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Unidade II
5 AUTOFORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DE SOCIOLOGIA
Algumas questões devem ser discutidas quando se fala em autoformação continuada: idealmente
o professor de Sociologia é um sociólogo, o que significa que ele concluiu sua formação acadêmica, fez
seu registro profissional, concluiu a licenciatura, prestou e foi aprovado em algum concurso e finalmente
está exercendo a profissão à qual dedicou parte de sua juventude com os estudos e trabalhos exigidos.
Dentre várias possibilidades, duas aparecem de pronto: a) ele pretende continuar na docência e
pesquisa, partindo para o Ensino Superior, com pós‑graduação, mestrado, doutorado etc; b) ele pretende
continuar no Ensino Médio, eventualmente assumindo aulas em mais de uma escola, ou mais aulas na
mesma escola.
O risco dessa segunda opção reside na rotina empobrecedora, que se torna medíocre com o tempo,
e não com muito tempo. Logo esse professor estará procurando meios para se motivar no trabalho, para
se atualizar, aperfeiçoar suas práticas pedagógicas etc.
É nesse momento que se colocam questões relacionadas aos programas de autoformação continuada.
Todavia, quais recursos estão disponíveis ao professor para que ele se comprometa com um programa de
autoformação continuada? Mas, antes de tudo, o que se pode entender por autoformação continuada?
A articulação entre a política neoliberal, a pedagogia das competências e a formação continuada dos
professores, segundo Silva (2005), fez-se notar ainda mais nítida:
Em outros termos, a formação continuada “entraria para reparar lacunas na formação inicial,
contribuindo ainda mais para o aligeiramento dos cursos e justificando a criação de cursos curtos
que teriam como alicerce a experiência prática profissional (SILVA, 2005, p. 190)”. Enfim, a formação
continuada permitiria aperfeiçoar e adaptar às novas condições instaladas com um eventual “avanço
das tecnologias” um conteúdo que a formação inicial, para não dizer básica, não pode proporcionar.
A reflexão de Ghedin (apud Silva, 2005, p. 190) é particularmente significativa quando se tem por
tema a formação continuada de professores de Sociologia. Para Ghedin, “o trabalho docente implica
fazer uma tarefa intelectual, um saber fazer”. Ele define o professor “como um intelectual transformador,
aquele que é capaz de desvendar o oculto que nos é apresentado como natural”. Praticamente são essas
as palavras empregadas para descrever a desnaturalização do mundo, elemento da metodologia do
ensino de Sociologia, conforme Moraes (2010). Nesses termos, a formação do professor de Sociologia
não corresponde ao esperado pela pedagogia da competência, na medida em que ela, segundo Silva
(2005, p. 190), “quer transformar o professor naquele que deve apenas ensinar o que as crianças
precisam aprender (habilidades, técnicas, capacidades)”, reduzindo o processo de ensino à instrução.
Enfim, completa Silva (2005, p. 190‑1):
Desse modo, essa concepção neoliberal se torna incompatível com a formação e papel do professor de
Sociologia no Ensino Médio, embora seja importante a atualização de conhecimentos, a busca por recursos mais
adequados para ensino, e a formação continuada, nesse caso, pressupõe reflexão e práxis consciente do sujeito.
Observando o quadro a seguir, retirado da publicação O olhar do professor para a formação contínua
em um cenário de projetos, de Ishihara e Diniz (2005), pode‑se concluir que, no caso do professor de
Sociologia, o perfil de seu fazer corresponde a duas das perspectivas apontadas: a acadêmica e a da
reflexão prática para reconstrução social.
Quadro 2
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Consequentemente o ensino implica atividade crítica, marcada pelo caráter ético, e empregada no
processo de transmissão e aquisição de conhecimentos. Esse professor‑sociólogo é especialista na sua
disciplina, mas também trafega com relativa facilidade nas disciplinas conexas; sempre afeito à prática
social no cotidiano da sociedade brasileira, ele mantém o compromisso político com a democracia e,
pode‑se dizer, com uma sociedade mais igualitária e inclusiva.
As autoras comentam, concluindo o texto da pesquisa, que “os dados reforçaram a ideia do professor
como autor do seu projeto de formação, pois [...] percebe‑se a individualidade na construção ou não
construção de projetos individuais pelas professoras (ISHIHARA; DINIZ, 2005).” Isso significa que
professores não são submissos aos projetos de formação, mas à existência anterior de projetos pessoais
de formação. Isso significa que:
Essas conclusões são convergentes com os resultados parciais de estudos desenvolvidos por Loss
(2015), relacionados à autoformação no processo de formação do profissional de educação. A autora
levanta uma série de questões instigantes e pertinentes sobre a relação entre formação inicial no curso
superior e a autoformação continuada. Para a autora (2015, p. 5):
mas também as emoções. Essa complexidade combinada entre razão e emoção é sintetizada por Morin
(2007, p. 122): “A vida humana necessita da verificação empírica, da correção lógica, do exercício racional
da argumentação. Mas precisa ser nutrida de sensibilidade e de imaginário”. Assim, conclui Loss (2015, p.
18): “[...] a autoformação instiga o educador à autonomia intelectual, ao compromisso científico e social,
como expressão de um profissional que pensa e tem o que dizer a partir da reflexão coletiva”.
Observação
Partindo de todos esses elementos, quais seriam os recursos disponíveis para o professor‑sociólogo
delinear seu projeto de autoformação continuada?
Não são muitos recursos para uma autoformação continuada, mas vale a pena explorar algumas
indicações, como a participação em organizações científicas, no Brasil, segundo o site da Sociedade
Brasileira de Sociologia:
Para ser sócio efetivo na SBS, você deve (a) ser portador da titulação
mínima de mestre na área de Ciências Sociais ou em áreas de interface, (b)
exercer atividades de ensino e pesquisa no campo das Ciências Sociais em
instituições de ensino superior ou institutos de pesquisa, ou ainda (c) ter
uma produção científica considerada relevante em Sociologia.
Para ser sócio graduado na SBS, você deve ser graduado em Ciências
Sociais, Sociologia, Antropologia, Ciência Política ou áreas afins, a critério da
Comissão de Admissão, e não ter obtido título de mestre ou doutor numa
das áreas especificadas.
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Saiba mais
A Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS) surgiu das precárias e difíceis condições
que se apresentavam para bacharéis e licenciados em Ciências Sociais em relação ao ensino de Ciências
Sociais, notadamente Sociologia. É interessante ressaltar que, no histórico da fundação da entidade,
as questões relacionadas ao ensino de Ciências Sociais foram centrais. Conforme relato da Associação:
Foi assim que, em 2011, de um e‑mail‑convite de Flávio Sarandy a cerca de 20 colegas, ocorreu um
manifesto a favor da criação da Sociedade Brasileira de Ensino de Ciências Sociais:
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Unidade II
A partir da crescente adesão de colegas dos mais diferentes cantos do Brasil, foi construída a
assembleia de fundação da nova entidade, no dia 11 de maio de 2012, na Unidade Humaitá do Colégio
Pedro II, um dos primeiros estabelecimentos do país a ofertar Sociologia escolar; na cidade do Rio de
Janeiro, foi fundada a Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS). Conforme o Art. 3º
dos Estatutos, a ABECS tem como finalidades e objetivos:
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Outra forma importante reside na participação, via cadastro, em Laboratórios de Ciências Sociais ou
de ensino de Sociologia. A seguir, são apresentadas algumas sugestões:
Saiba mais
<http://www.labes.fe.ufrj.br/>.
No site, há conteúdos sobre Didática e Prática de Ensino em Ciências Sociais, registro dos temas
tratados nos Encontros Estaduais de Ensino de Sociologia (Ensocs) de 2010 e 2014; além de artigos e
teses sobre o ensino de Ciências Sociais no nível médio.
Saiba mais
<http://ensinosociologia.fflch.usp.br/>.
O LES foi criado por meio de subsídios da Pró‑Reitoria de Graduação e Departamento de Sociologia
da USP. Tem como objetivo contribuir para a formação continuada de professores de Sociologia do
Ensino Médio, tanto os licenciados e bacharéis em Ciências Sociais como os oriundos de outras áreas de
conhecimento. A iniciativa parte do entendimento de que as Ciências Sociais contribuem decisivamente
para a reflexão cotidiana, desde os problemas macrossociais até os infinitamente pequenos.
Entre os projetos do LES[,] está o site USP ensina Sociologia, por meio do
qual pretende‑se:
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Os textos didáticos disponíveis cobrem os assuntos que integram a programação do ensino, como:
Arqueologia, Ciência Política, Classes Sociais e conceitos sociológicos fundamentais como consumo,
corpo e sexualidade, corrupção, cultura indígena, democracia, diversidade cultural, estudos rurais e
urbanos, folclore, formação cultural brasileira, gênero, ideologia, industrialização, juventude, literatura
e sociedade, massa, migrações, movimentos sociais, populismo, raça e identidade, redes sociais, relações
internacionais, religião, socialização, sociedade civil, trabalho, violência.
Saiba mais
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Acesse o site:
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Unidade II
Saiba mais
O Gaes, em sua versão digital, disponibiliza materiais para aulas de Sociologia no Ensino Médio com
a finalidade de colaborar com os professores e alunos em suas experiências de ensino‑aprendizagem.
O material é produzido por professores do Departamento de Ciências Sociais da UEL que integram,
ou integraram, este projeto de extensão que se desenvolve desde o início dos anos 1990.
Saiba mais
O Lesoc do Instituto de Ciências Sociais (Incis) foi criado em 2000 para atender às recomendações
do MEC relacionadas à licenciatura em Ciências Sociais. Seu funcionamento, desde então, esteve
diretamente associado às atividades das disciplinas pedagógicas, em especial àquelas oferecidas pelo
Incis. A proposta do Lesoc é contribuir com a prática docente das Ciências Humanas, de uma maneira
geral, e de Sociologia no nível médio, em particular, uma vez que é objetivo da licenciatura formar
professores para essa etapa da Educação Básica.
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
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Observação
A rigor, comunidade científica é uma expressão vaga: cientistas são químicos, físicos, assim como
também sociólogos, antropólogos etc. Qual comunidade científica que, no Brasil, reúne a todos? A
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
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Unidade II
Outras associações importantes no ambiente científico de ciências sociais são: Associação Brasileira
de Antropologia (ABA) e a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP).
Saiba mais
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<http://www.thesociologicalreview.com/>.
<http://www.rfs‑revue.com/>.
Enfim, pensar em integração à comunidade científica, seja nacional ou não, implica dispor tempo
e recursos financeiros para se inscrever em uma pós‑graduação, fazer o mestrado para, finalmente, ser
considerado um “dos pares” daquele grupo. Evidentemente que a integração na comunidade científica
implica ser cientista ou pelo menos pretender sê‑lo.
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Pode‑se perguntar: qual é a razão de discutir Código de Ética? Mas o fato é que o sociólogo se
vê, muitas vezes, durante uma pesquisa, com situações que envolvam práticas de comportamento,
informações que não devem ser divulgadas e, principalmente, com algumas questões: o que fazer com
os arquivos de entrevistas que fundamentaram um trabalho? Nas fichas do arquivo, constam nomes,
datas, eventualmente imagens, fotos. Assim, esse material pode ser passado para outro pesquisador?
Será que os entrevistados autorizaram a divulgação, ou as informações tiveram caráter de exclusividade?
Para dirimir essas dúvidas, e normatizar corretamente as práticas profissionais, são apresentadas duas
versões das normas que regem, ou deverão reger, o comportamento profissional do sociólogo.
A primeira é mais formal, visa ao exercício da profissão: direitos, deveres, regras de conduta em relação
aos demais integrantes da categoria profissional etc. O segundo código privilegia questões relacionadas
à condução de pesquisa de campo, utilização de fontes primárias, documentais e bibliográficas e, em
especial, utilização de imagens e de sons. Nunca é demais sublinhar que, para utilização de imagem
do entrevistado ou informante, deve ser obtido consentimento por escrito. Os dois documentos foram
obtidos de fontes virtuais.
Título I
Disposições gerais
Título II
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Unidade II
Título III
g) Garantir a devolução das informações colhidas nos estudos e pesquisas aos sujeitos
sociais envolvidos;
j) Denunciar aos órgãos competentes sempre que leigos estiverem no exercício ilegal
da profissão ou lidem com resultados de pesquisa ou investigações sociológicas sem os
critérios devidos;
l) Receber desagravo público por ofensa que atinja a sua honra profissional;
Capítulo II
Dos Deveres
j) Não ser conivente com erros, faltas éticas ou morais, crimes ou contravenção de
serviços profissionais;
m) Procurar viabilizar a devolução das informações colhidas nos estudos e pesquisas aos
sujeitos sociais envolvidos;
Capítulo III
Do sigilo profissional
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Título IV
Capítulo I
Capítulo II
Art. 13 – Cabe aos Sociólogos manter entre si a solidariedade que consolida e fortalece
a organização da categoria.
Art. 14 – O Sociólogo, quando solicitado, deverá colaborar com seus colegas, salvo
impossibilidade real, decorrente de motivos relevantes.
a) Ser conivente com falhas éticas e com erros praticados por outro profissional;
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Unidade II
Art. 17 – Ao Sociólogo deve ser asseguada a mais ampla liberdade na realização de seus
estudos e pesquisas.
Capítulo III
Art. 21 – O Sociólogo, ao ocupar uma chefia, não deve usar a sua autoridade funcional
para obstaculizar a liberação total ou parcial da carga horária do profissional que a solicite,
com base legal, às instâncias superiores.
Título V
Art. 23 – A Comissão de Ética será eleita por voto secreto, de forma separada da Diretoria
da entidade, tendo mandato de igual duração.
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Art. 24 – Fica a critério das entidades definir sua composição de acordo com seus
Estatutos aprovados em Assembleia Geral da categoria.
b) Exercer a profissão quando impedido, ou facilitar o seu exercício por quem não esteja
devidamente habilitado;
b) Advertência pública;
Art. 28 – A pena de advertência, reservada ou pública, será aplicada nos casos previstos
nas alíneas “a”, “b”, “c” e “d” do Art. 27.
b) Aos que fizerem falsa prova dos requisitos exigidos para registro profissional;
Art. 32 – Cabe à Comissão de Ética, criada pela entidade referida no artigo anterior,
analisar as infrações a este Código que cheguem ao seu conhecimento.
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Unidade II
Parágrafo 1 – Decidindo a Comissão pela apuração dos fatos, será notificado o indiciado,
garantindo‑lhe acesso aos documentos e fatos componentes da acusação e a apresentação
de defesa em vinte dias úteis.
Art. 37 – Este Código entra em vigor na data da sua votação e aprovação no X Congresso
Nacional de Sociólogos do Brasil.1
1 Assinaram o documento: Lejeune Mato Grosso Xavier de Carvalho, Presidente da Federação Nacional dos
Sociólogos – FNS e Presidente dos Trabalhos da 8ª Reunião Plenária do CD da FNS; e Alcione Prá, Diretor da Federação
Nacional dos Sociólogos, Regional Sudeste e Secretário dos Trabalhos da 8ª Reunião Plenária Nacional do Conselho
Deliberativo da FNS.
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Cada sociólogo (a) deve suplementar o presente código de ética com base em seus
próprios valores e experiência, complementando, sem violar, as normas do Código de Ética.
Constitui responsabilidade individual manter o mais alto padrão de comportamento ético.
Sociólogos devem estar cientes do fato de que seus pressupostos podem causar um
impacto na sociedade. Por consequência sociólogos (as) devem manter uma atitude destituída
de vieses ou preconceitos, procurando tornar explícitos, tanto o caráter tentativo de suas
generalizações com base nos resultados de pesquisas, bem como seus pressupostos e posições
ideológicas. Nenhum pressuposto sociológico deve ser apresentado como verdade indisputável.
Sociólogos (as) devem proteger os direitos de seus informantes, bem como de estudantes
e de membros das equipes de trabalho.
Conflito de interesses
Plágio
Pareceres
Patrocinadores
Consentimento informado:
Quando for necessário solicitar consentimento informado para conduzir a pesquisa, isto
será feito oralmente e/ou por escrito.
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Sociólogos (as) informarão aos participantes que, uma vez tenham começado a participar
da pesquisa, poderão desistir a qualquer momento dessa participação.
Todas as vezes que sociólogos (as) empregarem equipamentos para registrar informações
de pesquisa tais como gravadores, filmadoras, câmeras, videocâmeras ou outras formas de
registro de voz e/ou imagem, será obtido o consentimento informado dos participantes na
investigação.
Uso de incentivos
Sociólogos (as) conduzindo pesquisas não empregarão incentivos que possam coagir
os (as) participantes a colaborarem com essas investigações, afetando a confiabilidade
dos dados.
Confidencialidade
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Unidade II
Pesquisadores têm o direito de garantir que os seus resultados de pesquisa não sejam
manipulados ou tirados do contexto por seus patrocinadores.
Bases de dados tornadas públicas devem conter informações sobre pesquisadores (as)
responsáveis pela pesquisa, fontes e métodos pelos quais os dados foram obtidos.
Uma vez publicadas as informações de um projeto de pesquisa, ele deverá ser considerado
como parte do conhecimento público e base do acervo da comunidade científica, aberto a
críticas e ao debate científico.
Um segundo texto provém de pesquisa mais recente, sobre subjetividade e formação social brasileira;
apoiada em metodologia foucaultiana, a pesquisa utilizou filmes nacionais em substituição às costumeiras
entrevistas. Embora filmes não permitam o estabelecimento da clássica relação intersubjetiva entre
pesquisador e “seu objeto de pesquisa”, esse tipo de material faculta ao pesquisador a repetição das
ações estudadas, mesmo porque o filme se mostra sem reservas ao pesquisador. É verdade que trabalhar
com filmes suscita outros questionamentos, alguns deles serão comentados adiante.
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
A escolha do objeto de pesquisa e sua concepção são dois elementos fundamentais ao perfil
profissional do sociólogo, porque ambos dizem respeito à sua individualidade, são itens que antecedem
a todas as demais escolhas, embora curiosamente a escolha do objeto de pesquisa e sua concepção
frequentemente sejam etapas consideradas depois da opção de método, o que, em geral, pode preocupar
o pesquisador iniciante.
O “objeto de pesquisa” (atenção para as aspas) deve ser fruto de uma sincera interrogação, de um
questionamento, do olhar de estranhamento dirigido a certa faceta da realidade para a qual não se
encontra respostas, ou ainda, o que é mais frequente, com insatisfação perante as respostas disponíveis.
Por isso “objeto de pesquisa” foi grafado com aspas, porque esse “objeto” na verdade é um vazio, um
interrogante, o resultante de um olhar que desconfia da aparência materializada nas práticas sociais
cotidianas, ou que desconfia da “ordem natural das coisas”.
Ainda sobre o objeto de pesquisa, vale a pena lembrar que, em Sociologia, a dimensão temporal
(histórica, econômica e cultural) é particularmente significativa; ela responde pela formação do processo
(ou fenômeno) que se pretende estudar, seja pela descrição, explicação, compreensão ou interpretação,
ou pelo conjunto de todas essas práticas.
Nas Ciências Sociais, a metodologia constitui um tema frequente na discussão das práticas
profissionais e acadêmicas, e sua escolha por parte do pesquisador reflete sua concepção teórica de
sociedade, portanto das relações sociais que a integram e a conformam em dada cultura e momento
histórico. Contudo, certas “questões paralelas”, como as que são pertinentes ao campo acadêmico e
intelectual em que se desenvolve a pesquisa, afetam as escolhas teóricas do pesquisador, refletindo‑se
na metodologia, ou até mesmo na escolha do próprio “objeto” da pesquisa sociológica.
Por exemplo, na década de 1960 no Brasil, a continuidade de um processo político foi abalada, e
depois interrompida, instaurando‑se, pela força, mudanças políticas radicais e relevantes na distribuição
de poder. Desde então, esse processo tem sido alvo de estudos detalhados das Ciências Sociais,
constituindo capítulo significativo da pesquisa sociológica brasileira.
Essa situação foi vivida no caso em exame, pois foi nessa década, e a partir do golpe de 1964, que a
complexa rede das relações e interrelações de poder foi escolhida como tema de um projeto de pesquisa
por uma socióloga iniciante, que preparava seu projeto de doutoramento.
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Unidade II
Todavia, ao problematizar as relações envolvidas nessa rede, era possível perceber claramente uma
tecitura de relações que abrangia as práticas, normas, padrões, expectativas de comportamento e
valores que as orientavam, e que estavam passando por mudanças radicais. Estava se instalando uma
dinâmica em rede que, direta ou indiretamente, afetava tanto o sistema organizado das relações de
poder, portanto do exercício de poder, quanto sua distribuição institucional.
Considerando‑se que a relação fundamental de poder, pelo menos em termos weberianos, ele
se caracteriza pelo exercício de decisão sobre o outro, apesar da resistência dele. Então, era preciso
retornar a Weber para esclarecer aspectos das questões apontadas, por exemplo, esclarecer o sentido
das mudanças em curso e como estava sendo afetado o conjunto tecido das relações de poder. Para
Weber (1977, p. 42, tradução nossa):
Nesses termos, a configuração da dominação emerge da relação social de poder entre quem
o exerce e aquele (s) sobre quem esse poder é exercido. A relação é assegurada pela obediência
devida à existência de um mandato; essa relação básica de dominação se reflete na teia de
relações de poder, ou em outros termos, na tecitura da estrutura do poder em seu conjunto. Em
princípio, portanto eram esses os aspectos a serem pesquisados, sobretudo a dinâmica que neles
eram introduzidas mudanças.
Nesse sentido, a investigação empírica da estrutura do poder pressupunha uma análise do sistema
de dominação, ou conjunto das relações abrangidas na estrutura do poder, explorando as garantias
de permanência e de irreversibilidade dos termos fundamentais da relação: dominante e dominado.
Na verdade, pela investigação empírica, podiam‑se observar alterações emergentes de mudanças na
economia, bem como evidenciar alguns esquemas políticos adaptativos às novas condições emergentes
na sociedade política, cujo objetivo era basicamente a manutenção do poder.
Todavia, centrar a pesquisa nas relações de poder exigia que o pesquisador decidisse pelo tratamento
a ser dado a elas: seriam consideradas como uma tensão circunstancial entre duas ou mais forças, ou
como resultante da superação de uma força (dominante) sobre a resistência de outra (dominada)?
No primeiro caso, o sistema de dominação afigurava‑se ao investigador como um todo em equilíbrio
dinâmico; no segundo caso, a dinâmica da estrutura revelava um sentido mais claro de dominação por
parte do grupo dominante. A dominação deixava de ser compreendida como equilíbrio dinâmico de
forças, para ser a expressão de uma força, dominante, superando a outra, dominada.
Em geral o pesquisador é conduzido em sua decisão pelo material empírico que analisa ao curso
de sua investigação. Por isso, nas condições vividas à época, a ênfase do trabalho em foco repousou
na análise do sistema de dominação a partir da categoria dominante, ou seja, de quem exerce poder,
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Esse foco permitiu revelar mudanças operadas nas relações e interrelações de poder no sentido
da manutenção do status quo, portanto as técnicas de manutenção do poder utilizadas pelos grupos
dominantes, ao longo de um processo de transição parcial de uma economia agrária para industrial, em
uma cidade do interior paulista (Rio Claro).
Para o primeiro período, a fraude eleitoral foi considerada como mecanismo de controle político,
como arma de disputa entre coronéis e, gradativamente, como recurso no sentido de assegurar o
poder em face da oposição eleitoral urbana. Na verdade, a fraude é um comportamento diferenciado
e mesmo oposto às normas legais, mas cuja característica é a obediência às disposições formais
do estatuto legal. Caso contrário, a fraude torna‑se crime eleitoral – mesmo durante a primeira
República, – e como tal caracterizado.
Para o período compreendido entre 1922 e 1962, foram utilizados dados secundários, matérias da
imprensa local e informações de antigos moradores.
Para localização do grupo dominante tradicional, foram utilizadas entrevistas com antigos moradores,
jornais antigos etc. Esse material sugeria reformulação teórica de algumas questões porque: a) em lugar
de uma dominação rural típica, exercida pelo coronel do café, a imagem trazida pelo material empírico
era a de um coronel urbano; b) em lugar do eleitor de cabresto rural, encontrava‑se um eleitorado
predominantemente urbano, embora considerados “filiados ao Partido do Coronel”; c) em lugar de uma
economia predominantemente rural, a cidade correspondia à prestação de serviços urbanos, ligados
diretamente ou indiretamente ao café, tais como transportes, comércio urbano etc., além do mais, o
café não era a produção principal no setor agrícola; d) um contingente significativo dos eleitores era
integrado por operários da ferrovia, cujas oficinas estavam localizadas na cidade.
De certa forma, ambos os aspectos vinculam‑se à transferência das relações sociais e econômicas
entre o homem do campo e o dono da fazenda, para a esfera política: na República, o primeiro é
cidadão‑eleitor, e o segundo, o candidato à representação política.
Contudo, não se mostrava adequado considerar tais vínculos de fidelidade pessoal como um tipo
de obediência ao qual o eleitor rural estivesse obrigado por imposição do coronel. Ao contrário, os
informantes insistiam que a fidelidade pessoal, e consequente dependência política, surgiam em
decorrência de mecanismos de aliciamento utilizados pelos coronéis – favores, sob forma de roupas,
sapatos, empréstimos etc. – no sentido de reforçar os liames tradicionais, passando o voto a ser
considerado como a retribuição de um favor prestado pelo coronel.
O eleitorado urbano detém expectativas diferentes daquelas do rural, mesmo aqueles eleitores que
trabalhavam para o fazendeiro, então chefe político. Nessas condições, a política desenvolvida pelo
coronel de cidade é essencialmente conciliatória, promovendo a unificação dos interesses dos grupos
de poder, ligados ao mundo rural tradicional, representado pelo coronel e os interesses do eleitorado
urbano emergente, especialmente, dos setores ligados ao comércio e à indústria.
Quando as campanhas políticas assumiam tom mais pessoal, visando popularizar o líder político, o coronel
de cidade procurava atrair seu eleitorado facultando‑lhe assistência jurídica em movimentos reivindicatórios
de classe. Graças a esse ajuste circunstancial entre os interesses opostos de sua base, o coronelismo de cidade
foi sendo preservado, em que pese o sistema institucional da democracia representativa.
Uma análise da legislação eleitoral republicana revela certas contradições, as quais, embora não
constituíssem obstáculos intransponíveis à manutenção dos coronéis no poder, favoreceram de certa
forma a manifestação e aliciamento do eleitorado urbano e, nesse caso, especialmente dos estratos
médios, que desempenharam papel importante na composição e atuação dos núcleos urbanos de
oposição política.
fraude eleitoral foi traço predominante no panorama político dessa época, porém a legislação eleitoral
do período é rica em cuidados visando à moralização dos pleitos, bem como são severas as punições e
numerosas as sanções para os infratores. Nota‑se que, se de um lado, o legislador procurou padronizar os
pleitos e conduzi‑los segundo normas legais inequívocas, ao grupo dominante da época, coube a tarefa de
promover as adaptações necessárias à legislação com vista à defesa dos interesses políticos dominantes.
Esse caráter, à primeira vista, de contradição entre dois setores das classes dominantes no período,
revela‑se falacioso para utilizá‑lo na compreensão do exercício de poder. Isso porque, na realidade, não
são dois setores do estrato social dominante, mas sim, dois papéis desempenhados às vezes pelo mesmo
personagem. E, nesse sentido, não se deve esquecer que a legislação eleitoral do período era formulada
pela Secretaria dos Negócios do Interior, nos Estados, e aprovada pelas Assembleias Estaduais, no caso de
São Paulo. Consequentemente, o próprio legislador era eleito graças a certos expedientes que, segundo
as leis, normas e instruções, eram fraudulentos.
A compreensão da fraude eleitoral deveria partir do resgate das mudanças globais pretendidas pela
legislação e verificação dos obstáculos estruturais apostos àquelas mudanças. O sentido de legislação
eleitoral esteve voltado para a racionalização do comportamento político, especialmente no tocante
ao relacionamento indivíduo‑Estado, e no tocante à ordenação do uso de poder pelo senhor rural,
pautando‑o segundo normas disciplinadoras.
Precisamente nesse sentido o arcabouço institucional se revelou falacioso, visto que pretendeu alterar
as relações de dependência então vigentes, criando um eleitor a partir do contingente de trabalhadores,
principalmente rurais, ligados ao coronel. O mesmo se pode concluir em relação ao poder dos coronéis,
tradicional e patriarcal, apoiado em vínculos tanto econômicos quanto sentimentais, em relação aos
seus eleitores.
Dessa forma, os obstáculos existentes à plena aplicação das leis eleitorais resultavam, portanto,
das próprias condições estruturais fundamentais da estrutura de dominação. Aparentemente havia
inadequação das condições institucionais legais criadas à realidade política vinculada à economia
predominantemente agrária do período inicial da República, na medida em que as leis previam a
existência de um eleitor supostamente desvinculado do complexo tradicional de mando.
A análise das relações de poder evidenciou a estrutura de dominação tradicional do período, enquanto
as relações de poder permitiram evidenciar mudanças ocorridas a partir de alterações na economia. É
a partir dessas mudanças, e de seus reflexos nas disposições fundamentais da estrutura de dominação,
que foi preservado o processo de dominação tradicional, mas de base urbana.
Lembrete
Para análise do processo de emergência do grupo dominante à época da pesquisa, partiu‑se de uma
conceituação operacional de poder, nos seguintes termos: o exercício do poder refere‑se basicamente à
extensão de controle sobre os grupos sociais, através da mediação – pelos indivíduos que o exercem – em
objetivos visados pelos grupos sociais ou por indivíduos isoladamente. Esse exercício, para ser efetivo, no
sentido de assegurar à pessoa o poder, deve ser estruturado de acordo com padrões sociais institucionais,
associativos ou grupais, ou ainda, através dos quadros da autoridade aprovada socialmente.
Com objetivo de localizar “quem era quem”, foram utilizados questionários e um levantamento das
diretorias das associações em funcionamento na cidade, obtendo dados sobre sistema de eleições etc.
Com essas informações, foram localizados 111 nomes, dos quais 27 pessoas participavam de mais de
uma associação ou em todas. Procedimento análogo foi utilizado com os partidos políticos, localizando
candidatos aos cargos eletivos, participantes das eleições etc. Essas informações foram obtidas por
consulta ao Cartório Eleitoral e ao Tribunal Regional Eleitoral, para o período 1947 a 1964. Essas listas
foram submetidas à apreciação de informantes locais, solicitando que indicassem as “pessoas importantes
na cidade”, “as pessoas de influência” ou “os mandachuvas locais”. Tratava‑se de uma adaptação das
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
técnicas utilizadas por vários pesquisadores americanos no estudo de estrutura do poder, dentre eles,
Hunter (1953), em “Regional City”.
Nos resultados obtidos em 1963, contam‑se vários líderes sindicais que gozavam de grande
popularidade, e foram candidatos e eleitos naquele ano para vereança, inclusive nos partidos
conservadores; nos resultados obtidos em 1965, esses elementos não mais figuram porque foram
expurgados pelos representantes locais do Golpe de 1964. Dessa forma, na verdade, o Golpe criou
condições que favoreceram as relações de dominação.
O grupo tradicional dominante, assim como em 1930 e 1946, não ofereceu resistência às solicitações
de mudança do momento histórico. Ao contrário, houve, a bem dizer, uma acomodação entre líderes
políticos que ascendiam na Revolução de 1930 e os que então detinham o poder. A tal ponto que os
mais expressivos líderes políticos da cidade, em 1965, são ligados diretamente aos antigos coronéis; a
regra geral foi a permeabilidade do grupo tradicional às mudanças emergentes.
Tal permeabilidade às tensões sociais emergentes foi de fundamental importância na análise das
relações de dominação emergentes, bem como na manutenção dos elementos tradicionais no poder. A
estratégia de “mudar para permanecer” tem sido observada, então foram alterados alguns elementos no
grupo dominante, mantendo‑se, no entanto, as mesmas linhas de ação política anteriores.
Lembrete
Como se entende a “empiricidade” na Sociologia, que serviu de base para sua própria constituição
como ciência? A questão leva a examinar como vertentes da teoria sociológica situam a relação entre
fatos da observação e respectiva representação simbólica.
Pode‑se dizer que a vertente durkheimiana remete ambos os termos à sociedade, de modo que, como
sintetiza Miceli (1982), apresentando Bourdieu: “trata‑se de uma indagação ociosa saber se são as ideias
que deram origem às sociedades, ou se foram estas que deram existência às representações” (MICELI,
1982, p. 20). Na verdade, o conceito central à teoria durkheimiana, fato social, é definido como “maneira
de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior” (DURKHEIM, 1981,
65
Unidade II
p. 52), e essa coerção tem existência própria, portanto independente das “manifestações” individuais,
e remete a uma sociedade dada. Contudo, Durkheim reconhece que “existem também maneiras de ser
coletivas”, as quais também se impõem aos indivíduos, mas que são, em última instância, “modos de
agir” consolidados.
Sem que se pretenda ampliar a discussão da teoria durkheimiana, dois aspectos devem ser destacados
em sua conceituação de “fato social”: a) seu caráter empírico associado às práticas observadas, b) a
relação entre coerção social e indivíduos. Considerando‑se exclusivamente o primeiro aspecto, ter‑se‑ia
um empirismo radical que o autor francês contesta como insuficiente; no segundo aspecto, na relação
entre indivíduo e coerção social, se instala a dinâmica entre consciência individual e coletiva, central
ao caráter moralizante da obra de Durkheim. As representações, que permitem explicar e interpretar
a sociedade têm para o autor um sentido muito particular, mais amplo e racional, tecido pela própria
sociedade ao longo das gerações, atuando nos indivíduos.
Estabelece‑se desta forma uma relação complexa entre os dados empíricos (fatos) e o sistema de
ideias que permite classificá‑los, analisá‑los e explicá‑los. Na categoria de fatos, são incluídos os valores
e julgamentos, de valor e de realidade, uma vez que ambos são construções do espírito, e coletivos, uma
vez que são constituídos na linguagem, e por ela; ambos têm base no dado, na coisa, e nos ideais, que
são coletivos. Nessa passagem dos dados para a sua interpretação, dos juízos para as ideias coletivas que
os sustentam, redefine‑se o sentido geralmente apontado para o empirismo de Durkheim: o estatuto
de “coisa” atribuído aos fatos sociais perde em opacidade como condição da abordagem, e os ”fatos”
passam a ser situados em conexão com o plano dos sentidos e ideais em sociedade. Isso fica claro
quando Durkheim (1981, p. 61) reconhece que:
Nos termos colocados, a tarefa do sociólogo acaba por ser a de estabelecer essa conexão entre
os dados e seus significados ideais em uma sociedade, todavia não antes de estabelecer hipóteses,
e de percorrer um caminho de investigação racional e causal. O controle da dimensão subjetiva das
observações do próprio pesquisador é considerado fundamental no estabelecimento de uma objetividade
66
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
científica, porém essa dimensão subjetiva já se tornara presente no recorte do objeto de estudo e na
eleição dos fatores explicativos. Pode‑se dizer ainda que, aos olhos contemporâneos, o próprio Durkheim
não escapou da subjetividade: contagiado pelo ambiente cultural europeu, ele se refere a formas
“primitivas da vida religiosa”, e a “culturas inferiores”, embora não admita uma “sequência evolutiva”,
como pretendiam outros de seu tempo.
Weber, em texto de 1904, tratando da objetividade cognoscitiva da ciência social, deixava clara sua
proposta: “A ciência social que queremos promover é uma ciência de realidade. Queremos compreender
a realidade da vida que nos circunda, e na qual estamos imersos, em sua especificidade” (WEBER, 1958,
p. 61, tradução nossa). Essa especificidade implica compreender o sentido subjetivo da ação dos sujeitos,
na sua significação cultural e histórica. Tal compreensão vai ser construída pelo sociólogo, como parte
de seu fazer da ciência, pelo recorte que ele realiza ao eleger um “objeto” significativo de investigação,
ao analisar as conexões de natureza diversa que o explicam e permitem interpretá‑lo.
Para tornar possível lidar com o sentido subjetivo das ações dos sujeitos, mas compreendendo‑o no plano
das conexões com o exterior, Weber adverte que as ações dos sujeitos que interessam à Sociologia compreensiva
não são as que se podem buscar no âmbito psicológico individual, que digam respeito às tendências pessoais,
de personalidade. Apesar de os estados emocionais, os sentimentos, constituírem dimensões significativas
das ações, uma vez que estabelecem sentido para elas, o interesse da Sociologia se concentra no sentido
social das ações dos sujeitos, em que pese esse sentido não ser rigorosamente racional, mas irracional, e atuar
indiretamente no campo das ações. Weber (1958, p. 177, tradução nossa) explica:
Portanto não se trata apenas de ações dos sujeitos individualizados, mas de ações que são
“mentalizadas”, como diz Weber, levando em conta o outro. Por isso os sentidos subjetivos das ações
dos sujeitos não se esgotam, nem podem ser explicados no nível da vida desses mesmos sujeitos. Os
dados observados não permitem, por sua vez, explicar o sentido sociológico das observações: na sua
empiricidade, eles não reproduzem o sentido social, as expectativas dos sujeitos em relação ao outro, os
padrões de reciprocidade, exatamente a dimensão que interessa à Sociologia compreensiva.
A construção de tipos‑ideais aparece assim como “recurso heurístico, mediante o qual o sociólogo
põe em evidência [...] a conjugação do desenvolvimento exterior e dos motivos das ações sociais. É
evidente que esse procedimento, que compele o especialista a escolher livremente os aspectos essenciais
da realidade” (FLORESTAN, 1972, p. 89).
A construção de tipos ideais, porém, não é tarefa de simples abstração de características a partir
dos dados de observação das condutas: a busca pelo sentido subjetivo das ações implica tomá‑las nas
suas conexões com modalidades de racionalidade possíveis, orientadoras das condutas em determinado
67
Unidade II
momento da história, portanto também considerá‑las em relação às ideias que figuram como idealização
em uma dada época. Mas “a relação causal, entre a ideia historicamente verificável que governa os homens
e aqueles elementos de realidade histórica a partir dos quais é possível abstrair o tipo ideal correspondente,
pode[,] como é natural, configurar‑se de maneiras distintas” (WEBER, 1958, p. 85, tradução nossa).
Quanto mais Weber detalha a construção de tipos‑ideais, mais os procedimentos se distanciam do plano
empírico, e mais o recurso conceitual ilumina o caminho para compreensão e interpretação da realidade
investigada. Por consequência, os tipos‑ideais que representam a realidade dos fenômenos pesquisados
são vazios da empiricidade, mas dela guardam os traços que o pesquisador considerou essenciais, ou
típicos, no que se refere à adequação racional entre meios e fins nas condutas portadoras de sentido.
Tanto para Durkheim quanto para Weber, cabe ao sujeito (sociólogo) construir o “objeto” de sua
investigação, eleger traços característicos aos fenômenos em foco, admitir hipóteses, imprimir um curso
à pesquisa, e assim antecipar, ou pressupor resultados. Nos dois autores, a empiricidade do material de
pesquisa não decorre diretamente da “massa” de comportamentos individuais observados, mas sim da
regularidade observada nos comportamentos, por sua vez resultante de procedimentos do pesquisador.
Nesse sentido, por “empírico”, não se pode entender o evento que aparece submetido a uma
enumeração qualquer, mas o sentido social, histórico e subjetivo da ação de que ele é portador, cuja
regularidade permite a investigação. Contudo, tanto as conexões que podem ser imputadas aos fatos
(Durkheim) quanto os sentidos das ações (Weber) não repousam na superfície do dado empírico, estão
para além dele, nos olhos e concepções do pesquisador.
Embora Marx não tenha sido sociólogo, nem fosse a Sociologia sua preocupação, o materialismo
histórico dialético influenciou profundamente a Sociologia. Como método, ele conduzia a análise
das relações sociais para além da materialidade em que apareciam como “reais”, na medida em que
as situava na dinâmica histórica e dialética das relações de classe no modo capitalista de produção.
Nesses termos, os dados empíricos, por exemplo, de salários e horas trabalhadas permitiram chegar ao
conceito de “mais‑valia”, motor oculto nas relações de produção, mas responsável pela acumulação
simples e ampliada do capital. O empírico não deixava de ter importância, mas como aparência que
deveria ser ultrapassada, para se constituir a ciência. Do mesmo modo, a sociedade capitalista, burguesa,
representava a aparência ampliada das relações de exploração entre classes e seus segmentos.
Nos três autores apontados brevemente, pode‑se constatar que a realidade empírica não constituía o
material das propostas de ciência do social, mas uma base, e a partir dela se constituía, ou se construía
a ciência, por uma mediação, ao mesmo tempo da ordem do sensível e do racional, uma representação
do real, que na verdade não o espelhava, mas focalizava de algum ângulo e sob alguma luz da teoria.
Essa constatação levou Menezes (2000) a questionar, propondo o conceito de representificação: “Se
para estes três autores não existe de imediato o real, para o que é que nós olhamos diretamente? Para
Durkheim, as pré‑noções, os pré‑conceitos, para Weber, o caos, e, para Marx, a ideologia e os fetiches”.
Por outro lado, pode‑se admitir certa similaridade entre a empiricidade obtida em pesquisa sociológica
por questionários e entrevistas e aquela obtida pela pesquisa em filmes. Em ambas, a regularidade dos
comportamentos observados constitui apenas uma base a partir da qual se pretende conduzir a pesquisa.
68
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Há, porém, o campo da ordem do sensível, e nele também se estabelecem critérios que permitem
caracterizar o “mesmo” e a “diferença” nas regularidades. Na pesquisa sociológica, nas entrevistas, quando
o outro se situa em espaço social partilhado pelo pesquisador, se estabelece uma relação intersubjetiva
mediada pela linguagem em comum; em situações em que essa comunicação direta é dificultada ou
impossibilitada pela distância histórica ou de espaço social, cabe ao pesquisador encontrar recursos que
lhe permitam transpor essas distâncias, para, como se diz, “penetrar no mundo do entrevistado, ou dos
‘sujeitos’ da pesquisa”.
Todo o entorno de uma entrevista, entonação de voz, ambiente, gestos, espaço (e até cheiros)
constituem elementos que reforçam a relação de intersubjetividade, ou supostamente permitiriam a
transposição de obstáculos à comunicação. Desse modo uma entrevista (ou mesmo a aplicação de
um questionário) não é vazia de comunicação sensível, incluindo em certa medida a sensibilidade do
pesquisador, sua visualidade da situação e do próprio “sujeito de pesquisa”. Contudo, o que é à primeira
vista indevassável é exatamente o “mundo” do outro, valores, sentidos das condutas, ou, em outras
palavras, o conteúdo sociológico que justifica a pesquisa. A construção de regularidades abrange as duas
dimensões, primeiramente aquela que foi obtida na espessura racional do discurso, das palavras, nas
entrevistas, complementada pela informação da ordem do sensível, da empatia (ou não) do pesquisador.
Nas pesquisas com filmes, há inversão desses dois campos: não há comunicação direta entre
pesquisador e “sujeitos da pesquisa”, porque não há “sujeitos de pesquisa”, mas personagens, cujo
“mundo” é devassado pela câmera, na espessura de imagens, sonoridades e diálogos. Por sua vez,
personagens são agentes de trajetórias que lhes foram construídas em roteiros e argumentos que
vieram da literatura ou não. As condutas são de uma “espontaneidade” planejada, construídas pela
direção do filme, da fotografia, tomadas, ambientação cenográfica, histórica e estética. A visualidade se
oferece ao pesquisador como o espaço em que foi construída a encenação de uma suposta racionalidade
(ou irracionalidade) de condutas. Em outros termos, o plano do sensível se tornou a instância para a
construção racional da regularidade das condutas, é ele que é ofertado para a construção do conteúdo
sociológico que justifica a pesquisa.
Ora, ao se pensar em regularidade, o olhar é desviado do fato individual em sua existência fugaz,
para as relações que propiciam a sequência de fatos que denunciam regularidade. Essas relações são
históricas, como “o modo de ser fundamental das empiricidades, aquilo a partir de que elas são afirmadas,
postas, dispostas e repartidas no espaço do saber para eventuais conhecimentos e para as ciências
possíveis” (FOUCAULT, 1981, p. 233). Nessa passagem do individual para a constituição da regularidade,
instala‑se o olhar de pesquisador, mas dirigido para “algo” cuja apresentação se distingue em duas
modalidades de “material empírico”: a) discursos sobre o vivido, obtidos em relação a um conteúdo
racional da pesquisa, secundados pela sensibilidade, (entrevistas); b) imagens do vivido e seus discursos
dirigidos à sensibilidade (filmes), considerados em relação à racionalidade do conteúdo da pesquisa.
Se até agora esses comentários vinham apontando similaridade na concepção de “material empírico”
no âmbito da teoria sociológica de campo e com filmes, pelo elo da sensibilidade presente em ambos os
campos, agora se instala uma diferença essencial: a representação discursiva predominante no material
de pesquisa sociológica deixou de ser central à pesquisa, em seu lugar, encontram-se filmes, construções
imagéticas de condutas, trajetórias e da própria sociedade. Esse material de imagens será o objeto das
69
Unidade II
práticas desenvolvidas para a construção do conhecimento a partir de textos, com vista a estabelecer
regularidades que permitam análise, explicação e interpretação.
Entretanto, filmes são dirigidos ao entendimento e reconhecimento sensível do público, eles são
produtos culturais, não são discursos de esclarecimento, nem testemunhos ou relatos de sujeitos de
pesquisa; portanto houve uma torção de ordem ontológica no “material” submetido à análise. Essa
torção se afina com a tendência à visualidade presente na sociedade contemporânea, mas ela faz surgir
no campo de pesquisa a diferença radical existente entre texto e imagem, instalando uma dúvida de
caráter epistemológico: poderão ser utilizados com filmes os mesmos procedimentos desenvolvidos pela
Sociologia para a produção do conhecimento a partir do discurso?
Para encaminhar resposta a essa indagação, convém lembrar com Foucault que “o limiar da nossa
modernidade não está situado no momento em que se pretendeu aplicar ao estudo do homem, métodos
objetivos, mas no dia em que se constituiu um duplo empírico‑transcendental a que se chamou ‘homem’”
(FOUCAULT, 1981, p. 335). Para dar conta dessa duplicidade, desenvolveu‑se no pensamento moderno a
análise do vivido, que procurou “articular a objetividade possível de um conhecimento da natureza com a
experiência originária que se esboça através do corpo; e articular a história possível de uma cultura com a
espessura semântica que a um tempo se esconde e se mostra na experiência vivida”(FOUCAULT, 1981, p. 337).
Na análise desse “vivido”, foram constituídas as ciências humanas, e a Sociologia por decorrência,
em uma “região” epistemológica (FOUCAULT, 1981, p. 337) na qual se situa o desvendamento sobre o
“indivíduo que trabalha, produz, consome, e se confere a representação da sociedade em que exerce
essa atividade”; desenvolveu‑se aí também um arcabouço conceitual, autônomo ou adaptado de outras
ciências, que foi sendo articulado às práticas que tornaram possível conduzir, dentro de limites, as
empiricidades à representação.
Outros campos, como Etnografia e Etnologia, recorreram ao cinema para documentar realidades
culturais. Contudo, nesses campos, o cinema documental foi utilizado como confirmação, ou exposição
“da verdade” dos fatos, posição que se mostrou inverídica posteriormente. O trabalho de Menezes (2000)
comenta esse uso do cinema, como material “empírico”, e as falácias associadas a tal procedimento.
O artigo de Menezes será retomado posteriormente, mas aqui basta mencionar que o conceito
“representificação”, que ele propõe, visa exatamente corrigir tais problemas.
Ao fim do século XX, mudanças sociais trazidas com a expansão dos meios de comunicação
tecnológicos, coerentes com as alterações verificadas no modo de produção capitalista da economia
70
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Essas tendências marcam a vida cotidiana, estão na experiência diária das relações sociais, são
referidas em seu conjunto pelos imprecisos termos de “modernismo”, “modernidade” e “pós‑modernismo”.
Termos que pretendem designar uma representação paradigmática da sociedade contemporânea. No
entender de Jameson (1996), falta‑lhes caracterização consistente, uma vez que eles indicam processos
e dinamismo histórico em curso com referência a outro modelo, o modo de produção capitalista, mas
são empregados para designar um campo mais amplo que a dimensão econômica da vida social. Como
então abranger as inovações emergentes na esfera conceitual, apreciar seus efeitos, analisar seus
impactos em culturas distintas, sobre as subjetividades, e na obra estética? Esse seria um projeto amplo
que, segundo Jameson (1996, p. 308), caberia a uma “sociologia como a de Weber”.
De outro campo, agora dos estudos de cinema, Bernadet, crítico e cineasta, aponta para aspectos
assemelhados, ao afirmar que “as imagens não detêm, em si, uma significação definida e estável. A
plurissemia da imagem é evidente. A significação de uma imagem constrói‑se pela sua inserção em
determinado contexto visual e sonoro”; e referindo‑se à própria prática: “Fazendo esses filmes, brinco
com a plurissemia, com a indeterminação da significação, é graças a elas que os filmes se tornam
possíveis” (BERNADET, 2000, p. 33).
Esse “brincar com a plurissemia” é apontado pelo autor como sendo atividade de risco calculado,
porque ele diz que “a sociedade dita da imagem tem medo [...] de que seu controle sobre a significação
71
Unidade II
lhe escape. Portanto vivemos tanto uma civilização da imagem, mas da imagem cercada por outras
imagens e palavras que lhes contenham e lhes determinem as significações” (BERNADET, 2000, p. 33).
Enquanto Martins (2008), trabalhando com a imagem sem movimento da fotografia, encontra
nela própria o campo em que a representação se projeta como mediação plena de sentidos, que são
resgatados (ou construídos) pelo sociólogo na interpretação; Bernadet (2000), trabalhando com a
imagem em movimento do cinema, constrói essa trajetória de projeção com sua brincadeira de atribuir
sentidos, controlando o curso com estratégias de corte, montagem e som, cuidando para que eventuais
resíduos dessa operação não comprometam o curso planejado.
Desse modo, seu intento, que era o de construir subjetividades usando imagens de outros
diretores, implicou controlar o que não está na imagem, mas no seu sentido, na sua trajetória
de significação, subvertendo seu curso, criando outro. A esse processo, Bernadet denomina
ressignificação, palavra retirada de Eribon, para designar “a possibilidade de recriar sua identidade
pessoal a partir de uma identidade designada” (BERNADET, 2000, p. 43). Ora, o que ele fez foi
urdir outro laço na trama de sentidos construída socialmente e que orienta a apropriação da
imagem pelo outro, o espectador.
Voltando às questões em aberto, pode‑se constatar que nas duas situações apontadas a “empiricidade”
necessariamente peculiar que constituiria o material de construção das regularidades se situa fora do
suporte material da representação (filme e foto); embora se encontre envolta em palavras e sons, ela
não é dada pelas palavras ou sons, mas é construída para além delas. Seu espaço é um “entre lugar”, em
que se tece o saber de cada época, em uma combinação do ver e do falar.
Essa disjunção entre o visual e o discursivo, em parte, repercute da disjunção entre a norma
(discursivo) e a prática (visual), instância que possibilitou investigar, em filmes, o “avesso da ordem” na
formação social brasileira, a sua outra face, a das tramas, estratégias, táticas, enfim, das práticas efetivas
dos dispositivos de poder. Ela também remete para conexão entre os filmes e as obras literárias nas quais
foram baseados, processo frequente na filmografia internacional e brasileira, de Shakespeare a Machado
de Assis, Nelson Rodrigues, Rubem da Fonseca e Ubaldo Ribeiro, para citar apenas esses.
Com foco de interesse centrado na literatura, Schollhammer (2002) alinha sua investigação sobre o
“regime representativo da modernidade” à tendência anunciada por Thomas Mitchell em Picture Theory
“de uma verdadeira Virada Pictórica (A Pictorial Turn) nas ciências humanas atuais” (MITCHELL apud
SCHOLLHAMMER, 2002, p. 23).
Mesmo porque, ainda segundo o autor, “todos os meios de comunicação são meios mistos, todas as
representações são heterogêneas; não existe nenhuma arte ‘puramente’ visual nem verbal, apesar de ser o
impulso de pureza um dos gestos utópicos do modernismo” (MITCHELL apud SCHOLLHAMMER, 2002, p. 24).
A partir desse pressuposto, Schollhammer (2002, p. 20) demarca seu campo de pesquisa, como:
O nexo privilegiado a que o autor se refere se situa no mesmo “entre lugar”, já mencionado, onde
discurso e imagem, livro e filme, dançam um perto do outro, se aproximam ou se opõem. Nesse lugar,
resgata‑se o material necessário à construção das representações; todavia o olhar do pesquisador não
é dirigido para a materialidade do livro ou da imagem, ambos apenas sinalizam o campo de referência,
são os passos dessa dança que inquietam o pesquisador.
Na abordagem sociológica clássica, como foi apontado, também a empiricidade é uma mediação
construída no exterior do dado, seja esse exterior à postura teórica, sejam os pressupostos sobre conexões
dos fatos. Na verdade, esse exterior, adotado pelo sociólogo, orienta a obtenção da manifestação empírica
das condutas, e construção das regularidades que permitem descrição, explicação e interpretação do
objeto de conhecimento construído, ou conduziriam à transformação, na medida em que a ciência
municiasse a práxis.
Pesquisas anteriores sobre dispositivos de poder na formação social brasileira ancoradas no campo
foucaultiano forneceram parte do material “empírico” (filmes) reutilizado nessa pesquisa, e anteciparam
questões investigadas. Na verdade, investigar os processos de constituição de subjetividades na
formação social brasileira, de individuação e construção de sujeitos, implicou resgatá‑los no âmbito
dos dispositivos de poder, respectivas estratégias, táticas e mecanismos práticos de controle, e do “entre
lugar” instaurado entre filmes, diálogos e textos.
73
Unidade II
Afirmar que a pesquisa se situa em um campo foucaultiano implica como ponto de partida estabelecer
a relação “em primeira instância, com uma população de acontecimentos dispersos” (FOUCAULT, 2000, p.
88), os quais guardam entre si relações que podem ser identificadas, na medida em que sejam destacados
como enunciados. Na prática, significa questionar o que cada filme faz aparecer, que modalidade de
relação (ou vínculo) que ele estabelece com um exterior ao próprio filme, e nesse mesmo procedimento,
focalizar as práticas das personagens: quais relações elas mantêm entre si, e com outras personagens
de outros filmes. As articulações que podem ser apreendidas com esse procedimento podem variar,
tanto em relação aos processos focalizados na pesquisa, quanto em relação às condições históricas,
econômicas, e culturais refletidas nos filmes2.
A sugestão de Foucault para tornar possível uma pesquisa com essas características é partir do
que ele chama de “conjuntos práticos”. O domínio de referência nesse caso não é constituído pelas
“representações que os homens se dão deles mesmos, não as condições que os determinam sem que eles
o saibam, mas o que eles fazem e a maneira pela qual fazem” (FOUCAULT, 1984, p. 349‑50).
Os “grupos” estudados constituem teoricamente os conjuntos práticos de que fala Foucault, sendo
possível pesquisá‑los em construção cinematográfica na trajetória das personagens, e na sequência
de filmes, “evidências materializadas” de processos de constituição de subjetividade, de individuação e
respectivos desdobramentos, nas condições contingentes da formação social brasileira.
É óbvio que os conjuntos práticos de referência não constituem unidades isoladas ao longo da
História, portanto não podem ser descritos processos de subjetivação sem considerar os limites internos,
ou fronteiras. Alguns contingentes se apresentam não somente a partir da presença do colonizador
branco, mas também a partir da presença dos outros “grupos”, práticas e estratégias adotadas. Essa
2
O próprio filme constitui uma manifestação de acontecimento, na medida em que se o considere vinculado a uma
dada linguagem estética, gênero ou recurso tecnológico. Essas dimensões, contudo não estão sob o foco dessa pesquisa,
embora possam ser mencionadas, aqui e ali, como simples referência.
74
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
observação se aplica de modo particular às mulheres, mas também ao convívio entre índios (aliados
dos portugueses e de outros europeus), entre negros (quilombolas, integrantes das forças de repressão,
libertos, negros de ganho e outras distinções).
Do ponto de vista das contingências abertas para inserção na formação social, a oferta de
mão de obra como fator de produção e contingente populacional percorre uma trajetória que
se articula, de um lado, à mão de obra escrava (índios e negros) e de outro, aos contingentes de
excedentes contemporâneos. Nesses termos, a trajetória da força de trabalho percorre o eixo da
genealogia, assim como revela uma arqueologia das condições de trabalho na formação social. São
essas duas dimensões simultâneas que permitem entender a permanência de formas “atualizadas”
de trabalho escravo em longínquas fazendas do Pará, Tocantins, Maranhão e Amazonas, bem como
permitem situar movimentos e organizações de resistência a tais condições, sendo as organizações
indígenas um exemplo significativo.
As regras que constituem cada “arquivo” são as escritas e formalizadas pela ordem, a exemplo
da legislação e de seu sentido, aquelas que presidem as práticas e as reforçam, embora possam não
corresponder às normas, além daquelas que se situam em um “mais além” da ordem, e inspiram as
trajetórias de mudança. Importante acentuar que essas regras, como enunciados, também constroem
seus “objetos” como foi o “índio pacificado” e “a mulher livre”, para citar dois exemplos. De outro lado,
elas animam as trajetórias de mudança e, nesse caso, aparecem nos discursos libertários, e nos mais
recentes discursos de cidadania.
75
Unidade II
Em outros termos, os “conjuntos” reproduziam a constituição de sujeito como origem “da verdade
que se dá na história”, em detrimento da construção “de um sujeito que se constitui no interior
mesmo da história, e que é a cada instante fundado e refundado pela história” (FOUCAULT, 1999,
p. 10). Essa diferença pode ser observada em conjuntos de interesse focalizados, mulheres, jovens,
negros e índios, cujas trajetórias superaram modelos de subjetividade construídos na ordem, e assim
fazendo estiveram se construindo como sujeitos nessa mesma ordem, mas espelhados em modelos de
uma “ausência” que se fez presente.
Essa constatação só pôde ser realizada porque dispositivos de poder, que são regimes normativos
e operacionais, estão a suscitar mudanças, acomodações estratégicas, uma dinâmica de movimentos
inconclusos, ensaios de mudança, que vêm de uma temporalidade distante, talvez dos anos 20 do século
passado. Um indício significativo nessa direção se extrai dos diálogos das personagens, manifestado
na seleção de atributos de referência: coragem, bravura, desassombro, arrojo, eficiência e saber são
sistematicamente referidos às figuras masculinas, raramente às femininas, assim como riqueza e
competência. Alguns desses atributos quando reconhecidos nas trajetórias femininas vêm acrescidos da
expressão “Parece homem!”
Por seu turno, as falas femininas, nos processos de individuação e construção de sujeito, apontam
barreiras e obstáculos que não vêm propriamente das condições sociais e econômicas amplas, mas,
sobretudo do controle masculino dessas condições: a terra, o emprego, os vínculos afetivos e os filhos.
Em alguns filmes, como Três Marias, o discurso feminino reproduz o masculino da vingança, situação
que reaparece em Árido Movie, mas essas não são situações frequentes. Ainda nessa linha, o aspecto
surpreendente em Eu Tu Eles reside na instauração e acomodação de uma lógica de relacionamento que
altera as disposições de poder tradicionais. De qualquer forma, trata‑se de uma questão a ser explorada
em outra pesquisa.
76
TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
A grande presença ausente foi sendo detectada nas múltiplas formas de subjetividade e construção
do sujeito ao longo dos procedimentos de pesquisa, especialmente ao serem estabelecidas relações
entre o visível na tela, nas telas, com as falas das personagens e enunciados que as suportam, mas que
estão no exterior dos filmes e nos textos. Ela foi se configurando como insidioso contorno das práticas
de individuação, de subjetivação, que aparecia nas telas como alusão ao que ali não estava, mas que
justificava sua construção. Como diz Deleuze,
Além do mais, ao tomar filmes como “manifestação de acontecimentos”, essas duas dimensões, a
visual e a discursiva, distinguem espaços na formação social, e momentos, embora na historicidade
fluída já mencionada. Como diz Deleuze (1987, p. 74‑6):
A questão central levantada pelo autor reside na relação entre cinema (documental e ficção) e
representação “objetiva” da realidade, e avançando sobre as concepções de realidade social nas três
vertentes clássicas da Sociologia: Durkheim, Weber e Marx, os três autores, como foi apontado,
pressupõem a articulação teórica como mediação necessária para assegurar a validade do conhecimento
da “realidade”, portanto não a concebem como a imediatidade do observado.
apenas torna presente, mas que também nos coloca em presença de relação que busca recuperar
o filme em sua relação com o espectador” (MENEZES, 2000).
Nesse sentido, tomar o filme como representificação permite construir sentidos que não estão na
tela, mas além dela, nas relações estabelecidas, as quais se projetam para tempos articulados e espaços
que “lhe conferem significados” (MENEZES, 2000). Enfim, para o autor (p. 44), “o filme, visto aqui como
filme em projeção, é percebido como uma unidade de contrários que permite a construção de sentidos.
Sentidos estes que estão na relação, e não no filme em si mesmo”.
Quanto aos modos dessa “representificação” no cinema, ela se oferece em particulares articulações
do visual e do discursivo, ou como reconhece Foucault, “há duas formas: a forma do visível e a forma do
enunciável [...] o enunciável é uma forma, mas o visível é também uma forma” (DELEUZE, 1982). Nesse
sentido Foucault introduz uma béance, cisão ou falha, que amplia as possibilidades de entendimento,
promovendo remanejamento e justaposição dos dois campos.
Ambos não “se traduzem”, ambos se dirigem para “fora”, ambos “dizem” e “fazem ver” algo que não
está nas imagens nem na fala, seja das personagens, seja da voz off. Especialmente no caso da voz off,
“a palavra conta uma história que não se vê”, mas ao se considerar a béance entre o visual e o falado,
“a imagem visual faz ver ligações que não têm ou que não têm mais história, quer dizer, ligações vazias
de história” (DELEUZE, 1982).
Esse “curto‑circuito”, como diz Deleuze, implica superar aquela evidência, para retomá‑la como
manifestação de uma história que a atravessa, seguindo por uma diagonal de sentidos construídos.
Exemplificando: nos documentários sobre contato entre brancos e índios, na década de 1970 no Brasil
Central, a fala em off explicava “o papel civilizador” da ditadura junto aos Bororo, enquanto as imagens
pretendiam comprová‑lo pelas roupas oferecidas, aspersão de Neocid (inseticida) e outras providências.
Ambas se contradizem aos olhos de uma história que as supera, a fala e a imagem manifestam uma
história que não está na superfície daquela sequência, mas numa temporalidade que à época só poderia
ser pressuposta, mas que constituía, afinal, a história.
Esse exemplo, dentre muitos que se encontram na análise de filmes, demonstra porque, para Foucault,
o que se coloca em jogo com um cinema que “reescreve” a história é seu efeito sobre a construção de
uma memória popular. Para ele, o perigo reside em recodificar a memória popular, “que existe, mas que
não tem nenhum meio de se formular. Então, mostra‑se às pessoas não o que elas foram, mas o que é
preciso que elas se lembrem do que foram”. Consequentemente, o “fenômeno politicamente importante
aos meus olhos, mais do que tal ou tal filme, é o fenômeno de série, a rede constituída por todos esses
filmes e o lugar, sem jogo de palavras, que eles ocupam” (FOUCAULT, 2001, p. 333‑4).
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TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Essas palavras alertam para o cuidado que se procurou tomar na análise do processo de constituição
da subjetividade na formação social, baseada em filmes: não se tratou de sustentar a análise somente
no que é típico, e que se apresenta, mas também atentar para as ambiguidades e ambivalências que
podem aparecer no presente dos relacionamentos e nas séries, nas práticas e nos discursos, ou seja,
atentar para a coexistência de distintas respostas dos sujeitos‑personagens nas condições e situações
socialmente abertas.
Partiu‑se de uma ordenação dos filmes disponíveis no banco de dados construída pela “historicidade
interna” do filme, ou períodos da história brasileira. Esse procedimento permitiu perceber desdobramentos
e reformulações dos processos em foco, e associá‑los, em primeira instância, às mudanças operadas na
sociedade brasileira, portanto aos dispositivos de poder que nela respondem pela ordem e por seu avesso. Uma
temporalidade “fluída” emergiu desses períodos, manifestada em mecanismos de assujeitamento e trajetórias
de subjetivação, ambos correspondendo à dimensão propriamente histórica dos processos em foco.
Da mesma forma, foi possível focalizar uma “temporalidade fluída” no percurso do assujeitamento à
subjetivação entre as mulheres, surpreender a mãe de Neto (Bicho de Sete Cabeças) em calado assentimento
no século XX; e Xica da Silva, no XVIII, afrontando o mundo colonial, abrindo espaços, como Antonia, nos
dias atuais. Entre os negros, as estratégias percorreram caminhos distintos, da inserção submissa, como
aparece em A Negação do Brasil, à resistência da identidade cultural no Candomblé, à inserção espelhada
do Aristocrata Club, às organizações que hoje movimentam grupos de negros voltados para resgate da
identidade e valorização, seja ao som do rap, reggae, na produção de filmes ou não.
O procedimento central à pesquisa consistiu em explorar o acervo de filmes, fotos e vídeos, além
do material discursivo, que neles aparecia sob a forma de diálogos, de eventuais legendas, voz off e
79
Unidade II
depoimentos, ou mesmo roteiros, em articulação com o campo de referência construído pela bibliografia
e fontes virtuais. Nesse fazer, o campo visual e auditivo de pesquisa situado “na tela” se articulava com
um “fora da tela”, instaurando a “fresta” por onde foram detectados os modelos de subjetividade e
processos de subjetivação, além de construídas e analisadas as séries.
Na verdade, foi o volume de material pesquisado (filmes, fotos, textos) que tornou possível a
construção de séries e, a partir delas, focalizar a reiteração de desdobramentos do tema subjetividade,
manifestação de processos de individuação, e de construção de sujeitos. Em contrapartida, o emprego
de procedimentos classificatórios facilitou essa tarefa, uma vez que permitiu criar uma rede de
sistematização do material para análise.
Todo material disponível para análise consistiu em 715 longas‑metragens, 186 curtas-metragens e
115 outros registros, entre longas‑metragens, entrevistas e vídeos, especialmente gravações pessoais do
Canal Brasil e de outros canais de TV. Esse conjunto forma um banco de dados de referência do projeto,
do qual foram selecionados 521 filmes de longa-metragem, 144 curtas, além de vídeos do YouTube.
Contudo, esse número não se manteve fixo, uma vez que foram incorporados títulos novos (Lula,
menino do Brasil, Tropa de Elite 2, Terra Vermelha, dentre outros). Evidentemente que nem todo esse
material foi citado nas análises realizadas, mesmo porque parte dele, os documentários sobre revoluções
de 1930 e de 1932, por exemplo, não constituíram foco de análise nesse relatório, foram reservados para
um possível outro projeto.
Resumo
80
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