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INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA
DAS SETENTA SEMANAS
Gerhard F. Hasel
disso, enquanto essa interpretação termina com a angústia criada pelo anticristo
e sua destruição, a profecia em si, na verdade, termina com a destruição de Jeru-
salém e do templo.
Em contraste com a abordagem simbólica, a interpretação futurista considera
seriamente os números dessa profecia. Não há, porém, completa unanimidade
entre os intérpretes dessa escola em alguns detalhes. A interpretação encontra
dificuldades ao datar o início das 70 semanas com a permissão dada a Neemias
por Artaxerxes I para reconstruir Jerusalém (datada corretamente por alguns dis-
pensacionalistas em 444 a.C., mas pela maioria deles em 445 a.C.).
Se as primeiras duas divisões de 69 semanas (7+62) fossem consideradas como
483 anos solares (69 x 7 = 483 – a maneira mais natural de se contar esses núme-
ros), esse período de tempo se estenderia até cerca de 40 d.C. Tal data estaria bem
além do período em que Cristo viveu. Por conseguinte, o intérprete dispensaciona-
lista supõe que esses 483 dias devem ser entendidos como “anos proféticos” de 360
dias cada, o que totaliza 173.880 dias (483 x 360 = 173.880) ou 476 anos solares e
mais alguns dias. Assim, faz-se a tentativa de reduzir a extensão dos dados bíblicos a
fim de que o verdadeiro período histórico de Neemias a Cristo se ajusta a ela.
Consideramos importante resumir a proposta de um renomado intérprete
dessa escola. Em primeiro lugar, ele observa que o período entre 444 a.C. e
4 33 d.C. (o ano escolhido para a crucifixão) é um período de 476 anos. Ele,
então, supõe que Artaxerxes deu a Neemias permissão para reedificar Jerusalém
no dia 1º de nisã (5 de março) de 444 a.C. Mas 476 anos completos (de 5 de
março de 444 a.C. a 5 de março de 33 d.C.) somam somente 173.855 dias
(476 x 365,24219879 dias por ano solar). Visto que ele estabelece a data para
a crucifixão em 5 de abril de 33 d.C., ele deve agora acrescentar 25 dias (25 +
173.855 = 173.888) a fim de alcançar o dia 30 de março de 33 d.C., que, supõe
ele, é a data para a entrada triunfal do Salvador em Jerusalém (seis dias antes
da crucifixão em 5 de abril).
Um problema básico desse esquema é a premissa de que o decreto de Arta-
xerxes entrou em vigor em 1º de nisã (5 de março) de 444 a.C. Não há provas disso.
A evidência arqueológica em favor do ano 444 a.C. já enfraqueceu os gráficos futu-
ristas que se baseiam no ano de 445 a.C. como uma data inicial. Outras pesquisas
também podem colocar em risco o esquema de 444 a.C. Os problemas cronológi-
cos da interpretação futurista ainda não foram solucionados.
A Teoria da Lacuna é comum a todas as análises dispensacionalistas da profe-
cia das 70 semanas. Essa interpretação separa a setuagésima ou última semana da
profecia e a coloca no fim da era. A era ou o “parêntese” que é criado com a sepa-
ração da setuagésima semana das 69 anteriores é denominada “Era da Igreja”. Tal
procedimento, entretanto, viola a integridade da profecia e não tem precedente
bíblico. O autor resume dez argumentos contra a interpretação dispensacionalista
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
ESBOÇO DA SEÇÃO
1. Introdução
2. Interpretação simbólica (amilenialista)
3. Interpretação futurista (dispensacionalista)
INTRODUÇÃO
terceira (1) seções não são simbólicas. Daniel 9:25a é especialmente formulado
como uma referência a um tempo específico. A divisão da última semana em 3½
+ 3½ também não tem nada de simbólico.
Em quinto lugar, a interpretação simbólica “comete um erro ao afirmar que as
70 semanas terminam com a derrota do anticristo, considerando que o hebraico
declara que seu fim é marcado pela completa destruição de Jerusalém”.30 Mesmo
que se quisesse entender Jerusalém como um símbolo da igreja visível e o “sacrifí-
cio e oblação” significasse “a totalidade do ritual”31 no sentido de “todo o culto”,
ainda restaria um grande problema. Como pode o anticristo exterminar a igreja e
o ritual quando, na verdade, o povo dos santos recebe o reino eterno (Dn 7:13-14,
27; 12:1-3)?
Em sexto lugar, a interpretação simbólica é “propensa a dar um sentido espi-
ritual a tudo”.32 Não há, por exemplo, qualquer evidência exegética no livro de
Daniel que apoie o ponto de vista de que Jerusalém deva significar alguma outra
entidade diferente da cidade de Jerusalém. A sugestão de que Jerusalém é um sím-
bolo da igreja não tem fundamento exegético nem contextual no livro de Daniel.
A Jerusalém de 9:2 é a capital da cidade literal dos israelitas. Os “habitantes
de Jerusalém” no versículo 7 são israelitas físicos. A Jerusalém e a “montanha
sagrada”, bem como o “santuário” citados nos versículos 16-17 junto com a “cida-
de” no versículo 18, podem significar apenas a cidade física do antigo Israel. Em 9
consequência disso, a “cidade santa” do versículo 24 e a Jerusalém do versículo 25
não podem se referir a outra coisa além do que o leitor constantemente observa.
Essas sérias objeções têm levado alguns intérpretes a rejeitarem recentemente
a interpretação simbólica.
a 30 de março (de 33 d.C.) que era 10 de nisã de 33 d.C., esse é o dia da entrada
triunfal de Jesus em Jerusalém.”52 Enquanto Hoehner encurta a lacuna dos dias
não contados, ele também é incapaz de solucionar o problema da contagem.
De forma tipicamente dispensacionalista, a setuagésima semana é colocada
no futuro e assim separada das 69 semanas pela lacuna da “era da Igreja”. Uma
vez que Hoehner começa com o único ano justificável, 444 a.C., para o decreto
de sua escolha, apresentamos um diagrama que mostra suas datas ajustadas. As
datas escolhidas pela maioria dos dispensacionalistas estão entre parênteses:
70ª semana
2º advento
1/2 1/2
CONTAGEM DISPENSACIONALISTA DAS SETENTA SEMANAS
lacuna ou parêntese
12
Era da Igreja
(10 de nisã = 30 de março)
Entrada
triunfal
33 d.C.
32 d.C.
69 semanas
476 anos
2º decreto de
(1º de nisã)
(1º de nisã)
Artaxerxes
(Neemias)
444 a.C.
445 a.C.
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
depois dos do versículo 26 se baseia numa suposição infundada. É verdade que é dito
que os acontecimentos do versículo 26, a saber, a morte do Messias e a destruição da
cidade e do santuário, aconteceram depois das 62 semanas, mas não se afirma que os
eventos do versículo 27 ocorrem depois daqueles do versículo 26.73 Não há qualquer
evidência contextual para apoiar a hipótese de que os eventos dos versículos 26 e 27
não devem ser entendidos como contemporâneos. Uma exegese detalhada indica que
o versículo 27 apresenta uma grande pedra de tropeço para a interpretação dos dispen-
sacionalistas. Isso é verdade porque o versículo 27 é uma explicação do versículo 26, e
não pode ser separado dele e remetido a acontecimentos subsequentes a ele.74
Em nono lugar, outro problema sério diz respeito a uma suposta aliança feita
pelo anticristo.75 O Antigo Testamento (e o Novo Testamento) “não contém ne-
nhuma indicação de tal aliança, e menos ainda alguma anterior que ele pudesse
confirmar nesse ponto em Daniel 9”.76 A dificuldade com essa suposição é que
ela toma uma figura de menor importância, isto é, “um príncipe que há de vir” (v.
26), como o antecedente de “ele” no versículo 27, em lugar da figura dominante,
o “ungido” (v. 26). A palavra “príncipe” é uma figura subordinada no versículo 26.
Não é sequer o sujeito da frase. O sujeito da frase é “o povo”. Portanto, o antece-
dente gramatical apropriado para “ele” (v. 27) é o “ungido” (v. 26).
Em décimo lugar, os intérpretes futuristas transformam o “príncipe” em
16 “um futuro representante do diabo”77 e um “futuro inimigo do povo de Israel”.78
Essa interpretação ignora o fato de que a ênfase no versículo 26 não está sobre
o “príncipe” mas sobre o “povo do príncipe”. Young observa que “esse príncipe,
portanto, deve ser alguém que governe sobre esse povo, ... ele deve ser contem-
porâneo deles, estar vivo quando eles estiverem vivos”.79 Um príncipe que vive
1.900 anos depois do povo é contrário ao texto. L. Wood diz que a frase “o povo
de um príncipe que há de vir” significa “um povo do qual virá”. Isso torna a
frase “o povo do qual virá um príncipe”. 80 Porém, tal leitura não é apoiada pelo
texto hebraico.
E, finalmente, um estudo recente da poesia de 9:24-27 indica uma estrutura
literária bastante intrincada.81 Essa estrutura une toda a seção em padrões literá-
rios que não permitem o tipo de fragmentação cronológica requerida pelo sistema
dispensacional. A disposição literária apoia a ideia de que os três títulos – ungido,
príncipe (v. 25), o ungido (v. 26a), e o príncipe (v. 26b) – se referem à mesma pes-
soa que é morta na metade da última semana.82
Devido a esses obstáculos exegéticos, históricos e cronológicos à aceitação
da interpretação dispensacional/futurista de 9:24-27, dificilmente se recomenda
essa abordagem.
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
ESBOÇO DA SEÇÃO
INTERPRETAÇÕES CRÍTICO-HISTÓRICAS
587 538
22 605 49 anos 171 168 165
7 semanas 434 anos 3 1/2 3 1/2
62 semanas 1/2 sem 1/2 sem
1 semana
Josué Onias III
Cativeiro investido assassinado
Com base em cálculos bem recentes, o ano da morte de Onias III é agora
colocado em 170 a.C. e não em 171 a.C.107 Se isso estiver correto, os 434 anos con-
tados desde 605 a.C. não resultam de forma correta. Esse esquema não é confiável
devido a seus problemas exegéticos e de cálculo.
Outro cálculo da interpretação crítico-histórica das 70 semanas é o fornecido
por L. F. Hartman e A. A. Di Lella no Comentário da Anchor Bible. Sugere-se que
“o período total que ele [o autor de Daniel 9] conta como tendo início com ‘a
saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém’ [9:25], inicia-se em 594
a.C. e termina com a morte de Epifânio em 164 a.C., ...”108
“É quase certo que a primeira parte do período de 490 anos se refere ao tempo
em que os primeiros exilados de Babilônia retornaram a Jerusalém em 538 a.C.” A
seção mais longa do período de 490 anos estende-se de 538 a.C.109 “ao evento men-
cionado a seguir, quando ‘o ungido’ foi ‘cortado’ em 171 a.C., ...”110 Os eventos da
suposta morte de Onias III em 171 a.C. até 164 a.C. como o final do período de
490 anos segue o esquema crítico-histórico padrão.111
O esquema cronológico de Hartman-Di Lella pode ser representado pelo se-
guinte diagrama:
a.C. (ou 606) não é correta porque Jeremias 25:11-12 “não fala da reconstrução de
Jerusalém”.112 Da mesma forma, não há “ordem” ou “decreto” datando de 587/586
a.C., o ano da destruição de Jerusalém, que fale de uma reconstrução dessa cidade.
Hartman e Di Lella tentam ser fiéis ao texto de Daniel 9:25 que fala claramente
sobre uma “ordem” para restaurar Jerusalém e sugerem que ela é encontrada na
passagem de Jeremias 29:10 a qual declara que quando se cumprirem os 70 anos
de cativeiro “atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a minha boa
palavra, tornando a trazer-vos para este lugar”. Desconsiderando o fato de essa pro-
fecia ter sido dada em 594 a.C., como sugeriram Hartman e Di Lella, a passagem
de Jeremias 29:10 não se ajusta a Daniel 9:25. A primeira fala de trazer de volta
os exilados para Judá, mas Daniel 9:25 fala de uma “ordem para restaurar e para
edificar Jerusalém”.
Essa dificuldade é acentuada no decreto de Ciro (Esdras 1:2-4) de 538/537
a.C., que fala da reconstrução do templo (v. 3), mas não da reconstrução de Jeru-
salém que não ocorreu até que a “ordem” foi dada por Artaxerxes em 457 a.C. (Ed
7:12-26).113 Esses problemas indicam que o ano de 594 a.C. não se enquadra como
o início do período dos 490 anos na argumentação exegética.
Em segundo lugar, o ano de 594 a.C. não se ajusta como a data inicial na
argumentação cronológica e computacional. A primeira seção do período das 70
24 semanas, que é de 49 anos, é reduzida em oito anos para alcançar 538 a.C. Sete
semanas de 49 anos, começando em 594 a.C., chegam apenas a 545 a.C., um ano
em que nada aconteceu com respeito às especificações de Daniel 9:24-27.
Hartman e Di Lella estão cientes dessa discrepância e tentam solucionar esse
problema de cálculo sugerindo que o intervalo de 56 anos entre 594 a.C. e 538
a.C. é “próximo o suficiente do número quase-artificial de ‘sete semanas’ de anos
(Dn 9:25)”.114 No entanto, não há evidência de que o período de sete semanas
de 49 anos seja “quase-artificial” especialmente dado que o texto de Daniel 9:25
exige um cumprimento específico com respeito à restauração e reconstrução de
Jerusalém no final daquele período.
Em terceiro lugar, o período de 594 a.C. a 164 a.C. é de apenas 430 anos, ou
60 anos a menos que o período de 70 semanas de 490 anos. Hartman e Di Lella
reconhecem essa discrepância,115 mas observam que mesmo que se comece com
605 a.C. “o período completo seria de apenas 441 anos”116 até 164 a.C. Isso mostra
que o esquema crítico-histórico padrão (veja acima) tem um problema de cálculo
assim como o esquema apresentado por eles.
De qualquer forma, não é possível se chegar a 490 anos em nenhum esquema
crítico-histórico (modernista). Hartman e Di Lella observam incisivamente que
o período das 62 semanas de 434 anos que se estende de 538 a.C. a 171 a.C.
“somam apenas 367 anos”.117 Novamente, o cálculo está incorreto e lança grande
dúvida em toda a interpretação crítico-histórica.
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
Atentemos agora para a contagem sequencial dos 490 anos com base no
esquema crítico-histórico padrão moderno, ou seja, aqueles que começam com
587/586 a.C., como indicou nosso primeiro diagrama. Comecemos considerando
a primeira das três divisões.
Seria de se esperar que uma “profecia” escrita depois dos acontecimentos se
ajustaria aos números 49 + 434 + 7 anos (7 semanas + 62 semanas + 1 semana)
perfeitamente. Entretanto, não é esse o caso. A data inicial de 587/586 (a saber,
a destruição de Jerusalém) para a primeira divisão dos 490 anos incorre em um
duplo problema:
1. Na exegese, a primeira divisão de 49 anos começa com a “saída da ordem”
(9:25), que é considerada como a palavra dada a Jeremias conforme menciona-
do em 9:2, e, portanto, deve fazer referência à destruição de Jerusalém.126 Porém,
9:25 especifica claramente que o objeto da “ordem”127 é “restaurar e edificar
Jerusalém”.128 A palavra relativa ao período dos 70 anos da desolação de Jerusalém
(9:2; Jr 25:12; 29:10) possivelmente não pode ser considerada como “a ordem para
restaurar e edificar Jerusalém”.129
D. S. Russell faz a ousada sugestão: naquele tempo [destruição de Jerusalém], foi
dada a promessa de que Deus traria de volta os cativos e reconstruiria a cidade arrui-
nada (cf. Jr 30:18; 31:38-40).”130 Contudo, as duas passagens citadas de Jeremias não
26 pertencem à época da destruição de Jerusalém, mas a um período anterior no mi-
nistério de Jeremias, na verdade, várias décadas antes da destruição de Jerusalém.131
Além disso, as duas passagens de Jeremias 30 e 31 não contêm “nada sobre qualquer
período de tempo, e nesse versículo [9:25] não existe referência a essa profecia”.132
De qualquer forma, o anjo Gabriel refere-se à “ordem para restaurar e edificar
Jerusalém” como o ponto de partida para todo o período dos 490 anos, e pode,
portanto, estar apontando apenas para uma ordem que está especificamente “de-
terminada”. Em suma, a destruição de Jerusalém não tem apoio exegético como o
começo dos 490 anos.
2. Há também um problema de cálculo ligado à primeira divisão dos 49 anos.
Um dos comentários mais recentes acerca de Daniel, de M. Delcor, sugere que a
primeira divisão de 49 anos estende-se de 589 a.C. a 536 a.C., um período de 53
anos.133 Esse cálculo erra em dois anos a mais do que a sugestão de 587 a.C. ou
586 a.C. para a destruição de Jerusalém como a data para o começo da primeira
divisão e 539 a.C. para a destruição de Babilônia, ou 538 a.C. para o decreto de
Ciro como a data inicial para a segunda divisão das 70 semanas. Os únicos nú-
meros que poderiam ser considerados exatos são a sequência de 587 a.C. a 538
a.C. Todas as outras sugestões são apenas “cerca de 49 anos”,134 como apontado
corretamente por Montgomery.
A data de 538 a.C. para o decreto de Ciro é sugerida135 constantemente, em-
bora o ano de 537 a.C. seja, na verdade, uma data melhor apoiada por novas evi-
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
dências. Também se deve notar que a destruição de Jerusalém não ocorreu em 587
a.C., mas em 586 a.C. conforme parecem apoiar as novas evidências.136 Assim sen-
do, exclui-se a única possibilidade de um cálculo exato dos 49 anos, a menos que o
ano 537 a.C. seja aceito por esses intérpretes para a data do decreto de Ciro.
Isso significa que os eruditos defensores da interpretação crítico-histórica não
podem evitar o fato de que a primeira divisão dos 490 anos se ajusta às datas su-
geridas apenas de forma aproximada. Se isso faz ou não jus à designação específica
dos 49 anos, cada pessoa tem que decidir por si mesma.
Voltemos agora nossa atenção para a segunda divisão de tempo. O maior pro-
blema da interpretação crítico-histórica de que se tem conhecimento está relacio-
nado à segunda divisão da profecia das 70 semanas, a saber, o período de 434 anos
(62 x 7). Diz-se que essa divisão começa em 539 a.C. ou 538 a.C. e termina em
171 a.C. ou 170 a.C. respectivamente, o que significa uma redução de aproximada-
mente 67 anos. Eruditos que defendem a interpretação sob análise têm atentado
para esse ponto crucial, e várias sugestões têm sido apresentadas como solução.
G. Behrmann sugeriu (de forma semelhante a A. Lacocque, como visto acima)
que o ponto de partida para as 62 semanas, ou 434 anos, é o primeiro ano de
Nabucodonosor, ou 605 a.C.137(uma data agora confirmada por novas evidências).
Ele defendeu essa data tendo como base que 605 a.C. foi a data do início dos 70
anos de exílio em Jeremias 25:1, 11. Argumentou-se então que 605 a.C. menos 27
“sete semanas”, ou 49 anos, nos levaria a aproximadamente à ascensão de Ciro
(cerca de 559 a.C.).138 Isso faria de Ciro “o ungido, o príncipe” (9:25).139
A data de 605 a.C. como a data inicial dos 434 anos (62 semanas) encontrou
defensores como E. Konig e M. Thilo.140 O principal atrativo dessa sugestão está
no fato de que o período de tempo de 605 a.C. a 171 a.C. é de exatos 434 anos,
ou 62 semanas.
Entretanto, a hipótese de Behrmann apresenta várias dificuldades:
1. Se Jeremias 25:1, 11 fossem seguidos exatamente “teria havido um perí-
odo de 70, não 49 anos; esses 70 anos sendo descritos como anos de serviço
ao rei de Babilônia”.141
2. Nenhuma ordem foi dada em 605 a.C. para que Jerusalém fosse reconstru-
ída e restaurada como especifica Daniel 9:25.142
3. A primeira divisão de 49 anos leva o tempo de 605 a.C. até 556 a.C., mas
a ascensão de Ciro data de aproximadamente 559 a.C., o que significa que a pri-
meira divisão de tempo está outra vez inexata ou aproximada.
4. Não existe, em absoluto, qualquer justificativa exegética, cronológica ou
de outra ordem para se iniciar as 7 semanas e as 62 semanas na mesma data.143
K. Marti se opõe de forma correta afirmando que é uma “artimanha inteligente”
deixar as primeiras divisões (7+62) das três (7+62+1) acontecerem paralelamente
uma a outra e não de forma sequencial. Não há nada que apoie essa ideia.144 W.
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS
Baugartner se une a outros ao afirmar que essa condensação dos 490 anos em 441
anos é “um ato de violência não justificado.”145 Deve-se admitir que a tentativa de
Behrmann para solucionar esse problema da interpretação crítico-histórica não é
convincente e pode ser rejeitada de forma justificável.
Outra importante sugestão para solucionar esse problema sério é a alegação
de que há uma grande discrepância de cômputo. J. A. Montgomery escreve: “po-
demos satisfazer essa objeção inferindo um erro de cálculo cronológico por parte
do escritor”.146 B. Duhm sugere que “nesse caso o anjo Gabriel não se mostra
bem familiarizado com cronologia”.147 K. Marti, por sua vez, fala de “um erro da
parte do autor”.148
N. W. Porteous é um pouco mais cauteloso: “é impossível afirmar se o autor
estava ciente ou não dessa discrepância”.149 K. Koch observa que “ele deve ser
responsabilizado [o autor] por um grande erro de cálculo”.150 Na análise final,
a avaliação de C. T. Francisco parece ir ao ponto, a saber, que os defensores da
interpretação crítico-histórica “preferem dizer que ele [o autor] está errado, a dizer
que o erro é deles.”151
A suposição de que “o que temos aqui é um número puramente esquemático”152
parece ter algum atrativo à primeira vista. Porém, é difícil aceitar que um número
exato tal como 434 anos (62 semanas) seja “esquemático”.
28 A suposição mais defendida é que a memória histórica dos judeus na época
em que Daniel foi escrito (supostamente em 164 a.C.) era muito débil com res-
peito aos fatos e períodos de tempo. E. Schürer foi o primeiro a sugerir que datas
de historiadores judeus, tais como Josefo e Demétrio, não são confiáveis em sua
cronologia. Sobre Demétrio (antes de 200 a.C.), por exemplo, diz-se ter superes-
timado o intervalo entre 722 a.C. e 222 a.C. em 73 anos; e Josefo também errou
nas datas em 30-40 anos.153 A partir dessas observações, Schürer concluiu que o
autor de Daniel seguiu a cronologia presente de sua época, de cerca de 164 a.C.
Essa suposição tem sido bastante aceita como a solução para essa discrepância de
cálculo.154
No entanto, G. Behrmann se opôs de forma justa à suposta proposição de
Demétrio com base em que o texto de Clemente de Alexandria (Strom. I. xxi.
141) é incerto.155 Portanto, não parece seguro criticar Demétrio. As discrepân-
cias cronológicas em Josefo são evidentes,156 mas ele viveu séculos depois do livro
de Daniel.157
Deve-se notar que o livro de Daniel contém muita informação histórica exata
(embora pouco conhecida durante os últimos séculos pré-cristãos). Por exemplo, o
autor de Daniel está correto na sua descrição de Nabucodonosor como o construtor
de Babilônia (4:30 [4:27]).158 Mesmo R. H. Pfeiffer foi compelido a admitir “talvez
jamais saberemos como o nosso autor tinha conhecimento de que a nova Babilônia
era criação de Nabucodonosor (4:30 [4:27]), como provaram as escavações”.159
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
A maioria dos comentaristas cristãos ao longo dos séculos, desde o início da era
cristã tem seguido a interpretação messiânico-histórica de Daniel 9:24-27.
Mesmo documentos pré-cristãos tais como a mais antiga tradução do AT, a
Septuaginta (LXX)165 e o Testamento dos Doze Patriarcas (c. 100 a.C.)166 contêm
interpretações messiânicas.167 De fato, “as interpretações mais comuns [de 9:24-27]
de origem judaica até depois de 70 d.C. ... eram messiânicas”.168
Atualmente, há evidências de que a comunidade do Qumran (essênios) tam-
bém interpretou a profecia das 70 semanas de forma messiânica. Essa interpreta-
ção foi formulada antes de 146 a.C., e sua “interpretação messiânica da profecia
é uma das primeiras interpretações registradas”.169 O cálculo essênio esperava a
última das 70 semanas entre 10 a.C. e 2 d.C.170
Dentre os intérpretes cristãos antigos que buscavam cálculos de significado
messiânico com base em 9:24-27 estão Clemente de Alexandria (?–c. 215),171 Tertu-
30
liano (c. 150–225),172 Hipólito de Roma (170?–235),173 Orígenes (c. 185–c. 254),174
Eusébio (c. 265–c. 339),175 Jerônimo ( c. 349–c. 419)176 e muitos outros, até o final
do século 19 e em nossa própria época.
A interpretação messiânica do capítulo 9 tem sido quase complemente obs-
curecida na escola crítico-histórica. Alguns defendem a interpretação messiânica,
mas a restringem ao versículo 24.177 Por outro lado, ainda existem defensores reso-
lutos da interpretação messiânica até hoje entre eruditos católicos e protestantes
em ambos os lados do Atlântico.178
O ponto de partida para as “setenta semanas”, de acordo com a interpretação
messiânico-histórica, é a “saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusa-
lém” (v. 25). Isso ocorreu no sétimo ano de Artaxerxes I (Esdras 7:7-8), quando
ele emitiu seu primeiro “decreto” (v. 11-26). O sétimo ano de Artaxerxes é agora
estabelecido firmemente como 458/457 a.C., com o retorno de Esdras em 457, e
não em 458 a.C.179 Consequentemente, o primeiro ano de reinado de Artaxerxes
no cálculo judaico começou em 1º de tishri de 464 a.C.180
Com base no fundamento histórico para essa data (457 a.C.) como o início
das primeiras duas divisões do período das 70 semanas (7+62 semanas=483 anos),
a conclusão dos 483 anos é 27 d.C., o ano do batismo de Jesus.181 O batismo mar-
cou a inauguração do ministério público de Jesus como o Messias, o Ungido.
Há pelo menos duas fortes razões para a escolha do primeiro decreto de Ar-
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
taxerxes I em 457 a.C. (Esdras 7) como o ponto de partida para os 490 anos. A
primeira e principal razão é tanto exegética quanto histórica.
1. Daniel 9:25a identifica especificamente “a ordem” referente à restauração
e reconstrução da cidade de Jerusalém como o início do período das 70 semanas.
A “ordem” dificilmente é entendida como um decreto de Deus.182 Em vez disso,
parece se referir a uma ordem real de um rei, assim como foi emitido o “decreto
real” (dāt, 2:13, 15)183 para matar os sábios.184
Esse decreto ou “ordem” tinha a ver com a restauração e reconstrução da cida-
de de Jerusalém. Portanto, não é possível indicar que se esteja falando do decreto
real de Ciro emitido no ano 538/537 a.C. (Esdras 1:1-4), que impelia os judeus
exilados a construírem a “casa de Deus”, ou seja, o templo.185 Não há sequer uma
só palavra no decreto de Ciro para restaurar e reconstruir a cidade, como uma
cidade. O decreto real de Dario I (Esdras 6:1-12) confirmou o decreto de seu an-
tecessor e relatou mais uma vez a reconstrução do templo. Ele, da mesma forma,
não tinha nada a ver com a cidade, como uma cidade.
O terceiro “decreto” ou ordem é a dada por Artaxerxes I no seu “sétimo ano”
(Esdras 7:7-8),186 isto é, 457 a.C. Essa ordem não pode referir-se à reconstrução do
templo, pois ele foi concluído e dedicado em março de 515 a.C. (Ed 6:13-18).187
Os eventos registrados na passagem de Esdras 4:7-23 nos falam de uma insatisfa-
ção por parte dos samaritanos devido ao fato de os judeus estarem “reedificando 31
aquela rebelde e malvada cidade e vão restaurando os seus muros e reparando os
seus fundamentos” (v. 12, cf. v. 13, 16, 21). Se esse relato é de uma época posterior
à ordem do sétimo ano de Artaxerxes I, a saber, um período de condições políticas
incertas para o monarca persa depois da revolta egípcia de 448,188 então é possível
concluir com segurança que a ordem dada em 457 a.C. dizia respeito à restauração
e reconstrução de Jerusalém.
Deve-se notar que os “tempos angustiosos” (9:25) durante os quais Jerusalém
seria reconstruída novamente são refletidos claramente nos eventos registrados
em Esdras 4:7-23. Embora a verdadeira palavra de comando de Artaxerxes I em
457 a.C. não faça menção explícita de nenhuma ordem para reconstruir a cidade
de Jerusalém, até o momento é este o objetivo aparente conforme entendem os
judeus, para quem foi dada a ordem.
Treze anos depois da ordem de Artaxerxes I, ou seja, no vigésimo ano de seu
reinado (445/444 a.C.), Hanani conta a Neemias que “os muros de Jerusalém
estão derribados, e as suas portas, queimadas” (Ne 1:3). Isso implica que a cidade
tinha sido reconstruída, algo que dificilmente poderia ter começado antes de 457
a.C., porque os decretos de Ciro e de Dario diziam respeito somente à construção
do templo.
O próprio Esdras confessa que Deus deu permissão por meio dos reis persas
“para levantar a casa do nosso Deus, para restaurar as suas ruínas e para que nos
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS
1º Reconstrução 7 anos
decreto de de Jerusalém Batismo Apedrejamento de Estevão
Artaxerxes de Jesus Dispersão dos cristãos
Evangelho aos gentios
Conversão de Paulo (?)
xerxes sob a designação de um “decreto” (Ed 7:11)212 e por meio da frase em ara-
maico “por mim se decreta”213 (sim te‛ēm) em Esdras 7:13 que foi traduzida para o
inglês também como “emitir um decreto” (NAB, NASB). A evidência quanto a se
esse decreto incluiu a reconstrução de Jerusalém é circunstancial.
Indicou-se acima que Esdras 6:14 se refere ao “decreto de Ciro, Dario e Arta-
xerxes da Pérsia”. A inclusão de Artaxerxes é explicada por alguns como “um erro
editorial”.214 Mas a remoção de um nome que não se ajusta a uma concepção não
faz a justiça aos textos do hebraico e da Septuaginta, que incluem Artaxerxes.215
Além disso, o argumento de que toda a passagem de Esdras 6:14 “está falando
da conclusão do templo em março de 515 a.C., cinquenta anos antes de Arta-
xerxes assumir o trono”,216 é totalmente incorreto. Esdras 6:14 não se refere ao
templo. Esse texto fala dos judeus construindo e terminando algo, sem identificar
o que envolvia essa atividade.
F. C. Fensham afirma que até Dario os decretos (de Ciro e de Dario) se refe-
rem à conclusão do templo, “mas com Artaxerxes predomina o outro padrão de
pensamento, ou seja, o processo divino em que os reis persas foram usados no
serviço de Deus (cf. também Is 45:1).”217 A vontade de Deus realizada pelo decreto
de Artaxerxes em 457 a.C. foi restaurar a autonomia nacional sob a Pérsia e ter
a cidade reconstruída. O templo já tinha sido concluído em março de 515 a.C.
O fato é que os inimigos dos judeus se queixaram a respeito da reconstrução da 35
cidade, a conclusão dos muros e a reparação dos fundamentos (Ed 4:12) antes de
Neemias ter recebido seu apoio em 444 a.C. (Ne 1–2). Esses opositores também
se referem aos “judeus que subiram de ti [Artaxerxes] (v. 12).
Quem eram esses judeus? “Está claro que eles devem ter vindo a Jerusalém
antes de Neemias – e o único grupo de que temos conhecimento é o conduzido
por Esdras no sétimo ano do reinado de Artaxerxes”,218 em 457 a.C. R. M. Gurney
concluiu, independentemente de nosso estudo, que “parece então que a constru-
ção de Jerusalém foi iniciada por Esdras”219 no sétimo ano de Artaxerxes.
O quarto e último “decreto” é o de Artaxerxes I a Neemias em 444 a.C.,
vigésimo ano do rei (Ne 2:1). Embora esse “decreto” nunca tenha sido chamado
assim (veja Ne 1–2), Artaxerxes enviou “cartas” (Ne 2:7, 9) para a passagem segura
de Neemias e aparentemente em apoio à reconstrução da cidade dos sepulcros de
seus pais (Ne 2:5). Quando Neemias chegou a Jerusalém, comtemplou “os muros
de Jerusalém que estavam assolados, cujas portas tinham sido consumidas pelo
fogo” (Ne 2:13) e se engajou no processo de reconstrução. Contudo, o maior vo-
lume de trabalho deve ter sido realizado já sob Esdras. A evidência é que Neemias
concluiu os muros e as portas em apenas 52 dias (Ne 6:15).
Nos tempos de Esdras, a reconstrução de Jerusalém começou (Ed 4:7-23) sob
circunstâncias difíceis sob o comando de Artaxerxes I em 457 a.C. (Ed 7:1-26).
Isso indica que o quarto e “último decreto” a Neemias por Artaxerxes I, de 444
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS
a.C., era simplesmente uma extensão de sua primeira iniciativa para a reconstru-
ção de Jerusalém.
É provável que o quarto “decreto”, de 444 a.C., não seja o cumprimento da
“ordem para restaurar e para edificar Jerusalém” (9:25) por pelo menos duas ra-
zões: (1) A reconstrução de Jerusalém já estava acontecendo na época de Esdras.
Isso é evidente em Esdras 9:9, bem como em Esdras 4:7-23. (2) O cálculo dos
490 anos com o início (terminus a quo) em 444 a.C. estende as 69 semanas (7 +
62) ou 483 anos ao ano de 39 d.C., após o qual o Messias deveria ser cortado.
Mas tal cálculo se estende muito além do ano em que Jesus morreu. O uso de um
ano “profético” ou suposto ano lunar de 360 dias (como proposto pelo esquema
dispensacionalista) tampouco resolve o problema computacional, como indicado
acima. Assim, o único período de tempo apropriado é o decreto de 457 a.C. A
abordagem messiânico-histórica supera todos os problemas de cálculo.
A tentativa de sugerir que a declaração de Esdras “para que nos desse um muro
de segurança em Judá e em Jerusalém” (Ed 9:9) deva ser considerada em um sentido
espiritual não é válida. O argumento de que “não havia nenhum muro em torno da
Judeia e, portanto, o versículo não pode ser interpretado em sentido físico”220 não é
convincente. Antes de tudo, Esdras 9:9 não declara que havia um muro “em torno”
da Judeia. Fala somente de um muro “em Judá e em Jerusalém.”
36 Se há um muro associado a Jerusalém (cf. Esdras 4:12), então haveria um
muro “em Judá” onde está Jerusalém. Em segundo lugar, o “muro em Judá e Jeru-
salém” é tão físico e real quanto “a casa de nosso Deus”, o templo, que é também
mencionado no mesmo versículo. Ambos tinham sido reconstruídos de acordo
com Esdras. A tentativa de atribuir uma interpretação espiritual a esse texto é con-
textual e linguisticamente infundada. A palavra hebraica traduzida por “muro”
em Esdras 9:9 é gādēr. O termo pode denotar um muro protetor construído de
pedras do campo (Nm 22:24), uma muralha do templo (Ez 42:7,10), ou pode se
referir a um “muro da cidade” (Mq 7:11).221
“M. J. Gruenthaner faz uma séria objeção quanto a considerar o ano de 458
[457] como o começo (terminus a quo) das sessenta e nove semanas”222 e à teoria
anteriormente discutida em detalhes por A. van Hoonacker223, e agora ampla-
mente aceita.224 Ele afirma que Esdras veio a Jerusalém depois de Neemias e sob
Artaxerxes II (404-358 a.C.). Gruenthaner escreve: “se isso for verdade, então a
interpretação messiânica dos v. 25-27 torna-se totalmente impossível.”225
Esta é certamente “uma séria objeção” se a teoria de van Hoonacker puder ser
sustentada. Este não é o momento para avaliar os pontos fortes e fracos da teoria
desse pesquisador. Há, entretanto, sérias objeções à teoria de van Hoonaeker so-
bre a chegada de Esdras após Neemias. Essas objeções (para as quais chamamos a
atenção do leitor) parecem reprovar de forma conclusiva seus argumentos e tonar
sua posição insustentável.226
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
Sugeriu-se que o “príncipe” de 9:26 não é Tito, mas é bastante parecido com
o “príncipe” anterior. Em ambos os exemplos, o termo hebraico nāgîd é emprega-
do.236 Esse ponto de vista tem antecedentes entre pais de igreja como Tertuliano,237
Isidoro238 e Basílio239. Se essa aplicação estiver correta, nenhuma ação principal
em 9:24-27 está fora dos 490 anos que começam em 457 a.C. e terminam em 34
d.C., exceto determinadas consequências que resultam dessas ações.
É evidente que cada uma das quatro principais escolas de interpretação de 9:24-
27 atuais tem determinadas fraquezas. Porém, deve-se admitir que uma comparação
dos pontos exegéticos, históricos e cronológicos fortes e fracos de cada uma indica
que a interpretação messiânico-histórica é mais segura. Não parece estar sujeita às
dificuldades cronológicas, computacionais, exegéticas e históricas encontradas nas
outras interpretações.240 Portanto, a interpretação messiânico-histórica é recomen-
dada como a mais adequada de todas as principais interpretações atualmente.
Nesse caso, Daniel 9:24-27 é uma profecia messiânica mais profunda. Com
um cumprimento matemático absolutamente exato, ligando a predição do An-
tigo Testamento com o cumprimento do Novo Testamento, fornece uma prova
singular de que Jesus de Nazaré era e é o Messias predito. Ela confere veracidade e
confiabilidade à Bíblia em seus elementos preditivos.
38
CAPÍTULO 2
ESBOÇO DO CAPÍTULO
1. Introdução
2. Profecias de Isaías
3. Edito de Ciro
4. Edito de Dario I
5. Edito de Artaxerxes I
6. Reconstruindo Jerusalém – Esdras 4
7. Permissão de Artaxerxes para reconstruir Jerusalém
8. Conclusão
INTRODUÇÃO
Determinar a data de início para a profecia das 70 semanas de Daniel (Dn
9:24-27) tem sido um dos desafios aos estudantes da profecia. De acordo com o
versículo 25a, o evento que marcou seu início foi a “a saída da ordem para restau-
rar e para edificar Jerusalém...”1
Infelizmente, não se tem conhecimento de nenhuma proclamação explícita. A
40 pesquisa apresenta ainda mais dificuldade pela escassez de informação disponível
para esse segmento da história.2 Consequentemente, os intérpretes têm sido obri-
gados a deduzir a partir da evidência bíblica e histórica qual “ordem”, isto é, qual
dentre os vários decretos deve ser considerado apropriado.
A pergunta é significativa. Cristãos evangélicos conservadores ao longo dos
séculos têm interpretado a “saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusa-
lém” como o primeiro de uma corrente de eventos que culminaria na vinda do
Messias (o Ungido), ou seja, Jesus. Mas a maioria dos eruditos crítico-históricos
modernos supõe que a profecia dos 490 anos terminou com os ultrajes dos sírios
contra os judeus, em 164 a.C. Além disso, dada a ligação interpretativa entre as
profecias de Daniel 8 e 9, os adventistas de sétimo dia têm sugerido que o começo
dessa profecia de 490 anos é de interesse mais que periférico por calcular o ponto
de conclusão das 2.300 tardes e manhãs de Daniel 8:14.3
Na época em que os eventos registrados em Daniel 9 ocorreram, os 70 anos
de dominação de Judá por Babilônia, preditos por Jeremias (Jr 25:8-14; 29:10-14),
tinham praticamente terminado. Daniel não teve dúvida quanto ao significado do
oráculo de Jeremias (9:2), e orou para que Deus atentasse para o santuário assola-
do e para a cidade de Jerusalém (9:17-18).
Em resposta à oração do profeta, Gabriel, o anjo mensageiro que ele havia
encontrado na visão anterior (8:16), retornou e lhe deu a profecia das 70 semanas.
Nesse período de tempo, de acordo com Gabriel, começaria “a saída da ordem
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
PROFECIAS DE ISAÍAS
EDITO DE CIRO
Entretanto, quando partimos da predição em direção aos registros disponíveis
41
e diretos que descrevem as relações entre Ciro e os judeus (esses registros estão limi-
tados principalmente aos documentos bíblicos), encontramos somente um decreto
que permite aos judeus retornarem e reconstruírem o templo (Ed 1:2-4; cf. 2Cr
36:22-23). Nesse decreto, emitido ao redor de 538/537 a.C., não está registrada
nenhuma ordem que autorize reconstruir a cidade de Jerusalém. Uma vez que a re-
construção da cidade de Jerusalém está especificada em Daniel 9:25, o decreto de
Ciro não se qualifica como o ponto inicial para a profecia das 70 semanas.
Em resposta ao edito de Ciro, os judeus começaram lentamente a retornar a
seu lar na Palestina (Ed 3). Mais de uma década e meia depois, Ageu e Zacarias
(seu ministério começou por volta de 520 a.C.) nos contam que em vez de fazer da
reconstrução do templo a sua prioridade, os que retornaram estavam atrás de seus
próprios interesses. Enquanto os ricos construíam casas luxuosas, a maioria dos
exilados que retornaram viviam dentro e ao redor da cidade arruinada sofrendo
com colheitas ruins e secas (Ag 1:1-11).
EDITO DE DARIO I
Assim, 17 anos após o decreto de Ciro, o templo ainda está em ruínas. A cons-
trução do templo de forma decisiva só começou finalmente com determinação por
DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS
meio do incentivo, repreensão e cooperação ativa dos profetas Ageu e Zacarias. Uma
inspeção pessoal pelo governador local em resposta às queixas feitas pelos inimigos
dos judeus, requereu uma confirmação do decreto de Ciro por meio de um edito
adicional de Dario I (520 a.C. aproximadamente).
Embora fossem generosas as provisões do primeiro decreto emitido por Ciro,
o segundo menciona, do mesmo modo, somente a restauração do templo. Não faz
nenhuma referência à cidade devastada ou a planos para sua restauração. Uma vez
que a reconstrução de Jerusalém não é mencionada nesse decreto, o edito de Dario
I– como um cumprimento da “saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusa-
lém” – é também desconsiderado.
De fato, na visão que Zacarias recebeu provavelmente em algum momento du-
rante os 12 meses seguintes, está indicado que as cidades de Judá e de Jerusalém
necessitaram ainda ser reconstruídas (Zc 1:7-17). Em resposta a um clamor que re-
lembra uma oração similar feita por Daniel (veja o cap. 9), o Senhor assegurou a
Zacarias que “com grande empenho estou zelando por Jerusalém e por Sião... Voltei-
me para Jerusalém com misericórdia; a minha casa nela será edificada, … e o cordel
será estendido sobre Jerusalém… As minhas cidades ainda transbordarão de bens; o
Senhor ainda consolará a Sião e ainda escolherá a Jerusalém” (Zc 1:14-17). Embora
Jerusalém ainda permanecesse desolada, Deus assegurou ao profeta que “o cordel”
42 iria mais uma vez esboçar o projeto para a reconstrução da cidade.
A estrutura do templo foi finalmente concluída em 515 a.C. “no sexto ano do reina-
do do rei Dario” (Ed 6:15). Contudo, a informação dada no versículo 15 parece se opor
à dada no versículo precedente. De acordo com o versículo 14, o edifício do templo foi
construído segundo o decreto de “Ciro, de Dario e de Artaxerxes”. Porém, Artaxerxes
Inão assumiu o trono antes de meio século após a data proposta em Esdras 6:15.
Possivelmente, a melhor maneira de harmonizar esses dois versículos é reconhe-
cer que embora o templo fosse concluído em 515 a.C., os presentes que Artaxerxes
conferiu ao templo em 457 a.C. foram considerados importantes o suficiente para
incluir esse rei persa posterior como um benfeitor na lista com seus predecessores
(cf. Ed 7:11-27). Parece aqui (como em outra parte no livro de Esdras), que o escri-
tor resumiu os acontecimentos por temáticas e, consequentemente, não os relatou
sempre na ordem cronológica.
Uma característica de estilo similar do livro de Esdras deve ser observada na
relação entre os capítulos 7 e 4. Primeiramente, faremos uma breve pesquisa em
Esdras 7, e então observaremos sua relação com o registro do capítulo 4.
EDITO DE ARTAXERXES I
Esdras 7 menciona um terceiro decreto, dessa vez emitido pelo rei persa, Ar-
taxerxes I. De acordo com o relato, Esdras e um grupo de judeus, em resposta às
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
CONCLUSÃO
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA
Nosso estudo dos dados históricos disponíveis indica que nem o decreto de
Ciro (538/537 de a.C.) nem o de Dario (cerca de 520 a.C.) menciona a reconstru-
ção de Jerusalém. Enquanto moradias individuais foram erigidas aqui e ali dentro
e ao redor da capital arruinada, não existe nenhuma evidência de que a cidade em
si tivesse sido reconstruída como resultado desses decretos. A evidência é de que
em 519 a.C. Deus ainda prometeu a Zacarias em visão que planos seriam feitos
para a reconstrução da cidade. O trabalho de Neemias em 445/444 a.C. foi limi-
tado primeiramente a reparar os muros e as portas danificadas pelos ultrajes dos
samaritanos. Sua tarefa foi cumprida em 52 dias.
Portanto, parece que embora nenhuma proclamação explícita detalhando a
restauração e reconstrução de Jerusalém estivesse disponível, a situação descrita
em Esdras 4 – complementada pelos eventos registrados em Esdras 7 – se ajusta
melhor ao contexto histórico visualizado em Daniel 9:25.
Assim, em 457 a.C. Artaxerxes I concedeu aos judeus, por meio de um decre-
to, privilégios espirituais, civis e judiciais, redundando em autonomia sob o domí-
nio maior do império persa. Tais privilégios eram desconhecidos aos judeus desde
sua subserviência ao império neobabilônico. Parece, portanto, que a reconstrução
da cidade de Jerusalém (Ed 4:12), que ocorreu em consequência desses favores,
sugere que estava implicado nesse decreto o consentimento real para permitir a
Judá ter um centro visível a partir do qual os novos privilégios civis e judiciais do 47
estado recentemente concedidos pudessem ser administrados. Consequentemen-
te, a “ordem” ou o decreto de Artaxerxes de 457 a.C. fornece a melhor data para
o início da profecia das 70 semanas de Daniel e do período de tempo mais longo
de 2.300 dias-anos (Dn 8-9).