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Foladori&Taks - Um Olhar Antropologico Sobre A Questao Ambiental PDF
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UM OLHAR ANTROPOLÓGICO
SOBRE A QUESTÃO AMBIENTAL
ticas são causas que não diferem, qualitativamente, daquelas que, hoje,
são identificadas como responsáveis pela extinção de espécies. Leacky e
Lewin concluem:
* Em inglês no original: ‘to muddle through’ significa ‘se virar’, ‘fazer como se pode’ [N. E.].
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nam do contato de uma cultura com outra. Nos casos mais favoráveis, a
cultura pode mudar internamente, em resultado de uma ação individual,
uma invenção ou uma descoberta. Os conceitos de aculturação ou de mu-
dança cultural são coerentes com o conjunto teórico anteriormente men-
cionado; se uma cultura se reproduz a si mesma, a única possibilidade de
mudança reside em agentes externos: contato entre povos ou catástrofe
natural. Trata-se, então, do consumo que uma sociedade realiza das pau-
tas culturais de outras sociedades, por mecanismos que podem ser de im-
posição violenta ou de aceitação voluntária.
A implicação dos conceitos anteriores é simples: cada indivíduo re-
produz a cultura por meio do consumo de suas pautas culturais. Não há
um só conceito, na antropologia acadêmica dominante, que privilegie ou
destaque quem produz a cultura, como e em que grau. Está claro, além
disso, que o que se consome é algo terminado, um produto. Não obstan-
te, é evidente que algo que existe deve ter sido produzido. Mais do que
isso, a produção implica um processo, o produto é apenas seu resultado.
As modernas correntes da antropologia que redirecionaram seu ob-
jeto de estudo para o simbólico são outro exemplo dessa visão consumista
da cultura. Vejam-se, nas três últimas décadas, a etnometodologia de Gar-
finkel (1967) e seu derivado, a etnoecologia (Durand 2002), bem como o
interpretacionismo simbólico (Geertz 1973) e o culturalismo de um Sah-
lins (1976) pós-materialista. Essas correntes de pensamento reivindica-
vam o simbólico como exclusividade da antropologia, relegando a segun-
do plano a análise da ordem material. Tratava-se de uma autolimitação
desprovida de qualquer justificativa, já que o simbólico sempre foi objeto
de estudo antropológico, desde os primeiros trabalhos holistas de pensa-
dores evolucionistas como Tylor e Morgan. É claro que essa orientação da
antropologia para o simbólico encontra sua explicação tanto no contexto
externo à disciplina como em suas debilidades internas. A penetração do
sistema capitalista até o último rincão do planeta torna inviável estudar os
povos primitivos sem considerar sua integração ao mercado, esfera de co-
nhecimento para a qual os antropólogos não estão preparados. O desapa-
recimento crescente de sociedades primitivas ou indígenas priva os antro-
pólogos de seu objeto de estudo. A reação foi lamentável: o refúgio dos
estudos antropológicos em uma esfera de manifestação humana — o sim-
bólico — na qual, em princípio, as demais ciências sociais não poderiam
competir5. A fragmentação das ciências e sua luta pela sobrevivência no
mercado acadêmico legou à antropologia uma definição restrita da cultu-
ra, e uma quantidade de termos de difícil precisão. Segundo Milton,
UM OLHAR ANTROPOLÓGICO SOBRE A QUESTÃO AMBIENTAL 339
Reflexões finais
Notas
como demonstra o exemplo dos povos do Ártico (Nuttal 2001), é muito recente.
5 O que sempre foi equivocado, uma vez que, a partir da linguagem, a se-
miótica compete com igual autoridade nesse mesmo campo.
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Referências bibliográficas
Resumo Abstract
A presente crise ecológica conduziu a The current ecological crisis has led to
uma revisão de paradigmas em antro- a critical review of anthropology’s
pologia, e ao questionamento da con- mainstream paradigms and to ques-
tribuição da disciplina para a elabora- tions over its contribution to environ-
ção das políticas ambientais e para a mental policy-making and the political
luta dos movimentos ambientalistas. aims of environmental movements.
Este artigo argumenta que a antropo- This article argues that anthropology
logia é valiosa para aqueles que pre- is valuable in two ways for those at-
tendem construir uma sociedade mais tempting to build a more sustainable
sustentável. Primeiro, produzindo in- society. Firstly, it produces critical in-
formação e conhecimento crítico acer- formation and knowledge about the
ca dos significados das atitudes peran- meanings of pre-modern and modern
te o meio natural de humanos moder- human attitudes towards the natural
nos e premodernos. Segundo, e mais environment. Secondly, and more im-
importante, a antropologia poderia portantly, by providing methodological
contribuir, mediante pautas metodoló- guidelines for studying relations bet-
gicas, para o estudo das relações entre ween culture and the environment,
cultura e ambiente. Por um lado, en- anthropology allows us to understand
tendendo essas relações como resulta- these relations as the outcome of mu-
do de processos contraditórios de pro- tually contradictory processes of pro-
dução de sentido, enraizados na trans- ducing meaning – one rooted in the
formação e apropriação desigual da unequal transformation and appropria-
natureza, e contra a visão consumista tion of nature, the other opposed to a
da cultura. Por outro lado, entendendo- consumerist vision of culture. At the
se a cultura como um processo históri- same time, by apprehending culture as
co, a antropologia seria capaz de supe- a historical process, anthropology is
rar os erros derivados do relativismo capable of overcoming the failures of
cultural radical, que até o presente tem radical cultural relativism which have
limitado a participação da disciplina na so far limited the discipline’s participa-
elaboração das políticas ambientais. tion in environmental policy making.
Palavras-chave Antropologia ecológica, Key words Ecological anthropology,
Relações cultura-natureza, Desenvol- Culture-nature relations, Sustainable
vimento sustentável. development.