Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo:
Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro
Nilo Batista
BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 12ª ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2011.
1
O Direito penal é a base normativa do Sistema Penal.
§ 3º - Criminologia
A criminologia vem sendo menosprezada pelos textos de iniciação ao direito penal
no Brasil, ressalta o autor. Neles ainda prevalece sua matriz positivista, segundo a qual se
trata da “ciência que estuda a etiologia do comportamento delitivo”. Tal menosprezo se deve
à tradição brasileira (na esteira de Nelson Hungria) de separar e tratar como inconciliáveis o
ser (esfera na qual atuaria a criminologia) e o dever-ser (esfera do direito penal).
A matriz criminológica positivista encara a ordem legal como ordem natural, e os
indivíduos que desrespeitam essa ordem (os delinquentes) como possuindo predisposição ao
comportamento delituoso, de modo que as “causas da criminalidade” recairiam sempre sobre
o sujeito.
Batista destaca as falhas do positivismo e aponta para o surgimento da Criminologia
Crítica, que, ao contrário da positivista, tem o próprio direito penal como o objeto de sua
análise (e não o criminoso ou as causas da criminalidade), e como finalidade desvelar suas
funções ideológicas.
§ 4º - Política criminal
Há entre a criminologia e a política criminal a relação entre a capacidade de
interpretar e a de transformar a realidade. A política criminal, nesse sentido, pode ser
definida como o conjunto de princípios e recomendações para a reforma ou transformação
da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação.
Entretanto, Batista afirma que a política criminal não deve ser pensada como simples
“conselheira” do sistema penal, buscando aprimorar sua funcionalidade repressiva. Pelo
contrário, tendo como base o fracasso da pena privativa de liberdade e de sua função
ressocializadora constatados na última década, deve funcionar mais como “conselheira da
sanção não-penal”.
O autor termina resumindo as quatro indicações estratégicas de Alessandro Baratta
para uma política criminal pensada em favor das classes dominadas: 1) adotar uma política
de substitutivos penais; 2) instituir a tutela penal em campos essenciais à comunidade,
coibindo a criminalidade econômica e financeira, contra o meio ambiente, etc., e ao mesmo
tempo contrair a incidência do direito penal; 3) pugnar pela abolição da pena privativa de
liberdade; e 4) lutar contra desinformação que atualmente molda a opinião pública, por meio
da crítica ideológica e da produção científica de informação.
§ 9º - O princípio da legalidade
O princípio da legalidade surge com a revolução burguesa, como resposta aos abusos
do absolutismo, e, a um só tempo, demarca o poder estatal enquanto espaço exclusivo da
coerção penal e protege o indivíduo desse poder, na medida em que cria limites a sua atuação.
Possui, então, uma função de garantia, pois exclui as penas ilegais, e uma função
constitutiva, uma vez que constitui a pena legal.
Batista o decompõe em quatro funções:
1) proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege praevia).
A lei penal somente retroage para beneficiar o acusado.
2) proibir a criação de crimes e penas pelo costume (nullum crimen nulla pena sine
lege scripta). Os costumes possuem uma função integrativa no âmbito jurídico-penal - como
exemplo a elucidação do que é “ato obsceno” nos arts. 233 e 234, do CP -, porém não podem
criar ou definir crimes nem agravar penas.
3) proibir o emprego da analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas
(nullum crimen nulla pena sine lege scricta). A analogia só é permitida in bonam partem, ou
seja, para beneficiar o réu.
4) proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege
certa). Os tipos penais devem ser claros e precisos, sob o risco de darem margem ao arbítrio.
§ 11 - O princípio da lesividade
De acordo com o princípio da lesividade, só pode ser castigado aquele
comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que não é simplesmente um
comportamento pecaminoso ou moral.
Batista aponta quatro funções principais desse princípio:
1) proibir a incriminação de uma atitude interna: pensamentos, ideias, convicções
não devem ser punidas, o que não significa, contudo, que o direito penal não se interessa pela
atitude interna do homem, a qual é considerada, por exemplo, na culpabilidade, no dolo e na
culpa.
2) proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor:
a autolesão não é [ou não deveria ser] punível (p. ex. suicídio, automutilação, [uso de
drogas]).
3) proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais: O direito
penal atua sobre a conduta e não sobre o ser; é [deve ser] sempre um direito do fato e não do
autor.
4) proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem
jurídico: condutas desviadas são aquelas que não constituem crime mas são fortemente
desaprovadas pela coletividade. Usar cabelo punk, barba grande, etc., não pode ser objeto de
apreciação penal.
Em seguida, o autor discorre sobre o conceito de bem jurídico e as diversas
controvérsias em torno de sua definição. Afirma que “o bem jurídico põe-se como sinal da
lesividade do crime que o nega, ‘revelando’ e demarcando a ofensa”, o que, por um lado
contribui para a limitação legal da intervenção penal e, por outro, a legitima. Situa-se,
portanto, na fronteira entre a política criminal e o direito penal.
São bens jurídicos tutelados pelo ordenamento brasileiro a vida, o patrimônio, a
honra, a fé pública, etc.
§ 12 - O princípio da humanidade
Trata-se de princípio pertencente ao âmbito da política criminal, mas positivado em
vários ordenamentos, como nos incisos III (proibição da tortura e tratamento cruel ou
degradante), XLVI (individualização da pena) e XLVII (proibição de penas de morte, cruéis
ou perpétuas), do art. 5º da CRFB.
O princípio da humanidade está vinculado ao mesmo processo histórico no qual se
desenvolveram os princípios da legalidade, da intervenção mínima e da lesividade, e busca
obter da pena uma racionalidade e uma proporcionalidade.
A pena deve ser racional no sentido de ser compatível com o humano e suas
cambiantes aspirações. Assim, não pode ser a coerção puramente retributiva, tendo em vista
que tal caráter é meio da pena e não seu fim, nem puramente negativa, como na pena de
morte, pois desse modo em nada diferiria da vingança.
A proporcionalidade, por sua vez, deriva-se da racionalidade. As penas devem ser
proporcionais, porquanto, em caso contrário, causariam mais alarme social que os próprios
delitos.
§ 13 - O princípio da culpabilidade
O princípio da culpabilidade afasta do direito penal a responsabilidade objetiva. É o
elo subjetivo entre o autor e o resultado de sua conduta, a qual somente será punível se
reprovável. Não basta que o autor, portanto, tenha causado o resultado, é preciso que ele o
tenha querido ou que para ele tenha concorrido com culpa.
Tal princípio impõe, portanto, a subjetividade da responsabilidade penal, sendo
indispensável, no direito e processo penal, a demonstração da culpabilidade que, de maneira
alguma deve ser “presumida2”.
Do mesmo modo, afirma a personalidade da responsabilidade penal, a partir da qual
se deduz o caráter intranscendente da pena (a pena é pessoal, não pode ultrapassar a pessoa
do autor e dos partícipes do crime) e o mecanismo de individualização da pena (a pena
aplicada deve considerar a pessoa concreta a que se destina3).
Nilo Batista apresenta, por fim, a atual discussão sobre a chamada co-culpabilidade,
teoria segundo a qual, no juízo de reprovabilidade da conduta, deve ser aferida a concreta
experiência social dos réus, como as oportunidades que lhes foram dadas ao longo de sua
vida, fazendo com que se considere que sua falta também é a falta do Estado e da sociedade
como um todo.
2
Exemplo: O dolo no homicídio no trânsito não se presume pelo fato de o agente estar em alta velocidade ou
ter furado sinal vermelho.
3
Ou seja, as características negativas de um dos autores, como a reincidência, não pode atingir os demais.
Para ele o estado não tem uma “faculdade de agir”, e sim o dever (indisponível e
inalienável por um lado, e limitado e vinculado por outro) de exercer o monopólio do poder
punitivo, o que são coisas completamente distintas.
Do mesmo modo, o autor refuta as afirmações de que o condenado tem a “obrigação
de sofrer a pena”, já que esta possui caráter coativo. De fato, o réu não se submete à pena,
mas é a ela submetido.
Demonstra, assim, que os conceitos de “direito subjetivo” e “obrigação” não são bem
empregados em direito penal.