Você está na página 1de 7

Fichamento

Souza, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. In: Sociologias, Porto
Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-45.

Introducão

As últimas décadas registraram um ressurgimento das políticas públicas como campo de


conhecimento por conta, sobretuto, de três fatores: 1) a adocão de políticas restritivas de
gastos, principalmente, nos países em desenvolvimento; 2) substituicão da visão
keynesiana de estado e, finalmente, o item 3), mais relacionado aos países em
desenvolvimento e de democracia recente, se refere a dificuldade de formar coalizoes
capazes de elaborar políticas públicas para equacionar problemas que dizem respeito ao
desenvolvimento economico e social do país. O desafio que envolve a resolucão de
problemas, como esses, buscam ser relacionados com a própria interpretacão teórica do
campo de conhecimento das políticas públicas. Nesse sentido, a autora se propõe a nos
apresentar o estado da arte, ou seja, os conceitos e a literatura específica que tratam do
tema, incluindo a literatura neo institucionalista. (Pág. 1 e 2)

Dessa forma, num primeiro momento, a autora introduz os principais conceitos,


modelos analíticos e tipologias específicas da áera de política pública e, em seguida,
discute as possibilidades de aplicação da literatura neo-institucionalista à análise de
políticas públicas. (Pág. 2)

Como e por que surgiu a área de políticas públicas?

Diferente do rumo que tomou a área de políticas públicas no continente europeu, mais
centrado sobre a perspectiva do Estado e suas funcões, nos Estados Unidos, a disciplina
surge de forma mais específica com a ênfase nos estudos sobre a acao dos governos.
Portanto, é nos Estados Unidos que o estudo das políticas públicas nascem enquanto
disciplina acadêmica e área de conhecimento. (Pág. 3)

No momento de constituicao e consolidacao da disciplina, os estudos norte-americanos,


abriram caminho para uma terceira via de estudos do mundo público ao considerar “que
o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser (a) formulado cientificamente e (b)
analisado por pesquisadores independentes.” (Pág. 3) O primeiro caminho se constituiu
com Madison, ao considerar a importancia da formulacao de instituicoes capazes de
conter as paixoes humanas. O segundo caminho seguiu a tradicao de Paine e
Tocqueville que viam na organizacao local a virtude necessaria para a promocao do
“bom”governo.

A partir da criacao da RAND corporation (organizacao não-governamental) no governo


de Robert McNamara, nos Estados Unidos, houve um estímulo a participacao de
métodos científicos nas decisões e formulacões do governo sobre os problemas
públicos, inclusive a política social. (Pág. 4)

Os “pais” fundadores da área de políticas públicas

São considerados “pais”da áera de políticas públicas:

 Laswell (1936)

Na tentativa de conciliar producao academica com prática empírica dos governos,


introduz a ideia de policy analysis. Analisando, dessa forma, a política pública, busca
estabelecer o diálogo entre cientistas, grupos de interesse e governo. (Pág. 4)

 Simon (1957)

Defendeu a busca pelo conhecimento racional que se dava através de estruturas que
enquadrassem o comportamento dos atores políticos modelando na diretcao dos
resultados desejados do bom governo ao invés de maximizarem seus interesses
próprios. (Pág. 4)

 Lindblom (1959; 1979)

Se contrapos a Laswell e Simon no que se refere à enfase no racionalismo. Argumentou


que era necessária a incorporacao de consideracoes acerca das “relações de poder e a
integração entre as diferentes fases do processo decisório o que não teria
necessariamente um fim ou um princípio.” (Pág. 5) Portanto, era preciso ir além das
questoes sobre a racionalidade e compreender o papel da eleicoes, da burocracia dos
partidos e dos grupos de interesses.

 Easton (1965)

Contribuiu para a disciplina ao definir políticas públicas como um sistema em cujas


etapas se relacionam desde a formulacao, resultados e ambiente.

O que são políticas públicas

Segundo a autora, não existe uma definicao única de politicas públicas. Alguns autores
vê esse campo de estudos como um subtema em relacao a política (Mead, 1995), outros
como um conjunto de acoes do governo que produzem efeitos específicos (Lynn, 1980;
Peters, 1986) e, por fim, a definicao mais completa de Laswell em que as decisões e
análises das politicas públicas implicam em responder as seguintes questões: “quem
ganha o quê, por quê e que diferença faz.” (Pág. 5)

Outras definicoes tem como enfase o papel da política pública na solucao de problemas.
No entanto, criticos dessas definicoes argumentam que conduzir a perspectiva da
discussao nesses aspectos racionais e procedimentais das políticas públicas pode
acarretar na invisibilidade das dinamicas conflituosas, dos limites no interior das
decisoes do governo e também das possibilidades de cooperacao entre e inter
instituicoes e grupos sociais. No entanto, mesmo as definicoes mais minimalistas,
consideram o governo como o locus onde se desenvolvem as ideias, interesses e
preferencias em torno das políticas públicas. Em geral, apesar dos embates em torno de
determinados aspectos, as definicoes assumem uma visao holística do tema entendendo
a importancia que cada aspecto tem para a dinamica do estudo, discordando, porém,
somente, na sua importancia relativa. (Pág. 6)

Do ponto de vista teórico, as políticas p[ublicas, bem como as políticas sociais são
multidisciplinares e buscam explicar a natureza das políticas, seu processo, inter-
relacoes e repercussoes na política, economia e sociadade. (Pág. 6)

De forma resumida, pode-se dizer que política pública, enquanto campo de


conhecimento, busca, ao mesmo tempo, colocar o “governo em acao” e/ou analisar essa
acao e, se for necessário, propor modificacoes no curso dessa acao. (Pág. 7) Isso se
torna tao mais aplicavel conforme o grau de desenvolvimento da democracia de um
país. Nas palavras da autora: “a formulação de políticas públicas constitui-se no estágio
em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em
programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.” (Pág 7)

O papel dos governos

O debate sobre políticas públicas se estabelece em meio a questao sobre o espaco em


que são desenhadas e definidas, ou seja, no âmbito do governo. Contrariando algumas
correntes, a autora defende a possibilidade de uma certa ‘’autonomia relativa do
Estado’’, uma margem de manobra própria, muito embora, seja permeável a influencias
internas e externas. É, portanto, nesse espaco próprio de atuacao que reside as condicoes
para a implementacao de objetivos de politica pública. (Pág. 8)

Elementos pós-modernos como a mundializacao do capital, grupos de interesse,


movimentos sociais, partidos e coalizoes influenciam e complexificam a capacidade do
governo de intervir e formular políticas públicas, contudo, segundo a autora, não
impedem ou, necessariamente, implicam a perda dessa capacidade. (Pág 8)

Modelos de formulação e análise de políticas públicas

Na busca de compreensão sobre ‘’como e por que o governo faz ou deixa de fazer
alguma ação que repercutirá na vida dos cidadãos’’ (Pág 9) foram desenvolvidos vários
modelos de compreensão, os principais serão mapeados a seguir:

 O tipo da política pública

Theodor Lowi (1964; 1972)- “a política pública faz a política.” (Pág 9)


Com essa máxima o autor quis dizer que as decisões e recepção de cada política pública
elaborada, desencadeiam uma serie de disputas que passam por cenários políticos
diferenciados. A política pública pode assumir 4 formatos: 1) política distributiva,
desconsidera a noção de recursos limitados, gera mais impactos individuais do que
universais e privilegia determinados grupos; 2) políticas regulatórias, se refere ao visível
aparelho burocrático do estado, o 3) são as políticas redistributivas, estas atingem um
maior número de pessoas, mas impõe perdas, a curto prazo, para determinados grupos
sociais e o 4) são as políticas constitutivas que lidam com procedimentos. Cada uma
dessas políticas vai gerar pontos de apoio ou veto processando um cenário político
diferente. (Pág. 9)

 Incrementalismo

Desenvolvido por Lindblom (1979), Caiden e Wildavsky (1980) e Wildavisky (1992).


Trata-se de uma visão da política publica como um processo incremental, no qual as
pol[iticas não partem do zero, mas de “decisões marginais e incrementais que
desconsideram mudanças políticas ou mudanças substantivas nos programas públicos.”
(Pág 10). Esse modelo perdeu um pouco da sua função explicativa com as medidas de
ajustes ficais adotadas por vários países. Contudo, os orçamentos públicos ainda
mantém determinadas estruturas que encontram a razão de ser dessa teoria.

 O ciclo da política pública

Nesse aspecto, a política pública aparece como um cliclo deliberativo composto dos
seguintes estágios: “definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação das
opções, seleção das opções, implementação e avaliação.” (Pág. 10)

Algumas abordagens se concentram na definicao de agenda, outras nos participantes do


processo decisório ou ainda enfatizam a formulacao da política pública. (Pág. 11)

Ao questionamento de como os governos definem suas agendas, são dados três tipos de
enfoque: 1)Através dos problemas públicos e suas definicoes; 2) por meio da conjuntura
política-ideológica vigente; 3) focaliza nos participantes visíveis como definidores
(mídia, grupos de pressao, partidos) e os invisíveis (intelectuais e burocratas) como
invisíveis modeladores de alternativas.

É interessante destacar que, em relacao ao item (2): “quando o ponto de partida da


política pública é dado pela política, o consenso é construído mais por barganha do que
por persuasão, ao passo que, quando o ponto de partida da política pública encontra-se
no problema a ser enfrentado, dá-se o processo contrário, ou seja, a persuasão é a forma
para a construção do consenso.”

 O modelo “garbage can”


Em outras palavras, no modelo “lata de lixo”, Cohen March e Olsen (1972) defendem
que as solucoes definem os problemas, uma vez que há muito mais problemas que
solucoes, o governo escolhe o que está de acordo com o seu leque de possibilidades das
quais os gestores dispoem naquele momento. (Pág 11 e 12)

 Coalizão de defesa

Este modelo de Sabatier e Jenkins-Smith (1993) questiona os anteriores na sua


capacidade explicativa em relacao ao porque da ocorrencia de mudancas nas políticas
públicas. Segundo so defensores desse modelo, também conhecido como (advocacy
coalition), a política pública deveria ser analisada como um conjunto de subsistemas
relativamente estáveis, que se articulam com o cenário externo, que, por sua vez,
fornece os parâmetros para os constrangimentos e os recursos de cada política pública
formulada. Dessa forma, cada subsistema é composto por coalizoes que “se
distinguempelos seus valores, crenças e idéias e pelos recursos de que dispõem”. (Pág
12)

 Arenas sociais

Nesse modelo, a política pública passa a ser feita pela sua iniciativa ou a de, chamados,
empreendedores políticos. São eles que, ao decidirem sobre a formulacao dos problemas
politicos, bem como da agenda de governo, passam a selecionar determinados
problemas e ignorar outros. Os principais mecanismos para chamar atencao dos
formuladores de politicas publicas são: 1) a divulgacao de indicadores que evidenciam o
problema; 2) eventos como desastres ou repeticao continuadade de problemas; 3)
feedback das politicas publicas que não tiveram sucesso. (Pág. 13)

Esses empreendedores constituem redes envolvendo contatos, vínculos e conexões que


relacionam os agentes entre si e não se reduzem às propriedades dos agentes
individuais. Dessa forma, esse modelo teórico constitui uma alternativa para estudar o
conjunto de relacoes, vínculos entre entidades e indivíduos. (Pág 13 e 14)

 Modelo do “equilíbrio interrompido”

Com influencia de nocoes da biologia e da computacao, esse modelo, defendido por


Baumgartner e Jones (1993), explica que “a política pública se caracteriza por longos
períodos de estabilidade, interrompidos por períodos de instabilidade que geram
mudanças nas políticas anteriores.” (Pág. 14)

Acontece que, assim como os seres humanos, os subsistemas de uma política pública se
processam de maneira paralela ou realizando pequenas mudancas, a partir da avaliacao
de sucesso de determinada política pública, somente em momentos de grande
instabilidade ocorre um processo de mudanca mais profunda e de maneira serial ou
sequenciada. Ao estabelecer esse postulado, essa teoria torna-se capaz de explicar as
permanencias e mudancas do status quo.(Pág 14)

 Modelos influenciados pelo “novo gerencialismo público” e pelo ajuste fiscal

O novo gerenciamento público consiste numa política fiscal restritiva de gastos aplicada
as políticas públicas. Esse novo modelo busca estabelecer suas bases na eficiencia e na
credibilidade. Para isso, transfere seus encargos e funcoes parcialmente a endidades e
instituicoes com “independencia” política. (Pág 15)

A perpspectiva da eficiencia adveio da crise fiscal e ideológica do estado. Em relacao as


acoes coletivas Olson (1965) argumentou que interesses comuns que guiariam o
processo decisório, náo necessariamente resultaria em acao coletiva, pois “os interesses
de poucos têm mais chances de se organizarem do que os interesses difusos de
muitos.”(Pág 16) Por isso, Olson defende que as políticas públicas devem considerar a
eficiencia e a racionalidade.

O elemento de credibilidade das políticas públicas estava na prevalencia de regras pré-


anunciadas em contraponto ao poder discricionário de políticos e burocratas. Assim,
delegando essas funcoes a outras instituicoes independentes, com regras pré-
estabelecidas a discricionariedade seria limitada ou eliminada, segundo o autor. (Pág
16)

Há também uma tendencia em implementar políticas públicas de caráter participativo,


seja por uma promessa política de um partido, seja por mandamentos constitucionais.

Apesar desse movimento do novo gerenciamento público em delegar a implementacao


de certas políticas públicas a outros organismos e instituicoes os governos continuam
tomando decisões sobre situações-problema e desenhando políticas para enfrentá-las.
(Pág 17)

 O papel das instituições/regras na decisão e formulação de políticas públicas

Outros campos teóricos também influenciam o debate sobre políticas públicas, como é o
caso do neoconstitucionalismo. Ele enfatiza a importancia das instituicoes/regras para a
tomada de decisao das políticas públicas. (Pág 18)

Uma das vertentes histórico-institucionalista também contribuem para o debate sobre o


papel das instituições na modelagem das preferências dos decisores. (Pág 18) Portanto a
visão de que o processo decisório resulta apenas de barganhas negociadas entre
indivíduos que perseguem seu auto-interesse, é contestada pela visão de que interesses
são mobilizados não só pelo auto-interesse, mas também por processos institucionais de
socialização, por novas idéias e por processos gerados pela história de cada país. (Pág
19)
A teoria da escolha pública adota uma postura cética em relacao a capacidade do estado
de tomar medidas totalmente racionais e, sobretudo, sem inserirem seus interesses
privados. Logo, seguindo essa linha, as decisoes acerda das politicas públicas deveriam
ser tomadas pelo mercado vis-à-vis do que pelos políticos e burocracia. (Pág 19)

Outra contribuicao do neoconstitucionaismo é a nocao de que instituicoes sáo formadas


por regras formais e informais que moldam os comportamentos dos atores. Portanto,
essa regras também influenciam as políticas públicas, não sendo algo exclusivo dos
indivíduos ou grupos de interesse. (Pág 20)

Considerações finais

“O principal foco analítico da política pública está na identificação do tipo de problema


que a política pública visa corrigir, na chegada desse problema ao sistema político
(politics) e à sociedade política (polity), e nas instituições/regras que irão modelar a
decisão e a implementação da política pública.” (Pág 21)

Você também pode gostar