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DOI: 10.

1590/1980-5497201700050005

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

Principais causas da mortalidade na infância


no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do
estudo de Carga Global de Doença
Leading causes of child mortality in Brazil, in 1990 and 2015:
estimates from the Global Burden of Disease study
Elisabeth Barboza FrançaI, Sônia LanskyII, Maria Albertina Santiago RegoIII, Deborah Carvalho
MaltaIV, Julia Santiago FrançaV, Renato TeixeiraI, Denise PortoVI, Marcia Furquim de AlmeidaVII,
Maria de Fatima Marinho de SouzaV, Célia Landman SzwarcwaldVIII, Meghan MooneyIX,
Mohsen NaghaviIX, Ana Maria Nogales VasconcelosX

RESUMO: Objetivo: Analisar as taxas de mortalidade e as principais causas de morte na infância no Brasil e
estados, entre 1990 e 2015, utilizando estimativas do estudo Carga Global de Doença (Global Burden of Disease –
GBD) 2015. Métodos: As fontes de dados foram óbitos e nascimentos estimados com base nos dados do Sistema
de Informações sobre Mortalidade (SIM), censos e pesquisas. Foram calculadas proporções e taxas por mil
nascidos vivos (NV) para o total de óbitos e as principais causas de morte na infância. Resultados: O número
estimado de óbitos para menores de 5 anos, no Brasil, foi de 191.505, em 1990, e 51.226, em 2015, sendo cerca
de 90% mortes infantis. A taxa de mortalidade na infância no Brasil sofreu redução de 67,6%, entre 1990 e 2015,
cumprindo a meta estabelecida nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). A redução total das taxas
foi, em geral, acima de 60% nos estados, sendo maior na região Nordeste. A disparidade entre as regiões foi
reduzida, sendo que a razão entre o estado com a maior e a menor taxa diminuiu de 4,9, em 1990, para 2,3, em
2015. A prematuridade, apesar de queda de 72% nas taxas, figurou como a principal causa de óbito em ambos os
anos, seguida da doença diarreica, em 1990, e das anomalias congênitas, da asfixia no parto e da sepse neonatal,
em 2015. Conclusão: A queda nas taxas de mortalidade na infância representa um importante ganho no período,
com redução de disparidades geográficas. As causas relacionadas ao cuidado em saúde na gestação, no parto e no
nascimento figuram como as principais em 2015, em conjunto com as anomalias congênitas. Políticas públicas
intersetoriais e de saúde específicas devem ser aprimoradas.
Palavras-chave: Mortalidade. Causas de morte. Estatísticas vitais. Avaliação.

I
Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte (MG), Brasil.
II
Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte – Belo Horizonte (MG), Brasil.
III
Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte (MG), Brasil.
IV
Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte (MG), Brasil.
V
Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília – Brasília (DF), Brasil.
VI
Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Ministério da Saúde – Brasília (DF), Brasil.
VII
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil.
VIII
Fundação Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
IX
Institute for Health Metrics and Evaluation, University of Washington – Seattle (WA), Estados Unidos.
X
Departamento de Estatística, Universidade de Brasília – Brasília (DF), Brasil.
Autor correspondente: Elisabeth Barboza França. Programa de Pós-graduação em Saúde Pública. Faculdade de Medicina.
Universidade Federal de Minas Gerais. Avenida Alfredo Balena, 190, sala 731, Bairro Santa Efigênia, CEP: 30130-100, Belo Horizonte,
MG, Brasil. E-mail: efranca@medicina.ufmg.br
Conflito de interesses: nada a declarar – Fonte de financiamento: Fundação Bill & Melinda Gates (GBD Global) e Ministério da
Saúde (GBD 2015 Brasil - estados), por meio do Fundo Nacional de Saúde (Processo 25000192049 / 2014-14).

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Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global de Doença

ABSTRACT: Objective: To analyze under-5 mortality rates and leading causes in Brazil and states in 1990 and
2015, using the Global Burden of Disease Study (GBD) 2015 estimates. Methods: The main sources of data
for all-causes under-5 mortality and live births estimates were the mortality information system, surveys, and
censuses. Proportions and rates per 1,000 live births (LB) were calculated for total deaths and leading causes.
Results: Estimates of under-5 deaths in Brazil were 191,505 in 1990, and 51,226 in 2015, 90% of which were
infant deaths. The rates per 1,000 LB showed a reduction of 67.6% from 1990 to 2015, achieving the proposed
target established by the Millennium Development Goals (MDGs). The reduction generally was more than
60% in states, with a faster reduction in the poorest Northeast region. The ratio of the highest and lowest
rates in the states decreased from 4.9 in 1990 to 2.3 in 2015, indicating a reduction in socioeconomic regional
disparities. Although prematurity showed a 72% reduction, it still remains as the leading cause of death (COD),
followed by diarrheal diseases in 1990, and congenital anomalies, birth asphyxia and septicemia neonatal in
2015. Conclusion: Under-5 mortality has decreased over the past 25 years, with reduction of regional disparities.
However, pregnancy and childbirth-related causes remain as major causes of death, together with congenital
anomalies. Intersectoral and specific public health policies must be continued to improve living conditions and
health care in order to achieve further reduction of under-5 mortality rates in Brazil.
Keywords: Mortality. Cause of death. Vital Statistics. Evaluation.

INTRODUÇÃO
A mortalidade em menores de cinco anos (ou mortalidade na infância) constitui um indi-
cador chave na avaliação da situação de saúde da população. Sua inclusão entre os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ODM) para o período 1990-20151 e entre os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) para o período posterior até 20302 atesta a sua impor-
tância. Nesse sentido, o acompanhamento das taxas de mortalidade na infância representa
uma oportunidade para o desenvolvimento de estratégias preventivas direcionadas à redu-
ção do risco de morte nessa faixa etária por meio de políticas públicas relacionadas à saúde
das crianças.
Nos últimos 25 anos, um declínio importante da mortalidade na infância foi consta-
tado no Brasil — o país atingiu a meta 4 dos ODM antes de 20153. Entretanto, os níveis
atuais ainda são elevados4, o que torna importante a avaliação do desempenho desse
indicador por estados para a identificação de desigualdades regionais. A análise das prin-
cipais causas de morte na infância tem especial relevância para a definição de ações pre-
ventivas mais efetivas.
A maior parte dos óbitos na infância concentra-se no primeiro ano de vida, sobretudo
no primeiro mês. Há uma elevada participação das causas perinatais como a prematuridade,
o que evidencia a importância dos fatores ligados à gestação, ao parto e ao pós-parto, em
geral preveníveis por meio de assistência à saúde de qualidade5.
O Ministério da Saúde tem realizado investimento específico importante nos siste-
mas de informação nacionais nos últimos anos, destacando-se, entre as várias iniciativas
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propostas, a inclusão de metas relacionadas à qualidade das informações sobre óbi-


tos na Programação Pactuada e Integrada dos municípios, a implantação sistemática
da busca ativa de óbitos e a investigação das causas dos óbitos declarados como mal
definidos, além de estímulo aos comitês de prevenção do óbito materno, infantil e
fetal6-8. Entretanto, ainda persistem diferenciais regionais de subnotificação de óbito
e de preenchimento incorreto das causas de morte 9. Nesse sentido, o último estudo
Carga Global de Doenças 2015 (Global Burden of Disease Study – GBD 2015)10, que agre-
gou enfoques regionais para alguns países, entre eles o Brasil, representa uma oportu-
nidade ímpar para estudos direcionados às diferentes realidades regionais do país, com
utilização de metodologia padronizada para correção de problemas de qualidade das
estatísticas disponíveis.
O objetivo deste estudo foi utilizar as estimativas do estudo GBD 2015 para avaliar as
taxas de mortalidade na infância, no período entre 1990 e 2015, nos estados brasileiros, e
as principais causas de morte, de forma a contribuir na definição de ações mais adequa-
das de intervenção.

MÉTODOS
Utilizaram-se neste estudo, como fonte de dados, as estimativas de óbitos e de
nascidos vivos (NV) do estudo GBD 201510, coordenado pelo Instituto de Métricas e
Avaliação em Saúde (Institute for Health Metrics and Evaluation – IHME), da Universidade
de Washington. De acordo com a metodologia de estimação empregada, os diferentes
tipos de dados disponíveis para o país e os estados — incluindo o Distrito Federal — de
1980 a 2013, foram considerados na modelagem para a estimação das probabilidades
de morte de menores de 5 anos (5q0) para o período de 1990 a 2015. Além dos óbitos
captados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), a estimação dos níveis
de mortalidade em menores de cinco anos considerou os dados de censos demográfi-
cos e pesquisas domiciliares — Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio – PNAD
e Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde – PNDS —, tanto as histórias comple-
tas (PNDS) quanto as abreviadas (Censos e PNAD) de nascimentos. Correção de “bias”
foi feita por comparação com uma fonte de referência definida10 para cada estado após
consulta a experts do país.
As estimativas de mortalidade em menores de cinco anos foram obtidas após a realiza-
ção de várias etapas de modelagem estatística. Primeiramente, a mortalidade foi avaliada
segundo os níveis de algumas covariáveis, como educacão e renda. Para harmonizar as
séries de tempo segundo localização geográfica, aplicou-se modelo de suavização espaço-
temporal para suavizar as diferenças entre os valores preditos no modelo de regressão
e os valores observados. Para o ajuste final, empregou-se um modelo de regressão utili-
zando processos gaussianos (Gaussian Process Regression – GPR) para síntese de todas as
fontes e correção simultânea de “bias” de fontes específicas. As estimativas finais das taxas

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de mortalidade em menores de cinco anos e de mortalidade adulta, juntamente com as


taxas brutas de HIV/Aids, foram parâmetros de entrada em um sistema de tábuas de vida
usados nos estudos GBD 2013 e 2015, com geração de óbitos estimados segundo idade e
sexo, com intervalos de incerteza a 95% para cada métrica11. Para a análise da mortalidade
por causas, utilizou-se principalmente o instrumento analítico “Cause of Death Ensemble
Modeling” — CODEm —, que testa diversos possíveis modelos estatísticos de causas de
morte e cria um conjunto combinado de modelos que oferece o melhor desempenho pre-
ditivo nas estimativas de mortalidade específica por causas10,12. Todas as estimativas com
fontes de dados utilizadas e intervalos de incerteza a 95% para o Brasil e outros países
são disponibilizadas no site do IHME (http://www.healthdata.org/results/data-visuali-
zations), atualizadas anualmente com metodologia padronizada para todos os países e
todo o período do estudo10.
Neste estudo, foram incluídos todos os óbitos estimados para o país ocorridos em
crianças menores de 5 anos, no período de 1990 a 2015. Para a análise das causas de óbito,
o estudo GBD utiliza uma lista de classificação de causas de morte, proposta inicialmente
em 1996 e atualizada em estudos posteriores10, considerada mais adequada para a formu-
lação e o acompanhamento de políticas de saúde13. Nessa lista, as causas são organizadas
no nível 1 em três grandes grupos: doenças infecciosas, causas maternas, perinatais e nutri-
cionais (Grupo I), doenças crônico-degenerativas (Grupo II) e causas externas (Grupo III).
Esses agrupamentos são subdivididos em 21 categorias amplas (nível 2) e em subcategorias
de causas específicas (níveis 3 e 4)10.
Os principais agrupamentos de causas de óbitos analisados neste estudo foram os seguin-
tes: prematuridade, anomalias congênitas, asfixia e trauma no nascimento, septicemia e
outras infecções neonatais, infecções do trato respiratório inferior, outras desordens neona-
tais, doenças diarreicas, desnutrição, aspiração de corpo estranho, acidentes de transporte,
afogamento, homicídio (violência interpessoal), desordens endócrinas ou metabólicas ou
sanguíneas ou imunes, cardiomiopatia e miocardite, sífilis, coqueluche, doença hemolítica
do recém-nascido e icterícia neonatal. Os códigos correspondentes da CID-10 para cada
agrupamento de causas foram previamente descritos10.
Para definir as principais causas de mortalidade na infância no Brasil e estados, conside-
rou-se a ordenação das taxas específicas de mortalidade por causas, após redistribuição das
causas mal definidas e inespecíficas de óbito (códigos garbage), e correção de erros de classi-
ficação de HIV/Aids segundo metodologia do estudo GBD10. Essa metodologia recomenda
que certos códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID) não sejam considera-
dos como causa básica do óbito por não a caracterizarem de forma adequada para as ações
de saúde pública. Esses códigos são denominados códigos garbage e, dado que as estimati-
vas da carga de doença são realizadas segundo causas específicas, esses códigos são redis-
tribuídos14. Entre os mais de 4.000 códigos da CID-10 considerados garbage no estudo GBD
2015, os seguintes foram registrados em maior proporção no SIM, em 2015, para menores
de 5 anos: J18.0-J18.9-Pneumonias não especificadas (n = 1.452), R00-R99-Causas mal defi-
nidas (n = 1.120) e A40.0-A41.9-Septicemias (n = 779).

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No presente trabalho, foi usado como denominador das taxas o número de NV, represen-
tando a probabilidade de morte até cinco anos de idade, conforme estudos do GBD publica-
dos12, mas diferente das estimativas disponibilizadas no endereço http://www.healthdata.
org/results/data-visualizations pelo IHME, que consideram no denominador a população
estimada de menores de cinco anos. De toda forma, ambas taxas são altamente concordan-
tes, segundo Laurenti & Santos (1996)15.

RESULTADOS
O número de óbitos para menores de 5 anos no Brasil apresentou uma importante
redução: de 191.505, em 1990, para 51.226, em 2015, representada na Figura 1, segundo
distribuição por idade. É possível notar que houve mudança na proporção de óbitos
por idade entre os períodos: em 1990, a faixa etária com o maior número de óbitos era
de 28-364 dias — óbitos pós-neonatais —, que representava aproximadamente 44% dos
óbitos, seguido das faixas etárias de 0-6 dias — óbitos neonatais precoces —, 1-4 anos
e 7-27 dias — óbitos neonatais tardios. Em 2015, a mortalidade neonatal precoce des-
pontou como o principal componente na ocorrência dos óbitos na infância, correspon-
dendo a 41% dos casos, seguido das faixas de 28-364 dias, 7-27 dias e 1-4 anos. Portanto,
as mortes infantis representaram cerca de 90% do total de óbitos ocorridos em meno-
res de 5 anos em 2015.

1990 59.198 22.362 85.131 24.814

2015 21.001 7.279 17.145 5.801

0% 20% 40% 60% 80% 100%

0-6 dias 7-27 dias 28-364 dias 1-4 anos

Figura 1. Distribuição porporcional e número de óbitos segundo idade para menores de cinco
anos. Brasil, 1990 e 2015.

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Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global de Doença

O número de óbitos e as taxas de mortalidade estimadas para menores de 5 anos para os


estados e o país, em 1990 e 2015, encontram-se relacionadas na Tabela 1. A taxa encontrada,
no Brasil, foi de 52,5/1.000 NV, em 1990, e 17,0/1.000 NV, em 2015, o que representa uma
diminuição de 67,6%. Em 1990, entre os 11 estados com maiores taxas de mortalidade em
menores de 5 anos, nove encontravam-se no Nordeste, todos apresentando taxas acima de

Tabela 1. Taxa de mortalidade para menores de 5 anos por 1.000 nascidos vivos. Brasil e
estados, 1990 e 2015.
1990 2015
Mudança
Estados Taxa/ Taxa/
n n percentual (%)
1.000 NV 1.000 NV
Acre 993 67,7 482 27,0 -60,1
Alagoas 8.409 114,1 1.104 18,5 -83,8
Amapá 411 38,0 350 21,4 -43,8
Amazonas 3.581 54,0 1.460 17,5 -67,6
Bahia 24.050 75,2 5.449 23,0 -69,4
Ceará 17.627 95,5 3.068 21,8 -77,2
Distrito Federal 1.057 26,3 606 14,5 -44,7
Espírito Santo 2.551 39,8 816 14,8 -62,8
Goiás 3.332 34,9 1.556 16,5 -52,7
Maranhão 14.222 86,3 3.434 24,2 -71,9
Mato Grosso 2.307 41,8 734 13,8 -67,1
Mato Grosso do Sul 1.497 32,1 639 15,0 -53,3
Minas Gerais 15.146 40,9 4.271 15,3 -62,7
Pará 10.323 63,1 2.941 18,4 -70,9
Paraíba 5.875 68,9 1.069 16,6 -75,9
Paraná 6.529 32,1 2.105 13,8 -56,9
Pernambuco 16.797 88,2 3.065 20,7 -76,5
Piauí 4.726 64,0 1.197 23,0 -64,1
Rio de Janeiro 9.655 37,9 2.995 14,4 -62,0
Rio Grande do Norte 4.907 74,3 790 14,9 -80,0
Rio Grande do Sul 4.580 23,2 1.658 12,0 -48,3
Rondônia 1.573 48,5 428 14,8 -69,5
Roraima 351 58,2 265 25,0 -56,9
Santa Catarina 3.639 33,6 1.392 15,9 -52,8
São Paulo 22.760 33,1 8.055 13,7 -58,5
Sergipe 3.027 70,1 748 20,8 -70,4
Tocantins 1.583 59,2 550 20,3 -65,8
Brasil 191.505 52,5 51.226 17,0 -67,7
NV: nascidos vivos.
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60/1.000 NV. A taxa de mortalidade em Alagoas (114,1/1.000 NV) foi 4,9 vezes maior que
a do estado com a menor taxa, o Rio Grande do Sul (23,2/1.000 NV), com uma diferença
de 91 óbitos por 1.000 NV. Por outro lado, em 2015, a razão entre a maior (Acre, 27,0/1.000
NV) e a menor taxa (Rio Grande do Sul, 12,0/1.000 NV) foi reduzida para 2,3, com dife-
rença bem menor: 15 óbitos por 1.000 NV. Nesse ano, entre os dez estados com taxas mais
elevadas, quatro eram da região Norte do país.
O ritmo de declínio médio das taxas de mortalidade entre 1990 e 2015 foi de 4,41% ao
ano. A redução total nos níveis da mortalidade na infância foi em geral acima de 60%, muito
maior na região Nordeste do que nas demais regiões do país (Tabela 1).
No Quadro 1, apresentam-se as principais causas de mortalidade por 1.000 NV em
menores de 5 anos, em 1990 e 2015. Destaca-se a redução de 94,7% dos óbitos por doen-
ças diarreicas durante o período analisado, que em 1990 representava a 2ª maior causa de
mortalidade em menores de cinco anos, passando para a 7ª posição em 2015. Os óbitos por
infecções respiratórias e por desnutrição, que antes figuravam na 3ª e 7ª posições, sofreram
também importante redução, caindo para as 5ª e 9ª posições, respectivamente. Apesar da
importante diminuição, oito entre as dez principais causas de morte no país, em 2015, ainda
correspondem ao Grupo I. Por outro lado, algumas causas não acompanharam essa tendên-
cia de redução acentuada, com decréscimo mais discreto, como a asfixia intraparto (taxa =
1,93) e a sepse neonatal (taxa = 1,69), o que resultou em sua ascensão no ranking da 4ª para
a 3ª e da 6ª para a 4ª posição, respectivamente.
Prematuridade foi a principal causa de óbito em ambos os anos analisados, apesar da
queda notável de 72,0% nas taxas: 11,35/1.000 NV, em 1990, e 3,18/1.000 NV, em 2015.
As anomalias congênitas, que ocupavam a 5ª posição em 1990, passaram a figurar como
2ª principal causa em 2015, embora tenha ocorrido discreta diminuição das taxas nos anos
analisados — de 3,31 para 3,06/1.000 NV. Também figuram entre as 20 primeiras posições
em 2015 algumas causas externas, apesar do declínio das taxas: a aspiração de corpos estra-
nhos ocupou a 10ª posição; os acidentes de trânsito, a 11ª; o afogamento, a 12ª; e a violência
interpessoal, a 13ª. Ressalta-se ainda o declínio das taxas por sífilis e por doenças imunopre-
veníveis, como a coqueluche e o sarampo.
A Tabela 2 e Figura 2 apresentam as principais causas de morte na infância nos estados
brasileiros em 2015. As duas principais causas foram a prematuridade e as anomalias con-
gênitas. As anomalias congênitas correspondem à principal causa de morte nos estados das
regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste — com exceção de Minas Gerais e Goiás. Na maioria
dos estados do Norte e do Nordeste, por sua vez, a principal causa foi a prematuridade.
A asfixia aparece como terceira ou quarta causa na maioria dos estados, porém no Maranhão
desponta como segunda causa.
É importante ressaltar que, em todos os estados das regiões Norte e Nordeste, além dos
estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo, a desnutrição ainda aparece
entre as dez principais causas de mortalidade em menores de cinco anos em 2015, porém
com taxas de mortalidade baixas. Em todo o país, a amplitude total de variação das taxas
foi de 0,1/1.000 NV (São Paulo) a 0,9/1.000 NV (Roraima).

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Quadro 1. Ordenação segundo taxas das principais causas de mortalidade em menores de 5 anos por 1.000 nascidos vivos (NV). Brasil, 1990 e 2015.
1990 2015
Mudança %
Taxa por Taxa por (taxas)
Posição - Causa do óbito n Posição - Causa do óbito n
1.000 NV 1.000 NV
1 Prematuridade 41.385 11,35 1 Prematuridade 9.588 3,18 -72
2 Doenças diarreicas 40.370 11,07 2 Anomalias congênitas 9.242 3,06 -7
3 Infecções do trato respiratório inferior 29.779 8,17 3 Asfixia e trauma no nascimento 5.834 1,93 -49
4 Asfixia e trauma no nascimento 13.784 3,78 4 Septicemia e outras infecções neonatais 5.112 1,69 -34
5 Anomalias congênitas 12.061 3,31 5 Infecções do trato respiratório inferior 4.677 1,55 -81
6 Septicemia e outras infecções neonatais 9.421 2,58 6 Outras desordens neonatais 4.405 1,46 36
7 Desnutrição 8.565 2,35 7 Doenças diarreicas 1.761 0,58 -95
8 Meningite 5.348 1,47 8 Meningite 945 0,31 -79
9 Outras desordens neonatais 3.916 1,07 9 Desnutrição 938 0,31 -87
10 Acidentes de trânsito 2.379 0,65 10 Aspiração de corpo estranho 806 0,27 -34
11 Sífilis 1.930 0,53 11 Acidentes de trânsito 734 0,24 -63
12 Coqueluche 1.793 0,49 12 Afogamento 417 0,14 -61
13 Aspiração de corpo estranho 1.478 0,41 13 Homicídio 401 0,13 -40
14 Afogamento 1.283 0,35 14 Desordens endócrinas, metabólicas, sanguíneas e imunes 396 0,13 18
15 Doenças hemolíticas e outras icterícias neonatais 1.026 0,28 15 Cardiomiopatia e miocardite 371 0,12 -50
16 Queimaduras 992 0,27 16 HIV/Aids 368 0,12 29
17 Sarampo 950 0,26 17 Leucemia 322 0,11 -18
18 Doenças cerebrovasculares 933 0,26 18 Outras doenças cardiovasculares e circulatórias 307 0,10 -56
19 Cardiomiopatia e miocardite 889 0,24 19 Síndrome da morte súbita infantil 258 0,09 53
20 Outras doenças cardiovasculares e circulatórias 835 0,23 20 Outras neoplasias 235 0,08 -39
21 Homicídio 803 0,22 25 Doenças cerebrovasculares 211 0,07 -73
25 Leucemia 473 0,13 26 Sífilis 208 0,07 -87
26 Outras neoplasias 469 0,13 27 Doenças hemolíticas e outras icterícias neonatais 199 0,07 -77
34 Desordens endócrinas, metabólicas, sanguíneas e imunes 406 0,11 30 Queimaduras 170 0,06 -79
36 HIV/Aids 345 0,09 40 Coqueluche 80 0,03 -95
43 Síndrome da morte súbita infantil 204 0,06 74 Sarampo 3 0,00 -100

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França, E.B. et al.

Tabela 2. Taxas de mortalidade por 1.000 nascidos vivos e número de óbitos (entre parênteses),
segundo as principais causas nos estados. Brasil, 2015.
Infecções
Outras
Anomalias do trato Doenças
Estado Prematuridade Asfixia Septicemia desordens
congênitas respiratório diarréicas
neonatais
inferior

Acre 5,4 (97) 3,6 (64) 3,2 (57) 2,5 (44) 3,5 (62) 1,5 (26) 1,7 (30)

Alagoas 3,8 (225) 2,9 (173) 2,1 (123) 1,9 (115) 1,7 (104) 1,1 (65) 1,2 (73)

Amapá 3,8 (62) 3,1 (51) 2,8 (46) 2,9 (48) 2,4 (40) 1,3 (21) 0,8 (13)

Amazonas 2,9 (242) 3,1 (256) 1,9 (162) 1,5 (123) 2,1 (174) 1,2 (103) 1,0 (85)

Bahia 4,7 (1.118) 3,3 (775) 2,8 (654) 2,1 (497) 2,0 (476) 2,0 (479) 1,0 (236)

Ceará 4,5 (632) 3,1 (444) 2,5 (348) 2,6 (371) 1,9 (269) 1,6 (233) 0,9 (125)

Distrito Federal 2,8 (117) 3,3 (137) 1,6 (66) 1,2 (50) 1,1 (45) 1,3 (55) 0,3 (13)

Espírito Santo 2,1 (118) 3,0 (165) 1,7 (95) 1,1 (60) 1,1 (63) 1,6 (89) 0,5 (26)

Goiás 3,2 (298) 3,2 (297) 1,8 (165) 1,8 (167) 1,6 (150) 1,2 (117) 0,4 (34)

Maranhão 4,2 (596) 3,2 (459) 3,5 (496) 2,0 (287) 2,7 (379) 2,1 (297) 1,3 (190)

Mato Grosso 2,4 (125) 2,8 (148) 1,3 (70) 1,4 (73) 1,3 (69) 1,1 (59) 0,4 (23)

Mato Grosso do Sul 2,4 (102) 3,0 (129) 1,7 (71) 1,4 (58) 1,4 (61) 1,2 (51) 0,7 (28)

Minas Gerais 3,3 (922) 2,9 (823) 1,6 (450) 1,7 (463) 1,1 (320) 1,3 (351) 0,3 (81)

Pará 3,4 (543) 2,9 (469) 2,2 (350) 2,2 (351) 2,3 (367) 1,2 (186) 0,7 (111)

Paraíba 2,7 (171) 3,1 (197) 1,5 (96) 1,8 (119) 2,1 (133) 0,9 (57) 0,9 (56)

Paraná 2,3 (356) 3,1 (471) 1,5 (232) 0,9 (143) 1,0 (145) 1,5 (230) 0,3 (45)

Pernambuco 3,1 (459) 3,2 (480) 2,3 (342) 1,9 (287) 2,0 (300) 2,3 (339) 1,4 (211)

Piauí 4,0 (206) 3,3 (170) 2,8 (147) 1,7 (91) 2,0 (104) 3,1 (161) 1,2 (60)

Rio de Janeiro 2,4 (506) 2,9 (605) 1,7 (347) 1,5 (313) 1,2 (252) 1,6 (327) 0,2 (40)

Rio Grande do Norte 2,9 (154) 2,8 (151) 1,7 (88) 1,6 (83) 1,4 (76) 1,1 (56) 0,5 (27)

Rio Grande do Sul 2,0 (281) 3,1 (421) 1,2 (166) 1,2 (162) 1,0 (132) 1,0 (132) 0,2 (27)

Rondônia 2,4 (70) 2,9 (85) 1,6 (45) 1,5 (42) 1,5 (43) 0,9 (27) 0,7 (19)

Roraima 4,6 (49) 3,7 (40) 2,6 (28) 2,0 (21) 3,4 (36) 2,3 (25) 1,3 (13)

Santa Catarina 2,8 (242) 3,2 (283) 1,6 (139) 1,6 (141) 1,3 (116) 1,1 (100) 0,4 (34)

São Paulo 2,8 (1.670) 3,0 (1.757) 1,5 (877) 1,5 (901) 1,1 (627) 1,2 (692) 0,2 (98)

Sergipe 3,7 (134) 3,1 (110) 2,8 (102) 1,5 (53) 2,2 (79) 2,0 (71) 1,1 (39)

Tocantins 3,4 (93) 3,1 (83) 2,7 (72) 1,8 (49) 2,1 (57) 2,0 (54) 0,8 (23)

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Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global de Doença

Rio Grande do Norte

Mato Grosso do Sul


Rio Grande do Sul

Distrito Federal
Santa Catarina
Rio de Janeiro
Espírito Santo
Minas Gerais
Pernambuco

Mato Grosso
Amazonas

São Paulo
Maranhão
Causas de morte

Tocantins
Rondônia

Roraima

Alagoas

Sergipe
Paraíba
Amapá

Paraná
Brasil

Ceará

Bahia

Goiás
Piauí
Pará
Acre
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Prematuridade 1 2 1 2 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 1 1 1 1 2 2 2 2 2 2 2 2 1 2

Anomalias congênitas 2 1 2 1 2 2 2 2 3 2 2 2 1 1 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1

Asfixia e trauma no nascimento 3 3 4 4 4 5 4 3 2 4 4 3 5 3 3 3 3 4 3 3 4 3 4 3 3 4 4 3

Septicemia 4 5 5 5 6 4 3 6 6 6 3 4 4 6 4 6 4 3 6 5 3 6 3 4 5 3 3 5

Infecções do trato respiratório inferior 5 4 3 3 3 3 5 4 4 5 5 5 3 5 5 4 6 6 5 6 6 5 5 6 4 5 5 6

Outras desordens neonatais 6 6 7 6 5 6 6 5 5 3 6 6 6 4 7 5 5 5 4 4 5 4 6 5 6 6 6 4

Doenças diarreicas 7 7 6 7 7 7 7 7 7 7 7 7 7 7 6 7 7 7 7 10 9 8 7 9 7 7 8 8

Meningite 8 10 9 9 10 9 10 10 9 10 8 9 9 9 10 9 9 8 9 8 8 9 9 10 10 11 7 9

Desnutrição 9 9 8 8 8 8 8 8 8 8 10 8 8 8 8 8 8 11 8 11 14 11 12 12 8 9 11 11

Aspiração de corpo estranho 10 11 13 13 17 12 15 11 11 13 12 11 13 10 15 11 10 9 11 7 7 7 10 8 9 8 10 7

Acidentes de trânsito 11 8 10 11 9 10 12 9 10 9 9 10 10 11 9 10 11 10 10 12 10 10 8 11 11 10 9 10

Afogamento 12 12 11 10 12 11 11 12 12 11 11 16 17 19 14 15 12 14 13 17 18 14 15 16 14 12 15 20

Homicídio 13 13 12 14 13 13 13 15 16 18 13 15 12 12 11 13 13 17 12 13 15 16 23 18 13 14 12 12

Desordens endócrinas,
14 14 14 17 11 16 14 13 18 14 17 14 15 14 13 14 14 12 14 14 13 13 14 13 12 13 14 14
metabólicas, sanguíneas e imunes

Cardiomiopatia e miocardite 15 16 22 19 14 19 20 16 15 15 15 19 11 17 16 17 16 13 18 15 12 18 17 20 16 18 13 13

HIV/AIDS 16 18 34 12 16 15 18 28 21 27 28 28 24 18 19 29 30 19 15 9 11 17 13 7 15 16 17 19

Leucemia 17 20 17 15 25 18 22 18 20 16 14 13 16 22 17 18 18 15 17 18 16 15 16 15 17 19 16 15

Outras doenças
18 23 20 23 20 17 19 21 17 19 16 21 18 20 18 22 15 16 20 16 17 20 18 17 21 21 23 27
cardiovasculares e circulatórias

Síndrome da morte súbita infantil 19 19 25 34 15 29 9 17 30 21 19 33 31 15 30 16 32 18 29 31 20 12 11 14 20 17 22 17

Outras neoplasias 20 22 33 20 23 20 16 27 26 23 22 18 21 23 20 24 25 21 21 21 19 19 21 19 19 23 18 16

Figura 2. Ordenação dos estados por taxas específicas de mortalidade por causas em menores de cinco anos. Brasil, 2015.

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França, E.B. et al.

DISCUSSÃO
Os resultados mostram que houve declínio acentuado da mortalidade de menores de
cinco anos em todas as unidades federativas entre 1990 e 2015. A tendência de declínio indica
que se encontra em curso uma maior homogeneização das taxas de mortalidade na infân-
cia no país, com expressiva redução da amplitude dos diferenciais de mortalidade entre os
estados ao longo do tempo. A redução da mortalidade foi mais expressiva nos estados da
região Nordeste, que apresentavam os níveis mais elevados em 1990.
Com relação às causas de morte, os óbitos por doenças transmissíveis, afecções maternas,
neonatais e nutricionais ainda se constituem as principais causas em 2015, e em geral podem
ser consideradas como preveníveis16. Mudança positiva ocorreu para as doenças diarreicas que,
em 1990, ocupavam a 2ª posição entre as principais causas de morte, passando, em 2015, para
a 7ª posição, com expressiva redução nas taxas. Essa mudança indica melhora das condições
sanitárias e nutricionais do país17-19 e do acesso à atenção de saúde, além de possível impacto
de ações específicas como a introdução da vacina contra rotavírus em 200620 e a terapia de rei-
dratação oral na atenção básica21. As afecções respiratórias e, em especial, a coqueluche, apre-
sentaram comportamento semelhante. O impacto na redução das taxas de mortalidade por
doenças do Grupo I também pode ser atribuído ao Programa Nacional de Imunização (PNI),
com aumento da cobertura vacinal e introdução de vacina tríplice viral e pneumocócica22.
Por outro lado, as anomalias congênitas, com taxas relativamente estáveis no Brasil no
período observado, já ocupam o primeiro posto entre as causas de morte em quase metade
dos estados, principalmente entre aqueles que apresentavam menores taxas de mortalidade,
aproximando-se do perfil encontrado em países de alta renda10.
Destacamos a expressiva participação das causas externas — acidentes e violência — entre
as 15 principais causas de morte em menores de 5 anos, em particular entre crianças de 1 a
4 anos de idade, tornando-se um importante problema de saúde pública para as famílias e
a sociedade. Apesar do importante decréscimo das taxas em 2015, foram constatados 2.358
óbitos de crianças por aspiração de corpo estranho, acidentes de trânsito, afogamentos e
homicídios, ou seja, uma em cada 20 crianças com menos de 5 anos morreu por essas cau-
sas no país. É importante ressaltar os casos de violência contra crianças, muitas vezes vio-
lência familiar, indicando que a violência social atinge também a infância23.
Em relação ao percentual de declínio anual das taxas de mortalidade por todas as causas,
o estudo GBD 2015 compara o desempenho dos estados do país em relação a países com
nível socioeconômico semelhante, medido pelo SDI (Socio-demographic index)24. Os declínios
mais acentuados se encontram nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, enquanto os mais
discretos localizam-se nas regiões Sul e Sudeste. Como resultado, as taxas de mortalidade
em alguns estados, como Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Sergipe,
encontram-se menos elevadas que o esperado, considerando o grupo de países com condi-
ções socioeconômicas semelhantes, possivelmente relacionadas à efetividade de interven-
ções específicas nessas áreas25,26, com redução das disparidades geográficas, as quais refletem
uma queda nas iniquidades socioeconômicas27.

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Principais causas da mortalidade na infância no Brasil, em 1990 e 2015: estimativas do estudo de Carga Global de Doença

O Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2013 destacou o papel de


uma combinação de estratégias nacionais que foram fundamentais para o declínio da
mortalidade infantil no Brasil, em particular o Sistema Único de Saúde (SUS), com diver-
sas ações aprimoradas na última década, como a melhoria no atendimento materno e
ao recém-nascido, e políticas de assistência social, como o programa de transferência de
renda Bolsa Família28, além de uma série de melhorias nas condições de vida e na aten-
ção à saúde da criança. A criação do Programa de Saúde da Família ampliou o acesso à
assistência básica à saúde nos municípios mais carentes e teve impacto positivo na redu-
ção da mortalidade infantil29. Tanto a redução da prevalência da desnutrição quanto o
aumento do aleitamento materno contribuíram para a redução das taxas de mortalidade
na infância no período4.
O fato de a maior parte dos óbitos se concentrar no primeiro mês de vida evidencia a
importância dos fatores ligados à gestação, ao parto e ao pós-parto para a redução da mor-
talidade na infância ao nível compatível com o desenvolvimento econômico do país. O for-
talecimento da rede de atenção perinatal, com a continuidade do cuidado integral desde o
pré-natal da gestante à assistência neonatal é uma estratégia que vem sendo progressiva-
mente reorganizada no país30-32.
O Brasil avançou na cobertura de atenção pré-natal e o desafio atual é a qualificação do
cuidado de forma a promover a saúde da gestante e do feto e assegurar o diagnóstico e a
intervenção oportunos para prevenção da prematuridade e das infecções durante a gesta-
ção30,33-34. Um fato preocupante é o aumento da taxa de incidência de sífilis congênita — de
2,0/1.000 NV, em 2006, para 6,5/1.000 NV, em 201535 —, que remete à qualidade do cuidado
na atenção pré-natal, além do advento da infecção por Zika36.
A qualificação da atenção ao parto e ao nascimento, momento em que se concentra a
maior parte dos óbitos37, representa uma estratégia fundamental. Em especial, destaca-se o
desafio da redução da prematuridade iatrogênica e da asfixia no parto, como resultado da
interrupção indevida da gravidez e de intervenções durante o trabalho de parto e o nasci-
mento, ainda frequentes na realidade brasileira, fatores associados à mortalidade neonatal5,38,39.
Estudos destacam o aumento da prematuridade associada a elevadas taxas de cesarianas no
país30. Políticas incentivando o parto normal são essenciais na redução da prematuridade,
buscando melhorias na sobrevivência e também da qualidade de vida na infância40. As mor-
tes por asfixia intraparto, por sua vez, poderiam ser reduzidas em 36% em países com acesso
à assistência de saúde ao parto e nascimento, como no Brasil41.
O avanço no acesso e na qualidade da atenção ao recém-nascido de risco que demanda
cuidado intensivo e especializado, em especial o prematuro, também deve ser foco das polí-
ticas públicas. A capacitação dos profissionais da assistência hospitalar ao neonato em reani-
mação neonatal é uma estratégia efetiva para reduzir a mortalidade neonatal33. A qualidade
da assistência hospitalar perinatal precisa ser monitorada por indicadores de processos, além
dos resultados perinatais. As redes de monitoramento do cuidado neonatal têm mostrado
resultados discrepantes entre os serviços perinatais, nos quais a tecnologia disponível é a
mesma, principalmente em relação ao prematuro42.

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França, E.B. et al.

Neste estudo, algumas limitações em relação aos resultados obtidos devem ser considera-
das. Além da ocorrência de códigos garbage mesmo em 2015, indicando que ainda há neces-
sidade de aprimoramento na declaração pelos médicos das causas de morte na infância, o
importante sub-registro de óbitos no SIM, principalmente nos estados das regiões Norte e
Nordeste, em 1990, implicou na maior utilização de modelagem para correção, com várias
limitações amplamente discutidas previamente10. Além disso, a não disponibilidade dos
dados do SIM de 2014 e 2015 para utilização como fonte de dados de referência na mode-
lagem do GBD 2015 aumenta a incerteza das estimativas para esses anos. Dados empíricos
recentes indicam coberturas estimadas pelo estudo GBD para alguns estados menores que
as de outros estudos brasileiros publicados43.
Essas imprecisões, no entanto, não afetam os principais resultados e a grande contri-
buição da abordagem GBD para o maior conhecimento dos riscos de mortalidade. A prin-
cipal força desta análise é demonstrar a redução consistente de mortalidade na infância, a
presença de causas de morte evitáveis que ainda são relevantes no país e a possibilidade de
comparações interestaduais e com outros países por meio de notáveis ferramentas de visua-
lização dos resultados do estudo GBD.

CONCLUSÃO
Os resultados deste estudo baseados nas estimativas do estudo GBD 2015 confirmam
a redução consistente da mortalidade na infância no país. As taxas no período, apesar de
decrescentes, ainda são elevadas em 2015, com causas evitáveis relacionadas ao cuidado em
saúde na gestação, parto e nascimento entre as principais causas de morte. Políticas públi-
cas intersetoriais e de saúde específicas devem ser continuadas e aprimoradas para a maior
redução da mortalidade na infância no Brasil.

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