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A Manipulaçao Do Homem Através Da Linguagem - Alfonso López Quintás
A Manipulaçao Do Homem Através Da Linguagem - Alfonso López Quintás
http://www.alfredo-braga.pro.br/discussoes/manipulacao.html
Não basta viver num regime democrático para ser livres de verdade. A
liberdade deve ser conquistada dia a dia opondo-se àqueles que ardilosamente
tentam dominar-nos com os recursos dessa forma de ilusionismo mental que é a
manipulação. Esta conquista só é possível se tivermos uma idéia clara a
respeito de quatro questões: 1º) O que significa manipular? 2º) Quem
manipula? 3º) Para que manipula? 4º) Que tática utiliza para este fim? A
análise destes quatro pontos permitir-nos-á discernir se é possível dispor
de um antídoto para a manipulação. Estamos a tempo de defender nossa
liberdade pessoal e tudo o que ela representa. Façamo-lo decididamente.
Esta redução ilegítima das pessoas a objetos é a meta do sadismo. Ser sádico
não significa ser cruel, como geralmente se pensa. Implica em tratar uma
pessoa de uma forma que a rebaixa de condição. Esse rebaixamento pode
realizar-se através da crueldade ou através da ternura erótica. Quando,
ainda em tempos recentes, introduzia-se um grupo numeroso de prisioneiros
num vagão de trem como se fossem embrulhos, e os faziam viajar durante dias
e noites, o que se pretendia não era tanto fazê-los sofrer, mas aviltá-los.
Sendo tratados como meros objetos, em condições subumanas, acabavam
considerando-se mutuamente seres abjetos e repelentes. Tal consideração os
impedia de unirem-se e formar estruturas sólidas que poderiam gerar uma
atitude de resistência. Reduzir uma pessoa à condição de objeto para
dominá-la sem restrições é uma prática manipuladora sádica. Já a carícia
erótica reduz a pessoa ao corpo, a mero objeto de prazer. É reducionista, e,
nessa mesma medida, sádica, ainda que pareça terna. A carícia pode ser de
dois tipos: erótica e pessoal. Para compreender o que, a rigor, o erotismo
é, recordemos que, segundo a pesquisa ética contemporânea, o amor conjugal
apresenta quatro aspectos ou ingredientes:
2. Quem manipula?
Manipula aquele que quer vencer-nos sem convencer-nos, seduzir-nos para que
aceitemos o que nos oferece sem dar-nos razões. O manipulador não fala à
nossa inteligência, não respeita nossa liberdade; atua astutamente sobre
nossos centros de decisão a fim de arrastar-nos a tomar as decisões que
favorecem seus propósitos.
4. Como se manipula?
Numa democracia as coisas não são fáceis para o tirano. Ele quer dominar o
povo, e deve faze-lo de forma dolosa para que o povo não perceba, pois, numa
democracia, o que os governantes prometem é, antes de tudo, liberdade. Nas
ditaduras se promete eficácia à custa das liberdades. Nas democracias se
prometem níveis nunca alcançados de liberdade ainda que à custa da eficácia.
Que meios um tirano tem à sua disposição para submeter o povo enquanto o
convence de que é mais livre do que nunca?
Esse meio é a linguagem. A linguagem é o maior dom que o homem possui, mas
também, o mais arriscado. É ambivalente: a linguagem pode ser terna ou
cruel, amável ou displicente, difusora da verdade ou propagadora da mentira.
A linguagem oferece possibilidades para, em comum, descobrir a verdade, e
proporciona recursos para tergiversar as coisas e semear a confusão. Basta
conhecer tais recursos e manejá-los habilmente, e uma pessoa pouco preparada
mas astuta pode dominar facilmente as pessoas e povos inteiros se estes não
estiverem de sobreaviso. Para compreender o poder sedutor da linguagem
manipuladora, devemos estudar quatro pontos: os termos, os esquemas, as
propostas e os procedimentos.
A) Os termos
B) Os esquemas mentais
Do mau uso dos termos decorre uma interpretação errônea dos esquemas que
articulam nossa vida mental. Quando pensamos, falamos e escrevemos, estamos
sendo guiados por certos pares de termos: liberdade-norma, dentro-fora,
autonomia-heteronomia... Se pensamos que estes esquemas são dilemas, de
forma que devamos escolher entre um ou outro dos termos que os constituem,
não poderemos realizar nenhuma atividade criativa na vida. A criatividade é
sempre dual. Se penso que o que está fora de mim é diferente, distante,
externo e estranho a mim, não posso colaborar com aquilo que me rodeia e
anulo minha capacidade criativa em todos os níveis.
Um dia uma aluna disse em classe o seguinte: "Na vida temos que escolher: ou
somos livres ou aceitamos normas; ou agimos conforme o que nos vem de dentro
ou conforme o que nos vem imposto de fora. Como eu quero ser livre, deixo de
lado as normas". Esta jovem entendia o esquema liberdade-norma como um
dilema. E assim, para ser autêntica, para agir com liberdade interior se
sentia obrigada a prescindir de tudo o que lhe tinham dito de fora sobre
normas morais, dogmas religiosos, práticas piedosas, etc.. Com isso se
afastava da moral e da religião que lhe foi dada e - o que é ainda mais
grave - tornava impossível toda atividade verdadeiramente criativo.
Aqui está o temível poder dos esquemas mentais. Se um manipulador lhe sugere
que para ser autônomo em seu agir você deve deixar de ser heterônomo e não
aceitar nenhuma norma de conduta que lhe seja proposta do exterior, diga-lhe
que é verdade mas só em um caso: quando agimos de modo passivo, não
criativo. Seus pais pedem que você faça algo, e você obedece forçado. Então
você não age autonomamente. Mas suponhamos que você percebe o valor do que
foi sugerido e o assume como próprio. Esse seu agir é ao mesmo tempo
autônomo e heterônimo, porque é criativa.
Quando era criança, minha mãe me dizia: "Pega esse sanduíche e dá ao pobre
que tocou a campainha". Eu resistia porque era um senhor de barba comprida e
me dava medo. Minha mãe insistia: "Não é um bandido; é um necessitado. Vai
lá e dá para ele". Minha mãe queria que eu me iniciasse no campo de
irradiação do valor da piedade. O valor da piedade me vinha sugerido de
fora, mas não imposto. Ao reagir positivamente ante esta sugestão de minha
mãe fui, pouco a pouco, assumindo o valor da piedade, até que se converteu
numa voz interior. Com isso, este valor deixou de estar fora de mim para
converter-se no impulso interno do meu agir. Nisto consiste o processo de
formação. O educador não penetra na área de imantação dos grandes valores, e
nós os vamos assumindo como algo próprio, como o mais profundo e valioso de
nosso ser.
D) Os procedimentos estratégicos
Há diversos meios para dominar o povo sem que este repare. Vejamos um
exemplo; nele eu não minto mas manipulo. Três pessoas falam mal de uma
Quarta, e eu conto a esta exatamente o que me disseram, mas altero um pouco
a linguagem. Em vez de dizer que tais pessoas concretas disseram isso, digo
que é o pessoal que anda falando. Passo do particular ao coletivo. Com isso
não só infunde medo a essa pessoa mas também angústia, que é um sentimento
muito mais difuso e penoso. O medo é um temor ante algo adverso que nos
enfrenta de maneira aberta e nos permite tomar medidas. A angústia é um medo
envolvente. Você não sabe a que recorrer. Onde está "o pessoal" que te
atacou com maledicências? "O pessoal" é uma realidade anônima, envolvente,
como neblina que nos envolve. Sentimo-nos angustiados.
Tal angústia é provocada pelo fenômeno sociológico do boato, que parece ser
tão poderoso quanto covarde devido a seu anonimato. "Andam dizendo tal
ministro praticou um desvio de verbas". Mas quem anda dizendo? "O pessoal,
ou seja, ninguém em concreto e potencialmente todos".
Resumindo: a vertigem não exige nada no princípio, promete tudo e tira tudo
no final. A vertigem te enche de ilusões (ilusiones) e acaba convertendo-te
num iludido.
Levar a cabo esta tarefa criativa na sociedade atual depende em boa medida
dos meios de comunicação. Um dia e outro, com o poder de persuasão exercido
pela insistência, os meios abrem ante o homem atual duas vias opostas: a via
da criatividade e a edificação cabal da personalidade, e a via da fascinação
e o desmoronamento da vida pessoal. Quando se fala de manipulação, se alude
a uma forma de abuso dos meios de comunicação que tendem a encaminhar as
pessoas por uma via destrutiva.
NOTAS: