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DURKHEIM, Émile. Capítulo XVII - Algumas formas primitivas de classificação.

In: RODRIGUES,
José A. (org.). SOCIOLOGIA. São Paulo: Ed. Ática, 1998, pp. 181-203;

Apresentação do texto: Texto escrito por Durkheim e Mauss em 1901, foi originalmente publicado
no L’anée sociologique. A edição presente foi feita a partir da tradução do texto publicado no journal
sociologique, em 1969. Nele, Durkheim continua a aprofundar o debate sobre fato social das regras
do metodo sociológico. Ele debruça-se, no entanto, sobre as representações primitivas para uma
análise complexa do fato social. Concomitantemente, com As formas primitivas de classificação é
consolidada o pensamento sociológico e antropológico francês.

Problemática: Junto com Mauss, Durkheim analisará as distintas maneiras da organização e da


estrutura social, assim como sua influência na (sócio)gênese das categorias e sistemas de organização
social e lógica de uma sociedade. Na introdução d’As formas elementares da vida religiosa, a
motivação para o estudo sobre as sociedades primitivas é encontrado. Segundo Durkheim, busca-se
a fundamentação sociológica da organização social nas sociedades primitivas.

Citações e comentários:

183 - Descreve a organização típica das tribos australianas segundo os sistemas de classificação.
Apresenta as noções de frátria, divididas entre clãs ,“grupos de indivíduos portadores do mesmo
totem”, e classes matrimoniais, cuja alcunha corresponde a restrição do matrimônio entre classes de
respectivas frátrias distintas.

184, 185 – Durkheim e Mauss explicitam a designação do conúbio entre as classes. Através dessa
noção de realização do matrimônio, são então aprofundadas as frátrias e o que constituem suas
classificações através de simbolos totêmicos. Eles resgatam as interpretações de Palmer sobre as
tribos do rio Bellinger; e de Bridgmann, Br. Smyth e Fison sobre a tribo de Port-Mackay – dividida
entre a frátria dos Yungaroo e Wootaroo. Palmer afirmaria que “Toda natureza está dividida de acordo
com a denominação das fratrias. As coisas são masculinas ou femininas, o sol, a lua, as estrelas são
homens e mulheres, e como os próprios negros, pertencem a esta ou àquela fratria” (apud. ‘Notes on
Some Australian Tribes’ J. A. I. XIII, p. 300. Cf. P. 248), enquanto para os outros a divisão entre
fratias seria “uma leia universal da natureza”. A aproximação feita à organização social natural de
tais autores é então rompida por Durkheim e Mauss. Reconhecendo a dicotomia simplista presente
em tais distinções, afirmam: “Todas as coisas estão dispostas em duas categorias que correspondem
às duas fratrias. O Sistema se torna mais complexo quando não é mais unicamente a divisão em
fratrias mas também a divisão em quatro classes matrimoniais, que servem de quadro à distribuição
dos seres.”

II

185 - “Os fatos não nos autorizam a afirmar que tal classificação seja encontrada em toda a
Austrália, nem que tenha extensão igual à da organização tribal, em fratrias, em classes matrimoniais
e em clãs totêmicos. Estamos convencidos de que se procurássemos bem, a encontraríamos sem
dúvida alguma completa ou altera, em muitas sociedades australianas, nas quais até hoje passou
desapercebida; mas não podemos prejulgar resultados de observações que não forem feitas.”

186 a 187 - Durkheim e Mauss realizam a descrição das tribos e seus respectivos totems,
denotando uma organização a partir de suas correlações animistas|primais. Totens de animais em
associação à terra, corresponderiam a fratrias desse elemento, cujo casamento não poderia ocorrer
internamente mas há uma relação de dependência e relação. As tribos pesquisadas correspondem a
ilhas entre o mar de Salomão, e o mar de Arafura, ao norte da Austrália e a sul de Papua Nova-Guiné.

187 a 189 - “A mitologia astronômica dos australianos apresenta marcas desse mesmo sistema
mental. Efetivametne, sua mitologia é, por assim dize, modelada sobre a organização totêmica. Os
nativos dizem, quase por toda a parte, que tal astro é determinado antepassado.” Logo em seguida,
afirmam que “É mais provável que se deveria mencionar para o astro, como para o indivíduo com o
qual se confunde, a que fratria, a que classe, a que clã pertence.” Estabelece-se dessa maneira, uma
correlação entre o indíviduo e sua representação cosmológica à organização social da qual deriva a
mitologia. Em seguida, os autores percorrem as classificações astronômicas entre os arunta, suas
representações inter-fratriais e a simbologia associada à “natureza”.

189 - “O que caracteriza as referidas classificações é que as idéias estão nelas organizadas de
acordo com o modelo fornecido pela sociedade. Mas desde que esta organização da mentalidade
coletiva exista, ela é suscetível de reagir à sua causa e de contribuir para modificá-la. Vimos como as
espécies de coisas, classificadas num clã, servem de totens secundários ou de subtotens; isto é, no
interior do clã, cada grupo particular de indivíduos, sob a influência de causas que ignoramos, passa
a se sentir mais especialmente em relações com tais e tais coisas que são atribuídas, de maneira geral,
ao clã inteiro. Desde que este, tornando-se muito volumoso, tenda a segmentar-se, será segundo as
linhas marcadas pela classificação que se processará a segmentação. Não se deve crer que estas
divisões sejam necessariamente o produto de movimentos revolucionários e tumultuosos. Parece, as
mais das vezes, que eles tem lugar segundo um processo perfeitamente lógico. Foi assim que, em
grande número de casos, se constituíram as fratrias, que se dividiram os clãs.”
191 - Em continuação, Durkheim e Mauss abordarão as divisões, oposições e repartições da
organização entre os clãs a partir do sistema totemico. “Enquanto os subtotens, provenientes de um
mesmo clã original, conservarem a lembrança de sua origem comum, sentirão que são parentes,
associados, partes de um mesmo todo; por conseguinte, seus totens e as coisas classificadas sob esses
totens ficam subordinados, de certa maneira, ao totm comum do clã total. Mas com o tempo, esse
sentimento se apaga. A independência de cada secção aumenta e termina por se tornar completa
autonomia. (...) Toda hierarquia desapareceu. Porém, é lícito supor que alguns traços restam ainda no
interior de cada um desses pequenos clãs. Os seres ligados ao subtotem que se modificou continuam
ser subordinados a ele.” Tal dispersão derivada da formação de subtotens e sua subdivisão contínua
significa por um aldo uma perda da organização originária e, concomitantemente, a ausência de um
sistema organizacional propriamente dito. Por outro, a expansão e dispersão da cosmologia e de traços
incompletos da sua organização.

193 - “Assim pois, se não encontramos mais entre os arunta um sistema completo de classificação,
não foi por nunca ter existido, foi porque se decompôs à medida que os clãs se fragmentaram. O
estado em que se encontra o sistema não faz mais do que refletir o estado atual da organização
totêmica dessa tribo; outra prova, pois, da relação estreita que une entre elas essas duas ordens de
fatos. O sistema, todavia, não desapareceu sem deixar traços visíveis de sua existência anterior. Já
assinalamos as sobrevivências na mitologia dos arunta. Outras mais demonstrativas foram
encontradas na maneira pela qual os seres se repartem entre os clãs. Certas espécies de coisas estão
muito frequentemente ligadas ao totem, de maneira idêntica à das classificações completas que
examinamos. É um último vestígio de subordinação.”

195 - “Finalmente, o fato de podermos, entre os arunta, encontrar a série de estados intermediários
por meio dos quais esta organização se prende, quase sem solução de continuidade, ao tipo clássico
do Monte Gambier, é uma última prova de que estamos bem diante de uma forma alterada das antigas
classificações.”

197 a 199 - Na seção final é consolidada em substrato teórico as considerações de Durkheim e


Mauss acerca da organização social e lógica nas classificações primitivas. Ela também serão
consideradas “sistemas de noções hierarquizadas”. A hierarquia lógica e a hierarquia social são aqui
vistas como correlacionadas: “E se a totalidade das coisas é concebida como um sistema único é
porque a sociedade, ela própria, é concebida como tal. Ela forma um todo (...) ela é o todo único, ao
qual tudo se liga. Assim a hierarquia lógica não é senão um outro aspecto da hierarquia social e a
unidade do conhecimento não é outra coisa senão a própria unidade da coletividade, estendida ao
universo.” (pg. 199) Continuando, haveria ainda um laço moral entre individuos do mesmo grupo –
outra abstração aplicada à dimensão da organização social presente em Durkheim.

200 - Acerca dos laços lógicos, sua construção é contínua. Porém, um excerto se revela
esclarecedor: “Acabamos de ver, como efeito, que estes laços são representados sob a forma de laços
familiares, ou como relações de subordinação econômica ou política; pode-se dizer, pois, que os
mesmos sentimentos que estão na base da organização doméstica, social, etc., presidiram também à
repartição lógica das coisas.”

201 e 202 - “O que foi exposto atrás permite compreender melhor em que consiste este
antropocentrismo, que seria chamado com mais propriedade de sociocentrismo. O centro dos
primeiros sistemas da natureza não é o indivíduo, é a sociedade. (...) Da mesma forma ainda, mas
numa outra ordem de ideias, a força criadora do universo e de tudo o que aí se encontra foi concebida
primeiramente como o antepassado mítico, gerador da sociedade. Eis por que a noção de uma
classificação lógica foi tão difícil de se formar, como mostramos no início deste trabalho. É que uma
classificação lógica é uma classificação de conceitos.” Em seguida, diferencia-se conceito de emoção.
Outra menção digna seria o resgate nesse subcapítulo das contraposições entre sagrado e profano,
presentes n’As formas elementares da vida religiosa.

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