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Pedra

A CAL &Cal
Material Conservação & Reabilitação

tradicional
e inovador
ENTREVISTA
Saberes tradicionais,
inovação e Património
À conversa com Rosário Veiga
SAÚDE
Revestimentos saudáveis.
O papel da cal
Revista digital gratuita | Ano XVIII - Nº 61 | Julho > Dezembro 2016 | Publicação Semestral

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 1


Na Salvaguarda
do
Nosso Património

Para além do seu valor histórico e


simbólico, um edifício é um
conjunto de materiais sabiamente
interligados.
Paredes de alvenaria de pedra,
gaiolas ou tabiques são exemplos
de técnicas complexas,
praticamente esquecidas com a
construção nova e materiais
associados.
É obrigação de todos zelar para
que os edifícios que integram o
nosso Património continuem a sua
vida útil e intervir de modo a mant-
er-lhes a dignidade.
Reabilitá-los é preservar a
transmissão de valor.
A AOF é uma empresa com mais
de 50 anosde existência, sempre
ligada à salvaguarda do
Património. Soube adaptar-se às
novas maneiras de entender a
intervenção, apostando
fortemente na formação dos seus
colaboradores.
A AOF possui um grupo técnico
alargado e altamente
especializado na área de con-
servação e restauro.

Parque da Boavista
Avenida do Cávado nº160
4700-690 Braga
Tel. +351 253 263 614
www.AOF.pt

Local – Igreja Matriz de Caminha – Tecto da Nave Central –


Fotografia - José Mesquita
Sumário Ficha técnica
Pedra
&Cal
Conservação e Reabilitação

Nº 61 | 2.º Semestre
Julho > Dezembro 2016

Pedra & Cal, Conservação e Reabilitação é


reconhecida pelo Ministério da Cultura como
publicação de manifesto interesse cultural, ao
16. ESTUDO DE CASO
Os stuccos exteriores
na região do Algarve
42. INVESTIGAÇÃO
Argamassas para (re)aplicação
de azulejos antigos
abrigo da Lei do Mecenato.

EDITOR E PROPRIETÁRIO | GECoRPA – Grémio


Um passo para a Normalização
do Património

DIRETOR | Vítor Cóias

COORDENAÇÃO | Joana Morão, Rosário Veiga

46. saúde
Revestimentos saudáveis
O papel da cal
64. Profissões antigas
A cal e os seus ofícios
O tempo dos caeiros
PAGINAÇÃO | Joana Torgal - Canto Redondo

REDAÇÃO | Regis Barbosa, Indira Leão - Canto


Redondo

  CONSELHO EDITORIAL | Alexandra de Carvalho


Antunes, André Teixeira, Catarina Valença
04 Editorial
Vítor Cóias
56 REFLEXÃO
Cal y Arquitectura Vernácula
Gonçalves, Fátima Fonseca, João Appleton, João
Mascarenhas Mateus, Jorge Correia, José Aguiar,
José Maria Amador, Luiz Oosterbeek, Maria Eunice

06
Salavessa, Mário Mendonça de Oliveira, Paulo
EM ANÁLISE 59 Artes da cal
Lourenço, Soraya Genin, Teresa de Campos Coelho
A Cal Uso e tradição
Material milenar e inovador COLABORADORES | Abílio Guerra, Ana Fragata, Ana

64 Profissões antigas Isabel Marques, Ana Rita Santos, Ana Velosa, Antero

09 ESTUDO
Magra 3
DE CASO A cal e os seus ofícios
O tempo dos caeiros
Leite, Antonin Fabbri, António Santos Silva, Daniel
Vale, Fátima de Llera, Fionn McGregor, Indira Leão,
João Gomes Ferreira, João Mascarenhas Mateus,
Um complexo industrial de João Ribeiro da Silva, Jorge de Brito, Lúcia Miguel,
María del Mar Barbero Barrera, Maria do Rosário
produção de cal em época romana
70 PATRIMÓNIO IMATERIAL Veiga, Marta Santos, Martha Tavares, Paulina Faria,
Vila Real Paulo Candeias, Pedro Braga, Regis Barbosa, Sandro
12 Revestimentos exteriores
tradicionais na Terra Fria Transmontana
O processo de confecção da Botas, Sofia Malanho, Tânia Simões, Vítor Cóias
louça preta de Bisalhães
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16 Os stuccos exteriores
na região do Algarve 76 opinião
Canto Redondo
www.cantoredondo.eu
Alojamento local geral@cantoredondo.eu

20
Tel.: 96 908 66 93
Emboço ventilado para edifícios Berlim e outras cidades impõem limites,
antigos sujeitos a humidade Lisboa e Porto deviam fazer o mesmo. GECoRPA - Grémio do Património
ascensional e sais solúveis
78 Associativismo SEDE DE REDAÇÃO

24 INVESTIGAÇÃO
Caracterização de argamassas de
Sociedade Portuguesa de Estudos
de História da Construção
GECoRPA - Grémio do Património
Avenida Conde Valbom, 115 - 1 Esq.º
1050-067 Lisboa
cal utilizadas em paredes de alvenaria Tel.: 213 542 336
resistentes pertencentes a edifícios “de placa” 79 Comunicado de imprensa www.gecorpa.pt
info@gecorpa.pt
Revisão do Código dos Contratos Públicos
29 O papel dos agregados naturais na
durabilidade das argamassas de cal
O GECoRPA toma posição DEPÓSITO LEGAL 128444/00

80 LIVROS REGISTO NA ERC 122549

33 Desempenho de argamassas de cal


em sistemas de isolamento térmico ISSN 1645-4863
82 ACONTECEU
PATRIMA_2016 NIPC 503980820

37 Contributo de betões de cânhamo


na regulação passiva da humidade
Congresso Ibero-Americano “Património,
suas matérias e imatérias”, LNEC, Lisboa,
Publicação Semestral
no interior dos edifícios
2-3 de novembro de 2016 Os textos assinados são da exclusiva responsabilidade
dos seus autores, pelo que as opiniões expressas
42 Argamassas para (re)aplicação
de azulejos antigos 83 AGENDA podem não coincidir com as do GECoRPA.

Um passo para a Normalização CAPA: Forte de Nossa Senhora da Graça,


84 DIVULGAÇÃO em Elvas, ao entardecer.

46 saúde
Revestimentos saudáveis
Fórum do Património 2017
Unir as ONG em defesa
© Sergiy Scheblykin | iberianlandscapes@gmail.com

Fotografia tirada depois da intervenção, concluída


O papel da cal da nossa herança comum em outubro de 2015. Perspetiva da colmatação de
lacunas e reposição de volumes com argamassa de

50 ENTREVISTA
Saberes tradicionais, inovação e Património
86 NOTÍCIAS cal parda no coroamento das canhoeiras, e caiação
final de uma guarita com cal aérea em pasta.
Dono de Obra: Município de Elvas
À conversa com Rosário Veiga
88 Empresas associadas do Projeto de Conservação e Restauro: In Situ, Lda.
Empreiteiro Geral: RRC, S.A.
GECoRPA - Grémio do Património

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Editorial

O regresso à cal
Vítor Cóias | Diretor da Pedra & Cal

O segundo termo do binómio que


dá o nome a esta revista é a “cal”.
do Sado, onde era extraída a matéria-prima.
Com a instalação de novas fábricas de
passado, contribuíram para o regresso à cal
que, ao contrário do cimento, para ganhar
Durante milénios foi o ligante estrutural mais cimento na própria Quinta da Rasca, e em resistência precisa de ir buscar à atmosfera
usado pelos construtores, em articulação Alhandra e, sobretudo, com o advento do o dióxido de carbono que para lá foi lançado
com a pedra, constituindo a alvenaria. betão armado, cuja patente é registada em durante o processo de fabrico.
De pedra e cal é, há muito, sinónimo de Portugal em 1896 por Hennebique, os novos
estabilidade, resistência e durabilidade. materiais passaram a ser os preferidos dos Neste número da P&C acompanha-se, a
construtores e começaram mesmo a ser traços largos, a evolução dos usos deste
Em Portugal, a cal fabricou-se utilizados na consolidação de monumentos e vestuto, mas sábio e versátil ligante que é a
artesanalmente durante séculos, em todas edifícios históricos. cal, desde as tecnologias mais primitivas da
as regiões onde afloram calcários, como sua produção, passando pela organização
ilustram alguns dos textos que compõem A incompatibilidade do cimento com as medieval dos mesteirais que a fabricavam e
este número da Pedra&Cal. alvenarias antigas, a fraca durabilidade aplicavam, até aos desenvolvimentos mais
do betão armado e o peso excessivo dos recentes, com particular enfoque no trabalho
Como apareceu a cal ninguém sabe: as elementos estruturais com ele construídos que, no LNEC, vem desenvolvendo a eng.ª
suas origens perdem-se no dealbar do traduziram-se no insucesso de muitas das Rosário Veiga e a sua equipa.
homo sapiens, que podemos imaginar, fétido intervenções no património arquitetónico,
e hirsuto, mas sempre curioso, ao constatar realizadas, sobretudo, nas décadas de O regresso, paulatino mas benfazejo, ao
que, na fogueira de há várias luas atrás, quarenta e cinquenta do século passado. Já uso da cal nos hábitos de quem concebe
o pó em que algumas pedras se tinham no virar do século, assistiu-se em Portugal a e projeta, logo de quem fabrica e de quem
começado a desfazer tinha solidificado, e uma rápida evolução no enfoque do setor da constrói, justifica que a Pedra&Cal a ele
as pedras estavam agora coladas umas às construção, que passou a incidir sobretudo dedique este número, o primeiro produzido
outras, apesar da água que sobre elas tinha na reabilitação do parque edificado, muito apenas em suporte digital.
caído... ou foi “graças” à água?... dele antigo. Tais circunstâncias ditaram
um progressivo regresso ao uso da cal,
A cal foi profusamente utilizada pelos quer na variante “aérea”, quer na variante
construtores, quer em estruturas, quer em “hidráulica”, que substitui com vantagem o
revestimentos, até ser destronada pelo cimento, quando a hidraulicidade do ligante
cimento, cujo fabrico se inicia em Lisboa, se mostra necessária.
no Vale de Alcântara, nos anos sessenta
do século XIX. É dessa altura o cimento da As preocupações ambientais, que se
marca “Rasca”, nome da quinta, junto à foz agudizaram nas últimas décadas do século

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Dez bons motivos para se tornar associado empresarial do GECoRPA

1 – Experiência 6 – Informação
Os associados têm a oportunidade de contactar O GECoRPA – Grémio do Património procede à re-
com outras empresas e profissionais do segmento colha e divulgação de informação técnica sobre o
da reabilitação, e trocar experiências e conheci- tema da reabilitação, conservação e restauro do
mentos úteis. O Grémio constitui, por essa razão, edificado e do Património.
um fórum para discussão dos problemas do setor.
7 – Gestão da Qualidade
2 – Representatividade O Grémio do Património proporciona apoio à im-
O GECoRPA – Grémio do Património garante uma plementação de sistemas de gestão da qualidade
maior eficácia na defesa dos interesses comuns e e à certificação, oferecendo aos sócios condições
uma maior capacidade de diálogo nas relações vantajosas.
com as entidades oficiais para melhor defesa da
especificidade do setor. 8 – Publicações
Agora em formato digital e de distribuição gratuita,
3 – Concorrência Leal a Pedra & Cal é uma revista semestral editada pelo
O Grémio do Património bate-se pela sã concor- GECoRPA há 18 anos, que tem como missão divul-
rência entre os agentes que operam no mercado, gar as boas práticas neste setor e evidenciar a neces-
defendendo a transparência, o preço justo e a não sidade de qualificação das empresas e profissionais.
discriminação.
9 – Publicidade e Marketing
4 – Referência O GECoRPA – Grémio do Património distingue as
Muitos donos de obra procuram junto do Grémio empresas associadas em todas as suas atividades.
os seus fornecedores de serviços e produtos. Per- Os sócios beneficiam de condições vantajosas na
tencer ao GECoRPA – Grémio do Património cons- publicidade da Pedra & Cal e no Anuário do Patri-
titui, desde logo, uma boa referência. mónio, onde podem publicar notícias, estudos de
caso e experiências da sua atividade.
5 – Formação
Os sócios têm prioridade na participação e des- 10 – Presença na Internet
contos na inscrição das ações de formação e di- O sítio web da associação constitui um prestigia-
vulgação promovidas pelo Grémio do Património. do centro de informação das atividades, soluções
e serviços de cada associado na área da conser-
vação e da reabilitação do património construído.

Ajude a defender o Património do País:


as futuras gerações agradecem!
Pela salvaguarda do nosso Património: Adira ao GECoRPA!

Av. Conde Valbom, 115 - 1.º Esq. | 1050-067 Lisboa | Tel.: 213 542 336 | Tlm: 918 266 247
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Em Análise

A Cal
Material milenar e inovador

Maria do Rosário Veiga | LNEC, Portugal | rveiga@lnec.pt

A cal é um material indelevelmente ligado ao património


histórico-cultural, seja ele monumental ou vernacular.
Desde sempre a cal é produzida a partir de matérias-primas
idênticas, embora por processos que têm evoluído ao longo dos
tempos. A preparação e aplicação da cal, e em consequência as
características obtidas, variam conforme o tipo de utilização e a
tradição do lugar, mas mantendo aspetos comuns: é um material
muito trabalhável e moldável, claro e fino, com capacidades
higroscópicas e desinfetantes, muito durável.

1 A CAL como material


histórico e tradicional
A cal é usada na construção há muitos milha-
res de anos (existem vestígios de construções
de cal com mais de 10 000 anos [1]). Era uti-
lizada em elementos com funções estruturais
– betões de cal, pavimentos e argamassas de
assentamento de alvenaria – de regularização
– argamassas de enchimento – de impermeabi-
lização – argamassas de acabamento em pare-
des e pisos – de fixação – na colagem de mo-
saicos e azulejos – e decorativas – em pinturas.

As características e aspeto dos produtos cons-


trutivos tradicionais realizados com a cal (no-
meadamente argamassas e pinturas) são for-
temente marcados pelo fator humano, atra-
vés do conhecimento do material e do ofício
e do cuidado e tempo dedicados à sua exe-
cução.

Este material foi muito marcante na cultura


dos povos: pelo trabalho envolvido e quan-
tidade de profissões que implicava – os tra-
balhadores que exploravam as pedreiras de
calcário, os caleiros que produziam a cal nos
fornos artesanais (fig. 1), os comerciantes de
1 | Forno artesanal de cal
no concelho de Beja. cal, os pedreiros e aplicadores de argamas-
sas e caiações, os artesãos e artistas que
realizavam pinturas murais, ornamentos, fin-
gidos e outras decorações em cal (fig. 2) – e
pela capacidade de expressão dos estilos,
gostos e evolução técnica e artística.

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2 3


É portanto um exemplo completo da economia
circular de que hoje tanto se fala, num ciclo que, se
quisermos, pode não ter desperdício e pode resultar
na total reutilização. Como tal, deve ser considerado
um material sustentável. A este potencial ecológico
podemos adicionar a capacidade de fixar o dióxido de
carbono da atmosfera, reduzindo a sua concentração
no ar que respiramos.

A CAL como material rio, por calcinação a temperaturas da ordem 2 | Trabalhos decorativos em cal.
durável, ecológico e saudável de 900ºC, originando a cal viva, que é em 3 | Estrutura de pavimento
seguida hidratada (“apagada”) por adição de romano no sítio de Pisões.
Muitas estruturas milenares feitas com base água, resultando em cal apagada – em pó, em
em cal estão ainda em bom estado de con- pasta ou sob a forma de leite de cal, conforme
servação e em Portugal são muito visíveis, a quantidade de água adicionada –, é usada
por exemplo, em numerosos sítios do período em argamassas e pinturas sob essa forma, e cionar a capacidade de fixar o dióxido de car-
romano (com cerca de 2 000 anos) e do perío- em seguida, ao longo do tempo vai carbona- bono da atmosfera, reduzindo portanto a sua
do islâmico (com cerca de 1 500 anos) (fig. 3) tando, por fixação do dióxido de carbono do concentração no ar que respiramos.
[2,3]. Estes exemplos, continuados por toda ar, num processo lento, que tende a reconsti-
uma história construtiva com argamassas e tuir o material original: o carbonato de cálcio A cal – as argamassas e as pinturas de cal – são
pinturas de cal até meados do século XX, que é o constituinte da pedra calcária [4]. muito permeáveis ao vapor de água, portanto,
demonstram a durabilidade deste material, quando aplicadas nos paramentos exteriores
que paradoxalmente é hoje associado a fraca É portanto um exemplo completo da econo- das paredes, permitem a fácil evaporação da
resistência mecânica e baixa durabilidade. mia circular de que hoje tanto se fala, num ci- água acumulada no interior das alvenarias e a
clo que, se quisermos, pode não ter desperdí- eliminação do vapor de água produzida no in-
O processo de transformação da cal, designa- cio e pode resultar na total reutilização. Como terior dos edifícios pelas actividades normais
do por ciclo da cal, explica essa durabilidade: tal, deve ser considerado um material susten- dos utentes, reduzindo os riscos de concen-
o material provém da transformação do calcá- tável. A este potencial ecológico podemos adi- tração de humidade nos espaços interiores.

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Em Análise

4 | Nanocais preparadas para


ensaios em laboratório.

Os materiais baseados em cal são também potenciais, visando contribuir para a evolu-
muito higroscópicos, ou seja, absorvem a água ção do conhecimento deste material e, princi-


sob a forma de vapor. Assim, quando usada palmente, potenciar a sua utilização, quer na
no revestimento dos paramentos interiores, conservação de edifícios históricos, quer na
em estuques só de cal ou de misturas de cal reabilitação, quer na inovação da construção
e gesso e em pinturas de cal, favorece, nos e das indústrias ligadas à construção.
períodos húmidos, a adsorção da humidade As propriedades
em excesso do ar, e, nos períodos secos, a Foram abrangidos cinco temas:
libertação dessa humidade, funcionando como específicas da cal 1. A cal como material histórico
um regularizador da humidade interior. Deste 2. A cal como material tradicional
modo, as propriedades específicas da cal re- reduzem os riscos de 3. A cal como material ecológico e saudável
duzem os riscos de humidade em excesso, 4. A cal como material inovador
condensações e fungos nos espaços inte- humidade em excesso, 5. A cal na conservação e reabilitação
riores, contribuindo para a salubridade do am-
biente interior dos edifícios.
condensações e fungos Os artigos seleccionados das V Jornadas da
nos espaços interiores, Cal para publicação no presente número da
revista Pedra & Cal contemplaram todos os
A CAL como contribuindo para a temas tratados e foram adaptados às carac-
material inovador terísticas da revista, dirigindo-se assim a um
salubridade do ambiente público muito vasto.
Mas a cal é também um material com grande
capacidade de adaptação à inovação tecnoló-
gica, fazendo hoje parte de muitas soluções
avançadas: os materiais nanoestruturados com

interior dos edifícios. Espera-se que esta edição da revista seja
mais um instrumento do conhecimento deste
material em todas as suas vertentes e, prin-
base em cal, de que se destacam os consoli- cipalmente, um potenciador do seu uso na
dantes vulgarmente designados por nanocais prática.
(fig. 4) [5]; as argamassas líquidas; as argamas-
sas de isolamento térmico; as argamassas de
cal aditivadas como componentes de sistemas BIBLIOGRAFIA
de isolamento térmico pelo exterior, entre outras. 1. Bentur, A. – Cementitious Materials – Nine Millennia
possibilidades quase infinitas de estudo, e do and A New Century: Past, Present, and Future. Journal
of Materials in Civil Engineering, 14 (1), (2002), 2-22.
As capacidades estéticas e a importância da- número crescente de trabalhos de investiga-
2. Velosa, A; Coroado, J.; Veiga, M. R.; Rocha, F. – Cha-
da hoje à sustentabilidade e às questões li- ção que se debruçam sobre este material nas racterization of roman mortars from Conímbriga with
gadas à saúde fazem também com que a cal suas variadas vertentes, a cal e os materiais respect to their repair. Materials Characterization, 11-12
(58), Elsevier, (2007), 1208-1216.
esteja no centro de novos projetos arquitetó- com base em cal continuam a ter muitos
3. Borges, C.; Santos Silva, A.; Veiga, M. R. – Durability
nicos inovadores. mistérios por desvendar, colocando à ciên- of ancient lime mortars in humid environment. Construc-
cia e ao engenho da comunidade técnica e tion and Building Materials, 66, (2014), 606-620. DOI:
científica uma diversidade de novos desafios. 10.1016/j.conbuildmat.2014.05.019.

A contribuição das 4. Cizer, O.; Van Balen, K; Elsen, J.; Van Gemert, D. –

V Jornadas da CAL As V Jornadas da Cal, realizadas em Lisboa,


Real-time investigation of reaction rate and mineral pha-
se modifications of lime carbonation. Construction and
no LNEC, entre 23 e 25 de maio de 2016, pre- Building Materials, 35, (2012), 741–751.
Apesar da longa tradição do uso da cal, dos tenderam juntar uma comunidade alargada 5. G. Borsoi, R. Van Hees, B. Lubelli, M. R. Veiga, A. San-
tos Silva (2016) – Optimization of nanolime solvent for
muitos testemunhos existentes e das múl- de interessados na cal, juntando cientistas de
the consolidation of coarse porous limestone, Applied
tiplas aplicações históricas que conferem várias áreas, técnicos e utilizadores atuais ou Physics A, 122:846.

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Estudo de caso

Magra 3
Um complexo industrial de produção de cal em época romana
Lúcia Miguel | Arqueóloga, Era – Arqueologia, Gestão e Conservação do Património | luciareginamiguel@gmail.com
Pedro Braga | Conservador-restaurador, Era – Arqueologia, Gestão e Conservação do Património | pedrobraga@era-arqueologia.pt

O sítio do Magra 3 corresponde a um vasto complexo industrial de


produção de cal, de cronologia romana (século I d.C.). Este local
foi intervencionado pela equipa da Era – Arqueologia no âmbito
do projecto de Minimização da Barragem da Magra (Baleizão), no
decorrer das obras de implementação do sistema de Rega de S. Pedro
– Baleizão, promovidas pela empresa EDIA, SA.

N o decorrer desta intervenção fo-


ram identificados nove fornos de produção
O estudo deste sítio arqueológico contribuiu
em grande medida para o conhecimento da
A proximidade da matéria-prima parece ter
sido um dos critérios utilizados para o esta-
de cal, associados a zonas de extracção de dinâmica de construção e edificação da ci- belecimento deste local. As pedreiras seriam
pedra e a áreas de despejo dos detritos pro- dade romana de Beja (Pax lulia), mas revelou exploradas a céu aberto e, para a extracção
venientes dos fornos, tornando, desta forma, também que as técnicas utilizadas para a pro- dos blocos, procedia-se previamente a uma
este local no único sítio identificado que se dução de cal se assemelham muito às actuais, limpeza da superfície da pedra através da uti-
centraria exclusivamente na produção de cal desde a arquitectura dos fornos, ao processo lização do fogo. A utilização deste procedi-
numa escala industrial, de época romana. da “enforna” e à matéria-prima utilizada para mento foi confirmada no registo arqueológico
a queima da fornada, evidenciando, assim, a através da presença constante de pequenos
Associados a estes contextos foram também existência de uma longa perduração no tempo focos de combustão em redor dos afloramen-
encontrados restos orgânicos de folhas de das técnicas artesanais de produção de cal. tos explorados. Para a extracção dos blocos,
oliveira/zambujo, matéria-prima utilizada para seriam utilizadas as linhas naturais da fractura
a queima da fornada, como também a pre- das pedras, que se abriam mediante o uso de
sença de uma fornada que terá sido interrom- Magra 3 - os contextos cunhas (Carretero León, 1998).
pida devido ao abatimento do forno, muito intervencionados
provavelmente devido às altas temperaturas Os recursos explorados corresponderiam
a que esta estrutura foi sujeita, permitindo, Este sítio desenvolve-se ao longo de uma a calcários dolomíticos cristalinos (CaMg{-
desta forma, a percepção de como a maté- vertente suave na margem direita do Barran- CO3}2 ou CaCO3•MgCO3) e de diferentes
ria-prima seria colocada no interior do forno co de D. Pedro, numa zona onde são ainda tipos de brechas, constituindo um importante
durante o processo da “enforna”. visíveis à superfície afloramentos de calcário. núcleo de rochas carbonatadas.

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3 5

Os fornos foram directamente escavados no É possível encontrar exemplares deste tipo 1 | Vista geral dos contextos
intervencionados.
substrato rochoso e apresentavam uma for- de actividade em todos os pontos do antigo
ma cilíndrica, com uma média de 3 m de diâ- Império Romano, associados sempre a gran- 2 | Pormenor de afloramento explorado.

metro de 2 m de profundidade. des cidades ou villae. 3 | Cunha identificada no decorrer dos


trabalhos.
4 | Vista geral do forno 2.
A identificação de restos de galhos e folhas de Não obstante, até ao momento não foi ainda
5 | Pormenor do acesso ao forno 2.
oliveira/zambujo, tanto nos acessos aos fornos identificado nenhum paralelo para o tipo de
6 | Pormenor do acesso ao forno 2.
como no interior dos mesmos, evidencia que ocupação identificada no sítio do Magra, no
7 | Pormenor de vestígios de oliveira/
seria este o tipo de combustível utilizado para qual os fornos não estão associados a nenhu- zambujo junto à entrada do forno 1.
a realização das fornadas. Este tipo de lenha ma ocupação em concreto, mas sim inseridos
ofereceria uma combustão gradual, evitando numa vasta área dedicada exclusivamente à
a produção excessiva de calor e, consequen- produção de cal que abasteceria não uma ci-
temente, o excesso de cozedura das pedras. dade ou villa, mas sim todo um território em
expansão.

Técnicas de produção
de cal no período romano A cal e a sua utilização
durante o período romano
Os fornos de produção de cal de cronologia
romana do sítio do Magra seguem as reco- A utilização da cal e das suas propriedades
mendações feitas pelos autores clássicos, co- durante o período romano é um assunto am-
mo é o caso de Catão. plamente desenvolvido por Vitruvio. O estudo
das obras deste autor clássico tem permitido
A solução adaptada no caso do Magra 3 aos investigadores o conhecimento sobre o ti-
parece ter correspondido a um tipo de labo- po de mistura a ser usada e quais as propor-
ração intermitente, na qual a divisão entre a ções de cal indicadas para cada tipo de opus
pedra e o combustível se faria através da es- consoante a sua finalidade. Este autor mencio-
truturação das pedras no interior do forno até na, ainda, o tipo de aditivos a serem utilizados
formar uma falsa cúpula, com a colocação da para aumentar a resistência das argamassas,
lenha na depressão existente na base (Mar- tais como, argila cozida triturada ou mesmo
tins, 2012). cinza vulcânica (Álvarez Galindo et al, 1995).

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6
7

Em Beja, são vários os exemplos que revelam


a importância de um sítio como o Magra 3 na
edificação da cidade romana. Os vestígios
associados a este período correspondem não
só ao espaço urbano em si, como é o caso
do arco existente num dos troços da muralha
romana, no qual é ainda visível a utilização
de argamassas de cal como ligante nos pa-
ramentos exteriores (opus), mas também nas
villas que circundavam esta Urbe, nas quais,
para além da sua utilização como elemento
ligante, foi registada a utilização da cal para a edificar esta cidade nos primeiros momentos BIBLIOGRAFIA
construção de pavimentos e, inclusive, para o após a reformulação administrativa da Penín- Adam, P. (1999). Roman Buildings: materials and techni-
ques. London, Routledge.
revestimento de paredes. sula Ibérica, iniciada por Augusto e desenvol-
Alvarez Galindo, J.; Martín Perez, A.; García Casado, P.
vida por Cláudio. J. (1995). Historia de los Morteros, Boletín del Instituto
No momento de pleno funcionamento des- Andaluz del Patrimonio Histórico, 1136-1867 — 13, p.
ta área industrial, Pax Iulia estaria a ser alvo 52-59.
de uma série de reformulações urbanísticas Considerações finais Carretero León, M.ª (1998). La piedra como material de
construcción en la Antigüedad, in Los Morteros en la An-
impulsionadas pela sediação do Convento tigüedad. In Graciani, A. (ed.), La Técnica de la Arquitec-
Pacense nesta cidade, o que implicou neces- Parece evidente que a construção de edi- tura en la Antigüedad.
sariamente a construção de equipamentos fícios numa cidade de importância capital Martins, S. C. (2012). A cal na tradição do Barrocal Algar-
públicos, civis e religiosos, inerentes a qual- vio. Contributo para o Estudo da Produção de Cal Arte-
como Pax Iulia necessitava de uma quantida- sanal, Dissertação de Mestrado apresentada à Faculda-
quer capital de Convento. de significativa de matérias-primas. Este sítio de de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do
arqueológico reveste-se, assim, de uma im- Algarve. Faro, Texto policopiado.
Tal desenvolvimento urbano teria de estar portância ímpar reforçada pelo facto de ser o Wooper, W. D. (1935). Cato and Varro: On Agriculture.
Cambridge [etc.]: Harvard University Press (Loeb Clas-
apoiado num vasto programa de exploração e primeiro sítio arqueológico de cariz industrial, sical Library).
transformação de matérias-primas, tais como dedicado à produção de cal intervencionado
a cal, para a edificação da cidade romana en- em todo o Império Romano.
quanto tal. O facto de a ocupação identificada
se centrar nos meados do século I, sugere que * Artigo redigido ao abrigo do antigo acordo
a sua utilização teria servido o propósito de ortográfico.

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Estudo de caso

Revestimentos exteriores
tradicionais na Terra Fria
Transmontana
Daniel Vale | Programa de Doutoramento em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura, Univ. do Porto, Portugal | fernandesvale@hotmail.com

O presente estudo aborda a produção e A produção da Cal


a utilização de cal como revestimento A utilização da cal para fins construtivos é
exterior na arquitectura tradicional uma prática que vem desde a antiguidade até
meados do século XX. Na Terra Fria Trans-
da Terra Fria Transmontana. No norte montana, como de resto acontece com outros

dos concelhos de Bragança e Vinhais, locais onde se produzia tradicionalmente cal,


a sua cultura está inevitavelmente associada
o aproveitamento dos afloramentos às características geológicas da paisagem e
prende-se directamente com a existência de
calcários existentes para produção de fontes de matéria-prima que a sustentem,
cal foi feito de forma mais intensiva em nomeadamente, afloramentos calcários. No
norte dos concelhos de Bragança e Vinhais
Cova de Lua e Dine. “a ocorrência de afloramentos de calcário e
dolomitos (...) é considerável, repartindo-se
Como camada de protecção das paredes por formações diversas.” (Redentor, 2003).
exteriores, ciclicamente renováveis, Embora existam ou tenham existido fornos de
os revestimentos com argamassas de cal nas aldeias de Casares, Moimenta e Soei-
ra, em Vinhais, e em Rabal e Aveleda, loca-
cal foram sendo removidos quer pelo lizados em Bragança, o aproveitamento dos
abandono das edificações, quer pela afloramentos calcários para produção de cal
foi feito de uma forma mais intensiva em Cova
generalização de intervenções de de Lua, Bragança, e em Dine, Vinhais (fig. 1).

reabilitação, o que contribuiu para a Em Dine, dos sete fornos que se conservavam,
interiorização de uma imagem errada dois estão em ruína e cinco foram objecto de
intervenção de reabilitação em 2000, por parte
de que a arquitectura vernacular da da Junta de Freguesia de Fresulfe e da Câmara
Terra Fria Transmontana não tinha Municipal de Vinhais. Localizam-se na encos-
ta oriental do cabeço do castro, local onde se
revestimentos exteriores. Este artigo situa a Lorga de Dine1, num enquadramento
privilegiado sobre o vale do rio Tuela que se
pretende demonstrar que, não só a estende para sul da aldeia. “Destes fornos saía
maioria dos edifícios era revestida quase exclusivamente cal parda para a cons-
trução, mas também se produziam pequenas
pelo exterior, como apresentava quantidades de cal branca com a pedra extraí-
da nas pedreiras (...) situadas em baldios da
ornamentação ou pintura. aldeia.” (Redentor, 2003). Chegaram a produzir
cal de uma forma intensiva durante praticamente

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1 2

1 | Localização dos fornos de cal no Norte da


Terra Fria Transmontana, representados pelos
círculos pretos. A branco indicam-se as sedes
de concelho: Vinhais e Bragança.
2 | Boca de descarga e da câmara de
ventilação de um dos fornos de Dine, em
Vinhais.
3 | Forno de cal em Dine, Vinhais.
4 | Cova de Lua, Bragança. Um dos fornos
ainda existentes.

todo o ano, com recurso a mão-de-obra local,


e deixaram de funcionar na década de sessen- 4
ta do século XX.

Em Cova de Lua, os três afloramentos calcá-


rios existentes foram aproveitados para pro-
dução de cal, embora com maior intensidade
e concentração no afloramento nascente,
onde chegaram a laborar nove fornos. Este
conjunto ganhou fama, sobretudo pela inten-
sidade da sua produção e pelo facto do seu
aproveitamento ter sido feito de uma forma
mais profissional, através da constituição de
algumas sociedades comerciais para explo-
ração e fabrico de cal. Beneficiava, por outro
lado, de melhores acessos, por se localizar
junto à estrada nacional 308-3. No entanto,
foi uma alteração ao traçado dessa estrada
e subsequente movimento de terras que di- Na aldeia de Rabal, em Bragança, existe um completamente aberta no topo para se faze-
tou a quase ruína do conjunto, soterrando forno que produzia cal parda para a constru- rem as cargas do material a calcinar, e com
total ou parcialmente a maioria dos fornos. ção, embora de forma intermitente, actual- uma pequena abertura na sua base para as
A produção terminou na década de sessenta mente em ruínas; e em Aveleda existem dois descargas; sobreposta a uma câmara de ven-
do século XX e, neste momento, são visíveis fornos, cuja produção principal era de cal par- tilação posicionada na base do forno (fig. 5).
apenas quatro fornos, um deles praticamente da e que cessaram actividade em meados do
em ruína. século passado. Em todos os fornos da região o carregamen-
to do produto para calcinação fazia-se por
Na aldeia de Casares, existe ainda um forno Embora não se verifique nenhum padrão volu- camadas de lenha de urze e de pedra, co-
que laborou na primeira metade do século métrico das câmaras de calcinação dos vários locadas alternadamente a partir do lajeado
XX, produzindo cal branca que se destinava fornos ainda existentes, há alguns aspectos que separava a câmara de ventilação da de
às povoações vizinhas dessa zona do con- construtivos em comum. Quase todos se lo- calcinação. A própria forma das câmaras de
celho de Vinhais. Na Moimenta, muito perto calizam em terrenos com algum declive, par- calcinação dos fornos facilitava a saída da
da fronteira com a Espanha, existiu um for- cialmente enterrados, para aproveitarem ao cal viva pela boca de descarga. Depois de re-
no comunitário de que já não restam sequer máximo a inércia térmica da terra e permitir colhida a cal, deixava-se arrefecer o forno e
vestígios, e cuja utilização era esporádica, um fácil acesso quer à boca de carga, quer à ficava pronto para nova fornada. Naturalmen-
uma vez que estava dependente das necessi- de descarga. Normalmente construídos em al- te que, dependendo dos diferentes tipos de
dades da comunidade local, para onde a cal venaria irregular de pedra com juntas de argila, matéria-prima utilizados e do seu processo
produzida se destinava exclusivamente. Em apresentam uma estrutura interior semelhante, de calcinação, se obteriam diferentes tipos
Soeira há registo da existência de um forno, apesar das variações de dimensão. Estão di- de cal. Nos fornos da Terra Fria Transmon-
próximo do leito do rio Tuela, mas que se en- vididos em duas secções principais: a câmara tana era habitual trabalharem vários homens
contra em ruínas. de calcinação de forma troncocônica invertida, em simultâneo sob as ordens de um capataz

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Estudo de caso

ou trabalhador mais experiente no ofício, que madas “eram constituídas por argamassas de só a maioria dos edifícios era revestida pelo
sabia reconhecer as pedras mais adequadas areia e cal, com eventuais adições minerais e exterior, como apresentava ornamentação ou
para a cal que pretendiam obter. aditivos orgânicos. Normalmente, as camadas pintura. Por norma, os edifícios localizados no
internas tinham granulometria mais grosseira centro das aldeias, perto ou nas imediações
que as externas e a deformabilidade e a poro- da igreja matriz2, apresentam um maior cuida-
A aplicação da cal sidade iam aumentando das camadas internas do de composição arquitectónica dos alçados,
nos revestimentos exteriores para as externas, promovendo assim um bom sobretudo ao nível dos revestimentos exterio-
comportamento às deformações estruturais e res. No entanto, por essa mesma razão, são
O abandono dos fornos de cal da região nos à água” (Veiga, 2003, p. 1). A segunda camada, também esses edifícios do centro das aldeias,
anos sessenta do século passado coincidiu de protecção, acabamento e decoração era que se apresentam mais descaracterizados
com o aumento significativo da emigração das constituída pelo barramento, ou guarnecimen- pelas “melhorias” que foram sofrendo. Os úni-
gentes transmontanas para outras paragens, o to, que era a camada de acabamento normal- cos exemplos de técnicas decorativas mais
que ditou, na maior parte dos casos, o aban- mente constituída “por massas finas de pasta elaboradas foram encontrados em edifícios
dono das aldeias e de todas as actividades as- de cal (...) aplicadas em várias subcamadas, cuja funcionalidade se tinha alterado ou em al-
sociadas ao mundo rural. Por outro lado, a com finura crescente das mais interiores para çados secundários, naquilo que podemos ca-
produção tradicional de cal era feita em mol- as mais exteriores” (Veiga, 2003, p. 2); a pintu- racterizar como a arquitectura da rua de trás.
des artesanais e a sua distribuição não era ra, geralmente com base em cal aditivada com
sequer motorizada, uma vez que muitos dos pigmentos; e os ornamentos (stuccos, fingi- De uma maneira geral, denota-se uma maior
fornos se encontravam em locais de difícil dos, esgrafitos, etc.). Esse princípio construti- preocupação decorativa no piso superior dos
acesso. Por último, trata-se de um período de vo, de sobreposição de sucessivas camadas, edifícios habitacionais, normalmente com dois
generalização do uso das argamassas à base terá sofrido algumas adaptações na Terra Fria pisos, com a aplicação de barramentos e si-
de cimento que ditou o progressivo abandono Transmontana onde, por norma, essa segunda mulação dos elementos estruturais em pedra,
da cal aérea como ligante das argamassas camada, de ornamento, seria constituída por como os cunhais, embasamentos, frisos e
para construção. não mais do que uma subcamada. A relativa beirais através de pintura ou esgrafitos. Era aí
escassez de matéria-prima e as próprias ca- que se localizava a habitação e era essa zona
No entanto, verifica-se que essa substituição racterísticas da arquitectura vernacular assim que importava destacar. O piso térreo, onde se
das argamassas não foi devidamente acaute- o justificaram. alojavam os animais, recebia normalmente as
lada. As argamassas de cal proveniente dos camadas de regularização e protecção (embo-
fornos da Terra Fria Transmontana, na sua Contrariamente a uma imagem que se interio- ço e reboco). Os edifícios que se destinavam
maioria de cal parda, seriam tradicionalmente rizou, motivada pelo abandono das edificações à recolha de alfaias agrícolas ou arrecadações
aplicadas na construção em assentamento e pela generalização das intervenções de “rea- não tinham normalmente revestimento exte-
de alvenarias de pedra, emboços e rebocos, bilitação” que se foram efectuando na região, rior, ficando com o aparelho da pedra à vista.
como camada visível e sacrificial de todo o alterando ou removendo totalmente os reves- Em termos decorativos, encontram-se ainda
sistema construtivo tradicional. timentos, a arquitectura tradicional da Terra vários exemplos de execução de fingidos, es-
Fria Transmontana tinha revestimentos exte- grafitos e molduras esgrafitadas.
Tradicionalmente, os revestimentos exteriores riores em argamassas de cal. Como camada
eram constituídos por duas camadas princi- sacrificial e exposta ao exterior, naturalmente
pais, com funções e espessuras distintas. A que, em caso de abandono e degradação do Nota final
primeira, de regularização e protecção, era edifício, o revestimento era o primeiro elemen-
constituída pelo emboço, mais grosseiro, que to a desaparecer. Por outro lado, existe uma No contexto da Terra Fria Transmontana, em
estabelecia o contacto com a parede e cons- associação da cor das casas à cor da pedra que a vida sempre dependeu dos rigores do
tituía uma base de aplicação às camadas se- extraída na região, sejam granitos ou xistos, clima e do que dava a terra, com uma arqui-
guintes; depois pelo reboco, que era a camada que são actualmente a face mais visível da tectura tradicional que se pode caracterizar por
intermediária de regularização, e pelo esboço, sua arquitectura. Não obstante, conforme se um certo pragmatismo e resignação, parece-
de preparação para o acabamento. Estas ca- pode verificar pelas imagens recolhidas, não nos extraordinário o aparecimento de esgrafitos

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5 | Corte horizontal, alçado e corte vertical de um


forno de cal em Dine.
1 – Boca de carga; 2 – Boca de descarga;
3 – Câmara de ventilação.
6 | Sernande, Vinhais. Edifício em alvenaria mista
de xisto e granito, com revestimento a fingir 9
aparelho regular de pedra.
7 | Espinhosela, Bragança. Edifício de habitação
com friso a marcar a separação de pisos no
revestimento e simulação de pilastras nos cunhais.
8 | Fontes Barrosas, Bragança. Moldura esgrafitada
em revestimento de vão exterior.
9 | Vilarinho, Bragança. Moldura de vão exterior.

BIBLIOGRAFIA
em Vilarinho (fig. 9), ou de paramentos inteiros actividade industrial do passado, mas que é
Aguiar, José (2005). Cor e cidade histórica, Edições
cobertos com fingidos de pedra em Sernande um valor em si mesmo e deve ser exponen- FAUP, Porto.
(fig. 6). Mais ainda atendendo à actual falta de ciado, urge definir estratégias de intervenção Duarte, Milene Gil (2009). A conservação e Restauro da
cuidado e de sensibilidade para a conservação para a construção e reabilitação da arquitectu- pintura mural nas fachadas alentejanas: estudo científico
e salvaguarda desse património. ra tradicional na Terra Fria Transmontana, que dos materiais e tecnologias antigas da cor, Universidade
Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia,
passem pela reutilização da cal como ligante Lisboa.
Numa região desertificada, onde a aposta pa- das argamassas, ultrapassando, dessa forma, Margalha, Maria Goreti (2008). Materiais e o seu com-
rece residir nos empreendimentos turísticos as resistências e preconceitos dos vários inter- portamento. Seminário “Construção e recuperação de
edifícios em taipa”, Almodôvar.
em espaço rural, com os aparelhos de pedra venientes actuais que derivam, na maior parte
Redentor, Armando (2003). A produção tradicional de cal
a brilhar de tão polidos e as argamassas de dos casos, de mero desconhecimento. no extremo setentrional dos concelhos de Vinhais e Bra-
cimento a tentar esconder as manchas provo- gança: contributo para o seu estudo, in Brigantia, revista
cadas pelos sais solúveis, que futuro para este de cultura, volume XXIII, n.º 3/4, Bragança.

património? Como mantê-lo vivo? Sobretudo * Artigo redigido ao abrigo do antigo acordo Veiga, Maria do Rosário (2003). As argamassas na con-
servação, in Actas das 1ªs Jornadas de Engenharia Civil
se tivermos em consideração que “não é por ortográfico. da Universidade de Aveiro. Avaliação e Reabilitação das
ser tradicional que devemos considerar (a cal) Construções existentes, Lisboa.
também um material de futuro, mas sim por ter NOTAS Veiga, Maria do Rosário (2006). Os revestimentos anti-
gos e a identidade dos edifícios, in Arquitectura Ibérica.
demonstrado ao longo dos séculos ser um ma- 1. Classificada como Imóvel de Interesse Público, por
Despacho de Março de 1975, publicado no Decreto n.º Reabilitação, n.º 12.
terial de grande qualidade” (Margalha, 2008).
67/97, de 31 de Dezembro. Veiga, Maria do Rosário; Aguiar, José (2002). Revesti-
2. O centro da aldeia em sentido literal, como centro mentos de paredes em edifícios antigos, Cadernos Edifí-
Nesse sentido, para além do interesse patri- onde eram tomadas decisões da comunidade no “con- cios, n.º 2, LNEC, Lisboa.
monial dos próprios fornos, cuja vocação ac- selho” dos homens da aldeia e, simultaneamente, sim- Veiga, Maria do Rosário; Aguiar, José; Silva, António
bólico, como centro espiritual, local das questões que Santos; Carvalho, Fernanda (2004). Conservação e re-
tual não poderá ir muito além da sua fruição e transcendem o mundano. Nesse sentido, local de extre- novação de revestimentos de paredes de edifícios anti-
conhecimento enquanto testemunho de uma ma importância na vida da comunidade local. gos, LNEC, Lisboa.

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Estudo de caso

Os stuccos exteriores
na região do Algarve
Marta Santos | Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, Doutoranda em Arquitectura, Conservação e Restauro
marta.rodrigues.santos@gmail.com

Os ornamentos em relevo são elementos decorativos e compositivos


da arquitectura, aplicados na execução de cimalhas, frisos, molduras,
remates, pilastras, entre outros, mas que também adquirem valor
simbólico, com elementos fitomórficos e figuras antropomorfas,
alcançando qualidade artística e iconográfica e que se identificam
por toda a região do Algarve.

As técnicas de execução da ornamentação em A partir deste inventário, e segundo a revisão bilidosos na arte da ornamentação, distan-
relevo são diversas e integram os variados con- bibliográfica e documental desenvolvida, tem ciando-se de outros executantes que se ocu-
textos históricos da construção e da arte orna- sido possível interpretar esta arte ornamental pariam na fixação dos elementos mais sim-
mental, indo desde a modelação de forma livre e a produção artística que envolveu a arqui- ples executados em bancadas e posteriormen-
executada directamente sobre o paramento tectura doméstica do Algarve, e as influências te aplicados na obra.
da construção, até à modelação com recurso e fixação da mesma ao longo da região, em
a moldes, executada em obra ou em oficina. particular entre o último quartel do século XIX Nos exemplares identificados até ao momen-
Estas técnicas seriam desenvolvidas desde a e as primeiras décadas do século XX. to na região do Algarve são reconhecidos
mais elementar actividade de ornamentação da conjuntos ornamentais na centúria de Sete-
habitação e de forma artesanal, até à especiali- centos, com propostas ornamentais invulga-
zação profissional e com técnicas artísticas de As técnicas de execução res e que se identificam com a técnica de mo-
oficinas de estucadores e escultores. e modelação encontradas delação directa sobre a obra. Entre estes re-
na região gistamos a obra do mestre arquitecto-artífice
Artífices e mestres estucadores e escultores Diogo Tavares de Ataíde (Faro, 1711 – Lagoa,
seleccionariam as técnicas de modelação de A investigação in situ e a recolha de testemu- 1765) que intervém em diversas estruturas ar-
acordo com o seu contexto de aplicação, das nhos junto de mestres artesãos ainda prati- quitectónicas na região, ficando notabilizado
condições de estaleiro e dos repertórios de- cantes desta técnica ancestral de ornamen- pelos diversos trabalhos em pedra, ornatos
corativos das oficinas. Integrariam a seu tem- tação arquitectónica, têm permitido identificar em relevo e trabalhos de massa (fig. 2).
po os vários avanços tecnológicos da época, diferentes técnicas de modelação e contribuir
em contexto pré-industrial e industrial, e que para o entendimento da sua predominância A modelação em estampilhas
viria a introduzir alterações nas técnicas de cronológica na região, e também para esclare-
modelação e de reprodução dos ornamentos. cer a propagação destas tecnologias de reves- O recurso a estampilhas, stencils e escanti-
timento na arquitectura do Sul de Portugal. lhões para a modelação de ornatos em relevo
Uma “geografia” dos stuccos no Algarve configura outra das técnicas de modelação.
A modelação livre à lanceta Dependem do uso de pranchas, preferencial-
A investigação dos stuccos exteriores na mente executadas em chapa de zinco, sendo
arquitectura a decorrer no Algarve1 tem per- Mestres estucadores desenvolviam a mode- usadas também em madeira com tratamento
mitido o registo sistemático de exemplares lação da argamassa directamente sobre o pa- a óleo de linhaça e em cartão com protecção
existentes na região, integrando em inventá- ramento, e cuja técnica de execução requeria de cera de abelha. O motivo seria desenhado
rio um número significativo de exemplares conhecimento de desenho de ornato e figura, e trespassado para a prancha e, finalmente,
distribuídos por 35 centros urbanos algarvios, e o acesso a um conjunto de repertórios de- recortado e modelado.
enquadrados quer em contexto urbano, quer corativos, sendo por isso uma das técnicas de
em áreas periféricas e rurais da região (fig. 1). modelação reservada para mestres mais ha-

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1 | Representação do número de edifícios por


freguesia num total de 2 065 exemplares até
ao momento inventariados, nomeadamente:
Olhão (319), Faro (261), Vila Real de Santo
António (152), Loulé (160), Tavira (133),
Portimão (108), Fuseta (105), São Brás de
Alportel (69), Silves (65), Lagos (63), Lagoa
(53), Estoi (46), Moncarapacho (44), Albufeira
(43), Castro Marim (42), Luz de Tavira (42),
Monchique (35), São Bartolomeu de Messines
(28), Alcoutim (20), Santa Catarina da Fonte
do Bispo (20), Algoz (19), Benafim (16),
Boliqueime (15), Giões (12), Paderne (12),
São Marcos da Serra (12), Santa Barbada de
Nexe (10), Azinhal (8), Martimlongo (8), Santo
Estevão (8) e Tôr (8).
2 | Ornatos em relevo na “Torre da Horta dos
Cães” em Faro.

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Estudo de caso

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Directamente na superfície a ornamentar, se- ou de um padrão. Apresentam-se geralmente O módulo do elemento relevado pode ser re-
ria marcado o negativo do motivo a modelar, em baixo-relevo, com poucos centímetros de produzido apenas numa direcção, dando ori-
auxiliado pela marcação dos vazios das es- vazado relativamente à camada externa do aca- gem a um friso, ou reproduzido em duas direc-
tampilhas, transferindo com precisão o or- bamento final (fig. 3). A iconografia observada ções, formando um padrão, através de isome-
namento, auxiliando o modelador no traçado concentra-se nos motivos geométricos simples trias simples com processos de translação,
base do elemento a relevar. ou compostos, conjugando-se para a criação rotação ou reflexão. Através da interpretação
do motivo final. A localização é reservada para da estrutura geométrica do padrão ou do friso
Alguns exemplares de stuccos identificados in- elementos de preenchimento do paramento da do elemento relevado é possível identificar o
tegram o uso de estampilha, de forma preferen- platibanda e na zona de entablamento de rema- módulo base da composição assim como as
cial, para a execução de ornamentação em friso te entre a cimalha e a cobertura. regras geométricas aplicadas.

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3 | Exemplar da utilização de A modelação em série do ornamento pro- mentação tem permitido observar relações de
estampilha em São Brás de Alportel.
punha a execução dos ornatos em relevo por continuidade, quer à escala do centro urbano,
4 | Execução de trabalho de massa
meio de moldes, rígidos ou flexíveis, criados na relação entre alguns dos seus edifícios,
com recurso a “molde de correr”.
com base em repertórios decorativos divulga- quer também à escala regional, na relação
5 | Molde em gesso para fundição.
dos em estampas e catálogos e que circula- formal entre a ornamentação (comum) de edi-
6 | Exemplar em Olhão.
vam com mais facilidade à época (fig. 5). fícios de centros urbanos distintos.
7 | Exemplar em Alcoutim.
8 | Exemplar em Moncarapacho.
O acesso à ilustração ornamental e a manuais Embora existam vestígios arqueológicos que
de artes decorativas, divulgava propostas de comprovam a existência de ornamentação na
padronagem de motivos decorativos para se- habitação e fontes documentais que referem
rem aplicados e inseridos na obra arquitec- a actividade de mestres escultores na época
tónica, auxiliaram também na criação de ca- de Setecentos com obra relevante na orna-
tálogos com reportórios para as oficinas de mentação na arquitectura civil e religiosa, tem
escultura e estuque ornamental. sido possível comprovar sobretudo cronolo-
gias de produção no último quartel do século
Esta modelação “mecanizada”, fixa em formas XIX e as primeiras décadas do século XX, pe-
A ornamentação em “molde de correr” comuns, irá diferir da modelação à lanceta, que ríodo considerado mais relevante para a con-
se caracterizava por uma modelação de repro- solidação e disseminação da arquitectura or-
A execução de alguns elementos arquitectó- dução directa sobre a superfície, e que havia namentada, registando-se um número muito
nicos, como cimalhas, pilastras, elementos de vigorado em épocas anteriores, e que estava significativo de exemplares por toda a região
remate, de união, e de marcação entre pisos, muito vinculada à criação artística mais autó- e, por vezes, com extrema originalidade.
assim como outros emolduramentos no para- noma e peculiar dos seus executantes.
mento, recorria a estes moldes que correm, Ao longo deste período histórico foram de-
directamente sobre a superfície do paramento A democratização do desenho ornamental, senvolvidas várias técnicas de modelação e
ou em bancada de trabalho, e que garantiam a através da livre circulação de estampas e de reprodução destes ornamentos arquitec-
execução de um elemento contínuo de secção manuais do ofício, e a produção de moldes tónicos em relevo, observando-se a predo-
constante. para a sua reprodução, permitiu a difusão a minância do recurso a moldes, o que possi-
uma escala mais alargada da produção artís- bilitou reprodução em “série” dos elementos
O “molde de correr”, ou “molde de corte“, ob- tica local, alcançando outros locais na região, decorativos ao longo da região.
tinha-se com uma chapa (geralmente de zin- do país e no estrangeiro, e uma rápida dis-
co) – elemento de corte da argamassa – com seminação de repertórios semelhantes entre * Artigo redigido ao abrigo do antigo acordo
o recorte em negativo – ou a contra-figura – várias oficinas (Cavi, 2015). ortográfico.
do elemento ornamental a reproduzir, a chapa
fixa-se num suporte de madeira, em caixa ou Na região do Algarve, este tipo de ornamenta-
em forma de cantoneira em L ou em U, permi- ção conseguiu ainda responder às solicitações NOTA
tindo correr em bancada de trabalho ou direc- das novas construções de comerciantes e in- 1. Desenvolve-se no âmbito do Doutoramento em Arqui-
tamente sobre a superfície a modelar (fig. 4). dustriais que haviam beneficiado do crescimen- tectura, Conservação e Restauro da FAUL, com orien-
tação do Doutor João Pernão (Professor Auxiliar da
to industrial, agrícola e piscatório que a região FAUL), Doutor José Aguiar (Professor Associado da
Estes elementos contínuos e de secção cons- havia tido nas últimas décadas do século XIX FAUL) e Doutor Miguel Reimão Costa (Professor Auxiliar
da UALG). Financiamento FCT (SFRH/BD/88732/2012).
tante, perfeitamente identificados nas cima- e as primeiras do século XX. Circunstâncias
lhas da arquitectura tradicional, que de uma que reuniram um pouco por toda a região um
BIBLIOGRAFIA
forma genérica apresentam alguma similitude conjunto de encomendadores, nacionais e
Aguiar, José. Cor e cidade histórica: Estudos Cromáticos
entre si, conseguem nalguns exemplares ter estrangeiros que, seduzidos por uma estética e Conservação do Património. Porto: Faculdade de Ar-
características do desenho do ornato que os arquitectónica diferenciadora, integraram na quitectura da Universidade do Porto, 2002.
reaproxima em grupos familiares, sugerindo sua habitação novos repertórios decorativos Cavi, Sabina (Ed.). Dibujo y ornamento. Trazas y dibujos
que tenham sido usados semelhantes dese- (figs. 6, 7 e 8). de artes decorativas entre Portugal, España, Italia, Malta
y Grecia. Córdoba: Universidad de Córdoba, 2015.
nhos para a produção do “molde de correr”
Fuller, Josef. Manual do Formador e Estucador. Bibliote-
ou, eventualmente, executados pela mesma ca de Instrução Profissional. Lisboa: Livrarias Aillaud &
oficina. Notas finais Bertrand, 2ª edição, s/d..
Lade, Karl; Winkler, Adolf. Yeseria y estuco -revoques,
enlucidos, moldeos, rabitz. Barcelona: Editorial Gustavo
A “industrialização” do As técnicas de ornamentação das fachadas,
Gili, 1960.
ornamento e os moldes de forma com recurso a argamassas de revestimento, Pinheiro, Bordallo Thomaz. Elementos de modelação de
para além da sua função decorativa, de com- Ornato e Figura. Lisboa: Biblioteca de Instrução Profis-
A arte de modelação também beneficiou dos posição arquitectónica e de protecção das al- sional, 1908.
avanços tecnológicos da construção, intro- venarias, constituem-se como reportórios iden- Rojas, Ignacio Garate. Artes de los Yesos: yeserias y es-
tucos. Madrid: Instituto Espanhol de Arquitectura, Uni-
duzindo novos materiais e melhorando as téc- titários fundamentais para a interpretação da versidade de Alcala, 1999.
nicas de execução para a produção em maior arquitectura doméstica da região do Algarve.
escala de elementos ornamentais, conseguin-
do também responder às solicitações arqui- A análise da iconografia associada às técni-
tectónicas das cidades do século XIX. cas de modelação e de reprodução da orna-

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 19


Estudo de caso

Emboço ventilado para


edifícios antigos sujeitos
a humidade ascensional
e sais solúveis
Ana Fragata | LNEC / Universidade de Aveiro, DECivil, GeoBiotec e RISCO, Portugal | afragata@lnec.pt
Maria do Rosário Veiga | LNEC, Portugal | rveiga@lnec.pt
Ana Velosa | Universidade de Aveiro, DECivil, GeoBiotec e RISCO, Portugal | avelosa@ua.pt

Este artigo apresenta um revestimento


de substituição “emboço ventilado” para
edifícios antigos sujeitos à ação severa da
água (humidade ascensional através das
fundações com elevada concentração de
NaCl).
Este revestimento, composto por duas
A humidade ascensional associada
à presença de sais solúveis transporta-os
através da alvenaria até à superfície onde
camadas de revestimento (emboço ocorrem ciclos repetidos de dissolução e
cristalização devido a variações de tempera-
e reboco), foi submetido a ciclos de tura e humidade relativa. A cristalização pode
dissolução e cristalização para simular induzir o destacamento do revestimento ou
a perda de coesão na zona de evaporação
a ação severa da água e perceber a (Veiga et al, 2009; Fragata, 2013).

influência dos rasgos verticais contínuos Foi desenvolvido um sistema de revestimento


executados no emboço e do hidrófugo no de substituição inovador “emboço ventilado”,
para alvenarias antigas sujeitas à ação severa
reboco. da água, no qual a acumulação de sais é
induzida no seu interior e inibida na alvenaria
Pretende-se que este sistema de e na superfície exterior (Fragata, 2013).
revestimento seja compatível, durável e
É avaliada a degradação devida à cristalização
eficaz e que funcione como um sistema de de NaCl no “emboço ventilado”. Os ensaios

acumulação no qual os sais cristalizem no de dissolução-cristalização foram executados


em laboratório, numa alvenaria de grandes
emboço e não na alvenaria ou na camada dimensões revestida com diferentes sistemas
de revestimento. O efeito da cristalização foi
exterior. estudado através de observações visuais e ao
microscópio eletrónico de varrimento (MEV).

20 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Materiais e métodos interior, e reboco com hidrófugo. Selecionaram- RNH é idêntico a RH mas sem hidrófugo no
-se mais três sistemas de revestimento RNH, reboco. NH e H são idênticos a RNH e RH,
Este estudo foi desenvolvido na URPa (Uni- NH e H. Um revestimento tradicional de cal (AL) respetivamente, mas sem rasgos verticais no
dade de Revestimentos de Paredes) do Labo- foi utilizado para comparação. emboço.
ratório Nacional de Engenharia Civil, em cola-
boração com a empresa Fradical, Lda. Os sistemas de revestimento foram testados Em f7 é utilizada uma adição mineral para
à ação severa da água em laboratório em pro- aumentar a velocidade da reação pozolânica.
Sistemas de revestimento vetes de pequenas dimensões (Fragata, 2010; O pó de tijolo favorece o aumento da resis-
Fragata, 2013; Fragata et al, 2016), antes da tência mecânica à flexão e compressão da
O “emboço ventilado” (RH) é um revestimento sua aplicação na alvenaria. argamassa (Fragata, 2013) através da reten-
composto por duas camadas (emboço e rebo- ção de água da argamassa (Van Hees, 2012),
co). O emboço foi executado com rasgos ver- A composição dos sistemas e camadas de essencial à reação pozolânica.
ticais, que permitem a circulação de ar no seu revestimento é apresentada nos quadros 1 e 2.
Alvenaria de grandes dimensões

A alvenaria de grandes dimensões (350 cm


Quadro 1 | Composição dos sistemas de revestimento
x 270 cm x 50 cm) (Matias, 2010) de pedra
calcária é revestida numa das faces de maior
Sistema de Composição Existência Camada entre o Composição dimensão (face A) com revestimento tradicio-
revestimento do emboço de rasgos emboço e o reboco do reboco
nal (AL) com 2 cm de espessura (1:3, ligante:
agregado – traço em volume). A argamassa
AL (referência) Al Não - al de assentamento e o revestimento tradicional
têm a mesma composição (al).
Sim Cal em pasta e areia f1h
RH f7
fina
Os sistemas de revestimento RH, H, NH e
H f7 Não - f1h RNH foram executados na alvenaria (face B)
com 3,5 cm de espessura total (fig. 1). Os
NH f7 Não - f1 revestimentos foram executados 20 cm acima
da base da alvenaria. As laterais (esquerda
Sim Cal em pasta e areia f1
RNH f7 e direita) da alvenaria foram revestidas com
fina
argamassa com hidrófugo.

Ensaios de
Quadro 2 | Formulação das camadas de revestimento
dissolução-cristalização de sais

Camada de
Formulação Após três meses de cura foi desenvolvida a
revestimento
campanha experimental, em laboratório em
ambiente não condicionado, para simular
al Cal aérea tradicional
a ação severa da água. Em cada ciclo a
absorção durante 2 meses, através da imer-
Cal em pasta; adição pozolânica; são parcial da alvenaria em solução salina
f1
mistura de areia de granulometria fina e média (1+3)
(concentração de 27 g/l NaCl similar à agua
do mar (Auger, 1990)) com uma lâmina líquida
Cal em pasta com hidrófugo; adição pozolânica; constante de 10 cm de altura, foi seguida de
f1h
mistura de areia de granulometria fina e média (1+3) 6 meses de secagem.

No final de cada ciclo foram efetuadas obser-


Cal em pasta; adição pozolânica e outros aditivos; pó de tijolo;
f7 vações visuais da degradação na superfície
areia de granulometria média
exterior do reboco. Após o 2.º ciclo as amos-
tras retiradas a 0,30 m de altura do reboco
foram observadas ao MEV.

FACE B FACE B

1 | Alvenaria – face B.
a. Execução dos
revestimentos (esquerda).
b. Aparência final dos
revestimentos (direita).
1a 1b

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 21


Estudo de caso

Quadro 3 | Avaliação após 0, 30 e 120 dias na fase de secagem (1.º e 2.º ciclos) – superficie exterior

Dias Lado A – Lado B – Sistemas de revestimento


Referência

AL RH H NH RNH

Secagem 1.º ciclo

++ + + ++ ++
• • • • •

30

+++ ++ +++ +++ +++


••• • •• ••• •••

120

+++
++ ++ ++ ++
•••
• •• ••• •••

Secagem 2.º ciclo

+++ ++ ++ +++ +++


••• •• •• ••• •••

30

++++ ++ +++ ++++ ++++


•••• •• •• ••• •••

120

++++ ++ +++ ++++ ++++


••••• •• ••• •••• ••••

Notação usada:

Quantidade de eflorescências: (-) sem; (+) quase sem; (++) algumas; (+++) significativas; (++++) muitas.
Severidade da degradação: (•) pouca – alguma perda de coesão; (••) moderada – perda de coesão; (•••) intensa – delaminação;
(••••) severa – pulverulência e delaminação generalizada; (•••••) muito severa – pulverulência generalizada e destacamento.

22 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Resultados e discussão
Reboco – Superfície exterior
Observação visual RH H

No quadro 3 é avaliada a degradação e a quan-


Cristais Cristais
tidade de eflorescências salinas na superfície Ligante de NaCl
exterior, durante os 2 ciclos de secagem aos 0, de NaCl
30 e 120 dias.

O hidrófugo em RH e H reduziu a degrada-


ção. No entanto, é importante assinalar que a
solução com hidrófugo só é aceitável devido
à existência dos rasgos ventilados, que impe-
dem a acumulação dos sais no suporte de
alvenaria. O “emboço ventilado” RH com ras-
gos verticais apresentou a menor degradação
2 | Observação ao MEV dos cristais de NaCl: RH – dispersos nos poros
e não se verificou o destacamento do reboco. da pasta (esquerda); H – localizados nos poros da pasta (direita).

Com base nestas observações, RH (com ras-


gos verticais e hidrófugo) foi selecionado pa- Camada exterior – 3 a 5 mm da superfície
ra observações ao MEV, optando-se por o RH H
comparar com H (sem rasgos verticais e com
hidrófugo).
Cristais Cristais
de NaCl de NaCl
Observações ao microscópio eletrónico de
varrimento (MEV) – revestimentos RH e H

Em algumas zonas da superfície exterior


observa-se a presença de cristais e a falta de
coesão do ligante (fig. 2). Cristais
cúbicos
Entre 3 e 5 mm da superfície exterior os cris-
tais preenchem os poros da pasta do ligante
(fig. 3). A 5 mm da superfície verifica-se a
3 | Observação ao MEV: RH – cristais de NaCl e carbonatos dispersos
perda de coesão do ligante. no ligante (esquerda); H – cristais de NaCl dispersos no ligante (direita).

Na interface entre o reboco e o emboço a


pasta está bem carbonatada (fig. 4). Interface entre reboco e emboço
RH H
Conclusões
No final dos ensaios a degradação da super-
fície exterior de RNH, NH e H é superior à
observada no “emboço ventilado” (RH).

O emboço com pó de tijolo (f7) está bem ade-


rente ao substrato e permite a acumulação de
sais no seu interior.

Em RH o hidrófugo preveniu o transporte da


solução salina para a superfície e a redução
da degradação devido à cristalização. 4 | Observação ao MEV: RH – pasta rica em cristais de carbonatos (esquerda);
H – menor carbonatação, os cristais de carbonatos parecem flores (direita).

O envelhecimento acelerado simulou corre-


tamente a ação severa da água permitindo BIBLIOGRAFIA additions: Characterization and performance evaluation.
a avaliação da durabilidade e eficácia do Auger, F. (1990). World limestone decay under marine Construction and Building Materials, 23, 1, p. 318–327.
“emboço ventilado” (RH). spray conditions. The conservation of monuments in the Fragata, A.; Veiga, M. R.; Velosa, A. (2016). Substitution
Mediterranean Basin: the influence of coastal environment ventilated render systems for historic masonry: Salt crys-
and salt spray on limestone and marble. I International tallization tests evaluation. Construction and Building Ma-
Symposium, Bari. terials, 102, p. 592-600.
Agradecimentos Fragata, A.; Velosa, A. L.; Veiga, M. R. (2010). Salt crystal- Fragata, A. (2013). Revestimentos Compatíveis para Alve-
lization in substitution renders for historical constructions. narias Antigas sujeitas à ação severa da água. Tese de
Historic Mortars Conference & RILEM TC 203-RHM repair Doutoramento. Aveiro: Universidade de Aveiro.
Os autores agradecem o apoio da FCT (Fun- Mortars for Historic Constructions Final workshop, Praga.
Matias, Luís; Magalhães, Ana; Pina dos Santos, C. A.;
dação para a Ciência e Tecnologia), no âmbito Van Hees, R. (2012). Repair mortars for historic mason- Veiga, M. R. (2010). Estudo de avaliação do estado hi-
da bolsa de Pós-Doutoramento da autora Ana ry. From problem to intervention: a decision process. grotérmico de uma parede de alvenaria de pedra utili-
RILEM TC 203-RHM: Repair mortars for historic masonry. zando sondas miniaturas termohigrométricas e um humi-
Fragata com a referência SFRH/BPD/101517/ Materials and structures, 45, p. 1295-1302. dimetro. Lisboa: Laboratório Nacional de Engenharia
2014, e da empresa Fradical, Lda para a ela- Veiga, M. R.; Velosa, A. L.; Magalhães, A. C. (2009). Civil (I&D EDIFÍCIOS, NRI Report 138/2010).
boração do presente estudo. Experimental applications of mortars with pozzolanic

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 23


Investigação

Caracterização de argamassas de cal


utilizadas em paredes de alvenaria
resistentes pertencentes a edifícios
“de placa”
Ana Isabel Marques | Bolseira de Doutoramento, LNEC, DED/NRI | aimarques@lnec.pt
Maria do Rosário Veiga | LNEC, Portugal | rveiga@lnec.pt
Paulo Candeias | Investigador Auxiliar Convidado, LNEC, DE/NESDE | pcandeias@lnec.pt
João Gomes Ferreira | Professor Associado, Universidade de Lisboa – Instituto Superior Técnico, Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura
e Georrecursos, CERIS | joao.gomes.ferreira@tecnico.ulisboa.pt

24 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Os edifícios pertencentes à tipologia dos edifícios “de placa”,
construídos entre os anos 20 e 40 do século XX, são compostos
maioritariamente por paredes exteriores resistentes de alvenaria de
pedra e por paredes interiores de alvenaria de tijolo cerâmico ou de
blocos de betão, que suportam os pavimentos de betão armado.
As argamassas antigas de cal e areia, utilizadas na construção das
paredes de alvenaria destes edifícios, serviam para unir as pedras
ou tijolos de alvenaria ou como revestimento de paredes exteriores e
interiores, funcionando tanto como elemento estruturante como de
proteção das alvenarias existentes. No presente artigo apresentam-se
os resultados de uma campanha experimental que teve por objetivo
caracterizar estas argamassas.

Quadro 1 | Resultado dos ensaios de resistência à compressão da argamassa de assentamento


Caracterização
experimental
Identificação Tipo de Resistência à compressão Deformação na rotura
As amostras recolhidas para serem caracteri- dos provetes argamassa [N/mm2] [%]
zadas experimentalmente foram retiradas de
Ri6/14_EDL_1 0,62 0,11
um edifício em reabilitação, localizado em Lis-
Ri6/14_EDL_2 1,16 0,08
boa, cujas paredes de alvenaria resistente são
representativas da tipologia de estudo. Dado Ri6/14_EDL_3 0,97 0,05
que parte do edifício se encontrava muito de- Ri6/14_EDL_59 Revestimento 2,71 0,05
gradado, procedeu-se a demolições localiza- Ri6/14_EDL_61 2,40 0,09
das, de onde foi possível retirar essas amostras, Ri6/14_EDL_62 1,36 0,05
conforme se ilustra na fig. 1. Média 1,54 0,07
Ri6/14_EDL_20 1,35 0,10

Ensaio para determinação Ri6/14_EDL_55 1,30 0,13

da resistência à compressão Ri6/14_EDL_57


Assentamento
1,00 0,24
Ri6/14_EDL_58 1,20 0,11
Para quantificar a resistência à compressão de Ri6/14_EDL_60 1,51 0,13
provetes de argamassas irregulares procedeu- Média 1,27 0,14
-se a uma adaptação, para amostras recolhidas
in situ, do método normalizado preconizado na
norma EN 1015-11: 1999 (CEN, 1999). Foram en-
saiados provetes de argamassa de revestimen- 1 | Remoção de amostras de argamassa.
to e de assentamento, conforme se ilustra na 2 | Provetes de argamassa sujeitos ao
fig. 2, cujos resultados se sintetizam no quadro 1. ensaio de resistência à compressão.

Argamassa de revestimento Argamassa de assentamento

2a 2b 2c 2d

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 25


Investigação

Ensaio de medição da
velocidade de propagação
de ultrassons
3a 3b
O módulo de elasticidade dinâmico das arga-
massas foi estimado através de ensaios de me-
dição da velocidade de propagação de ultras-
sons, realizados de acordo com as formula-
ções indicadas na norma NP EN 12504-4 (IPQ,
2007), utilizando o método indireto.

Foram ensaiados provetes de argamassa de


assentamento e de revestimento através de
2 alinhamentos, conforme se ilustra na fig. 3a. Argamassa de revestimento.
Os resultados obtidos apresentam-se nas
figs. 4 e 5 e sintetizam-se no quadro 2.
3a 3b

3 | Provete de argamassa: a) identificação da localização


do ensaio no provete e b) realização do ensaio.
4 | Resultados obtidos na argamassa de revestimento no
ensaio para determinação da velocidade de propagação
de ultrassons (material sem anomalias). Argamassa de assentamento.
5 | Resultados obtidos na argamassa de assentamento no
ensaio para determinação da velocidade de propagação
de ultrassons (material sem anomalias).

26 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Quadro 2 | Resultado dos ensaios para determinação da velocidade de propagação de ultrassons

Identificação Direção do Massa volúmica Velocidade média Módulo de Elasticidade médio


dos provetes alinhamento [kg/m3] [m/s] [GPa]

Ri6/14_EDL_10 Linha horizontal 1721 1353 2,84


Ri6/14_EDL_10 Linha diagonal 1721 1197 2,22
Valores médios das argamassas de revestimento 1275 2,53
Ri6/14_EDL_21 Linha horizontal 1886 998 1,69
Ri6/14_EDL_21 Linha diagonal 1886 1184 2,38
Valores médios das argamassas de assentamento 1091 2,04

Ensaio para a determinação Ensaio para determinação Ensaio de difração


de absorção de água por da porosidade aberta e da de raios-X (DRX)
capilaridade e avaliação do massa volúmica aparente
comportamento à secagem Foram preparadas e ensaiadas duas amostras
Os procedimentos de ensaio baseiam-se na de argamassa, uma de revestimento e outra de
A técnica usada para este ensaio foi desen- norma portuguesa NP EN 1936 (IPQ, 2008). assentamento. Os difratogramas das argamas-
volvida no LNEC para amostras irregulares e sas apresentam-se na fig. 8.
friáveis (Magalhães & Veiga, 2009 e Veiga, et O ensaio foi realizado em três provetes de ar-
al., 2004). gamassa de revestimento e quatro provetes Os difratogramas obtidos mostram que as arga-
de argamassa de assentamento. Os valores massas têm ligante de cal (calcite) e agregado
Os valores médios dos resultados obtidos médios dos resultados obtidos nos ensaios maioritariamente quartzítico (quartzo) com ves-
nos ensaios apresentam-se nos gráficos das apresentam-se no quadro 4. tígios de caulinite. A argamassa de revestimen-
figs. 6 e 7 e sintetizam-se no quadro 3. to mostra ainda algum gesso, provavelmente
proveniente de contaminação do estuque de
acabamento interior.

6 | Curvas de absorção capilar


dos provetes de argamassa
de revestimento ensaiados.
7 | Curvas de absorção capilar
dos provetes de argamassa
de assentamento ensaiados.

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 27


Investigação

Quadro 3 | Resultado dos ensaios para a determinação de absorção Quadro 4 | Resultado dos ensaios para a determinação
de água por capilaridade e avaliação do comportamento à secagem da porosidade aberta e da massa volúmica aparente

Média do Média da Média da massa


Média do coeficiente de
tempo total porosidade volúmica aparente
capilaridade aos 5 minutos
de secagem aberta [%] [kg/m3]
(Ccc5min) [kg/m2.min0,5]
[dias]

Argamassa de Argamassa de
0,34 4 revestimento 31,7 1703
revestimento

Argamassa de Argamassa de
0,49 2 assentamento 33,5 1615
assentamento

8 | Registo difratométrico dos


provetes de argamassa ensaiados.

Conclusões argamassas de assentamento. Os resultados IPQ – Instituto Português da Qualidade. (setembro de 2008).
Métodos de ensaio para pedra natural; Determinação das
obtidos para porosidade aberta e massa volú- massas volúmicas real e aparente e das porosidades total
Os resultados obtidos mostram que as duas mica aparente são concordantes com o tipo e aberta. NP EN 1936: 2008-pt. Caparica.
argamassas são do mesmo tipo, com ligante de argamassas de cal utilizadas nesta época, IPQ – Instituto Português da Qualidade. (2007). Ensaios
com porosidades muito elevadas. do betão nas estruturas Parte 4: Determinação da velo-
de cal e agregado essencialmente quartzítico,
cidade de propagação dos ultra-sons. NP EN 12504-4:
provavelmente provenientes de areeiro, como 2007-pt. Caparica.
se verifica pela presença de caulinite. Magalhães, A.; Veiga, M. R. (2009). Physical and mechani-
Agradecimentos cal characterisation of ancient mortars. Application to the
evaluation of the state of conservation. Materiales de Cons-
As argamassas apresentam resistências mo- trucción, (295), Vol 59: 61-77. doi: 10.3989/mc.2009.41907.
deradas e deformações na rotura relativamen- Este trabalho insere-se no Projeto de Investi-
Veiga, M. R.; Fragata, A.; Velosa, A. L.; Magalhães, A. C.;
te elevadas, como expetável neste tipo de ma- gação e Inovação 2013-2020 do LNEC “REuSE Margalha, M. G. (2010). Lime-based mortars: viability for
use as substitution renders in historical buildings. Inter-
terial (Veiga, et al., 2010 e Magalhães & Veiga, - Revestimentos para Reabilitação: Segurança
national Journal of Architectural Heritage. (2) Vol. 4, pp.
2009). Os valores dos módulos de elasticidade e Sustentabilidade”. Os autores agradecem a 177-195. Abril-Junho 2010. Philadelphia: Taylor e Francis.
dinâmicos são característicos de uma argamas- colaboração da empresa de estudos e projetos Paulo B. Lourenço e Pere Roca eds. Special Issue. ISSN
A2P Consult, Lda., e das empresas Coporgest 1558-3058. DOI: 10.1080/15583050902914678.
sa de cal em bom estado de conservação e
e HCI Construções, S.A. Veiga, M. R.; Magalhães, A.; Bosiljkov, V. (julho de 2004).
sem anomalias relevantes. Capillarity tests on historic mortar samples extracted from
site. Methodology and compared results. 13th International
As argamassas são bastante permeáveis à Masonry Conference. Comunicação COM 110. Amsterdam.

água. No entanto, nas argamassas de revesti- BIBLIOGRAFIA

mento a camada de acabamento reduz a velo- CEN - Comité Europeu de Normalização. (1999). Methods
of test for mortar for masonry - Part 11: Determination of
cidade de absorção, traduzindo-se num coefi- flexural and compressive strength of hardened mortar. EN
ciente de capilaridade mais baixo que para as 1015-11: 1999. Bruxelas.

28 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Investigação

O papel dos agregados


naturais na durabilidade
das argamassas de cal
Ana Rita Santos | LNEC, Portugal | arsantos@lnec.pt
Maria do Rosário Veiga | LNEC, Portugal | rveiga@lnec.pt
António Santos Silva | LNEC, Portugal | ssilva@lnec.pt
Jorge de Brito | IST, Portugal | jb@civil.ist.utl.pt

Trabalho experimental
Os principais factores para a Foram preparadas diversas formulações com
durabilidade e bom desempenho base em cal aérea hidratada em pó CL90-S
(NP EN 459-1:2015) e usadas cinco areias de
das argamassas de cal estão naturezas mineralógicas distintas: duas areias
relacionados com a qualidade siliciosas, sendo uma rolada (AL) e outra bri-
tada (Sb); uma areia calcária (C); uma areia
da cal e dos agregados usados, a basáltica (B); e uma areia granítica (G) (fig. 1).
De modo a minimizar a variável da distribui-
proporção adequada da mistura, ção granulométrica, as areias foram calibra-
a granulometria dos agregados e das conforme a distribuição granulométrica
da areia de referência CEN, definida na NP
o cuidado posto na preparação da EN 196-1:2006 (Santos et al., 2016).

argamassa. As argamassas foram preparadas com uma


A fim de avaliar o desempenho relação volumétrica ligante: agregado de 1:3
e a quantidade de água utilizada foi a neces-
e viabilidade de utilização de sária para garantir uma trabalhabilidade ade-
diferentes tipos de agregados quada, tendo-se fixado o espalhamento em
150 ± 5 mm (quadro 1).
naturais em trabalhos de
Foram realizados ensaios sobre as argamas-
reabilitação, é analisada a influência sas no estado fresco e no estado endureci-
da natureza mineralógica de do às idades de 28, 90 e 360 dias, e tiveram
como base as normas europeias em vigor: EN
diferentes agregados na estrutura e 1015-11 para os ensaios de resistência me-
cânica (Rt e Rc); NP EN 14146 para o ensaio
no comportamento físico-mecânico de módulo de elasticidade dinâmico (E); EN
a longo prazo de argamassas de cal 1015-18 para o ensaio de absorção de água
por capilaridade (CC), tendo-se optado, nes-
para revestimentos de paredes. te caso, por ensaiar os provetes prismáticos
na sua dimensão original e NP EN 1936:2008
para o ensaio de avaliação da porosidade
aberta (PA) (fig. 2).

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 29


Investigação
a

1 | Aspecto geral das


areias em estudo:
a) areia lavada (AL);
b) areia de seixo britado (Sb);
c) areia calcária (C);
d) areia basáltica (B); b
e) areia granítica (G).

30 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Quadro 1 | Composição das argamassas e resultado médio do ensaio
de determinação da massa volúmica (MV) aparente no estado fresco

Notação Composição Razão água/ligante MV aparente (kg/m3)

Ca Al CP Cal aérea / areia siliciosa‡ 2,4 1955

Ca Sb CP Cal aérea / areia siliciosa britada‡ 2,3 1980

Ca C CP Cal aérea / areia calcária‡ 2,2 2020

Ca B CP Cal aérea / areia basáltica‡ 2,3 2115

Ca G CP Cal aérea / areia granítica‡ 2,4 1945

‡ Granulometria da areia de referência CEN.

2 | Ensaios realizados no estado endurecido:


a) resistência à tracção por flexão;
2a 2b
b) absorção capilar.

Resultados e discussão 360 dias, à excepção da composição com cia é também verificada no ensaio de poro-
areia basáltica que inverte esta tendência dos sidade aberta, que mostra que a argamassa
Argamassas no estado fresco 28 para os 90 dias, e a composição com areia com areia basáltica é a que apresenta maior
siliciosa britada (Ca SB CP) que aumenta este percentagem de volume de vazios. Os valores
Com a trabalhabilidade fixa, as argamassas valor dos 90 para os 360 dias. Verifica-se de coeficiente de capilaridade aumentam, em
com areia calcária foram as que apresentam ainda que as argamassas com areia basálti- geral, dos 28 para os 90 dias, e diminuem dos
uma menor razão água/ligante. Ao contrário ca são as que têm maiores valores de massa 90 para os 360 dias, à excepção das com-
do que seria de esperar, a maior superfície es- volúmica aparente (fig. 3). posições com areia calcária e areia granítica.
pecífica do grão calcário não obrigou à adição Este facto pode estar associado a alterações
de maior quantidade de água de amassadura No que se refere às resistências mecânicas, da estrutura porosa e da microestrutura das
para obter a mesma trabalhabilidade. Estes os valores de Rc e Rt evidenciam um aumen- argamassas que ocorrem durante o processo
resultados estão em geral de acordo com os to dos 28 para os 90 dias; dos 90 para os 360 de carbonatação.
de Quiroga e Fowler (2004), que concluíram dias a Rc (fig. 4a) também aumenta, com ex-
que quando são empregues finos de natureza ceção das composições com areia calcária
calcária a quantidade de água de amassadu- e granítica, e a Rt (fig. 4b) diminui em todas Conclusões
ra é menor do que quando são usados finos as composições. Verifica-se que a composi-
de natureza basáltica ou granítica. A arga- ção com areia basáltica (Ca B CP) é a mais Em termos dos diferentes tipos de areias, ve-
massa com areia basáltica foi a que apresen- deformável (menor módulo de elasticidade), rificou-se que as argamassas de cal aérea
tou maior valor de massa volúmica aparente enquanto a argamassa com areia calcária é a com areia calcária, seguidas das de areia sili-
no estado fresco (quadro 1), indiciando uma mais rígida (fig. 5). ciosa britada, foram as que apresentaram os
menor porosidade e também, possivelmente, valores mais elevados de resistência mecâni-
devido ao maior teor de ferro que estas areias Em termos do comportamento à água (coefi- ca. Relativamente ao comportamento à água
têm na sua composição. ciente de capilaridade e valores máximos de não se verificaram grandes diferenças entre
absorção de água) (fig. 6) verifica-se que a os vários tipos de areias ensaiadas.
Argamassas no estado endurecido composição com areia basáltica (Ca B CP) é
a que apresenta, em termos médios, a maior As composições com areia basáltica também
Em termos gerais, verifica-se um aumento da velocidade de absorção e que a argamassa apresentam resultados globais equilibrados ao
massa volúmica aparente dos 28 para os 90 com areia siliciosa britada (Ca Sb CP) a que longo do tempo da cura. O facto de terem na
dias e uma diminuição dos 90 dias para os apresenta a menor velocidade. Esta tendên- sua composição minerais de argila expansivos

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 31


Investigação

3 | Evolução ao longo do tempo da massa


volúmica aparente e de porosidade aberta de
argamassas de cal aérea com agregados de
diferente natureza mineralógica.

4 | Evolução ao longo do tempo da resistência


à compressão (a) e da resistência à tracção
por flexão (b) de argamassas de cal aérea com
agregados de diferente natureza mineralógica. 3

5 | Evolução ao longo do tempo do módulo


de elasticidade dinâmico por frequência de
ressonância de argamassas de cal aérea com
agregados de diferente natureza mineralógica.

6 | Evolução ao longo do tempo dos valores do


coeficiente de absorção capilar e de absorção
máxima de argamassas de cal aérea com
agregados de diferente natureza mineralógica.

(vermiculite e montmorilonite) conferiu-lhes 4a


um elevado poder de retenção de água, facto
que pode ter facilitado o processo de carbo-
natação ao longo do tempo; por outro lado,
a forma e a superfície do agregado basáltico
também promovem a ligação entre a pasta e
o agregado, aumentando as suas resistências,
nomeadamente a resistência à flexão (Tasong
et al.,1998).

Agradecimentos
Os autores agradecem a colaboração das 4b
empresas Lena Agregados, S.A. e Lusical,
S.A., e do LNEC através do Projeto de Investi-
gação e Inovação “PRESERVe – Preservação
de revestimentos do património construído
com valor cultural”.

* Artigo redigido ao abrigo do antigo acordo


ortográfico.

BIBLIOGRAFIA
Arizzi, A.; Cultrone, G. (2012). The difference in beha-
viour between calcitic and dolomitic lime mortars set un-
der dry conditions: The relationship between textural and
physical–mechanical properties. Cement and Concrete
Research, vol. 42 (6), 818-826. 5
Catinaud, S.; Beaudoin, J. J.; Marc Hand, J. (2000). In-
fluence of limestone addition on calcium leaching mecha-
nisms in cement-based materials. Cement and Concrete
Research, vol. 30 (12), 1961-1968.
Pavía S.; Toomey B. (2008). Influence of the aggregate
quality on the physical properties of natural feebly-hy-
draulic lime mortars. Materials and Structures, vol. 41,
559-569.
Quiroga, P. N.; Fowler, D. W. (2004). The effects of ag-
gregates characteristics on the performance of Portland
cement concrete. Austin: University of Texas.
Santos, A. R.; Veiga, M. R.; Santos Silva, A.; Brito, J.
(2016). O papel dos agregados naturais na durabilidade
das argamassas de cal. In V Jornadas FICAL. Lisboa:
LNEC. 407-417.
Tasong, W. A.; Lynsdale, C. J; Cripps, J. C. (1998). Ag-
gregate-cement paste interface. II: Influence of aggrega-
te physical properties. Cement and Concrete Research,
vol. 28 (10), 1453-1465.
6

32 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Investigação

Desempenho de
argamassas de cal
em sistemas de
isolamento térmico
Sofia Malanho | LNEC, Portugal | smalanho@lnec.pt
Maria do Rosário Veiga | LNEC, Portugal | rveiga@lnec.pt

Com a crescente preocupação em


O conforto térmico, e por vezes tam-
bém acústico, dos edifícios pode ser melhora-
selecionar componentes que envolvem do com a aplicação, nas fachadas, de siste-

menor consumo de energia, constituídos mas compósitos de isolamento térmico pelo


exterior (designados pela sigla ETICS).
por materiais ecológicos e sustentáveis,
Os ETICS são constituídos por placas de iso-
diversas empresas portuguesas têm vindo lante térmico com uma espessura mínima de
a desenvolver ETICS com argamassas 40 mm, fixadas ao suporte por um produto de
colagem e/ou por fixações mecânicas; cama-
e acabamentos com base em cal e com da de base – execução de uma ou duas sub-
camadas de argamassa com rede de fibra de
isolantes térmicos de cortiça. vidro incorporada, e por fim um acabamento
Este artigo apresenta uma campanha (com a utilização de produtos muito diversifi-
cados) (EOTA, 2013) (figs. 1 a 3).
experimental para análise do desempenho
A análise deste tipo de sistemas é efetuada
mecânico de sistemas ETICS aplicados com base no ETAG 004 (EOTA, 2013), que de-
sobre muretes (3 m x 2 m) e das fine as exigências e os critérios de avaliação
para o desempenho destes sistemas de for-
argamassas utilizadas para execução das ma global.

respetivas camadas de base. Os ensaios


sobre provetes prismáticos de argamassa, Campanha experimental
apesar de não serem exigidos no ETAG Foram analisados quatro sistemas ETICS cons-
004 para análise do desempenho, podem tituídos por uma camada de isolante térmico
fixada diretamente ao suporte por um produ-
ajudar a tentar interpretar as diferenças to de colagem e revestida por uma camada
de base armada e um acabamento. Após 28
de resultados no desempenho global dos dias de secagem das argamassas os sistemas
sistemas. foram submetidos ao ensaio higrotérmico. Fo-
ram ensaiados também provetes prismáticos
com dimensões de 160 mm x 40 mm x 40 mm
das referidas argamassas: 2 – cal hidráulica
natural (NHL); 3 – cal aérea (CL); 4 e 5 – ci-
mento (C) (figs. 4).

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 33


1 2

3 4

1 | Colagem das placas ao suporte. Quadro 1 | Características mecânicas dos sistemas sem acabamento submetidos a ciclos higrotérmicos e
2 | Isolante térmico (EPS e ICB) colado das respetivas argamassas (da camada de base)
sobre o suporte.
3 | Incorporação da rede de fibra de
vidro na camada de base.
Ensaio sobre o sistema Ensaio sobre os provetes prismáticos
4 | Ensaios mecânicos sobre as (sem acabamento) das argamassas (2:NHL; 3: CL; 4:C ou 5:C)
argamassas para a execução da
camada de base.
Aderência
da camada
Designação Resistência ao choque
de base ao
dos sistemas isolante Map (kg/ Rtf Rc (N/ Efr Teor de
Rtf/Rc
m3) (N/mm2) mm2) (MPa) resina

Apresentação e σ
3 J – Ømossa 10 J –

análise de resultados (N/mm2)


PR* (mm) e fis-
suração
Ømossa
(mm)

No quadro 1 são apresentados os resultados


21 (sem 43 (sem
obtidos na campanha experimental efetuada 2:NHL+S+ICB 0,10 C 1160 1,30 4,80 0,27 3769 2,9
fissuração) fissuração)
sobre os quatro sistemas diferentes (sem aca-
bamento) e sobre os provetes prismáticos das 21 (sem 27 (com
argamassas utilizadas na execução da cama- 3:CL+S+ICB 0,09 C 1110 0,70 2,20 0,32 2493 4,3
fissuração) fissuração)
da de base de cada sistema. Foram analisa-
das quatro argamassas, uma com base em 31 (com 31 (com
4:C+S+EPS 0,17 C/A 1400 3,90 8,70 0,45 7470 2,7
cal hidráulica natural (2:NHL), uma de cal aé- fissuração) fissuração)
rea e cimento (3: CL) e as restantes com base
em cimento (4C e 5C). Todos os sistemas 32 (com 65 (com
5:C+S+EPS 0,21 C 1160 1,20 2,20 0,55 2596 2,9
possuíam apenas uma rede normal (S) e iso- fissuração) fissuração)
lante de poliestireno expandido moldado (EPS)
ou aglomerado de cortiça expandida (ICB). *Padrão de rotura: PR: A – rotura adesiva no plano camada de base-isolante e PR: C – rotura coesiva no
Os sistemas aplicados sobre os muretes seio do isolante.
não apresentaram qualquer tipo de anomalia Map - Massa volúmica aparente; Rtf - Resistência à tração por flexão; Efr – Módulo de elasticidade
(empolamentos, destacamentos, fendilhação dinâmico determinado por frequência de ressonância e Rc - resistência à compressão.
ou perda de aderência) após o ensaio higro-
térmico (EOTA, 2013).

34 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Os ensaios de resistência ao choque permiti- Nos ensaios sobre os provetes prismáticos, o
ram, em geral, observar maiores diâmetros de maior valor de resistência à tração por flexão
mossas, delimitados com fissuração, em sis- foi obtido numa das argamassas de cimento
temas com camada de base de cimento (sis- (4:C), que correspondeu a um elevado valor
temas 4:C+S+EPS e 5:C+S+EPS). A presença de tensão de aderência no respetivo sistema
de fissuração condiciona a possibilidade de (4:C+S+EPS).
aplicação do sistema em zonas acessíveis ao
público e expostas a choques fortes. O siste- O sistema 2:NHL+S+ICB não obteve qual-
ma 2:NHL+S+ICB com cal hidráulica natural quer tipo de fissuração após choque de 3 J
foi o que apresentou uma melhor resistência à e 10 J; os provetes prismáticos da argamas-
fissuração, verificando portanto os requisitos sa correspondentes obtiveram também um
para ser aplicado também nas zonas mais bai- valor de resistência à compressão elevado
xas dos edifícios e mais expostas a choques. (2: NHL).
(EOTA, 2013)

5 | Correlação entre os valores da resistência Os quatro sistemas analisados obtiveram ten- Correlações entre
à tração por flexão e os valores de resistência sões de aderência superiores a 0,08 N/mm2 os resultados
à compressão. ou tipologia de rotura coesiva no isolante
6 | Correlação entre os valores da resistência (PR: C), cumprindo, portanto, o requisito pre- Nas figs. 5 a 8 apresentam-se as correlações
à tração por flexão e os valores do módulo
de elasticidade dinâmico por frequência de
visto no ETAG 004 (EOTA, 2013). Os valores efetuadas entre os valores obtidos nos diver-
ressonância. mais elevados foram obtidos nos sistemas sos ensaios.
7 | Correlação entre os valores obtidos da com argamassa de cimento (sistemas 4 e 5),
resistência à compressão e do módulo de mas como os resultados de uma forma geral Conclui-se que existe uma boa correlação en-
elasticidade dinâmico por frequência de
deram rotura coesiva no seio do isolante, estes tre os dois tipos de resistências mecânicas
ressonância.
valores poderão depender da resistência à tra- (tração por flexão e compressão), a massa
8 | Correlação entre os valores dos diâmetros
das mossas após ensaio de choque de 3 J e ção e do módulo de elasticidade transversal volúmica aparente e o módulo de elasticida-
da relação entre Rtf/Rc . de cada isolante. de dinâmico por frequência de ressonância,

5 6

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 35


comprovando assim que as argamassas com tência a esforços e à fissuração; os resultados Agradecimentos
maior coesão interna, maior rigidez e maior dos dois tipos de sistemas verificaram os re-
compacidade, apresentam também valores quisitos (ensaios higrotérmicos e mecânicos Os autores agradecem ao Projeto “REuSE –
mais elevados de resistência aos esforços. sobre os muretes de grandes dimensões) esta- Revestimentos para reabilitação: segurança
belecidos no Guia da EOTA ETAG 004. e sustentabilidade“; agradecem também a
Por outro lado, as argamassas com maior duc- colaboração da eng.ª Catarina Brazão Fari-
tilidade, quando aplicadas no sistema, apresen- Verificou-se uma boa correlação entre o parâ- nha e dos técnicos do LNEC Ana Maria Duar-
tam maior capacidade de deformação e maior metro relação resistência à tração por flexão e te, Bento Sabala e Acácio Monteiro na reali-
diâmetro de mossa após o impacto de uma resistência à compressão, que reflete a duc- zação dos ensaios.
esfera de 3 J, como se verifica pela boa cor- tilidade, e o diâmetro de mossa no ensaio de
relação ilustrada no gráfico da fig. 8, entre o choque de 3 J. Esta correlação é consistente
diâmetro de mossa de 3 J e a relação entre Rtf/ com a ideia de que uma maior ductilidade da BIBLIOGRAFIA
Rc, que reflete a ductilidade. argamassa contribui para a maior capacidade European Organization for Technical Approvals – EOTA
(2013). Guideline for European Technical Approval of Ex-
do sistema absorver solicitações de choque. ternal Thermal Insulation Composite Systems with Ren-
dering. ETAG 004. EOTA, Brussels.
Conclusões Conclui-se que as argamassas com base em Malanho, S. e Veiga, M. R. (2015). Análise paramétrica
cal, pela sua maior ductilidade, podem contri- das características dos componentes no desempenho de
ETICS com materiais sustentáveis. 3.º Workshop do CIB
A campanha experimental envolveu quatro sis- buir para um bom comportamento ao choque Student Chapter (CIB-SC), Lisboa: IST, 11 de setembro.
temas ETICS, dois deles com argamassas com dos sistemas ETICS, apesar da menor resis- Malanho, S.; Veiga, M. R. (2015) Desempenho à água de
base em cimento e isolante EPS e outros dois tência mecânica em relação às argamassas ETICS com materiais sustentáveis: influência das carac-
terísticas da argamassa. Congresso CONPAT 2015,
com cal e ICB, tendo estes últimos sido desen- com base em cimento, mais utilizadas nestes Lisboa: IST. 8 a10 de setembro.
volvidos com o objetivo de reduzir os impactos sistemas. Contudo, é necessário ter em conta Veiga, M. R.; Malanho S. (2010). Sistemas Compósitos de
ambientais de produção dos sistemas. Os re- as possíveis fragilidades dessas argamassas, Isolamento Térmico pelo Exterior (ETICS): Comportamento
sultados obtidos mostram valores muito seme- nomeadamente no que diz respeito ao seu com- global e influência dos componentes, Atas do APFAC 2010.
3.º Congresso Português de Argamassas de Cons-trução,
lhantes na avaliação da capacidade de resis- portamento à água (Malanho e Veiga, 2015). Lisboa: LNEC, 18 e 19 março.

7 8

36 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Investigação

Contributo de betões de
cânhamo na regulação
passiva da humidade
no interior dos edifícios
Tânia Simões | Dep. de Engenharia Civil da Universidade NOVA de Lisboa, Portugal | ts.simoes@campus.fct.unl.pt
Fionn McGregor | LGCB-LTDS, UMR 5513 CNRS, École Nationale de Travaux Publics de l´Etat, França | fionnmcgregor@entpe.fr
Antonin Fabbri | LGCB-LTDS, UMR 5513 CNRS, École Nationale de Travaux Publics de l´Etat, França | antonin.fabbri@entpe.fr
Paulina Faria | CERIS e Dep. de Engenharia Civil da Universidade NOVA de Lisboa, Portugal | paulina.faria@fct.unl.pt

Este estudo experimental tem como objetivo a comparação da


higroscopicidade e capacidade de regulação passiva da humidade
relativa no interior dos edifícios de três formulações distintas de
betão de cânhamo. Estes materiais diferem, fundamentalmente,
no tipo de ligante utilizado. A caracterização baseia-se na
determinação das curvas de adsorção, da permeabilidade ao
vapor de água e do moisture buffering value (MBV).


V erifica-se um crescimento no in-
teresse do uso de materiais de construção
Contudo, estes benefícios dependem do clima
da região e condições interiores do edifício,
herméticas com ambiente estabilizado com so-
luções salinas. Foi ainda testada a permeabi-
amigos do ambiente, tais como o betão de dado que a exposição do material a HR alta lidade ao vapor de água de acordo com a EN
cânhamo, devido à necessidade de minimizar durante um longo período de tempo poderá ISO 12572 [8] utilizando o método da “cápsula
o impacto ambiental do sector da construção levar ao desenvolvimento de fungos. húmida”, em que as amostras de cada betão
nas mudanças climáticas [1] [2]. O betão de com 5 cm de espessura e 16 cm de diâmetro
cânhamo possui reduzida energia incorpora- foram preparadas como ilustrado na fig. 2.
da durante o processo de fabrico devido à Desenvolvimento
sua composição: elevado teor de fibras de experimental Para a definição das trocas dinâmicas entre o
cânhamo, um ligante e água que formam uma ar e a amostra e a caracterização do contri-
pasta que aglutina as fibras. O quadro 1 sintetiza as condições de produ- buto do material para o equilíbrio da HR em
ção e proporções utilizadas nas misturas das dado ambiente foi realizado o ensaio de MBV
Este material é geralmente usado na constru- três formulações em estudo, com três ligan- seguindo o protocolo Nordtest [9]. Para este
ção para enchimento de estruturas de madei- tes distintos [6]. fim, foram utilizados provetes cilíndricos com
ra, como placas de revestimento e isolamen- 16 cm de diâmetro e diferentes espessuras
to pré-fabricadas e na forma de blocos de Foram realizados ensaios em regime estacio- (5, 10 e 15 cm). Através deste ensaio obteve-
alvenaria leve [3] [4]. Devido à sua elevada nário para caracterização das amostras, como -se a valor de MBVprático calculado segundo o
capacidade higroscópica pode ser utilizado as curvas de adsorção isotérmica segundo o método Nordtest [10]. A relação entre as pro-
como regulador passivo de HR podendo trazer procedimento experimental da EN ISO 12571 [7] priedades dinâmicas e estacionárias foi obtida
vantagens a nível de economia energética, com amostras com mais de 10g, como exem- através do modelo desenvolvido no protocolo
bem como da saúde e conforto térmico dos plifica a fig. 1, expostas a seis níveis diferentes Nordtest [10], denominado MBVideal.
habitantes do espaço onde é aplicado [2] [5]. de HR (23, 43, 59, 75, 85 e 97%), em caixas

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 37


Quadro 1 | Proporções das formulações de betão de cânhamo, massa volúmica húmida, preparação dos provetes e condições de cura

Material PF70 Calco NL

Ligante à base de cal aérea Ligante à base Formulação desenvolvida


Ligante
(Tradical 70) de cal hidráulica por Groupo Parex

Cânhamo/Ligante (-) 0.33 0.33 0.42

Água/Ligante (-) 0.81 0.88 -

Massa volúmica a
780 700 -
fresco (kg/m3)

Produção Apiloado (no molde) Apiloado (no molde) Por projeção (no molde)

1a 2

1b

1c

1 | Exemplo de amostras dos


betões utilizadas no ensaio
de adsorção isotérmica
(a – Calco; b – PF70; c – NL).
2 | Esquematização do método
da “cápsula húmida”.

38 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


 140        

 120         Calco  
PF70  
 100         NL  
w(kg/m3)  

 80        

 60        

 40        

 20        

 -­‐        
0   20   40   60   80   100  
HR  (%)  
3

Outra informação que se pretende aferir está Contudo, este facto não é considerado um pro- 3 | Curvas de adsorsão dos
betões Calco, PF70 e NL.
relacionada com a espessura de material que blema, pois num edifício não é comum a exis-
está ativa durante os ciclos diários de moistu- tência de HR tão elevadas durante tão longos
re buffering. Esta espessura é designada por períodos de tempo.
profundidade de penetração de humidade e
pode ser avaliada através de dois modelos As curvas de adsorção dos três betões apre-
analíticos dp,1% e d1/e [11] . sentam a mesma tendência (fig. 3). Contudo, Foram feitas algumas correções nos resulta-
o Calco apresenta teor em água superior para dos experimentais do método da “cápsula hú-
HR superior a 60%. mida” [11] de modo a obter resultados consi-
Resultados e discussão derados mais realistas (quadro 2). No quadro 2
Embora os três betões caracterizados apre- observa-se que os betões PF70 e NL tiveram
No decorrer do ensaio das curvas de adsorção sentem grande histerese [6], para efeitos de comportamento semelhante, enquanto o Calco
todos os betões em estudo demoraram, apro- cálculo considerou-se unicamente a capacida- foi ligeiramente mais permeável ao vapor de
ximadamente, dois meses para estabilizar em de de retenção de humidade calculada atra- água.
cada nível de HR, exceto a 97% de HR. Para vés das curvas de adsorção para HR entre
esta HR as amostras estiveram um período 23% e 75%. Portanto, a capacidade de reten- Na fig. 4 apresentam-se os resultados de cap-
de tempo ainda mais prolongado a estabilizar, ção de humidade do Calco, PF70 e NL foi tação e libertação de humidade durante três
o que levou ao desenvolvimento de fungos, de 110.2 kg/m3, 56.5 kg/m3 e 70.3 kg/m3, dias/ciclos para as amostras de Calco, PF70
inviabilizando o equilíbrio destas amostras. respetivamente. e NL, respetivamente, com espessuras diferen-
tes (5, 10 e 15 cm). NL apresenta uma ligeira
diferença entre a amostra de 15 cm e as res-
tantes. Contudo, a diferença máxima ocorre
Quadro 2 | Valores médios de permeabilidade ao vapor de água e
factor de resistência ao vapor de água dos betões de cânhamo no último ciclo entre 15 cm e 10 cm (≈ 8%).
Nos resultados do ensaio de MBV para PF70
a máxima diferença ocorre no último ciclo e foi
13%, aproximadamente, entre 5 cm e 15 cm.
δ µ (-) Será importante observar que os resultados
obtidos para todas as espessuras ensaiadas
(kg/s.m.Pa) Valor médio Desvio padrão
de Calco obtiveram valores de captação de
Calco 3.09E-11 6.15 0.15 humidade distintos. Como se poderá observar
no quadro 3 o MBVprático obtido para o Calco
PF70 2.36E-11 8.07 0.50 foi superior em relação às restantes formula-
ções. A espessura que obteve maior MBV foi
NL 2.38E-11 7.98 0.36
a maior e este foi diminuindo com a redução
das espessuras. O quadro 3 faz o resumo dos

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 39


Investigação

Quadro 3 | MBV para cada espessura de betão

MBV (g/(m².%RH))

Formulações Espessuras (cm) Valor médio Desvio padrão

15 3.21 0.34
Calco 10 2.23 0.18
5 1.98 0.09
15 1.75 0.02
PF70 10 1.71 0.05
5 1.56 0.05
15 1.65 0.07
NL 10 1.53 0.04
5 1.60 0.07

Quadro 4 | MBVideal vs MBVprático

Calco PF70 NL

MBVideal (g/m²/%) 5.16 3.23 3.62

MBVprático (g/m²/%) 2.53 1.66 1.59

Diferença relativa (%) 103.82 94.96 127.09

MBVprático obtidos para todas as formulações


com diferentes espessuras e pode observar-
-se que a espessura não tem impacto signifi-
cativo nos betões PF70 e NL. Quadro 5 | Espessura de penetração teórica obtida para os modelos d1/e e dp,1%

No quadro 4 são comparados o MBVideal com


o MBVprático para todas as formulações. Os d(1/e) (cm) dp,1% (cm)
valores de MBVprático apresentados são uma
PF70 0.57 2.62
média entre os valores obtidos nas várias es-
pessuras, podendo apenas ser tomados co- NL 0.51 2.36
mo um valor de referência para o Calco, uma
vez ter resultados tão distintos. Pode ser ob- Calco 0.47 2.14
servado que o MBVideal foi sobrestimado quan-
do comparado com o MBVprático em todas as
formulações. Todavia, o MBVideal é um valor
aproximado e depende do valor obtido da ca-
pacidade de retenção de humidade e permea-
bilidade ao vapor de água de cada betão. E
ainda pode existir uma fonte de erro ligada
aos ensaios de que esta aproximação depen- para as restantes formulações. O valor experi- a resultados coerentes com os valores expe-
de, bem como um problema de modelação mental da espessura de penetração no Calco rimentais anteriormente referidos. No entanto,
associado ao material. [6] poderá ser explicado pela presença de dois o valor teórico da espessura de penetração é
orifícios verticais nas amostras, que resultaram estimado assumindo uma variação sinusoidal
A espessura de penetração é a espessura ne- de ensaios anteriormente realizados. Estes ori- da HR à superfície das amostras, que não
cessária de um material sem revestimento pa- fícios poderão ser responsáveis por maior es- é o que acontece nas condições do ensaio
ra otimizar a sua capacidade de regulação pas- pessura de penetração e, consequentemen- Nordtest. Outra explicação poderá estar rela-
siva da HR. Durante o procedimento experi- te, proporcionar valores díspares observados cionada com as condições assumidas para
mental foi desenvolvido um método inovador na capacidade de MBV. estimar o valor teórico da espessura de pene-
[6] nas amostras em estudo, que consta na tração (existência de migração de água, sem
colocação de higrómetros no interior das amos- Os resultados do cálculo da espessura de histerese nas curvas de adsorção, etc.), que
tras durante os ciclos de MBV. Conclui-se que penetração utilizando os dois modelos teóri- pode não ser válido para o material em estudo.
a espessura de penetração experimental foi cos dp,1% e d1/e são apresentados no quadro 5. Contudo, mais estudos são necessários para
entre 4 cm e 8 cm para Calco e inferior a 5 cm Nenhuma das aproximações teóricas conduziu se poderem confirmar tais tendências.

40 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


160  
Calco  15cm  
140  
Calco  10cm  
120   Calco  5cm  
100  
80  
60  
40  
20  
0  
-­‐20  

PF70  15cm  
130   PF70  10cm  
PF70  5cm  
Δm/A  (g/m²)  

80  

30  

-­‐20  
160  
140   NL  15cm  
120   NL  10cm  
100   NL  5cm  
80  
60  
40  
20  
0  
-­‐20    -­‐            0,5          1,0          1,5          2,0          2,5          3,0        
t  (dias)  
4

Conclusão De forma a beneficiar em pleno da capacidade 4 | Resultados do ensaio de Moisture Buffering


para os betões Calco (a), PF70 (b) e NL (c).
de regulação passiva da HR a espessura míni-
Os resultados obtidos para as curvas de adsor- ma recomendada para betões de cânhamo
ção de humidade são muito próximos para é de 5 cm. Relativamente aos modelos teó-
dois dos três betões em estudo: PF70 e NL. ricos adotados para o cálculo da espessura [5] F. Mcgregor (2014). “Moisture buffering capacity of
A curva de adsorção do Calco registou maior unfired clay masonry, PhD thesis,” University of Bath.
de penetração, também aqui será necessária
teor de água que as dos restantes betões de [6] T. Simões (2015). “Moisture buffering capacity of
mais investigação, bem como em relação aos earth mortar plasters and hemp concrete Effect of
cânhamo, fundamentalmente para HR elevadas ensaios de que estes dependem. temperature and thickness, MSc Dissertation,” NOVA
(>60%). Independentemente do valor do teor University of Lisbon.
de água alcançado, decorreu um longo perío- [7] CEN (2000). “ISO 12571 – Hygrothermal performance
do de tempo até o teor de água estabilizar pa- of building materials and products Determination of
hygroscopic sorption properties”.
ra todos os betões. A permeabilidade ao va- BIBLIOGRAFIA
[8] CEN (2001). “ISO 12572 – Hygrothermal performance
por de água de todos os betões foi elevada. [1] M. K. Dixit; J. L. Fernández-Solís; S. Lavy; C. H. of building materials and products - Determination of
Culp (2010). “Identification of parameters for embodied hygroscopic sorption properties”.
energy measurement: A literature review,” Energy Build.,
O MBVprático do PF70 e NL apresenta resulta- vol. 42, no. 8, p. 1238–1247. [9] C. Rode; R. H. Peuhkuri; L. H. Mortensen; K. K.
Hansen; B. Time; A. Gustavsen; T. Ojanen; J. Ahonen;
dos semelhantes para todas as espessuras, o [2] P. Melià; G. Ruggieri; S. Sabbadini; G. Dotelli (2014). K. Svennberg; J. Arfvidsson (2005). “Moisture buffering
que a nível de regulação passiva da HR está “Environmental impacts of natural and conventional of building materials,” Technical University of Denmark,
building materials: A case study on earth plasters,” J. Denmark.
classificado como bom [9]. O MBVideal, que é Clean. Prod., vol. 80, p. 179–186.
calculado através das propriedades em regi- [10] C. Rode; R. Peuhkuri; B. Time; K. Svennberg; T.
[3] A. Evrard (2006). “Sorption behaviour of Lime-Hemp Ojanen; P. Mukhopadhyaya; M. Kumaran; S. W. Dean
me estacionário, apresenta valores sobres- Concrete and its relation to indoor comfort and energy (2007). “Moisture Buffer Value of Building Materials,” J.
timados para todos os betões comparando demand,” in 23rd International Conference on Passive ASTM Int., vol. 4, no. 1, p. 8.
and Low Energy Architecture, p. I553–I557.
com o MBVprático. Considera-se ser necessário [11] T. Simões; F. McGregor; A. Fabbri; P. Faria (2016).
[4] F. Collet; J. Chamoin; S. Pretot; C. Lanos (2013). “Contributo de betões de cânhamo na regulação passi-
mais investigação relativamente a este mode- “Comparison of the hygric behaviour of three hemp va da humidade no interior dos edifícios,” in V FICAL,
lo teórico neste tipo de materiais. concretes,” Energy Build., vol. 62, p. 294–303. no. 1, p. 307-316.

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 41


Investigação

Argamassas para
(re)aplicação de
azulejos antigos
Um passo para a Normalização

Sandro Botas | LNEC/Universidade de Aveiro, Portugal | sbotas@lnec.pt


Maria do Rosário Veiga | LNEC, Portugal | rveiga@lnec.pt
Ana Velosa | Universidade de Aveiro, RISCO, Geobiotec, Portugal | avelosa@ua.pt

42 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


1 | Fachada azulejada da cidade de Ovar.

Este trabalho, fundamentado num estudo científico em curso


sobre argamassas para reassentamento de azulejos antigos, visa
ser um primeiro contributo para iniciar um novo rumo num
enquadramento normativo e orientativo das características físicas,
químicas e mecânicas de principal relevância para o fabrico, uso e
aplicação de argamassas de re(aplicação) de azulejos antigos.
Ao longo dos últimos anos foi estudado o comportamento das
argamassas encontradas nas fachadas azulejadas, de argamassas
de substituição compatíveis e das características de aderência
azulejo/argamassa existentes e exigíveis.

As argamassas das fachadas As argamassas devem ser compatíveis com os O uso do cimento e
antigas e requisitos das materiais preexistentes de modo a não contri- argamassas cimentícias
argamassas de substituição buírem para a sua degradação, promoverem
a empregar nas fachadas a proteção dos elementos preexistentes e As argamassas são materiais porosos usados
contribuírem para a durabilidade do conjunto em diversos tipos de aplicação em constru-
Em finais do século XIX as argamassas usa- (Veiga, 2012; Lawrence et al, 2007). ções. O seu variado espetro de utilização faz
das para o assentamento de azulejos eram A compatibilidade neste tipo de materiais de- com que seja necessária uma boa compre-
argamassas ordinárias de cal aérea e areia, ve ser analisada segundo três aspectos: ensão do seu comportamento de modo a
geralmente com traço volumétrico ligante/ 1) Compatibilidade física; cumprir as exigências para as quais foram
agregado de 1:1 a 1:4. Em alguns casos intro- 2) Compatibilidade mecânica; definidas. O aparecimento do cimento como
duziam-se outros materiais na mistura, como 3) Compatibilidade química (Veiga, 2002). ligante levou ao seu uso repentino e excessi-
materiais pozolânicos e/ou argilosos para con- vo na maioria das vertentes da construção,
ferir uma melhor aderência dos azulejos ao As novas argamassas devem apresentar uma incluindo a conservação e a reabilitação.
suporte. A fig. 1 apresenta uma fachada azu- boa durabilidade de modo a que não sejam
lejada assente com argamassa de cal aérea. necessárias novas intervenções a curto prazo. As argamassas de cimento apresentam incom-
A premissa “durabilidade” reforça a ideia de patibilidade química e mecânica em relação
A maioria das argamassas apresenta uma boa uso de argamassas de composição semelhan- aos suportes antigos, têm uma elevada rigi-
aderência com outras argamassas, porém a te às preexistentes. De facto, a maioria das ar- dez, dão origem à libertação de sais solúveis e
aderência com a chacota do azulejo, em algu- gamassas de assentamento de azulejos che- apresentam ainda uma menor vida útil em rela-
mas situações, não é satisfatória. São, por gou em bom estado aos dias de hoje apesar ção às argamassas de cal (Botas et al, 2010).
vezes, observados pequenos nódulos de cal e do seu longo tempo de vida (em alguns casos
agregados de tamanho médio e grosso de grãos 200 anos) (Ferreira, 2008). O uso de cimento ou dos modernos cimen-
subarredondados. tos-cola na (re)aplicação de azulejos antigos
Qualquer argamassa nova usada na conser- é completamente inadequado. Para além das
O emprego de argamassas nas intervenções vação de edifícios antigos deve proporcionar consequências anteriormente apresentadas,
de conservação de edifícios antigos deve res- a reversibilidade da intervenção de modo a a sua baixa permeabilidade ao vapor de água
peitar alguns requisitos como: compatibilida- possibilitar a alteração das soluções usadas pode provocar a mudança dos percursos
de, durabilidade e reversibilidade. por diversas razões: verificação de incompa- naturais de transporte de água no interior da
tibilidades física e química posteriormente à parede. Esta mudança, conjuntamente com o
Todos estes requisitos devem ser respeita- sua aplicação, aparecimento de novas solu- transporte de sais libertados por estas arga-
dos preservando a autenticidade do edifício, ções no mercado ou, por indicação de estu- massas, pode levar a consequências gravosas
total ou parcialmente, consoante o seu valor dos científicos, descobertas soluções mais nas zonas de intervenção e zonas circundan-
histórico. adequadas. tes, degradando os próprios azulejos (fig. 2).

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 43


Investigação

2 | Anomalia
provocada pelo uso
de uma argamassa de
ligante hidráulico no
assentamento de um
painel azulejar.
3 | Esquema do provete
do ensaio de aderência.
4 | Provete ensaiado.

Disposições legais para um processo não industrial para renovar de Argamassas de reaplicação
aplicação de materiais de forma adequada obras de construção oficial- de azulejos antigos
assentamento de azulejos mente protegidas como parte de determina-
do ambiente ou devido ao seu especial valor Método de ensaio da tensão de
Norma de colas para ladrilhos arquitectónico ou histórico, nos termos da aderência à tração azulejo/argamassa
EN 12004:2007+A1:2012 legislação aplicável.”
A avaliação da tensão de aderência de arga-
A Norma Europeia aplicável aos materiais de O ponto c) do artigo 5.º do documento per- massas é em geral realizada com base num
assentamento de azulejos é a EN 12004:2007+ mite enquadrar legalmente a comercializa- ensaio de pull-off. Os valores limite requeridos
A1:2012 – Colas para ladrilhos. Requisitos, ava- ção de produtos destinados à (re)aplicação em várias situações sintetizam-se no quadro 1.
liação da conformidade, classificação e desig- de azulejos antigos sem obrigatoriedade de
nação. A referida norma aplica-se a colas ci- cumprimento dos requisitos da norma EN Em ensaios já realizados (Botas et al, 2012)
mentícias, colas de dispersão e colas de resi- 12004:2007+A1:2012. Este aspeto é funda- foi adotada a norma EN 1015-12:2000 para a
na de reação para a aplicação de ladrilhos cerâ- mental, pois, como visto anteriormente, os determinação da aderência azulejo/argamas-
micos em instalações interiores e exteriores produtos de (re)aplicação de azulejos antigos sa. Os resultados não foram satisfatórios pois
nas paredes e pavimentos, não sendo, portan- não cumprem os requisitos nela definidos. o método de ensaio não se revelou eficaz pa-
to, aplicável a este tipo de produtos de (re) ra o tipo de materiais usados.
aplicação de azulejos antigos.

Regulamento Europeu para comercialização


de produtos de construção Quadro 1 | Intervalos de valores de tensão de aderência
e tempos de cura dos documentos normativos

A Norma Europeia EN 12004:2007+A1:2012


suporta os requisitos do Mandato no âmbito da Elemento da Tensão Cura
Norma/Valores construção
Diretiva UE relativa aos produtos de construção [MPa] [dias]
(86/106/CEE). Não cumprindo os requisitos da
norma, estes produtos não garantem a marca- Não há requisito mas em
ção CE por esta via. Contudo, o mandato no geral: <0.2 até >1
EN 1015-12:2000
Rebocos Dependendo da 28
âmbito da Diretiva UE relativa aos produtos de
velocidade
construção, no seu artigo 5.º (“Derrogação à da carga
obrigação de fazer uma declaração de desem-
penho”) diz: “Não obstante o disposto no n.º 1
EN 12004:2007+A1:2012 Ladrilhos Requisito mínimo: ≥0.5 28
do artigo 4.º (...) o fabricante pode abster-se de
fazer uma declaração de desempenho caso:
a) O produto de construção seja fabricado Peça de Remete para
EN 1348:2007 28
individualmente ou por medida... cimento NP EN 12004
b) O produto de construção seja fabricado
no estaleiro... Revestimentos
Fe Pa36 (LNEC) de paredes Sem limites 28
c) O produto de construção seja fabricado de
forma tradicional ou de forma adequada à
conservação do património e de acordo com

44 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Placa metálica

Cola

Azulejo

Argamassa

Azulejo

Cola

Placa metálica

3 4

Assim, foi decidido desenvolver um esquema


de montagem (Botas et al, 2015) por forma a
realizar o ensaio na máquina universal de en-
Quadro 2 | Recomendações materiais e de desempenho
saios de força usando uma célula de carga de para argamassas de (re)aplicação de azulejos antigos
2 KN, com precisão suficiente para determinar
a aderência argamassa/azulejo. O esquema
de ensaio e um provete ensaiado são mostra-
Ligante Cal aérea ou cal hidráulica natural1
dos nas figs. 3 e 4, respetivamente.
Formulação das Agregados com curva granulométrica
Requisitos de desempenho de aderência à argamassas de Materiais Agregados contínua ou idêntica à da argamassa
tração de argamassas de (re)aplicação de (re)aplicação original
azulejos antigos Adições possíveis Materiais pozolânicos

Os resultados da investigação realizada até ao Ligante Cal aérea


Formulação
momento pelos autores possibilitam uma série Materiais
das juntas
Agregado Pó de pedra
de recomendações materiais para a escolha
das argamassas de (re)aplicação e de valores Respeitar a tabela de requisitos
Comportamento
adequados de tensão de aderência azulejo/ar- mínimos de argamassas (Veiga e
à água
gamassa a exigir, respeitando sempre os requi- Carvalho, 2002)
sitos enunciados no capítulo 1 deste trabalho, Respeitar a tabela de requisitos
as quais se sintetizam no quadro 2. Argamassas Características
mínimos de argamassas (Veiga e
Requisitos a mecânicas
Carvalho, 2002)
respeitar pelas
argamassas Teor de sais solúveis
Agradecimentos e higroscópicos
Muito reduzido (a definir)

Os autores agradecem à FCT – Fundação Cal aérea 0.05-0.15


Aderência
para a Ciência e Tecnologia, pelo apoio atra- inicial – 90 dias
Cal hidráulica
vés da atribuição da Bolsa de Doutoramento: - N/mm2 0.05-0.25
natural
“Recuperação de fachadas azulejadas anti-
gas – Desenvolvimento de argamassas com-
patíveis e estudo dos fenómenos de aderên-
cia aos azulejos”, ao projecto PRESERVe, ao
Botas, S.; Veiga, M. R.; Velosa, A. (2015). Adhesion of Air Veiga, M. R.; Carvalho, F. (2002). Argamassas de reboco
ACRA (Ovar) e às empresas Lusical, Lena Agre- Lime-Based Mortars to Old Tiles: Moisture and Open Po- para edifícios antigos. Requisitos e características a res-
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rials in Civil Engineering. Vol. 27, Issue 5. p 040141611-8. Veiga, M. R.; Carvalho, F. (2002). Argamassas de reboco
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Botas, S.; Rato; Vasco M.; Faria, P. (2010). Testing the tervención. Tese de Doutoramento. Universidad del País
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Historical Mortars Conference. Praga.
Lawrence, R. M.; Mays, Timothy, J.; Rigby, S. P.; Walker, terization, Assessment, Conservation and Repair. RILEM
Botas, S.; Veiga, M. R.; Velosa, A. (2012). Mecanismo de P.; D’ayala, D. (2007). Effects of carbonation on the pore BOOKSERIES Vol 7, 207-225, SPRINGER, Valek, Hughes
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Português de argamassas e Etics. Coimbra. Concrete Research 37, p. 1059-1069.

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 45


Saúde

Revestimentos saudáveis
O papel da cal
Ana Velosa | Universidade de Aveiro, Departamento de Engenharia Civil, RISCO, Geobiotec, Portugal | avelosa@ua.pt

A cal aérea foi o meio natural para revestimento e decoração


de espaços habitacionais, quer interiores quer exteriores,
durante séculos. É inegável o contributo de argamassas de cal na
regulação termo-higrométrica dos edifícios, a qual deve ser alvo
de discussão, tendo em conta fatores como a higroscopicidade e a
permeabilidade ao vapor de água.
Num momento em que a qualidade do ar interior e os seus efeitos
na saúde está na ordem do dia, é relevante refletir sobre o papel
dos revestimentos enquanto elemento que pode contribuir para a
sua regulação. A influência positiva da utilização da cal aérea no
revestimento de paredes deve ser analisada com base em dados
científicos e comparada com soluções correntes e alternativas.

É indubitável o papel da cal aérea


como ligante primordial na construção desde
setor da construção. No edificado foi, e é,
utilizada como material de construção, tendo
incorpore as suas várias facetas, contribuindo
para o bem-estar e saúde de ocupantes e
tempos remotos até meados do século XX, também um papel fundamental como revesti- utilizadores. Neste contexto, o enfoque será
quando a utilização do cimento Portland, de mento, quer interior, quer exterior. (fig. 1). sobre os revestimentos interiores, que têm um
endurecimento rápido, suplantou a utilização papel na regulação termo-higrométrica e na
deste ligante. Verifica-se uma clara influên- Como material alcalino, foi aplicada para higie- qualidade do ar interior.
cia dos materiais utilizados em parâmetros nização em diversas situações, sendo a cal
fundamentais para a saúde – fatores como usada amiúde como desinfetante (Blancou, Os revestimentos e a
a humidade relativa, concentração de com- 2010). Para além das características associa- qualidade do ar interior
postos orgânicos voláteis e/ou partículas em das à desinfeção e o evidente papel na saúde
suspensão (PM10) influenciam a qualidade de das populações que está associado ao uso A saúde dos utilizadores de espaços fechados
vida dos ocupantes ou utilizadores de espa- da cal aérea, este material tem também, na que não cumpram requisitos mínimos relativos
ços fechados. Sendo incontestável o papel sua utilização como revestimento interior, uma à qualidade do ar interior é afetada através de
da ventilação, é também relevante considerar influência nas características higrométricas do sintomas tais como dores de cabeça, proble-
o impacto dos materiais utilizados, tanto no interior dos espaços habitacionais e na quali- mas respiratórios e alergias, entre outros. O
conforto diário, como na influência que têm dade do ar interior. Síndroma do Edifício Doente contempla a rea-
como promotores de alergias ou outros esta- ção negativa dos ocupantes/utilizadores face
dos de patologia. a fatores ligados ao conforto; neste contexto,
O papel dos a presença simultânea de vários poluentes em
revestimentos no conforto baixas concentrações, uma humidade relativa
A Cal e a Saúde inadequada e/ou a falta de circulação de ar
– contextualização histórica É relevante interligar o conforto térmico com a são fatores que contribuem para a perceção
ventilação natural e a qualidade do ar interior negativa do indivíduo em relação ao meio que
A cal aérea teve um uso alargado, contem- de forma a estabelecer estratégias ponde- habita/utiliza.
plando utilizações adicionais para além do radas que permitam que o conforto a atingir

46 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


1 | Utilização da cal
(Oliveira e Galhano, 2003).
2 | Emissão de poluentes nos
edifícios (Hayasi et al, 2012).
3 | Efeito de PCM na
regulação da temperatura
interior (Vaz Sá et al, 2012).

As medições da qualidade do ar, interior e exte- efeito de regulação superior do ambiente inte- massas de cal tradicionais com a proporção
rior, e a relação da concentração de poluentes rior. Para argamassas de cal aérea, o coefi- 1:3 é de 1,14 a 1,58 kg/m2.m0,5, superior à
com efeitos nefastos para a saúde tem sido ciente de resistência à difusão do vapor de gama de valores apresentada para argamas-
amplamente estudada (Ginja et al, 2012; Hou água (µ) é de cerca de 10, menor do que o sas de cal hidráulica (Colen e Brito, 2013).
et al, 2016). No entanto, é raro o estabeleci- valor preconizado para argamassas de cal Embora outros fatores, como por exemplo a
mento de uma relação causa-efeito em relação e cimento (µ=20) ou argamassas apenas de mudança de agregado, influenciem o com-
aos parâmetros utilizados para controle da cimento (µ entre 15 e 41) (Colen e Brito, 2013), portamento dos revestimentos, os resultados
qualidade do ar no interior dos edifícios. Alguns evidenciando a “respirabilidade” superior dos apresentados pelos vários trabalhos citados evi-
autores (Brown et al, 2015; Viegas e Prista, revestimentos com ligante aéreo. Da mesma denciam o papel relevante do ligante cal aérea
2011) procuram interligar o nível de poluentes forma, o coeficiente de capilaridade de arga- na regulação higrométrica.
no interior das habitações com os materiais de
construção utilizados (fig. 2).

Neste contexto, o uso de materiais distintos 2


como revestimento interior carece dum estudo
aprofundado. É necessário comparar o impac-
to de materiais utilizados na atualidade com os
materiais tradicionais, tais como a cal aérea e
a terra, sendo claro que a ausência de elemen-
tos orgânicos na composição destes últimos
influenciará de forma positiva a diminuição da
concentração de compostos orgânicos volá-
teis (COV) no ar do interior dos edifícios (Titta-
relli et al, 2015).

Os revestimentos e as
características termo-higrométricas

Existem atualmente revestimentos que inter-


ferem de forma significativa na regulação da
temperatura (fig. 3) através da incorporação
de materiais de mudança de fase (PCM)
(Akeiber et al, 2016) ou de materiais poro-
sos como a cortiça (Brás et al, 2014) ou o
poliestireno expandido (Brás et al, 2013).
As argamassas que utilizam cal aérea como
ligante podem incorporar estes materiais,
possibilitando o incremento da sua influência
sobre a regulação da temperatura interior de
forma eficaz (Ventolà et al, 2013).

Estudos efetuados tendo em conta as caracte-


rísticas higroscópicas da cal em comparação
direta com o cimento concluíram que o ligante
aéreo tem três vezes mais capacidade de ab-
sorção/dessorção em relação ao ligante hidráu-
lico (Tittarelli et al, 2015) contribuindo para um

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 47


Saúde

Que características devem


ter os revestimentos?
Sendo evidente que os revestimentos per si
não terão capacidade para responder a todas
as exigências de conforto, será importante
que os requisitos a exigir aos revestimentos
estejam interligados com as restantes carac-
terísticas do edifício (comportamento térmico
da envolvente, existência de ventilação natu-
ral, entre outros).

A capacidade que os revestimentos de cal


aérea têm no campo da regulação higrométri-
ca e o potencial de desempenho no que toca
à influência na qualidade do ar interior são
fatores positivos para a sua utilização no inte-
rior dos espaços edificados. Da mesma forma
que foram estabelecidos requisitos de desem-
penho para revestimentos a utilizar na reabili-
tação de edifícios antigos (Veiga e Carvalho,
1998; Veiga e Tavares, 2002), é necessário
avaliar a influência dos materiais de revesti-
mento tradicionais e correntes na qualidade
do ar interior, incluindo neste campo as carac-
terísticas termo-higrométricas. Esta avaliação 3
permitirá uma adequação dos revestimentos
aos diversos espaços, tendo em conta as
necessidades de conforto a atingir. De forma a
cumprir certos requisitos, como por exemplo
uma melhor capacidade de isolamento térmi- Portuguesas, CINCOS’12 Congresso de Inovação na
BIBLIOGRAFIA
co, é possível utilizar agregados e/ou adições Construção Sustentável.
A. Brás; F. Gonçalves; P. Faustino (2014). Cork-based
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antiguidade, pode ser alvo de uma utilização Press, Pages 53-162
T. Brown; C. Dassonville; M. Derbez; O. Ramalho; S.
alargada devido à sua base inorgânica e às J. Blancou (1995). History of disenfection from early ti-
Kirchner; D. Crump; C. Mandin. (2015). Relationships
suas características de regulação higromé- mes until the end of the 18th century. Scientific and te-
between socioeconomic and lifestyle factors and indoor
chnical review of the Office International des Epizooties
trica. O desenvolvimento de materiais com air quality in French dwellings, Environmental Research,
(Paris), 14(1), 31-39.
Volume 140, July 2015, Pages 385–396.
características térmicas melhoradas é possí- J. Ginja; C. Borrego; M. Coutinho; C. Nunes; M. Morais
vel utilizando a cal aérea como ligante. -Almeida (2012). Qualidade do ar interior nas habitações

48 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


A Ramalho Rosa Cobetar (RRC), subsidiária da FCC Construcción, comemora os seus 50 anos como parte do
desenvolvimento de Portugal, participando em obras emblemáticas em praticamente todas as vertentes da atividade
de construção. A RRC detém já uma tradição no capitulo da reabilitação, reforma e restauro de edifícios e dispõe de
equipas especializadas neste tipo de trabalhos, capazes de aplicar o tratamento mais adequado em cada caso e
consciente da responsabilidade que assume a empresa ao tomar a seu cargo este tipo de atuações, quer tratando de
resolver uma patologia estrutural, quer restaurando uma fachada respeitando seu padrão arquitetónico primitivo ou
adaptando um antigo edifício a um novo uso.

Das diversas intervenções em edifícios históricos, destaca-se a realizada, em 2015, no Forte da Graça de Elvas, uma
fortificação classificada desde 2012 como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, que devido à forte
necessidade de preservação, entrou para a lista bienal do World Monuments Watch.

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 49


Entrevista

Saberes tradicionais,
inovação e Património
À conversa com Maria do Rosário Veiga
Entrevista | Regis Barbosa, Indira Leão

Maria do Rosário Veiga é Investigadora Principal do Departamento


de Edifícios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e
Chefe do Núcleo de Revestimentos e Isolamentos, função que ocupa
desde Outubro de 2010. Autora de dezenas de artigos científicos em
revistas nacionais e internacionais, proferiu já mais de uma centena
de comunicações em encontros e congressos. O seu trabalho incide
sobre temas como o desempenho e durabilidade de revestimentos
de paredes, o comportamento e durabilidade de argamassas, para
além de investigar diversos materiais e técnicas de reabilitação
e conservação do património construído. Destacamos a sua
investigação sobre a Cal, tanto no âmbito da publicação de artigos
científicos, como no que concerne a orientação de teses e organização
de congressos. Foi Presidente da Comissão Organizadora das
V Jornadas FICAL (Fórum Ibérico da Cal), as primeiras a ter lugar
em Portugal. Tivemos a oportunidade de entrevistar esta notável
investigadora, que nos recebeu na Casa da Engenharia.

50 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Em Maio deste ano realizaram-se, em Lis- mos também isolamentos térmicos e de hu-
boa, as V Jornadas FICAL – Fórum Ibérico midade, tendo como denominador comum o
da Cal. É a primeira vez que o congresso é foco no comportamento global do edifício. A
feito em Portugal. Qual a importância des- térmica, a humidade e os revestimentos têm
ta iniciativa para o país e o que motivou a muito que ver com o comportamento global
existência do Fórum Ibérico da Cal? do edifício. Este é o fio condutor do núcleo.
Fazemos este trabalho, quer para edifícios
Foi um evento muito focado num material que novos, quer para antigos, procuramos solu-
é ainda pouco conhecido e, principalmente, ções inovadoras bem como soluções tradi-
pouco valorizado em Portugal, apesar de ser cionais, fazemos tanto investigação progra-
um material base de quase todo o nosso Pa- mada como investigação por contrato, neste
trimónio construído com valor cultural. Ao jun- último caso em parceria com empresas. En-
tar especialistas de muitas áreas e de vários tretanto, procuramos articular estes dois en-
países, da Península Ibérica à América Latina, quadramentos. Pessoalmente, uma das áreas
contribuiu para um maior conhecimento da cal a que mais me dedico no âmbito da minha in-
e das suas aplicações e chamou a atenção vestigação são os revestimentos de edifícios
para este material e para as suas múltiplas uti- antigos, e aí insere-se a cal.
lizações. Acho que funcionou muito como um


“brainstorming” sobre o tema, que é algo que
me interessa muito em congressos. Fizemos
um esforço para atrair empresas, quer como
patrocinadoras quer como participantes, e fo-
mos bastante bem-sucedidos nesse esforço,
pelo que foi possível contribuir para alargar a
No caso específico da cal, notamos que o
informação das empresas e a sua capacidade factor humano é absolutamente determinante.
de participar com as suas competências pró-
prias neste mercado. Contribuiu também para Há argamassas antigas com uma elevada
mostrar à comunidade ibero-americana o que
se faz em Portugal nesta área, quer na ciência, resistência que, mesmo hoje, são difíceis de
quer nas empresas, e consideramos os resul-
tados muito positivos. obter. Daí ressalta a necessidade de uma
O Fórum Ibérico da Cal constituiu-se, em Es-
grande atenção na aplicação e execução, algo
panha, por iniciativa de empresários e cien-
tistas, precisamente com estes objectivos,
de divulgação e valorização da Cal e foi dos

que tradicionalmente existia.
espanhóis a iniciativa de o alargar a Portugal,
que de resto pela designação (ibérico) faria à
partida todo o sentido ser incluído. Tem havido
contactos com Fóruns da Cal de outros países
e conjuntos de países (Reino Unido, Itália, Paí-
ses Nórdicos, etc.) e iniciou-se um processo
de estabelecimento de ligações, para reforçar
as capacidades.

Quantas pessoas trabalham actualmente no


Núcleo de Revestimentos e Isolamentos?

É um número variável, de momento são cerca


de 30 pessoas. Para além dos colegas que
estão directamente ligados ao LNEC (inves-
tigadores e técnicos) recebemos bolseiros e
estudantes de outras instituições nacionais e
internacionais.

Pode falar-nos um pouco do trabalho feito


no Núcleo?

Neste núcleo de revestimentos e isolamentos


fazemos estudos sobre os revestimentos de
paredes, de pisos e de coberturas, e estuda-

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 51


Entrevista

2 3 4


Notamos que em determinadas situações estudo e divulgação das técnicas tradicionais
os materiais tradicionais apresentam van- da cal. Vamos colaborando noutras acções
tagens face aos materiais industrializados. com o mesmo sentido. Além disso, vamos sa-
Há alguma superioridade dos materiais bendo de outras iniciativas em determinados
tradicionais face aos materiais sintéticos Há um desinteresse locais com o intuito de preservar os conheci-
utilizados actualmente na construção? mentos tradicionais sobre a cal e também so-
dos mais jovens em bre a arquitectura em terra. Existe, portanto,
Não podemos ser demasiado radicais nes- um ressurgimento do interesse, que contraria
tas leituras, alguns materiais têm certas van- aprender estas técnicas, a tendência ao esquecimento.
tagens, outros terão outras. Se falarmos de
impermeabilizações, conseguimos resultados pois investem em outros Sabemos que a cal é um material com uma
muito bons com os materiais actuais. No en-
tanto, temos que ver se, ao aplicarmos estes
conhecimentos que longa tradição, basta pensarmos nas ca-
sas caiadas alentejanas. Aliás, o uso da cal
materiais no edifício, não estaremos a criar eventualmente poderão remete para um passado milenar, o que é
desvantagens ao nível de outros aspectos, atestado por vestígios arqueológicos do
como por exemplo falta de higroscopicidade,
isto é, não absorverem a humidade do ar, sob
a forma de vapor. Quando falamos em edifí-

dar-lhes mais vantagens. período romano. Mas, a cal também pode
ser vista como um material inovador?

cios antigos e ao trocarmos certos materiais Sim, é verdade, mas quando se fala nas ca-
por outros, precisamos de ter em atenção o sas caiadas alentejanas como exemplo do
comportamento global. Se não deixarmos en- uso da cal, gosto sempre de lembrar que a cal
trar água, mas também não deixarmos sair a não é só um acabamento, é também o ma-
água que existe já no interior das paredes ou Havendo, portanto, um conhecimento em- terial base das argamassas que constituem
a que é gerada no interior dos espaços, aí já pírico e tradicional responsável pela gran- as alvenarias dos edifícios antigos. Ou seja,
não estaremos a ser eficientes. É necessário de qualidade e durabilidade do Património faz parte da estrutura dos edifícios e estará lá
compreender o comportamento físico global construído, este conhecimento está a per- enquanto eles existirem, mesmo que as caia-
do edifício e das soluções usadas e intervir der-se? ções desapareçam!
com base nesse conhecimento, respeitando o
existente. É a isso que chamamos “interven- Pode perder-se, aliás existem grandes pos- Actualmente, a cal faz parte de muitos pro-
ções compatíveis”. Os materiais tradicionais sibilidades de se perder. Isto porque não tem dutos inovadores. Alguns deles são produtos
foram produzidos e aplicados, de modo geral, havido uma passagem dos conhecimentos especialmente vocacionados para tratamento
com um grande conhecimento empírico. No dos mestres, pertencentes a uma geração de edifícios antigos. Por exemplo as nanocais
caso específico da cal, notamos que o factor mais velha, para as gerações mais novas. Há (produtos nanoestruturados com base em
humano é absolutamente determinante. Há um desinteresse dos mais jovens em apren- hidróxido de cálcio), para consolidação de
argamassas antigas com uma elevada resis- der estas técnicas, pois investem em outros rebocos, pinturas murais e outros sistemas
tência que, mesmo hoje, são difíceis de obter. conhecimentos que eventualmente poderão carbonatados; ou as argamassas líquidas in-
Daí ressalta a necessidade de uma grande dar-lhes mais vantagens. Em termos institu- jectáveis (“grouts”) com base em cal e aditi-
atenção na aplicação e execução, algo que cionais temos um protocolo com a Câmara vos, para restituição da aderência. Outros são
tradicionalmente existia. Municipal de Beja, que visa o levantamento, novos produtos para a construção actual, ou

52 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


5 6 7


... a cal não é só um acabamento, é
também o material base das argamassas
que constituem as alvenarias dos edifícios
antigos. Ou seja, faz parte da estrutura dos
edifícios e estará lá enquanto eles existirem,
mesmo que as caiações desapareçam!

2 | Sala de ensaios do Núcleo de para a reabilitação de edifícios recentes, que do tempo, vai lentamente voltando à composi-
Revestimentos e Isolamentos do LNEC. aproveitam as vantagens da cal e reduzem os ção original, ou seja, carbonato de cálcio. Por-
3 e 4 | Vista geral da nave do Núcleo de seus aspectos menos favoráveis através de tanto, temos um exemplo de material que, se
Revestimentos e Isolamentos do LNEC.
adjuvantes ou de misturas com outros ma- quisermos e se montarmos um sistema que o
5 | Amostras de argamassas antigas em ensaio.
teriais. Por exemplo existem actualmente ar- permita, seria totalmente reciclável, favorecen-
6 | Provetes de azulejos antigos
gamassas de isolamento térmico de cal com do a regeneração e reaplicação sem produção
preparados para ensaio.
agregados isolantes e camadas de base de de resíduos. Infelizmente, não aproveitamos
7 | Testes de revestimento de cal.
argamassa de cal aditivada para sistemas de muito este potencial… Mas é claro que todo
isolamento térmico pelo exterior. esse ciclo produz impactos, nomeadamente
a nível energético: é sempre preciso calcinar.
Do ponto de vista ambiental a exploração No entanto, se pensarmos que o ligante que
do calcário, assim como qualquer activida- usamos actualmente em substituição da cal é
de mineradora, gera impactos que, por ve- o cimento, verificamos que o cimento também
zes, podem ser bastante consideráveis. No é produzido a partir da calcinação de misturas
entanto, como pode a cal ser um material de calcário e argila e a temperaturas muito su-
amigo do ambiente? periores. De facto, a cal aérea é produzida a
cerca de 900 ºC enquanto que o cimento exige
A cal tem um ciclo completo, em que é extraí- temperaturas de cerca de 1400 ºC. Portanto,
da a sua matéria-prima (a rocha calcária), cal- temos algumas vantagens energéticas! Outra
cinada, apagada, aplicada e depois, ao longo questão é que o endurecimento da argamassa

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Entrevista


A investigação científica na área da
cal precisa de dialogar com os saberes
tradicionais e de entender a sua linguagem,
porque muitas vezes estes têm a chave para
problemas que a ciência ainda não conseguiu
resolver, embora não saiba explicar porquê.

de cal após aplicação se dá com fixação do marcados por uma grande separação. No 8 | Estação de Envelhecimento
dióxido de carbono do ar, portanto gastando caso da cal esta barreira existe? A inves- Natural de Revestimentos de
Paredes do LNEC.
um componente do ar que contribui para o tigação científica de ponta ganha algo em
9 | Painéis de revestimento
efeito de estufa e favorecendo um bom am- dialogar com os saberes tradicionais? azulejados e envelhecimento
biente. No entanto, é claro que durante a cal- natural.
cinação há libertação desse mesmo gás. Ou Sim, a barreira existe, as linguagens são dife- 10 | Células exteriores para
seja, podemos considerar a cal um material rentes, e é importante que seja ultrapassada ensaio de sistemas de
isolamento térmico.
amigo do ambiente, mas sempre de uma for- porque o diálogo tem grandes vantagens para
ma relativa e não absoluta, por comparação ambos os lados. A investigação científica na
com outros materiais. área da cal precisa de dialogar com os sabe-
res tradicionais e de entender a sua linguagem,
Por vezes a investigação científica e o uso porque muitas vezes estes têm a chave para
de técnicas tradicionais pelas populações problemas que a ciência ainda não conseguiu
em geral constituem mundos estanques, resolver, embora não saiba explicar porquê.

8 9
Por exemplo, como era possível ter uma boa Estes produtos novos desenvolvidos a par- mos esta visão. Há todo este esforço, mas
impermeabilização dos edifícios usando um tir de técnicas tradicionais são aplicados sentimos que não é suficiente. Às vezes sinto
material poroso como a cal? Isso tem a ver também de modo tradicional? que falamos para quem já está, pelo menos
com o modo como era aplicada e, também parcialmente, convencido. Há algumas pes-
em alguns casos, com determinadas misturas Por exemplo as nanocais são produzidas por soas que pensam desta maneira, mas há
usadas. Por outro lado, porque a investigação síntese e não por calcinação como as cais outras que procuram uma abordagem mais
precisa de se manter ligada à realidade para tradicionais, e são aplicadas para consolida- pragmática, não voltada para a inovação.
ser útil, precisa de saber o que precisa de re- ção e não para construção. Esta aplicação
solver, quais são as questões a estudar, e as é adequada a estes produtos e actividades. Ainda no que concerne à inovação, o cru-
populações, os utilizadores, são determinan- Mas se pensarmos em produtos feitos com zamento de conhecimentos de áreas di-
tes para identificar essas questões. base em cal mas com aditivos para terem, por ferentes parece ser fundamental. A inter-
exemplo, um endurecimento mais rápido ou disciplinaridade é uma constante aqui no
É possível coadunar as necessidades e o para serem mais impermeáveis, aí é preciso LNEC, correto?
ritmo do sector da construção civil às téc- algum cuidado com estas modificações, pois
nicas tradicionais? Ou temos campos mais podem gerar a perda de algumas das vanta- De certa forma temos a vantagem de já con-
ou menos separados? gens originais. Entretanto, há alguns produtos tarmos, nesta casa, com alguma interdiscipli-
inovadores que não têm as perdas que referi naridade e de estarmos muito habituados a
Acho que são enquadramentos diferentes, e que podem estar adaptados às formas de trabalhar em conjunto com pessoas de várias
não vejo a aplicação destas técnicas tradicio- execução actuais. áreas disciplinares. Temos no LNEC pessoas
nais na grande indústria da construção civil, de áreas como a engenharia civil, a química,
mas vejo, sim, uma aplicação na conserva- Neste sentido, julga que há uma aplicação a geologia e as ciências sociais. Independen-
ção do Património construído, tanto do mo- na indústria da construção civil do que é temente disto, temos parcerias com outras
numental como do vernacular. Não quero di- investigado aqui no LNEC? instituições, nacionais e internacionais. Há
zer que não se possa ganhar vantagens com ainda outras áreas específicas com as quais
o conhecimento destas técnicas e materiais Essa é uma questão crucial, esforçamo-nos necessitamos estabelecer parcerias, nomea-
tradicionais, mesmo a grande indústria pode imenso para fazer com que isso aconteça. damente com instituições da área da saúde.
ganhar vantagens que se perderam ao longo Por exemplo, no meu caso todos os meses Podemos concluir, sem dúvida, que a vontade
do tempo, no entanto falamos da aplicação falo duas ou três vezes para o público, os é fundamental para podermos avançar nesta
de alguns aspectos dos saberes tradicionais. meus colegas também o fazem. Procuramos investigação multidisciplinar, isto facilita mui-
Alias há inovação no âmbito destas técnicas sensibilizar as pessoas para estas questões, to, pelo que o facto de um parceiro estar em
de origem tradicionais. e ao elaborarmos pareceres também passa- outra instituição pode não ser uma barreira.

* Textos redigidos ao abrigo do antigo acordo


ortográfico.

10

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Reflexão

Cal y
Arquitectura Vernácula
María del Mar Barbero Barrera | Dr.ª Arquitecta, Profesora Ayudante Doctor, Escuela Técnica Superior de Arquitectura,
Universidad Politécnica de Madrid | mar.barbero@upm.es

La arquitectura vernácula es el máximo Introducción


ejemplo de adaptación de la sociedad al La arquitectura vernácula es el máximo expo-
medio en el cual se ubica así como, también, a nente de adaptación de la arquitectura al medio
natural, social, histórico y cultural en el cual se
las condiciones sociales y culturales propias ubica. La coherencia y racionalidad con la que
se llevaba a cabo dicha adaptación derivaba en
del mismo. En este tipo de construcciones, el uso de los materiales disponibles a nivel local
comúnmente, la repercusión de los gastos de siendo, entre todos, la cal un material amplia-
mente valorado por sus cualidades y prestacio-
transporte y la eficiencia de medios derivaba nes. Su importancia queda patente no sólo en

en el uso de materiales locales aunque, en la extensión dedicada al mismo en la literatura


clásica, sino también por su empleo en edificios
algunos casos, si las exigencias de uso o de tanto monumentales como vernáculos. Efecti-
vamente, como señala Fontenay: “con ciertas
durabilidad lo exigían, podían emplearse piedras se hace cal que con la arena forma mez-
clas o morteros casi siempre indispensables”
materiales traídos de otras regiones para (Fontenay, 1858). Su uso en España fue exten-
tal efecto. La cal, por su parte, ha sido sivo hasta bien entrado el siglo XX, en concreto,
hasta los años 60 (Barbero, 2012). La recupe-
un material ampliamente valorado por ración de la cal no se lograría hasta finales del
sus cualidades y prestaciones, pudiendo siglo XX gracias a las obras de restauración.
A pesar del esfuerzo empleado en las últimas
observarse su importancia no sólo en la décadas para su recuperación junto con la de
otros materiales tradicionales, el incremento de
extensión dedicada en los tratados clásicos la edad y la defunción de los antiguos artesa-
y modernos de hasta bien entrado el siglo nos y albañiles están generando una irreversible
pérdida de la tradición constructiva, y la des-
XX, sino también en sus aplicaciones en aparición de gran parte de nuestro patrimonio

monumentos y edificaciones populares y inmaterial y material. Teniendo en cuenta que la


recuperación de la arquitectura vernácula está
vernáculas. En este sentido, a pesar de la íntimamente vinculada a la conservación del
saber hacer de los materiales tradicionales, es
importancia de este tipo de patrimonio, son urgente la adopción de medidas que limiten y

escasos los estudios realizados sobre los paralicen esta circunstancia. Al mismo tiempo,
el resurgimiento del interés por la arquitectura
materiales empleados en las mismas. vernácula así como su conocimiento y difusión
para su valorización (Ramos & Vela, 2012) ha
En este artículo se plantea una reflexión del permitido que se inicie un debate imprescindi-
uso de la cal en la arquitectura vernácula, ble sobre los criterios de mantenimiento y con-
servación para su adaptación a las nuevas ne-
analizándose distintos ejemplos de la cesidades y requerimientos técnicos y funcio-
nales que aseguren su continuidad en el tiempo
geografía española y el carácter que dicho (Barbero, Gil & Maldonado, 2014). Basándonos
material ha impreso en ellos. en esta premisa, el artículo analiza y reflexiona
el uso de la cal en la arquitectura vernácula es-
pañola, especialmente en revestimientos.

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1

El uso de la cal en la
arquitectura vernácula
El uso de la cal en la arquitectura vernácula de-
pende no sólo de la función asignada al mismo
sino también del tipo de soporte de que se
disponga. En general, la cal se empleaba tanto
en morteros de junta y de rejuntado donde la
resistencia y la durabilidad de la fábrica queda-
ba definida por las características del mortero
empleado y su compatibilidad con el material
que “unía” [Fontenay, 1858). No obstante, su
principal aplicación fue en morteros de revesti-
miento (Fontenay, 1858), cuya función era la de 2
proteger al soporte (Robador...), comportándo-
se como elemento de sacrificio que había de 3
ser renovado periódicamente. Al mismo tiem-
po, dicho revestimiento proporcionaba la es-
tética deseada y mejoraba el comportamiento
térmico del sistema constructivo en el que se
inscribía, como ha sido comprobado por Lu-
xan et al (2014).

El uso de la cal en los revestimientos abarca


desde un simple enlucido exterior, para au-
mentar la durabilidad del revestimiento y pre-
servar el soporte de la acción de los agentes
atmosféricos, hasta los revocos y esgrafiados.
Los primeros eran de aplicación no sólo en el
exterior de la edificación, sino también en el
interior, puesto que además de la función de
protección, se trataba de un material compa-
tible que mejoraba el acondicionamiento hi-
grotérmico de las estancias, su luminosidad e
higiene (Castelli, 1944). Respecto a los revocos
es frecuente el empleo de los lisos de colora-
ción terrosa, proporcionada por el árido incor-
porado. El uso de pigmentos no es frecuente 1 | Enlucido de cal.
en los casos estudiados de la arquitectura ru- Moríñigo (Salamanca).
ral. Por su parte, los esgrafiados se encuentran 2 | Revoco de cal.
dispersos en la geografía, siendo comunes en Cañizal (Salamanca).
los núcleos semi-urbanos, de dos tipos: el 3 | Esgrafiado a un tendido.
Consuegra (Toledo).
elaborado a un tendido y el dos o tres (Ruíz
Alonso, 1998). En el primero, la superficie es
raspada para lograr un contraste de texturas;
mientras que, en el esgrafiado a dos tendidos,
se extrae parte del material del último tendido

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Reflexão

4 | Esgrafiado con motivos


libres. Monreal de Ariza
(Zaragoza).

para generar dos planos distintos, jugando no parte, modificando las políticas de actuación BIBLIOGRAFÍA
sólo con la diferencia de texturas sino también hacia unas que tengan contacto directo con los Barbero-Barrera, M. M. (2012). Mejora del comporta-
miento térmico de los morteros de cal aditivados y su
con el color, el relieve y contraste de luces y usuarios y contratistas locales, formando espe-
empleo en la rehabilitación de inmuebles. Madrid, UPM.
sombras. Finalmente, en el de tres tendidos se cialistas conocedores y sensibles con los ma-
Barbero-Barrera, M. M.; Gil-Crespo, I. J.; Maldona-
incorpora una capa intermedia, del mismo co- teriales y técnicas tradicionales, y aportando do-Ramos, L. (2014). Historical development and envi-
lor que el primer tendido, que evita la mezcla ayudas económicas que incentiven su implan- ronment adaptation of the traditional cave-dwellings in
Tajuna’s valley, Madrid, Spain. Build & Environ 82, p.
de los colores de las dos capas. En todos los tación, dado que este tipo de patrimonio se en- 536-545.
casos, los motivos decorativos son común- cuentra en manos de propietarios individuales. Castelli, M. (1944). Construcciones Rurales de M. Gimé-
mente de tipo geométrico y son frecuentes los nez. Barcelona, Gustavo Gili.
trazados libres, esto es, sin plantilla de base. Fontenay, M. de (1858). Construcciones rústicas o guía
Conclusiones para los habitantes del campo y los operarios en las
construcciones rurales. Madrid, Calleja, López y Riva-
A pesar de la importancia de los revestimientos denevra Ed.
aún, hoy en día, sigue siendo un elemento am- La arquitectura vernácula es el máximo ex- Guinea, M. J. (1990). Consolidación, mejora y nuevas
pliamente infravalorado. En la última década, ponente de adaptación a los condicionantes técnicas de construcción con tierra. Jornadas de restau-
ración. Madrid, Ministerio de Cultura, p.135-141
un gran número de construcciones han sufrido sociales, económicos, culturales y ambienta-
Luxán García de Diego, M.; Gómez Muñoz, G.; Román,
la pérdida de este rico elemento del patrimo- les. La cal fue uno de los materiales más im- E.; Barbero-Barrera, M. M. (2014). Consecuencias cons-
nio vernáculo tanto de la mano de propietarios portantes en las construcciones vernáculas, tructivas y energéticas de una mala práctica. Arquitec-
siendo su uso más destacable el destinado a turas desolladas. Madrid, Congreso Internacional de
como de profesionales (Guinea, 1990), incen-
Eficiencia Energética y Edificación Histórica.
tivados, en ocasiones, por las propias munici- los revestimientos que abarcan desde las le-
Maldonado Ramos, L.; Vela Cossío, F. (2012). Declara-
palidades. Entre las razones que promueven chadas de cal hasta los enlucidos, revocos y ción de Boceguillas: principios para el estudio, la pro-
dicha destrucción se encuentran la defensa de esgrafiados. tección y la conservación de la arquitectura tradicional.
Buenos Aires, Nobuko.
lo “auténtico” y de lo “rústico”, con una actitud
Robador Gonzalez, M. D.; Gonçalves Silva Braga, A. M.
romántica y destructiva del mundo rural. A esta La fragilidad de este tipo de construcciones (2006). Tierra y Cal. Jornadas Sobre Investigación en Ar-
práctica que, desgraciadamente, está muy ex- vernáculas dependientes de la pérdida, en al- quitectura y Urbanismo. Iau 06. Sant Cugat del Vallés.
tendida en nuestra geografía, hay que añadir la gunos casos, irreversible de los materiales y 2006.

ya iniciada en los años 60, de revestir los so- técnicas constructivas tradicionales, exige la Ruiz Alonso, R. (1992). El esgrafiado en Segovia. Ma-
drid, UCM.
portes tradicionales con mortero de cemento. adopción de medidas urgentes. La importan-
cia de tal circunstancia exige que la adminis-
En este sentido, el conocimiento sobre el com- tración aplique su papel de tutela y protección
portamiento y las actuaciones requeridas para favoreciendo, no sólo la recuperación del sa-
la conservación y el mantenimiento de la arqui- ber hacer, sino, también, formando a profesio-
tectura vernácula, lamentablemente, no suele nales sensibles con este tipo de construccio-
llegar a los usuarios últimos. Desde una pers- nes y aportando soluciones que permitan la
pectiva actual, la administración debe respon- adaptación a las necesidades y usos actuales
sabilizarse de este tipo de patrimonio, por una de la sociedad.

58 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Reflexão

Artes da cal
Uso e tradição
Fátima de Llera | In Situ, Lda. | fatimallera@insitu.pt
Abílio Guerra | Maxical, Lda. | abilio@maxical.pt
Martha Tavares | In Situ, Lda. | martha.insitu@gmail.com

Sendo desconhecidas as primeiras utilizações da cal, pensa-se que


poderá ter surgido com a descoberta do fogo pela calcinação da
pedra em redor das primeiras fogueiras, havendo conhecimento de
revestimentos com cal desde a época neolítica. Foi empregue pela
civilização na construção de muralhas, pirâmides, pontes e monumentos
milenares, sendo ainda hoje utilizada para as mais diversas funções, pela
sua evolução e dinâmica de aplicação. Foi durante séculos o principal
ligante das argamassas nas suas mais variadas vertentes (calcítica ou
magnesiana), utilizado simples ou composto, como material estruturante
das edificações ou como material nobre de acabamento e pintura.

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Reflexão

1 | Sr.ª Laura e os seus


forneiros a reunir mato na serra.
2 | Retirada da cal em pedra pela parte
superior do forno – desenfornamento.
3 | Retirada da cal em pedra pela parte
inferior do forno – desenfornamento.

A produção sendo para isso necessário que o núcleo fami- Viseu, chegando o produto a grandes obras
liar de produção se mantivesse semanas a fio como o Santuário Nossa Senhora de Fátima,
Em Portugal, os fornos de cal estavam pre- junto ao forno. o Palácio da Justiça e Comércio de Lisboa e
sentes por todo o país, sempre que existisse o Casino Figueira da Foz, entre outras.
uma bolsa de pedra calcária, calcário margoso Já nos finais dos anos 70 apareceram os
ou dolomítico à superfície e a lenha e o mato primeiros fornos edificados em tijolo refra- A produção de cal na família Maxical, natural
necessários para o fogo da cozedura. A cal tário, denominado na altura “tijolo de burro”, da Maxieira, Fátima, remonta aos anos 30.
era produzida localmente para a construção, sendo notória uma evolução significativa na A empresa familiar, com quase 90 anos a
diferenciando a cal de obra da cal para acaba- produção. Foi possível produzir várias forna- produzir cal em processos pouco mecani-
mentos. Os meios de transporte eram escas- das sem haver necessidade de reconstruir as zados, ainda mantém a sua produção em
sos e os processos de produção rudimenta- paredes. Isto permitiu fixar o forno a um local, fornos artesanais, apostando na diferencia-
res. Os fornos eram poços de área reduzida dando início a uma mecanização do processo ção pela qualidade do produto, com um
com formato cilíndrico e paredes construídas com a introdução de tratores e pequenos comportamento estável e ótimo envelheci-
pela própria pedra a calcinar, erguendo-se camiões para o transporte de pedra e madei- mento, diferenciando-se de outras cales pro-
numa abóboda, onde, no seu interior, se intro- ra deixando a produção de ser feita junta à duzidas industrialmente em fornos contínuos.
duzia a lenha e o mato para a cozedura, que matéria-prima. Durante anos, a produção de Atualmente, a pedra calcária de elevado grau
se prolongava durante semanas consecutivas cal foi uma atividade de elevada importância de pureza e abundante na região de Fátima,
até à desidratação da pedra estar concluída. O local devido à quantidade de mão-de-obra permite que esta seja selecionada criteriosa-
mestre forneiro nunca abandonava a boca do necessária para todo o processo, levando mente na origem, ou seja, nas pedreiras. A
forno, garantindo, assim, que o fogo não amai- também o nome da região de produção calcinação em forno artesanal prolonga-se
nava para não haver variação no processo de a diversos destinos do país como Lisboa, durante 4 a 5 dias consecutivos, utilizando
cozedura. A alimentação do fogo era contínua, Figueira da Foz, Guarda, Castelo Branco e combustíveis ecológicos (serradura e pó de

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Quadro 1 | A cal e a sua aplicação na conservação de revestimentos antigos

Tipo de revestimento Patologia Tratamento

Colmatação com argamassa de cal semelhante à original: traço, cor


Fissuras, fendas e fraturas
e textura

Consolidação com água de cal e aplicação de uma fina camada de


Erosão
argamassa de cal semelhante à original

Perda da aderência Consolidação com calda de cal (grout)


Revestimento de cal
Perda da coesão Consolidação com água de cal

Aplicação de argamassa de cal compatível: traço, técnica, cor e


Lacunas do suporte
textura

Esmaecimento da cor e lacunas na Reintegração pictórica com cal e pigmento (pintura mural interior e
camada pictórica exterior)

Juntas abertas Preenchimento com argamassa de cal compatível


Revestimento de pedra
Perda de volume/lacunas Preenchimento com argamassa de cal compatível

cortiça) que dão origem a uma cal viva de num curto espaço de tempo. No entanto, também estéticas e históricas, formando um
grande qualidade. Após a calcinação, a cal selecionam-se barricas de 120 litros que documento de identidade das tecnologias e
é retirada do forno e encaminhada para ficarão em repouso (maturação) de 1 a 4 anos materiais. Os revestimentos de cal são utiliza-
os processos de transformação e seleção. de forma a obter uma cal aérea em pasta dos nas camadas de regularização (emboço,
Uma parte é embalada em pedra, destinada envelhecida de grande qualidade, utilizada reboco e esboço) ou de acabamento liso
principalmente aos caiadores do Alentejo para pintura a cal ou trabalhos de conser- ou decorativo (barramento, stuccos, pintura
e Algarve, outra passará pelo processo de vação de frescos. Tendo em conta que este mural, fingido, esgrafito), tanto pelo interior
moagem, para micronizar e embalar com processo de maturação origina a decantação, como pelo exterior do edifício. A aplicação
destino às obras, e outra será transformada ou seja, a libertação da água existente na cal, da cal estende-se ao restauro das superfícies
em pasta, segundo o processo de imersão, produz-se água de cal que é comercializada pétreas, pictóricas e azulejares, sendo ainda
utilizada pelo mercado da conservação e e utilizada para processos de consolidação. um material fundamental na arquitetura verna-
restauro e, cada vez mais, para a reabilitação. cular para a conservação das casas tradicio-
A pasta “ainda quente” é passada por uma A conservação de nais de taipa e adobe onde, devido à permea-
malha fina que retira as pederneiras (nós de revestimentos antigos em cal bilidade da cal, se torna o material ideal para
pedra não cozida ou mal apagada), repousa e o revestimento destas paredes.
arrefece totalmente para depois ser embala- Os revestimentos antigos na sua grande maio-
da em barricas. Por ser de mais baixo custo, ria tinham como principal ligante a cal aérea, Os revestimentos com o tempo sofrem agres-
a maioria da cal é comercializada e aplicada não apenas devido a questões técnicas, como sões externas e a falta de manutenção conduz

4 5

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Reflexão

à aceleração do envelhecimento natural e à Artes da cal – salvaguarda da produção dos antigos fornos de cal em
sua degradação. Removê-los e substituí-los e valorização Portugal, nomeadamente o saber-técnico tra-
por outros, ainda que semelhantes, é perder dicional dos caleiros, sendo crucial sensibilizar
esses testemunhos, por vezes raros, de técni- Em Portugal, até meados do século XX, foi a opinião pública sobre o valor da produção
cas antigas. Nesse sentido, opta-se cada vez utilizada a cal como principal ligante, contra- artesanal da cal e, em especial, valorizar o uso
mais por conservar os revestimentos antigos riando a tradição oral em pronunciar que todos da cal para a conservação e restauro dos edi-
de cal através da aplicação das técnicas os revestimentos de finais do século XIX e XX fícios antigos e para a construção sustentável.
da conservação e do restauro, garantindo a eram constituídos por cimento. São inúme-
compatibilidade entre os materiais novos e os ros os edifícios portugueses que conservam A imagem poética de muitas cidades portu-
antigos conforme as orientações das diversas as suas paredes cobertas por revestimentos guesas está associada à cal: uma tradição
Cartas Internacionais do Património. A esco- em cal lamentando que, grande parte des- que marca a arquitetura de forma singular e
lha do tipo de cal é muito importante para a ses acabamentos, mesmo que estando em caracteriza a identidade e a paisagem locais;
qualidade final de um revestimento, nomea- bom estado de conservação, sejam removidos simples texturas conferidas pela aplicação de
damente; cal aérea cálcica (CaCo3) no formato indiscriminadamente devido à falta de conhe- sucessivas camadas de cal transmitem ao
cal viva em pedra ou micronizada, cal apagada cimento de alguns técnicos que intervém no edifício mais singelo uma riqueza impossível
em pasta ou cal hidratada; cal dolomítica património sobre os materiais, as técnicas de obter com outros materiais. A cal faz parte
(MgCO3) em pedra (viva) ou em pó (hidratada); de construção e as metodologias para a sua do nosso património material e imaterial. Para
cal hidráulica natural NHL2, NHL3,5, NHL5. A conservação e recuperação. Nesse sentido, a preservar essa arte milenar teremos de conti-
cal em pasta apresenta excelentes resultados conservação dos edifícios antigos deve passar nuar focados na valorização e reconhecimento
a longo prazo pois tem a vantagem de ser pela compreensão, valorização e recuperação dos produtos da cal produzidos artesanalmen-
um ligante que não perde qualidade com o dos materiais e das técnicas tradicionais. te pois, para além de serem parte integrante
armazenamento (comparativamente com a da nossa cultura, são elementos diferencia-
cal aérea em pó hidratada) dado que a pre- A cal, paulatinamente, retoma a importância dores, ecológicos e únicos que tornam a cal
sença da água (H20) impede o processo de que conheceu nos primórdios da civilização, polivalente e dificilmente igualável.
carbonatação com o ar (O2). No entanto, a notando-se incentivos às ações de restauro
escolha do tipo de cal dependerá da tipologia pela preservação da arquitetura de cal e a
BIBLIOGRAFIA
do revestimento, do seu estado de conserva- sua utilização devido à compatibilidade, físi-
Tavares, M. (2011). A conservação e o restauro de
ção e da sua localização. Para se garantir um ca, química e estética com os revestimentos
revestimentos exteriores de edifícios antigos – uma
bom resultado nas obras realizadas com cal é originais e ainda devido ao seu forte potencial metodologia de estudo e reparação. Teses e Programas
recomendável o recurso a artífices experientes ecológico e desenvolvimento sustentável. Não de Investigação, TPI 67, LNEC, Lisboa, ISBN 978-972-
49-2220-1.
nas artes da cal. As diferentes fontes de cal, os obstante, muito ainda necessita ser feito para
Margalha, M.; Goreti L. B. (1997). O uso da cal em arga-
processos de hidratação, mistura, técnica de a preservação dessa prática tradicional que massas no Alentejo, Mestrado em Recuperação do Pa-
aplicação, espessura de camadas e tempos está a desaparecer rapidamente no nosso trimónio Arquitetónico e Paisagístico, Universidade de
de espera irão influir no resultado final da obra. país. Urge criar incentivos para a permanência Évora, Évora.

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8

4 | Recuperação da Igreja do
Santíssimo Sacramento, Lisboa.
5 | Recuperação do Jardim do Paço
Episcopal, Castelo Branco.
6 | Tanque dos Frades, Jardim do
Palácio da Pena.
8 | Capela de São Bento, Jardim
Botânico de Coimbra.
9 | Capela de N.ª Sr.ª da Conceição
no Horto do Paço dos Henriques,
Alcáçovas.
7 | Vista de uma das alas do Reduto
Central do Forte de N.ª Sr.ª da
Graça, Elvas.
9

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Profissões antigas

A cal e os seus ofícios


O tempo dos caeiros
Antero Leite | ACER – Associação Cultural e de Estudos Regionais | acer.geral@acer-pt.org

A. H. de Oliveira Marques em A Sociedade Medieval Portuguesa e


servindo-se do Regimento das Profissões de Évora, dos finais do
séc. XV, publicado por Gabriel Pereira, sistematizou num quadro
o elenco dessas profissões e respectiva hierarquia. Nele se pode
constatar que, num conjunto de 18 mesteirais1, os caeiros ocupavam
o terceiro lugar acompanhados dos carpinteiros, serradores,
pedreiros, taipadores, calçadores e cabouqueiros.

A lguns destes ofícios estavam arrua-


dos, ou seja, reunidos por profissões, numa
pedreiros, mas superiores aos dos servidores
das obras de construção (Idem, ibidem, p. 92).
a liberdade de tomar e husar do oficio que
aprendeo (CONDE, 2011, p. 86).
mesma rua (MARQUES, 1991, p. 137) mas nem O horário de trabalho era do amanhecer ao pôr
todos os mesteres poderiam concentrar-se de sol e de noite pelo que os mestres caeiros Regulamentou os mesteres por Regimentos
numa rua como seria o caso dos caeiros, que eram pagos a dobrar (FERREIRA, 2011, p. 219). com aplicação nos concelhos e cuja obser-
habitavam nas periferias urbanas, em locais vância do seu cumprimento era da compe-
perto das pedreiras e dos fornos nos quais Desde 1 de Abril de 1384, por Carta Régia de tência das respectivas vereações e concedeu-
calcinavam a pedra de cal que depois trans- D. João I3, que os mesteres estavam repre- lhes a faculdade de serem integrados nos
portariam para as obras onde preparariam as sentados por dois homens de cada mester na governos das cidades e vilas, associando-os
massas e aguadas dos revestimentos. Casa dos Vinte e Quatro do Povo de Lisboa às decisões tomadas desde que fossem do
abrangendo depois outras cidades. foro profissional (CONDE, 2011, p. 85).
Maria Ângela Rocha Beirante, no seu estudo
Évora na Idade Média, referiu os fornos de cal Já anteriormente os mesteirais se haviam orga- Após a batalha de Toro (1476) e para a come-
de Évora situados no ferragial das Caeiras e nizado em confrarias com fins assistenciais, morar, D. João II ordena que se faça anual-
que pertenciam ao concelho. ‘Neles trabalha- tendo algumas delas sido anexadas de hos- mente uma procissão para a qual se instituiu
vam os caieiros que deviam vender a cal em pitais e albergarias (CONDE, 2011, p. 83). um Regimento descriminando entre outras
argãs com uma vara de comprido, e praticar Realizavam assembleias de ofícios onde ele- representações a dos ofícios mecânicos com
um preço variável consoante o maior ou giam juízes (ou vedores) e procuradores de as suas bandeiras.
menor custo da carga de lenha’ (BEIRANTE, mester que garantiam a boa ordem dentro
1995, p. 421). da profissão com base nas regras do ofício e Na procissão, de 1482, em Évora os caeiros
representavam o mester junto das autoridades estavam enquadrados no grupo dos que cor-
Na calcinação, o mestre ou dono do forno públicas sem, contudo, estas lhes reconhece- regem casas: pedreiros, taipeiros, calceteiros,
organizava o trabalho por várias funções des- rem capacidade para estabelecerem normas caboqueiros, serradores e eram portadores
tacando-se a dos caeiros responsáveis pelas profissionais vinculativas (CONDE, 2011, p. 84). de castellos e pemdões pintados muy bem e
fases da produção da cal, seguindo-se as a sua bandeira e a samta Catarina muy bem
tarefas de um conjunto de trabalhadores como D. João II veio a legislar no sentido de as confra- arrayada. No meio da procissão iam as mance-
o de acarretador ou carreteiro da pedra de rias apenas exercerem funções de representa- bas do partido com os porteiros todos em hua
cal, lenha ou mato, as mulheres que faziam ção profissional, abandonando a de assistência dãça com seu gayteiro (LOURO, 2010. p. 131).
o carreto de água (aguadeiras) e aprendizes que passava a ser exercida pelas Misericórdia e
(CONDE, 2011, p. 79, 82). Hospitais (MAGALHÃES, 1993, p. 313). Entre as Câmaras e os caeiros nem sempre
havia bom entendimento e um dos motivos
Recebiam à jorna ou à tarefa e, comparativa- A um requerimento apresentado nas Cortes eram determinadas infracções na produção
mente a outros mesteres, os salários dos traba- de 1481-1482 pedindo que os oficiais igno- da cal justificando a aplicação de sanções
lhadores dos fornos da cal e do tijolo eram ‘um rantes fossem interditos de exercer a profis- previstas nas posturas municipais. Os produ-
pouco inferiores aos dos mestres carpinteiros e são, D. João II respondeu não querer coartar tores da cal recorriam então ao Rei.

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1 | Forno de cal de Avecasta,
Ferreira do Zêzere.
© Ricardo Machado2 1
 

Alguns donos de fornos de cal, depois desta D. Sebastião e estabelece o modo como se Como outros meios de produção no Antigo
produzida, não a vendiam logo motivando deviam hierarquizar as fases em que se dividia Regime, a exploração de pedreiras e fornos
reclamação dos compradores. Isso acontecia a vida profissional: aprendiz, obreiro, oficial de cozer cal estava abrangida por contrato de
em Lisboa, pelo que em 5 de Julho de 1468, examinado e mestre (CRUZ, 1981-I, p. 164). arrendamento dos terrenos onde se situavam,
os almotacés da cidade ordenaram aos donos obrigando ao pagamento de prestações de
desses fornos que a vendessem imediatamen- A idade mínima para admissão de um apren- acordo com o que se produzia. Aconteciam,
te após a cozedura quer à saída do forno ou já diz era de 14 anos e tinha de estar inscrito por vezes, casos de exigências dos senhorios
carregada em moios, pois caso não o fizessem no livro de matrícula do mestre e completar ultrapassando o que estava convencionado.
ficavam com a cal penhorada (AML-AH, CC, quatro, cinco ou seis anos de aprendizagem
LPA, doc. 68). (Idem, ibidem). Em 29 de Outubro de 1711 e 23 de Outubro
de 1714, José da Costa, Manuel Luís, Manuel
Ameaçados de pesadas sanções municipais, A passagem a oficial exigia a realização de Ferreira, João Simões e João Gonçalves,
os produtores da cal recorriam por vezes ao um exame, e se ficasse aprovado, recebia a proprietários de fornos e fabricantes de cal,
Rei como fizeram os caeiros e telheiros de carta de examinação reconhecendo-lhe a com- enviam petições ao Senado queixando-se
Lisboa, pedindo a intervenção de D. Manuel I petência para o exercício do ofício. Contudo, da alteração do pagamento da pensão das
para lhes valer, pois tinham sido vítimas de tinha de servir mais algum tempo como obrei- cozeduras da cal, por ordem do rendeiro da
pesada pena imposta pela Câmara de Lisboa. ro para compensar o mestre do ensino minis- Maçaria (AML-AH, CR,DJV. 87-97).
trado e para adquirir maior prática no ofício
O Rei Venturoso, em 18 de Julho de 1499, or- (Idem-IV, p. 432). O terramoto de Lisboa e a necessidade de
dena a suspensão da pena aplicada pela Câ- reconstruir a cidade induziu a construção de
mara de Lisboa aos caeiros e telheiros, man- Além disso, o oficial examinado só poderia mais fornos de cal e o aumento da laboração
dando-a substituir por multa pecuniária (AML- dedicar-se à profissão depois de estar ins- dos existentes.
-AH, CR, LDM, 40). crito na respectiva corporação. Ascenderia a
mestre com a aprovação no exame de maes- Em 3 de Novembro de 1756, Sebastião José
Cristóvão Rodrigues de Oliveira, em 1554 pu- tria podendo então dirigir uma loja ou oficina. Carvalho e Melo, a requerimento de Guilherme
blica o seu Svmmario inventariando os Ofícios Eram-lhe também concedidos direitos políti- Stephens, concede-lhe a faculdade de fabricar
Mecânicos existentes em Lisboa. À categoria cos e ser eleito para representar o seu ofício cal de pedra de Alcântara, pelo prazo de
Pedreiro, a mais representativa, pois tinha 291 na Casa dos Vinte e Quatro e mesmo ascen- quinze anos durante o qual nenhuma pessoa
trabalhadores, seguiam-se outros mesteres: 24 der à representação junto das câmaras dos nacional, ou estrangeiro, poderá mandar vir
taipeiros, 4 calceteiros, 206 oleiros, 16 telheiros, concelhos (Idem-IV, p. 432). de fora o material, de que o supplicante se
20 tijoleiros, 32 ladrilhadores, 20 cabouqueiros, pretende servir para cozer a cal, ou mandá-la
24 coveiros e 13 caeiros (OLIVEIRA, 1554). Em 1661, no rescaldo dos motins contra o vir de fora fabricada sob pena de perdimento
papel selado, a Casa dos Vinte e Quatro é do material, ou da cal, que for introduzida, a
De 1569 a 1572, Duarte Nunes de Leão execu- extinta, mas sete anos depois é restaurada favor do supplicante ficando contudo livre aos
ta a reforma dos Regimentos a mando do Rei (Idem-IV, p. 516). Vassallos de V. Majestade, que actualmente

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Profissões antigas

2 | Atlas da carta topográfica


de Lisboa: n.º 59-A (pormenor)
Autor: Filipe Folque
(topógrafo). Data: 1857.
© Arquivo Municipal de Lisboa

cozem a mesma Cal com lenhas, a liberdade


de a fabricarem e venderem como até aqui o
praticarão (SILVA, 1842, p. 423).

Que material era esse que Stephens iria apli-


car nos fornos? Carvão de pedra importado
da Grã-Bretanha e Escócia sem pagamen-
to de direitos alfandegários e trazido em
navios que fundeariam em frente a Alcântara,
sendo depois desembarcado com destino
aos armazéns junto dos fornos, nos quais não
se poderá vender a terceiras pessoas debaixo
da pena de confiscação (Idem, ibidem).

O sítio onde Stephens pretendia construir


os fornos era a Ribeira de Alcântara junto
às pedreiras das quais poderia extrair toda 2
a pedra necessária pagando as rendas ou
avenças delas a seus donos. Ficava também
obrigado a pagar renda do terreno a ocu-
par pelo complexo produtivo. Disporia de
Artífices e Trabalhadores até ao número de
20 entre todos e de cal e tijolo fornecida pelo Não só a produção de mais cal justificou a Contudo, só com o desaparecimento do Ar-
justo para a construção dos fornos (Idem, construção de novos fornos. Houve também quivo da Casa dos Vinte e Quatro na heca-
ibidem). a necessidade de disciplinar a actividade tombe do sismo se procedeu à reforma do
dos ofícios empregues na reconstrução da legislado até aí. Após a eleição do Juiz do
No Alvará determinava-se que a cal a fabricar cidade, o que pressupunha a reforma dos Povo na pessoa de Filipe de Campos, alfaia-
por Stephens deveria ser de tão boa qualida- Regimentos vindos do séc. XVI. te, inicia-se em 1767 a reconstituição daquele
de como a que actualmente se faz de pedra arquivo e o estabelecimento de novos Regi-
lioz e ser vendida a um preço não excedendo Já em 7 de Agosto de 1728, o Procurador da mentos tarefa que se prolongou até 1791
os doze tostões podendo o suplicante livre- Cidade de Lisboa, António Pereira de Viveiros, (SILVA, 2012, p. 20).
mente vendê-la mais barata. José Sebastião havia solicitado ao desembargador José Soa-
de Carvalho e Melo comprometia-se a não res de Sousa a reforma dos Regimentos dos Entre os ofícios existentes em Lisboa cujos
fazer embargo ou coacção alguma à cal pro- Ofícios Mecânicos por serem antigos e desa- regulamentos foram reformados, com acordo
duzida por Stephens podendo este vender a justados por haverem desaparecido alguns entre o Senado e a Casa dos Vinte e Quatro,
sua avença pelos preços que se ajustar (Idem, mesteres e terem surgido outros novos (AML- encontrava-se o dos Caeiros e Acarretadores
1842, p. 424). -AH, CR, 1728). de Cal.

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Uma primeira prescrição ordenava que ‘ne- Com o fim do Antigo Regime após o triunfo para o Ano Económico de 1860-1861, pagava-
nhuma pessoa venda cal em pedra em parte do Constitucionalismo liberal, os ofícios me- -se aos forneiros o salário de 320 reis diários,
alguma desta cidade fora da boca do forno cânicos passaram a estar sujeitos a regula- remuneração que não se pode dizer baixa pois
salvo quinze dias antes do Natal e quinze dias mentação fixada em Posturas pelas Câmaras representava 67% do que auferia por dia um
antes da Páscoa da Ressurreição e quinze Municipais. Mestre (480 réis). Ambos tinham ainda direito a
dias antes do dia do Espírito Santo de cada uma gratificação de 64$400 por 4 cozeduras7.
ano; nos outros tempos se venderá na boca Assim, e como exemplo passamos a des-
do forno e não fora dele. E o que o contrário criminar as medidas pelas quais deveria ser Mas havia, nos Fornos de Rio Seco, outro ofício
fizer, da cadeia onde estará cinco dias pagará aferido o peso do alqueirão vendido pelos da cal menos remunerado: o dos trabalhadores
dois mil réis, a metade para as obras da cida- caleiros. Estipulava-se na Postura Municipal que de dia e de noite estavam encarregados de
de e a outra para quem o acusar. E sob a dita de Marvão de 1861: Todo o calleiro é obriga- chegar mato aos forneiros e guardar o estabele-
pena os caeiros não tirarão a dita cal por cima do a afferir o seu alqueirão pelo da camara no cimento pois recebiam 260 réis de jorna8.
(do forno) (AML-AH, CVQ, REG, CAP. LXV. prazo que o governo estabelecer, e quando
f. 247). esta medida fôr substituida por outra, segun- O ofício de forneiro era muito penoso exigin-
do o novo systema de pezos e medidas, do grandes esforços físicos e a exposição a
Aos acarretadores de cal impunha-se a obri- seguirá os mesmos tramites, pena de mil e pó e fumos, para além da exposição prolon-
gação de a medir na obra pela fanga da cida- duzentos réis .... 1$2005. gada às labaredas e grandes temperaturas
de4 e o pedreiro a tomar sem a medir o acar- do funcionamento dos fornos, por vezes em
retador pagará da cadeia, onde parará dez Em 1866, uma nova Postura reconhece que alturas de grande calor.
dias, dez cruzados, a metade para as obras os caleiros não cumpriam ao afirmar no
da cidade e a outra para quem o acusar. E preâmbulo: Todos sabemos e já por vezes se Por esse motivo, o trabalho de menores foi
quando a parte que levar a cal em suas bes- tem queixado muitos compradores da dita proibido no fabrico da cal em locais onde se
tas a pagará na boca do formo. E não tendo cal, contra os caleiros, por não a medirem produz pó pelo Regulamento de 16 de Março
a parte bestas, os caeiros serão obrigados a como devem, subrahindo quanto podem na de 1893 (MACHADO, 1898, p. 26).
levá-la nas suas bestas (Idem, ibidem). medida, de sorte que um moio (30 alqueirões)
apenas deitarão uns vinte: os donos da cal Contudo, as mulheres faziam-no. Nos fornos
O mestre encarregado de construir forno de fasem uma medida para os Almocreves quan- de cal do Tramagal todo o desgastante e
cal receberia o seu jornal dobrado porque tra- do estes a vão vender fóra do Concelho, e exaustivo trabalho era feito por mulheres de
balha de noite e dia e ainda teria direito a co- outra tão ruim para os de mais compradores, sol a sol. Mal pagas e trabalhando mais de 8
mer e beber, assim os braceiros que com ele que chega a defferir um alqueirão para menos horas por dia: só recebiam metade do salá-
servirem e cozerem de noite e de dia haverão em carga; este facto é notório, em abuso, rio de um homem. Como os rurais ainda não
jornal dobrado (Idem, ibidem). quando outro nome se lhe não dé, mas que estavam abrangidos pelo novo horário, estas
deve acabar, por quanto a medida e o preço, mulheres executavam alguns trabalhos agrí-
Se um forno acabado de cozer tivesse sido é como a Lei, igual para todos. colas, com o objectivo de serem classificadas
encerrado, ele só poderia ser aberto passado como rurais, para não poderem reclamar as 8
30 dias e não seria medida cal alguma, pouca É verdade que os caleiros aferem anualmente horas (VAZ, 2012).
ou muita, naquele dia em que fosse derretida os seus alqueirões, não é por esta falta, mas
a cal em água doce, salvo no dia seguinte de pelo modo como o encher que illudem os Leite de Vasconcellos, na Etnografia Portugue-
maneira que passe dia e noite e a arrefeça e compradores: e por isso lembra a necessidade sa, relata que, no século XIX, e em Lisboa,
no dia seguinte se meça e dê a quem a quiser de ser medida toda a cal que se coser e vender existiam os pretos caiadores (VASCONCELOS,
medida por fanga de dois alqueires e de oito nos fornos da Escuza, ou em qualquer parte 1975, p. 55) sem, contudo, explicar se eram
fangas o quarteiro e de trinta e duas fangas o neste Concelho por pessoas desinteressadas, predominantes no ofício. Viviam num labirinto
moio. Quem infringisse esta regra ficaria sem percebendo por cada carga que medir os de ruas conhecido como Bairro do Mocambo
a cal do forno e a que recebesse de fora da emolumentos ao diante declarados. [...] concentrando-se numa travessa junto ao con-
cidade não lhe seria entregue (AML-AH, CVQ, vento das Trinas estreita, tortuosa e lamacenta
REG, CAP. LXV. f. 247v). E argumentado a falta de rendimentos, o quási sempre, com casinhas de um só andar,
Município, depois de invocar a importância ou sobrelojas, as quaes, por muito caiadas,
Obrigava-se ainda o acarretador a trazer so- da cal na economia concelhia, determina, davam à angustiada travessa uma certa alegria
bre a carga a meia fanga pela qual medem a então, que: Toda a cal que se vender nos (BARATA, 1877, p. 22).
cal para que as pessoas que a compram pos- fornos da Escuza, ou em outros quais quer
sam receber (aceitar) como medida e (assim) deste Concelho, será medida pelas pessoas Costumavam juntar-se no Rossio onde eram pro-
não lhe será feito engano e que achado for que a Camara nomear, ou pela que arrematar curados pelos fregueses9 ou cirandavam pela
acarretando cal sem trazer consigo a dita me- esta obrigação, e receberá por cada carrada cidade juntamente com as vendedoras de tre-
dida seria preso no tronco onde ficaria dez 60 réis, e por cada carga 10 réis. [...]6. moços, mexilhão e fava-rica (ROSETA, 2015).
dias e sem remissão pagará quinhentos réis
(sendo) a metade para a cidade e outra para Nos fornos do Estado em Rio Seco (Ajuda) e * Artigo redigido ao abrigo do antigo acordo
quem o acusar (Idem, ibidem). segundo o Orçamento da Receita e Despesa ortográfico.

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Profissões antigas

3 | Preto caiador e
vendedora de tremoços10.

NOTAS FONTES MANUSCRITAS sembleia Municipal, 23.6.2015. In www.am-lisboa.pt/


1. ‘Mesteirais’ chamavam-se na Idade Média os homens AML-AH, Chancelaria Régia, Livro das Posturas Antigas, documentos/1435155294W9fZW6gm9Uz93OK4.pdf.
adstritos a um mester, ou ofício mecânico. doc .68. SILVA, António Delgado da - Suplemento à Colecção
2. In https://www.geocaching.com/geocache/GC27F- AML – AH, Chancelaria Régia, Livro 1.º de D. Manuel I, de Legislação Portuguesa. Anno de 1750 a 1762.
X3_forno-de-cal?guid=a3a7188d-90e1-4e7b-b181-4b- doc. 40 (antigo 41). Typografia de Luiz Correia da Cunha, Lisboa, 1842. In
f0ddb221d5. https://books.google.pt/books?id=EMM0AQAAMAAJ.
AML-AH, Chancelaria Régia, Livro 6.º de Consultas e
3. Fernão Lopes, na Crónica de D. João I, relata: E foi lo- Decretos de D. João V, do Senado Oriental, f. 87 a 97. SILVA, Maria da Graça Barros – Leis e saberes do ofício de
go ordenado que na cidade vinte e quatro homens, dois alfaiate na época moderna. O caso da cidade de Lisboa
AML-AH, Chancelaria Régia, Livro 1.º de registo de setecentista. Tese de Mestrado em História Moderna.
de cada mester, tivessem carrego de estar na Câmara cartas do senado ocidental, f. 14v e 15, 1728.
pera toda a cousa que se houvesse de ordenar por bom Faculdade de Letras de Lisboa, 2012. In www.reposito-
regimento e serviço do Mestre, fosse com seu acordo AML-AH, Casa dos Vinte Quatro, Livro dos regimentos rio.ul.pt/bitstream/10451/8819/1/ulfl133725_tm.pdf.
deles. dos ofícios mecânicos da cidade de Lisboa, reforma- VAZ, Maria Máxima – Reformas sociais da 1.ª República
dos por ordem do Senado ~ Regimento dos Caeiros e – Tese. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da
4. A fanga era uma unidade de medida (Viterbo – Eluci- Acarretadores da cal, CAP. LXV f. 247, 247v.
dário, 1798, p. 436). Na cidade de Lisboa, a cal mede-se Universidade Nova de Lisboa. Dezembro 2012. In https://
pelas mesmas medidas dos outros secos, só com a dife- run.unl.pt/bitstream/10362/10601/1/mariavaz.pdf.
rença de ser ainda adoptada para este género a divisão FONTES IMPRESSAS E POLICOPIADAS
do moio em quatro quarteiros e de ter a fanga somente ESTUDOS E BIBLIOGRAFIA
BARATA, A. F. – Os jesuítas na Corte. Lucas & Filhos
dois algueires; há porem muitos Districtos em todas as
editores, Lisboa, 1877. http://www.bdalentejo.net/BDA- BEIRANTE, Maria Ângela Rocha – Évora na Idade Mé-
Províncias. em que as maedidas para a cal são maiores
Obra/obras/432/BlocosPDF/bloco02-13_22.pdf. dia. Ed. Fundação Calouste Gulbenkian – Junta de In-
do que as dos grãos (In Memórias Económicas da Real
Academia das Sciencias de Lisboa, vol. 5, 1815, p. 388 ) FERREIRA, Sílvio – Salários e níveis de vida dos constru- vestigação Científica e Tecnológica. Lisboa, 1995.
tores na Baixa Idade Média em Portugal, 2011. In https:// CONDE, Manuel Sílvio Alves – As gentes da construção
5. Fornos da Escusa http://www.cm-marvao.pt/pt/historia
repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/14653/2/tese- na sociedade medieval portuguesa. Actas do Colóquio
-e-patrimonio/monumentos/13-turismo/81-fornos-de-cal.
mestprecos000075145.pdf. História da Construção – A população dos construto-
6. Idem, ibidem. res, Coord, Arnaldo de Sousa Melo e Maria do Carmo
LOURO, João Pedro Romão – A iconografia musical da
7. Ministério das Obras Públicas – Fornos de Cal e Ges- Custódia de Belém. Dissertação de Mestrado em Ciên- Ribeiro. Org. Universidade do Minho. 29 e 30 de Outu-
so e Pedreiras de Rio Secco. Orçamento de Receita e cias Musicais. Universidade Nova de Lisboa, Setembro bro 2010. Ed. CITCEM, 2011.
Despeza para o Anno Económico de 1860-1861. de 2010. CRUZ, António – Entradas Aprendiz. Oficial examinado,
8. Idem, ibidem. OLIVEIRA. Cristóvão Rodrigues de - Sumario e[m] que Mestre, Casa dos Vinte e Quatro ‘Dicionário de História
9. In https://museudigitalafroportugues.wordpress.com/ breuemente se contem alguas cousas assi ecclesiasti- de Portugal’. Vol. I, IV, Dir. Joel Serrão. Ed. Livraria Fi-
sobre/.../lisboa-cidade-das-colinas/ e http://www.buala. cas como seculares que ha na cidade de Lisboa - Em gueirinhas, Porto, 1981.
org/pt/a-ler/ser-escravo-quadros-de-um-quotidiano- Lixboa: em casa de Germão Galharde : acharssea em MACHADO, Bernardino – A Indústria. Ed. Typographia
dos-trabalhos-e-dos-dias. casa de Gil Marinho, liureiro do infante dom Luis no ter- França Amado, Coimbra, 1898.
reiro do Paço onde sua A. mora, depois de 1554. Biblio-
10. http://www.buala.org/pt/a-ler/ser-escravo-quadros- teca Nacional de Portugal. (In purl.pt/14435) MARQUES, A. de Oliveira - A Sociedade Medieval Por-
de-um-quotidiano-dos-trabalhos-e-dos-dias. tuguesa. Ed. Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1981.
ROSETA, Helena – A presença africana na memória de
Lisboa. Debate Temático “Demografia e Migrações” As- VASCONCELOS, Leite de – Etnografia Portuguesa. Vol.
VI. Ed. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. 1975.

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Rua Raul Brandão nº 114, São Pedro do Estoril, 2765-548, Estoril
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restauro nas áreas de: estruturas arquitetónicas e arqueológicas,
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Horto do Paço dos Henriques, Alcáçovas

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 69


Património Imaterial

Vila Real
O processo de confecção da louça preta de Bisalhães

João Ribeiro da Silva | Coordenador técnico da candidatura, Câmara Municipal de Vila Real | joaorsilva@cm-vilareal.pt

No passado dia 29 de Novembro


de 2016 o “Processo de confecção
da louça preta de Bisalhães” foi
inscrito na Lista do Património
Cultural Imaterial que Necessita de
Salvaguarda Urgente da UNESCO.

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C onsiderando que cada Estado só
pode apresentar uma candidatura à inscrição
Origem / Historial
na lista referida de um elemento patrimonial, o A origem da olaria de Bisalhães perde-se no
Município de Vila Real expôs, atempadamen- tempo. A análise da documentação existen-
te, à Comissão Nacional da UNESCO propos- te permite concluir que existe produção de
ta para inclusão deste riquíssimo património louça em barro num conjunto de pequenas
imaterial, característico da aldeia de Bisalhães, localidades contíguas à cidade de Vila Real
pertencente à freguesia de Mondrões, conce- (Mondrões, Lordelo, Vila Marim, Parada de Cu-
lho de Vila Real. Foi o corolário de um trabalho nhos e, principalmente, Bisalhães), pelo me-
árduo, iniciado meses antes, quando se deci- nos, desde o século XIII. Se o foral concedido
diu proceder à inscrição deste elemento patri- por D. Manuel I a Lordelo, em 1519, informa
monial no Inventário Nacional do Património dos tributos a pagar pelos oleiros, o foral de
Cultural Imaterial. O objectivo do Município de Vila Real, de 1515, já faz menção à olaria da
Vila Real foi, desde o início, obstar ao desapa- região. E muito recentemente tivemos acesso
recimento desta arte ancestral, que em tem- a um documento, datado de 1258, onde se
pos teve mais de 60 praticantes e hoje não refere que, “na vila de Parada [de Cunhos], há
conta mais do que sete oleiros a trabalhar, duas barreiras que são metade do Senhor Rei
cinco deles já de provecta idade1. Reconhece, e metade do Mosteiro do Pombeiro; e cada
ao mesmo tempo, a importância que esta ac- oleiro que vai a essas barreiras por barro dá
tividade tem para a comunidade local e o im- um quarto de pão”2.
pacto histórico-cultural deste património mate-
rial, alicerçado no conhecimento imaterial que Por outro lado, os trabalhos arqueológicos rea-
é transmitido dentro dessa mesma comuni- lizados na Vila Velha (local de origem de Vila
dade. E, finalmente, compromete-se a fazer Real) entre 1995 e 2008, no âmbito do Progra-
todos os possíveis para que a actividade pros- ma Polis, permitiram a recolha de fragmentos
pere, definindo para isso um ambicioso plano de cerâmica provavelmente oriundos deste
de salvaguarda a aplicar nos próximos anos. centro olárico, dadas as semelhanças com a

1 | Oleiro a trabalhar na roda.


2
© Paulo Araújo (2015).
2 | Cartaz da Feira dos
Pucarinhos de 1971, editado
pela Comissão Regional de
Turismo da Serra do Marão.

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Património Imaterial

3 | Mulher a decorar a louça. de outras regiões para a tarefa de construção via a quase totalidade do tráfego rodoviário
© Paulo Araújo (2015). dos muros, socalcos e plantação das vinhas desviou-se da antiga estrada, afastando os
4 | Desenfornar as peças. que caracterizam a mais antiga região vinha- clientes da louça preta. Os postos de venda
© Duarte Carvalho (anos 90). teira demarcada do mundo. construídos pela Câmara Municipal de Vila Re-
al, à entrada norte da cidade, foram a solução
A actividade de confecção do barro no cen- encontrada e que se mantém até hoje.
tro olárico do termo de Vila Real persistiu ao
longo do século XIX e primeira metade do
século XX, ainda que gradualmente se tenha O processo de confecção
vindo a restringir à localidade de Bisalhães. da louça preta de bisalhães
Desde o último quartel do século XIX há re- De facto, e ao contrário do que muitos pos-
louça aí produzida. Não obstante, estes da- gistos fotográficos que mostram a estreita liga- sam pensar, não foi a loiça preta em si – ou
dos necessitam de investigação e análises ção entre a celebração do São Pedro e a louça seja, as peças, os objectos – que foi classifi-
posteriores que confirmem esta relação. de Bisalhães. Aliás, não é por acaso que à fes- cada: foi, isso sim, o processo de confecção,
tividade se chama, não poucas vezes, a Feira isto é, o conhecimento (imaterial) que é posto
O estudo das fontes documentais permite dos Pucarinhos. em prática nas várias fases necessárias à
dar conta do significativo número de oleiros confecção de uma peça de barro, desde o
em actividade em Mondrões e Lordelo. Um Ao longo do século XX os oleiros foram pau- tratamento da matéria-prima à cozedura dos
inquérito paroquial, datado de 1706, dá conta latinamente abandonando as feiras (excepto a objectos. Esse património é transmitido oral-
da muita louça que se produzia em Lordelo. A de S. Pedro, no centro de Vila Real) e a venda mente, de pessoa para pessoa, normalmente
“Relação de Vila Real e seu termo”, de 1721, pelas aldeias do Alto Douro, fixando postos de de pai para filho ou de avô para neto, e mesmo
refere a produção e comercialização de louça confecção e venda na Estrada Nacional 15, que dentro da comunidade local (no que concerne
na freguesia de Mondrões. liga o Porto a Vila Real, e que era a principal via às tarefas mais comuns, menos específicas).
rodoviária da região. Com o incremento do trá-
Em 1890 refere-se, num Inquérito Industrial, a fego rodoviário e a chegada de mais forasteiros Se actualmente os oleiros vão buscar a maté-
existência de cinquenta oficinas de olaria, ca- à região, estes pontos de venda localizados na ria-prima a Chaves (onde, até há bem pouco
da uma com o seu forno. Ainda que nem todas estrada, nas proximidades de Vila Real torna- tempo, era também característica a louça pre-
laborassem todo o ano, metade fazia-o. ram-se numa imagem turística disseminada ta de Vilar de Nantes, agora praticamente de-
em cartazes e postais alusivos a este território. saparecida), até há 20 ou 30 anos o barro
A criação da Região Demarcada do Douro era retirado nas proximidades de Bisalhães,
pelo Marquês de Pombal, em 1756, deu um No início dos anos 90 do século XX, com a nomeadamente em barreiras (ainda hoje) exis-
considerável impulso à produção e comér- construção e abertura ao público do Itinerário tentes em Parada de Cunhos. Era um pro-
cio do centro olárico do termo de Vila Real, Principal (IP4), que se constituiu como alterna- cesso muito duro, trabalhoso, que não raras
devido à necessidade de suprimir as neces- tiva à velha Estrada Nacional 15, o processo vezes fazia vítimas mortais, soterradas nos
sidades da enorme quantidade de pessoas de venda da olaria de Bisalhães sofreu outra túneis ou galerias que escavavam à procura
que afluíram à região do Douro provenientes alteração substancial. Com a abertura da nova dos melhores veios.

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4

Depois de transportado o barro para a oficina palmente quando são conseguidos por acres- de mais giestas e carqueja no topo da louça
de cada oleiro, guarda-se no “caleiro”, sepa- cento de barro – os “verdugos” das talhas, cozida, para avivar o lume, iniciando logo de
rando-se o barro mais forte do mais fino, a por exemplo, cintas ou cordões que também seguida a lançar terra negra (de outras coze-
utilizar consoante o tipo de peças a realizar. ajudam a proteger, e os “bicos”, pequenos duras anteriores) por cima de tudo, dando con-
Vai depois para o “pio”, onde é picado (esma- cones de barro colocados aos pares nos bor- tinuidade à cozedura (pois o fogo continua vi-
gado) ao bater-se com um “pico” de madeira. dos dos alguidares. vo). O oleiro deixa apenas um orifício no topo
Terminada esta tarefa é peneirado para uma do forno, que funciona como chaminé, e que
“gamela”, onde se mistura com água – quan- A cozedura da louça é um dos aspectos que fruto do seu conhecimento conseguido pela
do tem a consistência desejada formam-se mais tornam única a olaria de Bisalhães. É prática de décadas (de séculos, diríamos) de-
as “péis” de barro, que são guardadas húmi- durante este processo que a louça adquire cide tapar com terra, ao mesmo tempo que
das e onde o oleiro vai buscar o barro, que a característica cor negra, e é também este se tapa também a boca do forno (por onde
“coldra” (ou seja, amassa mais ainda e retira um dos momentos em que o conhecimento se carrega a câmara de combustão). Durante
o excesso de ar no interior) com as mãos. intrínseco mais se aplica. A escolha do dia mais de duas horas a tarefa das pessoas à
Consegue assim o “embolado”, pedaço que em que se vai cozer é determinante, pois volta do forno é garantir que não há fuga de
coloca com mestria no centro da roda baixa, pode pôr em causa toda a quantidade de fumo (e de oxigénio do interior), pois é precisa-
que faz rodar com a mão. Para além da perí- peças que se coloca no forno. Este é dife- mente isso que faz com que as peças fiquem
cia necessária no trabalho manual, o oleiro rente de há umas décadas: se, antes, não completamente negras. Após decisão dos
utiliza vários utensílios, como o augueiro (va- havia uma separação física entre a câmara de oleiros as peças começam então a ser desen-
silha com água, para humedecer as mãos), os combustão e a câmara de enfornamento (era fornadas, limpando-as depois de arrefecidas,
fanadouros (pequenas talas de madeira, que construída uma separação provisória, com estando então prontas para ser vendidas.
servem para levantar a peça da roda, para recurso às “roncas”, ou seja, peças maiores
diminuir a espessura do barro ou para alisar e defeituosas), desde há cerca de 20 anos se
as peças) ou a cega (pequena corda, linha ou incluiu essa separação. Normalmente o forno A inscrição do processo de
mesmo cabelo – para peças mais pequenas constrói-se num local inclinado, permitindo confecção no Inventário
– usada para separar a peça da roda, depois colocar-se a louça por um lado e adicionar o Nacional do PCI
de terminada). combustível por outro.
A 5 de Março de 2015 publicava-se em
A decoração das peças, característica das O primeiro lume que se acende mantém-se Diário da República (II.ª Série, n.º 45, anún-
últimas décadas, é feita quase sempre pelas brando, com o objectivo de tirar a humidade cio n.º 36/2015) a inscrição do processo de
mulheres dos oleiros, que começam por “go- do interior do forno. Depois, num trabalho co- confecção da louça preta de Bisalhães no
gar” a superfície, ou seja, alisam-na com pe- lectivo, começam a acastelar-se as peças maio- Inventário Nacional do Património Cultural
quenas pedras ou gogos, fazendo depois os res, de “boca” para baixo, e em cima des- Imaterial (PCI)3. Era o culminar de um proces-
desenhos (flores, folhas, espirais, segmentos tas as mais pequenas. Concluída esta tarefa so iniciado meses antes, fruto de uma saudá-
de recta paralelos, verticais ou oblíquos, entre atiça-se o lume, para que toda a louça exis- vel provocação feita ao Município de Vila Real
outros motivos) enquanto a louça está ainda tente no forno possa cozer. Num determinado pelo Dr. João Luís Sequeira Rodrigues que,
“meio seca”. Os oleiros também podem acres- momento, decidido pelo oleiro, procede-se ao no âmbito de um trabalho académico, preen-
centar motivos decorativos nas peças, princi- “abafamento”, que começa com a colocação chera a ficha-tipo de inventário de património

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Património Imaterial

O registo no Inventário Nacional


do Património Cultural Imaterial
pode ser consultado em
http://www.matrizpci.dgpc.pt/MatrizPCI.Web/
Inventario/InventarioConsultar.aspx?IdReg=410

O processo apresentado à UNESCO, para


inclusão na Lista de Património Cultural
Imaterial que Necessita de Salvaguarda
Urgente, está disponível em
http://www.unesco.org/culture/ich/en/USL/
bisalhaes-black-pottery-manufacturing-process-01199

imaterial dedicando-se precisamente a esta A inscrição na Lista instituições, que procuraram manter viva a tra-
temática. Procurando um apoio institucional dição; procurou-se perceber quais as medidas
que garantisse a apresentação formal de can-
de Património Cultural que tiveram sucesso e quais as que não resul-
didatura à inscrição no Inventário Nacional do Imaterial que Necessita taram; e, finalmente, delineou-se um plano de
PCI, e após aceitação, por parte do Município, de Salvaguarda Urgente salvaguarda para o período compreendido
do repto lançado constituiu-se uma equipa da UNESCO entre a apresentação da candidatura e 2020,
de trabalho que promoveu o enriquecimento com um conjunto ambicioso de medidas divi-
do trabalho inicial, com recurso, entre outros Concomitantemente, o Município de Vila Real didas em várias áreas, discutidas previamente
elementos, a imenso material anteriormente encetou todos os esforços diplomáticos no com os oleiros e com os indispensáveis par-
recolhido e publicado pelo Município de Vila sentido de garantir a escolha, por parte ceiros institucionais, entre os quais podemos
Real4. O acesso ao acervo fotográfico do do Estado, da sua candidatura à inscrição destacar a Junta de Freguesia de Mondrões, a
Museu do Som e da Imagem, em Vila Real, na Lista de Património Cultural Imaterial Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
permitiu a recolha de variadíssima iconogra- que Necessita de Salvaguarda Urgente da ou o NERVIR – Associação Empresarial de Vila
fia, que se juntou à entretanto recolhida, que UNESCO. No dia 20 de Março foi apresen- Real, entre outros.
pretendia mostrar o processo de confecção tado na Assembleia da República o Voto
da louça preta de Bisalhães nos dias de hoje. n.º 260/XII/4.ª, de saudação à candidatu- Desta forma, foi definida a aplicação de me-
Todo o trabalho de preenchimento da ficha de ra do processo de confecção da Louça didas no que diz respeito ao apoio aos olei-
inventário do PCI foi acompanhado de perto Preta de Bisalhães à “Lista de Património ros existentes; no que concerne à educação
pelo Dr. Paulo Costa, da Direcção-Geral do Cultural Imaterial que necessita de salvaguar- e formação de novos praticantes; quanto à
Património Cultural, um dos responsáveis pela da urgente (UNESCO)”, voto esse aprovado estimulação do valor económico desta activi-
concretização do objectivo de apresentação, por unanimidade5; tinham-se já realizado dade; e no que se relaciona com o aumento
pela parte do Município, da proposta de inclu- diversas reuniões de trabalho, nomeada- de conhecimento científico e patrimonial. Pa-
são deste valioso elemento patrimonial no mente com a Direcção-Geral do Património ra a aplicação de todas as medidas previstas
Inventário Nacional do PCI. Cultural, a Secretaria de Estado da Cultura e para o cumprimento destes quatro objectivos
a Comissão Nacional da UNESCO6. globais o Município de Vila Real prevê um
Graças a um trabalho rigoroso, que incluiu, investimento de cerca de trezentos e setenta
para além do preenchimento de forma mais Avaliada a importância da manifestação cul- mil euros. A acompanhar o tipo de medidas
exaustiva da ficha de inventário, a recolha tural imaterial, bem como o avançado estado a aplicar e a sua concretização estará uma
de mais de 200 fotografias, registos de vídeo de elaboração da documentação necessária, Comissão Científica constituída para o efeito,
e a actualização da bibliografia existente, a procedeu-se à finalização do preenchimento a par de uma Comissão de Honra criada com
equipa de trabalho terminou o processo no do formulário de candidatura e à sua tradução, o duplo objectivo de garantir maior visibilidade
final do ano de 2014, com o incansável bem como de outros elementos obrigatórios para a louça preta de Bisalhães e de assegu-
apoio da equipa técnica da Direcção-Geral (de que é exemplo o registo no inventário rar um maior empenhamento político para a
do Património Cultural, tendo o Município nacional do PCI), assim como à obtenção de salvaguarda do seu processo de confecção.
de Vila Real submetido o referido processo registos fotográficos e de vídeo mais actua-
com sucesso, vendo finalmente a inscrição lizados sobre o processo de confecção da A candidatura promovida pelo Município de
no Inventário Nacional do PCI concluída em louça preta de Bisalhães. Fez-se ainda atura- Vila Real e apresentada pelo Estado Português
Março de 2015, com a publicação no Diário do trabalho de recolha de todas as iniciativas à UNESCO pode considerar-se imaculada. De
da República supra referido. concretizadas nos últimos anos, por várias facto, não foi alvo de qualquer proposta de

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5 | Feira de S. Pedro.
© João Ribeiro da Silva (2012).

rectificação ou alteração por parte do Comité


Intergovernamental que a avaliou. Esse Comité
considerou estarem verificados todos os cri-
térios de avaliação, pelo que propôs a sua
aprovação e a inclusão do processo de con-
fecção da louça preta de Bisalhães na Lista de
Património Cultural Imaterial que Necessita de
Salvaguarda Urgente da UNESCO, o que veio
efectivamente a acontecer na 11.ª Sessão do 5

Comité Intergovernamental para a Salvaguarda


do Património Cultural Imaterial, que decorreu
em Adis Abeba (Etiópia). Os próximos anos
permitirão perceber se todos os esforços rea-
lizados até agora, aliados aos que se farão no
futuro próximo, terão o resultado que se espe- RODRIGUES, João Sequeira; SILVA, João Ribeiro da (2014). – história quase verdadeira dos oleiros de Bisalhães (Vila
ra: a continuidade da louça preta de Bisalhães, Pedido de inventariação do “processo de confecção da Real)”, de Isabel Maria Fernandes (textos), Alexandra Pe-
louça preta de Bisalhães” no Inventário Nacional do dro e Isabel Marques (passatempos). Incluiu-se na expo-
feita por quem sabe, salvaguardando o méto-
Património Cultural Imaterial, Vila Real, Município de sição um videograma da autoria de Vítor Bilhete que foi
do tradicional de trabalho e a sua divulgação Vila Real (disponível em http://www.matrizpci.dgpc.pt). posteriormente editado no DVD “Olaria de Portugal: Nor-
enquanto ícone de uma região, de um país, de SILVA, João Ribeiro da (coord.) (2015). Nomination file te”, que acompanhou a exposição “Olaria do Norte de
for inscription in 2016 of “Bisalhães black pottery manu- Portugal: uma panorâmica” patente no Museu da Vila
uma Cultura. Velha em 2012, complementada com a edição do catá-
facturing process” on the List of Intangible Cultural Heri-
tage in Need of Urgent Safeguarding, Vila Real, Muni- logo “As mais antigas colecções de olaria portuguesa:
* Artigo redigido ao abrigo do antigo acordo cípio de Vila Real (disponível em http://www.unesco.org/ Norte”, também de Isabel Maria Fernandes, autora igual-
mente do livro “A Inês e a galinha pedrês que sabia con-
ortográfico. culture/ich/en/11COM).
tar até três e falava «olarês»”, ilustrado por Rita Faria e
SOUSA, Fernando de; GONÇALVES, Silva (1987). Me- com edições em português e em inglês. Todo este mate-
mórias de Vila Real (2 vol.), Vila Real, Arquivo Distrital de rial foi coordenado e comissariado por Isabel Maria Fer-
Vila Real e Câmara Municipal de Vila Real. nandes, Cláudia Milhazes e pelo Autor deste artigo, e or-
Bibliografia resumida
ganizado e promovido pelo Museu de Olaria (Município
CAMPOS, Maria Emília e CARVALHO, Duarte (1999). de Barcelos), Museu de Arqueologia e Numismática de
Bisalhães: anatomia de um povo, Vila Real, Centro Cul- Vila Real (Município de Vila Real) e pelo Museu de Alber-
tural Regional de Vila Real. NOTAS
to Sampaio (Instituto dos Museus e da Conservação),
FERNANDES, Isabel Maria (2012). As mais antigas colec- 1. São eles Manuel Martins, Cesário Martins, Sezisnando tendo obtido apoio do Programa de Qualificação de Mu-
ções de olaria portuguesa: Norte, Vila Real, Ed. Museu Ramalho, Querubim Rocha, Albano Carvalho, Jorge Ra- seus da Rede Portuguesa de Museus. Pode fazer uma
de Arqueologia e Numismática de Vila Real (Município malho e Miguel Fontes. visita virtual à exposição ou aceder ao guião da exposi-
de Vila Real), Museu de Olaria (Município de Barcelos) e 2. PARENTE, João, 2013, Idade Média no Distrito de Vila ção em http://www.mvv.cm-vilareal.pt/index.php/olaria-
Museu de Alberto Sampaio (Instituto dos Museus e Con- Real, Tomo I, Âncora Editora, pp. 561-562. -de-bisalhaes (consulta efectuada em 2016-12-11).
servação). 3. <https://dre.pt/application/file/66651949>, consulta 5. O conteúdo do voto apresentado pode ser consulta-
FERNANDES, Isabel Maria; MOSCOSO, Patrícia e CAS- efectuada em 2016-12-11. do em <http://app.parlamento.pt> (consulta efectuada
TRO, Fernando (2009). A Louça Preta de Bisalhães (Mon- em 2016-12-11).
4. A exposição “Olaria de Bisalhães: rostos de barro pre-
drões, Vila Real), Vila Real, Ed. Museu de Arqueologia to”, patente no Museu da Vila Velha entre Fevereiro e 6. A equipa de trabalho, que incluía, para além do Autor,
e Numismática de Vila Real (Município de Vila Real), Junho de 2009, foi acompanhada da edição do catálogo o Dr. João Luís S. Rodrigues e Paulo Araújo, teve o in-
Museu de Olaria (Município de Barcelos) e Museu de bilingue “A Louça Preta de Bisalhães (Mondrões, Vila Re- cansável e imprescindível apoio do Dr. Paulo Costa (DG-
Alberto Sampaio (Instituto dos Museus e Conservação). al)”, da autoria de Isabel Maria Fernandes, Patrícia Mos- PC) e da Dra. Clara Bertrand Cabral (Comissão Nacional
PARENTE, João (2013). Idade Média no Distrito de Vila coso e Fernando Castro e do caderno de exploração da UNESCO), a quem agradecemos.
Real, Vila Real, Tomo I, Âncora Editora. pedagógica “Uma menina que nasceu no meio do barro

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Opinião

Alojamento local
Berlim e outras cidades impõem limites.
Lisboa e Porto deviam fazer o mesmo.
Vítor Cóias | Presidente da Direção do GECoRPA

Em Berlim, desde maio deste ano, a exploração de habitações


inteiras como alojamento local para turistas passou a ser ilegal,
e as multas aos infratores podem atingir os 100 000 euros. De
acordo com esta lei, só podem ser destinadas a alojamento de
curta duração partes de casa inferiores a 50% da área disponível.


O estudo, feito na Alemanha antes
desta mudança da legislação, revelou que
comprar apartamentos e alugá-los a turistas –
através de agências on-line como a Airbnb e a
Wimdu – se tinha transformado num negócio
altamente rentável. Em parte como resultado
deste novo negócio, Berlim, que antes tinha
um excesso de habitações – encontra-se ago-
ra a braços com uma grave e crescente escas-
sez. As autoridades berlinenses esperam que,
com esta lei, cerca de 20 000 habitações que
estão atualmente a ser exploradas para o alo-
jamento local (AL) libertem para arrendamento
regular uma área capaz de satisfazer a procura
correspondente a um ano.

Em Berlim, a escassez de habitação não é o


único problema na origem desta alteração da
lei. Além da falta de apartamentos para arren-
damento regular, o alojamento local de turistas
1
é visto como um incómodo pelos moradores,
que se queixam de que as despedidas de sol-
teiro, os grupos barulhentos e as festas duran- rendamentos de curto prazo, usando sistemas
informáticos automatizados para monitorizar 1 | Em Berlim, as autoridades limitaram
te toda a noite degradam seriamente a quali-
drasticamente o alojamento local.
dade de vida nos bairros centrais de Berlim. a publicidade on-line. Em Amsterdão as auto-
ridades, que inicialmente procuram controlar
As medidas tomadas por Berlim estão a esten- o crescimento do AL, têm sido cada vez mais
der-se a outras cidades, como por exemplo, forçadas a reprimir este negócio. No contexto
Amsterdão, que está também atualmente em- de uma oferta de habitação para arrendamento
penhada em limitar os arrendamentos via Air- tradicional de Amsterdão, vasta, mas com pou-
bnb. Aqui, o arrendamento de apartamentos in- ca folga, a transferência, pelos proprietários, de
teiros só é permitido durante o tempo em que contratos de arrendamento regulares para o AL
os proprietários estejam de férias, situação em é vista com preocupação. Constata-se, tam-
que, de outro modo, o apartamento estaria de- bém, que o negócio se presta à fuga ao fisco e
socupado. As autoridades municipais verificam ao subarrendamento ilegal, especialmente en-
o cumprimento das regras que limitam os ar- tre os inquilinos sociais.

76 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Noutros destinos turísticos muito procurados,
como Londres, Edimburgo e Barcelona, está
em curso uma batalha entre o mercado de ar-
rendamento e as autoridades de habitação e
planeamento, as quais se encontram sob uma
pressão cada vez maior dos moradores.

Também nos Estados Unidos o AL tem vin-


do a ser sujeito a um conjunto crescente de
restrições. Em Nova York, por exemplo, não é
ilegal arrendar um quarto, mas o proprietário
deve ocupar a casa ou apartamento ao mes-
mo tempo e todas as divisões da habitação
devem estar disponíveis para serem usadas
pelo hóspede pagante. Outras cidades, como
Nova Orleãs, têm regras semelhantes e as in-
frações são severamente punidas.
2
Em Portugal a oferta para AL de apartamen-
tos ou moradias completas não depende de
qualquer tipo de licença, bastando uma co-
municação prévia à câmara municipal, e os
proprietários podem simultaneamente ter
várias habitações dedicadas a este negócio.
Em resultado, a exploração de mais e mais
habitações como alojamento local para turis-
tas nos centros históricos e zonas nobres das
principais cidades, que já ultrapassou, este
ano, as 34 mil unidades, está a traduzir-se no
despejo dos moradores tradicionais e no seu
realojamento forçado nos dormitórios subur-
banos. Um estudo recente da Associação da
Hotelaria, Restaurantes e Similares de Portu-
gal (AHRESP), mostrou que mais de metade
das habitações destinadas ao alojamento lo-
cal foram desocupadas para esse efeito. Os
moradores que ficam, tal como em Berlim,
queixam-se do excesso de ruído e do lixo.

Os responsáveis autárquicos argumentam com


o contributo do AL para a reabilitação urbana,
mas tal contributo pode ser ilusório: o estudo
da AHRESP, acima referido, mostra que são
maioritariamente obras de pequeno valor, dado 3

que metade dos inquiridos espera recuperar


em apenas um ano o capital nelas investido.
Serão, sobretudo, pequenas obras, de natureza
cosmética e reduzida durabilidade, parte delas 2 | Turismo caótico na Praça da
realizadas apenas ao nível das frações. Figueira. © Fernando Jorge
3 | O Turismo pode trazer
A expansão da oferta de alojamento turístico problemas, mas Lisboa e Porto não
o reconhecem. © Fernando Jorge
de baixo preço ao abrigo de legislação recen-
te é um dos principais fatores da massifica-
ção do turismo em cidades como Lisboa e o
Porto, mas as respetivas câmaras parecem
considerar isso bom, e mostram-se pouco
preocupadas com os efeitos que tal fenóme-
no está a ter sobre o bem-estar dos muníci-
pes e o caráter e autenticidade dos centros e
bairros históricos.

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 77


Associativismo

A SPEHC
Sociedade Portuguesa
de Estudos de História
da Construção
João Mascarenhas Mateus | Vice-Presidente da Direcção da SPEHC | geral@spehc.pt

D
esde a sua constituição em 21 de
Maio de 2015, a Sociedade Portuguesa de
Estudos de História da Construção (SPEHC)
tem vindo a desenvolver e a apoiar iniciati-
vas relacionadas com esta área do conhe-
cimento, a saber: conhecer e analisar como
se construiu numa determinada localização e
num dado momento ou período histórico. A
nível mundial, trata-se da sexta sociedade a
ser criada no âmbito desta disciplina, depois
da britânica Construction History Society –
CHS (1983), da espanhola Sociedad de Histo-
ria de la Construcción – SEHC (1997), da afi-
liada norte americana da CHS, a Construction
History Society of America – CHSA (2007), da
francófona Association Francophone d’His-
toire de la Construction – AFHC (2012) e da
germanófona Gesellschaft für Bautechnikge-
schichte (2012). Os investigadores que se de- trução reside nas sinergias decorrentes da trução “Culturas Partilhadas” (organizado pela
dicam às problemáticas históricas de como integração de diferentes disciplinas e campos Faculdade de Arquitectura da Universidade do
se construiu em Portugal e em países com profissionais. A associação conta, por isso, Porto, de 14 a 16 de Setembro de 2016). No
experiências históricas comuns, no âmbito da com investigadores, académicos e profissio- ano passado, a SPEHC organizou igualmente
administração dos seus territórios, dispõem, nais provenientes não apenas das áreas da o seu primeiro ciclo anual de conferências. O
assim, de uma associação que promove es- Arquitectura, da Engenharia Civil e dos vários segundo ciclo, a desenvolver em 2017, conta
tes interesses de investigação e que procura ramos da História, como também da Arqueo- já com um programa próprio. A SPEHC está
estabelecer relações científicas com as asso- logia, da Conservação do Património Cultural aberta a admitir como associados todos os
ciações congéneres estrangeiras. e de áreas afins da Ciência e Tecnologia. investigadores com curriculum nesta área e
profissionais relacionados com aspectos his-
De facto, a SPEHC pretende contribuir não só Entre outras iniciativas, a SPEHC apoiou a tóricos da actividade da construção em âmbi-
para o estudo histórico e integrado dos fenó- realização da “2.ª Conferência sobre História to lusófono. Convidamos os leitores da Pedra
menos das culturas construtivas, mas tam- da Construção em Portugal – Consolidação & Cal a consultarem o site online da SPEHC e
bém para a complexidade da história da acti- de uma Disciplina” (organizada pelo CIAUD a estarem atentos à sua secção de notícias e
vidade de engenheiros, arquitectos e constru- – Faculdade de Arquitectura da Universidade iniciativas em www.spehc.pt.
toras, assim como, também, para a reflexão de Lisboa no Centro de Informação Urbana
crítica dos métodos de construção de hoje. de Lisboa, 6 de Novembro de 2015) e o 2.º * Artigo redigido ao abrigo do antigo acordo
Um dos pontos fortes da história da cons- Congresso Internacional de História da Cons- ortográfico.

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Comunicado de imprensa

Revisão do Código
dos Contratos Públicos
O GECoRPA toma posição
Vítor Cóias | Presidente da Direção do GECoRPA - Grémio do Património

Os contratos de ajuste direto, a consulta prévia e a


adjudicação por lotes devem atender à especificidade
das empreitadas de reabilitação do edificado e de
salvaguarda do património cultural construído.

D
e entre os vários objetivos enuncia-
dos para a revisão do CCP atualmente em an-

O GECoRPA considera necessário contemplar
no Anteprojeto medidas claras que permitam,
teprojeto e cuja consulta pública recentemente
terminou, incluem-se alterações no procedi-
nas intervenções de reabilitação e de
mento de ajuste direto, a introdução de um
novo tipo de procedimento – a consulta pré-
salvaguarda do património cultural construído,
via – e, também, no regime de adjudicação de nomeadamente os edifícios com elevado valor
contratos sob a forma de lotes. Estas altera-
ções terão impacto na atividade de empresas histórico e artístico, já classificado ou em vias
especificamente vocacionadas para a execu-
ção de empreitadas destinadas à salvaguar- de classificação, agilizar os processos urgentes e
da estrutural e artística do património cultural
construído, para as quais, segundo o GECoRPA
– Grémio do Património, se legitimam critérios

assegurar a qualidade do resultado final.
de escolha de procedimento particulares.

O GECoRPA considera necessário contem-


plar no Anteprojeto medidas claras que per-
mitam, nas intervenções de reabilitação e de Assim sendo, esta associação recomendou c) Quanto à alteração de regime de adjudica-
salvaguarda do património cultural construído, que, nos contratos envolvendo trabalhos de ção por lotes, tais trabalhos constituam obri-
nomeadamente os edifícios com elevado valor salvaguarda estrutural e artística do patrimó- gatoriamente um lote separado.
histórico e artístico, já classificado ou em vias nio cultural construído, os monumentos e edi-
de classificação, agilizar os processos urgen- fícios históricos classificados ou em vias de O GECoRPA considera que a adoção destas
tes e assegurar a qualidade do resultado final. classificação: recomendações não só ajudará a corrigir o
atual predomínio, no tecido empresarial do
Na perspetiva do Grémio, trata-se duma área a) Quanto ao procedimento de ajuste direto, o setor, de unidades de escala demasiadamen-
de intervenção prioritária e de elevada exigên- limite contratual seja mantido nos € 150 000 te reduzida, como estimulará o aumento da
cia técnica, por isso merecedora de mecanis- atualmente em vigor; capacidade técnica das PMEs e, por essa via,
mos de contratação mais céleres e reservados b) Quanto à consulta prévia a três entidades, o valor acrescentado dos serviços por elas
a PMEs com comprovada habilitação técnica. o limite contratual seja fixado em € 500 000; prestados.

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Livros

Cais da Pedra e Cais Real


Planos Joaninos para a Marinha de Lisboa
Um novo livro sobre Lisboa e o Tejo

Autora | Alexandra de Carvalho Antunes


Editora | Canto Redondo

Capa com badanas


96 páginas, 24 ilustrações
15 x 23 cm

À venda na Livraria Virtual do GECoRPA

Para quem deseja conhecer melhor a zona cularidades como o carácter pluridisciplinar do seria construído o Cais Real - com evidentes
ribeirinha de Lisboa acabou de ser publicado estudo, que conjuga conhecimentos de áreas semelhanças com o Cais das Colunas. A nar-
um livro que narra a evolução histórica desta tão diversas como a História, o Urbanismo, a rativa sobre a construção destes cais é brilhan-
área, com um especial enfoque nos cais da Arquitetura, a História da Arte, a Arqueologia, e temente apresentada na obra, sendo referidas
Pedra do Terreiro do Paço, anteriores ao ter- a Conservação e Restauro. as obras e os planos, executados ou não, para
ramoto de 1755, e no cais Real em Belém. Em o porto de Lisboa.
Cais da Pedra e Cais Real. Planos Joaninos A história do Cais da Pedra é indissociável
para a Marinha de Lisboa, publicado pela edi- do movimento, iniciado por D. Manuel, de ex- A autora de Cais da Pedra e Cais Real. Planos
tora Canto Redondo, são apresentados docu- pansão do terreiro fronteiro ao Paço Real em Joaninos para a Marinha de Lisboa, Alexan-
mentos escritos, cartográficos e iconográficos direção ao Tejo. Foi com a transferência do dra de Carvalho Antunes, é investigadora do
que se articulam numa trama iniciada ainda Paço Real da Alcáçova para o Paço da Ribeira, ARTIS-IHA da Faculdade de Letras da Univer-
antes do reinado de D. Manuel e que termina dando origem ao até hoje chamado Terreiro do sidade de Lisboa e do GeoBioTec da Univer-
com o advento do terramoto de 1755. A auto- Paço, que se criaram as condições para o iní- sidade de Aveiro. É doutora em Arquitetura e
ra, Alexandra de Carvalho Antunes, consegue, cio da construção do Cais de Pedra. Igualmen- mestre em Arte, Património e Restauro. A sua
assim, criar uma obra que alia um grande rigor te, a intensificação da navegação mercantil, atividade profissional abrange investigação,
científico a uma escrita fluída, permitindo fácil fruto do aperfeiçoamento da tecnologia naval docência, estudos, projetos e intervenções
leitura a todos os públicos. e do aprofundamento das relações coloniais em domínios como a História da Arquitetura
entre Portugal e diferentes áreas do globo, e Construção, História Social, Caracterização
O lançamento de Cais da Pedra e Cais Real foram responsáveis pelo surgimento de uma de Materiais e Patologia e Conservação de
decorreu no dia 14 de Dezembro na Faculdade necessidade de melhoria dos meios existentes Monumentos e Edifícios Históricos.
de Letras da Universidade de Lisboa. A obra para embarque e desembarque de pessoas e
foi apresentada por Vitor Serrão, professor mercadorias, nomeadamente os equipamen- Este livro é um prelúdio para a obra monográ-
catedrático da Faculdade de Letras da Univer- tos portuários. É neste contexto que, no rei- fica sobre o Cais das Colunas, em preparação,
sidade de Lisboa, prefaciador do livro, Maria nado de D. João V, são concebidos planos e que versa sobre a Lisboa reconstruída pelo
Ramalho, presidente do ICOMOS-Portugal e projetos não só para o Terreiro do Paço, como Marquês de Pombal, D. Maria I e D. João VI e
Alexandre Sarrazola, arqueólogo da empresa para toda a Lisboa ribeirinha. Nestes se inclui a em particular o monumental embarcadouro da
Era Arqueologia. Ali, foram evidenciadas parti- zona de Belém onde, ainda antes do terramoto, Praça do Comércio.

Para saber mais sobre estes e outros livros, consulte a

10
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80 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016
O primeiro livro de histórias
Método de iniciação à leitura

Autora | Maria José Saraiva


Edição | Autor

Capa dura
80 páginas com ilustrações
16,5 x 20,5 cm

À venda na Livraria Virtual do GECoRPA

O intuito deste livro é ensinar as crianças a este tempo, transformou-se e adaptou-se às dão à aprendizagem das primeiras palavras
ler. Assim, O primeiro livro de histórias pro- mudanças de conceitos de ensino e progra- escritas. Tudo isto dá à obra um carácter qua-
cura despertar o gosto pela leitura com uma mas didáticos. se artesanal, onde a marca da autora se faz
originalidade única. A obra é resultado da lon- presente em cada página, estabelecendo uma
ga experiência de docência que teve Maria O livro foi inteiramente escrito à mão, um ma- ponte entre as gerações ensinadas há mais
José Saraiva. Foram mais de 30 anos como nuscrito no qual as ilustrações foram feitas tempo e aquelas que agora começam a dar os
professora do Magistério Primário. O método pela própria autora. Também estão presentes primeiros passos nas letras.
apresentado foi concebido ao longo de todo as lenga-lengas intemporais, que tanta graça

Como nasceu o livro? numa perspetiva pessoal resultante de muitas dé-


cadas de experiência na iniciação de leitura de
O livro nasceu da autora sentir necessidade de uti-
muitas centenas de alunos, que a tornou conhece-
lizar, nas suas aulas, um método de iniciação de
dora das dificuldades, interesses e motivações das
leitura considerado pela mesma como sendo mais
crianças. O livro levou anos a ser concluído, pois
eficaz do que os métodos tradicionais utilizados
foi sendo alterado e melhorado, com base nas res-
durante o período em que foi professora (1941-
postas e reações das crianças ao mesmo.
-1991), tendo por base um conceito, na altura, ino-
vador: a introdução de cada letra do alfabeto é as-
sociada a uma história com princípio, meio e fim, Num mundo tão tomado pelas novas tec-
mostrando um desenho (feito pela autora) relacio- nologias, qual o papel que vê para um
nado com a história, de forma a atrair a atenção livro de ensino da leitura escrito à mão?
da criança, ao contrário dos livros de iniciação de A escrita manual faz parte de nossa civilização e
leitura na altura disponíveis, onde a apresentação da identidade de nossa cultura. É consensual re-
de cada letra era feita através de sílabas soltas, conhecer-se que escrita manual melhora o nível
sem qualquer ligação. cognitivo, a memória e a criatividade das crianças.
Até há quem diga que traduz melhor o pensamen-
Foi fruto da necessidade de conceber to humano do que a escrita digital. Numa era em
um método para o ensino da leitura que as novas tecnologias dominam o mundo atual,
para ser logo aplicado à sala de aula, este livro é um desafio, na medida em que incenti-
ou foi antes um desejo de aprimorar va e estimula a escrita manual.
os métodos existentes, dando um con-
tributo mais pessoal resultante da ex-
* Entrevista concedida pela filha da autora, Teresa Lopes
periência da autora?
Silva, a quem agradecemos a amável colaboração.
Penso que resultou de um desejo de melhorar os
métodos de ensino de leitura na altura existentes,

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 81


Aconteceu

PATRIMA_2016
Congresso Ibero-Americano “Património, suas matérias e imatérias”,
LNEC, Lisboa, 2-3 de novembro de 2016
Marluci Menezes, Dória Costa, João Manuel Mimoso | Representantes da Comissão Organizadora

A realização do PATRIMA_2016 cor-


porizou um ambiente de diálogos cruzados
com a apresentação de posters. Em livro im-
presso foram publicados os resumos alarga-
processos dinâmicos e complexos, em cuja
operacionalização importa integrar a diversifi-
entre investigadores, técnicos e especialistas dos, tendo os artigos completos sido editados cação sociocultural da sociedade. Lidar com
ligados ao contexto ibero-americano e que, em CD-ROM. a complexidade induzida pelo binómio desen-
oriundos de diferentes áreas disciplinares, re- volvimento sociocultural e conservação impli-
fletiram e discutiram o Património Cultural a Os temas discutidos foram muito variados, ca necessariamente abordagens multidisci-
partir da relação entre as suas componentes desde os valores do património cultural, iden- plinares mas também o cruzamento entre a
materiais e imateriais. O Congresso, realiza- tidade e interculturalidade, tradição e inova- materialidade e imaterialidade.
do nos dias 2 e 3 de novembro de 2016, em ção, relações entre património intangível e
Lisboa, teve lugar nas instalações do Labo- património tangível, turismo, imaginários e O PATRIMA_2016 foi, assim, uma oportuni-
ratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e impacte sociocultural, memória e responsa- dade de reflexão e de interrogações sobre a
foi uma organização conjunta do LNEC (www. bilidade social, bem como as questões da natureza, os princípios de atuação e de inter-
lnec.pt), do Instituto Universitário de Lisboa conservação e transformação no património, venção no Património Cultural.
(ISCTE-IUL), nomeadamente através do Cen- do conhecimento e tomada de decisão nas
tro em Rede de Investigação em Antropologia intervenções de conservação, experiências
(CRIA-ISCTE-IUL, http://cria.org.pt) e do Cen- e critérios de classificação do património,
tro de Estudos Internacionais (CEI-IUL, http:// inventário, arquivos e novas tecnologias, po-
cei.iscte-iul.pt). líticas públicas, significados do património e
desenvolvimento sustentável, intervenção ati-
A reunião contou com a presença de aproxi- va e passiva da comunidade, acesso e aces-
madamente 250 participantes de vários paí- sibilidades ao património.
ses além de Portugal, incluindo Alemanha,
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha, Estes mesmos temas foram ainda discutidos
França, Itália, México, Suécia, Holanda e Es- de forma criativa e inovadora por um conjunto
tados Unidos da América. de seis conferencistas que analisaram temas
variados, designadamente: Alexandre Alves
Foram selecionados 200 trabalhos para apre- Costa (“Património: uma questão de senso”),
sentação e publicação. A Comissão Cientí- Carlos Fortuna (“Patrimónios inesperados:
fica, composta por vinte e oito especialistas, Resiliência e novos usos de algumas marcas
representou igualmente uma multiplicidade do passado”), Claudio Lomnitz (“México: Fan-
de áreas disciplinares e interesses distintos tasía de la familia, fantasía del estado”), Maria
acerca da questão do Património Cultural, Cátedra (“Lo inmaterial de la ciudad histórica:
contribuindo para um olhar cuidado sobre as la imagen de Evora”), Nélia Dias (“Património
tantas imatérias da matéria do Património. Na em perigo e os valores do património”) e Sal-
reunião foram apresentadas para discussão vador Muñoz Viñas (“Only the facts. Una pe-
141 comunicações orais, sendo as mesmas queña historia de las restauración moderna”).
distribuídas por um total de 33 sessões, entre-
tanto realizadas simultaneamente no decorrer A resposta a questões gerais de “O que e co-
dos dias do evento. O Congresso contou ainda mo classificar e salvaguardar” inserem-se em

82 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


Agenda

maio julho
Seg Ter Qua Qui Sex Sab Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sab Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sab Dom Seg Ter Qua Qui Sex Sab Dom Seg Ter Qua

27 28 29 30 31 1 2 3 4 5 6 7 22 23 24 25 26 27 28 29 30 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

29 e 30 de maio 2017
IPERION CH
International conference 29 e 30 de julho 2017
on the values of tangible Congresso da Reabilitação
heritage – IMaTTe 2017 do Património (CREPAT)
LNEC, Lisboa Sala de Atos da Universidade de Aveiro,
Aveiro

2 a 5 de julho 2017
MARE.17 - Materials and Techniques for the Restoration of Monuments
Compatibility, Durability, Sustainability and Economy issues in Retrofitting
Heritage Structures
Sítio Arqueológico de Dion, Universidade Aristóteles de Salonica, Grécia

IPERION CH MARE.17 - Materials Congresso da


International and Techniques for the Reabilitação do
conference on Restoration of Monuments Património (CREPAT)
the values of Compatibility, Durability, Sala de Atos da Universidade
tangible heritage Sustainability and Economy de Aveiro, Aveiro
– IMaTTe 2017 issues in Retrofitting Heritage
LNEC, Lisboa Structures Este encontro pretende juntar a
Sítio Arqueológico de Dion, comunidade nacional ligada ao sector do
património, visando um debate técnico
Esta conferência Universidade Aristóteles de e científico sobre a reabilitação do
internacional sobre os Salonica, Grécia património, que tem vindo a crescer de
valores do património forma significativa em Portugal, e suas
tangível visa o debate implicações no atual panorama turístico e
sobre os aspectos MARE.17 é um curso constitucional orientado de gestão da cidade.
tangíveis e intangíveis para o estudo de materiais e técnicas para
do Património Cultural a conservação de estruturas patrimoniais, Pretende-se que haja uma reflexão sobre
entre cientistas e com base nos princípios de compatibilidade esta temática no momento presente, de
outros profissionais que e durabilidade. O curso encontra-se aberto modo a que possam ser lançadas bases
trabalham na área. a arquitetos, engenheiros, restauradores, para o futuro.
conservadores, arqueólogos e outros cientistas
e profissionais envolvidos no restauro de Uma seleção das comunicações que irão
monumentos e de edifícios históricos. integrar este congresso será publicada na
revista “Conservar Património”, indexada
à base de dados Scopus.

Informações: Informações: Informações:


http://imatte2017.lnec.pt/ http://www.mare17.com/ http://www.ua.pt/crepat/
imatte2017@lnec.pt info.MARE17@gmail.com

P&C 61 | Julho > Dezembro 2016 | 83


Divulgação

Fórum do Património 2017


Unir as ONG em defesa da nossa herança comum

dagem demasiado economicista e de curto


Face à influência crescente sobre as prazo, suscitada pela atual situação do País.
Será dada atenção às questões do PCC
políticas públicas dos grupos de interesse desde a pequena à grande escala: casas
antigas, nobres e senhoriais, património rural
organizados que representam setores da e industrial, a aldeias tradicionais, bairros,
economia, é indispensável reforçar os centros históricos e paisagens culturais.

movimentos de cidadãos, também como Foram selecionados quatro grandes temas de

grupos de interesse organizados, sobretudo reflexão que constituem também os objetivos


específicos do Fórum:
para a defesa do bem comum e da
preservação dos valores fundamentais das I. Património e Identidade
comunidades. A salvaguarda do património Avaliar a situação do País em termos de sal-
cultural, enquanto referência identitária vaguarda do património cultural construído
procurando, em conjunto, contribuir para a
e de memória coletiva, é um dos domínios sua defesa como valor estruturante da nossa
em que esses movimentos, sob a forma de identidade e memória tangível da história de
Portugal e da nossa cultura.
organizações não governamentais (ONG)
Subtemas:
do Património, fazem todo o sentido. 1. Estado do o PCC (classificado versus não
classificado) e da paisagem.
2. Formas de intervenção no PCC.


E xiste em Portugal um número ele-
vado de organizações não governamentais
ciação Portuguesa dos Amigos dos Castelos,
a Associação Portuguesa das Casas Antigas e
II. Os desafios das ONG do
Património e como superá-los
Identificar os principais problemas e desafios
(ONG) vocacionadas para a defesa do pa- a Associação Portuguesa para a Reabilitação que se colocam às ONG do Património, de
trimónio cultural e, em particular, do Patrimó- Urbana e Proteção do Património. modo a polarizá-las em torno de objetivos co-
nio Cultural Construído (PCC)1, havendo van- muns, bem definidos. Detetar formas de juntar
tagens na coordenação dos seus esforços Finalmente, o facto de 2017 ter sido dedicado esforços para uma mais eficaz defesa do PCC
e iniciativas. A realização de um Fórum que pelas Nações Unidas ao Turismo Sustentável, e referenciar, com esta finalidade, soluções
congregue uma parte significativa dessas or- integrando-o na Agenda 2030 para o Desen- para a rentabilização dos investimentos para
ganizações e onde se discutam abertamente volvimento Sustentável, sublinha a pertinên- a sua recuperação e manutenção, incluindo o
as suas questões mais relevantes, é uma das cia e oportunidade desta iniciativa. acesso a fu undos comunitários.
formas possíveis de promover tal coordenação
e potenciar a sua capacidade de intervenção. Subtemas:
Temas de reflexão 1. Formas de atuação das ONG do Património;
É com este enquadramento que, em colabo- 2. As ONG do Património na mudança de
ração com o ICOMOS Portugal e com o seu O Fórum tem como grande objetivo pôr as comportamentos face ao Património;
apoio expresso, surge a iniciativa das cinco as- ONG do Património a falar a uma só voz a 3. ONG do Património e a Educação para o
sociações promotoras: o GECoRPA – Grémio favor da salvaguarda do património cultural Património;
do Património, que coordena, a Associação construído e da sua utilização sustentável, 4. Plataformaas de divulgação e troca de in-
Portuguesa de Arqueologia Industrial, a Asso- constituindo uma alternativa credível à abor- formação entre ONG do Património.

84 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


III. Património,
Construção e Imobiliário
Identificar possíveis formas de sensibilização
do setor da construção e do imobiliário tendo
em vista o redirecionamento da sua capaci-
dade empreendedora para iniciativas que
contribuam para a conservação e a valoriza-
ção do património.

Subtemas:
1. O PCC, público e privado, como valor a
preservar. Avaliação da situação atual;
2. O PCC como fator de geração sustentável
de riqueeza – oportunidades e riscos;
3. Formação técnica do setor da construção
na área do PCC;
4. Os perigos da turistificação.

IV. As ONG e a defesa do


Património, Público e
Privado
Definir iniciativas conjuntas, como, por exem-
plo, campanhas de sensibilização da opinião Os oradores confirmados são: Maria Calado, Destinatários
pública, elaboração e apresentação de pro- professora associada da FAUTL e doutorada
postas de alterações legislativas tendo em vis- em Arquitetura, João Caninas, doutorando e Embora os principais protagonistas do Fórum
ta melhorar a salvaguarda do PCC, quer pú- mestre em Arqueologia, Sandro Mendonça, sejam as ONG do Património que se encon-
blico, quer privado, nomeadamente através du- professor do ISCTE e diretor da licenciatura tram em atividade, esta iniciativa pretende
ma maior exigência de qualificação dos agen- em Economia do ISCTE, e Sneska Quaedvlieg- fazer chegar a sua mensagem aos decisores
tes envolvidos. Recolher e divulgar informação -Mihailovic, licenciada em Direito Internacio- políticos, a todos os parceiros dos setores de
sobre projetos lesivos do PCC e da paisagem nal, atualmente Secretária-Geral da Europa atividade que diretamente ou indiretamente
bem como sobre projetos que contribuem Nostra. envolvem o Património Cultural Construído e
para a sua valorização. Apostar na inter-rela- aos cidadãos em geral.
ção entre investimento público, retorno finan-
ceiro e recuperação do Património, nomeada- Formato e inscrição Assim, estão convidadas a participar como ob-
mente o privado. servadoras todas as entidades interessadas:
O Fórum, com a duração de um dia, terá lugar câmaras municipais de localidades com cen-
Mobilizar as escolas para a inventariação do segunda-feira, 10 de abril de 2017, e constará tro histórico, órgãos da administração regional
património menos conhecido, nomeadamen- de quatro sessões focando quatro temas, des- e central, universidades e politécnicos, ordens
te património rural, industrial e casas antigas, dobrados em 17 subtemas, em correspondên- e associações de profissionais mais diretamen-
nobres e senhoriais espalhadas pelo país. cia com os objetivos acima enunciados. te envolvidos na temática do Fórum (engenhei-
ros, arquitetos, paisagistas, conservadores-
Subtemas: As quatro sessões terão a duração máxima de -restauradores, arqueólogos), associações de
1. Legislação e intervenção no Património 1h30, separadas por pausas para café e para setores relevantes, nomeadamente da constru-
Cultural Construído; o almoço. Antes do fecho será lida uma decla- ção e do imobiliário e, finalmente, os meios de
2. Rotas do PCC menos conhecido, como o ração final. As sessões funcionarão em discus- comunicação social.
património rural, entre outros. são aberta com um moderador, sendo o tema
3. Programas e instrumentos de financiamento, previamente introduzido através de uma apre-
NOTA
incentivo fiscal e apoio técnico e cooperativo. sentação por um orador convidado.
1. A natureza, objetivos e direitos das associações de
defesa do património cultural enquanto forma de partici-
O Fórum tem como âmbito os monumentos, As ONG deverão inscrever-se antecipada- pação dos cidadãos interessados na gestão do patrimó-
conjuntos e sítios do património cultural, coin- mente nas sessões onde pretendem intervir, nio cultural encontram-se definidos no Art.º 10 da Lei n.º
107/2001 de 8 de setembro, Lei de bases da política e do
cidindo, assim, com o do ICOMOS. É, no entan- sendo limitado o número de sessões em que regime de proteção e valorização do património cultural.
to, dada particular atenção às questões do pa- o poderão fazer, assim como o número máxi-
trimónio construído desde a pequena à grande mo de ONG por sessão e o tempo máximo de
escala: casas antigas, nobres e senhoriais, pa- cada intervenção. No final de cada sessão o
trimónio rural e industrial, aldeias tradicionais, moderador resumirá os pontos principais da
bairros e centros históricos, sem esquecer os discussão e enunciará as conclusões, a ter
problemas que afetam a paisagem cultural. em conta na declaração final.

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Notícias

BNF - Biblioteca Nacional da França


reabre após seis anos de trabalhos de reabilitação
a École Nationale des Chartes e o Institut Na-
tional de l’Histoire de l’Art, instalado na majes-
tosa Sala Labrouste.
A segunda fase do projeto de renovação do
conjunto arquitetónico Richelieu-Louvois irá
estender-se até 2020 e incidir sobre o lado
da Rua Vivienne. Será criado um novo museu,
contendo uma seleção de peças emblemáticas
da coleção da BnF, um café, uma livraria e um
conjunto de salas de leitura adicionais.
Esta é a primeira renovação global do edifício,
promovida pelo Ministério da Cultura e da Co-
municação francês e orçamentada em 230
milhões de euros. Dirigida pelos arquitetos
Bruno Gaudin e Virginie Brégal, a intervenção
tem como objetivos, além de reabilitar o edifício
e os equipamentos, renovar e expandir os
serviços oferecidos ao público, afirmar o local
como pólo de excelência científica e cultural e
simultaneamente promover uma maior abertura
ao grande público, sempre colocando em
evidência o valor histórico do edifício.
1 As coleções da BnF incluem cerca de 14 mi-
lhões de livros e revistas, além de manuscri-
A Biblioteca Nacional de França (BnF) tem o fases, a primeira das quais se encontra agora tos, gravuras, fotografias, mapas, partituras,
seu berço histórico no segundo bairro de Paris. concluída. Esta primeira fase demorou seis moedas, medalhas e antiguidades. Estima-se
O conjunto arquitetónico Richelieu-Louvois, anos e dedicou-se exclusivamente ao edifício que visitem a biblioteca mais de um milhão de
que ocupa um quarteirão entre a Rue Richelieu situado junto à Rue Richelieu, que abriu re- pessoas por ano.
e a Rue Vivienne, tem sido alvo de uma ampla centemente as portas ao público. O espaço é
intervenção de reabilitação dividida em duas agora partilhado por três instituições: a BnF, Mais informação aqui.

2 4
3 5
1 | Vista exterior
da Rue Richelieu.
© Takuji Shimmura / BnF
2 | Vestíbulo Labrouste.
© Takuji Shimmura / BnF
3 | Armazém central.
À direita, a máquina
pneumática de
encaminhamento de
pedidos que esteve em
funcionamento até 1990
e foi agora renovada.
© BnF
4 e 5 | Sala Labrouste.
© Agathe Lautréamont,
2017

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Prémio IHRU para intervenção Museológico, que apresenta uma coleção de
Arte Sacra, e as galerias sobre as capelas la-

em igreja histórica de Évora


terais, que mostram uma vasta coleção de pre-
sépios oriundos de todo o mundo. Mais infor-
mações aqui.
A intervenção de recuperação e requalifica-
ção da Igreja e Convento de S. Francisco re-

Igreja de São Francisco, em Évora. © ISF


presentou um investimento de 4,2 milhões de
euros, incluindo apoios comunitários. O edifí-
cio, classificado como monumento nacional,
reabriu em Outubro de 2015, depois de um
ano em obras.
Ainda na categoria Reabilitação de Edifício, o
Júri atribuiu duas menções honrosas aos pro-
jetos da Casa do Pinheiro Manso e da Casa
Belos Ares, ambos na freguesia de Ramalde,
no Porto. Houve, ainda, duas distinções de
Prémio Especial Júri para a requalificação do
Museu Municipal Abade Pedrosa e a constru-
ção da Sede do Museu Internacional de Escul-
tura Contemporânea, em Santo Tirso, e para
a recuperação de uma habitação para turismo
no espaço rural Herdade do Carvalho, Nossa
Senhora da Vila, em Montemor-o-Novo.
A requalificação dos edifícios de Vila D’Este, em
Vila Nova de Gaia, venceu na categoria Rea-
A obra de recuperação e requalificação da O Júri, presidido pelo Arquiteto Carrilho da Gra- bilitação do Conjunto Urbano. Nesta vertente,
Igreja e Convento de S. Francisco, em Évora, ça, distinguiu 10 candidaturas num total de foi atribuída também uma menção honrosa ao
foi distinguida com o prémio IHRU na variante 52, atribuindo 5 prémios e 5 menções honro- projeto de requalificação dos edifícios do Bairro
Reabilitação de Edifício. A execução esteve a sas. A lista completa das distinções pode ser do Lagarteiro (10 a 13), na freguesia de Cam-
cargo do consórcio formado pela Monumen- consultada aqui. panhã, no Porto. Na categoria Reabilitação ou
ta, Lda., associada do GECoRPA, e a Stap, Na categoria de Reabilitação de Edifício, o pré- Requalificação de Espaço Público, o galardão
S.A. mio foi atribuído à intervenção de recupera- foi atribuído à cidade de Torres Vedras com os
Considerado o prémio mais antigo do setor da ção e requalificação da Igreja e Convento de projetos de intervenção POLIS e de requalifica-
construção e do imobiliário a nível nacional, o S. Francisco, em Évora, promovida pela Fá- ção urbana e ambiental do Choupal e Ermida.
Prémio IHRU foi assumindo ao longo da sua brica da Igreja Paroquial da Freguesia de S. Finalmente, na vertente Área de Reabilitação
existência novas configurações, decorrentes Pedro e levada a cabo pelo consórcio forma- Urbana, o júri não elegeu vencedor, mas atribuiu
das alterações do paradigma da construção, do pela Monumenta, Lda., associada do GE- duas menções honrosas à freguesia de Minde,
passando a incidir exclusivamente na área da CoRPA, e a Stap, S.A. em Alcanena (Santarém), e ao centro urbano de
reabilitação urbana. Neste contexto, o Prémio As obras contemplaram operações de conso- Condeixa-a-Nova (Coimbra). A lista completa
IHRU distingue os resultados reveladores do lidação estrutural, de recuperação de cober- das distinções pode ser consultada aqui.
domínio técnico que conduz ao exercício de turas, reabilitação de espaços, construção de Durante a cerimónia de entrega das distinções
boas práticas, abrangendo matérias como a obra nova e conservação e restauro, todas do Prémio IHRU 2016, que decorreu no dia 20
reabilitação de edifícios, a reabilitação de con- executadas em simultâneo. A intervenção en- de dezembro de 2016, foi ainda anunciada a
juntos urbanos antigos, a reabilitação de es- volveu todos os espaços da Igreja e a Capela alteração da designação do Prémio IHRU para
paços públicos e a definição de áreas de rea- dos Ossos, e teve como resultado a abertura Prémio Nuno Teotónio Pereira, homenagean-
bilitação urbana. ao público de dois novos espaços: o Núcleo do assim o percurso do notável arquiteto.

Samthiago conclui recuperação de fachadas


no Museu Nacional Grão Vasco, em Viseu
A Samthiago, associada do GECoRPA, con- tém uma relação singular entre sobriedade e
cluiu recentemente os trabalhos de recupe- monumentalidade, sobretudo através da ex-
ração de fachadas no Museu Nacional Grão tensa fachada Norte, em cujo efeito cenográ-
Vasco, em Viseu. A intervenção, adjudicada fico se configura e desenha a própria cidade.
pela Direção-Geral do Património Cultural, de- Com este trabalho, a Samthiago alarga o âm-
correu durante um período de 90 dias. bito das intervenções em Museus Nacionais,
O Museu Nacional Grão Vasco está localizado tendo já realizado trabalhos no Museu Nacio-
no centro histórico de Viseu, no antigo palácio nal Machado de Castro, Museu Nacional do
dos bispos, do século XVI, junto à Catedral. O Azulejo, Museu Nacional do Teatro e Museu
imponente edifício granítico, cujo último piso Nacional de Arqueologia.
Edifício do Museu Nacional Grão Vasco terá sido acrescentado já no séc. XVIII, man-

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Empresas associadas do GECoRPA — Grémio doPatrimónio

Grupo I Grupo IV
Projeto, fiscalização e consultoria Fabrico e/ou distribuição
de produtos e materiais

Construção de edifícios.
Conservação e reabilitação de construções antigas.

Consultoria em reabilitação do património edificado.


Inspeção e diagnóstico.
Avaliação de segurança estrutural e sísmica.
Modelação numérica avançada. Investigação, desenvolvimento e comercialização
Projeto de reabilitação e reforço. de produtos para a reabilitação e recuperação do
Monitorização. património edificado.

Grupo II
Levantamentos, inspeções e ensaios
Estudo e valorização do património histórico móvel
e imóvel. Projetos de reabilitação e de conservação
e restauro. Consultoria sobre o património cultural e
controle técnico de obras. Levantamentos técnicos
do património construído, estudo e diagnóstico
Produção e comercialização de
de anomalias para projetos de conservação e
materiais para construção.
restauro. Recuperação do património arquitetónico e
arqueológico. Intervenção de conservação e restauro
do património histórico integrado, móvel e imóvel.

Levantamentos.
Inspeções e ensaios não destrutivos.
Estudo e diagnóstico.

Fabricante de reforços de estruturas em


betão armado e alvejarias com compósitos
Grupo III de fibras. Reforço de pavimentos rodoviários,
Execução dos trabalhos. Conservação e reabilitação de edifícios. aeroportuários e portuários com malhas de fibra
Empreiteiros e Subempreiteiros Consolidação estrutural. de carbono e vidro.
Conservação de cantarias e alvenarias.

Conservação e restauro do património arquitetónico. Produção e comercialização de produtos


Reabilitação, recuperação e renovação de e materiais para o património arquitetónico e
construções antigas. construções antigas.
Instalações especiais em património arquitetónico
e construções antigas.
Engenharia, construção e reabilitação.

Engenharia e construção.
Gabinete de estudos e projetos
Reabilitação de edifícios
Restauro e conservação do património
arquitectónico construído

Projeto de conservação e restauro do património


arquitetónico.
Conservação e restauro do património arquitetónico. Conservação e restauro do património arquitetónico.
Conservação e reabilitação de construções antigas. Azulejos; cantarias (limpeza e tratamento); dourados;
esculturas de pedra; pinturas decorativas; rebocos e
estuques; talha.

Conservação e reabilitação de edifícios. Reparação e reforço de estruturas.


Consolidação estrutural. Reabilitação de edifícios.
Cantarias e alvenarias. Inspeção técnica de edifícios e estruturas.
Pinturas e carpintarias. Instalação de juntas.
Conservação e restauro de património artístico. Pintura e revestimentos industriais.

88 | P&C 61 | Julho > Dezembro 2016


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Entrevista
O futuro e o presente do património
a opinião de maria ramalho

Qualificação
Qualificação profissional na construção
revisitar o passado para projetar o futuro

Construção & Ambiente


intervenções antrópicas com “pouco encanto”
Consequências para o património

1 | P&C Nº60 | Janeiro > Junho 2016

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Ç IO Assessment of structural safety and seismic risk of buildings
C
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S P E Vistoria de edifícios e outras estruturas com identificação e registo de anomalias
N
I NS P Survey of buildings and other structures and anomaly identification and record
I
Levantamento da geometria e constituição dos elementos estruturais e fundações
Survey of geometry, layout and constitution of structures and foundations

Ensaios para caracterização da resistência e estado de conservação dos materiais e elementos estruturais
Tests for characterisation of strength and condition of materials and structural components

Inspecção, diagnóstico e projecto no âmbito de reabilitação energética de edifícios


Survey, diagnostic and design for energy rehabilitation of existing buildings

Elaboração de planos de manutenção de edifícios


Maintenance planning for buildings

Ensaio de macacos planos numa parede: Observação endoscópica do arco duma Extracção de carote na laje de cobertura de
medição de deslocamentos com alongâmetro. ponte antiga. um edifício, para caracterização do material.
Flat jack tests: measurement of strain. Boroscopic observation of the interior of a Core extraction from building’s roof layer in
masonry bridge. order to characterise the material.

DIAGNOSTICAR ANTES DE INTERVIR


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