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PHD - T.C - TiagoAPereira - 1º Semestre PDF
PHD - T.C - TiagoAPereira - 1º Semestre PDF
Introdução --------------------------------------------------------------------------------------------- 3
Conclusão ---------------------------------------------------------------------------------------------- 31
No campo das ciências humanas e sociais o conceito de “cultura” é, no mundo atual, tão
abrangente que no decorrer de vários séculos as discussões, os conceitos e resultados
apresentados por diversos autores, tornaram a sua definição questionável.
Em teoria a identidade cultural é subjetiva e evolutiva, não apresentando uma forma
estanque e objetiva. A metodologia de estudo é versátil pois tem de estar inserida num
contexto sócio-económico, histórico e religioso.
Navegando entre um estado material e intelectual, a identidade compreende a memória
do indivíduo que vive sob determinadas práticas e representações culturais da sua sociedade.
Dos símbolos à linguagem, a comunicação é o veículo cultural mais dominante de um mundo
que se quer global.
A cultura ao ser percebida como essência que se revela num processo de constante
evolução e transformação, remete para as ciências indutivas, não exatas. O principio de
indução não trata de uma verdade lógica pura, mas de observações da natureza e de factos da
humanidade para inferir uma conclusão.
O homem é um ser cultural. A cultura está impressa nos nossos genes, mas não é tudo
no ser humano. Permite-lhe criar, renovar, desenvolver-se e evoluir. É indissociável da
memória, a qual é a base da nossa consciência.
Sendo a cultura uma das qualidades mais tipicamente humanas é através das
manifestações culturais e a sua capacidade recreativa, que o indivíduo se diferencia dos
demais existentes. O captar, observar e manifestar está influenciado pela identidade cultural
individual que lhe permite inserir em grupos, comunidades e ser um “Homo Sapiens” social.
O homem é ele e a sua circunstância (José Gasset) 1
Depois do século XVI, o vocábulo latino “human” [humano] usado commumente para
se referir à espécie humana, foi ultrapassado pelo vocábulo germânico “man” [homem].2
1 Frase atribuída a José Ortega y Gasset (1883 - 1955) foi um filósofo, ensaísta, jornalista e ativista político
espanhol. Internet. Disponível em http://kdfrases.com/frase/104958. (consultado em 15/02/2017)
2 Informação sobre o nome da Espécie Humana. Internet. Disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/
Names_for_the_human_species (consultado em 16/02/2017)
Tiago André Pereira - PhD - Ciências da Cultura - 3
Na Taxonomia categorizada como a disciplina ou o processo que define, perante a
diversidade, os grupos de organismos biológicos, 3 o “Homo Sapiens” define o “Ser Sapiente”,
o “Homem Inteligente”. Dentro dessa categoria, foram muitos os rótulos atribuídos às várias
manifestações do homem ao longo da sua evolução histórica.
O “Homo educandus”, “Homo faber”, “Homo ludens” são tudo desígnios atribuídos às
manifestações do “Homem cultural”. O homem ao educar-se, trabalhar/construir novas
ferramentas e divertir-se com elas, cultiva a sua consciência. A consciência da sua capacidade
produtiva e criadora, juntamente com sua criação, é o que determina a sua dimensão cultural.
Este trabalho apresenta as noções/teorias de cultura que se demarcaram, ao longo dos
séculos, no mundo ocidental. Justifica essas noções acompanhando a época histórica em que
eles se manifestaram, de forma a evidenciar a posição/dimensão do vocábulo “cultura” nos
dias de hoje.
É no contexto atual que se revelam fenómenos culturais - Festivais Transformacionais -
nunca antes vistos, por isso complexos do ponto de vista interpretativo. O seu impacto sócio-
cultural começa agora a ser estudado, à escala global, e, é esse o caminho que este trabalho
procura apresentar.
A partir dos anos trinta, a antropologia americana observou “que a cultura não existe
como uma realidade “em si”, fora dos indivíduos, ainda que toda a cultura goze de uma
relativa independência em relação a eles” (Cuche, 1999).
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Seguindo este raciocínio deve observar-se como está a cultura presente nos indivíduos,
como os faz agir, que comportamentos suscita, sendo a hipótese adiantada, precisamente, a de
que cada cultura determina um certo estilo de comportamento [personalidade] comum ao
conjunto dos indivíduos participantes numa cultura dada.
“A sua hipótese fundamental é que, à pluralidade das culturas, deve corresponder uma
pluralidade de tipos de personalidade”. (Cuche, 1999)
O trabalho de Ruth Benedict foi também muito importante para os estudos da escola. Na
sua observação determinou que o que define uma cultura não é a presença ou a ausência deste
ou daquele traço ou complexo de traços culturais, mas a sua orientação global numa ou noutra
direção, “o seu pattern mais ou menos coerente de pensamento e de ação”. (Benedict APUD
Cuche, 1999)
Toda a cultura é coerente porque concorda com os fins que visa, ligados às suas
escolhas a partir da gama das escolhas culturais possíveis.
Para Margaret Mead, a transmissão cultural é observada pelo “modelo” cultural
particular de uma dada sociedade, que determina a educação da criança, e, não pelas
propriedades biológicas.
O processo de “inculturação” revela que: “desde os primeiros instantes de vida, o
modelo impregna o indivíduo, através de todo o sistema de estímulos e de interditos, o que o
leva, uma vez adulto, a obedecer de modo inconsciente aos princípios fundamentais da cultura
(Cuche, 1999)
No seu todo, a escola pôs em evidência a importância da educação nos processos de
diferenciação cultural. A educação é necessária e determinante no homem porque, o ser
humano não tem praticamente programa genético que guie o seu comportamento.
Os próprios biólogos dizem que o único programa (genético) do homem é o de imitar e
aprender. As diferenças culturais entre os grupos humanos são, portanto, explicáveis em
grande parte por sistemas de educação diferentes que incluem os métodos de cuidar das
crianças de tenra idade (aleitamento, cuidados do corpo, modos de deitar, desmame, etc) tão
variáveis de um grupo para outro. (Cuche, 1999)
Devido ao fraco impacto e estudos que a cultura tinha no tempo anterior de Halbwachs
comparativamente aos tempos de hoje, onde Assmann observa, é percetível este reajuste
explicado anteriormente
On the social level, with respect to groups and societies, the role of external symbols
becomes even more important because groups which of course do not “have” a memory
tend to “make” themselves one by means of things meant as reminders such as monuments,
museums, libraries, archives and other mnemonic institutions. This is what we call cultural
memory (Assmann, 2008: 111)
No contexto atual, o indivíduo apresenta uma crise de identidade notável. Mas o que
caracteriza a identidade? As identidades que um indivíduo adota são, em parte, produzidas
pelos contextos sociais e culturais em que se insere
Mas a identidade não pode ser definida numa definição. A sua complexidade pactua
com o seu objeto de estudo - o indivíduo.
A perspetiva essencialista defende que a identidade é fixada num momento original, que
existe um conjunto inerente de características, verdadeiro, autêntico e imutável, que
pertencem a um determinado grupo, por oposição e distinção de outro, transcendendo a
História.
A perspetiva não-essencialista questiona essa possibilidade de uma identidade ”verdadeira”,
original, estática no tempo e no espaço. (Sarmento, 2015: 39)
Hoje, as grandes interrogações sobre a identidade remetem muitas vezes para a questão
da cultura. Procura-se cultura em todo o lado e pretende encontrar-se identidade para todos.
A cultura, na sua qualidade imaterial, releva-se em processos inconscientes. Já a
identidade remete para uma norma de pertença, necessariamente consciente, porque assenta
em escolhas e oposições simbólicas.
A conceção objetiva e subjetiva da identidade cultural são aspetos que demonstram a
fragilidade da identidade atual, devido à renovação constante de normas e valores,
propulsionados por uma comunicação de massas manipuladora. As duas teorias apresentadas
representam uma verdade duvidosa no mundo atual
A origem [...] seria o fundamento de toda a identidade cultural, quer dizer, aquilo que
definiria o indivíduo de maneira segura, autêntica [objetiva]” e “a identidade repousa, pois,
num sentimento de pertença, de certo modo inato. A identidade é pensada como uma
condição imanente do indivíduo, definindo-a de maneira estável e definitiva [subjetiva].
(Cuche, 1999)
A Identidade não deve ser compreendida como algo absoluto, mas relativo, pois
constrói-se através das estratégias dos atores sociais que apresentam inúmeras variáveis.
Segundo as situações a identidade constrói-se, desconstrói-se e reconstrói-se.
Assim como a cultura, apresenta um movimento dinâmico e reformula-se de maneira
diferente segundo o meio social. “Se a identidade é tão difícil de captar e de definir, é
precisamente devido ao seu caracter multidimensional e dinâmico. É o que lhe confere a sua
complexidade, mas também o que lhe dá a sua flexibilidade”. (Cuche, 1999)
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Nem o indivíduo, nem o grupo social se encontram encerrados, a priori, numa
identidade unidimensional.
os indivíduos e os grupos investem nas lutas de classificação todo o seu ser social, tudo o
que define a ideia que fazem de si próprios, todo o impensado através do qual constituem
como “nós” por oposição a “eles”, aos “outros”, e a que se ligam por meio de uma adesão
quase corporal. É o que explica a excecional força mobilizadora de tudo o que diz respeito
à identidade (Bordieu APUD Cuche, 1999)
Partindo da noção que as sociedades atuais são sociedades de mudança constante, rápida
e permanente e as nações são, todas, híbridos culturais, torna-se percetível que existe uma
crise de identidade atual. “As nações” observou Homi Bhabha, “tais como as narrativas,
perdem as suas origens nos mitos do tempo e efetivam plenamente os seus horizontes apenas
nos olhos da mente” (Bhabha 1990: 1).
O ressurgimento do nacionalismo e de outras formas de particularismo no final do século
XX, ao lado da globalização e a ela intimamente ligado, constitui, obviamente, uma
reversão notável, uma virada bastante inesperada dos acontecimentos, quando nenhuma das
ideologias do Ocidente (liberalismo e marxismo) o faziam prever. (Hall 2006: 96)
Giddens vai mais longe na sua observação ao afirmar: “à medida em que áreas
diferentes do globo são postas em interconexão umas com as outras, ondas de transformação
social atingem virtualmente toda a superfície da terra” - e a natureza das instituições
modernas (Giddens, 1990: 6). Seguindo o estudo de Hall, sobre a identidade cultural da pós-
modernidade, percebe-se que
As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui
visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte
de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos
centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos
indivíduos uma ancoragem estável ao mundo social. (Hall 2006: 7)
4 A Fluidez do Mundo Líquido com Zygmunt Bauman (1925 - 2017) Sociólogo e filósofo polaco. Professor
emérito de grande influência e destaque internacional. Transcrição de parte da entrevista. Youtube. 2016.
Internet. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=fd87rwJ_P90. (consultado em 02/12/2016)
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Esta conclusão, no mundo de hoje, não coaduna com a importância e o impacto
[negativo ou positivo?] que as redes sociais têm seja nos jovens, nos adultos e nas sociedades.
Segundo a abordagem interacionista da cultura, a construção cultural remete para o que
nos está mais próximo seja fisicamente ou nas nossas escolhas e gostos, tais como a cultura
do grupo, a cultura local, a cultura que liga os indivíduos em interação imediata uns com os
outros, e, não a cultura global da coletividade alargada.
Aquilo a que se chama “cultura global” é o que resulta da relação dos grupos sociais
[hoje, prova maior das redes sociais] em contacto uns com os outros e, por conseguinte, da
relação que se estabelece entre as suas culturas próprias
a cultura global situa-se, de certo modo, na interseção das pretensas “subculturas” de um
mesmo conjunto social, que funcionam elas próprias como culturas de parte inteira, ou seja,
como sistemas de valores, de representações e de comportamentos que permitem a cada
grupo identificar-se, orientar-se e agir no espaço social ambiente. (Cuche, 1999)
Anderson (1983) observou que a nação é imaginada “até os membros da mais pequena
nação nunca conhecerão, nunca encontrarão e nunca ouvirão falar da maioria dos outros
membros dessa mesma nação, mas, ainda assim, na mente de cada um existe a imagem da sua
comunhão” e limitada “até a maior das nações, tem fronteiras finitas, ainda que elásticas, para
além das quais se situam outras nações”. (Anderson, 2008)
Na sua observação também revela que a nação é imaginada como uma comunidade
“porque independentemente da desigualdade e da exploração reais que possam prevalecer em
cada uma das nações, é sempre concebida como uma agremiação horizontal e profunda”.
(Anderson, 2008)
Ao posicionar a origem da sua observação num período histórico, percebe que foi no
movimento do Iluminismo [século XVIII], altura em que o reino dinástico e a ordem divina
foram destituídos.
O que se pretende com esta referência a Anderson é evidenciar que os conceitos de
nação, os nacionalismos que agora se expandem, não são mais do que conceitos imaginados,
tais como os grupos, amigos e sociedades virtuais.
Esses conceitos de comunidade, grupo e nação imaginada estão a ser postos em causa,
através do “novo espírito comunitário”, que se formam dos laços produzidos em subculturas e
manifestações culturais, que se apresentam alternativas à cultura da sociedade de massas.
5Informação sobre definição da palavra subculture, no dicionário inglês online da Oxford University. Internet.
Disponível em https://en.oxforddictionaries.com/definition/us/subculture (consultado em 21/02/2017)
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É neste centro que teóricos vastamente reconhecidos dentro do espólio cultural, como
Stuart Hall, se posicionam de forma a deixar a sua contribuição para estudos futuros. A sua
aproximação aos estudos culturais sobre fenómenos relativamente recentes tem permitido
uma melhor compreensão sobre as sociedades e o indivíduo atual.
O termo “Subcultura” surge da extensão dos estudos da Sociologia e dos Estudos
Culturais. Na segunda metade do século XX, ciências como a História da Cultura, a
Sociologia da Cultura e a Antropologia Cultural, ganham dimensão ao observar e estudar as
intervenções socio-culturais do indivíduo nas sociedades.
Este período histórico apresentou uma grande revolução cultural. O florescimento das
artes contemporâneas e dos “mass media” estão na base dessa transformação e ao longo desta
renovação surgem subculturas que se manifestaram, essencialmente, através dos vários
géneros de música - “rock”, “punk”, “electronic dance music” (EDM) - ou das várias
tendências da moda que permitiam identificar estas subculturas, cujos ideais iam contra a
cultura dominante.
O existencialismo particularmente popularizado pelas obras de Sartre pode ter sido o
marco inicial do movimento contracultura, ainda na década de 1940. Partindo em defesa da
liberdade e revelando o pessimismo pós-guerra, principalmente, este movimento questionava
diretamente os valores centrais da época instituídos na cultura ocidental.
Aproveitando a “boleia” do crescimento dos meios de comunicação, estas ideologias
ganham uma dimensão exponencial e aproximam a geração mais jovem de forma global,
promovendo uma integração cultural e humana; e uma vontade de experimentar acirrada pela
liberdade de expressão na espécie humana, entre os jovens. Este movimento desenvolveu-se
na Europa e EUA, onde as pessoas procuravam valores novos.
Então uma subcultura pode ser considerada: um grupo de pessoas dentro de uma cultura
que se diferencia da cultura “mãe” à qual pertence, mas mantendo alguns dos seus princípios.
No exemplo do Boom Festival (PT) e Burning Man (USA) estes festivais, estas cidades,
estas comunidades nómadas, só existem no espaço e no tempo, durante uma semana “Raves
are good because they don’t happen all the time” (Hutson, 2000: 43) ou seja, as “Raves” ou os
“Festivais Transformacionais” são limitados no tempo, e, essa propriedade pode ser o que
desperta as experiências liminares ou de interstício “The social interstices of EDMCs (re)
produce a sense of immediacy, safety, and belonging, outside and in between the routine
habitus, conventional gender roles or the crushing ennui of workaday lives (Graham, 2008:
154) que são observadas por sociólogos e antropólogos, os quais seguem de perto estes novos
fenómenos culturais ligados essencialmente às EDMCs “The dilemmas inherent to observing
ritual in the contemporary via a liminal/liminoid, sacred/secular division are thus apparent in
the study of trance culture” (Graham, 2008: 163)
Estes festivais permitem a pessoas de toda a parte do mundo reunir-se, para ouvir,
dançar e sentir/produzir vários estilos de música, criar e adorar arte, e um outro conjunto
abrangente de atividades lúdicas, ecológicas e artísticas.
Do ponto de vista político tornou-se um festival apartidário, onde não há grupos sociais
confinados aos valores hierarquizados da sociedade atual, porque todos pertencem a uma
subcultura que se preocupa essencialmente com a comunhão do indivíduo com a natureza, a
comunidade nómada, o bem estar espiritual, os rituais de liminaridade e celebração da vida (?)
A liberdade de expressão está no seu expoente máximo, onde o uso de substâncias
psico-ativas faz parte de uma realidade que não é menosprezada, mas orientada de forma a
minimizar o impacto que possa trazer ao indivíduo
7 Is the Earth’s frequency speeding up? Since the Schumann frequency is said to be “in tune” with the human
brain’s alpha and theta states, this acceleration may be why it often feels like time has sped up and events and
changes in our life are happening more rapidly (Forti, 2015). Internet. Disponível em http://www.trinfinity8.com/
why-is-earths-schumann-resonance-accelerating/ (consultado em 22/02/2017)
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A alegoria que se segue, pode ou não ser aceite pelo leitor, mas a simbologia, a
ideologia, as práticas e representações identificadas na “Rave” em Zion, no filme “Matrix
Reloaded” (2003) de Lana Wachowski e Andy Wachowski, remetem para o mesmo conceito,
a celebração da vida, da comunidade, no último momento antes das máquinas invadirem o
espaço num ato de guerra. 8
Até porque o filme Matrix é considerado por filósofos, pensadores e intelectuais como
uma alegoria à Bíblia Sagrada.
É nestas comunidades onde ninguém julga ninguém, onde o respeito e o afeto pelo
próximo prevalece acima do extrato social ou do poderio económico capitalista, que os
indivíduos dançam sob a mesma vibração, partilham a mesma energia e experienciam
fenómenos de carácter ritual [ainda pouco estudado] que os fazem transcender para uma zona/
nível fora do seu domínio
the “vibe” is “an active communal force, a feeling, a rhythm that is created by the mix of
dancers, the balance of loud music, the effects of darkness and light, the energy. Everything
interlocks to produce a powerful sense of liberation. The vibe is an active, exhilarating
feeling of ‘now-ness’ that everything is coming together - that a good party is in the
making. The vibe is constructive; it is a distinctive rhythm, the groove that carries the party
psychically and physically”. (Sommer APUD Graham, 2008: 155)
8 Clip de vídeo da cena do filme referenciado. A “rave” na caverna é estimulada por som tribal, de tambor e
percussão, permitindo estados de transcendência e pertença, onde todos debaixo do mesmo som e da mesma
frequência/vibração celebram o momento, o aqui e agora. É percetível o êxtase do momento, o ritual shamanico
e o aumento da comunhão através da partilha e desejo sexual. 2003. Youtube. Internet. Disponível em https://
www.youtube.com/watch?v=FwbwEZtpEZU. (consultado em 27/02/2017)
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A origem dos Festivais Transformacionais é mais complexa e profunda do que uma
simples ideia de fazer um festival de música e de um momento para o outro apelidá-lo de
outro nome. Aliás, o que aconteceu foi o oposto. Festivais como o Boom Festival (PT) e o
Burning Man (USA) já tinham décadas de existência, quando foram categorizados e
abrangidos pelo conceito - Festival Transformacional - termo que só viria a chegar a Portugal,
entre 2014 e 2016.
Portanto, o conceito resulta da longa observação participante, dentro e fora destes novos
movimentos sócio-culturais, por várias pessoas, entre as quais estava o dj, produtor de eventos
Jeet Leung.
Numa palestra em 2010, do programa “TED Talk”, canal do “youtube” que conta hoje
com mais de 6 milhões de subscritores, Jeet Leung, apresentou ao mundo online, o termo -
“Festivais Transformacionais”. Dentro dessa categoria, o Boom Festival, aparecia como um
dos poucos na Europa e os “habitantes” do festival foram designados por “psytrancers”. 9
Attempting to sustain the vibration through a vast network that D’Andrea calls a “freak
ethnoscape”, as participants in a “civilizational diaspora”, trance travelers pursue a kind of
transnational “vibe”. Escaping commercial exploitation, they seek refuge and sustenance in
parallet worlds of their own making. But while they may be exiles occupying a place that is
“no-place”, squatters on utopian thresholds, they are less passengers than habitués -
“nomads” who “do not move” (D’ Andrea APUD Graham, 2008: 159)
Segundo Turner existe uma contração da religião como no século XX, e agravada no
século XXI, na minha opinião. Turner defende que o conceito de jogar, brincar, divertir-se de
forma lúdica em eventos EDM, está anexado à renovação e recriação de novos ideais e
simbologia que provocam uma rutura na corrente atual.
Significantly, in his later speculative digressions Turner saw that liminoidal (or ritual-like)
occasions and sites are characterized by the “negative” and “positive” freedoms to which
political philosopher Isaiah Berlin (1958) gave vague attention. That is, emergent
performance genres and aesthetic forms, from sports to “the Arts” and festivals, enable both
the “freedom from” institutional obligations “prescribed by the basic forms of social,
particularly technological and bureaucratic organization” and from “the chronologically
regulated rhythms of factory and office” and the “freedom to” generate “new symbolic
worlds”, to transcend social structural limitations, to play with ideas, with fantasies, with
words, and with social relationships (Turner APUD Graham, 2008: 150-151)
9 Jeet Kei Leung at TEDxVancouver. Palestra sobre Transformational festivals. 2010. Youtube. Internet.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Q8tDpQp6m0A. (consultado em 02/02/2017)
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Conclusão
Os conhecimentos reunidos por Cuche (1999) e atualizados por Sarmento (2015),
demonstram a dinâmica e a renovação de todos conceitos atribuídos e relacionados à cultura.
Cultura não é conhecimento mas também não é a ausência dele. Não é objetiva ao
contrário do conhecimento. É complexa e profunda.
Permita-me a analogia (!): cultura é consciência e consciência é cultura; a cultura não
existe sozinha; a consciência também não.
A memória é a base da consciência; a cultura manifesta-se através da memória. A
cultura é resultado de um culto; o culto vive na consciência. Um homem culto é um homem
que cultivou a sua consciência.
Ao longo dos vários séculos a palavra “cultura” foi amadurecida e acompanhando o
indivíduo e a sociedade que a precedia. Hoje, tanto se manifesta numa dimensão macro-
existencial como micro. A cultura está para além do que se vê, ao mesmo tempo que a cultura
se manifesta nas práticas, representações, ideologia e simbologia de uma comunidade.
A identidade, memória e língua vivem ameaçadas por um tecnologia super avançada
que nos torna dependentes crónicos e nos incute novas formas de comunicar, estudar e
relacionar. Essa tecnologia é o produto de um mundo que se percebe num período de
transformação.
Os Festivais Transformacionais apresentam novos conceitos e paradigmas, que
permitem ao indivíduo seguir um caminho diferente daquele imposto pela mídia, política,
capitalismo, tecnologia.
Através de vários tipos de rituais [xamanicos, pagãos, comunhão, etc] o indivíduo
experiencia algo que o transcende. Numa zona liminoidal pode atingir um estado de êxtase e
ganhar perceção do que está para além do campo físico.
Esses estados são mais frequentes em rituais de dança “Dance, in its most passionate
and unproductive manifestations, constitutes an ecstatic and unruly embodiment that has been
the subject to suspicion and panic (prohibition) throughout Western history and legitimacy
(productivity) at the hands of contemporary market forces”. (Graham, 2008: 152)
Os estados de elevação espiritual, de comunidade tribal e da preparação de compostos
químicos [poções] para rituais de interceção com reinos sagrados, espirituais, metafísicos
precede-nos e manifestam-se desde os tempos ancestrais, valores que são agora recuperados
“The desire to dance within socially unorthodox and permissive environments has motivated
all forms of EDMC (from disco to rave to trance and beyond)”. (Graham, 2008: 153)
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