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Presbíteros e Diáconos:

Servos de Deus no Corpo de Cristo

“Os cristãos não só professam crer no


Espírito Santo, mas são também os re-
ceptores de Seus dons” – Charles Hod-
1
ge.

“A comunidade de Jesus vive sob a


inspiração do Espírito Santo; este é o se-
gredo de sua vida, de sua comunhão e
2
de seu poder” – Emil Brunner.

INTRODUÇÃO:

A Igreja é a comunidade de pecadores regenerados, que pelo dom da fé, conce-


dido pelo Espírito Santo, foram justificados, respondendo positivamente ao chamado
divino, o qual fora decretado na eternidade e efetuado no tempo, e agora vivem em
santificação, proclamando, quer com sua vida, quer com suas palavras, o Evangelho
da Graça de Deus, até que Cristo venha.

A Igreja é obra de Deus; sem o Espírito ela não existiria; isto, porque não haveria
crente em Cristo. A Igreja é composta por pessoas que confessam o Senhorio de
Cristo e, isto só é possível pela ação poderosa do Espírito (Cf. 1Co 12.3/Rm 10.9-
10).

A Igreja é uma comunidade de pecadores regenerados. A regeneração é efetuada


pelo Espírito (Cf. Jo 3.3,5; Tt 3.5). Logo, sem a ação regeneradora do Espírito, não
existiriam cristãos nem Igreja.

O Espírito Santo é a alma da Igreja, Quem lhe dá ânimo e vitalidade. É o Espírito


Quem guia os homens à porta de salvação que é Cristo (Jo 10.9). Através da Histó-
ria o Espírito tem estabelecido a Igreja, chamando por meio da Palavra os homens
para constituírem a Igreja de Deus. “Do mesmo modo que o Espírito Santo for-
mou o corpo físico de Jesus Cristo na encarnação, assim também forma o
3
corpo místico de Jesus Cristo, ou seja, a igreja”.
1
Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Hagnos, 2001, p. 391.
2
H. Emil Brunner, O Equívoco da Igreja, São Paulo: Novo Século, 2000, p. 53.
3
Edwin H. Palmer, El Espiritu Santo, Edinburgh: El Estandarte de la Verdade, (s.d.), Edição Revista,
p. 198.
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Boanerges Ribeiro (1919-2003) acentua a especificidade e especialidade da Igre-


ja:

“A Igreja resulta de uma ação especial, não ‘rotineira’, de Deus entre os


homens. O que organiza a Igreja, o que faz dos indivíduos de outra forma
dispersos uma comunidade é a presença permanente de uma pessoa
4
certa e determinada, o Santo Espírito Divino”.

A Igreja é uma comunidade daqueles que foram chamados do mundo para Deus
pela operação do Espírito, daqueles “que têm a mesma fonte genética, o san-
5
gue de Cristo, o novo nascimento”.

A Igreja é uma comunidade carismática porque todos os seus membros recebe-


ram dons (xa/risma) para o serviço de Deus na Igreja. Os dons concedidos pelo
Espírito, longe de servirem para confusão ou vanglória, devem ser utilizados com
6
humildade (1Co 4.7), para a edificação e aperfeiçoamento dos santos (1Co 12.1-
7
31/Ef 4.11-14/Rm 12.3-8). Calvino (1509-1564) acertadamente diz que “se a igre-
ja é edificada por Cristo, prescrever o modo como ela deve ser edificada é
8
também prerrogativa dEle”. Do mesmo modo acentua Kuyper (1837-1920): “Os
carismata ou dons espirituais são os meios e o poder divinamente ordenados
9
pelos quais o Rei habilita a Sua Igreja a realizar sua tarefa na terra”. O Caris-
10
ma tem sempre um fim social: a Igreja; a comunhão dos santos. E também, como
11
elemento de ajuda na proclamação do Evangelho (Hb 2.3-4).
4
Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, São Paulo: O Semeador, 1989, p. 36.
5
Boanerges Ribeiro, O Senhor que Se Fez Servo, p. 46.
6
“Ninguém possui coisa alguma, em seus próprios recursos, que o faça superior; portanto,
quem quer que se ponha num nível mais elevado não passa de imbecil e impertinente. A
genuína base da humildade cristã consiste, de um lado, em não ser presumido, porque sa-
bemos que nada possuímos de bom em nós mesmos; e, de outro, se Deus implantou algum
bem em nós, que o mesmo seja, por esta razão, totalmente debitado à conta da divina
graça” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 4.7), p. 134-135].
7
Obviamente, não estamos trabalhando aqui com as categorias de Max Weber, que define Carisma
como “.... uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (...) e em virtude da qual se
atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo me-
nos, extracotidianos específicos ou então se a toma como enviada por Deus, como exem-
plar e, portanto, como ‘líder’.” [Max Weber, Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia
Compreensiva, Brasília, DF.: Editora Universidade de Brasília, 1991, Vol. 1, p. 158-159]. Como o
próprio Weber explica, “O conceito de ‘carisma’ (‘graça’) foi tomado da terminologia do cris-
tianismo primitivo” (Ibidem., p. 141). Weber tomou a palavra emprestada em Rudolph Sohm, da sua
obra Direito Eclesiástico para a Antiga Comunidade Cristã (Cf. Ibidem., p. 141). A análise das ques-
tões relativas ao domínio carismático, “estão no centro das reflexões de Weber” (Julien Freund, A
Sociologia de Max Weber, Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 184).
8
João Calvino, Efésios, São Paulo: Paracletos, 1998, (Ef 4.12), p. 125. “A Deus pertence com ex-
clusividade o governo de sua Igreja” [João Calvino, Gálatas, São Paulo: Paracletos, 1998, (Gl
1.1), p. 22].
9
Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, Chattanooga: AMG Publishers, 1995, p. 196.
10
Vd. Frederick D. Bruner, Teologia do Espírito Santo, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 229.
11
Vd. João Calvino, Exposição de Hebreus, São Paulo: Paracletos, 1997, (Hb 2.4), p. 56.
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Calvino trabalha insistentemente com este princípio:

“As Escrituras exigem de nós e nos advertem a considerarmos que qual-


quer favor que obtenhamos do Senhor, o temos recebido com a condi-
ção de que o apliquemos em benefício comum da Igreja.
“Temos de compartilhar liberalmente e agradavelmente todos e cada
um dos favores do Senhor com os demais, pois isto é a única coisa que os
legitima.
“Todas as bênçãos de que gozamos são depósitos divinos que temos
12
recebido com a condição de distribuí-los aos demais”.

O Espírito é soberano na distribuição dos dons; eles não podem ser reivindicados
(1Co 12.11,18), antes, devem ser recebidos como manifestação da graça de Deus e
utilizados para a glória de Deus.

A Igreja é a comunidade formada pelo próprio Deus, sendo constituída por pesso-
as que tiveram e têm, pela graça de Deus, a fé salvadora depositada unicamente em
Jesus Cristo.

“No Novo Testamento, ninguém vinha à Igreja simplesmente para ser salvo
e feliz, mas para ter o privilégio de servir ao Senhor. E nós deveríamos ter di-
ante de nós, o benefício que recebemos de servir e trabalhar na Igreja”, a-
13
centua Karl Barth (1886-1968). Todos nós cristãos, recebemos do Senhor, talentos
para servir nessa igreja; e os dons recebidos têm muito a ver com as habilidades
com as quais nascemos, mas que na realidade, foram dadas também por Deus. “....
sejam quais forem os dons que possuamos, não devemos ensoberbecer-nos
por causa deles, visto que eles nos põem sob as mais profundas obrigações
14
para com Deus”.

O que quero enfatizar, é que a raiz da palavra graça, é a mesma da palavra dom,
no grego xa/rij, daí podermos falar da Igreja, como uma comunidade carismática,
visto ser ela constituída daqueles que receberam a graça da fé e o dom para servir.

Mas, o que significa graça? Bem, podemos defini-la, operacionalmente, como um


favor imerecido, manifestado livre e continuamente por Deus aos pecadores que se
encontravam num estado de depravação e miséria espirituais, merecendo justo cas-
15
tigo pelos seus pecados (Rm 4.4/Rm 11.6; Ef 2.8,9).
12
João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo, Novo Século, 2000, p. 36. “Qualquer habili-
dade que um fiel cristão tenha, deve dedicá-la ao serviço de seus companheiros crentes,
como também submeter, com toda sinceridade, seus próprios interesses ao bem-estar co-
mum da Igreja” (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 36).
13
Karl Barth, The Faith of the Church: A commentary on the Apostle’s Creed according to Calvin’s Ca-
techism, Great Britain: Fontana Books, 1960, p. 116.
14
João Calvino, Efésios, (Ef 4.7), p. 113.
15
Vejam-se outras definições em: A.W. Pink, Os Atributos de Deus, p. 69; Idem., Deus é Soberano,
São Paulo: Fiel, 1977, p. 24; A. Booth, Somente pela Graça, São Paulo: PES., 1986, p. 31; João Cal-
vino, Exposição de Romanos, (Rm 5.15), p. 193; R.P. Shedd, Andai Nele, São Paulo: ABU., 1979, p.
15; W. Hendriksen, 1 y 2 Timoteo/Tito, Grand Rapids, Michigan: S.L.C., 1979, (Tt 2.11), p. 419; L.
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No capítulo 4 da Epístola aos Efésios, Paulo está tratando de modo especial da


unidade da Igreja dentro da variedade de funções. Assim, está implícita a figura tão
cara a Paulo, a da Igreja como Corpo de Cristo, mostrando que o segredo do bom
funcionamento do corpo é a utilização de todas as suas partes. Organicamente, ca-
da membro, por mais insignificante que nos possa parecer, tem um papel importante
a desempenhar dentro do equilíbrio do todo. Certamente, existem diferenças de be-
leza e elegância entre nossos órgãos, todavia, todos são essenciais. Do mesmo mo-
do, na Igreja de Cristo, ainda que haja diferenças entre nós, e não sejamos conside-
rados pelos homens como dignos de algum valor, o fato é que todos somos essenci-
ais no serviço do Reino: Devemos frisar no entanto, que não somos ontologicamente
essenciais; antes, Deus, por graça nos tornou essenciais no Seu Reino e, por isso,
agora o somos.

Assim, é Deus mesmo e não outro, Quem nos concede talentos para servi-Lo (Ef
4.7,11/1Co 12.11,18), portanto a nossa atitude de consciente e real humildade (1Co
4.7; 1Co 15.10), visto que Deus nos concedeu os talentos para o serviço do Reino:
“A manifestação do Espírito é concedida a cada um, visando a um fim proveitoso”
(1Co 12.7). Paulo continua: “Para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, co-
16
operem os membros, com igual cuidado (merimna/w = “preocupação”), em favor

Berkhof, Teologia Sistemática, p. 74; W. Barclay, El Pensamiento de San Pablo, Buenos Aires: La Au-
rora, 1978, p. 154; L. Boettner, Predestinación, Grand Rapids, Michigan: S.L.C., [s.d.], p. 258; D.M.
Lloyd-Jones, Por que Prosperam os Ímpios, São Paulo: PES., 1983, p. 103; J.I. Packer, O Conheci-
mento de Deus, São Paulo: Mundo Cristão, 1980, p. 120; Tom Wells, Fé: Dom de Deus, São Paulo:
PES., 1985, p. 101; Samuel Falcão, Predestinação, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981,
p.100-101; James Moffatt, Grace in the New Testament, New York: Ray Long & Richard R. Smith.
Ind., 1932, p. 5; Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, p. 146, 147; John Gill, “A Complete Body of
Doctrinal and Practical Divinity,” The Collected Writings of: John Gill, [CD-ROM], (Albany, OR: Ages
Software, 2000), I.13. p. 195-196.
16
A palavra tem o sentido de solicitude, preocupação e inquietação. Ela ocorre 18 vezes no NT. O
seu uso no Novo Testamento não tem um sentido apenas negativo; Paulo a emprega positivamente,
como por exemplo, no texto citado (1Co 12.25). Do mesmo modo, quando se refere a Timóteo: “Por-
que a ninguém tenho de igual sentimento, que sinceramente cuide (Merimnh/sei) dos vossos interes-
ses” (Fp 2.20) e, também quando descreve as suas lutas em favor da Igreja: “Além das cousas exte-
riores, há o que pesa sobre mim diariamente, a preocupação (Me/rimna) com todas as Igrejas” (2Co
11.28).
O termo também é usado negativamente: Jesus, o emprega duas vezes neste sentido: “Não an-
deis ansiosos (merimna=te) pela vossa vida...” (Mt 6.25). A Marta, inquieta com os seus afazeres e di-
ante da aparente inércia de Maria, diz: “Marta! Marta! andas inquieta (Merima=j) e te preocupas com
muitas coisas” (Lc 10.41).
Paulo, também trata dessa questão, dizendo aos filipenses: “Não andeis ansiosos (Merimna/w) de
cousa alguma....” (Fp 4.6). No entanto, esta exortação pode parecer inócua sem a indicação de um
caminho eficaz para a canalização de nossas ansiedades existentes... Paulo então, propõe a solução
para o problema: “.... Em tudo, porém, sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições, pela o-
ração e pela súplica, com ações de graça” (Fp 4.6). A oração oferece-nos um abrigo onde podemos
nos ocultar das preocupações mundanas, um lugar onde ficamos a sós com Deus, um refúgio onde
renovamos a esperança, onde nossos cuidados com as coisas deste século ficam amortecidas. A o-
ração é o caminho pelo qual iniciamos a caminhada indicada por Pedro; é o meio fornecido por Deus
para que possamos combater a ansiedade: “Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade
(Me/rimnan), porque Ele tem cuidado de vós” (1Pe 5.7) (Ver: John MacArthur Jr., Abaixo a Ansieda-
de, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, especialmente, p. 27-38).
Quando assim procedemos, experimentamos o resultado indicado por Paulo no texto de Filipen-
ses: “E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e as vossas
mentes em Cristo Jesus” (Fp 4.7). A paz é de Deus porque dEle procede e, também, porque o mode-
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uns dos outros” (1Co 12.25). “O Senhor nos colocou juntos na Igreja, e destinou
cada um ao seu posto, de tal maneira que, sob a única Cabeça, venhamos
a nos auxiliar uns aos outros. Lembremo-nos também de que tão diferentes
dons nos têm sido concedidos para podermos servir ao Senhor humilde e
despretensiosamente, e aplicar-nos ao avanço da glória daquele que nos
17
tem dado tudo quanto temos”. Deste modo, os talentos recebidos, foram-nos
concedidos para que os usássemos para a edificação da Igreja, não para a dissemi-
nação de discórdias, ou para usar de nossa influência para dividir, denegrir, solapar
ou mesmo para a nossa projeção pessoal: Deus não desperdiça os dons “por nada
18
e nem os destina para que sirvam de espetáculo”. Mas, para a edificação. O
19
objetivo é claro: “Com vistas ao aperfeiçoamento (katartismo/j = “preparar”, “e-
quipar para o serviço”) dos santos” (Ef 4.12). Ainda que de passagem, deve ser a-
centuado que, “sempre que os homens são chamados por Deus, os dons são
necessariamente conectados com os ofícios. Pois Deus não veste homens
com máscara ao designá-los apóstolos ou pastores, e, sim, os supre com
dons, sem os quais não têm eles como desincumbir-se adequadamente de
20
seu ofício”.

Observemos que estes ofícios (Ef 4.11), foram instituídos para o aperfeiçoamento
dos santos a fim de que estes cumpram o seu serviço na Igreja; ou seja: o trabalho
não é apenas pastoral ou dos Presbíteros Regentes e Diáconos, é também e fun-
damentalmente comunitário. Toda a Igreja é responsável: Lutero falou do Sacer-
dócio Universal dos Crentes; pois bem, este texto nos fala do ministério universal
dos crentes. O carisma traz implicações de responsabilidade com a edificação de
nossos irmãos. Na Igreja de Cristo não pode haver a divisão entre aqueles que tra-
balham e os que apenas ouvem comodamente... Todos somos chamados e capaci-
21
tados ao trabalho cristão.

lo da paz temos em Deus, Aquele que não vive em ansiedade. [Vd. F.F. Bruce, Filipenses, Florida:
Editora Vida, 1992, (Fp 4.7), p. 154].
17
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 4.7), p. 134.
18
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.7), p. 376.
19
O termo grego utilizado por Paulo, no campo cirúrgico, era usado para “consertar um osso quebra-
do”. “Ajustar em conjunto num só corpo” (D.M. Lloyd-Jones, A Unidade Cristã, São Paulo: PES.,
1994, p. 172). “A idéia fundamental do termo é de pôr nas condições em que devem estar já
uma coisa ou uma pessoa” (William Barclay, Efésios, Buenos Aires: La Aurora, 1973, p.156). Cal-
vino diz que o termo grego “significa literalmente a mútua adaptação [= coaptitionem] de coi-
sas que devem ter simetria e proporção; assim como, no corpo humano, há uma combina-
ção apropriada e regular dos membros; de modo que o termo é também usado para ‘per-
feição’. Mas como a intenção de Paulo aqui é expressar um arranjo simétrico e metódico,
prefiro o termo constituição [= constitutio]. Pois, estritamente falando, o latim indica uma
comunidade, ou reino, ou província, como constituída, quando a confusão dá lugar ao es-
tado regular e legítimo” [J. Calvino, Efésios, (Ef 4.12), p. 124].
20
João Calvino, Efésios, (Ef 4.11), p. 119. Em outro contexto, falando sobre o chamado de Davi para
ser rei de Israel, faz comentário semelhante: “Ora, Deus geralmente supre aqueles a quem im-
puta a dignidade de possuir esta honra a eles conferida com os dons indispensáveis para o
exercício de seu ofício, a fim de que não sejam como ídolos sem vida” [João Calvino, O Livro
dos Salmos, Vol. 1, (Sl 4.3), p, 96].
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“Não há crescimento em igrejas que dependem de algumas poucas pessoas e os demais
membros são espectadores. Sempre existe progresso e multiplicação em igrejas cujos mem-
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Notemos também, que Paulo está dizendo que todos os membros da Igreja são
santos. Isso aponta para o nosso privilégio (somos santificados em Cristo Jesus) e
nossa responsabilidade (devemos progredir em santidade). Neste ponto, a Igreja so-
fre tremendamente, porque ela abandonou a sua realidade e a sua meta de santida-
de (separação) e cada vez mais intensamente se parece com o mundo: na sua for-
ma de pensar, de falar, de sentir, de vestir e de fazer... Ao invés desse comporta-
mento aprendido por osmose sugerir maturidade, é, na verdade, um sintoma de in-
fantilidade crônica: temos com demasiada freqüência, falado, sentido e pensado
como meninos; enquanto que o propósito de Deus para o Seu povo é o inverso: que
pensemos, sintamos e falemos como pessoas maduras na fé (1Co 13.11/1Co 3.1-2;
Hb 5.11-14; 2Pe 3.18). Paulo contrasta aqui os “meninos” (nh/pioj = “bebê”, “imatu-
ro”, “criança pequena”) (Ef 4.14) com a “perfeição” (te/leioj “maduro”) (Ef 4.13).
Calvino comenta: “Crianças são aqueles que ainda não deram um passo no
caminho do Senhor, senão que hesitam, que não determinaram ainda que
rumo devem tomar, mas que se movem às vezes numa direção e às vezes
22
noutra, sempre duvidosos, sempre ziguezagueando”.

As crianças devido a sua ingenuidade são mais influenciáveis, dadas à instabili-


dade. Os pagãos apresentam este comportamento, sendo conduzidos por qualquer
23
nova doutrina. Em Listra, conduzidos por suas lendas, pensaram que Paulo e
Barnabé fossem Júpiter e Mercúrio, querendo a todo custo oferecer-lhes sacrifícios.
Pouco depois, influenciados pelos judaizantes, apedrejaram a Paulo, deixando-o
quase morto (At 14.8-20). Por sua vez, “o progresso da igreja é marcado por um
crescimento da infância até a maturidade, na medida que ela assume o ca-
24
ráter de sua cabeça, Cristo”.

Paulo para descrever esta inconstância infantil, usa um termo náutico que se refe-
re a uma pequena embarcação que, em mar aberto não consegue manter o curso
certo (Kludwni/zomai = “ser arrastado, levado pelas ondas”)(Ef 4.14). Metaforica-
mente tem o sentido de “ser agitado mentalmente”. A idéia é a de andar em círcu-
los, diante da variedade de ensinamentos. “Ele os compara com as palhas ou
outros elementos leves, os quais são rodopiados pela força do vento a soprar
25
em círculo ou em direções opostas”.

Tomando as figuras usadas por Paulo, podemos observar que a criança gosta de
entretenimento, novidade e indisciplina; se não tivermos firmeza doutrinária, se não
estivermos ancorados na Palavra, seremos conduzidos de forma constante e sem di-
reção. Este exemplo negativo, temos nos gálatas, aos quais, Paulo escreve: “Admi-
ra-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de
Cristo, para outro evangelho” (Gl 1.6). “Vós corríeis bem; quem vos impediu de con-

bros são vibrantes e intentam servir a Cristo” (Iain Murray, A Igreja: Crescimento e Sucesso: In: Fé
para Hoje, São José dos Campos, SP.: Fiel, nº 6, 2000, p. 20).
22
João Calvino, Efésios, (Ef 4.14), p. 127.
23
Vd. Hermisten M.P. Costa, Eu Creio, São Paulo: Parakletos, 2002, p. 250-251.
24
Ralph P. Martin, Efésios: In: Comentário Bíblico Broadman, Rio de Janeiro: JUERP., 1985, Vol. 11,
p. 190.
25
João Calvino, Efésios, (Ef 4.14), p. 128.
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tinuardes a obedecer à verdade?” (Gl 5.7).

Calvino comentando a facilidade com que quase todos se curvaram diante do de-
creto idólatra de Nabucodonosor (Dn 3.2-7), sustenta que a base de nossa firmeza
doutrinária está no apego irrestrito à Palavra: “.... nada é firme, nada é estável
entre os gentios; indivíduos que não foram instruídos na escola de Deus o
que significa a verdadeira religião. Pois oscilam a todo instante ao sabor de
qualquer brisa. Assim como as folhas se movem quando o vento sopra por
entre as árvores, assim também todos os que não estão enraizados na ver-
dade de Deus oscilarão e serão lançados para frente e para trás quando al-
gum vento começa a soprar. O decreto régio não constitui uma brisa leve, e,
sim, uma violenta tempestade. Pois ninguém pode opor-se impunemente aos
reis e a seus editos. Por isso, sucede que os que não se acham plantados na
Palavra de Deus, e não entendem absolutamente nada do que é verdadei-
26
ra piedade, são arrastados pela investida de tal pé-de-vento”.

Em nossa imaturidade espiritual, já não separamos as coisas; antes dizíamos que


tudo era sagrado, agora vivemos como se tudo fosse profano... e o pior é que esta-
mos perfeitamente acomodados a isso, estamos bem à vontade, estamos em casa.
A acomodação no pecado não indica a paz de Deus, antes, a morte de uma consci-
ência supostamente cristã! A maturidade cristã impede-nos de cometer “macaqui-
ces espirituais”, de ficar pulando de um lado para o outro.

Retornando ao nosso objetivo, devemos enfatizar que a Igreja é uma comunidade


carismática porque é constituída pelo povo redimido pela graça de Deus e, também,
porque atua comunitariamente com os carismas concedidos por Deus para a edifica-
ção do Corpo de Cristo. (Vd. Ef. 4.13-16).
27
Nesta Igreja, os pastores, presbíteros e diáconos, são constituídos por Deus pa-
28
ra a preservação do rebanho. A eleição feita pela igreja, deve ser vista como um
reconhecimento público de que os referidos oficiais foram escolhidos por Deus; a e-
29
leição nos fala do processo não da fonte da autoridade dos eleitos. Desta forma, a

26
João Calvino, O Profeta Daniel: 1-6, São Paulo: Parakletos, 2000, Vol. 1, (Dn 3.2-7), p. 190.
27
Quanto à responsabilidade dos pastores, Vd. João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos,
1998, (1Tm 3.15), p. 97-98; João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5ss), p. 101ss.
28
Calvino, falando com a autoridade e a experiência de um eficiente pastor, escreve em 1548: “Os
pastores piedosos e probos terão sempre que manter esta luta de desconsiderar as ofensas
daqueles que querem desfrutar de vantagem em tudo. Pois a Igreja terá sempre em seu seio
pessoas hipócritas e perversas, as quais preferem suas próprias cobiças à Palavra de Deus. E
mesmo as pessoas boas, quer por alguma ignorância quer por alguma fraqueza, são às ve-
zes tentadas pelo diabo a ficar iradas com as fiéis advertências de seu pastor. É nosso dever,
pois, não ficar alarmados por quaisquer gêneros de ofensas, contanto, naturalmente, que
não desviemos de Cristo nossas débeis mentes” [João Calvino, Gálatas, (Gl 1.10), p. 36-37]. “A
tarefa dos mestres consiste em preservar e propagar as sãs doutrinas para que a pureza da
religião permaneça na Igreja” [João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 12.28), p. 390].
29
“O Espírito também chama os homens para o ministério na Igreja e os dota com as quali-
dades necessárias para o exercício eficaz de suas funções. O ofício da Igreja, neste assunto,
é simplesmente o de determinar e verificar o chamamento do Espírito. Assim, o Espírito Santo
é o autor imediato de toda a verdade, de toda a santidade, de toda a consolação, de to-
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autoridade deles é derivada de Deus, não do povo que os elegeu; por outro lado,
eles precisam ter em mente que prestarão contas dos seus atos a Deus. O Novo
Testamento nos chama a atenção para o ministério universal dos crentes: todos so-
mos responsáveis pelo desempenho do serviço de Deus em Sua Igreja (Ef 4.11-12).

A Segunda Confissão Helvética (1562-1566), no capítulo XVIII, falando sobre os


“ministros da Igreja”, declara:

“É verdade que Deus poderia, pelo Seu poder, sem qualquer meio,
congregar para Si mesmo uma Igreja de entre os homens; mas Ele preferiu
tratar com os homens pelo ministério de homens. Por isso os ministros de-
vem ser considerados não como ministros apenas por si mesmos, mas co-
mo ministros de Deus, visto que por meio deles Deus realiza a salvação de
homens”

A Constituição da IPB. caracteriza bem o que é o presbítero e a sua função (Arts


50 e 51), o mesmo fazendo em relação ao diácono (Art 53).

Como sabemos, a Igreja Presbiteriana do Brasil comemora o seu aniversário na


data da chegada do Rev. Ashbel Green Simonton (1833-1867), em 12/08/1859. No
entanto, a Primeira Igreja Presbiteriana a ser organizada no Brasil, foi no dia 12 de
janeiro de 1862, na Capital do Império, Rio de Janeiro, à Rua Nova do Ouvidor nº
31, com as duas primeiras Profissões de Fé: Um comerciante, norte-americano,
Henry E. Milford (com cerca de 40 anos), natural de New York, que veio para o
Brasil como agente da Singer Sewing Machine Company e Camilo Cardoso de Je-
31
sus (com cerca de 36 anos), que posteriormente mudou o seu nome para Camilo
32
José Cardoso. Ele era natural da cidade do Porto, Portugal, sendo padeiro e, ex-
33
foguista em barco de cabotagem. Ambos eram assíduos desde o início dos tra-

da a autoridade e de toda a eficiência nos filhos de Deus, individualmente, e na Igreja, cole-


tivamente” (Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Hagnos, 2001, p. 396).
30
Bavinck enfatiza: “Os pastores e mestres, os presbíteros e diáconos, também devem seu ofí-
cio e sua autoridade a Cristo, que instituiu esses ofícios e que continuamente os sustenta,
que dá às pessoas os seus dons e que os apresenta para o ofício através da Igreja (1Co
12.28; Ef 4.11). Mas esses dons e essa autoridade lhes são dados para que sejam emprega-
das para o benefício da Igreja e para que sejam úteis no aperfeiçoamento dos santos (Ef
4.12)” (Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, 4ª ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House,
1984, p. 537-538). Louis Berkhof acentua que “Os oficiais da igreja recebem sua autoridade de
Cristo, e não dos homens, mesmo que a congregação sirva de instrumento para instalá-los
no ofício” (L. Berkhof, Teologia Sistemática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 599). Ver
também: Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, São Paulo: Os Pu-
ritanos, 2001, p. 15.
31
Ashbel G. Simonton, Diário, 1852-1867, São Paulo: CEP/O Semeador, 1982, 14/01/1862; Rev. An-
tonio Trajano, Esboço Histórico da Egreja Evangelica Presbyteriana: In: Álvaro Reis, ed. Almanak His-
torico do O Puritano, Rio de Janeiro: Casa Editora Presbyteriana, 1902, p. 7-8.
32
Rev. Antonio Trajano, Esboço Histórico da Egreja Evangelica Presbyteriana: In: Álvaro Reis, ed.
Almanak Historico do O Puritano, p. 8.
33
Rev. Antonio Trajano, Esboço Histórico da Egreja Evangelica Presbyteriana: In: Álvaro Reis, ed.
Almanak Historico do O Puritano, p. 7-9; Boanerges Ribeiro, Protestantismo e Cultura Brasileira,
São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1981, p. 24; Júlio A. Ferreira, História da Igreja Presbiteriana
do Brasil, 2ª ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, Vol. I, p. 28.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 9

34
balhos promovidos por Simonton.
35
Nesta ocasião foi celebrada a Santa Ceia pela primeira vez, sendo ministrada
36
pelo Rev. F.J.C. Schneider (1832-1910) e pelo Rev. A. G. Simonton, em inglês e
37
português.

No entanto, os primeiros oficiais da Igreja Presbiteriana no Brasil só foram eleitos


em 1866: Os Diáconos em 02/04/1866; eram três: Guilherme Ricardo Esher (de ori-
gem irlandesa), Camilo José Cardoso (de origem portuguesa) e Antonio Pinto de
Sousa (brasileiro). Os Presbíteros em 07/07/1866; eram dois: Guilherme R. Esher e
Pedro Perestrello da Câmara (primo do futuro Rev. Modesto Carvalhosa) (de origem
portuguesa). Todos foram ordenados no dia 09/07/1866, permanecendo Guilherme
38
R. Esher como Presbítero. Assim, temos os primeiros Presbíteros Regentes e Diá-
conos do Presbiterianismo nacional.

1. O DIÁCONO:

Introdução:

A) TERMINONOGIA:

O termo “diácono” e suas variantes, provém do grego dia/konoj, diakoni/a e


diakone/w, palavras que significam respectivamente, “servo”, “serviço” e “servir”.

B) “DIÁCONO” NA LITERATURA SECULAR:

1) NA LITERATURA GREGA:

Essas palavras apresentam três sentidos especiais, com uma pesada cono-
tação depreciativa: a) Servir à mesa; b) Cuidar da subsistência; c) Servir: No sentido
de “servir ao amo”.
34
Diário, 25/11/61; 31/12/61; Boanerges Ribeiro, Protestantismo e Cultura Brasileira, p. 24, Veja-se
nota 131.
35
Relatório de Simonton apresentado ao Presbitério do Rio de Janeiro no dia 10/07/1866, p. 4.
36
O Rev. Schneider chegou ao Brasil em 7/12/1861. Foi ele quem traduziu, entre outros, o livro de
Charles Hodge, O Caminho da Vida, New York: Sociedade Americana de Tractados (s.d.), 300p., e o
de seu filho, A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, 620p.
37
Diário, 14/01/1862.
38
Vd. Atas da Igreja do Rio de Janeiro; Relatório de Simonton apresentado ao Presbitério do Rio de
Janeiro no dia 10/07/1866, p. 7-8; Vicente T. Lessa, Annaes da 1ª Egreja Presbyteriana de São
Paulo, Edição da 1ª Egreja Presbyteriana Independente, 1938, p. 41; Rev. Antonio Trajano, Esboço
Histórico da Egreja Evangelica Presbyteriana: In: Álvaro Reis, ed. Almanak Historico do O Puritano,
p. 8; Júlio A. Ferreira, História da Igreja Presbiteriana do Brasil, Vol. I, 28-29.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 10

Para os gregos, servir era algo indigno. Os Sofistas chegavam a afirmar que o
homem reto só deve servir aos seus próprios desejos, com coragem e prudência.

Platão (427-347 a.C.) e Demóstenes (384-322 a.C.), um pouco mais moderados,


admitiam que o serviço (diakoni/a) só tinha algum valor quando prestado ao Estado.
Portanto, “a idéia de que existimos para servir a outrem não cabe, em abso-
39
luto, na mente grega”.

2) NA LITERATURA JUDAICA:

No judaísmo, encontramos a compreensão mais profunda a respeito daquele


que serve. O pensamento oriental não considerava indigno o serviço. A grandeza do
senhor determinava a grandiosidade do serviço. Quanto maior o senhor a quem se
serve, mais o serviço é valorizado.

O historiador judeu Flávio Josefo, usou o termo em três sentidos: a) Servir à me-
sa; b) Servir no sentido de obedecer; c) Prestar serviços sacerdotais.

Posteriormente, a idéia de serviço foi perdendo a conotação de entrega de si em


favor de outrem, assumindo a idéia de uma obra meritória perante Deus. Mais tarde,
deteriora-se ainda mais, passando a ser considerado indigno o serviço, especial-
mente no que se refere ao servir à mesa.

C) “Diácono” no Novo Testamento:


40 41
Os substantivos “Diaconia” (33 vezes) e “Diáconos” (30 vezes) e o verbo
42 43
“Diaconar” (34 vezes) são traduzidos por serviço, ministério, socorro, assistência,
diácono (neste caso, apenas transliterado), etc.

Jesus Cristo deu uma grande lição aos seus ouvintes, ao verbalizar a sua missão:
“... O Filho do homem, que não veio para ser servido (diakone/w), mas para servir
(diakone/w)....” (Mt 20.28).

39
Hermann W. Beyer, Servir, Serviço: In: G. Kittel, ed. A Igreja do Novo Testamento, São Paulo: AS-
TE, 1965, p. 275.
40
Diakoni/a * Lc 10.40; At 1.17,25; 6.1,4; 11.29; 12.25; 20.24; 21.19; Rm 11.13; 12.7; 15.31; 1Co
12.5; 16.15; 2Co 3.7,8,9 (2 vezes); 4.1; 5.18; 6.3; 8.4; 9.1,12,13; 11.8; Ef 4.12; Cl 4.17; 1Tm 1.12;
2Tm 4.5,11; Hb 1.14; Ap 2.19.
41
Dia/konoj * Mt 20.26; 22.13; 23.11; Mc 9.35; 10.43; Jo 2.5,9; 12.26; Rm 13.4 (2 vezes); 15.8; 16.1;
1Co 3.5; 2Co 3.6; 6.4; 11.15,23; Gl 2.17; Ef 3.7; 6.21; Fp 1.1; Cl 1.7,23,25; 4.7; 1Ts 3.2; 1Tm 3.8,12;
4.6.
42
Na realidade não existe este verbo em nossa língua; ele foi apenas transliterado do grego e apor-
tuguesado para dar o mesmo sentido fonético...
43
Diakone/w *Mt 4.11; 8.15; 20.28; 25.44; 27.55; Mc 1.13,31; 10.45; 15.41; Lc 4.39; 8.3; 10.40;
12.37; 17.8; 22.26,27 (2 vezes); Jo 12.2,26 (2 vezes); At 6.2; 19.22; Rm 15.25; 2Co 3.3; 8.19,20; 1Tm
3.10,13; 2Tm 1.18; Fm 13; Hb 6.10; 1Pe 1.12; 4.10,11.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 11

1. Origem do Ofício de “Diácono”

A origem deste ofício eclesiástico, deve ser buscada no texto de At 6.1-7. Embora
44 45
saibamos que nem todos concordem com isso e outros não se decidam, ficamos
46
com aqueles que identificam o diaconato com At 6.

No início da Igreja do Novo Testamento, competia aos apóstolos a responsabili-


dade de gerenciar os donativos, distribuindo-os conforme a necessidade dos cren-
tes (At 2.45/At 4.37; 5.2). Com o crescimento da Igreja, esta atividade tornou-se por
demais pesada para eles. Nesse contexto é que se insere o diácono. O ofício de
diácono teve a sua origem como resultado de uma necessidade: As viúvas dos he-
lenistas (judeus de fala grega, provenientes da Dispersão), estavam sendo habitual-
47
mente “esquecidas na distribuição diária” (At 6.1).
48
Ao contrário do que já foi suposto, o “esquecimento” não foi deliberado. A ques-
tão era mesmo de excesso de trabalho juntando a isso, a possível situação de seve-
49
ra penúria das viúvas.

Os apóstolos reconhecendo o problema e ao mesmo tempo não tendo como re-


solver tudo sozinho, encaminharam à Comunidade, de forma direta, a eleição de “se-
te homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria”, aos quais encarre-
gariam deste serviço (At 6.3). A eleição foi feita. Os Apóstolos, então, se dedicaram
mais especificamente “à oração e ao ministério da Palavra” (At 6.4), ofício para o
qual foram especialmente chamados: Pregar a Palavra de Deus.

Os diáconos devem ser vistos como braços da misericórdia de Deus em favor do


Seu povo carente; eles exercem, em parte, o “socorro” de Deus para com o Seu po-
vo (1Co 12.28): “Os diáconos representam a Cristo em seu ofício de misericór-
dia, e o exercício da misericórdia está vinculado com o consolo dos afli-
50
tos”. “Nisto consiste o ofício dos diáconos: Devem demonstrar solicitude
51
pelos pobres e atender às suas necessidades”.

Historicamente este ofício permaneceu e se expandiu geograficamente, conforme


52
atestam os documentos históricos.

44
Kelly, T.C. Smith, Beyer, entre outros.
45
Stagg e Latourette.
46
Irineu, Calvino, Bavinck, Vincent, Berkhof, Hendriksen, Ladd, R.B. Kuiper, Grudem, entre outros.
47
O verbo paraqewre/w no imperfeito, sugere a idéia de algo freqüente e habitual. Este verbo só
ocorre aqui (At 6.1) no Novo Testamento.
48
Assim pensa Barclay. (William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Auro-
ra, 1974, Vol. VII, p. 60).
49
Vd. I.H. Marshall, Atos: Introdução e Comentário, São Paulo: Mundo Cristão/Vida Nova, 1982, p.
123.
50
R.B. Kuiper, El Cuerpo Glorioso de Cristo, Grand Rapids, Michigan: SLC., 1985, p. 141.
51
João Calvino, As Institutas, (1541), IV.13.
52
Vd. Clemente de Roma, 1Coríntios, 42.4; 44.5; 47.6; 54.2; 57.1; Inácio, Cartas: Aos Efésios, 2.1;
Aos Magnésios, 2.1; 3.1; 6.1; 13.1; Aos Tralianos, 2.3; 3.1; 7.2; 12.2; Aos Filadélfios, 10.2; Aos Es-
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 12

2. Definição:

Os diáconos são homens “constituídos pela igreja para distribuir as esmolas e


53
cuidar dos pobres, como procuradores seus”. Analisando Atos 6, Calvino diz na
primeira edição da Instituição (1536): “Vede aqui o ministério dos diáconos: cui-
dar dos pobres e ajudar-lhes. Daqui lhes vem o nome; e por isso são tidos
54
como ministros”. O Art. 53 e alíneas da CI/IPB., apresenta uma definição que se-
gue a mesma linha bíblica de Calvino; porém, amplia mais a sua função, adaptando-
a às necessidades da Igreja no Brasil.

3. Requisitos para o Ofício de Diácono:

Devemos observar que os requisitos para o diaconato e para o presbiterato são,


em geral, exigências comuns aos membros da Igreja. No entanto, devemos estar a-
tentos para o fato de que “todos esses requisitos são muito mais importantes e
exigidos num grau muito mais elevado daqueles a quem se confiou a inspe-
ção e supervisão espirituais da igreja. Assim como ocupam lugar de maior
honra e autoridade que o dos outros membros da igreja, detêm do mesmo
55
modo uma posição de muito maior responsabilidade”.

3.1. SER VOCACIONADO:

Na Igreja de Cristo ninguém tem autonomia para se autonomear. Pastor,


Presbíteros e Diáconos, todos, sem exceção, precisam ser vocacionados por Deus
para estes ofícios (Hb 5.4). “As únicas pessoas que têm o direito de ser ouvidas
são aquelas a quem Deus enviou e que falam a palavra de Sua boca. Por-
tanto, para qualquer homem exercer autoridade, duas coisas são requeri-
das: o chamamento [divino] e o desempenho fiel do ofício por parte daque-
56
le que foi chamado”.

A CI/IPB., Art 108, prescreve isto, com uma perfeita compreensão bíblica:

“Vocação para ofício na Igreja é a chamada de Deus, pelo Espírito San-


to, mediante o testemunho interno de uma boa consciência e a aprova-
ção do povo de Deus, por intermédio de um concílio”. (Vd. também, Art 109
e §§).

mirnenses, 8.1; À Policarpo, 6.1; Irineu, Contra as Heresias, V.36.1; Eusébio de Cesaréia, História
Eclesiástica, III.39.3-5,7; VI.19.19; 43.2; 43.11; VII.28.1; 30.2.12.
53
J. Calvino, Institución, IV.3.9.
54
João Calvino, Institución de la Religion Cristiana, (1536), V.5. Vd. também, As Institutas, IV.3.9.
55
Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, p. 38.
56
João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 1.1), p. 15.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 13

Calvino (1509-1564) comenta:

“O que torna válido um ofício é a vocação, de modo que ninguém po-


de exercê-lo correta ou legitimamente sem antes ser eleito por Deus (...).
Nenhuma forma de governo deve ser estabelecida na Igreja segundo o
juízo humano, senão que os homens devem atender à ordenação divina;
e, ainda mais, que devemos seguir um procedimento de eleição preesta-
belecido, para que ninguém procure satisfazer seus próprios desejos. (...)
Segundo é a promessa de Deus de governar sua Igreja, assim ele reserva
para si o direito exclusivo de prescrever a ordem e forma de sua adminis-
57
tração”.
“A Deus pertence com exclusividade o governo de sua Igreja. Portanto,
58
a vocação não pode ser legítima a menos que proceda dele”.

O serviço que prestamos a Deus deve ser visto não como uma fonte de lucro ou
projeção, mas como resultado de um chamado irrevogável de Deus. Paulo em seu
ministério tinha esta consciência, de ser apóstolo pela vontade de Deus (Vd. Rm 1.1;
1Co 1.1; 2Co 1.1; Ef 1.1; Cl 1.1, etc.).

O diácono deve ser eleito pela Igreja (At 6.5). A eleição é uma evidência de que
Deus vocacionou aquele irmão para o respectivo ofício. Por isso, a Igreja deve bus-
car a orientação de Deus com fé e submissão, certa de que Deus também manifesta
a Sua vontade por intermédio da assembléia.

O ato da ordenação confirma isso; os apóstolos, orando, impuseram as mãos so-


59
bre os diáconos eleitos, processando assim esta solenidade. (At 6.6).

3.2. SER DISCÍPULO DE CRISTO: (AT 6.1,3)

Os diáconos seriam escolhidos pela Igreja, entre os seus membros, entre os


discípulos de Cristo. O diaconato não pode ser terceirizado.

Os diáconos servem a Igreja como, na realidade são, servos de Cristo. No segun-


do século, Inácio (30-110 AD), bispo de Antioquia da Síria, em carta endereçada à
60
Igreja de Trales, diz: “.... os que são diáconos dos mistérios de Jesus Cristo a-
gradem a todos em tudo. Pois não é de comidas e bebidas que são diáco-
61
nos, mas são servos da Igreja de Deus”.

57
J. Calvino, Exposição de Hebreus, (Hb 5.4), p. 127-128.
58
João Calvino, Gálatas, (Gl 1.1), p. 22.
59
Vd. CI/IPB., Art 109 e §§
60
Cidade que distava uns 50 km de Éfeso.
61
Inácio, Carta aos Tralianos, 2. In: Cartas de Santo Inácio de Antioquia, Petrópolis, RJ.: Vozes, ©
1970, p. 58.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 14

3.3. TER BOA REPUTAÇÃO: (AT 6.3)

O diácono precisava ter o reconhecimento público de uma vida digna. (Vd.


comparativamente: At 10.22; 1Tm 5.10; Hb 11.2,4).

3.4. SER CHEIO DO ESPÍRITO SANTO: (AT 6.3)


62
Eles precisavam ser cheios do Espírito – como todo o cristão, Ef 5.18 –,
para poderem, de modo especial, desempenhar as suas atividades dignamente,
demonstrando amor, alegria, paz, longanimidade, mansidão... que são subprodutos
do amor, que é o fruto do Espírito (Gl 5.22,23).

3.5. SER CHEIO DE SABEDORIA: (AT 6.3)

Esta sabedoria tem pouco ou nada a ver com conhecimento. Os diáconos


precisariam ter a sabedoria concedida pelo Espírito para saberem como resolver os
problemas que já existiam e outros novos, que não tardariam a aparecer. (Tg 1.5,6).

3.6. SER RESPEITÁVEL: (1TM 3.8)

Semno/j (honestidade, dignidade, gravidade). (* Fp 4.8; 1Tm 3.8,11; Tt 2.2).


O diácono deve ter um procedimento sério; digno de todo respeito e admiração, co-
mo resultado da submissão a Deus dos seus sentimentos e pensamentos. A palavra
grega confere o sentido de graça, dignidade e honradez. A respeitabilidade aqui exi-
63
gida combina de forma bela e harmoniosa a simplicidade com a nobre honradez.

Inácio (30-110 AD), na referida carta aos Tralianos, diz que todos deverão “res-
64
peitar os diáconos como a Jesus Cristo”. Em outro lugar, ordena: “Acatem os
65 66
diáconos, como à lei de Deus”. No Didaquê (c. 120 AD), lemos: “Elegei, en-
tão, para vós mesmos bispos e diáconos dignos do Senhor, varões mansos e
não amantes de dinheiro, verdadeiros e aprovados, porque também eles vos
ministram os serviços dos profetas e mestres. Não os desprezeis, pois, porque
67
são dignos de igual honra, como os profetas e mestres”.

62
Vd. Hermisten M.P. Costa, Uma Família Cheia do Espírito Santo, São Paulo: 2001.
63
Ver: Richard C. Trench, Synonyms of the New Testament, 7ª ed. rev. enlar. London: Macmillan
and Co. 1871, § xcii, p. 325-329; William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, São Paulo:
Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 178-181.
64
Inácio, Carta aos Tralianos, 3. In: Cartas de Santo Inácio de Antioquia, p. 58.
65
Inácio, Carta aos Esmirnenses, 8. In: Cartas de Santo Inácio de Antioquia, p. 81.
66
Obra pretensamente escrita pelos Apóstolos. Amplamente aceita, devido a sua pretensão de ter si-
do redigida pelos apóstolos, daí o seu nome completo: Didaquê: Ensino do Senhor Através dos Doze
Apóstolos.
67
Didaquê, XV. In: J.G. Salvador, ed. O Didaquê, São Paulo: Imprensa Metodista, 1957, p. 76.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 15

3.7. TER UMA SÓ PALAVRA: (1TM 3.8)

A construção é negativa mh\ di/logoj, só ocorrendo aqui. A idéia é de que


não deve ter “duas palavras”.

A expressão pode ser entendida de três formas não excludentes:

a) O diácono não deve ser um difamador, levando e trazendo casos dos lares on-
de visita (não deve ser mexeriqueiro);
b) Não deve ser alguém que pense uma coisa e diga outra;
c) Não deve ser alguém que diz uma coisa para uma pessoa e algo diferente para
outra, falando conforme o interesse do seu interlocutor.

3.8. NÃO DEVE SER INCLINADO A MUITO VINHO: (1TM 3.8)

Aqui devem ser observadas algumas questões: a) A questão cultural; b) A


provisão inadequada de água; c) A atenuação do vinho com água. (Cf. 2Mac
68
15.39); d) Essa orientação de Paulo indica o perigo da embriaguez, ao que pare-
ce, existente mesmo entre os crentes (1Co 11.21).

Sobre o diácono pesava grande responsabilidade. Ele teria acesso aos lares, to-
maria conhecimento de problemas íntimos e, também teria de administrar os bens
da Igreja dedicados aos necessitados. Como confiar num bêbado?

Notemos que Paulo não exige total abstinência; ele fala de moderação (1Tm 3.3;
Tt 1.7); todavia, cremos que a abstinência seja recomendável (Rm 14.21/1Ts 5.22).

A bebedice é uma das características do modo gentio de viver (1Pe 4.3) como o-
bra da carne (Gl 5.21).

3.9. “NÃO COBIÇOSOS DE SÓRDIDA GANÂNCIA”: (1TM 3.8)


69 70
Mh\ ai)sxrokerdh/j Tt 1.7/1Pe 5.2. “Cobiçoso de lucro vergonhoso”; isto
é, alguém que lucra desonestamente, adaptando, modificando o ensinamento aos
interesses de seus ouvintes a fim de ganhar dinheiro deles. Também pode se referir
ao envolvimento em negócios escusos. O lucro em si não é pecaminoso; contudo,
ele pode se tornar vergonhoso se a sua obtenção passar a ser o nosso objetivo pri-
mário, em detrimento da glória de Deus. Pedro contrapõe este sentimento à boa
vontade (proqu/moj * 1Pe 5.2), que denota um zelo e entusiasmo devotado.

Não nos esqueçamos do princípio bíblico expresso em alguns textos, tais como
68
Como bem sabemos, os livros de Macabeus não são “canônicos”; isto é, não fazem parte dos 66
Livros considerados inspirados por Deus. No entanto, eles têm um valor histórico-informativo, nos a-
judando a entender melhor aspectos da história dos judeus no segundo século a.C.
69
Ai)sxro/j = indecoroso, torpe, indecente. * Tt 1.11 & ke/rdoj = lucro, ganho. “Não tenha sórdida co-
biça por lucro”. *1Tm 3.8; Tt 1.7.
70
A palavra usada por Pedro, só ocorre aqui: ai)sxrokerdw=j, que significa “lucro vergonhoso”, “am-
biciosamente”. Ela é da mesma raiz de ai)sxrokerdh/j.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 16

1Tm 6.10; Sl 62.10; Ec 5.10 e, do exemplo negativo já existente no tempo do após-


tolo (Tt 1.10,11/Mq 3.5,11).

3.10. DEVE CONSERVAR O MISTÉRIO DA FÉ COM A CONSCIÊNCIA LIMPA:


(1TM 3.9)

Calvino faz uma paráfrase: “Conservando pura a doutrina de nossa reli-


gião, e isso de todo o nosso coração e com sincero temor a Deus, os homens
que são ricamente instruídos na fé não devem ser ignorantes de nada que
71
seja necessário a um cristão conhecer”.

O diácono deve conservar-se firme na revelação graciosa de Deus (Rm 16.25,26):


Jesus Cristo, “manifestado em carne” (1Tm 3.16; Cl 4.3) –, com a consciência pura,
sem contaminação intelectual, moral e espiritual.

Apenas a conservação do “mistério da fé” geraria um conhecimento árido, infrutí-


fero e, por outro lado, apenas a “consciência limpa”, acarretaria uma superficialidade
doutrinária. “[Paulo] quer que os diáconos sejam bem instruídos no ‘mistério
da fé’, porque, embora não desempenhem o ofício docente, seria completo
absurdo que exercessem um ofício público na Igreja e fossem completamen-
te ignorantes na fé cristã, especialmente porque mui amiúde ministram con-
selhos e conforto a outros, caso não queiram negligenciar seus deveres. Ele
adiciona ainda: numa consciência íntegra, a qual se estende por toda a sua
vida, mas tem especial referência ao seu conhecimento de como servir a
72
Deus”.

3.11. SEJAM PRIMEIRAMENTE EXPERIMENTADOS: (1TM 3.10)

Dokima/zw = Provar, examinar, experimentar. Esta palavra que era aplica-


da para se referir ao teste dos metais preciosos para avaliar a sua qualidade, ressal-
ta o aspecto positivo de “provar” para “aprovar”, indicando a genuinidade do que foi
testado (2Co 8.8; 1Ts 2.4).

Calvino (1509-1564) comenta:

“Numa palavra, a designação de diáconos não deve consistir de esco-


lha precipitada e fortuita de alguém que se encontra à mão, senão que a
escolha deve ter por base homens que se recomendem por sua anterior
maneira de viver, de tal forma que, depois de serem submetidos a um in-
terrogatório, sejam investigados profundamente antes que sejam declara-
73
dos aptos”.

A conduta do diácono deve ser tão boa que ninguém tenha do que o acusar; seja
71
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.9), p. 93.
72
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.9), p. 93.
73
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.10), p. 94.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 17

74
irrepreensível (a)ne/gklhtoj) (1Tm 3.10). Este reconhecimento deve ser por parte
da Igreja e também dos “de fora” (Vd. 1Tm 3.7).

3.12. SEJA MARIDO DE UMA SÓ MULHER: (1TM 3.12)

Aqui não se estabelece uma regra dizendo que os diáconos devem ser ca-
sados; o que se diz é que eles, sendo casados, devem ser “maridos de uma só mu-
lher”. Outra questão: Então quer dizer que na Igreja Primitiva era possível haver um
homem casado com duas mulheres?!

Lembremo-nos de que a poligamia ainda que não fosse comum, era praticada no
primeiro século, inclusive entre os judeus. Além do mais, não devemos nos esquecer
de que os pecados sexuais eram comuns entre os judeus e gentios (Rm 1.27; 7.3;
1Co 5.1,8; 6.9-11; 7.2; Gl 5.19; 1Tm 4.3-8). O que Paulo está dizendo, é que tanto o
bispo (= presbítero) (1Tm 3.2) como o diácono (1Tm 3.12) “deve ser um homem
de moralidade inquestionável, que é inteiramente fiel e leal à uma única e só
esposa; que sendo casado, não entre à maneira dos pagãos, em uma rela-
75
ção imoral com outra mulher”.

3.13. QUE GOVERNE BEM SEUS FILHOS E SUA PRÓPRIA CASA: (1TM
3.12/3.4-5)

A maneira do presbítero ou do diácono governar a sua casa é um sintoma


da sua capacitação ou não para exercer o seu ofício.

O diácono juntamente com sua família, deve se constituir num exemplo de vida
cristã.

4. Recompensas de uma Diaconia Fiel:

1. A honra concedida por Deus: Jo 12.26.

Jesus ensina que aqueles que O servem sinceramente, O seguindo, o Pai


mesmo o honrará. Ainda que aqui não esteja falando especificamente do ofício de
diácono, a verdade é que estes, como todos aqueles que servem ao Senhor – a pa-
lavra no Original é a mesma (diakone/w) –, ainda que nem sempre tenham o reco-
nhecimento devido da parte dos homens, serão honrados por Deus. Obviamente,
não devemos encontrar no texto nenhuma desculpa para a nossa falta de reconhe-
cimento do serviço prestado pelos servos de Deus, antes, um consolo para aqueles
que não têm sido honrados devidamente por nós.

74
*1Co 1.8; Cl 1.22; Tt 1.6,7.
75
G. Hendriksen, 1 y 2 Timoteo/Tito, Grand Rapids, Michigan: SLC., 1979, p. 140. Vd. Wayne A.
Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 769.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 18

2. A lembrança graciosa de Deus: Hb 6.10.

Esta recompensa complementa a anterior. Deus não se esquece dos Seus ser-
vos, nem dos seus serviços. Deus, mesmo parecendo, em algumas circunstâncias,
ter se esquecido de nós, na realidade, Ele nos acompanha sempre com a Sua gra-
ça. E, Aquele que nos capacitou a fazer boas obras, por graça, nos recompensará.

3. O reconhecimento da Igreja: 1Tm 3.13.

Paulo diz que aqueles que desempenharem bem o diaconato terão o justo re-
conhecimento da Igreja. De fato, é justo que assim seja. Ainda que os diáconos não
trabalhem simplesmente para agradar a Igreja, visto que servem ao Senhor na Igre-
ja, é desejável que honremos esses servos de Deus que dedicam parte quantitativa
e qualitativamente importante de seu tempo no serviço de Deus em nossa Igreja. O
reconhecimento da Igreja é um atestado da sua vocação e do desempenho eficiente
do diaconato.

Calvino comenta: “Ao expressar-se assim, ele realça quão proveitoso é para
a Igreja que esse ofício seja desempenhado por homens criteriosamente es-
colhidos, pois o santo desempenho desses deveres granjeia estima e reve-
76
rência”.

4. Maior firmeza na fé: 1Tm 3.13.

Paulo também diz, que aqueles que desempenham bem o diaconato alcançam
“muita intrepidez (parrhsi/a) na fé em Cristo” (1Tm 3.13). A palavra tem o sentido
de destemor, franqueza, ousadia, confiança e sinceridade. O termo indica aquele
que fala com ousadia e francamente, exercendo com responsabilidade publicamente
a sua função. Os diáconos no exercício de seu ofício adquirem uma maior ousadia
em sua fé, amparado na graça de Deus. Isso se manifesta na sua justa confiança
em aproximar-se de Deus em oração (Ef 3.12; Hb 4.16; 10.19; 1Jo 5.14) e, ao
mesmo tempo, na sua intrepidez para falar livre, confiada e ousadamente de Cristo
(At 2.29; 4.13,29,31; 9.27,28; 13.46; 14.3; 18.26; 19.8; 28.31; 2Co 3.12; Ef 6.19; 1Ts
2.2). Lembremo-nos, no entanto, que essa intrepidez é obra do Espírito Santo (At
4.13,29,31/1Ts 2.2). Calvino, por sua vez, analisa a contrapartida dessa fidelidade,
dizendo: “Da mesma forma, aqueles que têm fracassado em seus deveres
têm também sua boca fechada e suas mãos atadas, e são incapazes de fa-
zer tudo satisfatoriamente, de modo a não ser possível injetar-lhes qualquer
77
confiança, nem tampouco outorgar-lhes qualquer autoridade”.

O diácono, como não poderia deixar de ser, no fiel exercício de seu ofício, amadu-
rece em sua fé, tendo maior comunhão com Deus e segurança na proclamação do
Evangelho. É praticamente impossível desenvolver qualquer trabalho da igreja de
forma eficiente sem, ao mesmo tempo, amadurecer em nossa fé.
76
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.13), p. 95.
77
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.13), p. 95.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 19

2. O PRESBÍTERO:

Introdução:

A) TERMINOLOGIA:

A palavra “Presbítero” é uma transliteração do grego Presbu/teroj que signifi-


ca “mais velho” (em relação ao mais novo), “ancião”, indicando também um ofício e-
78
clesiástico. “Bispo” é a tradução da palavra grega e)pi/skopoj, passando pelo latim
(episcopus) que significa “supervisor”, “guardião”, “superintendente”.

B) PRESBÍTERO NA LITERATURA CLÁSSICA:

Este vocábulo, que já era usado desde Píndaro (c. 518- c. 445 a.C.), parece ter
79
passado por três sentidos: “mais velho”, depois, o de “maior importância” e, final-
mente, o “mais honrado”, não havendo nenhuma associação do “mais velho” como
sendo, por exemplo, o “mais fraco”. A idéia presente é de honra e respeito, daí o
80
conceito de “tomar o primeiro lugar”; e, aquilo que, comparativamente, é mais im-
81
portante ou “imperativo”.

Partindo daí, concebe-se a idéia de alguém que assume determinadas funções o-


ficiais, como “embaixador” e comandante de um exército, estando, portanto, a idéia
embutida de alguém que “sustenta”, “cuida de” e “preocupa-se com” os que estão
sob a sua guarda; ou, ainda que não oficialmente constituído, um “conselheiro”.

1) NO ANTIGO TESTAMENTO:

O Antigo Testamento emprega a palavra no sentido literal, de “mais velho”


(Gn 18.11; 19.4; 43.33; 1Sm 2.22; Sl 71.18; Is 20.4) e, também, referindo-se aos
“anciãos do povo” e “anciãos de Israel” – que algumas vezes representavam concí-
lios locais –, os quais tiveram grande relevância na vida de Israel, participando inclu-
sive da administração pública (Vd. Ex 3.16; 4.29; 12.21; Dt 16.18; 21.2ss; 22.15; Js
20.4; Rt 4.2; 1Sm 4.3; 8.4; 30.26; Ed 5.9ss; 6.7; 10.14; Jr 29.1; Ez 14.1; 20.1). Note-
mos também, que este costume não era exclusivo de Israel; outros povos também
tinham seus “anciãos” [Gn 50.7 [ARA: “principais” (2 vezes) LXX: presbu/teroi; Nm
22.7].

78
*At 20.28; Fp 1.1; 1Tm 3.2; Tt 1.7; 1Pe 2.25.
79
Platão, Defesa de Sócrates, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. II), 1972, 31b. p. 22.
80
Vd. Guenter Bornkamm, Presbítero: In: G. Kittel, ed. A Igreja do Novo Testamento, São Paulo: AS-
TE, 1965, p. 219.
81
Vd. Heródoto, História, Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, (s.d.), V.63. p. 444; Tucídides, História
da Guerra do Peloponeso, Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1982, IV.61. p. 208; Platão, O
Banquete, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. III), 1972, 218d, p. 55.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 20

Posteriormente, no período interbíblico, conforme podemos ver os reflexos ainda


no Novo Testamento, o “ancião” era o membro do Sinédrio que, segundo compreen-
são corrente, tinha suas origens ligadas aos setenta anciãos escolhidos por Moisés
(Nm 11.16ss).

O “Presbítero” era certamente o “mais velho” em contraste com o “jovem”. Quanto


à idade para ser considerado presbítero, não sabemos; tem sido sugerido entre 50 e
56 anos; no entanto, a comunidade de Qumran exigia a idade mínima de 30 anos
82
para exercer o ofício de Presbítero. No Egito, documentos antigos indicam a exis-
83
tência de presbítero de 45, 35 e 30 anos.

2) NO NOVO TESTAMENTO:

a) Conforme o uso corrente:

No Novo Testamento encontramos a associação dos “anciãos” como a-


queles que perseguiram a Jesus e aos apóstolos (Mt 16.21; 27.1; At 6.12). Também
são relacionados às tradições recebidas dos rabinos, que eram consideradas no
84
mesmo nível da Palavra de Deus: “tradição dos anciãos” (Mt 15.2; Mc 7.3,5).

O Novo Testamento emprega o termo – como já era habitual –, referindo-se ao


mais velho em relação ao mais moço (Lc 15.25/1Tm 5.1; 1Pe 5.5); à geração mais
velha em contraste com a mais nova (At 2.17) e, também, aos nossos ancestrais (Hb
11.2).

Entre os judeus, até o ano 70 AD – quando o Templo de Jerusalém foi destruído –


85
, os oficiais da sinagoga de Jerusalém eram denominados de “Presbíteros”.

b) Na Incipiente Igreja:

A palavra aparece 66 vezes no Novo Testamento. A primeira vez que o-


corre referindo-se à Igreja é em At 11.30, indicando a liderança destes irmãos. Os
presbíteros participam com os apóstolos das decisões conciliares de Jerusalém
(At 15.2,4,22,23; 16.4); Paulo dá as últimas orientações aos presbíteros de Éfeso
(At 20.17); os presbíteros de Jerusalém reúnem-se com Tiago, Paulo e Lucas (At
21.18).

1. O Ofício de Presbítero:

82
Vd. Ed. Glasscock, The Biblical Concept of Elder: In: Bibliotheca Sacra, Dallas: Dallas Theological
Seminary, jan/mar., 1987, p. 67.
83
Vd. Guenter Bornkamm, Presbítero: In: G. Kittel, ed. A Igreja do Novo Testamento, p. 221.
84
Ver: William Hendriksen, Mateus, São Paulo: Cultura Cristã, 2001, Vol. 2, (Mt 15-1-2), p. 150-151.
85
Cf. Presbu/teroj: In: William F. Arndt & F.W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Tes-
tament and Other Eearly Christian Literature, 2ª ed. Chicago: University Press, 1979, p. 706b.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 21

Não sabemos precisar quando surgiu o ofício de Presbítero. Contudo, conforme


acentua Bavinck (1854-1921), “quando nós nos lembramos que entre os judeus
o governo do ancião, seja na vida cívica ou nas sinagogas, era uma prática
comum, não devemos nos surpreender com o fato de que dentre os outros
membros da igreja alguns tenham sido escolhidos para assumir a responsabi-
86
lidade pela supervisão e disciplina”.

Como vimos, em At 11.30 já registra a sua existência nas Igrejas da Judéia. Pou-
co antes do ano 50 AD. encontramos Paulo promovendo nas Igrejas da Galácia, a
eleição de Presbíteros; é relevante aqui o plural (At 14.23). Em 1 Coríntios 12.28, e-
87
les aparecem sob o nome de “governos”, provavelmente, referindo-se àqueles que
88
presidem (Rm 12.8/1Ts 5.12), que seguram bem o leme da igreja mantendo-a na
89
direção certa. Por volta do ano 62 AD. os encontramos na Igreja de Filipos junta-
mente com os diáconos, parecendo indicar algo comum na estrutura da Igreja (Fp
1.1). Pouco mais tarde, lemos Paulo orientando Tito a promover a eleição de presbí-
teros (Tt 1.5). A Epístola de Tiago, escrita a diversas igrejas, aponta para a estrutura
comum de vários presbíteros em cada igreja (Tg 1.1/5.14/1Pe 5.1-2). O Novo Tes-
tamento nos indica que as Igrejas eram governadas por presbíteros, não apenas por
um (At 14.23/Tt 1.5).
86
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, 4ª ed. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1984,
p. 536.
87
Ver: João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 12.28), p. 391;
Herman Bavinck, Our Reasonable Faith, p. 536-537; Simon Kistemaker, 1 Coríntios, São Paulo: Edi-
tora Cultura Cristã, 2004, (1Co 12.28), p. 615-616; Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza,
Deveres e Qualificações, São Paulo: Os Puritanos, 2001, p. 13.
88
Cf. João Calvino, Exposição de Romanos, São Paulo: Paracletos, 1997, (Rm 12.8), p. 433-434.
[Vejam-se também: Charles Hodge, Commentary on the Epistle to the Romans, Grand Rapids, Michi-
gan: Eerdmans, 1994 (Reprinted), p. 392-393; William Hendriksen, Romanos, São Paulo: Editora Cul-
tura Cristã, 2001, (Rm 12.6-8), p. 541-542; John Murray, Romanos, São José dos Campos, SP.: Edi-
tora Fiel, 2003, (Rm 12.3-8), p. 489]. Em outro lugar Calvino demonstra a amplitude do seu conceito
sobre este assunto: “O que Paulo demonstra claramente quando inclui os que presidem entre
os dons que Deus distribui diversamente aos homens e que devem ser empregados para a
edificação da igreja. Conquanto na citada passagem o apóstolo fale da assembléia dos
anciãos ou presbíteros que eram ordenados na Igreja Primitiva para presidir ou administrar a
disciplina pública, ofício que na Epístola aos Coríntios ele chama de governos, todavia, co-
mo em nosso conceito o poder civil visa ao mesmo fim, não há nenhuma dúvida de que ele
nos recomenda que lhe atribuamos toda sorte de preeminência justa” [João Calvino, As Insti-
tutas, (1541), III.16].
89
O substantivo usado em 1Co 12.28 para “governar”, kube/rnhsij – do verbo kuberna/w (pilotar
um navio) (Usado desde Homero e Heródoto, porém ausente no NT) – tem o sentido figurado de go-
vernar, administrar, dirigir. Este sentido já fora dado por Platão, aplicando a palavra ao “estadista”
(Fedro, 247c; Eutidemo, 291c) e à arte de bem dirigir (governar) a “nau do Estado” (República, 488a-
b). Kubernh/thj (piloto) ocorre duas vezes no Novo Testamento (At 27.11; Ap 18.17) (LXX: Pv 23.34;
Ez 27.8,27,28). O substantivo kube/rnhsij aparece três vezes na LXX: apresenta a idéia de bem
conduzir a nossa inteligência no tomada de decisões (Pv 1.5); sábia direção na condução do povo
(Pv 11.14) e, condução prudente na execução da guerra (Pv 24.6). O verbo kuberna/w ocorre uma
única vez na LXX com o sentido de pensamento justo e reto (Pv 12.5). (Vejam-se: Hermann W. Bey-
er, Kube/rnhsij: In: G. Kittel & G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testament, Grand
Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), Vol. III, p. 1035-1037; William F. Arndt & F.W. Gin-
grich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Eearly Christian Literature, p. 457; L.
Coenen, Bispo: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Tes-
tamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, Vol. I, p. 305; Simon Kistemaker, 1 Coríntios, (1Co
12.28), p. 615-616.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 22

O Presbítero é eleito pela Igreja, entre os crentes e com profundo senso de reve-
90
rência (At 14.23). Calvino comenta que “porque eles sabiam muito bem que
era coisa de suma importância, não se atreviam a intentá-la senão com
grande temor, considerando detidamente o que tinham em mãos. E cum-
priam seu dever principalmente pedindo a Deus que lhes desse espírito de
91
conselho e discernimento”.

No Livro de Atos, vemos que os Presbíteros dirigiam a Igreja junto com os apósto-
92
los (At 15.2,4,6,22,23; 16.4), sendo inclusive as suas sugestões acatadas, como
foi o caso particular de Paulo (At 21.18-26); competindo também a eles “alimentar”
93
(poimai/nw = pastorear, cuidar, apascentar) o rebanho (At 20.28). Presbítero e
94
Bispo descrevem o mesmo ofício nas páginas do Novo Testamento (At 20.17,28).
É o Espírito Quem constitui os Bispos, contudo, é natural que aqueles que são voca-
cionados por Deus se sintam chamados para este ofício (1Tm 3.1). No entanto, co-
mo comenta Calvino, “.... visto ser o mesmo um ofício laborioso e difícil; e os
que o aspiram devem ponderar prudentemente se são capazes de suportar
95
uma responsabilidade tão pesada”.

Este ofício é excelente (1Tm 3.1)(kalo/j = bom, útil). A palavra grega indica algo
90
A eleição aqui descrita parece ter sido feita pelo levantar das mãos (Xeirotone/w = xei/r = “mão” &
tei/nw = “estender”), ainda que não necessariamente (* At 14.23; 2Co 8.19). Aliás, este costume não
era estranho na Antigüidade. A votação era normalmente feita pelo ato de levantar as mãos; em Ate-
nas por aclamação, ou por folhas de votantes ou pedras; em caso de desterro, o voto era secreto.
(Veja-se o enriquecedor artigo de Sir Ernest Barker, Eleições no Mundo Antigo. In: Diógenes (Antolo-
gia), Brasília, DF.: Editora Universidade de Brasília, 1982, n° 2, p. 27-36).
A expressão usada por Paulo em Tt 1.5 recomendando a Tito que em cada cidade constituísse
presbíteros, não indica o modo de escolha, mas, sim, a necessidade de, seguindo a prática da Igreja,
“constituir” homens para este ofício. O termo usado por Paulo (kaqi/sthmi) ocorre algumas vezes no
NT. com os seguintes sentidos: Mt 24:45,47; Lc 12:42,44 (confiar); Mt 25:21, 23/At 17.15 (colocar so-
bre, no sentido de responsabilidade); At 6:3 (encarregar); Rm 5.19 (2 vezes) (tornar-se, no sentido de
ser constituído); Lc 12:14; At 7.10,27,35; Tt 1.5; Hb 5.1; Hb 5.1; 7.28; 8.3; Tg 4.4 (constituir); Tg 3.6
(situada, com o sentido de constituída); 2Pe 1.8.
91
Juan Calvino, Institución de la Religión Cristiana, Nueva edición revisada. Rijswijk (Países Bajos):
Fundación Editorial de Literatura Reformada, 1967, IV.3.12.
92
“Em Atos 15 e 16.4 os apóstolos e presbíteros funcionam claramente como suprema ins-
tância judiciária e instância doutrinal normativa para toda a Igreja, e como tais tomam uma
decisão a respeito das exigências mínimas da Lei que devem ser impostas aos gentios”
(Guenter Bornkamm, Presbítero: In: G. Kittel, ed. A Igreja do Novo Testamento, p. 237).
93
* Mt 2.6; Lc 17.7; Jo 21.16; At 20.28; 1Co 9.7; 1Pe 5.2; Jd 12; Ap 2.27; 7.17; 12.5; 19.15.
94
“Tenhamos em mente, portanto, que esta palavra [bispo] significa o mesmo que ministro,
pastor ou presbítero” [João Calvino, As Pastorais, São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 3.1), p. 83].
Ver também: Francis Turretin, Institutes of Elenctic Theology, Phillipsburg, New Jersey: P & R Publi-
shing, 1997, Vol. III, p. 201ss (apresenta ampla comprovação histórica); Louis Berkhof, Teologia Sis-
temática, Campinas, SP.: Luz para o Caminho, 1990, p. 590; Morton Smith, Systematic Theology,
Greenville: Greenville Seminary Press, 1994, Vol. II, p. 572; R.C.H. Lenski, Commentary on the New
Testament, Peabody, Mass.: Hendrickson Publishers, 1998, Vol. 9, (1Tm 3.1), p. 577.
95
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.1), p. 81. Calvino acrescenta: “.... os homens piedosos o de-
sejam [o presbiterato], não porque tenham alguma confiança em sua própria iniciativa e vir-
tude, mas porque confiam no auxílio divino, o qual é a nossa suficiência, no dizer de Paulo
(2Co 3.5)” (João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.1), p. 83).
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 23

que é essencialmente bom, formoso, gentil – a idéia de beleza estética está classi-
camente presente nesta palavra –, útil e honroso. Portanto, quem se sente chamado
para o episcopado, deseja algo que é em si mesmo de grande beleza, utilidade e
96
honradez. Deve ser observado, contudo, que esta vocação, como os talentos em
geral, não visa auferir lucro ou benefícios pessoais, antes, como vimos, edificar a I-
greja. Deus Se digna em utilizar-se de Seus servos neste honroso serviço.

Entre os presbíteros, há aqueles que presidem e outros que, além disso, se dedi-
cam à pregação e ao ensino; todos devem ser honrados com justiça (1Tm 5.17/1Pe
5.5). A esfera do trabalho do Presbítero não se limitava a estas atividades, estando
embutida também, a visita solidária aos enfermos (Tg 5.14).

Certamente devido a responsabilidade e honra do presbiterato, no caso de disci-


plina, esta deve ser exemplar, a começar do processo em si (1Tm 5.19-20).

Para falar do cuidado com o rebanho, Pedro emprega duas palavras antagônicas
para estabelecer o contraste, dizendo que o pastorado deve ser espontaneamente
(e(kousi/wj = intencionalmente, deliberadamente. *1Pe 5.2; Hb 10.26), não por cons-
trangimento (a)nagkastw=j = forçadamente, compulsoriamente. *1Pe 5.2), como se
97
fosse um fardo, algo aflitivo. Em outro contexto, Calvino comenta: “O Senhor es-
pera que seus servos sejam solícitos e prazerosos em obedecê-lo, em de-
monstrar alegria, agindo sem qualquer hesitação. Resumindo, Paulo quer di-
zer que a única maneira para se fazer justiça à sua vocação seria desempe-
98
nhando sua função com um coração voluntário e de forma solícita”. Con-
tudo, isto não indica ausência de responsabilidade, nem negligência; pelo contrário,
nós, conscientes do nosso chamado, devemos aceitar com alegria o ônus do nosso
99
ofício (Vd. 1Co 9.16,17; Jd 3), sem contudo querer exercer um domínio senhorial
(katakurieu/w = subjugar *Mt 20.25; Mc 10.42; At 19.16; 1Pe 5.3) que seria preju-
dicial à Igreja (1Pe 5.3), mas nos tornando modelo (tu/poj = padrão)(1Pe 5.3/Fp
3.17; 1Ts 1.7; 2Ts 3.9; 1Tm 4.12; Tt 2.7). Devemos ter sempre consciência de que
estamos servindo a Deus por meio do rebanho que pertence a Ele – comprado com
o Seu próprio sangue (At 20.28) –, e, foi Ele mesmo Quem nos confiou (At 20.28;
1Pe 5.2-4). O nosso Supremo Pastor é Quem por Sua graça nos recompensará (1Pe
5.4).

2. Requisitos para o Ofício de “Presbítero”:

96
“Por demais freqüentemente um cargo na Igreja é caracterizado pela crítica, pela obs-
trução, pela justiça própria e pela presunção; deve ser caracterizado pelo encanto do ser-
viço, do encorajamento, do apoio e do amor” [William Barclay, Palavras Chaves do Novo Tes-
tamento, São Paulo: Vida Nova, 1988 (reimpressão), p. 111].
97
“Grande prudência é requerida daqueles que têm a incumbência da segurança de to-
dos; e grande diligência, daqueles que têm o dever de manter vigilância, dia e noite, para
a preservação de toda a comunidade” [João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 12.8), p.
434].
98
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 9.17), p. 278.
99
Nestes textos, aparecem a palavra a)na/gkh que é da mesma raiz de a)nagkastw=j
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 24

2.1. NEGATIVAMENTE CONSIDERANDO:

Encontramos no Novo Testamento, especialmente em Paulo, as característi-


cas que os Presbíteros devem ter e, também, aquelas que não devem fazer parte da
sua vida. Comecemos pelas características que devem estar ausentes no seu cará-
ter e distantes de seu comportamento.

1) Não arrogante: (mh\ au)qa/dhj) Tt 1.7. Obstinado em sua própria opinião, tei-
moso, arrogante, pretensioso. Descreve o homem que se recusa a ouvir os outros,
mantendo-se irredutível nas suas “verdades” que privilegiam os seus interesses, em
detrimento dos direitos, sentimentos e necessidades dos outros (*2Pe 2.10; LXX: Pv
100
21.24). Ele, como seu mestre, se basta a si mesmo. Calvino (1509-1564) comenta
que os presbíteros que agem deste modo, afastam as pessoas de si, sendo eles
próprios cismáticos, “porque o companheirismo e a amizade não podem ser
cultivados quando cada um busca agradar-se a si mesmo e se recusa a ce-
der ou a acomodar-se aos outros. E de fato todos os au)qa/dhj (obstinados),
quando se lhes divisa alguma oportunidade, imediatamente se transformam
101
em cismáticos”. É lamentável constatar historicamente, que os cismas promovi-
dos dentro das igrejas – quer pela parte que supostamente permanece fiel, quer pela
parte que sai, julgando-se fiel –, são, em geral, iniciados pelos líderes locais. Muitas
vezes isso ocorre pela presunção de entender que a sua percepção é de todo sufici-
ente. Não tarda acontecer de outros assim pensarem dentro deste novo grupo por
mim formado. O presbítero, de fato, não pode se arrogar como proprietário único e
absoluto da verdade.

2) Não dado ao vinho: (mh\ ta/poinoj). *1Tm 3.3; Tt 1.7. A afirmativa indica al-
guém que se detém freqüente e continuamente com a bebida: bêbado, viciado em
vinho. A orientação de Paulo é para que o presbítero não seja assim. A embriaguez
traz consigo uma série de conseqüências danosas para a vida de qualquer pessoa,
ainda mais para aquelas que precisam de toda sensatez e firmeza para conduzir o
povo de Deus. “Beber com excesso não é só indecoroso num pastor, mas ge-
ralmente resulta em muitas coisas ainda piores, tais como rixas, atitudes nés-
102
cias, ausência de castidade e outras que não carecem de menção.” Em
outro contexto, Calvino enfatiza: “[Paulo] quer dizer, pois, que os beberrões logo
perdem a modéstia e não mais conseguem conter-se pelo pudor: que onde
o vinho reina, o desregramento prevalecerá: e, conseqüentemente, que to-
dos aqueles que cultivam algum respeito pela moderação ou decência, de-
103
vem fugir e abominar a bebedice.”

3) Não violento: (mh\ plh/kthj). *1Tm 3.3; Tt 1.7. “Não dado à violência”, “bri-
guento”, “espancador”. A palavra pode ser literal: “não pronto a bater em seu opo-
nente”.

100
Ver: Richard C. Trench, Synonyms of the New Testament, 7ª ed. London: Macmillan and Co.
1871, § xciii, p. 329-332.
101
João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.7), p. 312.
102
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.3), p. 88.
103
João Calvino, Efésios, (Ef 5.18), p. 164.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 25

104
4) Não irascível: (mh\ o)rgi/lon). *Tt 1.7. Inclinado à ira, de temperamento
“quente” e “explosivo”. Esta palavra indica algo habitual. O presbítero não deve ser
“famoso” pela sua disposição à ira; esta predisposição tende a aumentar o problema
ao invés de contribuir para resolvê-lo. Quando vamos tratar com pessoas assim, a
possível angústia da reunião, justamente por sua densidade, é antecipada e agrava-
da em muito, justamente pela perspectiva de que a “coisa vai esquentar”.

5) Inimigo de contendas: (a)/maxoj) 1Tm 3.3. “Não lutador”, “não contencioso”,


“não altercador”. (*Tt 3.2). O presbítero não deve briguento, mas sim, pacífico. O tex-
to não quer sugerir uma atitude de passividade pecaminosa que se acovarda diante
dos desafios próprios de seu ofício; antes, ele combate àqueles que amam a con-
tenda pelo simples fato de contender. É curioso que a palavra que descreve a atitu-
de que Paulo combate, sempre é empregada negativamente no Novo Testamento,
tanto o substantivo (ma/xomai = lutar, contender, brigar, disputar. *2Co 7.5; 2Tm
2.23; Tt 3.9; Tg 4.1) como o verbo (ma/xh = batalha, luta , briga, contenda, disputa. *
Jo 6.52; At 7.26; 2Tm 2.24; Tg 4.2).

6) Não avarento: (a)fila/rguroj) 1Tm 3.3. Não amante do dinheiro (*Hb 13.5). O
amor ao dinheiro (avareza) torna o homem egoísta e tremendamente suscetível a
manipulações, cabalas e interesses pessoais; subordinando as necessidades da i-
greja às suas aspirações pecaminosas. O desejo incontrolado de possuir torna o
homem possuído pelo seu desejo e, sob esse domínio, passa a dirigir todas as coi-
sas sob esta perspectiva, alienando-se de Deus e do seu próximo, olhando a reali-
dade apenas sob o prisma de cifras e lucros. Daí Paulo dizer que “o amor do dinhei-
ro (filarguri/a) é raiz de todos os males” (1Tm 6.10).

Curiosamente, Platão (427-347 a.C.), com discernimento correto, entendia que


um dos males de sua época era a corrosão da religião praticada por supostos sacer-
dotes e profetas – que ele chama de mendigos e adivinhos –, os quais exploravam a
credulidade das pessoas, especialmente das ricas. Dentro do quadro descrito, uma
das fórmulas usadas por esses líderes religiosos, era fazer as pessoas crerem que
poderiam mudar a vontade dos deuses mediante a oferta de sacrifícios ou, por in-
termédio de determinados encantamentos; os deuses seriam, portanto, limitados e
aéticos, sem padrão de moral, sendo guiados pelas seduções humanas:

“Mendigos e adivinhos vão às portas dos ricos tentar persuadi-los de


que têm o poder, outorgado pelos deuses devido a sacrifícios e encanta-
mentos, de curar por meio de prazeres e festas, com sacrifícios, qualquer
crime cometido pelo próprio ou pelos seus antepassados, e, por outro la-
do, se se quiser fazer mal a um inimigo, mediante pequena despesa, pre-
judicarão com igual facilidade justo e injusto, persuadindo os deuses a se-
rem seus servidores – dizem eles – graças a tais ou quais inovações e feiti-
çarias. Para todas estas pretensões, invocam os deuses como testemu-
nhas, uns sobre o vício, garantindo facilidades (...). Outros, para mostrar
como os deuses são influenciados pelos homens, invocam o testemunho
de Homero, pois também ele disse: ‘Flexíveis até os deuses o são. Com as
suas preces, por meio de sacrifícios, votos aprazíveis, libações, gordura de
104
Vd. Pv 21.19; 22.24; 29.22.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 26

vítimas, os homens tornam-nos propícios, quando algum saiu do seu cami-


105
nho e errou’ (Ilíada IX.497-501)”.

Paulo mostra que é possível forjar uma aparente piedade – conforme os falsos
mestres que, privados da verdade, o faziam pensando em obter lucro (1Tm 6.5) –;
contudo, esta carece de poder e da alegria resultantes da convicção de que Deus
supre as nossas necessidades. Logo, esses falsos mestres não conhecem o “lucro”
da piedade: “De fato, grande fonte de lucro (porismo/j) é a piedade (e)use/beia) com
106
o contentamento (au)ta/rkeia = “suficiência”, “satisfação”). Porque nada temos
trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com
que nos vestir, estejamos contentes” (1Tm 6.6-8/2Tm 3.5).

Em outro contexto, porém perfeitamente aplicável aqui, Calvino nos adverte quan-
to ao perigo de transformarmos o nosso trabalho em objeto de avareza justamente
pela falta de fé na provisão do Senhor: “O que nos torna mais avarentos do que
deveríamos em relação ao nosso dinheiro é o fato de sermos tão precavidos
e enxergarmos tão longe quanto possível os supostos perigos que nos podem
sobrevir, e assim nos tornamos demasiadamente cautelosos e ansiosos, e
passamos a trabalhar tão freneticamente como se devêssemos suprir de vez
as necessidades de todo o curso de nossa vida, e afigura-se-nos como gran-
de perda quando uma mínima parcela nos é tirada. Mas aquele que de-
pende da bênção do Senhor tem o seu espírito livre dessas preocupações ri-
dículas, enquanto que, ao mesmo tempo, tem suas mãos livres para a práti-
107
ca da beneficência”.

7) Não cobiçoso de torpe ganância: (mh\ ai)sxrokerdh/j) Tt 1.7/1Pe 5.2.


108

(*1Tm 3.8). Conforme já comentamos quando falamos dos diáconos: “Cobiçoso de


lucro vergonhoso”; isto é, alguém que lucra desonestamente, adaptando, modifican-
do o ensinamento aos interesses de seus ouvintes a fim de ganhar dinheiro deles.
Também pode se referir ao envolvimento em negócios escusos. A torpe ganância é
uma decorrência natural da avareza. O lucro em si não é pecaminoso; contudo, ele
pode se tornar vergonhoso se a sua obtenção passar a ser o nosso objetivo primá-
rio, em detrimento da glória de Deus. Pedro contrapõe este sentimento à boa vonta-
de (proqu/mwj *1Pe 5.2), que denota um zelo e entusiasmo devotado.

8) Não ser neófito: (ne/ofutoj) *1Tm 3.6. O sentido literal é de “recém-plantado”


(Jó 14.9; Sl 128.3; 144.12; Is 5.7). A palavra era usada para as árvores recém plan-
tadas. No Novo Testamento tem o sentido figurado de “novo plantado na Igreja de
Cristo”, “novo convertido”, “neófito”. A idéia nos parece a mesma de 1Tm 3.10,
quando fala que o diácono deve ser “primeiramente experimentado”. É preciso matu-
ridade para não se deixar levar pelo orgulho que é próprio de Satanás. É necessário
que o presbítero antes de ser eleito, tenha demonstrado ao longo dos anos a sua
firmeza e temperança; não devemos nos precipitar no processo.
105
Platão, A República, 364c-e.
106
* 2Co 9.8; 1Tm 6.6.
107
João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1995, (2Co 8.2), p. 167-168.
108
A palavra usada por Pedro, só ocorre aqui: ai)sxrokerdw=j, que significa “lucro vergonhoso”,
“ambiciosamente”. Ela é da mesma raiz de ai)sxrokerdh/j
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 27

2.2. POSITIVAMENTE CONSIDERANDO:

1) Irrepreensível (a)nepi/lhmptoj) 1Tm 3.2. Reputação inatacável (*1Tm 5.7;


6.14). “A doutrina será de pouca autoridade, a menos que sua força e majestade
resplandeçam na vida do bispo como o reflexo de um espelho. Por isso ele diz que o
109
mestre seja um padrão ao qual os discípulos possam seguir.”

2) Irrepreensível como despenseiro de Deus: (a)ne/gklhtoj) Tt 1.6,7. Irrepro-


chável, irrepreensível. Esta exigência é para todos os crentes, tendo um sentido es-
catológico (*1Co 1.8; Cl 1.22; 1Tm 3.10). No entanto, Paulo acrescenta a cláusula,
110
“como despenseiro (o(ikono/moj) de Deus” (Tt 1.7). A palavra traduzida por «des-
penseiro», tinha o sentido de «mordomo» (Lc 12.42); «administrador» (Lc 16.1); «te-
soureiro» (Rm 16.23) e «curador» (Gl 4.2).

Façamos uma pequena digressão para analisar alguns aspectos da palavra “des-
penseiro”. A graça de Deus é responsabilizadora. Paulo trabalha com esse princípio
para demonstrar a loucura da arrogância de determinados mestres coríntios. Nos
capítulos 1 e 3 da Primeira Carta aos Coríntios, Paulo indica o partidarismo existente
na Igreja insuflado por falsos mestres. Agora, ele utiliza essa palavra para descrever
o seu ministério, mostrando que pode ser aplicada ao trabalho de todos os que ser-
vem ao Senhor. Diz ele: somos despenseiros de Deus (1Co 4.1-2).

A palavra empregada por Paulo (oi)kono/moj) fora empregada por Cristopara se


referir ao «mordomo fiel» ()(Lc 12.42). Em outra parábola, o
contraste é estabelecido por meio da referência que Cristo fez ao «administrador in-
fiel» ()(Lc 16.8), que tem o sentido de «injusto», «iní-
111
quo», «perverso».

O «despenseiro» era em geral um escravo colocado à frente dos negócios do seu


senhor (mordomo, gerente das terras, cozinheiros chefe, contador, etc). Deste modo,
o senhor ficava livre de maiores encargos administrativos. Por sua vez, o mordomo
usufruía de considerável autoridade no gerenciamento do que lhe fora confiado. No
entanto, apesar de toda a sua relevância para o dia-a-dia do seu senhor, a verdade
é que o despenseiro não passava de um escravo. «Em relação ao seu senhor, ele
112
era um escravo; em relação aos escravos, era um superintendente».

Para este ofício, além da competência, um ingrediente fundamental era a honesti-


dade; daí Paulo falar que «o que se requer dos despenseiros (oi)kono/moj) é que ca-
da um deles seja encontrado fiel ()» (1Co 4.2).

Como vimos, Paulo aplica a expressão «despenseiro» aos presbíteros, dizendo


109
João Calvino, As Pastorais, (Tt 2.7), p. 331.
110
o(ikono/moj *Lc 12.42; 16.1,3,8; Rm 16.23; 1Co 4.1,2; Gl 4.2; Tt 1.7; 1Pe 4.10.
111
a)diki/a (Lc 13.27; 18.6; Rm 1.18,29, etc)
112
Canon Leon Morris, 1 Coríntios: introdução e comentário, São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão,
1981, (1Co 4.1), p. 59.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 28

que o bispo deve ser «irrepreensível como despenseiro (oi)kono/moj) de Deus» (Tt
1.7). Do mesmo modo, Pedro falando à Igreja em geral, diz que devemos servir uns
aos outros «cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros
( da multiforme graça de Deus” (1Pe 4.10).

Portanto, o presbítero deve ser inatacável como administrador dos bens de Deus
que lhe foram confiados; aliás, as características fundamentais do mordomo (= ad-
ministrador, despenseiro, tesoureiro) são: fidelidade e prudência (Lc 12.42; 1Co 4.1-
2; 1Pe 4.10).

3) Esposo de uma só mulher: 1Tm 3.2; Tt 1.6. Conforme vimos quando tratamos
desta mesma prescrição feita aos diáconos, a poligamia era praticada entre os orien-
tais, inclusive entre os judeus (At 15.29; Rm 1.27; 7.3; 1Co 5.1,8; 6.9-11; 7.2; Gl
5.19; 1Tm 4.3-8). Paulo então, proíbe aos presbíteros a prática da poligamia “por
ser ela o estigma de um homem impudico que não observa a fidelidade
113
conjugal”.

Pensemos também em outra questão. Muitos dos que se converteram tinham an-
teriormente uma vida depravada, com várias mulheres e filhos com algumas delas.
Pois bem: suponhamos que um homem destes tenha sido convertido ao Senhor.
Agora, transformado pela graça de Deus vê que não pode continuar com o seu mo-
do anterior de vida. Como resolver a questão? Parece-nos simples no sentido de
que ele deve permanecer com a sua primeira esposa de fato. Mas, e as outras mu-
lheres e filhos? E aquelas que nem sequer sabiam que o seu pretenso “marido” era
bígamo? Certamente ele teria que ajudar a cuidar de seus filhos; no entanto, sem
dúvida a sua vida estaria para sempre marcada por este estigma, ainda que sem dú-
vida, fosse perdoado por Deus. Só que tal homem estaria impossibilitado para o dia-
conato e o presbiterato. Ele seria um crente, como todos os outros, alcançado pela
graça de Deus, mas, não poderia exercer estes ofícios. Devemos estar atentos tam-
bém ao fato de que o critério para a escolha de presbíteros e diáconos envolvia, ne-
cessariamente, um exemplo de vida tanto seu como de sua família.

4) Temperante: (nhfa/lioj) 1Tm 3.2. “Sóbrio”, “de mente limpa”, “equilibrado”. A


palavra indicava na sua origem alguém que se abstinha do álcool ou que era tempe-
rante no uso do vinho; no entanto, aqui parece indicar um sentido mais genérico.
(*1Tm 3.2,11; Tt 2.2). Analisando a palavra nh/fw, (sóbrio), de onde provém nh-
114

fa/lioj, podemos ampliar a nossa compreensão bíblica. O presbítero deve ter uma
temperança espiritual que o permita avaliar todas as coisas sem se deixar influenciar
simplesmente pela beleza ou agradabilidade do que foi dito. Não deve estar pronto a
abraçar novidades pelo simples fato de ser aparentemente nova, antes deve ter cau-
tela para avaliar todas as coisas. Não deve se intoxicar praticando uma glutonaria
espiritual sem saber digerir o que está sendo-lhe transmitido. Deste modo, deve es-
tar desperto, vigilante, para não ser iludido com todo e qualquer ensinamento, tendo
o seu entendimento “cingido” com a Palavra e com a “couraça da fé”, permanecendo
vigilante contra as artimanhas de satanás que tenha induzir a igreja ao erro.

113
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 3.2), p. 84.
114
Nh/fw: * 1Ts 5.6,8; 2Tm 4.5; 1Pe 1.13; 4.7; 5.8.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 29

5) Sóbrio: (sw/frwn) 1Tm 3.2; Tt 1.8. “Auto-controlado”, “moderado”, “sensato”,


“prudente”, “solícito”. (*Tt 2.2,5). Esta que era uma das virtudes cardinais para a filo-
115
sofia grega desde o 6º século a.C. Ela se contrapunha à ignorância e à frivolida-
116
de. Em Platão (427-347 a.C.) temos uma caracterização curiosa: “A palavra
temperança [swfrosu/nh] é a salvadora [swthri/a] da sabedoria
117
[fro/nhsij]”. Em outro lugar, identificando esta virtude como sendo divina, diz:
118
“Aquele que é temperante será caro ao deus, já que é semelhante a ele.”

No entanto, o que nos interessa de fato, é o que nos ensinam as Escrituras. O


presbítero não deve ser dado à frivolidade intelectual e moral, antes deve ser pru-
dente e sensato em sua forma de pensar e agir. É interessante observar que nas ve-
zes que Paulo emprega esta palavra, sempre a associa à pessoas maduras. “O
homem de mente débil e infantil, apesar da sua fervorosa piedade, não se
119
ajusta jamais à posição de governante, conselheiro e guia eclesiástico”.

Como tratar de questões tão difíceis na Igreja sem o bom senso necessário? Co-
mo confiar nas decisões, orientações e governo de uma pessoa insensata e infantil
que age ao saber de suas inclinações impensadas?

6) Modesto: (ko/smioj) 1Tm 3.2. “Ordeiro”, “respeitável”, “honroso” Aquele que,


como um reflexo do que é interiormente – tendo uma mente bem organizada, não
disparatada –, tem hábitos ordeiros, cumpre ordeira, simples e honestamente as su-
as obrigações. (ARC.; ACR.: “honesto”). (*1Tm 2.9 “ataviar”). Acrescentaria: aquele
que cumpre as suas funções sem maiores preocupações atávicas; faz com honesti-
dade e discrição. Quando o presbítero cumpre ordeiramente as suas atribuições, em
geral, ele não aparece, não chama atenção para si; as coisas funcionam bem, den-
tro dos conformes: há ordem e modéstia.

7) Hospitaleiro: (filo/cenoj) *1Tm 3.2; Tt 1.8; 1Pe 4.9). A palavra quer dizer “a-
migo do estrangeiro” (fi/loj & ce/noj). A hospitalidade fazia parte do ensino de Je-
sus (Lc 10.34-35; 11.5-8) e, os discípulos em sua missão deveriam contar, ainda que
não essencialmente, com a hospitalidade das cidades e aldeias que visitariam (Mt
10.11; Lc 10.5-9). O próprio Jesus usufruía da hospitalidade (Mc 1.29; 2.15). Vemos
que os missionários dependeram inúmeras vezes da acolhida de irmãos fiéis, sendo
inclusive Gaio elogiado por João por tal prática (At 10.6, 23; 16.15; 28.7; Rm
16.23/3Jo 1,5; Fm 22). A prática da hospitalidade é recomendada a toda Igreja (Rm
12.13; 1Tm 5.10; Hb 13.2; 1Pe 4.9).

Creio que podemos dar um sentido mais amplo à palavra. Deixe-me contar uma
experiência: Ontem, após o culto em uma igreja de outra denominação – já fazia uns
115
Cf. U. Luck, Sw/frw: In: G. Kittel & G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New Testa-
ment, Vol. VII, p. 1099.
116
Cf. S. Wibbing, Domínio Próprio: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teo-
logia do Novo Testamento, Vol. I, p. 684.
117
Platão, Górgias, 44e: In: Platão, Teeteto-Crátilo, Belém: Universidade Federal do Pará, 1988, p.
139.
118
Platão, As Leis, Bauru, SP.: EDIPRO., 1999, IV.716d. p. 190.
119
Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, p. 41.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 30

6 meses que havia pregado ali –, uma senhora aproximou-se de mim e agradeceu a
exposição bíblica que fizera; sorri e lhe disse: “ore por mim”, ao que ela me abraçou
e disse mais ou menos o seguinte: “tenho feito isso desde a outra vez que o senhor
me pediu”. Esta senhora me hospedou em seu coração. A hospitalidade começa pe-
la recepção das pessoas em nossos corações. O presbítero deve estar disposto a
abrir a sua casa para o estrangeiro, mas, necessita também ter um grande coração
para abrigar em sua atenção e oração todos os membros da Igreja.

8) Apto para ensinar: (didaktiko/j) 1Tm 3.2/2Tm 2.24; Tt 1.9. “Hábil para ensi-
nar”, “tenha didática”. (*2Tm 2.24). Não se exige do presbítero um profundo conhe-
cimento de teologia; no entanto, ele deve estar habilitado a sustentar as principais
120
doutrinas bíblicas; tenha conhecimento da Palavra e seja hábil para transmitir o
ensino visando à edificação do povo de Deus. “Não é suficiente que uma pessoa
seja eminente no conhecimento profundo, se não é acompanhada do ta-
lento para ensinar. Há muitos, seja por causa da pronúncia defeituosa, ou
devido à habilidade mental insuficiente, ou porque não estejam suficiente-
mente em contato com as pessoas comuns, o fato é que guardam seu co-
121
nhecimento fechado em seu íntimo”. De passagem, pelo enunciado de Paulo
como critério para o presbiterato, podemos observar a relevância da pregação na e-
dificação da igreja. O princípio de Paulo nos parece simples: se um membro da igre-
ja não tivesse evidenciado habilidade no manuseio da Palavra não estaria apto para
o presbiterato.

A igreja sempre necessitou de líderes que soubessem manusear bem as Escritu-


ras. Sabemos, contudo, que é Deus mesmo quem os chama e os capacita. Os falsos
122
mestres, privados da verdade, procuram desviar-nos da verdade pervertendo os
123
ensinamentos da Palavra. Paulo cita dois de seu tempo, Himeneu e Fileto, que,
seguindo ensinamentos gnósticos, com uma linguagem corrosiva, eliminavam a es-
perança na ressurreição futura, pervertendo a fé de alguns: “Além disso, a lingua-
124
gem deles corrói como câncer (ȖȐããñáéíá); entre os quais se incluem Himeneu e
Fileto. Estes se desviaram da verdade (a)lh/qeia), asseverando que a ressurreição
já se realizou, e estão pervertendo a fé a alguns” (2Tm 2.17-18). Por causa dos fal-
sos mestres o caminho da verdade será infamado. Pedro, alertando a igreja quanto
aos falsos ensinamentos os quais deveriam ser verificados à luz da Palavra, de-
monstra que assim como houve falsos profetas, surgiriam na igreja, seus sucesso-
res, uma versão atualizada: os falsos mestres que introduziriam heresias, arrastando
após si muitos crentes: “Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas
125
(yeudoprofh/thj), assim também haverá entre vós falsos mestres (yeudodi-
da/skaloj), os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao
120
Ver: Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, p. 42-43.
121
João Calvino, João. As Pastorais, (1Tm 3.2), p. 87.
122
“Altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade (a)lh/qeia), su-
pondo que a piedade é fonte de lucro” (1Tm 6.5).
123
Paulo se referira a este como que alguém que naufragou na fé (1Tm 1.19-20).
124
Esta palavra só ocorre aqui em todo o Novo Testamento. É deste termo que provém palavra gan-
grena.
125
Jesus Cristo já nos alertara sobre eles. Vejam-se: Mt 7.15; 24.11,24; Lc 6.26. O apóstolo João fa-
laria mais tarde de sua realidade presente (1Jo 4.1).
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 31

ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos


repentina destruição. E muitos seguirão as suas práticas libertinas (a)se/lgeia), e,
126
por causa deles, será infamado (blasfhme/w) o caminho da verdade” (2Pe 2.1-
2). O presbítero como pastor do rebanho deve estar em condições de alimentar o
seu rebanho com a Palavra e, também, saber combater aqueles que tentarão sedu-
zir os fiéis com “palavras fictícias (plasto/j)” (2Pe 2.3).

Contudo, o ponto básico da questão está no conteúdo. Mas do que conhecer teo-
ricamente bem a Palavra, o que difere aquele que é “apto para ensinar” (didakti-
ko/j) dos “falsos mestres” (yeudodida/skaloj) não é a técnica de ensino em si,
mas o conteúdo do que é ensinado. O falso mestre é aquele que ensina a mentira,
o engano, com “palavras fictícias (plasto/j)” (2Pe 2.3), ou seja: cria imagens que
nada são para corromper seus ouvintes, conduzindo-os a negar o próprio Senhor
Jesus Cristo e, também, a viverem libertinamente (a)se/lgeia), ou seja, de modo
127
dissoluto e lascivo. Por causa disso, o caminho do Evangelho seria caluniado,
reprovado, “blasfemado”. A mensagem desses falsos mestres consiste numa cor-
rupção do Evangelho. Plasto/j parece ter o sentido aqui de palavras artisticamente
elaboradas, moldadas, sugestivas, porém falsas, forjadas em seu próprio proveito, e,
que por isso mesmo estão em oposição à verdade. Curiosamente esta é a palavra
128
de onde vem a nossa “plástico”. O ensino cristão envolve arte, mas não “arte
plástica” para com a verdade. Insistimos: o que distingue o verdadeiro do falso
“mestre” é o conteúdo da mensagem. Na igreja só é apto para ensinar aquele que
ensina a verdade. Esta “aptidão’ está associada ao conhecimento das Escrituras e à
prática das demais exigências enumeradas por Paulo.

Fazendo uma digressão acentuamos que o biógrafo de Calvino, William Wileman


(† 1944), escreveu: “Como expositor da Escritura, a Palavra de Deus era tão
129
sagrada para ele como se a tivesse ouvido dos lábios de seu Autor”.

Na introdução das Institutas (1541), referindo-se às Escrituras e aos que a ensi-


nam, Calvino escreveu: “Portanto, o ofício dos que receberam mais ampla ilumina-
126
O verbo Blasfhme/w, que tem o sentido de “injuriar”, “difamar”, ”insultar”, “caluniar”, “maldizer”,
“falar mal”, “falar para danificar”, etc., é formado de duas palavras, Bla/yij derivada de Bla/ptw =
“injuriar”, “prejudicar” (* Mc 16.18; Lc 4.35) e Fhmi/ = “falar”, “afirmar”, “anunciar”, “contar”, “dar a en-
tender”. A Blasfêmia tem sempre uma conotação negativa, de “maldizer”, “caluniar”, “causar má repu-
tação”, etc., contrastando com Eu)fhmi/a (“boa fama” * 2Co 6.8) e Eu)/fhmoj (“boa fama” * Fp 4.8)
(Eu)/ & fh/mh). No Fragmento 177 de Demócrito, lemos: “Nem a nobre palavra encobre a má a-
ção, nem é a boa ação prejudicada pela má palavra (Blasfhmi/a)”. Paulo diz que o mal tes-
temunho dos judeus contribuía para que os gentios blasfemassem o nome de Deus (Rm 2.24, citando
Is 52.5). Compare este fato com a orientação de Paulo, 1Tm 6.1; Tt 2.5.
A falsa doutrina propicia a prática da blasfêmia (1Tm 6.3,4), bem como os falsos mestres (2Pe 2.1-
2,10-12).
127
A)se/lgeia ocorre nos seguintes textos do Novo Testamento: Mt 7.22; Rm 13.23; 2Co 12.21; Gl
5.19; Ef 4.19; 1Pe 4.3; 2Pe 2.2,7,18; Jd 4.
128
A palavra grega plastiko/j é derivada do verbo pla/ssw, cujo advérbio utilizado por Pedro é
plasto/j. A nossa palavra plástico vem do grego (plastiko/j) passando pelo latim (plasticuj),
sempre de forma transliterada, significando aquilo “que tem propriedade de adquirir determinadas
formas sensíveis, por efeito de uma ação exterior”.
129
William Wileam, “John Calvin. His Life, His Teaching & Influence,” John Calvin Collection, [CD-
ROM], (Albany, OR: Ages Software, 1998), p. 100.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 32

ção de Deus que os outros consiste em dar aos simples o que lhes é necessário
neste assunto e em saber estender-lhes a mão para os conduzir e os ajudar a en-
contrar a essência do que Deus nos quer ensinar em Sua Palavra. Ora, a melhor
maneira de fazer isso é com as passagens que tratam dos assuntos principais e, por
130
conseguinte, as que estão contidas na filosofia cristã”.

Os ministros devem ter consciência da graça de Deus em seu ministério; eles são
servos como os demais, tendo, contudo, uma tarefa especial: “Ministros são aque-
les que colocam seus serviços à disposição de Cristo, para que alguém possa
crer nele. Além do mais, eles não possuem nada propriamente seu do quê
se orgulhar, visto que também não realizam nada propriamente seu, e não
possuem virtude para excelência alguma exceto pelo dom de Deus, e cada
um segundo sua própria medida; o que revela que tudo quanto um indiví-
duo venha a possuir, sua fonte se acha em outrem. Finalmente, ele os man-
tém todos juntos como por um vínculo comum, visto que tinham necessida-
131
de do auxílio mútuo”.

O ensino da Palavra é um privilégio responsabilizador; consiste em partilhar com


o nosso próximo as riquezas que o Espírito tem nos concedido: “Quando o Senhor
nos abençoa, também nos convida a seguirmos seu exemplo e a sermos ge-
nerosos para com o nosso próximo. As riquezas do Espírito não são para se-
rem guardadas para nós mesmos, mas sempre que alguém as recebe deve
também passá-las a outrem. Isto deve ter uma aplicação especial aos minis-
tros da Palavra, mas também tem uma aplicação geral a todos os homens,
132
a cada um em sua própria esfera”.

Mesmo a igreja tendo a oportunidade de ler as Escrituras individualmente, aos


presbíteros compete a tarefa de ensinar a Palavra com sistematicidade, simplicidade
e profundidade, adequando o ensino ao nível de seu público. Calvino traduz a metá-
133
fora usada por Paulo, “maneja bem” (o)rqotome/w) (2Tm 2.15) por “dividindo bem”,
130
João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa,
São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. I, p. 33.
131
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 102-103. “Não lograremos progresso a
menos que o Senhor faça próspera a nossa obra, os nossos empenhos e a nossa perseve-
rança, de modo a confiarmos à sua graça a nós mesmos e tudo o que fazemos” [João Calvi-
no, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.7), p. 106].
132
João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, São Paulo: Edições Paracletos, 1995, (2Co 1.4), p. 17.
133
O verbo o)rqotome/w – “cortar em linha reta”, “endireitar” –, que só ocorre neste texto, é formado
por o)rqo/j (“direito”, “reto”, “certo”, “correto”) (* At 14.10; Hb 12.13) e te/mnw (“cortar”), verbo que não
aparece no Novo Testamento. Na LXX o)rqotome/w é empregado em Pv 3.6 e 11.5 com o sentido de
endireitar o caminho. Analogias e aplicações variadas são possíveis, tais como: a idéia de lavrar a ter-
ra fazendo os sulcos em linha reta; construir uma estrada em linha reta a fim de que o viajante alcan-
ce com facilidade o seu objetivo sem se desviar por atalhos; o alfaiate que corta o tecido de forma
correta a fim de fazer a roupa (Paulo como fabricante de tendas estava acostumado a este serviço no
que se refere ao corte dos tecidos de pelo de cabra); o pedreiro que corta a pedra de forma correta
para o seu perfeito encaixe, etc. A partir de 2Tm 2.15 várias analogias são feitas, tais como: a idéia
de conduzir a Palavra pelo caminho correto para atingir de modo eficaz seu objetivo, manuseá-la
bem, ministrá-la conforme o seu propósito, expô-la de maneira correta, ensinar correta e diretamente
a Palavra, etc. [Vejam-se, entre outros: Helmut Köster, o)rqotome/w: In: G. Friedrich & Gerhard Kittel,
eds. Theological Dictionary of the New Testament, 8ª ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 33

fazendo a seguinte aplicação: “Paulo (...) designa aos mestres o dever de gra-
var ou ministrar a Palavra, como um pai divide um pão em pequenos peda-
ços para alimentar seus filhos. Ele aconselha Timóteo a ‘dividir bem’, para
não suceder que, como fazem os homens inexperientes que, cortando a su-
perfície, deixam o miolo e a medula intactos. Tomo, porém, o que está ex-
presso aqui como uma aplicação geral e como uma referência à judiciosa
ministração da Palavra, a qual é adaptada para o proveito daqueles que a
134
ouvem. Há quem a mutile, há quem a desmembre, há quem a distorce,
há quem a quebre em mil pedaços, e há quem, como observei, se mantém
na superfície, jamais penetrando o âmago da doutrina. Ele contrasta todos
esses erros com a boa ministração, ou seja, um método de exposição ade-
quado à edificação. Aqui está uma regra pela qual devemos julgar cada in-
135
terpretação da Escritura”.

Calvino acentuou a responsabilidade do Presbítero: Deus Se dignou em nos con-


sagrar a Si mesmo “as bocas e línguas dos homens, para que neles faça res-
136
soar Sua própria voz.”. (Grifos meus). Portanto, os pastores não estão a seu
próprio serviço, mas de Cristo; eles não buscam discípulos para si mesmos, mas pa-
ra Jesus Cristo: “A fé não admite glorificação senão exclusivamente em Cris-
to. Segue-se que aqueles que exaltam excessivamente a homens, os privam
de sua genuína grandeza. Pois a coisa mais importante de todas é que eles
são ministros da fé, ou seja: conquistam seguidores, sim, mas não para eles
137
mesmos, e, sim, para Cristo”.

Publishing Co., (reprinted) 1982, Vol. VIII, p. 111-112; Joseph H. Thayer, “Thayer’s Greek-English
Lexicon of the NT,” The Master Christian Library, Verson 8.0 [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Sofware,
2000, Vol. 2, p. 270; A. Barnes, “Notes on the Bible,” The Master Christian Library, Verson 8.0 [CD-
ROM], (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 15, p. 795; Adam Clark, “Commentary the New Testa-
ment,” Master Christian Library, Verson 8.0 [CD-ROM], (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 8, p.
222-223; R. Klöber, Retidão: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do
Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1983, Vol. IV, 217-219; William F. Arndt & F.W. Gingrich, A
Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, Chicago: University
of Chicago Press, 1957, p. 584; Russel N. Champlin, O Novo Testamento Interpretado, Guaratingue-
tá, SP.: A Voz Bíblica, (s.d.), Vol. 5, p. 379; John R.W. Stott, Tu, Porém, A mensgem de 2 Timóteo,
São Paulo: ABU Editora, 1982, p. 59-60; J.N.D. Kelly, I e II Timóteo e Tito: introdução e comentário,
São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1983, p. 170; William Hendriksen, 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito,
São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 323-324; Newport J.D. White, Second Epistle to Timothy:
In: W. Robertson Nicoll, ed., The Expositor’s Greek Testament, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans,
1983 (Reprinted), Vol. 4, p. 165; p. 798-799; R.C.H. Lenski, Commentary on the New Testament, Pe-
abody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1998, Vol. 10, p. 425; W.C. Taylor, Dicionário do
Novo Testamento Grego, 5ª ed. Rio de Janeiro: JUERP., 1978, p. 152-153; A.T. Robertson, “Word
Pictures in the New Testament,” The Master Christian Library, Verson 8.0 [CD-ROM], (Albany, OR:
Ages Sofware, 2000, Vol. 4, p. 703; William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires:
La Aurora, 1974, Vol. 12, (2Tm 2.15-18), p. 183].
134
Este era o seu princípio pedagógico: “Um sábio mestre tem a responsabilidade de acomo-
dar-se ao poder de compreensão daqueles a quem ele administra o ensino, de modo a ini-
ciar-se com os princípios rudimentares quando instrui os débeis e ignorantes, não lhes dando
algo que porventura seja mais forte do que podem suportar” [João Calvino, Exposição de 1
Coríntios, São Paulo: Paracletos, 1996, (1Co 3.1), p. 98-99].
135
João Calvino, As Pastorais, (2Tm 2.15), p. 235.
136
João Calvino, As Institutas, IV.1.5.
137
João Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 101-102.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 34

A esfera da autoridade do presbítero é derivada da Palavra: “A primeira regra do


ministro é não tentar fazer coisa alguma sem estar baseado nalgum mandamen-
138
to”. “A Escritura é a fonte de toda a sabedoria, e os pastores terão de extrair dela
139
tudo o que eles expõem diante do seu rebanho”.

Todo o ofício do Presbítero gira em torno da Palavra: “Porque devemos ter


como coisa resolvida que todo o ofício deles se limita à administração da
Palavra de Deus, toda a sua sabedoria consiste somente no conhecimento
dessa Palavra, e toda a sua eloqüência ou oratória se restringe à pregação
da mesma. Se se afastarem dessa norma, serão tolos em seus sentidos, gagos
em seu falar, traiçoeiros e infiéis em seu ofício, sejam eles profetas, ou bispos,
ou mestres, ou pessoas estabelecidas em dignidade mais alta”.
140

Deste modo, aquele que prega deve ter consciência de que o púlpito não é o lu-
gar para se exercitar as opiniões pessoais e subjetivas, mas sim, para pregar a Pa-
lavra, anunciando todo o desígnio de Deus, sob a iluminação do Espírito. O Espírito
honra exclusivamente a Sua Palavra, não a nossa. Lloyd-Jones (1899-1981), numa
série de sermões pregados (1963) sobre Isaías 1.1-18, declarou corretamente:
“Não estou aqui para ventilar minhas próprias idéias e teorias, porém para
141
expor a Palavra de Deus”. Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no
máximo serve como terapia para aliviar as tensões de um auditório cansado e ansio-
so em busca de refrigério para as suas necessidades mais imediatamente percebi-
das. Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas não a cura para as suas reais ne-
cessidades.

Os presbíteros foram chamados por Deus não para pregarem suas opiniões, mas,
o Evangelho de Cristo. E mais, o Evangelho deve ser anunciado em sua inteireza,
sem misturas, adições e cortes: Isso nos distingue essencialmente dos falsos mes-
tres: “‘A verdade do evangelho’ deve ser considerada como sendo sua ge-
nuína pureza ou, o que vem a ser a mesma coisa, sua pura e sólida doutrina.
Pois os falsos apóstolos não aboliam totalmente o evangelho, mas o adulte-
ravam com suas noções pessoais, de modo que ele logo passava a ser falso
e mascarado. Isso é sempre assim quando nos apartamos, mesmo em grau
mínimo, da simplicidade de Cristo. Quão impudentes, pois, são os papistas
ao se vangloriarem de que possuem o evangelho, pois ele não só é corrom-
pido por uma infinidade de invenções, mas também é mais que adulterado
142
por dogmas infindáveis e pervertidos”.

9) Cordato: (e)pieikh/j) 1Tm 3.3. “Equânime”, “paciente”, “gentil”, “amável”. (*Fp


4.5; Tt 3.2; Tg 3.17 “indulgente”; 1Pe 2.18). Esta característica é uma das marcas da
138
João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa,
São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. IV.13, p. 52.
139
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 4.13), p. 123.
140
João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa,
São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. IV.15, p. 125.
141
D.M. Lloyd-Jones, O Caminho de Deus não o nosso, São Paulo: Publicações Evangélicas Sele-
cionadas, 2003, p. 67.
142
João Calvino, Gálatas, (Gl 2.5), p. 52.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 35

sabedoria concedida por Deus (Cf. Tg 3.17). Esta palavra quando aplicada à autori-
dade constituída, denota eqüidade, magnanimidade. Na literatura clássica este ter-
mo era empregado para representar “o caráter daqueles que têm mente nobre,
do sábio que permanece meigo diante dos insultos, do juiz que é clemente
no julgamento, e do rei que é bondoso no seu reino. Desta forma, aparecem
freqüentemente em retratos do soberano ideal, e em elogios acerca de ho-
143
mens de alta posição”.

É a palavra que reconhece que há ocasiões nas quais a aplicação pura e simples
da lei seria injusta; feriria o próprio princípio da lei. Os gregos diziam que “a epiei-
keia devia ter lugar naqueles casos em que a estrita justiça se tornava injusti-
144
ça por sua generalização”. ”Epieikeia é a qualidade do homem que sabe
que as leis e prescrições não são a última palavra; do homem que sabe
145
quando não se deve aplicar a letra da Lei.” Aquele que tem a consciência de
que legalidade não é necessariamente sinônimo de legitimidade. O que está certo
146
do ponto de vista legal pode estar equivocado do ponto de vista moral.

10) Governe bem a sua própria casa: A palavra para governar é proi/sthmi,
que significa também, “administrar”, “reger”, “liderar”, “presidir”. 1Tm 3.4,5,12; Tt
147
1.6. A palavra era empregada no grego clássico no sentido de “proteger”, “guar-
dar” e ajudar” (Eurípides, Demóstenes, Políbio).

Os presbíteros que “presidem bem” a Igreja devem ser honrados proporcional-


148
mente (1Tm 5.17). O governar bem está associado ao que Paulo escreveu aos
Romanos: “o que preside, com diligência (spoudh/)” (Rm 12.8).

A palavra traduzida por diligência (spoudh/), indica um comportamento que se es-


força por fazer todo o possível para alcançar o seu objetivo. Ela esta relacionada no
Novo Testamento à solicitude fraterna: Paulo, preso em Roma pede a Timóteo esta
urgência em encontrá-lo (2Tm 4.9,21). Depois, em outro contexto, solicita o mesmo
a Tito (Tt 3.12). Paulo descreve a amizade benfazeja de Onesíforo, quem o procurou
solicitamente quando muitos de seus amigos o haviam abandonado: “Estás ciente
de que todos os da Ásia me abandonaram; dentre eles cito Fígelo e Hermógenes.
Conceda o Senhor misericórdia à casa de Onesíforo, porque, muitas vezes, me deu
ânimo e nunca se envergonhou das minhas algemas; antes, tendo ele chegado a
Roma, me procurou solicitamente (spoudai/wj) até me encontrar. O Senhor lhe
conceda, naquele Dia, achar misericórdia da parte do Senhor. E tu sabes, melhor do
que eu, quantos serviços me prestou ele em Éfeso” (2Tm 1.15-18). Paulo pede a Ti-
to que encaminhe a Zenas e a Apolo, orientando-o para que nada falte àqueles ir-
143
W. Bauder, Humildade: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do
Novo Testamento, Vol. II, p. 383-386.
144
William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Buenos Aires: La Aurora, 1973, Vol. 11, (Fp.
4.4-5), p. 85.
145
William Barclay, El Nuevo Testamento Comentado, Vol. 11, (Fp. 4.4-5), p. 85-86.
146
Ver: Richard C. Trecnh, Synonyms of the New Testament, London: Macmillan and Co., 1871, §
43, p. 146.
147
* Rm 12.8; 1Ts 5.12; 1Tm 3.4,5,12; 5.17;Tt 3.8,14.
148
Ver: João Calvino, As Pastorais, (1Tm 5.17), p. 147-149; João Calvino, As Institutas, II.8.35.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 36

mãos: “Encaminha com diligência (spoudai/wj) Zenas, o intérprete da lei, e Apolo, a


fim de que não lhes falte coisa alguma” (Tt 3.13). Ainda falando sobre diversos deve-
res da vida cristã e, em especial descrevendo a fraternidade, Paulo recomenda: “No
zelo (spoudh/), não sejais remissos; sede fervorosos de espírito, servindo ao Se-
nhor” (Rm 12.11).(2Co 8.7-8).

Essa palavra tem implicações éticas, visto que está associada, por exemplo, ao
esforço que os crentes devem despender em manter a unidade do Espírito (Ef 4.3),
ao zelo em socorrer a outros irmãos (Gl 2.9-10; 2Co 8.7,8,16) e, em corrigir uma in-
justiça (2Co 7.11-12). Ela também está relacionada ao crescimento espiritual com
um fim escatológico. O escritor de Hebreus referindo-se a alguns heróis da fé que vi-
veram na esperança da promessa de Deus quanto ao descanso futuro, e de outros
homens que foram incrédulos, escreve: “Esforcemo-nos (Spouda/zw), pois, por en-
trar naquele descanso....” (Hb 4.11). Quanto à esperança da vinda de Cristo e à nos-
sa maneira de viver hoje, Pedro escreve: “Esperando e apressando (speu/dw) a vin-
da do dia de Deus, por causa do qual os céus incendiados serão desfeitos e os ele-
mentos abrasados se derreterão” (2Pe 3.12). A idéia aqui expressa, não é a de que
possamos modificar o dia do regresso de Cristo. A palavra traduzida por “apressar”
(speu/dw), indica um desejo intenso pelo que virá, envolvendo a idéia de diligenciar
com zelo, solicitude, urgenciar, etc. Ela revela uma pressa prazerosa daquilo que te-
rá de ocorrer. Falando sobre a necessidade que os crentes têm de usar dos meios
de graça, Pedro orienta: “Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência
(spoudh/), associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; (...) Por
isso, irmãos, procurai, com diligência (Spouda/zw) cada vez maior, confirmar a vossa
vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum”
(2Pe 1.5,10). O Cristianismo é essencialmente um caminho de vida, fundamentado
na prática do Evangelho, conforme ensinado por Jesus Cristo. A santificação é, por-
tanto, um desafio a perseguirmos este caminho, nos empenhando por fazer a vonta-
de de Deus. Por isso, a santificação nos fala de caminharmos sempre em direção ao
alvo proposto por Deus, com os nossos corações humildes, desejosos de agradar a
Deus, de fazer a Sua vontade com o sentimento adequado. Daí a exortação de Pe-
dro de que nos esforcemos por ser achados pelo Senhor “sem mácula”: “Por essa
razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhai-vos (spouda/zw) por serdes
achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis” (2Pe 3.14).

Paulo diz aos tessalonicenses do seu esforço para poder visitá-los (1Ts 2.17).
Pedro demonstrou esta mesma diligência em ensinar o Evangelho às Igrejas (2Pe
1.15). Judas revela o mesmo ao escrever a sua Epístola (Jd 3). Paulo roga a Timó-
teo que procure, esforce-se por apresentar-se a Deus como obreiro aprovado (2Tm
3.15).

Deste modo, Paulo está nos dizendo que o presbítero deve ter empenho seme-
lhante na administração dos negócios da igreja.

11) Criando seus filhos com disciplina e respeito: 1Tm 3.4. Disciplina, obedi-
ência (u(potagh/) (*2Co 9.13; Gl 2.5; 1Tm 2.11) tem o sentido de “submissão” e res-
peito (semno/thj = respeito, reverência, dignidade). (*1Tm 2.2; 3.4; Tt 2.7). Esta pa-
lavra indica uma atitude correta, nobre e honrada, acompanhada de ordem e decên-
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 37

149
cia. Deste modo, a educação com disciplina e obediência, envolve uma combina-
ção harmoniosa entre dignidade e cortesia, independência e humildade, disciplina e
amor.

Recordemos um pouco: No Antigo Testamento vemos a educação sendo ampla-


mente praticada dentro do lar, sendo os mestres os próprios pais (Ex 10.2; 12.26;
13.8). A família sempre desempenhou um papel fundamental dentro da educação
judaica, sendo extremamente preventiva e orientadora. Mesmo dentro de um pro-
cesso evolutivo, a educação familiar jamais foi substituída ou preterida. A educação
dos filhos era algo prioritário e constante, considerando em seu currículo os grandes
feitos de Deus na História. Na instituição da Páscoa, Deus já os instrui a respeito do
que aconteceria e como os pais deveriam ensinar seus filhos: “Guardai, pois, isto por
estatuto para vós outros e para vossos filhos, para sempre. E, uma vez dentro na
terra que o SENHOR vos dará, como tem dito, observai este rito. Quando vossos fi-
lhos vos perguntarem: Que rito é este? Respondereis: É o sacrifício da Páscoa ao
SENHOR, que passou por cima das casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu
os egípcios e livrou as nossas casas. Então, o povo se inclinou e adorou” (Ex 12.24-
27).

Notemos que a educação judaica tinha como elemento de extrema relevância as


perguntas, as quais certamente eram estimuladas, feitas pelos filhos aos pais ou aos
sacerdotes: “Quando vossos filhos vos perguntarem: Que rito é este? Responde-
reis....” (Ex 12.26); “Naquele mesmo dia, contarás a teu filho, dizendo....” (Ex 13.8);
“Quando teu filho amanhã te perguntar: Que é isso? Responder-lhe-ás....” (Ex
13.14); “Quando teu filho, no futuro, te perguntar, dizendo: Que significam os teste-
munhos, e estatutos, e juízos que o SENHOR, nosso Deus, vos ordenou? Então, di-
rás a teu filho....” (Dt 6.20,21); “Passai adiante da arca do SENHOR, vosso Deus, ao
meio do Jordão; e cada um levante sobre o ombro uma pedra, segundo o número
das tribos dos filhos de Israel, para que isto seja por sinal entre vós; e, quando vos-
sos filhos, no futuro, perguntarem, dizendo: Que vos significam estas pedras?, en-
tão, lhes direis....” (Js 4.5-6). “As doze pedras que tiraram do Jordão, levantou-as
Josué em coluna em Gilgal. E disse aos filhos de Israel: Quando, no futuro, vossos
filhos perguntarem a seus pais, dizendo: Que significam estas pedras?, fareis saber
a vossos filhos, dizendo....” (Js 4.20-21).

Antes de o povo entrar na Terra Prometida, Deus, por intermédio de Moisés, exor-
ta a Israel: “Tão-somente guarda-te a ti mesmo e guarda bem a tua alma, que te não
esqueças daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e se não apartem do teu co-
ração todos os dias da tua vida, e as farás saber a teus filhos e aos filhos de teus fi-
lhos. Não te esqueças do dia em que estiveste perante o SENHOR, teu Deus, em
Horebe, quando o SENHOR me disse: Reúne este povo, e os farei ouvir as minhas
palavras, a fim de que aprenda a temer-me todos os dias que na terra viver e as en-
sinará a seus filhos” (Dt 4.9-10).

Deus orienta aos pais a usarem de vários meios para ensinar seus filhos a Lei a
fim de que não se esquecem de Deus, nem de Seus atos soberanos na história:
“Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SE-
NHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força.
149
Ver: Richard C. Trecnh, Synonyms of the New Testament, London: Macmillan and Co., 1871, §
xcii, p. 325-329.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 38

Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus
filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-
te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal
entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas. Haven-
do-te, pois, o SENHOR, teu Deus, introduzido na terra que, sob juramento, prometeu
a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó, te daria, grandes e boas cidades, que tu não edi-
ficaste; e casas cheias de tudo o que é bom, casas que não encheste; e poços aber-
tos, que não abriste; vinhais e olivais, que não plantaste; e, quando comeres e te far-
tares, guarda-te, para que não esqueças o SENHOR, que te tirou da terra do Egito,
da casa da servidão” (Dt 6.4.12). (Do mesmo modo: Dt 11.18-20).

Cada cultura tem o seu modelo de homem ideal e portanto, a educação visa
formar esse homem, a fim de atender às expectativas sociais. Paulo sabia muito
bem disso; ele mesmo declarara durante a sua defesa em Jerusalém que fora
instruído por Gamaliel, o grande mestre da Lei. "Eu sou judeu, nasci em Tarso da
Cilícia, mas criei-me nesta cidade e aqui fui instruído (paideu/w) aos pés de Gama-
liel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados....” (At 22.3).

De igual modo, Estevão, descrevendo a vida de Moisés, fala de sua formação,


declarando: "E Moisés foi educado (paideu/w) em toda a ciência dos egípcios, e
era poderoso em palavras e obras” (At 7.22).

Cito um fato elucidativo. Quando Virgínia e Maryland assinaram um tratado de


paz com os Índios das Seis Nações, como demonstração da generosidade do ho-
mem branco, seus governantes mandaram cartas aos índios solicitando que envias-
sem alguns de seus jovens para estudarem em seus colégios. Seguem abaixo extra-
tos da resposta dos chefes indígenas:

“.... Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o


bem para nós e agradecemos de todo o coração.
“Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm
concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão
ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a
nossa.
“.... Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do
Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam pa-
ra nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e inca-
pazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado,
matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam nossa língua muito
mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros,
como caçadores ou como conselheiros.
“Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não
possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres
senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensi-
150
naremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens”.

Se olharmos ainda que de relance o tipo de formação desde a Antigüidade, pode-


remos constatar que o seu ideal variava de povo para povo e, até mesmo, de cidade
150
Apud BRANDÃO, Carlos R. O Que é Educação, 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 8-9.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 39

para cidade, daí a diferença entre os "currículos", visto que este é o caminho, a "cor-
151
rida" para se atingir o objetivo proposto. Assim, temos, ainda que, grosso modo,
152
diversas perspectivas educacionais:

 CHINA: A educação visava conservar intactas as tradições. Portanto o currículo


está voltado apenas para o conhecimento e preservação das tradições, seguindo
sempre o seu modelo. A originalidade era proibida.

 EGITO: Preparar o educando para uma vida essencialmente prática, que o levas-
se ao sucesso neste mundo e, por meio de determinados ritos, alcançasse o favor
dos deuses, e a felicidade no além.

 ESPARTA: Homens guerreiros, mas que fossem totalmente submissos ao Esta-


do. Neste processo estimula-se até mesmo a delação como modo de evidenciar a
153
sua lealdade ao Estado. “Certamente, essa Esparta dos séculos VIII-VI é,
antes de tudo, um Estado guerreiro (...). O lugar dominante ocupado em
sua cultura pelo ideal militar é atestado pelas elegias guerreiras de Tirteu,
que ilustram belas obras plásticas contemporâneas, consagradas, como
154
elas, à glorificação do herói combatente”. “Ao atingir sete anos, o jo-
vem espartano é requisitado pelo Estado: até à morte, pertence-lhe intei-
ramente. A educação propriamente dita vai dos sete aos vinte anos; ela é
disposta sob a autoridade direta de um magistrado especial, verdadeiro
155
comissário da Educação nacional, o paidono/moj”.

 ATENAS: Treinamento competitivo entre os homens a fim de formar cidadãos


maduros física e espiritualmente com capacidade de exercitarem a sua liberdade.

 SÓCRATES (469-399 a.C.)/PLATÃO (427-347 a.C.): Formar basicamente por in-


termédio da música e da ginástica, homens capazes de vencer a injustiça reinan-
156
te. A educação tinha um forte apelo moral por meio do conhecimento e prática
das virtudes. A sabedoria está associada à vida virtuosa.

151
Currículo" é uma transliteração do latim "curriculum" que é empregado tardiamente, sendo deri-
vado do verbo "currere", "correr". "Curriculum" tem o sentido próprio de "corrida", "carreira"; um senti-
do particular de "luta de carros", "corrida de carros", "lugar onde se corre", "hipódromo" e um sentido
figurado de "campo", "atalho", "pequena carreira", "corte", "curso". A palavra currículo denota a com-
preensão que ele não é um fim em si mesmo; é apenas um meio para atingir determinado fim [Vd.
Hermisten M.P. Costa, A Propósito da Alteração do Currículo dos Seminários Presbiterianos, São
Paulo: 1997, p. 8ss. (Trabalho não publicado)].
152
Veja-se um bom sumário disso em Thomas Ransom Giles, Filosofia da Educação, São Paulo:
EPU., 1983, p. 60-92.
153
Thomas Ransom Giles, Filosofia da Educação, p. 64.
154
Henri-Irénée Marrou, História da Educação na Antigüidade, São Paulo: E.P.U. (5ª reimpr), 1990, p.
35.
155
Henri-Irénée Marrou, História da Educação na Antigüidade, p. 42.
156
Platão, A República, 376e ss. p. 86ss.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 40

157 158
 OS SOFISTAS: Pedagogia elitizada, propícia e adequada apenas a quem
159
pudesse pagá-los. Partindo do relativismo e subjetivismo, tinha como objetivo
160
convencer, persuadir o seu oponente independentemente da veracidade do ar-
161
gumento.

 ARISTÓTELES (384-322 a.C.): Formar homens moderados, que tivessem zelo


162
pela ética e estética.

 RENASCENÇA: Formar homens eruditos que soubessem ler e escrever em gre-


163
go, latim e, em alguns lugares o hebraico, tendo um estilo erudito, que pudes-
157
A palavra "sofista" provém do grego Sofisth/j, que é derivada de Sofo/j (= “sábio”). Originaria-
mente, ambas as palavras eram empregadas com uma conotação positiva. É importante lembrar que
foram os próprios sofistas que se designaram assim.
158
"Já desde o começo a finalidade do movimento educacional comandado pelos sofistas
não era a educação do povo, mas a dos chefes. No fundo não era senão uma nova forma
da educação dos nobres (...). Os sofistas dirigiam-se antes de mais nada a um escol, e só a
ele. Era a eles que acorriam os que desejavam formar-se para a política e tornar-se um dia
dirigentes do Estado" (Werner Jaeger, Paidéia: A Formação do Homem Grego, 2ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1989, p. 236).
159
A Retórica Sofística, inventada por Górgias (c.483-c.375 a.C.), era famosa. Górgias dizia:
"A palavra é uma grande dominadora que, com pequeníssimo e sumamente invisível
corpo, realiza obras diviníssimas, pois pode fazer cessar o medo e tirar as dores, infundir a a-
legria e inspirar a piedade (...) O discurso, persuadindo a alma, obriga-a, convencida, a ter
fé nas palavras e a consentir nos fatos (...) A persuasão, unida à palavra, impressiona a alma
como quer (...) O poder do discurso com respeito à disposição da alma é idêntico ao dos
remédios em relação à natureza do corpo. Com efeito, assim como os diferentes remédios
expelem do corpo de cada um diferentes humores, e alguns fazem cessar o mal, outros a
vida, assim também entre os discursos alguns afligem e outros deleitam, outros espantam,
outros excitam até o ardor os seus ouvintes, outros envenenam e fascinam a alma com per-
suasões malvadas” (Górgias, Elogio de Helena, 8, 14).
"Quanto à sabedoria e ao sábio, eu dou o nome de sábio ao indivíduo capaz de mudar
o aspecto das coisas, fazendo ser e parecer bom para esta ou aquela pessoa o que era ou
lhe parecia mau" (Palavras de Protágoras, conforme, Platão, Teeteto, 166d).
"Mas deixaremos de lado Tísias e Górgias? Esses descobriram que o provável deve ser
mais respeitado que o verdadeiro; chegariam até a provar, pela força da palavra, que as
cousas miúdas são grandes e que as grandes são pequenas, que o novo é antigo e que o
velho é novo" (Platão, Fedro, 267).
160
"A sofística, que caracteriza os últimos cinqüenta anos do século V, não designa uma
doutrina, mas uma maneira de ensinar. Os sofistas são professores que vão de cidade em
cidade em busca de auditores e que, por preço convencionado, ensinam os alunos, seja
por lições pomposas, seja por uma série de cursos, os métodos adequados a fazer triunfar
uma tese qualquer. À pesquisa e à manifestação da verdade substitui-se a preocupação do
êxito, baseado na arte de convencer, de persuadir, de seduzir” (Émile Bréhier, História da Filo-
sofia, São Paulo: Mestre Jou, 1977, I/1 p. 69-70).
161
Vd. Platão, Teeteto, 166c-167d; Sofista, 231d; Mênon, 91c-92b; Fedro, 267; Protágoras, 313c;
312a; Crátilo, 384b; Górgias, 337d; A República, 336b; 338c.
162
Aristóteles, Ética a Nicômaco, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. IV), 1973, V.2,
1130b 26-27. p. 324
163
O hebraico, que era então ainda mais ignorado do que o grego e o latim, foi também redescober-
to. Surgindo, então, as famosas escolas que ensinavam os três idiomas – em Lovaina (1517), Oxford
(1517 e 1525), Paris (1530) –, visando formar o “homo trilinguis”. (Vejam-se:. Jacob Burckhardt, A
Cultura do Renascimento na Itália: Um Ensaio, São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 154; Jean
Delumeau, A Civilização do Renascimento, Lisboa: Editorial Estampa, 1984, Vol. I, p. 97). Foi assim
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 41

sem contribuir para a criação do novo, tendo o homem como "medida de todas as
coisas".

ATUALIDADE: Formar homens competitivos, que alcancem o sucesso a qualquer


preço. É claro que isto sofrerá alterações em cada área de estudo e, também, será
diferente entre os países, contudo, esta visão geral nos parece pertinente.

Todo currículo está comprometido, consciente ou não, com determinada compre-


ensão da realidade que, deste modo, determina metas a serem alcançadas.

Os pais cristãos devem educar os filhos dentro dos princípios bíblicos: a Bíblia
também é a verdade no campo educacional; Ela deve ser a norma de todo o nosso
pensar e agir. Paulo fala especificamente aos pais: “E vós, pais, não provoqueis
vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor” (Ef .6.4).

Como pais, temos também a responsabilidade de não provocar a sua ira, com um
comportamento que reflita o eqüívoco de predileções, falta de apoio, menosprezo,
164
provocações, ironias, excesso de proteção, etc. (Cl 3.21; Gn 25.28; 37.3,4; 2Sm
165
14.13,28; 1Rs 1.6; Hb 12.9-11). A palavra “criai-os” (e)ktre/fw) (Ef 6.4) em contra-
posição à “ira”, indica que devemos criá-los ternamente, com brandura e amor, sem
166
contudo, excluir a disciplina (paidei/a) e admoestação (nouqesi/a) no Senhor.
Calvino recomenda aos pais: “Tratem-nos com a brandura e a bondade ade-
167
quadas à personalidade de cada um deles” Notemos que o caráter de toda
a educação e disciplina de nossos filhos – por meio de palavras e atos –, é no Se-
nhor. “O que caracteriza a criação cristã não é o método educacional, mas,
que foi elaborada a primeira gramática hebraica, escrita por um cristão, Reuchlin (1455-1522) em
1506. Não devemos nos esquecer também, que é deste período a publicação da “Bíblia Poliglota
Complutense” – recebendo este nome por ter sido impressa em Complutum, forma latina da atual Al-
calá, Espanha, onde Ximenes fundou uma Universidade –, que continha o Antigo Testamento em 3
idiomas, formatado em três colunas paralelas: Hebraico, latim (da vulgata) e grego (da LXX), tendo,
também, uma tradução latina interlinear. Na parte inferior da página, constava do Novo Testamento
em grego e latim. Esta obra sendo promovida pelo Cardeal Francisco Ximenes de Cisneros (1437-
1517), foi iniciada em 1502 sendo concluída em 1517 (O NT estava concluído desde 1514), sendo
constituída por seis volumes. Todavia, o papa Leão X só deu permissão para a sua circulação em
22/03/1520. Ao que parece, esta obra não chegou a Alemanha antes de 1522 e, Lutero não se utili-
zou dela para a sua tradução do Novo Testamento (Vejam-se mais detalhes em: W.G. Kümmel, In-
trodução ao Novo Testamento, São Paulo: Paulinas, 1982, p. 713-714; Wilson Paroschi, Crítica
Textual do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1993, p. 107-108; E. Lohse, Introdução ao No-
vo Testamento, São Leopoldo, RS.: Sinodal, © 1972, p. 261; Hipólito Escolar, Historia del Libro, 2ª
ed. corregida y ampliada, Salamanca/Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipérez/Pirámide, 1988,
p. 416ss.). Quanto à disposição das três colunas da obra: Hebraico, Latim e Grego, “Cisneros dizia
que adotara esta disposição para recordar o lugar que a Igreja romana ocupava entre a si-
nagoga e a Igreja grega: posição análoga à do Cristo entre os dois ladrões!” (Jean Delume-
au, A Civilização do Renascimento, Vol. I, p. 98).
164
Hendriksen faz uma lista de erros comuns cometidos pelos pais. Vd. William Hendriksen, Exposi-
ção de Efésios, (Ef 6.4), p. 325-326.
165
Ocorre apenas duas vezes no NT., unicamente em Efésios: 5.29 e 6.4. A palavra apresenta a i-
déia de alimentar, sustentar, nutrir, educar. Calvino diz que este verbo “inquestionavelmente co-
munica a idéia de gentileza e afabilidade” [J. Calvino, Efésios, (Ef 6.4), p. 181].
166
Ocorre três vezes no NT.: 1Co 10.11; Ef 6.4; Tt 3.10.
167
João Calvino, As Institutas da Religião Cristã: edição especial com notas para estudo e pesquisa,
São Paulo: Cultura Cristã, 2006, Vol. 1, (III.68), p. 207.
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168
sim, o propósito que se visa com ele”. A educação cristã visa conduzir a crian-
ça ao Senhor.

A admoestação (nouqesi/a) apresenta a idéia de educar por intermédio da pala-


vra, usando deste recurso para aconselhá-lo, estimulá-lo e encorajá-lo quando for o
caso e, também, se necessário, fazer uso do mesmo meio para censurar, reprovar e
repreender com firmeza (Compare: 1Sm 2.24/1Sm 3.13). Paulo diz que passou três
169
anos em Éfeso não deixando incessantemente de “admoestar (nouqete/w), com
lágrimas, a cada um” (At 20.31). Já a disciplina (paidei/a) é uma palavra mais am-
pla, abrangendo a educação não apenas verbal mas também, por meio de atos que
170
podem envolver rigidez com o objetivo de corrigir e ensinar. Notemos, que a dis-
ciplina sendo mais abrangente – envolvendo a instrução e correção –, vinha primei-
ro. Já a admoestação parece ser após a execução da tarefa. Primeiro instruímos;
depois, se necessário, exortamos e repreendemos ou, encorajamos conforme as cir-
cunstâncias.

Em 1982, o então secretário geral da INTERPOL (Organização Internacional de


Polícia Criminal), declarou: “.... quando os jovens não têm mais noção de dis-
ciplina, noção do que deve ou não ser feito, noção das regras a serem se-
171
guidas, a família desaparece”.

No Antigo Testamento, Eli foi repreendido por Deus porque os seus filhos que
transgrediam a Lei (1Sm 2.22-25), não foram admoestados por ele: “Porque já lhe
disse que julgarei a sua casa para sempre, pela iniqüidade que ele bem conhecia,
porque seus filhos se fizeram execráveis, e ele não os repreendeu (nouqete/w)”
(1Sm 3.13). Salomão por sua vez, instrui: “A estultícia está ligada ao coração da cri-
ança, mas a vara da disciplina (LXX: paidei/a) a afastará dela” (Pv 22.15).

Calvino (1509-1564) comenta:

“O tratamento bondoso e liberal conserva a reverência dos filhos para


com seus pais, e aumenta a prontidão e a alegria de sua obediência, en-
quanto que uma severidade austera e inclemente suscita sua obstinação
e destrói seu respeito”. Mais à frente continua: “... Deus não quer que os pais
sejam excessivamente brandos com seus filhos, ao ponto de corrompê-los,
poupando-os demais. Que sua bondade seja temperada, a fim de con-
servá-los na disciplina do Senhor, e corrigi-los também quando se desvia-
rem. Essa idade requer freqüente admoestação e firmeza com as rédeas,

168
F. Selter, Exortar: In: NDITNT., Vol. II, p, 176.
169
* At 20.31; Rm 15.14; 1Co 4.14; Cl 1.28; 3.16; 1Ts 5.12,14; 2Ts 3.15. A prática da admoestação
deve ser natural entre os crentes visando a sua correção (Rm 15.4; 1Ts 5.14; 2Ts 3.15) e aperfeiço-
amento (Cl 1.28); no entanto ela deve ser feita com amor (1Co 4.14; 2Ts 3.15) e sabedoria (Cl 3.16).
Considerando que esta é também uma tarefa dos líderes da igreja, aqueles que se esforçam neste
serviço devem ser estimados pela igreja (1Ts 5.12).
170
Platão (427-347 a.C.) faz também a combinação de Paidei/a com Nouqesi/a, sendo traduzidas
por “ensinamento e admoestação” (Platão, A República, 399b. p. 128). Vd. Richard C. Trench,
Synonyms of the New Testament, 7ª ed. London: Macmillan and Co. 1871, § xxxii, p. 104-108.
171
Revista Veja, 17/02/82, nº 706, p. 6.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 43

172
no caso de se soltarem”.

12) Bom testemunho dos de fora: 1Tm 3.7. “De fora” aqui, aplica-se aos que
não são da Igreja, os incrédulos (e)/cwqen = de fora, exterior).
173
Os líderes da Igreja,
em especial numa sociedade pagã, estariam sempre sob os olhares inquisidores e
investigativos de seus contemporâneos. Portanto, eles precisavam ter um bom tes-
temunho dentro da Igreja (a eleição por si só já evidenciaria isso) e fora. Ninguém
174
deveria ter do que acusá-los. É grande ingenuidade imaginar que o que importa é
somente a nossa consciência diante de Deus ou, no máximo, diante de nossos ir-
mãos. Sabemos que em última instância, ainda que sejamos injustiçados e calunia-
dos, o que prevalece é a nossa convicção de uma boa consciência diante de nosso
175
Deus. Contudo, isso não significa que não devamos ser cautelosos com a apa-
rência no mal. Definitivamente, não devemos nos colocar em situações suspeitas
simplesmente porque “Deus conhece o nosso coração”. É preciso que mantenhamos
diante de Deus e, quando possível, diante dos homens, de fora e de dentro da igre-
ja, uma postura condizente com o que acreditamos. Tomando apenas um exemplo,
vemos que Paulo quando levou a oferta dos cristãos da Macedônia e da Acaia para
os pobres de Jerusalém, ele não o fez sozinho (2Co 1Co 16.1-4; 8.16-24/Rm 15.22-
33). Você teria dúvida quanto à honestidade de Paulo? Eu também não. Contudo,
não estou seguro quanto a poder dizer o mesmo a respeito da opinião dos judeus ou
da totalidade dos crentes de Corinto. Paulo agiu com sabedoria e prudência. Ele nos
instrui: “Pois, o que nos preocupa é procedermos honestamente, não só perante o
Senhor, como também diante dos homens” (2Co 8.21). Calvino comenta: “A primei-
ra preocupação é sem dúvida a de ser uma boa pessoa, e isto é verificado
não só pelos feitos externos, mas também por uma consciência íntegra; po-
rém, a segunda preocupação consiste no fato de que as pessoas no meio
das quais você vive devem reconhecer que de fato você é uma boa pesso-
a. (...) O cristão deve sempre ter o cuidado de viver uma vida que produza a
edificação de seu próximo e tomar cuidadosas precauções para que os mi-
nistros de Satanás não encontrem desculpas para caluniá-los, trazendo com
176
isso a desonra de Deus e a ofensa dos homens de bem”. É preciso que en-
tendamos, que a depravação total é uma doutrina da qual não podemos nos esque-
cer em nossas relações: todos os homens são pecadores.

Deus deseja ser ouvido por intermédio dos pregadores. Portanto, a necessidade
de fidelidade na transmissão da mensagem e, ao mesmo tempo, uma vida de santi-
dade: o testemunho do mestre é fundamental: “A doutrina será de pouca auto-
ridade, a menos que sua força e majestade resplandeçam na vida do bispo
como o reflexo de um espelho. Por isso ele diz que o mestre seja um padrão

172
João Calvino, Efésios, (Ef 6.4), p. 181.
173
* Mt 23.25,27; 23.28; Mc 7.15,18; Lc 11.39,40; 2Co 7.5; 1Tm 3.7; 1Pe 3.3; Ap 11.2 (2 vezes);
14.20.
174
Ver: Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, p. 46-47.
175
“A má consciência [é] a mãe de todas as heresias” [João Calvino. As Pastorais, (1Tm 1.19),
p. 50].
176
João Calvino, Exposição de 2 Coríntios, (2Co 8.21), p. 181,182.
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177
ao qual os discípulos possam seguir.” A Palavra deve ser previamente grava-
da em nossos corações, visto que: “Pode acontecer que o homem desempe-
nhe seus deveres de acordo com suas melhores habilidades, porém, se seu
coração não está naquilo que faz, lhe falta muito para chegar à sua me-
178
ta”. Portanto, precisamos examinar-nos a nós mesmos: Aqueles que pregam
“não devem balbuciar com o externo de sua língua, nem fazer comentários
ligeiros, nem ainda falar por falar; senão que, de acordo ao que lhe há sido
ensinado por Deus isso deveria comunicar aos que estão a seu cargo, isto é
o que há sido gravado em seu interior. Se quisermos servir a Deus com pureza
em nosso ofício, sobre tudo devemos controlar nossa língua, para que não
fale nada senão o que está gravado em nosso coração. (...) Sempre que fa-
lamos Deus quer ser ouvido por meio de nós. Posto que nos concedeu uma
tão grande honra, ao menos deveríamos ter sua doutrina gravada em nós, e
ali deveria lançar raízes, e logo nossa boca deveria testificar de que a co-
nhecemos. (...) Especialmente quando pregamos, que não só lhe preguemos
a outros; senão que nos incluamos entre eles. (....) Quando uma pessoa fala
a Palavra de Deus sem que ela mesma sinta o seu poder, que outra coisa es-
tá fazendo senão mero palavreado? E, que sacrílego é isso! Que corrupção
da Palavra de Deus! Deste modo então, pensemos diligentemente em nós
mesmos; e, cada vez que formos ao púlpito meditemos bem na lição que
aqui se nos dá, ou seja, que a retidão de nosso coração se manifeste em
179
nossa língua”. Continua: “Aqueles que têm o ofício de pregar a palavra de
Deus têm que praticar tanto melhor o que eu disse, ou seja, de ser instruídos
eles mesmos antes de expor algo, de maneira que seu coração fale antes
de suas bocas. Para fazer isso, peçam a Deus que se digne tocá-los de tal
maneira no mais íntimo, que possam ter Sua Palavra bem arraigada na alma,
que possam ser capazes de servir a seus semelhantes e perceber que não es-
tão avançando inadvertidamente por eles mesmos, senão que são dirigidos
180
pelo Espírito Santo”.

Comecemos por pregar para nós mesmos. Pregando sobre o livro de Jó, Calvino
disse: “Quando eu subo ao púlpito não é para ensinar os outros somente. Eu não me
retiro aparte, visto que eu devo ser um estudante, e a Palavra que procede da minha
181
boca deve servir para mim assim como para você, ou ela será o pior para mim”.
182
Como a pregação pertence a Deus, que é o Seu autor, deveríamos ter “sido
183
ensinados por Deus antes que possamos ser senhores e mestres”. Somente
177
João Calvino, As Pastorais, (Tt 2.7), p. 331.
178
João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 39.
179
Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre
Job, p. 205-206.
180
Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre
Job, p. 208.
181
Sermão 95 Apud Bernard Cottret, Calvin: A Biography, Michigan/Cambridge, U.K./Edinburgh:
Eerdmans/T& T. Clark, 2000, p. 294.
182
“Deus, o autor da pregação!” (João Calvino As Institutas, IV.1.6).
183
Juan Calvino, Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 45

assim poderemos ser genuínos mestres, já que, como vimos, “Mestre é aquele
184
que forma e instrui a Igreja na Palavra da verdade”. “O alvo de um bom
mestre deve ser sempre converter os homens do mundo para que voltem
185
seus olhos para o céu”.

O ministro deve cuidar criteriosamente da doutrina e de sua vida pessoal: “Um


bom pastor deve ser criterioso acerca de duas coisas: ser diligente em sua
doutrinação e conservar sua integridade pessoal. Não basta que ele amolde
sua vida de acordo com o que é recomendável e tome cuidado para não
dar mau exemplo, se não acrescentar à vida santa uma diligência contínua
na doutrinação. E a doutrinação será de pouco valor se não houver uma
186
correspondente retidão e santidade de vida”.

Ao ministro compete não apenas ensinar fielmente, mas, viver de modo digno.
Portanto os pastores devem ensinar com fidelidade sendo ele mesmo um exemplo
187
de vida para os fiéis: “A doutrina é a mãe pela qual Deus nos gera”. “Ela [a
doutrina] só será consistente com a piedade se nos estabelecer no temor e
no culto divino, se edificar nossa fé, se nos exercitar na paciência e na hu-
188
mildade e em todos os deveres do amor”.

Deste modo, cabe ao Ministro, aprender na “Escola de Deus” esta lição de vida: A
Palavra foi-nos concedida para que pratiquemos os mandamentos de Deus: as es-
peculações para nada servem: “.... não há na escola de Deus lição que deva
ser mais prudentemente aprendida do que o estudo de uma vida santa e
perfeita. Em suma, a instrução moral é muito mais importante do que as es-
peculações ingênuas, as quais são de nenhum uso óbvio ou prático, à luz do
texto: ‘Toda Escritura é inspirada por Deus é útil.... a fim de que o homem de
Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra’ [2Tm 3.16-
189
17]”.

13) Amigo do Bem: (fila/gaqoj) *Tt 1.8. Amigo do que é bom. Denota devoção
a tudo que é moralmente bom no sentido de resultado da sua atividade; excelente.
Neste sentido, o presbítero deve ser amigo daquilo cuja “beleza” pode não ser a pri-
oridade; no entanto, é algo essencialmente bom para a Igreja. Na administração da
Igreja nem sempre tomamos atitudes que sejam consideradas esteticamente “belas”.
No entanto, devemos agir procurando o que é essencialmente bom. O “bom” nem
sempre é imediatamente agradável, mas é o melhor. A educação e a disciplina não
têm, num primeiro momento, como ingrediente fundamental a satisfação de quem
por elas é exercitado, no entanto, o fruto disso é o bem individual e o da Igreja de
Cristo (Hb 12.4-13).
Job, p. 206.
184
João Calvino, Exposição de Romanos, (Rm 12.7), p. 432.
185
João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.2), p. 301.
186
João Calvino, As Pastorais, São Paulo, Paracletos, 1998, (1Tm 4.16), p. 125.
187
João Calvino,. Galatas, (Gl 4.24), p. 141.
188
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 6.3), p. 164-165.
189
João Calvino, As Pastorais, (1Tm 5.7), p. 136.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 46

Façamos uma pequena digressão. Paulo, escrevendo aos romanos, diz que a
vontade de Deus é “boa” (Rm 12.2).

Falar que a vontade de Deus é boa pode sugerir-nos uma série de conceitos dife-
rentes e até equivocados. O que Paulo está querendo dizer quando declara que a
vontade de Deus é boa?

A idéia de “bem” pode estar circunscrita a uma série de circunstâncias que nos
fazem avaliar o seu significado de forma diferente. Por exemplo, quando digo que
uma faca é boa para cortar carne e, ao mesmo tempo, falo para o meu filho pequeno
não mexer nela porque ela é perigosa... neste caso, usei o mesmo objeto, todavia,
fiz declarações antagônicas, porque o classifiquei dentro de referenciais diferentes: a
faca é boa para cortar carne, todavia, por ser afiada (justamente o que a torna boa
para aquele propósito), traz perigo para uma criança manuseá-la. Isto significa que o
que torna alguma coisa boa para determinada tarefa, pode ser justamente o que a
desqualifica para outra.

Há também a questão do bem individual e do bem coletivo. Quantas vezes esta-


mos dispostos a julgar “bom” aquilo que é melhor para a coletividade e não para nós,
especificamente? Há também caminhos que seguimos que nos parecem ser os me-
lhores, contudo, depois descobrimos que eles tinham apenas uma aparência “boa”
mas que, de fato, não eram; as próprias circunstâncias nas quais estávamos metidos
facultou um tipo de ilusão, uma deficiência na interpretação do fenômeno... Agora,
depois de muitas dificuldades, podemos então perceber o nosso erro e nos arrepen-
der do rumo que tomamos.

Sendo assim, o que Paulo estaria dizendo, então?

A palavra usada por ele para descrever a vontade de Deus, denota o que é moral
e praticamente bom. A vontade de Deus é boa (a)gaqo/j) porque Ele é bom. (Lc
18.19). Deus é bom essencialmente; a Sua vontade também o é. Por Deus ser bom
é que Ele Se comunica com todas as Suas criaturas de modo terno, generoso e be-
nevolente.

A vontade de Deus é boa em si mesma, não estando dependente de épocas ou


circunstâncias; ela é proveniente de um Deus eterno e absolutamente bom. O que
muitas vezes ocorre conosco é que queremos “ensinar” a Deus o nosso “bem” mo-
mentâneo: assim, neste afã, a Igreja ora para que certo político seja eleito, sugere
determinadas soluções para Deus nos dirigir em nossa vida pessoal, encaminha al-
guns procedimentos, solicitando o aval de Deus, etc. Temos, quando muito, uma vi-
são momentânea de “bem” e, mesmo assim, bastante ofuscada pelos nossos peca-
dos e contingências – interesses, predileções, falta de discernimento, entre outras
coisas; no entanto, ainda assim, queremos que Deus faça a nossa vontade... A res-
posta de Deus sempre é boa e, ela é justamente o que desejaríamos, se tivéssemos
190
um perfeito discernimento espiritual.

Quando oramos: “seja feita a Tua vontade”, estamos de fato, confiando na vonta-
de bondosa de Deus, sabendo que ela não é boa apenas naquele momento, naque-
190
Cf. Charles Hodge, Teologia Sistemática, São Paulo: Editora Hagnos, 2001, p. 1540.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 47

las circunstâncias, ou para os nossos interesses egoístas; mas é boa em sua própria
natureza, sendo harmônica com o Ser de Deus, que é bom, santo, justo, amoroso,
fiel.

Moisés, consciente disso, diz ao povo: “O Senhor nos ordenou cumpríssemos to-
dos estes estatutos, e temêssemos o Senhor nosso Deus, para o nosso perpétuo
bem, para nos guardar em vida, como tem feito até hoje” (Dt 6.24).

Portanto, os presbíteros devem ser amantes do que é bom. A vontade de Deus


que é boa em si mesma deve ser a sua paixão em todas as suas decisões.
191
14) Justo: (di/kaioj = reto) Tt 1.8. A justiça denota a conformidade com a Lei
192
de Deus e dos homens, vivendo em harmonia com elas, procurando vivenciar a
Lei de Deus entre os homens.
193
15) Piedoso: (o)/sioj) Tt 1.8. “Devoto”, “santo”. Enquanto que a justiça ressalta
a atitude do homem na sociedade, a “piedade” destaca o seu relacionamento com
194
Deus.

16) Domínio próprio: (e)gkrath/j) *Tt 1.8. “Auto controle”, “disciplina”. Significa
um total autodomínio, controlando as suas paixões, impulsos e apetites; subordinan-
do os seus pensamentos e emoções à vontade de Deus. A palavra é empregada re-
ferindo-se ao apetite sexual (1Co 7.9) e ao treinamento do atleta que em tudo preci-
sa se dominar a fim de preparar-se adequadamente para a competição (1Co
191
Mt 1.19; 5.45; 9.13; 10.41 (três vezes); 13.17, 43,49; 20.4; 23.28,29,35 (duas vezes); 25.37,46;
27.19; Mc 2.17; 6.20; Lc 1.6,17; 2.25; 5.32; 12.57; 14.14; 15.7; 18.9; 20.20; 23.47,50; Jo 5.30; 7.24,
17.25; At 3.14; 4.19; 7.52; 10.22; 22.14,15; Rm 1.17; 2.13; 3.10,26; 5.7,19; 7.12; Gl 3.11; Ef. 6.1; Fp
1.7; 4.8; Cl 4.1; 2Ts 1.5,6; 1Tm 1.9; 2Tm 4.8; Tt 1.8; Hb 10.38; 11.4; 12.23; Tg 5.6,16; 1Pe 3.12,18;
4.18; 2Pe 1.13; 2.7,8 (2 vezes) ; 1Jo 1.9; 2.1; 2.29; 3.7 (duas vezes), 12; Ap 15.3; 16.5,7; 19.2; 22.11.
192
A palavra “justiça” tinha um amplo emprego na Literatura secular e nas Escrituras: A) Na Literatura
Secular: Analisando o substantivo dikaiosu/nh dentro do seu emprego secular, observamos que ele
significava, originalmente, uma atribuição concedida por Zeus (deus grego) aos homens – aos quais,
diferentemente dos animais –, fora conferida a capacidade de agir justamente, a fim de poderem viver
em sociedade. A palavra evoluiu, tomando outros sentidos, tais como: (a) A estrutura do Estado, que
visa o acordo e a amizade. Para Platão (427-347 a.C.) a dikaiosu/nh é fundamental ao Estado e à
alma humana. Ainda que nesta existência a vida dos justos nem sempre seja tranqüila, aqui e no a-
lém os deuses se lembrarão deles. (b) A principal das virtudes humanas, que se manifesta, também,
na obediência às leis do Estado. Esta virtude é útil na paz e na guerra.
A palavra também passou a significar a qualidade do homem justo, que se harmonizava com os
padrões de sua sociedade, cumprindo suas obrigações para com os deuses e para com os homens.
Sendo este homem "di/kaioj", isto é: "justo", "reto". B) No Sentido Bíblico: A palavra "justiça" adquire
na Bíblia o sentido de "retidão". Proceder justamente significa agir conforme o caráter de Deus, Aque-
le que é justo absolutamente: "...Deus é fidelidade, e não há nEle injustiça: é reto e justo (LXX:
di/kaioj)” (Dt 32.4).
O Antigo Testamento, indicando a justiça de Deus manifesta em Seu Reino, declara, numa lingua-
gem figurada, que: "Justiça (LXX: dikaiosu/nh) e direito são o fundamento do teu trono; graça e ver-
dade te precedem” (Sl 89.14). A justiça é o fundamento do Seu governo: "....Justiça (dikaiosu/nh) e
juízo são a base do seu trono" (Sl 97.2).
Deste modo, o homem justo é aquele que está comprometido com os preceitos de Deus. (Ver:
Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001).
193
* At 2.27; 13.34,35; 1Tm 2.8; Tt 1.8; Hb 7.26; Ap 15.4; 16.5.
194
Vd. João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.8), p. 312-313.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 48

195
9.25). Pedro inter-relacionando algumas das virtudes cristãs, estabelece uma co-
nexão imediata entre o conhecimento, o domínio próprio e a perseverança (2Pe 1.6).
Sem dúvida, o progresso no conhecimento de Deus (2Pe 1.8) – através da utilização
dos meios que Deus tem-nos fornecido para o nosso crescimento espiritual (2Pe
–, associa-se ao domínio próprio e à perseverança (u(pomonh/)
196 197
1.3) em resistir
às tentações, fazendo a vontade de Deus. Lembremo-nos de que o domínio próprio
(e)gkra/teia) é um fruto do Espírito (Gl 5.23). Deste modo, o presbítero, como todo o
crente, deve estar humildemente consciente de que a modelagem de seu caráter
dependerá sempre de sua submissão ao Espírito Santo. Deus nos educa por meio
de Sua graça. Quem é educado por Deus sempre revela os frutos dessa divina pe-
dagogia (Tt 2.11-12).
198
17) Apegado à Palavra: (a)nte/xomai) Tt 1.9. “Reter”, “suster”; servir, no senti-
do de lealdade (Mt 6.24 = Lc 16.13). Notemos que todas as qualificações exigidas
para o presbiterato e o diaconato só poderão ser cumpridas, mediante o apego irre-
vogável e devotado à Palavra. “Este é o principal dote do bispo que é eleito es-
pecialmente para o magistério sagrado, porquanto a Igreja não pode ser
199
governada senão pela Palavra”.

18) Apto para exortar e convencer: Tt 1.9. Na Palavra encontramos os recursos


200
que nos tornam “aptos”, “poderosos” (dunato/j = “poder”, “capaz”, “força”) para

195
Em ambos os textos, a palavra utilizada é e)gkrateu/omai, a qual ocorre nesses textos com ex-
clusividade em todo o Novo Testamento.
196
Ver: Hermisten M.P. Costa, A Palavra e a Oração como Meios de Graça: In: Fides Reformata,
São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/2 (2000), 15-48.
197
O substantivo u(pomonh/ (perseverança) e o verbo u(pome/nw [u(pome/nw (u(po/ = “sob” & me/nw =
“permanecer, ficar, esperar, aguardar”)] (perseverar), têm o sentido de persistir, permanecer, firmeza,
constância, paciência, resistência, “permanecer debaixo de”; “manter-se firme debaixo de”. Os termos
descrevem não simplesmente uma atitude passiva de deixar os fatos acontecerem, mas, sim, um
comportamento ativo que enfrenta as dificuldades, tendo uma perspectiva que ultrapassa a simples
visão adversa do momento; é, portanto, uma perseverança viril na prova: aceita os embates da vida
porém, ao aceitá-los, transforma-os em novas conquistas. A palavra quer dizer uma resistência per-
sistente, a despeito das circunstâncias difíceis. Uma fé que se fortalece ainda mais no meio das ad-
versidades [Vd. William Barclay, Palavras Chaves do Novo Testamento, p. 101].
Esta paciência é uma perseverança corajosa, que aceita os desafios de sua fé e permanece fiel ao
seu Senhor; ela é uma qualidade espiritual, o produto de um andar submisso e guiado pelo Espírito.
Por isso ela pode ser descrita como “a graça para suportar”. Esta resistência se alicerça sobre a fé. A
fé consiste na entrega da alma a Cristo, confiando inteiramente nos Seus cuidados. Tal consagração
confere ao crente a disposição e o poder de suportar dificuldades provenientes de sua lealdade irres-
trita a Cristo. A nossa fé, portanto, se evidencia em nossa paciência em suportar as adversidades... E
assim, a vida cristã vai sendo lapidada, aprimorada em seus contornos por meio das dificuldades co-
muns a todos aqueles que querem permanecer fiéis ao Senhor: “A tribulação produz perseveran-
ça” (u(pomonh/)(Rm 5.3); é a fé provada que produz a “constância” (Tg 1.3). “Com efeito, tendes ne-
cessidade de perseverança (u(pomonh/), para que havendo feito a vontade de Deus, alcanceis a pro-
messa” (Hb 10.36).
198
* Mt 6.24; Lc 16.13; 1Ts 5.14; Tt 1.9.
199
João Calvino, As Pastorais, (Tt 1.9), p. 313.
200
* Mt 19.26; 24.24; 26.39; Mc 9.23; 10.27; 13.32; 14.35,36; Lc 1.49; 14.31; 18.27; 24.19; At 2.24;
7.22; 11.17; 18.24; 20.16; 25.5; Rm 4.21; 9.22; 11.23; 12.18; 15.1; 1Co 1.26; 2Co 10.4; 12.10; 13.9;
Gl 4.15; 2Tm 1.12; Tt 1.9; Hb 11.19; Tg 3.2
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 49

201
“exortar” (parakalei=n = “exortar”, “encorajar”, “rogar”, “admoestar”) pelo “reto
ensino” (u(giai/nw = “estar são”, “estar com saúde” e didaskali/a = “doutrina”) e
202
“convencer” (e)le/gxw = “reprovar”, “repreender”) aos que se opõem, gostam de
contradizer a Palavra. As Escrituras são adequadas para isso (2Tm 4.2): Ela edifica
os crentes, anima-os, exorta-os e rebate os ataques dos que se aprazem em contra-
203
dizer, em ser do contra. Notemos então, que a fonte da autoridade do presbítero
para poder exortar e convencer, está na Palavra. Uma advertência para todos nós é:
não tentemos realizar a nossa função fora da Palavra; a autoridade e poder provêm
da Palavra de Deus. Não confundamos nossas opiniões com as Escrituras; a fonte
do nosso pensar e agir deve ser a Escritura, não simplesmente a nossa experiência
de homens amadurecidos e práticos.

A Escritura é útil e suficiente para o ensino e, também para corrigir, para refutar o
erro e repreender o pecado (2Tm 3.16). O termo usado aqui para "convencer" (Tt
204
1.9) já possuía um rico emprego na literatura secular, significando, de modo es-
pecial:

a) A exposição lógica e objetiva dos fatos de uma matéria, com o objetivo de refu-
tar os argumentos de um oponente; daí a idéia de refutar e convencer.

b) A correção do modo de viver dos homens, feita pela consciência, pela verdade
ou por Deus.

Uma idéia embutida na palavra grega é a de evidenciar o erro, expô-lo e trazê-lo à


201
O verbo parakale/w tem o sentido de: implorar (Mt 8.5; 18.29), suplicar (Mt 18.32); exortar (Lc
3.18; At 2.40; 11.23); conciliar (Lc 15.28); consolar (Lc 16.25; 15.32; 1Ts 5.11; 2Ts 2.17); confortar
(2Co 1.4; 7.6); contemplar (2Co 1.4); convidar (At 8.31); pedir (At 9.38; 1Co 4.13; 16.15); pedir des-
culpas (At 16.39); fortalecer (At 20.2,12); solicitar (At 25.2; Fm 9,10); chamar (At 28.20); admoestar
(1Co 4.16; Hb 10.25); recomendar (1Co 16.12; 2Co 8.6; 9.5; 1Tm 6.2).
O escritor de Hebreus orienta os irmãos a exortarem-se mutuamente, para que todos perseverem
firmes em sua fé: “.... Exortai-vos (parakale/w) mutuamente cada dia, durante o tempo que se cha-
ma Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado” (Hb 3.13); “Não dei-
xemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações (parakale/w) e
tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.25). Notemos que todos nós, irmanados na
mesma fé e propósito, devemos estar comprometidos com o consolo, conforto, admoestação e estí-
mulo aos nossos irmãos. Como família de Deus (Ef 2.19) estamos todos juntos e dependemos uns
dos outros para permanecermos firmes, não desanimando. A fraternidade cristã revela-se nesta atitu-
de cooperante. Hoje exercitamos com o nosso irmão o conforto; amanhã somos alvo dessa palavra
grandiosa e necessária em nossa caminhada.
Judas escreveu com este propósito: “Amados, quando empregava toda a diligência em escrever-
vos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exor-
tando-vos (parakale/w) a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue
aos santos” (Jd 3).
202
* Mt 18.15; Lc 3.19; Jo 3.20; 8.46; 16.8; 1Co 14.24; Ef 5.11,13; 1Tm 5.20; 2Tm 4.2; Tt 1.9,13;
2.15; Hb 12.5; Tg 2.9; Jd 15; Ap 3.19.
203
“É um notável tributo à Palavra de Deus, quando o apóstolo diz que ela é adequada
não só para governar os que se deixam instruir, mas também para quebrantar a oposição
obstinada de seus inimigos. O poder da verdade divina é tal que facilmente prevalece con-
tra todas as falsidades” [João Calvino, As Pastorais, (Tt 3.9), p. 314].
204
Vd. H.M.F. Büchsel, E)le/gxw: In: G. Kittel & G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New
Testament, Vol. II, p. 475; H.-G. Link, Culpa: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional
de Teologia do Novo Testamento, Vol. I, p. 572.
Presbíteros e Diáconos: Servos de Deus no Corpo de Cristo – Rev. Hermisten – 12/05/08 – 50

luz, objetivando corrigi-lo. Há na palavra o sentido de "disciplina educativa"; a edu-


cação e a correção devem caminhar juntas (Pv 3.11,12; Hb 12.5; Ap 3.19).

Por isso, Paulo recomenda a Timóteo que pregue a Palavra, porque ela de fato é
útil para a correção: "Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige
(e)le/gxw), repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2Tm 4.2).

Em outro lugar, Paulo insiste com Tito para que repreenda os falsos mestres a fim
de que eles tenham uma fé sadia: "Portanto, repreende-os (e)le/gxw) severamente
205
para que sejam sadios na fé” (Tt 1.13).

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Ao terminarmos estas anotações, é natural que nos perguntemos: quem pode ha-
bilitar-se para estes ofícios? Quem de nós se considera apto para fazê-lo? Certa-
mente, depois de verificarmos aspectos das exigências bíblicas, é possível que ne-
nhum de nós, a começar por mim, se sinta capacitado para o presbiterato ou diaco-
nato. No entanto, creio que esta sensação, ainda que por si só não capacite alguém
a exercer esses ofícios, é um sintoma que pode indicar a nossa real consciência da
responsabilidade de servir à Igreja de Deus como Presbítero e Diácono. Diria mais:
acredito que a ausência do sentimento de incompetência e pequenez diante desta
missão aponta para a ausência de compreensão de sua abrangência e responsabili-
dade. No entanto, tomo aqui a palavra de um teólogo contemporâneo que nos pare-
ce de extrema pertinência:

“Quando Paulo alista as qualificações dos presbíteros, é importante o


fato de ele ajuntar requisitos concernentes a traços do caráter e atitudes
íntimas com requisitos que não podem ser preenchidos em curto espaço
206
de tempo, senão em um período de muitos anos de vida cristã fiel”.

Por outro lado, conforme enfatiza Samuel Miller (1769-1850):

“Quanto mais profundo for o seu senso de inadequação, muito mais


provavelmente se aplicará incessante e insistentemente em buscar o auxí-
lio do alto; e quanto mais próximo viver do trono da graça, muito mais
amplamente partilhará da sabedoria e do fortalecimento de que necessi-
207
ta”.

São Paulo, 12 de maio de 2008.


Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

205
Para um estudo mais detalhado desta palavra, ver: Hermisten M.P. Costa, O Pai Nosso, São Pau-
lo: Editora Cultura Cristã, 2001.
206
Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 768.
207
Samuel Miller, O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, p. 42.

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