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O Psicanalista Entre o Mestre e o Pedagogo - Diana Rabinovich
O Psicanalista Entre o Mestre e o Pedagogo - Diana Rabinovich
O Psicanalista Entre o Mestre e o Pedagogo - Diana Rabinovich
com/lacanempdf
O Psicanalista entre o
Mestre e o Pedagogo
Diana S. Rablnovich '
Versão para o português:
Luís Flávio S. Couto'
ABSTRACT This paper presents the first step towards what are called, "four
/ectures in Psychoana/ysis": the lecture ofthe Teacher, the
/ecture oi the Universily, lhe /eclure of lhe Hysteric and
lhe /eclure of lhe Analysl. The lerms lhal make up lhe /eclu-
res (S1, S2 and S) are represenled, as we/1 as lhe invariable
positions (agenl, olher, produclion and truth}. Each /eclure is
thereafter detailed separately, demonstrating each term in its
specific position and in its relatíon to the rest of the terms that
make up lhe /eclure. The lexl uses lhe figure oi lhe four leclu-
res trom those such as Lacan presents in his Seminar: The
olher side oi Psychoanaysis (1969/70), in Radiofonia (1970,
p.99) and in lhe Milan Conference aboul Analytica/ Discourse
(1972) as a basic reference.
9
E .. .
m seu sem1nano O avesso .
-
da psicanálise, Lacan (1969-70) intro-
bre os quatro discursos.
duz a sua teo~iz~ça_o so ma teoria do discurso que domina as
Lacan re1nvind'.~ª - fre~.te ª uas quais esse é O produto de um sujeito
ciências chamad~s. humana\~~~~io _ a primazia da cadeia significante,
centro, de um su1~1to pleno, 1 ui·eito voluntário, consciente, e cuja arti-
que se desloca alem de qua quer s
10
Assim, nada une um significante a um significado determinado; 0 signi
ficante deixa de ser "representação" do significado, do sentido pré-existen
te, e a significação, articulada como produção, deve vencer uma "barreira"
para poder emergir.
O significante, em sua concatenação (metafórica e metonímica), deter
mina o efeito de sentido. Não existe, portanto, sentido algum, qualquer ''ver
dade" que o significante represente ou traduza. O sentido cai enquanto in
tencionalidade do discurso da consciência que "conhece", que "sabe", para
surgir, em troca, como produção - cifrada - da articulação significante.
Desse modo, os valores de verdade e falsidade se rompem no jogo
significante do inconsciente freudiano de onde o sujeito fala sem saber o
que diz, diz a sua verdade sempre "pela metade", disfarçada, no próprio
equívoco de seu sintoma, de seu lapso, de seu sonho... Verdade dita "a
meias" por um sujeito dividido, cuja cisão constitutiva não admite nenhuma
totalização, nenhuma unidade, nenhuma plenitude de sentido.
O que é, então, um significante? Lacan (1975) nos diz: "um significante
é o que representa um sujeito perante outro significante". Representa pe
rante outro significante - em caráter de representante, não de representa
ção, pois o outro significante nada sabe nem se representa - a um sujeito.
O significante, em sua articulação, não representa o que não está, engen
dra-o; aquilo que não está na origem e é engendrado pelo significante é
justamente o sujeito; significante e sujeito são, pois, solidários.
Esse sujeito que Lacan conceitualiza esvaziado de toda substância -
fenomenal, metafísica ou biológica - para fundar uma subjetividade que
recolhemos diariamente na prática psicanalítica, esse sujeito do inconsci
ente pode ser dito, tomando-se como referência o cogito cartesiano, do
seguinte modo: "... penso de onde não sou, logo sou de onde não penso...
não sou, ali de onde sou o joguete de meus pensamentos, penso no que
sou, ali de onde penso não pensar" (Lacan, 1975).
Introduzimos, com a própria definição de significante, três dos quatro
significantes que intervêm na estrutura de cada um dos discursos: S 1 , o
significante que representa o sujeito; S2 , o significante ante o qual o S 1 re
presenta o sujeito e em concatenação com o qual se estrutura a cadeia
mínima necessária para o surgimento da significação S 1 -> S2 ; e S, o suj:i
to sempre cruzado pela barra que o marca como dividido. Essa operaçao
de constituição do sujeito por ação do encadeamento significante entre S 1 e
S2 deixa um resto - nosso quarto termo - o objeto "a", objeto-causa de
desejo, também denominado por Lacan mais-de-gozar.
Eis aqui os quatro discursos, tais como são estabelecidos em Radiofo
nia (Lacan, 1970, p. 99).
11
DISCURSO DA UNIVERSIDADE
j
DISCURSO DO MESTRE
.·x.
S lmpo~oola .,
~"
"
a
"- s
Quadro 1
Lugares
O Agente O Outro
A Verdade A Produção
Termos
S, - o significante-mestre
S 2 - o saber
S - o sujeito
a - o mais-de-gozar
12
Esses discursos não representam nenhum progresso histórico e a pas
sagem de um a outro não marca progressão ou regressão evolutiva, ne
nhum crescimento, nenhuma conclusão, nenhuma hierarquia.
Os discursos mantêm entre si relações de oposição e suplementaçãc
(ver quadro 1).
O título do seminário no qual Lacan formula os quatro discursos - (
Avesso da psicanálise - já marca que a relação entre os discursos devE
ser pensada como uma relação de trama, de textura, de direito e de avesso
como um pano cujo desenho varia segundo a disposição dos fios significan-
tes: o seu horizonte teórico é a banda de Moebius - sem direito nem aves-
so - desprovida de borda até que introduzimos um corte, uma descontinui·
dade, possível apenas pela ação do significante. Não há entre os discursos
qualquer relação de causa e efeito; eles não se explicam um pelo outro.
Nenhum desses discursos é "a verdade". A verdade como lugar está pre-
sente em cada um deles, sempre oculta, e sempre em disjanção com a sua
produção.
Esses discursos não os elegemos. Eles nos elegem e nos arrastam
além de nossa vontade, de nosso "querer dizer'', nos falam apesar de nós.
Examinemos agora, mais detalhadamente, os quatro significantes cuja
articulação configura os quatro discursos.
13
d . 'f' ntes O ventre do grande Outro - diz-nos Lacan (1969-70) -
e s1grn 1ca · · f · d b om t t
está cheio de significantes, fundando, assim, a antas1a o sa er c o o a-
lidade. .
o saber tem uma articulação peculiar com o gozo.
o ser.h umano, en-
quanto parlêtre, falasser, é solidário da insi~tência de u~~ escritura, de um~
cadeia significante cuja repetição leva-o. ale~, (com_o d1z1a Freud), do hori-
zonte homeostático do prazer para abrir a d1mensao do gozo (Cf. Freud,
1920). . _ .
A repetição não é um ciclo natural, e denotaçao precisa de ~m trayo -
o unário - (uma das formas de S,) - , traço que comemora a 1rrupçao do
gozo. . .
Gozo e cadeia significante se ligam. O trabalho do 1nconsc1ente surge
como o próprio jogo da cadeia significante, jogo que produz esse gozo insó-
lito do qual Freud nos falava na identidade de percepção do processo pri-
mário. Esse desejo que se realiza na busca da marca primeira e mítica (Cf.
Freud, 1895 e 1900).
A linguagem define-se, então, como aparato de gozo com o qual a
realidade é abordada. Esse saber que não se sabe limita-se a esse gozo
insuficiente, constituído pelo próprio fato de sua fala.
O gozo é, pois, inseparável da repetição, ultrapassando, assim, o prin-
cípio de prazer. A própria repetição funda-se em um retorno do gozo, repe-
tição na qual se produz algo que é fracasso, defeito, perda. Nesse ponto de
perda, surgirá a função do objeto "a", função que aponta, no campo freudi-
ano, a situação original do objeto perdido.
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dutível daquilo que~ no cam~o da.sexualidade humana, resiste ao signifi-
cante, so~ent: ~.ntao podera fun~1onar como objeto causa de desejo.
No obJeto a confluem duas linhas de desenvolvimento do pensamen-
to freudiano acerca do objeto: o objeto do desejo como objeto perdido e 0
objeto da pulsão como objeto parcial (Cf. Freud, 1900, 1905 e 1915).
Freud sempre enfatizou a importância do objeto perdido, proibido, na
estruturação do desejo inconsciente. Lacan nos diz que a problemática do
objeto em psicanálise é a problemática da falta de objeto. Essa não deve
ser reduzida à presença-ausência fenomenológica: a falta atua para a "cria"
humana através da própria estruturação da ordem simbólica. A falta não
causa o significante; é este, em troca, quem a cria. É daí que Lacan insiste:
no real. nada falta. E o significante que introduz a falta como tal no real.
Recorde-se a conceitualização lacaniana da castração: se a mulher pode
surgir como castrada. privélda, para ser mais exato, é porque, na ordem
simbólica. a primazia do falo. significante simbólico, faz surgir esse objeto
imaginario que falta ali de 011de no real nada falta - o falo materno, atributo
imaginário da mãe fálica
O desejo humano e. certa,nente, sexual, mas se sustenta em ·~raços" e
é a busca repetitiva e incessante desse "primeiro traço" enquanto percep-
ção que. no marco freudiano. alcança a sua realização. Nenhum objeto
pode. portanto. estar-lhe predestinado; o sexo, em sua inscrição significan-
ie. deixa de ser aparelhamento, complementaridade, para mostrar-se como
conflitivo. desgarrado. suplementário. O desejo é, pois, já em Freud, falta.
Falta que. em Lacan, se transmuta: o desejo é desejo de um desejo, isto é,
desejo daquilo que, no outro, é também falta, falta que faz surgir um quoci-
ente. um resto a ser tomado ao pé da letra. Esse resto é o objeto "a".
O objeto ·a", como resto, coloca-nos frente a outra de suas caracterís-
ticas essenciais: sua parcialidade. Já Freud, nos Três ensaios, nos falava
da pulsão como parcial, objeto parcial que os psicanalistas, seguindo mais
Abraham que o próprio Freud, acreditaram necessário e imprescindível ar-
ticular em uma totalidade - chamando-a genital ou depressiva, tanto faz.
Sem dúvida, esse objeto é parte, recorte, que se imprime por sobre o su-
posto objeto da necessidade - o peito nutriz, por exemplo -, esse outro
objeto, para sempre desprendido desse todo que podemos chamar de mãe,
que é o seio, uma das máscaras posslvels do "a".
Porque Lacan chama "a" o objeto do desejo? Resumamos, brevemen-
te, a sua história na álgebra lacaniana. Costumamos dizer o a em castelha-
no como o pequeno "a", embora fosse mais correto chamá-lo "a" minúsculo
(petit a - em francês). Aparece, primeiro, na teoria lacaniana como sfmbo-
lo do outro com minúscula (/'autre), o outro da especularidade, o outro ima-
ginário em torno do qual se estrutura a função narcisice do eu (mo,), funda-
15
menta da estrutura imaginária do eu. Esse "outro" é aquele em torno do
qual surge o objeto de equivalência do transitivismo, objeto da concorrência
especular, que não deve confundir-se com o objeto do desejo.
Com o tempo, o (a) continuará designando esse outro com [a] minús-
culo que faz contraponto na teoria lacaniana com o Outro com maiúscula
(grand Autre), aludindo o primeiro ao campo da intersubjetividade, o outro à
fundação do sujeito no sistema significante.
Porém o "a", objeto do desejo, escapa ao campo imaginário, remete
inexoravelmente à falta no Outro (A), ponto no qual nada aparece no espe-
lho. O objeto "a" carece de imagem especular. O eu (mo,) limita-se a vestir
esse nada que é o lugar do objeto perdido.
Assim, o objeto do desejo e o objeto do narcisismo bifurcam-se. A psi-
canálise abandona a busca do bem do sujeito para abrir a dimensão de sua
realização através do reconhecimento de seu desejo. Não obstante, tenha-
mos presente que ambos os objetos confluem em sua determinação ao
lugar do A, do grande Outro.
Dissemos que o gozo se articula com a repetição da cadeia significan-
te. No marco dessa repetição, encontramos um ponto de perda, de entro-
pia, em termos freudianos, em que se produz um mais a recuperar. Esse
mais-de-gozar a recuperar marca a função por excelência do objeto "a".
Esse resto a recuperar é o produto de uma operação que Lacan cate-
goriza logicamente. Essa operação se realiza entre dois termos: o sujeito, S
e o Outro, A.
A primeira operação é a reunião entre Se A, a segunda é a sua interse-
ção. O produto dessa última é o objeto "a" (Cf. Lacan, 1973a).
A interseção como operação lógica define, pois, o "a" como resto, pro-
duto, quociente. Sem dúvida, a imagem do círculo de Euler se presta a
engano: a zona de interseção não tem qualquer substancialidade. E a inter-
seção de dois nadas, de duas faltas.
O "a" surge no lugar da falta no A e ocupará esse próprio posto no
sujeito. Por isso, o A se transforma em A, isto é, ele próprio é submetido à
ação do significante, ele mesmo carente, incapaz de garantir o verdadeiro
acerca do verdadeiro.
16
coisa_qu_e o recalq~e primário freudiano. A esse sujeito nenhum processo
terapeut1co pode reintegrar-lhe a sua unidade
·d I d , . ·
o um do tod • · b ·
o e aqui su st1-
tu1 o pe o uri:, . o tr~ço unano, um da diferença significante.
Esse ~uJe1to n,ao ~~de_ ser conceituado em termos de organismos ou
d~ necess1~a?es. E S~Je1to Justamente porque essa barra que O divide O faz
~ir.ª ser suJe1to_ deseJante. ~esejante de um objeto perdido, proibido, que
insiste como obJeto do deseJo, ~~capando sempre às redes de S2 , ao mes-
mo tempo que as sustenta. Suie1to da ordem simbólica, está para sempre
enredado na rede significante.
17
DISCURSO DO MESTRE
Aqui, o s, está situado no posto de agente
situação que designa o mito sobre o qual 8~
funda o discurso do mestre, a saber, a suposta
identidade entre o sujeito e o significante que
o representa. Essa identidade entre o sujeito e
o significante sustenta um discurso suposta-
mente unívoco, cuja verdade, S, é a condição
necessária em seu desconhecimento para que
o discurso do mestre possa produzir-se.
s, -->S 2
Discurso marcado pela vontade de domínio (maitrisse), 0
s, nele funciona como significante imperativo, que desco-
nhece a verdade da sua determinação e a sua unidade impossível. Discur-
so da vontade e da legislação, a sua linha superior - S, -> 8 2 - nos
mostra, no nível manifesto, a tentativa de constituir uma rede, desconhe-
cendo o sujeito em sua divisão. É justamente essa escritura, diz-nos Lacan
em Televisão (1975), que é a escritura da sugestão, de uma palavra desti-
nada a fascinar, a dominar (Cf. Miller, G. 1977).
O discurso do domínio solda-se com o discurso da unificação, da tota-
lização, excluindo o sujeito em sua divisão.
18
senhor se encontra desconectado, dividido, separado, ao apresentar-se como
idêntico ao seu próprio significante. O corpo é, aqui, o lugar da inscrição
significante. Esse corpo, que o senhor arrisca e que o escravo prefere con-
servar, é, justamente, o corpo-sede da inscrição que faz o gozo e que pro-
duz, como resto, o objeto "a".
19
ele, ao objeto de seu desejo, - conden~da a ser objeto do desejo do outro
-, por isso mesmo solicita a interpretaçao apenas para melhor rechaçá-la.
3 No original, proporclón. N. A. Utilizamos a excelente tradução sugerida por J. Delmont Mauri. O ,ermo
francês ~,etation" Joga com os dois sentidos possfvels em castelhano: relação e proporção.
20
histérica demonstra que não há qualquer estesia do sexo oposto (nenhum
conhecimento no sentido bíblico) que dê conta da pretensa relação sexual.
"O gozo do qual se suporta é, como todos, articulado pelo mais-de-gozar,
pelo qual, nessa relação, o parceiro não se alcança: 1) para ele, vir mais
que identificando-o ao objeto "a", fato sem dúvida indicado claramente no
mito da costela de Adão, 2) para a virgem, mais que o produzir-se o falo,
seja o pênis imaginado como órgão da intumescência, seja o inverso da
sua função real. Daí as hiâncias: 1) da castração na qual o significante
mulher se inscreve como privação, 2) da inveja do pênis, donde o signifi-
cante homem é vivido como frustração" (Cf. Lacan, 1970).
Diante do discurso histérico, o mestre perde a sua máscara. Ele não é
idêntico ao S 1 (recordemos que um dos nomes posslves do S 1 é o signifi-
cante fálico), ele também está castrado: "Assim, o discurso do mestre en-
contra a sua razão no discurso da histérica, pois, ao fazer-se agente da
onipotência. renuncia a responder como homem a quem lhe solicita sê-lo; a
histérica não obtinha senão saber ... É o saber do escravo o qual, a partir do
seu (do "seu" saber). ele não obteria que a mulher fora a causa de seu
desejo (eu não digo: objeto)."
Assim, o discurso histérico sustenta, na sua linha superior, a função do
pai idealizado para. na linl1a inferior, mostrar a queda dessa idealização
através da incapacidade do saber em apoderar-se do objeto "a", iluminando
a castração do pai.
A íaniasia da histérica também não pode escrever-se como S <> a,
escritura possível apenas no discurso do analista; por isso, Lacan (1961,
19104) fomiula-a como
l'
tre. É a sua versão moderna (segundo Lacan,
'I o discurso da burocracia). Aqui, o S2, o sa-
bar, está em posição dominante. O saber, dis-
cursivo nesse contexto, inscreve-se no fan-
tasma do saber como totalidade. O objeto "a"
S ocupa o lugar do outro para o qual o discurso
se dirige, lugar do estudante, ou, como prete-
re chamar-lhe Lacan, 0 "a" - estudante, que é quem realiza o trabalho.
21
s, o Eu do mestre é a verdade do discurso da unJversld
aquele que, - sem o saber, obedece ao seu impe ªde,
s saber mais. O sujeito universitário sustentado pelor:11~~
1 mestre é um sujeito simulado, que supõe um autor d 1 do
ber (irrompe novamente o sujeito unitário e voluntário), autor sobre OO sa.
por sua vez se sustenta. quru
22
pelo contrário, por estar em progressão em relação ao discurso da universi-
dad: - que o discurso ~o analis!a lhe permitirá delimitar o real do qual faz
funçao a sua 1mposs1b1hdade, seia que ele queira submeter-se à pergunta
do mais-de-gozar que tem, já ef!l um saber, sua verdade, a passagem do
sujeito ao significante-mestre." "E supor o saber da estrutura aquilo que, no
discurso do analista, tem o lugar da verdade" (Lacan, 1970).
O saber colocado no lugar da verdade nos remete ao mito em sua
articulação com a verdade. O saber mítico se opõe ao saber do domínio, ao
saber do mestre. O mito é o campo do semidito, que é a lei mesma, interna,
de toda enunciação da verdade. A verdade surge na análise na dimensão
do dito, do dizer em análise, de um dizer que não é da planificação consci-
ente, o que Freud apontava ao estabelecer a regra da associação livre.
A regra fundamental propõe ao sujeito criar por seu dizer, sem restrição,
a seqüência das associações livres. Assim, a verdade no contexto do dizer
psicanalítico, aquele que, pela via da associação livre, nos conduz às forma-
ções do inconsciente, se opõe a todo conceito de verdade fundado na pre-
sença plena, na origem clara. A verdade é, por isso, um posto em cada dis-
curso, posto sempre latente, posto aberto à rotação significante. É, pois, essa
verdade a meias que o conceito de recalcamento freudiano formula: o dito
entre linhas, entre letras, apesar de nós, palavra em chave do inconsciente,
aquilo que nos define, enquanto analistas, como decifradores de um sistema
significante que, se bem podemos conhecer sua lógica, não deixa, por isso,
de se nos apresentar como uma incógnita no começo de cada análise.
Frente à pergunta o que é o saber como verdade, a resposta de Lacan
é "um enigma". O enigma é, por excelência, um dito a meias, - tal qual a
quimera, meio corpo destinado a desaparecer quando se encontra a solu-
ção. Enigma de uma metade de sujeito, S, que, situado como agente do
discurso da histérica, se desenvolve no processo analítico.
Como escutá-lo sem responder em termos de saber, a não ser pela
busca do S que, como sujeito, o constitui?
A estr~tura do discurso analítico nos indica o caminho: colocando o
saber no lugar da verdade, definição, para Lacan, da interpretação na qual
se articulam o enigma e a citação.
O enigma é uma "enunciação sem enunciado" que surge como possí-
vel de ser colhido na trama mesma do dizer do sujeito.
A citação é um "enunciado com reserva de enunciação" capturado no
próprio texto, reconhecido apenas no contexto do autor, marcado por sua
pertinência a um certo discurso (Chemama, 1977).
Essa caracterização do trabalho analít!co abre a _pergunta :ic~~c.~ des-
se dizer que em análise, torna-se acontecimento, cuia queda e o a .
o anali;ta colocado no lugar da aparência do "a" é, pois, produto desse
23
dizer, seu dejeto. Dizer contingente que, no trabalho analítico, torna-se ne.
cessá rio.
Essa transformação da contingência em necessidade de dizer da as.
sociação livre leva-nos à tese lacaniana do sujeito suposto saber. J.A. Miller
(1979) assinala que o sujeito é suposto saber e não pertence à fenomeno.
logia da transferência. Incluí-lo nesse campo redunda na degradação do
próprio conceito, que é fórmula nos seguintes termos: "O sujeito suposto
saber é transfenomênico, efeito constituinte da transferência, que deve dis.
tinguir-se dos efeitos constituídos que o sucedem ... Se Freud dá o começo
da formulação do sujeito suposto saber, não é de modo algum na fenome-
nologia da transferência. É no enunciado, ou melhor, nos diferentes enunci-
ados que ele deu da regra chamada fundamental, enunciado que Lacan, se
se quer, estabiliza na expressão sujeito suposto saber ... A regra fundamen-
tal, com efeito, convida o analisante a criar com o seu dizer, e sem cálculo,
a seqüência significante chamada de associações livres, ou seja, não re-
cursivas ... Ela, nisso, é totalmente obrigatória, ao estipular a seguinte res-
trição: que toda restrição em sua criação está proibida, o que quer dizer que
ela proscreve todo algoritmo que por cálculo se daria ao sujeito."
A seqüência aparentemente contingente do dizer do analisante torna-
se, através de sua transmissão no contexto analítico, necessária: é esse
efeito. em resumo, o que Lacan denomina sujeito suposto saber, fundador
estrutural da transferência.
O discurso psicanalítico instaura a especificidade da tarefa psicanalíti-
ca ao redor da disposição de quatro significantes-chaves. O exame de algu-
mas teorizações no campo da psicanálise mostra-nos o deslizamento que
se produz, devido à falta de rigor teórico, no próprio conceituar desses qua-
tro significantes, até de outros discursos. Esse deslizamento é um traço
inerente à própria estrutura do discurso. Considero, sem dúvida, que o rigor
teórico surge como uma necessidade da nossa prática, definindo a especi-
ficidade do discurso do analista, que tende a perder-se entre a multidão de
discursos ·~erapêuticos" e, inclusive, "psicanalíticos" que se aproximam mais
da didática, dos sermões ou do governo que da psicanálise. Podemos to·
mar como exemplo aquelas formulações que, ao definirem o objeto da psi·
canálise desde uma perspectiva, no meu entender, errada, culminam em
propostas apartadas do discurso analítico.
. O obje~o "a" se enraíza, dizíamos, na tradição freudiana do objeto par·
c1al da pulsao e do objeto do desejo. Seu caráter de objeto parcial, de obje·
to-causa, de o_bj~to ~erdido, de signo, como nos dizia Freud, torna impossí-
vel a sua ass1m1laçao tanto a um objeto ·~otalizante" quanto a um objeto
"real" (1975a).
Esse objeto paradoxal que o psicanalista descobre e que Lacan forma·
24
liza como objeto "a" !ende a ser reabsorvido por uma teorização convencio-
nal que obscurece, J_untamente com a sua originalidade, 0 próprio sentido
da ~escobe~a freu~1ana. Uma das raízes da inflexão peculiar que sofre a
noçao de obJeto reside n~s conc_eitos esboçados por Karl Abraham (1959).
A obra de_ Abra~?m cont~m muitos elementos ainda hoje valiosos para 0
pensar ps1canallt1co. Porem, a partir dela, foi gerada uma série de confu-
sões centrais relativas à função do objeto.
Co~o A~raham ~nfoca o problema do objeto? Estudioso, em.princípio,
da embriologia, considera o objeto sob o ângulo da evolução maturativa
dos instintos. O objeto da pulsão é parcial como conseqüência da imaturi-
dade do sujeito, da criança nesse caso. A pulsão deixa de ser uma subver-
são do instinto, como Freud articulou, para achatar-se, em sua dimensão
conceituai, ao ficar reduzida a uma problemática da imaturidade perceptual
ou outra, que substitui a dimensão do desejo e a sexualidade perversa po-
limorfa dos Três ensaios. O objeto do desejo, o objeto da pulsão viram-se
em direção à problemática do objeto de amor. Surge, então, a oposição
entre o amor parcial e o amor total; o primeiro, imaturo, o outro, maduro.
O adjetivo total, ausente da obra de Freud, exceto no contexto do nar-
cisismo, apodera-se da cena analítica. O amor deve totalizar-se. Desenha-
se, assim, um novo modelo: o objeto de amor total (toda a pessoa), e o
objeto pós-ambivalente (Eros e Tânatos fusionados em uma unidade que
elimina a ambivalência, entendida tão somente em sua vertente amor-ódio,
representante único e direto da oposição fusional do Além do princípio do
prazer').
O mito da unicidade projeta-se sob uma nova máscara no campo da
psicanálise: o amor objetivo, genital, pós-ambivalente. Essa unicidade as-
sim reintroduzida marca, não apenas a unidade do sujeito e do objeto, como
também a unidade e a harmonia entre o sujeito e o real, a unidade conse-
guida do sujeito consigo mesmo.
O sujeito dobra-se ante o princípio da realidade: passa de uma aper-
cepção ilusória do mundo ao serviço do princípio de prazer (tese que sus-
tenta grande parte do desenvolvimento da criança na teoria kleiniana que
se encontra como continuação direta com a de Abraham) a uma plena cap-
tação do real. . .
o objeto parcial da pulsão, porém,. e a_ ma~ca que const1tu1: em s~a
repetição incessante, o objeto do d~seJo nao sao er~os perceptivos, n~o
são "percebidos" como parciais devido a uma 1m_atundade da perc~pçao
que se articula, em algumas teorias, com o conceito de fortaleza 1n~tmtual
que potencia a deformação da imaturidade. E~t.ruturam-se_como tais pela
ação do significante, não por uma suposta deb1hdade da criança, pequeno
selvagem necessitado de salvação (Cf. Lacan, 1973).
25
O processo primário busca a identidade de percepção, e ela depend
da insistência da cadeia significante. O processo secundário busca a ide ~
tidade de pensamento, e ela depende, também, de uma cadeia significani:
não de uma realidade pré-estabelecida. '
Nossa função, enquanto analistas, é colaborar no advento e no reco.
nhecimento do desejo inconsciente, função que se indica no discurso do
analista, através desse impossível que, no manifesto, articula a sua primei-
ra linha: S <> "a", a fórmula da fantasia, através da qual o "a" chega ao
sujeito. Nossa função se afasta, pois, da ortopedia do desejo. Não cremos
que tornar consciente o inconsciente seja sinônimo de "secundariza(', de
adaptar o desejo ao processo secundário, formulação que somente se pode
sustentar no desconhecimento dos enunciados da teoria freudiana.
Fazer surgir o objeto-causa de desejo do dizer do analisante nada
tem que ver com uma suposta adequação do paciente à "realidade", no
sentido habitual do termo. Não implica qualquer juízo sobre qual seja o
melhor objeto para o sujeito, a não ser a recuperação da sua dignidade
enquanto sujeito.
Em seu Seminário sobre a transferência (1961 ), Lacan assinala que a
dignidade do sujeito foi confundida com a sua individualidade enquanto cor·
poralidade. O advento do desejo na análise marca, pelo contrário, esse
algo irredutível, único. insubstituível, essa relação privilegiada a qual culmi·
namos enquanto sujeitos no desejo. A realização do desejo não é a posses·
são de um objeto, mas a emergência, como tal, da realidade do desejo.
Frente à proposta lacaniana, alça-se a figura do analista "mestre", aquele
que sabe (S, no lugar de agente) antes onde está a verdade do sujeito.
Corrigir sua "parcialidade perceptiva", corrigir sua visão fantasmática dos
outros, conhecer o '1odo" desses outros (o grande Outro obviamente não
existe). dos outros imaginários que aqui deslizam, seria essa a função do
analista. Curioso contra-senso, aquilo que, em sua estrutura, sustenta o
drama subjetivo passa pelo reconhecimento da ausência, da falta sobre a
qual o Outro se apóia, se sustenta. Esse drama se chama castração.
Esse deslizamento que gira em torno do não reconhecimento da cas·
tração, do caráter estruturalmente cindido do S, cai facilmente na queda do
discurso do senhor. Não somos, então, apenas mestres, somos senhores
idênticos a nosso próprio significante, por exemplo, "o analista", cuja caries·
lura grotesca brota na mania interpretativa do "aqui, agora, comigo" a todo
cust~. Confundimos o sujeito suposto saber que opera de maneira transfe·
nomernca na transferência com nossa própria pessoa. Somos a saúde, a
maturidade, o modelo saudável e salvador. Identificando-se a ele, o anali·
sante chegará à sua realização.
Oscilamos, então, entre uma variante do discurso universitário, na
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qual a análise se torna aprendizagem e O incon . t d 1 _
· L"b . . sc1en e e ormaçao per-
ceptiva. 1 aramos
.
o sujeito
.
de seu erro , perm·1t·in do- Ih e a 1cançar o "real"
- e uma "..ariante do discurso do '."estre, cuja linha superior era, diríamos,
da sugesta?, desnudando a tendencia a legislar O desejo_ como se isso
fosse poss1vel -, ofe~ecendo-nos como modelo da plenitude subjetiva,
manchando o nosso discurso, sem conseguir jamais O todo b
cruza o Outro, fl.... ' · ª
• arra que
fl...
--> A Em amb?s os casos, estamos longe do saber como verda-
de, poss1vel, apenas, aceitando ser esse desejo do discur-
. . . so do analisante, que é o objeto "a", e abrindo a pergunta
obngatona sobre a verdade de nosso desejo enquanto psicanalistas (1978).
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Endereço da autora:
Diana S. Rabinovich
Arenales, 1161, 4'piso, 1061
Buenos Aires, Argentma
Te/: 48137921
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