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Universidade Federal da Bahia

Faculdade de Direito
Matéria: Antropologia
Docente: Roca Alencar
Discente: Leonardo Mota Coutinho

ETNOCENTRISMO E ETNOCÍDIO

Enquanto Pierre Clastres em seu texto “Do Etnocídio” (Arqueologia da


Violência, 1974) faz uma investigação com o propósito de melhor caracterizar e
estabelecer os limites para o etnocídio, Tzvetan Todorov, nos três capítulos iniciais de
seu “A conquista da América” (1982) se concentra mais precisamente em um exemplo
objetivo de um etnocida em ação – Cristóvão Colombo, a serviço do reino da Espanha.
Clastres examina ponto a ponto o que pode ser característico e próprio ao que se
chama de “etnocídio”. Após uma distinção inicial realizada com o genocídio – a
destruição física de um povo – o autor se encaminha para delimitar etnocídio como
sendo a “destruição sistemática dos modos de vida e pensamento de povos diferentes
daqueles que empreendem essa destruição” (p. 56). O conceito ainda é submetido a uma
inquirição que leva à conclusão de que ele é inerente às sociedades organizadas em
Estado, e que, especialmente o Ocidente, graças ao modo de produção capitalista leva a
prática aos seus extremos, já que, em seu funcionamento não espaço para a fruição da
natureza e das coisas pelo que elas são, mas pelo que podem vir a ser através da
transformação possível pela extração para que sejam úteis, para que sirvam.
A ideia de utilidade não é em si um mal. O que é um mal, como se pode ver no
decurso da História, é o império de uma ideia sobre todas as outras. Não à toa “ser útil”
é aquilo que “nos serve”. Daí que a naturalização da ideia de servidão dentro da noção
etnocêntrica dos invasores das Américas, tal e qual Colombo e sua perspectiva tão
limitada e viciada sobre os outros, os povos indígenas, mal os tomando como gente, não
seja de se estranhar. Colombo carrega, do que se depreende do texto de Todorov, a
certeza superior do ignorante, como o é a própria ideia de negação do outro como um
outro possível mesmo que diverso de mim.
Difícil não considerar a possibilidade das religiões do livro, mas especialmente o
cristianismo não funcionarem, com sua lógica expansionista à semelhança do
capitalismo, como catalisadores deste, guardadas o diverso tempo histórico dos seus
respectivos desenvolvimentos.
A despeito de todo o assombro ingênuo durante a leitura do modo de pensar e
agir de Colombo durante as invasões que perpetrou, desumanizá-lo é nos afastar da
compreensão, também, de um outro. Um outro que pode estar ao nosso lado no
trabalho, nas universidades, na próxima esquina, mas que, obviamente, não está no
momento e lugar historicamente necessários para realizar estragos e violências da monta
das realizadas pelos invasores todos. Nos tempos de absurdo em que vivemos no mundo
inteiro, em uma espécie de grave refluxo de conquistas de respeito pelas diferenças e
conquista de direitos, ao passo que não se deve relativizar, mas compreender como cada
pessoa em sua vilania individual chega até ali. Tarefa grande demais para um só campo
do saber, obviamente, ainda assim de suma importância para a alguma compreensão
sobre o nosso tempo.
O texto de Clastres tem uma atualidade terrível. Tempos em que os povos
originários na Amazônia sofrem com a ofensiva de um governo cuja política
“indigenista” poderia ser tranquilamente classificada de etnocêntrica, para dizer o
mínimo. Também um refluxo do que já era ruim o suficiente em governos anteriores
nessa questão.

BIBLIOGRAFIA
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. São Paulo: Martins Fontes, pgs. 3-40
CLASTRES, Pierre. "Do etnocídio". In: ____. Arqueologia da violência. São Paulo:
Cosac e Naify, 2009 [1974]

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