https://goo.gl/ZNMeZ3 (acesso em abril
de 2017).
272
BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação das praças que pertenceram ao extinto Corpo de Artífices,
Virgílio Fogaça da Silva, Major comandante Geral das Companhias, Rio de Janeiro, 4 de dezembro
de 1866. Mss. ANRJ. IG7 350.

544
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

trabalho valores superiores à sua dívida, passando a ser credor do governo, apesar de só
termos encontrado dado sobre isso depois de nosso recorte.273

Os regulamentos de 1837 e 1842 definiam a rotina dos meninos:

Artigo 17. Os Aprendizes Menores deverão estar acordados ao romper


do dia: depois de lavados e vestidos entrarão em forma de revista; e
desta marcharão por esquadras para aulas, ou oficinas: terão meia hora
de descanso para almoçarem: jantarão a meia hora depois do meio dia,
e as duas regressarão para as aulas ou oficinas: depois da ceia se reco-
lherão aos dormitórios, onde serão entretidos uma hora na instrução da
doutrina e rezas cristãs. Darão graças a Deus ao levantarem, depois de
jantar, e da ceia. Ouvirão Missa todos os Domingos e Dias Santos, e
cumprirão anualmente com o preceito da desobriga quadragesimal. O
tempo que ficar livre aos menores de suas obrigações ordinárias será
empregado em recriações inocentes, exercícios ginásticos, e passeios
do Arsenal nos dias que não forem de trabalho. Em ocasiões oportunas
serão exercitados na natação.274
A norma de 1837 dava detalhes como seria o seu uniforme:

O uniforme dos Menores para os dias de trabalho será jaqueta de gan-


ga azul, ou de riscado escuro ou Brim, calças como a jaqueta ou de
brim escuro, camisa de brim ou de riscado, barrete ou Gorro de pano
azul e Sapatos de couro branco, e para os outros dias Jaqueta de pano
azul com botões amarelos, e gravata de couro, camisa branca, calça de
brim branco, ou de pano azul, e o mais dos dias de trabalho.275
A questão do uniforme, que lembra o militar, inclusive com a incômoda gravata
de couro, que obrigava a pessoa ter uma boa postura, impedindo de curvar a cabeça, é
importante. As crianças eram, até certo ponto, tratadas como se fossem militares, rece-
bendo treinamento básico e até tendo um armamento específico, apropriado à sua de-
senvoltura física, suas armas sendo fabricadas na fortaleza da Conceição.276

Dentro das oficinas, a formação técnica dos Aprendizes Menores não era muito
diferente da dos aprendizes externos, recebendo a instrução por parte dos mestres ou dos

273
Há uma relação de 1880, na qual cerca de 9% dos menores apresentavam pecúlios maiores do que suas
dívidas, em um caso, novecentos mil réis a mais, o equivalente a dez meses de soldo de um tenente
naquele ano. BRASIL – Arsenal de Guerra. Relação nominal dos operários militares. Lino José dos
Santos de Macedo Figueiredo, 1o Oficial. Rio de Janeiro, 11 de março de 1881. Mss. ANRJ. IG7
234.
274
BRASIL – Decreto nº 113, de 3 de janeiro de 1842. op. cit.
275
BRASIL – Arsenal de Guerra. Estatutos para o estabelecimento dos aprendizes menores do Arsenal
de Guerra na conformidade do artigo 6º do decreto de 29 de dezembro de 1837. Mss. ANRJ, Cole-
ção Polidoro, maço 7.
276
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do ministro, Manoel Francisco de Souza e Mello ao Diretor do
Arsenal de Guerra, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, autorizando mandar arranjar até cin-
quenta espingardinhas e o competente correame apropriados para Aprendizes Menores de 12 anos
de idade. Rio de Janeiro, 23 de julho de 1859. Mss. ANRJ, IG7 388.

545
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

oficiais mentores, operários que acompanhavam sua instrução, com todos os problemas
que isso gerava.

O aproveitamento na instrução primária e nas artes mecânicas, relativo


às aulas e às oficinas que frequentaram, não correspondeu aos meus
desejos e nem a solicitude com que me tenho ocupado neste ramo; e
não é possível conseguir-se melhor resultado sem que se opere com-
pleta mudança nos respectivos professores.277
Como já escrevemos mais acima, uma diferença com relação aos aprendizes ex-
ternos era que as crianças internadas tinham cadeiras acadêmicas, como colocado, mas
essas não eram de natureza técnica. Na verdade, o currículo deles chegou a ser amplia-
do, só que com matérias artísticas: em 1848 foram criadas cadeiras de música, dividida
em música marcial e instrumental, e outra de escultura.278 No mesmo ano, apesar de não
haver especificação para o cargo de professor de ginástica no regulamento de 1842,
existia um profissional dessa especialidade e a partir de 1849 ele passou a ter a obriga-
ção de adestrar as crianças no combate a incêndios, apesar deles não serem empregados
nessa atividade.279

Esse currículo não era considerado adequado por todos. Em 1844, o ministro da
Guerra fez uma proposta de transformar o curso dos menores em um regular, com a
duração de sete anos, com aulas de leitura, escrita, numeração, tabuada e desenho no
primeiro ano; aritmética e desenho no segundo ano; geometria no terceiro; mecânica
industrial no quarto; dinâmica (física) aplicada no quinto; desenho de maquinas no sex-
to e construção de modelos no último ano. 280 Era um projeto que, se fosse implantado,
permitiria a formação de quadros técnicos muito melhor capacitados que quaisquer ou-
tros existentes no período. Só que a proposta não foi aplicada. Apenas muito mais tarde,
em 1863, houve outra ampliação no currículo acadêmico, com a nomeação de outro
professor. Este foi encarregado de lecionar “geometria, mecânica, desenho linear e de-
senho de máquinas”, 281 um passo que poderia ser de fundamental importância para for-

277
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício de 28 de fevereiro de 1862, op. cit.
278
BRASIL – Arsenal de Guerra. Designação das aulas op. cit.
279
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Sousa e Melo, ao
Vice-Diretor do Arsenal de Guerra, abonar ao mestre de correeiros 30.000 réis visto ocupar-se
também no adestramento dos Artífices que trabalham nas máquinas de apagar incêndios. Rio de Ja-
neiro, 20 de abril de 1849. Mss. ANRJ. IG7 336.
280
BRASIL – Ministério da Guerra. Relatório da Repartição, 1845, op. cit. p. 17.
281
BRASIL – Ministério da Guerra. Aviso do Ministro da Guerra, Antônio Manoel de Melo, ao diretor
do Arsenal, José de Vitória Soares de Andréa, Manda admitir Joaquim José de Carvalho Siqueira
Varejão para lecionar geometria, mecânica, desenho linear e desenho de máquinas aos menores, fi-
cando o outro professor encarregado do desenho de arquitetura e ornados. Rio de Janeiro 25 de ju-
lho de 1863. Mss. ANRJ. IG7 357.

546
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

mação de uma mentalidade técnica no Arsenal, mas que veio muito tarde para ter efeitos
em nosso recorte.

Oficinas Aprendizes
Obra branca 16
Construção 15
Serralheiros 14
Ferreiros 12
Maquinistas 11
Coronheiros 10
Latoeiros 10
Funileiros 7
Correeiros 6
Tanoeiros 6
Pintores 5
Torneiros 5
Alfaiates 4
Matemáticos 4
Espingardeiros 3
Instrumentalistas 2
Gravadores 1
Total 131
Tabela 24 – Aprendizes menores empregados em oficinas em 1862. 282
Observamos que os Aprendizes estavam divididos de forma mais ou menos uniforme pelas oficinas, não
estando concentrados nas atividades críticas para o Exército, as de espingardeiros, coronheiros e, para o
Arsenal, maquinistas. De fato, o número de espingardeiros parece ser particularmente reduzido, conside-
rando que havia uma aula de primeiras letras na Fábrica de Armas da Conceição. Com relação ao pessoal,
em 1861 existiam 138 menores na Companhia e durante todo o ano entraram 48 crianças, tendo onze
tinham passado para a Companhia de Artífices. Das crianças, 160 estudavam as primeiras letras, 42 dese-
nho, 32 música e 86 faziam a aula de ginástica. O corpo docente dos Aprendizes era composto do Peda-
gogo e seu ajudante e dos professores de primeiras letras; substituto de primeiras letras; professor de
desenho; de ginástica e o de música. Havia ainda quatro guardas, um servente encarregado da cozinha,
um servente servindo de 1º enfermeiro, uma encarregada da lavagem de roupa, um Artífice servindo de 2º
enfermeiro e dois coadjuvantes de guarda. Eram dezessete empregados no total, ao custo anual de
11.863.400 réis.
Dar treinamento militar às crianças pobres se encaixava bem na política do
Exército, de procura de autossuficiência na fabricação de produtos para suas tropas, no
caso, através de formação de mão de obra. Entretanto, não se pode dizer que a institui-
ção alcançou plenamente seu objetivo, já que muitos dos menores não tinham vocação
para o trabalho em oficinas e não seguiam a carreira artesanal. Mesmo assim, as autori-
dades a consideravam válida: em nosso período de estudo, o número de menores inter-
nados foi aumentado de cem para duzentos e, mais tarde, chegariam a 300. Além disso,

282
BRASIL – Arsenal de Guerra. Mapa demonstrativo da companhia de Aprendizes menores do Arsenal
de Guerra da Corte, com as alterações ocorridas do 1o de Janeiro a 31 de dezembro de 1861. Peda-
gogo Felisberto Silveira Borges. Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 21.

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Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

foram criadas Companhias de Aprendizes Menores nos arsenais das províncias, a insti-
tuição só sendo extinta em 1899.

10.4 Breves considerações sobre o quadro de pessoal.


O Arsenal de Guerra da Corte, sendo uma instalação militar, teve suas particula-
ridades, a mais notável a presença de operários e Aprendizes militarizados. No entanto,
a estrutura de seu funcionamento não diferia muito de outras manufaturas pré-
industriais do período, especialmente no Brasil, sem o uso de divisão de trabalho e com
o emprego de mão de obra escrava. Assim, algumas características do uso da mão de
obra do Brasil do período podem ser comentadas a partir da situação no Arsenal.

Primeiro, e o que consideramos mais importante, não acontecia um problema


que era apontado pelos cronistas como um dos problemas do Brasil no início do século
XIX, a falta de operários, o país tendo que depender de trabalhadores estrangeiros ou
escravos para tudo. É verdade que o Arsenal – e todas as manufaturas do Governo –
tinham como uma das suas prioridades a formação de pessoal livre, através do aprendi-
zado, a ponto disso às vezes atrapalhar o próprio funcionamento de suas manufaturas,
como no caso dos Aprendizes Menores. Entretanto, mesmo considerando o grande nú-
mero de artesãos na manufatura, às vezes excedendo um milhar, não encontramos na
documentação indícios sobre uma grande e impossível dificuldade em contratar traba-
lhadores. O problema recorrente era apenas com relação à algumas profissões, que ti-
nham um mercado de trabalho mais restrito e específico da necessidades militares, es-
pecificamente espingardeiros e coronheiros. Em 1858, o presidente da Associação Cen-
tral de Colonização, o Barão de Muritiba, ofereceu-se para trazer colonos europeus para
servirem como Artesãos. A reposta do diretor foi clara:

o Arsenal atualmente não tem necessidade de operários para os seus


trabalhos por ser suficiente o número de que dispõe, e que este núme-
ro é em sua quase totalidade composto de artistas nacionais de condi-
ção livre, havendo apenas seis escravos de particulares, três dos quais
são oficiais de pedreiros e os três restantes serventes da mesma ofici-
na.283
Mesmo as unidades de Artífices e Aprendizes Menores não foram criadas por
causa de uma falta específica de pessoal. Destinavam-se, em parte, a formar mão de
obra para as necessidades específicas do Exército, que precisava de artesãos para acom-
panhar suas forças em campanha e para trabalhar em organizações onde a presença de

283
BRASIL – Arsenal de Guerra. Ofício do diretor, 26 de novembro de 1858, op. cit.

548
Capítulo 10 – Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

civis não era vista como aceitável, como os Laboratórios Pirotécnicos. No entanto, pela
leitura dos regulamentos e documentos, é evidente que a principal função dos Aprendi-
zes Menores era assistencialista e não uma meramente de exploração de mão de obra de
menores de idade.

Em segundo lugar, os escravos trabalhando na instituição nunca foram a maioria,


ao contrário do que postula a historiografia tradicional. Igualmente deve-se frisar que os
numerosos cativos não eram apenas empregados como mão de obra não especializada.
Podiam ter um papel ativo e importante nas oficinas. Isso prova a incorreção da visão
estereotipada sobre a incapacidade técnica dos trabalhadores cativos em uma sociedade
que, em teoria, seria “hostil à formação de trabalhadores qualificados para tarefas com-
plexas e de alta precisão”,284 como escreveu Gorender.

Sobre a elite dos trabalhadores, em termos da montagem de nosso argumento,


devemos frisar o papel da mestrança e, particularmente, do construtor dentro do AGC.
Basicamente toda a parte técnica da manufatura era executada pelos mestres das ofici-
nas e esses não tinham uma formação acadêmica, dependendo dos conhecimentos práti-
cos para tomar as decisões que eram vitais para o funcionamento da instalação, o que
evidentemente resultava em uma forte limitação ao avanço das técnicas fabris da insti-
tuição.

As limitações do pessoal são particularmente evidentes no caso dos quadros


mais importantes de trabalhadores, os construtores: tanto Onofre como Melo e Oliveira
eram autodidatas, que partiram de suas formações como artesãos para chegar ao topo da
carreira que era aberta a um trabalhador manual no Império. Não eram, contudo, enge-
nheiros, estando em uma situação de transição entre estes e os trabalhadores manuais
mais qualificados. Mais importante, seus conhecimentos eram os adquiridos na prática,
o que criava um problema básico: como poderiam desenvolver técnicas manufatureiras
sobre as quais não tinham conhecimento direto, pela experiência?

Duas soluções para o impasse seriam possíveis: a experimentação, como tinham


feito Blanc, na França e Hall, nos Estados Unidos, ou o ensino teórico, um caminho
para habilitar um profissional capaz de superar as deficiências do aprendizado prático.
Ambas medidas que dependiam de uma vontade do alto comando do Exército, que não
é perceptível em momento algum. Nesse sentido, a Marinha, ao enviar o seu construtor,

284
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Ática, 1988. p. 482.

549
Capítulo 10 - Mão-de-obra em uma manufatura inserida numa sociedade escravista

Napoleão Level (ver capítulo 6), para estudar na Europa, tomou um passo conceitual-
mente muito importante para a formação do quadro técnico de seu principal manufatura
– algo que não aconteceu no Exército, que ficou preso a práticas mais arcaicas do seu
quadro de artesãos.

550
Capítulo 11 – Conclusão – uma tentativa malograda de incentivo manufatureiro

Sumário

11 Conclusão – uma tentativa falhada de incentivo manufatureiro

551
Capítulo 11 - Conclusão – uma tentativa falhada de incentivo manufatureiro

11 Conclusão – uma tentativa malograda de incentivo manufatureiro

Quando iniciamos essa pesquisa, partimos de uma série de pontos específicos, a


começar pelo fato de que havia uma divergência entre um ponto observável em estudos
sobre cultura material feitos no Museu Histórico Nacional com relação aos modelos
existentes sobre economia nacional na primeira metade do século XIX: a que não have-
ria manufaturas no Brasil. Isso evidentemente não era verdade, tendo em vista centenas
de objetos feitos no País que existiam nas reservas técnicas de museus. Isso, junto com a
história do próprio prédio do MHN, que era o local do antigo Trem e, depois do Arsenal
do Rio de Janeiro, levou-nos a pensar qual seria o papel das forças armadas na questão
do desenvolvimento da capacidade industrial de seus países.

Esse papel, apesar de não ser um assunto muito estudado em nossa historiogra-
fia, parecia ser de indubitável importância, tendo em vista a crescente importância das
forças armadas nas sociedades ocidentais e considerando o imenso crescimento das
mesmas no período moderno, no processo conhecido como Revolução Militar. Essa é
uma questão relevante para nós, pois Portugal não seguiu o mesmo processo de outras
potências europeias, o que afetou a história do Brasil na primeira metade do século
XIX: a formação de um exército verdadeiramente nacional no País foi um processo len-
to, iniciado relativamente tarde e que sofreu vários percalços, com efeitos marcantes
sobre como seriam organizadas as forças armadas.

Apesar do estudo da formação dos exércitos e da criação da burocracia associada


a eles poder parecer estranha ao estudo de uma manufatura e de assuntos econômicos, a
vemos como central à nossa ideia: no Brasil se trata a história militar com certo despre-
zo, por ser um aspecto associado à história tradicional, política. No entanto, isso ignora
os imensos efeitos que a guerra – ou a preparação para ela – teve sobre todos os aspec-
tos da sociedade nacional até a segunda metade do século XIX.

Em termos do crescimento do governo em função do imenso aumento das neces-


sidades militares, iniciado pela Revolução Militar no século XVI, o resultado foi a uma
atividade que exigia todo um complicado sistema de suprimentos para poder ser atendi-
do. Isso por que no período moderno, ao contrário do que tinha acontecido por toda a
Idade Média e em quase todos os países da Antiguidade, o governo passou a ser respon-
sável pela distribuição de equipamentos para suas tropas, algo que antes era feito pelos
próprios soldados ou pelos empreiteiros mercenários contratados para fazer a guerra.

552
Capítulo 11 – Conclusão – uma tentativa malograda de incentivo manufatureiro

Por motivos táticos e ideológicos diversos, esses equipamentos idealmente seriam pa-
dronizados, tal como simbolizado pelas fardas militares que, de forma significativa, são
chamadas de uniformes, um termo que pode significar tanto um traje semelhante quanto
uma coisa que tem um padrão igual.

As exigências de padronização dos equipamentos se associam ao tamanho dos


exércitos permanentes e diferentes tipos de milícias. Este é outro ponto central na mon-
tagem de nosso argumento, pois sem que houvesse uma demanda muito grande e cons-
tante por produtos específicos para abastecimento das forças armadas, não se entenderia
a própria existência de nosso problema básico, que é a formação de um mercado con-
sumidor – específico, é bem verdade – com necessidades muito grandes de materiais e
serviços. Esta demanda levou à criação de uma complexa e extensa rede de manufaturas
voltadas para atender esse “mercado consumidor”, como os Arsenais de Marinha, Trens
e fábricas, como as de Pólvora e a de Ferro.

Em termos do nosso argumento, as fábricas mencionadas acima, especialmente a


de ferro, mostram uma característica específica do Brasil, que é compartilhada pelas
grandes potências, mas não por todos os outros países, especialmente pelas potências de
segunda ou terceira ordem: aqui havia a intenção de se obter a autossuficiência no abas-
tecimento militar. Isso seria algo complicado para um país que era uma colônia até o
início do século XIX e com as características básicas do Brasil, com um imenso territó-
rio, sem uma unidade política ou administrativa comparável à de outros países, mesmo
após a Independência: um exército verdadeiramente nacional só começa a se delinear
após o final do grande impacto que Regência (1831-1840) causou nas forças armadas.
Além da questão de mudança de política econômica, os problemas de formação de um
exército nacional foram exacerbados pelas constantes rebeliões, conflitos externos e
ameaças de guerra, que terão uma imensa influência na formação da rede de manufatu-
ras do Exército, ainda mais considerando questões estruturais do Brasil.

Nessa conjuntura de conflitos e dos problemas de organização política, não deve


ser surpreendente as dificuldades, o ir e vir, de uma política industrial por parte do go-
verno e das forças armadas. De fato, há um início onde os governo português e o de D.
Pedro I tiveram uma clara ideia de fazer um incentivo direto, através de ações específi-
cas e subsídios às manufaturas, algumas próprias do governo, como foram os casos das
Fábricas de Espingardas de São Paulo, a de Pólvora da Lagoa e a de Ferro de Ipanema.

553
Capítulo 11 - Conclusão – uma tentativa falhada de incentivo manufatureiro

Tais inciativas, contudo, praticamente acabaram com a Regência, o caso mais visível
sendo o fim do monopólio de fabricação de pólvora.

Mesmo assim, o papel do governo no incentivo industrial não se encerrou com a


mudança política, pelo contrário. No caso das manufaturas do governo, mesmo com a
radical redução nas forças armadas, a alocação de recursos para os Arsenais e, especi-
almente, o Arsenal de Guerra da Corte, não diminuiu na mesma proporção.

Aqui vale a pena apontar outro ponto central para a presente tese: a visão sobre a
questão econômica do País na primeira metade do século XIX, que nos leva diretamente
ao ponto inicial de nossa proposta de estudo. Esta seria uma comparação direta entre os
modelos explicativos da economia nacional na primeira metade do século XIX, de como
a historiografia tradicional construía uma visão teórica do passado. Isso visando expli-
car como a sociedade contemporânea – especialmente a de meados do século XX – fun-
cionava.

É verdade que os modelos são construções teóricas, nunca são idênticos à reali-
dade observável, mas deveriam servir para, em linhas gerais, dar a entender como fun-
cionava aquilo que representam. Entretanto, praticamente todos os modelos – e certa-
mente os mais antigos e já consolidados como clássicos – partiam de uma série de pon-
tos que não são apoiados pela análise da situação das forças armadas no Brasil.

O ponto mais importante, para nós, em todos os modelos, é que não se construiu
uma visão empírica de como seria a economia do País na primeira metade do século
XIX. Os historiadores da economia, ainda muito influenciados por uma visão voltada
para conjunturas econômicas, basicamente não tratam do período, este sendo considera-
do como uma continuação da economia colonial. Isso, em suas colocações, por a in-
fluência do período do ouro ter se encerrado, mas ainda não tinha se consolidado a do
café. Nesse sentido, a visão de Caio Prado Júnior, que a situação desse período seria um
“hiato” na evolução histórica é, para todos os efeitos, unânime. Só que a pesquisa das
manufaturas ligadas às forças armadas – direta ou indiretamente – aponta que havia um
processo de mudança, ou pelo menos um forte interesse nesse campo, já perceptível na
década de 1840.

A industrialização tentada então pode não ter se consolidado como é apontado


na historiografia, mas é claro que se iniciava um processo de transição de uma econo-
mia pré-industrial para outra mais elaborada. Nos modelos tradicionais isso é despreza-

554
Capítulo 11 – Conclusão – uma tentativa malograda de incentivo manufatureiro

do ou considerado como irrelevante, apesar destas mudanças não poderem ser associa-
das apenas às causadas pela economia cafeeira, por mais importante que essa pudesse
ser. Nesse sentido, a comparação entre o funcionamento do Arsenal e das manufaturas
militares com os modelos tradicionais, especialmente os escritos em meados do século
XX, permite ampliar uma reflexão sobre a adequação desses para explicar a situação do
Brasil na primeira metade do século XIX.

Ainda sobre o tema dos modelos, consideramos necessário apontar a questão das
elites governantes, que majoritariamente são vistas como ligados aos interesses da agri-
cultura de exportação, sem preocupações com o desenvolvimento industrial do País.
Isso pode ser verdadeiro em termos gerais, mas certamente não se aplica quando vemos
o esforço em criar uma infraestrutura de apoio ao funcionamento das forças armadas,
como pode ser visto ao longo de todo o texto desta tese: o governo fez um grande esfor-
ço para criar ou apoiar indústrias de abastecimento, sendo importante notar que se o
objetivo dos ministérios da Guerra e da Marinha era apoiar o esforço militar, algumas
dessas empresas, como a Fábrica de Pólvora e especialmente a de Ferro, serviriam tam-
bém para atender necessidades do mercado civil. O mesmo pode ser dito com relação a
um apoio indireto a indústrias, como o feito à Fundição da Ponta de Areia e as fábricas
de tecido e de sapatos, algo que não se enquadra na visão tradicional, de um governo
voltado inteiramente para os interesses da elite agrária.

Outro ponto de comparação que não pode ser esquecido com relação aos mode-
los é associado à existência de um mercado consumidor interno, algo negado nos estu-
dos padrão. Nestes, a sociedade seria dividida em dois campos: senhores, que viveriam
basicamente de produtos importados e de bens produzidos na economia de subsistência,
enquanto o resto da sociedade seria composta de escravos, estes “incapazes” e “iner-
mes” ou por “agregados”, que não consumiriam nada, a não ser um mínimo para sua
subsistência. As manufaturas do governo conseguem demonstrar, além da existência de
um mercado de fornecimento de produtos manufaturados, que havia no país um grupo
numeroso de trabalhadores manuais, estes com rendimentos suficientemente altos para
poder se enquadrar como uma forma de classe média.

Ainda sobre o universo do trabalho, as manufaturas do governo, especialmente a


Fábrica de Ferro de Ipanema, aonde escravos chegavam ao topo da escala de trabalho,
mas também em menor grau as outras, como o Arsenal de Guerra da Corte, desmentem
uma visão preconceituosa e estereotipada sobre a incapacidade do trabalhador escravo

555
Capítulo 11 - Conclusão – uma tentativa falhada de incentivo manufatureiro

em atingir uma elevada proficiência técnica, isso mesmo considerando as grandes bar-
reiras que tinham que superar para isso.

A questão da proficiência técnica dos escravos pode ser estendida para negar ou-
tro ponto corrente da historiografia tradicional, a qual seria que o progresso técnico esta-
ria excluído das sociedades escravistas. Apesar de serem empreendimentos pré-
industriais, é visível a existência de um elevado grau de avanço técnico em várias manu-
faturas do País, como as fundições de Miers & Maylor; a da Ponta da Areia; o Arsenal
de Marinha; o Laboratório Pirotécnico do Campinho e a Fábrica de Armas da Concei-
ção, essas duas últimas ligadas em maior ou menor grau ao Arsenal de Guerra. Todas,
se não eram propriamente fábricas, no sentido moderno, encontravam-se muito próximo
disso, no limiar da transformação para um sistema de produção mais moderno.

Com esses pontos cremos que fica claro que um dos nossos objetivos, que seria
discutir a adequação dos modelos econômicos tradicionais à situação das manufaturas
do governo fica atendido. Para nós, independente do resultado final, ter sido o que foi
descrito nos modelos, ou seja, o fato do Brasil não ter se industrializado, a explicação
disso não pode ser encontrada em uma relação causal simples, de uma economia depen-
dente, baseada no trabalho escravo, que cerceava o desenvolvimento técnico. Havia
fatores que permitiriam superar esses pontos, no entanto não foram suficientes para cau-
sar uma mudança real. Não se pode colocar a explicação desse impedimento simples-
mente na existência de uma sociedade agrária escravista, pois esta organização social e
econômica não teria se alterado de forma estrutural até a abolição, como bem lembrado
por Ciro Flamarion, na sua obra: “as concepções acerca do ‘Sistema Econômico Mundi-
al’ e do ‘Antigo Sistema Colonial’”. Isso apesar da mudança na situação econômica já
ter começado na década de 1870, antes daquele evento.

Em termos de uma comparação direta que também nos propúnhamos a fazer


existe a questão da análise das manufaturas militares na França e no Brasil, que seria a
nossa proposta de estudo inicial. Cremos que a leitura desta tese deixa claro que uma
simples e direta comparação seria problemática, já que a situação dos dois países era
extremamente diferente: o tamanho das forças armadas era muito diverso, os tipos de
problemas e a situação conjuntural de ambos não eram similares, isso além de haver
uma falta de sincronia.

No entanto, esse é um ponto em que a metodologia da história comparada con-


segue tratar – no nosso caso, é aparente que vários motivadores, a questão de mentali-

556
Capítulo 11 – Conclusão – uma tentativa malograda de incentivo manufatureiro

dade, ligam e relacionam a situação do Brasil com a da França. Isso a começar por todo
o processo de formação dos estados nacionais, tal como visto pelo víeis da procura da
obtenção do monopólio da violência. Do nosso ponto de vista, contudo, alguns pontos
são mais relevantes, a começar pela questão da cultura da guerra: a França, por ser a
maior potência militar do século XVIII, se tornou um modelo a ser adotado por outros
países. A emulação de práticas francesas ia desde pontos centrais, como a tática, o ensi-
no militar, usos e costumes, chegando até pontos muito secundários, como uniformes.
No caso de Portugal e do Brasil isso fica evidente, entre outros pontos, pela proposta de
organização da Fábrica de Armas do Porto e pela adoção – parcial – de conceitos e pro-
cedimentos, como os dos Ouvriers, copiados nos Artífices militares dos arsenais e ma-
nufaturas do Brasil até 1865. No entanto, a emulação de práticas francesas não foi se-
guida até um extremo que poderia realmente influenciar o desenvolvimento industrial
no Brasil.

De início, podemos dizer que, tanto na França como no Brasil, havia uma inten-
ção das lideranças das forças armadas em criar métodos industriais, visando a facilitar a
produção de artigos bélicos. Para isso, na França, um grupo de oficiais, representando a
arma de Artilharia, sob a direção de Gribeauval, fez um intensivo processo de desenvol-
vimento dos procedimentos técnicos visando racionalizar a produção de bens militares,
como o desenho técnico, geometria descritiva e geometria analítica. Mais importante foi
a concepção que os armamentos – canhões e carretas de artilharia – deveriam ser padro-
nizados, por causa das vantagens que isso traria para as operações militares. Um concei-
to que não era revolucionário para a época, mas que, até aquele momento, não tinha sido
tentado em nenhum outro país do mundo. Nesse sentido, se entende perfeitamente os
subsídios dados aos esforços do francês Honoré Blanc para criar métodos de produção
de peças intercambiáveis, a extensão lógica do processo de padronização de equipamen-
tos.

A questão, contudo, não pode ser vista tanto pelas ações específicas, como as
com relação a Blanc, mas sim pela mentalidade, de qual era o papel da corporação, a
Artilharia, de incentivar o desenvolvimento técnico do sistema de suprimento do Exér-
cito, algo que foi de extrema importância, mas não foi continuado após a Revolução
Francesa, por causa de questões conjunturais.

No entanto, a forma de ver, de que o governo, ou pelo menos um setor dele, de-
veria arcar com custos de “pesquisa e desenvolvimento” marcou uma ruptura na forma

557
Capítulo 11 - Conclusão – uma tentativa falhada de incentivo manufatureiro

de agir dos exércitos até então, que viam a questão tecnológica como uma a ser relegada
a setores “inferiores”, os trabalhadores ou mesmo, dentro do exército, as “armas intelec-
tuais”, as que não tinham o mesmo status das “armas combatentes”. Assim, o fato do
próprio inspetor da artilharia, Gribeauval, ter demonstrado interesse no desenvolvimen-
to técnico e de ter conseguido o apoio governamental para a aplicação de suas políticas
foi uma mudança sobre toda uma forma de se ver o mundo.

Nesse sentido, o procedimento da marinha inglesa, com a Fábrica de Moitões de


Portsmouth e, mais relevante, o Ordnance Department, dos Estados Unidos, são exten-
sões dessa visão, de que seria necessário ao governo investir no desenvolvimento de
técnicas fabris tendo em vista resolver problemas logísticos de suas forças. Não eram
atividades feitas pensando no curto prazo: Gribeauval introduziu seu sistema de canhões
em 1765 e Blanc começou a trabalhar no desenvolvimento de técnicas de peças inter-
cambiáveis após 1776. No entanto, as experiências francesas continuavam nos primeiros
anos do século XIX, marcando um esforço, no final, infrutífero, de décadas.

O caso norte-americano mostra uma perseverança ainda maior. O contrato inicial


do governo estadunidense com Eli Whitney foi assinado em 1798, no entanto, a produ-
ção de armas usando os métodos modernos de fabricação, o que ele se propunha a fazer,
só se consolidou quarenta anos depois, com a espingarda modelo 1841. Isso mostra um
esforço concentrado, prolongado e consistente, não de uma pessoa, mas de corporações
que estabeleceram práticas procurando vencer obstáculos momentâneos para alcançar
seus objetivos de longo prazo, não apenas em termos militares, mas com a intenção de
promover o avanço técnico de toda a sociedade.

O caso do Brasil provê um contraste marcante: como colocado, o governo –


mais especificamente, os ministros da Guerra – tinham interesse em desenvolver méto-
dos aperfeiçoados de produção e podia, pelo menos, seguir o exemplo francês como um
modelo de conduta, como de fato seguiram em diversos momentos, tais como na orga-
nização do exército ou no ensino militar. No entanto, as iniciativas que encontramos no
campo manufatureiro são momentâneas, oriundas da ação de alguns ministros ou, pior,
de indivíduos de hierarquia menor. Assim, se vê a grande dependência que o governo
tinha com relação a personagens, como Napion ou Varnhagen – algo que criava dificul-
dades, quando o governo apostava em pessoas não capacitadas ou mesmo que agiam de
má fé, como exemplificado por Hedberg em Ipanema, ou Wackneldt, este último no
Campinho, Conceição e na tentativa de implantação de fábricas em Mato Grosso. O que

558
Capítulo 11 – Conclusão – uma tentativa malograda de incentivo manufatureiro

não se nota é uma política consistente e regular de procura de desenvolvimento técnico


por parte da corporação militar. Parte do problema é que não se tentou criar no Brasil
uma organização dedicada ao trabalho nas manufaturas militares, como o Ordnance
Department norte-americano.

Além de no Brasil não haver um departamento dedicado ao campo da logística, a


situação era agravada por uma incompreensão da importância da atividade, tanto é que,
além de se designar um número muito reduzido de oficiais para trabalharem nas suas
manufaturas, não se nota uma preocupação com a qualidade e formação desses. Pelo
contrário, o que se observa é a presença de pessoal claramente incapaz: idosos, sem re-
cursos intelectuais ou vadios, como colocava a própria direção do AGC. Isso ao contrá-
rio do que fez a Marinha, com o envio de oficiais e técnicos capazes para serem forma-
dos na Europa. Chegou-se a haver até a recomendação legal que os oficiais que coman-
davam as unidades de Artífices não tivessem uma formação acadêmica ou fossem esco-
lhidos entre os mais capazes. Para piorar o quadro, não havia uma política de longo pra-
zo, os ministros da guerra se alternavam com frequência, havendo alguns muito capazes
e reformadores, mas estes se alternavam com outros, que desfaziam o que tinha sido
feito antes, na procura de resultados imediatos. Face a essas condições, um programa de
longo prazo, como o feito por Blanc ou pelo Ordnance Department seria inimaginável
no Brasil.

Outro elemento que se opõe ao que aconteceu na França foi que não havia uma
preocupação com a formação técnica do pessoal não militar. Praticamente tudo ficava a
cargo dos mestres das oficinas e esses eram artesãos, com problemas básicos de uma
formação totalmente voltada para aspectos práticos, sem um conhecimento teórico mai-
or, que permitisse se vencer uma inércia contrária ao desenvolvimento técnico. Esse é
um aspecto importante, pois se observa em praticamente todas as manufaturas do go-
verno um grande interesse na formação de pessoal, só que isso foi feito através de mé-
todos tradicionais. O aprendizado, sem um ensino teórico de aspectos científicos, como
o desenho técnico, não era o meio mais propício para se superar os problemas de inércia
e resistência no campo técnico. Um claro exemplo disso sendo a experiência iniciada
por Otto Mehring na mecanização da Fábrica de Armas da Conceição, feita de forma
incompleta, já que o artesão, apesar de ser capaz, não teve condições de superar suas
falhas de conhecimento profissional.

559
Capítulo 11 - Conclusão – uma tentativa falhada de incentivo manufatureiro

Consideramos relevante apontar que os problemas acima são oriundos do campo


das mentalidades: inicialmente não havia uma diferença marcante, tanto em termos tec-
nológicos como de formação de mão de obra entre o Brasil e outros países. O trabalho
escravo, que os modelos explicativos apontam como uma das razões para o não desen-
volvimento do País, não pode ser considerado como o principal entrave a industrializa-
ção, pois os cativos que trabalhavam no Arsenal e em outras manufaturas do governo
mostraram ter plena capacidade de exercer funções técnicas, como já frisamos ao tratar
dos modelos. Além disso, no caso do Arsenal de Guerra, o uso de cativos deixou de ser
um elemento de maior relevância a partir de 1849.

Uma diferença marcante entre as práticas francesas e norte-americanas foi a fa-


lha em adotar medidas relativamente simples no Brasil, como a divisão do trabalho ou
uma cultura que substituísse o emprego intensivo de mão de obra por máquinas. Em
termos militares, uma dificuldade das mais importantes, foi a ausência de uma ordenan-
ça, um sistema de regularização dos equipamentos e armamentos, que permitisse que as
manufaturas militares se dedicassem a produção desses artefatos de maneira regular,
controlada e repetitiva. A implantação de todas essas medidas de racionalização da pro-
dução não estava acima da capacidade local e já eram processos consolidados e bem
conhecidos no mundo ocidental desde o século XVIII – faltou decisão, vontade ou co-
nhecimento para adotar esses procedimentos.

De fato, um dos argumentos que é usado nos modelos tradicionais de história do


Brasil é que não havia mão de obra capaz de trabalhos complexos no Brasil. Mas isso é
algo que o texto da presente tese deve ter deixado claro que é uma falácia. Mais interes-
sante, cremos, é uma comparação com um mito muito difundido nos Estados Unidos, de
que lá também haveria uma falta de pessoal capaz de executar serviços mais complexos.
Segundo a bibliografia que trata do tema, a solução encontrada lá tendo sido a aplicação
da “engenhosidade”. Assim, nos Estados Unidos, o caminho escolhido foi a substituição
dos artesãos altamente capacitados pelo uso de máquinas, usando os métodos, técnicas e
máquinas desenvolvidos nos Arsenais, em uma política que foi uma das bases do de-
senvolvimento industrial daquele país.

No Brasil, face a essa mesma visão, sobre a necessidade de se conseguir artesãos


qualificados para trabalhar nas oficinas, a ideia foi a de criar uma base de pessoal habili-
tado para o exército através do aprendizado. Para isso, dava-se ênfase à formação dos
“oficiais completos”, aqueles capazes de executar manualmente, as tarefas mais com-

560
Capítulo 11 – Conclusão – uma tentativa malograda de incentivo manufatureiro

plexas. Dessa forma, essa seria uma solução que, mesmo que atingisse seu objetivo,
levaria à manutenção das estruturas existentes e não a uma evolução das mesmas em
direção à fábrica moderna.

Em termos de nossa proposta, de mostrar o papel do Exército nas iniciativas de


industrialização no período de 1808 a 1864, esperamos que o texto que escrevemos te-
nha deixado claro que, apesar de não ter havido um processo que resultasse na industria-
lização do País, isso não era um resultado inevitável. Havia alternativas possíveis, al-
gumas delas muito simples, mas que não foram tomadas ou foram iniciadas muito tarde
para terem efeitos práticos na situação das próprias manufaturas militares, isso sem falar
na economia nacional como um todo. Este seria o caso da Fábrica de Armas da Concei-
ção ou do Laboratório Pirotécnico do Campinho, que já se aproximam bem de um mo-
delo moderno de fábrica nos primeiros anos da década de 1860, no final do nosso recor-
te temporal.

No entanto, a Guerra do Paraguai teria um efeito desorganizador nas forças ar-


madas que não pode ser ignorado – basta dizer que todo – e frisamos que foi todo – o
exército foi enviado para as linhas de frente. Assim, algumas iniciativas, mesmo anti-
gas, como as companhias de Artífices dos Arsenais, foram extintas. Nessa conjuntura,
seria impossível a execução de experiências complexas para que o Exército pudesse
modernizar seus processos logísticos. O que funcionava foi mantido, mas novas opera-
ções não foram iniciadas, tendo que se recorrer pesadamente à importação de bens e
produtos. Algo que, diga-se de passagem, reflete em parte a situação da França no perí-
odo após a Revolução Francesa, quando a guerra contra as coalisões levou ao fim dos
experimentos visando à adoção de armas com peças intercambiáveis.

Somente com o fim da Guerra do Paraguai, em 1870, se voltou a pensar em ter-


mos de desenvolvimento das manufaturas do governo, mas aí o País já estava, por si,
iniciando seu processo de industrialização, de forma que as chances que o Exército teria
tido, de influenciar a história econômica do País tal como ocorrera nos Estados Unidos
no início do século XX, passou.

Esperamos que tenha ficado claro que o resultado – ou a falta dele – com relação
a políticas de desenvolvimento econômico baseadas na ação do Exército tenha sido ori-
ginário de opções políticas conscientes das lideranças militares. Estas escolheram, ainda
que inconscientemente, seguir um caminho privilegiando estruturas manufatureiras tra-

561
Capítulo 11 - Conclusão – uma tentativa falhada de incentivo manufatureiro

dicionais, sem possibilidades de bons resultados, ao contrário do que tinham feito outros
países, especialmente os Estados Unidos.

562
Glossário

12 Glossário:
12.1 A-E
12.2 F-J
12.3 K-P
12.4 R-Z

563
Glossário

12 Glossário:
12.1 Nota sobre as fontes
Este glossário foi baseado em uma série de fontes, como as elaboradas pelo pró-
prio autor para a elaboração do livro Thesaurus de acervos museológicos,1 ou para o
sítio da internet ArmasBrasil.2 As outras fontes mais importantes usadas foram o Dicio-
nário técnico militar de terra,3 um dos únicos dicionários especializados em assuntos
militares publicado em português, importante por sua proximidade cronológica com os
assuntos abordados nessa tese, o Dicionário militar brasileiro,4 elaborado por uma co-
missão do Exército, mas que não chegou a ser difundido. Para elaboração de conceitos
militares que eram oriundos da França, usamos o Dictionnaire militaire, 5 de 1898.

Como estamos tratando de uma manufatura, foi necessária a consulta a obras que
trabalhem com esse ramo, especialmente com termos que não são mais correntes. Para
isso nos valemos de dicionários antigos, como os de Bluteau,6 Morais Silva 7 e Pinto.8

Observamos que os verbetes não são citações diretas das fontes – foram adapta-
dos pelo autor para se adequar aos conceitos que foram trabalhados ao longo do texto.
Isso foi particularmente necessário nos dicionários mais modernos, como o da BIBLI-
EX, pois alguns dos termos usados no século XIX tem um significado bem diferente do
corrente.

1
FERREZ, Helena Dodd e BIANCHINI, Maria Helena S. Thesaurus para acervos museológicos. Rio de
Janeiro: Fundação Nacional Pró-Memória. Coordenadoria de Acervos Museológicos, 1987. 2v. (Sé-
rie técnica).
2
CASTRO, Adler Homero Fonseca de. ArmasBrasil. Rio de Janeiro, 2003. http://www.armasbrasil.com/
(acesso em dezembro de 2015).
3
ALBUQUERQUE, Caetano M. de F. e. Dicionário Técnico militar de terra. Lisboa: Anuário Commer-
cial, 1905.
4
BIBLIEX – BIBLIOTECA DO EXÉRCITO. Dicionário militar brasileiro. Rio de Janeiro: Bibliex,
2005.
5
DICTIONNAIRE militaire; Encyclopédie des sciences militaires. Paris: Librarie Militarie Berger-
Levraut, 1898.
6
BLUTEAU, Rafael. Vocabulário português e latino, áulico, anatômico, arquitetônico, bélico, botânico,
brasílico, cômico, critico, químico, dogmático, dialético, dendrológico, eclesiástico, etimológico,
econômico, florífero, forense, frutífero... autorizado com exemplos dos melhores escritores portu-
gueses, e latinos. Coimbra: Colégio das Artes da Companhia de Jesus, 1728. - 10 vol.
7
MORAIS SILVA, António de. Dicionário da língua portuguesa. Lisboa: Lacerdina, 1789.
8
PINTO, Luiz Maria da Silva. Dicionário da Língua Brasileira. Rio de Janeiro: Tipografia de Silva,
1832.

564
Glossário

12.2 A-E
Abegoaria: em estabelecimento agrícola, lugar onde se guarda o gado e onde se guardam e fabricam ins-
trumentos agrícolas.
Aboletar: Alojar ou aquartelar tropa em casa de particulares por requisição (boleto) da autoridade.
Abridor: operário que abre cunhos e faz gravações em metais.
Aço de mola: aço com grande resistência, alto limite de elasticidade e resistência a fadiga de metais.
Açucena: receptáculo ou soquete que recebe o penacho a ser colocado na barretina ou outro tipo de cha-
péu de uso militar.
Adarme: unidade de peso arcaica, equivalente a 1,8 gramas. Em armamento antigo, o calibre da arma
medido pelo peso em adarmes do projétil esférico de chumbo disparado.
Adarmeira: ferramenta usada para medir o diâmetro de um cano de arma ou de um projétil de arma portá-
til.
Africano livre: pessoa apreendida em navio executando o tráfico de escravos após a proibição do mesmo,
em 1831. O tema foi regulado por lei de 19 de novembro de 1835, devendo os africanos serem dis-
tribuídos para particulares ou instituições públicas, trabalhando forçosamente por quatorze anos, de-
vendo serem libertos depois disso.
Agulha: vários tipos de estilete usados em bocas de fogo, para romper o cartucho, permitindo o disparo e
para limpar o ouvido da boca de fogo.
Ajustador: operário especializado que ajusta peças, adaptando-as para a montagem de um conjunto maior.
Alabarda: combinação entre machado e a lança, consistindo de uma haste longa, terminada em ponta,
tendo esta uma lâmina e gancho perpendiculares.
Alfageme: fabricante, polidor ou vendedor de armas brancas. O mesmo que espadeiro.
Alfaiate: o que corta e costura vestidos de homem e mulher.
Alma oblonga: tipo de arma em que a alma era mais larga do que alta,
Alma: vazio interior, cilíndrico, liso ou raiado das armas de fogo, destinado a receber a carga, resistir aos
gases produzidos pela combustão da pólvora e dirigir o projétil.
Alqueire: unidades de área e de volume portuguesas, arcaicas, cujo valor variava de região para região. O
alqueire de volume correspondia a 36,37 litros no sistema métrico e era usado para a medição de
alimentos secos, como grãos.
Alto forno: estrutura em forma de chaminé que permite a redução do minério de ferro em ferro metálico e
sua fusão.
Anadel: comandante (capitão) de besteiros. O anadel mor era o comandante geral da força.
Antecarga: arma carregada pela boca.
Aparelhador: no Arsenal de Guerra, membro da mestrança que orienta os trabalhos dos artesãos, sob a
direção do mestre e do contramestre.
Aparelho de navio: conjunto de cabos, roldanas e velas de um navio.
Aprendiz menor: no Arsenal de Guerra, membro de uma das Companhias de Aprendizes Menores, orga-
nização militarizada, formada por menores de idade de 12 a 18 anos, que aprendiam um ofício na
instituição, recebendo também treinamento militar.
Aprendiz: o que aprende. Operário principiante, aprendendo seu ofício, normalmente menor de idade. Nas
corporações de ofício, era um trabalhador não remunerado.
Arcabuz: arma de fogo, espécie de espingarda, o equivalente do fuzil moderno.
Arcabuzeiro: soldado de infantaria armado com arcabuz.
Areeiro: pequeno recipiente com furos, usado para colocar areia sobre um documento, de forma a secar a
tinta com que se está escrevendo.
Armão: carro dianteiro (avantrém) ao qual é engatado o reparo da peça de campanha. O mesmo que viatu-
ra-munição ou qualquer viatura do parque de artilharia hipomóvel.
Arranchado: regime administrativo em que o militar é alimentado por conta do Estado, quando aquartela-
do ou em campanha.
Artífice do fogo: praça especializado na manufatura de artefatos pirotécnicos. Originalmente teria a gra-
duação de 2º sargento, mas isso deixou de ser a prática no Império.

565
Glossário

Artífice: homem ou mulher que sabe e professa alguma arte mecânica. Soldado das Companhias de Artí-
fices, tropa do exército formada por soldados com habilitação para exercer ofícios mecânicos.
Artífice de fogo: soldado especializado na fabricação de artefatos pirotécnicos.
Árvore de campainha: mistura de estandarte e instrumento musical, composto por uma haste com um
toldo circular, tendo vários guizos presos a ela.
Assentar Praça: fazer o registro (assento) como praça. O mesmo que ingressar em uma das forças arma-
das.
Atarracador: o que atarraca [apertar muito com corda ou cunha]. Atarracar a ferradura: aparelha-la, fa-
zendo-lhe as bordas, bicos, e o que é necessário para se aplicar ao pé do animal.
Atiradores: “em atiradores” - formação tática onde os soldados se postavam dispersos adiante das linhas
de batalha, para inquietar com seus fogos as formações inimigas.
Auxiliares: tipo de tropa miliciana, criada em Portugal em 1640 e que no Brasil se generalizou em 1766.
Também era conhecida como 2ª Linha. Ao contrário das ordenanças, o fornecimento de armamento
para esses homens, bem como o treinamento das tropas devia ser feito pelo governo central.
Avante: parte dianteira de uma embarcação.
Aviamento: material complementar à ação de costura de roupas, como linhas e botões.
Baioneta de alvado: arma branca com uma presilha em forma de tubo, o alvado, que se encaixava sobre o
cano da arma de fogo, permitindo o disparo, carregamento e o uso da mesma em combate de choque.
Bala rasa: projétil de ferro sólido, esférico, disparado de canhões lisos. Durante algum tempo também se
conheceram alguns projéteis sólidos de artilharia raiada como balas rasas.
Baluarte: obra defensiva, elemento de um forte. Tinha a forma quadrada, sendo composta de faces com
canhões atirando contra a campanha e flancos, defendendo o fosso e a cortina da posição. A abertura
interna entre dois flancos chama-se gola.
Banco de prova: instituição em que se testavam canos de armas para verificar se atendiam aos requisitos
mínimos de segurança, as peças aprovadas recebendo uma marca específica de acordo com a cidade
e país.
Bandeireiro: alfaiate especializado na feitura de bandeiras, pendões, pavilhões e assemelhados.
Banqueiro: também soto-mestre, era o ajudante do mestre de açúcar na produção de açúcar em um enge-
nho.
Barbeiro: homem que faz as barbas e as rapa, corta ou apara. Na colônia, exerciam algumas funções de
médico, executando alguns procedimentos cirúrgicos – estes eram chamados de “barbeiros de lance-
ta” ou sangradores.
Barraqueiro: alfaiate especializado na manufatura de barracas.
Barretina: cobertura de cabeça de grande altura, com pala e penacho, feita de couro ou pele, usada por
militares.
Barrote: viga de madeira onde são pregadas as tábuas dos assoalhos ou dos tetos
Batalhão: No Exército brasileiro, unidade básica das Armas e Serviços, exceto da Cavalaria e Artilharia,
de organização pré-estabelecida, cujo efetivo varia, conforme a sua natureza operacional, de 400 a
900 homens, divididos em Companhias.
Bateria: conjunto de bocas de fogo em posição para o tiro ou instaladas em uma posição fortificada. Su-
bunidade de artilharia, orgânica do batalhão ou grupo, unidade de tiro da artilharia de campanha.
Lugar ou linha onde estão em posição as bocas-de-fogo para o tiro.
Bergantim: navio veleiro de pequeno porte e dois mastros, para navegação de cabotagem, podendo ser
movido a remos na ausência de ventos.
Besta: arma de arremesso, composta de um arco preso transversalmente a uma coronha e que disparava
pelouros (balins) ou virotes (setas).
Besteiro do conto: soldado armado de besta que cada cidade, vila ou lugar devia ter, para compor o exér-
cito real de Portugal.
Bigota: peça de madeira circular, com um cavado no entorno e com três furos a atravessando, usada para
retesar cabos em um navio.
Bomba: no século XIX, artefato explosivo esférico, com argolas para facilitar o carregamento e explodin-
do com uma espoleta de tempo.
Boné: cobertura de cabeça de baixa altura, com ou sem pala; o mesmo que quepe.

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Glossário

Brigue: navio com dois mastros, usando velas redondas.


Brocar: furar com broca. Ermo usado em armaria ao invés de perfurar.
Caçador: soldado de infantaria ligeira, treinado para operar em ordem dispersa.
Caçoleta: receptáculo dos antigos fechos de arma de pederneira e de rodete, onde era colocada a pólvora
de escorva. Esta, ao ser deflagrada, comunicava o fogo à carga de projeção na câmara, através do
ouvido.
Cadinho: vaso utilizado para fundir matérias ou para reações químicas a temperatura muito elevada
Caixeiro da cidade: empregado de um engenho que recebia o açúcar já embalado, gerenciando a venda,
armazenagem ou despacho do produto nos portos, mantendo a contabilidade das transações.
Caixeiro do engenho: responsável pela etapa final de fabricação do açúcar, fazendo a seleção do produto
nas suas variantes (mascavado, batido, puro) e embalando-o em caixas, além de fazer a contabilidade
da produção.
Calafate: artesão que veda juntas em peças de madeira, tornando vasos e cascos de navios impermeáveis.
Calandra: Máquina de desempenar ou curvar chapas de metal.
Calar: no sentido de calado de uma embarcação. Profundidade de um navio abaixo da linha d’água.
Calda: de caldear, soldar. Caldear o ferro: por o ferro em brasa e batendo as duas peças talvez se caldeia.
Caldear o ferro: temperá-lo.
Caldeireiro: o que faz caldeiras, tachos, e vasos de cobre, que vão ao fogo.
Calibre: atualmente, é o diâmetro externo de um projétil ou interior do cano de uma arma. Em artilharia,
até o século XX, era a dimensão do tubo interno de um canhão, medido pelo peso do projétil esférico
sólido de ferro fundido, medido em libras. Nas armas portáteis, era o peso do projétil esférico de
chumbo, medido em adarmes, unidade arcaica de peso equivalente a 1,8 gramas.
Cangalha: suporte acolchoado colocado no dorso de animais para o transporte de cargas.
Canteiro: artífice que lavra pedras de cantaria.
Cão: peça do mecanismo das armas leves que, em armas de pederneira, segura a pedra de sílex, permitin-
do sua percussão contra o fuzil ou rodete, causando faíscas que incendeiam a escorvo, disparando a
arma. Em armas de fulminante, é a peça de mesmo formato que bate contra o elemento de fulminato,
detonando-o e iniciando o disparo. Nas armas modernas, é a peça que impacta no percussor ou mes-
mo diretamente no estojo, provocando o disparo.
Capelão Militar: sacerdote convocado para o serviço militar, a fim de dar assistência religiosa à unidades
ou organizações militares.
Cápsula de fulminante: peça de cobre ou vidro, em formato de copo, contendo no seu interior uma peque-
na quantidade de fulminato de mercúrio e que era colocada sobre o pistão para disparar uma arma de
fogo. O mesmo que espoleta.
Carabina: fuzil curto, raiado, de uso de tropas de caçadores. Fuzil curto e leve, de repetição ou automáti-
co, usado como arma para defesa pessoal. A partir da segunda metade do século XX, se usa o termo
ao invés de clavina.
Carga: ataque impetuoso à arma branca (carga de baioneta; carga de cavalaria).
Carpinteiro de machado: artífice que trabalha a madeira de forma grosseira, usando um machado.
Carpinteiro de obra branca: carpinteiro de obras acabadas, mas de menos complexidade que as que um
marceneiro.
Carpinteiro: artífice que trabalha em madeiras de construção civil ou náutica. E esses últimos são chama-
dos “da ribeira”.
Carreira: em marinha, lugar em que se coloca uma embarcação durante seu período de construção, ou
para a realização de reparos. Rampa pela qual desliza uma embarcação para ser lançada ao mar.
Cartaz: era uma licença dada pelos portugueses para os navios, europeus ou asiáticos, que comerciavam
no oceano Índico, servindo de salvo conduto e como forma de tributo.
Casa do Trem: local onde ficavam armazenadas as armas e petrechos das forças de terra.
Casa forte: construção, em geral de madeira, que permitia que pequenos grupos em situações de isola-
mento se defendam. Normalmente tinha dois pavimentos, com acesso externo apenas pelo segundo
andar. O térreo, sem aberturas maiores, era alcançado por uma escada interna.
Cavalaria ligeira: tropa montada empregando material e cavalos leves. Dotada de maior mobilidade, sen-
do destinada particularmente às ações de exploração e de segurança.

567
Glossário

Cavalaria pesada: tropa montada com organização e armamento pesados, inclusive armadura e o cavalo,
que atuava na batalha principalmente pela ação de choque.
Cavaleiro fidalgo: pessoa que foi agraciada com um título de cavaleiro pelo rei, por serviços prestados à
monarquia ou ao país. Era uma honra dada aos capitães do exército e 1º tenentes da Armada.
Cavouqueiro: trabalhador não especializado, que faz escavações.
Chalupa: pequeno barco a vela para navegação de cabotagem, com apenas um mastro.
Chapa da barretina: peça metálica, de latão, ouro ou prata, com desenhos ou números, que era colocada na
frente da barretina.
Charrua: navio de transporte com três mastros.
Chilfarote: o mesmo que terçado.
Chuço: arma de haste aguçada, com menos de três metros, usada como lança, dardo ou pique para o ho-
mem a pé.
Cidadela: fortaleza que domina uma cidade. Por extensão, centro de resistência, ponto forte.
Clavina: arma de fogo longa, com comprimento próximo ou inferior a um metro, normalmente tendo com
um gancho ou argola no lado esquerdo, para prendê-la na bandoleira do cavaleiro. Usada por homens
a cavalo, normalmente não tem baioneta. O termo clavina, no século XX, foi substituído por mos-
quetão ou carabina.
Coluna: conjunto de forças sob um comando, atuando independente em uma direção tática; divisão de
uma força maior. Força com grande autonomia operacional e logística, de organização variável,
constituída para cumprir determinada missão. Dispositivo de força em que seus elementos se escalo-
nam em profundidade, em sucessão. Nas formaturas de tropa, cada uma das filas de homens coloca-
dos uns atrás dos outros, a distâncias regulares, normalmente de um braço estendido na horizontal.
Companhia: hoje em dia fração de orgânica de batalhão; genericamente, subunidade (incorporada ou
independente). Até o século XVIII, era a unidade padrão das forças militares, sob o comando de um
capitão, seu efetivo variando, de acordo com a época e circunstâncias, de 20 a 250 homens.
Construção: no Arsenal de Guerra, oficina especializada na construção de reparos (carretas) de artilharia.
Construtor: no Arsenal de Guerra, artesão responsável que faz reparos (carretas) de artilharia. No Arsenal
de Marinha, era o encarregado da construção dos navios.
Conteira: parte posterior do reparo de bocas de fogo que se apoia no chão.
Conteirar: mover a conteira lateralmente, dando pontaria à boca de fogo.
Contra banqueiro: ajudante do banqueiro nas suas atividades no engenho.
Contramestre: operário qualificado, subordinado diretamente ao mestre. No Arsenal de Guerra, o encarre-
gado dos trabalhos em uma oficina, na ausência ou falta de um mestre.
Cordoaria: oficina de fabricação de cordas.
Cordoeiro: trabalhador que faz cordas.
Coronheiro: o que faz coronhas de espingarda ou quem as conserta.
Correame: peças de couro do equipamento do soldado, como talabartes e cintos.
Correeiro: artífice que faz obras de couro, correias, loros etc.
Corsário: navio de propriedade privada que recebe autorização, a carta de corso, de uma potência para
atacar navios mercantes de uma potência hostil, em tempo de guerra. Por extensão, tripulante de tais
embarcações.
Cortina: trecho de muralha de fortificação entre dois baluartes ou duas torres.
Corveta: navio a vela de três mastros, com um convés de canhões aberto.
Costureiro: artífice que sabe coser roupa branca ou vive de a fazer em almofada. Ao contrário dos alfaia-
tes, não corta os tecidos. Nos dicionários de época, usualmente aparece apenas costureira.
Couro da Rússia: couro fino, flexível, de grande impermeabilidade à água, com odor característico de
alcatrão de bétula.
Culatra: A parte de trás do cano de qualquer arma de fogo, a parte traseira de um canhão. Em um arma de
fogo portátil, uma peça que era colocado no final do cano, fechando-o.
Cunhete: Embalagem de madeira que acondiciona munições ou explosivos.
Cuteleiro: artífice que faz facas e tesouras.

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Glossário

Dedeira: pequena luva de couro usada apenas no polegar para tapar o ouvido de uma boca de fogo en-
quanto esta era carregada, para impedir o disparo acidental da carga.
Desarranchado: situação do militar não arranchado, ou seja, que não vive no quartel, podendo, eventual-
mente, receber em dinheiro o valor da alimentação (etapa).
Desdobrar: cortar um tronco de árvore em pranchas e tábuas.
Desenhador: o mesmo que desenhista.
Desobriga quadragesimal: preceito religioso em que os fiéis católicos fazem jejum durante quarenta dias
antes da Semana Santa.
Dispositivo: arranjo e disposição relativa dos elementos de uma força militar no terreno dando-lhes uma
configuração operativa de forma a permitir a execução de uma ação ou operação. Desdobramento;
desenvolvimento. Disposição e colocação dos homens numa formação de combate ou formatura mi-
litar.
Divisão: unidade que enquadra batalhões, regimentos ou brigadas. No Exército Brasileiro, é chamada de
“divisão-de-exército”. Originalmente era a menor força capaz de travar uma batalha com todos os
meios, dispondo de forças de infantaria, cavalaria e artilharia.
Dourador: artífice que assenta ouro por ornato em madeiras, pedras, metais, lenços, sedas etc.
Dragões: incialmente, infantaria que usava cavalos de menor qualidade, para se deslocar mais rapidamen-
te, combatendo a pé. Com o tempo, passou a ser um tipo de cavalaria, equipado também com armas
de fogo, além de suas espadas.
Empreitada: tarefa ou trabalho contratado, com pagamento combinado antecipadamente e só efetuado ao
final. No Arsenal de Guerra da Corte referia-se ao pagamento dos trabalhadores, quando era feito por
peça e não por salário fixo.
Engra: ângulo, quina.
Entalhe: obra de escultura em madeira. Corte feito em uma peça de madeira para servir de encaixa para
outra.
Entalhador: artífice de obra de talha, que representa em madeira laçarias, flores, folhagens, brutescos etc.
de meio de relevo.
Enxó: ferramenta de carpintaria para desbastar madeira, tendo a lâmina colocada com o cume colocado de
forma transversal ao eixo do cabo da peça.
Escantilhão: instrumento com medidas usadas em diversos tipos de trabalhos.
Escopeta: arma de fogo curta, o mesmo que carabina.
Escorva: porção de pólvora ou polvorim que se colocava na caçoleta da arma de pederneira para comuni-
car o fogo à carga de projeção no interior da câmara. Artefato (cartucho fino) que se introduzia no
ouvido da boca de fogo para comunicar a chama à carga de projeção. Quantidade de pólvora ou de
outro explosivo que se usa para transmitir a detonação à carga explosiva principal. Mistura de mate-
riais muito sensíveis ao impacto ou percussão que, iniciada, sofre rápida combustão, transmitindo a
detonação à carga principal.
Escravo da nação: escravo que pertencia ao governo.
Esmeril: material abrasivo ferruginoso e duro usado para desbaste de metais.
Esmerilhar: polir ou desbastar metais usando uma pedra de esmeril ou rebolo.
Espadeiro: o que faz espadas.
Espeque: espécie de alavanca usada para mover a boca de fogo ou alavancar o tubo, permitindo a sua
pontaria, tanto em elevação como em conteira.
Espingardeiro: o que faz espingardas ou quem as conserta.
Espírito de corpo: consciência do valor coletivo que se manifesta entre os integrantes de um determinado
agrupamento militar, como orgulho de pertencer à unidade e que os liga à própria organização, com-
pelindo-os à união, solidariedade e ação coletiva.
Espoleta de tempo: até a primeira metade do século XIX, tubo de madeira cheio de composição incendiá-
ria (misto) de queima lenta e regular que era usada em bombas e granadas. O tempo de queima podia
ser encurtado reduzindo-se o comprimento do misto.
Espoleta: artifício pirotécnico por meio do qual se opera a explosão da carga dos canhões e projéteis ocos.
Em armas portáteis, pequena cápsula, de cobre ou vidro que detona a carga.
Espontão: lança curta (com menos de 2,5 metros), com cruzeta, reminiscente do pique. Era usado pelos
sargentos e oficiais como insígnia de posto e arma de defesa até meados do século XIX.

569
Glossário

Esquadra: frações de tropa que compõe uma companhia, sob o comando de um cabo.
Estativa: aparelho usado como suporte para uma arma. Normalmente o termo é associado ao suporte de
apoio e orientação no lançamento de foguetes de guerra ou de comunicação.
Estereotomia: estudo das formas das pedras, visando verificar as possibilidades de corte e entalhe pela
geometria da peça.
Estufa: casa, câmara, ou armário serrado com fogareiro dentro, para lhe comunicar calor ou a roda dela.
Etapa: ração diária de alimentação a que faz jus o militar arranchado. Valor da ração diária (pecuniário).
Valor pago à praça desarranchada para indenização da sua alimentação.
Exposto: o mesmo que exposto da Santa Casa ou da Misericórdia. Criança entregue de forma anônima, à
Santa Casa de Misericórdia para ser criada até os oito anos.

12.3 F-J.
Falca: cada uma das duas peças do reparo onde se encaixam os munhões de uma boca de fogo.
Falquejar: dar forma a uma peça de madeira usando uma enxó ou machado.
Fardeta: uniforme de serviço interno do soldado, composta de uma jaqueta e calça.
Fecho: mecanismo de disparo das antigas armas de fogo de antecarga que, acionado pelo gatilho, dava
fogo à escorva, que por sua vez o comunica à carga de projeção, fazendo o disparo; fecharia.
Feitor: funcionário que dirige e acompanha o serviço dos escravos em uma plantação ou manufatura. No
Arsenal, também chamado de “olheiro”.
Ferrador: artesão que tem por ofício colocar ferraduras em animais de cavalgadura ou tração
Ferreiro de forja: ferreiro que trabalha com o ferro a quente, usando o conjunto de instrumentos formado
basicamente pela forja, fole e bigorna.
Ferreiro de lima: ferreiro de acabamento de metais ferrosos a frio, usando a lima.
Ferreiro: mecânico que faz obras de ferro.
Fiel: escriturário que controlava a movimentação do material nos armazéns, subordinado ao almoxarife.
Fila: formação em que os homens ou cavaleiros estão colocados uns atrás dos outros; coluna por um.
Fileira: linha de soldados dispostos lado a lado a espaços regulares. Nas formaturas de tropa, cada uma
das linhas de homens colocados ombro-a-ombro a intervalos regulares, normalmente de um braço
estendido lateralmente. Âmbito do serviço de tropa (p.e. estar na fileira). Genericamente, o Exército
como coletividade profissional e organização militar; a Força. O âmago da Força. Genericamente a
formação da tropa em confronto com o inimigo.
Flanco: lado ou extremidade lateral de um dispositivo, posição ou força. No caso de uma fortificação, é
um trecho da muralha que permite disparar ao longo da cortina, ou seja, a parte mais longa dos mu-
ros.
Flanqueamento: ato ou efeito de flanquear o dispositivo de uma força, contornando-lhe o flanco; desbor-
damento.
Fogo artificial: artefato pirotécnico que produz efeitos de luz, cor e/ou fumaça, usado para sinalização.
Foguete a Congreve: tipo de foguete de guerra desenvolvido por Willian Congreve a partir de 1804, o
artefato sendo estabilizado por uma haste presa lateralmente ao motor. Foi usado no Brasil até Guer-
ra do Paraguai.
Foguete de Halle: foguete de guerra estabilizado pelo movimento giratório, causado por orifícios (even-
tos), colocados em ângulo na base, por onde os gases saíam. Também conhecido como foguete tan-
gencial. Fabricado no Brasil de 1852 até a Guerra do Paraguai.
Foguete: artefato pirotécnico propelido pela reação de gases em combustão que fazem parte do projétil.
Pode ser usado para sinalização ou para atividades bélicas, com uma granada presa na sua extremi-
dade.
Fole: mecanismo que permite direcionar, comprimir e mover o ar com uma velocidade maior que a natu-
ral.
Folha de flandres: folha de ferro que é mergulhada em estanho fundido, aumentando sua resistência à
corrosão.
Forja catalã: forno onde se coloca minério de ferro e carvão, o material sendo aquecido e aerado por meio
de foles até que o monóxido de carbono reduz o mineral ao estado metálico, sem o fundir, formando
a lupa. As impurezas do metal são removidas a golpes de malho.

570
Glossário

Forja: estrutura de alvenaria usada para esquentar metais, especialmente o ferro. Por extensão, oficina
onde existe uma forja.
Forja de campanha: equipamento para fazer pequenos trabalhos em ferro, composto de uma forja, foles,
bigornas e outras ferramentas que podem ser facilmente transportados.
Forjar: trabalhar o metal, especialmente, o ferro, a quente, usando uma forja, bigorna e malhos.
Forno de revérbero: forno onde o calor, gerado em uma câmara de combustão separada, é refletido pelo
teto da estrutura sobre o material sendo trabalhado.
Forquilha: suporte usado para apoiar o mosquete durante o disparo.
Fragata: navio de três mastros e um convés artilhado, tendo coberta, onde ficam as peças de artilharia.
Fresar: Desbastar metais com fresa, uma ferramenta de corte rotativa.
Fulminante: em armaria, tipo de fecho em que a detonação da escorva é feita por uma pequena quantidade
de fulminato de mercúrio, colocado em uma cápsula, pelota ou fita. Atualmente, se usa o termo “de
percussão” para indicar essa arma.
Fundidor: artífice que trabalha em fundição.
Funileiro: fabricante de funis e de outros utensílios confeccionados com folha de flandres.
Fuzil: peça de aço dos fechos de certas armas de fogo contra a qual percutia a pederneira presa e levada
pelo cão, produzindo a faísca que dava fogo à escorva. Arma portátil de guerra, longa e raiada, de
repetição ou automática de tiro intermitente que pode ser dotada de baioneta.
Fuzileiro: soldado de infantaria equipado com fuzil. O mesmo que infante.
Galga: mó de eixo horizontal.
Galvanização: processo de proteção de metais usando galvanoplastia.
Galvanoplastia: técnica de revestimento de objetos metálicos usando deposição de metais por eletrólise.
Geometria analítica: estudo da geometria usando um sistema de coordenadas e métodos e símbolos algé-
bricos para resolver problemas matemáticos.
Geometria descritiva: estudo das relações espaciais de pontos, linhas, planos e outras superfícies, permi-
tindo a reprodução de objetos tridimensionais em desenhos de duas dimensões, usando projeções or-
tográficas.
Geometria diferencial: estudo da geometria usando o cálculo diferencial e integral.
Goiva: ferramenta de corte de semelhante à um formão, com a lâmina de corte em forma de “U” ou “V”,
usado para gravação ou entalhe.
Gorjal: parte da armadura que protege o pescoço. Posteriormente este nome foi dado a uma peça de ar-
madura simbólica, em forma de meia-lua, usada como insígnia de oficiais.
Governo: neste trabalho usou-se o conceito de governo como a atividade ou processo de governar, i.e., o
controle sobre os outros. 9 Não se refere à uma administração específica.
Graduado: praça com graduação de sargento e cabo.
Granada de mão: granada de pequenas dimensões que podia ser lançada manualmente.
Granada: até o século XIX, tipo de munição com carga explosiva e espoleta de tempo, disparada de obu-
seiros.
Granadeiro: soldado de infantaria, originalmente armado com granadas de mão além do fuzil, sendo em-
pregado preferencialmente em combate de choque.
Granização: ato de reduzir a pólvora a grãos de tamanho uniforme.
Grosa: uma dúzia de dúzias, 144 objetos.
Guarnição: No sentido usual, pessoal que ocupa e opera uma fortificação, embarcação, aeronave, arma
coletiva, equipamento operativo, viatura de combate ou instalação. Em armas, tudo o que serva para
complementar uma arma, como os copos da espada, braçadeiras de arma de fogo etc.
Henriques: designação que se dava aos corpos e aos combatentes negros sob o comando de Henriques
Dias durante as Guerras Holandesas. O rei, depois disso, autorizou a formação de tropas de Orde-
nanças e Auxiliares de negros livres. Essas unidades foram extintas em 1831.

9
SILVA, Benedito (coord.) Dicionário de ciências de sociais. Rio de Janeiro: FGV, 1987. p. 22. Verbete
governo.

571
Glossário

Hussardo: soldado de cavalaria ligeira originário da Hungria. Tipo de cavalaria ligeira com os homens
armados de sabre, carabina e de um par de pistolas, usando um uniforme típico copiado dos húnga-
ros, especialmente a pelisse, um casaco com gola e punhos de pele e bordados no peito, normalmente
vestido apenas no braço esquerdo.
Instrumentalista: artesão especializado na manufatura de instrumentos de música no Arsenal, normalmen-
te de sopro (metais).
Instrumentos bélicos: instrumentos de música de bandas militares.
Intendência: formação da força terrestre cujos componentes proporcionam determinado apoio logístico às
forças em campanha (serviços técnicos e certos suprimentos).
Intendente: nome dado ao oficial encarregado da administração dos Arsenais de Marinha. O cargo tam-
bém foi usado pelos diretores dos Trens e Arsenais do Exército até 1832, esse cargo sendo substituí-
do pelo de diretor. Hoje em dia, intendente é o militar do serviço de intendência.
Inválido: soldado de uma das companhias de Inválidos ou, antes de 1843, de uma Companhia de Vetera-
nos, praça julgado incapaz para o serviço militar ativo, sendo colocado em uma unidade específica,
onde poderia prestar serviços leves. A partir de 1843 foi criado um asilo para os abrigar.
Jornal: pagamento por um dia de trabalho; diária, féria.
Jornaleiro: no Arsenal de Guerra da Corte era o artesão que recebia por dia trabalhado.
Jugular: tira de couro, tecido ou metal, que passa sobre o queixo do soldado para prender um boné, capa-
cete ou barretina na cabeça.
La Hitte: sistema de raiamento de artilharia oriundo da França, onde o movimento giratório da granada
era dado por travadores de metal macio encaixados no projétil, que entravam em raias largas na pe-
ça. Foi regulamentar no Brasil de 1862 até 1922, tendo composto o maior número de canhões usados
na Guerra do Paraguai. Começou a ser substituído em uso no exército a partir de 1872.
Laboratório Pirotécnico: termo usado pelo exército no século XIX para designar uma unidade manufatu-
reira que produz munições: cartuchos completos, granadas carregadas, artefatos explosivos e de sina-
lização.
Lanada: haste longa tendo na exterminada uma peça de pele de carneiro, usada para abafar os fogos dei-
xados no interior de uma boca de fogo depois do disparo.
Lança: arma de haste ou arremesso composta de uma haste de madeira ou metal, terminada em ponta
perfurante de madeira, osso, pedra ou metal. No sentido do exército século XIX, arma de haste de
uso da cavalaria.
Lanterneta: projétil cilíndrico de artilharia, de folha de flandres, cheio de balins de chumbo, que se espa-
lham ao sair da boca da peça.
Laranja: intermediário em operações financeiras ou de compra e venda fraudulentas, fazendo a transação
de forma a ocultar a identidade da pessoa que realmente está fazendo a transação.
Latoeiro: o que faz obras de latão.
Libra: unidade arcaica de peso portuguesa, onde se usava também o termo arrátel. Pesava 459 gramas. O
sistema de calibres de artilharia usado no Império era baseado no peso do projétil esférico sólido de
ferro fundido disparado, medido em libras. Observe-se que também se usava a libra inglesa para a
medição de calibres esta unidade sendo ligeiramente diferente, pesando 459 gramas, os calibres por-
tugueses eram diferentes dos ingleses. No presente trabalho, a libra como unidade monetária é usada
seguida de um sufixa especificando sua origem: libra esterlina, libra tornesa e assim em diante.
Libré: roupas uniformizadas usadas pelos empregados das casas nobres.
Ligeiro: pode se aplicar a vários sentidos. O mais usual é o de cavalaria ou infantaria com organização e
equipamento mais leve do que as tropas normais, podendo se deslocar e operar de forma mais ágil.
Tropas ligeiras são aquelas que se empregam fora de linha para o fim de reconhecer ou perseguir o
inimigo.
Limador: operário especializado em trabalhos com a lima, desbastando metais.
Linha: no sentido militar, o mesmo que fileira. Frente das tropas em um combate. Cada um dos escalões
das forças terrestres coloniais e do Império do Brasil. [Primeira linha – tropas regulares e permanen-
tes; segunda linha – corpos de milícia e, mais tarde, a Guarda Nacional; terceira linha – Terços de
ordenanças (tropas locais).] No Império, denominação com que se identificava as unidades regulares
e permanentes do Exército (1ª linha).

572
Glossário

Logística: parte da arte da guerra que trata do planejamento e execução das atividades de sustentação das
forças em campanha, pela obtenção e provisão de meios de toda sorte e pela obtenção e prestação de
serviços de natureza administrativa e técnica.

12.4 K-P.
Malhador: o mesmo que ferreiro. No Arsenal de Guerra, era um operário não qualificado, que trabalha
nos ofícios de ferreiro e serralheiro, martelando o ferro que está sendo forjado pelos ferreiros ou ser-
ralheiros, normalmente sendo considerado como uma das categorias de servente. Às vezes, contudo,
aparece como a classe mais baixa de pessoal das oficinas.
Malho: grande martelo usado nos trabalhos de ferreiro.
Mancebo: artesão que terminou o aprendizado, sendo julgado como capaz de exercer seu ofício. Nos
Arsenais do Brasil, era um artesão com uma classificação abaixo do oficial.
Mandador: o que manda. No Arsenal de Guerra, operário de maior habilitação, que exerce funções de
controle dos trabalhos em uma das oficinas que não tinham mestres ou contra-mestres.
Mandril: cilindro de aço temperado, utilizado na fixação de peças que apresentem um furo central, para
que possam ser trabalhadas na forja ou em outras máquinas.
Manga: peça da túnica ou da camisa que veste o braço. Grupo de homens, a pé ou a cavalo, geralmente
tropa irregular ou auxiliar empregada na descoberta (reconhecimento), emboscada ou fustigamento
do inimigo. Grupo de arcabuzeiros que se punha em cada ala da formação de piqueiros e besteiros.
Manufatura: local onde produtos são fabricados a mão. Difere da oficina por os meios de produção não
pertencerem aos trabalhadores.
Máquina-ferramenta: máquina que trabalha a madeira ou o metal, movimentando uma série de ferramen-
tas, potencializando a força humana e automatizando certos passos da produção.
Marceneiro: artífice que lavra móveis e outros objetos mais complexos do que os feitos pelo carpinteiro.
Martinete: martelo de grandes proporções e peso, usado para forjar metais por força mecânica.
Mecha: pavio ou cordel inflamável, de queima lenta, usado para transmitir a chama a uma carga explosi-
va, granada ou com que se dava fogo às antigas peças e armas portáteis (arcabuz, mosquete); o mes-
mo que morrão. Em carpintaria, uma cavilha usada para unir duas peças de madeira.
Mestrança: originalmente, os mestres de carpinteiros e calafates no Arsenal de Marinha. Depois passou a
designar o quadro permanente de artesãos dos arsenais, os mestres, contramestres e mandadores, que
exerciam funções de direção nas oficinas.
Mestre de açúcar: profissional responsável pelo plantio da cana e feitio do açúcar em um engenho.
Mestre: o homem que ensina alguma ciência ou arte. Na escala de ofícios, aquele que detinha todos os
conhecimentos necessários para o exercício de seu ofício, tendo passado por exame de qualificação,
que o autorizava a abrir uma loja ou oficina. No Arsenal de Guerra, os operários mais qualificados,
que gerenciavam as oficinas e executavam trabalhos mais complexo. Era responsável pelo ensino
dos aprendizes.
Metralha: conjunto de pequenas balas (balins), pedaços de metal etc. com que se carregam projéteis de
artilharia.
Milícia: corporação organizada em moldes militares, com base na hierarquia e na disciplina, com destina-
ção principalmente de defesa local ou territorial e, eventualmente, policial. Denominação dos corpos
e regimentos regionais e locais de 2ª linha. [A partir de 1796, o termo milícia passou a designar tro-
pa de 2ª linha até então denominada Terços e Regimentos Auxiliares.].
Misto: em pirotecnia - propelente ou explosivo constituído da mistura de outros detonantes ou de diversas
substâncias.
Modelador: operário cuja função é preparar moldes para fundição.
Moitão: roldana ou polia, termo usado em navios para uma peça circular, que transmite a força por meio
de uma corda.
Mola real: aquela do mecanismo de disparo de armas de fogo, que dá a força necessária para mover o cão,
produzindo o disparo da arma.
Moral: estado psicológico individual ou coletivo que se manifesta pela vontade de realizar e pela resistên-
cia à adversidade. Moral Militar: Disposição individual e coletiva para a luta, fortaleza de vontade e
constância física, intelectual e psicológica que mobiliza a resistência às forças imobilizadoras e de-

573
Glossário

sagregadoras resultantes da tenacidade do inimigo, perigo constante, desconforto, fatiga e agressões


físicas e psicológicas.
Mosquete: arma de fogo de grande calibre, disparada usando uma forquilha para sustentar seu peso.
Mosqueteiro: soldado de infantaria equipado com um mosquete.
Mortagem: corte feito em uma peça de madeira para receber o topo de outra.
Munhão: peça cilíndrica perpendicular à alma do canhão, que permite elevar a arma para pontaria da
mesma.
Munição: do latim munitio. Provisão de tudo o que é necessário a um exército ou praça de guerra, como
víveres, projéteis, pólvora, cartuchos, ferramentas diversas, etc.
Nau: na terminologia militar, o mesmo que navio de linha.
Navio de linha: termo usado do século XVII ao XIX para indicar um navio de guerra capaz de participar
da “linha de batalha”. Eram embarcações com, no mínimo, dois conveses corridos, onde eram colo-
cados canhões de grande calibre. O tamanho mínimo dos navios de linha passou de 50 canhões para
64 peças no século XVIII e as unidades maiores chegavam a ter três conveses e 120 canhões.
Noz: peça de uma arma de fogo ligada ao cão que o mantém na posição armada ou de segurança, liberan-
do o mesmo quando o gatilho é apertado, o que permite transmitir a força da mola real ao cão, dispa-
rando a arma. O termo é um galicismo,
Obra branca: todo o trabalho de carpintaria que fica aparente. Obra de carpintaria bem aparelhada que fica
visível, feita para expor a madeira de que é feita, depois de encerada ou envernizada. Pode ser usada
em soalhos, corrimãos, portas, forros etc. Também chamada obra limpa, limpos e carpintaria de lim-
po.
Obra de examinação: peça que faz, lavra o oficial (artífice) que se há de examinar para se tornar mestre de
ofício. O mesmo que obra prima.
Obra grossa: trabalho de carpintaria feito a machado e enxó. O mesmo que falquejar.
Obreiro: todos os artífices e jornaleiros empregados nos Arsenais, Fábricas e obras militares.
Oficial: no arsenal de guerra – o homem que faz algum ofício manual, com qualificação superior à de um
aprendiz e mancebo, mas sem ter atingido a qualificação de mestre. O mesmo que artesão. Funcioná-
rio categorizado do governo (oficial de gabinete; oficial de justiça). Na hierarquia das forças armadas
é o militar de patente; que tem um posto na superior às praças. Grau de certas ordens honoríficas,
superior ao de cavaleiro e inferior ao de comendador. Relativo ou investido da autoridade pública.
Onça: unidade arcaica de peso portuguesa, equivalente a 1/16 da libra, ou seja, 28,68 gramas.
Ordem aberta: tática onde os soldados combatem dispersos, adiante da linha de batalha. Também chama-
da de “tática de atiradores”.
Ordenanças: tipo de tropa sem remuneração, composta pelos moradores de uma localidade, organizados
em bases territoriais e que existiu no Brasil entre 1570 e 1831.
Ourives: artífice que trabalha e lavra ouro, vasos, castiçais, etc.
Ouvido: orifício por onde se comunica a chama da escorva incendiada à carga de projeção de armas anti-
gas.
Palamenta: jogo de instrumentos, ferramentas, acessórios e outros petrechos necessários ao serviço da
boca-de-fogo (soquete, lanada, agulhas, etc).
Palmatória: peça ornamental feita de cordões trançados, formando uma pequena placa, que era presa por
um cordão à barretina.
Parque: conjunto das viaturas, equipamentos e petrechos especializados de certas organizações militares,
particularmente de artilharia e engenharia.
Patrona: mala de couro, madeira e metal onde o soldado carrega os cartuchos de sua arma. O mesmo que
cartucheira.
Peça intercambiável: aquela que é feita usando gabaritos precisos e que pode ser substituída por outra
idêntica que tenha sido feita usando o mesmo processo.
Pederneira: sistema de ignição de armas, pelo qual a faísca que detona a pólvora é obtida por um maqui-
nismo que provoca o impacto de uma pedra de sílex (pederneira) conta uma peça de aço, o fuzil.
Pedestres: tropa de infantaria ligeira, regulamentar, mas “fora da linha”, ou seja, sem capacidade de com-
bate junto com o exército. Usados principalmente em funções de policiamento e de repressão aos in-
dígenas e quilombolas. O nome também se aplicou à algumas forças de polícia. Também chamados
de “caçadores de montanha”.

574
Glossário

Pedreiro: artífice que trabalha em obra de pedra e cal, em obras de alvenaria ou cantaria.
Peleteiro: artesão que trabalha com peles com pelo.
Penacho: peça feita de penas, plumas, peles ou pelos de animais ou uma peça de lã, que se usava no alto
ou lateral de um chapéu de uso militar.
Pintor: operário que faz ou trabalha com pinturas e tintas.
Pique seco: piqueiro que não usa armadura.
Pique: arma de ponta do soldado de infantaria composta de uma longa haste de madeira, com mais de três
metros, guarnecida de um ferro chato e pontiagudo na extremidade.
Piqueiro: soldado armado com pique, normalmente usando uma armadura curta. Se não usasse uma pro-
teção, era conhecido como pique seco.
Pistão: peça em arma de fogo de fulminante, ligada ao ouvido e onde se coloca a cápsula de fulminante.
Polés: roldana, moitão.
Polieiro: operário que faz polés, roldanas ou moitões.
Porta documento: tubo usado para transportar documentos. Hoje em dia é usado basicamente para proje-
tos arquitetônicos.
Porta-machado: soldado dos corpos de infantaria com funções de sapador, usando um machado e avental,
para executar trabalhos de demolição de obras defensivas inimigas. Normalmente eram recrutados
entre os mais robustos dos batalhões, sendo usados como guarda à bandeira.
Praça: cidade murada ou defendida. O mesmo que praça de guerra ou praça forte. Também tem o sentido
do militar que não tem patente de oficial (soldados, cabos, sargentos e suboficiais), praça de pré.
Prensa de estampagem: máquina que serve para dar forma a um objeto por meio de pressão.
Prensa de rolo: máquina que aplica pressão por meio de dois rolos cilíndricos, entre os quais passa o obje-
to sendo trabalhado.
Prensa hidráulica: prensa na qual a força aplicada aos objetos provêm da pressão hidráulica.
Prensa martelete: máquina que estampa ou forja uma pesa metálica por meio de golpes de um martelete.
Prensa por gravidade: tipo de prensa martelete, na qual a massa que faz pressão sobre o objeto a ser traba-
lhado é içada e deixada cair por meio da força da gravidade.
Prensa: aparelho composto de uma parte fixa e outra móvel, esta última servindo para aplicar pressão
sobre um objeto colocado entre as duas.
Primeira linha: no período colonial e no Império, denominação que se dava ao conjunto da força terrestre
que era constituído das unidades regulares e permanentes do Exército.
Purgador: profissional que tratava da purificação do açúcar nos engenhos.
Putting out: sistema de manufatura no qual os trabalhadores ficavam descentralizados, em suas casas,
fazendo os serviços com suas ferramentas, mas recebendo a matéria prima de um capitalista, que ge-
renciava a produção. O mesmo que sistema doméstico.
Quadrante: Aparelho que serve para dar ao tubo do canhão ou do morteiro o ângulo de projeção para
realizar o tiro contra alvos a diferentes distâncias.
Querenar: colocar um navio em terra, com sua quilha exposta, para limpá-lo ou concertar.

12.5 R-Z.
Raiada: arma que tem raias ou estrias no cano; oposto de liso.
Raias: são caneluras ou estrias abertas na alma dos canhões e armas de fogo, tendo por fim guiar o projétil
ao mesmo tempo em que lhes imprime movimento de rotação em torno de seu eixo, dando-lhe esta-
bilidade e maior alcance.
Rebitar: martelar e achatar a extremidade de um rebite, de um pino ou de um prego do lado oposto do
objeto que atravessa. Também chamado de cravar.
Rebite: haste metálica constituída por uma parte cilíndrica, terminada a uma extremidade por uma cabeça
e utilizada para ligar de modo definitivo peças depois que a outra extremidade for achatada.
Rebolo: pedra cilíndrica de material abrasivo que gira em um eixo horizontal, sendo usada para desbaste
de material metálico, como no afiamento de lâminas.
Regimento: norma ou regulamentação interna de uma organização. Unidade básica comandada por um
coronel, composta por várias companhias. No Exército Brasileiro atual, unidade básica de cavalaria

575
Glossário

cujo efetivo, conforme sua natureza operacional, varia de 400 a 600 homens, divididos em esqua-
drões.
Religioso: referente a serviço religioso, ou serviço de assistência religiosa. Conjunto dos sacerdotes (ca-
pelães) militares que executa atividades ligadas ao culto de uma religião no campo militar.
Reparo: suporte de uma arma de fogo, normalmente com dispositivos que permitem dar-lhe os movimen-
tos necessários à execução da pontaria e, em certos casos, limitar-lhes o recuo e facilitar-lhes o
transporte. Qualquer obra de defesa onde se assenta a artilharia. Aterro levantado em torno da praça,
revestido de muro de pedra e cal; trincheira ou parapeito de terra levantada.
Repuxado: técnica utilizada para criar volumes, relevos e texturas numa chapa metal formando desenhos,
usando cinzéis e moldes.
Revista de mostra: Exame programado do material distribuído aos homens para verificar sua existência e
estado.
Ribeira: terras próximas à um rio ou mar. Em Lisboa, terreno onde eram feitas as embarcações. Por ex-
tensão, o mesmo que estaleiro.
Sacalador: limpador de espadas.
Sanitário: o que se refere ou é próprio à saúde. O Serviço Sanitário corresponde ao serviço médico do
Exército.
Sapateiro: o que fabrica sapatos ou calçados.
Sege: carruagem de passeio pequena de um só assento, com cortina por diante ou vidraça. Caleça.
Segeiro: o que faz seges. No arsenal, operário que trabalha na fabricação de carros.
Segunda linha: No período colonial e no Império do Brasil, denominação que se dava ao escalão da força
terrestre constituído pelos corpos Auxiliares de Milícias e, depois da Regência, pela Guarda Nacio-
nal.
Seleiro: o que faz selas.
Selim: sela para montaria, pequena e sem arção.
Serrador: artífice que serra madeiras. No Arsenal de Guerra era uma das categorias de serventes, operá-
rios não qualificados.
Serralheiro: ferreiro que faz chaves, fechaduras, mecanismos de disparo (fechos) de armas e outros traba-
lhos metálicos de precisão.
Servente: o que serve. Trabalhador de pouca qualificação que executa serviços não especializados, espe-
cialmente manuais.
Sílex: espécie de quartzo ou de várias pedras cuja base é a sílica, que permite ser trabalhado por percus-
são, o mesmo que pederneira. Usado na fabricação de utensílios cortantes na pré-história e, em ar-
mas, para a obtenção de uma pedra que era usado em armas de pederneira, para incendiar a escorva.
Sirgueiro: o que faz obra de fios, cordões de seda ou de lã.
Sistema americano: conjunto de técnicas de fabricação desenvolvido no século XIX, envolvendo o maci-
ço uso de peças intercambiáveis e mecanização da produção, desenvolvido nos arsenais dos Estados
Unidos.
Sistema doméstico: sistema de manufatura no qual os artesãos trabalhavam em suas casas, com suas fer-
ramentas, recebendo a matéria prima de um capitalista, que gerenciava a produção. O mesmo que
putting out.
Sobrecasaca: casaco masculino abotoado até a cintura e com abas que envolvem o corpo até os joelhos
Soquete: haste usada para empurrar a munição para o interior da boca de fogo.
Subunidade: genericamente, fração de unidade de tropa que depende administrativamente de outra maior.
Surrador: operário que tira o pelo e limpa as carnes de um couro. No Arsenal de Guerra, uma das catego-
rias de serventes, operários não qualificados.
Taco: peça de corda ou madeira que se colocava em uma boca de fogo entre o projétil e a carga de pólvo-
ra e depois do projétil para vedar a peça.
Talim: cinto de couro ou tecido, usado por cima da casaca, de onde se suspendem a baioneta, espada e
outros equipamentos.
Tanoaria: oficina que fabrica vasos de madeira como barris.
Tanoeiro: o que faz cantis, baldes, tinas, pipas, barris e tonéis.
Tarimba: estrado de madeira onde dormem os soldados nos quartéis e corpos de guarda.

576
Glossário

Têmpera: processo de tratamento de metais, especialmente os ferrosos, a calor, para lhes dar maior dureza
ou, menos usualmente, ductilidade.
Tenência: a repartição do tenente general de artilharia, local em Portugal onde se fabricavam peças de
artilharia, órgão com funções de arsenal de guerra.
Terçado: arma branca, de um ou dois gumes e de lâmina curta e larga, usado pela infantaria. Vulgarmen-
te, facão-de-mato; machete.
Terceira linha: no período colonial e Império, denominação do escalão da força terrestre constituída de
Terços de Ordenanças (tropas locais).
Terço: unidade militar ibérica, reunindo várias companhias de infantaria. O termo foi substituído no exér-
cito de 1ª Linha pela palavra Regimento no início do século XVIII, permanecendo em uso, contudo,
nas Ordenanças.
Terrapleno: terreno plano. Área de uma fortificação em que os defensores podem caminhar sem estarem
sujeitos aos fogos do inimigo.
Tige: em francês, agulha. Nome dado no Brasil ao sistema de armas inventado pelo tenente-coronel fran-
cês Louis-Étienne Thouvenin em 1840. Era composto por um cano raiado, de carregamento pela bo-
ca, tendo uma haste no fundo da alma (a tige), sobre a qual era calcado o projétil, fazendo com que
ele se encaixasse nas raias.
Tinteiro: recipiente para tintas de escrita.
Tintureiro: o que tinge panos, sedas, chapéus etc.
Tope: botão metálico ou laço de fita, usualmente com as cores nacionais, usado no alto de um chapéu
militar.
Torneiro: artesão especializado em fazer peças em um torno.
Torno à chariot: torno com carrinho de espera, para suportar a ferramenta de corte ao longo da peça sendo
trabalhada.
Torno: máquina comum eixo giratório onde é presa uma peça, de madeira ou ferro, que será trabalhada.
Torre: quando isolada, era uma fortificação alta e de dimensões menores. Em castelos, era o elemento de
flanqueamento das muralhas.
Traçado italiano: desenho de fortificações com muralhas espessas e baluartes, capazes de receber artilha-
ria.
Trochado: trabalho de metal onde a peça sendo forjada é feita enrolando-se uma tira e metal em torno de
outra, produzindo uma peça em que são visíveis padrões ondulados na superfície.
Trado: verruma ou broca manual, de grande porte, usado por carpinteiros para fazer furos.
Trama: em tecelagem, os fios colocados no sentido da largura do tecido.
Trem: gente e bagagem que acompanha alguém. O aparelho de artilharia, ou seja, os equipamentos de
um exército.
Tropa paga: unidade composta de soldados que recebem paga (soldo), o mesmo que tropa do governo, em
oposição à milícias.
Tropa: conjunto de soldados; grupo militar. O conjunto das praças de uma unidade. Genericamente, o
conjunto dos militares das unidades, de uma força ou do Exército como um todo.
Unidade: genericamente, organização militar básica do Exército que tenha existência independente de
outra maior, como um batalhão, regimento, companhia isolada ou semelhante. Qualquer organização
de tropa; corpo.
Urdidura: em tecelagem, os fios colocados no sentido longitudinal da peça sendo tecida, entre os quais
passam os fios da trama.
Varadouro: lugar seco onde se fazem encalhar os navios para poderem ser limpos ou consertados ou para
estarem ali recolhidos durante o inverno; caminho por onde podem ser conduzidas pequenas embar-
cações entre dois pontos navegáveis.
Vareta: haste de ferro usada na limpeza do cano ou no carregamento de uma arma de fogo de carregar
pela boca.
Vela de composição: pavio de queima lenta formado pela combinação de materiais inflamáveis, usada
para detonar a escorva de bocas de fogo.
Velame: velame, conjunto de todas as velas de um navio.
Verruma: ferramenta de com o corpo helicoidal e uma ponta de corte, usada para perfurar madeira.

577
Glossário

Veterano: soldado ou tropa composta por soldados e oficiais inválidos ou julgados incapazes de serviço
laborioso, podendo, contudo, fazer algumas atividades menos laboriosas.
Viradeira de chapa: máquina de dobrar chapas metálicas.

578
Bibliografia

Sumário

13 Bibliografia
13.1 Livros
13.2 Fontes Impressas
13.3 Manuscritos
13.4 Legislação.
13.5 Obras não impressas.

579
Bibliografia

13 Bibliografia.

13.1 Livros.
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ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Sebastião do Rego Barros. Rio de Janeiro:
Laemmert, 1860.
____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima legislatura
pelo ministro e secretário de Estado, Marquês de Caxias. Rio de Janeiro: Laemmert, 1861.
____. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na quarta sessão da nona legislatura pelo
ministro e secretário de estado dos negócios da guerra, Marquês de Caxias. Rio de Janeiro: Laem-
mert, 1856.
____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta sessão da décima legislatura pelo
respectivo ministro pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Sebastião do Rego
Barros. Rio de Janeiro: Laemmert, 1860.
____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na segunda sessão da décima-segunda le-
gislatura pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, José Marianno de Matos. Rio
de Janeiro: Laemmert, 1864.
____. Relatório apresentado à Assembleia geral legislativa na segunda sessão da décima legislatura pelo
ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho. Rio de Janei-
ro: Laemmert, 1858.
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pelo ministro e secretário de estado dos negócios da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello.
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primeira sessão da 9ª legislatura pelo respectivo ministro e secretário de estado dos negócios da
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arsenal de guerra desta província [Pernambuco] durante o mês de janeiro próximo passado com
declaração de seus valores. João Francisco do Rego Barreto, cap. Ajudante. Recife, 28 de fevereiro
de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Relatório sobre o Arsenal de Guerra da Província de Pernambuco. José Maria H. Jacome da Vei-
ga Pessoa, Ten.-cel. diretor. Recife, 26 de agosto de 1844. Mss. ANRJ. IG7 32.
BRASIL – Arsenal de Guerra de Porto Alegre. Ofício do diretor do Arsenal ao Comandante das Armas.
Porto Alegre, 12 de julho de 1853. Mss. ANRJ. IG7 460.
____. Ofício nº 249, do diretor ao Tenente-General Francisco José de Soares d’Andréa, presidente e
comandante do Exército, pedindo autorização para demitir o espingardeiro Joaquim da Silva. Porto
Alegre, 31 de outubro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Relatório, Francisco Felipe de Macedo e Vasconcelos, Ten.-cel. Diretor. Porto Alegre, 19 de feve-
reiro de 1845. Mss. ANRJ. IG7 32.
____. Ofício do Major diretor José Joaquim da Lima e Silva ao presidente de província do Rio Grande
do Sul, Visconde de Boa Vista. 19 de outubro de 1865. Mss. ANRJ. IG7 501.
BRASIL – Arsenal de Guerra do Pará. Ofício do Diretor do Arsenal de Guerra do Pará, tenente-coronel
José Joaquim Romão de Almeida, sobre madeiras de coronhas no Pará. Belém, 23 de fevereiro de
1852. IG7 516
____. Relatório do Arsenal de Guerra da Província do Pará. Anselmo Joaquim da Silva, tenente coronel
diretor. Belém, 30 de junho de 1845. Mss. ANRJ. IG7 32.
BRASIL – Arsenal de Guerra. [Área do Arsenal de Guerra da Corte]. Escritório das oficinas, 10 de
dezembro de 1868. Mss. ANRJ. IG7 28.
____. Comissão de avaliação. Joaquim de Lima e Silva major, 1º Ajudante. Rio de Janeiro, 18 de maio
de 1863. Mss. ANRJ. IG7 392.
BRASIL – Arsenal de Guerra. Conta do maquinista Carlos Rouhette ao diretor, Vicente Marques Lisboa
do recebimento de máquinas. 11 de dezembro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12.

595
Bibliografia

____. Ofício de Manoel da Costa Pinto ao Ministro da Guerra, conde da Lage, sobre pedido feito pela
Marinha. Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1822. Mss. ANRJ IG7 3.
____. Contrato com o operário Antônio Soares Proença. Rio de Janeiro, 25 de Junho de 1852. Mss.
ANRJ. IG7 13.
____. Contrato de 4 de maio de 1849 para operários irem trabalhar nas oficinas do Arsenal de Guerra
do Mato Grosso, Baixo Paraguai. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Designação das aulas e oficinas frequentadas pelos menores. Rio de Janeiro, 31 de dezembro de
1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Despacho do ministro exarado no ofício do diretor José Victória Soares de Andrea ao ministro da
Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão. Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1863. Mss.
ANRJ, coleção Polidoro, Maço 11.
____. Féria dos operários e mais empregados do Arsenal de Guerra na 1ª quinzena de 1858. O encarre-
gado, Estevão José de Bury. Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 538.
____. Informação de Carlos Rouhette, engenheiro, ao vice-diretor do Arsenal, Major de engenheiros
Vicente Marques Lisboa, sobre preços de uma segunda caldeira para a máquina a vapor que se
constrói no Arsenal. Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1850. Mss. ANRJ. IG7 11.
____. Instruções sobre o modo de efetuar-se o pagamento das férias dos Operários do Arsenal de Guerra
da Corte. Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1848. Mss. ANRJ. IG7 337.
____. Mapa 2º Ajudante – preço das diferentes peças duma espingarda a Minié de 14,8 mm, Antônio
Correia de Melo Oliveira, construtor. Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1864. Mss. ANRJ. IG7 500.
____. Mapa das bocas de fogo existentes no Arsenal de Guerra da Corte. Francisco Manolo de Morais,
servindo de escrivão. Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Mapa das espingardas compradas desde abril de 1850 até dezembro de 1851. s.d. Mss. ANRJ. IG7
460.
____. Mapa demonstrativo da companhia de Aprendizes menores do Arsenal de Guerra da Corte, com as
alterações ocorridas do 1o de Janeiro a 31 de dezembro de 1861. Pedagogo Felisberto Silveira Bor-
ges. Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 21.
____. Mapa demonstrativo da despesa feita na Inspeção do Arsenal do Exército e do valor das obras
executadas nas diferentes oficinas no mês de agosto de 1823, Salvador José Maciel. s.d. Mss. ANRJ.
IG7 2.
____. Mapa demonstrativo do armamento que se prontificou de janeiro a dezembro de 1857 na oficina de
espingardeiros adida a de serralheiros. Jacinto Antônio de Andrade, Mestre. Rio de Janeiro, 4 de
janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 4.
____. Mapa demonstrativo do número de Empregados, Serventes e mais operários deste Arsenal sob a
fiscalização do 2o Ajudante. Rio de Janeiro, 27 de setembro de 1865. Mss. ANRJ. IG7 27.
____. Mapa demonstrativo do número de operários de diferentes oficinas deste Arsenal existentes em o
1o de janeiro de 1856. Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1857. Mss. ANRJ. IG7 22.
____. Mapa demonstrativo do pessoal existente atualmente em cada uma das oficinas do Arsenal de
Guerra da Corte, organizado na conformidade da ordem do S. Ex.a o Ministro da Guerra expressa
no ofício da 1a Diretoria Geral da Guerra de 28 do corrente. Secretaria do Arsenal de Guerra da
Corte, 31 de março de 1862. O secretário José Antônio Frederico da Silva. Mss. ANRJ. IG7 24.
____. Mapa demonstrativo do vestuário dos africanos libertos, escravos e escravos da nação tanto antes
da tabela como depois. O tenente Encarregado Manoel José da Silva. Rio de Janeiro, 16 de feverei-
ro de 1848. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Mapa dos artífices que trabalham nos diferentes artifícios de guerra no laboratório. Relatório do
Arsenal de Guerra. José Maria da Silva Bittencourt, 1 de março de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
____. Mapa extraído do ponto dos operários que trabalharam nas oficinas do Arsenal de guerra nesta
fortaleza, José Manoel Justino da Cunha, major encarregado. Rio de Janeiro, 30 de dezembro de
1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Mapa Geral da Companhia de Aprendizes Menores do Arsenal de Guerra da Corte. O pedagogo
Capitão João Rodrigues Seival. Rio de Janeiro, S.d. [janeiro de 1856]. Mss. ANRJ. IG7 21.

596
Bibliografia

____. Mapa nº 10 Relação das obras manufaturadas nas diferentes oficinas deste arsenal desde 1o de
janeiro até o último do mês de dezembro de 1848. Joaquim José Cabral, Ajudante do Sr. Vice-
Diretor. Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Mapa nº 7. Número de operários das diferentes oficinas deste Arsenal existentes em 1o de Janeiro
de 1847 e das alterações ocorridas daquela data até o último de dezembro do mesmo ano. s.d. Mss.
ANRJ. IG7 10.
____. Mapa nº 9. Número de operários das diferentes oficinas deste Arsenal existentes em 1º de Janeiro.
Joaquim José Cabral. Tenente ajudante do Sr. Vice-diretor, Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1849.
Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Mapa nº 9. Número de operários das diferentes oficinas deste Arsenal existentes em 1o de Janeiro
de 1851, e das alterações ocorridas daquela data até o 1o de Janeiro de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
____. Mapa resumo das costuras que se acham fora do Arsenal para se manufaturar desde 1845 até o
fim de agosto do corrente ano. Hermenegildo Machado do Nascimento. Major graduado encarrega-
do da distribuição. Rio de Janeiro, 23 de junho de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
____. Minuta de contrato que faz o Marechal de Campo, Diretor do Arsenal de Guerra da Corte, José
Maria da Silva Bitencourt com os Operários Alemães chegados de Hamburgo. s.d. [setembro de
1851]. Mss. ANRJ. IG7 12.
____. Nº 11 Mapa do número de operários que trabalharam nas oficinas da Casa de Armas da fortaleza
da Conceição em dezembro de 1850, José Hipólito de Araújo, secretário. Rio de Janeiro, 15 de feve-
reiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12.
____. Nº 12 Mapa do número de operários que trabalharam nas oficinas da Casa de Armas da fortaleza
da Conceição em dezembro de 1850. [Rio de Janeiro, s.d.]. Mss. ANRJ.
____. Nota do armamento, equipamento, fardamento, munições e outros artigos encomendados na Euro-
pa em diferentes datas. João Rodrigues dos Santos Mello, Almoxarife. Rio de Janeiro, 24 de feverei-
ro de 1866. Mss. ANRJ. IG7 495.
____. Ofício confidencial do diretor, José Victória Soares de Andrea ao ministro da Guerra, Polidoro da
Fonseca Quintanilha Jordão. Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1863. Mss. ANRJ, coleção Polidoro,
maço 11.
____. Ofício da 2ª Seção do Arsenal comunicando que o aprendiz-alfaiate Napoleão Prestino foi ferido
por bala de fuzil na mão direita estando a trabalhar na sua oficina. Rio de Janeiro, 30 de dezembro
de 1893. Mss. ANRJ. IG7 306.
____. Ofício da diretoria do Arsenal, Marechal de Exército José Maria da Silva Betencourt, ao Ministro
da Guerra sobre a compra de sapatos a José Maria Palhares. Rio de Janeiro, 9 de julho de 1851.
Mss. ANRJ. IG7 13
____. Ofício de Alexandre Manoel Albino de Carvalho, diretor, ao ministro da Guerra, Marquês de Ca-
xias. Rio de Janeiro, 28 de abril de 1857. Mss. ANRJ. IG7 22.
____. Ofício de Antônio Correa de Mello e Oliveira, construtor a Joaquim da Silva Maia, capitão, 2o
Ajudante, solicitando o empréstimo de um torno. 27 de janeiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 25.
____. Ofício de Antônio Corrêa de Melo e Oliveira, construtor, ao vice-diretor, José Manoel da Silva,
com exame de armas oferecidas por Hogg Adam. Rio de Janeiro 9 de janeiro de 1856. Mss. ANRJ.
IG7 351.
____. Ofício de Antônio José de Freitas [Mestre de Espingardeiros] ao diretor, Antônio João Rangel de
Vasconcellos sobre merecimento de Aprendizes. Rio de Janeiro, 6 de julho de 1838. Mss. ANRJ. IG7
323.
____. Ofício de Antônio Rangel de Vasconcelos, diretor do Arsenal de Guerra ao Ministro da Guerra,
Sebastião do Rego Barros. Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1837. Mss. ANRJ. IG7 20.
____. Ofício de Francisco Carlos da Luz o ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello,
sobre capacidade de fabricação de cápsulas. Rio de Janeiro, 26 de abril de 1859. Mss. ANRJ. GIFI
OI 5B 260.
____. Ofício de Francisco Soares da Silva, mestre armeiro, ao Vice-Diretor do Arsenal, sobre exame nas
armas recebidas. Rio de Janeiro, 24 de julho de 1850. Mss. ANRJ. IG7 11.

597
Bibliografia

____. Ofício de Francisco Soares de Lisboa ao diretor, José Maria da Silva Bitancourt, sobre espingar-
deiro Silvestre Luís. Rio de Janeiro, 7 de julho de 1850. Mss. ANRJ. IG7 343.
____. Ofício de João José da Costa Pimentel, Brigadeiro, diretor interino, ao ministro da Guerra, Mar-
ques de Caxias sobre avaliação de 500 pares de pistolas oferecidas por Henrique Nathan. Rio de
Janeiro, 15 de março de 1836. Mss. ANRJ. IG7 21.
____. Ofício de João José da Costa Pimentel, Brigadeiro, diretor interino, ao ministro marquês de Caxi-
as sobre o casamento do africano livre Tertuliano que se achava ao serviço da Fortaleza da Laje.
Rio de Janeiro, 4 de junho de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.
____. Ofício de João José da Costa Pimentel, Brigadeiro, diretor interino, ao ministro da Guerra, mar-
ques de Caxias. Rio de Janeiro, 16 de abril de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.
____. Ofício de José Antônio de Souza [mestre de coronheiros] para o vice-diretor sobre premiação de
aprendizes. Rio de Janeiro, 6 de julho de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323.
____. Ofício de José Manoel Justino da Cunha, major encarregado da Conceição, ao diretor do Arsenal,
sobre coronheiros cearenses. 24 de março de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12.
____. Ofício de Oto Mehring, mestre espingardeiro, para o Major de engenheiros Juvêncio Manoel Ca-
bral de Meneses, 3º Ajudante. Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1859. Mss. ANRJ. IG7 455.
____. Ofício de Otto Mehring, mestre espingardeiro, para o Major de engenheiros Juvêncio Manoel
Cabral de Meneses, 3o Ajudante. Fábrica de armas na Fortaleza da Conceição, Rio de Janeiro, 3 de
novembro de 1859. Mss. ANRJ. IG7 362.
____. Ofício de Pedro d’Alcântara Bellegarde, diretor, ao ministro da Guerra, Manoel Felizardo de
Souza e Mello. Rio de Janeiro, 3 de maio de 1853. Mss. ANRJ. IG7 14.
____. Ofício de Rodolpho Wackneldt ao ministro da Guerra, sobre a direção técnica da Oficina de Fo-
guetes, Rio de Janeiro, 16 de maio de 1852. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
____. Ofício de Vicente Marques Lisboa, Vice-diretor ao diretor, José Maria da Silva Bittencourt, Mare-
chal de Exército, sobre armas chegadas da Inglaterra. Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1851. Mss.
ANRJ. IG7 12
____. Ofício do 1o Ajudante do Arsenal, José Joaquim de Lima e Silva, ao diretor, Coronel José de Vitó-
ria Soares d’Andrea, sobre a insuficiência do número de africanos no Arsenal. Rio de Janeiro, 11 de
agosto de 1862. Mss. ANRJ. IG7 24.
____. Ofício do 1º tenente, Francisco Carlos da Luz ao Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Souza
e Mello, sobre a direção da oficina de foguetes. Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1852. Mss. ANRJ,
GIFI OI 5B 260.
____. Ofício do Construtor do Arsenal, Antônio Correia de Melo e Oliveira ao diretor. Rio de Janeiro,
18 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
____. Ofício do coronel Diretor, José Victoria de Soares de Andrea Andrea, ao ministro da Guerra, José
Mariano de Mattos Sobre a denúncia do dia 18 de janeiro quanto a escolha de fazendas pelo Arse-
nal. 1 de fevereiro de 1864. Mss. ANRJ. IG7 26.
____. Ofício do diretor Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao Ministro da Guerra, Conselheiro Se-
bastião do Rego Barros sobre condução de uma máquina a Vapor para a fortaleza da Conceição.
Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1859. Mss. ANRJ. IG7 16.
____. Ofício do diretor do Arsenal Antônio João Rangel de Vasconcelos ao Ministro da Guerra, Manoel
Felizardo de Souza e Mello sobre horário de trabalho no Arsenal. Rio de Janeiro. 28 de maio de
1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Ofício do diretor do Arsenal Antônio João Rangel de Vasconcelos ao Ministro da Guerra, Manoel
Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro, 7 de julho de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Ofício do diretor do Arsenal ao Ministro da Guerra, informando que o Arsenal necessita de dezes-
seis espingardeiros. Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1836. Mss. ANRJ. IG7 19.
____. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra, Major José de Vasconcellos Menezes Albuquerque, ao
Ministro da Guerra, Conde de Lages, sobre contratação de pessoal do Arsenal de Guerra pelo de
Marinha. Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1839. Mss. ANRJ.
____. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, ao ministro da
Guerra, Sebastião do Rego Barros, sobre o material para o Laboratório das Fábricas de ferro, e

598
Bibliografia

pólvora, que o Engenheiro Rodolpho Wachneldt vai estabelecer na Província de Mato Grosso. Rio
de Janeiro, 8 de junho de 1860. Mss. ANRJ. IG7 17.
____. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra, Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao Ministro da
Guerra, Sebastião do Rego Barros, Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 1860. Mss. ANRJ. IG7 17.
____. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, Jeronimo Francisco Coelho, ao Minis-
tro da Guerra, Pedro d’Alcantara Bellegarde, sobre fornecimentos ao Chefe de Esquadra Pedro
Ferreira de Oliveira, 22 de dezembro de 1854. Mss. ANRJ. IG7 14.
____. Ofício do Diretor do Arsenal de Guerra, Jeronimo Francisco Coelho, ao Ministro da Guerra, Pe-
dro d’Alcantara Bellegarde sobre o retorno de treze menores ao Arsenal. Rio de Janeiro, 23 de ou-
tubro de 1854. Mss. ANRJ IG7 14.
____. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra, Marechal João Carlos Pardal, ao Ministro da Guerra,
Manoel Felizardo de Souza, sobre a compra de quatro mil capotes salvos dos direitos da alfândega.
Rio de Janeiro, 20 de março de 1848. Mss. ANRJ, IG7 10.
____. Ofício do diretor do Arsenal de Guerra Marechal José Maria da Silva Bittencourt, para o ministro
da Guerra, Manuel Felizardo de Souza e Mello, sobre a necessidade de comprar uma nova máquina
a vapor. Rio de Janeiro, 11 de junho de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
____. Ofício do Diretor do Arsenal de Guerra da Corte Alexandre Manuel Albino de Carvalho ao Minis-
tro, Marques de Caxias. Rio de Janeiro, 7 de outubro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 23.
____. Ofício do diretor do Arsenal José Maria da Silva Bittencourt ao Ministro da Guerra, Manoel Feli-
zardo de Souza e Mello, sobre vencimentos de soldados inválidos. 3 de outubro de 1850. Mss ANRJ,
IG7 11.
____. Ofício do diretor do Arsenal José Maria da Silva Bittencourt, Marechal de Exército, ao Ministro
da Guerra, Conselheiro Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro 13 de janeiro de 1851.
Mss. ANRJ. IG7 12.
____. Ofício do diretor do Arsenal, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, ao Sr. chefe da 1a Seção da 1a
Diretoria Geral da Secretaria de Estado, Mariano Carlos de Sousa Correa, envia o Relatório do
movimento administrativo de 1861. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 24.
____. Ofício do diretor do Arsenal, Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao ministro da Guerra, José
Antônio Saraiva, sobre o engajamento de colonos para o serviço deste Arsenal. Rio de Janeiro, 26
de novembro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
____. Ofício do diretor do Arsenal, Cel. Jeronimo Francisco Coelho ao ministro da Guerra, Pedro
d’Alcântara Bellegarde, Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 14.
____. Ofício do diretor do Arsenal, coronel José de Vitória Soares d’Andrea, ao ministro da Guerra,
Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, Rio de Janeiro, 12 de julho de 1862. Mss. ANRJ. IG7 24.
____. Ofício do diretor do Arsenal, José de Vasconcelos Menezes de Drummond ao Ministro da Guerra.
Rio de Janeiro, 6 de março de 1837. Mss. ANRJ, IG7 20.
____. Ofício do diretor do Arsenal, José Maria da Silva Bittencourt ao Ministro da Guerra, Manoel Feli-
zardo de Souza e Mello, sobre menores instruídos no Arsenal de Marinha. Rio de Janeiro, 30 de se-
tembro de 1850. Mss. ANRJ. IG7 11.
____. Ofício do diretor do Arsenal, José Maria da Silva Bittencourt ao Ministro da Guerra, Manoel Feli-
zardo de Souza e Mello. 25 de junho de 1850. Mss. ANRJ. IG7 11.
____. Ofício do diretor do Arsenal, Marechal de Exército José Maria da Silva Bittencourt ao ministro da
Guerra. Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1852. Mss. ANRJ, IG7 13.
____. Ofício do diretor e Alexandre Manoel Albino de Carvalho, ao ministro, Jerônimo Francisco Coe-
lho, sobre castigos corporais aplicados aos menores, Rio de Janeiro, 11 de julho de 1857. Mss.
ANRJ. IG7 22.
____. Ofício do Diretor interino do Arsenal, Manoel Ignácio Brício ao Ministro da Guerra, Pedro
d’Alcântara Bellegarde. Rio de Janeiro, 13 de maio de 1854. Mss. ANRJ, IG7 14.
____. Ofício do diretor interino, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, ao ministro da Guerra, Conde
de Lages, sobre despejo de pessoas do quartel do Moura, para ser ocupado pela Companhia de Ar-
tífices. Rio de Janeiro 5 de janeiro de 1838. Mss. ANRJ. IG7 20.

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xias, sobre punição dos responsáveis pela falha do exercício na escola de tiro de Campo Grande.
Rio de Janeiro, 5 de outubro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 23.
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xias. Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 23.
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de prédios internos no Laboratório do Castelo. Rio de Janeiro, 14 de fevereiro de 1836. Mss. ANRJ.
IG7 20.
____. Ofício do diretor, Antônio Rangel de Vasconcelos, ao Ministro da Guerra, Sebastião do Rego Bar-
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Janeiro. 7 de fevereiro de 1853. Mss. ANRJ. IG7 14.
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Bellegarde, Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 14.
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armas. Rio de Janeiro, 19 de setembro de 1857. Mss. ANRJ. IG7 366.
____. Ofício do diretor, Cel. Jerônimo Francisco Coelho ao ministro da Guerra, Pedro d’Alcântara
Bellegarde, Rio de Janeiro, 22 de janeiro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 14.
____. Ofício do diretor, cel. Jerônimo Francisco Coelho ao ministro P.de S. Bellegarde sobre o envio do
menor Abrahão Pedro de Alcântara que feriu com uma pequena faca o soldado da companhia de
Artífices Manoel Antônio da Silva para a companhia de aprendizes marinheiros. Rio de Janeiro, 2
de janeiro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 14.
____. Ofício do diretor, Coronel Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao Ministro, tenente-general
Marquês de Caxias, solicitando a contratação de 30 alfaiates para a feitura de peças que não se dão
por arrematação. Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 24.
____. Ofício do diretor, Coronel Antônio Francisco Raposo, sobre a existência de escravos de 18 a 40
anos no Arsenal. Rio de Janeiro 8 de novembro de 1866. Mss. ANRJ. IG7 28.
____. Ofício do diretor, Coronel Antônio Francisco Raposo, ao o ministro da Guerra, José Antônio Sa-
raiva, sobre alistamento de alfaiates. 20 de agosto de 1865. Mss. ANRJ. IG7 27.
____. Ofício do diretor, Coronel José Victoria de Soares de Andrea, ao ministro da Guerra, José Maria-
no de Mattos, sobre artigo publicado no Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 10 de março de 1864.
Mss. ANRJ. IG7 26.
____. Ofício do diretor, Domingos de Souza Coelho Caldas, ao ministro da Guerra, João Vieira de Car-
valho, sobre falta de pessoal na companhia de artífices, 10 de maio de 1836. Mss. ANRJ. IG7 19.
____. Ofício do Diretor, Jeronimo Francisco Coelho, ao Ministro da Guerra, Pedro d’Alcântara Belle-
garde, com proposta de tabela, regulando a tarifa dos jornais dos operários deste arsenal. Rio de
Janeiro, 9 de novembro de 1854. Mss. ANRJ. IG7 14.

600
Bibliografia

____. Ofício do diretor, José Maria da Silva Bittencourt, ao Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de
Souza e Mello, sobre a inconveniência de manter os oito soldados inválidos na Conceição. Rio de
Janeiro, 10 de dezembro de 1850. Mss. ANRJ. IG7 11.
____. Ofício do diretor, José Maria da Silva Bittencourt, ao ministro a Guerra, Manoel Felizardo de
Souza e Mello sobre o transporte de uma prensa hidráulica, que do porto da Estrela foi para o
Campinho. Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12.
____. Ofício do diretor, Marechal João Carlos Pardal, ao ministro Antônio Manoel de Melo, sobre falta
d’água no Arsenal. Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1848. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Ofício do diretor, Marechal João Carlos Pardal, ao ministro da Guerra, João Paulo dos Santos
Barreto sobre brocar peças fundidas no Arsenal. Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1848. Mss. ANRJ.
IG7 10.
____. Ofício do Inspetor da Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e Fundições, José
Francisco da Silva ao ministro da Guerra, sobre a situação de Sebastião José Lopes, mestre de
construção do antigo Trem de Montevidéu. Rio de Janeiro, 27 de março de 1829. Mss. ANRJ. IG7
18.
____. Ofício do Inspetor Interino do Arsenal de Guerra, Francisco de Paula e Vasconcellos, ao Ministro
da Guerra, João Vieira de Carvalho, sobre a impossibilidade de envio de um torneiro para o trem
de Pernambuco. Rio de Janeiro, 3 de agosto de 1825. Mss. ANRJ. IG7 2.
____. Ofício do Maquinista Carlos Rouhette sobre a substituição dos tornos de madeira por outros de
ferro. Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12.
____. Ofício do Quartel general da Corte, Antônio José de Brito. Ao diretor do Laboratório do Campi-
nho, passando o termo de juramento de Aires Antônio de Moraes Âncora. Rio de Janeiro, 22 de ja-
neiro de 1853. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
____. Ofício do vice-diretor, Vicente Marques Lisboa ao diretor, Antônio Manoel de Melo, sobre peças
de bronze inutilizadas. Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1846. Mss. ANRJ. IG7 334.
____. Ofício do vice-diretor, Vicente Marques Lisboa, ao Diretor Antônio João S. Rangel de Vasconce-
los, sobre demissão de operários. Rio de Janeiro, 17 de setembro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Ofício do vice-diretor, Vicente Marques Lisboa ao diretor, Marechal de Exército José Maria da
Silva Bentancourt, sobre contratação de mestre e aparelhador para oficinas de Alfaiates. Rio de Ja-
neiro 27 de maio de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
____. Ofício Nº. 34, do diretor do Arsenal de Guerra, Antônio João Rangel de Vasconcelos ao Ministro
da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e Mello. Rio de Janeiro, 30 de abril de 1849. Mss. ANRJ.
IG7 10.
____. Ofício reservado de João José da Costa Pimentel, Brigadeiro, diretor interino do Arsenal, ao mi-
nistro da Guerra, Marques de Caxias. Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.
____. Ofício vice do diretor interino, ten-cel. José Manoel da Silva, ao Ministro da Guerra, Marquês de
Caxias informando sobre as 4.000 bombas de 80 para Óbidos mandadas fundir no Arsenal de Mari-
nha. Rio de Janeiro, 9 de julho de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.
____. Ordem do dia 83. Quadro demonstrativo do pessoal dos operários militares das diferentes oficinas
que ficam nos respectivos serviços e dos que são eliminados. Rio de Janeiro, 24 de outubro de 1861.
Mss. ANRJ. IG7 23.
____. Ordem do dia n. 10, do diretor Alexandre Manoel Albino de Carvalho ao ministro Coelho, Rio de
Janeiro, 12 de abril de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
____. Ordem do dia n.º 5, de 13 de janeiro de 1862, Coronel Alexandre Manoel Albino de Carvalho.
Sobre ordem de repreender severamente Francisco Guedes de Araújo Guimarães substituto do Pro-
fessor de 1as letras. Rio de Janeiro, Mss. ANRJ. IG7 24.
____. Ordem do dia nº 78, sobre demissão de trabalhadores. Diretoria do Arsenal de Guerra da Corte,
Rio de Janeiro, 10 de outubro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 23.
____. Parecer de Joaquim Francisco Viana [senador], sobre costuras do Arsenal. 14 de fevereiro de
1860. Mss. ANRJ. IG7 17.
____. Portaria nº. 48 do diretor do Arsenal, Cel. Jerônimo Francisco Coelho. Rio de Janeiro, 17 de ja-
neiro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 14.

601
Bibliografia

____. Relação das obras mais triviais que se gravam na oficina de gravadores, e que se podem dar preço
da mão de obra e matéria prima. Manoel Alves Guerobino da Silva Penna, mestre da oficina de
gravadores no Arsenal de Guerra da Corte. Rio de Janeiro, 10 de março de 1852. Mss. ANRJ. IG7
12.
____. Relação das obras que fizeram as diferentes oficinas do Arsenal do Exercito no mês de Agosto do
presente ano de 1823. Cel. Salvador José Maciel, inspetor. Rio de Janeiro, 10 de setembro de 1823.
Mss. ANRJ. IG7 2.
____. Relação das praças que pertenceram ao extinto Corpo de Artífices, Virgílio Fogaça da Silva, Ma-
jor comandante Geral das Companhias, Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 1866. Mss. ANRJ. IG7
350.
____. Relação do número de bicos de gás existentes nas diversas repartições deste Arsenal, com declara-
ção dos que se acendem, e duração das luzes. Arsenal de Guerra da Corte José Manoel da Silva, 1º
Ajudante. s.d. [1857]. Mss. ANRJ. IG7 22.
____. Contrato com Hobkirk e Westman, Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1850. Mss. ANRJ. IG7 391.
____. Relação dos africanos livres recebidos da casa de correção com destino para Mato Grosso. Este-
vão José de Fleury, Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
____. Relação dos artigos bélicos, fardamentos, e equipamento que devem ser remetidos para a Provín-
cia de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro, 2 de novembro de 1842. Mss. ANRJ. IG7 333.
____. Relação dos escravos que existiam nas oficinas e que foram despedidos hoje, Manoel José da Sil-
va, apontador. Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1849. Mss. ANRJ. IG710.
____. Relação dos escravos que existiam nas oficinas e que foram despedidos hoje, Manoel José da Sil-
va, apontador. Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1849. Mss. ANRJ. IG710.
____. Relação dos escravos que existiam nas oficinas e que foram despedidos hoje, Manoel José da Sil-
va, apontador. Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Relação dos expostos que por ordem de sua Majestade Imperial assentaram praça de adidos na
Companhia de Artífices. Coronel Francisco de Paula e Vasconcellos. Rio de Janeiro, 22 de julho de
1825. Mss. ANRJ. IG7 2.
____. Relação dos Inspetores de Artilharia, Arsenais, Fábricas e Fundições e Diretores que tem tido o
Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro de 1811 a 1911. s.d. [1925]. Mss. ANRJ. IG7 96.
____. Relação dos objetos mandados fornecer à província de Mato Grosso, com declaração dos que
estão prontos. Elias Afonso Lima, secretário. Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1858. Mss. ANRJ,
IG7 15.
____. Relação dos objetos que falta fornecer à Província de Mato Grosso em virtude das ordens seguin-
tes. O escrivão Ignácio Viegas Rangel. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1857. Mss. ANRJ. IG7 22.
____. Relação dos objetos que se julgam precisos para o Arsenal de Guerra da Corte, e que convém
sejam encomendados fora do Império. Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 1837. Mss. ANRJ. IG7 20.
____. Relação dos operários cativos que em virtude do aviso de 19 do corrente foram despedidos dos
trabalhos destas oficinas, João José da Silva, Oficinas do Arsenal de Guerra na Conceição. Rio de
Janeiro, 22 de novembro de 1849. Mss. ANRJ. IG7 10.
____. Relação dos operários que vieram engajados da Europa para serem adidos no Arsenal, Francisco
José Carvalho, Vice-diretor. Rio de Janeiro, 29 de julho de 1839. Mss. ANRJ.
____. Relação n.º 1 do pessoal existente nesta oficina. Oficina de espingardeiros da Fábrica de armas na
fortaleza da Conceição, Joaquim Miguel Pinto Real. Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1863. Mss.
ANRJ. IG7 26.
____. Relação nominal da mestrança da oficina de construção do Arsenal de Guerra da Corte com de-
claração do tempo de serviço que tem. O secretário, José Antônio Frederico. Rio de Janeiro, 27 de
novembro de 1865. Mss. ANRJ. IG7 502.
____. Relação nominal das praças do corpo de Artífices da corte com declaração dos ofícios de cada
uma e dos destinos em que se acham. Major Antônio de Castro Viana, Quartel do Arsenal de Guer-
ra, 29 de janeiro de 1865. Mss ANRJ. Coleção Polidoro, Maço 7.

602
Bibliografia

____. Relação nominal dos Africanos livres e escravos da nação ao serviço deste Arsenal, com declara-
ção dos serviços que prestam, seus ofícios, e bem assim quais os casados e com quantos filhos. Rio
de Janeiro, s. dia, Julho 1857. Mss. ANRJ. IG7 22.
____. Relação nominal dos Africanos que têm estado neste Arsenal com declaração de seus destinos,
extraída dos respectivos livros de matrículas. Encarregado da 1a Seção do Arsenal de Guerra da
Corte, M. Roiz Guimarães. Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 1865. Mss. ANRJ. IG7 27.
____. Relação nominal dos escravos e escravas da nação sujeitos ao Arsenal de guerra da Corte. Arse-
nal de Guerra da Corte, escritório da 1ª Seção. Major Joaquim Jerônimo Barrão, 1º ajudante. Rio de
Janeiro, 23 de julho de 1865. Mss. ANRJ IG7 27.
____. Relação nominal dos operários militares. Lino José dos Santos de Macedo Figueiredo, 1o Oficial.
Rio de Janeiro, 11 de março de 1881. Mss. ANRJ. IG7 234.
____. Relatório da Fábrica de armas, Paulo José Pereira, encarregado da Fábrica, Rio de Janeiro, 18
de novembro de 1853. Mss. ANRJ. IG7 25.
____. Relatório do Arsenal de Guerra da Corte. Manoel Albino de Carvalho, o diretor, ao Conselheiro
José Maria da Silva Paranhos, ministro da Guerra. Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1859. Mss.
ANRJ. IG7 16.
____. Relatório do Arsenal de Guerra, 30 de janeiro de 1860. Mss. ANRJ, IG7 17.
____. Relatório do Arsenal de Guerra, João José da Costa Pimentel, Brigadeiro Diretor. Rio de Janeiro,
5 de março de 1857. Mss. ANRJ. IG7 22.
____. Relatório do Arsenal de Guerra, Marechal de campo José Maria da Silva Bitancourt, Rio de Janei-
ro, 1 de março de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
____. Relatório do Arsenal de Guerra, relativo ao ano de 1869, Dr. Francisco Carlos da Luz, diretor
interino, Rio de Janeiro, 18 de abril de 1870. Mss. ANRJ. IG7 24.
____. Relatório do Arsenal de Guerra, Rio de Janeiro 30 de janeiro de 1861. Mss. ANRJ, IG7 23.
____. Relatório do Arsenal para o ano de 1857. Diretoria do Arsenal de Guerra, Alexandre Manoel
Albino de Carvalho, Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 4.
____. Relatório do Brigadeiro, Diretor interino, João José da Costa Pimentel, Rio de Janeiro, 28 de
fevereiro de 1856. Mss. ANRJ. IG7 21.
____. Relatório do Estado do Arsenal de Guerra da Corte. José Maria da Silva Bittencourt, Marechal de
Exército. Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7 12.
____. Relatório do estado do pessoal das oficinas do Arsenal de Guerra da Corte e dos objetos que se
devem presentemente nelas fabricar. Rio de Janeiro, 24 de novembro de 1836. Mss. ANRJ. IG7 19.
____. Relatório do Marechal João Carlos Pardal, diretor do Arsenal de Guerra, ao Ministro da Guerra.
Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1848. Mss. ANRJ, IG7 10.
____. Representação do Professor Substituto, Sr. Francisco Guedes de Araújo Guimarães, ao 1o Ajudan-
te, Lima e Silva, sobre ordem que recebeu de assumir as classes do professor. Rio de Janeiro, 14 de
janeiro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 24.
____. Requerimento de José Lúcio de Araújo. Rio de Janeiro, [sem dia], julho de 1854. Mss. ANRJ. IG7
335.
____. Tabela dos preços de mão de obra dos objetos feitos por empreitada na oficina de torneiros do
Arsenal de Guerra da Corte, conforme aviso desta data, João Antônio de Calazans Rodrigues. Rio
de Janeiro, 31 de janeiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 505.
____. Tabela Marcando as horas de trabalho e vencimentos de jornais dos operários deste Arsenal, nas
sestas, serões e domingos ou dias santificados. Apontador Eduardo José Maria, s.d. Em anexo a
ofício do 2o Ajudante ao Diretor do Arsenal, Tenente-Coronel Antônio Pinto de Figueiredo Mendes
Antas, sobre pagamento de sestas. Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 1862. Mss. ANRJ. IG7498.
____. Tabela Preços dos feitios de costuras Arsenal de Guerra, Rio de Janeiro, 13 de maio 1854. Mss.
ANRJ, IG7 14.
BRASIL – Comissão de Melhoramentos do Material do Exército. Ofício do Presidente, João Paulo dos
Santos Barreto, Marechal de Campo, aprovando os cartuchos de espingarda de agulha na composi-

603
Bibliografia

ção do Doutor Guilherme Schüch de Capanema, em 14 de dezembro de 1850. Mss. ANRJ. GIF12.1
5B 246.
____. Parecer sobre a compra da Máquina da Fábrica de Panos de Algodão de Hartley. Rio de Janeiro,
28 de junho de 1852. Mss. ANRJ IG7 13.
____. Relatório da comissão para o ano de 1860. José Mariano de Matos. Presidente interino Rio de
Janeiro, 1 de janeiro de 1861. Mss. ANRJ. GIFI12.1 5B 246.
____. Cópia de ofício do Presidente, José Mariano de Mattos, ao ministro da Guerra, marquês de Caxi-
as. 19 de março de 1862. Mss. ANRJ. IG7 387.
____. Ofício de José Mariano de Matos, presidente, ao diretor geral da 1ª Diretoria Geral da Secretaria
da Guerra, tenente coronel Vicente Ferreira da Costa Piragibe sobre problemas de explosões de
cápsulas de fulminante. Rio de Janeiro, 14 de novembro de 1861. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 267.
____. Parecer sobre os sapatos Coiroclave. Rio de Janeiro, 28 de junho de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
BRASIL – Comissão Técnica Militar Consultiva. Ofício do presidente, General de Divisão Francisco
Carlos da Luz ao Diretor do Arsenal de Guerra, Cel. Neiva, sobre proposta de nova lança, modifi-
cando a aprovada no parecer nº 92, de 23 de junho de 1892. Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1897.
Mss. Arquivo Nacional. IG7 146.
BRASIL – Corte. Ofício de sua majestade ao ministro da justiça isentando os operários de espingardei-
ros, coronheiros e correeiros do serviço na Guarda Nacional nos dias de trabalho, excetuando-se os
dias em que a Guarda Nacional tiver que reunir-se em parada geral. Rio de Janeiro, 7 de julho de
1841. Mss. ANRJ. IG7 6.
BRASIL – Exército em Operações. Relação dos objetos precisos ao Exército na Província de São Pedro
do Rio Grande do Sul, Antônio Elizário de Miranda e Brito. Quartel General em Porto Alegre, 18 de
dezembro de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323.
BRASIL – Fábrica de Armas. Relação do Armamento que se acha no Depósito da Fábrica de Nossa
Senhora da Conceição pertencente à Casa Imperial. Joaquim Caetano da Silva, Brigadeiro, Co-
mandante e inspetor. Rio de Janeiro, 11 de abril de 1831. IG7320.
BRASIL – Fábrica de Ferro de Ipanema. Ofício do major diretor, João Pedro de Lima Gutierrez ao Pre-
sidente de São Paulo, Ipanema, 7 de dezembro de 1859. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B-253.
____. Ofício reservado do major diretor, João Pedro de Lima Gutierrez ao ministro da Guerra, Sebasti-
ão do Rego Barros. Fábrica de Ferro de Ipanema, 16 de agosto de 1860. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B-
253.
____. Ofício de João Bloem, major diretor da Fábrica de Ipanema ao Ministro da Guerra, Conde de
Lages, pedindo conhecimento de material enviado ao Arsenal de Guerra da Corte. Ipanema, 7 de se-
tembro de 1839. Mss. ANRJ. IG7 325.
____. Relação e importância dos objetos ora remetidos deste Armazém, por ordem superior ao Arsenal
de Guerra do Rio de Janeiro. Francisco Cândido Sagaterra, Almoxarife. Ipanema, 23 de agosto de
1838. Mss. ANRJ. IG7 323.
BRASIL – Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército. Ofício do Inspetor, José Francisco da Silva ao
ministro da Guerra, Joaquim de Oliveira Alves, 28 de abril de 1829. Mss. ANRJ. IG7 18.
BRASIL – Laboratório Pirotécnico do Campinho. Mapa demonstrativo do estado em que se acha a con-
fecção do cartuchame embalado para Infantaria no Laboratório pirotécnico do Campinho, a partir
do dia 1° de Agosto do corrente ano em diante. José Raimundo de Miranda Machado, escriturário.
Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1857. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
____. Mapa demonstrativo das munições e artifícios de guerra elaborados nas oficinas do mesmo duran-
te o trimestre de janeiro a março de 1862. Escrivão das oficinas, Júlio César Leal. Rio de Janeiro, 8
de abril de 1862. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 261.
____. Ofício de Francisco Carlos da Luz o ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho sobre servi-
ços de africanos livres no laboratório. Rio de Janeiro, 1 de dezembro de 1857. Mss. ANRJ. GIFI OI
5B 260.
____. Ofício do Capitão diretor, Francisco Carlos da Luz, ao Ministro da Guerra, marquês Caxias, so-
bre o preparador do laboratório pirotécnico. 4 de junho de 1856. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.

604
Bibliografia

____. Ofício do capitão diretor, Francisco Carlos da Luz ao ministro da Guerra, Polidoro da Fonseca
Quintanilha Jordão sobre pedidos feitos ao Laboratório. Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1863.
Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 261..
____. Ofício do capitão diretor, Francisco Carlos da Luz ao ministro da Guerra, Jerônimo Francisco
Coelho, Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1857. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
____. Ofício do capitão diretor, Francisco Carlos da Luz, ao ministro da Guerra, marquês de Caxias
informando que Scipião fugiu do laboratório. Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1861. Mss. ANRJ.
GIFI OI 5B 267.
____. Ofício do capitão diretor, Francisco Carlos da Luz, ao ministro da Guerra, José Maria da Silva
Paranhos, comunicando que o Africano livre de nome Scipião, fugido em 18 de fevereiro aqui se
apresentou ontem e acha-se outra vez no serviço deste estabelecimento. Rio de Janeiro, 7 de dezem-
bro de 1858. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260
____. Ofício do capitão diretor, Francisco Carlos da Luz, ao ministro da Guerra, P.de S. Bellegarde
sobre a fuga do africano livre Scipião. Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1854. Mss. ANRJ. GIFI
OI 5B 260.
____. Ofício do Capitão diretor, Francisco Carlos da Luz ao ministro da Guerra, Antônio Moraes de
Melo participando que fora aqui entregue o Africano livre Scipião. Rio de Janeiro, 10 de março de
1863. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 261.
____. Parecer do diretor do Campinho, Capitão Francisco Carlos da Luz, sobre a compra de um lami-
nador. Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1861. Mss. ANRJ. IG7 510.
____. Relação nominal dos empregados do Laboratório Pirotécnico do Campinho. José Raimundo de
Miranda Machado, escriturário. Rio de Janeiro, 22 de julho de 1857. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
____. Relação nominal dos operários das oficinas pirotécnicas deste estabelecimento, com declaração de
seus vencimentos, admissão, e tempo de serviço de cada tem. Escriturário Seara, Rio de Janeiro, 20
de setembro de 1861. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
____. Relação nominal dos operários paisanos e militares pertencentes às oficinas deste laboratório,
com declaração de seus vencimentos, data de admissão, e tempo de serviço que cada um tem. Escri-
turário Seara, Rio de Janeiro 20 de setembro de 1861. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 221.
____. Relatório da Diretoria do laboratório Pirotécnico do Campinho relativo ao ano de 1872. Augusto
Fausto de Souza, Capitão Diretor Interino. Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 1873. Mss. ANRJ.
GIFI OI 5B 267.
____. Relatório do ano de 1859. Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1860. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 260.
____. Relatório, do diretor, Francisco Carlos da Luz para Mariano Carlos de Souza Correa, chefe de
seção da 1a diretoria da Secretaria da Guerra, servindo de Diretor Geral. Rio de Janeiro, 26 de ou-
tubro de 1863. Mss. ANRJ. GIFI OI 5B 261.
____. Tabela de distribuição do tempo de trabalho para os operários desse Estabelecimento, em vista do
Artigo 58 do regulamento de 28 de fevereiro pp. combinado com o artigo 57 do mesmo, o escriturá-
rio Carlos Frederico Olaria. Rio de Janeiro, 10 de abril de 1861. Mss. ANRJ, GIFI OI 5B 267.
BRASIL – Legação em Lisboa. Resposta da Legação Brasileira em Lisboa, Antônio de Menezes Vascon-
celos de Drummond, sobre pedido de contratação de armeiros. Lisboa, 11 de janeiro de 1853. Mss.
ANRJ. IG7 12.
BRASIL – Legação em Londres. Despacho reservado da Legação do Império do Brasil na Grã Breta-
nha, Ministro Joaquim Thomaz de Andrade ao Ministro da Guerra Manoel Felizardo de Souza e
Mello, Comunicando o recebimento de despacho de 7 de setembro de 1850 mandando ter toda a vi-
gilância possível na execução da ordem de 3.000 espingardas, recentemente confiada a esta lega-
ção. Londres, 4 de novembro de 1850. Mss. ANRJ. IG1 558.
____. Ofício do Ministro da Legação Imperial em Londres, Manoel Rodrigues Garneiro Pessoa, a João
Vieira de Carvalho, Ministro dos Negócios do Império. Londres, 18 de julho de 1825. Mss. ANRJ.
IG7 558.
BRASIL – Ministério da Guerra. Avaliação dos relatórios dos arsenais provinciais dirigida ao ministro
da Guerra, Antônio Francisco de Paulo e Holanda Cavalcante de Albuquerque. Rio de Janeiro, 16
de abril de 1846. Mss. ANRJ. IG7 32.

605
Bibliografia

____. Aviso da 1a Diretoria Geral 1a Seção, Antônio Manoel de Mello, ao diretor do Arsenal, José de
Vitória Soares de’Andréa, autorizando o africano livre a serviço do Arsenal de Guerra, Quitério, a
casar-se com a africana livre emancipada Querobina. Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1863. Mss.
ANRJ. IG7 453.
____. Aviso da 1ª Diretoria Geral, 1ª Seção, Antônio Manoel de Mello, ao Diretor do Arsenal, José de
Vitória Soares de’Andréa, mandando recolher ao Arsenal de Guerra da Corte os dois operários da
oficina do troço. Rio de Janeiro, 17 de novembro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 356.
____. Aviso da 3ª Diretoria, 3ª Seção, do Ministério da Guerra ao diretor do Arsenal de Guerra infor-
mando sobre contrato com Manoel Augusto dos Santos para fabricação de bonés a 600 réis. Rio de
Janeiro, 10 de dezembro de 1862. Mss. ANRJ IG7 360.
____. Aviso da 4a Diretoria Geral, Antônio Manoel de Mello a Andrea ao diretor do Arsenal, José de
Vitória Soares d‘Andréa. Rio de Janeiro, 10 de agosto de 1863. Mss. ANRJ. IG7 357.
____. Aviso de Estevão Ribeiro Resende, ministro do Império a João Gomes da Silveira Mendonça minis-
tro da guerra, a quota dos escravos no serviço das Fortificações do Barro Vermelho. Rio de Janeiro,
15 de maio de 1824. Mss ANRJ, GIFI OI 5B 243.
____. Aviso do Marques de Caxias, ministro, ao diretor do Arsenal de Guerra, Albino de Carvalho, sobre
pedido de demissão do diretor. Rio de Janeiro, 10 de maio de 1862. Mss. ANRJ. IG7 534.
____. Aviso do ministério da guerra, João Paulo dos Santos Barreto, ao diretor do Arsenal de Guerra,
Antônio Manoel de Mello, respondendo favoravelmente aos requerimentos de Luís Rufo, Praxedes
José, Ângelo, e Longuinhos, escravos das fazendas Nacionais do Piauí ao serviço desse Arsenal, que
podem unir-se em matrimônio. Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1846. Mss. ANRJ. IG7 334.
____. Aviso do ministério da guerra, João Paulo dos Santos Barreto, ao diretor do Arsenal de Guerra,
Antônio Manoel de Melo, com ordem de envio da escrava da nação, Domingas, da Fábrica de Pól-
vora que tem de casar com José Raimundo, do Arsenal. Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1844. Mss.
ANRJ. IG7 334.
____. Aviso do ministro ao diretor do Arsenal de Guerra, mandando entregar ao cônsul a máquina de
costura do finado empreiteiro italiano Luís Pisano, da Oficina de alfaiates. Rio de Janeiro, 27 de
dezembro de 1884. Mss. ANRJ. IG7 65.
____. Aviso do ministro da Guerra Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti d’Albuquerque ao
diretor do Arsenal de Guerra remetendo aviso do ministro dos negócios do Império pedindo que
com brevidade se concluam as seis máquinas de descaroçar algodão que se mandaram construir
nesse Arsenal de Guerra, pelo modelo comprado a Augusto Merlete. Rio de Janeiro, 1 de janeiro de
1846. Mss. ANRJ. IG7 404.
____. Aviso do ministro da Guerra Jerônimo Francisco Coelho ao diretor do Arsenal de Guerra da Cor-
te, Brigadeiro João Eduardo Pereira Colaço Amado sobre a contratação de Augusto Merlet. Rio de
Janeiro, 23 de setembro de 1844. Mss. ANRJ. IG7 405.
____. Aviso do ministro da Guerra Jerônimo Francisco Coelho ao diretor do Arsenal de Guerra da Cor-
te, Brigadeiro João Eduardo Pereira Colaço Amado, mandando remeter armas e contratar artistas
para Mato Grosso. Rio de Janeiro, 13 de novembro de 1844. Mss. ANRJ. IG7 339.
____. Aviso do Ministro da Guerra Manoel da Fonseca Lima e Silva ao Sr. José de Vasconcelos Meneses
de Drummond [diretor do Arsenal de Guerra], autorizando a venda de 1100 cartuchos desembala-
dos de adarme 12 para a Procissão do Santíssimo Sacramento. Rio de Janeiro, 4 de junho de 1836.
Mss. ANRJ, IG7 321.
____. Aviso do Ministro da Guerra Manoel F. de Sousa e Mello ao Diretor do Arsenal de Guerra, Ale-
xandre Manoel Albino de Carvalho, autorizando a mandar fundir no Estabelecimento da Ponta
d’Areia vinte mil balas de ferro para pirâmides de calibre 30 e de 24. Rio de Janeiro, 27 de agosto
de 1859. Mss. ANRJ. IG7 406.
____. Aviso do ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa Mello ao diretor do Arsenal de guerra,
autorizando a compra de terçados. Rio de Janeiro, 6 de agosto de 1851. Mss. ANRJ. IG7 404.
____. Aviso do ministro da guerra Manoel, da Fonseca Lima e Silva, ao diretor do Arsenal de Guerra do
Rio de Janeiro, José de Vasconcelos Meneses de Drummond sobre uso do quartel do esquadrão de
cavalaria para acomodar os Oficiais Soldados Voluntários da Pátria. Rio de Janeiro, 5 de dezembro
de 1831. Mss. ANRJ IG7 44.

606
Bibliografia

____. Aviso do ministro da Guerra, Antônio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti d’Albuquerque,
ao diretor do Arsenal de Guerra, mandando dar a Carlos Rouhette os meios de fazer a máquina de
descaroçar algodão. Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1846. Mss. ANRJ. IG7 404.
____. Aviso do Ministro da Guerra, Antônio Manoel de Melo, ao diretor do Arsenal, José de Vitória
Soares de Andréa, Manda admitir Joaquim José de Carvalho Siqueira Varejão para lecionar geo-
metria, mecânica, desenho linear e desenho de máquinas aos menores, ficando o outro professor en-
carregado do desenho de arquitetura e ornados. Rio de Janeiro 25 de julho de 1863. Mss. ANRJ.
IG7 357.
____. Aviso do ministro da guerra, brigadeiro Antero José Ferreira de Brito ao diretor do Arsenal de
Guerra, Vasconcelos de Menezes de Drummond, determinando que a diária dos aprendizes seja ele-
vada de 160 para 200 réis. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1833. Mss. ANRJ. IG7 316.
____. Aviso do Ministro da Guerra, Conde de Caxias, ao Diretor do Arsenal de Guerra, João José da
Costa Pimentel para emitir ordem ao maquinista A. Correa de Melo para que, com toda a urgência,
apronte os riscos, desenhos e perfis de bocas de fogo de campanha. Rio de Janeiro, 22 de setembro
de 1857. Mss. ANRJ. IG7 396.
____. Aviso do ministro da Guerra, Conde de Caxias, ordenando a extinção da oficina de Pedreiros. Rio
de Janeiro, 13 de agosto de 1861. Mss. ANRJ. IG7 492.
____. Aviso do ministro da Guerra, conde de Lages, ao diretor do Arsenal pedindo informações sobre as
peças que faltavam na máquina a vapor. Rio de Janeiro, 27 de agosto de 1839. Mss. ANRJ. IG7 325.
____. Aviso do ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho ao diretor do Arsenal de Guerra da
Corte, Brigadeiro João Eduardo Pereira Colaço Amado, encaminhando pedido de artesãos para o
Rio Grande. Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1844. Mss. ANRJ. IG7 440.
____. Aviso do ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho ao diretor do Arsenal de Guerra da
Corte, Brigadeiro João Eduardo Pereira Colaço Amado pedindo uma relação de artigos para uma
oficina de instrumentos matemáticos. Rio de Janeiro, 5 de julho de 1844. Mss. ANRJ. IG7 405.
____. Aviso do ministro da Guerra, José A. Saraiva, ao diretor do Arsenal, Coronel Antônio Francisco
Raposo, comunicando o deferimento do requerimento do escravo da nação Longuinho, em que soli-
cita liberdade, desde que pagasse sua avaliação. Rio de Janeiro, 4 de Agosto de 1865. Mss. ANRJ.
IG7 497.
____. Aviso do Ministro da Guerra, Manoel da Fonseca Lima e Silva determinando a suspenção dos
vencimentos dos Artífices Menores e os desliguem da Companhia de Artífices. Rio de Janeiro, 18 de
outubro de 1831. Mss. ANRJ. IG7 44.
____. Aviso do Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Sousa e Melo, ao Vice-Diretor do Arsenal de
Guerra, abonar ao mestre de correeiros 30.000 réis visto ocupar-se também no adestramento dos
Artífices que trabalham nas máquinas de apagar incêndios. Rio de Janeiro, 20 de abril de 1849.
Mss. ANRJ. IG7 336.
____. Aviso do ministro da guerra, Manoel Felizardo de Souza e Melo, ao diretor do Arsenal de Guerra,
Marechal José Maria da Silva Bitancourt, mandando serrar coronhas de açouta-cavalos não só pa-
ra as oficinas da Fortaleza da Conceição e do referido Arsenal, mas também para remeterem-se du-
zentos cortes para a Província de Pernambuco e outros tantos para a da Bahia. Rio de Janeiro, 14
de abril de 1852. Mss. ANRJ. IG7 516.
____. Aviso do ministro da Guerra, marquês de Caxias para o diretor do Arsenal, Major Antônio Pinto
Figueiredo Mendes Antas, mandando receber o sobrinho do escravo Domingos no Arsenal. Rio de
Janeiro, 12 de junho de 1861. Mss. ANRJ. IG7 394.
____. Aviso do Ministro da Guerra, Marques de Caxias, ao Diretor do Arsenal de Guerra da Corte,
autorizando a fundição de José Francisco Barriga. Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1856. Mss.
ANRJ, IG7 522.
____. Aviso do ministro da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, ao coronel diretor do
Arsenal de Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea, remetendo bocas de fogo inutilizadas para
o Arsenal de Marinha para fundição de trinta e seis canhões de calibre quatro do sistema La Hitte.
Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 515.
____. Aviso do ministro da Guerra, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão ao coronel diretor do Ar-
senal de Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea, mandando fornecer bronze de canhões velhos

607
Bibliografia

para a fundição de 36 canhões no Arsenal da Marinha. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1863.


Mss. ANRJ. IG7 515.
____. Aviso do Ministro da Guerra, Sebastião do Rego Barros, ao Diretor do Arsenal de Guerra, Antô-
nio João Rangel de Vasconcellos sobre Requerimento do Padre Manoel Gomes Santo, mandando
examinar os quatro órfãos, filhos do Tenente de Artilharia Antônio Pereira Lopes quanto a sua ca-
pacidade física para os admitir entre os Aprendizes Menores. Rio de Janeiro, 28 de julho de 1837.
Mss. ANRJ. IG7323.
____. Aviso do ministro da Guerra. Jerônimo Francisco Coelho, informando que tinha se autorizado o
engajamento na Europa de dezesseis armeiros. Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1845. Mss. ANRJ.
IG7 405.
____. Aviso do ministro Jerônimo Francisco Coelho ao brigadeiro diretor do Arsenal de Guerra, Salva-
dor José Maciel mandando admitir nas Companhias de Aprendizes seis expostos. Rio de Janeiro, 22
de janeiro de 1844. Mss. ANRJ. IG7 403.
____. Aviso do ministro João Lustosa da Cunha Paranaguá ao Diretor do Arsenal de Guerra da Corte,
Dr. Francisco Antônio Raposo, Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1866. Mss. ANRJ. IG7 350.
____. Aviso do ministro Manoel Felizardo de Sousa e Melo ao diretor do Arsenal de Guerra da Corte,
José Maria da Silva Bitancourt. 14 de maio de 1850. Mss. ANRJ IG7 404.
____. Aviso do ministro Manoel Felizardo de Sousa e Melo ao diretor do Arsenal, José Maria da Silva
Bitancourt, encaminhando o contrato estabelecido com a Imperial Manufatura. Rio de Janeiro, 5 de
junho de 1851. Mss. ANRJ, IG7 404.
____. Aviso do ministro Manoel Felizardo de Sousa e Melo ao diretor do Arsenal, José Maria da Silva
Bitancourt, sobre diversas compras na Ponta da Areia. Rio de Janeiro, 17 de abril de 1852. Mss.
ANRJ. IG7 13.
____. Aviso do ministro Manoel Felizardo de Souza e Melo ao diretor do Arsenal de Guerra, Marechal
José Maria da Silva Bitancourt, sobre transformação de armas. Rio de Janeiro, 3 de novembro de
1852. Mss. ANRJ. IG7 451.
____. Aviso do ministro Manuel Felizardo de Souza e Mello ao diretor do Arsenal. determinado a redu-
ção no número de seus operários e demissão dos escravos. Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1849.
Mss. ANRJ. IG7 336.
____. Aviso do Ministro P.de S. Bellegarde ao diretor do Arsenal Jerônimo Francisco Coelho, aprovan-
do a tabela regulando o jornal e vencimentos dos operários e serventes do Arsenal de Guerra da
Corte. Rio de Janeiro, 18 de dezembro de 1854. Mss. ANRJ, IG7 341.
____. Aviso do Ministro Pedro de S. Bellegarde ao diretor do Arsenal, Jerônimo Francisco Coelho, so-
bre remessa do Laboratório do Campinho para o Arsenal de Guerra 200 foguetes à Congreve para
serem entregues à Repartição de Marinha. Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 1854. IG7 335.
____. Aviso do ministro, Ângelo Moniz da Costa Ferraz, ao diretor do Arsenal, Antônio Pinto de Figuei-
redo Mendes Antas, sobre emprego dos menores. Rio de Janeiro, 28 de junho de 1865. Mss. ANRJ.
IG7 456.
____. Aviso do Ministro, Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque, ao diretor
do Arsenal de Guerra, barão de Itapecuru Mirim, sobre o envio de artesãos para o Mato Grosso.
Rio de Janeiro, 9 de julho de 1845. Mss. ANRJ. IG7 463.
____. Aviso do ministro, Brigadeiro Antero José Ferreira de Brito, ao diretor do Arsenal de Guerra,
Vasconcelos de Menezes de Drummond, sobre pedido ao ministro da justiça do envio ao Arsenal do
Espingardeiro Sabino Correia do Amor Divino para ser ali conservado em prisão, e empregado na
oficina respectiva. Rio de Janeiro, 2 de julho de 1833. Mss. ANRJ. IG7 317.
____. Aviso do Ministro, Conde de Caxias, ao Diretor do Arsenal de Guerra, Brigadeiro João José da
Costa Pimentel, nomeando Antônio Corrêa de Mello e Oliveira como Construtor. Rio de Janeiro, 3
de outubro de 1855. Mss. ANRJ. IG7 351.
____. Aviso do ministro, Domingos Jaguaribe, ao diretor do Arsenal de Guerra, Aires Antônio de Morais
Âncora sobre mestres dispensados do ponto. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1871. Mss. ANRJ. IG7
375
____. Aviso do Ministro, Felizardo, ao Vice-Diretor do Arsenal de Guerra sobre processo de licitação.
Rio de Janeiro, 12 de março de 1849. Mss. ANRJ. IG7 336.

608
Bibliografia

____. Aviso do Ministro, Jeronimo Francisco Coelho ao Diretor do Arsenal de Guerra, Barão de Itape-
curu-Mirim, Rio de Janeiro, 17 de maio de 1845. Mss. ANRJ. IG7 436.
____. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho ao diretor do Arsenal de Guerra da Corte, Briga-
deiro João Eduardo Pereira Colaço Amado, aprovando proposta do vice-diretor do Arsenal, Galdi-
no Justiniano da Silva Pimentel, sobre a permanência no Arsenal de dois dos oficiais mais hábeis,
para ensinar os aprendizes artífices. Rio de Janeiro, 29 de julho de 1844. Mss. ANRJ, IG7405.
____. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho, ao brigadeiro diretor do Arsenal de Guerra, João
Eduardo Pereira Colaço Amado, mandando abonar 20 réis diários aos Africanos e escravos da na-
ção, como era feito anteriormente. Rio de Janeiro, 12 de março de 1844. Mss. ANRJ. IG7 403
____. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho, ao diretor do Arsenal de Guerra, Coronel do Esta-
do-Maior de 1a Classe Alexandre Manoel Albino de Carvalho, sobre representação feita pelos ope-
rários empreiteiros da Conceição sobre seus vencimentos. Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1857.
Mss. ANRJ. IG7 396.
____. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho, ao Diretor do Arsenal de Guerra, Coronel do Es-
tado-Maior de 1a Classe Alexandre Manoel Albino de Carvalho, mandando transformar todas as
pistolas e clavinas de adarme 12 em fulminante, assim como substituir os canos das armas trans-
formadas anteriormente por outros novos. Rio de Janeiro, 29 de agosto de 1857. Mss. ANRJ. IG7
366.
____. Aviso do ministro, Jerônimo Francisco Coelho, ao diretor do Arsenal de Guerra, coronel do Esta-
do-Maior de 1ª Classe Alexandre Manoel Albino de Carvalho, proibindo a residência de famílias na
Fábrica de armas da Conceição. Rio de Janeiro, 28 de outubro de 1857. Mss. ANRJ. IG7 396.
____. Aviso do ministro, João Paulo dos Santos Barreto ao diretor do Arsenal de Guerra, João Carlos
Pardal mandando vacinar todos os Aprendizes Menores do Arsenal de Guerra que ainda não ti-
nham sido vacinados. Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1846. Mss. ANRJ. IG7 399.
____. Aviso do ministro, João Paulo dos Santos Barreto, ao diretor do Arsenal, Antônio Manoel de Mello
manda dar liberdade, sob pagamento a filha dos escravos da Nação, Cyriaco e Joana. Rio de Janei-
ro, 5 de setembro de 1846. Mss. ANRJ. IG7 334.
____. Aviso do Ministro, José Clemente Ferreira, para o diretor do Arsenal, José dos Santos e Oliveira.
Rio de Janeiro, 7 de junho de 1842. Mss. ANRJ, IG7 503.
____. Aviso do Ministro, José Clemente Pereira, ao Diretor do Arsenal de Guerra, José dos Santos Oli-
veira, mandando entregar ao Sr. Major João Bloem modelos das clavinas e pistolas. 16 de setembro
de 1841. Mss. ANRJ, IG7 328.
____. Aviso do ministro, José Clemente Pereira, ao diretor do Arsenal de Guerra, ordenando que cesse a
prática de entregar ao almoxarife as caixas e capas de gêneros que entram no Arsenal. Rio de Ja-
neiro, 30 de agosto de 1841. Mss. ANRJ. IG7 328.
____. Aviso do Ministro, M. F. de Sousa e Mello, ao diretor do Arsenal, Brigadeiro Feliciano Antônio
Falcão, mandando eliminar do serviço do Arsenal de Guerra o Africano Livre do nome Romão, uma
vez que se retire para seu país. Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1853. Mss. ANRJ. IG7 460
____. Aviso do ministro, Manoel da Fonseca Lima e Silva ao Sr. José de Vasconcelos Meneses de
Drummond, diretor do Arsenal sobre proposta de aumento de jornais para o Patrão e remeiros do
Arsenal, Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1836. Mss. ANRJ. IG7 321
____. Aviso do Ministro, Manoel da Fonseca Lima e Silva ao Sr. José de Vasconcelos Meneses de
Drummond, comunicando que já passou aviso ao Comandante das armas interino da Corte, a fim de
mandar para a Companhia de Artífices desse Arsenal os recrutas que tiverem ofícios. Rio de Janei-
ro, 11 de maio de 1836. Mss. ANRJ. IG7 321.
____. Aviso do ministro, Manoel Felizardo de Souza e Mello, ao Diretor do Arsenal, José Maria da Silva
Bitancourt mandando transportar quinze reparos, que se acham prontos nesse Arsenal para a For-
taleza do Cabedelo. 28 de maio de 1850. Mss. ANRJ. IG7 343.
____. Aviso do ministro, Manoel Felizardo de Souza e Melo ao diretor do Arsenal de Guerra, José Maria
da Silva Bitancourt, mandando fazer cartuchos e fornecer espingardas a Tige. Rio de Janeiro, 16 de
abril de 1852. Mss. ANRJ. IG7 516.
____. Aviso do ministro, Manoel Francisco de Souza e Mello ao Diretor do Arsenal de Guerra, Alexan-
dre Manoel Albino de Carvalho, autorizando mandar arranjar até cinquenta espingardinhas e o

609
Bibliografia

competente correame apropriados para Aprendizes Menores de 12 anos de idade. Rio de Janeiro,
23 de julho de 1859. Mss. ANRJ, IG7 388.
____. Aviso do ministro, Manuel Felizardo de Souza e Mello, ao Diretor do Arsenal, José Maria da Silva
Bitancourt, informando os operários das oficinas de Alfaiates e Sapateiros do Arsenal de Guerra
não deverão perceber jornais. Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1850. Mss. ANRJ. IG7 343.
____. Aviso do ministro, Manuel Felizardo de Souza e Mello, ao Diretor do Arsenal, José Maria da Silva
Bitancourt, ao diretor do Arsenal, coronel Antônio João Rangel de Vasconcelos, determinando que
não se conserve escravo algum nas oficinas do Arsenal. Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1849.
Mss. ANRJ. IG7 336.
____. Aviso do ministro, Marques de Caxias para o diretor do Arsenal, Alexandre Manoel Albino de
Carvalho sobre demissão de operários. Rio de Janeiro, 1 de outubro de 1860. Mss. ANRJ. IG7 372.
____. Aviso do ministro, Marquês de Caxias, ao diretor do Arsenal, remetendo ao diretor do Arsenal de
Guerra da Corte uma espingarda com baioneta e uma clavina com sabre, ambos da fábrica Lemille,
com selo. Rio de Janeiro, 16 de maio de 1856. Mss. ANRJ. IG7 521.
____. Aviso do ministro, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão ao coronel diretor do Arsenal de
Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea ordenando que, sob a direção do presidente da Comis-
são de Melhoramentos do Material do Exército, escolha armas para servirem de amostra. Rio de
Janeiro, 28 de janeiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 515.
____. Aviso do ministro, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão ao coronel diretor do Arsenal de
Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea, autorizando a construção de uma barraca portátil de
madeira francesa, para modelo. Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de1863. Mss. ANRJ. IG7 515.
____. Aviso do ministro, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão ao diretor do Arsenal, autorizando a
mandar fazer no estabelecimento da casa de correção da Corte as costuras pertencentes a esse ar-
senal. Rio de Janeiro, 5 de setembro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 498.
____. Aviso do ministro, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, ao coronel diretor do Arsenal de
Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea mandando passar título de liberdade ao recém-nascido
filho dos escravos da Nação Cyriaco Pereira e Joanna 2a, ao serviço do Arsenal de Guerra. Rio de
Janeiro, 13 de janeiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 515.
____. Aviso do ministro, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, ao coronel diretor do Arsenal de
Guerra, José de Vitória de Soares d’Andrea, mandando raiar na oficina de espingardeiros da fábri-
ca de armas da Conceição três mil e vinte e quatro pistolas de canos lisos de adarmes 14,8 mm. Rio
de Janeiro, 11 de fevereiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 515.
____. Aviso do Ministro, Rego Barros, ao diretor do Arsenal de Guerra, Coronel Alexandre Manoel
Albino de Carvalho, sobre diversas encomendas feitas na Fundição da Ponta da Areia. Rio de Janei-
ro, 19 de junho de 1860. Mss. ANRJ. IG7 368.
____. Aviso do ministro, Salvador José Maciel, ao diretor, João Eduardo Pereira Colaço, mandando
fornecer cantis de madeira e não de folha. Rio de Janeiro, 29 de julho de 1843. Mss. ANRJ. IG7
340.
____. Aviso do Ministro, Sebastião do Rego Barros, ao diretor do Arsenal de Guerra, Alexandre Manoel
Albino de Carvalho, sobre o requerimento do escravo da Nação ao serviço deste Arsenal, Thimóteo,
que pede a liberdade de sua filha menor de nome Alexandrina, Rio de Janeiro, 27 de setembro de
1859. Mss. ANRJ. IG7 388.
____. Aviso do Ministro, Sebastião do Rego Barros, ao Diretor do Arsenal de Guerra, Antônio João
Rangel de Vasconcellos, informando do desligamento da Companhia de Artífices do 1º Corpo de Ar-
tilharia de Posição e da criação de uma segunda companhia. Rio de Janeiro, 5 de dezembro de
1838. Mss ANRJ.
____. Aviso do ministro, Sebastião do Rego Barros, ao diretor do Arsenal de Guerra, Antônio João Ran-
gel de Vasconcellos mandando aumentar a gratificação de Manoel José Onofre, Tenente Graduado
e Construtor do Arsenal. Rio de Janeiro, 29 de maro de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323.
____.Aviso do Ministro, José Clemente Pereira, ao Diretor do Arsenal de Guerra, José dos Santos Oli-
veira sobre o fornecimento de equipamentos e armas. Rio de Janeiro, 13 de junho de 1841. Mss. Ar-
quivo Nacional. IG7 327.

610
Bibliografia

____. Aviso reservado do ministro da guerra, Luiz Pereira da Nóbrega de Souza Coutinho, ordenando
que a Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e Fundições gratifique com duzentos mil
réis o Construtor Manoel José Onofre. Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1822. Mss. ANRJ. IG7 39.
____. Aviso urgente, do gabinete do ministro Ângelo Moniz da Costa Ferraz ao Coronel Dr. Francisco
Antônio Raposo, diretor interino do Arsenal de Guerra. Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1865.
Mss. ANRJ. IG7 497.
____. Bilhete ao Sr. tenente coronel Antônio Pinto de Figueiredo Mendes Antas, pedindo para enviar
cópia de informação sobre requerimento do Construtor do Arsenal de Guerra da Corte, Antônio
Correa de Melo e Oliveira, pedindo um prêmio pela invenção de uma máquina de raiar artilharia.
Rio de Janeiro, 13 de maio de 1864. Mss. ANRJ. IG7 496.
____. Bilhete do ministro, Manoel Felizardo de Souza e Mello, 31 de janeiro de 1851. Mss. ANRJ. IG7
476.
____. Carta do Ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho ao ministro do Brasil em Londres,
Francisco Ignácio de Carvalho Moreira sobre compra de máquinas para o Arsenal. Rio de Janeiro,
30 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 15.
____. Despacho do ministro Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão no ofício do coronel diretor do
Arsenal, José de Vitória de Soares d’Andrea ao Ministro, sobre admissão de escravos. Rio de Janei-
ro, 16 de janeiro de 1863. Mss. ANRJ. IG7 25.
____. Nota da quantidade e qualidade de armamento, equipamento, pólvora e outros objetos cuja com-
pra ou ajuste se encarrega de fazer na Europa o Major de Engenheiros Francisco Primo de Sousa
Aguiar. Jerônimo Francisco Coelho, ministro da guerra. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1857.
ANRJ, IG7 376.
____. Nota da quantidade e qualidade de armamento, equipamento, pólvora e outros objetos cuja com-
pra ou ajuste se encarrega de fazer na Europa o Major de Engenheiros Francisco Primo de Sousa
Aguiar. Jerônimo Francisco Coelho. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1857. Mss. ANRJ. IG7 366.
____. Ofício da 1ª Seção da Diretoria Central, mandando fornecer peças de fardamento aos prisioneiros
de guerra Paraguaios a serviço da Escola Militar. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 8 de outubro de
1867. Mss. ANRJ, IG7 370.
____. Ofício da 3ª Diretoria, 3ª Seção, do ministério da Guerra, visconde de Camamu, remetendo cópia
de carta de John Barnett de 6 de janeiro de 1866, relativa à visita que esse fez à fábrica de armas da
fortaleza da Conceição. Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 1866. Mss. ANRJ. IG7 350.
____. Ofício de Bernardo Joaquim de Matos, ao diretor do Arsenal de Guerra, coronel do estado-maior
de 1ª classe, Alexandre Manoel Albino de Carvalho, enviando a Relação dos Africanos livres em
serviço no Arsenal de Guerra da Corte e nas Fortalezas de Santa Cruz, Villegagnon, e Ilha das Co-
bras a quem, por Aviso do Ministério da Justiça de 13 do corrente, se manda passar Cartas de
Emancipação para serem reexportadas à Costa da África. Rio de Janeiro, 20 de julho de 1857. Mss.
ANRJ. IG7 366.
____. Ofício de José dos Santos Oliveira, Sargento Mor Inspetor do Arsenal de Guerra ao ministro da
Guerra, João Vieira de Carvalho. Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1822. Mss. ANRJ. IG7 2.
____. Ofício de Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão [vice-diretor do Arsenal] à Eusébio de Queirós
Coutinho Matoso da Câmara, juiz de direito chefe de polícia, pedindo entrega de barris de água.
Rio de Janeiro, 14 de junho de 1837. Mss. ANRJ, IG720.
____. Ofício de Vicente Pereira da Costa Piragibe, da 1ª Diretoria Geral, 1ª Seção, ao Diretor do Arse-
nal de Guerra da Corte, Coronel Alexandre Albino Manoel de Carvalho, sobre maquinistas da ma-
rinha. 20 de setembro de 1862. Mss. ANRJ. IG7 498.
____. Ofício do ajudante geral da 2a Diretoria Geral da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra,
José Maria da Silva Betancourt, ao Diretor do Arsenal, Cel. José de Vitória de Soares Andrea sobre
a pretensão do Escravo da Nação Thimoteo, ao serviço desse Arsenal. Rio de Janeiro, 11 de feverei-
ro de 1864. Mss IG7 500.
____. Ofício do Cel. Francisco de Souza, ao Brigadeiro José Manoel Carlos de Gusmão sobre encomen-
da de peças na Ponta da Areia. Rio de Janeiro, 9 de junho de 1853. Mss. ANRJ, IG7345.

611
Bibliografia

____. Ofício do chefe da 1a Seção da Diretoria Geral, Mariano Carlos de Souza Correia ao diretor do
Arsenal pedindo para informar sobre o requerimento do Escravo da Nação Cyriaco que alegando
servir desde 1842. Rio de Janeiro, 23 de novembro de 1864. Mss. ANRJ. IG7 346
____. Ofício do diretor interino, Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão ao ministro da Guerra, envi-
ando lista de operários a serem recrutados. Rio de Janeiro, 18 de junho de 1838. Mss. ANRJ. IG7
20.
____. Ofício do diretor, Brigadeiro Feliciano Antônio Falcão ao ministro M. F. de Sousa e Mello, sobre
os trabalhos feitos nas oficinas da Conceição para a conversão das armas de pederneira. Rio de Ja-
neiro, 25 de abril de 1853. Mss. ANRJ. IG7 460.
____. Ofício do diretor, ten. cel. em comissão, Francisco Antônio Raposo ao ministro da Guerra. José
Marianno de Matos, informando sobre a remessa de armas e de máquinas para a Conceição. Rio de
Janeiro, 20 de abril de 1864. Mss. ANRJ. IG7 346.
____. Ofício do mestre da oficina de espingardeiros, Francisco Soares da Silva ao diretor do Arsenal,
sobre as armas da proposta de Nathan Irmãos. s.d. [abril de 1852]. Mss. ANRJ. IG7 393.
____. Ofício do ministro, Antônio Manoel de Mello ao diretor do Arsenal, José de Vitória Soares de
Andréa. Rio de Janeiro, 19 de maio de 1863. Mss. ANRJ. IG7 392.
____. Ofício do secretário geral ao presidente do Conselho Administrativo, enviando o quadro geral dos
Corpos do Exército para quem o Arsenal de Guerra da Corte tem de fornecer artigos bélicos, na
forma a tabela de 2 de janeiro de 1848. Rio de Janeiro, 12 de maio de 1848. Mss. ANRJ. IG7 345.
____. Parecer da 1a seção, 1a diretoria geral, Carlos Antônio Pereira de Barros, 1o oficial, no impedi-
mento do chefe de seção sobre a inutilidade de requisitarem-se africanos livres para as repartições
do ministério. Rio de Janeiro, 15 de julho de 1864. Mss. ANRJ. IG7 26.
____. Portaria do Marques de Caxias, ministro da guerra ao diretor do Arsenal. Autorizando mandar
fundir na fábrica da ponta da areia as balas para as peças raiadas. Rio de Janeiro, 15 de novembro
de 1861. Mss. ANRJ, IG7 526.
____. Relação a que se refere o aviso desta data, dos artigos de guerra para as bocas de fogo ao mando
do Capitão José Thomas de Almeida Pereira Valente, que segue em comissão para Montevidéu. Rio
de Janeiro, 16 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 518.
____. Relação dos colonos artífices que vem a bordo do Navio – Monte Deserto. Rio de Janeiro 18 de
junho de 1838. Mss. ANRJ. IG7 323.
____. Tabela de jornais dos mestres, oficiais, mancebos e Aprendizes do Arsenal de Guerra da Corte.
Bernardo Joaquim de Matos, Oficial Maior da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra. Rio de
Janeiro, 14 de janeiro de 1858. Mss. ANRJ. IG7 518.
____. Tabela demonstrativa dos jornais que devem vencer os mestres, contramestres e mais operários
das quatro oficinas abaixo mencionadas, aprovada por aviso desta data. No impedimento do oficial
maior, Bernardo Joaquim de Matos. Rio de Janeiro, 20 de maio de 1857. Mss. ANRJ. IG7 367.
BRASIL – Repartição do Quartel Mestre General. Conselhos administrativos para fornecimento dos
Arsenais de Guerra. Rio de Janeiro, 11 de julho de 1857. Mss. ANRJ. IG7 22.
BRASIL – Tesouraria da Fazenda do Exército no Pará. Relatório da inspeção a que, por ordem do Go-
verno Imperial, se procedeu no Arsenal de Guerra da Província do Pará. Coronel Francisco Ernes-
tino Ferreira de Araújo, Francisco Pedro Gurjão, chefe de seção da Tesouraria da Fazenda. Belém,
5 de dezembro de 1862. Mss. ANRJ, coleção Polidoro, maço 10.
BRASIL – Trono. Ofício de sua majestade ao ministro da justiça isentando os operários de espingardei-
ros, coronheiros e correeiros do serviço na Guarda Nacional nos dias de trabalho, excetuando-se os
dias em que a Guarda Nacional tiver que reunir-se em parada geral. Rio de Janeiro, 7 de julho de
1841. Mss. ANRJ. IG7 6.
CARTA de João Marcos Vieira de Souza Pereira ao oficial maior da Secretaria de Estado dos Negócios
da Guerra, Libanio Augusto da Cunha Mattos. Petrópolis, 29 de abril de 1852. Mss. ANRJ. IG7 13.
CARTA DE SESMARIA passada pelo alcaide-mor da cidade do Rio de Janeiro e donatário da capitania
de Paraíba do Sul, visconde de Asseca, Martim Correia de Sá e Benevides Velasco, ao administrador
do Trem Real, Vicente de Araújo e Silva, concedendo-lhe uma légua de terras devolutas e matos nas
cercanias do rio Macaé, fronteiras com as terras dos falecidos João Madureira Machado, do alcaide-

612
Bibliografia

mor Caetano de Barcelos e dos Padres da Companhia de Jesus, no Rio de Janeiro. Lisboa, 4 de maio
de 1753. Mss. Arquivo Ultramarino. AHU_CU_017, Cx. 46, D. 4673.
CARTA do comendador [da Ordem de Nossa Senhora das Mercês], fr. Basílio Soares, para o rei [D. João
V], sobre o pedido que lhe foi feito pelos moradores da vila da Vigia de Nazaré para que os religio-
sos mercenários fundassem um hospital naquela localidade. Belém, 8 de outubro de 1729. Mss. Ar-
quivo Ultramarino.
CARTA do provedor da Fazenda Real do Rio de Janeiro, Francisco Cordovil de Sequeira e Melo, ao rei
D. João V, informando que se transferiram a Casa do Despacho e Armazéns e a Casa de Armas para
o palácio antigo. Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1744. Mss. Arquivo Ultramarino.
AHU_CU_017, Cx. 37, D. 3873.
CARTA Topográfica da Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, tirada, e executada pelo Capitão André
Vaz Figueira, Acadêmico da Aula Militar. Ano de 1750. Mss. Biblioteca Nacional.
DESPACHO do provedor-mor da Fazenda Real da Bahia, Luís Lopes Pegado Serpe a ordenar que o Al-
moxarife das Munições dê cumprimento a Portaria em que pede se fora entregue balas de artilharia,
pólvora, murrão e barris. Salvador, 20 de maio de 1737. Mss. Arquivo Ultramarino.
AHU_ACL_CU_005, Cx. 59, D. 5028.
DORES, Camilo Maria das. Petição de aumento de vencimentos. Rio de Janeiro, s.d. Mss. ANRJ. IG7
330.
ESCRITO do secretário da Junta dos Três Estados, João dos Santos Leite Bressane, ao conselheiro do
Conselho Ultramarino, Manoel Caetano Lopes de Lavre, solicitando a cobrança de uma fiança no
valor do rendimento do ofício de mestre da Ribeira das Naus e Trem da cidade do Rio de Janeiro, no
qual serve Vicente de Araújo Silva. Lisboa, 30 de abril 1742. AHU_CU_017, Cx. 34, D. 3598.
FÁBRICA de ferro de Ipanema, projeto do capitão Frederico L. G. Varnhagen em 1810. Cópia de João Sá
Filho. Rio de Janeiro, 1916. Mss. Arquivo Histórico do Exército.
FIEL relação do que obrou a nação francesa nesta freguesia de Santa Cruz, desde o dia 8 até o dia 12 do
mês de agosto deste ano, e do valor e grandeza com que aqueles poucos moradores lhe impediram o
paço. S. l. (1796). Mss. Biblioteca Nacional, I – 4,2,38.
FUNCK, Jacques. Artilharia e munições que se requer da Europa para completar o que presentemente é
necessário à praça do Rio de Janeiro em 17 do mês de março do ano de 1768. Mss Biblioteca Naci-
onal, Ms 453(1).
____. Relation Generale de toutes les pieces d'artillerie de l'ammunition que se trouvent actuallement
dans le trem et sur toutes les forteresses autout le port de Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 6 de março
de 1768. Biblioteca Nacional, Microfilme Ms 453(1).
J. LEMILLE. Facture par duplicata accompagnant la marchandire fourni au Gouvernment Imperial du
Bresil par J. Lemille à Liège. Liège, 29 de juillet de 1856. Mss. ANRJ. IG7 363.
MAPA da força militar das províncias, incluindo-se o Rio de Janeiro. Sl [182_]. Supostamente 1825. Mss
BNRJ, II-30,28,001.
MINAS GERAIS – Governo. Ofício do Governador de Minas, Luís Diogo Lobo da Silva para o Secretá-
rio de Estado da Marinha e Domínios Ultramarino, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, sobre
a necessidade das Tropas Auxiliares e Milícias serem equipadas com armamento do mesmo padrão
e igual calibre, assim como haver uma uniformização dos fardamentos. Vila Rica, 24 de agosto de
1766. Mss. Arquivo Ultramarino. AHU_CU_017, Cx. 28, D. 28.
OFERTA de espingardas, de Henrique Greenwood. Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 1842. Mss. ANRJ.
IG7 390.
OFÍCIO do governador interino do Rio de Janeiro e Minas Gerais, José Antônio Gomes Freire de Andra-
de, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar, Tomé Joaquim da Costa Corte Real, sobre o re-
querimento do mestre do Trem do Rio de Janeiro, Vicente de Araújo Silva, solicitando pagamento
pelos serviços prestados naquela cidade. Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1759. Mss. Arquivo Ultra-
marino. AHU_CU_017, Cx. 55, D. 5401.
PARECER do Conselho Ultramarino sobre o requerimento do mestre do trem e carretas do Rio de Janei-
ro, João Batista, solicitando a patente no posto de tenente-general de artilharia. Lisboa, 7 de maio de
1725. Mss. Arquivo Ultramarino. AHU_CU_017, Cx. 15, D. 1644.

613
Bibliografia

PETIÇÃO de Manoel Rodrigues Teixeira para comprar cem Espingardas Inúteis das que se acham no
Depósito da Fortaleza da Conceição cujas espingardas pretende o suplicante transportar para a Costa
da África para o seu produto vir em marfim ou cera. Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1835. Mss.
ANRJ. IG7 320.
PLANO do Arsenal Real do Exército, Coronel de artilharia, Carlos José do Reis e Gama, vice-inspetor do
Arsenal. s.d. Mss. Arquivo Histórico do Exército. 04.01.576.
PLANTA da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro com suas fortificações. [1714]. Mss. Arquivo
Ultramarino. AHU_CARTm_017,D.1064.
PLANTA da oficina de ferreiros e da casa do primeiro ajudante. Ten.-cel. José Simeão de Oliveira e ma-
jor Antônio de Sena Madureira. Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1879. Mss. Arquivo Histórico do
Exército. 04.01.569.
PLANTA do Arsenal de Guerra da capital do Império do Brasil e seus arredores. Rio de Janeiro, 20 de
março de 1869. Mss. Arquivo Histórico do Exército.
PLANTA do Arsenal de Marinha, Henry Law. Mss. Biblioteca Nacional.
PORTUGAL – Desembargo do Paço. Parecer do Desembargador dos Feitos da Coroa, Joaquim de
Amorim e Castro, sobre a propriedade do forte de São Januário. Rio de Janeiro, 23 de janeiro de
1812. Mss. ANRJ. Coleção Polidoro, maço 12.
PORTUGAL – Governo Geral. PLANTA, Profil, fachada e a metade do telhado da casa, em que se fabri-
cou a pólvora na Cidade da Bahia. 1751. Mss. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. Cópia dispo-
nível no Arquivo do IPHAN.
PORTUGAL – Paço do Rio de Janeiro. Aviso do Paço para a Real Junta do Arsenal do Exército, Fábri-
cas e Fundições, Conde da Barca, mandando aprontar um parque. Rio de Janeiro, 28 de março de
1817. Mss. ANRJ. IG7 34
PORTUGAL – Rei. Provisão Régia dirigida ao Governador e Capitão Geral da Bahia, determinando
sejam premiados os oficiais da relação inclusa, que se distinguiram na luta contra os franceses que
atacaram a Coroa Vermelha nesta Capitania e castigados os que não quiseram lutar. Lisboa, 25 de
setembro de 1798. Mss. Biblioteca Nacional, II – 33,29,3.
PROJETO de um regulamento para o Arsenal de Guerra da Corte, s.d. [1845]. Quadro do Pessoal da
administração do Arsenal de Guerra da Corte, nas graduações, vencimentos, e empregos, o qual vai
anexo ao projeto do Regulamento para o mesmo Arsenal. Mss. ANRJ, coleção Polidoro, maço 7.
PROJETO para acrescentar ao Arsenal do Trem da Cidade do Rio de Janeiro. Jacques Funck, 28 de feve-
reiro de 1770. Mss. Biblioteca Nacional. Mss 49,1,27 n1-8.
PROPOSTA de Castro e Correa para o fornecimento de alimentos aos menores, e Africanos Livres, exis-
tentes no Arsenal de Guerra. Rio de Janeiro, s.d. [julho de 1843], Mss. ANRJ. IG7 340.
REFERENTE ao pessoal para defesa das Fortalezas e fortificações de Santa Cruz, São João, Laje, Pico e
Praia de Fora, Praia Vermelha, Caraguatá. s.l.n.d. [1863]. Mss ANRJ. Coleção Polidoro, Maço 10.
REINO UNIDO – Arsenal de Guerra. Ofício da Intendência do Arsenal, Thomaz Antônio de Villanova
Portugal, examinando armas e munições. Rio de Janeiro, 13 de julho de 1819. Mss. ANRJ. IG7 1.
____. Ofício de Raimundo José da Cunha Matos, coronel Vice Inspetor, ao ministro da Guerra, Thomaz
Antônio de Villa Nova Portugal, Comunicando a recepção do aviso de 2 do corrente sobre a autori-
zação de recrutamento para aumentar a cia de artífices para 140 praças. Rio de Janeiro, 11 de
agosto de 1820. Mss. ANRJ. IG7 1.
____. Prospecto para organização de uma companhia de artífices para o Arsenal Real do Exército sendo
composta de 140 praças, Raimundo José da Cunha Matos, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1820.
Mss. ANRJ. IG7 1.
____. Relação das oficinas que se acham estabelecidas no Arsenal Real do Exército. José da Cunha
Matos, Cel. Vice-Inspetor. Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1820. Mss. ANRJ. IG7 1.
REINO UNIDO – Ministério da Guerra. Aviso do ministro dos negócios de estrangeiros e a Guerra.
Aviso do marquês do Aguiar à Junta de Arsenais, mandando remeter para a capitania de Minas Ge-
rais uma broca de cano de espingarda e um artífice alemão que trabalha na Real Casa das Armas
da Fortaleza da Conceição. Rio de Janeiro, 17 de abril de 1816. Mss. ANRJ. IG7 33.

614
Bibliografia

____. Aviso do ministro dos negócios estrangeiros e da guerra para a Real Junta do Arsenal do Exército,
Fábricas e Fundições, sobre novo contrato dos armeiros prussianos e envio de máquina de brocar
cano para São Paulo. Conde da Barca. Rio de Janeiro, 17 de abril de 1817. Mss. ANRJ. IG7 34.
REINO UNIDO – Ministério dos Negócios do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Aviso do
Marquês de Aguiar para a Real Junta do Arsenal do Exército, Fábricas e Fundições. Rio de Ja-
neiro, 17 de abril de 1816. Mss. ANRJ, IG7 33.
REINO UNIDO – Paço. Aviso do Paço para a Real Junta do Arsenal do Exército, Fábricas e Fundições,
Marques de Aguiar, mandando remeter quinhentas espingardas para a Capitania de Moçambique.
Rio de Janeiro, 16 de setembro de 1816. Mss. ANRJ. IG7 33.
REINO UNIDO – Real Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e Fundições. Ofício da Real
junta ao Rei encaminhando lista de gêneros que se acham prontos para a capitania das Alagoas.
Rio de Janeiro, 10 de outubro de 1818. Mss. ANRJ, IG7 1.
RELAÇÃO do que se deve aos apontadores e artífices que trabalharam no forte da vila de S. Pedro do
Rio grande do primeiro de setembro de 1777 até 15 de abril de 1778 e da alteração que tem havido
até 22 de junho de 1780. Mss Biblioteca Nacional. I-28,25,32.
RELAÇÃO do que se precisa para o fornecimento do Real Trem do Rio de Janeiro, do qual se fornece
todo o continente do Rio Grande de São Pedro, Ilha de Santa Catarina, mais praças pertencentes à
mesma capitania. Manoel Francisco dos Santos, Sargento-mor intendente. Rio de Janeiro, 26 de fe-
vereiro de 1798. Mss. Biblioteca Nacional. I-31,21,40.
RELAÇÃO dos magníficos carros que se fizeram de arquitetura e fogos, os quais se executaram por or-
dem de Ilmo. e Exmo. Senhor Luiz de Vasconcelos e Sousa, Capitão General de Mar e Terra & Vice
Rei dos Estados do Brasil nas Festividades dos desposórios dos Sereníssimos Srs. Infantes de Portu-
gal Nesta Cidade do Rio de Janeiro. [Antônio Francisco Soares], 1786. Mss. IHGB, Lata 51 - Doc.
20.
RELATION et plan des ouvrages reparés et additionaux a la forteresse de Conceição fait par ordres de
son Ex.ce le Marquis vice Roi. Jacques Funck, Rio de Janeiro, 26 de abril e 1771. Mss. Cópia foto-
gráfica da Biblioteca da Marinha.
REQUERIMENTO do mestre da Ribeira, Valentim José para o rei, solicitando a realização de uma de-
vassa contra o intendente da Marinha do Pará, João António a favor da Fazenda Nacional. s.d.
[1821] Mss. Arquivo Ultramarino. AHU_CU_013, Cx. 151, D. 11654.
REQUERIMENTO dos almoxarifes dos armazéns de artilharia, pólvora e Ribeira das Naus, ao rei [D.
Filipe III], sobre um compromisso que tomaram com o galeão Santa Ana, o qual vindo de torna via-
gem no ano de 1624, se perdeu na ilha de São Jorge. [ant. 1626, Maio, 27]. Mss. Arquivo Ultramari-
no. AHU_CU_005-02, Cx. 4, D. 429.
REVISTA Geral de Artilharia e Munições que se acham ao todo no Rio de Janeiro. Ano de 1779. Jacques
Funck. Rio de Janeiro, 21 de fevereiro de 1780. Mss. Biblioteca Nacional. MS-453 (11).
RIO GRANDE DO SUL – Presidência da Província. Ofício do presidente de província, Francisco José
de Souza Soares de Andrea, ao Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Sousa e Melo, enviando as
dimensões das peças de 12 libras existentes em Porto Alegre, para manufatura de Reparos. Palácio
do Governo em Porto Alegre, 19 de novembro de 1849. Mss. ANRJ IG7 336.
SANTOS, Manoel Francisco dos. Relação do que se precisa para fornecimento do real trem do Rio de
Janeiro (...). Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 1798. Mss. Biblioteca Nacional, I-31,21,40
SERRA, Ricardo Franco de Almeida. Plano de Guerra e defesa da capitania do Mato Grosso enviado ao
governador Caetano Pinto da Miranda Monte Negro. Coimbra, 31 de janeiro de 1800. Mss. Biblio-
teca Nacionalm II-29,6,48.
SILVA, Crispim Teixeira, Sargento Mor Intendente. Relação das Obras, Munições e mais Petrechos que
se tem feito no Trem de S. Majestade Fidelíssima do Rio de Janeiro, no tempo Governo do Il.mo e
Ex.mo Sr. Marquês do Lavradio Vice Rei e Capitam General de Mar e Terra do Estado do Brasil,
continuado de 31 de outubro de 1769, até 31 de Agosto de 1776. Mss. Coleção Particular.

13.4 Legislação
BRASIL – Decreto de 21 de fevereiro de 1832. Dá Regulamentos para o Arsenal de Guerra da Corte,
Fábrica da Pólvora da Estrela, Arsenais de Guerra e Armazéns de depósitos de artigos bélicos.

615
Bibliografia

BRASIL – Decreto de 25 de junho de 1831. Proíbe a admissão de escravos como trabalhadores, ou co-
mo oficiais das artes necessárias, nas estações públicas da Província da Bahia
BRASIL – Decreto de 27 de março de 1832. Extingue as Intendências da Marinha do Pará, Maranhão,
Pernambuco, e Santos, e providencia a respeito do fornecimento dos navios da Armada e dos traba-
lhos do Arsenal de Marinha do Pará.
BRASIL – Decreto de 29 de dezembro de 1837. Regulando o modo da admissão dos aprendizes menores
nas oficinas do Arsenal de Guerra, e outras disposições a respeito.
BRASIL – Decreto de 4 de dezembro de 1822. Determina que as promoções do Exército, até Coronel
inclusive, sejam gerais em cada Província e Arma.
BRASIL – Decreto nº 1.090, de 14 de Dezembro de 1852. Aprova o Regulamento para execução do § 3.º
do Art. 10 da Lei N.º 648 de 18 de Agosto de 1852.
BRASIL – decreto nº 1.127 de 26 de fevereiro de 1853. Cria a Repartição de Quartel-Mestre General, e
regula as suas funções.
BRASIL – Decreto nº 1.303, de 28 de Dezembro de 1853. Declara que os Africanos livres, cujos serviços
foram arrematados por particulares, ficam emancipados depois de quatorze anos, quando o requei-
ram, e providencia sobre o destino dos mesmos Africanos.
BRASIL – Decreto nº 1.535 de 23 de janeiro de 1855. Cria um Batalhão de Engenheiros.
BRASIL – Decreto nº 1.913, de 28 de março de 1857. Extingue o lugar de Vice-Diretor do Arsenal de
Guerra da Corte e cria em substituição o de Ajudante do Diretor.
BRASIL – Decreto nº 113, de 03 de janeiro de 1842. Dando nova organização às Companhias de Apren-
dizes Menores dos Arsenais de Guerra.
BRASIL – Decreto nº 2.555, de 17 de Março de 1860. Aprova o Regulamento para a administração geral
da fabrica de pólvora da Estrela.
BRASIL – Decreto nº 293, de 8 de Maio de 1843. Aprova o Regulamento sobre as atribuições dos Co-
mandantes das Armas.
BRASIL – Decreto nº 3.470, de 22 de Maio de 1865. Dá nova organização á Comissão de melhoramen-
tos do material do Exercito.
BRASIL - Decreto nº 30, de 22 de fevereiro de 1839. Dando nova organização ao Exercito do Brasil.
BRASIL – decreto nº 301, de 27 de maio de 1843. Aprova o novo plano da organização dos Corpos do
Exercito do Império do Brasil.
BRASIL – Decreto nº 376, de 12 de Agosto de 1844. Manda executar o Regulamento e Tarifa para as
Alfandegas do Império.
BRASIL – Decreto nº 491, de 28 de Setembro de 1847 – Autoriza ao Governo a emprestar a Joaquim
Diogo Hartley a quantia de cem contos de réis para auxiliar a sua fabrica de tecidos de algodão,
debaixo de certas condições.
BRASIL – Decreto nº 54, de 26 de Outubro de 1840. Determinando que as duas Companhias, que restam
para o completo do Corpo de Imperiais Marinheiros, sejam compostas de Operários das Oficinas do
Arsenal da Marinha, e consideradas nele destacadas.
BRASIL – Decreto nº 547 de 8 de Janeiro de 1848. Aprova a Tabela dos preços de diversos artigos de
armamento, equipamento, arreios, fardamentos e mais objetos para o Exercito e Fortalezas.
BRASIL – Decreto nº 600, de 25 de Março de 1849. Aprova o Regulamento para a organização do Cor-
po de Operários artistas do Arsenal de Guerra da Corte.
BRASIL – Decreto nº 663, de 24 de Dezembro de 1849. Cria uma Comissão de Melhoramentos do Mate-
rial do Exercito.
BRASIL – Decreto nº 677, de 6 de Julho de 1850. Concede a João Marcos Vieira de Sousa Pereira privi-
legio exclusivo por dez anos para estabelecer nesta Corte uma manufatura de calçado carioclave
com o titulo de – Imperial Manufatura de calçado carioclave á prova d'agua.
BRASIL – Decreto nº 73.605, de 8 de Fevereiro de 1974. Dispõe sobre a criação do Ministério do Exér-
cito, de Órgão Autônomos e dá outras providências.
BRASIL – Decreto nº 772 de 31 de Março de 1851. Aprova o regulamento para execução da lei de pro-
moções.
BRASIL – Decreto nº 778 de 15 de abril de 1851. Cria na Corte uma Repartição com o título de Conta-
doria Geral da Guerra.

616
Bibliografia

BRASIL - Decreto nº 782, de 19 de abril de 1851. Aprova o Plano da organização do Exercito em cir-
cunstâncias ordinárias.
BRASIL – Decreto-lei nº 3.437 de 17 de julho de 1941. Dispõe sobre o aforamento de terrenos e a cons-
trução de edifícios em torno das fortificações.
BRASIL – Lei de 18 de Agosto de 1831. Cria as Guardas Nacionais e extingue os corpos de milícias,
guardas municipais e ordenanças.
BRASIL – Lei de 24 de novembro de 1830. Fixa as forças de terra para o ano financeiro de 1831-1832.
BRASIL – Lei de 24 de setembro de 1828. Regula o fornecimento das rações de etapa do Exercito.
BRASIL – Lei de 27 de Outubro de 1831. Autoriza credito para as despesas com o concerto das mura-
lhas e outras obras do Arsenal do Exercito.
BRASIL – Lei nº 555 de 15 de Junho de 1850. Fixa a despesa e orça a receita para o exercício de 1850 a
1851.
BRASIL - Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial.
BRASIL - Lei nº 939, de 26 de setembro de 1857. Fixando a Despesa e orçando a Receita para o exercí-
cio de 1858 - 1859.
ESTADOS UNIDOS – Patent Office. John H. Hall, of Portland, Maine, and William Thornton, of Wash-
ington, D.O. Improvement in fire-arms. Specification forming part of Letters Patent dated May 21,
1811.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA – An act to provide for the erecting and repairing of arsenals and
magazines and for other purposes. 2 de dezembro de 1793.
FRANÇA – Conselho de Estado. Arrêt du conseil d'état rendu en faveur de la manufacture royale
d'armes de Charleville. 15 de dezembro de 1767. Paris: Imprimiere Royale, 1767.
FRANÇA – Rei. Lettres patentes du Roi pour l'érection de la manufacture d'armes à feu établie dans la
ville de Tulle en manufacture royale pour le servise de la Marine. Paris, 27 de dezembro de 1777.
Paris: Prault, s.d.
FRANÇA – Rei. Lettres patentes du Roi qui accordent au sieur Gau le privilège pendant 30 années, pour
l'entreprise de la manufacture d’armes blanches d’Alsace. Versailles, 20 de abril de 1765. Paris: Im-
primiere Royale, 1765.
PORTUGAL – Alvará de 15 de julho de 1763. Plano que sua majestade manda seguir e observar na
formatura e serviços dos regimentos da artilharia destes reinos.
PORTUGAL – Alvará de 1º de março de 1811. Cria a Real Junta de Fazenda dos Arsenais, Fábricas, e
Fundição da Capitania do Rio de Janeiro e uma Contadoria dos mesmos Arsenais.
PORTUGAL – Alvará de 28 de Abril de 1809. Isenta de direitos as matérias primas do uso das fabricas
e concede outros favores aos fabricantes e da navegação Nacional.
PORTUGAL – Alvará de 4 de junho de 1766, por qual sua Majestade há por bem declarar e ampliar o
outro alvará de 15 de julho de 1763, que estabelece a formatura dos regimentos de artilharia do seu
exército; ordenando que o plano que com ele baixo se observe inviolavelmente em tudo o que neste
se não acha alterado.
PORTUGAL – Carta Régia de 21 de janeiro de 1812. Manda formar na Capitania de Minas Gerais uma
escola de serralheiros, oficiais de lima e espingardeiros para se ocuparem de preparar fechos de
armas.
PORTUGAL - Carta Régia de 22 de Julho de 1811. Declara as Capitanias do Brasil para consumo da
pólvora das Reais Fábricas do Rio de Janeiro e da de Lisboa.
PORTUGAL – Carta Régia de 4 de dezembro de 1810. Manda fundar um estabelecimento montanhistico
em Sorocaba para extração do ferro das minas que existem na Capitania de S. Paulo.
PORTUGAL – Decreto de 12 de novembro de 1811. Manda estabelecer em cada um dos regimentos de
infantaria e artilharia uma oficina de espingardeiros.
PORTUGAL – Decreto de 13 de junho de 1808. Manda incorporar aos próprios da coroa e engenho e
terras da lagoa de Rodrigo de Freitas.
PORTUGAL – Decreto de 13 de maio de 1808. Sobre recrutamento para os regimentos do Brasil.
PORTUGAL – Decreto de 18 de julho de 1811. Manda desapropriar as benfeitorias da lagoa de Rodrigo
de Freitas, necessárias a Fabrica de Pólvora.

617
Bibliografia

PORTUGAL – Decreto de 22 de julho de 1811. Marca o número e vencimentos dos empregados das
diferentes repartições da Real Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, Fábricas e Fundições.
PORTUGAL – Decreto de 24 de janeiro de 1810. Cria o lugar de diretor do Laboratório de Fogos Artifi-
ciais.
PORTUGAL – Decreto de 24 de junho de 1808. Dá instruções para o Inspetor Geral da Artilharia da
Corte e Capitania do Rio de Janeiro.
PORTUGAL – Decreto de 3 de setembro de 1810. Manda organizar uma Companhia de Artífices do
Arsenal Real do Exercito.
PORTUGAL – Decreto de 3 de setembro de 1810. Torna o Espírito Santo independente da Bahia em
termos militares.
PORTUGAL – Decreto de 31 de outubro de 1811. Comete á Real Junta do Comércio do Estado do Brasil
a inspeção do Colégio das fabricas.
PORTUGAL – Lei de 4 de dezembro de 1810. Cria uma Academia Real Militar na Corte e Cidade do
Rio o de Janeiro.
PORTUGAL – Portaria de 28 de setembro de 1813. Determina normas de isenção de recrutamento.
PORTUGAL – Regência. Alvará de 17 de dezembro de 1802. Regulamenta o provimento de postos de
oficiais superiores nas milícias.
PORTUGAL – Regimento das coisas comuns e gerais aos oficiais dos armazéns. 17 de Março de 1674.
REINO UNIDO – Carta Régia de 29 de Março de 1819. Concede á companhia de mineração do Cuiabá,
na Província de Mato Grosso privilegio exclusivo para extrair e fazer fundir ferro.
REINO UNIDO – Decisão nº 54, Guerra, 11 de setembro de 1820. Manda admitir na aula de desenho do
Arsenal de Guerra as pessoas que de seu estudo se quiserem se aproveitar.
REINO UNIDO – Decreto de 12 de agosto de 1816. Concede pensões a diversos artistas que vieram
estabelecer-se no país.
REINO UNIDO – Decreto de 13 de maio de 1810. Manda contrair um empréstimo para estabelecimento
de uma fabrica de fundição de peças de artilharia.
REINO UNIDO – Decreto de 5 de janeiro de 1818. Manda incorporar aos próprios da Coroa o Seminá-
rio de S. Joaquim e destina-o para aquartelamento das tropas.
REINO UNIDO. Carta Régia de 18 de abril de 1818. Manda criar na capitania de Mato Grosso um trem
onde se fabrique e concerte o armamento e mais objetos de uso do Exército.
REINO UNIDO. Carta Régia de 19 de fevereiro de 1819. Aprova e confirma o Estabelecimento, e Fábri-
ca de Pólvora, ereta em Vila Rica, capitania de Minas Gerais, de que são Proprietários os Sargen-
to-Mor José Bento Soares, Francisco de Paulo Dias Bicalho e outros interessados.

13.5 Obras não impressas.


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