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PRÊMIO INNOVARE

Concurso de monografias:
A Justiça do século XXI

Justiça Juvenil: a aplicação e a execução das medidas socioeducativas


pelos parâmetros do modelo “Risco-Necessidade-Responsividade”

Ms. MARIA CRISTINA MARUSCHI

Profa. Dra. MARINA REZENDE BAZON

2013
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RESUMO

A divulgação de crimes violentos praticados por adolescentes inflama a demanda feita


por uma parcela significativa da população pela redução da maioridade penal e
recrudescimento da aplicação de medidas privativas de liberdade, argumentando-se que
tais providências podem contribuir para a redução da violência urbana. Na realidade, as
estatísticas mostram que a internação é medida amplamente aplicada no Brasil, porém
sem resultados efetivos nos índices de reincidência. Ademais, a comparação das taxas
de internação entre Estados da Federação denota discrepâncias subjacentes aos critérios
que parecem nortear as tomadas de decisão judicial. Paralelamente, muitos estudos
científicos demonstram que a maior parte dos adolescentes se envolve em infrações,
mas somente um pequeno número implica-se em atos violentos, de forma reiterada.
Dentro disso, defende-se aqui a necessidade de dispor de ferramentas/instrumentos que
permitam identificar, com maior precisão, em meio aos adolescentes detidos, quais
efetivamente apresentam problemas sérios e para quais a internação é, de fato, uma
medida indicada. O tipo e a intensidade da medida devem ser analisados
criteriosamente, já que evidências mostram que a aplicação de uma medida inadequada,
mais ou menos severa que as necessidades do adolescente, além de não contribuir, pode
produzir efeitos negativos, na contramão do esperado. Distinguir corretamente os
adolescentes infratores, cujo comportamento representa a presença de problemas no
desenvolvimento psicossocial e denota “engajamento infracional”, daqueles que
cometem atos passageiros, próprios da fase desenvolvimental, é crucial para a
orientação da política pública na área. Além dos benefícios aos próprios adolescentes,
do ponto de vista institucional, tal distinção certamente gerará uma economia relativa
aos custos da intervenção (número de vagas no sistema socioeducativo) e um aumento
na qualidade dos serviços oferecidos. Esse entendimento tem levado países que
pesquisam há mais tempo o problema a reduzir a discricionariedade facultada ao Poder
Judiciário na aplicação das medidas socioeducativas, pautando as decisões em
instrumentos de avaliação sistematizados. Esses conseguem: 1. Indicar, com bom nível
de sensibilidade e especificidade, a necessidade ou não de aplicação de medidas de
caráter judicial, tendo como base a avaliação do nível risco de reincidência infracional,
a partir da identificação ou não de fatores associados ao problema; 2. subsidiar as
tomadas de decisão sobre o tipo e a intensidade da medida mais adequada a cada caso;
3. apontar aspectos a serem trabalhados no programa de execução da medida
socioeducativa, concernindo tanto dificuldades quanto recursos psicossociais,
fundamentais ao processo de intervenção. Esses instrumentos se ancoram em um
modelo denominado Risco-Necessidade-Responsividade. Acredita-se que a Justiça
Juvenil Brasileira, do século XXI, pode gradativamente incorporar os preceitos do
referido modelo, de modo a tornar mais consistente as tomadas de decisão, a
implementação e a avaliação do plano de atendimento individual previsto no Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo, inclusive, em complementação ao modelo da
Justiça Restaurativa.

Palavras-chave: Delinquência Juvenil; Adolescente / Legislação & Jurisprudência;


Avaliação.
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ABSTRACT

The disclosure of violent crimes committed by adolescents ignites the demand made by
a significant portion of the population by the reduction of the age of criminal
responsibility and recrudescence on the application of custodial measures, arguing that
those measures can contribute to the reduction of the urban violence. In fact, the
statistics show that placement is a widely applied measure in Brazil, however, with no
effective results in the indices of recidivism. Moreover, the comparison of the
placement rates among the states of the Federation denotes underlying discrepancies to
the criteria that seem to guide the judicial decision-making. At the same time, many
scientific studies show that most of the adolescents are involved in infractions, but just a
small number implies in violent acts, in a repeated way. In addition, it is argued here the
need of providing tools/means that allow us to identify, with greater precision, among
the placement adolescents, which ones effectively present serious problems and which
one of them the placement is, indeed, an indicated measure. The type and the intensity
of the measure must be criteriously analyzed, since evidences show that the application
of an inadequate measure, more or less severe than the necessities of the adolescent,
besides not contributing, can have negative effects, against expectations. To distinguish
correctly the offender adolescents whose behavior represents the presence of problems
in the psychosocial development, and denotes “engagement offense”, from the ones
who commit transitory acts, characterized by the developmental phase, it is crucial for
the orientation of public policy in the area. Besides the benefits to the adolescents
themselves, from the institutional point of view, such distinction will certainly generate
savings on the costs of placement (number of vacancies in the socio-educational
system) and an increase in the quality of the offered services. This understanding has
led countries that investigate the problem for a longer period, to reduce the discretion
provided to the Judiciary in the application of the socio-educational measures, basing
their decisions in systematized assessment tools. Those can: 1. indicate with a good
level of sensibility and specificity the necessity or not of applicating judicial character
measures, based on the evaluation on the level of recidivism offense risk starting from
the identification or not on the factors associated to the problem; 2. Support the
decision-making about the type and intensity of the most appropriated measure for each
case; 3. Pointing out aspects to be worked in the execution program of socio-
educational measure, concerning both, difficulties and psychosocial resources,
fundamental to the process of placement. Those means are anchored in a model called
Risk-Need-Responsivity. It’s believed that the Brazilian Juvenile Justice, of XXI
Century, can gradually incorporate the principles of this model, in order to make the
decision-making more consistent, the implementation and evaluation of individual
treatment plan foreseen in the National System of Socio-educational Care, including,
complementing the model of Restorative Justice.

Keywords: Juvenile Delinquency; Adolescent/Legislation & Jurisprudence; Evaluation.


3

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 04

2 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................... 08


2.1 A aplicação de medidas socioeducativas pela Justiça Juvenil: problematizando
os critérios subjacentes às tomadas de decisão no Brasil ........................................ 08
2.2 O engajamento infracional .................................................................................. 10
2.3 O modelo Risco-Necessidade-Responsividade (RNR) ........................................ 12
2.4 Considerações sobre a avaliação do engajamento infracional e do nível de risco
de reincidência ............................................................................................................. 16
2.5 As possibilidades de combinar o modelo RNR e os princípios da Justiça
Restaurativa ................................................................................................................. 19

3 PROPOSTAS PARA A JUSTIÇA DO SÉCULO XXI NA ÁREA DO


ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI ........................................................ 21
3.1. Na avaliação do adolescente envolvido em ato infracional ............................... 21
3.2 Na avaliação do plano de atendimento individual previsto pelo SINASE ........ 22
3.3 Como modelo complementar à Justiça Restaurativa ......................................... 23

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 24

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 26
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1 INTRODUÇÃO

A violência urbana, especialmente a de natureza criminal, resulta em elevado custo


humano e financeiro para as sociedades. O medo que ela produz aflige
indiscriminadamente pessoas de todos os níveis socioeconômicos, provoca pânico e
insegurança. Nesse panorama, o envolvimento de adolescentes em atos infracionais, no
Brasil, é destacado como um componente significativo do problema, o que fomenta
discussões acerca do tratamento jurídico dispensado aos jovens. A comoção frente às
notícias de crimes violentos por eles praticados faz aumentar a pressão para a redução
da maioridade penal e pelo recrudescimento de medidas privativas de liberdade, a serem
aplicadas aos adolescentes, e alimenta o discurso e as ações de representantes da
população no Legislativo e no Executivo, com vista ao atendimento dessa demanda.
A situação reedita argumentos de outrora, fundamentados numa “[...] visión
pseudo-progresista y falsamente compasiva de un paternalismo ingenuo de carácter
tutelar, cuanto la visión retrógrada de un retribucionismo hipócrita de mero carácter
penal represivo [...]”, conforme assinala Méndez (2006, p. 11), em total dissonância
com o que é preconizado pela lei vigente, o Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA (1990), que rompeu há mais de duas décadas com o modelo tutelar do antigo
Código de Menores (1979), bem como com o modelo penal indiferenciado, anterior,
pelo qual crianças e adultos eram tratados de modo equivalente.
Alinhando-se às proposições esboçadas no ECA, é importante frisar que a
abordagem do fenômeno da prática de delitos por adolescentes pela perspectiva
científica não dá suporte à defesa de propostas baseadas essencialmente na punição. Ao
contrário, com base em uma produção de conhecimento altamente especializada, pode-
se argumentar que, além de ineficaz, em alguns casos, a mera repressão ou privação de
liberdade, per si, contribuem para a exacerbação do comportamento infracional
(ANDREWS; BONTA, 1994/2010; LOWENKAMP; LATESSA, 2004; SHERMAN;
STRANG, 2004).
Por esse prisma, destaca-se ainda que não só a privação de liberdade mas também a
aplicação de medidas socioeducativas mais severas que as necessidades do adolescente
podem ter efeito negativo, ao passo que a aplicação de medidas aquém das necessidades
do adolescente pode retardar o início de uma intervenção especializada, o que,
eventualmente, pode contribuir para o agravamento do problema, resultando, no futuro,
na necessidade de aplicação de medidas mais controladoras e mais prolongadas,
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portanto, mais rigorosas (ANDREWS; BONTA, 1994/2010). O desafio, portanto, é


ajustar a medida que deve ser essencialmente educativa (e não punitiva) às necessidades
do adolescente.
Afirma-se, também, que mais importante que o delito cometido pelo adolescente
importa aferir seu nível de “engajamento na conduta infracional”, sendo esse o conceito
central sobre o qual devem pautar-se as reflexões e as ações jurídicas e sociais
concernindo-o, sendo ele função de um processo desenvolvimental que pode resultar
num padrão comportamental que envolve a prática mais ou menos persistente de delitos.
Se, para a grande maioria dos jovens, a prática de delitos refere-se à emissão de um
comportamento ocasional, que não corresponde a engajamento (ainda que o delito seja
grave), o engajamento, propriamente, pode ocorrer na própria adolescência, para um
subgrupo que se encontra exposto a um conjunto de fatores específicos que atuam no
sentido de aumentar a probabilidade de o comportamento se repetir (FRÉCHETTE; LE
BLANC, 1987; MOFFITT, 1993; PATTERSON; YOERGER, 1997).
Tais assertivas assentam-se em pesquisas implementadas sob a perspectiva da
Criminologia Desenvolvimental (FRÉCHETTE; LE BLANC, 1987; MOFFITT, 1993;
ANDREWS; BONTA, 1994/2010; PATTERSON; YOERGER, 1997), as quais
permitiram trazer à luz a existência de certas formas (padrões) de conduta infracional,
cruzando elementos como quantidade, diversidade, continuidade e gravidade dos
comportamentos delitivos. O conhecimento gerado propiciou o estabelecimento dos
conceitos de “delinquência comum” e de “delinquência distintiva”. O comportamento
infracional ocasional, geralmente de pequena ou média gravidade, inserido em um
contexto de vida de respeito às leis e às regras sociais, é o que se convencionou chamar
de “delinquência comum”. Um comportamento caracterizado pelo cometimento de
infrações em frequência mais elevada, de gravidade média a alta, passou a ser
denominado “delinquência distintiva”. Esse padrão comportamental, em função do qual
se observa uma trajetória de desenvolvimento da conduta infracional, no tempo, quando
limitado ao período da adolescência remeteria a uma “delinquência de transição”. Já um
padrão comportamental caracterizado por início precoce, apresentando uma estabilidade
que se mantém por mais de 10 anos, sendo a atividade infracional muito frequente e
diversificada, envolvendo geralmente delitos contra a pessoa, que se agravam com o
tempo, remeteria a uma “delinquência persistente” (FRÉCHETT; LE BLANC, 1987).
Esta caracterizaria um grupo de adolescentes com efetivo engajamento infracional e
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que, por isso, deveria ocupar a posição central nas reflexões, concernindo ao tratamento
sociojurídico a eles dispensado.
Além da identificação e da descrição das trajetórias da conduta delituosa, o foco das
investigações implementadas nessa perspectiva teórico-metodológica é a identificação
das condições que sustentam uma trajetória persistente, com vistas à possibilidade de
predizer a emergência e/ou o agravamento desta, para os indivíduos expostos a tais
condições, em comparação a indivíduos da população em geral. Na terminologia da
área, tais condições são denominadas “fatores de risco”, sendo estes definidos por
Werner e Smith (1992) e Garmezy (1983, citado por MRAZEK; HAGGERTY, 1994)
como “características, variáveis ou eventos que, se presentes para um dado indivíduo,
aumentam a probabilidade de ele desenvolver um problema, se comparado a outro da
população geral”.
A produção científica nessa linha conta com a colaboração de pesquisadores em
várias partes do mundo, o que concorre para que o conhecimento já produzido seja
suficientemente robusto, assentado em centenas de pesquisas, e tenha gerado certos
consensos. As investigações realizadas em países como a Inglaterra, o Canadá e os
Estados Unidos, por exemplo, verificaram que a “delinquência persistente” refere-se a
uma parcela reduzida de adolescentes, contando com cerca de 5% da população de
jovens apenas (ainda que, no Judiciário, tal subgrupo esteja quase sempre super-
representado), e os principais fatores de risco associados à persistência do
comportamento infracional são os mesmos, transcendendo as diferentes configurações
socioculturais.
Essa base tem possibilitado a elaboração de alguns modelos para orientar a
avaliação e o tratamento (acompanhamento) de adolescentes em conflito com a lei.
Neste trabalho destaca-se o modelo denominado de Risco-Necessidade-Responsividade
– RNR, proposto por Andrews e Bonta (1994/2010), considerando que o mesmo tem
sido amplamente utilizado na Justiça Juvenil, em diferentes países como Inglaterra, País
de Gales, várias partes dos Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia, denotando sua
pertinência e aplicabilidade para além dos limites do país em que teve origem, o
Canadá.
Em síntese, o referido modelo foi proposto com o objetivo de auxiliar os operadores
do Direito na avaliação do risco de reincidência e das necessidades dos adolescentes,
com vistas a identificar o programa de tratamento (socioeducativo) mais adequado em
cada caso e a auxiliar na elaboração de um plano de intervenção ajustado. Ou seja, mais
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do que apontar o nível de risco, o modelo indica os fatores que, para um determinado
adolescente, sustentam a conduta infracional e devem ser o foco da intervenção. Com
relação ao fator responsividade, preconizado também no modelo, esse remete a
características de personalidade, habilidades e estilo de aprendizagem que devem ser
considerados, com vistas a maximizar a adesão ao programa e a favorecer as
aprendizagens (aquisições) que o adolescente deve fazer no contexto da intervenção.
Considera-se que tal modelo de avaliação e reabilitação harmoniza-se com as
diretrizes traçadas para área no ECA e está presente nas normativas internacionais que
preveem que as avaliações para as tomadas de decisão quanto às medidas
socioeducativas devem contemplar uma análise completa sobre o meio social, as
circunstâncias de vida do jovem e as condições em que ocorreu a prática da infração,
garantindo a satisfação de suas necessidades e a proteção de seus direitos básicos.
Também a Lei 12.594/2012 que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE) estabelece normas para o fluxo de atendimento do
adolescente, autor de ato infracional, e reitera a necessidade da elaboração de um plano
individual de atendimento (PIA), pela instituição responsável pela execução das
medidas socioeducativas, como forma de garantir o atendimento das necessidades do
jovem, no âmbito da Justiça.
Assim, os apontamentos calcados numa produção científica de ponta, especializada
no fenômeno da prática de delitos na adolescência, não contradizem o marco jurídico
vigente no Brasil; pelo contrário, o endossam e dão sentido (orientação) a determinados
dispositivos contidos na lei.
Portanto, tendo como pano de fundo o panorama acima delineado, o presente
trabalho tem o objetivo de discutir sucintamente o conceito de “engajamento
infracional” e os modos de aferição do mesmo, bem como o de apresentar o modelo
RNR e defender sua utilidade como método auxiliar às avaliações para a tomada de
decisão à aplicação de medidas socioeducativas e à avaliação do PIA, previsto no
SINASE, situando-o, inclusive, como modelo complementar ao da Justiça Restaurativa.
A meta é fornecer subsídios para a reflexão dos operadores do Direito sobre a
importância de dispor de referências empiricamente fundamentadas à operacionalização
de determinados dispositivos da lei, bem como à realização das avaliações indicadas na
área do adolescente em conflito com a lei.
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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 A aplicação de medidas socioeducativas pela Justiça Juvenil: problematizando


os critérios subjacentes às tomadas de decisão no Brasil
Apesar de o Brasil ter sido o primeiro país latino-americano a aprovar uma
legislação inovadora para a Justiça da Infância e Juventude, mais de 20 anos depois,
ainda são muitos os desafios a serem vencidos. A política de atendimento à infância e
juventude e, mais especificamente, ao adolescente em conflito com a lei, apesar dos
dispositivos legais contidos no ECA no que se refere à operacionalização, está ainda
longe de atingir um nível razoável, como bem descreveu Konzen (2006, p. 344-345).
[...] O assunto é cercado de paradoxos. A crítica do custo elevado na
parelha da pouca visibilidade e transparência. Há lugares de uma
internação sedizente em estabelecimento educacional, mas, de fato,
sinônimo de um mero depósito de jovens sem perspectiva. A prestação
jurisdicional na execução, às vezes, não passa de um ensaio subjetivista
e discricionário, uma forma para cada juiz, um roteiro para cada caso, a
solução ditada por critérios de conveniência e de oportunidade,
influenciada pelo humor do momento. Os programas, sem inscrição,
sem capacidade de gestão qualificada, sem proposta educacional,
solados e sistemicamente desintegrados, abandonados ou meros
organismos auxiliares ou serviçais da jurisdição, sem autonomia e
responsabilidade. Insuscetíveis sequer de controle externo, uma vez que
a atividade supostamente pedagógica que lhes diz respeito carece de
fundamentação, de espaço físico adequado, de recursos humanos e
financeiros. Uma atividade sob o manto da obscuridade, na sombra da
falta de respeito à condição humana do adolescente. As experiências
positivas ainda não têm a sinergia suficiente para iluminar o caminho e
para contaminar a resistência às transformações.

Nesse panorama, no presente trabalho, coloca-se em destaque a discricionariedade


na aplicação das medidas socioeducativas, não raro subsidiadas pelas enormes
diferenças e disparidades que as avaliações dos adolescentes infratores, realizadas pelos
técnicos que assistem o Sistema de Justiça, implementam.
Uma simples análise do Levantamento Nacional de Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente em Conflito com a Lei (2011) revela que o uso de critérios pouco
sistematizados para a tomada de decisão resulta, na prática, em diferenças significativas
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na forma e no rigor com que se aplicam as medidas socioeducativas. De acordo com


essa fonte, o Brasil possuía 8,8 adolescentes em cada 10.000, com idade entre 12 e 18
anos, cumprindo medida de privação de liberdade. Esse número varia de 1,2 adolescente
para cada 10.000, no Estado do Maranhão, a 29,6 para cada 10.000, no Distrito Federal.
O Estado de São Paulo, terceiro com maior número de adolescentes cumprindo medida
privativa de liberdade, com 17,8 adolescentes a cada 10.000, segundo Gianella (2011),
tinha em números absolutos, mais adolescentes privados de liberdade que a soma de
todos os países da América Latina. Isso implica em dizer que o uso desse recurso no
Estado é, aproximadamente, dez vezes maior que a média dos países da América Latina.
Entre as hipóteses apontadas pelo próprio documento, para a imensa disparidade
observada nas medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes infratores, estão as
diferenças na forma de organização da ação policial, no número de vagas disponíveis
para internação, nas diferentes percepções e significados do ato infracional, na pressão
social mais ou menos importante em um ou outro local, considerando também a
influência dos meios de comunicação, além da cultura judiciária, mais ou menos
enraizada, em função da qual se recorre com naturalidade à internação e coloca-se em
dúvida a qualidade e a efetividade das outras medidas, especialmente as executadas em
meio aberto.
Tais dados reforçam a ideia de que os critérios utilizados na aplicação de medidas
socioeducativas não se baseiam completamente nas indicações constantes no ECA, no
que respeita à consideração das necessidades dos adolescentes, tampouco no princípio
de que as decisões sejam proporcionais às circunstâncias do infrator e da infração (item
5.1 das Regras de Beijing, 1985). Ademais, induzem à reflexão sobre a efetividade das
medidas socioeducativas em relação à proposta de proteção integral, ao atendimento às
necessidades do adolescente e sua reintegração à sociedade.
Em alguns países em que se pesquisa e se discute a avaliação de infratores há mais
tempo, a ciência contribui para a superação da discricionariedade desmedida, no sentido
de promover a implantação de sistemas em que a coleta e a interpretação de
informações sobre o jovem obedecem a determinados padrões e são sistemáticas. As
avaliações visam a auxiliar juízes e promotores nas tomadas de decisão, de modo a que
ajustem a medida judicial às dificuldades e às necessidades do jovem, levando em
conta, inclusive, o princípio da excepcionalidade da privação de liberdade, inerente à
Doutrina da Proteção Integral que subjaz as legislações dos países que respeitam a
Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente (1989).
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2.2 O engajamento infracional


Distinguir a “delinquência distintiva” da “comum”, ou seja, os adolescentes
infratores cujo comportamento representa a presença de problemas significativos no
desenvolvimento psicossocial, e denota “engajamento infracional”, daqueles que
cometem atos passageiros, próprios da fase desenvolvimental, é um aspecto crucial para
a orientação da política pública na área (CASTRO; CARDOSO; AGRA, no prelo).
Ademais, essa prática traz benefícios aos próprios adolescentes na medida em que têm
sua necessidade de intervenção jurídica e psicossocial mais bem apreendida, para além
do delito em razão do qual entraram em contato com a Justiça, porque os profissionais
que devem tomar decisões sobre o encaminhamento dos mesmos e os que devem
empreender intervenções de acompanhamento socioeducativo, nessa ótica, dispõem de
mais elementos para raciocinar (PICHÉ, 2006). Do ponto de vista institucional, tal
distinção certamente gera uma economia relativa aos custos da intervenção (número de
vagas no sistema socioeducativo) e um aumento na qualidade dos serviços oferecidos
(BERTINI; ESTEVÃO, 1986).
A “delinquência distintiva” engloba o constructo “engajamento
infracional/criminal”, o qual se refere ao nível de estabilidade da conduta delituosa no
repertório do jovem e remete aos processos relacionados à manutenção da conduta
delituosa no tempo (CARRINGTON; MATARAZZO; DE SOUZA, 2005; ZARA;
FARRINGTON, 2009; PIQUERO et al., 2010). Nessa linha, vale reiterar que as
pesquisas indicam que um percentual elevado de adolescentes pratica infrações (em sua
maioria, pouco sérias), mas que apenas alguns poucos adolescentes se engajam em uma
trajetória persistente, tendo iniciado o percurso também com infrações de natureza leve,
mas que, com o tempo, se intensificam em número e em gravidade (FRÉCHETTE; LE
BLANC, 1987; MOFFITT, 1993; ANDREWS; BONTA, 1994/2010; MUN; WINDLE;
SCHAINKER, 2008).
Dispor de um método criterioso de avaliação do “engajamento infracional” dos
adolescentes é, portanto, um ponto crítico na Justiça Juvenil. Há décadas, em diversos
países da Europa e da América do Norte, esse desafio tem sido enfrentado com o auxílio
de instrumentos desenvolvidos especialmente no campo da Criminologia, os quais
compõem estratégias de investigação baseadas no método da autorrevelação
(FARRINGTON, 2001; BARBERET et al., 2004; CASTRO; CARDOSO; AGRA, no
prelo).
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O método da autorrevelação, ou da Delinquência Autorrevelada, conforme


denominação mais recorrentemente encontrada na literatura, consiste em fazer um
levantamento junto aos jovens e perguntar-lhes diretamente – de forma privativa e de
maneira não estigmatizante – sobre o seu possível envolvimento em comportamentos
antissociais e infracionais, para além dos atos que, eventualmente, foram registrados
oficialmente – delinquência oficial (BARBERET et al., 2004).
Por vezes criticado, tendo em vista a validade dos dados que aporta,
principalmente em função da suscetibilidade à “desejabilidade social”, Rico (1977 apud
PANOSSO, 2008) defende o método da autorrevelação, visto que o fenômeno da
delinquência juvenil “[...] constitui-se em objeto de estudo difícil de ser investigado
com base em dados oficiais, na medida em que é sabido que grande parte de práticas
ilícitas não se torna conhecida pelo sistema de justiça [...]”.
Na verdade, o método da Delinquência Autorrevelada vem sendo utilizado
sistematicamente desde os anos de 1940 e aprimorado de modo a se mostrar cada vez
mais válido e fidedigno (FARRINGTON, 2001; BARBERET et al., 2004). Com base
em uma revisão da literatura sobre o método, Thornberry e Krohn (2000) apontam a
existência de muitos estudos com altos índices de fidedignidade e que, apesar de os
escores variarem de acordo com os itens inclusos nos questionários, é comum obter
coeficientes superiores a 0,80. Na mesma análise, os autores indicam que o critério de
validade é igualmente robusto. Assim, ele tem sido considerado o melhor método para
obter informações sobre o nível de engajamento infracional de um adolescente, o que
concorreu para que uma grande quantidade de estudos privilegiasse o mesmo (ver
FARRINGTON, 2001; VASSALO et al., 2002; BARBERET et al., 2004;
FARRINGTON et al., 2006; PIQUERO et al., 2010).
Agências de fomento e órgãos de segurança dos Estados Unidos, Canadá,
Inglaterra, Portugal, Alemanha e outros países, reconhecendo a importância em ampliar
o conhecimento sobre a delinquência, têm investido maciçamente em estudos por
intermédio da aplicação desse método (ver FARRINGTON, 2001; LOEBER et al.,
2008). Na verdade, grande parte do conhecimento do qual se dispõe, hoje, acerca da
delinquência juvenil e suas peculiaridades, foi e vem sendo produzido por estudos que
utilizam questionários de autorrevelação (THORNBERRY; KROHN, 2000;
FARRINGTON, 2001; FARRINGTON et al., 2006; BOERS et al., 2010).
No plano individual, este é, também, o método mais utilizado para coletar
informações sobre comportamentos divergentes e a história delitiva de um adolescente,
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no sentido de, efetivamente, entender a evolução do seu comportamento e identificar o


padrão de sua conduta infracional (FARREL et al., 2000).

2.3 O modelo Risco-Necessidade-Responsividade (RNR)


Andrews e Bonta (1994/2010) descrevem brevemente a história da evolução das
práticas de avaliação implementadas junto a adolescentes em conflito com a lei e
indicam que, inicialmente, essas eram feitas por profissionais treinados em ciências
sociais que entrevistavam os jovens de maneira relativamente não estruturada. O uso de
testes psicológicos, embora possível, era opcional e variava de profissional para
profissional; dados de prontuários também eram analisados, mas os dados valorizados
dependiam do discernimento de cada profissional; ao final do processo, chegava-se ao
julgamento em relação à probabilidade de o indivíduo voltar a infracionar e a
necessidade de tratamento. As características subjetivas das avaliações resultavam em
dois problemas: o uso de critérios informais para a tomada de decisões e a possibilidade
de o profissional ocupar-se, por vezes, de características do infrator que podiam não
estar relacionadas com o comportamento criminal.
Devido à necessidade de aprimorar e tornar confiável a avaliação dos adolescentes,
sobretudo em termos de risco de reincidência, de modo a dar suporte às decisões
relativas à medida judicial a ser aplicada, estudiosos passaram a trabalhar para
desenvolver instrumentos de avaliação de risco baseados fundamentalmente no método
atuarial, ou seja, em técnicas especializadas de análise de riscos que utilizavam
conhecimentos da matemática e da estatística. Embora mais objetivos e empiricamente
sólidos, esses instrumentos assentavam-se exclusivamente na análise de fatores de risco
históricos ou estáticos, ou seja, em fatores sobre os quais não se intervém, na medida
em que não são maleáveis (modificáveis), tais como idade, número e tipo de medida
judicial anterior, etc. As análises baseadas nesses instrumentos atuariais, ainda que
conseguissem prever com certa precisão os riscos de reincidência, não forneciam dados
sobre as necessidades a serem trabalhadas para reduzir os riscos de reincidência.
Ademais, não consideravam o fato de os adolescentes, uma vez admitidos no sistema,
viverem acontecimentos e experiências suscetíveis de modificar tais riscos
(ANDREWS; BONTA, 1994/2010; HANNAH-MOFFAT; MAURUTTO, 2003).
As críticas a esse sistema concorreram para a elaboração de uma nova geração de
instrumentos de avaliação de risco, tendo em vista o desafio de suplantar as limitações
apontadas na proposta anterior, na medida em que passaram a incluir de forma
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sistemática e objetiva fatores de risco dinâmicos (ou seja, os suscetíveis à intervenção),


juntamente aos fatores estáticos. Os instrumentos tornaram-se, então, sensíveis a
mudanças, decorrentes de vivências e experiências vividas pelos jovens no sistema de
reabilitação, e passaram a fornecer informações sobre quais fatores deveriam ser objeto
de intervenção, com vistas a reduzir a probabilidade de reincidência.
Na sequência, outra e mais avançada geração de instrumentos desenvolveu-se,
tendo por norte a meta de contemplar não só a aferição de risco, mas de estabelecer
claramente uma ponte entre a avaliação e a gestão do “caso”, uma vez que, mais do que
aderir ao conceito de risco e de necessidades criminogênicas, reconheceu-se a
importância de avaliar o papel das forças/recursos pessoais na formação de uma
orientação pró-social, os chamados fatores de responsividade, com o objetivo de
maximizar os benefícios da intervenção e orientar a oferta de uma monitoria estruturada
e especializada ao caso, do início ao fim (ANDREWS; BONTA, 1994/2010; BONTA;
ANDREWS, 2007).
No escopo dessa quarta geração de instrumentos, encontra-se a proposta de
Andrews e Bonta (1994/2010), ancorada no modelo que denominaram de Risco-
Necessidade-Responsividade (RNR), cujo interesse maior é o de fornecer subsídios para
o desenvolvimento de programas de prevenção e de tratamento, centrando a atenção nos
fatores de risco ativos, ou seja, aqueles mais propriamente relacionados à probabilidade
de repetição do comportamento. Esse é apontado por alguns autores como o modelo
mais influente para avaliação e tratamento de infratores, na atualidade (BLANCHETTE;
BROWN, 2006; WARD; MESLER; YATES, 2007).
Os autores situam o modelo numa Teoria Geral da Personalidade e na Teoria da
Aprendizagem Cognitiva Social da Conduta Criminosa (ANDREWS; BONTA,
1994/2010), baseando-se, por conseguinte, em dois pressupostos principais. O primeiro
refere-se à causa da atividade infracional do jovem, remetendo a uma complexa rede de
variáveis pessoais e circunstanciais que interagem entre si, o que implica em diferenças
no número, tipo, seriedade e variedade de atos antissociais e ilícitos em que as pessoas
se engajam, em termos de trajetória de desenvolvimento da conduta infracional. O
segundo princípio refere-se à convicção sobre o fato de ser possível a intervenção com
jovens considerados expostos aos riscos associados ao comportamento infracional,
desde que respeitadas certas condições, em particular o foco da intervenção que deve ser
suas necessidades criminogênicas.
14

O objetivo principal do modelo é, assim, oferecer referência para a combinação dos


níveis de intervenção com o nível de risco de reincidência, buscando o estabelecimento
de uma ponte entre a avaliação e o efetivo tratamento. Os principais conceitos do
modelo teórico são: princípio de risco, necessidades criminogênicas e responsividade,
os quais serão brevemente definidos a seguir.
O princípio de risco é definido pelas características da pessoa e circunstâncias que a
envolvem, associadas ao aumento na probabilidade de reincidência no comportamento
infracional. Esse conceito, segundo os autores, envolve dois aspectos principais: o
primeiro deles é o fato de ser possível predizer o comportamento, embora não
perfeitamente; o segundo aspecto, essência do conceito de risco, refere-se ao fato de o
conceito envolver a ideia de combinar níveis de intervenção com os de risco,
estabelecendo uma ponte entre a avaliação e a reabilitação. Combinar níveis de
intervenção e risco implica considerar que, para um adolescente que apresenta um alto
risco de manter o comportamento infracional, a intensidade e a extensão dos serviços de
ajuda devem ser maiores, diferindo de um adolescente com baixo risco, quando a
intervenção deve ser reduzida ou, em alguns casos, até mesmo dispensada.
Andrews e Bonta (1994/2010) definiram as dimensões de risco a serem
consideradas na avaliação, baseando-se nas evidências quanto aos principais fatores
associados à emergência e à persistência da conduta infracional. Pelos estudos de meta-
análise, os fatores com associação mais robusta com a persistência da conduta
infracional são: (1) atitudes, valores, crenças e racionalizações antissociais que servem
de suporte ao comportamento infracional, ou simplesmente, a “cognição antissocial; (2)
associação estreita a pares envolvidos em atividades ilícitas e relativo isolamento de
pares pró-sociais; (3) envolvimento precoce e contínuo em numerosos e variados atos
antissociais, em uma variedade de cenários (a delinquência autorrevelada); (4)
personalidade/comportamento caracterizado pela busca do prazer, fraco controle dos
impulsos, baixa autoestima, agressividade e insensibilidade.
Os fatores com associação de força mediana são: (5) problemas na disciplina e/ou
cuidados e na monitoria e/ou supervisão dos pais em relação aos filhos e na qualidade
da relação afetiva pai/filho, mãe/filho (vínculos familiares); (6) baixo nível de
desempenho e de satisfação na escola e/ou trabalho, dificuldades no relacionamento
com amigos e professores, comportamento disruptivo e ausência reiterada na escola; (7)
pouco envolvimento e satisfação em atividades de lazer estruturadas, orientadas por
adultos e de natureza pró-social; (8) abuso de álcool e outras drogas.
15

Com vistas a aferir de forma mais precisa os níveis de risco, Andrews e Bonta
(1994/2010) indicam ainda a importância de considerar outros fatores, destacados na
literatura, que funcionam como moderadores dos efeitos dos fatores apontados, ou seja,
fatores correlacionados ao comportamento infracional, mas sem impacto direto sobre o
mesmo, sendo a sua ação, no tocante ao aumento da probabilidade do cometimento de
atos infracionais, dependente da interação com outros fatores. A título de exemplo, um
desses fatores é o nível socioeconômico. A característica de pertencer a uma família que
possui baixo status socioeconômico, não raro, implica em viver em regiões com altos
índices de criminalidade, favorecendo a exposição à violência, o que, em seu turno,
pode resultar em insensibilidade aos comportamentos agressivos e, em combinação com
adversidades no plano individual, familiar, escolar e na relação com pares, pode
aumentar a suscetibilidade para o crime (FERGUSSON; SWAIN-CAMPBELL;
HORWOOD, 2004; KIMONIS et al., 2008; MEIER et al., 2008). Outro fator
moderador que pode ser citado é a inteligência verbal que, em interação com a
adversidade familiar significativa, pode predizer o comportamento infracional de início
precoce (GIBSON; PIQUERO; TIBBETS, 2001; MC GLOIN; PRATT, 2003).
Com relação às necessidades criminogênicas, essas remetem aos fatores de risco
dinâmicos, entendidos aqui como os fatores passíveis de intervenção que, quando
modificados, estão associados a alterações na probabilidade de reincidência infracional,
ou seja, os fatores relacionados a atitudes e à orientação antissocial; associação com
pares envolvidos em atividades divergentes; padrão de personalidade antissocial;
problemas de supervisão, disciplina e relações afetivas na família; dificuldades no
ambiente escolar; tempo livre sem atividades de lazer estruturadas e abuso de álcool e
outras drogas.
Tendo por base apontamentos feitos por Andrews e Bonta (1994/2010), ressalta-se
que outras necessidades, não criminogênicas, também são dinâmicas; porém, sua
associação com a conduta infracional é fraca ou nula. Nessa perspectiva teórica, e em
consonância com os princípios de proteção integral da juventude, considera-se que os
adolescentes em conflito com a lei também têm direito a uma alta qualidade de serviço
voltado à satisfação dessas outras necessidades (as não criminogênicas), porém esse
atendimento não deve ser o foco de um programa de reabilitação (socioeducativo). Essa
distinção é fundamental quando se pensa em uma intervenção que decorre da aplicação
de uma medida de responsabilização judicial. O serviço oferecido nesse contexto deve
ter como objetivo reduzir a probabilidade de reincidência e, nesse sentido, a intervenção
16

deve focar os fatores de risco associados ao comportamento infracional, ou seja, as


necessidades criminogênicas, ao passo que o atendimento às necessidades não
criminogênicas devem ser sempre alvo de serviços ligados às políticas públicas
universais.
Quanto ao princípio da responsividade, conforme adiantado, esse faz referência à
consistência do programa de intervenção com vistas à adequação à personalidade, às
habilidades e ao estilo de aprendizagem do adolescente em acompanhamento.
Habilidade de leitura, autoestima, nível de ansiedade e motivação para o tratamento são
exemplos de fatores de responsividade que incluem também os fatores protetivos
(pontos fortes/recursos) como maturidade emocional, interesse em esportes,
receptividade ao apoio oferecido pelos adultos, entre outros. Esses fatores, embora não
necessariamente relacionados à atividade criminal, são relevantes para indicar como o
jovem reage a diferentes tipos de intervenção, já que a adesão do adolescente ao plano
de intervenção é fundamental na redução do risco de reincidência.
A responsividade, quando analisada em conjunto com os fatores de risco, aumenta a
validade preditiva da avaliação realizada. Levar em conta as características relativas à
responsividade possibilita verificar a interação entre fatores de risco e de proteção e, no
plano da intervenção, possibilita focar investimentos no reforço dos aspectos positivos.
Dentro desse quadro teórico, o resultado positivo quanto à redução da reincidência
para infratores de alto risco, no entanto, é alcançado somente quando a intensidade dos
serviços oferecidos for correspondente ao risco, lembrando que níveis intensivos de
serviços para infratores de baixo risco, por exemplo, têm efeito mínimo e podem ser até
mesmo negativo (ANDREWS; BONTA, 1994/2010; LOWENKAMP; LATESSA,
2004; SHERMAN; STRANG, 2004; BONTA; ANDREWS, 2007).

2.4 Considerações sobre a avaliação do engajamento infracional e do nível de risco


de reincidência
Em que pese o problema ético e a resistência de alguns profissionais no que se
refere às práticas científico-profissionais relativas à predição de problemas humanos,
não é possível ignorar que, em relação às demandas judiciais, a partir do momento em
que o jovem é considerado autor de ato infracional, ele é avaliado e decisões que afetam
de maneira radical a sua vida são tomadas, sendo que isso, no Brasil, tem sido feito sem
a orientação clara de referenciais teórico-metodológicos, por meio de métodos mais ou
menos sistemáticos.
17

Assim, é muito mais ético e tecnicamente produtivo fazê-lo com base em


referenciais robustos do ponto de vista científico e explicitamente elaborados para a
orientação dessa atividade. A essa altura, não se pode negar que inúmeros estudos
epidemiológicos e longitudinais têm mostrado a possibilidade de predizer o
desenvolvimento de determinadas problemáticas psicossociais, a partir de indicadores
consistentes de risco, o que oferece pistas relevantes para a prevenção e a intervenção
(KERNBERG; WEINER; BARDENSTEIN, 2003). No caso específico da avaliação do
risco para um adolescente autor de ato infracional, o histórico de três décadas de
pesquisas em torno dos fatores associados à persistência da conduta infracional
disponibilizou evidências irrefutáveis que sustentam a habilidade atual de prever a
reincidência infracional com bastante precisão, sendo que tal avaliação, quando bem
conduzida, tem o potencial de aferir e administrar o risco de violência futura e, mais do
que isso, pode também ter um importante papel na prevenção da violência (LAVOIE;
GUY; DOUGLAS, 2009).
É importante destacar que a identificação correta dos adolescentes cuja infração foi
um ato isolado, inerente ao período de desenvolvimento, e a daqueles cujo
comportamento infracional parece descrever uma trajetória persistente possibilita
diferenciar adolescentes que necessitam ou não de atendimento especializado, o que
pode evitar a judiciarização de uma parcela significativa de adolescentes.
Conforme já se adiantou, independentemente do ato infracional cometido,
adolescentes sem engajamento infracional preocupante, além de não se beneficiar da
medida socioeducativa, podem ser negativamente impactados com os procedimentos
institucionais que geram rotulação e contextos específicos de socialização no âmbito das
agências de controle.
A propósito, os impactos dos programas de intervenção para a redução dos índices
de reincidência infracional têm sido objeto de muitas pesquisas. Entre elas destaca-se a
síntese de sete estudos de meta-análise de pesquisas realizadas com adolescentes
infratores e adultos inseridos em programas correcionais. Os resultados convergem em
relação à efetividade do tratamento intensivo para redução dos índices de reincidência
para adolescentes avaliados com tendo alta probabilidade de reincidência infracional, o
que não se verifica em relação a adolescentes com baixo nível de risco. Ao contrário,
um estudo realizado no Estado de Ohio – EUA, com adolescentes infratores internados,
concluiu que o uso da privação de liberdade para adolescentes avaliados como
18

apresentando baixo risco associava-se ao aumento nos índices de reincidência desses


(LOWENKAMP; LATESSA, 2004).
Em resumo, os dados mostram que os programas que são capazes de reduzir a
reincidência, para adolescentes avaliados como apresentando probabilidade alta de
novos envolvimentos infracionais, aumentam a probabilidade de reincidência se
aplicados a adolescentes avaliados como apresentando baixo risco. Tal constatação
justifica o fato de a avaliação de risco ser considerada hoje como imprescindível para
um trabalho eficaz de ressocialização do adolescente em conflito com a lei
(SHERMAN; STRANG, 2004; LOWENKAMP; LATESSA, 2004).
Nesse sentido, vale citar uma pesquisa exploratória realizada no Brasil com um
instrumento de avaliação de risco-necessidade-responsividade pertencente à quarta
geração, denominado Youth Level Service / Case Management Inventory (YLS/CMI) –
Avaliação de Nível de Serviço / Gestão de Caso (HOGE; ANDREWS, 2005). Esta teve
como objetivo verificar a capacidade preditiva de risco de reincidência do referido
instrumento, quando utilizado junto a adolescentes brasileiros envolvidos em algum tipo
de ato infracional, em período de 6 a 12 meses após avaliação. Apesar de o instrumento,
de origem canadense, não ter sofrido nenhum tipo de adaptação à realidade em estudo,
os resultados indicaram um nível de sensibilidade (capacidade de proceder à
identificação correta de adolescentes que reincidiram) de 76,9%, considerado ótimo,
bem como de especificidade (capacidade de exclusão correta dos adolescentes que não
reincidiram) de 66,7%, também bastante significativo, destacando-se que 100% dos
adolescentes classificados no nível de risco baixo, de reincidência, de fato não voltaram
a infracionar no período avaliado, de acordo com as informações disponibilizadas no
Cartório da Infância e Juventude da Comarca em que foram recrutados (MARUSCHI;
ESTEVÃO; BAZON, 2012).
Outro dado da referida pesquisa, que merece destaque na presente discussão, é o
fato de, na amostra, predominar adolescentes que não tinham histórico oficial de
infração anterior e, apesar disso, 75% deles terem sido avaliados como apresentando
risco moderado, alto ou muito alto, no tocante à probabilidade de reincidência, o que
significa que estariam expostos a fatores associados à persistência do comportamento
infracional. Partindo da proposta do modelo RNR, de associar nível de risco com nível
de intervenção, é possível afirmar que esses adolescentes deveriam se beneficiar de
intervenções focadas especificamente nos fatores de risco em que pontuaram, de modo a
19

que a exposição prolongada a esses fatores não implicasse no agravamento do


problema.

2.5 As possibilidades de combinar o modelo RNR e os princípios da Justiça


Restaurativa
A proposta do modelo de Justiça Restaurativa como alternativa de resolução de
conflitos na Justiça da Infância e Juventude, cujos princípios estão contemplados pela
nova Lei 12.594/12 – SINASE, recomenda, com prioridade, “as práticas ou medidas
que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas”
(artigo 35, § e III).
Todavia, em consonância à Resolução 2002/12 da ONU, Princípios Básicos para
Utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal, é importante
destacar que, assim como em relação às tomadas de decisão sobre quaisquer outras
medidas socioeducativas previstas pelo ECA, a utilização do processo restaurativo
também deve ser precedido de uma avaliação do adolescente, acrescida, no caso, da
avaliação dos requisitos exigidos para sua utilização.
Reforçando tal necessidade, pode-se citar o exemplo do Reino Unido, onde é rotina
o uso da avaliação de risco do adolescente infrator do ponto de vista da segurança do
processo restaurativo. A referida avaliação visa a identificar se há algum risco na
promoção do encontro entre vítima e ofensor nos casos em que, apesar da admissão da
culpa, o ofensor tenha dificuldade no controle da raiva, ou haja a possibilidade de culpar
a vítima por tê-lo provocado, por exemplo. Também, nos casos em que há a
possibilidade de o ofensor vir a negar a responsabilidade, o processo restaurativo não é
indicado porque a experiência mostra que nessa situação é muito difícil alcançar uma
resolução satisfatória para a vítima (SHERMAN; STRANG; NEWBURY-BIRCH,
2008).
Outro exemplo, ainda, refere-se aos casos em que há indicação para o processo
restaurativo, embora esses remetam a situações de maior gravidade (adolescentes
apresentam nível de engajamento infracional significativo e exposição maciça aos
fatores de risco associados à reincidência). Nessas situações, segundo Latimer, Dowden
e Muise (2005), outras abordagens complementares precisam ser utilizadas na
reabilitação do ofensor, uma vez que o processo restaurativo por si não contempla
satisfatoriamente fatores associados ao comportamento infracional como, por exemplo,
o fato de o jovem ter pares antissociais, apresentar problema de uso abusivo de drogas,
20

viver em locais com maior propensão ao crime, ter atitudes e orientações antissociais ou
fatores de personalidade, familiares, escolares e de trabalho, associados ao cometimento
de delitos. Para esses autores, embora o processo restaurativo seja muito adequado para
aumentar o sentimento de satisfação da vítima e do ofensor, é o processo de reabilitação
que tem real impacto na redução da probabilidade de reincidência do jovem.
Esse mesmo raciocínio é defendido por Bonta (2006). O autor ressalta que, nos
casos mais sérios, os problemas que o ofensor apresenta precisam de tratamento e
sugere que os profissionais que trabalham com a justiça restaurativa estejam treinados
para saber os tipos de intervenção mais efetivos ao adolescente, autor de ato infracional,
propondo, para essa tarefa, que se lance mão de instrumentos de avaliação capazes de
identificar as necessidades de atendimento em cada caso. Cabe esclarecer que a
capacidade de considerar a “vítima” e colocar em posição de levar em conta sua
“satisfação”, vista pelo prisma do modelo RNR, é um aspecto compreendido no fator de
responsividade, ou seja, um aspecto do processo de reabilitação que, apesar de não estar
relacionado diretamente à atividade criminal, seria relevante para a gestão do caso, uma
vez que favorece o comprometimento do jovem com as medidas propostas e assumidas
por ele, durante o acompanhamento socioeducativo.
A bem da verdade, tal proposta está perfeitamente em acordo com a essência dos
princípios da justiça restaurativa, pois essa, a rigor, prevê que o atendimento às
necessidades do adolescente, autor da infração, implica também em benefício para a
vítima e para a comunidade como um todo.
21

3 PROPOSTAS PARA A JUSTIÇA DO SÉCULO XXI NA ÁREA DO


ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

De maneira geral, propõe-se a incorporação dos conceitos de engajamento


infracional e o modelo teórico RNR, na avaliação e na aplicação das medidas
socioeducativas a adolescentes que se envolvem na prática infracional.
Especificamente, as diferentes formas de utilização dos princípios de RNR para a
Justiça Juvenil serão enumeradas e discutidas a seguir.

3.1. Na avaliação do adolescente envolvido em ato infracional


O Ministério Público é responsável pela primeira oitiva do adolescente, esta ainda
informal, uma vez que é a partir da oitiva que o promotor manifesta-se pelo
arquivamento ou pela remissão pré-processual que implicam na exclusão do processo,
ou pela representação do adolescente à autoridade judiciária (Art. 180 – ECA). Nessa
fase de atendimento do adolescente, além de considerar o ato infracional em razão do
qual o adolescente foi trazido pela polícia, e as circunstâncias no qual ocorreu, seria
fundamental ao promotor de justiça dispor de informações sobre o nível de engajamento
infracional do adolescente, no sentido de indicar se o comportamento do adolescente em
questão remete a um ato isolado/ocasional ou a mais um ato numa trajetória que se
assevera persistente. Se persistente, pelo modelo RNR, poder-se-ia, ainda, oferecer
informações sobre os fatores de risco aos quais o adolescente está exposto e o
consequente nível de risco de novos envolvimentos infracionais, em curto prazo.
É preciso considerar que, tal qual a aplicação indiscriminada da medida de
internação, pelos juízes, sem que se saiba se ela é de fato ajustada ou não às
necessidades dos adolescentes, a dispensa de muitos deles, nessa etapa, baseada tão
somente na apreciação do delito cometido, representa também um enorme equívoco,
conforme já mencionado, tendo por base a pesquisa realizada em nosso contexto
sociocultural (MARUSCHI, ESTEVÃO, BAZON, 2012). Uma parte dos adolescentes
trazidos pela primeira vez à Justiça, muitas vezes por delitos considerados pouco graves,
tem, quando avaliados em termos de risco e necessidades, alguns aspectos a serem
trabalhados e, por essa razão, requerem intervenção especializada, no quadro de uma
medida de natureza judicial (portanto, coercitiva), com vistas a evitar o aprofundamento
no engajamento infracional, tanto no plano da frequência (atinente à prática de novos
atos infracionais, num futuro breve) quanto no do agravamento do comportamento
22

(atinente à prática de outros atos infracionais de maior gravidade, no sentido de


comportar violência direta contra a pessoa humana).
A avaliação, realizada a partir da perspectiva teórica de risco, necessidade e
responsividade, possibilita, por um lado, nessa etapa, identificar adolescentes que
precisam e podem se beneficiar de algum tipo de medida socioeducativa, impedindo,
por outro lado, que aqueles cujo ato infracional foi um fato isolado, característico do
período desenvolvimental, sejam expostos aos efeitos negativos da instauração de uma
representação na Justiça da Infância e Juventude.
Além de identificar quais adolescentes devem receber atenção, a avaliação, tal qual
esboçada, auxilia também na identificação de qual medida socioeducativa seria a mais
adequada, bem como a amplitude (duração) e a intensidade do programa de intervenção
para cada adolescente, contribuindo também com informações importantes para a
elaboração do plano de atendimento individual (PIA), previsto no capítulo IV da Lei
12.594/2012 – SINASE.
A título de informação adicional, esse modelo de avaliação é denominado
“avaliação pré-decisional” em países como Estados Unidos (SCHWALBE, 2008),
Canadá (HANNAH-MOFFAT; MAURUTTO, 2003; CORRECTIONAL SERVICE
CANADA, 2008), Austrália (MALLER; LANE, 2002), Inglaterra e País de Gales
(NATIONAL PROBATION SERVICE, 2003).

3.2 Na avaliação do plano de atendimento individual previsto pelo SINASE


O artigo 52 do SINASE prevê que “o cumprimento das medidas socioeducativas,
em regime de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou
internação, dependerá do PIA, instrumento de previsão, registro e gestão das atividades
a serem desenvolvidas com o adolescente.” O referido plano é de responsabilidade da
equipe técnica do programa de atendimento socioeducativo (art. 53) e deverá ser
encaminhado à autoridade judiciária que dará vistas ao defensor e ao Ministério
Público, com a possibilidade de este último requerer a realização de qualquer avaliação
ou perícia que entender necessária para complementação do Plano, desde que
fundamentada, podendo a autoridade judiciária indeferir o pedido, se entender
insuficiente a motivação (art. 41).
Entende-se que, independente das abordagens teóricas adotadas pelos diversos
programas de atendimento socioeducativo, o objetivo maior das ações implementadas é
o da interrupção da trajetória infracional do adolescente. Para tanto, parece
23

incontornável o fato de o programa ter de focar os fatores de risco que estão associados
à persistência infracional, considerando que são eles, segundo as inúmeras pesquisas
realizadas, os responsáveis por sustentar a conduta no tempo.
Entende-se que tais dados podem contribuir para a identificação clara da relação
que deve existir entre as necessidades criminogênicas do adolescente e o atendimento
destas pelo plano de atendimento proposto pelo serviço.

3.3 Como modelo complementar à Justiça Restaurativa


Como citado anteriormente, acompanhando as políticas de atendimento ao
adolescente, autor de ato infracional, em várias partes do mundo, o SINASE avança no
sentido de estabelecer como um dos princípios norteadores da execução das medidas
socioeducativas a “prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre
que possível, atendam às necessidades das vítimas.” (art. 35, III). Para tanto, é
importante, seguindo a Resolução 2002/12 da ONU, a identificação dos casos em que
há indicação e possibilidade da aplicação do processo restaurativo, respeitadas as
diretrizes apontadas, entre as quais a segurança das partes.
Nessa linha, entende-se que a utilização do modelo de Justiça Restaurativa, tanto
quanto a aplicação de qualquer outra medida socioeducativa, deve ser precedida de uma
avaliação do adolescente, no tocante ao seu nível de engajamento na conduta infracional
e no de exposição aos fatores de risco que sustentam tal conduta. A essa se acresce a
avaliação dos requisitos para a aplicação do processo restaurativo. Nos casos mais
sérios, em especial, em que houver indicação para o referido processo, quando forem
identificados problemas que necessitam de intervenção, a avaliação realizada poderá
contribuir com a identificação dos programas mais adequados para o atendimento das
necessidades do adolescente, suprindo as limitações do modelo restaurativo.
24

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se pensar, a partir da legislação vigente no Brasil, que a aplicação de medida


socioeducativa para um adolescente que se envolveu em ato infracional pode ter
objetivos diversos, como a responsabilização, a reabilitação e a restauração. Para atingir
tais objetivos, o ECA prevê uma série de medidas que vai de uma simples advertência
até a internação em unidade de atendimento socioeducativo, além do meio alternativo
de resolução de conflitos, pelo modelo restaurativo, como proposto pelo SINASE.
Como discutido, porém, a simples aplicação de uma medida não necessariamente
implica na redução do risco de reincidência, podendo essa, inclusive, ter efeito contrário
ao esperado (ANDREWS; BONTA, 1994/2010; LOWENKAMP; LATESSA, 2004;
SHERMAN; STRANG, 2004).
É possível afirmar, resumidamente, que os adolescentes diferem no nível de
engajamento infracional, para alguns transitório e para outros persistente, sem se
esquecer daqueles cujo envolvimento infracional faz parte de um processo normativo
específico, a adolescência. Também, a exposição aos fatores que sustentam a conduta
infracional, seja ela transitória ou persistente, difere para cada um dos adolescentes.
Além dessas variáveis, as diferenças se estendem para o número, tipo, seriedade e
variedade das infrações praticadas.
Diante dessa complexa rede de variáveis que envolvem o fenômeno da prática de
delitos por adolescentes, não é possível pensar em soluções simples ou única para
resolver o problema. As necessidades dos adolescentes são específicas, e a aplicação de
medidas socioeducativas, tanto quanto a implementação do programa responsável pela
execução das mesmas, precisa considerar tais diferenças. O ato infracional pode até ser
o mesmo, mas as motivações para a prática, as características e as necessidades do
adolescente podem ser muito diferentes e exigir, portanto, intervenções específicas, seja
no tipo de medida, na amplitude desta e mesmo na abordagem, que a rigor deveria ser
adaptada às características de personalidade, às habilidades e ao estilo de aprendizagem
do jovem.
O modelo RNR pode ter especial valor na identificação da medida socioeducativa
mais adequada ao atendimento das necessidades criminogênicas do adolescente e,
diante da possibilidade de adesão dos programas de execução de medidas
socioeducativas aos princípios de risco/necessidade/responsividade, a contribuição pode
ser ampliada, uma vez que a avaliação feita na fase pré-decisional pode fornecer
25

elementos importantes para a elaboração do plano individual de atendimento do


adolescente (o PIA).
Diante do exposto, embora respeitando o fato de ser facultada “uma margem
suficiente para o exercício de faculdades discricionárias nas diferentes etapas dos
processos e nos distintos níveis da administração da Justiça da Infância e da Juventude”
(Regras de Beijing, 1985), não se pode deixar de apontar que os países que têm obtido
resultados positivos (redução da reincidência), em relação ao problema da delinquência
juvenil, são aqueles em que as decisões e as intervenções nesse campo são solidamente
fundamentadas em teorias e métodos cientificamente testados e adaptados a cada
realidade. Em meio aos modelos que são oferecidos como referência nessa área, o RNR
é citado como um dos mais influentes (BLANCHETTE; BROWN, 2006; WARD;
MESLER; YATES, 2007).
Nessa linha, entende-se que o investimento em pesquisas que tenham como meta
subsidiar a Justiça da Infância e Juventude na complexa tarefa de conter a escalada de
violência a que a sociedade assiste é fundamental para a adequação dos programas de
atendimento para os jovens que já estão engajados em uma trajetória infracional
(prevenção secundária) e também para a formulação de políticas públicas para crianças
e adolescentes em situação de vulnerabilidade (prevenção primária). Nessa empreitada,
a experiência positiva de outros países permite argumentar que o investimento no
modelo RNR seja considerado com especial atenção.
26

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