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Epidemiologia nutricional

Gilberto Kac
Rosely Sichiery
Denise Petrucci Gigante
(orgs.)

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

KAC, G., SICHIERI, R., and GIGANTE, DP., orgs. Epidemiologia nutricional [online]. Rio de
Janeiro: Editora FIOCRUZ/Atheneu, 2007. 580 p. ISBN 978-85-7541-320-3. Available from SciELO
Books <http://books.scielo.org>.

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Reconocimento 4.0.
Epidemiologia Nutricional
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ

Presidente
Paulo Gadelha

Vice-Presidente de Ensino, Informação e Comunicação


Maria do Carmo Leal

EDITORA FIOCRUZ

Diretora
Maria do Carmo Leal

Editor Executivo
João Carlos Canossa Mendes

Editores Científicos
Nísia Trindade Lima e Ricardo Ventura Santos

Conselho Editorial
Ana Lúcia Teles Rabello
Armando de Oliveira Schubach
Carlos E. A. Coimbra Jr.
Gerson Oliveira Penna
Gilberto Hochman
Joseli Lannes Vieira
Lígia Vieira da Silva
Maria Cecília de Souza Minayo
Epidemiologia Nutricional
Gilberto Kac Rosely Sichieri Denise Petrucci Gigante
O r g a n i z a d o r e s
Copyright © 2007 dos autores
Todos os direitos desta edição reservados à
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ / EDITORA e EDITORA ATHENEU

ISBN: 978-85-7541-146-9

1ª edição: 2007
1ª reimpressão: 2009

Projeto gráfico e editoração eletrônica


Daniel Pose Vazquez

Revisão e copidesque
Irene Ernest Dias e Soraya Ferreira

Índice
Clarissa Bravo
Jacqueline Ribeiro Cabral
Luís Octavio Gomes de Souza
Márcio Magalhães
Miriam Junghans

Catalogação na fonte
Centro de Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
K11e Kac, Gilberto (org.)
Epidemiologia nutricional. / Organizado por Gilberto Kac, Rosely Sichieri e Denise Petrucci
Gigante. Rio de Janeiro : Editora Fiocruz/Atheneu, 2007.
580 p., il., tab., graf.
1.Epidemiologia Nutricional. 2.Estado Nutricional. 3.Avaliação Nutricional. 4.Obesidade-
epidemiologia. 5.Gestantes. 6.Criança. 7.Adolescente. 8.Idoso. 9.Índios. I.Sichieri, Rosely. (org.) II.Gigante,
Denise Petrucci. (org.) III.Título.
CDD - 20.ed. – 363.8

2009
EDITORA FIOCRUZ EDITORA ATHENEU
Av. Brasil, 4036 – 1o andar, sala 112 São Paulo, SP
Manguinhos Rua Jesuíno Pascoal, 30, Santa Cecília - CEP 01224-050
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www.fiocruz.br/editora 0800 267 753 · www.atheneu.com.br
Autores

Adriano Marçal Pimenta


Graduado em enfermagem, mestre em enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). adrianomarcal@hotmail.com

Alcides da Silva Diniz


Graduado em medicina, mestre em oftalmologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São
Paulo (USP), doutor em nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pós-doutor em nutrição pelo Prince
Leopold Institute of Tropical Medicine, Antwerp, Bélgica. Professor adjunto no Departamento de Nutrição da UFPE.
alcides.diniz@pesquisador.cnpq.br

Alexandre G. Torres
Graduado em nutrição pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), mestre em bioquímica pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em ciências de alimentos pelo Instituto de Química da UFRJ.
Professor adjunto do Instituto de Química da UFRJ. torres@iq.ufrj.br

Aline Cristine Souza Lopes


Graduada em nutrição, doutora em saúde pública - concentração em epidemiologia - pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Professora adjunta de nutrição do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública,
Escola de Enfermagem da UFMG, Grupo de Pesquisas em Epidemiologia, Observatório de Saúde Urbana.
aline@medicina.ufmg.br

Amanda Rodrigues Amorim


Graduada em nutrição pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mestre e doutora pelo Instituto de Medicina
Social da mesma universidade. amandara2003@yahoo.com.br

Ana Marlúcia Oliveira de Assis


Graduada em nutrição pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), mestre e doutora em saúde pública pela Escuela de
Salud Pública de México e doutora em saúde pública pela Ufba. Professora titular da Ufba. amos@ufba.com.br
Aníbal Sanchez Moura
Graduado em ciências biológicas, doutor em ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Professor adjunto na Univer-
sidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Instituto de Fisiologia. asmoura@uerj.br

Bernardo Lessa Horta


Graduado em medicina, doutor em epidemiologia pela McGill University. Professor adjunto no Departamento de
Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel). blhorta@gmail.com

Bianca de Almeida Pititto


Graduada em medicina, mestre em endocrinologia pela Universidade de São Paulo (USP). Atua em projeto de pesquisa
em prevenção de diabetes nos departamentos de Medicina Preventiva e Endocrinolgia da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp) e atua como médica no Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp e no Laboratório Fleury.
almeida.bi@uol.com.br

Carlos Everaldo Álvares Coimbra Jr.


Graduado em ciências biológicas pela Universidade de Brasília (UnB), mestre e doutor em antropologia pela Indiana
University (1989) e pós-doutor pelo Five College Program in Medical Anthropology, University of Massachusetts.
Pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). coimbra@ensp.fiocruz.br

Claudia Leite Moraes


Graduada em medicina e mestre em saúde coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Professora
adjunta do Departamento de Epidemiologia, Instituto de Medicina Social, Uerj, e do Mestrado em Saúde da Família da
Universidade Estácio de Sá. É uma das coordenadoras do Programa de Investigação Epidemiológica da Violência Familiar
(PIEVF), que congrega pesquisadores de diversas instituições de pesquisa e é sediado no Instituto de Medicina Social da
Uerj. clmoraes@ims.uerj.br

Claudia de Souza Lopes


Graduada em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em saúde coletiva pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutora em epidemiologia pela University of London. Professora adjunta do
Departamento de Epidemiologia do Instituto de Medicina Social da Uerj. lopes@ims.uerj.br

Cláudio José Struchiner


Graduado em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em matemática pela Associação
Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada e doutor em dinâmica populacional de doenças infecciosas pela
Harvard University. Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e pesquisador titular da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). stru@fiocruz.br

Cora Luiza Pavin Araújo


Graduada em nutrição pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mestre e doutora em saúde pública (área de
epidemiologia) pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Professora adjunta na Universidade
Federal de Pelotas (Ufpel). cora.araujo@terra.com.br
Daniela Saes Sartorelli
Graduada em nutrição, doutora em saúde pública pelo Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo (FSP/USP). Professora doutora do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medici-
na de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/USP). daniss@fmrp.usp.br

Denise Petrucci Gigante (organizadora)


Graduada em nutrição, doutora em epidemiologia pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) e pós-doutora na Divisão
de Ciências da Nutrição da Universidade de Cornell, EUA. Professora adjunta do Departamento de Nutrição e do
Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Ufpel. denise.epi@gmail.com

Elisa Maria de Aquino Lacerda


Graduada em nutrição pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre pelo Instituto de Nutrição e doutora pela
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Professora adjunta da UFRJ. lacerdae@nutricao.ufrj.br

Erika Aparecida da Silveira


Graduada em nutrição pela Universidade Federal de Goiás (UFG), mestre em epidemiologia pela Universidade Federal de
Pelotas (UFPel) e doutora em saúde pública – área de concentração em epidemiologia – pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Professora adjunta da Faculdade de Nutrição e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Saúde da Faculdade de Medicina/UFG. erikasil@terra.com.br

Gilberto Kac (organizador)


Graduado em nutrição pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mestre em saúde pública pela Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e doutor em saúde pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo (FSP/USP). Professor adjunto do Instituto de Nutrição Josué de Castro da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (INJC/UFRJ). kacetal@gmail.com ou gkac@nutricao.ufrj.br.

Gloria Valeria da Veiga


Graduada em nutrição pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em ciências dos alimentos pela Universidade
Federal de Lavras (Ufla), doutora em nutrição pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pós-doutora pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Professora associada do Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro (INJC/UFRJ). gvveiga@globo.com

Gustavo Velásquez-Meléndez
Graduado em ciências biológicas, doutor em saúde pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (FSP/USP). Professor associado do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). guveme@ufmg.br

Iná S. Santos
Graduada em medicina pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), mestre e doutora em epidemiologia pela mesma
universidade, onde atualmente é professora titular. inasantos@uol.com.br
Inês Rugani Ribeiro de Castro
Graduada em nutrição, sanitarista, doutora em saúde pública. Professora adjunta do Departamento de Nutrição Social do
Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e sanitarista do Instituto de Nutrição Annes
Dias, da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. inesrrc@uol.com.br

Leonor Maria Pacheco Santos


Graduada em química pela Universidade de São Paulo (USP), doutora (Ph.D.) em patologia pela University of Tennessee,
pós-graduada em ciência dos alimentos e nutrição pela Gent Universiteit, Bélgica, pós-doutora em epidemiologia pela
London School of Hygiene and Tropical Medicine. Atualmente é coordenadora geral de Avaliação e Monitoramento do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e pesquisadora colaboradora do Departamento de
Nutrição, Faculdade de Saúde, da Universidade de Brasília (UnB). leopac@terra.com.br

Luciene Burlandy
Graduada em nutrição, doutora em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz).
Professora adjunta do Departamento de Nutrição Social da Universidade Federal Fluminense (MNS/UFF).
burlandy@uol.com.br

Luiz Antonio dos Anjos


Graduado em medicina, mestre em ciências nutricionais e doutor em fisiologia do exercício pela Universidade de Illinois,
EUA, com pós-doutorado pela Universidade do Arizona, EUA. Professor titular no Departamento de Nutrição Social e
coordenador do Laboratório de Avaliação Nutricional e Funcional da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisa-
dor do CNPq, orientador do Mestrado em Ciências Médicas da UFF e orientador externo do Programa de Saúde Pública
(mestrado e doutorado) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). lanjos@ig.com.br

Luiz Oscar Cardoso Ferreira


Graduado em medicina pela Universidade Federal de Pernambuco(UFPE), mestre em epidemiologia pela London School
of Hygiene and Tropical Medicine e doutor pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor adjunto da UFPE.
luizoscar@fcm.upe.br

Malaquias Batista Filho


Graduado em medicina, doutor em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é docente do
Mestrado em Saúde Materno Infantil do Instituto Materno Infantil de Pernambuco. mbatista@imip.org.br

Márcia Gonçalves Ferreira


Graduada em nutrição, doutora em saúde coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Professora
adjunta do Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Nutrição e professora do Programa de Pós-Graduação
em Saúde Coletiva do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
margon@terra.com.br

Maria Helena Constantino Spyrides


Graduada em estatística pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), mestre em agronomia (estatística e
experimentação agronômica) pela Universidade de São Paulo (USP) e doutora em saúde pública pela Escola Nacional de
Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Professora adjunta da UFRN. spyrides@ccet.ufrn.br.
Maria Teresa Anselmo Olinto
Graduada em nutrição, doutora em saúde coletiva pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (Unisinos). mtolinto@unisinos.br

Maria Tereza Serrano Barbosa


Licenciada em matemática pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mestre em estatística pela Associação
Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada e doutora em saúde coletiva pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj). Professora adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio).
terezabarbosa@unirio.br

Marília Mendonça Leão


Graduada em enfermagem, mestre em nutrição, especialista em políticas públicas. Pesquisadora associada do Observatório
de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional da Universidade de Brasília (UnB). marilia@abrandh.org.br

Marina Ferreira Rea


Graduada em medicina, doutora em medicina pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (DMP/FM/USP) e pesquisadora científica sênior do Instituto de Saúde (IS/SES-SP).
marifrea@usp.br

Marly Augusto Cardoso


Graduada em nutrição, mestre e doutora em ciência dos alimentos e livre-docente em nutrição em saúde pública pela
Universidade de São Paulo (USP). Professora associada do Departamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública da
USP, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Nutrição em Saúde Pública. Foi pesquisadora visitante do Depar-
tamento de Nutrição da Harvard School of Public Health. marlyac@usp.br

Maurício Soares Leite


Graduado em nutrição pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mestre e doutor (2005) em saúde pública
pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Professor adjunto da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). mauriciosleite@gmail.com

Michael Eduardo Reichenheim


Graduado em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em saúde materno-infantil pela
University of London, doutor em saúde pública pela University of London, pós-doutor em bioestatística pelo Institute of
Public Health, University of Cambridge. Professor adjunto do Departamento de Epidemiologia, Instituto de Medicina
Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e editor associado dos periódicos científicos Cadernos de Saúde
Pública e Pædiatric and Perinatal Epidemiology. michael@ims.uerj.br

Nádia M. F. Trugo
Graduada em nutrição e mestre em bioquímica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora em bioquí-
mica e fisiologia da nutrição pela University of Reading, Inglaterra. Professora adjunta, aposentada, do Instituto de
Química da UFRJ. trugo@iq.ufrj.br
Pedro Curi Hallal
Graduado em educação física, doutor em epidemiologia pelo Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universi-
dade Federal de Pelotas (Ufpel). Professor adjunto da Escola Superior de Educação Física, Programa de Pós-Graduação em
Educação Física, e do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Ufpel. prchallal@terra.com.br

Pedro Israel Cabral de Lira


Graduado em medicina pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), especialista em saúde pública pela Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), mestre em nutrição pelo Instituto de Nutrición y Tecnología de
los Alimentos (Inta), Universidad de Chile, e doutor em medicina pela London School of Hygiene & Tropical Medicine,
University of London. Professor associado do Departamento de Nutrição da UFPE. lirapic@ufpe.br

Renata Damião
Graduada em nutrição, doutora em ciências pelo Departamento de Endocrinologia Clínica, Universidade Federal de São
Paulo, pós-doutoranda do Departamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-EPM).
damiaorenata@hotmail.com

Ricardo Ventura Santos


Graduado em ciências biológicas pela Universidade de Brasília (UnB), mestre e doutor em antropologia biológica pela
Indiana University e pós-doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e pela University of Massachusetts.
Pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e professor adjunto do Museu
Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). santos@ensp.fiocruz.br

Rita Adriana Gomes de Souza


Graduada em nutrição, mestre em epidemiologia pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (IMS/Uerj). ritadriana@ims.uerj.br

Rosana Salles da Costa


Graduada em nutrição, doutora em saúde coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (IMS/Uerj). Professora adjunta do Departamento de Nutrição Social e Aplicada do Instituto de Nutrição Josué de
Castro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DNSA/INJC/UFRJ). rosana_salles@terra.com.br

Rosangela Alves Pereira


Graduada em nutrição, doutora em ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz),
professora adjunta do Instituto de Nutrição Josué de Castro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (INJC/UFRJ).
roapereira@gmail.com

Rosely Sichieri (organizadora)


Graduada em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Botucatu, especialista em saúde pública, mestre em
ciências (fisiologia humana) e doutora em nutrição pela Universidade de São Paulo (USP), pós-doutora em epidemiologia
pela National Institutes of Health e pela Harvard School. Professora adjunta do Departamento de Epidemiologia do
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj). sichieri@ims.uerj.br
Sandhi Maria Barreto
Graduada em medicina, Ph.D. em epidemiologia pela London School of Hygiene and Tropical Medicine. Professora
adjunta da Faculdade de Medicina e vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). sbarreto@medicina.ufmg.br

Sandra Roberta Gouvea Ferreira


Graduada em medicina, livre-docente em medicina preventiva clínica pelo Departamento de Medicina Preventiva da
Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Professora titular do Departamento de Nutrição da Faculdade de
Saúde Pública, Universidade de São Paulo (FSP/USP). sandrafv@usp.br

Silvia Ângela Gugelmin


Graduada em nutrição pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre e doutora em saúde pública pela Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Uerj). gugelmin@uerj.br

Suely Godoy Agostinho Gimeno


Graduada em nutrição, livre-docente em nutrição em saúde pública pelo Departamento de Nutrição da Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Professora associada do Departamento de Medicina Preventiva
da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). suely@medprev.epm.br

Tereza Setsuko Toma


Graduada em medicina pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em pediatria pelo Hospital Brigadeiro, em
saúde pública pela USP, em lactation management education program pelo Wellstart San Diego Lactation Program (1990)
e doutora em saúde pública pelo Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São
Paulo (DN/FSP/USP). Pesquisadora científica do Instituto de Saúde (IS/SES-SP). ttoma@isaude.sp.gov.br

Vivian Wahrlich
Graduada em nutrição, mestre em nutrição humana pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora em
saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Pesquisadora colaboradora no
Laboratório de Avaliação Nutricional e Funcional da Escola de Nutrição da Universidade Federal Fluminense.
walrich@terra.com.br

Waleska Teixeira Caiaffa


Graduada em medicina, pós-doutora em epidemiologia pela Johns Hopkins University. Professora adjunta de
epidemiologia do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina, Grupo de Pesquisas em
Epidemiologia, Observatório de Saúde Urbana da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
wcaiaffa@yahoo.com.br

Wolney Lisboa Conde


Graduado em nutrição, doutor em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP). Professor doutor do Departa-
mento de Nutrição e do Programa de Pós-Graduação em Nutrição em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da
USP. wolney@usp.br
Sumário

Prefácio ................................................................................................................................................................................. 17

Apresentação ....................................................................................................................................................................... 19

Introdução à Epidemiologia Nutricional


Gilberto Kac, Rosely Sichieri e Denise Petrucci Gigante ........................................................................................................... 23

I - Métodos em Epidemiologia Nutricional

1. Uso e Interpretação dos Indicadores Antropométricos na Avaliação do Estado


Nutricional de Gestantes
Amanda Rodrigues Amorim, Elisa Maria de Aquino Lacerda e Gilberto Kac .......................................................................... 31

2. Avaliação Nutricional de Crianças


Cora Luiza Pavin Araújo ...................................................................................................................................................... 49

3. Referências Antropométricas
Cora Luiza Pavin Araújo ...................................................................................................................................................... 65

4. Avaliação Nutricional de Adolescentes


Gloria Valeria da Veiga e Rosely Sichieri ............................................................................................................................ 79

5. Antropometria como Método de Avaliação do Estado de Nutrição e Saúde do Adulto


Márcia Gonçalves Ferreira e Rosely Sichieri ....................................................................................................................... 93

6. Avaliação do Estado Nutricional de Idosos


Erika Aparecida da Silveira, Aline Cristine Souza Lopes e Waleska Teixeira Caiaffa ......................................................... 105
7. Indicadores Bioquímicos na Avaliação do Estado Nutricional
Nádia M. F. Trugo e Alexandre G. Torres .......................................................................................................................... 127

8. Composição Corporal na Avaliação do Estado Nutricional


Luiz Antonio dos Anjos e Vivian Wahrlich .......................................................................................................................... 149

9. Gasto Energético: medição e importância para a área de nutrição


Luiz Antonio dos Anjos e Vivian Wahrlich ......................................................................................................................... 165

10. Métodos de Avaliação do Consumo de Alimentos


Rosangela Alves Pereira e Rosely Sichieri ........................................................................................................................ 181

11. Desenvolvimento, Validação e Aplicações de Questionários


de Freqüência Alimentar em Estudos Epidemiológicos
Marly Augusto Cardoso .................................................................................................................................................. 201

12. Padrões Alimentares: análise de componentes principais


Maria Teresa Anselmo Olinto .......................................................................................................................................... 213

13. Desenvolvimento de Instrumentos de Aferição Epidemiológicos


Michael Eduardo Reichenheim e Claudia Leite Moraes ................................................................................................... 227

14. Análise de Dados com Medidas Repetidas


Maria Helena Constantino Spyrides, Cláudio José Struchiner, Maria Tereza Serrano Barbosa e Gilberto Kac ...................... 245

15. Intervenções Nutricionais na Infância


Iná S. Santos ................................................................................................................................................................ 261

II - Problemas Nutricionais Brasileiros

16. Epidemiologia da Desnutrição Infantil


Wolney Lisboa Conde e Denise Petrucci Gigante ............................................................................................................ 281

17. Epidemiologia da Anemia Ferropriva


Pedro Israel Cabral de Lira e Luiz Oscar Cardoso Ferreira ............................................................................................. 297

18. Epidemiologia da Hipovitaminose A e Xeroftalmia


Alcides da Silva Diniz e Leonor Maria Pacheco Santos ................................................................................................. 325

19. Epidemiologia da Obesidade


Rosely Sichieri e Rita Adriana Gomes de Souza ........................................................................................................... 347
20. Fatores Nutricionais no Diabetes
Daniela Saes Sartorelli ................................................................................................................................................. 359

21. Fatores da Dieta nas Doenças Cardiovasculares


Suely Godoy Agostinho Gimeno e Sandra Roberta Gouvea Ferreira ............................................................................. 371

22. Aspectos Epidemiológicos e Nutricionais da Síndrome Metabólica


Renata Damião, Bianca de Almeida Pititto, Suely Godoy Agostinho Gimeno e Sandra Roberta Gouvea Ferreira ............. 389

23. Fatores Nutricionais e Hipertensão Arterial


Gustavo Velásquez-Meléndez, Sandhi Maria Barreto e Adriano Marçal Pimenta ............................................................ 411

III - Tópicos Especiais em Epidemiologia Nutricional

24. Amamentação: evidências científicas e ações para incentivar sua prática


Marina Ferreira Rea e Tereza Setsuko Toma ................................................................................................................. 427

25. Transição Nutricional: conceito e características


Malaquias Batista Filho, Ana Marlúcia Oliveira de Assis e Gilberto Kac ............................................................................ 445

26. Epidemiologia da Atividade Física


Pedro Curi Hallal e Luiz Antonio dos Anjos .................................................................................................................... 461

27. Obesidade e Saúde Mental: evidências e controvérsias


Claudia de Souza Lopes .............................................................................................................................................. 473

28. Segurança Alimentar e Nutricional: concepções e desenhos de investigação


Luciene Burlandy e Rosana Salles da Costa ...................................................................................................................... 485

29. Alimentação e Nutrição dos Povos Indígenas no Brasil


Maurício Soares Leite, Ricardo Ventura Santos, Carlos Everaldo Álvares Coimbra Jr. e Silvia Ângela Gugelmin ............... 503

30. Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição


Marília Mendonça Leão e Inês Rugani Ribeiro de Castro .............................................................................................. 519

31. Janelas Críticas para Programação Metabólica e Epigênese Transgeracional


Aníbal Sanchez Moura ................................................................................................................................................. 543

32. Efeitos a Longo Prazo da Nutrição na Infância


Bernardo Lessa Horta ................................................................................................................................................... 553

Índice ............................................................................................................................................................................. 565


Prefácio

A importância da nutrição para a saúde humana é incontestável. O Relatório Mundial de Saúde


publicado em 2002 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) avaliou o impacto dos vinte principais
fatores de risco para morbi-mortalidade em nível global. Nada menos de seis desses vinte fatores eram
nutricionais: desnutrição infantil; sobrepeso e obesidade; baixo consumo de frutas e verduras; deficiência de
zinco; anemia ferropriva e deficiência de vitamina A. O desmame precoce não foi avaliado nessa revisão, mas
sem dúvida seria também incluído entre os vinte principais fatores de risco. A epidemiologia nutricional é,
portanto, um campo cada vez mais importante para o controle de doenças em âmbito mundial. Essa criteriosa
revisão da OMS confirma o dito popular: “você é o que você come” – ou, no caso das deficiências nutricionais,
“você não é o que você não come”.
A população brasileira atravessa um rápido e complexo processo de transição nutricional. Não temos
aqui uma transição no sentido tradicional, em que as deficiências nutricionais são substituídas gradualmente
pelo sobrepeso e obesidade, em toda a população. Nossa amplitude geográfica e diversidade ecológica, assim
como a largura do fosso que separa pobres de ricos dentro de cada uma de nossas regiões, muito contribuem
para a complexidade desse processo. Os resultados de pesquisas de epidemiologia nutricional em nosso meio
não cansam de surpreender. Alguns exemplos são suficientes: altas prevalências de anemia inclusive em
grupos sociais privilegiados; marcada redução na duração do aleitamento materno por várias décadas, seguida
de rápida retomada desta prática tão importante; a concomitância de obesidade nas mães e déficit de cresci-
mento em seus próprios filhos; o sobrepeso de homens ricos e mulheres pobres; as marcadas alterações nas
dietas tradicionais com a adoção de alimentos industrializados, muitas vezes com conseqüências nefastas
sobre a saúde. Esses processos apresentam temporalidades distintas em diferentes grupos sociais e nas diversas
regiões do país. Não temos aqui uma transição nutricional no sentido clássico, mas um legítimo ‘vai-e-vem
nutricional’ em que, por exemplo, pobres engordam e ricos emagrecem.
Estou envolvido em pesquisas epidemiológicas sobre diversos tópicos há três décadas, e devo confessar
que a epidemiologia nutricional é, dentro de todas as áreas em que trabalhei, aquela que considero mais
complexa. Medidas antropométricas são relativamente simples de obter – embora um enorme cuidado seja
necessário com a padronização dos antropometristas –, mas freqüentemente complexas de interpretar. Ava-
liar dieta em grandes amostras é um desafio enorme, seja por problemas de variabilidade diária e estacional,
pelo próprio tamanho dos questionários, pelas distintas escolhas sobre períodos de referência, ou pela valida-
de (ou não) da informação fornecida pelos entrevistados. Reconhecer a complexidade desta área de pesquisa

17
não deve desencorajar os pesquisadores – pelo contrário, deve estimular um enfoque rigoroso e criativo. Para
isso, o presente livro tem um papel fundamental.
Fiquei impressionado com o escopo e rigor deste compêndio. Ao mesmo tempo, o livro combina um
manual técnico – o estado da arte sobre como avaliar estado nutricional e consumo alimentar – com o que
poderia ser chamado de uma ‘enciclopédia nutricional brasileira’, em que nossos principais problemas
nutricionais são detalhadamente descritos com base na literatura científica. E a terceira parte aborda tópicos
especiais de grande atualidade. O enfoque é amplo e multidisciplinar, abrangendo desde a bioquímica até as
políticas nutricionais.
Outro aspecto elogiável é a reunião dos principais investigadores brasileiros na área de nutrição e saúde
pública, demonstrando como nossa comunidade está coesa no objetivo de melhorar o estado nutricional de
nossa população.
Os organizadores e autores precisam ser cumprimentados pela iniciativa, pois sem dúvida este volume
se tornará leitura obrigatória em nossos cursos de graduação e pós-graduação em nutrição e saúde coletiva.

Cesar G. Victora
Professor titular de epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas
Membro do Comitê de Peritos em Nutrição, Organização Mundial da Saúde

18
Apresentação

C lassicamente, a epidemiologia estuda a distribuição e os determinantes das doenças na população.


Nas últimas décadas, esta área tem se especializado cada vez mais e, com isso, vários adjetivos têm sido
sugeridos. Seria a epidemiologia nutricional mais uma mera subdivisão da epidemiologia em função de
determinantes específicos, ou ela teria um campo específico de conhecimento?
Entende-se que o objetivo primeiro da epidemiologia nutricional seja medir dietas como um fator de
exposição na maior ou menor ocorrência de doenças. O alcance desse objetivo constitui-se em tarefa comple-
xa que requer cada vez mais especialização. O escopo da epidemiologia nutricional no Brasil passou a incor-
porar um conceito ampliado que considera tanto o estudo de outras exposições como o de alterações nutricionais
específicas. Entre as exposições, além da aferição do consumo alimentar, devem ser incluídos outros indica-
dores de avaliação nutricional e variáveis relacionadas ao estilo de vida que exercem influência sobre as
condições de saúde e nutrição, como a prática de atividade física. Entre as alterações nutricionais, incluem-
se desde as deficiências como a desnutrição energético-protéica ou deficiências de micronutrientes específi-
cos até os problemas relacionados ao excesso de peso, como a obesidade.
A delimitação conceitual e epistemológica de um campo específico de conhecimento é fundamental
para o seu crescimento. Embora não seja um campo da epidemiologia assim tão recente, a epidemiologia
nutricional aparece com destaque apenas no início da década de 90 do último século, após a publicação do
livro Nutritional Epidemiology, em 1990, pelo professor Walter Willett, chefe do Departamento de Nutrição
da Harvard School of Public Health. Apenas um ano depois é publicado, na Inglaterra, o livro Design
Concepts in Nutritional Epidemiology, por Barrie M. Margetts e Michael Nelson, professores, respectivamen-
te, do Departamento de Nutrição da Universidade de Southampton e do King’s College. Em ambos os
livros, a ênfase está na relação entre a dieta e doenças crônicas não transmissíveis.
No Brasil, escrever um livro contemplando a conceituação mais restrita da epidemiologia nutricional
já seria um desafio. Na organização deste volume, foi necessário ir além e trabalhar com o conceito ampliado
de epidemiologia nutricional, tendo em vista a realidade de ensino e pesquisa e o cenário epidemiológico e
nutricional atual. Nosso objetivo foi, portanto, combinar a abordagem mais recente da relação entre consu-
mo alimentar e o processo saúde-doença com a importante massa de conhecimento existente no Brasil relativa
às doenças carenciais, seu diagnóstico e fatores associados. Para o cumprimento desse desafio, contamos com a
colaboração de diversos pesquisadores. Um livro é sempre uma história com diferentes particularidades de seus
autores e organizadores. A ótica na qual os vários Brasis são vistos e a pluralidade da epidemiologia nutricional
explicam a variedade de temas e enfoques dos capítulos que integram este volume.

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Este livro tem como principal público-alvo alunos de graduação de nutrição e de outros cursos da área
da saúde. Considerando a epidemiologia nutricional como uma especialidade no campo da epidemiologia,
pretendemos, também, que chegue a alunos de pós-graduação e pesquisadores interessados no assunto.
O volume é composto por um texto introdutório e três grandes partes, com 32 capítulos. Na primeira
parte, são apresentados e analisados métodos de mensuração do estado nutricional e do consumo alimentar.
A segunda parte contém estudos sobre a epidemiologia dos problemas nutricionais brasileiros mais impor-
tantes. Os nove capítulos que compõem a terceira parte espelham, de certa forma, o conceito ampliado de
epidemiologia nutricional aqui adotado.
Os capítulos metodológicos reunidos na primeira parte apresentam e discutem métodos de avaliação
do estado nutricional em diferentes grupos populacionais (gestantes, crianças, adolescentes, adultos e ido-
sos), referências antropométricas, análises bioquímicas, de avaliação do consumo alimentar e da composição
corporal. Adicionalmente, há estudos sobre aferição e validação em estudos de epidemiologia nutricional,
intervenções nutricionais e estratégias de análise de dados com medidas repetidas para avaliação longitudinal
do estado nutricional. Esses capítulos, de cunho mais metodológico, são importantes para uma melhor
compreensão daqueles contidos na segunda parte.
A avaliação nutricional de diversos grupos populacionais tem, aqui, papel de destaque. O estado
nutricional dos indivíduos depende do balanço entre o consumo e as necessidades fisiológicas, que variam
em função da idade, o que justifica a inclusão de um capítulo específico para diferentes fases da vida. Os
mais jovens e os mais velhos têm se revelado como os grupos que apresentam maior probabilidade de
desequilíbrio na relação entre consumo e necessidades fisiológicas, que desencadeia distúrbios nutricionais
por falta de nutrientes. Ao passo que o balanço crônico de energia pode ser captado por meio da antropometria,
um método relativamente simples, a avaliação do consumo de nutrientes depende de métodos específicos
mais complexos. Por esses motivos, a aferição do consumo ou a avaliação de marcadores de consumo alimen-
tar tornam-se imprescindíveis, particularmente na compreensão do estado nutricional nos extremos da vida.
Mais recentemente, os estudos de validação e de identificação de um padrão de consumo alimentar
passaram a se constituir em instrumentos de grande importância nos estudos epidemiológicos que buscam
investigar a associação entre dieta e Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). Instrumentos de inves-
tigação do consumo alimentar devem ser validados (calibrados) para a população em que se pretende aplicar
o referido método, e para isso estudos de validação são uma ferramenta essencial na epidemiologia nutricional.
Padrões de consumo alimentar que podem ser considerados saudáveis têm sido explorados em vários estu-
dos, e as técnicas que permitem defini-los foram exploradas em um dos capítulos. Análises sobre o padrão de
consumo são interessantes porque podem configurar-se como forma efetiva de prevenção, diferentemente do
que acontece em alguns estudos epidemiológicos que buscam identificar o efeito de um nutriente específico
na determinação da cadeia causal das DCNT.
Os capítulos incluídos na segunda parte descrevem a epidemiologia dos principais problemas
nutricionais brasileiros, à luz das transições demográfica, epidemiológica e nutricional. É interessante obser-
var como um estudo sobre a epidemiologia da desnutrição continua sendo tão atual e importante, embora a
desnutrição não seja mais o principal problema nutricional em nosso país. Com a transição nutricional
experimentada no Brasil, muitos estudiosos e pesquisadores da desnutrição no passado investigam, hoje, a
epidemiologia das DCNT, com destaque para a epidemia da obesidade. A sobreposição de padrões nutricionais
na população brasileira justifica a necessidade de uma descrição mais detalhada sobre a desnutrição, em
concomitância com capítulos sobre a obesidade, hipertensão, diabetes, síndrome metabólica e doenças
cardiovasculares, além das doenças carenciais como a hipovitaminose A e a anemia ferropriva.

20
No conjunto intitulado “Problemas nutricionais brasileiros” procura-se, portanto, refletir sobre as
características peculiares do Brasil. Exemplo dessas peculiaridades é a coexistência de problemas carenciais
endêmicos de grande proporção, como a anemia, e a epidemia de excesso de peso observada nas últimas
décadas do século XX. Trata-se, portanto, da já reconhecida sobreposição de padrões nutricionais distintos.
Esse tema é discutido em capítulos dedicados a anemia, obesidade e transição nutricional.
A determinação do estado nutricional e dos fatores associados a diversas doenças com alguma gênese
nutricional, como a obesidade, desnutrição, síndrome metabólica, hipertensão arterial, entre outras, merece
destaque nessa parte. A atividade física consiste em um importante determinante proximal do estado nutricional
e é claramente reconhecida no processo de determinação de várias DCNT. Os métodos empregados e as
dificuldades encontradas na aferição desse determinante são discutidos no capítulo sobre atividade física.
Finalmente, a terceira e última parte do livro concentra os capítulos que podem ser lidos à luz do
conceito ampliado da epidemiologia nutricional aqui adotado. Inclui textos que abrangem temas como a
epidemiologia da amamentação no Brasil, a discussão da medida e do conceito de segurança alimentar e as
políticas nutricionais públicas adotadas no país. Os estudos que a integram abordam temas da atualidade
que de alguma forma retomam as origens da epidemiologia nutricional, quando as deficiências nutricionais
específicas eram objeto de estudo. Os capítulos sobre origem fetal das doenças e sobre janelas de exposição
na gênese das doenças apresentam conceitos e teorias que, mais recentemente, têm demonstrado como a
desnutrição e a obesidade convivem nos mesmos domicílios e nos trajetos de vida, com a desnutrição em
momentos específicos podendo constituir fator de risco para o desenvolvimento de algumas DCNT.
Esperamos que uma visão ampla e atualizada dos problemas nutricionais de relevância para a saúde
pública possa contribuir na formulação de políticas públicas voltadas para esses problemas. Com esse conhe-
cimento acumulado pode ser possível aperfeiçoar e desenvolver protocolos de atendimento mais adequados
para uso no Sistema Único de Saúde (SUS).
Como participantes do aparelho formador de profissionais, ou como formuladores ou críticos das
políticas públicas desenvolvidas, foi nosso desejo contribuir apresentando conceitos e hipóteses em uma
perspectiva crítica e diacrônica, e indicando também o quanto um campo de saber se desenvolve quando se
debruça sobre suas limitações, o que tem de fato ocorrido com a epidemiologia nutricional.

Os organizadores

21
Introdução à Epidemiologia Nutricional
Gilberto Kac, Rosely Sichieri e Denise Petrucci Gigante

U ma breve evolução histórica do escopo da epidemiologia nutricional é aqui apresentada. Exem-


plos de alguns estudos clássicos que marcaram o campo nos últimos duzentos anos e abordagens da saúde
pública no estabelecimento de guias alimentares no início do século XX serão utilizados, com o intuito de
introduzir a temática epidemiologia nutricional. Assim, espera-se que ao longo deste texto introdutório o
leitor seja capaz de identificar as tendências que marcaram o campo nos últimos dois séculos.

Histórico da Epidemiologia Nutricional


Estudos clássicos da relação entre a deficiência de certos nutrientes na dieta e o surgimento de doenças
carenciais constituem a história da epidemiologia nutricional. Esses estudos, realizados há pouco mais de
duzentos anos, utilizaram o método epidemiológico da época para investigar a distribuição e possíveis causas
de doenças relacionadas ao consumo alimentar. No entanto, deve-se ressaltar que na época em que foram
realizados a etiologia infecciosa dessas patologias ainda era investigada.
O estudo que pode ser considerado pioneiro, inaugurando a epidemiologia nutricional, foi publicado
por James Lind, em 1753, no Treatise of the Scurvy in Three Parts. Os experimentos de Lind foram realizados
no longínquo ano de 1747 e começaram, mais especificamente, no dia 20 de maio daquele ano no navio
britânico Salisbury. Doze marinheiros da tripulação desse navio, acometidos em diferentes graus pelo escorbuto,
foram incluídos no estudo de Lind. Naquela época, o escorbuto era o principal inimigo da Marinha inglesa,
responsável por maior número de mortes do que nas frotas francesas ou espanholas. Em um período de vinte
anos, cerca de dez mil marinheiros foram destruídos pelo escorbuto, e qualquer esforço para pôr fim a essa
peste era acolhido pelo público.
James Lind teve a oportunidade de conhecer o escorbuto quando esteve no navio Salisbury durante as
dez semanas de travessia do Canal da Mancha. Em 20 de maio de 1747, 12 marinheiros com sintomas
similares foram acolhidos em um setor do navio destinado a enfermos e receberam a mesma dieta. Além da
dieta, dois enfermos recebiam diariamente uma garrafa de cidra; outros dois recebiam 25 gotas de elixir de
vitríolo; outros dois recebiam duas colheres de vinagre, três vezes por dia; outros dois recebiam água do mar;
outros dois receberam duas laranjas e um limão por dia, somente por sete dias, enquanto as frutas eram
disponíveis e, finalmente, os outros dois receberam semente de noz-moscada. Os resultados do experimento
revelaram que os dois marinheiros que passaram a ingerir frutas frescas como laranja e limão, alimentos ricos
em vitamina C, estavam prontos para o trabalho, ao final de seis dias. Depois desse estudo de Lind, suco de

23
Epidemiologia Nutricional

limão passou a fazer parte da dieta dos marinheiros, e, quando necessário, em viagens mais longas, os navios
mudavam sua rota para a aquisição de laranjas e limões em algum porto. Pouco tempo depois, o efeito da
vitamina C na prevenção do escorbuto foi confirmado com base em resultados observados na tripulação de
quatro navios britânicos liderados pelo capitão James Lancaster, dos quais apenas um dispunha de alimentos
ricos em vitamina C. Foi justamente nesse navio que se observaram as menores taxas de escorbuto, em
comparação com os outros três. A identificação dessa relação causal foi fundamental no conhecimento da
etiologia do escorbuto (Lind, 1988).
Mais de cem anos depois, aproximadamente entre os anos de 1862 e 1882, ou seja, ao final do século
XIX, o médico japonês Baron Takaki, um estudioso do beribéri, buscava as causas desta doença de alta
incidência, que acometia, sobretudo, a população de marinheiros e também dos soldados japoneses.
Em março de 1906, Baron Takaki apresentou três conferências no St. Thomas Hospital, de Londres,
que posteriormente foram publicadas na revista médica britânica Lancet. Em sua primeira conferência,
Takaki conta que 44 anos antes, ainda criança, soube por seu pai que muitos homens do Exército japonês
haviam sido mortos por uma doença conhecida como beribéri, que, naquela época, já era atribuída a alguma
causa relacionada com a alimentação. De 1872 a 1875, como médico da Marinha, teve oportunidade de ver
centenas de casos de beribéri no Hospital Naval.
Em 1880, depois de um período de capacitação em Londres, ao retornar ao Japão como diretor-geral
do Hospital Naval de Tóquio, Takaki encontrou a mesma situação de cinco anos antes em relação ao beribéri;
além disso, com o incremento no número de marinheiros, houve também um aumento no número de casos
da doença. Um registro de casos permitiu que fossem identificados e onde viviam os indivíduos mais afeta-
dos. Em 1883, ao investigar as condições higiênicas dos barcos, quartéis e escolas que dependiam da Mari-
nha japonesa, Takaki percebeu que horas de trabalho, alojamentos e vestimentas eram bastante similares,
enquanto a alimentação apresentava diferenças importantes nesses lugares: a quantidade de nitrogênio
consumida não era suficiente para compensar a eliminação dessa substância pelo organismo; a alimentação
servida aos marinheiros continha grande quantidade de hidratos de carbono e a relação nitrogênio/hidrato
de carbono era de 1 para 17, quando a relação recomendada era de 1 para 15. Takaki observou que quanto
maior a diferença entre essas proporções, maior o número de casos de beribéri.
Após receber autorização do Ministério da Marinha, Takaki propôs alterações na dieta dos marinheiros
japoneses. A principal hipótese para a causa do beribéri era a de que a doença não se manifestava quando a
dieta se mostrava adequada. Segundo observações do pesquisador, esse fato foi evidenciado quando o navio
Ryujo aportou no Havaí e diminuição importante na ocorrência da doença foi observada, sendo que ali havia
suprimento de alimentos frescos. Depois de alguns anos aperfeiçoando a dieta de marinheiros, em 1885
Takaki concluiu que alguma carência na dieta era a causa do beribéri, doença que, somente algum tempo
depois, foi associada à deficiência de tiamina (Takaki, 1988).
Depois de vários esforços feitos por Takaki, a alimentação na Marinha japonesa foi completamente
modificada em 1890. Isso levou não somente à erradicação do beribéri, como também à diminuição de casos
de outras enfermidades. Durante esse período, Takaki precisou explicar que a alimentação representava para
o corpo humano o mesmo que a pólvora para pistolas e rifles.
O terceiro clássico e histórico exemplo da relação entre carência dietética e a ocorrência de doenças foi
proporcionado por Joseph Goldberger, pouco tempo depois dos experimentos de Takaki. Embora a pelagra já
fosse estudada há pelo menos duzentos anos, até o início do século XX sua etiologia permanecia desconhecida.
Uma das potenciais causas era a dieta deficiente em algum nutriente. Com um desenho que se aproximava de
um quase experimento, Goldberger comparou a distribuição de freqüência de pelagra em duas instituições que
diferiam apenas na qualidade da dieta. Com base em suas observações, em 4 de setembro de 1914 escreveu ao
Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos a respeito das provas acumuladas que permitiriam concluir que

24
Introdução

a pelagra seria causada pela deficiência de algum elemento essencial da dieta. Anos mais tarde, a pelagra foi
caracterizada como deficiência específica de niacina (Goldberger, 1988).
No documento enviado ao Serviço de Saúde Pública, Goldberger argumenta que, mesmo sendo estu-
dada há mais de duzentos anos, a causa da pelagra ainda era desconhecida e havia dúvidas se deveria ser
classificada como uma enfermidade relacionada com a alimentação ou como doença infectocontagiosa. A
elevada freqüência de pelagra nos Estados Unidos havia levado à opinião, generalizada entre médicos e
leigos, de que se tratava de uma enfermidade infecciosa. Com auxílio de outros pesquisadores, uma série de
inoculações de tecidos, secreções e excreções foi realizada entre pacientes graves e casos fatais de pelagra.
Entretanto, até o momento em que Goldberger enviou a carta ao Serviço de Saúde Pública, nenhum resul-
tado positivo para doença infecciosa havia sido encontrado. Contudo, chamava a atenção o fato de que, nos
estudos realizados em instituições que abrigavam pessoas por um período de até vinte anos, a doença mani-
festava-se somente entre os internos, sendo que nenhum caso havia sido observado entre os funcionários
dessas instituições que viviam nas mesmas condições e, em alguns casos, muito próximos aos pacientes com
pelagra.
No estudo realizado por Goldberger nas duas instituições foi possível observar que entre os indivíduos
com pelagra havia menor consumo de carnes e outros alimentos protéicos de origem animal, enquanto o
consumo de alimentos de origem vegetal, como milho e leguminosas, era desproporcionalmente maior.
Com os resultados desse estudo, foi possível constatar que a pelagra pode ser totalmente prevenida por meio
de alimentação adequada, sem apoiar qualquer idéia de que pudesse ser uma enfermidade contagiosa. Para
concluir, no documento entregue ao Serviço de Saúde Pública, Goldberger argumentava que ao lado de suas
observações havia demonstrações práticas de que a pelagra jamais atingira pessoas que consumiam uma
alimentação mista, equilibrada e variada, como, por exemplo, as rações fornecidas às Forças Armadas, ao
Exército e a exploradores.
Em 1916, dando seqüência aos estudos sobre pelagra, Goldberger revisa a literatura da época e
percebe que os estudos associavam a ocorrência da doença a situações de pobreza e miséria, mas conclui que
nenhum dos estudos prévios permitia a comparação com a situação econômica da população em geral.
Assim, decide estudar a relação de diversos fatores socioeconômicos entre um grupo de trabalhadores da
indústria têxtil em sete aldeias do noroeste da Carolina do Sul. A incidência de pelagra foi investigada por
meio de visitas quinzenais em busca de casos. Esses casos foram definidos pela clara presença de dermatite
simétrica bilateral. Para cada uma das 747 famílias estudadas investigou-se a aquisição de alimentos adqui-
ridos em um período de 15 dias anterior à entrevista e a renda familiar obtida por meio da informação de
cada um dos membros do domicílio. Esta última informação foi completada e confirmada por dados obtidos
com os funcionários administrativos da indústria têxtil, considerando-se que em 90% dos casos a renda era
proveniente do salário obtido pelos empregados de tais indústrias. Os resultados desse estudo mostraram
marcada relação inversa entre baixa renda e incidência de pelagra. A renda mais baixa esteve associada com
menor quantidade de carne, verduras, frutas frescas, leite e derivados e maior quantidade de farinha de
milho nos domicílios estudados.
James Lind, Takaki e Goldberger estão para a epidemiologia nutricional como John Snow está para a
epidemiologia da cólera e para os primórdios da epidemiologia clássica. Esses estudiosos devem ser conside-
rados pioneiros na investigação da relação entre dieta e doença. Outras informações sobre a história da
epidemiologia ou sobre os estudos que deram origem ao campo podem ser obtidas em The Challenge of
Epidemiology: issues and selected readings (1988).
Evoluindo no tempo, percebe-se que outros trabalhos relacionados com nutrição foram desenvolvidos
na primeira metade do século XX. Um estudo realizado em 1933-1934 pelo Serviço de Saúde Pública dos
Estados Unidos buscando determinar o limite de flúor recomendado demonstrou que, com exposição con-

25
Epidemiologia Nutricional

tinuada, a proporção de crianças sem cáries era maior entre aquelas que utilizavam água potável com maior
concentração de flúor. Dessa forma, verificou-se que a composição mineral da água potável tem relação
importante com a incidência de cáries dentárias em uma comunidade. Em 1945, um estudo de adição de
flúor na água para prevenir cárie dentária foi iniciado. Depois de dez anos de experiências, a fluoração da
água foi considerada efetiva para reduzir cárie dentária, e uma técnica segura em saúde pública.
A influência da suplementação de vitaminas durante a gestação sobre o desenvolvimento intelectual
das crianças foi estudada em um ensaio clínico duplo-cego realizado entre outubro de 1945 e junho de
1948. Testes de inteligência foram aplicados em crianças de 3 a 4 anos de idade. Em um dos locais incluídos
no estudo (Norfolk, Virgínia), os resultados mostraram que entre as crianças cujas mães haviam recebido
suplementação de vitamina durante o último trimestre de gestação, a inteligência média avaliada por teste
específico foi significativamente mais alta do que entre aquelas crianças cuja mãe havia recebido placebo.
Resultados mais evidentes foram observados no grupo que recebeu tiamina, riboflavina, niacina e menos
evidentes no grupo que recebeu somente tiamina ou ácido ascórbico. No entanto, não houve diferenças
significativas em outra região estudada onde a dieta habitual das mulheres estava mais próxima do consumo
adequado para esses nutrientes.
É importante destacar a evolução metodológica experimentada ao longo do tempo, claramente eviden-
ciada nos desenhos de estudo dos exemplos anteriores, em que a epidemiologia nutricional estava voltada
para as associações entre morbidades e deficiências nutricionais.
Por sua vez, as transições epidemiológica e nutricional experimentadas por populações de diversos
países contribuíram em parte para que o escopo da epidemiologia fosse ampliado, passando a incluir tam-
bém o efeito da dieta sobre a ocorrência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). Na segunda
metade do século passado, coortes incluindo um grande número de participantes e ensaios clínicos de longa
duração foram estabelecidos. Nesse momento ganha importância o conceito de ‘epidemiologia nutricional’,
que passa a ser definida como a ciência cujo objetivo é investigar o efeito da dieta sobre a ocorrência de
doenças específicas.
Na verdade, mais do que o efeito da dieta, os primeiros estudos enfatizavam o efeito de nutrientes
específicos, trazendo para as doenças crônicas o mesmo modelo de investigação das doenças carenciais. Uma
importante exceção relaciona-se aos estudos do papel do excesso de peso, um dos primeiros fatores nutricionais
a serem identificados e relacionados tanto com a incidência de doenças crônicas específicas como com a
mortalidade geral. O excesso de peso torna-se um capítulo à parte nos estudos de epidemiologia nutricional,
por se mostrar associado a várias DCNT.
Um marco nos estudos de epidemiologia nutricional é a constituição de coortes como a das enfermei-
ras americanas, iniciada em 1976, com 121.700 mulheres, que tem servido de base para testar várias hipó-
teses nutricionais em várias doenças que vão do câncer de mama à síndrome metabólica. Nesse período
iniciam-se também os grandes ensaios como o Physicians’ Health Study, de 1982, com 22.071 homens. Trata-
se de ensaio clínico controlado para avaliação de suplementação com betacaroteno na prevenção da doença
do coração e do câncer. A principal hipótese estudada no Physicians’ Health Study I (já existe o II) foi a relação
entre utilização de baixas doses de aspirina e mortalidade cardiovascular. A hipótese secundária avaliou o
efeito do betacaroteno na redução da incidência de câncer. O modelo de desenho foi fatorial, e a parte do
ensaio que avaliou o efeito da aspirina terminou antes do prazo planejado, considerando-se que os resultados
foram favoráveis em relação ao infarto do miocárdio. Esses estudos permitiram testar hipóteses de diversos
nutrientes como fatores de risco para as DCNT, e sua importância pode ser avaliada pelo número de publi-
cações que são recuperadas na base de dados da Biblioteca Americana de Medicina, mais conhecida como
Medline ou Pubmed. Como exemplo, utilizando-se o nome do estudo Physicians’ Health Study na busca,
foram identificados 67 trabalhos. O estudo das enfermeiras, por sua vez, já gerou mais de mil publicações.

26
Introdução

Com base nos resultados observados nessas grandes coortes, recomendações e normas nutricionais em
saúde pública foram sendo estabelecidas. As guias alimentares dos Estados Unidos, embora existissem desde
1916, foram incorporadas à agenda de saúde somente no final dos anos 70, em virtude dos excessos e
desequilíbrios alimentares, como explicitado no The Surgeon General’s Report de 1979. A transição
epidemiológica como função de mudanças alimentares é novamente reforçada pela publicação do The Surgeon
General’s Report on Nutrition and Health de 1998, que resume os achados dos diferentes estudos e sua relação
com as DCNT.
Diferentes países, inclusive o Brasil, vêm utilizando o conhecimento da epidemiologia nutricional
para orientar o setor Saúde e tentar influenciar o consumo alimentar da população. Mesmo com a grande
produção científica que serve de base para a elaboração de políticas públicas na área de alimentação e nutri-
ção, críticas são divulgadas, tanto no meio acadêmico como pela população em geral. As restrições ao consu-
mo de ovo tornaram-se emblemáticas nesse sentido. Em relação às guias alimentares americanas, as críticas
de que são objeto atualmente as consideram excessivamente influenciadas por fatores econômicos (Willett,
2001), com forte impacto do setor produtivo. Interdições e escolhas alimentares aparecem em diferentes
culturas e religiões, e não se trata de uma questão atual. Todavia, propostas de políticas públicas na área de
alimentação e nutrição com o objetivo de influenciar as escolhas alimentares sempre se fundamentaram em
conhecimentos científicos correntes. Os recentes avanços da ciência da nutrição fazem com que mudanças
na escolha alimentar ocorridas nos últimos anos e outras, ainda desconhecidas pela ciência, possam vir a
acontecer, em futuro próximo.
Mais recentemente, as guias alimentares têm enfatizado uma abordagem em alimentos e padrões de
consumo (Gifford, 2002) e, dessa forma, aproximam-se das reais necessidades da população. Contudo, na
medida em que o conhecimento gerado pela epidemiologia nutricional transforma-se em regra social, ou
norma, evidencia-se o seu caráter temporal, ou seja, as normas podem morrer, e essa possibilidade deve ser
vista como um passo importante para a incorporação de novos conhecimentos pelos profissionais da saúde e
pela população em geral.

Referências
DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES (DHHS). The Surgeon General’s Report on
Nutrition and Health. Washington: DHHS/PHS, 1988. (Publication 88-50210)
GIFFORD, K. D. Dietary fats, eating guides, and public policy: history, critique, and recommendations.
American Journal of Medicine, 113, suppl. 9B: 89S-106S, 2002.
GOLDBERGER, J. Considerations on pellagra [1914]. In: The Challenge of Epidemiology: issues and selected
readings. Whashington: Paho, 1988. (Scientific Publication, 505)
LIND, J. An inquire into the nature, causes, and cure of the scurvy [1753]. In: The Challenge of Epidemiology:
issues and selected readings. Whashington: Paho, 1988. (Scientific Publication, 505)
STEERING COMMITTEE OF THE PHYSICIANS’ HEALTH STUDY RESEARCH GROUP. Final report
on the aspirin component of the ongoing Physicians’ Health Study. New England Journal of Medicine,
321(3): 129-135, 1989.

27
Epidemiologia Nutricional

TAKAKI, B. The preservation of health amongst the personnel of the Japanese Navy and Army [1906]. In:
The Challenge of Epidemiology: issues and selected readings. Whashington: Paho, 1988. (Scientific
Publication, 505)
WILLETT, W. C. Eat, Drink and Be Healthy. New York: Simon & Schuster Source, 2001.

28
Parte I
Métodos em Epidemiologia Nutricional
1
Uso e Interpretação dos Indicadores Antropométricos
na Avaliação do Estado Nutricional de Gestantes

Amanda Rodrigues Amorim, Elisa Maria de Aquino Lacerda e Gilberto Kac

O diagnóstico e o acompanhamento do estado nutricional da gestante são ações que devem fazer parte
da rotina da assistência pré-natal, qualificando a atenção prestada. Essas ações têm o intuito de identificar risco
nutricional no início da gestação, detectar as gestantes com ganho de peso inadequado para a idade gestacional e
permitir, com base na identificação das gestantes de risco, a implementação de intervenções nutricionais adequadas
a cada caso, visando a melhorar o estado nutricional materno, as condições para o parto e o peso do recém-nascido
(Ministério da Saúde, 2000).
O estado nutricional materno adequado é fundamental para obter-se bons resultados gestacionais, relacio-
nados à mulher e ao recém-nascido, pois o feto depende exclusivamente do organismo materno para o seu
desenvolvimento. Entretanto, a gestação é um momento peculiar para avaliação nutricional, pois as variações,
nas medidas antropométricas, são grandes e ocorrem em um curto período (WHO, 1995a, 1991).
O presente capítulo tratará da utilização e interpretação dos indicadores antropométricos na avaliação do
estado nutricional de gestantes, considerando vantagens e limitações de cada um.

Indicadores Antropométricos
A antropometria é um método simples, de baixo custo e possível de ser utilizado nos serviços de saúde para
diagnóstico nutricional de gestantes. Além da antropometria, indicadores bioquímicos são especialmente úteis na
identificação de carência de micronutrientes como ferro e vitamina A. Contudo, o diagnóstico laboratorial de
tais carências nutricionais foge ao escopo deste capítulo, sendo oportunamente abordado nos capítulos
“Epidemiologia da anemia ferropriva” e “Epidemiologia da hipovitaminose A e xeroftalmia”, respectivamente.
Os indicadores antropométricos mais utilizados na avaliação do estado nutricional pregresso e atual de
gestantes são: peso pré-gestacional, estatura materna, perímetro do braço e da panturrilha, pregas cutâneas,
Índice de Massa Corporal (IMC) pré-gestacional e ganho ponderal gestacional (WHO, 1995a, 1995b, 1991;
Krasovec & Anderson, 1991). Adicionalmente, a altura uterina e o ganho de peso são utilizados na avaliação do
crescimento fetal. O Quadro 1 descreve sinteticamente os pontos de cortes utilizados para os principais indicado-
res antropométricos de gestantes, bem como suas vantagens e limitações.

31
Epidemiologia Nutricional

Quadro 1 – Descrição dos indicadores antropométricos para avaliação do estado nutricional de gestantes

Indicador Ponto de corte Vantagens e limitações

Peso pré-gestacional (kg) < 40 Útil para avaliar o estado nutricional anterior à concepção.
Útil para calcular o ganho de peso no início da gestação (peso
WHO (1991)
na primeira consulta pré-natal - peso pré-gestacional).
Utilizado para calcular o ganho de peso total.
Informação não está freqüentemente disponível.
Sujeito a viés.

Estatura (cm) 140-150 Útil para avaliar o estado nutricional anterior à concepção.
Não permite a avaliação de mudanças no estado nutricional
WHO (1991, 1995)
durante a gestação.
A medida pode ser comprometida quando aferida após a
vigésima semana de gestação devido às alterações na postura
materna.

Perímetro do braço (cm) 21-23,5 Útil na avaliação do estado nutricional anterior à gestação,
principalmente na ausência da informação sobre o peso pré-
WHO (1991) gestacional.
De fácil obtenção e não requer equipamentos sofisticados.
Medida permanece relativamente estável na gestação.

IMC pré-gestacional (kg/m ) 2


Baixo peso: < 19,8 Útil para avaliar o estado nutricional anterior à concepção.
Adequado: 19,8-26,0 Utilizado para determinar as recomendações de incremento de
Sobrepeso: 26,1-29,0 peso gestacional apropriado para mulheres com diferentes níveis
Obesidade: > 29,0 de risco nutricional anterior à gestação.
IOM (1990) Depende da informação sobre o peso pré-gestacional.

Adequação peso/estatura (%) Baixo peso: < 90 Útil para avaliar o estado nutricional anterior à concepção
Normal: 90-120 quando se utiliza a informação do peso pré-gestacional.
Sobrepeso: > 120 Pode ser utilizado para monitorar o ganho ponderal gestacional.
IOM (1990) Necessita de um padrão de referência populacional para
determinar a relação adequada.

Ganho ponderal (kg) Baixo peso: 12,5-18,0 Varia conforme o estado nutricional pré-gestacional.
Normal: 11,5-16,0 Depende da informação do IMC pré-gestacional.
Sobrepeso: 7,0-11,5
Obesidade: mín. 6,8

IOM (1990)

Peso Pré-gestacional
O peso anterior à gestação é um importante indicador antropométrico, pois está associado a diversos
desfechos gestacionais. Estudos realizados em países desenvolvidos e em desenvolvimento mostram que o peso
pré-gestacional tem apresentado associação com o peso ao nascer e mortalidade infantil (Krasovec & Anderson,
1991). Embora o peso pré-gestacional e ganho de peso ponderal estejam relacionados, pesquisas mostram que o
peso anterior à concepção tem um efeito independente no peso ao nascer (WHO, 1991). O peso pré-gestacional,
além de ser utilizado no cálculo do ganho de peso durante a gestação, possibilita a avaliação do estado nutricional
anterior à concepção por meio do cálculo do IMC pré-gestacional. Embora o peso pré-gestacional seja uma
medida útil na avaliação do estado nutricional de gestantes, esta informação não está rotineiramente disponível,

32
Uso e interpretação dos indicadores antropométricos ...

especialmente em países em desenvolvimento. Mais detalhes quanto ao peso pré-gestacional estão disponíveis no
tópico 9, dedicado à interpretação de estudos sobre ganho ponderal gestacional.

Estatura Materna
A estatura materna é uma medida antropométrica que pode ser utilizada como indicador de avaliação do
estado nutricional anterior à concepção, embora não permita a avaliação de mudanças no estado nutricional
durante a gestação (Krasovec & Anderson, 1991). Como a estatura em adultos é o reflexo da interação entre o
potencial genético e as condições ambientais (WHO, 1995b), ambos os fatores devem ser considerados na utili-
zação da estatura como prognósticos de resultados gestacionais. A baixa estatura, em países desenvolvidos, pode
indicar o risco de complicações obstétricas como desproporção cefalopélvica, trabalho de parto prolongado e
parto cirúrgico. Em países em desenvolvimento, a baixa estatura pode indicar risco de Crescimento Intra-Uterino
Restrito (CIUR), devido às condições nutricionais desfavoráveis (WHO, 1991; Krasovec & Anderson, 1991).
Ainda é controversa a associação entre baixa estatura e o Baixo Peso ao Nascer (BPN). Ao passo que alguns
estudos demonstram que a estatura tem uma contribuição independente de outros fatores ao risco para BPN,
outros estudos postulam que a associação é apenas um reflexo do efeito do peso corporal da gestante. Considera-
se que o ponto de corte da estatura para o prognóstico de BPN e complicações obstétricas esteja situado entre 140
e 150 cm (WHO, 1991).

Perímetro do Braço e da Panturrilha


O perímetro do braço, diferentemente do peso materno, é uma medida que permanece relativamente estável
durante o curso da gestação. Este indicador é utilizado na avaliação do estado nutricional anterior à gestação,
principalmente na ausência da informação sobre o peso pré-gestacional (Krasovec & Anderson, 1991).
A utilização deste indicador é recomendada em locais com pouca infra-estrutura, pois a medida do períme-
tro do braço é de fácil obtenção, não necessitando de equipamentos sofisticados para a sua aferição. Faz-se
necessário apenas o treinamento da equipe responsável pela aferição. Os pontos de corte para os resultados
desfavoráveis relacionados à gestação variam de 21 a 23,5 cm, de acordo com a população avaliada (WHO, 1991).
O perímetro da panturrilha pode ser utilizado como uma medida alternativa ao perímetro do braço. Esta
medida também parece ser relativamente independente da idade gestacional, permanecendo estável ao longo da
gestação. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que o perímetro da panturrilha aferido uma única vez
durante a gestação, no primeiro contato com o serviço de saúde, parece ser uma medida promissora na identifi-
cação de mulheres sob risco de desfechos gestacionais negativos, especialmente crescimento intra-uterino restrito.
Entretanto, sua aferição pode ser comprometida pela presença de edema nos membros inferiores (WHO, 1995b).

Dobras Cutâneas
A apreciação das alterações nos valores de dobras tem sido amplamente utilizada na avaliação de mudanças
do conteúdo de gordura corporal ao longo da gestação, na efetividade de programas de suplementação nutricional
de gestantes desnutridas e na identificação de mulheres sob risco de desfechos gestacionais negativos. A aferição
de dobras cutâneas durante a gestação pode ser feita em apenas um local, como, por exemplo, na região triciptal,
subescapular ou na coxa, ou ainda em diversas áreas corporais, utilizando o somatório dessas pregas. A taxa de
incremento da dobra cutânea da coxa (mm/semana) geralmente é utilizada na avaliação da resposta a uma inter-
venção nutricional (WHO, 1995a). Por sua vez, a dobra cutânea triciptal é utilizada na identificação da popula-
ção sob risco de BPN. Estudos revelam que a dobra cutânea triciptal está negativamente relacionada ao peso ao

33
Epidemiologia Nutricional

nascer, mesmo após ajustes para paridade, idade materna, idade gestacional, estatura e peso maternos e sexo da
criança (Briend, 1985; Viegas, Cole & Wharton, 1987; Neggers et al., 1984). Viegas, Cole e Wharton(1987)
relatam que mulheres com aumento semanal da dobra cutânea triciptal inferior a 0,02 mm entre a 18a e a 28a
semanas de gestação deram à luz recém-nascidos com menor peso e menor perímetro cefálico.
O somatório das dobras cutâneas é utilizado na avaliação da distribuição total da gordura subcutânea
(WHO, 1986). O Institute of Medicine (IOM) dos Estados Unidos reporta que o aumento na reserva de gordu-
ra parece contribuir para o crescimento fetal, entretanto o acúmulo exacerbado de gordura corporal durante a
gestação está associado à ocorrência de sobrepeso ou obesidade no período pós-parto (IOM, 1990). Segundo
Atalah e Castro (2004), mulheres com gordura corporal maior ou igual a 35% no início da gestação apresentam
maior risco de complicações no parto, hipertensão, diabetes gestacional e mortalidade fetal.
Como descrito no capítulo “Antropometria como método de avaliação do estado de nutrição e saúde do
adulto”, a aferição de dobras cutâneas apresenta diversas limitações, que podem ser ainda maiores quando
mensuradas durante a gestação. A alteração da distribuição de gordura corporal da região central (abdome) para
a periférica (pernas, braços e região subescapular) para melhor acomodação do feto na cavidade abdominal pode
ser considerada uma limitação específica na gestação, pois o aumento das pregas na região periférica não necessa-
riamente representa aumento na gordura corporal total. Uma outra limitação refere-se à presença de edema nos
membros inferiores, principalmente ao término da gestação.
Estudos longitudinais sobre avaliação de dobras cutâneas em gestantes sugerem que o aumento dos valores
das dobras ao final da gestação reflete o aumento da retenção de líquido, e não necessariamente um incremento
no conteúdo de gordura corporal. Em virtude de tais limitações, o IOM ressalta a necessidade de desenvolvimento
de equações de calibração baseadas na população de gestantes, nas quais o conteúdo de gordura corporal seja
mensurado utilizando-se o melhor método disponível. Entretanto, o instituto adverte que a aplicabilidade de tais
equações irá variar segundo as características da população estudada – idade, cor da pele, nível de atividade física,
entre outras (IOM, 1990).

Índice de Massa Corporal Pré-gestacional


O IMC pré-gestacional, definido como peso pré-gestacional (kg)/estatura (m)2, é utilizado para a identifi-
cação de mulheres sob risco nutricional (baixo peso ou sobrepeso) no início da gestação e orienta a quantidade
total de peso que, segundo as recomendações do IOM, deve ser ganho durante a gestação (IOM, 1990).
A avaliação do peso para estatura pode ser feita por meio do IMC e também pelo percentual de adequação
a um padrão de referência. O IMC e o percentual de adequação peso/estatura são formas diferentes de apresentar
a mesma informação. A adequação do peso para a estatura entre 90 e 120% do padrão de referência do Metropolitan
Life Insurance equivale aproximadamente a um IMC entre 19,8 e 26,0 kg/m2 (limite de normalidade, segundo o
IOM, 1990). Vale registrar que o ponto de corte para o IMC pré-gestacional utilizado pela OMS difere dos
valores recomendados pelo IOM (WHO, 1995b). Os pontos de corte para IMC pré-gestacional preconizados
pelo IOM e OMS estão apresentados na Tabela 1.

34
Uso e interpretação dos indicadores antropométricos ...

Tabela 1 – Recomendação de ganho de peso segundo IMC pré-gestacional, proposta pelo IOM
IMC pré-gestacional, IMC pré-gestacional, Ganho de peso totalb Taxa de ganho de pesoc
Estado nutricional segundo o IOMa segundo a OMS

kg/m2 kg/m2 kg kg/semana

Baixo peso < 1 9 ,8 < 1 8 ,5 12,5-18,0 0 ,5

Adequado 19,8-26,0 18,5-24,9 11,5-16,0 0 ,4

Sobrepeso 26,1-29,0 25,0-29,9 7,0-11,5 0 ,3

Obesidade > 2 9 ,0 ≥ 3 0 ,0 Pelo menos 6,8 -

a - Os pontos de corte adotados pelo IOM correspondem ao 90, 120 e 135 do percentual de adequação do peso/estatura
do Metropolitan Life Insurance Company, dos Estados Unidos, de 1959.
b - Ganho de peso recomendado na 40a semana gestacional.
c - Taxa de ganho de peso recomendada durante o segundo e terceiro trimestre gestacional.
Fonte: adaptada de IOM (1990).

Estado Nutricional de Gestantes no Brasil


O Estudo Brasileiro sobre Diabetes Gestacional (EBDG), realizado em seis capitais brasileiras entre 1991
e 1995, classificou o estado nutricional pré-gestacional de 5.314 gestantes adultas, de acordo com os pontos de
corte da OMS, e encontrou uma prevalência de 5,7% de baixo peso, 19,2% de sobrepeso e 5,5% de obesidade
(Nucci et al., 2001). Outro estudo de coorte, com mulheres entre 15 e 45 anos, residentes no município do Rio
de Janeiro, revelou uma prevalência, baseada no IMC pré-gestacional, de 20% de baixo peso, 10,4% de sobrepeso
e 6,1% de obesidade (Kac & Velásquez-Meléndez, 2005). Após um acompanhamento durante nove meses de pós-
parto, o estado nutricional caracterizou-se por 3,2% de baixo peso, 33% de sobrepeso e 12,7% de obesidade
(Castro, Kac & Sichieri, 2006).
O aumento e a velocidade de aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade são fatores preocupantes,
devido ao impacto no incremento da morbi-mortalidade de mulheres em decorrência de doenças que se associam
ao excesso de peso (Kac & Velásquez-Meléndez, 2003; Prata, 1992).
O EBDG ainda revelou que a obesidade pré-gestacional e o ganho de peso excessivo na gestação aumenta-
ram de forma independente o risco de cesariana e vários resultados adversos durante o parto vaginal (Seligman et
al., 2006), e que mulheres com obesidade pré-gestacional apresentaram maior freqüência de diabetes gestacional.

Altura Uterina
A altura uterina mensura o tamanho do fundo do útero. A medida é utilizada na avaliação da idade gestacional.
Como a altura uterina avalia o tamanho do útero e, indiretamente, o seu conteúdo, esta medida também pode ser
utilizada como um indicador do crescimento fetal. Na prática clínica, a aferição da altura uterina na segunda
metade da gestação pode ser utilizada na identificação de casos de macrossomia fetal ou CIUR (WHO, 1995b).

Ganho Ponderal Gestacional


O aumento do peso corporal durante a gravidez é um dos parâmetros mais utilizados durante o pré-natal
para se observar a evolução normal da gestação (Krasovec & Anderson, 1991; WHO, 1991; Suitor, 1997).
A informação sobre o ganho de peso materno possibilita avaliar o crescimento fetal, uma vez que é mais sensível ao

35
Epidemiologia Nutricional

estresse nutricional agudo durante a gestação do que outros indicadores antropométricos (Krasovec & Anderson,
1991; Yekta et al., 2006). O ganho adequado de peso reduz os riscos e resultados desfavoráveis na gestação e no parto
para mãe e filho. O ganho insuficiente de peso, além do baixo peso pré-gestacional, associa-se a riscos fetais como o
BPN, CIUR e a prematuridade (Thorsdottir et al., 2002; Schieve et al., 2000). A taxa de mortalidade neonatal para
bebês nascidos a termo é cinco vezes maior em crianças Pequenas para Idade Gestacional (PIG), em comparação
com as classificadas como adequadas para a idade gestacional (Seeds & Peng, 1998). Por sua vez, ganho excessivo de
peso, associado ou não ao sobrepeso e à obesidade, está relacionado a complicações na gestação e parto, tais como:
pré-eclampsia, diabetes gestacional, macrossomia fetal, aumento da taxa de partos operatórios e incidência de distocia
(Kac & Velásquez-Meléndez, 2005; Abrams, Altman & Pickett, 2000; Dietl, 2005; Nucci et al., 2001). Além dessas
implicações, a retenção excessiva de peso no pós-parto é um dos fatores determinantes da obesidade em mulheres em
idade reprodutiva (Kac et al., 2004; Linne, 2002).
Para o acompanhamento clínico do ganho ponderal, a gestação é dividida em três trimestres. O primeiro
compreende as 13 semanas iniciais, o segundo engloba o período entre a 14a e a 27a semanas, e o terceiro inicia-se na
28a semana de gestação (Ministério da Saúde, 2000). O ganho de peso durante a gestação, em geral, obedece ao
seguinte padrão: pequeno aumento não linear durante o primeiro trimestre, aumento linear a partir da 13a-14a
semana, ocorrendo o maior ganho durante o segundo trimestre, com a manutenção do padrão até a 36a semana.
A partir desse período há um decréscimo significativo na velocidade do ganho de peso (Krasovec & Anderson,
1991; Abrams, Carmichael & Selvin, 1995). Estima-se que a média do ganho de peso total durante a gestação seja
em torno de 12,0 kg, dos quais 3,5 kg representariam o peso do feto a termo, 3,0 kg seriam referentes ao aumento
uterino e das glândulas mamárias, do líquido amniótico e da placenta, 0,5 a 1,0 kg seriam referentes à retenção de
líquido e 4,0 kg referentes ao depósito de tecido adiposo materno (Hytten, 1980).

Curvas e Recomendações de Ganho de Peso


Existem diversos tipos de curvas de peso. Em geral, consistem de um gráfico que tem a idade gestacional
em semanas como abscissa e o ganho de peso em quilogramas (diferença entre peso no momento da consulta e
peso pré-gestacional) como ordenada. A utilização deste instrumento é simples e de grande relevância na avalia-
ção da evolução do estado nutricional materno durante a gestação.
Além das curvas de peso, existe um outro instrumento utilizado na avaliação do ganho ponderal gestacional,
denominado curva de adequação percentual de peso para estatura. Esta curva possui a idade gestacional como
abscissa e o peso materno definido como percentual de adequação como ordenada. Ambos os instrumentos reque-
rem o conhecimento prévio dos valores normais para a população atendida e da idade gestacional (Krasovec &
Anderson, 1991).
No Brasil, a Curva de Rosso, baseada na adequação percentual de peso para estatura segundo idade gestacional,
foi adotada pelo Ministério da Saúde (MS) em 1987 como instrumento gráfico de avaliação da evolução nutricional
da gestante na rede pública de saúde (Ministério da Saúde, 1988). A Curva de Rosso foi construída com base em
amostra de 262 mulheres norte-americanas saudáveis que deram à luz recém-nascidos vivos sem má-formação
congênita (Rosso, 1985). Para fins de validação, um estudo multicêntrico foi realizado nos EUA, Chile e Brasil.
O estudo constatou que, ao final da gravidez, o ganho de peso de 20% em relação ao peso ideal para estatura no
início da gestação garante o crescimento fetal máximo. O estudo concluiu que a curva era um potente instrumento
para diagnóstico nutricional de gestantes e para prevenir o BPN. A consistência dos primeiros resultados fez com
que, no Brasil, este instrumento fosse adotado pelo MS em caráter preliminar. Este método, no entanto, não é mais
utilizado por ter-se mostrado inadequado para a triagem de gestantes em risco nutricional, uma vez que confere
diagnóstico positivo de baixo peso para grande proporção de mulheres com estado nutricional adequado (Coelho,
Souza & Filho, 2002). Além da superestimação da desnutrição, o instrumento de Rosso recebeu críticas por ter

36
Uso e interpretação dos indicadores antropométricos ...

utilizado a tabela do Metropolitan Life Insurance como referência para adequação peso/estatura, e por não pos-
sibilitar a avaliação de mulheres com peso pré-gestacional acima de 130% de adequação. Nesse caso, as mulheres
eram orientadas a ganhar aproximadamente 7 kg (Rosso, 1985).
A partir de uma pequena casuística de 43 gestantes uruguaias, o Centro Latino-Americano de Perinatologia
propôs um modelo tentativo de avaliação antropométrica do estado nutricional da gestante utilizando o aumento
de peso a partir de 12 semanas de gravidez, consistindo em quatro curvas correspondentes aos percentis 10, 25,
50 e 90. Diminui-se do peso atual da gestante o peso pré-gestacional, obtendo-se o aumento de peso para a idade
gestacional. O valor é registrado no gráfico do cartão da gestante. As gestantes devem se localizar entre o percentil
25 e 90 do gráfico, independentemente do IMC pré-gestacional (Fescina, 1997). O MS incorporou o método de
Fescina no manual técnico de “Assistência pré-natal” (Ministério da Saúde, 2000), resultando em controvérsias
por parte dos estudiosos do problema, devido ao pequeno número de observações do estudo original. Além disso,
o método fundamenta-se em relações corporais de mulheres no período reprodutivo comparadas com tabelas de
referência peso/idade provenientes da metade do século passado, quando a antropometria nutricional ainda não
incorporava normas e padrões hoje considerados, como, por exemplo, o IMC pré-gestacional.
Recentemente, com a intenção de corrigir as distorções observadas no método da Curva de Rosso, Atalah e
colaboradores elaboraram novo instrumento baseado no IMC ajustado pela idade gestacional (Figura 1). Nas pri-
meiras semanas de gestação, os autores adotaram os pontos de corte de IMC de 20, 25 e 30 como limites para
baixo peso, sobrepeso e obesidade, respectivamente (Tabela 2). Considerando o estado nutricional no início da
gestação, os autores estimaram o ganho cumulativo de peso que se associava a um menor risco para a mãe e para
o feto e transformaram esse ganho em unidades de IMC. Estudo de validação deste instrumento abrangendo
cerca de setecentas gestantes atendidas na rede pública de saúde do Chile foi concluído recentemente, mostrando
resultados favoráveis para a utilização do indicador e dos instrumentos que viabilizam seu uso – um gráfico e uma
tabela com o IMC por semana gestacional (Atalah & Castro, 2004).

Figura 1 – Acompanhamento nutricional de gestantes, proposto por Atalah

Fonte: adaptada de Atalah et al. (1997).

37
Epidemiologia Nutricional

Tabela 2 – Método de avaliação do estado nutricional de gestantes segundo IMC por semana gestacional,
proposto por Atalah
Semana gestacional Baixo peso Adequado Sobrepeso Obesidade
IMC IMC entre IMC entre IMC
8 1 9 ,9 2 0 ,0 2 4 ,9 2 5 ,0 3 0 ,0 3 0 ,1

9 2 0 ,1 2 0 ,2 2 5 ,0 2 5 ,1 3 0 ,1 3 0 ,2

10 2 0 ,2 2 0 ,3 2 5 ,2 2 5 ,3 3 0 ,2 3 0 ,3

11 2 0 ,3 2 0 ,4 2 5 ,3 2 5 ,4 3 0 ,3 3 0 ,4

12 2 0 ,4 2 0 ,5 2 5 ,4 2 5 ,5 3 0 ,3 3 0 ,4

13 2 0 ,6 2 0 ,7 2 5 ,6 2 5 ,7 3 0 ,4 3 0 ,5

14 2 0 ,7 2 0 ,8 2 5 ,7 2 5 ,8 3 0 ,5 3 0 ,6

15 2 0 ,8 2 0 ,9 2 5 ,8 2 5 ,9 3 0 ,6 3 0 ,7

16 2 1 ,0 2 1 ,1 2 5 ,9 2 6 ,0 3 0 ,7 3 0 ,8

17 2 1 ,1 2 1 ,2 2 6 ,0 2 6 ,1 3 0 ,8 3 0 ,9

18 2 1 ,2 2 1 ,3 2 6 ,1 2 6 ,2 3 0 ,9 3 1 ,0

19 2 1 ,4 2 1 ,5 2 6 ,2 2 6 ,3 3 0 ,9 3 1 ,0

20 2 1 ,5 2 1 ,6 2 6 ,3 2 6 ,4 3 1 ,0 3 1 ,1

21 2 1 ,7 2 1 ,8 2 6 ,4 2 6 ,5 3 1 ,1 3 1 ,2

22 2 1 ,8 2 1 ,9 2 6 ,6 2 6 ,7 3 1 ,2 3 1 ,3

23 2 2 ,0 2 2 ,1 2 6 ,8 2 6 ,9 3 1 ,3 3 1 ,4

24 2 2 ,2 2 2 ,3 2 6 ,8 2 7 ,0 3 1 ,5 3 1 ,6

25 2 2 ,4 2 2 ,5 2 7 ,0 2 7 ,1 3 1 ,6 3 1 ,7

26 2 2 ,6 2 2 ,7 2 7 ,2 2 7 ,3 3 1 ,7 3 1 ,8

27 2 2 ,7 2 2 ,8 2 7 ,3 2 7 ,4 3 1 ,8 3 1 ,9

28 2 2 ,9 2 3 ,0 2 7 ,5 2 7 ,6 3 1 ,9 3 2 ,0

29 2 3 ,1 2 3 ,2 2 7 ,6 2 7 ,7 3 2 ,0 3 2 ,1

30 2 3 ,3 2 3 ,4 2 7 ,8 2 7 ,9 3 2 ,1 3 2 ,2

31 2 3 ,4 2 3 ,5 2 7 ,9 2 8 ,0 3 2 ,2 3 2 ,3

32 2 3 ,6 2 3 ,7 2 8 ,0 2 8 ,1 3 2 ,3 3 2 ,4

33 2 3 ,8 2 3 ,9 2 8 ,1 2 8 ,2 3 2 ,4 3 2 ,5

34 2 3 ,9 2 4 ,0 2 8 ,3 2 8 ,4 3 2 ,5 3 2 ,6

35 2 4 ,1 2 4 ,2 2 8 ,4 2 8 ,5 3 2 ,6 3 2 ,7

36 2 4 ,2 2 4 ,3 2 8 ,5 2 8 ,6 3 2 ,7 3 2 ,8

37 2 4 ,4 2 4 ,5 2 8 ,7 2 8 ,8 3 2 ,8 3 2 ,9

38 2 4 ,5 2 4 ,6 2 8 ,8 2 8 ,9 3 2 ,9 3 3 ,0

39 2 4 ,7 2 4 ,8 2 8 ,9 2 9 ,0 3 3 ,0 3 3 ,1

40 2 4 ,9 2 5 ,0 2 9 ,1 2 9 ,2 3 3 ,1 3 3 ,2

41 2 5 ,0 2 5 ,1 2 9 ,2 2 9 ,3 3 3 ,2 3 3 ,3

42 2 5 ,0 2 5 ,1 2 9 ,2 2 9 ,3 3 3 ,2 3 3 ,3

Fonte: adaptado de Atalah et al. (1997).

Atualmente, este método foi adotado pelo MS na rotina de avaliação do estado nutricional de gestantes
atendidas na rede pública de saúde. O IMC por semana gestacional tem como vantagem permitir realizar o

38
Uso e interpretação dos indicadores antropométricos ...

diagnóstico nutricional em qualquer momento da consulta do pré-natal, possibilitando também o monitoramento


do estado nutricional por meio da visualização do traçado dos valores de IMC marcados no gráfico (Figura 1).
Como a previsão de ganho de peso total até o final da gestação é uma medida de muita utilidade na prática
clínica, por permitir quantificar, em quilogramas, o ganho de peso desejado para a gestante e propiciar orienta-
ções nutricionais adequadas, o MS adotou, em caráter complementar ao método de Atalah, a recomendação de
ganho de peso total preconizada pelo IOM em 1990 (Ministério da Saúde, 2005).
Embora a proposta de avaliação de gestantes do MS – uma combinação de dois métodos (curva de Atalah
e IOM) – pareça temporariamente satisfatória, faz-se necessária a realização de um estudo multicêntrico nacional
para a construção de uma curva de ganho de peso adequada para a população brasileira. Coelho, Souza e Filho
(2002), em uma revisão sobre os modelos técnicos de avaliação antropométrica do estado nutricional durante a
gestação utilizados nos últimos quarenta anos, afirmam que ainda é necessária a elaboração de um método mais
satisfatório, desvinculado da condição peso ao nascer, como referência dominante na avaliação do instrumento.
Em âmbito internacional, apesar das recomendações de ganho de peso variarem entre os países, parece
haver uma tendência dos pesquisadores a utilizar a recomendação proposta pelo IOM. O ganho de peso preconi-
zado pelo IOM varia em função da adequação do IMC pré-gestacional (Tabela 1 e Figura 2). O IOM recomenda
um ganho de 11,5 a 16,0 kg para mulheres com o IMC pré-gestacional normal e um ganho de peso maior e
menor para as mulheres com baixo peso e sobrepeso antes da concepção, respectivamente (IOM, 1990). Desde
sua publicação em 1990, diversos estudos têm avaliado a adequação dessa recomendação (Parker & Abrams,
1992; Keppel & Taffel, 1993; Schieve, Cogswell & Scanlon, 1998; Thorsdottir et al., 2002; Cogswell et al.,
1995). Os estudos revelam que o ganho ponderal recomendado pelo IOM está associado a resultados favoráveis
relacionados às mulheres e aos recém-nascidos.

Figura 2 – Curvas de ganho de peso, segundo IMC pré-gestacional ABC, propostas pelo IOM

A - Assume-se um ganho de peso de 1,6 kg no primeiro trimestre e uma taxa de ganho de peso de 440 g/semana no segundo
e terceiro trimestres.
B - Assume-se um ganho de peso de 2,3 kg no primeiro trimestre e uma taxa de ganho de peso de 490 g/semana no segundo
e terceiro trimestres.
C - Assume-se um ganho de peso de 0,9 kg no primeiro trimestre e uma taxa de ganho de peso de 300 g/semana no segundo
e terceiro trimestres.
Fonte: IOM (1990).

39
Epidemiologia Nutricional

Indicadores de Ganho Ponderal Gestacional


Existem vários indicadores utilizados para computar o ganho de peso gestacional. Os principais são: ganho
de peso total, taxa de ganho de peso, ganho de peso total líquido e taxa líquida de ganho de peso. Em geral, o
ganho de peso total é determinado pela diferença entre o peso no final da gestação e o peso no início da gestação;
a taxa de ganho de peso é definida como ganho de peso total dividido pela idade gestacional em semanas, e o
ganho de peso total líquido é determinado pela diferença entre ganho de peso total e o peso da criança ao nascer
(IOM, 1990). Por fim, a taxa líquida de ganho de peso é calculada pela divisão do ganho de peso total líquido
pela duração total da gestação em semanas. O ganho de peso total é o indicador mais utilizado; no entanto, ele
não permite diferenciar os componentes do ganho de peso, como o peso do feto, as reservas de gordura materna,
a massa magra materna, o volume sangüíneo e de água e outros componentes necessários para um bom resultado
gestacional (Krasovec & Anderson, 1991). Além dessa limitação, é importante notar que o ganho de peso total é
influenciado pela duração da gestação. Os principais indicadores de ganho de peso, bem como suas vantagens e
limitações, estão descritos no Quadro 2.

Quadro 2 – Definições do ganho de peso gestacional e comentários sobre suas aplicações

Ganho de Peso Total (GPT)


Indicador Vantagens e limitações

Não identifica o padrão de GP. Não é útil para monitorar o GP.


Não permite a implementação de inter venções, pois a
identificação do ganho insuficiente ou excessivo de peso ocorre ao
GPT = P final - P inicial término da gestação.
É influenciado pela duração da gestação.
Utilizado em pesquisas e programas de vigilância.

Medidas Vantagens e limitações

Quantifica o GP desde o início da gestação.


Difícil obtenção do peso pré-gestacional em alguns subgrupos
populacionais.
GPT = P final - P pré-gestacional
O peso pré-gestacional referido pode estar sujeito a viés. Mulheres
com baixo peso e sobrepeso tendem a superestimar e subestimar,
respectivamente, os pesos.

O peso na primeira consulta é comumente disponível.


Não representa o peso pré gestacional.
GPT = P final - P gestacional na primeira consulta pré-natal
Pode afetar o cálculo quando a informação for registrada
tardiamente.

Peso no dia do parto não é rotineiramente coletado.


GPT = P da gestante no dia do parto - P inicial Fornece o GPT real.
É importante para pesquisas.

Freqüentemente disponível.
GPT = P da última consulta pré-natal - P inicial
Algumas vezes é obtido muitas semanas antes do parto.

40
Uso e interpretação dos indicadores antropométricos ...

Quadro 2 – Definições do ganho de peso gestacional e comentários sobre suas aplicações (continuação)
Taxa de Ganho de Peso (TGP)
Indicador Vantagens e limitações

Assume um padrão de GP linear. Sabe-se que o GP no primeiro


trimestre não é linear.
A aferição do GP cumulativo em um ponto específico da gestação
TGP = (P data2 - P data1) / (IG2 - IG1) é rotineiramente disponível na prática clínica e em pesquisas.
É afetado pela freqüência das mensurações.
Remove parcialmente a dependência do tempo.

Medidas Vantagens e limitações

TGP = (P no início do trimestre - P no final do trimestre)/ nº de Não necessita do peso pré-gestacional.


semanas do trimestre O peso no início e ao final do trimestre não está sempre disponível.
Requer uma estimativa acurada da IG.

A aferição da taxa de ganho de peso total é rotineiramente


disponível na prática clínica.
Não é freqüentemente disponível em pesquisas.
TGP = GPT / IG Remove a dependência do tempo.
Possivelmente é não linear.
Requer uma estimativa acurada da duração da gestação.
É afetado pela qualidade da informação do peso pré-gestacional.

Ganho de Peso Total Líquido (GPTL)


Indicador Vantagens e limitações

Assume um padrão de GP linear. Sabe-se que o GP no primeiro


trimestre não é linear.
GPTL = GPT - P (do recém-nascido ou dos produtos A aferição do GP cumulativo em um ponto específico da gestação
da concepção ou peso materno no pós-parto) é rotineiramente disponível na prática clínica e em pesquisas.
É afetado pela freqüência das mensurações.
Remove parcialmente a dependência do tempo.

Medidas Vantagens e limitações

A informação do peso ao nascer é freqüentemente disponível.


GPTL = GPT - P do recém-nascido
Remove a correlação do peso materno com o peso ao nascer.

Os pesos da placenta e do líquido amnióticos não são disponíveis.


Remove a correlação do peso materno com o peso do bebê e dos
GPTL = GPT - P dos produtos da concepção
produtos da concepção.
Fornece uma estimativa mais acurada.

A informação do P no pós-parto não está freqüentemente


disponível.
Remove o efeito da correlação do peso materno com o peso do
GPTL = P no pós-parto - P pré-gestacional bebê e dos produtos da concepção.
É influenciado pelo tempo de pós-parto (diurese).
Fácil mensuração.

41
Epidemiologia Nutricional

Quadro 2 – Definições do ganho de peso gestacional e comentários sobre suas aplicações (continuação)
Taxa Líquida de Ganho de Peso (TLGP)a
Indicador Vantagens e limitações

Remove o efeito da correlação do GP materno e o peso fetal.


Remove dependência do tempo.
TLP = GPTL / IG Requer uma estimativa acurada da duração da gestação.
Não é útil para a prática clínica, pois o peso fetal não pode ser
determinado no útero e as correções não podem ser feitas durante a
gestação.

a - As variações das medidas utilizadas na composição deste indicador são as mesmas descritas para GPTL: GP (ganho de
peso), GPT (ganho de peso total), GPTL (ganho de peso total líquido), IG (idade gestacional), P (peso), TGP (taxa de ganho
de peso), TLGP (taxa líquida de ganho de peso).
Fonte: adaptado de IOM (1990).

Interpretação de Estudos sobre Ganho Ponderal Gestacional


Como descrito no Quadro 2, além da diversidade dos indicadores para o cálculo do ganho ponderal
gestacional, também existem variações nas medidas utilizadas para computá-los. Portanto, a interpretação dos
resultados de pesquisas que envolvem o ganho de peso deve levar em consideração a definição do indicador, as
medidas utilizadas como peso no início e ao final da gestação, a acurácia do método empregado para o cálculo da
idade gestacional e a inclusão ou não do peso fetal como parte do ganho de peso materno (IOM, 1990; Kramer
et al., 1992). A decisão sobre qual medida deve ser utilizada no cálculo do ganho de peso depende fundamental-
mente da disponibilidade e qualidade dos dados e dos problemas metodológicos inerentes a cada medida.

Peso no Início da Gestação


Segundo o IOM, o peso mensurado antes da concepção deve ser preferencialmente utilizado no cálculo do
ganho de peso. Entretanto, como a medida não está freqüentemente disponível, o peso auto-referido pode ser
utilizado como uma aproximação do peso materno anterior à gestação, desde que informado antes da 13ª semana
gestacional. Apesar de o peso referido ser fortemente correlacionado ao peso corporal mensurado antes da gesta-
ção, esta medida está sujeita a viés (IOM, 1990). Mulheres com sobrepeso tendem a subestimar o peso pré-
gestacional, e mulheres com baixo peso tendem a superestimá-lo (Stevens-Simon, Roghmann & McAnarney,
1992). Mulheres com peso normal também são suscetíveis a informarem o peso erradamente, devido à baixa
acurácia das balanças e às práticas inadequadas de mensuração (Ellison & Holliday, 1997; Harris et al., 1997,
1998). Em face de tais limitações, Harris e Ellison (1998) advogam que o peso pré-gestacional informado não é
adequado para o uso em pesquisas, mas é supostamente apropriado para o uso na prática clínica. Em contraste,
estudos de validação mostram que a diferença entre o peso mensurado e o informado é pequena, aproximada-
mente 1-2 kg, o que permite que o dado seja utilizado em estudos epidemiológicos (Gunderson, Abrams &
Selvin, 2001). Visto que ainda não existe consenso quanto à utilização do peso informado, é aconselhável que os
estudos validem o peso referido pela gestante em uma subamostra antes de usar esta informação para o cálculo do
ganho de peso.
Quando o peso informado parece suspeito ou quando a gestante não se recorda do seu peso anterior à
gestação, o peso mensurado durante a primeira consulta pré-natal, antes de 13 semanas, também pode ser utili-
zado. Embora essa medida não reflita o peso pré-gestacional, o ganho de peso durante o primeiro trimestre da

42
Uso e interpretação dos indicadores antropométricos ...

gestação é geralmente pequeno, 1-2 kg (Krasovec & Anderson, 1991). Contudo, as variações interindividuais
devem ser levadas em consideração. Algumas mulheres são suscetíveis a náuseas e vômitos no início da gestação
e podem apresentar uma perda significativa de peso durante esse período, ao passo que outras podem apresentar
um ganho de peso expressivo durante o primeiro terço da gestação (IOM, 1990). Ademais, muitas mulheres
iniciam o acompanhamento pré-natal tardiamente, e raramente o peso materno na primeira consulta é aferido
durante o primeiro trimestre gestacional.

Peso Final
No cálculo do ganho de peso total, é crucial certificar-se de que o ganho de peso foi computado conside-
rando a última medida de peso durante a gestação, de modo a garantir que nenhum ganho adicional de peso não
tenha sido mensurado. A título de ilustração, considere um estudo que esteja avaliando a associação entre o
ganho de peso insuficiente e a ocorrência de BPN. Suponha que a duração média da gestação foi de quarenta
semanas e o ganho de peso total foi calculado por volta da 32ª semana de gestação. Nessa situação, a associação
é subestimada devido ao intervalo entre a última medida de peso e a data do parto. Presumivelmente, houve um
ganho de peso adicional após a aferição do peso final (32ª semana) que não foi computado. Idealmente, o ganho de
peso deve ser calculado utilizando-se como medida final o peso mensurado durante a admissão na maternidade. No
entanto, como esta medida não está freqüentemente disponível, na ausência de informação, sugere-se utilizar o
peso final mensurado não mais que duas semanas antes do parto (Scholl et al., 1995).

Idade Gestacional
Como descrito anteriormente, a aferição correta da idade gestacional é de suma importância para a inter-
pretação dos indicadores antropométricos e também para a avaliação do desenvolvimento da gestante e do bebê
e para orientação de medidas de intervenção apropriadas, pois cada período gestacional apresenta suas peculiari-
dades e exige manejo clínico diferenciado.
Embora a OMS recomende a utilização da Data da Última Menstruação (DUM) como método para o
cálculo da idade gestacional, tanto para fins clínicos como para as pesquisas na área (Alexander, Tompkins &
Cornely, 1990), alguns autores questionam a acurácia deste indicador pela possibilidade de sangramento no
primeiro trimestre ser confundido com a última menstruação e pela ocorrência de ciclos longos e/ou irregulares
ampliando as diferenças entre idade da gestação e idade da concepção (Kramer et al., 1988; Savitz et al., 2002).
A definição da idade gestacional baseada na DUM resulta em erro de classificação de partos prematuros, a termo
e pós-termo e diagnósticos incorretos de CIUR (Kramer et al., 1988). Este erro de classificação pode, por exem-
plo, superestimar a taxa de ganho de peso em mulheres que tiveram partos a termo, quando a DUM indicou
parto pré-termo, e subestimar a taxa de ganho de peso de mulheres que deram à luz recém-nascidos a termo,
quando a DUM indicou parto pós-termo (IOM, 1990). Em função desses fatores, observa-se uma crescente
indicação e utilização da ultra-sonografia (USG) para a estimação da idade gestacional do recém-nascido. No
entanto, a USG deve ser realizada no início do segundo trimestre para ser considerada como um método mais
apropriado para mensurar a idade gestacional (Kramer et al., 1988).

Influência da Duração da Gestação


O ganho de peso total, apesar de ser um indicador amplamente utilizado em pesquisas nacionais e interna-
cionais, é dependente da duração da gestação. Em geral, quanto maior a duração da gestação, maior o ganho
ponderal. Este fenômeno de dependência temporal deve ser considerado na apreciação de estudos sobre a associação

43
Epidemiologia Nutricional

entre o baixo ganho de peso gestacional e a ocorrência de partos prematuros. Visto que a prematuridade encurta o
tempo de ganho de peso, deve-se ajustar o ganho de peso total pela duração da gestação, utilizando-se preferen-
cialmente o indicador de taxa de ganho de peso (IOM, 1990).

Componentes do Ganho de Peso


Na apreciação do ganho ponderal, é necessária também a diferenciação entre os componentes nutricionais e
não nutricionais, identificando se o aumento de peso é resultante de alterações da massa magra na reserva de tecido
adiposo ou ainda do aumento do tamanho do feto, placenta e líquido amniótico. O ganho de peso total líquido
permite avaliar o ganho ponderal materno retirando a contribuição dos componentes da concepção. Além disso, o
ganho de peso líquido remove o viés chamado pelos epidemiologistas de part-whole correlation. Este viés ocorre
quando, em um estudo, o peso do recém-nascido é incluído como variável dependente e também é um componente
da variável independente – ganho de peso materno (Gunderson & Abrams, 1999; Selvin & Abrams, 1996).

Considerações Finais
A importância da avaliação do estado nutricional da gestante, bem como do acompanhamento do ganho
de peso gestacional, reside na possibilidade de realização de intervenções que minimizem o impacto que as
alterações no estado nutricional da gestante possam acarretar na saúde da mulher e do recém-nascido. Pesquisas
aplicadas devem ser empreendidas a fim de desenvolver e validar não somente protocolos de atenção nutricional,
como também os próprios instrumentos utilizados na avaliação antropométrica do estado nutricional de gestantes.

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47
2
Avaliação Nutricional de Crianças

Cora Luiza Pavin Araújo

O padrão de crescimento infantil é, talvez, o melhor indicador para avaliar o estado de saúde e nutrição
de crianças. Em nível populacional, a prevalência de desnutrição, por exemplo, é freqüentemente utilizada como
indicador de desenvolvimento econômico e de saúde geral de uma nação (Eveleth & Tanner, 1990). Em
contrapartida, observa-se que em países emergentes a desnutrição passa a dar lugar a uma rápida elevação das
prevalências de sobrepeso e obesidade. A globalização e o chamado estilo de vida ocidental podem ser os grandes
responsáveis pelo acelerado aumento do excesso de peso em todo o mundo (WHO, 2000).
O crescimento infantil resulta da contínua interação entre dois tipos de fatores: os genéticos e os ambientais.
Um ambiente adequado, incluindo alimentação, higiene, cuidados de saúde, afetividade, entre outros, proporciona
as condições necessárias para que as crianças possam desenvolver seu potencial genético de crescimento.
O monitoramento do estado nutricional de crianças desde seu nascimento é um instrumento valioso para identificar
precocemente situações de risco nutricional.
Inquéritos dietéticos, determinações bioquímicas, avaliação clínica e antropometria são os principais méto-
dos para avaliar o estado nutricional do ponto de vista clínico ou epidemiológico. Entretanto, a antropometria,
que consiste na medida das dimensões corporais e da composição global do corpo humano (Jelliffe, 1968), em
diferentes idades e em distintos graus de nutrição, tem sido recomendada como o principal método de avaliação
do crescimento infantil. Por sua simplicidade, baixo custo, por ser um método não invasivo e apresentar boa
precisão, tem sido um instrumento valioso para identificar problemas nutricionais já instalados e também na
identificação precoce de situações de risco nutricional. Além disso, é um método útil para o monitoramento do
crescimento de crianças individualmente, além de permitir sua ampla utilização em estudos epidemiológicos que
visem a determinar as prevalências de déficits nutricionais, assim como do excesso de peso.
O objetivo do presente capítulo é descrever sucintamente o instrumental necessário para avaliar o estado
nutricional de crianças menores de 5 anos de idade, utilizando o método antropométrico.

A Antropometria
Medidas das dimensões corporais associadas à idade, ao sexo ou a outras variáveis antropométricas permi-
tem conhecer o estado de saúde e de risco nutricional de indivíduos em geral, mas especialmente de crianças.

49
Epidemiologia Nutricional

A triagem (screening) nutricional e a monitorização do crescimento têm sido as duas principais formas de
uso da antropometria. A primeira é útil para identificar quem apresenta problema nutricional e é feita uma única
vez. Essa avaliação ou triagem é valiosa, mas só tem sentido realizá-la se uma ação posterior for implementada
visando à solução do problema nutricional detectado. A monitorização do crescimento é o acompanhamento da
evolução de índices antropométricos por um período de meses ou anos, e visa a identificar precocemente proble-
mas nutricionais. Seu crescente uso nos programas de puericultura ajuda a identificar crianças com algum pro-
blema nutricional e, por extensão, de saúde.
Outra importante utilidade da antropometria é seu uso em estudos epidemiológicos. Nas últimas duas ou
três décadas, resultados de estudos de ciclo vital (Barker, 2003; Gunnel et. al., 1998) têm ressaltado a importância
de associações entre condições antropométricas, hábitos alimentares e doenças crônicas em períodos precoces da
infância, da adolescência e da vida adulta. Estudos clássicos de intervenção, assim como ensaios comunitários,
também utilizam a antropometria. No primeiro caso, um conjunto de indivíduos é alocado aleatoriamente em
um grupo de estudo que recebe uma intervenção nutricional e comparado com outro grupo similar que não
recebe a intervenção. Diferenças nos resultados entre os dois grupos indicam o efeito da intervenção. Já os ensaios
comunitários permitem estudar o efeito de intervenção em nível comunitário, comparando-se os resultados com
outra comunidade similar que não recebeu a intervenção E, finalmente, a antropometria é também um instru-
mento útil em estudos transversais, de coorte e de casos e controles que buscam investigar associações entre
estado nutricional e doenças.

Variáveis, Índices, Indicadores Antropométricos


Há uma grande variedade de medidas antropométricas úteis para a avaliação nutricional de crianças, indivi-
dual ou coletivamente. Aqui, serão abordados os aspectos referentes à técnica de coleta das variáveis peso, compri-
mento e altura, perímetro cefálico e dobras cutâneas tricipital e subescapular, por serem as mais utilizadas na
avaliação nutricional de crianças e pela disponibilidade de dados de referências que permitem realizar comparações.

Peso
O peso é a variável antropométrica mais usada. Em média, a criança triplica seu peso de nascimento ao
final do primeiro ano de vida (WHO, 2006). Atenção a alguns detalhes técnicos na coleta desta medida é
importante para que se obtenham valores com suficiente confiabilidade, ou seja, que representem o verdadeiro
peso da criança. Estritamente, esta medida refere-se mais à massa corporal do que ao peso, mas o último termo
tem sido popularizado. O peso é uma medida composta pelo tamanho corporal total. É importante no diagnós-
tico de crescimento anormal, de obesidade e de subnutrição (Lohman, Roche & Martorell,1988).

Equipamento e técnica
O ideal é utilizar uma balança pediátrica do tipo digital. O modelo mecânico também pode ser usado,
porém exige maior treinamento e prática de quem realiza a pesagem. Independentemente do tipo de balança
utilizado, deve-se dispor de um conjunto de pesos-padrão (5, 10 e 15 kg) para a calibragem diária da balança.
Para crianças maiores, de 2 anos de idade, que já conseguem permanecer de pé, recomenda-se o uso da mesma
balança, digital ou mecânica, utilizada para pesar adultos.
A balança deve ser posicionada em lugar firme e nivelado, com iluminação adequada e espaço suficiente, e
aferida antes de cada pesagem. Se necessário, calibrá-la. Crianças menores de 2 anos de idade devem ser pesadas
completamente despidas; maiores de 2 anos devem vestir apenas roupas leves e sem sapatos. Deve-se observar que
não haja nenhum objeto nos bolsos, nas mãos ou na cabeça.

50
Avaliação nutricional de crianças

Tendo em vista que a pesagem em balança digital é extremamente simples, a técnica descrita a seguir refere-
se à balança antropométrica, com régua para a medida de altura.

Técnica
Travar o braço da balança com movimento leve. Posicionar a criança sobre o centro da plataforma da
balança e assegurar-se de que está bem segura e sem encostar-se em nada (nem na mãe ou acompanhante).
Movimentar o peso grande até o provável peso da criança e destravar a balança, movimentando o peso pequeno
até obter equilíbrio no fiel da balança. Em seguida, travar a balança, e só então retirar a criança. Fazer a leitura e
registrar o peso em gramas ou quilogramas, imediatamente após a leitura. Com a balança travada, voltar os pesos
à posição zero.

Estatura
A medida longitudinal permite avaliar o tamanho corporal total e o comprimento de ossos. É importante
para o diagnóstico de déficit linear. A estatura reflete os efeitos cumulativos de eventos anteriores melhor, talvez,
do que qualquer outra medida.
Neste capítulo serão utilizados os termos ‘comprimento’ e ‘altura’ para designar quando a criança foi medi-
da ‘deitada’ ou ‘em pé’, respectivamente. ‘Estatura’ refere-se genericamente tanto à ‘altura’ quanto ao ‘compri-
mento’.
A estatura de um indivíduo é a soma de quatro componentes: as pernas, a pélvis, a coluna vertebral e a
cabeça (Jelliffe, 1968). Cada um destes segmentos apresenta particularidades em relação à magnitude e idade de
aumento em suas dimensões.
O crescimento longitudinal é proporcionalmente mais lento do que o aumento de peso: em média, o
comprimento aumenta 50% ao fim do primeiro ano de vida, em relação ao comprimento ao nascer (WHO,
2006). A deficiência de estatura tende a desenrolar-se de forma relativamente lenta e também se recupera lenta-
mente. Por isso, freqüentemente não é percebida pelos pais ou responsáveis pela criança. Carência de alimentos e/
ou elevada freqüência de morbidade afetam a estatura progressivamente.
Para a tomada de medidas antropométricas, necessita-se de um antropômetro ou infantômetro, ou ainda
de mesa antropométrica para a obtenção da medida deitada, e de estadiômetro ou régua da balança antropométrica
para medir a criança em pé. Em locais onde não se dispõe de equipamentos específicos é possível realizar a coleta
de medidas de boa qualidade, utilizando-se uma fita métrica e um esquadro, cuja preparação e técnica poderão
ser encontradas mais adiante, neste capítulo.

Comprimento
É uma medida que requer cuidados especiais e, idealmente, requer dois antropometristas. Entretanto,
dependendo do grau de exigência quanto à confiabilidade da medida, um antropometrista com prática pode
realizar o trabalho. Recém-nascidos automaticamente dobram os joelhos, exigindo que o antropometrista apli-
que leve pressão sobre os joelhos para mantê-los esticados, e só então realizar a leitura da medida. Crianças
maiores podem ser inquietas e não cooperativas. A visualização da mãe ou do acompanhante pode ajudar, se estes
aparentarem calma. Outra estratégia é manter no ambiente alguns brinquedos que despertem o interesse da
criança.
As crianças nascem com aproximadamente 49,5 cm em média (WHO, 2006). Ao final do primeiro ano, a
altura média é de 74 cm. Nunca mais, durante o resto da vida pós-natal, ocorrerá semelhante velocidade de
crescimento. No segundo ano de vida, o crescimento é de aproximadamente 12 cm, ou seja, a metade.

51
Epidemiologia Nutricional

A Tabela 1 apresenta os valores médios de crescimento por trimestres durante o primeiro ano de vida de meninos e
meninas, separadamente.

Tabela 1 – Médias de comprimento ao nascer e ganhos de comprimento (cm), entre meninos e meninas

Meninas Meninos
Idade
Ganho por Ganho por
Mediana (cm) Desvio-padrão Mediana (cm) Desvio-padrão
trimestre (cm) trimestre (cm)

Ao nascer 4 9 ,1 - 1 ,8 6 2 7 4 9 ,9 - 1 ,8 9 3 1

1º trimestre 5 9 ,8 1 0 ,7 2 ,1 0 5 1 6 1 ,4 1 1 ,5 2 ,0 4 4 4

2º trimestre 6 5 ,7 5 ,9 2 ,2 6 6 4 6 7 ,6 6 ,2 2 ,1 4 0 3

3º trimestre 7 0 ,1 4 ,4 2 ,4 1 5 7 7 2 ,0 4 ,4 2 ,2 4 3 3

4º trimestre 7 4 ,0 3 ,9 2 ,5 7 5 0 7 5 ,6 3 ,6 2 ,3 7 6 2

Ganho no 1º ano de vida 2 4 ,9 - - 2 5 ,7 -

Fonte: WHO (2006).

Técnica
Solicitar à mãe ou responsável que retire os sapatos e meias da criança, assim como roupas volumosas,
particularmente fraldas. Retirar também adornos da cabeça. O antropômetro deve ser colocado sobre uma super-
fície plana e firme, como uma mesa forte. Solicitar à mãe ou acompanhante que deite a criança de costas sobre o
antropômetro e permaneça próxima a sua cabeça para mantê-la calma. Assegurar-se de que a cabeça da criança
esteja bem encostada na cabeceira do antropômetro. Pedir ao segundo antropometrista ou à mãe ou acompa-
nhante que coloque as mãos sobre o queixo da criança, a fim de garantir que a cabeça permaneça encostada e que
o pescoço não esteja encolhido. A cabeça deve estar posicionada observando-se o Plano de Frankfurt (plano
originado pela união dos pontos ‘orifício do ouvido’ e o ‘canto externo do olho’ formando um ângulo de 90º com
a prancha do antropômetro) (Lohman, Roche & Martorell, 1988). Colocar o braço e o cotovelo sobre os joelhos
e pernas da criança, forçando-os suavemente contra o aparelho. Com a mão deste mesmo braço, puxar os pés em
direção ao joelho até que as plantas dos pés formem ângulo de 90º em relação à superfície horizontal do
antropômetro. Com a outra mão, deslocar o cursor até tocar a planta dos pés da criança. Os pés devem estar
paralelos ao anteparo móvel do aparelho. Se a criança estiver muito agitada, será necessário forçar, com cuidado,
empurrando os joelhos para baixo. Fazer a leitura da medida com precisão de 1 mm. Registrar imediatamente.

Altura
É a medida linear total de crianças maiores de 2 anos de idade. A técnica apresentada a seguir refere-se à
coleta da medida utilizando-se a régua antropométrica da balança. A balança deve estar posicionada em lugar
firme, plano e com iluminação adequada. Solicitar à mãe ou acompanhante que retire os sapatos e qualquer tipo
de adorno da cabeça da criança.

52
Avaliação nutricional de crianças

Técnica
Com a balança travada, posicionar a criança no centro da plataforma. A criança deve permanecer ereta,
com a cabeça erguida (Plano de Frankfurt) (Lohman, Roche & Martorell, 1988). Os braços devem estar pendentes
ao longo do corpo, os pés levemente afastados e os calcanhares encostados no plano vertical da régua. Apoiar o
ramo horizontal da régua sobre o centro da cabeça. Pressionar de modo a tocar a cabeça e não apenas os cabelos.
Cuidar para que a criança não se encolha quando o ramo horizontal tocar sua cabeça. Fazer a medida nesta
posição e registrá-la imediatamente em centímetros, com precisão de 1 mm.

Medida de altura com fita métrica e esquadro


Prender a fita métrica, não extensível, com fita adesiva, numa parede ou porta bem lisa. A parede não deve
ter rodapé. O lugar deve ser suficientemente iluminado para permitir uma boa leitura. Marcar um ponto na
parede ou porta, a partir de 50 cm do chão. A fita métrica deve ser fixada com fita adesiva transparente, a partir
desse ponto marcado, com a escala invertida, ou seja, tendo os números menores para baixo, aumentando na
medida em que vai subindo pela parede ou porta. Para assegurar-se de que a fita está perpendicular ao solo,
utilizar um prumo, que pode ser feito com qualquer objeto suficientemente pesado (mas pequeno), preso na
extremidade de um fio comprido. A fita métrica deve ficar bem aderida na parede ou porta em, pelo menos, três
diferentes pontos. Desenhar a planta dos pés numa folha de papel e fixá-la no chão com fita adesiva, de modo a
orientar a criança sobre onde pisar.

Técnica
Posicionar a criança de costas para a parede ou porta, em frente à fita métrica e sobre o desenho fixado no
chão. Manter os calcanhares e as costas (ombros e nádegas) encostados na parede ou porta, cuidando para que a
criança não dobre os joelhos. A cabeça deve estar posicionada no Plano de Frankfurt (Lohman, Roche & Martorell,
1988). Apoiar o esquadro contra a parede ou porta e sobre a fita métrica. Descê-lo suavemente até tocar a cabeça
da criança, pressionando levemente, de modo a comprimir apenas os cabelos e não modificar sua posição. A
leitura deve ser feita em posição lateral ao indivíduo, de modo a obter o melhor ângulo para visualizar a escala
métrica. Registrar o valor da medida antes de retirar a criança. Assegurar-se de que após cada medida a fita
métrica mantém-se na posição correta.

Circunferência Cefálica
É uma medida que compõe a antropometria infantil por estar estreitamente relacionada ao tamanho do
cérebro (Lohman, Roche & Martorell, 1988). Pode ser usada como um índice de desnutrição crônica durante os
primeiros 24 meses de vida. Entretanto, além dos 2 anos o crescimento cefálico é tão lento que sua medida perde
a utilidade (Gibson, 1990), embora, após os 3 anos, o cérebro ainda aumente cerca de 30% (Lohman, Roche &
Martorell, 1988). A Tabela 2 mostra as médias de circunferência cefálica e velocidade de aumento por semestre,
desde o nascimento até os 36 meses. Os dados apresentados são do WHO Child Growth Study (WHO, 2006). Ao
passo que nos seis primeiros meses de vida a circunferência cresce cerca de 1,4 cm ao mês, dos 30 aos 36 meses
essa velocidade cai drasticamente para 0,1 cm/mês.

53
Epidemiologia Nutricional

Tabela 2 – Circunferência cefálica e velocidade de crescimento (cm/mês), do nascimento aos 36 meses de


idade, segundo o WHO Child Growth Study
Idade (meses) Média de circunferência cefálica (cm) Média de velocidade de crescimento (cm/mês)

Nascimento 3 4 ,2

1 3 6 ,4
1 ,4 3
3 4 0 ,0

6 4 2 ,8

9 4 4 ,4
0 ,3 7
12 4 5 ,5

18 4 6 ,6
0 ,1 8
24 4 7 ,7

30 4 8 ,4
0 ,1 0
36 4 9 ,0

Fonte: WHO Child Growth Study (2006).

Técnica
Utilizar uma fita métrica estreita (7 mm ou menos), flexível e inextensível. O antropometrista posiciona-se
ao lado esquerdo da criança e deve remover touca ou qualquer adorno que a criança tenha no cabelo. A cabeça é
mantida no Plano de Frankfurt, olhando para frente. Passar a fita métrica em volta da cabeça, no sentido da
esquerda para a direita, e transferir o início da fita para a mão esquerda, de modo que ela passe completamente em
volta da cabeça e cruze em frente aos olhos do antropometrista. Cruzar a fita de modo que o ponto zero fique no
nível superior em relação à outra extremidade da fita. Posicionar a fita frontalmente na altura imediatamente
superior às sobrancelhas. Procurar o ponto mais posterior do occipital, de modo a obter o maior perímetro. A fita
métrica deve passar na mesma altura da cabeça, nas duas laterais, direita e esquerda. A fita deve estar levemente
apertada, o suficiente para comprimir o cabelo. Com o dedo médio posicionado na parte posterior da cabeça, o
antropometrista deve mover a fita para cima e para baixo até obter o maior perímetro. Fazer a leitura neste ponto
e registrar imediatamente o valor da medida com precisão de 1 mm (Ex.: 39,8 cm).

Dobras Cutâneas
A medida de dobras cutâneas tem por finalidade estimar a gordura corporal total por meio de valores de
gordura subcutânea em um ou mais pontos do corpo. Entretanto, a precisão das estimativas varia conforme sexo,
idade, estado nutricional e grupo étnico (Gibson, 1990). Roche e colaboradores (1981) descobriram que a
medida de dobra cutânea tricipital é a que melhor estima gordura corporal em crianças. Portanto, é a mais
indicada quando apenas uma medida de dobra cutânea for usada.
Os pontos mais apropriados para as medidas dependem da finalidade do estudo, da idade e dos indivíduos
a serem examinados (a distribuição da camada de gordura varia com a idade mesmo na primeira infância), do
sexo, da precisão com que se localiza o ponto, da homogeneidade da espessura de gordura e de pele em uma dada
região corporal.

54
Avaliação nutricional de crianças

Técnica
O aparelho utilizado para a tomada da medida é o plicômetro (skinfolder caliper), e as medidas devem ser
feitas no lado esquerdo (Lohman, Roche & Martorell, 1988). Além dessa recomendação, a tomada da medida no
lado esquerdo justifica-se também pelo fato de que as medidas de dobras cutâneas tricipital e subescapular, para
a construção da nova referência de crescimento da OMS (WHO, 2006), foram coletadas no lado esquerdo das
crianças.
É aconselhável demonstrar o plicômetro na palma da própria mão, da mãe e da criança, antes de iniciar a
medição. Deve-se tomar cuidado para que a criança não se mova bruscamente enquanto a medida estiver sendo
tomada, pois, se a dobra cutânea escapar, poderá causar dor. Com os dedos polegar e indicador da mão esquerda,
eleva-se uma dobra de tecido adiposo subcutâneo, aproximadamente 1 cm acima do ponto sobre o qual o plicômetro
deverá ser aplicado. A distância entre os dedos e o ponto da medida é necessária para que a pressão dos dedos não
afete o valor da medida. A quantidade de tecido elevada deve ser suficiente para formar uma dobra de lados
paralelos. É necessário cuidado para que apenas pele e tecido adiposo sejam elevados. A quantidade de pele e
tecido adiposo a ser elevada depende da espessura da camada de tecido adiposo subcutâneo naquele ponto.
Quanto maior a espessura da camada de tecido adiposo, maior separação entre os dedos polegar e indicador será
necessária. A dobra é mantida entre os dedos até que a leitura seja concluída.
O plicômetro é segurado com a mão direita enquanto a dobra é elevada com a esquerda. As garras do aparelho
são posicionadas sobre o ponto marcado, perpendicularmente à dobra cutânea elevada. A liberação da pressão deve
ser gradual, para evitar desconforto. A medida é feita em mais ou menos quatro segundos e, depois, a pressão do
plicômetro é liberada. Se o aparelho exercer pressão por um tempo maior do que esse, uma medida menor será
obtida, porque os fluidos serão forçados a deixar os tecidos. Duas medidas devem ser feitas, alternadamente entre os
diferentes pontos. A diferença entre cada uma das duas medidas no mesmo ponto não deve exceder 1 mm. Usar a
média. Se a diferença exceder a 1 mm, deve-se realizar mais uma medida e escolher as duas mais próximas, cuja
diferença não exceda este valor. Repetir até três vezes e, se não conseguir, suspender a tomada desta medida e tentar
outro dia. A medida deve ser registrada de acordo com a precisão do aparelho (1 ou 2 mm). Crianças que ainda não
ficam em pé podem ser medidas sentadas no colo da mãe ou responsável.

Dobra cutânea tricipital


A medida é feita no ponto médio posterior do braço esquerdo. Para marcá-lo, a criança deve dobrar o
braço, com o cotovelo formando um ângulo reto (90o). Localizar o acrômio (extremo superior do braço) e o
olécrano (extremo inferior do cotovelo). Colocar a fita métrica no extremo superior e estendê-la até o extremo
inferior. Dividir essa distância por dois e, com uma caneta, marcar este ponto do braço (ponto médio). Estender
o braço da criança, desfazendo o ângulo reto do cotovelo.

Técnica
Manter o braço suspenso e relaxado. Com os dedos polegar e indicador, levantar uma dobra de tecido, 1 cm
acima do ponto já marcado. Aplicar o plicômetro sobre o ponto marcado, fazer a leitura e registrar imediatamente
o valor da medida.

Dobra cutânea subescapular


O ponto a ser medido fica imediatamente abaixo do ângulo inferior da escápula do lado esquerdo. Para
localizá-lo, palpar a escápula correndo os dedos para baixo e lateralmente à coluna vertebral até que o ângulo mais
inferior da escápula seja identificado. A movimentação do braço esquerdo ajuda a localização. A medida deve ser
tomada com o braço estendido. Marcar este ponto com a caneta.

55
Epidemiologia Nutricional

Técnica
Levantar uma dobra de pele e tecido adiposo com os dedos polegar e indicador posicionados 1 cm acima
e lateralmente à marca anterior. A dobra deve ser oblíqua à coluna vertebral. Aplicar as hastes do plicômetro
sobre a marca, mantendo a dobra cutânea elevada pelos dedos polegar e indicador. Fazer a leitura e registrar
imediatamente.

Confiabilidade das Medidas Antropométricas


Um requisito fundamental para se obter resultados confiáveis na avaliação nutricional é conseguir informações e
dados os mais exatos possíveis. Todos os esforços devem ser feitos para que os resultados obtidos representem o
mais fielmente possível o estado nutricional da criança ou grupo de crianças em estudo.
Com relação às medidas antropométricas, podem-se identificar três principais fontes de erros: o equipa-
mento, a técnica de medida e a posição da criança a ser medida.

Quanto ao Equipamento
É indispensável trabalhar com equipamento de boa qualidade e que permita realizar calibração periódica.
Por exemplo, uma balança que não consegue repetir uma medida, com uma precisão de, pelo menos, 100 g em
duas pesagens consecutivas, não é recomendável para uso. Deve-se lembrar que mesmo pequenas diferenças no
peso ou na estatura de crianças podem afetar negativamente os resultados finais em estudos de prevalência, assim
como na avaliação individual. Sendo assim, para avaliar crianças menores de 5 anos de idade, é recomendável
uma balança com precisão de, no mínimo, 100 g e uma escala com intervalos de 1 mm para a determinação da
estatura. É necessário ainda dispor de um conjunto de pesos-padrão e barra com dimensão conhecida para a
aferição diária dos equipamentos utilizados. Se, eventualmente, for identificado algum problema com os equipa-
mentos, perde-se apenas o trabalho de um dia.

Quanto à Técnica da Medida


É recomendável ter à mão um manual com a descrição das técnicas de coleta das medidas antropométricas.
Tanto no atendimento individual quanto em trabalho de pesquisa, não é raro que diferentes pessoas realizem a
coleta das medidas. Por isso, é importante que todos utilizem os mesmos métodos de coleta. Não sendo assim,
corre-se o risco de coletar uma medida de comprimento, por exemplo, menor do que aquela obtida em visita
anterior. Uma vez que a criança não diminui de tamanho, ficará patente que em um ou outro momento a medida
foi erroneamente coletada ou mal registrada.

Quanto à Criança a Ser Medida


O antropometrista deve estar atento para que a criança esteja posicionada corretamente. Recém-nascidos e
crianças com menos de 6 meses de idade tendem a dobrar os joelhos e esticar a ponta dos pés, exigindo, por isso,
muita atenção do antropometrista. Outro detalhe importante refere-se ao vestuário. Crianças entre 2 e 5 anos
devem ser medidas com o mínimo possível de roupas. Convém elaborar uma tabela com pesos das roupas mais
usadas pelas crianças e, depois de coletada a medida, subtrair o peso da roupa.

56
Avaliação nutricional de crianças

Tipos de Erros
Erros ocorrem na realização de qualquer medida. Algumas são particularmente difíceis de coletar (dobras
cutâneas, altura e comprimento) e outras, mais fáceis (peso). Todo empenho deve ser feito para minimizar esses
erros. Escolha de bons equipamentos, uniformização de técnicas e treinamento exaustivo dos antropometristas
são estratégias úteis para a obtenção de medidas confiáveis. Mesmo após treinamento, é preciso identificar obje-
tivamente quando o entrevistador pode ser considerado apto para iniciar a coleta das medidas. Para definir esse
momento, deve-se usar um teste que permita identificar se os erros cometidos pelos antropometristas estão
dentro de níveis considerados aceitáveis.
Dois tipos de erros podem ocorrer na tomada de medidas: erro aleatório (falta de precisão) e erro sistemá-
tico (falta de exatidão ou validade). Para identificar e medir a magnitude desses erros, usa-se uma técnica denomi-
nada “padronização” (Habicht, 1974). A aplicação desse teste deve ser uma etapa preliminar ao início da coleta
das medidas. Detalhes sobre essa técnica poderão ser encontrados no capítulo “Antropometria como método de
avaliação do estado de nutrição e saúde do adulto” e em publicação do Ministério da Saúde (Brasil, 2002).

Classificação do Estado Nutricional de Crianças


Para avaliar o estado nutricional de uma criança ou um grupo delas, é imprescindível a definição de alguns
elementos que, reunidos e devidamente interpretados, fornecerão o diagnóstico nutricional. Esses subsídios são:
índices e indicadores antropométricos, critério de classificação e tabela de referência de crescimento.

Índices Antropométricos
Para classificar o estado nutricional de crianças, são necessárias, pelo menos, informações sobre peso, esta-
tura, idade e sexo. A combinação dessas variáveis dá origem aos índices antropométricos, sendo os principais a
estatura-para-idade, o peso-para-idade e o peso-para-estatura. Os dois primeiros índices devem levar em conside-
ração a idade e o sexo; o último independe da idade, mas deve ser relacionado ao sexo. Idealmente, devem-se usar
os três índices para a avaliação nutricional individual ou de grupos. Entretanto, é preciso estar ciente de que cada
um deles reflete distintas combinações do processo biológico (WHO, 1995). Além disso, os determinantes dos
desvios nutricionais, segundo cada índice, podem ser também distintos. Portanto, é perfeitamente possível detectar
problema nutricional com base em um índice, e normalidade em relação a outro.

Estatura-para-idade
É um índice que reflete o crescimento linear. O déficit de estatura-para-idade deve ser interpretado como
resultante de um processo de falha em alcançar o potencial genético de crescimento devido a deficientes condi-
ções de saúde e/ou nutrição. Todavia, a expressão “desnutrição crônica” deve ser evitada, pois os determinantes da
falha de crescimento podem resultar de um processo contínuo de longo prazo, como também podem ser conse-
qüência de um evento isolado, no passado (WHO, 1995).
O déficit de crescimento evidencia-se ao redor de 3 meses de idade e diminui de velocidade aos 3 anos,
sendo que, a partir dessa idade, o crescimento em altura segue paralelo à referência (WHO, 1995).
Excesso de estatura ou comprimento para a idade não se configura, a priori, como problema nutricional,
mas deve ser investigado clinicamente, como uma possível ocorrência de distúrbio endócrino (WHO, 1995).

57
Epidemiologia Nutricional

Peso-para-estatura
Este índice proporciona informações tanto de déficit quanto de excesso de peso em relação à estatura. Uma
característica importante desse déficit é que pode desenvolver-se muito rapidamente e, em condições favoráveis,
pode ser também rapidamente recuperado. O termo “desnutrição aguda” deve ser evitado (WHO, 1995), e talvez
o mais adequado seja denominá-lo de “emaciação”, que significa emagrecimento. A prevalência de emaciação no
Brasil como um todo pode ser considerada baixa, usualmente inferior a 5% (Monteiro & Cervini, 1992), embora
vestígios desse déficit possam ainda existir em regiões e grupos específicos. A prevalência de emaciação é maior
entre 12 e 24 meses de idade, quando as doenças diarréicas são mais freqüentes (WHO, 1986).
Peso-para-estatura é também o índice recomendado para avaliar sobrepeso em crianças menores de cinco
anos de idade (WHO, 1995). O índice resulta do excesso de peso em relação à estatura da criança, ou seja, uma
desproporção entre peso e estatura. Alguns estudos mostram que crianças com a relação peso-para-estatura no
limite superior da normalidade têm maiores probabilidades de se tornarem adultos obesos (Wright et al., 2001).
Outros estudos relatam associações entre sobrepeso na infância e riscos aumentados de apresentar diabetes, hiper-
tensão arterial, problemas cardiovasculares e alguns tipos de câncer na vida adulta (James, 2005).

Peso-para-idade
É o índice antropométrico mais utilizado para avaliar ou monitorar o estado nutricional, por sua simplici-
dade e fácil compreensão mesmo por pessoal não técnico. Embora o peso seja muito sensível às modificações
nutricionais, representa um processo de nutrição global. O déficit de peso em relação à idade, observado em um
único momento, não deixa claro se o processo que levou à desnutrição é recente ou de longo prazo. Por sua vez,
o excesso de peso para a idade, por não considerar a estatura da criança, pode levar a classificá-la, equivocadamen-
te, como portadora de sobrepeso, quando a criança também apresenta elevada estatura para sua idade.

Indicadores do Estado Nutricional


Para que um índice possa ser utilizado para descrever o estado nutricional de crianças, deve estar associado
a um ponto de corte, a partir do qual as crianças são classificadas como eutróficas, portadoras de déficit ou de
excesso de peso ou estatura. Por exemplo: comprimento-para-idade abaixo de dois Desvios-Padrão (DP) da
mediana (peso-para-idade < - 2 DP).

Critérios de Classificação
Há pelo menos dois tipos de distribuições para classificar o estado nutricional de crianças e que apresentam
equivalências entre si: distribuições normal e percentil. Por exemplo: um DP corresponde aproximadamente ao
percentil 15,8. As duas distribuições são as mais utilizadas tanto para o diagnóstico nutricional como para o
monitoramento do crescimento; por isso, apenas estas serão abordadas neste capítulo.

Distribuição ou curva normal


Para melhor explicar a curva normal, será utilizada como exemplo a distribuição dos valores de altura de
uma população de meninos clinicamente saudáveis, com 4 anos de idade (Figura 1). A ‘distribuição normal’
apresenta como característica a simetria em torno do valor médio (DP = 0), ou seja, ambos os lados, abaixo e
acima do valor médio, são iguais. Assim sendo, entre - 1 e + 1 DP, encontram-se aproximadamente 68% dos
valores de altura de uma população considerada normal; entre - 2 e + 2 DP, encontram-se cerca de 95% dos

58
Avaliação nutricional de crianças

valores e entre - 3 e + 3 DP, aproximadamente 99%. Pode-se deduzir, então, que abaixo de - 1 DP e acima de
+ 1 DP há cerca de 32% dos valores de altura; abaixo de - 2 e acima de + 2 DP encontram-se quase 5% e,
finalmente, abaixo de - 3 e acima de + 3 DP está aproximadamente 1% dos valores.

Figura 1 – Distribuição normal

O Quadro 1 apresenta os critérios de classificação de déficit e sobrepeso para crianças menores de cinco
anos de idade, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Quadro 1 – Critérios de classificação do estado nutricional para crianças menores de 5 anos de idade
Índice Critério (DP*) Situaçãonutricional
Estatura-para-idade <-2 Déficit linear

<-2 Emaciação
Peso-para-estatura
>2 Sobrepeso

<-2 Baixo peso


Peso-para-idade
>2 Excesso de peso

* DP = Desvio-padrão.
Fonte: WHO (1995).

Este tipo de classificação é especialmente útil, porque permite conhecer a freqüência esperada de altura
abaixo ou acima de determinado ponto de corte da curva normal. Exemplificando: definindo-se - 2 DP como
ponto de corte, espera-se que, numa população normal, ou seja, isenta de déficit linear, encontre-se cerca de
2,3% de crianças com alturas abaixo de - 2 DP que, por razões ‘genéticas’, são aquelas que apresentam as menores
alturas da distribuição. Modificando-se esse ponto de corte para - 1 DP, passa-se a esperar 15,8% de crianças

59
Epidemiologia Nutricional

cujas alturas encontram-se abaixo desse ponto de corte. Assim, conhecendo-se as freqüências esperadas a partir de
determinado ponto de corte, é possível concluir que, por exemplo, déficit linear de 14% encontrado em um
estudo de prevalência é extremamente alto, se o ponto de corte utilizado foi - 2 DP. A prevalência de 14%
representaria um déficit seis vezes maior do que o valor esperado (2,3%) a partir da distribuição normal.
O mesmo raciocínio é válido também para os índices peso-para-idade e peso-para-estatura.

Cálculo do Desvio-Padrão
Em algumas situações é necessário conhecer o desvio-padrão exato de cada criança, e não apenas saber se
está abaixo ou acima de determinado valor. Esse cálculo é muito simples, e para realizá-lo será necessário medir a
altura da criança, o valor da média e do desvio-padrão correspondentes ao seu sexo e idade. A seguir, encontra-se
a fórmula para o cálculo e um exemplo.

DPexato = altura da criança - altura média correspondente ao seu sexo e idade


desvio-padrão correspondente ao seu sexo e idade

Ex.: Menina, 4 anos de idade, altura medida de 96,9 cm.


Procurar na Tabela (WHO, 2006):
Altura média = 102,7 cm
DP = 4,3075

DPexato = 96,9 - 102,7


4,3075

DPexato = - 1,3465

Distribuição Percentil
É a outra forma de representar os valores de distribuição de uma variável antropométrica qualquer. Para
explicar esta distribuição, será utilizada novamente a variável altura. Imagine cem meninos de 4 anos de idade,
saudáveis e em perfeito estado nutricional. Esses cem meninos serão enfileirados por ordem crescente de altura: o
menino de menor altura ocupará a posição de número 1 e aquele de maior altura será o último, que corresponderá
à posição de número 100 (Figura 2). Entre o primeiro e o último, existem 98 meninos. O menino que ocupa a
posição 50 está posicionado exatamente no meio de todos os demais. Assim, a altura do menino na posição 50
divide a distribuição ao meio: ou seja, metade dos meninos tem alturas inferiores àquela da posição 50 e a outra
metade apresenta alturas superiores. Por essa razão, a altura correspondente à posição 50 corresponde à ‘mediana’,
numa distribuição percentil. A posição que cada menino ocupa, conforme sua altura, corresponde a um determi-
nado percentil. Assim, o valor da altura do menino que ocupa a posição 3 corresponde ao percentil 3 de altura,
e assim sucessivamente.
Da mesma forma como na distribuição normal, também a distribuição percentil permite saber a freqüência
esperada acima ou abaixo de cada percentil. Por exemplo, sabe-se que abaixo do percentil 3 há 3% de valores de
altura, assim como acima do percentil 97 também há 3% de valores de altura.

60
Avaliação nutricional de crianças

Figura 2 – Distribuição percentil

Equivalência entre as Distribuições Normal e Percentil


Em algumas situações pode ser necessário comparar prevalências de déficits ou de sobrepeso, originadas de
critérios diferentes para avaliar o estado nutricional. Isso pode ser feito desde que se leve em consideração a
equivalência entre os valores esperados do problema nutricional, de acordo com a distribuição e os pontos de
corte adotados. Abaixo, na Tabela 3, encontram-se as equivalências entre alguns valores das duas distribuições
que podem auxiliar nessa comparação.

Tabela 3 – Equivalências entre as distribuições normal e percentil


Situação nutricional Percentil Desvio-padrão Desvio-padrão Percentil
10 - 1 ,2 8 -3 0 ,1 3

Déficit 3 - 1 ,8 8 -2 2 ,2 8

1 - 2 ,3 3 -1 1 5 ,8 0

99 + 2 ,3 3 +1 8 4 ,2 0

Excesso 97 + 1 ,8 8 +2 9 7 ,7 2

90 + 1 ,2 8 +3 9 9 ,8 7

Fonte: WHO (1995).

Referência de Crescimento
Um ponto importante da avaliação nutricional de crianças é a definição da referência ou padrão de cresci-
mento a ser adotada para a comparação dos valores antropométricos. No capítulo 3, “Referências antropométricas”,
este assunto será abordado em detalhes, e portanto pretende-se, aqui, apenas sugerir a referência a ser utilizada.
Em abril de 2006, a OMS fez o lançamento oficial da nova referência de crescimento para ser usada por
crianças, desde o nascimento até os 5 anos de idade (WHO, 2006). Até o momento, foram disponibilizadas
curvas referentes aos índices, estatura-para-idade, peso-para-idade, peso-para-estatura e Índice de Massa Corporal
(IMC) separadamente para meninos e meninas. O novo padrão de crescimento tem, pelo menos, três virtudes

61
Epidemiologia Nutricional

particularmente importantes: a) foi elaborado com base na observação de crianças que recebiam aleitamento
materno até pelo menos 4 meses de idade e alimentos complementares a partir de 4-6 meses de idade; b) sua
elaboração contou com a participação de crianças de seis diferentes regiões do mundo; c) o estudo que o originou
incluiu apenas crianças que viviam em condições ambientais adequadas, proporcionando-lhes oportunidade de
um crescimento ótimo, ou seja, de alcançar seu potencial genético de crescimento.
Assim, a nova referência representa o crescimento infantil normal em condições ambientais ótimas. Por
isso, deve ser usada para avaliar crianças de qualquer país, independentemente de etnia, condição socioeconômica
e tipo de alimentação.
O sítio da OMS (www.who.int/childgrowth) apresenta um software para avaliar o estado nutricional indi-
vidual em um determinado momento ou para o monitoramento, e ainda para grupos de crianças. Permite visualizar
graficamente o estado nutricional e emite relatório com os resultados. A OMS, entretanto, não sugere pontos de
cortes a serem utilizados, e deixa a atribuição de defini-los aos ministérios da Saúde dos países que adotarem a
nova referência.

Considerações Finais
Dentre os numerosos métodos para determinar o estado nutricional de crianças menores de 5 anos de
idade, a antropometria tem-se destacado por sua simplicidade, baixo custo, aceitabilidade pela população geral e
por sua capacidade de permitir a identificação precoce de riscos nutricionais individualmente ou em grupos
populacionais. Contudo, para cumprir tal papel, é fundamental que os profissionais da saúde estejam familiari-
zados com o instrumental necessário à realização de triagens ou diagnóstico nutricional. Isso inclui a coleta de
medidas antropométricas confiáveis, a correta seleção e interpretação de índices, bem como a utilização de refe-
rência ou padrão de crescimento a ser adotada.

Referências
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62
Avaliação nutricional de crianças

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cohort study. British Medical Journal, 323: 1.280-1.284, 2001.

63
3
Referências Antropométricas

Cora Luiza Pavin Araújo

V árias tentativas têm sido feitas no sentido de sumarizar o crescimento humano (Tanner, 1985). Parte das
dificuldades ocorre porque as medidas antropométricas usualmente tomadas são complexas. Por exemplo, a
estatura é uma medida resultante dos tamanhos de diversos segmentos corporais: pernas, tronco e cabeça, tendo
cada uma delas diferentes curvas de crescimento. Entretanto, a utilização de curvas de crescimento para compa-
rações de valores individuais ou de grupos de indivíduos é uma forma importante de obter informação sobre o
crescimento de um indivíduo ou a situação nutricional de grupos populacionais.
O primeiro registro de crescimento humano foi feito por Montbeillard quando transcreveu na forma de
gráfico a estatura de seu único filho, medida a cada seis meses, desde o nascimento até os 18 anos de idade (1759-
1777). É o mais antigo registro longitudinal de que se tem conhecimento (Tanner, 1985).
A avaliação nutricional de crianças, jovens, adultos e idosos é um instrumento de muita utilidade na saúde
pública. A medida do crescimento na infância, por meio do uso de gráficos, é um dos mais importantes indica-
dores básicos para avaliar o bem-estar de crianças, individual ou coletivamente. Se um indivíduo está fora dos
limites de normalidade de uma adequada referência de crescimento, esse ‘indivíduo’ deve ser tratado clínica e
individualmente. No entanto, se um grupo populacional está fora dos padrões de normalidade, então é a ‘popu-
lação’ que deve ser tratada com melhores cuidados de saúde, medidas de saneamento, mais emprego, melhor
acesso a alimentos saudáveis e menos discriminação (Eveleth & Tanner 1990).
Parece haver unanimidade sobre a importância fundamental da utilização de referência ou padrão de cres-
cimento para avaliar e acompanhar a situação nutricional da criança e de populações. Contudo, desde os anos 70
do último século, quando os gráficos de crescimento começaram a ser mais amplamente utilizados, tem havido
constantes debates sobre a necessidade de desenvolver curvas de crescimento específicas para cada país ou sobre a
possibilidade de se aceitar universalmente uma única referência. O principal argumento entre aqueles que defen-
dem o uso de referências próprias para cada país baseia-se, principalmente, no entendimento de que o crescimento,
mesmo nos primeiros anos de vida, depende predominantemente da influência das características étnicas do
indivíduo (Eveleth & Tanner, 1990). Em contrapartida, alguns estudos (Habicht et al., 1974; Goldstein &
Tanner, 1980) mostram que nos primeiros cinco anos de vida a influência étnica e genética sobre o crescimento
é menor do que aquelas devidas ao meio ambiente, reconhecidamente associadas ao nível socioeconômico, tais
como práticas de alimentação, cuidados de saúde, morbidade, entre outros fatores.

65
Epidemiologia Nutricional

O pressuposto básico para que um conjunto de dados antropométricos possa ser usado para avaliar o
crescimento infantil é que as crianças incluídas na amostra não estejam expostas a situações ambientais adversas
que comprometam o alcance de seu potencial genético de crescimento, mesmo durante sua gestação. O atendi-
mento aos requisitos referentes a cuidados básicos de alimentação e saúde durante os primeiros anos de vida é
condição essencial para um crescimento ótimo. A conseqüência da exposição precoce a um ambiente saudável é
que crianças de diferentes etnias e regiões do mundo crescem de forma muito similar, enquanto crianças de
mesma etnia, mas de diferentes condições socioeconômicas, podem apresentar importantes diferenças nas medi-
das antropométricas, especialmente em relação à estatura ou ao comprimento (genericamente aqui denominados de
‘estatura’). Nas curvas de comprimento de crianças até 2 anos de idade do Brasil, Gana, Índia, Noruega, Oman e
Estados Unidos (Figura 1), pode-se observar que o crescimento linear dessas crianças, participantes do Estudo
Internacional Multicêntrico (EIMCC) para elaboração de curvas de crescimento, é muito similar (WHO, 2006c).

Figura 1 – Médias de comprimento de crianças menores de dois anos de idade do Brasil, Gana, Índia,
Noruega, Oman e Estados Unidos. EIMCC para elaboração de curvas de crescimento

Fonte: WHO (2006a).

É preciso salientar, entretanto, que quanto mais próximo do período da adolescência (> 10 anos de idade),
menor vai se tornando a influência do meio ambiente sobre o crescimento e maior vai se tornando a influência
das características genéticas. Apesar dessa inversão, o efeito do meio ambiente nunca cessa completamente, porém
atua com menor força de determinação comparativamente ao fator genético.
Esta discussão, aparentemente irrelevante, é fundamental na argumentação favorável ao uso de uma única
referência de crescimento para avaliar crianças de até 5 anos de idade da maioria das regiões do mundo (WHO
Expert Committee, 1995).

66
Referências antropométricas

Um outro aspecto que tem sido objeto de discussão desde que os gráficos passaram a ser utilizados relaciona-
se com as definições de ‘referência’ e ‘padrão’ (WHO Expert Committee, 1995). Embora esta seja uma discussão
mais acadêmica do que prática, é conveniente esclarecer a sutil diferença entre os dois termos. Entende-se como
‘referência’ o conjunto de dados que proporciona uma base para efetuar comparações, nesse caso, antropométricas,
ao passo que o termo ‘padrão’ incorpora o conceito de ‘norma’ ou ‘modelo’, ou seja, inclui um valor de julgamen-
to sobre crescimento ideal a ser seguido por crianças individualmente. Dito de outra forma, uma referência deve
ser usada para finalidades meramente descritivas da população. Diferentemente, um padrão envolve o julgamen-
to da magnitude dos ‘desvios da normalidade’. Referências são tradicionalmente consideradas ‘descritivas’, ao
passo que padrão apresenta características ‘prescritivas’.
Com base no exposto, todos os conjuntos de dados até então disponíveis deveriam estar sendo usados
apenas como referência de crescimento infantil, uma vez que as informações coletadas não atendiam aos requisi-
tos para que pudessem ser usadas como padrão de crescimento. Em meados da década de 1990, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) reuniu vasto conjunto de evidências científicas que justificou sua decisão de iniciar o
planejamento de um estudo para a construção de novas curvas de crescimento. O estudo então proposto deveria
contemplar os rigorosos critérios para que o conjunto de dados assim gerado pudesse ser utilizado como um
padrão de crescimento para avaliar crianças menores de 5 anos de idade, de todas as regiões do mundo. O
EIMCC para construção das novas curvas de crescimento (WHO, 2006b) será abordado com mais detalhes a
seguir.
O objetivo deste capítulo é apresentar algumas das referências de crescimento em uso e enfatizar a justifica-
tiva e características das novas curvas de crescimento da OMS parcialmente lançadas em abril de 2006.

Referências de Crescimento
A utilização de referências de crescimento para avaliar o estado nutricional de crianças não é recente. Vários
conjuntos de dados antropométricos foram utilizados ao longo do século passado, sendo as referências de Harvard,
do Reino Unido (Gibson, 1990) e as do National Center for Health Statistics, 1977 (NCHS, 1978) e do Center
for Disease Control and Prevention (CDC, 2000) as mais conhecidas. Recentemente, algumas curvas do novo
padrão de crescimento da OMS (WHO, 2006c) foram disponibilizadas (www.who.int/childgrowth/en).

Referência de Harvard
Os dados da referência de Harvard (Jelliffe, 1968; Tanner, 1985) foram derivados de amostras pequenas
obtidas em estudos transversais que incluíram crianças norte-americanas, brancas, de classe média, das cidades de
Boston e Iowa. As amostras assim obtidas não eram representativas e foram consideradas satisfatórias numa época
em que não havia nada melhor. Os gráficos foram construídos nas décadas de 1930 e 1940 e apresentam os
percentis segundo os índices peso-para-idade, peso-para-estatura e estatura-para-idade do nascimento até os 36
meses de idade, separadamente para meninos e meninas. Reuniu também informações sobre peso-para-idade e
estatura-para-idade para meninos e meninas dos 2 aos 18 anos de idade. A medida linear de crianças menores de
36 meses foi feita em posição deitada.

Referência do Reino Unido


A referência compilada por James Tanner e colaboradores (Tanner, 1985), nos anos 60 do último século,
teve origem nas crianças de Londres. Amostra de estudantes, de 5 a 16 anos de idade, foi selecionada aleatoria-
mente entre os escolares de Londres. Do nascimento até os cinco anos e meio de idade, os dados basearam-se em

67
Epidemiologia Nutricional

cerca de oitenta crianças para cada sexo, seguidas longitudinalmente, e apresentam os índices peso-para-idade e
estatura-para-idade. O comprimento (deitado) foi medido até os 2 anos, e daí em diante foi medida a estatura
(em pé). Dos cinco anos e meio até 15 anos e seis meses de idade, os dados foram coletados transversalmente, e
a amostra incluiu cerca de mil meninos e mil meninas para cada ano de idade, selecionados aleatoriamente entre
os escolares de Londres. Dos 16 anos e meio até os 20 anos de idade, os dados foram coletados longitudinalmente
e foram obtidos entre trinta jovens participantes do Estudo de Crescimento Harpenden. A escala de idade dos
gráficos é apresentada em décimos de anos, e não em meses (Gibson, 1990). Essas amostras deveriam permitir
avaliar e acompanhar o estado nutricional de qualquer criança de origem européia ou africana, de países desen-
volvidos e clima temperado. Segundo seus idealizadores, com alguma cautela, essa referência também poderia ser
aplicada para crianças de famílias de boas condições educacionais e nutricionais de países em desenvolvimento
(Tanner, 1985).

Referência do Centro Nacional de Estatísticas


de Saúde dos Estados Unidos (NCHS-1977)
Em 1975, o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos elaborou a referência NCHS
(NCHS, 1978), com base na reunião dos dados de quatro estudos, todos eles incluindo apenas crianças norte-
americanas. O segmento de 0-23 incluiu as crianças do estudo longitudinal realizado pelo Instituto de Pesquisas
Fels, cujos dados foram coletados entre 1929 e 1975. Uma característica importante das crianças nascidas nesse
período é que sua alimentação era predominantemente à base de fórmulas lácteas e, conseqüentemente, a prática
do aleitamento materno era considerada rara. A medida linear das crianças nessa idade foi o comprimento (me-
dida da criança deitada). A partir dos 2 e até 18 anos de idade, a referência NCHS incluiu os dados de três estudos
representativos da população norte-americana conduzidos entre 1960 e 1975. A estatura das crianças e adoles-
centes foi feita com os indivíduos em pé. Uma das limitações desse conjunto de dados foi a utilização de amostras
independentes. Do ponto de vista teórico, uma referência de crescimento deveria incluir indivíduos de uma
mesma população para toda a faixa etária de abrangência (WHO Expert Committee, 1995).
Em 1978, a OMS passou a recomendar a referência NCHS/CDC (NCHS, 1978) para uso internacional.
Desde então, diversos países-membros da OMS passaram a utilizar a mesma referência, possibilitando comparações
entre a situação nutricional de crianças de diversas regiões do mundo. Em 1980, o CDC desenvolveu um programa
de computador para realizar a avaliação nutricional, com base nos dados de peso, estatura, idade e sexo. A versão
mais atual desse programa (Epiinfo, 2002) permite avaliar o estado nutricional conforme percentuais da mediana,
percentis e escores Z para peso-para-idade, estatura-para-idade, peso-para-estatura e Índice de Massa Corporal (IMC).
Por haver consideráveis diferenças nas idades médias de ocorrência da puberdade entre diferentes popula-
ções, o grupo de especialistas em antropometria da OMS não recomenda o uso de dados de peso e estatura para
comparações de estado nutricional de grupos de adolescentes com idade superior a 10 anos, embora as tabelas e
curvas apresentem essas informações (WHO Expert Committee, 1995; Gibson, 1990).

Referência do Centro Nacional de Estatísticas


de Saúde dos Estados Unidos (NCHS-2000)
A nova referência de crescimento do CDC (Kuczmarski et al., 2000) representa as crianças que vivem nos
Estados Unidos. Inclui cerca de 14% de crianças negras, refletindo a proporção na população norte-americana de
1980. A amostra reproduz também a distribuição da freqüência de amamentação na população infantil norte-
americana. Os gráficos incluem um conjunto de curvas de crescimento de crianças desde o nascimento até os 36

68
Referências antropométricas

meses de idade e de crianças e adolescentes de 2 a 20 anos de idade; para crianças até os 36 meses, apresenta as
curvas de peso-para-idade, comprimento-para-idade, peso-para-comprimento e perímetro cefálico-para-idade;
para crianças e adolescentes, estão disponíveis os gráficos de peso-para-idade, estatura-para-idade e índice de
massa corporal-para-idade. Foram elaborados também os gráficos de peso-para-estatura para crianças entre 77 e
121 centímetros, correspondente às idades entre 2 e 5 anos (Kuczmarski et al., 2000).
Os dados que deram origem às curvas de crescimento CDC-2000 foram obtidos em cinco estudos nacio-
nais ocorridos entre 1963 e 1994, sendo o mais recente deles o Terceiro Estudo para Investigação de Saúde e
Nutrição – NHANES III (2007). Os dados foram coletados em entrevistas domiciliares e em exames físicos
padronizados realizados no interior de uma unidade móvel devidamente equipada (Ogden et al., 2002). As
curvas de crescimento do CDC 2000 excluem as crianças nascidas de muito baixo peso (< 1.500 g).

Novas Curvas de Crescimento da Organização Mundial da Saúde - 2006


Uma abrangente revisão sobre usos e interpretação de curvas de crescimento realizada por especialistas em
antropometria da OMS, em 1993, concluiu que a referência NCHS-OMS, recomendada para uso internacional
a partir dos anos 70 do último século, não representava adequadamente o crescimento de crianças, especialmente
nos primeiros meses de vida, e postulou a necessidade de novas curvas de crescimento. Em 1994, a Assembléia
Mundial de Saúde referendou essa recomendação, e em 1997 foi iniciado o EIMCC para elaboração de novas
curvas para avaliar o crescimento e desenvolvimento de crianças em todo o mundo (WHO, 2006c).
As novas curvas de crescimento da OMS incluem dados antropométricos de peso, estatura (comprimento
e estatura), perímetros cefálico e braquial e dobras cutâneas tricipital e subescapular, coletadas tendo por base um
componente longitudinal (0-24 meses) e outro transversal (18-71 meses). Em uma das visitas também foram
coletadas as medidas de peso e estatura do pai e estatura da mãe. O peso da mãe foi coletado em cada uma das
vinte visitas hospitalares e domiciliares.
O novo padrão de crescimento apresenta os dados nas formas de percentil e desvios-padrão. Do ponto de
vista epidemiológico, há marcadas diferenças entre as novas curvas e o NCHS-OMS, particularmente nos pri-
meiros meses de vida: as prevalências de déficits lineares serão maiores durante a infância, e a subnutrição (déficit
de peso-para-idade) também será mais elevada até os 12 meses de idade, decrescendo posteriormente. Déficits de
peso-para-comprimento também se mostrarão mais elevados durante o primeiro ano de vida quando utilizadas
as novas curvas da OMS. Da mesma forma, serão mais elevadas as prevalências de sobrepeso, sendo que a
magnitude das diferenças variará de acordo com a idade, o sexo e o estado nutricional da população a ser avaliada.
As novas curvas são um conjunto de dados que representam a melhor descrição de crescimento fisiológico
de crianças saudáveis, menores de 5 anos de idade, que cresceram em condições ambientais ótimas e podem ser
usadas para avaliar crianças de qualquer parte do mundo, independentemente de etnia, condição socioeconômica
e tipo de alimentação (WHO, 2006c).

Justificativas para a Elaboração de Novas Curvas de Crescimento


O Comitê de Especialistas da OMS concluiu que os problemas encontrados na referência NCHS-OMS
eram suficientemente fortes para recomendar sua substituição, sendo que sua principal preocupação residia no
tipo de práticas de alimentação infantil. Além desse, os outros problemas também detectados em relação ao
NCHS-OMS (Garza & De Onis, 2004) foram:
• Falta de representatividade e excesso de homogeneidade da amostra – Os dados do Instituto Fels
usados para a representação de crianças nos dois primeiros anos de vida vinham de amostra de uma

69
Epidemiologia Nutricional

única comunidade, de um país desenvolvido cuja coleta de dados fora feita mais de cinqüenta anos
antes. A uniformidade étnica, ambiental e socioeconômica poderia conduzir a uma variabilidade
mais baixa do que seria encontrada em circunstâncias menos restritivas.
• Freqüência de medidas – As medidas de peso e comprimento coletadas pelo estudo do Instituto
Fels foram obtidas ao nascer, 1, 3, 6, 9, 12, 18 e 24 meses de idade. A baixa freqüência de medidas
fez com que a precisão de ajuste das curvas fosse particularmente difícil nos primeiros seis meses de
vida, quando a velocidade de crescimento é mais intensa.
• Tamanhos amostrais variáveis – A amostra do Instituto Fels incluiu 156 meninos e 142 meninas ao
nascer. Entretanto, as amostras variaram entre 274 meninos e 251 meninas com 1 mês de idade até
472 e 463 aos 18 meses, sem nenhuma razão para tais diferenças. Tendo em vista que os valores nas
idades extremas apresentam estimativas menos precisas em relação aos valores centrais, amostra
pequena ao nascer era uma preocupação.
• Procedimentos obsoletos para os ajustes das curvas – As técnicas de ajustes das curvas do NCHS-
OMS foram consideradas obsoletas em relação aos conhecimentos atualmente existentes na área de
computação.
• Disjunção da curva de comprimento-estatura aos 24 meses – Há marcada discrepância na estima-
tiva de estatura na idade imediatamente antes e após os 24 meses. As curvas de comprimento
baseadas na amostra do Instituto Fels são aproximadamente 1,8 cm, ou meio desvio-padrão, maior
do que as curvas baseadas no comprimento da amostra representativa da população de crianças
norte-americanas aos 24 meses de idade. Esses problemas também afetam as curvas de peso-para-
estatura.

Com base na identificação desses problemas relacionados ao NCHS-OMS, o Comitê de Especialistas da


OMS fez as seguintes recomendações em relação às discussões sobre novas curvas de crescimento:
• Uma nova referência é necessária para melhorar as condutas em relação à nutrição infantil.
• A população de referência deverá refletir as atuais recomendações de saúde, especialmente conside-
rando o freqüente uso da referência como padrão de crescimento.
• O valor prático de uso da referência baseada em crianças que seguem as recomendações de cuidados
de saúde em geral e especialmente de alimentação deve ser considerado ao longo de toda a extensão
do conjunto de dados.

Tendo em vista as considerações aqui mencionadas, as novas curvas de crescimento deveriam apresentar as
seguintes características: participação de crianças de vários países, incluindo os menos desenvolvidos; fundamen-
tação em populações saudáveis, sem restrições de crescimento; tamanho e procedimento amostral adequados;
disponibilização dos dados brutos para o conhecimento de interessados.
A principal característica do novo padrão de crescimento é a identificação do aleitamento materno como
norma biológica e o reconhecimento da criança amamentada como modelo normativo para o crescimento e
desenvolvimento (WHO, 2006c).
Alguns aspectos importantes devem ser ainda ressaltados com relação ao novo padrão de crescimento.
O primeiro refere-se à sua natureza ‘prescritiva’. A amostra do estudo foi composta apenas por crianças saudáveis,
que seguiram as recomendações de uma alimentação adequada, especialmente com relação ao aleitamento mater-
no, que cumpriram a rotina de imunização e cujas mães atenderam aos cuidados pré-natais; além disso, essas

70
Referências antropométricas

crianças pertenciam a famílias de boas condições socioeconômicas, o que proporcionava um ambiente sem restri-
ções para que pudessem atingir seu potencial genético de crescimento. Por todas essas razões, a nova referência
pode ser interpretada como uma norma ideal de crescimento, ou seja, indica como as crianças devem crescer.
Outro aspecto é que crianças nascidas com baixo peso (< 2.500 g) não foram excluídas da amostra, tendo em
vista que é provável que, em populações com boas condições socioeconômicas, tais crianças representem aquelas
pequenas, mas normais. Sua exclusão distorceria artificialmente os percentis mais baixos. E, finalmente, pela
primeira vez os dados coletados para a elaboração das novas curvas de crescimento foram planejados exclusiva-
mente para essa finalidade, tendo sido observados todos os requisitos teóricos para sua construção.

Metodologia do Estudo
Seis países representando as principais regiões geográficas do mundo participaram do estudo (De Onis et
al., 2004): Brasil (América do Sul), Gana (África), Índia (Ásia), Noruega (Europa), Oman (Oriente Médio) e
Estados Unidos (América do Norte). Os principais critérios para a seleção dos países foram:
• Condição socioeconômica que não prejudicasse o crescimento: dados epidemiológicos mostrando
baixa taxa de mortalidade infantil e prevalências de déficits peso-para-idade, comprimento-para-
idade e peso-para-comprimento inferiores a 5% nas idades entre 12 e 23 meses.
• Baixa altitude: < 1.500 metros.
• População com baixa mobilidade que permitisse o acompanhamento das crianças e famílias por 24
meses.
• Pelo menos 20% das mães deveriam manifestar desejo de seguir as recomendações alimentares: os
investigadores de cada país deveriam ser capazes de demonstrar previamente que pelo menos 20%
das mães elegíveis seguiriam as recomendações alimentares.
• Possibilidade de implementar um sistema de apoio à lactação: uma equipe de apoio ao aleitamento
materno e introdução adequada de alimentos complementares deveria acompanhar a mãe e a crian-
ça desde a primeira visita hospitalar até que a criança completasse 12 meses de idade.
• Existência de uma instituição de pesquisa, colaboradora da OMS: o estudo deveria ser conduzido
por instituição que demonstrasse comprovada experiência em epidemiologia, particularmente em
estudos longitudinais e em antropometria.

Os critérios individuais para a seleção e inclusão das crianças (De Onis et al., 2004) foram: a) não apresen-
tar restrições econômicas, ambientais e de saúde que prejudicasse o crescimento normal; b) mães deveriam mani-
festar o desejo de seguir as recomendações da OMS-Unicef em relação às práticas alimentares; c) apenas crianças
nascidas a termo – idade gestacional > 37 semanas (259 dias) e < 42 semanas (294 dias); d) parto único;
e) ausência de morbidade importante; f ) mães não fumantes, antes e após o parto.
Tendo em vista a baixa prevalência de aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade em todo o
mundo, o comitê de especialistas responsável pela condução do estudo multicêntrico estabeleceu um critério
mais flexível em relação às práticas de alimentação para as crianças do estudo (De Onis et al., 2004). O Quadro 1
apresenta as recomendações alimentares da OMS-Unicef vigentes à época do início do estudo.

71
Epidemiologia Nutricional

Quadro 1 – Recomendações sobre práticas alimentares nos primeiros anos de vida, segundo a OMS-
Unicef e critério operacional para as crianças participantes das novas curvas de crescimento
Recomendações OMS-Unicef* Critérios operacionais para o estudo multicêntrico
Aleitamento materno exclusivo até 4-6 meses de idade Aleitamento materno exclusivo** ou predominante*** até, pelo menos,
os 4 meses de vida

Introdução de alimentos complementares aos 4-6 meses Introdução de alimentos complementares a partir dos 6 meses

Aleitamento parcial até os 24 meses Aleitamento materno parcial até, pelo menos, os 12 meses

* Recomendações alimentares vigentes em 1997.


** Aleitamento materno exclusivo: criança que recebia apenas leite materno de sua mãe ou ama-de-leite, ou leite materno
extraído, e nenhum outro líquido ou sólido com exceção de gotas ou xaropes de vitaminas, suplementos minerais ou
medicamentos.
*** Aleitamento materno predominante: a fonte alimentar predominante é o leite materno. Entretanto, as crianças poderiam
receber também água e bebidas à base de água (adoçadas ou flavorizadas, chás ou infusões), suco de frutas, solução de
sais de reidratação oral, gotas ou xaropes na forma de vitaminas, minerais ou medicamentos. Exceto suco de frutas e água
adoçada, nenhum outro líquido alimentar é permitido sob essa definição.
Fonte: De Onis et al. (2004).

Desenho do Estudo
Conforme recomendações para construção de curvas de crescimento (WHO Expert Committee, 1995), o
estudo incluiu um componente longitudinal (0-24 meses) e outro transversal (18-71 meses) (Figura 2).

Figura 2 – Desenho do EIMCC para elaboração de curvas de crescimento

Fonte: De Onis et al. (2004).

Estudo Longitudinal
A etapa longitudinal incluiu 21 visitas: uma hospitalar e vinte domiciliares (Tabela 1). A utilização deste
tipo de estudo permitirá a construção de curvas de velocidade de crescimento. Na visita hospitalar, as mães que
preenchiam os critérios de inclusão eram informadas sobre o estudo e convidadas a participar. Na visita seguinte
(14 dias), as mães que, mesmo dissimuladamente, manifestassem pouca vontade de participar do estudo, ou
apresentassem evidência de que algum critério de participação não era atendido (por exemplo, ausência de água
encanada no domicílio ou já ter sido introduzido outro leite não materno de forma irreversível ou, ainda, a mãe
ter começado a fumar), eram excluídas da amostra e a criança era substituída por outra. As demais, que permane-
ceram no estudo após essa visita, foram consideradas perdas de seguimento, mas não foram substituídas.

72
Referências antropométricas

Tabela 1 – Freqüência de visitas e medidas coletadas durante o estudo longitudinal, conforme a idade das
crianças. EIMCC para elaboração de curvas de crescimento
Medidas Idades Freqüência No de visitas
Nascimento Ú ni c a 1

Semanas 2-8 Quinzenal 4


Peso, comprimento e perímetro cefálico
3-12 meses Mensal 10

14-24 meses Bimestral 6

3-12 meses Mensal 10


Perímetro braquial e dobras cutâneas
14-24 meses Bimestral 6

Fonte: De Onis et al. (2004).

Das 13.741 mães-crianças dos seis países entrevistadas no hospital, 1.743 (12,7%) foram selecionadas para
participar do estudo longitudinal. A Tabela 2 mostra os motivos para as exclusões do estudo longitudinal, confor-
me o país.

Tabela 2 – Motivos para exclusões na amostra longitudinal por país. EIMCC para elaboração de curvas de
crescimento
Brasil Gana Índia Noruega O m an EUA Todos
Triagem total (n) 4 .8 0 1 2 .0 5 7 692 836 4 .9 5 7 398 1 3 .7 4 1

Total de exclusões (n) 4 .4 0 7 1 .6 8 1 310 402 4 .4 2 8 123 1 1 .3 5 1

Motivos para exclusão (%)1

Residir fora da área do estudo 2 4 ,9 1 1 ,4 6 ,2 1 4 ,2 3 1 ,2 0 ,0 2 2 ,8

Nascimentos múltiplos 2 ,2 0 ,8 0 ,0 2 ,9 1 ,3 0 ,8 1 ,5

Morbidade perinatal 6 ,1 1 ,3 1 ,7 1 2 ,2 5 ,0 5 ,8 5 ,1

Nascimento pré ou pós-termo 8 ,7 1 ,5 4 ,5 6 ,2 6 ,5 3 ,3 6 ,3

Inobser vância das


1 ,0 0 ,2 6 ,1 1 ,2 6 ,7 1 4 ,1 3 ,6
recomendações alimentares

Mãe fumante 1 9 ,0 0 ,1 0 ,4 9 ,2 0 ,6 1 ,5 7 ,5

Baixa condição socioeconômica 5 4 ,3 7 4 ,2 2 4 ,4 0 ,0 4 7 ,3 0 ,8 4 8 ,4

Dificuldade de comunicação
0 ,0 0 ,0 0 ,0 6 ,8 1 4 ,0 4 ,3 5 ,6
devido ao idioma

1
O percentual de exclusões pode exceder 100%, pois alguns indivíduos podem ter sido excluídos por mais de um critério.
Fonte: WHO (2006a).

Estudo Transversal
O componente transversal foi realizado para a coleta de dados de crianças de 18-71 meses, para minimizar
tempo e custos se o estudo longitudinal fosse estendido até os 71 meses de idade. Além disso, nesse grupo etário,
o crescimento é mais linear do que entre crianças mais novas. O estudo transversal iniciou aos 18 meses, para
permitir uma sobreposição de medidas por um período de seis meses (18-24 meses) com o estudo longitudinal,

73
Epidemiologia Nutricional

proporcionando informação sobre a transição da medida de comprimento (deitado) para a estatura (em pé),
melhorando a junção dos dois conjuntos de dados (WHO, 2006c). Apesar de os dados coletados incluírem
crianças de até 71 meses de idade, as curvas foram construídas para uso em crianças de até 60 meses, de modo a
permitir estimativas mais confiáveis nas últimas faixas de idade.
Tendo em vista o grande número de crianças requerido para o estudo transversal, os estudos norte-ameri-
cano e brasileiro realizaram uma combinação de estudo transversal-longitudinal, em que cada criança foi medida
até duas vezes (EUA) ou até três vezes (Brasil).

Controle de Qualidade
Para assegurar a qualidade das medidas e das informações obtidas pelos seis países, rigorosos procedimen-
tos de controle de qualidade foram implementados. Além das rotinas usuais para controle de qualidade, foram
adotados, com o maior rigor científico possível, os seguintes procedimentos:
• Uso de formulários pré-testados e uniformizados com guias do entrevistador detalhados.

• Versão e retroversão dos formulários utilizados nos idiomas de cada país.


• Visitas regulares às equipes de trabalho de cada um dos seis países.
• Intenso treinamento para a coleta das medidas antropométricas por especialistas internacionais e
visita anual desses especialistas com a finalidade de realizar teste de padronização dos antropometristas.
• Sessões de padronização a cada dois meses, com avaliação dos erros intra e interobservadores (De
Onis, Onyango & Van den Broek, 2004).
• Uso de equipamentos de coleta de medidas antropométricas de alta precisão, calibrados diariamente.
• Repetição de 10% de todas as entrevistas, realizada por telefone.
• Rigoroso monitoramento das datas de visitas, incluindo a realização de visitas atrasadas, adiantadas
e perdas.
• Avaliação periódica dos valores das medidas, incluindo a análise de valores extremos e de dígitos
terminais.

Quadro 2 – Especificações dos equipamentos para coleta das medidas antropométricas utilizados pelos seis
países participantes do Estudo Internacional Multicêntrico para elaboração de curvas de crescimento
Medida antropométrica Marca Amplitude Precisão Características
Comprimento Harpenden Infantometer (30-110 cm) 1 mm Portátil, com mostrador digital

Estatura Harpenden Portable (65-206 cm) 1 mm Especialmente desenvolvido para o estudo.


Stadiometer Usado para medir a estatura de crianças >
2 anos e adultos

Peso Unicef Eletronic Scale 0-150 kg 100 g Balança eletrônica, com tara, o que
890 or Uniscale permite pesar a criança no colo da mãe

Perímetros cefálico e CMS Weighing 0-200 cm 1 mm Trena de metal flexível, não extensível,
braquial Equipment Ltd. England largura de 7 mm, com início da tira sem
escala para assegurar a melhor precisão
da leitura

Dobras cutâneas tricipital e Holtain/Tanner-Whitehouse 0-40mm 0 ,2 m m Pressão de 10 ± 2mm2


subescapular Skinfold Caliper

Fonte: De Onis, Oyango & Van den Broek (2004).

74
Referências antropométricas

O Estudo Multicêntrico no Brasil


A América do Sul foi representada no estudo multicêntrico para elaboração das curvas de crescimento pelas
crianças de Pelotas, RS, o primeiro local a iniciar o estudo, no dia 1o de julho de 1997. Um dos requisitos para a
seleção das crianças era pertencer a famílias cuja renda fosse suficiente para proporcionar um ambiente saudável, de
modo que pudessem crescer e alcançar seu potencial genético de crescimento, desde os primeiros anos de vida. Para
definir qual o ponto de corte de renda familiar a ser adotado como critério de inclusão na amostra, foram analisados
os dados da coorte das crianças nascidas em Pelotas em 1993. Essa análise mostrou que, entre crianças pertencentes
a famílias cuja renda familiar mensal era igual ou superior a seis salários mínimos mensais, a prevalência de déficit
comprimento-para-idade aos 12 meses de idade era de 2,5%, similar ao esperado pela referência NCHS-OMS
(NCHS, 1978). Assim sendo, esse ponto de corte foi definido para a elegibilidade das crianças da amostra brasileira.
Outro aspecto característico do estudo brasileiro diz respeito às práticas de aleitamento materno. Conheci-
mentos prévios ao estudo multicêntrico mostravam que as taxas de início e continuidade do aleitamento materno
eram baixas, mas passíveis de serem melhoradas substancialmente com adequado apoio a esta prática. Assim,
uma equipe de três enfermeiras, com amplo conhecimento sobre aconselhamento à lactação, acompanhou cada
criança selecionada para participar do estudo desde o nascimento até os 12 meses de idade. A primeira visita das
enfermeiras ocorreu ainda no hospital e, posteriormente, aos 5, 15, 30 e 45 dias, e aos 2, 3, 4, 6, 8, 10 e 12 meses
de idade. Visitas extraordinárias eram realizadas quando algum problema fosse identificado. Nas idades de 7, 9 e
11 meses, contatos telefônicos com as mães eram feitos para avaliar se a prática de aleitamento materno estava
indo bem. Caso necessário, novas visitas extras eram realizadas.
Na primeira visita hospitalar, as mães eram motivadas a amamentar seus filhos por meio de orientações
sobre as vantagens do aleitamento materno tanto para as crianças como para elas mesmas. A partir daí, a mesma
enfermeira realizava as visitas posteriores, fortalecendo a formação de vínculo com a mãe e a criança. Em cada
uma das visitas domiciliares, as enfermeiras observavam uma mamada e, sempre que necessário, orientavam
quanto à posição correta da criança no colo da mãe. Orientações sobre a extração do leite materno também eram
dadas em todas as visitas, no caso de a mãe precisar se afastar da criança por algumas horas. Aos seis meses de
idade da criança, as mães eram orientadas a introduzir alimentos complementares corretamente. Além disso,
havia sempre uma enfermeira em sistema de plantão telefônico para orientação e, se necessário, realização de
visita domiciliar mesmo à noite, em fins de semana e feriados.
Com a finalidade de visualizar o efeito desse aconselhamento intensivo, foram comparadas as prevalências
de aleitamento materno exclusivo (apenas leite materno) e predominante (leite materno mais água, chá ou suco)
entre as crianças do EIMCC e as crianças da coorte de nascimento de 1993, que apresentavam características
similares, especialmente em relação à condição socioeconômica. Embora outros fatores pudessem também expli-
car as diferenças de prevalências encontradas no intervalo de cinco anos entre os dois estudos, é plausível acreditar
que o aconselhamento e o estímulo ao aleitamento materno proporcionados pela equipe de apoio à lactação
foram decisivos na melhora observada: as crianças do estudo multicêntrico mostraram prevalências de aleitamen-
to materno exclusivo, aos 3 meses, de 56,8%, contra 12,7% da coorte de 1993. Inversamente, o aleitamento
materno predominante foi de 16,9% e 28,2%, respectivamente para as crianças do estudo multicêntrico e da
coorte 1993. Essa comparação permitiu concluir que as mães postergaram a introdução de outros alimentos,
aumentando a prevalência de aleitamento materno exclusivo e diminuindo a prevalência de aleitamento materno
predominante (Albernaz, Giugliani & Victora, 1998).

75
Epidemiologia Nutricional

Considerações Finais
O uso de referências de crescimento para avaliar o estado nutricional de crianças tem sido um instrumento
valioso para identificar crianças sob risco nutricional e monitorar o crescimento e desenvolvimento nos primeiros
anos de vida pós-natal. Entretanto, até 2006, as referências utilizadas eram conjuntos de dados adaptados, geral-
mente baseados em amostras etnicamente homogêneas. Em 2006, a OMS disponibiliza os primeiros conjuntos
de curvas de crescimento para uso internacional, planejado e implementado especificamente para a avaliação
nutricional de crianças entre 0 e 5 anos de idade.
A construção das novas curvas de crescimento exigiu cuidados extremos desde seu planejamento e análise
dos dados até sua implementação. Os atuais conhecimentos científicos para a construção de curvas de crescimen-
to foram aplicados desde a seleção dos locais de estudo, na coleta de informações, até a reunião e tabulação dos
dados antropométricos.
A uniformização de técnicas e equipamentos e o controle de qualidade em todas as etapas do estudo foram
medidas adotadas para assegurar a rigorosa qualidade dos dados coletados.
As novas curvas da OMS podem ser usadas como um padrão para avaliar o crescimento de crianças meno-
res de 5 anos de idade e devem ser usadas para crianças de qualquer parte do mundo, independentemente de
etnia, condição socioeconômica ou padrão de alimentação.

Referências
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76
Referências antropométricas

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height and Body Mass Index-for-age: methods and development. Geneva: WHO Department of Nutrition for
Health Development, 2006c.
WHO EXPERT COMMITTEE. Physical Status: the use and interpretation of anthropometry. Geneva: WHO,
1995. (WHO Technical Report Series, 854)

77
4
Avaliação Nutricional de Adolescentes

Gloria Valeria da Veiga e Rosely Sichieri

A adolescência é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a faixa etária compreendi-
da entre 10 e 19 anos (WHO, 1995). Caracteriza-se por intenso crescimento e desenvolvimento e por alterações
morfológicas e fisiológicas complexas, nas quais a nutrição desempenha um importante papel. Durante a adoles-
cência, o indivíduo adquire 25% de sua estatura final e 50% do seu peso definitivo (Heald, 1979).
Os adolescentes podem ser considerados um grupo de risco nutricional por diversas razões, destacando-se
a inadequação da dieta no tocante ao aumento das necessidades energéticas e de nutrientes para atender à deman-
da do crescimento. Há muitas evidências de que os adolescentes concentram suas escolhas em alimentos de alta
densidade energética, porém pobres em nutrientes (Hunag et al., 1994; Watt & Sheiham, 1996; Andrade, Pereira
& Sichieri, 2003) incentivados por propagandas e modismos que estimulam o consumo de tais alimentos
(Zaida, 1992). Esses hábitos podem contribuir tanto para o baixo peso e desnutrição quanto para o excesso
de peso e obesidade, assim como para o aparecimento precoce de alterações metabólicas associadas ao excesso
de gordura corporal.
Nesse contexto, a avaliação do estado nutricional de adolescentes tem uma importância fundamental para
a detecção precoce de distúrbios nutricionais.

Crescimento e Maturação Sexual


Os requerimentos nutricionais na adolescência estão diretamente relacionados com composição corporal,
atividade física, sexo e estágio puberal. Em função da aceleração rápida no crescimento, os adolescentes têm suas
necessidades de energia, proteínas e carboidratos aumentadas, assim como de minerais como ferro, cobre, cálcio
e zinco, em decorrência do aumento da massa muscular, expansão do volume sangüíneo e aumento da massa
óssea (Eisenstein, 1995).
O processo de crescimento e desenvolvimento na adolescência tem três etapas distintas: a) Fase de início de
estirão de crescimento que, geralmente, começa entre 10 e 13 anos nas meninas e entre 12 e 15 anos nos meninos;
b) Fase de pico máximo de crescimento, com duração média de 24 a 36 meses, em que o ganho em estatura chega
a atingir, aproximadamente, 8 a 9 cm por ano nas meninas e cerca de 10 cm por ano nos meninos; c) Fase de
desaceleração de crescimento, em que pode ocorrer ainda um incremento de 5 a 8 cm na estatura (Eisenstein,

79
Epidemiologia Nutricional

1995). Após a fase de pico máximo de crescimento, o ganho em estatura ainda pode continuar, em média,
até os 17 anos de idade nas meninas e até 21 anos nos meninos (Bianculli, 1985).
Há grandes variações entre indivíduos (Duarte, 1993) e entre populações (Eveleth, 1986) quanto ao desen-
volvimento puberal. Indivíduos da mesma idade podem estar em fase diferente de crescimento e, conseqüente-
mente, de ganho de peso e estatura. Dessa forma, os índices antropométricos que são associados à idade, tais
como peso-para-idade (P/I) e estatura-para-idade (E/I), tão comumente utilizados para avaliar crianças menores
de 10 anos, são de mais difícil interpretação nesta faixa etária. A maturação sexual, representada pelo desenvolvi-
mento das gônadas, dos órgãos reprodutores e dos caracteres sexuais secundários, torna-se de fundamental im-
portância na avaliação do crescimento, desenvolvimento e estado nutricional do adolescente (Colli, 1989).
A avaliação da maturação sexual pode ser feita com base nas pranchas de Tanner (1962), que indicam cinco
estágios de desenvolvimento de mamas (M1 a M5) e de pêlos pubianos para o sexo feminino, e de genitália (G1
a G5) externa e de pêlos pubianos para o sexo masculino. A descrição detalhada de cada um desses estágios, com
ilustração fotográfica, pode ser encontrada em Colli, Coates & Guimarães (1993). No estágio M1, fase de pré-
adolescência, ocorre elevação das papilas mamárias; em M2, a mama já aparece como uma pequena elevação sem
separação dos contornos; e de M3 a M5, ocorre aumento da mama e definição dos contornos da aréola e papilas.
Para o desenvolvimento masculino, o estágio G1 corresponde a uma genitália infantil; em G2, há aumento do
escroto e dos testículos, sem aumento do pênis, e em G3 já ocorre aumento do pênis. Para o sexo feminino, o
marcador do estirão do crescimento é a fase M2, que é o aparecimento da mama, e para o sexo masculino o
marcador inicial é o aumento da genitália (G3).
A OMS recomenda a utilização de dois eventos de maturação sexual para cada sexo: um como marcador do
início do estirão do crescimento (M2 para meninas e G3 para meninos), e outro como indicador de que a
velocidade máxima de crescimento já ocorreu (menarca para as meninas e voz adulta para meninos) (WHO,
1995). Com base nesse critério, é possível observar os diferentes estágios (Quadro 1).

Quadro 1 – Estágios de desenvolvimento segundo sexo


Sexo masculino
Voz adulta Estágio G3
Sim Não
Sim Pós-pubescente: completou a maior parte do crescimento. Não costuma acontecer.

Não Pubescente: iniciou, mas não completou o estirão. Pré-pubescente: não iniciou o estirão.

Sexo feminino

Menarca Estágio M2

Sim Não
Sim Pós-pubescente: completou a maior parte do crescimento. Não costuma acontecer.

Não Pubescente: iniciou, mas não completou o estirão. Pré-pubescente: não iniciou o estirão.

Fonte: WHO (1995).

A idade da menarca é um marcador importante da desaceleração do crescimento para as meninas. Esse


evento ocorre, geralmente, de 12 a 18 meses após o início do estirão de crescimento (WHO, 1995, 2006). Para
os meninos, a identificação da voz do adolescente como marcador de fase de desaceleração do crescimento é
muito subjetiva e pode implicar erro de classificação.

80
Avaliação nutricional de adolescentes

Há grande variação na média da idade da menarca entre populações, que pode variar de 12,5 anos em
países desenvolvidos a 15 anos ou mais em países menos desenvolvidos (Becker, 1993). Entre os vários fatores
que podem estar envolvidos nessa variação, o estado nutricional é considerado o mais importante (Bongaarts &
Cohen, 1998). Crianças mais bem-nutridas apresentam idade da menarca mais precoce do que aquelas com
desnutrição, e uma gradual redução na idade da menarca tem sido observada com as melhoras progressivas nas
condições socioeconômicas e nutricionais nos últimos duzentos anos em sociedade ocidentais (WHO, 2006).
No Brasil, a idade média da menarca é de 13,2 anos, segundo a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição –
PNSN (Inan, 1990).
Em estudos epidemiológicos, a avaliação física para identificação do estágio de maturação sexual nem
sempre é viável, pois exige profissional devidamente capacitado (geralmente médico) e ambiente reservado e
apropriado. A auto-avaliação é uma alternativa que já foi validada em adolescentes norte-americanos, franceses e
brasileiros, em estudos que mostraram uma boa correlação (r ~ 0,80) entre a auto-avaliação e aquela realizada por
profissional qualificado (Duarte, 1993; Saito, 1993).

Dificuldades na Interpretação dos Índices


e Indicadores Antropométricos
O método antropométrico, principalmente os índices que associam as medidas de peso e estatura, tem sido
o mais usado em estudos populacionais de avaliação nutricional em todas as faixas etárias. Nas fases de crescimen-
to, a antropometria tem uma importância fundamental, já que o crescimento físico e a maturação sexual depen-
dem, principalmente, de condições nutricionais ótimas. Entretanto, em virtude da variabilidade individual no
processo de crescimento na adolescência, independentemente da idade cronológica, a interpretação das relações
entre as medidas corporais nesta faixa etária é bem mais complexa do que quando usadas para avaliação de
crianças.
A dificuldade se inicia na construção de curvas de valores de referência para os índices, como, por exemplo, o
peso-para-estatura (P/E), amplamente utilizado para crianças, já que o peso vai variar em função do estágio de
maturação sexual, e não apenas da estatura do adolescente. Em 1997, o National Center for Health and Statistics
(NCHS) publicou as distribuições de percentis da população americana para os índices antropométricos E/I e P/I
para meninos e meninas de 1 mês a 18 anos. No entanto, não existem os valores de P/E para meninas e meninos com
estatura acima de 137 cm e 145 cm, respectivamente, a fim de evitar o risco de incluir dados de peso e estatura de
crianças pubescentes, que sofrem acentuadas mudanças das proporções corporais (Hamill et al., 1979).
Posteriormente, o Center for Disease Control – CDC (Kuczmarsky et al., 2000) divulgou as novas curvas,
também da população americana, com distribuição de valores para P/I e E/I até 20 anos, e para o índice P/E
apenas para crianças até 120 cm.
Em adolescentes, a apreciação do índice P/E associado à avaliação de maturação sexual é particularmente
importante, visto que adolescentes da mesma idade podem apresentar estaturas diferentes e o seu peso deve estar
proporcional à estatura atingida, e não à idade propriamente dita. Dessa forma, o uso das curvas de P/I tem
pouca validade porque ignora a contribuição da estatura (Himes & Dietz, 1994). O P/I pode sugerir um déficit
ponderal nem sempre verdadeiro para aqueles adolescentes que são baixos para a idade e também se encontram
em percentis baixos de P/I, mas com peso proporcional para sua estatura. Em contrapartida, naqueles que alcan-
çam os percentis mais altos de estatura o P/I pode superestimar o excesso de peso.
Particularmente para avaliação de obesidade, o índice P/E seria o mais adequado, pois apresenta maior
correlação com a porcentagem de gordura corporal do que o P/I (Roche, 1984), mas a ausência da distribuição
destes valores nas referências internacionais dificulta a utilização daquele índice para estudos epidemiológicos.

81
Epidemiologia Nutricional

Vantagens e Limitações do Índice de Massa Corporal


e Critérios para Diagnóstico de Excesso de Peso e Baixo Peso
A falta de curvas de referência de valores de P/E e a reconhecida importância de avaliar a relação destas
medidas na adolescência motivaram os estudos sobre a aplicabilidade dos diferentes índices de peso e estatura
nesta faixa etária. O Índice de Massa Corporal (IMC) referente à relação do peso em kg dividido pelo quadrado
da estatura em metro é um dos índices mais populares na avaliação nutricional de adultos, por apresentar uma
boa correlação com o peso (valores de r geralmente superiores a 0,80) e uma baixa correlação com a estatura
(geralmente r em torno de 0,10) (Anjos, 1992). Vários estudos demonstraram que, também na adolescência, o
IMC apresenta uma boa correlação com outras medidas mais específicas de adiposidade (Lazarus et al., 1996;
Ellis, Abrams & Wong, 1999). Em 1994, nos Estados Unidos, um comitê de especialistas (Expert Committee on
Clinical Guidelines for Overweight in Adolescent Preventive Services) sugeriu que valores específicos de IMC, de
acordo com a idade e sexo, fossem usados como critério para triagem de adolescentes com sobrepeso (Himes &
Dietz, 1994). Além da alta correlação com a gordura subcutânea e total nesta faixa etária, o fato de ser este
um índice fácil de calcular, ter referência para comparações e ainda permitir a continuidade do critério usado
para avaliação de adultos foi razão adicional para essa escolha.
Posteriormente, a OMS (WHO, 1995) endossou a proposta do comitê americano, e em 1997 uma força-
tarefa criada nos Estados Unidos, a International Obesity Task Force (IOTF), indicou o IMC como a medida mais
razoável para fins de comparação de estudos internacionais sobre prevalência de sobrepeso e obesidade em adoles-
centes (Bellizzi & Dietz, 1999). Apesar dessas recomendações, o uso do IMC em adolescentes ainda é um tema
bastante controverso. Algumas limitações do índice sugerem cautela no seu uso. A massa corporal, estimada pelo
IMC, por exemplo, avalia, além da gordura corporal, a massa livre de gordura, que é muito maior nos meninos.
A compleição corporal e o comprimento relativo das pernas em relação ao tronco também interferem neste
índice (Garn, Leonard & Hawthoene, 1986), o que limita a sua interpretação para avaliar obesidade. O IMC não
reflete as grandes mudanças na composição corporal que ocorrem na adolescência, com maior acúmulo de gor-
dura nas meninas e de massa muscular nos meninos (Anjos, 1992). Os resultados obtidos em 1.540 adolescentes
estudantes de uma escola privada de Niterói, Rio de Janeiro, refletem claramente esse fenômeno, pois verificou-
se que a média de IMC aumentou de 19,5 kg/m2 para 22,6 kg/m2 em meninos, e de 18,1 kg/m2 para 21,0 kg/m2
para meninas dos 10 aos 17 anos, ao passo que a média de gordura corporal, avaliada pela bioimpedância elétrica,
aumentou de 21,1% para 28,3% nas meninas e reduziu-se de 17,1% para 16,2% nos meninos (Veiga, Dias &
Anjos, 2001).
Adicionalmente, a correlação do IMC com a estatura, apesar de baixa, é significativa durante a adolescência
(Fung et al., 1990), o que consiste em outra limitação para o uso deste índice na fase de crescimento, já que
variará não apenas em função de ganho de massa e gordura corporal, mas também em função do ganho em
estatura. A escolha da melhor referência e dos pontos de corte para indicar adolescentes com excesso ou déficit de
gordura corporal e que indiquem riscos à saúde ainda está em discussão.
A referência proposta pelo comitê americano de especialistas (Himes & Dietz, 1994) e adotada pela OMS
(WHO, 1995) foi a curva de valores de percentis de IMC apresentada por Must, Dallal e Dietz (1991) a partir de
dados do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES I, 1971-74). Com base nessa curva, o
comitê adotou os percentis 85 e 95 como pontos de corte para classificar ‘risco de sobrepeso’ e ‘sobrepeso’,
respectivamente, tomando o cuidado de não classificar obesidade apenas com base em um índice de peso e
estatura. A OMS propôs classificar como obesos os adolescentes que apresentassem, simultaneamente, IMC
acima do P 85 e valores de dobras cutâneas tricipital e subescapular acima do percentil 90 da curva de percentis
de jovens americanos (Johnson et al., 1981). Como nem sempre a avaliação de dobras cutâneas é viável em

82
Avaliação nutricional de adolescentes

estudos epidemiológicos ou na prática clínica, de modo geral utiliza-se o valor acima do percentil 95 como
critério para classificar obesidade.
Em 2000, foram divulgadas as curvas de crescimento revisadas pelo Center for Disease Control and
Prevention – CDC (Kuczmarsky et al., 2000), nas quais foi incluída a curva de percentis de IMC para idade de
2 a 20 anos, com ampliação dos estudos populacionais que serviram de base de dados (NHANES II, 1976-80 e
NHANES III, 1988-94). Essa referência tem sido amplamente utilizada em estudos epidemiológicos de avalia-
ção nutricional de adolescentes.
Devido à elevada prevalência de obesidade nos Estados Unidos, os valores de IMC nos percentis 85 e 95
são muito altos, e a utilização de jovens americanos como referência pode subestimar a extensão do problema em
países onde a prevalência é mais baixa. Por exemplo, o valor de IMC no percentil 95 de adolescentes brasileiros do
sexo masculino entre 17 e 18 anos é, aproximadamente, 25 kg/m2, e para os americanos é 31 kg/m2 (Anjos,
Castro & Veiga, 1998). Isto significa que só consideraríamos com obesidade os adolescentes que atingissem
valores de IMC acima de 31 kg/m2, subestimando a prevalência do problema na nossa população, como confir-
mado em estudantes de escolas privadas (Veiga, Dias & Anjos, 2001) e de escolas públicas (Vieira et al., 2006).
Entre os meninos, essas diferenças chegaram a atingir 20 pontos percentuais (Veiga, Dias & Anjos, 2001) e foram
bem menores entre as meninas (em torno de 4 a 8%), indicando que os valores de IMC nos percentis mais altos
das meninas brasileiras já estão próximos e quase tão altos quanto os das americanas.
A classificação de baixo peso não implicaria grandes diferenças, considerando que os valores de IMC nos
percentis mais baixos (P 5) são bem semelhantes entre jovens brasileiros e americanos (Anjos, Castro & Veiga,
1998). Conclusão similar foi obtida no estudo de Conde e Monteiro (2006) com base nos dados da Pesquisa
Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN).
É questionável ainda utilizar como referência para países em desenvolvimento valores de IMC de popula-
ções cujos jovens alcançaram seu potencial genético de crescimento. Nos países menos desenvolvidos, a baixa
estatura, como conseqüência de agravos nutricionais pregressos, pode estar associada à maior gordura corporal
(Sichieri, Siqueira & Moura, 2000). Adicionalmente, as diferenças étnicas na distribuição e acúmulo de gordura
corporal e no momento de início e velocidade do processo de maturação sexual também são fatores limitantes na
internacionalização da referência americana e de pontos de corte uniformes de IMC para classificar indivíduos
segundo estado nutricional (Malina & Katzmarzyk, 1999).
A IOTF recomendou a elaboração de curva de valores de IMC baseadas em dados de outros países e a
utilização de pontos de corte para a classificação de sobrepeso e obesidade em adolescentes que fossem correspon-
dentes aos valores associados com morbidade utilizados para adultos (Bellizzi & Dietz, 1999).
Cole e colaboradores (2000) divulgaram a curva baseada em dados populacionais obtidos em estudos
realizados em seis países (Brasil, Reino Unido, Hong-Kong, Holanda, Singapura e Estados Unidos). Nesta pro-
posta, com base em um critério estatístico, determinou-se, para cada sexo e idade entre 2 a 18 anos, qual o valor
de IMC que corresponderia ao IMC de 25 kg/m2 (para identificar sobrepeso) e 30 kg/m2 (para identificar obesi-
dade) aos 18 anos de idade. Há perspectiva de que esta seja uma alternativa mais válida para comparações
internacionais e menos influenciada pelas variações nos pontos de corte estritamente estatísticos, que podem
ocorrer em função das alterações de peso na população de referência e das diferenças na prevalência de obesidade
em cada país. Apesar de bastante atraente, essa proposta, que tem sido referida como “internacional”, ainda
carece de estudos de avaliação de desempenho, já que as populações utilizadas na sua construção ainda não
representam a população mundial e não se sabe se os valores associados à morbidade em adultos terão o mesmo
significado de risco para crianças e adolescentes. Conde e Monteiro (2006) elaboraram curvas brasileiras do IMC
de crianças e adolescentes com base nos dados da PNSN, utilizando metodologia similar à utilizada por Cole e
colaboradores (2000), e os valores para sobrepeso são aproximadamente uma unidade de IMC menores do que
na curva internacional.

83
Epidemiologia Nutricional

Também com base nos dados da PNSN realizada em 1989, Anjos, Castro e Veiga (1998) divulgaram
curvas segundo percentis de IMC para cada idade e sexo da população brasileira de 0 a 25 anos.
Na Tabela 1 são apresentados os valores de IMC nos percentis 85 e 95, segundo as duas referências ameri-
canas – Must, Dalal & Dietz, 1991; CDC –, uma curva brasileira – Anjos, Castro & Veiga, 1998 – e valores
correspondentes ao IMC 25 kg/m2 e 30 kg/m2 aos 18 anos, segundo a referência “internacional” – Cole et al.,
2000. Verifica-se que nas duas referências americanas os valores são semelhantes em ambos os sexos e não se
diferenciam muito da referência internacional, embora esta tenha uma tendência a valores mais elevados, princi-
palmente nos mais jovens. Os valores de IMC da população brasileira são sempre mais baixos.

Tabela 1 – Valores de IMC (kg/m2) nos percentis (P) 85 e 95, segundo duas referências americanas e uma
curva brasileira e correspondentes ao IMC 25 kg/m2 e 30 kg/m2 aos 18 anos, segundo referência internacional
Sobrepeso1 Obesidade2

Idade Must, Dallal CDC Cole et al. Anjos, Must, Dallal CDC Cole et al. Anjos,
& Dietz US Castro & & Dietz US Castro &
Veiga Veiga
Masculino Masculino
10 1 9 ,6 1 9 ,4 1 9 ,8 1 8 ,0 2 2 ,6 2 2 ,2 2 4 ,0 2 0 ,0

11 2 2 ,4 2 0 ,2 2 0 ,5 1 8 ,7 2 3 ,7 2 3 ,2 2 5 ,1 2 1 ,3

12 2 1 ,1 2 1 ,0 2 1 ,2 1 9 ,1 2 4 ,9 2 4 ,2 2 6 ,0 2 2 ,0

13 2 1 ,9 2 1 ,9 2 1 ,9 2 0 ,1 2 5 ,9 2 5 ,2 2 6 ,8 2 1 ,9

14 2 2 ,8 2 2 ,6 2 2 ,6 2 0 ,8 2 6 ,9 2 6 ,0 2 7 ,6 2 2 ,4

15 2 3 ,6 2 3 ,5 2 3 ,3 2 1 ,7 2 7 ,8 2 6 ,8 2 8 ,3 2 3 ,8

16 2 4 ,5 2 4 ,2 2 3 ,9 2 2 ,5 2 8 ,5 2 7 ,6 2 8 ,9 2 4 ,1

17 2 5 ,3 2 4 ,9 2 4 ,4 2 2 ,6 2 9 ,3 2 8 ,3 2 9 ,4 2 4 ,3

18 2 5 ,9 2 5 ,7 2 5 ,0 2 3 ,3 3 0 ,0 2 9 ,0 3 0 ,0 2 5 ,1

Feminino Feminino
10 2 0 ,2 2 0 ,0 1 9 ,9 1 8 ,6 2 3 ,2 2 3 ,0 2 4 ,1 2 1 ,0

11 2 1 ,2 2 0 ,9 2 0 ,7 1 9 ,8 2 4 ,6 2 4 ,1 2 5 ,4 2 2 ,8

12 2 2 ,2 2 1 ,7 2 1 ,7 2 0 ,9 2 6 ,0 2 5 ,3 2 6 ,7 2 3 ,4

13 2 3 ,1 2 2 ,6 2 2 ,6 2 2 ,2 2 7 ,1 2 6 ,3 2 7 ,7 2 4 ,3

14 2 3 ,9 2 3 ,4 2 3 ,3 2 3 ,3 2 8 ,0 2 7 ,3 2 8 ,6 2 6 ,0

15 2 4 ,3 2 4 ,0 2 3 ,9 2 3 ,6 2 8 ,5 2 8 ,1 2 9 ,1 2 6 ,0

16 2 4 ,7 2 2 ,7 2 4 ,4 2 4 ,3 2 9 ,1 2 8 ,9 2 9 ,4 2 6 ,6

17 2 5 ,2 2 5 ,2 2 4 ,7 2 4 ,6 2 9 ,7 2 9 ,6 2 9 ,7 2 7 ,7

18 2 5 ,6 2 5 ,7 2 5 ,0 2 4 ,6 3 0 ,2 3 0 ,3 3 0 ,0 2 8 ,2

1 - Correspondente ao P 85 para Must, Dallal e Dietz (1991), CDC (Kuczmarsky et al., 2000) e Anjos, Castro e Veiga
(1998) e ao valor de referência de Cole e colaboradores (2000) equivalente ao IMC 25 kg/m2 para adulto.
2 - Correspondente ao P 95 para Must, Dallal e Dietz (1991), CDC (Kuczmarsky et al., 2000) e Anjos, Castro e Veiga
(1998) e ao valor de referência de Cole e colaboradores (2000) equivalente ao IMC 30 kg/m2 para adulto.
Fonte: Veiga et al. (2004).

84
Avaliação nutricional de adolescentes

Como seria de esperar, variações nos pontos de corte de cada referência influenciam nos valores de prevalências
de sobrepeso e obesidade. Em jovens americanos, as estimativas geradas com o uso da referência de Cole e
colaboradores (2000) foram mais baixas do que aquelas observadas com o uso da curva do CDC, principalmente
nos mais jovens (Flegal et al., 2001). O mesmo ocorreu em estudo com dados populacionais de crianças de 6 a 18
anos da China, Rússia e Estados Unidos, onde foram comparadas as prevalências obtidas com a utilização das
referências de Cole e colaboradores (2000) e de Must, Dallal e Dietz (1991). Nesse estudo, embora a concordân-
cia entre as duas classificações tenha sido excelente (estatística Kappa > 0,8), principalmente para os adolescentes
(Wang & Wang, 2000), as prevalências utilizando a referência de Cole e colaboradores (2000) foram menores do
que quando se usou a referência do CDC. Em contrapartida, em adolescentes estudantes de escolas públicas de
Niterói, Rio de Janeiro, principalmente naqueles acima de 16 anos, as prevalências utilizando a referência de Cole
e colaboradores (2000) foram maiores do que quando se usou a referência do CDC (Vieira et al., 2006).
O desempenho do IMC para identificar adolescentes com excesso de gordura corporal tem sido também
investigado comparando-se os critérios propostos de classificação de sobrepeso e obesidade com medidas especí-
ficas de gordura corporal. Uma revisão detalhada sobre esses estudos foi publicada anteriormente por Veiga e
colaboradores (2004). De modo geral, os estudos demonstraram alta especificidade e baixa sensibilidade, inde-
pendentemente dos pontos de corte de IMC testados. Entretanto, os pontos de corte obtidos com base em curva
nacional e na própria população estudada são mais sensíveis do que os valores das referências americanas e da
chamada “internacional” (Vieira et al., 2006).
Apesar das limitações, o IMC continua sendo usado como um bom indicador de gordura corporal em
adolescentes, e a utilização de pontos de corte de IMC mais baixos gerados da distribuição de valores nacionais
pode resultar em maior acurácia na identificação de jovens em risco de obesidade. A baixa sensibilidade dos
pontos de corte das referências americanas e “internacional”, as quais chegam a identificar até 60% de adolescen-
tes com excesso de gordura corporal como eutróficos (Vieira et al., 2006), pode retardar a busca de medidas
preventivas efetivas.
Adicionalmente, é importante que os estudos de validação do IMC como índice de obesidade investiguem
a sua capacidade de predizer riscos presentes e futuros para a saúde. Apesar das evidências da associação entre
valores elevados de IMC com alterações metabólicas de risco para doenças cardiovasculares (Ronnemaa et al.,
1991; Steinberger et al., 1995; Teixeira et al., 2001; Oliveira, Veiga & Sichieri, 2001; Coronelli & Moura, 2003)
e diabetes mellitus (Pinhas-Hamiel et al.,1996; ADA, 2000), estabelecer pontos de corte que levem em conta tal
associação é difícil nesta faixa etária em que a morbidade não é ainda tão freqüente.
O uso do IMC para investigação de baixo peso tem sido pouco explorado na literatura. A OMS propõe o
percentil 5 da referência de Must, Dallal e Dietz (1991) como critério para definição de magreza (WHO, 1995).
Considerando-se ainda a questão do déficit de crescimento em função de condições ambientais adversas que podem
comprometer a estatura do indivíduo, a avaliação do índice E/I também tem sido recomendada para esta faixa
etária, e proposto o percentil 3 ou valores abaixo de - 2 z-escore da curva de referência (NCHS) como ponto de corte
para classificação de déficit de estatura (WHO, 1995). As curvas revisadas do CDC têm sido as mais utilizadas.

Epidemiologia das Alterações Nutricionais na Adolescência:


sobrepeso e obesidade, baixo peso, morbidades associadas
ao sobrepeso e obesidade, déficit de estatura
O excesso de peso (ou sobrepeso, como denominado em vários estudos) tem sido o problema nutricional
mais investigado na adolescência. O aumento na prevalência de excesso de peso, particularmente nas últimas
duas décadas, foi relatado em vários países desenvolvidos (Thomsen, Ekstrom & Sorensen, 1999; Hulens et al.,

85
Epidemiologia Nutricional

2001; Magarey, Daniels & Boulton, 2001; Moreno et al., 2000; Tremblay, Katzmarzyk & Willms, 2002) e
principalmente nos Estados Unidos (Flegal & Troiano, 2000), onde se registrou um aumento na obesidade em
até 10 pontos percentuais no período de 1988 a 1999-2000, atingindo cerca de 15,5% dos jovens do país, e com
o excesso de peso chegando a 30,4% (Ogden et al., 2002).
No Brasil, a comparação dos estudos nacionais desenvolvidos nos períodos de 1974-75, 1989 e 1996-97
revelou que a prevalência de sobrepeso em adolescentes triplicou em vinte anos, passando de aproximadamente
4% para 13% nas regiões Sudeste e Nordeste (Wang, Monteiro & Popkin, 2002; Veiga, Cunha & Sichieri,
2004). Em meninos, houve um aumento de 2,6% para 11,8% e em meninas de 5,8% para 15,3%. Para os
meninos do Sudeste, os valores de IMC no percentil 85 em 1997 foram maiores do que o percentil 95 em 1975,
de forma que o aumento neste último percentil variou de 2,9 a 7,4 unidades, semelhante ao descrito para adoles-
centes americanos (Veiga, Cunha & Sichieri, 2004).
Na região Sudeste, o sobrepeso, em 1997, foi verificado em 17% de meninos e meninas, ao passo que na
região Nordeste estas proporções foram de 5% entre os meninos e 12% entre as meninas. Em meninos de 17 anos
no Sudeste, o sobrepeso chegou a 20,2% (Magalhães & Mendonça, 2003). A tendência de aumento é nitidamen-
te maior nos meninos, a partir do estudo de 1989, ao passo que nas meninas, particularmente acima de 14 anos
da região urbana do Sudeste, constata-se até uma redução (16,4% para 14,5%). Este aumento maior em meninos
do que em meninas também foi observado na Finlândia (Kautiainen et al., 2002) e no Canadá (Tremblay,
Katzmarzyk & Willms, 2002).
A prevalência de sobrepeso em adolescentes observada na pesquisa de 1997 no Brasil foi mais baixa do que
a descrita para a Espanha (18,1%) (Rios et al., 1999), Estados Unidos (25%) (Troiano & Flegal, 1998) e Canadá
(entre 26,7% e 33%) (Tremblay, Katzmarzyk & Willms, 2002). As meninas brasileiras, no entanto, apresenta-
ram freqüência de sobrepeso maior do que as da Finlândia (9,8%) (Kautiainen et al., 2002) e semelhante à das
australianas (15,8%) (Tremblay, Katzmarzyk & Willms, 2002), usando-se o mesmo critério de diagnóstico.
Os resultados divulgados recentemente, baseados na análise dos dados da última Pesquisa de Orçamento
Familiar (POF 2002-2003, IBGE, 2006), confirmam a tendência de aumento do excesso de peso entre adoles-
centes brasileiros. A prevalência encontrada foi de 16,7% (pouco mais de 2% foram diagnosticados como obe-
sos), ainda um pouco maior entre os meninos (17,9%) do que entre as meninas (15,4). As regiões Sul, Sudeste e
Centro-Oeste são as mais afetadas e, dentro de cada região, o problema é maior no meio urbano do que no meio
rural. Essas diferenças regionais e por estrato de residência são mais marcantes entre os meninos do que entre as
meninas. A associação entre excesso de peso e renda familiar foi bem evidente, com maiores freqüências nos
estratos de maior renda, particularmente entre os meninos.
Apesar de no Brasil a relação entre nível socioeconômico e prevalência de sobrepeso entre os adolescentes
ainda ser direta, a evidente tendência de redução entre as meninas de nível de renda mais alto e residentes nas
regiões mais ricas do país sugere que, ao menos para o sexo feminino, a relação inversa observada nos Estados
Unidos já esteja ocorrendo no nosso país.
Os dados da POF 2002-2003 revelam estabilidade na freqüência de adolescentes com déficit de IMC para
idade (< - 2 z-escore da distribuição de valores de IMC com base na PNSN), como indicador de baixo peso ou
desnutrição, que ficou entre 2,4% e 4,8%, nos dois sexos. Considerando o critério de definição de baixo peso
como IMC para idade abaixo do percentil 5 da referência NCHS (WHO, 1995), a prevalência encontrada para
os jovens brasileiros (cerca de 7%) é baixa. Países como Índia (53%), Nepal (36%) e Benin (23%) apresentaram
as maiores prevalências de baixo peso em adolescentes, entre 11 países investigados (WHO, 2006).
A tendência de aumento de sobrepeso e redução de baixo peso observada no Brasil segue o mesmo padrão
da China e dos Estados Unidos, e é inverso ao verificado na Rússia, onde se constatou, durante a depressão
econômica, declínio de sobrepeso e aumento de baixo peso em jovens (Wang, Monteiro & Popkin, 2002).

86
Avaliação nutricional de adolescentes

O aumento do excesso de peso em adolescentes no Brasil tem sido associado ao aparecimento precoce
de alterações metabólicas de risco para doenças cardiovasculares tais como resistência à insulina, diabetes
mellitus tipo 2 e a síndrome metabólica (Lima et al., 2004; Silva, Miranda & Chacra, 2005; Alvarez et al.,
2006).
Os componentes da síndrome metabólica mais evidenciados em adultos, conforme registrado no capítulo
22, “Aspectos epidemiológicos e nutricionais da síndrome metabólica”, também já estão presentes em adolescen-
tes obesos, tais como hipertensão arterial, hiperinsulinemia e/ou resistência à insulina, intolerância à glicose e/ou
hiperglicemia e diabetes mellitus tipo 2 e dislipidemia caracterizada por hipertrigliceridemia e baixas concentra-
ções de High Density Lipoprotein Cholesterol (HDL-C) no sangue (Molnár, 2004), além do acúmulo excessivo de
gordura na região central do organismo que, provavelmente, precede as demais alterações.
Não existe ainda uma definição aceita universalmente para a síndrome metabólica em adolescentes, o que
dificulta a comparação das prevalências encontradas nos diferentes estudos. De modo geral, as propostas para
adultos foram adaptadas para esta faixa etária, sendo as mais utilizadas as adaptações das propostas do National
Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III (NCEP-ATPIII, 2001) e da Organização Mundial da
Saúde (Alberti & Zimmet, 1998).
No Brasil, dois estudos recentes foram desenvolvidos para avaliar a síndrome metabólica em adolescentes.
No primeiro, de âmbito mais clínico, Silva, Miranda e Chacra (2005) avaliaram 99 adolescentes com história
familiar para diabetes tipo 2 e verificaram que 6% apresentavam síndrome metabólica. Nos obesos, que
correspondiam a 23% da amostra, essa proporção foi quatro vezes maior, atingindo 26% dos adolescentes.
Encontraram ainda cerca de 24% com obesidade, 22% com resistência à insulina, 18% com hipertensão arterial
e 8% com hipertrigliceridemia e com baixas concentrações de HDL-C. O segundo estudo epidemiológico,
desenvolvido por Alvarez e colaboradores (2006), foi pioneiro no Brasil em descrever o perfil de resistência à
insulina avaliada pelo Homeostatic Model Assessment – Insulin Resistance (índice Homa-IR). Em uma amostra
probabilística de 388 adolescentes do sexo feminino, de 12 a 19 anos, estudantes da rede estadual de ensino da
cidade de Niterói, estado do Rio de Janeiro, os autores verificaram síndrome metabólica em 3,2% do total das
adolescentes, em 21% das que apresentavam sobrepeso e em 0,14% naquelas sem sobrepeso. No grupo com
sobrepeso, a prevalência foi seis vezes maior naquelas que se encontravam no último tercil do índice Homa-IR,
quando comparadas às que estavam no primeiro tercil. O Homa-IR associou-se inversa e significativamente com
o HDL-C (β = - 1,03 mg/dL p < 0,001), independentemente do IMC e da idade.
Em adolescentes dos Estados Unidos, a prevalência de síndrome metabólica foi de 4% (Cook et al., 2003);
32% entre os obesos e 7,1% naqueles com sobrepeso (Duncan, Li & Zhou, 2004). Weiss e colaboradores (2004)
observaram freqüências de 49,7% e 38,7% em jovens ingleses severa e moderadamente obesos, respectivamente.
Quanto à freqüência de déficit de E/I (< - 2 z-escore da referência NCHS, WHO, 1995), como indicador
de desnutrição, as tendências no Brasil são inversas às observadas para o excesso de peso. Segundo os dados da
POF 2002-2003 (IBGE, 2006), houve declínio na prevalência de baixo E/I (33,5%, 20,5% e 10,8% no sexo
masculino e 26,3%, 16,9% e 7,9% no sexo feminino) em todos os estratos de renda avaliados, embora as
prevalências sejam até quatro vezes maiores quando comparados os estratos de renda mais baixa com os de renda
mais alta.

Considerações Finais
Diante da complexidade da avaliação nutricional de adolescentes, particularmente quanto à interpretação dos
índices antropométricos, o grande desafio para pesquisas futuras é a determinação de critérios universais, mas que
também levem em consideração as grandes variações individuais em função do sexo, idade, maturação sexual e

87
Epidemiologia Nutricional

etnia. Apesar das limitações apontadas, os resultados dos estudos realizados no Brasil indicam o risco de
adolescentes com sobrepeso desenvolverem resistência à insulina e, conseqüentemente, síndrome metabólica, o
que pode representar um importante fator de risco para diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares na vida
adulta.
Enfatizou-se neste capítulo a avaliação nutricional populacional. Um outro importante enfoque e ainda
mais complexo é a utilização dos indicadores e a definição de pontos de corte para avaliação individual. A OMS
estabelece critérios de acompanhamento clínico e de intervenções que enfatizam mais o acompanhamento do
estado nutricional do que o diagnóstico pontual de déficits ou excesso pondero-estaturais (WHO, 1995).
Particularmente em relação ao IMC, é importante que sejam investigados os pontos de corte mais sen-
síveis e específicos e com melhor valor preditivo positivo para identificar riscos de morbidade, presentes e
futuros, tanto em relação ao baixo peso quanto ao excesso de peso. A aplicação deste índice na prática clínica
deve ser sempre complementada com outras medidas de composição corporal e informações adicionais sobre
a história nutricional do indivíduo, além da avaliação do estagiamento maturacional, indispensável na avaliação
nutricional de adolescentes.

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92
5
Antropometria como Método de Avaliação
do Estado de Nutrição e Saúde do Adulto

Márcia Gonçalves Ferreira e Rosely Sichieri

A antropometria se destaca, entre os demais métodos utilizados para a avaliação nutricional de adultos,
como um bom preditor das condições de saúde, nutrição e sobrevida. Nos estudos populacionais, ressalta-se sua
grande vantagem de possibilitar a aferição acurada de medidas das dimensões corporais de forma simples e a um
baixo custo, uma vez que os instrumentos utilizados nas mensurações podem ser transportados com certa facilidade.
Apesar de sua simplicidade, a falta de padronização na avaliação antropométrica pode comprometer a
qualidade dos dados pela introdução de erros sistemáticos e aleatórios relacionados ao avaliado, ao
antropometrista e aos instrumentos utilizados na coleta das informações. Portanto, assim como ocorre em
outras áreas das ciências, a avaliação antropométrica deve ser realizada criteriosamente e utilizando técnicas de
medição amplamente testadas.
A maioria dos métodos antropométricos usados na avaliação da composição corporal baseia-se em um
modelo no qual o corpo é constituído por dois compartimentos quimicamente distintos: o compartimento de
gordura e a massa livre de gordura (Gibson, 1990). As medidas antropométricas são avaliações realizadas direta-
mente no indivíduo, em algum ponto anatômico, ou na superfície corpórea como um todo. A combinação de
medidas gera os índices antropométricos. Os indicadores, por sua vez, são construídos com base nos índices,
relacionando-se ao seu uso e aplicação (WHO, 1995).

Padronização na Coleta de Dados Antropométricos


e Fontes de Erro na Mensuração
A coleta de dados antropométricos exige a padronização da técnica de aferição dos antropometristas e dos
instrumentos utilizados na avaliação.

Padronização da Técnica de Aferição


O pesquisador responsável deve disponibilizar para o trabalhador de campo um manual que contenha
instruções detalhadas sobre todos os procedimentos que serão necessários, a fim de garantir a confiabilidade das
medidas que estão sendo realizadas. Passos para aferição: a) As medições devem ser realizadas num ambiente o

93
Epidemiologia Nutricional

mais confortável possível para os sujeitos; b) A equipe de campo deve contar com o antropometrista e um
assistente, que auxiliará na tomada das medidas, além de se encarregar das anotações dos dados; c) O avaliado
deve manter-se de pé, com o corpo relaxado, braços ao longo do corpo, pés levemente separados; d) Deve-se
solicitar ao indivíduo que fique com o mínimo de roupa possível (ex.: trajes de banho) e sem sapatos;
e) O avaliado não deve usar qualquer penteado ou adorno na cabeça (rabo de cavalo, coque, boné, arco ou outros
acessórios); f ) O indivíduo não deve estar usando relógios, correntes, pochetes, cintos ou portar telefone celular;
g) Os resultados das medições devem ser anotados imediatamente após sua obtenção, para evitar erros de registro
dos dados. Instruções detalhadas sobre aferição de medidas antropométricas estão disponíveis no manual de
Lohman, Roche e Martorell (1988).

Padronização dos Antropometristas


No treinamento do antropometrista deverão ser incluídas noções sobre a anatomia básica do corpo huma-
no, uma vez que as marcações e medições são feitas com base na identificação de sítios anatômicos específicos.
A falta de uniformidade nos procedimentos é uma das principais causas de viés na coleta de dados antropométricos.
A validade dos dados coletados depende, segundo Habicth (1974), da precisão e exatidão conseguidas pelo
antropometrista durante as medições. A precisão é a capacidade do antropometrista de obter o mesmo valor cada
vez que realiza a medida antropométrica no mesmo indivíduo. Essa capacidade depende do treinamento, e para
algumas medidas, a exemplo da aferição de dobras cutâneas, o processo pode ser demorado. A exatidão se refere
à habilidade do antropometrista em se aproximar o máximo possível da medida real do indivíduo que está sendo
avaliado.
Para identificar em que momento o treinamento se encontra em nível satisfatório, Habicth (1974) propôs
uma técnica relativamente simples. Elege-se um indivíduo que será o padrão-ouro (geralmente é o supervisor).
Em seguida, supervisor e treinandos registrarão medidas repetidas dos mesmos indivíduos (pelo menos dez pes-
soas). As medidas em diferentes locais devem ser feitas em série, para evitar que a segunda medição seja influen-
ciada pela primeira. Os antropometristas que estão sendo treinados não devem ter acesso aos resultados obtidos
pelo padrão-ouro. Os dados obtidos são registrados em folhas separadas, cujos valores serão comparados quanto
à precisão e exatidão. Após treinamento, a preocupação inicial é com a precisão das medidas dos antropometristas.
É mais fácil o treinando concordar com ele mesmo em medidas repetidas do que atingir o valor obtido pelo
padrão-ouro (confiabilidade entre e intra-antropometrista).
A padronização proposta por Habicth (1974) consiste no seguinte procedimento: cada treinando repete a
medida duas vezes para dez observações diferentes, e a soma dos quadrados das diferenças para o mesmo
antropometrista define a confiabilidade intra-individual (o autor chamou esta aferição de precisão), ao passo que a
soma dos quadrados das diferenças entre dois antropometristas para a mesma observação define a confiabilidade
entre indivíduos (o autor chamou esta aferição de exatidão). Quando um antropometrista atinge uma confiabilidade
intra-individual menor do que duas vezes a confiabilidade intra-individual do supervisor, ele é considerado preciso;
quando ele apresenta uma confiabilidade entre indivíduos menor do que três vezes a confiabilidade intra-individual
do supervisor, o treinando é considerado padronizado. Os dados podem ser dispostos na folha de cálculo como:
a = primeira medição
b = segunda medição
d=a-b
d2 = é a precisão – obtida pela soma das diferenças entre a primeira e a segunda medições elevadas ao
quadrado

94
Antropometria como método de avaliação...

s = soma de a + b do examinador
S = soma de a + b do supervisor
D=s-S
D2 = é a exatidão – cada par de medidas é somado, sendo calculadas as diferenças das somas entre o
avaliador em treinamento e o supervisor (padrão-ouro). As diferenças são elevadas ao quadrado e
seu somatório calculado

Os resultados são analisados dentro dos seguintes critérios:


1) O somatório de d2 do supervisor será o menor, supondo-se que ele seja o mais competente dos
antropometristas.
2) O somatório do avaliador em treinamento tem relação inversa com a precisão, e assim não deve
exceder o dobro do somatório de d2 do supervisor.
3) O somatório de D2 tem relação inversa com a exatidão, não devendo exceder o triplo de somatório
de d2 do supervisor.

Figura 1 – Folha de cálculo para teste de padronização

Nome do examinador: _______________________________________________


Data: ___/___/___ Medida: ______________________
Precisão Exatidão
Individual a b d d2 s S D D2
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Somas
Fonte: adaptada de Habicth (1974).

Padronização dos Instrumentos


Todos os instrumentos utilizados na avaliação antropométrica devem ser padronizados e regularmente
calibrados. A correta aferição de medidas antropométricas depende da integridade e do bom funcionamento dos

95
Epidemiologia Nutricional

equipamentos utilizados. A manutenção dos instrumentos contribui em muito para a qualidade das medidas
obtidas e deve ser feita por órgãos competentes ou firmas autorizadas.

Fontes de Erro na Mensuração de Medidas Antropométricas


A presença de erros na mensuração das medidas pode ocorrer em função de:
1) Erro introduzido pelo antropometrista: esta variabilidade pode ocorrer pela falta de treinamento,
pelo manejo inadequado dos instrumentos de medida e por erros de leitura e registro dos dados.
2) Erro devido ao avaliado: são variações nas medidas que se referem à variabilidade biológica e a outras
características intrínsecas do indivíduo. Ex.: variações de peso e estatura em diferentes períodos do
dia, presença de edema etc.
3) Erro devido ao instrumento: instrumentos mal calibrados ou defeituosos contribuem para a variabi-
lidade nas medidas.
Há também o erro intrínseco a uma medida, como é o caso da grande variabilidade observada na aferição
de dobras cutâneas (Gibson, 1990). Mensurar dobras cutâneas é uma tarefa difícil, que exige treinamento intenso
e paciência do avaliador.
Todos esses erros podem ser minimizados pelo treinamento e checagem dos antropometristas, padroniza-
ção de técnicas e refinamento dos instrumentos (Lohman, Roche & Martorell, 1988). A realização de mais de
uma medida, adotando-se a média como valor final (média de duas ou mais leituras, dependendo da variabilidade
da medida), é uma estratégia que contribui substancialmente para a melhoria da precisão, uma vez que o impacto
do erro aleatório é reduzido pela repetição.

Principais Medidas Antropométricas


Utilizadas na Avaliação de Adultos
Peso
O peso representa a somatória de todos os componentes corpóreos, refletindo a massa corporal total. Raras
vezes é utilizado isoladamente nas avaliações de adultos, sendo mais freqüentemente combinado à estatura.
O peso corporal é uma das medidas biológicas que se obtêm com maior precisão em estudos epidemiológicos,
possuindo alto grau de reprodutibilidade. No entanto, a medida pode ser afetada por alterações na hidratação e
pela ingestão alimentar recente (Willett, 1998). O peso de adultos pode variar até cerca de 2 kg, durante o dia
(Gordon, Chumlea & Roche, 1988). Os valores mais estáveis são os obtidos regularmente pela manhã, após 12
horas de jejum e com a bexiga vazia. Como nem sempre é possível padronizar o tempo da avaliação, é importante
registrar a hora do dia em que foi realizada. Valores para o peso podem ser obtidos por meio de balanças mecâni-
cas ou digitais portáteis, que tenham precisão de aproximadamente cem gramas. Como a medida é pouco variá-
vel, recomenda-se uma única mensuração. Antes da pesagem, o antropometrista deverá certificar-se de que a
balança está tarada. A medida deve ser tomada estando o avaliado com o corpo ereto e a cabeça erguida, com o
peso distribuído igualmente nos dois pés, os braços estendidos ao longo do corpo. A manutenção periódica das
balanças é essencial, assim como sua calibração.
O peso referido tem sido utilizado em alguns estudos epidemiológicos. Geralmente, há uma boa concor-
dância entre o peso medido e o peso informado. Nos Estados Unidos, a correlação observada entre o peso
referido e o peso aferido para adultos de ambos os sexos pode chegar a 0,99 (Willett, 1998). Palta e colaboradores

96
Antropometria como método de avaliação...

(1982) observaram uma concordância elevada entre peso referido e a medida direta obtida de americanos adul-
tos, havendo maior freqüência de subestimação entre as mulheres. Na população japonesa, também têm sido
evidenciadas altas correlações entre peso e estatura informados, comparados aos aferidos, em ambos os sexos
(Wada et al., 2005). No Brasil, estudo realizado por Fonseca e colaboradores (2004) também mostrou uma alta
associação entre o peso informado e o peso aferido em homens e mulheres (coeficiente de correlação intraclasse =
0,977), tendo sido observada uma leve subestimação em ambos os sexos.

Estatura
A estatura é o maior indicador da superfície corporal total e do comprimento dos ossos, exercendo uma
importante influência sobre o peso corporal (Gordon, Chumlea & Roche, 1988). A estatura final de um indiví-
duo sofre a influência de fatores genéticos e ambientais. Em países onde a desnutrição é um problema de saúde
pública, a estatura é um poderoso indicador de deficiência nutricional (Sichieri, Pereira & Ascheiro, 2000).
Em estudos epidemiológicos, é um indicador particularmente útil porque pode refletir a influência da
dieta pregressa, que dificilmente pode ser avaliada de outra forma (Willett, 1998). A estatura sentada tem sido
utilizada em estudos epidemiológicos como marcador de desnutrição pregressa e de risco de obesidade na idade
adulta (Velásquez-Meléndez et al., 2005).
Assim como o peso, a estatura de adultos também pode variar durante o dia. Geralmente, valores maiores
de estatura são obtidos pela manhã, podendo haver redução da medida em até 1% durante o transcurso do dia
(Norton et al., 2000). A medida da estatura é mais variável do que a medida do peso, por isso recomenda-se a
realização de pelo menos duas mensurações, adotando-se a média como valor final. Quando a diferença entre as
duas aferições for superior a 0,5 cm, as duas medidas devem ser refeitas.
O estadiômetro é o instrumento utilizado para aferir estatura. Durante a medição, o indivíduo deverá ser
posicionado de forma ereta, a cabeça deverá estar erguida, com os olhos mirando um plano horizontal à frente, de
acordo com o plano horizontal de Frankfurt, com a coluna vertebral e calcanhares encostados na parede sem
rodapé ou porta, joelhos esticados, pés juntos e braços estendidos ao longo do corpo.
A estatura referida também tem sido utilizada em estudos epidemiológicos envolvendo adultos. Em geral,
a concordância entre estatura aferida e informada também é elevada, porém menor do que a encontrada para o
peso, segundo estudos realizados em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil (Willett, 1998; Fonseca et al.,
2004). É mais comum notar-se superestimação para a estatura informada, principalmente entre homens.

Dobras Cutâneas
A medida de dobras cutâneas (ou pregas cutâneas) é um procedimento muito utilizado para estimar a
gordura corporal subcutânea. No entanto, apresenta limitações como: 1) O tecido subcutâneo não é uniforme-
mente distribuído pelo corpo, e, por isso, faz-se necessário tomar mais de um sítio na avaliação; 2) Nem todos os
depósitos de gordura corporal podem ser acessados pelo adipômetro (ex.: gordura intra-abdominal e intramuscular);
3) A reprodutibilidade de medidas de dobras cutâneas é a menor dentre a de todas as medidas antropométricas.
Em indivíduos muito magros e em obesos, a acurácia da medida é ainda mais prejudicada (Willett, 1998; Norton
et al., 2000). A padronização dos antropometristas utilizando o método proposto por Habicht (1974) pode ser
de difícil aplicação, pois uma ou poucas medidas muito discrepantes têm uma influência muito grande nas
medidas de concordância. Sichieri, Fonseca e Lopes (1999) mostraram que o coeficiente de correlação intraclasse
pode ser mais adequado para a padronização dos antropometristas na mensuração das dobras cutâneas.
O treinamento exigido para que o indivíduo se torne um bom avaliador de dobras cutâneas é intenso.
O avaliador precisa adquirir habilidade suficiente para detectar exatamente a porção de tecido que deve ser

97
Epidemiologia Nutricional

pinçada. É importante certificar-se de que somente a pele e o tecido adiposo subcutâneo estão sendo pinçados, e
de que o tecido muscular subjacente não está sendo pressionado. Se houver dificuldade na aferição, deve-se
solicitar ao avaliado que faça contração do músculo para facilitar a separação dos tecidos. Adicionalmente, a
localização incorreta dos sítios representa importante fonte de erro. A utilização de marcas sobre a pele, que
podem ser feitas com o auxílio de uma caneta demográfica nos pontos anatômicos a serem avaliados, reduz esse erro.
Dada a grande variabilidade da medida de dobras cutâneas, recomenda-se que o procedimento de aferição
de cada sítio seja feito por três vezes, considerando-se a média obtida nas mensurações como valor final. Se a
diferença entre pelo menos duas medidas for maior que 1 mm, deve-se desprezar as medidas e repeti-las. O
antropometrista deve ser treinado para efetuar as avaliações de sítios diferentes em série, e de forma sucessiva, ou
seja, primeiramente ele deve completar toda a primeira série de avaliações, depois realizar a segunda série comple-
ta, passando em seguida à terceira. Trata-se de uma estratégia para evitar o erro sistemático.
As dobras cutâneas mais comumente avaliadas são: a tricipital, a bicipital, a subescapular e a suprailíaca. As
duas primeiras são mais usadas para representar a distribuição periférica da gordura, ao passo que as duas últimas
geralmente representam depósitos centrais da gordura corporal (Willett, 1998). A somatória de dobras cutâneas
(quatro sítios) pode também ser utilizada para estimar a densidade corporal. Para calculá-la, pode-se utilizar as
equações de regressão que serão discutidas no capítulo 8, “Composição corporal na avaliação do estado nutricional”.
Procedimentos a serem observados na aferição das dobras cutâneas em quatro sítios específicos (Harrison
et al., 1988; Norton et al., 2000):
a) Dobra cutânea tricipital: solicitar que o indivíduo flexione o braço em direção ao tórax, formando
um ângulo de 90°. Com auxílio de uma fita apropriada, determinar o ponto médio do braço,
marcando-o com a caneta demográfica. O ponto médio do braço está localizado entre a projeção
lateral do processo acromial da escápula e a margem inferior do olécrano da ulna. Solicitar que o
indivíduo fique com o braço estendido ao longo do corpo, com a palma da mão voltada para a coxa.
Esta prega se toma com o polegar e o dedo indicador esquerdos, na marca do ponto médio, na
superfície mais posterior do braço, sobre o tríceps. O local marcado deverá poder ser visto de costas,
indicando que é o ponto mais posterior do tríceps. O avaliador, suavemente, pega uma dobra de
pele e tecido subcutâneo entre os dedos e o polegar, aproximadamente 1 cm abaixo do nível marca-
do, pinçando a pele e o tecido adiposo subcutâneo.
b) Dobra cutânea bicipital: esta prega se toma com o polegar e o indicador esquerdos, na marca sobre
a linha média, verticalmente ao eixo longitudinal do braço, na sua parte mais anterior, sobre o
bíceps. O avaliado deve estar com o braço relaxado e a articulação do ombro com uma leve rotação
externa.
c) Dobra cutânea subescapular: solicitar ao indivíduo que fique de pé, com os braços estendidos ao
longo do corpo. Tocar com o polegar esquerdo o ângulo inferior da omoplata para determinar o
ponto inferior mais protuberante. Quando for difícil identificar esse ponto, solicitar que o indiví-
duo leve o braço flexionado para trás. Dois centímetros abaixo deste ponto, tomar a prega com o
polegar e o indicador esquerdos no local marcado, em uma direção que se desloca lateralmente e em
forma oblíqua para baixo, a partir da marca subescapular, em um ângulo (de aproximadamente
45o), determinado pelas linhas naturais da prega e da pele.
d) Dobra cutânea suprailíaca: esta prega se toma imediatamente acima da crista ilíaca, na estatura da
linha ilioaxilar, obliquamente. Solicitar ao avaliado uma leve abdução dos braços, ou que cruze o
braço acima do peito e coloque a mão direita sobre o ombro esquerdo. Alinhar os dedos da mão
esquerda sobre a crista ilíaca, pressionando para dentro de maneira que os dedos se movam sobre a

98
Antropometria como método de avaliação...

crista ilíaca. Substituir os dedos pelo polegar esquerdo e posicionar o dedo indicador a uma distân-
cia suficiente por cima do polegar, de modo que esta posição constituirá a dobra a ser medida.

Circunferências ou Perímetros
Embora o termo mais adequado para referir a medida seja perímetro, estas medidas são normalmente
denominadas circunferências. Medidas de circunferências têm sido utilizadas principalmente para a avaliação do
padrão de distribuição da gordura corporal de adultos. As circunferências da cintura e do quadril são as mais
usadas para esse fim, sendo a cintura avaliada isoladamente ou em combinação com a circunferência do quadril,
pela determinação de uma razão entre elas, comumente denominada Razão Cintura/Quadril ou Relação Cintura/
Quadril (RCQ).
A reprodutibilidade da medida de circunferências é maior do que a observada para as dobras cutâneas. O
instrumento usado na medição é uma trena ou fita flexível, inelástica, com cerca de 0,7 cm de largura (Callaway
et al., 1988). O posicionamento inadequado da fita e diferenças na tensão aplicada por diferentes avaliadores são
as principais causas de baixa reprodutibilidade da medida. A fita deve ser colocada firmemente em torno do sítio
a ser medido, porém sem comprimir o tecido adiposo subcutâneo. A tensão da fita sobre o local a ser medido deve
ser constante, não devendo haver folgas entre a pele e a fita.
Erros de medida também podem ocorrer se as aferições de circunferências do tronco forem feitas em
diferentes fases da respiração. Circunferências devem ser aferidas duas vezes e considerada a média das avaliações.
Existem limites aceitáveis para diferenças entre medidas repetidas em indivíduos saudáveis. No caso das circunfe-
rências da cintura e do quadril, essa diferença não deve ser maior que 1 cm (Callaway et al., 1988). Se essa
diferença é excedida em duas medições de um mesmo avaliador ou entre avaliadores, as medidas devem ser
repetidas. Os procedimentos a serem observados nas aferições são:
a) Circunferência da cintura: pode ser aferida em quatro sítios anatômicos diferentes, e todos eles
apresentam reprodutibilidade elevada (Wang et al., 2003). No entanto, a circunferência da cintura
medida no nível da menor curvatura abdominal (na altura da cintura natural) parece estar mais
associada com a adiposidade visceral, avaliada por tomografia computadorizada (Lean, Han &
Morrisson, 1995; Clasey et al., 1999). Deve-se ressaltar que o local de aferição é fundamental para
definir os pontos de corte de normalidade. A medida deve ser tomada obedecendo-se aos seguintes
procedimentos: o sítio a ser avaliado deve estar livre de roupas. Deve-se solicitar ao indivíduo que
mantenha os pés juntos, os braços estendidos e levemente afastados do corpo, e o abdome relaxado.
O avaliador deve posicionar-se de frente para o avaliado e localizar a menor curvatura abdominal,
circundando-a com a fita. A medida não deve ser obtida de frente, mas sim em uma posição mais
lateral à direita. No momento da mensuração, é interessante que o antropometrista conte com o
auxílio de um assistente para garantir o posicionamento correto da fita. Na ausência do assistente,
pode-se utilizar um espelho para certificar-se de que a fita está bem posicionada, sem provocar
compressão do tecido subcutâneo, nem desnivelá-la. Deve-se pedir ao indivíduo que inspire e, em
seguida, expire totalmente. A medida deve ser feita neste momento, ao final da expiração. A leitura
será realizada no 0,1 cm mais próximo, onde o valor da medida cruza a marca zero da fita.
b) Circunferência do quadril: reflete a quantidade de tecido adiposo da região pélvica. Em combina-
ção com a circunferência da cintura, constitui um bom marcador da gordura visceral (RCQ). O
indivíduo deverá estar usando apenas a roupa íntima durante a medição. A medida deve ser aferida
no nível da extensão máxima das nádegas, onde se encontra a maior protuberância dos músculos
glúteos. Este ponto geralmente coincide com a sínfise púbica. Para a tomada da medida, o

99
Epidemiologia Nutricional

antropometrista deverá ficar de joelhos, de forma a ter uma visão lateral e ampla da região das
nádegas. A fita deverá ser colocada ao redor do quadril, em seu maior diâmetro. Deve-se solicitar ao
indivíduo que permaneça em pé, ereto, com os braços levemente afastados do corpo e os pés juntos.
Os glúteos devem estar relaxados, não contraídos. O antropometrista deve contar com o auxílio de
um assistente ou utilizar um espelho. O procedimento para a leitura é o mesmo descrito para a
circunferência da cintura.

Principais Índices Utilizados na


Avaliação Antropométrica de Adultos
Avaliação da Adiposidade Total
O Índice de Massa Corporal (IMC - peso em quilogramas e estatura em metros quadrados) continua sendo
o índice mais utilizado para avaliar a gordura total em estudos epidemiológicos.
Vários estudos têm mostrado a utilidade do IMC como marcador de risco de morbidade e mortalidade. O
poder preditivo do IMC pode ser comprovado por meio de estudos de revisão sistemática e de metanálise,
baseados principalmente em estudos de coortes prospectivas (Whitlock, Lewington & Mhurchu, 2002; Zhou,
2002). A curva de morbidade e mortalidade associada ao IMC tem sido descrita como em formato ‘J ou U’. O
menor risco ocorre para valores de IMC entre 20 e 30 kg/m2, embora haja variações importantes segundo a idade,
raça e sexo (Paeratakul et al., 2002; Fontaine et al., 2003; Flegal et al., 2005).
Os pontos de corte para o IMC utilizados como referência são aqueles preconizados pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) e apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 – Classificação do estado nutricional de adultos de acordo com o Índice de Massa Corporal
(IMC)
Classificação IMC (kg/m2)
Baixo peso < 1 8 ,5

Normal 18,5-24,9

Sobrepeso 25,0-29,9

Obesidade grau I 30,0-34,9

Obesidade grau II 35,0-39,9

Obesidade grau III > 4 0 ,0

Fonte: WHO (1998).

Avaliação do Padrão de Distribuição da Gordura Corporal


Nas últimas décadas, considerável atenção tem sido dada ao papel exercido pelo padrão de distribuição da
gordura corporal na morbidade e mortalidade, independentemente da adiposidade total. As diferenças na locali-
zação da gordura corporal são marcadas, principalmente, por características relacionadas ao sexo: o homem tende
a um maior acúmulo de gordura na região abdominal, ao passo que a mulher concentra maior quantidade de

100
Antropometria como método de avaliação...

tecido adiposo na região glútea (Vague, 1956). A localização abdominal da gordura é mais importante do que a
massa total de tecido adiposo para o desenvolvimento de várias doenças e será discutida no capítulo 22, “Aspectos
epidemiológicos e nutricionais da síndrome metabólica”.
Não há consenso com relação ao marcador antropométrico mais confiável para avaliar depósitos abdomi-
nais de gordura. A circunferência da cintura tem sido mais utilizada por sua maior praticidade. Em populações
caucasianas, essa medida, isoladamente, parece ser a mais efetiva na avaliação do risco de desenvolvimento de
doenças crônicas não transmissíveis. Contudo, em muitos estudos em que a cintura foi considerada o melhor
preditor de risco, o efeito da adiposidade total não foi removido. Essa condição é essencial, dada a elevada
correlação existente entre indicadores de adiposidade total (IMC, percentual de gordura) e cintura.
No Brasil, alguns estudos que avaliaram desfechos diferentes vêm mostrando a superioridade da RCQ em
relação à cintura como marcador da gordura abdominal. A primeira pesquisa brasileira a mostrar tais evidências
foi um estudo transversal, de base populacional, realizado na população adulta da cidade do Rio de Janeiro
(Pereira, Sichieri & Marins, 1999). Os resultados revelaram uma elevada correlação da cintura com o IMC, e a
RCQ foi mais eficiente na predição da hipertensão arterial. Um outro estudo realizado no Rio de Janeiro, entre
adolescentes com sobrepeso, analisou o papel de marcadores antropométricos no risco cardiovascular, encontran-
do resultados semelhantes para a correlação entre IMC e cintura. A RCQ foi melhor preditor de High Density
Lippoprotein (HDL) e da relação colesterol total/HDL entre os adolescentes (Oliveira, Veiga & Sichieri, 2001).
Em Salvador, Pitanga e Lessa (2005) evidenciaram a maior eficácia da RCQ para discriminar o risco
coronariano elevado. Um outro estudo brasileiro conduzido por Lemos-Santos e colaboradores (2004) analisou
o poder preditivo da cintura e da relação cintura/quadril nas dislipidemias em estudo transversal de doadores de
sangue. Potenciais fatores de confusão foram controlados, inclusive a adiposidade total representada pelo percentual
de gordura corporal ou pelo IMC, em modelos separados. O percentual de gordura corporal mostrou-se mais
eficiente que o IMC na remoção do efeito da adiposidade total. As correlações entre índices de adiposidade total
e de localização de gordura foram maiores entre indivíduos mais jovens (20-30 anos) quando comparados aos
mais velhos (31-59 anos). A RCQ mostrou-se mais independente da adiposidade total, uma vez que as correla-
ções observadas foram menores (em torno de 0,50 para os mais jovens e 0,40 para os mais velhos). As correlações
entre IMC e percentual de gordura com a cintura variaram em torno de 0,90 para os mais jovens e 0,83 para os
mais velhos. Os resultados mostraram que apenas a RCQ foi preditora da relação colesterol/HDL elevada, e que
a cintura mostrou-se um bom marcador de hipertrigliceridemia.
Vale ressaltar que muitos estudos que elegeram a cintura como melhor marcador antropométrico de risco,
especialmente do risco cardiovascular, não controlaram outros importantes confundidores dessa associação, tais
como o tabagismo, o consumo de álcool e a prática de atividade física. Isso poderia explicar, pelo menos em parte,
algumas das controvérsias da literatura.
Apesar das divergências, continuam sendo utilizados como referência os pontos de corte preconizados pela
OMS para a cintura e relação cintura/quadril (WHO, 1998).

Limitações da Avaliação Antropométrica


A principal limitação do IMC está relacionada ao fato de não separar os compartimentos de gordura e
massa magra. Esta restrição dificulta a sua utilização como marcador de adiposidade individual, porém, em
populações, o IMC pode ser considerado um bom marcador de adiposidade total. Uma outra limitação do IMC
é a sua incapacidade de detectar o aumento percentual da gordura corporal que ocorre com o avanço da idade
(WHO, 1995), embora tal aumento aconteça em fases iniciais do processo do envelhecimento, havendo uma
ligeira redução em idades muito avançadas (ZHU et al., 2003).

101
Epidemiologia Nutricional

A maior dificuldade para a identificação dos melhores marcadores antropométricos e seus respectivos pon-
tos de corte reside nas diferenças observadas na composição corporal das populações. O IMC e a circunferência
da cintura parecem ser bons preditores de risco em populações caucasianas. No entanto, para outras populações
que diferem com relação às proporções corporais e à constituição física, tanto o IMC quanto a cintura podem
não ser tão apropriados (WHO, 1998), o que dificulta o desenvolvimento de pontos de corte universais para os
indicadores de distribuição de gordura (WHO, 1995).
Os resultados de investigações conduzidas nos últimos anos em amostras populacionais de países asiáticos
constituem um bom exemplo da limitação do uso de padrões de referência baseados em medidas antropométricas
obtidas de caucasianos. Chineses, japoneses e outras populações asiáticas vêm apresentando elevado percentual
de gordura corporal para um IMC relativamente baixo. Metanálise realizada por Deurenberg, Yap e Staveren
(1998) confirma essa evidência. Corroborando esses achados, Zhou (2002), em seu estudo de metanálise, de-
monstrou que os pontos de corte apropriados para identificar sobrepeso e obesidade em chineses adultos são 24-
27,9 e 28 kg/m2, respectivamente. Da mesma forma, os pontos de corte para indicadores da centralização de
gordura associados a maior risco de morbidade entre esses indivíduos vêm se mostrando menores do que aqueles
preconizados pela OMS (Deurenberg-Yap, Chew & Deurenberg, 2002; Lin et al., 2002; Zhou, 2002; Ito et al.,
2003).
Os pontos de corte para marcadores antropométricos identificados em estudos brasileiros são menores do
que os preconizados pela OMS, pelo menos com relação aos indicadores de localização de gordura. Na Tabela 2
são apresentados alguns desses resultados.

Tabela 2 – Melhores pontos de corte para a circunferência da cintura e Relação Cintura/Quadril (RCQ)
identificados em estudos brasileiros
Fonte Sujeitos Desfecho Marcador de Ponto de corte
localização de gordura
1.414 homens 0,90-0,95
Pereira, Sichieri & Marins (1999) Hipertensão arterial RCQ
1.868 mulheres 0,80-0,85

Cintura 88 c m
391 homens
Risco coronariano RCQ 0 ,9 2
Pitanga & Lessa (2005)
elevado
Cintura 83 c m
577 mulheres
RCQ 0 ,8 3

Cintura 85 c m
Hipertrigliceridemia
RCQ 0 ,9 0
Ferreira et al. (2006) 1.235 homens
Relação colesterol/
RCQ 0 ,8 9
HDL elevada

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104
6
Avaliação do Estado Nutricional de Idosos

Erika Aparecida da Silveira, Aline Cristine Souza Lopes e Waleska Teixeira Caiaffa

U ma das maiores conquistas do século XX foi o aumento da longevidade como conseqüência do desen-
volvimento, da modernização e progresso científico elevando a quantidade de idosos na população global. Ao
mesmo tempo, houve também redução da fertilidade, que atua diminuindo o número de jovens em uma popu-
lação. Com a atuação dessas duas forças demográficas, a proporção de pessoas idosas aumentou e continua
aumentando. Essa mudança na configuração populacional, conhecida como transição demográfica, ocorreu de
forma gradual em países desenvolvidos, possibilitando avanços sociais e políticos que se refletem nas condições de
vida dos idosos. Em contraste, essa transição tem ocorrido de forma acelerada nos países em desenvolvimento.
No Brasil, a população de idosos, que era de 5,1% em 1970 e de 8,6% (14,5 milhões) em 2000, de acordo com
o último censo, poderá alcançar, em 2025, 15% do total da população (Carvalho & Garcia, 2003).
O envelhecimento populacional traz vários desafios políticos, econômicos e sociais para o setor Saúde. No
Brasil, diferentemente de países desenvolvidos, no que diz respeito à ausência de associação entre nível socioeconômico
e saúde do idoso, há forte associação entre menor renda domiciliar per capita e pior condição de saúde, pior função
física e menor uso de serviços de saúde (médicos e dentistas) entre idosos (Lima-Costa et al., 2003).
Do ponto de vista biológico, o envelhecimento é um processo contínuo que se inicia por volta dos 30 anos,
como conseqüência de mecanismos genéticos, fisiológicos e das interações socioambientais e do estilo de vida.
Esse processo se inicia no nascimento, acarretando mudanças progressivas no organismo como um todo que
levam à perda de adaptabilidade e ao aumento da susceptibilidade a doenças, com importante impacto na deter-
minação da morbi-mortalidade (Harris, 2005; Bales & Ritchie, 2006). Do ponto de vista nutricional, o declínio
natural das funções fisiológicas, as restrições dietéticas decorrentes de doenças específicas e o uso constante de
vários medicamentos levam à menor eficiência na absorção e no metabolismo de nutrientes (César, Wada &
Borges, 2005; Harris, 2005). Problemas físicos, sociais e emocionais podem interferir no apetite ou afetar a
disposição para o preparo de alimentos e o consumo de uma dieta adequada, fazendo com que padrões alimen-
tares desta faixa etária contribuam para possíveis níveis de inadequação tanto do consumo de alimentos quanto
do estado nutricional (Acuña & Cruz, 2004).
Como resultado de múltiplos fatores fisiológicos, sociais, psicológicos e econômicos, os idosos estão sob
especial risco nutricional. A avaliação do estado nutricional neste grupo populacional é fundamental para detectar
precocemente dificuldades e distúrbios alimentares, identificando indivíduos e grupos com maior risco nutricional,
com o objetivo de estabelecer intervenções apropriadas para prevenir ou reduzir os danos à saúde (WHO, 1995).

105
Epidemiologia Nutricional

Consumo Alimentar e de Nutrientes


A alimentação exerce papel fundamental na promoção, manutenção e recuperação da saúde, cabendo à
segurança alimentar e nutricional garantir o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade em quantidade
suficiente. No entanto, com o envelhecimento, a insegurança alimentar torna-se mais freqüente, em função de
fatores que limitam o consumo de alimentos. Entre eles estão as alterações fisiológicas e da cavidade bucal, fatores
econômicos e psicossociais, restrição da mobilidade e institucionalização (Campos, Monteiro & Ornelas, 2000;
Arbonés et al., 2003; Gollub & Weddle, 2004; Acuña & Cruz, 2004; Brasil, 2004; Marin-León et al., 2005;
Cardoso et al., 2006; Menezes & Marucci, 2006).

Alterações Fisiológicas
Algumas alterações fisiológicas interferem no consumo de alimentos dos idosos, influenciando no suprimen-
to de suas necessidades nutricionais. Entre as principais estão: comprometimento da percepção sensorial, xerostomia,
redução da sensibilidade à sede e saúde bucal (Campos, Monteiro & Ornelas, 2000; Acuña & Cruz, 2004).
A interação de processos sensoriais tais como paladar, olfato, visão e audição com outras estruturas e vias
neurais pode afetar o comportamento alimentar por alterações no controle do apetite e da saciedade. A visão
reduzida pode estar associada à diminuição do apetite, por dificultar o reconhecimento dos alimentos. E a difi-
culdade em detectar sabores primários tais como doce, salgado, amargo e ácido predispõe o idoso a adoçar e
salgar mais os alimentos (Campos, Monteiro & Ornelas, 2000; Arbonés et al., 2003; Cambraia, 2004).
A xerostomia, caracterizada pela inibição do fluxo salivar, pode afetar o consumo de alimentos por promo-
ver cáries, dificultando a mastigação e a deglutição (Campos, Monteiro & Ornelas, 2000; Arbonés et al., 2003).
Idosos também apresentam risco importante de desidratação em função da redução da sensibilidade à sede, das
limitações físicas que dificultam o acesso a líquidos, além do medo de ingerir líquidos em função da incontinên-
cia urinária e do uso de diuréticos e laxantes (Campos, Monteiro & Ornelas, 2000; Arbonés et al., 2003).

Saúde Bucal
A perda dos dentes associada às infecções na cavidade periodontal ocasiona dor e dificuldades para mastigar
e deglutir, alterando o consumo de alimentos (Campos, Monteiro & Ornelas, 2000; Acuña & Cruz, 2004;
MacMillan & Wong, 2004). Além disso, o uso de prótese dentária reduz a eficiência da mastigação em aproxima-
damente 75-85%, o que leva à diminuição do consumo de carnes, frutas e vegetais frescos (Campos, Monteiro &
Ornelas, 2000). Em estudo sobre a saúde bucal e ingestão de nutrientes, verificou-se que o consumo de fibras,
proteína, cálcio, ferro não-heme, niacina e vitamina C foi significativamente menor em edêntulos do que em não
edêntulos, evidenciando a importância de um bom estado dentário para uma dieta balanceada e um estado
nutricional satisfatório (Marcenes et al., 2003).

Fatores Econômicos e Psicossociais


A população brasileira apresenta número expressivo de idosos de baixa renda, e quanto menor a renda
familiar maior o nível de insegurança alimentar (Gollub & Weddle, 2004; Marín-León et al., 2005).
A solidão e o isolamento social também podem favorecer a alimentação inadequada, por desestimularem a
aquisição e o preparo de alimentos. O idoso pode relatar aumento do consumo de alimentos industrializados,
como doces e massas, ou de fácil preparo, como chás e torradas, em detrimento de outros mais saudáveis (Cam-
pos, Monteiro & Ornelas, 2000; Arbonés et al., 2003; Brasil, 2004).

106
Avaliação do estado nutricional de idosos

Restrição de Mobilidade
A restrição da mobilidade e a coordenação motora comprometida afetam a aquisição e o preparo de ali-
mentos, tornando o idoso dependente de cuidados (Campos, Monteiro & Ornelas, 2000; Arbonés et al., 2003;
Payette, 2005; Toral, Gubert & Schmitz, 2006).

Institucionalização dos Idosos


Em tempos de alta prevalência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) associada a baixa renda,
abandono familiar e dependência por cuidados externos, tem aumentado a demanda dos idosos por instituições
geriátricas. Apesar de ser responsabilidade das instituições manter o controle higiênico-sanitário adequado e o
planejamento de refeições que atendam às necessidades nutricionais dos idosos, muitas não o fazem (Menezes,
Marucci & Holanda, 2005; Menezes & Marucci, 2006; Toral, Gubert & Schmitz, 2006). Estudo realizado em
instituições geriátricas do Distrito Federal identificou refeições nutricionalmente inadequadas e condições higiê-
nicas e estruturais precárias (Toral, Gubert & Schmitz, 2006).
Além disso, idosos asilados podem apresentar consumo alimentar excessivo ou insuficiente de alguns nutrientes.
Em estudos realizados entre idosos asilados, observaram-se altos índices de sobrepeso e obesidade (Santos et al.,
2004; Cardoso et al., 2006).
Todos esses fatores limitam o consumo alimentar de idosos, devendo ser observados e minimizados, a fim
de favorecer uma boa alimentação e um bom estado de nutrição e saúde.

Hábitos Alimentares e Envelhecimento


Os processos de urbanização e globalização facilitaram a propagação de hábitos alimentares inadequados,
favorecendo as altas prevalências de DCNT. De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2002-
2003, parece haver uma tendência ao decréscimo do consumo e produção de alimentos de origem vegetal e
aumento do consumo dos de origem animal. Entre as famílias brasileiras, independentemente de renda e região,
persiste o alto consumo de açúcar, principalmente refrigerantes, e o baixo consumo de frutas, hortaliças e gordura
(IBGE, 2004a).
A transição nutricional, decorrente de mudanças no padrão alimentar, e o sedentarismo trouxeram grande
impacto para a saúde e o estado nutricional dos idosos. É elevado o consumo de produtos industrializados com
alto valor energético, tais como doces e massas, ou de fácil preparo e baixo valor energético, como chás e torradas
(Campos, Monteiro & Ornelas, 2000). Com o comprometimento da saúde oral, também ocorre a redução do
consumo de vegetais e frutas frescas, por serem considerados mais perecíveis, caros, além de necessitarem de
preparo (Rugg-Gunn, 2001). Entretanto, fatores culturais e a presença de cuidadores favorecem hábitos alimen-
tares mais saudáveis (Siviero et al., 2002).
Em pesquisa realizada para identificar o hábito alimentar de idosos em três regiões de São Paulo, verificou-se
que mais de 90% dos indivíduos ingeriam feculentos, arroz, pão e macarrão. Cerca de 70% ou mais consumiam
feijão, carne de boi, aves, leites e ovos, e mais de 85% consumiam frutas, verduras, folhosos e legumes, principal-
mente nos estratos socioeconômicos mais elevados (Najas et al., 1994).
Já entre idosos institucionalizados, verificou-se baixo consumo de frutas e hortaliças, sendo a oferta média
destes de 60% e 53% da recomendação, respectivamente (Toral, Gubert & Schmitz, 2006). Verificou-se também
adequação igual ou superior a 100% para alimentos que são fontes protéicas e baixa oferta dos grupos de açúcares
e doces, e pães e massas. O consumo de óleos e gordura, na mesma pesquisa, foi de 120% da recomendação
(Toral, Gubert & Schmitz, 2006). De leite e derivados, apesar de serem importantes fontes protéicas, constatou-se

107
Epidemiologia Nutricional

em instituições asilares de Fortaleza, CE, que a maioria dos idosos apresentava ingestão insuficiente, o que pode
se dever à alta diluição do leite servido (Menezes, Marucci & Holanda, 2005).
A mudança no padrão alimentar dos idosos traz preocupações importantes, principalmente ao se conside-
rar a alta prevalência de DCNT. Esta tendência atual reflete a necessidade de intervenções nutricionais urgentes,
as quais podem ser dificultadas pelos hábitos arraigados decorrentes do envelhecimento (Brasil, 2006).

Perfil Dietético dos Idosos Brasileiros


No Brasil, estudos epidemiológicos do consumo alimentar e de nutrientes entre idosos são escassos e não
ocorrem de forma sistemática. O Estudo Multicêntrico sobre Consumo Alimentar, realizado em cinco cidades
brasileiras – Rio de Janeiro, Campinas, Curitiba, Goiânia e Ouro Preto –, mostrou alto percentual de idosos com
consumo inadequado de nutrientes. O consumo de proteínas apresentou inadequação, com maior ingestão desse
nutriente, principalmente entre a população estudada no Rio de Janeiro e em Goiânia. Quanto aos ácidos graxos
saturados, houve inadequação das recomendações, com maior consumo principalmente em Curitiba. Com rela-
ção ao cálcio, nota-se consumo insuficiente, principalmente em Goiânia, sendo o sexo feminino o de maior
inadequação em todas as regiões (Galeazzi, Domene & Sichieri, 1997).
Estudos observam uma tendência de consumo de dietas hiperprotéicas e hiperlipídicas entre idosos. No
Estudo Multicêntrico, Goiânia foi o município que apresentou a maior prevalência de inadequação do consumo
de proteínas, e em Ouro Preto 17% da população idosa apresentaram baixa ingestão (Galeazzi, Domene &
Sichieri, 1997). Por sua vez, o consumo de ácidos graxos saturados e colesterol no Rio de Janeiro apresentou redu-
ção, sendo a ingestão de colesterol cerca de 30% menor (Galeazzi, Domene & Sichieri,1997). Para Toral Gubert e
Schmitz (2006), a oferta dos grupos alimentares fonte de proteínas apresentou adequação igual ou superior a 100%,
e a oferta do grupo de óleos e gorduras atingiu 120% de adequação. Já para Cardoso e colaboradores (2006), idosos
relataram elevada ingestão protéica, estando o consumo lipídico dentro dos níveis recomendados. Lopes e colabora-
dores (2005), em estudo realizado entre idosos residentes em Bambuí, MG, relataram elevado consumo de lipídios,
ressaltando os ácidos graxos saturados.
Em geral, idosos relatam baixa ingestão de micronutrientes em conseqüência da redução do consumo de
vegetais e frutas (Toral, Gubert & Schmitz, 2006). No entanto, alguns estudos demonstram resultados distintos
(Velásquez-Meléndez et al., 1997; Santos et al., 2004), A seguir, estão descritas informações referentes ao consu-
mo de minerais e vitaminas entre idosos institucionalizados e não institucionalizados.
Estudos sobre consumo alimentar têm encontrado importante inadequação na ingestão de cálcio entre
idosos, apesar de sua importância na prevenção da osteoporose. No Estudo Multicêntrico, a prevalência de
inadequação do consumo de cálcio foi bastante elevada (90% entre as mulheres), sendo que em Ouro Preto
idosos apresentaram maior prevalência de deficiência (Galeazzi, Domene & Sichieri, 1997). Lanzillotti e colabo-
radores (2003) observaram que 86% das mulheres com osteopenia e 84,8% das com osteoporose apresentaram
baixa ingestão de cálcio proveniente de produtos lácteos. Essa deficiência no consumo de cálcio – assim consi-
derada em relação às elevadas recomendações nutricionais propostas – pode se dever à intolerância à lactose decor-
rente da idade, a fatores antinutricionais como os ácidos oxálico e fítico, e ao consumo de cafeína (Lanzillotti et al.,
2003; Santos et al., 2004; Lopes et al., 2005; Menezes, Marucci & Holanda, 2005; Cardoso et al., 2006).
Idosos residentes no Rio de Janeiro relataram redução da ingestão de ferro (Galeazzi, Domene & Sichieri,
1997). Lopes e colaboradores (2005), por sua vez, encontraram baixa adequação do consumo de ferro para
36,9% dos idosos e consumo excessivo em 38,1%, e Velásquez-Meléndez e colaboradores (1997) verificaram que
apenas 30% do ferro ingerido eram de origem animal. Entre idosos institucionalizados, a ingestão de ferro esteve
elevada nos estudos realizados por Santos e colaboradores (2004) e por Cardoso e colaboradores (2006), e dentro
das recomendações de acordo com Menezes, Marucci e Holanda (2005).

108
Avaliação do estado nutricional de idosos

Estudos têm demonstrado o consumo insuficiente de zinco (Santos et al., 2004; Lopes et al., 2005); em
estudo realizado por Lopes e colaboradores (2005), todos os idosos apresentaram consumo abaixo do adequado.
Em contrapartida, César, Wada e Borges (2005) relataram aporte de zinco adequado, principalmente provenien-
te do consumo de carnes.
Quanto às vitaminas, idosos relataram consumo inadequado de riboflavina, tiamina e niacina, em função da
reduzida ingestão de cereais integrais, vísceras, entre outros alimentos (Velásquez-Meléndez et al., 1997; Coelho et
al., 2002; Cardoso et al., 2006). Já para a vitamina A, o consumo deficiente foi encontrado por Lopes e colabo-
radores (2005) e Velásquez-Meléndez e colaboradores (1997), em estudos entre idosos não institucionalizados.
No entanto, Coelho e colaboradores (2002) e Cardoso e colaboradores (2006) observaram ingestão acima da
adequação entre idosos internados em instituições geriátricas.
A alta ingestão de vitamina C foi encontrada em alguns estudos (Velásquez-Meléndez et al., 1997; Santos
et al., 2004), em função da freqüente ingestão de frutas e vegetais fontes desse mineral (Coelho et al., 2002). No
entanto, Lopes e colaboradores (2005) observaram baixo consumo de vitamina C, condição que poderia ser
agravada pelo uso de alguns medicamentos.
Apesar dos poucos estudos sobre o consumo alimentar realizado entre idosos, é possível identificar uma
inadequação importante para a maioria dos nutrientes, caracterizada pelo consumo tanto excessivo quanto insu-
ficiente (Velásquez-Meléndez et al., 1997; Lopes et al., 2005). Ressalta-se, contudo, que esses estudos apresentam
diferenças metodológicas importantes que dificultam a comparação. Utilizam diferentes métodos dietéticos, tabelas
de composição de alimentos e referências para as recomendações nutricionais, além de trabalharem, em sua maioria,
com grupos específicos, como idosos institucionalizados, que apresentam limitações ainda mais importantes para
relatar informações (Velásquez-Meléndez et al., 1997; Lopes et al., 2005; Menezes & Marucci, 2006).

Métodos de Avaliação do Consumo Alimentar:


limitações e alternativas
Dentre os métodos mais utilizados para avaliar o consumo alimentar, estão o Recordatório 24 Horas
(R24), o registro alimentar, o Questionário de Freqüência Alimentar (QFA), o Questionário Semiquantitativo de
Freqüência Alimentar (QSFA), a História Dietética (HD – combinação do R24 com um QFA) e a pesagem
direta dos alimentos, os quais estão descritos no capítulo 10, “Métodos de avaliação do consumo de alimentos”.
Os métodos de avaliação do consumo alimentar, quando aplicados em idosos, podem apresentar limita-
ções importantes. A primeira delas, e talvez a mais importante, é a memória. Idosos têm a memória comprome-
tida, principalmente do tipo recente, dificultando recordar os alimentos e tamanhos de porções consumidos. A
maioria dos métodos de avaliação de consumo alimentares é dependente da memória, sendo que o R24 está
associado principalmente à perda da memória recente por referir-se ao período de 24 horas, tipo de memória
ainda mais comprometida em idosos (Pereira, 2005).
Outra limitação enfrentada é a dificuldade em quantificar o tamanho das porções consumidas, principal-
mente entre os homens. Tal limitação é importante para o QSFA, R24, HD e registro alimentar. Esse aspecto
pode ser ainda mais relevante quando o idoso não está habituado a servir suas próprias refeições.
Esses problemas relativos à memória e à estimação do tamanho de porções podem ser minimizados se
forem utilizadas réplicas de alimentos ou álbuns de fotografias com medidas caseiras (Gibson, 1990).
O comprometimento das capacidades visual e auditiva também pode dificultar a aplicação de métodos de
avaliação do consumo alimentar. Idosos com reduzida audição podem ter dificuldades em responder às entrevis-
tas, sendo o registro alimentar e a pesagem direta de alimentos boas alternativas nesses casos (Pereira, 2005).

109
Epidemiologia Nutricional

Aqueles com dificuldade na visão podem ter problemas ao redigir o registro e, nesse caso, os métodos que
utilizam entrevista ou pesagem direta de alimentos são recomendados.
O registro alimentar exige que o indivíduo tenha boa habilidade de leitura e escrita. Trata-se de uma
limitação importante, pois, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2004-
2005), idosos brasileiros têm em média 3,5 anos de estudo (IBGE, 2004b). O registro, quando aplicado por sete
dias, é considerado como representativo da ingestão habitual de alimentos. No entanto, é inviável para o idoso ou
o cuidador realizar as anotações por longos períodos.
Para indivíduos sem escolaridade e/ou com dificuldades motoras, deve-se recorrer aos cuidadores para
redigir os dados ou utilizar R24 e o QSFA, que são dependentes da adequada aplicação por entrevistadores
treinados (Wengreen et al., 2001).
Todos os métodos, com exceção da pesagem direta de alimentos, apresentam limitações referentes à informação
por parte dos indivíduos investigados. Idosos com comprometimento mental podem fornecer informações com
pouca qualidade, o que inviabiliza a realização de inquéritos dietéticos. Na presença de comprometimento mental
ou deficiência cognitiva importante, deve-se recorrer ao cuidador para relatar ou redigir as informações referentes ao
consumo alimentar.
Ao aplicar os métodos de avaliação de consumo alimentar em idosos, deve-se considerar, além da análise
qualitativa e quantitativa, as peculiaridades desta faixa etária. Dessa forma, é necessário avaliar a memória e a
atenção limitadas, presença de doenças crônicas e mentais, condições socioeconômicas, além das alterações fisio-
lógicas. Em contrapartida, idosos possuem hábitos alimentares específicos, arraigados e monótonos, que facili-
tam sua participação em inquéritos dietéticos (Pereira, 2005).

Avaliação Antropométrica e Composição Corporal


A escolha do método de avaliação antropométrica a ser utilizado em idosos depende não só do que se
pretende como da presença de morbidade, de deficiência física e dos recursos e tecnologias disponíveis, e sobre-
tudo das alterações fisiológicas decorrentes do envelhecimento que provocam mudanças nas dimensões e na
composição corporal. As principais alterações fisiológicas são a redução da estatura, da massa magra (músculos,
ossos, vísceras) e da quantidade de água corporal, e o aumento e redistribuição de gordura, que diminui nos
membros e passa a se concentrar no abdome (WHO, 1995).

Perfil Antropométrico da População Idosa Brasileira


Mesmo com o crescente envelhecimento populacional observado no Brasil e no mundo e com os idosos
constituindo importante grupo de risco nutricional, ainda são escassas as pesquisas populacionais sobre o perfil
antropométrico deste grupo etário. No âmbito nacional, três pesquisas avaliaram a situação nutricional da popu-
lação com 20 ou mais anos: o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef, 1974-1975), a Pesquisa Nacional
sobre Saúde e Nutrição (PNSN, 1989) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF, 2002-2003). Porém, os
resultados dessas pesquisas são publicados, quase sempre, agregando os resultados de adultos e idosos, com
poucos resultados específicos para a faixa etária de 60 ou mais anos (IBGE, 1977, 2004a; Inan, 1990).
Nos 15 anos decorridos entre o Endef e a PNSN, verificou-se grande alteração da situação nutricional de
adultos e idosos, com aumento da prevalência de excesso de peso e obesidade e decréscimo do déficit de peso. No
entanto, considerando período mais recente, 13 anos entre a PNSN e a POF, observa-se que essas alterações
ocorreram apenas no sexo masculino. Tais comparações são realizadas após padronização das prevalências para a
distribuição etária da população brasileira em cada sexo (IBGE, 1977, 2004a; Inan, 1990).

110
Avaliação do estado nutricional de idosos

As informações antropométricas apresentadas a seguir seguem as recomendações da Organização Mundial


da Saúde (OMS) para o Índice de Massa Corporal (IMC), sendo déficit de peso IMC < 18,5 kg/m², excesso de
peso IMC > 25 kg/m² e obesidade, IMC > 30 kg/m² (WHO, 1995).
Análise do banco de dados da PNSN realizado por Tavares e Anjos (1999) revela na população de 60 ou
mais anos uma prevalência de déficit de peso de 7,8% e 8,4%, de excesso de peso de 24,7% e 32% e obesidade de
5,7% e 18,2% em homens e mulheres, respectivamente. O déficit de peso aumentou com a idade, atingindo
maiores patamares na faixa etária de 75 a 79 anos, 17% de homens e 14% de mulheres, e diminuindo a partir dos
80 anos. Entre os homens, a prevalência de obesidade se reduziu com a idade, atingindo 6,8% dos idosos entre 60
e 65 anos e 1,2% com 80 ou mais anos. A mesma tendência foi observada entre as mulheres, porém iniciando
mais tarde (Tavares & Anjos, 1999).
O déficit de peso foi mais freqüente em áreas rurais das regiões Centro-Oeste/Nordeste (em mulheres) e
Sudeste/Centro-Oeste (em homens), nas classes de menor renda e escolaridade e piores condições de moradia.
A obesidade atingiu prevalência de 20,3% entre mulheres idosas residindo em áreas urbanas, chegando a 23,3%
nas regiões Sudeste e Sul. A prevalência de obesidade em idosas residentes em áreas rurais foi de 11%. Exceto para
a região Sul, observou-se menor prevalência de obesidade em idosas nas áreas rurais. Nos homens, essas prevalências
foram de 7,3% e 2,4%, em áreas urbana e rural, respectivamente. Inversamente ao déficit de peso, a obesidade
alcançou maiores prevalências nos grupos de maior renda, maior escolaridade e melhores condições de moradia
(Tavares & Anjos, 1999).
Entre a PNSN desenvolvida em 1989 e a POF de 2002-2003, realizou-se no Brasil a Pesquisa de Padrões
de Vida (PPV, 1996-1997), com amostra populacional apenas das regiões Nordeste e Sudeste. Comparando-se as
prevalências apresentadas no Gráfico 1, observa-se que o déficit de peso diminuiu em ambos os sexos, a prevalência
de excesso de peso aumentou entre homens e não se alterou entre as mulheres, e a obesidade manteve-se estável
entre os homens, reduzindo-se entre as mulheres.

Gráfico 1 – Prevalência de déficit de peso, excesso de peso na população com 60 ou mais anos de idade, por
sexo – Brasil, 1989 e 1996-97

PNSN - Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, 1989.


PPV - Pesquisa de Padrões de Vida, 1996-97, população das regiões Nordeste e Sudeste.
Fonte: dados apresentados por Tavares e Anjos (1999) e Campos e colaboradores (2006).

Com relação à renda, observaram-se resultados semelhantes aos da PNSN, ou seja, associação inversa com
déficit de peso e direta com obesidade (IBGE, 1998; Campos et al., 2006).

111
Epidemiologia Nutricional

Dados da POF 2002-2003 evidenciam que apenas no grupo etário de 75 anos ou mais o déficit de peso em
idosos excedeu os 5% compatíveis com proporção populacional de indivíduos constitucionalmente magros, ou
seja, não indicativa de exposição à desnutrição, com prevalência global estimada de 6,7%, sendo 8,9% no sexo
masculino e 4,9% no feminino. Para o excesso de peso, a prevalência aumentou com a idade, atingindo 53,9% da
população de 55 a 64 anos, diminuindo a partir dessa faixa etária para 49,1% e 38,5% nos idosos de 65 a 74 anos
e 75 anos e mais, respectivamente. A prevalência de obesidade na população brasileira também aumentou com a
idade, atingindo 17,1% na faixa etária de 55 a 64 anos, decrescendo para 14% na categoria de 65 a 74 anos, e
para 10,5% naqueles com 75 anos e mais. O aumento na prevalência de obesidade e excesso de peso ocorreu de
forma mais rápida entre os homens do que entre as mulheres, e a prevalência de excesso de peso declinou entre os
homens a partir de 55 anos e mulheres a partir de 65 anos (IBGE, 2004a).
Em estudo realizado na população idosa de Bambuí, MG, a prevalência de obesidade (IMC > 30 kg/m²)
foi de 12,8%, estando associada ao sexo feminino e ao sedentarismo. Já o déficit de peso (IMC > 20 kg/m²,
critério adotado especificamente nesse estudo) foi associado ao sexo masculino e à ocorrência de duas ou mais
internações no último ano, atingindo prevalência de 14,8% nos homens. Nesse estudo também foram observa-
das maiores prevalências de obesidade entre os de maior renda familiar e de déficit de peso entre os de menor
renda (Barreto, Passo & Lima-Costa, 2003).

Antropometria em Idosos
Medidas antropométricas simples e de custo acessível, aplicáveis tanto no nível individual quanto
populacional, são utilizadas na avaliação do estado nutricional do idoso, como peso, estatura, IMC, circunferên-
cias e dobras cutâneas (WHO, 1995). Devido à inexistência de padrões de referência para as medidas
antropométricas em idosos nos países em desenvolvimento, a OMS recomenda a utilização dos dados de referência
do Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III 1988-1994) constituída com base
em uma amostra de idosos não institucionalizados. Kuczmarski, Kuczmarski e Najar (2000) apresentam tabelas
com os percentis de dobra cutânea tricipital, circunferência do braço, circunferência muscular do braço, peso,
estatura e IMC para homens e mulheres a partir dos 50 anos, conforme dados do NHANES III. Essas medidas
devem ser aferidas seguindo padronização específica, conforme descrito no capítulo 5, “Antropometria como
método de avaliação do estado de nutrição e saúde do adulto”.

Peso
Em idosos, medidas em série do peso corporal podem ser consideradas um indicador simples e adequado
sobre a mudança do estado nutricional do ponto de vista da avaliação clínica individual. A perda ou ganho de
peso involuntário é um sinal de advertência importante que deve ser considerado pelo profissional da saúde
(Harris, 2005; Bales & Ritchie, 2006), devendo este, inclusive, orientar seus pacientes para que fiquem atentos à
evolução do seu próprio peso e informem qualquer mudança involuntária.
Importante destacar que, também em idosos, a obesidade ou adiposidade, implicando risco cardiovascular,
pode ser mascarada pelo peso relativamente normal, porém com massa gorda aumentada e massa livre de gordura
diminuída (Roubenoff et al., 2000). Da mesma forma, parâmetros normais de peso não indicam necessariamen-
te que não há perda de tecido muscular, ou seja, o peso não permite distinguir entre as variações de massa
muscular, gordura corporal e presença de edema (Bales & Ritchie, 2006). A perda de tecido muscular e a presença
de edema são bastante comuns em idosos, principalmente nos hospitalizados (Harris, 2005).

112
Avaliação do estado nutricional de idosos

Em pacientes idosos, obter o peso corporal nem sempre é fácil, principalmente entre aqueles mais frágeis.
Quando houver essa dificuldade, é possível estimar o peso por meio de equações como a proposta por Chumlea
e colaboradores, em 1988:

Homem [(0,98 x CP) + (1,16 x AJ) + (1,73 x CB) + (0,37 x DSE) - 81,69]
Mulher [(1,27 x CP) + (0,87 x AJ) + (0,98 x CB) + (0,4 x DSE) - 62,35]

Sendo CP circunferência da panturrilha, CB circunferência do braço, AJ altura do joelho e DSE dobra cutânea subescapular.

Deve-se considerar que a estimativa do peso conforme proposta por esses autores requer quatro medidas
corporais e apresenta elevada margem de erro. No entanto, não está descrita na literatura, até o momento, outra
pesquisa que tenha desenvolvido equação mais acurada.

Estatura
Durante o envelhecimento, a estatura declina progressivamente como conseqüência de compressão dos
discos intervertebrais, achatamento das vértebras, cifose torácica, escoliose, osteoporose, achatamento do arco
plantar e arqueamento de membros inferiores (Perissinoto et al., 2002). Tal declínio inicia-se por volta dos 40
anos, mas a velocidade dessa redução ainda não está claramente estabelecida. O Euronut Seneca Study encontrou
uma redução de um a dois centímetros em quatro anos, enquanto Perissinoto e colaboradores a quantificaram em
dois a três centímetros por década.
Sempre que possível, deve-se usar a estatura do paciente antes dos 50 anos como estatura de referência,
buscando evitar os efeitos supracitados. Porém, essa informação deve vir de fonte confiável, considerando o viés
de informação em pacientes idosos (Bales & Ritchie, 2006). Em idosos acamados, amputados ou com curvatura
espinhal, a estatura pode ser estimada por meio da envergadura do braço, da estatura recumbente e da Altura do
Joelho (AJ). Para as medidas da estatura recumbente e da envergadura do braço, são relatadas dificuldades relaciona-
das à rigidez das articulações, que dificultam o correto posicionamento durante sua tomada (Chumlea et al.,
1998).
A envergadura do braço é a distância do meio da fúrcula esternal até a ponta do dedo médio, medida com
o braço levantado em posição horizontal para o lado. A medida deve ser feita em ambos os lados, e então a
estatura pode ser calculada (WHO, 1999): Estatura = [0,73 x (2 x a metade da envergadura dos braços)] + 0,43.
Quanto à estimativa da estatura a partir da AJ, várias fórmulas foram desenvolvidas com base em dados do
NHANES III, conforme sexo e etnia/raça para pessoas com 60 ou mais anos. Algumas dessas equações podem ser
observadas na Tabela 1 (página seguinte).
Entretanto, tais equações podem não ser aplicáveis em outras populações, conforme avaliaram Mendoza-
Núnez e colaboradores (2002) em amostra de idosos mexicanos. A estatura média de méxico-americanos, nas
quais se baseiam as equações de Chumlea e colaboradores (1998), difere significativamente dos valores de
referência em homens e mulheres mexicanos. A equação para estimar estatura (cm) de idosos mexicanos
proposta por Mendoza-Núnez e colaboradores (2002) para homens é 52,6 + (2,17 × AJ cm) e para mulheres,
73,7 + (1,99 × AJ cm) - (0,23 × idades em anos).

113
Epidemiologia Nutricional

Tabela 1 – Equações para predizer estatura (cm) por etnia/raça em homens e mulheres, conforme dados do
NHANES III
Sexo Grupo étnico/raça Equações
Masculino Não-hispânico branco 78,31 + (1,94 AJ) - (0,14 idade)

Não-hispânico negro 79,69 + (1,85 AJ) - (0,14 idade)

México-americano 82,77 + (1,83 AJ) - (0,16 idade)

Feminino Não-hispânico branco 82,21 + (1,85 AJ) - (0,21 idade)

Não-hispânico negro 89,58 + (1,61 AJ) - (0,17 idade)

México-americano 84,25 + (1,82 AJ) - (0,26 idade)

AJ: altura do joelho


Fonte: baseada em Chumlea et al. (1998).

Índice de Massa Corporal


Com o peso e a estatura calcula-se o Índice de Massa Corporal (IMC), que é amplamente utilizado na
avaliação do estado nutricional tanto em adultos quanto nos idosos. No entanto, há várias críticas e
questionamentos, principalmente para a faixa etária de 60 ou mais anos, sobre a capacidade desse índice de
estimar a gordura corporal, a adiposidade central e ainda classificar obesidade em pessoas de diferentes idades,
sexo e composição corporal. Ainda assim, seu uso é recomendado pela OMS e por diversos autores, pois apresen-
ta vantagens como baixo custo, facilidade de aplicação, pequena variação intra e interavaliador, alta correlação
com peso corporal e baixa correlação com estatura, associação com doenças cardiovasculares, diabetes, alguns
tipos de câncer e correlação com mortalidade. Até o momento, o IMC é considerado um bom indicador do
estado nutricional em estudos epidemiológicos e em rastreamento de grupos de risco em adultos (WHO, 1997;
Santos & Sichieri, 2005). Entretanto, não há consenso sobre o ponto de corte mais adequado para o IMC em
idosos, sendo os mais utilizados o critério recomendado pela OMS (WHO, 1997) e o critério de Lipschitz
(1994).
Na Tabela 2 podem ser observados os diferentes critérios de IMC para a classificação do estado nutricional
em idosos. A recomendação da OMS (WHO, 1997) foi utilizada em pesquisas nacionais como a PNSN e a POF
2002-2003; no entanto, há críticas sobre o uso dos mesmos pontos de corte de IMC para adultos e idosos, já que
ocorrem mudanças na composição corporal associadas ao processo de envelhecimento, tais como diminuição da
massa livre de gordura (massa óssea, músculos, vísceras e água) e redistribuição e aumento da gordura corporal.
Apesar de ser descrita uma boa correlação entre o IMC e a porcentagem de gordura corporal, menores valores do
coeficiente de correlação são encontrados a partir dos 60 anos. Com o aumento e a redistribuição de gordura
concentrando-se na região abdominal, o IMC subestima a obesidade, definida como o aumento da gordura
corporal, e principalmente a adiposidade central. Assim, recomenda-se que o IMC em idosos não seja utilizado
como único estimador de obesidade (WHO, 1997; Landi et al., 2000; Perissinotto et al., 2002; Cervi, Franceschini
& Priori, 2005).
O critério de classificação preconizado por Lipschitz (1994) assemelha-se ao proposto pelo Center of
Disease Control (CDC) e utilizado no NHANES III 1988-1994, que acrescenta diferenças entre homens e
mulheres idosas, porém sem distinção para categorias com diferentes níveis de risco, ou seja, baixo peso, sobrepeso
e obesidade (CDC/NSCH, 1991). Segundo Cervi, Franceschini e Priori (2005), essa classificação leva em consi-
deração as mudanças na composição corporal que ocorrem com o envelhecimento e a vulnerabilidade dos idosos

114
Avaliação do estado nutricional de idosos

à desnutrição, uma vez que estes apresentam maior porcentagem de gordura e de massa magra, além de perda do
tecido livre de gordura, quando comparados com os indivíduos adultos. Recentemente, o Nutrition Screening
Initiative (NSI) adotou o mesmo ponto de corte de Lipschitz para excesso de peso, porém com valor superior na
classificação do baixo peso (Harris, 2005).
São necessárias ainda pesquisas que ajudem a esclarecer pontos de corte do IMC para idosos considerando
a composição corporal, principalmente a partir de uma base populacional brasileira, pois, além das variações para
idade e sexo, o grupo étnico é outro fator de variabilidade importante.

Tabela 2 – Diferentes critérios de pontos de corte de IMC para avaliação do estado nutricional em idosos
Classificação IMC (kg/m²)
Critérios/Referência
Baixo peso Eutrofia Excesso de peso
> 27,3 mulheres
CDC, 1991 > 27,8 homens
Lipchitz, 1994 < 22 22 a 27 > 27
25 a 29,9 sobrepeso
WHO, 1997* < 1 8 ,5 1 8 ,5 a 2 4 ,9
≥ 30 obeso
Harris, 2005 < 24 24 a 27 > 27

* Mesmo critério utilizado para indivíduos adultos.


Fontes: CDC/NCHS (1991) e WHO (1997).

Dobras Cutâneas
As dobras cutâneas estimam a massa corpórea de gordura auxiliando a avaliação da duração e gravidade da
desnutrição, pois o tecido adiposo é uma reserva calórica que fornece energia durante o jejum ou a baixa ingestão
de nutrientes. É um método que exige bastante técnica e experiência do avaliador, principalmente no indivíduo
idoso, em função da baixa elasticidade dos tecidos, que dificulta separar o tecido subcutâneo do muscular (Frank
& Soares, 2002). A perda de elasticidade e a compressibilidade dos tecidos ocorrem devido à redução do tecido
muscular e à perda de água corporal.
Com a redução do tecido muscular e a redistribuição de gordura com maior acúmulo na região intra-
abdominal, a dobra cutânea triciptal, a circunferência do braço e a área muscular do braço diminuem com a
idade, principalmente em mulheres (Santos & Sichieri, 2005). Apesar de as dobras cutâneas se correlacionarem
fortemente com tecido adiposo total, em idosos elas não têm boa correlação com tecido adiposo visceral (Bales &
Ritchie, 2006).

Circunferências
As circunferências contribuem na avaliação mais completa do estado nutricional do idoso, fornecendo
informações sobre a composição e adiposidade corporal. É possível medir uma série de circunferências corporais.
Contudo, no idoso as mais utilizadas são o braço, a panturrilha, a cintura e o quadril. Estas duas últimas são
utilizadas para o cálculo da relação cintura-quadril (Acuña & Cruz, 2004; Harris, 2005; Santos & Sichieri,
2005). A padronização da tomada dessas medidas bem como os pontos de corte para circunferência da cintura e
relação cintura-quadril no idoso são os mesmos do adulto. Recentemente, em idosas, a relação cintura-quadril >
0,97 foi identificada como preditor de mortalidade total, o que não foi observado para o IMC e circunferência da
cintura (Cabrera et al., 2005).

115
Epidemiologia Nutricional

A comparação das medidas antropométricas com exames de diagnóstico por imagens, como a ressonância
magnética e a tomografia computadorizada, mostra que a circunferência da cintura foi a variável antropométrica
que apresentou melhor correlação com o tecido adiposo visceral (Harris, 2005; Bales & Ritchie, 2006). Assim, a
medida da circunferência da cintura é uma maneira simples e prática de avaliar a distribuição de gordura abdo-
minal. No entanto, vários grupos étnicos diferem entre si quanto à magnitude de risco associado com a elevada
circunferência da cintura. Portanto, a categorização do risco usando a circunferência da cintura deverá ser espe-
cífica para cada população e dependerá do nível de obesidade e da presença de outros fatores de risco para doença
cardiovascular e diabetes mellitus (WHO, 1997). Até o momento, não há relato de pontos de corte de circunfe-
rência da cintura específicos para idosos, nem estudos específicos para a população de idosos brasileira.
A circunferência do braço reflete a composição corpórea total, e a área muscular do braço é utilizada para
estimar a massa corpórea magra. No entanto, tais estimações podem ser diferentes em homens e mulheres. Santos
e Sichieri (2005) encontraram redução da circunferência e área muscular do braço com a idade em idosos do sexo
masculino, ao passo que, entre as idosas, a redução foi na área de gordura do braço, dobra subescapular e tricipital.
Em contrapartida, a circunferência da panturrilha tem sido considerada a medida mais sensível para avaliar a
massa muscular do idoso, apresentando-se como uma medida superior à área muscular do braço. Essa medida é
recomendada para monitorar a perda de massa muscular em idosos de ambos os sexos. Circunferência da panturrilha
inferior a 31 cm indica perda de massa muscular (WHO, 1995).
Sobre classificação do estado nutricional em idosos por meio de indicadores antropométricos, IMC, relação
cintura-quadril, circunferência da cintura e dobras cutâneas, o que fica claro é a falta de consenso (WHO, 1997).

Avaliação Laboratorial e Bioquímica


A avaliação bioquímica é parte da avaliação nutricional do idoso, e pode detectar precocemente deficiên-
cias nutricionais em níveis subclínicos como quadros de desnutrição e anemia, além de dislipidemias, entre
outros. Alterações no estado nutricional podem ocorrer lentamente, e as alterações antropométricas somente se
manifestarão a posteriori. Conforme a deficiência nutricional se desenvolve, várias adaptações orgânicas são feitas
para que as funções fisiológicas normais não sejam afetadas. Os exames bioquímicos são medidas objetivas e
sensíveis do estado nutricional que permitem o seguimento, ao longo do tempo, de intervenções nutricionais. Os
principais são: hematócrito, hemoglobina, linfócitos totais, proteínas séricas (albumina, pré-albumina, transferrina,
proteína transportadora de retinol), índice creatinina-estatura, 3-metil histidina urinária, dosagens de vitaminas
e minerais e balanço nitrogenado (Harris, 2005; Bottoni et al., 2000).
Entre as dosagens séricas de micronutrientes, as mais relevantes são a de vitamina A, C e E, ferro, zinco e
selênio. A maioria dos estudos brasileiros tem sido realizada em populações pediátricas, enfocando principalmente a
vitamina A, sendo raros os estudos em outras faixas etárias da população sadia. Haller e colaboradores (1996)
encontraram concentrações bioquímicas de vitamina E abaixo do recomendado em 1,1% dos idosos. MacNeill e
colaboradores (2002) encontraram deficiências de vitamina C entre idosos do sexo masculino, que se revelaram
maiores naqueles com 80 ou mais anos.
Não há um único exame bioquímico universalmente aceito para a avaliação do estado nutricional de
idosos. A transferrina e a albumina são exemplos de proteínas afetadas por fatores não nutricionais, como proces-
sos inflamatórios e diversas enfermidades. Publicação recente ressalta a concentração de leptina como importante
marcador biológico, por apresentar boa sensibilidade e especificidade na avaliação nutricional de idosos com
doenças agudas (Bouillanne et al., 2006). A pesquisa nela relatada buscou identificar os parâmetros biológicos –
leptina, IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina Tipo I), IGFBP-1 (IGF Binding Protein-1), IGFBP-3 e
proteína-C reativa (PCr) – mais relacionados com os marcadores antropométricos de desnutrição. Entre estes, a
concentração de leptina foi o único parâmetro biológico relacionado ao estado nutricional avaliado por meio do

116
Avaliação do estado nutricional de idosos

IMC e de dobras cutâneas. Em idosos com déficit de peso, as concentrações de leptina foram mais baixas que nos
demais (Bouillanne et al., 2006).
Resultados desses exames devem ser interpretados com especial atenção, pois o idoso pode apresentar
algumas alterações bioquímicas decorrentes do próprio processo de envelhecimento, do uso de medicamentos
e da presença de enfermidades de ordem não nutricional que podem influenciar os resultados. Dessa forma,
destaca-se mais uma vez a importância da avaliação nutricional de idosos baseada em diferentes parâmetros,
combinando dados antropométricos, clínicos e história dietética, entre outros (Gariballa & Sinclair, 1998;
Kamimura et al., 2002).
Além de avaliar deficiências nutricionais específicas, os exames laboratoriais também são utilizados para
triagem e monitorização do risco de DCNT relacionadas à nutrição, como diabetes, hipertensão arterial, síndrome
metabólica e doença cardiovascular. Maiores detalhes sobre métodos bioquímicos de avaliação do estado nutricional
estão descritos no capítulo 7, “Indicadores bioquímicos na avaliação do estado nutricional”.

Avaliação Clínico-Nutricional
Na prática clínica, tanto em nível hospitalar quanto ambulatorial, a anamnese tem um importante papel
na avaliação nutricional do idoso e, quando adequadamente conduzida, identifica aspectos importantes do estado
de saúde do indivíduo. Na anamnese ou história clínica, os principais pontos a serem levantados são: a) dados
sociodemográficos; b) capacidade funcional, de locomoção e nível de independência; c) antecedentes clínicos
como doenças crônicas e cirurgias; d) uso de medicamentos, de álcool, tabaco e drogas ilícitas; e) perda e variação
de peso; f ) história dietética; g) alterações no padrão alimentar, presença de disfagia e saúde oral; h) sintomas ou
doenças gastrointestinais como vômitos, constipação, diarréia, anorexia e gastrite; i) demanda metabólica, verifi-
cando fatores que aumentam as necessidades energéticas, como infecções, traumas, queimaduras e sépsis (Harris,
2005; Acuña & Cruz, 2004).
Em pacientes idosos, qualquer porcentagem de perda de peso é considerada clinicamente importante.
Considera-se perda de peso grave quando superior a 2% em uma semana e 5% em um mês (Blackburn &
Bistrain, 1977). A Perda Ponderal Recente (PPR) é calculada com a fórmula % PPR = PU - PA/PU x 100, sendo
PU peso usual e PA peso atual. O baixo peso (IMC < 18,5 kg/m²) foi identificado como preditor independente
de mortalidade total em idosas, principalmente naquelas com até 80 anos, em estudo de coorte prospectiva
(Cabrera et al., 2005).
Sobre a avaliação da capacidade funcional, mudanças recentes nos hábitos e na rotina diária de trabalho e
lazer devem ser averiguadas. Outros fatores que devem ser investigados pelo profissional da saúde são: depressão,
demência, perda recente do cônjuge, isolamento e diminuição da mobilidade.
É importante verificar, antes de iniciar a anamnese, se o idoso apresenta algum distúrbio ou limitação
cognitiva. Em caso positivo, a anamnese deverá ser respondida pela pessoa que mais convive com ele. Entre os
métodos para detecção da capacidade cognitiva, existem os mais complexos, que devem ser aplicados por profis-
sionais capacitados para realizar avaliação neuropsicológica, e aqueles mais simples e rápidos (duração: de 5 a 10
minutos), como o Mini-Exame de Estado Mental, que pode ser aplicado por qualquer profissional da saúde
(Folstein, Folstein & McHugh, 1975).
O exame físico deve complementar a história clínica, com o objetivo de identificar sinais de carências
nutricionais específicas. A desnutrição é um sério problema entre pacientes idosos internados e institucionalizados,
que faz aumentar a permanência hospitalar, o desenvolvimento de complicações e a mortalidade (Waitzberg &
Ferrini, 2000; Harris, 2005). Dessa forma, o profissional da saúde deve estar atento aos sinais de depleção
nutricional durante o exame físico.

117
Epidemiologia Nutricional

No idoso, os sinais clínicos detectados no exame físico podem ser decorrentes de alterações fisiológicas
próprias do processo de envelhecimento, de alguma doença de ordem não nutricional ou da própria depleção do
estado nutricional, o que lhe confere baixa especificidade para a identificação de carências nutricionais. Um
exemplo é a cegueira noturna, cuja causa é a deficiência de vitamina A, mas no idoso pode ser a catarata (Coelho
& Fausto, 2002). A perda de peso e a diminuição do tecido adiposo e do tônus muscular são importantes, porém
devem ser interpretadas com cuidado. O exame físico somente deve ser interpretado em conjunto com dados da
avaliação bioquímica, da história clínica, da antropometria ou de outro método que tenha sido empregado.

Métodos Conjuntos de Avaliação Nutricional


Os métodos de avaliação nutricional são diversos; no entanto, não existe um instrumento preciso para
avaliar o estado nutricional de idosos. Torna-se, assim, essencial a abordagem conjunta de indicadores que possi-
bilitem uma avaliação nutricional mais fidedigna.
Há vários métodos que utilizam conjuntamente componentes das avaliações clínica, bioquímica,
antropométrica, da composição corporal e da ingestão dietética. Entre esses, serão descritos no Quadro 1 a
Avaliação Global Subjetiva, a Mini-Avaliação Nutricional e o Questionário Payette.

Avaliação Nutricional Subjetiva Global


Com intuito de viabilizar a avaliação nutricional de indivíduos acamados, em 1987, Detsky e colaborado-
res padronizaram a Avaliação Global Subjetiva (AGS). A AGS, inicialmente, era utilizada apenas para pacientes
cirúrgicos, mas atualmente é aplicada em vários outros grupos, incluindo idosos (Detsky et al.,1987; Pereira,
2005).
A AGS é um método simples, de baixo custo, facilmente aplicável, já validado, e pode ser realizado rapida-
mente à beira do leito. O método associa informações sobre alteração na ingestão de nutrientes, digestão e
absorção, além de efeitos na função e na composição corporal. O questionário, composto por anamnese dirigida
e exame físico simplificado, aborda questões referentes a mudanças no peso habitual nos últimos seis meses e nas
últimas duas semanas; alterações de hábitos alimentares e sua duração; presença de sintomas e sinais gastrointestinais,
como náuseas, vômitos, diarréia e anorexia; avaliação da capacidade funcional. De acordo com o diagnóstico de
base do paciente determina-se o grau de demanda metabólica, e o exame físico, realizado por inspeção e palpação,
busca identificar mudanças na composição subcutânea, massa muscular e presença de edemas. A classificação da
AGS consiste do conceito A, para bem nutrido; B, com suspeita de desnutrição ou moderadamente desnutrido;
C, para gravemente desnutrido (Barbosa Silva, 2000).
A AGS pode ser utilizada de maneira seletiva e complementar aos métodos convencionais utilizados para o
diagnóstico nutricional de idosos hospitalizados ou institucionalizados. Em estudo realizado em instituições
geriátricas dos Estados Unidos utilizando a AGS, identificou-se relação importante com mortalidade e readmissão
hospitalar. Além disso, evidenciou-se que, se associada a medidas bioquímicas e antropométricas, a AGS pode
melhor determinar a mortalidade e morbidade entre idosos desnutridos residentes em instituições geriátricas
(Barbosa Silva, 2000; Pereira, 2005).
Mas o método apresenta limitações. Ele depende do nível de consciência do paciente; baseia-se unicamente
em critérios qualitativos, dificultando a detecção de pequenas alterações do estado nutricional; por ser um méto-
do subjetivo, sua precisão diagnóstica depende bastante do treinamento do observador; há dificuldades em acom-
panhar a evolução dos pacientes devido à ausência de critérios quantitativos (Barbosa Silva, 2000; Pereira, 2005).

118
Avaliação do estado nutricional de idosos

Quadro 1 – Métodos conjuntos de avaliação nutricional


Método Objetivo Variáveis
Avaliação Nutricional Avaliar o risco nutricional de pacientes Anamnese dirigida: mudança de peso habitual nos últimos seis
Subjetiva Global (AGS) cirúrgicos e outras condições clínicas. meses e duas semanas; alterações de hábitos alimentares;
presença de sintomas e sinais gastrointestinais; capacidade
funcional.
Demanda metabólica.
Exame físico - inspeção e palpação: mudanças na composição
subcutânea, massa muscular e edemas.

Mini-Avaliação Nutricional Facilitar triagem e diagnóstico nutricional Antropometria: IMC, % perda peso, circunferências do braço e
(MAN) de idosos sob risco de desnutrição. da panturrilha.
Avaliação global: estilo de vida, mobilidade, uso de
medicamentos, estresse agudo, problemas neuropsicológicos,
entre outros.
Avaliação dietética: número de refeições, ingestão de alimentos
e líquidos, autonomia para se alimentar.
Auto-avaliação: percepção da saúde e nutrição.

Questionário Payette Avaliar idosos que apresentam risco Antropometria: peso referido e medido, estatura e IMC.
nutricional e necessitam de assistência
Outras questões: perda de peso no último ano, magreza, artrite
nutricional.
que interfira nas atividades diárias, problemas visuais, apetite,
estresse psicológico recente e ingestão usual no desjejum.

Quadro 1 (continuação)

Vantagens Desvantagens Classificação


Simples e rápida aplicação. Não é específico para idosos. Conceito A:
bem nutrido.
Baixo custo. Depende do nível de consciência.
Conceito B:
Boa validade. Baseia-se apenas em critérios qualitativos.
suspeita de desnutrição ou
Validado para população brasileira. Baixa precisão diagnóstica. moderadamente desnutrido.
Boa correlação com medidas bioquímicas e Acompanhamento da evolução prejudicado Conceito C:
antropométricas. pela ausência de critérios quantitativos. gravemente desnutrido.
Boa confiabilidade, se entrevistadores são
bem treinados.

Simples e rápida aplicação. Demanda equipe bem treinada para MAN > 23,5: eutrófico.
realização das medidas antropométricas.
Específico para idosos. MAN entre 17 e 23,5:
risco de desnutrição.
Escala confiável.
MAN < 17: desnutrido.
Boa correlação com outros parâmetros
nutricionais e nível cognitivo.
Validado para a população brasileira.
Identifica o risco de desnutrição.

Simples e rápida aplicação. Ainda não validado para população 0-2 pontos:
brasileira. baixo risco nutricional.
Boa validade.
3-5 pontos:
moderado risco nutricional.
6-13 pontos:
alto risco nutricional.

119
Epidemiologia Nutricional

Mini-Avaliação Nutricional (MAN)


A Mini-Avaliação Nutricional (MAN) tem sido validada e utilizada desde o início da década de 1990,
objetivando facilitar a triagem e o diagnóstico nutricional de idosos sob risco de desnutrição (Vellas et al., 1999;
Guigoz, 2006). Embora o método tenha sido desenvolvido para idosos doentes, tem sido validado para indivíduos
saudáveis (Kuzuya et al., 2005).
O instrumento consiste em perguntas simples e de rápida aplicação, abordando medidas antropométricas
(IMC, percentual de perda de peso, circunferência do braço e da panturrilha), avaliação global (estilo de vida,
medicações utilizadas, mobilidade, presença de estresse agudo, presença de problemas neuropsicológicos, entre
outros), avaliação dietética (número de refeições, ingestão de alimento, ingestão de líquidos e autonomia para
alimentar-se sozinho) e auto-avaliação (autopercepção da saúde e nutrição). O método classifica o idoso, conforme
os escores, como eutrófico (MAN > 23,5), em risco de desnutrição (17> MAN < 23,5) ou desnutrido (MAN < 17)
(Vellas et al., 1999; Guigoz, Lauque & Vellas, 2002; Coelho & Fausto, 2002; (Pereira, 2005).
A MAN é um método prático, não invasivo, de rápida aplicação, e apresenta escala confiável. É capaz de
detectar melhor o risco de desnutrição e a desnutrição precoce, porque aborda aspectos físicos e mentais que
afetam o estado nutricional do idoso, além de apresentar alta correlação com outros parâmetros nutricionais
(Vellas et al., 1999, Pereira, 2005; Guigoz, 2006).
Em estudo realizado com idosos japoneses com estado de saúde precário, observou-se boa correlação da MAN
com medidas antropométricas e marcadores bioquímicos, incluindo albumina sérica e colesterol total, constatando-se
ser este um instrumento útil para determinar o estado nutricional de idosos japoneses frágeis (Kuzuya et al., 2005).
Entretanto, outro estudo realizado com idosos hospitalizados de Ottawa, no Canadá, constatou sensibilidade de
apenas 57%, provavelmente devido ao sistema de pontuação, que confere menor importância à perda de peso
involuntária, à escala do IMC, além de não utilizar dados bioquímicos (Azad, Murphy & Amos, 1999).

Questionário de Payette
O método Payette permite avaliar pessoas idosas que apresentam risco nutricional e necessitam de assistên-
cia para adequar sua ingestão alimentar. É um questionário curto, sensível e específico, facilmente aplicável por
profissionais da saúde (Robichaud et al., 2000). Foi validado em uma amostra de 145 idosos que recebiam
serviços de home care, usando como referência três recordatórios 24 horas não consecutivos. O instrumento
apresentou sensibilidade de 78% e especificidade de 77%, além de boa precisão para identificar idosos em risco
de desnutrição (Payette, 2005).
O questionário consiste em dados antropométricos (peso referido e medido, estatura e IMC), questões
sobre magreza, perda de peso no ano anterior, presença de artrite que interfira nas atividades diárias, proble-
mas de visão, bom apetite, presença de estresse psicológico recente e ingestão usual no desjejum. A cada
resposta se atribui uma pontuação, classificando o idoso, ao final, como de baixo risco nutricional (0-2 pontos),
de moderado risco nutricional (3-5 pontos) e de alto risco nutricional (6-13 pontos). Para cada classificação,
há recomendações específicas: a) baixo risco nutricional – monitorização dos fatores de risco; b) moderado
risco nutricional – monitorização da dieta (avaliação da ingestão de alimentos e orientação nutricional);
c) alto risco nutricional – aumento da ingestão de alimentos, com orientação para o preparo das refeições e
encaminhamento para o nutricionista (Payette, 2005).

120
Avaliação do estado nutricional de idosos

Considerações Finais
No Brasil, o desconhecimento da situação nutricional na terceira idade diante da nova realidade demográfica
do país, caracterizada pelo aumento absoluto e relativo da população de idosos, exige a realização de investigações
sistematizadas nesta área. Tais investigações envolvem diversas abordagens. Estas vão desde a questão metodológica
de como medir a dieta e da definição de parâmetros antropométricos mais específicos e acurados, passando pelo
entendimento do efeito produzido por aquilo que as pessoas comem (ou informam que comem), até a formula-
ção de um modelo biológico relevante que faria um elo da biologia molecular com os dados obtidos em estudos
epidemiológicos de base populacional. Somente assim se poderá alcançar um atendimento de melhor qualidade,
com enfoque na prevenção de doenças crônicas e na melhora da qualidade de vida dos idosos, principalmente
daqueles com processos patológicos já instalados.

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Avaliação do estado nutricional de idosos

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125
7
Indicadores Bioquímicos na Avaliação
do Estado Nutricional

Nádia M. F. Trugo e Alexandre G. Torres

I ndicadores bioquímicos, assim como indicadores funcionais e clínicos, que estão relacionados com a
ingestão e metabolismo de componentes de alimentos (nutrientes e não-nutrientes) são utilizados na epidemiologia
nutricional como biomarcadores de exposição e de estado nutricional. Como o estado nutricional é dinâmico e
resulta direta ou indiretamente da ingestão alimentar, os indicadores bioquímicos de estado podem ser usados
para representar a exposição recente ou de longo prazo (habitual) a um determinado nutriente. Porém, ao passo
que para alguns nutrientes pode-se estabelecer uma associação entre os indicadores bioquímicos de estado
nutricional e a ingestão, para muitos nutrientes não existe uma associação clara. Em contrapartida, alguns
biomarcadores refletem adequadamente a ingestão de nutrientes, mas não são bons indicadores de estado
nutricional. A seleção de indicadores bioquímicos a serem utilizados em estudos de epidemiologia nutricional
deve ser feita em função das questões específicas a serem investigadas, uma vez que para cada nutriente pode
haver vários indicadores de estado, mas cada um deles pode estar se referindo a diferentes aspectos do metabolis-
mo e utilização pelo organismo daquele nutriente em particular.
Os indicadores bioquímicos representam medidas objetivas de estado nutricional que, diferentemente de
métodos de avaliação do consumo alimentar por meio de inquéritos alimentares (capítulos 10 e 11), não estão
sujeitos a vieses na entrevista e na obtenção de dados. No entanto, os métodos bioquímicos também apresentam
limitações e podem estar sujeitos a erros. A escolha entre os diferentes métodos depende do nutriente cuja expo-
sição será avaliada, mas geralmente a complementação de métodos dietéticos e bioquímicos pode fornecer infor-
mações mais completas e abrangentes.
Neste capítulo serão abordados o uso de indicadores bioquímicos na avaliação do estado nutricional e as
aplicações de indicadores bioquímicos e de outros biomarcadores relevantes na epidemiologia nutricional.

Indicadores Bioquímicos na Avaliação de Estado Nutricional


Indicadores Bioquímicos Estáticos e Funcionais
A compreensão do significado biológico dos indicadores bioquímicos de estado nutricional depende do
conhecimento da função e da utilização (absorção, transporte, metabolismo e excreção) do nutriente no organis-
mo. Os indicadores bioquímicos podem representar diferentes níveis de nutrição, que variam desde um estado

127
Epidemiologia Nutricional

ótimo, quando há amplas reservas no organismo, até um estado de deficiência clinicamente manifesta, quando
estão presentes alterações morfológicas e funcionais e sinais e sintomas clínicos característicos da deficiência. O
extremo oposto, representado por níveis excessivos ou tóxicos de nutrientes, pode também ser avaliado por
indicadores bioquímicos. A evolução da deficiência de nutrientes no organismo até a deficiência clínica passa por
níveis intermediários de depleção característicos do estado subadequado, também chamado de marginal ou
subclínico.
A velocidade com que ocorre a depleção nutricional e os diferentes níveis de depleção variam para cada
nutriente, dependendo dos mecanismos homeostáticos e adaptativos que controlam sua utilização no organismo,
do tamanho das reservas, da gravidade do decréscimo da ingestão ou da privação alimentar, do aumento da
necessidade por modificação do estado fisiológico (crescimento, gestação, lactação) e de perdas por doenças.
Para alguns nutrientes, há conhecimento suficiente e métodos disponíveis para determinar um ou mais
indicadores, correspondentes a um ou mais níveis de estado nutricional, como é o caso do folato e do ferro. No
entanto, para vários outros nutrientes isso ainda não é possível, devido a limitações técnicas e/ou de conhecimento.
Os níveis de depleção do estado nutricional de ferro e de folato e seus indicadores serão usados adiante como
exemplos do uso de indicadores bioquímicos na avaliação do estado nutricional.
Vantagens importantes do uso de indicadores bioquímicos na avaliação da exposição e do estado nutricional
são a possibilidade de determinar efeitos da exposição ao nutriente a curto, médio e longo prazos e a detecção de
estados marginais em um ou mais estágios de depleção. Os estados nutricionais marginais são geralmente mais
prevalentes do que estados de deficiência clínica e podem estar relacionados com uma série de alterações funcio-
nais que representam uma situação desvantajosa para o organismo. Além disso, a capacidade de alguns indicado-
res para identificar estados marginais contribui para o entendimento de sua participação no desenvolvimento de
doenças crônicas. A combinação de dois ou mais indicadores bioquímicos é desejável para a avaliação do estado
nutricional e fornece informações mais completas e precisas.
Os indicadores bioquímicos de estado nutricional podem ser classificados como “estáticos” ou “funcionais”
(Solomons, 2003). Na avaliação de estado de um determinado nutriente no organismo, os indicadores bioquímicos
funcionais e estáticos podem representar um mesmo nível ou diferentes níveis de estado nutricional.
Os indicadores bioquímicos estáticos compreendem a avaliação quantitativa do teor de um nutriente, de
seus metabólitos ou de outros componentes relacionados (proteínas de reserva ou de transporte, complexos
macromoleculares), os quais representam adequadamente concentrações teciduais ou reservas do nutriente no
organismo (Fidanza, 1999). Esses indicadores são determinados em amostras de sangue (sangue integral, plasma
ou soro, eritrócitos, leucócitos, plaquetas), principalmente, e também em urina, unhas, cabelos e outros tecidos,
como, por exemplo, o tecido adiposo. A escolha do tipo de amostra depende da informação que se pretende obter
(estado recente ou de longo prazo, reservas, pool disponível para troca, entre outros) e também do nutriente de
interesse, pois o mesmo tipo de amostra pode não fornecer a mesma informação para diferentes nutrientes.
Os indicadores funcionais representam uma categoria mais ampla, que inclui as funções bioquímicas de
um nutriente e funções comportamentais e fisiológicas do organismo, as quais não só dependem da disponibili-
dade adequada do nutriente, mas resultam de uma integração mais abrangente de processos homeostáticos, de
sistemas e de distribuição do nutriente no organismo como um todo. Podem ser classificados de acordo com o
sistema que está sendo avaliado (hemodinâmica, integridade estrutural, transporte, imunidade, funcionamento
do sistema nervoso, biologia reprodutiva, capacidade física) ou por tipo de teste (testes in vivo e in vitro de
funções, respostas induzidas e testes de sobrecarga, atividades e respostas espontâneas de órgãos e tecidos, testes
de desempenho) (Solomons, 2003).
Alguns indicadores funcionais, assim como os indicadores bioquímicos estáticos, requerem análises bio-
químicas em amostras biológicas e, portanto, podem ser classificados como indicadores bioquímicos funcionais.

128
Indicadores bioquímicos na avaliação...

Grande parte dos indicadores funcionais é de indicadores não bioquímicos, não invasivos, o que representa
uma grande vantagem em relação aos testes bioquímicos estáticos e funcionais, que, na sua maioria, depen-
dem da obtenção de amostras de sangue. Contudo, os indicadores funcionais não bioquímicos podem
apresentar várias limitações, tais como baixa especificidade, maior dificuldade em estabelecer faixas de nor-
malidade, dificuldade de interpretação e maior influência de variáveis de confusão (Fidanza, 1999). Neste
capítulo, serão abordados somente os indicadores funcionais bioquímicos, os quais refletem a integridade de
um sistema bioquímico ou processo fisiológico que é dependente do nutriente de interesse. Os testes
bioquímicos funcionais geralmente envolvem a determinação de atividade de enzimas e de metabólitos que
participam das vias nas quais o nutriente desempenha alguma função. Testes bioquímicos funcionais basea-
dos em técnicas de biologia molecular poderão constituir uma nova abordagem com potencial para aplica-
ção na avaliação do estado nutricional, como, por exemplo, expressão de enzimas ou proteínas dependente
de nutrientes, expressão de proteínas reguladoras da homeostasia e modulação nutricional de elementos
reguladores da expressão gênica (Solomons, 2003).
Uma das principais dificuldades do uso de indicadores bioquímicos na avaliação do estado nutricional é a
definição das faixas de normalidade para cada indicador. Para alguns indicadores, essas faixas podem estar bem
definidas, com base em evidências científicas, ao passo que para a maioria das outras existem definições apenas
tentativas. Para muitos, não há consenso. Uma vez conhecida a distribuição dos valores de um indicador para
uma população saudável e com estado nutricional adequado, estabelecem-se estatisticamente os pontos de corte
para os valores que representem excesso ou deficiência. Esses valores de referência podem ainda variar de acordo
com a faixa etária, estado fisiológico, gênero e características genéticas, e ter sido estabelecidos apenas para uma
ou algumas dessas situações. A determinação de indicadores bioquímicos e sua aplicação para avaliação do estado
nutricional estão em constante evolução, em função do aprofundamento do conhecimento sobre a função e
utilização de nutrientes no organismo e do desenvolvimento e aperfeiçoamento de métodos analíticos. Dessa
forma, as faixas de normalidade e os pontos de corte estão sujeitos a constantes reavaliações.
Exemplos de testes bioquímicos estáticos e funcionais para avaliação do estado nutricional, para diferentes
nutrientes, são apresentados na Tabela 1 e no Quadro 1, respectivamente.

Tabela 1 – Principais indicadores bioquímicos estáticos de nutrientes selecionados e seus níveis de referência
mais utilizados na avaliação do estado nutricionala
Nutriente Indicador (unidade) Aceitável Risco moderado Alto risco de
de deficiência deficiência
Vitamina A Retinol plasma ou soro (µmol/L) > 0 ,70 0,35-0,70 < 0 ,3 5

Vitamina D 25-hidroxicolecalciferol soro (nmol/L) - - < 1 2 ,5

α-tocoferol plasma ou soro (µmol/L) > 1 6 ,2 11,6-16,2 < 1 1 ,6


Vitamina E
(µmol/mmol colesterol) b
- - < 2 ,2

Tiamina Tiamina urina (µg/24h) > 66 27-66 < 27

Riboflavina Riboflavina urina (µg/g creatinina) > 80 27-80 < 27

Biotina Biotina plasma (nmol/L) > 1 ,0 0,5-1,0 < 0 ,5

Folato plasma ou soro (nmol/L)c > 11 6,8-11 < 6 ,8


Folato
Folato eritrócitos (nmol/L)c > 360 315-360 < 315

Cobalamina plasma ou soro (pmol/L) > 150 110-150 < 110


Vitamina B12
Transcobalamina soro (pmol/L) - - < 15

129
Epidemiologia Nutricional

Tabela 1 – Principais indicadores bioquímicos estáticos de nutrientes selecionados e seus níveis de


referência mais utilizados na avaliação do estado nutricionala (continuação)
Nutriente Indicador (unidade) Aceitável Risco moderado Alto risco de
de deficiência deficiência
Ácido ascórbico plasma (µmol/L) > 1 7,0 11,4-17,0 < 1 1 ,4
Vitamina C
Ácido ascórbico sangue (µmol/L) > 28 17-28 < 17

Ferritina soro ou plasma (µg/L) > 100 < 20 < 12

Ferro soro (µmol/L) - < 2 0 ,0 < 1 0 ,7


Ferro
Capacidade total de ligação de - - < 71 ,6
ferro soro (µmol/L)

Zinco Zinco plasma (µmol/L) 9-22 < 9 ,0

Cobre soro ou plasma (µmol/L) 13-22


Cobre
Ceruloplasmina (µmol/L) 2-4

Selênio plasma (µmol/L) 0,76-1,52 0,63-0,75 0,25-0,38


Selênio
Selênio eritrócitos (µmol/L) 1,13-2,41 ~ 0 ,45

Fontes: adaptada de a - Fidanza (1999) e Van den Berg et al. (1993); b - Thurnham et al. (1986); c - Bailey et al. (2001).

Quadro 1 – Exemplos de indicadores bioquímicos funcionais de nutrientes selecionados e classificação de


acordo com o tipo de teste utilizado na avaliação do estado nutricional
Tipo de teste Nutriente Indicador
Tiamina Transcetolase em eritrócitos (tiamina pirofosfato)

Piridoxina Transaminases em eritrócitos (piridoxal-5-fosfato)


Atividades enzimáticas:
r esposta à adição Riboflavina Glutatião redutase em eritrócitos (FAD)
de co-fatores a
Zinco Fosfatase alcalina em soro

Selênio Glutatião peroxidase em eritrócitos

Folato (também cobalamina Aumento da homocisteína em plasma ou soro


e/ou piridoxina)
Metabólitos ou componentes cujos
Folato Aumento da excreção de ácido formiminoglutâmico na
níveis podem ser alterados pela
urina após teste de sobrecarga com histidina
deficiência do nutriente b
Vitamina B12 Aumento de ácido metilmalônico em plasma (ou soro)
e na urina após teste de sobrecarga com valina

Integridade estrutural Vitamina E, selênio Fragilidade de eritrócitos (grau de hemólise)

Miscelânea Folato Teste de supressão da deoxiuridina em células da


medula óssea ou em linfócitos

Retinol Dose-resposta relativa; dose-resposta relativa


modificada (di-hidroxi retinol)
a - Aumento na atividade in vitro acima de um determinado valor de atividade, em relação ao valor inicial, pode ser
indicativo de deficiência.
b - Função dependente do nutriente em questão ou relacionada com a regulação homeostática das reservas do nutriente.
Fontes: baseado em Solomons (2003) e Fidanza (2003).

130
Indicadores bioquímicos na avaliação...

Os pontos de corte relacionados na tabela são aqueles mais utilizados na interpretação do estado
nutricional de indivíduos adultos e sobre os quais há maior consenso. Esses valores podem ser diferentes para
diferentes faixas etárias e conforme gênero, gestação e lactação, dependendo do nutriente e do indicador. A
sensibilidade do indicador e a exatidão de seus valores de referência variam bastante para cada nutriente.

Fatores Relacionados com a Utilização de


Métodos Bioquímicos na Avaliação Nutricional
Os métodos bioquímicos para avaliação do estado nutricional são considerados bastante objetivos, pois
comparados aos métodos de avaliação de consumo alimentar, principalmente por meio de inquéritos alimenta-
res, não são afetados pela qualidade da informação obtida nas entrevistas.
No entanto, vários fatores podem afetar os indicadores bioquímicos e devem ser identificados e controla-
dos nas análises estatísticas. Esses fatores podem ser biológicos, tais como idade, gênero, características genéticas,
estado fisiológico e hormonal, interação metabólica com outros nutrientes, infecções e processos inflamatórios.
Podem também ser fatores ambientais/comportamentais, tais como alcoolismo, tabagismo e contaminação
ambiental (Hunter, 1998; Potischman, 2003).
Além disso, fatores de natureza técnica relacionados com a coleta, manuseio e análise em laboratório das
amostras contribuem para a variabilidade dos resultados obtidos com o uso de indicadores bioquímicos (Hunter,
1998). A redução ou eliminação desses fatores permite não somente o decréscimo da variabilidade como também
uma interpretação correta dos resultados, e deve ser alcançada por uma adequada padronização e controle de
métodos em todas as etapas, desde a coleta de amostras até a análise laboratorial (Blanck et al., 2003).
A escolha do indicador bioquímico e do método de análise laboratorial deve levar em conta sua
‘especificidade’, a ‘sensibilidade’ e a ‘representatividade’.
Na avaliação de uma resposta de indicador bioquímico à ingestão de um nutriente e à variação do estado
nutricional do indivíduo, a sensibilidade corresponde à capacidade de variação dos níveis do indicador no orga-
nismo em função das variações na ingestão e no nível de estado nutricional, respectivamente, ao passo que a
especificidade está relacionada com uma resposta específica, ou seja, para aferi-la é preciso que a variação dos
níveis do indicador do nutriente no organismo não responda também a outros nutrientes e componentes de
alimentos e outros fatores de confusão (Hunter, 1998).
Em termos laboratoriais, a sensibilidade de um método é definida como a modificação da resposta em
função da modificação na concentração, na quantidade absoluta ou na propriedade da substância analisada
(analito). Métodos sensíveis também apresentam baixos limites de detecção, ou seja, a menor concentração ou
quantidade absoluta do analito que pode ser detectada com certeza razoável. A exatidão de um método pode ser
definida como a fidedignidade com a qual este mede a quantidade do analito. Já a sua especificidade define a
capacidade de análise do analito, especialmente na presença de outros analitos com propriedades químicas seme-
lhantes ou de substâncias que podem nele interferir. A especificidade do método analítico pode afetar tanto sua
precisão quanto sua exatidão. Métodos laboratoriais analíticos modernos, com alta sensibilidade, especificidade,
precisão e exatidão, estão atualmente disponíveis para a determinação de uma ampla gama de indicadores
bioquímicos.
Os valores de referência (faixas de normalidade e pontos de corte) dos indicadores bioquímicos na avalia-
ção do estado nutricional devem ser representativos da população em estudo e deveriam, idealmente, ser estabe-
lecidos para essa população (Hunter, 1998). Entretanto, tal nível de representatividade não é viável na maior
parte dos estudos. A avaliação do estado nutricional do indivíduo e de populações muitas vezes é feita por
comparação com os valores de referência conhecidos para outras populações que apresentem características o

131
Epidemiologia Nutricional

mais próximas possível daquelas da população em estudo. No caso de populações, pode-se estabelecer o
desvio da distribuição em relação à população de referência ou à prevalência de indivíduos cujos valores estão
abaixo ou acima dos pontos de corte.
Uma vez definidos o indicador bioquímico e o método analítico laboratorial que serão utilizados, deve-
se tomar vários cuidados, desde a coleta de amostras até a análise laboratorial, para evitar degradação do
componente a ser medido, interferência de outros compostos e erros analíticos, que irão comprometer os
resultados e sua interpretação.
Os protocolos de coleta, transporte, armazenamento e manuseio das amostras devem ser padronizados.
Tais procedimentos devem ser cuidadosamente planejados, levando-se em conta o tipo de amostra (sangue, urina
e outros), a estabilidade dos componentes a serem medidos e a interferência de outros compostos (Blanck et al.,
2003; Potischman, 2003; Wild et al., 2001). Para alguns nutrientes, como o folato, a vitamina A e os carotenóides,
a proteção contra exposição à luz é essencial. Os nutrientes antioxidantes (vitaminas C e E, carotenóides), a
vitamina A e os ácidos graxos insaturados são passíveis de degradação por oxidação na presença de oxigênio
molecular. Dessa forma, a armazenagem de amostras para análise futura de tais componentes deve ser feita com
a presença de um antioxidante (como o BHT e/ou o pirogalol) e em atmosfera de nitrogênio. Para a dosagem de
elementos-traço (por exemplo, zinco, selênio, ferro) e ácidos graxos, cujas concentrações em fluidos biológicos é
baixa e/ou a possibilidade de contaminação externa é alta, deve-se proceder à lavagem apropriada e escolha
adequada do tipo do material a ser utilizado para evitar a contaminação e também a interferência de outros
componentes que possam prejudicar a análise. A estabilidade térmica dos componentes a serem medidos (vitami-
nas, proteínas e enzimas de maneira geral) também deve ser levada em consideração e, portanto, a temperatura na
qual as amostras são recolhidas, armazenadas e manuseadas também deve ser adequada. A armazenagem de
amostras em baixas temperaturas também reduz a perda de componentes suscetíveis à oxidação. Quando há
variação sazonal na disponibilidade de alimentos, as amostras dos casos e dos controles deverão ser obtidas
simultaneamente. No caso dos biomarcadores cujas concentrações no sangue ou na urina variam ao longo do dia,
as amostras devem ser obtidas pela manhã, após jejum noturno. Em alguns casos, a coleta do volume total de
urina produzido durante um período de 24 horas é mais indicada. Quando não for possível adotar esses procedi-
mentos, deve-se controlar o momento da coleta.

Uso de Indicadores Bioquímicos na


Avaliação do Estado de Folato e Ferro
Folato
O folato, sob a forma de diferentes coenzimas, atua em reações de transferência de unidades de carbono
(metil, formil, metenil), que são essenciais para a metilação de biomoléculas (proteínas, DNA, RNA, fosfolipídios),
a síntese de nucleotídeos e a interconversão de aminoácidos (Bailey et al., 2001).
Os estágios seqüenciais da deficiência de folato no organismo humano e os diferentes indicadores que
podem representar cada um desses estágios já estão bem definidos (Herbert, 1999). No início da depleção, que
corresponde a um balanço negativo de folato, porém com reservas teciduais ainda adequadas, há decréscimo da
concentração de folato no soro (plasma também é usado). Com a continuidade do balanço negativo, as reservas
decrescem e há diminuição da concentração de folato em eritrócitos, que ocorre paralelamente à depleção de
folato no fígado, o principal órgão de reserva de folato no organismo. Ambos, folato no plasma e em eritrócitos,
são indicadores bioquímicos estáticos. Paralelamente, há aumento da excreção urinária de Formimino-glutamato
(Figlu) após uma dose oral de sobrecarga de histidina. O Figlu é um metabólito intermediário da conversão de
histidina em glutamato, dependente de folato. Este indicador funcional, no entanto, não é específico para a

132
Indicadores bioquímicos na avaliação...

deficiência de folato, pois uma percentagem dos pacientes deficientes em vitamina B12 também apresenta
elevada excreção de Figlu.
Com o avanço da deficiência, há prejuízos metabólicos e funcionais que podem ser representados por
alterações em indicadores funcionais, como a hipersegmentação (aumento do número médio de lobos) dos
neutrófilos e valores anormais no teste de supressão da incorporação do uridilato ao DNA pelo timidilato em
suspensão ou cultura de células. Esses primeiros estágios são considerados marginais ou subclínicos. Com o
agravamento da depleção, pode ocorrer deficiência clínica, que é classicamente caracterizada pela anemia
megaloblástica, com o baixo nível de hemoglobina no sangue acompanhado pelo aumento do volume corpuscular
médio, devido ao aumento do volume dos eritrócitos (macrocitose). A anemia megaloblástica também ocorre na
deficiência de vitamina B12, e suas características hematológicas são indistinguíveis da deficiência de folato.
O diagnóstico diferencial deve ser feito por meio dos indicadores bioquímicos específicos para cada uma dessas
vitaminas.
As concentrações de folato no soro ou plasma e em eritrócitos são os indicadores mais utilizados para
avaliação do estado nutricional quanto ao folato. O folato no soro reflete melhor o balanço de folato a curto
prazo (cerca de 1 a 2 dias) e, portanto, flutua mais com a ingestão recente. Entretanto, o folato em eritrócitos
reflete a sua disponibilidade para incorporação celular durante a hematopoiese e representa uma integração de
sua ingestão por um período mais prolongado, cerca de 120 dias precedentes, o que corresponde à meia-vida dos
eritrócitos. Dessa forma, o folato em eritrócitos é considerado um melhor indicador de estado do que o folato no
soro, porque é mais representativo do folato nos tecidos (Mason, 2003).
Os pontos de corte classicamente empregados para caracterizar deficiência de folato são as concentrações
abaixo de 3 ng/ml (6,8 nmol/L) para folato no soro e de 140 ng/ml (315 nmol/L) para folato em eritrócitos, que
são bons preditores do risco de anemia, ao passo que concentrações de 3 a 4,8 ng/ml (11 nmol/L) e de 140 a 160
ng/ml (360 nmol/L), respectivamente, são consideradas deficiência marginal (Bailey et al., 2001). No entanto,
há um consenso crescente de que esses pontos de corte provavelmente deverão ser modificados e que indicadores
atualmente promissores deverão ser validados, ou que novos indicadores e métodos devem ser desenvolvidos para
avaliar o estado de folato (Mason, 2003). Alterações mais sutis no estado de folato têm conseqüências funcionais
e clínicas importantes, e o que atualmente se considera como deficiência marginal de folato, que é mais prevalente
do que a anemia megaloblástica, pode ser redefinido.
Um indicador funcional para avaliação do estado de folato que atualmente desperta muito interesse é a
concentração de homocisteína no soro ou em plasma. Embora seja um indicador sensível, não é um indicador
específico para o estado de folato. A elevação da concentração de homocisteína sérica ou plasmática é um indica-
dor não só da depleção de folato como também de vitamina B12 (McKinley, 2000; Selhub, 2006), porque ambos
participam como cofatores na reação de remetilação da homocisteína à metionina. O aumento da concentração
de homocisteína pode ocorrer antes que as concentrações de folato no plasma e em eritrócitos e a concentração de
vitamina B12 no plasma decresçam para os valores considerados indicativos de deficiência (McKinley, 2000;
Refsum et al., 2006).
A concentração de homocisteína é inversamente relacionada com a concentração de folato no plasma,
mesmo quando os níveis de folato variam em uma faixa considerada adequada (Refsum et al., 2006; Rosa, Pereira
& Trugo, 2004). Outros determinantes do aumento da homocisteína, tais como insuficiência renal crônica,
hipertensão, consumo elevado de álcool e cafeína, tabagismo, idade (> 65 anos) e estado de vitamina B6 (Refsum
et al., 2006), devem ser controlados quando se pretende avaliar o estado de folato utilizando a concentração de
homocisteína. Contudo, faixas normativas de referência e pontos de corte de concentração de homocisteína para
caracterizar deficiência de folato não foram ainda claramente estabelecidos. Neste caso, esses parâmetros podem
ser diferentes daqueles utilizados para definir hiperhomocisteinemia como fator de risco para doenças
cardiovasculares oclusivas.

133
Epidemiologia Nutricional

Polimorfismos nos genes que codificam enzimas envolvidas no metabolismo do folato podem influenciar o
estado de folato e a concentração de homocisteína plasmática (Refsum et al., 2006; Van der Linden et al., 2006).
Uma das mais estudadas é a mutação 677C → T no gene da enzima 5,10-metilenotetrahidrofolato redutase
(MTHFR), que catalisa a conversão de 5,10-metilenotetrahidrofolato em 5-metiltetrahidrofolato, o co-substrato
para metilação da homocisteína a metionina pela enzima metionina sintase. Vários estudos mostram que os
portadores do genótipo T/T, quando comparados com portadores dos genótipos C/T ou C/C, apresentam me-
nores níveis de folato plasmático e maiores níveis de homocisteína, especialmente em associação com baixos
níveis de folato no plasma (Refsum et al., 2006), e apresentam melhores respostas à suplementação ou à ingestão
dietética elevada de folato (Fohr et al., 2002; Silaste et al., 2001). Na gestação, o genótipo materno T/T, princi-
palmente quando associado a um estado inadequado de folato e níveis elevados de homocisteína, aumenta o risco
de defeitos do tubo neural nos fetos (Van der Linden et al., 2006).

Ferro
A maior parte do ferro corporal exerce papel estrutural e funcional no grupamento heme, que está presente
em proteínas envolvidas na ligação e transporte de oxigênio, como a hemoglobina e a mioglobina, e em heme-
enzimas que participam de processos integrados de transporte de elétrons. Diversas enzimas não-heme que con-
têm ferro também participam do transporte de elétrons e de vários processos bioquímicos, tais como regulação
gênica e regulação do crescimento e diferenciação celular. Como o ferro é um nutriente essencial, mas é também
potencialmente tóxico, complexos processos regulatórios envolvendo diversas proteínas atuam para atender às
demandas celulares e evitar o seu acúmulo excessivo (Beard, 2001).
Assim como para o folato, diferentes níveis da deficiência de ferro no organismo e seus respectivos indica-
dores estão bem definidos. Os três níveis de deficiência de ferro são a depleção das reservas de ferro, a deficiência
funcional de ferro e anemia por deficiência de ferro (Hambidge, 2003).
O indicador mais sensível das reservas de ferro é a concentração de ferritina sérica ou plasmática, que é
proporcional à quantidade de ferro estocada na ferritina intracelular. Níveis plasmáticos menores que 12 µg de
ferritina/L são indicativos de reservas de ferro depletadas. Fatores como presença de infecção, processos inflama-
tórios e outras doenças causam aumento na concentração de ferritina plasmática, uma vez que a ferritina é uma
proteína de fase aguda. Outros indicadores estáticos, como a transferrina e a capacidade total de ligação de ferro
no plasma, também se encontram elevados na depleção das reservas de ferro, porém são indicadores menos
sensíveis e confiáveis.
No nível da deficiência funcional de ferro, os indicadores clássicos são a saturação da transferrina sérica, que
normalmente é de 30-35% e cujo valor abaixo de 15% é indicativo de deficiência, e a concentração de protoporfirina
nos eritrócitos, que aumenta devido à insuficiência de ferro para completar a síntese de hemoglobina. Um indicador
sensível e específico para a deficiência funcional de ferro é a concentração de receptores de transferrina sérica, que
está aumentada quando há suprimento insuficiente de ferro. Esta forma solúvel no plasma é liberada proporcional-
mente ao número de receptores de transferrina na membrana celular, o qual aumenta em função da necessidade de
ferro intracelular. Contudo, os dados ainda são limitados para estabelecer pontos de corte para este indicador.
O nível correspondente à deficiência clínica de ferro, que é a anemia microcítica e hipocrômica, se caracte-
riza por baixos níveis de hemoglobina (< 12 g/dL de sangue em adultos), o indicador utilizado para definir
anemia, cuja alteração, no entanto, não é específica para a deficiência de ferro. Uma vez que a deficiência de
outros nutrientes, como folato, vitamina B12 e proteína, e outros fatores, tais como infecções e inflamações
crônicas, hemoglobinopatias e gestação, também afetam a concentração de hemoglobina, outros indicadores de
estado, preferencialmente a ferritina, devem ser usados para caracterizar a anemia por deficiência de ferro

134
Indicadores bioquímicos na avaliação...

(Hambidge, 2003; Hunter, 1998). Outras manifestações da deficiência de ferro são as alterações nos siste-
mas imune e neural, na regulação térmica e no metabolismo energético, que muitas vezes ocorrem simulta-
neamente e podem ou não estar associadas à anemia. Algumas dessas alterações podem ser utilizadas como
indicadores funcionais do estado de ferro (Beard, 2001).

Aplicações de Indicadores Bioquímicos


em Epidemiologia Nutricional
Uso de Biomarcadores na Avaliação da Exposição Nutricional
Os biomarcadores de exposição nutricional podem representar a ingestão de nutrientes ou de componentes
alimentares não nutrientes, tais como colesterol, flavonóides e outros compostos fenólicos, que apresentam ação
biológica relacionada com o risco e/ou a prevenção de doenças (Wild et al., 2001). Nesse contexto, os indicadores
bioquímicos de estado nutricional podem ser usados como biomarcadores de ingestão de nutrientes, através do
consumo habitual de alimentos e/ou uso de suplementos, e para a validação de instrumentos de avaliação de
ingestão dietética. Além disso, os biomarcadores de exposição podem ser usados em estudos para avaliar a respos-
ta à intervenção nutricional. Em muitos casos, os biomarcadores são uma alternativa importante aos métodos de
avaliação de consumo alimentar quando sua medida por tais métodos é difícil ou impossível (Potischman, 2003).
É o que acontece, por exemplo, quando há grande variação dos teores de um componente no mesmo alimento,
dependendo das características de plantio, processamento, armazenamento e preparo, e quando há pouca fideli-
dade no relato de consumo e dificuldade em estabelecer porções consumidas.
Os biomarcadores, sejam eles indicadores de estado nutricional ou não, são válidos para avaliar a exposição
quando apresentam uma relação direta sensível e específica com a ingestão do nutriente ou substância bioativa
que estão sendo investigados. Além disso, deve-se considerar se o biomarcador apresenta integração temporal, ou
seja, se reflete um efeito cumulativo da dieta, possibilitando avaliar exposição mais prolongada ou de longo prazo
(habitual; semanas, meses ou anos), ou se reflete apenas exposição de curto prazo (recente; horas ou dias) (Hunter,
1998; Potischman, 2003).
As principais limitações do uso de biomarcadores de exposição nutricional são: a) a magnitude da correla-
ção entre os níveis do biomarcador em amostras de sangue, urina ou tecidos e a ingestão do nutriente em questão
depende do grau de controle homeostático (saturação na absorção, excreção do excesso, controle hormonal) do
nutriente, da faixa de ingestão da população estudada, da adaptação metabólica, de características genéticas e da
existência de outros determinantes; b) a relação entre a ingestão de um nutriente e seus biomarcadores, muitas
vezes representados por seus níveis sanguíneos, raramente é linear e geralmente sofre atenuação de resposta em
função do aumento da ingestão, podendo atingir um platô e, portanto, perdendo sensibilidade (Hunter, 1998).
A utilização de indicadores bioquímicos de estado como biomarcadores para avaliação da exposição
nutricional será exemplificada neste tópico com nutrientes selecionados pelo seu interesse epidemiológico e pelos
contrastes de associações pouco ou muito evidentes que seus indicadores apresentam com a ingestão.

Folato e Ferro
Os indicadores bioquímicos do estado de folato, folato no plasma e folato em eritrócitos refletem adequa-
damente a exposição, pois respondem bem à suplementação (McKinley, 2000) e à fortificação de alimentos
(Pfeiffer et al., 2005), mesmo em indivíduos com estado nutricional adequado, e apresentam boas associações com
a ingestão dietética quando esta varia numa faixa ampla (Pfeiffer et al., 2005; Selhub, 2006). Como mencionado

135
Epidemiologia Nutricional

anteriormente, o folato no plasma é mais sensível à ingestão recente e o folato em eritrócitos reflete bem a
ingestão habitual (Mason, 2003). O folato no plasma pode ser também um marcador para ingestão de frutas e
vegetais em populações que não consomem alimentos fortificados (Brevik et al., 2005) A homocisteína no plas-
ma também responde bem à suplementação e fortificação de alimentos com folato e apresenta associação inversa
com a ingestão dietética de folato (Homocysteine Lowering Trialists’ Collaboration, 2005; Selhub, 2006).
Por sua vez, os indicadores bioquímicos do estado de ferro, de maneira geral, embora possam responder
bem à suplementação e à fortificação de alimentos em condições adequadas, especialmente em populações com
deficiência de ferro, não apresentam boas correlações com a ingestão dietética de ferro (Hunter, 1998). Isso
ocorre possivelmente porque muitos fatores dietéticos influenciam sua biodisponibilidade, tais como a forma
com que o ferro se encontra nos alimentos (forma heme ou não-heme) e a presença de nutrientes e outros
componentes alimentares que dificultam (cobre e manganês, fitatos, polifenóis, ácido oxálico) ou facilitam (vita-
mina C, ácidos orgânicos, peptídios contendo cisteína) sua absorção (Heath & Fairweather-Tait, 2002). Além
disso, alguns indicadores, como o ferro sérico, a saturação da transferrina e a capacidade total de ligação de ferro,
apresentam alta variabilidade a curto prazo (minutos e horas) (Hambidge, 2003).

Vitamina A e Carotenóides
A concentração de retinol no plasma ou soro não é um indicador sensível de ingestão nem de estado de
vitamina A, uma vez que é homeostaticamente bem regulada em função principalmente da mobilização das
reservas hepáticas. Em populações com reservas hepáticas adequadas, o retinol plasmático não apresenta associa-
ção com a ingestão de vitamina A e pode apresentar apenas uma fraca associação com o uso de suplementos.
Entretanto, em populações cuja ingestão habitual de vitamina A é baixa e que, portanto, possuem pequenas
reservas hepáticas e baixos níveis de retinol plasmático, a resposta deste biomarcador ao aumento de ingestão e,
principalmente, à suplementação com vitamina A é mais marcante (Solomons, 2001; Thurnham & Northrop-
Clewes, 1999).
O retinol plasmático é um indicador importante do estado de vitamina A no organismo quando as reservas
hepáticas estão bastante depletadas. Concentrações de retinol no plasma < 10 µg/dL (0,35 µmol/L) são conside-
radas como deficientes, e de 10 a 20 µg/dL (0,7 µmol/L) como marginais (Van den Berg et al., 1993). No
entanto, o decréscimo dos níveis de retinol plasmático não está associado apenas com uma diminuição nas
reservas, podendo também ser um reflexo da diminuição na síntese e liberação hepática de proteína ligante de
retinol (RBP, do inglês Retinol Binding Protein), a proteína transportadora de retinol no plasma, o que pode
ocorrer nas deficiências de proteínas e de zinco e em processos infecciosos e trauma (Thurnham & Northrop-
Clewes, 1999).
A concentração de retinol no leite materno vem sendo considerada um melhor e mais sensível indicador de
estado de vitamina A em nutrizes (Underwood, 1994) e é também mais sensível à ingestão dietética e ao uso de
suplementos de vitamina A do que o retinol plasmático (Rice et al., 2000). Sugere-se que concentrações menores
que 30 µg/dL (1,1 µmol/L) de retinol no leite materno seriam insuficientes para atingir níveis adequados de reservas
hepáticas de retinol nos lactentes, a fim de evitar deficiência de vitamina A após o desmame (Underwood, 1994).
Outros indicadores bioquímicos utilizados para avaliação de estado de vitamina A, como a proteína ligante
de retinol no plasma e testes de dose-resposta relativa (testes funcionais), também não são sensíveis à ingestão
dietética e a variações de estado em populações com reservas adequadas, sendo mais importantes para determinar
estado e respostas à ingestão e suplementação em populações com reservas depletadas (Bahl et al., 2002). No caso
de ingestão excessiva, ou hipervitaminose, a concentração de ésteres de retinila no plasma é um melhor indicador
de estado do que o retinol, pois a concentração do primeiro aumenta de forma mais acentuada (Hunter, 1998).

136
Indicadores bioquímicos na avaliação...

Embora não se tenham estabelecido indicadores de estado para carotenóides, a utilização de


biomarcadores de ingestão destas substâncias é de interesse crescente, devido à sua ação antioxidante e a
outras ações que desempenham no organismo, independentemente do papel de alguns deles como pró-
vitamina A. Vários estudos sugerem que os carotenóides desempenham papel protetor contra Doenças
Cardiovasculares (DCV), degeneração da mácula e alguns tipos de câncer (Solomons, 2001). Uma vez que
os carotenóides são transportados nas lipoproteínas plasmáticas e seus níveis plasmáticos apresentam corre-
lação com os níveis de colesterol, é desejável que as concentrações de carotenóides no plasma sejam também
expressas em relação ao colesterol. As concentrações plasmáticas de carotenóides, ao contrário do retinol, não
apresentam regulação homeostática estrita e são mais sensíveis à ingestão dietética e, principalmente, de
suplementos (Thurnham & Northrop-Clewes, 1999). De maneira geral, as concentrações de carotenóides
no plasma e no tecido adiposo são biomarcadores adequados para a ingestão alimentar. Porém, as correlações
observadas variam substancialmente, dependendo do carotenóide avaliado (El-Somehy et al., 2002).
O β-caroteno é um dos carotenóides mais estudados. Dentre aqueles com atividade de provitamina A (β-
caroteno, α-caroteno e β-criptoxantina), é o que apresenta maior eficiência de conversão em vitamina A no
organismo. Porém, essa conversão apresenta alta variabilidade, mesmo entre indivíduos com estado adequado de
vitamina A, e parece ser mais eficiente em indivíduos deficientes em vitamina A (Tang, Dolnikowski & Russel,
2003). A concentração de β-caroteno no plasma é sensível à ingestão e apresenta capacidade de integração tem-
poral por várias semanas, ou seja, reflete a exposição não apenas recente, mas também por períodos mais prolon-
gados. Dependendo da dose e do tempo de suplementação, têm sido relatados aumentos de até vinte vezes na
concentração de β-caroteno no plasma de diferentes grupos populacionais (Hunter, 1998; Mayne et al., 1998).
A suplementação materna com β-caroteno também aumenta sua concentração no leite (Canfield et al., 1997),
que por sua vez apresenta correlação com o β-caroteno no plasma materno (Canfield et al., 1997; Meneses &
Trugo, 2005). O β-caroteno no plasma também é sensível à ingestão de alimentos ricos em β-caroteno, mas as
respostas são mais discretas do que as observadas para o uso de suplementos, mesmo utilizando-se quantidades
equivalentes, o que pode estar relacionado principalmente com a menor biodisponibilidade dos carotenóides na
matriz alimentar (Van het Hof et al., 2000). Associações relativamente boas entre concentrações plasmáticas e
estimativas de ingestão por vários métodos de avaliação de consumo alimentar têm sido relatadas para o
β-caroteno (Hunter, 1998; Thurnham & Northrop-Clewes, 1999).

Vitamina E
A ingestão alimentar qualitativa e quantitativa de vitamina E (tocoferóis e tocotrienóis) é difícil de avaliar
com métodos de consumo alimentar, principalmente por meio de inquéritos, devido à dificuldade de relatar e
quantificar as suas fontes dietéticas. Os óleos vegetais, especialmente, têm teores e composição de vitamina E que
variam amplamente, dependendo do tipo de óleo, do processamento, do tempo de armazenamento e da adição
de antioxidantes (Potischman, 2003).
Os tocoferóis são potentes antioxidantes que reduzem a peroxidação lipídica, protegendo e contribuindo
para a integridade de membranas celulares, onde apresentam também papel estrutural. O α-tocoferol é a forma
mais ativa biologicamente e, além de sua ação antioxidante e estrutural, atua também na transcrição de genes e na
inibição da proliferação celular, da agregação de plaquetas e da adesão de monócitos (Morrisey & Sheehy, 1999).
A maior abundância relativa de α-tocoferol nas lipoproteínas plasmáticas e nos tecidos, apesar de o γ-
tocoferol ser a principal forma de vitamina E nos óleos utilizados na dieta ocidental, é explicada pela maior
oxidação do γ-tocoferol no organismo e pela presença no fígado da proteína de transferência de α-tocoferol (α-
TTP) que seletivamente o direciona para as lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL) aí sintetizadas,

137
Epidemiologia Nutricional

em detrimento do γ-tocoferol. Uma outra α-TTP, presente no fígado e em diversos tecidos, é responsável
pela distribuição intracelular preferencial de α-tocoferol (Dutta-Roy, 1999). Como os tocoferóis são trans-
portados pelas lipoproteínas, suas vias de captação pelos tecidos estão relacionadas com o metabolismo das
lipoproteínas (Mardones & Rigotti, 2004) e seus níveis plasmáticos apresentam correlação com o colesterol
e os triacilgliceróis (Morrisey & Sheehy, 1999). Portanto, as concentrações plasmáticas de tocoferóis são
também expressas em relação às concentrações desses componentes para evitar distorções devido às variações
dos mesmos (Hunter, 1998). O α-tocoferol plasmático é utilizado como indicador bioquímico estático de
estado de vitamina E, e níveis menores que 11,6 µmol/L são considerados deficientes, ao passo que níveis
maiores que 16,2 µmol/L são considerados adequados (Morrisey & Sheehy, 1999).
Os níveis de α-tocoferol no plasma e em eritrócitos são moderadamente sensíveis à ingestão, respon-
dendo bem a níveis elevados de suplementação, porém apresentando fraca associação com a ingestão dietética
quando esta última é avaliada por inquéritos alimentares (El-Sohemy et al., 2001; Hunter, 1998). A vanta-
gem do uso dos níveis em eritrócitos é que não precisam ser corrigidos pelos níveis de lipídios plasmáticos.
Correlações significativas do α-tocoferol no plasma com a ingestão têm sido observadas em estudos
populacionais somente, ou principalmente, quando usuários de suplementos são incluídos na análise (El-
Sohemy et al., 2001; Hunter, 1998). Correlações da ingestão de α-tocoferol com seu conteúdo no tecido
adiposo, cujos níveis refletem exposição em prazos bem mais longos (anos) do que no plasma ou eritrócitos,
também são fracas e pioram quando são excluídos os indivíduos usuários de suplementos (El-Sohemy et al.,
2001; Hunter, 1998).
Há um crescente interesse na avaliação da ingestão e na utilização de γ-tocoferol circulante e nos
tecidos como biomarcador de ingestão. Este tocoferol inibe a peroxidação lipídica induzida por peroxinitrito
mais efetivamente que o α-tocoferol, protegendo a lipoproteína de baixa densidade (LDL) da oxidação e o
endotélio vascular, além de apresentar outros efeitos mais potentes que o α-tocoferol (Devaraj & Traber,
2003). Estudos recentes têm mostrado que, ao contrário do α-tocoferol, os níveis de γ-tocoferol no plasma
e no tecido adiposo são bons biomarcadores de ingestão, mesmo excluindo os usuários de suplementos (El-
Sohemy et al., 2001). Os níveis de γ-tocoferol e as razões γ-tocoferol/α-tocoferol no plasma também têm
sido sugeridos como possíveis marcadores de riscos nutricionais, pois apresentam associação inversa com
escolhas alimentares saudáveis, como, por exemplo, consumo de alimentos ricos em micronutrientes, fibras
e lipídios poliinsaturados (Bates, Mishra & Prentice, 2004).

Lipídios e Ácidos Graxos


Há evidências de que a ingestão total de lipídios pode estar associada com o desenvolvimento de doenças
crônicas, especialmente alguns tipos de câncer e DCV (Willett, 1998a, 1998b). Entretanto, apesar do esforço de
pesquisadores da área, ainda não existe um biomarcador para a ingestão habitual de gordura. Trabalhos recentes
indicam que a composição em Ácidos Graxos (AG) de certos compartimentos corporais pode ser dependente da
ingestão de gordura total (King, Lemaitre & Kestin, 2006).
King, Lemaitre e Kestin (2006) sugerem que a composição em AG da membrana de eritrócitos e em
fosfolipídios e ésteres de colesterol plasmáticos pode ser um biomarcador da ingestão total de lipídios. Entretanto, a
validade da composição tecidual em AG como biomarcador da ingestão total de gordura, embora interessante e
promissora, necessita de mais estudos para identificar, quantificar e padronizar os efeitos de possíveis variáveis de
confusão, como a ingestão de AG individuais, a ingestão total de energia ou o balanço energético e a ingestão de
carboidratos em diferentes grupos populacionais. A ausência de biomarcadores para a ingestão de gordura total
pode causar certas dificuldades na interpretação de resultados de composição tecidual em AG, pois não se pode
afirmar se o principal determinante do conteúdo de certo AG em determinada amostra biológica é a quantidade

138
Indicadores bioquímicos na avaliação...

relativa (g/100g de AG totais) ou absoluta (mg/dia) deste AG na dieta, ou seja, se a ingestão total de lipídios
interfere na resposta-medida (Hunter, 1998). Dessa forma, controlar as análises estatísticas pela ingestão total de
gordura é apropriado para aumentar a capacidade de interpretação dos resultados.
A concentração plasmática de colesterol total, especialmente de colesterol associado à lipoproteína de baixa
densidade (LDL-C), está associada com o desenvolvimento de DCV oclusivas (Jones & Kubow, 1999). Contudo,
exceto quando a ingestão de colesterol é relativamente baixa se comparada com a dieta ocidental típica, a concen-
tração plasmática de colesterol total e de LDL-C não é determinada pela ingestão deste lipídio. Nessas circuns-
tâncias, seu principal determinante parece ser o metabolismo hepático de colesterol, que, por sua vez, é influen-
ciado pela ingestão de AG saturados, transinsaturados e poliinsaturados (AGPI), especialmente os das séries n-3
e n-6 (Jones & Kubow, 1999). Assim, não existe um biomarcador para a ingestão de colesterol que seja sensível
a alterações na sua ingestão para qualquer nível de ingestão e que seja específico, isto é, cuja resposta dependa
exclusivamente da ingestão deste lipídio. Entretanto, as concentrações plasmáticas de colesterol total e de LDL-C
são biomarcadores clínicos do risco de desenvolvimento de DCV.
Em contraste com a ingestão de gordura total e de colesterol, para os quais não há um biomarcador
específico e sensível em amplas faixas de ingestão, para a ingestão de certos AG individuais existem biomarcadores
que respondem à ingestão destes nutrientes a curto, médio e longo prazos (Hunter, 1998). Há grande interesse
em avaliar a ingestão de diversos AG individuais, como os das séries n-6 e n-3 de AGPI, pois a composição em
AG da dieta influencia a composição das membranas celulares e de outros compartimentos corporais de lipídios
(Arab, 2003), e possivelmente é um determinante do desenvolvimento de doenças crônicas, tais como DCV,
diabetes mellitus e câncer, além de influenciar o desenvolvimento neonatal (Gibson & Makrides, 1998; Pontes et
al., 2006).
O interesse em biomarcadores de ingestão de AG específicos está muito relacionado com a dificuldade de
avaliar qualitativa e quantitativamente a sua ingestão por meio de inquéritos alimentares (Cantwell, 2000). Além
das dificuldades inerentes ao uso de inquéritos alimentares, como os vieses nas entrevistas e na obtenção dos dados
e a variação à qual está sujeita a composição dos alimentos, há outras dificuldades especialmente importantes para a
avaliação da ingestão de AG individuais (Cantwell, 2000). Boa parte da gordura total da dieta ocidental urbana não
é visivelmente separável do alimento, porque faz parte da matriz do alimento in natura ou porque, quando adicio-
nada durante o processamento industrial ou doméstico, se incorporou à matriz do alimento. Essa característica dos
lipídios alimentares torna ainda mais difícil a avaliação de sua ingestão alimentar quando a freqüência de alimenta-
ção em estabelecimentos comerciais é elevada. Recentemente, Cantwell (2000) fez, por meio de inquéritos alimen-
tares, uma revisão detalhada sobre os fatores que afetam a avaliação da ingestão de AG individuais.
A composição tecidual em AG não sintetizados endogenamente, ou cuja síntese é limitada, é usada como
biomarcador de sua exposição (Hunter, 1998). São exemplos: AG da série n-6, 18:2n-6 (óleos vegetais: milho,
girassol, algodão e soja), 20:3n-6 e 20:4n-6 (carnes de aves e mamíferos, ovos); AG da série n-3, 18:3n-3 (óleos
vegetais: canola, linhaça e soja), 20:5n-3, 22:5n-3 e 22:6n-3 (peixes e óleos de peixes marinhos, algas marinhas);
AG trans, especialmente os ácidos elaídico (18:1, ∆9trans, gordura vegetal hidrogenada) e transvaccênico (18:1,
∆-11trans, lacticínios); ácido linoleico conjugado (CLA; 18:2, ∆-9cis, ∆-11trans e 18:2, ∆-10trans, ∆-12cis;
produtos de ruminantes); AG de cadeia ímpar, como pentadecanóico (15:0) e heptadecanóico (17:0), ou ramificada
(laticínios).
O conteúdo tecidual dos AG não sintetizados endogenamente, mencionados no parágrafo anterior, apre-
senta associação com sua ingestão ou com a ingestão de suas fontes alimentares principais e, por isso, tem sido
usado como biomarcador de exposição em estudos observacionais (Garland et al., 1998; Hunter, 1998) e em
estudos experimentais para avaliar a adesão à suplementação com certos AG (Henderson et al., 1992; Hunter,
1998) ou a alguma dieta específica que envolva alterações na ingestão de AG (Hunter, 1998; Tynan et al., 1995).
Para os AG sintetizados endogenamente (monoinsaturados ou saturados, de cadeia par, com 16C ou mais), a

139
Epidemiologia Nutricional

validade da composição em AG de amostras biológicas como biomarcador de sua ingestão é questionável.


A validade da composição em AG de amostras biológicas como biomarcador da ingestão destes nutrientes
é influenciada por seu metabolismo. O metabolismo de um determinado AG depende de sua estrutura química
e do compartimento metabólico onde está localizado. Portanto, estes fatores devem ser considerados quando a
composição tecidual nesses nutrientes é usada como biomarcador de sua ingestão. O fígado e o tecido adiposo
humanos podem sintetizar AG como o palmítico (16:0), o esteárico (18:0) e o oléico (18:1n-9). Além disso, os
AGPI, especialmente os n-6 e n-3, podem ter sua cadeia dessaturada e alongada, resultando na síntese endógena
de AG poliinsaturados de 20 e 22 carbonos, tais como 20:3n-6 e 20:4n-6; 20:5n-3, 22:5n-3 e 22:6n-3, a partir
dos AG essenciais linoleico (18:2n-6) e α-linolênico (18:3n-3), respectivamente. Portanto, o conteúdo tecidual
de 20:4n-6 pode estar associado com a ingestão habitual de 18:2n-6. Por isso, muitas vezes esses AG são conside-
rados em conjunto, como série (n-6 e n-3).
O metabolismo de AG é extremamente competitivo: a maior parte dos AG compete entre si pelas mesmas
enzimas e proteínas ligantes. Assim, a ingestão elevada de determinados AG pode prejudicar o estado de outros
AG. Alguns exemplos deste tipo de interação metabólica acontecem na conversão de AG essenciais em seus
derivados mais insaturados de cadeia mais longa, na conversão de AGPI com 20 carbonos em eicosanóides
(prostaglandinas, leucotrienos, tromboxanos, entre outros) e na incorporação de AG em membranas biológicas,
entre outros. Revisões abrangentes sobre o metabolismo de AG estão disponíveis na literatura (Gurr, Harwood &
Frayn, 2002; Jones & Kubow, 1999).
As diferentes classes de acil-lipídios (triacilgliceróis, fosfolipídios, ésteres de colesterol e AG não esterificados),
assim como diferentes fluidos biológicos (plasma, soro ou leite), células (células ou elementos sangüíneos) ou tecidos
corporais (tecido adiposo) podem ser consideradas diferentes compartimentos metabólicos de AG e representam
níveis de ingestão de AG em diferentes escalas temporais, de curto, médio e longo prazos (Katan et al., 1997). A
renovação (Hunter, 1998; Katan et al., 1997) dos AG componentes dos triacilgliceróis no plasma de jejum (VLDL)
é relativamente rápida, com meia-vida de cerca de um a dois dias, e por isso a composição deste compartimento
pode ser usada como biomarcador da ingestão recente de AG. A composição dos fosfolipídios e ésteres de colesterol
plasmáticos responde mais lentamente à ingestão de AG e apresenta meia-vida de cerca de sete dias. Em seguida,
respondem as composições de membranas de eritrócitos e plaquetas, com meia-vida de cerca de trinta dias.
O compartimento metabólico mais estável e cujos AG apresentam meia-vida mais longa (cerca de dois anos) entre
os já investigados é o tecido adiposo. Assim, a composição em AG do tecido adiposo é considerada o biomarcador
da ingestão habitual de AG a longo prazo e o que apresenta associação mais forte com a ingestão de boa parte dos
AG (Hunter, 1998). Portanto, a escolha da amostra biológica a ser obtida para determinação da composição em AG
deve considerar a escala de tempo segundo a qual se deseja estimar a exposição. Os AG Não Esterificados (AGNE,
ou livres) do plasma de jejum são provenientes da hidrólise de triacilgliceróis no tecido adiposo e representam
compartimento metabólico de AG disponíveis para captação tecidual no período pós-absortivo. A composição em
AGNE não representa um biomarcador de ingestão de AG, embora possa ser usada como ferramenta auxiliar na
compreensão do metabolismo e do estado nutricional em AG (Torres et al., 2006).
Além da cinética de renovação dos compartimentos metabólicos de AG, outro aspecto relevante a se con-
siderar na escolha da amostra a ser obtida é a especificidade da resposta de cada compartimento metabólico à
ingestão dos AG de interesse. A especificidade da resposta está relacionada com características intrínsecas das vias
de síntese e degradação dos lipídios corporais e com o metabolismo das células e/ou tecidos usados. Assim, a
resposta das classes de lipídios à ingestão de AG é relativamente específica (Hunter, 1998).

140
Indicadores bioquímicos na avaliação...

Uso de Biomarcadores na Investigação de Risco de Doenças Crônicas


Os biomarcadores de exposição a nutrientes e compostos bioativos de alimentos (não-nutrientes)
podem ser utilizados em investigações de epidemiologia nutricional como alternativas para os inquéritos
alimentares ou como fonte de dados complementares ao inquérito (Bingham, 2002; Hunter, 1998). Os
biomarcadores contribuem especialmente quando a ingestão do nutriente é de difícil avaliação, como, por
exemplo, os AG, a vitamina E ou compostos fenólicos antioxidantes. Entretanto, quando os biomarcadores
são avaliados isoladamente, sem dados de ingestão alimentar obtidos de inquéritos, pode ser difícil, ou
mesmo impossível, elucidar as associações entre enfermidades e a alimentação habitual (Willett, 1998a),
que consistem no principal objetivo comum de investigações de epidemiologia nutricional. Essa limitação
está relacionada com as limitações dos próprios biomarcadores, discutidas anteriormente. Contudo, quando
usados conjuntamente com inquéritos alimentares, os biomarcadores podem contribuir no desenvolvimen-
to de hipóteses científicas consistentes e melhorar as estimativas da contribuição quantitativa da alimentação
habitual para o risco de desenvolvimento de doenças específicas em certos grupos populacionais (Bingham,
2002). Este autor sugere que o uso de biomarcadores deve se tornar rotina na epidemiologia nutricional.
Exemplos de biomarcadores de exposição nutricional que podem ser usados para investigar o risco de desen-
volvimento de DCV e de osteoporose serão apresentados nesta seção.

Doenças Cardiovasculares (DCV)


As DCV constituem a principal causa de morte em diversos países industrializados e em áreas urbanas de
países em desenvolvimento (Lotufo & Lolio, 2000; Willett, 1998a). Entre os determinantes de DCV, destaca-se
a alimentação habitual. A alimentação apresenta associação com o desenvolvimento de DCV através de diversos
mecanismos bioquímicos que, em sua maioria, estão relacionados com a formação da placa de ateroma e com a
oclusão arterial (Grundy, 1999). A presença de partículas de LDL oxidadas na camada subendotelial e seu reco-
nhecimento por macrófagos dão início a mecanismos bioquímicos complexos que culminam com a formação da
placa de ateroma. Dessa forma, índices bioquímicos associados com a elevação da concentração plasmática de
LDL-C e com sua susceptibilidade à oxidação têm sido usados como biomarcadores para investigar o risco de
desenvolvimento de DCV (Grundy, 1999).
A ingestão de Ácidos Graxos Poliinsaturados (AGPI) contribui para a redução da concentração plasmática
de LDL-C (Harris, 1997), e os ácidos graxos EPA e DHA reduzem o risco de infarto do miocárdio, independen-
temente da concentração plasmática de lipoproteínas (Breslow, 2006). Portanto, a concentração tecidual de AG
das séries n-6 e n-3 pode ser usada como biomarcador para o risco de desenvolvimento de DCV. Há evidências
de que o risco de desenvolvimento de DCV é maior entre grupos de indivíduos com menores conteúdos teciduais
de EPA e DHA (Harris, Assaad & Poston, 2006).
Apesar da existência de biomarcadores relacionados com a exposição e/ou o metabolismo lipídico que são
válidos para o estudo do risco de desenvolvimento de DCV, ainda não foi possível definir pontos de corte. É
possível que a dificuldade de definição de pontos de corte para esses biomarcadores esteja associada com diversos
fatores, tais como o complexo metabolismo de lipídios, a existência de outras variáveis relacionadas com as DCV
que não tenham sido controladas nos estudos e a complexidade das próprias DCV.
Os AGPI constituem um alvo freqüente de espécies reativas, e sua oxidação faz parte do processo de formação
da placa de ateroma. Dessa forma, o efeito da ingestão de AGPI sobre a aterosclerose é bimodal, pois em baixos
níveis de ingestão a concentração plasmática de LDL-C pode aumentar, mas quando a ingestão de AGPI é elevada
pode aumentar a susceptibilidade da LDL à oxidação (Lapointe, Couillard & Lemieux, 2006). Portanto, a associa-
ção entre biomarcadores de AGPI n-3 e n-6 com as DCV deve ser considerada conjuntamente com biomarcadores

141
Epidemiologia Nutricional

de componentes pró e antioxidantes, e vice-versa. É possível que essa relação dos AGPI e dos compostos pró e
antioxidantes com as DCV seja uma das principais justificativas para a controvérsia na epidemiologia nutricional
destas doenças (Willett, 1998a). Diversos trabalhos que investigaram estes componentes isoladamente encon-
traram resultados inconsistentes (Lapointe, Couillard & Lemieux, 2006; Willett, 1998a). Trabalhos prospectivos
futuros, nos quais biomarcadores de AG, anti e pró-oxidantes de alimentos e sua respectiva ingestão sejam
determinados, poderão contribuir para a estimativa de pontos de corte para grupos populacionais.
O risco de desenvolvimento de DCV relacionado com o dano oxidativo pode ser investigado com base em
biomarcadores de antioxidantes e em dano oxidativo e/ou de fatores que contribuem para a formação de espécies
radicais (pró-oxidantes). Entre os biomarcadores de antioxidantes de origem alimentar estão os níveis plasmáticos
de vitaminas E e C, carotenóides e compostos fenólicos (Van den Berg et al., 1993). Berg e colaboradores (1993)
sugeriram níveis plasmáticos ótimos de antioxidantes que contribuem para a prevenção de doenças crônicas:
α-tocoferol > 30µmol/L, ácido ascórbico > 50 µmol/L, β-caroteno > 0,4 mol/L e retinol > 2,5 µmol/L. Entre os
nutrientes pró-oxidantes, o ferro apresenta papel importante, pois pode participar de reações de geração de
espécies reativas de oxigênio. O estado de ferro, medido pela concentração plasmática de ferritina, apresenta
associação positiva com a concentração plasmática de LDL oxidada (Ikeda et al., 2006) e com a espessura e a
prevalência de placa de ateroma (Wolff et al., 2004).
A associação entre DCV e os biomarcadores relacionados com o estresse oxidativo ainda é motivo de
debate. Quando possível, esses biomarcadores devem ser considerados em conjunto e com biomarcadores de
AGPI, como discutido anteriormente, para que se alcancem resultados mais conclusivos. Além disso, fatores que
sabidamente contribuem para a formação de espécies reativas, como o tabagismo e o consumo de álcool, devem
ser controlados. Em ensaios prospectivos controlados de amostragem aleatória, a suplementação com β-caroteno
aumentou o risco de desenvolvimento de câncer de pulmão entre fumantes (Cooper, Eldridge & Peters, 1999).
Além dos biomarcadores de exposição relacionados com a LDL e sua oxidação, diversos estudos prospectivos
de coorte e de caso-controle identificaram a hiperhomocisteinemia como um fator de risco independente para
DCV oclusivas (McKinley, 2000). Entretanto, ainda é motivo de debate se este aminoácido participa diretamente
do mecanismo de formação da placa de ateroma (Selhub, 2006) ou se é o folato, cujo estado nutricional é um dos
principais determinantes da homocisteinemia plasmática, que tem efeito protetor (Morrison et al., 1996). Embora
não haja um consenso sobre a concentração de homocisteína a partir da qual o risco de desenvolvimento de DCV
estaria inequivocamente elevado, sugere-se que 15 µmol/L possa ser usado como ponto de corte para a
hiperhomocisteinemia (Refsum et al., 2006). Valores de homocisteinemia superiores a este limite estão associados
com risco elevado de desenvolvimento de DCV e de outras doenças crônicas.

Osteoporose
A osteoporose caracteriza-se por uma redução na densidade mineral óssea que reduz a resistência mecânica
dos ossos e aumenta o risco de fraturas. Os ossos podem ser vistos como um grande reservatório de cálcio, e a
osteoporose resulta da perda crônica de cálcio ósseo, quando o indivíduo permanece em balanço negativo deste
mineral por longos períodos. A osteoporose apresenta determinantes genéticos e ambientais, dos quais se destaca
a alimentação habitual. A influência da alimentação habitual sobre a densidade óssea manifesta-se principalmente
em sua influência sobre o metabolismo ósseo e a homeostase de cálcio. Há evidências de que a ingestão habitual de
cálcio, o estado nutricional para vitamina D e possivelmente a ingestão de frutas, hortaliças e proteínas animais
podem estar associados com o risco de desenvolvimento de osteoporose (Prentice, 2004). Assim, biomarcadores
da exposição nutricional a estes componentes podem contribuir para o estudo da epidemiologia nutricional da
osteoporose.

142
Indicadores bioquímicos na avaliação...

O efeito preventivo da ingestão de frutas e hortaliças sobre o desenvolvimento da osteoporose está


relacionado com a alcalinização de fluidos corporais que resulta na redução da reabsorção óssea de cálcio, na
alcalinização da urina e na redução da excreção urinária de cálcio. Por sua vez, a ingestão de carnes e grãos
aumenta a produção endógena de ácido e tem efeitos inversos, aumentando a perda de cálcio ósseo ao longo
do tempo (Prentice, 2004). Ainda não existe um biomarcador válido para a ingestão de alimentos relaciona-
dos com o metabolismo ácido-básico, entretanto seu desenvolvimento pode acrescentar informações rele-
vantes em estudos da epidemiologia nutricional da osteoporose.
A concentração sérica de 25-hidroxicolecalciferol [25(OH)D3] tem sido considerada um marcador bioquímico
funcional do estado de vitamina D, e há evidências de que concentrações inferiores a 80 nmol/L estão associadas
com redução na eficiência da absorção de cálcio, osteoporose e maior risco de fraturas (Heaney, 2004).
Não há um bom biomarcador de ingestão habitual para o cálcio, pois este mineral está sujeito a eficiente
controle homeostático. A concentração de cálcio na urina de 24 horas pode ser usada como biomarcador da
ingestão deste mineral, porém deve ser normalizada pela concentração de creatinina na urina e, além disso, pode
variar em resposta à ingestão recente de cálcio e sódio (Hunter, 1998).

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8
Composição Corporal na Avaliação
do Estado Nutricional

Luiz Antonio dos Anjos e Vivian Wahrlich

A medição da composição corporal é útil em diversas áreas, mas tem sua aplicação mais visível na área da
nutrição e das ciências do movimento humano com vistas à manutenção da saúde e à melhora no desempenho
físico. Este capítulo enfoca o aspecto nutricional da avaliação da composição corporal, particularmente no que
concerne à avaliação do estado nutricional. Para revisões mais profundas dos vários aspectos relativos à composição
corporal, os leitores podem consultar excelentes livros-texto recentes sobre o assunto (Heymsfield et al., 2005;
Heyward & Wagner, 2004).
A medição da composição corporal é importante não só para investigar o indivíduo em um exame clínico
como também em estudos epidemiológicos (Buskirk, 1987). Do ponto de vista nutricional, a medição da compo-
sição corporal é importante na descrição do crescimento, desenvolvimento, maturação e envelhecimento normal e
patológico; no monitoramento das mudanças que ocorrem durante a gravidez e o aleitamento; no fornecimento de
bases de referência de variáveis fisiológicas; como guia para atletas antes, durante e após competições/temporadas; na
identificação de padrões associados a doenças.

Conceituação
Composição corporal pode ser definida como a expressão do Peso Corporal (PC) em dois ou mais compo-
nentes (Anjos, 1998) baseados em modelos anatômicos ou químicos obtidos por meio de análises de dissecação
de cadáveres. No modelo anatômico, o corpo é dividido em tecidos dissecáveis, como pele, músculo, ossos e
órgãos. O modelo químico, mais desenvolvido experimentalmente e, portanto, mais utilizado, é baseado na
informação dos componentes químicos, como gordura, água e proteína dos tecidos, obtida por meio da disseca-
ção de cadáveres (Clarys et al., 1999). Os componentes são seis: água, mineral ósseo (75% do total), mineral
extra-ósseo, proteína, gordura e glicogênio (1% do PC). Tipicamente, esse modelo é simplificado para dois
componentes somente: a gordura e o Peso Livre de Gordura (PLG), ou também, como é chamado, Peso Magro
(PM). Tecnicamente, e como foi descrito originalmente por Behnke (1959), o PM é maior do que o PLG, pois
aquele inclui uma certa quantidade (2-3%) de gordura essencial no organismo (Lohman, 1992). Entretanto, os
dois termos são usados como sinônimos atualmente, apesar da diferença sutil (Lohman & Going, 1998).
Com o propósito de organizar o estudo da composição corporal, Wang, Pierson e Heymsfield (1992)
propuseram um modelo no qual a composição do corpo humano é representada em cinco níveis com componen-

149
Epidemiologia Nutricional

tes distintos, que somados correspondem ao PC total. Nesse modelo, os níveis são: atômico, molecular, celular,
tecido-sistemas e corpo inteiro. O nível atômico inclui os elementos como oxigênio, carbono, hidrogênio, nitro-
gênio, cálcio e fósforo, que compõem mais de 98% do PC. No nível molecular, há seis componentes principais,
como a água, lipídio, proteína, carboidrato, minerais ósseos e extra-ósseos (minerais do tecido mole). Com base
nesses componentes, podem ser criados vários modelos que permitem incluir de dois até seis componentes.
O modelo mais simples, e por isso o mais utilizado, inclui a expressão do PC em apenas dois componentes: o
Peso de Gordura (PG) e o PM (ou peso, ou tecido, livre de gordura – PLG). A forma mais comum é expressar
o PG em função do PC total (ou seja, percentual de gordura corporal – %GC), em vez do valor absoluto (kg)
do PG ou do PLG.
O nível celular representa as células, o fluido extracelular e os sólidos extracelulares, e tem grande impor-
tância para o entendimento dos processos fisiopatológicos das doenças. No nível tecidual, os três componentes
do nível celular são organizados em tecidos, órgãos e sistemas. Nesse nível, o PC é resultante do somatório do
tecido muscular, tecido conectivo, tecido epitelial e tecido nervoso. O quinto e último nível representa o corpo
inteiro e diz respeito ao formato, à dimensão e às características físicas que podem ser descritas tendo em vista as
dimensões corporais como a estatura, o comprimento dos segmentos, as circunferências, as dobras cutâneas, o
volume corporal e o PC. Assim, o PC é o somatório dos pesos referentes a cabeça, pescoço, tronco, membros
superiores e inferiores.
Do ponto de vista teórico, os métodos de composição corporal in vivo podem ser baseados em proprieda-
des, em componentes ou em combinação de ambos (Wang et al., 1995; Lohman & Going, 1998). No primeiro
caso, parte-se de uma propriedade mensurável (por exemplo: volume corporal) para se chegar a um componente
desconhecido (gordura corporal), por meio de relações matemáticas entre a propriedade e o componente. Nos
métodos baseados em componentes, parte-se de um componente conhecido (estimado por meio de um método
baseado em propriedade) para se chegar ao componente desconhecido. Por exemplo, o PLG pode ser estimado
pela Água Corporal Total (ACT), assumindo-se que a hidratação do PLG de adultos é fixo e conhecido (≅ 73%).
Nos métodos combinados, quantifica-se um componente desconhecido por meio tanto de uma propriedade
mensurável quanto de um componente conhecido.

Breve Histórico
O estudo da composição corporal na Idade Moderna inicia-se no século XIX, quando Liebig (1803-1873),
químico alemão, constatou que substâncias contidas nos alimentos eram também encontradas no corpo humano
e que os fluidos corporais continham mais sódio e menos potássio do que os tecidos (Shen et al., 2005). Até cerca
de 1950, três áreas interdependentes do estudo da composição corporal foram desenvolvidas (Wang et al., 1999):
1) os pressupostos teóricos para a área; 2) as metodologias de avaliação; 3) os estudos das alterações da composi-
ção corporal na saúde e na doença.
A primeira área tinha como objetivo obter dados quantitativos dos componentes corporais obtidos por
meio de necropsia, que era o único meio de obter os dados de composição corporal. Os achados desses estudos
possibilitaram identificar o tamanho dos órgãos e seus conteúdos de água corporal, gordura, nitrogênio, minerais
e minerais-traço. A segunda área tinha como objetivo a medição da composição corporal in vivo. Entre as
metodologias desenvolvidas nesse período, destacam-se a estimativa do músculo esquelético por meio da excreção
da creatinina urinária (Talbot, 1938), a medição da ACT com métodos de diluição (Wang et al., 1999), a medição
do 40K (Forbes, 1987) e o desenvolvimento da técnica da pesagem hidrostática para estimar o PLG e a gordura
corporal com base no princípio de Arquimedes (Behnke, Feen & Welham, 1942). Ainda é digna de nota a descrição
de modelos antropométricos para se estimar a musculatura total corporal desenvolvidos por Matiegka (1921).

150
Composição corporal na avaliação...

Os achados da terceira área do estudo da composição corporal dizem respeito aos efeitos do crescimento e
nutrição nos componentes do corpo humano. Nesse período, destaca-se o conceito de maturidade química,
proposto por Moulton (1923), segundo o qual os valores da composição dos componentes do corpo se alteram
durante a infância e adolescência até atingirem os valores encontrados nos adultos. Em relação à nutrição, eviden-
ciou-se que o jejum ou a ingestão alimentar reduzida induziam à perda de nitrogênio (Shen et al., 2005).
A partir da solidificação dos pressupostos teóricos e do desenvolvimento das metodologias, ocorreu um
grande desenvolvimento de estudos, estimulados por diversos simpósios, particularmente os internacionais de
estudos de composição corporal in vivo, dos quais o mais recente foi realizado em Roma, em outubro de 2002
(De Lorenzo, 2003). Esses avanços levaram um grupo de pesquisadores a iniciar, em 2003, uma publicação
internacional devotada especificamente à área: International Journal of Body Composition Research.
As pesquisas publicadas mais recentemente evidenciam que o enfoque na área, além do aprimoramento das
técnicas de medição, está concentrado na descrição das diferenças étnicas, na associação com patologias, no
desenvolvimento de valores de referência/pontos de corte para o diagnóstico da obesidade e na validação de
métodos clínicos de acompanhamento de intervenções em diversas doenças, particularmente da obesidade (De
Lorenzo, 2003; Deurenberg & Deurenberg-Yap, 2003; Pierson, 2003).

Métodos de Medição da Composição Corporal


Técnicas Consideradas Padrão-Ouro
A evolução das metodologias de avaliação da composição corporal permitiu o desenvolvimento de modelos
com cada vez mais compartimentos. O modelo mais simples (dois compartimentos) envolve a medição do PG;
o de três componentes inclui, em geral, a medição adicional da ACT; e o de quatro inclui, ainda, a medição do
mineral ósseo.
Os métodos considerados padrão para o modelo de dois compartimentos baseiam-se na medição: da den-
sidade corporal (densitometria), avaliada por meio da pesagem hidrostática; do nível de hidratação do indivíduo,
avaliado por meio da determinação da ACT; da quantidade de potássio corporal total, avaliado pela eliminação
do 40K. Esses métodos são considerados padrão porque partem de princípios teóricos sólidos distintos e apresen-
tam resultados bastante semelhantes entre si, o que permite que um método valide o outro.

Densitometria Corporal
A densitometria corporal, ou peso hidrostático, é considerada o método principal da avaliação da compo-
sição corporal em laboratório, apesar de seus princípios serem criticados principalmente por se basearem em
dissecação de cinco cadáveres (Martin & Drinkwater, 1991). O método determina a Densidade Corporal (DC)
com base no princípio de Arquimedes, em que o volume de um corpo é igual ao deslocamento de água deste
quando submergido. A proporção do PC submerso e fora d’água indicará, portanto, a DC total.
Recentemente, desenvolveu-se um método mais simples para medir a DC, sem a necessidade de pesar o
indivíduo embaixo da água. O método, pletismografia de deslocamento de ar, ficou recentemente popularizado
pelo Bod Pod, um sistema que consiste em uma câmera hermeticamente fechada em que cabe um indivíduo, na
qual a relação pressão-volume é usada para estimar o volume do corpo (Going, 2005) com o indivíduo dentro da
câmara em relação à câmara vazia. Esse sistema é particularmente útil em indivíduos que têm dificuldade de ser
pesados embaixo da água (crianças, idosos, portadores de alguma deficiência), mas pode ser inconveniente para
indivíduos claustrofóbicos.

151
Epidemiologia Nutricional

Assumindo-se que os vários componentes têm densidades diferentes e que estas são conhecidas e constantes
(densidade do PG e do PM como 0,9 e 1,1 kg/L, respectivamente) (Siri, 1956), pode-se estimar a proporção de
gordura corporal (%GC) por meio de algumas equações, mais freqüentemente a de Siri (1956): %GC = [(4,95/
DC) - 4,50] x 100, e a de Brozek e colaboradores (1963): %GC = [(4,570/DC) - 4,142] x 100. A crítica a esse
método dirige-se aos pressupostos de que as proporções e as densidades dos componentes do PLG são constantes,
o que não é verdadeiro para todos os indivíduos. Crianças, por exemplo, apresentam menor proporção quanto ao
conteúdo mineral e maior quantidade de água (Lohman, Boileau & Slaughter, 1984). Já em idosos, há diminuição
do peso ósseo, peso muscular e da água corporal (Heymsfield et al., 1989). Em ambas as situações, a aplicação das
equações de Siri (Baumgartner et al., 1991; Deurenberg, Westrate & Van de Hooy, 1989) ou de Brozek (1956)
tendem a superestimar o %GC.

Hidrometria (ACT)
A medição da Água Corporal Total (ACT) é realizada pela diluição de isótopos da água, seja radioativa ou
estável. Os isótopos estáveis são mais freqüentemente usados, pois não representam risco para os indivíduos e
podem ser utilizados com segurança em crianças (Schoeller, 2005). Neste método, uma quantidade conhecida do
isótopo é administrada por via oral ou intravenosa. Após um período de equilíbrio, dispersão do isótopo na água
corporal, são coletadas amostras dos fluidos corporais (saliva, urina ou sangue) para medir o aparecimento do
respectivo isótopo (Jebb & Elia, 1993). Para a estimativa da composição corporal é necessário assumir que a
hidratação do PLG é constante, sendo que para adultos saudáveis, geralmente, equivale a 73,8% (Brozek et al.,
1963). Sabendo-se a quantidade de ACT, pode-se estimar o PLG, e, por diferença, o PG.

Potássio 40 (potássio corporal total)


O 40K é um isótopo do potássio que ocorre naturalmente e é eliminado pelo organismo. Ao assumir-se que
a eliminação de 40K é proporcional à quantidade de PLG, a medição da eliminação do 40K pode ser usada para
determinar o PLG e, por diferença, o PG (Forbes, 1987). Os valores médios da razão entre potássio corporal total
e o PLG equivalem a 59,6 mmol/kg para mulheres e 64,8 mmol/kg para homens (Ellis, 2005). Apesar de ser um
método não invasivo, rápido e que não requer muito dos indivíduos em avaliação, há poucos contadores de 40K
disponíveis devido ao seu alto custo e porque, geralmente, são restritos a laboratórios para pesquisas nucleares.

Técnica com Potencial de se Tornar Padrão-ouro:


Dexa (absorptiometria de raios X de dupla energia)
Métodos que incorporam outros compartimentos estão sendo desenvolvidos, mas em sua maior parte
estão em fase de pesquisa e ainda com pouco uso na prática. Entre esses, o mais promissor é a medição do
compartimento mineral por meio da absorptiometria de raios X de dupla energia (Dexa), que apresenta potencial
de tornar-se um método-ouro (Mazess et al., 1990).
A Dexa, além de avaliar o conteúdo mineral ósseo, também avalia a gordura e o tecido mole magro.
Geralmente, a informação do conteúdo mineral ósseo é utilizada em modelos de multicompartimentos para a
determinação da composição corporal. O princípio do método consiste no escaneamento transversal do corpo
inteiro em feixes de raios X (baixa e alta energia) em fatias de aproximadamente um centímetro. Como a atenuação
da radiação da gordura pura e do tecido magro sem mineral diferem, é possível, a cada pixel da fatia do corpo
escaneada, determinar a gordura e o tecido magro (Lohman & Chen, 2005).

152
Composição corporal na avaliação...

A maior vantagem do método é que ele pode ser utilizado em indivíduos de qualquer idade, devido à baixa
exposição à radiação. Porém, é conveniente que não seja aplicado em gestantes. Em mulheres em idade fértil, é
recomendado fazer um teste para verificar uma possível gravidez antes de realizar a medição no Dexa. A desvan-
tagem do método é que indivíduos muito altos ou obesos podem não caber na área de escaneamento. Além disso,
para as pessoas com peso superior a 100 kg ou as que apresentem a raiz quadrada da razão entre peso e estatura
maior do que 0,72, a estimativa da composição corporal tem menor acurácia, porque os coeficientes de atenuação
para o tecido mole e mineral ósseo dependem da espessura do indivíduo (Lohman & Chen, 2005).

Técnicas Utilizadas em Campo


É evidente que os métodos-padrão não podem ser utilizados em grande número de indivíduos. Assim, as
estimativas de composição corporal são realizadas por meio de métodos mais simples (por exemplo, antropometria
e bioimpedância), considerados métodos duplamente indiretos, por precisarem ser validados contra um outro mé-
todo indireto, os métodos considerados padrão-ouro, ou seja, a densitometria corporal, ACT e medição do 40K
(Clarys et al., 1999).

Antropometria
À utilização das informações antropométricas para o diagnóstico nutricional tem-se chamado antropometria
nutricional (Brozek, 1956). A antropometria nutricional em grupos de crianças é baseada, principalmente, na
avaliação do crescimento, ao passo que em adultos ela se faz na estimativa da composição corporal, por meio,
principalmente, de medições de dobras cutâneas, perímetros e das medidas de dimensão corporal, como peso e
estatura (Lohman, 1991).
Para avaliar o grau de acurácia na predição do %GC ou do PLG, por qualquer método que seja, Lohman
(1992) propôs um sistema arbitrário baseado no Erro-Padrão da Estimativa (EPE). Nesse sistema, há uma escala
progressiva que vai desde o método ideal, que tem um EPE = 2% para a estimativa do %GC em homens e
mulheres, até o método que não seria recomendado quando o EPE fica em 5%. Um método que dê estimativas
de %GC com EPE entre 3 e 3,5% seria considerado de bom a muito bom.
Em geral, a estimativa do %GC pelo PC e estatura, medidas que podem ser usadas isoladamente ou em
conjunto, fornece EPE entre 3,5 e 5% (Bellisari & Roche, 2005), o que demonstra que se deve ter cautela no seu
uso em estudos de composição corporal. Em geral, as estimativas de %GC por meio de dobras cutâneas e
bioimpedância apresentam menor EPE (entre 3 e 3,5%), mas deve-se sempre tentar usar as equações apropriadas
para a população em estudo.

Dobras Cutâneas
A utilização de dobras cutâneas parte do pressuposto de que: 1) elas fornecem uma boa estimativa da
gordura subcutânea; 2) a distribuição da gordura subcutânea e a gordura corporal interna são semelhantes em
todos os indivíduos do mesmo sexo; e 3) as medidas de gordura subcutânea em vários locais podem ser usadas
para estimar a gordura corporal total (Heyward & Stolarczyk, 1996).
Assim, sítios são escolhidos, as medidas de dobras cutâneas realizadas e aplicadas em uma equação previa-
mente estabelecida em grupos de indivíduos para estimar inicialmente a DC, para então, utilizando-se da equa-
ção de Siri ou Brozek, se estimar o %GC (Lohman, 1981). Embora existam dezenas de equações, as mais utilizadas
internacionalmente são as de Durnin e Womersly (1974) na área de nutrição e as de Jackson e Pollock (1978),

153
Epidemiologia Nutricional

para homens, e Jackson, Pollock e Ward (1980) para mulheres, na área de ciências do movimento, por elas serem
consideradas, em princípio, equações generalizáveis.
Entretanto, validações conduzidas em amostras da população brasileira indicaram que nem todas as equa-
ções são apropriadas (Petroski & Pires-Neto, 1995, 1996). Por exemplo, a equação de Jackson, Pollock e Ward
(1980) mostrou-se adequada na estimação tanto da DC quanto do %GC em uma amostra de 281 mulheres
jovens (média de 27,5 anos de idade), de Santa Maria (RS) e Florianópolis (SC). Da mesma forma, a equação de
Jackson e Pollock (1978) mostrou-se adequada para a estimação do %GC na amostra de 304 homens (média de
30,2 anos de idade) das mesmas regiões. No entanto, as equações de Durnin e Womersley (1974) superestima-
ram o %GC tanto em mulheres quanto em homens das duas amostras de brasileiros. Essa discrepância pode ser
explicada, em parte, pelo fato de as amostras dos estudos brasileiros serem de universitários e, assim, mais pareci-
das com a amostra que originou as equações de Jakcson e Pollock (1978) e Jackson, Pollock e Ward (1980). Na
verdade, das dez equações para mulheres e das 13 equações para homens ‘generalizáveis’, testadas na amostra de
Santa Maria e Florianópolis, apenas três (tanto em homens quanto em mulheres) não mostraram valores de DC
estimados significativamente diferentes do valor medido, o que indica adequação das equações.
De fato, há consenso de que se deve escolher uma equação de predição de DC que tenha sido desenvolvida
em uma população que se assemelhe com a população para a qual se deseja estimar a composição corporal.
Quanto a este aspecto, Heyward e Stolarczyk (1996) apresentam uma revisão extensa que pode servir como guia
para a escolha das equações mais apropriadas para diferentes grupos etários, étnicos e que tenham características
de atividade física diferenciada.

Peso Corporal e Estatura


Os valores de Peso Corporal (PC) e Estatura (EST) são normalmente expressos como índices, mais
freqüentemente como o Índice de Massa Corporal (IMC) calculado como PC/EST2, com o PC em quilogramas
e a EST em metros (Anjos, 1992). O IMC é utilizado por apresentar correlação alta com indicadores de adiposidade
(Cronk & Roche, 1982; Micozzi et al., 1986); associação com morbi-mortalidade (Anjos, 1992) e correlação alta
com massa corporal (geralmente superior a 0,80) e baixa com estatura (geralmente inferior a 0,10, sendo algumas
vezes negativa (Anjos, 1998). Para sobrepeso, utiliza-se normalmente o ponto de corte de IMC > 25 kg/m2 e
IMC > 30 kg/m2 para obesidade (WHO, 2000). Para baixo peso, utiliza-se o valor de 18,5 kg/m2, sendo consi-
derado adequado o valor entre 18,5 e 25 kg/m2. Esses pontos de corte devem ser usados apenas em indivíduos
com 20 anos ou mais de idade (Anjos, 1994).
É fundamental lembrar que o IMC não expressa a composição corporal dos indivíduos e que, na verdade,
com o avanço da idade, a relação entre o IMC e indicadores da composição corporal, como, por exemplo, o
%GC, varia bastante (Anjos, Boileau & Geeseman, 1991). Para um mesmo IMC, os valores de %GC são
bastante inferiores nos indivíduos jovens em comparação aos indivíduos mais idosos (Figura 1). Esse fato
desautoriza a utilização de valores de IMC maiores para definir adequação em indivíduos idosos, como já
sugerido na literatura (Anjos, 1992).

154
Composição corporal na avaliação...

Figura 1 – Valores médios de %GC e IMC (kg/m2) em função da idade de uma amostra de
mulheres (A) e homens (B) norte-americanos

Fonte: desenhada com base em dados gentilmente cedidos pelo prof. Richard A. Boileau, do Laboratório de Pesquisa em Aptidão
Física, Departamento de Cinesiologia, Universidade de Illinois.

Bioimpedância
Impedância é a oposição à passagem de corrente elétrica, sendo função da resistência e reatância, mas,
como a resistência é muito maior do que a reatância (oposição à passagem da corrente causada pela capacitância
da membrana celular) a 50 kHz, utiliza-se o valor da resistência na estimação da composição corporal (Lukaski et
al., 1986).
O uso da impedância na avaliação da composição corporal parte do pressuposto de que o corpo humano é
um cilindro perfeito com comprimento e área transversal uniformes, o que não é totalmente verdade. Assume-se,
então, que o corpo humano seja composto por cinco cilindros conectados em série, e não por um cilindro único.

155
Epidemiologia Nutricional

Assumindo-se um cilindro perfeito, a impedância (Z) à corrente é relacionada diretamente ao comprimento do


condutor e inversamente à sua área transversal (Diaz et al., 1989). Tipicamente, utiliza-se a freqüência de sinal de
50 kHz na medição e a estatura ao quadrado dividida pela resistência como estimador da composição corporal
(Lukaski, 1987). Contudo, há várias equações na literatura e muitas desenvolvidas em modelos de apenas dois
componentes. Utilizando dados de composição corporal com vários componentes de vários laboratórios, Sun e
colaboradores (2003) propuseram equações específicas para serem usadas em estudos epidemiológicos, particu-
larmente com os dados do terceiro NHANES (sigla em inglês para o Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição
norte-americano).
O método da bioimpedância parte do princípio de que a condutividade elétrica é diferente entre o tecido
magro e gordo, ou seja, os tecidos podem agir como condutores ou condensadores, e de que a corrente caminha
em direção à menor resistência. Usando freqüências baixas (~ 1 kHz), a corrente só passa pelo fluido extracelular.
Quando se usam freqüências mais altas (500 a 800 kHz), a corrente penetra na célula e passa pelo fluido intracelular.
Já que a gordura é um fraco condutor, então a impedância do corpo todo (a 50 kHz) reflete o volume dos
compartimentos de água e músculo do PLG e do volume de água extracelular.
O método é seguro, mas não deve ser utilizado em indivíduos com marca-passo. Até recentemente, só
havia disponíveis aparelhos com quatro eletrodos, os quais eram ligados no punho e tornozelo dos indivíduos em
avaliação, que precisavam ficar deitados. Atualmente, já há evoluções que permitem que a medição possa ser
realizada com o indivíduo em pé numa balança (Wahrlich et al., 2005) ou um método mais simples, em que o
indivíduo segura os eletrodos com as mãos esticadas (Lintsi, Kaarma & Kull, 2004), tornando a medida muito
mais simples de realizar. Devido a críticas segundo as quais esses sistemas mediam apenas a impedância dos
membros inferiores, caso da balança, ou superiores, no outro caso, várias empresas desenvolveram uma balança
em que o indivíduo também segura os eletrodos com as duas mãos quando se faz a medição, um sistema com oito
eletrodos (Pietrobelli et al., 2004; Oshima & Shiga, 2006).
Para a medição, devem-se observar os seguintes aspectos de padronização: não se alimentar ou beber quatro
horas antes; urinar até trinta minutos antes; não realizar exercício intenso até 12 horas antes; não consumir álcool
até 48 horas antes; não usar diurético até sete dias antes e manter a temperatura ambiental ≅ 35°C.
Além da medição da resistência e reatância, alguns aparelhos fornecem o ângulo de fase, medida que parece
promissora na avaliação, monitoramento e prognóstico de várias condições clínicas (Barbosa-Silva et al., 2005).
A comparação entre as vantagens e desvantagens de cada um dos métodos é resumida no Quadro 1.

Quadro 1 – Vantagens e desvantagens dos métodos para estimativa da composição corporal


Componente/Propriedade Método/Técnica Medida/Vantagem Desvantagem
Densidade Pesagem hidrostática Mede a gordura corporal e peso livre de Assume que a composição do
BodPod gordura simultaneamente. peso livre de gordura é constante.
Baixo custo comparado a outros métodos Difícil de medir em crianças e
(exceto BodPod). i d o s o s.
Pode ser repetido com freqüência. Claustrofobia (BodPod).
Mais fácil de realizar em crianças e idosos
(BodPod).
Não oferece risco.

Água Corporal Total (ACT) Técnicas de diluição Estima os volumes de fluido corporal. Exposição à radiação (trítio).
Exame de sangue em alguns métodos.
São necessários fatores de correção para
espaços de água por 2H2O e 3H2O.

156
Composição corporal na avaliação...

Quadro 1 – Vantagens e desvantagens dos métodos para estimativa da composição corporal (continuação)
Componente/Propriedade Método/Técnica Medida/Vantagem Desvantagem
Isótopo Contagem de 40
K Não oferece risco. Equipamento caro e de uso
restrito.
Pode ser repetido com freqüência.
Calibração necessária para
tamanho e geometria corporal.
Variações do conteúdo de K nos
tecidos.
Tempo de medição longo.

Atenuação dos raios X Dexa Estima o conteúdo mineral ósseo, gordura e Caro.
(Absorptiometria tecido mole livre de gordura do corpo inteiro
Difícil de medir em indivíduos
de raios X de ou de regiões do corpo.
muito obesos.
dupla energia)
Pequena exposição à radiação.
Necessita de pouca cooperação do indivíduo.

Impedância Bioimpedância Rápido, barato e menor erro intra-obser vador. Certos modelos requerem que a
medida seja feita com o
indivíduo deitado.
Cuidados prévios como
hidratação adequada.

Gordura subcutânea Antropometria Baixo custo. Necessidade de muito


treinamento.
(Dobra cutânea) Pode ser utilizado em estudos de campo.
Baixa precisão em obesos.
Em idosos há maior
compressibilidade.

Modificações da Composição Corporal no Ciclo de Vida


A estimativa da composição corporal por métodos considerados padrão-ouro (hidrometria, densitometria e
40
K) baseia-se no pressuposto de que a composição do PLG é constante não só em seres humanos adultos como em
outros mamíferos adultos (Wang et al., 1999). Porém, esse princípio pode ser violado quando aplicado a crianças,
adolescentes e idosos, uma vez que a composição do PLG sofre alterações durante os processos de maturação
(Fomon et al., 1982; Forbes, 1987) e envelhecimento (Deurenberg, Westrate & Van de Hooy, 1989; Visser, 2003).
A partir da infância, a composição do PLG varia, chegando à maturação química que, segundo alguns
autores, ocorre na adolescência (Forbes, 1987). Mas, para outros, isso só ocorre na vida adulta (Boileau et al.,1984).
No decorrer do primeiro ano de vida até 10 anos, verificam-se diminuição entre a razão do fluido extracelular e
da ACT e aumento da contribuição do músculo e da massa óssea no PLG (Fomon et al., 1982). O aumento da
proporção de massa muscular e conteúdo mineral ósseo modifica a densidade do PLG, assim como a água
corporal, que está quase que exclusivamente associada a este componente. A água, por sua vez, é o principal
componente a exercer influência na densidade do PLG, ou seja, quanto maior a quantidade de água menor será
a densidade, já que a densidade da água é muito mais baixa que a das proteínas e minerais (Boileau et al., 1984).
Do nascimento até a pré-adolescência, verifica-se diminuição da hidratação do PLG com o respectivo aumento
da DC (Fomon et al., 1982), porém os valores não equivalem àqueles estabelecidos para adultos. Lohman (1992)
verificou que pré-adolescentes apresentavam maior proporção de água no PLG (76,6%) e menor conteúdo de
mineral (5,8%) quando comparados com os valores estabelecidos para adultos (73,8 e 6,8%, respectivamente).
Portanto, a densidade do PLG será menor do que em adultos, e a aplicação do modelo adulto em crianças levará
a uma superestimativa da quantidade de gordura corporal.

157
Epidemiologia Nutricional

Já no envelhecimento, ocorre a alteração da composição do PLG devido, em grande parte, à diminuição da


massa muscular e, principalmente, à perda do conteúdo mineral ósseo, que é mais acentuada em mulheres
(Deurenberg, Westrate & Van de Hooy, 1989; Visser et al., 2003), fazendo com que a densidade do PLG seja
menor do que a encontrada no adulto jovem. Além desses fatores, parece que a quantidade e a distribuição de
ACT pode modificar-se no processo do envelhecimento (Forbes, 1987). Sabe-se que a diminuição da musculatura
é acompanhada pela diminuição proporcional da água corporal. Entretanto, a questão da influência do envelhe-
cimento na hidratação do PLG ainda é objeto de controvérsia, pois há estudos demonstrando alterações signifi-
cativas da proporção de água no PLG em indivíduos mais idosos (Hewitt et al., 1993; Virgili, D’Amicis & Ferro-
Luzzi, 1992), ao passo que outros evidenciam pouca alteração na hidratação do PLG com o avançar da idade
(Schoeller, 1989). Assim, recomenda-se cautela na aplicação do modelo de dois compartimentos em idosos, pois
fatores como a diminuição da massa muscular, dúvidas quanto à hidratação da PLG e a diminuição do conteúdo
ósseo comprometem os pressupostos teóricos desse modelo. Devido a isso, o modelo de quatro compartimentos
é o mais recomendado para utilização em idosos, por levar em consideração a variabilidade da composição do
PLG (Baumgartner et al., 1991).

Aplicação da Composição Corporal no


Diagnóstico Nutricional de Populações
Pontos de Corte Utilizados para Diagnóstico Nutricional
Apesar do desenvolvimento e aprimoramento das técnicas de medição da composição corporal, ainda
permanecem dúvidas quanto ao estabelecimento de pontos de corte da quantidade de GC associada a riscos de
doenças a serem usados clinicamente. Isso se deve, em parte, à carência de dados acurados da composição corpo-
ral em grandes estudos populacionais (Lohman & Going, 1998). Tal aspecto é particularmente importante na
definição da obesidade, visto esta condição ser, em geral, associada a um excesso de GC que traga repercussões ao
indivíduo. Tipicamente, usam-se valores de gordura corporal em torno de 10-20% para homens e 20-30% para
mulheres, por serem os valores encontrados, em média, em estudos conduzidos em amostras de conveniência,
tipicamente adultos jovens (Lohman, 1992; Lohman, Houtkooper & Going, 1997), em laboratórios de avaliação
da composição corporal no hemisfério Norte.
Em 1993, um grupo de especialistas da Associação Dietética Americana e Canadense sugeriu valores de %GC
considerados aceitáveis (ADA/CDA, 1993): 20-25% para mulheres e entre 15 e 18% para homens. A obesidade
seria diagnosticada quando o %GC fosse maior do que 30 e 25% para homens e mulheres, respectivamente.
A definição desses valores baseou-se em experiência de especialistas, e não em dados epidemiológicos sólidos.
Usando os pontos de corte de IMC de 19 e 25 kg/m2 para a menor morbi-mortalidade, Abernathy e Black
(1996) propuseram os valores de peso saudável iguais a percentuais de GC entre 12 e 20% para homens e 20 e
30% para mulheres.
Em uma amostra grande de indivíduos da Suíça (2.735 homens e 2.490 mulheres entre 15 e 98 anos de
idade), Kyle e colaboradores (2001) forneceram dados de referência de composição corporal (%GC, PG e PLG)
em percentis selecionados, usando a bioimpedância como método de avaliação. Os valores do percentil 95 do
%GC aumentaram com o passar da idade, saindo de 24,4% nos mais jovens (15-24 anos) e chegando a 33,4%
nos homens mais idosos (85 anos ou mais). Os valores para as mulheres das mesmas faixas etárias variaram de
34,9 a 46,9%.
Baseando-se na conversão dos dados de dobras cutâneas em %GC na amostra representativa da população
americana (NHANES), Lohman, Houtkooper e Going (1997) propuseram pontos de corte diferenciados segundo

158
Composição corporal na avaliação...

a faixa etária e sexo para a obesidade: 22% em homens adultos jovens; 25% para os homens de meia-idade; 23%
para os idosos. Os valores para as mulheres foram, respectivamente, 35, 38 e 35%.
Outros autores usam alternativas diferentes para estabelecer esses pontos. A mais prática parece ser encon-
trar o valor de %GC relativo a pontos de corte de outras medidas antropométricas bem estabelecidas, como, por
exemplo, o IMC. Usando essa estratégia, Lohman (1992) sugeriu o uso dos valores de 25% e 32% de GC para
homens e mulheres, tomando como base os valores de 27,8 e 27,3 kg/m2 de IMC, critério usado para sobrepeso
na população americana à época (Kuczmarski & Flegal, 2000). Usando os pontos de corte de IMC atualmente
recomendados (WHO, 2000) para baixo peso (< 18,5 kg/m2), sobrepeso (> 25 kg/m2) e obesidade (> 30 kg/m2),
Gallagher e colaboradores (2000) estabeleceram valores de %GC para norte-americanos e asiáticos em função da
idade. Por exemplo, para mulheres norte-americanas, os valores variaram de 39 a 42% de GC, e entre 25 e 30%
para os homens em função da faixa etária. No estabelecimento dessa relação, a etnia parece ser um importante
fator (Fernández et al., 2003; Gurrici et al., 1998; He et al., 2001), o que, aliás, vem fazendo com que se
questione a prática, atual, de basear-se nos valores universais de IMC para a classificação do estado nutricional
(Blew et al., 2002; Evans et al., 2006) ou mesmo o uso isolado de IMC (De Lorenzo et al., 2003).
De fato, análise preliminar de dados sobre a relação entre IMC e %GC em amostra probabilística de
adultos de Niterói indicou valores sempre maiores do que os propostos por Gallagher e colaboradores (2000)
tanto para homens quanto para mulheres e todos os pontos de corte de IMC (Anjos, Wahrlich & Vasconcelos,
2006).
Williams e colaboradores (1992), por sua vez, analisando os dados do estudo Bogalusa, observaram que
valores de %GC iguais a 25 e 30 para meninos e meninas, respectivamente, estimados por dobras cutâneas,
estavam associados com maior risco de doenças cardiovasculares (pressão arterial, colesterol total e lipoproteína
de baixa densidade), mesmo quando controlados pela idade, raça e gordura no tronco, o que fez os autores
recomendarem esses pontos de corte como critério para crianças e adolescentes.
Recentemente, McCarthy e colaboradores (2006) desenvolveram curvas de referência de gordura corporal
(%GC), baseadas em dados obtidos por bioimpedância em uma amostra grande de crianças e adolescentes (5-18
anos) inglesas. Baseando-se nos valores de IMC para idade sugeridos para diagnóstico de obesidade em crianças
da IOTF (sigla em inglês para a Força-Tarefa Internacional de Obesidade), Cole e colaboradores (2000) encontra-
ram valores de %GC mais próximos e estabeleceram nomenclaturas para tal: baixa gordura (< 2 percentil); normal
(entre o percentil 2 e o 85); excesso de gordura (entre o percentil 85 e 95) e obesidade (acima do percentil 95).

Considerações Finais
Foram apresentados, aqui, os métodos tradicionais utilizados como referência na medição da composição
corporal, o Dexa – atualmente cogitado como o novo método padrão-ouro, apesar de haver necessidade de mais
estudos para validá-lo – e os métodos de campo mais usados. Sem dúvida, o estudo da composição corporal teve
grandes avanços nas últimas décadas, com o desenvolvimento de modelos de multicomponentes melhorando as
estimativas dos componentes corporais. Entretanto, permanece o desafio de desenvolver técnicas com mais acurácia
aplicáveis em estudos epidemiológicos no intuito de melhor diagnosticar alterações nutricionais como a obesidade,
hoje baseada principalmente no IMC, que não reflete a composição corporal dos indivíduos. Também, na pers-
pectiva da saúde pública, a determinação da composição corporal em grupos específicos, como os idosos, pode
ser importante na identificação e na prevenção da osteoporose, doença que compromete a autonomia desses
indivíduos.

159
Epidemiologia Nutricional

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164
9
Gasto Energético: medição e importância
para a área de nutrição

Luiz Antonio dos Anjos e Vivian Wahrlich

O s dados sobre o sobrepeso/obesidade na população brasileira demonstram um crescimento na sua


prevalência nas últimas três décadas do século XX. Apesar da carência de dados detalhados sobre a ingestão
energética e, particularmente, do Gasto Energético (GE) (Anjos, 1999), é evidente que a população se apresenta
em um quadro de balanço energético positivo (Mendonça & Anjos, 2004), decorrente, possivelmente, de mu-
danças no consumo alimentar, com aumento no fornecimento de energia pela dieta e redução no GE das ativida-
des cotidianas e ocupacionais, configurando um ‘estilo de vida ocidental contemporâneo’.
Há uma ampla variação no GE, dependendo da ocupação, atividade de lazer e propensão individual para
atividade física (Åstrand & Rodahl, 1986), e as mulheres, em geral, tendem a ser menos ativas no lazer do que os
homens, e as crianças mais ativas do que adultos (Anjos, 2000; Crespo et al., 1999).
Atualmente, considera-se que nos países mais desenvolvidos o gasto energético das atividades ocupacionais
tenha menor importância no GE diário total, em função da diminuição do custo energético para a realização
dessas atividades, causada pelo desenvolvimento tecnológico, que, caracterizado pela maior utilização de equipa-
mentos, reduz o esforço do trabalhador. Entretanto, mesmo nesses países, ainda há alguns setores econômicos
que exigem atividades manuais laborativas de maior intensidade. Nos países menos desenvolvidos, as atividades
ocupacionais têm grande importância na determinação do GE total (Anjos, 1999). Medir apenas o GE de lazer
leva à subestimação do GE total, especialmente nos indivíduos com ocupações intensas.
O presente capítulo descreve os métodos de medição do GE e revisa os principais usos de sua avaliação em
estudos nutricionais, apresentando, sempre que possível, dados de estudos brasileiros.

Conceituação
O GE total diário pode ser entendido como a produção total de calor pelo indivíduo, incluindo o calor
usado para a evaporação da água (Garrow, 1974). Seus componentes são: a Taxa Metabólica Basal (TMB), a
atividade física e a ação dinâmica específica (ou termogênese) dos alimentos.
A TMB é a energia necessária para a manutenção das funções vitais (atividade mínima total das células do
corpo em repouso em estado de vigília) e representa o principal componente do GE, podendo variar de 50%
(indivíduo muito ativo fisicamente) até 70% (indivíduo sedentário) do GE total diário (Wahrlich & Anjos,
2001a). A TMB é medida em condições padronizadas: pela manhã, ao acordar, em repouso, relaxado, porém em

165
Epidemiologia Nutricional

estado de vigília e em posição supina, em jejum de no mínimo 12 horas, após 6 a 8 horas de sono, com o
indivíduo não tendo realizado exercício físico intenso no dia anterior ao teste. A medida deve ser feita em ambiente
tranqüilo, sem ruídos, com baixa luminosidade e com a temperatura da sala controlada. Na prática clínica e em
estudos populacionais, a TMB não é medida, e sim estimada por equações de predição que parecem superestimar
a TMB da população em geral e, particularmente, as que vivem nos trópicos (Wahrlich & Anjos, 2000).
A Atividade Física (AF), como definida no capítulo 26, “Epidemiologia da atividade física”, é entendida
como qualquer movimento corporal produzido pelo músculo esquelético (Caspersen, Powell & Christenson,
1985) que resulte em custo energético superior à taxa metabólica basal. A AF é o componente de maior variação
do GE, podendo corresponder a 10% do total em indivíduos confinados ao leito a até 50% em atletas (Montoye
et al., 1996). A dimensão e a composição corporal, o sexo, a idade, a intensidade e duração da atividade física, o
nível de aptidão física do indivíduo e a hereditariedade são os fatores responsáveis pela variação interindividual.
A termogênese dos alimentos refere-se à energia necessária para a realização dos processos metabólicos
(absorção, transporte, armazenamento e metabolização) que ocorrem após a ingestão alimentar e totaliza, para
uma dieta mista, aproximadamente 10% do GE total diário, mas sofre influência do tipo de dieta: carboidratos
(5 a 10% de energia) ou gorduras requerem menos (5%), e uma dieta exclusivamente protéica requer mais (10 a
35%) (Bursztein et al., 1989).
A unidade apropriada para expressar o GE é o joule (energia gasta para deslocar 1 kg à distância de 1 metro
pela força de 1 newton). No entanto, tipicamente utiliza-se o calorie (quantidade de calor necessária para elevar
1 g de água 1ºC, de 14,5 a 15,5ºC). Para fazer a conversão de uma unidade para outra, usam-se os seguintes
fatores: 1 kcal = 4,184 kJ ou1 kJ = 0,239 kcal.

Métodos de Medição
Há uma carência de informações sobre o GE em populações que vivem em países em desenvolvimento
(Anjos, 1999), devida, em parte, à sofisticação e ao alto custo da técnica da Água Duplamente Marcada (ADM),
método considerado, atualmente, como padrão para as medições do GE diário (Schoeller, 1999). Existem, entre-
tanto, alternativas menos sofisticadas, igualmente válidas e mais baratas para estimar o GE (Wareham et al.,
1997). De qualquer jeito, e para qualquer uso que se tenha em mente, a medição do GE deve ser realizada da
forma mais exata possível, já que seu uso é cada vez mais importante em investigações sobre a relação entre a
nutrição e a saúde nas populações modernas.

Calorimetria Direta e Indireta


Calorimetria Direta
A calorimetria direta baseia-se na determinação da perda de calor pelo corpo, utilizando-se de uma câmara
calorimétrica, que consiste em um cômodo hermeticamente fechado e arejado, contendo um sistema no qual há
circulação de água com temperatura conhecida e cuja variação entre o ponto de entrada e de saída expressará o
calor produzido pelo organismo durante sua permanência no interior da câmara (Murgatroyd, Shetty & Prentice,
1993). Para obter-se informações confiáveis, é necessário que o indivíduo em avaliação permaneça um período
longo dentro da câmara, para que o calor emanado de seu corpo possa ser medido. Isso faz com que as medidas
não possam ser expressas por atividades específicas, já que haverá uma defasagem entre a produção do calor e sua
medição. O calor produzido pelo corpo é captado pela alteração na temperatura da água circulante, e o calor
perdido pela evaporação e pela ventilação é estimado pela captação da água que se condensa no interior da
câmara.

166
Gasto energético

O primeiro calorímetro humano foi construído por Atwater, no final do século XIX, e atualmente existem
muito poucas unidades em funcionamento no mundo (Webb, 1985). Apesar de ser considerado o método-
padrão para a avaliação do gasto energético, este método não é rotineiramente utilizado, devido a sua complexi-
dade, alto custo e por restringir os indivíduos a um ambiente artificial, alterando suas atividades.

Calorimetria Indireta
A calorimetria indireta, que consiste na medição do consumo de oxigênio ( V& O2) e da eliminação de CO2
( V& CO2), é considerada um método preciso para a estimativa do GE. Neste método o indivíduo respira por meio
de uma máscara conectada a um calorímetro, onde são feitas a medição dos volumes inspirados e expirados e a
análise do gás expirado e inspirado, a fim de estimar o nível de troca gasosa, basicamente o V& O2. A quantidade
de energia gasta é estimada indiretamente, por meio da conversão do O2 consumido, daí o nome de calorimetria
indireta, e baseia-se na análise da queima de nutrientes (Lusk, 1917). Cada nutriente utiliza determinada quan-
tidade de O2 para sua metabolização, fornecendo quocientes respiratórios (QR = V& CO2 / V& O2) diferentes. Os
lipídios apresentam QR em torno de 0,7, os carboidratos QR próximos a 1,0 e proteínas um QR aproximado de
0,82 a 0,85. Para cada QR não protéico existe um equivalente energético por litro de O2 consumido. Na prática,
a conversão (em kcal) pode ser realizada pela equação simplificada sugerida por Weir (1949): ( V& O2 x 3,9) +
( V& CO2 x 1,1). Quando o CO2 não é medido, assume-se um QR de 1 e um equivalente energético de 1 litro de
O2 igual a aproximadamente 5 kcal.
Este método permite o estabelecimento do custo energético das atividades minuto a minuto, visto que os
dados são coletados neste intervalo de tempo. Atualmente, existem aparelhos portáteis, que podem ser carregados
nas costas ou na cintura, possibilitando ao indivíduo manter suas atividades normais sem muita interferência,
enquanto a troca gasosa é medida (Wahrlich et al., 2006).

Marcadores Fisiológicos: água duplamente marcada, freqüência cardíaca


Água Duplamente Marcada
O método da ADM, que consiste na ingestão de água contendo os isótopos deutério (2H2) e oxigênio
18
( O), permite avaliar o GE pela diferença entre o ritmo de eliminação do oxigênio marcado e do deutério na
urina (Schoeller, 1999) e foi usado pela primeira vez em seres humanos no início da década de 1980 (Schoeller &
Van Santen, 1982), apesar de seu uso em pequenos animais ser muito mais antigo (Speakman, 1998).
O método é baseado no princípio de que o turnover do oxigênio é dominado tanto pelo fluxo de água no
corpo como pelo oxigênio inspirado e gás carbônico expirado. Em contrapartida, o turnover do hidrogênio
no corpo só é dominado pelo fluxo de água no corpo (Speakman, 1990). Portanto, a diferença dos dois turnovers
significa o excesso de oxigênio que é equivalente ao gás carbônico produzido. A estimativa do GE é feita ao se
medir a quantidade de H2O metabólica e, assim, extrapolar-se a quantidade de CO2 produzida no organismo.
Assumindo-se um valor fixo de QR (usualmente 0,85), pode-se estimar o consumo de O2 ( V& CO2 / 0,85), e
então o GE, ou seja, o método não deixa de ser uma estimativa de calorimetria indireta.
A aplicação do método é simples: consiste em fornecer uma dosagem conhecida da ADM para o indivíduo
que terá de coletar a urina durante alguns dias. A baixa disponibilidade e o alto custo do isótopo de oxigênio
(18O), além da alta tecnologia necessária para análise de determinação da concentração dos isótopos, tornam este
método inviável, atualmente, em estudos de larga escala.
Apesar de fornecer medida exata do GE por períodos de vários dias, este método não fornece o padrão de
atividade, pois normalmente começa-se a medir seriadamente a eliminação do elemento marcado após pelo

167
Epidemiologia Nutricional

menos 24 horas de sua ingestão, o que faz com que se tenha o GE para intervalos de tempo grande (normalmente
de vários dias, que são expressos em 24 horas). Este seria o método ideal para estudos epidemiológicos quando se
quer saber o GE total diário.

Método da Freqüência Cardíaca


A relação entre Freqüência Cardíaca (FC) e GE foi observada no início do século passado por Benedict,
que relatou que mudanças na freqüência do pulso estavam correlacionadas com mudanças na produção de calor
(Benedict, 1915), o que o fez sugerir que a FC poderia se tornar um método prático satisfatório para a estimativa
do metabolismo basal. Atualmente, sabe-se que a freqüência cardíaca de repouso é influenciada pelo nível de
aptidão física, o que faz com que a predição da TMB pela FC de repouso não seja adequada. Entretanto, durante
atividades, há uma relação linear entre a FC e o O2 (Bradfield, Huntzicker & Fruehan, 1969; Spurr et al., 1988).
Essa relação, normalmente obtida em um teste progressivo de carga em ergômetro, pode sofrer influência de
vários fatores, como a composição corporal, a aptidão física e o estado de saúde. Quando o teste é feito várias
vezes no mesmo indivíduo, sob as mesmas condições, a reprodutibilidade do O2 em diferentes cargas de trabalho
é boa. Contudo, pode haver variação na FC de um dia para outro, mesmo sob condições padronizadas, durante
exercício com a mesma carga de trabalho, porque alguns fatores, como a temperatura e umidade ambiental, o
estado emocional, dentre outros, podem alterar a FC sem influenciar o O2.
O método baseia-se na conversão dos valores de FC armazenados em monitores de FC durante 24 horas ou
durante o período em que o indivíduo permanece acordado. O GE das 24 horas é calculado com base em uma
curva de calibração individual (Spurr et al., 1988) ou predita (Rennie et al., 2001), pela extrapolação dos valores
de FC de cada minuto ou por blocos de atividades.
A curva de calibração (FC x O2) é composta por uma curva de repouso, baseada nas atividades sedentárias
(deitado, sentado e de pé), e uma curva relativa ao trabalho muscular submáximo (Figura 1).

Figura 1 – Exemplo de uma curva de calibração Gasto Energético (GE) x Freqüência Cardíaca (FC) obtida
em um indivíduo durante o repouso (deitado – D, sentado – S, de pé – P) e durante caminhada em esteira rolante
com intensidade progressiva para gerar a equação mostrada na figura. A linha vertical expressa a média da maior
FC durante o repouso e a menor FC durante a caminhada
8

kcal/min = 0,0723 FC - 3,8915


6

Kcal/min 4

D P
1
S

0
50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 150 160 170

Frequência cardíaca (bpm)

Fonte: dados inéditos dos autores.

168
Gasto energético

É importante a realização de um registro de atividades durante o dia da monitoração da FC, para que se
possa parear os valores de FC com as atividades realizadas e identificar possíveis interferências e momentos de
aumento da FC por outros motivos que não de atividade física.
Inicialmente, calcula-se o valor de Flexão da FC (FFC, ou Flex-HR - Flex Heart Rate, em inglês), que é, em
geral, calculado como a média entre o maior valor de repouso (geralmente o valor do indivíduo de pé) e o menor
valor durante o teste de carga, que no exemplo é igual a 85 batimentos por minuto (bpm), marcado pela seta
vertical. Para o período da monitoração da FC em que o indivíduo estiver acordado e a FC for menor do que o
FFC, utiliza-se o valor médio de GE obtido no repouso (deitado, sentado e de pé). Para o tempo em que a FC for
maior do que o FFC, utiliza-se a equação de regressão dos dados do teste de carga, que, para o exemplo, seria
kcal/min = 0,0723 x FC - 3,8915. Usando-se a equação, pode-se estimar que o GE é de 3,3385 kcal/min para a
FC de 100 bpm neste indivíduo. Para o período em que o indivíduo dormiu, utiliza-se o valor de TMB medido.
Assim, para cada valor de FC monitorado durante as 24 horas, pode-se estimar o GE e totalizar as 24 horas.
Essa técnica já foi validada em estudos que empregaram a calorimetria direta (Ceesay et al., 1989; Spurr et
al., 1988) e a ADM (Livingstone et al., 1990; Heini et al., 1996; Davidson et al., 1997) e funciona adequada-
mente para grupos de indivíduos. O princípio do método, originalmente descrito por Bradfield, Huntzicker e
Fruehan (1969) e formalizado por Bradfield (1971), foi popularizado pelo prof. Gerald Spurr nos estudos sobre
a avaliação do estado nutricional funcional na população da Colômbia (Spurr, Reina & Barac-Nieto, 1986;
Spurr et al., 1988) e requeria uma quantidade grande de informações, principalmente a construção da curva de
calibração individualizada (Bradfield, 1971, 1979) e a obtenção de um registro (diário ou entrevista) das ativida-
des, fazendo com que muitos autores questionassem seu uso em estudos epidemiológicos. Em geral, o fisiologista
do exercício precisa ter informações precisas para uma atividade realizada em ambiente controlado, mas o
nutricionista, por sua vez, está interessado em obter informações sobre o GE total em um determinado intervalo
de tempo (Bradfield, 1971), e para tanto usa métodos menos precisos.
O grande desafio do epidemiologista é conseguir métodos simples que possam ser usados em um número
grande de indivíduos com o menor erro possível. Rennie e colaboradores (2001) propuseram uma simplificação
do método da estimação do GE por meio da FC, ao eliminar a necessidade de construção de uma curva de
calibração individualizada. A monitoração da FC seria realizada e os valores convertidos em GE de 24 horas por
meio de equações de predição populacionais com dados simples de obter: sexo, índice de massa corporal (kg/m2)
e FC de repouso (sentado). Mais recentemente ainda, houve a proposta da obtenção simultânea da FC com
informações de movimento, por intermédio de um acelerômetro, fazendo com que o registro de atividades seja
dispensado (Brage et al., 2006). Na Índia, Kurpad e colaboradores (2006) também propuseram uma simplifica-
ção: a dispensa da calorimetria indireta na curva de calibração, que, se confirmada, poderia permitir o uso do
método em grande escala mesmo em lugares que não disponham de um sistema de medição da troca gasosa.
A grande vantagem do método da FC é que ele estima não só o GE diário (como no caso do método da
ADM), como também o gasto energético das várias atividades, podendo, assim, indicar o padrão de atividade dos
indivíduos em investigação. Essa característica, associada ao seu baixo custo, vem sendo apregoada como uma
excelente vantagem em estudos epidemiológicos (Wareham et al., 1997).
Usando a técnica da FFC, Anjos e Ferreira (2000) documentaram o expressivo GE em trabalhadores
envolvidos na coleta de lixo domiciliar no município do Rio de Janeiro. Para uma jornada diária mediana de
aproximadamente seis horas (481 minutos), os coletores de lixo domiciliar gastaram 288,4 kcal/hora (mediana),
ou seja, aproximadamente 1.730 kcal somente durante o período de trabalho.

169
Epidemiologia Nutricional

Inquéritos
Método Fatorial
Este método baseia-se na descrição, relato ou observação das atividades diárias e sua duração, ou seja, o
orçamento do tempo. Essas informações podem ser obtidas retrospectivamente por relato feito pelo indivíduo,
por meio de diário de atividade ou entrevista, ou observadas e anotadas por um observador. As atividades são
agrupadas por intensidade e convertidas em energia gasta empregando-se tabelas de conversão atividade/dispên-
dio de energia (Durnin & Passmore, 1967). As tabelas existentes, encontradas em livros-texto de nutrição ou
fisiologia do exercício, apresentam, tipicamente, valores em kcal por minuto (algumas em relação ao peso corporal)
de atividades, sem levar em consideração as características individuais, como sexo, nível de aptidão física e idade.
Alternativamente, as várias atividades podem ser expressas em energia ao se multiplicar a TMB pelo tempo
de atividade e pela razão GE/TMB. Essa razão pode ser expressa de três formas, dependendo do tempo da
atividade: Razão de Atividade Física (RAF), quando se usa o valor do GE da TMB a cada minuto; Índice
Energético Integrado (IEI), quando se utiliza um ciclo de atividade levando-se em consideração os tempos de
repouso dessa atividade; Nível de Atividade Física (NAF), quando se usa o GE de 24 horas dividido pela TMB
de 24 horas (FAO/WHO/UNU, 1985; Vasconcellos & Anjos, 2003).
A expressão do GE em função da TMB tem como objetivo reduzir as diferenças individuais não contem-
pladas com as tabelas de conversão de atividade, uma vez que sexo, idade e peso corporal são utilizados no cálculo
da TMB. Assim, essa forma de expressar o GE representa vantagem em relação ao uso das tabelas de conversão
que só controlam, quando o fazem, pelo peso corporal dos indivíduos.
De forma simplificada, pode-se estimar o GE total diário de indivíduos por meio da multiplicação da
TMB pelo NAF, que é, atualmente (FAO/WHO/UNU, 2004), estabelecido seguindo uma classificação de estilo
de vida em relação à intensidade da atividade física habitual, como será visto mais à frente. Uma forma de fatorial
mais detalhada requer a obtenção de todas as atividades realizadas para se construir um orçamento de tempo
gasto para cada atividade, valor que será multiplicado pelo custo energético da atividade expresso como múltiplo
da TMB, ou seja, pelo IEI, como mostrado na Tabela 1.

Tabela 1 – Exemplo de orçamento de tempo (fatorial) teórico de um dia típico de um indivíduo para o
cálculo do gasto energético diário

Atividades Tempo (horas) IEI Cálculo da energia (Tempo x IEI x TMB)


Dormir 8 1

Trabalho 8 (tabela)

Tempo residual ? 1 ,4

Atividades caseiras ? 2 ,7

Atividades discricionárias ? (tabela)

Atividades caseiras (outras) ? (tabela)

Socialmente desejáveis ? (tabela)

Para melhorar/manter a aptidão física ? (tabela)

Total (24 horas)

Fonte: elaborada com base nas recomendações contidas em FAO/WHO/UNU (2004).

170
Gasto energético

Infelizmente, há poucos dados disponíveis sobre o IEI das várias atividades, o que limita em muito o uso
deste método.
Uma outra forma de estimar o GE de atividades, amplamente utilizada pela área de ciência do movimento
humano, usa os valores da atividade como múltiplo do metabolismo de repouso avaliado como MET (equivalen-
te metabólico que é estabelecido, universalmente, como 3,5 mL O2/kg peso corporal/minuto). Aparentemente, a
lista mais completa de códigos de METS para atividades foi compilada por Ainsworth e colaboradores (1993,
2000), no agora já clássico Compêndio de Atividades Físicas. A lista contém um vasto espectro de atividades,
incluindo as cotidianas, as de lazer e as ocupacionais, e é muito mais completa do que as existentes com os valores
de IEI. Nesse método, utiliza-se o valor de peso corporal do indivíduo e calcula-se o valor individual do MET por
minuto. Localiza-se o valor do código de múltiplo de METs da atividade e multiplica-se tal valor pelo MET
individual (ver exemplo a seguir). No entanto, há evidências de que o valor fixo de MET não é adequado para
vários grupos populacionais (Byrne et al., 2005; Gunn et al., 2004). De fato, dados coletados entre 58 alunas do
curso de nutrição da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, indicaram um valor médio de
MET igual a 3,2 mL O2/kg peso corporal/minuto (Anjos et al., s. d.). Nessas mulheres, observou-se que uma
caminhada a 4 km/h no plano na esteira rolante equivaleria, em média, a um GE de 2,9 kcal/min ou, aproxima-
damente, 3,5 MET. Aparentemente, o menor valor de MET medido é compensado pelo maior valor de múltiplo
de MET, já que o valor estimado de GE com base nos valores do Compêndio para essas mulheres (2,85 kcal/min)
não foi, em média, diferente do medido. Isso ocorre pelo fato de o Compêndio atribuir um valor de 3 MET para
a caminhada a 4 km/h:
MET Peso corporal VO 2 VO 2 kcal/min Número GE
mL O2/kg/min kg mL/min → L/min po r L O 2 de METs kcal/min

3 ,5 x 5 4 ,3 = 190 0 ,1 9 x 5 x 3 = 2 ,8 5

É importante que mais estudos sobre o custo energético das diversas atividades sejam realizados, para se
determinar a validade da estimativa do GE com base nos valores de IEI e nos códigos de MET das várias atividades
descritas no Compêndio.

Instrumentos Eletrônicos: acelerômetro


O princípio teórico do acelerômetro é que a aceleração do movimento do corpo, captada pelo instrumen-
to, é diretamente proporcional às forças musculares que a produziram e, portanto, indica o GE do movimento
(Freedson & Miller, 2000).
O acelerômetro consiste em uma unidade pequena que pode registrar os movimentos da parte do corpo
onde eles forem colocados em um único eixo (vertical), ou nas unidades mais sofisticadas, em três eixos. As
unidades mais recentes também registram simultaneamente o tempo, fazendo com que seja possível registrar a
intensidade da atividade realizada (movimento/tempo). Os dados são transferidos para um computador, em que,
com programas específicos, calcula-se o GE em um determinado intervalo de tempo. Em geral, não se constrói
uma equação individual entre a contagem do acelerômetro e o custo de atividades, fazendo com que se dependa
de equações preditivas. Há diversas equações preditivas disponíveis, dependendo das características da população
em estudo (Welk, 2002). Como o aparelho é usado, na maior parte das vezes, na cintura, atividades mais seden-
tárias e as que não impliquem deslocamentos do tronco (por exemplo, atividades realizadas sentadas) podem não
ser captadas, o que faz com que haja subestimativa do GE (Bassett Jr. et al., 2000).

171
Epidemiologia Nutricional

Assim, este tipo de método pode ser útil para estimar movimentos que impliquem deslocamento do corpo
inteiro, ou seja, caminhar, correr. Algumas unidades podem também fornecer o número de passadas realizadas,
ou seja, servem também como pedômetro.
Um dos primeiros acelerômetros disponíveis comercialmente, e por esta razão bastante popularizado e
ainda em uso (Iqbal et al., 2006), foi o Caltrac, desenvolvido por Henry Montoye e usado na cintura (Montoye
et al., 1983). A grande crítica a esse sistema decorre do fato de ele não armazenar as informações, o que faz com
que seja necessário verificar o valor mostrado no display. Além disso, o sistema tem vários botões de controle, o
que pode comprometer o seu uso em pessoas curiosas ou que, inadvertidamente, encostem nos controles. Montoye
(2000) experimentou o uso do Caltrac nos três eixos do corpo, e esses dados serviram como base para o desenvol-
vimento de um acelerômetro de três eixos.
O grande problema deste método diz respeito a como classificar a intensidade da atividade que está sendo
realizada, o que influenciará diretamente o cálculo do GE. Para tanto, alguns autores têm tentado incorporar
outras medidas simultâneas, como a freqüência cardíaca, para melhorar a predição do GE (Brage et al., 2006;
Johansson et al., 2006).

Importância da Medida para a Área da Nutrição


Na área da nutrição, o estudo do padrão de GE na população pauta-se, principalmente, na determinação
dos Requerimentos Energéticos (RE) e na definição dos padrões de atividade física compatíveis com a saúde
(FAO/WHO/UNU, 2004). A energia utilizada para o desempenho das funções vitais nos seres humanos é
proveniente dos alimentos, cuja ingestão deve ser norteada pelo nível de sua atividade, e não pela ingestão ali-
mentar, porque esta é bastante variável no mesmo indivíduo e os métodos para sua avaliação são pouco confiáveis.
Além disso, os indivíduos podem adaptar seus níveis de atividade a ingestões baixas (FAO/WHO/UNU, 1985).
Esses são os fatores principais que levaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a sugerir o GE como medida
para estabelecer as necessidades energéticas diárias. Além deste uso, a informação sobre o GE é importante em
muitas situações clínicas e em estudos epidemiológicos, como será visto mais adiante.
Em 1985, segundo recomendação da OMS (FAO/WHO/UNU, 1985), os RE para adultos passaram a ser
definidos com base no GE diário, segundo o princípio de que os RE deveriam prover energia para equilibrar o
balanço energético compatível com a manutenção da composição corporal e do nível de atividade física consis-
tentes com a boa saúde e para permitir a atividade física economicamente necessária e socialmente desejável. Essa
recomendação fez com que houvesse um grande aumento em estudos sobre os componentes do GE.
Como a TMB é o maior componente do GE total diário, a sugestão foi que o custo energético das ativida-
des fosse expresso como múltiplos da TMB (FAO/WHO/UNU, 1985; James & Schofield, 1990) para facilitar
as comparações entre populações e controlar as características individuais, tais como idade, sexo, peso corporal e
estatura. Desenvolveu-se, assim, um método – chamado de fatorial simplificado – para estimativa dos RE, utili-
zando-se de um múltiplo da TMB, o NAF, para cada categoria definida em função da atividade ocupacional e do
sexo, com base em padrões de atividade física já descritos na literatura (Vasconcellos & Anjos, 2003). A mais
recente recomendação manteve a idéia do uso do NAF para estimar os RE, mas incorporou em seu cálculo as
atividades não ocupacionais e passou a chamar esta razão de estilo de vida em relação à intensidade da atividade
física habitual (FAO/WHO/UNU, 2004). Basicamente, as alterações nos valores de NAF foram: 1) não há mais
distinção nos valores para mulheres e homens e 2) foi criada uma faixa, e não mais um valor fixo, para cada um
dos três padrões.
Os valores de NAF sugeridos foram: 1) 1,40 a 1,69, para os indivíduos sedentários ou com estilo de vida
incluindo somente atividades leves; 2) 1,70 a 1,99, para os indivíduos com estilo de vida ativo ou moderadamente
ativo; 3) 2,00 a 2,40, para os indivíduos com estilo de vida com atividades pesadas.

172
Gasto energético

Há muito poucos dados sobre os valores de NAF nas diversas populações do mundo, particularmente nas
que vivem em países em desenvolvimento. Por exemplo, Vinken e colaboradores (1999) encontraram valores de
NAF médio de 1,80 para 93 indivíduos (44 homens e 49 mulheres) de 18 a 81 anos de idade, ao medir o GE de
24 horas por meio de ADM e a TMB por calorimetria indireta. Os autores concluíram que os valores de NAF
recomendados deveriam ser revistos, opinião que não é consensual para as sociedades afluentes (Shetty et al.,
1996).
Por exemplo, Black e colaboradores (1996) revisaram as informações de 574 medições de GE por meio de
ADM em populações de países ricos, chamados de afluentes, e encontraram valores médios de NAF dentro da
faixa de estilo de vida moderado, com exceção dos homens na faixa de 40 a 64 anos (Figura 2). Para as populações
que vivem em condições menos desenvolvidas, não há dados suficientes de GE, mas aparentemente será necessá-
rio revisar os valores de NAF (Vasconcellos & Anjos, 2003), com base nas evidências de que os dados de atividade
física (numerador) usados para seu cálculo foram subestimados (Haggarty et al., 1994; Heini et al., 1996), além
da superestimativa da TMB (denominador) encontrada nessas populações (Cruz, Silva & Anjos, 1999; Wahrlich
& Anjos, 2000).
Em geral, os dados de GE obtidos por meio da mesma técnica em populações de países em desenvolvimen-
to (Coward, 1998) indicaram valores bem maiores (Figuras 2 e 3). É importante frisar, entretanto, que os estudos
disponíveis são feitos em amostras bem pequenas (perto de dez indivíduos) que gastam muita energia (fazendei-
ros ou população rural). São poucos os dados de populações urbanas, mais propensas a apresentar características
de atividades físicas semelhantes às das populações de países desenvolvidos. No estudo feito em estudantes do
Swazi, por exemplo, o valor médio de NAF foi bem baixo, perto de 1,38 (Figura 3).

Figura 2 – Valores médios do nível de atividade física (NAF = GE/TMB) em amostras de indivíduos de
países afluentes e em desenvolvimento

Fontes: * Black et al., 1996; ** Schulz & Schoeller, 1994; *** Heini et al. 1996.

173
Epidemiologia Nutricional

Figura 3 – Valores médios do nível de atividade física (NAF = GE/TMB) em amostras de indivíduos de
países em desenvolvimento

Fonte: desenhada com base em dados obtidos em Coward (1998)

Na verdade, pode-se estimar os valores de NAF para uma população desde que se conheçam as características
do orçamento de tempo (tempo gasto realizando as diversas tarefas diárias) e se disponha dos valores corretos de IEI.
Como o GE de 24 horas = TMB x NAF = ∑i (ti IEIi TMBi), pode-se concluir que o NAF = (∑i ti IEIi) / 24. Ou seja,
para se estimar o NAF não é preciso medir a TMB ou o GE, basta saber o tempo das atividades (t) e o valor de IEI
dessas atividades. Valendo-se dessa abordagem, Vasconcellos e Anjos (2003) calcularam os valores de NAF para a
população brasileira usando os dados do Estudo Nacional da Despesa Familiar (Endef ). Fica evidente como os
valores de NAF sugeridos para uso na população em geral eram adequados, na média, para os homens (Figura 4),
mas havia uma brutal diferença entre os valores de NAF recomendados e os estimados para a população rural e
urbana. Para as mulheres, as diferenças são ainda mais marcantes (Figura 5).
A aplicação dos valores de NAF na população brasileira deve ser vista com cautela, pois, além dos proble-
mas com as tabelas de custo energético de atividades, há ainda a aparentemente superestimativa da TMB pelas
equações sugeridas para uso internacional, fato já documentado em segmentos da população brasileira (Anjos,
1998; Anjos et al., 1998; Cruz, Silva & Anjos, 1999; Wahrlich & Anjos, 2001b; Wahrlich, 2005; Wahrlich et al.,
2007). Como na maioria das situações clínicas ou dos estudos epidemiológicos não se mede a TMB, deve-se
confiar em equações de predição da TMB, o que, em muitos casos, pode levar a conclusões errôneas (Wahrlich &
Anjos, 2001a).
Para os casos que não é possível medir a TMB, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimen-
tação (FAO) e a OMS passaram a sugerir na nova recomendação de RE (FAO/WHO/UNU, 2004) o uso das
equações de Schofield (1985), listadas na Tabela 2, que, na ausência de outras validadas para a população brasileira,
deverão ser usadas, mesmo sabendo que elas poderão superestimar a TMB em até 20% (Wahrlich, 2005).

174
Gasto energético

Figura 4 – Coeficientes estimados de NAF na população masculina brasileira em 1975

Fonte: desenhada com base em dados gerados por Vasconcellos e Anjos (2003).

Figura 5 – Coeficientes estimados de NAF na população feminina brasileira em 1975

Fonte: desenhada com base em dados gerados por Vasconcellos e Anjos (2003).

175
Epidemiologia Nutricional

Tabela 2 – Equações para cálculo da TMB publicadas por Schofield (1985) e sugeridas para uso internacional
pela FAO/WHO/UNU (2004). Peso (P) em kg
Homens Mulheres
Idade (anos) n TMB (kcal/dia) n TMB (kcal/dia)
<3 162 5 9 ,5 1 2 x P - 3 0 ,4 137 5 8 ,3 1 7 x P - 3 1 ,1

3 - 9 ,9 338 2 2 ,7 0 6 x P + 5 0 4 ,3 413 2 0 ,3 1 5 x P + 4 8 5 ,9

1 0 - 1 7 ,9 734 1 7 ,6 8 6 x P + 6 5 8 ,2 575 1 3 ,3 8 4 x P + 6 9 2 ,6

1 8 - 2 9 ,9 2879 1 5 ,0 5 7 x P + 6 9 2 ,2 829 1 4 ,8 1 8 x P + 4 8 6 ,6

3 0 - 5 9 ,9 646 1 1 ,4 7 2 x P + 8 7 3 ,1 372 8 ,1 2 6 x P + 8 4 5 ,6

> 60 50 1 1 ,7 1 1 x P + 5 8 7 ,7 38 9 ,0 8 2 x P + 6 5 8 ,5

Até a publicação de 2004, a FAO e a OMS sugeriam que o aporte energético para os menores de 10 anos
de idade fosse baseado no valor do peso corporal. Atualmente, a recomendação, para crianças acima de 1 ano de
idade e adolescentes, é que se use a mesma estratégia para adultos, ou seja, basear os dados em estudos de ADM,
calculando-se a TMB e multiplicando-se o valor encontrado pelo NAF. Para fins práticos, foram desenvolvidas
equações para a estimativa dos requerimentos energéticos baseados no valor do peso corporal (em kg), apresenta-
das a seguir. É importante reparar que há um componente quadrático do peso corporal (kg2).
Meninos (n = 801)
GE = RE (kcal/dia) = 310,2 + 63,3 kg - 0,263 x kg2

Meninas (n = 808)
GE = RE (kcal/dia) = 263,4 + 65,3 kg - 0,454 x kg2

Para crianças com menos de 1 ano de idade, foi dada a opção de calcular o RE usando-se três equações,
dependendo do peso corporal e das características da alimentação das crianças:
Amamentação (n = 195)
GE total diário (kcal/dia) = - 152,0 + 92,8 x kg

Com alimentação por fórmula (n = 125)


GE total diário (kcal/dia) = - 29,0 + 82,6 x kg

Todos (amamentação ou alimentação por fórmula) (n = 320)


GE total diário (kcal/dia) = - 99,4 + 88,6 x kg

Considerações Finais
A medição do gasto energético tem muitas aplicações para a área de saúde, mas é na determinação dos
requerimentos energéticos e na avaliação da atividade física de populações que atualmente se concentra o seu uso.
O método da água duplamente marcada, atualmente considerado como padrão, ainda é caro. Existem, entretan-
to, métodos mais simples e mais baratos e que são bastante promissores para o uso em pesquisas populacionais.

176
Gasto energético

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10
Métodos de Avaliação do Consumo de Alimentos

Rosangela Alves Pereira e Rosely Sichieri

A avaliação do consumo alimentar de indivíduos e populações é considerada um passo fundamental na


avaliação da saúde. Contudo, a mensuração do consumo alimentar carece de métodos que combinem facilidade
na avaliação, validade e precisão, o que é compreensível, dado que esse consumo abrange todos os alimentos e
bebidas ingeridos. A avaliação da ingestão alimentar deveria, portanto, incluir, além de fontes de energia ou de
nutrientes, água, suplementos dietéticos e condimentos. Contudo, tais itens costumam ser, freqüentemente,
omitidos em investigações sobre consumo dietético, em função das dificuldades na sua identificação e quantificação
(Rutishauser, 2005). Mesmo desconsiderando-os, estimar o consumo alimentar e relacioná-lo à saúde não é uma
tarefa fácil, pois, como adequadamente afirmam Willett e Buzzard (1998), a dieta que consumimos diariamente
contém inúmeras substâncias, algumas das quais conhecemos e podemos quantificar, outras são grosseiramente
caracterizadas e há ainda aquelas que apenas suspeitamos existir.
As seguintes categorias de compostos químicos são encontradas nos alimentos: a) nutrientes essenciais, tais
como vitaminas, minerais, lipídios e aminoácidos; b) fontes de energia, especificamente proteínas, carboidratos,
lipídios e álcool; c) toxinas provenientes de microorganismos, como por exemplo a aflatoxina; d) contaminantes
inorgânicos, como metais e compostos sintéticos; e) substâncias formadas durante o processamento ou o cozimento,
como por exemplo as aminas policíclicas aromáticas; f ) toxinas naturais, como é o caso do ácido cianídrico na
mandioca e de alguns alcalóides; g) outros compostos naturais, como enzimas e inibidores enzimáticos.
Uma vez que os diferentes compostos químicos encontrados nos alimentos estão altamente correlacionados,
pode-se dizer que todos os indivíduos são expostos a esses fatores. Em conseqüência, o estudo de relações causais
entre dieta e desenlaces deve sempre levar em conta a possível presença de confundimento residual que dificulte
o estabelecimento de associações causais. Mesmo com toda a dificuldade na avaliação do consumo alimentar, os
métodos de investigação do consumo de alimentos são ferramentas básicas da epidemiologia nutricional.
A importância da dieta na etiologia de diversas enfermidades tem sido evidenciada em pesquisas epidemiológicas,
experimentos com animais e estudos laboratoriais, e sua importância justifica-se na medida em que as exposições
aos fatores dietéticos, por serem amplamente disseminadas, exercem impacto importante sobre as condições de
nutrição e saúde. Assim, a avaliação do consumo de alimentos e a determinação do seu papel na ocorrência
de enfermidades são um aspecto particular da epidemiologia nutricional, e os estudiosos vêm tentando criar
instrumentos capazes de responder aos desafios impostos pela complexidade da dieta humana.

181
Epidemiologia Nutricional

Os instrumentos para avaliação da dieta devem levar em conta a extensa variabilidade da ingestão dietética
dos indivíduos e grupos humanos. A dieta varia de dia para dia, de semana para semana, e tende a sofrer modifi-
cações mais profundas ao longo dos anos. Embora haja um padrão consistente subjacente na dieta individual,
diversos fatores fisiológicos, culturais, econômicos e ambientais contribuem para a variação no consumo de
alimentos. Por exemplo, a variação mais evidente é a mudança observada na ingestão de alimentos entre os dias
de trabalho (dias da semana) e os dias de descanso (fins de semana). Outro exemplo é dado pela variação no
consumo alimentar de acordo com o dia da semana entre determinados grupos religiosos. Em segmentos de
baixo poder aquisitivo, o consumo alimentar pode variar entre períodos imediamente subseqüentes e outros que
se distanciam da data de recebimento do salário. A proximidade de locais de abastecimento (supermercados,
feiras livres, quitandas, padarias), a sazonalidade, períodos de safra e entressafra – que interferem na disponibili-
dade e no preço de produtos –, entre outros fatores, influenciam no consumo alimentar. Datas festivas e outras
comemorações são usualmente marcadas por diferenciais no consumo alimentar. Também fatores associados às
condições fisiológicas, como variações hormonais e o ciclo menstrual entre mulheres, e o nível de atividade física
determinam mudanças na ingestão de alimentos. Além disso, ao longo da vida, as modificações no estado fisio-
lógico e na inserção social – por exemplo, a idade, gravidez, doenças, migrações, agregação social, casamento ou
divórcio etc. – geram variações na dieta. Essas fontes de variação explicam a variabilidade intra-individual, con-
siderada mais importante que a variação entre indivíduos.
Considere-se ainda que na sociedade urbana moderna o desenvolvimento da indústria alimentícia e a
ampliação da rede de comercialização de alimentação (restaurantes, bares, lanchonetes, fast-food etc.) e a globalização
têm determinado a incorporação de novos hábitos e produtos, acompanhada do desaparecimento de outros itens
que eram tradicionalmente parte do hábito alimentar. Esse fenômeno repercute de forma intensa sobre a dieta
habitual de grande parte da população e, certamente, sobre a dinâmica de nutrição e saúde.
Diante dessa complexidade e dinamismo, é tarefa árdua a obtenção de dados precisos sobre dieta. Além
de não ser comum o relato preciso do consumo alimentar, mesmo aquele recente, os indivíduos dificilmente
são capazes de indicar com exatidão os momentos em que ocorreram alterações nos seus hábitos alimentares ao
longo da vida. Willett (1998) faz um contraponto entre a investigação da exposição à dieta e ao tabaco,
assinalando que os indivíduos (e mesmos seus parentes e cônjuges) conseguem relatar com alta precisão e
clareza quando começaram a fumar, a quantidade e a marca de cigarros fumados, as modificações no padrão
de uso do tabaco ao longo dos anos, chegando ao detalhe de lembrar a data do último cigarro fumado. Em
contrapartida, caracterização e quantificação precisas do consumo alimentar é quase uma impossibilidade.
Alguém já experimentou questionar, em investigação sobre consumo de alimentos, quando o indivíduo co-
meu seu primeiro tomate, laranja ou salsicha?
Um aspecto positivo desse alto grau de complexidade na mensuração da ingestão dietética é o conhecimen-
to mais aprofundado dos erros e da estrutura dos erros quando se estima o consumo dietético em suas múltiplas
possibilidades, ou seja, os estudos podem enfocar o consumo de energia e nutrientes, de grupos de alimentos, de
alimentos específicos ou de outros componentes dos alimentos que estejam relacionados a efeitos benéficos (por
exemplo, isoflavonas) ou deletérios (contaminantes, pesticidas, metais pesados). A definição do foco da investigação
é fundamental para a definição dos métodos e técnicas a serem empregados na obtenção e análise dos dados sobre
consumo alimentar e os erros de mensuração associados.

182
Métodos de avaliação do consumo de alimentos

Principais Métodos de Avaliação do Consumo


Alimentar em Estudos Populacionais
Os métodos mais utilizados na obtenção de dados sobre consumo de alimentos em pesquisas epidemiológicas
são: a) folha de balanço de alimentos; b) inventário; c) Pesquisa de Orçamento Familiar (POF); d) registro ou
diário alimentar; e) métodos recordatórios; f ) Questionário de Freqüência Alimentar (QFA). Os itens a, b e c
permitem avaliações nos agregados: países, famílias, grupos sociais e os demais propiciam avaliações tanto dos
agregados quanto individuais, com a ressalva de que a aplicação de um único registro ou um único recordatório
de 24 horas, em geral, é adequada para a avaliação de agregados e não de indivíduos. A Figura 1 representa a
aplicabilidade dos métodos de avaliação do consumo de alimentos segundo o grau de agregação desejado.

Figura 1 – Aplicabilidade dos métodos de avaliação do consumo de alimentos

POF - Pesquisa de Orçamento Familiar


QFA - Questionário de Freqüência de Consumo de Alimentos

Contudo, resultados obtidos por diferentes métodos podem ser controversos, e sua interpretação deve
considerar a possibilidade de haver fatores de confusão. Um exemplo é oferecido pelos dados de pesquisas de
orçamento familiar realizadas no Brasil (Levy-Costa et al., 2005) que evidenciam a redução do consumo de
energia, como representado na Figura 2, ao passo que os dados da FAO (Faostat, 2006) claramente indicam
aumento da disponibilidade de energia, que era da ordem de 2.216 kcal, em 1961, e atingiu 3.001 kcal, em 2001.
Uma possível explicação é o fenômeno que vem sendo reconhecido em diversos países, o incremento da propor-
ção de refeições realizadas fora do domicílio, como ilustrado na Figura 3, em que se demonstra que no Rio de
Janeiro, em 1996, 50% dos homens não realizavam o almoço em seus domicílios.

183
Epidemiologia Nutricional

Figura 2 – Disponibilidade de energia por pessoa e por dia, segundo Pesquisas de Orçamento Familiar
(POF), desenvolvidas no Brasil (1975-2003)

Fonte: Levy-Costa et al. (2005).

Figura 3 – Refeições realizadas no domicílio ou com alimentos levados do domicílio (%)

Fonte: Pesquisa de Nutrição e Saúde no Rio de Janeiro, 1996.

184
Métodos de avaliação do consumo de alimentos

Folha de Balanço de Alimentos


Por se referir à estimativa da disponibilidade de alimentos para países ou regiões, este método vem sendo
utilizado em estudos ecológicos (ou de correlação), geralmente em associação com outros indicadores de saúde da
população (por exemplo, taxas de mortalidade ou de incidência). Desenvolvida pela FAO (Food and Agriculture
Organization, entidade ligada à Organização das Nações Unidas), a folha de balanço de alimentos utiliza infor-
mações sobre alimentos produzidos, importados, exportados, aqueles não destinados ao consumo humano (uti-
lizados na indústria, produção de ração etc.) e o que foi perdido no armazenamento e transporte, para estimar
periodicamente as quantidades per capita de energia e nutrientes disponíveis para a população.

Energia e nutrientes disponíveis = [(alimentos produzidos + alimentos importados) - (alimentos utilizados na


indústria + destinados à ração animal + exportados + perdidos no transporte/armazenamento)]

Evidentemente, com este procedimento não é possível reconhecer o que a população realmente consumiu,
mas é possível identificar tendências no perfil de consumo alimentar de grandes grupos populacionais, orientar a
política agrícola e de abastecimento e, eventualmente, desenvolver hipóteses etiológicas. Exemplos clássicos do
uso das folhas de balanço de alimentos são os estudos que relacionaram o consumo estimado de gordura com
mortalidade por câncer de mama. Sasaki, Horacsek e Kestloot (1993) analisaram dados de folhas de balanço de
alimentos e de mortalidade por câncer de mama de trinta países, abrangendo o período de 1961-1986.
Os autores observaram associações positivas estatisticamente significativas entre o consumo de gordura animal e
vegetal e a mortalidade por câncer de mama e, para o consumo de gordura de peixe, efeito inverso. Os dados
sugerem que o efeito da gordura sobre o câncer de mama poderia ser diferenciado, dependendo do tipo de
gordura consumida. Obviamente, esta abordagem apresenta limitações, pois não é possível determinar se a asso-
ciação observada para populações ocorre da mesma forma no plano individual; além do mais, potenciais fatores
de confundimento, geralmente, não podem ser averigüados para grupos da população.

Inventário
Esta técnica tem como objetivo registrar os alimentos que são consumidos no domicílio durante um deter-
minado período (geralmente mês, quinzena ou semana). Para tanto, são inventariados os produtos existentes no
domicílio no início do período; solicita-se que sejam anotados todos os alimentos adquiridos durante o período
de investigação; ao final do período, é realizado novo inventário, e o consumo de alimentos será estimado por:

[(produtos existentes no primeiro inventário + produtos adquiridos) - produtos existentes no segundo inventário]

Este procedimento também não possibilita reconhecer o consumo particular dos membros da família.
Obtém-se estimativa da disponibilidade familiar de alimentos, mas não se estimam o consumo individual, pois
não são consideradas as refeições realizadas fora do domícilio, a presença de outros comensais que não os mem-
bros da família, nem a participação de cada membro da família individualmente no consumo dos itens
inventariados. Porém, o método do inventário pode ser útil quando se deseja avaliar fatores associados com
comportamento alimentar. Rose e Richards (2004) analisaram dados de inventário de uma semana, revelando
que em domicílios próximos a supermercados observou-se incremento do uso de frutas e vegetais entre beneficiários
do Food Stamp Program, nos Estados Unidos, em 1996-1997. Por sua vez, Turrini e colaboradores (2001)
fizeram uma composição entre o inventário domiciliar de alimentos e registros dietéticos dos membros da família
em investigação de desenho seccional, de base populacional, desenvolvida na Itália entre 1994 e 1996. Os autores

185
Epidemiologia Nutricional

relatam que a complexidade da metodologia empregada redundou em elevada proporção de perdas; entretanto,
assinalam que os dados obtidos permitiram reconhecer não somente os padrões dietéticos praticados na Itália, mas
também as características particulares no consumo alimentar de homens e mulheres e nos diferentes grupos etários.

Pesquisas de Orçamento Familiar (POF)


As POF têm por objetivo estimar as despesas efetuadas pelas famílias com diferentes itens, inclusive ali-
mentos. No Brasil, pesquisas dessa natureza vêm sendo desenvolvidas com regularidade pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). A POF brasileira mais recente foi realizada entre julho de 2002 e junho de
2003. Foram obtidas informações de 48.470 domicílios urbanos e rurais de todas as regiões do país. O detalhamento
da pesquisa, amostragem e procedimentos são encontrados nas publicações do IBGE (IBGE, 2004) e em Levy-
Costa et al., 2005. Neste último levantamento, foram consideradas as despesas monetárias e não monetárias, ao
passo que as POF anteriores pesquisaram somente as despesas monetárias. Para a coleta das informações relativas
aos alimentos e bebidas adquiridos, as famílias registraram durante sete dias consecutivos a descrição detalhada de
cada produto adquirido, a quantidade, o valor pago, a unidade de medida, o local de compra.
Pesquisas de orçamento familiar são realizadas em vários países. Na Europa, tem sido comum a prática de
registrar os alimentos adquiridos pela família durante o período de referência de 14 dias (The Dafne - Data Food
Networking); entretanto, em outros países, como o Reino Unido e os Estados Unidos, o registro também é feito
para o período de uma semana (Byrd-Bredbenner, Lagiou & Trichopoulou, 2000), à semelhança do Brasil.
Como discutido por Levy-Costa e colaboradores (2005), o período de referência para a coleta de dados
sobre aquisição de alimentos das POFs brasileiras determina que estimativas sejam calculadas com base em
agregados de famílias, uma vez que muitos dos itens incluídos na dieta são adquiridos com freqüência maior que
a semanal, com exceção de frutas, verduras e alguns outros alimentos perecíveis. Outra limitação da POF está
relacionada à crescente freqüência de consumo alimentar fora do domicílio, principalmente no meio urbano,
como frisado anteriormente (Figura 3).
Porém, mesmo com essas ressalvas, os dados sobre aquisição de alimentos podem fornecer informações
úteis sobre os hábitos alimentares de famílias. Eles permitem, ainda, avaliar o início da cadeia de consumo e
estabelecer políticas públicas que podem modificar a oferta de alimentos e os padrões de compra da população.
Além disso, como são realizadas com o objetivo primordial de alimentar o sistema econômico e produtivo, essas
pesquisas são realizadas com freqüência e regularidade.

Registro ou Diário Alimentar


Consiste na descrição detalhada dos tipos e quantidades de alimentos e bebidas consumidas diariamente,
discriminados por horário e/ou refeição. Por ser uma medida pontual, em geral o diário alimentar é repetido
durante um certo número de dias, de forma contínua ou não, para a obtenção da estimativa do consumo usual.
A definição do número de dias de registro alimentar é crucial e deve ser determinada em função da variabilidade
intra-individual dos nutrientes de interesse no estudo e do grau de precisão desejado (Buzzard, 1998). Porém, há
que se tomar cuidado, pois, quando se opta por aumentar o número de dias, corre-se o risco de reduzir a adesão.
O número de dias necessários varia de população para população, dependendo da variabilidade da dieta. Em
geral, três dias permitem uma boa estimativa para energia, dado que vários são os alimentos que contribuem para
o consumo total de energia.
Tradicionalmente, o registro alimentar é realizado escrevendo-se em formulário apropriado, de maneira deta-
lhada, todos os alimentos consumidos durante um ou mais dias. Por isso, para o sucesso deste método, é imprescin-
dível a colaboração e motivação por parte do entrevistado, além de grau de escolarização que permita realizar as

186
Métodos de avaliação do consumo de alimentos

anotações, o que limita os grupos populacionais em que o método pode ser empregado. Já há estudos que descrevem
a incorporação de tecnologias que permitem realizar o registro alimentar com o uso de PDA (Personal Digital
Assistant) ou, como é mais conhecido, palm-top, máquinas fotográficas, gravadores, filmadoras, balanças acopladas
a computadores, e até telefone celular (Burke et al., 2005; Fong & Kretsch, 1990; Wang et al., 2002). Enquanto
para alguns autores a introdução de recursos tecnológicos representou uma maneira válida e conveniente de obter
dados sobre consumo de alimentos (Wang, Kogashiwa & Kira, 2006), para outros esses recursos não contribuíram
para a maior aderência ou acurácia do relato de consumo alimentar (Yon et al., 2006), apresentando resultados
comparáveis aos métodos tradicionais (Beasley, Reiley & Jean-Mary, 2005; Kaczkowski et al., 2000). Essas tecnologias
podem, contudo, reduzir o tempo e o trabalho de registro do consumo de alimentos (Fong & Kretsch, 1990, Wang,
Kogashira & Kira, 2006).
Uma das vantagens do método do registro ou diário alimentar é a eliminação do viés de memória e, por
isso, para alguns autores seria um método mais preciso. Outra vantagem seria a capacidade de obter informações
sobre quantidade com relativa acurácia. Contudo, por se tratar de um método prospectivo, o ato de registrar
pode levar o indivíduo a alterar a escolha e o consumo de alimentos - inclusive, alguns estudos relatam perda de
peso durante o período de registro do consumo (Trabulsi & Schoeller, 2001). Outras limitações referem-se,
principalmente, ao custo elevado, ao tempo necessário para a obtenção dos dados e ao trabalhoso tratamento e
análise destes. A obtenção de registros com qualidade requer orientação padronizada dos participantes sobre
o detalhamento das informações a serem registradas, desde a maneira de informar a porção ingerida até o
detalhamento de receitas, relato sobre adição de temperos, açúcar, sal, óleos e gorduras, passando pela marca
e especificidades de produtos industrializados. Além disso, para garantir a adequada descrição dos alimentos
consumidos e suas quantidades, um pesquisador treinado deve rever os dados registrados, junto com o indivíduo
sob investigação, logo após a finalização do registro (Buzzard, 1998).
Trabulsi e Schoeller (2001) avaliaram a validade de dados de registro de alimentos, comparando-a com o
daqueles obtidos mediante a estimativa do dispêndio de energia pela água duplamente marcada e observaram
que, no caso do primeiro método, as características físicas e psicológicas dos indivíduos em estudo afetam a
qualidade do registro. A subestimação do consumo pode se dever ao sub-relato, mas também à redução do
consumo durante o período de coleta de dados. O sub-relato foi mais freqüente entre indivíduos com algum
excesso de peso (medido pelo IMC [índice de massa corporal = peso/estatura2], circunferência da cintura e massa
de gordura corporal), indivíduos com mais idade e aqueles submetidos a regime de restrição alimentar.

Métodos Recordatórios
O recordatório de 24 horas é o método mais utilizado para a obtenção de relato de consumo de alimentos.
Geralmente, o relato refere-se ao período das 24 horas anteriores ou ao dia anterior à entrevista, porque se
considera que este é o período em que os indivíduos são capazes de lembrar a sua ingestão alimentar com o
detalhamento desejado neste tipo de investigação (Rustishauser, 2005). Entretanto, períodos maiores têm sido
referidos, Schroder e colaboradores (2001) compararam o recordatório de 72 horas com o registro alimentar no
mesmo período; e compararam as estimativas de consumo de nutrientes obtidas com marcadores biológicos
como o nitrogênio urinário, vitamina C e betacaroteno plasmático e os níveis de atividade da glutationa-peroxidase,
além de estimar a reprodutibilidade do método por meio de estudo de teste-resteste. Os autores consideraram
que o recordatório de 72 horas fornece estimativas válidas do consumo de nutrientes e pode ser usado em estudos
de avaliação do consumo dietético.
O método recordatório, tradicionalmente, baseia-se em entrevista conduzida por profissional treinado
cujo propósito é obter informações que permitam definir e quantificar a alimentação consumida no período de
referência, geralmente 24 horas. Em geral, a entrevista é conduzida de modo a solicitar ao entrevistado que

187
Epidemiologia Nutricional

recorde o consumo em ordem cronológica. Para reduzir o erro na obtenção dos dados, recomenda-se a
aplicação de técnicas de entrevista que visam a melhorar a lembrança do consumo alimentar no dia anterior,
como a manutenção de atmosfera apropriada para estimular a cooperação e motivar o entrevistado. Para
facilitar a lembrança, pode-se solicitar um breve histórico do que foi o dia anterior e elaborar perguntas
específicas como:
"V. comeu alguma coisa entre o café da manhã e o almoço?".
Uma técnica, denominada "passagens múltiplas", vem sendo utilizada mais recentemente e consiste em
estimular o entrevistado a recordar os alimentos consumidos no dia anterior, em três fases distintas: a) listagem
rápida; b) descrição detalhada e c) revisão. Na etapa da listagem rápida, solicita-se ao entrevistado que liste todos
os alimentos consumidos no dia anterior, considerando qualquer estratégia de lembrança que lhe seja mais apro-
priada, não necessariamente em ordem cronológica; durante o relato, o entrevistador não interfere e não inter-
rompe o entrevistado. Na segunda etapa, o entrevistador passa a sondar o entrevistado para obter informações
sobre outros alimentos que necessitam ser adicionados à lista, dando ao entrevistado a oportunidade de lembrar
alimentos que haviam sido inicialmente omitidos. Por fim, o entrevistador revê a lista com o entrevistado, com o
objetivo de completar o relato (Jonhson, Soultanakis & Matthews, 1998).
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América (USDA) aperfeiçou o método de passa-
gens múltiplas para a obtenção de relato de consumo de alimentos, criando o USDA Multiple Pass Method, que
integra em cinco etapas a recordação da ingestão alimentar de 24 horas (Conway et al., 2003). A entrevista, feita
por telefone, é desenvolvida nas seguintes etapas: a) listagem rápida dos alimentos e bebidas consumidos no dia
anterior; b) uma série de questões interpela o entrevistado a respeito de alimentos que são usualmente omitidos
em recordatórios de 24 horas; c) o entrevistado responde sobre o horário em que cada alimento foi consumido,
detalhando local e ocasião; d) na etapa de detalhamento, solicita-se ao entrevistado que descreva com detalhes os
alimentos relatados e sua quantidade, revendo as informações sobre o horário e a ocasião do consumo; e) na
última, é feita revisão final das informações e sondagem sobre alimentos que tenham sido consumidos e não
foram relatados. Conway e colaboradores (2003) estimaram o consumo de alimentos em mulheres americanas
utilizando o USDA Multiple Pass Method, observando uma precisão de 10% em relação ao consumo obtido por
meio de registro. Rustishauser (2005) assinala que o método da passagem múltipla tem sido considerado forma
mais adequada de estimulação dos processos cognitivos de lembrança do que estímulos de ordem cronológica.
Para a obtenção de dados confiáveis em inquéritos recordatórios, é fundamental a habilidade do entrevistador
em estabelecer comunicação com o entrevistado, o que torna, portanto, importantíssimo o treinamento e a
padronização dos entrevistadores. Também é recomendado utilizar recursos para detalhar os alimentos consumidos,
como perguntar sobre os ingredientes de preparações, marcas e tamanho da embalagem de produtos industriali-
zados e, especialmente, sobre itens geralmente omitidos: balas, bebidas, doces e produtos de adição como azeite,
sal, açúcar, manteiga, margarina, molhos para salada e outros temperos. Além disso, a utilização de recursos como
a apresentação de utensílios, fotos ou modelos pode ajudar na estimativa das porções consumidas.
Nelson, Atkinson e Darbyshire (1994) assinalam que o uso de uma série de fotografias apresentando
diferentes tamanhos de porções de alimentos foi relacionado com a redução do erro na percepção das quantida-
des de alimentos, ao passo que o uso de uma fotografia apenas relaciona-se com substancial subestimação das
quantidades de diversos alimentos. Turconi e colaboradores (2005) também consideram que o uso de um atlas
com grupos de três fotografias coloridas de cada alimento associou-se significativamente às porções consumidas,
independentemente da idade, do sexo e do IMC, principalmente quando consideradas as estimativas para o
grupo (que foram mais precisas do que para cada participante individualmente); esses autores consideraram
o atlas fotográfico de alimentos como instrumento útil em estudos epidemiológicos.
As principais vantagens dos métodos recordatórios são o baixo custo, o tempo reduzido de aplicação, sua
alta aceitação, o fato de não provocarem alteração nos hábitos alimentares e de não exigirem habilidades

188
Métodos de avaliação do consumo de alimentos

especiais do respondente. Os erros dos recordatórios relacionam-se com a memória e a cooperação do entre-
vistado e com dificuldades na estimativa das quantidades consumidas.
A qualidade da informação tanto dos diários alimentares quanto dos inquéritos recordatórios de 24 horas
tem sido associada a características como sexo, idade e escolaridade. Estudos que avaliaram a validade do consu-
mo energético estimado com base em registros ou recordatórios mostram que a subestimação do consumo é
bastante disseminada (Kaczkowski et al., 2000). Trabulsi e Schoeller (2001) notam a relação inversa entre o IMC e
a acurácia do relato. Entretanto, essa premissa não se confirma em todos os segmentos; por exemplo, observou-se
alto grau de sub-relato entre atletas de elite, apesar dos IMC dentro dos limites de normalidade. Buzzard (1998)
assinala que os grupos que mais sub-relatam o consumo são os obesos, as mulheres, os adolescentes, os idosos e os
que comem mais (que em muitas ocasiões são os que gastam mais energia). Não foram registradas diferenças
entre os relatos obtidos em entrevistas pessoais e os realizados por telefone (Casey et al., 1999; Tran et al., 2000;
Yanek et al., 2000).
Tanto em diários alimentares como em inquéritos recordatórios de 24 horas, a omissão de itens consumi-
dos é mais comum que a inclusão de produtos não utilizados (Buzzard, 1998), sendo os alimentos omitidos com
maior freqüência aqueles consumidos mais raramente. Além disso, itens de adição, tais como manteiga, molhos
e açúcar, são habitualmente mal relatados. Quanto à estimativa das porções, a superestimação parece ser mais
comum do que a subestimação (Godwin, Chambers & Cleveland, 2004).
A reprodutibilidade de registros e recordatórios de 24 horas é muito difícil de ser avaliada devido à variabi-
lidade intra-individual do consumo alimentar. Contudo, a reprodutibilidade da estimativa da média populacional,
mesmo baseada em um único dia de consumo, é alta (Buzzard, 1998). Um único recordatório de 24 horas é um
método útil para descrever o consumo médio de energia e nutrientes de grupos populacionais.
Em estudos epidemiológicos, estimar o consumo usual costuma ser mais importante que o consumo pontual.
Informação sobre o consumo alimentar de apenas um dia pode ser aceitável para a estimativa de médias de consumo
global (energia e macronutrientes) de grandes amostras, ou de populações com consumo muito monótono. Tanto o
registro alimentar como o recordatório de 24 horas estimam o consumo atual, sendo recomendada a sua repetição
quando se deseja a estimativa do consumo usual. Quando o objetivo é a determinação do risco de consumo inade-
quado de alimentos/nutrientes, recomenda-se a realização de múltiplos registros ou recordatórios (Bingham &
Nelson, 1997). Para micronutrientes, a variabilidade intra-individual no consumo é maior, uma vez que eles se
distribuem de forma irregular entre os alimentos que compõem a dieta usual. Por conseguinte, é necessário que
sejam incluídos dados de um grande número de dias. De acordo com Willett (1998), para nutrientes como colesterol,
vitamina A e vitamina C, podem ser necessários de vinte a cinqüenta dias. Para que se obtenha medida mais precisa
do consumo usual de energia e nutrientes, o ideal é que estejam representados os sete dias da semana.

Questionário de Freqüência do Consumo de Alimentos (QFA)


O QFA é um questionário no qual o respondente é apresentado a uma lista de alimentos e solicitado a
relatar com que freqüência cada item é usualmente consumido em média, em número de vezes por dia, por
semana ou por mês, em um dado período, geralmente, os últimos seis ou 12 meses. Os alimentos incluídos na
lista são, geralmente, escolhidos por razões específicas, e teoricamente este método não permite estimar o consu-
mo total de alimentos. Segundo Willett (1998), o QFA desenvolveu-se com base em um método de avaliação do
consumo alimentar elaborado entre 1940 e 1950, nos Estados Unidos, que incluía um componente no qual o
respondente deveria listar os alimentos consumidos no mês anterior. Essa listagem foi a precursora dos QFA
utilizados nos dias de hoje. O QFA resultou da necessidade de avaliar o consumo de longo prazo, como uma
alternativa ao registro alimentar e ao recordatório de 24 horas, que estimam o consumo pontual e se tornam
dispendiosos e trabalhosos quando repetidos por longos períodos.

189
Epidemiologia Nutricional

O princípio subjacente aos QFA é que a estimativa da dieta habitual, praticada ao longo de semanas,
meses ou anos, constitui-se como fator de exposição mais importante do que a estimativa da dieta pontual –
por exemplo, de um único dia, ou mesmo de alguns dias. Essa premissa justifica a utilização de informações
menos precisas, mas relacionadas ao consumo habitual, em detrimento da precisão de dados relativos à
ingestão pontual de alimentos. É também Willett (1994) quem assinala que a variação na quantidade de
alimentos consumida pelos indivíduos é determinada, em última instância, pela freqüência do consumo.
O QFA tem sido considerado o método de escolha em estudos epidemiológicos. O objetivo básico do QFA
é avaliar a dieta praticada durante determinado período de tempo no passado recente, ou mesmo remoto.
A preferência dos estudos epidemiológicos pelo QFA está baseada na possibilidade de medir a intensidade da
exposição, permitindo classificar os indivíduos em categorias de consumo (por exemplo, alto, médio e baixo), o
que possibilita estimativa da associação das categorias de consumo com o desenvolvimento de enfermidades.
Além do mais, por sua praticidade tanto na obtenção quanto na análise dos dados, o QFA é adequado para
extensos estudos de base populacional. O QFA não sofre o efeito da variação intra-individual e, por se tratar de
método retrospectivo, não leva à alteração do padrão de consumo dos indivíduos. Portanto, embora justificável
nos estudos epidemiológicos de caráter etiológico, o QFA não é o método indicado para estudos que requerem
estimativas acuradas e absolutas do consumo, como é o caso de estudos descritivos do consumo alimentar e
algumas investigações clínicas.

Desenvolvimento do QFA
A elaboração da lista dos alimentos do QFA é aspecto crucial no seu desenvolvimento. As alternativas são:
a) a verificação em tabela de composição de alimentos dos itens que contêm teores elevados do nutriente em
estudo; b) a orientação de especialistas em nutrição; c) a utilização de dados de estudos anteriores que aplicaram
registro ou recordatório de 24 horas na população que se deseja investigar. Entretanto, se esses estudos são muito
antigos, é necessária a sua atualização, pois podem ter ocorrido mudanças nos hábitos alimentares ao longo dos
anos; d) realização de registro ou recordatório de 24 horas em amostra reduzida da população que se deseja
investigar. A lista de alimentos que integra cada QFA é específica, e sua definição dependerá dos objetivos do
estudo (Bingham & Nelson, 1997). A utilização de tabelas de composição química de alimentos apresenta limi-
tações, uma vez que pode incluir alimentos com alto teor do nutriente de interesse, mas pouco consumidos pela
população.
A técnica de grupo focal tem sido relatada como uma estratégia para auxiliar a construção de QFA para
grupos culturais específicos (MacIntyre, Venter & Vorster, 2000; Yaroch et al., 2000). É fundamental que a lista
se constitua não só por alimentos que sejam consumidos razoavelmente por proporção considerável da popula-
ção de estudo, mas cujo consumo seja variável entre os indivíduos. É quase sempre preferível que se defina uma
lista ampla de alimentos, que tem a vantagem de permitir o ajuste para o consumo de energia, passo quase que
obrigatório nos estudos etiológicos. Ainda que o objetivo seja investigar o consumo de algum nutriente específi-
co, o consumo de quase todos os nutrientes é altamente correlacionado à ingestão de energia. Uma lista mais
extensa, segundo Cade e colaboradores (2002), tem também a vantagem de permitir explorar hipóteses futuras,
não definidas no estudo principal, ou de retornar ao mesmo grupo populacional para acompanhar mudanças na
tendência de consumo de alimentos. Todavia, ocorrem situações em que uma lista mais restrita pode ser o proce-
dimento de escolha; por exemplo, quando se deseja selecionar indivíduos que mantêm consumo elevado de
gorduras para a inclusão em estudo de intervenção, ou questionários de rastreamento ou com caráter educativo
quando da sua aplicação (Block, 1989; Chiara & Sichieri, 2001).
Para a definição de uma lista de alimentos com base em dados de registro ou recordatório, alguns procedimen-
tos podem ser adotados, por exemplo, priorizando alimentos que são os que mais contribuem para o consumo de

190
Métodos de avaliação do consumo de alimentos

energia e nutrientes, escolhendo os que explicam a variabilidade interindividual do consumo (aplicando-se


análise de regressão linear), ou simplesmente selecionando os que são mais freqüentemente referidos. Willett
(1998) aconselha cautela na utilização da análise de regressão para a seleção dos alimentos da lista do QFA, pois
alguns alimentos podem ser preditores do consumo de determinado nutriente, mas não ser diretamente respon-
sáveis pelo aporte do referido nutriente; um exemplo é o consumo de milho, que pode estar relacionado com o
consumo de colesterol, devido à adição de manteiga.
Cade e colaboradores (2002), em revisão de artigos publicados em 1998 sobre validação de QFA, observa-
ram que o número de itens incluídos nos QFA variou de cinco a 350, com mediana de 79 itens. Os questionários
que avaliavam o consumo de itens específicos eram mais curtos do que aqueles que pretendiam estimar o consu-
mo global. Os mesmos autores sugerem que listas extensas não aumentam a validade quando comparadas com
listas mais reduzidas.
Uma alternativa quando o tempo e/ou os recursos financeiros são limitados é a utilização ou modificação de
questionários já existentes, particularmente aqueles desenvolvidos para populações com características similares
àquelas do grupo em estudo, desde que testados quanto à reprodutibilidade e validade (Nelson, 1997). Vale lembrar
que os estudos de confiabilidade podem obter correlações elevadas, porém espúrias, dado que os erros de informação
costumam ser correlacionados (por exemplo, mulheres obesas consistentemente sub-relatam o consumo).
A organização da estrutura da lista de alimentos é um outro aspecto a ser considerado, pois um item pode
alterar a interpretação de outro. Quando o agrupamento é realizado de modo a se adequar à estrutura conceitual dos
respondentes, o relato do consumo se torna mais fácil. Cade e colaboradores (2002) recomendam apresentar itens
específicos antes de itens gerais (por exemplo, refrigerante de baixa caloria precedendo refrigerante em geral).
Alimentos que são o principal foco do estudo devem aparecer próximo do começo do questionário, mas
não no início propriamente dito. É provável que as respostas às primeiras perguntas estejam mais sujeitas a erro,
ao passo que as últimas podem ser respondidas com menor grau de atenção (Cade et al., 2002).
Uma forma de aumentar a precisão do QFA é a inclusão de questões adicionais sobre detalhes dos alimen-
tos usualmente consumidos, como o tipo de gordura usada no preparo de alimentos e uso de suplementos, bem
como sobre o consumo de gordura visível das carnes, o consumo de açúcar e alimentos dietéticos e a freqüência
de consumo de lanches (Willett, 1994).
Os QFA podem ser de três tipos: a) qualitativo: que obtém informações sobre os alimentos consumidos
sem incluir dados de quantidades; b) quantitativo: quando se solicita ao respondente que descreva a porção usual
de consumo de cada item da lista; tanto pode haver uma questão aberta para quantidades quanto se apresentar
uma porção média para que o respondente estime se sua porção é pequena (menor que a apresentada), média
(igual à apresentada), ou grande (maior que a apresentada); c) semiquantitativo: este questionário inclui uma
porção média de referência para cada item alimentar, e o consumo deve ser estimado como um múltiplo dessa
porção. No QFA semiquantitativo, as porções padronizadas podem ser especificadas como parte da pergunta;
por exemplo, deve-se perguntar: "Com que freqüência você consome um copo de leite?" ou, alternativamente,
podem ser feitas duas questões, uma sobre freqüência do consumo e outra sobre o número de porções usualmente
consumidas.
O QFA deve definir o período de referência para o consumo. Geralmente, em questionários desenvolvidos
em países de zona temperada, utiliza-se o ano precedente, pois em um ano ocorre um ciclo completo de estações,
o que permite capturar a variabilidade sazonal. Em geral, o questionário refere-se ao ano ou aos seis meses
pregressos, pois parte-se da premissa de que o importante é o consumo usual de longo prazo.
As opções de freqüência devem ser de fácil compreensão e estabelecidas em um gradiente contínuo, varian-
do entre cinco e dez, e organizadas de maneira crescente ou decrescente (Willett, 1998). As opções de freqüência
podem ser as mesmas para todos os alimentos incluídos no QFA (o que é comum quando o questionário apresen-
ta-se no formato horizontal) ou podem variar de acordo com o alimento analisado (mais freqüente quando o

191
Epidemiologia Nutricional

questionário tem o formato vertical). Este modelo se justifica porque há poucos alimentos que são, usual-
mente, consumidos mais do que uma ou duas vezes por dia. Se o questionário apresenta opções como "3-4
vezes por dia" para todos os alimentos, pode haver uma tendência de superestimação do consumo de alguns
itens, levando a distorções nos resultados (Cade et al., 2002). Quando as opções são poucas, provavelmente
ocasionam falta de informação, e se forem muitas, provavelmente geram confusão. O importante é que
tenham capacidade de discriminar alimentos que são consumidos freqüentemente (tais como manteiga,
açúcar, café) e aqueles que são consumidos raramente (por exemplo, fígado). Uma alternativa é deixar a
opção para freqüência em aberto, mas isso complica a codificação e a digitação dos dados. Mais ainda, Subar
e colaboradores (1995) observaram que o uso de opções de freqüência definidas reduz erros no preenchi-
mento de QFA, pois todos os repondentes ficam submetidos à mesma estrutura de erro de informação.
A inclusão de categorias de freqüência e tamanhos de porções como respostas fechadas também reduz o
trabalho e o custo com a codificação e previne erros de transcrição de dados; esta prática permite, ainda, reduzir
o volume de questionários rejeitados devido a respostas incompletas ou incoerentes (Nelson, 1997).
A definição das porções não chega a ser um problema quando se trata de alimentos que têm quantidades
'naturais' (frutas, pão etc.). Quando o alimento não tem uma unidade típica, essa tarefa torna-se difícil. As
porções padronizadas devem refletir o hábito de consumo da população estudada. Idealmente, o questionário
deve permitir averiguar as diferenças nas quantidades consumidas entre indivíduos que consomem determinado
alimento com uma mesma freqüência, mas em diferentes tamanhos de porções. Porções podem desempenhar um
papel fundamental na avaliação de nutrientes que se concentram em poucos alimentos, como, por exemplo, a
vitamina A.
Para fornecer informação útil sobre o tamanho da porção consumida, os indivíduos devem ser capazes de
conceituar a porção média descrita no questionário e relacioná-la ao seu hábito alimentar. Entretanto, Drewnovski
(2001) considera que, para o respondente, conceituar a porção padronizada e inferir sobre o seu consumo médio
no período de tempo estipulado é um exercício mental difícil, cuja acurácia vem sendo contestada. Segundo
Cade e colaboradores (2002), estudos de validação de QFA obtiveram coeficentes de correlação mais elevados
quando os indivíduos podiam descrever o tamanho da porção consumida (coeficientes de correlação entre 0,5 e
0,6), em comparação com questionários que especificavam as porções médias (coeficientes de correlação entre
0,4 e 0,5) e com questionários que só estimavam o consumo qualitativo (coeficientes de correlação entre 0,2 e
0,5). Willett (1998) assinala que a inclusão da porção não acrescenta precisão ao QFA, uma vez que, quando se
utiliza questionário qualitativo, o consumo de energia e nutrientes pode ser estimado utilizando-se dados de
porções médias apropriados para a população em estudo.
A confiabilidade do questionário desenvolvido para adultos do Rio de Janeiro por Sichieri (1998) foi
avaliada em estudo realizado com mulheres que freqüentavam os ambulatórios de ginecologia e pediatria de uma
unidade primária de saúde da cidade, no período de julho de 2002 a maio de 2003. Sessenta e nove mulheres
responderam ao QFA em dois momentos, com intervalo mínimo de trinta dias e máximo de dois meses.
O questionário era autopreenchível e adequado para leitura óptica, com três possibilidades de resposta para
porções de cada alimento. As concordâncias foram maiores para as freqüências de consumo do que para as
porções (Quadro 1), o que indica as dificuldades envolvidas no relato das porções, ainda que o questionário
apresentasse apenas três opções para descrever as porções usualmente consumidas. Os alimentos apresentados no
Quadro 1 revelaram concordância estatisticamente significativa (P < 0,05).

192
Métodos de avaliação do consumo de alimentos

Quadro 1 – Categorias de concordância segundo Kappa ponderado para freqüência de consumo e


porções dos alimentos
Concordância1;2 Freqüência
Reduzida Tomate, carne de boi sem osso, frango

Moderada Biscoito salgado, pipoca,* mamão, melancia/melão, abacate,* manga, limão, abóbora, vagem, cenoura,
manteiga/margarina, vísceras,* bacon/toucinho*

Boa Arroz, feijão, macarrão, farinha de mandioca,* pão francês, biscoito doce, bolo, polenta/angu,* batata frita,
batata cozida, aipim, milho verde* inhame/cará,* er vilha/lentilha/grão-de-bico, alface, couve, repolho,
laranja/tangerina, banana, maçã, abacaxi, maracujá, uva, goiaba,* chicória,* chuchu, pepino,* quiabo,
beterraba, couve-flor, iogurte, queijo, requeijão,* carne de boi com osso,* carne de porco, salsicha/lingüiça,
peixe fresco, sardinha/atum, camarão,* cebola, maionese, salgadinhos,* caramelos/balas,* achocolatado,*
chocolate em barra/bombom,* pudim/doce, suco da fruta ou polpa, mate,* cer veja,* outras bebidas
alcoólicas*

Muito boa Pêra, ovo, leite, refrigerante, café

Concordância1; 2 Porção
Reduzida Biscoito salgado, pepino

Moderada Biscoito doce, bolo, batata frita, batata cozida, pipoca, inhame/cará, alface, laranja/tangerina, maçã,
melancia/melão, abacaxi, uva, pêra, chicória, tomate, abóbora, vagem, cenoura, beterraba, carne de boi sem
osso, frango, salgadinho, açúcar, refrigerante, café

Boa Arroz, macarrão, farinha de mandioca, aipim, er vilha/lentilha/grão-de-bico, couve, banana, mamão, abacate,
manga, chuchu, abobrinha, quiabo, couve-flor, ovo, queijo, carne de boi com osso, salsicha/lingüiça, pizza,
camarão, maionese, sor vete, chocolate em barra/bombom, suco da fruta ou polpa, mate, vinho, cer veja

Muito boa Feijão, goiaba, leite, iogurte, achocolatado

1 - Valores da estatística Kappa para as categorias de concordância: pobre: < 0,20; reduzida: 0,21-0,40; moderada:
0,41-0,60; boa: 0,61-0,80; muito boa: > 0,81.
2 - Não foram observadas concordâncias na categoria ‘pobre’.
* Alimentos que 50% ou mais das mulheres referiram consumir “quase nunca” ou “nunca”.
Fonte: Souza et al. (2004).

A forma de preenchimento do questionário também é um ponto a ser considerado. O autopreenchimento


limita o grupo de estudo, pois sua aplicação fica prejudicada para analfabetos, idosos e crianças, ao mesmo tempo
que questionários autopreenchíveis requerem mais cuidado em sua elaboração. Um dos problemas que ocorrem
quando os QFA são autopreenchíveis é o elevado número de itens sem resposta, dado que os respondentes
tendem a completar apenas os itens que consomem usualmente.
A análise de dados de QFA pode ser feita com a elaboração de programas computacionais. A etapa inicial
consiste em converter a freqüência relatada de consumo de cada item do questionário em freqüência diária, a qual
deve ser multiplicada pela quantidade relatada. O resultado é a estimativa do consumo médio diário de cada um
dos alimentos da lista, no período considerado. A partir daí, com o uso de tabelas de composição química ou
software de análise de dados de consumo de alimentos, estima-se o consumo de energia e nutrientes. É necessário
estabelecer um critério para solucionar questões que se apresentam quando as respostas estão incompletas. Para
questionários que não excedem uma percentagem estabelecida de dados incompletos, o valor zero (alimento não
consumido) pode ser usado, ou um valor médio pode ser atribuído para substituir a ausência de informação. Um
programa em SAS (Statistical Analysis System) está disponível em Sichieri, 1998.

193
Epidemiologia Nutricional

Vantagens e Limitações do QFA


De maneira geral, podem ser consideradas vantagens dos QFA a estimativa do consumo usual, a possibili-
dade de classificar os indivíduos em categorias de consumo, a simplicidade na análise, o baixo custo, a economia
de tempo e a não-modificação do consumo devido à avaliação.
Em contrapartida, podem ser consideradas como limitações do QFA o fato de ser dependente da memória,
o trabalho envolvido no desenho e avaliação do QFA, a complexidade na entrevista e a dificuldade na precisão da
quantidade consumida.
Contudo, o papel da memória sempre foi questionado, e esforços para melhorar a qualidade das estimati-
vas dos questionários têm enfatizado o uso de técnicas cognitivas e elementos que auxiliem na recordação dos
alimentos e quantidades consumidas, como o uso de fotografias e/ou medidas caseiras (Slater et al., 2003).
Drewnowski (2001) afirma que as respostas aos QFA são elaboradas com base em alguma imagem subjetiva da
dieta atual ou típica do respondente. Assim, o relato da dieta é baseado em uma imagem mental, o que redundaria
na tendência a relatar as preferências alimentares, refletindo uma atitude, e não o comportamento dietético real.
Embora venham sendo amplamente utilizados em estudo etiológicos, os QFA vêm sofrendo críticas a
partir da realização de estudos que avaliaram a sua validade utilizando o método da água duplamente marcada e
excreção de nitrogênio urinário (únicos padrões-ouro disponíveis) e observaram reduzidos graus de concordância
(Schatzkin et al., 2003).

Aspectos Metodológicos dos Estudos de Avaliação da Dieta


Alimentos consumidos muito freqüentemente ou muito raramente são relatados com maior acurácia, par-
ticularmente em estudos que privilegiam o consumo habitual, como é o caso dos questionários de freqüência de
consumo de alimentos (Thompson et al., 1987).
Segundo Rutishauser (2005), principalmente quando se deseja averiguar a adequação do consumo de
energia e nutrientes utilizando dados de consumo alimentar pontuais (como o recordatório de 24 horas e o
registro alimentar), é importante que as estimativas sejam ajustadas pela variabilidade intra-individual, o que
pode ser feito quando se dispõe de informações de pelos menos dois dias de consumo.
A escolha do método de avaliação vai depender do escopo da pesquisa. Um primeiro ponto é definir se as
estimativas serão individuais ou para os grupos populacionais. Em seguida, é necessário definir se os dados serão
utilizados para: a) descrever o padrão de consumo alimentar; b) reconhecer hábitos alimentares; c) caracterizar o
consumo de energia e nutrientes; d) estimar a adequação do consumo de alimentos; e) investigar a relação entre
dieta, estado nutricional e saúde.
Também é importante ter clareza dos mecanismos fisiológicos implicados no processo que se quer estudar.
Por exemplo: é necessário determinar se o efeito em estudo relaciona-se com a dieta em período recente ou
passado (p. ex., consumo de alimentos e desenvolvimento de neoplasias) e, portanto, definir a 'janela de tempo'
em que se deseja investigar a exposição (dieta). Também importa o desenho do estudo empregado. Carece de
sentido empregar um método prospectivo de obtenção de dados de consumo alimentar (como é o caso do
registro alimentar) ao se desenvolver estudo caso-controle abordando efeito da dieta sobre o desenvolvimento de
câncer.
Beaton (1994) afirma que não existe método que permita estimar sem erro o consumo alimentar. O erro de
mensuração está presente em todos os campos da ciência que envolvem medições; são várias as fontes de erro, mas
este pode ser basicamente de dois tipos: o erro aleatório e o erro sistemático. Os erros aleatórios levam ao incre-
mento da variância dos parâmetros estimados, reduzindo a sua precisão; contudo, a replicação das medidas leva
à redução desses erros; por exemplo, o efeito da variação dia a dia no consumo de alimentos pode ser reduzido

194
Métodos de avaliação do consumo de alimentos

pelo aumento do número de dias de observação. Já os erros sistemáticos, aqueles que advêm de fenômenos
que não são distribuídos aleatoriamente no grupo investigado, determinam o aparecimento de vieses ou
tendenciosidades nas estimativas de consumo; por exemplo, o uso de dados incorretos da composição química de
um alimento específico irá alterar as estimativas de consumo e comprometer os resultados gerais do estudo.
O desafio em estudos de avaliação do consumo alimentar é compreender, mensurar e utilizar a estrutura
dos erros na análise dos dados (Beaton, Burema & Ritenbaugh, 1997). Para mensurar o erro envolvido na
estimação do consumo dietético, são realizados estudos de reprodutibilidade, validação e calibração. Qualquer
que seja a técnica de obtenção de dados de consumo de alimentos, é recomendado que se desenvolvam estudos
para averiguar o grau de viés envolvido no grupo em estudo, pois fatores relacionados a sexo, idade, atividade
física, IMC, proporção de gordura corporal e práticas alimentares têm sido relatados entre aqueles que afetam a
qualidade do relato da dieta (Rutishauser, 2005; Trabulsi & Schoeller, 2001).
Os estudos de reprodutibilidade permitem avaliar se os dados obtidos por meio de um determinado méto-
do se reproduzem ao longo do tempo através de aplicações repetidas (teste-reteste). A reprodutibilidade ou
confiabilidade se refere à consistência do método na avaliação de um mesmo indivíduo em diferentes pontos no
tempo, ou seja, indica se o instrumento é capaz de fornecer resultados semelhantes quando aplicado repetidas
vezes (Nelson, 1997). Adicionalmente, estudos de reprodutibilidade são bastante úteis como uma avaliação pre-
liminar a estudos de validação, por serem mais simples e permitirem uma resposta parcial sobre a validade do
método. Um baixo grau de confiabilidade indica que o questionário não provê medidas válidas do consumo
alimentar, porém um alto grau de reprodutibilidade não demonstra que o método é válido, mas sim que os dados
são reprodutíveis ao longo do tempo (Willett & Lenart, 1998).
Estudos de validação podem ser desenvolvidos comparando-se o método em teste com outro método que
não apresente erros correlacionados. No capítulo 11 deste volume, "Desenvolvimento, validação e aplicações de
questionários de freqüência alimentar em estudos epidemiológicos", é apresentada discussão aprofundada sobre
os estudos de validação de QFA. Também são utilizados dados relacionados ao gasto energético ou outros
marcadores biológicos que sejam reflexo do consumo de nutrientes. Dentre as medidas mais empregadas, estão o
dispêndio de energia estimado pela água duplamente marcada (que é comparado ao consumo de energia relata-
do), a excreção de nitrogênio urinário (marcador do consumo de proteína) ou de minerais como sódio e potássio,
teores plasmáticos de vitaminas e conteúdo de minerais e ácidos graxos em tecidos corporais.
Como o padrão-ouro para estimar o gasto energético, o método da água duplamente marcada, é um
método dispendioso e de difícil manejo no campo, é necessário aplicar metodologias que demandem menos
recursos, tempo e trabalho para analisar a plausibilidade dos relatos de consumo alimentar quanto ao conteúdo
energético. Uma alternativa para identificar informações plausíveis de consumo de energia é a estimativa da razão
consumo de energia/taxa de metabolismo basal. Esta proposta baseia-se na equação de Goldberg e colaboradores
(1991), a qual calcula os limites de concordância com 95% de confiança da razão entre o consumo de energia/
taxa de metabolismo basal e o nível de atividade física, considerando nessa estimativa a variabilidade dos parâmetros,
o período de estimativa do consumo e o número de observações incluídas no estudo. Quando as estimativas de
consumo de energia estão acima ou abaixo dos limites de concordância considerados, o relato é considerado
improvável e tendencioso; em geral são informações eliminadas da análise dos dados.
O método da água duplamente marcada estima o gasto energético e se baseia na premissa de que a energia
ingerida ou é dispendida pelo corpo ou é armazenada. Ou seja, o consumo de energia relatado, para ser válido
(isto é, refletir o consumo real), deve ser igual ao gasto energético ± mudanças nas reservas corporais de energia.
Portanto, em indivíduos com peso estável, que não se encontram em fase de crescimento ativo (infância, adoles-
cência ou gravidez), o gasto de energia estimado pelo método da água duplamente marcada deve ser igual ao
consumo habitual de energia estimado pelo método de avaliação do consumo alimentar em teste (Trabulsi &
Schoeller, 2001). A principal vantagem do método da água duplamente marcada é que ele não impõe mudanças

195
Epidemiologia Nutricional

bruscas na rotina dos participantes do estudo, não interfere em suas atividades diárias, permitindo que mante-
nham o grau de dispêndio de energia habitual. Suas limitações relacionam-se com o seu alto custo, a necessidade
de equipamento sofisticado para a análise dos dados (espectrometria de massa), não sendo possível incorporá-lo
à rotina de validação de métodos de avaliação do consumo de alimentos. Rutishauser (2005) assinala que estudos
que avaliaram estimativas do consumo energético contra a estimativa do gasto energético pela água duplamente
marcada em diferentes grupos da população observaram diferenças que variaram de - 44% a + 28%.
A calibração consiste em um método de reconhecimento do erro associado à estimativa da ingestão de
nutrientes por um método-teste comparando-o com o método de referência. Esse procedimento permite corrigir
os erros de medida provenientes do método testado e do grupo populacional investigado, podendo ser definido
como o redimensionamento das medidas, que torna a ingestão obtida pelo método-teste mais próxima da ingestão
real (Kaaks & Riboli, 1997; Willett & Lenart, 1998). Também na calibração o método de referência escolhido
deve apresentar erros independentes (Lopes et al., 2003).
Na análise, diversos procedimentos podem ser incluídos, de modo a corrigir os efeitos dos erros. Entre tais
procedimentos, incluem-se a correção de coeficientes e medidas de risco, considerando a variância intra-indivi-
dual, quando métodos pontuais são utilizados (Beaton, 1997). Independentemente do método de avaliação, as
análises de associações da dieta com desenlaces requerem, na maioria das vezes, o ajuste para o consumo de
energia (Willett, 1998).
Finalmente, não se pode deixar de levantar algumas questões sobre o uso de tabelas e programas de compu-
tador para análise da composição química dos alimentos. Sabe-se que as tabelas de composição de alimentos
apresentam diferenças entre si, particularmente se os dados apresentados se referem a informações obtidas em
diferentes países. A escolha de uma tabela ou programa de análise de alimentos deve incorporar alguns princípios:
primeiro, a tabela deve ser atualizada, não somente do ponto de vista da inclusão de novos alimentos que passam
a estar disponíveis, como da diversificação dos nutrientes analisados; segundo, a tabela deve explicitar as fontes de
dados, os métodos empregados na análise e o número e origem das amostras analisadas; particularmente, é
interessante que os mesmos métodos tenham sido empregados nas análises de cada nutriente. A escolha de um
programa de análise de composição de alimentos deve apresentar algumas características que facilitarão sua aplica-
ção: a) o sistema deve possibilitar a inclusão de novos itens ou nutrientes; b) o sistema deve apresentar flexibilidade
para a inclusão de dados com base em medidas caseiras (ou por tamanho de porção) baseadas no porcionamento
habitual do país ou região a que se destina; c) os resultados provenientes da análise dos dados devem ser dispostos
por alimento, refeição e dia; d) o sistema deve permitir a compilação de receitas como um item individual; e) o
sistema deve permitir a transferência dos dados para outros programas de gerenciamento. Buzzard (1998) relata
que a comparação do cálculo de nutrientes com base em tabelas de composição com a composição nutricional
dada pela análise química mostrou que a estimativa calculada tende a ser maior que a analisada, chegando a mais
de 20% para nutrientes como vitaminas A e C, cálcio, ferro, sódio, potássio e colesterol. Contudo, essa autora
assinala que, se forem incluídos mais dias de relato do consumo (pelo recordatório de 24 horas ou registro), a
concordância entre analisado e calculado tende a melhorar.

Uma Nova Abordagem


Recentemente, pesquisadores do National Cancer Institute, dos Estados Unidos, desenvolveram uma nova
abordagem para a avaliação do consumo alimentar (Subar et al., 2006). Os autores alegam que, embora o
recordatório de 24 horas capture informação rica e importante, o método falha em mensurar adequadamente o
consumo usual de alimentos que são consumidos eventualmente, mesmo quando mais de um recordatório é
aplicado. Com base nessa consideração, desenvolveu-se um modelo estatístico que combina um número limitado
de recordatórios de 24 horas e questões sobre freqüência do consumo de alimentos. O elemento essencial deste

196
Métodos de avaliação do consumo de alimentos

modelo reside na noção de que o QFA representa o que falta no recordatório de 24 horas, ou seja, a possibilidade
de estimar a probabilidade de consumo de itens alimentares específicos em período de tempo determinado. Em
contrapartida, os recordatórios de 24 horas podem fornecer informações mais apropriadas sobre as quantidades
ingeridas. A nova proposta é uma combinação de métodos, tratados de forma complementar, e vem sendo
denominada Food Propensity Questionnaire ou, traduzido livremente, 'questionário sobre a propensão ao consu-
mo de alimentos'. Na verdade, nesta metodologia não se utiliza a freqüência absoluta de consumo relatada no
QFA. O que se trabalha é a informação sobre freqüência de consumo relacionada com a informação do recordatório
de 24 horas, que permite estimar a probabilidade de o informante consumir um alimento em particular (Tooze
et al., 2006). A análise constitui-se na elaboração de modelos estatísticos para estimar o consumo usual de
alimentos consumidos eventualmente e utiliza dados sobre freqüência de consumo que exibem relação robusta e
preditiva com recordatórios de 24 horas como co-variáveis, incluindo também no modelo outras co-variáveis,
como sexo, idade e raça dos indivíduos investigados.

Considerações Finais
Não obstante as dificuldades importantes na avaliação do consumo de alimentos/nutrientes, a relevância
dessas investigações é irrefutável. Dados obtidos em estudos epidemiológicos que pesquisam a associação entre
dieta e o desenvolvimento de enfermidades têm contribuído de forma extraordinária para o conhecimento dos
processos etiológicos envolvidos em doenças de reconhecido impacto para a saúde pública, além de indicarem
caminhos e estratégias de prevenção e controle de muitos desses problemas. Walter Willett salienta a relevância
dessas investigações assinalando que, virtualmente, tudo o que se conhece sobre prevenção do câncer atualmente
é originário de estudos epidemiológicos (Science Watch Interviews, 1995). Segundo esse autor, alguns achados
são bastante conclusivos, como a associação entre ingestão de álcool e desenvolvimento de câncer de mama, o
papel de frutas e verduras na prevenção de diversos tipos de câncer, o efeito do consumo excessivo de carne
vermelha sobre determinadas neoplasias, particularmente o câncer de cólon.
Para Van Horn (2006), a confiança no relato do consumo alimentar permanece como um componente
essencial da epidemiologia nutricional, e o aperfeiçoamento da qualidade dos dados coletados e da quantificação
da ingestão alimentar é crucial para a determinação de associações precisas entre dieta e saúde-enfermidade.
Entretanto, essa busca pela perfeição deve estar conjugada com a simplificação dos métodos e a redução do
tempo e do trabalho envolvidos. De modo geral, pode-se dizer que a seleção do método de avaliação do consumo
de alimentos é metade do desafio na pesquisa nutricional. Questões decisivas se colocam diante da tarefa de
analisar e interpretar as informações, quando aspectos importantes devem ser considerados: a variabilidade da
dieta, o tamanho amostral, a comparabilidade dos dados, o papel de fatores de confusão e a plausibilidade
biológica dos achados.

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200
11
Desenvolvimento, Validação e Aplicações de
Questionários de Freqüência Alimentar
em Estudos Epidemiológicos
Marly Augusto Cardoso

Avaliação da Dieta Habitual em Estudos Epidemiológicos


O desenvolvimento de métodos práticos, válidos e viáveis para mensurar a dieta individual tem sido descri-
to como um dos principais desafios da pesquisa em epidemiologia nutricional (González & Joan, 1997a; Willett,
1998). Informações válidas de consumo de energia e nutrientes são fundamentais para estudos epidemiológicos
sobre dieta e Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT). Existem vários métodos de avaliação de ingestão
alimentar, mas todos apresentam limitações (Thompson & Byers, 1994).
Inquéritos Recordatórios de 24 horas (IR24h), registros alimentares ou história alimentar podem fornecer
uma avaliação acurada da dieta habitual de um indivíduo. Entretanto, esses métodos exigem o envolvimento de
grande número de entrevistadores altamente qualificados (geralmente nutricionistas treinados) e disponibilidade
de tempo (Willett, 1998). Entre os métodos citados, o IR24h permite ao entrevistador colher um grande número
de informações e detalhes sobre o modo de preparo e os ingredientes utilizados em receitas caseiras. Tem como
vantagens a alta adesão entre os entrevistados, o baixo custo, além do fato de o entrevistado não precisar ser alfabe-
tizado e de o hábito alimentar não se alterar quando realizado sem prévio agendamento (Slimani et al., 2000).
Em contrapartida, um único IR24h não estima a dieta habitual, pois não considera a variabilidade do
consumo alimentar de um dia para outro (intra-indivíduo). A variação intra-indivíduo e entre indivíduos pode
também diferir muito entre nutrientes. Para macronutrientes da dieta que apresentam pequena variação no
consumo intra-indivíduo, alguns dias de avaliação do consumo alimentar são suficientes para estimar sua ingestão
habitual. Já para os micronutrientes da dieta, a variação do consumo intra-indivíduos é muito maior que a
variabilidade entre indivíduos, exigindo múltiplos IR24h para se alcançar uma estimativa acurada de seu consu-
mo habitual (Nelson et al., 1989; Liu, 1994).
Questionários de Freqüência Alimentar (QFA) têm sido utilizados em estudos epidemiológicos para veri-
ficar a associação entre dieta e DCNT (Day et al., 2001). Entre as vantagens deste método, estão a aplicabilidade
em um grande número de indivíduos, o baixo custo e a possibilidade de estimar a ingestão alimentar referente a
um longo período – geralmente no último ano ou até mesmo por tempo maior (Ocké et al., 1997; Livingstone
& Black, 2003). No entanto, apesar de sua menor exatidão em relação a outros métodos de avaliação do consu-
mo alimentar, o QFA classifica os indivíduos segundo quartis ou quintis de consumo, permitindo análise de
tendência de risco segundo grau de exposição e diferenças entre concentrações extremas de ingestão (p. ex., para

201
Epidemiologia Nutricional

comparação de risco entre menor e maior quartis ou quintis de consumo alimentar). Neste aspecto em particular,
por ser capaz de medir variação de consumo entre indivíduos, o QFA tem sido considerado mais adequado à
estimativa de riscos. No entanto, há necessidade de avaliação de acurácia e precisão do QFA na população
específica a ser estudada (Willett, 1998; Cade et al., 2002).

Desenvolvimento de Questionários de Freqüência Alimentar


Em muitas situações, a adaptação de um questionário já utilizado em estudos prévios pode ser uma alterna-
tiva para poupar tempo e recursos financeiros. No entanto, alguns aspectos devem ser considerados no processo
de adaptação e/ou desenvolvimento de um QFA:
1. Qual a finalidade do QFA?
2. Qual é a população-alvo e qual o tipo de estudo?
3. Caso a validação do QFA já tenha sido realizada anteriormente, seus resultados foram satisfatórios?
As etapas iniciais de desenvolvimento de um QFA incluem seleção dos alimentos de acordo com o padrão
dietético da população de estudo e identificação de porções alimentares adequadas às quantidades habitualmente
consumidas.
A disponibilidade de dados quantitativos de consumo alimentar (registro alimentar de vários dias ou inquéritos
de 24 horas) em amostra aleatória de nipo-brasileiros de São Paulo (Cardoso et al., 1997) possibilitou a construção
de um QFA segundo metodologia adotada em estudos internacionais (Cardoso & Stocco, 2000). Os alimentos
identificados em registro de consumo alimentar de três dias foram agrupados segundo valor nutricional por
porção alimentar e fontes de nutrientes de particular interesse (por exemplo, alimentos e preparações de origem
japonesa). O tamanho das porções de cada item alimentar foi classificado em pequeno, médio, grande e extragrande,
de acordo com a distribuição percentual dos pesos correspondentes às medidas caseiras referida nos registros
alimentares. O número de itens alimentares do QFA (129) foi definido com a finalidade de captar o consumo
habitual de energia e de vários nutrientes. A freqüência de consumo foi avaliada como variável contínua (exata-
mente como informado pelo entrevistado), com o objetivo de minimizar o erro de classificação.
A definição da lista de alimentos (quais e quantos itens) pode ser considerada crucial para o sucesso de um
QFA. Um determinado alimento ou grupo de alimentos pode ser incluído em um QFA tanto por sua contribui-
ção na ingestão habitual total como também por diferenciar o consumo entre os indivíduos. O consumo de
fígado bovino e outras vísceras, por exemplo, pode não parecer importante, uma vez que, em geral, poucos
indivíduos referem seu consumo habitual. No entanto, a presença desse item alimentar em um QFA pode iden-
tificar diferenças entre indivíduos no nível de consumo de alguns micronutrientes (vitamina A, entre outros).
A variabilidade da dieta de um grupo populacional, que inclui muitos alimentos, diferentes marcas e preparações,
não pode ser totalmente captada em uma lista finita de alimentos. Apesar da sobrecarga que um QFA com
muitos itens alimentares pode impor ao entrevistado, entre as vantagens de uma lista ampla de alimentos está a
possibilidade de avaliar o consumo alimentar ajustado pelas calorias totais da dieta – procedimento necessário
para investigações epidemiológicas delineadas para avaliar associação entre fatores dietéticos e risco para determi-
nado desfecho. O número de itens alimentares de um QFA deve ser definido com base no nível de acurácia
desejado e nos resultados obtidos na avaliação de validade e reprodutibilidade.

202
Desenvolvimento, validação e aplicações de questionários...

Estudos de Validação de Questionários de Freqüência Alimentar


A análise de validade de um QFA pode ser definida pela avaliação do desempenho do instrumento, compa-
rando-se sua estimativa de ingestão alimentar com medidas de métodos independentes considerados ‘padrão-ouro’.
Como é impossível conhecer a real ingestão individual de um longo período, a validação absoluta (compa-
ração com o real consumo) não é possível (González & Joan, 1997a; Kaaks & Riboli, 1997). Por essa razão, a
validação relativa ou validação indireta de um QFA é geralmente realizada pela comparação de estimativas de
consumo obtidas por outros métodos considerados ‘padrão-ouro’. Tais métodos devem oferecer estimativas mais
acuradas que o QFA a ser testado, com fontes de erros sistemáticos diferentes, e se referir ao mesmo período de
tempo medido pelo questionário a ser validado (González & Joan, 1997b). Embora existam atualmente medidas
biológicas consideradas acuradas para a estimativa de ingestão habitual de energia, nitrogênio e sódio (Black et
al., 1996; Kipnis et al., 2003; Shai et al., 2005), não há um método ‘ideal’ capaz de medir a dieta habitual como
um todo.
Registro alimentar com pesagem de alimentos tem sido considerado o melhor método para estudos de
validação de QFA. Apesar de o inquérito recordatório exigir menor participação do entrevistado e não influenciar
os hábitos alimentares, suas fontes de erro tendem a apresentar maior correlação com erros do QFA (por exem-
plo, dependem da memória do entrevistado e de seu conhecimento sobre porção alimentar). Porém, quando o
nível de escolaridade e o grau de motivação do entrevistado não permitirem o uso de registros alimentares, o
IR24h tem sido considerado o método de escolha ‘padrão-ouro’ (Biró et al., 2002).
No Brasil, alguns estudos de validação de QFA foram realizados em população adulta e em adolescentes
(Tabela 1, página seguinte). A avaliação do grau de acurácia aceitável de um QFA depende em grande parte da
finalidade do questionário, o que dificulta a interpretação dos resultados de diferentes estudos de validação.
Estimativas mais acuradas do consumo alimentar podem ser necessárias em investigações com poucos indivíduos
ou com propósito de vigilância e monitoramento. Para estudos de associação entre exposição dietética e um
desfecho de interesse (risco de adoecer ou morrer, por exemplo), coeficientes de correlação menores que 0,3 ou
0,4 são inadequados para a detecção de associações (Cade et al., 2002). Recentemente, foram publicados alguns
resultados de estudos brasileiros sobre consumo alimentar com QFA validado em relação ao risco para distúrbios
da homeostase glicêmica e síndrome metabólica (Freire et al., 2005; Sartorelli et al., 2005a), sugerindo acurácia
aceitável de nossos questionários para estimativa de riscos em estudos epidemiológicos. Contudo, o desempenho
de nossos questionários é ainda inadequado para a avaliação de alguns nutrientes, particularmente para a estima-
tiva de sódio, recomendando-se o uso de medidas biológicas (como excreção urinária de sódio de pelo menos 48
horas), consideradas acuradas para a estimativa de ingestão habitual desse elemento (Shai et al., 2005).
Nem todos os estudos de validação brasileiros têm incluído análise de reprodutibilidade do QFA. Em geral,
esta avaliação deve ser realizada pela administração do questionário em dois momentos nos mesmos indivíduos,
obtendo-se coeficientes de correlação para avaliar associação (mais utilizado) ou testes de concordância (como,
por exemplo, Bland-Altman) entre as duas respostas (Cade et al., 2002). Quando coeficientes de correlação são
utilizados, correlações maiores (0,5 a 0,7) entre duas respostas têm sido observadas para intervalos de 15 dias a
um mês. Quando intervalos maiores entre as duas respostas são utilizados para avaliação de reprodutibilidade do
QFA, mudanças reais nos hábitos alimentares podem influenciar a variação nas respostas, comprometendo a
avaliação de confiabilidade do QFA (Willett, 1998).

203
Epidemiologia Nutricional

Tabela 1 – Características de estudos de validação de questionários de freqüência alimentar realizados no Brasil

Sichieri & Cardoso et al.,2001 Salvo & Slater et al.,2003 Fornés, Stringhini &
Everhart,1998 Gimeno,2002 Elias, 2003

N 88 52 146 79 104

Grupo etário Adultos 21-62 anos 18-60 anos 14-18 anos 18-60 anos

Sexo feminino (%) 5 2 ,3 100 5 4 ,8 5 0 ,6 5 9 ,6

Escolaridade Básico e Superior Superior Superior Médio Básico/médio

Itens alimentares 73 129 90 76 127

Período de referência 1 an o 1 an o 1 mês 6 meses 6 meses

Método de validação 2 IR48h 4 REG de 3 dias 3 IR24h 3 IR24h 6 IR24h

Inter valo entre as


2 semanas 3 meses 1 5 di as 4 5 di as 1 mês
entrevistas

Variação do coeficiente
0,18-0,55 0,27-0,81 0,01-0,21 0,10-0,67 0,25-0,76
de correlação*

IR - Inquérito por técnica recordatória.


REG - Inquérito por técnica de registro do consumo alimentar.
*Coeficientes para correlação com valores de consumo alimentar ajustados pelas calorias totais e corrigidos pela variação
intra-individual.

Uso de Biomarcadores em Epidemiologia Nutricional


Mais recentemente, marcadores bioquímicos têm sido utilizados em estudos de validação de métodos de
avaliação de consumo alimentar (Mayne, 2003; Freedman et al., 2004). A principal vantagem é que os erros
medidos pelos marcadores bioquímicos não têm relação com os erros medidos nos questionários alimentares.
Portanto, correlação entre a ingestão alimentar e marcador bioquímico oferece inquestionável evidência de vali-
dação (Willett, 1998).
Alguns indicadores bioquímicos podem ser utilizados para a validação de um QFA, oferecendo boa corre-
lação com a real ingestão alimentar, com medidas objetivas e sem viés por parte do entrevistado ou do entrevistador.
Entretanto, estão também sujeitos a três fontes de erro: 1) Diferença entre a avaliação da dieta e a real ingestão;
2) Efeito da digestão, absorção, captação, utilização, metabolismo, excreção e mecanismos homeostáticos, influen-
ciando a relação entre quantidade ingerida e a medida bioquímica; 3) Erro associado ao próprio ensaio bioquímico.
Portanto, biomarcadores e avaliação da dieta não medem exatamente a mesma coisa. Os erros para medidas bioquí-
micas são independentes dos erros associados ao QFA (Hunter, 1998; Cade et al., 2002; Shai et al., 2005).
Existem várias abordagens para medidas de indicadores bioquímicos: a) medida direta da concentração do
nutriente ou seu produto metabólico em um tecido ou fluido; b) análise funcional de atividade de enzimas
específicas ou produtos derivados do nutriente relacionado com a ingestão alimentar. Neste caso, deve-se verificar
se a medida encontrada é referente às reservas orgânicas do nutriente analisado que estão sendo utilizadas para
manter constantes suas concentrações sangüíneas ou se reflete o consumo alimentar habitual e/ou recente. Esta
abordagem mede preferencialmente a adequação da ingestão, já que a enzima ou o produto final derivado do
nutriente em questão pode sofrer influência de diversos fatores; c) concentração de nutrientes no sangue ou urina
pouco antes e em intervalos após administração de uma dose conhecida do nutriente a ser validado. Pessoas com

204
Desenvolvimento, validação e aplicações de questionários...

deficiência do nutriente a ser testado retêm maior quantidade. O uso desta última abordagem em estudos
epidemiológicos é limitado (Hunter, 1998).
Concentrações plasmáticas de retinol, betacaroteno e alfa-tocoferol são sensíveis à ingestão alimentar atual
(Tangney et al., 1987; Stahelin et al., 1991) e têm sido sugeridos como marcadores bioquímicos de exposição a
nutrientes antioxidantes (Mayne, 2003), apresentando boa correlação com consumo alimentar de frutas e vege-
tais (Block et al., 2001; Al-Delaimy et al., 2005). O alfa-tocoferol é transportado no sangue como parte do
complexo de lipoproteína, principalmente em associação com LDL-colesterol (lipoproteína de baixa densidade).
A concentração sérica de vitamina E apresenta boa correlação com colesterol sérico e lipídeos totais. Aparente-
mente, uma única medida de alfa-tocoferol no plasma, ajustado para lipídeos sangüíneos, é capaz de representar
a ingestão habitual de vitamina E (Hunter, 1998).
Muitos biomarcadores têm sido utilizados em pesquisa clínica e epidemiológica para avaliar a adequação
dietética ou o estado nutricional de um nutriente em indivíduos e populações. Exemplos típicos incluem a albumina
sérica para avaliação de proteínas viscerais e ferritina sérica como indicador de reservas orgânicas de ferro. A utilidade
de um biomarcador baseia-se nos determinantes fisiológicos da medida. A concentração de muitos nutrientes e
biomarcadores no pool circulante é homeostaticamente regulada (cálcio sérico, por exemplo) ou pode ser fracamente
relacionada ao consumo alimentar devido a produção endógena (colesterol sérico, por exemplo).
Identificação e conhecimento de fontes de erro são alguns dos desafios para pesquisa em nutrição. Não se
conhece biomarcador para ingestão total de gordura, e muitos biomarcadores (betacaroteno para consumo total
de frutas e vegetais, por exemplo) não estão na mesma escala de medida para os alimentos ou nutrientes avaliados
e, por isso, são de pouca utilidade na avaliação de viés. Outros biomarcadores não são práticos para estudos de
larga escala.
Contudo, pode-se descrever pelo menos três razões para o uso de biomarcadores nutricionais (Potischman,
2003): 1) Menor ocorrência de erros, quando comparados aos métodos de avaliação de consumo alimentar;
2) Para alguns nutrientes, dados dietéticos são inadequados devido a limitações nos dados de composição alimen-
tar (por exemplo: selênio e vitamina E), ao passo que biomarcadores do estado nutricional relativo a tais nutrien-
tes são dispoconcentrações; 3) Muitos biomarcadores fornecem uma medida mais próxima do estado nutricional
para alguns nutrientes do que os dados de ingestão dietética, particularmente em estudos cujo desfecho de
interesse possa alterar o hábito ou a informação sobre o consumo alimentar.
Método para ajuste do consumo alimentar estimado por inquéritos de 24 horas em estudos de validação de
um QFA foi recentemente proposto, utilizando-se a razão entre o indicador bioquímico e o respectivo nutriente
avaliado pelo IR24h (McNaughton et al., 2005). O método foi originalmente descrito por Ocké e Kaaks (1997)
como medida de validade de QFA com biomarcadores. Para determinação do coeficiente de validade da medida
de um QFA, pelo menos duas medidas adicionais da dieta seriam necessárias, por exemplo, biomarcadores e
inquérito de consumo alimentar de 24 horas (IR24h). Esta abordagem tem sido denominada de “método das
tríades” (method of triad, em inglês), que emprega análise de correlação entre cada um dos três métodos para
calcular o coeficiente de validade. A seguinte equação é utilizada para estimar o coeficiente de validação do QFA:

ρQFA = √RQB * RQR/ RBR

Onde: ρQFA é o coeficiente de validação para o QFA; RQB a correlação entre QFA e o biomarcador; RQR a correlação entre QFA
e IR24h e RBR a correlação entre biomarcador e IR24h.

205
Epidemiologia Nutricional

Este método assume que as correlações entre as três medidas são explicadas pelo fato de estarem estas
medidas linearmente correlacionadas com a ingestão verdadeira e de seus erros serem independentes. Dessa
forma, o coeficiente de correlação entre o QFA e o IR24h será superestimado. Assim, recomenda-se que o valor
calculado pelo método das tríades seja utilizado como limite superior do coeficiente de validação verdadeiro, ou
seja, ρQFA(verdadeiro) < ρQFA(tríade), e um intervalo para o coeficiente pode ser definido pelo uso da correlação entre a
medida do questionário e a medida do biomarcador como uma estimativa do limite inferior do coeficiente de
validade, ou seja, RQB < ρQFA(verdadeiro) <ρQFA(tríade) (Ocké & Kaaks, 1997). Embora este método tenha sido proposto
há cerca de dez anos, até recentemente poucos estudos de validação de QFA têm utilizado inquéritos de 24 horas
e também indicadores bioquímicos (Freedman et al., 2004; McNaughton et al., 2005).

Seleção e Tamanho Amostral da População


em Estudos de Validação
Em estudos epidemiológicos, a avaliação da acurácia de instrumentos de consumo alimentar pode ser
realizada em subamostra representativa da população do estudo principal (Willett, 1998). Estudos de validação,
nos quais um QFA é comparado a vários IR24h e marcadores bioquímicos, vêm sendo realizados dentro de
grandes estudos prospectivos conduzidos em países desenvolvidos (Kaaks & Riboli, 1997; Willett, 1998). Grupo
etário, gênero, nível socioeconômico, escolaridade, raça/etnia e perfil de saúde da população podem afetar os
resultados do estudo de validação (Marks, Hughes & Van der Pols, 2006). Por essa razão, a população do estudo
de validação deve apresentar características similares às da população do estudo principal.
O tamanho amostral necessário para estudos de validação de QFA dependerá do método estatístico a ser
utilizado na avaliação de reprodutibilidade e validade. Cade e colaboradores (2002), em artigo de revisão sobre
validação de QFA, observaram que muitos estudos utilizaram de seis a 3.750 indivíduos com mediana de 110
participantes. Nesse mesmo artigo, os autores recomendam um tamanho amostral de pelo menos cinqüenta
indivíduos, e preferencialmente muito maior (cem ou mais), caso a análise estatística empregue método de Bland-
Altman. Em contrapartida, quando se utilizam coeficientes de correlação, o tamanho amostral dependerá da
magnitude esperada para a associação entre duas medidas ou métodos.
Com base no coeficiente de correlação, assumindo-se um número suficiente de dias de informação dietética
para caracterizar a dieta habitual (no mínimo dois dias para medida de variabilidade intrapessoal), um tamanho
amostral entre cem e duzentos indivíduos seria suficiente. Essa estimativa é compatível com o cálculo do número
de indivíduos proposto por Walter Willett (1998): para estudo de validação do QFA com inquéritos de 24 horas
ou mesmo registros alimentares, recomenda-se um coeficiente de correlação mínimo de 0,4 entre QFA e o
método de referência. O número de participantes necessário para detectar diferença nesse valor de correlação
pode ser estimado com base na seguinte fórmula-padrão para tamanho amostral com transformação de coeficien-
tes de correlação Z de Fisher:

N = [(Zα + Zβ)/C]2 + 3

Onde: N = total de indivíduos necessários; Zα = desvio-padrão para α; Zβ = desvio-padrão para β; C = 0,5 x ln[(1+r)/(1-r)],
sendo r = coeficiente de correlação esperado e ln = logaritmo natural.

Em estudos biológicos em geral, considera-se para cálculo de tamanho amostral um α de 5% e poder do


teste (1-β) de 80 a 90%. Um poder de 80%, por exemplo, significa que, se houver uma diferença de magnitude
considerada no cálculo, temos 80% de chance de detectá-la. Para aplicação prática dessa fórmula, pode-se consultar

206
Desenvolvimento, validação e aplicações de questionários...

a Tabela 2. Como exemplo, com nível de significância (α) bicaudal = 0,05, b = 0,05 (portanto, poder de 95%) e
coeficiente de correlação esperado de 0,35, o número de indivíduos necessário para um estudo de validação de
QFA que utilize análise de correlação seria de cem.

Tabela 2 – Tamanho amostral necessário para estudos de validação que utilizem coeficiente de correlação
na análise estatística
α b i c au dal = 0 ,0 1 0 ,0 5
R* β= 0 ,0 5 0 ,1 0 0 ,2 0 0 ,0 5 0 ,1 0 0 ,2 0
0 ,2 0 436 365 287 319 259 194

0 ,2 5 276 231 182 202 164 123

0 ,3 0 189 158 125 139 113 85

0 ,3 5 136 114 90 100 82 62

0 ,4 0 102 86 68 75 62 47

0 ,4 5 79 66 53 58 48 36

0 ,5 0 62 52 42 46 38 29

0 ,6 0 40 34 27 30 25 19

0 ,7 0 27 23 19 20 17 13

0 ,8 0 18 15 13 14 12 9

* Para estimar o tamanho amostral, siga a linha correspondente ao valor do coeficiente de correlação esperado (R), conforme
valores de α (nível de significância estatística) e β (probabilidade de aceitarmos hipótese nula sendo ela falsa).
Fonte: adaptada de Browner et al. (2001).

Algumas Considerações Sobre a Análise Estatística


de Estudos de Validação
O método estatístico mais freqüentemente utilizado em estudos de reprodutibilidade e validade de QFA é a
análise de correlação. Porém, para avaliação de reprodutibilidade, a análise de correlação não avalia concordância
entre duas respostas em momentos diferentes, permitindo analisar somente o quanto essas respostas estão relaciona-
das. Uma vez que em estudos de reprodutibilidade se utiliza o mesmo questionário nas mesmas pessoas, é de se esperar
que suas respostas sejam altamente relacionadas – mas isto não significa concordância (Bland & Altman, 1995).
Outra limitação da análise de correlação em estudos de reprodutibilidade está no fato de que a força da
correlação depende do intervalo de variação dos valores na população (que pode ser parcialmente influenciado pelo
tamanho da amostra) e das características dos participantes do estudo. Quando se utiliza correlação, coeficientes de
correlação de Pearson devem ser empregados em dados com distribuição normal e coeficientes de correlação de
Spearman devem ser utilizados para dados que não tenham distribuição normal. Devido ao uso freqüente da corre-
lação para avaliar reprodutibilidade de QFA, recomenda-se que seu uso seja acoplado à análise adicional de algum
outro método estatístico mais adequado (Cade et al., 2002). A análise mais recomendada atualmente é o método de
Bland e Altman (1999), que pode avaliar concordância entre instrumentos através de intervalos de consumo. Esse
método pode determinar se há alguma diferença sistemática (viés) e qual o grau de concordância entre as duas
aplicações do questionário (limites de concordância). Isso permite avaliar se a diferença entre os questionários é a
mesma através dos valores de consumo e se o grau de concordância difere para níveis de consumo menores quando

207
Epidemiologia Nutricional

comparados aos níveis de ingestão maiores. A diferença média geral indica se um questionário tende a super ou
subestimar o consumo, informando os limites de concordância (diferença média ± 2 desvios-padrão).
Já na validação de um QFA, análises de correlação e regressão são particularmente úteis, uma vez que a
investigação da associação entre diferentes métodos pode ser informativa. Coeficientes de correlação são mais
comumente empregados em estudos de validação de QFA. Análise de regressão, por sua vez, é particularmente
útil na calibração de um método quando comparado com outro, por exemplo, quando se comparam estimativas
de consumo alimentar obtidas em um QFA com biomarcadores. Um aspecto importante é que o grau de valida-
ção ‘aceitável’ varia de acordo com os propósitos de um QFA. Recomendações mais recentes para estudos de
validação de QFA consideram que valores baixos de correlação, por exemplo 0,3 ou 0,4, ainda que possam ser
estatisticamente significativos, podem atenuar sensivelmente a estimativa do consumo verdadeiro a ponto de impos-
sibilitar a detecção de associação em estudos sobre dieta e risco para um determinado desfecho (Cade et al., 2002).

Aplicações do QFA em Estudos Epidemiológicos


Questionários de freqüência alimentar vêm sendo desenvolvidos e utilizados em diferentes situações e tipos
de estudos dietéticos. Antes de selecionar ou desenvolver um QFA, o propósito de seu uso deve ser claramente
definido. Este método pode ser inadequado em situações que exijam estimativa de consumo absoluto mais
acurada, como, por exemplo, em estudos com poucos indivíduos e/ou para fins de vigilância e monitoramento
de consumo atual.
Estudos epidemiológicos do tipo transversal sobre fatores associados à ocorrência de doenças necessitam
interpretação cautelosa, pois não permitem identificar a seqüência temporal entre exposições e desfechos de
interesse. Estudos de coorte prospectivos, por sua vez, são essenciais para a investigação de determinantes de
morbidade e estado nutricional. Em estudos de coorte ou de intervenção, a análise de correlação entre diferenças
no consumo alimentar e as alterações bioquímicas tem sido indicada como método para se avaliar a acurácia de
um QFA, uma vez que as diferenças de pelo menos duas dosagens sangüíneas podem atenuar a variabilidade
individual de alguns indicadores bioquímicos, melhorando sua correlação com fatores dietéticos (Willett, 1998).
No Brasil, até o momento, alguns resultados da utilização de QFA em estudos prospectivos já foram publica-
dos. Utilizando-se dados disponíveis na coorte de nipo-brasileiros de Bauru, uma análise sobre a evolução do padrão
alimentar e sua correlação com mudanças no perfil de lipídeos séricos foi recentemente publicada (Castro et al.,
2006). Informações sobre dieta e perfil de lipídeos séricos foram obtidas em dois inquéritos realizados em intervalo
de sete anos (em 1993 e em 2000). Nos dois inquéritos, a avaliação da dieta considerou o consumo habitual de
alimentos e bebidas relativo ao período de um ano anterior ao momento da entrevista alimentar. A lista de alimentos
e a freqüência de consumo utilizados no QFA de 1993 se mantiveram em 2000. Após sete anos de seguimento da
população nipo-brasileira de Bauru (período 1993-2000), observou-se redução do consumo alimentar de carnes
vermelhas e aves, aumento do consumo de laticínios em geral (embora ainda abaixo das recomendações nutricionais),
frutas e sucos de frutas. Observou-se também que o consumo de fibras da dieta (naturalmente presentes nas verdu-
ras, legumes e frutas) foi inversamente correlacionado às concentrações de colesterol sérico dessa população. Coefi-
cientes de correlação de Pearson foram calculados entre as diferenças do consumo alimentar (brutas e ajustadas pelas
calorias totais) e as diferenças dos valores de lipídeos séricos no intervalo de sete anos. Em geral, os coeficientes de
correlação entre as diferenças de consumo alimentar e as diferenças nos lipídeos séricos foram baixos, observando-se
valores significativos maiores para correlação entre a diferença no consumo bruto de carnes vermelhas e as diferenças
do colesterol total e LDL colesterol (r = 0,254 e r = 0,272, respectivamente). No entanto, em modelos de regressão
linear múltiplos, houve correlação inversa entre a diferença no colesterol sérico total e a diferença no consumo total
de fibras (β1 = - 1,250; IC95% - 2,061 a - 0,437), frutas e sucos de frutas (β1 = - 0,019; IC95% - 0,033 a - 0,053)
e vegetais (β1 = - 0,037; IC95% - 0,075 a - 0,0003).

208
Desenvolvimento, validação e aplicações de questionários...

O QFA pode também ser utilizado para detectar mudanças na dieta em resposta a algum tipo de intervenção.
Com o propósito de delinear estudos de intervenção em unidades básicas de saúde, uma versão reduzida do mesmo
QFA desenvolvido e validado para a comunidade nipo-brasileira foi adaptada e testada em adultos de diferente raça/
etnia. Os itens alimentares de origem japonesa foram retirados do questionário original. A lista de alimentos e o
tamanho das porções alimentares foram reavaliados com base em IR24h conduzido entre 212 funcionários da
Secretaria de Estado da Saúde (Ribeiro & Cardoso, 2002). Essa versão do QFA (com 76 itens alimentares) foi então
utilizada em ensaio clínico para avaliar o impacto de intervenção nutricional intensiva para mudança de estilo de
vida em indivíduos com sobrepeso em Centro de Saúde-Escola em São José do Rio Preto, São Paulo (Sartorelli et al.,
2005b). O programa de intervenção mostrou-se efetivo na redução do consumo de calorias, gorduras totais, gordu-
ras saturadas, colesterol, óleos/gorduras e doces. Houve um incremento no consumo de fibra total da dieta, fibra de
frutas e vegetais. Essas alterações dietéticas estimadas pelo QFA foram acompanhadas de redução no peso corporal,
na pressão arterial e nas concentrações séricas de colesterol total e LDL colesterol.
Embora a versão reduzida do QFA tenha-se mostrado capaz de detectar alterações em parâmetros
antropométricos e bioquímicos em estudo de intervenção nutricional, nova avaliação de acurácia e confiabilidade
do QFA em população com diferente perfil socioeconômico e nível de escolaridade foi realizada em amostra
aleatória de mulheres de baixa renda participantes de um estudo de casos e controles de base hospitalar. No total,
foram obtidos três IR24h, conduzidos por telefone, e dois QFA (QFA1 e QFA2) para avaliação de reprodutibilidade.
Ao final, 145 participantes responderam ao primeiro IR24h (34,12% do total contatado). O segundo IR24h foi
obtido aproximadamente seis meses após o primeiro IR24h (n = 119). O terceiro IR24h foi obtido aproximada-
mente seis meses após o segundo IR24h, contando 94 das 119 participantes (65,5% das participantes iniciais).
Juntamente com o terceiro IR24h, foi aplicado o segundo QFA (QFA2), também por telefone. Coeficientes de
correlação entre o QFA e a média de consumo alimentar obtida nos IR24h variaram de 0,18 (potássio) a 0,75
(cálcio) (Cardoso et al., 2006).
A Figura 1 apresenta uma sugestão de desenho de estudo de validação de QFA baseada em estudos brasilei-
ros em andamento.

Figura 1 - Delineamento de estudo de validação e reprodutibilidade de um Questionário de Freqüência


Alimentar (QFA)

Neste exemplo, o período de referência para avaliação da dieta habitual é de um ano. No total, quatro
IR24h (ou registro alimentar, dependendo das características da população de estudo) seriam obtidos ao longo de
12 meses, registrando-se eventuais variações sazonais no padrão alimentar. Coleta de amostras sangüíneas para
avaliação de alguns indicadores bioquímicos (BIOQ) pode ser de grande utilidade na validação do QFA para
alguns micronutrientes. A reprodutibilidade do QFA pode ser avaliada logo no início ou no final do estudo.

209
Epidemiologia Nutricional

Considerações Finais
Informações válidas de consumo alimentar são fundamentais em epidemiologia nutricional. A escolha de
método adequado à avaliação da dieta é uma decisão complexa, baseada nos objetivos da coleta de dados, no grau
de acurácia desejado e nos recursos disponíveis. Questionários de Freqüência Alimentar (QFA) têm sido desen-
volvidos para a estimativa de dados quantitativos da dieta habitual. Sua principal vantagem está relacionada à
menor sobrecarga para o participante da pesquisa, à fácil utilização e ao baixo custo para análise quando compa-
rados a outros métodos de avaliação da dieta. A validação de métodos de avaliação do consumo alimentar é
demorada e de difícil realização, porém absolutamente necessária para o sucesso de estudos epidemiológicos.
Atualmente, muitos questionários para avaliação da dieta habitual estão sendo utilizados em uma grande
variedade de investigações no mundo inteiro. Considerando-se que o objetivo principal da epidemiologia nutricional
é fornecer evidências científicas para a compreensão do papel da nutrição na causalidade e prevenção de doenças,
a avaliação do efeito da exposição dietética por meio de técnicas e métodos adequados é fundamental para a
interpretação de estudos epidemiológicos e formulação de novas hipóteses de investigação.

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212
12
Padrões Alimentares:
análise de componentes principais

Maria Teresa Anselmo Olinto

O perfil de morbidade e mortalidade da população brasileira tem passado por transformações que
podem ser atribuídas às transições demográfica, nutricional e epidemiológica. A transição demográfica tem se
caracterizado pelo aumento da proporção de pessoas com mais de 60 anos na estrutura populacional. A transição
nutricional pode ser detectada pela elevação da prevalência de indivíduos apresentando sobrepeso e obesidade,
com todas as suas conseqüências sobre o perfil de morbi-mortalidade. Já a transição epidemiológica destaca-se nesse
quadro pela redução relativa de óbitos por doenças infecciosas e pelo aumento das mortes por Doenças Crônicas
Não Transmissíveis (DCNT) − doenças cardiovasculares, neoplasias, diabetes mellitus e doenças respiratórias crôni-
cas. Assim, estudos epidemiológicos têm sido realizados para identificar fatores etiológicos que possam reduzir ou
atenuar a carga produzida pelo envelhecimento da população, pelas alterações nutricionais e pela presença de DCNT.
Entre os principais fatores de risco modificáveis, estão os padrões alimentares.
Padrão alimentar pode ser definido como “o conjunto ou grupos de alimentos consumidos por uma dada
população” (Garcia, 1999: 17). Na epidemiologia nutricional, esse conjunto ou grupos de alimentos são detectados
por meio de métodos estatísticos de redução e/ou agregação de componentes.
Tradicionalmente, a epidemiologia nutricional dedicou-se ao estudo do efeito de nutrientes ou de um
alimento específico sobre desfechos de saúde. Há evidências de que alimentos e nutrientes agem sinergicamente
no risco de várias doenças crônicas (Jacobs & Steffen, 2003). A proposta de utilizar o padrão alimentar como
exposição em epidemiologia nutricional supera limitações desde a incapacidade na detecção de pequenos efeitos
de simples nutrientes até a dificuldade na avaliação das intercorrelações e das interações entre os nutrientes − por
exemplo, o efeito da interação entre sódio e cálcio sobre a densidade mineral óssea (Mizushima et al., 1999).
Além disso, padrões alimentares expressam melhor a complexidade envolvida no ato de se alimentar, uma
vez que pessoas não consomem de forma isolada alimentos ou nutrientes. Para a epidemiologia, que tem a
população como foco, o estudo dos padrões alimentares pode melhor subsidiar a proposição de medidas efetivas
de promoção da saúde por meio da alimentação (Newby et al., 2004).
A identificação de padrões alimentares pode ser feita a priori ou a posteriori (Newby et al., 2004). Na
definição de padrões alimentares a priori, são propostos índices que permitem avaliar a qualidade da dieta com
base em critérios conceituais de nutrição saudável e de diretrizes e recomendações nutricionais. Há índices resul-
tantes de escores da totalização de nutrientes, da totalização de alimentos ou ainda índices que resumem a adesão

213
Epidemiologia Nutricional

dos indivíduos a uma determinada diretriz dietética (Kant et al., 2000; Fitzgerald, Dewer & Veugelers, 2002;
Kennedy, Olls & Callsson, 1995; Kant, 2004).
Na definição de padrões alimentares a posteriori, parte-se de dados empíricos de alimentos que são agrega-
dos com base em análise estatística, com posterior avaliação, ou seja, identificação de padrão alimentar. O presen-
te capítulo aborda a identificação de padrões dietéticos por meio de métodos a posteriori. Esses métodos incluem:
a escolha do instrumento para avaliar o consumo alimentar; a definição do tamanho de amostra; a coleta das
informações; a análise estatística dos dados e a interpretação dos resultados com a definição de nomes para os
padrões alimentares.
Na maioria dos estudos de padrão alimentar, os instrumentos utilizados para avaliar o consumo alimentar
são o Questionário de Freqüência Alimentar (QFA) e o Registro Dietético (RD) (Kant, 2004). Ambos os instru-
mentos apresentam vantagens e desvantagens (Thompson & Byers, 1994). O instrumento utilizado pode inter-
ferir na detecção da relação entre dieta e doença. Em algumas situações, há evidências de que o RD pode ser
preferível ao QFA (Freedman et al., 2006). Além disso, no estudo dos padrões alimentares há a alternativa de
utilizar dados existentes sobre disponibilidade de alimentos para determinadas populações (Sichieri, Castro &
Moura, 2003).
Os métodos de avaliação de consumo estão apresentados de forma detalhada no capítulo 10, “Métodos de
avaliação do consumo de alimentos”. Na utilização de QFA para a determinação dos padrões alimentares, deve-
se ter atenção especial à definição do número e à forma de apresentação dos alimentos no QFA, assim como ao
período de referência da informação. A eficiência é a melhor regra para definir o número de alimentos a serem
incluídos em um QFA. Deve-se contrabalançar o tempo gasto para coletar os dados sobre os alimentos consumi-
dos com a qualidade da informação obtida. Também se ressalta que o tempo de aplicação de um QFA terá
repercussões no cronograma de execução da investigação e no tamanho da equipe necessária para aplicar o
questionário na população. Na bibliografia, identificam-se estudos com QFA compostos de lista com menos de
vinte alimentos e até de lista com 277 alimentos (Kumagai et al., 1999; Sevak et al., 2004).
Para a análise, interpretação e identificação dos padrões alimentares, considera-se ideal que cada alimento seja
apresentado de forma isolada no QFA, ou seja, que não se incluam dois alimentos no mesmo item − por exemplo:
‘pão/bolo’. Entretanto, considerando-se a possibilidade de menor eficiência na aplicação de um questionário muito
longo, recorre-se, na maioria das vezes, ao uso de QFA que contemplam no mesmo item dois ou três alimentos.
Recomenda-se que o agrupamento desses alimentos seja realizado de acordo com o objetivo do estudo e suas
hipóteses e, também, considerando as características nutricionais ou funcionais dos alimentos. O período de
coleta de consumo alimentar pode ser referente ao último mês, ano etc. (Willett, 1998). No entanto, padrões
alimentares provenientes de QFA de período curto de observação podem não contemplar as variações sazonais da
produção de alimentos e da própria alimentação.

Procedimentos Estatísticos para a Redução dos Dados


Em epidemiologia nutricional, os dois métodos estatísticos mais utilizados para derivar padrões são a
análise de agrupamento (cluster) e a análise fatorial. Em recente revisão (Newby et al., 2004) foram identificados
58 artigos com o emprego de análise fatorial e 35 com análise de agrupamento na identificação de padrões
alimentares – artigos publicados desde 1980. A análise de agrupamento assemelha-se à análise fatorial em seu
objetivo de avaliar a estrutura e de reduzir ou agrupar dados. No entanto, diferem no sentido de que a primeira
agrega indivíduos (objetos) e a segunda, prioritariamente, agrega variáveis (Hair et al., 2005).
A análise fatorial reduz os dados em padrões baseados nas inter-relações (correlações) entre as variáveis, no
caso, os itens alimentares. A análise de agrupamento reduz os dados e forma grupos com base em uma medida de

214
Padrões alimentares

similaridade em termos de distância euclidiana através de sucessivos agrupamentos de pares próximos. Assim, ao
mesmo tempo que os objetos ou os indivíduos são agregados em subgrupos relativamente homogêneos, ela
maximiza a heterogeneidade entre os grupos, afastando os elementos mais distantes. Esta técnica é adequada para
três situações: explorar padrões alimentares quando se suspeita que a amostra não é homogênea; quando inexistem
as propriedades psicométricas requeridas para a análise fatorial ou, ainda, quando a intenção do investigador é
manter todos os itens alimentares propostos no instrumento, ou seja, não excluir itens. No procedimento de
análise fatorial, excluem-se itens-fator por apresentarem saturação insuficiente.
Conforme o objetivo da investigação científica, a análise fatorial pode ser exploratória ou confirmatória.
Na análise exploratória, procura-se descrever e resumir dados, agrupando-se as variáveis que são correlacionadas.
Este tipo de análise é indicado na geração de hipóteses e é utilizado para o estágio investigatório de processos
subjacentes para identificar qual o aspecto que os itens agrupados manifestam. Não há necessidade de se conhe-
cer, a priori, o número de fatores. A análise confirmatória, a qual envolve técnicas estatísticas mais sofisticadas, é
utilizada em estágios avançados de uma investigação científica, ou seja, no teste de uma teoria ou hipótese,
partindo-se de um número conhecido de fatores. No caso dos padrões alimentares, seria utilizada em uma etapa
posterior à identificação dos padrões alimentares − por exemplo, na elaboração de um instrumento de avaliação
dietética.
Na análise fatorial, os métodos utilizados para a redução de um grande número de variáveis a um número
menor são a Análise de Componentes Principais (ACP) e a Análise de Fator Comum (AFC). Tais procedimentos
baseiam-se em modelos matemáticos diferentes. A ACP analisa toda a variância, tanto a compartilhada como a
exclusiva, e pressupõe que não existe erro. A AFC analisa unicamente a variância compartilhada; a variância
exclusiva (única) não é incluída, e alguma variância do erro é admitida (Dancey & Reidy, 2006). A análise de
componentes principais é uma técnica exploratória e a análise de fator comum tem sido utilizada para testar
hipóteses, ou seja, no sentido confirmatório. Na prática, esses procedimentos podem ser utilizados nos mesmos
tipos de dados oferecendo resultados similares, principalmente para grande conjunto de participantes. Para a
identificação dos padrões alimentares, a análise de componentes principais tem sido utilizada com mais freqüência.

Análise de Componentes Principais (ACP)


A análise de componentes principais foi desenvolvida por Hotelling em 1933, mas, posteriormente, seu
uso foi muito ampliado com o desenvolvimento da informática e dos pacotes estatísticos (López-Valcárcel, 1991).
Os objetivos da Análise de Componentes Principais (ACP) são: 1) descrever de forma sintética grande número de
variáveis e 2) obter índices sintéticos, os componentes, que são as dimensões subjacentes que se identificam e
podem ser nomeados.
As variáveis agrupadas em cada fator são mais fortemente correlacionadas entre si do que com as variáveis
pertencentes aos outros fatores. Portanto, este procedimento possibilita que os itens de alimentos contidos no
instrumento de avaliação de consumo alimentar sejam agrupados com base no grau de correlação entre eles. As
etapas de análise incluem a preparação da matriz de correlação, a extração de um conjunto de fatores da matriz de
correlação, a determinação do número de fatores e a rotação dos fatores para aumentar a sua interpretabilidade.
A interpretação e a denominação dos fatores, no caso dos padrões alimentares, depende do significado de cada
combinação das variáveis (itens de alimentos) observadas no fator e, principalmente, daqueles itens com maior
carga fatorial.

215
Epidemiologia Nutricional

Há diversas regras para estimar o tamanho da amostra (n) necessário para garantir a realização das etapas da
análise fatorial. Em uma das regras, selecionam-se no mínimo dez indivíduos para cada item alimentar contido
no instrumento. Em outra, o número de indivíduos deve ser no mínimo cinco vezes maior do que o número
de itens presentes no instrumento (Pestana & Gageiro, 2005; Hair et al., 2005). Portanto, sendo K = número de
itens de alimentos no instrumento, n é obtido da seguinte forma:

Se 5 < K < 15 ⇒ n = 10 x K
Se K > 15 ⇒ n = 5 x K

Por exemplo, para um QFA que contenha vinte itens alimentares (QFA-20), o tamanho da amostra deve
ser de no mínimo cem pessoas com informações válidas em todos os itens alimentares. Como os estudos
epidemiológicos incluem amostras com grande número de pessoas, eles possibilitam a aplicação de QFA com
listas de alimentos bem completas.
Os dados do QFA coletados na amostra, após a codificação ter sido conferida e a dupla digitação reali-
zada com a análise de consistência, devem ser transferidos para um pacote estatístico que permita a realização
da ACP. Salienta-se que, quando se aplica um QFA quantitativo, será necessário converter as porções dos
alimentos para gramas ou mililitros. Para o procedimento correto da análise de componentes principais, todos
os itens de alimentos devem estar com a mesma unidade de medida. A utilização de QFA qualitativo, compos-
to apenas da lista de alimentos e uma escala de freqüência de consumo de cada item alimentar, é o método
mais simplificado para a coleta, digitação e análise dos dados. Nesse caso, por exemplo, o QFA pode conter
uma escala likert com as seguintes categorias: não-consumo = 0; consumo uma vez na semana = 1; consumo
duas vezes na semana = 2; consumo três vezes na semana = 3; consumo de quatro a cinco vezes na semana = 4;
e consumo de seis a sete vezes na semana = 5. Com esse tipo de escala qualitativa, não há necessidade de
conversão de porções para uma unidade de medida (gramas), e os valores podem ser digitados diretamente no
banco de dados e utilizados para a ACP.
Especificamente, nos procedimentos de análise dos dados deve-se iniciar com a avaliação da aplicabilidade
do método de ACP. Para isso, utilizam-se os testes estatísticos de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de
Esferecidade de Bartlett. O KMO verifica a existência e o peso das correlações parciais. Para que o modelo fatorial
seja adequado, o quociente entre o coeficiente de correlação simples e o coeficiente de correlação parcial deve se
aproximar de 1, indicando um denominador de correlação parcial pequeno. Não são aceitos valores abaixo de
0,6; neste caso, deve-se utilizar outro tipo de análise. O teste de Esfericidade de Bartlett testa a hipótese nula de
que a matriz de correlações é igual à matriz de identidade. Um valor de p igual ou menor a 0,05 indica que os
dados produzem uma matriz de identidade, concluindo-se que o modelo fatorial é adequado para a análise dos
dados. Salienta-se que o teste de esfericidade de Bartlett é muito sensível ao tamanho da amostra; portanto, em
amostras grandes tende-se a rejeitar a hipótese nula. Assim, na análise de banco de dados provenientes de estudos
epidemiológicos é preferível utilizar o KMO.
A seguir serão apresentados resultados da análise de componentes principais com base em um QFA com vinte
itens alimentares (QFA-20) aplicados em uma amostra de 1.026 mulheres adultas. Esse QFA é resultante de uma
versão resumida daquele utilizado no estudo de Alves e colaboradores (2006), o qual continha setenta itens alimen-
tares. A Tabela 1 apresenta as estatísticas de KMO e de Bartlett para a aceitação da análise fatorial nos dados
provenientes do QFA-20. Observa-se que os requisitos exigidos para a análise fatorial se cumprem com KMO de
0,730 (existem pequenas correlações parciais) e com o teste de esfericidade de Bartlett significativo (p < 0,001).

216
Padrões alimentares

Tabela 1 – Parâmetros estatísticos para aceitação de análise fatorial (KMO e teste de esferecidade de Bartlett)
para o QFA-20 (n = 1.023)
Kaiser - Meyer - Olkin 0 ,7 3 0

Teste de esfericidade de Bartlett 2 2 9 1 ,3 2 2


Aprox. qui-quadrado
Graus de liberdade 190

Significância estatística < 0 ,0 0 1

Uma vez avaliada a aplicabilidade do método fatorial no conjunto de dados, deve-se observar, também, o
percentual da variância de cada item explicada por todos os fatores juntos. Esse percentual, denominado
comunalidade, pode ser interpretado como um indicador de confiabilidade do item. As comunalidades são
calculadas antes e depois da extração dos fatores. Na ACP, as comunalidades iniciais são sempre iguais a 1, porque
o método utiliza a variância total. Após a extração dos fatores, os resultados das comunalidades dos itens devem
variar de 0 a 1, sendo 0 quando não explicam nenhuma variância e 1 quando explicam toda a sua variância.
A Tabela 2 apresenta as comunalidades para cada item de alimento presente no QFA-20. Os resultados
mostram que as proporções das variâncias explicadas pelos fatores (comunalidades) são todas adequadas (próxi-
mas e superiores a 0,4). Por exemplo, a comunalidade do item 2 igual a 0,64 indica que ele explica 64% da
variância total deste com relação aos fatores extraídos. No entanto, perde 36% do poder explicativo com a inter-
relação com os demais itens.

Tabela 2 – Comunalidades iniciais e após a extração dos fatores por análise de componentes principais
(QFA-20)
Item alimentar Inicial Extração
13 1 ,0 0 0 0 ,5 1 2

11 1 ,0 0 0 0 ,4 0 7

12 1 ,0 0 0 0 ,4 8 5

1 1 ,0 0 0 0 ,5 9 0

10 1 ,0 0 0 0 ,4 9 5

2 1 ,0 0 0 0 ,6 4 0

19 1 ,0 0 0 0 ,3 7 1

15 1 ,0 0 0 0 ,2 9 2

16 1 ,0 0 0 0 ,5 0 8

18 1 ,0 0 0 0 ,4 8 8

3 1 ,0 0 0 0 ,4 0 7

9 1 ,0 0 0 0 ,3 6 0

6 1 ,0 0 0 0 ,4 9 5

4 1 ,0 0 0 0 ,4 1 7

5 1 ,0 0 0 0 ,4 6 7

17 1 ,0 0 0 0 ,3 4 3

217
Epidemiologia Nutricional

Tabela 2 – Comunalidades iniciais e após a extração dos fatores por análise de componentes principais
(QFA-20 - continuação)
Item alimentar Inicial Extração
8 1 ,0 0 0 0 ,3 2 4

14 1 ,0 0 0 0 ,3 8 3

20 1 ,0 0 0 0 ,3 7 8

No próximo passo da análise, observam-se os resultados referentes à variância total explicada (Tabela 3).
Cada autovalor representa o total da variância explicada pelo fator (componente). Os autovalores estão ordena-
dos por tamanho, e a soma dos autovalores é igual ao número de variáveis na análise. A porcentagem da variância
total atribuída ao fator 1 é 15,05% e ao fator 2 é 8,79%, e o acumulado para esses dois fatores é de 23,84%. Os
autovalores representam a proporção da variância que cada fator é capaz de reter. Cada fator (componente) que
apresenta autovalor maior do que 1 é retido. Na Tabela 3, os cinco fatores que apresentam claramente autovalor
> 1 encontram-se grifados. No fator 6, o autovalor foi igual a 1,070, não sendo retido na extração. Os cinco
fatores explicam 44,43% da variabilidade dos vinte itens originais.

Tabela 3 – Autovalores e porcentagem da variância total explicada antes da rotação dos fatores
Autovalores iniciais
Componente
Total % da variância % Acumulado
1 3 ,0 1 0 1 5 ,0 5 0 1 5 ,0 5 0

2 1 ,7 5 9 8 ,7 9 3 2 3 ,8 4 3

3 1 ,5 0 1 7 ,5 0 6 3 1 ,3 5 0

4 1 ,3 8 8 6 ,9 3 8 3 8 ,2 8 7

5 1 ,2 3 0 6 ,1 4 8 4 4 ,4 3 5

6 1 ,0 7 0 5 ,3 5 2 4 9 ,7 8 8

7 0 ,9 5 6 4 ,7 7 8 5 4 ,5 6 6

8 0 ,8 9 3 4 ,4 6 3 5 9 ,0 2 9

9 0 ,8 7 0 4 ,3 5 0 6 3 ,3 7 9

10 0 ,8 3 5 4 ,1 7 5 6 7 ,5 5 4

11 0 ,7 8 7 3 ,9 3 4 7 1 ,4 8 8

12 0 ,7 4 9 3 ,7 4 5 7 5 ,2 3 3

13 0 ,7 4 4 3 ,7 2 0 7 8 ,9 5 3

14 0 ,7 1 0 3 ,5 4 8 8 2 ,5 0 1

15 0 ,6 9 5 3 ,4 7 4 8 5 ,9 7 5

16 0 ,6 2 3 3 ,1 1 3 8 9 ,0 8 8

17 0 ,6 1 1 3 ,0 5 7 9 2 ,1 4 4

18 0 ,5 9 0 2 ,9 4 8 9 5 ,0 9 2

19 0 ,5 2 7 2 ,6 3 5 9 7 ,7 2 7

20 0 ,4 5 5 2 ,2 7 3 1 0 0 ,0 0 0

218
Padrões alimentares

Além da utilização dos autovalores e do porcentual da variância acumulada para definir o número de
fatores a serem retidos, utiliza-se o teste gráfico de Cattel (scree plot). Ele é determinado fazendo-se o gráfico dos
autovalores em relação ao número de fatores em sua ordem de extração. Na Figura 1, observa-se que a explicação
fatorial com cinco fatores é adequada. Salienta-se que os pontos no maior declive indicam o número apropriado
de fatores a serem retidos.

Figura 1 – Gráfico de sedimentação de Cattell da análise de componentes principais (QFA-20)

A Tabela 4 mostra o total da variância explicada após a rotação dos fatores. Embora o percentual de cada
componente apresente alteração, salienta-se que o percentual acumulado dos fatores extraídos permanece o mes-
mo. Conforme referido anteriormente, o percentual acumulado pode contribuir para a definição do número de
fatores a serem retidos. A Tabela 4 apresenta apenas os valores dos cinco fatores retidos. Entretanto, há divergên-
cias quanto ao valor satisfatório.

Tabela 4 – Autovalores e porcentagem da variância total explicada depois da rotação dos fatores

Autovalores iniciais
Componente
Total % da variância % acumulado
1 2 ,1 1 4 1 0 ,5 6 8 1 0 ,5 6 8

2 1 ,8 5 1 9 ,2 5 7 1 9 ,8 2 5

3 1 ,7 6 1 8 ,8 0 7 2 8 ,6 3 2

4 1 ,7 1 9 8 ,5 9 7 3 7 ,2 2 9

5 1 ,4 4 1 7 ,2 0 7 4 4 ,4 3 5

219
Epidemiologia Nutricional

A rotação de fatores é importante para gerar uma estrutura de fatores facilmente interpretável; no entanto, não
melhora o grau de ajuste em relação aos dados. Há três procedimentos de rotação ortogonal (Varimax, Quartimax
e Equamax) e dois procedimentos de rotação oblíqua (Oblimin direto e Promax). A rotação oblíqua pressupõe a
existência de correlação entre os fatores resultantes. O caso mais simples de rotação é a ortogonal. A maioria dos
estudos exploratórios de padrão alimentar utiliza a rotação ortogonal, ou seja, busca modelos alimentares protóti-
pos. A vantagem da rotação ortogonal é que os fatores resultantes não são relacionados e, portanto, podem ser
incluídos juntos em uma posterior análise de regressão multivariada, sem afetar o resultado de qualquer dos fatores.
Entre os vários estudos realizados recentemente para a determinação de padrões alimentares, a análise de
componentes com rotação ortogonal Varimax é a mais utilizada. O objetivo da rotação é maximizar as cargas
fatoriais maiores e minimizar as cargas menores. Permite, também, a visualização dos resultados da matriz,
tornando-os de mais fácil interpretação. A rotação ortogonal Varimax faz com que cada fator somente apareça
com as saturações altas e com o menor número de variáveis (itens) possíveis.

Tabela 5 – Matriz da estrutura fatorial rotada


Fator
Alimento Item
1 2 3 4 5
C o u ve 13 0 ,7 0 8

Brócolis 12 0 ,6 6 2

Abóbora e cenoura 10 0 ,6 4 4

Agrião e alface 11 0 ,6 3 1

Balas, sobremesas e doces 16 0 ,7 1 1

Chocolate 18 0 ,6 9 2

Presunto, mortadela, salame e copa 9 0 ,5 5 1

Queijo 3 0 ,3 4 1 0 ,5 2 6

Leite integral 1 0 ,7 6 6

Leite desnatado 2 - 0 ,7 4 0

Açúcar 19 0 ,5 7 6

Nata 15 0 ,4 7 1

Melão, melancia 6 0 ,7 0 1

Manga, pêra e pêssego 5 0 ,6 6 8

C aqu i , u v a 4 0 ,6 2 7

Sor vete 17 0 ,4 8 1

Massa integral 7 0 ,7 2 1

Soja 14 0 ,6 1 3

Açúcar mascavo 20 0 ,5 7 0

Peixes, sardinhas, atum enlatado 8 0 ,3 7 9

A Tabela 5 apresenta a matriz de correlação rotada com os itens alimentares e os respectivos alimentos que
eles representam. Cada item aparece com as respectivas saturações (cargas) nos fatores extraídos. No exemplo do

220
Padrões alimentares

QFA-20, foram extraídos cinco fatores (padrões). Utilizando-se a rotação ortogonal Varimax, tem-se uma boa
visualização das cargas de saturação de cada item alimentar nos fatores extraídos. Foram mantidos na matriz os
alimentos cuja carga do fator apresenta-se superior a 0,30. Com essa carga já seria possível obter um poder
estatístico de 80% e um nível de significância de 0,05 em uma amostra de 350 pessoas (Hair et al., 2005).
O exemplo mostrado na Tabela 5 apresenta fatores claros com índices limpos. Mas, às vezes, os resultados
podem aparecer com: 1) alguns itens que não saturam em nenhum fator por não atingir o valor mínimo estabe-
lecido para carga (usualmente, 0,30); 2) itens que saturam em mais de um fator e 3) fatores com menos de três
itens. Para cada uma dessas ocorrências, o investigador deve tomar decisões durante o planejamento da análise,
ou seja, no próprio programa estatístico definem-se os parâmetros a serem seguidos.
Cabe destacar que manter e apresentar no padrão alimentar itens com cargas negativas é uma decisão a ser
tomada tendo em vista o objetivo de investigação. Observa-se, por exemplo, que no fator 3 aparece o item 2 (leite
desnatado) com carga negativa (Tabela 6). Ao excluir-se o item alimentar com carga negativa daquele padrão,
tem-se um modelo alimentar protótipo, ou seja, apenas com os alimentos que são consumidos. Em contrapartida,
a opção de manter no padrão alimentar um item com associação inversa com os outros alimentos do fator tem a
vantagem de abarcar a complexidade envolvida nos hábitos alimentares. Em termos de saúde pública, essa infor-
mação pode subsidiar estratégias para recomendações nutricionais na população em estudo. Há, também, a
possibilidade de um item negativo ser testado em outros fatores (ver alpha de Cronbach a seguir).
Ao final, deve-se proceder à análise de consistência interna dos fatores. O alpha de Cronbach é uma das
medidas mais utilizadas para avaliar a consistência interna de um grupo de variáveis. Os resultados do alpha de
Cronbach variam de 0 a 1. Valores menores do que 0,6 são inaceitáveis quando se busca um construto homogê-
neo em termos de validação de escalas. No entanto, na busca de um padrão ou conjunto de elementos que
manifestem um perfil de agregação, sem os requisitos de validar um determinado construto, os índices podem ser
mais flexíveis. Os itens do mesmo fator que apresentarem correlação negativa no fator devem ser excluídos da
análise, ou então verifica-se a possibilidade de um melhor agrupamento com outro fator, por meio do valor de
alpha.
Nesse exemplo, em que o item 2 apresenta uma correlação negativa alta no fator 3 e diminui o alpha do
fator, verificamos que, se incluído no fator 5, ele torna-se positivo e acrescenta consistência estatística ao fator,
além de congruência explicativa à sua interpretação. Além disso, deve-se testar a presença de cada item no fator.
Por exemplo, se na exclusão de um item o alpha de Cronbach passa de 0,75 (razoável) para 0,8 (bom), seria
melhor excluir este item do fator. Esse procedimento deve ser realizado com cada fator separadamente, e quando
for necessário excluir mais de um item, é conveniente eliminar um de cada vez. Salienta-se que o investigador
deve considerar que, embora alguns itens não contribuam para aumentar significativamente o alpha, eles apre-
sentam validade de construto na melhor explicação do fator e, portanto, sua exclusão não será a decisão mais
acertada.
A Tabela 6 (página seguinte) apresenta um resumo dos procedimentos realizados para testar a consistência
dos padrões. O alpha de Cronbach para o fator 1 é considerado razoável, e a retirada de qualquer um dos quatro
itens alimentares reduz a consistência do fator. O mesmo ocorreu com o fator 2, embora o alpha de 0,552 seja
mais fraco. Para o fator 3, observa-se que com a retirada do item 2 houve um aumento do alpha (de - 0,316
aumenta para 0,373), ou seja, aumenta a consistência do fator. Nesse caso, embora não seja possível observar na
Tabela 6, há uma inversão de sinal tornando positivos os outros três itens alimentares remanescentes do fator.
O fator 4 apresenta um alpha de 0,554, e a retirada de algum fator, ou mesmo o acréscimo do item 2, não
melhora sua consistência. Ao final, observa-se que a inclusão do item 2 no fator 5, além de ter aumentado o alpha
de Cronbach (de 0,338 aumenta para 0,386), tornou a carga desse item positiva.

221
Epidemiologia Nutricional

Tabela 6 – Valores alpha de Cronbach: teste dos itens alimentares para consistência interna dos fatores
Fator Alpha de Cronbach Número de itens* Item que, se deletado, Mudança de item 2 do
aumenta o alpha fator 3 para o fator 5
1 0 ,6 5 0 4 Nenhum

2 0 ,5 5 2 4 Nenhum

3 - 0 ,3 1 6 4 Item 2 0 ,3 7 3

4 0 ,5 0 6 4 Nenhum

5 0 ,3 3 8 4 Nenhum 0 ,3 8 5

*
Todos os itens de cada fator foram testados.

Após a verificação da consistência interna, analisa-se cada fator e tenta-se explicar, teoricamente, porque
esses itens se agruparam e quais os elementos comuns entre eles. Na nova configuração do fator 5, por exemplo,
observa-se que a contribuição do item 2 em termos explicativos do fator é coerente com o conteúdo dos itens. O
padrão alimentar (fator 5) era composto de massa integral, soja, açúcar mascavo e peixes, portanto, há coerência
na inclusão do item 2, ou seja, leite desnatado. Entretanto, a presença desse item não estava adequada ao fator 3,
o qual incluía leite integral, açúcar e nata.
A busca da explicação teórica para os grupamentos formados permite que se atribuam nomes aos fatores.
Na maioria dos estudos, os padrões alimentares são rotulados de acordo com o item alimentar de maior carga de
saturação ou com a composição nutricional dos alimentos do fator. Há, também, denominação de fatores de
acordo com a cultura (tradicional) ou área geográfica (Mediterrâneo). No estudo realizado no Rio de Janeiro, as
cargas para o feijão e o arroz justificaram a denominação do padrão alimentar tradicional (Sichieri, 2002). Já no
estudo de padrões alimentares das mulheres do sul do Brasil, os fatores foram denominados considerando-se dois
critérios: a relação com as DCNT (padrão alimentar de risco ou padrão alimentar protetor) e o custo da porção
dos alimentos em cada fator (Alves et al., 2006).
O Quadro 1 apresenta um exemplo para denominação dos padrões alimentares identificados com base no
QFA-20 aplicando-se análise de componentes principais com rotação ortogonal Varimax. Neste exemplo, os
nomes foram atribuídos de acordo com grupo de alimentos e características nutricionais. Portanto, os nomes dos
padrões alimentares identificados foram: ‘vegetais’, ‘doces e embutidos’, ‘calóricos’, ‘frutas’e ‘saudáveis’.

222
Padrões alimentares

Quadro 1 – Exemplo de denominação para os cinco padrões alimentares identificados

Padrão alimentar (Fatores)


Alimento
1 2 3 4 5
C o u ve
Brócolis
Vegetais
Abóbora e cenoura
Agrião e alface

Balas, sobremesas e doces


Chocolate Doces e
Presunto, mortadela, salame e copa embutidos
Queijo

Leite integral
Açúcar Calóricos
Nata

Melão, melancia
Manga, pêra e pêssego
Frutas
C aqu i , u v a
Sor vete

Massa integral
Soja
Açúcar mascavo Saudáveis
Peixes, sardinhas, atum enlatado
Leite desnatado

Considerações Finais
A análise fatorial permite reduzir um grande número de variáveis alimentares em um número menor de
fatores, identificando estruturas subjacentes, ou seja, comportamentos não observáveis diretamente, que sinteti-
zam a complexa interação de fatores genéticos, ambientais e individuais.
Neste tipo de análise, os padrões são derivados sem uma hipótese a priori. Assim, eles podem ser adequados
para uma amostra particular, mas não necessariamente representam padrões de dietas ideais. Além disso, por
serem específicos para uma amostra, os padrões derivados empiricamente podem não se repetir em outras popu-
lações, o que dificulta as comparações entre os estudos. As especificidades, entretanto, refletem o comportamento
alimentar real de uma população e podem fornecer informações úteis para a elaboração de diretrizes nutricionais
(Jacques & Tucker, 2001; Hu, 2002; Newby et al., 2004).
A identificação de padrões alimentares é útil na investigação da relação entre dieta e doença, principalmente
quando a causa está vinculada a várias características da dieta. Porém, não seria a opção mais adequada para doenças
causadas por um nutriente específico, como, por exemplo, ácido fólico e defeito do tubo neural (Hu, 2002).
Uma crítica freqüente na área da epidemiologia nutricional ao uso desta abordagem refere-se à subjetivida-
de envolvida nas diversas etapas da análise para a redução dos fatores que vão desde a elaboração do QFA até a
denominação dos fatores, a saber: quais e quantos alimentos serão incluídos no QFA; como os alimentos serão
listados (individualmente ou em grupos); se em grupos, qual o critério para agrupar os alimentos; como
serão inseridas as variáveis no banco de dados; qual o número de fatores a ser retido e, finalmente, que critérios serão
utilizados para atribuir nomes aos padrões alimentares (Martinez et al., 1998; Newby et al., 2004). Nenhuma
dessas decisões é inócua, e qualquer mudança será de difícil controle e detecção, levando a diferentes resultados.

223
Epidemiologia Nutricional

Por exemplo, a escolha dos alimentos na lista do QFA é crucial e primordial na identificação de padrões alimen-
tares, mas não menos importante é a escolha do número de fatores a serem extraídos.
Enfim, embora haja incertezas e subjetividade nas decisões durante os processos estatísticos de redução de
dados, eles têm sido fundamentais para que se possa trabalhar com a enorme quantidade de informação proveniente
dos instrumentos de coleta de consumo alimentar. Além disso, a subjetividade na condução deste tipo de análise
não deve ser motivo para abandoná-la, sendo recomendados maior detalhamento na descrição de todas as deci-
sões tomadas e mais estudos de validação.

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225
13
Desenvolvimento de Instrumentos
de Aferição Epidemiológicos

Michael Eduardo Reichenheim e Claudia Leite Moraes

E ste capítulo trata do desenvolvimento de instrumentos de aferição, uma área de interesse metodológico
que nitidamente vai além do domínio precípuo das ferramentas e técnicas voltadas para a aferição nutricional (e
que estão bem contempladas em outros capítulos deste livro). Ainda assim, este tema não é de todo estranho à
área temática da epidemiologia nutricional, pois muitos de seus programas de investigação concernem a estudos
de objetos que transcendem as avaliações sobre o status nutricional em si, tais como contenção alimentar (dietary
restraint) (Bond, McDowell & Wilkinson, 2001; Van Strien et al., 2006), avaliação de apetite (Wilson et al.,
2005), comportamento alimentar (Burrows & Cooper, 2002; De Lauzon et al., 2004; Wright, Parkinson &
Drewett, 2006) ou conhecimentos e educação nutricional (Vereecken, Van Damme & Maes, 2005; Whati et al.,
2005; Zinn, Schofield & Wall, 2005). Ademais, muitos estudos da área se debruçam sobre causas e determinantes
das disfunções nutricionais e, destarte, forçosamente abarcam os vários domínios afins oriundos da epidemiologia
como um todo. Claramente, rigor e refinamento na incorporação de construtos e dimensões conexas também
requerem rigor e refinamento na escolha e uso do respectivo instrumental de aferição.
Como o leitor perceberá, a exposição que se segue está mais fundamentada na tradição de pesquisa oriunda
das áreas de psicologia e educação denominada ‘conceptualização dimensional’ em contraste à ‘categórica’. Esta,
por sua vez, é mais afeita à área médica tradicional, cuja preocupação se concentra prioritariamente em diagnós-
ticos e tratamentos. Uma premissa estruturante da abordagem ‘dimensional’ é que, subjacente aos itens empíricos
manifestos, existe um contínuo de intensidade e/ou gravidade do fenômeno de interesse. Assim, tendo-se identi-
ficado instrumentos de aferição acurados e confiáveis, fica subentendido ser possível ‘posicionar’ indivíduos
(unidades de análise) ao longo do espectro latente e, do ponto de vista das relações de determinação entre fenô-
menos assim mensurados, ser possível também uma aproximação verossímil entre os nexos conceituais sob inves-
tigação. Além dos construtos afins à área da epidemiologia nutricional citados anteriormente, bons exemplos de
variáveis latentes assim trabalhadas são o apoio social (Sherbourne & Stewart, 1991; Chor et al., 2001), a resiliência
(Wagnild & Young, 1993; Pesce et al., 2005), a qualidade de vida (Guillemin, Bombardier & Beaton, 1993;
Teixeira-Salmela et al., 2004), a violência entre parceiros íntimos (Krug et al., 2002; Moraes & Reichenheim,
2002) e a auto-estima (Schmitt & Allik, 2005).
Qualquer texto sobre instrumentos de aferição necessita perpassar pela questão da validade de estudos
epidemiológicos como um todo, aliás, um tema de constante preocupação e que tem gerado contínuos debates
entre pesquisadores. Certos autores salientam a necessidade de detalhamento sobre as possíveis fontes de erros

227
Epidemiologia Nutricional

sistemáticos e aleatórios na tentativa de evitar ou minimizar vieses (Kleinbaum, Kupper & Morgenstern, 1982;
Miettinen, 1985; Steineck & Ahlbom, 1992; Rothman & Greenland, 1998). Outros enfatizam a necessidade de
embasamento teórico-conceitual no desenvolvimento e execução de estudos epidemiológicos (Krieger & Zierler,
1997; Pearl, 2000; Weed, 2001; Greenland & Brumback, 2002; Luiz & Struchiner, 2002; Rothman & Greenland,
2005). Na tentativa de unificar os vários aspectos que perpassam a qualidade de estudos epidemiológicos,
Reichenheim e Moraes (1998) propuseram seis pilares para a apreciação de validade, percorrendo as questões
conceituais, operacionais, de domínio do estudo, de comparação, de mensuração e de especificação dos modelos
estatísticos empregados. Dois destes pilares – validade operacional e de mensuração – são de particular interesse
quando se discutem os fatores que podem influenciar a qualidade das informações.
Para a compreensão da validade operacional, é preciso perceber que a epidemiologia, como outras áreas da
ciência, opera nos campos teórico e empírico. A conexão entre ambos é mediada pela formulação de hipóteses
que expressam as relações terminais de um modelo teórico, servindo como ponte entre este e a realidade (Almeida
Filho, 1989; Krieger & Zierler, 1997). A partir da construção desse quadro, o pesquisador organiza suas idéias
em relação ao processo que está investigando, o que torna possível identificar as hipóteses de pesquisa e os nexos
entre os construtos e respectivas dimensões teóricas supostamente envolvidas. Estabelecido o modelo teórico-
conceitual, definem-se os indicadores e variáveis para representar os conceitos subjacentes no nível empírico. Esta
etapa requer máxima atenção e aprofundamento, pois o traslado de um quadro teórico – em si um recorte da
realidade – para o plano empírico produz, inevitavelmente, ainda mais simplificações. O pouco cuidado no
processo de redução dos conceitos às variáveis e indicadores pode fazer com que um 'falso' representante do
conceito seja incorretamente incorporado em uma análise subseqüente. Sem dúvida, a utilização de instrumentos
de aferição bem desenvolvidos pode em muito contribuir para a qualidade de um estudo.
Um segundo eixo de interesse aborda os aspectos relacionados à validade da informação (ou sua falta)
conseqüente ao processo de mensuração. Problemas na aferição e o seu enfrentamento têm tido atenção especial
no meio epidemiológico e bioestatístico (Dunn, 1989; Carroll, Ruppert & Stefanski, 1995; Streiner & Norman,
2003). A abordagem tradicional parte da classificação que separa a confiabilidade da validade de um instrumento
(Nunnally & Bernstein, 1995; Streiner & Norman, 2003). No entanto, é central explicitar o que se tem em
mente ao se confrontar esses dois conceitos. Ainda que a sucessiva demonstração de confiabilidade seja útil para
recomendar um instrumento de aferição a médio ou longo prazo, grosso modo, a confiabilidade diz respeito à
qualidade do processo de aferição precípuo de um estudo, não sendo, portanto, uma característica estrutural ou
imanente do instrumento de aferição. Trata-se de algo conjuntural e específico do processo. Pode-se pensar a
confiabilidade como elemento que conota a robustez da aferição (ou sua falta) em um estudo pontual, apreen-
dendo as pressões exercidas pelo examinador e o examinado sobre o instrumento. Pelo caráter particular dessa
interação, a confiabilidade precisa ser investigada em cada pesquisa, e seus resultados são, em princípio,
intransferíveis (Armstrong, White & Saracci, 1995).
Em contraposição, diz-se que um instrumento é válido se mede o que se espera que meça em termos do
objeto ou fenômeno em questão (McDowell & Newell, 1996). Desde que se tenha em mente certa constância do
domínio de aplicação, a validade pode ser considerada uma propriedade do instrumento, havendo, pois, transpo-
sição para uma população externa àquela do estudo de validação do instrumento. Todavia, é imperioso distinguir
entre a validade própria do instrumento e a da informação sobre o objeto-alvo, que é finalmente apreendida no
estudo epidemiológico em questão. A validade da informação como um todo depende também da confiabilidade
do processo de aferição (Streiner & Norman, 2003). Se um instrumento considerado válido a priori tem, circuns-
tancialmente, precária estabilidade e replicabilidade em conseqüência de mau desempenho dos entrevistadores,
pode haver inadequação da informação captada, a despeito do potencial positivo do instrumento utilizado
(Nunnally & Bernstein, 1995; Pett, Lackey & Sullivan, 2003).

228
Desenvolvimento de instrumentos de aferição epidemiológicos

Existe uma distinção entre o processo de construção de variáveis representativas de construtos/dimensões


teóricas – algo estritamente relacionado à validade operacional – e o processo de aferição (mensuração) de indi-
víduos em si. É possível conceber uma situação em que ocorra um problema de classificação devido ao uso de
uma escala (variável) construída com base em itens (indicadores) inadequados, mesmo não havendo qualquer
problema na aferição. Em contrapartida, mesmo diante de uma escala satisfatoriamente concebida e desenvolvi-
da, nada impede que haja um problema de mensuração, levando a um problema na ordenação de indivíduos que
potencialmente seriam escalonados de forma acertada. Ambas as situações levam a má classificação dos sujeitos
estudados, o que afeta a validade do estudo. Chama-se atenção para a necessidade de explicitação destes dois
importantes aspectos – a qualidade do instrumental e de sua aplicação –, não só para garantir a validade interna
de um estudo epidemiológico, mas também para permitir a comparação do próprio estudo com achados obtidos
em outras pesquisas.
Cabe ressaltar que tanto questões relacionadas à validade operacional como à validade de mensuração têm
sido pouco enfatizadas na prática e até, de certa forma, encaradas com descaso por muitos pesquisadores.
Freqüentemente, ênfase é dada aos problemas relacionados aos desenhos de estudo e à análise de dados. Vale
indagar, no entanto, para que servem um delineamento de estudo adequado e um tratamento de dados que
utilize modelagem estatística sofisticada, se a qualidade das informações colhidas deixa a desejar. Esse quadro
claramente merece reversão. É central que as estratégias de coleta de informação sejam planejadas cuidadosamen-
te e se baseiem em premissas sólidas, envolvendo tanto as nuanças relacionadas à redução de conceitos a variáveis
e indicadores como as inerentes ao processo de aferição.
Sublinhando a importância que merece ser dada à ‘validade operacional’ em estudos epidemiológicos,
alguns dos pontos que permeiam essas reflexões são visitados a seguir. Este capítulo se concentra especificamente
nas questões relacionadas ao desenvolvimento de novos instrumentos de aferição. Um outro componente central
no âmbito do desenvolvimento e consolidação de ferramentas de aferição, no entanto, concerne ao processo de
adaptação transcultural de instrumentos propostos e estabelecidos em outros contextos lingüístico-socioculturais.
Para obter mais informações sobre as diversas abordagens teóricas e operacionais, o leitor interessado pode con-
sultar Guillemin, Bombardier & Beaton (1993), Herdman, Fox-Hushby & Badia (1998), Perneger, Leplège &
Etter (1999), Behling & Law (2000), Beaton et al. (2000) e Reichenheim & Moraes (2002). Um componente
adicional para assegurar a qualidade de informação envolve as questões sobre a mensuração em si. Detalhes
podem ser encontrados em Moser & Kalton (1984), Bowling (1997), Reichenheim & Moraes (2002) e Streiner
& Norman (2003).
Inicialmente são abordados, aqui, alguns pontos gerais relativos ao instrumental de aferição e que visam a
situar o leitor quanto à necessidade de investir em uma adaptação transcultural ou, alternativamente, partir para
o desenvolvimento de um novo instrumento, o tema central do presente capítulo. Em seguida, discutem-se as
etapas mais relevantes para a construção desses instrumentos.

Lidando com o Instrumental de Aferição


Estudos epidemiológicos com pretensões explicativas (determinantes, fatores de risco ou proteção, fatores
etiológicos etc.), a rigor, tendem a utilizar questionários. Comumente, estes são compostos por diferentes módulos,
abarcando um ou mais construtos (dimensões)1 de um modelo teórico a ser testado. Nesse sentido, cada construto
implica um instrumento epidemiológico que necessita ser incorporado ao questionário.2 O primeiro passo para
a construção de um questionário multitemático consiste em uma detalhada revisão bibliográfica envolvendo o
escrutínio dos instrumentos disponíveis sobre cada um dos construtos de interesse. A compilação do histórico de
cada instrumento candidato deve conter uma apreciação sobre o grau de utilização prévia e, principalmente, uma
avaliação do estágio de desenvolvimento. Para isso, é crucial examinar as evidências de adequação e suficiência da

229
Epidemiologia Nutricional

trajetória psicométrica3 existente até então. Essa etapa serve para indicar ao pesquisador se realmente há ou não
instrumentos satisfatórios para captar o objeto em pauta e, em se tratando daqueles desenvolvidos e consolidados
fora da cultura em questão, se já passaram por um processo formal de adaptação transcultural. Por contraposição,
a etapa também permite sugerir que se invista em um instrumental totalmente novo.
Mediante essa primeira e laboriosa etapa, o pesquisador pode decidir se, para um determinado construto,
vale a pena admitir incondicionalmente um instrumento, se é preciso iniciar um programa de investigação ancilar
de adaptação transcultural, ou, no extremo dos cenários, se há necessidade de partir para a construção de um
novo instrumento. Em relação à última possibilidade, não deve passar ao largo o alerta de Streiner e Norman
(2003) sobre a pletora de novos instrumentos, sempre considerados ‘melhores’ do que os antecedentes pelos seus
proponentes. Sensatamente, os autores recomendam que o desenvolvimento de um instrumento original seja
sempre a última opção, dando-se prioridade aos já existentes. Tempo ‘perdido’ com uma boa revisão bibliográfica
é tempo ‘ganho’, por evitar que seja preciso investir no desenvolvimento de um novo instrumento que, como o
leitor poderá perceber, não é uma tarefa trivial.
Alerta à parte, há ocasiões em que a insuficiência de instrumentos de aferição pertinentes a um ou mais
construtos é genuína. Se efetivamente é necessário investir na construção de um novo instrumento, é fundamental
que o processo seja o mais rigoroso possível. Como detalhado a seguir, trata-se de um processo longo e trabalhoso
que requer diversas etapas, envolvendo os próprios pesquisadores, especialistas e membros da população entre a qual
o instrumento será aplicado (Streiner & Norman, 2003).

Desenvolvimento de um Instrumento Novo


As diversas etapas do processo são sucintamente apresentadas no Quadro 1. O processo se inicia com a
avaliação dos conceitos que subjazem às dimensões componentes do construto de interesse. Adaptando-se a
terminologia cunhada por Wilson (2005), esta etapa do processo poderia ser chamada de ‘especificação do mapa
do construto’. No entanto, diferentemente do referido autor, que limita o mapa do construto a apenas uma
dimensão a cada vez, sugere-se um alargamento de limites para permitir que o processo não só procure delinear
o gradiente de intensidade do objeto teórico dentro de uma dimensão precípua, mas também possibilite mapear
as possíveis dimensões formadoras do conteúdo do construto como um todo. Assim, faz parte desta etapa enten-
der, debater e demarcar o que Streiner e Norman (2003) chamam de espaço de conteúdo. Efetivamente, no
momento dessa primeira apresentação de um perfil dimensional, ainda se trata de uma postulada validade de face
(Streiner & Norman, 2003), cuja corroboração ou refutação terá de ainda ser estabelecida mediante evidências
psicométricas em fases posteriores do processo.
Uma vez mapeado o construto, passa-se para especificação e construção de seus indicadores manifestos,
isto é, dos itens que comporão o instrumento. A esta etapa Wilson (2005) chama de “desenho de itens”. Mesmo
se tratando do desenvolvimento de uma ferramenta original, é boa prática que o processo retome a busca biblio-
gráfica pela qual se julgou insuficiente o histórico dos instrumentos. A crítica aos já existentes permite evitar a
repetição dos mesmos erros identificados no conjunto disponível, interessando identificar o que pode ser aprovei-
tado das experiências anteriores. Contudo, não se trata de simplesmente enxertar itens antigos. Merece ser lem-
brado que estes não têm um significado nominal, mas servem para representar espaços de conteúdo do construto
(dimensão) subjacente. Por conseguinte, não podem ser interpretados de forma isolada. Aproveitá-los dessa for-
ma pode acarretar problemas de validade (Nunnally & Bernstein, 1995).
Na fase inicial de busca de itens, é profícuo investir em estudos qualitativos, como, entre outros, os méto-
dos de consenso pela técnica Delphi, o processo de grupos nominais ou o de grupos focais (Dawson, Manderson
& Tallo, 1992; Denzin & Lincoln, 1994; Krueger, 1994; Bowling, 1997). Nas situações em que nada ou pouco
se sabe sobre como certo construto é percebido pela população-alvo, pode-se afirmar que estudos qualitativos são

230
Desenvolvimento de instrumentos de aferição epidemiológicos

obrigatórios. A meta é identificar os itens que melhor representem os conceitos de interesse. Várias opções devem
ser propostas para que uma crítica subseqüente avalie e selecione os mais interessantes. O principal desafio é
especificar um conjunto que seja suficientemente completo para garantir a validade de conteúdo, mas não tão
extenso a ponto de dificultar a aceitabilidade e aplicabilidade do instrumento.

Quadro 1 – Etapas envolvidas na elaboração de um novo instrumento


Etapasa Estratégia de execução
Revisão bibliográfica
Explicitação dos conceitos,
Especificação do mapa identificando-se os construtos e Apreciação do modelo teórico do estudo
do construto respectivas dimensões a Identificação das dimensões que compõem o construto
considerar
Identificação do possível gradiente de intensidade do objeto teórico

Revisão bibliográfica
Proposição de itens que Discussão envolvendo pesquisadores,
representem as dimensões a outros especialistas e indivíduos da Pré-teste
estudar população-alvo
Especificação do Aplicação dos protótipos a
Seleção dos itens que comporão Discussão envolvendo pesquisadores e indivíduos da população-
desenho de itens
as primeiras edições do outros especialistas alvo visando a avaliar
instrumento (protótipos) aceitabilidade, compreensão
Pesquisadores
Redação das perguntas e impacto emocional.
Discussão envolvendo pesquisadores e
indivíduos da população-alvo

Especificação do Discussão do sistema de Discussão envolvendo pesquisadores e


espaço de desfecho escores/opções de respostas outros especialistas

Avaliação de validade dimensional e adequação de itens componentes


Especificação do Avaliação das características
Avaliação de confiabilidade (consistência interna, estabilidade temporal etc.)
modelo de medida psicométricas dos protótipos
Avaliação de validade de construto e de critério

Seleção do instrumento final Discussão envolvendo pesquisadores e outros especialistas


Decisão
Estudos de corroboração Utilização do instrumento em outros contextos de pesquisa
a - Modelo e nomenclatura adaptados de Wilson (2005).

Tratado esse importante aspecto, passa-se ao aprimoramento e adequação semântica dos itens, estabelecendo-
se uma ou mais alternativas de perguntas a serem testadas em seguida. Aqui interessa alcançar uma redação
objetiva, clara, simples e curta, evitando-se frases ambíguas e com múltipla significação (Moser & Kalton, 1984;
Converse & Presser, 1986; Streiner & Norman, 2003). A literatura recomenda que a escolha dos termos conside-
re as particularidades da população-alvo à qual o instrumento se dirige, com destaque para os de fácil compreen-
são, harmônicos com a cultura em questão e sem erudição supérflua. Também tem-se enfatizado que um bom
texto deve evitar assertivas ‘positivas’ e ‘negativas’ inseridas no mesmo item, jargão profissional (por exemplo,
médico) e coloquialismo (gírias) indevido. Quanto à seqüência de itens, recomenda-se que os mais delicados ou
constrangedores sejam colocados no final do instrumento, ainda que exceções possam ser encontradas em certos
casos. Por exemplo, no desenvolvimento do instrumento Revised Conflict Tactics Scales, usado para avaliar violên-
cia entre parceiros íntimos, chegou-se à conclusão de que intercalar itens de diversas intensidades (gravidades)
seria a melhor forma de apresentá-los aos respondentes (Straus et al., 1996).
O passo seguinte consiste em especificar o “espaço do desfecho” (Wilson, 2005), isto é, cuidar da escalonabilidade
de cada item. Para atribuir o status de validade aos instrumentos, é fundamental que estes sejam capazes de posicionar
as unidades de aferição (células, indivíduos, municípios etc.) dentro do espaço de conteúdo do construto (dimen-

231
Epidemiologia Nutricional

são) e lhes atribuir valores e/ou categorias que permitam a demarcação de distâncias e importância. Nesse sentido,
vale inicialmente sintonizar a metria interna de cada item com o que estipula o ‘mapa do construto’ subjacente
delineado em etapas anteriores. A literatura sobre o assunto está repleta de técnicas e estratégias com vista à definição
de opções de resposta (por exemplo, escalas visuais analógicas, adjetivais, Likert, diferenciais semânticas). Evidente-
mente, um aprofundamento está além do escopo deste texto, mas o leitor pode encontrar valiosos subsídios em
Moser & Kalton (1984), Converse & Presser (1986), Streiner & Norman (2003) e Wilson (2005).
Conforme indica o Quadro 1, as etapas de ‘desenho de itens’ e de especificação do ‘espaço do desfecho’
contemplam uma primeira visita ao campo, para que os primeiros lotes de protótipos (propostas alternativas)
sejam submetidos a uma intensa avaliação de aceitabilidade, compreensão e impacto emocional. Uma técnica
interessante no pré-teste é solicitar aos respondentes que parafraseiem cada item, devendo o entrevistador anotar
em uma questão adicional se houve ou não compreensão de seus termos. Essa é também uma boa oportunidade
para avaliar se as opções de resposta dos itens se adéquam ou não à população-alvo. Tantas ‘séries’ de n (por
exemplo, 30) entrevistas são realizadas até que um percentual preestabelecido de ajustamento (entendimento) em
todos os itens seja alcançado (por exemplo, ≥ 90%). Essas avaliações interinas podem ser realizadas pela própria
equipe de pesquisa ou, melhor ainda, por um grupo de especialistas no assunto convocados para tal. Com base
nas evidências encontradas nesse pré-teste, são escolhidos os protótipos mais promissores, que são postos à prova
subseqüentemente.
Parte-se, então, para a consolidação da escala, o que Wilson (2005) chama de “modelo de mensuração”.
Também reconhecida sob a designação de modelagem psicométrica, esta etapa visa a avaliar os instrumentos-
candidatos em diferentes perspectivas. Primeiro, quanto à pertinência dos itens em relação ao construto e às
dimensões componentes. É aqui que a validade de face do espaço de conteúdo postulada durante o mapeamento
do construto é ou não corroborada. Cada item é testado, não só para avaliar seu peso na formação de uma escala
dimensional, mas também se e o quanto contribui de forma exclusiva a apenas uma das escalas formadoras do
construto (dimensão). Para além da métrica interna de cada item, também é nesta etapa do processo que se testa
e se consolida o escore composto da escala. Nesse passo, procura-se estabelecer e garantir a escalonabilidade do
conjunto de itens, independentemente de se a escala é constituída por um escore calculado diretamente com base
nas análises multivariadas que subjazem ao processo; por um escore obtido por meio do somatório simples ou
ponderado da pontuação dos itens componentes; ou ainda por transformações desses escores, tais como percentis,
escores-padrão, escores padronizados ou escores normalizados (Streiner & Norman, 2003). Também é parte
integral da psicometria a avaliação da confiabilidade potencial e da validade de construto e/ou de critério de cada
escala em teste.
Uma síntese dos procedimentos envolvidos nas análises psicométricas está exposta nos Quadros 2 a 5.
Devido a restrições editoriais, o conteúdo é forçosamente restritivo e não exaustivo. Entretanto, pode servir como
roteiro de aplicação, não só em relação aos objetivos e métodos de análise disponíveis, mas também quanto a uma
possível seqüência de procedimentos. Claramente, não há como se apresentar e discutir os prós e os contras de
cada método/técnica, mas o leitor poderá notar que estes, assim como alguns outros pontos importantes, podem
ser encontrados na bibliografia.
No âmbito do desenvolvimento de instrumentos de ‘conceptualização dimensional’, a seqüência de qua-
dros procura, esquematicamente, apresentar três enfoques psicométricos. Tão logo se encerra a etapa de especificação
do espaço de conteúdo dos itens, a primeira tarefa consiste em corroborar a validade dimensional do instrumento
e a adequação dos itens componentes. O Quadro 2 oferece alguns requisitos para que se possam julgar satisfatórias
as escalas (e respectivos itens) de um instrumento. Métodos multivariados estão no âmago do processo. Este se
inicia com uma Análise de Fatores Exploratória (AFE) (Gorsuch, 1983; Kline, 1994; Pett, Lackey & Sullivan,
2003; Loehlin, 2004; Skrondal & Rabe-Hesketh, 2004), ainda que, no contexto do desenvolvimento de instru-
mentos, já se tenha alguma estrutura postulada a priori quanto à dimensionalidade e aos itens participantes.

232
Desenvolvimento de instrumentos de aferição epidemiológicos

Mesmo que a conotação de exploração seja um tanto nebulosa aqui, para que se possa implementar uma Análise
de Fatores Confirmatória (AFC) (Maruyama, 1998; Loehlin, 2004; Skrondal & Rabe-Hesketh, 2004; Kline, 2005)
com bases firmes, é boa prática realizar uma AFE prévia. Primeiro, para explorar se efetivamente existe a estrutura
multidimensional conjeturada, e segundo, para explorar o comportamento dos itens. Evidenciada uma inadequação,
nada impede que já nesse ponto da seqüência se tenha de voltar para a ‘prancheta’, isto é, para fases anteriores com
vista ao encontro de novos e melhores itens. O processo iterativo de todo o desenvolvimento é bem nítido.

Quadro 2 – Enfoque psicométrico I. Avaliação de validade dimensional e adequação de itens componentes


Objetivos Métodos e/ou estimadores
• Estabelecer a dimensionalidade (uni ou multi) • Análise de Fatores Exploratória (AFE) usando, por exemplo, o método de
postulada na etapa de formulação do mapa do fatoração por eixos principais com rotação ortogonal do tipo Varimax ou oblíqua
construto, corroborando ou refutando a validade do tipo Oblimin (Gorsuch, 1983; Rummel, 1988; Comrey & Lee, 1992; Kline,
de face postulada quanto aos espaços de 1994; Pett, Lackey & Sullivan, 2003; Loehlin, 2004; Skrondal & Rabe-Hesketh,
conteúdo do construto. 2004) .
Questões centrais a obser var:
• Identificar os itens mais profícuos em cada uma - Número de fatores extraídos.
das escalas dimensionais, escrutinando suas
- Magnitude das cargas (loadings) de cada item nos fatores (isto é, correlação entre
propriedades psicométricas e decidindo pela sua
itens e fatores). Diversos pontos de corte podem ser utilizados, por exemplo,
manutenção ou retirada da composição escalar.
0,40. Veja Comrey & Lee (1992) para detalhes.
- Presença ou não de cargas cruzadas (cross-loading), o que, a princípio, deve ser
• Reconhecer e estabelecer o espaço do desfecho evitado. Estratégias de decisão podem ser encontradas em Pett, Lackey & Sullivan
de cada escala, propondo uma métrica à ( 2003) .
consolidação do escore final.

• Análise de Fatores Confirmatória (AFC) implementada no âmbito dos modelos de


• Apresentar uma ou mais escalas alternativas equações estruturais (Bollen, 1989; Maruyama, 1998; Loehlin, 2004; Skrondal &
para cada dimensão do construto, visando à Rabe-Hesketh, 2004; Kline, 2005).
testagem subseqüente (confiabilidade e
Questões centrais a obser var:
validade de construto/critério).
- Corroboração de ausência de cargas cruzadas.
- Grau de ajustes de modelo.
- Padrão de dimensionalidade, que pode ser de quatro tipos: estrita, forte,
intermediária e fraca (veja Skrondal & Rabe-Hesketh, 2004).

• Análises via modelos de Teoria de Resposta ao Item (TRI) para o caso de escalas
formadas por itens dicótomos ou ordinais (Hambleton, Swaminathan & Rogers,
1991; Mellenbergh, 1994; Van der Linden & Hambleton, 1996; Cella & Chang,
2000; Embretson & Reise, 2000; Sijtsma & Molenaar, 2002; Streiner & Norman,
2003; De Boeck & Wilson, 2004; Skrondal & Rabe-Hesketh, 2004; Wilson,
2005) .

Questões centrais a obser var em cada escala dimensional:


- Corroboração de escalonabilidade dos itens.
- Capacidade discriminante dos itens.
- Posicionamento absoluto e relativo dos itens ao longo do contínuo da variável
latente (dimensão) subjacente a que a escala do instrumento aspira captar, visando
a identificar a presença (indesejável) ou não (desejável) de lacunas de informação
ao longo do espectro.
- Grau de informatividade coberto pelos itens ao longo da escala.
- Precisão de informação ao longo do espectro (contínuo) da variável latente.

233
Epidemiologia Nutricional

Ainda que não explícito no Quadro 2, o método de Teoria de Resposta ao Item (TRI) (Hambleton,
Swaminathan & Rogers, 1991; Van der Linden & Hambleton, 1996; Cella & Chang, 2000; Embretson &
Reise, 2000; Sijtsma & Molenaar, 2002; Streiner & Norman, 2003; De Boeck & Wilson, 2004; Skrondal &
Rabe-Hesketh, 2004; Wilson, 2005) é, de fato, um tipo de AFC baseado em modelos não lineares, apropriado
para escalas formadas por itens dicótomos ou ordinais. Além de se alcançar uma melhor especificação do modelo
estatístico, uma análise via TRI permite também apreciar algumas propriedades psicométricas atraentes e provei-
tosas para uma escolha conscienciosa de itens (Reichenheim, Klein & Moraes, 2007). Como indicado no Qua-
dro 2, a TRI permite corroborar a presença de escalonabilidade conjunta dos itens; a capacidade discriminante de
cada item; o posicionamento absoluto e relativo dos itens ao longo do contínuo da variável latente (dimensão)
subjacente; a abrangência da informatividade dos itens ao longo da escala e a precisão da informação ao longo do
espectro (contínuo) da variável latente.
Por mais que uma análise via TRI deva ser encorajada quando se está diante de itens binários ou ordinais,
vale comentar que existe alternativa para acomodá-los em análises de fatores (AFE ou AFC), que, a rigor, utilizam
matrizes de correlações que assumem distribuições gaussianas. Uma opção para contornar o real problema da má
especificação de modelo ao se aplicar análises de fatores ‘tradicionais’ a dados discretos (Gorsuch, 1983; Rummel,
1988; Jöreskog & Sörbom, 1996) é utilizar matrizes de correlações tetracóricas ou policóricas obtidas por trans-
formações prévias à submissão à análise (Divgi, 1979; Uebersax, 2006). Essas transformações necessitam ser
ativamente implementadas em alguns software como, por exemplo, [R] (Fox, 2006) e Stata (StataCorp, 2005;
Kolenikov, 2006), ou já são usadas como default em outros como Lisrel 8 (Jöreskog & Sörbom, 2004).
O segundo enfoque psicométrico envolve avaliações formais de confiabilidade das escalas obtidas após a
‘depuração’ dos itens e satisfatória evidência de dimensionalidade (Quadro 3). O objetivo é avaliar em que medida
os escores de um instrumento (isto é, das escalas componentes) estão livres de erro aleatório (Pedhazur & Schmelkin,
1991), o que, como dito anteriormente, serve não apenas para robustecer a qualidade do estudo relacionado ao
desenvolvimento do instrumento em si, mas como uma instância de adequação processual. A longo prazo, uma série
de estudos usando certo instrumento e revelando consistentemente uma boa confiabilidade da mensuração (infor-
mação) acaba também atestando sua qualidade. Evidências como essas acrescentam ao histórico do instrumento e
podem ser benéficas à decisão sobre qual instrumento utilizar em uma pesquisa epidemiológica.
O Quadro 3 oferece várias referências que o leitor poderá consultar para obter mais detalhes sobre a
finalidade, o mérito e os procedimentos concernentes a cada tipo de confiabilidade (consistência interna; estabi-
lidade/reprodutibilidade intra4 ou interobservador; equivalência de formulários). Cabe aqui um comentário so-
bre a Teoria da Generalização (TG) desenvolvida por Cronbach e colaboradores (1972), cujo objetivo principal
é oferecer uma elaborada sistemática para a redução das fontes de erros aleatórios de mensuração. No caso
específico de estudos de desenvolvimento de instrumentos em que diferentes tipos de confiabilidade devem ser
buscados, é possível obter uma análise ‘unificada’, na qual os componentes de erros são decompostos e cada
aspecto (“faceta”, no jargão da TG) é avaliado à luz da contribuição dos outros (Cronbach et al., 1972; Shavelson
& Webb, 1991; Nunnally & Bernstein, 1995). Por extensão, é também possível obter um coeficiente de genera-
lização que resume a fração de erro decorrente do conjunto de abordagens.
Mesmo que tenha sido possível identificar dimensionalidade, adequação de itens (em termos de variância
compartilhada, como requer a análise de fatores) e confiabilidade, a validade de uma escala precisa ser avaliada
explicitamente. Afinal, se um pesquisador visando a centralmente captar um construto C1 (por exemplo, ‘apoio
social’) inadvertidamente arrolar uma gama de itens consistentemente atinada a um outro construto C2 (por
exemplo, ‘resiliência’), é bem plausível que os resultados obtidos nas análises psicométricas descritas anteriormen-
te sejam bastante satisfatórios. Mas nem por isso o instrumento traz ‘embutida’ automaticamente a validade sobre
o construto C1 em foco. Ainda que as situações no dia-a-dia das pesquisas epidemiológicas sejam bem menos
claras, o exemplo lembra que escrutinar a validade de um instrumento vai além das avaliações dos componentes

234
Desenvolvimento de instrumentos de aferição epidemiológicos

‘internos’ de variância, requerendo um escrutínio adicional das covariações das escalas (dimensões) com outros
elementos pertencentes ao quadro teórico subjacente. Como já mencionado, assumir validade de face (dos itens)
importa nas fases inicias do programa de investigação para guiar as discussões e decisões de escolha dos protótipos
de instrumentos a serem mais trabalhados. Mas, diferentemente do que muitos crêem, a validade de face não é
suficiente, sendo necessários estudos aprofundados para corroborá-la.

Quadro 3 – Enfoque psicométrico II. Avaliação de confiabilidade


Objetivos Métodos e/ou estimadores
• Avaliar a consistência interna das escalas • Análise via coeficiente α para o caso de variáveis contínuas (Cronbach, 1951;
identificadas anteriormente. Nunnally & Bernstein, 1995; Osburn, 2000) ou coeficiente de Kuder Richardson,
Fórmula 20 no caso de variáveis discretas (Kuder & Richardson, 1937; Streiner &
Norman, 2003). Estimadores alternativos são descritos em Osburn (2000). Pontos
de corte de decisão (adequação) são discutidos em Nunnally & Bernstein (1995).
• Correlação entre cada item e o escore total sem o mesmo – item-resto (Nunnally
& Bernstein, 1995).
• Percentual de aumento ou redução do coeficiente α ou kr-20 à retirada de cada
item da escala – p. ex., 10% (Reichenheim & Moraes, 2006).

• Avaliar a estabilidade temporal (reprodutibilidade • Para o caso de variáveis contínuas: análise via correlações intraclasse (Shrout &
intra-obser vador e teste-reteste) das escalas Fleiss, 1979; Shrout, 1998; Streiner & Norman, 2003), sendo a correlação de
identificadas anteriormente. Pearson e o coeficiente de concordância de Lin (1989) tipos especiais; ou ainda,
o método de Bland e Altman (1986).
• Avaliar a estabilidade (reprodutibilidade
• Para o caso de variáveis discretas (dicótomas ou policótomas): análises de
interobser vador) das escalas identificadas
concordância via estimador kappa simples ou ponderado (Cohen, 1960,1968;
anteriormente.
Fleiss, 1981; Donner & Eliasziw, 1992); ou, alternativamente, coeficiente kappa
ajustado para viés e prevalência (Byrt, Bishop & Carlin, 1993). Pontos de corte de
decisão (adequação) são discutidos em Landis & Koch (1977) e Shrout (1998).
• Estimadores alternativos são descritos em Cicchetti & Feinstein (1990) e em uma
revisão de Elmore e Feinstein (1992).

• Avaliar a equivalência (de formas) das escalas • Análise pelo método de half-split, que consiste em estimar de forma sistemática
identificadas anteriormente. (exaustiva) as correlações entre escores de pares de subescalas (formas paralelas)
formadas pela metade dos itens constituintes da escala sob escrutínio (Pett, Lackey
& Sullivan, 2003; Streiner & Norman, 2003).

Vários outros tipos além da validade de face têm sido definidos, propostos, utilizados e, até certo ponto,
criticados (Streiner & Norman, 2003). Entretanto, no âmbito do desenvolvimento de instrumentos que buscam
conceptualizações dimensionais, talvez seja de interesse enfatizar a perspectiva dada por Streiner & Norman
(2003), na qual estabelecer a validade de um instrumento, em última instância, é estabelecer a adequação da
teoria que a suporta. Estudar a validade de um instrumento é estudar a própria teoria que a embasa, em ciclos de
conjecturas e refutações/corroborações. É um processo continuado pelo qual se determina o grau de credibilidade
a ser atribuído a uma inferência com base na ‘leitura’ de uma escala (Landy, 1986; Streiner & Norman, 2003).
Os Quadros 4 e 5 (página seguinte) explicitamente discernem duas situações. A primeira, exposta no
Quadro 4, concerne aos objetos de pesquisa em que não há consenso sobre o que seria a referência (ou padrão-
ouro) de aferição para o fenômeno de interesse ou quando não é possível defini-la de forma inequívoca. Construtos
como ‘auto-estima’ e ‘resiliência’ são bons exemplos. Nessa situação, é preciso acessar a validade do construto.
Avaliam-se as relações entre as dimensões supostamente captadas pelas diferentes escalas do instrumento, bem
como as relações com outros conceitos, atributos e características ligadas à teoria geral na qual se insere o construto
sob escrutínio. O encontro de associações previstas ou afinadas com evidências pregressas corrobora e reforça a
validade do instrumento. Avaliar o inverso também é relevante, pois constatar a inexistência de relações entre os
conceitos teóricos manifestos pelas escalas em pauta e certos construtos (escalas) reconhecidamente fora do escopo

235
Epidemiologia Nutricional

da teoria geral envolvendo o fenômeno de interesse também fortalece a idéia de validade do instrumento. Pode-
se constatar que a validade de construto é a epítome de validade teórica.

Quadro 4 – Enfoque psicométrico III-a. Avaliação de validade de construto


Objetivos Métodos e/ou estimadores
Avaliar a validade de construto quando • Análise exploratória de associações via tabulações envolvendo duas ou três
não há instrumento de referência variáveis (estratificada) e usando razão de risco/prevalência ou razão de produtos
(padrão-ouro) para o contraste. cruzados (odds-ratio) como estimador; ou associações via coeficiente de
correlações de Pearson para variáveis contínuas (Armitage & Berr y, 1994) ou
coeficientes de correlação não paramétricos (teste de posição de Spearman outau-b
de kendall) para variáveis ordinais (Blalock Jr., 1985).
• Análise epidemiológica multivariável complexa encerrando o quadro teórico-
conceitual do qual faz parte o construto (e suas respectivas dimensões) sob
escrutínio (Kleinbaum, Kupper & Morgenstern, 1982; Rothman & Greenland,
1998; Skrondal & Rabe-Hesketh, 2004).

Questões centrais a obser var (Cronbach & Meehl, 1955; Streiner & Norman,
2003) :
- Se e como os conceitos teóricos manifestos pelas escalas dimensionais do
construto se relacionam entre si.
- Se e como os conceitos teóricos manifestos pelas escalas dimensionais do
construto em pauta se relacionam com os outros conceitos prescritos ou postulados
pela teoria (validade convergente).
- Se os conceitos teóricos manifestos pelas escalas dimensionais do construto em
pauta apropriadamente 'não' se relacionam a conceitos que a teoria da qual
fazem parte 'não' prescreve ou postula (validade divergente).

Ainda que não seja impeditivo buscar a validade de construto, quando existe um instrumento, exame ou
teste de referência para contrastar o ‘novo’ instrumento em desenvolvimento, é próprio avaliar a validade de
critério. Streiner e Norman (2003) distinguem a validade concorrente da preditiva. A classificação se baseia na
finalidade da proposta e depende da cronologia de realização dos testes. A validade concorrente é admissível quando
já se tem o resultado de um instrumento de referência na ocasião da aplicação do instrumento em teste e permite a
apreciação da validade paralelamente à sua aplicação. A validade preditiva só é possível quando as informações
auferidas por meio do instrumento de referência são obtidas tempos depois da aplicação do instrumento em teste.
Comumente, estudos de validade de critério são bastante utilizados quando é de interesse maximizar
custo-benefício, prever e planejar ações sanitárias, seja reduzindo o próprio instrumento considerado de refe-
rência ou propondo um completamente diferente, mas que ainda permita reter a capacidade de classificação
original. Contudo, vistas na ótica precípua do contexto de desenvolvimento de um instrumento de
conceptualização dimensional (e que não necessariamente pretenda ser uma redução de outro maior, nem uma
ferramenta de finalidade pragmática), avaliações da capacidade discriminante das escalas de um instrumento podem
ser extremamente esclarecedoras. Saber que um instrumento de aplicação em estudos epidemiológicos não só capta
o contínuo da variável latente subjacente, mas também está substantivamente ‘colado’ ao que um exame ou instru-
mento de referência encontraria é claramente profícuo e atraente. Os procedimentos apresentados no Quadro 5 são
exemplos a serem contemplados.

236
Desenvolvimento de instrumentos de aferição epidemiológicos

Quadro 5 – Enfoque psicométrico III-b. Avaliação de validade de critério

Objetivos Métodos e/ou estimadores


Avaliar a validade de critério (concorrente e • Para o caso de se testar uma escala de conceptualização dimensional usando-se
preditiva) quando há um instrumento de referência o escore completo em relação a um instrumento ou exame de referência de metria
(padrão-ouro) para o contraste. contínua:
- Análise via correlações intraclasse (Bartko, 1976; Shrout & Fleiss, 1979; Shrout,
1998; Streiner & Norman, 2003), entendendo-se que se está avaliando o grau de
concordância do instrumento ‘novo’ sob escrutínio com uma medida ‘infalível’ de
referência.
- Análises via correlação de Pearson também têm sido implementadas em
avaliações de concordância, mas seu uso nesse contexto requer alguma reser va.
Veja Bartko (1976), Bland & Altman (1986) ou Streiner & Norman (2003) para
detalhes. No contexto da epidemiologia nutricional, veja Willett & Lenart (1998)
para uma discussão sobre este tópico.

• Para o caso de se testar a escala de conceptualização dimensional usando-se o


escore completo em relação a um instrumento ou exame de referência de metria
dicótoma:
- Análise via cur vas ROC (Receiver Operating Characteristic analysis) (Tanner &
Swets, 1954; Hanley & McNeil, 1982; Streiner & Norman, 2003), obser vando-se
em particular a área abaixo da cur va ROC, que indica o grau de discriminação
da escala em teste em relação ao instrumento de referência.

• Para o caso de se testar uma escala de conceptualização dimensional usando-se


o escore completo em relação a um instrumento ou exame de referência de metria
em mais de dois níveis:
- Análise via cur vas ROC (Tanner & Swets, 1954; Hanley & McNeil, 1982; Streiner
& Norman, 2003) entre níveis crescentes (em gradação, por exemplo), nível 1 vs 2
+ 3 e 1 + 2 vs 3) do instrumento de referência, obser vando-se o grau de
discriminação em relação a cada ponto de corte através da área abaixo da cur va
RO C.
- Uma vez identificado um grau de discriminação satisfatório do conjunto,
identificam-se os pontos de corte de máxima discriminação do instrumento em
teste, respeitando-se o número de categorias do instrumento de referência. Cria-se
uma variável policótoma de tantos níveis quantos os da variável de referência e
prossegue-se com as análises via índices de sensibilidade e especificidade (Sackett
et al., 1991; Choi, 1992; Fletcher & Fletcher, 2006) obtidas com base em tabelas
2´2, formadas pelas tabulações de variáveis derivadas, tal como se procedeu nas
análises via cur vas ROC descritas anteriormente.

• Para o caso de análises via índices de sensibilidade e especificidade segundo


subgrupos/estratos populacionais, pode-se usar modelagem multivariável
(Coughlin et al., 1992).
- Alternativamente aos índices de sensibilidade e especificidade simples, podem-se
usar (a) análises via índices de sensibilidade e especificidade corrigidos por
concordância aleatória (Coughlin & Pickle, 1992); (b) o método de razão de
verossimilhança (Sackett et al., 1991) ou (c) o coeficiente Phi de concordância
(Streiner & Norman, 2003), novamente entendendo-se que se está avaliando o
grau de concordância entre uma medida ‘infalível’ de referência e o instrumento
‘novo’ sob escrutínio.

237
Epidemiologia Nutricional

Por fim, vale lembrar que o processo de avaliação da qualidade de um novo instrumento não se esgota no
primeiro estudo que o utiliza. Mesmo que as evidências iniciais tenham sugerido validade, é capital que se
conheça seu desempenho em outros contextos. Uma primeira edição necessita ser continuamente posta à prova
pelos profissionais interessados. A vasta gama de detalhes e opções, muitas intrinsecamente subjetivas, demanda
que o aprimoramento do novo instrumento dependa de debates e negociações contínuas entre pares.

Notas
1
Distingue-se, aqui, ‘construto’ de ‘dimensão’, entendendo-se que um construto pode ser composto de várias dimensões. Por extensão,
entende-se que uma dimensão tem na escala o seu representante empírico que, por sua vez, tem no escore a ordenação numérica subjacente.
2
Da mesma forma, distingue-se ‘instrumento’ de ‘questionário’, convencionando chamar de questionário o conjunto de instrumentos
específicos que, por sua vez, abarcam construtos/dimensões específicos.
3
Entende-se pelo termo ‘psicométrica (psicométrico/psicometria)’ um conjunto de avaliações quantitativas visando ao escrutínio das
propriedades de mensuração de um instrumento. Apesar de ter sido inicialmente proposto e usado no contexto da psicologia e psiquiatria,
o termo tem sido largamente utilizado fora dessas áreas.
4
No contexto de instrumentos de autopreenchimento ou laboratoriais, a confiabilidade intra-observador tem sido denominada ‘teste-reteste’.

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243
14
Análise de Dados com Medidas Repetidas

Maria Helena Constantino Spyrides, Cláudio José Struchiner,


Maria Tereza Serrano Barbosa e Gilberto Kac

O interesse de pesquisadores em estudos epidemiológicos por acompanhar o comportamento de deter-


minadas variáveis medidas em um mesmo indivíduo ou unidade experimental ao longo do tempo é muito
comum. Estudos de crescimento infantil, ganho de peso gestacional, retenção de peso pós-parto, composição
corporal, evolução de taxas hormonais em mulheres em período reprodutivo, acompanhamento da carga viral
em pacientes com HIV são alguns exemplos da aplicação de medidas repetidas no tempo.
Os estudos que envolvem o acompanhamento repetido dessas medidas procuram, desde o seu planejamen-
to, controlar ao máximo as diversas fontes de variação envolvidas no processo, buscando encontrar um padrão
para o comportamento das medidas no tempo e identificar os fatores que influenciam este padrão.
Assim, a análise estatística que vai auxiliar nessa busca precisa levar em consideração que tais medidas
apresentam dependência entre as observações de um mesmo indivíduo e não podem se encaixar na suposição
estatística usual de que são independentes. Além disso, o outro pressuposto básico de alguns modelos estatísticos
que se refere à igualdade das distribuições entre os indivíduos também não se aplica, considerando-se que há uma
variabilidade individual decorrente de fatores não mensurados.
Os modelos de efeitos mistos são atualmente um dos mais importantes instrumentos para a análise de
dados epidemiológicos longitudinais. Esses modelos incluem a estimação de efeitos comuns para indivíduos de
um mesmo grupo (efeitos fixos) e efeitos específicos por indivíduo (efeitos aleatórios) que permitem controlar a
variação existente entre indivíduos e podem ser provenientes de fontes de variação não controladas no estudo.
Esse tipo de modelagem tem recebido uma grande atenção nos últimos anos, já que seus pressupostos se
ajustam mais ao grau de conhecimento biológico e à realidade dos experimentos, permitindo que a estimação dos
efeitos capte mudanças nas respostas individuais do grupo estudado.
Este capítulo, inicialmente, introduz o conceito de medidas repetidas no tempo ou dados longitudinais,
com subseqüente ilustração da aplicação destes estudos com um exemplo em epidemiologia nutricional. As
características dos dados longitudinais abordados na seção seguinte são importantes no acompanhamento de
estudos, pois alertam para as dificuldades e cuidados a serem tomados durante a coleta da informação.

245
Epidemiologia Nutricional

Medidas Repetidas
O que são medidas repetidas em um estudo? As observações de um desfecho ou resposta coletadas sobre
uma mesma unidade experimental ou indivíduo em duas ou mais ocasiões ou condições denominam-se medidas
repetidas.
As medidas podem ser repetidas:
• apenas no tempo, ao se medir e pesar os recém-nascidos nos seus primeiros meses de vida;
• no tempo e no espaço, simultaneamente, ao se medir taxas de mortalidade infantil ou neonatal em
diversos anos e em diversos bairros ou municípios, com o intuito de identificar padrões espaciais
diferenciados de mortalidade;
• em distintas condições experimentais, quando um mesmo paciente é submetido a dois tipos de
tratamento.
Em estudos longitudinais, os indivíduos ou unidades são monitorados em um determinado período, com
o objetivo de identificar um padrão nos valores observados. As medidas repetidas no tempo de marcadores
imunológicos e virológicos de pacientes com infecção do HIV, por exemplo, têm um papel importante na avaliação
tanto da história natural da doença como da resposta ao tratamento. Estas medidas repetidas ao longo do tempo
denominam-se dados longitudinais.

Aplicação em Nutrição
Foram acompanhadas 479 crianças em um centro de saúde do Rio de Janeiro, através de um estudo
longitudinal envolvendo quatro ondas de seguimento: 0,5, 2, 6 e 9 meses. As variáveis dependentes foram o peso
e o comprimento, coletados de acordo com procedimentos padronizados em todos os pontos do estudo.
Os principais objetivos foram avaliar o efeito da duração da amamentação predominante sobre o perfil
antropométrico e identificar os determinantes do crescimento infantil nessa coorte de crianças.

Figura 1 – Comportamento individual do peso infantil (kg) por idade, Rio de Janeiro, 1999-2001

246
Análise de dados com medidas repetidas

A Figura 1 apresenta o comportamento do peso de cinqüenta das 479 crianças acompanhadas desde o
nascimento até os 9 meses de idade. Ao observá-la, pode-se identificar que: a) as medidas tomadas de uma mesma
criança são positivamente correlacionadas, ou seja, o peso das crianças em cada um dos momentos depende
muito do seu peso ao nascer; b) essa dependência decresce se os intervalos entre as medidas crescem, ou seja, há
maior correlação entre os pesos aferidos no nascimento e aos 2 meses do que entre os pesos aferidos no nascimento
e aos 9 meses; c) essa correlação não é a mesma para todas as crianças, ou seja, há padrões diferenciados de
crescimento; d) nem todas as crianças apresentam o mesmo número de medidas, podendo haver perdas
de seguimento ao longo do estudo. As perdas de seguimento podem ocorrer por preenchimento incompleto dos
prontuários ou por desistência dos indivíduos ao longo do acompanhamento no estudo. A Figura 1 mostra que
houve perda de seguimento de algumas crianças no estudo por não-comparecimento da mãe e da criança em certas
consultas. Essas características de dados longitudinais podem ser acomodadas nos modelos de efeitos mistos.

Características dos Dados Longitudinais


A base de dados de um estudo de coorte ou longitudinal é formada por um conjunto de variáveis, por
diferentes indivíduos e pelas medidas tomadas no tempo de um mesmo indivíduo. As dimensões da base de
dados compreendem: a variável resposta, ou seja, o desfecho ou fenômeno que se pretende estudar, as variáveis
explicativas, que são os potenciais determinantes desse desfecho, e as repetições dessas observações. Portanto, os
dados estarão dispostos em uma matriz da forma ‘indivíduos x medidas repetidas x variáveis’. O número de
registros ou linhas da matriz corresponde ao número de indivíduos vezes o número de medidas repetidas em um
mesmo indivíduo, e o número de colunas corresponde ao número de variáveis explicativas.
A base de dados Crescer.txt refere-se ao exemplo da seção “Aplicação em nutrição” e consiste de 2.395
linhas ou registros (479 crianças x 5 medidas repetidas tomadas ao longo do tempo = 2.395). As colunas PesoCC,
Sexo, AmPred referem-se ao peso da criança (kg) no momento da visita ao centro de saúde, sexo da criança e
tempo de amamentação predominante (dias), respectivamente.

NQquest Visita Tempo (dias) PesoCC (kg) Sexo AmPred (dias)


00001 0 0 3 ,7 7 2 0 ,0 0

00001 1 20 3 ,8 0 2 8 ,0 0

00001 2 64 4 ,9 0 2 8 ,0 0

00001 3 190 7 ,6 0 2 8 ,0 0

00001 4 280 8 ,2 0 2 8 ,0 0

00002 0 0 3 ,2 6 2 0 ,0 0

00002 1 10 3 ,8 0 2 1 0 ,0 0

00002 2 61 6 ,7 0 2 6 1 ,0 0

00002 3 193 1 0 ,4 0 2 1 8 0 ,0 0

00002 4 291 1 0 ,5 0 2 1 8 0 ,0 0

00003 0 0 3 ,4 1 1 0 ,0 0

00003 1 26 4 ,6 0 1 2 6 ,0 0

00003 2 100 6 ,3 0 1 3 9 ,0 0

00003 3 189 8 ,0 0 1 3 9 ,0 0

247
Epidemiologia Nutricional

NQquest Visita Tempo (dias) PesoCC (kg) Sexo AmPred (dias)


00003 4 293 8 ,5 0 1 3 9 ,0 0

00004 0 0 2 ,7 0 1 0 ,0 0

00004 1 7 3 ,0 0 1 7 ,0 0

00004 2 63 4 ,5 0 1 1 5 ,0 0

00004 3 185 9 ,0 0 1 1 5 ,0 0

00004 4 276 9 ,8 0 1 1 5 ,0 0

... ... ... ... ... ...

Essa base de dados pode ser digitada em qualquer planilha eletrônica e importada para o programa estatís-
tico que será utilizado para a análise dos dados. Por exemplo, o R é um programa de domínio público e está
disponível na Internet: <http://www.r-project.org/>.
Após a leitura dos dados, é necessário informar que pertencem a uma hierarquia de grupos, ou seja, fazer
corresponder a cada indivíduo ou grupo suas respectivas medidas repetidas.
A repetição de medidas em uma mesma unidade de observação permite que a modelagem capte a variação
específica do indivíduo de forma separada da variação atribuída ao processo de medição e da variação no tempo
intra-indivíduo. Em um modelo de regressão clássico, por exemplo, que busca explicar o peso com base na
estatura ou em outras co-variáveis, toda a variabilidade da variável resposta não explicada pelas co-variáveis é
atribuída a um erro aleatório com uma estrutura de co-variância extremamente simplificadora. Quando se supõe
que as observações sejam independentes com mesma variabilidade, não se permite captar as diferenças entre os
indivíduos, nem as correlações que porventura possam existir.
Além dessas características, a análise longitudinal deve levar em consideração que as medidas de um mesmo
indivíduo apresentam uma correlação no tempo e que as observações nem sempre são igualmente espaçadas. Na
linguagem estatística, essas características vão exigir que se assumam pressupostos específicos sobre estruturas de
co-variâncias. Na seção “Estrutura de variância” serão apresentadas várias estruturas de co-variância para contor-
nar esse problema.

Estrutura de Variância/Co-variância
As medidas repetidas de um mesmo indivíduo são correlacionadas, ou seja, apresentam estruturas de de-
pendência longitudinal que precisam ser consideradas na análise estatística.
Na aplicação da seção “Aplicação em nutrição”, medidas repetidas de uma mesma criança são observadas
ao longo do tempo (Figura 1); verifica-se que as correlações entre as observações próximas são altas e, em geral,
decrescem à medida que as distâncias entre estas aumentam. Na análise de medidas repetidas, a incorporação nos
modelos das possíveis dependências entre as observações tomadas de um mesmo indivíduo melhora a precisão
das estimativas, ou seja, é importante na redução da amplitude dos intervalos de confiança dos parâmetros
estimados no modelo; ganha-se, com isso, poder de teste. Essa dependência é incorporada no modelo a partir da
escolha adequada de estruturas de co-variância, com o objetivo de detectar um nível de mudança que pode não
se dever apenas às flutuações aleatórias (Boscardin, Taylor & Law, 1998).

248
Análise de dados com medidas repetidas

Medidas Não Eqüidistantes no Tempo


Outro problema freqüente com dados longitudinais é que as medidas podem não estar igualmente espaça-
das no tempo, requerendo, assim, estruturas de co-variância mais específicas. Essas estruturas são semelhantes às
utilizadas para dados espaciais, pois levam em consideração a distância no tempo entre as medidas. A seção
“Estrutura de variância” também apresenta algumas matrizes de variância/co-variância que levam em considera-
ção a distância de tempo ou espaço entre as medidas repetidas.

Número de Medidas Repetidas por Indivíduo


Uma das considerações que se deve fazer no planejamento de um estudo longitudinal refere-se ao número
de indivíduos envolvidos na análise e ao número de medidas repetidas por indivíduo.

Dimensionamento da Amostra
A determinação do tamanho de amostra adequada para que as conclusões de um estudo sejam confiáveis é
uma das preocupações dos pesquisadores em diversas áreas de conhecimento. O número de unidades experimen-
tais, pacientes ou indivíduos, em um estudo clínico ou epidemiológico que devem ser investigadas é extrema-
mente importante na determinação do poder do teste e, conseqüentemente, na confiança e precisão da decisão
assumida pelo pesquisador.
Quando o desenho de estudo envolve medidas repetidas, o dimensionamento da amostra depende não só
do número de unidades experimentais, pacientes ou indivíduos, mas também do número de observações obtidas
em cada uma destas unidades experimentais. O desenho do estudo deve contemplar um tamanho de amostra
adequado para detectar diferenças importantes baseadas nas hipóteses do pesquisador.
Segundo Leon (2004), um estudo conduzido sem o devido cuidado corre o risco de pecar tanto por falta
quanto por excesso de unidades amostrais. Por um lado, acarretaria falha na detecção de diferenças importantes
e, por outro, o estudo estaria envolvendo um número excessivo de participantes, o que contraria as normas éticas
dos protocolos de pesquisa.
Em ensaios clínicos ou em estudos observacionais, o interesse do pesquisador é detectar diferenças entre
grupos de participantes submetidos a tratamentos ou condições diferentes. Segundo Diggle e colaboradores
(2004), na determinação do tamanho da amostra alguns aspectos devem ser considerados:
a) Erro do Tipo I, ou seja, o nível de significância (α) que corresponde à probabilidade de detectar
diferenças significativas quando de fato estas diferenças não existem na população em estudo. Depen-
dendo das exigências do estudo, pode-se convencionar este erro em 1%, 5% ou em valores maiores.
b) O Poder do Teste, o complemento do erro Tipo II (β),que corresponde à probabilidade de detectar
diferenças significativas quando de fato estas ocorrem na população. Costuma-se trabalhar com um
poder de teste em torno de 0,80.
c) A diferença mínima significativa (∆) entre os tratamentos ou grupos que se deseja detectar no nível
de significância α.
d) A variância residual (σ2), ou seja, a variabilidade não explicada na resposta, e no caso de estudos
longitudinais.
e) O coeficiente de correlação entre as medidas repetidas.
f ) O número de medidas repetidas observadas por indivíduo.

249
Epidemiologia Nutricional

Na comparação entre tipos de tratamento ou grupos, portanto, o tamanho de amostra dependerá das
exigências do pesquisador com relação a cada um desses aspectos. O tamanho de amostra necessário para a
realização de um estudo será maior quanto mais elevado for o poder de teste estabelecido, e será inversamente
proporcional à diferença mínima significativa e à correlação existente entre as medidas repetidas.
Para maiores informações sobre o cálculo da amostra, consultar Vonesh & Chinchilli (1997), Freitas (2000),
Diggle et al. (2002) e Paz et al. (2005).

Os Modelos Estatísticos para Medidas Repetidas


Ao contrário dos estudos transversais, o acompanhamento de um indivíduo com base em medidas repeti-
das permite a descrição da evolução no tempo do desfecho de interesse e possibilita que se busque o ajuste de
funções que representem o comportamento individual.
Os modelos de efeitos mistos constituem uma ferramenta de grande utilidade no processo de busca do
entendimento do comportamento do desfecho em relação aos seus determinantes. Este tipo de modelagem
aproxima-se do desenho de estudo que originou as medidas repetidas, que, em um primeiro estágio, considera as
unidades amostrais selecionadas aleatoriamente da população de interesse e, em um segundo estágio, que um
número de medidas seja observado em cada unidade do primeiro estágio. Os modelos de efeitos mistos têm a
flexibilidade de especificar alguns efeitos como fixos (os efeitos da população) e outros aleatórios (os efeitos
devido ao indivíduo), levando em consideração a correlação existente entre e intra-indivíduos (Pinheiro & Bates,
2000; Verbeke & Molenberghs, 2000). Os efeitos aleatórios permitem controlar a variação existente entre indi-
víduos e que pode ser proveniente de fontes de variação não controladas no estudo. Dessa forma, estes modelos
fornecem estimativas mais precisas dos parâmetros estimados, o que torna o teste mais sensível para captar
diferenças significativas.
A relação entre uma variável resposta e as explicativas descreve um comportamento que pode ser expresso
por uma função linear ou não linear nos parâmetros. No primeiro caso, os modelos são chamados modelos
lineares de efeitos mistos e, no segundo caso, modelos não lineares de efeitos mistos. Ao se escolher um modelo
que descreva o comportamento de uma variável resposta em relação às explicativas, sempre se tem a opção de usar
modelos polinomiais, que são lineares nos parâmetros. No entanto, os coeficientes dos modelos polinomiais nem
sempre permitem uma interpretação biológica ou natural do processo estudado.
Os modelos não lineares são baseados em funções que buscam reproduzir o mecanismo de geração da
variável resposta, por isso seus parâmetros geralmente são objeto de uma interpretação prática. Além disso, estes
modelos fornecem predições mais confiáveis para a variável resposta fora do intervalo dos dados observados.
Antes de ajustar um modelo estatístico, é importante observar se o comportamento da variável descreve uma
função aproximadamente linear ou não linear. Neste caso, faz-se necessária a escolha de uma função que repre-
sente bem essa relação.

Construção dos Modelos


Suponha que N indivíduos ou unidades amostrais foram observados em uma determinada população e
que tais unidades foram medidas repetidamente ni vezes no tempo tij , i = 1, ... N e j = 1, ... ni . Yi expressa o vetor
resposta de interesse para o indivíduo i , de dimensão ni . Se ni é o mesmo para cada indivíduo (ni = n), tem-se um
total de n x N observações.
O modelo de efeitos mistos pode ser entendido como uma combinação de dois estágios de análise.
O primeiro estágio assume que Yi satisfaz um modelo de regressão estimando parâmetros que são específicos da
população em estudo, ou seja, são os mesmos para todos os indivíduos observados, e são denominados efeitos

250
Análise de dados com medidas repetidas

fixos. O segundo estágio compreende a estimação de parâmetros específicos para cada indivíduo, denomina-
dos efeitos aleatórios. Isso quer dizer que os parâmetros são decompostos em uma parte fixa, que representa o
comportamento médio da população observada, e uma parte aleatória específica de cada indivíduo, que é
acrescentada ou subtraída da média.
O modelo linear de efeitos mistos, portanto, é dado pela equação:

Yi = Xi β + Zi bi + εi (1)

onde β é um vetor p-dimensional de efeitos fixos, bi é um vetor de efeitos aleatórios associados ao i-ésimo
indivíduo (não variando com j) com bi ∼ N (0, D) sendo D a matriz de variância/co-variância e εi ∼ N (0, σ2I)
. Xi e Zi são matrizes de co-variáveis ou variáveis explicativas conhecidas com dimensões (ni x p) e (ni x q),
respectivamente. Isto é, a decomposição dos efeitos em uma parte fixa e outra aleatória permite que os coeficien-
tes variem de indivíduo para indivíduo, tornando as estimativas individuais mais precisas (Pinheiro & Bates,
2000; Verbeke & Molenberghs, 2000).

Conceito de Efeitos Fixos e Aleatórios


Para ilustrar o conceito de efeitos fixos e aleatórios, suponha que a variável resposta Y tenha uma relação
linear com uma variável explicativa X. Esta relação pode ser expressa pela equação Yi = φ0i + φ1i X + εi , onde φ0i
representa o intercepto e φ1i corresponde à taxa de crescimento de Y em função dos valores que X assume.
Se uma única estimativa for calculada para cada um dos parâmetros φ0 e φ1 , esses valores estariam repre-
sentando o comportamento médio do grupo observado sem levar em consideração as especificidades de cada unida-
de amostral. Considere, agora, que cada um desses parâmetros pode ser decomposto em uma parte fixa (⎯φ0 e⎯φ1 ) ,
representando o comportamento médio, e outra parte aleatória ( φ0i −⎯φ0 ) e ( φ1i −⎯φ1 ), correspondente ao
diferencial de cada indivíduo em relação à média da população. Então, os parâmetros poderiam ser reescritos em
função de⎯φ (média dos parâmetros individuais), da seguinte forma:

Yi = ⎯φ0 + ( φ0i −⎯φ0 ) + {⎯φ1 + ( φ1i −⎯φ1 )} X + εi

Na versão de modelo linear de efeitos mistos, tem-se:

Yi = (β0 + b0i) + {(β1 + b1i)} X + εi

Para cada indivíduo, portanto, é ajustado um modelo específico, o que melhora muito a qualidade do
ajuste. A Figura 2 apresenta a interpretação gráfica dos efeitos aleatórios. Observa-se que é feita a suposição de
que o conjunto de valores específicos por indivíduo em cada um dos parâmetros tem uma distribuição normal,
com média zero e variância D.

251
Epidemiologia Nutricional

Figura 2 – Efeitos fixos e aleatórios de um modelo linear

Onde os efeitos fixos β representam os valores médios dos parâmetros na população de indivíduos e os efeitos aleatórios bi
representam os desvios individuais.

Estrutura de Variância
Como já foi ressaltado, a análise de dados longitudinais envolvendo medidas repetidas deve levar em conta
não só a variabilidade entre indivíduos, mas também a variação existente entre observações de um mesmo indi-
víduo. A escolha adequada de uma estrutura de variância é um passo muito importante para se fazer inferências
sobre os parâmetros de um modelo de forma precisa.
No exemplo do crescimento infantil, as variações intra e entre crianças são estimadas separadamente.
A variação entre grupos descreve como os coeficientes variam de criança para criança, ao passo que a intragrupo
descreve a variação no ajuste de peso ou comprimento de uma mesma criança em torno de seu próprio compor-
tamento de crescimento.
Na formulação do modelo, portanto, é necessária a especificação dos três componentes estocásticos que
definem a estrutura de variância e que devem ser considerados:
• Efeitos aleatórios – parâmetros específicos por indivíduo (variações em torno dos parâmetros
populacionais), representados pelo bi ∼N(0,D).
• Erro de medida – devido ao processo de medição, representado por ε(1)i ∼N(0,σ2I).
• Correlação serial – devido ao processo estocástico variando no tempo operando intra-indivíduo,
representado por: ε(2)i ∼N(0,τ2Hi).
Os erros εij do modelo podem ser, portanto, decompostos em um componente devido ao processo de
medição (ε(1)i) e em um componente estocástico devido à correlação serial operando intra-indivíduo (ε(2)i).

εi = ε(1)i + ε(2)i εi ∼ N(0,Σ)

As estruturas mais comumente utilizadas na literatura são: a matriz de co-variância uniforme ou Simétrica
Composta (SC), a auto-regressiva de primeira ordem e a não estruturada. O Quadro 1 apresenta algumas características
dos tipos de estruturas de variância/co-variância. Para mais informações, consultar Verbeke e Molenberghs (2000).

252
Análise de dados com medidas repetidas

Quadro 1 – Características de algumas estruturas de variância/co-variância


Matriz de co-variância Característica
Não estruturada Os elementos da diagonal representam a variância calculada para cada ponto no tempo, e os
demais elementos correspondem às co-variâncias entre as respostas tomadas em pontos de
tempo distintos. Requer muitos parâmetros à medida que o número de obser vações por
indivíduo aumenta e, conseqüentemente, requer um tamanho de amostra maior.

Uniforme ou Simétrica composta Assume-se que existe uma correlação positiva ρ, entre quaisquer duas medidas de um mesmo
indivíduo. São necessários apenas dois parâmetros, independentemente do número de
medidas repetidas sobre o mesmo indivíduo, porém esta estrutura assume que não somente as
variâncias, mas também as co-variâncias, sejam constantes.

Auto-regressiva de primeira ordem Nesta matriz a correlação entre as obser vações sobre o mesmo indivíduo entre os instantes de
tempo corresponde a ρni, ou seja, a correlação é elevada à potência equivalente ao instante
n1. As variâncias (elementos da diagonal) são consideradas constantes. Considera-se aqui que
cada indivíduo foi medido em inter valos de tempo igualmente espaçados.

Poder, Exponencial e Gaussiana No caso em que as medidas repetidas não estão igualmente espaçadas no tempo, as
estruturas de co-variância têm de levar em consideração os inter valos de tempo entre
obser vações. Nessas situações, recomenda-se o uso de estruturas de co-variância
proporcionais aos inter valos de tempo.

A decisão sobre qual a estrutura de variância e co-variância mais adequada deve ser tomada com base no
Critério de Informação de Akaike (Akaike Information Criterion – AIC) ou o Critério Bayesiano de Schwartz
(Baysean Information Criterion – BIC). Quanto menor o valor do AIC, melhor a qualidade do ajuste.
Após a escolha da estrutura de variância e co-variância, procede-se à seleção das variáveis com base na
diferença entre modelos aninhados. Um modelo com a variável que se quer testar e outro sem a variável.
A diferença entre os logaritmos de máxima verossimilhança (- 2log ML) dos dois modelos aninhados tem distri-
buição de qui-quadrado e, comparada com seus graus de liberdade, permite testar a significância do parâmetro.

Estimação dos Parâmetros


O processo de estimação e inferência torna-se diferente da resolução de sistema de equações normais desen-
volvida em modelos lineares. A solução dos sistemas não lineares não é obtida de forma explícita e requer méto-
dos numéricos para o seu desenvolvimento. Felizmente, hoje já se dispõe de programas computacionais que
possibilitam a implementação de algoritmos, como o Winbugs, o S-Plus/R e o SAS.
No caso dos sistemas lineares, a estimação de mínimos quadrados dos parâmetros é baseada em valores que
minimizam a soma de quadrados dos resíduos (ou, equivalentemente, maximiza a função de verossimilhança,
considerando ε ∼ N (0,Iσ2). Derivando a soma de quadrados dos resíduos em função dos parâmetros, obtêm-se
as equações normais, que igualadas a zero fornecem as estimativas dos parâmetros (pontos de máximo ou míni-
mo da função). No caso de modelos de efeitos mistos, não é possível obter as estimativas dos parâmetros de uma
forma fechada. Esta dificuldade pode propiciar múltiplas soluções. Neste caso, o processo é dito não identificável,
e faz-se necessário um processo iterativo para solucionar o sistema de equações de verossimilhança, que são
obtidas igualando a zero as derivadas parciais das funções de verossimilhança (função escore), com respeito aos
parâmetros correspondentes ou à inclusão de restrições nos parâmetros.
Várias técnicas numéricas, tais como os algoritmos de Newton-Raphson ou Fisher-scoring, são utilizados.
O processo começa com algumas estimativas preliminares dos parâmetros. Essas estimativas são utilizadas para
calcular a Soma de Quadrado Residual (SQR) e verificar em um passo seguinte que alterações devem ser feitas
nos parâmetros estimados que resultem na redução da SQR. O procedimento é repetido até que nenhuma
modificação nos parâmetros reduza substancialmente a soma de quadrados residual.

253
Epidemiologia Nutricional

Outros métodos numéricos têm sido implementados com o intuito de obter as estimativas que minimizem
a soma de quadrados residual ou que maximizem a função de verossimilhança, como, dentre outros: Algoritmo
de Gauss-Newton, Método do Gradiente, Método DUD (Doesn’t Use Derivatives), Algoritmo Lindstrom &
Bates, Aproximação Laplaciana, Aproximação Adaptativa Gaussiana.

Medidas de Diagnóstico
Uma etapa importante no processo de construção do modelo linear de efeitos mistos é o diagnóstico sobre
o ajuste do modelo. A análise de diagnóstico envolve os seguintes aspectos:
• Seleção dos efeitos que necessitam a incorporação de componentes aleatórios.
• Verificação das suposições das distribuições feitas para o modelo por meio da análise de resíduos,
isto é, a diferença entre os valores observados e os estimados pelo modelo.
• Identificação de pontos que exercem alguma influência nas estimativas dos parâmetros, como os
outliers ou observações extremas e os pontos influentes.

Seleção dos Efeitos Aleatórios


Um problema prático importante é a escolha dos parâmetros que necessitam um componente aleatório.
Uma questão difícil é como decidir quais fatores têm coeficientes que variam entre indivíduos. A inclusão do
efeito aleatório dependerá, principalmente, do delineamento do estudo. O exemplo da seção “Aplicação em
nutrição” refere-se a um estudo planejado em blocos (grupos) no qual se busca captar os efeitos da variação
aleatória em torno da média populacional.
Os efeitos aleatórios são comumente incorporados nos modelos de dados longitudinais para se considerar
a heterogeneidade entre indivíduos, acomodar a dependência nas observações repetidas e estudar a estrutura de
variância e co-variância que melhor acomode a dependência entre as medidas repetidas. É importante, portanto,
decidir que efeitos aleatórios incluir e que estrutura de co-variância esses efeitos teriam. Suponha que para cada
indivíduo fosse ajustado um modelo com coeficientes específicos.
Uma maneira de visualizar a necessidade da inclusão dos efeitos aleatórios é a construção de um gráfico
com os intervalos de confiança para os coeficientes estimados para cada indivíduo (Figura 3). Veja, por exemplo,
os intervalos de confiança estimados para cinqüenta das 479 crianças. Esses intervalos são obtidos por meio do
ajuste de parâmetros estimados com base em regressões individuais, estimando-se os coeficientes de cada criança
e calculando-se o intervalo de confiança de cada um destes parâmetros.
A Figura 3 (página seguinte) é útil para verificar a necessidade da inclusão do efeito aleatório. O intercepto
representa o peso ao nascer das crianças, e o parâmetro associado à idade corresponde à taxa de crescimento
infantil de acordo com a idade. Percebe-se, na Figura 3, que há pouca variação da amplitude dos intervalos tanto
para o intercepto quanto para a idade; no entanto, não ocorre interseção entre alguns dos intervalos de confiança
calculados. Por exemplo, para o peso ao nascer entre as crianças de número 14 e 34 não existe interseção dos
intervalos de confiança. Nesse caso, é necessário ajustar um componente aleatório para a variável idade da crian-
ça. O mesmo ocorre com a taxa de crescimento. Isso quer dizer que há um comportamento diferenciado entre as
crianças com relação tanto ao peso ao nascer quanto às taxas de crescimento.

254
Análise de dados com medidas repetidas

Figura 3 – Intervalos de confiança para os coeficientes da regressão linear (intercepto e taxa de crescimento)
para cada uma das cinqüenta crianças, Rio de Janeiro, 1999-2001

Análise de Resíduos
Antes de proceder a qualquer inferência com os parâmetros do modelo, é importante checar se os pressu-
postos básicos sobre as distribuições feitas para o modelo de efeitos mistos estão sendo cumpridos. Há duas
suposições importantes que devem ser consideradas na análise:
1. Os erros intra-indivíduo ou intragrupo são independentes e identicamente distribuídos pela nor-
mal, com média zero e variância σ2, e são independentes dos efeitos aleatórios.
2. Os efeitos aleatórios são normalmente distribuídos, com média zero e co-variância Ψ, e são inde-
pendentes para diferentes grupos ou indivíduos.

Uma ferramenta bastante útil para a verificação do pressuposto da distribuição dos erros é o gráfico dos
valores ajustados em relação aos resíduos padronizados (Figura 4). Este gráfico permite observar se a média está
centrada em zero e se a variabilidade dos resíduos respeita os limites aceitáveis, que variam de -3 a 3. Além disso,
permitem identificar pontos extremos.
A Figura 4 (página seguinte) permite visualizar dois aglomerados distintos de pontos. Estes aglomerados
constituem o comportamento de acordo com o sexo das crianças. Caso a variabilidade dos resíduos demonstrasse
comportamentos diferenciados em cada nível do fator sexo, seria recomendável a escolha de uma matriz de
variância/co-variância adequada para contornar a heterocedasticidade.
Outra maneira bastante útil de checar se o modelo está bem ajustado é construir um gráfico dos valores
observados versus os valores ajustados pelo modelo que leva em consideração a variação intra-indivíduo. Quando
os valores descrevem aproximadamente uma reta diagonal, indicam sucesso no ajuste.

255
Epidemiologia Nutricional

Figura 4 – Análise de resíduos versus valores ajustados pelo modelo linear de efeitos mistos para o peso
infantil, Rio de Janeiro, 1999-2001

Para se verificar o pressuposto de normalidade dos resíduos, utiliza-se o gráfico conhecido por qqnorm
(Figura 5). Neste tipo de gráfico, é importante verificar se as caudas não estão demasiadamente prolongadas,
quebrando o comportamento linear da reta, e se esta é simétrica em torno de zero.

Figura 5 – Teste de normalidade dos resíduos do modelo linear de efeitos mistos para o peso infantil, Rio de
Janeiro, 1999-2001

Dois tipos de gráficos são utilizados para checar a suposição de normalidade dos efeitos aleatórios: o qqnorm,
para constatar a normalidade e identificar outliers, e um gráfico de dispersão dos efeitos aleatórios estimados, para
testar a suposição de homogeneidade da matriz de variância e co-variância dos efeitos aleatórios.

256
Análise de dados com medidas repetidas

Análise de Resultados
Com o intuito de ilustrar e consolidar os conceitos expostos anteriormente, descreve-se nesta seção o
processo de modelagem da situação prática apresentada na seção “Aplicação em nutrição”. Trata-se do estudo
longitudinal de crianças acompanhadas em quatro ondas de seguimento com 0,5, 2, 6 e 9 meses. A modelagem
estatística foi desenvolvida por meio do programa computacional R versão 5 (2007).

Situação Prática
Para melhor compreensão sobre os parâmetros aleatórios, a Figura 6 mostra o comportamento de apenas
oito crianças participantes do estudo, refletindo a variação existente no padrão de crescimento entre as crianças.
Pode-se observar que o comportamento do peso de cada uma das crianças poderia ser ajustado com interceptos
e coeficientes de regressão diferentes, correspondendo ao peso inicial e à taxa de crescimento, respectivamente.
Isto é, cada criança apresenta um ritmo de crescimento diferente do comportamento médio populacional (linha
contínua), tanto no que se refere ao peso ao nascer quanto nos ganhos de peso ao longo desses primeiros meses.
O modelo de efeitos aleatórios, portanto, permite estimar a variação dos desvios individuais em torno da média
populacional de cada parâmetro do modelo, fazendo com que as estimativas se tornem mais precisas.

Figura 6 – Comparação dos ajustes dos modelos com e sem efeitos aleatórios com base nos valores observados
do peso infantil, Rio de Janeiro, 1999-2001

257
Epidemiologia Nutricional

No caso em estudo, de acordo com o comportamento apresentado pelos dados longitudinais observados,
assumiu-se para o crescimento infantil, nos primeiros meses de vida, o modelo de regressão assintótico para a
função f , dada por Pinheiro e Bates (2000) como:
(2)
f (φij,vij) = Passint. + (P0 - Passint.) exp[- exp(Ln_taxa*idade]

A interpretação dos parâmetros φij pode ser dada da seguinte forma:


Passint. - representa o peso assintótico, considerando-o como o peso ao final do período de estudo;
P0 - representa o peso ao nascer;
Ln_taxa - logaritmo da taxa (λ) de ganho de peso; pressupõe-se que estas taxas de ganho de peso sejam
constantes.

Nesta análise encontrou-se o modelo reduzido de regressão assintótico considerando-se apenas os parâmetros
de efeitos fixos para a variável peso, o que resulta em um erro-padrão residual de 0,7689. Ao se comparar o ajuste
do modelo reduzido de efeitos aleatórios com o que ignora a estrutura agrupada (modelo de efeitos fixos),
verificou-se para o ajuste do peso uma redução significativa do erro-padrão residual para 0,2667, uma redução de
65% da variabilidade entre grupos. Isso ocorre porque a variabilidade entre grupos no modelo de efeitos fixos não
é incorporada no modelo, sendo absorvida no erro-padrão residual. Além disso, observa-se na Tabela 1 que as
estimativas, embora similares, apresentam erros-padrão menores no modelo que considera os efeitos aleatórios.
Uma das vantagens, portanto, de se considerar os efeitos como aleatórios na modelagem é o aumento na precisão
de suas estimativas.

Tabela 1 – Coeficientes estimados e erros-padrão dos modelos reduzidos com e sem efeitos aleatórios
Modelo de efeitos fixos Modelo de efeitos mistos
Parâmetros Estimativas Erro-padrão Estimativas Erro-padrão
Peso
Passint. 1 0 ,2 9 0 ,1 4 9 2 1 0 ,1 6 0 ,1 0 0 4

P0 3 ,1 3 0 ,0 2 9 3 3 ,1 1 0 ,0 2 2 6

Ln_taxa - 1 ,6 8 0 ,0 4 3 3 - 1 ,6 2 0 ,0 1 9 6

Resíduo 0 ,7 6 8 9 0 ,2 6 6 7

Passint. representa o peso assintótico, considerando-o como o peso ao final do período de estudo; P0 representa o peso ao
nascer; Ln_taxa - logaritmo da taxa (λ) de ganho de peso.

A Tabela 2 mostra que a variável sexo é significativa em todos os três parâmetros, ou seja, as meninas
apresentam pesos significativamente inferiores aos dos meninos tanto ao nascer (- 0,0971) quanto em seu peso
assintótico (- 0,3639) e tendem a ter taxas menores de ganho de peso (- 0,0991) ao longo dos primeiros meses de
vida. A idade gestacional influencia apenas no peso ao nascer (0,1338), ou seja, quanto maior a idade gestacional,
maior é o peso da criança ao nascer, porém esta variável não influi significativamente nem sobre o peso assintótico
nem sobre a taxa de crescimento infantil. O tipo de parto apresenta efeito significativo (0,0766) apenas sobre a
taxa de crescimento, revelando que as crianças nascidas de parto cesáreo tendem a apresentar taxas de ganho de
peso mais elevadas.

258
Análise de dados com medidas repetidas

É interessante observar o efeito significativo da duração da amamentação sobre o peso assintótico (- 0,2813)
da criança e em sua taxa de crescimento (0,0798). Percebe-se que, embora a taxa de crescimento seja mais elevada
à medida que a duração da amamentação predominante aumenta, o peso assintótico de crianças amamentadas
por mais tempo torna-se inferior. Isso quer dizer que as crianças com período de amamentação predominante
mais elevado, embora tenham um ritmo de crescimento maior nos primeiros meses de vida, atingem um peso de
equilíbrio menor ao final do período estudado.

Tabela 2 – Modelo não linear de efeitos mistos para a evolução do peso (kg) de crianças menores de 1 ano,
Rio de Janeiro, 1999-2001
Efeitos fixos Estimativa Erro-padrão Valor-p
Passint. (Intercepto) 1 1 ,2 0 7 4 0 ,1 8 5 8 < 0 ,0 0 0 1
Passint. Sexo - 0 ,3 6 3 9 0 ,1 8 8 7 0 ,0 5 4 1

Passint. AmPredi (mês) - 0 ,2 8 1 3 0 ,0 3 9 0 < 0 ,0 0 0 1

P0 (Intercepto) 3 ,0 9 8 5 0 ,0 3 6 2 < 0 ,0 0 0 1

P0 Sexo - 0 ,0 9 7 1 0 ,0 2 5 4 0 ,0 4 3 1

P0 Idade gestacional 0 ,1 3 3 8 0 ,0 1 3 3 < 0 ,0 0 0 1

Ln_taxa (Intercepto) - 1 ,8 1 0 4 0 ,0 3 8 5 < 0 ,0 0 0 1


Ln_taxa Sexo - 0 ,0 9 9 1 0 ,0 3 5 7 0 ,0 0 5 6
Ln_taxa AmPredi (mês) 0 ,0 7 9 8 0 ,0 1 1 0 < 0 ,0 0 0 1

Ln_taxa Tipo de parto 0 ,0 7 6 6 0 ,0 2 8 9 0 ,0 0 8 3

Inter valos de confiança 95%


Efeitos aleatórios
Limite inferior Estimativa Limite superior
σ assint. (Intercepto)
1 ,2 5 1 2 1 ,4 1 7 0 1 ,6 0 4 8

σ P0 (Intercepto)
0 ,3 3 9 1 0 ,3 7 6 6 0 ,4 1 8 3

σ Ln_taxa (Intercepto)
0 ,1 3 1 2 0 ,1 7 2 2 0 ,2 2 6 0

Cor[Assint.,P0] - 0 ,1 1 4 8 0 ,0 5 2 0 0 ,2 1 5 9

Cor[Assint.,Ln_taxa] - 0 ,5 6 6 6 - 0 ,3 8 8 2 - 0 ,1 7 5 0
Cor[P0,Ln_taxa] 0 ,0 3 9 3 0 ,3 3 7 6 0 ,5 8 0 6
σ residual
0 ,2 5 1 4 0 ,2 6 6 9 0 ,2 8 3 4

- 2 Ln-verossimilhança 2 0 6 9 ,3 4

AIC 2 1 0 3 ,3 5

Os parâmetros σintercepto e σidade expressam os desvios em torno do peso inicial e da taxa de ganho de peso
entre crianças, respectivamente.

259
Epidemiologia Nutricional

Considerações Finais
Estudos envolvendo a análise de medidas repetidas observadas em um mesmo indivíduo são bastante
comuns em epidemiologia nutricional. Nesses estudos, as características nutricionais dos indivíduos são monitoradas
ao longo do tempo, o que requer o controle da dependência entre as observações de um mesmo indivíduo. Os
modelos de efeitos mistos permitem acomodar essas dependências intra e entre indivíduos por meio de estruturas
de variância e co-variância apropriadas, melhorando a qualidade do ajuste e fornecendo estimativas mais precisas
dos parâmetros a serem estimados. Adicionalmente, importantes avanços da informática possibilitaram a
implementação de algoritmos em vários programas computacionais, como o S-Plus/R, o SAS e o Winbugs.
Na área da saúde, além de dados contínuos como os discutidos no presente capítulo, é comum também o
interesse dos pesquisadores em investigar desfechos com distribuição discreta. Vários autores abordam técnicas
para lidar com a análise longitudinal de dados discretos. Crowder e Hand (1990), Lindsey (1993) e Molenberghs
e Verbeke (2005), que apresentam várias técnicas estatísticas para lidar com medidas repetidas para dados discre-
tos, são algumas referências importantes na literatura.

Referências
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New York: Marcel Dekker, 1997.

260
15
Intervenções Nutricionais na Infância

Iná S. Santos

C erca de 11 milhões de crianças morrem no mundo, a cada ano, antes de completarem o quinto ano de
vida. A maioria morre no primeiro ano, 98% das quais nos países em desenvolvimento, mais da metade devido
a pneumonia, diarréia, sarampo, malária e HIV/Aids. A desnutrição está presente em 54% de todas as mortes
(Hill, Kirkwood & Edmond, 2004). A alimentação complementar, iniciada aos seis meses de idade e constituída
por alimentos nutritivos paralelamente à amamentação e à suplementação, fortificação ou modificação da dieta,
para garantir um aporte adequado de micronutrientes, tem hoje evidência suficiente sobre sua capacidade de
proteção à saúde da criança e garantia de desenvolvimento saudável (WHO, 1998).
Este capítulo aborda as intervenções nutricionais utilizadas para enfrentar o problema da desnutrição in-
fantil e das carências nutricionais específicas de ferro e vitamina A. Para tal, foram utilizados como base os
documentos de revisão publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) nos últimos dez anos (WHO,
1998, 1999; Allen & Gillespie, 2001; Hill, Kirkwood & Edmond, 2004).

Intervenções para Prevenir a Desnutrição Infantil


Intervenções que Utilizaram Alimentos Complementares Processados
Os ensaios de eficácia considerados foram as intervenções conduzidas de forma prospectiva, randomizadas,
com um grupo intervenção recebendo alimentos específicos, sob condições ideais, e um grupo controle concor-
rente não recebendo tais alimentos. O estado nutricional das crianças ao final ou a mudança no estado nutricional
ao longo do estudo foi comparado entre os dois grupos e, sendo estes semelhantes na linha de base (no início da
intervenção), as diferenças observadas foram atribuídas às intervenções específicas.
Em vários países realizaram-se ensaios randomizados para avaliar o efeito de alimentos complementares
processados sobre o estado nutricional. Há registro na literatura de dez ensaios de eficácia conduzidos para
melhorar a alimentação complementar que incluíram crianças de 6 a 12 meses de idade. Desses, seis lograram
melhorar o estado nutricional das crianças beneficiadas no tempo planejado pelo estudo. Esses estudos, conduzi-
dos na Colômbia, Guatemala, Indonésia, Jamaica, Sudão e Gana, distribuíram alimentos como suplementos à dieta
usual da criança, embora diferindo quanto ao tipo de alimento oferecido e ao mecanismo de oferta empregado:

261
Epidemiologia Nutricional

a) Na Guatemala, o estudo Incap foi realizado em dois pares de povoados, de 1969 a 1977, para avaliar
o crescimento e desenvolvimento de menores de 7 anos. Era oferecido um suplemento líquido
contendo quantidades altas de calorias e moderadas de proteína (atole) ou um suplemento controle
contendo poucas calorias (fresco, uma bebida adocicada) (Martorell, Habicht & Rivera, 1995;
Schroeder et al., 1995). Ambos os suplementos eram enriquecidos com as mesmas quantidades de
micronutrientes (tiamina, riboflavina, niacina, ácido ascórbico, vitamina A, cálcio, fósforo, ferro e
fluoreto). Às mães das crianças estudadas era oferecido o mesmo suplemento durante a gestação e a
lactação. O suplemento era oferecido duas vezes por dia, para todos os habitantes dos quatro povoa-
dos, em centros de alimentação do estudo.
Houve maior ganho de peso e comprimento entre as crianças com 3-24 meses de idade do grupo
intervenção. Os grupos de crianças de três anos de idade diferiram apenas quanto ao comprimento.
No primeiro ano de vida, o consumo de cada 100 kcal/dia do suplemento intervenção resultou em
ganhos adicionais de 0,35 kg no peso e 0,9 cm no comprimento. No segundo ano de vida, esses
benefícios decresceram para 0,25 kg e 0,5 cm, respectivamente.
b) Na Colômbia, no final dos anos 70 do último século, famílias de comunidades pobres de Bogotá,
com alto risco de terem crianças desnutridas, foram aleatoriamente selecionadas para fazer parte do
grupo intervenção ou controle (Mora et al., 1981; Lutter et al., 1990). Porções com quantidades
previamente estipuladas do suplemento eram entregues semanalmente às gestantes do grupo inter-
venção e suas famílias na sede de campo do estudo. A intervenção iniciava no terceiro trimestre de
gestação e se mantinha até que a criança completasse 36 meses de vida. A criança índex começava a
receber suplementos diretamente aos três meses de vida. O suplemento para menores de um ano
consistia em leite em pó integral e um produto preparado centralmente pelo estudo, rico em proteína
(Duryea), composto por farinha de milho, amido de milho, farinha de soja e leite em pó. O suple-
mento para todos os demais membros da família maiores de 1 ano de idade consistia em leite em pó
desnatado, pão enriquecido e óleo vegetal. A criança suplementada também recebia 7,5-15 mg/dia
de sulfato ferroso, dependendo da idade, e 60.000 mg de retinol.
Recém-nascidos de mães suplementadas pesaram 68 g a mais e foram 0,5 cm maiores ao nascer do
que os das não suplementadas, embora a diferença não fosse estatisticamente significativa. Aos três
meses de idade, as crianças do grupo intervenção estavam significativamente mais pesadas e com
maior comprimento (respectivamente, 197 g e 0,9 cm a mais). Aos 36 meses, as diferenças de peso
e estatura entre os grupos foram de 476 g e 2,2 cm, ambas estatisticamente significativas e favorá-
veis à intervenção.
c) Na Jamaica, o estudo de Walker e colaboradores (1991) fornecia suplemento lácteo e/ou estímulo
psicológico a crianças de 9 a 24 meses de idade, aleatoriamente selecionadas, que apresentassem
escore Z de comprimento para idade (HAZ) menor que - 2 (stunted) e cujo peso ao nascer referido
fosse maior que 1.800 gramas. As crianças do grupo controle poderiam ser stunted ou apresentar
HAZ maior que - 1. As crianças de ambos os grupos não eram amamentadas. O suplemento con-
sistia em leite maternizado, que fornecia 750 kcal, 20 g de proteína por dia, e era entregue no
domicílio semanalmente, durante 12 meses. Leite em pó desnatado e cereal à base de milho eram
fornecidos para o restante da família, na tentativa de reduzir a distribuição intrafamiliar do suplemen-
to destinado à criança. Não houve efeito da estimulação psicológica sobre os desfechos nutricionais,
sendo os grupos analisados de acordo com o fato de haver recebido suplementação ou não. Após seis
meses de intervenção, as crianças que recebiam o suplemento apresentaram incrementos

262
Intervenções nutricionais na infância

significativamente maiores em comprimento, peso, perímetro cefálico, perímetro braquial e prega


triciptal. Após os seis meses não foram verificados benefícios. A criança suplementada ganhou
aproximadamente 1,0 cm a mais em comprimento do que a criança controle stunted. No entanto,
o HAZ do grupo suplementado (de aproximadamente - 2,0 HAZ) foi significativamente menor do
que o do grupo de crianças controle não stunted. Possíveis explicações levantadas pelos pesquisado-
res para a melhora do crescimento somente na primeira metade do estudo incluíram diminuição de
consumo do suplemento na segunda metade do programa ou maior impacto sobre crianças meno-
res. Os autores não apresentaram resultados conforme as faixas etárias.
d) Na Indonésia, Husaini e colaboradores (1991) investigaram o efeito de suplementos alimentares
sobre o crescimento e desenvolvimento de crianças de 6 a 20 meses de idade em creches localizadas
em plantações de chá. Crianças não suplementadas em creches adjacentes formaram o grupo con-
trole. Os suplementos eram lanches oferecidos duas vezes por dia, seis dias por semana, durante três
meses. Este foi o único ensaio em se usou uma combinação de alimentos sólidos e semi-sólidos em
vinte tipos diferentes de lanches, que eram preparados com produtos locais (farinha de cereais e de
tubérculos, pão, açúcar e óleo vegetal).
Nas creches, as crianças suplementadas consumiam cerca de 317 kcal por dia a mais do que as não
suplementadas. As crianças suplementadas ganharam 0,29 Desvios-Padrão (DP) em escore Z de
peso para idade (WAZ) durante três meses de observação, ao passo que o WAZ das crianças contro-
le diminuiu em 0,01 DP no mesmo período. Essas diferenças foram altamente significativas em
termos estatísticos. Não houve diferença entre os grupos quanto à mudança em HAZ.
e) No Sudão, Vaughan e colaboradores (1981) compararam o efeito do leite em pó desnatado contra o
consumo de grãos entre crianças de 6-26 meses de idade atendidas nos serviços de saúde da provín-
cia de Khartoum. A cada 15 dias, durante três a seis meses, as mães recebiam 1 kg de leite em pó
desnatado (grupo intervenção) ou o equivalente em grãos (grupo controle) para serem consumidos
pela criança no domicílio. Havia trezentas crianças em cada grupo. A comparação entre os grupos
mostrou que as mães do grupo intervenção continuaram amamentando mais dos que as do grupo
controle e que houve maior ganho em comprimento entre as crianças que recebiam leite em pó
desnatado (diferença de 0,25 cm por mês).
f ) Em Gana, Lartey e colaboradores (1999) desenvolveram um produto alimentar (Weanimix), cons-
tituído por milho, soja e amendoim torrados, misturados e moídos, para ser adicionado ao leite.
O suplemento era distribuído semanalmente para ser consumido três vezes por dia, no domicílio,
durante seis meses. Foram formados cinco grupos de crianças com seis meses de idade: um recebia
apenas Weanimix (n = 53); outro recebia Weanimix com micronutrientes (n = 51); outro, Weanimix
com farinha de peixe (n = 52); outro recebia koko (espécie de mingau preparado com milho fermen-
tado) com farinha de peixe (n = 52). O grupo controle foi formado por crianças de 6 a 12 meses de
idade, avaliadas antes do recrutamento (n = 79) ou após as crianças da intervenção terem comple-
tado 12 meses de idade (n = 385).
Quando comparadas às controle, as crianças intervenção como um todo tiveram médias de WAZ
aos 8, 11 e 12 meses, e de HAZ, aos 8, 10, 11 e 12 meses de idade, significativamente mais elevadas.
Aos 12 meses, o WAZ médio no grupo intervenção foi de - 1,19 ± 0,93 e, no controle, de - 1,71 ±
0,90; e o HAZ médio, de - 0,63 ± 0,84 e - 1,27 ± 1,02, respectivamente (p < 0,001 para ambos).

263
Epidemiologia Nutricional

Os quatro ensaios que não obtiveram sucesso foram realizados na Tailândia; multicêntrico em quatro
países (Bolívia, Congo, Nova Caledônia e Senegal); em Papua Nova Guiné e na República Popular da China:
g) Na Tailândia, no início de 1980, Gershoff e colaboradores (1988) realizaram um estudo em cinco
grupos de povoados para investigar o efeito de um biscoito rico em gordura e enriquecido com
micronutrientes, distribuído uma vez por dia em creches, como suplemento alimentar, durante 12
meses. Os biscoitos forneciam, aproximadamente, 300 kcal e 6 g de proteína por dia, além de vários
micronutrientes. Os autores relataram que o consumo de biscoitos era “alto”, mas não o quantificaram.
Embora as crianças do estudo fossem vários centímetros mais baixas do que as crianças tailandesas
de classe média, não foi detectado impacto sobre o peso ou comprimento durante 22 meses de
observação. No entanto, no grupo intervenção havia somente 16 crianças menores de um ano de
idade, que eram as que mais poderiam se beneficiar da suplementação.
h) Em cada área da investigação multicêntrica realizada na Bolívia, no Congo, na Nova Caledônia e no
Senegal (Simondon et al., 1996), de noventa a 127 crianças de 4-7 meses de idade foram aleatoria-
mente selecionadas para receber o suplemento ou fazer parte do grupo controle. Era um suplemento
pré-cozido, especialmente preparado para o estudo, composto de vários cereais, farinha de soja, leite
em pó, óleo vegetal e açúcar, e enriquecido com micronutrientes. O alimento era dado às crianças
duas vezes por dia, sete dias na semana, no domicílio, pela equipe do estudo, durante três meses.
Na residência da criança, o trabalhador de campo do estudo preparava a mistura do suplemento com a
quantidade adequada de água, formando uma espécie de mingau semi-sólido, e observava enquanto
a criança era alimentada. Um máximo de 200 kcal por dia era oferecido aos menores de 4 meses de
idade, e uma quantidade duas vezes maior aos mais velhos.
O consumo médio do suplemento variou de setenta a 161 kcal por dia nos quatro locais. Várias das
crianças da Bolívia, Congo e Senegal eram levemente ou moderadamente stunted aos quatro meses
de idade (HAZ médio variando de - 0,5 a - 1,0). O comprimento inicial das crianças de Nova
Caledônia era similar às referências internacionais. Comparadas às controle, as crianças suplementadas
do Senegal ganharam mais em comprimento (0,58 cm) apenas dos 4 aos 5 meses de idade, e na
Bolívia (0,41 cm), dos 5 aos 6 meses. Não houve impacto significativo da suplementação sobre o
ganho de peso em nenhuma faixa etária, exceto um pequeno efeito negativo (- 0,17 kg) dos 5 aos 6
meses de idade, no Congo.
i) Em Papua Nova Guiné, Becroft e Bailey (1965), em um pequeno ensaio (n = 43 crianças de 6-12
meses de idade), compararam o efeito da suplementação com leite em pó desnatado, pasta de
amendoim e soja, pelo grupo intervenção, contra nenhum suplemento no grupo controle. Não foi
verificada diferença entre os grupos após 12 meses de suplementação.
j) Na República Popular da China, Liu e colaboradores (1993) randomizaram, por vila de moradia,
226 crianças de 6 a 13 meses de idade para receber um biscoito doce enriquecido com micronutrientes
(grupo intervenção) ou não enriquecido (grupo controle). O suplemento foi distribuído diariamente
por três meses. Após três meses de suplementação, não foi detectado efeito sobre o crescimento.

Intervenções que Utilizaram Somente Aconselhamento Nutricional


Três intervenções, realizadas em Bangladesh (Brown et al., 1992), China (Guldan et al., 2000) e Brasil
(Santos et al., 2001), utilizaram somente aconselhamento nutricional. Tais estudos tiveram como objetivo me-
lhorar a alimentação complementar, sem deixar de incentivar a amamentação. A idade das crianças ao serem

264
Intervenções nutricionais na infância

arroladas nos estudos variou de 0 até 18 meses (Santos, 2001), e o tempo de acompanhamento, de cinco (Brown
et al., 1992) a 12 meses (Guldan et al., 2000).
Nos estudos de Bangladesh e da China, a intervenção era dirigida às mães, no domicílio, pela equipe de
pesquisa. No estudo brasileiro, as recomendações nutricionais eram feitas dentro do sistema de saúde, por médi-
cos, durante consultas pediátricas na rede de postos de saúde de Pelotas, RS. Os estudos em Bangladesh e no
Brasil assemelharam-se quanto ao conteúdo das recomendações: ambos orientavam as mães sobre como enrique-
cer a alimentação infantil por meio do uso de alimentos locais disponíveis e acessíveis às condições econômicas da
família. Em Bangladesh, o aconselhamento consistia em demonstrar, no domicílio, como enriquecer a alimenta-
ção infantil por meio da adição de óleo, xarope de açúcar, leite, peixe, farinha de lentilha, vegetais e frutas da
estação, além de estimular a introdução de novos alimentos e a continuação da amamentação. Eram também
discutidas formas de melhorar a segurança alimentar com o armazenamento adequado e a higiene no preparo dos
alimentos, lavando as mãos e recipientes antes de preparar as refeições e alimentar a criança.
Na China, durante as visitas, os educadores nutricionais davam sugestões e conselhos sobre amamentação
e alimentação complementar apropriados para a idade da criança, e distribuíam, para cada família, um guia sobre
alimentação e um gráfico de peso. Além disso, esclareciam dúvidas, pesavam a criança e registravam o peso no
gráfico. As mensagens visavam a melhorar a qualidade e quantidade dos alimentos complementares após os 4
meses de idade e manter a amamentação durante o primeiro ano de vida. Mensagens específicas incluíam: o leite
materno exclusivo é o melhor alimento nos primeiros 4-6 meses de vida; iniciar a amamentação imediatamente
após o nascimento; alimentar com mamadeira pode ser perigoso para a saúde da criança; o leite materno é de
graça; a amamentação freqüente e em livre demanda é a melhor forma de amamentar; a criança necessita ser
amamentada por pelo um ano; após os 4-6 meses, dar diariamente gema de ovo cozida (inicialmente misturada
com um pouco de leite materno), depois, oferecer mingau de arroz e outros alimentos, para que a criança cresça
bem e com saúde. Era enfatizado o emprego de alimentos preparados em casa e comumente utilizados pela
família como base para o aconselhamento nutricional.
No Brasil, tendo como base as recomendações gerais do programa de Atenção Integral às Doenças Prevalentes
na Infância (AIDPI) (WHO, 1995a, 1995b), eram dados às mães os seguintes conselhos nutricionais: aumentar
a freqüência das mamadas e das refeições complementares; dar alimentos com proteína de origem animal e ricos
em micronutrientes (p. ex., gema de ovo, fígado de galinha, galinha desfiada, carne moída); adicionar óleo de
soja, manteiga ou margarina ao alimento da criança; aumentar a densidade energética e nutricional dos alimentos
dando o grão de feijão (em vez de somente o caldo) e papa de legumes (em vez de sopa rala). As recomendações
eram resumidas em um Cartão da Mãe, utilizado pelo médico durante o aconselhamento e entregue à mãe no
final da consulta.
As três intervenções obtiveram impacto positivo sobre o estado nutricional das crianças, expresso em escores
Z de peso para idade e duas também em escores Z de comprimento para idade (Guldan et al., 2000; Santos et al.,
2001; Brown et al., 1992).

Programas de Larga Escala


Organizações internacionais e governos de países em desenvolvimento têm investido grandes volumes de
recursos na tentativa de melhorar a alimentação complementar, geralmente por meio da distribuição de suple-
mentos de produção centralizada e de baixo custo. A cobertura desses programas é variável, mas muitos foram
planejados para terem alcance nacional. Caulfield, Huffman e Piwoz (1999) publicaram uma revisão sobre a
experiência de 16 programas nutricionais em 14 países, a maioria dos quais era do tipo guarda-chuva, incluindo
várias ações como imunizações, cuidados à saúde e monitorização do crescimento infantil. A maioria dos progra-
mas utilizou uma abordagem ampla, incluindo as práticas alimentares desde o início da amamentação até a

265
Epidemiologia Nutricional

completa integração da criança com os alimentos comumente utilizados pela família. Pesquisas formativas prece-
deram a implementação desses programas, de forma a identificar práticas e crenças alimentares e a permitir o
desenvolvimento de outras, melhores e aceitáveis pela população a que se dirigia. A maioria envolvia algum tipo de
monitorização e avaliação. Todos os programas usaram uma variedade de abordagens de comunicação, incluindo os
meios de comunicação de massa e aconselhamento face a face. Esses programas demonstraram que é possível
desenvolver alimentos complementares nutricionalmente adequados em diversos ambientes culturais, aumen-
tando o aporte calórico e, conseqüentemente, melhorando o crescimento infantil (Hill, Kirkwood & Edmond,
2004).
No caso específico do Brasil, dois programas nutricionais marcaram presença nos últimos anos: o Progra-
ma Nacional do Leite e o Bolsa Alimentação, ambos, atualmente, incorporados pelo Programa Bolsa Família.
O Programa Nacional do Leite (Brasil, 1993) distribuía, mensalmente, para crianças abaixo do percentil 10 de
peso-para-idade, por intermédio dos postos de saúde, o equivalente a um litro de leite em pó integral por dia e
um litro de óleo de soja, para ser adicionado ao leite. Aos demais membros da família menores de 5 anos e
gestantes, era distribuído o equivalente a meio litro de leite integral por dia.
Uma avaliação do impacto do programa, em uma amostra de vinte municípios do estado de Alagoas,
mostrou que o objetivo de melhorar o estado nutricional das crianças beneficiárias não estava sendo alcançado
(Santos et al., 2005b). Os principais motivos para o insucesso identificados foram a descontinuidade do abaste-
cimento do suplemento nos postos de saúde (atrasos de até dois meses seguidos), o não-cumprimento do forne-
cimento de suplemento para os contatos intradomiciliares menores de 5 anos e gestantes, conforme estabelecia o
programa, e não-adesão das mães à adição do óleo de soja ao leite.
O Programa Bolsa Alimentação transferia renda a famílias pobres (renda per capita inferior a R$ 120,00
mensais) que tivessem pelo menos um possível beneficiário (gestante e/ou nutriz e/ou criança de 6 meses a 6 anos
de idade). Essas famílias recebem R$ 15,00 por beneficiário por mês, com um teto de R$ 45,00 por família. A
avaliação do programa mostrou que seis meses após sua implementação as famílias beneficiárias gastavam 55%
do valor recebido na compra de alimentos (Ministério da Saúde, 2004). Dois anos após a implementação do
programa, os índices antropométricos das crianças beneficiárias não apresentaram diferença estatisticamente
significativa em comparação com o restante da população infantil da região Nordeste. Análises longitudinais
mostraram que as beneficiárias, inicialmente em pior estado nutricional, ganhavam 8 g a mais de peso por mês do
que as crianças do grupo controle (Ministério da Saúde, 2005).

Resumo e Conclusões
• Os ensaios de eficácia anteriormente descritos deixam claro que os resultados foram muito variá-
veis, por motivos nem sempre óbvios. A maioria dos ensaios com suplementos incluía leite em pó,
com ou sem cereais, ou enriquecido com micronutrientes. Não há uma relação clara entre a compo-
sição do suplemento e o efeito sobre o crescimento infantil. O pequeno número de estudos, o
limitado número de suplementos e a ampla variação nas idades, status nutricional no início do
estudo e duração da amamentação entre as crianças participantes não permitem a realização de
metanálises, nem a conclusão definitiva sobre a relação entre o tipo de suplemento e o efeito sobre
o crescimento. Em três ensaios (Guatemala, Colômbia e Jamaica), o suplemento teve efeito sobre o
peso e o comprimento. Na Indonésia, houve efeito somente sobre o peso.
• O impacto positivo da suplementação é esperado somente quando há déficit no estado nutricional
da população-alvo e as práticas nutricionais são subótimas (WHO, 1998). Isso pode explicar a
ausência de efeito no estudo da Nova Caledônia, onde o estado nutricional das crianças era similar

266
Intervenções nutricionais na infância

às referências internacionais, e na Tailândia, onde as crianças recebiam as refeições em creches, nas


quais o consumo de alimentos já devia ser adequado.
• A idade crítica para a suplementação parece ser entre 6 e 12 meses de idade e possivelmente, embora
com menor benefício, por mais 1 a 2 anos (WHO, 1998). O aconselhamento nutricional realizado
no Brasil, no entanto, teve efeito somente entre crianças com 12 meses ou mais de idade.
• Alguns estudos forneceram suplemento às gestantes e depois para seus bebês. Há alguma evidência
de que bebês nascidos de mães suplementadas durante a gestação ganham mais peso e comprimen-
to mesmo antes deles mesmos serem suplementados (Lutter et al., 1990; Kusin et al., 1992; Mora
et al., 1979), mas há necessidade de mais estudos nessa área.
• Em geral, os programas de larga escala em que são distribuídos suplementos têm como população-
alvo crianças desnutridas identificadas através da monitorização do crescimento ou do exame clíni-
co. Entretanto, os programas de alimentação complementar são mais apropriados para prevenir do
que para tratar desnutrição (Hill, Kirkwood & Edmond, 2004).
• Novas estratégias para controlar um problema nutricional específico deveriam ser testadas em en-
saios de eficácia, nos quais a intervenção é implementada em condições ideais para determinar se o
efeito biológico desejado pode ser obtido quando se tem certeza de que a intervenção realmente foi
oferecida e utilizada pela população-alvo. Uma vez provado que uma nova intervenção funciona,
ensaios de efetividade podem ser realizados para identificar a magnitude do impacto nutricional
quando a intervenção é realizada sob as condições reais de um programa (Habicht, Victora &
Vaughan, 1999).

Intervenções para Prevenir Anemia


As intervenções de eficácia para melhorar o aporte de ferro incluem modificações na dieta, suplementação
com sais de ferro e fortificação de alimentos.

Suplementação com Sais de Ferro


Ensaios randomizados, placebo-controlados, de eficácia, no primeiro ano de vida, mostraram que a
suplementação melhora os níveis de hemoglobina e de ferritina (Allen & Gillespie, 2001). No entanto, ainda é
controversa a idade em que a anemia se inicia na infância, como são ainda incertos os limites de hemoglobina que
a definem nessa faixa etária. Em um ensaio realizado em Honduras e na Suécia (Dewey et al., 2002) era fornecido
1 mg de ferro/kg para crianças entre 4 e 9 meses de idade ou entre 6 e 9 meses. Todas as crianças recebiam leite
materno exclusivo (todo o líquido, calorias e nutrientes eram provenientes exclusivamente do leite materno) até
completar 6 meses de idade e, a partir daí, leite materno parcial (leite materno e outros alimentos líquidos, semi-
sólidos e sólidos).
Embora as crianças de Honduras tivessem níveis de ferritina mais baixos no início do estudo, a suplementação
com ferro entre 4 e 6 meses aumentou igualmente o nível de hemoglobina e ferritina nos dois grupos.
A suplementação dos 6 aos 9 meses melhorou a hemoglobina e a ferritina em Honduras, mas, na Suécia, aumen-
tou somente a hemoglobina. Os resultados sugerem que o ponto de corte de hemoglobina para diagnóstico de
anemia no primeiro ano de vida pode estar alto demais, superestimando a prevalência de anemia neste grupo
de idade (Allen & Gillespie, 2001).
Nem todos os estudos verificaram aumento da hemoglobina em pré-escolares, especialmente entre os mais
jovens. No México, Allen e colaboradores (2000) realizaram um ensaio randomizado entre crianças de 18 a 36

267
Epidemiologia Nutricional

meses de idade, das quais 70% eram anêmicas. As crianças recebiam 20 mg/dia de ferro (grupo intervenção) ou
placebo (grupo controle), durante 12 meses, sob supervisão. Após seis meses, o nível de hemoglobina foi leve-
mente maior entre as suplementadas. Após 12 meses de suplementação, no entanto, não houve diferença entre os
grupos. O nível de hemoglobina aumentou à medida que as crianças ficaram mais velhas, mas 30% em ambos os
grupos permaneciam anêmicas aos 12 meses, a despeito da normalização da ferritina. A diferença entre os grupos
não foi devida à maior prevalência de parasitas intestinais ou de outras doenças. O aumento da hemoglobina
ocorreu entre as crianças mais bem nutridas, indicando que, possivelmente, a deficiência de outros micronutrientes
tende a limitar a resposta da hemoglobina à suplementação com ferro.
Nos últimos anos, surgiu interesse em investigar a eficácia da suplementação semanal com ferro, em vez de
diária, visando a melhorar a adesão dos participantes. Uma metanálise recente comparou a eficácia da administração
semanal com a diária, no tocante aos níveis de hemoglobina e de ferritina (Beaton & McCabe, 1999). Os autores
concluíram que ambas são eficazes, desde que a adesão seja boa – se a adesão não for boa, a suplementação diária é
mais efetiva (possivelmente porque deixar de tomar algumas doses diárias pode ser menos importante do que deixar
de tomar algumas doses semanais) –, e que a duração da suplementação não influi sobre a comparabilidade da
eficácia das duas abordagens (exceto entre gestantes, cuja demanda é maior e a janela de oportunidade é limitada).

Aconselhamento Nutricional
A infância, ao lado da adolescência e da gestação, é um período que requer grandes quantidades de ferro,
uma vez que este micronutriente é necessário para o crescimento dos tecidos e para expansão do volume sanguí-
neo. A criança normal, em média, triplica o peso ao nascer no primeiro ano de vida. As necessidades diárias de
ferro (0,8 mg) no primeiro ano são quase iguais às de um homem adulto (Yip, 1997), sendo praticamente
impossível atender a essa demanda sem a fortificação de alimentos (Brown, Dewey & Allen, 1998). O volume de
alimentos ricos em ferro, como fígado, por exemplo, que seria preciso consumir para atender a essa demanda é
impraticável. Nos Estados Unidos, a quantidade de ferro nos alimentos infantis fortificados é sete vezes maior do
que a encontrada nos alimentos não fortificados do Peru (Brown, Dewey & Allen, 1998). Somente a suplementação
ou a fortificação podem reduzir a prevalência de anemia ferropriva nessa faixa etária.
Uma maneira de melhorar a absorção de ferro dos alimentos é aumentar o consumo de vitamina C.
A absorção de ferro não-heme é aumentada se os dois nutrientes forem consumidos dentro de uma hora entre um
e outro (Hallberg, Brune & Rossander, 1986). A eficácia da vitamina C dos alimentos é a mesma da vitamina C
sintética. No entanto, há poucos estudos sobre a exeqüibilidade e o efeito da vitamina C de alimentos.
Na Índia (Seshadri, Shah & Bhade, 1985), em um estudo randomizado com pré-escolares, durante dois
meses, foram fornecidos suplementos de 100 mg de vitamina C, duas vezes por dia (almoço e jantar), ao grupo
intervenção, e placebo ao grupo controle. As crianças suplementadas aumentaram o nível de hemoglobina e melho-
raram a morfologia das hemácias, ao passo que as controle não apresentaram nenhuma mudança. No entanto, é
praticamente impossível obter a quantidade de vitamina C oferecida a partir de alimentos, sendo mais factível sua
adição a alimentos fortificados com ferro. No Chile, por exemplo, a adição de vitamina C ao leite em pó fortificado
com ferro reduziu mais a anemia em pré-escolares do que somente o leite enriquecido (Walter et al., 1993).
A adição de carne de rês, ave, peixe ou outros animais à refeição não somente proporciona maior quantidade
de ferro absorvível, mas também aumenta a absorção de ferro não-heme. O estudo de Engelmann, Sandstrom e
Michaelsen (1998), na Dinamarca, com crianças de 8 meses de idade, mostrou que o alto consumo de carne de
rês (27 g/dia), por dois meses, comparativamente ao baixo consumo (10 g/dia), aumentava o nível de hemoglobina.
Uma intervenção educacional foi realizada em Pelotas com a população menor de 6 anos de idade atendida
pela Pastoral da Criança (Santos et al., 2005a). As líderes do grupo intervenção foram treinadas para avaliar a
alimentação das crianças e aconselhar as mães no uso de alimentos locais, de preço acessível para populações de

268
Intervenções nutricionais na infância

baixa renda, ricos em macro e micronutrientes, cuja aceitabilidade e eficácia no crescimento infantil já haviam
sido testadas em estudo anterior (Santos et al., 2001). A variação média da hemoglobina, em seis meses, não foi
estatisticamente significativa, embora positiva no grupo intervenção (0,20 ± 2,41 g/dl) e negativa (- 0,02 ± 1,95
g/dl) no controle.

Fortificação de Alimentos
A fortificação de alimentos consiste em uma estratégia efetiva a longo prazo para melhorar o estado nutricional
de ferro de populações. Além de uma adequada biodisponibilidade do sal de ferro adicionado ao alimento, um
programa de fortificação, para ser efetivo, requer a cooperação do governo, da indústria de alimentos e dos
consumidores. A falta de sais de ferro com boa biodisponibilidade é o principal limitante desta estratégia. Sais de
ferro como o sulfato e o fumarato são razoavelmente bem absorvidos quando adicionados a cereais, desde que o
tempo de armazenamento não seja longo. Porém, os sais de ferro mais solúveis causam, ao longo do tempo,
oxidação e rancificação das gorduras, além de modificação na cor do alimento. Para o tempo de validade de
prateleira mais longo, é preferível fortificação com ferro reduzido, embora a absorção não seja tão boa. A absor-
ção do ferro a partir de quelatos de aminoácidos (bisglicinato ferroso) é melhor protegida contra a ação de fitatos
do que o sulfato ferroso. O bisglicinato ferroso é usado no Brasil e outros países para fortificar produtos lácteos.
Quando a farinha é usada como veículo, como é o caso recente do Brasil, o grupo-alvo do programa é a popula-
ção geral, embora esta estratégia não atinja os menores de 1 ano, que normalmente consomem pouco pão (Hill,
Kirkwood & Edmond, 2004).
Nos países desenvolvidos, a fortificação de alimentos complementares e de outros alimentos infantis tem
sido efetiva para reduzir a deficiência de ferro (Michaelsen et al., 2000). A fortificação específica do leite em pó
para ser distribuído a famílias de baixa renda no Chile também foi bem-sucedida (Stekel et al., 1986). No
entanto, na maioria dos países menos desenvolvidos, em que a alimentação no primeiro ano e na infância baseia-
se quase que exclusivamente em alimentos produzidos localmente, o efeito da fortificação específica de alguns
alimentos não costuma ser tão bom (Yip, 1997).
Uma recente revisão sobre a eficácia ou efetividade de intervenções com fortificação de alimentos, endereçadas
a crianças e adolescentes, com foco sobre a anemia ou indicadores dos estoques de ferro (Assunção & Santos,
2007) mostrou que, embora a fortificação venha sendo utilizada como uma estratégia para combater a deficiên-
cia de ferro em muitos países, a documentação sobre seu impacto na população é ainda muito limitada.

Programas de Larga Escala


Programas de Suplementação
A experiência com programas de suplementação em larga escala é muito limitada internacionalmente, e os
resultados disponíveis são pouco encorajadores (Yip, 1997). Os problemas incluem baixa adesão a esquemas de
uso diário de longa duração e a coexistência de deficiência de outros micronutrientes que podem prejudicar a
resposta hematológica ao ferro, como suspeitado no ensaio realizado no México.
A suplementação semanal, além de tão eficaz quanto a diária na melhora dos níveis de hemoglobina de
crianças com deficiência de ferro e anemia (Michaelsen et al., 2000), é provavelmente também mais factível. Há
pouca informação sobre a efetividade ou factibilidade da suplementação semanal de ferro entre menores de um ano.
Formulações alternativas de ferro também têm sido desenvolvidas. Recentemente, o fumarato ferroso em
pó, microcapsulado, em sachê de dose única, para ser adicionado em qualquer alimento semilíquido, foi testado
por Zlotkin e colaboradores (2001). Em um ensaio randomizado conduzido em Gana, o fumarato ferroso em pó

269
Epidemiologia Nutricional

mostrou-se tão eficaz quanto o padrão-ouro (ferro em gotas) no tratamento da anemia entre pré-escolares. Além
de não alterar o sabor ou a consistência do alimento, é fácil de usar, armazenar e transportar e aceita a adição de
qualquer outro micronutriente.

Programas com Alimentos


Uma revisão sobre o impacto de programas baseados no aumento do consumo de produtos de origem
animal (Ruel & Levin, 2000) apresentou os resultados observados no Vietnã (com a promoção da criação de
peixes e produção animal), no Peru (aumento da disponibilidade e promoção do consumo de fígado e outras
vísceras), em Bangladesh (criação de peixes) e na Tailândia (criação de peixes e galinhas). No Vietnã, houve
aumento no consumo de ferro pelas crianças, mas o status nutricional do mineral não foi analisado. No Peru,
houve aumento no consumo de ferro heme e diminuição da prevalência de anemia. Em Bangladesh, não houve
aumento do consumo de peixes nem impacto sobre o status em ferro. Na Tailândia, o consumo de ferro e
vitamina C aumentou, como planejado.
O programa nacional de suplementação do Chile fornece leite semidesnatado fortificado com ferro a
famílias de baixa renda. As mães recebem o leite nos postos de saúde, nas consultas de monitorização de peso e
vacinação. A prevalência de anemia caiu de 27% para 10% entre crianças de 3-15 meses de idade (Stekel et al.,
1986).

Fortificação de Alimentos
Em 1980, uma crise econômica afetou a quantidade e qualidade dos alimentos consumidos pelas famílias
pobres da Venezuela, aumentando a prevalência de anemia. Em 1993, o governo venezuelano implementou um
programa nacional de fortificação em que o milho pré-cozido e a farinha de trigo, que forneciam 45% das
calorias diárias da população de baixa renda, foram enriquecidos com 20 e 50 mg de ferro por kg, respectivamen-
te. Em 1994, em Caracas, a prevalência de anemia em crianças de 7-15 anos havia caído de 19 para 9% e a
deficiência de ferro, de 37 para 16% (Layrisse et al., 1996). Não houve grupo controle. Logo, o possível efeito de
fatores externos ao programa não pôde ser descartado.
A fortificação de condimentos também tem sido realizada. Na Guatemala, em oito meses, em três comunida-
des que consumiram açúcar enriquecido com 13 mg de ferro/100 g, houve aumento estatisticamente significativo
nos estoques de ferro, em comparação a comunidades controle (Viteri et al., 1995). Na Tailândia, a fortificação do
molho de peixe e, na África do Sul, a fortificação do curry, visando a atingir descendentes asiáticos, apresentaram
resultados positivos sobre a hemoglobina (Garby & Areekul, 1974).
No Peru, o programa nacional de alimentação escolar oferece biscoitos e leite enriquecidos com ferro no
café da manhã. Após um ano, a prevalência de anemia caiu de 66 para 14% (Allen & Gillespie, 2001).
Uma avaliação do programa nacional de fortificação das farinhas de trigo e milho, recentemente
implementado no Brasil, sobre a hemoglobina de crianças de até 6 anos de idade, em Pelotas, não demonstrou
efetividade (Assunção et al., 2007). O consumo insuficiente de alimentos produzidos ou preparados com fari-
nhas e a baixa biodisponibilidade dos sais de ferro utilizados para fortificação foram levantados como hipóteses
para explicar o insucesso do programa entre as crianças pelotenses.

270
Intervenções nutricionais na infância

Resumo e Conclusões
• Em uma população normal, espera-se que 2,5% dos indivíduos apresentem anemia, a qual é consi-
derada um problema de saúde pública somente quando essa prevalência ultrapassa os 5%. Em uma
mesma população, há cerca de duas a cinco vezes mais indivíduos com deficiência de ferro do que
com anemia. Em populações em que a prevalência de anemia ultrapassa 20%, a prevalência de
deficiência de ferro entre pessoas de mesma idade e sexo deverá estar em torno de 50%. Se a prevalência
de anemia ultrapassar os 40%, virtualmente toda a população daquela idade e sexo deverá apresen-
tar deficiência de ferro. Do ponto de vista da saúde pública, isso implica que, quando a prevalência
de anemia ferropriva alcança níveis de 20-30% em um determinado grupo de idade e sexo, deverá ser
mais efetivo e, possivelmente, mais eficiente promover a suplementação universal com sais de ferro
para todo o grupo do que rastrear indivíduos para tratamento individual (WHO, 2001).
• Vários países adotaram a suplementação no primeiro ano de vida e entre pré-escolares como políti-
ca de saúde pública. Em regiões onde a prevalência de anemia é inferior a 40%, a recomendação é
oferecer 12,5 mg de ferro elementar mais 50 mg de ácido fólico por dia, dos 6 aos 12 meses de
idade. Onde a prevalência de anemia é maior que 40%, a suplementação deve ser prolongada dos 6
aos 24 meses e estendida a escolares, adolescentes e mulheres em idade reprodutiva (WHO, 2001).
• Programas nacionais de suplementação de larga escala são raros, e escassa a informação sobre sua
efetividade e factibilidade (Hill, Kirkwood & Edmond, 2004).
• A efetividade de programas baseados no consumo de alimentos ricos em ferro tem sido pouco
estudada. O aumento isolado do consumo de vitamina C com base em alimentos locais não parece
ser uma estratégia adequada para prevenir a ocorrência de anemia (Allen & Gillespie, 2001).
A promoção do consumo de carnes e vísceras é uma opção para aumentar o aporte de ferro absorvível.
• Nos países desenvolvidos, há uma boa evidência de que a fortificação com ferro de alimentos infan-
tis complementares é efetiva na redução de anemia ferropriva (Michaelsen et al., 2000). A fortifica-
ção do leite em pó distribuído para famílias de baixa renda no Chile também foi bem-sucedida
(Stekel et al., 1986). No entanto, na maioria das áreas menos desenvolvidas, onde a alimentação
infantil é baseada principalmente em alimentos locais, é menos provável que a fortificação seja uma
boa alternativa (Hill, Kirkwood & Edmond, 2004).
• A fortificação com ferro não traz riscos adicionais à saúde. A absorção de ferro diminui naturalmen-
te, à medida que aumentam os estoques do mineral. No entanto, uma pequena parcela da popula-
ção pode ser suscetível à sobrecarga de ferro. O risco para indivíduos com talassemia minor ou
outras hemoglobinopatias é pequeno, e o impacto da fortificação em áreas com malária deve ser
monitorado (Allen & Gillespie, 2001).

Intervenções para Prevenir a Deficiência de Vitamina A


As intervenções para melhorar o aporte de vitamina A incluem modificação da dieta e/ou criação de hortas
domésticas, suplementação e fortificação de alimentos.

Ensaios de Eficácia
Uma metanálise com oito estudos randomizados, controlados, sobre o efeito da suplementação com vita-
mina A (Beaton, Martorell & Aronson, 1993) mostrou uma redução de 23% na mortalidade de crianças de 6

271
Epidemiologia Nutricional

meses a 5 anos de idade, em ambos os sexos. O efeito sobre a mortalidade foi maior para os casos de diarréia e
sarampo. Em contraste, não há evidência de que a suplementação de crianças de 0-5 meses tenha impacto sobre
a mortalidade.
Todos os estudos sobre mortalidade foram conduzidos em populações pobres, com manifestações clínicas
de deficiência de vitamina A. Não há relação direta entre taxas de xeroftalmia e níveis bioquímicos de deficiência
(Hill, Kirkwood & Edmond, 2004). O estudo randomizado conduzido por Barreto e colaboradores (1994), no
Nordeste do Brasil, foi o único realizado em uma área sem xeroftalmia, mas com grave deficiência bioquímica,
com vista a avaliar o efeito da suplementação sobre a morbidade. A suplementação com vitamina A mostrou
efeito sobre a gravidade da diarréia, indicando não ser necessário que estejam presentes sinais oculares da deficiência
para que ocorram benefícios às crianças suplementadas.

Programas de Larga Escala


Modificação da Dieta e/ou Criação de Hortas Domésticas
A vitamina A é encontrada como retinol no leite materno, fígado, ovos, manteiga e leite de vaca integral, e
como betacaroteno (precursor da vitamina A) em vegetais de folhas verde-escuras e em frutas de cor laranja ou
amarelada (como mangas). A promoção do plantio de vegetais e de técnicas de preservação, como desidratação de
frutas, pode melhorar o aporte de vitamina A na dieta. No entanto, essa estratégia, se isolada, dificilmente é
suficiente (Hill, Kirkwood & Edmond, 2004). Primeiro, porque a dieta pode não conter quantidade suficiente
de gordura que permita a conversão dos carotenóides em vitamina A. Segundo, porque o conhecimento sobre a
biodisponibilidade da vitamina A em diferentes vegetais e o efeito de diferentes métodos de processamento desses
alimentos (como duração e temperatura de cozimento) é ainda incompleto.

Suplementação
A vitamina A é armazenada no fígado e, ao contrário do ferro, que precisa ser consumido em bases regula-
res, seus estoques podem ser mantidos por 4-6 meses após a administração de altas dosagens. Em meados de
1997, a política da suplementação periódica com altas doses de vitamina A foi adotada pela maioria dos países
com deficiência clínica ou subclínica documentada de vitamina A. Atualmente, cerca de um terço dos países que
aderiram à suplementação com altas doses o faz juntamente com as vacinas nos dias nacionais de imunização
(Unicef, 1998). Inicialmente, eram administradas 25.000 UI de vitamina A com cada uma das três doses da
vacina tríplice (DTP) programadas para 6, 10 e 14 semanas de vida e com a vacina contra o sarampo (em torno
do nono mês).
Um estudo multicêntrico foi realizado para avaliar o efeito da suplementação ligada à vacinação em 8.439
crianças em Gana, na Índia e no Peru, randomizadas para o grupo intervenção (vacinas e vitamina A em três
doses) em comparação ao grupo controle (dose única de 100.000 UI de vitamina A aos 9 meses, junto com a
vacina do sarampo). A suplementação ligada à vacinação mostrou um pequeno impacto sobre o status de vitamina
A das crianças aos 6 meses de idade, comparadas às do grupo controle. Esse efeito não se manteve aos 9 meses.
Não houve diferença entre os grupos quanto à mortalidade (WHO/CHD, 1998).
Atualmente, no Brasil, é administrada uma megadose de vitamina A (200.000 UI) às mães, no pós-parto
imediato, para aumentar a disponibilidade da vitamina no leite materno. Às crianças é administrada uma dose de
100.000 UI para menores de 6 meses de idade, desmamadas, desnutridas ou em risco nutricional, e para todas
entre 6 e 12 meses de idade. Entre 1 e 5 anos de idade, é administrada uma megadose de 200.000 UI (Ministério
da Saúde, 1994).

272
Intervenções nutricionais na infância

Fortificação
Vários países têm enfrentado a deficiência de vitamina A recorrendo à fortificação do açúcar. A Guatemala
foi o primeiro país a adotar tal medida, tendo iniciado nos meados da década de 1970. Embora tenha havido
uma interrupção no início dos anos 80, a avaliação de 82 povoados, em 1990, concluiu que a deficiência de
vitamina A estava controlada naquele país (Unicef, 1998). Em 1998, Bolívia, El Salvador, Honduras e Filipinas
passaram também a adotar essa medida.

Resumo e Conclusões
• O leite materno é a principal fonte de vitamina A no primeiro ano de vida. Crianças amamentadas
apresentam menor prevalência de deficiência clínica de vitamina A, mesmo em áreas com altas
prevalências.
• A suplementação em dose única alta, ao nascer, diminuiu a mortalidade nos quatro meses subse-
qüentes. Mas um estudo multicêntrico sobre a eficácia de altas doses de vitamina A, administradas
juntamente com as vacinas de rotina, não detectou impacto sobre a mortalidade ou a morbidade
das crianças do programa. A hipótese levantada pelos pesquisadores é que as doses administradas
sejam muito baixas para melhorar o status de vitamina A da criança por tempo prolongado (WHO/
CHD, 1998).
• A fortificação de alimentos que alcançam os grupos populacionais com deficiência de vitamina A é
outra estratégia que pode ser utilizada.
• Programas baseados em alimentos têm bom potencial para prevenção de deficiência de vitamina A.
No entanto, há poucos estudos avaliando o impacto desse tipo de intervenção.

Em resumo, a redução da mortalidade na infância requer mais do que a disponibilidade e acesso a serviços
de saúde bem estruturados e a equipes bem treinadas. É necessária a implementação de programas de saúde bem
planejados e de eficácia comprovada. A melhoria das práticas familiares e comunitárias de cuidado infantil cons-
titui uma das estratégias de importância-chave para a sobrevivência, redução da morbidade e promoção do
crescimento e desenvolvimento saudáveis dos menores de 5 anos de idade (WHO, 1998, 1999; Allen & Gillespie,
2001; Hill, Kirkwood & Edmond, 2004). Essas práticas consistem em amamentação exclusiva até os 6 meses de
idade; introdução de alimentação complementar aos 6 meses, com alimentos ricos em energia e nutrientes,
mantendo a amamentação até os 2 anos de idade, e garantia de que as crianças recebam quantidades adequadas
de micronutrientes (particularmente ferro, vitamina A e zinco), por meio da alimentação ou por suplementação.
Há, atualmente, suficiente evidência de que programas nutricionais de larga escala podem ser efetivos no
crescimento e na melhoria do estado nutricional das crianças. Os fatores que contribuem para o sucesso de
programas nutricionais não são exclusivos desse campo da saúde e incluem conhecimento adequado do problema
nutricional na população-alvo, mobilização e participação comunitárias, treinamento de trabalhadores de cam-
po, definição de metas programáticas, supervisão, monitoramento e avaliação de resultados (WHO, 1999).

273
Epidemiologia Nutricional

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WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Complementary Feeding of Young Children in Developing
Countries: a review of current scientific knowledge. Geneva: WHO, 1998. (WHO/NUT/98.1)

276
Intervenções nutricionais na infância

WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). A Critical Link. Interventions for Physical Growth and
Psychological Development: a review. Geneva: WHO, 1999. (WHO/CHS/CAH/99.3)
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(WHO/CHD). WHO/CHD Immunisation-Linked Vitamin A Supplementation Study Group.
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2001.

277
Parte II
Problemas Nutricionais Brasileiros
16
Epidemiologia da Desnutrição Infantil

Wolney Lisboa Conde e Denise Petrucci Gigante

A pesar da crescente importância na ocorrência de problemas nutricionais relacionados ao excesso de


peso, a desnutrição ainda é prevalente em determinados grupos populacionais, atingindo principalmente crian-
ças que vivem em regiões menos desenvolvidas. Neste capítulo será descrita a distribuição da ocorrência de
desnutrição infantil no Brasil e no mundo e serão abordados seus principais determinantes. Cabe destacar que,
embora o termo desnutrição possa também ser usado para se referir ao excesso de peso, neste capítulo estará
sendo usado como sinônimo para déficit nutricional.
Desnutrição ou baixo peso tem sido considerado como o principal fator de risco relacionado ao número de
pessoas com incapacidade e o quarto fator relacionado ao número de mortes na população mundial, de acordo
com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ao passo que o baixo peso atinge apenas países em
desenvolvimento, nos países desenvolvidos os fatores de risco para incapacidades e mortalidade em geral estão
relacionados ao excesso de peso, incluindo pressão arterial, colesterol e Índice de Massa Corporal (IMC) elevados
e baixo consumo de frutas, legumes e verduras (WHO, 2002).

Definição de Desnutrição
O termo kwashiorkor tem sido aceito para nomear a desnutrição desde que foi publicado no jornal The
Lancet, embora poucos saibam que sua tradução em um idioma do oeste africano seja “a doença da criança
deposta” (Waterlow, 1992). No entanto, a adequada terminologia para descrever a desnutrição deve discriminar
desde formas moderadas de déficit de peso até as formas severas tradicionalmente conhecidas como marasmo ou
kwashiorkor (WHO, 1995).
Os termos desnutrição, subnutrição e desnutrição energético-protéica são, muitas vezes, usados
indiscriminadamente para descrever valores antropométricos anormais. Sempre que possível, é recomendável
que os déficits nutricionais sejam descritos conforme o parâmetro e o índice utilizados na classificação nutricional
(WHO, 1995).
A definição operacional da desnutrição é, em geral, realizada com o uso de um ou mais índices que calcu-
lam a posição relativa das medidas antropométricas na distribuição de valores de referência; em seguida, pela
aplicação de um ponto de corte, classifica-se o estado nutricional do indivíduo em saudável ou não. Esses índices

281
Epidemiologia Nutricional

são conhecidos como estatura-para-idade, peso-para-idade e peso-para-estatura e estão apresentados e descritos


no capítulo 2, “Avaliação nutricional de crianças”.
O crescimento linear é uma função biológica sofisticada e é, também, o produto da síntese de muitos
processos fisiológicos. Por essa razão, é um dos melhores marcadores da situação geral de saúde, especialmente
entre crianças menores de 5 anos. Em linhas gerais, pode-se dizer que o crescimento é a função que diferencia o
estado nutricional de crianças ou adolescentes do estado nutricional dos adultos.
Déficits de estatura-para-idade descrevem falhas no crescimento linear da criança e estão ligados a prolon-
gado consumo insuficiente de macro ou micronutrientes ou, ainda, a péssimas condições de saúde. Déficits de
peso-para-estatura indicam ganho inadequado de massa corporal em relação à estrutura física do indivíduo e
estão ligados a processos agudos e mais recentes, traduzidos pelo catabolismo dos tecidos corporais e pela deficiência
de energia. Déficits de peso-para-idade estão associados ao retardo do crescimento linear, ganho insuficiente de
massa corporal ou catabolismo dos tecidos, constituindo-se, assim, em índice que pode traduzir múltiplos agra-
vos nutricionais.

Prevalências de Desnutrição no Brasil e no Mundo


As prevalências de desnutrição em crianças menores de 5 anos de idade são apresentadas com base nos três
índices antropométricos: peso-para-idade, estatura-para-idade e peso-para-estatura. Como indicado anteriormente,
esses índices foram calculados pela comparação entre as medidas da criança observada e os valores antropométricos
de uma população saudável, tomados como referência para aquele parâmetro. A prevalência de déficit nutricional,
considerando cada um dos índices, é calculada pela proporção de crianças que se encontram abaixo de - 2 desvios-
padrão em relação à referência para aquele índice. Cabe destacar que, embora as novas curvas de referência estejam
disponíveis desde abril de 2006, os resultados apresentados a seguir são anteriores à recomendação da OMS, e as
prevalências de desnutrição foram calculadas com base na referência do National Center for Health Statistics
(NCHS/WHO).

Desnutrição no Brasil
O Brasil dispõe, nas últimas quatro décadas, de grandes inquéritos de abrangência nacional com dados
antropométricos. Esses dados permitem que se analise a evolução do estado nutricional de menores de 5 anos de
idade de modo mais detalhado, identificando a mudança da situação nutricional nas grandes regiões geográficas
e segundo a situação do domicílio ou estratos socioeconômicos.
O último desses grandes inquéritos, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2002-2003, apresentou
problemas na coleta dos dados antropométricos dos menores de 10 anos. Assim, não se recomenda o uso dos
dados da estatura. Os dados do peso corporal devem ser utilizados com cautela, preferencialmente empregando-
se a correção dos valores nesta faixa etária, como descrito na própria publicação (IBGE, 2006). Por essa razão,
neste capítulo a situação nutricional dos menores de 5 anos será descrita com base no índice peso-para-idade. Em
2002-2003, o índice antropométrico foi calculado com base nos valores corrigidos da medida do peso. Os dados
podem diferir marginalmente daqueles oficialmente publicados, por serem produto de nova análise.

282
Epidemiologia da desnutrição infantil

Tabela 1 – Prevalência do déficit peso-para-idade em crianças menores de 5 anos, segundo situação do


domicílio, por grandes regiões. Brasil, 2002-2003
Déficit peso-para-idade* (%)
Grandes regiões Situação do domicílio
Total
Urbana Rural
Brasil 4 ,0 3 ,6 5 ,4

Norte 7 ,4 6 ,4 9 ,9

Nordeste 4 ,9 4 ,8 5 ,3

Sudeste 2 ,9 2 ,8 4 ,0

Su l 2 ,6 2 ,6 2 ,5

Centro-Oeste 3 ,5 3 ,4 4 ,0

* Valores para o índice abaixo de - 2 escore - z.


Fonte: IBGE (2006).

As regiões mais pobres do país, Norte e Nordeste, concentram os casos de déficit nutricional segundo o
indicador peso-para-idade. Por outro lado, nas outras regiões do país, a prevalência do déficit nutricional alcança
valores muito próximos àqueles esperados em uma população que não sofra agravos nutricionais.1 A diferença entre
as áreas urbana e rural, exceto no caso da região Sul, ainda é acentuada no Brasil. A região Norte mostrou-se a área
nutricionalmente mais vulnerável do país, especialmente o Norte rural, cuja prevalência de déficit nutricional se
aproxima daqueles valores observados em regiões consideradas de prevalência moderada pela OMS (WHO, 2006).
A POF 2002-2003 foi a primeira pesquisa nacional a coletar dados na área rural da região Norte (Tabela 1).
Parte das diferenças de déficit nutricional observadas entre as grandes regiões e, internamente, segundo o
local do domicílio, está ligada às grandes diferenças registradas na distribuição da renda no país. Para exemplificar,
considerando apenas as famílias com crianças menores de 5 anos, a renda monetária domiciliar per capita na área
rural da região Sul (R$ 290) é aproximadamente 1,3 daquela observada nas áreas urbanas das regiões Norte
(R$ 228) e Nordeste (R$ 219), em valores correntes de junho de 2003.
A estratificação da prevalência do déficit de peso-para-idade em seis faixas de múltiplos do salário mínimo
per capita permite a observação da forte associação inversa entre essas duas variáveis (Tabela 2, página seguinte).
A prevalência do déficit nutricional no grupo de famílias muito pobres, aquelas com renda per capita inferior a 1/4
do salário mínimo, é aproximadamente dez vezes aquela observada entre as famílias com renda per capita superior
a cinco salários mínimos. O déficit nutricional no país está fortemente concentrado em crianças que vivem em
famílias com renda inferior a ½ salário mínimo per capita.
Inquérito nutricional realizado na região do Semi-Árido brasileiro mostrou que os programas governamentais
de distribuição de renda a famílias muito pobres exercem efeito protetor sobre o crescimento infantil. O déficit de
estatura-para-idade é, em média, 30% menor entre as crianças de famílias matriculadas em programas de distri-
buição de renda. Na faixa entre 6 e 11 meses, idade crítica para o crescimento infantil, o déficit nutricional é 60%
inferior entre as crianças de famílias matriculadas (Conde, Konno & Monteiro, 2006).
A evolução do estado nutricional da população infantil brasileira nas últimas décadas é apresentada a seguir
em figuras que descrevem a prevalência de déficits peso-para-idade entre menores de 5 anos em inquéritos nacionais
realizados no país em 1974-1975, 1989, 1996 e 2002-2003.2 O índice peso-para-idade foi selecionado por ser o
único disponível em todos os inquéritos. As estimativas excluem a população infantil das áreas rurais da região

283
Epidemiologia Nutricional

Norte, estudada apenas em 2002-2003. Nos inquéritos de 2002-2003 e 1974-1975, são utilizados valores corri-
gidos do peso, procedimento que leva em conta o excessivo coeficiente de variação das distribuições originais do
peso, observadas nos dois inquéritos. Essa correção é necessária para que as estimativas dos inquéritos de 1974-
1975 (Estudo Nacional de Despesas Familiares – Endef ) e 2002-2003 (POF) possam ser comparadas às dos
demais inquéritos (IBGE, 2006).

Tabela 2 – Prevalência do déficit peso-para-idade em crianças menores de 5 anos por grupos de idade
segundo classes de rendimento monetário mensal familiar per capita. Brasil, 2002-2003

Déficit peso-para-idade** (%)


Classes de rendimento
monetário mensal familiar per Grupos de idade (meses)
capita (salários mínimos)* Total
0-23 24-59
Até ¼ 7 ,4 5 ,2 8 ,8

Mais de ¼ a ½ 6 ,5 4 ,7 7 ,5

Mais de ½ a 1 3 ,7 3 ,0 4 ,1

Mais de 1 a 2 2 ,6 3 ,7 1 ,9

Mais de 2 a 5 1 ,5 0 ,7 1 ,9

Mais de 5 0 ,8 1 ,0 0 ,7

* R$ 200,00 – valor do salário mínimo vigente em 15 de janeiro de 2003.


** Valores para o índice abaixo de - 2 escore -z.
Fonte: IBGE (2006).

No período de aproximadamente 14 anos que separa os inquéritos de 1974-1975 e 1989, o declínio médio
observado na prevalência foi igual a 0,68 ponto percentual ao ano. No período de aproximadamente sete anos,
que separa os inquéritos de 1989 e 1996, observa-se declínio médio anual na prevalência igual a 0,11 ponto
percentual. Nos sete anos seguintes, que separam os inquéritos de 1996 e 2002-2003, a média do declínio na
prevalência do déficit nutricional foi igual a 0,33 ponto percentual ao ano. Embora com menor intensidade nos
dois últimos intervalos, a tendência de redução no déficit nutricional se manteve ao longo de todo o período
analisado.
O declínio do déficit nutricional é inicialmente mais intenso nas áreas urbanas do que nas áreas rurais do
país (Figura 1). Dessa forma, até 1996 observa-se o crescimento do excesso relativo de desnutrição no meio rural.
Em 1996, a prevalência do déficit ponderal no meio rural (9,8%) supera em quase duas vezes a estimada no meio
urbano (5,1%). No período mais recente, entre 1996 e 2002-2003, a tendência se inverte e o declínio é substan-
cialmente maior no meio rural, o que aproxima as prevalências de déficits ponderais encontradas no meio urbano
(3,6%) e no meio rural (5,7%).

284
Epidemiologia da desnutrição infantil

Figura 1 – Evolução da prevalência (%) de déficits de peso-para-idade na população de crianças com


menos de 5 anos de idade. Brasil, períodos 1974-1975, 1989, 1996 e 2002-2003

* Prevalências ajustadas para corrigir a imprecisão na mensuração e registro de peso.


Fontes: IBGE. Endef 1974-1975; Inan. PNSN 1989; Bemfam. PNDS 1996; IBGE/Diretoria de Pesquisas/Coordenação de
Trabalho e Rendimento. POF 2002-2003.

Regionalmente, o declínio do déficit nutricional no país também apresenta diferentes tendências nas
últimas décadas (Figura 2, página seguinte). Na área Centro-Sul do país (regiões Sudeste, Sul e Centro-
Oeste), entre 1974-1975 e 1989 ocorre intensa redução no déficit nutricional: de 10%-12% para cerca de
3%-4%. Nos períodos entre 1989 e 1996 e entre 1996 e 2002-2003, a prevalência de déficits ponderais
nesse agregado regional apresenta pequenas flutuações e situa-se em torno de 3%-4%. Nas regiões Norte
(apenas áreas urbanas) e Nordeste, a prevalência de déficits ponderais parte de valores mais altos (22%-
25%, em 1974-1975), porém o declínio é contínuo ao longo dos quatro inquéritos. Esse movimento é mais
acentuado na região Nordeste, na qual o declínio relativo do déficit nutricional é mais intenso no último
período.
Ao longo das décadas de 1970 e 1980, o excesso relativo de déficits ponderais na metade norte do país
aumentou em relação à metade sul. Já na primeira metade da década de 1990, entre 1989 e 1996, o que se
observa é uma forte tendência de redução da desigualdade Norte/Sul, e essa redução prossegue de modo
particularmente claro para a região Nordeste até 2002-2003. Na região Nordeste, entre 1996 e 2002-2003
a situação nutricional dos menores de 5 anos evoluiu de forma particularmente favorável no meio rural.
A análise da evolução do estado nutricional de acordo com a renda familiar (ou do inventário de bens
presentes no domicílio em 1996) pode ser realizada criando-se, em cada inquérito, cinco estratos de renda
(ou bens) proporcionalmente iguais, de modo que o primeiro deles represente a fração dos 20% mais
pobres, e o último a fração dos 20% mais ricos, em cada período. No período entre os dois primeiros
inquéritos, o declínio do déficit nutricional é mais intenso em todos os estratos econômicos (Figura 3, p.
287). Para as crianças de maior renda (os dois estratos econômicos superiores), a prevalência do déficit
nutricional em 1989 já é muito baixa (inferior aos 2,3% esperados); assim, nos períodos subseqüentes, o
déficit nutricional apenas flutua em torno das baixas freqüências alcançadas no primeiro período. Nos estratos
econômicos com menor poder aquisitivo, reduz-se a intensidade observada no primeiro período, porém man-
tém-se a tendência de declínio até o inquérito de 2002-2003. No período mais recente, a redução do déficit
nutricional é digna de nota entre as crianças situadas nos estratos mais pobres, especialmente quando compa-
radas àquelas dos estratos mais ricos. Entre 1996 e 2002-2003, o déficit nutricional declina de 15,5% para

285
Epidemiologia Nutricional

8,7% no quinto inferior da distribuição do poder aquisitivo (os 20% mais pobres), de 9,3% para 6%, no
segundo quinto, de 4,6% para 3,4%, no terceiro quinto, de 3,3% para 3,2%, no quarto quinto e de 2,4%
para 1,5%, no quinto superior da distribuição do poder aquisitivo (os 20% mais ricos).

Figura 2 – Evolução da prevalência (%) de déficits de peso-para-idade na população de crianças com


menos de 5 anos de idade segundo grandes regiões. Brasil, períodos 1974-1975, 1989, 1996 e 2002-2003

* Prevalências ajustadas para corrigir a imprecisão na mensuração e registro de peso.


Fontes: IBGE. Endef 1974-1975; Inan. PNSN 1989; Bemfam. PNDS 1996; IBGE/Diretoria de Pesquisas/Coordenação de
Trabalho e Rendimento. POF 2002-2003.

A análise da evolução do estado nutricional infantil nas últimas décadas evidencia, pela primeira vez no
país, o surgimento de uma clara tendência de redução das enormes desigualdades econômicas quanto à prevalência
da desnutrição na infância.

Desnutrição no Mundo
Levantamentos sobre a situação nutricional realizados ainda na década de 1980, em diferentes países, são
de difícil comparação, uma vez que nem sempre são utilizadas as mesmas referências, pontos de corte, índices e
indicadores nutricionais. Em 1986, a OMS iniciou a padronização e sistematização de coleta de dados da situa-
ção nutricional de crianças menores de 5 anos (De Onis et al., 1993).
Em recente revisão realizada no banco internacional de dados sobre crescimento infantil da OMS, envol-
vendo dados de todas as regiões em desenvolvimento, a América Latina mostrou-se a região com menores déficits
nutricionais de estatura-para-idade, peso-para-idade e peso-para-estatura. O banco de dados contém informa-
ções de inquéritos antropométricos realizados em amostras probabilísticas da população de crianças menores de
5 anos de 79 países em desenvolvimento entre 1980 e 1992.
Dividindo-se o conjunto de países em quatro partes, segundo valores do indicador de déficit de peso-para-
idade, no primeiro quarto estão os países com prevalências inferiores a 10%; no segundo quarto, os países com
prevalências entre 10 e 19%; no terceiro, os países com prevalências entre 20 e 29%; no quarto superior, estão os
países com prevalências iguais ou superiores a 30% da população infantil. Esses quatro intervalos de prevalências
foram denominados grupos de países com déficits ponderais relativamente baixos, moderados, altos e muito
altos, respectivamente (De Onis et al., 1993). Tomando-se apenas os inquéritos mais recentes dos países da

286
Epidemiologia da desnutrição infantil

América Latina compilados pelo mesmo banco de dados, estariam no grupo de baixa prevalência de déficits
ponderais Venezuela (6,2%, em 2000) e Colômbia (6,7%, em 2000); no grupo de prevalências moderadas
estariam Equador (14,3%, em 1998) e Haiti (17,2%, em 2000). Nenhum dos países latino-americanos,
com dados recentes, apresentou déficits ponderais superiores a 20% da população de menores de 5 anos
(WHO, 2006).

Figura 3 – Evolução da prevalência (%) de déficits de peso-para-idade na população de crianças com


menos de 5 anos de idade segundo quintos da renda familiar per capita ou do número de bens no domicílio.
Brasil, períodos 1974-1975, 1989, 1996 e 2002-2003

*
Prevalências ajustadas para corrigir a imprecisão na mensuração e registro de peso.
Fontes: IBGE. Endef 1974-1975; Inan. PNSN 1989; Bemfam. PNDS 1996; IBGE/Diretoria de Pesquisas/Coordenação de
Trabalho e Rendimento. POF 2002-2003.

Tendências nas estimativas de retardo no crescimento infantil foram analisadas com base em informa-
ções obtidas em 241 estudos, com representatividade nacional, incluídos na base de dados da OMS. Análise
multinível estimando as tendências no déficit de estatura-para-idade de países em desenvolvimento, no
período de 1980 a 2005, mostra um declínio de 47% em 1980 para 33% em 2000 em todos os países. Ao
passo que houve aumento em países do leste africano, reduções foram observadas nos países em desenvolvi-
mento do continente asiático, América do Sul, Caribe e norte da África. Poucas diferenças foram observadas
entre países da América Central e do oeste da África. Apesar do decréscimo nas prevalências globais dos
países em desenvolvimento, a desnutrição permanece como importante problema de saúde pública nesses
países (De Onis, Frongillo & Blossner, 2000). Estimativas das prevalências por regiões são apresentadas na
Figura 4.

287
Epidemiologia Nutricional

Figura 4 – Estimativa da prevalência de déficit de estatura-para-idade, por regiões depaíses em desen-


volvimento, no período de 1980 a 2005

Fonte: De Onis, Frongillo & Blossner (2000).

Outra análise, agora utilizando o índice peso-para-idade e calculando a prevalência global de desnutrição
infantil de 1990 a 2015 (Figura 5), estima declínio de 36% para o período (De Onis et al., 2004). Da mesma
forma que para o déficit de estatura-para-idade, diferenças podem ser observadas entre as regiões. Ao passo que
reduções nas estimativas das prevalências estão sendo observadas em países da Ásia, aumentos estão sendo estima-
dos em países da África. Na população mundial de crianças menores de 5 anos, espera-se uma redução de cerca de
cinqüenta milhões de casos de desnutrição no período de 1990 a 2015, representando uma diminuição em torno
de 34%, que seria menor do que a redução pela metade, estabelecida como meta para o desenvolvimento do
milênio, de acordo com proposta das Nações Unidas.
Essa meta poderia ser alcançada na maioria dos países, exceção feita a algumas regiões da África, onde se
espera um aumento substancial nos casos de desnutrição em crianças (um aumento relativo dessas prevalências
seria em torno de 12%). Resultados dessas análises são apresentados na Figura 5. A redução observada em todos
os países em desenvolvimento é de 36%, na América Latina e Caribe é superior àquela proposta para as Metas do
Milênio (61%) e nos países em desenvolvimento da Ásia, um pouco inferior (47%).
Dados de prevalência de desnutrição no mundo mostram que, ao contrário da percepção popular, a maio-
ria das crianças com déficit de peso-para-estatura não vive na África. No entanto, em alguns países com elevadas
proporções de mulheres e crianças contaminadas por HIV, um aumento na ocorrência desse déficit nutricional
em regiões da África, seja como efeito direto da doença ou pelo impacto indireto da segurança alimentar e da
atenção à criança, poderá ser observado. A maioria das crianças com déficit de peso-para-estatura vive na Ásia. Na
Índia, Paquistão e Bangladesh são identificadas cerca de 5,5 milhões de crianças com déficit de peso-para-
estatura, representando 78% desse déficit nutricional na população mundial de crianças menores de 5 anos
(Gross & Webb, 2006).

288
Epidemiologia da desnutrição infantil

Figura 5 - Estimativa da prevalência de déficit de peso-para-idade por regiões de países em desenvolvi-


mento, em 1990 e 2015

Fonte: De Onis et al. (2004).

Principais Determinantes
Os resultados dos estudos analisados, especialmente aqueles de abrangência nacional, ilustram a complexi-
dade da determinação do estado nutricional infantil e estabelecem como principais fatores para explicar as dife-
renças entre os países – ou, internamente, entre as regiões de cada país – a área de localização do domicílio
(urbana ou rural) e o estrato socioeconômico no qual a criança está inserida. Subjacentes a esses fatores, obser-
vam-se o nível de desenvolvimento do país, a distribuição interna da riqueza, a estabilidade política, as priorida-
des nos gastos públicos, além de outras condições ambientais e culturais de cada região ou país. Entre os fatores
biológicos que influenciam a desnutrição, os determinantes mais próximos são o consumo inadequado de ali-
mentos e a presença de doenças infecciosas.
A ocorrência de desnutrição tem sido explicada em função de alguns mecanismos fisiológicos que são
apresentados no Quadro 1.

Quadro 1 – Mecanismos fisiológicos relacionados com a desnutrição


C a u sa Efeito
Fome/anorexia ↓ consumo energético

Doença infecciosa/síndrome de má absorção/deficiência enzimática ↓ absorção de nutrientes

Uso de medicamentos/presença de morbidade ↓ utilização de nutrientes

Processo fisiológico (gravidez/lactação) ou patológico (febre) ↑ necessidades energéticas

Queimadura/lesão/presença de outra morbidade ↑ perda de nutrientes

No sentido fisiológico, esses cinco mecanismos explicam como o balanço energético pode se tornar
negativo. Entretanto, o que pode também ser constatado é que os principais fatores envolvidos nesse balanço
energético negativo estão relacionados a fatores socioeconômicos, culturais, ambientais ou biológicos, que,
por sua vez, determinam o consumo energético inadequado ou a presença de doenças que são consideradas
as causas proximais da ocorrência da fome/desnutrição.

289
Epidemiologia Nutricional

A complexidade e a natureza dos fatores envolvidos na determinação do déficit nutricional requerem


que se leve em conta na análise a cadeia causal dos determinantes do estado nutricional e o tempo decorrido
entre a exposição a cada fator e a desnutrição. Assim, estimadores estatísticos que explicitem a hierarquia das
causas e organizem a precedência da exposição a cada fator passam a ser ferramentas importantes nas análises
da determinação do estado nutricional e nas recomendações de políticas públicas que se façam a partir delas.
Desnutrição é, freqüentemente, parte de um ciclo vicioso que inclui pobreza e doença, sendo cada um
destes três componentes inter-relacionados e contribuintes da ocorrência e persistência do outro. Para romper
esse ciclo, são necessárias, além das intervenções específicas na área de nutrição e saúde, mudanças sociais, políticas
e econômicas que atuem sobre os determinantes mais distais da desnutrição.
Os determinantes distais não agem diretamente sobre os déficits antropométricos, e sim por meio de
fatores intermediários ou proximais, que podem estar agindo por diferentes cadeias de determinação da desnutri-
ção. Por exemplo, a pobreza e o desemprego são considerados como causas distais que, por sua vez, agem sobre a
disponibilidade de alimentos no domicílio ou o acesso a serviços de saúde, considerados determinantes interme-
diários e com atuação sobre as causas proximais, como o consumo inadequado de nutrientes e a ocorrência de
doenças infecciosas.
Em relação às causas proximais, deve-se ressaltar que pode haver consumo deficiente de energia, proteína
ou de micronutrientes e que as doenças infecciosas, por sua vez, podem levar à desnutrição por meio dos distintos
mecanismos fisiológicos supracitados, seja por redução do apetite e diminuição no consumo alimentar, seja por
aumento das necessidades energéticas ocasionado pelo catabolismo de nutrientes durante um processo infeccioso.
Assim como as conseqüências das doenças infecciosas sobre a desnutrição estão bem estabelecidas (Victora
et al., 1990; Keusch, 2003), a influência dos déficits nutricionais sobre a ocorrência dessas doenças também tem
sido descrita, demonstrando o ciclo vicioso entre desnutrição e infecção (Victora et al., 1994, 1999).
O início da desnutrição geralmente ocorre em torno do sexto mês de vida da criança, quando a transição de
alimentos complementares pode ser inadequada em qualidade e quantidade e também quando ocorre maior
freqüência de exposição a doenças infecciosas (Giugliani & Victora, 2000). Entretanto, a população idosa, prin-
cipalmente em regiões menos desenvolvidas, também pode ser considerada um grupo de risco para a desnutrição
(SCN, 1997b). Sendo assim, em qualquer grupo etário, a ocorrência da desnutrição pode estar relacionada a
fatores biológicos, sociais, econômicos e culturais que, por sua vez, podem estar envolvidos em qualquer um dos
mecanismos de determinação.

Conseqüências da Desnutrição
A fome e a desnutrição são reconhecidas como as principais causas de mortalidade por doenças infecciosas
em crianças menores de 5 anos. Mais da metade das mortes por pneumonia, diarréia, sarampo, malária ou HIV/
Aids tem a desnutrição como causa básica, sendo esta, portanto, considerada responsável por mais da metade de
10,5 milhões de mortes previsíveis em crianças menores de 5 anos de idade que ocorrem a cada ano, em países
menos desenvolvidos (Jones et al., 2003).
A relação entre desnutrição e mortalidade mostra que mais de cinco milhões de crianças menores de 5 anos
de países em desenvolvimento morrem a cada ano como conseqüência direta ou indireta da desnutrição. Desse
total, cerca de 40% das mortes ocorrem na Índia (Gross & Webb, 2006). Dados obtidos de dez estudos de coorte
mostram um aumento significativo no risco de morrer associado ao déficit de peso-para-idade. Esse risco aumenta-
do ocorreu para mortalidade por todas as causas, como também por diarréia, pneumonia, malária ou sarampo. Do
total, 53% de todas as mortes em crianças foram consideradas conseqüências da desnutrição (Caulfield et al., 2004).
Além das conseqüências da desnutrição sobre a mortalidade, verifica-se que a maioria das crianças desnu-
tridas menores de cinco anos que vivem em países menos desenvolvidos tem seu desenvolvimento motor, cognitivo

290
Epidemiologia da desnutrição infantil

e socioemocional afetado. Os primeiros anos de vida da criança são especialmente importantes, pois nessa fase a
maior parte do desenvolvimento em todos os domínios está ocorrendo, o cérebro está se desenvolvendo rapida-
mente e pequenas alterações durante esse processo podem levar a grandes conseqüências estruturais e funcionais
de sua capacidade. Embora poucos dados nacionais estejam disponíveis sobre o desenvolvimento de crianças
menores de 5 anos de regiões menos desenvolvidas, estima-se que 200 milhões não têm sua capacidade funcional
completamente desenvolvida. Embora o maior número dessas crianças viva no sul da Ásia, maiores proporções
estão vivendo em algumas regiões da África (Grantham-McGregor et al., 2007).
A influência da desnutrição sobre a função cognitiva na vida adulta também tem sido estudada e, embora a
desnutrição seja associada com o desenvolvimento emocional e comportamental da criança, sua repercussão sobre o
desenvolvimento a longo prazo ainda não foi completamente estabelecida (Caulfield, Richard & Rivera, 2006).
Déficit de crescimento na infância também está relacionado com baixa estatura na vida adulta (Gigante et
al., 2006). Algumas evidências mostram que o déficit nutricional está relacionado com a produtividade no
trabalho (Martorell, 1996), a função cognitiva e a capacidade reprodutiva (Haas et al., 1996), e sua associação
com mortalidade é consistente com os efeitos da situação nutricional precoce sobre a morbidade e a mortalidade
na vida adulta. Conseqüências da desnutrição, desde o período intra-uterino, sobre as condições adversas na vida
adulta têm sido bastante estudadas (Barker, 2004) e estão abordadas no capítulo 32, “Efeitos a longo prazo da
nutrição na infância”.
Uma recente revisão de estudos longitudinais em países em desenvolvimento sugere que as crianças não
estão atingindo seu completo potencial de desenvolvimento, com conseqüências no desempenho escolar e na
transferência da pobreza para as próximas gerações. Estima-se que a perda de potencial humano seja associada
com mais de 20% no déficit de renda, com implicação para o desenvolvimento desses países (Grantham-McGregor
et al., 2007), sendo o déficit de crescimento linear um dos quatro fatores identificados como principal causa dessa
menor capacidade do desenvolvimento humano (Walker et al., 2007).
Finalmente, três principais rotas de perpetuação do ciclo da pobreza como conseqüência da desnutrição
têm sido propostas. As duas primeiras, já comentadas anteriormente, estariam relacionadas a perdas diretas ou
indiretas na produtividade do trabalho e do desempenho escolar por diminuição da capacidade física e da função
cognitiva. Essas duas rotas refletem um custo econômico que pode ser constatado por meio de estudos que
mostraram um aumento na renda em torno de 10% para cada ano de escolaridade (Vazir, Naidu & Vidyasagar,
1998; Drewett et al., 2001), ao passo que a terceira rota de perpetuação do ciclo da pobreza está relacionada a
perdas econômicas como conseqüência de gastos com saúde e um custo direto da fome/desnutrição tem sido
estimado entre vinte e trinta bilhões de dólares por ano em todo o mundo (SCN, 1997a).

Prevenção da Desnutrição
Há 146 milhões de crianças desnutridas menores de 5 anos de idade vivendo em países em desenvolvimento
(Editorial Global childhood malnutrition. Lancet, 367(9.521): 145, 2006). Considerando as metas para o desenvol-
vimento do milênio estabelecidas pelas Nações Unidas, diversos organismos internacionais vêm trabalhando em
iniciativas de combate à fome/desnutrição no intuito de reduzir pela metade, até 2015, a proporção de indivíduos
que sofrem pela fome. A redução na proporção de crianças menores de 5 com déficit de peso-para-idade é um dos
principais indicadores para o alcance dessa meta. Além dessa, o sucesso no alcance de outras metas estabelecidas no
desenvolvimento do milênio, como educação primária universal, redução da mortalidade infantil, melhora da saúde
materna e combate à malária, HIV/Aids são dependentes da meta de fim da fome/desnutrição. Por exemplo, em
relação à quarta meta do desenvolvimento do milênio, que se refere à redução de 2/3 na mortalidade de crianças
menores de 5 anos, sabe-se que cerca de 5 a 6 milhões de mortes poderiam ser evitadas com a prevenção da
desnutrição.

291
Epidemiologia Nutricional

Diferentes estratégias têm sido utilizadas em programas de abrangência nacional de combate e preven-
ção da desnutrição em vários países em desenvolvimento. A maioria dos esforços tem focado a prevenção de
doenças infecciosas que estão relacionadas com a redução do apetite, o aumento das necessidades energéticas
e a perda de nutrientes (Caulfield, Richard & Rivera, 2006), mesmo que haja evidências indicando a
necessidade de uma intervenção mais efetiva com a melhoria das práticas alimentares (Becker, Black &
Brown, 1991). Uma revisão sistemática mais recente evidencia a influência do apoio dos profissionais da
saúde sobre a duração do aleitamento materno (Sikorski et al., 2003), sugerindo que intervenções podem ser
efetivas em prolongar a duração do aleitamento materno, o que levaria a uma redução em torno de 13% na
proporção de todas as mortes em crianças menores de 5 anos (Jones et al., 2003). Intervenções nutricionais
na prevenção da desnutrição são abordadas no capítulo 15, “Intervenções nutricionais na infância”.
Ao mesmo tempo, outras intervenções também podem ser efetivas na prevenção e controle de doenças
infecciosas e, conseqüentemente, sobre a desnutrição. A utilização de mosquiteiros com inseticida tem sido
efetiva na diminuição da prevalência de anemia e na melhora no crescimento em regiões de elevada prevalência de
malária (Lengeler, 2004). A prevenção de doença diarréica por meio de intervenções de programas de promoção
de higiene em larga escala tem sido efetiva e levado à diminuição da desnutrição infantil (Checkley et al., 2004;
Borghi et al., 2002).
Finalmente, no que se refere à prevenção da desnutrição, há evidências de que medidas efetivas de interven-
ções nutricionais ou de controle de doenças infecciosas foram capazes de reduzir a proporção de crianças desnu-
tridas em diferentes regiões e países. Em contrapartida, o alcance da primeira meta de desenvolvimento do
milênio – redução pela metade na proporção de desnutridos, até 2015 – tem sido discutido (Editorial Global
childhood malnutrition. Lancet, 367(9.521): 145, 2006), e uma nova estratégia que posiciona a questão da
sobrevivência infantil no topo da lista de prioridades está sendo proposta para o período de 2006 a 2015 (Bryce
et al., 2006).

Considerações Finais
Embora o termo desnutrição possa referir-se a diferentes processos, tem sido mais frequentemente utiliza-
do para descrever déficits nutricionais. Neste capítulo, as prevalências de desnutrição foram apresentadas para os
três índices: peso-para-estatura, peso-para-idade e estatura-para-idade, sendo que cada um deles descreve um
processo diferente.
As prevalências dos déficits nutricionais estão diminuindo no Brasil e no mundo; entretanto, alguns grupos
populacionais, especialmente crianças menores de 5 anos e de regiões menos desenvolvidas, ainda são atingidos
pela desnutrição em níveis alarmantes.
A inter-relação entre nutrição, infecção e pobreza pode ser considerada como o principal fator determinante
da ocorrência de desnutrição, que, por sua vez, é uma conseqüência de fatores sociais, econômicos, políticos,
culturais e biológicos, os quais, segundo um modelo hierárquico de determinação causal, atuam como determinantes
distais, intermediários ou proximais. Ao mesmo tempo, as doenças infecciosas e suas influências sobre a capaci-
dade de trabalho e a mortalidade podem ser consideradas como as principais conseqüências da desnutrição,
interferindo no desenvolvimento de indivíduos e populações.
Finalmente, a prevenção da desnutrição em grupos e populações específicas deve abranger desde interven-
ções até mudanças políticas, sociais e econômicas, com o envolvimento permanente de todos os países e dos
organismos internacionais, e não apenas em situações emergenciais.

292
Epidemiologia da desnutrição infantil

Notas
1
Como observado no capítulo 2, em populações que não sofram agravos nutricionais a freqüência de crianças com baixo peso é inferior
a 2,3%.
2
Os inquéritos Estudo Nacional de Despesas Familiares (Endef ), realizados em 1974-1975, estudaram 53.311 domicílios em todo o
país; a Pesquisa Nacional Saúde e Nutrição (PNSN), realizada em 1989, estudou 14.458 domicílios em todo o país; a Pesquisa Nacional
Demografia e Saúde (PNDS), realizada em 1996, estudou 3.629 domicílios em todo o país; a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF),
realizada em 2002-2003, estudou 48.568 domicílios em todo o país. A POF foi a primeira pesquisa a cobrir todas as áreas em todas as
grandes regiões geográficas.

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295
17
Epidemiologia da Anemia Ferropriva

Pedro Israel Cabral de Lira e Luiz Oscar Cardoso Ferreira

A epidemiologia da anemia ferropriva, por definição, deve tratar dos determinantes da distribuição
deste agravo nutricional causado pela deficiência de ferro no organismo humano, que afeta, sobretudo, o desem-
penho de uma das funções mais nobres do sangue, o transporte de oxigênio. Conhecer os determinantes da
distribuição da anemia ferropriva significa descrever e explicar o que é anemia ferropriva, quantos e quem são os
atingidos pelo agravo nutricional, assim como saber onde, quando, como e por que grupos populacionais são
afetados pela doença, com a finalidade de contribuir para o enfrentamento do problema.
Em 1990, por iniciativa das Nações Unidas, à frente o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef )
e a Organização Mundial da Saúde (OMS), reuniram-se em Nova York representantes de oitenta países durante
o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança com a finalidade de elaborar um plano de ação para ser implementado
durante a última década do século XX, visando a melhorar a saúde de crianças e mães, combater a desnutrição, o
analfabetismo e erradicar as doenças que matavam milhões de crianças a cada ano. “A redução de um terço nos
níveis de anemia das mulheres com relação a 1990” (Unicef, 1990) foi uma das metas estabelecidas naquele
encontro, demonstrando a gravidade da situação epidemiológica da deficiência e o compromisso inadiável dos
governos e organismos internacionais com o enfrentamento do problema.
Este capítulo trata, portanto, do entendimento da anemia ferropriva, abordando suas causas, conseqüências e
o modo de enfrentar o problema mediante o olhar epidemiológico, como um instrumento básico da saúde
coletiva, enfocando primordialmente o cenário brasileiro.

Histórico
Consta da mitologia grega que Íficlo foi curado de impotência e de infertilidade com uma beberagem feita
com a casca de um carvalho no qual havia sido cravada uma faca (Guimarães, 1995). Os médicos da antiga
Grécia administravam água potável ou vinho, em que uma espada havia sido enferrujada, para tratar pacientes
com palidez acentuada, com o propósito de passar o vigor do ferro ao doente, pois acreditavam que Marte, o deus
da guerra, havia imbuído o metal de forças superiores (Hillman, 1991).
Nos meados do século XVII, mulheres jovens que apresentavam respiração difícil, palidez, palpitação,
queixas gastrintestinais e perversão do apetite eram consideradas portadoras de clorose, um arcaico termo usado
para definir a deficiência de ferro. Thomas Sydenham (médico inglês, considerado o Hipócrates do Ocidente)

297
Epidemiologia Nutricional

prescrevia, na segunda metade do século XVII, limalhas de ferro banhadas em vinho para tratar moças cloróticas,
iniciando assim a história biológica do ferro (Hillman, 1991).
Em 1932, Födisch observou que a quantidade de eritrócitos dos cloróticos estava diminuída, e dez anos
depois Andral e colaboradores notaram que a terapêutica com ferro provocava um aumento no número de
hemácias, estabelecendo-se os primórdios científicos da anemia ferropriva e de seu tratamento. Exatamente cem
anos antes de Födisch, o médico francês Pierre Blaud desenvolvera uma pílula que consistia de partes iguais de
sulfato ferroso e carbonato de potássio para enfrentar a clorose (Hillman, 1991).
Ainda no século XVIII, Menghini observou que pó de sangue podia ser atraído por um corpo imantado, e
em 1916 Williamsom desenvolveu um método espectométrico para mensurar a concentração de hemoglobina
em escala populacional, inclusive em crianças (Dallman, 1989).
No despontar do século XX, aprofundam-se os estudos sobre o metabolismo do ferro, e nos anos 40 Hahn
e colaboradores, mediante estudos com isótopos radioativos do ferro, descrevem um fenômeno de supressão de
absorção do mineral em cães (Hahn et al., 1943). Na década de 1980, o fenômeno do bloqueio da mucosa é
confirmado em seres humanos.
As implicações entre a deficiência de ferro e respostas a estímulos na área cognitiva passam a ser objeto
crescente de interesse da investigação científica na década de 1970, com os trabalhos pioneiros de Oski e Honig
(1978), estabelecendo-se a partir daí a associação entre a deficiência do mineral e o desenvolvimento cognitivo.
Estudos desenvolvidos nas duas últimas décadas, tendo como subsídio biológico a teoria do bloqueio e
mediante evidências empíricas, têm apontado para uma nova possibilidade terapêutica que utilize os sais de ferro
em esquemas intermitentes, mediante aplicações de uma a duas vezes por semana (Batista Filho & Ferreira, 1996;
Viteri, 1997; WHO, 2001).

Conceito e Definições (pontos de corte para a classificação)


A situação do ferro nos organismos oscila em um continuum de deficiência com ou sem anemia, para uma
condição de ferro normal com variações no estoque e, finalmente, uma situação de excesso do mineral.
A deficiência de ferro é reconhecida como uma condição na qual não há ferro mobilizável nos estoques e há
sinais de comprometimento da oferta de ferro aos tecidos, incluindo os eritrócitos, e é o resultado de um
desequilíbrio entre a oferta, a utilização e as perdas do mineral. O estágio mais grave da deficiência de ferro está
associado com a anemia. A anemia por deficiência de ferro pode ser considerada um subconjunto da deficiência
de ferro e representa o extremo inferior da distribuição (gaussiana) do mineral (Wintrobe, Lukens & Lee, 1993).
Em escala populacional, define-se anemia como o estado em que a concentração de hemoglobina no
sangue está abaixo de um nível considerado ótimo. A anemia está presente (em um indivíduo) quando a concen-
tração de hemoglobina está abaixo de dois desvios-padrão da média de uma distribuição de uma população de
referência, com a mesma idade, sexo, condição de gravidez e vivendo na mesma altitude (WHO, 2001). Fatores
como etnia e hábito de fumar influenciam os valores da concentração de hemoglobina. A Tabela 1 apresenta a
concentração de hemoglobina abaixo da qual a anemia está presente.

298
Epidemiologia da anemia ferropriva

Tabela 1 – Valores de concentração de hemoglobina no sangue e de hematócrito abaixo dos quais a anemia
está presente de acordo com sexo, idade e condição de gravidez, no nível do mar
Grupos populacionais Hemoglobina (g/L) Hematócrito (%)
Crianças de 6 a 59 meses 110 33

Crianças de 5 a 11 anos 115 34

Crianças de 12 a 14 anos 120 36

Mulheres não-grávidas com 15 ou mais anos 120 36

Mulheres grávidas 110 33

Homens com 15 ou mais anos 130 39

Fonte: WHO (2001).

Em uma população saudável, espera-se que 2,5% das pessoas estejam abaixo do ponto de corte. Segundo a
OMS (WHO, 2001), a anemia por deficiência de ferro é um problema de saúde pública quando a prevalência da
concentração de hemoglobina abaixo do ponto de corte está acima de 5% (Tabela 2).

Tabela 2 – Categorias de significância de anemia em âmbito populacional de acordo com a prevalência


definida por pontos de corte de concentração de hemoglobina no sangue*

Categorias de significância em saúde pública Prevalência (%)


Normal < 5 ,0

Leve 5,0-19,9
Moderada 20,0-39,9

Grave ≥ 4 0 ,0

* De acordo com pontos de corte conforme a Tabela 1.


Fonte: WHO (2001).

Do ponto de vista etiológico, as anemias podem ser atribuídas à perda de sangue, à destruição excessiva de
células vermelhas ou à deficiência na sua produção. Nessa classificação, a anemia por deficiência de ferro e as
demais anemias carenciais (por deficiência de vitamina B12 e ácido fólico) estão incluídas nas anemias por deficiência
de produção, ao passo que as talassemias e a anemia falciforme estão enquadradas nas anemias por destruição de
células vermelhas (Wintrobe, Lukens & Lee, 1993).
A classificação que leva em consideração os aspectos morfológicos da célula vermelha define as anemias como
microcíticas, normocíticas e macrocíticas. Quanto à concentração de hemoglobina na hemácia, as anemias são
divididas em hipocrômicas e normocrômicas. A anemia por deficiência de ferro é, por definição, hipocrômica e
microcítica (Wintrobe, Lukens & Lee, 1993).

Metabolismo do Ferro
O ferro é o quarto elemento químico mais abundante da Terra, e representa cerca de 4,7% de sua crosta,
estando presente como componente essencial em todos os organismo vivos do planeta (exceto algumas espécies
de Lactobacillus). Devido a sua fartura e ao poder de catalisar reações que produzem radicais livres que prejudi-

299
Epidemiologia Nutricional

cam as membranas celulares, proteínas e DNA, sua absorção é complexamente bem controlada (Dallman, 1989;
Beard, Dawson & Pinero, 1996).
Nos seres humanos a quantidade de ferro é menor que o peso de uma moeda de cinco centavos, cerca de
3,5 g em homens e 2,5 g em mulheres. Esse montante de ferro está biologicamente em dois compartimentos:
ferro funcional presente na hemoglobina, mioglobina e enzimas, e ferro de estoque em forma de ferritina,
hemossiderina e transferrina. Cerca de 60 a 65% do ferro corporal estão na hemoglobina, 10% na mioglobina,
3% nas enzimas e o restante, 20 a 30%, presente nas duas proteínas de armazenamento. Portanto, a mensuração
da concentração de hemoglobina no sangue e da ferritina sérica refletem o conteúdo de cerca de 90% do ferro
corporal (Dallman, 1989; Beard, Dawson & Pinero, 1996).
O ferro está contido na dieta sob duas formas químicas: o ferro heme, presente em alimentos de origem
animal (carnes, peixes, aves, vísceras), proveniente da hemoglobina, mioglobina e heme-enzimas, que representa
cerca de 10% a 15% do mineral na dieta, e o ferro não-heme (85% a 90% do ferro da dieta), encontrado em
alimentos de origem animal (por exemplo, algumas enzimas não-heme) e vegetal, tais como feijões, vegetais de
folhas verde-escuras (Dallman, 1989; Beard, Dawson & Pinero, 1996).
A absorção do ferro envolve um complexo mecanismo de regulação desencadeado pelo teor de ferro da
dieta, pelas necessidades orgânicas do mineral e pelo conteúdo corporal do ferro. As necessidades variam de
acordo com condições fisiológicas, tais como: crescimento acelerado, gravidez e lactação e situações patológicas
como hipoxia, perdas sangüíneas, destruição de eritrócitos por doenças genéticas (hemoglobinopatias) ou adqui-
ridas (doenças parasitárias e intoxicações), e ainda hábitos de vida (fumo) e a altitude da localidade. Em regra, a
absorção de ferro é inversamente proporcional à quantidade de ferro estocada, e a homeostase protege o organis-
mo contra o excesso e a deficiência de ferro (Dallman, 1989; Wintrobe, Lukens & Lee, 1993; Beard, Dawson &
Pinero, 1996).
Diferentemente do que ocorre com outros minerais, o organismo humano não tem mecanismo de excreção
de ferro. As perdas fisiológicas ocorrem pelas fezes, pelo suor e pela descamação de células, e representam cerca de
0,1% do ferro estocado e menos ainda do ferro corporal, cuja perda é de, em média, 1 mg de ferro por dia (0,6 a
1,6 mg/dia); sua regulação é realizada apenas pela absorção, que ocorre nas células do intestino delgado (duodeno
e jejuno). O complexo mecanismo de absorção do ferro efetuado dentro dos enterócitos, apesar de muito estuda-
do, é pouco conhecido e motivo de controvérsias (Dallman, 1989).
Em torno de 90% das necessidades do ferro orgânico em uma pessoa adulta são obtidos pela reutilização
do mineral, em especial pelo reaproveitamento do ferro oriundo da hemocaterese das células vermelhas. Os 10%
complementares são obtidos por meio dos alimentos. A dieta ocidental balanceada proporciona cerca de 6 mg de
ferro heme e não-heme por 1.000 calorias (Dallman, 1989; Beard, Dawson & Pinero, 1996).
A absorção do ferro heme é facilitada apenas pela presença de alimentos de origem animal e dificultada pela
ação do cálcio (Beard, Dawson & Pinero, 1996). A absorção do ferro não-heme depende da solubilidade do
mineral (que é aumentada pelos ácidos da secreção gástrica e reduzida pela acloridia e por antiácidos presentes no
estômago) e da presença de substâncias inibidoras e facilitadoras presentes na composição da dieta. Alimentos
contendo fitatos (cereais, farelos, farinhas) e polifenóis (chás e cafés) e ricos em cálcio (leite e derivados) dificul-
tam a absorção do mineral, ao passo que carnes, peixes, aves, o ácido ascórbico (vitamina C) e a vitamina A
facilitam a absorção do ferro não-heme (Dallman, 1989; Beard, Dawson & Pinero, 1996; Lynch, 1997).
As necessidades de ferro para os seres humanos variam de acordo com o grupo biológico e a presença de
doenças, e a ingestão de ferro para cobrir as necessidades depende da biodisponibilidade do ferro da dieta. Na
Tabela 3 mostram-se as necessidades biológicas diárias de ferro e a quantidade recomendada de ferro a ser ingerida,
considerando uma dieta com biodisponibilidade intermediária deste mineral (WHO, 2001).

300
Epidemiologia da anemia ferropriva

Tabela 3 – Necessidades biológicas e recomendações diárias de ferro, de acordo com grupos biológicos
Grupos Idade (anos) Necessidadesa Recomendaçõesb
(mg/dia) (mg/dia)
0,5-1 0 ,7 2 7 ,7
1-3 0 ,4 6 4 ,8
Crianças
4-6 0 ,5 0 5 ,3
7-10 0 ,7 1 7 ,4

11-14 1 ,1 7 1 2 ,2
Homens 15-17 1 ,5 0 1 5 ,7
18 e + 1 ,0 5 1 1 ,4

11-14 c
1 ,2 0 1 1 ,7
11-14 1 ,6 8 2 7 ,7
15-17 1 ,6 2 2 5 ,8
Mulheres
18 e + 1 ,4 6 2 4 ,5
Pós-menopausa 0 ,8 7 9 ,4
Nutriz 1 ,1 5 1 2 ,5

a - Mediana de necessidade total de ferro, incluindo necessidades para crescimento,


perdas basais e menstruais.
b - Recomendações de ingestão de ferro para cobrir os requerimentos de 97,5% (média + 2 desvios-padrão) de uma popula-
ção, considerando uma dieta com biodisponibilidade intermediária de ferro (12%).
c - Mulheres não menstruantes.
Fonte: WHO (2001).

Indicadores (diagnóstico populacional)


Neste item serão considerados apenas os meios laboratoriais para o diagnóstico da anemia em âmbito
populacional. Não serão abordados os métodos simplificados empregados mediante observação direta de pele e
mucosas, nem os meios de investigação para diagnóstico diferencial das anemias utilizado pela clínica médica,
tais como: dosagem do ferro sérico, capacidade total de ligação do ferro, saturação de transferrina e biópsia de
medula óssea. A seguir, são abordadas a dosagem da concentração de hemoglobina no sangue e a dosagem da
ferritina sérica, que juntas detectam cerca de 90% do ferro corporal.
O hemograma completo é o exame de sangue mais utilizado na clínica em todo o mundo, independente-
mente da especialidade médica. A dosagem de hemoglobina, por outro lado, é o exame mais utilizado para o
diagnóstico das anemias em escala populacional e é, inclusive, utilizado para definição de anemia. Portanto, por
razões conceituais e também de praticidade (atualmente, mediante aparelhos conhecidos como Hemocue, a
dosagem da concentração de hemoglobina pode ser efetuada no campo de forma direta e imediata) e de univer-
salidade, é o exame isolado que melhor se presta ao conhecimento das anemias na população. Apresenta, contu-
do, baixa especificidade, sendo impossível discriminar qual o tipo de anemia detectada, mas, como a anemia por
deficiência de ferro é a de maior prevalência, muitas vezes se considera a prevalência da anemia como uma ‘proxi’
da anemia ferropriva (exceto em localidades com elevada ocorrência de malária).

301
Epidemiologia Nutricional

Em localidades com dificuldades de realização da dosagem da concentração de hemoglobina, costuma-se


utilizar a determinação do hematócrito realizado por centrifugação. Esse exame apresenta as mesmas limitações
da dosagem da concentração de hemoglobina.
Como a dosagem sérica da ferritina se correlaciona com a quantidade dos depósitos tissulares de ferro, é,
portanto, um dos testes bioquímicos mais específicos para a avaliação do ferro corporal. Quando a dosagem da
ferritina está baixa, isso significa que há depleção de ferro, mas, em contrapartida, se a ferritina apresenta valores
normais ou elevados, isso não significa necessariamente estoques normais ou elevados, porque nos processos
inflamatórios e infecciosos agudos ou crônicos, inclusive em fases subclínicas, há um aumento na produção dessa
proteína. Assim, a ferritina não serve para avaliar com exatidão o esgotamento das reservas de ferro em cenários
em que a saúde da população é precária. Em condições normais, considera-se que há ferropenia quando os valores
estão abaixo de 15 µg/L, e, se há presença de infecção ou inflamação, consideram-se valores acima de 30 µg/L.
O risco de sobrecarga de ferro está presente quando a ferritina está acima de 150 µg/L (WHO, 2001).

Distribuição (tempo/lugar/pessoa)
Segundo a OMS, a anemia, em termos de magnitude, constitui na atualidade o principal problema carencial
em escala de saúde pública do mundo. Estima-se que mais de dois bilhões de pessoas sejam anêmicas, em diferen-
tes graus de intensidade, o que corresponde a aproximadamente um terço da população da Terra (WHO, 2001).
A deficiência de ferro, usualmente detectada pela baixa concentração de ferritina, tem sua prevalência
estimada em 2,0 a 2,5 vezes superior à prevalência de anemia, atingindo aproximadamente quatro bilhões da
população mundial. Em âmbito populacional, a maioria dos casos de anemia é decorrente da deficiência de ferro,
exceto nas regiões onde a malária é endêmica. Os dados sobre a prevalência da deficiência de ferro são escassos,
tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento (Allen & Gillespie, 2001).
A anemia nutricional, especialmente a ferropriva, acomete as populações de quase todos os países do mun-
do, embora os países mais pobres sejam os mais atingidos. De acordo com as estimativas da OMS, a prevalência
na África e Ásia é superior a 40%, nas Américas a 19% e na Europa a 10% (Delange & West, 2003).
Os grupos de risco são crianças e adolescentes, gestantes, mulheres em idade reprodutiva, idosos e indiví-
duos com dieta insuficiente em ferro quantitativa e qualitativamente. Nos países em desenvolvimento, as
prevalências de anemia nesses grupos são de, no mínimo, o dobro das encontradas nos países desenvolvidos. Para
os dois grupos mais vulneráveis, crianças e gestantes, estima-se uma prevalência de anemia de 20-25% nos países
desenvolvidos e de 40-60% nos países em desenvolvimento (WHO, 2001).
No Brasil, como no resto do mundo, os dados disponíveis sobre prevalência de anemia são oriundos de
pesquisas, em geral, com base populacional restrita, e em específicas situações de saúde/nutrição, faixa etária,
idade gestacional e métodos diagnósticos distintos, o que torna difícil a comparação entre os resultados. Entre-
tanto, observam-se, nos últimos anos, esforços no sentido de minimizar essas limitações, mediante estudos
epidemiológicos com amostras representativas e a introdução de métodos estatísticos multivariados que permi-
tem, inclusive, análises dos determinantes da anemia.
Outro aspecto positivo diz respeito ao incremento de pesquisas visando ao diagnóstico do problema nas
distintas regiões do país, realizadas em decorrência da constatação do aumento da prevalência da anemia em
crianças menores de 5 anos de idade, nas duas últimas décadas, observado no estado da Paraíba – de 19,3% para
36,4%, entre 1982 e 1992 (Dricot d’Ans et al., 1984; Oliveira et al., 2002) – e na cidade de São Paulo – de
35,6% para 46,9%, entre 1985-1986 e 1995-1996 (Monteiro & Szarfarc, 1987; Monteiro, Szarfarc & Mondini,
2000). A tendência temporal em ascensão, opondo-se, assim, ao paradigma da ‘transição epidemiológica e
nutricional’, contrasta com a redução das morbidades infecciosas e parasitárias, do baixo peso ao nascer e da

302
Epidemiologia da anemia ferropriva

desnutrição energético-proteíca em crianças, decorrente, em parte, do aumento da cobertura da assistência


materno-infantil, da melhoria do saneamento básico e da ampliação da cobertura dos programas sociais.
A III Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição de Pernambuco, realizada em 2006, encontrou uma prevalência
de anemia de 34% (Hb média = 11,4g/dL, DP=1,3) em menores de cinco anos de idade e de 16,7% (Hb média =
13,1g/dL, DP = 1,3) em mulheres em idade reprodutiva (Batista Filho et al., 2006), ao passo que a pesquisa
anterior, realizada em 1997, utilizando o mesmo marco amostral e as mesmas técnicas diagnósticas, detectou
uma prevalência de 46,7% (Hb média = 10,9g/dL, DP = 1,57) e 24,5% (Hb média = 13,0g/dL, DP = 1,6),
respectivamente (Ministério da Saúde, 1998). A consolidação e ampliação do Programa Saúde da Família e da
transferência de renda por intermédio do Bolsa Família, bem como a fortificação compulsória de farinhas de
trigo e milho com ferro e ácido fólico podem ser fatores que contribuíram para essa redução. Entretanto, é
necessária a observação desse fenômeno em outras áreas do país para consolidar a tendência observada.
Nas Tabelas 4, 5, 6 e 7 apresentam-se as prevalências de anemia em crianças menores de 6 anos e escolares,
nos últimos quarenta anos, por regiões do país. Apesar da grande variação observada, os estudos das duas últimas
décadas indicam uma prevalência de anemia em cerca de 2/3 dos lactentes, com valores mais elevados no primeiro
ano de vida, ao passo que para os pré-escolares observaram-se prevalências de 30-50%. Para a população de
crianças em idade escolar, os estudos são mais escassos e as prevalências oscilam entre 5 e 60%, com predominância
de valores em torno de 15-20%.

Tabela 4 – Prevalência de anemia em crianças menores de 6 anos no Nordeste do Brasil, de acordo com
estudos selecionados
Fonte Localidade Grupo etário Amostra N Anemia %
ICNND, 1965 a
6 estados NE <5a * 3 1 ,4
Martins et al., 1968a Zona da Mata, PE <5a 400 1 8 ,5
Batista Filho et al., 1982 a
Zona da Mata, PE <5a 59 1 4 ,3
Salzano, 1974 a
Interior, PE 6-60 m 310 4 7 ,0

Torres, 1982 a
Semi-Árido, PE/PB <6a 157 4 8 ,0
Dricot d'Ans et al., 1984 Paraíba 0-59 m * 1 9 ,3
Lira et al., 1985 Agreste, PE <6a 976 3 8 ,9
Salzano et al., 1985a Ser v. Saúde Recife, PE 6-60 m 1 .3 0 6 5 5 ,1
Benigna, 1987 a
Pernambuco 6-11m 780 2 2 ,3
Mariath et al., 1988a Pernambuco 1-4 a 573 4 1 ,9

Assis et al., 1990a Bahia <5a * 2 2 ,4


Romani et al., 1991 Ser v. Saúde Recife, PE 6-24 m 459 8 3 ,4
6-72 m 1 .1 6 1 5 4 ,5
Governo do PI/Unicef, 1992a P i au í 2-6 a 742 3 3 ,8
Assis et al., 1997 a
Semi-Árido, BA 1-72 m 745 2 2 ,2
Ministério da Saúde, 1998 Pernambuco 6-59 m 827 4 6 ,7
Perez et al., 1998a Creches Recife, PE < 36 m * 8 1 ,0

303
Epidemiologia Nutricional

Tabela 4 – Prevalência de anemia em crianças menores de 6 anos no Nordeste do Brasil, de acordo com
estudos selecionados (continuação)
Fonte Localidade Grupo etário Amostra N Anemia %
Soares et al., 2000 Fortaleza, CE < 24 m 110 6 0 ,0
Ferreira, Lira & Batista Filho, 2000 Nordeste 12 m 610 7 8 ,9
Osório et al., 2001 Pernambuco 6-23 m 777 6 1 ,8
Gov. do Estado, SE, 2001 a
Sergipe 6-59 m 720 3 1 ,4
Oliveira et al., 2002 Paraíba, PB 0-59 m 1 .2 8 7 3 6 ,4
Ferreira et al., 2003 Caruaru, PE 6-23 m 293 7 7 ,5
Ferreira et al., 2003 Creches Recife, PE <5a 145 9 0 ,3
Assis et al., 2004 Salvador, BA <5a 603 4 6 ,3
Assis et al., 2004 Ser v. Saúde Salvador, BA < 12 m 553 6 2 ,8
Lima et al., 2004 Zona da Mata, PE 12 m 245 7 3 ,5
Spinelli et al., 2005 2 municípios NE 6-12 m 296 6 5 ,9
Batista Filho et al., 2005 Semi-Árido, PB 6-59 m 502 3 7 ,1
Lira et al., 2005 Zona da Mata, PE 6-59 m 628 4 6 ,3
Leal & Osório, 2006 Ser v. Saúde Recife, PE 6-23 m 206 9 2 ,7
Car valho, Lima & Lira, 2006 Creches Recife, PE 6-20 m 335 9 1 ,9
Batista Filho et al., 2006 Pernambuco 6-59 m 1 .4 0 6 3 4 ,0

* Dados não disponíveis.


a - Publicações citadas em artigos de revisão e em compilações de pesquisas desenvolvidas no Brasil (Vannucci, Freitas &
Szarfarc, 1992; Devincenzi, Ribeiro & Sigulem, 1999; Santos, 2002).

Tabela 5 – Prevalência de anemia em crianças menores de 6 anos no Sudeste do Brasil, de acordo com
estudos selecionados
Fonte Localidade Grupo etário Amostra N Anemia %
Sigulem et al., 1978 a
São Paulo, SP 6-59 m 278 2 2 ,7
Sigulem et al., 1983 a
São Paulo, SP <2a * 3 5 ,0
Guerra et al., 1983a São Paulo, SP 6-18 m 182 7 2 ,0
<3a * 3 8 ,9
Tone et al., 1984 a
Pradópolis, SP 4-5 a 370 2 4 ,5
Monteiro & Szarfarc, 1987 São Paulo, SP <5a 902 3 5 ,6
Sichieri, 1987 a
São Paulo, SP <2a 307 5 7 ,0
2-5 a * 2 6 ,0
Araújo et al., 1987a Belo Horizonte, MG Pré-escolar 130 2 1 ,5
V. Jequitinhonha, MG
Urbano Pré-escolar 67 2 3 ,9
Rural Pré-escolar 52 3 4 ,6

304
Epidemiologia da anemia ferropriva

Tabela 5 – Prevalência de anemia em crianças menores de 6 anos no Sudeste do Brasil, de acordo com
estudos selecionados (continuação)
Fonte Localidade Grupo etário Amostra N Anemia %
Freitas, 1990 a
Ribeirão Preto, SP <2a * 5 8 ,2
6m-6 a 178 2 9 ,6
Rodrigues et al., 1997 a
Rio de Janeiro, RJ 12-18 m 288 5 0 ,0
Torres et al., 1994 a
Ser v. Saúde São Paulo, SP 6-23 m 2 .9 9 2 5 9 ,1
Torres et al., 1996 Angatuba, SP <4a 269 6 2 ,3
Lamounier et al., 2000 Carrancas, MG 6 m-6 a 400 4 7 ,2
Devincenzi, 1999 a
Favelas São Paulo, SP < 36 m * 6 3 ,1

Monteiro, Szarfarc & Mondini, 2000 São Paulo, SP 6-59 m 1 .2 5 6 4 6 ,9


Sigulem et al., 2001 Favelas São Paulo, SP < 24 m * 6 6 ,7
Ribeiro, 2001 Creches São Paulo, SP 13-14 m * 6 9 ,0
Almeida et al., 2001 a
Vitória, ES 6-72 m 760 2 8 ,6
Lacerda & Cunha, 2001 Ser v. Saúde R. Janeiro, RJ 12-18 m 288 5 0 ,0
Silva, Giugliani & Aerts, 2001 Viçosa, MG < 24 m * 6 5 ,0
Silva et al., 2002 Ser v. Saúde Viçosa, MG 6-12 m 204 6 0 ,8
Capanema, 2002 Belo Horizonte, MG 6 m-6 a 322 4 7 ,8
Miranda et al., 2003 Ser v. Saúde Viçosa, MG 12-60 m 171 6 3 ,2
Almeida et al., 2004 Creches Pontal, SP 12-72 m 192 6 2 ,5
Matta et al., 2005 Rio de Janeiro, RJ <5a 865 4 7 ,3
Spinelli et al., 2005 4 municípios Sudeste 6-12 m 1 .0 2 2 7 0 ,4
Bueno et al., 2006 20 creches São Paulo, SP 6-75 m 330 6 8 ,8

* Dados não disponíveis.


a - Publicações citadas em artigos de revisão e em compilações de pesquisas desenvolvidas no Brasil (Vannucci, Freitas &
Szarfarc, 1992; Devincenzi, Ribeiro & Sigulem, 1999; Santos, 2002).

Tabela 6 – Prevalência de anemia em crianças menores de 6 anos no Norte, Centro-Oeste e Sul do Brasil,
de acordo com estudos selecionados

Fonte Localidade Grupo etário Amostra N Anemia %

Norte
Shrimpton et al., 1977a Área ribeirinha Solimões/Negro Pré-escolar * 2 9 ,0
Amazonas Pré-escolar * 5 0 ,0
Manaus, AM Pré-escolar 243 6 0 ,5
2 municípios Norte 6-12 m 464 6 5 ,3
Terra indígena Suruí Rondônia/Mato Grosso 6-59 m 268 8 4 ,0
2 cidades Acre <6a 669 3 0 ,6

305
Epidemiologia Nutricional

Tabela 6 – Prevalência de anemia em crianças menores de 6 anos no Norte, Centro-Oeste e Sul do Brasil,
de acordo com estudos selecionados (continuação)
Fonte Localidade Grupo etário Amostra N Anemia %
Centro-Oeste
Schmitz, 1998 Brasília, DF 6 m-3 a 279 2 8 ,7
Brunken, Guimarães & Fisberg, 2002 Creches Cuiabá, MT <3a 271 6 3 ,1
Hadler, Juliano & Sigulem, 2002 Goiânia, GO 6-12 m 110 6 0 ,9
Spinelli et al., 2005 2 municípios GO 6-12 m 447 6 0 ,2
Su l
Turconi & Turconi, 1992 Bento Gonçalves, RS 0-24 m 336 4 9 ,1
25-71 m 224 2 9 ,9
Neuman et al., 2000 Criciúma, SC < 36 m 476 5 4 ,0
Silva, Giugliani & Aerts, 2001 Porto Alegre, RS < 36 m 557 4 7 ,8
Uchimura et al., 2003 Ser v. Saúde Maringá, PR < 12 m 587 5 8 ,0
Santos et al., 2004 Pastoral Pelotas, RS <6a 304 5 3 ,0
Kmetiuk, 2005 Creches Guarapava, PR <6a 156 4 2 ,9
Spinelli et al., 2005 2 municípios Sul 6-12 m 486 5 9 ,7

* Dados não disponíveis.


a - Publicações citadas em artigos de revisão e em compilações de pesquisas desenvolvidas no Brasil (Vannucci, Freitas &
Szarfarc, 1992; Devincenzi, Ribeiro & Sigulem, 1999; Santos, 2002).

Tabela 7 – Prevalência de anemia em escolares, por regiões do Brasil, de acordo com estudos selecionados
Fonte Localidade Grupo etário Amostra N Anemia %
Norte
Silva et al., 1980a Pará 6-14 a * 5 0 ,0
Nordeste
ICNND, 1965a 6 estados 6-16 a 60(M)/70(F) 36,7/32,9
Batista Filho et al., 1982 a Ferreiros, PE 5-14 a 370 1 8 ,6
Brejo Madre Deus, PE 5-14 a 248 3 9 ,1
Afogados de Ingazeira, PE 5-14 a 143 5 2 ,4
Água Preta, PE 5-14 a 130 1 7 ,7
Torres, 1982 a Semi-Árido, PE 6-10 a 134 6 0 ,4
Brito, 1982a Recife, PE 7-11 a 135(M)/170(F) 9,6/8,2
Silva, 1996a Recife, PE 6-12 a 233 3 7 ,8
Ferreira, 1998 a São Lourenço, PE 4-18 a 299 4 3 ,1
Ferreira, 1998 Zona da Mata, PE 6-11 a 130 7 0 ,7
Tsuyuoka et al., 1999a Aracaju, SE 4-24 a 360 2 6 ,7
4-8 a 108 3 5 ,4
Santana, 2001 Semi-Árido, PB 6-12 a 517 2 4 ,6
Santos et al., 2002a Maceió, AL 6-10 a 426 2 5 ,4
Pereira, Ferreira & Batista Filho, 2003 São João, PE 6-14 a 340 5 3 ,5
Brito et al., 2003 Jequié, BA 7-17 a 1 .7 0 9 3 2 ,2

306
Epidemiologia da anemia ferropriva

Tabela 7 – Prevalência de anemia em escolares, por regiões do Brasil, de acordo com estudos selecionados
(continuação)
Fonte Localidade Grupo etário Amostra N Anemia %
Centro-Oeste Cárceres, MT
Sanchez et al., 1988 a
6-14 a 1 .1 7 8 3 6 ,1

Sudeste
Szarfarc, 1972a Vale do Ribeira, SP 10 a 284 12,7-63,3
Ruiz et al., 1984a Viçosa, MG 7-14 a 985 7 ,3
Araújo et al., 1986 a
Belo Horizonte, MG Escolar 130 1 7 ,6
V. Jequitinhonha, MG
Pedrazzani, 1988a Urbano Escolar 90 2 0 ,0
Turconi, 1992 a
Rural Escolar 55 1 8 ,2
Norton et al., 1996 a
São Carlos, SP Escolar 254 9 ,6
Stefanini et al., 1998a Bento Gonçalves, RS 6-12 a 168 2 1 ,4
Stefanini, 1998a Rio Acima, MG 7-15 a 332 3 6 ,2
O sa sc o , S P 6-10 a 1 .0 3 3 5 1 ,0
Santos, SP Escolar 1a 396 2 7 .8
Escolar 5 a
207 1 1 ,3
Escolar 8 a
94 5 ,6

Su l
Onsten et al., 1988a Porto Alegre, RS 7-12 a 128 5 3 ,9
Uchimura, 1994 a
Maringá, PR Escolar 344 3 1 ,7

* Dados não disponíveis.


a - Publicações citadas em artigos de revisão e em compilações de pesquisas desenvolvidas no Brasil (Vannucci, Freitas &
Szarfarc, 1992; Devincenzi, Ribeiro & Sigulem, 1999; Santos, 2002).

No Brasil, os estudos da prevalência de anemia em gestantes, puérperas e mulheres em idade reprodutiva


são mais freqüentes nas regiões Nordeste e Sudeste (Tabela 8). Para as gestantes e puérperas, os valores oscilam
entre 30% e 50%, aumentando a prevalência com o avançar da gestação, e para as mulheres em idade reprodutiva
observam-se prevalências de anemia entre 20% a 40%. Esses resultados são sugestivos de que aproximadamente
1/3 dessas mulheres inicia a gravidez com algum grau de anemia.
Embora os estudos de base populacional em idosos sejam bastante escassos, a prevalência de anemia é
considerada elevada e não decorre, necessariamente, do processo biológico do envelhecimento (Daly, 2000).
Segundo estimativa da OMS, na população com mais de 60 anos a prevalência da anemia em países em desenvol-
vimento é de 40-50%, em contraste com os valores encontrados em países desenvolvidos, que oscilam entre 10%
e 15%, (WHO, 2001). No Brasil, os estudos são, em geral, restritos à clientela de serviços de saúde e a dados
registrados em laboratórios de análises clínicas. As prevalências encontradas são discrepantes, variando de 3,2%
em idosos atendidos em ambulatório geriátrico a 52% em internados em hospital público, ambos do município
de São Paulo (Marucci & Pinotti, 2006).

307
Epidemiologia Nutricional

Tabela 8 – Prevalência de anemia em mulheres em idade reprodutiva, gestantes e puérperas, por regiões do
Brasil, de acordo com estudos selecionados
Fonte Localidade Grupo etário Amostra Anemia %
Nordeste
Salzano et al., 1980a Ser v. Saúde PB Gestantes * 3 6 ,9
Ser v. Saúde PE Gestantes * 3 3 ,7
Batista Filho et al., 1982a Agreste, PE Gestantes 89 5 7 ,3
Batista Filho, 1987a Semi-Árido, PE/PB Mulheres >10 a 3 6 ,4
Arruda, 1990 a Ser v. Saúde Recife, PE Gestantes * 3 0 ,3
Gov. do PI/Unicef, 1992 a Parturientes * 3 8 ,1
Nogueira, 1997 P i au í Mulheres, 10-49 a 809 2 6 ,2
Arruda, 1997 a P i au í Gestantes-Adolescentes * 3 5 ,0
Ministério da Saúde, 1998 Ser v. Saúde Recife, PE Gestantes 1 .0 0 7 3 0 ,9
Lopes, Ferreira & Batista Filho, 1999 Pernambuco Mulheres, 10-49 a 1 .1 9 6 2 4 ,5
Nascimento, 2000 Recife, PE Mulheres 15-45 a 484 4 2 ,1
Souza et al., 2002 Pernambuco Adolescentes 559 2 1 ,6
Vasconcelos, 2004 Ser v. Saúde Recife, PE Gestantes 316 5 5 ,4
Sobral, CE Gestantes 1 trim.
o
421 2 5 ,9
Gestantes 3 trim.
o
253 4 1 ,9
Batista Filho et al., 2006 Pernambuco Mulheres, 10-49 a 1 .5 3 6 1 6 ,7

Sudeste
Szarfarc, Siqueira & Martins, 1983 São Paulo, SP Parturientes * 5 2 ,1
Gestantes * 3 5 ,1
Szarfarc, Siqueira & Martins, 1983 São Paulo, SP Gestantes 17a 507 3 7 ,3
Gestantes 18-19 a 706 3 6 ,1
Szarfarc, 1985 São Paulo, SP Gestantes 4 .5 3 9 3 5 ,1
Guerra et al., 1990 São Paulo, SP Gestantes 1 trim.
o
( 363) 3 ,6
Gestantes 2 trim.
o
2 0 ,9
Rodriguez, Szarfarc & Benicio, 1991 Gestantes 3 trim.
o
3 2 ,1
Fujimori, Szarfarc & Oliveira, 1996 São Paulo, SP Gestantes 691 2 9 ,2
Fujimori et al., 2000 Taboão da Serra, SP Adolescentes 262 1 7 ,6
Rocha et al., 2005 Ser v. Saúde São Paulo, SP Gestantes 79 1 3 ,9
Ser v. Saúde Viçosa, MG Gestantes 168 2 1 ,4

Su l
Olinto et al., 2003 Pelotas, RS Mulheres, 20-49 a 137 2 1 ,9
Fabian et al., 2007 São Leopoldo, RS Mulheres, 20-49 a 252 2 1 ,4

* Dados não disponíveis.


a - Publicações citadas em artigos de revisão e em compilações de pesquisas desenvolvidas no Brasil (Vannucci, Freitas &
Szarfarc, 1992; Devincenzi, Ribeiro & Sigulem, 1999; Santos, 2002).

308
Epidemiologia da anemia ferropriva

Fatores Determinantes
Ainda que a etiologia da deficiência do ferro esteja bem estabelecida em âmbito individual (desequilíbrio
entre a oferta, a demanda e as perdas), os fatores determinantes em escala populacional são múltiplos e envolvem
aspectos biológicos e demográficos, socioeconômicos e culturais que se expressam de forma diferenciada, depen-
dendo do contexto onde estão inseridos os grupos de risco.

Biológicos e Demográficos
Estes fatores estão associados aos ciclos da vida e envolvem essencialmente a idade e o sexo de acordo com o
desenvolvimento fisiológico. Dentre eles estão o crescimento acelerado durante os primeiros anos de vida e o início
da adolescência e da puberdade (mais fortemente nas meninas), o período reprodutivo – incluindo gravidez e
amamentação – e, por fim, o período do climatério e da senectude. Em cada um desses momentos fisiológicos, as
necessidades de ferro devem ser consideradas em intervenções individuais e coletivas (Batista Filho, 1983; WHO, 1992).

Socioeconômicos e Culturais
Os estudos sobre os fatores determinantes da deficiência do ferro e da anemia, principalmente em países
desenvolvidos, são escassos e, quando existem, enfocam o problema com relação às variáveis biológicas e
demográficas, desconsiderando, na maioria das vezes, os aspectos socioeconômicos e culturais, os quais poderiam
proporcionar subsídios para a formulação de políticas de saúde e nutrição, visando a solucionar o problema e,
conseqüentemente, melhorar a qualidade de vida das populações.
No âmbito da saúde coletiva, os determinantes da anemia ferropriva têm origem em uma complexa cadeia
de fatores, que nos países em desenvolvimento são liderados pelas condições socioeconômicas desfavoráveis e pela
escassez de políticas públicas. Assim, os estudos realizados no Brasil associam a anemia às populações de baixa
renda de áreas urbanas e rurais, às condições precárias de habitação e saneamento básico e à baixa escolaridade
(Lira et al., 1985; Assis et al., 1997; Neuman et al., 2000; Osório, Lira & Ashworth, 2004; Santos et al., 2004;
Lima et al., 2004; Spinelli et al., 2005). Entretanto, nos estudos que utilizam análises estatísticas multivariadas,
nem sempre essas associações são evidenciadas pelos modelos, possivelmente em função da homogeneidade
socioeconômica e cultural das populações estudadas.
O consumo alimentar pode ser considerado o indicador que melhor representa as condições socioeconômicas
e culturais de um povo. O aporte inadequado de ferro da dieta e a baixa biodisponibilidade do mineral, entre os
diferentes grupos biológicos, destacam-se como fatores etiológicos mais relevantes.
Durante a gravidez, os requerimentos de ferro estão aumentados, principalmente no último trimestre,
favorecendo o aparecimento de deficiência de ferro, especialmente em gestantes de baixa condição socioeconômica.
A deficiência do mineral na dieta repercute sobre as reservas de ferro materno, aumentando a mobilização dos
estoques para garantir as necessidades do feto, sendo que apenas em casos de anemia grave na gestante há reper-
cussões negativas para o feto, com o aumento do risco de prematuridade e de baixo peso ao nascer (Stekel, 1984;
Beard, 2003).
A acelerada velocidade de crescimento nos primeiros meses de vida pode reduzir as reservas do ferro antes
do sexto mês, desencadeando inclusive o aparecimento de anemia; entretanto, as crianças em aleitamento mater-
no exclusivo têm as necessidades fisiológicas plenamente satisfeitas pela elevada biodisponibilidade do mineral no
leite materno, compensando desta forma sua baixa concentração (Monteiro, Szarfarc & Mondini, 2000; Osório,
2002; Romani & Lira, 2004).

309
Epidemiologia Nutricional

A introdução precoce de alimentos, além de favorecer o desmame, compromete a biodisponibilidade do


ferro do leite humano, podendo ocasionar a deficiência de ferro e o surgimento de anemia nos lactentes. Para as
crianças em aleitamento artificial, os riscos de anemia são maiores, tendo em vista a menor quantidade e a baixa
biodisponibilidade do ferro nos alimentos oferecidos. A partir do sexto mês de vida, os requerimentos de ferro
aumentam e, assim, a alimentação complementar assume papel relevante no atendimento às necessidades, ao
garantir as reservas de ferro (Stekel, 1984; Osório, Lira & Ashworth, 2004; Oliveira, Osório & Raposo, 2006;
Torres et al., 2006).
Nos idosos, vários fatores exógenos e endógenos comprometem a adequada ingestão, absorção e
biodisponibilidade do ferro da dieta, propiciando maior vulnerabilidade à deficiência do mineral e à anemia
ferropriva. Entre os vários fatores, destacam-se: a inadequada preservação dos dentes, a redução do pH gástrico
atribuída ou não ao uso de medicamentos, as lesões e hemorragias crônicas do sistema gastrintestinal decorrentes
ou não do processo de envelhecimento, assim como a presença de doenças crônicas e degenerativas que apresen-
tam em seu quadro clínico a anorexia e a anemia, comprometendo mais intensamente os idosos das classes sociais
desfavorecidas (Marucci & Pinotti, 2006).

Morbidades
Além da inadequação do ferro da dieta e das necessidades elevadas, as doenças infecciosas e parasitárias,
destacando-se as ancilostomíases, a esquistossomose e a malária, causam a anemia – as primeiras por deficiência
de ferro e a malária, especialmente a falciparum, pela destruição e supressão da produção de novas células verme-
lhas –, sem, contudo, causar deficiência de ferro propriamente dita, porque a maior parte do ferro da exacerbada
lise da hemoglobina não é eliminada do corpo (Nestel & Davidsson, 2002).
Estudos brasileiros revelam que as parasitoses intestinais têm pouca relevância na etiologia da anemia,
considerando que as prevalências da anemia apresentam tendência temporal em ascensão nas últimas décadas, ao
passo que as parasitoses estão em declínio. Estudos realizados em São Paulo, Pernambuco e Bahia não têm
encontrado associação entre a freqüência de parasitoses intestinais com a prevalência de anemia (Monteiro, 1988;
Souza et al., 2002; Brito et al., 2003)

Conseqüências
Os sinais e sintomas clínicos da anemia são palidez, redução e perversão do apetite (pagofagia e geofagia),
fadiga, fraqueza, glossite, estomatites, disfagia e palpitação, podendo, no idoso, ocasionar descompensação cardíaca.
Entretanto, as conseqüências da anemia por deficiência de ferro não se limitam apenas aos sinais e sintomas
mencionados e não estão restritos aos casos de anemia, mas também às situações de déficits de ferro sem anemia.

Gravidez, Parto e Puerpério e Mortalidade Materna e Infantil


Nas gestantes, a anemia ferropriva grave está associada ao risco de morte materna, perdas fetais,
prematuridade, baixo peso ao nascer e morte perinatal. Das mortes maternas ocorridas no pós-parto imediato,
40% são de mulheres anêmicas, e nos casos de anemia severa, o risco estimado de morte materna pode ser vinte
vezes maior quando comparado com o do grupo de não anêmicas, de menor mortalidade (Rush, 2000).
As ocorrências de baixo peso ao nascer e de prematuridade apresentaram um gradiente de intensidade com
a anemia, sendo o risco 4,9 e 2,0 vezes maior nos quadros maternos de anemia severa e moderada, respectivamen-
te, quando comparado com o dos recém-nascidos de mães não anêmicas (Beard, 2003). Em outro estudo, o

310
Epidemiologia da anemia ferropriva

baixo peso ao nascer e a prematuridade ocorreram quando a deficiência de ferro foi observada no primeiro
trimestre da gravidez, não tendo sido registrados agravos quando a anemia foi diagnosticada a partir do segundo
trimestre (Scholl & Hediger, 1994).
Há consenso na literatura sobre distribuição da concentração de hemoglobina materna e baixo peso ao
nascer, ou seja, nos extremos da curva ocorrem as maiores prevalências de baixo peso ao nascer, por expansão do
volume plasmático no extremo superior e pela insuficiente eritropoese e também inapropriada expansão do
volume plasmático materno, no extremo inferior da distribuição (Yip, 2000).
Embora haja poucas evidências da influência da deficiência de ferro e da anemia materna no status do ferro
do lactente, alguns resultados sugerem que, na depleção de ferro e anemia ferropriva moderada na gravidez, o
aporte de ferro para a criança é suficiente para garantir o crescimento e a eritropoese intra-útero, mas não o é para
garantir o crescimento e o desenvolvimento ao longo do primeiro ano de vida, especialmente no segundo semes-
tre (Beard, 2003). Em estudo realizado por Sichieri e colaboradores (2006), a anemia materna não se associou
com a anemia dos prematuros no nascimento e os indicadores de anemia das mães e das crianças ao nascer não
influenciaram o crescimento destas últimas nos seis primeiros meses de vida.

Crescimento e Desenvolvimento
A associação entre a deficiência de ferro e o déficit de crescimento em crianças tem sido constatada quando
da recuperação do crescimento linear e do ganho de peso, após suplementação de ferro tanto em países desenvol-
vidos como naqueles em desenvolvimento. Para os estudos de intervenção em que não foram observados impac-
tos no crescimento, outros fatores adversos estavam envolvidos, tais como diarréias e outros processos infecciosos
e fatores dietéticos (Waterlow & Schürch, 1994; Allen & Gillespie, 2001).
O ferro é encontrado em diferentes regiões do cérebro humano e tem papel relevante no seu funcionamen-
to, principalmente nos períodos de rápido crescimento neuronal (Pollitt, 1995). Na literatura médica, há registro
de evidências da influência da deficiência do mineral no retardo do desenvolvimento psicomotor e na função
cognitiva em lactentes, pré-escolares e escolares (Grantham-McGregor & Ani, 2001; Lozoff & Black, 2004).
Estudos correlacionando o desenvolvimento de crianças aos 5 anos de idade com os níveis de ferritina do
cordão umbilical documentaram que aquelas nascidas com valores de ferritina abaixo da mediana pontuaram
menos nos testes de linguagem e de motricidade fina quando comparadas a outras crianças (Tamura et al., 2002)
e, em outro experimento, os filhos de mulheres anêmicas que foram suplementadas com ferro no período gestacional
tiveram melhores escores motor e mental aos 12 meses de idade (Preziosi et al., 1997).
Crianças em idade escolar que tiveram anemia na infância apresentaram piores desempenhos em testes de
inteligência (QI) e em testes para outras funções cognitivas quando comparadas com aquelas não anêmicas na
infância, mesmo após ajuste por fatores socioeconômicos. Ademais, escolares anêmicos com baixos resultados
nos testes de linguagem e matemática não melhoraram seus desempenhos nos referidos testes após a suplementação
de ferro, o que sugere um efeito prolongado da deficiência no desenvolvimento infantil (Grantham-McGregor &
Ani, 2001; Lozoff & Black, 2004).

Função Imunitária
O ferro é essencial para o funcionamento do sistema imunológico. Estudos têm evidenciado, por um lado,
que a deficiência do mineral pode vir a causar efeitos adversos no sistema imune, contribuindo para o aumento
de doenças infecciosas (WHO, 2001), mas, por outro lado, há evidências de que uma sobrecarga do ferro pode
aumentar o risco de infecção e de neoplasias. Baseados nesses achados, alguns autores consideram que tanto a

311
Epidemiologia Nutricional

retenção de ferro na forma de depósito como déficits leves seriam mecanismos de defesa do organismo contra
agentes agressores. Em decorrência, a anemia das infecções e das doenças crônicas seria uma defesa imunológica
inespecífica e não necessariamente relacionada à deficiência de ferro (Kent, Weinberg & Stuart-Macadan, 1994).

Capacidade Física e Produtividade no Trabalho


A relação da deficiência de ferro com a redução da capacidade de trabalho e diminuição da produtividade
em adultos está bem estabelecida, com correlação linear positiva entre a concentração de hemoglobina e situações
de esforço máximo. Estudos realizados com diferentes tipos de ocupação laboral evidenciaram a recuperação
rápida da capacidade de trabalho e o aumento da produtividade entre 10% e 30%, após suplementação
medicamentosa do ferro para o enfrentamento do problema (Viteri & Torun, 1993).
Em atletas adolescentes do sexo feminino com deficiência de ferro e sem anemia, verificou-se aumento da
resistência e melhor desempenho físico após suplementação do mineral, quando comparadas com aquelas do
grupo placebo. Em contraste, estudos que avaliaram o efeito da deficiência de ferro e da anemia na capacidade
física de trabalho e na atividade física de lazer em crianças e adolescentes não resultaram em associações consistentes.
(Viteri & Torun, 1993).

Enfrentamento: prevenção e tratamento


Na deficiência de ferro e na anemia ferropriva, o enfrentamento deverá proporcionar de forma efetiva o
acesso ao mineral, levando-se em consideração as necessidades nutricionais e os aspectos culturais. Dito de outra
forma, o paradigma norteador das ações de enfrentamento da deficiência de ferro é o da “segurança alimentar”, e
significa que “todas as pessoas, em todos os momentos, tenham acesso físico e econômico a uma alimentação que
seja suficiente, segura, nutritiva e que atenda às necessidades nutricionais e às preferências alimentares, de modo
a propiciar vida ativa e saudável” (FAO, 1997: 123).
A erradicação da miséria e a redução da pobreza, a melhoria no acesso aos serviços de educação, saúde e
saneamento e a garantia de uma alimentação saudável, diversificada, segura e de qualidade são ações públicas
(governamentais e não governamentais) que permitirão em escala populacional a redução e o controle da deficiência
de ferro e da sua expressão mais grave, a anemia ferropriva.
Há mais de meio século que organismos internacionais preconizam três estratégias de intervenção nutricional
para enfrentar a deficiência de ferro nos diferentes grupos etários: a mudança nos hábitos alimentares, o enrique-
cimento de alimentos com o mineral e a suplementação medicamentosa mediante a administração de sais de
ferro. Há ainda uma quarta medida: o combate a parasitoses espoliadoras de sangue, tais como malária,
esquistossomose, ancilostomíase, que, no entanto, não será abordada neste capítulo (OMS, 1959; WHO, 2001).

Modificação dos Hábitos Alimentares


A mudança e a diversificação do hábito alimentar são, sem dúvida, a estratégia mais desejável e sustentável
para enfrentar a deficiência de ferro e a anemia em escala populacional. Esta estratégia envolve mudanças nas
condições socioeconômicas (renda e escolaridade) da população e na produção, preservação, processamento,
distribuição e comercialização de alimentos, assim como ações de educação alimentar e nutricional que funda-
mentem a escolha e preparação dos alimentos, a composição da dieta, as práticas alimentares e a distribuição
intradomiciliar de alimentos, visando a assegurar uma dieta rica em ferro e em alimentos facilitadores da absorção
do mineral e à redução do consumo daqueles alimentos que dificultem a sua absorção.

312
Epidemiologia da anemia ferropriva

Fortificação
O enriquecimento ou fortificação de alimentos é reconhecido como uma estratégia prioritária em termos
de custo-benefício para enfrentar deficiências nutricionais e vem sendo adotada há mais de meio século (OMS,
1959; WHO, 2001). Desde 1940, os Estados Unidos adicionam ferro a produtos alimentares. Esta estratégia é
reconhecida como a principal ação para a redução, em termos de tendência temporal, da deficiência de ferro nos
países desenvolvidos (Darnton-Hill, 1998).
Em termos ideais, o alimento a ser fortificado deve ser regularmente consumido pela população-alvo em
quantidades que não variem consideravelmente de um indivíduo para outro. É necessário ainda que o alimento
seja produzido em escala industrial e que o produto fortificado não sofra mudanças nas qualidades organolépticas,
nem no tempo de validade de consumo, nem no custo final do alimento (Stekel, 1984).
A farinha de trigo é o alimento mais utilizado como veículo de ferro, tanto em países desenvolvidos como nos
em desenvolvimento e, possivelmente, o veículo mais apropriado: consumido amplamente em forma de pães, aces-
sível a grupos vulneráveis à deficiência de ferro, processado em escala industrial, quase não sofre mudança nas
características organolépticas, não sofre perdas do ferro no processo de cozimento. Alimentos como o sal de cozinha
(Tailândia, Índia), arroz (Filipinas), açúcar (Guatemala), farinha de milho (Brasil e Venezuela) e certos condimentos
(curry na África do Sul) também têm sido utilizados como veículos de ferro (Darnton-Hill, 1998).
Segundo Raunhardt e Bowley (1996), 14 países fazem a fortificação compulsória de farinhas de trigo: Arábia
Saudita, Canadá, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Guatemala, Honduras, Nigéria, Pana-
má, Reino Unido, República Dominicana e Venezuela. O Brasil tornou compulsório o enriquecimento de farinhas
de trigo e milho desde 2004. Para cada quilo de alimento são acrescentados 42 mg de ferro em forma de sulfato
ferroso e 1,5 mg de ácido fólico (Brasil, 2002).
Numerosas substâncias são disponíveis para fortificar alimentos com o ferro. O desafio é encontrar uma
forma de ferro que seja adequadamente absorvível, estável, não altere aparência ou gosto do veículo. O ferro heme
tem sido pouco utilizado, pois altera as qualidades organolépticas dos alimentos fortificados, especialmente as fari-
nhas. Vários compostos de ferro não-heme têm sido utilizados para fortificar alimentos: sulfato e fumarato ferroso,
ferro elementar, ferro-EDTA, ortofofosfato férrico. Os três primeiros são os mais utilizados. O sulfato ferroso,
embora pouco estável, tem excelente absorvibilidade e elevado valor biológico, sendo adequado se o tempo entre o
enriquecimento da farinha e o consumo for menor que quatro meses, como se verifica no Chile e no Brasil. Embora
o tempo de estoque da farinha seja longo, o ferro metálico (o mais estável de todos e o menos absorvível deles) tem
sido utilizado, como se observa na Suécia, no Reino Unido e nos Estados Unidos (Verster, 1998).

Suplementação
A suplementação com sais de ferro é a estratégia mais amplamente utilizada para controlar a anemia em
países em desenvolvimento, principalmente naqueles onde as duas estratégias descritas anteriormente ainda não
foram plenamente alcançadas.
A suplementação é mais largamente usada para tratar do que para prevenir a deficiência de ferro e a anemia,
embora venha sendo utilizada como medida preventiva em grupos de alto risco, como pré-escolares e gestantes –
entre estas últimas, inclusive em países desenvolvidos (WHO, 2001).
Apesar de sua comprovada eficácia em experimentos bem controlados, na prática a sua efetividade tem se
mostrado pequena, principalmente em países em desenvolvimento. A baixa efetividade tem sido atribuída a
vários fatores: difícil distribuição, inadequada posologia e duração da aplicação do medicamento e baixa adesão
(Viteri, 1997). Devido à necessidade de oferecer o ferro diariamente e por longo período, a distribuição e o acesso
ao medicamento são o principal entrave para o bom desempenho da estratégia. Excluindo-se os adolescentes que

313
Epidemiologia Nutricional

podem ser alcançados nas escolas, os outros grupos biológicos são de difícil acesso, o que torna difícil atingir as
coberturas necessárias.
Outro fator limitante para o êxito da suplementação consiste na baixa adesão aos sais de ferro devido aos
efeitos colaterais indesejáveis, tais como náuseas, desconforto abdominal, vômitos, gosto metálico, diarréia, cons-
tipação intestinal e fezes escurecidas (Sölvell, 1970). Os efeitos colaterais estão relacionados à quantidade de ferro
oferecida por dose, à freqüência das doses e ao momento de sua administração em relação às refeições. A aplicação
do ferro às refeições pode minimizar os incômodos, em especial os sintomas gastrintestinais altos (Viteri, 1997).
O sulfato ferroso heptahidratado (FeSO4.7H2O), contendo 20% de ferro elementar, é o sal mais recomendado
por ser eficaz, bem tolerado e de baixo custo (Wintrobe, Lukens & Lee, 1993).
O Quadro 1 apresenta um roteiro para enfrentamento da anemia por deficiência de ferro em aplicações
diárias, segundo sugestão do Unicef e da OMS.

Quadro 1 – Esquema posológico em diferentes grupos biológicos para a prevenção da anemia por deficiência
de ferro em escala populacional
Grupos biológicos Indicação para suplementação Posologia Duração

Crianças com baixo Suplementação universal Fe: 2 mg/kg de peso De 2 a 23 meses de idade
peso ao nascer corporal/dia

Crianças de 6 a 23 Quando não há alimentos fortificados com Fe: 2 mg/kg de peso De 6 a 23 meses de idade
meses ferro ou prevalência > 40% corporal/dia

Crianças de 24 a Quando há prevalência de anemia > 40% Fe: 2 mg/kg de peso 3 meses
59 meses corporal/dia

Escolares acima de Quando há prevalência de anemia > 40% Fe: 30 mg/dia 3 meses
60 meses Ac. fólico: 250 mg/dia

Mulheres em período Quando há prevalência de anemia > 40% Fe: 60 mg/dia 3 meses
fértil Ac. fólico: 250 mg/dia

Gestantes Suplementação universal Fe: 60 mg/dia Durante toda a gestação


Ac. fólico: 250 mg/dia

Puérperas Quando há prevalência de anemia > 40% Fe: 60 mg/dia 3 meses após o parto
Ac. fólico: 250 mg/dia

Fonte: WHO (2001).

Considerando-se a baixa adesão aos sais ferro e levando-se em conta que o objetivo da administração de
medicamentos é encontrar a dose mínima capaz de produzir os efeitos desejáveis sem, contudo, produzir efeitos
adversos à saúde, recentes estudos têm mostrado que a administração de sais de ferro em esquemas intermitentes
(uma a duas vezes por semana) apresenta resultados semelhantes aos dos esquemas diários, inclusive com a
vantagem de aumentar a adesão (Batista Filho & Ferreira, 1996; Viteri, 1997; Beaton & McCabe, 1999). Essa
modalidade posológica representa uma promissora alternativa para a aplicação dos sais de ferro em escala
populacional, em particular para ações preventivas (WHO, 2001).

O Enfrentamento nos Diferentes Grupos Biológicos


Crianças menores de dois anos de idade, notadamente aquelas com baixo peso ao nascer, são consideradas
o grupo biológico de maior vulnerabilidade para a deficiência de ferro. O incentivo ao aleitamento materno
exclusivo é a medida de maior efetividade para combater a deficiência de ferro nos primeiros meses de vida.

314
Epidemiologia da anemia ferropriva

O reconhecimento da importância do leite materno na prevenção da deficiência de ferro deve-se não apenas a seu
elevado percentual de absorção (49% em lactentes sadios aos seis meses) quando comparado ao do leite de gado
e ao de outros alimentos, mas, sobretudo, ao fato de ser facilitador da absorção do ferro não-heme (Oski, 1985).
O uso de papas e mingaus na alimentação de crianças, preparados à base de leite e massa (cereais, raízes e
tubérculos), com elevado teor de cálcio e principalmente fitatos (o maior inibidor de absorção de ferro não-
heme), contribui para a elevada prevalência da deficiência de ferro nesse grupo biológico. A substituição desses
preparados por sucos de frutas e caldos de produtos de origem animal e o uso de farinhas fortificadas com o ferro
podem contribuir para a redução da deficiência do mineral nesse grupo. A OMS recomenda administrar 2 mg/
kg/dia de ferro por duas a três semanas várias vezes ao ano, a partir de 4 a 6 meses de idade e continuando até os
24 meses (Viteri, 1997).
Experiência com pré-escolares chineses comparando a efetividade de esquemas diários, semanais e bissema-
nais, mediante a administração de 6 mg/kg de peso de ferro elementar, mostrou que todas as crianças anêmicas
responderam de modo semelhante aos três esquemas e que, entretanto, a ocorrência de efeitos colaterais foi
significativamente menor nos esquemas intermitentes (Viteri, 1997). Resultados semelhantes têm sido observa-
dos em outras localidades, sugerindo a possibilidade de se contar com mais essa medida de combate à deficiência
de ferro nesse grupo etário (Monteiro et al., 2002; Cavalcanti et al., 2003; Ferreira, M. L. M. et al., 2003;
Ferreira, L. O. C. et al., 2004; Lima et al., 2006; Brunken, Muniz & Silva, 2004).
Os escolares e os adolescentes representam o subgrupo populacional em que as medidas de controle da
deficiência de ferro podem apresentar as mais elevadas coberturas. Orientações sobre o cardápio para a merenda
escolar visando à introdução de alimentos ricos em ferro e de facilitadores da absorção do mineral e da redução de
alimentos inibidores podem ser medidas de elevada efetividade. A aplicação de sais de ferro em esquemas diários
ou semanais deve ser adotada quando a prevalência de anemia for moderada ou grave (Ferreira, 1998).
A OMS recomenda 60 mg de ferro elementar por três meses ao ano como ação preventiva/curativa para a
deficiência de ferro em mulheres em período fértil de populações em que a prevalência de anemia é alta. Estudos
conduzidos em Berkeley, na Califórnia, EUA (Viteri, 1997), e no Recife, em Pernambuco, Brasil (Lopes, Ferreira &
Batista Filho, 1999), mostraram não haver diferenças significativas entre a administração de ferro em esquemas
diários e a efetuada em esquemas intermitentes, e recomendam a administração de sais de ferro na dose de 60 mg de
ferro elementar semanalmente, durante todo o ano.
Ensaios clínicos e comunitários têm mostrado sólidas evidências de que a suplementação com ferro duran-
te a gravidez é eficiente em proteger e melhorar o estado nutricional do feto durante e após a gravidez. Desde
1990, a OMS recomenda a suplementação universal com sais de ferro para gestantes (60 mg de ferro elementar
e 250 mg de ácido fólico uma a duas vezes por dia), sendo que o esquema de duas vezes ao dia é recomendado em
localidades onde a anemia é comum na gravidez (Viteri, 1997).
Estudos de campo em primíparas chinesas na província de Xinjiang (Liu et al., 1995), em grávidas da
cidade de Guatemala (Viteri, 1997), em gestantes de baixo risco gravídico em Recife (Souza et al., 2004) que
freqüentavam clínicas de pré-natal, comparando esquemas diários e semanais com sulfato ferroso, encontraram no
controle da deficiência de ferro com aplicação dos esquemas tradicionais respostas semelhantes àquelas encontradas
com aplicação dos esquemas alternativos; os esquemas intermitentes apresentaram como vantagem adicional a
melhor tolerância aos sais de ferro. Tais resultados podem vir a consolidar uma alternativa na prevenção da
deficiência de ferro e da anemia, que consiste na utilização de 60 mg de ferro elementar duas vezes por semana
durante todo o período gestacional e estendida ao período de lactação, isto é, até os seis meses após o parto.

315
Epidemiologia Nutricional

Considerações Finais
A deficiência de ferro mantém-se como um problema de saúde pública em escala mundial, com tendência
temporal e geográfica em ascensão, inclusive alastrando-se em novos grupos biológicos, como as crianças menores
de 1 ano de vida e os idosos. Acometendo principalmente os habitantes de países em desenvolvimento e grupos
socialmente desfavorecidos dos países centrais, requer, portanto, ações em escala populacional mais efetivas do
que as implementadas até hoje, para prevenir e tratar contingentes populacionais por ela atingidos.
O envelhecimento populacional e as mudanças nos hábitos de vida, tais como o sedentarismo e dietas
hipercalóricas, conduziram ao fenômeno conhecido como transição epidemiológica e nutricional, que vem se
acentuando nas três últimas décadas, proporcionando, por exemplo, um quadro que associa em um mesmo
contexto doenças nutricionais por carência e aquelas devidas ao excesso alimentar. A condição de anemia por
deficiência de ferro associada ao sobrepeso e à obesidade representa um quadro nutricional emblemático do novo
padrão de adoecimento das pessoas no despontar do século XXI. Que estratégias de intervenção serão desenvol-
vidas para dar conta desse ‘paradoxo nutricional’?
O desenvolvimento científico e tecnológico da modernidade tem proporcionado uma redução de esforços
físicos nos afazeres domésticos, no deslocamento de pessoas, na agricultura, na indústria e no comércio, inclusive
no lazer e entretenimento. Essa redução de esforços estaria conduzindo a uma redução nas necessidades de
oxigênio tissular e, portanto, nos níveis de hemoglobina? Seria o caso de se rever os pontos de corte da concentra-
ção de hemoglobina e do nível sérico de ferritina para a definição da anemia e deficiência de ferro, levando-se em
conta, inclusive, que esses critérios foram estabelecidos há mais de cinqüenta anos?
Medidas promissoras vêm sendo delineadas para o enfrentamento da anemia ferropriva, entre as quais se
destacam a administração de sais de ferro em esquemas posológicos intermitentes e a adoção de medidas compul-
sórias para o enriquecimento de produtos alimentares de elevada aceitação popular, como fez recentemente o
Brasil ao enriquecer farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico. Que impacto essa medida exercerá nos
grupos mais vulneráveis? Ademais, respeitando-se as questões éticas e de desenvolvimento sustentável, o enrique-
cimento de alimentos com ferro mediante a engenharia genética pode representar mais uma estratégia na luta
contra a anemia.
A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, promovida pela OMS e Unicef em 1978,
propugnou o acesso universal à saúde, a participação popular e a descentralização dos serviços de saúde. À luz da
conferência, o Brasil implementou sua reforma sanitária mediante a implantação de um sistema único de saúde
que tem condições de contribuir, por meio do novo modelo de atenção, isto é, do Programa Saúde da Família,
para o enfrentamento eficaz da anemia por deficiência de ferro.

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323
18
Epidemiologia da Hipovitaminose A e Xeroftalmia

Alcides da Silva Diniz e Leonor Maria Pacheco Santos

Definição e Tipologia
Uma variedade de termos tem sido usada para caracterizar o estado nutricional de vitamina A e os seus
efeitos sobre a saúde. Deficiência de Vitamina A (DVA) é o termo recomendado para expressar o status inadequado
de vitamina A, que começa quando as reservas hepáticas caem abaixo de 20 µg/g (0,07µMol/g). Distúrbios da
Deficiência de Vitamina A (DDVA) deve ser a expressão empregada para expressar as alterações fisiológicas
secundárias à DVA. Essas alterações podem ser subclínicas, a exemplo dos distúrbios da diferenciação celular, da
depressão da resposta imune, da redução da mobilização do ferro; ou clínicas, traduzidas pelo aumento da
morbidade por doenças infecciosas e da mortalidade, retardo do crescimento, anemia e, principalmente, xeroftalmia.
Xeroftalmia representa o epifenômeno da DDVA, sendo o termo utilizado para descrever todas as manifestações
clínico-oculares da DVA, que compreendem um amplo espectro de sinais e sintomas que vão desde a cegueira
noturna até a ulceração corneal e a ceratomalacia (Sommer & Davidson, 2002).

Magnitude e Distribuição Espacial


A hipovitaminose A constitui um dos principais problemas nutricionais que afligem a população dos países
do Terceiro Mundo, acometendo, sobretudo, crianças na idade pré-escolar e gestantes. Esse quadro de deficiência
está intrinsecamente associado ao subdesenvolvimento, concentrando-se nas camadas mais pobres e menos educadas
da população (WHO, 1996). Segundo as estimativas mais recentes, cerca de 127 milhões de crianças na idade
pré-escolar têm DVA (concentrações de retinol sérico < 0,70 µMol ou citologia conjuntival anormal) e 4,4
milhões têm xeroftalmia. As cifras mostram, ainda, que 7,2 milhões de gestantes/nutrizes apresentam concentra-
ções inadequadas de retinol no soro ou no leite materno (< 0,70 µMol/L) e um contingente adicional de 13,5
milhões tem concentrações de vitamina A consideradas baixas ou marginais (0,70-1,05 µMol/L). Além disso,
anualmente, mais de seis milhões de mulheres desenvolvem cegueira noturna durante a gravidez (West, 2002).
A DVA tem ampla distribuição geográfica, tendo sido documentada como um problema de saúde pública
em 39 países, segundo relato da Organização Mundial da Saúde (WHO, 1995). O quadro carencial, principal-
mente com manifestações clínicas incapacitantes, é particularmente grave na Ásia Meridional (45% dos casos) e
em grande parte do continente africano (25 a 35% dos casos). As manifestações subclínicas têm sido observadas

325
Epidemiologia Nutricional

em outros continentes, inclusive em países industrializados, nos estratos mais pobres e em pessoas idosas. Na
América do Sul e Caribe, os dados até agora disponíveis são insuficientes para compor o mapa nosográfico do
estado carencial. No entanto, estimativas, baseadas em dados, em sua maioria sem representatividade populacional,
indicam que a DVA parece ser um problema de saúde pública no Brasil, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti,
Honduras, Nicarágua e República Dominicana. Também parece ser freqüente em comunidades pobres da Bolí-
via, em algumas regiões do México e do Peru e em grupos indígenas do Panamá.

Histórico
A xeroftalmia é uma enfermidade conhecida desde a Antigüidade. A cegueira noturna foi descrita pela
primeira vez no Egito, por volta de 1500 a.C; o mais antigo texto médico conhecido no ocidente, o papyrus Ebers
(1600 a.C.), prescrevia, às pessoas atingidas por essa afecção, uma dieta rica em fígado, conduta também reco-
mendada por Hipócrates (Wolf & Phil, 1978). Entretanto, a descrição detalhada do comprometimento corneal
e a possível origem nutricional da xeroftalmia parecem ter sido registradas pela primeira vez na literatura cientí-
fica pelo médico brasileiro Manuel da Gama Lobo, que em 1864 relatou a ocorrência das lesões oculares caracte-
rísticas da doença em crianças escravas no Rio de Janeiro. Segundo Gama Lobo, a ocorrência dessa síndrome
ocular estaria relacionada à alimentação inadequada; de certa maneira ele previu a existência de vitaminas ao
afirmar: “a causa d’esta ophtalmia é a falta de nutrição conveniente e sufficiente a que estão submettidos os
escravos (...) o organismo, pobre de princípios vitaes, não pode oferecer os princípios necessários para a nutrição
da córnea” (Gama Lobo, 1865: 432, 433).
No entanto, só em 1913, o professor Elmer McCollum, juntamente com a sua colega Marguerite Davis,
descobriu na manteiga e na gema do ovo um fator lipossolúvel que era absolutamente necessário para o cresci-
mento de ratos, fator este que, posteriormente, passou a ser denominado vitamina A (McCollum, 1967).

Hipovitaminose A e Xeroftalmia no Brasil


Após os achados iniciais de Manuel da Gama Lobo, seguem-se os relatos de hipovitaminose A e xeroftalmia
no Brasil. Em 1883, Hilário de Gouveia documentou a existência de cegueira noturna em escravos mal alimen-
tados (Coutinho, 1947). Após a abolição da escravatura os relatos são mais raros, exceto em épocas de escassez
aguda de alimentos, como nas estiagens prolongadas na região semi-árida. Euclydes da Cunha, em Os Sertões,
descreveu a cegueira noturna como uma falsa cegueira que ocorria durante as secas (Cunha, 1995). Robalinho
Cavalcanti registrou sua ocorrência na seca de 1932-33 (Cavalcanti, 1934) e Josué de Castro, em 1946, descre-
veu, em Geografia da Fome, a “hemeralopia e outras hipovitaminoses, comuns no Sertão nas calamidades sociais
das secas” (Castro, 1967: 213). Em 1951-52, os dados do serviço de oftalmologia do Centro de Saúde de Forta-
leza, CE, revelaram prevalência tão alta de xeroftalmia, a ponto de haver a recomendação da administração
compulsória de vitamina A a todos os pacientes pediátricos (Leão, 1958).
Nas últimas décadas, evidências de hipovitaminose A e xeroftalmia têm sido documentadas, sobretudo, na
região Nordeste, mas também, de modo esporádico, em áreas setentrionais e meridionais do Brasil. Em
Florianópolis, SC, entre 1963 e 1965, foram acompanhadas 64 crianças com xeroftalmia corneal, das quais 80%
referiam história de ingestão de leite desnatado, não fortificado, doado pelo Fundo Internacional de Socorro à
Infância (Fisi) (Pereira, Abreu & Freusberg, 1966).
A epidemiologia da deficiência de vitamina A no Nordeste do Brasil foi revisada recentemente (Santos, Batista
Filho& Diniz, 1996). Estudo clínico-nutricional realizado no estado da Paraíba, em 1981-82, envolvendo as três
mesorregiões bioclimáticas do estado, demonstrou uma prevalência significativamente elevada de manchas de Bitot
e de cicatrizes corneais na mesorregião do Sertão, principalmente no período da entressafra (Santos et al., 1983).

326
Epidemiologia da hipovitaminose A e xeroftalmia

Manifestações clínicas da xeroftalmia moderada, bem como seqüelas cicatriciais, foram também documentadas
na Paraíba em crianças de 2 a 28 meses de idade, em anos subseqüentes, sobretudo na seca prolongada de 1981-
84 (Dricot d’Ans et al., 1988). A partir de 1982, com a adoção do sistema de busca ativa de casos de xeroftalmia
no Hospital Universitário de João Pessoa, vários casos de lesões oculares foram diagnosticados e acompanhados
(Araújo, Diniz & Santos, 1984).
Em 1986, evidências clínicas da xeroftalmia moderada foram também observadas no Rio Grande do Norte
(Mariath, Lima & Santos, 1989). Dados bioquímicos de Fortaleza, do interior do estado do Ceará e de Recife no
período de 1987-91 demonstraram um elevado percentual de níveis séricos de retinol inadequados (McAuliffe et al.,
1991). Foi também relatada a ocorrência, em 1989, de elevada prevalência de níveis séricos de retinol inadequa-
dos e de baixo consumo de alimentos fonte de vitamina A, em áreas urbanas do Semi-Árido baiano (Santos et al.,
1996). Mais recentemente, estudos de base populacional realizados nos estados de Pernambuco (Andrade,
2000), Sergipe (Martins, Santos & Assis, 2004) e na cidade de Teresina, PI (Paiva et al., 2006), revelaram
prevalências igualmente elevadas de retinolemia inadequada em crianças na idade pré-escolar. Deve-se ainda
ressaltar que estudos pontuais têm revelado prevalência elevada de DVA em outros grupos populacionais no
estado de Pernambuco, a exemplo de escolares (Diniz et al., 2005), gestantes (Lopes et al., 2006) e idosos
(Nascimento, 2005).

Fisiopatologia
Absorção, Armazenamento e Transporte
A vitamina A está presente nos alimentos sob duas formas: a vitamina A pré-formada (ésteres de retinil), de
origem animal, e a provitamina A (carotenóides), de origem vegetal (IVACG, 1989). O termo ‘provitamina A’
engloba cerca de cinqüenta compostos possuidores de atividade biológica vitamínica, sendo o transbetacaroteno
o mais importante. Os carotenóides precisam ser convertidos em vitamina A (retinol) para se tornarem biologi-
camente ativos. Nesse processo, devem ser levados em consideração dois aspectos igualmente importantes:
a biodisponibilidade do produto, que é a fração ingerida de um nutriente disponível para ser utilizada tanto nas
funções fisiológicas do organismo quanto na sua estocagem, e a bioconversão, que é a fração do nutriente
biodisponível (carotenóide absorvido) convertido na forma ativa do nutriente (retinol). O produto dessas duas
propriedades determina a bioeficácia do nutriente (carotenóide), que representa a eficiência com que um carotenóide
de atividade provitamina A é absorvido e convertido na forma ativa retinol. O Institute of Medicine introduziu
o termo Retinol Activity Equivalent (RAE), equivalente da atividade de retinol, para expressar a atividade de
carotenóides em termos de vitamina A, em substituição ao termo, até recentemente usado, Equivalente de Retinol
(RE), e passou a recomendar novos fatores de conversão, com base na avaliação da bioeficácia de cada carotenóide
ou grupo de carotenóides. Essa nova concepção mudou radicalmente a premissa de que vegetais, especialmente
aqueles com folhas verde-escuras, ricas em carotenóides provitamina A, seriam suficientes para atender às neces-
sidades de vitamina A do indivíduo. Dados recentes têm demonstrado que as taxas de conversão deveriam ser da
ordem de 21 µg de β-caroteno para atingir a mesma atividade de 1 µg de retinol, e ainda maiores quando se trata
de muitos outros carotenóides de atividade provitamina A (De Pee et al., 1995).
No estômago, os ésteres de retinil e os vários carotenóides sofrem a ação de enzimas proteolíticas, separam-
se dos alimentos e são agregados em glóbulos junto com outros lipídeos da dieta. No intestino, os ésteres de
retinil são hidrolisados, incorporados às micelas formadas sob a influência de secreções biliares e posteriormente
absorvidos (Sommer, 1995). Em quantidades fisiológicas, o retinol é mais eficientemente absorvido do que os
carotenóides; o percentual de absorção do retinol gira em torno de 70-90%, enquanto o dos carotenóides situa-se
numa faixa de 20-50% (Sivakumar & Reddy, 1972). À medida que a quantidade ingerida aumenta, a eficiência na

327
Epidemiologia Nutricional

absorção do retinol continua alta (60-80%), enquanto que a dos carotenóides cai acentuadamente, situando-se
em patamar inferior a 10% (Olson, 1972).
A absorção dos compostos vitamínicos parece sofrer a interferência de uma série de fatores. Dentre eles,
têm sido citadas as parasitoses intestinais, sobretudo a giardíase, a ascaridíase e a estrongiloidíase (Mahalanabis et
al., 1979), a diarréia aguda, ressecções intestinais e doenças pancreáticas.
A quantidade de gordura na dieta é outro fator que merece consideração quando se trata da absorção de
vitamina A. A limitação na absorção de carotenóides é particularmente importante na criança jovem, cuja dieta
tem pouca gordura. Este é um dado preocupante, uma vez que as fontes de vitamina A, na maioria dos países com
problemas de deficiência endêmica, são constituídas essencialmente por carotenóides e não por vitamina A pré-
formada (Underwood, 1994).
Quase todo o retinol absorvido é armazenado nas células do parênquima hepático, o que corresponde a cerca
de 90% da reserva de vitamina A do organismo (Olson, 1982). Os 10% restantes são distribuídos pelas células do
sangue, medula óssea, tecido adiposo e baço. O retinol circula do fígado para os tecidos periféricos através de uma
proteína carreadora específica, a Retinol Binding Protein (RBP), com peso molecular de 21.000, possuindo um sítio
receptor para o retinol (Flores et al., 1984). Após a ligação aos receptores de membrana, o retinol entra na célula-alvo
e a RBP é novamente liberada na circulação, sendo posteriormente degradada ou reciclada.

Papel Fisiológico
A vitamina A é um micronutriente essencial à manutenção de importantes funções para o metabolismo
normal. No seu amplo espectro de atuação, ainda parcialmente conhecido, ressaltam-se as funções ligadas ao
ciclo visual, à integridade das membranas biológicas, à manutenção e diferenciação epitelial, bem como à forma-
ção de glicoproteínas, à produção de muco e à resistência contra as infecções, mediada pela ação moduladora da
resposta imune.
O papel da vitamina A no ciclo visual, nas membranas oculares e na produção de muco será abordado de
forma mais detalhada no decorrer da descrição dos sinais e sintomas oculares da xeroftalmia.
O papel da vitamina A como moduladora da resposta imune tem sido respaldado por várias investigações,
in vivo e in vitro (Chandra & Vyas, 1989; Schmidt, 1991; Rumore, 1993), embora as conclusões de tais experi-
mentos devam ser interpretadas com a devida reserva. Em termos genéricos, pode-se afirmar que a vitamina A
aumenta a imunidade humoral, a concentração de anticorpos ativos, o número de células esplênicas formadoras
de anticorpos e a imunidade local, além de estimular a fagocitose e a atividade dos neutrófilos polimorfonucleares
e macrófagos (Schmidt, 1991).

Sinais e Sintomas da Xeroftalmia


Quando as reservas hepáticas de vitamina A são escassas, ou mesmo inexistentes, o indivíduo encontra-se
em estado potencial de risco para os efeitos do quadro carencial. Uma diminuição da quantidade de vitamina A
ingerida, transtornos na absorção ou um aumento da demanda metabólica podem precipitar o aparecimento de
manifestações oculares típicas, que constituem a síndrome xeroftálmica (Sommer, 1995).
As principais manifestações clínicas da deficiência de vitamina A no sistema visual ocorrem principalmente
em três estruturas oculares: a retina, a conjuntiva e a córnea.
O envolvimento da retina se dá por alterações tanto no nível bioquímico/funcional – cegueira noturna – quanto
no nível estrutural – fundus xeroftalmicus. Apesar da prática comum de se considerar esse tipo de comprometimento de
significância apenas marginal, o acometimento retiniano tem-se mostrado tão sensível e específico como indicador da
hipovitaminose A quanto os sinais clínicos do segmento anterior do globo ocular (Sommer & West, 1996).

328
Epidemiologia da hipovitaminose A e xeroftalmia

Figura 1 – Citologia de impressão conjuntival

No ciclo visual, o retinal, uma forma oxidada do retinol, está ligado a proteínas específicas, as opsinas, para
formar os pigmentos visuais dos cones e bastonetes, situados na retina. No nível dos bastonetes, células funcional-
mente responsáveis pela visão escotópica, encontra-se a rodopsina, formada pelo complexo retinal + opsina.
A reação fotoquímica da visão tem início quando o estímulo luminoso atinge a retina. Na presença da luz, o
11-cisretinal assume a configuração da forma todo transretinal. Estas alterações mudam a configuração geométrica
do retinal e são acompanhadas de uma mudança global da molécula de rodopsina, o que funciona como um gatilho
molecular, produzindo um impulso nas terminações nervosas do nervo óptico, que é, então, transmitido ao cérebro.
O 11-cisretinal é também o cromóforo dos cones, essenciais para a visão fotópica e das cores, mas é a rodopsina dos
bastonetes que está intrinsecamente ligada à visão noturna (Wald, 1955). Se o suprimento dietético de vitamina A
é muito baixo, a cegueira noturna é um dos primeiros sintomas da síndrome xeroftálmica, uma vez que a rodopsina
requer altas concentrações de 11-cisretinal para criar um filme visual altamente sensível (Underwood, 1990).
Alfred Sommer e colaboradores (1980) concluíram que a história de cegueira noturna mostrou-se um méto-
do confiável para o diagnóstico da xeroftalmia. A palavra ou expressão utilizada pela mãe para descrever a perda da
visão crepuscular é um importante instrumento para o diagnóstico da extensão do problema. No entanto, os autores
insistem na necessidade de se conhecer, primeiramente, o termo local apropriado, para que se possa, então, pesquisar

329
Epidemiologia Nutricional

o fenômeno. Outra limitação no uso da história de cegueira noturna como método de diagnóstico em estudos
populacionais refere-se à dificuldade de obter dados confiáveis para crianças muito jovens (menores que 2 anos), que
se constituem no grupo de maior risco à cegueira nutricional (Dricot d’Ans et al.,1988; Sommer, 1995).
A metaplasia ceratinizante do epitélio conjuntival (Figura 1, página anterior), com o desaparecimento das
células mucinógenas e a conseqüente instabilidade do filme lacrimal, causam a ‘xerose conjuntival’ (Figura 2). Ou
seja, a superfície conjuntival perde o brilho, a transparência, sofrendo um processo de espessamento e endurecimen-
to. Pela subjetividade do sinal clínico, a xerose conjuntival, como critério isolado, não tem valor no diagnóstico da
xeroftalmia. Isto se deve também ao fato de que a conjuntiva ocular é um sítio freqüentemente acometido por outras
alterações morfológicas, que podem diminuir ainda mais o poder de discriminação do sinal clínico no diagnóstico
da xeroftalmia.

Figura 2 – Xerose conjuntival

Nas áreas da conjuntiva onde a xerose é mais intensa formam-se as ‘manchas de Bitot’, depósitos de mate-
rial espumoso ou caseoso, resultantes do acúmulo de células epiteliais descamadas, fosfolipídeos e bactérias saprófitas
(Figura 3) (Sommer, 1995). São lesões assintomáticas, facilmente removíveis, exceto em alguns casos do tipo
caseoso, em que a aderência à conjuntiva é maior. São formações ovaladas ou triangulares, concentradas ou
dispersas, localizadas na fenda interpalpebral.
O declínio na produção do muco leva ao rompimento precoce do filme lacrimal, o que confere à córnea
um aspecto áspero, seco, enrugado e sem brilho, expresso pelo sinal clínico de ‘xerose corneal’. O epitélio ceratinizado
é extremamente vulnerável, e a região inferior da córnea, por ser uma área mais exposta e, por conseguinte, mais
desprotegida, pode sofrer um processo erosivo, com a destruição do epitélio corneano (Sommer, Green & Kenyon,
1982). O estágio de ‘erosão corneal’, que cursa com fotofobia muito intensa, é a fronteira clínica a partir da qual
todas as lesões corneanas subjacentes deixam uma opacidade como seqüela cicatricial (Figura 4).

330
Epidemiologia da hipovitaminose A e xeroftalmia

Figura 3 – Mancha de Bitot

Figura 4 – Xerose corneal

331
Epidemiologia Nutricional

A formação de uma ‘úlcera corneal’, geralmente única, de forma arredonda ou ovalada e com bordas bem
definidas, se constitui na lesão mais grave da síndrome xeroftálmica (Figura 5). A quebra da integridade da
barreira anatômica, ocasionada pela formação ulcerosa, favorece a liberação de enzimas proteolíticas que provo-
cam um quadro de necrose liquefativa da córnea, caracterizando a ‘ceratomalácia’ (Figura 6) (Sommer, 1995).
Apesar de o quadro ocular representar um processo de extrema gravidade, o olho permanece calmo,
hiporeativo, sem sinais inflamatórios significativos, exceto se há uma infecção secundária concomitante. O trata-
mento com vitamina A é suficiente para reverter o processo xeroftálmico (Araújo, Diniz & Santos, 1984; Sommer,
Green & Kenyion, 1982).
Quando o envolvimento corneal limita-se ao estágio de xerose, após o tratamento com vitamina A ocorre
a regeneração completa da superfície ocular sem deixar seqüelas. As lesões mais graves, como ulceração e
ceratomalácia, deixam cicatrizes compatíveis com a intensidade do processo. Podem ocorrer opacidades corneanas
de intensidade variável – ‘nébula, mácula, leucoma’ (Figura 7) ou pode até desenvolver-se o ‘estafiloma’ (Figura 8)
(Sommer, 1995), causando a cegueira total ou parcial.
Deve-se ressaltar que o comprometimento corneal e a cegueira podem preceder o envolvimento retiniano
e conjuntival, a exemplo da cegueira noturna e das manchas de Bitot (Sommer, Green & Kenyion, 1982),
principalmente em crianças muito jovens, desnutridas e gravemente enfermas (Araújo, Diniz & Santos, 1984).

Figura 5 – Úlcera de córnea

332
Epidemiologia da hipovitaminose A e xeroftalmia

Figura 6 – Ceratomalácia

Figura 7 – Leucoma de córnea

333
Epidemiologia Nutricional

Figura 8 – Estafiloma

Indicadores Epidemiológicos
Clínicos
Os sinais e sintomas clínico-oculares da carência de vitamina A são, a priori, os indicadores que apresentam
maior fidedignidade no diagnóstico da hipovitaminose A. No entanto, deve-se estar alerta para o fato, previa-
mente comentado, de que algumas manifestações clínicas não são específicas do estado carencial; além do que,
persistem ainda dificuldades na avaliação e padronização destes indicadores.
O diagnóstico da cegueira noturna tem se baseado, sobretudo, na história relatada pela mãe ou responsável,
como já discutido anteriormente. No entanto, um caráter mais objetivo para pesquisa desta alteração funcional tem
sido proposto, utilizando-se um teste rápido para estimar a curva de adaptação à obscuridade. Os resultados da
adaptometria, comparados aos níveis séricos de retinol, têm sido conflitantes. Alguns autores encontraram uma
sensibilidade de 95% e uma especificidade de 91% (Vinton & Russel, 1981), enquanto outros não encontraram
correlação entre os dois indicadores (Fávaro et al., 1986).
A identificação da xerose conjuntival implica uma grande carga de subjetividade, daí não ser considerada
isoladamente como um sinal clínico da xeroftalmia. A importância do diagnóstico precoce da xeroftalmia esti-
mulou o uso de corantes vitais (verde de Lissamina e rosa Bengala) no intuito de melhor caracterizar o processo
xerótico, contudo os resultados foram inconclusivos (Fávaro et al., 1986). A mancha de Bitot e os sinais do
comprometimento corneal devem ser diagnosticados, exclusivamente, pelo exame clínico-ocular, apoiado pelo
teste terapêutico.

334
Epidemiologia da hipovitaminose A e xeroftalmia

A Citologia de Impressão Conjuntival (CIC) é o termo usado para descrever a técnica na qual camadas
superficiais da conjuntiva ocular são removidas por meio da aplicação de um papel de filtro de acetato de celulo-
se, para análise histológica subseqüente (Wittpenn, Tseng & Sommer, 1986; Natadisastra et al., 1987; Amedée-
Manesme et al., 1987). Grande parte dos autores tem utilizado a presença/ausência de células caliciformes como
critério preponderante para o diagnóstico citológico, objetivando minimizar o número de resultados falsos posi-
tivos (Natadisastra et al., 1987; Amedée-Manesme et al., 1987; Nathanail & Powers, 1992). No entanto, estudos
com animais sugerem que a ceratinização corneal precede a perda de células caliciformes e, com base nessas
suposições, alguns pesquisadores enfatizam a importância de se incluir, no elenco de critérios para o diagnóstico,
informações tanto das células caliciformes quanto do aspecto morfológico das células epiteliais, o que conferiria
maior sensibilidade ao método citológico (Nathanail & Powers, 1992).
A leitura interpretativa dos resultados do teste citológico tem mostrado um grau elevado de reprodutibilidade
intra e interobservadores (WHO, 1996). A citologia de impressão conjuntival é um método de diagnóstico
pouco oneroso e, sendo um teste praticamente indolor, dispensa o uso de anestésicos tópicos, que poderiam
funcionar como artefatos na interpretação microscópica das amostras. É exeqüível em trabalhos de campo e tem
apresentado um grau de aderência satisfatório. Como principais limitações, têm sido evidenciadas as dificuldades
de realização em crianças menores de 3 anos de idade (Nathanail & Powers, 1992) e a interferência de fatores
ambientais, tais como a excessiva umidade e a alta temperatura, que poderiam afetar as propriedades do papel ou
da técnica de transferência (Carlier et al., 1991).

Bioquímicos
Retinol Hepático
As concentrações de vitamina A no fígado podem ser usadas como estimativas de seu status, pois este orgão
detém cerca de 90% das reservas totais dessa substância do corpo. No entanto, a biopsia hepática, na ausência de
patologias, não é eticamente justificável. De acordo com Barbara Underwood (1990), essa metodologia é usada apenas
nos casos objeto de diagnóstico ou pós-morte. Entretanto, é possível estimar as reservas hepáticas de vitamina por
métodos indiretos. Um suprimento dietético inadequado leva a uma depressão das reservas hepáticas, com a conse-
qüente diminuição da taxa de liberação da vitamina A, mantida nas reservas. A síntese de RBP continua, resultando em
um acúmulo do carreador protéico pré-formado, a proteína de enlace de retinol livre na circulação (apo-RBP). A
administração exógena de vitamina A provoca a liberação de Holo-RBP, em concentrações e características de tempo
proporcionais à quantidade do carreador pré-formado ao nível do fígado (Loerch, Underwood & Lewis, 1979). O teste
de Resposta a uma Dose de Retinol (RDR) adota esse princípio. Após a coleta de uma amostra de sangue, em jejum,
para dosagem do retinol (vitamina A no tempo zero = vitaA0), é administrada, por via oral, uma solução de palmitato
de retinil (450-1000 µg) e, cinco horas depois, uma nova amostra de sangue é tomada, para avaliação do nível de retinol
pós-suplementação (vitA5). A RDR é calculada pela equação descrita nesta fórmula (Underwood, 1990):

RDR = (vitA5 - vitA0) x 100 / vitA5

Se o RDR for > 20%, considera-se a resposta como positiva, indicativa de uma reserva hepática inadequada de
vitamina A, ou seja, status marginal de vitamina A (Flores et al., 1984). Foi observado, em pacientes hospitalizados,
que valores de RDR > 20% estavam correlacionados com concentrações hepáticas de retinol < 0,70 µmol/g (20 µg/g)
(Amedée-Manesme, Furr & Olson, 1984).
Embora seja um teste exeqüível em trabalhos de campo (Mariath, Lima & Santos, 1989), a necessidade de
duas flebotomias tem limitado a utilização do teste em larga escala. Por outro lado, os resultados do teste podem

335
Epidemiologia Nutricional

sofrer a influência de infecções e, provavelmente, da adequação protéica e doenças hepáticas, em que as concen-
trações de RBP podem estar muito baixas para produzirem uma resposta ao teste. A desnutrição energético-
protéica leve ou moderada, entretanto, parece não interferir nos resultados do teste (Underwood, 1990).
Uma modificação do teste RDR foi proposta. No novo procedimento (MRDR), o palmitato de retinol é
substituído pelo 3,4-didehidroretinol (DR), composto natural e biologicamente ativo de vitamina A, que se liga à
RBP, sem alterar as concentrações do retinol (R). Uma única amostra de sangue é tomada cinco horas após a
administração da dose oral de 3,4-didehidroretinol (Tanumihardjo, Koellner & Olson, 1990). A principal desvan-
tagem operacional do MRDR reporta-se ao fato de que o composto não é disponível comercialmente.

Retinol Sérico
A dosagem do retinol sérico tem sido o teste bioquímico mais utilizado no diagnóstico do estado nutricional
de vitamina A. Embora amplamente empregado e aceito pela comunidade científica, quando analisado pela
cromatografia líquida de alta resolução (HPLC) tem se revelado um indicador fidedigno apenas nas situações em
que as concentrações de vitamina A estão muito baixas ou em excesso (Olson, Grunning & Tilton, 1984). Por
essa razão, as concentrações de retinol sérico nas demais faixas do espectro bioquímico não têm uma boa correla-
ção, no nível individual, com o RDR ou com os resultados de biopsia hepática (Amedée-Manesme et al., 1987).
Além disso, tem sido relatada baixa sensibilidade do retinol sérico na avaliação do status de vitamina A, nos
casos de depleção moderada das reservas hepáticas (Flores et al., 1984). Sabe-se ainda que nas infecções, mesmo
subclínicas, há uma alteração na concentração de proteínas que participam no processo de resposta da fase aguda,
dentre as quais as proteínas carreadoras da vitamina A (Filteau et al., 1993).
No entanto, a grande maioria dos estudos sobre vitamina A em pacientes com infecção tem usado o retinol
sérico para medir o status desta vitamina. Observou-se que em crianças com sarampo as concentrações de retinol
sérico retornaram ao normal dentro de uma semana após a cura e que, ao fim de seis semanas, os níveis séricos de
retinol foram similares nos grupos de crianças que receberam vitamina A ou não, durante o tratamento do
sarampo (Coutsoudis et al., 1991). Assim, é fundamental que as concentrações de retinol sérico sejam ajustadas
por marcadores do estado inflamatório, a exemplo da proteína C-reativa e da α-1 glicoproteína, para a devida
interpretação e caracterização do status de vitamina A em populações que habitam em regiões tropicais, onde as
infecções, principalmente subclínicas, apresentam alta endemicidade.
De forma consensual, teores de retinol sérico, em crianças menores de 5 anos, inferiores a 20 µg/dL (0,70 µMol/
L) têm sido considerados baixos, e valores menores do que 10 µg/dL (0,35 µMol/L), deficientes. Por sua vez, concen-
trações de retinol sérico situadas na faixa acima de 20 mg/dL (0,70 µMol/L) e inferiores a 30 µg/dL (1,05 µMol/L) são
interpretadas, por alguns autores, como valores marginais. No entanto, para os demais grupos etários, ainda não há
definição consensual de qual ponto de corte deve ser utilizado para caracterizar um status de inadequação.

Retinol no Leite Materno


As concentrações de vitamina A no leite materno têm sido consideradas indicador fidedigno do estado nutricional
de vitamina A de uma população (WHO, 1996). Este indicador é utilizado na cartografia das áreas de risco e tem se
comportado como um dos melhores indicadores na avaliação da eficácia de uma intervenção (Stoltzfus et al., 1993).
Concentrações iguais ou inferiores a 30 mg/dl (1,05 µMol/L) são indicativas de um quadro de hipovitaminose A.
Recentemente, os indicadores que avaliam a DVA, tanto em termos de extensão quanto de severidade do
problema, foram revistos. O objetivo primordial foi o de aumentar a validade de cada indicador, simplificando o
diagnóstico e clarificando a interpretação. Embora os critérios anteriormente usados continuem válidos, maior

336
Epidemiologia da hipovitaminose A e xeroftalmia

ênfase deve ser dada aos indicadores descritos na Tabela 1, com as respectivas prevalências, acima das quais a DVA
deve ser considerada como um problema de saúde pública.
Tabela 1 – Critérios de prevalência para a caracterização da deficiência de vitamina A como problema de
saúde pública
Critérios Prevalência crítica

Clínico
Crianças de 2 a 5 anos
Cegueira noturna (XN) > 1%
Mancha de Bitot (X1B) > 0 ,5 %
Xerose corneal (X2) e úlcera de córnea (X3) > 0 ,0 1 %
Cicatrizes corneais (XS) > 0 ,0 5 %
Mulheres em idade reprodutiva
XN durante gravidez recente > 5%

Bioquímico
Retinol sérico <0,70 µMol/L (20µg/dL) >15%

Fonte: Sommer & Davidson (2002).

Outros Indicadores
Indicadores novos e ainda em estágios de desenvolvimento têm sido propostos para avaliar o status nutricional
de vitamina A. Dentre as novas abordagens, está a aplicação do método de diluição isotópica que, segundo
Barbara Underwood (1990), é o melhor índice para avaliar o estado nutricional de vitamina A, uma vez que
mede as reservas corporais globais. O método é baseado no princípio de que uma nova vitamina A marcada se
mistura uniformemente com a vitamina A das reservas corporais. A diluição dessa vitamina A marcada no san-
gue, relativa à quantidade administrada, é utilizada para calcular a extensão total da quantidade de vitamina A,
assumindo-se que uma proporção constante é estocada no fígado. A metodologia é a única que direta e
quantitativamente mede o status relativo de vitamina A (Underwood, 1990).
O inquérito de consumo de alimentos fonte de vitamina A, embora pouco oneroso e exeqüível em trabalhos
de campo, tem sofrido pesadas críticas no que diz respeito a sua precisão (Underwood, 1990). Em teoria, o histórico
dietético poderia ser um indicador fidedigno do estado nutricional de vitamina A, assumindo-se que ele é obtido
pelo menos em termos semiquantitativos, que é representativo do padrão usual do consumo de alimentos em
determinado período e que os requerimentos de vitamina A, tanto em nível individual quanto populacional, sejam
conhecidos (IVACG, 1989). As dificuldades em obter informações quantitativas, representativas da ingestão de
vitamina A, têm sido bem documentadas em populações em que o consumo provém de fontes muito variadas de
alimentos. No entanto, um inquérito semiquantitativo, baseado na freqüência do consumo, pode ser utilizado para
categorizar grupos de risco para um status inadequado de vitamina A. Para crianças dos países em desenvolvimento,
onde 80-90% do consumo vem de carotenóides presentes em um número limitado de grupos de alimentos, o
International Vitamina A Consultative Group (IVACG, 1989) elaborou um guia para proceder a esse tipo de
categorização, baseado em uma tabela de composição de alimentos adaptada aos alimentos locais disponíveis. Al-
guns autores alertam, no entanto, para o problema da análise e interpretação dos dados dietéticos, considerando
que, em vários países, as tabelas de composição de alimentos são inadequadas ou estão ultrapassadas (Santos, Batista
Filho & Diniz, 1996).
337
Epidemiologia Nutricional

Utilizando-se o indicador de consumo, uma região ou população é considerada em estado potencial de


risco à deficiência de vitamina A quando o consumo de alimentos ricos desta substância, pelo menos três vezes
por semana, ocorre em 75% ou menos dos domicílios ou grupos vulneráveis (WHO, 1996).
O estado nutricional de vitamina A existe num continuum que vai desde a deficiência clínica à toxicidade
(Diniz & Santos, 2000). Até o presente, nenhum método isolado é suficientemente capaz de identificar o status
de vitamina A. A avaliação mais confiável é feita, seguramente, quando se usa a combinação de vários métodos
(Underwood, 1990). A recomendação mais atual (WHO, 1996) sugere a utilização de pelo menos dois indicado-
res biológicos para caracterizar a deficiência de vitamina A. No uso circunstancial de apenas um indicador bioló-
gico, este deveria ser respaldado por um conjunto de, no mínimo, quatro fatores de risco adicionais, relacionados,
principalmente, a aspectos alimentares e nutricionais, demográficos e ecológicos, e sociosanitários, tais como:
< 50% de crianças menores de 6 meses em aleitamento materno exclusivo;
> 30% de crianças de 0 a três anos com déficit estatural (< - 2 desvios-padrão
da população de referência do National Center for Health Statistics, NCHS);
> 15% de crianças com baixo peso ao nascer (< 2,5 kg);
> 75 ‰ para o coeficiente de mortalidade infantil;
> 50 ‰ para o coeficiente de mortalidade na infância (1-4 anos);
< 50% de crianças com cobertura vacinal completa;
> 1% de letalidade por sarampo;
> 50% de ausência de escolaridade formal feminina;
< 50% de domicílios com água tratada.

Tratamento e Prevenção
Tratamento Clínico das Formas Ativas
As evidências clínicas da deficiência de vitamina A devem ser tratadas como uma emergência médica,
sobretudo aquelas que cursam com comprometimento corneal. São recomendadas 200.000 UI (unidades inter-
nacionais) de vitamina A (110 mg de palmitato de retinol ou 69 mg de acetato de retinol) no diagnóstico,
repetindo-se a dose 24 horas depois. Uma terceira dose, quando possível, deve ser administrada ao cabo de quatro
semanas. Nas crianças menores de 1 ano ou com peso inferior a 8 kg, administra-se a metade dessa dose. No caso
particular de mulheres na idade reprodutiva, recomendam-se no máximo 10.000 UI diárias durante duas sema-
nas, em virtude do potencial risco teratogênico da megadose.
Quando coexistem a desnutrição energético-protéica e a hipovitaminose A, deve-se incluir vitamina A no
esquema de recuperação nutricional, para evitar a precipitação da síndrome xeroftálmica; nessas circunstâncias
reativa-se a atividade anabólica, a demanda de vitamina A é subitamente aumentada e as reservas escassas são
rapidamente utilizadas.

338
Epidemiologia da hipovitaminose A e xeroftalmia

Tratamento Preventivo
Vitamina A, Mortalidade e Diarréia na Infância
O impacto da suplementação com vitamina A na mortalidade de crianças de 6 meses a 5 anos de idade
despertou grande interesse na comunidade científica nos últimos anos. Oito estudos de intervenção, randomizados
e controlados com placebo, com metodologia adequada e amostras de tamanho suficiente, foram realizados em
países da Ásia e da África. Em seis desses estudos houve redução significativa na mortalidade geral das crianças
suplementadas, variando de 19% a 54% (Sommer et al., 1986; Muhilal et al., 1988; Rahmathulah et al., 1990;
West et al., 1991; Daulaire et al., 1992; Ghana Vast Study Team, 1993); nos outros dois estudos nenhum efeito
foi encontrado (Vijayaraghavan et al., 1990; Herrera et al., 1992). Três metanálises independentes com os dados
desses estudos de intervenção foram realizadas, duas delas por investigadores não envolvidos, direta ou indireta-
mente, com nenhum dos estudos originais. Os resultados das metanálises indicaram reduções médias de 23%
(Beaton et al., 1994) e de 30% na mortalidade (Fawzi et al., 1993; Glasziou & Mackerras, 1993).
A prevalência de uma série de indicadores na linha-base, tais como xeroftalmia, déficits ponderais e estaturais
e mortalidade no grupo controle (usada como proxy da mortalidade na linha-base), não conseguiu predizer o
resultado final, nem definir as condições em que a suplementação iria atingir um maior benefício (Beaton et al.,
1994). De modo semelhante, as diferentes periodicidades de suplementação, nos seis estudos que tiveram efeitos
positivos, pareceram ser igualmente efetivas: dois estudos empregaram megadoses a cada seis meses, dois a cada
quatro meses, em outro houve distribuição de pequenas doses semanais e no último foi empregado um condi-
mento fortificado com vitamina A (monosódio glutamato), o que resultava em pequenas doses diárias. A possi-
bilidade de um efeito farmacológico devido a megadoses da vitamina, ao invés de fisiológico, pode ser descartada
com alguma confiança (Beaton et al., 1994). Quanto à mortalidade por causas específicas, dados de cinco dos
seis estudos com efeitos na mortalidade puderam ser agregados para a metanálise. O único efeito significativo
sobre a mortalidade específica foi uma diminuição de 32% nas mortes por diarréia nas crianças suplementadas,
ou seja, um Risco Relativo (RR) de 0,68 (IC95% 0,57 a 0,80). A interpretação, contudo, deve ser cautelosa, pois
na maioria dos estudos a causa mortis era obtida por meio de anamnese com a família – “autópsia verbal” (Beaton
et al., 1994).
Diversos estudos foram realizados para analisar o efeito da suplementação com vitamina A sobre a morbidade
na infância, sobretudo por diarréia e infecção respiratória aguda. O efeito na prevenção da diarréia é pequeno, ou
mesmo negligenciável. Apenas um dos estudos sobre morbidade, bem desenhado e com amostra adequada, mos-
trou uma pequena, mas significativa, redução de 6% na incidência da diarréia (RR = 0,94 IC95% = 0,90-0,98)
(Barreto et al., 1994). Nos outros quatro, nenhum efeito sobre a prevalência média diária ou incidência da
diarréia foi registrado (Abdeljaber et al., 1991; Rahmathullah et al., 1991; Biswas et al., 1994; Bhandari, Bhan &
Sazawal, 1994). Somente um estudo, em que a perda de seguimento pode ter comprometido a análise, encontrou
resultados diferentes e intrigantes: um ligeiro aumento (significativo) na incidência tanto de diarréia como de
infecção respiratória aguda (Stansfield et al., 1993).
Contudo, se considerarmos a diarréia severa, acumulam-se as evidências do impacto da vitamina A. Em
um dos estudos de intervenção, a suplementação foi responsável por uma redução de 9% na incidência dos
episódios de diarréia moderada (RR = 0,91 IC95% = 0,85-0,98) e de 20% no caso da diarréia severa (RR = 0,80
IC95% = 0,65-0,98) nas crianças suplementadas. Foi considerado como moderado o episódio com três dias ou
mais de duração e quatro ou menos dejeções líquidas ou semilíquidas em 24 horas, e como severo o episódio com
três dias ou mais de duração e cinco ou mais dejeções líquidas ou semilíquidas em 24 horas (Barreto et al., 1994).
No mesmo estudo, houve redução da prevalência média diária de diarréia, à medida que a definição incluía
apenas os episódios mais severos, com > 4, > 5 e > 6 dejeções líquidas ou semilíquidas em 24 horas; as razões de

339
Epidemiologia Nutricional

prevalência entre crianças suplementadas e placebo foram de 0,90 (p = 0,049), 0,80 (p = 0,005) e 0,77 (p =
0,006), respectivamente. Outra pesquisa mostrou uma redução de 36% na prevalência média diária de diarréia
associada com febre, somente nas crianças suplementadas na faixa etária superior a 23 meses (Bhandari, Bhan &
Sazawal, 1994). Em outro estudo, de larga escala, o efeito na severidade da diarréia foi evidenciado por uma
proporção 15% menor de sinais e sintomas de desidratação no grupo suplementado, comparado com o grupo
placebo [RR = 0,85 IC95% = 0,81-0,89], bem como por uma procura 12% menor de atendimento clínico
ambulatorial [RR = 0,88 IC95% = 0,81-0,95] e uma freqüência 38% menor de internação hospitalar [RR = 0,62
IC95% = 0,42-0,93] (Ghana Vast Study Team, 1993; Arthur et al., 1992).

Estratégias de Tratamento Preventivo


São várias as estratégias universalmente reconhecidas para controlar e eliminar as deficiências de
micronutrientes na população; existem medidas de efeito a curto, médio e longo prazos (Batista Filho & Diniz,
1993; Diniz, 2001). No entanto, até o presente, a maior ênfase tem sido dada à distribuição em massa de
megadoses de vitamina A, que tem se constituído em programas institucionais, na maioria das áreas de risco. No
Brasil, a suplementação tem sido implementada, desde 1983, no âmbito do Programa Nacional de Imunização
(PNI) na região Nordeste (Assis et al., 2000) e, em menor escala, em nível ambulatorial, pela rede básica de
saúde. Além da distribuição universal (crianças de 6 meses a 5 anos incompletos), tem sido recomendada a
distribuição em grupos específicos da população (crianças com diarréia aguda e/ou prolongada, sarampo e des-
nutrição grave e gestantes no pós-parto imediato) (WHO, 1988).
Os riscos de toxicidade da vitamina A, em distribuição universal, têm sido um dos principais motivos de
resistência a essa estratégia de intervenção (Florentino et al., 1990). A ocorrência de náusea, vômito e, eventualmen-
te, abaulamento da fontanela, tem sido descrita; no entanto, esses efeitos colaterais desaparecem, sem tratamento
específico, dentro de um ou dois dias após a ingestão do suplemento (Francisco et al., 1993). Foi publicado um
estudo realizado no Brasil, com o objetivo de identificar a ocorrência e a natureza de possíveis efeitos adversos
agudos da suplementação com megadoses de vitamina A (100.000 e 200.000 UI) oferecida junto com imuniza-
ção em massa. Uma amostra de 852 crianças de 6 a 59 meses de idade foi acompanhada por 24 horas antes e 72
horas após a vacinação, sendo divididas em dois grupos: 416 crianças receberam vitamina A com as vacinas e 436
compuseram o grupo controle, que recebeu apenas as vacinas. Nas 24 horas que antecederam a vacinação, as
crianças dos dois grupos referiram similar freqüência de diarréia, febre e vômito; contudo, a anorexia foi mais
prevalente no grupo que recebeu vitamina A e persistiu durante todo o período de seguimento. Os resultados
sugerem que nenhum efeito adverso agudo, em especial diarréia, vômito, febre ou anorexia, esteve associado à
ingestão da vitamina A combinada à vacinação em massa, particularmente à Sabin, à DPT e à anti-sarampo
(Assis et al., 2000).
As recomendações para os grupos etários, esquemas posológicos e período de administração a serem utili-
zadas na suplementação massiva com megadoses de vitamina A estão descritas na Tabela 2.

340
Epidemiologia da hipovitaminose A e xeroftalmia

Tabela 2 – Esquema de suplementação com megadoses de vitamina A em populações vulneráveis


População Quantidade de vitamina A a ser administrada Período de administração
Crianças de 0 a 5 meses 150.000 UI,* em 3 doses de 50.000 UI, Durante cada contato para imunização
com inter valo de 1 mês (mínimo) entre doses por DPT (6, 10 e 14 semanas)

Crianças de 6 a 11 meses Qualquer oportunidade


Dose única de 100.000 UI a cada 4-6 meses
(p. ex. imunização contra sarampo)

Crianças ≥ 12 meses Dose única de 200.000 UI a cada 4-6 meses


Qualquer oportunidade
(p. ex. imunização antipólio)

Mulheres no pós-parto 400.000 UI fracionadas em 2 doses de 200.000 UI, O mais rápido possível depois do parto e,
com, pelo menos, inter valo de 24 horas; e/ou 10.000 no máximo, 6 semanas depois; e/ou
UI/dia ou 25.000 UI/semanal durante os 6 primeiros meses após o parto

* UI - Unidade Internacional
Fonte: De Benoist, Martines & Goodman (2001).

As experiências com a fortificação de alimentos mostraram resultados promissores na Ásia (Muhilal et al.,
1988) e na América Central (Dary, 1994). No entanto, a adoção, em larga escala, de medidas dessa natureza, pela
multiplicidade dos fatores condicionantes de sua implementação, deve ser objeto de uma análise criteriosa, baseada
na realidade de cada região ou país.
Intervenções em larga escala que visam a um aumento da disponibilidade e do consumo de alimentos fonte
de vitamina A são, praticamente, inexistentes; a implantação de medidas desse porte teria que abordar fatores de
ordem econômica, social, educacional e cultural (Underwood, 1994). Os alimentos ricos em vitamina A pré-forma-
da são caros, o que torna extremamente limitado o seu consumo regular pela população de risco. Frutas e vegetais
são fontes importantes de betacarotenos, mais acessíveis às populações de baixa renda, embora o consumo de alguns
produtos, sobretudo os vegetais, sofra restrições em virtude de hábitos alimentares próprios de cada região (Santos,
Batista Filho & Diniz, 1996). A promoção do consumo em larga escala do betacaroteno seria, em princípio, a
estratégia mais apropriada na abordagem da questão. O betacaroteno teria vantagem, em relação ao retinol, em
termos de toxicidade, disponibilidade e custo benefício; poderia ser administrado a mulheres grávidas para aumen-
tar as suas reservas corporais e concentrações no leite, porque é mais seguro que o retinol e não apresenta risco
comprovado de teratogenicidade (Carlier et al., 1993). Não tem havido, até agora, relatos de toxicidade do betacaroteno
como conseqüência de ingestão excessiva; a hipercarotenemia resulta apenas em depósito amarelado na pele.
No Brasil, o consumo do fruto da palma de buriti (Mauritia vinifera mart), uma fonte rica de carotenóides,
em administração diária de 134 mg de retinol equivalente, durante 15 dias, foi seguido de reversão das evidências
clínicas e bioquímicas da deficiência de vitamina A (Mariath, Lima & Santos, 1989).

Prognóstico Clínico
A experiência clínica tem mostrado que o tratamento com vitamina A reverte o processo xeroftálmico,
mantendo, entretanto, as cicatrizes nas áreas ulceradas (Sommer et al., 1981; Araújo, Diniz & Santos, 1984;
Dricot d’Ans et al., 1988; Semba et al., 1995; Sommer & West, 1996). Alguns autores têm enfatizado a morta-
lidade extremamente elevada de crianças com xeroftalmia durante a permanência no âmbito hospitalar (McLaren
et al.,1965; Sommer et al., 1982; Sommer & West, 1996). Outros pesquisadores relatam que, infelizmente, tal
mortalidade continua elevada, inclusive, após a alta hospitalar. Na década de 80 havia estimativas de que cerca de
dois terços das crianças com cegueira parcial ou total devido à xeroftalmia morrem ao curso de alguns meses após
a instalação da deficiência visual (Menon & Vijayaraghavan, 1980; Darton-Hill, 1988).

341
Epidemiologia Nutricional

Considerações Finais
Há evidências de deficiência de vitamina A entre crianças brasileiras, sobretudo em bolsões de pobreza, na
região semi-árida do Nordeste e durante as secas prolongadas (Santos, Batista Filho & Diniz, 1996; Santos,
2002). No entanto, na experiência da equipe do Hospital Universitário da Universidade Federal da Paraíba, que
atendeu a maioria dos casos graves de xeroftalmia (Diniz, 1997), a mortalidade intra-hospitalar foi bastante
reduzida, com apenas dois óbitos em 49 crianças tratadas entre 1982 e 1992 (Santos, 2002). O profissional da
saúde deve estar atento à ocorrência, ainda que esporádica, dos sinais e sintomas dessa deficiência (Araújo, Diniz
& Santos, 1984), bem como dos fatores de risco associados (WHO, 1996). Diante dos resultados que indicam
reduções importantes na mortalidade e severidade da morbidade na infância, torna-se imperativo incluir sempre
a vitamina A na agenda das políticas públicas, com o objetivo de melhorar a sobrevivência infantil.

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346
19
Epidemiologia da Obesidade

Rosely Sichieri e Rita Adriana Gomes de Souza

P ela primeira vez na história do planeta o número de pessoas com excesso de peso supera o de desnutridos
(Roth et al., 2004). No Brasil, esse fenômeno é marcante, com aumento da prevalência em adolescentes, adultos
e idosos. Heymsfield (2004) reconhece que nenhuma faixa etária ou grupo social está protegido da obesidade e
identifica a atualidade da questão, visto que o tema está em todos os lugares: revistas, livros populares, textos
científicos e agenda política dos governos. Infelizmente, respostas claras e precisas para a questão fundamental –
como manter o controle do peso ao longo da vida adulta? – não estão disponíveis.
Os estudos sobre os fatores da dieta associados à obesidade realizados nas últimas décadas do século XX
priorizaram isolar componentes específicos da dieta, como, por exemplo, as gorduras, fibras ou tipo de carboidrato.
Essas estratégias não se mostraram efetivas para a prevenção da obesidade, e a tônica das decisões mais recentes,
que tem sido abraçada pelos organismos internacionais e agências de saúde, é abordar, concomitantemente, tanto
o consumo quanto o gasto de energia.
Combinar estratégias que visem a alterações, ao mesmo tempo, dos hábitos dietéticos e dos níveis de
atividade física parece ser fundamental, na medida em que ambos são resultados da crescente industrialização e
movimentação para os centros urbanos de grandes parcelas da população. Essas mudanças permitem e estimulam
o acesso a um mercado crescente de produtos com distribuição globalizada e de produtos em geral, muitos deles
poupadores de energia. Muitas atividades físicas foram substituídas, na sociedade moderna, pelo uso de aparelhos
como os eletrodomésticos, os sistemas automatizados de controle remoto, o carro e os sistemas de controle da
temperatura ambiental. A Organização Mundial da Saúde (OMS), reconhecendo que manter o equilíbrio energético
é a questão fundamental no controle da obesidade, destaca o equilíbrio energético como a primeira recomendação
do documento internacional conhecido como Estratégia Global (WHO, 2006). No Brasil, essa recomendação foi
incorporada no guia alimentar do Ministério da Saúde (2006).
Contudo, a busca por alimentos específicos que possam associar-se à prevenção ou redução da obesidade
não foi abandonada. O cálcio é um dos exemplos mais recentes nessa arena: após muita discussão sobre a hipótese
de este elemento ser protetor para a obesidade, estudos em população com alto risco de excesso de peso, como os
índios Pima, do Arizona, não mostraram nenhuma associação (Venti, Tatarinni & Salbe, 2005). E recente metanálise
sobre o cálcio e obesidade também não sustenta essa hipótese.

347
Epidemiologia Nutricional

A Medida da Doença
Observa-se no Brasil evolução crescente das prevalências de sobrepeso (Índice de Massa Corporal –
IMC) > 25 kg/m2 e de obesidade (IMC > 30 kg/m2). Para adultos, os dados mais recentes são referentes à
Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE (2005). A POF de 2002-2003 realizou entrevistas em uma amostra de 48.470 domicílios. Com base
nesses dados, a prevalência de sobrepeso aferida foi de 41,1%, e a de obesidade em homens adultos foi de 8,9%;
entre mulheres esses valores foram de 40% e 13,1%, respectivamente. Os dados da POF mostram que, embora as
prevalências de obesidade sejam maiores no sul do país (10,1% em homens e 15,1% em mulheres), a tendência,
comparada à observada em outras pesquisas de base populacional, foi de aumento crescente em homens em todas
as regiões do país, ao passo que entre as mulheres, exceção para aquelas do nordeste do país, observou-se tendên-
cia decrescente ou manutenção da prevalência de obesidade.
Em adolescentes, o sobrepeso também seguiu essa forte tendência de aumento. Nas áreas mais desenvolvidas
do Brasil, ou seja, no Sudeste, a prevalência de sobrepeso, definida segundo a proposta do Childhood Obesity
Working Group of the International Obesity Task Force, atingia, em 1997, 17% das meninas e dos meninos, ao
passo que no Nordeste a prevalência foi de 5% entre os meninos e 12% entre as meninas (Veiga, Cunha &
Sichieri, 2004).
Os dados para idosos seguem a mesma tendência, e mesmo nesta faixa etária a desnutrição, fenômeno
freqüente na pesquisa do Endef de 1975, é substituída pelo excesso de peso, como mostra o deslocamento das
curvas na Figura 1. Essa distribuição mostrada para mulheres de 60 a 69 anos ocorre nas outras faixas etárias e
também entre os homens.

Figura 1 – Curvas do IMC para mulheres de 60-69 anos em três pesquisas nacionais: Estudo Nacional da
Despesa Familiar (Endef 1974-1975) em negrito, Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN 1989) em
linha cheia e Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV 1996-1997) em pontilhado

Fonte: Cunha (2002).

Os indicadores de estado nutricional, bem como a adequação do uso do IMC em adolescentes e idosos,
estão discutidos nos capítulos 4, “Avaliação nutricional de adolescentes”, e 6, “Avaliação do estado nutricional de
idosos”.

348
Epidemiologia da obesidade

Obesidade como Epidemia


Embora quase todo texto sobre obesidade e doenças associadas faça menção ao caráter epidêmico que ela
assume, a pertinência de defini-la como epidêmica tem sido questionada. Flegal (2006) tece algumas considera-
ções sobre esse aspecto e mostra que o uso do termo não é adequado. Segundo a autora, definir a obesidade como
epidemia não auxilia a abordagem da doença, pois o que se sabe sobre o combate de epidemias não se aplica ao
tratamento de doenças não transmissíveis. Um aspecto positivo dessa crítica é o fato de que ela propõe relativizar
os casos de doença obesidade e pensar o ganho de peso da população como um todo. Quando se define um
fenômeno para determinada população como uma epidemia, o que conta é o aumento dos casos. No fenômeno
da obesidade, é mais importante entender como se dá na população o ganho de peso do que propriamente o
aumento do número de pessoas com IMC acima ou igual a 30 kg/m2.
Observando a Figura 1 e muitas distribuições do IMC em populações, o que se verifica é um desloca-
mento da curva como um todo. Se a tendência fosse de deslocamento somente dos valores mais altos, essa
mudança indicaria que uma parcela de maior risco estaria expressando a doença, mas, na verdade, quando a
curva do IMC, indicador de obesidade, se desloca como um todo, o fenômeno é mais disseminado, indicando
que o excesso de peso deve, provavelmente, ser abordado por políticas que visem à população como um todo,
mais do que por ações voltadas para população de risco. Ou seja, o controle e a prevenção devem ser pensados
em relação ao ganho de peso, e não em relação à obesidade. Essa não tem sido, contudo, a política adotada nos
mais diversos países, e torna-se emblemático que no Brasil a cirurgia bariátrica já faça parte do rol de procedi-
mentos reconhecidos para tratamento da obesidade, sem que haja uma definição de outras abordagens neces-
sárias para reduzir o ganho de peso.
Ainda nessa linha de discussão voltada para a caracterização da epidemia do século, outra polêmica relaciona-
se à carga de doença associada à obesidade. Foi também uma publicação de Flegal e colaboradores (2005) que
desencadeou grande discussão ao mostrar que a obesidade causaria, nos Estados Unidos, 112.000 mortes por ano
e que o sobrepeso moderado seria benéfico. As estimativas anteriores eram maiores, com números da ordem de
quatrocentos mil óbitos por ano. Uma ampla análise desses resultados contraditórios foi realizada na conferência
“Pesando as evidências: sobrepeso, obesidade e mortalidade nos Estados Unidos”, disponível no site
<http:www.harvard.edu/weighingevidence>. Não é fato novo que a mortalidade de adultos está muito mais
associada (medida pelo risco relativo) ao baixo peso do que ao excesso de peso (Sichieri, Everhart & Rubbard,
1992). Por sua vez, os negros parecem ser muito menos suscetíveis ao efeito do excesso de peso sobre a mortali-
dade (Fontaine et al., 2003), e estudos em coortes brasileiras seriam de muito interesse na avaliação dessa questão,
pela grande miscigenação da população brasileira.
Dessa discussão importa observar que a obesidade gera morbidades que não necessariamente conduzirão à
mortalidade. A redução da mortalidade pode decorrer de redução dos fatores de risco associados à obesidade,
como hipertensão, hipercolesterolemia e tabagismo (Gregg et al., 2005), com custos com os quais poucos siste-
mas de saúde poderão arcar. Particularmente, como crítica ao trabalho de Flegal e colaboradores (2005) pesa,
ainda, a possibilidade de, nele, não ter sido completamente controlado o efeito de patologias pregressas e do
tabagismo sobre a mortalidade. Vale assinalar que, com maior ou menor peso sobre a mortalidade, os efeitos
sobre a morbidade são de grande magnitude e de altos custos para os sistemas de saúde. Para os Estados Unidos,
Allison e colaboradores (1999) mostraram que somente o tabagismo excede a obesidade como fator associado à
mortalidade.
Mesmo considerando possíveis exageros na atribuição de importância da obesidade para a mortalidade, é
fato que o excesso de peso é um dos principais fatores de risco para hipertensão, doença cardiovascular, oesteoartrite,
colelitíase e diabetes tipo 2 (Gregg et al., 2005), e a estimativa de custos diretos para o sistema de saúde no Brasil
é próxima aos valores percentuais observados em países europeus (Sichieri, Nascimento & Coutinho, 2007).

349
Epidemiologia Nutricional

Outra vertente de discussão sobre a questão da obesidade, segundo Campos e colaboradores (2006),
reporta-se aos muitos atores que emergem e são gerados pela constatação de que vivemos uma epidemia de
obesidade. Haveria, por um lado, o interesse dos que lucram com a indústria da obesidade – remédios,
dietas, equipamentos – e, por outro, os que ficam segregados por sua corpulência. Como exemplo, lembre-
mos que no episódio em que o furacão Katrina destruiu a cidade de New Orleans, em uma das áreas mais
pobres dos Estados Unidos, a mídia deu grande destaque à dificuldade que os bombeiros tiveram em retirar
das áreas inundadas os muitos corpos de pessoas obesas, quase todas negras. Repetidamente, os estudos
mostram que a obesidade tende a se concentrar nas áreas mais pobres. Os dados da POF 2002-2003 (IBGE,
2005) indicam claramente, pelo menos em mulheres, essa situação.

Fatores Associados à Obesidade


Tanto nos países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento, a obesidade tem-se transformado
em um problema de saúde pública, principalmente para a população mais jovem e entre os mais pobres. Nos
Estados Unidos, taxas mais altas de obesidade e diabetes ocorrem entre os grupos de menor renda (Bassett &
Perl, 2004). Muitos são os fatores associados à obesidade. Dentre eles, os fatores ambientais são claramente
reconhecidos como os mais importantes, tanto na gênese quanto, provavelmente, na prevenção do ganho
excessivo de peso.
Os grãos refinados, açúcares e gorduras (fatores de risco da dieta para obesidade) estão entre as fontes de
energia dietética de custo muito baixo, ao passo que legumes, hortaliças frescas e frutas (fatores de proteção)
geralmente custam mais caro (Drewnowski & Darmon, 2005).
Entre os fatores sociodemográficos associados à obesidade, idade, sexo, renda, escolaridade e raça têm sido
amplamente estudados. A prevalência de obesidade aumenta com a idade. Os dados da POF para 2002-2003
(IBGE, 2005) mostram que em mulheres há um aumento muito mais acentuado até os 60 anos, quando a
prevalência comparada com a da faixa etária de 20 anos é aproximadamente quatro vezes maior, atingindo os
20%. Em homens, esse aumento é muito menor, passando de 3,1% para 11% aos 40 anos e permanecendo
praticamente estável até os 60 anos. A partir dos 60 anos, nos dois sexos a prevalência se reduz tanto no Brasil
como em outros países. A raça negra apresenta maiores prevalências de obesidade em vários estudos realizados
nos Estados Unidos e também no Brasil.
No Brasil, as associações entre renda e escolaridade com a obesidade são mais complexas. Em um estudo
com funcionários de uma universidade, a escolaridade apresentou forte associação inversa com o IMC entre
mulheres e não apresentou associação entre os homens. Nesse estudo, a renda não mostrou associação em ambos
os sexos (Fonseca et al., 2006). Em estudo de base populacional, os resultados para as mulheres residentes na
região Sudeste do Brasil foram similares aos observados nos funcionários estudados por Fonseca e colaboradores.
No entanto, entre os homens foram observadas uma associação positiva com a renda e associação inversa a partir
do terceiro quartil de escolaridade (Monteiro, Conde & Popkin, 2001).
Variações socioeconômicas refletem diferenças biológicas, além de acesso a diferentes hábitos, entre eles o
tabagismo, que pode afetar de forma importante a prevalência de obesidade das diferentes populações. Variações
socioeconômicas refletem também a possibilidade de desnutrição em fases de rápido crescimento, que parece
estar associada à obesidade. A desnutrição na infância como fator de risco para a obesidade será explorada nos
capítulos 16, “Epidemiologia da desnutrição infantil”, e 31, “Janelas críticas para programação metabólica e
epigênese transgeracional”.

350
Epidemiologia da obesidade

Fatores Ambientais
Apesar da reconhecida importância dos fatores ambientais em relação à obesidade, pouquíssimas são as
intervenções no meio ambiente de longa duração que tenham se mostrado efetivas. Discute-se a dificuldade no
desenvolvimento dessas ações em função da falta de uma clara compreensão de que ações de modificação
comportamental e ambiental seriam mais facilmente implementadas e de maior impacto em relação à obesidade
(Johnson-Taylor & Everhart, 2006).
Nesse contexto, ocupam papel de destaque as preocupações, estudos e intervenções entre crianças e adoles-
centes. A mais plausível explicação para o aumento da obesidade nessa faixa etária são a redução de atividade
física nos tempos ditos modernos e um modelo de estilo de vida familiar pouco saudável, que estimula o
superconsumo de alimentos (Suter & Ruckstuhl, 2006).
A escola é considerada um ambiente privilegiado para a promoção de estilos de vida saudável (Warren et
al., 2003). Adicionalmente, escola e estudantes podem ser vetores de mudanças na família, como foi muito
explorado na campanha antitabagista. Para a prevenção da obesidade, foram testados muitos programas entre
crianças escolares, mas poucos alcançaram resultados estatisticamente significativos na prevenção de ganho de
peso (Atkinson & Nitzke, 2001). Normalmente, esses programas têm focos múltiplos, incluindo atividade física
e comportamento alimentar.
Nos Estados Unidos e na Europa, esses programas foram capazes de modificar os conhecimentos e até
mesmo influenciar mudanças na compra de alimentos, mas redução da prevalência de sobrepeso não tem sido
alcançada (Gortmaker et al., 1999; Sahota et al., 2001; University of York, 2002). Condutas sedentárias, como
assistir à televisão, têm se mostrado positivamente associadas ao desenvolvimento da obesidade, tanto entre
crianças como em adultos. A televisão contribui muito para a inatividade (Gortmaker et al., 1996), gera um gasto
de energia similar à taxa metabólica de repouso e associa-se, ainda, com alterações no consumo alimentar (Dietz
& Gortmaker, 2001). O fato de assistir à TV influencia na escolha de alimentos e aumenta o consumo de lanches
e bebidas de alto valor calórico (Baur & O’Connor, 2004).
Além disso, a propaganda veiculada pela televisão influencia na escolha do alimento, particularmente entre
as crianças. Os alimentos são um dos itens mais propagandeados em programas de televisão para crianças e
representam 27,5% de todos os anúncios. Uma análise do conteúdo de tais propagandas mostrou que a maioria
desses alimentos contém muita gordura, açúcar e/ou sal (Almeida, Nascimento & Quaioti, 2002). Os comerciais
sobre alimentos têm efeitos imediatos sobre as preferências das crianças, como mostrou um ensaio randomizado
controlado realizado com pré-escolares nos EUA (Borzekowski & Robinson, 2001). Uma a duas exposições de
dez a trinta segundos por dia influenciaram as preferências alimentares de crianças de 2 a 6 anos.
O padrão dietético de crianças, que é determinado, primeiramente, pela família, sofre forte influência da
televisão e, com o crescimento, outros fatores culturais e sociais levarão à criação dos hábitos alimentares (Ramos
& Stein, 2000). Um estudo sobre o consumo de base populacional no município do Rio de Janeiro, RJ (Veiga &
Sichieri, 2006) avaliou a concordância da alimentação de pais e filhos e mostrou que há uma forte associação,
particularmente para refrigerantes. Entre pais e filhos adolescentes de menor renda, a concordância no consumo
é quase perfeita e, com o aumento de renda, essa associação fica mais fraca.
Alguns pedagogos sugerem que escolas já têm muito para fazer e que prevenção de obesidade não deveria
ser principalmente focalizada na escola (Sutton, 2004). Porém, em países como o Brasil, a escola é um dos poucos
estabelecimentos públicos que alcançam a maioria da população de menor nível socioeconômico.
A busca de alternativas de intervenção em adolescentes e suas famílias é ainda corroborada pela observação
de que, sejam obesos ou não, grande parte da população não atinge as recomendações de alimentação saudável.
Pesquisa de base populacional no Rio de Janeiro observou hábitos alimentares pouco saudáveis, tanto em crian-

351
Epidemiologia Nutricional

ças com sobrepeso como em crianças com IMC normal (Andrade, Pereira & Sichieri, 2003). Nesse estudo,
verificou-se alto consumo de açúcar, doces, refrigerantes e batata frita, e consumo de frutas e vegetais muito
abaixo do recomendado. Reduzido consumo de frutas e verduras entre as famílias brasileiras foi claramente
evidenciado pela POF de 2003 (Levy-Costa et al., 2005).

Consumo de Açúcar e de Bebidas Açucaradas


O aumento de consumo de refrigerantes no Rio de Janeiro, comparando-se os dados de consumo diário de
1975 a 1996 per capita, passou de 28 ml para 103 ml, ou seja, foi da ordem de 400% (Sichieri, 1998). O limite
máximo de 10% para a proporção de calorias provenientes de açúcar, incluindo os refrigerantes, é ultrapassado
em todos os inquéritos, ainda que se note algum declínio na última década, quando são comparadas as últimas
POF (Levy-Costa et al., 2005). Esse declínio pode estar associado a maior consumo de açúcar, com a alimentação
fora do domicílio.
O consumo freqüente de refrigerantes parece estar associado ao ganho de peso (Ludwig, Peterson & Gortmaker,
2001). Uma possível explicação para isso é que os efeitos fisiológicos da ingestão de energia sobre a saciedade são
diferentes para líquidos e para alimentos sólidos. Carboidratos ingeridos na forma líquida promoveriam um balanço
energético positivo maior (Ludwig, Peterson & Gortmaker, 2001; Dimeglio & Mattes, 2000).
Cavadine, Siega-Riz e Popkin (2002), analisando a tendência de consumo de bebidas nos Estados Unidos,
mostraram que parte dos refrigerantes foi substituída por sucos com alta adição de açúcar e que sucos e refrige-
rantes aumentam, ao passo que o consumo de leite diminui. Tendo em vista possíveis intervenções, essa observa-
ção é muito pertinente, pois, com a grande crítica hoje existente em relação aos refrigerantes e sem uma regulação
ou parceria da indústria de alimentos, é possível reduzir os refrigerantes sem, contudo, reduzir o consumo de
açúcar adicionado às bebidas.
Um ensaio clínico randomizado, conduzido na Inglaterra entre escolares, mostrou que um programa
educativo para redução do consumo de refrigerantes, mesmo alcançando apenas uma modesta redução de consu-
mo em 12 meses, resultou em uma diferença média de 8% na freqüência de sobrepeso entre os grupos experi-
mental e controle (James et al., 2004). O principal foco do estudo foi a redução da ingestão calórica global pela
substituição de refrigerantes por bebidas não calóricas, e muitas estratégias foram desenvolvidas para incorporar
essa mensagem. Não obstante, em uma coorte de escolares de baixo nível socioeconômico não foi observada
associação do consumo de refrigerantes e sucos com o ganho de peso (Newby et al., 2004), mas outros estudos
longitudinais conduzidos nos Estados Unidos observaram aumento do IMC e maior prevalência de sobrepeso
associados ao consumo de refrigerante (Ludwig, Peterson & Gortmarker, 2001; Berkey et al., 2004, Striegel-
Moore et al., 2006).
Em adultos, a ingestão de refrigerantes e sucos observada na Women’s Health Initiative, coorte dos Estados
Unidos, bem como na coorte das enfermeiras americanas, associou-se com ganho de peso (Schulze et al., 2004).
O papel de refrigerantes no ganho de peso explica-se pelo menor controle do consumo de energia na forma
de líquidos (Van Wymelbeke et al., 2004). Nos Estados Unidos, as campanhas negativas em relação aos refrige-
rantes levaram a uma pequena redução no seu consumo e à sua substituição por um consumo maior de sucos
com grande adição de frutose (Cavadini, Siega-Riz & Popkin, 2002).
A ingestão de refrigerantes é influenciada pelo consumo de amigos e pais, e estudos prospectivos mostra-
ram um efeito positivo de mudanças no estilo de vida familiar na redução de obesidade em crianças. Os educado-
res também têm um papel importante de apoio às escolhas feitas pelas crianças. Mudanças positivas de fatores de
risco cardiovasculares em estudantes foram obtidas incluindo-se tópicos de saúde nas atividades escolares, com
ampla participação dos professores (Johnson et al., 2003).

352
Epidemiologia da obesidade

A Estratégia Global para Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde (EG) da OMS preconiza,
entre suas várias recomendações dietéticas para populações e indivíduos, “limitar o consumo de açúcares
livres”. As bebidas são ricas em açúcares livres, principalmente os xaropes de milho ricos em frutose nos
Estados Unidos e a sacarose no Brasil. Essas bebidas contêm grande quantidade de calorias e não levam à
redução do consumo de alimentos sólidos em quantidade correspondente. Dessa forma, promovem um
balanço positivo de energia na dieta e também parecem reduzir o controle do apetite.
Outro mecanismo por meio do qual o açúcar de adição poderia promover o ganho excessivo de peso
decorre da sua densidade de energia. A densidade de energia dos alimentos parece ser o principal fator associado
ao consumo excessivo de energia nos alimentos com grande adição de açúcar. A densidade energética refere-se à
quantidade de energia fornecida por grama de peso do alimento. Prentice e Jebb (2003) mostraram que muitos
alimentos oferecidos em cadeias de fast-food têm densidades em torno de 263 kcal/100g. Esse valor é 65% maior
do que o da densidade da dieta típica britânica e 145% maior do que o da dieta africana. Segundo os autores, os
mecanismos regulatórios não estão aptos a controlar esse excesso de calorias por grama de ingestão, o que induz
ao chamado consumo passivo excessivo. Produtos que fornecem mais de 1,5 kcal por grama de peso são conside-
rados de densidade energética elevada (Rolls et al., 1999). Andrade, Pereira e Sichieri (2003) fornecem as densi-
dades energéticas de vários itens alimentares consumidos com freqüência por adolescentes brasileiros.
Dados do Brasil, em uma análise ecológica da POF segundo capitais, mostraram associação estatisticamente
significativa entre consumo de açúcar e de refrigerantes com a prevalência de obesidade em mulheres adultas
(Lobato, 2006).
Encontrar fatores ambientais associados à obesidade que possam ser incorporados por indivíduos, famílias,
escolas etc. poderia facilitar a prevenção do ganho de peso, embora poucos estudos tenham combinado interven-
ções. Uma dessas intervenções, combinando escola e família, com vinte semanas de duração, mostrou resultados
positivos (Warren et al., 2003). Reduzir o consumo do açúcar de adição pode ser um desses elementos de inter-
venção combinada. Considerando que há um ambiente muito obesogênico, é intuitivo imaginar que o ganho de
peso decorre de hábitos alimentares inadequados de toda a família.

Outras Fontes de Superconsumo de Calorias


No Brasil, tem sido observada alta freqüência de consumo de doces, biscoitos e batatas fritas (Andrade,
Pereira & Sichieri, 2003; Fontanive, Costa & Soares, 2002; Levy-Costa et al. 2005). Esse padrão de consumo
tem sido associado com uma alta prevalência de obesidade. Os dados da Pesquisa de Padrões de Vida (PPV) de
1997 (IBGE, 1997) mostraram que no Brasil o consumo de açúcar é particularmente alto no Sudeste rural: cerca
de 100 g/dia per capita. No Sudeste urbano e Nordeste, esse consumo ficou ao redor de 80 g/dia, ao passo que o
consumo de biscoitos foi de aproximadamente 20 g/dia na área urbana e de 15 g/dia na área rural. Massas e
produtos de cereais altamente refinados, como pão, bolos e biscoitos, apresentaram maior consumo nas áreas
com menor consumo de açúcar. Esses alimentos processados têm índices glicêmicos altos e, em particular, os
biscoitos e as batatas fritas figuram ainda entre as principais fontes de ácidos graxos trans, um componente da
dieta que, na sua maior parte, deve ser evitado. Nos dados da POF (Levy-Costa et al. 2005), os biscoitos partici-
pam com porcentagem maior de calorias do que os diversos tipos de macarrão em quase todas as regiões do país.

Considerações Finais
Dados epidemiológicos descritivos do fenômeno obesidade, combinados a estudos de intervenção, são
fundamentais para orientação das condutas individuais e coletivas de tratamento e prevenção. Os dados recentes
mostram que a redução da obesidade não será alcançada com uma ou duas ações. Estratégias ambientais devem

353
Epidemiologia Nutricional

ser estudadas de forma tão ou mais enfática que os marcadores genéticos. É necessário avaliar estratégias que
possam mostrar eficácia, principalmente entre grupos de menor nível socioeconômico e utilizando desenhos
prospectivos.
Para países em desenvolvimento, onde a carga e os custos associados a doenças crônicas relacionadas à
obesidade são crescentes, a prevenção primária de obesidade pode ser obrigatória. Além disso, um padrão dietético
inadequado não é privilégio de pessoas com sobrepeso. Em adolescentes, fica evidente que o consumo alimentar
aquém da recomendação para frutas, hortaliças, leite e feijões independe da presença de sobrepeso (Andrade,
Pereira & Sichieri, 2003). Família, escola e comunidade, independentemente de seu estado nutricional, precisam
implementar hábitos alimentares saudáveis. Neste cenário em que a ingestão de refrigerante aumentou mais que
400% nas últimas três décadas no Brasil, havendo muitas marcas de refrigerante disponíveis de custo muito baixo
e dirigidas à população de baixa renda, e em que o consumo de biscoitos cresce também a taxas similares à dos
refrigerantes e representa importante fonte do superconsumo de calorias (Levy-Costa et al., 2005), medidas
visando à ampla redução de refrigerantes e de biscoitos podem representar os primeiros passos em busca de uma
alimentação mais saudável.
Pode-se concentrar as ações na redução de consumo de refrigerantes ampliando-se a proposta brasileira de
cantinas saudáveis. E, ao mesmo tempo, deve-se evitar que os refrigerantes sejam substituídos pelos sucos de fruta
industrializados, invariavelmente adicionados de grandes quantidades de frutose e sacarose. Associa-se a essa
possibilidade o fato de que intervenções em populações já com sobrepeso são pouco eficazes. Portanto, estudos de
ampla escala que estimulem, por exemplo, redução de biscoitos e refrigerantes no Brasil, sua implementação e
avaliação deveriam ser incentivados.

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357
20
Fatores Nutricionais no Diabetes

Daniela Saes Sartorelli

A história do diabetes mellitus data de vários séculos. Antigas civilizações do Egito, Roma, Grécia e Índia
foram pioneiras na descrição da doença e de sua evolução. Em 1500 a.C., o papiro egípcio Ebens descreveu um
distúrbio caracterizado por intensa poliúria. No entanto, o grande marco foi 70 d.C., quando o romano Arateu
o denominou de diabetes, “fluir através”, devido à poliúria e polidipsia características da enfermidade. Em 1675,
Thomas Willis, médico inglês, introduziu o termo mellitus, “semelhante ao mel”, após observar o gosto adocicado
da urina dos indivíduos. As ilhotas, identificadas no século XIX por Brockman, foram descritas por Langerhans
em 1869. Em 1921, o isolamento da insulina por meio de sua extração do pâncreas evitou a morte de diversos
indivíduos portadores da doença. Os primeiros hipoglicemiantes orais foram desenvolvidos em 1955 (Milech &
Oliveira, 2004). Posteriormente, verificou-se a diferenciação etiológica da doença e o reconhecimento do diabe-
tes como resultante de condições genéticas, metabólicas e ambientais. Os pontos de corte de glicemia como
critério diagnóstico da doença são amplamente discutidos na atualidade, e a classificação rotineiramente empre-
gada é: diabetes tipo 1 (anteriormente denominado insulinodependente), diabetes tipo 2 (não insulinodependente)
e diabetes gestacional.
Atualmente, a indústria farmacêutica dispõe de numerosas drogas para o tratamento do diabetes, porém o
controle metabólico de indivíduos com a doença em evolução consiste em um dos maiores desafios dos serviços de
saúde pública (Donahue & Ochard, 1992; Assunção, Santos & Gigante, 2001; Assunção, Santos & Costa, 2002).
A relevância do diabetes no perfil epidemiológico da população brasileira, a carga de doença para os siste-
mas públicos e seu impacto sobre a qualidade de vida dos indivíduos são indiscutíveis. Alterações na estrutura da
dieta, o sedentarismo e o incremento na prevalência da obesidade são fatores de risco relevantes para o desenvol-
vimento do diabetes tipo 2 e, possivelmente, do diabetes gestacional. Em relação ao diabetes tipo 1, as investiga-
ções sobre a contribuição de fatores ambientais em sua etiologia são crescentes, porém escassas. O presente
capítulo aborda dados epidemiológicos e as evidências disponíveis da contribuição de fatores nutricionais na
gênese do diabetes tipo 1, diabetes gestacional e diabetes tipo 2.

Magnitude e Distribuição do Diabetes


A prevalência global do diabetes tipo 2 (DM) tem se elevado vertiginosamente. Projeções para os próximos
vinte anos estimam um incremento de 42% do número de indivíduos maiores de 65 anos acometidos pela

359
Epidemiologia Nutricional

doença em países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, espera-se um aumento de 170% do número de
indivíduos portadores da doença em todas as idades, principalmente no grupo de 45-64 anos, em que a prevalência
deverá triplicar, duplicando nas faixas etárias de 20-44 e 65 e mais anos (King, Aubert & Herman, 1998).
Dados nacionais em população urbana entre 30 e 69 anos de idade, coletados em 1988, estimaram
prevalências de DM e de Tolerância à Glicose Diminuída (TGD) em 7,6 e 7,8%, respectivamente (Malerbi &
Franco, 1992). Estudos pontuais mais recentes, com a mesma faixa etária, verificaram que 12% e 7,7% de
indivíduos residentes em Ribeirão Preto, SP, eram portadores de DM e TGD, respectivamente (Torquato et al.,
2003). No município do Rio de Janeiro, RJ, as prevalências de DM e TGD observadas em 1989 foram de 7,1%
e 9%, respectivamente (Oliveira, Milech & Franco, 1996). Nesses estudos, os principais fatores de risco identifi-
cados foram idade, história familiar de diabetes e obesidade.
Os dados disponíveis da freqüência do DM em crianças e adolescentes são escassos, mas sugerem um
aumento substancial nesta faixa etária. Entre os índios Pima do Arizona, considerados a comunidade com maior
coeficiente de ocorrência do DM no mundo, um estudo conduzido entre 1992 e 1996 com jovens entre 10 e 14
anos e entre 15 e 19 anos verificou prevalências de 2,2 e 5,1%, respectivamente nas duas faixas etárias. Os dados
da população norte-americana revelam uma prevalência (tipo 1 e tipo 2) de 0,4% entre indivíduos com idade
entre 12 e 19 anos (ADA, 2000). A maior freqüência da obesidade e a crescente prevalência do diabetes gestacional
estão entre os fatores relacionados à ocorrência de DM nessa faixa etária. Um estudo de rastreamento para
diabetes gestacional, conduzido entre 1994 e 2002, verificou um crescimento exponencial do número de casos,
independentemente da etnia, predispondo os indivíduos a um círculo vicioso, com perspectivas de aumento da
prevalência da doença em todas as faixas etárias (Dabelea et al., 2005).
Em relação ao diabetes tipo 1, uma crescente incidência vem sendo evidenciada no mundo, porém discre-
pante em diferentes países, variando de 0,5 a 30,3 novos casos para cada cem mil indivíduos anualmente (Onkamo
et al., 1999). Na América Latina, as taxas de incidência da doença são mais discretas, mas variam de 0,1/100.000
na Venezuela até 17,4/100.000 em Porto Rico (Collado-Mesa et al., 2004). No Brasil, a carência de estudos de
base populacional conduzidos entre jovens limita as estimativas nacionais. No estudo conduzido em 1988, em nove
capitais brasileiras, verificou-se uma freqüência de 0,1% de diabetes auto-referido entre indivíduos com idade infe-
rior a 30 anos, sugerindo que esta seja a prevalência do diabetes tipo 1 nessa população (Malerbi & Franco, 1992).

Diabetes Tipo 1: fatores genéticos e ambientais


O diabetes tipo 1 é uma doença crônica auto-imune, com manifestação clínica desencadeada pela falência da
produção insulínica nas células β do pâncreas. Consiste em uma doença poligênica com pelo menos 16 diferentes
lócus. Entretanto, a predisposição genética mais evidente é mediada pelos genes do antígeno do leucócito humano
HLA (Human Leucocyte Antigen), localizados na região do complexo principal de histocompatibilidade no braço
curto do cromossomo 6, e pelo gene da insulina no cromossomo 11. Todavia, apenas 10% das crianças com
predisposição genética desenvolvem o diabetes clínico, o que sugere que fatores ambientais possam estar relaciona-
dos à história natural da doença. Entre as crianças predispostas geneticamente, a produção de auto-anticorpos já
parece determinar a chance do desenvolvimento clínico da doença. Atualmente, quatro distintos auto-anticorpos
foram descritos, sendo que o risco de progressão para a doença na presença de três ou quatro auto-anticorpos é de 60
a 100% em crianças com predisposição genética (Virtanen & Knip, 2003; Knip et al., 2005).
Outras evidências sugerem a hipótese da influência ambiental na gênese do diabetes tipo 1, tais como: a
concordância de apenas 40% em estudos com gêmeos monozigóticos; valores de prevalência discrepantes entre
caucasianos residindo na Europa; aumento vertiginoso da prevalência do diabetes tipo 1 nos últimos cinqüenta anos
e evidências de estudos desenvolvidos com populações migrantes que verificaram aumento na incidência da doença
entre grupos que migraram de regiões de baixa prevalência para regiões de prevalência elevada (Knip et al., 2005).

360
Fatores nutricionais no diabetes

O aleitamento materno e a introdução complementar de alimentos são os fatores ambientais mais investi-
gados na gênese do diabetes tipo 1. Evidências provenientes de estudos caso-controle sugerem que a introdução
precoce do leite de vaca na alimentação infantil seja um fator de risco para o diabetes tipo 1 (Gimeno & Souza,
1997; Virtanen & Knip, 2003), embora estudos prospectivos recentes não tenham verificado associação positiva
entre consumo de leite de vaca e detecção de auto-anticorpos relacionados à doença (Norris et al., 2003; Ziegler
et al., 2003). Em contrapartida, a introdução precoce (< 3 meses de vida) de cereais na alimentação infantil foi
verificada como um importante fator de risco para a auto-imunidade do diabetes tipo 1 em uma coorte de
crianças alemãs (Ziegler et al., 2003). Um recente estudo de coorte que acompanhou 3.500 crianças com predis-
posição genética na Finlândia verificou que a introdução de frutas na alimentação de crianças menores de 4 meses
representou um risco duas vezes maior para a detecção de auto-anticorpos na idade de 1 ano, quando comparado
ao verificado entre crianças com aleitamento materno exclusivo. Nesse estudo, a introdução precoce de tubércu-
los também esteve associada a um incremento no risco da detecção de auto-anticorpos (Virtanen et al., 2006).
Um dos possíveis mecanismos fisiopatológicos seria a proteção conferida pelo aleitamento materno exclusivo
(Kimpimäki et al., 2001). Além disso, a introdução precoce de frutas e tubérculos, assim como de fórmulas
infantis e leite de vaca, pode resultar em um aumento na oferta calórica que estaria associada a um estresse das
células β, induzindo à auto-imunidade (Virtanen et al., 2006). Essa relação pode também estar fundamentada
por pesquisas que verificaram uma associação positiva entre elevado ganho de peso e crescimento linear em
crianças pequenas e incremento no risco de diabetes tipo 1 (Hyppönen et al., 1999, 2000).
Os estudos disponíveis ainda não conferem evidências convincentes sobre o papel da introdução precoce
de alimentos na gênese do diabetes tipo 1, sendo necessário um maior número de estudos. Porém, as evidências
da proteção conferida pelo aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida para o desenvolvimento ade-
quado das crianças são incontestáveis, sugerindo que esta seja a recomendação universal (WHO, 1998).

Diabetes Tipo 2: estado nutricional e fatores ambientais


A obesidade em crianças e adolescentes é um crescente problema mundial. Suas implicações na saúde
infantil ainda são incertas, mas poderão repercutir nas taxas de incidência de diabetes alguns anos mais tarde,
dado que o excesso de peso é considerado um fator de risco convincente para o DM (WHO/FAO, 2003).
Estudos longitudinais conduzidos entre os índios Pima verificaram que, além da obesidade na infância, o
peso ao nascer (McCance et al., 1994) e a exposição intra-uterina ao diabetes gestacional foram os principais
fatores preditores do desenvolvimento do DM (Dabelea & Pettit, 2001) e da hipertensão arterial na infância e
adolescência (Charles et al., 1994). A exposição intra-uterina ao diabetes gestacional vem sendo considerada
como fator de risco para o desenvolvimento de obesidade, DM (Catalano et al., 2003) e síndrome metabólica na
adolescência (Boney et al., 2005). De acordo com as estimativas crescentes do diabetes gestacional (Dabelea et
al., 2005), um maior número de crianças deverá estar exposta ao DM em idade precoce, aumentando o risco de
complicações na vida adulta.
As evidências do papel do estilo de vida na gênese do DM em adultos são crescentes. A Organização
Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), no
documento “Dieta, nutrição e prevenção de doenças crônicas”, atribuíram a força das evidências científicas de
fatores nutricionais em relação ao risco de doenças crônicas, com base nos critérios de causalidade de Hill: força
da associação, presença do gradiente dose-resposta, associação temporal, consistência dos achados e plausibilidade
biológica. As evidências foram classificadas em: convincente, provável, possível e insuficiente, e estão demonstradas
no Quadro 1 (WHO/FAO, 2003).
Segundo esse documento, a associação entre excesso de peso, obesidade abdominal, sedentarismo e DM
são convincentes, assim como a perda de peso voluntária em portadores de excesso de peso e a prática regular de

361
Epidemiologia Nutricional

atividades físicas são fatores protetores convincentes para o DM em adultos. O número de estudos epidemiológicos
que incluem desenhos prospectivos e ensaios clínicos aleatorizados pode ser considerado suficiente para a de-
monstração da força causal desses fatores de risco para DM. Enquanto a obesidade abdominal está fortemente
relacionada com a resistência à insulina, a perda de peso voluntária atua na melhoria de sua sensibilidade perifé-
rica. O mesmo mecanismo de proteção é conferido à prática regular de atividades físicas. Embora a prática
mínima de atividades na prevenção do DM não esteja bem estabelecida, acredita-se que exercícios físicos regula-
res com intensidade de 80 a 90% do batimento cardíaco máximo durante vinte minutos com freqüência de cinco
vezes por semana possa melhorar substancialmente a sensibilidade à insulina (WHO/FAO, 2003). Um ensaio
clínico aleatorizado conduzido entre portadores de TGD verificou que a prática regular de atividades físicas de
lazer e caminhadas conferiram uma redução de 65% no risco de desenvolver o DM após quatro anos de segui-
mento (Laaksonen, Lindström & Lakka, 2005).
Estudos epidemiológicos em populações de diferentes origens étnicas sugerem que tanto a glicotoxicidade
como a lipotoxicidade podem interferir na síntese da insulina e na sensibilidade a este hormônio. Inicialmente,
níveis elevados de Ácidos Graxos Livres (AGL) circulantes foram implicados nesse processo, mas atualmente
vários fatores regulatórios produzidos por adipócitos (adipocinas) foram descritos, como o fator de necrose tumoral
alfa [TNF-alfa] e interleucina 6 [IL-6]. Evidências sugerem que o tecido adiposo exibe um estado de inflamação
crônica de baixo grau, que interfere na ação da insulina e contribui para o desenvolvimento da resistência periférica
(Zecchin & Saad, 2006).
O consumo alimentar habitual constitui um dos principais fatores determinantes passíveis de modificação
para as doenças crônicas não transmissíveis. Ressalta-se, contudo, que as limitações inerentes ao próprio método de
investigação da dieta habitual restringem o número de evidências consideradas convincentes (WHO/FAO, 2003).
Estudos epidemiológicos indicam uma provável evidência de risco relacionado ao consumo excessivo de
gorduras saturadas (acima de 10% das calorias totais) e ao baixo consumo habitual de fibras da dieta (menor que
20 g ao dia) para o DM. Além disso, dietas hiperlipídicas (acima de 37% das calorias totais), ricas em ácidos
graxos trans, com elevado Índice Glicêmico (IG) e baixos teores de ácidos graxos ϖ-3 têm sido consideradas
fatores de risco possíveis para o desenvolvimento da patologia (WHO/FAO, 2003). O IG, proposto desde 1981
por Jenkins e colaboradores, consiste em uma escala de resposta glicêmica a uma quantidade fixa de carboidratos
(50 g) quando comparada à resposta glicêmica de um alimento-padrão, geralmente glicose ou pães (Jenkins et al.,
1981). O IG da dieta habitual é, portanto, um indicador da qualidade do carboidrato da dieta consumida,
determinado por seu potencial hiperglicêmico pós-prandial (Jenkins et al., 2002).
Sugere-se ainda uma relação protetora do consumo de vitamina E, cromo, magnésio e consumo moderado
de álcool para DM, mas os resultados dos estudos são ainda controversos, e essas evidências consideradas como
insuficientes (WHO/FAO, 2003).
Os resultados de ensaios clínicos aleatorizados sugerem que orientações nutricionais enfocando a qualidade
dos carboidratos e lipídeos da dieta, como o estímulo ao consumo de cereais integrais, frutas, verduras, legumes,
azeite de oliva e peixes em detrimento do consumo de carnes e cereais refinados, associadas ao incentivo da
prática de atividades físicas, podem produzir um importante impacto na prevenção primária do DM em indiví-
duos portadores de fatores de risco (Sartorelli, Franco & Cardoso, 2006).

362
Fatores nutricionais no diabetes

Quadro 1 – Sumário da força das evidências da associação do estilo de vida para o desenvolvimento do
diabetes tipo 2
Força de evidência Fatores protetores Fatores de risco
Convincente Perda de peso em sobrepesos/obeso Sobrepeso/obesidade
Prática de atividades físicas
Obesidade abdominal
Sedentarismo
História materna de DM*

Provável Fibra dietética Ácidos graxos saturados

Possível Ácidos graxos ϖ-3 Gordura total da dieta


Dietas com baixo IG Ácidos graxos trans
Aleitamento materno exclusivo

Insuficiente Vitamina E Consumo excessivo de álcool


Cromo
Magnésio
Consumo moderado de álcool

* Incluindo DM gestacional.
Fonte: adaptado de WHO/FAO (2003).

Diabetes Gestacional: estado nutricional e fatores ambientais


O estado nutricional materno pré-gestacional é um relevante indicador no acompanhamento pré-natal,
pois está associado ao desenvolvimento intra-uterino e à mortalidade infantil (Cnattingius et al., 1998). Evidên-
cias epidemiológicas sugerem, também, que o excesso de peso pré-gestacional (Nucci et al., 2001), obesidade
abdominal (Branchtein et al., 1997) e ganho de peso excessivo (Seligman et al., 2006; Kac & Velásquez-Meléndez,
2005) estariam relacionados a um maior risco de complicações, como hemorragia materna, distúrbios hipertensivos,
diabetes gestacional e macrossomia fetal.
Evidências sugerem que fatores ambientais maternos que alterem o fluxo sanguíneo ou a oferta de substratos
interfiram no desenvolvimento da placenta e feto (Clapp, 2002). Dados sobre o efeito da atividade física e do
consumo alimentar de gestantes, o desenvolvimento fetal e o risco de complicações, como o diabetes gestacional,
ainda são escassos. Estudos sugerem que a prática regular de atividades físicas moderadas atuem beneficamente
no desenvolvimento placentário e na redução do risco de complicações no parto; entretanto, atividades físicas
vigorosas não são recomendadas, uma vez que poderão repercutir na redução do fluxo de glicose e oxigênio para
a placenta e o feto (Clapp, 2006). Por outro lado, a quantidade e a qualidade dos carboidratos da dieta habitual
da gestante podem interferir na oferta de glicose para a placenta durante a prática de atividades físicas (Clapp,
2006). O consumo alimentar habitual e o aporte de diversos nutrientes têm impacto relevante na oferta de
substratos para a placenta, entretanto a qualidade dos carboidratos é o principal alvo de investigações do papel da
dieta habitual neste processo (Clapp, 2002).
Estudos epidemiológicos recentes sugerem que a qualidade dos carboidratos constituiria importante fator
preditor de dislipidemia, doenças cardiovasculares e diabetes, principalmente entre indivíduos susceptíveis à
resistência à insulina, com elevado índice de massa corporal (Willett, Manson & Liu, 2002; Liu et al., 2002,
2001, 2000).

363
Epidemiologia Nutricional

Em gestantes, a hiperglicemia após o consumo de alimentos com elevados teores de IG é semelhante ao


observado em adultos e vem sendo associada ao maior ganho de peso materno e fetal. Em conjunto com a
resistência periférica à insulina, fisiologicamente verificada durante a gestação, sugere-se que uma dieta habitual
com elevados teores de IG em gestantes com excesso de peso pré-gestacional possa estar relacionada a um maior
risco de diabetes gestacional e macrossomia fetal (Clapp, 2002). Por sua vez, a restrição severa de alimentos de
elevados IG em mulheres eutróficas e/ou baixo peso pré-gestacional pode predispor ao baixo peso ao nascer
(Scholl et al., 2004). Desta forma, a manipulação do IG e do teor de fibras da dieta poderá ser uma aliada ao
controle do ganho de peso gestacional e desenvolvimento fetal adequados.

Perspectivas de Risco no Brasil


O incremento vertiginoso da prevalência do diabetes observado nas últimas décadas expressa intensas
mudanças no perfil epidemiológico global na segunda metade do século XX (WHO, 2000). A influência da
carga genética no desenvolvimento da doença é indiscutível; entretanto, a alarmante prevalência de alteração
da homeostase glicêmica entre indivíduos geneticamente suscetíveis expostos a drásticas mudanças de estilo de
vida, como os índios Pima e os nipo-brasileiros, sugere uma atuação fundamental de fatores ambientais na
manifestação da doença (Gimeno et al., 2003). Além disso, os ensaios clínicos aleatorizados para prevenção do
DM verificaram uma redução significativa da progressão da TGD para o DM com a adoção de um estilo de vida
saudável, independentemente da predisposição genética (Uusitupa, 2005).
O envelhecimento populacional e as alterações do estilo de vida são considerados os principais determinantes
do incremento na freqüência do diabetes nos últimos anos no Brasil (Sartorelli & Franco, 2003). A elevada
prevalência da obesidade poderá exercer um impacto relevante no perfil epidemiológico nos próximos anos.
Como uma tendência secular, verificou-se um incremento da prevalência de obesidade na população bra-
sileira em todas as faixas etárias nas últimas décadas, expondo os indivíduos ao maior risco de doenças crônicas
(IBGE, 2004). Entre mulheres, a prevalência do excesso de peso nas classes sociais menos favorecidas vem se
intensificando (Monteiro et al., 2004), o que tem aumentado as chances de ocorrência do diabetes gestacional.
Em uma coorte de gestantes, acompanhada em seis capitais brasileiras, a prevalência de excesso de peso na ocasião
da concepção estava presente em 25% das mulheres e associada ao maior risco de complicações na gestação ou no
parto (Nucci et al., 2001), predispondo as crianças ao desenvolvimento da doença.
Além da exposição intra-uterina ao diabetes gestacional, a obesidade na infância é relevante para as chances
de desenvolvimento do DM em idades precoces. Nos Estados Unidos, a prevalência estimada de excesso de peso
em indivíduos com idade entre 12 e 19 anos aumentou cerca de 3% em um período de quatro anos, atingindo
17% dessa população em 2004 (Ogden et al., 2006). No Brasil, os resultados da Pesquisa de Orçamentos Fami-
liares (POF) revelam um incremento relevante da prevalência do excesso de peso em adolescentes brasileiros, que
atinge cerca de 15% das meninas e 18% dos meninos com idade entre 10 e 19 anos (IBGE, 2006).
As alterações no estilo de vida dos brasileiros nas últimas décadas apresentam potencial igualmente relevante
no aumento do risco de doenças crônicas. A intensa urbanização e a mecanização dos processos produtivos
predispõem os indivíduos ao estilo de vida sedentário. Além disso, um estudo transversal de base populacional
conduzido nos estados do Nordeste e Sudeste, em 1997, estimou que cerca de 87% de adultos eram sedentários.
A freqüência da prática de atividades físicas de lazer recomendada para prevenção de doenças crônicas, trinta
minutos em cinco ou mais dias por semana, foi relatada por apenas 3,5% dos homens e 3,2% das mulheres
(Monteiro et al., 2003).
Em relação à disponibilidade de alimentos, os dados da POF sugerem profundas mudanças nas últimas três
décadas. Verificou-se um aumento importante na participação das carnes em geral (aumento de quase 50%),
carne bovina (aumento de 22%), carne de frango (aumento de mais de 100%), embutidos (aumento de 300%),

364
Fatores nutricionais no diabetes

leite e derivados (aumento de 36%), óleos e gorduras vegetais (aumento de 16%), biscoitos (aumento de 400%)
e refeições prontas (aumento de 80%). Em contrapartida, observou-se uma tendência inversa para o consumo de
arroz (redução de 23%), feijão/leguminosas (redução de 30%), raízes e tubérculos (redução de 30%), peixes
(redução de 50%), ovos (redução de 84%) e gordura animal (redução de 65%). Em relação ao consumo do
grupo de açúcares e refrigerantes, deve-se considerar que diminuiu a disponibilidade de açúcar desde o primeiro
período entre 1974-75 e 1986-87, chegando a 23% a redução no período de 1974-75 a 2003. Ao mesmo tempo,
um aumento na disponibilidade de refrigerantes já vinha sendo constatado desde o primeiro período, chegando
a 400% entre 1974-75 e 2003. O consumo de frutas, verduras e legumes permaneceu inalterado (cerca de 3 a
4%) nas últimas três décadas (IBGE, 2004).
Quanto ao aleitamento materno, a mediana de sua duração evoluiu favoravelmente nas últimas décadas,
embora ainda aquém das recomendações internacionais. Entretanto, o aleitamento exclusivo é praticado por uma
pequena parcela das lactantes e a introdução de outros alimentos é precoce, o que poderia predispor nossas crianças
ao maior risco de diabetes tipo 1 (Venâncio et al., 2002; Kitoko et al., 2000; Venâncio & Monteiro, 1998).
As perspectivas nacionais são de incremento da prevalência do diabetes em todas as faixas etárias, o que
justifica a adoção de medidas preventivas. A Política Nacional de Alimentação e Nutrição contempla a promoção
de hábitos de vida saudáveis, que se iniciam com aleitamento materno exclusivo e introdução adequada da
alimentação complementar, e incluem o estímulo à alimentação saudável e à prática de atividades físicas em
todos os estágios do ciclo vital (Ministério da Saúde, 2005). Os dados de estudos de prevenção primária do
diabetes realizados em países em desenvolvimento são escassos, mas os resultados de um estudo brasileiro
sugerem um importante impacto na melhoria da qualidade de vida de indivíduos com elevado risco metabó-
lico obtido por meio de medidas simples de intervenção adaptadas às condições usuais de unidades básicas de
saúde (Sartorelli et al., 2005).

Considerações Finais
A participação da carga genética no risco da ocorrência do diabetes é indiscutível. Entretanto, as evidências
da influência de fatores ambientais em sua gênese são crescentes.
Os estudos que investigaram o papel do estado nutricional, estilo de vida e ocorrência do diabetes gestacional
ainda são insuficientes, mas sugerem que o excesso de peso pré-gestacional e o ganho de peso materno estejam
fortemente relacionados ao risco. A exposição intra-uterina ao diabetes gestacional, associada à elevada prevalência
de excesso de peso em crianças e adolescentes, são os principais fatores associados à manifestação clínica do DM
em idades precoces.
Em relação ao diabetes tipo 1, o aleitamento materno exclusivo parece exercer um efeito protetor, e a
introdução precoce de alimentos pode predispor crianças geneticamente suscetíveis ao risco de desenvolvimento
do diabetes clínico.
A evolução do excesso de peso, que consta das estimativas nacionais, assim como as alterações na prática de
atividades físicas e no consumo alimentar, são reconhecidos fatores de risco para o diabetes em todas as faixas
etárias, o que ressalta a relevância da promoção de hábitos saudáveis de vida para prevenção e controle do diabetes
no Brasil.
Entretanto, segundo a OMS, a implementação de programas de mudança de estilo de vida entre indivíduos
portadores de fatores de risco deve ser associada a alterações ambientais que favoreçam as escolhas individuais na
adoção e manutenção do estilo de vida saudável. Além disso, o estímulo à valorização cultural pela saúde consti-
tui uma ferramenta de fundamental importância para o alcance das metas do estilo de vida saudável (WHO/
FAO, 2003).

365
Epidemiologia Nutricional

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369
21
Fatores da Dieta nas Doenças Cardiovasculares

Suely Godoy Agostinho Gimeno e Sandra Roberta Gouvea Ferreira

A partir da segunda metade do século XX, observaram-se importantes mudanças socioeconômicas e


tecnológicas em todo o mundo, com conseqüentes modificações na esperança de vida ao nascer e no estilo de
vida; além disso, criou-se uma capacidade sem precedentes de utilizar a ciência para prolongar e melhorar as
condições de vida. Nessa transição, a mudança de saúde mais perversa foi a epidemia de Doenças Crônicas Não
Transmissíveis (DCNT) e, entre elas, contribuem para a maior parte dos casos de morte ou incapacidade as
Doenças Cardiovasculares (DCV), os cânceres e o Diabetes Mellitus (DM) (WHO/FAO, 2003). Mudanças nos
hábitos alimentares – caracterizados por dietas com alta densidade energética, elevado consumo de gorduras e do
sal de cozinha, deficientes em carboidratos complexos e micronutrientes – e no estilo de vida – caracterizado pelo
sedentarismo – contribuem para a atual epidemia de excesso de peso, observada em diversas populações, indepen-
dentemente do seu grau de desenvolvimento (ver capítulo 25, “Transição nutricional: conceito e características”).

As Doenças Cardiovasculares
A doença aterosclerótica é a principal causa de morte em várias regiões do mundo, sendo particularmente
mais prevalente nos países desenvolvidos (Cines et al., 1998). É um processo inflamatório difuso da parede
arterial que começa na infância e evolui silenciosamente durante a vida adulta, quando surge mais ou menos
precocemente, na dependência da presença de uma série de fatores de risco. Suas manifestações clínicas mais
freqüentes e relevantes são a coronariopatia, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) e a doença arterial periférica.
Do ponto de vista anatomopatológico, o estreitamento do lúmen arterial inicia-se por acúmulo de lípides (células
espumosas) no endotélio de artérias de grande e médio calibres, a partir do qual se desenvolve processo inflama-
tório crônico, progressivo, com formação do ateroma, sujeito à erosão e fenômenos tromboembólicos. Anorma-
lidades também nas camadas média e adventícia dessas artérias contribuem para agravar o estreitamento luminal
(Cines et al., 1998).
A aterosclerose apresenta etiologia multifatorial; alguns de seus principais fatores predisponentes são o
fumo, o DM, a hipercolesterolemia, a Hipertensão Arterial (HA) e a inatividade física (Ross, 1999). Mais recen-
temente, outros fatores de risco foram incorporados, tais como a obesidade visceral, a Resistência à Insulina (RI),
a inflamação subclínica e a hiperhomocisteinemia. Essas anormalidades, de naturezas diversas, podem compro-
meter a função endotelial, perpetuando a lesão por meio de mecanismo fisiopatogênico comum (Cines et al.,

371
Epidemiologia Nutricional

1998; Ross, 1999). Dessa forma, o estresse oxidativo, a inflamação e o estado pró-trombótico estarão presentes
na arteriopatia aterosclerótica instalada, independentemente do seu principal fator desencadeante.
Segundo Yokoyama (2004), o elo entre o estresse oxidativo e o processo aterogênico estabeleceu-se com
base nas evidências de oxidação da Lipoproteína de Baixa Densidade (LDL) como etapa-chave na formação das
células espumosas. As LDL transportam o colesterol dos locais de onde ele é absorvido (intestino) e formado
(fígado) para os demais territórios, onde será utilizado para reparar membranas, produzir esteróides e cumprir
outras funções. Essa lipoproteína é a principal transportadora do colesterol sérico (70% circulam ligados a ela) e
fornecedora deste lipídio para os tecidos extra-hepáticos, por meio da sua ligação ao receptor de LDL na mem-
brana plasmática. Sua remoção (clearance) da circulação ocorre por meio da ligação ao seu receptor específico,
principalmente nos hepatócitos (75%).
São conhecidos subtipos de LDL, que variam em tamanho, densidade e conteúdo lipídico; com o aumento de
sua densidade, observa-se diminuição do diâmetro da partícula. As partículas pequenas e densas são reconhecida-
mente mais aterogênicas do que as maiores e, na literatura, documentaram-se associações entre a concentração sérica
de LDL pequenas e densas e o risco de DCV. Tais partículas, quando comparadas às demais, se infiltram mais
facilmente na parede arterial e são mais suscetíveis à oxidação (Engler & Engler, 2006). O estresse oxidativo
constitui-se em importante mecanismo modificador das LDL, o que compromete sua remoção da circulação e
aumenta seu potencial de agressão ao endotélio.
Em concentrações normais, a LDL penetra e sai da camada íntima, mas, em quantidades excessivas, esta
lipoproteína se fixa à parede arterial, podendo sofrer oxidação. In vitro, a incubação da LDL com células endoteliais
e musculares lisas induz modificação oxidativa da LDL e geração de radicais livres (Parthasarathy et al., 1999).
Devido à presença de antioxidantes no plasma, a LDL circulante é habitualmente pouco oxidada. Além
disso, LDL modificadas em circulação seriam rapidamente removidas por células dos sinusóides hepáticos que
contêm grande quantidade de receptores. Contudo, pode haver algum grau de peroxidação lipídica no plasma, e
mínimas quantidades de LDL oxidada podem desencadear rápidas modificações oxidativas e subseqüente entrada
na camada íntima arterial. In vivo, a questão decisiva sobre a oxidação ou não da LDL está relacionada ao balanço
entre a magnitude do processo pró-oxidante e a capacidade de defesa contra tais mecanismos. Experimentos em
laboratório revelam que substâncias com propriedades antioxidantes tais como a vitamina E têm a capacidade de
reduzir a formação de radicais livres pelas LDL modificadas (Ross, 1999; Chilson & Steinberg, 2000). Porém,
ainda não é possível afirmar que, em seres humanos, a suplementação com tais substâncias teria um papel prote-
tor sobre o sistema cardiovascular.
Diversos fatores de risco cardiovascular encontram-se comumente agrupados sob o denominador comum
da RI. O reconhecimento da freqüente associação de obesidade visceral, intolerância à glicose, HA e dislipidemia
(partículas pequenas e densas de LDL, hipertrigliceridemia, níveis baixos de HDL-colesterol) levou à descrição
da atualmente denominada Síndrome Metabólica (SM), tendo a RI como principal fator etiopatogênico (ver
capítulo 22, “Aspectos epidemiológicos e nutricionais da síndrome metabólica”).

A Epidemia das Doenças Cardiovasculares


As DCV são responsáveis por 30% das mortes em todo o mundo e afetam todos os estratos sociais. Nos
Estados Unidos, no ano de 1998, as DCV foram responsáveis por 34% das mortes entre as mulheres e 28,2%
entre os homens. Tal cenário também ocorre em países em desenvolvimento, onde as taxas de mortalidade e de
morbidade, entre as mulheres, apresentam um incremento continuado, destacando-se, em particular, o aumento
no número de casos de HA, AVC e Doença Coronariana (DC) (WHO/FAO, 2003).
No Brasil, dados do Datasus, órgão do Ministério da Saúde (www.datasus.gov.br), mostram que do total
de internações ocorridas em todo o país no mês de março de 2006, 9,9% foram por doenças do aparelho circu-

372
Fatores da dieta nas doenças cardiovasculares

latório; entre aqueles com idade acima de 40 anos, esse valor foi de 22,3% para o sexo masculino e de 22,1% para
o feminino. Com relação à mortalidade, do total de óbitos observados no ano de 2003, 27,3% foram decorrentes
de doenças do aparelho circulatório, com distribuição semelhante entre os sexos.
Em países em desenvolvimento, onde a transição epidemiológica avançou, há evidências de reversão do
gradiente social, com indivíduos pobres sendo bastante vulneráveis às DCV. Além do aumento na incidência, a
ocorrência da doença em idades cada vez menores também contribui para essa epidemia (WHO/FAO, 2003).
O perfil das DCV varia entre os países em desenvolvimento. Aqueles em estágios iniciais da transição têm
maior número de casos de cardiopatia reumática, cardiomiopatias infecciosas e nutricionais. A HA surge como
problema de saúde pública naqueles países em fase intermediária, contribuindo para a ocorrência de casos de
AVC hemorrágico e doença cardíaca hipertensiva, podendo o consumo do sal de cozinha favorecer esse quadro.
Em localidades com avançada transição epidemiológica, esses casos são substituídos pelo AVC isquêmico e DC,
mais relacionados ao consumo elevado de gorduras e aos níveis aumentados das lipoproteínas séricas, os quais
contribuem para a ocorrência da doença aterotrombótica (WHO/FAO, 2003).

Nutrição como Fator de Risco para as Doenças Cardiovasculares


A relação entre a dieta e a DC é investigada há mais de um século. De acordo com revisão da literatura feita
por Hu e Willett (2002), Ignatowshi, em 1908, produziu aterosclerose em coelhos por meio de uma dieta rica em
colesterol e gordura saturada. Nos anos 50, estudos experimentais mostraram que, em humanos, tanto as gordu-
ras saturadas quanto, em menor extensão, o colesterol dietético aumentavam as concentrações séricas de colesterol.
Além disso, estudos epidemiológicos encontraram que concentrações séricas elevadas de colesterol prediziam o
risco de DC. Hoje, sabe-se que vários dos clássicos fatores de risco cardiovascular (lipoproteínas séricas, pressão
arterial e adiposidade corporal) são influenciados pela dieta habitual (Bertoli et al., 2006) e que os efeitos do
hábito alimentar sobre as DCV são mediados por múltiplas vias biológicas, não apenas as concentrações séricas
do colesterol (Figura 1).

Figura 1 – Mecanismos pelos quais a dieta pode influenciar o risco de DCV

Fonte: adaptado de Hu & Willett (2002).

O grau de adiposidade corporal, resultado do balanço energético, apresenta uma influência importante no
risco de DCV. Os mecanismos pelos quais a obesidade eleva esse risco incluem a RI, hiperglicemia, HA, redução
da fração HDL e aumento da LDL do colesterol (Willett, 1998).
Na pesquisa sobre o papel dos diferentes fatores nutricionais no desenvolvimento das DCV, vários aspectos
metodológicos devem ser considerados nos estudos e na interpretação dos achados referentes a fatores na dieta:

373
Epidemiologia Nutricional

a) o tipo de estudo (experimental, metabólico, epidemiológico ou ensaio clínico); b) o tipo de variável resposta
ou desfecho (morbidade, mortalidade ou variáveis intermediárias, como, por exemplo, a hipertensão arterial);
c) problemas na aferição da exposição (dieta), que incluem a ausência de padrão-ouro para a determinação do
consumo habitual de alimentos, o uso de tabelas de composição de alimentos, o desconhecimento tanto
do tempo necessário para que a exposição possa provocar a doença quanto do tipo de relação que pode existir
entre essas variáveis (ou seja, linear, em J, ou em U); d) o fato de a dieta não saudável com freqüência ocorrer
juntamente com outros comportamentos também não saudáveis; e) o fato de os efeitos da dieta sobre o risco
cardiovascular dependerem das alterações tanto do peso corporal quanto dos lípides séricos, da pressão arterial e
de fatores inflamatórios e trombóticos. Esses aspectos remetem à questão de quando e como ajustar essas variáveis
(variações intermediárias) na avaliação do efeito da dieta sobre as DCV (Willett, 1998).

Nutrientes e Doenças Cardiovasculares


Nas últimas décadas, diversos pesquisadores em todo o mundo investigam o papel da dieta habitual na
prevenção das DCV, particularmente no que diz respeito ao consumo de gorduras, carboidratos, fibras, álcool e
antioxidantes. Assim, neste capítulo, será dado maior destaque a esses componentes dietéticos.

Gorduras Dietéticas
A maior parte das gorduras naturais é composta por 98 a 99% de triglicérides, e a grande maioria destes
é de cadeias longas; o restante inclui traços de mono e diglicerídeos, ácidos graxos livres, fosfolipídeos e
material não saponificável que contém esteróides. Os triglicérides são compostos por átomos de carbono,
hidrogênio e oxigênio. Os ácidos graxos podem ter de quatro a trinta átomos de carbono e constituem a parte
principal dos triglicérides; podem ser agrupados em saturados (AGS), monoinsaturados (AGM) e poliinsaturados
(AGP). O grau de saturação pelo hidrogênio é definido como o número de duplas ligações entre os átomos de
carbono na cadeia.
Os AGS não contêm duplas ligações e, geralmente, o comprimento de suas cadeias varia de 12 a 18 átomos
de carbono; os mais comuns na dieta são o ácido palmítico, o esteárico, o mirístico e o láurico. Suas principais
fontes incluem os laticínios, as carnes de vaca, de cordeiro, de porco e de frango.
Sabe-se que a composição lipídica da membrana celular é regulada pela composição de ácidos graxos da
dieta (Haag & Dippenaar, 2005). Os AGS aumentam a concentração da LDL plasmática pela diminuição do
catabolismo da LDL; este efeito é mediado tanto pela expressão diminuída do RNAm do receptor LDL quanto
pela menor fluidez da membrana (Schaefer, 2002). Além disso, como sugerido por Soinio e colaboradores (2003),
o consumo elevado de alimentos ricos em gorduras saturadas pode induzir a RI, piorando o controle glicêmico.
As relações entre as gorduras da dieta e as DCV, particularmente a DC, são muito investigadas, com
associações fortes e consistentes geradas por um vasto corpo de evidências vindas de estudos com animais,
epidemiológicos, ensaios clínicos e estudos metabólicos realizados em diferentes populações.
Inicialmente, considerou-se a relação entre as gorduras da dieta como mediada principalmente pelo seu
efeito sobre os lípides séricos. De acordo com essa hipótese, o consumo elevado de AGS e colesterol e diminuído
de AGP reduz os níveis sanguíneos de colesterol, importante fator causal da placa aterosclerótica (Willett, 1998;
WHO/FAO, 2003). Mais recentemente, investigaram-se também os efeitos da gordura dietética sobre a função
endotelial e trombose, bem como as relações deste nutriente com a adiposidade corporal e as vias de inflamação.
Em diferentes populações, comprova-se a associação entre as DCV e as concentrações sangüíneas do colesterol
total e da sua fração LDL. Identificou-se também a ação protetora da HDL, e a razão entre o colesterol total e a
fração HDL surgiu como um forte preditor do risco de DCV. Os níveis sanguíneos de triglicérides também se

374
Fatores da dieta nas doenças cardiovasculares

mostraram associados diretamente ao risco de doença aterosclerótica e a fenômenos tromboembólicos, embora


esta associação não seja tão consistente como a verificada com a colesterolemia. Os efeitos das diferentes gorduras
dietéticas sobre o perfil lipídico do plasma constituem o evento-chave na via causal que relaciona a dieta às DCV.
As concentrações de colesterol total no sangue e nos tecidos são influenciadas tanto pela síntese endógena
como pela dieta. Lacticínios e carnes são as suas principais fontes. O ovo é rico em colesterol, mas, diferentemente
dos outros alimentos de origem animal, não fornece AGS. O colesterol da dieta eleva os níveis dessa substância
no sangue, porém seu efeito sobre a razão colesterol total/HDL, apesar de desfavorável, é pequeno. Evidências de
estudos observacionais que relacionam o colesterol da dieta com as DCV são contraditórias. O limite superior
recomendado para a ingestão diária de colesterol é de 300 mg; contudo, como não se trata de nutriente essencial
(é sintetizado pelo organismo), sua ingestão deve ser a menor possível.
Em estudos epidemiológicos, tanto o teor total de gorduras da dieta, o consumo excessivo de AGS e de
colesterol quanto a baixa ingestão de AGP associam-se consistentemente com maiores taxas de morbi-mortalidade
por DCV (McGee et al., 1984; Kushi, Lew & Stare, 1985; Joossens, Geboers & Kesteloot, 1989; Ascherio et al.,
1994; Tell et al., 1994; Albert et al., 1998) ou com o melhor perfil metabólico dos indivíduos (Apple et al., 2005;
Howard et al., 2006; Nordmann et al., 2006). Estudos com animais ou de intervenção dietética também confirma-
ram esses achados (Dayton et al., 1968, Frantz Jr. et al., 1989, Watts et al., 1992; De Lorgeril et al., 1994).
Os AGS e os AGM podem ser sintetizados pelo organismo. Os AGP são subdivididos em n-6 e n-3, deriva-
dos, respectivamente, dos ácidos linoléico (AL) e α-linolênico (AAL), os quais são essenciais (Lai et al., 2006).
Os AGS, como um grupo, elevam os níveis séricos do colesterol total e da fração LDL. Os ácidos mirístico
e láurico têm maior efeito sobre essa elevação que o palmítico, porém tal poder torna-se muito maior quando
estes são ingeridos em combinação com o colesterol da dieta. Aparentemente, o ácido esteárico não eleva o
colesterol no sangue e é rapidamente convertido, in vivo, em ácido oléico.
Estudos metabólicos mostram que os AGS da dieta induzem a uma marcada elevação das frações HDL e
LDL. Mudanças na razão colesterol total/HDL nem sempre são acompanhadas de alterações no colesterol total.
Na dieta, a substituição de AGS por AGP diminui essa razão, mas quando a troca é feita por carboidratos este
efeito não é observado. Uma vez que a substituição de AGS por carboidratos reduz proporcionalmente as frações
LDL e HDL, esta tem pouco efeito sobre a razão LDL/HDL; considerando também o aumento que provoca nos
níveis séricos de triglicérides, essa mudança na dieta tem pouco efeito sobre o risco de DC. Quando os AGM ou
os AGP substituem os AGS, a LDL diminui e a HDL pouco se altera. Mais que isso, a substituição de AGS por
AGP pode melhorar a sensibilidade à insulina e o DM tipo 2 (WHO/FAO, 2003; Hu & Willett, 2002).
Uma dieta com baixo teor de gorduras e rica em carboidratos, quando comparada com outra rica em
AGM, causa uma pequena queda no HDL, diminuindo a razão colesterol total/HDL. Os AGP são mais efetivos
nesse aspecto do que os AGM, e nenhum deles eleva os níveis séricos dos triglicérides.
Gorduras ricas em ácido láurico (frutas tropicais) aumentam significativamente os níveis do colesterol
sérico, mas, devido ao seu efeito específico sobre a HDL, a razão entre essas lipoproteínas não se altera. Destaca-se
que esses efeitos podem variar com a idade dos indivíduos.
Os ácidos graxos trans são isômeros geométricos de AGM, que assumem configuração semelhante à dos
AGS. A hidrogenação parcial (processo no qual são criados os ácidos graxos trans) também remove ácidos graxos
essenciais como o AL e o AAL.
Estudos metabólicos mostraram que os trans são mais aterogênicos que os AGS, pois, além de aumentarem
os níveis séricos da LDL, diminuem os da fração HDL. Assim, a razão LDL/HDL é maior entre indivíduos que
consomem dietas com esses ácidos graxos do que entre aqueles com dieta contendo AGS ou ácido oléico.
A maioria dos ácidos graxos trans da dieta vem de óleos industrializados, mas os laticínios e carnes de ruminantes
também contêm este nutriente. Sua eliminação da dieta constitui estratégia importante para a prevenção das
DCV (Hu & Willett, 2002; WHO/FAO, 2003).

375
Epidemiologia Nutricional

O único AGM da dieta importante, do ponto de vista nutricional, é o ácido oléico, abundante nos óleos de
canola, azeite de oliva e nas frutas oleaginosas. As evidências epidemiológicas que relacionam os AGM às DCV
são originadas de estudos com a dieta mediterrânea, entre outros. Os AGM reduzem os níveis séricos de glicose
e triglicérides em indivíduos com DM tipo 2 e podem diminuir a susceptibilidade da LDL à oxidação.
O ácido araquidônico é um importante AGP n-6. Os ácidos eicosapentanóico (EPA) e o docasaexanóico
(DHA) são importantes AGP n-3. Eicosanóides, derivados do ácido araquidônico, têm propriedades metabólicas
opostas àquelas dos DHA; assim, a dieta deve ser balanceada em AGP n-6 e n-3.
Um aspecto que diferencia o peixe e outros animais marinhos dos terrestres é a presença de EPA e DHA em
seus lípides. Em dietas vegetarianas, é necessária a inclusão de soja e folhas verdes para atender às necessidades de
AGP n-3.
Os efeitos biológicos dos AGP n-3 variam em um amplo espectro e incluem melhora do perfil lipídico do
plasma, pressão arterial, função cardíaca, função endotelial, ação antiplaquetária e antiinflamatória. O DHA
parece ser mais responsável pelos efeitos benéficos do peixe e óleo de peixe sobre os lípides séricos, a pressão
arterial, o débito cardíaco e o controle glicêmico, ao passo que o EPA e DHA diminuem a agregação plaquetária
(WHO/FAO, 2003; Engler & Engler, 2006; Hooper et al., 2006).
Estudos mostraram que o consumo de duas ou mais porções de peixe por semana (4 g de ácidos graxos n-3)
pode reduzir em 30% o risco de DCV, pois, apesar de elevar os níveis séricos tanto da HDL quanto da LDL, o
aumento da LDL, aparentemente, se dá às custas de partículas maiores, menos aterogênicas (Engler & Engler,
2006).
O AAL (ácido graxo ômega-3 encontrado nos óleos de canola e soja) pode, em humanos, ser convertido
para EPA e DHA e, assim, contribuir para a prevenção das DC (Hu & Willett, 2002).
A definição das proporções adequadas de AGS, AGM e AGP em relação ao Valor Calórico Total da dieta
(VCT) é importante em função de sua forte relação com as DCV, especialmente a DC; contudo, aparentemente,
o tipo de gordura é mais importante que a quantidade (a dieta mediterrânea fornece teor de gorduras > 30% do
VCT e os indivíduos que a consomem têm menor risco para esse grupo de doenças que os demais).
A redução dos AGS é recomendada por diversas sociedades científicas e órgãos de saúde, mas qual compo-
nente deve ser o seu substituto é matéria controversa. Tanto os AGM quanto os AGP melhoram o perfil lipídico,
embora os AGP sejam mais efetivos. As recomendações dietéticas americanas indicam que os AGS representem
de 7 a 8% do VCT; os AGM, de 13 a 15%; os AGP, de 7 a 10% do VCT, e que as gorduras totais não ultrapassem
30% do VCT (WHO/FAO, 2003). A prevenção (primária ou secundária) das DCV pode ser realizada por meio
da redução de alimentos fontes de AGS e da eliminação dos ácidos graxos trans da dieta, com aumento do
consumo de alimentos fontes de AGM e AGP e a redução do colesterol.

Carboidratos e Energia
A relação entre os carboidratos e as DCV parece ser mediada por mecanismos indiretos, incluindo sua
contribuição para o VCT da dieta e seu efeito sobre o excesso de peso e distribuição da adiposidade corporal, sua
influência sobre as concentrações sanguíneas de lípides, particularmente os triglicérides, e o controle glicêmico
(WHO/FAO, 2003; Nordmann et al., 2006).
Dietas com alto teor de carboidratos parecem reduzir os níveis séricos de HDL e aumentar os da LDL
pequenas e densas, com impacto adverso sobre a saúde cardiovascular. Tal perfil de lipoproteínas favorece ainda
a elevação dos triglicérides plasmáticos. Contudo, não há evidências claras de que o risco cardiovascular seja
alterado, de forma independente, pelo teor de carboidratos da dieta, pois a diminuição deste nutriente implica,
em contrapartida, o aumento do consumo de lípides ou proteínas (WHO/FAO, 2003).

376
Fatores da dieta nas doenças cardiovasculares

O Índice Glicêmico (IG) da dieta pode ser um indicador da influência dos carboidratos no controle glicêmico
(dieta com elevado IG piora o controle e está associada com mudanças nos lípides séricos). Alimentos com baixa
capacidade de gelatinização do amido (grãos mais compactos), tais como o macarrão, e alto conteúdo de fibras
viscosas (por exemplo, cevada, aveia e centeio) têm digestão mais lenta e, assim, menor IG. A carga glicêmica (IG
x teor de carboidratos do alimento) é utilizada para representar tanto a qualidade quanto a quantidade do carboidrato
consumido e associa-se aos níveis séricos elevados de triglicérides e diminuídos de HDL. Até o momento, os
alimentos com baixo IG que podem ser recomendados são as verduras, os legumes e as leguminosas (Hu &
Willett, 2002; WHO/FAO, 2003).

Fibra Dietética
São denominadas fibras dietéticas uma mistura heterogênea de polissacarídeos e lignina que não pode ser
degradada por enzimas endógenas de animais vertebrados. Podem ser solúveis em água (pectinas, gomas, mucilagens
e algumas hemiceluloses) ou insolúveis (celulose e outras hemiceluloses). As fibras solúveis que têm propriedade
de formar gel podem ser também chamadas de viscosas (Erkkila & Lichtenstein, 2006).
Há evidências de que dietas ricas em fibras alimentares podem prevenir o aparecimento do DM e, possivel-
mente, de suas complicações (WHO/FAO, 2003). Seu efeito pode ser mediado pela digestão e absorção lenta dos
carboidratos, o que leva à redução da demanda de insulina. Frutas, verduras, legumes, grãos e cereais integrais são
as principais fontes de fibras na dieta.
Resultados de estudos experimentais com animais e de intervenção clínica mostram que a ingestão elevada
de fibras viscosas pode reduzir as concentrações séricas de LDL; Wu e colaboradores (2002) atribuem esse fato à
sua solubilidade e sua capacidade de se ligar ao ácido biliar e inibir a síntese de colesterol, provavelmente após
fermentação no cólon intestinal.
A maioria das fibras solúveis diminui as concentrações séricas de colesterol total e LDL sem afetar as de
HDL. O consumo de fibras, quando comparado ao de outros componentes da dieta, é melhor preditor do ganho
de peso, dos níveis séricos de insulina, triglicérides, HDL, LDL e fibrinogênio; contudo, esse resultado pode
ocorrer devido ao efeito exercido por outros determinantes da saúde cardiovascular. Recomenda-se, atualmente,
de 25 a 30 gramas de ingestão diária de fibras (Erkkila & Lichtenstein, 2006).

Antioxidantes
Oxidantes são produtos do metabolismo aeróbio normal e de resposta inflamatória; constituem um grupo
diverso tanto do ponto de vista químico quanto de comportamento e, até o momento, não se sabe ao certo quais
deles seriam importantes para o desenvolvimento de diversas DCNT. De forma semelhante, os antioxidantes
formam um grupo de componentes com diferentes propriedades; eles atuam inibindo a formação de oxidantes
ou, quando estes se formam, interrompem sua ação e reparam o dano resultante.
Uma estratégia possível para prevenir a DCV seria a de utilizar antioxidantes que atuassem ou inibindo a
oxidação da LDL ou modificando a suscetibilidade ou a resistência desta lipoproteína aos oxidantes (Tribble,
1999). Porém, até o momento, os resultados de intervenções nessa linha em seres humanos não são muito
animadores. Recentemente, Bleys e colaboradores (2006) mostraram, após a realização de metanálise que incluiu
diversos estudos do tipo ensaio clínico com alocação aleatória dos indivíduos, que a suplementação de antioxidantes
(vitaminas C, E, β-caroteno ou selênio) não alterou o curso da progressão da aterosclerose em humanos.
A oxidação da LDL por radicais livres é resultado de uma captação anormal da LDL por macrófagos na
parede das artérias, que acelera o processo aterosclerótico. Antioxidantes dietéticos, tais como as vitaminas C

377
Epidemiologia Nutricional

(ácido ascórbico), E (α-tocoferol) e o β-caroteno (provitamina A), podem retirar diretamente os radicais livres
(quelantes). Tais mecanismos sugerem que a ingestão aumentada ou a suplementação com esses nutrientes pode-
ria proteger contra lesões vasculares. Essas evidências provêm especialmente de resultados de estudos observacionais,
mas os achados de ensaios clínicos com suplementos são desapontadores (WHO/FAO, 2003).
O sistema de defesa antioxidante inclui componentes tanto endógenos como exógenos que atuam sobre as
lipoproteínas e, em nível molecular, protegendo a membrana celular e o DNA contra o efeito danoso dos radicais
livres. Antioxidantes endógenos são enzimas naturalmente presentes no organismo, e os exógenos entram no
organismo pela dieta (Rauma & Mykkanen, 2000).
O papel de componentes dietéticos, tais como a vitamina C, E e o β-caroteno, recebem atenção especial no
que diz respeito à prevenção das DCV. O enriquecimento in vitro da LDL com vitamina E aumenta a resistência
desta lipoproteína à oxidação, mas o mesmo não se observa para o β-caroteno (Tribble, 1999; Ricciarelli, Zingg
& Azzi, 2001).
Resultados de diferentes estudos epidemiológicos mostram associações entre a diminuição de morbidade e
mortalidade por DCV e a ingestão (ou o nível sérico) de antioxidantes, tais como as vitaminas C e E. Na maior
parte das vezes, a ingestão de antioxidantes (via alimentação ou suplementação medicamentosa) esteve associada
a menor risco de desenvolver a doença (Gale et al., 1995; Klipstein-Grobusch et al., 1999; Tribble, 1999; Hirvonen
et al., 2000; Liu et al., 2000, 2001; Johnsen et al., 2003; Chattopadhyay & Bandyopadhgay, 2006).
A vitamina C é um agente redutor (doador de elétrons) e quelante de radicais livres; a vitamina E pode se
concentrar no interior da camada fosfolipídica da membrana celular e reagir com radicais peroxil lipídico e
superóxido, interrompendo, assim, a cadeia de reações de peroxidação lipídica, prevenindo o dano ao tecido
(Mooradian et al., 1994; Wen et al., 1996). Após revisão do tema, Ness e Powles (1997) afirmaram que, embora
os achados nulos possam estar subrelatados na literatura, os resultados dos estudos publicados são consistentes
com um forte efeito protetor do consumo freqüente de frutas e vegetais para o AVC e um efeito moderado para
a DC. Os autores sugerem que investigações sejam realizadas também em termos de alimentos, e não apenas de
nutrientes.
Dados do Nurses Health Study, no qual mais de 85 mil mulheres foram acompanhadas por um período de
até oito anos, revelaram, mesmo após o ajuste simultâneo para a idade e o hábito de fumar, menor risco
de desenvolver DCV entre aquelas com maior consumo de vitamina E, quando comparadas às demais (Stampfer
et al., 1993). Rimm e colaboradores (1993) encontraram resultados semelhantes com base na coorte do Health
Professionals Follow-up Study, com seguimento de mais de 39 mil homens por cerca de 14 anos. Os autores
também relataram – apenas entre os indivíduos fumantes ou ex-fumantes – efeito protetor estatisticamente
significativo do β-caroteno. Esses achados foram consistentes com os observados em outros estudos que também
relataram existência de associação entre o menor risco de DCV e o consumo de β-caroteno ou outros carotenóides,
particularmente em fumantes (Gey et al., 1993; Knekt et al., 1994; Morris, Kritchvsky & Davis, 1994; Gaziano
et al., 1995; Kushi et al., 1996; Tavani et al., 1997; Kritchevsky et al., 1998). Nenhum desses estudos encontrou
relação entre o consumo de vitamina C e a redução do risco de DCV. Posteriormente, Ascherio e colaboradores
(1999), também utilizando dados da coorte do Health Professionals Follow-up Study, não encontraram relação
entre o consumo de vitamina E, C e de vários carotenóides e a ocorrência de AVC entre homens americanos.
Embora estudos epidemiológicos observacionais embasem os benefícios à saúde dos antioxidantes (Enstrom,
Kanim & Kelvin, 1992; Will, Ford & Bowman, 1998; Ford et al., 1999, 2003), os resultados dos estudos do tipo
ensaio clínico que utilizaram terapia com antioxidantes são controversos. Contudo, até o presente momento,
realizaram-se poucas pesquisas desse tipo com grande número de indivíduos; o maior deles foi o ATBC Study
(Tornwall et al., 2004), em que, apesar de o principal objetivo ter sido avaliar o efeito de vitaminas antioxidantes
sobre o câncer de pulmão, os pesquisadores também relataram seus efeitos sobre a DCV; tanto para o câncer de
pulmão como para as DC, os autores não observaram redução no risco, após vários anos de acompanhamento.

378
Fatores da dieta nas doenças cardiovasculares

Mais do que isso, tanto para a vitamina E como para o β-caroteno, ocorreu um aumento na chance de morrer por
AVC hemorrágico e por câncer de pulmão, respectivamente.
Hennekens e colaboradores (1996), após 12 anos de acompanhamento de indivíduos recebendo
suplementação com o β-caroteno, não observaram efeito desta vitamina sobre a incidência de câncer e de DCV.
Lonn e colaboradores (2002) não observaram benefícios sobre a ocorrência de eventos cardiovasculares e de
nefropatia após 4,5 anos de utilização de suplementação com 400 UI (Unidades Internacionais) por dia de
vitamina E em indivíduos com alto risco para DCV, quando comparados aos que utilizaram placebo; Hodis e
colaboradores (2002) observaram resultados semelhantes. Apenas um ensaio clínico mostrou redução no risco de
DCV após suplementação com vitamina E (Stephens et al., 1996).
Apesar de a vitamina E aumentar a resistência da LDL à oxidação e diminuir a citotoxidade da LDL
oxidada, uma dificuldade em relacionar seu efeito à aterosclerose pode estar no fato de que esta doença envolve
não apenas a formação da placa, mas também sua ruptura com trombose (Diaz et al., 1997). Chisolm e Steinberg
(2000) sugerem ainda que talvez seja necessário o uso de antioxidantes mais potentes com diferentes distribuições
nos tecidos. Além disso, é provável que o início da suplementação com antioxidantes deva ocorrer precocemente,
antes do início das lesões, e por longos períodos. Jha e colaboradores (1995) chamam a atenção para o fato de
que, ao passo que os estudos epidemiológicos focalizaram o hábito alimentar por vários anos ou até mesmo por
décadas, os ensaios clínicos utilizam a suplementação com vitaminas por um período mais curto.
Os resultados de estudos de prevenção secundária são mais consistentes em apontar benefícios das vitami-
nas antioxidantes (Wen et al., 1996; Antoniades et al., 2004; Kinlay et al., 2004). Sthephens e colaboradores
(1996) testaram os efeitos de altas doses de α-tocoferol (400 ou 800 UI por dia) sobre a ocorrência de eventos
cardiovasculares em indivíduos com coronariopatia diagnosticada por cinecoronariografia e encontraram associação
inversa entre as concentrações dessa vitamina e a ocorrência de infarto agudo do miocárdio e todos os eventos
cardiovasculares em conjunto, mas não se observou impacto na mortalidade.
O possível efeito protetor da vitamina C contra a HA é abordado no capítulo 23 deste livro, “Fatores
nutricionais e hipertensão arterial”.
Explicações para os resultados discordantes entre os diferentes estudos incluem ausência do controle do
efeito de confusão exercido por outros fatores; interação (entre antioxidantes ou com outros nutrientes); isômeros
com atividades diferentes no alimento e no suplemento; dissociação temporal entre os níveis sanguíneos de
antioxidantes lipossolúveis quando ingeridos com gorduras na refeição e os níveis verificados quando da adminis-
tração em pílula uma vez ao dia.

Folato
Folato é o termo genérico usado para componentes que têm estrutura e função semelhantes às do ácido
fólico. Os mamíferos não têm a enzima necessária para sintetizar o folato e, assim, dependem inteiramente da
dieta para obtê-lo. Boas fontes deste nutriente incluem os vegetais de folhas verdes, os legumes, os cogumelos e o
fígado. Os alimentos crus, quando comparados aos cozidos, têm maior quantidade de folato devido ao processo
de hidrólise desta vitamina durante a cocção. Nos alimentos, o folato está presente sob a forma de poliglutamato,
e sua biodisponibilidade é de aproximadamente 50% daquela observada para a forma sintética, o monoglutamato
(Moat et al., 2004).
O folato facilita a transferência de unidades de carbono em diversas reações biossintéticas, tais como a
síntese de purinas e pirimidina, a regeneração de metionina e o metabolismo de aminoácidos. A ingestão adequada
de folato é vital para a divisão e para a homeostase celular, para a produção do DNA e a regulação do metabolismo
(Moat et al., 2004).

379
Epidemiologia Nutricional

A relação entre o folato e as DCV é explorada devido ao seu efeito sobre a homocisteína, considerada fator
de risco independente para DC e, provavelmente, AVC, mas os resultados de estudos publicados são controversos
(Bleys et al., 2006). O ácido fólico é necessário para a metilação da homocisteína para metionina. Níveis séricos
diminuídos de folato estão associados com concentração aumentada de homocisteína; a suplementação com
folato reduz esses níveis (WHO/FAO, 2003).
A homocisteína é um aminoácido sulfidril formado durante a conversão de metionina para cistina, que
pode ser tóxica para o endotélio; é pró-trombótica, estimula a produção de colágeno e diminui a disponibilidade
de óxido nítrico. Resultados de estudos populacionais mostram que, em geral, seus níveis séricos são maiores
entre indivíduos do sexo masculino, apresentam correlação positiva com a idade, com os níveis séricos de albumina,
de creatinina e de ácido úrico, e negativa com as concentrações sangüíneas de folato e vitaminas B6 (piridoxina)
e B12. Aparentemente, a concentração de homocisteína é afetada pelo hábito de fumar e pelo consumo de café e de
bebidas à base de cola (Lussier-Cacan et al., 1996; Giles et al., 1999; Rasmussen et al., 2000; Jacques et al., 2001).
Em estudos populacionais, os valores plasmáticos de homocisteína são inversamente associados aos níveis
plasmáticos de folato, mesmo entre os valores considerados normais. Situação semelhante é observada em relação
à quantidade de folato ingerida pelos indivíduos. Entretanto, as associações entre as concentrações de homocisteína
e os valores das vitaminas B6 e B12 são fracas.
O folato pode reduzir os níveis séricos de homocisteína de forma eficiente, mas o mesmo não é observado
em relação às vitaminas B6 e B12. Há evidências de que a riboflavina (vitaminas B2) é também um determinante
das concentrações de homocisteína (Hustad et al., 2000; Moat et al., 2004). Baró e colaboradores (2003) obser-
varam que, após suplementação com leite enriquecido com AGP, ácido oléico, ácido fólico e vitaminas E e B6,
houve redução dos níveis séricos de homocisteína e melhora do perfil de risco cardiovascular.
A primeira evidência de que concentrações elevadas de homocisteína aumentavam o risco de DCV datam
de 1969, com estudo realizado por McCully. A hiperhomocisteinemia pode ser conseqüência de deficiência de
folato, de vitamina B12 ou de enzimas envolvidas na via de remetilação desse aminoácido. Sabe-se que concentra-
ções elevadas de homocisteína induzem à formação de PH e de LDL oxidada e podem ser citotóxicas para as
células endoteliais. O tratamento com ácido fólico pode favorecer a reversão desse quadro (Cines et al., 1998;
Ross, 1999; Spencer et al., 2004).
Alguns autores afirmam que a elevação dos níveis sanguíneos de homocisteína pode ser conseqüência da
aterosclerose, considerando que a função renal comprometida pela doença na artéria renal contribui para a
elevação dos níveis de homocisteína. De qualquer forma, se a hiperhomocisteinemia atua na promoção da trom-
bose, a intervenção com folato torna-se atraente. Evidências recentes sugerem que a elevação da homocisteinemia
resulta em disfunção endotelial, efeito que pode ser revertido com suplementação oral de folato. Sugeriu-se,
ainda, que o folato poder ter efeito antioxidante. Em um ensaio clínico feito com cinqüenta indivíduos com DC,
Doshi e colaboradores (2004) observaram, após a administração por seis semanas de 5 mg por dia de ácido fólico
(ou vitamina B9), aumento na biodisponibilidade do óxido nítrico, mas não encontraram relação com outros
marcadores da função endotelial (fator Van Willebrand, selectina-E e trombomodulina). Moat e colaboradores
(2004) concordam que altas doses de ácido fólico poderiam amenizar a disfunção endotelial em indivíduos
assintomáticos e com hiperhomocisteinemia.
Em suma, as evidências acumuladas sugerem que o ácido fólico pode: a) prevenir a disfunção endotelial;
b) reduzir a concentração plasmática de homocisteína; c) ser quelante de radicais superóxido, d) inibir a
oxidação da LDL; e) tanto estabilizar quimicamente a tetraidrobiopterina quanto regenerar esse co-fator de
sua forma inativa (BH2).

380
Fatores da dieta nas doenças cardiovasculares

Outros
Flavonóides e Outros Fitoquímicos
Flavonóides são antioxidantes polifenólicos que estão presentes em diversos alimentos de origem vegetal (chá,
maçã e alho, por exemplo). Dados de diversos estudos indicam a existência de associação inversa entre o teor de
flavonóides da dieta e o risco de DCV e, provavelmente, de AVC, contudo não se deve descartar o eventual efeito de
confusão por outros fatores, que pode explicar a discordância entre os resultados encontrados na literatura.
Frutas e vegetais também contêm outros fitoquímicos que podem ter propriedades protetoras (fitoestrógenos,
sulfido), entretanto, até o momento, não está claro seu papel em relação às DCV.

Alguns Minerais
A elevação da pressão arterial é o principal fator de risco para as DCV, especialmente AVC. Dos muitos
fatores de risco dietéticos associados à HA, o papel de minerais, tais como o sódio, o potássio, o cálcio e o
magnésio, merece destaque (ver capítulo 23, “Fatores nutricionais e hipertensão arterial”).
Diversos autores sugerem que vários outros minerais, entre eles o selênio, o cobre, o zinco e o magnésio,
podem atuar como protetores contra as DCV, dada sua atuação como co-fatores de enzimas com atividade
antioxidante, como, por exemplo, a glutadiona peroxidase e o superóxido dismutase (Mooradian et al., 1994;
Willett, 1998; Tribble, 1999).

Alimentos e Doenças Cardiovasculares


Investigações que adotaram a abordagem alimento (ou grupo de alimentos) versus aparecimento de DCV
mostraram que o consumo elevado de frutas e outros vegetais promovem benefícios à saúde, particularmente em
relação à sua capacidade de diminuir os níveis de pressão arterial (WHO/FAO, 2003). Joshipura e colaboradores
(1999), utilizando dados do Nurses Health Study e do Health Professionals Follow-up Study observaram, após
seguimento médio de 8 e 14 anos, respectivamente, que o maior consumo de frutas (em especial as cítricas) e
outros vegetais (verduras cruas e de folhas verdes) associou-se ao menor risco de AVC isquêmico. Atribuiu-se tal
fato ao elevado conteúdo de potássio, folato, fibras, flavonóides e vitaminas desses alimentos.
Outros efeitos positivos quanto à diminuição do risco cardiovascular registrados na literatura estão rela-
cionados a: 1) a substituição de carne vermelha por frango ou peixe (Hu & Willett, 2002); 2) o consumo
aumentado de frutas oleaginosas – fonte de fibras, AGM e AGP que reduzem os níveis séricos de LDL (Hu &
Willett, 2002) e 3) a ingestão de soja e derivados (alimento rico em isoflavonas – estrógeno vegetal), que diminui
o colesterol total e a fração LDL sem alterar os níveis séricos de HDL e de triglicérides).
Sabe-se que o consumo elevado de álcool é importante fator de risco para a saúde, porém sua ingestão em
pequenas quantidades pode ser benéfica, especialmente na prevenção das DCV (Fuchs et al., 2004; Tolstrup et al.,
2006). Rumpler e colaboradores (1999) destacam que o consumo moderado de álcool, assim como dietas com
baixo teor de gorduras, particularmente em AGS, pode reduzir a incidência de DCV. Segundo os autores, esse
impacto se deve, em grande parte, aos seus efeitos sobre os lípides e as lipoproteínas séricas; ao passo que dietas
pobres em gorduras podem reduzir os níveis sangüíneos de colesterol total e da fração LDL, o consumo de álcool
pode tanto reduzir os níveis de LDL quanto aumentar os de HDL.
Considera-se o consumo moderado de álcool, definido por Hu, Manson e Willet (2001) como a ingestão
de cerca uma dose de bebida alcoólica ao dia, fator de proteção para o DM. Os resultados de um estudo de
coorte, realizado com 84.941 mulheres acompanhadas por 16 anos, mostraram que o excesso de peso no início

381
Epidemiologia Nutricional

do seguimento foi o preditor mais importante para o DM; além dele, foram também importantes a ausência do
consumo de álcool, o sedentarismo, o tabagismo, a dieta rica em lípides e pobre em fibras (Hu, Manson & Willett,
2001).

Padrões Alimentares e Doenças Cardiovasculares


A dieta mediterrânea, em diferentes estudos, associa-se ao menor risco cardiovascular. Baseia-se em menor
consumo de carnes e derivados, elevado consumo de legumes, cereais, frutas e outros vegetais, moderado consu-
mo de álcool e laticínios, sendo o óleo de oliva, conhecido por ter elevada razão entre AGM e AGS, utilizado no
preparo dos alimentos (Engler & Engler, 2006). Resultados semelhantes são também relatados para a dieta
vegetariana e para a dieta típica japonesa (consumo reduzido de açúcar e gorduras e elevado de soja e peixe,
porém também elevado em sal de cozinha) (WHO/FAO, 2003).
Em contrapartida, a dieta tipicamente ocidental, caracterizada pelo alto consumo de carnes vermelhas e
processadas, frituras, açúcares e grãos refinados, está associada ao maior risco cardiovascular, independentemente
de outros fatores de risco (estilo de vida) (Hu & Willett, 2002).
Considerando o fato de que a prevenção das DCV, baseada em mudanças no estilo de vida, não é factível
em um curto intervalo de tempo, Wald e Law (2003) aventaram hipoteticamente uma estratégia de prevenção
das DCV baseada na chamada polipílula, que, composta por seis substâncias (estatina, aspirina, ácido fólico,
mais a combinação de três drogas redutoras da pressão arterial), seria capaz de reduzir cerca de 80% dos casos
dessas doenças. Em contraponto, Franco e colaboradores (2004) propuseram a polirrefeição, com efeito seme-
lhante ao da polipílula, composta pela ingestão diária de 114 g de peixes de águas profundas (ricos em ácidos
graxos ômega-3), 150 ml de vinho, 100 g de chocolate, 400 g de frutas e outros vegetais, 68 g de frutas oleagino-
sas e 2,7 gramas de alho. Porém, Lennie (2006) comenta que a proposta da polirrefeição para se contrapor à
polipílula, apesar de atraente, ignora o fato de que o efeito do consumo de determinados alimentos não pode ser
considerado isoladamente, pois a dieta habitual consiste em um conjunto de elementos que atuam de forma
sinérgica.

Considerações Finais
Como mostraram Hu e Willett (2002), numerosos aspectos do tema dieta e DCV permanecem sem escla-
recimento. Desses aspectos, alguns dos principais são: a) qual a quantidade adequada de AGM e AGP (pois uma
dieta rica em AGP pode aumentar o risco de câncer); b) qual a proporção ideal entre ácidos graxos ômega-3 e 6;
c) qual a quantidade e o tipo de proteína na dieta, pois sabe-se que a ingestão elevada de proteínas (24% vs 15%)
diminui significativamente o risco cardiovascular e, para evitar o aumento de AGS, as principais fontes de proteína
na dieta devem ser as frutas oleaginosas, leguminosas, frango e peixes; d) apesar de promissor, permanece incerto
o papel dos fitoquímicos e antioxidantes na prevenção da DCV; e) o papel de minerais, tais como o selênio,
cálcio, magnésio e zinco, no risco cardiovascular permanece inconclusivo. A maioria dos estudos que aborda o
tema é do tipo ecológico ou caso-controle. São necessários mais estudos do tipo coorte ou ensaios clínicos com
desfechos clínicos.
Sabe-se que pelo menos três estratégias são efetivas na redução do risco cardiovascular: a) substituir AGS e
trans por AGM ou AGP; b) aumentar o consumo de alimentos ricos em ácidos graxos ômega-3 (peixes ou
vegetais); c) dieta rica em frutas, vegetais, frutas oleaginosas, cereais integrais, com consumo reduzido de carboidratos
refinados.
Além disso, a obesidade é uma importante condição pela qual a dieta interfere no risco cardiovascular.
Entretanto, a relação entre a dieta, especialmente a gordura dietética, e a obesidade permanece controversa.

382
Fatores da dieta nas doenças cardiovasculares

Embora a redução de calorias seja recomendada para a perda de peso, não existem evidências oriundas de ensaios
clínicos de longa duração sobre este benefício per se. O excesso de calorias (quer proveniente de gorduras, quer de
carboidratos) induz ao ganho de peso, que agrava o risco cardiovascular por diversos mecanismos. É possível que
uma dieta hipocalórica, com teor moderado de gorduras, restringindo as saturadas e trans, que permita maior
variedade para a escolha dos alimentos, propicie maior adesão e traga mais benefícios a longo prazo do que uma
dieta hipogordurosa ou aquelas muito restritas em carboidratos.

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387
22
Aspectos Epidemiológicos e Nutricionais
da Síndrome Metabólica

Renata Damião, Bianca de Almeida Pititto,


Suely Godoy Agostinho Gimeno e Sandra Roberta Gouvea Ferreira

Conceito
A Síndrome Metabólica (SM) é um transtorno complexo representado por um conjunto de fatores de risco
cardiovascular relacionados à obesidade central e resistência à insulina (I Diretriz Brasileira para Diagnóstico e Trata-
mento de Síndrome Metabólica, 2005). O principal marco na descrição desta síndrome são os estudos de Reaven, que
sugeriu ser a Resistência à Insulina (RI) o fator comum a uma série de anormalidades, denominando-a originalmente
de Síndrome X (Reaven, 1988). Resistência à insulina é uma condição genética ou adquirida em que ocorre menor
utilização de glicose pelos tecidos em resposta ao estímulo insulínico. A síndrome recebeu diversas denominações –
quarteto mortal, síndrome de resistência à insulina, síndrome plurimetabólica (Haffner et al., 1992) –, e hoje o termo
SM é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e mais utilizado pela comunidade científica.
Os principais componentes da SM são obesidade central, alterações da homeostase glicêmica, dislipidemia
(HDL-colesterol baixo e triglicéride elevado) e hipertensão arterial, estando freqüentemente presentes hiperuricemia,
microalbuminúria e níveis elevados de marcadores inflamatórios e do fator inibidor do ativador do plasminogênio
(PAI-1). A obesidade central decorre do acúmulo de gordura visceral, que gera RI, envolvida diretamente no
desenvolvimento desta síndrome.
Estudos epidemiológicos revelaram que o ganho de peso é fator independente para desenvolvimento da
SM (Ford & Giles, 2003), sendo o tecido adiposo intra-abdominal (visceral), por suas características metabóli-
cas, o mais implicado na gênese de RI (Egger, 1992). O adipócito do tecido visceral apresenta alta atividade
lipolítica, produzindo grande quantidade de Ácidos Graxos Livres (AGL), que são lançados na circulação portal
e sistêmica. O excesso de AGL ofertados às células hepáticas e musculares desempenha importante papel na
patogênese da SM (Kelley, Goodpaster & Storlien, 2002). No fígado, determina aumento dos metabólitos Acetil
Coenzima A (AcilCOA) e diacilglicerol. Na periferia, os AGL competem com a glicose como substrato energético.
A cascata de reações intracelulares, desencadeadas após a ligação da insulina ao seu receptor, está alterada, culmi-
nando com menor translocação dos transportadores da glicose para a superfície celular, o que compromete a
entrada da glicose na célula.
O tecido visceral também é fonte de uma série de hormônios e citocinas (conjuntamente denominadas de
adipocitocinas), sendo a maioria dotada de propriedades pró-inflamatórias e pró-aterogênicas (Shulmann, 2000;
Ribeiro-Filho et al., 2006). Entre as adipocitocinas estão os hormônios como leptina, adiponectina e visfatina;

389
Epidemiologia Nutricional

destacam-se ainda interleucinas, o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), a proteína quimiotáxica de monócito
1 (MCP-1), o angiotensinogênio, além de outras substâncias que têm papel na inflamação, na RI ou na aterogênese
(Mohamed-Ali, Pinkney & Coppack, 1998). A síntese de proteína C reativa pelo fígado está aumentada nesta
condição, e sua concentração sérica tem sido amplamente utilizada como marcador de processo inflamatório
subclínico, associado a aumento de risco cardiovascular.
Em resposta à redução na captação da glicose pelas células, ocorre aumento compensatório na produção de
insulina pelas células beta, determinando hiperinsulinemia. Após esgotarem sua capacidade secretória, surgirão
os diversos graus de intolerância à glicose, culminando com o diabetes mellitus.
A hiperinsulinemia está relacionada à hipertensão arterial na SM, uma vez que determina retenção renal de
sódio e água e ativação simpática, que contribuem para a elevação dos níveis pressóricos (Chobanian et al.,
2003). Outros autores acreditam que o aumento da pressão intra-abdominal pelo excesso de gordura visceral
também poderia estimular mecanicamente os rins com ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona,
favorecendo a retenção de sal e a hipertensão (Hall et al., 1998).
A dislipidemia da SM caracteriza-se por hipertrigliceridemia, concentrações baixas de HDL (lipoproteína
de alta densidade) e presença de partículas pequenas e densas de LDL (lipoproteína de baixa densidade) (Siqueira,
Abdalla & Ferreira, 2006). O grande aporte de AGL ao fígado resulta na produção de VLDL, rica em triglicérides.
A atividade da proteína transportadora de ésteres de colesterol – CETP, responsável pela remoção do colesterol
dos tecidos periféricos de volta ao fígado – está aumentada na RI, o que resulta em transferência dos triglicérides
da VLDL para LDL e HDL em troca de ésteres de colesterol. As LDL e HDL ricas em triglicérides sofrem ação
da lipase hepática, que também está ativada na SM, gerando LDL pequenas e densas e diminuição de HDL. Este
perfil lipídico típico da SM é altamente aterogênico.
Outras anormalidades como o aumento da atividade do PAI-1, proteína pró- trombogênica, e da proteína
C reativa, decorrentes da diminuição da sensibilidade à insulina (Festa et al., 2000), também contribuem de
modo significativo para aterosclerose e fenômenos tromboembólicos em portadores de SM.
A importância do diagnóstico da SM, da compreensão da sua fisiopatologia e da identificação de fatores de
risco que sejam modificáveis (como os fatores dietéticos) baseia-se no alto risco atribuído à concomitância destes
fatores de risco cardiovascular. De fato, estudos epidemiológicos revelam que a mortalidade coronariana,
cardiovascular e mesmo por todas as causas está consideravelmente aumentada em portadores de SM quando
comparados a indivíduos sem esta condição (Lakka et al., 2002). A SM representa, na atualidade, grande preocu-
pação em termos de saúde pública, também devido à sua alta prevalência em várias populações mundiais, inde-
pendentemente de seu nível de desenvolvimento.

Prevalência no Mundo e no Brasil


A prevalência da SM é estimada entre 20 e 25% da população geral (Dunstan et al., 2002). Estudos
populacionais mostram freqüências que diferem bastante entre populações: 9,5% em 24.329 chineses ≥ 20 anos
(Chuang, Chen & Chou, 2004); 30,8% em 1.091 indianos > 20 anos moradores de área urbana (Gupta et al.,
2004); 31% em 1.656 hispano-americanos entre 30 e 79 anos e 23% em 1.081 brancos não hispânicos na
mesma faixa etária (Meigs et al., 2003). Nos Estados Unidos da América, o NHANES III (National Health and
Nutrition Examination Surveys III) diagnosticou SM em 23% de 8.814 indivíduos, chegando a 42% na popu-
lação acima de 60 anos (Ford, Giles & Mokdad, 2004). Na Europa, a prevalência foi de 9,5% nos homens e
8,9% nas mulheres segundo o Decode (Diabetes Epidemiology: Collaborative Analysis of Diagnostic Criteria in
Europe) (Hu et al., 2004), ao passo que na cidade do Porto, Portugal, foi de 23% (Santos, Lopes & Barros, 2004).
Essas altas prevalências são preocupantes, porque a SM é preditora de diabetes e Doença Cardiovascular (DCV),
com mortalidade cerca de 2,5 vezes a de indivíduos sem a síndrome (Lakka et al., 2002).

390
Aspectos epidemiológicos e nutricionais da síndrome metabólica

No Brasil, há dados regionais de prevalência de SM. O Japanese-Brazilian Diabetes Study Group, usando
os critérios do National Cholesterol Education Program – Adult Treatment Panel III (NCEP-ATPIII), modifica-
do para asiáticos, encontrou 56,8% de SM em nipo-brasileiros com 30 anos ou mais (Rosenbaum, Gimeno &
Ferreira, 2005). Essa população caracteriza-se por Índice de Massa Corporal (IMC) médio em torno de 25 kg/
m2, mas com alta prevalência de obesidade central e fatores de risco cardiovascular. Um outro estudo avaliou a
presença de SM em 240 indivíduos > 25 anos residentes no Semi-Árido baiano. A freqüência de SM foi maior em
mulheres (38,4%) que em homens (18,6%) e mais elevada entre aqueles com idade ≥ 45 anos (41,4%). Consi-
derando sexo e idade, a maior prevalência foi registrada entre mulheres com idade ≥ 45 anos (56,9%) (Oliveira,
Souza & Lima, 2006). Em 753 indivíduos diabéticos estudados no Rio Grande do Sul, o diagnóstico de SM
esteve presente em 671 (89%) e 657 (87%), utilizando-se critérios da OMS e do NCEP-ATPIII, respectivamente
(Picon et al., 2006). A presença de SM também foi investigada em portadores de diabetes tipo 1. Em 524 indivíduos
diabéticos tipo 1 (idade média de 20 anos), divididos de acordo com tempo de diagnóstico, encontraram-se
prevalências crescentes de SM de 5,1%, 11,2%, 18,9% e 31,5% naqueles com menos de 5 anos, de 6-10 anos, de
11-15 anos e > 15 anos de diagnóstico, respectivamente (Gabbay et al., 2005).
A multifatorialidade causal e o uso de diferentes critérios diagnósticos limitam a comparação das freqüên-
cias da SM entre populações. Diferenças genéticas, grupo etário, sexo e fatores ambientais (dieta e nível de
atividade física) são elementos que contribuem para a variabilidade na prevalência da SM. Porém, o impacto na
morbi-mortalidade está bem estabelecido, conforme descrito a seguir.

Impacto da SM na Morbi-mortalidade
A presença da SM confere ao seu portador risco três vezes maior de infarto agudo do miocárdio ou
acidente vascular cerebral, em relação a indivíduos sem a síndrome (IDF, 2006). Isso decorre da gama de anorma-
lidades presentes nos portadores da SM, anteriormente comentada. A obesidade visceral está associada à elevação
de citocinas como o TNF-α, PAI-1, interleucinas e outras que contribuem para RI, inflamação e aterogênese, e
à redução da adiponectina, que melhoraria a sensibilidade à insulina. A instalação do quadro da RI gera os
maiores fatores de risco cardiovascular conhecidos, que são a dislipidemia, a hipertensão e o diabetes.
O risco de desenvolver diabetes é cinco vezes maior naqueles portadores de SM (IDF, 2006). A presença de
diabetes entre as anormalidades metabólicas aumenta ainda mais o risco de evento cardiovascular; estima-se que
80% dos pacientes com diabetes morram de causa cardiovascular.
Várias outras entidades clínicas integram o espectro da SM, tendo também a RI um papel central. É o caso
da doença hepática gordurosa não alcoólica, na qual a RI é implicada na maior síntese e retenção de triglicerídeos
nos hepatócitos, com conseqüente esteatose hepática (Carvalheira & Saad, 2006). Também a síndrome dos
ovários policísticos é freqüente em mulheres com SM; a hiperinsulinemia, atuando no tecido ovariano, estimula
a produção de andrógenos.
A hiperuricemia é outra alteração metabólica associada à menor sensibilidade à insulina. A microalbuminúria
– um dos critérios diagnósticos usados pela OMS na definição da SM – reflete a disfunção endotelial expressa no
glomérulo. A presença de RI foi também independentemente associada a alterações cognitivas em idosos, princi-
palmente quando somada a marcadores inflamatórios e de insuficiência cardíaca (Yaffe et al., 2004). Mais recen-
temente, a hiperinsulinemia crônica com aumento de TNF-α, em humanos, mostrou-se associada à ocorrência
de cânceres de cólon, pâncreas, mama e endométrio (Calle & Kaaks, 2004).
No que se refere à mortalidade, estudo prospectivo conduzido entre 1.209 homens de 42-60 anos revelou
que indivíduos com diagnóstico de SM apresentavam risco relativo de 3,77 (IC 95%, 1,74-6,17) de morte por
doença coronariana, 3,55 (IC 95%, 1,96-6,43) de DCV e 2,43 (IC 95% 1,64-3,61) de mortalidade por todas as
causas (Lakka et al., 2002).

391
Epidemiologia Nutricional

No San Antonio Heart Study (Tabela 1), sendo a SM definida por critérios do NCEP-ATPIII, encontrou-se
razão de risco de mortalidade por DCV de 1,96 e 2,07, para homens e mulheres sem o diagnóstico de Diabetes
Mellitus (DM), respectivamente. As razões de risco correspondentes quando a SM foi definida pelos critérios da
OMS, sem considerar a presença ou ausência de DM, foram de 2,83 e 1,15 para homens e mulheres respectiva-
mente (Hunt et al., 2004). A SM teve capacidade de predizer diabetes quatro vezes maior do que a de predizer
DCV (Lorenzo et al., 2003).

Tabela 1 – Razão de risco para mortalidade por DCV no San Antonio Heart Study para homens ou mulheres,
considerando presença ou ausência de SM e/ou DM
DM e/ou SM* Mulher sem DCV [HR (IC 95%)]** Homem sem DCV [HR (IC 95%)]**
Sem DM, sem NCEP-SM 1 ,0 0 1 ,0 0

Sem DM, com NCEP-SM 2,07 (0,72-6,0) 1,96 (0,99-3,88)

Com DM, sem NCEP-SM 3,53 (0,75-16,7) 2,34 (0,70-7,82)

Com DM, com NCEP-SM 8,19 (3,51-19,1) 3,09 (1,49-6,43)

DM diabetes mellitus; SM síndrome metabólica; DCV doença cardiovascular; HR razão de risco; IC intervalo de confiança;
NCEP-SM síndrome metabólica definida pelo National Cholesterol Education Program.
* Sem DCV no início.
** Ajustada para idade e etnia.
Fonte: Hunt et al. (2004).

Critérios Diagnósticos
Foram vários os grupos que descreveram critérios diagnósticos: a OMS (Alberti & Zimmet, 1998), a
American Association of Clinical Endocrinologists (AACE, 2003), o European Group for the Study of Insulin
Resistance (Egir) (Balkau & Carles, 1999) e o NCEP-ATP III 2001 (Tabela 2).
O critério proposto pela OMS preconiza a avaliação da RI e do metabolismo da glicose com insulinemia,
o que dificulta o diagnóstico. O NCEP-ATP III possui critérios mais simples e práticos, empregados na I Diretriz
Brasileira para Diagnóstico e Tratamento de Síndrome Metabólica (I-DBSM, 2006).
Na I-DBSM, recomenda-se que a circunferência da cintura seja medida no meio da distância entre a crista
ilíaca e a borda inferior da última costela flutuante, utilizando-se 102 cm para homens e 88 cm para mulheres
como pontos de corte. Convém ressaltar, no entanto, que não existem estudos na população brasileira que
certifiquem que tais valores são os mais adequados para identificar risco.
Em 2005, o NCEP e a International Diabetes Federation (IDF) modificaram o critério diagnóstico pro-
posto pelo primeiro em 2001, instituindo a medida da cintura abdominal como critério essencial para o diagnós-
tico da SM (Zimmet et al., 2005). Destacaram a importância de se considerar a etnia para estabelecer os pontos
de corte da circunferência da cintura. No Brasil, as sociedades científicas ainda não se posicionaram quanto aos
novos valores sugeridos.

392
Aspectos epidemiológicos e nutricionais da síndrome metabólica

Tabela 2 – Critérios diagnósticos de SM sugeridos pela comunidade científica


Obesidade Triglicérides HDL-colesterol Pressão arterial Glicemia jejum Glicemia de Microalbuminúria
(central/visceral) (mg/dl) (mg/dl) (mmHg) (mg/dl) 2 h (mg/dl) ou albumina/
creatinina

OMS RCQ > 150 % > 35 > 140 x 90 - - > 20 mcg/24 h


Intolerância à % > 0 ,8 5 & > 40 ou ≥ 30 mg/g
glicose ou DM ou & > 0 ,9 0 o u
IR + 2 critérios IMC ≥ 29,9 kg/m2

Egir CC > 180 % > 35 > 140 x 90 > 110 - -


IR + 2 critérios % > 94 c m & > 40 < 126
& > 80 c m

AACE IMC ≥ 25 kg/m2 > 150 % > 35 ≥ 130 x 50 > 110 > 140 -
& > 40 < 126 < 220

NCEP / CC ≥ 150 % > 40 ≥ 130 x 85 ≥ 100 - -


IDB-SM % > 102 c m & > 50
3 o u m ai s & > 88 c m
critérios

NCEP / IDF CC > 150 % > 40 ≥ 130 x 85 ≥ 100 - -


CC + 2 critérios % > 94 c m & > 50
& > 80 c m

IR resistência à insulina; DM diabetes mellitus; RCQ razão cintura-quadril; CC circunferência de cintura; OMS Organização
Mundial da Saúde; Egir European Group for the Study of Insulin Resistance; AACE American Association of Clinical
Endocrinologists; NCEP National Cholesterol Education Program; IDB-SM I Diretriz Brasileira para Diagnóstico e Tratamento
de Síndrome Metabólica; IDF Federação Internacional de Diabetes.

Envolvimento de Componentes Nutricionais


na Síndrome Metabólica
Macronutrientes
Carboidratos
Os carboidratos digeríveis incluem carboidratos simples (glicose, frutose e galactose) e complexos (amido é
o principal representante). Outros podem passar imutáveis (fibras) pelo trato digestivo, mas constituem parte
importante da alimentação (Nutrition and Your Health, 2000). Uma característica dos diferentes tipos de
carboidratos, seu Índice Glicêmico (IG), voltou a receber atenção da comunidade científica. Este índice reflete
sua capacidade de elevar a glicemia após ingestão. Quanto maior o valor do IG do alimento rico em carboidrato,
maior seu potencial de elevar os níveis glicêmicos e insulinêmicos (Jenkins et al., 1981).
A classificação de carboidratos pela categoria de IG contraria a idéia de que todos os carboidratos comple-
xos fazem bem e todos os simples fazem mal. O IG de um alimento é influenciado por vários fatores que
interferem na velocidade com a qual os carboidratos são decompostos: o grau de gelatinização dos grãos de
amido, o grau de processamento do alimento, a quantidade de fibras que contém e a quantidade de gordura
contida no lanche ou refeição (Potter et al., 1981).
Embora seja útil, o IG de um alimento é apenas uma parte do efeito da ingestão de um alimento sobre as
concentrações de glicose e insulina do sangue. Assim, desenvolveu-se o conceito de Carga Glicêmica (CG). A CG
é a quantidade de carboidrato em um alimento multiplicada pelo IG de tal carboidrato. Este índice reflete melhor o
efeito de um alimento nas reações metabólicas no organismo (Foster-Powell, Holt & Brand-Miller, 2002).

393
Epidemiologia Nutricional

Alguns estudos exploraram a associação dos carboidratos à SM. O Framingham Offspring Study, de desenho
transversal, que incluiu 2.834 participantes, observou que a ingestão de grãos integrais e fibras dos cereais asso-
ciou-se à redução do risco de desenvolvimento da SM. Também verificou que a ingestão de fibra total, dos
cereais, das frutas e grãos integrais associava-se a menor RI, avaliada pelo Homa-IR (modelo de acesso à homeostase
- resistência à insulina), ao passo que alimentos com alto IG mostraram-se positivamente associados à RI (McKeown
et al., 2004).
No que se refere à associação de hábitos alimentares a doenças isoladas, integrantes da SM, a literatura é
bastante vasta. Os primeiros estudos datam da década de 1930 (Himsworth, 1936), quando se observou o papel
da ingestão de carboidratos sobre a homeostase glicêmica. Em 1976, constatou-se que dietas ricas em carboidratos
complexos e fibras melhoravam o controle do diabetes e o perfil lipídico (Kiehm, Anderson & Ward, 1976).
Wirfält e colaboradores (2001), em estudo transversal envolvendo 2.040 homens e 2.959 mulheres, verifi-
caram associação de certos padrões alimentares com componentes da SM tais como obesidade central,
hiperinsulinemia, hiperglicemia, hipertensão e dislipidemia. Por meio de análise de cluster, seis padrões alimenta-
res foram identificados com base no consumo predominante dos seguintes itens da dieta: alimentos calóricos,
pão integral, pouca gordura e alto teor de fibra, pão branco, laticínios integrais e doces/bolos. Na análise de
regressão múltipla, em ambos os sexos, os padrões alimentares dominados pelo pão integral tiveram efeitos
favoráveis, ao passo que padrões dominados pelo pão branco foram associados ao maior risco para os componen-
tes da SM.
Liese e colaboradores (2003) observaram associação inversa entre ingestão de grãos integrais e RI, que foi
atenuada após ajuste pelo IMC e circunferência da cintura, sugerindo que o benefício dos grãos integrais na SM
deva ser mediado pela obesidade.
Estudo realizado com amostra de nipo-brasileiros residentes em Bauru, SP, concluiu que o consumo
predominante de alimentos característicos da dieta tipicamente brasileira, como arroz refinado, feijão e gran-
des quantidades do grupo de frutas e sucos adocicados, poderia se constituir em risco para distúrbios do
metabolismo da glicose, ao passo que o maior consumo de vegetais poderia proteger contra a TGD (Tolerância
à Glicose Diminuída) (Sartorelli, 2005).
Apesar dos numerosos estudos nesta linha, ainda há controvérsias em relação ao melhor tipo de carboidrato
e especialmente sobre sua adequada quantidade na dieta. Independentemente disso, é consenso que efeitos meta-
bólicos mais favoráveis são obtidos quando se dá preferência a carboidratos complexos (Davy & Melby, 2003).
Quando os carboidratos são substituídos pelos ácidos graxos saturados, ocorre diminuição das concentra-
ções de LDL-colesterol e do ácido graxo monoinsaturado. Porém, no caso dos ácidos graxos monoinsaturados, a
substituição dos carboidratos por ácidos graxos saturados freqüentemente causa diminuição do HDL-colesterol
e um aumento nos triglicérides (Knopp et al., 1997; Turley et al., 1998). Esse efeito aparentemente persiste por
longo período, como sugerido pelas diferenças das concentrações de lípides nas populações na presença de dife-
rentes hábitos alimentares (Knuiman et al., 1987; West et al., 1990).
Alguns investigadores sugerem que população resistente à insulina, com alta prevalência de SM, deva evitar
dietas ricas em carboidratos e consumir mais ácidos graxos insaturados (Katan, Grundy & Willet, 1997).

Proteínas
O papel das proteínas nas anormalidades que compõem a SM é menos estudado que o de outros nutrien-
tes, como gorduras e carboidratos. O consumo de proteínas, em geral, tem pequeno efeito sobre as concentrações
séricas de LDL-colesterol, embora já tenha sido relatado que a substituição de proteína animal por soja foi capaz
de diminuir esta lipoproteína (Anderson, 1995).

394
Aspectos epidemiológicos e nutricionais da síndrome metabólica

Pesquisas que avaliaram a relação entre o consumo de proteína e as taxas de mortalidade por DCV sugerem
que quanto maior a quantidade de proteína animal na dieta, maior a incidência de morte por esta causa, e quanto
maior a quantidade de proteína vegetal, menor a mortalidade (Armstrong & Doll, 1975; Giovannucci et al.,
1994; Key et al., 1996). Na mesma linha, no estudo entre adventistas do sétimo dia, observou-se que os homens
que consumiam carne bovina pelo menos três vezes por semana apresentaram o dobro do risco de doença
coronariana em relação àqueles que não a consumiam (Snowdon, Philips & Fraser, 1984).
O Nurses’ Health Study, que acompanhou 18 mil mulheres por 14 anos, examinou a relação entre proteína
alimentar e DCV. O grupo de mulheres que ingeria a maior quantidade de proteína, cerca de um quarto das
calorias diárias, apresentou probabilidade 25% menor de ter evento cardiovascular e de morrer de DCV do que
o grupo daquelas que ingeriam a menor quantidade de proteína (15% do valor calórico total). O fato de a
proteína ser de fonte animal ou vegetal não importava, e o efeito protetor aplicava-se igualmente às mulheres em
dietas com baixo ou alto teor de gordura. Esses achados reforçam a idéia de que a acentuada ingestão de proteína
não provoca danos ao coração (Hu et al., 1999).
Os resultados controversos relativos à associação de ingestão de proteína e risco cardiovascular devem-se ao
fato de que a proteína não é encontrada isoladamente nos alimentos, mas sim associada a outros nutrientes.

Gorduras

Gordura total
A seleção adequada da quantidade e do tipo de gordura a ser consumida é importante para minimizar seu
efeito deletério nos distúrbios metabólicos que compõem a SM (WHO/FAO, 2003).
Há amplas evidências na literatura que permitem recomendar a redução das calorias totais fornecidas pelas
gorduras totais para o controle da obesidade (Lissner & Heitman, 1995; Heitman et al., 1995). Tem sido obser-
vado que a alta ingestão de gordura (> 35% das calorias totais) traz modificações no metabolismo que favorecem
o acúmulo de gordura corporal (Astrup et al., 1997; Nelson & Tucker, 1996). Porém, é importante salientar que
a diminuição da ingestão de gordura (< 30% das calorias totais) freqüentemente implica aumentar a ingestão de
carboidrato, cujo consumo excessivo também contribui para a ocorrência de obesidade (Nutrition and Your
Health, 2000). Além disso, elevada ingestão de carboidrato (> 60% das calorias totais) em indivíduos já com
sobrepeso ou obesidade pode agravar fatores de risco cardiovascular integrantes da SM, tais como a dislipidemia
(hipertrigliceridemia) e a hiperglicemia do diabetes (Garg, 1998; Chen et al., 1995).

Ácidos graxos saturados


Os ácidos graxos saturados são abundantes na carne e na gordura animal, nos laticínios e em alguns óleos
vegetais, como azeite de dendê e óleo de coco (Uauy, Mena & Valenzuela, 1999). O ácido graxo saturado é o
principal determinante de alterações nas concentrações sanguíneas do LDL-colesterol (Grundy & Denk, 1990;
Kris-Etherton & Yu, 1997; Mensink & Katan, 1992).
Os benefícios da baixa ingestão de ácidos graxos saturados em diminuir concentrações de LDL-colesterol
estão bem documentados. O Delta Research Group investigou o efeito da redução de 15% para 6% na propor-
ção dos ácidos graxos saturados fornecidos pelas calorias totais. Os autores observaram que o grupo de menor
ingestão reduziu o LDL-colesterol em 11% (Ginsberg et al., 1998). Walden e colaboradores (2000) testaram o
efeito da recomendação do NCEP nos indivíduos com hipercolesterolemia, com ou sem hipertrigliceridemia.
A dieta do NCEP associou-se a redução de 8% nas concentrações de LDL-colesterol.

395
Epidemiologia Nutricional

Alguns estudos sugerem relação entre a qualidade dos lipídios da dieta e risco de desenvolvimento de
diabetes. Dados prospectivos mostraram que consumo de gorduras saturadas elevou as concentrações de glicemia
de jejum e pós-prandial (Feskens & Kromhout, 1990; Maron, Fair & Haskel, 1991; Feskens et al., 1995) e
insulinemia (Parker et al., 1993; Tsunehara, Leonetti & Fujimoto, 1991), conferindo, assim, maior risco de
progressão de tolerância à glicose diminuída para diabetes (Feskens, Bowles & Kromhout, 1991).
Uma metanálise de seis estudos de coorte, totalizando 6.356 pessoas-ano, fortaleceu a hipótese de que a
diminuição do nível sérico de colesterol total por meio de restrição no consumo de ácidos graxos saturados reduz
o risco de DCV (Gordon, 1995). O autor observou que a diminuição das concentrações séricas de colesterol
estimulada pela redução da ingestão de ácidos graxos saturados reduziu, significativamente, a incidência do
evento cardiovascular em 24%.
Vários estudos mostraram que o nível sérico de LDL pode ser diminuído pela redução do peso corporal de
pessoas com sobrepeso (National Institutes of Health, 1998). Para maximizar a diminuição do LDL, via restrição
do consumo de ácidos graxos saturados, a ingestão média deste nutriente deve passar de 11% para < 7% da
energia total (NCEP, 2001).

Ácidos graxos trans


As principais fontes de ácidos graxos trans incluem produtos industrializados feitos com óleos hidrogenados,
como margarina, pães, biscoitos, batata e salgadinhos fritos. Gordura proveniente de produtos lácteos fornece
pequena quantidade de trans.
Estudos metabólicos, clínicos e epidemiológicos apóiam a substituição do consumo de gordura saturada e
trans por insaturada no tratamento dos componentes da SM (RI, dislipidemia e intolerância à glicose) e na
prevenção de doença coronariana (Purnell & Brunzel, 1997; Hu et al., 2001; Isso et al., 2002).
Evidências de estudos controlados indicam que os ácidos graxos trans aumentam as concentrações de
LDL-colesterol, comparados com ácidos graxos insaturados (Lichtenstein et al., 1999). Também mostraram que
quando ácidos graxos trans são substituídos por ácidos graxos saturados as concentrações de HDL-colesterol no
sangue se reduzem e elevam os triglicérides (Ascherio et al., 1999). Dados norte-americanos revelaram que o uso
de óleo vegetal líquido ou margarina semilíquida é mais vantajoso para o perfil lipídico em termos de colesterol
total, LDL-colesterol e razão colesterol total: HDL-colesterol, ao passo que o uso de manteiga ou margarina
piorou tal perfil (Lichtenstein et al., 1999). Em concordância, estudos de coorte sugerem que a alta ingestão de
ácidos graxos trans associa-se ao desenvolvimento de DCV (Willett et al., 1993; Kromhout et al., 1995).

Ácidos graxos poliinsaturados


Os ácidos graxos poliinsaturados têm sido subdivididos nos grupos ômega-6 e ômega-3. Os números 6
ou 3 referem-se à distância entre a primeira dupla ligação e o final da cadeia de carbono. Em temperatura
ambiente são líquidos, e cada tipo desempenha uma função no organismo. Não são produzidos ácidos graxos
poliinsaturados no organismo, de modo que estas gorduras essenciais devem ser obtidas de óleos vegetais
como os de milho, soja, de sementes, de cereais integrais e de peixe gordurosos, como o salmão e o atum
(Uauy, Mena & Valenzuela, 1999).
O principal ácido graxo poliinsaturado da dieta é o ácido linoléico. Quando o ácido graxo saturado é
substituído por ácido linoléico, ocorre redução nas concentrações de LDL-colesterol. A alta ingestão de ácido
graxo linoléico também pode produzir pequena redução na fração HDL-colesterol e nos triglicérides, embora
essas respostas sejam variáveis. Os ácidos graxos poliinsaturados causam redução pequena das concentrações de
LDL-colesterol quando comparados aos monoinsaturados (Weggemans, Zock & Katan, 2001).

396
Aspectos epidemiológicos e nutricionais da síndrome metabólica

Pesquisas realizadas em primatas indicaram que ácidos graxos poliinsaturados eram antiaterogênicos quando
comparados com os saturados (Rudel, Parks & Sawyer, 1995). De fato, resultados de metanálises corroboram
esse achado, enfatizando que os ácidos graxos poliinsaturados associavam-se à redução no risco de DCV (Gordon,
1995; Mensink & Katan, 1992).
O ácido graxo poliinsaturado ômega-3 está presente no ácido alfalinolénico, encontrado em vegetais como
a soja em grão, no óleo de canola e óleo de peixe, no ácido eicosapentenóico e no docosahexenóico (Bender &
Bender, 1997). Há indícios fortes de efeito protetor contra as DCV, embora os achados não sejam unânimes.
O consumo moderado de peixe associou-se à redução de morte súbita ou coronariana em alguns estudos
prospectivos (Albert et al., 1998; Daviglus et al., 1997), mas não em outros (Ascherio et al., 1995; Morris et al.,
1995). Um estudo observou inclusive tendência ao aumento do risco de DCV com o ácido ômega-3. Os meca-
nismos pelos quais ácidos graxos poliinsaturados ômega-3 influenciariam favoravelmente no risco cardiovascular
parece depender de ações benéficas na arritmia, agregação plaquetária, resposta inflamatória e concentrações de
triglicérides. A capacidade da alta ingestão de ômega-3 em reduzir a trigliceridemia (Roche & Gibney, 2000)
deve decorrer da diminuição na produção de VLDL-colesterol (Harris, 1989). Em geral, o ômega-3 não revelou
efeitos significativos sobre as concentrações de LDL-colesterol, exceto em grandes doses, quando aumentou o
nível de LDL-colesterol em pessoas com hipertrigliceridemia (Harris, 1997).
O Diet and Reinfarction Trial foi um estudo de prevenção secundária no qual os indivíduos foram aconse-
lhados a ingerir peixe. Em dois anos, apresentaram redução de 29% na mortalidade por todas as causas se
comparados aos indivíduos do grupo controle, apesar de não ter sido observada redução na incidência de infarto
do miocárdio e morte coronariana (Burr et al., 1989). Em outro estudo, pacientes infartados foram tratados com
cápsulas de óleo de peixe (ácido eicosapentanóico, 1,08 g/dia) ou óleo de mostarda (ácido alfalinolénico, 2,9 g/
dia) por um ano. Eventos coronarianos foram significativamente menos freqüentes no grupo que recebeu
suplementação quando comparado ao placebo (Sing et al., 1997).

Ácidos graxos monoinsaturados


Os principais ácidos graxos monoinsaturados estão contidos no azeite de oliva, óleo de amendoim, óleo de
canola, abacate e a maioria das nozes (Uauy, Mena & Valenzuela, 1999). Na dieta, a substituição do ácido graxo
monoinsaturado pelo saturado resulta em aumento do nível do LDL-colesterol (Mensink & Katan, 1992). No
entanto, a substituição do ácido graxo saturado por monoinsaturado não diminui o HDL-colesterol e não eleva
a trigliceridemia, como ocorre com alta ingestão de carboidrato (> 60% das calorias totais em carboidratos)
(Kris-Etherton et al., 1999).
O consumo de ácidos graxos monoinsaturados – como parte da dieta pobre em ácidos graxos saturados e
colesterol e rica em vegetais, frutas e grãos – associa-se com baixa incidência de doenças cardíacas na população
que consome óleo de oliva em regiões do Mediterrâneo (Keys et al., 1986).
O Lyon Diet Heart Study objetivou reduzir o risco de um segundo ataque cardíaco ou morte em 605
homens e mulheres que haviam sobrevivido ao primeiro evento. Metade destes submeteu-se à dieta do tipo
mediterrânea, isto é, que incluía grande quantidade de pão integral, tubérculos e hortaliças verdes, peixes e aves
e menor quantidade de carne vermelha, frutas e azeite de oliva, retirando todo e qualquer creme e substituindo a
manteiga pela margarina. Após 2,5 anos de seguimento, observou-se redução de 70% nas mortes por todas as
causas (De Lorgeril et al., 1999) entre aqueles que receberam a dieta mediterrânea. Os benefícios sobre o perfil
cardiometabólico têm sido verificados em estudos de menor porte e esta dieta tem sido cada vez mais prescrita
por profissionais da saúde, em uma tentativa de minimizar o risco cardiovascular de pacientes de alto risco.

397
Epidemiologia Nutricional

Colesterol total dietético


As principais fontes de colesterol dietético incluem os produtos de origem animal, lácteos e carnes. Nas
últimas décadas, houve diminuição da ingestão do colesterol na população americana, atribuída à redução no
consumo de ovos, carnes e produtos lácteos integrais. Esse fato, juntamente com a redução substancial no consu-
mo de ácidos graxos saturados, resultou em declínio da concentração sérica do colesterol da população americana
(Ernst et al., 1997).
Alto consumo de colesterol dietético leva à hipercolesterolemia em animais de laboratório; porém, em
humanos este efeito é controverso. Estudo conduzido por Clarke e colaboradores (1997) encontrou aumento
do nível de LDL-colesterol sanguíneo por alto consumo de colesterol. Uma metanálise verificou efeito do
colesterol dietético na diminuição do LDL-colesterol sanguíneo; porém, o colesterol dietético aumentou a
razão do colesterol total: HDL-colesterol (Weggemans, Zock & Katan, 2001).
O Western Electric Study sugeriu que o consumo elevado de alimentos ricos em colesterol aumenta o risco de
doenças do coração, independentemente do efeito no LDL-colesterol sérico (Stamler & Shekelle, 1988). Em contraste,
dados de dois estudos prospectivos, o Nurses’ Health Study e o Health Professionals Study, não encontraram associação
significativa entre a freqüência da ingestão de ovos e DCV, exceto entre mulheres diabéticas (Hu et al., 1999).

Micronutrientes
Alguns micronutrientes têm recebido atenção especial no que diz respeito à prevenção das DCV. Os mais
investigados, possivelmente envolvidos no processo da aterosclerose na SM, estão descritos a seguir.

Ácido Fólico e Vitaminas B6 e B12


O ácido fólico e as vitaminas B6 e B12 desempenham um papel no metabolismo da homocisteína, e as
concentrações dessas vitaminas se correlacionam inversamente com o nível da homocisteína. O Framingham
Heart Study revelou que a fortificação dos cereais com ácido fólico foi capaz de diminuir a prevalência de
hiperhomocisteinemia nos indivíduos estudados (Jacques et al., 1999). Estudos transversais, casos controle e
algumas coortes mostraram associação positiva entre as concentrações de homocisteína e risco de DCV (Boushey
et al., 1995; Nygard et al., 1997; Stampfer et al., 1992), mas outros estudos de coorte não encontraram os
mesmos resultados (Folsom et al., 1998; Alfthan et al., 1994).
Apesar da redução do nível de homocisteína com o uso de suplemento de ácido fólico, B6 e B12, não está
provado que este efeito possa reduzir o risco de DCV (Stampfer et al., 1992).

Antioxidantes
A SM reúne anormalidades nas quais o estresse oxidativo está exacerbado, o que provavelmente tem papel
na aterogênese. Não há dúvidas de que a oxidação do LDL-colesterol é um importante passo no desenvolvimento
e progressão da doença aterosclerótica. Porém, é incerto o papel de agentes antioxidantes na redução do risco
cardiovascular em seres humanos. Antioxidantes investigados em estudos com animais e seres humanos incluem
ácido ascórbico (vitamina C), alfa-tocoferol (vitamina E), betacaroteno, selênio, manganês, glutationa, coenzima
Q10, ácido lipóico, flavonóides, fenóis, polifenóis e fitoestrogênio (Beckman & Ames, 1998).
Estudos em animais revelaram que alguns antioxidantes são dotados de efeitos anti-aterogênicos. Certos
estudos em humanos forneceram dados metabólicos favoráveis à idéia de que os antioxidantes dietéticos poderiam
reduzir o risco das DCV, mas até o momento a literatura carece de estudos que comprovem tal hipótese (National
Research Council, 2000).

398
Aspectos epidemiológicos e nutricionais da síndrome metabólica

Estudo chinês mostrou que a suplementação de betacaroteno (15 mg/d), vitamina E (30 mg/d) e selênio
(15 µg/d) associou-se com a diminuição de 10% na mortalidade da DCV (Blot et al., 1993). Hennekens e
colaboradores (1996) não observaram benefícios quanto à incidência de DCV em 22.071 homens após 12 anos
de suplementação com antioxidantes. No mesmo ano, outros autores observaram aumento não significativo
(26%) na mortalidade cardiovascular em indivíduos suplementados com betacaroteno (Omenn et al., 1996).
No Alpha-Tocoferol, Beta Carotene Cancer Prevention Study (1994), com a suplementação com pequenas
doses de vitamina E em homens fumantes finlandeses, observou-se discreto efeito sobre a incidência de DCV e
nenhum efeito na incidência de infarto do miocárdio fatal. No Cambridge Heart Antioxidant Study, de prevenção
secundária, a suplementação de vitamina E (400 ou 800 UI/dia, por 1,5 ano) reduziu significativamente o risco
de novo infarto do miocárdio (77%). Não se observou efeito na mortalidade cardiovascular, mas houve aumento
não significativo na mortalidade total naqueles suplementados com vitamina E (Stephens et al., 1996). Em
outros dois grandes estudos clínicos em pacientes com DCV, não se observou efeito protetor da suplementação
da vitamina E no evento cardiovascular subseqüente (Gissi Prevenzione Investigators, 1999; Heart Outcomes
Prevention Evaluation Study Investigators, 2000).
Assim, apesar dos efeitos benéficos de vitaminas antioxidantes no estresse oxidativo, não há evidências em
humanos de que sua suplementação dietética possa reduzir o risco de DCV.

Cálcio e Sódio
Efeito protetor de laticínios na incidência da SM foi aventado em estudo prospectivo de dez anos
(n = 3.000 adultos) no qual para cada porção de leite consumida ao dia havia redução de 21% no risco da
síndrome, independentemente de idade, sexo, etnia, tabagismo, consumo de álcool, atividade física, escolarida-
de, consumo calórico total, fibras e proteínas da dieta habitual (Pereira et al., 2002). Levantou-se a hipótese de
que o elevado teor de magnésio contido nesses alimentos seja fator protetor contra o desenvolvimento de diabetes
e DCV (WHO/FAO, 2003).

Fibra
As fibras podem ser classificadas em relação ao seu grau de polimerização em polissacarídeos estruturais
(celulose, hemicelulose, pectina e amido resistente), não estruturais (gomas e mucilagens) e compostos não
polissacarídeos (lignina e outras) (FAO/WHO, 1998). Segundo seu grau de solubilidade em água, são denomi-
nadas solúveis (ou viscosas) e insolúveis. As fibras solúveis, tais como as pectinas, gomas, mucilagens e hemicelulose
tipo A, ao contato com a água formam um retículo no qual ocorre a inclusão da água, gelificando-se a mistura.
As fibras insolúveis – celulose, hemicelulose tipo B e lignina – captam pouca água, são pouco fermentáveis e
formam misturas de baixa viscosidade.
Recentes estudos indicam que fibras solúveis podem reduzir as concentrações de LDL-colesterol,
minimizando a absorção de gordura no trato gastrintestinal. Em contraste, as fibras insolúveis não afetam signi-
ficativamente o LDL-colesterol. Ingestão média de 5-10 g de fibra solúvel por dia foi associada à redução de 5%
do LDL-colesterol (Anderson,1995). Em uma metanálise com 67 estudos, observou-se que as fibras solúveis
aveia, pectina, guar e psyllium provocaram pequena, mas significativa, redução nas concentrações séricas do
colesterol total e do LDL-colesterol (Brown et al., 1999). Devido ao efeito favorável da fibra solúvel nas concen-
trações de LDL-colesterol, o NCEP-ATP III (2001) recomenda que dietas para proteção cardiovascular sejam
enriquecidas de alimentos de modo a atingir um mínimo diário de 5-10 g de fibras solúveis.

399
Epidemiologia Nutricional

Síndrome Metabólica: evidências do papel da dieta


Dieta Ocidental versus Dieta Oriental
Um percentual importante de indivíduos saudáveis que vivem em sociedades industrializadas desenvolverá
no curso de sua vida alguma doença crônica como a obesidade, o diabetes tipo 2, a hipertensão arterial, a DCV
ou mesmo a SM. Essas doenças têm origem multifatorial, envolvendo fatores genéticos e ambientais. Entre os
fatores ambientais, o papel de componentes alimentares na gênese dessas doenças é há muito investigado (WHO/
FAO, 2003).
Estudos epidemiológicos que abordam padrões de alimentação das populações possibilitam testar associa-
ções com doenças. Em particular, populações migrantes representam uma oportunidade ímpar de analisar o
impacto dos novos hábitos alimentares a que estão expostos no que diz respeito ao aparecimento de agravos à
saúde. As mudanças na dieta e seus riscos têm despertado grande interesse no Japão e em outros países que
sofreram imigrações em larga escala, uma vez que podem fornecer subsídios importantes para a instituição de
medidas de prevenção.
É grande o contraste entre a dieta dos povos orientais e a dos ocidentais. A maioria dos tradicionais pratos
consumidos no Japão vem do mar, estimando-se um consumo diário de 80 g entre peixes e frutos do mar. O que
mais distingue a culinária japonesa da ocidental é o uso de algas marinhas desidratadas (kombu), peixe seco em pó
(dashico), sardinhas secas (niboshi) e produtos à base de soja, tais como o shoyu, tofu e missô, massa à base de soja
fermentada (Yoshiike et al., 1996, Ministry of Health and Welfare, 1994). Tais diferenças nos padrões dietéticos
se constituem no principal componente das mudanças ambientais vividas por populações japonesas, que têm
sido associadas a doenças com prevalências contrastantes nos diferentes continentes. Exemplos típicos dessa
situação são a DCV e o diabetes, com freqüências bem menores no Japão quando comparadas às observadas entre
os japoneses e descendentes residentes nas Américas (Franco, 1996). Confrontando-se as incidências de
coronariopatia na população do Japão com japoneses residentes no Havaí e na Califórnia, observou-se grande
contraste nos percentuais da ingestão calórica correspondente à gordura saturada, que foram de 7%, 23% e 26%,
respectivamente. Em paralelo, os imigrantes sofreram aumento do peso corporal e do nível sérico de colesterol.
Tais fatos devem ter contribuído para as maiores incidências de coronariopatia nos nipo-americanos (3,0/1000
no Havaí e 3,7 na Califórnia) do que nos habitantes do Japão (1,6/1000). Assim, ao lado de uma predisposição
genética, também fatores ambientais – entre os quais a dieta rica em gordura saturada – parecem contribuir para
tal diferença (Robertson et al., 1977).
Estudos que compararam a composição da dieta americana com a asiática caracterizaram a última como baixa
em gorduras, especialmente de origem animal, e rica em fibras (Whittemore, 1989; Choi, 1990). A migração para
o Ocidente fez com que asiáticos alterassem seus hábitos alimentares, que se tornaram muito próximos aos
costumes locais. Yang e Read (1996), comparando a alimentação de asiáticos (51,6% de chineses) residentes em
Nevada, EUA, antes e após a imigração, verificaram aumento significativo no consumo de colesterol e gorduras,
especialmente saturadas e monoinsaturadas, e redução no consumo de carboidratos e fibras totais.
Achados recentes sugerem fortemente que a dieta habitualmente consumida pelos nipo-brasileiros de Bauru
exerce importante papel na gênese da SM. Os resultados favoreceram a hipótese de que a gordura total da dieta pode
aumentar o risco da síndrome, ao passo que a ingestão de alimentos ricos em ácido graxo linoléico pode reduzir tal
risco entre os nipo-brasileiros. O padrão alimentar deletério relacionou-se, portanto, à qualidade e quantidade de
gordura, consumida, por exemplo, por meio de carne vermelha e fritura (Freire et al., 2005). A avaliação do padrão
alimentar de parte dessa população revelou que o consumo da carne vermelha – provavelmente maior do que no seu
país de origem – deva ser fator preditivo de SM no ambiente em que vive hoje (Damião et al., 2006).

400
Aspectos epidemiológicos e nutricionais da síndrome metabólica

Intervenções Nutricionais em Populações e Impacto sobre a


Ocorrência da Síndrome Metabólica e seus Componentes
Os principais objetivos da intervenção na SM são prevenir diabetes e eventos cardiovasculares. A aborda-
gem para a SM deve iniciar com mudanças no estilo de vida (NCEP ATP III, 2002). Cada componente da SM
deve ser precocemente identificado e agressivamente tratado. Freqüentemente, o uso de medicamentos específi-
cos faz-se necessário. As seguintes metas devem ser alcançadas na abordagem dos pacientes com SM: 1) pressão
arterial < 125/75 mmHg; 2) LDL-colesterol < 100 mg/dL; 3) triglicérides < 150 mg/dL e 4) HDL-colesterol >
40 mg/dL para homens ou > 50 mg/dL para mulheres.
Em 1996, o Oslo Diet and Exercise Study comprovou efeitos benéficos no metabolismo glicídico e demais
componentes da SM em subgrupos de indivíduos submetidos a orientação nutricional e de atividade física
(Anderssen et al., 1996).
Mais recentemente, outros estudos mostraram o impacto de mudança de estilo de vida na prevenção do
diabetes mellitus tipo 2. No Finnish Diabetes Prevention Study Group, 522 pacientes portadores de intolerância à
glicose foram divididos em um grupo de intervenção, que recebia orientação nutricional específica e de atividade
física > 30 min/dia, e um grupo controle, para o qual era dada orientação rotineira quanto a dieta e atividade física.
Após seguimento médio de 3,2 anos, os investigadores mostraram que o risco de diabetes pode ser reduzido em 58%
com o programa de intervenção instituído quando comparado ao grupo controle (Tuomilehto et al., 2001).
O Diabetes Prevention Program (DPP, 2002) teve um desenho semelhante, exceto pelo fato de incluir mais
um grupo de intervenção farmacológica com metformina: 1) intervenção com mudança no estilo de vida, como
meta de perda de peso > 7% e exercício de 150 min/semana (n = 1.079); 2) metformina (n = 1.073) e 3) placebo
(n = 1.082). Após três anos de observação, contatou-se redução no risco de desenvolver diabetes no grupo de
intervenção não farmacológica de 58%, ao passo que no grupo que usou metformina esta foi de 31%, quando
comparados ao placebo.
Os estudos mais consistentes, que enfocaram a prevenção de componentes da síndrome por mudanças no
estilo de vida em grandes grupos populacionais, dizem respeito ao diabetes tipo 2. Porém, um estudo canadense
avaliou a eficácia do exercício físico sobre a presença de SM em participantes sedentários do Heritage (Health,
Risk Factors, Exercise Training and Genetics) Family Study. A SM foi definida pelo critério do NCEP e diagnosticada
em 16,9% dos participantes. A intervenção consistiu em exercícios aeróbios supervisionados durante vinte sema-
nas e foi suficiente para reduzir em 30% a prevalência de SM nos 105 pacientes classificados como portadores da
síndrome, independentemente de etnia e sexo (Katzmarzyk et al., 2003). Não se sabe se esse tipo de exercício
físico seria implantável de modo duradouro no plano populacional.
Roberts, Vaziri e Barnard (2002) mostraram efeito de um programa de curto prazo (três semanas) de dieta
com baixo teor de gordura, alto teor de fibras e atividade física de 45 a 60 minutos, três vezes por semana. Tal
intervenção reduziu em 3,7% o peso corporal inicial e foi capaz de melhorar a pressão arterial, o estresse oxidativo,
a disponibilidade de óxido nítrico e o perfil metabólico.
Uma vez que a SM está relacionada a excesso de peso, a perda de peso é uma medida importante na
abordagem de indivíduos com diagnóstico da SM. Os estudos mencionados obtiveram melhora metabólica com
reduções de 3 a 10% do peso inicial. Além disso, a sensibilidade à insulina sofre influência da composição da
dieta. Atualmente, pode-se dizer que há subsídios na literatura para recomendar uma dieta restrita em gorduras
saturadas, ao passo que o consumo de alimentos com alto teor de fibras deve ser estimulado. Quantidades
moderadas de gordura monoinsaturada devem ser permitidas, já que não induzem efeitos metabólicos deletérios.

401
Epidemiologia Nutricional

Considerações Finais
Considerando a alta prevalência da SM em diversas populações e seu impacto na morbi-mortalidade dos
indivíduos por ela acometidos, é de suma importância o conhecimento dos fatores causais ou de risco para essa
síndrome. Sua gênese é multifatorial, incluindo fatores não modificáveis, como os genéticos, etnia e idade, e
fatores modificáveis, como hábitos alimentares e de atividade física.
Há evidências de que o consumo de gorduras saturadas pode deteriorar as concentrações de glicemia de
jejum e pós-prandial e insulinemia, além de conferir maior risco na progressão de TGD para diabetes. Além
disso, a alta ingestão desse tipo de gordura provoca redução das concentrações de HDL-colesterol e elevação dos
triglicérides, efeitos indesejáveis para o sistema cardiovascular.
A diminuição da ingestão de gordura total pode resultar em aumento da ingestão de carboidrato. É conhe-
cido que a dieta pobre em gorduras totais e rica em carboidratos aumenta as concentrações de HDL-colesterol,
provoca hipertrigliceridemia e hiperglicemia pós-prandial, exacerbando a resposta insulínica e contribuindo,
portanto, para o aumento da prevalência da obesidade e o agravamento de dislipidemia e diabetes. É importante
ressaltar que as conseqüências metabólicas da ingestão de carboidratos dependerão não apenas da sua quantidade,
mas também de sua qualidade, sendo menos deletérios os efeitos decorrentes dos carboidratos complexos.
A ingestão de grãos integrais, fibras de cereais e ácido graxo linoléico seria capaz de reduzir o risco de SM,
ao passo que a de ácido graxo saturado poderia aumentar esse risco. Outros estudos indicam os benefícios da
ingestão de grãos integrais, comparada com a ingestão de grãos refinados, na melhora da sensibilidade à insulina
e conseqüente prevenção de diabetes tipo 2 e DCV.
Vários estudos mostraram a eficácia de programas de intervenção não farmacológica no controle da obesi-
dade e na prevenção de diabetes, morbidades integrantes da SM. Investigações ainda são necessárias para certifi-
car o benefício desses programas de intervenção na prevenção da SM propriamente dita e dos eventos
cardiovasculares.

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23
Fatores Nutricionais e Hipertensão Arterial

Gustavo Velásquez-Meléndez, Sandhi Maria Barreto e Adriano Marçal Pimenta

A pressão arterial é a força que o sangue exerce sobre a parede das artérias e é necessária para que o
sangue circule por todo o organismo. Ela varia de uma pessoa para outra e em diferentes horas do dia, e tende
a se elevar com a idade. Valores elevados de pressão arterial estão fortemente associados com o desenvolvimento
de Doenças Cardiovasculares (DCV), cerebrovasculares e insuficiência renal. Estudos longitudinais mostram,
por exemplo, que a partir de 115 mmHg de Pressão Arterial Sistólica (PAS) e 75 mmHg de Pressão Arterial
Diastólica (PAD), o risco de um indivíduo, entre 40 e 70 anos de idade, desenvolver DCV dobra a cada
incremento de 20 mmHg na PAS e 10 mmHg na PAD. Entretanto, para fins de diagnóstico, a Hipertensão
Arterial (HA) é definida como a presença de níveis de PAS ≥ 140 mmHg e/ou de PAD ≥ 90 mmHg em
indivíduos com 18 ou mais anos de idade. Esses valores devem expressar a média de duas ou mais medidas de
pressão arterial tomadas com o indivíduo sentado e em duas ocasiões diferentes (Aram et al., 2003).
A hipertensão é uma condição extremamente comum e de difícil controle em todo o mundo (Wolf-
Maier et al., 2004). O estudo de Framingham estimou que o risco de uma pessoa de meia-idade ou idosa ter
HA durante a vida é de 90% (Vasan et al., 2002). Em 2000, mais de um quarto (26,4%) da população
mundial com 20 ou mais anos de idade tinha HA, o que representa em números absolutos um total de 972
milhões de pessoas. Deste total, cerca de um terço (333 milhões) residia em países desenvolvidos e os demais
(639 milhões), em países em desenvolvimento. Projeções para o ano de 2025 estimam que a prevalência da
hipertensão poderá atingir 29,2% do total de adultos no mundo (Kearney et al., 2005).
Apesar de o Brasil não dispor de estatísticas sobre a magnitude desta doença em todo o território nacio-
nal, estimativas realizadas com base em estudos locais de base populacional no Sul e Sudeste do país indicam
que aproximadamente 20% da população adulta brasileira têm HA (Brasil, 2001a; Passos, Assis & Barreto,
2006). Estima-se, portanto, que existam trinta milhões de adultos com HA, dos quais metade não tem conhe-
cimento da doença e apenas um quarto controla adequadamente sua pressão. Em um estudo regional, apenas
25,6% dos indivíduos com hipertensão haviam controlado adequadamente o nível pressórico (Gus et al.,
2004). Esses valores são próximos aos encontrados em países como os Estados Unidos, onde cerca de dois terços
da população adulta com hipertensão não tratam ou tratam inadequadamente a doença (Wang & Vasan,
2005). Em alguns países, como a China, as taxas de controle são inaceitavelmente mais baixas, chegando a
apenas 8% (Gu et al., 2002).

411
Epidemiologia Nutricional

Além da idade, fatores ambientais e genéticos influenciam a elevação da pressão arterial. Entre os
fatores ambientais que afetam a pressão arterial, a dieta tem papel proeminente. Estudos observacionais e
experimentais mostram que, em indivíduos com níveis pressóricos normais (inferiores a 140/90 mmHg), a
adoção de uma dieta que reduza a pressão arterial pode prevenir o desenvolvimento da HA, e, naqueles com
níveis pressóricos elevados, pode reduzir o risco de complicações comumente associadas à hipertensão.
A dieta e o estilo de vida são considerados complementos indispensáveis para o controle da HA,
mesmo entre indivíduos que fazem tratamento medicamentoso adequado (Hoffer, 1997; Neaton et al.,
1993). Em geral, o sobrepeso, o alto consumo de sal e o baixo consumo de potássio parecem ser os principais
fatores relacionados à dieta passíveis de modificação e que apresentam um efeito potencialmente significati-
vo sobre os níveis tensionais.
Em um sentido restrito, nutrição envolve todos os componentes dos alimentos que necessitamos para o
desenvolvimento, funcionamento e manutenção da vida, como as proteínas, os carboidratos, os minerais, as
gorduras e vitaminas. Mas as pesquisas na área de nutrição e HA contemplam também os suplementos alimenta-
res e ingredientes não nutritivos, como as gorduras hidrogenadas, vitaminas antioxidantes, os aminoácidos etc.
O presente capítulo apresenta uma revisão dos principais nutrientes e dietas com efeito potencial sobre os
níveis tensionais. Esses resultados foram obtidos, principalmente, em grandes estudos longitudinais e ensaios
clínicos controlados. A grande maioria dos resultados apresentados foi corroborada em estudos de revisão siste-
mática ou metanálises publicadas recentemente.

Evidência de Efeito Causal em Estudos Epidemiológicos


Revisões sistemáticas de estudos epidemiológicos experimentais e observacionais permitem classificar o
nível de evidência acumulado sobre o efeito de um alimento ou nutriente sobre a saúde, e, assim, guiar ou
reorientar recomendações para indivíduos e populações e identificar a necessidade de novos estudos sobre o tema.
Em termos ideais, a classificação de um alimento ou nutriente como um fator de risco ou de proteção para a
saúde deveria basear-se em evidências derivadas de múltiplos ensaios clínicos aleatórios realizados em grupos
representativos das populações-alvo ou relevantes para aquele alimento ou efeito postulado. Mas nem sempre é
possível realizar estudos aleatórios nesta área.
Apesar do rigor e grande número de ensaios clínicos bem delineados relacionando dieta e HA, tais estudos não
estão isentos de limitações. Em geral, os ensaios clínicos testam questões bem específicas sobre o benefício potencial
de uma dada dieta. Para se viabilizarem, geralmente, são feitos em populações selecionadas, especialmente com
relação à motivação e condição de saúde e, não raramente, envolvem circunstâncias dietéticas artificiais, diferentes
daquelas efetivamente praticadas na vida real. Estudos com pequeno tempo de seguimento deixam sem resposta os
efeitos de longo prazo. Essas dificuldades podem afetar negativamente a reprodutibilidade dos resultados obtidos.
Problemas como esses não têm, entretanto, solução ideal. É inadmissível privar a população de informações
potencialmente relevantes para a saúde simplesmente porque um ensaio clínico ainda está em curso. Se a diminui-
ção do sal na dieta indicar uma redução na mortalidade, seria eticamente inaceitável guardar tal informação até o
final de um estudo, só para garantir que a análise e os resultados finais sejam mais robustos. Por essas razões, os
estudos observacionais constituem também importantes fontes de evidências em epidemiologia nutricional. Além
de investigar efeitos de curto e longo prazos de uma dieta ou componente alimentar que não seriam eticamente
passíveis de inclusão em estudos experimentais, os estudos observacionais permitem investigar interações potenci-
ais entre um alimento e um outro fator de risco comportamental, ambiental, genético ou relacionado à própria
condição de saúde. Entretanto, mesmo quando bem conduzidos, pode ser difícil identificar o verdadeiro respon-
sável pelo efeito observado nesses estudos. Por exemplo, seria uma determinada dieta ou um nutriente nela
contido? Em outras palavras, o açúcar ou o refrigerante, a vitamina C ou a dieta rica em frutas e legumes frescos?

412
Fatores nutricionais e hipertensão arterial

Diferentes denominações são utilizadas para classificar os níveis de evidência sobre associações causais
biologicamente plausíveis, mas todas mantêm coerência com relação aos critérios considerados para julgar as
associações observadas. As orientações preconizadas em consensos americanos (Chobanian et al., 2003; Whelton
et al., 2002) ou pela Organização Mundial da Saúde – OMS (WHO, 2003) geralmente se baseiam em análises
criteriosas do desenho e da qualidade dos estudos que geraram aquela informação.
De forma sintética, uma evidência de associação causal é considerada ‘convincente’ quando está baseada
em numerosos estudos observacionais prospectivos e foi confirmada por ensaios clínicos controlados com tama-
nho, duração e qualidade suficientes para estimarem o efeito postulado, sempre que possível. A evidência ‘prová-
vel’ advém de estudos que produziram associações razoavelmente consistentes entre exposição e doença, mas
apresentam limitações, como duração insuficiente do estudo, número insuficiente de estudos ou tamanho de
amostra inadequado, seguimento incompleto ou alguma evidência em contrário que impeça um julgamento
mais definitivo. Evidência ‘possível’ baseia-se em resultados de estudos caso controle ou transversais, que preci-
sam ser confirmados por ensaios clínicos randomizados e/ou estudos longitudinais com desenho e tamanho
suficientes. Uma evidência é considerada ‘insuficiente’ quando existem poucos estudos a respeito e a associação
entre exposição e doença é insuficientemente estabelecida e não há evidências originadas de ensaios clínicos
randomizados.

Nutrientes e Dietas com Efeito Potencial sobre a Pressão Arterial


Os níveis da pressão arterial, bem como o seu incremento com a idade e a prevalência da HA, são influen-
ciados pela dieta. Portanto, a adoção de uma dieta saudável ajuda a prevenir e controlar esta doença. São apresen-
tadas, aqui, evidências científicas obtidas de estudos observacionais e experimentais que sustentam esse fato.

Minerais
Sódio, potássio, magnésio e cálcio são os minerais mais freqüentemente investigados com relação a um
potencial efeito sobre a pressão arterial. O potássio e o sódio são minerais essenciais para a regulação dos fluidos
intra e extracelulares, atuando na manutenção da pressão sanguínea. O sal de cozinha – cloreto de sódio – é a
principal fonte de sódio, sendo composto por 40% deste mineral. A necessidade humana diária de sal é cerca de
300-500 mg. A maior parte dos indivíduos, mesmo crianças, consome níveis bem além de suas necessidades deste
mineral.

Sódio
O consumo de sódio está relacionado diretamente com a pressão arterial. Em geral, os ensaios clínicos
mostram que reduções de 50% no consumo habitual de sódio diminuem os níveis tensionais em indivíduos
normotensos e hipertensos. O impacto dessas reduções foi calculado em aproximadamente 5 e 3 mmHg para
PAD e PAS, respectivamente. Em normotensos, as reduções foram de 2 mmHg para PAS e 1 mmHg para PAD
(He & MacGregor, 2002; Geleijnse, Grobbee & Kok, 2005).
Dados populacionais sugerem que uma redução de 3 g/dia de sódio está associada com diferenças na
pressão sistólica de 5 mmHg na faixa de 15 a 19 anos e de 10 mmHg nas idades de 60 a 69 anos. Uma redução
de 10 mmHg na pressão sistólica, obtida com uma diminuição modesta no consumo de sal, poderia reduzir a
incidência de Acidente Vascular Cerebral (AVC) em aproximadamente um terço, a doença isquêmica do cora-
ção em um quarto e a insuficiência cardíaca em mais de 25% na população entre 60 e 80 anos (He, Markandu
& MacGregor, 2005). Estima-se que a redução de 3 g/dia poderia levar a uma redução de 50% no número de

413
Epidemiologia Nutricional

indivíduos com necessidade de tratamento anti-hipertensivo, 22% no número de mortes por AVC e 16%
nas mortes por doenças coronarianas.
Uma interessante preocupação relativa à sustentabilidade dos resultados dos estudos sistemáticos de
restrição de sódio na dieta e redução dos níveis tensionais foi levantada em estudo de metanálise (Hooper et
al., 2002). Os autores revisaram numerosos estudos experimentais com o objetivo de testar o efeito da
restrição de sódio sobre os níveis tensionais em indivíduos normotensos e hipertensos com efeitos de longo
prazo (6 a 60 meses). Apenas 11 estudos foram escolhidos por serem os mais adequados do ponto de vista
metodológico, considerando a aleatorização, o controle de variáveis e a validade. Essa metanálise analisou
resultados de 3.491 participantes em testes de redução de sódio na dieta. Os resultados mostram que
restrição de sódio de longo prazo levou a significativa redução nos níveis de pressão arterial sistólica e que
essa medida pode ajudar os pacientes que usam medicação a interromperem seu uso desde que mantenham
adequado controle dos seus níveis tensionais.
Por essas razões, a OMS preconiza uma política global de redução no consumo de sal para toda a população,
possível, por exemplo, pela redução do sal em produtos industrializados. Tal redução promoveria diminuições dos
níveis de pressão arterial em todos os grupos populacionais, doentes e não doentes, por um período longo e
sustentável. Considerando a alta prevalência da hipertensão e os riscos a ela associados, o efeito positivo sobre a
morbi-mortalidade e a sobrevida seria enorme, além da redução dos gastos relacionados a DCV (Lewington et al.,
2003; Selmer, Kristiansen & Haglerod, 2000).

Potássio
Apesar de ter sido investigada em estudos observacionais, a evidência de uma relação inversa entre o
consumo de potássio e a pressão arterial em indivíduos hipertensos e não hipertensos que não apresentam
comprometimento renal advém principalmente de estudos de intervenção randomizados. O efeito redutor do
potássio atinge todos os indivíduos, mas é maior em negros do que em brancos (Berenson et al., 2006). A
proporção do efeito do potássio sobre a pressão arterial também depende da quantidade de sódio consumida
concomitantemente: o efeito redutor é maior quando o consumo de sódio é elevado. Da mesma forma, o efeito
positivo da redução do sal sobre os níveis pressóricos também é maior quando o consumo de potássio é baixo.
Em ensaios clínicos controlados, o aumento no consumo de potássio por meio de frutas e vegetais ou
pela suplementação alimentar com cloreto de potássio reduz significativamente a pressão arterial, especial-
mente em indivíduos com níveis pressóricos aumentados (Whelton et al., 1997, He, Markandu & MacGregor,
2005). Em um estudo de metanálise, evidenciou-se que o aumento da ingestão de 1,8 a 1,9 g de potássio
por dia diminui em 4,0 mmHg a PAS e em 2,5 mmHg a PAD (Whelton et al., 1997). Entretanto, indiví-
duos com doença renal crônica apresentam risco de hiperpotassemia quando submetidos a altas doses de
potássio. As evidências acumuladas até hoje não permitem determinar o nível seguro de consumo de potás-
sio nesses indivíduos, embora indivíduos com doença renal crônica avançada, com taxa de filtração glomerular
inferior a 60 mL/min por 1,73 m2, devam restringir seu consumo de potássio.

Cálcio
Uma metanálise com 23 estudos observacionais relatou associação inversa entre a pressão arterial e o
consumo de cálcio, medido pelo recordatório de 24 horas ou pelo questionário de freqüência alimentar (Cappuccio
et al., 1995). Os autores ressaltaram, entretanto, que, além de o efeito ser pequeno, os resultados dos estudos
apresentavam heterogeneidade e alguns estudos não realizaram o controle adequado dos fatores de confusão.
Em 1999, outro estudo indicou que o consumo de cálcio acima de 1.000 mg por dia pode produzir uma
queda de 1,4 mmHg na pressão arterial sistólica e de 0,8 mmHg na pressão arterial diastólica (Griffith et al.,
414
Fatores nutricionais e hipertensão arterial

1999). Contudo, revisão sistemática recente dos ensaios clínicos já realizados sobre o tema concluiu que a
suplementação de cálcio na dieta contribui de forma modesta para a redução da pressão arterial e que a causa-
lidade dessa relação foi fraca e provavelmente devida a viés (Dickinson et al., 2006a). Por essa razão, e para
evitar os efeitos indesejáveis do cálcio sobre os rins (litíase renal), o consumo ou suplemento de cálcio acima da
dose diária recomendada não está indicado.

Magnésio
De maneira geral, as evidências que relacionam o magnésio com a pressão arterial são insuficientes e incon-
sistentes. Apesar de os estudos observacionais mostrarem uma associação negativa entre magnésio na dieta e
pressão arterial (Mizushima et al., 1998), esta não foi confirmada nos ensaios clínicos realizados (Jee et al., 2002).
Uma revisão sistemática de vinte ensaios clínicos publicados sobre a suplementação alimentar com magnésio
mostrou que os resultados desses estudos não são suficientes para confirmar uma associação causal entre o au-
mento do consumo de magnésio e a redução da pressão arterial (Dickinson et al., 2006b).
Finalmente, estudos de metanálise sobre o uso de suplementação conjunta de potássio, magnésio e cálcio
na dieta não revelaram evidências sobre a eficácia da mesma na diminuição dos níveis tensionais em adultos
(Beyer et al., 2006).

Derivados do Leite
Vários estudos observacionais mostram um efeito benéfico dos derivados do leite sobre a pressão arterial,
especialmente em indivíduos com sobrepeso e idade inferior a 40 anos. Estudos em populações com meia-idade
indicam uma redução de mais de 50% no risco de desenvolver hipertensão entre indivíduos expostos a uma dieta
rica em derivados do leite com baixo teor de gorduras, mas não entre os que consomem derivados integrais
(Alonso et al., 2005). Em Teerã, estudo transversal também mostrou menor prevalência de hipertensão
entre indivíduos que consumiam mais derivados de leite (Azadbakht et al., 2005). Mais recentemente,
observou-se também menor prevalência de hipertensão entre pessoas que consumiam derivados de leite,
independentemente do consumo de cálcio. Também nesse estudo o efeito foi maior entre os que consumiam
menos gorduras saturadas. Os autores também não encontraram evidência de interação entre ácido linolênico
e consumo de derivados de leite na HA (Djousse, et al., 2006).

Álcool
A pressão arterial aumenta progressivamente com o consumo de álcool, independentemente do tipo,
especialmente quando tal consumo excede duas a três doses ao dia. A associação encontrada é independente da
idade, índice de massa corporal e consumo de sal (Beilin, Puddey & Burke, 1996). O risco de doença hipertensiva
atribuível ao álcool é em torno de 16%. A cada 10 g de álcool ingerido, a pressão arterial aumenta em torno de
1 mmHg, e tal efeito é reversível após duas a quatro semanas sem uso ou com uso reduzido de álcool (Puddey
& Beilin, 2006).

Fibras
Estudos observacionais sugerem que o consumo de fibra pode reduzir a pressão arterial sistólica e diastólica
em torno de 1,6 e 2,0 mmHg, respectivamente (Alonso et al., 2006; ADA, 2006). Esses resultados não foram, no
entanto, confirmados por ensaios clínicos (Whelton et al., 2005).

415
Epidemiologia Nutricional

Carboidratos
Em relação aos carboidratos, sua contribuição para mudanças nos níveis pressóricos mostra evidências mais
convincentes em modelos animais do que em humanos. O aumento do consumo de carboidratos simples pode
produzir uma leve e transitória elevação da pressão arterial por meio da ativação simpática, principalmente em
indivíduos hipertensos (Valensi, 2005).
Os resultados dos estudos observacionais que examinaram o efeito do consumo de carboidratos sobre a
pressão arterial são inconsistentes e contraditórios, ao indicarem associação positiva, inexistência de associação e
associação inversa (Appel et al., 2006).

Gorduras
O efeito da quantidade e qualidade das gorduras consumidas sobre os lipídios plasmáticos e as lipoproteínas
está bem documentado, mas o mesmo não se observa com relação à pressão arterial. Vários estudos investigaram
a influência do consumo de gorduras sobre a pressão arterial. Apesar de alguns resultados indicarem que a pressão
aumenta com um maior consumo de gorduras totais e com a elevação da razão gorduras saturadas/insaturadas, os
resultados ainda são controversos (Rasmussen et al., 2006). Com exceção da gordura ômega-3 poliinsaturada,
presente em peixes gordurosos de água fria como sardinha, atum e salmão, os estudos observacionais não indicam
um efeito consistente entre o consumo de gorduras e a pressão arterial (Appel et al., 2005; Ascherio et al., 1992,
1996; Morris, 1994). De maneira geral, a dieta mediterrânea, rica em gorduras monoinsaturadas pela presença
do azeite de oliva, parece reduzir a pressão arterial, mas a relação é confundida pela redução concomitante do
consumo de carboidratos (Appel et al., 2005; Ferrara et al., 2000).

Colesterol
Os estudos longitudinais indicam uma relação positiva entre a dieta rica em colesterol e pressão arterial,
mas poucos estudos examinaram esta associação, o que impede um julgamento conclusivo sobre a questão (Stamler
et al., 2002).

Proteínas
Os estudos observacionais indicam uma relação inversa consistente entre o consumo de proteínas e a
pressão arterial (He & Whelton, 1999; Obarzanek, Velletri & Cutler, 1996). Resultados de dois grandes estudos
de coorte publicados recentemente mostram que apenas a proteína de origem vegetal está associada com a redu-
ção da pressão diastólica e sistólica (Elliott et al., 2006; Stamler et al., 2002).

Vitamina C
Parece existir uma associação inversa razoavelmente consistente entre o consumo de vitamina C e os níveis
pressóricos. Mas tais associações advêm de estudos transversais, e, por esta razão, não permitem inferência causal
(Bates et al., 1998; Ness, Chee & Elliott, 1997). Embora haja indicações de que o uso de suplementos alimenta-
res, tais como a vitamina C, os ácidos graxos poliinsaturados como o ácido eicosapentanóico ou docosahexaenóico
e a coenzima Q10 possam diminuir a pressão arterial, estas estão limitadas às evidências advindas de estudos
clínicos adequadamente conduzidos. Estudo de metanálise contemplando 31 ensaios clínicos aleatórios com
suplementação de ácidos graxos ômega-3 verificou a existência de uma relação dose-resposta significativa (Morris,

416
Fatores nutricionais e hipertensão arterial

Sacks & Rosner, 1993). No entanto, apenas grandes doses de suplementos de ácidos graxos ômega-3 pode-
riam produzir modestas reduções nos níveis pressóricos, tornando, portanto, sua recomendação pouco prá-
tica para indivíduos hipertensos.

Dietas que Reduzem a Pressão Arterial


Dieta Vegetariana
Há algumas décadas, estudos observacionais indicam que indivíduos submetidos a dieta vegetariana apre-
sentam pressão arterial menor do que a de não vegetarianos, com menor elevação associada ao envelhecimento
(Armstrong, Van Merwyk & Coates, 1977; Brathwaite et al., 2003; Sacks & Kass, 1988).
Os níveis pressóricos de grupos religiosos como os adventistas do sétimo dia e os monges que consomem
dietas vegetarianas são significativamente menores quando comparados aos de pessoas que consomem carne
(Armstrong, Van Merwyk & Coates, 1977; Sacks, Rosner & Kass, 1974). Segundo estudos adequadamente
controlados por peso corporal, adventistas do sétimo dia que seguiam dietas lactoovovegetarianas apresentaram
prevalências de hipertensão menores (2% vs 8,5%) e níveis pressóricos significativamente mais baixos quando
comparados com aqueles de um grupo com similar estilo de vida, mas que não seguiam dietas vegetarianas
(Rouse, Beilin & Armstrong, 1983). Em um outro amplo estudo realizado na Califórnia com 34.000 adventistas,
as prevalências de hipertensão foram baixas mesmo após o ajuste para efeito do peso corporal (Fraser, 1999). Nos
estudos observacionais, as diferenças ajustadas por potenciais variáveis de confusão de níveis pressóricos na pres-
são arterial em vegetarianos, quando comparados com não vegetarianos, variaram de 5 a 10 mmHg para PAS e de
2 a 8 mmHg para PAD.
Negros americanos apresentam, geralmente, níveis maiores de prevalência de hipertensão quando compa-
rados aos brancos. Porém, negros que são vegetarianos apresentavam seus níveis de PAS menores do que os dos
negros não vegetarianos (Melby et al., 1989).
Resultados de ensaios clínicos aleatorizados de dietas vegetarianas durante seis semanas mostram também
o efeito desse padrão alimentar na diminuição dos níveis pressóricos de 5 a 6 mmHg para PAS e de 2 a 3 mmHg
para PAD tanto em indivíduos normotensos quanto para hipertensos quando comparados com consumidores de
dietas onívoras (Margetts et al., 1986; Rouse, Beilin & Armstrong, 1983).
Um desafio metodológico nos estudos observacionais em grupos que aderem ou não a esse tipo de dieta é
a sua comparabilidade em relação a outros fatores relacionados ao estilo de vida, ou seja, entre grupos com
semelhantes estilos de vida, mas com práticas dietéticas diferentes. Os estudos devem levar em consideração o
fato de que os vegetarianos são geralmente mais magros que os indivíduos onívoros (Kennedy et al., 2001) e que
os níveis pressóricos nas populações ocidentalizadas tendem a aumentar com o peso, uma vez que as diferenças
no peso corporal de indivíduos vegetarianos e não vegetarianos pode ser um importante fator contribuinte para
as diferenças de pressão arterial observadas entre esses grupos (Appleby et al., 2002). Outro fator a ser avaliado é
o fato de que dietas vegetarianas apresentam menor densidade energética e maior conteúdo de fibras, embora os
estudos observacionais e ensaios clínicos não tenham chegado a consenso sobre o efeito significativo das fibras
nos níveis pressóricos (Burke et al., 2001; He & Whelton, 1999).
Em geral, vários aspectos da dieta vegetariana podem influenciar a queda da pressão arterial, incluindo
fatores não dietéticos, como a atividade física, e fatores dietéticos, como o menor peso corporal, o consumo
aumentado de potássio e a reduzida ingestão de álcool. Além disso, a dieta vegetariana é rica em fibras e proteínas
vegetais (Leitzmann, 2005). Os estudos sugerem que o efeito benéfico da dieta vegetariana sobre a pressão arterial
independe da presença de outros fatores, mas as análises feitas nem sempre controlaram para todos os potenciais
fatores de confusão (Appel et al., 2006).

417
Epidemiologia Nutricional

Dieta para Controle da Hipertensão (Dash)


Estudos de metanálise publicados em 2002 e 2003 (Geleijnse et al., 2002; Geleijnse, Kok & Grobbee,
2003) permitem verificar o substancial impacto dos fatores dietéticos e do estilo de vida sobre os níveis pressóricos
e a prevalência da HA em populações européias e americanas com ampla variação na magnitude de fatores de
risco para hipertensão.
Dietas com restrição do consumo de sódio e perda de peso constituem uma efetiva e segura terapia não
farmacológica anti-hipertensiva para pessoas idosas. Essas conclusões são decorrentes de um estudo clínico
randomizado realizado com 975 pacientes de 60-80 anos; o grupo intervenção teve reduções de 2,8 mmHg na
PAS comparado com o grupo controle (Whelton et al., 1998).
Dois recentes e importantes estudos experimentais realizados por um consórcio de quatro instituições
americanas denominado The Dietary Approches to Stop Hypertension (Dash), conhecido como dieta Dash, têm
produzido evidências consistentes de que dietas ricas em produtos lácteos com baixo teor de gordura, frutas e
verduras têm efeito significativo na diminuição dos níveis tensionais. A aplicação das conclusões desses estudos
foram incorporadas nas recomendações do comitê para prevenção, detecção e tratamento da hipertensão (Joint
National Committee, 1993). Na primeira pesquisa, foram estudados 459 indivíduos igualmente distribuídos
segundo sexo, dos quais 60% eram negros e tinham em média 45 anos, a maioria apresentava sobrepeso e um
terço deles era hipertenso (Appel et al., 1997).
Os participantes foram divididos aleatoriamente para o consumo de três tipos de dieta. A dieta controle
foi considerada aquela semelhante à habitual da população americana, ou seja, com pouca quantidade de fibras
e grande quantidade de gordura e colesterol, sendo sua composição percentual aproximada de 37% de gordu-
ras, 15% de proteínas e 48% de carboidratos. Além disso, apresentava baixo conteúdo de potássio, magnésio e
cálcio e alto conteúdo de sódio (3 a 3,5 g por dia). A mesma dieta do primeiro grupo foi acrescida de frutas e
verduras, formando então o segundo grupo, o que resultou em aumento do conteúdo em três vezes de fibras (9
vs 30 g), potássio (1.700 vs 4.700 mg), magnésio (165 vs 500 mg) para 2.000 kcal/dia. A dieta do terceiro
grupo, denominada dieta Dash, teve uma composição percentual de aproximadamente 27% de gorduras
(apenas 6% de gordura saturada), 18% de proteínas provenientes principalmente de alimentos lácteos e 55%
de carboidratos. O conteúdo de fibra, potássio, magnésio foi similar ao do segundo grupo; entretanto, o
conteúdo de cálcio foi duas vezes maior (1.250 mg/dia).
Após oito semanas de acompanhamento, verificou-se redução significativa dos níveis de pressão arterial
sistólica (- 5,5 mmHg) e diastólica (- 3,0 mmHg) no grupo de dieta Dash quando comparado com o grupo
controle. O resultado mais relevante desse estudo foi o fato de o impacto da dieta Dash na redução dos níveis
pressóricos ter sido maior nos indivíduos hipertensos (PA ≥ 140/90 mmHg), com uma redução da PAS e da PAD
de 11,4 mmHg e 5,5 mmHg, respectivamente. Esse efeito foi similar, em magnitude, ao que se espera para o
tratamento da hipertensão leve com uso da monoterapia farmacológica (Hoffer, 1997). Outros desfechos de
interesse nesse estudo foram as reduções de níveis de Low Density Lipoprotein (LDL) e colesterol; entretanto
houve uma redução preocupante dos níveis de High Density Lipoprotein (HDL) principalmente em mulheres.
O segundo estudo Dash (Sacks et al., 2001) teve como objetivo comparar esse tipo de dieta com a dieta
habitual, tendo as duas dietas três níveis de conteúdo de sódio: baixo, intermediário e alto. Uma das hipóteses
centrais era a de que haveria sinergias entre os tipos de dieta e conteúdo de sódio, o que não foi confirmado. Para
esse estudo, foram recrutados 412 pacientes, sendo mulheres a maioria (56%); a média de idade foi de 49 anos
e 41% eram hipertensos.
O efeito da ingestão de sódio sobre os níveis da pressão arterial foi linear, ou seja, a dieta Dash em níveis altos
e intermediários de sódio causou reduções significativas da pressão arterial; contudo, esse efeito não foi observado
para o nível mais baixo quando comparado com o mesmo nível de redução de sódio da dieta habitual.
Em geral, a dieta Dash e a dieta habitual com restrição de sódio (em nível < 2,5 g/dia) causaram significativas
418
Fatores nutricionais e hipertensão arterial

reduções dos níveis tensionais quando comparados com a dieta habitual com conteúdo alto de sódio. A dieta Dash
com nível baixo de sódio foi associada às maiores reduções de níveis tensionais quando comparada com qualquer
nível de conteúdo de sódio. Outro resultado de interesse é que a dieta Dash com níveis baixos de sódio apresentou
um nível de tolerabilidade adequado, se considerada a adesão dos pacientes a esse grupo.

Quadro 1 – Fatores dietéticos e padrões alimentares que influenciam a pressão arterial


Fator Efeito postulado Evidência
Peso corpóreo Direto Convincente
Sal (cloreto de sódio) Direto Convincente
Potássio Inverso Convincente
Magnésio Inverso Possível
Cálcio Inverso Possível
Álcool Direto Convincente
Gorduras
Saturada Direto Possível
Ômega-3 poliinsaturada Inverso Convincente
Ômega-6 poliinsaturada Inverso Possível
Monoinsaturada Inverso Provável
Colesterol Direto Possível
Proteína
Vegetal Inverso Provável
Carboidrato Direto Provável
Fibra Inverso Provável
Padrões de dieta
Vegetariana Inverso Convincente
Tipo Dash* Inverso Convincente

Níveis de evidência - Possível: indica evidência limitada ou inconsistente; Provável: evidência razoável obtida de estudos
observacionais e alguns estudos clínicos; Convincente: evidência robusta, confirmada por múltiplos ensaios clínicos.
* Dash (Diet to Stop Hypertension): dieta rica em frutas e vegetais (8-10 porções por dia), em derivados do leite com baixo
teor de gordura (2-3 porções por dia) e pobre em gorduras saturadas e colesterol.
Fonte: Appel et al. (2006).

Considerações Finais
Há evidências robustas sobre o efeito positivo de diversos fatores nutricionais na pressão arterial. Os mais
efetivos para a redução da pressão arterial são a diminuição do sal e o aumento do consumo de potássio, um
consumo moderado de álcool entre os que bebem e a adoção de um padrão de dieta do tipo Dash (Appel et al.,
2006). Tendo em vista o crescimento das doenças relacionadas à HA e a elevada prevalência da hipertensão, é
fundamental ampliar e otimizar as políticas de saúde voltadas para reduzir a pressão arterial não apenas entre
aqueles que já têm hipertensão, mas também entre aqueles que apresentam níveis pressóricos inferiores aos estabe-
lecidos para o diagnóstico desta condição. Quanto mais precoce e amplamente difundida, maior o impacto
benéfico da dieta sobre a pressão arterial na população e maior a redução da carga de doenças a ela associadas.

419
Epidemiologia Nutricional

Estima-se que a queda de 2 mmHg na pressão arterial média de uma população pode reduzir em 17% a
prevalência de HA na população geral (Cook et al., 1995). Entre os normotensos, mudanças dietéticas
contribuem para reduzir os níveis pressóricos médios e, dessa forma, prevenir ou retardar desenvolvimento
da HA, cujo risco aumenta com o envelhecimento. Em indivíduos com hipertensão leve, ou estágio I (entre
140 e 159 mmHg de PAS ou 90 e 99 mmHg de PAD), mudanças dietéticas servem como uma forma de
tratamento inicial, antes da medicação. Finalmente, entre aqueles em tratamento medicamentoso para a
HA, a dieta é um coadjuvante essencial para se atingir um controle adequado dos níveis pressóricos e preve-
nir as complicações freqüentemente associadas a esta doença.

Referências
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424
Parte III
Tópicos Especiais em Epidemiologia Nutricional
24
Amamentação: evidências científicas
e ações para incentivar sua prática

Marina Ferreira Rea e Tereza Setsuko Toma

D iversos são os registros históricos mostrando que a prática da amamentação ocorre há milênios e que
sua substituição em escala industrial data de pouco mais de um século. Esta substituição certamente não é isenta
de conseqüências, na medida em que hoje está claro quais são os vários componentes nutricionais e imunológicos
específicos do leite materno, responsáveis alguns deles por atuar na fase em que o organismo do lactente passa por
intenso desenvolvimento cerebral. Além disso, a prática de amamentar, que necessariamente aproxima pele-a-
pele mãe e bebê, traz a ambos benefícios emocionais e de vínculo inigualáveis.
Serão destacados, aqui, alguns estudos selecionados sobre ‘o porquê’ de amamentar – quanto à morbi-
mortalidade infantil e para a saúde da mulher – e outros sobre ‘como’ fazê-lo, particularmente quanto a ações de
proteção, promoção e apoio ao aleitamento materno; na conclusão, serão apresentadas as situações excepcionais,
em que o leite materno pode ser indicado com cuidados especiais.

Amamentação: por quê?


A singularidade tanto da prática de amamentar como do leite humano tem sido demonstrada por grande
número de trabalhos científicos, em diferentes tipos de disciplinas e publicações. Se antigamente pensava-se que
tal singularidade levava à proteção contra doenças, principalmente porque o aleitamento materno é necessaria-
mente uma prática higiênica e sem contaminação, mais recentemente sabe-se que o leite humano contém enorme
número de leucócitos e outros fatores de proteção – lisozimas, lactoferrina, imunoglobulinas, fatores bífidos etc. –
que sofrem modificações do começo para o fim da mamada, nas diferentes horas do dia e com a idade pós-parto.
Foi também mostrado que o recém-nascido, ao receber o colostro (leite do início da vida que em algumas
culturas é descartado), recebe altas doses de Imunoglobulina A (IgA), que cai ao mínimo em poucos dias, e que
o contato pele-a-pele desencadeia uma série de eventos hormonais importantes para a relação mãe-bebê.
O toque, o odor e o calor estimulam o nervo vagal e isto, por sua vez, faz com que a mãe libere ocitocina. Este
hormônio faz com que a temperatura das mamas aumente e aqueça o bebê. Por outro lado, a ocitocina reduz a
ansiedade materna, aumenta sua tranqüilidade e responsividade social (Anderson et al., 2007).
Com a melhora das condições de vida e a crescente urbanização, o controle das velhas doenças (como as
diarréias infantis) foi obtido em muitos países, mas a emergência de ‘novas’ causas de morbidade tem levado a
investigar o papel do leite materno nessas situações. Hoje, sabe-se que amamentar protege contra doenças crônicas,

427
Epidemiologia Nutricional

tais como obesidade, diabetes mellitus tipo 1, doença de Crohn e linfoma, além de levar o bebê a engatinhar e
andar mais precocemente (Kramer & Kakuma, 2006).
Sem pretender esgotar o tema, detalham-se a seguir algumas das razões que favorecem a escolha da
amamentação como prática, tanto para a criança como para a mulher.

Mortalidade
Em 2003, a revista The Lancet publicou uma série de cinco artigos sobre sobrevivência de crianças menores
de 5 anos de idade, resultado do trabalho do The Bellagio Study Group on Child Survival realizado por pesquisa-
dores de vários países. O estudo mostrou que, apesar da redução substancial na mortalidade de crianças nos países
de renda baixa e média no final do século XX, ainda morrem a cada ano mais de dez milhões de crianças no
mundo, a maioria delas de causas passíveis de prevenção, tais como diarréia, pneumonia e distúrbios neonatais.
O Brasil ocupava o 92º lugar na classificação dos países, respondendo por 127.000 mortes de crianças abaixo de
5 anos (Black, Morris & Bryce, 2003). Entre as intervenções direcionadas para lidar com os determinantes
proximais da mortalidade de crianças, estimou-se que a ‘amamentação’ isoladamente seria capaz de prevenir 13%
dessas mortes – ou seja, entre as demais medidas, a prática de amamentar é a que mais contribui para a prevenção
de mortes infantis (Jones et al., 2003).
As políticas de saúde deveriam contemplar entre suas metas o incremento das taxas de amamentação exclu-
siva nos primeiros seis meses de vida, dadas as robustas evidências científicas a seu favor. Na década de 1980,
Victora e colaboradores mostraram que crianças entre 0 e 5 meses não amamentadas apresentavam um risco de
morrer por diarréia e pneumonia, respectivamente sete e cinco vezes maior do que crianças amamentadas exclu-
sivamente (Victora et al., 1987).
Betrán e colaboradores (2001), utilizando dados secundários, estimaram o potencial do aleitamento mater-
no para reduzir a mortalidade infantil na América Latina e Caribe. O estudo incluiu 16 países e chegou à
conclusão de que 13,9% das cerca de 52.000 mortes infantis anuais poderiam ser evitadas por meio da amamentação
exclusiva das crianças de 0 a 3 meses de idade e amamentação parcial durante o restante do primeiro ano. Tanto
para doença diarréica quanto respiratória, no Brasil e no México ocorria cerca de metade das mortes passíveis de
prevenção do conjunto de países.
Mais recentemente, Bahl e colaboradores (2005), em estudo multicêntrico com mais de nove mil pares
mãe-criança de Gana, da Índia e do Peru, analisaram a associação entre os diferentes padrões de amamentação
com a mortalidade e internações hospitalares durante os primeiros seis meses de vida. Os principais achados
revelaram que não havia diferença nos riscos de morte ou hospitalização entre crianças amamentadas de maneira
exclusiva ou predominante, e que crianças não amamentadas apresentavam um risco dez vezes maior de morte e
três vezes maior de hospitalização quando comparadas a crianças com amamentação predominante.
O componente neonatal da mortalidade infantil representa, hoje, motivo de preocupação maior em nosso
meio. Importante trabalho realizado em Gana com 10.947 recém-nascidos sobreviventes cujas mães foram visi-
tadas no período neonatal constatou que houve marcada dose-resposta entre maior risco de morrer e retardo no
início da amamentação da primeira hora até o sétimo dia de nascimento; iniciar a amamentação após o primeiro
dia esteve associado a 2,4 vezes maior risco de morte neonatal. Os autores concluem que as mortes neonatais
podem ser reduzidas em 16% se os bebês forem amamentados desde o primeiro dia e em 22% se o forem desde
a primeira hora (Edmond et al., 2006).

428
Amamentação

Morbidade
A preocupação com o desmame precoce e a perda da proteção contra doenças infecciosas conferida pelo
leite materno, antes voltada principalmente para as crianças dos países em desenvolvimento, na última década
passou a ser objeto de investigação também nos países desenvolvidos. A duração e a exclusividade da amamentação
são consideradas relevantes, daí a necessidade de melhorar a qualidade dos estudos também com relação à defini-
ção clara dos padrões de amamentação adotados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros organismos
no início dos anos 90 lançaram indicadores com definições e formas de coleta bastante precisas (WHO, 1991),
visando a padronizar a coleta de dados sobre aleitamento materno. Isso representou um avanço e incorporação do
conceito novo de ‘amamentação exclusiva’ e também da prática de amamentar com o uso de outros fluidos não
nutritivos – fato que pode comprometer a ingesta de quantidade adequada de leite materno. Assim, ficaram
estabelecidos alguns indicadores, dos quais os mais utilizados são:
• Aleitamento Materno Exclusivo (AME) – a criança recebe apenas leite humano diretamente da
mama ou ordenhado, de sua própria mãe ou de uma doadora, e nenhum outro líquido ou alimento
sólido, com exceção de gotas ou xarope de vitaminas, suplementos minerais ou medicamentos.
• Aleitamento Materno Predominante (AMP) – a fonte predominante de nutrição da criança é o leite
humano. Entretanto, além das gotas ou xarope de vitaminas, minerais ou medicamentos, a criança
pode receber também água e líquidos, tais como água açucarada ou com sabor, chás e infusões, suco
de frutas, solução de reidratação oral e fluidos utilizados em rituais (em quantidades limitadas).
Com exceção de suco de frutas e água açucarada, não são aceitos sob esta definição quaisquer outros
alimentos com base em água.
• Aleitamento materno pleno ou completo – é constituído pela junção do aleitamento materno ex-
clusivo com o predominante.
• Alimentação complementar – a criança recebe tanto leite humano quanto alimentos sólidos ou
semi-sólidos.
• Amamentação – a criança recebe leite humano diretamente da mama ou ordenhado.
• Alimentação com mamadeira – a criança recebe líquidos ou alimentos semi-sólidos por meio de
bico de mamadeira. Este item foi incluído entre os indicadores, dada sua relevância para a prática
da amamentação.
Há evidências de que, tanto em países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, a amamentação
protege as crianças contra infecções dos tratos gastrintestinal e respiratório, sendo maior a proteção quando a
criança é amamentada de forma exclusiva e por tempo prolongado. Amamentação exclusiva e prolongada tam-
bém tem sido associada a menor risco de síndrome da morte súbita e doença atópica. Além disso, alguns estudos
sugerem uma aceleração do desenvolvimento neurocognitivo e proteção contra condições e doenças crônicas, tais
como obesidade, diabetes mellitus tipo 1, doença de Crohn e linfoma (Kramer & Kakuma, 2006).
A observação de que crianças alimentadas com leite materno apresentam menor risco de doença diarréica
é antiga. Já em 1905, havia registros de diferenças na composição da microflora intestinal de crianças amamen-
tadas em comparação a crianças desmamadas. Notava-se que as fezes de crianças amamentadas apresentavam
uma predominância de lactobacilos, ao passo que a de adultos e crianças desmamadas precocemente tinham uma
predominância de Escherichia coli. A partir da descoberta do fator bífido, na década de 1970, torna-se cada vez
mais conhecido o mecanismo pelo qual ocorre a proteção da mucosa intestinal contra os agentes patogênicos.
Sabe-se hoje que vários tipos de oligossacarídeos e glicoconjugados presentes no leite materno, conhecidos como
agentes pré-bióticos, estimulam a colonização do intestino por microrganismos benéficos. Esses agentes atuam

429
Epidemiologia Nutricional

na primeira etapa essencial da patogênese ao impedir que um microrganismo se fixe na parede celular (Newburg,
Ruiz-Palacios & Morro, 2005).
Dois trabalhos metodologicamente bem conduzidos confirmam que um aumento nas taxas de amamentação
leva ao decréscimo no risco de diarréia. Um deles, realizado no México, um experimento randomizado controlado
de base comunitária, mostrou a associação entre contatos precoces e repetidos das mães com aconselhadores e
incremento significativo na exclusividade e duração do aleitamento materno. Como desfecho secundário, a inci-
dência de diarréia foi significativamente maior nas crianças do grupo controle (Morrow et al., 1999). O outro é
um experimento randomizado controlado multicêntrico realizado na Bielo-Rússia, que envolveu 17.046 pares mãe-
bebê e 34 hospitais e policlínicas associadas. Metade dessas instituições (grupo intervenção) seguia os preceitos da
Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), descritos a seguir.
As crianças do grupo intervenção apresentaram maior probabilidade de serem amamentadas aos 12 meses
de idade, maior probabilidade de serem exclusivamente amamentadas aos 3 e aos 6 meses e uma redução signifi-
cativa no risco de infecções do trato gastrintestinal (Kramer et al., 2001). Esse estudo, que continua em curso,
promete nos trazer outros dados precisos sobre as práticas alimentares e parâmetros como peso, estatura, desen-
volvimento motor, entre outros.
Os efeitos protetores da amamentação contra infecções do ouvido e pulmão têm se tornado mais evidentes
nos últimos anos. A IgA secretora é um anticorpo resultante da resposta da mãe à exposição prévia a agentes
infecciosos. Tem como características sobreviver nas membranas das mucosas respiratória e gastrintestinal e ser
resistente à digestão proteolítica. Além de impedir que agentes patogênicos se fixem nas células da criança ama-
mentada, ela limita os efeitos danosos do processo inflamatório (Jackson & Nazar, 2006).
A amamentação exclusiva protege as crianças pequenas de evoluírem para quadros mais graves de infecção
respiratória. Estudo de caso controle aninhado realizado em Pelotas, RS, analisou as internações por pneumonia
no período pós-neonatal de uma coorte de 5.304 crianças. Crianças não amamentadas apresentaram risco 17
vezes maior de serem internadas por pneumonia do que crianças que recebiam apenas leite materno. A não-
amamentação afetou ainda mais as crianças abaixo de 3 meses de idade, cujo risco relativo para internação por
pneumonia foi de 61 (César et al., 1999). A amamentação predominante por pelo menos seis meses e a
amamentação parcial até um ano de idade podem reduzir também a prevalência de infecções respiratórias na
infância. Estudo de uma coorte prospectiva de 2.602 crianças australianas acompanhadas desde o nascimento
analisou a relação entre duração da amamentação e doenças respiratórias e infecções durante o primeiro ano de
vida. Os autores relatam que a amamentação predominante por menos de seis meses mostrou ser fator protetor
significativo, reduzindo a freqüência de consultas médicas e internações, particularmente por infecções respirató-
rias do trato superior e chiado. Interromper a amamentação antes dos 12 meses mostrou ser fator de risco para
consultas médicas por doença respiratória (Oddy et al., 2003). A etiologia da asma na infância também tem sido
objeto de pesquisas mais recentes. Amamentação exclusiva por pelo menos quatro meses mostrou ter efeito
protetor significativo contra infecção do trato respiratório inferior com chiado, asma e atopia. Ainda não está
bem esclarecido o papel da amamentação sobre a etiologia da asma, porém os estudos sugerem que ele seja
decorrente de seu efeito nas infecções, na atopia e em processos inflamatórios (Oddy et al., 2002).
Há controvérsia sobre a alimentação artificial como fator de risco para morte súbita. Ao passo que alguns
estudos observaram maior prevalência de alimentação artificial entre os casos do que entre os controles, outros
não apontaram qualquer diferença. Alm e colaboradores (2002) observaram uma associação entre amamentação
exclusiva e redução da síndrome da morte súbita, após controlar para variáveis de confusão, tais como fumo
durante a gravidez, emprego paterno, posição ao dormir e idade da criança. O papel da amamentação como
mecanismo de proteção contra morte súbita ainda não foi completamente elucidado. Entre as possíveis explica-
ções de tal proteção estão a menor incidência de infecções, as mamadas freqüentes e o contato mais estreito entre
mãe e criança.

430
Amamentação

Os ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa (conhecidos pela sigla em inglês LC-PUFA), particular-
mente os 22:6ω3 e 20:4ω6, são considerados essenciais para o desenvolvimento do cérebro e da retina e estão
presentes no leite humano. Apesar da falta de clareza sobre a maneira pela qual os LC-PUFA atuam no desenvol-
vimento, vários estudos foram realizados com o objetivo de verificar as diferenças na acuidade visual e no
neurodesenvolvimento, a maioria deles comparando crianças amamentadas com outras alimentadas com fórmu-
las infantis. Quanto à acuidade visual, parece não haver consenso entre os pesquisadores, e possivelmente isto se
deve aos diferentes parâmetros utilizados (Heird & Lapillonne, 2005). Quanto à inteligência, uma metanálise
com o propósito de fazer uma revisão crítica dos estudos sobre sua associação com a amamentação encontrou
apenas dois artigos com padrão de alta qualidade metodológica, sendo que um deles concluiu que a amamentação
tinha efeito significativo sobre a inteligência, ao passo que o outro não. Segundo os autores, embora a maioria dos
estudos analisados conclua que a amamentação tem efeito sobre a inteligência, não há evidências convincentes, e
futuras investigações deveriam usar métodos e critérios mais rigorosos (Jain, Concato & Leventhal, 2002).

Saúde da Mulher
Até o presente, conforme revisão da literatura publicada por Rea (2004), aqui atualizada, sabe-se que há
uma relação positiva entre amamentar e apresentar menos doenças, como o câncer de mama (Martin et al.,
2005), certos cânceres ovarianos e do endométrio (Okamura et al., 2006). Indaga-se também sobre o efeito da
amamentação no menor risco de morte por artrite reumatóide, e é controverso seu efeito contra certas fraturas
ósseas, especialmente coxofemoral, pois há estudos mostrando que mulheres que amamentam apresentam menos
osteoporose e menos fraturas (Rea, 2004). Muitos trabalhos foram publicados mostrando como a amamentação
se relaciona à amenorréia pós-parto e ao conseqüente maior espaçamento intergestacional. Outros benefícios
para a mulher que amamenta são o retorno ao peso pré-gestacional mais precocemente e o menor sangramento
uterino pós-parto (conseqüentemente, menos anemia), devido à involução uterina mais rápida provocada pela
maior liberação de ocitocina.
Uma revisão de 47 estudos realizados em trinta países envolvendo cerca de cinqüenta mil mulheres com
câncer de mama e 97 mil controles sugere que o aleitamento materno pode ser responsável por 2/3 da redução
estimada no câncer de mama. A amamentação foi tanto mais protetora quanto mais prolongada: o risco relativo
de ter câncer decresceu 4,3% a cada 12 meses de duração da amamentação, independentemente da origem das
mulheres (países desenvolvidos vs não desenvolvidos), idade, etnia, presença ou não de menopausa e número de
filhos. Estimou-se que a incidência de cânceres de mama nos países desenvolvidos seria reduzida a mais da
metade (de 6,3 para 2,7%) se as mulheres amamentassem por mais tempo (Collaborative Group on Hormonal
Factors in Breast Cancer, 2002). Por sua vez, Martin e colaboradores (2005), analisando dados de uma coorte
com 4.999 sujeitos, iniciada nos anos 30 do último século, além de uma extensa metanálise de outros estudos,
concluíram que o fato de ter sido amamentada está relacionado a menor risco de câncer somente pré-menopausa.
Um estudo caso controle realizado em hospital japonês envolvendo 155 mulheres com câncer do endométrio
e 96 controles encontrou maior risco desse câncer entre aquelas multíparas que nunca haviam amamentado; para
os autores, o aumento verificado nos casos de câncer de endométrio pode estar relacionado à diminuição da
prática de amamentar e à menor paridade de mulheres do Japão (Okamura et al., 2006).
A relação entre duração da amamentação e diminuição do peso pós-parto foi demonstrada em estudo
brasileiro com 405 mulheres, em que a cada mês a mais de amamentação houve uma média de redução de 0,44 kg
no peso da mãe (Kac et al., 2004).

431
Epidemiologia Nutricional

Amamentação: como?
No final da década de 1980, apropriando-se da informação nova de que o aleitamento materno exclusivo no
início da vida é fundamental, autoridades da OMS, do Fundo das Nações para a Infância (Unicef), de organismos
bilaterais e técnicos de saúde passam a se reunir para elaborar uma estratégia que levasse em conta os diversos
determinantes que interferiam nessa prática, criando-se o International Group on Action on Breastfeeding (Igab).
Esse grupo procurou aprofundar a compreensão sobre como trabalhar com tais determinantes: serviços de
saúde e hospitais; grupos de mães e comunidade; treinamento (destacando-se os cursos de especialização em
lactação humana do Wellstart International, de San Diego, EUA, e os cursos da International Baby Food Action
Network (Ibfan), África; comunicação, educação; Código Internacional de Comercialização de Substitutos do
Leite Materno; mulher trabalhadora. O aprofundamento se deu em debates técnicos entre 1989 e 1990, atuali-
zando conhecimentos e a discussão sobre a implementação de ações que visassem à melhor forma de trabalhar
cada um dos temas acima, sempre tendo em vista a diminuição do desmame precoce. Diversos foram os docu-
mentos então produzidos, os quais foram levados a uma reunião final em Florença, na Itália, em um antigo
hospital infantil, denominado Hospedale Del Innocenti, no dia 1 de agosto de 1990. O processo teve aí seu
encerramento, com um encontro de técnicos e políticos de cerca de trinta países – o Brasil foi um deles –
especialmente convidados. Aí se lança, então, a chamada Declaração de Inoccenti (WHO/Unicef, 1990).
Assim, a Declaração de Inoccenti, diferentemente de qualquer outro documento internacional produzido
pelas autoridades de saúde, foi o resultado de um intenso e participativo processo de análise e traz objetivo claro
e metas a serem alcançadas pelos países na promoção da amamentação bem definidas. O objetivo era fortalecer a
mulher na sua decisão de amamentar exclusivamente até os 6 meses1 de vida e continuar amamentando, com
alimentos complementares até o segundo ano de vida, ou mais. Assim se resumiam quatro ações fundamentais
que os países deveriam realizar para que se alcançasse tal objetivo:
1) Criar e manter uma coordenação e um comitê pró-amamentação de âmbito nacional.
2) Assegurar que as maternidades cumpram os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno,
publicados em 1989.
3) Implementar todo o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno (de
1981) e resoluções da Assembléia Mundial da Saúde subseqüentes e relevantes.
4) Implementar as leis trabalhistas, buscando formas criativas de proteger a mulher trabalhadora lactante
e respeitando seus benefícios.
No encontro de Innocenti, foram destacadas atividades que vinham sendo desenvolvidas pelo Brasil havia
uma década, como a mobilização social, as campanhas na mídia, a implementação do código com a elaboração
de uma legislação nacional equivalente (em 1988), a extensão da licença-maternidade para 120 dias para a
mulher trabalhadora (também em 1988) e, em especial, a existência, desde 1981, de uma equipe coordenadora
nacional de todas essas ações. Uma avaliação do programa mostrava que havíamos obtido ganhos significativos
na proporção de mães que passaram a iniciar e a praticar o aleitamento materno por mais tempo.2 Mas nada havia
a mostrar sobre aleitamento materno ‘exclusivo’ (só leite materno, sem água, chá ou qualquer outro fluido),
porque isso ainda não era parte de nossos conhecimentos.
Em contrapartida, as atividades realizadas pelas maternidades ainda se restringiam à permanência de mãe e
bebê no mesmo quarto – em alojamento conjunto, que já era uma norma brasileira, mas estava em processo de
divulgação; os demais ‘passos’ para o sucesso do aleitamento materno nas maternidades só vieram a ser conhecidos
efetivamente nos anos 90.

432
Amamentação

A OMS e o Unicef passaram, recentemente, a oferecer novas diretrizes quanto à promoção, proteção e
apoio ao aleitamento materno, por meio da Estratégia Global sobre Alimentação de Lactentes e Crianças de
Primeira Infância, mas sem a ‘visão’ que a Declaração de Innocenti conteve. De fato, OMS e Unicef, assim como
outros parceiros como International Baby Food Action Network (Ibfan), World Alliance for Breastfeeding Action
(Waba), International Lactation Consultant Association (Ilca) e La Leache League International (LLLI), seguem
tendo em Innocenti uma referência fundamental, e reafirmaram os mesmos objetivos em 2005 durante a celebra-
ção dos 15 anos da declaração (Unicef Innocenti Research Centre, 2005).
Sabe-se que a amamentação no Brasil cresceu do final dos anos 70 até os anos 90 (Venâncio & Monteiro,
1998); mas o crescimento foi ainda maior no final dos anos 90 e início de 2000, quando nossas autoridades da
área planejaram e realizaram adequadamente ações descentralizadas de capacitação de profissionais usando os
materiais de treinamento adaptados da OMS/Unicef, estratégias da Ibfan e da rede de Banco de Leite Humano.
O objetivo foi implementar as metas de Innocenti com ações inovadoras de mobilização social (parcerias com
Correios, Corpo de Bombeiros etc.) (Rea, 2003).
Serão detalhadas, a seguir, as principais ações de promoção, proteção e apoio à amamentação.

Iniciativa Hospital Amigo da Criança


A OMS e o Unicef lançaram a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), em 1992, como estratégia
para atingir uma das metas estabelecidas na Declaração de Innocenti, na Cúpula Mundial para a Infância e no
Plano de Ação para a Nutrição (WHO, 1998).
Desde seu lançamento, mais de 19.000 hospitais foram credenciados em 150 países. Para ser habilitado
como Hospital Amigo da Criança, um hospital-maternidade deve implantar os Dez Passos para o Sucesso do
Aleitamento Materno (Quadro 1) e manter a política de não aceitar doações de fórmulas infantis e outros produ-
tos que competem com a amamentação. O processo de avaliação a que o hospital é submetido para receber o
título da IHAC é padronizado e único em todo o mundo (Unicef Innocenti Research Centre, 2005).
O Brasil foi um dos 12 primeiros países a incorporar a IHAC em sua política de promoção, proteção e
apoio ao aleitamento materno. Aqui, adicionalmente são exigidos outros requisitos, aos quais tem sido atribuída
parte da lentidão no processo de habilitação dos hospitais interessados (Brasil, 2004; Araújo, 2005a).
Estudos realizados em diferentes países consideram a IHAC uma ação extremamente efetiva, que leva ao
incremento da prevalência e duração da amamentação exclusiva e total (Lutter et al., 1997; Kramer et al. 2001;
Merten, Dratva & Ackermann-Liebrich, 2005).
Na Suíça, o incremento nas taxas de amamentação que o país tem vivenciado desde 1994 deve-se em parte
ao número crescente de Hospitais Amigos da Criança. Segundo Merten e colaboradores (2005), os serviços
utilizam o título de Amigo da Criança como forma de se promover, e isto tem influenciado a escolha das mulhe-
res que desejam amamentar sobre o local para dar à luz.
Avaliação sobre experiências dos países com a implementação das metas da Declaração de Innocenti, conduzida
em 2002, mostrou que propostas como a dos dez passos são facilmente compreendidas e aceitas, porém sua
sustentabilidade parece mais efetiva quando vinculada a uma abordagem que inclui política, legislação, reforma
do sistema de saúde e intervenções na comunidade (Unicef Innocenti Research Center, 2005). Os desafios para
a implementação da IHAC elencados por essa avaliação incluem: grande rotatividade de profissionais da saúde;
estratégias para controle e manutenção do padrão de qualidade dos hospitais credenciados; sua inclusão no
orçamento dos governos; adequado investimento no apoio à mãe após a alta da maternidade; clareza sobre como
lidar com as mulheres HIV positivo; aperfeiçoamento da atenção à mulher durante o trabalho de parto e o parto;
integração com outras iniciativas em apoio às Metas do Milênio para o Desenvolvimento.

433
Epidemiologia Nutricional

A sustentabilidade da IHAC foi avaliada no Brasil em 2002 (Araújo et al., 2003) e, na análise dos questio-
nários de 137 HAC (90%) do total de 152 HAC credenciados à época, observou-se que 92% cumpriram todos
os dez passos. Os passos um, três, seis, sete, oito e nove apresentaram mais de 98% de cumprimento. O passo
cinco foi o menos cumprido. Comparando-se as regiões do país, observou-se que, no Nordeste, no Sul e no
Sudeste, 90% dos hospitais foram aprovados em todos os dez passos. Na região Norte, apenas 50% dos hospitais
os cumpriram integralmente.

Quadro 1 – Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno


1. Ter uma norma escrita sobre aleitamento, que deveria ser rotineiramente transmitida a toda a equipe de cuidados de
saúde.
2. Treinar toda a equipe de cuidados de saúde, capacitando-a para implementar esta norma.
3. Informar todas as gestantes sobre as vantagens e o manejo do aleitamento.
4. Ajudar as mães a iniciar o aleitamento na primeira meia hora após o nascimento.
5. Mostrar às mães como amamentar e como manter a lactação, mesmo se vierem a ser separadas de seus filhos.
6. Não dar a recém-nascidos nenhum outro alimento ou bebida além do leite materno, a não ser que tal procedimento
seja indicado pelo médico.
7. Praticar o alojamento conjunto – permitir que as mães e bebês permaneçam juntos – 24 horas por dia.
8. Encorajar o aleitamento sob livre demanda.
9. Não dar bicos artificiais ou chupetas a crianças amamentadas ao seio.
10. Encorajar o estabelecimento de grupos de apoio ao aleitamento, para onde as mães deverão ser encaminhadas
por ocasião da alta do hospital ou ambulatório.

Fonte: WHO (1998).

Código
A influência da promoção comercial sobre as práticas de alimentação infantil e suas conseqüências sobre o
desmame precoce, a desnutrição e a mortalidade infantil foram bastante discutidas nas décadas de 1960 e 1970.
Em conseqüência disso, a OMS e o Unicef realizaram a Reunião Conjunta sobre Alimentação do Lactente e da
Criança Pequena em Genebra, em 1979 (OMS/Unicef, 1979). Ao final da reunião, foi recomendada a criação de
um conjunto de normas, fundamentadas em princípios éticos, para nortear a promoção comercial de substitutos
do leite materno: o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno, o qual foi desen-
volvido e aprovado em 1981 pela Assembléia Mundial da Saúde (WHO/Unicef, 1981).
O objetivo principal do Código Internacional é contribuir para o fornecimento de nutrição segura e ade-
quada aos lactentes, por meio da proteção e promoção da amamentação e da regulação da promoção comercial
dos substitutos do leite materno. O código aplica-se aos substitutos do leite materno, sejam fórmulas, leites ou
alimentos complementares, a mamadeiras e bicos.
Até 2005, 64 países haviam adotado medidas para a implementação do código, dentre eles o Brasil, que o
adotou como norma, em 1988, abrangendo praticamente todas as suas disposições. Entretanto, ainda há pelo
menos dez países onde nenhuma medida foi tomada, além de muitos outros onde o código é voluntário ou inclui
parcialmente as medidas (Sokol, 2005).
O código brasileiro foi publicado como resolução n. 5, de 20 de dezembro de 1988, do Conselho Nacional de
Saúde (Ministério da Saúde, 1988). Em 1992, decidiu-se revisar essa resolução e encaminhar propostas de modifi-
cações que foram aprovadas como a Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes (NBCAL),
publicada também como Resolução CNS n. 31, de 12 de outubro de 1992 (Ministério da Saúde, 1993).

434
Amamentação

Em 1999 e 2000, nova revisão foi realizada, com base em uma reflexão sobre as inconsistências e dificuldades
de implementação daquele segundo texto da norma, e assim aprovou-se, com a decisiva participação da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma versão melhorada de nosso código, agora subdividido em três
textos: 1) Portaria Ministério da Saúde MS 2.051, de 8 de novembro de 2001 (Ministério da Saúde, 2001); 2)
Resolução Anvisa – RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) 221 (Anvisa, 2002a) e 3) Resolução Anvisa – RDC
222, de 5 de agosto de 2002 (Anvisa, 2002b), as quais constituem hoje a Norma Brasileira de Comercialização de
Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras. Uma análise dos
avanços de nosso código ou norma, desde sua primeira versão, foi realizada por Araújo et al. (2006). Em janeiro
de 2006, a norma foi aprovada pelo Parlamento brasileiro e sancionada como lei n.11.265, pela Presidência da
República (Brasil, 2006).

Benefícios Trabalhistas e Amamentação


Tem aumentado a participação da mulher-mãe no mercado de trabalho, e quase todos os países do mundo
o reconhecem, provendo aquelas formalmente empregadas de benefícios trabalhistas. Mas são as mulheres no
mercado informal, sem benefícios, a maior preocupação das autoridades de saúde. É preocupante, também, saber
que dos vários benefícios trabalhistas existentes quanto à proteção da maternidade, são os referentes às possibili-
dades de amamentar os menos cumpridos, ou mais negociados pelos sindicatos. Diferentemente do curso da
gestação e do parto, a amamentação pode ser interrompida pela mulher; se ela não tem as condições adequadas
para manter a lactação, o trabalho fora é motivo, explícito ou não, para o desmame (Rea & Cukier, 1988).
Desde o ano de sua fundação, 1919, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) criou uma Conven-
ção Trabalhista de Proteção à Maternidade. Mas é de 2001 a mais recente revisão dessa convenção, em que se
recomenda aos países que a licença-maternidade seja de 14 semanas, que haja pausas remuneradas para amamen-
tar durante o trabalho e que as empregadas informais sejam distinguidas com o direito a benefícios. Hoje, dos
países que dão 14 semanas ou mais de licença-maternidade, temos 23/49 na África, 8/35 nas Américas, 12/40 na
Ásia e Oriente Médio, 41/44 na Europa e 2/7 na Oceania (Waba, 2006).
No Brasil, esse benefício é de 120 dias (17 semanas), e vários municípios já o estenderam para seis meses
para suas funcionárias; encontra-se em discussão no Parlamento um projeto de lei desta natureza. O cumprimento
de todos os benefícios, incluindo a rara provisão de creche no nosso meio, não é garantia de que todas as mães
trabalhadoras amamentem, embora auxilie bastante, como mostra Gomes (2006), em seu trabalho realizado em
São Paulo. Entre as mulheres nessas condições com crianças de 6 a 12 meses nas creches das empresas, 67% ainda
amamentavam; flexibilidade no horário, mudanças de turnos e existência de um ônibus para transporte oferecido
pela empresa são fatores que facilitaram a prática de amamentar.

Semana Mundial de Aleitamento Materno e Outras Campanhas


Em fevereiro de 1991, criou-se a World Alliance for Breastfeeding Action (Waba), inicialmente composta
por American Public Health Association (Apha), La Leche League International (LLLI), International Baby
Food Action Network (Ibfan), International Lactation Consultants Association (Ilca), International Organization
of Consumer Unions (Iocu), Wellstart International e World Council of Churches. O objetivo dessa aliança seria
mobilizar a sociedade para o apoio à amamentação.
A primeira ação lançada pela Waba foi a Semana Mundial de Aleitamento Materno (Smam), em 1992.
Desde então, essa estratégia de mobilização social tem levado à participação efetiva de muitos órgãos governa-
mentais, de organizações que fazem parte das Nações Unidas e de organizações da sociedade civil.

435
Epidemiologia Nutricional

A Smam tem sido celebrada, na maioria dos países, durante a primeira semana de agosto. Inúmeras e
criativas são as formas que os mais de cem países participantes encontraram de mobilizar a sociedade em torno
dos temas anualmente definidos pela Waba. Os temas diversificados (Quadro 2) têm proporcionado a interação
do aleitamento materno com outros grupos e disciplinas, tais como ecologia, economia, direitos humanos,
globalização, entre outros.
Considera-se que a Smam é uma das estratégias bem-sucedidas, por seu alcance mundial, impacto, criatividade
e apropriação por governos e grupos locais. O Brasil tem participado dessa iniciativa desde o princípio, inicial-
mente por intermédio de grupos não governamentais. Atualmente, o Ministério da Saúde tem liderado esse
movimento e muitos municípios aprovaram datas comemorativas oficiais para a Smam (Unicef Innocenti Research
Center, 2005; Siqueira & Toma, 2006).
No final dos anos 90, a parceria entre Ministério da Saúde e Correios expandiu a campanha promovida na
Semana para um mês. Segundo Araújo e colaboradores (2003), o ministério implantou o Projeto Carteiro Amigo
da Amamentação em 1999 em oito estados do Nordeste brasileiro, onde foram treinados três mil carteiros e
potencialmente beneficiadas 665.000 crianças menores de um ano e gestantes. Em 2000, o projeto treinou 6.100
carteiros das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, que levaram informações para cerca de um milhão de mães
de crianças menores de um ano e gestantes. Nos anos 2001 e 2002, o projeto aconteceu em todo o Brasil. Em
2001, participaram 16.500 carteiros, beneficiando 2.900.000 crianças menores de um ano e gestantes. Em 2002,
foram treinados 23.400 carteiros, estimando-se cerca de 3.400.000 de beneficiários. Campanhas pró-amamentação
pela mídia, como as realizadas pelo Brasil no início dos anos 80, quando bem realizadas, mostram-se um impor-
tante meio de difundir o tema entre a sociedade (Rea, 1990).

Quadro 2 – Temas da Semana Mundial de Aleitamento Materno de 1992 a 2007


1992 - Iniciativa Hospital Amigo da Criança
1993 - Mulher, trabalho e amamentação
1994 - Faça o código funcionar
1995 - Amamentar fortalece a mulher
1996 - Amamentação: uma responsabilidade de todos
1997 - Amamentar é um ato ecológico
1998 - Amamentar é um barato... o melhor investimento
1999 - Amamentar é educar para a vida
2000 - Amamentar é um direito humano
2001 - Amamentação na era da informação
2002 - Amamentação: mães e bebês saudáveis
2003 - Amamentação: promovendo a paz em um mundo globalizado
2004 - Amamentação exclusiva: satisfação, segurança e sorrisos
2005 - Amamentação e alimentos complementares
2006 - 25 anos do Código Internacional
2007 - A importância de amamentar na primeira hora de vida

Fonte: Siqueira & Toma (2006).

436
Amamentação

Capacitação de Profissionais da Saúde em Aleitamento Materno


Revisão sistemática, realizada com o objetivo de avaliar as evidências sobre programas efetivos para aumen-
tar o número de mulheres que iniciam a amamentação, selecionou 59 estudos. Estes foram agrupados segundo os
temas educação em saúde; iniciativas gerais do setor Saúde; Iniciativa Hospital Amigo da Criança; capacitação de
profissionais da saúde; programa de suplementação nutricional; apoio social de profissionais da saúde; apoio
de pares; campanhas em meios de comunicação e outras intervenções.
Atividade em grupos pequenos durante o pré-natal, educação face a face, apoio de pares antes e após o
parto mostraram efetividade como intervenções isoladas. Pacotes de intervenção que incluem apoio de pares e/ou
campanhas em meios de comunicação associados a mudanças estruturais do setor Saúde e/ou atividades educativas
também se mostraram efetivos. Com relação aos serviços de saúde, mostraram-se relevantes as mudanças estrutu-
rais nas práticas de promoção do aleitamento materno nos hospitais, sendo o alojamento conjunto uma ação-
chave (Fairbank et al., 2000).
A Iniciativa Hospital Amigo da Criança é uma estratégia que trouxe em seu bojo a necessidade de capacitação
dos trabalhadores de saúde (Passo 2) e acabou contribuindo para o surgimento de diferentes tipos de cursos. Com
o propósito de favorecer a implantação dos dez passos nos hospitais, a OMS e o Unicef desenvolveram um
“Curso sobre manejo do aleitamento materno”, com carga horária de 18 horas. No Brasil, o manual do curso foi
distribuído pelo Ministério da Saúde a todos os hospitais interessados em mudar suas rotinas em favor da
amamentação. Elaborado de maneira a ser facilmente incorporado pelos serviços de saúde, esse manual traz
orientações sobre métodos de ensino e materiais de apoio para serem utilizados em cada uma de suas 14 sessões.
Com base em experiências de especialistas em lidar com a capacitação de trabalhadores da saúde em países da
África, chegou-se à conclusão de que os cursos precisam ter uma duração de pelo menos três dias para provocar
uma mudança de atitudes (Brasil, 2003). O curso, que no início tinha 18 horas, foi recentemente revisto pelo
Unicef e tem agora vinte horas (www.unicef.org).
A implementação da IHAC levou à constatação de que não bastava capacitar os trabalhadores dos hospi-
tais, se não houvesse ao mesmo tempo uma sensibilização dos gestores e administradores dos serviços. Por isso,
criou-se um curso de curta duração para gestores, cujo conteúdo é voltado para as necessidades e interesses dessa
categoria de profissionais, incluindo-se o impacto econômico direto e indireto da incorporação dos dez passos. Uma
sessão sobre planejamento permite que o participante pense sobre a situação particular do seu hospital, enumere
dificuldades e facilidades, possíveis formas de contornar as dificuldades, metas e prazos (OMS/Unicef, 1999).
A dificuldade de transformar teoria em prática tem sido uma preocupação constante na área da saúde.
Quando se lida com crianças, a situação é ainda mais complexa, na medida em que é necessário o passo adicional
de conseguir uma comunicação apropriada com suas mães ou outros cuidadores. Na amamentação, há muitos
pontos sensíveis, que exigiriam comportamentos, sentimentos e atitudes do profissional para lidar com a mãe de
maneira confortável, denominadas “habilidades de aconselhamento” (Garrick, 1979). Essas habilidades incluem,
entre outras, saber ouvir, evitar julgamentos, elogiar e oferecer poucas sugestões relevantes. O “Aconselhamento
em amamentação: um curso de treinamento” foi elaborado pela OMS com essa finalidade (OMS/Unicef, 1997).
A avaliação do curso realizada em São Paulo mostrou mudança significativa na prática de médicos, enfermeiros e
auxiliares de unidades básicas de saúde e concluiu pela necessidade de um período adicional de supervisão (Rea
et al., 1999). Outros cursos de aconselhamento, voltados para lidar com a alimentação de crianças filhas de mães
HIV positivo e alimentação complementar, foram desenvolvidos posteriormente, cada um deles com duração
aproximada de quarenta horas (OMS/Unicef, 2003).

437
Epidemiologia Nutricional

O mais recente material de aconselhamento sobre alimentação de lactentes e crianças de primeira infância,
com cerca de 35 horas, integra três cursos anteriores e foi lançado em 2006 para atender à demanda dos países por
cursos mais curtos: “Integrated Infant Feeding Counselling: a training course”. Esse curso traz como novidade a
proposta de realizar um período de seguimento com supervisão dos profissionais após o curso e avaliá-los, intro-
duzindo a noção de ‘competências’ (WHO, 2006).
A elaboração de cursos de aconselhamento como esses da OMS exige a reunião de especialistas de diversas
áreas do conhecimento e, por isso, são processos longos e custosos. Assim, parece lógico deles apropriar-se desde
que seja possível adaptá-los à cultura e estrutura de serviços de saúde de cada país ou região. A necessidade de
adaptação e avaliação de propostas de capacitação dessa natureza repousa no fato de se questionar em que medida
elas podem atender às necessidades de diferentes categorias profissionais, organização de serviços e ser utilizadas em
larga escala.
O período em que houve maior número de capacitações de profissionais da saúde do país coincide com o
período de maior aumento da duração da amamentação (Rea, 2003): no final dos anos 90 e início de 2000,
31.655 profissionais foram capacitados, por meio de cursos de aconselhamento (1.740 profissionais); cursos para
265 fiscais da Vigilância Sanitária sobre a NBCAL; cursos para 395 avaliadores da IHAC; cursos de 12 horas para
2.040 gestores de maternidades sobre a IHAC e 430 cursos de Bancos de Leite Humano nos 27 estados – todos
eles coordenados pelo Ministério da Saúde (Araújo, 2005b). A partir de 2003 a coordenação nacional de tais
cursos foi descontinuada, e não se sabe em que medida continuam sendo realizados sob a responsabilidade de
municípios.

Amamentação em Situações Excepcionais


A Estratégia Global aqui mencionada aborda a necessidade de proporcionar orientação e apoio para a
alimentação apropriada das crianças em situação excepcionalmente difícil. Em nosso meio, destacamos duas
circunstâncias: os bebês de baixo peso ao nascer e os filhos de mães HIV positivo.
O baixo peso ao nascer tem sido uma importante razão para não amamentar, seja pela preocupação com o
ganho de peso desses bebês, seja pela dificuldade de manter a lactação de suas mães. Estudos clínicos sugerem
importante proteção conferida pelo leite humano contra vários tipos de infecção em recém-nascido pré-termo,
sendo de particular interesse a enterocolite necrosante, uma doença inflamatória intestinal aguda que costuma ser
devastadora nas unidades neonatais (Schanler, 2001; Lucas & Cole, 1990).
No Brasil, a rede composta por cerca de 180 bancos de leite humano tem como prioridade prover o leite
pasteurizado da própria mãe aos bebês pré-termo (Menconi, 2005). Além disso, o Método Mãe Canguru, cujas
diretrizes foram estabelecidas pelo Ministério da Saúde em 2000, tem sido implantado de forma crescente no país
e propiciado a prática do contato pele-a-pele e a participação precoce da mãe nos cuidados do recém-nascido de
baixo peso. Os resultados alcançados em termos de incidência e duração da amamentação dessas crianças são
surpreendentes (Lamy et al., 2005; Colameo & Rea, 2006).
Entre as infecções virais, o principal desafio da atualidade refere-se às crianças filhas de mulheres HIV
positivo. As medidas nacionais para prevenção da contaminação do HIV por meio do aleitamento materno
foram publicadas na portaria n. 97, de 28 de agosto de 1995, pelo Ministério da Saúde. Nessa portaria,
recomenda-se que as mães HIV positivo não amamentem seus filhos, contra-indicando o aleitamento cruzado
e indicando a alternativa de utilização de leite humano pasteurizado, inclusive da própria mãe. Porém, o
sistema de bancos de leite humano precisaria estar organizado de maneira a incluir essas crianças em sua lista
de prioridades. Atualmente, a quase totalidade dos bancos brasileiros está sediada em hospital e atende somente
à sua demanda interna.

438
Amamentação

Para enfrentar a situação da epidemia de HIV-Aids em alguns países da África, cientistas estão estudando
alternativas para tratamento do leite materno que sejam viáveis do ponto de vista prático e econômico. A técnica
de pasteurização dos bancos de leite humano utiliza o aquecimento à temperatura de 62ºC por 30 minutos e
resfriamento brusco (Menconi, 2005). Outras possibilidades, que estão sendo avaliadas, incluem o método conhe-
cido como tratamento pelo calor (56ºC por 30 minutos) e o uso do pasteurizador solar (60ºC por 30 minutos),
além dos métodos que utilizam banho-maria (como a pasteurização de Pretória), a fervura e o método microbicida
com o uso de sódio dodecil sulfato (Hartmann, Berlin & Howett, 2006).

Considerações Finais
Em que pesem todos os conhecimentos acumulados sobre a importância de amamentar exclusivamente
nos primeiros seis meses e seguir amamentando após a introdução de outros alimentos, nota-se ainda alguma
resistência quanto a esta temática, como se ela fosse uma prática simples e de estudo pouco importante. Falta
incorporar nos currículos das escolas de saúde muito do conhecimento atualizado ao qual se referiu aqui.
Como se sabe, a mobilização social ocorrida no Brasil desde os anos 80 foi bem-sucedida no sentido de
fazer da amamentação uma norma de comportamento da sociedade, e não uma exceção. Nosso país se apropriou
das políticas públicas internacionais relevantes sobre aleitamento e conseguiu traduzi-las em práticas e normas
conseqüentes de aplicação local em nosso sistema de saúde.
Nossas ações em prol da amamentação têm sido observadas com interesse pelos demais países e autoridades
de saúde, já que há algumas décadas mostramos que sabemos por que e como amamentar. Novas avaliações sobre
aleitamento, que estão sendo realizadas, deverão mostrar como andam nossos índices de aleitamento materno e as
necessidades de melhorar novas ou reviver velhas práticas.

Notas
1
Em 1990, quando a declaração foi escrita, recomendou-se de quatro a seis meses; hoje, as evidências científicas nos permitem recomen-
dar seis meses.
2
Parte dessa documentação foi publicada em Rea (2003).

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443
25
Transição Nutricional:
conceito e características

Malaquias Batista Filho, Ana Marlúcia de Assis e Gilberto Kac*

Antecedentes e Conceitos
A transição epidemiológica e sua representação específica na área da nutrição configuram, ainda, um con-
ceito em processo de consolidação. Em sentido amplo, toda evolução da díade saúde-doença na história humana
consiste em um processo de transição: lenta, praticamente imperceptível nos tempos pré-históricos, surpreenden-
temente rápida nos últimos cem anos e, sobretudo, a partir dos anos 50 do século XX (Frederiksen, 1969).
Basicamente, além de sua natureza qualitativa, o que caracterizaria a transição epidemiológica seria a velocidade
nas mudanças de sinais (+ e -) dos padrões de morbi-mortalidade e, por conseguinte, a substituição da agenda
temática dos problemas de saúde coletiva. Este seria o aspecto, em sentido estrito, que delineia, de fato, o conceito
e as implicações pragmáticas da transição epidemiológica e, por extensão, da transição nutricional (Popkin,
1993; Barreto & Carmo, 2000; Batista Filho & Rissin, 2003; Kac & Velásquez-Meléndez, 2003).
Como representação simplificada, o processo de transição pode ser ilustrado como a passagem de um
modelo A, demarcado pelo amplo predomínio das doenças infecciosas, parasitárias e carenciais, para um modelo
Z, definido pela hegemonia praticamente absoluta (75% e mais) das Doenças Crônicas Não Transmissíveis
(DCNT), associadas ao sobrepeso/obesidade, às dislipidemias (hipercolesterolemia e desbalanço de suas frações,
hipertrigliceridemia), à síndrome metabólica precursora do diabetes mellitus tipo 2, à hiperuricemia e a outras
manifestações ou fatores de risco menos relevantes. Em torno desses dois pólos gravitam conjuntos complexos e
inter-relações de situações nosológicas, de substratos populacionais e de ecossistemas de vida bem diferenciados.
Na realidade, são padrões epidemiológicos que retratam perfis socioambientais, a exemplo dos habitats rurais e
urbanos, da estratificação social e econômica da população, dos estilos de vida coletivos e individuais, dos níveis
de escolarização, da estrutura, acesso e resolutividade dos serviços de saúde e, basicamente, da situação demográfica
e sua dinâmica como expressão mais notável do processo. De forma mais concreta, o modelo A se caracteriza por
populações jovens, com elevadas taxas de natalidade e mortalidade, analfabetismo ou níveis muito baixos de
escolaridade, desemprego/subemprego, condições inadequadas de saneamento, condições socioeconômicas pre-
cárias, mortalidade infantil e pré-escolar elevada, escassa ou nula cobertura das ações básicas de saúde, em estreita
dependência das coordenadas de tempo, espaço e condições em que este estágio ocorre.
O aspecto mais visível da transição epidemiológica, em termos de indicadores, pode ser retratado na mu-
dança do perfil demográfico e seus vetores proximais mais relevantes: a natalidade e a mortalidade. Dentro da

445
Epidemiologia Nutricional

sistematização dos estudos sobre a transição demográfica, mesmo não chegando, explicitamente, ao conceito de
evento epidemiológico, uma observação histórica importante pode ser atribuída ao abade Malthus (1999), que
verificou que a mortalidade na população humana tendia a cair substancialmente, ao passo que a natalidade
mantinha seus padrões quantitativos, produzindo um saldo crescente e preocupante no balanço populacional.
Analisando as informações disponíveis, Malthus formulou seu famoso enunciado, concluindo que a população
passava a crescer em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos aumentaria apenas em progressão
aritmética. Da dissociação desses vetores da dinâmica demográfica resultaria a visão apocalíptica da explosão
demográfica. Nesse ponto, o ensaísta que formulou os fundamentos da demografia, possivelmente enfrentando
sérios conflitos de consciência religiosa, adianta-se na predição de conseqüências epidemiológicas e em curiosas
recomendações para evitar a confirmação de suas ‘profecias’: crescendo a população a um ritmo exponencial
explosivo, enquanto a produção alimentar aumentaria ao ritmo linear de uma contagem aritmética, o resultado
final e até imediato seria a eclosão de desastrosas epidemias de fome em escala universal. Para evitar a catástrofe da
fome, a solução natural seria o descarte populacional por meio das doenças de massa (endemias, epidemias e
pandemias, pode-se entender) ou da destruição em massa de vidas humanas nas guerras. Um século depois da
doutrina de Malthus, a história demonstrou que, por unidade de área cultivada, a produção de alimentos aumen-
tou em ritmo geométrico, ao passo que o incremento demográfico foi sendo modelado, nos países chamados
desenvolvidos, em um ritmo mais lento que as previsões de uma estimativa aritmética projetada no tempo. E isso
sem contar com a ajuda das guerras ou a parceria com as doenças de massa – as grandes endemias e epidemias do
passado, muitas associadas ao próprio ciclo das guerras, na observação de Josué de Castro (Castro, 1992).
A outra grande inflexão nos termos de equação demográfica foi representada pela redução marcante da
natalidade, sobretudo a partir da segunda metade do século passado, quando, de fato, o processo passa a ser
denominado de forma específica, mas não autônoma, de transição epidemiológica. Segundo a revisão crítica de
Barreto e Carmo (2000), o marco conceitual seria a constatação de Frederiksen (1969) quanto ao valor da
“caracterização dos padrões de morbidade e mortalidade para o entendimento da transição demográfica”. Em
outras palavras: cada sociedade apresentaria padrões dominantes de morbidade e mortalidade que seriam modi-
ficados na medida em que se estruturavam níveis diferenciados de desenvolvimento econômico e social, estabele-
cendo-se, assim, uma correspondência entre os dois processos. Como expressão ilustrativa, a passagem de uma
sociedade tradicional para uma sociedade moderna seria acompanhada por uma mudança no perfil de morbi-
mortalidade dominado por doenças infecciosas para uma situação bem diferenciada, pelo predomínio de DCNT.
No caso mais contemporâneo das sociedades menos desenvolvidas, essa mudança passaria a ser marcadamente
determinada pela mediação da tecnologia.
Pouco depois de Frederiksen, Omran (1971) ratificou a denominação de transição epidemiológica para
designar esse processo de mudança, que implicaria uma seqüência de estágios a partir das sociedades tradicionais
até as sociedades modernas. Tais mudanças poderiam ocorrer segundo três modelos básicos: a) o clássico, tam-
bém chamado ocidental, demarcado por uma diminuição progressiva da mortalidade e da fertilidade, levando ao
envelhecimento populacional e ao domínio das doenças degenerativas e “causadas pelo homem”. Seria o caso dos
Estados Unidos e dos países da chamada Europa Ocidental; b) o modelo acelerado, definido, como indica sua
denominação, pela rápida queda da mortalidade e rápida inversão das causas de mortes, tipificada no caso do
Japão; c) finalmente, o modelo tardio ou contemporâneo, melhor configurado nos países subdesenvolvidos,
tendo como elementos de caracterização uma queda mais lenta e mais recente da mortalidade, não acompanhada
por um declínio tão marcante nos níveis de fertilidade. Seria pertinente esboçar um quarto estágio nessa classifi-
cação, reunindo, numa só chave, as observações de Fries (1983, 2000), que propôs uma “compressão da morbidade”,
com o retardamento do início das DCNT na fase adulta e na senescência e, por conseguinte, o ganho quantita-
tivo e qualitativo de vida dos indivíduos, ou, no mesmo sentido, a idade em que a ocorrência das doenças
degenerativas começa a declinar, segundo a proposição de Olshansky e Ault (1986).

446
Transição nutricional

Diferenciados em seu ritmo de instalação, em sua composição nosológica e em seus contextos de


determinantes, os modelos de transição teriam como etapas comuns três grandes segmentos que se sucedem:
“a idade de pestilências e da fome, a idade de declínio das pandemias e a idade das doenças degenerativas
aliadas às doenças criadas pelo homem” (Barreto & Carmo, 2000: 17-18).
As perspectivas desses autores, que poderiam ser simbolizadas pelo ideal já antigo de “acrescentar anos à
vida e acrescentar qualidade de vida aos anos”, começa a se delinear nos objetivos políticos, doutrinários e
programáticos das Nações Unidas, com a Estratégia Global da Alimentação e Estilos de Vida Saudáveis, funda-
mentada no relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2002, e no documento aprovado pelas
Nações Unidas em 2004 (WHO, 2004), já referendado por mais de cem países, inclusive o Brasil (Shandi et al.,
2005). Desenha-se, concretamente, a possibilidade de deslocar (no sentido de adiar) ou suprimir parcialmente
80% da carga de morbi-mortalidade produzida pelas DCNT manejando um conjunto de fatores relacionados
com a alimentação saudável, o controle do tabagismo, do alcoolismo, do sobrepeso/obesidade e do sedentarismo
(Opas/OMS, 2003; Riboli & Norat, 2003; Sandhi et al., 2005). Portanto, o retardamento das doenças crônicas,
mais do que um conceito epidemiológico, é um fundamento que já se traduz em compromissos políticos e
programáticos assumidos por vários países.
Evidencia-se, em todas as descrições e análises, de diferentes autores, que a transição epidemiológica cons-
titui a face visível e mutável dos indicadores de natalidade e morbi-mortalidade, expressando, concretamente, um
conjunto interativo de condições históricas e culturais, variáveis e processos socioeconômicos, alterações de
ecossistemas (polarização rural/urbano como exemplo), comportamentos e exposição individual e coletiva a
fatores de risco, de proteção e recuperação da saúde. Representa, assim, um recorte temático e setorial de um
contexto sistêmico em processo de mudanças relevantes.

Passado: o cenário ‘imóvel’


Ainda que sem conferir a este elemento importância fundamental para a compreensão do processo transicional
na área da alimentação e nutrição, vale mencionar, como argumentação didática, que o homem primitivo, desde
seu aparecimento sobre a Terra, até a extinção de dez ou 12 de suas espécies, com a sobrevivência de uma única (o
Homo sapiens), viveu precariamente no limite instável da (in)segurança alimentar. Expunha-se, como as outras
espécies de animais, à disponibilidade de uma oferta natural de alimentos que, de fato, limitava o próprio cresci-
mento populacional. A descoberta e o domínio progressivo de métodos de produção e conservação de alimentos
representaram a alternativa evolucionária para ampliar em dois sentidos (pecuária e agricultura) a cadeia trófica
em seu proveito.
Os achados e evidências paleontológicos, arqueológicos e antropológicos sugerem que nesse longo período
da Pré-história e até de etapas relativamente recentes da história humana, a privação maior ou menor de
alimentos foi ou ainda é ameaça permanente. Os fósseis humanos mais antigos teriam uma estatura média de
1,20 m, sem correspondência, portanto, com as médias de qualquer agrupamento humano de nossos tempos.
Característica étnica ou manifestação fenotípica da fome? Estima-se que a vida média dessas populações pri-
mitivas seria em torno de vinte anos. É provável que, ao lado das carências genéricas de proteínas e energia, se
manifestassem, com caráter endêmico e, sobretudo, sazonalmente epidêmico, as carências nutricionais especí-
ficas de vitaminas e sais minerais, coexistindo com os momentos adversos dos ciclos naturais de oferta de
alimentos ou com o fracasso de colheitas dos povos pioneiros da agricultura e do pastoreio. Era o cenário que
coexistia com as doenças transmissíveis, constituindo o modelo epidemiológico que prevaleceu na longa sucessão
dos milênios, com elevadíssimas taxas de natalidade e de mortalidade, resultando na inércia demográfica de
um crescimento populacional próximo de zero.

447
Epidemiologia Nutricional

A possibilidade de uma oferta adequada de alimentos para atender à demanda potencial do consumo é um
acontecimento recente na história do homem, abrangendo, seguramente, dois ou três dos sessenta séculos de
testemunho escrito que documentam a saga da humanidade. O tempo de inércia demográfica do passado mais
distante seria, em termos puramente conceituais, a linha de base ou estágio de aparente imobilidade para se
demarcar o conceito de transição epidemiológica e nutricional que, obviamente, inclui o processo de transição
nos padrões alimentares.

A Transição Nutricional
Como enunciado simples e didático, a mudança que caracteriza a transição nutricional poderia ser defini-
da como a passagem de um estágio bem primitivo, simbolizado pela ocorrência de formas graves de carências
globais (kwashiokor, marasmo nutricional) ou específicas (hipovitaminose A, escorbuto, beribéri, raquitismo,
osteomalácia, pelagra), constituindo manifestações de caráter dominantemente agudo, para outro em que predo-
minam DCNT. Entram, também, nesse estágio os processos carenciais caracteristicamente crônicos, como o
nanismo nutricional, a idiotia iodopriva, as seqüelas esqueléticas de deficiências vitamínicas e minerais e as
anemias que, eventualmente, podem ser agudas. É pertinente enfatizar a associação das carências nutricionais
com um variado conjunto de doenças infecciosas e parasitárias, compondo um modelo bem estabelecido de
morbi-mortalidade. Em termos deliberadamente simplificados, pode-se convencionar que a redução ou desapa-
recimento das formas graves de desnutrição energético-protéica (kwashiorkor e marasmo) constitui o indicativo
epidemiológico do processo de transição em seu estágio inicial.
Em um segundo momento, que caracterizaria a transição propriamente dita, as endemias e manifestações
epidêmicas das carências nutricionais passam a apresentar uma diminuição progressiva em sua ocorrência. Em
uma representação convencional, desapareceriam os casos clínicos graves de Desnutrição Energético-Protéica
(DEP), de carência de iodo (idiotia e tipos mais avançados de bócio iodoprivo) e de hipovitaminose A. Pode-se
eleger o início da recuperação da estatura em escala populacional como o evento mais representativo desta fase.
Simultaneamente, reduz-se a incidência do Baixo Peso ao Nascer – BPN (menos de 2.500 g nos nascidos vivos)
para valores abaixo de 10%. Com base nos indicadores mais genéricos do processo saúde-doença, descreve-se
uma redução marcante da mortalidade infantil em especial por doenças infecciosas. A base demográfica da
pirâmide populacional passa a ter sua estrutura expressivamente modificada, com a queda da mortalidade por
doenças facilmente evitáveis e curáveis, e da natalidade, prolongando-se a expectativa de vida a um ritmo que, em
muitos países, implicou ganhos médios de cinco a dez anos, em apenas uma década. Com o prolongamento da
vida, a modificação dos hábitos alimentares e a redução das atividades físicas, a população ingressa em uma nova
vertente do cenário epidemiológico.
O terceiro estágio seria representado pela correção do ‘déficit’ estatural, resgatando-se, fenotipicamente, o
potencial genético do crescimento humano, até então dificultado pelas adversidades socioambientais. Evidencia-
se, por tendências históricas e mudanças sociais, uma outra característica desta etapa: a instalação do sobrepeso/
obesidade, como um processo pangeográfico e transsocial. Esta etapa da transição nutricional corresponde à
construção de um conjunto de co-morbidades reunidas em torno de fatores comuns de riscos: o diabetes mellitus,
principalmente do tipo 2, as doenças cardio e cerebrovasculares e alguns tipos importantes de neoplasias, como o
câncer de mama, da próstata, do cólon e do reto, correlacionados com o estado de nutrição, com características
do regime alimentar e hábitos de vida não saudáveis. Por sua natureza e implicações, pode-se agregar a esse
complexo de patologias as doenças osteoarticulares. Estima-se que as DCNT, que representam entre 70% e 80%
da carga de morbi-mortalidade nos países desenvolvidos e já alcançam o primeiro patamar de importância
epidemiológica nas nações em desenvolvimento, poderiam ser substancialmente reduzidas com a prática da alimen-
tação e estilos de vida saudáveis (Opas/OMS, 2003; Sandhi et al., 2005). A perspectiva plenamente evidenciada de

448
Transição nutricional

mudar a situação que se define no estágio 3 da transição epidemiológica constitui o próprio fundamento da
Estratégia Global da Alimentação Saudável, apoiada em alguns procedimentos, como a ingestão diária de 450 a
700 g de frutas, verduras e legumes, redução do consumo de sal, de gorduras animais, ácidos graxos na forma
trans, de açúcares industrializados e de excedente calórico da dieta em relação às necessidades normais do organis-
mo. A aplicação, em escala populacional, dessas recomendações, ao lado das medidas de promoção de hábitos de
vida saudáveis, com o controle do tabagismo, do alcoolismo e do sedentarismo, poderia constituir uma variante
ou uma característica peculiar da transição epidemiológica: a “compressão de morbidades crônicas”, segundo a
conceituação de Fries (1983, 2000).
A representação esquemática da transição nutricional segundo modelos ainda que bem delineados estabelece,
de fato, simplificações que impedem que se abranja, satisfatoriamente, a realidade em suas diferentes manifestações
socioambientais e culturais. É comum, em um mesmo país e em um mesmo período, ocorrerem combinações de
situações diversas e até aparentemente conflitivas. Como exemplo, o caso das anemias, que escapa das tendências
temporais dos outros problemas carenciais. Assim, na cidade de São Paulo, enquanto a DEP, em crianças, avaliada
pelo índice estatura/idade, caiu em cerca de 70% no intervalo de duas décadas, a prevalência de anemias aumentou
em 113% no mesmo período (de 1974-75 a 1995-96). Em nível mundial, foram projetadas estimativas de 3,5
bilhões de pessoas anêmicas (1999), o que corresponde a 58% de toda a população humana, em oposição ao
declínio acentuado da DEP em todos continentes, excetuados alguns países da África Subsaariana.

Sinopse da Transição Nutricional no Brasil


Como se demonstrou, a tradução mais convencional da transição nutricional se faz pelo comportamento
evolutivo do estado de nutrição calórico-protéica e seu espectro de manifestações, abarcando desde as formas
graves de DEP até os tipos avançados de obesidade. Nesta seção, faz-se um breve resumo dos principais eventos
que caracterizam as mudanças mais relevantes no campo da nutrição registradas no Brasil, nas últimas três décadas.
As formas graves e clássicas de desnutrição infantil (o kwashiorkor, o marasmo e os tipos mistos de kwashiorkor
marasmático), que tipificariam o estágio mais primitivo do processo nutricional, praticamente desapareceram
como ocorrências comuns do quadro epidemiológico da desnutrição em quase todas as regiões geográficas do
Brasil. Nas décadas de 60 e 70 do último século, esses quadros eram ainda freqüentes, principalmente no Nordeste
e no Centro-Norte do Brasil. Assim, as formas graves de desnutrição com edema e tipos marasmáticos apareciam
nos primeiros estudos de base populacional (ICNND, 1965) e, sobretudo, entre crianças hospitalizadas, em que
até 80% das internações pediátricas eram de portadores de desnutrição grave (Lucena, 1975). Já na década de 90,
Saraiva (1990) teve dificuldade de encontrar crianças hospitalizadas com desnutrição. No ano de 2003, a taxa de
internação por desnutrição na rede de hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) era de 3,08%, caindo para
2,41% em 2004 e para 1,86% em 2005 (Ministério da Saúde, 2006). Mesmo nas regiões Norte e Nordeste, essas
taxas pouco ultrapassavam o percentual de 2% das admissões hospitalares.

Peso ao Nascer: tendências


Nos últimos trinta anos, a incidência do BPN, que reflete, conjuntamente, as inadequadas condições
nutricionais e do estado de saúde das mães no decurso da gravidez, reduziu-se pela metade, encontrando-se agora
abaixo do limite crítico estabelecido pelas Nações Unidas para a década de 90 (Unicef, 1990). Entre 1970 e 1980,
a ocorrência do BPN (menos de 2.500 g) prevalecia, segundo o esperado, nas regiões pobres (Norte e Nordeste),
atingindo aproximadamente 12% dos nascidos vivos. No entanto, no final da década de 1990, registrou-se uma
surpreendente alteração no quadro geográfico do evento, que passou a ser prevalente nos espaços mais desenvol-
vidos do Sudeste e Sul, às custas, principalmente, de um aumento da prematuridade. Essa mudança inesperada

449
Epidemiologia Nutricional

na cartografia do BPN representa, possivelmente, um dos aspectos mais instigantes da transição epidemiológica
e nutricional do país.

Figura 1 – Distribuição percentual de nascidos vivos com baixo peso ao nascer (menos de 2.500 g) segundo
as regiões. Brasil, 1996 a 2000

a - 1996; b - 1997; c - 1998; d - 1999; e - 2000


Fonte: Ministério da Saúde (2004).

A propósito, estudo de uma série temporal de dez anos no município de Olinda, região metropolitana do
Recife, PE, revela que a incidência do BPN apresentou redução de 47%, entre 1991 e 2002, ao passo que os casos
de prematuridade que também integram a composição deste indicador tiveram uma elevação substancial na sua
ocorrência, quase 80% (Guimarães, 2004). Seria essa duplicidade de tendências que, em escala maior, estaria
ocorrendo no bloco Sul-Sudeste? Seria o primeiro registro de um novo comportamento epidemiológico, com
marcantes implicações na saúde e nutrição das crianças brasileiras, considerando que a cidade de Olinda se
identificaria mais com as populações meridionais do Brasil mais desenvolvido do que com as regiões Norte e
Nordeste?

Desnutrição em Crianças
Estudos de prevalência que contemplaram amostras representativas do Brasil e de suas cinco macrorregiões
indicaram que, nos últimos trinta anos, a prevalência de desnutrição em crianças declinou em cerca de 80%. Nas
duas últimas avaliações, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste já apresentam níveis de ocorrência compatíveis
com a situação dos países desenvolvidos.
Levando em conta o indicador peso/idade, discriminado no ponto de corte correspondente a - 2 desvios-
padrão, a prevalência de déficit antropométrico moderado e grave caiu de 16,6% em 1974-75 para 4,6% na
avaliação mais recente (2002-2003). Nas regiões Norte e Nordeste, onde as linhas de base da série temporal
indicavam as freqüências mais elevadas (21,7% e 24,9%, respectivamente), o déficit ponderal para a idade decli-
nou, por ordem de referência, para 6,7% e 5,4%. Os dados da Figura 2 mostram que o ritmo mais intenso da
mudança ocorreu entre 1973-74 e 1989, tendendo para a estabilização a partir desse momento, no Sul, Sudeste
e Centro-Oeste.

450
Transição nutricional

Figura 2 – Evolução da prevalência de déficit (a) de peso para a idade (P/I) em menores de 5 anos, segundo
regiões, no Brasil (1974-75, 1989, 1996 e 2002-3)

(a): déficit P/I < - 2 desvios-padrão da tabela NCHS (National Center of Health and Statistics).
Fonte: IBGE (2006).

Ao lado dos aspectos geográficos, é interessante demonstrar o dinamismo social do processo, ou seja, suas
tendências em função da estratificação de renda.
Observa-se que o déficit peso/idade declinou de forma marcante em todas as categorias de renda, mesmo
em crianças das faixas sociais mais desfavorecidas – os 20% mais pobres (1º quinto de renda). A partir do terceiro
quinto e, de forma bem evidente, no quarto e quinto estratos de renda familiar, o déficit ponderal praticamente
se estabiliza já em 1989. Os resultados da distribuição ilustrada no Figura 3 emonstram que, ao lado dos aspectos
espaciais anteriormente apresentados, as mudanças do cenário epidemiológico da desnutrição em crianças impli-
caram ritmos diferenciados pelos padrões de renda familiar. Desde 1989, a situação das crianças menores de
cinco anos a partir do quarto quintil de renda seria, pelo menos, igual à encontrada nos países considerados
desenvolvidos. Em outras palavras: mesmo a mudança tendo ocorrido em todos os estratos econômicos, a renda
familiar enviesou substancialmente as tendências temporais de ocorrência do problema.

Figura 3 – Evolução da prevalência do déficit (a) de peso para idade (P/I) em menores de 5 anos, segundo
quintos de renda per capita no Brasil (1974-2003)

(a) Déficit P/I < - 2 desvios-padrão NCHS (National Center of Health and Statistics).
Fonte: IBGE (2006).

451
Epidemiologia Nutricional

Anemia: a grande mudança


Lamentavelmente, não se dispõe de dados representativos que possam evidenciar, com a desejada consis-
tência estatística, a distribuição espacial do problema das anemias no Brasil. O que se depreende dos escassos
estudos publicados é que se trata do processo carencial de maior magnitude, difusão geográfica e social, afetando
todos os grupos de renda e comportando-se como uma endemia pan-econômica, nas duas últimas décadas
(Santos, 2002; Silva & Batista Filho, 2005). Afetando, em maior ou menor escala, toda a população e todas as
classes de renda, a ocorrência do problema tende a se concentrar nas mulheres em período reprodutivo e em
crianças menores de 5 anos. De certa forma, é surpreendente assinalar que as anemias parecem evidenciar um
comportamento bem diverso daquele da DEP no período mais característico da transição nutricional no Brasil,
apresentando uma tendência temporal que praticamente inverte o curso epidemiológico registrado em relação à
DEP em crianças. Comparadas entre si, seriam trajetórias inversamente proporcionais: as anemias aumentam sua
prevalência ao mesmo tempo e em ritmo oposto ao do declínio na prevalência da desnutrição.
A figura seguinte representa as tendências das anemias entre menores de cinco anos e entre escolares de três
estados do Brasil, com base em estudos selecionados para fins comparativos. São bem interessantes os resultados da
cidade de São Paulo, com três inquéritos realizados nas décadas de 70, 80, 90, e do estado da Paraíba, com duas
pesquisas de campo nas décadas de 80 e 90, ou, ainda, de Pernambuco, em escolares dos mesmos educandários,
nos anos de 1982 e 2001.

Figura 4 – Tendências temporais de ocorrência de anemia entre menores de 5 anos e entre escolares (Recife,
PE) em três estados brasileiros

(a) Cidade de São Paulo. Fonte: Omran (1971).


(b) Amostra de oito municípios. Fonte: Lucena (1975).
(c) Avaliação de nove escolas do Recife. Fonte: Riboli & Norat (2003).

Tendências da Obesidade
O traço predominante na caracterização da transição nutricional no Brasil é, sem dúvida, a emergência
epidêmica do sobrepeso e, particularmente, da obesidade, como evento de maior visibilidade epidemiológica e de
implicações correlatas com o comportamento da morbi-mortalidade.

452
Transição nutricional

O acompanhamento da situação brasileira nos últimos trinta anos evidencia um processo de destacado
dinamismo, com tendências claramente epidêmicas, marcado por diferenças bem nítidas entre gêneros e por
evolução temporal distinta entre regiões. Para demarcar esses aspectos, descreve-se, na Figura 5, o comportamento
epidemiológico da obesidade, definida como Índice de Massa Corporal (IMC) maior do que 30 kg/m2. Demonstra-
se que o problema aumentou cinco vezes entre os homens adultos do Nordeste e três vezes no Sudeste, entre
1974-75 e 2002-03. Entre as mulheres dessas regiões, a trajetória foi bem mais diferenciada: a obesidade dupli-
cou sua ocorrência entre 1974-75 e 1989, passando a declinar no período compreendido entre 1996 e 2002-03.
Já no Nordeste o problema elevou-se de forma contínua até 1996, quando se inicia uma breve redução de 13,1%
para 11,7% na avaliação realizada em 2002-03 pelo IBGE, embora no ano da base da série temporal (1974-75)
a prevalência da obesidade fosse duas vezes mais elevada nas mulheres adultas do que entre os homens, tanto no
Nordeste como no Sudeste. Os resultados da última observação (2002-03) indicam que a situação se tornou
praticamente equivalente entre os dois sexos, na região Sudeste (Figura 5).

Figura 5 – Evolução temporal da prevalência de obesidade (IMC > 30 kg/m²) no Nordeste e no Sudeste do
Brasil (1974-75, 1989, 1996 e 2002-03)

Fontes: Batista Filho & Rissin (2003) e IBGE/MP/MS (2004).

Mudanças no Perfil Alimentar


A simples observação testemunhal ou impressionista revela evidências claras de que o perfil alimentar da
população brasileira apresentou expressivas mudanças nos últimos trinta anos, o que corresponde ao período
mais característico da transição nutricional no país. No entanto, com exceção do Estudo Nacional de Despesas
Familiares efetuado pelo IBGE em 1974-75, não existem pesquisas representativas da situação alimentar da
população que tenham utilizado metodologias de inquérito de consumo e avaliação do valor nutricional da dieta
de famílias em nível geográfico (macrorregiões e dicotomia urbano/rural) e em escala social (levando-se em
consideração a renda familiar e a escolaridade de homens e mulheres adultas). Essa limitação dificulta a constru-
ção de séries espaciais, temporais e sociais que possam avaliar, com a desejada acurácia, a natureza, o ritmo e as
tendências dos padrões de consumo alimentar e valor nutricional da dieta utilizada pela população brasileira.
Com essas restrições preliminares, apresentam-se, aqui, alguns resultados mais relevantes oriundos de estudos
do IBGE nos quatro últimos decênios, a partir do inquérito nacional de 1974-75 (IBGE, 1977) e, em seguida, as
pesquisas de orçamentos familiares dos anos 80 e 90 e do biênio 2002-2003, referentes às regiões metropolitanas
do Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, considerando a avaliação em termos de macronutrientes como
percentuais do conteúdo calórico. Faz-se, também, um estudo descritivo da composição macro da alimentação

453
Epidemiologia Nutricional

por estratos de renda. Completa-se o informe com resultados específicos de estudos de amostras pontuais que
possam contribuir, ilustrativamente, com o possível detalhamento de aspectos importantes da transição nutricional
no país.
Como se observa na Tabela 1, a contribuição relativa dos carboidratos decaiu entre 1974 e 2003 (61,6%
para 55,9%), ao passo que a participação dos lipídios aumentou de 25,7% para 30,5%. Em toda a seqüência
temporal, a quota de ácidos graxos e de seus subgrupos (monoinsaturados, poliinsaturados e saturados) se man-
teve comparativamente equilibrada, e na última avaliação (2002-2003) o consumo de ácidos graxos saturados
praticamente atingiu o limite ainda tolerado pelos referenciais da alimentação saudável: 9,6%. Ressalta-se que,
durante o período analisado, a contribuição das proteínas ao total energético da alimentação se manteve acima de
12%, alcançando quase 14% na avaliação de 2002-2003. Ademais, desde 1987-88, a proporção de proteínas de
origem animal supera, amplamente, a porção de proteínas vegetais, o que assegura uma boa qualificação em
termos de valor biológico.
Observa-se ainda, como aspecto negativo, que a participação do açúcar industrializado (sacarose) no total
de calorias da aquisição domiciliar de alimentos ultrapassa em muito, ao longo do período de estudo, o limite de
10% recomendado pela OMS em seu documento sobre a alimentação saudável (WHO, 2002).

Tabela 1 – Participação relativa de macronutrientes no total de calorias estimado pela aquisição domiciliar
de alimentos nas regiões metropolitanas, Brasília e Goiânia, 1974-2003
Macronutrientes Participação relativa (%) por ano de pesquisa

1974-75 1987-88 1995-96 2002-03

Carboidratos 6 1 ,6 5 8 ,0 5 7 ,8 5 5 ,9
Açúcar (sacarose) 1 4 ,0 1 3 ,7 1 4 ,2 1 2 ,6
Demais carboidratos 4 7 ,6 4 4 ,3 4 3 ,6 4 3 ,3

Proteínas 1 2 ,6 1 2 ,8 1 3 ,8 1 3 ,6
Animais 6 ,0 7 ,0 8 ,1 7 ,8
Vegetais 6 ,6 5 ,8 5 ,7 5 ,8

Lipídios 2 5 ,8 2 9 ,2 2 8 ,4 3 0 ,5
Ácidos graxos monoinsaturados 7 ,4 7 ,9 7 ,7 8 ,0
Ácidos graxos poliinsaturados 7 ,7 9 ,5 8 ,5 8 ,9
Ácidos graxos saturados 7 ,5 8 ,5 8 ,8 9 ,6
Outras fontes 3 ,2 3 ,3 3 ,4 4 ,0

Fontes: IBGE/MP/MS (2004) e Levy-Costa et al. (2005).

Os dados coletados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF, 2002-2003) evidenciam que o nível de
renda atua como uma fonte importante de variação de demanda potencial de macronutrientes. Assim, a partici-
pação dos carboidratos se reduz expressivamente na proporção em que a renda se eleva, decaindo de 69,2% no
nível mais baixo para 52,2% na faixa mais elevada. A relação entre proteínas animais e vegetais também decai
com o aumento da renda, embora a combinação das duas fontes seja adequada em todas as categorias de renda.
Por outro lado, a participação relativa dos lipídios aumenta de forma consistente com a elevação do nível
econômico, subindo do patamar de 19,1% nas famílias com até 1/4 de salário mínimo per capita para 33,9% no

454
Transição nutricional

grupo constituído por famílias com renda per capita acima de cinco salários mínimos. No que se refere à compo-
sição de ácidos graxos, duas observações importantes: no estrato de renda mais alto, o componente de ácidos
graxos saturados equivale praticamente ao dobro do consumo per capita familiar do escalão mais baixo de rendi-
mento monetário, ultrapassando, ainda, o limite superior de 10% recomendado como um dos requisitos da
alimentação saudável (Tabela 2).

Tabela 2 – Participação relativa de macronutrientes no total calórico estimado pela aquisição domiciliar de
alimentos por classes de rendimento monetário familiar per capita em salários mínimos. Brasil, 2002-2003
Macronutrientes Participação relativa (%) por faixa de renda (salário mínimo)
Até 1/4 Mais de 1/4 a 1/2 Mais de 1/2 a 1 Mais de 1 a 2 Mais de 2 a 5 Mais de 5

Carboidratos 6 9 ,2 6 4 ,6 6 2 ,1 5 9 ,1 5 5 ,8 5 2 ,2
Açúcar (sacarose) 1 2 ,9 1 4 ,1 1 4 ,8 1 4 ,5 1 3 ,2 1 1 ,1
Demais carboidratos 5 6 ,3 5 0 ,5 4 7 ,3 4 4 ,6 4 2 ,6 4 1 ,1

Proteínas 1 1 ,7 1 2 ,0 1 2 ,5 1 2 ,8 1 3 ,4 1 3 ,8
Animais 5 ,2 5 ,9 6 ,4 7 ,0 7 ,8 8 ,4
Vegetais 6 ,5 6 ,1 6 ,1 5 ,8 5 ,6 5 ,4

Lipídios 1 9 ,1 2 3 ,4 2 5 ,4 2 8 ,1 3 0 ,8 3 4 ,0
Ácidos graxos monoinsaturados 4 ,8 6 ,0 6 ,7 7 ,4 8 ,1 8 ,9
Ácidos graxos poliinsaturados 6 ,7 8 ,2 8 ,3 9 ,1 9 ,4 9 ,1
Ácidos graxos saturados 5 ,9 7 ,2 7 ,8 8 ,6 9 ,7 1 1 ,2
Outras fontes 1 ,7 2 ,0 2 ,6 3 ,0 3 ,6 4 ,7

Fontes: IBGE/MP/MS (2004) e Levy-Costa et al. (2005).

Na Tabela 3 (página seguinte), construída com base no banco de dados da POF (2002-2003), demonstra-
se o perfil do consumo potencial de macronutrientes da população brasileira em função dos espaços geográficos
(macrorregiões e localização urbana e rural das famílias).
Observa-se que a demanda calórica a partir de carboidratos acompanha, sistematicamente, a conhecida
variação de condições econômicas que caracterizam as regiões mais pobres (Norte e Nordeste), ou o contraste
urbano/rural. De forma singular, destaca-se a elevada contribuição do açúcar (sacarose) na composição calórica
do consumo potencial no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste (13,8% a 15,4%), bem acima dos referenciais mais
recentemente estipulados pelos comitês técnicos (Opas/OMS, 2003).
A disponibilidade familiar de proteínas como representação percentual do total calórico ocorre de forma
adequada em todas as regiões. O mesmo juízo se aplica à distribuição qualitativa, entre proteínas animais e
vegetais, com uma observação particular para a região Norte, onde a disponibilidade domiciliar de proteínas de
origem animal apresenta predominância marcante, tanto no meio urbano como no espaço rural.
O estudo do IBGE (2002-2003) explicita mudanças de marcantes significações para o entendimento da
transição alimentar e nutricional do país a partir de 1974-75, quando, de fato, se caracteriza este processo no
Brasil. Assim, o consumo de carnes, em geral, aumentou em 50%, contornando uma das referências mais recor-
rentes dos estudos até a década de 70: a deficiência de proteínas, notadamente de origem animal. Nesse aspecto,
destaca-se a disponibilidade de carne de frango na unidade familiar, com um aumento de mais de 100%, e de

455
Epidemiologia Nutricional

embutidos (cerca de 300%). Registra-se ainda o aumento de biscoitos, açúcar e refrigerantes em (400%), indi-
cando tendência nítida e forte na direção de produtos industrializados. Em contraponto (e em função da mesma
lógica), caiu em 30% a demanda por feijões, outras leguminosas, raízes e tubérculos. Duas notificações são
efetivamente positivas: a diminuição do consumo de ovos, em 84%, e de gorduras animais (65%). Embora
aumentando em volume e em diversificação, a disponibilidade de frutas, legumes e verduras ainda denota uma
limitação quali e quantitativa do perfil alimentar da população brasileira, não atingindo 3% do valor calórico
total da dieta habitual, quando deveria alcançar 7%.

Tabela 3 – Participação relativa de macronutrientes no total estimado de disponibilidade calórica de famí-


lias brasileiras, segundo macrorregiões geográficas e situação do domicílio (2002-2003)
Norte Nordeste Sudeste Su l Centro-Oeste
Macronutrientes
Urb. Rural Urb. Rural Urb. Rural Urb. Rural Urb. Rural

Carboidratos 6 0 ,8 6 4 ,2 6 2 ,9 6 8 ,7 5 6 ,7 6 4 ,3 5 4 ,1 5 7 ,9 5 7 ,5 5 9 ,1
Açúcar (sacarose) 1 1 ,3 1 0 ,7 1 3 ,8 1 4 ,0 1 4 ,3 1 5 ,4 1 2 ,5 1 2 ,5 1 4 ,1 1 4 ,2
Demais carboidratos 4 9 ,5 5 3 ,5 4 9 ,1 5 4 ,7 4 2 ,4 4 8 ,9 4 1 ,6 4 5 ,4 4 3 ,4 4 4 ,9

Proteínas 1 4 ,0 1 3 ,7 1 3 ,6 1 2 ,0 1 2 ,3 1 0 ,9 1 3 ,8 1 4 ,8 1 2 ,0 1 1 ,2
Animais 8 ,8 9 ,6 7 ,3 5 ,2 6 ,7 4 ,2 8 ,2 8 ,6 6 ,6 6 ,0
Vegetais 5 ,2 4 ,1 6 ,3 6 ,8 5 ,6 6 ,7 5 ,6 6 ,2 5 ,4 5 ,1

Lipídios 2 5 ,2 2 2 ,1 2 3 ,5 1 9 ,3 3 1 ,0 2 4 ,8 3 2 ,1 2 7 ,3 3 0 ,5 2 9 ,7
Ácidos graxos
monoinsaturados 6 ,7 5 ,2 6 ,1 4 ,8 8 ,1 6 ,5 8 ,6 8 ,3 7 ,9 7 ,7
Ácidos graxos
poliinsaturados 7 ,7 6 ,7 7 ,0 6 ,8 9 ,9 9 ,2 9 ,5 5 ,8 1 1 ,4 1 1 ,2
Ácidos graxos
saturados 8 ,1 8 ,3 7 ,4 6 ,1 9 ,5 8 ,2 1 0 ,0 9 ,7 8 ,5 9 ,1
Outras fontes 2 ,7 1 ,9 3 ,0 1 ,6 3 ,5 0 ,9 4 ,0 3 ,5 2 ,7 1 ,7

Fontes: IBGE/MP/MS (2004) e Levy-Costa et al. (2005).

Por outro lado, embora a tendência francamente dominante nas POF seja indicativa de demanda elevada
de açúcar, proteínas animais, gorduras e, entre estas, de ácidos graxos saturados, caracterizando o modelo ociden-
tal de alimentação, na realidade o Brasil convive ainda com sérios problemas de deficiências nutricionais.
Estudos em centros metropolitanos, em populações urbanas e rurais da Bahia, em aglomerações urbanas,
como Ouro Preto, Salvador e Campinas, ou, ainda, inquéritos representativos de um estudo no estado de
Pernambuco demonstram a persistência de deficiências nutricionais específicas, como as de cálcio, niacina, ferro
biodisponível e equivalentes de vitamina A. Coloca-se também, em uma perspectiva ainda hipotética, já susten-
tada por evidências consistentes, a possível deficiência de folatos e de zinco (Silva, 2005; Assis, 2000), o que
diversifica o espectro de carências específicas de micronutrientes que, em anos recentes, passaram a predominar,
no cenário epidemiológico, como uma das manifestações da própria transição nutricional.
Essas observações e análises põem em relevo, no caso do Brasil e de outros países, a coexistência de dois
modelos aparentemente conflitivos: os excessos nutricionais e inadequações alimentares, por um lado, e a

456
Transição nutricional

persistência ou até mesmo o agravamento de situações carenciais, por outro. Nesse contexto de dupla polariza-
ção, ficam justificadas as demandas por novos estudos e novas medidas para enfrentar as questões emergentes que
se apresentam, ao lado de velhos problemas que ainda não foram equacionados.

Considerações Finais
Embora, por dever de ofício, devamos colocar os aspectos epidemiológicos da transição nutricional em pri-
meiro plano, sua natureza, conseqüências e projeções devem ser contextualizadas em um domínio mais amplo e
estrutural: o da própria transição de padrões e estilos de vida que as gerações mais recentes estão experimentando.
Constitui, ao mesmo tempo, um mal e um bem da civilização moderna, que mudou radicalmente, embora de
forma diferenciada, num breve período, o sentido do tempo, do espaço – qual o novo pensamento geográfico?,
pergunta Moreira (2006), sem fechar sua resposta – e, logicamente, o próprio homem. A transição epidemiológica
e sua versão específica no campo da nutrição representam um efeito (e um pouco de causa) dessa nova e surpreen-
dente situação. Assim, o progresso científico e tecnológico e sua difusão pelos caminhos dos mercados globalizados
produziram excedentes de produção (inclusive de alimentos), migrações maciças do campo para a cidade, transfe-
rência radical de ocupações (do setor primário para o secundário e para o terciário), com poupança e substituição
progressiva do trabalho físico para a produção de bens e serviços mediados por engenhos mecânicos ou eletrônicos.
A vacinação, os antibióticos, a eficácia terapêutica no tratamento de muitas doenças, o saneamento ambiental, a
difusão de conhecimentos sanitários e a universalização de medidas básicas de saúde minimizaram a ocorrência ou
o desenlace mortal de muitas doenças. O próprio controle da natalidade banalizou-se, como prática generalizada.
Além disso, a redução da atividade física, levando o homem para demandas fisiológicas próximas ao metabolismo
basal, e o uso crescente de alimentos industrializados em substituição aos produtos em estado natural representam
uma inflexão radical no perfil qualitativo da dieta na modernidade. E aqui surge o boom do açúcar, dos fast-foods,
dos embutidos, das gorduras, dos aditivos.
Nos últimos sessenta anos, as necessidades médias de energia alimentar da população foram reduzidas de
2.800 para duas mil calorias. Neste período, o chamado metabolismo de trabalho (1.600 calorias em média)
ultrapassava em 133% a taxa do metabolismo basal. Atualmente, a relação entre os dois valores é de 66%, ou seja,
a metade. Ao mesmo tempo que reduziram as demandas, por conta do sedentarismo, uma das marcas da
modernidade, aumentou-se a oferta física de alimentos, baixaram-se os preços e estimulou-se o consumo de
alimentos industrializados, mediante recursos de marketing que incluem atrativos organolépticos artificialmente
incorporados a esses produtos. Nessa linha figuram o açúcar, o sal e as gorduras, ao lado de aditivos que alteram
a cor, o odor, a textura e outros atributos dos alimentos. Na observação muito perspicaz de um analista, durante
milhares de anos o homem viveu à procura dos alimentos; nos últimos quatro ou cinco anos, os alimentos
‘procuram’ o homem, em razão da lógica dominante dos mercados globalizados. É uma situação inteiramente
nova. Em grande parte, a transição nutricional, com suas variantes mais características, representa a passagem
para o modelo dos estilos de vida do mercado capitalista do Ocidente. O caso japonês oferece uma lição muito
ilustrativa. Em 1980, quando os hábitos e estilos de vida dos japoneses ainda eram peculiares de sua cultura, a
prevalência de diabetes do tipo 2 no país era de cerca de 3% em pessoas de 40 anos. No mesmo tempo, os
japoneses de 45 a 74 anos que haviam migrado para a cidade de Seatle, nos Estados Unidos, apresentavam uma
prevalência dessa doença cinco a seis vezes maior, atingindo quase 20% entre os homens e mais de 16% entre as
mulheres. Resultados semelhantes aos encontrados em Seatle foram obtidos em descendentes nipo-brasileiros
radicados em Bauru, no estado de São Paulo (Hirai et al., 2004), o que demonstra os efeitos cruciais da
ocidentalização de hábitos coletivos no processo saúde-doença.

457
Epidemiologia Nutricional

É oportuno registrar que a diminuição da obesidade em duas observações seqüenciais (1996 e 2002-2003)
em mulheres no Sudeste e na avaliação mais recente (2002-2003) no Nordeste do Brasil pode configurar o início da
“compressão de morbidade” proposta por Fries (1983, 2000), como caracterização de um quarto estágio da
transição epidemiológica. Pode-se esperar que o processo ocorra em outras regiões do Brasil e, brevemente, no
grupo masculino da população adulta, no qual o problema continua em franca ascensão.
Uma referência final, mais explicativa que propriamente analítica, como conviria a um capítulo de discus-
são. Em sua compreensão convencional, o estudo da transição nutricional descreve e analisa a simples passagem
de um modelo de situação epidemiológica representado pela DEP para um novo cenário dominado pelo sobrepeso
e pela obesidade, como imagem mais representativa. Em torno desses pólos, gravitam as co-morbidades que
caracterizam os respectivos padrões epidemiológicos.
No entanto, aqui, para tratar do caso brasileiro, consideramos pertinente abordar outros problemas e
outros aspectos que, em nossa visão, podem e devem ser compreendidos no campo do processo transicional. Não
se podem deixar de lado, por exemplo, as evidências, ainda muito limitadas mas já bem consistentes, da rápida
substituição do BPN por Crescimento Intra-Uterino Restrito (CIUR) originado pela prematuridade. Além da
configuração de uma mudança crucial nesses indicadores, materializa-se uma condição que redunda na dupla
face da mortalidade infantil precoce e, mais tardiamente, na própria precocidade na instalação de DCNT próprias
da idade adulta e da longevidade (Barker & Martyn, 1992; Alves & Figueira, 1998). Seriam dois modelos em
posições opostas do ciclo vital, agora conectados por uma linha comum. Do mesmo modo, pode-se enfocar a
ocorrência das anemias. A rapidez de sua progressão, em um contexto em que os fatores de risco deveriam, em
princípio, estar desaparecendo ou sendo atenuados, logicamente demanda hipóteses de que novos condicionantes
passaram a atuar, no processo alimentar/nutricional recente. Ou, mais do que apenas recente: moderno ou pós-
moderno. A estreita colinearidade entre a prevalência de sobrepeso/obesidade no Brasil e a ocorrência de anemia
não pode passar despercebida da agenda da transição nutricional, ainda que uma condição (anemia) e a outra
(sobrepeso/obesidade) apareçam em hospedeiros diferentes – crianças no primeiro caso e mulheres em idade
reprodutiva, na segunda condição.

Nota
* Agradecemos a Teresa Cristina Miglioli pelas valiosas contribuições e revisões críticas de todas as versões deste capítulo.

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460
26
Epidemiologia da Atividade Física

Pedro Curi Hallal e Luiz Antonio dos Anjos

Conceitos e Definições na Área de Atividade Física


Embora a noção de que o exercício físico está relacionado com a saúde exista há muito tempo, os estudos
científicos sobre a associação entre atividade física e saúde foram iniciados na década de 1950, com a pesquisa de
Jerry Morris e colaboradores na Inglaterra (Morris et al., 1953), que observou que o risco de doença coronariana
em condutores de ônibus era maior do que o dos cobradores, os quais, pelas características dos ônibus ingleses de
dois andares, precisavam ficar se movimentando constantemente, subindo e descendo escadas. Desde então, um
forte corpo de evidências foi se solidificando e confirmando o importante papel exercido pela atividade física
sobre a saúde (Caspersen, 1989; U.S. Department of Health and Human Services, 1996).
Tendo em vista que a terminologia utilizada na área muitas vezes se revela inconsistente, é fundamental
definir os conceitos a serem utilizados ao longo deste capítulo. Atividade física pode ser entendida como qualquer
movimento produzido pela contração da musculatura esquelética que resulte em dispêndio de energia. O exercí-
cio físico, por sua vez, é uma atividade física planejada, estruturada, repetitiva que objetiva o desenvolvimento de
algum componente da aptidão física. Assim, de acordo com essas definições (Caspersen, Powell & Christensen,
1985), o exercício físico é apenas um subgrupo da atividade física. Em outras palavras, todo exercício físico é uma
atividade física, mas nem toda atividade física se constitui em um exercício físico. Já a aptidão física pode ser
entendida como um conjunto de atributos que um indivíduo apresenta e que lhe confere a capacidade de realizar
as atividades cotidianas sem fadiga excessiva.
Na pesquisa em atividade física e saúde, é freqüente a utilização de termos que indiquem baixos níveis de
atividade física. O termo sedentarismo é um dos mais empregados. Alguns autores utilizam ainda termos como
atividade física insuficiente para obtenção de benefícios à saúde, inatividade física, atividade física irregular, entre
outros. Embora existam várias propostas de padronização e diferenciação desses termos, não há até o presente
momento consenso na literatura especializada sobre a terminologia utilizada para indicar sedentarismo. Isso se
deve, em parte, à dificuldade em medir, de forma precisa, todos os domínios da atividade física (atividades
ocupacionais, serviços domésticos, atividades de deslocamento, de lazer).
A recomendação hegemônica atual para a prevenção de doenças na população mundial divulgada por
organizações internacionais sugere que os indivíduos devem acumular pelo menos trinta minutos de atividade
física de intensidade moderada na maioria, preferencialmente todos os dias da semana. Essa recomendação teve

461
Epidemiologia Nutricional

origem na proposta feita pelo Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM) e pelo Centro de Controle e
Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos no meio da década passada (Pate et al., 1995). Atividade
moderada foi definida como a que faz com que se gaste em torno de 200 kcal em trinta minutos, o equivalente a
uma caminhada de 4,8 a 6,4 km/h. Seguindo esse modelo, usa-se com freqüência o ponto de corte de 150
minutos por semana de atividades moderadas como critério para indicar o indivíduo sedentário. As recomenda-
ções ainda indicam que no caso de atividade física intensa, um mínimo de vinte minutos, três vezes por semana,
pode ser suficiente para a obtenção de benefícios à saúde. A ênfase por atividades moderadas baseou-se, em parte,
na idéia de que a maioria dos americanos simplesmente não manteria atividades intensas que os fizesse suar ou
aumentar consideravelmente a respiração (Erlichman, Kerbey & James, 2002a).
A recomendação atual pode ser adequada para a prevenção de várias doenças crônicas na população em
geral, mas provavelmente não se aplica a todos os objetivos das pessoas que praticam atividade física. A dose de
atividade física necessária para diminuir o risco de infarto agudo do miocárdio pode ser bastante diferente daquela
necessária para melhorar a saúde mental, por exemplo. Recomendações recentes também indicam que a dose de
atividade física necessária para atingir as recomendações atuais pode não ser suficiente para criar déficit energético
e, conseqüentemente, perda de peso corporal. Para esse fim, serão necessárias intensidades ou durações maiores
(Jakicic et al., 2001; IOM, 2002; Erlichman, Kerbey & James, 2002b; Serdula, Khan & Dietz, 2003; FAO/
WHO/UNU, 2004). Para crianças e adolescentes, a recomendação é de que se deva realizar pelo menos uma hora
por dia de atividade física de intensidade moderada a intensa (Strong et al., 2005).

O Papel da Atividade Física na Prevenção


e Tratamento de Doenças
Logo após o estudo pioneiro de Morris e colaboradores (1966), outros pesquisadores iniciaram pesquisas
sobre a relação entre atividade física e saúde. Os estudos do prof. Ralph Paffenbarger entre ex-alunos da Univer-
sidade de Harvard reforçaram o conhecimento científico de que a atividade física pode, além de auxiliar na
prevenção de doenças coronarianas, exercer efeito sobre outras enfermidades (Paffenbarger et al., 1986, 1993).
Em 1990, metanálise publicada por Berlin e Colditz reuniu toda a literatura disponível até então e concluiu que
indivíduos ativos apresentavam risco menor de desenvolver doenças coronarianas em comparação com os seden-
tários (Berlin & Colditz, 1990).
Em 1995, uma publicação histórica resumiu o conhecimento acumulado até aquele momento sobre os
efeitos da atividade física na prevenção de doenças. O autor classificou como “conclusivas” as evidências que
associavam a prática de atividade física com um risco reduzido de doença cardíaca coronariana, hipertensão
arterial, doença renal, diabetes tipo 2, osteoporose, câncer de cólon e mama, depressão, ansiedade, entre outras.
Para alguns desfechos, como, por exemplo, reumatismo, doença pulmonar obstrutiva crônica, entre outras, as
evidências foram consideradas pelo autor como “sugestivas” até aquele momento, ao passo que para outros (dores
lombares, função imunológica e outras), as evidências foram classificadas como “insuficientes” (Shepard, 1995).
Outro marco definitivo foi a publicação do livro Atividade Física e Saúde pelo CDC (U.S. Department of
Health and Human Services, 1996), que revisou e analisou toda a literatura na área até então, fornecendo a base
técnico-científica para as recomendações populacionais sobre a prática de atividade física. Uma das principais
mensagens dessa publicação é que a atividade física não precisa ter intensidade alta para trazer benefícios à saúde;
atividades físicas de intensidade moderada são igualmente importantes. Além disso, fica claro que os maiores
benefícios são atingidos quando uma pessoa sedentária torna-se moderadamente ativa, o que torna fundamental
o estímulo à atividade física para indivíduos sedentários. Em idosos, a capacidade de viver com independência é
claramente maior entre os fisicamente ativos.

462
Epidemiologia da atividade física

Recentemente, Hallal e colaboradores (2006a) propuseram um modelo conceitual das formas como a
atividade física pode se associar com morbidade e mortalidade ao longo da vida (Figura 1). Os autores demons-
tram que a atividade física na infância ou adolescência pode exercer, além de um efeito direto sobre a morbidade
na própria adolescência, um efeito direto sobre a morbi-mortalidade na idade adulta, e também um efeito indi-
reto, mediado pelo nível de atividade física em adultos. Isso se deve ao acúmulo de evidências indicando que
jovens fisicamente ativos têm maior probabilidade de serem adultos ativos. Os autores demonstram ainda que a
prática de atividade física na adolescência pode auxiliar tanto na prevenção quanto no tratamento de várias
morbidades, exercendo inclusive um efeito protetor duradouro contra osteoporose na idade adulta. Outro aspec-
to discutido na publicação é que a quantidade e a intensidade de atividade física necessárias para cada objetivo
podem variar dependendo do desfecho em questão (Hallal et al., 2006a).

Figura 1 – Modelo conceitual dos possíveis efeitos diretos (A-D) e indiretos (E-I) da atividade física na
adolescência na saúde de adolescentes e adultos

Fonte: adaptada de Hallal et al. (2006a).

Entretanto, alguns pontos polêmicos devem ser discutidos quando se fala em atividade física e saúde. Uma
primeira pergunta que freqüentemente surge é: os benefícios da prática de atividade física para a saúde têm duração
por longos períodos? Uma variação dessa pergunta é: uma pessoa fisicamente ativa na adolescência, mas que parou
de se exercitar na idade adulta, tem menor risco de desenvolver uma doença crônica em comparação a outro indiví-
duo que sempre foi sedentário? Infelizmente, as evidências indicam que pessoas ativas na adolescência, mas que se
transformaram em sedentárias na idade adulta, têm um risco de desenvolver doença coronariana similar ao de
pessoas que eram sedentárias na adolescência e na idade adulta. No entanto, essa pergunta pode ter respostas diferen-
tes dependendo da morbidade em questão. Por exemplo, existe um consistente corpo de evidências indicando que a
atividade física na adolescência exerce um efeito de longo prazo sobre o risco de osteoporose (Kohrt et al., 2004).
Além do papel preventivo, a atividade física também é recomendada como agente terapêutico para várias
enfermidades crônicas. Por exemplo, as organizações responsáveis pelo tratamento do diabetes sempre incluem a
atividade física como uma das intervenções centrais para o tratamento da morbidade. Ensaios clínicos randomizados

463
Epidemiologia Nutricional

mostram que o exercício físico é tão eficaz quanto mudanças na dieta para o tratamento do diabetes (Pan et al.,
1997; Orchard et al., 2005).
No que se refere à hipertensão arterial, as recomendações atuais também indicam que a prática de atividade
física é fundamental no tratamento da morbidade (The Sixth Report of the Joint National Committee on
Prevention, Detection and Treatment of High Blood Pressure, 1997). A literatura mostra ainda que a atividade
física pode tanto prevenir quanto adiar o aparecimento de hipertensão arterial (U.S. Department of Health and
Human Services, 1996).
Outras doenças também podem incluir a prática de atividade física no seu tratamento. Na asma, por
exemplo, a prática de atividades aquáticas é recomendada no tratamento (Rosimini, 2003). Na área da saúde
mental, são cada vez mais freqüentes os estudos que mostram a eficácia da inclusão da prática de atividades físicas
no tratamento de morbidades psiquiátricas (Ekeland et al., 2004).

Níveis Populacionais de Atividade Física


A evolução da produção científica na área de atividade física e saúde é notória no Brasil. Em 1990, um
estudo que avaliou a ocorrência de diversos fatores de risco para doenças crônicas forneceu a primeira estimativa
da prevalência de sedentarismo em uma amostra de adultos brasileiros (Rego et al., 1990). Nos anos seguintes,
vários inquéritos auxiliaram no diagnóstico da situação brasileira quanto aos níveis de atividade física.
Na Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) realizada em 1997 em amostra probabilística da população do
Nordeste e Sudeste brasileiros, somente 20% da população indicaram a prática de exercício físico ou esporte,
havendo um grande diferencial entre homens (27,3%) e mulheres (13,1%), nas duas regiões e diversas faixas
etárias (Anjos, 2006). Deve-se ressaltar que esses dados são baseados em uma pergunta simples: “O(A) Sr.(a)
pratica exercício físico/esporte todas as semanas?”, ou seja, a avaliação é de apenas um dos domínios da atividade
física – a atividade física de lazer. Os resultados mostraram que o grupo etário mais ativo foi o de 10 a 15 anos de
vida tanto para homens quanto para mulheres (Figura 2), que apresenta uma dramática redução após os 20 anos
de idade, com os níveis se mantendo em toda a vida adulta.

Figura 2 – Prevalência (%) de prática de esportes ou exercício físico em função da idade e sexo, avaliada na
Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV). Brasil (Nordeste e Sudeste), 1997
60
54
52
50
44
Todos
40 37 Homens
34

29
Mulheres
% 30
22
19
20
15
12 13
11 11
9 10 10 9
10 8

0
< 10 10--14 15--19 20--39 40--59 > 60

Idade (anos)

Fonte: reproduzida de Anjos (2006).

464
Epidemiologia da atividade física

Entre as práticas esportivas ou exercícios físicos relatados, destacam-se os esportes coletivos (futebol, vôlei,
basquete) para os indivíduos mais jovens, principalmente homens, e a caminhada para os adultos e idosos (Figura
3). Em geral, o padrão é semelhante na população das duas regiões, sendo os esportes coletivos e as corridas pratica-
dos mais freqüentemente pelos homens jovens e as caminhadas e o ciclismo pelas mulheres, independentemente da
idade. Fica evidente o papel da caminhada como forma de atividade física praticada pelos indivíduos adultos,
particularmente após os 40 anos de vida.

Figura 3 – Prevalência (%) de prática de esportes ou exercício físico, por modalidade, em função da idade
e sexo, avaliada na Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV). Brasil (Nordeste, NE e Sudeste, SE), 1997
100
Homens NE Mulheres NE
90
NE
Corrida/Caminhada/
80
Futebol/Vôlei/ SE Ciclismo
Basquete
70
SE
60
SE

% 50

40

30

Corrida/Caminhada/ Futebol/Vôlei/
20
Ciclismo Basquete

10

0
< 10 10-14 15-19 20-39 40-59 > 60 < 10 10-14 15-19 20-39 40-59 > 60
Faixa etária Faixa etária

Fonte: reproduzida de Anjos (2006).

Na PPV, apenas 42,3% das pessoas relataram ter ocupação, informação que foi usada para classificar,
segundo o Código Brasileiro de Ocupações, o Nível de Atividade Física Ocupacional (Nafo) em três níveis: leve,
moderado e pesado (Ribeiro, 1994). Dos que afirmaram ter ocupação, 29% tinham Nafo leve e 23,6%, Nafo
pesado. As mulheres tinham mais Nafo leve (homens = 22,1 e mulheres = 40,5%), e os homens mais Nafo pesado
(homens = 30,5 e mulheres = 12%). A diferença mais importante entre regiões foi para o Nafo pesado em
mulheres (Nordeste = 36,1 e Sudeste = 5,6%). Entre as pessoas que não praticavam esportes ou exercício físico,
23% e 49,3% tinham Nafo pesado e moderado, respectivamente.
Assim, se forem somados os indivíduos com Nafo moderado e pesado aos que praticavam exercício físico,
o total de ativos sobe para 44,2% (Anjos, 1999). Apesar da limitação na pergunta sobre a prática de esportes ou
exercício físico, a PPV foi a primeira pesquisa de base populacional em regiões brasileiras que obteve tal informação.
Dados mais recentes, obtidos no Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade
Referida de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, realizado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) em amos-
tra da população de 15 capitais e do Distrito Federal, em 2004 (Inca, 2004), indicam uma média de indivíduos
com idade entre 15 e 69 anos insuficientemente ativos (prática de atividade física inferior a 150 minutos por
semana) da ordem de 37% (Figura 4), com variação expressiva entre as capitais, sendo João Pessoa a capital com
menor população ativa (45%), e Belém com a mais ativa (72%).

465
Epidemiologia Nutricional

Figura 4 – Percentual de indivíduos com idade entre 15 e 69 anos insuficientemente ativos (sedentários +
irregularmente ativos) por capital avaliada (mais Distrito Federal) no Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos
de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Instituto Nacional de Câncer, em 2004

Total 37
Belém 28
Porto Alegre 30

Natal 31
Vitória 32
Campo Grande 34
Aracaju 34
Capitais avaliadas

São Paulo 35
Distrito Federal 35
Manaus 38
Belo Horizonte 39

Curitiba 40

Recife 41
Fortaleza 42
Rio de Janeiro 44

Florianópolis 44

João Pessoa 55

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60

%
Fonte: reproduzida de Anjos (2006).

Os dados da pesquisa do Inca foram obtidos usando-se o Questionário Internacional sobre Atividade
Física (Ipaq), com o qual se procura obter informações sobre todos os domínios da atividade física (lazer, traba-
lho, transporte, deslocamentos). Em países ainda em desenvolvimento, não só a atividade física laboral como
também as atividades dos outros domínios, particularmente a associada ao transporte, ganham contornos impor-
tantes por poderem contribuir no total de atividade diária da população. No Brasil, deve-se atentar para esse fato,
mas não existem dados disponíveis sobre o padrão de uso de meios de transporte na população em geral. Um
dado importante diz respeito à posse de veículos automotores nos domicílios. Nos EUA, apenas 5% dos domicí-
lios ‘não’ têm automóveis, ao passo que os dados do mais recente censo demográfico brasileiro indicam que os
residentes de apenas 32,7% dos domicílios brasileiros possuíam automóveis: 35,3% na região urbana e 19,1% na
região rural (Anjos, 2006). Especula-se hoje sobre uma possível associação entre o tempo gasto dirigindo auto-
móveis para o trabalho e os níveis de atividade física na população. Em uma amostra de 6.810 australianos, Wen
e colaboradores (2006) documentaram que os indivíduos que dirigiam para o trabalho tinham menor chance de
alcançar níveis recomendados de atividade física do que os que não usavam o carro. Além disso, houve associação
positiva entre dirigir para o trabalho e obesidade na amostra. Portanto, é fundamental que todos os domínios da
atividade física sejam avaliados.
Vários estudos locais também estão disponíveis e contribuem para o conhecimento dos níveis de atividade
física dos brasileiros. Na cidade de Pelotas, RS, por exemplo, vários estudos sobre a epidemiologia da atividade

466
Epidemiologia da atividade física

física foram realizados nos últimos anos. Em 2003, Hallal e colaboradores mostraram que 41% dos adultos da
cidade não praticavam a quantidade mínima de atividade física recomendada para a obtenção de benefícios à
saúde (Hallal et al., 2003). Com o mesmo banco de dados, Hallal e Siqueira (2004) demonstraram que apenas
29% dos entrevistados atingiam o ponto de corte recomendado para atividades físicas de intensidade alta. No
que se refere à atividade física realizada no deslocamento para o trabalho, um estudo, também realizado em
Pelotas (Bacchieri, Gigante & Assunção, 2005), mostrou que a bicicleta foi o modo de transporte mais utilizado
por homens trabalhadores nessa cidade (27%) e, embora o ônibus tenha sido o modo de transporte mais utiliza-
do entre as mulheres, 28% delas deslocavam-se a pé para o trabalho.
No estado de São Paulo, Matsudo e colaboradores (2002) encontraram prevalência de sedentarismo de
45% também utilizando a versão curta do Ipaq. Em outra publicação, Hallal e colaboradores (2005) compara-
ram os percentuais de caminhada por lazer e no geral, constatando que apenas 15% dos entrevistados atingiam a
recomendação de 150 minutos por semana por meio de caminhadas no lazer, mas esse valor era de 41% quando
consideradas as caminhadas realizadas em geral, principalmente deslocamento para o trabalho.
Entre adolescentes, os estudos em diversos lugares do Brasil também concordam em demonstrar elevadas
taxas de sedentarismo, embora as estimativas sejam muito distintas em decorrência dos diferentes pontos de corte
e instrumentos utilizados. As recomendações atuais sugerem que os adolescentes devem praticar pelo menos
sessenta minutos diários de atividades físicas de intensidade moderada a vigorosa (Strong et al., 2005). Hallal e
colaboradores (2006b) mostraram que 58% dos adolescentes de 10 a 12 anos da cidade de Pelotas não pratica-
vam a quantidade recomendada de atividade física para a sua idade. Outro estudo, conduzido na mesma cidade,
com adolescentes de 15-19 anos, encontrou uma prevalência de sedentarismo de 39%, com um ponto de corte
de sessenta minutos por semana (Oehlschlaeger et al., 2004).

O Futuro da Mensuração da Atividade Física


em Estudos Populacionais
Como as atividades de intensidade moderada são importantes não só para o total do gasto energético
diário, mas também na prevenção de diversos agravos à saúde, e constituem as modalidades de mais difícil
captação por questionários, há, atualmente, um relativo consenso de que é necessário tentar avaliar a atividade
física de forma mais objetiva em estudos populacionais (Freedson & Miller, 2000; Wareham & Rennie, 1998).
Além disso, vários estudos demonstram a baixa validade de diversos questionários de atividade física disponíveis
(Kriska & Caspersen, 1997) em comparação com métodos mais diretos de mensuração. Além disso, muitas vezes
os estudos de validação são analisados de forma polêmica (Hallal & Victora, 2004).
A busca de métodos tem se concentrado em monitoração da freqüência cardíaca (Wareham et al., 1997) e
no uso de acelerômetros (Yoshioka et al., 2005) ou em uma combinação desses métodos (Brage et al., 2006;
Johansson et al., 2006). Quando há interesse em documentar a atividade de caminhada, pode-se também usar
pedômetros, aparelhos mais simples e baratos do que os acelerômetros. De fato, um estudo em uma amostra
probabilística de adultos de Niterói, RJ, documentou, recentemente, a importância da medição objetiva da
atividade física em estudos populacionais. Por meio de questionário, obteve-se a freqüência de realização
de atividade física no lazer em 23,1% e 42,4% das mulheres e homens, respectivamente. No entanto, a mediana
do número de passadas diárias, obtida por meio de pedômetro usado durante as horas em que os indivíduos
permaneciam acordados, foi de 8.977 e 10.061 para mulheres e homens, respectivamente. Assim, 39 e 52% de
mulheres e homens, respectivamente, ultrapassaram a marca recomendada de dez mil passadas diárias, usada
como critério para se considerar a atividade física suficiente (Anjos, 2004; Anjos, Wahrlich & Vasconcellos,
2006).

467
Epidemiologia Nutricional

Considerações Finais
O acúmulo de evidências científicas sobre os benefícios da atividade física para a saúde tem despertado a
atenção de várias agências de saúde pública para o problema do sedentarismo. Diversas iniciativas têm sido
idealizadas para um aumento do nível de atividade física da população, desde estratégias de aconselhamento e
conscientização até mudanças ambientais. A literatura nacional sobre atividade física e saúde tem crescido nos
últimos anos, e a inserção dos pesquisadores desta área na comunidade da saúde coletiva é cada vez mais presente.
A mensuração de atividade física em estudos populacionais sempre foi, e continua sendo, um desafio. Novos
métodos têm sido propostos, e sua utilização é crescente em nosso meio.

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471
27
Obesidade e Saúde Mental:
evidências e controvérsias

Claudia de Souza Lopes

A avaliação do papel do sobrepeso/obesidade na saúde dos indivíduos tem sido objeto de diversos estu-
dos científicos, principalmente nas duas últimas décadas. Se, por um lado, as conseqüências deletérias do sobrepeso/
obesidade na morbidade física são hoje amplamente conhecidas, ainda há bastante controvérsia sobre o impacto
da obesidade na saúde mental dos indivíduos. Embora a obesidade seja entendida como um produto da
suscetibilidade genética associada a um ambiente obesogênico, não existe um claro paradigma na sua abordagem
que justifique a freqüência com que a obesidade tem sido associada a transtornos mentais, principalmente a
depressão.
Provavelmente, a existência de uma gama de outros fatores que se associam tanto à obesidade como à saúde
mental torna a evidência desta associação bem mais complexa do que a encontrada para morbidade física. Assim, a
avaliação da associação entre obesidade e saúde mental deve levar em conta o contexto social e cultural dos indivíduos,
e questões relativas à percepção do peso corporal, auto-estima, discriminação, estigma, entre outras, devem ser
consideradas na construção de modelos teóricos causais. Além disso, diferenças relativas aos critérios utilizados para
a definição de transtorno mental e obesidade também contribuem para diferenças encontradas nos estudos.

Contexto Social versus Fatores Psicológicos e Biológicos


As mudanças ocorridas nas últimas décadas nos padrões culturais e de estilo de vida, principalmente nos
países ocidentais, têm tido repercussões importantes nos padrões estéticos aceitos como adequados. Neste con-
texto, juventude, perfeição física e magreza aparecem como os modelos socialmente mais difundidos. Assim, o
padrão de peso ‘ideal’ tem sido apresentado como referencial não apenas de saúde, mas como uma importante
medida de valor pessoal, e indivíduos que estão fora desse padrão, principalmente aqueles com sobrepeso, apre-
sentam maior risco de sofrer algum tipo de discriminação e exclusão social. A necessidade de ajuste a esse modelo
tem levado, principalmente as mulheres, à busca pelo corpo ‘ideal’ e à crença de que isto pode ser atingido apenas
pelo esforço pessoal. Reforçando essa crença, temos a mídia e a indústria cosmética, alimentícia e farmacêutica
difundindo temas relacionados à beleza e à aquisição de um corpo ideal em campanhas publicitárias e em artigos
de revistas femininas especializadas.
Uma série de explicações para a relação entre obesidade e saúde mental, particularmente depressão, tem
sido oferecida, incluindo o possível papel de fatores psicológicos, sociológicos e biológicos. Assim, uma parcela

473
Epidemiologia Nutricional

considerável de estudos tem avaliado o papel do estigma, da adequação às normas de aparência, da auto-imagem
corporal, o modo como estes fatores interagem entre si e com o ambiente social e sua importância na mediação
da associação entre obesidade e transtornos mentais.

O Papel do Estigma
De acordo com Sarlio-Lahteenkorva, Stunkard e Rissanen (1995), o estigma associado à obesidade na
cultura ocidental pode ser ainda mais danoso do que aquele relacionado às questões raciais ou mesmo de incapa-
cidade física. Estudos têm demonstrado que indivíduos obesos, particularmente as mulheres, têm menos proba-
bilidade de serem aceitos em boas universidades (Canning & Mayer, 1966) e de obterem bolsas de estudo (Crandall,
1994). A obesidade também afeta negativamente a capacidade de obter emprego (Rothblum et al., 1990) e o
status socioeconômico (Sobal & Stunkard, 1989).
Entretanto, apesar de haver evidência empírica sobre os efeitos da obesidade na estigmatização dos indiví-
duos, pouco ainda se sabe sobre as conseqüências psicológicas da estigmatização relacionada à obesidade ou em
que sentido indivíduos obesos internalizam as visões culturais sobre o peso (Falkner et al., 1999; Crossrow, Jeffery
& McGuire, 2001). Friedman e colaboradores (2005), com o objetivo de avaliar a relação entre estigmatização
relacionada com o peso, crenças ideológicas sobre o peso e funcionamento psicológico, investigaram 93 indivíduos
obesos em início de tratamento. Os resultados mostraram que a experiência de estigmatização associava-se posi-
tivamente com depressão, sintomas psiquiátricos gerais e transtorno da auto-imagem, e negativamente com auto-
estima. Myers e Rosen (1999) também encontraram que a estigmatização era uma experiência comum para
indivíduos obesos e que uma maior freqüência de experiências estigmatizantes associava-se com maior Índice de
Massa Corporal (IMC), pior funcionamento psicológico, maior insatisfação com a auto-imagem e reduzida
auto-estima. Esses dados sugerem que a estigmatização relacionada ao peso provavelmente apresenta conseqüên-
cias psicológicas negativas.
Outra abordagem do estigma diz respeito ao modo como os próprios indivíduos obesos internalizam o
preconceito e crenças de determinada cultura com relação à obesidade e como estas crenças associam-se à saúde
mental. Segundo alguns autores (Crandall & Biernat, 1990; Ross, 1994), essa associação se verifica na baixa
auto-estima e no preconceito que os indivíduos obesos têm contra seu próprio grupo. Contudo, o grau em que a
internalização de tais crenças age na associação entre experiências estigmatizantes e funcionamento psicológico se
mantém desconhecido.
Um foco também pouco explorado e interessante é o papel do controle do peso como mediador da associação
entre estigmatização e funcionamento psicológico. Esse papel se basearia na crença corrente de que os indivíduos
podem controlar o seu peso e de que tal controle seria apenas uma questão de autodisciplina (Maddox, Back &
Liederman, 1968). Essa visão normativa pode, em parte, explicar por que indivíduos obesos tendem a ser avaliados
mais negativamente do que indivíduos que não têm controle sobre suas características estigmatizantes (por exemplo,
raça) (DeJong, 1980). De fato, estudos que investigaram a associação entre crença na capacidade de controle de peso
e funcionamento psicológico mostraram que crenças maiores de autocontrole de peso associavam-se a auto-estima e
funcionamento psicológico debilitados em mulheres obesas (Tiggemann & Rothblum, 1997).
Ross (1994), por exemplo, desenhou duas explicações possíveis para a associação entre obesidade e depres-
são. Uma, na perspectiva reflected self-appraisal, argumenta que o estigma e a desvalorização do obeso podem levar
indivíduos com sobrepeso a sofrer baixa auto-estima, ter uma auto-imagem mais negativa, sentir-se menos que-
ridos pelos outros e apresentar níveis mais elevados de depressão. Quanto menos comum e aceitável for o sobrepeso
em um determinado grupo, maior a possibilidade de haver um impacto psicológico negativo. A segunda, baseada
na perspectiva de adequação às normas de aparência, argumenta que, para aqueles que são obesos, adequar-se à
norma do peso ‘ideal’ pode ser estressante, pois estar em dieta pode acarretar mais estresse do que a obesidade em

474
Obesidade e saúde mental

si. Isso deve ser particularmente verdadeiro nas situações em que o controle de peso não é satisfatório, o que
ocorre comumente. Ross apresenta dados que sustentam a hipótese de adequação às normas de aparência, mas
encontrou pouco suporte para a hipótese reflected appraisal. Essas perspectivas que competem entre si oferecem
explicações plausíveis para os processos socioculturais que associam obesidade com disfunção psicológica. Entre-
tanto, até o momento não houve nenhuma tentativa de replicar ou estender a pesquisa de Ross.

A Hipótese do Jolly Fat


A hipótese do jolly fat, que postula que pessoas com sobrepeso, de ambos os sexos, têm baixo risco de depres-
são, foi propalada por muitas décadas, a despeito da falta de evidência empírica consistente para isso. Em um dos
primeiros estudos sobre o tema, Crisp e McGuiness (1976) verificaram que a obesidade estava relacionada com
baixos níveis de ansiedade tanto em mulheres como em homens de meia-idade e baixos níveis de depressão em
homens. Estudo subseqüente, em uma amostra mais rural, mostrou resultados semelhantes para os homens de
meia-idade.
No entanto, a associação era muito mais fraca para as mulheres de forma geral, sendo a obesidade relacio-
nada com baixa ansiedade em mulheres mais velhas e trabalhadoras manuais e com baixos níveis de depressão em
mulheres mais jovens e da classe média. Não foi encontrada associação entre obesidade e depressão em homens
mais jovens (Crisp et al., 1980). Palinkas, Wingard e Barret-Connor (1996) verificaram que obesidade não se
associava a maior risco de depressão em mulheres entre 50 e 89 anos, mas, entre os homens, depressão estava
inversamente associada à obesidade, o que confirma parcialmente a hipótese do jolly fat. Mais recentemente,
Jasienska e colaboradores (2005), em estudo com mulheres entre 45 e 64 anos, mostraram que mulheres na pré-
menopausa e com baixo nível educacional apresentavam uma relação inversa entre IMC e níveis de depressão;
esta associação não se confirmou entre aquelas com melhor nível educacional.

Epidemiologia: principais estudos e abordagens metodológicas


A obesidade é um fator de risco já bem estabelecido para uma série de doenças crônicas, como diabetes
mellitus tipo 2, doenças cardiovasculares e doenças articulares, entre outras. Entretanto, o papel da obesidade no
desenvolvimento de transtornos mentais, particularmente a depressão, ainda não está plenamente estabelecido.
Depressão associa-se com condições médicas crônicas, baixa adesão a tratamentos médicos, elevada utilização de
serviços de saúde e desfechos de saúde desfavoráveis. Portanto, a melhor compreensão da relação entre obesidade
e depressão é importante para clínicos, pesquisadores e gestores na área da saúde (Onyike et al., 2003).
Existe hoje um conjunto de estudos clínicos e epidemiológicos que investigaram o tema. Entre os estudos
epidemiológicos, há uma gama de questões metodológicas relacionadas aos desenhos utilizados, amostras de
população e medidas para avaliação de psicopatologia e pontos de corte para obesidade, que tornam a comparação
dos achados difícil e podem contribuir para a inconsistência dos resultados.
A maioria dos estudos epidemiológicos baseia-se em desenhos transversais ou estudos de prevalência, e
poucos estudos investigaram a questão prospectivamente. Uma outra questão refere-se ao fato de que muitos
estudos baseiam-se em amostras clínicas, em tratamento. Tais estudos são mais vulneráveis a vieses relacionados
aos efeitos do tratamento propriamente dito ou mesmo de comportamentos diferenciados entre aqueles que
buscam tratamento. A não-estratificação por sexo pode também subestimar a associação.
Alguns estudos encontraram associação entre obesidade e depressão em mulheres, mas não em homens
(Noppa & Hallstrom, 1981; Istvan, Zavela & Weidner, 1992); outros reportaram associações inversas entre
obesidade e depressão em homens e mulheres (Carpenter et al., 2000; Palinkas, Wingard & Barret-Connnor, 1996;
Crisp & McGuiness, 1976). Entre os estudos transversais, o principal problema relaciona-se à possibilidade de

475
Epidemiologia Nutricional

causalidade reversa, uma vez que tanto indivíduos obesos podem apresentar um risco mais elevado para depressão
como indivíduos deprimidos podem apresentar um maior risco para obesidade. Além disso, tanto a obesidade
como a depressão são condições de saúde que resultam de um conjunto de fatores de risco ou protetores que se
acumulam ao longo da vida. Portanto, estudos longitudinais prospectivos são as melhores ferramentas para a
investigação da direção da associação.
Outra questão diz respeito à heterogeneidade de medidas utilizadas na avaliação de transtornos mentais.
Friedman e Brownell (1995), em uma ampla revisão do tema, chamaram atenção para o fato de que a maioria dos
estudos populacionais não utiliza critérios diagnósticos estabelecidos em suas definições de depressão. A defini-
ção de obesidade também tem variado. Alguns estudos utilizam o IMC como variável contínua, outros usam
pontos de corte, que, dependendo da recomendação, podem ser diferentes.

Que Subgrupos Estão sob Maior Risco?


Entre os estudos que avaliaram a possível associação entre obesidade e transtornos mentais, uma parcela
considerável abordou a possibilidade de determinados subgrupos de indivíduos obesos apresentarem risco mais
elevado do que outros. Existem hoje evidências da importância da genética e de componentes fisiológicos na
etiologia da obesidade. Por outro lado, fatores sociais, culturais e ambientais também têm sido implicados de
forma indiscutível nesta etiologia. Assim, é lógico que se examine em que medida os correlatos psicológicos da
obesidade variam entre indivíduos e que fatores desempenham um papel central nessa variação.
Diversos estudos observaram que as mulheres apresentam prevalências mais elevadas de sobrepeso e que tal
prevalência é maior entre aquelas com baixa escolaridade e com mais idade (James et al., 2001, Gigante et al.,
2006; Fonseca et al., 2006). Da mesma forma, o sexo feminino apresenta risco mais elevado de transtornos
mentais, particularmente ansiedade e depressão (Somers et al., 2006; Waraich et al., 2004; Lopes, Faerstein &
Chor, 2003). A pressão da sociedade para a manutenção do “peso ideal” é muito maior para as mulheres do que
para os homens. Por sua vez, a entrada na menopausa acarreta uma série de modificações hormonais que, além do
aumento de peso, freqüentemente modificam a deposição de gordura no corpo, com predominância na região
abdominal (Avis & Crawford, 2001). Além disso, há um aumento da labilidade emocional, distúrbios de humor
e queixas de insônia. Acredita-se, assim, que o papel da obesidade no risco de transtornos mentais, particular-
mente da depressão, seja maior entre as mulheres do que entre os homens e que este risco possa aumentar no
período do climatério e menopausa. Contudo, os resultados dos estudos ainda apresentam controvérsias (Lee et
al., 2005; Medeiros, Medeiros & Oliveira, 2006).
Estudos de base populacional conduzidos recentemente nos EUA e Canadá mostraram associação entre
obesidade e depressão. Vários destes inquéritos observaram diferenças entre sexos, com associações positivas
entre obesidade e depressão entre as mulheres e associações negativas ou inexistentes entre os homens (Palinkas,
Wingard & Barret-Connor, 1996; Istvan, Zavela & Weidner, 1992; Carpenter et al., 2000; Onyike et al.,
2003; Heo et al., 2006).
Han e colaboradores (1998) avaliaram associação entre obesidade e saúde mental mensurada por meio do
Short Form-36 Health Survey Questionnaire (SF-36), em uma amostra de indivíduos com idades entre 20 e 59 anos
na Holanda. O estudo mostrou que homens no tercil superior de obesidade apresentavam maior probabilidade de
relatar não se sentirem felizes e mulheres no tercil superior de obesidade apresentavam maior probabilidade
de relatar humor depressivo.
Faith e colaboradores (2001) encontraram uma diferença entre sexos na associação entre ‘neuroticismo’ (um
correlato da depressão) e IMC em uma amostra de base populacional inglesa. Não foi observada associação signifi-
cativa entre os homens, ao passo que IMC maior associava-se significativamente com maiores níveis de ‘neuroticismo’
em mulheres. Simon e colaboradores (2006), entretanto, em inquérito recente na população americana adulta,

476
Obesidade e saúde mental

mostraram associação entre obesidade e diagnóstico de depressão, mas não observaram diferenças significativas
entre homens e mulheres. Outras variáveis sociodemográficas como etnia, escolaridade e renda foram avaliadas
como possíveis mediadoras da associação entre obesidade e saúde mental.
Reed (1985), usando dados do First National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES I),
verificou que a obesidade estava relacionada à debilitação da saúde mental em mulheres negras e brancas. Mos-
trou também que o subgrupo de mulheres obesas, com níveis mais elevados de educação e mais jovens era o que
apresentava piores níveis de saúde mental, principalmente sintomas de depressão e ansiedade. Hällstrom e Noppa
(1981) estudaram mulheres entre 38 e 54 anos e não encontraram associação entre obesidade e transtornos
mentais correntes ou passados, incluindo ansiedade, fobias, depressão, contato com psiquiatras ou uso de medi-
camentos psicotrópicos. Ross (1994), utilizando dados de uma amostra representativa de 2.020 adultos com 18
anos ou mais, não encontrou nenhum efeito direto relacionado ao sobrepeso na maioria dos subgrupos. Pessoas com
sobrepeso tinham maior probabilidade de estar em dieta e apresentar saúde física mais debilitada, ambos associados
à depressão. Entretanto, o sobrepeso aumentava o risco de depressão entre aqueles com escolaridade mais alta.
No Brasil, estudo longitudinal conduzido entre mulheres acompanhadas por nove meses no pós-parto em
um centro de saúde no Rio de Janeiro mostrou que, após ajuste por renda e escolaridade, mulheres com gordura
corporal (estimada por meio de bioimpedância elétrica) igual ou maior que 30% tinham maior chance de apre-
sentar transtornos mentais comuns – Odds Ratio (OR) = 1,66; Intervalo de Confiança (IC) 95% 1,03-2,65.
Entretanto, os autores não encontraram associação entre sobrepeso e obesidade, medidos pelo IMC, e transtornos
mentais comuns (Kac et al., 2006).
Outra linha de estudos procura avaliar o papel da autopercepção do peso corporal na ocorrência de
transtornos mentais (Buddeberg-Fischer, Klaghofer & Reed, 1999; Kaplan, Busner & Pollac, 1988). No Brasil,
Veggi e colaboradores (2004) avaliaram a associação entre transtornos mentais comuns, IMC e autopercepção
do peso corporal por meio de um estudo transversal realizado com uma população de funcionários de uma
universidade pública no Rio de Janeiro (Estudo Pró-Saúde, 2006), tendo encontrado associação entre a pre-
sença de transtornos mentais comuns e a percepção de peso muito acima do ideal somente entre as mulheres
(OR = 1,84; IC 95% 1,22-2,76).
Estudo longitudinal subseqüente após dois anos de seguimento da população confirmou esses achados,
mostrando que após ajuste por sexo, idade, renda, IMC na linha de base e alteração de peso no período de
seguimento, perceber-se muito acima do peso ideal aumentava o risco de transtornos mentais comuns – Risco
Relativo (RR) = 1,42; IC95% 1,02-1,98. A estratificação por sexo não mostrou diferenças significativas com
relação ao risco de transtornos mentais entre aqueles com percepção de peso acima do ideal. Com relação à
associação entre IMC e transtornos mentais comuns, esse estudo, a exemplo do estudo conduzido por Kac e
colaboradores (2006), também não encontrou associação entre níveis de IMC e incidência de transtornos men-
tais comuns. Uma possibilidade a ser considerada é o critério para definição de transtornos mentais, já que o
instrumento utilizado em ambos os estudos (General Health Questionnaire 12) é um instrumento de rastreamento,
que não permite a realização de diagnósticos psiquiátricos mais graves.
Para Friedman e Brownell (1995), sexo e idade são os fatores que desempenham papel mais importante na
associação entre obesidade e sofrimento psíquico, de forma geral. Além desses, distúrbio da auto-imagem e baixa
auto-estima podem ser uma forma subclínica de sofrimento psíquico, e pode-se especular sobre a possibilidade
de que estes fatores venham a agir como fatores de risco para psicopatologia. Para esses autores, apenas estudos
prospectivos podem, com base nas associações encontradas entre fatores de risco específicos e características
psicológicas em indivíduos obesos, estabelecer nexos causais. Os principais estudos longitudinais conduzidos até
o momento mostraram que a obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento de depressão (Roberts et al.,
2003, 2000), que a depressão é um fator de risco para obesidade (Hasler et al., 2004; Goodman & Whitaker,
2002; Noppa & Hallstrom, 1981), que o sucesso na perda de peso associa-se à diminuição de sintomas de

477
Epidemiologia Nutricional

depressão (Dixon, Dixon & O’Brien, 2003) e que a depressão é um preditor para o insucesso na tentativa de
perda de peso (Linde et al., 2004; McGuire et al., 1999).

Obesidade e Transtornos Alimentares


Outro subgrupo importante e avaliado principalmente em amostras clínicas é o dos indivíduos obesos que
estão em tratamento para perda de peso. Estudos têm demonstrado que esses indivíduos apresentam uma prevalência
elevada de transtornos alimentares, particularmente Compulsão Alimentar Periódica (CAP)1 e, menos
freqüentemente, Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP).2 Em obesos que procuram programas
para controle de peso, foram observadas freqüências em torno de 30% para TCAP e 46% para CAP, estando o
TCAP associado a sintomas psicopatológicos em geral, especialmente à depressão, a uma maior gravidade da
obesidade e ao prejuízo no funcionamento social e ocupacional (Spitzer et al., 1992, 1993). No Brasil, Appolinario,
Coutinho e Povoa (1995) e Borges e colaboradores (2002) encontraram prevalências de TCAP entre 16% e 27%
em pacientes que procuravam tratamento para emagrecer. Na população geral, a prevalência de TCAP é baixa;
entretanto, a ocorrência de episódios de compulsão é muito mais freqüente e tem sido associada à obesidade.
Siqueira, Appolinario e Sichieri (2005) estudaram 2.855 adultos freqüentadores de shopping centers em diferentes
capitais do Brasil e observaram que a prevalência de episódios de compulsão alimentar entre homens com sobrepeso
comparados com os sem sobrepeso foi aproximadamente três vezes maior e que nas mulheres esta razão foi duas
vezes maior.

Obesidade e Transtornos Mentais em Populações de Crianças e Adolescentes


Estudos conduzidos em populações de crianças e adolescentes com o objetivo de investigar associação entre
obesidade e problemas psicológicos, a exemplo dos estudos conduzidos em populações adultas, também têm
apresentado dificuldade de chegar a resultados consistentes. Renman e colaboradores (1999) não encontraram
diferenças entre adolescentes obesos e eutróficos com relação a auto-estima, desempenho social e saúde mental.
Lamertz e colaboradores (2002), em inquérito de base populacional conduzido entre adolescentes e adultos
jovens de 15 a 24 anos em Munique, não encontraram associação entre IMC e transtornos mentais mensurados
por meio do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, fourth edition (DSM-IV).
Erickson e colaboradores (2000), em amostra escolar de pré-adolescentes, também não encontraram asso-
ciação entre obesidade e depressão após controle por preocupações relacionadas ao peso. Em contraste, outros
estudos encontraram mais transtornos mentais em adolescentes obesos (Buddeberg-Fischer, Klaghofer & Reed,
1999). Alguns autores reportam maior ocorrência de sintomas depressivos (Hammar et al., 1972; Strauss et al.,
1985) e baixa auto-estima (Strauss et al., 1985), e outros não encontraram diferenças com relação à depressão
(Wadden, 1989) e auto-estima (Pastore, Fisher & Friedman, 1996) entre adolescentes obesos e controles. Da
mesma forma, a associação entre obesidade e ansiedade em adolescentes tem sido pouco consistente, com resul-
tados divergentes: três estudos mostraram não haver associação (Britz et al., 2000) e outro mostrou níveis mais
elevados de ansiedade em adolescentes obesos (Hammar et al., 1972). Com relação à associação entre depressão
e obesidade, Goodman e Whitaker (2002), em estudo prospectivo de base populacional entre adolescentes,
confirmaram que humor depressivo na linha de base aumentava o risco de desenvolvimento e persistência de
obesidade após um ano de seguimento.
Poucos estudos avaliaram a associação entre depressão e obesidade na infância e efeitos na idade adulta.
Pine e colaboradores (1997) avaliaram a associação entre sintomas psiquiátricos na adolescência e obesidade em
adultos jovens e encontraram que IMC estava inversamente relacionado com sintomas depressivos em homens,
mas não entre as mulheres, e que IMC na idade adulta associava-se positivamente com transtorno de conduta em

478
Obesidade e saúde mental

adolescentes de ambos os sexos. Estudo mais recente no mesmo grupo mostrou que crianças e adolescentes (6-17
anos), com depressão maior, apresentavam IMC significativamente mais elevado na idade adulta do que aqueles
sem depressão maior (IMC = 26,1 kg/m2 e 24,2 kg/m2, respectivamente). Barefoot e colaboradores (1998)
encontraram que o efeito da depressão na adolescência na mudança de peso ao longo de vinte anos depende do
peso relativo (peso ajustado para estatura). Entre os adolescentes no quintil mais elevado de IMC, aqueles que
eram deprimidos apresentavam, significativamente, maior probabilidade de ganhar pelo menos 10 kg ao longo
de vinte anos se comparados aos adolescentes não deprimidos (OR = 2,2).
Tais achados chamam a atenção para a necessidade de estudos mais específicos para a avaliação de
psicopatologia em crianças e adolescentes. São poucas as escalas e questionários para avaliação de transtornos
mentais voltados exclusivamente para essas populações, e há também necessidade de estudos que se baseiem mais
em critérios diagnósticos do que em avaliações quantitativas globais. Outra questão relaciona-se ao fato de crianças
e adolescentes obesos serem avaliados muitas vezes em início de tratamento, quando o desgaste relativo à adequa-
ção à dieta e ao esforço associado a tentativas recorrentes e muitas vezes frustradas de perder peso pode ainda não
estar presente. Como já discutido anteriormente, esse fator pode, mais do que a obesidade em si, relacionar-se a
sintomas de ansiedade e depressão.

Considerações Finais
Até este momento, a preponderância da evidência sugere que a obesidade pode estar implicada na etiologia
da depressão. Entretanto, há ainda uma série de razões que nos levam a avaliar a questão com cuidado. Em
primeiro lugar, ainda há poucos estudos cujo foco tenha sido a avaliação da obesidade e depressão. Em segundo,
apenas três estudos que evidenciaram associação entre obesidade e ocorrência de depressão basearam-se em dados
prospectivos. Esta é uma questão central, porque se por um lado estudos de prevalência podem fornecer evidên-
cia de co-variação para obesidade e depressão, por outro eles não permitem que se avalie em que medida a
obesidade associa-se com início de depressão. Para responder a essa pergunta, precisamos de estudos prospectivos
que examinem a ocorrência de depressão futura naqueles com e sem depressão na linha de base. Esta questão é
crítica, já que podemos assumir que a estrutura causal que produz morbidade é diferente antes e depois da
ocorrência da depressão. Em outras palavras, fatores que causam a depressão podem ser diferentes daqueles que a
mantêm ou prolongam.
Outros mecanismos na associação entre obesidade e depressão foram explorados em diferentes estudos.
Indivíduos obesos apresentam menor probabilidade de praticar exercícios, e atividade física reduz o risco de
depressão por meio do aumento dos níveis de endorfinas, melhorando a regulação de norepinefrina e elevando a
auto-estima.

Notas
1
Comportamento alimentar caracterizado pela ingestão de grande quantidade de comida em um período delimitado (até duas horas),
acompanhado da sensação de perda de controle sobre o que ou o quanto se come, é conhecido em inglês como binge eating (Stunkard,
1959).
2
Quando os episódios de CAP ocorrem pelo menos dois dias por semana nos últimos seis meses, associados a algumas características de
perda de controle, e não são acompanhados de comportamentos compensatórios dirigidos para a perda de peso, compõem uma síndrome
denominada atualmente de Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) – binge eating disorder (DSM-IV) (APA, 1994).

479
Epidemiologia Nutricional

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483
28
Segurança Alimentar e Nutricional:
concepções e desenhos de investigação

Luciene Burlandy e Rosana Salles da Costa

A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) vem ocupando de forma crescente a agenda pública no
Brasil, e neste processo convivem diferentes compreensões sobre o tema, cada qual com implicações específicas
para a construção de políticas públicas e a definição de indicadores e desenhos de investigação.
No sentido de contribuir para o debate sobre concepções e usos de indicadores e métodos de investigação
neste campo, este capítulo tem como objetivo problematizar limites e possibilidades de utilização da Escala
Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia) à luz do conceito de SAN consagrado na II Conferência Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN), realizada em 2005 (Consea, 2004). Visando a aprofundar esta
análise por meio de um exemplo de utilização da escala no país, apresentamos os resultados do estudo de caso do
município de Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro, que correlacionam o grau de Insegurança Alimentar
(IA), mensurado com base na escala, com indicadores socioeconômicos.

Conceito de Segurança Alimentar e Nutricional:


potencialidades e desafios
Como fruto de um processo histórico transcorrido tanto no Brasil como em diversos países do mundo
(Pessanha, 1998; Maluf, Menezes & Valente, 1996), a SAN constitui-se em um campo em construção, seja no
plano teórico-conceitual, seja no âmbito da formulação e implementação de políticas públicas, apresentando
diferentes possibilidades em termos de mensuração e análise.
A expressão mais ampla que se consagra no país sobre este tema emerge na II CNSAN, realizada em
março de 2005, e expressa a compreensão de um segmento importante da sociedade brasileira, incluindo
gestores, técnicos de governo, instituições acadêmicas e organizações sociais: “Segurança Alimentar e Nutricional
(SAN) é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quanti-
dade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimen-
tares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente
sustentáveis” (Consea, 2004).
Esse enfoque ampliado de SAN articula a ‘dimensão alimentar’ (da produção, comercialização e consumo)
e a ‘dimensão nutricional’ (da utilização do alimento pelo organismo e sua relação com a saúde), pressupondo

485
Epidemiologia Nutricional

que a forma como o alimento é produzido, comercializado e consumido é parte de um todo integrado. Sendo assim,
por exemplo, a promoção de um perfil de ‘consumo’ alimentar saudável, não só na dimensão orgânica, biológica,
mas também na vida ambiental e social, implica uma forma diferente de ‘produzir e comercializar’ esse alimento.
Portanto, são várias as questões que ocupam o campo da SAN no Brasil: aquelas referentes ao comércio
internacional que geram condições desiguais de comercialização; a privatização dos recursos ambientais e da base
genética do sistema agroalimentar; o uso indiscriminado de agrotóxicos na produção de alimentos; problemas
ambientais gerados pelo processo produtivo; o desperdício de alimentos; as desigualdades de acesso à terra, à
água, à renda, ao emprego e a serviços públicos e suas implicações no acesso à alimentação e na vulnerabilidade
socioeconômica, alimentar e nutricional de determinados segmentos da população; os riscos sanitários; a desnu-
trição e demais doenças relacionadas às carências nutricionais e ao não-atendimento de necessidades alimentares
especiais; o perfil de consumo alimentar de risco à saúde, a obesidade, a fome, entre outras (FBSAN, 2006).
Trata-se de um quadro bastante complexo que expressa a realidade de um país marcado por situações de privação
e fartura, conflitos e profundas desigualdades.
Essa concepção ampliada, no entanto, convive com outros enfoques que enfatizam dimensões específicas
do tema, como, por exemplo, o combate à fome ou a segurança do alimento (em termos de inocuidade, riscos
sanitários).
Ainda que a fome seja uma face da IA e que seja possível estabelecer recortes com base em um conceito
amplo, a concepção de SAN acima descrita impõe um olhar diferenciado sobre cada dimensão específica que a
constitui. Tal diferenciação refere-se principalmente a uma análise integrada de todos esses componentes.
Quando, por exemplo, a fome é abordada em uma perspectiva reducionista, ou seja, não integrada aos
demais componentes que constituem a concepção ampliada de SAN, o foco das ações volta-se ‘apenas’ para os
aspectos biológicos, ou para os segmentos que passam privação de alimentos e para intervenções de caráter
compensatório e emergencial. Mesmo que medidas desse tipo sejam necessárias, elas não são suficientes para
superar o problema, pois não afetam seus determinantes. De igual modo, os indicadores utilizados para mensurar
a fome, quando partem de uma concepção restrita, tendem a expressar apenas uma dimensão específica desse
quadro. Assim, a fome foi por muito tempo mensurada com base na insuficiência de renda e também, em alguns
estudos, por indicadores antropométricos, como será tratado posteriormente; trata-se, no entanto, de um fenô-
meno muito mais complexo, ainda que a renda seja um elemento fundamental em sua determinação.
As desigualdades inerentes ao sistema econômico e ao processo produtivo, inclusive de alimentos, são
fatores determinantes da fome. Portanto, precisam ser enfrentados para que os programas neste campo deixem de
ser apenas medidas compensatórias de um problema continuamente gerado pela dinâmica socioeconômica e
pelos valores que marcam as relações sociais cotidianas, reforçando e perpetuando as desigualdades. Superar a
fome implica, portanto, considerá-la parte de políticas universais que garantam direitos, incluindo a qualidade
sanitária e nutricional daquilo que se come, as condições de vida, saúde, educação, trabalho, cultura, ou seja,
tendo em vista o controle de todos os riscos econômicos, sociais, ambientais e de saúde que marcam o processo de
produção, comercialização e consumo de alimentos.
O enfoque ampliado de SAN impõe mudanças radicais voltadas para o enfrentamento dessas desigualda-
des, seja por seu caráter universalista, seja porque pressupõe o alcance de bens públicos como a sustentabilidade
social, econômica e ambiental, o direito humano, os direitos de cidadania, a alimentação adequada e saudável e
a cultura. Nesta perspectiva, necessariamente os determinantes da fome são enfrentados e o enfoque sobre o tema
muda. Ou seja, não basta superar a fome se os processos pelos quais as ações são implementadas violam direitos,
se os programas são vistos como favores, se agridem os valores culturais dos grupos, se reforçam relações
assistencialistas, paternalistas, de dominação. Se temporariamente as pessoas deixam de passar fome, mas conti-
nuam sendo violadas em seus direitos fundamentais e permanentemente submetidas aos mesmos processos que
geram estas violações, não se pode dizer que a SAN tenha sido garantida.

486
Segurança alimentar e nutricional

Essa mesma perspectiva pode ser pensada para o enfoque que restringe a compreensão de SAN como
alimento seguro, porque considera apenas a qualidade sanitária do alimento. Não há como pensar o alimento fora
da relação humana e de todos os processos culturais, psicossociais e econômicos que a marcam. Alimento seguro, do
ponto de vista sanitário, não é necessariamente adequado nutricionalmente, culturalmente, socialmente. Se os
processos pelos quais esse alimento é produzido geram desigualdades sociais e econômicas e agridem culturas
estabelecidas, não se pode considerar que a SAN tenha sido alcançada.
Diante das questões aqui destacadas, pode-se considerar que o enfoque ampliado de SAN, consagrado na
II CNSAN, contribui para reforçar determinados princípios e valores na sociedade ao questionar os processos
referentes à conquista de direitos; à ampliação dos riscos ambientais, sociais e econômicos; à violação da identidade
cultural dos povos e de suas formas de apropriação dos recursos; às desigualdades que vêm sendo geradas na
sociedade e ao modo como o sistema alimentar constitui parte dessa dinâmica. A SAN torna-se, assim, um
componente decisivo para a construção de um projeto de desenvolvimento que articule e integre crescimento
econômico, social e humano, contribuindo para o resgate de valores éticos, de eqüidade, de cidadania e cultura.

Indicadores de Segurança Alimentar e Nutricional


A discussão em torno dos indicadores de SAN vem acompanhando o debate conceitual, e no plano inter-
nacional o Comitê de Segurança Alimentar Mundial (FAO, 2001) propôs um conjunto de indicadores para
monitorar a situação de SAN no mundo, incluindo dados sobre disponibilidade de alimentos; estado de saúde e
nutrição; condições demográficas, ambientais, econômicas, políticas, sociais, climáticas; acesso aos alimentos;
renda; gastos com alimentação; condições de moradia; saneamento; hábitos alimentares e acesso à atenção à
saúde.
No Brasil, foram propostos os seguintes parâmetros para monitorar a situação de SAN no plano nacional:
1) Disponibilidade física de alimentos per capita/ano; 2) Nível de autonomia do país na oferta de alimentos
(auto-suficiência); 3) Poder de compra do salário mínimo e da renda familiar; 4) Poder de compra dos estratos
mais pobres da população; 5) Proporção de população assistida por programas de segurança alimentar; 6) Perfil
do consumo alimentar por faixa etária ou estrutura de consumo alimentar; 7) Prevalência estimada de baixo peso,
sobrepeso e obesidade na população maior de 18 anos, segundo o Índice de Massa Corporal (IMC), por sexo;
8) Prevalência de déficit antropométrico, de peso e estatura, para menores de 5 anos; 9) Índice de indigência ou
proporção de indigentes (Consea, 2004).
Esse conjunto de indicadores possibilita acessar tanto os determinantes da SAN (ou parte deles) como,
entre outros, a disponibilidade de alimentos e a renda quanto suas conseqüências (ou parte delas), por exemplo,
no estado nutricional. O atual Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) dispõe de um
grupo de trabalho que vem discutindo o tema com o objetivo de propor também um conjunto de indicadores
que possa ser parte de um sistema de monitoramento da situação alimentar e nutricional do país. A matriz
definida pelo Consea para seleção e análise dos indicadores de monitoramento engloba as seguintes dimensões de
SAN: 1) produção e disponibilidade de alimentos; 2) renda e condições de vida; 3) acesso à alimentação e
tendências de consumo; 4) saúde e acesso aos serviços de saúde; 5) perfil nutricional dos grupos populacionais
segundo vários critérios (de renda, etário, étnico-racial); 6) acesso à educação; 7) políticas e programas públicos
relacionados com a SAN; 8) segurança dos alimentos quanto a resíduos químicos e nutrientes (Consea, 2007).
Por se tratar de um conceito multidimensional, ou seja, que envolve múltiplas dimensões de análise, como
a econômica, a social, a cultural, a política, a biológica, entre outras, seria possível pensar em um indicador
sintético que contemplasse as múltiplas variáveis que o constituem. Esses indicadores, no entanto, referem-se ao
âmbito da nação, cabendo, então, pensar como acessar a SAN no nível individual ou familiar.

487
Epidemiologia Nutricional

Fome e Insegurança Alimentar: implicações para


definição de indicadores e desenhos de investigação
Aproximar-se de processos tão entrelaçados como a fome, a pobreza, a indigência e a insegurança alimen-
tar, com o intuito de compreender suas especificidades e formular intervenções mais adequadas ao seu
enfrentamento, impõe delimitar com maior precisão as fronteiras entre diferentes conceitos e indicadores utiliza-
dos para expressá-los. Cabe, portanto, rever distintas abordagens teórico-conceituais que vêm sendo construídas
em torno desses problemas e analisar de que forma afetam o desenho de investigações neste campo.

Diferenciações entre Fome, Pobreza, Indigência e Insegurança Alimentar


A alimentação é uma dimensão humana inalienável e, portanto, a não-satisfação neste âmbito da vida é
sempre considerada expressão gritante da pobreza. Essa relação é tão estreita que os indicadores de indigência
(condição ainda mais adversa que a pobreza) comumente adotados se confundem com o dimensionamento da
fome. O valor da linha de indigência corresponde à renda necessária para a aquisição de uma cesta básica alimen-
tar capaz de suprir necessidades nutricionais de um indivíduo, na verdade as necessidades energéticas (Rocha,
1998, 2005). Diante disso, caberia perguntar: quem não dispõe de renda para se alimentar não estaria passando
fome? Como diferenciar, então, indigência e fome? Além disso, considerando-se as possíveis carências de
micronutrientes, a qualidade sanitária e nutricional, além dos demais aspectos referentes à cultura e à dimensão
simbólica da alimentação, não se pode afirmar que a satisfação de necessidades energéticas significa SAN. Cabe
considerar também que as preferências cotidianas de consumo não seguem uma lógica otimizadora, como os
procedimentos metodológicos que definem a cesta básica de forma normativa com base nos alimentos mais
baratos que permitem cobrir as necessidades nutricionais. Ao contrário, superam tanto os preceitos estritamente
nutricionais quanto os econômicos, levando em conta a praticidade dos alimentos e seu valor simbólico.
Na realidade, há situações em que as pessoas podem não dispor de renda monetária para suprir suas necessida-
des alimentares e nutricionais, mas têm acesso a recursos não monetários que as impedem de passar fome (doações,
inserção em programas sociais e redes de apoio, plantio para consumo próprio etc.). Por isso, uma definição de fome
amplamente aceita refere-se à falta de disponibilidade e de acesso ao alimento em quantidade e qualidade que atenda
às necessidades nutricionais, estando diretamente associada à relação que as pessoas estabelecem, com base em suas
capacidades, com os diferentes recursos (não só monetários) e mercadorias disponíveis na sociedade (Sen, 1981).
É importante destacar que, do ponto de vista da SAN, o comprometimento de outras necessidades essenciais (para
além das nutricionais) na garantia do acesso à alimentação é igualmente inaceitável.
Certamente, em uma sociedade de mercado, o principal recurso para o acesso ao alimento é a renda e, por
isso, ele vem sendo amplamente utilizado para dimensionar situações de IA ou de vulnerabilidade à fome (Lavínas,
1998). Assim, na prática os dois fenômenos (fome e indigência) se confundem.
No sentido de definir indicadores que diferenciem fome e indigência, a fome crônica tem sido associada a
situações em que a alimentação habitual não garante as necessidades energéticas do organismo, mensuradas por
meio de indicadores antropométricos. O recurso a este tipo de indicador também vem sendo utilizado como
resposta às dificuldades técnicas de avaliar o consumo alimentar habitual dos indivíduos e suas correspondentes
necessidades energéticas (Monteiro, Mondini & Costa, 2000).
Nesses termos, a fome vem sendo dimensionada com base em valores de reservas energéticas na população
adulta, sendo o valor do IMC inferior aos 18,5 kg/m2 preconizados como indicador para este dimensionamento. A
associação da fome com déficits energéticos em adultos (magreza) é justificada pelo argumento de que nem sempre
a desnutrição infantil é originária da deficiência energética das dietas, podendo ser ocasionada por deficiência espe-
cífica de macro e micronutrientes, desmame precoce e infecções comuns à infância (Monteiro, 1995; WHO, 1995).

488
Segurança alimentar e nutricional

Algumas questões se colocam quando se opta por usar esse tipo de indicador. Por que associar fome apenas
à deficiência energética em adultos? Por que a carência de outros nutrientes (vitaminas, minerais) não caracteriza
fome? Josué de Castro considerava que a fome incluía não apenas a inanição, ou seja, “O que os povos de língua
inglesa chamam de starvation”, mas também a “fome parcial”, a chamada “fome oculta, na qual pela falta perma-
nente de determinados elementos nutritivos, em seus regimes habituais, grupos inteiros de populações se deixam
morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias” (Castro, 1946: 21).
Se os déficits nutricionais também na infância não são apenas causados por aporte energético insuficiente
das dietas, não há por que dimensionar a fome em uma população apenas com base em indicadores de déficits
energéticos em adultos.
Mesmo considerando fome como deficiência energética, também não caberia avaliá-la apenas com base em
dados antropométricos (déficits de peso e estatura para idade), porque ela não se expressa unicamente por meio
de déficits de crescimento e peso. Os dados antropométricos, especialmente os de estatura, refletem um momen-
to tardio, quando a conseqüência de privações alimentares crônicas já está instalada. Isso não significa que o
indivíduo, ou a família, não tenha passado por circunstâncias de privação alimentar, ainda que temporária. A
antropometria não seria, portanto, um parâmetro razoável para definir ‘por si só’ a população assistida por uma
estratégia de combate à fome.
Aceitar que a ausência de déficits antropométricos significa inexistência da fome implica desconsiderar
adaptações biológicas, comportamentais e sociais que tornam as crianças submetidas a estresse nutricional no
início da vida mais eficientes metabolicamente e levam, em algumas circunstâncias, à redução de atividades
espontâneas para poupar energia (Anjos et al., 1992). Trata-se de elementos que têm permitido associar a IA
inclusive à obesidade (Alaimo, Olson & Frongillo, 2001).
O sobrepeso e a obesidade indicam que o organismo apresenta já por longo período um balanço energético
positivo, ou seja, uma diferença positiva entre a ingestão energética e o gasto energético. O gasto energético tem
três componentes: a Taxa Metabólica Basal (TMB), que corresponde a 50 a 70% do gasto total, dependendo do
nível de atividade física do indivíduo; a ação dinâmica específica dos alimentos (10%) e a atividade física. A
redução na ingestão alimentar causa uma redução tanto na TMB, por um mecanismo de adaptação biológica,
quanto na atividade física, por processos de adaptação comportamental/social, embora este não seja o determinante
único nem principal do problema. Mas o gasto se reduz, gerando um balanço energético positivo, sem que
necessariamente isso signifique um consumo alimentar adequado (Wahrlich & Anjos, 2001).
Além disso, a fome e a IA não são fenômenos meramente biológicos, da mesma forma que pobreza não é
apenas uma questão monetária. Quem é capaz de afirmar que um ser humano forçado a sobreviver de restos de
alimentos ou de ração animal, ainda que não tenha sido afetado biologicamente, de forma que os indicadores
antropométricos ou clínicos sejam capazes de detectar, não passa fome ou não se encontra em situação de IA?
(Valente, 2002). Ou, ao contrário, quem pode afirmar que uma pessoa com excesso de peso não passe também
por privações?
Essas considerações reforçam, por um lado, a pertinência de compreender a IA e a fome como questões
acima de tudo sociais e humanas em todas as suas dimensões. São inseguras as situações em que não há disponi-
bilidade e acesso temporário ou permanente a uma alimentação que não constitua risco à saúde, seja adequada às
necessidades nutricionais tanto em termos quantitativos quanto qualitativos e se baseie em hábitos saudáveis e
digna do ponto de vista humano e social.
Além disso, destaca-se a importância de construir indicadores de fome e IA, no âmbito individual e familiar,
que sejam capazes de perscrutar dimensões que a renda e a antropometria não permitem. Mais ainda, para além de
um indicador ou outro é importante considerar as múltiplas situações de vulnerabilidade vividas pelas famílias.
Quais são as alternativas ao recurso a indicadores que dimensionem a acessibilidade alimentar com base na
renda ou na antropometria?

489
Epidemiologia Nutricional

A mensuração da fome no contexto da rede de segurança nutricional nacional dos Estados Unidos, integrada
por um conjunto de 15 programas a cargo do Serviço Nacional de Nutrição do Departamento de Agricultura
Americana, baseou-se no auto-relato da condição de segurança alimentar familiar, em resposta a questões incluídas
nas pesquisas nacionais de consumo a partir de 1977. Essas questões referiam-se à suficiência e qualidade da
alimentação (quantidade e tipo de alimento consumido) e à sustentabilidade dessa condição ao longo do tempo,
segundo a percepção e concepção da família (Bickel & Andrews, 2002).
Os domicílios foram agrupados em três segmentos, de acordo com o tipo de resposta: aqueles que relata-
ram uma alimentação adequada em termos de quantidade e qualidade; os que relataram quantidade suficiente,
mas comprometimento da qualidade (não consumiam o tipo de alimento que deveriam, segundo sua concepção)
e os que relataram que a suficiência em termos de quantidade não era sustentável ao longo do tempo, ou seja, em
determinados períodos a alimentação disponível para a família era insuficiente. Essas informações possibilitaram
identificar em que medida as alterações na renda familiar ao longo do tempo refletiam modificações na quantidade
e qualidade da alimentação. Os dados permitem, assim, não só uma aproximação à percepção subjetiva da família
em relação à alimentação, mas também aos aspectos comportamentais objetivos ao longo do tempo (Bickel &
Andrews, 2002).
Os principais resultados dessa pesquisa sinalizaram que o comportamento em termos de consumo respon-
de, de modo seqüencial e ordenado, à renda familiar disponível, ou seja, quando há uma redução da renda, a
primeira atitude da família é consumir alimentos mais baratos, visando a manter a quantidade (a qualidade é
comprometida). Uma vez esgotadas essas possibilidades, diante de uma retração mais drástica da renda, a quan-
tidade de alimentos consumidos então se reduz.
Essas informações permitem compreender como as famílias gerenciam a situação de IA a que são submeti-
das e alertam para o fato de que a fome pode ser uma realidade mesmo na ausência de sintomas clínicos (Bickel
& Andrews, 2002).
Seguindo princípios semelhantes, o Centro de Pesquisa Alimentar e Ação de Washington D.C. desenvol-
veu um projeto de identificação da fome na comunidade infantil que deu origem a uma escala de risco, baseada
em indicadores que refletiam aspectos da IA dos domicílios (alteração na quantidade e qualidade da alimentação)
(Bickel & Andrews, 2002).
A partir da experiência desses estudos conjugados à análise de outras estratégias de mensuração da IA, um
questionário de segurança alimentar passou a constituir suplemento da Pesquisa Populacional dos Estados Unidos
(anual), o que permitiu produzir escalas de medidas da severidade de privações alimentares, classificando-se os
domicílios segundo as seguintes condições: com segurança alimentar; com IA sem fome e com IA com fome. Com
base nessa metodologia, constatou-se que 90% dos domicílios americanos encontravam-se em situação de seguran-
ça alimentar, os demais enfrentavam situação temporária de insegurança ao longo do ano e, destes, 3,1% chegavam
a passar fome em determinados períodos pela impossibilidade de comprar alimentos em quantidade suficiente.
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde da População do Canadá, baseados no auto-relato das famílias,
indicam que, em 2001, 8% da população haviam comprometido a qualidade e a quantidade do consumo ali-
mentar por falta de recursos financeiros. A situação não se limitava a famílias de baixa renda, pois 12% dos
domicílios de renda média apresentaram algum comprometimento alimentar (Koc, 2002).
O uso desse tipo de método no Brasil, suas potencialidades e limites serão aqui problematizados. Cabe, por
ora, destacar que, em síntese, embora as informações antropométricas possam indicar condições severas em termos
de privação alimentar, por refletirem as conseqüências de um processo de mais longo prazo, elas não são suficientes
para abordar o fenômeno da fome em todas as suas dimensões. De igual modo, não possibilitam que o problema seja
tratado como um processo, pois expressam uma situação já instalada. Metodologias que reflitam situações de risco
diferenciado, e que, portanto, caracterizem de fato diferentes momentos de vulnerabilidade avançam tanto em seu
potencial explicativo quanto nos caminhos que abrem em termos de identificação de grupos de risco.

490
Segurança alimentar e nutricional

Diferenciações entre Pobreza e Desigualdade de Renda


Na abordagem das relações entre indicadores socioeconômicos e SAN, outra diferenciação que pode ser feita
em termos analíticos é entre pobreza e desigualdade de renda. Em contextos em que há pobreza generalizada, o acesso
a bens e serviços tende a ser comprometido de forma mais generalizada também. Em contexto de desigualdade mais
acentuada, como no caso brasileiro, a localização das famílias tende a ser um dado importante, mesmo no âmbito
municipal, pois entre famílias de baixa renda pode haver diferenças no acesso a bens e serviços públicos de acordo
com a localização do domicílio. As famílias residentes nas áreas urbanas, ou em determinados bairros do município,
tendem a ter mais acesso a bens e serviços mesmo sendo tão pobres quanto outras que residam em áreas onde há
menor disponibilidade destes bens. Isso ocorre porque existe um volume de riquezas circulantes que está distribuído
de forma desigual (ou seja, não é um país pobre de forma generalizada, mas desigual), e mesmo alguns segmentos
dentre os pobres podem usufruir de forma indireta desse desenvolvimento econômico.
Feitas, então, essas diferenciações entre fome, desnutrição, pobreza, desigualdade e insegurança alimentar e
nutricional, cabe analisar as possibilidades e os desafios no uso da Escala de Insegurança Alimentar, como uma
alternativa a todos os indicadores acima descritos. O que de fato este indicador possibilita mensurar? Qual a sua
correlação com os indicadores socioeconômicos que constituem determinantes da insegurança alimentar e
nutricional e vêm sendo utilizados para mensurar a fome? Qual a concepção de SAN que sustenta este indicador,
e como ela se correlaciona com o conceito da II CNSAN?

A Escala de Segurança Alimentar e Nutricional


à Luz do Conceito de SAN
A metodologia desenvolvida e utilizada pela Universidade de Cornell para avaliação da segurança alimentar
em nível familiar foi adaptada e validada, no Brasil, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pelo
Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (UnB), além de outras
instituições (universidades federais da Paraíba e de Mato Grosso e Instituto de Pesquisas da Amazônia), com
apoio técnico e financeiro dos ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e da
Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Este método possibilita o diagnóstico rápido da situação de segurança alimentar familiar, constituindo-se
em uma ferramenta importante para a avaliação de políticas públicas. Consiste em um questionário contendo 15
perguntas que medem níveis diferentes de IA. Classifica-se a IA utilizando-se o somatório do número de respos-
tas afirmativas às questões, resultando em um escore, que categoriza as famílias (Unicamp, 2004).
A Ebia (Segall-Corrêa et al., 2004) classifica os distintos graus de segurança alimentar na família em:
I) Situação de segurança alimentar.
II) Insegurança alimentar leve – receio ou medo de sofrer insegurança alimentar no futuro próximo, reflete
o componente psicológico da insegurança e o problema de qualidade da alimentação da família.
III) Insegurança alimentar moderada – restrição na quantidade de alimentos na família.
IV) Insegurança alimentar grave – fome entre adultos e/ou crianças da família.

O questionário adaptado da Ebia consta de 15 perguntas centrais fechadas, com resposta do tipo sim ou não,
sobre a experiência nos últimos três meses de insuficiência alimentar em seus diversos níveis de intensidade, que vão
da preocupação de que a comida possa acabar até a vivência de passar todo o dia sem comer. Das 15 perguntas, sete
referem-se a membros da família menores de 18 anos.

491
Epidemiologia Nutricional

Cada resposta afirmativa do questionário de IA corresponde a 1 ponto, sendo a pontuação da escala sua soma,
variando em uma amplitude de 0 a 15 pontos:
a) Segurança alimentar = 0.
b) Insegurança alimentar leve = 1-5 pontos em famílias com menores de 18 anos; 1-3 pontos em
famílias apenas com adultos.
c) Insegurança alimentar moderada = 6-10 pontos em famílias com menores de 18 anos; 4-6 pontos
em famílias apenas com adultos.
d) Insegurança alimentar grave = 11-15 pontos em famílias com menores de 18 anos; 6-10 pontos em
famílias apenas com adultos;

Os pontos de corte da IA foram definidos por critério da assinação eqüidistante, isto é, a cada nível corresponde
um mesmo número de pontos: cinco para cada nível nas famílias com menores e três nas famílias sem menores, sendo
que à IA grave correspondem dois pontos, por serem oito as perguntas dirigidas a adultos (Marín-León et al., 2005).
A escala parte do mesmo pressuposto do método utilizado nos Estados Unidos, qual seja, a diferenciação
entre situações de fome que implicam o consumo insuficiente de alimentos, ou seja, não ter o suficiente para se
alimentar ou não ter nada para se alimentar – incluindo a sensação física da fome (identificada pela escala como
grau severo de IA) –, e a IA mais ampla, que pode ser identificada, por exemplo, com o fato de ter de comer as
mesmas coisas durante toda a semana ou de cortar as porções um pouco menores a cada dia, o que envolve
também a ansiedade por ter o alimento suficiente e o fato de o alimento ser adquirido de formas socialmente
aceitáveis. Assim, a escala possibilita diferenciar a IA com fome e sem fome e pressupõe que a mensuração da IA
envolve a avaliação de aspectos quantitativos, qualitativos, psicológicos e sociais (Olson, Frongillo & Kendall, 1994).

Questões sobre a Escala


A concepção que subsidia a escala de SAN refere-se mais à escassez alimentar e menos à segurança alimen-
tar e nutricional de forma mais ampla, tal como proposta pela II CNSAN. Ela acessa, portanto, dimensões
específicas do conceito, particularmente as situações que culminam em problemas de acesso à alimentação: “As
medidas de IA devem ser capazes de refletir os diferentes níveis e possibilidades de acesso aos alimentos” (Unicamp,
2004: 9). Para além da situação de privação alimentar em diferentes graus, medidos pela escala, outra dimensão
do conceito que também está presente é a qualidade da alimentação da família. No entanto, trata-se da concep-
ção de qualidade na percepção da família, que não necessariamente representa a dimensão de qualidade presente
no conceito de SAN, que envolve qualidade nutricional e sanitária.
Em todos os grupos focais que foram operacionalizados para validar a escala no contexto brasileiro, a
questão da segurança alimentar esteve correlacionada a alimentos livres de agrotóxicos e higienicamente seguros
(Unicamp, 2004). No estudo americano, as questões referentes à qualidade estiveram correlacionadas principal-
mente com a monotonia da dieta (Olson, Frongillo & Kendall, 1994).
Ainda que a validação da escala, tanto no Brasil quanto nos EUA, tenha contemplado uma análise da
concepção das famílias sobre o que seria alimento de qualidade ou alimentação saudável, com base em grupos
focais, este tipo de método não possibilita inferir que tal concepção seja representativa de qualquer outra popu-
lação além daquela que participou do processo de validação. Ela serve, no entanto, para garantir que as questões
incluídas no questionário contemplem essas diferentes perspectivas. Isso resultou na necessidade de formular
várias perguntas de modo a garantir informação suficiente para a análise da segurança alimentar, tanto na pers-
pectiva da família quanto na dos indivíduos (Briefel & Sempos, 1992).

492
Segurança alimentar e nutricional

Pode-se considerar que a escala possibilita uma abordagem da segurança alimentar capaz de identificar
situações prévias de privação vividas pelas famílias, antes que se instalem quadros de desnutrição, que já expres-
sam um percurso mais crônico de fome. Permite, assim, identificar diferentes gradientes de IA, recuperando de
certa forma fases de um processo (ou retratos de diferentes fases de um processo vivido pelas famílias), e não
apenas situações estáticas. Nesse sentido, em sua concepção, a escala avança em relação à mensuração da fome
com base em indicadores antropométricos.
No entanto, é sempre importante destacar que se trata da concepção da família do que seja segurança ou
IA, e as perguntas feitas direcionam-se fundamentalmente para problemas de acesso ao alimento ou para dificul-
dades da família em manter um perfil próprio de consumo alimentar impostas por tais problemas. Continua a
pergunta sobre qual seria esse perfil de consumo.

Um Exemplo de Utilização da Ebia: estudo de Campos Elíseos


no município de Duque de Caxias, RJ
Para exemplificar a utilização da Ebia em estudos desenvolvidos no país, recentemente foi realizada uma
pesquisa no segundo distrito do município de Duque de Caxias denominado Campos Elíseos, situado na área
metropolitana do Rio de Janeiro, com o objetivo de avaliar o grau de IA e nutricional na população. Trata-se de
uma amostra representativa de Campos Elíseos (1.085 domicílios), conglomerada em três estágios de seleção,
distribuídos em 75 setores censitários.
Como característica dessa população, destaca-se que, apesar de a maioria das famílias ter acesso às condições
básicas de saneamento, um percentual significativo dos domicílios não se beneficiava da distribuição pública de água
(35,7%) e do consumo de água filtrada (36,4%). É importante ressaltar que o acesso à água constitui um elemento
importante no âmbito da SAN, considerando inclusive que se trata de um alimento. No entanto, os problemas
relacionados ao acesso à água não são necessariamente associados pelas famílias à IA, ou seja, as suas “condições para
comprar, receber ou produzir sua alimentação” e “oferecer uma alimentação saudável, variada e em quantidade
suficiente”, conforme expresso no questionário da Ebia. De modo geral, os domicílios eram compostos por famílias
numerosas, com a escolaridade do chefe da família em sua maioria inferior a oito anos de estudos e com quase a
metade da população estudada composta por indivíduos com cor da pele não-branca (Tabela 1).

Tabela 1 – Prevalências expandidas das características dos domicílios avaliados. Campos Elíseos, Duque de
Caxias, RJ, 2005
Indicadores socioeconômicos % Inter valo de confiança (95%)

Renda familiar mensal per capita em tercis (reais)


0 a 1 3 8 ,0 0 3 3 ,6
1 3 8 ,1 0 a 2 7 0 ,0 0 3 2 ,9
Acima de 270,00 3 3 ,5
Escolaridade do chefe da família
Analfabeto 5 ,8 3,8-7,8
Básico incompleto (< 8 anos) 5 1 ,4 46,1-56,6
Básico completo (8-10 anos) 2 2 ,5 18,1-26,9
Fundamental completo (11-14 anos) 1 9 ,6 15,7-23,4
Universitário (> 15 anos) 0 ,7 - 0,07-1,2

493
Epidemiologia Nutricional

Tabela 1 – Prevalências expandidas das características dos domicílios avaliados. Campos Elíseos, Duque de
Caxias, RJ, 2005 (continuação)
Indicadores socioeconômicos % Inter valo de confiança (95%)

Classificação Abipeme 1

A 0 ,1 - 0,03-0,20
B 6 ,2 3,5-9,0
C 4 4 ,6 38,5-50,7
D 3 8 ,8 32,9-44,8
E 1 0 ,3 6,8-13,3
Saneamento básico
Lixo
Ser viço público 8 9 ,5 84,9-94,1
Outros 1 0 ,5 5,8-15,0
Água
Ser viço público 6 4 ,3 56,1-72,5
Outros 3 5 ,7 27,4-43,9
Presença de filtro
Sim 6 3 ,6 58,5-68,6
Não 3 6 ,4 31,3-41,4
Esgoto
Ser viço público 8 0 ,4 73,9-86,8
Outros 1 9 ,6 13,1-26,0
Número de pessoas por domicílio
1-4 5 5 ,9 51,0-60,9
5-8 4 0 ,2 35,2-45,1
>8 3 ,9 2,1-5,5
Cor da pele 2

Branco 3 0 ,9 26,2-35,5
Não-branco 6 9 ,1 64,4-73,7

1 - Associação Brasileira de Institutos de Mercado; 2 - Avaliação realizada pelos entrevistadores, considerando não-brancos os
indivíduos com cor da pele parda, negra, indígena e amarela.

Aplicando a Ebia nas famílias residentes em Campos Elíseos, foi possível constatar (Figura 1) que mais da
metade apresentou algum grau de IA, principalmente nos domicílios com crianças e adolescentes. Apenas 38,6%
das famílias responderam que não apresentavam IA, ou seja, restrições quanto ao acesso à aquisição e consumo de
alimentos.

494
Segurança alimentar e nutricional

Figura 1 – Prevalências expandidas de Segurança e Insegurança Alimentar (IA) classificadas pela Escala
Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia). Campos Elíseos, Duque de Caixas, RJ, 2005

Fonte: Unicamp (2004).

Comparando-se os resultados encontrados com os dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domi-
cílios (PNAD) de 2004, observou-se que essa população apresenta um grau de segurança alimentar (38,6%)
inferior aos valores encontrados para a área urbana do Brasil (66,7%) e para o Rio de Janeiro (71,7%). Esses
resultados revelam que um percentual elevado de famílias apresenta percepção de fome e privação de alimentos,
apesar de o distrito de Campos Elíseos se localizar muito próximo ao centro da cidade do Rio de Janeiro e ser
considerado um importante pólo de indústrias do estado, que abriga a segunda refinaria do país, a Duque de
Caxias (Reduc). O município de Duque de Caxias ocupa o segundo lugar em arrecadação de ICMS no estado,
perdendo apenas para a capital, de acordo com as informações da Fundação Cide (Cide, 2007).
Para tentar entender os possíveis fatores associados à IA nessa população, avaliou-se a associação entre as
variáveis socioeconômicas utilizadas de acordo com o grau de IA, como apresentado na Tabela 2.

Tabela 2 – Prevalências expandidas do grau de Insegurança alimentar (IA) classificada pela Ebia1 de acordo
com variáveis socioeconômicas. Campos Elíseos, Duque de Caxias, RJ, 2005

Características dos domicílios (n) SAN % IA leve % IA moderada % IA severa % p-valor2


(X2)

Renda familiar mensal per capita em tercis - reais < 0 ,0 0 0 1


(n = 1.065 domicílios)

0 a 1 3 8 ,0 0 2 1 ,1 4 0 ,8 2 4 ,6 1 3 ,5

1 3 8 ,1 0 a 2 7 0 ,0 0 4 7 ,8 3 2 ,6 1 6 ,5 3 ,1

Acima de 270,00 7 0 ,6 2 1 ,5 6 ,2 1 ,7

495
Epidemiologia Nutricional

Tabela 2 – Prevalências expandidas do grau de Insegurança alimentar (IA) classificada pela Ebia1 de acordo
com variáveis socioeconômicas. Campos Elíseos, Duque de Caxias, RJ, 2005 (continuação)
Características dos domicílios (n) SAN % IA leve % IA moderada % IA severa % p-valor2
(X2)

Escolaridade do chefe da família 0 ,0 1


(n = 1.094 pessoas)

Analfabeto 4 2 ,6 2 4 ,9 1 5 ,6 1 6 ,9

Fundamental incompleto 4 0 ,4 3 2 ,8 2 0 ,6 6 ,2

Fund. compl. + Ensino Médio incompleto 5 5 ,8 2 8 ,4 9 ,7 6 ,1

Ensino Médio completo 6 3 ,4 2 9 ,5 6 ,3 0 ,8

Universitário completo 5 0 ,5 4 9 ,5 0 0

Classificação Abipeme 3
< 0 ,0 0 0 1
(n = 805 domicílios)

A 4 5 ,6 5 4 ,4 0 0

B 8 2 ,8 1 6 ,7 0 ,5 0

C 6 2 ,7 2 6 ,8 9 ,0 1 ,5

D 2 9 ,0 3 9 ,3 2 2 ,7 9 ,0

E 3 3 ,8 2 5 ,3 2 4 ,4 1 6 ,5

Saneamento básico
(n = 1.085 domicílios)

Lixo 0 ,6 0

Rede pública 4 7 ,5 3 1 ,5 1 5 ,7 5 ,3

Outro 4 7 ,1 2 8 ,8 1 4 ,6 9 ,5

Água 0 ,7 0

Rede pública 4 9 ,4 3 0 ,4 1 4 ,6 5 ,6

Outro 4 3 ,9 3 2 ,8 1 7 ,5 5 ,8

Esgoto 0 ,2 7

Rede pública 4 9 ,2 3 1 ,2 1 4 ,7 4 ,9

Outro 3 9 ,6 3 1 ,6 1 9 ,5 9 ,3

Presença de filtro 0 ,0 1

Sim 5 2 ,7 2 7 ,5 1 5 ,6 4 ,2

Não 3 6 ,9 3 8 ,5 1 6 ,1 8 ,5

N de pessoas/domicílio
o
< 0 ,0 0 0 1
(n = 1.085 domicílios)

1-4 5 4 ,8 2 6 ,6 1 4 ,7 3 ,9

5-8 2 5 ,9 4 5 ,9 1 8 ,5 9 ,7

>8 2 9 ,2 1 3 ,0 1 5 ,1 4 2 ,7

496
Segurança alimentar e nutricional

Tabela 2 – Prevalências expandidas do grau de Insegurança alimentar (IA) classificada pela Ebia1 de acordo
com variáveis socioeconômicas. Campos Elíseos, Duque de Caxias, RJ, 2005 (continuação)
Características dos domicílios (n) SAN % IA leve % IA moderada % IA severa % p-valor2
(X2)

Cor de pele4 0 ,0 1
(n = 1.257 pessoas)

Branca 4 8 ,3 3 7 ,3 1 1 ,9 2 ,5

Não-branca 4 7 ,5 2 8 ,1 1 7 ,0 7 ,4

1 - Escala Brasileira de Segurança Alimentar; 2 - Comparação entre os níveis de classificação da Ebia; 3 - Associação
Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado; 4 - Avaliação realizada pelos entrevistadores, considerando não-brancos os
indivíduos com cor da pele parda, negra, indígena e amarela.

Com base nesses resultados, observou-se que menor renda familiar per capita, menor escolaridade do chefe
da família, menor aquisição de bens de consumo, maior número de pessoas no domicílio, ausência de filtro e
chefe da família não-branco são fatores associados ao aumento significativo na freqüência de algum grau de IA
(p-valor < 0,05) na família. Esses resultados foram semelhantes aos dados coletados na PNAD 2004, ou seja,
famílias com insegurança alimentar e nutricional apresentam condições insatisfatórias quanto aos indicadores
socioeconômicos. Também no estudo de validação da Ebia foi encontrada uma relação inversa entre IA e o nível
de rendimento monetário das famílias (Unicamp, 2004), e em estudos que utilizaram a escala em meio urbano
também foi encontrada uma associação entre IA e raça/cor, densidade demográfica intradomiciliar, escolaridade
e condições precárias de moradia (Leão, 2005; Panigassi, 2005).
No entanto, cabe considerar que 21,1% das famílias com renda per capita inferior a R$ 138,00 (que
representa menos da metade do salário mínimo atual) apresentam situação de SAN, indicando que outros fato-
res, além da renda, estão contribuindo para a ampliação do acesso à alimentação. Ainda assim, isso não significa
que essas famílias não estejam comprometendo o acesso a outros bens ou serviços essenciais para garantir a
alimentação, situação igualmente indesejável do ponto de vista da SAN entendida de forma mais ampliada.
Por sua vez, aproximadamente 30% das famílias com renda superior a R$ 270,00 (que representa em torno
de 2/3 do salário mínimo atual) também foram classificadas em condição de IA. Esses dados podem indicar uma
situação conjuntural crítica, que compromete a estrutura econômica familiar, bem como a própria utilização da
renda disponível e, conseqüentemente, a aquisição de alimentos, transpondo as famílias para condições de IA
temporária.
Outra questão que deve ser considerada é que a percepção de IA por parte das famílias é relativa, e não
absoluta. Mesmo dispondo de renda acima do último tercil de renda familiar mensal per capita, essas famílias se
consideram em situação de IA. Sua percepção é marcada pelos perfis de acesso e consumo compartilhados no
contexto social em que vivem e também ao longo de sua própria trajetória de vida. Portanto, a concepção atual se
constrói com base em uma comparação com situações distintas previamente experimentadas, quando podem ter
vivenciado condições mais seguras do ponto de vista alimentar do que as atuais, além da própria influência do
perfil de consumo urbano, marcado pelos valores disseminados nos meios de comunicação.
Um resultado importante observado relaciona-se à associação significativa entre cor da pele e IA. Na Tabela
2, é possível constatar que indivíduos com cor da pele branca têm menor probabilidade de serem classificados
com IA, principalmente nos graus moderado e severo. Por sua vez, indivíduos com cor da pele não-branca têm
probabilidade maior de serem classificados nos estágios mais severos de IA.

497
Epidemiologia Nutricional

Raça ou cor da pele tem sido extensivamente utilizada na literatura médica e de saúde pública para medir
as diferenças sociais nos desfechos de saúde, principalmente nas últimas décadas e especialmente nos Estados
Unidos, onde há uma vasta literatura que relaciona raça e disparidades sociais em desfechos de saúde, indicando
que a raça é um importante preditor para a saúde (Travassos & Williams, 2004). Naquele país, negros são tidos,
nos termos da maioria dos indicadores socioeconômicos e de saúde, como pessoas em desvantagem em relação a
brancos. No Brasil, são ainda escassas, porém crescentes, as publicações que avaliam as desigualdades
socioeconômicas que caracterizam as relações raciais e étnicas no país (Coimbra Jr. & Santos, 2000; Olinto &
Olinto, 2000; Telles, 2003), indicando que indivíduos não-brancos, mesmo com alto nível educacional, não
dispõem das mesmas oportunidades de emprego e salários que os brancos. Portanto, as desigualdades não são
determinadas apenas pela educação formal (embora seja um fator importante, como destacado a seguir), mas
também por outros fatores, como, por exemplo, valores e práticas que reforçam os preconceitos raciais nas
relações sociais cotidianas e, conseqüentemente, as dificuldades de acesso a bens e serviços e ao próprio emprego
para indivíduos não-brancos. Os resultados encontrados em Campos Elíseos instigam para o debate na sociedade
sobre as disparidades sociais relacionadas a raça ou cor da pele no nosso país e seus determinantes.
Por fim, não há como deixar de ressaltar a forte associação entre os fatores aqui estudados – por exemplo,
o efeito da renda familiar e da escolaridade do chefe da família na aquisição dos bens de consumo –, avaliada por
meio da classificação da Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (Abipeme). Para que os
resultados encontrados possam contribuir na discussão dos possíveis determinantes da SAN, serão necessárias
novas análises que controlem, ou pelo menos minimizem, o efeito de colinearidade entre essas variáveis, ou seja,
é preciso buscar modelos de análise, como os modelos de equações estruturadas, que estimem exatamente o
quanto cada variável socioeconômica se associa com a SAN, isoladamente e/ou combinadas entre si.
Em síntese, observou-se que a questão da SAN ultrapassa o limite do acesso das famílias a uma alimentação
adequada, tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo, incluindo as condições diferenciadas que apre-
sentam na utilização da própria renda e a relação com cada contexto de vida. Além disso, o quadro de desigual-
dades sociais descrito, que indica a importância de questões relacionadas, por exemplo, a raça/cor, merece ser
considerado de forma mais aprofundada para que seja possível compreender a interação entre os diferentes fato-
res correlacionados com a SAN.

Considerações Finais
A Ebia apresenta uma alternativa às tradicionais formas de mensuração da fome, apoiadas em indicadores
antropométricos de desnutrição em adultos ou na superposição entre indigência (baseada em dados de renda) e
fome. Essa escala reforça a perspectiva processual das múltiplas condições de insegurança às quais as famílias estão
submetidas, permitindo a identificação de diferentes gradientes de severidade nesse quadro.
Um possível limite que vem sendo associado ao método refere-se ao fato de ele captar a situação de IA na
ótica das famílias, ou seja, as questões identificadas referem-se à percepção das famílias sobre seu próprio quadro de
insegurança, não estando baseadas em indicadores ‘objetivos’ como os antropométricos, ou de consumo alimentar.
No entanto, se, por um lado, a Ebia permite conclusões referenciadas, a percepção das famílias, ao basear-
se na concepção que fundamenta esta escala, possibilita também uma abordagem relativa, e não absoluta, da
segurança alimentar. O acesso à alimentação e as decisões em torno da quantidade e da qualidade dos alimentos
que seriam necessárias para estar livre da fome ou da IA são socialmente construídos e vão além da definição
biológica de um mínimo absoluto de sobrevivência. A definição de uma cesta básica alimentar (como a que pauta
o conceito de indigência) é uma arbitrariedade, pois nem mesmo as necessidades biológicas dos indivíduos são as
mesmas, considerando as diferentes características etárias, de sexo, de atividade física, além de outras variáveis.
Mais ainda, há múltiplas necessidades sociais, culturais, psicológicas e simbólicas que condicionam a alimentação

498
Segurança alimentar e nutricional

e se constroem tendo em vista uma referência não absoluta, mas relativa, uma vez que se baseiam na comparação
da quantidade e qualidade de alimentos de que indivíduos e grupos sociais dispõem de acordo com o estilo de
vida compartilhado em cada sociedade. O perfil de consumo alimentar é socialmente compartilhado e, portanto,
o senso de privação e de insegurança está intimamente relacionado a expectativas e a pontos de vista sociais sobre
o que é justo e quem tem direito de desfrutar o que em cada contexto. Em áreas metropolitanas especialmente
marcadas por forte desigualdade social (como no caso aqui analisado), a disponibilidade de determinados ali-
mentos e produtos cria expectativas de consumo que não são acessíveis a todos e podem se expressar em formas
de privação relativa, identificadas pelas famílias como situações de IA. Como os gradientes de privação são
diferenciados, bem como as múltiplas vulnerabilidades, mesmo algumas famílias que em determinado corte
temporal não seriam classificadas como em condição de insegurança podem estar vulneráveis a ela e se ver, em
uma conjuntura subseqüente, submetidas a algum tipo de privação, ainda que temporária.
Acessar a percepção de IA pode ser um avanço, na medida em que permite uma aproximação com a
subjetividade e, portanto, com a relatividade da situação vivida por cada família, de modo a enriquecer a análise
de variáveis objetivas ou diferenciações mais estanques que classificam os grupos com base apenas na distinção
entre os que passam e os que não passam por privação.
Foi possível perceber que as condições socioeconômicas são fatores que se correlacionam fortemente com a
IA avaliada com base na Ebia. As variáveis utilizadas corroboram a hipótese de que para erradicar a fome e a
pobreza é primordial o investimento em uma distribuição mais eqüitativa da renda, do trabalho e do acesso a
bens e serviços públicos.
Enfim, a utilização da Ebia como instrumento que enriquece a compreensão sobre a fome e o acesso aos
alimentos, aliada a outros tipos de análises, tende a contribuir no planejamento de políticas públicas para o
combate à IA.

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499
Epidemiologia Nutricional

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500
Segurança alimentar e nutricional

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501
29
Alimentação e Nutrição dos Povos Indígenas no Brasil

Maurício Soares Leite, Ricardo Ventura Santos,


Carlos Everaldo Álvares Coimbra Jr. e Silvia Ângela Gugelmin

A ntes de qualquer discussão sobre o perfil nutricional dos povos indígenas, é importante enfatizar a
considerável sociodiversidade envolvida. No Brasil, são mais de duzentas etnias, que somam uma população
estimada de 450.000-600.000 pessoas, a depender da fonte, e falam aproximadamente 170 línguas diferentes.
As 611 terras indígenas ocupam 15% do território nacional (Figura 1). Assim, estamos lidando com povos
socioculturalmente diferenciados em relação à sociedade envolvente e também entre si, com cosmologias, lín-
guas, formas de subsistência, organização social e sistemas políticos próprios. Em contraste com essa diversidade,
os indígenas constituem menos de 1% do contingente populacional total do país, embora se encontrem em
franco crescimento demográfico (IBGE, 2005; Pagliaro, Azevedo & Santos, 2005; Ricardo & Ricardo, 2006).
No passado, os povos indígenas que hoje habitam o que é o território brasileiro dependiam, em menor ou
maior grau, da agricultura, caça, pesca e colheita para a obtenção de alimentos. A interação com as frentes de
expansão, ocasionando a instalação de novos regimes econômicos e a diminuição dos territórios, entre outros
fatores, levou a drásticas alterações em seus sistemas de subsistência. Além das etnias com parcelas expressivas de
suas populações vivendo em áreas urbanas, portanto não mais produzindo diretamente os alimentos consumi-
dos, há atualmente outras habitando áreas nas quais as pressões populacionais, aliadas a ambientes degradados,
comprometem a manutenção da segurança alimentar. Há significativas diferenças na extensão das terras indíge-
nas, em geral com aquelas localizadas em áreas de mais antiga colonização (como no Nordeste, Sudeste e Sul)
bastante reduzidas em tamanho (Figura 1). Há de se mencionar também a utilização da mão-de-obra indígena
em muitas regiões, como no corte manual da cana-de-açúcar no Sudeste ou na extração de borracha nativa na
Amazônia, em troca de remunerações que não garantem a aquisição de alimentos em quantidade e qualidade
satisfatórias. Assim, além da sociodiversidade, a compreensão da dimensão alimentar e nutricional dos povos indí-
genas precisa levar em consideração o padrão de intensa transformação cultural, social e econômica em curso.

503
Epidemiologia Nutricional

Figura 1 – Distribuição das terras indígenas no Brasil

Fontes de Dados e Aspectos Metodológicos


O conhecimento das condições de alimentação e nutrição do conjunto dos povos indígenas esbarra em
uma série de obstáculos. Um dos principais é o ainda incipiente sistema de coleta de dados em saúde responsável
por essa parcela da população brasileira. A escassez de dados não se limita às dimensões alimentar e nutricional,
e resulta naquela que já foi descrita como uma “danosa invisibilidade demográfica e epidemiológica” (Coimbra
Jr. & Santos, 2000: 131), que acaba por comprometer o planejamento, a execução e a avaliação das ações em
saúde entre as sociedades indígenas. Garnelo, Macedo e Brandão (2003) e Santos e Coimbra Jr. (2003) chamam
a atenção para o fato de que mesmo os mais básicos indicadores demográficos, como taxas de mortalidade
infantil, esperança de vida ao nascer e principais causas de morbidade e mortalidade, não estão disponíveis, de
maneira fidedigna, nas bases de dados oficiais. Soma-se a isso o fato de que apenas a partir do Censo Populacional
de 1991 foi incluída a categoria “indígena”, mas ainda assim sem especificação da etnia do entrevistado.
O resultado é que mesmo as grandes bases de dados demográficos apresentam limitações para a realização de
análises mais detalhadas sobre as condições de vida e saúde dos povos indígenas (Garnelo, Macedo & Brandão,
2003; IBGE, 2005; Pagliaro, Azevedo & Santos, 2005; Santos & Coimbra Jr., 2003).
Em 2000, um ano depois de assumir a responsabilidade pelas ações em saúde entre os povos indígenas, a
Fundação Nacional de Saúde (Funasa) iniciou a estruturação do Sistema de Informação da Atenção à Saúde
Indígena (Siasi), que proveria sistematicamente informações sobre saúde indígena. No entanto, seis anos depois,
o sistema funciona apenas parcialmente, com sérios problemas de cobertura e qualidade das informações (Sousa,
Scatena & Santos, 2007). Mais recentemente, a Funasa deu início à implantação de um Sistema de Vigilância

504
Alimentação e nutrição dos povos indígenas no Brasil

Alimentar e Nutricional (Sisvan). Até o momento não há, contudo, uma avaliação da cobertura do sistema, da
qualidade ou da representatividade dos dados por ele reunidos.
Além dos problemas relativos à coleta sistemática de dados entre essas populações, chama a atenção a
inexistência de inquéritos abrangentes, que possam descrever o perfil nutricional. Exceções a este quadro
correspondem à elaboração do I e do II Mapas da Fome em Terras Indígenas (Verdun, 1994; Inesc/Peti-MN/
Anaí-BA, 1995), que buscaram identificar a ocorrência de problemas nutricionais entre os povos indígenas do
país e alguns de seus determinantes. No entanto, os estudos basearam-se na coleta de informações por meio de
questionários enviados às comunidades, não envolvendo inquéritos nutricionais propriamente ditos. A despeito das
limitações, ambos os levantamentos revelaram um quadro caracterizado pela precariedade, no qual dificuldades na
obtenção de alimentos eram enfrentadas por grande parte das populações descritas. Entre as causas do problema, a
escassez de terras e o aumento da pressão sobre os recursos naturais configuravam-se como primordiais.
Outrossim, contamos com os resultados das pesquisas realizadas em diversas comunidades indígenas. Essas
pesquisas são, em sua maioria, estudos de caso, ou seja, trabalhos realizados com uma única ou poucas comuni-
dades, geralmente durante curtos períodos. Embora possam sugerir a existência de tendências ou padrões
epidemiológicos específicos, são limitadas as possibilidades de generalização. Quaisquer extrapolações para ou-
tros grupos devem, portanto, ser vistas com extrema cautela, diante não apenas do grande número de etnias
indígenas, mas também do elevado grau de diversidade que apresentam. Considerando-se ainda o papel dos
contextos locais na determinação dos perfis de saúde e nutrição e a notável heterogeneidade que daí resulta –
mesmo quando se avaliam subgrupos de uma mesma etnia –, compreende-se por que ainda hoje não é possível
traçar um panorama satisfatório das condições nutricionais do conjunto dos povos indígenas.
Quando se examina a literatura existente sobre o assunto, revela-se, portanto, um contraste marcante entre
o número de sociedades indígenas existentes no país e a pequena quantidade de estudos realizados. A década de
1990, contudo, caracterizou-se por um incremento significativo no número de estudos que visavam à descrição
do estado nutricional propriamente dito, de modo geral por meio da antropometria. Até então, apenas uma
pequena parte das pesquisas que envolviam a análise de dados antropométricos entre populações indígenas tinha
na caracterização do perfil nutricional seu objetivo principal (Santos, 1993).
Em um esforço de consolidação dos dados disponíveis, no início da década de 1990 foram feitas as primei-
ras revisões da literatura, com enfoques distintos. Dufour (1991, 1992) sumariza os dados disponíveis sobre
alimentação e nutrição de populações indígenas amazônicas, o que incluiu dados antropométricos e a descrição
geral de suas dietas e, para alguns grupos, a adequação em termos calóricos e de nutrientes. Santos (1993) aborda
a literatura sobre crescimento físico de crianças indígenas no Brasil, discutindo, entre outros aspectos, o impacto
nutricional dos processos de mudanças socioeconômicas decorrentes do contato com não-índios e as possibilidades
de interpretação dos dados antropométricos.
Em termos metodológicos, os estudos disponíveis à época foram descritos como numericamente reduzi-
dos, referindo-se essencialmente a grupos amazônicos, incluindo crianças e adultos e baseando-se em inquéritos
transversais e na análise de medidas de peso, estatura, perímetro braquial e dobras cutâneas (Santos, 1993). Essa
descrição ainda é, de modo geral, válida, embora desde então tenham se multiplicado os estudos sobre alimenta-
ção e nutrição entre populações indígenas no país. Os estudos mais recentes ainda se caracterizam por seu caráter
transversal e, embora em alguns casos incluam outros métodos de avaliação nutricional, como a impedância
bioelétrica (Hurtado-Guerrero et al., 2003; Fagundes et al., 2004; Lourenço, 2006) e a análise do consumo
alimentar (Ribas et al., 2001; Lima, 2004; Schweighofer, 2006), a antropometria é o método adotado na maior
parte deles. O conceito de segurança alimentar avaliada com base em escores vem sendo também utilizado em
alguns estudos (Schweighofer, 2006). Uma mudança significativa diz respeito à ampliação das pesquisas para
outras regiões além da Amazônia (Cardoso et al., 2003; Ribas & Philippi, 2003; Menegolla et al., 2006;
Meyerfreund, 2006; Pícoli, Carandina & Ribas, 2006) e à diversificação das faixas etárias avaliadas, em alguns

505
Epidemiologia Nutricional

casos incluindo adolescentes e idosos como segmentos específicos de análise (Capelli & Koifman, 2001; Hurtado-
Guerrero et al., 2003; Leite et al., 2006; Lourenço, 2006).
Um problema registrado nas revisões da década de 1990 dizia respeito à dificuldade de determinar a
comparabilidade dos resultados devido à heterogeneidade das formas de apresentação (Santos, 1993). Variavam,
entre outros aspectos, as formas de apresentação dos dados, as populações-referência e os pontos de corte adotados
para o diagnóstico nutricional. Nesse aspecto, houve um progresso significativo: a maior parte dos estudos desen-
volvidos após meados da década de 1990 tem se baseado, para fins de avaliação nutricional, na população-
referência e nos pontos de corte recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (WHO, 1995).
Algumas publicações, como Fagundes et al. (2004), Lima (2004) e Menegolla et al. (2006), já fazem uso das
curvas propostas pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (Kuczmarski et al., 2000), e é provável
que um número crescente de estudos passe a utilizar as novas curvas de crescimento divulgadas pela OMS
(WHO, 2006), o que pode em alguma medida afetar a comparabilidade dos dados disponíveis (ver capítulo 3,
“Referências antropométricas”). Nos estudos mais recentes, ainda variam significativamente as faixas etárias sob
análise, além do detalhamento dos resultados observados. Portanto, as dificuldades relativas à comparabilidade
dos resultados ainda não foram de todo superadas.

Perfil Nutricional dos Povos Indígenas


Embora persista uma relativa escassez de dados, os estudos mais recentes sobre a situação nutricional
confirmam, em linhas gerais, o quadro que se delineava no início da década de 1990 (Santos, 1993). Ao mesmo
tempo, porém, os trabalhos reafirmam a heterogeneidade e a importância dos contextos locais na determinação
dos perfis nutricionais. Ainda hoje observam-se altas prevalências de desnutrição infantil. No segmento adulto,
por sua vez, parece estar em curso uma mudança importante do perfil nutricional, com o surgimento de casos de
sobrepeso e obesidade, por vezes em números significativos.
Por si só, esta breve descrição já permite supor a complexidade do perfil nutricional que buscamos delinear
aqui. Por outro lado, ela corresponde a uma simplificação da real diversidade de situações registradas pelos
estudos. Observam-se grandes variações na importância relativa de cada problema de uma comunidade para
outra, situação descrita nas próximas seções.

Crianças e Adolescentes
No que se refere ao perfil nutricional de crianças, as primeiras revisões evidenciavam crianças com peso e
estatura mais baixos que os de crianças não-indígenas da mesma idade, embora mantendo uma relativa adequa-
ção de suas proporções corporais, quando avaliadas por meio do índice peso/estatura. Santos (1993) chamou a
atenção para o fato de que, adotados os critérios diagnósticos recomendados pela OMS (WHO, 1995), as
prevalências de desnutrição encontradas superavam mesmo aquelas encontradas nas regiões Norte e Nordeste do
país. Sinais clínicos de desnutrição seriam, ainda, encontrados em alguns estudos (Dufour, 1991).
As investigações ainda hoje revelam prevalências moderadas ou elevadas de desnutrição infantil, por vezes
superiores àquelas registradas nas camadas mais pobres da população brasileira (Coimbra Jr. & Santos, 1991;
Escobar, Santos & Coimbra Jr., 2003; Ribas & Philippi, 2003; Leite et al., 2003, 2006; Menegolla et al., 2006;
Orellana et al., 2006). A Tabela 1 apresenta as prevalências de baixo peso e baixa estatura para a idade identificadas
em estudos publicados a partir da década de 1990. A título de exemplo, quando adotados os critérios diagnósticos
recomendados pela OMS (WHO, 1995), entre os menores de 5 anos os déficits de estatura podem variar de 10%
(Capelli & Koifman, 2001) a mais de 50% (Martins & Menezes, 1994; Leite, 2007). Entre os menores de cinco
anos, considerando-se que os inquéritos de âmbito nacional mais recentes revelam prevalências médias de baixa

506
Alimentação e nutrição dos povos indígenas no Brasil

estatura e de baixo peso para a idade da ordem de 10,5% (Bemfam/DHS, 1997) e 4,6% (IBGE, 2005), respec-
tivamente, o registro de déficits estaturais e ponderais da ordem de 50% e 60% evidenciam a gravidade do
quadro. Se em alguns estudos as prevalências assemelham-se às médias nacionais e/ou regionais, na maior parte
dos casos elas são mais elevadas.
Em várias comunidades investigadas, os déficits em estatura e peso registrados entre crianças indígenas
podem refletir condições de alimentação e nutrição amplamente desfavoráveis. Embora haja autores que sugerem
que as crianças indígenas poderiam apresentar potenciais de crescimento distintos, de modo que as curvas inter-
nacionais não sejam adequadas (ver discussão em Santos, 1993), há fartas indicações de que as alterações
antropométricas encontradas refletem em larga medida condições de vida precárias, nas quais prevalecem proble-
mas de ordem nutricional. O Ministério da Saúde declarava, em 2003: “os dados disponíveis indicam, em
diversas situações, taxas de morbidade e mortalidade três a quatro vezes maiores que aquelas encontradas na
população brasileira geral” (Funasa, 2002: 10). Além disso, no perfil de morbidade dessas comunidades predo-
minam as doenças infecciosas e parasitárias (Funasa, 2003), o que pode comprometer de modo importante o
estado nutricional (Santos & Coimbra Jr., 2003).
O sobrepeso e a obesidade em crianças indígenas, por outro lado, ainda parecem problemas distantes, mas
devem ser monitorados, particularmente naquelas comunidades em que há casos diagnosticados entre os adultos
ou já entre os adolescentes. Há registros de sobrepeso infantil em alguns estudos (Capelli & Koifman, 2001;
Ribas et al., 2001; Lima, 2004; Menegolla et al., 2006; Orellana et al., 2006).
Se há um número expressivo de estudos sobre crianças indígenas, o estado nutricional de adolescentes tem
sido avaliado em um número muito restrito de investigações (Capelli & Koifman, 2001; Gugelmin, 2001; Leite
et al., 2003, 2006; Lima, 2004), o que limita sobremaneira as análises comparativas. Tal como veremos no caso
dos adultos, o sobrepeso é uma questão que tem sido destacada em alguns trabalhos, notando-se, contudo, muita
variação. Assim, entre os Xavánte, o sobrepeso atinge 27,5% dos indivíduos entre 10 e 17 anos (Leite et al.,
2006); entre os Baré, 7,1% (Lima, 2004).

Tabela 1 – Freqüência de baixa estatura e baixo peso para a idade (< - 2 escores z das medianas da população-
referência do National Center of Health and Statistics (NCHS) em crianças indígenas menores de 5 anos, repor-
tadas em estudos selecionados
Fonte Etnia (localização) Ano de coleta Percentual de déficit
Peso/idade Estatura/idade
Martins & Menezes (1994) Parakanã (PA) 1991 1 0 ,1 5 0 ,6

Capelli & Koifman (2001) Parakatejê (PA) 1994 - 1 0 ,0

Ribas et al. (2001) Teréna (MS) 1999 8 ,0 1 6 ,0

Alves, Morais & Fagundes-Filho (2002) Teréna (MS) 1996 5 ,5 2 0 ,7

Morais et al. (2003) Alto Xingu (MT) 1992 5 ,0 2 0 ,4

Weiss (2003) Enawenê-Nawê (MT) 1990 5 0 ,0 1 7 ,8

Leite (2007) Pakaanóva-Warí (RO) 2003 5 2 ,5 6 2 ,7

Leite et al. (2006) Xavánte (MT) 1997 1 7 ,2 3 1 ,7

Pícoli, Carandina & Ribas (2006) Guaraní (MS) 2003 1 8 ,2 3 4 ,1

Schweighofer (2006) Teréna (MS) 2004 5 ,9 1 1 ,8

Orellana et al. (2006) Suruí (RO) 2005 1 2 ,4 3 1 ,4

507
Epidemiologia Nutricional

Adultos
O que desponta na literatura produzida sobre a situação nutricional de adultos indígenas em anos recentes é o
aumento dos casos de obesidade e de doenças associadas, como hipertensão arterial, diabetes mellitus e dislipidemias
(Vieira Filho, Russo & Novo, 1983; Fleming-Moran et al., 1991; Santos & Coimbra Jr., 1996; Cardoso et al., 2001;
Gugelmin & Santos, 2001; Lima et al., 2001; Leite et al., 2003; Lourenço, 2006; Meyerfreund, 2006). Este cenário
tem sido interpretado como resultante de transformações socioeconômicas que vêm tendo lugar entre essas sociedades.
Em parte, tais achados podem ser atribuídos à associação entre as modificações por que passam as dietas
tradicionalmente consumidas e aquelas referentes aos padrões de atividade física. No tocante à alimentação, as
mudanças observadas indicam a redução do consumo de alimentos tradicionais, em favor do consumo de ali-
mentos industrializados e mesmo de cultivos introduzidos. Por outro lado, parecem se alterar também os padrões
tradicionais de atividade física, como decorrência de alterações importantes nas estratégias de subsistência e nos
padrões de assentamento. Uma fração ainda mais reduzida das análises aborda esse tipo de aspecto (Santos &
Coimbra Jr., 1996; Gugelmin & Santos, 2001). De modo geral, os dados indicam uma redução nos níveis de
atividade física, devida, em parte, a um maior engajamento em novas formas de trabalho remunerado que requerem
níveis de atividade menos intensos do que aqueles necessários às estratégias de subsistência anteriormente praticadas.

Tabela 2 – Freqüência de sobrepeso e obesidade (IMC > 25 kg/m2) em adultos indígenas, reportada em
estudos selecionados
Faixa etária Sobrepeso
Fonte Etnia Ano de coleta Sexo Obesidade (%)
( a n o s) (% )
M 2 3 ,7 1 ,7
Capelli & Koifman (2001) Parakatejê (PA) 1994 ≥ 20
F 5 0 ,0 1 2 ,5

Xavánte (MT) M 4 1 ,6 2 4 ,6
Aldeia São José F 4 9 ,2 4 1 ,3
Gugelmin & Santos (2001) 1994 e 1998 24-64
Xavánte (MT) M 4 7 ,5 2 ,5
Aldeia Etéñitépa F 4 2 ,8 4 ,8

M 7 ,1 2 ,4
15-29
F 1 8 ,8 6 ,2
M 3 8 ,9 1 1 ,1
Cardoso et al. (2001) Guaraní-Mbya (RJ) 1999 30-49
F 4 6 ,2 0 ,0
M 1 1 ,8 0 ,0
≥ 50
F 3 3 ,4 8 ,3

Pakaanóva-Warí M 1 2 ,5 2 ,0
Leite (2007) 2002 ≥ 20
(RO ) F 1 ,8 0 ,0

M 5 0 ,5 1 1 ,9
20-49
F 3 4 ,0 2 4 ,5
Lourenço (2006) Suruí (RO) 2004
M 1 2 ,5 0 ,0
≥ 50
F 3 8 ,1 9 ,5

M 4 2 ,7 1 1 ,6
20-59
F 4 1 ,5 1 8 ,7
S aad ( 2 0 0 5 ) Teréna (MS) 2003
M 1 9 ,1 1 4 ,3
≥ 60
F 8 ,7 3 9 ,1

508
Alimentação e nutrição dos povos indígenas no Brasil

A obesidade, embora de magnitude desconhecida no conjunto da população indígena, alcança prevalências


preocupantes em comunidades específicas. Exemplos podem ser observados na Tabela 2, em que a proporção de
adultos com Índice de Massa Corporal (IMC) > 25 kg/m2 supera os 50% em determinadas faixas etárias (Capelli
& Koifman, 2001; Cardoso et al., 2001; Gugelmin & Santos, 2001; Lourenço, 2006; Saad, 2005), embora por
vezes não alcance prevalências significativas (Leite, 2007). Gugelmin e Santos (2001) diagnosticaram como
obesos 39,6% dos adultos Xavánte entre 24 e 64 anos de idade. Embora poucos estudos analisem a situação dos
adolescentes indígenas, há indícios de que o ganho de peso inicia-se ainda nesse grupo de idade (Gugelmin,
2001; Lima, 2004; Leite et al., 2006).
Esses achados assumem um significado especial, por refletirem uma gradual e importante mudança no
perfil epidemiológico dessas populações, em que as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) começam a
assumir um papel expressivo. Elas são consideradas um grave problema entre as populações indígenas de outras
partes das Américas (Young, 1994). Há que se considerar, ainda, os estudos que atestam a associação entre a
desnutrição na infância e a obesidade e desordens associadas na idade adulta (Barker, 2000).

Dieta e Diversidade Alimentar


No que se refere à dieta, há menos informações que aquelas relativas ao perfil nutricional. Quanto a este
aspecto, não mudou significativamente o panorama observado no início da década de 90. A revisão de Dufour
(1991) inclui poucos estudos realizados no Brasil, o que resulta em um quadro bastante fragmentado, em especial
quando as análises avaliam a adequação da dieta. Apesar disso, a autora atesta uma ingestão geralmente adequada,
em termos protéicos e calóricos, entre os adultos. A situação seria menos favorável para as crianças, devido à baixa
densidade nutricional dos alimentos.
Uma descrição, ainda que geral, das dietas dos povos indígenas exige que se façam algumas ressalvas. Há
uma tal diversidade, que quaisquer generalizações resultam problemáticas. Por exemplo, há os diferentes ecossistemas
ocupados pelos povos indígenas, que incluem ambientes tão distintos como áreas de floresta de terra firme e de
várzea nos estados amazônicos, extensas áreas de cerrado em Roraima e na região Centro-Oeste, de caatinga no
Semi-Árido nordestino, de mata atlântica nas regiões litorâneas, e assim por diante (para não mencionar as
populações localizadas em ambientes urbanos em todo o país). A imensa diversidade cultural dos povos indígenas
exerce papel importante também nesse contexto, na medida em que multiplica as possibilidades apresentadas
pelos contextos ambientais, fundiários e socioeconômicos em que se inserem. Algumas das formas contemporâ-
neas de obtenção de alimentos remontam a momentos anteriores ao contato com não-índios. A maior parte dos
povos indígenas praticava a agricultura, combinada com a coleta de produtos silvestres e com a caça e/ou a pesca.
De modo geral, essas atividades hoje incluem novos elementos, como equipamentos, cultivos, técnicas e mesmo
objetivos, já que agora, em alguns casos, incluem a comercialização da produção. No presente, a agropecuária é
amplamente praticada por diversos povos, como o são a exploração da madeira, as atividades de mineração, a
piscicultura, entre outras. Portanto, os povos indígenas têm uma inserção em uma economia de mercado já, em
menor ou maior grau, globalizada.
A questão do acesso aos alimentos entre populações indígenas não pode, contudo, se limitar à discussão das
formas pelas quais são produzidos pelas próprias comunidades, devendo obrigatoriamente estender-se a outras
formas de obtê-los. A aquisição comercial é uma realidade para a maioria desses povos. O acesso aos recursos
monetários que isso exige, por sua vez, inclui o comércio com não-índios, o trabalho remunerado, o recebimento
de benefícios sociais (por exemplo, aposentadorias e programas de redistribuição de renda, como o Bolsa Família)
e, em alguns casos, a exploração madeireira e mineral. Além disso, não pode ser desconsiderado o acesso a
alimentos por intermédio da alimentação escolar e, ainda, de programas de cunho emergencial, como a distribui-
ção de cestas básicas, que hoje se estende a um número significativo de comunidades indígenas.

509
Epidemiologia Nutricional

De modo geral, os estudos que abordam a questão nutricional mencionam aspectos da dieta dos grupos
avaliados, mas usualmente se limitam a descrições pouco detalhadas, se considerada a perspectiva das pesquisas
nutricionais. É restrito o número de trabalhos cujas análises investigam sistematicamente o consumo de alimentos.
Em termos metodológicos, observa-se uma significativa diversidade: são utilizadas técnicas como o recordatório
de 24 horas (Ribas et al., 2001; Ribas & Philippi, 2003; Lima, 2004; Schweighofer, 2006) ou referentes a
períodos maiores (Schuch, 2001), observação direta, incluindo ou não pesagens de alimentos (Santos et al.,
1997; Forline, 1997; Leite, 2007), e questionários de freqüência alimentar (Lima et al., 2001; Lima, 2004).
Variam, além disso, as perspectivas nas quais as análises das dietas se inserem. Algumas enfocam mais diretamente
a avaliação da adequação da dieta ou de suas relações com perfil de saúde (Lima et al., 2001; Ribas et al., 2001;
Ribas & Philippi, 2003; Lima, 2004; Schweighofer, 2006), ao passo que outras se voltam para um diálogo com
a ecologia humana e a etnologia na discussão dos processos de mudanças socioeconômicas e culturais (Santos et al.,
1997; Forline, 1997; Leite, 2007).
De modo semelhante ao observado entre populações nativas de outras partes do mundo (Wirsing, 1985),
são múltiplos os relatos de redução da diversidade alimentar rumo a uma dieta rica em carboidratos, gorduras e
sódio e pobre em proteínas, principalmente as de origem animal, fibras e micronutrientes (Cardoso et al., 2001;
Santos et al., 1997; Vieira Filho et al., 1997). Chama a atenção o registro, entre os Xavánte, de casos de beribéri
concomitantemente à descrição de uma dieta monótona e quase exclusivamente limitada ao consumo de arroz
polido (Vieira Filho et al., 1997).
Os estudos mais recentes delineiam, assim, um panorama de modo geral menos favorável que aquele
descrito no início da década de 90 (Dufour, 1991). Entre os Teréna, os estudos sugerem uma ampla inadequação
da dieta, sobretudo em relação a calorias, proteínas e micronutrientes (Ribas et al., 2001; Ribas & Philippi, 2003;
Schweighofer, 2006). Perfil semelhante é registrado por Schuch (2001) entre os Kaingáng, em que mais de 90%
das famílias não atingiam 80% de adequação da ingestão de cálcio e vitamina A. Como era de esperar, contudo,
o quadro não é homogêneo: entre os Guajá, no Maranhão, Forline (1997) encontra uma realidade distinta, em
que tanto o aporte calórico como o protéico superam as necessidades nutricionais de crianças, adolescentes e
adultos.

Deficiência de Micronutrientes
Apesar das evidências de inadequação das dietas no caso de muitos povos indígenas, em particular aqueles
experimentando rápidos processos de mudanças, os estudos sobre deficiências de micronutrientes praticamente
limitam-se à investigação da anemia. Não há levantamentos abrangentes para o conjunto das populações indíge-
nas do país, mas os inquéritos já realizados revelam prevalências alarmantes. Embora o problema não atinja
exclusivamente as crianças, é particularmente importante nesta faixa etária.
As crianças mais novas são geralmente mais afetadas: entre os Xavánte, 74% das crianças menores de 10
anos tiveram anemia diagnosticada, percentual que se elevava a 97% entre os 6 e 24 meses (Leite et al., 2003).
Nesta mesma faixa etária, 82% das crianças Guaraní (Serafim, 1997), 86% das Teréna (Morais, Alves & Fagundes
Neto, 2005) e 92% das Suruí encontravam-se anêmicas (Orellana et al., 2006).
Em pesquisa que abordou a anemia em adolescentes Xavánte, Leite e colaboradores (2003) observaram
que esta atinge sobremaneira o sexo feminino, e em especial as mais jovens: entre 10 e 14 anos, 87,5% das
adolescentes encontravam-se anêmicas, em comparação a 50% dos rapazes. Dos 15 aos 19 anos nenhum rapaz
teve diagnóstico de anemia, ao passo que 44,4% das adolescentes eram anêmicas (Leite et al., 2003).
Entre os adultos, o problema parece atingir especialmente as mulheres em idade reprodutiva. As maiores
necessidades nutricionais nessa faixa de idade colocam esse grupo populacional sob maior risco para o desenvol-
vimento da anemia. Inquérito realizado entre os Xavánte não identificou nenhum caso entre os homens com

510
Alimentação e nutrição dos povos indígenas no Brasil

idades entre 15 e 40 anos, ao passo que, na mesma faixa etária, quase um terço das mulheres examinadas (29,4%)
tiveram anemia diagnosticada (Leite et al., 2003). Em alguns estudos os idosos apresentam prevalências expressi-
vas (Hurtado-Guerrero et al., 2003), embora em outros não sejam particularmente atingidos (Leite et al. 2003).
De todo modo, devem ser vistos com atenção, por constituírem um grupo etário potencialmente vulnerável à
desnutrição energético-protéica, à anemia ferropriva e, naquelas populações em que a obesidade já constitui um
problema, também à sua ocorrência.
As condições de vida descritas pelos estudos que incluíram a anemia em suas análises revelam uma etiologia
multicausal, em que interagem as deficiências nutricionais e as doenças infecciosas e parasitárias. Em algumas
comunidades, a malária pode ser um fator preponderante. As elevadas prevalências registradas entre os menores
de 2 anos e entre as mulheres em idade reprodutiva chamam ainda a atenção para o fato de que em muitos casos
as mulheres iniciam suas gestações já anêmicas ou com baixas reservas de ferro (Leite et al., 2003).
No que se refere a outros micronutrientes, chama a atenção a ausência de estudos sobre a hipovitaminose A
entre sociedades indígenas, considerando-se a existência de etnias situadas em áreas consideradas endêmicas para
a carência (Santos & Coimbra Jr., 2003).

Tendências do Perfil Nutricional Indígena


Diante da escassez de dados epidemiológicos para os povos indígenas, não é possível descrever, de modo
semelhante ao que tem sido feito para a população não indígena, uma trajetória de suas condições nutricionais.
Os inquéritos de abrangência nacional – o Estudo Nacional de Despesas Familiares (Endef ) realizado em 1974-
1975; a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN) desenvolvida em 1989; a Pesquisa Nacional de
Demografia e Saúde (PNDS) que aconteceu em 1996 e a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) executada em
2002-2003 – vêm registrando, ao longo das últimas décadas, importante diminuição das prevalências de desnu-
trição infantil em todo o país (para análises mais detalhadas, ver Monteiro, 2000 e Monteiro, Conde & Konno,
2005). Em contrapartida, entre os adultos as prevalências de obesidade têm aumentado consistentemente (Kac
& Velásquez-Meléndez, 2003; Monteiro, Conde & Konno, 2005).
Há um pequeno conjunto de estudos que analisaram a situação nutricional de uma mesma comunidade
indígena em diferentes ocasiões. Esses estudos têm revelado, em alguns casos, importantes mudanças, embora
não seja possível extrapolar os resultados para o universo das sociedades indígenas do país. Morais e colaboradores
(2003) registram, entre crianças do Alto Xingu, em Mato Grosso, o agravamento das condições nutricionais,
segundo o índice estatura/idade, entre os anos de 1982 e 1990. Entre os 12 e os 59 meses, a prevalência de baixa
estatura dobrou no período (de 10% para 22%). Em crianças Teréna, do Mato Grosso do Sul, avaliadas em 1995
e 2002, observou-se uma melhora de alguns indicadores, com um aumento nas medianas dos índices peso/idade
peso/estatura nos menores de 24 meses e nos índices peso/estatura e estatura/idade nas crianças entre 24 e 59
meses (Morais, Alves & Fagundes Neto, 2005). Baruzzi e colaboradores (2001) registraram melhora significativa
na magnitude das prevalências de anemia em crianças Panará (Mato Grosso) entre 6 e 59 meses de idade avaliadas
em 1978 e em 1998 (de 68% para 48%).
Em estudo recente sobre os Suruí de Rondônia, Orellana e colaboradores (2006) registraram uma redução
significativa dos déficits de estatura entre os menores de 9 anos (de 46,3% para 26,7%), entre 1987 e 2005. No
entanto, o mesmo estudo assinala a persistência de elevadas prevalências de anemia. Concomitantemente, registram
o surgimento de casos de sobrepeso entre os menores de 10 anos (3,9%), diagnóstico ausente no primeiro inquérito.
Situando os dados na trajetória histórica do grupo, os autores chamam a atenção para mudanças importantes na
realidade suruí. A década de 1980 é caracterizada como um período crítico, em que o envolvimento do grupo com
a economia regional resultou no comprometimento das atividades de subsistência e em uma crise na produção de
alimentos. Para os últimos anos, por outro lado, os autores registram novas oportunidades de acesso à renda, como

511
Epidemiologia Nutricional

o trabalho remunerado como agentes de saúde e professores, e ainda o recebimento de aposentadorias, o que
possibilita a aquisição comercial de alimentos. Além disso, assinalam a ampliação do acesso aos serviços de saúde,
o que pode também haver contribuído para a mudança do perfil.
Entre os adultos, um caso especialmente bem documentado de alterações nutricionais ao longo do tempo
diz respeito aos Xavánte, de Mato Grosso. A comparação entre dados antropométricos da década de 1970 e de
1998 revelou uma mudança drástica do perfil de nutrição, com aumento marcante dos valores de peso tanto
entre os homens como entre as mulheres, mudança que se reflete no surgimento de casos de hipertensão arterial
e diabetes mellitus não insulinodependente (Coimbra Jr., Flowers & Salzano, 2002; Gugelmin & Santos, 2001).
Uma nuance importante diz respeito ao fato de que duas comunidades com diferentes trajetórias de interação
com não-índios foram avaliadas, e apresentaram resultados bastante distintos. Em um intervalo de cerca de trinta
anos, as médias de estatura se mantiveram inalteradas em ambas; as médias de peso, contudo, passaram a diferir
em cerca de cinco quilos entre os homens, e de 13 quilos entre as mulheres. A mudança do perfil parecia estar
atrelada, segundo os autores, à intensidade das transformações socioeconômicas, culturais e ambientais, afetando
especialmente a comunidade em que se registraram as maiores modificações no estilo de vida.
Processo semelhante teve lugar entre os Suruí, avaliados em 1988 (Santos & Coimbra Jr., 1996) e 2005
(Lourenço, 2006). Nesse espaço de tempo, as médias de peso entre os adultos aumentaram em 11 kg nos homens
e em 8,4 kg entre as mulheres, resultando em um quadro em que 60,5% dos indivíduos com idades entre 20 e 49
anos apresentavam algum grau de sobrepeso. A mudança no perfil antropométrico ocorre concomitantemente
com alterações significativas nas práticas de subsistência e na dieta do grupo, com a redução dos níveis de ativida-
de física e o aumento do consumo de alimentos industrializados. O caso suruí também reafirma, desse modo, o
papel das mudanças no estilo de vida das populações nativas no surgimento da obesidade e exemplifica uma
dinâmica possivelmente presente em um número significativo de etnias, embora ainda não documentada em
toda a sua extensão.

Considerações Finais
As informações aqui apresentadas revelam um quadro preocupante, no qual as crianças parecem ser parti-
cularmente atingidas, mas em que adolescentes e adultos não estão livres de problemas de ordem nutricional.
Além disso, chama a atenção a ocorrência de problemas tão distintos como a desnutrição nas crianças e a obesi-
dade nos adultos.
Um elemento central para a compreensão desse quadro é a constatação de que as populações indígenas vêm
sendo submetidas, desde seus primeiros contatos com não-índios, a um acelerado e complexo processo de mu-
danças, que atinge os mais diversos aspectos de suas vidas. Para alguns povos, essas mudanças se iniciaram há
séculos; para outros, a partir dos anos 60 do século XX ou ainda mais recentemente. Ainda que seja difícil ‘medir’
exatamente o impacto das mudanças, seus efeitos têm sido descritos por muitos autores (ver Hemming, 1978
para um panorama amplo) e parece evidente que, em diversos aspectos, exercem uma influência negativa sobre o
estado nutricional das populações afetadas (Wirsing, 1985).
Elementos comuns nesse quadro de transformações são a restrição territorial, o progressivo esgotamento
dos recursos naturais e o comprometimento das atividades de subsistência. À instabilidade na produção de ali-
mentos somam-se ainda precárias condições sanitárias, o que contribui para as elevadas prevalências de doenças
infecciosas e parasitárias que, de modo geral, caracterizam os perfis de saúde registrados entre essas populações
(Garnelo, Macedo & Brandão, 2003; Santos & Coimbra Jr., 1993). A interação entre a desnutrição e as infecções
é bem conhecida, e as crianças são particularmente vulneráveis aos seus efeitos.
As implicações nutricionais de todas essas mudanças não estão relacionadas somente à ocorrência da des-
nutrição energético-protéica, à anemia ferropriva ou às deficiências de vitaminas, mas também ao aumento dos

512
Alimentação e nutrição dos povos indígenas no Brasil

casos de obesidade, de hipertensão arterial e de diabetes. Nesse âmbito, chama a atenção o papel das transforma-
ções socioeconômicas, culturais e ambientais, e mais especificamente das modificações relativas ao estilo de vida
dessas populações. No tocante à alimentação, o maior consumo de alimentos industrializados resulta em uma
dieta mais calórica, rica ainda em sódio e em açúcar e gorduras, e pobre em fibras. Tais mudanças, associadas a
níveis menos intensos de atividade física, favorecem, como já mencionamos, o surgimento de casos de obesidade
e de doenças cardiovasculares e metabólicas. Trata-se, aqui, de uma importante mudança dos perfis de morbi-
mortalidade: às doenças infecciosas e parasitárias, que predominam no perfil de saúde das populações indígenas,
somam-se agora, em proporção crescente, as DCNT.
Os conhecimentos sobre as condições de alimentação e nutrição das sociedades indígenas do Brasil são
ainda hoje muito limitados, a despeito do aumento do número de pesquisas sobre o tema nas últimas duas
décadas. A comparação com a situação registrada para o restante da população brasileira evidencia uma notável
desigualdade, que se inicia pela própria escassez de dados demográficos e epidemiológicos sobre o segmento
indígena e se estende aos seus indicadores de saúde e nutrição, invariavelmente piores que aqueles registrados
entre o restante da população do país. Mesmo quando não se dispõe de dados sobre nutrição, a elevada freqüência
com que se observam, entre essas comunidades, condições sanitárias inadequadas, problemas com a produção e o
acesso a alimentos, níveis elevados de morbi-mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias, entre outros fatores,
expressa um panorama amplamente favorável à ocorrência de problemas nutricionais entre os povos indígenas.

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30
Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição

Marília Mendonça Leão e Inês Rugani Ribeiro de Castro

O Contexto Político-Institucional das Políticas de


Alimentação e Nutrição a partir da Década de 1980
Em meados da década de 1980, o país vivia o processo de reconstrução do Estado democrático, após vinte
anos de governo militar (1964-1984). Na área da saúde pública, foi intensa a movimentação durante o ano de
1986, com a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, evento-síntese da democratização da saúde no
país. Seus resultados foram decisivos para o lançamento dos pilares que construiriam o Sistema Único de Saúde
(SUS) e que ainda hoje o sustentam.
Como desdobramento da VIII Conferência, foi realizada, em novembro de 1986, a I Conferência Nacio-
nal de Alimentação e Nutrição, sob a coordenação do Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (Inan),
autarquia então vinculada ao Ministério da Saúde. A conferência contou com representatividade da sociedade
civil e de diferentes esferas de governos e pode ser considerada o primeiro evento, após o governo militar, da área
de alimentação e nutrição com participação democrática. As recomendações do documento final dessa I Confe-
rência deixam claro o pressuposto de que os problemas de alimentação e nutrição tinham caráter estrutural e
vínculos estreitos com as condições de vida e renda da população e explicitam o reconhecimento da alimentação
como um direito: “Ao reconhecer a alimentação como um direito de todos, a Conferência estabelece as responsa-
bilidades do Estado de assegurar a disponibilidade interna de alimentos, bem como as condições de acesso ao
consumo através, sobretudo, de uma política de salários justos e promoção de pleno emprego” (Inan, 1986: 2).
Na análise desse e de outros documentos da época (Inan, 1973; Kruse, 1979; Coimbra, 1982; Peliano,
1983; Musgrove, 1985), é notório que prevalecia na esfera do governo federal o entendimento de que os princi-
pais problemas de nutrição e saúde pública referiam-se à privação alimentar, cuja conseqüência mais grave é a
desnutrição. A despeito de os gestores reconhecerem o caráter estrutural da fome e da desnutrição, a tônica da
intervenção governamental foi, sistematicamente, a de creditar a solução dos problemas na conta do crescimento
econômico e de seus impactos positivos no acesso satisfatório aos alimentos básicos pela parcela da população em
situação de pobreza.
Em uma economia de mercado como a brasileira, o acesso aos alimentos é diretamente determinado pela
disponibilidade de renda das famílias. Assim, supunha-se que o crescimento econômico, qualquer que fosse sua

519
Epidemiologia Nutricional

trajetória, resolveria os principais problemas alimentares e nutricionais da população, com o aumento do emprego
e da renda. Orientada por essa lógica, a agenda governamental privilegiava as ações no plano econômico, e as
ações da área social tinham caráter apenas compensatório, destinadas a aliviar a pobreza das populações que
viviam à margem do mercado. As principais políticas dessa fase foram, muitas vezes, estruturadas de acordo com
os interesses econômicos do político com prestígio no momento e visavam à compra de alimentos básicos,
industrializados ou “formulados” para distribuição entre as populações “biológica e socialmente” vulneráveis.
O Inan foi um órgão forte na esfera federal, pois, como coordenador e articulador da Política Nacional de
Alimentação e Nutrição (PNAN), interagia com desenvoltura entre os ministérios da Agricultura e órgãos
de abastecimento, Educação, Trabalho, Previdência e ainda com a Secretaria de Planejamento da Presidência da
República (Seplan), órgão da estrutura federal mais próximo do presidente da República. Em verdade, o Inan era
o braço executivo da política social do governo e, durante alguns anos, seu orçamento foi maior do que o do
Ministério da Saúde, em função da extensão de alguns de seus programas de distribuição de alimentos.
Nesse contexto, teve igual importância política e programática o Ministério da Educação, representado
pela Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), então o órgão coordenador do Programa Nacional de Alimen-
tação Escolar (PNAE). A FAE implementou uma estratégia de descentralização, nos anos 90, desmontando a
estrutura centralizada do programa mediante a transferência de atribuições e do poder decisório da gestão do
nível federal para os estados e municípios. A FAE foi extinta em 1997 e substituída pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), que, atualmente, coordena o PNAE. O Quadro 1 demonstra a predo-
minância dos programas de distribuição de alimentos entre os anos 80 e 90.

Quadro 1 – Principais políticas públicas de alimentação e nutrição no Brasil implementadas ou vigentes no


período de 1984 a 2006

Tipo de ação Órgão responsável Início-término

1. Suplementação alimentar
Programa de Nutrição em Saúde Inan 1976-1984

Programa de Suplementação Alimentar (PSA) Inan 1985-1989

Programa Leite é Saúde Inan 1993-1998

Programa de Complementação Alimentar (PCA) LBA 1976-1990

Incentivo ao Combate às Carências Nutricionais (ICCN) Ministério da Saúde 1998-2002

Programa de Alimentação Escolar FNDE/MEC 1954-presente

Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) Ministério do Trabalho 1976-presente

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) MDS/Conab 2003-presente

Programa de Distribuição de Cestas MDS 2003-presente

Restaurantes Populares MDS 2003-presente

Hortas Comunitárias MDS 2003-presente

Cozinhas Comunitárias MDS 2003-presente

Banco de Alimentos MDS 2003-presente

520
Políticas públicas de alimentação e nutrição

Quadro 1 – Principais políticas públicas de alimentação e nutrição no Brasil implementadas ou vigentes no


período de 1984 a 2006 (continuação)
Tipo de ação Órgão responsável Início-término
2. Prevenção e controle de doenças
Prevenção e Controle das Deficiências de Iodo Ministério da Saúde 1954-presente

Prevenção e Controle das Deficiências de Ferro Ministério da Saúde 1983-presente

Prevenção e Controle das Deficiências de Vitamina A Ministério da Saúde 1983-presente

Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional Ministério da Saúde 1976-presente

Construção de cisternas no Semi-Árido MDS 2003-presente

3. Transferência de renda
Bolsa Escola Ministério da Educação 2001-2004

Bolsa Alimentação Ministério da Saúde 2001-2004

Bolsa Família MDS 2004-presente

Benefício de Prestação Continuada (BPC) MDS 1995-presente

4. Promoção da saúde
Incentivo ao Aleitamento Materno Ministério da Saúde 1976-presente

Alimentação Saudável Ministério da Saúde 1999-presente

Educação Alimentar MDS 2003-presente


Inan - Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição
LBA - Legião Brasileira de Assistência
FNDE/MEC - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação/Ministério da Educação
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Conab - Companhia Nacional de Abastecimento

A partir da década de 1990, novos ventos anunciam a necessidade de mudança de rota em alguns setores
governamentais, diante da constatação da transição demográfica e nutricional e seus impactos negativos na saúde e
na economia da população. Os resultados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição – PNSN (Ministério da
Saúde, 1989) foram os primeiros a chamar a atenção dos gestores e planejadores federais para a questão da transição
nutricional. Além de demonstrarem a franca redução da desnutrição infantil, quando comparados com estudos da
década de 1970, evidenciaram o aumento dos casos de excesso de peso e obesidade entre os adultos (Coitinho, 1991;
Monteiro, 2000). Iniciou-se, a partir daí, no âmbito do Ministério da Saúde, um tímido discurso oficial, sobre a
coexistência das duas dimensões do problema alimentar e nutricional: a privação alimentar e o aumento da obesidade
e de outras DCNT associadas à alimentação inadequada e/ou excessiva.
No entanto, o início dos anos 90 não foi nada favorável à formulação e implementação de políticas públicas
coerentes com o novo perfil alimentar e nutricional que se anunciava. Os anos de 1990 a 1992 foram marcados pela
desastrosa tentativa de implementação das idéias neoliberais do governo Collor, com a extinção de órgãos públicos
federais e a redução de recursos para programas sociais, sob o argumento da promoção da estabilização da economia
e da modernização do Estado. Na época, iniciou-se um lento e eficiente processo de destruição organizacional no
Inan, e, na falta de um plano político-institucional para o futuro, o órgão foi perdendo os seus melhores quadros
técnicos. Praticamente todos os programas de alimentação e nutrição foram desativados, e em 1997 o Inan foi
extinto (Ministério das Relações Exteriores, 1996).

521
Epidemiologia Nutricional

O Inan sempre foi considerado um corpo estranho à estrutura do Ministério da Saúde, pois sua missão de
coordenação do Pronan (Programa Nacional de Alimentação e Nutrição) transcendia a esfera da Saúde, na
medida em que se articulava com as estruturas de comando de vários outros ministérios. O desaparecimento do
Inan deixou um vácuo institucional e programático na área da alimentação e nutrição.
A partir de 1997, os poucos programas remanescentes do Inan foram distribuídos por diferentes instâncias
do Ministério da Saúde. A discussão sobre a interação da alimentação com as DCNT permanecia incipiente,
embora já presente nas coordenações técnicas de diabetes e hipertensão, todavia sem qualquer articulação com
programas de nutrição. A abordagem fragmentada e desarticulada das questões relacionadas à alimentação e
nutrição gerou descontentamento na comunidade de técnicos de governo e pesquisadores, com repercussões nos
organismos internacionais ligados à área (Ministério da Saúde, 2006c).
Transcorria, à época, o primeiro mandato do governo Fernando Henrique (1995-1998), período em que se
implementou, com o auxílio da consolidação do Plano Real, uma nova política fiscal no país. Na área de segurança
alimentar, o principal legado do governo anterior, já então sob a gestão de Itamar Franco, foram as propostas para
uma Política de Segurança Alimentar, referendadas pela I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, realizada
em 1994. Note-se aqui que o ‘nutricional’ não compunha ainda o conceito de segurança alimentar. Essa confe-
rência foi promovida pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) em parceria com a Ação da
Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, em julho de 1994 (Consea, 1994). No entanto, o Consea foi
extinto no início de 1995, e com esta decisão romperam-se laços importantes com movimentos da sociedade civil
(Valente, 2004).
Em contrapartida, a estabilização da economia criou um ambiente favorável ao gerenciamento das políticas
públicas, permitindo mais profissionalismo e transparência à formulação, implementação, planejamento e orça-
mento das ações de governo. Foi nesse contexto que um grupo de técnicos do Ministério da Saúde deflagrou, em
1998, um processo democrático de consulta e discussão para a elaboração de uma nova política para a área de
alimentação e nutrição, que definisse as obrigações do setor Saúde para o alcance da segurança alimentar e
nutricional. Essa iniciativa contou com a participação da sociedade civil, por intermédio de várias organizações,
instituições acadêmicas e de pesquisa na área, do setor produtivo da área de alimentos, dos diferentes órgãos e
instâncias de governo, além da comunidade internacional. O processo culminou com a aprovação, em 1999, da
PNAN (Ministério da Saúde, 1999b). Iniciou-se, aí, um novo ciclo de gestão governamental na área da alimen-
tação e nutrição, introduzindo-se um discurso mais coerente e pertinente à problemática da transição nutricional
(Ministério da Saúde, 2006c).
São sete as diretrizes programáticas da PNAN: 1. Estímulo a ações intersetoriais; 2. Garantia da segurança
e qualidade dos alimentos; 3. Monitoramento da situação alimentar e nutricional; 4. Promoção de práticas
alimentares e estilos de vida saudáveis; 5. Prevenção e controle dos distúrbios e doenças nutricionais; 6. Promoção
do desenvolvimento de linhas de investigação e desenvolvimento; 7. Capacitação de recursos humanos em saúde
e nutrição. Tais diretrizes deixam claro que o entendimento do governo federal sobre o problema alimentar e
nutricional do país passou a transcender a visão segundo a qual a questão da privação alimentar tem como causa
básica a pobreza e ampliou sua abordagem para os problemas relacionados ao aumento de peso da população,
propondo como estratégia fundamental a promoção da alimentação saudável. A PNAN reforça a abordagem da
dupla carga de doenças, ressalta a importância da abordagem multidisciplinar e intersetorial e antecipa a discus-
são sobre temas e recomendações que só mais tarde, em 2004, viriam a ser apresentadas, formalmente, pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), quando da divulgação da Estratégia Global para a Alimentação Saudável
e Atividade Física (WHO, 2004).
Durante o processo de discussão e elaboração da PNAN (1998-1999), foi criada a Área Técnica de Ali-
mentação e Nutrição (Atan), que alcançou, em 2001, o status de Coordenação Geral da Política de Alimentação
e Nutrição (CGPAN), no âmbito do Departamento de Atenção Básica à Saúde do Ministério da Saúde.

522
Políticas públicas de alimentação e nutrição

Para aferir a coerência entre o discurso e a prática de um governo, é preciso buscar a programação orçamen-
tária, que traduz as reais intenções dos gestores governamentais. Nota-se, por exemplo, a importância dada ao
tema da alimentação e nutrição no Ministério da Saúde com a criação do Programa Alimentação Saudável, no
Plano Plurianual (PPA) do governo federal para o período de 2000 a 2003. No ano de 2002, o orçamento desse
programa aprovado pelo Congresso Nacional atingiu o seu valor máximo, com o montante de 412,9 milhões de
reais, e o total executado nesse exercício foi de 253,7 milhões (61%). Esse programa foi continuado para o PPA
seguinte (2004-2007), embora com recursos bastante inferiores: 21,7 milhões para o exercício de 2006 (Siafi,
2003). Observe-se que aqui estão sendo citados apenas os recursos alocados para as ações de alimentação e
nutrição (Programa Alimentação Saudável), sob coordenação da CGPAN do Ministério da Saúde. Cabe esclare-
cer, ainda, que a redução expressiva se deu, a partir de 2004, em função da transferência dos recursos do então
Programa Bolsa Alimentação (PBA) para o Bolsa Família (PBF), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS) (CGPAN, 2004).
Desde 2003, novas estratégias vêm compondo a agenda do governo federal na área de alimentação e nutrição
e ampliando-se para outros setores, principalmente no MDS. Assumiu-se um discurso de combate à pobreza e
eliminação da fome, enfatizando-se a sinergia entre ambas. Durante o primeiro mandato do presidente Lula
(2003-2006), priorizou-se um conjunto de ações conhecido como Programa Fome Zero, cuja ação mais impor-
tante, tanto em termos orçamentários como políticos, é o programa de transferência de renda Bolsa Família.
Nesse período, nota-se um deslocamento das prioridades em alimentação e nutrição, da esfera da saúde para os
setores responsáveis pela política social, e novos conceitos são incorporados ao discurso oficial, tais como segu-
rança alimentar e nutricional, direito humano à alimentação adequada, soberania alimentar, desenvolvimento
social e inclusão produtiva.
A criação do MDS, em janeiro de 2004, teve como objetivos a integração das políticas de assistência social
e a redução da pobreza, conforme explicitado na lei de criação do órgão (Brasil, 2004). Esse ministério nasceu
com forte prestígio político e ocupou, em certo sentido, o espaço político que nos anos 70 foi ocupado pelo Inan,
como órgão coordenador dos principais programas sociais de então. Entretanto, a desejável articulação com
outros setores como Saúde e Educação, em prol de uma agenda harmonizada e complementar de combate à
pobreza, inclusão social e promoção da saúde, ainda não se efetivou. As três pastas – Saúde, Educação e Desen-
volvimento Social – executaram, em 2005, um orçamento total de R$ 76 bilhões de reais (cerca US$ 34,8
bilhões), o correspondente a 3,9% do PIB (Vaitsman, 2006). Tais valores representam, sem dúvida nenhuma, um
enorme potencial institucional para a promoção do desenvolvimento social, a depender da capacidade de articu-
lação dos seus gestores e de sua correta destinação.
Cabe ressaltar que o Consea, recriado no primeiro ano de governo Lula (2003) como Conselho Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional, tem feito diversas tentativas de articulação entre os ministérios e de
participação democrática na ampliação da segurança alimentar e nutricional no país. Nesse processo, teve atua-
ção importante na formulação e aprovação da Lei de Segurança Alimentar e Nutricional e na construção do
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Brasil, 2006f ). A criação dessa lei e desse sistema integra
um cenário propício para a construção de uma agenda intersetorial mais articulada e complementar na área.

Os Programas Federais de Alimentação e Nutrição


A seguir estão descritos alguns dos principais programas existentes ou desenvolvidos a partir de meados dos
anos 80. Alguns desses programas já foram extintos, mas julgou-se importante incluí-los neste capítulo pela
dimensão e relevância que assumiram à época. Outros programas estão citados porque ainda vigentes e por se
constituírem em espaço potencial para a abordagem da promoção da alimentação saudável, se reordenados para
a incorporação de intervenções mais efetivas no enfretamento dos problemas advindos da transição nutricional.

523
Epidemiologia Nutricional

O Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (Pniam)


A promoção da amamentação é uma ação prioritária no campo das políticas públicas de alimentação e nutri-
ção e está detalhada no capítulo 24, “Amamentação: evidências científicas e ações para incentivar sua prática”.
Desde os anos 70, esforços governamentais vêm sendo empreendidos no sentido de resgatar a amamentação
no Brasil, a exemplo de movimentos internacionais similares. Em 1981, foi criado o Programa Nacional de Incen-
tivo ao Aleitamento Materno (Pniam), coordenado pelo Inan e, desde então, diversas ações de promoção do aleita-
mento materno vêm sendo desenvolvidas em todo o país. O Pniam articula ações governamentais e da sociedade
civil nas áreas da saúde, nutrição, educação, comunicação, legislação e trabalho, visando ao estímulo ao aleitamento
materno no Brasil. O êxito desse programa é reconhecido internacionalmente (Jelliffe & Jelliffe, 1988; Brasil, 2003).
O Brasil teve papel protagonista na 54ª Assembléia Mundial de Saúde, em 2001, quando apresentou
uma proposta de resolução recomendando o aleitamento materno exclusivo por seis meses, e não mais por um
período variável de quatro a seis meses. A proposta brasileira foi aprovada por unanimidade pelos estados-
membros presentes.
Entre as ações que vêm sendo desenvolvidas pelo Ministério da Saúde em conjunto com as secretarias de
Saúde e a sociedade civil, além de ações de marketing social e campanhas educativas, destacam-se a Iniciativa
Hospital Amigo da Criança – IHAC (Brasil, 2005a), a Rede de Bancos de Leite Humano (BLH), a Iniciativa
Unidade Básica Amiga da Amamentação (Iubaam) e a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para
Lactentes (NBCAL).
A IHAC, lançada pela OMS e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ) em 1992 em âmbito
mundial, visa ao estímulo ao cumprimento, nas maternidades, de medidas básicas e fundamentais para promover
a amamentação desde o momento do nascimento (WHO/Unicef, 1992). No Brasil, atualmente 335 unidades
hospitalares estão credenciadas como Hospitais Amigos da Criança.
A Rede de BLH tem por objetivo apoiar as mães na promoção e no manejo do aleitamento materno, realizan-
do atividades de coleta do excedente da produção láctea, pasteurização e controle de qualidade do leite humano
coletado e sua posterior distribuição gratuita para recém-nascidos de baixo peso, prematuros e enfermos, impedidos
de ser amamentados por suas próprias mães (Maia, 2006). A Rede de Bancos de Leite Humano (BLH) do Brasil é
a maior e mais complexa do mundo, contando com 187 bancos e 29 postos de coleta de leite humano em
funcionamento no país.
A Iubaam visa a complementar a IHAC e propõe para a rede básica de saúde um conjunto de procedimen-
tos e rotinas para a promoção da amamentação (Oliveira & Camacho, 2002; Secretaria de Estado de Saúde do
Rio de Janeiro, 2006).
A NBCAL constitui-se em importante instrumento legal para a regulação da promoção comercial e o uso
apropriado dos alimentos que estão à venda como substitutos ou complementos do leite materno, bem como de
bicos, chupetas e mamadeiras (Conselho Nacional de Saúde, 1992).
Uma recente conquista de todos os profissionais e entidades que atuam na promoção do aleitamento
materno foi a promulgação da lei n. 11.265, em 4 de janeiro de 2006, que regulamentou a comercialização de
alimentos para lactentes e crianças de primeira infância e também de produtos de puericultura correlatos.

A Distribuição de Alimentos e a Promoção de Acesso aos Serviços


de Atenção Básica à Saúde: o Programa Leite é Saúde (PLS) e
o Incentivo ao Combate às Carências Nutricionais (ICCN)
O Programa Leite é Saúde (PLS), criado pelo Ministério da Saúde em 1993, visava ao controle da desnu-
trição em crianças com idade abaixo de dois anos e do baixo peso em gestantes por meio da suplementação

524
Políticas públicas de alimentação e nutrição

alimentar com leite integral e óleo de soja para grupos em risco nutricional, definido com base em indicadores
antropométricos. Essa suplementação era feita pela rede básica de saúde, associada às ações de cuidados básicos e
acompanhamento nutricional. A aquisição dos alimentos era feita pelos municípios com recursos advindos do
governo federal (Ministério da Saúde, 1993).
O desenho do PLS concretizou dois avanços importantes, que programas anteriores não alcançaram: definiu
um grupo populacional mais focalizado, de maior vulnerabilidade biológica, com maior capacidade de resposta à
intervenção, e vinculou a suplementação às ações básicas de saúde. Com isso, contribuiu para o desenvolvimento de
uma cultura institucional segundo a qual o controle da desnutrição não dependia exclusivamente da melhoria das
condições de vida da população e cabia ao sistema de saúde a missão intransferível de cuidar de forma diferenciada
dos grupos em maior risco nutricional (Castro, 1999).
Em 1998, o PLS foi substituído pelo Incentivo de Combate às Carências Nutricionais (ICCN), que preser-
vou, em linhas gerais, o desenho programático de seu antecessor e o aperfeiçoou em vários aspectos (Brasil, 1997,
1998a, 1998b). Em primeiro lugar, o montante de recursos a ser repassado a cada município passou a ser calcu-
lado nos termos de modelos preditivos de desnutrição, baseados em dados de censos demográficos e em pesquisas
epidemiológicas. O resultado foi a diminuição (em termos proporcionais e absolutos) do montante repassado a
grandes centros urbanos e o aumento daquele repassado a municípios onde a prevalência da desnutrição era alta.
Garantia-se, assim, uma mudança histórica na distribuição de recursos voltados para programas de nutrição que
contribuía para a diminuição das desigualdades entre cidades, estados e regiões.
Segundo, o repasse dos recursos federais passou a ser feito não mais por intermédio de convênios, mas sim
diretamente do Fundo Nacional de Saúde para os fundos municipais de Saúde, como parte integrante do Piso de
Atenção Básica (PAB), com acompanhamento dos conselhos municipais de Saúde. Isso implicou maior agilidade
na transferência do recurso, garantindo continuidade e regularidade das aquisições dos alimentos, e extinguiu
procedimentos burocráticos e conflitos de interesses entre gestores.
Um terceiro avanço foi a inclusão de uma ação de nutrição no PAB, fortalecendo a premissa de que o
cuidado oferecido a grupos em risco nutricional é um componente central desta atenção.
O quarto avanço do ICCN em relação ao PLS foi o fato de prever que uma parcela dos recursos repassados
poderia ser utilizada para a suplementação com ferro ou outros micronutrientes, para a promoção do aleitamento
materno e para ações que beneficiavam outros grupos de risco nutricional, como filhos de mulheres com diag-
nóstico de HIV positivo e idosos de baixo peso.
Dados provenientes do Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab) para a região Nordeste mostraram
uma aceleração no declínio das taxas de desnutrição na região após a implantação do ICCN. Entre abril de 1999
e maio de 2000, o risco nutricional foi reduzido em 15%, quando a tendência histórica então verificada era de
um declínio médio de 5% ao ano (Ministério da Saúde, 2002).
Em contrapartida, um estudo encomendado pelo Ministério da Saúde demonstrou que o leite era o
alimento básico e não um alimento adicional, como se esperava, constituindo-se na principal fonte de nutri-
entes e energia para as crianças. Como conseqüência, a dieta era monótona, hiperprotéica, rica em cálcio e
marcadamente deficiente em ferro e zinco (Santos, 2003). Estudos como esse corroboraram a necessidade de
modernização e ampliação do programa para que este, além da recuperação nutricional, promovesse uma dieta
diversificada e saudável. O desdobramento disso foi a formulação de um programa que promovesse a autono-
mia das famílias, garantindo, no lugar da distribuição de alimentos, a transferência direta de recursos, para que
as próprias famílias pudessem adquirir os alimentos necessários ao reforço da alimentação de crianças, gestantes
e nutrizes. Como resultado, foi criado em 2001 o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde,
chamado Programa Bolsa Alimentação (Brasil, 2001).

525
Epidemiologia Nutricional

As Políticas de Transferência de Renda: os programas


Bolsa Alimentação (PBA) e Bolsa Família (PBF)
Programas de transferência monetária já existem no Brasil desde a década de 90 do último século, especial-
mente se considerados nesta categoria aqueles que contemplam os direitos sociais estabelecidos na Constituição
de 1988, como os Benefícios de Prestação Continuada (BPC) e a Renda Mensal Vitalícia (RMV). Os dois
primeiros programas de renda mínima do país foram implementados na área da Educação, pela prefeitura de
Campinas, SP, e pelo governo do Distrito Federal, em 1995. Em 2001, o governo federal formulou um programa
nacional, com função diversa daquela estritamente atribuída à previdência social, o Programa Bolsa Escola. Este
programa era vinculado ao Ministério da Educação e tinha como objetivos fomentar a freqüência da criança na
escola e contribuir com a redução da pobreza. Abriu-se aí uma janela de oportunidade política para a formulação
do PBA, no Ministério da Saúde, com objetivo semelhante ao da Educação, qual seja, reforçar o vínculo dos
participantes com os serviços de atenção básica à saúde.
O PBA representou uma mudança de paradigma na intervenção governamental no campo da alimentação
e nutrição, a qual, conforme já mencionado, se dava por intermédio de programas de distribuição de alimentos
e/ou suplementos. O PBA visava à redução e à prevenção da desnutrição e da mortalidade infantil por meio da
transferência direta de renda vinculada à contrapartida da família na forma de participação em ações básicas de
saúde tais como imunização, pré-natal, atividades educativas em saúde e nutrição e acompanhamento do cresci-
mento e do desenvolvimento. Os critérios de elegibilidade do programa combinavam renda per capita com o
risco nutricional dos potenciais titulares de direito (gestantes, nutrizes e crianças de até 6 anos de idade).
O PBA trouxe importantes inovações em termos de desenho programático, na medida em que apresen-
tou uma nova estratégia para estreitar o vínculo entre as famílias e os serviços de atenção básica à saúde e
valorizou o protagonismo feminino na família, uma vez que o cartão magnético para o saque, na rede bancária
local, do recurso mensal repassado era entregue preferencialmente para a mulher. Cada família participante do
programa recebia uma transferência mensal de R$ 15,00 a R$ 45,00, dependendo do número de filhos. Em
2002, penúltimo ano de implementação do programa, a CGPAN teve alocado no seu orçamento para este
programa um total de R$ 300 milhões, atendendo cerca de 1,3 milhão de famílias (Siafi, 2003). Esse foi, desde
a extinção do Inan, o maior orçamento que a área de alimentação e nutrição recebeu no âmbito do orçamento
geral do Ministério da Saúde.
O PBF promove o acesso à alimentação por meio da garantia de uma renda mínima mensal às famílias. Ele
transfere renda direta às famílias, condicionando a transferência ao cumprimento de ações básicas de saúde e
educação. Está destinado às famílias com renda per capita de até R$ 120,00 mensais, e o valor do benefício pode
variar entre R$ 15,00 e R$ 95,00 por mês, a depender da situação de renda e da existência de crianças, adolescentes,
gestantes e/ou nutrizes.
O PBF é uma política prioritária do governo Lula para o combate à fome e à pobreza, e foi organizado a
partir da reestruturação e unificação dos programas de transferência então existentes (Bolsa Escola, Bolsa Ali-
mentação, Auxílio Gás e Programa Nacional de Acesso à Alimentação), mantendo-se a mesma lógica de capta-
ção, cadastramento e repasse de recursos aos titulares de direito do programa. Até fins de 2006, o programa
atendia 11,1 milhões de famílias, totalizando cerca de 45 milhões de pessoas, ou 25% da população do país. As
famílias inscritas no programa recebem um valor médio de R$ 60,00 por mês; destas, cerca de 94% pertencem ao
dois quintis de mais baixa renda, o que demonstra uma adequada focalização do programa (Ministério do Desen-
volvimento Social, 2006a).
Os resultados da Chamada Nutricional, realizada em 2005 pelo MDS, sugerem um efeito protetor do progra-
ma no estado nutricional das crianças da região do Semi-Árido. Entre as crianças menores de 5 anos que recebiam
transferência de renda, a prevalência da desnutrição era 30% menor do que a daquelas não contempladas por

526
Políticas públicas de alimentação e nutrição

este programa. O grupo etário de 6 a 11 meses pareceu ser o mais beneficiado, pois apresentou uma prevalência
62% menor (Ministério do Desenvolvimento Social, 2006b).
Além do PBF, o MDS desenvolve outros programas relacionados à promoção da segurança alimentar e
nutricional. São eles: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti); Benefício de Prestação Continuada
(BPC); Programa de Aquisição de Alimento (PAA); Construção de Cisternas; Distribuição de Cestas de Alimen-
tos; Hortas Comunitárias; Cozinhas Comunitárias; Restaurantes Populares; Educação Alimentar e Bancos de
Alimentos.

Programas de Fornecimento de Refeições a Públicos Específicos:


o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
e o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT)
O PNAE é o mais antigo programa da área de alimentação e nutrição. Foi criado em 1954, no fim do
governo Vargas. O direito à alimentação escolar para todos os alunos do Ensino Fundamental foi assegurado pela
Constituição de 1988. Em 1997, o PNAE passou a ser gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), vinculado ao Ministério da Educação, quando foi extinta a Fundação de Assistência ao
Estudante (FAE).
O PNAE era executado de forma centralizada, isto é, a compra e a distribuição de alimentos eram feitas
pelo órgão nacional. Essa estratégia se mostrou altamente ineficiente, pois o controle de qualidade, o armazenamento
e o transporte dos produtos eram atividades de custos altíssimos. Além disso, o programa era suscetível a desvios
e corrupção, acarretando falta da merenda nas escolas e reduzindo o número de dias de atendimento. Em 1993,
iniciou-se um processo de descentralização do PNAE, passando-se a transferir, automaticamente, os recursos
financeiros aos estados e municípios, sem necessidade de convênio.
O PNAE é um dos programas federais com enorme potencial para o desenvolvimento de uma agenda de
promoção da saúde e da alimentação saudável. Esforços consistentes vêm sendo feitos pelo programa, o que pode
ser comprovado pelas seguintes medidas:
1) Aumento substancial dos valores per capita para fins do repasse dos recursos para alunos de ensino
pré-escolar e fundamental (de R$ 0,06 para R$ 0,13), com valores superiores para alunos de comu-
nidades indígenas (R$ 0,34 per capita) e de creches públicas e filantrópicas (R$ 0,18 per capita).
2) Publicação da portaria interministerial n. 1.010, de 8 de maio de 2006, assinada pelos ministros da
Saúde e da Educação, instituindo as diretrizes para a promoção da alimentação saudável nas escolas
de Educação Infantil, Fundamental e de Ensino Médio das redes pública e privada, em âmbito
nacional, detalhada adiante.
3) Envio ao Congresso Nacional de projeto de lei da Alimentação Escolar, que propõe a extensão da
alimentação escolar para a educação de jovens e adultos e de alunos de Ensino Médio, além de incluir
como responsabilidade do Estado as escolas comunitárias pertencentes às organizações da sociedade
civil pública.
4) Os esforços dos seus atuais gestores, no âmbito administrativo, para a inclusão do PNAE no próxi-
mo plano plurianual do governo federal como um programa específico, e não como componente
de um outro programa (no caso, o Programa Brasil Escolarizado), como ocorre atualmente, visan-
do ao fortalecimento e à ampliação de suas atividades. A situação atual tem restringido as ativida-
des, basicamente, à compra de gêneros alimentícios. As novas ações pretendidas buscam priorizar:

527
Epidemiologia Nutricional

a) Capacitação dos agentes envolvidos no PNAE.


b) Desenvolvimento de projetos e pesquisas para subsidiar as ações do PNAE.
c) Implementação, desenvolvimento e ampliação dos centros colaboradores de alimentação
escolar para desenvolvimento de ações intersetoriais, especialmente das áreas de educação e
saúde.
d) Ampliação da rede de cooperação técnica internacional para implementação de progra-
mas de alimentação escolar em países latino-americanos e africanos.

O PAT, instituído em 1976, foi destinado ao atendimento de trabalhadores de baixa renda. É, a exemplo
do PNAE, um dos mais antigos programas da área ainda vigentes. Está estruturado na parceria entre governo,
empresa privada e trabalhador, e tem como unidade gestora a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Departa-
mento de Segurança e Saúde do Ministério do Trabalho. Ele faculta às pessoas jurídicas e físicas a dedução das
despesas com alimentação dos seus trabalhadores em até 4% do Imposto de Renda devido. Seu objetivo é melho-
rar as condições nutricionais dos trabalhadores, esperando-se impactos positivos na qualidade de vida, na redu-
ção de acidentes de trabalho e no aumento da produtividade laboral. O benefício concedido ao trabalhador não
pode ser em espécie (dinheiro). Em outubro de 2006, o programa contava com a adesão de 104.084 empresas e
com 5.644 fornecedores atendendo a 9.062.837 trabalhadores, dos quais cerca de 40% residentes no estado de
São Paulo (Ministério do Trabalho, 2006).
Merece destaque uma mudança recente no desenho do programa: os parâmetros nutricionais para as refei-
ções fornecidas em seu âmbito foram atualizados de forma a se adequarem ao atual perfil nutricional da popula-
ção (Brasil, 2006e). Este programa representa uma importante janela de oportunidade para a promoção da
alimentação saudável no ambiente de trabalho, ainda não suficientemente explorada.

Programas de Controle e Prevenção de Carências


de Micronutrientes: ferro, vitamina A e iodo
A descrição da relevância das carências de ferro e vitamina A na agenda da saúde pública está detalhada em
capítulos deste livro intitulados “Epidemiologia da anemia ferropriva” e “Epidemiologia da hipovitaminose A e
xeroftalmia”.
O controle da anemia por deficiência de ferro, embora previsto em todos os planos de governo da área de
alimentação e nutrição, nunca foi implantado em escala nacional e nem obteve resultados animadores. Todas as
ações então propostas estavam baseadas na prática clínica na rede básica de saúde, ou seja, o foco da suplementação
era o tratamento, e não a prevenção da anemia.
Em 1999, o governo brasileiro, as sociedades civil e científica, alguns organismos internacionais e as indús-
trias brasileiras firmaram o Compromisso Social para a Redução da Anemia Ferropriva no Brasil. As ações decor-
rentes desse pacto foram reforçadas pela PNAN, aprovada nesse mesmo ano, que definiu como ações prioritárias
a fortificação das farinhas de trigo e de milho com ferro, a suplementação com sais de ferro para grupos vulnerá-
veis e atividades voltadas para a orientação alimentar e nutricional, em consonância com o recomendado por
organismos internacionais (Unicef/UNU/WHO, 1998; Ministério da Saúde, 1999a; WHO, 2001).
Em relação à ação de fortificação, foi publicada, em 2002, a resolução n. 344 da Anvisa, que tornou
obrigatória a adição de ferro e de ácido fólico nas farinhas de trigo e nas farinhas de milho pré-embaladas e
prontas para oferta ao consumidor e nas destinadas a uso industrial, incluindo as de panificação e as farinhas
adicionadas nas pré-misturas, devendo cada 100 g de farinha fornecer no mínimo 4,2 mg de ferro e 150 mcg de

528
Políticas públicas de alimentação e nutrição

ácido fólico (Anvisa, 2002). A medida só entrou em vigor em junho de 2004, em função de prazos estipulados
para as empresas se adequarem ao processo de fortificação.
Quanto à ação de suplementação com sais de ferro, iniciou-se, em 2006, a implementação do Programa
Nacional de Suplementação de Ferro (Ministério da Saúde, 2005). Coordenado pela CGPAN, consiste na
suplementação universal profilática com sulfato ferroso em dose-padrão dirigida a todas as crianças de 6 a 18
meses de idade, gestantes a partir da vigésima semana e mulheres até o terceiro mês pós-parto. A distribuição do
produto é feita na rotina das unidades de saúde.
Está prevista a distribuição dos suplementos de ferro às unidades de saúde do SUS em todos os municípios
brasileiros, com base no número estimado de crianças e mulheres a serem abrangidas pela ação. Este programa
traz duas inovações que merecem destaque. A primeira foi a adoção de um novo sulfato ferroso, desenvolvido por
Farmanguinhos/Fiocruz e apresentado na forma de xarope, com características sensoriais (sabor, textura, cor)
melhores que as dos produtos tradicionalmente usados na rotina na rede básica de saúde. Essa inovação teve por
objetivo melhorar a adesão dos usuários à suplementação.
A segunda inovação foi a definição de que a suplementação seria universal (sem triagem prévia de casos de
risco) e profilática, com uma dosagem padrão. Isso simplificou enormemente sua operacionalização, modificando a
tradição de suplementação na rede básica de saúde que, conforme já comentado, estava focada exclusivamente no
tratamento da anemia.
Para que o programa atinja plenamente seus objetivos, é necessário que: a) sua implementação se dê, em
todas as esferas de governo, por meio da integração das áreas de nutrição, saúde da criança e atenção básica
(incluindo o PSF, Programa Saúde da Família), que ainda estão pouco articuladas para esta ação; b) seja ampliada
a escala de produção do sulfato ferroso adotado pelo programa, de forma a garantir cobertura e regularidade no
fornecimento do produto; c) sejam desenvolvidos e difundidos instrumentos facilitadores de práticas de orientação
alimentar que complementem a suplementação e d) sejam revisados aspectos de seu desenho em função de
estudos de avaliação de operacionalização e de impacto do programa (Engstrom, 2006).
O controle da hipovitaminose A vem sendo feito, desde os anos 80, por meio de suplementação com
megadoses de vitamina A, hoje estruturada no Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A (Brasil,
2005b, 2005c). Este programa é executado pelos estados e municípios com o objetivo de erradicar a deficiência
nutricional de vitamina A em crianças de 6 a 59 meses de idade e mulheres no pós-parto imediato (antes da alta
hospitalar), residentes em regiões consideradas de risco. No Brasil, são consideradas áreas de risco a região Nor-
deste, o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e o Vale do Ribeira, em São Paulo. O programa está regula-
mentado pela portaria ministerial n. 729, publicada em 13 de maio de 2005, pelo Ministério da Saúde.
O controle da deficiência de iodo é feito por meio da iodação de todo o sal produzido no país, mediante
parceria entre a CGPAN, a Anvisa e o setor produtivo (Brasil, 2005d, 2006c). A portaria n. 2.362, de 1 de
dezembro de 2005, do Ministério da Saúde, estrutura o Programa Nacional de Prevenção e Controle dos Distúr-
bios por Deficiência de Iodo (DDI) e define as atribuições de cada órgão.
Desde que a adição de iodo no sal foi determinada na década de 1950, o Ministério da Saúde realizou
quatro pesquisas para avaliar o impacto e a eficácia das conseqüências desta intervenção no Brasil. Tais pesquisas
registraram significativa redução nas prevalências de bócio em todo o país (Opas, 2002). No entanto, há ainda
necessidade de aperfeiçoamento das ações de prevenção, controle e monitoramento do programa.
A OMS aprovou na 58ª Assembléia Mundial de Saúde a resolução WHA 58.60, que recomenda aos países
o monitoramento da situação nutricional referente ao iodo a cada três anos (WHO/Unicef/ICCIDD, 2001;
WHO, 2005). A CGPAN está propondo a realização de um novo estudo de base populacional, de abrangência
nacional, com a finalidade de avaliar o impacto da iodação do sal produzido no Brasil. A pesquisa permitirá
avaliar se a iodação do sal oferecido à população é capaz de fornecer a quantidade necessária de iodo para prevenir
e controlar os DDI sem risco de ocorrência de doenças associadas ao consumo excessivo deste micronutriente.

529
Epidemiologia Nutricional

As Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição diante


da Transição Nutricional no Brasil: desafios e possibilidades
Como em outros países em desenvolvimento, a transição nutricional no Brasil é marcada pela presença
concomitante de desnutrição, obesidade e doenças carenciais específicas ligadas à má alimentação. No campo das
políticas públicas, a resposta mais adequada a esse cenário é a construção de uma agenda única de promoção da
alimentação saudável, entendendo-se tal estratégia como a que melhor condiz com o complexo perfil nutricional
de nossa população. Em linhas gerais, essa agenda única abarca basicamente a promoção da amamentação e da
alimentação complementar oportuna e adequada, do aumento do consumo de Frutas, Legumes e Verduras (FLV),
do consumo de feijão com arroz, da diminuição do consumo de alimentos ricos em gorduras saturadas e trans,
açúcares e sal e a valorização dos alimentos regionais e da cultura alimentar local (Ministério da Saúde, 2006b).
Além da alimentação saudável, promover atividades físicas no cotidiano é ação amplamente reconhecida como impres-
cindível para a prevenção e o controle da obesidade e para a promoção de uma vida saudável (WHO/FAO, 2003).
Dada a complexidade do quadro epidemiológico atual e de seus determinantes, uma única medida não é
suficiente para melhorar o perfil nutricional de nossa população. Ao contrário, para que as políticas públicas de
promoção da alimentação saudável sejam efetivas, elas devem integrar ações de incentivo, apoio e proteção às
escolhas saudáveis (Ministério da Saúde, 2006a). Entendem-se aqui como de ‘incentivo’ as ações que difundem
informação e motivam os indivíduos para a adoção de práticas saudáveis; como ações de ‘apoio’, aquelas
que visam a facilitar opções saudáveis entre pessoas que já estejam motivadas, e como ações de ‘proteção’ aquelas que
visam a evitar a exposição de indivíduos e coletividades a fatores que estimulem práticas não saudáveis.
Além da integração das vertentes aqui citadas, a efetividade dessas políticas públicas pressupõe, também,
que elas abarquem ações dirigidas tanto ao ambiente quanto aos indivíduos, superando duas concepções que,
tradicionalmente, permeiam as ações desenvolvidas nesta área. A primeira vê os determinantes estruturais como
dados que não podem ser mediados ou modificados. São expressões desta concepção as seguintes assertivas: por
um lado, em um contexto de pobreza, não há como melhorar os hábitos alimentares nem o estado nutricional da
população; por outro, no contexto da família urbana contemporânea, não há como interferir na globalização da
produção e oferta de alimentos e na ampliação da sociedade de consumo.
De acordo com a segunda concepção, uma vez garantidas condições minimamente dignas de vida, as
práticas alimentares inadequadas e suas conseqüências são fruto, exclusivamente, da vontade (força/falta de) de
cada pessoa. A superação dessas concepções implica reconhecer a função do Estado e a capacidade das políticas
públicas em diminuir as iniqüidades sociais em favor do bem comum, da saúde da população e da sustentabilidade
do planeta, mesmo que para isso sejam necessárias medidas que se contraponham aos interesses econômicos de
grandes corporações. Implica, também, reconhecer que as escolhas alimentares são fruto de processos complexos
construídos em diferentes contextos históricos e influenciados pelas dimensões física, econômica e sociocultural
do ambiente (Swinburn et al., 1999; Valente, 2002).
Nessa perspectiva, as medidas dirigidas ao ambiente devem promover práticas ecologicamente sustentáveis
na cadeia alimentar (Consea, 2004) e, ao mesmo tempo, transformar o ambiente obesogênico em que as pessoas
vivem em um ambiente promotor da saúde. Alguns exemplos de medidas de promoção da alimentação saudável
dirigidas ao ambiente são: a taxação e o conseqüente aumento de preço dos produtos ricos em gorduras, açúcares
e sal; a revisão dos subsídios à produção de alimentos, valorizando-se a produção de FLV e os processos produti-
vos ecologicamente sustentáveis; a regulamentação da publicidade de alimentos; a regulamentação da venda e
propaganda de alimentos no ambiente escolar e a implementação de medidas que facilitem o acesso físico a FLV
em programas públicos de alimentação (como o PNAE), em ambientes de trabalho e em áreas (bairros, comuni-
dades) com pouco ou nenhum acesso a esses alimentos.

530
Políticas públicas de alimentação e nutrição

As medidas dirigidas aos indivíduos, por sua vez, devem abranger ações que visem à ampliação do nível de
conhecimento da população sobre alimentação, à valorização da cultura alimentar, à promoção da cidadania e ao
desenvolvimento de habilidades que ampliem sua autonomia nas escolhas alimentares e na preparação de refei-
ções saudáveis.
Esses são alguns exemplos de ações possíveis. Os diferentes setores da sociedade (poderes Executivo,
Legislativo, Judiciário, sociedade civil organizada, instituições acadêmicas) desempenham papéis distintos e com-
plementares no planejamento e implementação dessas medidas de incentivo, apoio e proteção à alimentação
saudável. A experiência tem demonstrado que a ação em parceria contribui para a consolidação de medidas
consistentes, inovadoras e condizentes com o complexo perfil epidemiológico de nossa população.

Alguns Exemplos de Ações já Desenvolvidas


Inúmeras e inovadoras ações vêm sendo desenvolvidas em diferentes locais do país. No campo das ações de
‘incentivo’ à alimentação saudável, merece destaque a publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira
(Ministério da Saúde, 2006b). Assemelhado a guias publicados nos últimos anos em outros países e lançado pela
CGPAN em 2005, esse documento estabelece as diretrizes alimentares a serem utilizadas na orientação de esco-
lhas mais saudáveis de alimentos da população. Sua construção partiu dos seguintes princípios: abordagem inte-
grada (visando à prevenção da desnutrição e de outras deficiências nutricionais bem como da obesidade e ao
aumento da resistência a muitas doenças infecciosas); referencial científico e cultura alimentar (evidências cientí-
ficas em relação aos princípios de uma alimentação adequada); referencial positivo (ênfase nos atributos, vanta-
gens e ações factíveis para a adoção de uma alimentação saudável, em vez de enfocar ações que não devem ser
realizadas); explicitação e variação de quantidades (sempre que possível, as recomendações são quantificadas e
expressas com uma margem de variação); alimentos como referência (foco em alimentos e bebidas mais do que
em componentes nutricionais); sustentabilidade ambiental (valorização da produção e do processamento de
alimentos que empreguem tecnologias e recursos ambientalmente sustentáveis); originalidade (dirigido à popu-
lação brasileira com base em sua cultura alimentar); abordagem multifocal (recomendações dirigidas à população
em geral, aos governos ou indústrias, a profissionais da saúde e a famílias).
No campo das ações de ‘apoio’, merece destaque a ‘rotulagem nutricional obrigatória para alimentos e
bebidas embalados’. Regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), inicialmente em
março de 2001, essa iniciativa visa a facilitar a escolha de alimentos saudáveis por meio de informações contidas
nos rótulos, permitindo ao consumidor exercer o direito de conhecer a composição do alimento que está com-
prando e o que está comendo (Anvisa, 2001a, 2001b, 2003a). Ajustes foram feitos nos últimos anos com a intenção
de tornar essa iniciativa mais adequada à inclusão de novos itens nos componentes nutricionais listados (p. ex.,
gordura trans) e aos mecanismos comerciais internacionais (exemplo: regras do Mercosul) (Anvisa, 2003b).
No campo das ações de ‘proteção’, cabe destacar a publicação de ‘regulamento’ técnico da Anvisa que se
aplica “à oferta, propaganda, publicidade, informação e a outras práticas correlatas cujo objetivo seja a divulgação ou
promoção de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio e de
bebidas com baixo teor nutricional” (Anvisa, 2006, grifos nossos).
As ações aqui citadas são exemplos concretos da implementação de pelo menos duas diretrizes da PNAN,
a promoção de práticas alimentares e estilos de vida saudáveis e a prevenção e controle dos distúrbios nutricionais
e de doenças associadas à alimentação e nutrição. São exemplos, também, da implementação das diretrizes de
promoção da alimentação saudável inseridas na Estratégia Global de Alimentação, Atividade Física e Saúde,
aprovada em maio de 2004 na 57ª Assembléia Mundial da Saúde, da qual o Brasil foi signatário (WHO, 2004).

531
Epidemiologia Nutricional

Ações de Monitoramento do Estado Nutricional


da População e de Fatores a Ele Associados
O conhecimento da magnitude e da distribuição social e geográfica dos eventos de interesse para a área de
alimentação e nutrição, bem como o monitoramento das tendências temporais desses eventos são ações funda-
mentais para o planejamento, a avaliação e o redirecionamento de políticas públicas. No Brasil, essas ações vêm
sendo desenvolvidas mediante a combinação de duas vertentes de iniciativas: por um lado, a realização de estudos
nacionais e regionais de base populacional e, por outro, a implementação de sistemas de informação, vigilância e
monitoramento de eventos específicos ou de implementação de políticas e programas (Quadro 2).

Quadro 2 – Inquéritos de base populacional sobre alimentação, nutrição e saúde segundo evento estudado
e ano do estudo. Brasil, 1974-2007
Ano Carências de C o n su m o Disponibilidade de Antropometria Indicadores de saúde
micronutrientes alimentar alimentos
1974 Endef Endef

1976 AMS

1986 PNDS/DHS 1 PNDS/DHS 1

1987 P OF

1989 PNSN PNSN

1990 AMS

1991 PNDS/DHS 2 PNDS/DHS 2

1992 AMS

1996 Multicêntrico P OF PNDS/DHS 3 PNDS/DHS 3

1997 PPV

1998 PNAD

1999 AMS

2002 AMS

P OF
2003 PMS/WHS P OF PMS/WHS
PMS/WHS

2004

C h am ada
2005
Nutricional - MDS

2006 PNDS/DHS 4(a) PNDS/DHS 4(a)

2007 POF(b) POF(b)

Total 1 3 4 8 12

AMS - Assistência Médico-Sanitária (IBGE, 2005).


Endef - Estudo Nacional de Despesas Familiares (IBGE,1980).
Multicêntrico (Galeazzi, Domene & Sichieri, 1997).
PMS/WHS - Pesquisa Mundial de Saúde, World Health Survey (Szwarcwald et al., 2004).

532
Políticas públicas de alimentação e nutrição

PNAD - Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (IBGE, 2006).


PNDS/DHS - Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde/Demographic and Health Survey (Bemfam/
IBGE/MS/DHS/FNUAP/Unicef, 1997).
PNSN - Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (Ministério da Saúde, 1989).
POF - Pesquisa de Orçamentos Familiares (IBGE/MS, 2004, 2006).
PPV - Pesquisa de Padrões de Vida (IBGE, 1997).
(a) Inquérito em fase de análise dos dados, conclusão prevista para 2007.
(b) Inquérito em planejamento, previsto para ir a campo em 2007-2008.

Os estudos de base populacional vêm documentando o processo de transição nutricional principalmente


no que diz respeito a indicadores de produção/disponibilidade dos alimentos e a indicadores antropométricos.
Estudos sobre consumo alimentar efetivo e de diagnóstico por carência de micronutrientes, de abrangência
nacional, embora muito importantes, são raros e devem ser considerados como prioridade em pesquisa. Encon-
tra-se em fase de análise de dados a Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS-DHS), inquérito
planejado e financiado pelo Ministério da Saúde, que possui um módulo para estudar a anemia e hipovitaminose A,
em amostra nacional composta por famílias que têm mulheres em idade fértil e crianças menores de 5 anos.
Não serão detalhadas, aqui, informações sobre os estudos já realizados, mas, a fim de oferecer um panorama
resumido sobre eles, estão apresentados no Quadro 2 os principais inquéritos de base populacional realizados ou em
curso entre os anos de 1974 e 2007, segundo o ano de realização e evento estudado, com a indicação de fontes
bibliográficas para consulta. Quanto aos sistemas de informação, vigilância e monitoramento, cabe destacar, inicial-
mente, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), que é coordenado pelo Ministério da Saúde e tem
se constituído em importante instrumento de monitoramento da situação alimentar e nutricional, em nível local.
São de meados da década de 1970 os primeiros esforços de implantação do Sisvan pelo Ministério da
Saúde, vinculando-o a programas de nutrição (Castro, 1995). Em 1993, a implementação do Sisvan foi estabelecida
como requisito para a adesão dos municípios ao Programa Leite é Saúde. Da mesma forma, em 1998, esse
sistema foi considerado um dos pré-requisitos para adesão ao ICCN. O requisito para a permanência do muni-
cípio no programa era o envio regular de dados provenientes do Sisvan municipal. A partir de 1999, com apro-
vação da PNAN, o Sisvan foi ampliado e aperfeiçoado, de modo a estender sua cobertura a todo o país.
Com a criação do PBA em 2001, foi iniciada a construção de um sistema informatizado para a coleta de
informações referentes à população usuária do SUS e beneficiária do programa a partir dos municípios. Em
2004, a CGPAN concluiu o projeto do sistema informatizado e publicou portaria (Ministério da Saúde, 2004)
que instituiu e divulgou as orientações para a implementação do Sisvan, no âmbito das ações básicas de saúde do
SUS, em todo o território nacional. Em agosto de 2007, o site do Sisvan informou que 5.222 municípios estavam
incluindo dados sobre o acompanhamento das condicionalidades de saúde do Programa Bolsa Família, e durante
o primeiro semestre deste ano foram monitoradas 4.425.320 de famílias do programa (CGPAN, 2007; Ministério
da Saúde, 2007).
Outro sistema relevante é o Sistema de Nascidos Vivos (Sinasc), que, estruturado no início da década de
1990, vem sendo aperfeiçoado desde então. Ele fornece informações sobre o peso ao nascer do universo
de crianças nascidas em unidades de saúde e sobre alguns fatores associados a este desfecho como, por exemplo,
idade e escolaridade maternas e idade gestacional (Mello-Jorge et al., 1993).
Nos últimos anos, inspirando-se na experiência de outros países e em recomendações da OMS sobre o
tema, o Brasil começou a estruturar a implementação de sistemas de monitoramento de fatores de risco à saúde
com foco naqueles associados às DCNT, entre eles o consumo alimentar e a prática regular de atividades físicas.

533
Epidemiologia Nutricional

No momento, sob coordenação da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS), estão em
fase de estruturação dois sistemas, ambos baseados em amostras probabilísticas da população de interesse: um
dirigido à população adulta e baseado em informações coletadas em entrevistas telefônicas, e outro dirigido à
população adolescente e baseado em informações coletadas por meio de questionários preenchidos pelos próprios
respondentes, aplicados na rede de ensino fundamental.
Também nos últimos anos, vem sendo implantada a Política de Avaliação e Monitoramento do MDS,
iniciada desde a criação deste ministério, em 2004. A Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (Sagi) do
MDS é o órgão responsável pelo sistema de avaliação e monitoramento das políticas desta pasta, cujo objetivo
central é melhorar a gestão e o desempenho das políticas de desenvolvimento social.
Pelo exposto, várias iniciativas vêm sendo feitas para o monitoramento e a documentação da situação
nutricional da população brasileira. Entretanto, muito ainda há que avançar e aprimorar, de modo a agilizar os
processos de análise, disseminação e aplicação prática dos resultados obtidos.

Avanços Recentes na Definição de Diretrizes Nacionais


para a Promoção da Saúde
Três documentos oficiais publicados recentemente expressam importantes avanços em termos de definição
de diretrizes nacionais no campo da promoção da saúde. Neles, a promoção da alimentação saudável é conside-
rada ação prioritária. De certa forma, esses dois documentos concretizam diretrizes estabelecidas na PNAN, que,
como já comentado, foi um marco histórico em termos de redefinição do escopo das políticas públicas em
alimentação e nutrição diante da transição nutricional.
O primeiro documento é a Política Nacional de Promoção da Saúde, publicado em março de 2006 (Brasil,
2006b). Suas diretrizes são: reconhecer na promoção da saúde uma parte fundamental da busca da eqüidade e da
melhoria da qualidade de vida e de saúde; estimular as ações intersetoriais, buscando parcerias que propiciem o
desenvolvimento integral das ações de promoção da saúde; fortalecer a participação social como fundamental na
consecução de resultados de promoção da saúde, em especial a eqüidade e o empoderamento individual e comu-
nitário; promover mudanças na cultura organizacional, com vistas à adoção de práticas horizontais de gestão e ao
estabelecimento de redes de cooperação intersetoriais; incentivar a pesquisa em promoção da saúde, avaliando
eficiência, eficácia, efetividade e segurança das ações prestadas; divulgar e informar iniciativas voltadas para a
promoção da saúde entre profissionais da saúde, gestores e usuários do SUS, considerando metodologias
participativas e os saberes populares e tradicionais.
O segundo documento é a Política Nacional de Atenção Básica, publicado em 28 março de 2006 (Brasil,
2006a), que estabelece as diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o PSF e o Programa
Agentes Comunitários de Saúde (Pacs). Este é um lócus estratégico, no âmbito do setor Saúde, para a implementação
das ações de alimentação e nutrição.
O terceiro documento é a portaria n. 1.010, publicada em maio de 2006 pelo Ministério da Saúde em
conjunto com o Ministério da Educação, que apresenta diretrizes para a promoção da alimentação saudável nas
escolas (Brasil, 2006d). É dirigido a escolas públicas e privadas e apresenta cinco eixos: Educação nutricional
(ações dirigidas ao currículo e ações de mobilização); Hortas comunitárias; Segurança alimentar (boas práticas
tanto no programa de alimentação escolar quanto nas cafeterias/cantinas); Restrição de venda e propaganda de
alimentos nas cantinas escolares; Monitoramento do estado nutricional dos estudantes.
Primeiro documento legal sobre o tema publicado em conjunto por esses dois ministérios, essa portaria
fornece diretrizes muito claras para a atuação dos diferentes atores sociais no ambiente escolar, espaço privilegiado
para a promoção da alimentação saudável.

534
Políticas públicas de alimentação e nutrição

Considerações Finais
A análise das políticas públicas desde os anos 80 até o presente demonstra, sem dúvida, avanços na ação
governamental. Movimentos sucessivos pela descentralização da gestão foram desencadeados, acompanhados das
respectivas regulamentações para o repasse direto dos recursos financeiros em nível local. Verifica-se uma mudança
de paradigma no combate à pobreza e na promoção da segurança alimentar e nutricional, com a substituição de
programas de distribuição de alimentos pela transferência direta de renda. Esforços concretos para a melhoria do
delineamento dos programas e para a construção de uma agenda de promoção da saúde e da alimentação saudável
foram feitos, embora não tenham ainda apresentado repercussão programática na maioria dos municípios do
país. Contudo, é evidente que as políticas públicas não dialogam entre si e que não buscam juntar suas forças
institucionais para uma agenda única mais efetiva e coerente com os problemas existentes.
O desafio que está posto para os gestores das políticas públicas de alimentação e nutrição no âmbito da
saúde é, portanto, o de desenvolver, fomentar e articular ações que respondam de forma resolutiva ao dinâmico
processo de transição nutricional, em um cenário socioeconômico de profundas desigualdades sociais. Para isso,
é necessário aprofundar e consolidar a atuação em dois grandes eixos: o primeiro no âmbito do SUS, e o segundo
em âmbito intersetorial. No contexto do SUS, a agenda que se coloca é a de estruturação e ampliação da cober-
tura de ações que:
a) subsidiem e instrumentalizem a atuação dos gestores e profissionais da saúde no acompanhamento
nutricional da população, permitindo o diagnóstico precoce e o manejo dos agravos nutricionais, e
na promoção da saúde e da alimentação saudável;
b) apóiem os gestores locais nas ações de promoção da segurança alimentar e nutricional, inclusive com
incentivos financeiros que facilitem aos gestores cumprir as condicionalidades de saúde dos progra-
mas de transferência de renda, importantes janelas de oportunidade para a promoção da saúde e da
alimentação saudável;
c) disponibilizem mais recursos humanos e financeiros para atender às novas demandas da população
que emergem do cenário da transição nutricional e desembocam nos diversos níveis de complexidade
dos serviços de saúde.

No âmbito intersetorial, cabe ao setor Saúde protagonizar e influenciar processos decisórios que visem à
formulação e implementação de políticas públicas voltadas para os determinantes dos agravos nutricionais, e não
simplesmente para os seus desfechos, como a desnutrição e a obesidade. Para tanto, é imperativa a definição de
uma instância coordenadora de uma agenda governamental, desenvolvida com enfoque multidisciplinar, coerente
com o perfil epidemiológico da população e integrada às políticas já estabelecidas e reconhecidamente efetivas.
Os esforços para o enfrentamento da transição nutricional devem ser concomitantes aos da redução da desigualdade
social e permear a ação dos governos, do setor produtivo e da sociedade civil. O desafio é para todos.

535
Epidemiologia Nutricional

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541
31
Janelas Críticas para Programação Metabólica
e Epigênese Transgeracional

Aníbal Sanchez Moura

E studos recentes em epidemiologia e biologia experimental demonstram que o desenvolvimento bioló-


gico é sempre resultado da interação entre o ser biológico e o meio ambiente. Modificações no meio (nutrição,
temperatura e estresse) interagem com as características biológicas (genética, idade e sexo) determinando o
surgimento de fenótipos específicos. Tais fenótipos, por sua vez, representam o produto da organização de indi-
víduos adaptados (ou não) a situações ambientais diversas, refletindo-se, em última instância, como indivíduos
saudáveis ou doentes. Esse conceito, embora de senso comum, somente nas últimas décadas obteve atenção
sistemática no meio científico.
Alguns estudos epidemiológicos são seminais no desenvolvimento da teoria que aborda o poder de deter-
minação pregressa no surgimento de doenças crônicas. Nesses trabalhos estudou-se, basicamente, a associação
entre baixo peso ao nascer e desenvolvimento de patologias na idade adulta. Nesta categoria encontram-se os
estudos realizados em Wales, na Inglaterra, por David Barker e Clive Osmond em 1986 em coortes de crianças
nascidas no início do século XX (∼ 1920) e estudadas quando adultas (∼ 1980). Os autores concluem nesses
trabalhos que a nutrição no início da vida associa-se a Doenças Cardiovasculares (DCV) na idade adulta. Deriva
desses estudos a teoria da “origem fetal das doenças”, que marca decisivamente os estudos epidemiológicos e de
biologia experimental nos últimos trinta anos (Barker, 2004).
Essa teoria tem se confirmado em uma série de outros trabalhos nos quais se demonstra a existência de um
padrão de desenvolvimento dependente das condições de desenvolvimento fetal, assim como do ambiente e das
condições perinatais. Para sua consolidação, tornou-se necessário estabelecer critérios para se determinar, entre
outros, se tais doenças são ou não reversíveis. Alguns estudos permitiram a avaliação dessa teoria seguindo critérios
e metodologias mais acuradas. Por exemplo, registros médicos em diferentes momentos no início da vida de
populações permitiram observar se causas pregressas eram determinantes de doenças a longo prazo (Waterland &
Garza, 1999). No clássico estudo da população holandesa adulta, que durante a Segunda Guerra Mundial passou
por períodos de desnutrição, foi possível, por meio do controle de um amplo conjunto de variáveis, confirmar a
relação entre a disponibilidade de nutrientes durante a gestação e a reversibilidade ou não de algumas doenças
crônicas. A particular situação dessa população deveu-se ao fato de que nas proximidades do final da Segunda
Guerra Mundial o governo holandês no exílio determinou que a resistência holandesa colaborasse com as tropas
aliadas em diferentes ataques aos alemães. Como retaliação, os nazistas determinaram o cerco da Holanda,
proibindo a entrada de comida e energia. Mais tarde foi permitida a entrada de comida; entretanto, por

543
Epidemiologia Nutricional

motivos de estratégia de guerra, a comida deveria ser distribuída através dos rios, onde o controle nazista se
dava de forma mais eficiente. A chegada da comida aos holandeses foi impossibilitada pela imprevisibilidade
do clima. Naquele ano de 1944, o inverno se antecipou. Os rios congelaram, a natureza e os homens em
guerra produziram um grande episódio de fome conhecido como The 1944-1945 Dutch Famine. A existên-
cia de um sistema de registro e a organização da população na guerra, fazendo uma distribuição de alimentos
conforme as demandas necessárias para a defesa militar da Holanda, a despeito do caráter trágico desse
evento, gerou uma rica fonte de dados. Pode-se, hoje, afirmar que grande parte dos estudos sobre efeitos da
nutrição no início da vida no desenvolvimento de doenças crônicas, tais como doenças cardiovasculares,
metabólicas e câncer, baseia-se nas evidências provenientes de estudos dessas populações anos após o inverno
de 1944-1945. No caso do câncer de mama, fortes evidências demonstram que o desenvolvimento da
doença deve-se à desnutrição, assim como ao processo de realimentação. Ou seja, o período e a magnitude
do processo de realimentação determinariam a reorganização celular em um padrão que se desenvolveria em
direção a determinadas patologias (Susser & Stein, 1994).
As informações provenientes dessas populações permitem, hoje, demonstrar com mais ênfase que a interação
entre o meio ambiente e o ser biológico opera constantes alterações, gerando ou não adaptações fisiológicas. Tais
adaptações refletem o equilíbrio dinâmico entre o meio interno e o meio externo. Pode-se dizer, portanto, que o
desenvolvimento biológico é o desenvolvimento dessas interações e suas resultantes e originais adaptações.
Ou seja, alterações decorrentes da participação desproporcional (por falta ou excesso) dos fatores constituintes
dessa delicada dinâmica geram desvios do desenvolvimento normal, fazendo surgir novos padrões de equilíbrio
metabólico e, por incapacidade de fazer emergir e manter tais padrões, a doença surge. Diversos estudos
epidemiológicos e experimentais mostram que, nas interações com o ambiente, o organismo pode responder
agudamente, ou seja, identificando a interação, reagindo e se reconstituindo, ou também, cronicamente, adap-
tando-se mediante modificações fisiológicas permanentes.

O Conceito de Impressão Metabólica:


janela de exposição (critical window)
As modificações geradas nos indivíduos na idade adulta e decorrentes de ação ambiental (p. ex., disponibi-
lidade de nutrientes) podem ser de duas ordens: 1) mantidas como resposta à manutenção do estímulo (negativo
ou positivo) externo (ex: condições sociais) ou por modificações estruturais do meio interno (p. ex., acidentes);
2) permanentes após a retirada do agente indutor do processo adaptativo. Assim, alguns processos adaptativos
gerados em resposta a insulto externo, como a desnutrição, são mantidos mesmo quando a nutrição normal é
restituída. Nessa perspectiva, diversos autores têm mostrado que o diabetes e as DCV podem ter etiopatogenias
constituídas pelo desequilíbrio na interação entre o indivíduo e variáveis ambientais (p. ex., nutrição) em deter-
minado período da vida. Assim, para a compreensão do desenvolvimento das doenças tem-se utilizado como
conceito a idéia de janela de exposição (momento de maior risco), ou seja, o momento no qual ocorre a impressão
ou estampagem e, com o seu desdobramento, a programação metabólica.
Em relação à janela de exposição, são características de sua potencialidade na determinação de doenças
na idade adulta o período da vida em que ocorre e a sua intensidade. Por exemplo, em relação a determinadas
doenças a ocorrência de desnutrição na gestação determina efeitos prospectivos muito mais amplos que a
desnutrição na idade adulta. Entretanto, tal afirmativa não restringe a idéia de janela de exposição ao período
gestacional, já que é possível determinar períodos de intensa vulnerabilidade em outras idades – por exemplo,
na adolescência. Outros determinantes podem conferir maior ou menor capacidade de programação biológica.
Por exemplo, características dos indivíduos podem ampliar ou reduzir a ação do meio durante a janela de

544
Janelas críticas para programação metabólica ...

exposição. É, entretanto característica temporalmente marcada dos organismos a sua capacidade de adap-
tação metabólica. Em condições fora da normalidade, pode ocorrer a produção ou inibição de proteínas
responsáveis pela regulação de hormônios. Condições nutricionais diferenciadas podem induzir mecanismos
voltados para a inibição da expressão de determinados genes. Adicionalmente, a interação entre os fatores
ambientais e o ser biológico depende de perfil genômico. Por exemplo, são conhecidas as diferenças de resposta
metabólica entre caucasianos, negros e outras etnias submetidas às mesmas condições ambientais em relação ao
desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. Ou seja, os fatores ambientais interagem com as
características dos indivíduos, o que dimensiona, de certa forma, a relação entre momento e intensidade na
configuração do efeito tardio.

Janelas de Exposição e Sistemas Controladores


O ambiente penetra nos indivíduos, basicamente, por intermédio de estímulos sobre o sistema nervoso,
determinando, por exemplo, por meio de nutrientes ou ausência de nutrientes, particulares respostas. Ao sistema
nervoso associa-se o sistema endócrino e, por conseguinte, as relações entre os dois sistemas dão seguimento às
instruções ambientais no interior do organismo. A combinação de meio ambiente (nutrientes disponíveis), recepção
do sistema nervoso e modulação do sistema endócrino gerará diferentes efeitos, dependendo da fase de desenvolvi-
mento. Em períodos específicos do desenvolvimento – por exemplo, no período fetal e durante a lactação –, são
estabelecidos os mecanismos de controle do sistema nervoso e hormonal que desenvolvem as suas configurações e
inter-relações. A integração entre os dois sistemas é tema de uma série de estudos em animais e em humanos que
demonstram a importância de modificações neuro-hormonais no início da vida no surgimento de diferentes pato-
logias na idade adulta. Demonstra-se que a modulação da ingestão de nutrientes, armazenamento e utilização de
fontes energéticas na idade adulta depende de configurações nervosas e hormonais desenvolvidas no hipotálamo no
início da vida. No período fetal, ou mesmo no início da lactação, caso tal circuitaria neuro-hormonal seja obrigada
à adaptação a situações de desnutrição, seu desenvolvimento morfológico e fisiológico modifica-se, podendo ficar
permanentemente alterado, mesmo quando a alimentação retorne à normalidade. No caso específico da desnu-
trição na gestação e/ou lactação, as adaptações do organismo geradas como respostas a condições de carência
nutricional induzem, entre outros ajustes, o aumento da sua capacidade de utilização dos nutrientes. O resultado
de tais adaptações pode ser observado quando estudamos hormônios, tais como a insulina, para os quais o organis-
mo aumenta a sua sensibilidade no momento em que ocorre inibição de sua secreção. Entretanto, ao serem restabelecidas
as condições normais de alimentação, a circuitaria hipotalâmica e seu controle sobre as vias neuro-hormonais se man-
têm em descompasso com a utilização adaptada de nutrientes e seu provimento normal (Moura et al., 2002).
Por meio do estudo em humanos e diferentes modelos experimentais, busca-se explicar as situações
observadas em humanos nas quais modificações nutricionais em janelas de exposição determinam padrões
diferentes de fome e saciedade. Distúrbios alimentares encontrados em adultos, tais como os expressos em
obesos, têm sido associados com anormalidades nutricionais ocorridas durante determinadas janelas de exposi-
ção na infância e na adolescência. A descoberta de uma série de hormônios dependentes de certos aportes
nutricionais que ocorrem em fases específicas do desenvolvimento e que agem em área específica do cérebro, tais
como a colecistocinina, grelina, Neuropeptídeo Y (NPY), adiponectina e insulina, permite estudos em bases
científicas mais rigorosas (Bouret & Simerly, 2006). Especial interesse tem despertado a descoberta da leptina
(Zhang et al., 1994). Este hormônio, produzido por adipócitos, exerce ação sobre a modulação do processo de
fome-saciedade no hipotálamo, assim como controlador da partição energética periférica. Interessante observar
também que a síntese desses hormônios depende da ação de nutrientes em seus respectivos genes, e principal-
mente que tal ação modulatória nutricional ocorre em momentos particulares do desenvolvimento. Por exem-
plo, a descoberta de neurotransmissores, tais como NPY, Agouti-Related Peptide (AGRP), Proopiomelanocortin

545
Epidemiologia Nutricional

(POMC) e Cocaine inducible element (CART), reveste-se de importância porque constituem, conjuntamente
com a leptina, hormônios que organizam os circuitos neuronais hipotalâmicos, determinantes da modulação
fina do processo de fome-saciedade (Berthoud, 2002). Sabemos, hoje, que a leptina e a insulina, cuja secre-
ção e ação no início da vida são determinadas pelo aporte nutricional, têm vital importância no desenvolvi-
mento morfológico dessa circuitaria. Ou seja, a leptina age diretamente não só no metabolismo, mas tam-
bém na configuração da circuitaria neural responsável pelo controle da fome-saciedade.
A presença ou ausência de nutrientes em janelas críticas do desenvolvimento, por meio de estímulo ou
inibição da secreção de hormônios, altera a funcionalidade dos órgãos. Tais órgãos alterados, por sua vez,
dependem de padrões de ação hormonal específicos para utilização desses mesmos nutrientes. Fecha-se, assim,
um ciclo inaugurado pelo processo de estampagem ou imprinting, induzido por alteração nutricional e manti-
do pelas demandas de suas alterações pregressas em um processo denominado programação metabólica.

Janela de Exposição e Programação de Doenças


Trabalhos pioneiros demonstraram associação entre variações nutricionais em períodos específicos do iní-
cio da vida (janelas de exposição), como causa de efeitos prospectivos no metabolismo energético nos indivíduos
quando adultos. Demonstrou-se, basicamente, que a resistência à insulina, assim como a sua secreção, encon-
tram-se alteradas nos adultos desnutridos na gestação. Tal associação reveste-se de importância porque o efeito da
insulina, associada a outros hormônios, entre os quais a leptina, no crescimento e metabolismo celular é decisivo.
Sabe-se, por exemplo, que integrando-se os dois hormônios, a insulina estimula a adipogênese (Barr et al., 1997),
modificando a disponibilização e ação da leptina. Por sua vez, os receptores da leptina presentes nas células
betapancreáticas inibem secreção de insulina (Emilsson et al., 1997), determinando a existência de um eixo
adipoinsular, no qual a secreção de insulina estimula a adipogênese, com concomitante aumento da produção de
leptina. Também, por meio de mecanismo de retroalimentação, a leptina produzida reduziria a secreção de
insulina, reduzindo, por sua vez, a adipogênese.
Estudos epidemiológicos realizados em países como Inglaterra, Estados Unidos e Suécia mostram que o
Baixo Peso ao Nascer (BPN) associa-se a modificações na homeostase glicêmica dos indivíduos quando adultos.
Sabe-se também que a redução de nutrientes na fase fetal programa prospectivamente alterações na secreção e
ação da insulina. Basicamente, em estudos em humanos e experimentais em animais, o BPN como resultado da
redução da disponibilidade de nutrientes ao feto determina adaptação metabólica. Dessa forma, por exemplo, a
baixa estatura na idade adulta pode ser considerada um indicador epidemiológico de nutrição pregressa, assim
como resultado de adaptação metabólica construída como resposta à carência nutricional na infância.
O crescimento da criança depende da interação entre o ambiente fetal e a plasticidade metabólica do feto.
Ou seja, durante o desenvolvimento fetal as determinações genéticas indutoras do crescimento dependem, para
sua expressão, por exemplo, do aporte e disponibilidade, assim como da capacidade de utilizar nutrientes.
A determinação materna desse processo pode ser considerada preponderante nesta fase (ou janela) do desenvol-
vimento. Por exemplo, o implante de óvulo proveniente de mães altas em mães de baixa estatura, em condições
ambientais similares, fez com que os fetos se desenvolvessem em crianças de baixa estatura. Pode-se, assim, dizer
que as determinações genéticas do crescimento podem ser relativizadas pelos fatores ambientais conferidos ao
feto pela mãe. Ou seja, o ambiente gerado pela relação mãe-feto-nutriente constitui-se em forte determinante da
plasticidade do feto e, portanto, de sua adaptabilidade (Jones, 2005).
É evidente que a plasticidade conferida pelo ambiente fetal pode ser também entendida como uma forma
de priorização de respostas metabólicas. Ou seja, os nutrientes fluem para sistemas essenciais à manutenção da
vida em prejuízo de outros não tão essenciais. Dessa forma, o organismo se adapta, aperfeiçoa determinados
sistemas e sobrevive. Entretanto, tal processo gera um custo. Por exemplo, o organismo reduz o número de

546
Janelas críticas para programação metabólica ...

células. Tal redução, importante como resposta adaptativa no período fetal, induz deficiências fundamentais
na idade adulta (Moura et al., 2002).
Também clássicos são os estudos que associam variações nutricionais durante a janela de exposição e
alteração do desenvolvimento do coração e do sistema circulatório. Em biologia experimental, na tentativa
da criação de modelos experimentais que contemplem tal interação, diferentes animais geneticamente mo-
dificados foram desenvolvidos.
A origem dessas doenças parece ter também uma explicação na alteração neuro-hormonal desencadeada
durante a janela de exposição, quando ocorre variação de provimento nutricional. Além do que foi anteriormente
assinalado, sabemos que o efeito prospectivo da desnutrição na gestação leva à obesidade, que, por sua vez, reduz
a secreção de insulina, alterando a adipogênese. Tal obesidade adquirida determina um processo de dessensibilização
do receptor de leptina hipotalâmico, constituindo-se em importante fator causal da hiperfagia, que, por sua vez,
determinaria a redução da sensibilidade à insulina, induzindo aumento na secreção da insulina. Esse raciocínio
oferece uma interessante ligação para a observada associação entre obesidade, diabetes e DCV.
A determinação de alterações dos sistemas hormonais, tais como o sistema insulina-leptina induzido por
variações nutricionais durante a janela de exposição, se reflete nas DCV. Demonstra-se, por exemplo, que
concentrações elevadas de leptina se associam ao aumento da freqüência cardíaca e da pressão arterial e tam-
bém ao aumento da espessura do miocárdio, independentemente da composição corpórea e dos níveis de
pressão sangüínea. Em modelo experimental, comparando-se animais controle obesos e hipertensos espontâ-
neos, também se verifica que a leptina induz inibição da contração de cardiomiócitos nos animais controle e é
incapaz de agir nos miócitos dos ratos obesos e hipertensos (Casto, Vanness & Overton, 1998; Shek, Brands
& Hall, 1998; Paolisso et al., 1999). Ou seja, na obesidade, a ação da leptina nos cardiomiócitos pode ser
inibida. Sugere-se que tal processo ocorra nos cardiomiócitos através de modificações na cascata de sinalização
do hormônio, especificamente por alteração de proteínas da cascata de sinalização da insulina, relacionadas ao
metabolismo energético e crescimento celular, como as da via Janus Tyrosine Kinase/Signal Transducer and
Activator of Transcription (JAK/Stat) e Mitogen-Activated Protein kinase (MAP kinase). Ou seja, provavelmente
alterações no diálogo molecular induzido por desnutrição no início da vida entre a leptina e a insulina durante
o processo de sinalização hormonal em seus estágios pós-receptores participam na etiopatogenia da hipertrofia
ventricular cardíaca em obesos (Pereira et al., 2006).
O aumento da resistência à insulina desenvolvido a partir de alteração nutricional no início pode induzir
uma maior demanda na secreção de insulina. Tal processo se dá inicialmente e se constitui em forma adaptativa
voltada para a proteção contra o surgimento do diabetes tipo 2. Entretanto, outros fatores se associam à
hiperinsulinemia, como hipertensão, dislipidemia com aumento de triglicerídeos e redução de lipoproteínas de
baixa densidade (HDL-C).
Recentes evidências têm demonstrado relação entre a desnutrição no início da vida e o desenvolvimento de
câncer na idade adulta. Por exemplo, mulheres que foram submetidas à desnutrição no início da gestação durante
a fome holandesa de 44-45 apresentaram risco de câncer de mama cinco vezes maior quando comparadas com
mulheres não expostas à fome no período perinatal. Acrescenta-se ainda que o surgimento do câncer de mama
nessas mulheres não está associado aos fatores de risco comuns desta doença. A despeito da exigüidade de estudos
que especificamente abordem os mecanismos indutores desse processo, algumas hipóteses têm sido levantadas,
como, por exemplo, a de que a retomada de uma alimentação normal e crescimento físico nessa população levaria
a uma rápida proliferação celular, acarretando a produção maior e desequilibrada de fatores de crescimento, que
prospectivamente poderia determinar o surgimento do câncer. Mais ainda, sugere-se que, determinada por con-
dições nutricionais, ocorreria redução do processo proliferativo, por exemplo, de células-tronco, conservando-se,
entretanto, a potência proliferativa. Assim, por ocasião do processo de alimentação normal, as células retomariam
a sua capacidade proliferativa em um ambiente estranho ao seu próprio desenvolvimento. As observações sobre a

547
Epidemiologia Nutricional

associação entre peso ao nascer, velocidade de crescimento na infância e surgimento de câncer de mama na idade
adulta poderiam ser explicadas não apenas pelo processo carencial, mas também por um sistema que integre a
carência e a normalização nutricional. Ou seja, nessas populações desnutridas no início do processo gestacional
e depois nutridas de forma normal, o catch-up determinaria as condições para o estabelecimento do câncer
(Elias et al., 2005). Alguns autores sugerem que mecanismos celulares responsáveis pela ativação do sistema
de coagulação extrínseco acompanham a normalização nutricional e a cascata fibrinolítica. Tais processos,
por sua vez, estando também associados ao crescimento, invasão e metástase, facilitariam o desenvolvimento
de câncer. Por exemplo, as altas concentrações de fibrinogênio, um potente marcador de câncer presente nas
mulheres holandesas, sugerem que o processo de programação metabólico voltado para a recuperação do
crescimento gera também agentes aterogênicos (Roseboom et al., 2000a, 2000b).

As Janelas de Exposição e Epigênese Transgeracional Nutricional


Hoje, pode-se dizer que o poder de programação metabólica induzido por alterações nutricionais em
determinadas fases da vida encontra-se bem caracterizado. Entretanto, novas questões têm sido apresentadas aos
estudiosos deste campo. No caso da origem fetal da programação metabólica, seriam as programações desenvol-
vidas decorrentes de específicos nutrientes ou da interação destes com a fisiologia materna? Acrescenta-se ainda a
discussão sobre a possibilidade de um provável processo de transmissão transgeracional da totalidade ou parte da
variabilidade metabólica obtida.
Nos estudos epidemiológicos, a interação entre a saúde da mãe e o aporte nutricional durante a gestação se
mostra relevante. Os dados atuais revelam que uma parcela importante das mulheres gestantes é portadora de
sobrepeso, o que dificulta a interpretação de uma ‘origem fetal’ de doenças. É preciso separar a programação
metabólica adquirida pelos filhos daquela que decorre da associação entre nutrientes específicos ou de outras
determinações da obesidade dessas mães. Novas indagações científicas sobre o conceito de ‘janela de exposição’
têm determinado redefinições que permitam a absorção de novos e complexos conjuntos de variáveis.
Atendendo às demandas teóricas aqui apresentadas, recentemente, com a ampliação de instrumental teórico
e técnico em biologia, tais como o desvendamento tanto do genoma quanto de sua fisiologia, têm sido abertas novas
possibilidades da análise da determinação prospectiva de certas doenças. Neste contexto, avanços têm sido obtidos
com disciplinas que privilegiam como centro de investigação a progressão de um fenótipo sadio a um fenótipo
característico de uma doença crônica, como resultante de modificações na expressão gênica. Mais especificamente,
como resultante da atividade de proteínas, enzimas e outras substâncias químicas. Parte-se do princípio de que a
informação genômica pode ser modulada diferentemente por variações quantitativas e qualitativas de nutrientes.
Assim, uma expressiva produção científica demonstra que diferentes moléculas químicas dos alimentos agiriam de
forma particular no gene. Por exemplo, no milho, um alimento mundialmente utilizado, tem-se demonstrado que
diferentes ácidos graxos livres, triglerídeos, tocoferol, esteróis e outras substâncias exercem ação individualizada no
interior da célula e, em particular, na fisiologia gênica. Também no leite humano tem-se demonstrado que substân-
cias químicas nele presentes alteram e modulam a expressão gênica (Kaput & Rodriguez, 2004).
Durante os períodos de alta sensibilidade às influências ambientais, as alterações metabólicas
prospectivamente induzem programações metabólicas, e os fatores indutores de impressão provavelmente são
constituídos por eventos combinados de relação imediata com o meio, assim como com fatores provenientes de
mães anteriormente modificadas. Tais modificações, por sua vez, podem gerar alterações gênicas que podem ou
não ser transferidas aos filhos, ou seja, de forma transgeracional (Anway et al., 2005; Newbold et al., 1998,
2000). Por exemplo, sabemos que a expressão de um gene pode ser afetada direta ou indiretamente. Ou seja, os
nutrientes podem agir ligando-se aos fatores de transcrição e determinar qualitativamente a fisiologia gênica.
Também, o provimento desbalanceado de nutrientes pode alterar as concentrações de substratos necessários para

548
Janelas críticas para programação metabólica ...

a ativação de vias metabólicas de sustentação da maquinaria gênica. No caso de modificação do balanço


energético intracelular por meio de alteração da presença de ácidos graxos livres, encontram-se modificadas
as vias de
β-oxidação, que alteram a homeostase celular do Nicotinamide Adenine Dinuleotide (NAD). Sabe-se que, em
tal processo, a reoxidação do NAD determinará modificação na atividade de transporte mitocondrial de
elétrons, que se constitui em um co-fator das proteínas responsáveis pela remodelação da cromatina. Ou
seja, partindo-se de alterações na disponibilidade de ácidos graxos, obtém-se modificação na expressão gênica.
Mais ainda, a remodelação da cromatina determina efeitos crônicos na expressão e regulação gênica por meio
da acetilação de histonas, ou mesmo da metilação do DNA. A capacidade de transmissão de modulação da
informação gênica
de uma geração a outra determinaria a manutenção ou não de uma programação específica.
O conceito de epigênese foi inicialmente definido como “o desenvolvimento do processo de transformação
de um genótipo num fenótipo”, e mais recentemente como “herança de informação baseada na expressão gênica
e não na seqüência de genes (genética)”. Alguns autores têm também chamado “código epigenético” ao fenômeno
determinante da escolha seletiva de alguns poucos genes para determinada expressão. Por exemplo, todo tecido
contém os mesmos trinta mil genes, mas apenas alguns são selecionados para gerar o fenótipo específico. Adicional-
mente, esse código epigênico é constituído de subcódigos, como, por exemplo, o código de metilação do DNA,
o código de metilação/acetilação/fosfolorização das histonas e o código da coregulação. Esses códigos interagem,
definindo meticulosamente a remodelação da cromatina. Ou seja, permitem que ocorram ativação e regulação de
fatores de transcrição que, por sua vez, realizam o reconhecimento, ativação ou silenciamento transitório ou
permante de determinados genes. O processo mantido ou alterado de remodelação da cromatina pode ser tran-
sitória ou permanentemente propagado por mitose ou meiose, tendo, portanto, a capacidade de determinar a
estabilização de transmissão de novos estados regulatórios para a célula e, por conseguinte, para o organismo
(Jablonga & Lamb, 2002). Tal mecanismo reforça a possibilidade de que a ação de nutrientes em períodos críticos
(janelas de exposição) modifique, por meio da integração diferenciada de diferentes genes com mecanismos epigênicos,
a cromatina e respectivos fatores de transcrição. Nutrientes determinariam a desorganização do processo epigênico,
podendo gerar prospectivamente o surgimento de doenças como o câncer e o diabetes, e explicariam também o
caráter transgeracional hoje observados nestas doenças (Crews & McLachlan, 2006).
A potência do processo é dependente do momento do desenvolvimento. Por exemplo, a leptina, que tem,
entre outras funções, a de regular o processo de fome e saciedade, como já descrito aqui, tem esta ação estabelecida
em um breve período pós-natal. A interação entre nutrientes específicos e a leptina na determinação do compor-
tamento alimentar depende do momento do desenvolvimento em que se dá a remodelação da cromatina.
O período determinante da ação prospectiva da leptina não coincide com o da ação de outros hormônios, tais
como o Insulin Growth Factor (IGF) ou receptores de glicocorticóides e seus respectivos promotores, o que
explica a complexidade desse fenômeno.

Considerações Finais
As idéias de janela de exposição, impressão e programação metabólica, epigênese, assim como de epigênese
transgeracional, permitem, hoje, que a relação entre o meio ambiente e o ser biológico seja vista de forma reno-
vada. A despeito do progresso multidisciplinar que tem permitido o avanço dessas idéias, ainda persistem intrica-
dos problemas teóricos e experimentais. Por exemplo, a caracterização temporal das janelas de exposição a grande
variação no tempo para o surgimento e amadurecimento dos sistemas. Alguns sistemas apresentam alta
vulnerabilidade durante a gestação, outros durante a lactação, na adolescência, ou mesmo em adultos.
A irreversibilidade da programação e a transferência epigênica transgeracional continuam a desafiar os cientistas

549
Epidemiologia Nutricional

como idéias que ainda procuram métodos mais vigorosos para sua averiguação. Entretanto, a conexão entre
a epidemiologia e a biologia e o seu recíproco enriquecimento seguramente permitem caminhar em direção
a políticas de saúde pública cada vez mais efetivas.

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Janelas críticas para programação metabólica ...

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551
32
Efeitos a Longo Prazo da Nutrição na Infância

Bernardo Lessa Horta

N os últimos anos, tem havido um grande interesse na avaliação dos fatores de risco para a ocorrência de
doenças crônicas na perspectiva do ciclo vital (Ben-Shlomo & Kuh, 2002). Grande parte desse interesse foi
despertada pelos achados de Barker (1992) de que o peso ao nascer estava associado com o desenvolvimento de
doenças crônicas, tais como diabetes, hipertensão e cardiopatia isquêmica. Estudos subseqüentes, realizados em
diferentes países, também encontraram um maior risco de doenças crônicas em adultos que nasceram com baixo
peso (Rich-Edwards et al., 1997; Newsome et al., 2003; Horta et al., 2003). Tais evidências levaram ao desenvol-
vimento da hipótese da origem fetal das doenças, também conhecida como hipótese de Barker, que propôs que o
feto seria programado intra-útero, principalmente por fatores nutricionais que influenciariam o metabolismo e a
fisiologia desse indivíduo por toda a vida. De acordo com a hipótese de Barker, a desnutrição fetal provocaria
mudanças na estrutura e função de certos órgãos, aumentando a chance de o feto sobreviver, que por outro lado
aumentaria o risco do desenvolvimento de doenças na idade adulta. Atualmente, esta hipótese tem sido reconhe-
cida como teoria desenvolvimentista da origem da saúde e doença (Gluckman & Hanson, 2004). A maioria dos
estudos iniciais sobre a hipótese de Barker utilizou o peso ao nascer como um indicador da nutrição intra-uterina
(Adair & Dahly, 2005), embora seja determinado tanto pela duração da gestação como pelo crescimento intra-
uterino (Horta et al., 1997).
A afirmação da existência de uma relação causal entre peso ao nascer e doença crônica tem sido criticada
por alguns autores. A maioria dos primeiros estudos é suscetível a um confundimento residual, principalmente
pelo nível socioeconômico, e ao viés de seleção, pois as perdas no acompanhamento foram elevadas (Joseph &
Kramer, 1996). Além disso, Lucas, Fewtrell e Cole (1999) demonstraram que a maioria dos estudos, ao controlar
o efeito do peso ao nascer para uma medida posterior de peso na infância ou na adolescência, estava avaliando o
efeito do ganho de peso e não do peso ao nascer, pois, no momento em que é controlado para uma medida
posterior de peso, o coeficiente de regressão da variável peso ao nascer não reflete mais o efeito do peso ao nascer,
mas sim o da mudança de peso no período.
Lucas, Fewtrel e Cole (1999) também chamaram a atenção para o fato de que esses erros nos estudos sobre
os efeitos do peso ao nascer desviaram a atenção de outras importantes exposições nutricionais ocorridas nos
primeiros anos de vida – tais como duração da amamentação e dieta –, que podem estar associadas ao desenvol-
vimento de doenças crônicas. O presente capítulo pretende revisar as evidências sobre os efeitos a longo prazo da
amamentação e do crescimento acelerado (catch-up) nos primeiros anos de vida.

553
Epidemiologia Nutricional

Questões Metodológicas que Afetam os Estudos sobre


os Efeitos a Longo Prazo da Nutrição na Infância
Delineamento
Os ensaios clínicos randomizados são considerados como o delineamento que fornece a mais alta evidência
sobre o efeito de uma exposição. Pois, se adequadamente conduzidos, são menos suscetíveis a viés de seleção, de
informação e de confusão (Chalmers, 1998). Tendo em vista os claros benefícios a curto prazo da amamentação
(WHO Collaborative Study, 2000) e do crescimento rápido na infância (Victora et al., 2001), atualmente seria
antiético realizar um estudo em que crianças seriam randomizadas para serem amamentadas ou não. Por outro
lado, no início dos anos 80 do último século, quando as evidências a respeito dos benefícios da amamentação não
eram tão claras, um ensaio clínico poderia ser realizado. Em 1982, na Inglaterra, crianças prematuras que estavam
internadas em unidade de terapia intensiva foram alocadas para receberem fórmula ou leite materno. Acompa-
nhamentos recentes desse estudo têm fornecido importantes evidências a respeito dos efeitos a longo prazo da
amamentação (Lucas et al., 1984).
Tendo em vista o pequeno número de ensaios clínicos randomizados, a busca por evidências deve incluir
estudos observacionais, e as coortes de nascimento devem ser consideradas como o delineamento que fornece a
mais alta evidência.

Erro de Classificação
Dependendo da forma como ocorre o erro na medida da exposição e/ou desfecho, o erro de classificação
poderá ser diferencial ou não diferencial.
Erro de classificação não diferencial
A variável é medida erroneamente em ambos os grupos, como, por exemplo,
quando a balança está descalibrada. Este tipo de erro tende a subestimar o
efeito da exposição.

Erro de classificação diferencial


O erro na medida da exposição é influenciado pelo desfecho, ou vice-versa.
Por exemplo, pacientes com câncer de testículo podem lembrar melhor um
traumatismo escrotal ocorrido no passado do que indivíduos sadios. Nessa
situação, o erro de classificação tenderia a aumentar a magnitude da
associação entre traumatismo escrotal e câncer de testículo.

Estudos retrospectivos são mais suscetíveis ao erro de classificação do que os prospectivos. Por exemplo,
mães de maior nível socioeconômico tendem a superestimar a duração da amamentação, ao passo que para as de
menor nível socioeconômico o relato tende a ser mais correto (Huttly et al., 1990). Esse erro de classificação
diferencial tenderia a levar à superestimação dos benefícios da duração da amamentação.
No que concerne à informação sobre o peso ao nascer, Andersson e colaboradores (2000) compararam a
informação auto-referida com a verificada nos registros hospitalares, em mulheres com idade entre 44 e 60 anos,
residentes em Gotemburgo, Suécia. O percentual de mulheres que informou o peso ao nascer foi baixo (28%).
A proporção de entrevistadas que informaram o peso ao nascer foi maior entre as de maior escolaridade e aquelas
cuja mãe tinha maior paridade e era mais jovem no momento do nascimento. Para apenas 18% das mulheres

554
Efeitos a longo prazo da nutrição na infância

houve concordância entre o peso ao nascer auto-relatado e o consignado nos registros das maternidades.
A concordância foi independente de características da entrevistada ou dos pais.
Enquanto o auto-relato do peso ao nascer apresenta baixa acurácia, o recordatório materno é relativamente
acurado e independente de características das mães ou dos seus filhos (O’Sullivan, Pearce & Parker, 2000; Walton
et al., 2000). Portanto, ao contrário do observado para a duração da amamentação, o erro de informação é não
diferencial. Por outro lado, o elevado erro observado com o peso auto-relatado reduz drasticamente o poder
estatístico do estudo.

Confundimento
O nível socioeconômico é um dos principais fatores de confusão, mas a direção do confundimento varia com
o local onde está sendo realizado o estudo. Enquanto nos países desenvolvidos, geralmente, haverá uma tendência a
superestimar o efeito benéfico da amamentação, nos países em desenvolvimento a direção do viés vai depender do
desfecho que está sendo estudado. Nestas localidades, a duração da amamentação é maior entre as crianças de menor
nível socioeconômico (Horta et al., 1996), ao contrário do observado nos países desenvolvidos (Bauchner, Leventhal
& Shapiro, 1986), e a direção do viés vai depender da associação entre nível socioeconômico e o desfecho. Para a
escolaridade, haverá uma tendência a subestimar um efeito benéfico da amamentação, uma vez que as crianças de
menor nível socioeconômico apresentam menor escolaridade do que as mais ricas. Por outro lado, para o colesterol,
a confusão pelo nível socioeconômico tenderá a superestimar o efeito benéfico da amamentação.

Controle para Possíveis Fatores Mediadores


Muitos dos estudos que avaliam os efeitos a longo prazo da nutrição na infância têm controlado as suas
estimativas para possíveis fatores mediadores, especialmente o peso ou o Índice de Massa Corporal (IMC) na idade
adulta. O controle para um fator mediador reduzirá a magnitude da medida de associação, que passará a refletir,
apenas, o efeito que não decorre desse fator mediador que está sendo controlado na análise (Victora et al., 1997).

Ano de Nascimento
Para os estudos que avaliam os efeitos a longo prazo da amamentação, o ano de nascimento pode ser uma
fonte de heterogeneidade. Na maioria dos países desenvolvidos, ao longo do último século, ocorreu uma grande
mudança na dieta das crianças que não eram amamentadas. Nas primeiras décadas do século XX, as crianças que
não estavam sendo amamentadas geralmente recebiam preparações baseadas em leite integral (Barr et al., 2000),
com altas concentrações de sódio e de colesterol e ácidos graxos similares aos encontrados no leite materno.
As primeiras apresentações de leite artificial também continham alta concentração de sódio. Apenas a partir dos
anos 80 é que foi reduzida a quantidade de sódio no leite artificial, e hoje esta concentração é similar àquela
observada no leite materno.

Local do Estudo
A maioria dos estudos que avaliaram os efeitos a longo prazo da nutrição na infância foi realizada em países
desenvolvidos. Os achados desses estudos podem não ser generalizáveis para indivíduos expostos a diferentes
condições nutricionais e ambientais, como, por exemplo, as populações de países em desenvolvimento. Por esse
motivo, considera-se que o fato de não terem sido realizados no mesmo local é uma potencial fonte de
heterogeneidade entre os estudos.

555
Epidemiologia Nutricional

Efeitos a Longo Prazo da Nutrição na Infância


A amamentação e o crescimento acelerado (catch-up) são os principais aspectos da nutrição na infância que
têm tido o seu efeito a longo prazo avaliado. No que diz respeito aos possíveis efeitos da amamentação, obesidade,
pressão arterial, colesterol sérico e desenvolvimento intelectual têm sido os principais desfechos avaliados. Inicial-
mente, serão revisadas as evidências a respeito dos efeitos a longo prazo da amamentação sobre esses desfechos.

Amamentação
Pressão Arterial
Numerosos estudos têm sugerido que a pressão arterial na idade adulta pode ser influenciada pela nutrição
na infância, e existem três possíveis mecanismos para um efeito da amamentação sobre a pressão arterial na idade
adulta. A seguir, vamos discutir brevemente estes mecanismos.

Menor quantidade de sódio no leite materno


Como a ingestão de sódio está diretamente relacionada com a pressão arterial (Brunner et al., 2005) e até
o final do século passado a quantidade de sódio no leite materno era muito menor do que aquela encontrada na
maioria das fórmulas (Fomon, 2001), tem-se sugerido que a menor quantidade de sódio no leite materno progra-
maria o indivíduo para ter menor pressão arterial na idade adulta. Contudo, as evidências a respeito de um efeito
a longo prazo da ingestão de sal sobre a pressão arterial são controversas. Ao passo que dois estudos (Whitten &
Stewart, 1980; Singhal, Cole & Lucas, 2001) não observaram um efeito a longo prazo da ingestão de sódio na
infância, Geleijnse e colaboradores (1997) observaram que a pressão arterial aos 15 anos era 3,6 mmHg (Intervalo
de Confiança [IC] de 95%: - 6,6 a - 0,5) menor entre os indivíduos que nos primeiros seis meses de vida
receberam dieta com menor quantidade de sódio.

Presença de ácidos graxos no leite materno


Os ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa estão presentes no leite materno, mas não são encontra-
dos na maior parte dos leites artificiais (Koletzko et al., 2001). Em indivíduos hipertensos, com a suplementação
com ácidos graxos de cadeia longa consegue-se reduzir a pressão arterial (Morris, Sacks & Rosner, 1993). Além
disso, Forsyth e colaboradores (2003) observaram que a pressão arterial aos 6 anos de idade era menor naquelas
crianças que, ao nascer, haviam sido alocadas para receber uma suplementação com ácidos graxos de cadeia longa
e que a pressão arterial dessas crianças foi similar à das amamentadas.

Obesidade
Como o peso na idade adulta é um fator associado à ocorrência de hipertensão (Perry, Whincup & Shaper,
1994) e a amamentação estaria associada a um menor risco de obesidade e sobrepeso (Arenz et al., 2004; Owen
et al., 2005a; Harder et al., 2005), tem-se sugerido que o efeito protetor da amamentação seria mediado pela
obesidade. Porém, em decorrência do pequeno efeito protetor da amamentação para a obesidade, é pequena a
probabilidade de que este seja o principal mecanismo para um efeito a longo prazo da amamentação sobre
a pressão arterial.
Na revisão da literatura, foram identificadas duas metanálises que avaliaram o efeito a longo prazo da
amamentação sobre a pressão arterial (Owen et al., 2003; Martin, Gunnell & Smith, 2005). Owen e colaboradores
(2003) incluíram 25 estudos que avaliaram o efeito da amamentação sobre a pressão arterial em qualquer idade.

556
Efeitos a longo prazo da nutrição na infância

O efeito médio da amamentação foi estatisticamente significativo para a pressão sistólica [diferença: - 1,10 mmHg
(IC de 95%: - 1,79 a - 0,42 mmHg)], mas não para a pressão diastólica [diferença: - 0,36 mmHg (IC de 95%: -
0,79 a 0,08 mmHg)]. Os resultados dos estudos eram heterogêneos, e para a pressão sistólica houve claramente
um viés de publicação com os estudos pequenos (< 300 participantes), mostrando um maior efeito protetor da
amamentação.
A metanálise publicada por Martin e colaboradores em 2005 incluiu 15 estudos em que a pressão arterial
foi avaliada em indivíduos com mais de 1 ano de idade. Similarmente ao observado por Owen e colaboradores
(2003), a amamentação esteve associada com menor pressão sistólica [diferença: - 1,4 mmHg (IC de 95%: - 2,2
a - 0,6 mmHg)] e o efeito protetor foi maior nos estudos com menor tamanho da amostra. Além disso, a proteção
da amamentação foi maior nos estudos cuja população nasceu antes de 1980 (diferença média: - 2,7 mmHg) do
que naqueles que nasceram depois de 1980 (diferença média: - 0,8 mmHg).
As metanálises sugerem que a amamentação tem pequeno efeito protetor sobre a pressão arterial, mas parte
deste efeito parece decorrer de um viés de publicação, uma vez que estudos pequenos com resultados negativos
apresentaram menor probabilidade de serem publicados. Por outro lado, é importante salientar que mesmo um
pequeno efeito protetor da amamentação é relevante do ponto de vista da saúde pública. De acordo com Martin,
Gunnell e Smith (2005), uma redução de cerca de 2 mmHg na pressão sistólica em nível populacional reduziria
a prevalência de hipertensão em aproximadamente 17% e a incidência de cardiopatia isquêmica e acidente vascular
cerebral em 6 e 15%, respectivamente.

Colesterol
O efeito a longo prazo da amamentação sobre o colesterol sérico também tem despertado muito interesse.
Estudos realizados na infância indicam que as crianças amamentadas apresentam maiores concentrações de colesterol
total (Owen et al., 2002), em decorrência da maior quantidade de colesterol encontrada no leite materno.
A elevada ingestão de colesterol na infância pode ter um efeito a longo prazo sobre o colesterol sérico, reduzindo
a síntese de colesterol no fígado, por meio da inibição da síntese da Hidroximetil-Glutaril Coenzima A (HMG
-CoA) redutase, enzima essencial para a produção de colesterol (Jones et al., 1990). Estudos com animais têm
relatado presença de maiores níveis dessa enzima naqueles que não foram amamentados (Devlin et al., 1998).
As evidências da literatura sugerem que na idade adulta o colesterol total é menor entre os indivíduos que
foram amamentados (diferença média: - 0,18 mmol/L; IC de 95%: - 0,30 a - 0,06 mmol/L) (Owen et al., 2002).
Além dessas evidências oriundas de estudos observacionais, Singhal e colaboradores (2004) observaram que a
relação Low Density Protein/High Density Protein (LDL/HDL) era menor entre adolescentes que nasceram pre-
maturos e que foram alocados para receber leite materno, comparados aos que foram alocados para receber
fórmula.
O efeito da amamentação sobre o colesterol total é superior ao que tem sido relatado pelos estudos que
avaliaram o impacto de intervenções comportamentais na idade adulta, tais como mudança na dieta (Brunner et al.,
2005), atividade física, interrupção do tabagismo e perda de peso (Ebrahim & Smith, 1997).

Obesidade
Vários estudos têm sido publicados a respeito dos efeitos a longo prazo da amamentação sobre a obesidade, e
três mecanismos biológicos têm sido propostos para explicar um possível efeito protetor da amamentação. Diferen-
ças na ingestão de proteínas e no metabolismo poderiam ser um desses mecanismos, pois o leite materno apresenta
menor teor protéico comparado a outros leites (Whitehead, 1995) e a elevada ingestão de proteínas nos primeiros
meses de vida está associada com maior risco de obesidade aos 8 anos de vida (Rolland-Cachera et al., 1995).

557
Epidemiologia Nutricional

Outra explicação biológica seria que a maior secreção de insulina pelas crianças que não são amamentadas pode-
ria resultar em um aumento no número de adipócitos, que estaria associado ao maior risco de obesidade na idade
adulta (Lucas et al., 1980). Finalmente, Birch e Fisher (1998) sugeriram que as crianças que foram amamentadas
teriam maior facilidade de consumir novos alimentos como, por exemplo, os vegetais, reduzindo, subseqüente-
mente, a ingestão calórica.
Quatro metanálises foram publicadas nos últimos anos, das quais três avaliaram o efeito da amamentação
sobre a prevalência de sobrepeso/obesidade e uma teve como desfecho o IMC. Arenz e colaboradores (2004)
incluíram nove estudos com mais de 69.000 participantes. Os mesmos autores excluíram 19 estudos, principal-
mente por não terem ajustado as suas estimativas para potenciais fatores de confusão ou por terem usado uma
definição de obesidade diferente daquela utilizada na metanálise. A prevalência de obesidade mostrou-se menor
entre os indivíduos que foram amamentados (razão de odds combinada: 0,78; IC de 95%: 0,71 a 0,85). Resultados
dos estudos incluídos foram homogêneos, mas há evidências de viés de publicação, com os estudos de pequeno
tamanho da amostra apresentando maior efeito protetor da amamentação.
Owen e colaboradores (2005a) não utilizaram critérios de inclusão tão restritivos, como Arenz e colabora-
dores (2004), e por este motivo incluíram 28 estudos em sua metanálise. Também observaram um efeito protetor
da amamentação (razão de odds combinada: 0,87; IC de 95%: 0,85 a 0,87), que foi de menor magnitude (razão
de odds combinada: 0,93) nos estudos que controlaram para confundimento por variáveis socioeconômicas,
antropometria dos pais e tabagismo materno nos primeiros anos de vida. Como o efeito protetor da amamentação
foi de maior magnitude nos estudos de menor tamanho, a ocorrência de viés de publicação também não pode ser
descartada.
Em outra metanálise, Harder e colaboradores (2005) tentaram avaliar a existência de uma relação de dose-
resposta e incluíram 14 estudos, descrevendo o efeito de mais de uma categoria da amamentação sobre o risco de
obesidade. Eles observaram um efeito dose-resposta estatisticamente significativo, e o risco de obesidade dimi-
nuiu 4% para cada mês de aumento na duração da amamentação.
Finalmente, Owen e colaboradores (2005b), ao avaliarem o efeito da amamentação sobre a média do IMC,
incluíram 36 estudos. Aqueles indivíduos que foram amamentados apresentaram menor IMC (diferença média:
- 0,04; IC de 95%: - 0,05 a - 0,02). Em uma clara demonstração do viés introduzido pelos fatores de confusão,
nos 11 estudos que forneceram estimativas que estavam ajustadas para idade, nível socioeconômico, tabagismo
materno e IMC, a diferença média reduziu de - 0,12 para - 0,01, após ajuste para os fatores de confusão. Além
disso, similarmente ao observado nas outras três metanálises, o viés de publicação foi evidente.
Os estudos que avaliaram o efeito da amamentação sobre a prevalência de sobrepeso/obesidade sugerem
que a amamentação pode ter um pequeno efeito protetor a longo prazo. Apesar de claramente haver um viés de
publicação, um efeito protetor da amamentação ainda foi observado nos estudos de maior tamanho da amostra,
o que sugere que tal efeito não é decorrente apenas daquele viés.

Desenvolvimento Intelectual
Muitos estudos têm observado um efeito positivo da amamentação sobre o desenvolvimento cognitivo.
O leite materno é rico em ácidos graxos de cadeia longa, principalmente o ácido araquidônico e o ácido
docosahexaenóico (DHA), que são importantes para o desenvolvimento do córtex cerebral e da retina (Koletzko
et al., 2001; Crawford, 1993; Birch et al., 1992). Em 1999, Anderson, Johnstone e Remley revisaram estudos
que avaliaram crianças com idades entre 6 meses e 15 anos e observaram que, mesmo após ajuste para possíveis
fatores de confusão, a amamentação esteve associada com um aumento de 3,2 pontos no quociente de inteligência.
O viés de auto-seleção é uma importante limitação dos estudos que avaliam os efeitos da amamentação
sobre o desenvolvimento intelectual, visto que o desempenho em testes cognitivos está relacionado à qualidade

558
Efeitos a longo prazo da nutrição na infância

da estimulação recebida pela criança (Johnson et al., 1993) e que as mães que decidem amamentar tendem a
estimular mais os seus filhos (Fergusson, Beautrais & Silva, 1982). Jain, Concato e Leventhal (2002) buscaram
evitar esse viés, revisando estudos que controlaram para a estimulação recebida pela criança: dos nove estudos
incluídos, apenas quatro observaram que o efeito da amamentação sobre o desempenho cognitivo era estatistica-
mente significativo. Os autores não descreveram a direção da associação para os estudos que não encontraram
uma associação estatisticamente significativa e, além disso, não obtiveram uma estimativa global do efeito da
amamentação.
Confundimento residual pelo nível socioeconômico tem sido apontado como outra explicação para o
efeito positivo da amamentação sobre o desempenho em testes de inteligência, pois nos países desenvolvidos a
duração da amamentação é maior nas famílias de melhor nível socioeconômico. Porém, um efeito positivo da
amamentação sobre a escolaridade ou o desempenho em testes de inteligência também foi observado em estudos
realizados nas Filipinas (Daniels & Adair, 2005) e no Brasil (Victora et al., 2005), onde a duração da amamentação
é inversamente relacionada ao nível socioeconômico. Não se pode atribuir, portanto, essa associação a um
confundimento pelo nível socioeconômico.
As evidências sugerem que a duração da amamentação tem um efeito a longo prazo sobre o desenvolvimento
intelectual. No estudo de Lucas e colaboradores (1992), as crianças prematuras que haviam sido aleatorizadas
para receberem leite do banco de leite humano apresentaram melhor desempenho no teste Wechsler Intelligence
Scale for Children - Revised (WISC-R), o que reforça a hipótese de existência de uma relação causal.

Catch-up
Tanner (1981) definiu catch-up como o período de aceleração no crescimento, que ocorre quando um
período de retardo de crescimento é encerrado e as condições favoráveis são restauradas. O catch-up começa assim
que o fator responsável pelo atraso no crescimento é retirado. Em geral, tende a ser incompleto, e o indivíduo não
consegue alcançar na idade adulta a estatura que teria alcançado se não tivesse ocorrido o período de atraso no
crescimento.
A maioria dos estudos tem usado o peso do indivíduo como indicador antropométrico da ocorrência ou
não de catch-up. Mas diferentes critérios têm sido usados para avaliar a ocorrência dessa recuperação acelerada.
Enquanto alguns autores consideram que houve catch-up naqueles indivíduos cujo incremento no peso ou esta-
tura foi maior do que a média, em outros estudos considera-se o incremento de escore z, com um ponto de corte
definido.
O catch-up tem claros benefícios a curto prazo. Victora e colaboradores (2001) observaram que entre as
crianças que nasceram pequenas para a idade gestacional e que apresentaram catch-up nos primeiros vinte meses
de vida (aumento de pelo menos 0,66 desvios-padrão no escore z de peso-para-idade), a incidência de hospitalização
no terceiro ano de vida foi 65% menor do que a observada entre as crianças que também nasceram pequenas para
a idade gestacional mas não apresentaram catch-up. A mortalidade nos primeiros cinco anos também foi menor
entre as crianças que fizeram catch-up.
Entretanto, há uma controvérsia a respeito dos efeitos a longo prazo do catch-up. Recentemente, Fisher e
colaboradores (2006) revisaram as evidências sobre o efeito do crescimento e do tamanho na infância sobre o
risco de adoecer na idade adulta, e concluíram que não havia um padrão de crescimento na infância que estivesse
associado com a redução no risco de doença em adultos.
Em uma clara demonstração da importância de estudar o efeito do catch-up em diferentes períodos da
infância, Barker e colaboradores (2005) observaram que a incidência de cardiopatia isquêmica foi maior entre
aqueles indivíduos que apresentaram um crescimento lento nos dois primeiros anos de vida, mas entre os 2 e 11
anos de idade tiveram um crescimento acelerado, e que esta associação foi mediada pela resistência à insulina.

559
Epidemiologia Nutricional

Estudos realizados no Brasil e nas Filipinas também observaram que o ganho de peso na infância não estava
associado com maior pressão arterial em idade posterior, ao passo que o ganho de peso entre a infância e a
adolescência estava relacionado com maior risco de elevação na pressão arterial (Horta et al., 2003; Adair & Cole,
2003). Por sua vez, Law e colaboradores (2002) relataram que o crescimento no primeiro ano de vida não estava
associado com a pressão arterial na idade adulta, ao passo que o ganho de peso entre 1 e 5 anos estava positiva-
mente associado com a pressão arterial na idade adulta.
É importante que os estudos procurem avaliar o efeito do crescimento em diferentes períodos do ciclo vital,
colaborando assim para a identificação de períodos críticos, em que o catch-up pode ter um efeito negativo ou
positivo sobre a saúde. Além disso, deve-se buscar avaliar a interação entre crescimento e estado nutricional no
início do período.

Considerações Finais
Além da pressão arterial, a amamentação também tem um efeito protetor a longo prazo sobre outros
importantes fatores de risco cardiovascular: o colesterol e a obesidade. Apesar de a magnitude do efeito protetor
da amamentação ser pequeno, este, como visto anteriormente, é similar ao observado para intervenções
comportamentais implementadas na idade adulta. Além do efeito protetor cardiovascular, a amamentação também
tem efeito sobre o desenvolvimento intelectual.
As evidências sobre os efeitos do crescimento na infância sugerem que o catch-up é capaz de programar o
aparecimento de doenças na idade adulta, reduzindo, portanto, o risco de aparecimento de doenças cardiovasculares.

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563
Índice

Símbolos ácido graxo insaturado 132, 140, 394, 396


ácido graxo linoléico 139-140, 375-376, 396, 400, 402
25-hidroxicolecalciferol 129, 143
ácido graxo linolênico 415
á-caroteno 137 ver tb provitamina A
ácido graxo livre 362, 374, 389-390, 548
á-tocoferol ver vitamina E
ácido graxo monoinsaturado 139, 374-376, 382-383, 394-397,
á-TTP ver proteína de transferência de á-tocoferol
454-456
ácido graxo ômega-3 362, 376, 396-397, 382, 416-417, 419
A ácido graxo ômega-6 382, 396, 419
AACE ver American Association of Clinical Endocrinologists ácido graxo poliinsaturado 139-140, 141-143, 374-377, 380, 382-383,
AAL ver ácido á-linolênico 396-397, 416-417, 454-456, 556
absorptiometria de raios X de dupla energia ver Dexa ácido graxo saturado 108, 118, 120, 139, 363, 374-376, 383, 394-398,
402, 454-456
Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida 522
ácido graxo transinsaturado 139, 353, 362-363, 375-376, 382-383,
acelerômetro ver métodos de medição de gasto energético
396, 449, 530-531
acidente vascular cerebral 371-373, 378, 380-381, 391, 413, 557
acilCOA ver metabólitos acetil coenzima A
ácido araquidônico 376, 558
acompanhamento nutricional 37, 525-535
ácido ascórbico ver vitamina C
aconselhamento nutricional 264-265, 267-268
ácido biliar 377
ACP ver análise dos componentes principais
ácido eicosapentanóico 141, 376, 397, 416
açúcar 107, 187-189, 191-192, 222, 263-265, 270, 273, 313,
ácido esteárico 140, 374-375 350-353, 365, 382, 412, 449, 455-458, 503, 513, 530-531
ácido fítico 108 adipócitos 362, 558
ácido fólico 223, 271, 299, 303, 313-316, 379-382, 398, 528-529 adiponectina 389, 391
ácido láurico 374, 375 adiposidade ver obesidade
ácido lipóico 398 adolescência 66, 79, 82, 85, 157, 309, 361, 463, 478-479, 545, 553,
ácido mirístico 374-375 560
ácido oléico 140, 375-376, 380 AFC ver análise de fator comum
ácido oxálico 108, 136 AFC ver análise de fatores confirmatória
ácido palmítico 140, 374-375 AFE ver análise de fatores exploratória
ácido úrico 380 AGL ver ácido graxo livre
ácido á -linolênico 140, 375-376, 397, 415 agregação plaquetária 376, 397
ácido docosahexaenóico 376, 397, 416, 458 agrotóxicos 486, 492
ácido graxo 132, 138-142, 195, 374-376, 396, 417, 449, 454-455, água corporal total 150-153, 156-158
457, 549, 555-556, 558

565
Epidemiologia Nutricional

Água Duplamente Marcada ver métodos de medição de gasto de ácido fólico 299
energético de vitamina B12 299
AIC ver Critério de Informação de Akaike por destruição de células vermelhas 299
Aids 261, 290-,291, 439 anemia falciforme 299
albumina 116, 120, 205, 380, 393 anemia ferropriva 17, 20, 31, 134-135, 268, 271-272, 297-299,
álcool 101, 117, 133, 142, 156, 181, 197, 362-263, 374, 381-382, 301, 303, 305, 307, 309-317, 512-513, 515, 528
399, 415, 419 anemia hipocrômica 134, 299
consumo 101, 142, 381-382, 399, 415 anemia macrocítica 299
alcoolismo 131, 447, 449 anemia megaloblástica 133
aleitamento materno 17, 62, 68-72, 75, 292, 309, 314, 316, 322, anemia microcítica 134, 299
338, 361, 363, 365, 367-368, 427-440, 442, 521, 524-525
anemia normocítica 299
algoritmo de Gauss-Newton 254
anemia normocrômica 299
algoritmo de Newton-Raphson 254
angiotensinogênio 390
algoritmo Fisher-scoring 254
antioxidante 132, 137, 141-142, 205, 372, 374, 377-382, 398-399, 412
algoritmo Lindstrom & Bates 254
antropometria 20, 31, 37, 49-50, 53, 57, 62, 68, 69, 71, 81, 93, 112,
alimentação 118, 153 489, 505, 558 ver tb métodos de medição da composição
complementar 261, 264-265, 267, 273, 310, 365, 429, 437, 530 corporal
crianças 315, 361, 437, 440, 525 Anvisa 529, 531
inadequada 106, 326, 521 aproximação adaptativa gaussiana 254
indígena 504, 505, 507, 508, 513 aproximação laplaciana 254
saudável 312, 351, 353, 356, 365, 447, 449, 454, 455, 492-493, arritmia 397
521-523, 527-528, 530-531, 534-535 arteriopatia aterosclerótica 372
alpha de Cronbach 221-222 ascaridíase 328
amamentação 21, 68, 176, 246-247, 259-260, 261, 264-266, 273, aspirina 26, 382
309, 368, 427-439 524, 530, 553-560 ver tb aleitamento
materno ataque cardíaco 397

American Association of Clinical Endocrinologists 392, 393 ATBC Study 379

amido 262, 377, 393, 399 atenção básica 529, 534

aminoácido 132, 142, 181, 269, 379-380, 412 aterogênese 390-391, 398

análise de agrupamento 214, 394 ateroma 142-143, 371

análise de consumo alimentar 505 aterosclerose 371, 373, 378-379, 390, 398

análise de fator comum 215, 389 atividade física 19, 21, 79, 102, 154, 165-166, 169-170, 172-
173, 177, 182, 195-196, 362-366, 391, 399, 401-402, 418,
análise de fatores exploratória 232-233 508-509, 513, 558
análise de fatores confirmatória 233-234 auto-anticorpos 360-361
análise fatorial 214-217, 223 avaliação clínico-nutricional 117
análise longitudinal 248, 260 avaliação dietética 120
ancilostomíase ver doenças parasitárias avaliação global subjetiva 118
anemia avaliação nutricional 68, 118-119, 131, 505, 506
em crianças 270, 302-307, 311 de adolescentes 79, 81, 83, 85, 87-88, 348
em gestantes 307-308 de adultos 82, 93
em idosos 307 de crianças 50-51, 53, 55, 57, 59, 61, 65, 76, 282
em indígenas 511-513 do idoso 116-117
em lactentes 303 AVC ver acidente vascular cerebral
em mulheres 303, 307-308
em puérperas 307-308
B
materna 311
betacaroteno 26, 137, 142, 187, 205, 272, 327, 341, 377-379,
no Brasil 302-306 398-399 ver tb provitamina A
nos lactentes 310 biomarcadores de exposição nutricional 137
nutricional 302 baixa estatura ver estatura
por deficiência baixo peso ao nascer 33-34, 36-37, 43, 309-311, 314, 338, 364,
de ferro ver anemia ferropriva 438, 448, 450, 458, 543 ver tb peso corporal

566
Índice

balanço energético 138, 165, 172, 289, 352, 373, 489, 548 biomarcadores de exposição nutricional 137
Bancos de Leite Humano 433, 438-439, 524, 559 catarata 118
Baré ver populações indígenas catch-up (crescimento acelerado) 548, 553, 556, 559-560
Baysean Information Criterion ver Critério Bayesiano de Schwartz CC ver circunferência da cintura
beribéri ver desnutrição, classificação da CDC ver Centro de Controle e Prevenção de Doenças
BHT ver butil hidroxitolueno cegueira noturna 325-326, 328-329, 330, 332, 334 ver tb xeroftalmia
bioimpedância ver métodos de medição da composição centeio 377
biomarcadores de exposição nutricional 127, 135, 141-142 Centro de Controle e Prevenção de Doenças 68-69, 81, 83, 85-86,
biopsia hepática 335, 336 115, 462, 506
bócio iodoprivo 448, 529 Centro Latino-Americano de Perinatologia 37
bolsa família ver Programa Bolsa Família Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos 68-72,
75, 77, 81, 282, 338, 451, 507
BPN ver baixo peso ao nascer
ceratomalacia 325, 332 ver tb xeroftalmia
butil hidroxitolueno 132
cereais 262, 377, 382
cesta básica alimentar 488, 498
C CG ver carga glicêmica
cafeína CGPAN ver Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição
consumo de 108, 133 chá 381, 429, 432
cálcio 79, 106, 108,143, 150, 197, 205, 210, 300, 315, 381, 383, 399, Childhood Obesity Working Group of the Internation Obesity
413, 415, 418, 457
Task Force 348
calorimetria direta ver métodos de medição de gasto energético chocolate 382
calorimetria indireta ver métodos de medição de gasto energético CIC ver citologia de impressão conjuntival
Caltrac 172 cicatrizes corneais 326, 332, 341 ver tb xeroftalmia
Cambridge Heart Antioxidant Study 399 citocina 389, 391
caminhada 168, 171, 362, 462, 465, 467 citologia de impressão conjuntival 329, 335
câncer 26, 114, 137, 139, 143, 185, 195, 197, 198, 379, 383, 544, CIUR ver crescimento intra-uterino restrito
547, 548, 549
cloreto de potássio
câncer da próstata 448
suplementação 414
câncer de cólon 391, 448, 462
cloreto de sódio 413
câncer de endométrio 391
clorose ver ferro, deficiência de
câncer de mama 26, 185, 198, 391, 448, 462
cluster ver análise de agrupamento
câncer de pâncreas 391
CNSAN ver Conferência Nacional de Segurança Alimentar
câncer de pulmão 379
cobre 79, 136, 381
câncer do reto 448
coenzima Q10 398
CAP ver compulsão alimentar periódica
cogumelo 379
carboidratos 139, 166-167, 181, 362-364, 374, 377, 383, 393-395,
colelitíase 349
397, 400, 402, 412, 416, 418
colesterol 120, 135, 137-141, 159, 189, 191, 197, 205, 209, 281,
carbono 380
372-373, 375, 377, 382, 389-390, 393-402, 416, 418-420,
cardiomiopatia 555-557, 560
infecciosa 373 consumo 108, 398, 401
nutricional 373 dieta rica em 416
isquêmica 553, 557, 560 dietético 398
reumática 373 redução nos níveis de 419
carências nutricionais sérico 372, 396, 398-399
diagnóstico laboratorial de 31 total 396, 398, 399
identificação de 118 colostro 427
carga glicêmica 393 composição corporal 20, 79, 98, 110, 149-160, 166, 168, 172
cárie dentária 26 ver tb métodos de medição da composição corporal
carne 25, 143, 191, 198, 209, 347, 375-376, 382, 400, 417 aplicação em diagnósticos nutricionais 158-159
carotenóides 132, 142, 327-328, 337, 341, 379 avaliação da 93
biodisponibilidade dos 137 conceituação de 149-150

567
Epidemiologia Nutricional

histórico 150-151 depressão 462, 473-479


medição da 149 derivados de leite 415, 418-419
modificação ao longo da vida 157-158 desenho de itens 230, 232
Compromisso Social para a Redução da Anemia Ferropriva no Brasil desidratação 106, 304
528 Design Concepts in Nutritional Epidemiology 19
compulsão alimentar periódica 478-479 ver tb transtorno da compulsão desmame 17, 136, 310, 429, 432, 434-435
alimentar periódica
desnutrição 17, 19-21, 49, 61, 79, 81, 115-116, 118, 120, 261, 267,
conceptualização dimensional 227, 232, 236 297, 338, 340, 348, 350, 486, 489, 491, 493, 499, 506, 509,
condições nutricionais 81 511-513, 519, 521, 524-526, 530-531, 535
Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição 519 aguda ver emaciação
Conferência Nacional de Saúde 519 crônica 53, 57
Conferência Nacional de Segurança Alimentar 485, 487, 491-492, 522 exposição à 112
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 487, 522-523 indicador de 87
contínuo da variável latente 234, 236 indígena 506, 511, 513
controle glicêmico 374, 376-377 desnutrição energético-protéica 19, 281, 338, 448-449, 452, 458,
Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição 522-523, 511-512
526, 529, 531, 533 desnutrição infantil 17, 261, 282, 288, 450, 451, 506, 512, 521, 524
coronariopatia ver doença coronariana desnutrição, classificação da
crescimento formas graves
anormal 51 kwashiokor 281, 448-449
acelerado ver catch-up marasmo nutricional 281, 448
fetal 31, 34, 36 formas específicas
infantil 49, 66-67, 246-247, 253, 259, 266-267, 269, 554 beribéri 24, 448, 510
ver tb Estudo de Crescimento Harpenden escorbuto 23, 24, 448
adolescência 81 ver tb Estudo de Crescimento Harpenden hipovitaminose A 20, 325 326, 329, 334, 336, 338,
crescimento intra-uterino restrito 33, 35-36, 43, 458 448, 529, 533
critério bayesiano de Schwartz 254 osteomalácia 448
critério de informação de Akaike 253,259 pelagra 24, 25, 448
cromo, consumo de 363 raquitismo 448
curva de Atalah 39 Dexa ver métodos de medição da composição corporal
curva de Rosso 36-37 DHA ver ácido docasaexanóico
diabetes 20, 114, 117, 139, 364, 458, 462, 464, 544, 547, 549, 553
D agravamento do 402

dados antropométricos ver indicadores antropométricos em adolescentes 360

Dash ver dietary approches to stop hypertension em adultos 362

data da última menstruação 43 em crianças 360

débito cardíaco 376 em indígenas 508, 512-513

Decode ver Diabetes Epidemiology: Collaborative Analysis of Criteria in fatores de risco do 361-362, 365-366
Europe gestacional 34-36, 359-361, 363-365
déficit antropométrico 290, 451 prevenção e controle 362-366, 394, 401-402
déficit de crescimento 17 diabetes mellitus 85, 116, 213, 359-364, 371, 375-377, 390,
déficit de estatura-para-idade 282-283, 286-288 392-393, 400-402, 405-406, 410, 428-429, 445, 448, 475

déficit de peso-para-estatura 282, 286, 288 tipo 1 359-361, 366, 391

déficit de peso-para-idade 50, 69-70, 282-287, 291-292 tipo 2 87-88, 349, 359, 361, 368, 402

déficit nutricional 49, 97, 116, 281-285, 289-292 Diabetes Epidemiology: Collaborative Analysis of Criteria in Europe 390

déficit ponderal 284, 450-451 Diabetes Prevention Program 401

Delta Research Group 395 diacilglicerol 389

demanda metabólica 117-118, 328 diagnóstico nutricional 39, 57, 58, 62, 153, 158, 506

densidade corporal 98, 151-152, 154, 158, 163, 380 em gestantes 31, 36

densitometria corporal ver métodos de medição da composição corporal em idosos 118, 120

depleção nutricional 117, 128 diário alimentar ver métodos de avaliação do consumo alimentar

568
Índice

diarréia 58, 117, 118, 261, 272, 290, 292, 311, 314, 328, 339, 340, doenças metabólicas 391, 513, 544,
427-430 doenças parasitárias 300, 302, 445, 448, 507, 511- 513
Diet and Reinfarction Trial 397 ancilostomíase 312
dieta 17, 19-20, 23-26, 135, 138-140, 146-147, 165-166, 181-182, ascaridíase 328
186-187, 189-190, 194-206, 208-212, 362-363, 391, 397,
412-420, 505, 508-511, 513, 553, 555-557 esquistossomose 310, 312

com alto teor de gordura 395, 401 estrongiloidíase 328

com baixo teor de gordura 395, 401-402 giardíase 328

e doenças 19, 20, 25, 201, 214, 223 doenças osteoarticulares 448

habitual 399 DPP ver Diabetes Prevention Program

hipocalórica 383 DPT ver vacina tríplice

hiperlipídica 108, 362 DUM ver data da última menstruação

hiperprotéica 108
lactoovovegetariana 41 E
pobre em gorduras totais 402 Ebia ver Escala Brasileira de Insegurança Alimentar
rica em carboidratos 394, 402 educação alimentar 312, 527
rica em fibras 394, 401, 402 educação nutricional 227, 312, 534
vegetariana 376, 382, 417-418 efeitos aleatórios 245, 251-252, 254-258
dietary approches to stop hypertension 418 efeitos fixos 245, 251-252, 260
Diretriz Brasileira para Diagnóstico e Tratamento de Síndrome Egir ver European Group for the Study of Insulin Resistance
Metabólica 389, 392-393 E/I ver estatura para idade
Diretrizes Nacionais para a Promoção da Saúde EIMCC ver Estudo Internacional Multicêntrico
Política Nacional de Atenção Básica 534 emaciação 58
Política Nacional de Promoção da Saúde 534 Encontro Mundial de Cúpula pela Criança 297
dislipidemia 87, 101, 116, 363, 372, 389-391, 394-396, 402, 445, Endef ver Estudo Nacional da Despesa Familiar
508, 547
envelhecimento 105-108, 110, 113-114, 117-118, 157-158, 213, 307,
dispêndio de energia ver gasto energético 310, 316, 364, 417, 420, 446
distúrbios nutricionais 20, 79, 531 EPA ver ácido eicosapentanóico
dobra cutânea ver indicadores antropométricos epidemiologia da amamentação 21
doença arterial periférica 371 epidemiologia da anemia ferropriva 31, 297, 528
doença aterosclerótica 371, 375, 398 epidemiologia da atividade física 461, 466,
doença coronariana 371-376, 378-379, 380, 391, 395-396, 400, 414, epidemiologia da desnutrição 20
461-463
epidemiologia da desnutrição infantil 281, 350
infarto do miocárdio 26, 141, 379, 391, 397, 399, 462
epidemiologia da hipovitaminose A 31, 325, 326, 528
doença de Crohn 428-429
epidemiologia da obesidade 347
doença pulmonar obstrutiva crônica 462
epidemiologia da xeroftalmia 31, 325
doença renal 414, 462
epidemiologia das alterações nutricionais na adolescência 85
doença respiratória 428
epidemiologia das DCNT 20
doenças cardiovasculares 20, 85, 87-88, 114, 116-117, 133, 137-139,
epigênese transgeracional 543, 548, 549
141-142, 159, 213, 349, 363, 371, 372-382, 390-392, 395-402,
411, 414, 475, 513, 543-544, 547, 560 ver tb doença coronariana Equamax ver procedimento de rotação ortogonal
biomarcadores de exposição nutricional 141-142 equivalente da atividade de retinol 327
doenças carenciais 19, 20, 23, 26, 530 Escala Brasileira de Insegurança Alimentar 485, 491, 493-495, 497, 498,
499
doenças cerebrovasculares 411, 448
escalas formadoras do construto 232
doenças crônicas 26, 50, 110, 117, 121, 128, 138-139, 141-142, 213,
310, 312, 354, 361, 364, 427, 429, 447-448, 462, 464, 475, escorbuto ver desnutrição, classificação da
543-544, 553 escore Z de comprimento para idade 262- 264, 266
doenças crônicas não transmissíveis 19-21, 26-27, 101, 107-108, 117, escore Z de peso para idade 263, 559
201, 213, 222, 362, 371, 377, 445-448, 458, 509, 513,
Escherichia coli 429
521-522, 533, 545
espaço de conteúdo 230-232
doenças gastrointestinais 117
espaço do desfecho 231, 232
doenças infecciosas 213, 289, 290, 292, 310, 311, 325, 429, 445, 446,
448, 507, 511, 512, 513, 531 esquistossomose ver doenças parasitárias

569
Epidemiologia Nutricional

estado nutricional fator inibidor do ativador do plasminogênio 389, 390, 391


da criança 49, 56-60, 62, 67, 68, 76, 261, 265-266, 273, 282, 283, fator Van Willebrand 380
289, 526 ferritina 134, 142, 205, 267, 268, 300-302, 311, 316
da gestante 31, 32, 35, 37-39, 44 ferro 128, 132, 134-136, 142
do adolescente 68, 79, 80, 282, 507 absorção de 268, 271, 300, 315
do adulto 100, 114, 131, 282 biomarcadores de exposição nutricional 136
do feto 315 indicadores bioquímicos de estado nutricional 134, 135
do idoso 105, 107, 112, 114-116, 118, 120, 348 deficiência de 134-136, 269-271, 297-302, 309-316, 528
dos estudantes 534 heme 134, 136, 270, 300, 313
dos indígenas 505, 507, 513 não-heme 106, 134, 268, 300, 313, 315
materno 31, 36, 363 suplementação de 267, 238, 311, 312, 315, 525, 529
pré-gestacional 35 ferropenia ver deficiência de ferro
estatura ver tb métodos de medição da composição corporal fibras 138, 347, 362, 364, 374, 381-382, 393, 399-401, 417-418, 513
baixa 33, 83, 291, 506, 511, 546 consumo de 106, 208-209, 377, 394, 402, 415
da criança 56, 58, 68, 81 fibrinogênio 377, 548
déficit de 51, 57, 85, 282, 506, 511 Finnish Diabetes Prevention Study Group 401
do adolescente 81 fitatos 136, 269, 300, 315
do adulto 33, 97 fitoestrogênio 381, 398
materna 31, 33, 69 flavonóides 135, 381, 398
estatura-para-idade ver indicadores antropométricos flúor 25, 26
esteatose hepática 391 FNDE ver Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Estratégia Global de Alimentação, Atividade Física e Saúde 522, 531 folato 128, 132-136, 142, 379-381, 456
estresse nutricional 36, 489 biomarcadores de exposição nutricional 136
estresse oxidativo 142, 372, 398-399, 401 indicadores bioquímicos de estado nutricional 133, 134
estrongiloidíase ver doenças parasitárias folha de balanço de alimentos ver métodos de avaliação do consumo
estrutura de co-variância 248, 251-252, 254- 256, 260 alimentar
estrutura de variância 249, 251, 252-256, 260 fome 289-291, 326, 446-447, 486, 488-493, 495, 498-499, 519,
Estudo Brasileiro sobre Diabetes Gestacional 35 521-523, 526, 535, 545-547, 549
Estudo de Crescimento Harpenden 68 fortificação de alimentos 135, 136, 267-271, 273, 313, 341
Estudo Internacional Multicêntrico 36, 39, 66-67, 69, 71, 73-75, fotofobia 330
108, 264, 272, 273, 428, 430, 532 Framingham Heart Study 398
Estudo Nacional de Despesa Familiar 110, 174, 293, 348, 511, 532 Framingham Offspring Study 394
estudos de validação 20, 42, 85, 192, 195, 203, 204, 205, 206, 207, freqüência cardíaca 467, 547 ver tb métodos de medição de gasto
208, 224, 467 energético
estudos longitudinais 34, 68, 71, 72, 73, 246, 249, 257, 291, 352, fritura 382, 396, 400
361, 411-413, 416, 476- 477 frutas 17, 23, 25, 72, 106-109, 136, 142, 185-186 192, 197, 205,
estudos observacionais 139, 249, 375, 378, 412- 419, 554, 557 208-209, 222, 265, 272, 281, 315, 341, 350, 352-353, 361-362,
estudos transversais 50, 67, 73-74, 101, 250, 364, 394, 398, 365, 375-378, 381-382, 394, 397, 412, 414, 418-419, 429, 449,
415-416, 475, 477 456, 530
Euronut Seneca Study 113 fumo 300, 371, 430 ver tb
European Group for the Study of Insulin Resistance 392-393 Fundação Nacional de Saúde 504
excesso de peso ver sobrepeso Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação 520, 521, 527
Expert Committee on Clinical Guidelines for Overweight in Adolescent
Preventive Services 82 G
exposição nutricional 135, 141-142 ganho de peso ver indicadores antropométricos e peso corporal, aumento de
ganho ponderal ver ganho de peso
F ganho ponderal gestacional ver indicadores antropométricos e peso
FAO ver Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação corporal gestacional
farinha de milho 25, 313 gasto energético 165, 167-171, 176, 195-196, 347, 351, 461, 467, 489
ver tb métodos de medição de gasto energético
farinha de trigo 313
General Health Questionnaire 12 477
fator bífido 427, 429
Geografia da Fome 326

570
Índice

giardíase ver doenças parasitárias Homa-IR 87, 394


glicemia 359, 393, 396, 402 homocisteína, concentração de 133-134, 142, 380, 398
glicose homocisteinemia 133, 142, 371, 380, 398
metabolismo da 392, 394 Human Leucocyte Antigen 360
intolerância à 87, 372, 390, 396, 401
goma 377, 399 I
gordura corporal 33-34, 54, 79, 81-83, 85, 97-102, 112, 114, 150, IA ver insegurança alimentar
152-153, 157-159, 195, 395, 477
IBGE 186, 348, 453, 455
gordura hidrogenada 139, 412
ICCN ver Incentivo de Combate às Carências Nutricionais
gordura insaturada 396, 416
idade gestacional 31, 33-37, 40, 42-43, 71, 258, 302, 533, 559
gordura monoinsaturada 400, 401, 416
IDF ver International Diabetes Federation
gordura ômega-3 poliinsaturada 416
idiotia iodopriva ver iodo, carência de
gordura saturada 373, 396, 400, 418, 531
IG ver idade gestacional
gordura trans 382, 396, 530, 531
IG ver índice glicêmico
gráfico de sedimentação de Cattell 219
IGF ver insulin growth factor
grãos 143, 263, 265, 350, 377, 382, 393, 394, 397, 402
IHAC ver Iniciativa Hospital Amigo da Criança
Guajá ver populações indígenas
IMC ver índice de massa corporal
guar 399
impedância bioelétrica 505
Guaraní ver populações indígenas
impressão metabólica 544, 548-549
Guia Alimentar para a População Brasileira 531
Inan ver Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição
Inca ver Instituto Nacional de Câncer
H Incap ver Instituto de Nutrición de Centroamérica y Panamá
hábitos alimentares 50, 107, 110, 118, 182, 186, 188, 190, 192, Incentivo de Combate às Carências Nutricionais 524-525, 533
194, 201, 203, 221, 312, 341, 351, 353-354, 371, 373, 379,
394, 400, 402, 448, 487, 530 indicadores antropométricos

Harpenden Growth Study ver Estudo de Crescimento Harpenden altura uterina 31, 35

HAZ ver escore Z de comprimento para idade altura do joelho 113-114

HDL ver lipoproteína de alta densidade circunferência cefálica 34, 50, 53-54, 69, 263,

Health Professionals Study 398 circunferência da cintura 99, 100-102, 115-116, 187, 392-394,

Health Professionals Follow-up Study 378, 381 circunferência da panturrilha 33, 113, 116, 120,

hematócrito 116, 299, 302 circunferência do braço (braquial) 31, 33, 112-113, 115-116, 120,
263, 505
hemoglobina 116, 133, 134, 267-270, 298-302, 310-312, 316
circunferência do quadril 99
Heritage Family Study 401
circunferência do tronco 99
hidrometria ver métodos de medição da composição corporal
dobra cutânea 31, 33-34, 50, 55-58, 70, 83, 94, 96-99, 112-
hipercolesterolemia 349, 371, 395, 398, 445 113, 115-117
hiperglicemia 87, 364, 373, 394-395, 402 estatura materna 31, 33
hiperhomocisteinemia 133, 142, 371, 380, 398 estatura-para-idade 68-70, 80, 282, 292
hiperinsulinemia 87, 390, 391, 394, 547 ganho de peso 31, 32, 35-37, 39, 44, 51, 80, 112, 258, 259, 262,
hiperpotassemia 414 264, 311, 349, 351-353, 361-363, 383, 389, 476, 438, 509, 522,
hipertensão arterial 20-21, 34, 58, 87, 101, 117 133, 349, 361, 371-374, 553, 560
379, 381, 389-391, 394, 400, 411-415, 417-420, 462, 464, 508, índice de massa corporal pré-gestacional 31, 34-35, 37-38
512-513, 522, 547, 553, 556-557 peso-para-comprimento 69-71, 74
hipertrigliceridemia 87, 101, 372, 390, 395, 397, 402, 445 peso-para-estatura 35-38, 68-71, 81-82, 292
hiperuricemia 389, 391, 445 peso-para-idade 68-70, 74, 80-82, 282-284, 288, 292
hipervitaminose 136 perímetro do braço (braquial) 31, 33
hipótese do jolly fat 475 perímetro da panturrilha 31, 33
hipótese reflected appraisal 474-475 peso pré-gestacional 31-34, 36-37, 39, 42, 363-365, 431
hipovitaminose A ver vitamina A, deficiência de e desnutrição, indicadores bioquímicos 127, 128, 129, 130, 131, 132, 135, 136
classificação da história dietética 109, 117
de estado nutricional 127, 128, 129
HIV 245-246, 261, 288-291, 433, 437-439, 525
de exposição nutricional 128
HLA ver Human Leucocyte Antigen

571
Epidemiologia Nutricional

especificidade dos 131 J


estáticos 127, 128
janela de exposição 544, 546, 547, 548, 549
faixas de normalidade 129, 132
Japanese-Brazilian Diabetes Study Group 391
funcionais 127, 128, 129
pontos de corte 129, 132
sensibilidade dos 131
K
valores de referência 129, 132 Kaingáng ver populações indígenas

indicadores bioquímicos de estado nutricional 127, 135, 136 KMO ver teste de Kaiser-Meyer-Olkin 216-217

índice antropométrico ver indicadores antropométricos kwashiokor ver desnutrição, classificação da

índice de massa corporal 83-84, 87-88, 111, 120, 155, 158-159,


169, 187-189, 195, 349-350, 394, 415, 453, 474, 476 L
em adolescentes 82, 85-86, 348, 478-479 lactação 71, 75, 128, 131, 262, 300, 315, 432, 435, 438, 545, 549
em adultos 100-102, 114 , 391, 475, 477-478, 487-488, 508-509, lactobacilos 429
555
lactose, intolerância à 108
em crianças 61, 68-69, 281, 352, 479, 555, 558
laticínio 208, 374-375, 394-395, 399
em idosos 112, 114-117, 154, 348
LDL ver lipoproteína de baixa densidade
pré-gestacional 31,32, 33, 35, 36, 40-44, 245, 364-365
legumes 208, 265, 281, 350, 362, 365, 377, 379, 382, 412, 449,
ver tb indicadores antropométricos
456, 530
índice energético integrado 170-171, 174
leguminosas 25, 377, 382, 456
índice glicêmico 362, 364, 377, 393, 394
Lei de Segurança Alimentar e Nutricional 523
infarto do miocárdio ver doença coronariana
leite artificial 555-556
infância 58, 65, 69, 151, 157, 267-269, 273, 286, 291-292, 311,
leite desnatado 221-222, 326,
338-339, 342, 350, 361, 364, 430, 463, 478, 488-489, 509,
545-546, 553-557, 559-560, leite consumo 352, 361
Iniciativa Hospital Amigo da Criança 430, 433, 437, 439, 524 leite enriquecido com ferro 270
Iniciativa Unidade Básica Amiga da Amamentação 524 leite enriquecido com AGP 380
inquéritos alimentares ver métodos de avaliação do consumo alimentar leite integral 222, 266, 272, 315, 361, 525, 555,
inquéritos recordatórios de 24 horas ver métodos de avaliação do leite pasteurizado 438
consumo alimentar leite materno 262, 265, 267, 272-273, 309, 315, 325, 336,
insegurança alimentar 106, 485-486, 488-499 427-432, 434, 438-439, 524, 548, 554-559
insegurança nutricional 491, 497 leite pó 262-264, 266, 268, 269, 271
Institute of Medicine (Estados Unidos) 34-35, 39, 42, 327 leite semidesnatado 270
Instituto de Nutrición de Centroamérica y Panamá 262 leucócitos 128, 427
Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição 519-524, 526 linfócitos totais 116
Instituto Nacional de Câncer 465-466 lipídios 108, 138-141, 167, 181, 396, 416, 454
insuficiência cardíaca 391, 413 biomarcadores de exposição nutricional 139, 140, 141
insuficiência renal 133, 411 lipoproteína de alta densidade 87, 101, 372-377, 381, 389, 390,
394, 396-398, 401-402, 418, 547, 557
insulina 87-88, 116, 359-360, 362-364, 375, 377, 389-391, 393, 401-
402, 545-547, 558 ver tb Resistência à Insulina lipoproteína de baixa densidade 138-139, 159, 205, 372, 390,
394-399, 401, 418, 557
insulin growth factor 116, 549
Lisrel 8 ver software 234
insulinemia 392, 396, 402
litíase renal 415
International Diabetes Federation 392-393
Lyon Diet Heart Study 397
International Journal of Body Composition Research 151
International Obesity Task Force 82, 348
intolerância à glicose 87, 372, 396, 401 M
inventário ver métodos de avaliação do consumo alimentar macronutrientes 189, 201, 282, 393, 453-456
iodo 528 macrossomia fetal 36, 363, 364
carência de 448 mácula, degeneração da 137
deficiência de 529 magnésio 363, 381, 383, 413, 418
IOM ver Institute of Medicine (Estados Unidos) consumo 415
IOTF ver International Obesity Task Force suplementação 415
IR24h ver inquéritos recordatórios de 24 horas

572
Índice

magreza 85, 121, 473 registro alimentar 109-110, 186


malária 261, 272, 301-302, 310, 312, 511 métodos de medição da composição corporal 34, 49-50, 59, 69,
MAN ver Mini-Avaliação Nutricional 74, 81, 93, 112, 118, 149, 151, 153, 156, 489-490, 505
manchas de Bitot 326, 330, 332, 334 ver tb xeroftalmia antrometria 153
mapa do construto 230, 232 bioimpedância 156
mapas da fome em terras indígenas 505 densitometria corporal 151, 153
marasmo nutricional ver desnutrição, classificação da Dexa 152-153, 159
marcadores antropométricos ver indicadores antropométricos dobra cutânea 153
marcadores bioquímicos ver indicadores bioquímicos hidrometria 152, 157
massa corporal 51, 82, 282 pesagem hidrostática 150-151
total 96 peso corporal e estatura 149, 154, 473, 477
magra 40, 44, 101, 110, 115-116 potássio corporal total 152
massa gorda 112 métodos de medição de gasto energético
massa corporal livre de gordura 112, 114 acelerômetro 169, 171-172, 467
massa muscular 79, 82, 112, 116, 118, 157-158 água duplamente marcada 166-169, 173, 176, 187, 194-196
massa óssea 79 calorimetria direta 166-167, 169
matriz de co-variância 258 calorimetria indireta 166-167, 169, 173
simétrica composta 254 freqüência cardíaca 167-169, 172
uniforme 254 método fatorial 170, 172
matriz de variância 252, 258 métodos recordatórios ver métodos de avaliação do consumo alimentar
maturidade química 151 Metropolitan Life Insurance Company, padrão de referência do 35
medidas antropométricas ver indicadores antropométricos micronutrientes 261-265, 267-270, 274, 282, 290, 510-511, 525, 533
menarca 81 baixa ingestão de 108
menopausa 475-476 deficiência de 31, 340, 510
metabólitos acetil coenzima A dosagens séricas de 117
metilação 549 minerais 381, 383, 412-413
metionina 133-134, 379-380 consumo 108
método antropométrico ver antropometria mini-avaliação nutricional 118, 120
método de Atalah 39 mini-exame de estado mental 118
método de Teoria de Resposta ao Item 234 Ministério da Agricultura 520
método do Gradiente 254 Ministério da Educação 520-521, 523, 526-527, 534
método DUD (doesn’t use derivatives) 254 Ministério da Previdência 520
método Fatorial ver métodos de medição de gasto energético Ministério da Saúde 37, 266, 273, 507, 519-526, 529, 533-534
método Fescina 37 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 521, 523,
526-527, 534
método mãe canguru 438
Ministério do Trabalho 520, 528
método Payette ver questionário Payette
modelo alimentar protótipo 221
métodos bioquímicos 127, 131-132
modelo de dados longitudinais 255
especificidade dos 131
modelo de efeitos aleatórios 259
sensibilidade dos 131
modelo de efeitos fixos 260
métodos de avaliação do consumo alimentar 109, 127, 183, 201, 210
modelo de efeitos mistos 246, 248, 250, 251, 252, 254, 255, 257,
diário alimentar 183, 186-187 258, 260
folha de balanço de alimentos 183-185 modelo de mensuração 232
inquéritos alimentares 127, 131, 138-139, 141, 213 modelo de regressão assintótico 259
inventário 183-185 modelo não linear 234, 251
recordatório 24 horas 183, 187, 189-190, 194, 196-197, 414, 510 modelos polinomiais 251
recordatório 72 horas 187 monoglicerídeo 374
Pesquisa de Orçamento Familiar 86-88, 107, 110-112, 115, 186, monoglutamato 380
282-293, 348, 350, 352-353, 355-356, 365, 511
mortalidade fetal 34
questionário de freqüência alimentar 109-110, 183,189-195,
197, 200-210, 214, 216-219, 221-222, 224, 415, 510 mortalidade infantil 32, 71, 246, 291, 338, 363, 427-428, 434, 445,
448, 458, 501, 526

573
Epidemiologia Nutricional

morte materna 310 visceral 371-372


mucilagem 377 obesidade, diagnóstico da 51
musculatura total corporal 151 em adolescentes 82, 83, 361
em adultos 351
N em homens 348

NAF ver nível de atividade física em idosos 107, 111, 113

Nafo ver nível de atividade física ocupacional em indígenas 506-509, 511, 513

nanismo nutricional 448 em mulheres 353

National Cholesterol Education Program Adult Treatment Panel III 87, obesidade, fatores associados à 350
391-393 ambientais 350
National Health and Nutrition Examination Survey 69-70, 83, 112, 114- sociodemográficos 350
115 socioeconômicos 350
NBCAL ver Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos Oblimin direto ver procedimento de rotação oblíqua
NCEP-ATPIII ver National Cholesterol Education Program Adult ocitocina 427, 431
Treatment Panel
oesteoartrite 349
NCHS ver Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos
óleo de canola 376
neuroticismo 476
óleo de peixe 376
NHANES ver National Health and Nutrition Examination Survey
óleo de soja 265-266, 376, 525
niacina 25-26, 106, 456
óleo industrializado 376
consumo de 106
OMS ver Organização Mundial da Saúde
consumo inadequado em idosos 109
Organização das Nações Unidas 185
nitrogênio 24, 132, 150-151, 188, 194-195, 203
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação 174,
níveis tensionais 412-415, 418-419 176, 183, 185, 361
níveis tensionais 412-415, 418-419 Organização Mundial da Saúde 17-18, 33, 35, 44, 67-72, 74-75, 77,
nível de atividade física 34, 170-176, 182, 196 79-80, 82-83, 85, 87-88, 100, 102-103, 111-112, 114, 172,
nível de atividade física ocupacional 465 261, 281-283, 286-288, 291, 297, 299, 302, 307, 314-316,
325, 353, 362, 366, 429, 437-438, 447, 450, 506-507,
Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos 435, 438, 524 522, 524, 529, 533
normotensos 413-414, 417, 420 Organização Pan-Americana da Saúde 491
NSI ver Nutrition Screening Initiative osteomalácia ver desnutrição, classificação da
Nurses Health Study 378, 381 osteopenia 108
nutrientes osteoporose 108, 141, 143, 160, 462, 463
aumento da necessidade 79 biomarcadores de exposição nutricional 143
consumo inadequado 108 ovo 27, 265, 326, 375
ingestão 106 óxido nítrico 380, 381
Nutrition Screening Initiative 115 oxigênio 132, 134, 142, 150, 167, 297, 316, 363, 374

O P
obesidade 17, 19-21, 35-36, 39, 49, 79, 82-87, 102, 111-115, 151, PAB ver Piso de Atenção Básica
154, 158-160, 213, 359-361, 364, 428-429, 445, 447-449,
453, 458, 467, 486-487, 489, 512, 521, 530-531, 535, PAD ver pressão arterial diastólica
547-548, 556, 558, 560 padrão alimentar 20, 27, 195, 213-215, 220-222, 224, 419
abdominal 362, 363 análise de componentes principais do 213-224
avaliação de 82 de risco 222
caráter epidêmico da 350 mudanças no 107-108, 117
conseqüências da 349 saudável 222
em crianças 351-352, 361, 364 padrão dietético ver padrão alimentar
morbidades associadas à 86 PAI-1 ver inibidor do ativador do plasminogênio
no Brasil 165, 348, 349, 350-351, 353 part-whole correlation 44
pós-parto 34 parto
pré-gestacional 35 a termo 44
risco de 85, 97 cirúrgico 33

574
Índice

complicações no operatório 34, 36, 364 Pesquisa de Orçamento Familiar ver métodos de avaliação
pós-termo 44 do consumo alimentar
prematuro 44 Pesquisa de Padrões de Vida 111-112, 348, 353, 355, 464-465
trabalho de 33 Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição de Pernanbuco 303
PAS ver pressão arterial sistólica Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios 110, 497
PAT ver Programa de Alimentação do Trabalhador Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde 293, 511, 533
Payette ver questionário Payette Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição 81-84, 87, 110-112, 115,
293, 348, 511, 521
PC ver peso corporal
pesquisas de orçamento familiar ver métodos de avaliação
PCr ver proteína-C reativa do consumo alimentar
pectina 377, 399 PG ver peso de gordura
peixe, consumo de 185, 193, 265 Physicians’ Health Study 26
efeitos benéficos do 376, 378, 397 piridoxina ver vitamina B6
na dieta japonesa 382, 400 pirimidina 379
pelagra ver desnutrição, classificação da pirogalol 132
perda ponderal recente ver peso corporal, perda de Piso de Atenção Básica 525
perda ponderal ver peso corporal, perda de Plano de Frankfurt 53, 54, 55, 97
perímetro ver circunferência PLG ver Peso Livre de Gordura
pesagem hidrostática ver métodos de medição da composição corporal plicômetro 56-57
peso atual ver peso corporal atual PLS ver Programa Leite é Saúde
peso corporal 34, 42-43, 50-51, 58, 60, 69-71, 73, 81-83, 96-97, 112-114, PM ver peso magro
417-418 ver tb métodos de medição da composição corporal
PNAD ver Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios
aferido 43, 97, 121
PNAE ver Programa Nacional de Alimentação Escolar
atual 118, 418
PNDS ver Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde
aumento de 36-37, 44, 52, 80, 87, 363
PNAN ver Política Nacional de Alimentação e Nutrição
baixo 39-40, 73, 79, 82-83, 85, 87-88, 115, 118
pneumonia 261, 290-291, 428, 430
curvas de 36
Pniam ver Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno
déficit de 60-62, 111-112
PNSN ver Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição
definitivo 79
POF ver Pesquisa de Orçamento Familiar
em adultos 96
polidipsia 359
em recém-nascidos 32, 34, 39, 42, 44, 361, 553, 554-555
poliglutamato 380
excesso de ver sobrepeso
polipílula 382
fetal 36, 42
polissacarídeo 377
gestacional 31-34, 36-37, 42-43, 364
Política de Segurança Alimentar 522
hidrostático
Política Nacional de Alimentação e Nutrição 365, 520, 522, 528, 531,
ideal 473, 475-477 533, 534
materno 33-34, 36, 43, 365 poliúria 359
mudanças no 120 populações indígenas 347, 360-361, 364, 507, 509-512
no momento da consulta 36 Baré 507
normal 43 Guajá 511
perda de 43, 113, 117-118, 120-121, 362, 418, 558 Guaraní 511
referido 43, 97, 121 Kaingáng 510
relativamente normal 113 Suruí 510-512
retenção de 36 Teréna 510-511
variação de 96, 117 Xavánte 507, 509-510, 512
peso de gordura 150-152, 159 potássio 381, 382, 413-414, 418
peso livre de gordura 149-153, 156-159 consumo de 412, 414-415, 418, 420
peso magro ver peso livre de gordura potássio corporal total ver métodos de medição da composição corporal
peso-para-comprimento ver indicadores antropométricos potencial hiperglicêmico pós-prandial 363
peso-para-estatura ver indicadores antropométricos PPR ver perda ponderal recente
peso-para-idade ver indicadores antropométricos PPV ver Pesquisa de Padrões de Vida

575
Epidemiologia Nutricional

pranchas de Tanner 80 Programa Nacional do Leite 266


pré-albumina 117 Programa Saúde da Família 303, 316, 529, 534, 537
pré-eclampsia 36 Programa de Controle e Prevenção de Carências de
prega cutânea ver dobra cutânea Micronutrientes 528
pressão arterial 281, 373, 376, 381-382, 411-417, 419-420, programas de promoção da saúde e da alimentação saudável 527, 535
556-557, 560 programas de promoção da segurança alimentar e nutricional 527, 535
diferenças de 418 programação metabólica 350, 543-544, 546, 548-549
elevação da 412, 416 Promax ver procedimento de rotação oblíqua
em vegetarianos 417 proteína 106, 108, 117, 377, 383, 412, 416, 418, 447, 454-558
medidas de 411 proteína C reativa 117
níveis da 390, 412-413, 416-420 proteína de transferência de á-tocoferol 138
queda da 418 proteína ligante de retinol 137, 328, 335, 336
redução da 414-417, 419-420 proteína transportadora de retinol 117
valores elevados de 411 proteína de origem vegetal 417
média 420 protoporfirina 134
pressão arterial sistólica 411, 413-414, 417-418, 420, 557 provitamina A 137, 327, 378
pressão arterial diastólica 411, 413-420, 557 PSF ver Programa Saúde da Família
procedimento de rotação oblíqua psicometria 232, 238
Oblimin direto 220 análises psicométricas 232, 234
Promax 220 enfoque psicométrico 232, 233, 234, 235, 236, 237
procedimento de rotação ortogonal evidências psicométricas 230
Equamax 220 modelagem psicométrica 232
Quartimax 220 propriedades psicométricas 215, 233-234
Varimax 220-222, 233 trajetória psicométrica 230
processo aterogênico 372 purina 379
processo de grupos focais 230
processo de grupos nominais 230 Q
Programa Agentes Comunitários de Saúde 534 Quartimax ver procedimento de rotação ortogonal
Programa Alimentação Saudável 523 QFA ver Questionário de Freqüência Alimentar
Programa Auxílio Gás 526 Questionário de FreqüênciaAlimentar ver métodos de avaliação
Programa Benefícios de Prestação Continuada 526 do consumo alimentar
Programa Bolsa Alimentação 266, 523, 525-526, 533 Questionário Internacional sobre Atividade Física 466
Programa Bolsa Escola 526 Questionário Payette 118-120
Programa Bolsa Família 303, 523, 526-527, 533
Programa Brasil Escolarizado 527 R
Programa de Alimentação do Trabalhador 527-528
R ver software
Programa de Atenção Integral às Doenças Prevalentes na Infância 265
r24 ver recordatório 24 horas
Programa de Renda Mensal Vitalícia 526
raf ver razão de atividade física
Programa Fome Zero 523
raquitismo ver desnutrição, classificação da
Programa Leite é Saúde 524, 525
razão cintura/quadril 99, 100-103, 116
Programa Nacional de Acesso à Alimentação 526
razão de atividade física 170
Programa Nacional de Alimentação e Nutrição 522
rbp ver proteína ligante de retinol
Programa Nacional de Alimentação Escolar 520, 527, 528
rcq ver razão cintura/quadril
Programa Nacional de Imunização 340
rdr ver teste de resposta a uma dose de retinol
Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno 524
re ver requerimentos energéticos
Programa Nacional de Prevenção e Controle dos Distúrbios por
recordatório 24 horas ver métodos de avaliação do consumo alimentar
Deficiência de Iodo 529
recordarório 72 horas ver métodos de avaliação do consumo alimentar
Programa Nacional de Renda Mínima ver Programa Bolsa
Alimentação 525 referência de crescimento 69
Programa Nacional de Suplementação de Ferro 529 referência do NCHS 69
Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A 529 referência do Reino Unido 68

576
Índice

referência NCHS-OMS 77 selênio 116, 132, 205, 377, 381-382, 398-399


referência NCHS/CDC 69 Serviço de Saúde Pública (Estados Unidos) 24, 25
reflected appraisal ver hipótese reflected appraisal Short Form-36 Health Survey Questionnaire 476
registro alimentar ver métodos de avaliação do consumo alimentar síndrome da morte súbita 429, 430
registro dietético ver métodos de avaliação do consumo alimentar síndrome dos ovários policísticos 391
relação cintura/quadril ver razão cintura/quadril síndrome metabólica 20- 21, 26, 87-88, 101, 117, 203, 372
relação colesterol/HDL 101 aspectos epidemiológicos da 87, 101
relação colesterol total/HDL 101 aspectos nutricionais da 87, 101
Relatório Mundial de Saúde 17 na adolescência 361
requerimentos energéticos 172, 176 síndrome xeroftálmica 328-329, 332, 338
resistência à insulina 87-88, 362-363, 371-374, 389-394, 396, 403, 546- Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena 504
547, 559 Sistema de Informação da Atenção Básica 525
resposta glicêmica 362 Sistema de Nascidos Vivos 533
retinol activity equivalent ver equivalente da atividade de retinol Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional 505, 533
retinol ver vitamina A Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 523
retinolemia 327 Sistema Único de Saúde 21, 519, 529, 533-535
reumatismo 462 skinfolder caliper ver plicômetro
Revised Conflict Tactics Scales 231 sobrepeso 17, 19, 21, 26, 34-36, 39-40, 43, 49, 61, 70, 82-88, 102,
RI ver resistência à insulina 115, 154, 159, 187, 209, 213, 377, 412, 415, 418, 445,
riboflavina 26, 109, 129-130, 262, 380 447-448, 453, 458, 473-478, 487, 489, 506-507, 509,
512, 521, 556, 558
risco cardiovascular 101, 102, 113
declínio de 87
risco nutricional 34, 106, 121
em adolescentes 82, 83, 86, 87, 88, 101, 348, 365-366
alto 121
em crianças 61, 69, 351, 366
baixo 121
em idosos 107
em gestantes 37
morbidades associadas ao 86
grupo de 79, 110
no Brasil 165, 348
moderado 121
pós-parto 34
situações de 49
pré-gestacional 365
S risco de 83
S-Plus/R ver software sódio 143, 150, 195, 197, 203, 381, 413, 414, 418, 419, 555, 556
sais de ferro 298, 312, 313, 314, 315, 316 consumo 413, 414
sais minerais 447 conteúdo 419
sal 449, 458, 556 efeito da ingestão de 419
alto consumo de 412, 416 níveis de 419
de cozinha 313, 413 redução no consumo 413
diminuição do 412, 414, 420 restrição de 414, 418, 419
necessidade humana diária de 413 testes de redução de 414
sarampo 261, 272, 290, 336, 338, 340-341 software
SAS ver software Lisrel 8 234
saúde bucal 106, 107, 117 R 234, 249, 258
saúde coletiva 297, 309 S-Plus/R 254
saúde da criança 261, 265, 529 SAS 254
saúde indígena 504, 513 Stata 234
saúde pública 221, 271, 299, 302, 316, 325-326, 337, 350, 359, Winbugs 254
519, 528 soja 139, 220, 222-223, 262-266, 376, 381-382, 394, 396-397, 400, 525
scree plot ver teste gráfico de Cattel 219 solução de reidratação oral 429
sedentarismo 107, 112, 359, 362, 382, 449, 457, 461, 464, 467, 468 soma de quadrado residual 253-254
segurança alimentar e nutricional 21, 106, 265, 288, 312, 447, Stata ver software
485-487, 490-495, 497, 498, 499, 503-505, 522-523, 527, 534
subnutrição ver déficit de peso-para-idade
selectina-E 381
sulfido 381

577
Epidemiologia Nutricional

superóxido dismutase 381 Unicef 74-75, 273, 277, 297, 314, 316, 437, 514, 524
suplemento alimentar 261-267, 269, 417 Universidade de Southampton 19
Suruí ver populações indígenas USG ver ultra-sonografia
SUS ver Sistema Único de Saúde
V
T vacina anti-sarampo 340
tabagismo 102, 131, 134, 143, 349, 350, 382, 447, 449, 558 vacina Sabin 340
talassemia minor 272 vacina tríplice 272, 340
taxa de ganho de peso 42 vacinação 272, 340
taxa líquida de peso 42 validação 20, 135, 151, 191-192, 195-196, 202-208, 210
taxa metabólica basal 165-166, 168-178, 180, 489 validade concorrente 236
TCAP ver transtorno da compulsão alimentar periódica validade de construto 232, 236
técnica de aferição, padronização da 93, 96 validade de critério 236, 237
técnica Delphi 230 validade de mensuração 228, 229
teoria da generalização 234 validade dimensional 232, 233
teoria de resposta ao item 234 validade operacional 228, 229
teoria desenvolvimentista da origem da saúde e doença 553 validade preditiva 236
Terceiro Estudo para Investigação de Saúde e Nutrição ver NHANES 69 valor antropométrico ver índice antropométrico
Teréna ver populações indígenas valor calórico total 376
teste de esferecidade de Bartlett 216, 217 variância acumulada 219
teste de Kaiser-Meyer-Olkin 216 variância compartilhada 215
teste de resposta a uma dose de retinol 335, 336 variância exclusiva 215
teste gráfico de Cattel 219 variância explicada 218, 219
tetraidrobiopterina 381 variância residual 250
TG ver Teoria da Generalização variância total 217, 218, 219
TGD ver tolerância à glicose diminuída variância total explicada 218, 219
TGP ver taxa de ganho de peso Varimax ver procedimento de rotação ortogonal
The Surgeon General’s Report on Nutrition and Health 27 VCT ver valor calórico total
tiamina 24, 26, 109, 262 vegetais 222, 378, 380,381, 382, 383, 419
TLP ver taxa líquida de peso verduras 17, 25, 186, 198, 209, 377, 382, 418, 449, 456
TMB ver taxa metabólica basal vinagre 23
TNF-alfa ver fator de necrose tumoral alfa vinho 382
tolerância à glicose diminuída 360, 362, 364 vitamina A 17, 31, 116-117, 132, 136-137, 142, 189, 192, 202, 205,
transferrina 117, 134, 135, 136, 301 262, 272, 300, 325, 327-329, 334-336, 338, 341, 457
transição demográfica 105, 213, 521 absorção de 328
transição epidemiológica 26, 213, 302, 316, 445-450, 457-458 administração compulsória de 326
transição nutricional 17, 20-21, 26, 107, 213, 302, 316, 521-523, biomarcadores de exposição nutricional 136, 137
530, 533-535 concentrações de 325, 335-336
transtorno da compulsão alimentar periódica 478-479 consumo deficiente de 109
transtornos mentais 473-479 deficiência de 20, 31, 118, 261, 272-274, 325-328, 334, 336-
Treatise of the Scurvy in Three Parts 23 338, 341-342, 448, 511, 528, 529, 533
TRI ver teoria de resposta ao item megadoses 340, 341, 529
triagem nutricional 50, 115 suplementação de 340
triglicéride 374- 377 toxicidade da 340
trombomodulina 381 vitamina A, distúrbios da deficiência de 325
trombose 374, 379, 380 xeroftalmia 272, 325-330, 334, 336, 337, 339, 341-342
em crianças 341
no Brasil 326-327
U
vitamina A pré-formada 327, 328, 341
ulceração corneal 325 ver tb xeroftalmia
vitamina B2 380
ultra-sonografia 44

578
Índice

vitamina B6 134, 380


vitamina B9 ver ácido fólico
vitamina B12 133, 134, 135, 380
vitamina C 23, 24, 26, 106, 117, 132, 136, 142, 188, 189, 262,
268-269, 270, 271, 300, 378, 379, 398 413, 417
alta ingestão de 109
baixo consumo de 109
deficiência de 117
vitamina D 143
vitamina E 117, 132, 137-138, 141-142, 205, 363, 372, 378-379,
398-399
biomarcadores de exposição nutricional 138
VLDL ver lipoproteínas de densidade muito baixa

W
WAZ ver escore Z de peso para idade
Weanimix (suplemento alimentar) 263
Wechsler Intelligence Scale for Children - Revised 559
Winbugs ver software

X
Xavánte ver populações indígenas
xeroftalmia ver vitamina A, distúrbios da deficiência de e síndrome
xeroftálmica
xerose 330, 332, 334
xerostomia 106

Z
zinco 17, 79, 109, 116, 132, 136, 273, 381-382, 456, 525
aporte adequado de 109
consumo insuficiente de 109

579
Formato: 21 x 26cm
Tipologia: Adobe Garamond e Mudos Light
Papel: Offset 70g/m2
Cartão Supremo 250g/m2
Fotolito: Engenho e Arte Editoração Ltda. (capa)
Reimpressão e acabamento: Imprinta Express Gráfica e Editora Ltda.
Rio de Janeiro, dezembro de 2009.

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