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NEGLIGÊNCIA É A FORMA DE VIOLÊNCIA MAIS COMUM CONTRA

CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A negligência contra crianças e adolescentes pode ser física, emocional


ou educacional. Entenda esse tipo de violência e o que fazer em caso
de suspeita.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 13 de julho
de 1990, estabelece que é considerada criança a pessoa até os 12 anos
incompletos e, adolescente, quem tem entre 12 e 18 anos de idade.
Sobre essa população, em seu artigo 5º, determina que “nenhuma
criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na
forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais”.

Apesar de nem sempre ser reconhecida como tal, a negligência é uma


forma de violência, e não só: é a mais comum contra menores de
idade. Estima-se que nos serviços de apoio às crianças vítimas de
violência no Brasil, cerca de 40% dos atendidos foram vítimas de
negligência. Ela é caracterizada principalmente pela omissão dos
responsáveis em suas tarefa de prover o necessário para o
desenvolvimento da criança, e pode gerar consequências graves que
perduram por anos ou mesmo por toda a vida das vítimas.

Tipos de negligência

A negligência contra crianças e adolescentes pode ser física, emocional


ou educacional.
Física: caracterizada pela falta de alimentação, higiene ou cuidados
básicos de saúde;
Emocional: ocorre quando a criança ou adolescente não tem o suporte
nem o afeto necessários para seu pleno desenvolvimento;
Educacional: é aquela na qual os cuidadores não proporcionam o
necessário para a formação intelectual.
Alguns exemplos ajudam a elucidar a que corresponde cada tipo:

Quando a criança não tem acompanhamento médico adequado e


regular, e só visita um pediatra quando vai ao pronto-socorro por conta
de alguma emergência (negligência física);
Quando a criança não recebe proteção contra possíveis traumas ou
acidentes, como por exemplo, viajar de carro sem a cadeirinha, que é
obrigatória (negligência física);
Quando a criança é deixada para ser cuidada por terceiros, sem a
preocupação de que esses tenham competência para a tarefa, ou
mesmo deixadas sozinha o dia inteiro, sem nenhum suporte ou afeto
(negligência emocional);
Quando a criança não recebe nenhum tipo de incentivo ou supervisão
sobre seu desempenho escolar e não há preocupação quanto ao seu
rendimento, ou quando é privada de ir à escola (negligência
educacional).

É importante estar atento à amplitude do conceito de negligência.


Deixar crianças à mercê de doenças preveníveis por falta de vacinação,
por exemplo, também entra nesse tipo de violência, e não é incomum
que uma mesma criança seja vítima de vários comportamentos
prejudiciais. “A negligência física raramente vem sozinha. Geralmente,
quem sofre negligência física, também sofre negligência educacional e a
emocional”, explica o dr. Mário Roberto Hirschheimer, pediatra e
membro do Núcleo de Estudos da Violência Contra Crianças e
Adolescentes da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).
Consequências da negligência

Cada tipo de negligência afeta as vítimas de uma maneira, mas elas


têm em comum o impacto de grande magnitude. Os danos podem ser
físicos, como desnutrição, atraso no crescimento e traumas por
acidentes domésticos; emocionais, que podem incluir agressividade,
dificuldade de interação, tendência ao isolamento, depressão, baixa
autoestima e até formas de sociopatia e risco de suicídio; e intelectuais,
como atraso neuropsicomotor, dificuldade de aprendizado e fracasso
escolar, que acabam por reduzir a chance de sucesso profissional
daquela criança ou adolescente no futuro.

Crianças e adolescentes que sofrem de negligência também são mais


vulneráveis às consequências do bullying nas duas pontas, como
vítimas ou agressores: vítimas porque não têm ninguém que as
defenda ou oriente para escapar dessa situação, e agressores
justamente por conta do comportamento agressivo que é
frequentemente resultado da negligência. O risco de criminalidade
também aumenta. “Existe uma correlação muito interessante feita pelo
Ministério Público da Austrália, na cidade de Sydney, que coloca a
negligência emocional como uma das principais causas de delinquência
juvenil. Se nada for feito a respeito, a sociedade como um todo se
torna vítima da situação, pois essa delinquência afeta todos nós”,
afirma o médico.

Como denunciar um caso de negligência

Para denunciar um caso de negligência, é necessário acionar os órgãos


públicos responsáveis. O principal deles é o Conselho Tutelar da região
de moradia da vítima, que tem o dever de visitar a casa, avaliar a
situação e fazer o acompanhamento do caso. Outros órgãos, como o
Ministério Público e as Varas da Infância e Juventude, também podem
receber esse tipo de denúncia.
Em último caso, se a pessoa não quiser se identificar, ela pode realizar
uma denúncia anônima pelo disque-denúncia ou pelo Disque 100,
serviço que recebe e encaminha denúncias de violação aos direitos
humanos relacionadas a diversos grupos, incluindo crianças e
adolescentes.

Embora muitos casos de negligência ocorram porque os pais enxergam


os filhos como um fardo, é preciso destacar que nem toda negligência é
intencional. Existem famílias em situação de tamanha vulnerabilidade
que simplesmente não têm condições de manter a criança. Tampouco
dispõem de qualquer tipo de suporte ou orientação nesse sentido.
Nesses casos, é como se a família inteira fosse negligenciada, e
transmitir um caso para tais órgãos pode ser a diferença no destino
daquele grupo de pessoas. “Você pode fazer uma denúncia pela simples
suspeita, não precisa ter nenhuma prova. Você não estará cometendo
calúnia de forma nenhuma, apenas vai explicar que a suspeita existe e
solicitar que seja investigado. Em caso de qualquer suspeita, o melhor
a fazer é se manifestar de alguma forma”, finaliza o dr. Mário.

Entenda o que é negligência familiar


Processos de abandono afetivo contra os pais começam a chegar à Justiça.
Bernardo Boldrini, 11, procurou juiz para trocar de família antes de morrer.
Rosanne D'AgostinoDo G1, em São Paulo

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No dicionário, negligência quer dizer desleixo, descuido, desatenção,
menosprezo, preguiça, indolência. Mas nem o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) nem o Código Penal tipificam a negligência familiar.
Segundo especialistas, a negligência pode ser entendida como uma
situação de constante omissão para com a criança ou adolescente que
coloque em risco seu desenvolvimento.

Direitos fundamentais
O que diz a Constituição Federal:
Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O que diz o ECA:
Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão,
aos seus direitos fundamentais.

Ausência e abandono
Essa falha de cuidado pode abarcar diversos aspectos, desde a negligência
em relação aos direitos básicos, como fornecer educação, alimentação,
higiene e remédios, mas também pela falta de afeto.
Casos em que as crianças recebem toda a assistência material, mas não o
apego maternal ou paternal, estão sendo tratados pelo Judiciário como
“abandono afetivo”. São pais e mães que só trabalham e não estão
presentes na vida dos filhos, cuidados apenas por babás ou parentes, por
exemplo.
A negligência pode ocorrer também em residência de casais separados,
em que um dos pais deixa de conviver com o filho. O ECA prevê multas
para pais que descumprem os deveres do poder familiar, como sustento,
guarda e educação dos filhos.
Por não haver uma conduta específica definida por lei, cada situação vem
sendo analisada individualmente. Em decisão recente, o Superior Tribunal
de Justiça (STJ) obrigou um pai a pagar à filha indenização de R$ 200 mil
por abandono afetivo.
"Amor não pode ser cobrado, mas afeto compreende também os deveres
dos pais com os filhos. [...] A proteção integral à criança exige afeto,
mesmo que pragmático, e impõe o dever de cuidar", entendeu o ministro
Marco Buzzi.

Crime
Já se a violação atinge um patamar mais grave, pode ser enquadrada pelo
Código Penal como abandono de incapaz ou como maus-tratos.
O que diz o Código Penal:
- Não há crime específico de negligência familiar ou abandono afetivo.
Decisões sobre danos morais ocorrem na área cível.
Abandono de incapaz
Se dá quando o menor é deixado sem cuidados. Uma única vez é
suficiente. Exemplo: criança deixada em local ermo, sem proteção ou
vigília.
Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda,
vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se
dos riscos resultantes do abandono. Pena: detenção, de 6 meses a 3
anos.
Maus-tratos
Há uma exposição de perigo à vida ou saúde. Exemplo: criança deixada
dentro de um carro fechado, sob sol forte, correndo risco de morte.
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua
autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino,
tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados
indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado,
quer abusando de meios de correção ou disciplina. Pena - detenção, de 2
meses a 1 ano, ou multa.

Prevenção e omissão
O ECA diz ainda que é dever de todos prevenir qualquer tipo de violação
aos direitos da criança e adolescente, sendo obrigatório fazer a denúncia,
sob risco de pena para omissão.
Art. 70 - É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação
dos direitos da criança e do adolescente.
Quem deixa de denunciar uma violação contra crianças e adolescentes,
tendo conhecimento, pode responder criminalmente:
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível, à criança
abandonada ou extraviada (...); ou não pedir, nesses casos, o socorro da
autoridade pública. Pena: detenção, de 1 a 6 meses, ou multa.

Segurança imediata da criança


Notificadores obrigatórios são pessoas que são obrigadas por lei a
denunciar imediatamente casos de suspeita de negligência ou abuso
infantil à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente. Muitas
pessoas diferentes, não apenas médicos e profissionais de saúde, que
têm contato com crianças durante seu trabalho ou atividades
voluntárias são consideradas notificadores obrigatórios. Tais pessoas
incluem professores, profissionais envolvidos na assistência a crianças,
prestadores de serviços de adoção temporária, membros da polícia e
profissionais do direito. Os profissionais de saúde devem, mas não são
obrigados a comunicar aos pais que uma denúncia está sendo feita de
acordo com a lei e que eles possivelmente serão contatados,
entrevistados e visitados em casa. Dependendo das circunstâncias, as
autoridades policiais locais também podem ser notificadas.

As pessoas que não são obrigadas a notificar, mas que sabem ou


suspeitam de negligência ou abuso também são encorajadas a
denunciar o fato, mas não são obrigadas por lei a fazê-lo. Uma pessoa
que faz uma denúncia de abuso com base em causa plausível e de boa-
fé não pode ser presa nem processada por sua iniciativa. As pessoas
podem denunciar abuso ou obter assistência entrando em contato com
a linha direta de denúncia nacional de abuso infantil no telefone 1-800-
4-A-CHILD (1-800-422-4453).

Os casos relatados de abuso infantil passam por triagem para


determinar se é necessária uma investigação mais profunda. As
denúncias de casos que exigem mais investigação são investigadas por
agentes da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, que
determinam os fatos e fazem recomendações. Os representantes da
delegacia podem recomendar serviços de assistência social (para a
criança e os membros da família), hospitalização temporária para
proteção ou suporte nutricional, se necessário, acomodação temporária
com parentes ou em lares de acolhimento temporários. Médicos,
assistentes sociais e representantes da Delegacia de Proteção à Criança
e ao Adolescente decidem o que fazer com base nas necessidades
médicas imediatas da criança, na gravidade das lesões e na
probabilidade de elas continuarem a sofrer negligência ou abuso.

Cuidados de acompanhamento
Uma equipe de médicos, outros profissionais de saúde e assistentes
sociais tentam lidar com as causas e os efeitos da negligência e do
abuso. Esta equipe trabalha com o sistema legal para coordenar a
assistência à criança. A equipe ajuda os familiares a compreender as
necessidades da criança e os ajuda a acessar recursos locais. Uma
criança cujos pais não podem pagar por serviços de saúde, por
exemplo, pode se qualificar para receber assistência médica pública.
Outros programas comunitários e governamentais podem proporcionar
assistência com alimentos e abrigo. Pais com problemas de abuso de
substâncias ou de saúde mental podem ser encaminhados para
programas de tratamento apropriados.

Programas de aconselhamento e grupos de apoio para pais estão


disponíveis em algumas áreas. Pode ser necessário que um assistente
social, um defensor da vítima ou ambos mantenham contato periódico
ou contínuo com a família.

Remoção do lar
O objetivo essencial da Delegacia de Proteção à Criança e ao
Adolescente é fazer com que a criança retorne a um ambiente familiar
seguro e saudável. Dependendo da natureza do abuso e de outros
fatores, as crianças podem ir para casa com seus parentes ou podem
ser retiradas de casa e colocadas com parentes ou em ambientes de
acolhimento, em situações em que os cuidadores têm a capacidade de
proteger a criança de sofrer mais abuso. Esta situação é
frequentemente temporária, até que se possa obter moradia ou
emprego para os pais, por exemplo, ou até se estabelecer um regime
de visitas residenciais regulares por um assistente social. Infelizmente,
é comum a recorrência de negligência e/ou abuso.

Em casos graves de negligência ou abuso, pode ser cogitada a


suspensão de longo prazo ou a perda do poder familiar. Nesses casos, a
criança permanece em um ambiente de acolhimento até ser adotada ou
se tornar adulta.

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