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Textos Sobre Nacisismo Depressao e Masoquismo PDF
Textos Sobre Nacisismo Depressao e Masoquismo PDF
Sobre o Narcisismo
A necessidade dum objecto bom leva à imensa culpabilidade insconsciente (de tão
idealização do objecto -com negação das ameaçado e culpabilizado que foi) são
suas propriedades más - e ao recalcamento enormes e a sua ultrapassagem e expulsão
do ódio para com esse objecto: por medo exigem um labor interpretativo intenso e
de perder em maior extensão o amor do aturado e um contínuo mas lento cresci-
objecto (receio de abandono e/ou rejeição), mento do Eu, com uma progressiva conso-
por culpabilidade (sentimento, em regra in- lidação da confiança em si próprio e na sua
justificado, de ser ele próprio o culpado), força e capacidade de confrontação com o
por medo de uma retaliação agressiva da mundo e com os outros. Com efeito, uma
parte do objecto, pelo receio de ser consi- das mais graves consequências da relação
derado pelos outros como o mau (manter a com um objecto sádico, controlador, culpa-
imagem de bom) -medo, portanto, de ser bilizante e inferiorizante é a debilitação do
rejeitado não só pelo objecto em causa, Eu com destruição da sua capacidade de
como pelo mundo objecta1 em geral (ser oposição e luta, da coragem e da confiança
detestado por toda a gente, ser marginali- na sua própria força. Ninguém sai da de-
zado). missão masoquista sem cultivar e afirmar a
«Hás-de ficar só, toda a gente te abando- sua força. Todo o masoquista deve meditar
nará» - dizia o objecto sádico, depressi- na máxima latina «si vis pacem, para bel-
vante (neste caso, a mulher) a um dos nos- lum» (se queres a paz, prepara-te para a
sos analisandos. guerra).
No momento em que este doente faz a Por outro lado, a culpabilidade do maso-
inversão do seu masoquismo, ouvimos-lhe quista condu-lo a uma sensibilidade pato-
dizer: lógica em face do sofrimento alheio, sendo
«Chegou a altura de fazer uma opção: incapaz de adoptar uma atitude lúcida e
prefiro que ela me chame e considere um deixando-se arrastar pela argumentação
sacana, a continuar a ser uma vítima». egoísta ou pela posição patológica do
Foi o momento chave da viragem para a outro. Vejamos um exemplo:
saúde neste paciente. Não obstante, e como
é habitual, os movimentos regressivos com Uma analisanda, cedendo a pressões da
flexão masoquista e depressiva continuaram irmã, aceita em sua casa um sobrinho e
a dar-se. De facto, só um lento e persistente afilhado. Embora sentindo que isto repre-
trabalho de análise e perlaboração permite senta para ela uma sobrecarga de trabalho,
a manutenção do movimento progressivo de um aumento de preocupações e uma intru-
são na sua privacidade, procura ignorá-lo
deflaxão da agressividade e afirmação do
- negá-lo e recalcá-10 -, e comenta:
Eu, vencendo os medos e as culpas, o há- «A minha irmã só tem este filho, tem
bito masoquista e a rotina depressivante. uma relação frouxa com o marido, vive para
Mais uma vez e uma vez mais, aqui e ali, ele, não pode compreender que o miúdo
acolá e acoli, o vício masoquista -ditado (que tem 18 anos) ficaria muito bem num
pelo profundo medo e culpa - emerge e, lar universitário. Portanto, que é que eu
com ele, a situação de sobrecarga depressi- havia de fazer senão aceitar que ele fosse
vogénea. O medo da retaliação do mundo, lá para casa? Coitadinha, escreveu-me uma
s'ob as mais variadas formas, assim como ri carta tocante:
"(. ..) Sabes quanto me custa aceitar este - Para ficar, com a mana, a adorar o
teu sacrifício (...). Só o faço pelo muito bezerrinho.. . No fundo, você continua
amor que te tenho e pelo amor que sei que muito presa à sua infância: a irmã e o
tens por mim (...). Assim ele tem o que sobrinho, os representantes da família de
eu sempre lhe quis dar, um ambiente fami- origem, do passado, são, para si, mais im-
liar (. . .). Mas saberei retribuir-te tudo isto, portantes e mais amados que as pessoas da
e Deus te recompensará! (.. .) Era dema- sua família actual, da sua própria família.
siado doloroso para mim, insuportável E ainda acha que é o seu marido que não
mesmo, ver o meu querido filho sozinho tem razão; quando ele tem, em relação a
num Lar, exposto a todos os perigos, sa- este acontecimento, todas as razões para se
bendo que em tua casa podia ter o carinho sentir maltratado.
e o conforto de uma família e da tia de
quem ele gosta como da mãe, e do teu filho Esta vinculação ao passado, sem verda-
que ele adora como um verdadeiro irmão.. . deira mudança de objecto, é um dos traços
Que Deus te abencoe como mereces!" fundamentais da personalidade depressiva.
Como vê, era-me absolutamente impos- E a deformação ilusória (no sentido da
sível dizer-lhe que não.» idealização) da imagem dos objectos da
- Sim, que pensaria a mana de si? E os infância, sustentáculo desse apego, é o me-
outros, o mundo? Que era insensível, fria, canismo psicótico - de negação (denega-
má. Assim, continua boa, mas à custa do ção) da realidade objecta1 - preponderante
seu sacrifício, do dos seus filhos e do seu na estrutura depressiva. O outro mecanis-
marido. Mas é uma santa. mo de defesa importante, na depressão, é
«Que se lixe a santidade! De facto, o o recalcamento do ódio e da agressividade;
que sou, o que continuo a ser é uma parva, este, de nível neurótico ( I ) .
uma burra de quem toda a gente abusa, de Com o decorrer da análise, esta irmã «tão
quem todos se servem.» boa» virá a mostrar-se como uma pessoa
-Pois é, mas a mana é tão boa, o so- calculista, manipuladora, profundamente
brinho tão simpático.. . egoísta e narcísica, oportunista, sempre
«É verdade, continuo sempre a pensar «levando a água ao seu moinho*, mas com
assim: os outros é que são bons, merecem uma extrema arte para fazer supor e pa-
tudo. Com prejuízo da minha própria fa- recer que a conduz às azenhas dos outros.
mília, dos meus filhos, do meu marido.» Defende o amor, mas casa tarde com um
-Tem momentos de lucidez; em todo velho rico. Passa por pobre, porque se
o caso, não consegue criticar e opor-se à arranja sempre de modo a que a fortuna do
atitude pré-histórica da irmã a adorar o marido seja aplicada em bens não tran-
bezerro de ouro, o filho idealizado. Esque- saccionáveis, que rendem muito pouco mas
cendo-se que nem sequer está a beneficiar se valorizam bastante (a estrutura anal, de
o seu sobrinho; está simplesmente a cola- ambos, é evidente). Isto permite-lhe viver
borar na educação errada e na super-pro-
tecção da mãe, impedindo-o de se tornar
(I) Há dois mecanismos de defesa essenciais:
um homem adulto e independente.
o recalcamento de determinados afectos e a nega-
«Tem graca que foi isso mesmo que me ção (ou denegação) de partes da realidade. O pri-
disse o meu marido. Fiquei zangadíssima, meiro define a parte neurótica da personalidade;
disse-lhe que era um estupor, um egoísta. o segundo, a parte psicótica. Em todo o quadro
psicopatológico há sempre uma porção da perso-
Fui mais longe, pensei que não o suportava, nalidade em funcionamento neurótico e uma em
que tinha de me separar dele». funcionamento psicótico.
explorando os outros -verifica-se que não a oposição dele fosse sentida pelos próprios
põe o filho num quarto alugado ou numa familiares como uma demonstração de
pensão porque não quer gastar dinheiro, egoísmo e malvadez e não como uma es-
alegando que não tem rendimentos para o pontânea e natural reacção à intrusão do
poder fazer; mas, entretanto, capitaliza na sobrinho; a sua táctica foi tão eficiente que
construção de uma casa para o filho. O re- o casal esteve em vias de separação.
sultado é que a nossa analisanda, que passa
Um masoquista libertar-se de um sádico
por ser a mana rica só porque o marido
com quem tem uma longa relação, não é
ganha razoavelmente, sustenta-lhe o filho,
tarefa fácil. Foi o que aconteceu com a
mas não tem dinheiro para comprar casa
para os seus próprios filhos! nossa cliente, desde a tenra infância subtil-
O que é importante notar é que a nossa mente dominada por esta irmã. Levou
analisanda só muito tardiamente se dá conta muito tempo a poder abertamente expri-
deste imbróglio em que se deixou meter e mir:
de que é vítima. «A minha irmã é na realidade um grande
Tarde, também, apercebe-se de que a ir- estupor. Passei a vida inteira a sofrer a sua
mã, uns anos mais velha, está muito mais influência nefasta sem o reconhecer. Passei
conservada do que ela. Nessa altura, comen- a vida inteira a sentir-me devedora em face
tamos : dela, quando afinal fui a grande explorada.
- Pudera, é que você tem feito trabalho Sempre a considerei uma santa, verifico
de escrava e ela exploração de senhora. agora que ela é diabólica; consegue sempre
Tardiamente, esta mulher compreenderá o que quer. Tenho sido um joguete nas
a personalidade sádica e controladora da mãos dela.»
irmã escondida sob o manto da pobreza, Este exemplo clínico mostra-nos quão
sedução e boa vontade - sempre prestável, importante é a análise das relações domi-
mas para se vir a pagar com elevados juros: nantes de um indivíduo e da neurose dos
uma habilíssima explorável-exploradora seus objectos privilegiados, designadamente
(começar por dar para melhor e com mais dos objectos do passado, dos objectos for-
força de razão poder exigir) e masoquista- madores. A irmã desta doente é uma perso-
-sádica (sofredora eterna para eternizar o nalidade sádico-anal fortemente homos-
domínio sádico sobre os outros).
sexual. Mulher frígida, faz um casamento
A irmã da nossa doente é um belo exem- de conveniência, produzindo um filho que
plo do sadismo dos masoquistas, da com- é o representante simbólico do seu pénis
plementaridade dos dois componentes da
ausente. Nestas circunstâncias, impõe-no
perversão moral.
como menino de oiro que os outros devem
Hábil manipuladora -como todo o per- admirar, adorar, proteger e amar, como se
verso -, nos grupos, arranja-se para selec- obrigatoriamente tivesse de ser o objecto
cionar um bode expiatório, que era a pessoa preferencial de toda a gente; e admira-se e
a acusar - e marginalizar ou excluir - revolta-se se acontece o contrário, porque
para melhor realizar os seus desígnios. No não pode admitir que assim não seja. No
caso vertente, foi o marido da nossa ana- seu delírio inconsciente de criacão mágica,
lisanda: como sentiu o desacordo dele, o filho é o falo divinizado; quem não o
tratou de lançar a discórdia entre o casal, aceitar assim, é um hereje a abater. Está
ateando o fogo do conflito larvar entre neste caso o cunhado, que, por isso mesmo,
marido e mulher (e até entre os filhos do ela odeia profundamente; muito embora,
casal que pôde seduzir e o pai), para que por projecção, se considere o objecto do
desprezo e até do ódio dele. No fundo, tem É evidente que não só o masoquismo
um interdito desejo sexual e amoroso por como a homossexualidade da nossa anali-
este cunhado, que, ao não poder realizá-lo, sanda permitiram que toda esta relação pa-
se transmuta em ódio. Da irmã, que é uma tológica se estabelecesse e mantivesse. E
mulher orgástica, tem uma profunda inveja, não só; também o seu nítido, embora incons-
que transforma numa amizade amorosa e ciente, interesse infantil e erótico pelo so-
proteccionista - afastando-a do marido e brinho. Por aqui se percebe também a
impondo-lhe o filho, realiza fantasmatica- grande reacção de recusa do marido.
mente (com o pénis/filho) a sua homos- É bem certo que só analisando todo o
sexualidade latente, ao mesmo tempo que sistema relaciona1 de um doente podemos
se vinga da decepção sofrida pelo amor chegar à plena compreensão da sua pato-
não realizado com o cunhado. logia.
Redução do Masoquismo
cima me acusa e tomou comigo uma atitude que o doente pressente mas não conscienciaiiza
de franco repúdio. Eu sou a má que não é, por alguns autores, confundida com uma inter-
gosta da família dele. Chegou ao ponto de venção psicoterapêutica. Na realidade, é a utili-
zação correcta da contra-identificação ao serviço
deixar de se interessar sexualmente por do Eu analisador -que é um dos melhores ins-
mim. Rejeita-me. trumentos do trabalho anaiítico.
«Eu mudei, ele [o marido] não. É muito sente, mas sim de procurar e encontrar a
difícil continuarmos a entender-nos. verdade da vivência relacional. Só a ver-
No entanto, em parte a culpa foi minha. dade transmite saúde.
Não fiz nada para que ele mudasse, porque Mas o confronto com a verdade é, muitas
eu própria não queria mudar. Troçava das vezes, tremendamente doloroso. Por isso, o
minhas amigas que estavam em análise e doente evita o contacto com a realidade
mandavam os maridos para a análise. vivida - tanto mais quanto mais amarga
Achava isto uma submissão, um endeusa- ela foi (e/ou tem sido) -, preferindo viver
mento da análise; quando verifico agora na ilusão idealizante (dele próprio e/ou
que era a minha resistência à análise, a dos seus objectos, da sua vida, das suas
minha recusa a que a análise me mudasse. relações, do passado ou do presente, das
No fundo, queria fazer a análise de uma suas origens ou do seu destino) e, não raro,
forma intelectual, para me conhecer, não o analista é levado a fazer um conluio com
para mudar. Fazia da análise um objecto de esta dura resistência.
cultura, de uma falsa cultura, mais um sa- O processo analítico é uma busca da
ber a acumular. Que tonta, que estúpida verdade. O seu percurso é doloroso mas
eu tenho sido; julgando-me inteligente - só erradica as causas de uma dor maior -o
que não tinha inteligência para saber viver, persistente sofrimento neurótico.
para viver melhor. Aprendia coisas, mas O desligamento dos maus objectos e a
não crescia por dentro, não evoluía. rotura com a experiência negativa é um
E nunca quis que o meu marido fizesse imperativo da boa técnica analítica. Só no
psicanálise só por medo que ele mudasse espírito livre de maus objectos e não cor-
e, com isso, o perdesse, que ele me viesse roído pelas relações deletéreas se podem
a abandonar. Pois eu estava certa que não implantar bons objectos e desenvolver rela-
mudaria -tal era a minha resistência.. .» ções objectais agradáveis. O que não tem
-Foi bem modelada, as mãos da mãe nada a ver com as técnicas abreactivas,
penetraram bem fundo. como o «grito primacialn, que põem em
«Sim. E o seu trabalho de desmodela- acgão mecanismos primitivos de expulsão
gem não foi fácil». sem passagem por um processo de modifi-
-Tão persistente quanto a sua resistên- cação maturativa do Eu, e cujo resultado
cia. é a sequente reintrojecção do que foi ejec-
«Mas a sua teimosia foi boa!. .. Não tado; são técnicas de simples desbridamento
como a da minha mãe. da agressividade, que conduzem apenas a
A minha análise consigo foi, é ainda, a um aumento da actividade destrutiva.
melhor coisa da minha vida». Mas ouçamos o que nos diz um escritor
-E a pior? (Pontes de Miranda, em Obras Literárias):
(A resposta é imediata). «Quanto vos odeio, ó homens que demo-
«A relação com a minha mãe». lis sem poder construir; e quanto vos amo,
ó vós que ides plantar e erradicais do nosso
Terminamos reafirmando o que já muitas espírito e dos nossos sentimentos quanto
vezes dissemos: nos prenda ao que deve morrer! ».
Não se trata, neste caso como em muitos Há relações que devem morrer, para que
outros, de denegrir a imagem dos pais e/ou haja saúde. É preciso ter a coragem de as
de outros objectos do passado ou do pre- cortar.
A Revolta contra o Objecto SAdico
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Esta hostilidade para com a minha mãe Só o desinvestimento, a rotura desta liga-
ainda me assusta e me culpabiliza. Esta ção patológica -e patogénica - com a
noite acordei a pensar que não mais volta- mãe lhe permitirá a saída da depressivi-
ria a vê-la, que não mais a queria ver; que dade, que corresponde precisamente à fixa-
só voltaria à minha terra quando ela mor- ção a um objecto insatisfatório (agressivo,
resse. Fiquei angustiadíssimo, não consegui desamante e crítico) mas que o indivíduo
reconciliar o sono. Levantei-me, fui dar uma sente como necessário, dada a sua carência
volta de carro. Fui até ao Guincho; olhei o narcísica (insuficiente investimento pelo
mar, vi as estrelas. Senti-me só, imensa- amor materno - criança mal amada) e de-
mente só. Mas, de repente, senti um grande ficiência egóica (insuficiente desenvolvi-
alívio e uma enorme serenidade: estava só, mento da autonomia do Eu -por excessiva
mas estava livre; tinha expulsado definiti- dependência do objecto, da mãe); um ob-
vamente de dentro de mim a sombra agoi- jecto que desiludiu e desilude, que se mos-
renta da minha mãe. Voltei para casa, ador- trou e/ou mostra incapaz de satisfazer as
meci calmamente. Pela manhã cedo levan- necessidades do sujeito, mas que ele teima
tei-me, fui lavar o carro (coisa que rara- em considerar como amante, bom e apro-
mente faço, tenho preguiça - deve ser o priado, mantendo a ilusão da adequação
meu desânimo, a minha depressão) e parti objectal -por idealização do objecto -ou
para o trabalho com um sentimento de le- urdindo a crença na sua transformação (o
veza e frescura como há muito não sentia. objecto irá tornar-se bom e adequado,
Oxalá essa sombra negra não volte a insta- ideal), o que equivale à omnipotência trans-
lar-se dentro de mim! >> formadora do sujeito (3). É a pessoa insufi-
A necessidade de separação do «objecto cientemente amada que vive na ilusão de
externo perseguidor» (como diz Angel Gar- um paraíso perdido e/ou na ilusão de um
ma) e de expulsão do introjecto maligno paraíso a conquistar ou reconquistar -não
são evidentes neste relato. querendo perceber que esse paraíso com o
O dilema ou a alternância em que este objecto em causa nunca existiu nem é pos-
doente se tem sentido são: a sua estrutura sível vir a existir. O depressivo -para se
obsessiva (o dilema, a dúvida) e a sua osci- curar - tem de corrigir essa paramnésia e
lação entre a idealização do objecto com desistir desse sonho irrealizável (4).
um comportamento de tonalidade hipoma- Para conseguir essa ultrapassagem da fi-
níaca, mas com regressão a uma situação xação infantil -de uma forma que não
simbiótica (em que põe de lado a sua vida
e interesses pessoais para se preocupar e
tálgica; na depressão propriamente dita, o inves-
investir nos problemas da mãe e irmãos), e timento da representação objectal é inconsciente.
o abandono do objecto (mãe) com agrava- (') ((2o teu amor [ilusão do sujeito] que me
mento da sintomatologia depressiva, o que faz gostar tanto de ti.» Ou: «Um dia virás a gos-
o impede também de cuidar conveniente- tar de mim como eu desejo» - crença ilusória na
mente da sua pessoa e interesses por escas- transformação do objecto.
(') «Foi duro perceber que a minha infância
sez de energia psíquica [consumida no in- não foi um paraíso, mas um inferno. E foi difí-
vestimento nostálgico - consciente - e de- cil aceitar que jamais poderia construir com a
pressivo -inconsciente -da mãe (')]. minha família do passado -os meus pais e os
meus irmãos - e os amigos da infância e adoles-
cência uma vida risonha, agradável e plena. Foi
(') Na depressão há perda de energia libidinal duro, difícil, mas essencial. Saí de um sonho, que
por fuga na representação do objecto ausente: se era um pesadelo. Estou livre.» - São as palavras
o investimento da representação desse objecto é de um doente no ponto de viragem da sua aná-
consciente, trata-se da nostalgia ou depressão nos- lise.
seja uma fuga para a frente, lançando-se certa desvinculação, objectal ou narcísica,
numa conduta hipomaníaca (investindo a prévia, uma predisposição ao encontro de
superfície do mundo objectal) e/ou numa um novo objecto. Sem esta necessidade ou
conduta perversa (investindo o acto e não desejo de relação com alguém que é inves-
o objecto) -terá de passar por uma fase tido de poder e de interesse pelo sujeito, a
em que os objectos do passado, principal- quem se atribui a qualidade de uma figura
mente os mais significativos e a que está parenta1 boa, falta o impulso necessário
mais intensamente ligado (a mãe, no exem- para a análise. E é neste último sentido que
plo referido neste texto), serão não só desi- a aliança de trabalho se confunde ou, mais
dealizados como denegridos, que não só dei- precisamente, é duplicada de uma verda-
xará de amar como odiará. Só assim se des- deira transferência, a transferência de uma
vinculará desses objectos, reavendo a libido omnipotência e de um amor sem limites
neles investida. que o indivíduo julgou ter tido e perdeu ou
No fenómeno psíquico e no comporta- desejou ter e quase perdeu a esperança de
mento interessa não só indagar da causa vir a ter ('). Mas, a pouco e pouco, o indi-
como saber da finalidade. E, para sair da víduo corrigirá essa transferência idealizante
submissão masoquista e deprimente, é ne- e será na confiança na qualidade humana
cessária uma revolta que, aparentemente, e técnica do analista que se apoiará para se
está para além dos danos sofridos. No ajuste compreender e para se libertar dos maus
de contas com o objecto sádico, o indivíduo objectos internos e externos. A empatia do
precisa de se cobrar de pesados juros; só psicanalista (e não a contra-transferência)
assim saldará as contas e sairá recomposto. dar-lhe-á a certeza que este o quer ver como
Deste modo fará a necessária restauração pessoa livre e não utilizá-lo como objecto.
do self.
Por esta razão, a cura analítica só é reso-
lutiva quando o analisando estabelece com
o analista uma relap?o de conjiança e ami- BIBLIOGRAFIA
zade (o que Freud chamou o ~fransfert
amistoso» e que os analistas actuais desig- GARMA, A., (1981)-Zn «Diálogo com Angel
nam por «aliança de trabalho») que está Gama*, Revisfa de Psicoanalisis, XXXVIII, 2.
para além da transferência propriamente MATOS, A. COIMBRA DE, (1982) - «A defle-
dita, a qual é sempre uma resistência à com- xão da agressividade*, Jornal do Médico,
CVIII: 831-839.
preensão e à mudanqa, ao insight e à evolu-
ção -quer ela se apresente como transfe-
rência de afectos ou como transferência de (') «Não SOU capaz, nenhuma das pessoas de
defesas. Esta relação de abertura com o que disponho é capaz ou quer ajudar-me. Penso
psicanalista - a que também podemos cha- que o analista tem essa capacidade e essa dispo-
mar transferência positiva sublimada - nibilidade.» No fundo, inconscientemente (e a
autêntica transferência é um fenómeno incons-
pressupõe uma certa quantidade de libido ciente), o paciente tem a ilusão de que o analista
livre (não fixada narcisicamente ou num é um deus todo-poderoso e ilimitadamente bom
objecto externo ou interno), isto é, uma e amante.