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(http://justificando.cartacapital.com.br/2014/12/12/a-formacao-de-uma-sociedade-
do-medo-atraves-da-influencia-da-midia/ acessado em 28/03/2017).
O crime desperta curiosidade na população por apresentar uma ameaça. A mídia atua
explorando essa fragilidade humana estimulando a sensação de insegurança. A televisão
tornou-se um fenômeno em massa, assim como, a alta taxa de criminalidade e, com isto,
também cresce a sensação de medo e insegurança em toda população.
Em uma sociedade como o Brasil, com altos índices de criminalidade, acabam por
encontrar um mecanismo de escape na tela da televisão. Conforme relatam Cristiano
Luis Moraes e Marlene Inês Spaniol, os medos passam a ser dramatizados em histórias
de vingança e de criminosos que são levados aos tribunais e posteriormente à prisão.
Isso leva a sociedade a reagir contra o crime como se ele fosse um drama humano,
levando-nos a crer que os delinquentes são em maior número e praticam mais delitos do
que realmente o são.
A origem do Medo
Segundo Bauman (2008, p. 8), medo é o nome que damos a nossa incerteza: nossa
ignorância da ameaça e do que deve ser feito. Vivemos numa era onde o medo é
sentimento conhecido de toda criatura viva.
Tema central do século XXI, o medo se tornou base de aceitação popular de medidas
repressivas penais inconstitucionais, uma vez que a sensação do medo possibilita a
justificação de práticas contrárias aos direitos e liberdades individuais, desde que
mitiguem as causas do próprio medo.
O medo pode surgir das mais variadas maneiras e nascer de qualquer canto de onde
vivemos, inclusive, em nossos próprios lares. Temos medo de comida envenenada, de
perder o emprego, de utilizar transporte público, de pessoas desconhecidas que
encontramos na rua, de pessoas conhecidas também, de inundações, de terremotos, de
furacões, de deslizamento de terras, da seca. Temos medo de atrocidades terroristas, de
crimes violentos, de agressões sexuais, de água ou ar poluído, de entrar na própria casa
e de sair dela, de parar no semáforo. Temos medo da velhice e de ficarmos doentes, de
sermos ameaçados, furtados ou roubados. Temos medo da bolsa de valores e da crise
econômica. Temos medo de voar de avião. São tantos os nossos medos que não caberia
aqui relatarmos todos.
Para Bauman (2008, p.18), riscos são perigos calculáveis. Uma vez definidos dessa
maneira, são o que há de mais próximo da certeza. Ou seja, o futuro é nebuloso e as
pessoas não deveriam se preocupar em vencer ou não qualquer situação de risco porque,
talvez, nunca se chegue a enfrentá-la. Mas, deve prever e tentar evitar oferecendo a si
mesmo um grau de confiança e segurança, ainda que sem garantia de sucesso.
O mundo líquido mostrado por Bauman é uma espécie de irrealidade dentro da qual
estamos mergulhados, um mundo de aparência absoluta, de ameaças que quase nunca se
configuram reais, mas que nos são mostradas cotidianamente, principalmente pela
mídia. Diante disso, ele expõe o medo como uma forma inconstante. Podemos ter medo
de perder o emprego, medo do terrorismo, da exclusão. O homem vive numa ansiedade
constante, num cemitério de esperanças frustradas, numa era de temores.
E, assim, passamos a construir inimigos e fantasmas, nos deixando levar por todo tipo
de informação que nos é imposta sem nem ao menos questionar a real veracidade dos
fatos. É inegável que vivemos em uma sociedade violenta, com altos índices de
barbáries, mas o problema não está na prevenção de possíveis ameaças, mas em
considerar que tudo e todos possam ser ameaçadores. Ou seja, viver em alerta constante,
excluindo pessoas e julgando indivíduos sem nem ao menos conhecer por medo do
perigo que esse indivíduo possa lhe trazer.
A mídia tem por objetivo atender as expectativas imediatas dos indivíduos. Ela pode ser
definida como o conjunto de meios ou ferramentas utilizados para a transmissão de
informações ao público assumindo um papel muito importante na formação de uma
sociedade menos conflituosa. Porém, em uma realidade complexa como a nossa, a
mídia desempenha um papel garantidor da manutenção do sistema capitalista,
fomentando o consumo, ditando regras e modas e agindo sobre interesses comerciais.
A mídia notoriamente tem papel importante na conjuntura social atual, pois exerce
influência em todos os campos, seja na família, na política e na economia, incutindo na
população uma forma de agir e pensar importante para a manutenção da ordem.
Schecaira (apud BAYER, 2013) entende que a mídia é uma fábrica ideológica
condicionadora, pois não hesitam em alterar a realidade dos fatos criando um processo
permanente de indução criminalizante. Assim, os meios de comunicação desvirtuam o
senso comum através da dominação e manipulação popular, através de informações que,
nem sempre, são totalmente verdadeiras.
Criam-se normas penais para a solução do problema, porém, o Direito Penal passa a ser
apenas um confronto aos medos sociais, ao invés de atuar como instrumento garantidor
dos bens juridicamente protegidos.
Hoje, vivemos em constante situação de emergência e deixamos de perguntar pelo
simples fato de estar provada a barbaridade dos outros. A partir daí, muros são
construídos para separar a sociedade. Há muros que separam nações entre pobres e
ricos, mas não há muros que separam os que têm medo dos que não têm (COUTO,
2011).
A mídia incute na sociedade uma política de higienização e rotulação dos desiguais que
devem ser banidos da convivência social. Diante da propagação dessa política, cada vez
mais os cidadãos são colocados diante de questões criminais que parecem nunca se
resolver provocando uma sensação de intranquilidade e medo. Esse último, por sua vez,
é agravado pela sensação de vulnerabilidade e de impossibilidade de defesa. A
realidade entre medo e verdade
De acordo com Silveira (2013), para dar sustentação ao ciclo que por diversas formas
fomenta o consumo e acarreta o lucro, a mídia, seguindo os ditames da indústria
cultural, interage com o público receptador das informações de uma forma muito
particular, visto que consegue se adaptar perfeitamente às mais diversas classes, idades
e tipos de pessoas, buscando uma relação com o público médio.
Há mais medo do que medo propriamente dito. A televisão tenta retratar os fatos de
forma a tornar a informação o mais real possível aproximando os acontecimentos do
cotidiano das pessoas e fazendo-as crer que aquela situação de risco poderá acontecer a
qualquer momento dentro de suas próprias casas, nos seus grupos sociais. Assim, os
telejornais propagam informações sensacionalistas através da exploração da dor alheia,
do constrangimento de vítimas desoladas e da violação da privacidade de algumas
pessoas. Para chamar a atenção do público, ainda lançam mão de outros recursos
semelhantes, como a incitação de brigas entre vizinhos nos bairros populares e os
crimes de violências sexuais cometidos por membros de uma mesma família.
Desta forma, mesmo que estejamos mais seguros do que em toda história da
humanidade, mesmo assim, as pessoas continuam a se sentir ameaçadas, inseguras e
apaixonadas por tudo aquilo que se refira à segurança e à proteção. Isso se dá através do
que Silveira (2013) chama de “cultura do medo”, ou seja, o que tem levado as pessoas a
intensificarem suas próprias medidas visando uma suposta diminuição de
vulnerabilidade, como a construção de muros e barreiras, assim como a se isolarem
dentro de suas próprias casas, evitando sair a eventos e espaços públicos por medo da
violência, o que configura uma mudança radical de comportamento, algo que beira a
paranoia.
Esta forma de isolamento dos conflitos ocasiona uma espécie de divisão social, onde as
pessoas economicamente privilegiadas passam a ocupar bairros considerados “nobres” e
condomínios vigiados continuamente, restando para a camada mais pobre da população,
territórios completamente negligenciados pelo Estado, locais em que a “elite” busca o
distanciamento, diz Silveira (2013). E complementa ainda Silveira (2013, p. 300) que
“O homem enfrenta grandes dificuldades em conseguir ver o outro como um semelhante
e não como um concorrente a ser eliminado”.
Toda essa realidade que se forma na “cultura do medo” acaba por contribuir para o
reforço dos preconceitos na esteira da ignorância e da insegurança. Com isso, cria-se a
“Sociedade do Medo” aqui abordada que, além de cruel e preconceituosa, passa a ser
ignorante e submissa a tudo que lhe é apresentado como verdade absoluta.
César Vinícius Kogut e Wânia Rezende Silva expõe que o medo é fenômeno de
paralisação do senso normal da vida, altera relações de formas e espaços, traz à tona
uma imagem duvidosa, reflete insegurança, tristeza e dá noção de fragilidade. Por isso,
uma das missões fundamentais do Estado deveria ser realizar ações para minimizar
problemas e reduzir o medo proporcionando à população uma melhor qualidade de vida,
libertando os indivíduos desse sentimento para que vivam em segurança.
Saber que este mundo é assustador não significa viver com medo. Nossa vida está longe
de ser livre do medo, assim como, livre de ser livre de perigos e ameaças, porém, não
podemos permitir que o que vimos na TV influencie nossa vida a ponto de pararmos de
viver, a ponto de guardarmos sonhos que gostaríamos de realizar ou de nos impedir de
promover uma mudança. Não devemos nos preocupar com o que ainda não aconteceu,
mas procurar sim evitar situações que possam nos colocar em risco e, até mesmo, nos
proteger do perigo. Tudo, porém, sem permitir que o medo e a insegurança tome conta
de nosso ser e do que somos.
Por vivermos em uma sociedade complexa, onde o Estado já não mais é capaz de
cumprir com seu papel de proporcionar segurança à população, facilita ainda mais a
instalação do medo inconsciente das pessoas.
Assim, resta à sociedade acreditar naquilo que é transmitido pela mídia e esperar por um
futuro melhor, com menos violência e crimes hediondos. Até lá, a vida segue com uma
completa divisão social, na medida em que a elite escolhe seus inimigos nas camadas
mais pobres da população e continuam condenando aqueles que menos recursos têm: os
já predestinados ao fracasso no sistema.
Como expõe Loïc Wacquant: “tranque-os e jogue fora a chave’ torna-se o leitmotiv dos
políticos de última moda, dos criminólogos da corte e das mídias prontas a explorar o
medo do crime violento (e a maldição do criminoso) a fim de alargar seus mercados”.
Afinal, é esta política que ultimamente tem ganho voto e feito os políticos se elegerem.
Agora, quando os seus direitos e suas garantias fundamentais forem tiradas, só lhe
restará sentar no meio fio e chorar, afinal, você pode ter legitimado tudo isso. Cuidado,
muito cuidado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAYER, Diego Augusto. A Mídia, a reprodução do medo e a influência da política criminal. In. Controvérsias Criminais: Estudos de
Direito Penal, Processo Penal e Criminologia. Jaraguá do Sul. Letras e Conceitos. 2013.
BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Tradução, Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Ed. 2008.
BOLDT, Raphael. Criminologia midiática: Do discurso punitivo à corrosão simbólica do Garantismo. Curitiba: Juruá, 2013.
KOGUT, César Vinícius & SILVA, Wânia Rezende. A Mídia e seus Efeitos sobre o Medo Social. SESP– UEM.
MORAES, Cristiano Luis de Oliveira & SPANIO, Marlene Inês. Punição e mídia: análise de alguns aspectos que influenciam na
violência e na criminalidade.
PELUZO, Vinicius de Toledo Pisa. Sociedade, mass media e Direito Penal: uma reflexão. Revista da Escola Paulista da
Magistratura, 2003.
SILVEIRA, Felipe Lazzari da. A cultura do medo e sua contribuição para a proliferação da criminalidade. 2º Congresso
Internacional de Direito e Contemporaneidade. Santa Maria / RS UFSM – Universidade Federal de Santa Maria, 2013.
WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Trad. Nilo Batista. Rio de Janeiro: Revan, 2001.