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Combatendo e prevenindo os

abusos e/ou maus-tratos contra


crianças e adolescentes:
O papel da escola
© 2011, dos autores

Direitos reservados dessa edição:


Laprev - Laboratório de Análise e Prevenção da Violência

Capa, projeto gráfico e diagramação:


Izis Cavalcanti
Rachel de Faria Brino
Roselaine de Oliveira Giusto
Thais Helena Bannwart

Combatendo e prevenindo os
abusos e/ou maus-tratos contra
crianças e adolescentes:
O papel da escola
Sumário

7 Conceituação e formas de abusos e/ou maus-tratos contra


crianças e adolescentes

8 Compreensão do fenômeno dos abusos e/ou maus-tratos


contra crianças e adolescentes

10 Exemplos de situações abusivas e/ou envolvendo maus-tratos

13 Dimensão do Fenômeno

13 Fatores que caracterizam os maus-tratos

14 Fatores que podem determinar o impacto dos abusos e/ou


maus-tratos

15 Consequências dos abusos e/ou maus-tratos para o


desenvolvimento infantil

16 Sinais apresentados pela criança e/ou adolescente que podem


ajudar a identificar a suspeita de ocorrência de maus-tratos

18 A observação do comportamento das crianças e adolescentes


e a identificação dos sinais

19 Fatores de risco e de proteção aos abusos e/ou maus-tratos

23 Papel do educador frente aos casos suspeitos e/ou


confirmados de abusos e/ou maus-tratos

26 Encaminhamento após a identificação da suspeita

26 Estudos de Casos – O que fazer diante de uma suspeita?

31 Cuidados Básicos importantes na abordagem da criança

5
33 Informações importantes acerca dos abusos e/ou maus-tratos

34 Contatos Importantes

35 Referências

35 Bibliografia

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Conceituação e formas de abusos e/ou maus-tratos contra
crianças e adolescentes
Nos últimos tempos, os meios de comunicação têm dado ampla co-
bertura a notícias envolvendo casos de abusos e/ou maus-tratos contra
crianças e adolescentes. Um aspecto comum à maioria dos casos e que tem
deixado a sociedade mais chocada é o fato de que os agressores, em geral,
são os pais das crianças ou alguém próximo dela como a babá, contratada
para cuidar das crianças. Para um público leigo, que não tem conhecimen-
to sobre a problemática da violência intrafamiliar, no Brasil e no mundo,
tais notícias podem parecer casos isolados ou talvez meros incidentes. Não
são. Infelizmente, pesquisas de levantamento apontam índices alarmantes
de violência intrafamiliar contra crianças em suas diversas modalidades, ou
seja, abusos e/ou maus-tratos físicos, psicológicos, sexuais e negligência.
Dentre as ocorrências de abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescen-
tes, os dados apontam para um índice de 70% de abusos intrafamiliares, ou
seja, cometidos por familiares da própria criança.
Neste sentido, o envolvimento de educadores como agentes de pre-
venção dos abusos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes ganha
destaque e parece de extrema relevância. Devido às dificuldades de a criança
revelar a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos para os membros da famí-
lia e, considerando-se que a maioria dos casos são intrafamiliares (REPPOLD,
PACHECO, BARDAGI e HUTZ, 2002), muitas vítimas podem recorrer à ajuda
ou suporte fora da família. Os educadores, em virtude de sua acessibilidade às
crianças, de serem melhores instrutores do que outros profissionais que lidam
com crianças e permanecerem pelo menos um ano com a mesma criança, po-
dem ser capacitados na identificação de casos de maus-tratos e de estratégias
de intervenção com crianças vítimas de abusos (Kleemeier, Webb e Hazzard,
1988). Além disso, o professor permanece atuando com crianças após a capa-
citação, e mesmo que a cada ano dê aulas a novas crianças, é possível garantir
uma continuidade ao trabalho.
O objetivo deste manual, portanto, é fornecer subsídios aos profissio-
nais da educação para o enfrentamento de situações suspeitas de abusos

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e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes. Especificamente, propor-
cionar elementos para o entendimento do fenômeno, a identificação de
casos suspeitos e o encaminhamento devido nestes casos aos órgãos de
proteção à crianças e adolescentes, além da discussão de como abordar
adequadamente a criança e/ou adolescente envolvido na situação.

Compreensão do fenômeno dos abusos e/ou maus-tratos


contra crianças e adolescentes
Para discutir a prevenção dos abusos e/ou maus-tratos contra crianças
e adolescentes uma melhor compreensão do fenômeno faz-se necessária.
Para tanto, é importante apresentar uma definição de abuso e/ou maus-
tratos contra crianças e adolescentes. A partir da conceituação, é possível
avaliar se uma dada situação envolve o abuso e/ou maus-tratos infantis.
A conceituação de maus-tratos adotada pela Associação Internacional
para a Prevenção do Abuso e Negligência (ISPCAN) é a seguinte:

O abuso ou os maus-tratos contra crianças engloba toda forma de


maus-tratos físicos e/ou emocional, abuso sexual, abandono ou tra-
to negligente, exploração comercial ou outro tipo, do qual resulte
um dano real ou potencial para a saúde, a sobrevivência, o desen-
volvimento ou a dignidade da criança no contexto de uma relação
de responsabilidade, confiança ou poder” (Organização Mundial de
Saúde, 2002).

Nesta conceituação, três aspectos são importantes: o primeiro é que


há diferentes formas de abusos e/ou maus-tratos; o segundo é a presença
de um dano real ou potencial ao desenvolvimento da criança; e a terceira, e
fundamental, é a relação de poder e ou confiança entre agressor e vítima.
O primeiro aspecto envolve as diferentes formas de abusos e/ou
maus-tratos, que são apresentadas no quadro a seguir:

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• Físico: qualquer ação não acidental por parte dos pais ou cuidadores
que provoque dano físico ou enfermidade ou coloque a criança em
risco de vida através de golpes; hematomas; queimaduras; fraturas,
inclusive de crânio; feridas ou machucados; mordidas humanas;
cortes; lesões internas; asfixia ou afogamento.
• Psicológico: comportamento de hostilidade verbal crônica, insultos,
depreciação, crítica e ameaça de abandono, intimidação, condutas
ambivalentes e imprevisíveis, situações ambíguas na comunicação
(dupla mensagem), isolamento, proibição de participar em ativida-
des com os pares, desvalorização da criança, bloqueio das iniciati-
vas de iniciação infantil por parte de qualquer membro adulto do
grupo familiar (rechaço das iniciativas de apego, exclusão das ativi-
dades familiares, negação de autonomia).
• Sexual: consiste em todo ato ou jogo sexual, relação hetero
ou homossexual cujo agressor tem uma relação de poder com
a vítima. Neste tipo de abuso há a intenção de estimular a ví-
tima sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual. Ele
é apresentado de maneira imposta à criança ou ao adolescente
pela violência física, sedução, ameaças ou indução de sua von-
tade e sob a forma de práticas eróticas e sexuais o que inclui o
voyerismo, exibicionismo, produção de fotos e diferentes ações
que incluem contato sexual com ou sem penetração ou violên-
cia. Engloba ainda a situação de exploração sexual visando lucros
como é o caso da prostituição e da pornografia.
• Negligência: situações em que as necessidades físicas básicas da
criança (alimentação, higiene, vestimenta, proteção e vigilância
em situações potencialmente perigosas, segurança, cuidados
médicos) não são atendidas temporal ou permanentemente, por
nenhum membro do grupo que a criança convive.

Em geral, as diferentes formas de abuso ocorrem concomitantemente,


por exemplo, acompanhado do abuso sexual, a criança pode sofrer tam-
bém o abuso físico e o psicológico, assim como a violência física pode vir
acompanhada da negligência. Mas pode haver casos envolvendo apenas
uma forma. A distinção dentre as formas é também importante devido às

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diferentes consequências que podem trazer ao desenvolvimento de crian-
ças e adolescentes.
Acerca do último aspecto envolvido na conceituação dos abusos e/ou
maus-tratos, a relação de poder e/ou confiança merece destaque, na medi-
da em que está presente nas relações que a criança e/ou adolescente tem
com as pessoas da família e/ou conhecidas e que exercem papel de cuidador
deste ou desta.
Essa relação de proximidade, envolvendo o poder e ou a confiança sobre
a criança e/ou adolescente facilita a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos,
bem como dificulta a revelação por parte da vítima do que está ocorrendo. A
criança e/ou adolescente é envolvida em atos abusivos, seja pela força física,
ou coação emocional e permanece calada, acuada diante de ameaças ou soli-
citações de segredo.

Exemplos de situações abusivas e/ou envolvendo maus-


tratos
As definições de abusos e/ou maus-tratos auxiliam na compreensão
do fenômeno, no entanto, a análise de alguns exemplos para verificar se há
ocorrência ou não dos abusos e/ou maus-tratos pode ser também importante
ferramenta. A seguir alguns exemplos e as considerações acerca da questão
se há abuso ou maus-tratos envolvidos:

Exemplo 1
Um tio de uma menina de seis anos praticou sexo oral com sua sobri-
nha uma vez, sem usar violência física.

A menina sofreu abuso sexual sim. Não importa se não houve repe-
tição, uma única vez, ou mesmo uma tentativa de praticar sexo oral com
a criança já poderia acarretar em conseqüências negativas ao desenvolvi-
mento saudável da criança. Tal situação implica no dever de comunicação
aos órgãos de proteção a criança (esse encaminhamento será discutido
mais detalhadamente na sessão acerca do papel do educador diante de
uma suspeita).

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Exemplo 2
Uma criança presencia as agressões físicas e verbais do pai contra a mãe.

A criança não está sofrendo abuso físico diretamente, mas por assistir
a violência do pai contra a mãe está sendo vítima de violência psicológica e
pode desenvolver conseqüências prejudiciais ao seu desenvolvimento nor-
mal. Neste caso também é dever do profissional ou dos familiares fazerem
a comunicação aos órgãos competentes de proteção à criança.

Exemplo 3
Um de seus alunos não participa das danças em festas na escola devido
a religião praticada pela família.

Neste caso, não há abuso e/ou maus-tratos, pois a criança não está pri-
vada de socialização, mas de uma prática não permitida por questões reli-
giosas. Os pais não estão praticando isolamento da criança, impedindo-a de
envolver-se em quaisquer ações de socialização, mantendo-a presa em casa,
o que sim seria considerado abuso e/ou maus-tratos. Na medida em que a
criança participa de outras atividade permitidas pela religião da família tem
sua socialização garantida e seu desenvolvimento saudável também.

Exemplo 4
Uma criança assiste a filmes pornográficos e/ou visita sites com conteúdo
pornográfico.

Se a criança assiste a tais filmes e sites acompanhada e incentivada


por um adulto ou adolescente mais velho está sofrendo abuso sexual e pode
desenvolver conseqüências danosas ao seu desenvolvimento saudável. No
entanto, se os pais e/ou cuidadores não têm conhecimento de eu a criança
assiste aos filmes e visita os sites está sofrendo negligência destes. Ambos
os casos implicam em comunicação aos órgãos de proteção à criança para
garantia de encaminhamento e acompanhamento da família.

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Exemplo 5
Uma criança presencia seus pais tendo relações sexuais.

Da mesma maneira que na situação anterior, há duas possibilidades.


Se a criança presencia estas relações sexuais incentivada ou obrigada pelos
adultos, nesta situação, os pais, está sofrendo abuso sexual e pode desen-
volver conseqüências danosas ao seu desenvolvimento saudável. No en-
tanto, se os pais e/ou cuidadores ignoram que a criança esteja assistindo a
relação sexual estão cometendo negligência. Ambos os casos implicam em
comunicação aos órgãos de proteção à criança para garantia de encami-
nhamento e acompanhamento da família.

Exemplo 6
Um de seus alunos vem a escola com roupas molhadas uma única vez.

Não é considerado negligência. Por inúmeros motivos pode ocorrer


uma situação como esta e os pais e/ou cuidadores não serem pais negligentes
ou agressores. A repetição deste fato outras vezes indica uma suspeita de
negligência dos pais.

Exemplo 7
A mãe de uma criança frequentemente castiga-a com tapas e socos
devido ao mau comportamento apresentado por ela, alegando estar
ensinando o que é correto.

A criança está sofrendo abuso físico. Segundo o Estatuto da Criança


e do Adolescente a criança não deve sofrer nenhuma forma de violência.
Portanto a alegação de uso da violência para educar a criança não desca-
racteriza o abuso e/ou maus-tratos físicos. Há outras formas de se educar
sem uso de violência e que segundo pesquisas são mais eficazes. O uso da
violência como forma de educar pode levar a castigos físicos cada vez mais
severos e com graves conseqüências ao desenvolvimento saudável das
crianças e/ou adolescentes.

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Dimensão do Fenômeno
Os dados oficiais, ou seja, aqueles que chegam aos órgãos com-
petentes de proteção à criança, e que formalmente são registrados,
não refletem a real ocorrência de casos suspeitos e/ou confirmados
de abusos e/ou maus-tratos. Cerca de somente 10 a 15% dos casos
são registrados, concluindo-se que o número de casos suspeitos e/ou
confirmados de abusos e/ou maus-tratos denunciados sejam sempre
inferiores ao número real de ocorrências (Gonçalvez & Ferreira, 2002).
Os dados oficiais, considerando estudos nacionais e internacionais,
apontam uma prevalência de 3 a 15% de ocorrência de maus-tratos.
As pesquisas de levantamento e caracterização dos abusos e/ou maus-
tratos são importantes na medida em que auxiliam o planejamento de
estratégias de prevenção e combate ao fenômeno.

Fatores que caracterizam os maus-tratos


Alguns fatores podem ou não caracterizar a ocorrência dos abu-
sos e/ou maus-tratos contra crianças e adolescentes. Em relação a
esse aspecto, algumas concepções inadequadas podem confundir e/
ou inviabilizar ações de prevenção. A crença de que somente quando
há contato físico, ou seja, quando há toque físico na vítima, há indi-
cação de que possa ter ocorrido o abuso, significa deixar de lado atos
abusivos como a violência verbal e formas de abuso sexual sem contato
físico, tais como telefonemas obscenos, solicitar e observar a criança
se despir, etc.
A intenção pode ser outro fator que por si só não determina a
ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos. Em relação a este fator, pode-
se citar, por exemplo, a negligência não intencional. Devido a condições
diversas como pobreza, falta de apoio social à família, dentre outros,
os cuidadores são negligentes no cuidado às crianças, sem, no entanto,
ter a intenção de praticar tal forma de maus-tratos. Duas considerações
são fundamentais em relação a este aspecto: mesmo com a ausência
de intenção, se houver danos ao desenvolvimento normal da criança,

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reais ou potenciais e esta não estiver atendida em suas necessidades básicas
de cuidado e saúde há a prática da negligência; a negligência não intencional
deve ter ações de prevenção e combate voltadas aos fatores de risco e con-
dições adversas na família e que estão propiciando a ocorrência da mesma.
Culpabilizar simplesmente os familiares, sem a compreensão das condições
envolvidas e que determinam as ações de negligência é pouco eficaz no
combate a essa forma de maus-tratos. Uma ressalva importante a consi-
derar é que fatores como pobreza são indicados por pesquisas como risco
para a ocorrência de negligência, mas por si só não determinam que esta
aconteça.
Outro fator envolvido na caracterização dos maus-tratos refere-se ao
consentimento da criança e/ou adolescente. O consentimento não deve ser
o limite entre uma relação abusiva e não abusiva. Uma criança, ou mesmo
um adolescente, geralmente não tem condições de estabelecer os limi-
tes em uma relação abusiva. No caso do abuso sexual, por exemplo, uma
criança não tem a capacidade de discriminar e consentir sobre uma relação
sexual. Quem deve ser o responsável por estabelecer estes limites é o adulto
(ABRAPIA, 2004).
As marcas físicas também não são definidoras dos casos de abusos e/
ou maus-tratos, pois em grande parte dos casos, a criança e/ou adolescente
não apresenta sinais físicos da ocorrência do fato. No entanto, a criança e/ou
adolescente pode apresentar sequelas de ordem psicológica, observáveis
por meio do comportamento da criança ou entrevista (ABRAPIA, 2004;
EISENSTEIN, 2004; LIDCHI, 2004).
O que caracteriza diretamente os abusos e/ou maus-tratos contra
crianças e/ou adolescentes é a relação de poder estabelecida entre o agressor
e a vítima.

Fatores que podem determinar o impacto dos abusos e/ou


maus-tratos.
O impacto dos atos abusivos para a criança e/ou o adolescente, ou
seja, as consequências que a ocorrência dos mesmos pode acarretar para a
vítima, são diversas e podem ser determinadas por alguns fatores.

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A relação entre o agressor e a vítima, ou seja, qual a proximidade
entre eles e se há grau de parentesco, constitui-se como importante fator
para determinação das consequências dos abusos. Além disso, a ocorrência
de qualquer forma de abuso e/ou maus-tratos acompanhada de uso de
violência física. Também importante como determinante é o estágio de
desenvolvimento biopsicossocial em que se encontra a criança ou o ado-
lescente. Outros dois últimos fatores que interferem de forma decisiva nas
conseqüências dos abusos e/ou maus-tratos são o apoio e encaminhamen-
to dado à vítima, bem como a denúncia e condenação do agressor. Um caso
em que a criança recebe apoio familiar e suporte social, e os encaminhamentos
necessários são realizados, seja para atendimento médico, psicológico e/
ou outros, bem como o agressor é denunciado e condenado tem maiores
chances de se recuperar da ocorrência do abuso e desenvolver consequên-
cias mais amenas do mesmo. Quando isso acontece, a criança recebe uma
mensagem de que não é culpada pelo que ocorreu, que não deve sentir
vergonha por isso, que merece atenção e cuidado diante da situação e que
o responsável por tais atos foi culpabilizado e punido.

Consequências dos abusos e/ou maus-tratos para o


desenvolvimento infantil
Dependendo dos fatores determinantes do impacto dos abusos e/ou
maus-tratos, podem ocorrer as seguintes consequências para o desenvol-
vimento infantil:

• Problemas escolares e fracasso na escola

• Condutas inadequadas e anti-sociais

• Isolamento e evitação de contatos com outras crianças

• Agressividade

• Repetição de modelos agressivos

• Conduta delituosa

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• Funcionamento intelectual reduzido, afetando a memória, a leitura
e habilidades intelectuais em geral

• Ansiedade

• Depressão

• Comportamentos regressivos

• Comportamentos auto-lesivos

• Ideias de suicídio

• Distúrbios no sono / enurese noturna (fazer xixi na cama)

• Distúrbios de alimentação / desnutrição

• Doenças psicossomáticas / doenças não tratadas

• Transtorno de Estresse Pós-Traumático

Sinais apresentados pela criança e/ou adolescente que


podem ajudar a identificar a suspeita de ocorrência de
maus-tratos
Dentre as consequências dos abusos e/ou maus-tratos, há algumas
que são observáveis e que podem indicar a ocorrência dos mesmos. Tais
sinais podem estar relacionados a todas as formas de abusos e/ou maus-
tratos e estão listados a seguir:

• Problemas escolares / Mudança no rendimento acadêmico

• Retraimento e/ou isolamento

• Transtornos alimentares (anorexia e/ou bulimia)

• Sentimento de vergonha e/ou culpa

• Auto-conceito negativo

• Tentativa e/ou comportamento suicida

• Raiva e/ou hostilidade

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• Ansiedade

• Baixa auto-estima

• Medos

• Pesadelos e dificuldades para dormir

• Hipervigilância

• Fuga de casa

• Evitação a determinadas pessoas e lugares

• Comportamento regressivo

• Roupas inadequadas para o clima

Há ainda sinais que são específicos em relação à ocorrência de abusos


e/ou maus-tratos físicos, listados a seguir:

• Marcas e hematomas em partes do corpo que geralmente não são


atingidos nas quedas sofridas pelas crianças: olhos, boca, regiões
genitais, peito, etc

• Pequenas queimaduras circulares, causadas por cigarro (em geral em


locais de difícil visualização, como por exemplo, o couro cabeludo)

• Queimaduras no formato de luva ou bota, ou marcas estranhas nas


nádegas indicando que a criança foi submersa em líquidos quentes.

• Queimaduras com o formato de ferro elétrico, chapa de fogão, co-


lher, faca, etc

• Fraturas mal explicadas no nariz, rosto, braços, pernas, etc

• Ferimentos causados por corda, fio ou correntes, usados para


amarrar braços, pés, pescoço, etc

• Queimaduras provocadas por líquidos quentes ou produtos químicos

• Marcas de dentadas humanas adultas

• Envenenamento

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• Feridas em diferentes estágios de cicatrização, ocasionadas por
espancamentos constantes.

• Marcas e hematomas no corpo provocadas por: fivela de cinto, chi-


cote, barra de ferro, pedaço de pau, etc

Outros específicos em relação à ocorrência dos abusos sexuais, tam-


bém listados a seguir:

• Requisitar estimulação sexual de outras pessoas

• Curiosidade sexual excessiva

• Masturbação excessiva ou pública

• Ansiedade relacionada a temas sexuais

• Agressividade sexual

• Colocar objetos no ânus ou vagina

• Brinquedos e/ou jogos sexualizados

• Conhecimento sexual inapropriado para a idade

• Exposição freqüente dos genitais

A observação do comportamento das crianças e


adolescentes e a identificação dos sinais
Para identificar um caso suspeito de abusos e/ou maus-tratos con-
tra crianças e adolescentes é importante observar os comportamentos da
criança e manter-se atento as variações deste. Mudanças repentinas de
comportamento podem indicar que novos fatos estão surgindo na vida das
crianças e adolescentes. Crianças que antes eram alegres e participavam
de atividades com outras crianças, demonstrando bom relacionamento e
repentinamente passam a se isolar, mostram-se tristes e deprimidas, po-
dem estar sofrendo abuso ou aproximações de um possível agressor.

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A atenção aos comportamentos da criança deve ser constante, veri-
ficando mudanças, repetição e frequência com que os sinais estão apare-
cendo e se os mesmos se mantêm. Deve-se questionar quando apareceram,
se houve algum evento inesperado na vida da criança diferente do abuso, e
qual a frequência com que acontecem. Além disso, há quanto tempo estão
ocorrendo.
Essa observação pode permitir diferenciar um comportamento rela-
cionado a algum outro evento que não a ocorrência dos abusos e/ou maus-
tratos.
Uma ressalva fundamental refere-se à ocorrência de mais de um si-
nal específico da ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos. Um conjunto de
sinais específicos, ocorrendo há certo tempo e sem a presença de nenhum
outro evento diferente na vida da criança, indica uma forte suspeita da
ocorrência do abuso e/ou maus-tratos.
No entanto, há alguns sinais que sozinhos são fortes indicadores da
ocorrência do abuso, sendo suficientes para indicar uma suspeita, como é o
caso dos comportamentos sexuais inapropriados para a idade, que tem re-
lação direta com a suspeita de abuso sexual. Se ocorrerem acompanhados
de outros, a suspeita torna-se mais consistente.
A cautela em relação à indicação de uma suspeita deve ser uma premis-
sa importante. Acusar uma suspeita de abuso baseado em apenas um sinal
não específico, pode também acarretar em danos para a criança.

Fatores de risco e de proteção aos abusos e/ou maus-tratos


A identificação de suspeitas de abuso e/ou maus-tratos precocemente
constitui-se como prevenção secundária, uma vez que pode evitar uma
nova ocorrência do fato, na medida em que reconhecido o abuso, a criança
e/ou adolescente poderá ser encaminhado para atendimento e afastamento
do agressor.
Há ainda a possibilidade de se evitar a primeira ocorrência de abusos
e/ou maus-tratos, que se constitui como prevenção primária, ou seja, o

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reconhecimento de que a criança encontra-se em uma situação de risco e
poderá vir a sofrê-lo. Para tal, diversos fatores de risco indicam a possibili-
dade de que abusos e/ou maus-tratos venham a ocorrer.
É importante ressaltar que a existência de um fator de risco não im-
plica na certeza da ocorrência do abuso, não havendo uma relação direta
entre o fator de risco e o abuso.
A definição de fator de risco pode ajudar a explicar esta relação:

Toda a sorte de eventos negativos e estressores de vida e que, quan-


do presentes, aumentam a probabilidade de o indivíduo apresentar
problemas físicos, sociais e emocionais.

Portanto, fatores de risco para os abusos e/ou maus-tratos aumen-


tam a probabilidade de que os mesmos aconteçam, mas não há relação de
causa e efeito direta, ou seja, um fator presente não significa que o abuso
ocorrerá.
Neste sentido, o conceito de vulnerabilidade pode elucidar o enten-
dimento sobre os fatores de risco e a ocorrência dos abusos e/ou maus-
tratos.
Vulnerabilidade é entendida como:

Combinação de fatores de risco em determinados contextos e perío-


dos. Pode haver mais vulnerabilidade quando ocorre a presença conco-
mitante de diversas condições de risco em um mesmo contexto.

Desta forma, para avaliar uma dada situação, deve-se considerar a


existência de uma combinação de fatores de risco, considerando-se tam-
bém o contexto e o período.

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Os fatores de risco relacionados aos abusos e/ou maus-tratos são os
seguintes:

• Abuso de álcool e drogas

• Pais adolescentes (em mães adolescentes tem alta incidência de


maus-tratos)

• Pais com retardo (deficiência) mental

• Pais com doenças mentais severas

• Crenças de que para educar é preciso usar punição corporal (acre-


ditam que o número de casos de maus-tratos é bem menor do que
realmente é)

• Menor conhecimento sobre desenvolvimento infantil (falta de en-


tendimento do que a criança necessita)

• Pais maltratados na infância

• Violência conjugal / Mãe que sofre Violência Doméstica

• Falta de suporte social / isolamento social da família / Falta de rede


de proteção

• Instabilidade no trabalho dos adultos responsáveis / desemprego / de-


tenção dos cuidadores

• Dificuldades econômicas graves / Pobreza

• Morte de pais ou avós cuidadores

• Divórcio, separação forçada, doenças de pais ou irmãos

• Sociedade tolerante com a pornografia infantil

• Leis e Sistema judiciário que não pune agressores de crianças

Por outro lado, há os fatores de proteção, que tem o papel de prevenir


a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos, contrapondo-se aos fatores de
risco.

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A definição de fator de proteção pode auxiliar esse entendimento:

Influências que modificam, melhoram, ou alteram a resposta de uma


pessoa a algum perigo que predispõe a riscos de desadaptação. Os fa-
tores protetores do ambiente podem existir na família, na escola e
na comunidade.

Ou seja, a existência de fatores de proteção pode amenizar a pos-


sibilidade de ocorrência de maus-tratos, mesmo na presença de diversos
fatores de risco. O mais importante em relação a esse aspecto é que muitos
dos fatores de proteção podem ser promovidos, é possível planejar ações
que funcionem como fatores de proteção, e que evitem a ocorrência dos
abusos e/ou maus-tratos, constituindo-se como prevenção primária.
Os fatores de proteção a ocorrência dos abusos e/ou maus-tratos são
os seguintes:

• Rede de proteção à família

• Serviços de apoio na comunidade / Programas de suporte social na


comunidade e na escola

• Atividades lúdicas e de lazer na escola e na comunidade

• Escola

• Pessoas de confiança (família, escola e/ou comunidade)

• Formas adequadas de educar crianças / Habilidades parentais


adequadas

• Conhecimento acerca do desenvolvimento infantil (entendimento


do que a criança necessita)

• Criança com conhecimento de técnicas de auto-proteção

• Leis e Sistema Judiciário que prevê e pune agressores de crianças.

• Profissionais de diversas áreas (educação, saúde, judiciário) capacita-


dos na prevenção da violência contra crianças e adolescentes.

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Nesta “balança” entre fatores de risco e de proteção, o conceito de
resiliência é fundamental:

A pessoa que, apesar de nascer e viver em situações de risco, se de-


senvolve com saúde e êxito. A resiliência não é uma característica ou
traço individual, mas consequência da interação entre os fatores de
risco, a intensidade e duração dos mesmos, e dos fatores de prote-
ção ao indivíduo ou do seu ambiente decorrentes de relações paren-
tais satisfatórias e da disponibilidade de fontes de suporte social na
vizinhança, escola e comunidade.

Ou seja, se no contexto da criança há a presença de fatores de pro-


teção, a despeito da existência de fatores de risco neste mesmo contexto,
há a possibilidade de ter diminuída a chance da ocorrência dos abusos e/ou
maus-tratos, e mesmo assim, se estes ainda ocorrerem, pode ter ameniza-
das as suas conseqüências.

Papel do educador frente aos casos suspeitos e/ou


confirmados de abusos e/ou maus-tratos
O Estatuto da Criança e do Adolescente (2004) pressupõe que as
crianças devem ser protegidas das diversas formas de violência:

“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de


negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos
seus direitos fundamentais”.

O educador diante de um caso suspeito e/ou confirmado de abuso e/


ou maus-tratos tem a obrigação de comunicá-lo aos órgãos competentes.

23
Segundo o ECA (2004):

Uma vez identificada uma situação de suspeita de maus-tratos con-


tra crianças, qualquer profissional têm a obrigação, segundo o ECA,
em seu artigo 245, de comunicar à autoridade competente. Em casos
de omissão o profissional recebe como pena uma multa de três a vinte
salários de referência, aplicando-se o dobro em casos de reincidên-
cia (ECA, 2004).

A questão do encaminhamento de um caso suspeito e/ou confirmado


tem diversos aspectos que merecem destaque e discussão.
Em primeiro lugar, no artigo do ECA citado acima, há um aspecto a ser
destacado que é a situação de suspeita. Não é preciso ter uma confirmação do
caso para proceder à comunicação ao órgão competente. Não é papel do edu-
cador fazer uma investigação para descobrir ou reunir provas da ocorrência
dos abusos e/ou maus-tratos. Se houver uma suspeita, que deve ser consis-
tente como já discutido anteriormente, o profissional tem o dever de fazer a
comunicação. Esse é o papel do professor, ficar atento ao comportamento da
criança e/ou adolescente e uma vez que identifique uma suspeita de abusos e/
ou maus-tratos, deve comunicar aos órgãos competentes.
Em segundo lugar, e como já citado acima, o profissional deve comu-
nicar aos órgãos competentes. Não é necessário fazer uma denúncia formal
à Delegacia ou outro órgão da polícia, como muitos profissionais imaginam e
se sentem constrangidos ou amedrontados em fazê-lo. O caminho mais
eficaz e adequado é comunicar ao Conselho Tutelar, ou outro órgão de pro-
teção à criança, caso o município ou localidade não possua o Conselho.
Cabe uma ressalva em relação à comunicação ao Conselho ou outro
órgão competente. O profissional tem a possibilidade de fazer uma comu-
nicação anônima, preferida em muitos casos devido ao medo de represálias
por parte do possível agressor e/ou da família da criança. No entanto, a
identificação do profissional que está fazendo a comunicação é impor-
tante, pois facilita o trabalho do profissional que a recebe. Infelizmente,

24
diversas comunicações podem ser “trotes”, “brincadeiras” e que atrapa-
lham o trabalho dos Conselheiros Tutelares. Ao se identificar, o educador
facilita o trabalho do Conselho, pois certifica que a comunicação é verda-
deira. Além disso, segundo a legislação, o profissional que recebe a comu-
nicação, não pode divulgar quem foi o responsável por fazê-la. Se o fizer,
estará cometendo equívoco em seu exercício profissional, fato que deve
ser comunicado aos seus superiores para a tomada de providência.
De qualquer maneira, a comunicação anônima é uma opção do edu-
cador, sendo preferível fazê-la a não encaminhar o caso suspeito de abuso
e/ou maus-tratos.
Um terceiro aspecto do encaminhamento da criança e/ou adolescente
após a identificação de uma suspeita de abuso e/ou maus-tratos, refere-se a
conversa com os pais, familiares e/ou responsáveis.
Em geral, quando a criança e/ou adolescente apresenta uma dificul-
dade ou problema na escola, o educador tem como procedimento normal
convocar os pais e/ou responsáveis para uma conversa. No caso dos maus-
tratos, esse encaminhamento pode ser prejudicial tanto à criança, quanto
ao profissional. Como é sabido, a maioria dos casos de abusos e/ou maus-
tratos é praticada por familiares e pessoas próximas à criança, portanto
chamar os pais e/ou familiares pode propiciar tentativas de represálias ao
educador por parte de possíveis agressores ou pessoas coniventes com
eles, ou mesmo perder a criança de vista, uma vez que cientes da descon-
fiança do abuso por parte da escola, os pais ou responsáveis podem retirar
a criança da escola e mudar-se de localidade, prejudicando o encaminha-
mento da criança e perpetuando o abuso.
Os profissionais capacitados para conversar com possíveis agresso-
res o farão após o caso ser encaminhado às autoridades competentes, ca-
bendo ao educador somente fazer a comunicação da suspeita como já dito
anteriormente.
Um último aspecto é a comunicação realizada institucionalmente, ou
seja, o educador não faz a comunicação diretamente ao Conselho Tutelar
ou outro órgão competente, mas comunica a direção da escola, que por

25
sua vez comunica à Secretaria de Educação do município ou localidade, e
esta instituição, por sua vez, faz a comunicação ao Conselho Tutelar. As
vantagens de se fazer a comunicação desta forma são a proteção do edu-
cador e o registro do número de casos suspeitos identificados por profissio-
nais da escola, constituindo-se em banco de informações na Secretaria de
Educação, dados que podem embasar ações de prevenção.

Encaminhamento após a identificação da suspeita

Identificação de suspeita de abusos


e/ou maus-tratos.

Chamar os pais e/ou responsáveis


Comunicar a Direção da Escola e
para verificar o que está acontecendo
a Secretaria de Educação.
com a criança e/ou adolescente.

Comunicar ao Conselho Tutelar ou Risco para o professor e/ou diretor.


outros órgãos competentes Risco para a criança.
da localidade.

Averiguação da suspeita/ Afasta-


mento da criança do convívio com o Falha na proteção à criança.
agressor/ Denúncia/ Investigação
Policial/ Processo Judicial

Estudos de Casos
O que fazer diante de uma suspeita?

Caso 1
A professora começou a notar que um de seus alunos estava apre-
sentando alguns comportamentos que chamaram a atenção, tais como,

26
choro sem motivo aparente e isolamento em relação a atividades com outras
crianças. Além disso, a criança tinha hematomas no corpo. Em reunião com
a diretora relatou suas impressões. Em conversa com a mãe, a diretora foi
informada de que o pai agredia a criança e a mãe. A mãe, ainda, relatou à
diretora que o pai da criança sempre fora muito agressivo e ciumento, que
a agredia desde o tempo de namoro e que agredia o filho desde que ele ti-
nha três anos de idade. Segundo a mãe, o pai alegava que precisava educar
o filho e por isso o agredia quando ele fazia alguma coisa que considera-
va errado. Ainda segundo a mãe, ele usava o mesmo argumento quando
agredia a ela mesma dizendo que precisava ensiná-la o que é certo e o que
é errado. A professora continuou observando o aluno em sala de aula e no
recreio. Durante as observações, a criança continuou chorando muito e sem
um motivo aparente. Permanecia sempre sentada e quieta na sala de aula. A
criança fazia as lições propostas, não se levantava da cadeira e não conver-
sava com os colegas. No recreio, sentava-se em uma cadeira, não interagindo
com as outras crianças. Percebeu que novos hematomas apareceram. A pro-
fessora e a diretora preferiram optar por não fazer a comunicação ao Conselho
Tutelar para não responsabilizar a mãe, que seria culpabilizada por não ter
denunciado os maus-tratos do marido contra a filha.

No caso descrito quais sinais indicam suspeita de abusos e/ou maus-


tratos?

Choro sem causa aparente, Isolamento, continuou chorando sem


causa aparente, sempre sentada e quieta na sala de aula (isolamento),
não se levantava e não conversava, não interagia com outras crianças em
sala e no recreio (isolamento), Hematomas no corpo, novos hematomas
apareceram.

Neste mesmo caso, quais as implicações das atitudes da professora e


da diretora?

Um primeiro aspecto que merece destaque é que a mãe foi chama-


da para uma conversa. Essa atitude, como já visto anteriormente, pode

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prejudicar a criança e o próprio professor, uma vez que a chance dos agresso-
res serem da família é muito alta segundo as pesquisas. Em seguida, após
o relato da mãe, as profissionais preferiram se omitir diante da suspeita, no
entanto, desta forma não cumpriram seu dever de comunicar ao Conselho
Tutelar e seu papel de garantir proteção integral à criança. A criança perma-
neceu sofrendo maus-tratos do pai, com risco cada vez maiores de danos ao
seu desenvolvimento normal. Além disso, professora e diretora foram omissas
e não cumpriram o que determina a legislação, podendo sofrer denúncia
pelo não cumprimento da lei e pagamento de multa como prevê o estatuto
(artigo 245).

Ainda neste mesmo caso, o que elas deveriam fazer segundo a


legislação?

Segundo a legislação o profissional deve comunicar uma suspeita e/


ou confirmação de casos de abusos e/ou maus-tratos aos órgãos compe-
tentes da localidade.

Caso 2
A tia e a avó de uma de suas alunas te procuram na escola para falar so-
bre uma suspeita de maus-tratos em relação à criança e gostariam de uma
ajuda. Elas relataram diversos episódios em que presenciaram situações de
maus-tratos físicos e sexuais contra a criança praticados por parte do pa-
drasto (certa vez chegando à casa de sua irmã, a tia presenciou o padrasto
desferindo tapas e socos na criança que estava sentada no sofá da casa; em
outra ocasião a tia notou que a criança estava “lambuzada” de um líquido
branco e viscoso, inclusive no rosto próximo à boca, suspeitando que o pa-
drasto havia se masturbado perto da criança ou mesmo “obrigado-a a fazer
algo”; a avó presenciou o padrasto agarrando a criança e apertando o seu
braço, arrastando-a para casa a força; em outra ocasião quando chegou na
casa da neta presenciou o padrasto da criança vestindo apenas cuecas e a
menina queixou-se à avó que estava com um gosto ruim na boca). Ambas

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relataram, também, que conversaram com a mãe da criança sobre isso e
essa não tomou qualquer atitude.

Diante desta situação descrita acima quais atitudes você deveria tomar?

Instruir a tia e avó da criança a fazer uma comunicação ao Conselho


Tutelar acerca da suspeita de abusos e/ou maus-tratos contra a criança.
Caso essa comunicação não seja feita, a própria professora deverá fazê-la.
É importante frisar que não é adequado convocar ou chamar os pais para
verificar a versão contada pelos parentes da mãe (tia e avó maternas da
criança), caberá aos profissionais do Conselho Tutelar esse procedimento
para averiguação da suspeita.

Caso 3
Joana está com uma classe há cerca de 3 meses. Nina, sua aluna passa
a apresentar alguns comportamentos que não apresentava anteriormente.
Antes era comunicativa, apresentava bom desempenho, realizava as tare-
fas, se relacionava bem com os colegas. Agora está retraída, isolou-se dos
colegas, parece muito triste, quieta, não realiza as tarefas e as notas estão mais
baixas. Joana pergunta-lhe o que está acontecendo e Nina não responde.
Em uma atividade proposta pela professora, Nina apresentou comporta-
mentos sexuais não apropriados para a idade. Joana repreendeu Nina, que
chorou muito e isolou-se mais ainda das atividades. Joana tentou novamen-
te conversar com Nina questionando-lhe para que contasse o que estava
acontecendo e a garota não dizia nada. Joana chamou então a mãe para
uma conversa sobre Nina. Explicou à mãe toda a situação. A mãe disse que
não estava notando nada, que Nina estava normal e ficou muito nervosa
quando Joana falou sobre pedir ajuda a alguém, pois Nina apresentava com-
portamentos sexuais inadequados para a idade dela. A mãe disse à Joana
que ela não deveria se meter nestes assuntos de família, que se limitasse ao
papel de professora, que mãe era ela. Nos dias que se seguiram, Nina faltou
à escola. Joana telefonou e não encontrou ninguém. Foi então a casa de

29
Nina e descobriu com um vizinho que a família havia se mudado para outra
cidade. O vizinho então contou que o namorado da mãe abusava sexual-
mente da menina e que todos os vizinhos sabiam, inclusive a mãe também,
mas nunca ninguém tomou alguma atitude.

Na situação descrita quais os comportamentos indicativos de suspeita


de abusos e/ou maus-tratos?

A mudança repentina de comportamento de Nina, o isolamento, o


retraimento, os comportamentos sexuais inapropriados para a idade, o
choro quando repreendida, o baixo rendimento escolar.

Quais as implicações da atitude da professora de chamar a mãe para


conversar?

Considerando que a maior parte dos abusos e/ou maus-tratos ocorre


dentro da família, chamar os pais para conversar pode implicar em uma
possível ameaça ao profissional ( A mãe disse à Joana que ela não deveria se
meter nestes assuntos de família, que se limitasse ao papel de professora, que
mãe era ela), bem como na impossibilidade de encaminhar a criança aos
órgãos de proteção, uma vez que os supostos agressores e familiares ficam
cientes de que podem ser denunciados e se mudam de moradia levando a
criança (Foi então a casa de Nina e descobriu com um vizinho que a família
havia se mudado para outra cidade).

Quais as ações que deveriam ter sido tomadas pela professora Joana?

A professora deveria ter feito uma comunicação á direção da escola,


que por sua vez levaria a suspeita a Secretaria de Educação do município e
esta instituição faria uma notificação ao Conselho Tutelar ou a outro órgão
responsável pela proteção à crianças e adolescentes do município.

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Cuidados Básicos importantes na abordagem da criança
Quando foi identificada uma suspeita de abusos e/ou maus-tratos contra a
criança e/ou adolescente, o professor ou outros profissionais da escola que
lidem diretamente com ele (a) devem estar preparados para falar sobre o
assunto de forma adequada e que não prejudique a criança. Há profissio-
nais capacitados para conseguir informações precisas da criança acerca do
abuso ocorrido. Este não deve ser o objetivo do profissional da escola. Ele
não deve conversar com a criança no intuito de extrair informações, tentar
descobrir o que realmente aconteceu ou movido por simples curiosidade. O
seu papel é dar apoio a criança, ouvi-la no que ela quiser contar e caso haja
a revelação do abuso sofrido comunicar as autoridades competentes.
Caso a criança e/ou adolescente procure para uma conversa, algumas
instruções são importantes:

• Para falar com a criança sobre o abuso, somente se ela iniciar o assun-
to, não pressione nem tente convencê-la a falar sobre o ocorrido.

• Se isso ocorrer, ou seja, ela começar a falar, deixe-a a vontade em


um ambiente propício (sem interrupções, sem barulho, sem pessoas
em volta).

• Ter como pressuposto que a criança é sempre vítima, não criticá-la,


não culpá-la pelo abuso.

• Lembrar sempre que quem é responsável por estabelecer os li-


mites do que é permitido em relações afetivas é o adulto e não a
criança, reforçando que ela não tem culpa mesmo que tenha cedido
ao agressor.

• Utilizar uma linguagem simples, sem utilizar termos complicados


que a criança não entenda.

• Respeitar o ritmo da criança, esperando que ela conte sobre o


ocorrido o que quiser no momento que quiser, não a apresse reve-
lar detalhes, controle sua ansiedade em querer que a criança fale
tudo o que aconteceu.

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• Demonstrar interesse, compreensão e não pena.

• Não desconsidere ou minimize os sentimentos da vítima, jamais


desconsidere a gravidade da situação.

• Evitar tocar a vítima, espere que ela se dirija a você para abraçar ou
tocar.

• Evitar reações e demonstrações exageradas de sentimentos ou va-


lores pessoais.

• A vítima sempre deve ser ouvida antes.

• Encorajar a criança a dizer não e tentar sair da situação abusiva


contando para alguém em quem confia sobre o ocorrido.

• Questões pessoais acerca dos abusos e/ou maus-tratos (estar en-


volvida em caso de abuso em sua própria família, ter sido vítima
de abuso, entre outras situações) podem interferir na aborda-
gem da criança. Busca de ajuda especializada pode minimizar a
interferência.

• Se a criança revela os maus-tratos e solicita segredo, explicar a


gravidade da situação e a necessidade de avisar aos órgãos de pro-
teção, garantindo que continuará dando apoio.

• Não utilizar perguntas com caráter inquisitório, que coloquem a


criança como culpada, que obriguem a precisão de tempo e que
permitam somente respostas fechadas (sim ou não). Deve-se utili-
zar perguntas e comentários mais gerais, permitindo que a criança
fale livremente o que quer: Pode me contar o que você quiser, Me
fale mais sobre isso, Como você se sentiu, Gostaria de falar mais
sobre isso, Há outras coisas que você gostaria de contar.

32
Informações importantes acerca dos abusos e/ou maus-
tratos

• Os estranhos são responsáveis por um pequeno percentual dos ca-


sos registrados. Na maioria das vezes, as crianças são agredidas
por pessoas que já conhecem, como pai/mãe, madrasta/padrasto,
namorado da mãe, parentes, vizinhos, amigos da família, colegas
de escola, babá, professor (a) ou médico (a).

• Os maus-tratos são extremamente freqüentes em todo mundo. Sua


prevenção deve ser prioridade até por questões econômicas.

• Os maus-tratos ocorrem, com freqüência, dentro ou perto da casa


da criança ou do agressor. As vítimas e os agressores são, muitas
vezes, do mesmo grupo étnico e nível socioeconômico.

• Estima-se que poucos casos, na verdade, são denunciados. Quando


há o envolvimento de familiares, a probabilidade de que a vítima
faça a denúncia é menor, seja por motivos afetivos ou por medo do
agressor; medo de perder os pais; de ser expulso (a); de que outros
membros da família não acreditem em sua história; ou de ser o(a)
causador(a) da discórdia familiar.

• Níveis de renda familiar e de educação não são indicadores de


maus-tratos. Famílias das classes média e alta podem ter condições
melhores para encobrir os casos e manter o “muro do silêncio“.

• Em geral os maus-tratos são repetitivos, sendo que a maioria ocorre


dentro de casa, facilitando o acesso do agressor à vítima.

• Muitas vezes os maus-tratos são encobertos com a justificativa de


acidentes que levam a criança à morte e/ou danos graves.

33
Contatos Importantes

São Carlos
• Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (Laprev – UFSCar)

• Tel: (16) 3351-8745

• Webpage: http: //www.ufscar.br/laprev

• Conselho Tutelar: (16) 3371-3930

• Delegacia de Defesa da Mulher: (16) 3374-1345

• Secretaria da Infância e Juventude: (16) 3362-1018

• CREAS – Programa Sentinela: (16) 3307-8754

Nacional
• SOS Criança: 0800-990500

• Ligue 100 – Disque Denúncia (Secretaria Especial de Direitos


Humanos da Presidência da República).

34
Referências
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cia (2004). Abuso Sexual Infantil. htpp//www.abrapia.com.br. Acessado
em 28/05/2004.
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Editora Escala.
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entrevistando menores vítimas de abuso sexual. Adolescência & Saúde, 1
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Problemas de Comportamento e o Desenvolvimento de Competências
Psicossociais em Crianças e Adolescentes: uma Análise das Práticas Edu-
cativas e dos Estilos Parentais. Em: C.S. Hutz (Org.) Situações de Risco e
Vulnerabilidade na Infância e na Adolescência – Aspectos Teóricos e Estraté-
gias de Intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Bibliografia
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35
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abuso sexual infantil. São Carlos: Suprema, 208p.
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& Saúde, 1, 3,26-29.
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liar contra crianças e adolescentes por profissionais de saúde. Cadernos de
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entrevistando menores vítimas de abuso sexual. Adolescência & Saúde, 1
(3), 30-34.
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senvolvimento infantil: uma revisão de área. Temas em Psicologia, 13 (2),
91-103. Trabalho publicado em 2007.
Organização mundial de saúde (2002). Relatório mundial sobre saúde e
violência. In E. G. Krug, L.L. Dahlberg, J. A. Mercy, A. B. Zui & R. Lozano
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Genebra.
Williams, L.C., Padovani, R.C., Araújo, E.A.C., Stelko-Pereira, A.C., Ormeño,
G.R., Eisenstein, E. (2009). Fortalecendo a rede de proteção da criança e do
adolescente. São Carlos. 67p.

36
Esse livro foi impresso em janeiro de 2011 pela gráfica xx

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