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PROJETO GRÁFICO E CAPA: Barbra Rio Lima


ILUSTRAÇÕES: freepik.com e Barbra Rio Lima

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iLumina Neurociência
Thales Vianna Coutinho
Leandro Fernandes Malloy-Diniz
E-Book iLumina

NEURO, SEM NEURAS


Descomplicando as Neurociências

THALES VIANNA COUTINHO


LEANDRO FERNANDES MALLOY-DINIZ

Belo Horizonte, 2017


NEURO, SEM NEURAS
Descomplicando as Neurociências

Você que está entrando no curso de gra- ciente vive, também é algo fundamental. Através
duação em Psicologia irá saber, logo, logo, que de todas essas informações, o neuropsicólogo
nossa profissão tem várias especialidades. Uma busca identificar as funções que estão deficitá-
delas é a Neuropsicologia, área do conhecimen- rias e as preservadas, inferindo sobre potenciais
to interessada em estudar a relação entre o sis- comprometimentos no sistema nervoso.
tema nervoso, a cognição e o comportamento, No entanto, é realmente curioso que mui-
tanto em situações normais quanto nos casos tos profissionais da área, apesar de lidarem co-
em que existe alguma doença. tidianamente com processos como memória,
Seja através da entrevista, da observação atenção, emoções e comportamentos dos mais
do paciente, de tarefas que o paciente realiza diversos, manifestam desmotivação e/ou mes-
a partir do comando clínico ou da utilização de mo desinteresse em estudar neurociência.
testes e escalas de avaliação, o neuropsicólogo Ouvimos colegas dizerem coisas do tipo:
avalia o funcionamento de diferentes sistemas “Eu amo neuropsicologia, mas quando começa a
neurobiológicos de um indivíduo. Como dito, falar sobre os mecanismos cerebrais não entendo
essa avaliação neuropsicológica é tanto fenome- nada e nem consigo me concentrar”. Ora, isso é
nológica (identificando, pela observação direta quase como querer entender física, sem qual-
ou indireta, como o paciente se comporta, ex- quer aprofundamento em matemática.
pressa sua cognição e emoções) e psicométrica Longe de tentar esgotar esse tema super
(comparando o desempenho do paciente com o amplo e que exigirá muitas horas de estudo (ali-
de grupos de pessoas com características seme- ás, poderá conferir uma sugestão de literatura
lhantes). O neuropsicólogo também usa a histó- bastante útil ao final desse ebook), o objetivo
ria do paciente até o momento do exame para aqui é apresentar, de maneira sucinta, dicas de
verificar como os sintomas evoluíram até então. neurociências que visam minimizar alguma re-
Coletar outras informações, como resultados de sistência inicial ao estudo dessa área.
exames e a opinião de pessoas com quem o pa-

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DICA Nº 1:
O encéfalo é a base dos processos mentais e do comportamento

N.A. era um jovem de 22 anos membro da que muitas alterações cardiorrespiratórias, gas-
força aérea americana em missão no Arquipélo- trointestinais, imunológicas, endocrinológicas,
go de Açores. Em uma de suas folgas, enquanto etc., também irão afetar a forma como o indiví-
montava uma miniatura de avião, seu colega de duo se comporta ou processa informações. Os
quarto estava brincando com um florete em mi- sistemas biológicos do organismo são integrados
niatura. Em meio a brincadeira, um improvável e essa interação é fundamental para compreen-
acidente ocorreu e a miniatura do florete pene- dermos como nosso comportamento funciona.
trou a narina do jovem N.A., atingindo de forma Conhecer as interações entre os diversos siste-
caprichosa uma pequena região de seu encéfalo mas corporais pode deixar mais claro para você
chamada núcleo dorsolateral do tálamo. O que o porquê de um paciente com hipotireoidismo
veio em seguida deu origem a um dos mais es- apresentar déficits de atenção, ser mais lento e
tudados casos em neurociências clínicas. N.A. apresentar sintomas depressivos!
desenvolveu uma incapacidade gigantesca de Mas enfim é chegada então a hora de es-
aprender novas coisas (amnésia anterógrada) tudar o sistema nervoso, uma subdisciplina que
praticamente parando no tempo. Há centenas tem até nome específico: neuroanatomia. Não-
de casos bizarros como este descritos na litera- -surpreendentemente, o professor então utiliza
tura científica, os quais nos mostram de forma um método absolutamente idêntico ao utilizado
inequívoca a relação entre o encéfalo, compor- para abordar os sistemas anteriores: apresen-
tamento e processos mentais. tando vários mapas muito bem desenhados ou
Embora a carga horária de disciplinas bio- fotografias muito bem tiradas.
lógicas nos cursos de Psicologia seja muito pe- Porém, apesar disso, agora algo é diferen-
quena, boa parte de nós psicólogos estudou te. Dessa vez, ele explica que determinadas es-
anatomia geral em algum momento (ainda que truturas estão associadas à nossa memória. Ou-
muitos dos nossos colegas não se lembrem dos tras, às nossas emoções. Outras, à nossa tomada
detalhes). Se você está iniciando seus estudos de decisão... E isso tudo é muito legal!
de Psicologia, provavelmente terá algumas aulas Mas, apesar da empolgação, parece ha-
de anatomia. Quando estamos vendo sobre a es- ver um descompasso entre “conhecimento” e
trutura do coração, dos pulmões, do intestino, ou “consciência”. Isso porque, se você for questio-
de qualquer outro órgão, somos apresentados a nado no seguinte sentido: “a mente vem do cére-
mapas muito bem desenhados, ou fotografias bro?” é possível que titubeie e dê uma resposta
muito bem tiradas, com várias setas (o número evasiva. Mesmo tendo visto, aula após aula, as
delas é diretamente proporcional à profundi- associações entre estruturas e funções, na hora
dade do estudo) indicando o nome e função de de concluir que aquilo que você entende por
cada região. “eu” é fruto dessa complexa interação entre os
Ainda que, devido à forte interação entre neurônios, brota uma relutância que talvez pre-
todos os sistemas do nosso organismo, esse es- judique o seu estudo da área.
tudo seja também fundamental, a maioria dos Ainda que existam profissionais e teóricos
estudantes decora o conteúdo e aguarda ansio- que continuam resistentes, assim como nós, um
samente pelo momento em que o cérebro será número significativo e crescente de cientistas
finalmente a matéria da aula. Aliás, este é um de nossa área já tem plena convicção de que a
dos erros fatais a não se cometer: o desprezo chamada “dicotomia mente-cérebro” está ul-
pelo estudo dos outros capítulos da anatomo- trapassada. Apesar da neurociência não ter to-
fisiologia geral. O Psicólogo deve ter uma boa das as respostas, não resta muita dúvida sobre
compreensão do organismo até para entender a relação entre cérebro, comportamento e emo-

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ções. As evidências são provenientes de diversas quem somos. Por isso, consideramos que este
áreas como: seja o primeiro passo, ainda que o mais polêmi-
co.
- estudos clínicos com pacientes neuro- Alguns de vocês, mesmo estudando essas
lógicos (pacientes com lesões cerebrais evidências, se posicionarão contra a ideia de
mudam seu comportamento, cognição, que a mente vem do cérebro, e isso não é um pro-
emoções) blema. As escolas teóricas em psicologia geral-
- neuroimagem funcional (que permitem mente assumem uma posição bem definida no
verificar o cérebro em funcionamento, tocante ao chamado problema mente-cérebro.
em tempo real, enquanto o indivíduo re- Há os que achem que “uma coisa é uma coisa”
aliza atividades) e “outra coisa é outra coisa”. Esses são os dualis-
- neuromodulação (que permitem, por tas, que acreditam na dissociação entre mente
exemplo, diminuir a atividade de um de- e cérebro. Há os dualistas paralelistas (mente e
terminado sistema neural, avaliando o cérebro atuam de forma paralela e sem intera-
efeito sobre alguma tarefa que o indiví- ção), os interacionistas (mente e cérebro são in-
duo está realizando). dependentes mas podem interagir entre si), os
animistas (a mente anima o corpo) entre outros.
Essa última, aliás, possibilita inferir relação Você certamente conhecerá várias dessas esco-
de causalidade entre estrutura e função, uma las teóricas ao longo do curso.
vez que a redução da atividade de determinada Por outro lado há os monistas, que podem
região cerebral irá implicar automaticamente ser de dois tipos: mentalistas e os materialistas.
na perda da função que ela é responsável por Os primeiros acreditam na supremacia da men-
produzir. Os resultados desses estudos são im- te, sendo que todas as outras coisas materiais
portantes indicativos de que somos o que somos são uma ilusão, inclusive o próprio cérebro. Os
porque nosso sistema nervoso é o que é. segundos somos nós, os neurocientistas que
Esse tipo de consciência, ou “senso de acreditamos que a mente é um produto da ativi-
origem” da mente, pode nos deixar ainda mais dade cerebral.
curiosos para entender como o cérebro funcio- Quanto mais você estudar, melhor será a
na, aumentando assim a motivação para decorar sua capacidade de se posicionar teoricamente.
aqueles nomes esquisitos e compreender como Mas cuidado: não tente conciliar o inconciliável.
aquela estrutura contribui para a definição de Não dá para ser ora monista, ora dualista.

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DICA Nº 2:
Não se assuste com o nome das estruturas

Muitos alunos acham que o nome das es- ta relação com esse idioma clássico. Cerebelo,
truturas é bastante complicado e isso dificulta a por exemplo, vem de Cerebellum que significa,
memorização. De fato, há nomes assustadores, literalmente, pequeno cérebro. O que é mais
como o Trígono das Habênulas. Quando nos de- curioso é que evidências recentes1 estão de-
paramos com esses nomes, ficamos tão choca- monstrando que o cerebelo realmente participa
dos que nos preocupamos mais em dar um jei- de processos motores, cognitivos e emocionais
to de memorizá-los do que com sua estrutura e que outrora era atribuído apenas ao cérebro.
função. A tarefa fica mais aversiva, pois passa a Ou seja, em última análise, é possível realmente
impressão de que neuroanatomia é apenas uma considerá-lo como uma “miniatura” do cérebro,
decoreba de nomes horrorosos. ainda que com limitações.
Pois bem, os nomes de estruturas podem O fundamental aqui é avisar que há alguns
ter vários motivos. Há aquelas que homena- termos que precisam ser aprendidos e cujo
geiam uma pessoa, geralmente um grande neu- aprendizado será fundamental para entender
rocientista. Temos, por exemplo, as áreas de uma série de conceitos importantes, tais como:
Broca, Wernicke e os núcleos basais de Meynert.
Há outros casos em que o nome é dado pela se- Lobos: são regiões bem delimitadas da
melhança entre a estrutura e alguma outra coi- superfície do cérebro que apresentam diversas
sa, como é o caso do Hipocampo (hippocampus subdivisões e formam sistemas neurais bem es-
= cavalo marinho), porque ele, adivinhe, se asse- pecializados. Temos 5 lobos: occipital, temporal,
melha muito a cavalos marinhos. parietal, frontal e ínsula. Cada hemisfério cere-
Há ainda aqueles casos em que o nome bral tem os mesmos lobos, nas mesmas regiões,
de uma estrutura tem a ver com sua posição em ainda que possam ter especialidades um pouco
relação a outra estrutura. Por exemplo, o epi- diferentes.
tálamo está além (epi = além) do tálamo e o sub-
tálamo está abaixo (sub = abaixo) do tálamo. Os Giros: são aquelas pequenas dobrinhas ou
prefixos “para” e “peri” também são muito usa- protuberâncias que formam cada um dos lobos
dos em neuroanatomia. Para se referirem a algo do nosso cérebro.
que está “próximo de” (ex.: parahipocampal =
região do cérebro que está próximo ao hipocam- Sulcos: são pequenas depressões que
po) e peri se refere a algo que está “em torno de” delimitam a divisão entre os giros. Quando um
(região perisilviana = está ao redor da fissura de sulco é bem aprofundado, ele recebe o nome
Sylvius). de fissura. Assim como as estruturas do sistema
Não se esqueça que também há estruturas nervoso, um sulco ou uma fissura pode receber
cujo nome pode variar de livro para livro. Por o nome de algum cientista, como a fissura de
exemplo, aquilo que aqui chamamos de “hipófi- Sylvius que, que separa o lobo temporal do lobo
se”, em outros lugares é conhecida por “pituitá- frontal (homenageando o anatomista Franciscus
ria”. Mas isso é mais exceção do que regra em ter- Sylvius), ou relacionado à sua posição topográfi-
mos dos nomes de estruturas, não se preocupe. ca, como o sulco central, que separa a parte an-
Por fim, é importante notar que muitas das terior e posterior do cérebro.
estruturas foram descritas ao longo de séculos
em que era comum o uso do latim. Assim, não Na próxima página você encontrará figuras
é raro termos nomes de estruturas com estrei- que ilustram melhor essas divisões.
1
Vide: Van Overwalle, F., Baetens, K., Mariën, P., &Vandekerckhove, M. (2014). Social cognition and the cerebellum: a meta-
-analysis of over 350 fMRI studies. Neuroimage, 86, 554-572.

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após uma lesão.
Substância cinzenta: ainda que você veja
nos livros-texto o neurônio desenhado de ma-
neira bastante colorida, aquela diversidade de
cores é um recurso meramente didático, para
facilitar a discriminação das organelas específi-
cas (acredite, eles realmente tentam facilitar as
coisas para o leitor!). Vejamos algumas informa-
ções importantes sobre isso. Os neurônios são
geralmente formados por uma parte chamada
corpo (aonde está o núcleo da célula) e prolon-
gamentos capazes de receber e passar informa-
ções (dendritos e axônio). O corpo do neurônio,
na verdade, não tem cor. Então, quando você ler
ou ouvir o termo “substância cinzenta”, não pen-
se se tratar de um líquido cinza, mas entenda
que se refere à massa de corpos de neurônios.
Simples assim!

As células que formam o cérebro: o sis-


tema nervoso é formado por neurônios e por
células da glia. Os neurônios são fundamentais
para todas as nossas funções motoras, sensoriais
e cognitivas. As células da glia apresentam várias
funções, como proporcionar suporte, nutrição, Substância branca: ao longo do desenvol-
limpeza e facilitação da comunicação (sinapses) vimento cerebral, alguns dos prolongamentos
entre neurônios, aumentando a velocidade de dos neurônios vão sendo envolvidos por um outro
transmissão do impulso nervoso. Existem vários tipo de célula da glia. No caso, estamos falando
tipos de células da glia, cada uma com funções de um tipo específico de célula da glia que tem
diferentes. Hoje sabemos que as células da glia um nome bastante complicado, mas uma função
são mais importantes do que imaginávamos. muito importante: os oligodendrócitos. Essas cé-
Elas também podem influenciar a formação de lulas fazem um isolamento elétrico do neurônio,
novas sinapses e até mesmo modificar a forma e assim propiciam que a condução dos impulsos
de comunicação de neurônios numa sinapse. nervosos ocorra de maneira mais rápida. A co-
São também cruciais para a recuperação neural loração branca dessas células reflete a cor dos

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lipídios que elas contêm. Por isso, chamamos de e, por isso, adivinhe a cor que ele tem? ... Exa-
“substância branca” os axônios revestidos com to, cinza. Entenda o córtex cerebral como uma
essa tal de bainha de mielina. espécie de “sacola prástica”. Estrutura subcorti-
cal é tudo aquilo que está dentro dessa “sacola
Cortical x Subcortical: o córtex cerebral plástica”. Ou seja, estruturas cerebrais que estão
é a camada mais externa do nosso cérebro, for- abaixo do córtex, e que também são fundamen-
mada principalmente por corpos de neurônios tais para o processamento de informações.

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DICA Nº 3:
Os vários sistemas nervosos

Ainda que a maioria das pessoas chame do organismo, controlando sua função, desde a
de “cérebro” todo o conteúdo que está dentro frequência respiratória e cardíaca, até o contro-
do nosso crânio, anatomicamente isso não é le postural e a marcha. Além dessa classificação
verdade. O Cérebro é uma das partes do nosso anatômica, podemos também realizar uma clas-
Encéfalo, juntamente com o Tronco Encefálico sificação funcional do Sistema Nervoso, dividin-
e o Cerebelo. Em conjunto com a Medula, eles do entre Visceral e Somático.
formam o Sistema Nervoso Central, porque são Ainda, ele pode ser dividido entre Simpáti-
realmente o centro de comando para todas as co e Parassimpático.
funções do nosso corpo. Voltando às divisões do Sistema Nervo-
so Periférico, além do Visceral existe também o
Somático (soma = corpo). Diferente do primei-
ro, esse segundo é responsável por controlar
as ações voluntárias dos nossos músculos. Por
exemplo, quando decidimos caminhar, escrever,
dirigir, expressar emoções através da face, tudo
isso é obra do SNP Somático.

Na periferia, há outro “tipo” de sistema


nervoso: o Sistema Nervoso Periférico (SNP).
Ele é constituído pelos nervos, 12 pares de ner-
vos cranianos e 31 pares de nervos espinhais. Os
nervos são conjuntos de axônios (principalmen-
te) que funcionam como “cabos”, conectando o
Sistema Nervoso Central às demais estruturas

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DICA Nº 4:
As células nervosas comunicam entre si e isso é fácil de entender!

Um dos assuntos que mais arrepia os ca- axônio, empurrados por uma enzima chamada
belos de qualquer estudante de neurociência é “cinesina”. Quando ela chega até o final do axô-
a neurotransmissão. E isso, de certa forma, faz nio, que é chamado de “terminal axonal”, ocorre
muito sentido, afinal, não estamos acostuma- uma inundação de cálcio naquela região, que
dos a pensar em escala molecular. Ou seja, ao empurra a vesícula contra a parede desse termi-
falar sobre neurotransmissores e coisas do tipo, nal, até que ela se funde com a parede e se abre,
isso soa muito abstrato e de difícil compreensão. liberando os neurotransmissores na fenda sináp-
Mas, ainda que seja realmente um assunto com- tica, que é o espaço entre os dois neurônios que
plexo, nosso objetivo nos próximos parágrafos estão se comunicando. Por isso, aliás, o neurônio
será demonstrar uma maneira de você encarar que envia os neurotransmissores é chamado de
esse tópico sem tanto estresse. “pré-sináptico” e o que recebe de “pós-sinápti-
A neurotransmissão é o que o próprio co”.
nome sugere, a maneira pela qual as células do
sistema nervoso transmitem informações umas
para as outras. Dizemos “células do sistema ner-
voso”, porque não são apenas os neurônios que
realizam neurotransmissão, mas também as cé-
lulas gliais (ou neuróglias), principalmente os
astrócitos. Aliás, a neurotransmissão dos astróci-
tos é um dos temas mais interessantes em neu-
rociência básica, porque ela está se revelando
como fundamental para manter a integridade
do sistema nervoso como um todo, próximo de
desbancar os neurônios, que durante décadas
ocuparam o posto de principal unidade de pro-
cessamento de informação do sistema nervoso.
Porém, utilizaremos o neurônio como exemplo
para explicar essa neurotransmissão, por uma
questão didática.
Tudo começa no núcleo, pois é lá que fica
o material genético da célula. Logo, neurotrans- Tenha sempre em mente que na natureza
missores específicos são criados a partir de ge- não há necessidade de economistas. Afinal, os
nes específicos que estão todos dentro do núcleo economistas são aqueles profissionais respon-
do neurônio. Explicar os detalhes desse processo sáveis por nos ensinar como poupar o dinheiro,
de síntese proteica é algo que está além do bojo ou investi-lo da melhor maneira. Na natureza,
desse e-book, porém, recomendamos que você isso já é a regra. Tudo sempre é poupado, porque
procure por “Dogma Central da Biologia Molecu- tudo custa energia para ser produzido, e se não
lar”, para entender melhor como isso funciona. puder ser utilizado da primeira vez, será reutili-
Há vários sites na internet muito bons sobre isso. zado mais tarde. Isso significa que o neurônio irá
Assim que os neurotransmissores termi- querer economizar os neurotransmissores, de
nam de ser produzidos, eles são encapsulados maneira que existem mecanismos pelos quais
dentro de uma “bolsa” (chamada “vesícula”) ele recapta aqueles que já fizeram sua função,
e, dentro dela, são levados através de “trilhos” antes que uma enzima responsável por “devorar
(chamados “microtúbulos”) ao longo de todo o os retardatários da sinapse” faça seu trabalho.

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Então, existem os receptores, que são canais ro que ela não “entra” na célula. A ideia que
específicos pelos quais os neurônios “engolem” boa parte dos estudantes nutre é que o neuro-
boa parte daqueles neurotransmissores, após transmissor passa de um neurônio para o outro,
terem se conectado aos receptores pós-sinápti- literalmente. Isso não é verdade. O neurotrans-
cos, antes que a COMT os destrua. missor sai do terminal pré-sináptico, mas ele
Agora você conseguirá entender o me- apenas “se liga” no pós-sináptico, abrindo uma
canismo de ação principal de um dos medica- passagem para que íons adentrem nesse neurô-
mentos psiquiátricos mais utilizados: os anti- nio e iniciem – ou não – o chamado “potencial de
depressivos da classe dos Inibidores Seletivos ação”, que, caso ocorra, irá engatilhar um novo
da Recaptação de Serotonina. Como o próprio processo de neurotransmissão no qual o atual
nome sugere, a ação desse fármaco consiste em neurônio pós-sináptico passará a ser pré-sináp-
inibir parte desses receptores de recaptação do tico.
neurotransmissor serotonina no neurônio pré- O “potencial pós-sináptico” é um fenôme-
-sináptico. Ao fazer isso, é como se ele fechasse no categórico, seguindo a regra do tudo-ou-na-
a porta de retorno da serotonina, de maneira da. Isso significa que não existe “meio” potencial
que ela ficará na fenda sináptica por mais tem- de ação. Ele irá ocorrer se – e apenas se – esses
po. Esse tempo a mais (oferta maior) aumentará íons que entraram na célula devido ao neuro-
a possibilidade de ela se ligar ao neurônio pós- transmissor que abriu a porteira forem suficien-
-sináptico, e isso tem um efeito de potencializar tes para ultrapassar um determinado limiar de
a sinapse que envolve esse neurotransmissor: a excitação. Se esse limiar é ultrapassado, ocorre
serotonina. Sabemos hoje que isso tem como re- o potencial, se não, não ocorre. Preto no branco.
sultado, entre outras coisas, o efeito terapêutico Simples assim!
de melhorar os sintomas da depressão. Contudo, é óbvio que nunca existe apenas
É chegado o momento de compreender a um neurônio realizando sinapse no outro. Isso é
participação do neurônio pós-sináptico, na neuro- uma mera demonstração didática. Na verdade,
transmissão. cada neurônio pode realizar sinapses com ou-
Quando os neurotransmissores, principal- tras centenas simultaneamente. Sim, isso faz a
mente no caso das aminas biogênicas, chegam bolsa de valores de New York parecer brincadei-
na fenda sináptica eles tem 2 caminhos possí- ra de criança!
veis: 1) ser degradado pela COMT; 2) se conectar Além disso, nem toda sinapse é excitatória
ao neurônio pós-sináptico, ligando-se a recepto- (com o objetivo de produzir potencial de mem-
res específicos dele. Os receptores são sempre brana). Boa parte delas é inibitória (com o obje-
análogos à fechadura, sendo que apenas um tivo de reduzir o potencial de ação). Esse equilí-
tipo de chave abre um tipo de fechadura. De brio entre excitação e inibição, a nível molecular,
igual maneira, os receptores são altamente es- em resposta ao ambiente, é o que verdadeira-
pecíficos. Por exemplo, receptores serotoninér- mente define nossos pensamentos. Talvez, an-
gicos só serão acionados pela serotonina (salvo tes de tudo, sejamos “poeira das estrelas”, como
os casos de substâncias que a imitem, mas esse dizia Carl Sagan. Mas é certo que essas poeiras
é assunto para outro momento). criaram as células que, através de um processo
Isso significa que a serotonina se ligará a físico-químico chamado de “neurotransmissão”,
esses receptores, mas é importante deixar cla- cria nossa mente.

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DICA Nº 5:
Aprenda a “ler” o encéfalo

O estudo de neuroanatomia é realmente trutura (ex.: tálamo).


muito parecido ao de cartografia. Assim sendo, Além disso, para você entender boa parte
para entender qualquer mapa, é preciso ter al- dos desenhos envolvendo o sistema nervoso, é
guma espécie de “pontos cardeais” para nos re- preciso ter uma noção de como o autor da ima-
ferenciar. A diferença é que em “neuro”, não fa- gem “fatiou” aquela peça, que chamamos de
laremos necessariamente de Norte, Sul, Leste e “corte anatômico”. Existem três cortes princi-
Oeste, mas sim do sentido da leitura. pais: 1) Sagital; 2) Coronal; 3) Transversal.
Sugerimos a leitura do encéfalo da frente O primeiro é aquele mais comum de se ver
(testa) para trás (nuca) e de cima (topo da ca- por aí, e está relacionado à separação entre “di-
beça) para baixo (em direção à medula). Quan- reita” e “esqueda” do encéfalo, por exemplo. A
do lemos o encéfalo da frente para trás, usamos imagem abaixo ilustra esse tipo de corte.
termos como ântero-posterior, e quando lemos
de cima para baixo, usamos termos como céfalo-
-caudal.
É comum que algumas estruturas (por
exemplo: giro do cíngulo) apresentem uma re-
gião chamada de “anterior” e outra “posterior”.
Também há o caso do “sulco central”, que divide
o “giro pré-central” do “giro pós-central”. Então,
a partir de agora, lembre-se que tudo que é “an-
terior” ou “pré”, está localizado mais próximo
da sua testa, em relação ao que é “posterior” ou
“pós”, que está perto da sua nuca.
Outros termos que devemos ter em men-
te (aliás, cérebro), que aparecerão diversas ve-
zes no seu estudo e que ajudam na orientação O segundo se refere à um corte que separa
em relação à posição das estruturas, são: dorsal, o encéfalo em duas partes, mas diferente da ma-
ventral, lateral e médio. neira lateral como o sagital, em anterior e pos-
O termo médio é usado em duas situações terior. Ou seja, como se realizasse um corte na
principais: quando ela está mais interna em rela- forma de um headphone. A imagem na próxima
ção aos hemisférios cerebrais (ficando na parte página ilustra bem isso.
em que os hemisférios estão praticamente “aco- O terceiro e último se refere ao tipo de cor-
plados”) ou quando uma região está entre outras te que divide entre superior e inferior. Imagine,
(ex.: o córtex temporal médio está entre o córtex por exemplo, uma impressora 3D funcionando.
temporal superior e inferior). O termo lateral é Ela vai criando o objeto camada por camada,
geralmente usado para se referir aquelas regi- uma sobre a outra. É como se cada uma dessas
ões que estão mais distantes da linha mediana, camadas fosse um corte transversal. A imagem a
seja ela do cérebro, do cerebelo ou de uma es- seguir ajuda a entender.

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DICA Nº 6:
Entenda a lógica das inferências do tipo estrutura-função.

Dizer que o nosso encéfalo “é uma coisa giram na nossa história há muito pouco tempo
só”, é uma ilusão ou, na melhor das hipóteses, (há 6 mil anos), e por isso dependem da intera-
uma mera convenção. ção complexa entre vários sistemas neurais. É
Na verdade, a neurociência cognitiva en- como os átomos de hidrogênio e o oxigênio, que
tende e demonstra que nosso cérebro é formado apesar de terem suas eficiências próprias, po-
por centenas de milhares de microsistemas de dem se juntar para formar a água. Aliás, há um
processamento de informação, que desempe- fato bem curioso com relação à neurobiologia
nham uma função específica, mas que também da leitura. Stanislas Dehaene, um dos principais
podem interagir entre si para gerar resultados neurocientistas dedicados a esta linha de inves-
diferentes e cada vez mais complexos, seguindo tigação, publicou um artigo em 20032 demons-
uma regra computacional. trando que uma das principais regiões cerebrais
Por exemplo, nosso córtex occipital é, na envolvidas na decodificação das letras é justa-
verdade, um aglomerado de dezenas de áreas mente o giro fusiforme. Talvez seja por isso que
já mapeadas, cada uma responsável por um as- o “A” tem “cara” de “A”.
pecto diferente do processamento visual (uma Apesar de parecer complexa, é preciso en-
delas interpreta cores, outra interpreta movi- tender que aquela divisão básica da neuroana-
mento, outra, formatos específicos etc). tomia, que divide o cérebro em 5 lobos (frontal,
Ter isso muito claro em mente nos permite temporal, parietal, occipital e insular) é, na ver-
entender a relação causal entre estrutura e fun- dade, bastante rasa. Sabê-la já é um excelente
ção. Por exemplo, uma das condições clínicas começo e será bastante útil para você fazer as
neuropsicológicas mais curiosas é a prosopag- primeiras inferências sobre estrutura e função,
nosia, na qual o indivíduo, mesmo tendo todas mas é preciso ir mais além. Veja, por exemplo, a
as demais funções preservadas, apresenta uma seguinte metáfora: os lobos cerebrais são como
bizarra incapacidade de processar o rosto das continentes, os módulos cognitivos são como
pessoas. É como se ele fosse “analfabeto para países, e as funções mais globais são como o
rostos”. Já foi descoberto que uma das princi- clima e as relações sociais. Há ainda os hemis-
pais regiões cerebrais comprometidas nesses férios direito e esquerdo. Só que aqui, ao con-
pacientes é chamada de “giro fusiforme”, e fica trário de nossa geografia, para cada hemisfério
localizada bem na fronteira entre o córtex occi- teremos sempre um exemplar de cada lobo,
pital e temporal, cuja função é justamente pro- ainda que haja determinadas especialidades de
cessar o estímulo “rosto”. cada lado.
Claro que nem tudo que pensamos ou sen- Se te dissermos o nome de um país do qual
timos hoje tem um módulo específico, pois isso você nunca ouviu falar, mas informarmos que
tem a ver com a evolução da nossa espécie, ou ele fica na Europa, provavelmente você irá in-
seja, a maneira como respondemos diante dos ferir que o clima lá é frio (pois o clima europeu
problemas adaptativos com os quais nos depa- tende a ser frio). De igual maneira, se falamos o
ramos ao longo de milhares de anos. nome de uma estrutura, que fica no lobo occi-
Por exemplo, processar e identificar rostos pital, provavelmente você concluirá que ela está
humanos é algo fundamental, tanto para a so- relacionada à visão. Ainda, o caminho inverso
brevivência, quanto para a reprodução, e parece também vale. Ou seja, suponha que a avaliação
depender de estruturas bem específicas. Porém, neuropsicológica mostrou uma alteração impor-
outras habilidades, como a leitura e escrita, sur- tante na compreensão da linguagem. É possível
2
McCandliss, B. D., Cohen, L., &Dehaene, S. (2003). The visual word form area: expertise for reading in the fusiform gyrus.
Trends in cognitive sciences, 7(7), 293-299.

20
então inferir que algo não está correndo bem no climatologia, há exceções que devem ser consi-
lobo (“continente”) temporal do hemisfério es- deradas, porém, esse é um raciocínio que tende
querdo do paciente. Claro que, assim como em a dar certo em muitas ocasiões.

21
22
DICA Nº 7:
Não nascemos prontos, tampouco uma tábula rasa.

Como já vimos até aqui, nosso cérebro não de recompensa, motivação, regulação emocio-
é uma massa amorfa e indiferente, mas sim um nal e cognição social estavam fortalecidas. Isso
órgão bastante estruturado, e com suas regiões demonstrou, pela primeira vez, que o cérebro
principais já definidas desde o nascimento. Po- de uma pessoa apaixonada funciona de maneira
rém, ainda que não nasçamos uma “tábula rasa”, distinta (e, ousamos dizer, privilegiada) mesmo
tampouco viemos ao mundo 100% prontos. quando não está fazendo nada. Esta pode muito
Levamos cerca de 20 anos para atingir a bem ser a razão pela qual pessoas apaixonadas
maturidade do nosso Sistema Nervoso. Mas ele melhoram o humor e aumentam a motivação e
não fica pronto e fim de história. Ao contrário criatividade não apenas no âmbito do relacio-
disso, ao longo de toda nossa vida, sofreremos namento em si, mas de uma maneira generali-
modificações importantes tanto na estrutura, zada, inclusive produzindo muito mais e melhor
quanto na função cerebral. E ainda há muitos no trabalho. Ou seja, o amor não muda apenas a
fatores que podem interferir nesse desenvolvi- sua vida, mas seu cérebro também.
mento normal, seja para bem, seja para mal. Evidentemente que não podemos ser ma-
Por exemplo, a prática de exercícios físi- niqueístas e considerar que tudo são flores. Há
cos, o hábito de leitura e a própria qualidade dos fatores que influenciam nosso desenvolvimento
relacionamentos interpessoais podem interferir cerebral para pior. Por exemplo, o uso prolonga-
bastante, tanto na estrutura, quanto na função do e excessivo de álcool, ao contrário da crença
do nosso cérebro, de maneira a prevenir ou mes- nutrida no senso comum, não “mata” os neu-
mo retardar alguns tipos de doenças associadas rônios, mas diminui seu volume. Um neurônio
ao envelhecimento. menos volumoso tem menor área para realizar
Para você ter uma noção do quanto somos sinapses, consequentemente sua função fica
suscetíveis a esses eventos da história de vida, bastante prejudicada, o que ajuda a compreen-
um estudo recente3 concluiu que o cérebro de der os déficits cognitivos observados em pacien-
pessoas apaixonadas funciona de maneira dife- tes dependentes de álcool, principalmente na
rente daqueles que não estão interessados em velocidade de processamento.
ninguém, no momento, mesmo quando não está Para finalizar essa dica, temos que ter em
fazendo nada. Através da técnica de neuroima- mente que quando estamos falando do desen-
gem chamada “resting-state fMRI” (que analisa o volvimento do nosso SNC, estamos falando do
funcionamento cerebral em condição de repou- desenvolvimento ao longo da história evolutiva
so), os cientistas avaliaram como as diferentes ou da história de um indivíduo. Nos dois casos,
estruturas cerebrais estão conectadas entre si encontramos um fenômeno interessante, pois,
no cérebro de indivíduos apaixonados, no da- tanto ao longo da história evolutiva, quanto ao
quelas que acabaram de sair de um relaciona- longo da nossa trajetória de vida, nosso cérebro
mento, e naquelas que jamais se apaixonaram, foi se tornando cada vez mais complexo, tanto
quando estas pessoas não estão realizando ne- em termos de reforçamento das conexões re-
nhuma tarefa específica (ou seja, encontram-se levantes para as atividades diárias, quanto da
em estado de repouso). proporção daquelas regiões mais relacionadas a
Os pesquisadores desse estudo concluí- comportamentos complexos.
ram que, apenas naquelas apaixonadas, a cone- Ainda em relação à trajetória de vida, você
xão entre as regiões responsáveis pelo circuito também pode se inteirar sobre a relação entre

3
Song, H., Zou, Z., Kou, J., Liu, Y., Yang, L., Zilverstand, A., ... & Zhang, X. (2015). Love-related changes in the brain: a resting-
-state functional magnetic resonance imaging study. Frontiers in human neuroscience, 9.
4
https://www.iluminaneurociencias.com.br/artigos/a-pobreza-custa-caro-e-o-cerebro-paga-o-preco/

23
pobreza e o desenvolvimento cerebral, através Durante toda vida modificamos nosso cérebro,
de um texto publicado no blog do ILumina Neu- aprendendo novas coisas e formando novas si-
rociências, seguindo o seguinte link de rodapé4. napses. Além disso, com o avançar das déca-
De certa forma, a nossa vida repete o histó- das, alguns processos naturais irão diminuir a
rico evolutivo da nossa espécie, já que, ao longo eficiência de nossos sistemas neurobiológicos.
do desenvolvimento, as últimas estruturas que Novamente, o ritmo em que isso vai acontecer
atingem a maturidade são justamente aquelas irá depender bastante do nosso comportamen-
que apareceram por último em termos de nos- to, interesses, estimulação ao longo da vida e do
sa história evolutiva. Ao que tudo indica, para a quanto cuidamos de nossa saúde. Assim, o am-
neurociência, se tudo correr bem, só nos torna- biente é um ingrediente fundamental ao longo
mos adultos após duas décadas de vida. de toda nossa vida para a estruturação e funcio-
Isso não significa que o cérebro para de se namento do nosso sistema nervoso.
modificar quando chegamos à sua maturidade.

24
25
DICA Nº 8:
Aplicando a neurociência na prática.

A grande pergunta que fica é: por que você nhecimento razoável de neurociência, até para
deve estudar neurociência? Será que é como no não cair em armadilhas publicitárias que utilizam
ensino fundamental, quando vemos matérias o prefixo “neuro” com o único objetivo de embu-
que sabemos ser de pouca relevância para o tir valor no produto, ainda que de fato não tenha
nosso futuro (ainda que sejam para outras pes- qualquer comprovação neurocientífica de efici-
soas)? ência.
Não, a neurociência, para psicólogos, não é Outra situação comum em que o conhe-
uma questão de identificação, mas de necessida- cimento de neurociência se faz necessário diz
de. É um fundamento que servirá para embasar respeito à área educacional. Muitas vezes, o pa-
toda e qualquer prática que for feita enquanto ciente que passou pela avaliação apresentou
profissional, já que lidamos com comportamen- déficits significativos em funções que são neces-
to e processos mentais que derivam do cérebro. sárias para o aprendizado normal, o que signi-
Por exemplo, na clínica. Durante a realiza- fica que precisará de uma atenção especial em
ção de uma reabilitação neuropsicológica, recor- sala de aula. Saber fundamentar seus achados à
rer a técnicas que não tenham eficácia demons- luz da neurociência, não cometendo erros, fará
trada no sentido de reestruturar os circuitos com que seu relatório ganhe mais peso na hora
neurais do paciente, ainda que não seja um fator da instituição decidir sobre a necessidade des-
decisivo para escolhê-la (pois algumas estraté- te cuidado especial, que mudará para melhor o
gias ainda não produziram esse tipo de evidên- rumo da trajetória escolar do paciente.
cia), deve contar bastante. Ou seja, é preciso dar Há, entretanto, uma série de outros con-
preferência àquilo que já demonstrou ser eficaz textos em que conhecer bem o funcionamento
para o melhoramento do funcionamento cere- cerebral fará diferença para você, como a eco-
bral. Porém, para isso, você tem que ter um co- nomia, o marketing e os esportes.

26
27
DICA Nº 9:
Como se proteger contra as “neurobobagens”?

O termo “neurobobagem” se tornou popu- neurociência. Existem, sim, grandes pesquisa-


lar depois que a neurocientista Molly Crockett dores (alguns deles, inclusive, citamos ao longo
apresentou uma palestra TED justamente sobre desse e-book), mas eles são reconhecidos pelos
isso5. estudos que conduziram e publicaram, e não por
Trata-se das extrapolações sensacionalis- opiniões ou declarações públicas de toda sorte.
tas, intencionais ou não, dos estudos em neuro- Além disso, mesmo grandes neurocientistas são
ciência, para o grande público. E isso tem uma constantemente bombardeados com resultados
razão, aliás estudada pela neurociência. conflitantes com seus próprios experimentos, e
Algumas pesquisas vem demonstrando isso demonstra que a “verdade” não está neles.
que um texto que contém a imagem de um cére- Logo, quem fica citando muito “fulano-de-tal”,
bro assume maior apelo popular e é considerado tratando-o como espécie de guru, provavelmen-
pelo público leigo como sendo mais consistente te está bastante equivocado.
e sério6. Em outras palavras, a neurociência se- E isso leva ao segundo ponto importante a
duz7. ficar atento: às fontes. Toda e qualquer interven-
Isso significa que muitos indivíduos se ção que se pretenda ser “neuro”, tem que refe-
vêem tentados a utilizar neurociência como uma renciar trabalhos de neurociência. Isso parece
forma de aumentar o valor de seus produtos ou óbvio, mas, por incrível que pareça, não é segui-
serviços e, quando isso não existe, eles simples- do, nem exigido. A maioria das pessoas que estão
mente incluem um “neuro” antes do nome. As- praticando “neurobobagem” recorrem ao recur-
sim sendo, vivemos em uma espécie de “era da so do tipo “existem estudos que mostram...” ou
neurogourmetização”, em que determinados “neurocientistas dizem que...”. Esse tipo de colo-
profissionais ficam se ancorando na ciência do cação é totalmente inadequada, a menos que a
cérebro para conquistar maior status e, auto- pessoa realmente cite as fontes para esses “es-
maticamente, conquistar um público cada vez tudos que mostram...”.
maior. A questão é, como separar o joio do trigo? Então, não se iluda com o apelo à autorida-
Uma das maneiras de evitar cair nessas ar- de ou referências inexistentes. Exerça o seu di-
madilhas é ficar atento ao discurso de quem está reito de “consumidor” e exija que o profissional
querendo te vender algum produto ou serviço que está utilizando a neurociência em seu pró-
com o prefixo “neuro”. prio benefício realmente fundamente esse tipo
Por exemplo, o diferencial entre alguém de prática à luz de estudos científicos sérios. É
realmente sério, e aquele que só quer “surfar” basicamente isso que chamamos de “prática ba-
na onda da neurociência é, primeiramente, o seada em evidências”, que tem sido um padrão-
apelo a autoridades. Não existe “autoridade” na -ouro para qualquer intervenção eficaz.

5
Link: https://www.youtube.com/watch?v=b64qvG2Jgro
6
McCabe, D. P., &Castel, A. D. (2008). Seeing is believing: The effect of brain images on judgments of scientific reasoning.
Cognition, 107(1), 343-352.
7
Weisberg, D. S., Keil, F. C., Goodstein, J., Rawson, E., & Gray, J. R. (2008). The seductive allure of neuroscience explanations.
Journal of cognitive neuroscience, 20(3), 470-477.

28
29
DICA Nº 10:
Como “sobreviver” aos críticos desinformados?

Então, vamos supor que você sobreviveu reduzir um fenômeno complexo a um conjunto
aos primeiros passos na neuroanatomia e se en- de regras básicas para estudá-lo de maneira efi-
cantou com as neurociências. Prepare-se para ciente. Possivelmente, o exemplo mais clássico
tempos difíceis. Os psicólogos, muitas vezes, se disso, em ciências naturais, é o mecanismo res-
autoproclamam defensores da diversidade. No ponsável pela Teoria da Evolução, que Charles
entanto é justamente em boa parte dos cursos Darwin chamou de Seleção Natural. O conceito
de Psicologia que você verá comentários total- de seleção natural é super básico e simples, no
mente arbitrários, intolerantes e preconceituo- entanto, ele dá conta de explicar a toda a com-
sos em relação à qualquer tentativa de incluir a plexidade da vida, ou, de um jeito mais poético
biologia nas explicações sobre comportamento e citando o próprio Darwin, às “infinitas formas
e cognição. Os principais ataques, traduzindo de beleza”. Ou seja, não é porque todo o proces-
para uma linguagem educada, incluirão as afir- so de evolução das espécies foi “reduzido” a um
mativas: conceito básico, que isso perde o encanto ou
mesmo a profundidade científica. Para o filóso-
1 – A neurociência é reducionista. fo da ciência Daniel Dennett8, o problema está
2 – A neurociência justifica preconceitos. no “extremo reducionismo”, ou seja, quando o
3 – A neurociência despreza o ambiente. cientista reduz um fenômeno complexo (como
4 – A neurociência despreza a subjetividade. a mente humana) não apenas a um conjunto de
sistemas e princípios em si, mas a um conjunto
Com relação à primeira crítica, talvez quem de sistemas e princípios que não conseguem
a argumente tenha uma grande dificuldade de responder às perguntas. No caso da neurociên-
compreender que um determinado fenômeno cia isso não ocorre, porque ela própria reconhe-
complexo pode ser explicado a partir da inte- ce que ainda não tem propriedade suficiente
gração entre diferentes fatores biológicos e so- para explicar todos os processos mentais huma-
ciais. De fato, explicar comportamento apenas nos (não se outorga o grau de detentora de todo
do ponto de vista genético ou ambiental é uma o conhecimento), mas aqueles que ela já conse-
forma simplória e fadada a grandes equívocos. guiu investigar e “reduzir” a reações químicas do
Um determinado comportamento só deve ser organismo, ela tem capacidade de explicar.
compreendido a partir de uma perspectiva que A segunda crítica é, talvez, o reflexo da não-
integre níveis de análise como: -compreensão de todas as demais. Por exemplo,
quando a neurociência demonstra que há dife-
✓ Genético/molecular renças de gênero tanto na morfologia, quanto no
✓ Morfológico/Fisiológico funcionamento cerebral, ela não está, de manei-
✓ Individual ra nenhuma, defendendo que essas diferenças
✓ Familiar justifiquem qualquer tipo de discriminação. Ou
✓ Social seja, ainda que seja um fato que as mulheres, em
✓ Cultural média, apresentem maior substância cinzenta
✓ Histórico (que você já aprendeu que são “corpos de neu-
rônio”) numa região chamada Junção Temporo-
Além disso, há um problema inerente à parietal Direita (que fica bem na junção entre o
maneira como as pessoas tendem a utilizar o córtex temporal e parietal do hemisfério direi-
termo “reducionismo”. Muitas vezes, a ciência to... viu como não é difícil deduzir localização
(inclusive outras além da neurociência) precisa pelo nome?), e que isso lhes confere uma capa-
Dennett, D. C. (1998). A perigosa idéia de Darwin: a evolução e os significados da vida. Rocco.
8

30
cidade maior de “Teoria da Mente” (capacida- riáveis ambientais que são necessárias para que
de de inferir estados mentais alheios com base nossas funções cognitivas e comportamentais
em sinais visuais, auditivos e mesmo olfatório, e atinjam sua maturidade e pleno funcionamento.
usar esse conhecimento para prever o compor- Além do texto que já referenciamos, escri-
tamento da pessoa); além de mais substância to pela psicóloga Isabela Sallum, sobre o efeito
branca (que você já aprendeu que são “axônios de uma má condição econômica sobre o desen-
mielinizados”) no lobo frontal, que lhes confere volvimento cerebral, há outros tantos exemplos
uma maior capacidade de controlar os impulsos, que deixam claro como a neurociência se pre-
isso não significa que todas as mulheres serão ocupa exaustivamente com o impacto do am-
excelentes mentalistas, nem super controladas. biente, e mesmo da cultura.
Significa apenas que, em média, as mulheres Por exemplo, o Simon Baron-Cohen (ci-
terão um desempenho superior nessas habili- tado logo acima) desenvolveu um dos instru-
dades, em relação aos homens. Porém, isso não mentos mais utilizados no mundo inteiro para
diz nada sobre “uma mulher específica”. Citando avaliar “teoria da mente”, principalmente (mas
um dos principais neuropsicólogos responsáveis não somente) com o objetivo de discriminar en-
pelo estudo das diferenças de gênero na cogni- tre sujeitos normais e pacientes com transtorno
ção, Simon Baron-Cohen: do espectro autista. Esse instrumento é chama-
do de Reading the Mind in the Eyes Test (Teste da
Quando falo em diferenças na mente Leitura da Mente através dos Olhos), ou simples-
ligadas ao sexo, estou me referindo mente RMET, e consiste em 36 imagens preto-e-
apenas a médias estatísticas. E se há -branco apenas da região dos olhos, com quatro
um ponto a deixar claro desde o início, possibilidades de escolha sobre o que aquela
é este: procurar diferenças entre os se- pessoa da imagem estava pensando ou sentindo
xos não é criar estereótipos. O estudo no momento da fotografia. Ele é um instrumento
das diferenças nos permite descobrir domínio-público, e você pode fazer o download
as diferentes influências sociais e bio- dele no site do Autism Research Centre10.
lógicas sobre o sexo, mas não nos diz Existem estudos de tradução, adaptação e
nada sobre indivíduos. [...] O estereó- validação em várias culturas diferentes (inclusi-
tipo reduz os indivíduos à média, en- ve, no Brasil11), mas em 2010 foi realizada uma
quanto a ciência reconhece que muita pesquisa12 muito interessante, que consistiu em
gente se afasta do que é considerado a aplicar o RMET a sujeitos caucasianos e asiáti-
faixa média do grupo a que pertence. cos, avaliando não apenas o desempenho em
(Baron-Cohen, 2004, p. 239). si, como também o padrão de atividade cerebral
durante a testagem. Descobriram que há uma
Ou seja, ao ver uma moça desconhecida vantagem para a identificação do estado mental
caminhando pela rua, você não tem a menor de pessoas que pertencem à sua própria etnia/
condição de inferir que ela tenha altas habilida- cultura (no caso, japoneses reconheciam me-
des sociais e muita capacidade de controlar os lhor o que fotos de olhares japoneses queriam
impulsos, a menos que faça uma entrevista ou dizer, enquanto que caucasianos reconheciam
uma avaliação completa com ela. melhor o que olhares caucasianos queriam di-
Com relação à terceira crítica, basta res- zer), e essa vantagem poderia ser explicada em
ponder com os conceitos de desenvolvimento função de uma maior ativação do sulco temporal
e plasticidade. O cérebro não é uma estrutura superior posterior.
isolada cujo desenvolvimento é totalmente pré- Se o indivíduo não se convencer diante
-determinado pelos nossos genes. Ao contrário, disso, informe gentilmente que já existe inclusi-
nosso cérebro se desenvolve em resposta às va- ve um ramo específico, chamado “neurociência
9
Baron-Cohen, S. (2004). Diferença essencial. Editora Objetiva.
10
Link: https://www.autismresearchcentre.com/arc_tests
11
Miguel, F. K., Caramanico, R. B., Huss, E. Y., &Zuanazzi, A. C. (2017). Validity of the Reading the Mind in the Eyes Test in a
Brazilian Sample. Paidéia (RibeirãoPreto), 27(66), 16-23.
12
Adams Jr, R. B., Rule, N. O., Franklin Jr, R. G., Wang, E., Stevenson, M. T., Yoshikawa, S., ... &Ambady, N. (2010). Cross-cultu-
ral reading the mind in the eyes: an fMRI investigation. Journal of cognitive neuroscience, 22(1), 97-108.

31
cultural”13, que se dedica unicamente a analisar cérebro das pessoas, principalmente de uma
essas diferenças no padrão de atividade cere- menor espessura das regiões corticais envolvi-
bral diante de uma mesma tarefa, mas em cultu- das no controle dos impulsos. Você já viu ante-
ras diferentes. riormente que o córtex (que é uma “substância
A quarta crítica é quase sempre feita por cinza”) é formado por corpos de neurônios. Uma
aqueles (geralmente dualistas) que acham que menor espessura cortical significa uma menor
subjetividade é algo impossível de ser compre- concentração de neurônios, ou que eles estão
endido se focarmos no organismo. No entanto, com seu tamanho reduzido. De qualquer manei-
o ramo de investigação acerca das diferenças ra, isso implica num funcionamento prejudicado
individuais é bastante fértil nas neurociências. e, por serem áreas envolvidas no controle inibi-
Por exemplo, você já deve ter reparado que algu- tório, isso explica a dificuldade desses indivídu-
mas pessoas são mais impulsivas, e outras me- os em “pensar antes de agir”. Esse é apenas um
nos impulsivas. Isso porque a tendência a “agir exemplo sobre como a neurociência considera,
sem pensar” é uma característica que varia de sim, que pessoas diferentes irão responder de
indivíduo para indivíduo. Um estudo recente14 maneira diferenciada às situações cotidianas,
demonstrou que essa diferença pode (também) reflexo da interação entre biologia e ambiente.
ser explicada à luz de diferenças estruturais no

13
Han, S., Northoff, G., Vogeley, K., Wexler, B. E., Kitayama, S., &Varnum, M. E. (2013). A cultural neuroscience approach to
the biosocial nature of the human brain. Annual review of psychology, 64, 335-359.
14
Holmes, A. J., Hollinshead, M. O., Roffman, J. L., Smoller, J. W., & Buckner, R. L. (2016). Individual differences in cognitive
control circuit anatomy link sensation seeking, impulsivity, and substance use. JournalofNeuroscience, 36(14), 4038-4049.

32
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar neurociência não é fácil, mas tam- duas fontes diferentes e, logo na sequência,
bém não há razão para se ficar “neurado” com procure responder a questões sobre o assunto,
isso. Pondo em prática essas dicas aqui descri- como se realmente estivesse fazendo uma pro-
tas, você provavelmente amenizará o choque va. Quanto mais perguntas você responder, me-
inicial, desmistificará preconceitos e descobrirá lhor será a qualidade do seu aprendizado. Não
um mundo maravilhoso e instigante que é a neu- se esqueça nunca de corrigir as respostas, para
rociência. perceber onde errou, e qual a resposta certa.
Algumas vezes, precisamos realizar tare- Para estudar a localização das estruturas,
fas no nosso dia a dia que não gostamos, mas tente pegar uma imagem do cérebro com as se-
que precisam ser feitas. Porém, é inegável que tas indicativas, apagar o nome que está escrito
quando consideramos a atividade uma fonte de em cada uma delas, e tentar acertar.
prazer, sentimos maior motivação para concluí- Esta cartilha teve um objetivo bem especí-
-la da maneira mais eficiente possível. Estudar fico: tirar o medo inicial de estudar neurociên-
neurociências não é diferente! Por isso, aliás, cias de modo geral, o que será crucial para sua
que a primeira dica foi sobre a valorização do formação como psicólogo, ou mesmo atuação
cérebro como sede de quem somos. Essa com- na área. Perdendo o medo inicial, você estará
preensão, se introjetada, despertará um inte- preparado para os próximos passos, que serão
resse tão grande pelo assunto, quanto o de al- maravilhosos. Aliás, pensando em estimular
guém prestes a fazer uma viagem internacional você a dar os próximos passos, na sequência
e que quer aprender tudo sobre o país de des- você poderá conferir uma série de referências
tino. comentadas, que esperamos que você busque
Feito isso, uma das maneiras mais eficien- para aprofundar o conhecimento.
tes de aprender neurociência é fazendo exercí- Que a força esteja com você!
cios. Estude cada tema utilizando pelo menos

33
REFERÊNCIAS COMENTADAS

Para construir a base necessária ao en- obra uma leitura fundamental a todo aspirante
tendimento dos processos neurológicos e da neuropsicologia.
neuropsicológicos:
Gazzaniga, M. S., Ivry, R. B., & Mangun, G. R. (2006).
Neurociência cognitiva: a biologia da mente. Art-
Cosenza, R. M. (2000). Fundamentos de Neuroana-
med.
tomia . Grupo Gen-Guanabara Koogan.
Livro organizado por um dos principais neuro-
A fim de compreender o funcionamento de nos-
cientistas cognitivos da atualidade (Gazzaniga),
so cérebro, é fundamental que conheçamos
esta obra é bastante ampla e rica em imagens
cada uma de suas partes, os sistemas formados
coloridas muito didáticas, contendo capítulos
pelo agrupamento de algumas delas, bem como
tanto de neuroanatomia funcional, quanto vol-
suas funções básicas e formas de interação. Este
tados à compreensão de diferentes comporta-
livro, escrito pelo Professor Ramon Cosenza, um
mentos humanos à luz dos estudos do cérebro.
dos principais nomes das neurociências no Bra-
Com certeza é uma das principais referências na
sil, é um dos mais adotados em cursos de gradu-
área para se ler e consultar.
ação de diversas áreas. A abrangência do conte-
údo e a ótima didática fazem com que este seja
Herculano-Houzel, S. (2005). Cérebro Em Transfor-
um exemplar ideal para consultas recorrentes
mação, O. Editora Objetiva.
em momentos de dúvidas. Em psicologia existem muitas teorias sobre de-
senvolvimento humano, mas poucas delas estão
alicerçadas em evidências. Por outro lado, os
Para se apaixonar pelas neurociências: estudos sobre neurociência do desenvolvimen-
to são muitas vezes complexos demais para al-
Damásio, A. R. (2009). O erro de Descartes: emoção, guém que está iniciando na área compreender
razão e o cérebro humano. Editora Companhia das em sua totalidade. Por isso, recomendamos
Letras. fortemente a leitura desse livro, na qual a neu-
Quem nunca ouviu falar no famoso caso de Phi- rocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel
neas Gage? O casal Antonio e Hanna Damásio foi apresenta, de maneira extremamente didática e
responsável por desvendar esse grande enigma confortável, o passo a passo do desenvolvimen-
da neuropsicologia, no trabalho publicado em to humano à luz da neurociência, com um foco
1994. Alguns anos mais tarde, ele decidiu popu- maior na adolescência, utilizando sempre mui-
larizar o feito e escreveu esse livro que se tornou tos exemplos cotidianos curiosos. Vale muito a
um clássico na área desde então. Sua descrição pena a leitura.
quase roteirizada dos relatos do dr. Harlow, que
primeiro atendeu o Phineas Gage após o aciden- Pinker, S. (1998). Como a mente funciona. Editora
te e anotou suas mudanças de comportamento, Companhia das Letras.
numa época em que sequer se conhecia a estru- Não se assuste com o tamanho desse livro, nem
tura do neurônio, conferem um aspecto artísti- com a complexidade da primeira parte, você
co à obra. Além disso, sua descrição do “novo” consegue! Esse possivelmente é um dos livros
Phineas Gage, paciente que o próprio Antonio de divulgação científica mais amplos sobre o
atendeu, bem como do processo de criação e funcionamento da mente, escrito por aquele
aplicação do Iowa Gambling Task (uma das prin- que talvez seja o principal psicólogo da atualida-
cipais tarefas neuropsicológicas empregadas de, o professor Steven Pinker. Inicialmente, ele
para avaliar tomada de decisão) fazem dessa apresentará a chamada “teoria computacional

34
da mente”, e na sequência explicará as origens Nesses livros você encontrará uma exce-
evolutivas de diferentes padrões de pensamen- lente introdução à Neuropsicologia:
to e comportamento humano. O livro não apenas
explica “como” a mente funciona, mas também Fuentes, D., Malloy-Diniz, L., Camargos, C. H. P. &
“por que” funcionamos dessa maneira. É eviden- Cosenza, R. (2012) Neuropsicologia: teoria e práti-
te que nesses últimos 20 anos muitos novos es- ca. Porto Alegre: Grupo A.
tudos foram conduzidos, mas praticamente tudo Esse é um dos mais adotados livros-texto na área
que ele coloca na obra ainda é válido. de Neuropsicologia em cursos de graduação.
Trazendo capítulos de importantes clínicos e
Pinker, S. (2002). Tábula rasa: a negação contem- pesquisadores da área de neuropsicologia, o li-
porânea da natureza humana. Editora Companhia vro apresenta os processos neuropsicológicos
das Letras. básicos, as alterações neuropsicológicas em pa-
Outro livro do Steven Pinker, dessa vez tratando tologias psiquiátricas e neurológicas, bem como
de um tema que tem muito a ver com esse e- fundamentos para a prática de avaliação e inter-
-book inclusive: a negação da natureza humana. venções.
É de especial interesse que você preste bastante
atenção quando ele fala sobre o “fantasma da Santos, F. H., Andrade, V., Bueno, O. (2015) Neurop-
máquina”. Vale muito a pena a leitura, pois você sicologia Hoje. Porto Alegre: Grupo A.
abrirá bastante seus horizontes conceituais. Este importante livro inaugurou a tradição de li-
vros de neuropsicologia organizados e escritos
por autores brasileiros. Em sua segunda edição,
Ramachandran, V. S., & Blakeslee, S. (2004). Fan- traz o estado da arte do conhecimento sobre
tasmas no cérebro. Rio de Janeiro: Record. funções cognitivas e perfis neuropsicológicos
Ramachandran é um dos mais famosos neuro- em transtornos mentais.
logistas, responsável por desenvolver um méto-
do bastante eficaz para lidar com a extinção do
“membro fantasma” através de espelhos. Nesse
Se você quiser conhecer mais sobre neu-
livro muito bem escrito e humorado (porque hu-
mor é sempre bom) ele apresenta uma série de ropsicologia clínica você deve procurar
casos clínicos bastante curiosos, como a Síndro- informações na coleção Neuropsicologia
me de Capgras, na qual o paciente nutre a certe- na Prática Clínica. Ela é editada pelos
za de que determinado indivíduo do seu convívio Professores Paulo Mattos (UFRJ) e Le-
social não é ele próprio, mas um impostor que andro Fernandes Malloy-Diniz (UFMG) e
assumiu seu corpo. Livros como este nos fazem
reúne diversos títulos escritos ou orga-
refletir mais sobre como nosso cérebro define
quem somos. nizados por grandes neuropsicólogos e
neurocientistas. A coleção já conta com
Sacks, O. (2016). O homem que confundiu sua mu- os títulos:
lher com um chapéu: e outras histórias clinicas.
Editora Companhia das Letras. Gonçalves, O., Boggio, P. (2016) Neuromodulação
Este é o mais conhecido livro do famoso neurolo- Autorregulatória. São Paulo, Pearson.
gista Oliver Sacks, que infelizmente faleceu em Com o avanço do conhecimento sobre o cére-
2015. Digo “infelizmente” não apenas pela pes- bro, cada vez mais estamos tendo acesso às
soa que ele foi, mas porque agora não seremos tecnologias que podem modificar o padrão de
mais brindados com suas descrições de casos atividade cerebral e modular comportamentos.
clínicos que são quase romances (aliás, alguns Nesse livro, de forma extremamente didática, os
deles chegaram a virar filmes e peças de teatro). autores apresentam exemplos práticos de neu-
Juntamente com o livro do Ramachandran, essa romodulação que auxiliam o indivíduo a regular,
obra reforça que devemos cuidar bem do nosso por si só, sua atividade cerebral.
cérebro, para que possamos ter uma boa saúde
mental.

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Teixeira, A. L., Diniz, B. S. O. e Malloy-Diniz, L. F. dade, um quadro chamado Discalculia do De-
(2017) Psicogeriatria na Prática Clínica. São Paulo: senvolvimento. Flávia Heloisa dos Santos traz,
Pearson. nesse livro, uma explanação aprofundada sobre
O Envelhecimento populacional trouxe também este transtorno de aprendizagem, descrevendo
consequências importantes para as práticas questões importantes para avaliação e interven-
na área da saúde. Os transtornos neuropsiqui- ções. De interesse para Neuropsicólogos, Neuro-
átricos acometem um número substancial de logistas, Psiquiatras, Fonoaudiólogos, Terapeu-
idosos, sendo necessário que profissionais de tas Ocupacionais e profissionais de educação, o
saúde refinem suas práticas de diagnóstico e livro traz uma oportunidade ímpar de atualiza-
tratamento direcionados à população geriátrica. ção sobre o tema.
De interesse para Neuropsicólogos, Psiquiatras,
Neurologistas e Geriatras, no livro há contribui- Julio-Costa, A. Antunes, A. M. (2016) Transtorno do
ções de diversos autores, vindos das mais diver- Espectro Autista na Prática Clínica. São Paulo: Pe-
sas disciplinas da área de saúde. arson.
Os mitos e tabus encontrados por profissio-
Zimmermann, N., Kochhann, R., Gonçalves, H., nais de saúde e educação no tocante ao tema
Fonseca, R. P. (2016) Como Escrever um Laudo Neu- “Autismo” trazem dificuldades importantes na
ropsicológico? São Paulo: Pearson. abordagem clínica do transtorno. A despeito
Escrito por um dos grupos mais experientes em disso, os avanços nos últimos anos na compre-
neuropsicologia clínica no Brasil, esse livro é in- ensão daqueles quadros abarcados sob o con-
dispensável para o neuropsicólogo. O livro apre- ceito de Espectro Autista trazem, a pacientes e
senta de forma didática, com exemplos práticos, familiares, novas oportunidades de tratamento
o caminho das pedras para a elaboração de lau- e maximização funcional. No livro Transtorno do
dos informativos e bem fundamentados, repor- Espectro Autista na Prática Clínica, as autoras
tando os achados de um exame neuropsicológi- apresentam o estado da arte sobre diagnóstico
co. Como elaborar um laudo neuropsicológico? e intervenções com pacientes que apresentam
é indicado tanto para os profissionais que estão esse diagnóstico.
iniciando a carreira, como para aqueles que já
atuam na área.
Antídoto contra as pseudoneurociências:
Serafim, A. P., Saffi, F., Marques, N., Achá, M. F. & Oli-
veira, M. Avaliação Neuropsicológica no Contexto Ekuni, R., Zeggio, L., Bueno, O. F. A., editors. Caça-
Forense. São Paulo: Pearson. dores de Neuromitos: o que você sabe sobre seu cé-
Uma das áreas mais importantes da neuropsi- rebro é verdade? São Paulo: Editora Memnon.
cologia é a sua vertente forense. Como avaliar a Com o avanço das neurociências, tudo o que diz
cognição e o comportamento para fins judiciais, respeito a elas passou a exercer grande fascínio
respondendo de forma técnica às perguntas ela- sobre as pessoas. O problema é que, dentre os
boradas pelos profissionais do Direito? Determi- achados cientificamente legítimos, muitas bo-
nar responsabilidade, competências, identificar bagens também passaram a ser divulgadas equi-
prejuízos funcionais decorrentes de práticas la- vocadamente como fruto de pesquisas acerca
borais dentre vários outros temas, muitas vezes do funcionamento do nosso cérebro. Algumas
requer o exame neuropsicológico como ferra- dessas falácias tornaram-se amplamente co-
menta protagonista. Organizado pelos pioneiros nhecidas e são aqui chamadas de neuromitos.
na área de Neuropsicologia Forense no Brasil, o Nesse livro, a verdade sobre eles é revelada de
livro é peça fundamental na formação de todo es- forma acessível e divertida.
pecialista na área.

Santos, F. H. Discalculia do Desenvolvimento. São


Paulo: Pearson.
Crianças com dificuldades no aprendizado da
matemática podem ter, por detrás dessa dificul-

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