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LIGA DE MEDICINA ESPORTIVA – IOT/HCFMUSP


BASES DO TREINAMENTO ESPORTIVO
CONFERENCISTA
Paulo Roberto Santos Silva
(Fisiologista do Exercício)
Lab.Estudo Mov./IOT- HCFMUSP

INTRODUÇÃO

O treinamento esportivo é um processo organizado com base em princípios


científicos que estimula modificações fisiometabólicas e morfológicas aprimorando o nível
de aptidão funcional. De modo simples, podemos definir treinamento esportivo como sendo
o espaço de articulação entre a carga (estímulo) de esforço e a adaptação. Deste modo, a
teoria do treinamento esportivo nada mais é do que a caracterização da carga, da adaptação
e da articulação entre elas. Contudo, é importante salientar, que a medicina esportiva trouxe
um grande avanço para compreensão melhor dos mecanismos envolvidos na superação de
limites que até então pareciam impossíveis. Nas últimas décadas os testes funcionais
ganharam conteúdo científico, o suporte metodológico possibilitou potencializar qualidades
e trabalhar deficiências com uma maior precisão. Portanto, foi com essa visão que a ciência
direcionou a atividade física e sobretudo o esporte de alto rendimento para saltos
qualitativos jamais imagináveis. Houve uma intersecção do conhecimento utilizando a
ferramenta tecnológica. Podemos dizer, então, que a tentativa e erro do passado viraram
como num passo de mágica pesquisa, e o ponto central desta evolução foi a
individualização. Sendo assim, não faz nenhum sentido a separação entre teoria e prática,
pois a arrogância científica dos teóricos e a auto – suficiência dos práticos é uma questão
destituída de qualquer sentido lógico. Deve haver pois, competência científico –
pedagógica, cada vez mais os práticos devem ter uma formação teórica mais sólida e os
teóricos experiência prática maior, uma participação mais efetiva no terreno das atividades
realizadas em campo. Somente assim, essa ligação mais estreita permitirá a formulação de
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teorias e uma melhor organização de procedimentos e métodos científicos melhor


conduzidos.

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE ASPECTOS METODOLÓGICOS DO


TREINAMENTO ESPORTIVO.

Qualquer modalidade de treinamento é desenvolvido com base em alguns princípios


previamente estabelecidos.

1) Princípio da sobrecarga: a carga ou estímulo tem de ter um certo grau de intensidade


para que a adaptação seja ascendente.

2) Princípio da reversibilidade: as adaptações provocadas pela carga ou estímulo são


transitórios.

3) Princípio da retardabilidade: o efeito das adaptações provocado pela carga não é


imediato.

4) Princípio da especificidade: diferentes cargas provocam diferentes níveis de


adaptações.

5) Princípio da estabilização: o não incremento de carga provoca a manutenção da


adaptação.

6) Princípio da individualidade: o respeito a esse princípio significa que o estímulo não


deve ultrapassar os limites fisiológicos do indivíduo.

Basicamente o treinamento esportivo é dividido em três períodos ou fases:


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1) Período Preparatório ou básico: é a fase inicial de preparação geral objetivando


capacitar os diversos sistemas orgânicos para suportar um determinado ritmo durante o ano
competitivo. É um suporte fundamental para enfrentar o desenvolvimento das necessidades
específicas da modalidade praticada.

2) Período Competitivo ou específico: é o treinamento desenvolvido para potencializar as


necessidades específicas da modalidade. Nesse período procura – se dar ênfase ao esforço
característico da modalidade. Procuramos direcionar o treinamento para a situação real da
competição.

3) Período Transitório ou Perda: é uma fase de perda relativa ou diminuição momentânea


do nível de aptidão desenvolvido nos períodos básico e sobretudo no específico. Quando
ocorre a completa cessação das atividades de treinamento os efeitos negativos sobre as
perdas são mais intensas. Sendo assim, verifica – se uma diminuição expressiva dos valores
relacionados a atividade funcional externa traduzida pela menor capacidade de resistência,
força, velocidade, flexibilidade e da eficácia das habilidades motoras específicas. Essa
interrupção provoca a alteração de respostas fisiológicas importantes como: diminuição da
potência aeróbia máxima (VO2max.), do limiar anaeróbio por medida de lactato ou pelo
método ventilatório, diminuição da capacidade metabólica oxidativa motivada por redução
da atividade das enzimas oxidativas e do teor de glicogênio nas fibras musculares. Também
no exercício submáximo, verifica – se aumento da resposta de frequência cardíaca,
ventilação pulmonar, quociente respiratório (VCO2/VO2), equivalente ventilatórios de
oxigênio e de dióxido de carbono (VE/VO2 e VE/VCO2), aumento na concentração de
lactato muscular, a força e a atividade elétrica do músculo sofrem diminuição acentuada
com o destreino verificado nesse período. A composição corporal também é afetada, pois
verifica – se aumento da porcentagem de gordura e o peso da massa gorda em relação a
massa magra. Portanto, um período transitório completamente passivo e prolongado poderá
conduzir o indivíduo à ocorrência da “síndrome de abstinência do exercício “ cujos os
mecanismos ainda não são completamente conhecidos. Normalmente, a duração do
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período de transição pode variar entre duas e oito semanas. Convém o atleta não
parar completamente suas atividades nesse período. Recomenda – se que o treinamento
diminua aproximadamente 1/3 do volume realizado na fase preparatória ou básica.

REGRAS DE TREINAMENTO ESPORTIVO (RELAÇÃO VOLUME VS.


INTENSIDADE)

1) Período Preparatório: volume maior; intensidade menor;

2) Período Competitivo: volume menor; intensidade maior;

3) Período Transitório: volume menor; intensidade menor;

COMPONENTES BÁSICOS DE PRESCRIÇÃO E CONTROLE DE UMA SESSÃO


DE TREINAMENTO ESPORTIVO

Os componentes básicos de um programa de exercícios são frequência, duração,


intensidade e tipo de exercício. O treinamento é o produto da frequência, duração e
intensidade do exercício, isto é, da soma total de estímulos ou cargas. Portanto, a
combinação ótima destes quatro componentes em dosagens adequadas irá produzir o efeito
desejado. Lembrando que a frequência é o número de vezes; a duração é o tempo de
execução do exercício e a intensidade é o rítmo com o qual se executa a atividade física. O
tipo do exercício está relacionado a sua característica.

O TREINAMENTO ORGANIZADO EM CICLOS


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De acordo com a organização estrutural do treinamento esportivo, ele é dividido em


macrociclo, mesociclo e microciclo.

1) Macrociclo: é o período de tempo disponível de toda a temporada ( o ano competitivo);

2) Mesociclo: é o período de divisão dos meses para treinamento dentro do macrociclo;

3) Microciclo: são unidades de treinamento em cada sessão dentro do mesociclo.

MÉTODOS DE TREINAMENTO

Os métodos de treinamento nada mais são do que estratégias utilizadas para se obter
um maior rendimento do indivíduo. O conhecimento do sistema fisiológico a ser treinado
está diretamente relacionado a escolha do método. De um modo geral, o metabolismo
durante a realização de uma atividade física é comandado pelas condições aeróbia e
anaeróbia (aláctica e láctica). Basicamente, os métodos de treinamento são dois: contínuo
(duração) e o intervalado (intermitente). As demais variações encontradas em literatura são
derivadas desses dois métodos.

PRINCIPAIS EFEITOS DOS MÉTODOS CONTÍNUO & INTERVALADO

- Contínuo: nesse método de treinamento as atividades são realizadas sem interrupções, é


de natureza submáxima e de média e longa duração. É um dos mais antigos meios para
desenvolver a capacidade aeróbia. Normalmente a intensidade é de baixa a moderada, com
o indivíduo realizando a atividade em situação de steady state, o que possibilita manter a
duração do exercício. Seus principais efeitos são: 1) aumento do volume sistólico; 2)
aumento da captação de oxigênio; 3) melhora da capilarização sanguínea; 4) aumento da
atividade oxidativa mitocondrial; etc.
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- Contínuo intensivo: utilizando essa modalidade, a duração da atividade, normalmente


corrida, gira em torno de 30 a 60 min e a intensidade é entre 91% e 97% da velocidade de
corrida atingida no limiar ventilatório dois (LV2).

- Contínuo extensivo: utilizando essa modalidade, a duração da atividade, normalmente


corrida, é superior a 60 min e a intensidade deve girar entre 85% e 90% da velocidade de
corrida atingida no LV2.

- Intervalado: a característica principal deste método é a repetição de uma séries de


períodos de exercícios alternados com períodos de repouso ou intervalos de recuperação
(ativo ou passivo). O principal mérito do treinamento intervalado é a possibilidade de
realizar muitas repetições de exercícios de alta intensidade, por períodos prolongados. Essa
modalidade permite a utilização da variação entre intervalado intensivo e extensivo.

- Intervalado intensivo: as atividades de corrida são realizadas com uma intensidade entre
80% e 90% da velocidade máxima para uma determinada distância.

- Intervalado extensivo: as atividades de corrida são realizadas com uma intensidade entre
60% e 80% da velocidade máxima para uma determinada distância.

SUPERCOMPENSAÇÃO DO TREINAMENTO

O ganho superior de energia após desgaste provocado por um exercício realizado


numa determinada intensidade é denominada supercompensação. Esse benefício é
provocado pela relação adequada entre esforço e recuperação causando uma adaptação
positiva nos sistemas energéticos. As provisões energéticas são aumentadas, de tal modo
que nas cargas seguintes o cansaço acontece mais tardiamente. Para atingir a
supercompensação torna – se necessários compreender o funcionamento das fontes
energéticas durante exercício.
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A EXPRESSÃO MATEMÁTICA DO RENDIMENTO ESPORTIVO

R = HDC

ALTA COMPETIÇÃO

VALORES EXIGÊNCIAS CONDICIONAMENTOS

H D C

(GENÓTIPO) (FENÓTIPO) (AÇÕES E DECISÕES)


ATLETA TREINO MEIOS

RESULTADOS ESPORTIVOS

R = resultados esportivos; H = homem genético (genótipo); D = conjunto de variáveis


influenciáveis pelo treino (fenótipo); C = conjunto de decisões e ações relativas à
organização e controle do treino e das competições.

Variável H

1) estrutura morfológica hereditária; 2) orgãos e seus limites potenciais de funcionamento;


3) fatores hereditários ligados às estruturas responsáveis pelos fenômenos de percepção; 4)
fatores hereditários ligados ao caráter e personalidade do indivíduo.
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Variável D

1) eficiência técnica em determinada disciplina; 2) inteligência tática na ação; 3) condição


física geral do atleta; 4) condição atlética específica para modalidade; 5) condição
psicológica face ao resultado a atingir; 6) envolvimento cultural com o conjunto dos
hábitos, costumes e tradições; 7) fatores complementares como: instalações, arbitragem,
variáveis não controladas (temperatura, velocidade do vento, altitude, umidade, etc).

VARIÁVEL C

1) atividades do atleta (treino, dosagem), forma, natureza e duração; 2) controle diário e


fichas de treino; 3) exame médico geral – preventivo e corretivo; 4) avaliação periódica do
nível de aptidão.

TESTES DE AVALIAÇÃO & CONTROLE DO NÍVEL DE TREINAMENTO

A criação de condições laboratoriais objetivando o estudo científico de matérias


diversas, tem constituído uma das principais características da investigação no âmbito do
treinamento esportivo nas últimas décadas. O conveniente isolamento do estudo de diversas
variáveis e o sofisticado material utilizado levaram à construção de laboratórios
especializados em várias áreas para o desenvolvimento e o aprimoramento de atletas.
Nesse contexto, elaboraram - se e desenvolveram - se procedimentos experimentais,
designadamente a construção de testes para avaliar a capacidade do rendimento esportivo
ou elementos determinantes dessas capacidades, servindo para diagnosticar o estado de
rendimento atual, prognosticar futuras performances, detectar e selecionar futuros
talentos para o esporte de alto nível competitivo. A incapacidade de resistir de
determinados profissionais a um certo tipo de “ cientificação “ do treinamento
esportivo aumenta o perigo de gerar equívocos e confusões. Portanto, a busca permanente
pela informação sobre o estado de treino do atleta através da aplicação de testes constitui
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uma atitude correta desde que os métodos utilizados sejam capazes de fornecer indicadores
úteis à condução do treinamento

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