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Neuropsicologia e as Funções

Cognitivas
 Maria Alice Fontes, Psy. Ph.D.
 Claudia Petlik Fischer

O interesse do ser humano em


buscar explicações sobre o
comportamento e uma possível
relação com o cérebro data desde a
Antiguidade, época em que os
gregos se tornaram os pioneiros na
localização de lesões cerebrais em
feridos de guerra.

Desde então, a trajetória


das neurociências vem se
desenvolvendo ao longo
dos séculos, até chegar nos dias
atuais, em que o avanço do aparato
tecnológico e médico-científico
possibilita a investigação mais
complexa da atividade cerebral e
sua correlação como
comportamento humano, e ainda
assim há muito para se descobrir
nesse campo da ciência.

A neurociência é um campo
interdisciplinar que abrange um
conjunto de disciplinas dentre
outras: neuroanatomia,
neurofisiologia, neuroquímica,
neuroimagem, genética,
farmacologia, neurologia, psicologia,
psiquiatria. As neurociências
procuram estudar as várias relações
entre o comportamento e a atividade
cerebral.

Dentro das neurociências, o papel


do psicólogo vem conquistando um
grande destaque, que resultou na
Resolução nº 02/2004 do Conselho
Federal de Psicologia, que
regulamenta a prática da
neuropsicologia (diagnóstico,
acompanhamento, reabilitação e
pesquisa) como especialidade do
profissional psicólogo através de
registro e titulação.

Todas as tarefas que diariamente


realizamos necessitam da atividade
cerebral. Para ler e compreender
esse texto, anotar um recado para
um colega, reconhecer alguém e
lembrar seu nome, calcular o
orçamento doméstico, conversar
com uma pessoa, saber que
amarelo é uma cor e que carro é um
meio de transporte, lembrar o
caminho de casa, são apenas
alguns de uma infinidade de funções
que nosso cérebro faz no dia a dia.

As principais funções cognitivas são:


percepção, atenção, memória,
linguagem e funções executivas. É a
partir da relação entre todas estas
funções que entendemos a grande
maioria dos comportamentos, desde
o mais simples até as situações de
maior complexidade, e que exigem
atividades cerebrais mais
elaboradas.

ATENÇÃO
A atenção é uma função cognitiva
bem complexa e diversos
comportamentos resultam de um
nível adequado de atenção para
serem bem sucedidos, por exemplo:
assistir um filme e compreendê-lo;
manter o foco de conversação em
um ambiente ruidoso. A atenção
também é um pré-requisito
fundamental para o processo de
memorização.

O conceito de atenção é definido


pela seleção e manutenção de um
foco, seja de um estímulo ou
informação, entre as inúmeras que
obtemos através de nossos
sentidos, memórias armazenadas e
outros processos cognitivos. Em
outras palavras, dirigimos nossa
atenção para o estímulo que
julgamos ser importante num exato
momento. Os outros estímulos que
não os principais, passam a fazer
parte do “fundo” não sendo mais os
focos na atenção.

Podemos estudar e avaliar os


diferentes aspectos da atenção, por
exemplo:
 atenção seletiva: quando o indivíduo
escolhe um estímulo ao qual
prestará atenção, por exemplo, ler
um livro ao invés de assistir tv,
mesmo que esta esteja ligada e faça
ruídos ao fundo;
 atenção dividida: caracteriza-se pela
capacidade do indivíduo em prestar
atenção em mais de um estímulo ao
mesmo tempo, por exemplo,
conversar enquanto dirige um
veículo, trabalhar no computador
enquanto atende ao telefone;
Nossa capacidade de manter a
concentração é restrita, e depende
de inúmeros fatores, desde a falta
de vontade ou ânimo por algum
assunto, até a dificuldades
específicas, como as presentes no
TDAH (veja seção principais
diagnósticos) que interferem na
capacidade de atenção seletiva e
dividida, ou seja, todos nós temos
alguma dificuldade atencional, se
isso representa um problema a ser
tratado, depende do grau de
comprometimento e do número de
sintomas.

Problemas de concentração podem


ser resultantes de um distúrbio
atencional simples, ou a uma
inabilidade de manter o foco de
atenção intencional, ou até aos dois
problemas ao mesmo tempo. No
nível seguinte de complexidade,
está o rastreamento mental que
também é afetado por dificuldades
atencionais. A preservação da
atenção é um pré-requisito para
atividades que requeriam, tanto
concentração, como rastreamento
mental. A habilidade de manter a
própria atenção focada em um
conteúdo mental fica diminuída, ou
seja pode-se ter dificuldade de para
se manter uma seqüência de
pensamentos simples, o que
invariavelmente compromete a
habilidade de solução de problemas
mais complexos.

Elucidar a natureza dos problemas


atencionais, depende não somente
da complexa observação do
comportamento geral do paciente,
assim como o desempenho em
testes específicos que envolvam
concentração e trilhas mentais.
Somente com a comparação entre
as várias observações, pode ser
possível a distinção entre os déficits
globais e aqueles mais discretos e
normais presentes na maioria das
pessoas.

MEMÓRIA

A memória é uma das funções


cognitivas mais utilizadas pelo ser
humano em seu cotidiano. Memória
é a capacidade de armazenar
informações, lembrar delas e utilizá-
las no presente. O bom
funcionamento da memória depende
inicialmente de do nível de atenção.
Para que o bom armazenamento
aconteça outras atividades
cognitivas como a capacidade de
percepção e associação é
importante para que as informações
possam ser armazenadas com
sucesso.

A memória pode ser classificada de


forma simples, de acordo com a
duração e os tipos de informação
envolvidos:
 memória de curto prazo: também
conhecida como memória de
trabalho, armazena (numa
quantidade limitada) informações
por alguns minutos. A memória de
trabalho possibilita, por exemplo,
uma pessoa discar um número de
telefone que alguém acabou de lhe
dizer ou repetir algumas frases de
um texto lido naquele exato
momento.
 memória de longo prazo: ao
contrário da anterior, a memória de
longo prazo tem uma capacidade
maior para o armazenamento de
informações, que permanecem com
o indivíduo durante longos períodos,
podendo até ficar guardadas
indefinidamente. Por exemplo, as
lembranças de fatos ocorridos na
infância, o aprendizado de
conteúdos escolares, a fisionomia
ou o nome de alguém que ao se vê
há tempos, etc. Dentro da memória
de longo prazo, encontram-se os
seguintes tipos:

- memória episódica: fazem parte


desse conjunto os eventos
vivenciados pela pessoa que os
recorda, em um determinado tempo
e lugar, por exemplo, uma viagem
de férias, o primeiro dia num
emprego, o nascimento de um filho,
ou até eventos negativos como uma
situação de violência. Assim, a
memória episódica é constituída por
lembranças autobiográficas que
representam um significado
importante para o indivíduo.

- memória semântica: corresponde


ao conhecimento de fatos da vida
em geral, como o idioma falado, o
significado das palavras, o nome de
objetos e que não têm qualquer
ligação com as experiências
dotadas de algum tipo de emoção,
como descrito na memória
episódica.

- memória procedural: esse tipo de


memória é ligado ao conhecimento
de procedimentos corriqueiros e
automáticos, por exemplo, lembrar
como se toca um instrumento
musical, andar de bicicleta, vestir-
se, etc.
Com o avanço da idade, a partir do
50 anos, é comum as pessoas se
queixarem de dificuldades de
memória, o que traz um certo
desconforto ou ate o receio de que
possa ser o início de um quadro
patológico, como o Mal de
Alzheimer, porém é importante
ressaltar que o declínio da memória
como avanço da idade é
completamente normal.

Não é só a idade que provoca


prejuízos na capacidade de
memória; o estresse emocional, a
depressão e problemas de ordem
física são outros importantes
fatores.

Por outro lado, existem também


fatores que favorecem a memória,
como a motivação e as emoções.
Quanto maior o interesse em
aprender algo, melhor será o
armazenamento das informações
obtidas nesse processo, assim
quanto maior o número de emoções
(sejam elas positivas ou negativas)
atribuídas a um evento mais
chances dele permanecer na
memória para uma futura
recuperação.

LINGUAGEM

A linguagem é uma função que


usamos todos os dias, durante a
maior parte do tempo, seja através
da linguagem oral (numa conversa)
ou da escrita (ao ler ou escrever um
texto).

O conceito de linguagem é definido


pelo uso de um meio organizado de
combinar as palavras a fim de se
comunicar, embora a comunicação
não se constitua unicamente num
processo verbal. As formas não-
verbais, como gestos ou desenhos
também são capazes de transmitir
idéias e sentimentos.

Tanto a fala quanto a escrita são


processos em que o indivíduo
seleciona as palavras que conhece
e as organiza num determinado
contexto, dentro das regras
gramaticais de seu idioma.

A linguagem é um processo que


ocorre apenas se existir uma
seqüência coerente de símbolos
(sons ou palavras). Assim, para uma
comunicação ser satisfatória, o
indivíduo precisa compreender uma
determinada informação para
entender a seguinte, e daí por diante
até o fim de um texto ou uma
conversa.

Mesmo que a pessoa leia um texto


com muita atenção e compreensão,
dificilmente as frases serão
armazenadas exatamente iguais
como aparecem no texto. Apenas as
informações mais relevantes, como
palavras-chave e as idéias centrais,
serão necessárias para a
compreensão e armazenamento na
memória de longo prazo.

A leitura adequada é aquela que o


sujeito organiza as palavras em
grupos coerentes, dos quais será
extraído um significado geral e
associados ao tema principal do
texto.

A linguagem também é
caracterizada pela sua constate
evolução, pois embora as pessoas
respeitem os limites de sua estrutura
(gramática, ortografia), elas podem
produzir novas elocuções a qualquer
momento. Basta observar as
mudanças ocorridas na escrita de
certas palavras há algumas décadas
atrás, por exemplo “pharmácia”.

PERCEPÇÃO
A percepção é uma
função cognitiva que se
constitui de processos
pelos quais o sujeito é
capaz de reconhecer,
organizar e dar significado a um
estímulo vindo do ambiente através
dos órgãos sensoriais.

Por exemplo, se um indivíduo tem


seus olhos vendados e lhe são
oferecidos alguns objetos para
tatear, ele é capaz de reconhecer -
através de informações
armazenadas - a textura (áspero ou
macio, duro ou mole), a forma
(quadrado, redondo, grande, etc.) e
depois nomear o objeto. O mesmo
processo ocorre com os outros
sentidos como o olfato (reconhecer
que é “cheiro de fumaça"), a
gustação (identificar se algo é doce
ou salgado), a audição (saber que
um som é do canto de pássaros), ou
a visão (identificar um obstáculo ao
dirigir um veículo e desviá-lo).

As agnosias são os déficits na


capacidade de percepção dos
estímulos sensoriais, especialmente
os relacionados à visão. Embora o
sujeito não seja portador de
qualquer tipo de deficiência
sensorial, ele não é capaz de
reconhecer e identificar o estímulo
que lhe é oferecido, normalmente
em conseqüência a lesões cerebrais
adquiridas.

FUNÇÕES EXECUTIVAS

As funções executivas
compreendem um conceito
neuropsicológico que se aplica às
atividades cognitivas responsáveis
pelo planejamento e execução de
tarefas. Elas incluem o raciocínio, a
lógica, a estratégias, a tomada de
decisões e a resolução de
problemas. Todos esses processos
cognitivos são produzidos
diariamente, pois uma série de
problemas - dos mais simples aos
de maior complexidade - ocorrem na
vida do ser humano. Assim,
independente do grau de
complexidade do problema, o sujeito
precisa estar apto para analisar a
situação (problema), lançar mão de
estratégias, e antever as
conseqüências de sua decisão.

O cotidiano oferece diferentes


desafios ou simplesmente situações
imprevistas que exigem uma boa
habilidade para um manejo
adequado. Por exemplo, descobrir o
melhor caminho para se chegar num
determinado local, uma nova função
no emprego, aumentar o orçamento
doméstico, ou mesmo durante o
desenvolvimento da criança, que a
cada momento descobre uma nova
possibilidade e vai em busca de
uma nova habilidade.

Existem três tipos de resolução de


problemas:
 inferente: utilizada quando o
indivíduo está frente a uma situação
desconhecida e pela qual ainda não
existem soluções disponíveis.
Sendo assim, é necessário avaliar
os elementos que compõem o
problema e deduzir (inferir) qual a
melhor estratégia para superar
aquele problema, ou no pelo menos
minimizar seus efeitos. Na medicina
isso é bastante utilizado quando se
tem um determinado quadro
patológico desconhecido.
 analógica: é o uso de recursos
anteriormente utilizados em
situações semelhantes.
 automática: é o tipo que se
caracteriza pela espontaneidade.
Ocorre principalmente se a pessoa
que o utiliza tem bastante prática no
problema, por exemplo, um
motorista experiente.

CONCLUSÃO

Como pode ser visto todas as


funções cognitivas interagem entre
si. A separação existe apenas para
fins educativos, pois o ser humano é
caracterizado por sua totalidade. As
funções executivas reúnem todas as
funções anteriores. Para resolver
um determinado problema, o sujeito
precisa utilizar todas as funções
cognitivas. Por exemplo, ao detectar
um cheiro de fumaça (atenção), ele
vai reconhecer (percepção) de
acordo com o que já foi aprendido
(memória) que esse pode ser um
sinal de incêndio; a partir de então
ele busca estratégias para
solucionar o problema, como
primeiro se certificar do que se trata,
manter a calma, retirar as pessoas
do local, e chamar por socorro
(funções executivas).

A atuação do neuropsicólogo - seja


na pesquisa, na avaliação ou na
reabilitação - se dá sobre os
quadros que envolvem algum
distúrbio das funções cognitivas,
como Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade, Mal de
Alzheimer, Dislexias, ou qualquer
distúrbio neurodegenerativo, na
avaliação pré-cirúrgica, etc.
É importante lembrar que a
neuropsicologia é uma área das
neurociências e que portanto, o
neuropsicólogo não trabalha
sozinho, e sim existe uma equipe
atuando em conjunto para o bem
estar do paciente.

Referências bibliográficas
1. www.happyneuron.com
2. Andrade, F.H.S. (org.)
Neuropsicologia hoje. São Paulo:
Artes Médicas, 2004.
3. Mello, C.B. (org.)
Neuropsicologia do
desenvolvimento. São Paulo:
Memnon, 2005.
4. Sternberg, R. J. Psicologia
cognitiva. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 2000.

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