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Estc3a9tica Relacional
Estc3a9tica Relacional
Estc3a9tica Relacional
by Filipa Aranda
Quando um artista está no fogo da sua paixão o que ele mais deseja é mudar o mundo. Mas
depois o fogo extingue-se. Porquê?
O espírito criativo deve expandir-se para fora da esfera artística, até ao âmbito da
produção humana em geral, de modo a que a evolução seja total e não parcial…
Fica então evidente, que a vida e obra artística de Joseph Beuys se fundem num
só conceito – A Arte Antropológica [DURINI, Lucrezia De Domizio (1996) Joseph
Beuys Difesa della Natura. Milão: Charta. pp. 115-116].
A procura do sublime no espaço e no tempo esteve sempre ligada à utopia, como nos
mostram as comunidades estabelecidas na América do séc. XIX ou os hippies, um
século mais tarde. O conceito de uma nova ordem social é largamente associado à
subjectividade do sujeito, ao seu mundo interno composto de emoções, sentimentos
e pensamentos. É com esta subjectividade que se constrói o espaço relacional, onde
se concretiza a relação com o “outro”. Na arte, o conceito de uma nova ordem social
foi desenvolvido na Europa dos anos 20 (séc. XX) pelos artistas da Bauhaus e
DeStijl, bem como pelos Futuristas, Construtivistas, Dadaístas e Surrealistas. Robert
C. Morgan considera que Joseph Beuys foi um pensador utópico e que o seu
conceito de “escultura social”, sua melhor obra de arte, foi essencial para
compreender as extensas possibilidades do pensamento utópico, na passagem para o
séc. XXI. Sem Beuys como artista, performer e teórico, a ideia ampliada de utopia
subjectiva não teria sido ressuscitada e interpretada como a ponte para o séc. XXI.
Foi necessário explicar a “escultura social” de Joseph Beuys para se perceber que a Estética
Relacional não defende a radicalidade utópica, mas sim as micro-utopias funcionais
dentro do corpo social, que já tinham sido previstas pelo filósofo francês, Félix
Guattari, há mais de trinta anos. O que ela foi buscar a Beuys e aos happenings, foi
o estimular do público à participação. Os artistas que se englobam na esfera da
Estética Relacional tentam descobrir novas formas de habitar o mundo, com novos
modelos de vida dentro da realidade, em vez de tentarem alterar o seu ambiente.
Criam os seus próprios “universos”. No seu livro, Relational Aesthetics (2002),
Nicolas Bourriaud, curador e crítico de arte francês, afirma que “parece mais
urgente inventar relações hipotéticas com os nossos vizinhos, no presente, do que
apostar num futuro melhor”. Ele refere que escreveu este livro para tentar encontrar
o elo de ligação entre os artistas que o rodeavam em 1995, desde Pierre Huyghe a
Liam Gillick, Gabriel Orozco ou Vanessa Beecroft. Estes apresentavam um trabalho
inovador, mas os críticos remetiam-nos para referências antigas, como o Fluxus.
Finalmente, concluiu que todos tinham como ponto de partida as relações humanas.
A prática da Estética Relacional implica ser para além do ser, tanto na ética como nas
interacções humanas. É uma prática que vai de encontro à filosofia de Emmanuel
Levinas, filósofo francês, nascido na Lituânia, que coloca a ética antes do
conhecimento. Quando o sujeito está diante do outro, frente a frente, sente-se
responsável. Esta necessidade de “intimidade” e de calor humano, numa sociedade
tão carente de humanidade, remete-nos para as práticas artísticas dos anos 60, onde
o público se aproximava do artista, sobretudo na performance. O trabalho de
Sophie Calle consiste na descrição dos seus encontros com estranhos. Quando ela se
empregou como camareira num hotel, seguiu um transeunte na rua ou perguntou aos
cegos a definição de beleza, estava a colaborar com as pessoas que ela ia
conhecendo. Na década de 90, os artistas retomaram esta prática, que já tinha
abolido a definição de arte, tão crucial nos anos 60 e 70. Em 1993, Angela Bulloch
montou um café, e quando os visitantes se sentavam nas cadeiras, ouvia-se música
de Kraftwerk (grupo alemão de música electrónica). Philippe Parreno dava festas
em galerias, em 1995, ocupando o tempo da galeria e não o seu espaço. Os artistas
cujas obras promovem a sociabilidade e objectos que produzem sociabilidade,
trabalham, por vezes, num contexto relacional previamente definido, de modo a
extraírem dele os fundamentos da produtividade. Podem, por exemplo, explorar,
como projecto, a relação entre artista/galerista. Dominique Gonzalez-Foerster fez
várias exposições dedicadas às biografias dos seus galeristas: Bienvenue à ce que
vous croyez voir, de 1988, incluía fotografias de Gabrielle Maubrie, e The
Daughter of a Taoist, de 1992, recorria ao intimismo, misturando memórias de
infância de Esther Schipper com objectos organizados de acordo com o seu
potencial evocativo e gama cromática. Podemos aqui estabelecer uma ligação com a
tradição do retrato. Maurizio Cattelan debruçou-se sobre o físico dos seus galeristas.
Mandou fazer um fato fálico de coelho para Emmanuel Perrotin, que este teve que
vestir durante a exposição. Sam Samore pedia aos galeristas para tirarem
fotografias, que ele próprio seleccionava e emoldurava. Em 1992, Alix Lambert, fez
a série Wedding Piece, onde investigou os laços do casamento. Num período de seis
meses, ela casou-se com quatro pessoas diferentes, divorciando-se delas logo de
seguida. Depois ela expôs os certificados, fotografias e outras recordações, numa
galeria. A artista envolveu-se num mundo produtor de formas, onde representou um
papel na instituição do casamento. Noritoshi Hirakawa produz formas através de
encontros. Para a sua exposição na Galeria Pierre Huber, na Grécia, em 1994, ele
publicou um anúncio para contratar uma mulher que viajasse com ele pela Grécia.
Posteriormente, fez uma exposição onde exibiu as fotografias da viagem. Estas
formas de explorar os relacionamentos sociais, remetem para relações já existentes,
nas quais o artista se integra, de modo a delas extrair um aspecto formal.
Estas relações estabelecem linhas de pensamento com o mundo e adquiriram a sua estrutura
teórico/formal na Arte Conceptual, no Fluxus e na Arte Minimal. Contudo, não são
adeptas da imaterialidade, nem de conceitos. Ao contrário da Arte Conceptual, na
qual o processo mental se sobrepunha ao objecto, a Estética Relacional valoriza o
objecto, que é parte integrante da sua linguagem, funcionando como veículo para a
concretização da relação com o outro. A Estética Relacional não é formalismo,
refere Bourriaud, mas uma extensão da noção de forma que culmina numa
formação, que é uma ideia dinâmica de forma. Os jantares de Rirkrit Tiravanija,
artista nascido em Buenos Aires, em 1961, e residente em Nova Iorque, são tão
materiais como uma escultura, dão-nos uma noção de forma. O artista materializa a
sua relação com o mundo através das formas. O objectivo de Tiravanija é o
envolvimento com o público: a comida funciona como um meio para fomentar o
convívio entre o público e o artista. Bourriaud salienta que o que Tiravanija cozinha,
como e para quem, é o menos importante, o que realmente interessa é o facto de ele
distribuir, gratuitamente, o resultado dos seus cozinhados.
Alguns críticos defendem que a Estética Relacional se contradiz a si própria, uma vez que
as suas práticas artísticas se restringem ao espaço limitado de uma galeria ou de um
centro artístico, pondo em causa a sociabilidade e as relações interpessoais. Desta
forma, estaria a impedir a manifestação de conflitos e divergências sociais, a favor
de um modelo de sociedade utópico e elitista. Estaríamos, assim, perante obras de
regime totalitário, fechadas sobre si próprias? Não, porque as obras dos regimes
totalitários colocam ênfase na simetria e não permitem que o público as
complemente. Portanto, a prática artística relacional não é uma alienação, mas uma
resposta à alienação reinante na actualidade. Em 1995, Philippe Parreno reproduziu
essa alienação, no seu projecto, Made on the 1st of May, no qual exibiu uma linha
de montagem de diversão. Sendo assim, não há uma negação das relações sociais,
mas uma projecção das mesmas num código artístico específico. A referida posição
crítica só pode vir de indivíduos que defendem a arte comercial e propagandista, e
que temem uma ruptura financeira, senão, por que não criticam também a Arte
Conceptual que implementou uma visão “angélica” dos significados? E que dizer da
Pop Arte que reproduzia códigos de alienação visual?
A Estética Relacional produz modelos de sociabilidade, por isso, quando nos encontramos
perante uma obra dessa natureza, devemos colocar as seguintes questões, como bem
sugere Nicolas Bourriaud: “Esta obra permite que eu entre em diálogo? Posso
existir, e como, no espaço que ela define?” O autor salienta que o objectivo da
Estética Relacional não é o convívio, mas o produto desse convívio, numa forma
complexa que reúne estrutura formal, objectos postos à disposição do público e a
imagem do mesmo, como reflexo do seu comportamento no colectivo.
Nicolas Bourriaud fundou e dirige com Jerome Sans, o Palais de Tokyo, em Paris, onde
expõem muitos artistas que trabalham no âmbito da Estética Relacional. É o único
espaço em Paris que se dedica, exclusivamente, à arte contemporânea, e que está
aberto até à meia-noite. Bourriaud manifesta o seu desejo de exibir práticas
interdisciplinares, funcionando o local mais como um laboratório do que como um
museu. Explica a metáfora do laboratório como sendo um local neutro e “virgem”
de ciência. Todos os anos, o Palais de Tokyo dá “carta branca” a um artista para
ocupar o espaço e elaborar o seu programa. Liam Gillick, artista relacional inglês,
nascido em 1964, classifica o seu trabalho com sendo um laboratório ou workshop,
onde tem oportunidade de testar as suas ideias e exercitar processos críticos
relacionais e comparativos. Ele mistura abstracções modernistas com cenografia
corporativa, reconstituindo os elos invisíveis entre a vanguarda e as transformações
da economia global, entre a Sony e a vídeo arte contemporânea. Desde meados dos
anos 90 que Gillick se dedica à construção de objectos de design tridimensionais:
telas e plataformas suspensas feitas de alumínio e acrílico colorido, que, geralmente,
são exibidos à beira de textos e desenhos geométricos pintados na parede. Apesar de
evocar relações hipotéticas, que nem precisam de se concretizar, ele afirma que o
público é um elemento essencial da sua arte: “O meu trabalho é como a luz de um
frigorífico, só funciona quando alguém abre a porta do frigorífico. Sem o público,
não é arte, é outra coisa qualquer, apenas objectos num compartimento”.
Para Pierre Huyghe, um dos expoentes máximos franceses na área do vídeo, o objectivo da
arte é a diversão e o jogo. Streamside Day Follies, 2003, é uma ficção que culmina
numa celebração, onde se reúnem pessoas para festejar algo em comum. É também
uma tentativa de implementar rituais sociais e tradições. Este filme retrata a
formação de uma comunidade burguesa hipoteticamente localizada em Hudson
Valley, na urbanização de Streamside Knolls, em Nova Iorque. Huyghe explorou a
ideia de migração, uma vez que os habitantes provinham de regiões diferentes, e de
questões ambientais, porque se tinham mudado para ali pela Natureza. Pierre
Huyghe delineou as actividades (discursos, desfile, música e refeições), e deixou o
resto ao acaso e à comunidade local. Não houve um plano previamente delineado.
Mais uma vez a colaboração e a união como modelos. Ao contrário da intervenção
na paisagem, como fez Robert Smithson com Spiral Jetty, em 1970, na tentativa de
retirar a obra da galeria e fundi-la com a paisagem à escala, Huyghe criou um
evento temporal e efémero, que podia ser repetido. Ele gravou o evento e criou uma
instalação no Dia Center, em Nova Iorque, com projecções em ecrãs móveis. Pierre
Huyghe trabalha a partir de um aspecto da realidade, intervindo nela e dela
extraindo o seu conteúdo ficcional. Com influências de John Cage e os seus
silêncios, de Pier Paolo Pasolini e o seu discurso indirecto livre, Huyghe afirma que
a ligação entre várias práticas funciona como um “campo expandido”. A diversidade
de ferramentas permite expandir o jogo e aumentar a diversão. Contudo, a
capacidade e habilidade de jogar são mais importantes que as ferramentas.
O artista espanhol, Santiago Sierra, nascido em 1966, executa projectos que denunciam a
hipocrisia do trabalho global. As suas obras estão associadas à teoria do valor
laboral de Marx, que declarava que o capitalista atribuía pouco valor ao tempo de
trabalho do operário. Sierra requisita colaboradores para realizarem funções inúteis
e fisicamente exigentes, de forma a evidenciar que as pessoas não hesitam em fazer
as tarefas mais humilhantes e insignificantes em troca de dinheiro. Ele paga aos
outros para executarem uma tarefa pela qual ele é remunerado, e, em contrapartida,
é explorado por galeristas e coleccionadores. Santiago Sierra afirma que o trabalho
de um artista não pode mudar o mundo; ele não acredita na possibilidade de
mudança. As suas acções abordam temáticas como o ordenado mínimo, o comércio
de rua ilegal, os sem abrigo e o congestionamento do trânsito. Contudo, e como
refere Claire Bishop, o trabalho de Santiago Sierra não conduz a uma união, como o
de Tiravanija, nem a uma divisão, criando um antagonismo que deixa a obra
instável e aberta à mudança. Facto que constatamos quando ele coloca pessoas
viradas para uma parede, debaixo de caixas ou a serem tatuadas com uma linha. De
acordo com Bishop, o critério de co-existência de Nicolas Bourriaud, que considera
mais ou menos democrático, é uma utopia no âmbito da arte relacional. Na sua
acção da Bienal de Veneza, 2001, Persons Paid to Have Their Hair Dyed Blond,
Sierra pagou 60$ a 200 homens não europeus, com cabelo escuro, para que
pintassem o cabelo de loiro. Durante a exposição, ele apresentou um vídeo de todo o
processo. A maioria dos homens vendia carteiras falsificadas e outro contrabando,
ou fazia tatuagens, próximo da Praça de São Marcos, em Veneza. Depois, Sierra
cedeu o seu espaço de exposição, na Bienal, aos referidos vendedores, que,
normalmente, são os mais segregados na abertura da Bienal. Todavia, naquele
momento, não passavam despercebidos. Santiago Sierra criou uma tensão entre o
mundo da arte e o mundo do comércio, castrando qualquer tentativa de união
harmoniosa.
A arte contemporânea focaliza grande parte da sua atenção na relação com o público. Como
é que ela se dirige ao público? Qual a qualidade das acções interactivas que ela
produz? O sujeito, a identidade e o conceito são temáticas a considerar quando nos
envolvemos na experiência da obra de arte contemporânea.
Referências Bibliográficas
SIMPSON, Bennett (2001) “Public Relations: Bennett Simpson Talks With Nicolas
Bourriaud” in ARTFORUM. Abril.
BEUYS, Joseph (1998) Par le présent, je n’appartiens plus à l’art. Paris: L’Arche.
DURINI, Lucrecia De Domizio (1977) The Felt Hat Joseph Beuys, A Life Told. Milão:
Charta.
DURINI, Lucrecia De Domizio (1996) Joseph Beuys Difesa della Natura. Milão: Charta.
HOPKINS, David (2000) After Modern Art 1945-2000. Oxford: Oxford University Press.