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BÁSICA
ONTEM E HOJE
ODILA AMÉLIA VEIGA FRANÇA
A ESCOLA BÁSICA
ONTEM E HOJE
1ª Edição
Taubaté
Universidade de Taubaté
2014
Copyright©2014.Universidade de Taubaté.
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reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização desta Universidade.
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ISBN: 978-85-65687-92-8
Bibliografia
Palavra do Reitor
Bons estudos!
Bastam dois dedos de prosa com vocês, caros alunos, para que procurem entender o
presente livro-texto como uma contribuição primeira para as suas novas aprendizagens,
como uma ponte a ser elevada progressivamente às categorias mais amplas e margens
cada vez mais definidas da construção do conhecimento até alcançar o refinamento
contínuo dos processos de sua formação acadêmica.
Basta que cada um olhe ao redor de si mesmo para perceber o que nos revela o entorno –
experiências e impressões do passado começam a ceder espaço e abrir passagem para
ideias e práticas revolucionárias em todas as áreas do fazer humano. Práticas
completamente diversas daquelas de quem começou a vida profissional num tempo nem
tão remoto, mas alimentador da crença de que só faziam aqueles que tinham “dom”, e,
por isso mesmo, hoje, uma crença senão obsoleta, no mínimo, esvaziada!
José Pacheco educador e ex diretor da Escola da Ponte em Portugal, citado por Lago
(2004, p.13), defende que para se fazer uma escola de qualidade, hoje mais que ontem “É
urgente interferir... questionar convicções e, frequentemente, incomodar as acomodados”.
Assim é que consideramos muito bom que a mudança esteja em processo de arrastão nas
escolas brasileiras; esteja desafiando as suas trancas e derrubando os seus muros. É
justamente nessa direção que precisamos firmar Para saber mais
nossos passos. É nesse movimento que educadores Sugerimos a leitura na íntegra do
artigo “Como se faz uma escola de
e educandos precisam mergulhar com preparo e qualidade?”, de autoria do educador e
professor José Pacheco, da página 13
solidez de formação, para que possam testemunhar à 26 da obra já citada.
a educação ocupando o lugar ao sol – um lugar dela subtraído de forma sutil e perversa
ao longo dos mais de quinhentos anos de Brasil.
Auxiliados pelas ideias de Lago (2004) comecemos as nossas reflexões por alguns desses
indicadores. Observem! O autor afirma que nossos brasileirinhos entre 7 e 14 anos estão
de fato na escola, mas com que qualidade formativa? Não há como negar que esse
contingente de crianças e adolescentes ingresso
no processo de escolarização pouco ou quase
nada aprende de forma verdadeira e
significativa.
Por outro lado, Lago (2004) nos alerta que não cabe desconsideração com o sensível
crescimento das faculdades e universidades brasileiras, sobretudo na rede particular,
ocorrido nas últimas décadas, bem como com o processo de descentralização do poder
público para as esferas administrativas regional, municipal e/ou local, o que pode incidir
na qualidade dos recursos físicos, materiais, didático-pedagógicos e principalmente
humanos, garantidos à escola. Organismos e mecanismos têm favorecido a formação dos
profissionais da educação e fomentado práticas democráticas de gestão escolar, modelos
de ensino e avaliação e relacionamento escola-sociedade assentados nos “princípios de
Estado democrático de direito”.
Porém, o mesmo autor não se esquece de nos chamar a atenção de que mudanças não são
feitas apenas com as leis, as quais, por si só, não resolvem os problemas educacionais. As
leis se prestam a criar e normatizar as situações escolares que carecem de legalidade e
legitimidade, mas acreditá-las como solução mágica para a educação e o ensino de
qualidade é, no limite, inconsequência pueril e produto do otimismo ingênuo em
educação.
E-mail: odila.veiga@hotmail.com
Caros(as) alunos(as),
Caros( as) alunos( as)
A estrutura interna dos livros-texto é formada por unidades que desenvolvem os temas e
subtemas definidos nas ementas disciplinares aprovadas para os diversos cursos. Como
subsídio ao aluno, durante todo o processo ensino-aprendizagem, além de textos e
atividades aplicadas, cada livro-texto apresenta sínteses das unidades, dicas de leituras e
indicação de filmes, programas televisivos e sites, todos complementares ao conteúdo
estudado.
Esperamos, caros alunos, que o presente material e outros recursos colocados à sua
disposição possam conduzi-los a novos conhecimentos, porque vocês são os principais
atores desta formação.
Equipe EAD-UNITAU
Sumário
Palavra do Reitor .............................................................................................................. v
Apresentação .................................................................................................................... v
Introdução ....................................................................................................................... 17
1.2 A escola como espaço de mudança social: o ensino que alavanca a mudança ........ 27
2.3 Jogo Duplo: Você sabia que no ano 2000 a Espanha apresentava realidade
semelhante à do Brasil no campo da alfabetização?!? ................................................... 53
2.4 Um pouco mais das ideias e análises de Tema Weisz: antigas preocupações em
jogo difícil até hoje ......................................................................................................... 56
2.4.1 Você agora deve estar se perguntando: quais foram as possíveis implicações ou
impactos causados por essa nova concepção do ensino da língua? ................................ 58
3.1 Alguns recortes demarcadores na história e da reflexão crítica sobre a educação ... 63
Referências ..................................................................................................................... 97
A escola básica ontem
e hoje ORGANIZE-SE!!!
Você deverá usar de 3
a 4 horas para realizar
cada Unidade.
EMENTA
15
Objetivo Geral
os
Objetivos Específicos
• Oportunizar a contextualização da educação básica no cenário atual;
16
Introdução
A escola contem e está contida em múltiplas realidades e trabalha com a diversidade
étnica, econômica e sociocultural. Isso significa que tudo o que ocorre no interior da
escola e da sala de aula tem ligação direta com o meio e com a cultura em que ela está
inserida.
O meio, próximo ou mais distante, diz respeito ao ambiente onde cada um dos sujeitos
ensinantes e aprendizes se desenvolvem, vivenciam suas experiências as mais diversas;
apropriam-se dos múltiplos saberes, enfim, constroem suas particulares visões de mundo
e percepções de homem e de sociedade. O meio é onde os seres humanos em interação
elegem os valores fundamentais à vida humana e criam as formas de sustentabilidade do
planeta e da espécie.
O vínculo
ala
de aula
17
social, político e pedagógico dos saberes e fazeres da escola e na escola e as expectativas
da sociedade em relação a ela nos diferentes tempos e contextos histórico-culturais.
Vale ratificar, entretanto, que o aspecto mais preocupante dessas avaliações é a criação
dos escalonamentos, seleções dos melhores e do ranking que toma a escola como uma
questão de mercado – a aplicação da ética de mercado para valorar o trabalho escolar e
os seus resultados e para prover a infraestrutura financeira dos sistemas. Por outro lado,
um dos pontos positivos da política educacional de mensuração da qualidade de ensino
são os olhares atentos aos índices dessa qualidade com o estabelecimento de metas a
serem atingidas.
18
Nas mãos do Estado está a autonomia para determinar os modelos de educação e,
consequentemente, está também um poderoso instrumento ideológico. Os sistemas
políticos democráticos não estão a salvo da intervenção do Estado.
UDEMO: Sindicato de
A escola não apenas produz o conhecimento mas também o certifica [...]
Especialistas de Educação Escola é uma instituição do Estado e a educação é processo. A escola como
do Magistério Oficial do aparelho do Estado é organizada com a visão desse Estado e das classes
Estado de São Paulo. dominantes, mas no interior da escola acontecem processo diversos, às vezes
www.udemo.org.br. não como afirmação mas como negação (DIRETOR UDEMO, p.56 ).
Para percebermos a ligação daquilo que ocorre na educação escolar com a esfera macro
do sistema educacional, sugerimos que seja acrescentado às nossas reflexões o
posicionamento político-pedagógico de Regis de Morais acerca do significado do fazer
do professor no espaço a que chamamos sala de aula:
19
[...] como todo e qualquer docente sou também um agente social e minha
maneira de intervir no real é construindo o pedagógico concreto da Sala de
Aula onde atuo. O pedagógico concreto que realizo, por sua vez, não sendo
individual, mas social, é a forma mediadora da formação e da atuação de outros
agentes sociais (MORAIS, 1996, p. 93).
De outra feita, a escola sempre esteve ligada ao debate ideológico. Se aceitarmos que o
ser humano se constrói humano na história e na cultura e que a escola faz parte desse
tecido histórico-cultural, podemos entender que toda educação é ideológica, todo o
modelo formativo é ideológico, independente das intencionalidades de falsear, negar ou
afirmar a realidade.
são os mais contemplados, e são eles que justificam os investimentos em educação, desde
que garantam saldos elevados na renda e na produtividade.
Afinal, nos dias atuais, parece ser o potencial de produção do país o que lhe assegura o
espaço, ao qual podemos chamar de “zona de conforto” na economia.
Concordam os pesquisadores citados que esta é uma das razões pela quais, no Brasil,
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, no movimento de universalização da
20
Educação Básica, foram criadas políticas e mecanismos de mensuração da qualidade do
ensino (Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB; Exame Nacional do Ensino
Médio – ENEM; Prova Brasil, Exame Nacional do Desenvolvimento dos Estudantes –
ENADE; entre outras formas de avaliação externa à escola). Com poucas alterações
foram, em continuidade, mantidos os mesmos sistemas de avaliação de escolas,
professores e alunos, pelo Governo Lula e pelo atual Governo Dilma Rousseff.
21
Unidade 1
Nesta Unidade, trataremos da escola que temos como ponto de partida para a escola como
espaço de transformação social.
22
É de Rosa (2000) a ideia de que “toda mudança nasce do casamento entre a necessidade
e o desejo”. Isso implica que vez reconhecida a necessidade de fazer algo ainda fica
faltando o desejo de fazê-lo.
Rosa nos lembra, para exemplificar a reviravolta interna e externa que toda mudança nos
causa, da chegada de um bebê no lar – fato que exige o redimensionamento físico,
estrutural e pessoal para acolhê-lo. Impõe a tarefa de rever o que já existe e, a partir da
revisão, reinventar a nova forma de vida e coexistência familiar, não é assim?
Sabemos que não somente a racionalidade é o que distingue o humano. Ele é também
emoção, sentimentos, imaginação, espiritualidade, sensibilidade, insatisfação, afetividade
etc. Por isso, suportar as pressões advindas do desejo de mudar faz parte do intento. É o
preço da ousadia que nem todos os educadores querem ou estão em condições de pagar.
Por outro lado, é na idade adulta, na maturidade, que a razão humana oportuniza-nos o
repensar o pensado, o refazer o feito, o redizer o dito e o redimensionar caminhos,
inventar o novo na reinvenção do velho, como insistia Paulo Freire.
É assim que a mudança exige coragem e esforço da parte de cada humano. Mudar é quase
(des)padronizar. Sair do que é considerado normal e eterno. É enfrentar o risco de ser
considerado a-normal, ou seja, sem normalidade; “quem não seja como todo mundo,
quem não pense como todo mundo, corre o risco de ser eliminado.” (ORTEGA y
GASSET, 1959, p. 2 citado por ROSA, 2000, p.28).
24
Graças à própria crise atual da educação e o mal-estar que provoca nos educadores, ela
acaba funcionando como “incentivo à mudança”. Há algo como uma consciência geral
sobre a necessidade de transformações significativas na educação dos últimos tempos;
uma imperiosidade que os educadores debrucem o olhar sobre si mesmos e analisem tudo
o que acabam vendo: endurecimento, angústia, apatia, aversão ao lúdico, denúncia do
erro, irritação, postura autoritária, falas duras/severas, exemplo de ordem e disciplina. O
que se observa é o rigor, a intransigência, a inflexibilidade, o isolamento, o monólogo no
interior de si mesmos, no interior das escolas, na inércia da aula e no mais fundo da prática
educativa.
Entretanto, apesar dessa não paternidade da crise, cabe aos educadores nela atuar
desempenhando “o melhor possível” o seu papel para levar à concretização a função
social da escola, aquela equivalente à aprendizagem do exercício da cidadania na prática
democrática.
25
Nesse sentido, é preciso que a necessidade sentida de mudança de qualidade da educação
e do ensino se some à vontade política de fazê-la, mas nunca sem o envolvimento
profundo de todos os que fazem educação no país e, principalmente, o envolvimento
daqueles que operam os conhecimentos (os professores) diretamente com os sujeitos da
aprendizagem (os alunos) e que lá estão para essencialmente aprender a aprender operá-
los.
Há muitos educadores enfrentando esse desafio por esse Brasil imenso, e não há pouco
tempo. Muitas são as teorias e práticas que vêm apresentando contribuições e resultados
interessantes na educação básica.
São as pequenas mediações que os professores vão assumindo na sala de aula que
permitem gradativamente a flexibilização do processo de ensino.
26
1.2 A escola como espaço de mudança social: o ensino que
alavanca a mudança
Vamos pensar um pouquinho sobre o que é ensinar,
por certo, amparados pelos pensadores mais
experimentados que nós! Vamos lá!
Para Morais (1986, p. 6), o exercício de ensinar Figura 1.1 – E, ...o que é ensinar?
Fonte: ALVES, 1987, p.2)
vincula-se ao esforço de promover [...] “as
condições necessárias para auxiliar o encontro da inteligência do educando com a vida, o
encontro de sua sensibilidade com a pluralidade rica do viver”.
Concorda que essa ideia nos permite entender que o ato de ensinar está imbricado com o
ato de aprender e alcança muito além da ação de instruir, treinar ou instrumentalizar?
Leva-nos a concordar com a afirmação do autor de que ensinar é muito mais difícil, mas
é o caminho mais seguro para o enfrentamento do O verbo imbricar aqui
mecanicismo pernicioso ou do pragmatismo vazio (a prática empregado é para dizer “dispor
como telhas”.
pela prática; não fundamentada e acrítica).
27
marcada a impossibilidade de alguém que tenha passado ou esteja passando pelo processo
de escolarização, escapar de algum sinal.
De outra feita, o autor nos apresenta o significado do vocábulo Conviver: viver – com,
companheiro. Ao educador atento é fácil apreender-lhe o em familiaridade com
outrem. (AURÉLIO,
sentido:“só há ensino quando há companheirismo entre p.154)
Coexistir: existir – com,
ensinante e ensinado, educador e educando, pois o que simultaneamente.
(AURÉLIO, p.492)
caracteriza o ensino é a ultrapassagem da coexistência para a
convivência” (MORAIS, 1986, p.10).
O exercício de ensinar, portanto, exige daquele que ensina que se exponha àquele que é
ensinado. Explicando melhor, expor-se a quem ensinamos significa empregarmos
esforços em função do sujeito que aprende a fim de que ele possa apropriar-se da ciência
de forma consciente, ou seja, com consciência de si mesmo, do outro e do mundo em que
vive em interação.
O encontro de que tratamos há que ser sensível e inteligente; total e crítico, sem camuflar
as contradições, os conflitos e as ambiguidades da vida real.
Pelo contrário, na escola e na sala de aula, assim como no bojo dos conteúdos escolares,
habitam os conflitos, as contradições e as ambiguidades de que falamos, cabendo ao
professor desvendá-los, respeitados os limites do aluno no seu momento determinado de
existência. O professor não deve se desincumbir de explicitar o embate entre “ignorância
e informação, entre alienação e consciência político-social, entre perplexidade e
compreensão, entre ‘o feijão e o sonho’ (o princípio do desejo e os limites da realidade)”
(MORAIS, 1986, p.33). E é por meio dos conteúdos escolares que ele o faz.
Para tanto, é requerido o compromisso de quem ensina, com a vida; são exigidas a afeição
pelos encontros humanos (o professor tem que gostar de gente) e a paixão pelo saber.
O nó dessa questão, porém, está em que o próprio professor também possa e queira:
Firmados nas reflexões até aqui postas nos permitimos entender que ao ato de ensinar
deve sempre corresponder uma compreensão crítica do que é aprender, concorda?
Ensinar, visto sob essa ótica, requer o gosto por conhecer e por conviver (viver com o
outro), razão pela qual a educação e o ensino não são apolíticos.
O expressivo educador brasileiro Paulo Freire nos deixa o legado como lição de vida e de
exercício docente de que o ato de ensinar para ser comprometido com a aprendizagem
não precisa ser sisudo como a educação de antigamente. Precisa, sim, ser sério e, de
preferência, capaz de gerar a alegria naquele que aprende.
29
[...] a alegria de ensinar-aprender deve acompanhar professores e alunos em
suas buscas constantes. Precisamos é remover os obstáculos que dificultam que
a alegria tome conta de nós e não aceitar que ensinar e aprender são práticas
necessariamente enfadonhas e tristes (FREIRE, 1998, p.25).
Segundo Freire, o ensino dos conteúdos escolares deve estabelecer ligação direta com a
“leitura crítica” da realidade. Ler criticamente a realidade é perceber que os contextos da
escola e da sala de aula não estão desligados dos contextos sociais mais amplos e dos
condicionantes sociopolíticos e econômicos e, portanto,
nada têm de neutralidade. Uma vez que é desejável
considerarmos as ligações apontadas, parece tornar-se
também possível o ensinar a “pensar certo” na escola.
Fácil? Não encontramos resposta afirmativa a essa Figura 1.2 – Alceu Amoroso
Lima (Tristão de Athayde)
pergunta em nenhum dos teóricos dedicados à matéria. Fonte:http://n.i.uol.com.br/licaode
Pelo contrário, todos sinalizam para a afirmação de casa/biografias/alceu-lima-
divulgacao.jpg
Athayde: “O fácil é fácil; difícil mesmo só o difícil, e só este pode interessar aos que
querem construir” (p.4).
Na mesma direção se coloca Cordeiro (2007), ao admitir que não há como ensinar no
vazio; o ensino mantem dependência não apenas com o conteúdo ensinado, mas também
com as questões mais amplas que o envolvem.
30
Essa ideia nos faz entender que está a cargo das metodologias de ensino (das ciências, da
matemática, da história etc.) refletir e encontrar os melhores meios de ensinar os
conteúdos, ou seja, encontrar, a partir de o que ensinar (conteúdo), o como ensinar (a
forma).
Para Freire há uma “força criadora do aprender” que move o ser humano para a dúvida,
para a curiosidade, para a constatação que o faz superar os efeitos negativos do falso
ensinar.
É de Freire também a compreensão de que não há ensino sem pesquisa, nem esta sem
aquele. Ensinar exige indagar, problematizar e compreender o mundo e a si mesmo;
pesquisar visa constatar e intervir nesse mundo se educando e educando a outros na
criação de soluções para o que foi problematizado.
Nesse sentido, ensinar passa a exigir o respeito pelos saberes dos educandos; a discussão
com os alunos da razão de ser desses saberes e a sua articulação com o ensino do saber
sistematizado configurado nos conteúdos escolares. Passa a exigir o pensar sobre a prática
31
de ensinar e sobre o ensino que é desenvolvido. O momento fundamental do ensinar é a
reflexão crítica sobre o ensino praticado.
O ensino para a compreensão exige que o professor assuma uma visão pluralista da mente
humana, no sentido de que o funcionamento da mente é único, é singular. Assumir a ideia
de que a inteligência existe não apenas no corpo físico dos sujeitos, mas também na
interação desses sujeitos (uns com os outros) e com o
meio (socioeconômico, político e cultural) em que vivem.
As autoras, referidas anteriormente, afirmam que “um dos caminhos para uma escola de
qualidade é encurtar as distâncias entre a teoria e a prática, entre professor e aluno, entre
ensino e aprendizagem, entre informação e compreensão...” (MARCÍLIO e SAMIA,
2008, p. 69).
32
Afirmam ainda que: [...] “aceitar esse desafio significa Para saber mais
comprometer-se com uma tarefa que é descrita por Meirieu Você poderá consultar
(1998) como gerir a escola para que todos os alunos aprendam, o artigo na íntegra.
Título: Ensinar para a
mantendo a riqueza das suas diferenças” (MARCÍLIO e compreensão e os
múltiplos caminhos
SAMIA, 2008, p.69). para a aprendizagem.
Autoras: Maria
Thereza Marcílio e
Voltando a Freire, vemos que ele defende o uso do bom senso Mônica Samia
Fonte: Revista
na prática de ensinar dizendo que: “A vigilância do meu bom DIRETOR UDEMO,
senso tem importância enorme na avaliação que, a todo 2008, p.67-69.
O certo é que toda a prática educativa demanda a existência do sujeito que ensina e do
sujeito que aprende. Ao ensinar, o sujeito que ensina aprende; ao aprender, o sujeito que
aprende também ensina. Este é o sentido da afirmação de que ensinar não é transferir
concepções, conteúdos. Formar também não é ação externa de um sujeito criador que dá
forma a um corpo inerte.
Freire nos ensina que “o mundo não é. O mundo está sendo” (1998, p.87), e essa visão
freireana aponta-nos a condição de nossa intervenção na forma de ser e de fazer do mundo
(e, portanto, da educação e dos educadores), como sujeitos de mudança que somos, pois
que: “Não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças, que nos afirmamos”
(1998, p.87).
Mudar a situação dada implica tomada de decisão consciente entre a denúncia que essa
situação levanta (a constatação do fato) e o anúncio de sua superação (as formas
alternativas de solução do problema).
O autor expõe que desde os tempos remotos da criação da escola na Europa Ocidental,
entre os séculos XV e XVII e sua expansão em meados do século XIX, as escolas e os
sistemas escolares mantêm semelhanças que as fazem reconhecidas em qualquer parte do
mundo. Fáceis de serem reconhecidas pela forma de organização do ensino, estruturação
física dos prédios escolares, modos operacionais de funcionamento, entre outros aspectos.
Formulamos o convite para você fazer a leitura (no mínimo bastante curiosa) do texto
abaixo, para entender alguns dos indicadores de tal semelhança.
34
A escola de massas
Esse processo seguiu ritmos bastante diferentes nos diversos países. No Brasil, por
exemplo, só muito recentemente foram atingidos níveis de alfabetização e de acesso à
escola próximos da totalidade da população em idade escolar. Na Europa Ocidental, isso
já acontecia, mesmo nos países mais pobres, há mais de 50 anos. Na Coréia do Sul, esses
índices foram atingidos há quase 30 anos, como resultado de grandes investimentos em
educação.
35
A respeito disso ele assim se manifesta:
Ocorre, porém, que os seres humanos são seres políticos. Nesse sentido, toda a educação
escolar só acontece nas escolas que fazem política: a política dos sistemas; a política que
interessa à classe social da qual fazem parte os educadores; a política das estruturas; a
nossa política particular etc.
Fazem política as agremiações, os sindicatos, as associações que, por vezes, tentam negar
o próprio fazer político. Fazem política as escolas particulares e as escolas públicas.
O professor enquanto ensina faz política. Quando avalia faz política. A escola, quando
organiza o ensino desta ou daquela maneira, faz política.
36
A política das carteiras enfileiradas costuma (de forma consciente ou não), por exemplo,
obstaculizar a educação do olhar, do ouvir atento, do diálogo, da interrelação pessoal
aberta e da relação viva com o conhecimento. Costuma provocar a passividade do aluno,
aumentar o poder do professor sobre o conhecimento e inviabilizar, pela inflexibilidade
física dos corpos e do movimento necessário ao exercício cognitivo e a construção de
conhecimento, a ação e reflexão humana, o exercício ético da cidadania e da vivência
democrática.
A “gramática” da sala de aula espelha que professores somos e que intenções temos
quando ensinamos.
Por outro lado, as escolas verdadeiramente políticas e democráticas são aquelas que
desenvolvem a criatividade e o senso crítico dos alunos assentadas nos valores
fundamentais da vida humana.
É por isso que, para o pesquisador e professor Elydio dos Santos Neto, o projeto educativo
da escola democrática tem duas dimensões igualmente importantes: a dimensão política
e a dimensão pedagógica.
Diz Neto, que o projeto é político por ressaltar “a dimensão organizativa coletiva, seja
dentro da escola, seja no âmbito mais amplo da própria sociedade”.
37
1.3.1 A escola do passado ainda presente no ensino, na aprendizagem e
na avaliação
38
Observando o esquema anterior percebemos que na escola do passado a avaliação foi
vista em grande parte, como um ato a serviço da escola, do professor e do sistema, e não
como um instrumento a serviço dos progressos de Pedimos o seu consentimento
para retirar qualquer
aprendizagem do aluno. Um passado, entretanto, que conotação pejorativa quando
apresentamos a caracterização
persiste a despeito dos avançados tempos de globalização e da escola tradicional. Afinal,
quase todos nós fomos
de inovações tecnológicas. Uma persistência que começa a formados por uma escola cujo
mergulhar a escola do passado no passado. modelo formativo (se não era
semelhante), era exatamente o
mesmo sobre o qual ora
Como se pode notar e sem risco de ferir a tradição, as tecemos nossas
considerações.
condições da escola do passado não contavam com
alternativas para evitar o impedimento do avanço em direção à construção da sua
autonomia pedagógica e da liberdade de aprender dos alunos; não lhes permitia novas
visões de educação, ensino e instrução, a criação de novos modelos formativos que
favorecessem o desenvolvimento e a aprendizagem de todos os alunos.
Nesse modelo tradicional de escola, um dos momentos mais críticos da prática educativa,
segundo o educador brasileiro Paulo Freire (1986), é o da aferição do saber ou avaliação.
Segundo Freire, o uso de critérios avaliativos intelectualistas, formais e livrescos
concorreram (e ainda concorrem) sobremaneira para o fracasso escolar dos estudantes
cujo acesso à cultura, ao lazer e à informação são dificultados e/ou sonegados.
A esses estudantes, afirma Freire, não são postas somente essas dificuldades, mas todos
os obstáculos decorrentes da falta de convivência com o universo da escrita, com outras
crianças cujos pais leem, comunicam e se expressam de forma competente, enfim, a
convivência e a interação com o mundo da cultura e com o conjunto dos conhecimentos
produzidos pela humanidade.
39
1.4 A tarefa da educação básica no cenário atual
As sociedades do mundo todo se perguntam a respeito de como educar crianças e jovens
para uma sociedade dos tempos novos desconhecidos por nós em muitos dos seus
aspectos e manifestações. Tempos diferentes que se adentram no presente exigindo
medidas corretivas dos erros cometidos pela macro organização da sociedade dos tempos
já passados (formas de dinamização das atividades econômicas; de educação das pessoas;
de reestruturação da previdência social e aposentadoria; de gerenciamento da saúde
pública; de vitalização das moradias, do trabalho, dos valores fundamentais à vida
humana, entre tantas outras).
Assim é que os avanços científicos e tecnológicos, das artes e das comunicações, das
formas de estruturação familiar e outras modificações estruturais nas esferas de
organização de vida em sociedade podem significar pontos de apoio ou marcas
referenciais para a reflexão e o debate dos responsáveis pela elaboração do macro
planejamento do empreendimento educacional compatível com as necessidades,
40
interesses e expectativas da sociedade pós-moderna. Somos, pois, arrastados pela
imperiosidade da reavaliação daquilo que está sendo feito em educação; pela
obrigatoriedade do repensar as formas de ação até então privilegiadas em função da
instauração de novos modos de pensar e agir na formação dos nossos estudantes.
A educação do passado preparava para a vida futura e ensinava aos jovens que essa
preparação se dava de forma cumulativa, ou seja, pelo galgar “degrau por degrau”
obedecendo a um movimento compassado ascendente e repetitivo até a chegada ao “topo
da gigantesca escada”.
Hoje, a metáfora que nos soa mais adequada seria prepará-los para escalarem verdadeiros
penhascos frente à complexidade, abrangência e velocidade das mudanças que nos
surpreendem e nos fazem perplexos, porque tanto inusitadas e imprevisíveis quanto
impactantes.
Nesse turbilhão se encontram os educadores com a pergunta que resiste silenciar – Como
preparar o estudante para a vivência nesse mundo novo? para o saber saber, o saber fazer,
e o saber ser e conviver? Preparar o cidadão e o profissional exitosos?
O pensar, segundo Litto, deve ter a tônica no “como” pensar mais do que “o que” pensar.
Afirma ele que no futuro os processos serão mais importantes que os produtos. São os
41
processos que permitem intervenções rápidas em função das adaptações e atualizações
necessárias.
Nesse sentido, a educação escolar deve voltar-se para a compreensão e para o acolhimento
dos princípios que regem o universo e o pensamento ecológico:
• interdependência;
• parceria;
• diversidade;
• sustentabilidade.
O pensamento ecológico, segundo Litto, tem a ver com o pensamento sistêmico e ambos
estão imbricados na seara da ecologia. Essas formas de pensar devem ser ensinadas na
escola começando pelo despertar da consciência do aluno sobre como ele resolve
qualquer problema posto.
43
Sobre isso Litto afirma “A preparação de professores daqui em diante tem que incluir
técnicas de preparação de alunos para a cooperação, sendo o ‘trabalho em grupo’ uma
estratégia na sala de aula, o papel do professor (abrindo mão do poder e fazendo parte do
time com alunos)”.
Litto considera de suma importância para a educação as ideias de Howard Gardner sobre
as “inteligências múltiplas”, porque elas apontam sobre como os alunos são diferentes
entre si o que exige dos professore trabalhar com as diferenças e não encarar o ensino
como uma receita para pessoas iguais, como na era da expansão industrial.
Ademais, a teoria das Inteligências Múltiplas aclara ao professor o fato de que cada aluno
tem o seu tempo, ritmo, modo e estilo próprio de aprender.
As ideias de Gardner, com alguma certeza, serão, num futuro próximo, senão substituídas,
incorporadas a uma multitude de novos paradigmas; entretanto, hoje, elas norteiam nossas
reflexões por apontarem novas perspectivas para a educação e para o ensino e porque
exigem dos educadores o repensar a respeito dos modelos educativos do passado.
44
1.5 Síntese da Unidade
Nesta Unidade, enfocamos a validade de repensar novas formas de ação, novos modos de
pensar e agir na formação das gerações jovens brasileiras.
Entretanto, da escola que temos para a escola que queremos há um fosso que exige de
todos os educadores coragem e ousadia para superá-lo. No entanto, qualquer que seja a
mudança, é mais importante a direção do que a velocidade, como sugere Clarice
Lispector.
O que se busca é o despertar da consciência do aluno sobre como ele resolve os problemas
postos na prática escolar e na prática social global.
ROSA, Sanny S. da. Construtivismo e mudança. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.
45
Video
Sugerimos o seu contato com a equipe dos Assistentes Técnicos Pedagógicos da Oficina
Pedagógica da Diretoria de Ensino de sua região/cidade, para conhecer os vídeos que
tratam da organização do trabalho pedagógico, de mudança e de participação. Você
poderá surpreender-se com as múltiplas aprendizagens que esses vídeos propiciam.
1.7 Atividades
1. Discuta com seus pares a ideia da escola como espaço de transformação social no
contexto da sociedade atual.
4. Que apreciação você faz acerca da proposta de deslocamento do eixo dos valores
antropocêntricos (centrados nos ser humano) para o eixo dos valores ecocêntricos
(centrado na terra, em todas as formas de vida nela existentes)? Justifique sua
resposta.
46
Unidade 2
Unidade 2 . O Analfabetismo no Brasil ontem e
hoje: buscando compreender a sua
presença entre nós
47
sociedade chamada do conhecimento”, e que devem ser lidos de forma crítico-reflexiva,
ou seja, lidos com proficiência.
Como educadores pesa-nos tomar conhecimento das estatísticas abaixo. Como futuros
mestres, junte-se a nós na preocupação com os dados!
Vejamos:
PISA – Programa O mais recente relatório do PISA, que avalia o desempenho de leitura em
Internacional de Avaliação estudantes de vários países, apontou um vergonhoso último lugar para o
de Alunos aplica um Brasil. A pesquisa do INAF aponta que 64 % dos brasileiros adultos são
exame para jovens de 14 e analfabetos funcionais, ou seja, dominam o código, mas não interpretam o
15 anos de idade, em texto. Isso sem contar os conhecidos resultados em redações de vestibulares
diversos países do mundo. de todo o país (LAGO, 2004, p.93).
O objetivo é avaliar
habilidades e O autor denuncia o ensino unicamente da gramática em
competências leitoras, substituição ao ensino da língua, uma prática tradicional ainda
matemáticas e outras. In:
LAGO, Samuel Ramos, vigente na escola brasileira.
2004, p.93.
INAF – Indicador
Nacional de Essa visão advém da compreensão equivocada de que a língua
Analfabetismo Funcional pode ser concebida como um sistema único, pronto e acabado e,
mantido pelo instituto
Paulo Montenegro. (In: o que é pior, imutável. Uma visão cega quanto à dimensão sócio-
LAGO, Samuel Ramos,
histórica da própria língua.
2004, p.93.
Ler com proficiência tem significado para a escola conservadora e guardiã do ensino
propedêutico como decorar regras gramaticais e classificar as categorias linguísticas. Para
Lago (2004), essa é uma das causas pelas quais jovens concluintes do Ensino Médio
deixam de apresentar as competências necessárias à leitura e à escrita compreensoras.
48
características próprias de cada gênero discursivo e da função específica que os diferentes
gêneros cumprem na apropriação competente da língua.
O aluno ao aprender a ler e a escrever deve estar preparado o suficiente para captar, por
exemplo, a visível diferença entre a estrutura, a intencionalidade e a funcionalidade de
um poema e de uma notícia – produção, interlocutores, sentidos, suportes, intenções e
usos sociais de um e de outro gênero essencialmente diferentes.
A rede de conhecimentos vai sendo engendrada no tecido social e apropriada pelo ser
humano na medida em que se torne capaz de apropriar-se do conhecimento em rede que
tão bem caracteriza a sociedade pós-moderna. Por isso, exemplifica Lago (2004, p. 94).
• reportagens
• telenovelas
• notícias
• instruções
• cartas
• anúncios publicitários
• poemas
• exposições orais
• entrevistas
• roteiros
• relatórios
Vê-se que a autora descortina, no ano de 2000 (portanto, há 12 anos), um dos momentos
mais importantes da educação brasileira, sobretudo no tocante à alfabetização de crianças
e adolescentes. Um momento de rigorosas mudanças no terreno da cultura da repetência
que se dava logo nos primeiros anos de escolarização básica.
Weisz nos alerta também para os perigos abrasivos das armadilhas e para os desafios
próprios dos tempos de mudança. No caso, entre a decisão de não mais reprovar o aluno,
aprová-lo sem as condições básicas para o enfrentamento dos estudos subsequentes, ou
como literalmente adverte a pesquisadora: [...] “aprová-lo, enviando-o para a série
seguinte não munido de todas as competências necessárias para cursá-la com sucesso”
(2000, p.11).
50
A questão crucial colocada pela autora é a de como garantir o necessário preparo à
aprendizagem autêntica da leitura e da escrita. Até porque, sem essa garantia, os alunos
aprovados para as séries subsequentes passavam a enfrentá-las quase que na condição de
analfabetos, ou seja, uma condição fruto do não atendimento da “necessidade de aprender
por meio da leitura” (ibid. p.11).
Weisz aponta que, dos velhos tempos aos nossos dias e não obstante os esforços
empregados, o que se pode constatar são avanços pontuais, os quais, uma vez tomados
em comparação com o país na sua totalidade territorial, tornam-se diminutos.
Vale lembrar, porém, que a história da educação brasileira está repleta de evidências de
que os sistemas públicos de ensino estaduais e/ou municipais têm nos legado estórias de
insucesso na alfabetização inicial. Como no passado, e salvo honrosas exceções, as
crianças são separadas nas salas de aula entre as mais capazes e
John Maynard Keynes,
1883 – 1946. Tido como as menos capazes, restando a este segundo grupo a profecia
um dos mais importantes
economistas da história,
autorrealizadora da reprovação anunciada logo no início do ano
as teorias do inglês letivo e sacramentada ao final dele.
influenciaram o
capitalismo do século
XX. Ainda que reconheçamos os avanços no trabalho com a
Fonte: Disponível em:
‹http://educacao.uol.com alfabetização, o quadro descortinado por Weisz, se por um lado
.br/biografias/john-m-
keynes.jhtm› Acesso em nos alimenta a esperança por melhoras, com igual força nos
31 maio. 2012.
arrasta para sérias preocupações nesse campo. Eleva-nos ao
51
pensamento keynesiano de que: “A verdadeira dificuldade não está em aceitar ideias
novas, mas, escapar das ideias antigas” (John Maynard Keynes).
Weisz nos aponta que pelos caminhos equivocados da alfabetização caminham também
as distorções de entendimento e de acolhimento teórico-práticos do instituto da
progressão continuada estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
de nº 9394 de 20 de dezembro de 1996 – a LDB – instrumento pedagógico perigosamente
confundido com a determinação desastrosa da “promoção automática” ocorrida
administrativamente na vigência da LDB de nº 5692/71.
Hoje com a obrigatoriedade do ensino fundamental alongado de oito para nove anos de
escolaridade, vale pensarmos no risco de, assim como no passado, estarmos produzindo
analfabetos com certificado correspondente a um ano a mais de estudos, sinaliza a
estudiosa.
O certo é que para Weisz urge que a educação brasileira alfabetize, de fato, “todas as
crianças”, com pena de continuar sendo “uma poderosa máquina de exclusão social”
(p.13). Segundo ela, a naturalização do fenômeno da multirrepetência coloca-nos sob o
52
risco de rendição ao pensamento do escritor italiano Lampedusa em seus livro Il
Gattopardo, citado pela eminente estudiosa:
Afirma Curto que os alunos sempre foram vistos como “vasos vazios que deviam ser
preenchidos” (2000). Mais importante do que aprender a ler e a escrever de forma
competente e plena, era a apresentação de uma bonita letra sem o cometimento de erros;
além disso, todos os alunos deviam aprender ao
mesmo tempo e do mesmo modo o mesmo
conteúdo, o que vale dizer, a “não autorização
institucional” para aprender.
54
O autor considera que a escola tem o papel fundamental de disponibilizar às crianças,
adolescentes ou aos adultos escolarizados “muitos e bons modelos de textos”, a fim de
que venha efetivamente formar leitores e escritores proficientes.
Ademais, defende o pesquisador que toda a criança desde tenra idade deve ter acesso a
uma linguagem para além das “novas instruções cotidianas” e para além das referências
que as escola possa lhe franquear.
Os alunos precisam aprender a pensar, mas o pensamento tem estado ausente do trabalho
escolar, e este é o mais grave e intrincado problema da escola A reescrita de textos
variados é uma das ricas atividades de alfabetização, na visão de Curto. Para ele, a escola
construtivista é aquela em que se aprende de verdade, ou seja, o lugar de aprender a
aprender – conceitos, regras, normas, procedimentos, atitudes, valores. Aprender a fazer,
a ser e a conviver pela interação com os objetos de
conhecimento e com o mundo.
55
2.4 Um pouco mais das ideias e análises de Tema Weisz: antigas
preocupações em jogo difícil até hoje
Em entrevista bem mais recente que a do ano de 2000 – abr. 2012, p. 36, cedida à Revista
Nova Escola, a pesquisadora acima citada ratifica a quantidade expressiva de pessoas que
vivem no analfabetismo funcional. Você já conhece o drama, não é? São aquelas que
leem, mas não compreendem o lido. Que não dão conta sequer de perceber a função social
da escrita. São muitas, infelizmente!
Nesse sentido Weisz continua considerando que resta longo caminho a ser percorrido para
que a educação brasileira concretize a formação de leitores e escritores proficientes. Haja
vista, diz ela, que até o ano de 1980, beirando ao final do século XX, os sistemas de ensino
do país mostravam-se sensivelmente fragilizados no cumprimento de sua tarefa básica,
ou seja, a de “ensinar a ler e a escrever a todos os alunos”, como já discutimos nas páginas
anteriores.
Com toda certeza você já percebeu também nas explicações da Unidade 1(Quadro 1.2)
que as portas da escola do passado se achavam alargadas para o acesso da elite brasileira,
porém estreitadas para o ingresso das classes sociais menos favorecidas.
Afirma a autora que daqueles dias para os dias atuais a crença numa “didática magna” ou
“método único” e infalível de alfabetização, capaz de ensinar a ler e a escrever a todas as
crianças num só tempo e espaço, e centralizado no ensino transmissivo, sofreu profundos
abalos dando lugar à ideia de possibilidade de “construção do conhecimento lingüístico”
– o chamado construtivismo de bases piagetianas.
Jean Piaget, suiço, 1986 – 1980. Doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Neuchâtel, aos 22
anos de idade.
Teve o primeiro livro publicado em 1924 focado no “interesse pela gênese do conhecimento: a linguagem
e o pensamento na criança”. Deixa legado de cerca de 70 livros e mais de 300 artigos e é reconhecido pela
comunidade científica do mundo todo.
Fonte: LAGO, Samuel Ramos. Conversas com quem gosta de aprender. Campina Grande do Sul, PR:
ed. Lago, 2004, p. 54.
Nesse sentido, Weisz (2012, p. 37) enfoca que “encarar a aprendizagem do código como
uma etapa técnica e independente do ingresso à cultura letrada é um equívoco”.
Observe-o:
58
Para ganhar maior clareza a ideia de oscilação desse pêndulo ótico, consideramos
pertinente rememorarmos o vínculo Estado/Escola/Sociedade, discutido no texto
introdutório deste livro-texto.
Com efeito, a escola e a sala de aula – o conjunto de suas crenças, convicções, concepções
e práticas – não se originam aleatoriamente nem estão soltas no universo sociopolítico-
cultural. Não estão ilhadas em si mesmas e, portanto, são passíveis das influências e forças
internas e externas que, de forma recíproca, são manifestas (ou não) no movimento
dialético que caracteriza a vida na sociedade moderna.
Exige aceitar que a perspectiva do adulto não é soberana e irretocável para decidir sobre
o que é fácil ou difícil de aprender. Além disso, está provado que quem cria o
conhecimento é o sujeito do conhecimento e não este ou aquele método encerrado em si
mesmo.
59
As práticas pedagógicas tradicionais têm levado os aprendentes a pensarem que só os
adultos é que possuem o conhecimento e que para o conhecimento ser apropriado por
outrem, só mesmo se for pela boca dos adultos que os possuem. A participação efetiva de
quem aprende na escola é a este vedada sumariamente, restando-lhe o papel limitador e
perverso de receptor passivo e mecânico daquilo que lhe é ensinado.
A medida desse convencimento dos sistemas escolares e dos agentes educativos será a
medida do quantum, e em que tempo, o Brasil alcançará metas satisfatórias nos processo
de formação de brasileiros que efetivamente se façam leitores e escritores proficientes no
processo de escolarização – caminho fértil para a erradicação do analfabetismo funcional
no seu nascedouro.
Um ensino que ainda hoje, e não obstante os progressos obtidos, revela-se claramente não
inclusivo. Ademais, [...] “Não é possível ensinar nada sem partir de uma idéia de como
as aprendizagens se produzem...” (ZABALA, 2000, p.28).
60
2.6 Para saber mais
Consideramos que as leituras das obras, abaixo listadas, muito poderão contribuir com a
sua formação acadêmica por apresentarem polêmicas do nosso tempo nos campos da
educação, da instrução, do ensino e especialmente do analfabetismo que ainda é
caracterizador da sociedade brasileira do século XXI.
Livros
LAGO, Samuel Ramos. Conversas com quem gosta de aprender. Campina Grande do
Sul, PR: Lago, 2004.
Publicações
Revistas
Procure ler na íntegra o artigo e a entrevista da pesquisadora Telma Weisz que tratam
especificamente da questão da alfabetização no Brasil – avanços, limites e possibilidades,
publicados em:
WEISZ, Telma. “Os analfabetos funcionais são fruto de uma escola que produz não-
leitores”. Entrevistadora: Beatriz Santomauro. Entrevista concedida à Revista Nova
Escola. São Paulo: Abril. ano XXVII . n. 251, p.35 -37, abr. 2012.
Filmes
61
valores como o respeito, a amizade e a solidariedade. Realiza esse ensino por meio da
escrita e da socialização entre os estudantes das produções obtidas.
Procure fazer uma reflexão crítica sobre a realidade e sobre o ensino, oportunizando
trocas e partilhas.
2.7 Atividades
62
Unidade 3
Em busca da apreensão crítica do
Unidade 3 .
Para tanto, valemo-nos do resgate do teor de algumas das ideias e projetos de brasileiros
que impulsionaram as reformas educacionais quer pela produção intelectual quer pelo
compromisso político de pioneiros na luta pelos rumos da educação de qualidade no país,
formando a base do pensamento pedagógico brasileiro. Tratamos, assim, dos marcos do
desenvolvimento das políticas educacionais adotadas ao longo dos períodos abordados e
do ideário da educação em âmbito nacional.
Quanto ao processo de industrialização, por exemplo, as autoras nos deixam claro que,
no Brasil, esse fenômeno (ocorrido, por volta do ano de 1940) impulsionou a demanda
social por escola. Tal movimento essencialmente característico de luta majoritária contou
que com a força das elites intelectuais na definição das bases das reformas e planos de
extensão do sistema educacional. Se por um lado essa força significa arcabouço do
conhecimento elaborado e dela a educação (e nenhuma outra luta) não pode prescindir,
por outro, fez excluído o conhecimento comum e os interesses reais dos seus próprios
beneficiários sujeitos da demanda, ou seja, daqueles que deveriam protagonizar a luta –
fato apontado pelas historiadoras, desde o “colonialismo português e neocolonialismo
inglês até o imperialismo norte-americano” (XAVIER, RIBEIRO e NORONHA, 1994,
p. 26) – a imposição de uma instrução de elite (da base à demanda social por ensino
superior). Essa é uma razão que pode explicar porque as áreas do Direito, Medicina e
Engenharia, durante muito tempo, foram eleitas “carreiras de prestígio” não apenas no
sentido da rigorosidade científica que lhes é constitutiva, mas sobretudo para os interesses
do mercado de trabalho, para o status social e a preservação de sua ordem. A esse respeito
bem disse José Marti, citado pelas autoras, quando afirmou que: “nenhum povo é dono
64
do seu destino se antes não é dono de sua cultura” (XAVIER, RIBEIRO e NORONHA,
1994, p. 214).
Com efeito, os textos nos falam de políticas educacionais que mais fizeram atender aos
ditames do poder político-econômico do que verdadeiramente satisfazer as necessidades
e interesses reais da população majoritária.
O estudo da obra em questão nos remete à lembrança de uma frase dita num dos encontros
de educadores do qual participei: a escola para todos não deixou claro quem caberia nesse
“todos” (e em tempo algum o fez com clareza total). Como afirmam as autoras ao longo
da história da educação brasileira, é fácil perceber que houve excesso de reformas e
propostas e pouca democratização do ensino.
Afirmam Xavier, Ribeiro e Noronha (1994, p. 203) que: [...] “é focando-se pela
quantidade que se provoca, pelo agravamento, o esforço coletivo necessário à solução
tanto da dimensão quantitativa quanto da qualitativa dos problemas”.
Excluir da escola a população que por ela se empenha em luta desigual não ajuda país
algum a construir o seu modelo educacional próprio, aquele que efetivamente venha
atendê-lo nas necessidades reais de formação do seu povo.
A oscilação ora apontada faz com que a essência da proposta escolanovista no início do
século passado, bem como do Manifesto dos Pioneiros ocorrido em 1932, transitem por
entre as mesmas matas cerradas das propostas denunciadoras do “imobilismo
reprodutivista” e defensoras da educação emancipatória.
Vimos até aqui que, na dinâmica construção das propostas e políticas educacionais de
qualquer tempo, não se vislumbra neutralidade e nem poderíamos atestá-la visto que
como toda prática social a educação não é neutra nem acabada e, por esta razão,
66
precisamos entender em profundidade sobre que escola e que formação queremos,
preparando-nos solidamente para identificarmos os determinantes dessa prática humana,
até agora pouco humanizadora. Não podemos nos esquecer de que a sociedade é mais
produtora da escola que temos e menos produtora da que queremos, visto que
historicamente produz a escola de que necessita, já que toda educação é ideológica. A
realidade social é continuamente produzida, organizada e reorganizada pelos sujeitos em
interação e a produção se dá no seio das imbricadas relações de poder, especialmente se
o que deseja é a transformação dessa mesma realidade, argumentam as estudiosas, cujas
orientações incidem em sabermos interpretar e refletir sobre os problemas da educação
brasileira, articulando os diferentes tempos e contextos político-econômicos e
socioculturais em que a educação escolar se constitui como tal.
67
Texto. 3.2 Uma Escola para a Elite.
Fonte: XAVIER, M. Elizabete S. P. Poder político de elite. São Paulo, Cortez/ Autores Associados, 1980,
p. 127. In: XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa; NORONHA, Olinda Maria. História da
Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FDT, 1994, p. 69 (Coleção Aprender & Ensinar).
68
Texto. 3.4 A Escola no Liberalismo Brasileiro.
Fonte: XAVIER, M. Elizabete S. P. Capitalismo e escola no Brasil. Campinas: Papirus, 1990, p. 61. In:
XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa; NORONHA, Olinda Maria. História da Educação:
A escola no Brasil. São Paulo: FDT, 1994, p. 99 (Coleção Aprender & Ensinar).
69
Texto. 3.6 Evolução das Ideias Pedagógicas
Fonte: PAIVA, Vanilda P. Educação popular e educação de adultos. 4 ed. São Paulo:Loyola, 1987, p.89-
90. In: XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa; NORONHA, Olinda Maria. História da
Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FDT, 1994, p. 118 (Coleção Aprender & Ensinar).
72
Texto 3.11 Um Modelo de Exclusão Cultural
Fonte: MOTA, Carlos Guilherme. Uma cultura de partidos In: Receita Brasil. São Paulo, Veja, 1978 citado
por XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa; NORONHA, Olinda Maria. História da
Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FDT, 1994, p. 222 (Coleção Aprender & Ensinar).
Sentimo-nos desafiados a travar também nós a polêmica: seriam algumas das trilhas
históricas da educação brasileira, se revisitadas hoje, capazes de aclarar facetas das
conjunturas e estruturas sociopolíticas e educacionais do passado e do presente?!?
73
Aceitemos o desafio, caro aluno, e agora juntos convido-o a retomarmos algumas dessas
trilhas a fim de nos apropriarmos um pouco mais da problemática da educação nacional
na sociedade complexa da contemporaneidade.
E o que nos diz o pesquisador sobre o problemático vínculo da relação “entre as políticas
educacionais e seus efeitos no funcionamento pedagógico das escolas, considerando-se o
estado de danificação considerável em que se encontra a escola pública brasileira”
(MEIRIEU, 2008 apud LIBÂNEO e SUANNO, 2011).
O centro das preocupações educacionais foi ocupado então com os mecanismos e ações
que pudessem assegurar o aluno na escola, ou seja, garantir a sua permanência; com o
ensino dos conteúdos articulados com as práticas sociais e a vida cotidiana dos alunos;
74
com a elevação salarial dos professores e a melhoria das condições do trabalho escolar e,
finalmente, com a reflexão crítica da prática docente e do papel político-pedagógico do
professor frente a sua própria prática.
Mas, no tempo e no espaço, esse ideal de educação sofreu opacidades que fizeram
desfigurados os critérios de qualidade de ensino. É no movimento dialético da história e
da cultura que os pesquisadores dessa área situam os diferentes tempos e espaços na
tentativa de nos explicar as vicissitudes experimentadas pela escola pública brasileira ao
longo de sua existência.
Com efeito, podemos perceber o aparente contraditório, pois entre as décadas de 1970 e
1980, presente no país o regime militar, emergem as “políticas de expansão e
universalização do atendimento escolar” (MEIRIEU, 2008 apud LIBÂNEO e SUANNO, 201,
p. 77). A democratização da escola pública coloca em pauta a imbricada relação
quantidade/qualidade, fazendo-se ouvir um novo eco de vozes: Sim! A escola pública
obrigatória e gratuita para todos, porém com que qualidade de ensino e de
aprendizagem?!.
A abertura dos portões da escola para toda a população que dela sempre fez jus implicou
providências múltiplas e diversas, tais como: recursos financeiros, ampliações do quadro
de professores, salas de aula e prédios escolares; investimentos nos cursos de licenciatura,
além é claro do planejamento das inúmeras ações exigidas pelas próprias políticas de
expansão e universalização da escola.
75
economicista. O economicismo pode-se dizer é o desencadeador do processo de
deterioração da profissionalização do professor, dos resultados da escola e da contínua
desqualificação de seu trabalho docente.
Nos anos 80, ocorre na Tailândia a primeira Conferência Mundial de Educação para
Todos que, no bojo da expansão do capitalismo, coloca nas mãos do Banco Mundial a
redefinição das novas “políticas para educação e reordenação dos países pobres”
(MEIRIEU, 2008 apud LIBÂNEO e SUANNO, 2011, p.78).
Libâneo estuda Torres (2001) para confirmar que dessa forma pode-se aceitar a crítica de
que a proposta original de democratização sofreu um processo de desgaste e rebaixamento
que acabou, paradoxalmente, consagrando as políticas educacionais; as mesmas que, de
início, pareciam fundamentar-se numa visão bem mais ampliada de educação. Em
verdade, a proposta primeira atendeu muito mais aos interesses da política econômica do
que as reais necessidades do ensino e da aprendizagem. Daí, Torres apontar para o
“encolhimento” da proposta original em função de sua adequação “à visão economicista
76
do Banco Mundial, o convocador e patrocinador das Conferências” (TORRES, 2001 apud
LIBÂNEO, 2011).
Observe agora, caro aluno, o movimento de rebaixamento a que foram submetidas a visão
original e as intenções anunciadas:
Entendemos, assim, esse momento histórico da educação brasileira como um sonho que
gerou uma busca incessante, mas que não alcançou o século XXI como realidade.
A submissão a que se refere Torres (2001) teve o seu começo no governo Itamar Franco
(1993-2003), influenciando sobremaneira o Plano Decenal de Educação para Todos.
Perdurou no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 2007-2010),
completando o ciclo de quase 20 anos de “vigência de políticas educacionais em
conformidade com a orientação dos organismos internacionais” (LIBÂNEO, 2011, p. 79).
Em que pesem os avanços e as conquistas obtidas nesse longo período histórico, não se
pode negar o cunho economicista das políticas e diretrizes para a educação nacional que
o marcaram – a organização do ensino em ciclos, a escola em tempo integral, as
orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, a progressão continuada, a
minimização da avaliação da aprendizagem e do sistema nacional de avaliação; os
dispositivos do Plano Nacional do Livro Didático – PNLD; o ensino a distância e até
77
mesmo a própria LDB nº 9394/96, entre outras. Essas políticas e diretrizes nacionais
sustentam-se, segundo os autores consultados, na ideia de que a educação tem a sua
melhora nos fatores de produção, os quais uma vez providos coletivamente incidem
positivamente na aprendizagem dos alunos.
Para Libâneo (2011), houve perda do sentido da escola em algum lugar não identificado,
já que as necessidades básicas de aprendizagem transformaram-se num “pacote restrito e
elementar de destrezas úteis para a sobrevivência e para as necessidades imediatas e mais
elementares das pessoas”, como nos aponta Torres (2001).
Perceba as sutilezas dessas inversões, caro aluno! Não há como negar, por exemplo, que
a defesa pelo “desenvolvimento de ‘destrezas’ ou ‘habilidades para a sobrevivência
humana” se aproxima o suficiente para confundi-la com a ideia de que a escola deve
articular os conhecimentos tratados à realidade do aluno de maneira a que esses
conhecimentos sejam passíveis de aplicação prática na concretude da sua vida.
Três foram os aspectos fundantes que, concomitante à trajetória das políticas educacionais
no país, sustentaram e fortaleceram a luta em favor da Educação para Todos – “a escola
pública obrigatória e gratuita para toda a população” (LIBÂNEO, 2010a, p.79):
78
• a dinâmica interna de funcionamento das instituições escolares;
No bojo dos anseios e lutas foi se desenhando um “projeto nacional e público” (LIBÂNEO,
2010a, p.79) e emergindo duas posições claramente opostas quais sejam:
É fato que a escola brasileira não obstante as dificuldades enfrentadas ao longo de sua
existência vem, nas últimas décadas, apresentando reconhecidos progressos, como por
exemplo, “a quase universalização do atendimento à população em idade escolar” (ibid).
Entretanto, o autor nos mostra que tais avanços nos chegam tardiamente se considerarmos
que países da Europa e da América Latina cumpriram “o acesso universal à escolarização
básica” (ibid.) já no início do século XX. Se considerarmos ainda que os nossos sistemas
79
educacionais e instituições escolares brasileiras não têm conseguido assegurar a
permanência do aluno ingresso nos anos iniciais da escolaridade básica e garantir o seu
sucesso escolar, veremos que a universalização do atendimento se revela parcial e
“encolhida” na expressão dos autores:
Sabe-se, por exemplo, que 21% dos brasileiros com mais de 15 anos são
analfabetos funcionais, ou seja, pessoas que têm menos de 4 anos de
escolaridade (esse índice na região nordeste é de 33,5%). Entre os alunos de 7
a 14 anos que não sabem ler e escrever, 87,2% estão matriculados em alguma
série do ensino fundamental. É do conhecimento público, com base em dados
do próprio Ministério da Educação, que alunos que freqüentam as quatro séries
iniciais saem da escola sem saber ler, escrever e fazer cálculos com as quatro
operações (LIBÂNEO, 2011, p. 82).
Assim é que nos permitimos ratificar que o sonho da escola de qualidade para todos se
fez sim em busca incessante, mas não se tornou realidade até hoje. Nesse sentido Libâneo
embasa nosso entendimento ora ratificado:
- Seria por causa do fosso histórico existente entre as políticas públicas educacionais e a
realidade escolar brasileira?
Afinal, a escola sempre foi e continua sendo o espaço privilegiado de apropriação formal
do conhecimento, e a educação enquanto prática social, por excelência, de alguma forma,
sempre procurou responder às expectativas de melhoria de vida dos filhos deste país
continental, (re) inventando os caminhos da vivência democrática e do exercício da
cidadania.
81
despediu-se da dor
prá ver a banda passar
cantando coisas de amor
Não obstante o conjunto de aberturas e dispositivos garantidos na carta legal que rege a
educação nacional, as escolas públicas em funcionamento nas zonas rurais do país viram-
se excluídas do Estudo Nacional sobre Educação Rural, até o ano de 2007 (CADERNO
CNA, 2010).
Essa exclusão desvela um paradoxo qual seja do homem simples do campo ou da cidade
até o cientista de intelectualidade reconhecida; do conhecimento comum ao conhecimento
científico sabe-se que não há caminho mais certo para a promoção do desenvolvimento
humano que o caminho da educação.
82
A despeito da ciência do melhor caminho,
a educação rural foi, até a data supracitada,
excluída dos “instrumentos de diagnóstico
e avaliação do ensino oferecido pelo
sistema educacional brasileiro e das
políticas públicas para a melhoria desse
Haja vista que os maiores dificuldades que assolam há décadas o trabalho escolar e a ação
formativa das “escolas localizadas em áreas rurais do Brasil” só foram (re) conhecidas e
(re)tomadas em consideração, entre os meses de “fevereiro e março de 2010”, via
pesquisa realizada pelo Ibope/ Instituto Paulo Montenegro com apoio do Conselho
Nacional dos Secretários da Educação – CONSED e da União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação – UNDIME (ibid., p.6). Para a realização da pesquisa foram
escolhidos 10 estados brasileiros cujas regiões apresentavam “os maiores e menores
desempenhos do IDEB urbano. As escolas, nesses Estados, foram escolhidas por sorteio,
sendo a existência de classes multisseriadas uma obrigatoriedade” (ibid., p.6).
Vale dizer ainda que a exclusão ocorrida significa perdas irreparáveis para centenas e
centenas de brasileirinhos entre crianças e adolescentes, cujo acesso ao conhecimento
elaborado e à chamada cultura letrada é duramente prejudicado pelo desrespeito ao direito
à educação e à formação básica de qualidade.
Como se não fora o bastante, a exclusão rural significa também para o país “perda na
qualidade de ensino e menos recursos disponíveis” (ibid.), visto que a fatia educacional
deixada fora de um dos fortes mecanismos de avaliação externa – a PROVA BRASIL,
criada no ano de 2005, caracteriza a desconsideração por um dos mais expressivos
componentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – o IDEB.
83
E a PROVA BRASIL, o que é?
A PROVA BRASIL é um dos instrumentos de diagnóstico e avaliação do ensino oferecido pelo
sistema educacional brasileiro e tem como base testes de língua portuguesa e matemática,–
Classes multisseriadas
dirigidos aos alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º ano do são
ensinoclasses
médio. compostas
Fonte: CADERNO CNA - Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil – Serviço
por alunos de Nacional
duas ou
de Aprendizagem Rural. Brasília, DF, 2010, p.5. Apresentação. mais séries com idades
variadas e diferentes
Perceba, caro aluno, que esse instrumento de avaliação expressa níveis de cognição,
segundo o entendimento
a tentativa de inserção do sistema educacional rural à conjuntura dos profissionais do
nacional, o que representa valioso impulso na educação Instituto CNA.
Fonte: CADERNO CNA
brasileira como um todo. - Brasília, DF, 2010, p.5.
Apresentação.
As 50 escolas rurais contempladas no estudo realizado pelo
MEC após a denúncia da referida exclusão somam 316 alunos dele sujeitos e cuja forma
de organização das turmas atende as atipicidades da multisseriação.
Vale a pena você debruçar-se sobre a representação ao lado, com a curiosidade própria
de quem quer continuadamente aprender:
CNA.
84
Considera a Senadora que ações desta natureza podem virar a página da educação
(des)assistida da zona rural combalida pela falta de continuidade das políticas públicas
sustentadoras de um bom ensino, constituindo-se em novos fôlegos na busca da educação
rural de qualidade, já não sem tempo, a nosso ver.
Seguindo as análises dos resultados obtidos temos que sobre as classes multisseriadas a
pesquisa desvela a inadequação do projeto pedagógico das escolas às especificidades da
realidade educacional rural; a ausência de especialistas da educação nas escolas
envolvidas e, por conseguinte, a falta de participação da comunidade escolas na
idealização, elaboração e desenvolvimento do projeto. Por outro lado, vê-se que as poucas
escolas que contam com profissionais especializados e envolvidos na ação educativa
apresentam resultados mais satisfatórios quanto à aprendizagem de seus alunos, o que
vale dizer, ressonâncias positivas.
85
Outra conclusão importante alcançada na pesquisa está relacionada ao tempo de
experiência docente (maior ou menor), o que mostrou influenciar consideravelmente na
apropriação (pelo professor) da metodologia empregada nas classes multisseriadas
refletida, diretamente no rendimento otimizado do aluno. Observe os resultados ao lado:
Sendo assim, a
pesquisa permitiu aos
estudiosos daquela
parcela da realidade
rural concluir que os
aspectos
infraestruturais são
condições
indispensáveis ao
desenvolvimento do
Figura 3. 5 - Iluminação x aprendizagem
Fonte: CADERNO CNA - Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil – melhor processo
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural. Brasília, DF, 2010, p.25.
ensino/aprendizagem.
87
De gravidade com igual agudez é a formação (inicial e continuada) dos professores
sujeitos da pesquisa,
as suas condições de
vida, a sua situação
funcional, bem como a
baixa renda individual
e familiar desses Figura 3. 6 - Renda dos professores x aprendizagem
profissionais do Fonte: CADERNO CNA - Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil –
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural. Brasília, DF, 2010, p.25.
ensino refletindo, da
mesma forma
causticante que em outros aspectos de precariedades já apontados, no desempenho escolar
dos estudantes. Basta, então, deitarmos os olhos nos resultados, para alcançarmos a
compreensão do que dizem realmente os números.
Vemos nos caminhos e ações norteados pela pesquisa: um desafio “para o hoje” – Para
o poder público, para os educadores e para toda a sociedade brasileira!
88
Os indicadores CNA defendem que:
90
compreensão de mundo e de homem; de que a educação não pode se resumir ao domínio
de técnicas e tecnologias e, sim, tomá-las como instrumentos que podem maximizar o
ensino e, assim, quem sabe, permitir-lhe a ação que ocupe de seu lugar de prestígio, pois
claro está que a educação não é simplesmente meio para o desenvolvimento humano; ela
é, em essência, a finalidade da realização plena do cidadão.
Se aceitamos que a educação é uma prática social como efetivamente o é, temos que
aceitar que a “materialização” do conteúdo da lei lhe cabe por dever de ofício. A escola
precisa trazer à luz os conteúdos da lei já integrados na seleção dos conteúdos a serem
estudados e apropriados pelos alunos – uma tarefa, por excelência, da escola, dos
educadores e do ensino, a nosso ver. Os dispositivos legais fazem parte do legado cultural
e do conhecimento elaborado desde as civilizações mais antigas e hoje mais do que ontem,
na totalidade ou em parte, refletem o caminho de luta e o jogo de interesses tecidos nos
fios das políticas públicas, razão pela qual a escola precisa deles se apropriar, trazendo-
os à luz da consciência. Não por acaso são os educadores os agentes das transformações
que se mostram necessárias em tempos de globalização, de revoluções tecnológicas e
científicas e de crise planetária. Outro desafio nos remete à urgência de se pensar e de
rever o tradicional modelo de organização escolar; reestudar o processo de expansão e de
consolidação da escola de massas; as condições da escola do passado ainda presente; a
relação escola/sociedade/renda/empregabilidade; o modelo cultural da escola na
dimensão ético-política para saber assegurar e alicerçar os novos direitos sociais dos
sujeitos que fazem e refazem a escola e dos que nela buscam a formação, refutando
qualquer forma de violação desses direitos.
91
Ademais, precisamos aprender a operar as possibilidades sociais e pedagógicas que se
nos apresentam em abundância no mundo globalizado e nos surpreendem os avanços
tecnológicos e científicos fazendo-nos transitar entre realidades antes nunca nem
pensadas.
Esse é o desafio que nos instiga para a superação da fragmentação e da exclusão que
permeiam os fatos e os fenômenos da história da educação brasileira, dos seus primórdios
até os nossos exigentes dias.
Atualmente a educação escolar sofre forte pressão da lei no que diz respeito ao processo
de inclusão. A primeira exigência para o enfrentamento dessa pressão entendemos ser a
apropriação do conceito de inclusão, ou seja, quando falamos de inclusão na escola
falamos efetivamente de quê? De quem? De quais formas de inclusão? Em quais
condições? Com qual formação?
Por certo sabemos que o movimento da educação para todos corre o mundo rompendo
fronteiras e que existem experiências positivas já em andamento, que dependeram de
mudanças nas esferas local, regional e nacional para que pudessem ser iniciadas com
qualidade técnica, humana e científica. São experiências que fazem ampliadas as
oportunidades educacionais oferecidas aos estudantes e as informações necessárias aos
educadores, cuja lida tem ênfase no ensino para a diversidade; que não podem prescindir
do apoio das políticas públicas no desenvolvimento e manutenção de políticas de
formação do professor e reformas escolares ajustadas às reais necessidades das
instituições e de seus usuários.
Mas os educadores brasileiros não precisam esperar pela adesão aos princípios da
educação inclusiva, pois ela está no bojo da luta pela escola para todos. Só precisam agir
pela decisão ética e política de fazê-la nas dimensões quantitativa e qualitativa.
92
maior razão e o seu chão primeiro, fazemos a transcrição literal de parte das ideias do
autor sobre o que ele domina de “pauta mínima de ação”.
Entre outras, estas podem ser ideias capazes de fazer a necessária bricolagem entre as
políticas educacionais e a escola e, por conseguinte, liberá-la da inocorrência em falhas
que lhes têm sido historicamente imputadas pelas próprias políticas e pela sociedade mais
ampla. Ademais, é bom lembrar que os educadores devem situar-se ideologicamente
considerando-se membros co-partícipes da sociedade que desejam ver transformada.
93
Finalizamos a Unidade com a sinalização dos desafios postos para a educação
contemporânea.
Para fundamentar nosso debate e aprofundar o seu olhar como futuro educador procure
ler na íntegra os seguintes livros:
XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa; NORONHA, Olinda Maria. História
da Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FDT, 1994. (Coleção Aprender & Ensinar).
Filmes
Video
3.7 Atividades
É escrito em alemão.
(Gregório de Matos)
a. Que visão de educação pode ser extraída das linhas e entrelinhas do texto?
95
c. Em sua opinião, o ensino brasileiro dos tempos de globalização irrefreável guardam
não guardam marcas indeléveis do modelo cultural tradicional e erudito?
Justifique.
3. – E agora, José?!?
Resolvido que você almeja ser um(a) professor(a) e um “bom(a) professor (a)”, diga-nos:
O que dependerá de você mesmo para sê-lo? O que dependerá da escola? E das políticas
educacionais? Das famílias? Da sociedade?
96
Referências
CECCON, Claudius; OLIVEIRA, Miguel Darcy de; OLIVEIRA, Rosiska Darcy de. A
vida na escola e a escola da vida. Petrópolis: Vozes - IDAC, 1987.
DELFIM NETTO, Antônio. Reencetar o bom caminho. In: Receita Brasil. São Paulo,
Veja, 1978 citado por XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa; NORONHA,
Olinda Maria. História da Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FDT, 1994, p. 232
(Coleção Aprender & Ensinar).
FABER, Adele et al. Como falar para o aluno aprender. São Paulo: Summus, 2005,
p.121.
97
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez, 1985.
LAGO, Samuel Ramos. Conversas com quem gosta de aprender. Campina Grande do
Sul, PR: Editora Lago, 2004.
MEIRIEU, P. Aprender sim, ...mas como? 7.ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
MOTA, Carlos Guilherme. Uma cultura de partidos. In: Receita Brasil. São Paulo,
Veja, 1978 citado por XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa;
NORONHA, Olinda Maria. História da Educação: A escola no Brasil. São Paulo:
FDT, 1994, p. 222 (Coleção Aprender & Ensinar).
98
NIDELCOFF, María Tereza. Uma Escola para o Povo.,1978 e 3ª ed., 1979. Trad. João
Silveira Trevisan. São Paulo: Brasiliense, 1979.
PAIVA, Vanilda P. Educação popular e educação de adultos. 4 ed. São Paulo: Loyola,
1987, p.89-90. In: XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa; NORONHA,
Olinda Maria. História da Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FDT, 1994, p. 118
(Coleção Aprender & Ensinar).
REIS FILHO, Casemiro dos. A educação e a ilusão liberal. São Paulo: Cortez/Autores
Associados, 1981, p.187. In: XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa;
NORONHA, Olinda Maria. História da Educação: A escola no Brasil. São Paulo:
FDT, 1994, p. 100 (Coleção Aprender & Ensinar).
ROSA, Sanny S. da. Construtivismo e mudança. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.
TOLEDO, Caio N. O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 1982. In:
XAVIER, Maria Elizabete; RIBEIRO, Maria Luisa; NORONHA, Olinda Maria.
História da Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FDT, 1994, p. 211-212 (Coleção
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WEISZ, Telma. De boas intenções o inferno está cheio In: PÁTIO: Revista pedagógica.
Porto Alegre: Artemed, ano 4, n. 14, p. 11-13, ago./out. 2000.
_____. Os analfabetos funcionais são fruto de uma escola que produz não-leitores.
Entrevistadora: Beatriz Santomauro. Entrevista concedida a Revista Nova Escola. São
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Educação: A escola no Brasil. São Paulo: FDT, 1994, p. 99 (Coleção Aprender &
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99
______. ; RIBEIRO, Maria Luisa; NORONHA, Olinda Maria. História da Educação:
A escola no Brasil. São Paulo: FDT, 1994. (Coleção Aprender & Ensinar).
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre, RS: Artmed,
2000.
100