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Veronica Campos
• Tentar falar “fácil”. Muitas pessoas prefeririam algo do tipo “nosso tentame no
presente artigo será o de retransir uma discussão no âmbito daquilo que concerne à
concepção quineana do significado dos nomes desprovidos de referente,
notadamente no seio da problemática metafísica que emerge na letra desse
renomado filósofo estadunidense” em lugar de “meu objetivo nesse texto é discutir a
posição de Quine quanto ao problema dos nomes vazios”. Essa escolha (a opção por
uma forma erudita de escrever e falar) é algo de que se pode dizer, sem exagero, que
dificilmente (ou nunca) encontraremos num trabalho argumentativo, sobretudo
porque esse não parece ser um atributo muito valorizado entre a comunidade
filosófica de inspiração analítica. Na dúvida é melhor optar pela linguagem mais
simplificada. Não há problema algum em falar como se falaria com alguém que tem
pouca familiaridade com o tema, isto é, usar a linguagem do senso comum, inclusive
com o emprego da primeira pessoa do singular. Muitos bons trabalhos
argumentativos adotam essa estratégia, sem nenhum demérito, pelo contrário –
graças a isso frequentemente eles atingem um patamar mais elevado de clareza e
concisão. Isso não quer dizer que “falar fácil” seja fácil – para quem já está habituado
a escrever num estilo mais rebuscado e vê nisso uma virtude, simplificar a linguagem
pode constituir um desafio. Mas certamente é um desafio que, uma vez atingido,
proporciona ganhos.
• Apresentar argumentos. Parece brincadeira, mas é realidade: é difícil apresentar
argumentos, mesmo em textos que se propõem a ser essencialmente argumentativos.
Enquanto um texto mais exegético tem a capacidade de se estender por 15 páginas
(ou 30 minutos, no caso de comunicações) sem apresentar um argumento sequer a
favor ou contra uma ideia (justamente por não se tratar de um tipo de texto em que
tem por finalidade defender ou atacar ideias), textos argumentativos não podem
proceder dessa forma, o que significa que não temos escapatória: é preciso
argumentar. Argumentar é separar ideias e fazer com que elas se articulem umas em
relação às outras como favorecendo ou negando, corroborando ou contradizendo,
originando-se ou colapsando, viabilizando ou impedindo, mostrando que ou
mostrando que não, etc. Na medida em que discutir é um jogo de acusar e defender,
o esforço argumentativo é largamente facilitado se o autor já tiver tomado partido e
se tiver familiaridade com tipos de argumentos e tipos de manobras de pensamento
que existem. Portanto vale a pena investir nisso: tomar uma posição (i.e., escolher
um lado) e conhecer os principais procedimentos válidos para estabelecer alegações.
Um resumo interessante sobre tipos de argumentos pode ser encontrado aqui
www.cse.buffalo.edu/~rapaport/584/ArgumentsInPhilosophy.ppt e um sobre tipos
de falácias aqui https://yourlogicalfallacyis.com/ . Conhecer as falácias é
especialmente útil, porque mostrar que o adversário está incorrendo numa falácia
também conta como argumento.
Esses são alguns dos principais aspectos que, a meu ver, vale a pena observar.
Para alguém que está adquirindo familiaridade com o trabalho argumentativo em
filosofia, assimilar esses aspectos significa, eu creio, dar um passo importante na
aquisição da habilidade de estruturar e executar textos desse tipo.
Concomitantemente, significa adquirir ferramentas viabilizadoras de nossa inserção
em muitos dos debates contemporâneos (em diversas áreas de filosofia) que
tipicamente se dão a partir de uma perspectiva analítica.
Eu também criei um pequeno esquema de como desenvolver um trabalho
argumentativo, uma sugestão de roteiro, que apresento na página seguinte. Longe de
querer fornecer uma receita de bolo a ser seguida, ou de querer padronizar a nossa
produção intelectual ou nossa formação segundo uma metodologia rígida, gostaria
apenas de fornecer um exemplo de como proceder para o desenvolvimento de um
trabalho acadêmico no estilo argumentativo com oportunidades claras de
intervenções para melhora. É certo que dificilmente será possível fazer ipsis litteris o
que está indicado naquele passo a passo, dadas as peculiaridades de cada trabalho e
de cada indivíduo, mas, se for possível para alguém ao menos tomar aquelas
indicações como referência, essa pessoa estará caminhando para superar algumas das
principais dificuldades que se enfrenta no processo de aprendizado tardio da escrita
argumentativa.