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Um dos piores males que conheço, um dos que mais causam sofrimento, é o

fanatismo, essa paixão exagerada e cega por certas crenças. Argumentações com
embasamento fanático levam a acreditar, dogmaticamente, que suas justificativas
são tão boas que não pode haver nada que a prejudique. Então o fanático passa a
ter a seguinte atitude: trata todo aquele que tenta oferecer razões para duvidar
daquela crença como alguém pouco inteligente, ou mal-intencionado, ou...
fanático.

O pensamento fanático é carregado da necessidade de se combater quem pensa


de modo diferente, como se isso, por si só, fosse um mal intolerável, esse
comportamento provoca uma indisposição incondicional para que o diálogo se
aproxime. Instala-se a necessidade de mostrar, com o exaltação os erros desse
interlocutor.

Para os fanáticos, quem pensa diferentemente é um inimigo do bem e/ou da


razão. Um fanático desse tipo geralmente é agressivo, zombeteiro, faz ridículo do
interlocutor, o acusa de agir de má-fé, é incapaz de admitir que cometeu qualquer
erro substancial numa discussão, pois isso seria "mostrar fraqueza ao inimigo", e é
incapaz de admitir qualquer acerto substancial do seu inimigo numa discussão,
pois isso seria reconhecer a sua força.

O mais impressionante é que os fanáticos podem ser tanto teístas quanto ateus.
Alguns teístas acreditam que possuem uma justificação racional para sua crença
religiosa e são fanáticos com relação a isso. E alguns ateus acreditam que
possuem uma justificação racional para seu ateísmo e são igualmente fanáticos
em relação a isso. Ambos são igualmente insuportáveis e estão igualmente
errados no seu fanatismo.

Eros de Carvalho oferece aqui uma boa explicação de uma das principais causas
desse tipo de fanatismo: a carência do absoluto.

Caveiras expostas em um campo de extermínio no Camboja,

na ditadura do ateu Pol Pot.


Execução de vítimas da Inquisição.

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"Tudo bem se alguém é cristão, contanto que eles não são fanáticos sobre ele."

Nós todos sabemos que eles estão falando. A religião é OK para a maioria das
pessoas (exceto a Richard Dawkins e parentes), enquanto as pessoas não ficam
fanáticos sobre ele.

Os fanáticos fazem a notícia, e não é bonito. Fred Phelps e seu grupo de


manifestantes funeral. Os extremistas islâmicos explodindo a si mesmos em uma
estação de metrô lotado. Talvez o seu vizinho, parente ou colega de trabalho que
é bastante agressivo ou em julgamento a sua opinião.

O fanatismo entre os crentes é claramente uma razão para as pessoas se


desviam da fé cristã. Timothy Keller, pastor da Redeemer Presbyterian Church,
em Nova York, tem alguns bons pensamentos sobre o fanatismo em seu livro " A
Razão de Deus :

"As pessoas farisaica [ie fanáticos moral] assumir que eles estão bem com Deus
por causa de seu comportamento moral e doutrina correta. Isto leva naturalmente
a sentimentos de superioridade em relação àqueles que não compartilham de sua
religiosidade, e de lá para várias formas de maus-tratos, exclusão e opressão.
Este é o esence do que nós pensamos como fanatismo.

" E se, no entanto, a essência do cristianismo é a salvação pela graça, a salvação


não por causa do que fazemos, mas por causa do que Cristo fez por nós? A
crença de que é aceito por Deus por pura graça é profundamente humilhante. As
pessoas que são fanáticos, então, não são assim porque são muito
comprometidos com o evangelho, mas porque eles não estão comprometidos com
ela o suficiente.

"Pense nas pessoas que você considera fanático. eles são arrogantes, hipócrita,
opinativo, insensível e cruel. Por quê? Não é porque eles são muito cristão, mas
porque não são suficientemente cristãos. Eles são fanaticamente zelo e corajosa,
mas eles não são fanaticamente humilde, sensível, carinhoso, compreensivo, que
perdoa, ou compreensão de como Cristo foi. Porque eles pensam do cristianismo
como um programa de auto-aperfeiçoamento que emulam o Jesus dos chicotes no
templo , mas não o Jesus que disse: "Aquele que estiver sem pecado atire a
primeira pedra" (João 8:7). O que nos parece demasiado fanático é realmente uma
falha de estar totalmente comprometidos com Cristo e seu evangelho. "

, Do Capítulo 4: A igreja é responsável por tantas injustiças, (grifo nosso)

Deus, ajuda-me a ser um fanático amar, perdoar, servir, compreensão e


humildade. Ajuda-me a ser cada vez mais comprometidos com Cristo e, portanto,
ser fanático por amar as pessoas que entram em contato com.

Graça e Paz
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1. O que é a moral?

A moral designa, antes de tudo, aquilo que é objetivamente bom e,


portanto, deve ser feito pela pessoa, independentemente das vantagens ou
desvantagens que daí possam provir. Sócrates expressou muito bem esse
caráter da moral quando disse que prefere ser vítima da injustiça a cometer
a injustiça. Quando a pessoa assume essa postura existencial não só os
seus atos são bons, mas ela mesma se torna boa moralmente. Torna-se
uma boa árvore, que produz sempre bons frutos. Em outras palavras, torna-
se uma pessoa virtuosa.

A moral também designa aquilo que é digno do ser humano por oposição
ao que é indigno. Ser fiel a um amigo é digno do ser humano. Ser infiel é
indigno. Defender a vida de um inocente é digno do ser humano. Tirar a
vida a um inocente é indigno.

A moral designa ainda aqueles atos que estão não só de acordo com o
dever, mas que são feitos por respeito ao dever, na expressão de Kant. Se
um comerciante vende sempre pelo preço justo para não perder a
freguesia, ele não coloca um ato moral. Mas, se ele vende pelo preço justo
por respeito ao dever (é a sua consciência que exige isso), então o seu ato
é moral.

2. Importância da moral

Na sua encíclica sobre os fundamentos da moral - Veritatis Splendor -, João


Paulo II afirma que a instância moral atinge em profundidade cada homem
e compromete a todos. Reflitamos sobre essa afirmação do Papa. A moral
atinge em profundidade o ser humano. Segundo Jean Piaget, "o ser
humano não nasce com uma moral, mas com uma aptidão para adquirir a
moral". Assim como não nasce falando uma língua, mas com aptidão para
aprender uma língua. Emílio Durkheim, um dos fundadores da sociologia,
sobretudo da sociologia da religião e da moral, explica a origem da moral a
partir da natureza social do ser humano. Segundo ele, a moral começa
onde se inicia a vida em grupo. Não é possível a vida em grupo sem a
existência de normas morais. É justamente a moral que impede a tirania do
grupo sobre os indivíduos. Para a doutrina da Igreja, porém, o ser humano
não só nasce com uma aptidão moral. Existe uma lei moral gravada por
Deus no coração humano, conforme ensina São Paulo na Carta aos
Romanos (cf. Rm 2,15). A partir desse senso moral fundamental, a razão
humana tem a capacidade de descobrir o bem a ser feito e o mal a ser
evitado.

Afirma o Papa, que a moral compromete a todos. De fato, o ser humano só


age moralmente quando pode fazer de sua ação moral uma proposta para
toda a humanidade. Caso contrário, ele está agindo de má fé. Posso
mentir? Pergunta alguém. Se fosse possível transformar a mentira numa lei
universal, numa proposta para toda a humanidade, então seria permitido
mentir. Ora, numa sociedade onde houvesse como norma o dever de
mentir, a vida social já não seria possível. Daí a importância do imperativo
moral kantiano: proceda segundo uma norma que possa ser erigida em lei
universal para a humanidade. Em outras palavras, decidir moralmente é
decidir não em nome próprio, mas em nome de toda a humanidade.

Para compreender de modo prático a importância da moral, basta olhar


para o mundo político. Todos sentem as conseqüências negativas da falta
de ética no campo da política. A política é a arte de promover o bem
comum, a vida feliz para todos. Desvinculada da ética, ela se transforma
em politicagem, em busca dos próprios interesses, de mordomias. Sem
ética, a porta fica escancarada para toda sorte de corrupção.
Para compreender a importância da moral, pode-se ainda voltar o
pensamento para a ecologia. Pela própria experiência, descobriu-se que a
relação do ser humano com a natureza, com as coisas, não pode basear-se
unicamente no utilitarismo; precisa basear-se em normas éticas universais
para que o uso da natureza não se transforme em abuso, destruindo,
assim, a possibilidade de vida sobretudo para as gerações futuras.
Desvinculada da ética, a própria atividade científica começa a causar medo
ao ser humano.

3. A desorientação no campo da moral

Existe hoje uma grande desorientação no campo da moral. Na sua raiz,


encontra-se o relativismo. O Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, se
referiu, no discurso de abertura do Conclave, à ditadura do relativismo.
Parece que a única verdade universal é que tudo é relativo. O relativismo
encontrou amplo espaço, sobretudo no campo da moral. Expressão desse
relativismo é a assim chamada ética processual. A noção de bem e mal
moral é fruto da opinião pública ou de uma decisão majoritária. O que
interessa não é o conteúdo objetivo da norma, mas o processo pelo qual
algo se torna moral. Aqui o você decide é a opinião majoritária.

Expressão do relativismo moral é a tendência de natureza neo-positivista


segundo a qual, no campo do comportamento moral, não é possível fazer
enunciados lógicos e universais, como acontece no campo da ciência. O
comportamento moral está sempre envolvido por emoções e outras
variantes subjetivas. A moral é pois algo subjetivo.

Após a última guerra mundial, desenvolveu-se a chamada ética de


situação. A situação é um somatório de fatores subjetivos, sociais, culturais.
A cada momento, o ser humano se encontra numa situação diferente. Deve
decidir de acordo com a sua situação.
Ora, o relativismo em geral leva a uma visão superficial da realidade.
Dispensa o ser humano de pesquisar a verdade. No campo da moral, ele é
um obstáculo ao compromisso sério e duradouro.

4. Como a Igreja vê a moral?

A moral cristã não é um conjunto de normas impessoais dependentes do


arbítrio de algum indivíduo. Ela é conseqüência de uma ontologia do ser
humano, de uma antropologia, isto é, de uma visão do homem. Cito, a título
de exemplo, três elementos dessa antropologia. O ser humano é, antes de
tudo, uma criatura. Não é criador de se si mesmo. O seu ser é um dom do
Criador. Por isso mesmo, o ser humano deve ser entendido sempre por
referência ao Criador. Não só o seu ser em geral, mas também a sua
autonomia e liberdade devem ser entendidas por referência ao Criador.

Outro elemento significativo: o ser humano é imagem e semelhança de


Deus (cf. Gn 1, 26). Possui algo de divino. Tem uma dimensão
transcendente. Participa da sabedoria e providência com a qual Deus
governa o mundo. Sua razão não é apenas uma faculdade de
conhecimento, mas também moral. Possui a capacidade de descobrir o
bem a ser feito e o mal a ser evitado. Trata-se de uma participação na
ciência divina.

Pertence também à antropologia cristã, a existência de uma natureza


humana. Embora o homem, de um lado, não possa ser compreendido fora
de sua situação, de outro lado, ele não se reduz à sua situação. Nele existe
um núcleo que transcende todas as situações, todas as variáveis
subjetivas, sociais e culturais. É a natureza humana. Ela é o pressuposto
para falarmos de dignidade humana, de direitos universais da pessoa
humana, de direito natural.

5. A originalidade da moral cristã


Recordo apenas alguns elementos. A moral cristã não é uma moral paralela
à lei natural. Ela assume a lei natural à luz do seguimento de Jesus Cristo,
Caminho, Verdade e Vida. Portanto, tudo aquilo que pertence à lei natural,
à moral baseada na razão humana, é assumido pelos cristãos. A fé apenas
oferece um motivo a mais para viver de acordo com a lei natural.

Na moral cristã, a noção de mal moral adquire uma profundidade muito


grande, expressa pelo vocábulo pecado. Ele não apenas aliena o ser
humano com relação a si mesmo e ao próximo, mas também com relação a
Deus.

É costume repetir que a moral cristã não é apenas uma moral de atos, mas
uma moral da pessoa. E com razão. Para a moral cristã, não basta colocar
atos morais. É necessário que a própria pessoa, através da aquisição das
virtudes, se torne um ser moral, ou seja, uma pessoa justa, verdadeira,
honesta. A árvore boa produz bons frutos. Quem possui as virtudes morais
pratica o bem com mais facilidade e de modo constante. Quem não possui
as virtudes morais tem dificuldade de praticar o bem. De certo modo, pode
praticar o bem acidentalmente.

Finalmente, a moral cristã é a moral da graça. A moral, enquanto conjunto


de normas práticas, indica o dever. Não dá força, porém, como observou
S.Paulo, para executá-lo. A capacidade de cumprir com o dever, de agir
moralmente, provém da ação do Espírito Santo em nós, ou seja, da graça.

Conclusão

Para concluir, quero apontar ainda duas características da concepção que a


Igreja tem da moral. Em primeiro lugar, a verdade moral habita no interior
do ser humano. Duas coisas escreveu Kant, me causam perplexidade:
"sobre mim o céu estrelado e, em mim, a lei moral". Em segundo lugar,
embora a moral tenha diversas fontes, a fonte mais alta da moral, o seu
verdadeiro fundamento é Deus. Francesco Alberone, em seu livro traduzido
para o português Valores, aponta como fonte mais alta da moral a mística,
que consiste na experiência de união amorosa com Deus. A mística tem
sido fonte de uma moral universal, moral do amor e da vida. Esta foi a
moral de Jesus Cristo e grandes místicos.

1 .Bispo de Lorena, membro da Comissão Episcopal da Doutrina da Fé -


CNBB, Supervisor Geral da Formação dos Arautos do Evangelho, e
fundador desta revista.

Bibliografia básica

CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Campos dos Goytacazes: Jorge Zahar,


2000.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1954. p. 48.
Oeuvres philosophiques. Tradução de Ferdinand Alquié. Paris: Editions
Gallimard, 1980.
STONE, I. F. O julgamento de Sócrates. São Paulo: Companhia das Letras,
2005.
XENOFONTE. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. Editora Edipro,
2006.
JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Veritatis Splendor. Disponível em:
http://www.vatican.va/edocs/POR0072/_INDEX.HTM . Acessado 20 de abril
de 2007.
LIMA, Lauro de Oliveira, A construção do homem segundo Piaget, uma
teoria da educação. 3. ed. São Paulo: Editora Summus, 1984.
FREITAS, Lia. A moral na obra de Jean Piaget, um projeto inacabado. São
Paulo: Cortez, 2003.
DURKHEIM, Emile. Sociologia e Filosofia. Rio de Janeiro: Forense, 1975.
ALBERONI, Francesco. Valores. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
1) A Teoria

A construção da moral – Regras / Valores / Símbolos / Mitos e Formação das


ordens e regras

O desenvolvimento das crianças vai da ANOMIA (sem regra) pela


HETERONOMIA (regras de fora) para a AUTONOMIA (regras construídas).

O papel da escola, então, é promover a liberdade e a autonomia. Mas como vai


ocorrer se nas escolas normalmente, não é experimentada a democracia? Como
então, os jovens podem aprender a criar regras?

“Que direito tem o adulto de determinar, por antecedência o comportamento futuro


das novas gerações?” (Lauro de Oliveira Lima). Sugiro uma orientação geral para
os pais compreenderem a criação das regras e alguns mitos que são comuns na
sociedade. Vamos introduzir gradativamente os Mitos, como dar ordens e como
compreender o pensamento moral das crianças.

Toda criança, desde muito cedo, precisa de pais coerentes e consistentes,


principalmente, quando começa a ser disciplinado, ouvindo o “não” e recebendo
limites. As regras devem ser claras e objetivas: agir de acordo com o que se
ensina.

Educar não é superproteger, e sim ajudar a vencer frustrações, pois é importante


para o crescimento dos indivíduos. Crianças criadas na “barra da saia” e sem
oportunidades de resolver seus próprios problemas não desenvolvem uma boa
auto-imagem.

Para o bom desenvolvimento das crianças é necessário que os limites sejam


claros e firmes, caso contrário, ela fica INSEGURA (física e emocionalmente).

Pai, mãe ou outro responsável devem sempre entrar em acordo para não tirar a
autoridade sobre os limites impostos pelo outro. Deve haver uma coerência lógica
sobre o que deve ser obedecido. Cuidado para não criar limites gratuitos!
Educar é comunicar. Os pais precisam saber que o filho não é, totalmente, produto
do que eles dizem ou fazem. Existe uma interação com o meio.

Educar é um processo dinâmico e criativo que modifica as crianças e os pais em


todos os momentos da construção da moral.

As crianças aos 3/4/5/6/7 anos – querem saber o que os adultos querem. Acham
que os adultos determinam as leis do mundo. A causalidade está ligada as suas
vontades. As crianças aceitam as regras da autoridade e as idéias dos adultos são
importantes para elas. MORAL DA SUBMISSÃO. Mal é tudo que infringe a regra.

Os pais que discutem na frente dos filhos e não cumprem ordens, dificilmente
serão obedecidos.

Nunca ameace seu filho com a perda do afeto. Dizer a um filho que não vai mais
gostar mais dele é, absolutamente, insuportável. Tudo que o filho mais quer é ser
amado pelos pais e tudo que faz é para merecer este amor.

Os pais podem criar uma tabela com dez regras básicas para serem seguidas, em
casa, isto trará organização e consciência para a criança de que o mundo já tem
uma organização prévia que ela poderá seguir, não acontecendo a toda hora
regras diferentes que podem causar conflitos. As crianças “agradecerão” o
benefício que a organização trará aos seus desenvolvimentos intelectual e
emocional.

“Compreender o desenvolvimento moral da crianças é então, compreender seu


desenvolvimento lógico”. (Piaget, 1928).

Devemos salientar aos pais que a descentração das crianças (ver o ponto de vista
do outro) influenciará o progresso cognitivo do sujeito.

Aos 10/11/12 anos aparece a noção igualitária da justiça que se impõe até
prevalecer sobre a autoridade adulta. Neste período os adultos devem promover
discussões sobre as regras para que os jovens aprendam a fazer e obedecer.
Está nascendo a autonomia. MORAL DA COOPERAÇÃO OU AUTONOMIA.
Importância crescente das idéias de reciprocidade e de igualdade entre as
crianças de 7 a 12 anos. Os adultos devem ficar atentos as sanções que podem
ser:

SANÇÕES EXPIATÓRIAS - arbitrária (castigo corporal).

- coação com as regras de autoridade

- proporcionalidade entre sofrimento imposto e a gravidade

da falta cometida.

SANÇÕES DE RECIPROCIDADE: - motivadas. O elo de solidariedade foi


rompido.

PUNIÇÃO: para os pequenos quando alguém foi maldoso tem que ser punido.
Para os grandes tem que punir porque fez errado e só assim não repetira a falta.
O castigo deve ser proporcional ao erro cometido.

Isto é a reversibilidade que só se inicia por volta dos 7/8 anos, por isso é tão
importante saber como a criança está pensando sobre as regras que ela recebe. É
importante então, trabalhar para que este sujeito saia do respeito unilateral para
chegar a reciprocidade, condição necessária à construção da cooperação.

Pensando como Piaget, devemos nos perguntar, será que os adultos favorecem o
desenvolvimento moral das crianças? Muitas vezes atrapalham e dificultam sua
construção.

Vamos então ver os mitos em que os pais acreditam quanto estão criando seus
filhos.

Ética na Maçonaria
O que poderíamos acrescentar em termos de ética na Maçonaria, em nossa
opinião: NADA.

O que podemos sugerir é um Código de Ética palpável e atual, ou seja um


acordo explícito entre os membros da Ordem, cujo objetivo é explicitar como os
maçons, que a constitui, pensam e definem suas próprias identidades política e
social; e como grupo se compromete a realizar seus objetivos particulares de um
modo compatível com os princípios universais da ética. Porque digo que pode
ser acrescentado?

Partindo-se do principio que, para ser aceito como maçom, se faz necessário ser
livre de bons costumes, subentende-se que o candidato/neófito seja uma pessoa
de conduta moral e ética acima da média das outras pessoas.

A expressão “de bons costumes” é ampla e subjetiva, podemos considerar bons


costumes, a educação, a moral, a ética, a cultura, a respeitabilidade, a
jurisprudência baseada no uso, etc. Portanto, quando de seu ingresso na Ordem
o neófito deixa de ser uma referência de conduta na sociedade, um ícone, e
passa a ser simplesmente um maçom, que deve ter como sistema de vida uma
conduta ilibada, devendo ter sempre suas mãos limpas, sem qualquer mácula e,
escusando de qualquer ato ilícito, amoral ou antiético.

A Maçonaria enquanto instituição e constituída de pessoas de valores éticos,


não deveria estar preocupada com a formação ética e moral de seus membros,
pois alguns valores devem ser intrínsecos aos Maçons, entre eles a moral e a
ética.

Todavia, isso simplesmente se torna mera teoria, pois infelizmente existem Lojas
ou quem sabe Obediências, que para angariar membros e conseqüente aumento
de “poder” e dinheiro, passam por cima de alguns “empecilhos” a fim de agilizar
e “forçar” a entrada de algumas pessoas que sejam de interesse de alguns.

Então onde falta a ética?

Na Maçonaria e nos seus membros em geral ou em algumas pessoas


dissimuladas, que levam alguns Ir∴ a apresenta-las?
Claro fica que falta de ética é dessas pessoas pouco ou nada preparadas para
estar junto aos verdadeiros maçons. Por isso entendemos ser necessário a
criação de um Código de Ética palpável e atual, a fim de podermos balizar as
ações dos “falsos” maçons. Mas, a nosso ver, deve ser um Código de Ética
consuetudinário, mutável, dinâmico e não legalista e imutável, afinal já existem
Leis reguladoras de conduta dentro de nossa Ordem, inclusive prevendo
punições aos infratores (Código Penal Maçônico). Afinal, como o mal dos “falsos”
maçons é uma triste realidade, devemos nós, que ainda estamos imaculados,
tentar incutir em nossos fracos Ir∴ a beleza e a leveza da Alma Maçônica,
ajuda-los na transformação de suas imperfeições e no caminho para conduzi-los
à construção de seu Templo Interior, desbastando, assim, a Pedra Bruta.

A MORAL MAÇÔNICA

Em filosofia, a ética é o ramo desta que se preocupa com as regras do


comportamento humano

Klebber S Nascimento

22.04.2010

Para falar sobre moral maçônica é preciso, antes, que saibamos o que significa a
palavra MORAL. Todos nós temos um conhecimento básico de que MORAL é um
conjunto de normas ou regras que condicionam o comportamento humano.

Todavia, existem outros conjuntos de regras e normas de comportamento humano


que não fazem parte da moral.

O direito é um conjunto de regras e normas que tem por finalidade orientar o


comportamento humano. Quando estudamos uma matéria denominada de
Filosofia do Direito vamos aprender que essas normas de comportamento,que
depois vieram a fazer parte do sistema jurídico, nasceram da necessidade que o
homem tinha de organizar a convivência em sociedade. O Homem é um animal
gregário por natureza e tende a viver em grandes grupos sociais, que devem ser
organizados por leis e regras de comportamento para que a sociedade não se
torne um caos.

Como nos ensina HANS KELSEN na sua obra Reinen Rechtslehren ( A Teoria
Pura do Direito ) de 1934, no início dos tempos, quando os primeiros homens
começaram a viver em sociedade, o mais forte do grupo passou a estabelecer
regras de convivência com a finalidade de evitar que os homens se comportassem
orientados somente pelo seu instinto natural. A força física, entretanto, se
constituiu num fundamento de validade do sistema jurídico muito frágil, pois, como
a expectativa de vida era muito pouca, as pessoas mais fortes envelheciam
rapidamente e os mais jovens tornavam-se mais fortes e o poder passou a ser
disputado, trazendo intranqüilidade ao grupo e impedindo o seu crescimento.

Foi quando, na história, o homem começou a prestar atenção nos fenômenos


naturais, tais como raios,trovões, tempestades, maremotos, eclipses etc., e no
temor que as pessoas tinham desses acontecimentos, para utilizá-los a seu favor
substituindo a força bruta como fundamento de validade para as suas regras de
comportamento pelo temor do desconhecido e do sobrenatural.

Essas forças e fenômenos naturais, até então desconhecidos pelo homem


primitivo, foram atribuídos a divindades, e o poder do governante passou a ser
baseado no sobrenatural.

Esse sobrenatural, mais tarde, forneceu elementos preciosos para o nascimento


das religiões, como se vê na história da mitologia grega e, mais tarde, da mitologia
romana.

Além de fornecerem suporte para as regras denominadas de jurídicas, os


representantes desses fenômenos naturais e sobrenaturais começaram a criar
regras de comportamento próprios, que visavam não mais ao estabelecimento de
uma ordem social, mas a satisfação de deuses e divindades para o recebimento
de favores e benefícios nesta vida ou em outra vida futura.

Nascia a religião, e o conjunto de regras de comportamento religioso, como por


exemplo os Dez Mandamentos, que dizem os religiosos foram dados por Deus ao
profeta Moisés.

O suporte da religião necessário para a sobrevivência do Estado vai, então, desde


a mais remota antiguidade, sendo de se notar que os imperadores romanos se
diziam descendentes dos deuses e deles retiram o seu poder, até chegar a uma
espécie de simbiose completa com Constantino (312-337) e Teodósio (379-395).
Que proclamaram o cristianismo como re-ligião oficial de Roma, até os nossos
dias, onde ainda vemos muitos Estados muçulmanos governados pelas leis
islâmicas. Mesmo nas nações mais civilizadas podemos constatar que nos
Estados Unidos a separação da Igreja do Estado só se deu na 1ª Emenda em
1791, e o Brasil só conheceu a separação da Igreja com o Estado pelo Decreto nº
119-A, de 7 de janeiro de 1890. FUSTEL DE COULANGES em sua obra A Cidade
Antiga conta a história da necessária união entre a Igreja e o Estado para a
sustentabilidade da paz e da harmonia social entre os povos da Idade Média, na
medida em que a religião dava o fundamento de validade do poder dos
governantes.

Temos, então, até agora, três conjuntos de regras de comportamento humano: o


jurídico, o religioso e o moral. A estes podemos juntar a ÉTICA, Em filosofia, a
ética é o ramo desta que se preocupa com as regras de comportamento humano.
No tempo da Grécia Antiga (séc. 4º a.C.) a filosofia )Sócrates, Platão e depois
Aristóteles) era dividida em três partes; a ÉTICA, que se preocupava com o
comportamento humano; a METAFÍSICA, que se preocupava com a causa das
coisas; e a EPISTEMOLOGIA, que se preocupava com o valor das coisas.

Para muitos autores, as palavras ÉTICA e MORAL são sinônimas, porque a


palavra “ética” vem do grego “ethos” que quer dizer “costume” e em romano a
palavra MORAL vem do latim “mores” que tem o mesmo significado: costume.
Todavia entendemos que, muito embora ambas as palavras tenham a mesma
origem e signifiquem, em essência, um conjunto de regras de comportamento
humano, existem diferenças substanciais entre esses dois vocábulos, como
veremos adiante.

Finalmente, então, identificamos quatro conjuntos de regras e normas de


comportamento humano, distintos entre si, quer, no seu nascimento, como na sua
aplicação e na sua finalidade: o DIREITO, a RELIGIÃO, a ÉTICA e a MORAL.

Existem, também, outros conjuntos de regras, tais como as regras de


funcionamento de um determinado esporte ou jogo ( xadrez, futebol etc.) que não
levaremos em consideração neste estudo,em virtude de sua aplicação pontual e
restrita.

Muito embora seja, intuitivamente fácil distinguirmos o DIREITO da RELIGIÃO, da


ÉTICA e da MORAL, devemos, do ponto de vista científico, encontrar
fundamentos lógicos dos traços distintivos entre esses conjuntos que nos
permitam, ao final identificar de “per si” cada uma das regras que se nos
apresentam em nosso convívio social.

A regra jurídica tem seu nascimento no poder do Estado (qualquer que seja ele),
serve para evitar conflitos sociais, na busca do conceito de “Justiça” de dar a cada
um aquilo que lhe é devido em face do princípio de que o direito de cada um
acaba onde começa o direito do outro, e tem como traço distintivo das demais
regras de comportamento a qualidade de sua sanção, como nos ensina HANS
KELSEN. A norma jurídica é a única que, quando violada, tem por sanção a
restrição da liberdade individual ou a expropriação do patrimônio.

A RELIGIÃO, por sua vez, usando dos mesmos critérios de distinção, tem a sua
origem na palavra dos deuses ou de um Deus único, revelada através de seus
profetas ( Moisés, Jesus, Maomé, Buda e outros) compilados em livros sagrados
como a Bíblia, o Torá, o Alcorão e outros, com a finalidade de levar o homem a,
praticando o bem, alcançar um prêmio em outra vida. A sanção da transgressão
da norma religiosa é, geralmente, a punição após a vida.
A ÉTICA significa um conjunto de regras de comportamento humano relativo ao
convívio social externo, que nasce na busca da beleza e na sofisticação do
comportamento humano individual, não é a busca do BEM, mas a busca do BOM.

São as regras de como se comportar à mesa, de como receber pessoas, de como


se vestir, geralmente não escritas mas de aceitação universal dentro de cada
agrupamento humano diretamente proporcional ao seu grau de civilização.

A MORAL, por sua vez, significa um conjunto de regras de comportamento


humano interno, existente na consciência de cada um, que determina, para cada
individuo, o comportamento de acordo com o que considera um BEM, e a rejeição
daquilo que considera um MAL. A procura do CERTO e a rejeição do ERRADO. A
MORAL, portanto, é um conjunto de regras de comportamento que tem por
finalidade fazer o homem praticar o bem e evitar o mal. Diferencia-se
profundamente da ÉRICA, pois enquanto a transgressão de uma norma ética tem
como sanção a repulsa social, a transgressão de uma norma moral tem por
sansão o arrependimento, o remorso e o sentimento de culpa. A ÉTICA reflete no
social e a MORAL reflete na consciência de cada um. A dor moral é interna e a
reprovação ética é externa.

Nesse sentido vamos constatar que existe, em verdade, não uma só MORAL,
como não existe uma só ÉTICA, e como também existem várias RELIGIÕES e
vários regimes jurídicos diferentes. Cada Estado soberano tem o seu conjunto de
normas jurídicas, o seu DIREITO. Os povos desses Estados têm cultos religiosos
próprios em torno de sua igreja. Os grupos sociais, de conformidade com a sua
classe social, mantêm uma ética própria. E, também, os sistemas de moral
dependem fundamentalmente dos princípios adotados pelos grupos sociais, muito
embora todos os sistemas de moral tenham por base o agir de acordo com o
BEM, de acordo com o CERTO, e a vontade deliberada de combater o mal e de se
evitar o ERRADO.

Uma das particularidades da moral maçônica é a rigidez de seus princípios em


contrate com outros sistemas de moral,que em vez de serem exigidos de seus
membros são apenas sugeridos ou divulgados sem muito comprometimento entre
os orientadores e os orientados.

Na Maçonaria, a aplicação das regras de sua moral começa mesmo ant4s do


ingresso do profano na Ordem, quando, indicado por um maçom pede a sua
admissão, tem o seu nome e o seu passado investigados para a verificação de
sua idoneidade social para fazer parte da irmandade.

Se o profano passar pela prova inicial de idoneidade e pelo crivo do voto dos seus
futuros pares, na cerimônia de iniciação, prestes a prestar o juramento solene que
o admitirá aos segredos da Ordem, ouve do Orador que:

“...o mais puro dos ideais e a mais nobre das instituições humanas é o de vencer
as paixões ignóbeis que desonram o homem e o tornam desgraçado, cabendo-vos
a prática constante da virtude, socorrendo os irmãos em suas aflições e
necessidades, encaminhando-os na senda do Bem, desviando-o da prática do
MAL e estimulando-os a fazerem o BEM, dando-lhes exemplo de tolerância,
Justiça e respeito à Liberdade, exigências primordiais de nossa Sublime
instituição”.

Nessa advertência inicial estão presentes os princípios da moral maçônica que


são a LIBERDADE, a IGUALDADE e a FRATERNIDADE.

LIBERDADE não no sentido físico, pois no século 21 seria absurdo imaginar-se a


escravidão, mas no sentido filosófico, representando a disposição de livrar-se de
preconceitos, dogmas e crenças que possam nublar a inteligência na busca da
Verdade, e acorrentarmos na escuridão da ignorância.

IGUALDADE, no mesmo sentido jurídico da palavra, de que todos os homens são


iguais perante a lei e têm os mesmos direitos e obrigações e que se traduz, em
virtude da finalidade da busca da justiça, dando a cada o legalmente devido, pela
fórmula – igualdade é tratar desigualmente os desiguais de acordo com as suas
desigualdades -, para que o ideal de Justiça possa ser realizado.

FRATERNIDADE, elevada ao seu grau máximo, pela união dos membros da


Ordem que se reconhecem como irmãos e com tal se tratam.
Na segunda instrução do grau de aprendiz, o Irmão 1º Vigilante adverte ao neófito:

Sustentam nossa Loja três grandes colunas denominadas de SABEDORIA,


FORÇA E BELEZA.

Todo esse simbolismo nos indica que, na obra fundamental de nossa construção
moral, devemos trazer para a superfície, para a Luz, todas as possibilidades das
potências individuais, despojando-nos da ilusão da personalidade. Nesse trabalho,
só poderemos ser sábios se possuirmos força, porque a sabedoria exige
sacrifícios que só podem ser realizados pela FORÇA; mas ser sábio com força,
sem ter beleza, é triste, porque é a Beleza que abre o mundo inteiro à nossa
sensibilidade.

Na terceira instrução do grau de aprendiz o irmão 1º Vigilante nos conta que o


Ente Supremo nos dotou de inteligência que nos faz discernir o Bem do Mal e que
essa inteligência é suficiente para isso quando dirigida por uma sã moral, que por
sua vez nos é ensinada através de símbolos e alegorias.

Além disso, na abertura de todos os nossos trabalhos o Venerável Mestre


pergunta ao irmão 1º Vigilante:

- Para que nos reunimos aqui, Irmão 1º Vigilante?

E ele responde:

-Para combater a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros e glorificar o


Direito, a Justiça e a Verdade. Para promover o bem-estar da pátria e da
humanidade, levantando templos á virtude e cavando masmorras aos vícios.

Assim, o sistema de MORAL MAÇÔNICA, como demonstrado até aqui, contidos


em símbolos e alegorias, vai sendo revelado ao Aprendiz e depois aos
Companheiros e finalmente aos Mestres, até o final do 33º Grau filosófico,
demonstrando que a Maçonaria é um sistema de aprendizado moral constante,
que se inicia ao conhecermos a pedra bruta e começamos a trabalhar nela para
transformá-la em pedra polida.
Esse trabalho denomina-se de ARTE REAL. A ARTE REAL é a atividade que tem
por finalidade construir o templo interno de cada um de nós, à semelhança da
beleza e grandiosidade do Templo de Salomão.

Podemos, então, agora, conceituar a MORAL MAÇÔNICA, então, como um


sistema de normas e regras, ocultas, e reveladas através de símbolos e alegorias,
que têm por fundamento os princípios da LIBERDADE, IGUALDADE e
FRATERNIDADE, orientados pelas luzes da SABEDORIA, da FORÇA e da
BELZA, que habilita o maçom ao exercício da ARTE REAL.

Por isso é importante que possamos criar o hábito de ler e reler, com muita
atenção, cada uma das instruções de cada grau que conquistamos nessa
caminhada ao encontro da pedra polida. Os símbolos e alegorias contidos nesses
ensinamentos revelam-se de forma diferente a cada nova leitura, e a cada vez
renovamos as nossas instruções, fazendo com que possamos ter uma melhor
compreensão da moral maçônica.

O compromisso com o objetivo da moral maçônica, muito embora possa ter


passado desapercebido muitas vezes aos nossos sentidos, renova-se em cada
um dos nossos encontros, pelo irmão 1º Vigilante que, ao responder ao Venerável
mestre a pergunta:

- SOIS MAÇOM. Irmão 1º Vigilante?

Responde: M.I.C.T.M.R.

E as pessoas reconhecem o maçom não porque ele usa um avental, um terno


preto, um distintivo na lapela do paletó, ou porque faz sinais estranhos.

Reconhece-o como maçom porque seus atos e suas palavras, a sua ação em
sociedade, revelam a existência de regras e normas de orientação de seu
comportamento pertencentes a um sistema único e diferenciado de sempre
“erguer templos à virtude e cavar masmorras ao vício”, e que conhecemos como
MORAL MAÇÔNICA.
Ir.´. Luiz Gonzaga Modesto de Paula

*
O conceito de solidariedade

Luiz
Signates

Resumo: Este artigo pretende desenvolver uma análise concisa do


conceito de solidariedade e de suas condições de validade (fundamentos de
convivência social que caracterizam uma vivência solidária autêntica),
analisando em seguida, rapidamente, o significado de tais condições para a
prática espírita.

A questão da solidariedade é extremamente atual. As sociedades


contemporâneas, assentadas sobre os valores do capitalismo, estão em alta
medida fundadas em sistemas de competição orientada a interesses. Essa
experiência coletiva, que invade tanto as instituições sociais quanto os
espaços privados do mundo da vida, constrói-se dentro de uma moral egoísta,
na qual a presença dos outros só é reconhecida a partir dos benefícios
concretos que possa gerar, o que implica, em contrapartida, uma forte
indiferença em relação aos não produtivos e uma enorme e constante
violência de uns contra os outros, especialmente os que não se adaptem às
regras desse egoísmo social. Tal sentimento, contudo, não pode se
generalizar sem criar um mal-estar social de largas proporções, vinculado
não somente à falta do outro como igual, mas também ao stress da guerra
permanente e, sobretudo, ao rastro de miséria e sofrimento que os
egoístas em competição vão deixando atrás de si, na medida em que
constróem suas riquezas materiais e suas situações de poder. O mundo
atual é, pois, um mundo carente de solidariedade.

Os diversos nomes da solidariedade

Na tradição cristã da religião, a vida solidária recebe o nome de


fraternidade, idéia fundada pelos cristãos primitivos, sob a perspectiva de uma
sociedade de irmãos, filhos do mesmo Deus, visto como Pai, conforme lhes
ensinara Jesus. A sociedade de irmãos funda a igualdade na relação entre
os seres desiguais, na medida em que os vincula a um

propósito comum, assegurado pela crença no Deus único.

* Texto publicado originalmente no periódico espírita


virtual Aurora, 1998, na Internet

(http://www.alternex.com.br/~solidario/j.html). Revisto e atualizado pelo autor.


É no âmbito da sociologia que a expressão recebe o nome de
solidariedade, para caracterizar os modelos descritivos e normativos de
sociedades comunitárias, dentro das quais os bens são repartidos para o
usufruto comum e as ações são coletivamente praticadas, em regime de
cooperação mútua.

Mesmo no campo da política, é possível agregar, até certo ponto, a


noção de solidariedade ao conceito de democracia, porquanto as
sociedades democráticas pressupõem a predominância do interesse comum
e da participação pública, que são formas coletivas de viabilização da
solidariedade, para se realizarem enquanto tais. Existem, porém, limites a
essa apropriação teórica, já que são também consideradas democráticas
as sociedades políticas representativas, nas quais o “representante”, ao agir
em nome dos “representados”, finge ocupar-lhes o lugar, de certa forma
calando-os, ato que rompe, ao menos parcialmente, com a idéia de
solidariedade (embora viabilize as formas complexas de organização social,
às vezes impraticáveis tão somente pelas redes de solidariedade). Há quem
afirme por isso que a crise atual da democracia representativa é, na verdade,
uma crise de ausência da solidariedade real.

Há diferença entre a solidariedade, tratada como conceito base para


explicar e propor uma ordem social, e uma outra, definida como forma
estereotipada e casual de auxílio a outras pessoas. Talvez se possa
afirmar que há a possibilidade de uma solidariedade permanente,
funcionando como cimento social, e uma solidariedade instantânea, de
consumo. Para os termos deste trabalho, consideramos como autêntico
apenas o primeiro tipo, por oferecer condições para uma análise normativa
da vivência social.

O outro como critério e a comunicação como ética

Dois conceitos fundamentam a noção de solidariedade neste trabalho:


o outro, cuja vinculação se dá na condição de critério, e a comunicação,
que funciona como fundamento ético.

Definimos o outro como sendo a manifestação da diferença, da verdade


que não se encontra no eu. Diversas qualidades relacionais do eu
servem de base para compreender a noção de outro: diferença, estranheza,
novidade, contrariedade, infinitude, ignorância. Diferença, porquanto o que
aqui chamamos de outro não é simplesmente a outra pessoa, mas
exatamente aquilo nela que é diferente de nós, que não guarda as
características da semelhança. Novidade, uma vez que o velho é o mesmo,
sendo o novo justamente o modo como aparece a diferença. Ignorância, pois
o que é diferente e novo no outro constitui precisamente o espaço do nosso
desconhecimento, em relação a ele. Estranheza, pois tal é a forma na qual
a ignorância da diferença e da novidade se manifesta. Contrariedade, já
que, por ser diferente, o outro não segue seu caminho pelos nossos passos,
nem pensa pela nossa cabeça. E, por fim, infinitude, caracterizada pela
dimensão com que o Universo se nos apresenta como espaço a saber, em
contraponto com a finitude do que nele conhecemos.

Não basta, contudo, a interação pura e simples com o outro,


porquanto a interatividade, embora necessária, não é condição suficiente para
a sociabilidade solidária. A presença do outro demanda uma ética específica,
para que a relação se dê. Tal ética é a da comunicação, entendida como o
movimento que começa no outro (e não num movimento de “emissor” para
“receptor”, como pressupõem as teorias condutivistas de informação) e se
efetua de forma a revelar as diferenças dele, sem que isso implique
estabelecer guerras ou disputas visando eliminar tais diferenças. O estudo da
solidariedade é, pois, essencialmente o estudo das condições de
possibilidades e limites da interação social efetivamente comunicativa com os
outros.

Condições de validade do gesto solidário


Solidariedade de fato é mais do que prestar serviços ao outro: é um
tipo especial de relacionamento social, que depende, para se efetivar, de
algumas condições muito específicas cujo desempenho deve ser mútuo, caso
contrário significará somente uma ação altruísta individual (o que não a
desvaloriza, embora unilateralize o exercício da solidariedade, denotando
uma ação, mas não propriamente uma interação social, porquanto a vida
solidária demanda reciprocidade para existir). Ressaltamos abaixo o que
consideramos ser as quatro condições essenciais para a ação solidária:

1. Não indiferença. O outro jamais é anulado ou cai no vazio da


indiferença social. Ao contrário, sua presença constitui acontecimento
relevante, diante do qual o eu se coloca de pé, pronto para a relação
solidária.
2. Aceitação da diferença. O outro é reconhecido enquanto tal, e não
submetido aos conceitos aprioristicamente construídos pelo eu. O elemento
definidor da alteridade é, justamente, a estranheza, o desconhecimento e a
infinitude do outro. Tal estranheza, em um contexto de solidariedade, poderá
sempre ser manifesta, sem implicar em guerra entre os sujeitos em interação.

3. Doação/concessão/espera. Ou amar o outro, na diferença dele. O


eu se faz sempre disponível a entregar-se, exercendo autonomamente uma
heteronomia empática que, no entanto, não o torna escravo do outro nem
elimina a identidade que lhe assegura essa autonomia. A empatia significa um
deixar-se levar por exercício da própria vontade, em relação ao outro e às
suas necessidades e carências.

4. Aprendizado/mudança. Ciente de que ninguém sai ileso de uma


interação solidária, o eu se distingue pela disponibilidade para o
aprendizado com o outro, na medida em que identifica no
reconhecimento da diferença, enquanto lugar do desconhecido, o
espaço do aprendizado possível e, portanto, da mudança. Esse
procedimento é o inverso da busca pela conversão do outro, que pode ser
traduzida como a anulação ou a redução do outro ao espaço predefinido do eu.

Observe-se que a solidariedade, enquanto comunicação plena, se inicia


não no eu, mas no outro. Isso não implica, entretanto, uma heteronomia, no
sentido de perda da identidade do eu, diante do império avassalador da
diferença alheia. De forma alguma. O gesto solidário é sobretudo um ato de
autonomia, mas trata-se uma autonomia típica, que se faz responsável pelo
outro, que escolhe o respeito infinito pela diferença que o torna outro e se
interessa sobretudo pela interação que lhe proporcione felicidade e paz. O
gesto solidário é o ato de amor, cuja capacidade altruísta modifica as
relações sociais de forma a fundar a convivência não violenta e pacífica.

Repercussões na prática espírita concreta

Especificamente na prática espírita, a não-indiferença se estabelece


na busca do outro, para entretecer com ele a relação solidária, antes mesmo
que o outro nos procure.

A aceitação da diferença implica, contudo, uma mudança de atitudes,


porquanto ainda vivemos uma fase cultural no movimento espírita de grande
preocupação com a manutenção e a salvaguarda da própria identidade
cultural, o que pode significar o
desenvolvimento de formas diversas de preconceito, discriminação e
marcação negativa de diferenças, especialmente relacionadas a outras práticas
religiosas e opiniões filosóficas. A desistência da guerra e da disputa de
sentidos é uma das mais necessárias condições de existência da fraternidade,
para o mundo contemporâneo. Os espíritas não parecem tão fora assim
dessa necessidade.

A doação, a concessão e a espera determinam, na estrutura


espírita de pensamento, o fundamento do gesto de caridade, enquanto
oferta sem espera de reciprocidade. É esta ausência de pretensões,
capaz de garantir o amor como algo diferente de uma relação comercial, de
troca, o sentimento capaz de promover e estimular a solidariedade para com os
outros, na teia das relações sociais.

E por fim, o sujeito solidário jamais vê a diferença como condição de


inferioridade no outro. Por tal razão, nunca se estabelece numa relação de
subalternidade, ainda que disfarçada no rótulo de “necessitado” ou “assistido”.
O outro, na condição de ser diferente que se torna próximo (a solidariedade,
dentro de uma terminologia especificamente cristã, é exatamente a ação que
promove a proximidade, garantindo a diferença do outro), diante de nós é
sempre alguém cuja diferença leciona para a nossa ignorância ou oferta-nos
a novidade capaz de nos transformar. Uma postura autoritária percebe a
diferença do outro como erro a ser alterado pela intervenção do eu; uma
postura solidária vê na alteridade o momento do aprendizado de si mesma.
As atividades solidárias fazem parte da cultura brasileira, fato este que vem
amenizando algumas carências da parcela de menor - ou nenhum - poder
aquisitivo da população, porém que reflete, também, uma característica notável no
povo brasileiro: a solidariedade – capacidade de compartilhar dos sofrimentos de
outras pessoas e, literalmente, colocar a mão no bolso para ajuda-las.
Comprovando a solidariedade de nosso povo, instituições criadas exclusivamente
para esse fim existem em grande número, em praticamente todas as cidades
brasileiras. Além de arrecadar e distribuir, entre os carentes, alimentos,
agasalhos, etc., essas instituições normalmente concentram seus trabalhos com
crianças, promovendo sua educação, e com idosos, amparando-os e promovendo
sua socialização. Observa-se, então, que a solidariedade ultrapassa o âmbito da
ajuda financeira, realizada através da doação de alimentos, roupas, remédios, e
chega no âmbito da educação. Seja essa educação formal ou não formal, o
objetivo é sempre educar as crianças e adolescentes para a vida, de modo que
elas se tornem cada vez mais independentes e possam, em um curto espaço de
tempo, ajudar ao invés de serem ajudadas. E nessa tarefa as instituições de
solidariedade/caridade têm sido exemplares, contribuindo, juntamente com as
igrejas e outras organizações sociais, na obrigação do Estado de regular a
sociedade.

É bem sabido que essas atividades não resolvem definitivamente os problemas


sociais, que, em última análise, têm sua origem na distribuição da renda no país.
Porém, servem para amenizar a situação de calamidade de muitas famílias,
dando comida a quem não a tem, e principalmente oferecendo esperanças e
perspectivas de uma vida melhor para muitas pessoas.

Nesse momento nos perguntamos: Como as organizações podem participar


desse esforço, e o que a Embrapa tem a ver com isso?
Exploração do trabalho infantil, assédio moral, trabalho em regime de escravidão,
dentre outras características perniciosas das relações trabalhistas, ainda existem
no Brasil, apesar de querermos acreditar que já fazem parte do passado.
Portanto, num país onde um terço da população passa fome todos os dias,
quando uma organização de renome dá exemplo, fazendo o contrário, ou seja,
estimulando relações trabalhistas justas e contribuindo com atividades sociais ou
solidárias, além de ajudar diretamente um grande número de pessoas ou famílias,
estará influenciando positivamente uma camada muito importante da sociedade,
que são os empresários. E nesse sentido, a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária – EMBRAPA, está dando, neste ano, um belo e grande exemplo. No
próximo dia 26 de abril, a Embrapa, estará completando 30 anos de sua
fundação. Para comemorar esta data, bastante representativa para o
desenvolvimento do agronegócio brasileiro, a Assessoria de Comunicação Social
da Embrapa está realizando uma campanha nacional para doação de sangue,
alimentos não perecíveis, livros, agasalhos e fraldas geriátricas. Todas as 40
Unidades da Embrapa, distribuídas em todo o território nacional, além da sede em
Brasília, estarão envolvidas nessa campanha, que está sendo denominada de
Semana Solidária.

O objetivo da Semana Solidária é despertar nos funcionários da Embrapa, e nas


comunidades onde está inserida, uma atitude ética e cidadã em benefício da
sociedade. As doações poderão ser realizadas em qualquer Unidade da Embrapa,
no período de 22 a 25 de abril de 2003. Todo material arrecadado durante a
Semana Solidária será repassado pela Embrapa para instituições que prestam
assistência social, as quais serão previamente contatadas para receberem tais
doações. A Embrapa está dando ampla divulgação para a campanha, tanto junto
ao seu público interno, representado por mais de oito mil funcionários, como
também para a sociedade , estimulando a todos em geral a participarem desta
nobre campanha.
Despertando em seus públicos, interno e externo, a necessidade/oportunidade de
participarem de ações em benefício da sociedade, a Embrapa espera que essas
ações sejam incorporadas no cotidiano de cada um de nós. Exemplo disso é a
atividade realizada pela Embrapa Pantanal, situada na cidade de Corumbá - MS,
onde a campanha de solidariedade já vem sendo realizada há pelo menos dois
anos, e várias entidades locais já foram beneficiadas. A iniciativa partiu dos
próprios funcionários, através de seu sindicato, sendo aprovada também pela
chefia da Unidade. Hoje a Embrapa Pantanal conta com 111 funcionários, sendo
que grande parte destes realizam doações mensalmente, tanto em dinheiro, como
através de vale alimentação/refeição, ou trazendo alimentos, livros, agasalhos,
etc. O impacto dessas doações nas instituições beneficiadas, e na sociedade
como um todo, tem sido muito positivo, como afirma dona Geralda, presidente da
Oficina Mãos Amigas Santo Antônio de Pádua (Figura 1), uma das instituições
beneficiadas por esse trabalho.

(Figura 1) Distribuição de alimentos na Oficina Mãos Amigas Santo Antônio de


Pádua, em Corumbá.

“A ajuda da Embrapa tem sido muito boa porque nos auxilia na alimentação de
crianças e idosos, e também para o almoço que é feito todo sábado", comenta.
Além dessa instituição, muitas outras são beneficiadas pela solidariedade dos
funcionários da Embrapa Pantanal, entre elas podemos citar o Hospital Infantil, o
Centro Espírita André Luiz, a Associação de Pais e Amigos de Prevenção e
Assistência aos Usuários de Drogas de Corumbá e Ladário - ACLAUD, o Hospital
de Caridade e o Centro Padre Ernesto de Promoção Humana e Ambiental -
CENPER, entidades estas que, na cidade de Corumbá, dão exemplo de
solidariedade, oferecendo condições de uma vida melhor para centenas de
famílias.

Notandum 14 http://www.hottopos.com
CEMOrOCFeusp / IJI – Univ. do Porto 2007

Antropologia da Solidariedade

João Carlos Almeida1

A “solidariedade” é a grife do momento. Políticos e


marketeiros elegeram esta palavra como o adjetivo preferido
para os seus projetos. Falase de Alfabetização Solidária,
Comunidade Solidária, Universidade Solidária, Ação Solidária
(contra o câncer infantil), Economia Popular Solidária, Empresa
Solidária, apenas para citar algumas iniciativas mais
conhecidas. É muito comum o uso estético de expressões que
caem no gosto do povo. Em outros tempos este tipo de
populismo de mercado fez a mesma coisa com palavras como
amor, liberdade, igualdade, fraternidade, cidadania e paz. Hoje,
dificilmente alguém seria ouvido se falasse de “alfabetização
amorosa, libertadora, igualitária, fraterna, cidadã ou pacífica”.
Soaria estranho e até antiquado. Alguém deveria estudar o
mecanismo psicológico de recepção ativa que leva as
coletividades a elegerem padrões estéticos. Seria uma espécie
de inconsciente coletivo que provoca uma espécie de consenso
espontâneo? Ou existiria algo parecido com a “conspiração
aquariana”, onde muitos coinspirariam os mesmos ideais por
uma

espécie de ligação espiritual?2 Deixamos este estudo para os


psicólogos e psicólogas.

Vamos abandonar o uso adjetivado da solidariedade para


procurar seu significado substantivo nas suas raízes
antropológicas.

Ultrapassando o senso comum e este uso instrumentalizado


da solidariedade, encontramos algumas indicações mais lúcidas
do conceito que apontam na direção de uma superação do
individualismo moderno. Parece que nas sociedades tribais e
no monolitismo políticocultural da Idade Média havia pouco
espaço para a subjetividade. A sociedade era um corpo sólido.
Neste sentido poderíamos identificar aí uma espécie de
solidariedade cultural. Se voltássemos à filosofia grega clássica,
encontraríamos a humanidade compreendida cosmologicamente.
O ser humano, portanto, fazia corpo
sólido com o cosmos. Era literalmente “humano”; porção

humanizada da terra3. Estes

valores cosmológicos e culturais parecem entrar em crise


com o advento da modernidade e com a descoberta cartesiana
do sujeito que pensa e deseja, logo existe. As instituições que
permaneciam como receptáculos da solidificação social
começam, aos poucos a entrar em crise. Ultimamente podemos
perceber, sem muitas pesquisas, esta crise chegando a
instituições aparentemente sólidas como é o caso da família, ou
mesmo do Estado, sem falar das religiões.

1 O autor é licenciado em Estudos Sociais, com ênfase


em filosofia, pósgraduação em “Psico pedagogia”, bacharel em
Teologia e doutor em Teologia Sistemática pela Pontifícia
Faculdade de Teologia Nosssa Sra. da Assunção, em São Paulo.
Está em fase de conclusão de sua tese de doutorado em
Filosofia da Educação pela USP. É sacerdote da Igreja
Católica na Congregação dos Padres do Sagrado Coração de
Jesus.

2 Marilyn Ferguson, A Conspiração Aquariana, Editora Record,


São Paulo, 1994. O livro fez furor na década de sessenta ao
defender a teoria de que a “era de aquário” seria provocada pela
coinspiração de

muitas pessoas em lugares diferentes de todo o mundo que


alimentaria os ideais de uma espiritualidade sem instituições.

3 Conceito desenvolvido por: Leonardo Boff, Saber cuidar:


ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis, Vozes, 1999.
Neste enquadramento histórico do conceito de
solidariedade é importante fazer um lembrete de cunho
etimológico. Quando falamos de solidariedade sempre temos
como pano de fundo as palavras latinas solidum (totalidade, soma
total, segurança) e solidus (sólido, maciço, inteiro). A definição
sociológica de solidariedade do Dicionário Michaelis parece
caminhar nesta direção: “Condição grupal resultante da comunhão
de atitudes e sentimentos, de modo a constituir o grupo unidade
sólida, capaz de resistir às forças exteriores e mesmo de tornarse
ainda mais firme em face da oposição vinda de fora”. Este tipo de
“corporativismo social” é diferente da solidariedade cosmológica,
tribal ou cultural. A diferença é que passa pela crítica do
sujeito e não anula o indivíduo. Há uma espécie de
interdependência. O Dicionário Aurélio falará de “vínculo
recíproco”, que nos parece uma expressão muito feliz para um
ensaio de definição.

Do ponto de vista da nomenclatura a expressão


“solidariedade” certamente foi popularizada, a partir da década de

oitenta, pelo Sindicato Solidariedade (Solidarnosc) da Polônia4.


Não podemos esquecer que, no mesmo período, em 1978, um
polonês, Karol Wojtyla, foi eleito papa na Igreja Católica,
assumindo o nome de João Paulo II. Uma de suas primeiras

encíclicas é justamente “Sollicitudo Rei Socialis”5. Ali a


doutrina social da Igreja Católica é nitidamente construída a
partir do conceito de solidariedade que é definido como a
“determinação firme e perseverante de se empenhar

pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um,


porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por
todos”6. Seguindo esta linha poderíamos definir a solidariedade
como determinação pessoal de responsabilidade mútua.

Para o senso comum a solidariedade está fortemente


ligada ao campo das emoções. Seria uma sensibilidade para
com os menos favorecidos que leva a uma atitude de caridade.
A fragilidade desta concepção está em sua unilateralidade. Os
ricos deveriam ser solidários com os pobres. Mas é possível
solidariedade sem reciprocidade? Parecenos que o equívoco
está em colocar o significado da solidariedade
imediatamente no campo do agir, da ética, dos resultados.
Sabemos que o agir segue o ser. Portanto, somente podemos
tomar atitudes solidárias porque existe uma solidariedade
essencial em nossa identidade humana. Aqui entramos no âmago
da nossa questão: quais seriam os pressupostos antropológicos
da solidariedade?

Parece claro que a emergência do conceito de


solidariedade é epocal. Ela é o espaço conceitual de encontro
entre a superação do mito moderno do indivíduo em estado
puro, a insuficiência antropológica das “teorias da dependência”,

que geraram os movimentos emancipatórios de libertação7, os

anseios ainda um tanto vagos de “inclusão”8, os sistemas


políticoeconômicos de matiz socialista e neoliberal, uma
psicologia refém do indivíduo e a psicologia social. Solidariedade
é, hoje, um espaço de consenso conceitual. Progressistas e
conservadores o utilizam sem culpa. Mas o que

significa exatamente? O perigo do consenso é significar tudo e


nada ao mesmo tempo.
Antes de ensaiarmos uma resposta, é necessário fazer a
pergunta certa. Pelo que vimos até aqui esta pergunta geradora
poderia ser: “Que vínculos recíprocos de

4 O Sindicato Solidariedade foi fundado na Polônia em 1980 e


teve em Lech Walesa um de seus maiores líderes. Em 1983,
Walesa foi contemplado com o Prêmio Nobel da Paz e, em 1990,
assumiu o governo da Polônia, vindo a ser reeleito em 1995.

5 João Paulo II, Sollicitudo rei socialis,


São Paulo: Paulinas, 1989.

Ibidem,
nº 38.

7 Cf. F. H. CARDOSO E. FALETTO, Dependência e


desenvolvimento na América Latina; Ensaio de interpretação
sociológica, Rio de Janeiro, Zahar, 1970.

8 A Conferência Nacional de Educação que o MEC


promoveu em outubro/2003 teve como tema:

“Educação como estratégia de


desenvolvimento e inclusão”.
responsabilidade mútua interferem ontologicamente na
construção da identidade humana? Poderíamos chamar este
fenômeno de “solidariedade ontológica”?

Se conseguirmos responder razoavelmente a esta questão,


em um segundo momento poderemos discorrer sobre a
“solidariedade ética” que naturalmente emerge da
“solidariedade ontológica”, já que o agir segue o ser. Não
daremos conta desta segunda tarefa nos limites de nossa
pesquisa. Por isso, vamos nos concentrar na pergunta feita e no
plano da identidade humana. Neste sentido a resposta poderia
tomar pelo menos dois rumos. Um deles poderia ser denominado
“solidariedade ontológica vertical”. Seria o vínculo que existe entre
as gerações pelos laços naturais, como os de sangue, mas
também de cultura e outras formas de memória. O humano é
essencialmente histórico. Este vínculo é recíproco enquanto o pai
somente é pai porque tem filho e o filho somente é filho porque tem
pai. Esta reciprocidade relacional é constitutiva de ambos. Esta é
mais uma janela aberta em nosso estudo. A genética tem
avançado nesta direção com conclusões interessantíssimas. Cada
vez mais descobrimos que a morte do genitor significa a morte real
de uma parte do filho. Uma das provas disso é que a perda de
ente querido está em primeiro lugar em todas as listas de
estressores. Quem já passou pela experiência de perder seu pai
ou sua mãe sabe exatamente do que estamos falando. Mas existe
também aquilo que poderíamos convencionar chamar de
“solidariedade ontológica horizontal”. Esta acontece no único
instante que nos pertence: o presente. É neste nível que
gostaríamos de indicar alguns pressupostos antropológicos9.

Não se trata de tabular uma idealização filosófica e a-


histórica do humano. É exatamente o contrário. Queremos
entender a dinâmica da construção da identidade humana nas
relações estabelecidas neste “eterno presente” em que estamos
imersos. É preciso desvendar o mistério da existência. Para
isso será necessário considerar a pessoa e as estruturas em
que está inserida. Nossa proposta de elaboração didática do
conceito de solidariedade ontológica horizontal é considerar a
pessoa como um “nó” de quatro vínculos de responsabilidade
recíproca, que chamaremos de relação: 1) Relação com a
materialidade; 2) Relação com a interioridade; 3) Relação com a
alteridade 4) Relação com a totalidade. O Eu Total, a
identidade humana pessoal, é o resultado destes quatro
vínculos. Neste contexto é difícil falar de indivíduo singular.
Poderíamos até aceitar o paradoxo do “indivíduo plural”, mas a
individualidade em estado puro parece definitivamente superada
por estas evidências antropológicas da relação. Estes vínculos
são constitutivos do humano e o definem como um ser
essencialmente solidário. Antes de ser uma atitude
desejável em uma sociedade civilizada, a solidariedade é o
parâmetro mais profundo que define a individualidade humana
como o resultado criativo da relação com outras individualidades.
A realização desta identidade é estimulada pela prática da
solidariedade. Ou seja, o humano solidário tende a se realizar
como pessoa. Desejo e culpa poderiam ser entendidos neste
contexto. O desejo é uma força natural, muitas vezes
selvagem e irracional, que indica o caminho da sobrevivência,
da subsistência, da vida. E o que dizer da culpa? Precisamos
aqui da contribuição dos psicólogos(as). Aliás, cada uma
destas relações constitutivas do humano poderia ser
aprofundada em autores que se dedicaram de modo mais intenso
a uma delas. Vejamos brevemente as quatro relações constitutivas
do humano.

1) Relação com a materialidade: Somos fundamentalmente


“humanos”, feitos de barro, presos ao chão, obedientes à lei da
gravidade. Neste vínculo incluímos todos os recentes apelos de
sensibilidade ecológica. É preciso reconciliarse com o cosmos e
reconhecer que somos parte de uma materialidade maior.
Inserese aqui toda uma mística do “cuidado”, que denuncia as
feridas que a lógica do mercado impõe aos rios,

9 Há indicações muito interessantes sobre este tema em: H.


ASSMANN e J.M. SUNG, Competência e sensibilidade solidária;
Educar para a esperança, Petrópolis: Vozes, 2000.
às matas, às cidades, aos ares, às pessoas, ao mar, aos
animais. É aqui que devemos pensar na relação solidária com o
alimento, com a água, com todo tipo de corpo. É preciso
redescobrir a dignidade corporal. Os dualismos de toda espécie
criaram um pessimismo em relação ao corpo que confeccionaram
uma moral rígida e mesquinha ou uma promiscuidade infantil, que,
afinal, são duas faces da mesma moeda. É necessário redescobrir
a beleza do toque, da sensação, a dignidade erótica do ser
humano. Precisamos reescrever o poema do corpo e da matéria.
Mas não nos referimos ao corpo individual singular. Este
praticamente não existe. Estamos falando do corpo de corpos; do
corpo individual plural. Sou um pouco do que comi ontem. Mas
não sou exatamente aquilo que como, porque esta é apenas
uma primeira e fundamental relação humana. Sou mais que
matéria animada.

2) Relação com a interioridade: O Eu Total relacionase com o


Eu Consciente. Há uma intimidade, uma interioridade. Pode ser
maior ou menor. Aliás, todas as relações podem ser
desenvolvidas ou atrofiadas. Existem interioridades
recalcadas pelos mecanismos que a psicologia moderna soube
descrever muito bem. A interioridade é o templo da subjetividade.
Aqui residem os desejos e as vontades, a razão e os sonhos, a
sabedoria e os medos. É preciso exercitar a solidariedade
consigo mesmo; uma espécie de corporativismo pessoal.
Poderíamos dizer, neste contexto, que é preciso ter uma “sólida
vida interior”. É nesta relação que normalmente agem com
mais força os argumentos religiosos. O silêncio e o culto, a
prece e o rito são alimento da interioridade. É neste diálogo
pessoal que vai tornandose consciente a identidade.
Interessante como hoje em dia temos cópias clonadas de pessoas
famosas. O resultado é a frustração, pois cada humano é original,
criativo.

3) Relação com a alteridade: O senso comum costuma reduzir a


solidariedade a esta relação com o outro. De fato o encontro com a
face do outro me completa e me faz mais eu. Este diálogo supõe a
capacidade de ouvir até mesmo os gritos silenciosos das emoções
mais profundas. É aqui que entram algumas capacidades que
poderemos explicar em outra ocasião: sintonia, sinergia,
simpatia, sinfonia, sincronia. A relação com o outro como
constitutiva da personalidade é uma das mais estudadas na
psicologia. Mas é preciso estar atentos ao fato de que somos
solidários por constituição de ser. Portanto a insensibilidade à voz
do outro me despersonaliza. Cada encontro deixa marcas de
perfume. Algo do outro sempre fica em mim. Mas relações
satisfatórias podem acrescentar bem mais ao Eu Total. Pessoas
mesquinhas e egoístas provocam a atrofia de sua identidade
solidária.

4) Relação com a totalidade: Hoje se fala muito de holística.


Estamos saindo de uma etapa da história em que o zelo da
ciência acabou por fragmentar o saber. O humano foi lesado.
Acabamos compartimentalizando demais todas as coisas. No
entanto existe uma habilidade no humano de considerar a
totalidade por meio de ritos, poemas, canções, religiões,
metáforas do sagrado. É uma relação que nasce da
necessidade de integrar todas as partes em uma identidade
individual plural. É como a cola das relações. A nomenclatura da
“totalidade” pode ser um dado cultural, mas o fato de manter
esta relação de modo satisfatório e solidário é um dado da
estrutura antropológica.
Avançamos pouco na reflexão. Mas nosso recuo
antropológico exigiu muita reflexão para poucas afirmações. Se
concordarmos com este conceito de solidariedade como vínculo de
responsabilidade recíproca, já teremos saído do uso vago desta
expressão pelo senso comum, pelos políticos e por todos os que
falam de solidariedade para vender algum produto ou idéia. O
desafio agora seria perceber como os diversos autores contribuem
para a compreensão de cada uma destas relações que compõem o
Eu Total. Alguns estarão mais preocupados com o corpo, com
a materialidade. Outros indicarão formas de desenvolvimento
da interioridade. Haverá quem esteja mais preocupado com o
enfoque
social. E existe a psicologia da religião, preocupada com a
dimensão da totalidade. Este é o debate que propomos e que nos
será muito útil para avançar nesta reflexão.

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