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Público Alvo: Estudantes do 3o ano do ensino médio integrado aos cursos técnicos
Apresentação do Tema:
A relação entre mídia e poder pode ser abordada de diferentes perspectivas. Nesta aula,
opto por apresentar essa relação a partir de situações-problema vivenciadas na
contemporaneidade. Assim, apresentarei para os estudantes a ideia de “pós-verdade”, que se
espalhou nas notícias e nas análises sobre a eleição de Donald Trump nos EUA e o resultado
do plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia em 2016. Qual a
relação entre os meios de comunicação de massa com a produção da chamada “era da pós-
verdade”? Diferentemente das análises que apresentam essa situação como nova e decorrente
do aumento do acesso à informação por meio das redes sociais, irei apresentar algumas
interpretações sociológicas mais antigas sobre a relação entre mídia e poder que nos ajudam a
entender essa situação, tais como os conceitos de opinião pública, indústria cultural, meios
de comunicação de massa, violência simbólica. Para tanto, irei apresentar aos estudantes
certas teorias sobre a relação entre mídia e poder, desenvolvidas por sociólogos e filósofos
(particularmente os trabalhos de Adorno e Horkheimer e de Bourdieu).
Objetivos da aula:
Espera-se como objetivo geral que ao final desta aula os estudantes sejam capazes de
identificar os efeitos políticos produzidos pelos meios de comunicação de massa, dentre eles,
a amnésia em relação à história dos fatos noticiados, a indistinção entre o verdadeiro e o falso,
a atopia das notícias veiculadas.
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Além disso, busca-se apresentar para os estudantes alguns conceitos produzidos por
estudos sociológicos da relação entre mídia e política, dentre eles: a opinião pública, a indústria
cultura, os meios de comunicação de massa, a violência simbólica. Com esses conceitos em
mãos, os estudantes poderão analisar sua realidade e problematizar algumas situações
contemporâneas, como a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, o sucesso de
políticos que fazem uso deliberado de mentiras e de notícias falsas, com o intuito de manipular
a mídia e os eleitores.
Conteúdo programático:
“Em seu estado atual, a pesquisa de opinião é um instrumento de ação política; sua função
mais importante consiste talvez em impor a ilusão de que existe uma opinião pública que é
a soma puramente aditiva de opiniões individuais; em impor a ideia de que existe algo que
seria uma coisa assim como a média das opiniões ou a opinião média. A ‘opinião pública’
que se manifesta nas primeiras páginas dos jornais sob a forma de percentagens (60% dos
francesas são favoráveis à pena de morte, por exemplo), esta opinião pública é um artefato
puro e simples cuja função é dissimular que o estado da opinião em um dado momento do
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tempo é um sistema de forças, de tensões e que não há nada mais inadequado para representar
o estado da opinião o que uma porcentagem”. (Bourdieu, 1983)
A função principal da opinião pública é legitimar o poder daqueles que detêm o poder.
“A opinião pública está conosco” é um argumento poderoso nessa legitimação. A mídia e os
políticos a utilizam sobremaneira. Donald Trump, cujo discurso serviu de mote para a nossa
discussão, quando candidato à presidência dos EUA soube se utilizar da opinião pública: ele
levantou temas que eram de interesse de certas parcelas da população americana, como a
questão da construção de um muro entre os EUA e o México e a criação de leis mais restritivas
à imigração. Assim, nas palavras de Bourdieu, “tal é o efeito fundamental da pesquisa de
opinião: constituir a ideia de que existe uma opinião pública unânime, portanto legitimar uma
política e reforçar as relações de força que a fundamentam ou a tornam possível” (Bourdieu, p.
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Além dessa discussão sobre a opinião pública, irei abordar um outro tema associado à
relação entre mídia e poder. Ao produzir o espetáculo, os meios de comunicação de massa
transformam tudo em entretenimento: guerras, genocídios, greves, festas, cerimônias
religiosas, catástrofes. Adorno e Horkheimer (2006), por meio do conceito de indústria
cultural, problematizaram essa dimensão da mídia: ela passa a exercer um controle não
somente sobre o tempo do trabalho – tal como o capitão da indústria no período áureo do
capitalismo industrial –, mas também sobre o nosso tempo de descanso. Em oposição à obra
de arte, que transcende o mundo em que vivemos, a arte da indústria cultural passa a ser uma
‘arte sem sonho’, é sono em que adormecem a criatividade, a consciência, a sensibilidade, a
imaginação, o pensamento e a crítica tanto do público como do artista. O descanso passa a ser
uma mercadoria, tal como o trabalho o é na sociedade capitalista. Há, assim, uma colonização
do tempo livre do trabalhador. Os meios da indústria cultural buscam meios para ser
consumidos em estado de distração, sem ofender as sensibilidades, sem chocar, sem chamar à
reflexão. Nas palavras de Marilena Chaui, “a indústria cultural vende cultura. Para vendê-la,
deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-
lo, fazê-lo pensar, trazer-lhe informações novas que perturbem, mas deve devolver-lhe, com
nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez. A ‘média’ é o senso comum cristalizado, que a
indústria cultural devolve com cara de coisa nova” (Chaui, 2006, p. 29-30). Para agradar esse
espectador médio, as televisões investem pesado nos institutos de pesquisa de opinião.
Adorno e Horkheimer demonstram como durante o nazismo o rádio foi utilizado como
meio de persuasão e de mobilização da população ao redor dos ideais nazista. Conferências de
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intelectuais nazistas, discursos de Hitler, transmissão de paradas militares, entrevistas com
militantes e intelectuais do partido nazista, transmissão de notícias diretamente das frentes de
guerra, foram empregados para convencer a sociedade alemã da grandeza, da justeza e do
poderio do Terceiro Reich.
Como vimos no caso de Trump, os meios de comunicação de massa nos EUA, em
especial a televisão, não exerceram sua autonomia em relação ao discurso do candidato,
buscando avaliar se as declarações do presidenciável eram verdadeiras ou não, se estavam
assentadas em fatos reais ou não. Eles simplesmente reproduziram as declarações de Trump,
que assim conseguiu obter uma publicidade gratuita para sua campanha eleitoral. A notícia
também passa a ser uma mercadoria e está sujeita ao tribunal dos índices de audiência, como
demonstrou Pierre Bourdieu (1997).
Como muitos intelectuais destacam, com a indústria cultural há uma certa amnésia, uma
ausência de referência temporal, e uma atopia das imagens. Topos designa a referência ao
espaço geográfico. As comunicações de massa, ao saltar de uma notícia sobre um país a outra
sobre outro país, passam a desconsiderar as determinações econômicas-territoriais, assim
ignoramos os antecedentes temporais e as consequências dos fatos noticiados, não podendo
compreender seu verdadeiro significado. Isso está por trás de nossa displicência em buscar
saber se uma notícia veiculada nas redes sociais é verdadeira ou falsa. Por isso, políticos como
Donald Trump se saem tão bem na chamada “era da pós-verdade”.
Como destacado por Chaui (2006), há uma saturação da informação, mas ao final,
depois de termos tido a ilusão de que fomos informados sobre tudo, nada sabemos. Se não
dispomos de recursos que nos permitam avaliar a realidade e a veracidade das imagens
transmitidas, somos persuadidos de que efetivamente vemos o mundo quando ligamos a
televisão.
A televisão, segundo Bourdieu (1997), apresenta uma ameaça à democracia, pois ela
pode ser um instrumento de opressão simbólica. Como exemplo, o sociólogo francês demonstra
como a televisão francesa concedeu espaço para os fomentadores de discursos e de atos
xenófobos e racistas, em busca de mais audiência. A televisão impõe uma censura ao
desenvolvimento do pensamento. A primeira delas, segundo Bourdieu, refere-se ao tempo:
tudo é controlado, não se pode dar ao pensamento seu próprio tempo de elaboração. Tudo deve
ser dito rapidamente, e passado para outro assunto. Há uma pressão da urgência. Busca-se um
pensamento ligeiro, por isso se pensa muito nos meios de comunicação a partir de ideias feitas,
convencionais, clichês.
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Assim, a televisão colabora com a manutenção da ordem simbólica. O conceito de
violência simbólica, elaborado pelo sociólogo francês, é de fundamental importância para se
entender esse mecanismo. A violência simbólica é uma violência que se exerce com a
cumplicidade tácita dos que a sofrem e também, com frequência, dos que a exercem, na medida
em que uns e outros são inconscientes de exercê-la ou de sofrê-la.
Transmite-se, com frequência, fatos-ônibus, aqueles que indignam todo mundo, que
não envolvem disputas, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo.
Por exemplo, é comum apresentar situações de violação dos direitos humanos em outros países,
mas aquelas realizadas no próprio país, que podem suscitar uma discussão sobre diferentes
pontos de vista, não são exibidas. Nas palavras de Bourdieu:
Segundo Umberto Eco, uma das regras da manipulação consiste em: “Mostrem-se
coisas importantes apenas se acontecerem em outro país”. Nesse sentido, a televisão oculta
mostrando, mostrando aquilo que não é preciso mostrar, algo insignificante. Outra regra da
manipulação, segundo Umberto Eco, consiste em “as notícias relevantes devem ser apenas
narradas, as irrelevantes devem ser também filmadas”.
O principal princípio de seleção do que deve ser mostrado visa a conquista do índice
de audiência, por isso as notícias sobre o sensacional e o espetacular são aquelas que mais são
veiculadas. A televisão dramatiza, segundo Bourdieu (1997), ela põe em cena, em imagens,
um acontecimento e exagera sua importância e gravidade, o caráter trágico, criando muitas
vezes pânico moral nas cidades e países, produzindo as condições de emergência de um líder
carismático. Há uma perseguição do furo jornalístico, daquilo que ninguém disse antes sobre
uma situação.
Como já vimos na discussão sobre a indústria cultural, utilizada durante o nazismo,
sobretudo por intermédio do rádio, há efeitos políticos de mobilização produzidos pela mídia.
Ela pode fazer existir ideias, representações, grupos. As variedades de notícia, os incidentes
extraordinários podem estar carregados de implicações políticas capazes de desencadear
sentimentos fortes, frequentemente negativos, como o racismo, a xenofobia, o medo-ódio do
estrangeiro. O mundo social passa a ser descrito e prescrito pela televisão. Ela define qual será
a pauta do dia de políticos. Um dos motivos da luta política é a capacidade de impor princípios
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de visão e divisão do mundo, óculos a partir dos quais as pessoas veem o mundo segundo certas
divisões: os nacionais e os estrangeiros, os americanos e os imigrantes, os moradores de bem
e os baderneiros dos movimentos sociais etc. Quem consegue impor seus próprios princípios
de visão do mundo acaba por exercer uma violência simbólica sobre os outros.
Procedimentos metodológicos
Procedimentos avaliativos
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“Um jovem, Truman, ao nascer, foi vendido pela família para um programa de televisão, o
‘Truman Show’, transmitido ao vivo durante 24 horas para todo o país. Truman não sabe
que é uma personagem de televisão e não sabe que a cidadezinha onde nasceu, cresceu e
vive, a escola que frequentou, o emprego que possui, as pessoas que conhece e com quem
convive não existem realmente, mas são atores. Não sabe que, desde o nascimento, vive em
um cenário e que é visto por todo o país todas as horas do dia. Por acaso descobre a verdade
e terá que tomar uma decisão essencial: permanecer na ficção como espetáculo ou tornar-se
homem verdadeiro e mostrar a verdade, enfrentando-a. Ele se decidirá pela segunda
alternativa. O ponto alto do filme, porém, encontra-se na atitude do público de televisão:
embora sabedor da farsa, durante anos o público acompanhou o programa como se o
espetáculo da vida de Trumam fosse realidade; porém, encarou a tomada de decisão real e
verdadeira como se fosse ficção. Trumam, ou o protagonista, distingue realidade e ficção,
verdade e simulacro, mas o público tornou-se irremediavelmente incapaz dessas distinções”.
(Chaui, 2006, p. 19)
Bibliografia
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CHAUI, Marilena. Simulacro e poder. Uma análise da mídia. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2006.
ECO, Humberto. Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
LASH, Christopher. A cultura do narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em
declínio. Rio de Janeiro: Imago, 1983.
WRIGHT MILLS, C. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.