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Programa de Pós-Graduação em Chanceler

Comunicação – Universidade Municipal Dom Jaime Spengler


de São Caetano do Sul (PPGCOM-USCS)
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Vice-Reitor
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(Universidade Federal do Rio do Janeiro – UFRJ)

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(Universidade de Passo Fundo – UPF)
© 2014, EDIPUCRS; PPGCOM-USCS

DESIGN GRÁFICO [CAPA]  Shaiani Duarte


DESIGN GRÁFICO [DIAGRAMAÇÃO]  Francielle Franco
REVISÃO DE TEXTO  Simone Zaccarias
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
APOIO Universidade Municipal de São Caetano do Sul 
Publicação apoiada pela Capes. Programa de Apoio à Pós-Graduação,
PROAP/CAPES-1438/2014.
Esta obra não pode ser comercializada e seu acesso é gratuito.

Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S237h  Santos, Roberto Elísio dos


HQs de humor no Brasil : variações da visão cômica dos quadrinhos
brasileiros (1864-2014) [recurso eletrônico] / Roberto Elísio dos
Santos.– Dados Eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2014.
127 p. (Comunicação e Inovação ; 4)

Modo de Acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs>


ISBN 978-85-397-0632-7

1. História em Quadrinhos – Brasil – História. 2. História em


Quadrinhos – Análise Crítica. 3. Humorismo Brasileiro. I. Título.

CDD 741.5981

Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

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(arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
“Quando eu faço um desenho, eu não tenho
a intenção que as pessoas riam. A intenção é
de abrir, é de tirar o escuro das coisas.”

(HENFIL. Como se faz Humor Político –


depoimento a Tárik de Souza.
Petrópolis: Vozes, 1984.)
Para Simone,
que sempre faz meu coração sorrir.
Sumário
Prefácio....................................................................................... 11
Prof. Dr. João Batista Freitas Cardoso

Introdução................................................................................. 13

O Humor no Império e na República..................................... 19

Contracultura e contestação nos anos de chumbo............. 49

O riso em tempos de crise..................................................... 69

Histórias em quadrinhos no século XXI.............................. 107

Considerações finais............................................................. 119

Referências.............................................................................. 123

Sobre o autor......................................................................... 127


Prefácio
Prof. Dr. João Batista Freitas Cardoso1

N ão faz muito tempo – e isso nós leitores de histórias em qua-


drinhos sabemos – as HQs eram vistas com certo preconceito
pelo meio acadêmico. De modo geral, as “revistinhas” eram conside-
radas um tipo de produção cultural inferior destinada a um público
infantojuvenil alienado. No final do século XX, pesquisadores de dife-
rentes centros de estudos pleitearam por espaços nas universidades
pelo que entendiam ser um tipo específico de produção artística que
atravessava os diversos sistemas sociais e culturais. Nesse contexto,
surgiu em 1999, na Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA), o
Observatório de Histórias em Quadrinhos. De lá pra cá, não só nos
estudos do Observatório da ECA, mas também no interior de muitos
programas de pós-graduação em comunicação, observa-se o desen-
volvimento de pesquisas que buscam compreender os variados gêne-
ros de histórias em quadrinhos (aventura, terror, humor etc.) em suas
relações com a sociedade e produções culturais – como, por exem-
plo, os quadrinhos na sala de aula; as transposições de histórias em
quadrinhos para o cinema e televisão; o uso de elementos das histó-
rias em quadrinhos na comunicação mercadológica; o licenciamento
de personagens de histórias em quadrinhos em produtos diversos.
Na presente obra, Roberto Elísio dos Santos evidencia as ino-
vações narrativas e estéticas nos quadrinhos de humor brasileiro des-
de o tempo do império até os dias de hoje. Ao trilhar rotas não muito
comuns entre autores, publicações e períodos, Santos nos mostra a
riqueza e variedade de estilos cômicos que caracterizam uma identi-
dade genuinamente brasileira.

1
Professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade
Municipal de São Caetano do Sul (USCS).
João Batista Freitas Cardoso | Prefácio

Mais do que uma simples forma de entretenimento, o humor em


quadrinhos desvela certas práticas sociais, culturais e políticas, cober-
tas pelos mecanismos disciplinares de poder, colocando em relevo as
fraquezas e imperfeições dos sujeitos e das sociedades. Ao delinear de
maneira crítica os contornos de grupos sociais, o humor em quadrinhos
permite compreender as tensões entre os mecanismos de controle e
as forças de resistência; entre as normas impostas e a acrasia; entre os
comportamentos de submissão e transgressão. Nesse sentido, atuam
como um tipo de expressão cultural popular que objetiva, ao satirizar os
grupos dominantes, trazer à luz as adversidades que nos cercam.
Ao combater de forma crítica e irônica as injustiças humanas e
sociais, o humor gráfico assume um papel social de destaque na cul-
tura midiática. Por meio de charges, cartuns e histórias em quadrinhos,
os artistas apresentam sua visão de mundo. E, mais do que isso, como
fonte de informação dos acontecimentos sociais e políticos de uma
era, muitas das produções de humor gráfico funcionam como agenda
de temas a serem abordados pelos meios de comunicação de massa.
Nesse sentido, o progresso dos quadrinhos de humor no Brasil pode
ser verificado na oposição explícita ao regime ditatorial imposto nas
décadas de 1960 e 1970, assim como nas críticas feitas ao sistema po-
lítico nacional – antes, durante e depois do regime militar.
Paralelo ao engajamento político, aspectos negativos do com-
portamento do cidadão e da família brasileira também foram alvo
das farpas do humor em quadrinhos. As atitudes, hábitos e compor-
tamentos padrão da sociedade são apresentados de forma risível e
caricatural. O objetivo dessas produções, conforme Santos, é denun-
ciar a hipocrisia que domina as famílias de uma classe média bur-
guesa. Nesse contexto, não apenas os políticos são ridicularizados,
mas também o pai de família, o líder religioso e, até mesmo, o jovem
intelectual boêmio, leitor das próprias revistas. Ao rir de si mesmo,
e do mundo que o cerca, o leitor de quadrinhos de humor acaba por
refletir sobre as contradições e incoerências da sociedade.
Por fim, Santos mostra que, neste século, os quadrinhos de
humor parecem não mais se contentar apenas com o riso – seja ele
ingênuo ou crítico. As reflexões sobre temas sociais e existenciais dos
chamados “quadrinhos poético-filosóficos” trazem à tona a discussão
sobre a função dos quadrinhos na sociedade contemporânea. Do mes-
mo modo, o texto a seguir não tenciona levar o leitor ao riso, mas sim
fazer com que reflita sobre a importância do riso em nossas vidas.

12
Introdução

U ma característica marcante da história em quadrinhos, desde


seu advento, é a presença do humor2. Esse foi um fator impor-
tante para a popularização dos meios impressos. Caricaturas, char-
ges, cartuns e quadrinhos publicados em jornais e folhetos apresen-
tam, em sua maioria, uma visão crítica da sociedade e costumam
satirizar os grupos dominantes. Na visão de Berger (1998, p. 113):

O humor pode ser uma força para o controle ou para a resis-


tência. Em alguns casos, especialmente em pequenos grupos, o
humor pode coagir as pessoas a se comportar de determinado
modo; em outros casos, o humor cristaliza a opinião popular e
fortalece os sentimentos que os indivíduos têm de que deveriam
resistir aos que estão no poder.3

A partir do século XVIII, quando as técnicas de impressão fo-


ram aprimoradas, o humor gráfico se disseminou em jornais e panfle-
tos impressos vendidos ou distribuídos gratuitamente, muitas vezes
de forma clandestina. Na visão de Fonseca (1999, p. 13): “Ninguém
pode negar a importância do desenho humorístico na imprensa, seja
como documento histórico, como fonte de informação social e polí-
tica, como termômetro de opinião, como fenômeno estético, como
expressão artística e literária ou como simples forma de diversão e

2
Das histórias realizadas por Rudolph Töpffer a partir de 1825 às publicações
britânicas e estadunidenses do final do século XIX, o humor gráfico, especialmen-
te a tira de quadrinhos cômica, teve papel de relevância para a consolidação da
mídia impressa (CLARK, 1991).
3
Todas as citações de textos em outras línguas foram traduzidas pelo autor.
Introdução

passatempo”. As principais formas desse tipo de produção humorísti-


ca foram a caricatura, a charge, o cartum e a história em quadrinhos.
Representação da figura humana (normalmente de pessoa co-
nhecida pelo público) composta por traços anatômicos exagerados
e distorcidos, a caricatura não tem intenção de contar uma história,
pois se trata de uma ilustração e não de uma narrativa pictórica. No
entanto, a caricatura se faz presente em formas narrativas humorís-
ticas, como a charge, o cartum e a história em quadrinhos de humor,
seja pela estilização do traço do desenho, seja pelo retrato deforma-
do de alguma personalidade transformada em personagem cômico
ou ridículo.
De acordo com Fonseca (1999, p. 17), a caricatura constitui
uma representação plástica ou gráfica de uma pessoa, ação ou ideia
“interpretada voluntariamente de forma distorcida sob seu aspecto
ridículo ou grotesco”. Para esse autor, trata-se de “um desenho que,
pelo traço, pela seleção criteriosa de detalhes, acentua ou revela
certos aspectos ridículos de uma pessoa ou de um fato. Na maio-
ria dos casos, uma característica saliente é apanhada ou exagerada”.
Segundo Srbek (2007, p. 7), esse “gênero de desenho ligado ao hu-
mor político moderno (...) tem raízes históricas bem antigas, que re-
montam à Grécia arcaica”. Esse tipo de retrato distorcido e exagera-
do das pessoas e das coisas antecede a criação de meios impressos,
em pinturas e esculturas.
Normalmente uma sátira ou crítica política, a charge é um co-
mentário ilustrado feito com base em um fato recente que tenha se
tornado notícia publicada em jornais diários e revistas semanais ou
veiculada em telejornais. A força da gag de uma charge, que pode
ter uma ou mais vinhetas (assemelhando-se à narrativa sequencial
da história em quadrinhos), é limitada ao tempo de sua veiculação,
perdendo a graça com o tempo, uma vez que retrata um evento de
curta duração.
A relação entre a charge e a notícia jornalística, mesmo quan-
do há oposição de enfoques, é de complementaridade. Na visão de
Romualdo (2000, p. 86), as “relações intertextuais da charge jornalísti-
ca podem se estabelecer com textos verbais, visuais, verbais e visuais
conjuntamente (incluindo aqui os textos sincréticos, que unem o ele-
mento verbal e o visual)”. Passado algum tempo do acontecimento que
gerou a notícia ou com o deslocamento da charge do contexto em que
dialoga com os outros textos jornalísticos, ela perde sua comicidade.

14
HQs de Humor no Brasil

O cartum, ao contrário da charge, permanece engraçado mes-


mo depois de décadas de sua publicação, porque aborda situações
atemporais, privilegiando o comportamento humano e suas contra-
dições. Desenho acrescido de um sentido cômico, normalmente cau-
sado pela reversão de uma expectativa (o fato natural que deveria
ocorrer dá lugar a outro, inesperado e contrário), o cartum se des-
vincula do conteúdo dos outros textos do veículo em que é publica-
do. Sua compreensão independe de fatores externos e seu conteúdo
humorístico emana apenas das imagens e/ou textos (há cartuns sem
texto e os que contam com diálogos, postos em balões ou na parte
inferior da vinheta) contidos no cartum.
Narrativa gráfica sequencial, a história em quadrinhos desenvol-
ve uma história por meio de sucessão de imagens e textos, que devem
ser lidos em uma ordem determinada. O conteúdo mais comum des-
te produto midiático é o humorístico. Acompanhando ou não temas
de fundo político ou social, as imagens satirizam ou criticam as ati-
tudes dos homens públicos e do ser humano comum. Segundo Cirne
(1982, p. 11), “não existem quadrinhos inocentes”. Para este teórico,
os quadrinhos “procuram ‘ocultar’ sua verdadeira ideologia através de
fórmulas temáticas muitas vezes simples ou simplistas, fazendo da re-
dundância (a repetição em série imposta pela engrenagem operacional
da cultura de massa) o lugar de sua representação”.
Dessa forma, este trabalho tem como objetivo apresentar um
panorama do humor nos quadrinhos feitos no Brasil e sua relação
com o contexto histórico em que foram criados (embora sejam cita-
das algumas tiras publicadas em jornais, o corpus deste estudo foi
tirado principalmente de suplementos, revistas e livros de quadri-
nhos), procurando entender como representam o país e os brasilei-
ros. Trata-se do resultado de uma pesquisa qualitativa de nível explo-
ratório4 que empregou as técnicas do levantamento documental (em
acervos públicos e privados) e da análise de conteúdo.
O primeiro capítulo trata do surgimento e do desenvolvimen-
to do humor gráfico no Brasil, principalmente na obra de Angelo

4
Dessa forma, não se trata de apresentar todas as histórias em quadrinhos
cômicas realizadas no Brasil, mas de colocar em destaque aquelas que foram
relevantes em um determinado momento histórico ou que foram realizadas por
artistas com larga produção e talento reconhecido por seus pares, pelos leitores
ou por pesquisadores da área.

15
Introdução

Agostini e de J. Carlos, artistas que, de maneira crítica, participaram


de diversos títulos de destaque da imprensa brasileira. No que se re-
fere a publicações dedicadas às histórias em quadrinhos, serão abor-
dadas as contribuições de O Tico-Tico e A Gazetinha.
No período posterior à Segunda Guerra Mundial, o humor grá-
fico torna-se mais adulto e cínico, como nos cartuns e quadrinhos de
O Amigo da Onça, Doutor Macarra e Ignorabus, produções que revelam
outra face dos brasileiros e do país naquele momento. Já durante o pe-
ríodo marcado pela ditadura militar (1964-1985), os quadrinhos de hu-
mor, como os de Henfil, tornaram-se peças de resistência à opressão.
Também é feita uma análise dos quadrinhos publicados pela
Circo Editorial, importante editora alternativa de São Paulo que,
de 1984 a 1995, produziu revistas como Circo, Chiclete com Banana,
Striptiras e Geraldão, que reuniam tiras e histórias feitas por artistas
do porte de Luiz Gê, Angeli, Laerte, Glauco, entre outros. O humor
gráfico dessas publicações reflete a situação política e econômica do
Brasil nos anos que se seguiram à redemocratização após duas déca-
das de ditadura militar e de censura.
A característica marcante dos quadrinhos de humor no sécu-
lo XXI é o rompimento com a estrutura típica das piadas. Surgem,
então, os quadrinhos poético-filosóficos que, mais do que causar no
leitor o efeito cômico, procuram levá-lo a uma reflexão sobre temas
sociais ou existenciais.
Paralelamente à temática humorística, neste texto serão iden-
tificadas algumas inovações que causaram impacto sobre as histórias
em quadrinhos nacionais e nas publicações a elas destinadas:
1. Quanto ao formato – no início do século XX, o jornal-re-
vista, comum na Europa, passou a ser utilizado no Brasil.
No final da década de 1920, no entanto, a influência dos
veículos impressos estadunidenses cresceu e pode ser
constatada no surgimento de suplementos de quadrinhos
e, alguns anos depois, na adoção do formato “america-
no” (comic-book). A partir da década de 1960, o “formati-
nho” (denominado digest nos Estados Unidos e tascabile
na Itália) ajustou-se aos limites financeiros das editoras.
Já no século XXI, a internet começou a oferecer espaço
(gratuito) para a difusão e divulgação de trabalhos de qua-
drinistas nacionais. As webcomics tornaram-se um produto

16
HQs de Humor no Brasil

cultural novo, que pode, dependendo de seu sucesso, ser


impresso depois.
2. Quanto à narrativa – No formato de tira ou ocupando o
espaço de uma página, a história em quadrinhos de humor
consiste em um enredo autocontido. As tiras de aventura
introduziram a narrativa serializada e as histórias humo-
rísticas mais longas, publicadas em revistas, apresentavam
diversas situações que convergiam no desfecho cômico.
Essa estrutura narrativa deixa de existir com as tiras poéti-
co-filosóficas da atualidade.
3. Do ponto de vista formal-estético – De acordo com
Barbieri (2002, p. 68-78) não existe um padrão estilísti-
co para o quadrinho de humor, mas, em geral, os artis-
tas utilizam um traço mais caricatural e um desenho mais
simplificado (garantindo uma compreensão mais rápida
por parte do leitor). Esse tipo de arte é mais “limpa”, sem
tantos detalhes no que se refere à representação dos per-
sonagens, dos objetos e dos cenários. No entanto, os au-
tores do comix underground, surgido na década de 1960,
adicionaram hachuras (linhas paralelas empregadas para o
sombreamento e para acentuar o volume) e usaram traços
grossos e o contraste maior entre preto e branco em suas
sátiras à sociedade estadunidense e ao comportamento da
classe média. Tal estilo gráfico também é encontrado no
trabalho de artistas nacionais, principalmente a partir da
década de 1970.

17
Capítulo 1

O Humor no Império
e na República

R ompendo com o silêncio e o controle imposto pela Coroa por-


tuguesa durante o período colonial – embora a circulação clan-
destina de livros e jornais fosse abundante, como afirma Sodré (1983,
p. 12-14) –, o século XIX assistiu à proliferação de jornais e outros
materiais impressos, tendo como ponto de início a imprensa oficial
instaurada em 1808, após a chegada da família real ao país com a
Gazeta do Rio de Janeiro, que era a voz do governo.
Ao contrário deste título, Hipólito da Costa editava na
Inglaterra o Correio Brasiliense, que conclamava a população a moder-
nizar as instituições políticas de acordo com o ideário liberal francês.
A crítica à administração pública, aos escândalos e prepotências dos
governantes foi a tônica dos jornais que se multiplicaram em vários
pontos do país ao longo daquele século. Ao lado de textos acusató-
rios e contundentes, charges e caricaturas faziam coro à indignação
dos editores e articulistas. Esse tipo de procedimento já era comum
na Europa: em 1832, o artista francês Charles Philipon lançou a revis-
ta La Caricature e, nove anos depois, surgiu na Inglaterra o periódico
ilustrado Punch, títulos que influenciaram os primeiros caricaturistas
brasileiros.
Não há consenso entre os pesquisadores brasileiros a respeito
do início do emprego da caricatura como desenho impresso, até por-
que, antes da veiculação em jornais, elas eram vendidas de forma avul-
sa. Mas a publicação da caricatura do político Justiniano José da Rocha,
feita em 1837 pelo pintor e poeta Manoel de Araújo Porto-alegre, pode
ser tomada como marco inicial. Segundo Lago (1999, p. 12):
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

(...) é só a partir de 1837, data da primeira caricatura de


Porto-alegre, e sobretudo 1844, quando o mesmo Porto-
alegre fundou a Lanterna Mágica, que a caricatura passa
a confundir-se com a história da imprensa no Brasil. De
fato, na falta da ilustração fotográfica, os jornais ilustra-
dos pelos principais artistas litográficos da época, quase
todos caricaturistas de talento, desempenharam um papel
importante, tornando a notícia mais atraente e populari-
zando as feições das principais personalidades do tempo.
A partir de 1860, e sobretudo 1870, os jornais satíricos
passaram a ser um dos principais veículos de informação
e suas tiragens atestam o sucesso da fórmula.

A charge – normalmente uma sátira ou crítica política –, que


pode ter uma ou mais vinhetas (assemelhando-se à narrativa sequen-
cial da história em quadrinhos), é limitada ao tempo de sua veiculação,
perdendo a graça com o tempo, uma vez que retrata um evento de cur-
ta duração. Além disso, segundo Romualdo (2000, p. 85-86), a charge
cumpre outro papel, de estabelecer relações intertextuais com outros
textos do jornal, quando publicada em órgãos de imprensa:

Nesse universo discursivo que é o jornal, encontramos


vários textos sobre um determinado assunto. Isto garan-
te ao jornal o seu pretendido discurso pluralista, pois, ao
estabelecermos as relações entre os textos diversos, per-
cebemos que eles podem até possuir posições conflitan-
tes. A charge jornalística é um dos textos que entram na
configuração desse discurso da realidade. Ao relacionar a
charge com os outros textos do periódico, o leitor recupe-
ra a intertextualidade.

Um dos artistas que empregou o humor gráfico como forma


de discurso político e crítico foi o ítalo-brasileiro Angelo Agostini.
Nascido em 1843 na Itália, estudou arte em Paris e chegou ao Brasil
aos 16 anos, acompanhando sua mãe, que era cantora lírica. As carica-
turas e as charges por ele realizadas na segunda metade do século XIX
demonstravam sua insatisfação com o governo de Dom Pedro II. Sua
carreira artística teve início em 1864, com a publicação de ilustrações
na revista Diabo Coxo, em São Paulo. Em seguida, trabalhou na revista

20
HQs de Humor no Brasil

O Cabrião, para a qual elaborou, em 1867, suas primeiras histórias


ilustradas. Depois de mudar-se para o Rio de Janeiro, produziu dese-
nhos para as publicações Vida Fluminense, O Mosquito e Don Quixote.
Durante sua permanência na primeira, criou seu primeiro personagem,
Nhô Quim. Em 30 de janeiro de 1869, Agostini editou o primeiro ca-
pítulo de As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à
Corte, mas só ilustrou nove páginas duplas, que foram completadas
(com mais cinco páginas) por Candido Aragonés de Faria.

Ilustração 1 – Agostini retrata o resultado do


nivelamento das ruas de São Paulo.

Na ilustração acima, publicada em 1864 no número 11 da pri-


meira série do jornal Diabo Coxo, o artista usa duas vinhetas para
mostrar as consequências do nivelamento das ruas de São Paulo. A
relação sequencial que se estabelece entre as duas imagens corres-
ponde ao antes e depois da realização da obra. Na parte de cima,
enquanto um homem de cartola e guarda-chuva sobe com dificul-
dade a rua íngreme e outro cai ao chão, dois moradores entram em
suas casas e outro observa da janela e um cão passeia. Na imagem de
baixo, os mesmos personagens reaparecem: o pedestre já não tem
dificuldade para andar, mas os que ali residem precisam esforçar-se
para adentrar seus lares, uma vez que a porta ficou muito acima da
calçada ou muito abaixo dela.

21
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

O texto, situado na parte inferior do segundo desenho tem a


força de um editorial – “Para que serviu o nivelamento das ruas! Se
foi bom para os calos dos passantes, não foi para a comodidade dos
moradores”. A repetição de elementos visuais foi um recurso gráfico
empregado pelo artista como reforço argumentativo e para eviden-
ciar sua crítica à falta de planejamento das obras públicas. O humor
decorre do absurdo de ter que usar escadas ou rastejar para entrar
na casa e o fato de o cão lamber o rosto do homem que se encontra
à janela, agora próxima ao chão.
A primeira história de longa duração de Agostini foi As
Aventuras de Nhô Quim, publicada nas duas páginas centrais do jornal
Vida Fluminense. A narrativa acompanha a trajetória do matuto rico
Nhô Quim, desde sua partida da fazenda dos pais, no interior, até o
rebuliço que causa na cidade por não estar familiarizado com as con-
venções da vida urbana (Ilustração 2, abaixo). O personagem perde o
trem na estação, provoca acidente com carroças nas ruas do Rio de
Janeiro, espanta-se com a luz elétrica e o sorvete e é vítima de esper-
talhões que almejam tirar-lhe o dinheiro. Ao retratar comicamente a
ingenuidade e a inabilidade do protagonista, o autor registra o modo
de vida carioca na segunda metade do século XIX, as transformações
que estavam em curso, a moda (Nhô Quim troca as roupas e as botas
de campônio por vestes de “dândi”) e as convenções sociais (o cardá-
pio do restaurante escrito em francês, por exemplo). A esse respeito,
afirma Cardoso (2002, p. 23):

Em As Aventuras de Nhô Quim, aproveitava-se das des-


venturas de um caipira rico, ingênuo, trapalhão e exilado
na Corte pela família para tecer uma sucessão de críticas
irreverentes aos problemas urbanos, modismos, costumes
socais e políticos da época. Comerciantes, imigrantes,
artistas, prostitutas de luxo (...), candidatos, eleitores,
autoridades e até um ou outro jornalista e caricaturista,
desafeto de Agostini, é censurado nessa série de inciden-
tes jocosos.

22
HQs de Humor no Brasil

Ilustração 2 – O caipira Nhô Quim arruma


confusões nas ruas do Rio de Janeiro.

Em sua vida movimentada, Agostini ainda fundou, em janeiro


de 1876, a Revista Ilustrada (que durou até 1888) e o periódico Don
Quixote. Nas páginas da revista, esse artista publicou, a partir de 27
de janeiro de 1883, as aventuras de outro personagem, Zé Caipora,
em 35 capítulos de páginas duplas, que seriam reeditados em Don
Quixote e em O Malho. Ao contrário do interiorano Nhô Quim, Zé
Caipora vive na cidade, mas, da mesma forma que o primeiro, tam-
bém é um trapalhão. Inicialmente, a história acompanhava as desven-
turas do azarado protagonista, que, buscando causar boa impressão
na alta sociedade e, principalmente, aos olhos de sua amada, acabava
ora sendo vítima de brincadeiras dos outros, ora causando estragos
por sua própria inépcia. A história humorística, entretanto, transfor-
ma-se em narrativa de aventura quando o personagem viaja para o
interior para curar-se de uma doença. No meio do mato, enfrenta
bichos perigosos e uma tribo de índios selvagens e, em parceria com
a índia Inaiá, consegue sobrepujar os obstáculos.
Agostini, que estava no auge do domínio da técnica artística,
desenha com traço realista paisagens e animais e dá aos personagens
expressões variadas, do medo à raiva. Também do ponto de vista
narrativo, o autor traz inovações para a época, apresentando uma
sucessão de acontecimentos com o uso da sequencialidade dos qua-
drinhos (Ilustração 3, abaixo), seja na parte inicial, humorística, seja
no relato de aventura.

23
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

Ilustração 3 – O desastrado Zé Caipora envolve-se em tumulto.

A respeito de Zé Caipora, Cardoso (2002, p. 25-26) observa que:

José Corimba é um homem urbano. O apelido, Zé Caipora, fica


claro pelas trapalhadas e aventuras iniciais marcadas pela falta
de sorte.
O caipora é a pessoa malfadada. A crença vem dos caçadores
fracassados que retornavam sem nenhuma caça, desculpando-
-se por terem visto o Caipora (...), personagem do folclore bra-
sileiro que traz azar a quem o avista. Corimba, reconhecendo
sua sina, faz questão de ser assim chamado. Fisicamente José
Corimba é branco, compleição mediana, bem proporcionado,
cabelos escuros, lisos, bigode fino, aparentando 30 anos de
idade. O nariz, quase uma continuação da testa, é a principal
característica do rosto oval e de queixo retraído, acentuada nos
primeiros capítulos. No final da narrativa, seu rosto é normal
dentro do aspecto imaginado por Agostini. Não segue o padrão
de beleza esperado de um herói, mas também não é feio; é no
mínimo simpático. Financeira e socialmente, goza de bom sta-
tus. Mora num sobrado bem mobiliado, tem um criado negro
e relações com a nobreza. É solteiro e sofisticado. Na cidade,
veste-se com apuro e mesmo na intimidade é encontrado com
um chambre de seda. No campo, usa casaco e calça listrada de
casimira, chapéu de abas largas de fina palha e botas de cano
alto e ainda uma capanga a tiracolo. Apesar das críticas contrá-
rias que o confundem com o Nhô Quim, é um homem elegante.

24
HQs de Humor no Brasil

Sempre crítico, Agostini satirizou a vida no Rio de Janeiro, de-


fendendo o fim da escravidão e do regime monarquista – fez charges
e caricaturas de Dom Pedro II mostrando a decadência do regime – e,
depois, censurou os descaminhos da recém-proclamada República.
Sobre o cartunista, Balaban (2009, p. 28) afirma: “Em geral, há um
consenso que faz dele um misto de artista e político, associação que
definiria a arte da caricatura no século XIX”. Esse autor acrescenta
que ele “seria um dos pais da caricatura brasileira por ter sido feliz
em aliar seu talento manejando o crayon com a militância política,
sobretudo no que tange à abolição da escravatura e à mudança de
regime político que se seguiu”.
Sua colaboração para os quadrinhos brasileiros pode ser cons-
tatada, também, por sua participação na primeira publicação com
quadrinhos dedicada ao público infantil, a revista O Tico-Tico, lança-
da em 1905 pela mesma editora de O Malho. Para esse periódico,
Agostini elaborou o cabeçalho, capas, ilustrações e algumas histó-
rias em quadrinhos, ainda seguindo sua ótica crítica, como evidencia
Maringoni (2011, p. 230):

Para O Tico-Tico número 5, de 8 de novembro [de 1905],


Agostini cria uma das mais sintomáticas histórias em quadri-
nhos sobre a escravidão. (...) O ambiente não é mais o da denún-
cia a quente do flagelo do trabalho servil. (...)
“Os meninos sabem que o Brasil já teve escravos?”, é a pergunta
estampada na primeira linha da narrativa de “História do Pai
João (cenas do tempo da escravidão)”, história de duas páginas
e doze estampas [vinhetas]. Os quadrinhos são a melhor forma
de expressão de Agostini. Aqui seu traço não vacila, os quadros
e o roteiro, embora lineares, são compostos com segurança e rit-
mo. “O escravo não era pessoa, era coisa que se vendia como se
fosse um animal irracional”, prossegue o texto, descrevendo rapi-
damente as tragédias, que tal condição impunha aos cativos. O
nariz de cera serve de Pai João, um negro de meia-idade, pernas
tortas, frequentemente atormentado pela garotada do terreiro.

25
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

Ilustração 4 – História Chico Caçador, de Agostini,


editada na revista O Tico-Tico.

26
HQs de Humor no Brasil

Depois de Agostini, a charge política e a crítica social e de cos-


tume encontraram novos empreendedores. No final do século XIX,
o desenhista Rafael Bordalo Pinheiro fazia comentários críticos na
imprensa por meio do personagem Zé Povinho, que inspirou outro
parecido, o Zé Povo, editado a partir de 1910 em diversas publica-
ções, a exemplo da revista Fon-Fon!, e realizado por diferentes artistas
(entre eles Raul Pederneiras, Kalixto, J. Carlos). De acordo com Silva
(1990, p. 9), Zé Povo reclamava “de sua situação social, de desres-
peito a seus direitos e de outros problemas que sofria ou via ao seu
redor”.
José Carlos de Brito e Cunha, mais conhecido pelo nome artís-
tico J. Carlos, foi o ilustrador exclusivo da revista de humor Careta de
1908 a 1922, para a qual fez capas e charges políticas. Na opinião de
Cavalcanti (2005, p. 109): “Em todos seus anos de atividade, J. Carlos
retratou em ilustrações, vinhetas decorativas ou caricaturas políticas,
seu tempo e o desenvolvimento da história política do país”. Esse
artista deixou impressa sua visão satírica sobre fatos que impacta-
ram o Brasil e o mundo, como a ditadura Vargas e a Primeira Guerra
Mundial, e as mudanças sociais e comportamentais, a exemplo dos
desenhos das sensuais melindrosas que desfilavam pelas ruas atrain-
do os olhares masculinos nas calçadas e nos bondes apinhados. Além
do humor político, ele também elaborou peças publicitárias e criou
quadrinhos infantis para a revista O Tico-Tico (como será visto no pró-
ximo tópico).

27
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

Ilustração 5 – Capa da revista Careta ilustrada por J. Carlos, que


mostra os conluios políticos após o fim da Primeira Guerra.

Seguindo o mesmo caminho, o cartunista Belmonte criou o per-


sonagem Juca Pato, surgido numa charge de 1925, publicada nas pági-
nas do jornal paulista Folha da Noite. O protagonista era um indivíduo
franzino, careca, de óculos e terno escuro, que se tornou o símbolo
do povo sofrido, o cidadão comum cuja situação de penúria é causada
pelos desmandos e pela corrupção dos poderosos (a charge chegou
a ser censurada durante a ditadura Vargas, nos anos 1940). Belmonte
publicou seus trabalhos na revista satírica Careta e ilustrou os livros
escritos por Monteiro Lobato (1882-1948). A partir de 1933, fez para A
Gazetinha as histórias protagonizadas por Paulino e Albina e por Tutu,
Titi e Totó, além de fazer a Carta Enigmática por um longo período.

28
HQs de Humor no Brasil

O Tico-Tico: uma revista para o público infantil


O início do século XX é caracterizado pelo sentimento de moder-
nidade, seja pelas perspectivas abertas pelo desenvolvimento científico
(que disseminou a ideia de velocidade, representada fisicamente pelas
máquinas da indústria e pelo automóvel), pela consolidação da vida bur-
guesa ou pelas inovações artísticas. Na visão de Saliba (2002, p. 17):

Delimitada pela segunda Revolução Industrial, que alterou radi-


calmente o cenário científico-tecnológico, alargando, para limites
imprevistos, as fronteiras do mundo capitalista a partir da dé-
cada de 1870, a Belle Époque foi assim designada já com uma
pontinha de ironia e humor porque, afinal, tirando as atrocidades
posteriores, tristemente célebres, que viriam depois da Guerra de
1914, ela já possuía todas as características do século XX.

O Brasil, recém-saído da monarquia, entrava no novo século en-


frentando os primeiros desafios da República, assim como o processo
de industrialização recente e incipiente, que agravaria ainda mais as
discrepâncias regionais. O cinema, imagens em movimento narrando
histórias, torna-se, então, um fenômeno cultural popular. É nesse mo-
mento, também, que a imprensa passa a se profissionalizar, ganhando
o reforço econômico da publicidade de produtos e segmentando-se
para atender a demandas de diferentes leitores. Nesse sentido, a his-
tória em quadrinhos (especialmente a de humor) se aperfeiçoa (princi-
palmente graças ao aprimoramento das técnicas de impressão), desen-
volve sua linguagem e sua narrativa e conquista o público.
Uma das publicações nacionais mais importantes nesse
período foi a revista O Tico-Tico, lançada em 1905 pela Sociedade
Anônima O Malho. Além de quadrinhos protagonizados por crianças
(Chiquinho, Lamparina, Réco-Réco, Bolão e Azeitona, entre outros) e
narrativas de aventura e de humor, oferecia aos leitores contos, jogos
e informações. A intenção de seu criador, Luís Bartolomeu de Souza e
Silva, era difundir educação e entretenimento para os leitores infan-
tis. De acordo com Vergueiro e Santos:

A revista O Tico-Tico é um marco entre os títulos regulares


dirigidos à infância no Brasil. Em primeiro lugar, por ter sido
a pioneira em trazer regularmente histórias em quadrinhos,

29
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

numa época em que a arte gráfica sequencial não tinha abso-


lutamente qualquer reconhecimento por parte dos intelectuais,
de pais ou professores. Em segundo lugar, por se constituir, até
o momento, na mais longeva revista infantil já publicada no
Brasil, atingindo 56 anos de vida1 (2005, p. 14).

Do ponto de vista do formato e da padronização gráfica, O


Tico-Tico seguia o modelo de revistas europeias da época, especial-
mente as inglesas e as francesas, a exemplo do periódico La Semaine
de Suzette. Assim como na Europa, as histórias em quadrinhos edi-
tadas na publicação brasileira traziam os textos impressos na parte
inferior das vinhetas – e até mesmo os comics estadunidenses tinham
seus balões de fala ou de pensamento apagados. Em relação às ques-
tões formal e estética, o leiaute acompanhava a tendência artística
característica da Belle Époque, o estilo art nouveau, com suas curvas e
cores que sobressaíam umas às outras.

Ilustração 6 – Capa de edição de O Tico-Tico publicada no início do


século XX.

1
Nos anos posteriores ao centenário de lançamento de O Tico-Tico, as revistas
com os personagens Disney, Pato Donald e Mickey, ultrapassaram seu tempo de
publicação, embora só tenham contado com quadrinhos produzidos por artistas
brasileiros da década de 1960 até o início do século XXI.

30
HQs de Humor no Brasil

Inicialmente as histórias em quadrinhos publicadas nas páginas


de O Tico-Tico seguiam o gênero mais popular das comic-strips estaduni-
denses da época, as kid-strips (tiras protagonizadas por personagens in-
fantis, como The Yellow Kid e Os Sobrinhos do Capitão). Um dos destaques
da fase inicial da revista foi J. Carlos, que criou diversos personagens,
como a menina negra Lamparina, que vive fugindo de casa e apron-
tando travessuras – vestida com uma tanga de leopardo, ela reforça o
estereótipo do negro africano –, o garoto Juquinha e a dupla Jujuba e
seu pai Carrapicho. As primeiras histórias em quadrinhos editadas nes-
sa publicação tinham uma ambientação rural, uma vez que o processo
de urbanização do país estava apenas começando.
Sucesso nos Estados Unidos, o garoto Buster Brown, ideali-
zado em 1902 por Richard Felton Outcault (criador de Yelow Kid),
tornou-se figura constante de O Tico-Tico. Rebatizado de Chiquinho,
teve suas histórias realizadas por diversos artistas brasileiros por
mais de meio século, sem que o autor soubesse. Luiz Gomes Loureiro
abrasileirou o personagem, transpondo-o para a cultura e os costu-
mes nacionais da época. Ao contrário das tiras estadunidenses, que
se passavam na parte rica de Nova York, as narrativas brasileiras de
Chiquinho tinham como cenário o espaço rural. O quadrinista man-
teve a roupa de marinheiro do personagem original, típica vestimen-
ta das crianças da época, mas acrescentou às traquinagens o garo-
to negro Benjamin. Outros artistas brasileiros deram continuidade
às travessuras de Chiquinho, como Augusto Rocha, Paulo Affonso,
Alfredo e Oswaldo Storni e Miguel Hochman. Além de Benjamin, o
protagonista também contracenava com o cachorro Jagunço (Tige,
no original) e a menina Lili (Mary-Jane, nas tiras de Outcault).

31
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

Ilustração 7 – Chiquinho, no traço de Paulo Affonso,


com Benjamin, Lili e Jagunço.

A edição 1331 de O Tico-Tico, de 8 de abril de 1931, marcou


a estreia das histórias em quadrinhos estreladas por três garotos,
Réco-Réco (de cabelos espetados), Bolão (o gordinho da turma) e
Azeitona (menino negro). A criação de Luiz Sá – inicialmente com a
colaboração de I. Galvão de Queiroz Neto – antecipou em três déca-
das os quadrinhos infantis de Mauricio de Sousa e Ziraldo. O trio de
amigos vivia aventuras na cidade ou no meio do mato, quase sempre
tendo como mote as peças que um pregava no outro. Também da
imaginação desse quadrinista saíram Peteleco, o papagaio Faísca, o

32
HQs de Humor no Brasil

detetive Pinga-Fogo e a garota negra Maria Fumaça. Seu estilo gráfico


– o recorte das pupilas dos personagens e os braços que se dobram
como tubos de borracha – foi influenciado pelos desenhos animados
estadunidenses, especialmente os dirigidos por Ub Iwerks (coautor
de Mickey Mouse) e Max Fleischer (criador de Betty Boop e produtor
das primeiras animações de Popeye e Superman).

Ilustração 8 – Página de história com os personagens


infantis de Luiz Sá, cuja comicidade é extraída da relação
metalinguística com a linguagem dos quadrinhos.

33
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

Mas o quadrinho de humor de O Tico-Tico não se restringiu aos


personagens infantis. Alfredo Storni criou em 1911 os personagens
Zé Macaco e Faustina, um casal caracterizado pela feiura e pela bur-
rice, mas que pretende parecer sofisticado. Trata-se de uma crítica à
classe média urbana ascendente e deslumbrada. Inicialmente, a mu-
lher não tinha nome e era identificada como Madame Zé Macaco. Um
concurso entre os leitores definiu seu nome. O par tinha um filho,
Baratinha, que apareceu apenas por um breve período nas histórias,
que focavam nas tentativas frustradas da dupla de aparentar ter edu-
cação e inteligência e de estar na moda.

Ilustração 9 – Zé Macaco e Faustina velejam, sofrem acidente e


contam vantagens para impressionar os amigos.

34
HQs de Humor no Brasil

Concebidos por Max Yantok no mesmo ano que Zé Macaco


e Faustina, o grã-fino metido a aventureiro Kaximbown e seu criado
Pipoca apareciam em histórias que normalmente ocupavam uma pá-
gina. Viajando pela misteriosa Pandegolândia, eles procuravam por
tesouros e faziam caçadas, mas sempre acabavam se metendo em
confusões. Yantok também foi o autor das peripécias do Barão de
Rapapé, de Chico Maldesorte, um mendigo azarado que vivia sem di-
nheiro, e dos amigos Pandareco e Parachoque e seu cachorro Viralata.
Na mesma linha de humor ingênuo, o cartunista baiano Djalma
Pires Ferreira, que assinava seus trabalhos com o pseudônimo Theo,
idealizou Tinoco, o Caçador de Feras, um engenhoso caçador que
inventa formas estranhas para apanhar animais selvagens, como uma
meia esfera de alumínio duro que servia de barco, o protegia do sol
e da chuva, transformava-se em armadilha para presas de pequeno
porte e em esconderijo para salvar-se de bichos ferozes.

35
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

Ilustração 10 – Vinheta de Kaximbown desenhada por Max Yantok.

A Gazetinha e a influência dos comics


Se a revista O Tico-Tico seguiu o modelo europeu – especial-
mente o inglês e o francês – de publicações impressas, A Gazeta Edição
Infantil, mais conhecida como A Gazetinha, incorporou o formato dos
suplementos editados nos Estados Unidos e a estética e a linguagem
das comic-strips estadunidenses. Nas histórias em quadrinhos produzi-
das no Brasil, o uso de balões de fala tornou-se comum, substituindo
as legendas colocadas abaixo das vinhetas, o estilo gráfico adotado pe-
los artistas passou a ser mais realista, tendo como base o desenho de

36
HQs de Humor no Brasil

artistas como Hal Foster e Alex Raymond, e as narrativas de aventura


dividiram o espaço com as de humor. Até mesmo o nome dos perso-
nagens passou a ser americanizado, e as narrativas eram ambientadas
em metrópoles que remetiam a Nova York ou Chicago, como pode ser
observado na série policial A Garra Cinzenta, realizada por Francisco
Armond e Renato Silva e publicada na Gazetinha de 1937 a 1939.
Com a crise econômica de 1929, houve o esgotamento da po-
lítica café-com-leite (que se refere à alternância no poder de manda-
tários paulistas e mineiros) da República Velha – amparada no mo-
delo agrário-exportador, tendo à frente uma liderança conservadora
das elites. A conquista do poder pelo grupo comandado por Getúlio
Vargas, na Revolução de 1930, aproximou o país do capitalismo in-
dustrial estadunidense. A força da indústria cultural dos Estados
Unidos (amparada no cinema de Hollywood, na música e nos quadri-
nhos) e a aliança forjada durante a Segunda Guerra Mundial selaram
a aproximação entre os dois países.
Desde o final do século XIX, as histórias em quadrinhos cria-
das nos Estados Unidos eram publicadas em jornais no formato de
tiras (que, a partir de 1907, passaram a ter periodicidade diária) e
eram distribuídas por empresas, os syndicates, para diversos jornais
daquele país e também para o exterior (inclusive para publicações
brasileiras). Na mesma época, surgiram os suplementos de histórias
em quadrinhos, publicados aos domingos – e que, por essa caracte-
rística, receberam o nome de Sunday Comics –, impressos em cores
e encartados nos jornais. Até o final da década de 1920, as histórias
apresentavam situações humorísticas e personagens cômicos (dese-
nhados de forma estilizada) cujas narrativas tinham início e fim na
mesma tira. Em janeiro de 1929 começaram a ser editadas os pri-
meiros quadrinhos de aventura, protagonizados por Buck Rogers e
Tarzan, que tinham enredos longos serializados durante meses.

37
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

Surgida em 1929 como uma seção do periódico paulista


A Gazeta, no dia 12 de setembro do mesmo ano, A Gazetinha tornou-se
um suplemento semanal2. Além de tiras de quadrinhos produzidas nos
Estados Unidos (Gato Félix, Little Nemo, Thimble Theater, entre outras),
trazia material elaborado por artistas do país: na edição número 5 es-
treou Piolim, desenhado por Gomez Dias e Nino Borges, personagem
baseado no famoso palhaço brasileiro da época. Descontinuada em
1930, voltou a ser publicada três anos depois e chegou a ser trisse-
manal. Tiras de Betty Boop, Brick Bradford, Fantasma e Superman di-
vidiam espaço com Nhô Totico, personagem de programa radiofônico
de humor muito popular na época, ambientado em uma sala de aula e
protagonizado por uma professora e seus alunos.
Dois artistas brasileiros destacaram-se nas páginas desse su-
plemento: Belmonte e Messias de Mello. Este último, além de nar-
rativas de aventura serializadas em capítulos semanais de uma pá-
gina (como Capitão Blood, Sherlock Holmes, Homem Elétrico, À Roda da
Lua etc.), foi criador em 1934 da história humorística estrelada pelo
Pão-duro, malandro que quase sempre se dava mal. Embora não seja
sovina, este personagem vive criando maneiras de ganhar dinheiro,
normalmente ao lado de seu amigo Gibimba, mas ambos acabam ar-
rumando confusão.

2
Depois da Gazetinha, surgiram outros suplementos de quadrinhos no Brasil,
a exemplo do Suplemento Juvenil (1933) e do Globo Juvenil (1937). Nas décadas
seguintes, diversos jornais de várias partes do Brasil lançaram seus suplementos
voltados para leitores infantis que publicavam passatempos e tiras e páginas de
quadrinhos, como a Folhinha, encartada na edição de domingo da Folha de S. Paulo
e que trazia quadrinhos feitos por Mauricio de Sousa.

38
HQs de Humor no Brasil

Ilustração 11 – Página do personagem Pão-duro publicada na


Gazetinha em 1949.

Nacionalismo e populismo no pós-guerra


No início da década de 1940 a influência dos Estados Unidos
acentuou-se ainda mais, principalmente com a chamada “política da boa
vizinhança”, que objetivava cooptar os países latino-americanos para se-
rem aliados dos estadunidenses e ingleses na guerra. Foi o momento em
que Carmen Miranda se tornou atriz em Hollywood e Walt Disney criou
o Zé Carioca, entre outros personagens. Nesse contexto, o formato do
comic-book (18,5 X 26 cm) – revista de histórias em quadrinhos que teve

39
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

início em 1933 – tornou-se o padrão para as publicações brasileiras. As


primeiras a adotá-lo foram O Lobinho e o Gibi Mensal, diferenciando-se
do modelo standard ou tabloide. Nos anos 1950, para diminuir custos,
algumas editoras adotaram o formatinho (14 X 20,5 cm).
Outras faces do povo brasileiro, menos tímidas e subservien-
tes, foram mostradas através de personagens como O Amigo da Onça
e Doutor Macarra. Criado em 1943 pelo recifense Péricles de Andrade
Maranhão para a revista semanal O Cruzeiro, um dos veículos impres-
sos mais influentes da época, O Amigo da Onça encarna o esperta-
lhão, canalha e sem caráter, mas simpático e loquaz, que não perde
a oportunidade de tirar vantagem ou de aprontar safadezas em cima
das fraquezas alheias. Ele utiliza expedientes escusos, não para fins
materiais, mas para sobrepujar as outras pessoas, enganadas para
satisfazer seu prazer sádico de exercer o poder sobre os outros. A
esse respeito, Silva (1989, pp. 91-92) analisa o personagem com base
em sua relação com o outro a ser derrotado, que sempre está em
uma condição limiar (loucura, suicídio, doença, morte etc.) e destaca:

A apresentação do outro em situações limiares é procedimento


básico do Amigo da Onça, que contamina mesmo as situações
de aparência absolutamente cotidiana e menos (ou nada) mar-
cadas pelos estigmas assinalados. A rigor, o convívio do perso-
nagem com pessoas que se encontram em estado de integração
pessoal ou profissional (adultos no trabalho, no amor, no lazer
ou em família, crianças brincando, estudando ou convivendo
com parentes e amigos, papéis habituais de pessoas de diferen-
tes faixas etárias, sexos, posições na hierarquia social) relaciona
permanentemente um cotidiano – previsível, repetido, domesti-
cado, estabelecido – com limiares que põem em xeque essa situ-
ação, apelando com frequência para o conflito entre as práticas
cotidianas e as justificativas e expectativas que as revestem.
O dia a dia, portanto, é um campo de ação do Amigo da Onça
sobre o outro tão forte quanto os limiares antes apresentados,
tendendo mesmo a ser incorporado por eles como ponte para a
derrota do outro.
Paralelamente, há um cotidiano do personagem, base de sua iden-
tidade, flexível tecido que garante a eficácia de sua ação no mundo.
A previsibilidade do cotidiano alheio, base da vitória do Amigo da
Onça, não se repete no cotidiano do próprio personagem, exceto
no que talvez seja o principal: a realização de seu desejo de poder.

40
HQs de Humor no Brasil

Ilustração 12 – O Amigo da Onça, personagem versátil


e sem caráter.

41
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

Após o suicídio de Péricles, no último dia de 1961, outro cola-


borador de O Cruzeiro, Getulio Delphim, assumiu a produção do per-
sonagem por dois anos, sendo substituído por Carlos Estêvão, que
fez a série até 1972, quando faleceu. Este cartunista também criou
outros tipos, como o detetive Sharleck Halmes, paródia de Sherlock
Holmes. Também são de sua autoria as histórias As aparências enga-
nam, em que mostrava a sombra e, na vinheta subsequente, o que
realmente estava acontecendo, e Ser Mulher (onde pretensamente
ensinava as mulheres a ser submissas).
O personagem mais importante de Carlos Estêvão foi o con-
vencido e faroleiro Dr. Macarra, que vivia se gabando de mentiras que
inventava para impressionar seus crédulos ouvintes. A estrutura nar-
rativa era invariável: na primeira vinheta, Macarra vangloriava-se e,
na seguinte, um flashback revelava ao leitor a verdade: o personagem
distorcia ou ampliava um fato para tornar-se importante para seu
interlocutor, seu ufanismo o transformava em outra pessoa, alguém
que jamais poderia ser de fato. Surgido nos anos 1950 na revista O
Cruzeiro, ganhou revista própria em 1962, que teve um total de nove
edições.
Em 1948, em parceria com o escritor e jornalista Millôr
Fernandes, Estêvão produziu para o jornal Diário da Noite a tira hu-
morística diária Ignorabus, o Contador de Histórias. Em forma de meta-
narrativa, os dois autores (Millôr usava o pseudônimo de Vão Gogo)
participavam da história, cujo protagonista “é ignorante, imbecil, es-
túpido analfabeto, qualidades de um romancista nato”, que vive na
misteriosa cidade maravilhosa de Bagdá e veste turbante e colares.

Ilustração 13 – A tira metalinguística Ignorabus, o Contador de


Histórias, feita em parceria por Millôr Fernandes e Carlos Estêvão.

42
HQs de Humor no Brasil

Ainda na década de 1950, chegava aos quadrinhos uma dupla


de sucesso nas chanchadas: comédias musicais produzidas pelo es-
túdio carioca Atlântida (e, depois, pela produtora Herbert Richers).
Esse tipo de filme cômico reproduzia o clima populista da época,
fazendo críticas sociais (ao funcionalismo público, à carestia, aos bu-
racos na rua, ao transporte público deficiente etc.), ao mesmo tem-
po em que abordavam situações burlescas (confusão de identidades,
troca de objetos, infidelidade conjugal) e mostravam os bastidores
do teatro de revista (com suas vedetes), da TV ou de casas noturnas.
As chanchadas carnavalescas entremeavam as marchinhas
à trama da história, enquanto as chanchadas de meio de ano eram
comédias com pouca ou até nenhuma música. Esses filmes faziam
paródias a produções de Hollywood, como Matar ou Correr e Nem
Sansão nem Dalila, e eram ambientados em cassinos, boates, mansões
ou barracos da periferia, onde viviam os protagonistas. Os atores
Oscarito e Grande Otelo personificavam nestes filmes tipos popula-
res, desempregados ou subempregados, quase sempre desprovidos
de dinheiro e que precisavam usar de algum expediente, nem sempre
lícito (como o jogo do bicho), para sobreviver. Outros actantes dessas
histórias humorísticas eram o casal romântico e o vilão.
Malandros, mendigos ou funcionários subalternos (barbeiro,
mensageiro de hotel, contínuo de repartição pública), Oscarito e
Grande Otelo envolviam-se por acaso na trama central da história
e garantiam a comicidade com suas caretas e estripulias, enquanto
auxiliavam o galã a conquistar a mocinha. As histórias em quadri-
nhos (desenhadas por Messias de Mello, João Batista Queiroz, Luiz
Webster, Aylton Thomas, roteirizadas por Alberto Maduar e com ca-
pas ilustradas pelo luso-brasileiro Jayme Cortez, artistas que também
quadrinizaram as histórias do caipira Mazzaroppi, que também fazia
sucesso no cinema) recriavam as peripécias dos filmes.

43
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

Ilustração 14 – Oscarito e Grande Otelo: das chanchadas cinemato-


gráficas para os quadrinhos.

44
HQs de Humor no Brasil

A década de 1950 caracterizou-se pelo populismo, visão políti-


ca ambígua que se posiciona a favor da parcela mais pobre e explorada
do povo, embora procure preservar a sociedade como um todo, para
que não haja rupturas radicais. Houve, também, o fortalecimento da
ideologia nacionalista, que não se restringia ao incentivo à produção
industrial local, mas também se espraiava para a cultura (teatro, cine-
ma, música). Nesse contexto, teve início o movimento para ampliar a
presença de quadrinhos brasileiros nas publicações nacionais. Para os
editores, o material estrangeiro, notadamente o estadunidense distri-
buído pelos syndicates, tinha um custo bem menor, uma vez que já
dera lucro a seus produtores nos países de origem.
Para evitar a aprovação de uma lei que obrigasse a publica-
ção de quadrinhos brasileiros, os editores passaram a dar mais es-
paço para artistas que atuassem no Brasil. Assim, em 1960, a editora
O Cruzeiro (que publicava revistas infantis como Guri, Luluzinha e
Bolinha) lançou Pererê, com os personagens criados por Ziraldo, ins-
pirados no folclore e na fauna brasileira, uma clara adesão à visão
populista da época, que valorizava temas relacionados à cultura do
país e ao povo brasileiro.
Inicialmente feitas na forma de cartum para a revista semanal
de informação O Cruzeiro, essas histórias são ambientadas no inte-
rior e são protagonizadas pelo esperto saci e seus amigos, o índio
Tininim, a onça Galileu, a menina negra Boneca-de-Pixe, o macaco
Alan, entre outros, que tinham como antagonistas os caçadores
Compadre Tonico e Seu Neném. De acordo com Pimentel (1989, p.
59-66), o discurso populista nessas narrativas é perceptível pela mis-
tura de elementos culturais e pelas referências típicas à sociedade
urbana, com ênfase no consumo, em pleno meio rural. Ao tentar ser
uma síntese do país, as aventuras de Pererê põem em evidência as
contradições da sociedade brasileira daquele momento.
Na década de 1970, Ziraldo participou do jornal alternativo
Pasquim, criou personagens como a Supermãe e Jeremias, o Bom e,
em 1980, voltou aos quadrinhos infantis com o Menino Maluquinho.
Os enredos das histórias de Supermãe têm como base os esforços de
uma matrona superprotetora para proteger seu filho, um marmanjo
mulherengo. Lançadas em 1969, no Jornal do Brasil, no ano seguinte
as aventuras dessa mãezona extremada passaram a ser publicadas na
revista feminina Claudia, da editora Abril, cujas leitoras são donas de
casa e, em sua maioria, mães. Jeremias (referência ao profeta bíblico),

45
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

por sua vez, é o retrato hiperbólico do bom samaritano: ele é avalista


de todos os amigos (e até de desconhecidos), convida para jantar o
ladrão que invade sua casa, cede o lugar no elevador lotado, protege
os animais, ajuda turistas perdidos e é incapaz de matar uma mosca.
Em suma, o lado bom do brasileiro.

Ilustração 15 – Supermãe cuida de seu filho em todas as ocasiões.

46
HQs de Humor no Brasil

No mesmo ano do surgimento de Pererê, a editora Continental


colocou nas bancas a revista Zaz Traz, na qual Mauricio de Sousa debu-
tou com histórias do cachorro Bidu. As primeiras tiras do personagem
apareceram em 1959 no jornal Folha de S. Paulo, e a revista Bidu teve 8
edições no início da década de 1960. A partir de 1963, inicialmente nas
tiras de jornais e, depois, em revistas (publicadas pelas editoras Abril,
Globo e Panini), o artista consolidou a Turma da Mônica, cujo humor
deriva, muitas vezes, da metalinguagem (com a linguagem das narra-
tivas gráficas sequenciais) e da intertextualidade (com personagens de
outras histórias, especialmente os super-heróis, e com outras mídias).
Seus personagens, à exceção do caipira Chico Bento e do índio Papa-
Capim, vivem em um ambiente urbano e universal.
Mas, além dos quadrinhos infantis, Mauricio concebeu em
1966 as tiras do garoto Nico Demo, normalmente constituída por
narrativas curtas desprovidas de diálogos e repletas de humor ne-
gro e de duplo sentido. O protagonista, embora seja um garoto, é
mostrado em diferentes papéis, de bombeiro a faquir. Suas ações,
intencionalmente ou não, normalmente causam danos aos outros.
Com um enfoque diferente, voltado para a sátira ao compor-
tamento, o quadrinista Mauricio de Sousa, mais conhecido pelos
personagens infantis da Turma da Mônica, lançou em 1968 uma tira
humorística com conteúdo adulto: Os Sousa. Os enredos tratavam do
cotidiano de uma família tradicional composta pelo marido, esposa
e pelo irmão solteiro do marido, o Mano. As gags giram em torno do
relacionamento do casal, que vive brigando, e das paqueras de Mano,
personagem solteiro e mulherengo, que não gostava de trabalhar.
Atualmente, os diálogos e ações podem ser considerados sexistas,
mas, enquanto foi publicada em jornais, ao longo da década de 1970,
essa história em quadrinhos não era vista dessa forma. Magalhães
(2006, p. 33), afirma que: “Tanto Ziraldo como Mauricio de Sousa
têm um ponto em comum. Eles são autores e distribuidores, o que
garante a fidelidade do trabalho autoral”.

47
Capítulo 1 | O Humor no Império e na República

Ilustração 16 – Tira de Os Sousa, de Mauricio de Sousa,


cujo conteúdo é mais adulto.

A tentativa de ampliar a publicação de quadrinhos brasileiros


continuou na década de 1960, e uma das iniciativas mais importantes
nesse sentido foi realizada no Rio Grande do Sul, durante o governo
de Leonel Brizola. A CETPA – Cooperativa Editora de Trabalhos de
Porto Alegre foi responsável pelo lançamento de revistas e tiras de
quadrinhos realizadas por vários artistas. As narrativas, de aventura
(como Aba Larga, de Getúlio Delfin, ou Sepé-Tiaraju, de Flavio Colin)
ou até mesmo as Histórias do Rio Grande do Sul (série desenhada por
Júlio Shimamoto), foram interrompidas em 1963 em função, segundo
Silva (1976, p. 115), da “falta de uma melhor estrutura editorial”. Em
se tratando de quadrinhos humorísticos, destacaram-se nessa em-
preitada Lupinha, de Aníbal Bendati, e principalmente Zé Candango,
de Renato Canini, cujo nome remetia aos construtores de Brasília,
que se deslocavam de suas cidades para trabalhar nas obras da nova
capital. Além dessa referência, esse personagem representava o povo
brasileiro frente ao imperialismo estadunidense: em uma sequência,
o protagonista dá uma surra no Super-Cabra (alusão ao Superman,
que representa, ao mesmo tempo, os quadrinhos estrangeiros e a
força econômica e militar dos Estados Unidos), revestindo a tira de
um caráter político, em consonância com as ideias nacionalistas e
populistas da época.

48
Capítulo 2

Contracultura e contestação
nos anos de chumbo

C om o golpe militar de 1964, apoiado por setores conservadores e


poderosos da sociedade, que depôs o presidente João Goulart e ca-
lou as reivindicações populares por reformas estruturais no país (como a
reforma agrária), o humor gráfico voltou a satirizar a política. As caricatu-
ras, charges e tiras encontraram espaço não nos jornais e revistas conven-
cionais – que sofriam com a censura prévia ou simplesmente apoiavam o
regime de exceção –, mas nas páginas da chamada imprensa alternativa.
Segundo Chinem (1995, p. 7), entre “1964 e 1980, nasceram e morre-
ram cerca de trezentos periódicos que se caracterizavam pela oposição
intransigente ao regime militar. Esses jornais ficaram conhecidos como
imprensa alternativa, de leitor, independente e underground”.
O movimento underground surgiu nos Estados Unidos no bojo
das contestações à Guerra do Vietnã, à discriminação racial, pelos
direitos das mulheres e contra uma sociedade caracterizada pela
desigualdade e pela repressão, focada no consumismo desenfreado.
Na área artística, a Contracultura possibilitou a produção de filmes,
músicas e quadrinhos que se distinguiam dos produtos comerciais,
mainstream. Publicações alternativas surgiram nas universidades e
passaram a ser feitas por editoras pequenas e independentes. Em
suas páginas, ao lado de textos de teor crítico e político, apareciam
histórias em quadrinhos que abordavam temas como sexo livre, dro-
gas, moralismo e consumo desenfreado. Entre os principais artistas
destacaram-se os quadrinistas Robert Crumb, criador de Fritz The
Cat, e Gilbert Shelton, autor das histórias dos Freak Brothers.
Tendo de driblar a censura, principalmente após o Ato
Institucional número 5, de dezembro de 1968, os artistas brasileiros
Capítulo 2  | Contracultura e contestação nos anos de chumbo

procuraram veículos alternativos para editar seus protestos contra o


autoritarismo do regime militar em forma de charges, caricaturas e
quadrinhos. Na opinião de Magalhães (2006, p. 52):

A década de 1970 foi mesmo pródiga para a produção de tiras de


humor com enfoque na crítica social e conteúdo contestatório. O
clima de tensão política e censura aos meios jornalísticos estimu-
lava o recrudescimento da verve humorística, fazendo surgir uma
série de novos cartunistas e personagens inflamados. (...)
Isto nos leva a constatar que no Brasil a produção de tiras está
ligada ao contexto político-social em que nos inserimos, de
modo que, se na década de 1970 tínhamos um humor de perfil
mais panfletário e contestador, a crítica se volta nos dias atuais
bem mais aos aspectos culturais.

Uma das publicações alternativas mais importantes daquele mo-


mento foi o semanário Pasquim, lançado em junho de 1969, que reuniu,
além de jornalistas, intelectuais e desenhistas como Jaguar, Ziraldo e
Henfil. Às vezes censurados e até detidos por causa da mordacidade de
seus trabalhos, estes artistas conseguiram manter vivo o espírito crítico
durante o período de exceção. Para Chinem (1995, p. 43):

O Pasquim não era um jornal político, era apenas um jornal de-


bochado, de contestação, indignado, que queria sair do sufoco, um
jornal que não suportava mais ver os outros jornais como a primei-
ra página do Jornal do Brasil, cheia de insinuações e legendas, e
o censor dentro da redação. O Pasquim saiu sem nenhum projeto.
Irreverente, moleque, com uma linguagem desabrida, bastante
atrevido para os padrões de comportamento da imprensa na épo-
ca e com boa distribuição. Fez sucesso extraordinário. Os leitores
acreditavam no que o Pasquim dizia. Cada pessoa que estava na
oposição, inconformada com aquele estado de coisas, via nele o seu
jornal. E assim o jornal conquistou várias faixas de leitores.

Além de ter exercido a função de editor dessa publicação al-


ternativa (ou nanica, como era denominada na época, devido à sua
abrangência, se comparada à da grande imprensa), Jaguar também
contribuiu com charges e tiras de quadrinhos. Entre seus persona-
gens destacam-se Boris, o homem tronco, Gastão, o vomitador, e o

50
HQs de Humor no Brasil

ratinho Sig (em homenagem ao psicanalista Sigmund Freud), que se


tornou símbolo do periódico. Ao lado de textos sérios escritos por
colunistas contrários à ditadura, o Pasquim abria suas páginas para
charges e quadrinhos, que davam o tom de deboche em um momen-
to marcado pela sisudez dos governantes e militares. O cartunista
Reinaldo, que depois integrou o grupo Casseta e Planeta, desenhou
cartuns e quadrinhos que denunciavam de forma cômica o clima dos
anos de chumbo. Outros jornais alternativos contrários à ditadura fo-
ram lançados ao longo da década de 1970, como Ovelha Negra, edita-
do por Geandré, que publicou charges e cartuns de diversos artistas.

Ilustração 17 – O ratinho Sig, de Jaguar, mascote do jornal Pasquim.

O cartunista mineiro Henfil (Henrique Filho) também partici-


pou do Pasquim e concebeu diversos personagens (a exemplo dos
dois Fradinhos, Capitão Zeferino, a Graúna, o Bode Orelana, Ubaldo o
Paranoico etc.) e até conseguiu manter a revista Fradim circulando de
1973 a 1980. Idealizados em 1964, os Fradinhos travam uma guerra
sem fim: o Baixim, irreverente e sádico, faz de tudo para atazanar a
vida do Cumprido, personagem mais recatado e conservador. Henfil
chegou a publicar a tira, com o título The Mad Monks, em jornais
americanos por algum tempo, mas os leitores dos Estados Unidos
não apreciaram seu humor e tampouco seu traço ágil e nervoso, que
se diferenciava dos quadrinhos comerciais.

51
Capítulo 2  | Contracultura e contestação nos anos de chumbo

Os Fradinhos surgiram na infância de Henfil, quando o artista


estudou em um colégio católico de Minas Gerais. Ubaldo, o eterno
paranoico, faz alusão ao medo que se instalou no Brasil durante a
década de 1970, com a repressão e a censura infligida pela ditadura
militar. Já as histórias com os personagens Zeferino, Graúna e Bode
Orelana são ambientadas no sertão nordestino, onde impera a fome,
a miséria, a seca e o descaso das autoridades. A partir dessa realida-
de, os três promovem uma visão crítica das contradições sociais do
Brasil. Eles chegam a sequestrar Tio Patinhas (personagem criado em
1947 pelo quadrinista estadunidense Carl Barks, que foi incorporado
ao universo Disney), mostrado como representante do capitalismo e
do imperialismo cultural (músicas, séries de TV, filmes exibidos no ci-
nema, desenhos animados, histórias em quadrinhos) impostos pelos
Estados Unidos aos países latino-americanos.
De acordo com Seixas (1996, p. 27):

A publicação da revista Fradim, de Henrique de Souza Filho


(Henfil) começou em agosto de 1973, durante o governo do
presidente Médice – a época mais repressiva do país. Mas assim
como a História de um país é consequência de todo um desen-
volvimento de fatos que configuram os momentos presentes e
que esboçam as perspectivas futuras, o trabalho de um humo-
rista em quadrinhos também origina-se do percurso existencial
do indivíduo: a dialética das potencialidades individuais e das
influências sociais vividas por cada pessoa.

Ilustração 18 – Os Fradinhos, de Henfil: ironia em


tempos de repressão política e censura.

52
HQs de Humor no Brasil

Outra publicação de quadrinhos alternativos, O Bicho, foi edi-


tada de 1975 a 1976. Além de quadrinhos feitos no exterior, que se
aproximam do cartum seja pelo estilo gráfico ou por tratarem de
assuntos da contemporaneidade, abriu espaço para a produção de ar-
tistas nacionais, como Guidacci (autor de Os Subterráqueos) e Fortuna
(realizador das histórias de A senhora e seu bicho muito louco). Segundo
Cirne (1990, p.72), O Bicho, revista idealizada pelo cartunista Fortuna
para a Codecri (editora do jornal Pasquim),

(...) foi igualmente importante por sua pesquisa arqueológica


do saber quadrinheiro brasileiro. No primeiro número, as ca-
ricaturas de costume de Seth (Álvaro Marins), no terceiro nú-
mero o antológico Luiz Sá, no 4° número, Vão Gôgo (Millôr
Fernandes) e Carlos Estevão são lembrados com Ignorabus, o
Contador de Histórias; no último número, em novembro de
1976, o pouco conhecido Max (Jaguar), com O Capitão, tiras
publicadas inicialmente na revista Senhor, em 1962.

Entre os cartunistas que participaram da revista O Bicho, desta-


cam-se Guidacci (autor das tiras protagonizadas por Os subterráqueos,
seres que lembram caveiras, vivem em mundo cheio de vermes e
insetos e fazem uma alegoria à realidade social do Brasil), Coentro
(realizador da série Bumbá, que apresenta elementos da cultura po-
pular entrando em choque com a cultura de massa) e Nani (criador
da história Vereda Tropical, na qual os colonizadores europeus tentam
espoliar os nativos e precisam enfrentar figuras míticas, como o saci).
Respaldando-se na leitura feita por Cirne (1982), Magalhães
(2006, p. 48) vê a opção formal do quadrinho cartunístico feita pelos
três cartunistas citados acima como “uma proposta de atuação cultu-
ral que rejeita as fórmulas prontas dos quadrinhos estadunidenses”.
E acrescenta: “Esse quadrinho crítico encontra maior significação es-
tética, social e semiológica no panorama do nosso humor gráfico:
um humor vivo em todas as ocasiões, agressivo quando necessário,
metacrítico em várias oportunidades”.
É o caso do trabalho do cartunista Nani (Ernani Diniz Lucas),
que também colaborou com o jornal Pasquim. Para Santos e Vergueiro
(2010, p. 28), nas tiras intituladas Vereda Tropical, esse artista recria,
de forma satírica, a história do Brasil, distanciando-se da historio-
grafia consagrada e repetida nas escolas, na qual prevalece a visão

53
Capítulo 2  | Contracultura e contestação nos anos de chumbo

do vencedor europeu. Seus personagens (o bandeirante Fernandias e


os índios Veizim e Turuna) também abordam temas contemporâneos
como violência urbana, desemprego, inflação, miséria etc., aproxi-
mando-se das charges. As coletâneas de cartuns e quadrinhos mais
recentes mostram a preocupação do autor com problemas psicológi-
cos e existenciais, especialmente os relacionados ao sexo, como pode
ser observado já nos títulos dos livros: Foi bom para você?, Desextinção,
Batom na cueca, Orai pornô, Humor politicamente incorreto, entre outros.

Ilustração 19 – Capa da revista O Bicho.

54
HQs de Humor no Brasil

Título independente, que também sofreu com a censura do


regime militar, a revista Grilo (GONÇALO JUNIOR, 2012), lançada em
1971, começou publicando quadrinhos humorísticos estadunidenses
como Peanuts e Mago de Id. Logo, passou a apresentar obras de artis-
tas europeus de vanguarda, a exemplo de Wolinski, Pichard e Guido
Crepax (Valentina). Nas edições finais, o comix underground de Crumb
passou a dividir espaço com quadrinhos brasileiros do mesmo estilo.
Mais comercial, a revista Patota, que circulou de 1973 a 1975, editava
comic-strips originárias dos Estados Unidos (Hagar, B.C. etc.), além de
tiras de Mafalda, do argentino Quino. As únicas histórias em qua-
drinhos brasileiras eram protagonizadas pelo psicanalista Dr. Fraud
– nome que remete a fraude, falcatrua, e é também quase homófono
de Freud –, do cartunista gaúcho Renato Canini, e pela solteirona
Marly, concebida por Milson Henriques em 1973 para o jornal Gazeta,
do Espírito Santo. Nas histórias, ela desabafa por telefone com sua
amiga Creuzodete e contracena com seu cachorro intelectual.

Ilustração 20 – Doutor Fraud, sátira à psicanálise feita por Canini,


que muitas vezes usava o recurso da intertextualidade com outros
personagens dos quadrinhos.

Além de cartuns e histórias feitas para serem publicados em


revistas, os artistas brasileiros também produziam tiras de quadri-
nhos. Na visão de Ramos (2009, p. 24), a tira cômica possui caracte-
rísticas próprias: “trata-se de um texto curto (dada a restrição do for-
mato retangular, que é fixo), construído em um ou mais quadrinhos,
com a presença de personagens fixos ou não, que cria uma narrativa
com desfecho inesperado no final”. Para esse autor, “o gênero usa
estratégias textuais semelhantes a uma piada para provocar o riso”.
Uma parcela considerável dos quadrinistas nacionais usa o humor da
tira para comentar, criticar ou satirizar a realidade social e política do
país, os desmandos e falcatruas da classe dirigente e a penúria dos
segmentos menos favorecidos. As injustiças sociais e o descaso do
Estado são a tônica de várias tiras.

55
Capítulo 2  | Contracultura e contestação nos anos de chumbo

Ainda no que refere à temática política, a tira O Pato, elabo-


rada pela quadrinista e ilustradora Ciça (Cecília Whitaker Vicente de
Azevedo Alves Pinto) na década de 1970 e publicada em diversos diá-
rios e álbuns, apresentava, segundo Magalhães (2006, p. 54), “a reali-
dade cáustica, irônica, criativa e engraçadíssima do mundo de Ciça”.
Ainda na opinião desse teórico, O Pato possuía um desenho simples,
quase infantil, com a intenção de passar despercebidos pelos censo-
res, que “não encobre a força explosiva de sua crítica”. O Pato foi am-
pliando “seu universo para outros bichos – formigas, galos, galinhas,
sabiás e até ovos –, criando personagens e papéis que representavam
as relações sociais e o jogo de poder”. Como a maioria dos animais
falantes dos quadrinhos, os personagens dessa tira são seres huma-
nos representados por bichos, que se mostram atônitos e às vezes
revoltados com a realidade que os cerca.

Ilustração 21 – O Pato, de Ciça, faz críticas ao poder.

O humor brasileiro dos anos 1970 não era transgressor apenas


no que tange à política, mas também em relação à sexualidade, tema
que também era reprimido pela censura instaurada pelos militares.
No entanto, havia formas de contornar as barreiras. No cinema, as
pornochanchadas – comédias com enredos maliciosos, a exemplo de
A viúva virgem e A banana mecânica – atraíam muitos espectadores às
salas de exibição. Em meados da década, revistas masculinas, como
Playboy e Status, editavam fotos de mulheres seminuas e humor grá-
fico de cunho erótico. A primeira publicava quadrinhos de Ziraldo e
Luís Fernando Veríssimo, e a segunda, cartuns de Geandré e Zélio.
Muitas vezes os cartuns e quadrinhos eróticos difundiam ideias e
comportamentos muito ousados para uma época marcada pelo con-
servadorismo e pela censura a músicas, filmes e até quadrinhos que
ultrapassavam as restrições morais impostas pelo governo.

56
HQs de Humor no Brasil

Nas artes gráficas, Ziraldo Alves Pinto foi um dos artistas brasilei-
ros que produziram cartuns e quadrinhos que tratavam de sexo. Ao lado
das histórias de Pererê, o saci que habita a Mata do Fundão junto com
animais da fauna brasileira (jabuti, onça, macaco, entre outros), o cartu-
nista também criou personagens cômicos, a exemplo de Jeremias o Bom,
Supermãe e Mineirinho, sendo este o estereótipo do mineiro (como o
seu criador) que faz tudo em surdina, sem ostentar, principalmente no
que diz respeito a suas conquistas amorosas. As histórias da Supermãe
também possuem um conteúdo malicioso e fazem uma sátira aos super-
-heróis (o autor já havia parodiado os heróis dos comics estadunidenses
em Os Zeróis), uma vez que a protagonista usa capa vermelha, botas e, no
peito do vestido azul, um escudo com a letra S na cor amarela, que re-
mete ao uniforme do Superman e de outros personagens desse gênero.

Ilustração 22 – Mineirinho, o “come-quieto”,


em sua ocupação preferida.

57
Capítulo 2  | Contracultura e contestação nos anos de chumbo

Humor mainstream
Durante os anos 1970, os artistas brasileiros também encontra-
ram espaço em publicações comerciais, editadas por grandes editoras.
Isso se deve porque, em meados da década de 1970, houve a retomada
do movimento em prol dos quadrinhos brasileiros nas revistas editadas
no país. Essa reivindicação teve início no final dos anos 1950 e mobili-
zou vários artistas. Temendo que essa iniciativa virasse lei, as grandes
editoras passaram a utilizar material nacional e até a criar publicações
específicas para veicular histórias produzidas no Brasil. Esse foi o caso
da editora Abril, que lançou em 1974 a revista Crás!. Um dos idealiza-
dores desse título foi o escritor e editor Cláudio de Souza, funcionário
da empresa desde a década de 1950 e que, naquele momento, dirigia
as edições infantojuvenis da Abril. De acordo com Gonçalo Junior:

Cláudio decidiu, então, que chegara a hora de abrir espaço para


artistas brasileiros e suas criações próprias – um antigo projeto
seu na Abril. E passou a defender aquela que talvez tenha sido
sua proposta mais pessoal na editora: a Crás!. O formato da
revista era europeu – tipo Veja – e que se transformara num
sucesso em países como Itália, França e Espanha, onde se con-
sagraram títulos como Linus, Eureka, Pilote e Metal Hurlant.
Essas publicações tinham uma fórmula aparentemente confusa,
mas que se confirmou eficiente: misturava histórias antigas e
novas, personagens sérios e infantis, nacionais e estrangeiros,
engraçados e dramáticos. No caso da Crás!, além de dar uma
panorâmica da produção atual brasileira, pretendia servir de la-
boratório para que os personagens de maior destaque em suas
páginas ganhassem revistas próprias.
Com o crescimento da Abril nos últimos anos, Cláudio acredita-
va que a editora poderia “se dar ao luxo” de bancar uma publi-
cação que não tivesse o propósito de somente atingir tiragens
de centenas de milhares de exemplares (GONÇALO JUNIOR,
2003, p. 186-188).

De acordo com Vergueiro e Santos (2009, p. 252), esse título


trazia, principalmente em seus dois primeiros números, “uma mistu-
ra de estilos gráficos e de gêneros, com quadrinhos de terror, de hu-
mor, de aventura, infantis etc. Artistas de tendências mais variadas,
abrangendo desde histórias no estilo clássico e tiras de aventuras

58
HQs de Humor no Brasil

estadunidenses até o experimentalismo psicodélico típico da década


de 1970”, passaram por suas páginas.
Para Vergueiro e Santos (2009, p. 260), essa foi uma “proposta
ousada no sentido de tentar difundir a produção quadrinística na-
cional a um público acostumado às histórias em quadrinhos mais
tradicionais e comerciais”. No entanto, parece ter se tratado muito
mais de “uma iniciativa ligada ao idealismo de editores e artistas que
trabalhavam naquele momento na editora Abril do que propriamen-
te de uma estratégia institucional dessa grande casa publicadora no
sentido de abrir o mercado para as produções nacionais”. A principal
contradição que talvez tenha contribuído significativamente para seu
prematuro encerramento, após apenas seis edições chegarem às ban-
cas: “uma proposta editorial essencialmente ligada a quadrinhos para
adultos, mas direcionada a um público infantojuvenil”.
A revista Crás!, principalmente em seus dois primeiros números,
trazia uma mistura de estilos gráficos e de gêneros, com quadrinhos de
terror, de humor, de aventura, infantis etc. Artistas de tendências varia-
das, abrangendo desde histórias no estilo clássico e tiras de aventuras
estadunidenses até o experimentalismo psicodélico típico da década de
1970, passaram pelas páginas da publicação. Entre eles, destacam-se
Renato Canini, com Kactus Kid; Carlos Edgard Herrero, com Lobisomem;
e Ruy Perotti, com Satanésio. Esses personagens tornaram-se emblemá-
ticos da publicação e conquistaram os leitores de tal forma que, passa-
dos mais de 30 anos, ainda são lembrados por muitos deles.
Renato Canini, além de ter participado, nos anos 1960, da expe-
riência de valorização e divulgação do quadrinho nacional promovida
pela CETPA (GUAZZELLI, 2009), passou a fazer, no início da década de
1970, muitas vezes em parceria com o roteirista Ivan Saindenberg, as
histórias de Zé Carioca para a Editora Abril, dotando o papagaio brasi-
leiro criado por Walt Disney e sua equipe, em 1942, de características
típicas da realidade e da cultura do país: mais malandro, torna-se habi-
tante de um morro carioca, joga futebol de várzea, desfila pela escola
de samba do bairro e tenta driblar a falta de dinheiro.
Presentes nas seis edições da revista Crás!, as histórias estrela-
das pelo caubói Kactus Kid, criadas por Canini, são paródias de filmes
e histórias em quadrinhos do gênero western. A reversão de expectati-
vas, característica das narrativas humorísticas, está presente no próprio
personagem: o herói é, na verdade, o agente funerário fracassado Zeca
Funesto – um tipo careca, desdentado e feio –, que precisa colocar peru-

59
Capítulo 2  | Contracultura e contestação nos anos de chumbo

ca ruiva e dentadura e fazer um furinho no queixo (referência ao ator es-


tadunidense Kirk Douglas) para se transformar no pistoleiro Kactus Kid.
Ícones e os clichês do gênero western e das séries televisivas
estadunidenses são objeto das piadas presentes nas histórias de
Kactus Kid: o ator de cinema estadunidense John Wayne era caricatu-
rado em uma das histórias; já o bandido Billy The Kid foi satirizado
com o nome de Bíli Toquinho e confundido com um garoto. Em outra
história, o herói descobre que os índios não atacam à noite porque
ficam assistindo a filmes de western transmitidos pela TV. A metalin-
guagem é utilizada constantemente, como na história em que índios
desenhados de forma realista contrastam com o estilo cartunesco de
Canini, mas o protagonista tranquiliza: “Não se preocupe! Eles não
são da nossa história!”. Durante o tiroteio, a arma do caubói dispara
mais de quarenta tiros sem precisar ser recarregada. Kactus Kid jus-
tifica: “Arma de mocinho é assim mesmo!” No final da aventura, para
terminar a contenda, o negociador Henry Kissinger, vestido como
caubói, é lançado de paraquedas sobre o herói e seu cavalo.
As histórias em quadrinhos protagonizadas pelos persona-
gens Disney também foram a porta de entrada do ilustrador paulista
Carlos Edgard Herrero na Editora Abril. Esse artista realizou narrati-
vas, publicadas inclusive no exterior, com Pato Donald e Mickey, e foi
cocriador do personagem Morcego Vermelho, além de desenhar as
histórias cômicas e metalinguísticas em que Peninha cria quadrinhos
para o jornal de Tio Patinhas (SANTOS, 2002, p. 263-265).
Metalinguagem e autoironia também são a tônica das histórias
do Lobisomem, que Herrero criou em parceria com o roteirista Júlio
Andrade Filho, dando continuidade a uma colaboração já anterior-
mente bem-sucedida, quando juntos fizeram As aventuras de Vavavum,
um piloto de corridas cujo carro viaja no tempo. Ambientadas em um
burgo europeu durante a Idade Média, as narrativas publicadas pela
dupla na revista Crás! são protagonizadas por um lobisomem atra-
palhado que não consegue assustar e atacar suas vítimas. Ao tomar
uma poção preparada por uma feiticeira para curar sua bronquite, o
lobisomem transforma-se em outros personagens da revista, como
o pássaro Onofre (personagem de autoria de Júlio Andrade e Michio
Yamashita) e o caubói Kactus Kid.

60
HQs de Humor no Brasil

Ilustração 23 – O fracassado Lobisomem,


concebido por Júlio Andrade e Herrero.

Ruy Perotti, por sua vez, iniciou sua carreira na Editora Brasil-
América Ltda. (EBAL), do Rio de Janeiro, criada nos anos 1940 pelo
publisher Adolfo Aizen. Além de histórias em quadrinhos, Perotti tam-
bém trabalhou na área da publicidade e realizou desenhos animados,
como o do Sujismundo, personagem que, na década de 1970, pro-
tagonizava campanhas institucionais educativas do governo federal
que ensinavam normas de higiene para a população.
Seu personagem, o pobre diabo Satanésio, teve muito destaque
na revista Crás!. No momento em que a propaganda oficial do governo
militar apregoava o milagre econômico, as histórias de Perotti mostra-
vam um inferno falido por causa da violência e dos desentendimentos
que caracterizam a sociedade. Por este motivo, Satanésio, vestindo
roupas puídas e com remendos, resolve deixar as profundezas infer-
nais desertas e dirigir-se para a Terra, onde imaginava melhorar de
vida. Mas, aqui chegando, Satanésio encontrou um lugar habitado por
pessoas intransigentes, desonestas e brutais, que não tinham medo
dele. Para piorar a situação, na segunda aventura surge o anjo da guar-
da Anjoca, que passa a proteger o diabo em um mundo tão hostil.
Outros personagens que aparecem nas histórias de Satanésio
são o hippie Pacífico, os brutamontes Zé Tacape e João Porrete, a femi-
nista Lutércia e o garoto malvado Bernardão, que representam pontos
de discórdia da época. Para sobreviver em meio ao caos e à truculência
vigentes, o protagonista precisa trabalhar como condutor de trem fan-

61
Capítulo 2  | Contracultura e contestação nos anos de chumbo

tasma ou vendendo pipoca no circo. A boa aceitação de Satanésio por


parte dos leitores levou a Editora Abril a lançar um título próprio para o
personagem. A revista Satanésio, filhote da Crás!, totalizou apenas quatro
edições, iniciadas em junho de 1975. Perotti também foi autor das histó-
rias do macaco inteligente Gabola, igualmente publicadas pela Abril de
outubro de 1976 a junho de 1977, chegando a seis números.
Pode-se constatar que os três personagens mais cultuados pe-
los leitores – Kactus Kid, Lobisomem e Satanésio – têm em comum o
fato de representarem de maneira humorística os fracassados da so-
ciedade. Alegoricamente, eles refletiam, talvez de forma inconscien-
te, a realidade então vivida pelos autores de histórias em quadrinhos
do Brasil, obrigados a peregrinar pelas editoras para obter trabalho,
submeter-se às normas comerciais da indústria editorial e enfrentar
dificuldades para a aceitação de seus personagens. Os leitores, por
sua vez, identificavam-se com essas criações, em função da situação
do país naquele momento.

Ilustração 24 – As agruras de Satanésio, personagem


criado por Perotti para a Crás!

No começo dos anos 1970, a RGE (atualmente Editora Globo),


pertencente ao empresário Roberto Marinho, promoveu um concur-
so para criar uma revista de quadrinhos brasileira. O ganhador foi o
ítalo-brasileiro Primaggio Mantovi com o palhaço Sacarrolha, publi-
cado em janeiro de 1972. O artista já trabalhava para essa editora
desde o início da década anterior fazendo histórias do caubói Rocky
Lane – que tinha deixado de circular nos Estados Unidos, mas pos-
suía muitos fãs no Brasil – e do Recruta Zero. Ambientadas no circo
itinerante Kabum, as histórias eram estreladas pelo palhaço atrapa-
lhado e de bom coração. Quando o artista se transferiu para a Editora

62
HQs de Humor no Brasil

Abril, onde foi editor da linha infantojuvenil, seu personagem passou


a ser publicado na série Diversões Juvenis.

Ilustração 25 – O palhaço Sacarrolha, criação de Primaggio Mantovi.

Publicando livros de quadrinhos, principalmente coletâneas


de tiras distribuídas pelo King Features Syndicate (Popeye, Recruta
Zero – com o título Zé, O Soldado Raso –, Mandrake, entre outros),
a pequena editora do grupo Fittipaldi também deu espaço para a
produção nacional. Com desenhos de Eduardo Carlos Pereira, que as-
sinava seus trabalhos como Edú, Praça atrapalhado era a versão local
do personagem de Mort Walker. Mas, com uma diferença: o prota-
gonista, soldado que apronta confusões no quartel, era negro (este-
reotipado, inclusive por falar errado). Mas, em uma época marcada
pela repressão imposta pela ditadura militar, estas histórias cômicas
satirizavam a instituição que detinha de forma autoritária o poder no
país. Outro personagem feito por esse artista foi Doutor Estripa, um
médico que inventa maneiras inusitadas para tratar seus pacientes.
Lançada em 1952 pela E.C. Comics, que publicava quadrinhos
de terror e guerra, a revista humorística MAD zombava de uma socie-
dade caracterizada pelo consumo e por modismos, especialmente da
cultura midiática, com paródias de outras histórias em quadrinhos,
de filmes e seriados televisivos. A edição brasileira chegou às bancas
em 1974, editada pelo cartunista Ota (Otacílio D’Assunção Barros)
para a Editora Vecchi – passando depois pela Record e Mythos e atu-
almente pela Panini –, e logo passou a editar material produzido por
artistas do Brasil, seguindo o modelo estadunidense, mas tratando
de temas e de produtos culturais nacionais (telenovelas e cinema na-

63
Capítulo 2  | Contracultura e contestação nos anos de chumbo

cional, por exemplo). O sucesso desse título forjou a criação de veí-


culos que exploravam o mesmo filão, sendo o principal Cracked, aqui
chamada de Pancada, que teve 33 números produzidos pela Editora
Abril entre 1977 e 1980, nos quais havia bastante trabalhos de cartu-
nistas brasileiros, entre eles o veterano Renato Canini.
A Editora Abril tentou, no final da década de 1970, distribuir
tiras de quadrinhos de autores brasileiros para jornais de várias par-
tes do país. O Projeto Tiras, que durou pouco mais de um ano, re-
velou novos talentos e divulgou novos personagens, a exemplo do
indiozinho Tibica, criado por Renato Canini (que tratava de ques-
tões ambientais), e do cangaceiro Carrapicho, concebido por Carlos
Avalone, que nos anos 1980 editou a revista protagonizada por seu
personagem pela editora Noblet, que trazia também as travessuras
do garoto Espoleta.
Outro personagem que retrata o sertão nordestino é Chico
Peste, cangaceiro criado pelo roteirista Paulo Paiva e pelo desenhis-
ta Paulo César Munhoz, cujas tiras foram editadas nas páginas da
revista Gibi em meados da década de 1970 e tiveram uma revista
lançada pela editora Press em 1986. Esses quadrinhos fazem parte
da iniciativa da revista da RGE de mesclar material produzido por
artistas brasileiros (Watson Portela, Pitliuk, Novaes, entre outros) a
tiras clássicas estadunidenses (Spirit, Popeye, Teréré etc.) e europeias
(Iznogud, Lucky Luke). Tratava-se de tiras humorísticas, como 1923, de
Watson (também estrelada por cangaceiros), Olimpo, de Xalberto (que
satirizava os deuses gregos), Zig e Zag, de S. Miguez (protagonizada
por dois árabes perdidos no deserto) e Ming-Au (sobre um monge), de
Sinfrônio de Souza Lima Neto.
Na década de 1980 Miguel Paiva retratou a mulher moderna,
emancipada e problemática, com sua personagem Radical Chic (que
chegou a ser adaptada para a TV), e o homem maduro descasado
nas tiras de O Gatão de Meia Idade, além das aventuras do detetive
noir do terceiro mundo Ed Mort (criação do humorista Luis Fernando
Verissimo, que também desenha As Cobras e Família Brasil, um perfil
da pequena burguesia brasileira). No caso da segunda tira, o foco
cai sobre uma família típica da classe média, composta por pai, mãe,
filho caçula, filha mais velha e seu namorado, que evita o trabalho e
vive tirando dinheiro do patriarca, que procura sobreviver em meio
às turbulências da economia brasileira. No que concerne à primeira
tira, Nicolau (2007, p. 35) afirma tratar-se de:

64
HQs de Humor no Brasil

Exemplar brasileiro da tirinha em grande estilo. As Cobras são


filosóficas e extremamente humanas. Foram publicadas em jor-
nais durante duas décadas, anos 80 e 90.
As Cobras divagam sobre a imensidão do universo, conversam
com Deus, retratam as angústias humanas, criticam as eleições,
o futebol etc. Primeiramente a dupla de cobrinhas nasceu como
ideograma e demonstrava bem a capacidade de síntese do au-
tor, apropriada para as tirinhas. Sendo um escritor e cronista já
reconhecido, Veríssimo resolveu investir seu talento nos quadri-
nhos e acabou por criar inúmeros outros personagens coadju-
vantes como Queromeu, o corrupião corrupto; Semiótica, a que
tem sempre um ponto de vista diferente; a cobrinha pesquisado-
ra; Dudu, o alarmista, entre outros.

Ilustração 26 – As Cobras de Luis Fernando Verissimo fazem


questionamentos políticos e filosóficos.

A produção regional
Há também quadrinhos humorísticos produzidos e publicados
regionalmente no Brasil. São exemplos Pindorama – a outra história do
Brasil, idealizado por Lailson de Holanda Cavalcanti, e o morador das
serras gaúchas Radicci, do quadrinista Iotti. O primeiro, publicado no
jornal Diário de Pernambuco, reconta a descoberta do Brasil a partir
das cartas encerradas em garrafas jogadas ao mar pelo náufrago por-
tuguês Vasco Cuínas Del Mangue. Já o segundo é uma das criações
do desenhista Carlos Henrique Iotti: o protagonista de suas tiras e
histórias é um gaúcho descendente de italianos grosseiro e autori-
tário, mas que padece com a mulher mandona e o filho desocupado.
Esse cartunista também é autor da história Deus e o Diabo, na
qual as duas entidades, sempre com opiniões divergentes, formam

65
Capítulo 2  | Contracultura e contestação nos anos de chumbo

uma dupla de criação: o primeiro é o redator, e o segundo, diretor


de arte. Outro artista gaúcho de destaque é Neltair Rebés Abreu, co-
nhecido como Santiago, criador de Macanudo Taurino e de outros
personagens como Xorãozinho e Xaropó, a “dupla sertanojo”, uma
sátira às duplas sertanejas. Essas tiras foram distribuídas no final da
década de 1980 pela agência Funarte (fechada no governo Collor), a
partir da iniciativa de Ziraldo.

Ilustração 27 – O gaúcho italianado Radicci.

Já Rango, criação do gaúcho Edgar Vasques, é um retrato da


multidão de desvalidos da sociedade brasileira. Sempre com fome,
o personagem e seu filho dormem em uma lata de lixo (metáfora
da miséria em que vivem) e vagam por lixões à cata das migalhas
que são descartadas pela minoria privilegiada. Os temas abordados
abrangem questões como a opressão aos negros, a política e a eco-
nomia nacional, a degradação do meio ambiente, entre outros assun-
tos. Conforme Nicolau (2007, p. 41):

Considerado um anti-herói, Rango apareceu primeiramente na


Revista Grilus, pertencente a um Diretório Acadêmico da UFRG
em 1970. Mas, a partir de 1973, o personagem criado por Edgar
Vasques passou a ser publicado em vários periódicos brasileiros,
entre eles o jornal Pasquim e o diário Folha da Manhã. Rango
simbolizou a resistência à ditadura militar nos anos 1970, a mi-
séria do povo, e parecia ter vida curta, não fosse a exigência dos
leitores para seu retorno às páginas do jornal.

66
HQs de Humor no Brasil

Ilustração 28 – Rango: o retrato da miséria do país.

No Rio Grande do Sul, foram editados nove números de Mega


Quadrinho, que coletava trabalhos de Luis Fernando Verissimo, Adão
Iturrusgarai, Canini, Edgar Vasques, Iotti, entre outros. A revista
Dundum foi publicada em Porto Alegre, no início da década de 1990,
com apoio da Secretaria Municipal de Cultura. Como se tratava de
uma publicação de quadrinhos adultos, houve protestos por ter sido
financiada com dinheiro público. Entre os artistas que tiveram seus
trabalhos editados estão Eloar Guazzelli e Adão Iturrusgarai. Com
estilo gráfico com influência do underground, as histórias não apre-
sentam muitas referências à cultura gaúcha.
Já as histórias da Turma do Xaxado apresentam vários elemen-
tos da cultura nordestina – música, ambientação, vestimenta dos
personagens. Ao contrário de Chico Peste e Carrapicho, idealizados
por paulistas, esses quadrinhos foram criados por Antonio Cedraz,
que nasceu em uma fazenda no interior da Bahia. O protagonista é
um garoto que descende de um integrante do bando do cangaceiro
Lampião, que vive em uma pequena cidade do interior baiano. Entre
seus amigos está Arturzinho, filho do fazendeiro, que leva a reflexões
críticas, assim como temas como a seca do sertão.
Pesquisador de histórias em quadrinhos, criador da editora
Marca de Fantasia, militante em prol dos fanzines, editor da publi-
cação alternativa Top! Top! (o título presta homenagem a Henfil), o
paraibano Henrique Magalhães também foi o idealizador da persona-
gem Maria, lançada em 1975. Tendo como motivação inicial arranjar
um marido, logo sua função narrativa começou a girar em torno da
crítica situação política e econômica do país, da defesa do quadrinho
nacional e contra qualquer forma de intolerância seja no âmbito so-
cial ou no que diz respeito às opções sexuais dos indivíduos. A esse
respeito, Nicolau (2007, p. 46) assevera:

67
Capítulo 2  | Contracultura e contestação nos anos de chumbo

Maria tinha como temática principal a política, a resistência, a


luta contra o cerceamento à liberdade no período da ditadura
militar. Sua indignação contra preconceitos, discriminação de
minorias, descasos sociais é característica marcante e recorren-
te das tirinhas.

Ilustração 29 – As histórias de Xaxado retratam a cultura nordestina.

A Região do ABC paulista tem seus personagens de quadri-


nhos. Em 1948, Jayme da Costa Patrão concebeu Zé Caetano, perso-
nagem que defendia a autonomia do município de São Caetano do
Sul, então parte de Santo André. Desde o final dos anos 1960 o jornal
Diário do Grande ABC se tornou o principal órgão de imprensa regio-
nal. Foi para esse periódico que o cartunista Mario Dimov Mastrotti
criou em 1975 as tiras de Cubinho, um cachorrinho amarelo cujo
corpo é uma figura geométrica de onde saem longas pernas. O artis-
ta, professor da UMESP, usa o personagem para falar de ecologia e
justiça social.

68
Capítulo 3

O riso em tempos de crise

S e o período em que a ditadura militar recrudesceu (entre 1969


e 1979) a censura foi um grande entrave para a liberdade de ex-
pressão, foi também um momento rico para a produção humorística
brasileira. De acordo com Henk Driessen (2000, p. 253), “o humor
político floresce quando há repressão política e dificuldades econô-
micas”. Naquela época, os jornais alternativos ou nanicos, como eram
então denominados, davam espaço a charges e caricaturas que expu-
nham a indignação da parcela mais culta da sociedade (intelectuais e
jornalistas de oposição) contra os desmandos do regime autoritário.
Como foi abordado anteriormente, o jornal Pasquim se tornou
um dos veículos impressos a dar voz para os que protestavam. Nos
traços de Henfil, Jaguar, Ziraldo, entre outros, o humor crítico denun-
ciava a repressão política a que o país estava submetido. Além disso, as
páginas do jornal carioca também abrigaram as mudanças no compor-
tamento, expressas nas entrevistas feitas com personalidades como a
atriz Leila Diniz, ou ainda na coluna assinada por Luiz Carlos Maciel,
que tratava de cultura underground, drogas e temas relacionados à ex-
pansão da consciência, que encantavam os jovens da década de 1970.
A partir de 1979, quando teve início a abertura política, com
a anistia aos exilados, até o final de 1984, quando o ciclo militar foi
encerrado, com a passagem do governo ao primeiro civil depois de
duas décadas, o humor político continuou presente, tanto nos jor-
nais alternativos e da grande imprensa, como em revistas, a exemplo
de Careta, que havia retornado às bancas. Mas o início da década de
1980 foi marcado por outras mudanças, principalmente no que tange
ao comportamento e à cultura, e especialmente em São Paulo. Foi o
surgimento de uma produção cultural independente.
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

Embora a capital paulista fosse um polo de cultura importante


e efervescente, que recebia e produzia espetáculos, shows e mostras,
uma parte da intelectualidade e dos artistas da época procurou cami-
nhos novos e outros tipos de recursos, à margem do Estado ou dos
promotores tradicionais. Um exemplo foi a produção cinematográfica
paulista, que, sem as verbas da Embrafilme (empresa estatal que in-
vestia no cinema brasileiro), conseguiu se manter ativa. As pequenas
produtoras, em sua maioria instaladas na Vila Madalena, foram respon-
sáveis por filmes (a exemplo de Janete, Marvada Carne, A próxima vítima,
O encalhe, Cidade oculta, Feliz ano velho, entre outros) com temáticas e
posturas estéticas diferentes de outras produções da época.
Na música, o teatro Lira Paulistana, que depois se tornou selo
independente, foi o espaço de músicos e compositores novos, como
Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção. Já os grupos Língua de Trapo e
Premeditando o Breque associavam humor às letras urbanas e irre-
verentes de suas composições, que utilizavam ritmos diferentes (do
samba de breque à música clássica). A cena teatral da cidade assistiu
à reabertura do Teatro Oficina e, em 1984, à criação do Grupo de
Teatro Ornitorrinco, que encenou Brecht, Molière, Alfred Jarry, entre
outros autores – alguns integrantes participaram de fotonovelas pu-
blicadas na revista Chiclete com Banana, da Circo Editorial.

A produção independente paulista nos anos 1980


A história em quadrinhos brasileira nos anos 1980 vivia os esterto-
res do sucesso das revistas de terror, ainda presentes nos títulos Calafrio
e Mestres do Terror, mas já sem a popularidade das décadas de 1960 e
1970. Excluindo-se a produção nacional de Mauricio de Sousa no gêne-
ro infantil, apenas o material estrangeiro, notadamente o estadunidense
(quadrinhos Disney, assim como outros funny-animals, e de heróis, tanto
da Marvel como da DC Comics), abastecia com regularidade e quantidade
as bancas de jornal. Do ponto de vista mercadológico, as publicações de
quadrinhos brasileiros tinham pouca expressão no início dos anos 1980.
Havia poucas alternativas de leitura de quadrinhos para o público adulto,
especialmente histórias produzidas por artistas brasileiros.
Uma experiência inovadora naquele contexto foi posta em
prática em 1980 pelo cartunista Francisco Marcatti Junior, que assina
seus trabalhos como Marcatti. Com o dinheiro que recebeu de he-
rança, comprou uma impressora off-set de mesa e fundou a editora

70
HQs de Humor no Brasil

Pro-C, pela qual editou revistas de quadrinhos de sua própria autoria,


como Lodo e Mijo, cuja distribuição também era feita de forma alter-
nativa, em livrarias e cineclubes. As histórias de humor, absurdas e
escatológicas, tratavam principalmente de sexo, e de forma bizarra.
Do ponto de vista estético, seu estilo gráfico segue o de artistas do
comix underground estadunidense. Esse artista colaborou com publi-
cações da Circo Editorial e na revista MAD e fez a revista R.D.P., em
que os membros da banda Ratos de Porão são desenhados como roe-
dores – o artista já havia feito capas para os discos desse grupo. Em
2001, concebeu o personagem Frauzio, cujos enredos são repletos
de palavras chulas e referências a resíduos do corpo humano.

Ilustração 30 – Vinheta de Frauzio desenhada por Marcatti.

Pequenas editoras localizadas na capital paulista publicavam re-


vistas impressas em papel de baixa qualidade, que abrigavam em suas
páginas quadrinhos reproduzidos, na maior parte das vezes, em preto
em branco, o que diminuía os custos. A periodicidade, mensal ou bi-
mestral, nem sempre era cumprida. Em contraposição às revistas comer-
ciais, essas publicações podem ser denominadas como “alternativas”,
o que reflete uma postura política de contestação ou de resistência à
visão dominante, a uma inovação artística ou mais uma opção para o
público (ou segmento de público) dentro do mercado. Os autores desses
quadrinhos colocavam em suas histórias sua visão política e de mundo
e desenvolviam um estilo gráfico próprio, que não repetia os modelos
estabelecidos pelas editoras e distribuidoras de quadrinhos mainstream.

71
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

Entre as várias editoras paulistas surgidas nos anos 1980, es-


tão Circo Editorial, Press Editorial, Vidente e VHD-Diffusion. Esta úl-
tima pertencia a Vincent Henry Ducarme e iniciou suas atividades em
1983. Inicialmente, essa casa publicadora colocou nas bancas álbuns
de quadrinhos de aventura e western realizados por artistas euro-
peus, como o bárbaro Thorgal (cujas histórias eram escritas pelo bel-
ga Jean Van Hamme e desenhadas pelo polonês Grzegorz Rosiñski) e
Durango (criado pelo belga Yves Swolfes). Essas publicações, contu-
do, tiveram vida efêmera – quatro e três edições, respectivamente.
Mas, em 1988, o editor Rogério de Campos convenceu o pro-
prietário da VHD a criar uma revista para apresentar aos leitores bra-
sileiros o melhor do quadrinho de vanguarda europeu daquela época.
Foi dessa forma que surgiu a revista Animal, que tinha o subtítulo
Feio, forte e formal. Suas páginas traziam trabalhos de artistas alterna-
tivos italianos (Milo Manara, Tamburini e Liberatore etc.), espanhóis
(Daniel Torres, Max, Jaime Martín), ingleses (como Hunt Emerson),
estadunidenses (a exemplo de Jaime Hernandez) e brasileiros (André
Toral, Priscila Farias, Osvaldo Pavanelli, Adão Iturrusgarai e Jaca). Ao
lado de Campos, que ocupava a função de editor da revista, também
colaboravam os artistas Fabio Zimbres (editor de arte), Priscila Farias
e Newton Foot, dentre outros. Cada edição oferecia ao público, além
de histórias em quadrinhos, a seção Tam-Tam, com notícias e maté-
rias sobre quadrinhos, e o encarte Mau, que tinha como subtítulo
Feio, sujo e malvado. Similar a um fanzine, esse suplemento tratava
de música e dava espaço para desenhos e tiras feitos pelos leitores e
por artistas iniciantes ou consagrados, a exemplo de Hunt Emerson,
Fernando Gonsales e Lourenço Mutarelli. Pela VHD, também saíram
duas edições da Coleção Animal, de 1990 a 1996, e 15 edições da
revista Níquel Náusea, rato criado por Fernando Gonsales. Na mesma
linha, o cartunista Spacca utiliza animais (dos mais comuns aos mais
inusitados, como centauros) em seus quadrinhos.
Marcatti editou, ao lado do quadrinista e escritor Lourenço
Mutarelli, a revista Tralha, publicada pela editora Vidente, responsável
pela revista Porrada!. Além dos dois artistas, Marcio Baraldi também
participou dessa publicação, que contou com dois números em 1989.
A Press Editorial iniciou suas atividades em 1984, inicialmente para
publicar quadrinhos eróticos, seguindo a linha da extinta editora curi-
tibana Grafipar. Essa casa publicadora lançou em 1986 dois números
de Bundha, protagonizada por um negro africano bastante estereoti-
pado criado por Newton Foot. Outro título dessa editora foi Monga
a Mulher Gorila, que reuniu quadrinhos de Alain Voss, Jaguar, Fortuna

72
HQs de Humor no Brasil

etc. Dr. Baixada & Cia., de Luscar (Luiz Carlos dos Santos), por sua vez,
teve duas edições lançadas pela Editora Hamasaki, e era protagoni-
zada por um matador impiedoso, uma referência aos esquadrões da
morte que atuam nas periferias das cidades. Todo vestido de preto,
usando óculos escuros e tênis nos pés, infligia seu terror a comercian-
tes, prostitutas e pessoas comuns. Além dessa história, também eram
editadas tiras dos menores abandonados Piva e Mosquito.
Com a redemocratização da sociedade brasileira, o humor po-
lítico, contudo, não desapareceu: está presente nos trabalhos dos
irmãos Paulo e Chico Caruso, que captaram com seus traços os casu-
ísmos e as arbitrariedades cometidos pelos governantes. Em 1982,
a revista Careta foi relançada pela Editora Três e abrigava em suas
páginas cartuns e quadrinhos produzidos pelos melhores cartunistas
da época (Paulo e Chico Caruso, Laerte, Jaguar, Glauco, entre outros),
que jogavam luz sobre as contradições de um país que tentava voltar
à normalidade democrática. A mesma editora publicou em 1984 Bar
Brasil, coletânea de histórias escritas por Alex Solnik e desenhadas
por Paulo Caruso, em que os principais nomes da política nacional
frequentam ou trabalham no boteco com o nome do país. Dois anos
mais tarde, a editora gaúcha L&PM produziu o álbum Bar Brasil na
Nova República, dando sequência às sátiras realizadas pela dupla.

Ilustração 31 – Capa da revista Careta, editada na década de 1980.

73
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

Ao longo dos anos 1980, contudo, a sátira política deu lugar


à crítica social e de costumes. Vários quadrinistas abordavam temas
do cotidiano e modismos da classe média ou abastada das metrópo-
les: Angeli criou para a tira Chiclete com Banana personagens como o
revolucionário Meiaoito e seu seguidor homossexual Nanico, o guru
Rhalah Rikota, o punk Bob Cuspe, a alcoólatra e boêmia Rê Bordosa
(que o autor matou de tédio após o casamento com um barman), os
anárquicos e irreverentes Skrotinhos (a versão mais moderna e radi-
cal de Os Sobrinhos do Capitão) – que também podem ser negros (The
Little Black Skrots), ou mulheres (as Skrotinhas) –, os velhos hippies
saudosistas Wood e Stock, entre outros; Laerte concebeu os anárqui-
cos Piratas do Tietê, além de Fagundes, o puxa-saco, os Gatinhos e a
tira O Condomínio, ambientada em um prédio da metrópole; e Glauco
fala da geração consumista que se recusa a amadurecer com seus
personagens Neuras e Geraldão, filho único que vive com a mãe e
uma boneca inflável (o desenhista criou, também, a tira que mostra a
infância do mesmo personagem, mas chamado de Geraldinho).
Angeli, Glauco e Laerte (que depois contaram com a participa-
ção de Adão Iturrusgarai, autor das histórias dos caubóis homosse-
xuais Rocky & Hudson) uniram-se na produção dos quadrinhos de Los
3 Amigos, protagonizados pelos próprios artistas, que interpretam
caubóis arruaceiros na fictícia cidade de Marisales. Adão também foi
autor das tiras protagonizadas por Aline e seus dois namorados. A
personagem, ninfomaníaca e liberada, mora com dois rapazes e en-
frenta o moralismo com seu comportamento sexual pouco ortodoxo.
Os personagens foram publicados em tiras diárias nos jornais e nas
revistas da Circo Editorial, como será visto adiante.

O quadrinho transgressor da Circo Editorial


Na visão de Santos (2011, p. 150), foi no contexto do proces-
so de redemocratização da sociedade brasileira, do crescimento da
produção independente em São Paulo e de crise inflacionária que
a Circo Editorial foi criada e, durante mais de uma década, lançou
diversas revistas de quadrinhos de humor que reuniram os talentos
de artistas nacionais. O idealizador da Circo Editorial foi Antonio de
Souza Mendes Neto, mais conhecido como Toninho Mendes. Sua tra-
jetória pessoal está intimamente ligada ao conteúdo veiculado pelas
publicações da editora.

74
HQs de Humor no Brasil

Nascido em Itapeva, interior de São Paulo, passou a infância,


na década de 1960, no bairro paulistano da Casa Verde, onde conhe-
ceu a vida boêmia (bebida, jogo, sexo, drogas) e se interessou por
Histórias em Quadrinhos. Integrante da geração hippie, Toninho en-
trou em contato com publicações alternativas, como o jornal Pasquim
e a revista Grilo (que publicava quadrinhos de Robert Crumb, Guido
Crepax, Wolinski, entre outros artistas). Após ter trabalhado como
office-boy, resolveu ser desenhista e foi estudar na escola Protec, onde
aprendeu a fazer paste-up e se decidiu por trabalhar com artes gráfi-
cas. Outro aprendizado foi ter participado da imprensa independen-
te, de jornais como Ex, Movimento e Versus.
De acordo com Toninho Mendes1:

As origens da Circo Editorial estão no Versus. Porque, no Versus,


por ideia do Marcos Faerman, a gente editou dois livrões de
quadrinhos: o Versus quadrinhos e o Livrão de quadrinhos, onde
eu estreitei a minha relação com o Luiz Gê, que é meu amigo até
hoje, e o Angeli, que já desenhava profissionalmente.

O editor escolheu uma data significativa para a criação da


Circo Editorial, o dia em que o Congresso votou contra a “Emenda
Dante de Oliveira”, que estabelecia a eleição direta para presidente
da República para o sucessor do general João Batista Figueiredo. “Eu
sabia que aquele dia ia mudar a história do Brasil, para o bem ou para
o mal. E eu achava que a votação seria derrotada. Fiz algumas apostas
e quase acertei os números exatos”, relembra. Nesse dia [26 de abril
de 1984], foi lançado o primeiro número da Série Traço e Riso, um
álbum no formato horizontal que reunia as tiras criadas por Angeli e
publicadas no jornal Folha de S. Paulo.
Embora a eleição direta para presidente não tenha sido apro-
vada, o ciclo de governos militares, que completara duas décadas,
encontrava-se em seus estertores. Os rigores da censura haviam di-
minuído e a sociedade brasileira começava uma nova fase, marcada
por instabilidades políticas e econômicas, mas com o regime demo-
crático restaurado. Na visão de Toninho Mendes:

1
Depoimento concedido ao autor em 28 de maio de 2004. Idem para as demais
citações.

75
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

Uma editora como a Circo só é concebível num momento políti-


co como aquele. Como é que eu ia fazer uma revista na ditadu-
ra que, no número um, chama o Bob Cuspe pra prefeito? Não
tem condições. Então, o nascimento da Circo está diretamente
envolvido com o movimento de abertura política, que não vem
da classe política. Vem da classe artística, da necessidade dos
sindicatos, da forçação de barra da esquerda, até da própria
direita, que não aguentava mais.

A forma como os artistas passaram a utilizar o humor também


havia mudado. E Toninho evidencia isso em relação ao conteúdo das
revistas publicadas pela Circo Editorial:

É que o humor da Circo, da editora Circo inteira, ele trabalha


com a sociedade, não com o gabinete. O humor da Circo não
é o humor pra quem está em Brasília ou pra quem é deputado
ou senador. O humor da Circo é o humor popular, no sentido de
que lida com os interesses da vida de todas as pessoas, e por isso
que eu insisto muito: a Circo é, antes de qualquer coisa, uma
editora de humor, para, num segundo momento, ela ser uma
editora de quadrinhos. Terceiro: a quantidade de pessoas que
se envolveram com a Circo é um time muito específico, porque
a Circo, nada nada, ajudou a firmar o trabalho do Angeli, do
Chico, do Laerte, do Glauco, e já é o suficiente.
(...) O material forte da Circo nesse momento é a discussão do
comportamento e uma nova visão política, onde a esquerda
também começou a ser checada. A esquerda, assim como a di-
reita sempre foi, começou a ser checada com mais frequência.
E outra coisa, [a Circo Editorial] trouxe para o mundo da ban-
ca de revistas, principalmente com as revistas, uma linguagem
nova, porque tudo era tão careta, e continua sendo tão careta
que eu fico assustado. A caretice ainda impera, 20 anos depois.

Entre os principais artistas que publicaram seus trabalhos


nas revistas editadas pela Circo Editorial destacam-se Angeli, Laerte,
Luiz Gê, Glauco, Adão Iturrusgarai e Fernando Gonsales. Paulistano
nascido no bairro da Casa Verde, Arnaldo Angeli conheceu Toninho
Mendes na infância, quando ambos começaram a ler e apreciar
Histórias em Quadrinhos. Autodidata e pertencente a uma família de
classe média baixa, Angeli iniciou sua carreira artística em 1970, aos

76
HQs de Humor no Brasil

14 anos, ao publicar um desenho na revista Senhor. Como Toninho,


também foi influenciado pelas charges e artigos do jornal Pasquim e
pelos quadrinhos da revista Grilo. Para o jornal Folha de S. Paulo, onde
trabalha desde 1974, faz charges políticas e a tira Chiclete com Banana.
Apesar de ter entrado na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, em 1969, Laerte Coutinho não chegou a
se formar, mas foi no ambiente universitário que ingressou na área
editorial de quadrinhos. Durante um evento promovido pelo curso
de Jornalismo que abordava a História em Quadrinhos (e contou com
a presença de Zélio, Álvaro de Moya, Naumin Aizen, entre outros
profissionais), o artista e Luiz Gê (na época, estudante da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da USP) decidiram criar uma publicação
para expor seus trabalhos. Segundo Laerte2:

Nossa preocupação era mais um mercado de trabalho do que


derrubar a ditadura ou subverter a ordem ou consumir drogas.
Enfim, nosso negócio era mercado mesmo. A gente via que não
existiam revistas, não existia espaço nos jornais e nas revistas,
não existia nada.

Surgia, assim, a revista Balão (na verdade, um fanzine, em-


bora o termo não fosse utilizado na época), cujo primeiro núme-
ro, lançado em novembro de 1972, apresentava a história de três
páginas Traquinadas do Amadeu (e seu frango, José Dolores), desenha-
da por Laerte. Trata-se de uma kid-strip protagonizada pelo garoto
Amadeu, que, como o título informa, faz peraltices acompanhado
por seu galo. Luiz Gê (autor da capa da primeira edição) participa
com Spermex, quadrinho experimental de sete páginas no estilo do
trabalho que Victor Moscoso e Rick Griffin editavam na revista un-
derground americana Zap Comix. Nesse sentido, o quadrinista Laerte3
ressalta a importância dos autores americanos e da revista Zap Comix
em sua formação artística: “Tudo me fazia a cabeça, mas a piração do

2
Entrevista dada ao Observatório de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP em
maio de 2004.
3
Artigo escrito por Laerte e publicado no jornal Folha de S. Paulo em 17 de
outubro de 2003 (página E1), quando do lançamento de álbum editado no Brasil
pela Editora Conrad com histórias da revista Zap Comix.

77
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

‘underground’ era especial”. Outra influência que teve foi do cartu-


nista Henfil. Sobre ele, Laerte também recorda:

O trabalho dele é (...) uma mistura superentrosada entre recado


político e humor. Todo o trabalho do Henfil é necessário. O pri-
meiro parâmetro do trabalho do Henfil é a necessidade, a opor-
tunidade política, é o que está ali, sendo dito num determinado
momento político. E o outro parâmetro é o humor, a graça, a
audácia, a falta de decoro...

Ilustração 32 – Capa de Balão, com ilustração de Luiz Gê.

Luiz Gê, além de publicar seus trabalhos na Circo Editorial,


também foi editor da revista Circo, lançada em outubro de 1986. Ao
lado de artistas brasileiros (como Laerte, Glauco e o próprio Luiz
Gê), foram publicadas histórias de quadrinistas europeus (Moebius,
Abuli e Bernet, Liberatore, Dionnet e Frank Margerin, entre outros)
e estadunidenses (a exemplo de Robert Crumb), todos advindos da
produção underground ou relacionados a ela. A ida de Luiz Gê para a
Inglaterra, onde foi estudar, foi um fator determinante para o térmi-

78
HQs de Humor no Brasil

no da publicação, que teve apenas oito números (e mais uma edição


especial com os Piratas do Tietê, de Laerte), encerrando-se em 1988.
A participação de Chico Caruso foi importante para o surgi-
mento da editora. Em 1980, Toninho Mendes já havia criado uma
casa publicadora, a Marco Zero, pela qual editou seu próprio livro, A
confissão para o Tietê, além de Coisas da Nega Sarará, do poeta alterna-
tivo Roque Souza, e Natureza Morta, de Chico Caruso, feito em par-
ceria com a editora carioca Muro. Esta obra teve uma vendagem ex-
pressiva no Rio de Janeiro, onde o artista se encontrava desde 1978
fazendo charges para o Jornal do Brasil. Em 1984, Toninho decidiu
abrir a Circo Editorial e lançar os dois primeiros números da Série
Traço Riso. Um deles era o livro Chiclete com Banana, que compilava
as tiras criadas por Angeli e publicadas no jornal Folha de S. Paulo, e
o outro continha charges criadas por Chico Caruso intituladas Não
tenho palavras, justamente por reproduzir desenhos políticos humo-
rísticos que prescindiam de texto para gerar efeito cômico. Foi o
cartunista que investiu o dinheiro necessário, substituindo um só-
cio que havia desistido do negócio. De acordo com Toninho, a Circo
Editorial “só existe por causa do Chico Caruso. Ele pagou a edição do
livro dele e do Angeli”. Como o volume com as charges políticas do
Chico deveria mostrar o resultado da campanha das “Diretas-Já”, a
coletânea de Angeli acabou sendo lançada antes.
O sucesso de vendas da Série Traço e Riso levou Toninho
Mendes a investir no lançamento da revista Chiclete com Banana, o títu-
lo mais importante da editora, que obteve a maior circulação, chegan-
do a vender mais de 80 mil exemplares, e que teve a maior duração,
sendo publicada de novembro de 1985 a novembro de 1990, além de
quatro edições especiais (Bob Cuspe, Rê Bordosa – A morte da porraloca,
Abaixo a direita! e Histórias de Amor) e outros títulos derivados (The Best
of Chiclete com Banana – 10 anos, The Best of Chiclete – Série Tipinhos
Inúteis, Chiclete Remix e Rê Bordosa – Memórias de uma porraloca).
Apresentada em formato americano, com capa colorida e mio-
lo com 48 páginas em preto e branco e periodicidade bimestral, a
revista tornou-se o padrão para outras publicações da editora. Além
das histórias e tiras criadas e desenhadas por Angeli, outros artis-
tas também participaram da revista (que continha textos humorís-
ticos e fotonovelas, várias delas com os atores do grupo de teatro
Ornitorrinco), a exemplo de Laerte, Glauco, Luiz Gê, Paulo Caruso,
Marcatti, Hubert, Cláudio Paiva, Reinaldo e Luiz Gustavo.

79
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

O segundo lançamento neste formato foi a revista Circo e, na


sequência, o título Geraldão, do cartunista Glauco, que durou 15 nú-
meros4, publicados de junho de 1987 a outubro de 1991 e reeditados
com o título Geraldão Segunda Dentição, de março de 1991 a novem-
bro de 1994. Nicolau (2007, p. 44) descreve o personagem: “Solteiro
com mais de 30 anos de idade, Geraldão mora com a mãe, com quem
frequentemente se desentende, anda pelado dentro da casa, bebe,
fuma, toma remédios à toa”.
As tiras com os tipos criados por Glauco, especialmente o con-
sumista Geraldão e o Casal Neuras, eram publicadas no jornal Folha
de S. Paulo e editadas em um volume da Série Traço e Riso, lançado
em 1986, e ganharam o álbum As espoucadas de Geraldão. Já a revista
Geraldão 90 CM., lançada em 1993, teve apenas 11 edições. A edição
de arte dessas revistas ficou a cargo de Emílio Damiani.

Ilustração 33 – O hiperbólico Geraldão, criação do cartunista Glauco.

Seguindo o mesmo projeto, a revista Piratas do Tietê contava


com histórias e tiras de quadrinhos elaboradas por Laerte (que, como
Angeli e Glauco, publicava suas tiras no jornal Folha de S. Paulo) e tam-
bém com a colaboração de outros artistas, além de publicar autores
estrangeiros, como o roteirista Harvey Pekar e o desenhista Robert
Crumb. Publicados pela primeira vez na revista Chiclete com Banana
número 4, de maio de 1986, os Piratas do Tietê ganharam uma edição
especial da revista Circo, em agosto de 1988.

4
Do número 11 ao 15 a edição coube ao selo Palhaço; mais três números e uma
edição especial foram feitas pela Editora Panga.

80
HQs de Humor no Brasil

Lançada em maio de 1990, a revista Piratas do Tietê teve 14


números publicados até abril de 1992. Os primeiros seis números fo-
ram impressos em formato menor e na horizontal, o que impedia sua
exposição nas bancas de jornais. A partir da edição 7, de dezembro
de 1990, passou a seguir o formato da Chiclete com Banana e da Circo.
Outra publicação de Laerte criada pela Circo Editorial foi a revista
Striptiras (uma referência ao termo que designa a tira de quadrinhos
publicada nos Estados Unidos, comic-strips), que durou 15 números
(de março de 1993 a dezembro de 1994) e reunia diversos persona-
gens de Laerte, como o Zelador, o Síndico, Gato e Gata, Fagundes o
Puxa-saco, o Grafiteiro, além dos Piratas do Tietê.

Ilustração 34 – Fagundes representa os bajuladores e arrivistas,


figuras comuns na sociedade brasileira.

Veterinário e biólogo, o quadrinista Fernando Gonsales co-


meçou sua carreira artística vencendo um concurso promovido pelo
jornal Folha de S. Paulo no início da década de 1980. Sua tira, Níquel
Náusea (que nem sempre aparece nas histórias), é protagonizada por
uma ratazana que habita o esgoto de uma metrópole, junto com a
barata Flit, que é viciada em naftalina. As histórias são povoadas por
bichos de todos os tipos (insetos, mamíferos, aves, répteis, anfíbios,
unicelulares e até mesmo mitológicos, como centauros, e alguns
humanos). A revista Níquel Náusea foi lançada em 1986 pela editora
Press antes de ser editada pela Circo, em novembro de 1988. Assim
como a revista Geraldão, passou para o selo Palhaço, que publicou até
o número 10 (impressa em setembro de 1990). A partir do número
11 (até a edição 21, de novembro de 1993), continuou a ser produ-
zida pela VHD Diffusion. Ao lado de Gonsales, outros artistas contri-
buíram com suas narrativas sequenciais humorísticas para o título
Níquel Náusea, como Spacca, Newton Foot, Laerte, Negreiros e Renato

81
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

Canini. As tiras de Níquel Náusea também foram reunidas no segundo


número da Coleção Circo.
Essa coleção teve apenas seis edições em formato horizontal,
publicadas em 1991, e ofereceu aos leitores tiras e cartuns realizados
por Laerte (Fagundes o Puxa-saco), Fernando Gonsales (Níquel Náusea),
Edgar Vasques (Rango), Maringoni (Deus e o Diabo na Terra da Mídia),
Amorin e Dil Márcio. Outras publicações da Circo Editorial também
tiveram vida efêmera. Uma delas foi a Lúcifer, que teve somente dois
números, lançados, respectivamente, em novembro de 1994 e abril
de 1995. Essa revista deveria ser um espaço para artistas novos e
veteranos dos quadrinhos alternativos, como Lourenço Mutarelli,
Osvaldo Pavanelli, André Toral, Mosquil, Maringoni, Caco, entre ou-
tros. Toninho Mendes considera o título dado à revista um erro, uma
vez que os jornaleiros tinham receio de expô-la nas bancas. Além
disso, o papel caro e a falta de participação dos artistas no processo
editorial também contribuíram para seu fracasso. O editor ponde-
ra, ainda, que deveria ter encarregado Luiz Gê de cuidar da revista.
Outra publicação de vida curta foi Big Bang Bang, que aglutinou tra-
balhos do artista gaúcho Adão Iturrusgarai: quatro edições lançadas
de junho a dezembro de 1994.

Ilustração 35 – A ratazana Níquel Náusea e a barata Flit


em seu habitat: o esgoto de uma grande cidade.

Ao longo da existência da Circo Editorial, Toninho Mendes


fez parcerias com outras editoras, obtendo sucesso com algumas e
prejuízo com outras. Os primeiros números da Série Traço e Riso,
por exemplo, foram distribuídos pela Editora Brasiliense, fato que

82
HQs de Humor no Brasil

possibilitou o incremento das vendas. As coedições feitas com a


Editora Sampa também foram bem-sucedidas. Mas a criação do selo
Palhaço, administrado por Marcio Tadeu (irmão de Toninho) e tendo
como editor Almir Vieira Dias, ajudou a aprofundar a crise financei-
ra por que passava a editora, no início da década de 1990, quando
Angeli e Laerte decidiram parar com as revistas Chiclete com Banana e
Striptiras. A associação com a Editora Ensaio (que publicou álbuns de
Laerte, Angeli e com Los 3 Amigos) também se mostrou desastrosa.

Ilustração 36 – Laerte, Glauco e Angeli personificam Los 3 Amigos.

Além dos problemas de gestão admitidos por Toninho Mendes


(desperdício de dinheiro, falta de controle de gastos etc.), o término
da Circo Editorial se deve às oscilações da economia brasileira nas
décadas de 1980 e 1990. Diversos planos econômicos não apenas
agravaram a escalada da inflação, que chegou a ultrapassar cem por
cento em um mês, mas dificultaram a produção editorial de quadri-
nhos, uma vez que os consumidores passaram a comprar apenas o
necessário, cortando o supérfluo. A revista Chiclete com Banana, por
exemplo, chegou a ser vendida por 14 mil cruzeiros em março de
1986, passou a custar 18,50 cruzados em janeiro de 1987, teve o
preço mudado para 1,20 cruzados novos em fevereiro de 1989 e vol-
tou a valer 180 cruzeiros em junho de 1990. Em outubro de 1995, a
edição Rê Bordosa – Memórias da Porraloca custava 3,50 reais. Quando
a editora recebia o pagamento da distribuidora, dois meses depois
da publicação de uma revista, não conseguia arcar com os custos de
produção do próximo número. No final de 1995, a Circo Editorial
fechou e deixou uma lacuna nos quadrinhos brasileiros.
Assim como Laerte, Angeli também sofreu influência dos co-
mix underground estadunidenses. No estilo gráfico (o uso de hachu-
ras), nas histórias e nos personagens criados por ele são evidentes
as contribuições da obra de Robert Crumb (várias histórias de sua

83
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

autoria foram publicadas nas revistas editadas pela Circo Editorial).


O guru Rhalah Rikota, por exemplo, guarda semelhanças com Mr.
Natural, criação de Crumb na década de 1960. Na revista Chiclete com
Banana número 3, o artista brasileiro presta homenagem ao quadri-
nista americano: na página 39, Mr. Natural visita seu discípulo Rhalah
Rikota, faz chacota, pede dinheiro e ainda leva consigo suas seguido-
ras, enquanto Rhalah Rikota cai no choro.

Ilustração 37 – A inesperada visita de Mr. Natural a


Rhalah Rikota, com arte de Angeli.

Refletindo a situação política e social da década de 1980, de


acordo com Santos (2011, p. 159), os quadrinhos de humor publica-
dos nas revistas da Circo Editorial investiram suas críticas no modo
de vida pequeno-burguês dos centros urbanos. As piadas põem em
relevo as contradições, as idiossincrasias, a vaidade e a prepotência
da classe média. Ao contrário da teoria elaborada por Bergson (1993),
o humor da Circo Editorial não visa ao controle do comportamento
para adequá-lo às normas sociais, mas pretende denunciar como ri-
dículas as atitudes consideradas aceitáveis por uma sociedade que
cultua a aparência, a hipocrisia e o consumismo alienado.
Além disso, já não há preocupação em manter os “limites do
humor” como pregavam Sócrates, Cícero e outros pensadores da
Antiguidade Clássica. A visão do romano Cícero é descrita por Fritz
Graf (in BREMMER e ROODENBURG, 2000, p. 52-53): “A graça deve
se manter dentro de determinados limites de respeitabilidade para
ser socialmente aceitável”. Para Cícero, o humor aceito é elegante,
polido, inventivo, engraçado, sendo a graça inaceitável caracterizada
como petulante, infame e obscena, portanto, imprópria para os ho-
mens livres (pertencentes à classe dominante). O ataque desferido

84
HQs de Humor no Brasil

pelos quadrinhos de humor da Circo Editorial aos valores e hábitos


da classe média urbana não é sutil e emprega termos e imagens chu-
los, escatológicos, muitas vezes pornográficos e agressivos.
Santos (2011, p. 159) classifica o humor das Histórias em
Quadrinhos publicadas nas revistas da Circo Editorial a partir dos ob-
jetos que suscitam o riso, dos personagens e do ambiente em que a
narrativa cômica acontece. Dessa maneira, pode-se formular uma ti-
pologia do humor dos quadrinhos da Circo Editorial com as seguin-
tes características: Humor Urbano, Humor Político, Humor Erótico
e Humor Comportamental. Embora uma dessas características se
sobressaia em determinada narrativa, outras podem se somar a ela
(o Humor Erótico, por exemplo, pode estar presente em uma tira ou
história em que prevalece o Humor Político).
Tendo como pano de fundo uma metrópole como São Paulo,
o aspecto da urbanidade não se limita ao cenário em que se passam
as histórias, mas permeia as relações estabelecidas entre diversos
personagens e suas funções narrativas. Nesse sentido, o punk Bob
Cuspe, criado por Angeli para a tira Chiclete com Banana5, é represen-
tativo: sua revolta se manifesta contra um mundo urbano, caótico,
repressivo e desumano. Morador dos esgotos da grande cidade, ele
conhece as entranhas do sistema e, respirando seu ar poluído, faz
reflexões sobre a vida no espaço urbano. Do alto de um prédio, con-
fessa: “Sempre achei que um dia eu iria dominar esta cidade. Mas,
pensando bem, começo a achar esta ideia um tanto...”. Sufocado no
meio de tantos arranha-céus, chega à conclusão: “...inviável!”. Diante
da imensidão opressora da cidade grande, percebe sua pequenez,
sua insignificância. Apenas seu grito de revolta consegue abalar a
rigidez do mundo urbano e das pessoas que nele habitam.

5
Na entrevista concedida para a revista Caros Amigos número 50 (São Paulo: Casa
Amarela, maio de 2001), perguntado sobre o nome da tira e da revista, Angeli de-
clara: “Foi em homenagem ao Jackson do Pandeiro e àquela música maravilhosa
Chiclete com Banana, que tem tudo a ver com o conceito da revista, a música fala de
misturar bebop com samba, rock tocado com zabumba e tamborim... quer dizer, é
uma cultura rock, universal, sem deixar de ser uma coisa tipicamente brasileira”.

85
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

Ilustração 38 – O punk Bob Cuspe, de Angeli, reclama da cidade


e da vida urbana nos esgotos ou no alto dos prédios.

Nas tiras e histórias elaboradas por Laerte, Luiz Gê e Glauco, o


espaço urbano também se faz presente e de forma contundente. Da
admiração por um dos bairros de São Paulo, a boêmia Vila Madalena,
surgiu da imaginação de Laerte uma história em quadrinhos em for-
ma de homenagem. Publicada em março de 1992 na revista Piratas do
Tietê número 13, a história Vila Madalena – Rock ma non troppo reúne
personagens pitorescos (como o homem que fala com postes e o
morador que esqueceu o endereço da casa nova, o compositor e sua
musa adolescente) em um ambiente que se revela a inspiração para
todos, as ruas da vila.
As histórias absurdas dos Piratas do Tietê também se desenro-
lam no espaço urbano. Já em sua primeira narrativa, Piratas do Tietê,
publicada em maio de 1986 na revista Chiclete com Banana número 4, o
barco dos piratas navega pelo Rio Tietê, tendo ao fundo os carros que
trafegam pela marginal e o parque de diversões Playcenter, já incorpo-
rado à paisagem urbana de São Paulo. Outra via marginal, só que mos-
trada no início do século XVIII, é palco de Os Bandeirantes do Pinheiros
versus os Piratas do Tietê (publicada em maio de 1987 na revista Chiclete
com Banana número 9 e republicada em janeiro de 1992 na revista
Piratas do Tietê número 12, em nova versão), história crítica que mostra
a violenta expedição dos bandeirantes para escravizar os nativos do
interior e saquear os povoados da área controlada pelos castelhanos.

86
HQs de Humor no Brasil

Ilustração 39 – Os Piratas do Tietê, do cartunista Laerte.

O contexto urbano ganha relevância nos trabalhos de Luiz Gê, a


exemplo das histórias Entradas e bandeiras (publicada em novembro de
1985 na revista Chiclete com Banana número 1) e Futboil (editada em outu-
bro de 1986 na revista Circo número 1). Na primeira, um casal precisa pa-
rar de madrugada o automóvel no semáforo da esquina da Rua Brigadeiro
Luís Antonio com a Avenida Brasil e é surpreendido pelas estátuas que
ficam ao lado do Parque do Ibirapuera (esculpidas por Victor Brecheret)
voltando para casa, além da estátua de Borba Gato, apressada para che-
gar a Santo Amaro. Já a segunda narrativa, um Fenomenozinho Urbano
Tipicamente Brasileiro Observado In Loco, mostra a corrida pelas ruas atrás
de um balão que perde altura: garotos e adultos atravessam na frente dos
carros, sobem em muros altos e, com varas e pedras, tentam derrubar o
objeto da perseguição, só para vê-lo ser rasgado pela multidão.

Ilustração 40 – Luiz Gê promove desfile das estátuas


nas noites paulistanas.

87
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

Outros símbolos e tipos da modernidade urbana são encon-


trados nas histórias e tiras de Laerte publicadas nas revistas Piratas
do Tietê e Striptiras. Na série dedicada ao Condomínio (espaço típico
dos centros urbanos), o edifício se torna um microcosmo do Brasil,
onde vivem personagens que sintetizam o país: o Zelador preguiçoso
e submisso ao autoritário Síndico, o severo e conservador Capitão
Douglas, militar aposentado, mas sempre alerta (uma alusão à dita-
dura militar que havia terminado há pouco), preocupado em evitar
que as hordas bárbaras acabem com a civilização, o mafioso Don
Luigi e sua filha pervertida Rosa, o puxa-saco Fagundes, entre outros.
As neuroses e paranoias dos tipos que habitam o prédio (como a ma-
nia de segurança do Síndico) são indício das relações conturbadas re-
sultantes de uma sociedade subdesenvolvida que sofreu um processo
de urbanização acelerado e desordenado, e na qual ainda imperam
posturas marcadas pelo atraso e pelo totalitarismo.
Tipicamente urbanos também são os personagens concebidos
por Glauco para tiras e histórias em quadrinhos: não haveria espaço
melhor para Geraldão e para o moderno Casal Neuras e suas crises
de ciúme do que uma metrópole, lugar em que o comportamento
individualista é estimulado. Da mesma forma que os tipos criados
por Angeli e Laerte, as criações de Glauco moram e são frutos da
cidade grande.

Ilustração 41 – As tiras de Laerte focalizam o cotidiano de um con-


domínio, microcosmo que se torna uma metáfora ao Brasil.

Embora os quadrinhos de humor publicados nas revistas da


Circo Editorial tenham como característica a sátira social e a crítica
do comportamento da classe média urbana, como será visto adiante,
não deixaram de lado a sátira política, uma vez que, apesar do térmi-

88
HQs de Humor no Brasil

no da ditadura militar, a atitude dos políticos e a situação econômica


do país continuavam a fornecer material para contestação e reflexão.
Na segunda metade da década de 1980, as tensões internacionais en-
tre Estados Unidos e a União Soviética, que colocavam o mundo em
suspense para uma possível guerra nuclear, também forjavam acon-
tecimentos explorados comicamente pelos quadrinistas brasileiros.
Na visão de Derek Brewer (in BREMMER e ROODENBURG, p.
134), “a piada tende a endossar um preconceito popular”, como é
o caso da piada étnica, e costuma caçoar de uma vítima que é ou
passa a ser um estranho para o grupo onde a piada é produzida ou
veiculada. Esse estranho pode ser, em muitos casos, “um superior,
ou a encarnação da moral convencional em vez da real”. Assim, no
final do século XIX, surge a noção de que a piada é subversiva. Para
o teórico inglês:

As piadas políticas eram consideradas subversivas, sobretudo


nos antigos países comunistas, por expressarem a solidariedade
de pessoas comuns contra os “estranhos” opressores. Por isso as
piadas tradicionais, incluindo as novas do tipo tradicional, são,
em geral, “politicamente incorretas”. Elas correspondem aos
sentimentos das pessoas comuns, reunidas em grupos também
comuns, hostis às minorias dominantes, sejam elas políticas ou
intelectuais, que representam os estranhos.
A piada política nos tempos modernos talvez seja a sofisticação
da piada tradicional em sua natureza oral, sendo por vezes até
arriscado escrevê-la ou imprimi-la.

Vinculado mais aos problemas externos do que à política inter-


na brasileira, o psicótico Rigapov – personagem criado por Angeli e
publicado na revista Chiclete com Banana – era a síntese dos dois prin-
cipais líderes mundiais da época, o presidente estadunidense Ronald
Reagan e o primeiro-ministro soviético Yuri Andropov, polaridades da
Guerra Fria. Na época, as divergências entre as duas potências poderia
levar a uma guerra nuclear de escala planetária (o cinema da época
explorou mais de uma vez esse tema, como no filme O dia seguinte).
Nesse caso, os “estranhos” sujeitos à pilhéria estão além do alcance
do leitor brasileiro, mas suas ações poderiam ter consequências na
vida desse público. Rigapov, sempre segurando um controle-remoto
nas mãos, com o qual pode lançar mísseis e acabar com a vida na Terra,

89
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

irrita-se por qualquer motivo e ameaça destruir o mundo, em um gesto


de megalomania e insanidade, só para mostrar seu poder.
Um personagem de maior destaque da tira e da revista Chiclete
com Banana, de Angeli, foi Meiaoito, o militante de esquerda que ain-
da se apega a seus ideais em um mundo em transformação. Imaturo,
recorre à própria mãe ou ao Partido (em uma tira, Meiaoito telefona
para a mãe pensando ter discado para o comitê central do Partido).
Sexualmente reprimido, sente-se atraído por Rita Pop, a tiete de mú-
sicos. Ao ser rejeitado, decide ser guerrilheiro na América Central
ou na África. Quando se aproxima das mulheres no bar e começa a
falar de suas memórias revolucionárias, as garotas saem correndo.
Ao propor casamento a Rê Bordosa em um bar, ela muda de mesa. Na
concepção de Nadilson Manoel da Silva (2002, p. 96), o personagem
é reprimido sexualmente: “Os quadrinhos de Meiaoito, apesar de se-
rem predominantemente relacionados à política, possuem em suas
entrelinhas uma temática sexual”.
Meiaoito encarna um discurso ultrapassado e saudosista que
não mais encontra eco em uma sociedade que se democratiza. Nas
primeiras tiras, contracenava com um gato falante, substituído por
uma cópia menor do militante, o Nanico, que assume sua homos-
sexualidade, para constrangimento do mentor. Além disso, Nanico
não perde uma oportunidade para dar uma cantada em Meiaoito. A
velha esquerda, considerando Meiaoito como parâmetro, ainda não
estava preparada para discutir e entender outras questões diferentes
da miséria social. Segundo Silva (2002, p. 96), o reprimido Meiaoito
canaliza “suas energias para a esfera política, sua libido individual
se volta para a coletividade. Seus objetos de desejo são os ideais
revolucionários de seu partido. O sexo, nesse contexto, representa
um discurso que remete ao individualismo, à personalidade da per-
sonagem, enquanto a política remete ao comunitário”.
Combatente das injustiças sociais, Meiaoito, contudo, é um
revolucionário apenas no discurso, bradando palavras de ordem em
bares e vivendo de ilusões, à espera de uma revolução que jamais
acontecerá. Da mesma forma que os eternos hippies Wood e Stock,
Meiaoito, como observa Silva (2002, p. 93), é um personagem fora do
tempo. Em suas lembranças, sempre confusas, faz questão de mos-
trar seu passado de oposicionista, que entra em choque com sua con-
dição atual, perdido em um tempo (o da redemocratização do país)
de ilusões perdidas e de atitudes cínicas e céticas. Até sua barba, que

90
HQs de Humor no Brasil

ele se recusa a cortar, é uma recordação dos anos de repressão políti-


ca (cada fio simboliza um presidente militar do Brasil).

Ilustração 42 – O engajado e reprimido Meiaoito: na falta de amor e


sexo, espera a revolução que nunca acontece e revive as lembranças
dos anos de chumbo.

Angeli também trata de política em outras histórias. Em


Sutilezas políticas (publicada em setembro de 1987 na revista Chiclete
com Banana número 11), um senador participa da gravação de progra-
ma eleitoral e se transforma em um monstro violento, evidenciando
o autoritarismo que se esconde sob a imagem de democrata. Na mes-
ma edição, uma espécie de editorial afirma que “Todo político brasi-
leiro é uma verdadeira anta!”, apresentando o desenho de uma anta
vestida com terno, colete, camisa e gravata e com óculos grossos. O
cabelo curto em forma de escovinha (mostrado na edição número
6 do mesmo título como uma das características do moralista) e as
rugas do rosto acentuam o aspecto reacionário do personagem. O
texto, em forma de verbete de dicionário, informa que este tipo de
animal é um mamífero que pertence à “família dos carrapatos”. Como
características, “têm vários dedos, rabo preso e cor indefinida pois
muda conforme a situação”. E conclui, dizendo: “Habitam a América
Latina, mas curiosamente fazem seus ninhos lá na Suíça”, em referên-
cia ao desvio de verbas públicas para instituições bancárias situadas
em paraísos fiscais.
Na página seguinte, o texto Bunda, Brasil! Um perfil sem reto-
ques do político brasileiro apregoa que, apesar de político não ter cara,
“pode-se traçar um perfil escrachado deste tipinho público”. Nesse
sentido, Angeli já não mais dirige seu humor a políticos conserva-
dores, mas ao político de qualquer partido que se enquadre nessas

91
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

características. O autor critica os políticos de polaridades opostas do


espectro ideológico: “Político é esta baba. Tanto de esquerda quan-
to de direita. As diferenças estão apenas nos trejeitos, nas feições
das facções”. A respeito dos políticos de centro, considera-os “os
eunucos da política brasileira” por sua indefinição, por seguirem na
direção que lhes for mais confortável. Os membros da Assembleia
Constituinte também são mostrados como falastrões, ineptos, inte-
resseiros e autoritários.
A charge e a caricatura política continuaram a ser utilizadas
em algumas publicações da Circo Editorial. Um exemplo é o álbum
Não tenho palavras (editado em julho de 1984 na Série Traço e Riso),
que reúne as charges políticas e caricaturas criadas por Chico Caruso
para diversos órgãos de imprensa. Sem palavras (daí o título, que
também é uma referência à censura), o humor gráfico do artista re-
trata o final da ditadura militar, no governo Figueiredo, e o início da
Nova República. Os destaques eram figuras como Golbery do Couto
e Silva, Tancredo Neves, Delfim Neto, Paulo Maluf, José Sarney, Leonel
Brizola (vestido de bombeiro, mas todo chamuscado), Jânio Quadros,
Pelé, Juruna, Ronald Reagan e outras personalidades da época. Onze
anos depois, no álbum FHC Biografia não autorizada (última publica-
ção da Circo Editorial, lançada em agosto de 1995), Angeli mostrou a
trajetória dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso
a partir da compilação de charges de sua autoria publicadas no jornal
Folha de S. Paulo na década de 1990.
Já o cartunista Glauco conseguiu unir o humor político ao de
comportamento no título Abobrinhas da Brasilônia (quinto número
da Série Traço e Riso, publicado em 1985), o que torna esse mate-
rial mais atemporal do que as duas obras de Chico Caruso e Angeli.
Personagens como Tadeuzinho (o candidato tímido) e Tadeuzão (o
candidato nada tímido) podem aparecer em qualquer eleição. Da
mesma forma, temas como desemprego, o achatamento social da
classe média, a indiferença dos ricos e a demagogia dos candidatos a
cargos eletivos não perdem a atualidade.
O humor erótico presente nas histórias em quadrinhos publi-
cadas nas revistas e álbuns da Circo Editorial também transmite uma
crítica ao comportamento da classe média urbana, principalmente à hi-
pocrisia, aos preconceitos e à repressão a que se submete para manter
as aparências (SANTOS, 2011, p. 165). Hiperbólicos, os personagens
radicalizam suas emoções e atitudes. É o caso de Bibelô, o machista

92
HQs de Humor no Brasil

criado por Angeli. Considerado pelo autor “uma espécie em extinção”


ou “o último dos machos”, torna-se, como Meiaoito, um tipo desloca-
do no tempo: o machista cafajeste que usa bigodinho, costeleta, barba
por fazer, óculos escuros, camisa aberta no peito e medalhão pendu-
rado no pescoço. Ao contrário do militante político, atira-se para cima
das mulheres, inclusive as acompanhadas. Mas as mulheres também
fogem quando ele está por perto, escondem-se no banheiro do bar as-
sim que ele adentra o recinto. Inoportuno, incomoda a moça sentada a
seu lado no cinema e lê revista pornográfica em público.
Outros personagens masculinos concebidos por Angeli são
Walter Ego e Osgarmo. O primeiro sintetiza o narcisismo predomi-
nante na década de 1980. Na visão de Christopher Lasch (1986, p.
9-12), o ser humano encontra-se “sitiado” em um tempo e em uma
sociedade na qual a vida se encontra em constante ameaça (de guerra
nuclear e atentados terroristas, de violência urbana, da destruição do
meio ambiente, das epidemias como a AIDS etc.) e encontra refúgio
na atitude narcisista (encorajada pela publicidade, pelo consumismo
e pela cultura de massa):

(...) as fantásticas imagens da produção de massas que for-


mam as nossas concepções do mundo não somente encorajam
uma contração defensiva do eu como colaboram para apagar
as fronteiras entre o indivíduo e seu meio. Como nos lembra a
lenda grega, é esta confusão entre o eu e o não-eu – e não o
“egoísmo” – que distingue o apuro de Narciso. O eu mínimo ou
narcisista é, antes de tudo, um eu inseguro de seus próprios,
que ora almeja reconstruir o mundo à sua própria imagem, ora
anseia fundir-se em seu ambiente numa extasiada união.

Walter Ego exacerba essa questão. Apaixonado por si mesmo,


só se relaciona com outras pessoas, inclusive com as mulheres, para
que elas confirmem o que ele acha de si próprio. Narcisista, passa ho-
ras fazendo pose diante do espelho do banheiro ou da vitrina da loja
de espelhos. Sua imagem basta para alimentar seu ego. À noite, relê
sua autobiografia (livro que considera “ágil... inteligente... fascinante
e todo cheio de aventuras”). Na hora do banho quer ser filmado e
exibido pela Rede Globo; até quando passeia pela rua, imagina que
alguém deveria registrar o momento com uma câmera. Só a visão da
própria imagem alivia os percalços da vida. Seu espelho, assim como

93
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

a da madrasta de Branca de Neve, responde a suas perguntas, refor-


çando seu narcisismo. Quando pergunta à garota com a qual passara
a noite sobre sua atuação na cama e ela responde ter achado horrível,
ele se desespera e busca o espelho.

Ilustração 43 – Walter Ego canta diante do espelho música


do grupo de rock Ultraje a Rigor.

Osgarmo, por sua vez, distingue-se dos personagens anterio-


res. Não é conquistador confiante como Bibelô, nem narcisista como
Walter Ego. Na definição de Angeli, ele “poderia ser o bom. Ele poderia
ser o máximo. Ele poderia ser um tesão”, mas é precoce. É só chegar
perto de uma mulher (e até mesmo a fotografia de uma mulher publi-
cada em revista masculina) para sofrer ejaculação precoce e de grandes
proporções. Esse personagem reflete a relação conflituosa do homem
dos anos 1980 com a mulher que se formou a partir das conquistas
feministas. Sua liberdade e agressividade assustam os homens.
Os tipos femininos retratados por Angeli representam a mu-
lher da década de 1980, que conquistou a liberdade sexual e conse-
guiu espaço no mercado profissional e na sociedade, mas, por causa
de suas atitudes, acaba afastando os homens. Nesse sentido, a histó-
ria publicada na contracapa da revista Chiclete com Banana número 5
é emblemática: composta por cinco vinhetas, a narrativa acompanha
o diálogo de duas amigas em um bar. Uma delas constata que o bar
foi, durante anos, uma coisa exclusivamente de homem, mas que,
“felizmente, as mulheres foram se liberando... até que...” e conclui:
“A coisa mudou!”. Essa afirmação aparece na última vinheta, que
mostra o bar repleto de mulheres e sem nenhum homem à vista (al-
gumas personagens mostram-se entediadas e deprimidas). A outra

94
HQs de Humor no Brasil

interlocutora limita-se a responder, laconicamente, em todos os qua-


drinhos, a expressão “Podis crê!”. Portanto, com a afirmação social
das mulheres, os homens se retraem. Se passaram a frequentar os
ambientes outrora destinados apenas aos homens, elas sofrem com
a solidão resultante do afastamento masculino.
Emblemática, também, é Rê Bordosa, garota que passa a noite
bebendo nos bares e, no dia seguinte, instalada em sua banheira,
tenta recordar o que aconteceu. Eleita em 1984 a “Pin-up do Final
do século” pela revista Around, a personagem idealizada por Angeli
representa a desilusão sentida pela geração de mulheres que se
emancipou da família e dos homens, mas não conseguiu estabilida-
de emocional. No primeiro número da revista Chiclete com Banana,
Angeli apresenta um verbete de dicionário com a palavra rebordosa,
que tem entre seus significados a ideia de “reincidência de moléstia”,
que se aplica à personagem, que, noite após noite, repete o mesmo
ritual, descrito por ela própria: “Bebo feito uma vaca... depois acabo
dormindo com o primeiro idiota que pinta!”. Para purgar seu senti-
mento de culpa, deita na banheira e fica se achando “uma infeliz, um
poço de amarguras”. De acordo com Nery (2006, p. 58):

Rê Bordosa tem uma visão da sociedade de seu tempo como


algo decadente e coloca suas atitudes em um universo muito
restrito, não indicando comportamento semelhante a outras
pessoas; não se reconhece como estereótipo forjado no interior
da sociedade que nega. Ela mesma aborda questões fundamen-
tais ao status quo – casamento, integração às normas – como
positivo, mas não para ela.

Nas tiras em que Rê Bordosa contracena com a mãe, o lei-


tor pode perceber a diferença entre as duas gerações de mulheres.
Em uma delas, a velha senhora recomenda: “Filha... uma mulher não
pode esperar da vida apenas uma banheira!”. Na segunda vinheta,
pergunta: “E o que ela pode esperar?”, o que leva a mãe a responder,
no terceiro e último quadrinho: “Uma pia de cozinha, um tanque de
lavar roupa, um fogão...”. Ao ouvir a resposta da mãe, Rê Bordosa
afunda na banheira cheia de água. Para uma, a vida desregrada e so-
litária; para a outra, a vida doméstica e rotineira. A mulher precisa,
então, escolher entre duas alternativas desagradáveis. Quando entra
em cena seu pai, ela relata sua vida cheia de “aventuras sexuais, mo-

95
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

téis, bares, boemias, curtições”, o que leva o pai a concluir que se


trata de uma vida excitantíssima “...para um filho homem!”, demons-
trando que o homem pode ter essas experiências com a aprovação
da sociedade e sem as consequências negativas que recaem sobre a
mulher que se comporta como ele. Em 1987, Angeli decidiu acabar
com a personagem. Rê Bordosa casou-se com Juvenal, o garçom do
bar onde costumava embriagar-se, mas acabou morrendo do tédio
provocado pelo casamento.

Ilustração 44 – Rê Bordosa reflete sobre suas amarguras na banheira.

Outra personagem feminina criada por Angeli foi Mara Tara, a


cientista reprimida que estuda o sexo das bactérias. Pudica, quando
fica excitada torna-se uma mulher fatal, obcecada por sexo e que
ataca os homens com sua roupa de sádica. Da mesma forma que as
demais mulheres saídas da imaginação de Angeli, quando a Doutora
Mara transforma-se na dominadora Mara Tara, ela acaba por intimidar
os homens, que fogem diante de sua volúpia e de sua agressividade.
Até mesmo Bibelô perde sua confiança quando confrontado com a
postura ativa e selvagem de Mara Tara. O mesmo acontece com Dona
Marta, personagem concebida por Glauco: é a secretária que assedia
os office-boys e os chefes do escritório em que trabalha. Sua atitude
desinibida desconcerta e afugenta os personagens masculinos.
A relação entre casais também é explorada pelos artistas que
publicaram suas Histórias em Quadrinhos pela Circo Editorial. Angeli
mostra, em tiras e histórias curtas, as relações desgastadas, os rela-
cionamentos baseados em interesse e a mesmice das convenções da
vida pequeno-burguesa. De acordo com Silva (2002, p. 65-66), “as re-
lações afetivas constituem o tema mais frequente das tiras de Angeli.
(...) Nessas tiras, o autor ressalta a intimidade, a vida provada do coti-
diano dos casais”. As “Histórias de Amor” criadas por Angeli revelam
que, por trás da fachada de normalidade da vida conjugal permitida
e exigida pela sociedade, escondem-se rancor, ódio, desdém, tédio

96
HQs de Humor no Brasil

e outros sentimentos negativos. Quando eles afloram, podem levar


a uma atitude crítica por parte de um ou por ambos os membros do
casal, chegando até a um desfecho violento, desencadeado por uma
situação prosaica. Glauco também pontua o relacionamento do mo-
derno Casal Neuras – que chegou a ter um seriado televisivo – com
momentos de ciúme, traição e humilhação. Essas situações se repe-
tem entre as quatro paredes do lar, na praia, no restaurante ou até
na rua. O clima de disputa, muitas vezes de guerra declarada, carac-
teriza a vida desses personagens, sejam eles maduros ou jovens (em
qualquer circunstância, a vida a dois, aparentemente ideal, é sempre
fustigada pelo humor cáustico dos quadrinistas).

Ilustração 45 – O jovem e moderno Casal Neuras,


criação de Glauco, perpetua a guerra dos sexos.

Mas a relação monótona e conflituosa não é privilégio de casais


heterossexuais. O humor crítico dos artistas é igualmente dirigido aos
homossexuais. Embora sejam minoria nas “Histórias de Amor” realiza-
das por Angeli, os gays também se fazem presentes, e apresentam as
mesmas insatisfações perceptíveis no relacionamento entre homens
e mulheres. A monotonia e o desinteresse fazem parte da vida em
comum entre dois homens. Nessas tiras, os personagens são sempre
musculosos e fortes, o que corresponde a um estereótipo.
Outros personagens homossexuais ganharam espaço nos qua-
drinhos publicados pela Circo Editorial, a exemplo do já citado Nanico,
discípulo do revolucionário Meiaoito. Além de pôr em xeque as opini-
ões de seu mestre, deixando-o desconcertado, Nanico também tenta
seduzir o machão Bibelô. O confronto entre os dois, no entanto, é mar-
cado por preconceito e violência. Com sua postura machista e homo-
fóbica, Bibelô exige que Nanico se comporte como ele, imitando suas

97
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

grosserias, falando grosso e sendo truculento. Mas as atitudes brutais


e rudes do machão só deixam Nanico mais apaixonado.
Nas páginas da revista Big Bang Bang, o quadrinista gaúcho
Adão Iturrusgarai publicou as histórias dos caubóis homossexuais
Rock e Hudson (uma referência ao ator de Hollywood Rock Hudson,
primeira celebridade a morrer vítima de AIDS). De maneira diferente
da imagem do caubói difundida pelo cinema estadunidense, os dois
rapazes alegres frequentam os saloons para paquerar os homens que
vão lá beber. Eles só saem em perseguição de bandidos e índios se fo-
rem bonitos. Apesar de formarem um casal, estão sempre namoran-
do e fazendo sexo com outros rapazes, como o malfeitor Cisco Quid.

Ilustração 46 – Rocky e Hudson, os caubóis gays de Adão Iturrusgarai.

No que se refere ao Humor Comportamental, os artistas respon-


sáveis pelos quadrinhos publicados pela Circo Editorial procuravam ex-
por o ridículo presente na vida das classes dominantes da sociedade,
mas especialmente das camadas médias urbanas, mais suscetíveis às
normas sociais, ao consumismo veiculado pelos meios de comunicação
e aos modismos. Este é o caso do “New Imbeciw”, dissecado por Angeli
na revista Chiclete com Banana número 2 (lançada em janeiro de 1986).
Panaca assumido, o tipo “New Imbeciw” é o jovem urbano que
frequenta os lugares badalados. Querendo ser diferente e se desta-
car da massa, veste roupa de estilo moderno, fala as mesmas gírias
(usa palavras em inglês), cita títulos de filmes considerados cult, de
cineastas do momento, de bandas que estão em alta (só para mos-
trar que está atualizado); enfim, consome o mesmo que milhões de
outros que se vestem da mesma forma, falam as mesmas coisas e vão
aos mesmos lugares. Angeli mostra o “New Imbeciw” como o leitor
da Ilustrada, caderno de cultura do jornal Folha de S. Paulo, que vive

98
HQs de Humor no Brasil

acertando o sorvete na testa. Entre os “Tipinhos New Imbeciws”, o


artista identifica o “New-nacionalista”, o “New-colonizado”, a “New-
mulher”, o “New-homem” (que prefere vídeo-game e computador a
sexo), o “New-cineasta”, o “New-ator”, o “New-roqueiro”, o “New-
jornalista”, entre outros. Só não há o “New-político”.
O “New-jornalista” mostrado por Angeli é uma alusão a
Matinas Suzuki, profissional de imprensa que representa o tipo yu-
ppie, moderno no vestir e nas atitudes, que se tornou um estereótipo
do jovem executivo da década de 1980. Atento aos modismos (prin-
cipalmente os criados no exterior), ele passa a ser um divulgador das
novas tendências (criando neologismos e usando estrangeirismos,
promovendo grupos musicais, diretores de cinema etc.), por mais
exóticas que sejam. Ao encampar a campanha das “Diretas-Já”, a par-
tir de 1984, o jornal Folha de S. Paulo tornou-se leitura e referência
obrigatória para os intelectuais. O caderno de cultura deste órgão
de imprensa, a Ilustrada, celebra as atividades culturais e os artistas
em evidência, assim como o modo de vida cosmopolita dos jovens
paulistanos que moram ou convivem nos Jardins (bairro nobre da ca-
pital de São Paulo). Benevides Paixão, outro personagem criado por
Angeli, resume esta mística: redator de turfe, ele sonha em ser um
jornalista cultuado como Paulo Francis, que, na época, era colunista
da Folha de S. Paulo e correspondente do jornal em Nova York, lugar
onde surgem novos modismos.
Angeli também criou o “Psico-Burguês”, oriundo das camadas
abastadas da sociedade, que se sente oprimido pelas tribos urbanas
proletárias (punks, skinheads, metaleiros etc.). Com visual mais mo-
derno (cabelo espetado, roupa colorida e de grife, brincos, óculos es-
curos), esse tipo sai pelos bares expondo seus traumas com o exces-
so de dinheiro da família, mas sem deixar de usufruir dos confortos
proporcionados por sua condição financeira e social. Ao se dedicar
à preservação do patrimônio familiar, contudo, tornam-se gordos e
carecas como seus pais.
Outro modismo satirizado nas revistas da Circo Editorial é
a obsessão com o fisiculturismo, característica da década de 1980.
Adão Iturrusgarai publicou na revista Big Bang Bang tiras e histórias
com a Família Bíceps, núcleo familiar composto por pai, mãe e um
casal de filhos, todos musculosos. Acostumados com a própria força,
não percebem quando ferem os outros ou causam estragos. Sua vida
se resume aos exercícios e à exibição da força e dos bíceps.

99
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

A vida familiar possibilita que os quadrinistas explorem co-


micamente os hábitos e as neuroses da classe média urbana. Em Os
dilemas do Aderbal – um idiota como todos nós, publicada na revista
Chiclete com Banana número 9, Angeli flagra Aderbal, o típico pai de
família pequeno-burguês, tendo uma crise existencial no banheiro.
Com a toalha enrolada na cintura e diante do espelho, ele reflete
sobre sua situação: “Nunca foi um bruta homem. O Rambão das mu-
lheres. Muito menos sensível, inteligente... delicado... Sabe o que
você é, Aderbal? Um tremendo babacão! É isso! Um babacão! Tenha
vergonha na cara e tome uma atitude. Rompa com os medíocres.
Brigue com a família... esmurre seu patrão. Faça alguma coisa na vida.
Senão, continuará sendo o mesmo banana de sempre... o mesmo
imbecil!”. Surpreendido pela mulher e pelos filhos, ele arranja uma
desculpa para o barulho, dizendo estar espremendo espinhas. Essa
narrativa exemplifica a inércia desse setor da sociedade.
Já a história Hora do jantar, que integra a edição número 5 da
revista Chiclete com Banana, aborda o conflito de gerações. Após a
refeição, o filho jovem surpreende os pais, dizendo querer “um base-
adinho pra digestão”. Chocada, a mãe cobre os olhos com as mãos e
chora, enquanto o pai, enraivecido e indignado, expulsa o rapaz de
casa. Na última vinheta, o homem coloca bebida alcoólica no copo
e desabafa: “Só enchendo a cara, mesmo!”. A mulher, estendendo o
copo, solicita: “Opa! Estou nessa!”. Angeli desmascara a hipocrisia
dos valores familiares burgueses. O pai está preocupado com o que a
sociedade vai pensar dele por ter um filho que fuma maconha e, no
final, anuncia que vai se embriagar com uma droga consentida, sendo
seguido pela esposa.
Até mesmo os velhos hippies Wood e Stock (nomes que re-
metem ao festival de rock realizado no final da década de 1960 nos
Estados Unidos, que reuniu jovens que assistiram aos shows, prati-
caram amor livre e usaram drogas abertamente) enfrentam o con-
flito de gerações. Overall, o filho adolescente e skatista de Wood
e da ex-hippie Lade Jane, discorda do modo de vida dos pais. Mais
integrado, o garoto gostaria que o pai deixasse de utilizar drogas o
dia todo e arranjasse emprego, como os pais de seus amigos. Stock,
por sua vez, não consegue entender sua namorada jovem, que não
conhece os Beatles.

100
HQs de Humor no Brasil

Ilustração 47 – Os velhos hippies Wood e Stock são anacrônicos.

No que tange às drogas, Wood e Stock, por pertencerem à


geração “paz e amor” e ainda viverem com as ideias da contracultura
dos anos 1960, permitem abordar o tema de maneira cômica. De tan-
to experimentar drogas na juventude, Wood, atualmente, só obtém
prazer ao fumar orégano. Decidido a abandonar as drogas, decide
deixar de tomar Fanta sabor uva, levando a um questionamento a
respeito do conceito de droga (se é a substância alucinógena ou um
produto de consumo imposto pela propaganda e aceito socialmente,
embora tenha gosto duvidoso).
Glauco também aborda esse tema na história Abobrinhas da
Brasilônia, publicada na revista Chiclete com Banana número 24, de no-
vembro de 1990. Pego pelo filho pequeno enquanto batia cocaína no
prato, o pai afirma estar fazendo “mandiopã com banana amassada”,
ao que o filho retruca: “Bem em cima da cocaína?”, demonstrando
que até as crianças, hoje, conhecem as drogas. Outro personagem
desse artista que vive em função do consumo de drogas é o roquei-
ro Doy Jorge (uma referência ao cantor pop britânico Boy George,
inicialmente integrante do conjunto Culture Club, que fez sucesso no
início da década de 1980 e teve problemas com o vício), que, no
meio dos shows, foge para se drogar. Essa situação leva seus empre-
sários, empenhados em fazer o ídolo musical largar os alucinógenos,
ao desespero. O cantor pop Oliveira Junky, personagem concebido
por Angeli, é outro artista que enfrenta situações difíceis, mas por
causa do alcoolismo.

101
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

Ilustração 48 – O astro pop Doy Jorge,


personagem do cartunista Glauco.

Na década de 1980, em função da ameaça de uma guerra nu-


clear e do desgaste das ideologias políticas e religiosas tradicionais,
surgiram seitas esotéricas, a New Age e os visionários que pregavam o
fim do mundo ou a crença em seres provenientes de outras dimensões
e do espaço. Glauco ironiza essa situação a partir de Zé do Apocalipse,
personagem que anuncia cataclismos ou a chegada de seres extrater-
restres. Incompreendido, brada para multidões de incrédulos. Além
do já citado guru Rhalah Rikota, Angeli criou Rampal, o Paranormal,
que enfrenta problemas com os poderes que possui. Em situações co-
tidianas, seus atributos fora do comum impedem que viva com nor-
malidade: no restaurante, atrai talheres e outros objetos de metal; ao
perceber que uma garota o está paquerando, faz com que ela entre em
combustão, que o obriga a passar mais uma noite sozinho.
Sintonizados com seu tempo também são os dois Skrotinhos,
dois baixinhos idênticos (seriam irmãos gêmeos?) e iconoclastas.
Esses personagens são a encarnação do niilismo e do ceticismo carac-
terísticos das décadas de 1980 e 1990. Depois que todas as utopias,
sejam elas políticas ou religiosas, mostraram-se vazias e ineficien-
tes, só resta usar o humor para demolir as convicções que sobraram.
Nesse sentido, inserem-se no espírito da pós-modernidade.

102
HQs de Humor no Brasil

Os Skrotinhos desconstroem, com suas tiradas sarcásticas, a


pose dos intelectuais e artistas, os adeptos dos modismos, a arrogân-
cia dos machistas e as ideias feministas. Não poupam nem mesmo o
garçom e, quando não têm outras vítimas por perto, zombam um do
outro. Inconvenientes, os Skrotinhos levantam a saia da moralidade
para deixar a hipocrisia à mostra, apontam para os absurdos traves-
tidos de normalidade e ironizam a seriedade das convenções de um
mundo desigual e desumano. Nesse sentido, eles encarnam uma ver-
são atualizada de O Amigo da Onça.
Mutantes, os Skrotinhos assumem diferentes tipos. Eles
podem aparecer nas tiras como brancos, negros (The Little Black
Skrots), mulheres (as Skrotinhas), empresários etc.6, mostrando que
não há limites para o humor: todas as pessoas, de qualquer raça ou
gênero, assim como todas as ideias, podem ser transformadas em
objeto de riso, uma vez que o ser humano, independentemente do
que pense ou tente aparentar, continua sendo ridículo. Angeli, por
meio de seus personagens, desnuda as situações ridículas às quais
o ser humano não consegue escapar, seja ele um pai de família de
classe média ou um poeta idolatrado – o próprio artista é exposto
(como Robert Crumb fazia em histórias semibiográficas na década
de 1960) nas tiras intituladas “Angeli em crise”. O autor desmasca-
ra, inclusive, sua geração, que não conseguiu fazer nem a revolução
política e nem a sexual, mantendo-se prisioneira do passado, como
é o caso de Meiaoito, de Wood e Stock e dos executivos que têm
recordações psicodélicas dos tempos em que eram hippies. Angeli, da
mesma forma que os Skrotinhos, denuncia o ridículo da existência e
ri da desgraça da humanidade.

6
Esta é outra semelhança entre Os Skrotinhos e O Amigo da Onça, que se apre-
sentava na forma de fantasma, demônio, criança (branca ou negra), como um
ladrão ou exercendo a profissão de médico ou repórter.

103
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

Ilustração 49 – Os Skrotinhos (sejam eles brancos, mulheres ou


negros) são implacáveis com celebridades e anônimos.

O humor gráfico publicado nas revistas da Circo Editorial


aponta para as contradições de seu tempo, momento rico no qual
a liberdade democrática voltava a vigorar e, ao mesmo tempo, em
que as utopias desabavam junto com o Muro de Berlim. Se a geração
das décadas de 1960 e 1970 foi impedida ou incapaz de implantar
seus ideais, tornando-se saudosista e anacrônica, a geração dos anos
1980, formada no silêncio e na sombra da ditadura, crescida sob a tu-
tela da TV e da cultura de consumo, não formulou projetos. Marcelo
Coelho (in Bryan, 2004, p. 18) não considera que houve uma despo-
litização “pura e simples”, mas “uma abertura, também política, para
questões que não constavam do programa da esquerda tradicional”.
Para Coelho, a ênfase na liberdade individual, na sexualidade, no
prazer, “o surgimento de um espírito humorístico, desconchavado,
celebratório, num ambiente ainda coberto de pessimismo e amargu-
ra, não são características tão ‘despolitizadas’ assim”. A contribuição
dos quadrinhos da Circo Editorial foi no sentido de refletir o parado-
xo dessa geração, do Brasil e do mundo.
O quadrinho de humor atualmente realizado dá continuidade
à trilha aberta pelas revistas da Circo Editorial, seja pelo trabalho de
artistas que participaram das revistas publicadas pela editora – como
Angeli e seus personagens adolescentes Luke e Tantra; Laerte, com
Overman e Deus, e Adão Iturrusgarai, com as tiras e álbuns de Aline e
seus dois namorados –, seja pela produção de novos artistas – a exem-
plo de Caco Galhardo e sua tira Os Pescoçudos, e Allan Sieber, autor de
Vida de Estagiário e Preto no Branco.
Levando em consideração a conceituação do Humor como
uma narrativa que, determinada por condições sociais, culturais
e históricas, gera um efeito em seu receptor (o riso), a análise das
Histórias em Quadrinhos publicadas nas revistas da Circo Editorial
revela a vinculação do conteúdo desse produto cultural à conjuntura

104
HQs de Humor no Brasil

histórica em que a editora atuou no mercado editorial de quadri-


nhos, de meados da década de 1980 até meados dos anos 1990.
O conteúdo informacional contido nos quadrinhos humorísti-
cos editados pela Circo Editorial desvela, de maneira crítica e satírica,
os impasses e os dilemas enfrentados pela classe média urbana bra-
sileira naquele momento histórico: a redefinição do papel do homem
e da mulher no âmbito social, a reconfiguração da política em um
contexto de redemocratização da sociedade, a possibilidade de uma
guerra nuclear, a mudança nas relações familiares, a difícil superação
de paradigmas comportamentais e ideológicos, a crise econômica, a
deterioração das condições de vida, a padronização dos hábitos, a
imposição do consumo de bens e de ideias, entre outras dificuldades
vividas pelas pessoas na época.
Utilizando um humor transgressor, característico dos quadri-
nhos underground ou alternativos, os artistas que publicaram seus tra-
balhos nas revistas editadas pela Circo Editorial conseguiram captar e
expor em suas histórias e tiras de quadrinhos as contradições sociais
e existenciais da época. Apesar de o Brasil já não viver sob as impo-
sições da ditadura militar, os políticos ainda continuam incompeten-
tes, corruptos e vaidosos. A mulher ocupou espaços no mercado de
trabalho, mas sua vida pessoal passou a ser vazia e solitária (como
no caso de Rê Bordosa, Mara Tara e Dona Marta). Embora não sejam
considerados mais tabus, sexo e drogas continuam a constranger e a
causar problemas aos indivíduos. Mesmo com tantas mudanças ocor-
ridas na sociedade, os conflitos familiares e amorosos continuam e se
tornam cada vez mais violentos (a exemplo do Casal Neuras).
Se a geração anterior mostra-se defasada em seu comporta-
mento e em suas ideias (este é o caso do machão Bibelô, do militante
Meiaoito e dos velhos hippies Wood e Stock), os jovens dos anos 1980
e 1990 vivem perdidos em um mundo hostil. Eles deixam-se levar
pelos modismos, são guiados pelo consumismo, procuram uma iden-
tidade aliando-se a determinadas “tribos urbanas” e, desiludidos,
adotam comportamentos e visões de mundo superficiais. As concep-
ções políticas perderam seu apelo utópico, desmanchando-se como
o Muro de Berlim ou esfacelando-se como a União Soviética, em um
mundo dominado por pessoas que usam a política para atender a
seus próprios interesses. Nem mesmo as posturas metafísicas mos-
tram-se isentas de manipulação e de distorções (como nas pregações
de Rhalah Rikota e de Zé do Apocalipse).

105
Capítulo 3 | O riso em tempos de crise

Dessa forma, pode-se afirmar que os quadrinhos de Humor


publicados nas revistas da Circo Editorial são o retrato humano e
social de um momento histórico. O conteúdo informacional presente
nos textos e desenhos que compõem as histórias e tiras de quadri-
nhos, mais do que causar riso por seu apelo cômico, leva a reflexões
a respeito de sua época e da existência humana. O título Assim cami-
nha a humanidade, utilizado por Angeli em algumas histórias e tiras,
refere-se à maneira como o ser humano continua repetindo os erros
do passado e incorrendo em novos que podem comprometer o futu-
ro. Ler as publicações da Circo Editorial é ver com outros olhos (pela
lente crítica e irreverente do Humor) as atitudes das pessoas naquele
contexto.

106
Capítulo 4

Histórias em quadrinhos
no século XXI

D iversos cartunistas brasileiros, entre eles os veteranos Angeli,


Laerte, Fernando Gonsales e Adão Iturrusgarai, e novos talen-
tos, como Caco Galhardo, André Dahmer e Allan Sieber, continuam a
tradição de publicar tiras em jornais, e depois reuni-las em álbuns ou
livros. Essas publicações, sem periodicidade, normalmente são distri-
buídas para livrarias e lojas especializadas em quadrinhos, com uma
tiragem baixa. A editora Devir, de São Paulo, que iniciou suas ativida-
des como importadora de comic-books estadunidenses e livros de RPG,
passou a editar álbuns com coletâneas de tiras publicadas em jornais,
principalmente na Folha de S. Paulo, como Luke e Tantra, as personagens
adolescentes idealizadas por Angeli. As tiras do pré-adolescente Ozzy,
também criado por esse artista e que aparecia no suplemento infantil
Folhinha, ganharam quatro edições pela editora Companhia das Letras.
Laerte também teve suas tiras reunidas em álbuns publicados
pela Devir, a exemplo de Suriá, tira editada na Folhinha e protagonizada
por uma garota negra que vive em um circo, Overman (sátira aos quadri-
nhos de super-heróis) e Classificados, coletânea de quadrinhos de hu-
mor sem personagens recorrentes, que saíam no caderno de vendas do
jornal Folha de S. Paulo – apesar de apresentarem gags e obedecerem à
estrutura narrativa tradicional da piada, foram o embrião das histórias
poético-filosóficas que o artista passou a fazer em seguida por trata-
rem de temas variados e de mostrarem situações inusitadas que levam
o leitor à reflexão. Outras editoras (Olho d’Água, Conrad e Companhia
das Letras) também lançaram álbuns com material do cartunista, como
Deus, Laertevisão (a partir das memórias da infância do autor e da popu-
larização da TV no Brasil) e Muchacha.
Capítulo 4 | Histórias em quadrinhos no século XXI

Ilustração 50 – Tira da série Classificados, de Laerte.

Assim como Angeli e Laerte, Adão Iturrusgarai teve coletâneas


de suas tiras publicadas em álbuns, principalmente Aline e seus dois na-
morados. A protagonista vive com dois rapazes e, ao contrário de ou-
tras personagens femininas dos quadrinhos brasileiros (Radical Chic
e Rê Bordosa, principalmente), não tem crises existenciais, mesmo
quando os trai com outras pessoas. O cartunista gaúcho também
publicou No divã com Adão – que reúne os quadrinhos da série Anos de
análise –, Minha vida ridícula e A máquina do tempo – este último título
junta material produzido pelo artista de 1983 a 2013.

Ilustração 51 – A desencanada Aline, de Adão Iturrusgarai.

Houve algumas tentativas de lançar revistas periódicas de qua-


drinhos de humor, seguindo o estilo underground, mas todas foram
descontinuadas após algumas edições, como é o caso de Cybercomix,
cujas quatro edições chegaram às bancas em 1998, com trabalhos de
artistas nacionais consagrados (Laerte, Angeli, Adão Iturrusgarai, en-
tre outros). Em 2005, a revista F. Humor teve três números lançados pe-
las editoras Gibiteca e Hy Brazil, editados por Allan Sieber, Leonardo
e Arnaldo Branco, que publicavam seus quadrinhos ao lado de outros

108
HQs de Humor no Brasil

artistas. Mais uma edição saiu em formato menor pela Conrad, que
foi responsável pela publicação de dois números da revista Crocodilo
em 2003, título que mesclava material de artistas de estrangeiros e
brasileiros, como Sieber. Esse artista também participou do fanzine
Tarja Preta, que totalizou sete edições de 2004 a 2011.
O gaúcho Allan Sieber é um dos quadrinistas que despon-
taram no século XXI. As tiras da série Preto no Branco, fortemente
influenciadas pelos comix underground, mostram personagens indig-
nados (muitas vezes o próprio autor caricaturado), que estão fora da
normalidade aceita pela sociedade. Os quadrinhos intitulados Talk to
himself show mostra um talk show (programa televisivo de entrevistas)
em que o artista entrevista a si mesmo, expondo suas opiniões e
fazendo autocrítica. Já Vida de estagiário acompanha um jovem em
início de carreira que trabalha em uma agência de publicidade e pre-
cisa conviver com um chefe incompetente e colérico, além de outros
colegas implicantes. Diretor do curta-metragem de animação Deus
é Pai, teve seus trabalhos reunidos em álbuns publicados por várias
editoras, como a Desiderata, que lançou em 2009 É tudo mais ou me-
nos verdade, com o subtítulo O jornalismo investigativo, tendencioso e
ficcional de Allan Sieber, que satiriza o jornalismo e as autobiografias
em quadrinhos.
Na mesma linha de Sieber, o carioca André Dahmer criou para
a tira Malvados personagens cínicos e críticos com a aparência de
girassóis, que vivem situações esdrúxulas e falam de religião, relacio-
namentos amorosos e desgastados, bebida e conflitos existenciais,
normalmente tratados com humor negro. Seu personagem Rei Emir
Saad, conhecido como o Monstro de Zazarov, é o monarca déspota
e cruel de um reino fictício da Europa. Seu nome e sua aparência –
roupa vermelha e longos bigodes – remetem aos czares russos. Na
série A cabeça é a ilha, os protagonistas são atormentados, como o
jovem Ulisses, que rouba um navio com dez mil garrafas de vinho
para se esquecer de sua amada Rebeca que o havia abandonado, ou a
infeliz Sara, a Sofrida. Tanto Sieber como Dahmer passam, com seus
quadrinhos, uma visão niilista.

109
Capítulo 4 | Histórias em quadrinhos no século XXI

Ilustração 52 – Preto no branco, de Allan Sieber.

Outros artistas desse período são Caco Galhardo, Jean, MZK,


Arnaldo Branco e Rafael Campos Rocha. O primeiro criou para o jornal
Folha de S. Paulo a tira Os Pescoçudos, cujos personagens têm longos
pescoços e a cabeça virada para cima. Esse artista faz sátira social sa-
tirizando o comportamento na atualidade. Recentemente, produziu a
série Lili, a Ex, cuja protagonista não consegue esquecer seu ex-mari-
do. A principal personagem da história Vó, do cartunista Jean Galvão,
também não olvida o cônjuge morto. Trata-se de uma velhinha muito
religiosa, hipocondríaca e solitária – e um pouco rabugenta. Maurício
Kuhlmann, mais conhecido como MZK, usa animais falantes em suas
histórias estreladas pelo tigre Banzo e Benito, um jacaré. Os quadri-
nhos com esses dois bichos adolescentes apareceram na Folhinha,
de 2004 a 2009. Mais adulta e corrosiva é a tira Mundinho Animal, de
Arnaldo Branco, em que animais antropomorfizados mostram a me-
galomania e a inveja no âmbito cultural (literatura, cinema, teatro) e
nas redes sociais da internet, onde proliferam críticos e humoristas
sem graça. As histórias elaboradas por Rafael Campos Rocha, Deus essa
gostosa, que apareceram no caderno Mais! e na revista Piauí, ganharam
um álbum da Companhia das Letras em 2012. O ser divino é mostrado
como uma mulher negra forte e decidida.

110
HQs de Humor no Brasil

Ilustração 53 – Os Pescoçudos, de Caco Galhardo.

Tiras poético-filosóficas
Livres da necessidade de serem engraçadas e de obedecer à
estrutura tradicional dos quadrinhos humorísticos (que apresentam
um elemento disjuntor que surpreende o leitor e causa o efeito cô-
mico), as tiras poético-filosóficas abordam temas pouco usuais, nor-
malmente dilemas existenciais. Esse tipo de quadrinhos, que foge da
narratividade convencional, é uma influência dos comix underground
da década de 1970. Na definição de Santos Neto (2009, p. 89-90):

(...) histórias em quadrinhos poético-filosóficas são aquelas que


apresentam, de maneira explícita em sua arte, a intenção de
que seja feita uma reflexão poética, enquanto aberta criativa-
mente ao contínuo movimento da vida, e filosófica, enquanto
provocação a um pensar aprofundado sobre a condição huma-
na. As histórias em quadrinhos poético-filosóficas tendem a ser
apresentadas em histórias curtas que, muitas vezes, rompem
com a linearidade convencional das narrativas em quadrinhos
usando, para tanto, de criativos recursos seja no traço do artis-
ta seja em novas propostas de utilização dos requadros.
São, portanto, três as características que principalmente defi-
nem uma história em quadrinhos poético-filosófica: 1. A inten-
cionalidade poética e filosófica; 2. Histórias curtas que exigem
uma leitura diferente da convencional; 3. Inovação na lingua-
gem quadrinística em relação aos padrões de narrativas tradi-
cionais nas histórias em quadrinhos.

111
Capítulo 4 | Histórias em quadrinhos no século XXI

O quadrinista Angeli, por exemplo, faz uma série de tiras in-


tituladas Caderno de rascunhos, as quais trazem desenhos e esboços,
eliminam o compromisso com a narrativa ficcional, cujo propósito
é mostrar o estilo gráfico e o processo criativo do autor. As tiras de
Laerte, por outro lado, apresentam um enredo que busca levar o lei-
tor a refletir sobre um assunto, embora nem sempre apresente uma
conclusão. Além disso, seus trabalhos evidenciam uma busca formal
em relação à arte e às convenções da linguagem quadrinística. Na
ilustração 54, um homem nu caminha lendo um livro – o personagem
não tem cor e o fundo é azul claro – quando esbarra em um círculo
azul escuro... “era o mundo”. O significado desta pequena história,
relatada em apenas quatro vinhetas, depende de quem a lê.

Ilustração 54 – Os quadrinhos de Laerte fazem o leitor pensar.

Mas, às vezes, Laerte leva seu público a encontrar um senti-


do previamente estabelecido. É o caso da ilustração 55, cujo enredo
trata das convenções sociais que determinam comportamentos, es-
tabelecendo o que é aceitável ou não. Nesta tira, o cafuné (demons-
tração de carinho) é condenado e execrado. Na primeira vinheta, um
homem com cara e postura de tarado tenta fazer cafuné em uma
mulher, que tenta fugir dele. Na segunda, um professor tenta explicar
o motivo diante de um quadro negro, no qual se lê: “abraço = natural
caf* = antinatural” – a palavra cafuné aparece apenas com as três
letras iniciais seguidas de um asterisco (como usualmente se faz para
grafar termos de baixo calão). O terceiro quadrinho traz o texto “A
lei não proíbe, desde que seja entre adultos e de forma consentida”
sobre a vinheta, onde um homem fala em tom de fofoca e de male-
dicência sobre a mulher que passa ao fundo: “Diz que ela é chegada
em... ó!”, fazendo com a mão direita um gesto que indica cafuné. No
último quadro, um homem recebe cafuné de uma mão que sai de um
buraco na parede, abaixo da qual há fenda e o símbolo $ indicando o
lugar para colocar o dinheiro para receber o serviço – em uma clara

112
HQs de Humor no Brasil

alusão à prostituição. A intenção do autor é mostrar a origem dos


preconceitos, especialmente em relação a determinadas práticas se-
xuais, como eles se disseminam e o que podem ocasionar.

Ilustração 55 – Temas sérios abordados com ironia nas tiras de Laerte.

Os irmãos Fabio Moon e Gabriel Bá foram convidados para pu-


blicar no jornal Folha de S. Paulo uma tira de quadrinhos. Com o título
Quase nada, essas histórias fogem do padrão normal, sendo diagra-
madas em “dois andares”. A estrutura narrativa se divide em dois mo-
mentos: o primeiro ocorre nas vinhetas da parte superior, nas quais
um ou mais personagens abordam um assunto, em pensamentos ou
diálogos; e o segundo acontece na última vinheta, na parte de baixo,
em que normalmente há a presença de um animal (ver Ilustração 56)
que tece um comentário. Outros artistas que elaboram esse tipo de
quadrinhos são Rafael Sica e Orlandeli, autor da série (SIC).

Ilustração 56 – Quase nada, de Fábio Moon e Gabriel Bá.

113
Capítulo 4 | Histórias em quadrinhos no século XXI

Webcomics
Se o mercado editorial de histórias em quadrinhos brasileiras
impressas resume-se às revistas com os personagens de Mauricio de
Sousa, álbuns ocasionais (normalmente com tiragem baixa e preço
elevado) e publicações alternativas sem periodicidade e que totali-
zam poucos números, a internet tornou-se – principalmente após
a criação da web 2.0 – um espaço para divulgação do trabalho de
quadrinistas, principalmente os iniciantes.
Blogs e sites são usados para reunir trabalhos de um ou mais
artistas e manter contato direto e imediato com os leitores, que pos-
tam suas opiniões e críticas. As redes sociais também auxiliam a cir-
culação de quadrinhos. No entanto, a durabilidade deste material é
curta, uma vez que pode ser retirado do espaço virtual a qualquer
momento, enquanto os impressos são preservados por mais tempo,
mantidos em coleções particulares ou em acervos públicos.
Empregando ou não os recursos possibilitados pelas ferra-
mentas digitais (inserção de som, movimento, paleta de cores, efei-
tos visuais), que aproximam as webcomics dos games e dos desenhos
animados, e características do suporte (tela infinita, barra de rolagem
etc.), essas histórias em quadrinhos também não sofrem as restrições
impostas sobre a mídia impressa: determinações editoriais arbitrá-
rias, entraves econômicos, limitação quanto à distribuição e divul-
gação, prazos apertados, custo de produção alto, que eleva o preço
do produto, ou necessidade de seguir um estilo consagrado ou um
gênero que tem grande apelo diante dos leitores. Na visão de Santos,
Corrêa e Tomé (2012, p. 135):

Apesar das controvérsias sobre as contribuições que os quadri-


nhos disponibilizados pela internet podem trazer para a am-
pliação da linguagem e da estética das narrativas sequenciais,
para os artistas e para os leitores, é inegável que esse novo
produto cultural midiático se diferencia dos quadrinhos impres-
sos. A mídia digital cria um espaço para a experimentação por
parte dos quadrinistas e gera formas inovadoras de divulgação
dos quadrinhos e de seus autores; para as editoras, abre um
novo mercado.

114
HQs de Humor no Brasil

Não é possível analisar todo o material disponível no ciberespa-


ço. Por esse motivo, foram estudadas algumas histórias em quadrinhos
humorísticas, inclusive as que apresentam um conteúdo poético-filo-
sófico, encontradas no momento desta pesquisa na internet. O blog
http://www.umsabadoqualquer.com/, criado em 2010, apresenta tiras
e animações elaboradas pelo designer carioca Carlos Ruas. Os enredos
têm Deus como protagonista e contam com a participação de outras
divindades (Ilustração 57) e de seu filho, com quem tem divergências.
O autor lançou três coletâneas impressas desses quadrinhos, sendo a
mais recente em 2014, com o título Um sábado qualquer – Fique com os
deuses!, lançada pela editora Grande Batata Mãe.

Ilustração 57 – Deus e suas atribulações com o mundo que criou.

Outro espaço que reúne várias webcomics de humor realiza-


das por autores nacionais é petisco.org/series/, a exemplo de Calundu
& Cacoré, cujo subtítulo é A consubstanciação da enfezação, realizadas
por Karlisson (Ilustração 58). Em preto e branco, as tiras satirizam a
burocracia e a ineficiência dos serviços públicos (na série Secretaria
Municipal de Soluções a Curto Prazo), além de problemas existenciais
(Crônicas do Quartinho Escuro) e situações mundanas contemporâneas.

115
Capítulo 4 | Histórias em quadrinhos no século XXI

Ilustração 58 – Reflexões existenciais tratadas


com humor por Karlisson.

Também nesse site há um link para Pockets Comix Histórias de


Bolso, que têm roteiros e desenhos de Renato Lima – as 66 primei-
ras tiras contaram com a colaboração de Isabella Amaral na arte.
Iniciados em 2013, esses quadrinhos tratam de relacionamentos e
questionamentos sobre a vida. Com um conteúdo poético-filosófico,
não obedecem à estrutura narrativa das tiras cômicas tradicionais
e o encapsulamento tradicional dos elementos (desenho e texto)
dos quadrinhos. Na Ilustração 59, a seguir, há dois exemplos da tira,
ambas com o logotipo ao centro. A primeira faz referência a vários
personagens e histórias e os relaciona a produtos culinários de seus
países de origem (Tintin, Valentina, Condorito e o brasileiro Pererê,
entre outros), sendo que todos acabam reforçando a afirmação de
que o apetite do autor por quadrinhos “não tem fronteiras”. A segun-
da trata metaforicamente da ideia de que o amor é um guarda-chuva
que protege contra o ódio e o medo, aqui representados pela chuva
(em forma de palavras e de poça de água). Os elementos visuais e
verbais são apresentados graficamente sem o uso de requadros e ca-
lhas. As cores estão presentes nos detalhes (camisa da personagem,
no logotipo e no guarda-chuva). Há, ainda, citações de dois persona-
gens das comics-strips estadunidenses, Reizinho (Little King, de Otto
Soglow) e Pinduca (Henry, criado por Carl Anderson), que aparecem
em quadros pendurados na parede da casa da personagem.

116
HQs de Humor no Brasil

Ilustração 59 – Uso inovador da linguagem dos quadrinhos em


Pockets Comix Histórias de Bolso.

Um dos novos talentos surgidos na atualidade é o cartunis-


ta João Montanaro, que começou a colaborar em 2008 com a edi-
ção brasileira da revista MAD e logo passou a fazer charges políticas
para vários jornais, como a Folha de S. Paulo. Em 2010 lançou, pela
Garimpo Editorial, o álbum Cócegas no Raciocínio – Tiras, Cartuns
e Outros Delírios de João Montanaro, conquistando com ele o troféu
HQMix. Três anos depois fez uma série de tiras humorísticas para o
site omelete.uol.com.br, cujos enredos abordam temas relacionados
à cultura pop (filmes, games, quadrinhos, séries de TV, colecionis-
mo). Um dos personagens recorrentes é Olívia, a “moça que namora
nerds”, que precisa aguentar as idiossincrasias de seus parceiros.

117
Capítulo 4 | Histórias em quadrinhos no século XXI

Ilustração 60 – Um dos trabalhos de João Montanaro


feito para o site Omelete.

Artistas veteranos também produzem cartuns e quadrinhos de


humor para a internet. É o caso de Angeli, que fez a série Let’s Talk About
Sex? para o portal UOL, seguindo a linha das Lovestorias que criava para
a revista Chiclete com Banana nos anos 1980, ao enfocar comicamente os
relacionamentos amorosos. Esse material ganhou um álbum impresso
publicado em 2003 pela Devir, com o título Sexo é uma coisa suja.

Ilustração 61 – História em quadrinhos elaborada por


Angeli para o Portal UOL.

118
Considerações finais

E m um século e meio de quadrinhos de humor produzidos no


Brasil, ainda restam algumas indagações. Como é possível en-
tender a relação entre o humor gráfico e a sociedade brasileira? Os
ambientes, os actantes, com suas ações e discursos, representam a
nação e seu povo (ou parte dele, pelo menos)? Do humor ingênuo ao
mais crítico, o país se vê refletido nos cartuns, charges e narrativas
gráficas sequenciais?
Nesse sentido, o sociólogo moçambicano Carlos Serra (2014,
p. 9), ponderando sobre a importância do humor gráfico, afirma que:

(...) podemos ler e analisar o social pelos vários canais do hu-


mor gráfico [que] é um termômetro social que pode ser cienti-
ficamente estudado e exposto: podemos transformar o humor
gráfico num decodificador de tudo aquilo que obscurece ou
procura obscurecer vida, ato e sentido; podemos concluir que
o humor gráfico contribui para a formação de uma cidadania
capaz de conhecer e de se libertar – rindo sempre que possível,
afugentando as agruras da vida lá onde isso se consegue – dos
determinismos e dos espartilhos sociais.

Assim, o objeto de estudo desta pesquisa, a história em qua-


drinhos de humor produzida no país, pode ser considerado um re-
trato das limitações e dos desacertos do povo, seja das elites, da
classe média ou dos setores que mais sofrem com a desigualdade do
sistema. Se o humor político, que emerge em momentos cruciais da
história (nos estertores da monarquia ou durante os momentos mais
duros da ditadura, nos anos 1970), foca aqueles que usam o poder
para oprimir, a crítica aos costumes após a redemocratização dos
Considerações finais

anos 1980 volta-se para os que levam uma vida medíocre, embalada
pelas modas geradas e reforçadas pela mídia, pelos consumidores
insaciáveis e alienados, e até para quem assume o papel de crítico
a essa situação, já que, na totalidade, todos os seres humanos são
ridículos e passíveis de gozação.
Qual é a face do brasileiro que o humor gráfico revela: a do
interiorano atrapalhado Nhô Quim, do traiçoeiro Amigo da Onça ou
do generoso Jeremias o Bom, do miserável e famélico Rango, do loro-
teiro Dr. Macarra, do arrivista e adulador Fagundes, ou do preguiçoso
e machista Radicci? No caso das mulheres, da solteirona e carente
Marly, da boêmia Rê Bordosa, da moderna e sofisticada Radical Chic
ou da contestadora Maria? No caso das crianças, são mais reconhecí-
veis no travesso Chiquinho, nos excluídos Piva e Mosquito, na Turma
da Mônica ou na do Xaxado?
De fato, cada um desses personagens representa uma faceta
de um povo heterogêneo. Em seu conjunto, eles formam um painel
da diversidade do brasileiro – termo que se refere a pessoas dife-
rentes quanto à origem, à posição social e econômica, à localização
geográfica e à cultura. A sensibilidade dos artistas de enxergar as
contradições de ser brasileiro ao longo do tempo, e, mais do que cau-
sar o efeito cômico, o riso, leva o leitor a refletir sobre sua realidade
cada vez mais complexa.
Do ponto de vista estético, os quadrinhos de humor feitos no
Brasil apresentam desenhos realistas (como os de Angelo Agostini)
ou caricaturais (a maioria), a presença/ausência de cenário depende
do estilo do autor, assim como o uso de linhas finas ou grossas e
hachuras. A influência do comix underground, a partir da década de
1970, levou a uma representação pictórica “mais suja”, ou seja, com
manchas de tinta propositais em diversos pontos das vinhetas, estilo
que reforça o tom irônico, contestador e alternativo do humor grá-
fico brasileiro.
É interessante notar que há dois personagens que aparecem
em várias histórias: o cangaceiro e Deus. O primeiro é protagonista
da tira Zé Candango, de Canini, como uma agente anti-imperialista, do
trabalho de Henfil (o habitante do sertão Zeferino) e das narrativas

120
HQs de Humor no Brasil

cômicas Chico Peste e Carrapicho, além de ser ancestral de Xaxado.


Já o segundo é apresentado, na versão de Laerte, como um ser ale-
gre; nas tiras de Iotti e Maringoni assume tom crítico e, em especial
na visão deste último, com uma postura política. Em um sábado qual-
quer, ele vive uma relação conflituosa com seu filho e sendo gozado
pelos outros seres mitológicos (Odin, Rá, Zeus). Para Rafael Campos
Rocha, Ele é uma mulher negra.
Partindo das críticas de Angelo Agostini aos absurdos e des-
mandos de sua época e chegando ao século XXI, quando o mundo
tecnológico convive com antigas mazelas sociais e existenciais, po-
demos, portanto, perceber no humor gráfico nacional, em especial
nas histórias em quadrinhos, a tendência quase imutável de revelar,
por meio da arte e da narrativa cômica – usando para isso múltiplos
estilos, técnicas e tecnologias, assim como variados formatos e su-
portes –, o Brasil para os brasileiros. E, para concluir, uma reflexão
humorística sobre os quadrinhos feita pelo cartunista Laerte:

Ilustração 62 – O Capitão dos Piratas do Tietê dá


sua opinião sobre os quadrinhos.

121
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Sobre o autor

Roberto Elísio dos Santos


Jornalista formado pela UMESP, Doutor e Livre-docente em
Comunicação pela ECA-USP, professor dos cursos de graduação em
Comunicação Social e Pedagogia e do Programa de Pós-graduação
em Comunicação da Universidade Municipal de São Caetano do
Sul (USCS) e vice-coordenador do Observatório de Histórias em
Quadrinhos da ECA-USP. Autor dos livros Para reler os quadrinhos
Disney: linguagem, evolução e análise de HQs (Paulinas, 2002), As
Teorias da Comunicação: da fala à internet (Paulinas, 2004), História em
Quadrinhos Infantil: leitura para crianças e adultos (Marca de Fantasia,
2006) e co-organizador de O Tico-Tico 100 anos: centenário da primei-
ra revista de quadrinhos do Brasil (Opera Graphica, 2005), Mutações
da Cultura Midiática (Paulinas, 2009), Gibi: a revista que se tornou si-
nônimo de quadrinhos no Brasil (Via Lettera, 2009), A história em qua-
drinhos no Brasil: análise, evolução e mercado (Laços, 2011) e Humor
e riso na cultura midiática: variações e permanências (Paulinas, 2012).
Editoração Eletrônica Francielle Franco
Formato 14 x 21 cm
Tipografia Amerigo
Número de Páginas 128

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