Você está na página 1de 3

Capítulo I

Introdução

Neste capítulo, Thorstein Veblen nos introduz os fundamentos necessários para a


compreensão do surgimento da instituição “Classe Ociosa” no desenvolvimento da
humanidade. Ele inicia seu texto de forma direta, afirmando:

“Em seu pleno desenvolvimento, a instituição classe ociosa surge nos estágios avançados da cultura
bárbara, como por exemplo na Europa e no Japão feudais”.

A partir deste estágio da humanidade, as classes mais altas passam a se excluir das funções
industriais (que produzem bens materiais), enquanto se aproximam de funções
“inerentemente honoríficas”. Entre tais funções, nas comunidades feudais, encontram-se,
principalmente a guerra, em primeiro lugar, e o sacerdócio (em comunidades não
especialmente belicosas), em seguida. A partir disso, Veblen afirma que o fato de as classes
altas se absterem de funções industriais é a “Expressão econômica de sua superioridade”.

Em comunidades de cultura bárbara mais avançada, num primeiro momento, essa classe
ociosa se divide em duas subclasses, com diferenciações de funções, sendo elas as classes
nobres e as classes sacerdotais. Posteriormente, as funções mais comuns realizadas pela classe
ociosa mostram-se a guerra, a governabilidade, o esporte e a religião. Deve-se notar que,
embora haja diferenciação de funções, elas possuem uma característica inerentemente
comum: a de não serem funções industriais. Isso é uma das coisas que as definem como parte
da classe ociosa.

Num estágio de selvageria, anterior à barbárie, ou até mesmo em escalas mais baixas da
barbárie, a classe ociosa se mostra menos diferenciada (das classes industriais), por tais
estágios se mostrarem relativamente pacíficos. Com isso percebe-se que a classe ociosa deriva
de um estágio violento de organização social.

Dito isso, Veblen irá afirmar que a classe ociosa é fruto de uma discriminação entre diversas
funções em duas categorias: as funções dignas, envolvendo elementos de proeza e façanha, e
as funções indignas, que são funções rotineiras e diárias, não envolvendo nada de especial. Tal
diferenciação nada tem a ver com superioridade ou inferioridade, é de inicio, uma
diferenciação pessoal, onde elementos como a força física do indivíduo, por exemplo, eram de
muito maior importância. Ou seja, na medida em que um grupo de indivíduos possui maior
força física, ele vai concentrando para si o maior interesse da comunidade naquela condição
evolutiva. É importante ressaltar tais condições da especificidade temporal (pode-se dizer até
histórica, mas Veblen não coloca em tais termos).

“Toda discriminação entre fatos tem um fundamento determinado; esse fundamento muda sempre que
também muda o interesse sob cujo ângulo são os fatos considerados. Toda análise ressalta certos
aspectos dos fatos, tornando-os salientes e pertinentes, sempre que o interesse dominante do tempo os
focaliza”. – Pg. 8.
É nesse ponto que fica mais claro uma das principais diferenciações entre Veblen e os teóricos
da economia clássica; na consideração das especificidades do tempo (“histórico”) em que se
analisa para perceber os indivíduos em sua relação consigo mesmos e com o meio, sendo este
de suma importância na determinação do âmbito social. Com isso, o autor puxa uma ponte
para a sociedade moderna afirmando que:

“A discriminação entre ocupações industriais e não industriais faz-se ainda habitualmente; esta
discriminação moderna é a forma transmutada da discriminação bárbara entre proeza espetacular e
trabalho desagradável e rotineiro”. (Pg. 8).

Com esta passagem, Veblen nos mostra qual o exato ponto de sua obra, o estudo das formas
modernas de sociabilidade como sendo fundamentadas na violência da barbárie (em seu
sentido histórico, objetivo), tomando como ponto central o consumo, que ficará mais claro
posteriormente.

Após esse ponto, Veblen nos apresenta como forma elucidativa, a maneira como bárbaro
enxerga o mundo, sendo dividido em duas esferas: o mundo animado e o mundo das coisas
inertes. O mundo animado inclui o próprio homem, seres vivos de significância, ou seja, que
afetem a vida do bárbaro de forma significante, e até elementos da natureza, como um rio ou
uma tempestade; elementos que, ao enfrentá-los, resultam da ação retornos de virtude. O
mundo das coisas inertes inclui frutos, ervas, objetos de utilização corriqueira, ou até animais
insignificantes, como inofensivos insetos, larvas e carneiros, se não considerados
coletivamente.

Com isso, o bárbaro vê as atividades que envolvem elementos do mundo animado como
atividades dirigidas a um fim, diferente das atividades que envolvem o mundo inerte, e é
justamente esse envolvimento diferenciado com tais atividades que as torna “animadas”.

Retomando o que já foi exposto, o que permite o lidar com o mundo animado, de início, é a
força física e o temperamento do homem; geralmente as atividades animadas são dotadas e
mais tensão e, assim, exigem maior capacidade física, fazendo com que se gere a primeira
divisão do trabalho, no âmbito das sociedades bárbaras; a sexual. O curioso é que, dessa
forma, as atividades inicialmente se dividem entre proeza, realizadas pelos homens, e
indústria, que são atividades rotineiras, realizadas pelas mulheres. E ainda mais, a partir dessa
força física, que permite ao homem a realização de atividades de proeza e prestígio, que as
mulheres passam a ocupar as atividades industriais, que nada trazem de orgulho ou honra.

Através dessa “necessidade seletiva”, o homem torna-se um agente de atividade impulsiva,


que age “teleologicamente”, destinado a um fim concreto, objetivo, impessoal. Assim, ele
passa a repugnar esforço fútil e tempo desperdiçado em rotinas. Tal atitude denomina-se
Instinto de Artesanato. Entretanto “Sempre Que as circunstâncias ou as tradições de vida
levam a uma comparação habitual entre indivíduos, no tocante à eficiência, o instinto de
artesanato resulta em emulação ou disputa entre eles”. Ou seja, o instinto do artesanato,
submetido a circunstâncias relativamente violentas, envolvendo prestígio social, pode produzir
uma demonstração competitiva de força.
Deve-se ter claro que “emulação” para Veblen assume um sentido de aprendizado da
sociabilidade; é como um mecanismo de internalização de normas sociais, que se convertem
em normas de comportamentos, hábitos ou valores apresentando-se dominante na sociedade.

Na passagem de uma comunidade selvagem – pacífica – para uma fase predatória, as


condições de emulação alteram-se. As atividades realizadas pelos homens passam a ganhar
proeza; é de caráter honroso a atividade que envolva o uso de força bruta e certo nível de
violência. Como já mencionado, tais atividades eram restritas aos homens, permitindo-os um
prestígio muito maior do que o das mulheres na comunidade. Dessa forma, essa violência nas
atividades passa a fazer parte da vida dos homens, tornando-se dominante a forma predatória
de agir, que se manifesta como “honrosa” (formidável), “digna” (prepotente). Ou seja, o hábito
dominante de julgar os fatos e acontecimentos se dá sob o ponto de vista da luta, um ponto de
vista belicoso, à medida que as circunstâncias materiais revelam-se favoráveis para tal.

A partir da leitura do capítulo, vê-se que ele se inicia com uma apresentação objetiva, nos
termos em que o autor pretende argumentar, tornando a leitura possivelmente confusa, num
primeiro momento. Entretanto, o autor esclarece aos poucos o desenvolvimento das formas
de relações sociais e de comportamento do objeto em questão, fazendo com que,
conseqüentemente, os termos passem a se esclarecer. Isso faz com que a leitura se facilite ao
longo do tempo, tornando-se mais objetiva e interessante.

Vê-se que o capítulo começa desenvolver o ponto central do texto, a forma da sociabilidade
que se dá com o surgimento da instituição classe ociosa. Assim, um ponto que vale destacar, é
o Institucionalismo de Veblen. Para ele, a classe ociosa, assim como os indivíduos e suas
relações sociais fundamentadas em hábitos de comportamento, são instituições fundadas num
estágio bárbaro da humanidade, o qual se desenvolveu sob condições predatórias que,
envolvendo proeza, tornaram-se dominantes na comunidade, manifestando-se, de forma
transmutada na sociedade moderna.

Você também pode gostar