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CAPÍTULO 1

INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA
DAS SETENTA SEMANAS
Gerhard F. Hasel

INTERPRETAÇÕES AMILENIALISTAS E DISPENSACIONALIS-


TAS

S inopse editorial. Há um consenso geral entre as escolas de interpretação que


as 70 semanas de Daniel 9:24-27 não devem ser explicadas como semanas
literais. Com exceção dos intérpretes amilenialistas (que argumentam a favor
de uma abordagem simbólica), a maioria entende que a profecia lida com um
período de 490 anos.
Atualmente, são ensinadas quatro interpretações significativas. Nesta seção,
o autor discute duas delas: a interpretação simbólica (adotada pelos intérpretes
amileniais) e a futurista (defendida pelos dispensacionalistas).
A interpretação simbólica supõe que os números em Daniel 9:24-27 devem
ser entendidos de maneira não-literal, isto é, não como a definição de períodos
precisos de tempo, mas considerados num sentido representativo. Assim, as três
divisões das 70 semanas (7, 62 e 1, respectivamente) são interpretadas como três
períodos de tempo. Considera-se que a primeira (7 semanas) representa o período
que se estende do edito de Ciro ao primeiro advento de Cristo. A segunda (62
semanas) simboliza o período que se estende entre o primeiro e segundo advento.
Finalmente, a terceira divisão (uma semana) simboliza o tempo de angústia causa-
do pelo anticristo e sua derrota final.
O autor aponta seis razões por que essa abordagem da profecia das 70 semanas
é falaciosa. Não há base bíblica para a premissa de que os dados numéricos devam
ser considerados num sentido representativo; além disso, a interpretação é incon-
sistente em si mesma. A terceira divisão, que pela lógica deveria se estender além
do ponto final da segunda, faz parte da segunda divisão. Ou seja, o período de
uma semana que envolve o anticristo é visto ocorrendo na parte final da segunda
era. Dessa maneira, a profecia é reduzida para 69 semanas em vez de 70. Além
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

disso, enquanto essa interpretação termina com a angústia criada pelo anticristo
e sua destruição, a profecia em si, na verdade, termina com a destruição de Jeru-
salém e do templo.
Em contraste com a abordagem simbólica, a interpretação futurista considera
seriamente os números dessa profecia. Não há, porém, completa unanimidade
entre os intérpretes dessa escola em alguns detalhes. A interpretação encontra
dificuldades ao datar o início das 70 semanas com a permissão dada a Neemias
por Artaxerxes I para reconstruir Jerusalém (datada corretamente por alguns dis-
pensacionalistas em 444 a.C., mas pela maioria deles em 445 a.C.).
Se as primeiras duas divisões de 69 semanas (7+62) fossem consideradas como
483 anos solares (69 x 7 = 483 – a maneira mais natural de se contar esses núme-
ros), esse período de tempo se estenderia até cerca de 40 d.C. Tal data estaria bem
além do período em que Cristo viveu. Por conseguinte, o intérprete dispensaciona-
lista supõe que esses 483 dias devem ser entendidos como “anos proféticos” de 360
dias cada, o que totaliza 173.880 dias (483 x 360 = 173.880) ou 476 anos solares e
mais alguns dias. Assim, faz-se a tentativa de reduzir a extensão dos dados bíblicos a
fim de que o verdadeiro período histórico de Neemias a Cristo se ajusta a ela.
Consideramos importante resumir a proposta de um renomado intérprete
dessa escola. Em primeiro lugar, ele observa que o período entre 444 a.C. e
4 33 d.C. (o ano escolhido para a crucifixão) é um período de 476 anos. Ele,
então, supõe que Artaxerxes deu a Neemias permissão para reedificar Jerusalém
no dia 1º de nisã (5 de março) de 444 a.C. Mas 476 anos completos (de 5 de
março de 444 a.C. a 5 de março de 33 d.C.) somam somente 173.855 dias
(476 x 365,24219879 dias por ano solar). Visto que ele estabelece a data para
a crucifixão em 5 de abril de 33 d.C., ele deve agora acrescentar 25 dias (25 +
173.855 = 173.888) a fim de alcançar o dia 30 de março de 33 d.C., que, supõe
ele, é a data para a entrada triunfal do Salvador em Jerusalém (seis dias antes
da crucifixão em 5 de abril).
Um problema básico desse esquema é a premissa de que o decreto de Arta-
xerxes entrou em vigor em 1º de nisã (5 de março) de 444 a.C. Não há provas disso.
A evidência arqueológica em favor do ano 444 a.C. já enfraqueceu os gráficos futu-
ristas que se baseiam no ano de 445 a.C. como uma data inicial. Outras pesquisas
também podem colocar em risco o esquema de 444 a.C. Os problemas cronológi-
cos da interpretação futurista ainda não foram solucionados.
A Teoria da Lacuna é comum a todas as análises dispensacionalistas da profe-
cia das 70 semanas. Essa interpretação separa a setuagésima ou última semana da
profecia e a coloca no fim da era. A era ou o “parêntese” que é criado com a sepa-
ração da setuagésima semana das 69 anteriores é denominada “Era da Igreja”. Tal
procedimento, entretanto, viola a integridade da profecia e não tem precedente
bíblico. O autor resume dez argumentos contra a interpretação dispensacionalista
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

da cronologia dessa profecia.

ESBOÇO DA SEÇÃO

1. Introdução
2. Interpretação simbólica (amilenialista)
3. Interpretação futurista (dispensacionalista)

INTRODUÇÃO

A passagem de Daniel 9:24-27 é uma das mais controversas de todo o Antigo


Testamento. Em 1980, declarou-se que “na história da interpretação de Daniel
nenhuma outra passagem tem sido tratada com mais cuidado e com tamanha con-
trovérsia como essa”.1 Outro escritor resumiu sua opinião observando que “não há
problema mais complexo no estudo do Antigo Testamento do que a interpretação
de Daniel 9:24-27”.2 Ao concluir sua pesquisa sobre interpretação em 1927, J. A.
Montgomery disse que “a história da exegese das 70 semanas é o buraco negro da 5
crítica veterotestamentária”.3 Embora essa profecia seja vista como uma das mais
difíceis do Antigo Testamento, isso não deve fazer com que nos esquivemos do
esforço para avaliar as principais tentativas de interpretação da passagem.
Nosso estudo não objetiva apresentar as principais perspectivas dos períodos
pré-cristãos,4 do período patrístico e das eras medievais,5 do período da Reforma6
ou da era do iluminismo,7 das quais vêm a interpretação moderna da crítica-histó-
rica. Antes, busca pesquisar as principais correntes de interpretação na tentativa
de verificar os pontos fortes e fracos de cada uma delas.
Nesse deserto quase sem trilhas de interpretações há, porém, um denomi-
nador comum. Existe um acordo praticamente unânime entre os intérpretes de
todas as escolas de pensamento de que a frase “setenta semanas” (šābu‛îm šib‛îm)8
significa 490 anos.9 Existem duas abordagens que têm sido usadas para derivar a
posição de que a expressão hebraica šābu‛îm šib‛îm quer dizer 490 anos, literal-
mente “setenta semanas”.
Uma abordagem é traduzir o primeiro termo šābu‛îm como “sequência de
números sete, grupos de sete, setenários, divisões de sete anos” ou algo similar.
A partir dessa abordagem, sugere-se que “anos” está diretamente implícito na
expressão numérica, de modo que pretende-se uma tradução extensa como, por
exemplo, “setenta semanas de anos” (RSV) ou “sete vezes setenta semanas” (TEV).
O princípio dia-ano é, então, ignorado. Essa abordagem é utilizada pela escola
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

crítico-histórica, futurista/dispensacionalista, bem como pela amilenialista.


A segunda abordagem traduz o termo šābu‛îm por “semanas” de modo que
a expressão combinada šābu‛îm šib‛îm signifique literalmente “setenta semanas”
(KJV, JB, NEB, NAB, NASB, etc.). Em consequência disso, o período de tempo
profético deriva dos “dias” que compõem as “setenta semanas” com base no prin-
cípio dia-ano. Assim, as “setenta semanas” são constituídas de 490 “dias”, que,
com base no princípio dia-ano, são 490 anos.
Uma pesquisa recente sobre o uso do termo šābu‛îm e sua forma no singular
šābû‛a conclui: “portanto, pode-se concluir a partir de ambas as fontes semitas e
da LXX que a melhor evidência linguística disponível atualmente apoia a tradução
de šābû‛a [ou seja, o plural šābu‛îm] como ‘semanas’ em Daniel 9:24-27. Essa pala-
vra, portanto, carrega o princípio dia-ano consigo na profecia das 70 semanas.”10
Embora sejam empregadas duas diferentes abordagens, os intérpretes concor-
dam que o período de 9:24 é de 490 anos. No entanto, não há acordo com relação
a se esse período deve ser compreendido como totalmente literal, ou parcialmente
literal e parcialmente simbólico, ou totalmente simbólico. Também existe grande
divergência sobre o início (terminus a quo) e fim (terminus ad quem), bem como
sobre as subdivisões do período de tempo, conforme será observado em nossa
discussão abaixo.
6 Nosso estudo nesta seção e na seguinte apresenta os quatro principais esque-
mas de Daniel 9:24-27: simbólico (amilenialista), futurista com sua teoria da lacu-
na (dispensacionalista), crítico-histórico (modernista) e, finalmente, messiânico-
histórico (historicista).

INTERPRETAÇÃO SIMBÓLICA (AMILENIALISTA)

Atualmente, a interpretação simbólica é proposta principalmente por intér-


pretes amilenialistas. O cerne da questão é o ponto de vista de que os números em
9:24-27 não são literais, mas simbólicos.
Sugere-se que “a própria natureza da literatura apocalíptica tenderia para a
interpretação simbólica. Os números 7, 3 e 10 são conhecidos como os principais
dígitos no simbolismo.”11 Afirma-se que o hebraico (v. 24) diz simplesmente “sete
setentas”, e não “setenta semanas” (KJV, VER, NEB, NAB, NASB).
O termo cuja tradução normalmente é “semanas” é šābu‛îm. Ele carrega o signi-
ficado “semana”, de acordo com todos os grandes dicionários.12 Entretanto, a LXX e
Teodócio, as duas antigas versões gregas do Antigo Testamento, traduzem esse termo
como “setenários”. Com base nisso, sugere-se que a frase-chave šābu‛îm šib‛îm significa
realmente “‘setenta septetos’ – 7 x 7 x 10”.13 Em suma, as “setenta semanas” de 9:24-
27 consistem de um número simbólico de “setenta setes” ou “setenta septetos”.14
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

As características típicas dessa interpretação é o ponto de vista de que todo


o período é simbólico e que a segunda das três divisões da profecia (7, 62, 1)
estende-se do primeiro advento de Cristo à consumação dos séculos.
Os “setenta septetos” não devem ser entendidos como um cômputo crono-
lógico exato, mas como uma “estimativa” e “em termos de períodos gerais de
atividade divina”. Contudo, seu início é o edito de Ciro em 538 a.C., que per-
mitiu aos judeus retornarem a Jerusalém (2Cr 36:22-23 = Esdras 1:2-4).15 Por
conseguinte, a primeira divisão dos sete septetos começa em 538 e termina com a
primeira vinda de Cristo.16
A segunda divisão de 62 “septetos” indica meramente “uma extensão rela-
tivamente maior do que o primeiro período”.17 Ela designa o período desde a
construção de Jerusalém, ou seja, da “Jerusalém espiritual”, ou da igreja, até a
consumação dos séculos;18 é o período da igreja cristã na sua forma visível.
E. J. Young sugere, contra os defensores da interpretação simbólica, tais como
T. Kliefoth e C. Keil, que “os 62 grupos de sete, portanto, se referem ao período
logo após a era de Esdras e Neemias até o tempo de Cristo”.19 Young deseja perma-
necer ligado à história, exceto na última parte do setuagésimo sete, o qual, acredita
ele, estende-se ao futuro.
De acordo com Keil e Leupold, a terceira divisão de um “grupo de sete” é o
último período da história, o tempo de tribulação, que começa com o advento do 7
anticristo e termina com sua derrota.20 O objetivo da obra destrutiva do anticris-
to é “a cidade e o santuário”, ou seja, “os aspectos visíveis do reino de Deus, na
medida em que representam a instituição visível chamada igreja”.21 A igreja visível
desaparece durante o último período da história antes do segundo advento de
Cristo. O seguinte diagrama descreve a interpretação simbólica consistente:

ESQUEMA AMILENIAL DAS 70 SEMANAS

538 a.C. Primeiro advento Período da Igreja Segundo advento


7 grupos de sete 62 grupos de sete
Igreja visível
1 grupo de sete
Igreja invisível

O apelo imediato da interpretação simbólica é a sua tentativa de rejeitar o


envolvimento em cálculos aritméticos e temporais. Ela também enfatiza generali-
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

dades em vez de detathes na história e interpretação.


Do lado negativo estão sérias deficiências. Primeiramente, parece haver um
problema exegético interno na interpretação simbólica. Leupold, por exemplo,
fala do primeiro período (7 grupos de sete) estendendo-se de Ciro ao tempo do
primeiro advento de Cristo. O segundo período, o qual consiste de 62 grupos
de sete, ele estende do primeiro advento ao segundo advento. Isso significa que o
último grupo de sete não sucede os 62 grupos. Ele é visto como contemporâneo
da última parte do segundo período.22 O texto fala de “setenta semanas” e não
de 69 “grupos de sete” mais um “grupo de sete” contemporâneo da última parte
da divisão anterior.
Em segundo lugar, questiona-se a existência de uma justificativa para consi-
derar, primordialmente, as “setenta semanas” como simbólicas. Apenas o fato
de o termo šābu‛îm ser um substantivo plural masculino ao invés do espera-
do feminino plural (šābu‛ôt), que normalmente significa “semanas”, parece ser
uma razão gramatical insuficiente em defesa da interpretação simbólica.23 Com
respeito à gramática, o plural masculino terminado em šābu‛îm, em compara-
ção com o feminino plural terminado em šābu‛ôt em outras partes do Antigo
Testamento, indica que o singular šābû‛a poderia assumir uma forma femini-
na ou masculina no plural.24 Esse fenômeno é comum em muitos substantivos
8 hebraicos do Antigo Testamento e textos de Qumran, bem como no hebraico
mishnaico tardio.
O plural masculino parece ser usado de forma proposital,25 assim como a posi-
ção desse substantivo antes do numeral. O último aparece dar ênfase à expressão,
a fim de contrastar as “semanas” com os “anos” de Jeremias (Dn 9:2).26 A noção
de uma “semana” parece ter sido sugerida implicitamente com base nos períodos
de sete dias e sete anos que culminam num sabbath (Lv 25:2-4; 26:34ss).27 A de-
signação de “três semanas” (šelōšāh šābu‛îm yāmîm) em Daniel 10:2, que se lê lite-
ralmente “três setes [de] dias”, indica, por um lado, o significado de três semanas
regulares, e parece implicar, por outro lado, pelo acréscimo de yāmîm (“dias”), que
essas “semanas” não são idênticas ao šābu‛îm de 9:24.
Em terceiro lugar, a interpretação simbólica com seus períodos curto-longo-
curto indefinidos não faz jus ao interesse de Daniel em encontrar uma resposta
para o período definido de 70 anos de desolação.28 O contexto (9:2) requer uma
designação de um período de tempo medido pelo número sete definida intencio-
nalmente, cuja duração deve ser determinada para se ajustar a períodos de tempo
cronológicos específicos na história.
Em quarto lugar, a interpretação simbólica não encontra nenhum apoio na
afirmação de que o simbolismo de números tais como 7, 3 e 10 é típico da lite-
ratura apocalíptica e, portanto, tendem para essa direção. A divisão dos “setenta
grupos de sete” em três subdivisões de 7, 62 e 1 mostra que a segunda (62)29 e a
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

terceira (1) seções não são simbólicas. Daniel 9:25a é especialmente formulado
como uma referência a um tempo específico. A divisão da última semana em 3½
+ 3½ também não tem nada de simbólico.
Em quinto lugar, a interpretação simbólica “comete um erro ao afirmar que as
70 semanas terminam com a derrota do anticristo, considerando que o hebraico
declara que seu fim é marcado pela completa destruição de Jerusalém”.30 Mesmo
que se quisesse entender Jerusalém como um símbolo da igreja visível e o “sacrifí-
cio e oblação” significasse “a totalidade do ritual”31 no sentido de “todo o culto”,
ainda restaria um grande problema. Como pode o anticristo exterminar a igreja e
o ritual quando, na verdade, o povo dos santos recebe o reino eterno (Dn 7:13-14,
27; 12:1-3)?
Em sexto lugar, a interpretação simbólica é “propensa a dar um sentido espi-
ritual a tudo”.32 Não há, por exemplo, qualquer evidência exegética no livro de
Daniel que apoie o ponto de vista de que Jerusalém deva significar alguma outra
entidade diferente da cidade de Jerusalém. A sugestão de que Jerusalém é um sím-
bolo da igreja não tem fundamento exegético nem contextual no livro de Daniel.
A Jerusalém de 9:2 é a capital da cidade literal dos israelitas. Os “habitantes
de Jerusalém” no versículo 7 são israelitas físicos. A Jerusalém e a “montanha
sagrada”, bem como o “santuário” citados nos versículos 16-17 junto com a “cida-
de” no versículo 18, podem significar apenas a cidade física do antigo Israel. Em 9
consequência disso, a “cidade santa” do versículo 24 e a Jerusalém do versículo 25
não podem se referir a outra coisa além do que o leitor constantemente observa.
Essas sérias objeções têm levado alguns intérpretes a rejeitarem recentemente
a interpretação simbólica.

INTERPRETAÇÃO FUTURISTA (DISPENSACIONAL)

A interpretação futurista/dispensacional33 do esquema cronológico de 9:24-


27 é bastante usada hoje no mundo de fala inglesa e em outros lugares.34 É com
frequência associada aos ensinamentos de John Nelson Darby (1800-1882) sobre
profecia – desde a década de 1830 em diante – e o movimento Irmãos de Plymou-
th, da Irlanda. C. I. Scofield (1843-1921), dos Estados Unidos, foi influenciado
por Darby e apresentou a ideia de sete dispensações desde o Éden à nova criação.
Ele incorporou essas ideias nas notas da famosa Bíblia de Referência Scofield
(1911, revisão recente: 1967).
Deve-se notar que atualmente o ponto de vista dispensacionalista na escatologia,
incluindo 9:24-27, é sustentado em grande parte por cristãos evangélicos. Embora
esses pontos de vista tenham origem recente, sua influência é bastante ampla.
A interpretação futurista/dispensacionalista dos aspectos temporais da passa-
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

gem de 9:24-27 é também conhecida como a interpretação do “parêntese” ou da


“lacuna”. Os 490 anos não são considerados contínuos. A interpretação coloca
um “parêntese” ou uma “lacuna” entre as primeiras 69 semanas e a última ou
setuagésima semana do período completo. A última semana está no futuro. Nesse
sentido, a interpretação é “futurista” por natureza.
Essa interpretação compreende o “parêntese” ou a “lacuna” como a “Era da
Igreja”, que forma um “parêntese” entre o primeiro advento de Cristo e um im-
pério romano reavivado, cujo príncipe é apontado como o anticristo. De acordo
com esse ponto de vista, a passagem 9:24 não é um resumo da obra de Cristo na
terra, mas um evento do futuro. Não foi cumprido no passado. De fato, 9:24 deve-
ria ser colocado no final de 9:27. Embora a abordagem dispensacionalista afirme
estar estabelecida no “método literal de interpretação profética”,35 é incapaz de
manter juntos os 490 anos. Ela separa de forma arbitrária os últimos sete anos de
sua estrutura temporal lógica e os coloca no futuro.
A interpretação futurista/dispensacionalista compreende o termo šābu‛îm
em 9:24 como “semanas” de anos,36 totalizando 490 anos. Também entende
que a “ordem” (9:25) para restaurar Jerusalém refere-se ao segundo decreto de
Artaxerxes I Longimanus (Ne 1–2). Esse decreto é datado pela maioria dos dis-
pensacionlistas em 445 a.C.37 Com base na contagem de Sir Robert Anderson,
10 que considera os anos como anos “proféticos” de 360 dias cada, as primeiras 69
semanas são contadas como 173.880 dias (69 x 7 x 360 = 173.880).38 Esse período
estende-se desde “14 de março [1.º de nisã], ano 445 a.C., a seis de abril [10 de
nisã], ano 32 d.C.,”39 esta última data sendo indicada como a da entrada triunfal
de Jesus no domingo de ramos.
Esse cálculo tenta sustentar-se em apenas cinco pressupostos problemáticos:
(1) os anos não são solares, mas “proféticos” de 360 dias. (2) O decreto foi emi-
tido no dia 1º de nisã, ano 445 a.C. (3) Cristo morreu em 32 d.C. (4) A última
semana da profecia deve ser transferida para o futuro. (5) Não é possível atingir
um sincronismo entre anos “proféticos” e “solares” sem a adição arbitrária e
subjetiva de dias extras.
Com base nas dificuldades ligadas a essas cinco pressuposições, os dispensa-
cionalitas recentemente têm tentado fazer vários ajustes para solucionar certos
problemas mais sérios. L. Wood sugere que a “melhor solução” é aceitar “o de-
creto anterior (primeiro) de Artaxerxes, dado a Esdras em 458 a.C. Calculando
com base em anos solares, o período de 483 anos termina agora em 26 d.C., e
essa é a data aceita para o batismo de Jesus.”40 Entretanto, R. D. Culver continua
a favorecer o segundo decreto e a data de 445 a.C., mas é forçado a abandonar
um cumprimento exato, permitindo uma variação de alguns meses.41
R. C. Newman tenta calcular com o “ciclo de anos sabáticos”, cujo sexagésimo
nono se estende desde 27 a 34 d.C. e “inclui a crucifixão de Jesus Cristo; de fato,
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

ele se estende também sobre a maior parte de seu ministério público”.42


H. W. Hoehner43 aponta vários problemas nesse ponto de vista: (1) o primeiro
ciclo bíblico se estende de 452 a 445 a.C., terminando um ano antes, não se ajus-
tando ao ano 444 a.C., quando o segundo decreto de Artaxerxes foi emitido. Isso
deixaria apenas 68 “ciclos de anos sabáticos” entre o terminus a quo e a morte de
Cristo, mas isso é contraditado pelas 69 semanas depois das quais o Messias deve
ser cortado (Dn 9:26); (2) uma vez que o sexagésimo nono “ciclo do ano sabático”
termina em 34 d.C., o Messias teria que ser cortado depois de 34 d.C., sete anos
depois da crucifixão de Cristo.
Uma nova evidência desconsiderada por Newman e por Hoehner indica
que o ciclo de ano sabático não se estende de 452 a 445 a.C., mas de 457 a 450
a.C.44 Isso significa que nem 444 a.C. nem 445 a.C. se ajustam ao ciclo do ano
sabático. A proposta de Newman para fixar o início das 70 semanas do capítulo
nove no segundo decreto de Artaxerxes I (Ne 1–2) com base no ciclo do ano
sabático é falha.
Uma das mais recentes tentativas de solucionar os problemas de cálculo da
interpretação dispensacionalista é a proposta por H. W. Hoehner, que argumenta
corretamente que a data do segundo decreto de Artaxerxes é 444 a.C. Com base
na suposição de um “ano profético” de 360 dias, ele sugere que as 69 semanas são
173.880 dias (69 x 7 x 360)45 como o faz Anderson.46 No cálculo de Hoehner o 11
começo das 69 semanas é 1º de nisã (cinco de março) de 444 a.C.,47 e a conclusão
é 10 de nisã (30 de março) de 33 d.C.,48 quando, ele crê, aconteceu a entrada
triunfal de Cristo.
Obviamente, Hoehner segue Anderson ao contar o começo das 69 semanas
em 1º de nisã quando, na verdade, Neemias 2:1 declara apenas que era o mês de
nisã. Hoehner admite que trabalha com base numa suposição.49 Ele novamente
segue Anderson ao multiplicar 69 semanas por sete (anos) para cada semana e por
360 dias dos supostos “anos proféticos” de Anderson,50 chegando novamente ao
número de 173.880 dias (69 x 7 x 360). Ao começar em 1º de nisã, do ano de 444
a.C. (5 de março de 444 a.C) as 69 semanas terminam em 10 de nisã de 33 d.C.
(30 de março, 33 d.C.), de acordo com Hoehner.
Afirma-se que a “verificação” desse esquema cronológico se dá da seguinte
forma: “a diferença entre 444 a.C. e 33 d.C., então, é de 476 anos solares. Ao
multiplicar 476 [anos] por 365,24219879 ou por 365 dias, 5 horas, 48 minutos,
45,975 segundos, chega-se a 173.855,28662404 dias ou 173.855 dias, 6 horas,
52 minutos, 44 segundos.”51 A “verificação” funciona? Na verdade não, pois não
indica uma combinação matemática, mas deixa uma discrepância de 25 dias que
precisam ser adicionados aos 173.855 para alcançar os 173.880 dias. Hoehner ob-
serva brevemente: “isso deixa apenas 25 dias para serem explicados entre 444 a.C.
e 33 d.C. Ao acrescentar os 25 dias a 5 de março [ou o suposto 1º de nisã], chega-se
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

a 30 de março (de 33 d.C.) que era 10 de nisã de 33 d.C., esse é o dia da entrada
triunfal de Jesus em Jerusalém.”52 Enquanto Hoehner encurta a lacuna dos dias
não contados, ele também é incapaz de solucionar o problema da contagem.
De forma tipicamente dispensacionalista, a setuagésima semana é colocada
no futuro e assim separada das 69 semanas pela lacuna da “era da Igreja”. Uma
vez que Hoehner começa com o único ano justificável, 444 a.C., para o decreto
de sua escolha, apresentamos um diagrama que mostra suas datas ajustadas. As
datas escolhidas pela maioria dos dispensacionalistas estão entre parênteses:

70ª semana

2º advento
1/2 1/2
CONTAGEM DISPENSACIONALISTA DAS SETENTA SEMANAS

lacuna ou parêntese

12
Era da Igreja
(10 de nisã = 30 de março)

(10 de nisã = 6 de abril)

Entrada
triunfal
33 d.C.

32 d.C.

69 semanas
476 anos

2º decreto de
(1º de nisã)

(1º de nisã)

Artaxerxes
(Neemias)
444 a.C.

445 a.C.
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

A interpretação dispensacionalista demanda a consideração de alguns proble-


mas sérios. Primeiro, o ano de 445 a.C., escolhido como o começo (terminus a quo)
pela maioria dos intérpretes dispensacionalistas, não é aceitável para o ano do co-
mumente chamado segundo decreto de Artaxerxes. A data fornecida por Neemias
1:1 e 2:1 requer que esse decreto seja datado de 444 a.C.53 Portanto, o cálculo de
Anderson não pode ser considerado. Deve-se notar também que esse cálculo está
incorreto por vários dias pelo fato de ignorar a diferença entre os calendários juliano
e gregoriano.54 Mas isso pode não ser um grande obstáculo visto que, para que seu
sistema funcione, ele já acrescentou 130 dias para os quais nenhuma explicação é
dada.
Segundo, os cálculos baseados tanto no sistema de Anderson55 como no de
Hoehner56 são construídos sobre a suposição, como observado acima, de que o
decreto de Neemias 2:1 foi emitido em 1.º de nisã. Newman, um dispensaciona-
lista, criticou Anderson: “Mas para ele, começar uma semana mais tarde impossi-
bilitaria terminar o período profético antes da crucifixão, mesmo reconhecendo a
validade dos ‘anos proféticos’ e o ano de 32 d.C.”57 O mesmo aplica-se a Hoehner.
Se ele começa apenas cinco dias depois, todo o seu cálculo vai por água abaixo.
Neemias 2:1 fala apenas do “mês de nisã” sem especificar o dia preciso em que o
decreto foi emitido. Afirmar que 1º de nisã foi a data para a emissão do decreto é
apenas hipótese. Falta-lhe apoio histórico e é necessário apenas devido ao fato de 13
o esquema precisar de mais dias do que se é possível obter.
Terceiro, as 69 semanas são consideradas “anos proféticos” de 360 dias. Con-
tudo, esse cômputo dá um total de apenas 476 anos solares e alguns dias, em
outras palavras, sete anos menos que os 483 anos esperados. Se o cálculo é feito
com base nos 483 anos solares (69 x 7 = 483), fixando-se o começo em 444 a.C.,
estende-se em vários anos a data-limite do tempo de vida de Cristo. Ele chega a
40 d.C., alguns anos após a crucifixão.58 O cálculo do ano solar, que parece ser o
mais normal, não funciona nesse esquema, e então é rejeitado pela maioria dos
dispensacionalistas em apoio ao cálculo do “ano profético”.
Supondo, como ponto de partida para a discussão, que o método do “ano pro-
fético” fosse válido, partindo de 1º de nisã (5 de março) de 444 a.C., 173.855 dias
(476 anos x 365,24219879 dias),59 chegaríamos apenas a 5 de março de 33 d.C., 25
dias antes da entrada triunfal, considerada como datando de 30 de março do mes-
mo ano. São 31 dias (mais do que um “mês profético”!) antes da data da crucifixão,
que seria em 5 de abril de 33 d.C., de acordo com a cronologia de Hoehner da vida
de Cristo.60 É evidente que Hoehner não soluciona o dilema de Anderson.
Não há possibilidade de haver um sincronismo entre os 173.880 “dias proféti-
cos” (69 semanas x 7 anos x 360 dias) e os 476 anos entre 444 a.C. a 33 d.C. (ou
173.855 “dias solares”). Para Anderson, a discrepância consiste de 116 dias adicio-
nados por anos bissextos e 24 dias extras – um total de 140 dias – a fim de alcançar
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

a suposta data da entrada triunfal em 6 de abril de 32 d.C.61 A discrepância de


Hoehner em sua tentativa de sincronização consiste de 25 dias necessários para
que alcance a suposta data de 30 de março de 32 d.C. para a entrada triunfal.62
Hoehner admite: “é óbvio que um cálculo que usa o ano solar não funciona”63
partindo de 444 a.C. Além disso, é de igual modo evidente que um cálculo com
base no “ano profético” também não funciona, a não ser que os dias que faltam
sejam adicionados de forma arbitrária. Mas tal procedimento subjetivo se opõe à
precisão evidente de 9:24-27.
Quarto, intérpretes da escola futurista/dispensacionalista calculam as 70 se-
manas com base no que Anderson chamou de “anos proféticos” de 360 dias cada,
como se observou acima.64 Isso é necessário devido ao fato de que o período de
tempo que vai de 444 a.C. à data alvo no período da vida de Cristo, se contado
normalmente com anos solares, fica reduzido em quase 10 anos.
Embora o ano lunar de 360 dias fosse conhecido no antigo Egito, Assíria e Babilô-
nia, usando um sistema de 12 meses de 30 dias cada, é de vital importância reconhecer
que vários mecanismos foram empregados por essas nações para se conseguir uma
aproximação dos 365¼ dias do ano solar. Cinco dias eram adicionados a cada vigési-
mo mês, ou um mês adicional era acrescido a cada seis ou sete anos, ou os dias extras
necessários para se chegar a 365 ¼ dias eram supridos por métodos variados. 65
14 Anderson também tentou defender o esquema do “ano profético” supondo
que o Egito antigo usava um ano de 360 dias. Porém, G. C. Gleason observa que
“com relação ao Egito, o ano de 365 dias era observado atentamente, ...os egípcios
nunca usaram um ano de 360 dias, como supôs Anderson; eles simplesmente usa-
vam a fração 1/360 como uma estimativa aproximada para quotas diárias.”66
Não se sabe de nenhuma nação antiga que tenha empregado um ano de 360
dias em completa desconsideração com o ciclo solar de 365 ¼ dias. Com relação
ao antigo Israel, as “numerosas declarações cronológicas nos livros de Reis e Crô-
nicas [revelam que] os autores do Antigo Testamento usaram somente os anos so-
lares reais. Apenas essa consideração deve ser decisiva contra a teoria de Anderson
[de ‘anos proféticos’ de 360 dias].”67
Quinto, escritores dispensacionalistas que sugerem 445 ou 444 a.C. como o
ponto inicial para as 70 semanas são forçados a argumentar que a morte de Cristo
aconteceu em 32 ou 33 d.C., respectivamente. Essas datas posteriores conduzem
a vários problemas para a cronologia do Novo Testamento, que está entrelaçada
com a cronologia secular do período no qual começa o cristianismo. Visto que o
tema da data para a morte de Cristo será retomado novamente, deve ser suficiente
afirmar aqui que essas duas datas erram por um ou dois anos, respectivamente.
Sexto, a interpretação dispensacionalista – a teoria da “lacuna” (teoria do “pa-
rêntese”) – afirma que há um grande intervalo de tempo entre as 69 semanas e
a setuagésima semana do total de 70 da profecia. Visto que não há nenhuma in-
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

terrupção entre as primeiras sete semanas e as 62 seguintes (a primeira e segunda


divisão do período total), é surpreendente encontrar um intervalo extraordinaria-
mente longo entre a segunda e a terceira divisões (a última ou setuagésima semana
da profecia). Esse intervalo extenso, ou parênteses, quebra a continuidade natural
da profecia (7 + 62 + [intervalo] 1).
Vitringa alertou tempos atrás “que o período de 70 setenários, ou 490 anos, é
aqui predito como um período que continuará sem interrupção desde seu começo
até seu fim ou conclusão, ambos com respeito ao período completo de 70 setená-
rios, e também às várias partes (7, 62 e 1), em que as setenta estão divididas.” E a
questão levantada é “como é possível imaginar que existe um intervalo entre a 69ª
e a 1º, quando essas juntas compõem as setenta?”68
Por que a última semana é colocada no futuro? Se Cristo fosse crucificado
na metade dessa semana, sua morte ocorreria no outono de 36 d.C., uma data
totalmente impossível. Outra razão para se colocar a última semana no futuro é a
tentativa de se escapar do difícil fato de que a destruição de Jerusalém não acon-
teceu dentro dessa semana de anos. Em outras palavras, os intérpretes futuristas/
dispensacionalistas procuram estabelecer sua interpretação comparando profecia
com seu cumprimento e não com uma exegese imparcial do texto. Concordamos
com E. J. Young quando diz que essa “questão deve ser finalmente solucionada
tendo como base apenas a exegese”.69 15
Em sétimo lugar, H. A. Ironside e A. J. McClain, entre outros,70 sugeriram que
existem outras lacunas, ou parênteses, na profecia bíblica. Com base nisso, argu-
menta-se que o suposto parêntese de 9:27 é justificável. Contudo, numa pesquisa
mais detalhada, é possível ver que os textos não apoiam esse parecer, a menos que
se sobreponha um esquema dispensacionalista.71 Mas mesmo que as passagens para
as quais os escritores dispensacionalistas apelam contivessem lacunas, isso ainda
não seria prova de que existe uma lacuna semelhante, ou parênteses, em 9:24-27.
Relacionada a isso, a observação de P. Mauro é importante porque ele mos-
trou que há “uma regra absoluta, que não admite exceções, [a saber] que quando
uma medida definida de tempo ou espaço é especificada pelo número de unidades
que a compõem, dentro da qual um certo evento está para acontecer ou algo está
para ser encontrado, as unidades de tempo ou espaço que constituem essa medida
devem ser entendidas como ocorrendo contínua e sucessivamente”.72
Isso se baseia na observação de que os 430 anos de Gênesis 15:13, Êxodo
12:40, Gálatas 3:17, os 40 anos de peregrinação no deserto de Números 14:34, e
os sete anos de fartura e escassez de Gênesis 45:6 foram respectivamente anos con-
secutivos. Os três dias após os quais Jesus se levantou também foram consecutivos.
Visto que esses períodos de tempo foram consecutivos, o natural seria esperar que
as 70 semanas de 9:24-27 também fossem 70 semanas consecutivas.
Em oitavo lugar, o argumento de que os acontecimentos do versículo 27 ocorrem
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

depois dos do versículo 26 se baseia numa suposição infundada. É verdade que é dito
que os acontecimentos do versículo 26, a saber, a morte do Messias e a destruição da
cidade e do santuário, aconteceram depois das 62 semanas, mas não se afirma que os
eventos do versículo 27 ocorrem depois daqueles do versículo 26.73 Não há qualquer
evidência contextual para apoiar a hipótese de que os eventos dos versículos 26 e 27
não devem ser entendidos como contemporâneos. Uma exegese detalhada indica que
o versículo 27 apresenta uma grande pedra de tropeço para a interpretação dos dispen-
sacionalistas. Isso é verdade porque o versículo 27 é uma explicação do versículo 26, e
não pode ser separado dele e remetido a acontecimentos subsequentes a ele.74
Em nono lugar, outro problema sério diz respeito a uma suposta aliança feita
pelo anticristo.75 O Antigo Testamento (e o Novo Testamento) “não contém ne-
nhuma indicação de tal aliança, e menos ainda alguma anterior que ele pudesse
confirmar nesse ponto em Daniel 9”.76 A dificuldade com essa suposição é que
ela toma uma figura de menor importância, isto é, “um príncipe que há de vir” (v.
26), como o antecedente de “ele” no versículo 27, em lugar da figura dominante,
o “ungido” (v. 26). A palavra “príncipe” é uma figura subordinada no versículo 26.
Não é sequer o sujeito da frase. O sujeito da frase é “o povo”. Portanto, o antece-
dente gramatical apropriado para “ele” (v. 27) é o “ungido” (v. 26).
Em décimo lugar, os intérpretes futuristas transformam o “príncipe” em
16 “um futuro representante do diabo”77 e um “futuro inimigo do povo de Israel”.78
Essa interpretação ignora o fato de que a ênfase no versículo 26 não está sobre
o “príncipe” mas sobre o “povo do príncipe”. Young observa que “esse príncipe,
portanto, deve ser alguém que governe sobre esse povo, ... ele deve ser contem-
porâneo deles, estar vivo quando eles estiverem vivos”.79 Um príncipe que vive
1.900 anos depois do povo é contrário ao texto. L. Wood diz que a frase “o povo
de um príncipe que há de vir” significa “um povo do qual virá”. Isso torna a
frase “o povo do qual virá um príncipe”. 80 Porém, tal leitura não é apoiada pelo
texto hebraico.
E, finalmente, um estudo recente da poesia de 9:24-27 indica uma estrutura
literária bastante intrincada.81 Essa estrutura une toda a seção em padrões literá-
rios que não permitem o tipo de fragmentação cronológica requerida pelo sistema
dispensacional. A disposição literária apoia a ideia de que os três títulos – ungido,
príncipe (v. 25), o ungido (v. 26a), e o príncipe (v. 26b) – se referem à mesma pes-
soa que é morta na metade da última semana.82
Devido a esses obstáculos exegéticos, históricos e cronológicos à aceitação
da interpretação dispensacional/futurista de 9:24-27, dificilmente se recomenda
essa abordagem.
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

INTERPRETAÇÕES CRÍTICO-HISTÓRICA E HISTORICISTA

S inopse editorial. Declarações de eruditos liberais sobre a interpretação crítico-


histórica de Daniel 9:24-27 não reconhece qualquer significado messiânico
nessa passagem. Supõe-se que seu contexto é a era macabeia (segundo século a.C.)
pré-cristã. Além disso, pressupõe-se que o material foi escrito na forma de uma
profecia depois de os eventos terem acontecido. A interpretação crítico-histórica é
muito difundida e é o ponto de vista padrão da escola liberal moderna.
Afirma-se que as 70 semanas (ou seja, 70 semanas de anos) formam uma inter-
pretação da profecia de Jeremias dos 70 anos de cativeiro, mencionada no mesmo
capítulo (9:2; cf. Jr 25:1, 12). Consequentemente, intérpretes da escola crítico-
histórica iniciam os 490 anos com a destruição de Jerusalém em 587 ou 586 a.C.
A primeira divisão (as sete semanas) das três partes do período total estende-se até
539 a.C. (a destruição de Babilônia) ou 538 a.C. (o decreto de Ciro com respeito
ao retorno dos judeus e à construção do templo).
A segunda divisão (62 semanas) estende-se de 539 ou 538 a.C. até o assassina-
to do sumo sacerdote Onias III em 171 ou 170 a.C. A terceira divisão (uma sema-
na) compreende o período desde a morte de Onias até 164 a.C., o ano em que o
templo foi rededicado por Judas Macabeus. A profanação do templo por Antíoco
17
IV é colocada três anos antes, em 167 a.C.
Visto que essa escola de interpretação tem a firme crença de que 9:24-27 é
apenas história escrita depois dos eventos em forma de profecia, as informações
contidas nela deveriam ajustar-se perfeitamente à história real. Mas isso não acon-
tece. Diversos problemas são encontrados nessa abordagem.
Não há unanimidade no ponto inicial da primeira divisão (7 semanas = 49
anos). Um dos escritores mais recentes sugere 589 a.C. a 536 a.C. (um período de
53 anos!). Outros sugerem 587 a 539 a.C. (da destruição de Jerusalém à destruição
de Babilônia) ou 587 a 538 a.C. (da destruição de Jerusalém ao decreto de Ciro
para libertar os judeus). Na verdade, apenas essa última sequência resulta nos reais
49 anos. Agora, nova evidência sustenta a data de 586 a.C. para a destruição de
Jerusalém e 537 a.C. para o decreto de Ciro.
Entretanto, a destruição de Jerusalém como a data inicial para os 490 anos não
tem apoio exegético. Enquanto “a ordem do Senhor” a Jeremias (9:2) pertence aos
70 anos de cativeiro e indiretamente à destruição da cidade e nação, Daniel 9:25 se
refere a uma “ordem” para restaurar e para edificar Jerusalém. Assim, é evidente que
nunca se tencionou que os 490 anos começassem com a destruição da cidade.
Outra evidente fraqueza do esquema crítico-histórico está no gráfico das 62
semanas ou 434 anos, a segunda divisão do período de 490 anos. O período esco-
lhido – de 539/538 a.C. a 171/170 a.C. – tem quase sete décadas a menos. Os 434
anos estendem-se muito além do término pretendido, datado na morte de Onias.
A fim de solucionar essa discrepância, alguns comentaristas apontam o início das
62 semanas ou 434 anos em 605 a.C. e conduzem essa divisão simultaneamente
com as sete semanas, ou 49 anos, que começaram em 587 a.C. Esse é o resultado
de se prover duas diferentes datas de início para a passagem. Outros simplesmente
descartam a questão como um erro de cálculo por parte do escritor ou devido à
memória incerta e fraca dos judeus do segundo século a.C.
Problemas cronológicos também envolvem a data da última semana da morte
de Onias até a rededicação do templo em 164 a.C. Hoje, novas evidências datam a
morte do sacerdote em 170 a.C., o que põe abaixo o cálculo dos eruditos que loca-
lizam os 434 anos no breve espaço de tempo entre 605 a.C. e 171 a.C., e também
reduz a última “semana” da profecia.
O cálculo dos anos em que o templo foi profanado por Antíoco, um período
de três anos (14 de dezembro de 167 a.C. a 14 de dezembro de 164 a.C.) também
está em desarmonia com a profecia que descreve um evento que acontece na
metade da semana, implicando três anos e meio em ambos os lados. O fato de
uma nova pesquisa agora defender que a profanação do templo ocorreu em 168
a.C. com uma reincidência em 165 a.C. só complica a cronologia desse período
para a interpretação crítico-histórica. No momento, não há nenhum esquema
18 cronológico de interpretação crítico-histórica que possa harmonizar 9:24-27 com
a história real.
Judeus (no período pré-cristão), bem como cristãos reconheceram o propósito
messiânico e preditivo de Daniel 9:24-27. A maioria dos comentaristas cristãos
tem seguido a interpretação messiânico-histórica dessa passagem. É o único es-
quema que pode reivindicar correlação e harmonia com profecia e história na
extensão dos 490 anos de 457 a.C. a 34 d.C.
A data inicial para os 490 anos é o sétimo ano de Artaxerxes I, hoje firme-
mente estabelecido como 458/457 a.C. Com Esdras retornando da Palestina em
457 a.C., a profecia encontra nesse ano seu início lógico. Ao rejeitar a pontuação
massorética recente e parcial (500 d.C. em diante) da passagem de 9:25 a favor da-
quela encontrada na versão antiga grega e outras versões, o intérprete dessa escola
traça as 69 semanas ou 483 anos (as primeiras duas divisões: 7+62 semanas) sob o
princípio dia-ano a 27 d.C.
Em 27 d.C. aconteceu o batismo de Jesus – mencionado por Lucas como o
décimo quinto ano do imperador romano Tibério (Lc 3:5) – e Ele começou seu
ministério como o Messias. Três anos e meio depois, “na metade da semana” (a
primavera de 31 d.C.), Ele foi crucificado. A profecia termina três anos e meio de-
pois, em 34 d.C., com a morte de Estevão, a dispersão dos cristãos de Jerusalém, e
com o evangelho sendo anunciado aos gentios. Também é possível que no ano 34
d.C. tenha ocorrido a conversão de Paulo.
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

O autor examina argumentos importantes levantados contra a interpretação


messiânico-histórica. Por exemplo, argumenta-se que o decreto de Artaxerxes I a
Esdras não se refere à restauração e edificação de Jerusalém. No entanto, é possível
inferir que os judeus entenderam que essa era a intenção do rei. A evidência bíbli-
ca é que o muro e outras partes da cidade foram em grande medida construídos
por Esdras (Ed 4:7-23; 9:9). O fato de o programa de construção de Neemias ter
sido concluído em apenas 52 dias (Ne 6:15) não é evidência de que grande parte
da reconstrução já tivesse sido concluída antes da chegada de Neemias.
O argumento de que Esdras veio à Palestina depois de Neemias não parece
sustentável. A pontuação massorética que evitaria o período de tempo das 69
semanas (7 + 62) não está em harmonia com o texto hebraico e demonstra o
preconceito judeu. Não pode ser usada como um argumento contra o foco mes-
siânico dessa profecia.
Alguns também argumentam que a destruição de Jerusalém e do templo (men-
cionada na profecia) requer um desfecho em 70 d.C. em vez de 34 d.C. Contudo,
isso pode se opor ao fato de que é a morte do Messias (predito na profecia) que
selou o destino do sistema cerimonial, bem como do estado nacional. Os aconte-
cimentos de 70 d.C. são simplesmente as consequências subsequentes do advento
e da morte do Messias, o foco principal da profecia.
Embora seja possível fazer objeções a todas as quatro principais interpre- 19
tações de Daniel 9:24-27, a interpretação messiânico-histórica não parece es-
tar sujeita a dificuldades cronológicas, exegéticas e históricas encontradass em
outros sistemas. Assim, ela recomenda a si mesma como a mais adequada das
principais interpretações.

ESBOÇO DA SEÇÃO

1. Interpretações crítico-históricas (modernistas)


2. Interpretação messiânico-histórica (historicista)

INTERPRETAÇÕES CRÍTICO-HISTÓRICAS

As interpretações crítico-históricas modernas são os esquemas cronológicos


mais empregados. Eles refletem a posição de que o livro de Daniel é datado do
segundo século a.C., ou seja, a escola crítico-histórica de interpretação defende
que a forma final de Daniel foi escrita entre 168/7 e 164/3 a.C.
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

A escola crítico-histórica de interpretação não reconhece o Messias em 9:24-


27. Além disso, o erudito crítico-histórico J. A. Montgomery escreve que a pas-
sagem foi “‘apresentada’ pelos deístas e racionalistas dos séculos 17 e 18 com a
premissa de que o objetivo das 70 semanas é a era macabeia e que a ‘profecia’ está
de acordo com um vaticinium ex eventu”.83 Em outras palavras, a passagem não tem
nada de profético, mas foi escrita na forma de uma profecia depois de os eventos
descritos terem ocorrido.
A escola crítico-histórica de interpretação se desenvolveu na era do Iluminis-
mo e foi adotada primeiramente por dois ingleses. Em 1697, John Marsham,84 e,
em 1726, Antony Collins85 abraçaram a sugestão do filósofo pagão neoplatônico,
Porfírio (terceiro século d.C.), de que as profecias de Daniel foram escritas depois
dos acontecimentos e descrevem, na verdade, o tempo de Antíoco IV Epifânio. 86
A interpretação crítico-histórica de Daniel 9:24-27 consolidou-se como o ponto de
vista padrão de eruditos liberais no mundo.
Uma vez que essa escola de pensamento pressupõe que a composição de
Daniel tenha ocorrido no segundo século a.C. e nega a presença de profecia
genuína,87 a passagem de 9:24-27 é, da mesma forma, tratada como vaticinium ex
eventu.88 Essa postura defende que “as profecias de Daniel eram vaticinia ex eventu,
profecias pós-evento, e foram usadas como um meio para conferir autoridade a
20 uma mensagem apocalíptica”.89
As “setenta semanas” de 9:24 são consideradas como “setenta semanas de
anos”,90 e como uma “interpretação secundária da profecia de Jeremias”91 mencio-
nada em 9:2. Essa “reinterpretação ‘inspirada’”92 supostamente “mostra o meio
pelo qual os livros proféticos eram lidos na época [de Antíoco Epifânio]”.93 Con-
tudo, a escola crítico-histórica lê as “setenta semanas” como “setenta semanas de
anos”, que se estendem, para a maioria dos críticos, de 587/586 a.C. a 164 a.C.
O ponto de partida das “setenta semanas de anos” ou 490 anos nesse esque-
ma é a destruição de Jerusalém, que é datada de 587 a.C. 94 ou 586 a.C.95 As “sete
semanas” de anos, ou 49 anos (a primeira divisão das 70 semanas), se contadas
de 587 a.C. terminam em 539 a.C. Nesse caso, escreve N. W. Porteous, “foram
quase exatamente 49 anos (7 x 7) entre a destruição de Jerusalém e a destruição
de Babilônia.”96
Por outro lado, J. A. Montgomery começa com a data 586 a.C. para a destrui-
ção de Jerusalém, e calcula que os 49 anos terminem em 538 a.C.97 K. Koch obser-
va com perspicácia: “Se os 49 anos da primeira parte do período são contados de
586 ao decreto de Ciro em 538 (Esdras 1), então eles provam estar absolutamente
corretos.”98 Embora a aritmética esteja exata, os acontecimentos que ocorrerão
após os 49 anos certamente não estão.
O próprio Montgomery chama atenção para isso: “Nesse caso, deve-se admitir
que a datação [de 586 a.C.] não é exatamente ‘desde a saída da ordem’, isto é, a
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

ordem de Jeremias 25:2 [1] no primeiro ano de Nabucodonosor.”99 (Na verdade


586 a.C., a destruição de Jerusalém foi no décimo nono ano de Nabucodonosor.
Veja Jeremias 52:12). O primeiro ano de Nabucodonosor é 605 a.C. Veremos
abaixo que alguns eruditos da escola crítico-histórica tentaram iniciar com essa
data (ou 604 a.C.) e então calcular a profecia dos 70 anos de Jeremias 25:1-11 e
dos 490 anos de Daniel 9:24-27 como simultâneas, em vez de consecutivas,100 uma
hipótese sem apoio textual.
Tendo em vista esses problemas, O. Plöger sugere que o ponto de partida
do período total é “desde a saída da ordem” de que Jeremias falou, a saber, 587
a.C., mas indica logo a seguir que essa data deve ser escolhida “não importando
quando as palavras de Jeremias em Jeremias 25 e 29 foram ditas”.101 Esse quali-
ficador não soluciona o problema da data para o início (terminus a quo), como
será mostrado abaixo.
É dito que as 62 semanas, ou 434 anos, do período central (ou segunda divi-
são das 70 semanas) começam com a destruição de Babilônia em 539 a.C.,102 ou
decreto de Ciro em 538 a.C.,103 e terminam com a morte do sumo sacerdote Onias
III em 171 ou 170 a.C. respectivamente. A grande dificuldade com esse cálculo
está no fato de que o período desde 539/538 a.C. a 171/170 a.C. é reduzido em
quase sete décadas.
A divisão final de “uma semana”, ou 7 anos, é contada da morte de Onias III 21
em 171/170 a.C. até a rededicação do templo por Judas Macabeus em 164 a.C.
A metade da última semana é marcada pela profanação do templo por Antíoco
IV Epifânio, que continuou por três anos e meio, do “final de 168 ao início de
164...”104 Depois de um breve esboço da interpretação crítico-histórica padrão, a
apresentamo-la por meio do seguinte diagrama:

CÁLCULO CRÍTICO-HISTÓRICO PADRÃO DAS 70 SEMANAS

587/6 a.C. 539/8 170/0 164


7 anos
49 anos 434 anos 3 1/2 3 1/2
7 semanas 62 semanas 1 semana

Destruição Destruição Onias III Templo


de Jerusalém de Babilônia assasinado profanado-
rededicado
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

Alguns também tentaram solucionar o problema da redução (na divisão cen-


tral) em várias décadas. A. Lacocque é um intérprete moderno que sugere nova-
mente que as primeiras “sete semanas” são contemporâneas das 62.
Ele declara: “das setenta semanas do oráculo de Jeremias, sete se passaram
desde o começo do cativeiro (587) até a investidura do sumo sacerdote Josué (538;
veja Ageu 1:1,14; Zc 3:1ss.). Mais 62 semanas, ou 434 anos, correspondem ao lap-
so de tempo entre 605, a data do oráculo em Jereminas 25:1, 11, e 171, o ano do
assassinato do segundo ‘ungido’, o sumo sacerdote Onias III. Da última semana,
metade dela se passou e isso abrange o tempo entre a morte de Onias III e as me-
didas coercitivas de Antíoco. Mais a metade de uma semana (de 168 a 165), e ‘o
decreto de destruição será emitido pelo destruidor’.”105
O esquema cronológico de Lacocque pode ser representado pelo seguinte
diagrama:

CÁLCULO CRÍTICO-HISTÓRICO PADRÃO DAS 70 SEMANAS

587 538
22 605 49 anos 171 168 165
7 semanas 434 anos 3 1/2 3 1/2
62 semanas 1/2 sem 1/2 sem
1 semana
Josué Onias III
Cativeiro investido assassinado

A vantagem do esquema de Lacocque é que existem exatamente 434 anos en-


tre 605 a.C. e 171 a.C.106 Entre os problemas sem solução estão os seguintes:
1. A formulação de 9:25 demanda que “da ordem para restaurar e para edificar
Jerusalém até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas”,
isto é, 69 semanas e não apenas 62 semanas.
2. A contagem simultânea das sete semanas dentro das 62 destrói qualquer
possibilidade de ter havido um total de 70 semanas ou 490 anos.
3. Lacocque, na verdade, tem duas diferentes datas como ponto de partida,
a saber, 605 a.C. para as 62 semanas (434 anos) e 587 a.C. para as sete semanas
(49 anos) que não se correlacionam. Uma vez que os 49 anos permanecem fora da
contagem do período total de tempo, seu sistema computacional reduz a “profe-
cia” das 70 semanas a uma profecia de 63 semanas na contagem sequencial.
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

Com base em cálculos bem recentes, o ano da morte de Onias III é agora
colocado em 170 a.C. e não em 171 a.C.107 Se isso estiver correto, os 434 anos con-
tados desde 605 a.C. não resultam de forma correta. Esse esquema não é confiável
devido a seus problemas exegéticos e de cálculo.
Outro cálculo da interpretação crítico-histórica das 70 semanas é o fornecido
por L. F. Hartman e A. A. Di Lella no Comentário da Anchor Bible. Sugere-se que
“o período total que ele [o autor de Daniel 9] conta como tendo início com ‘a
saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém’ [9:25], inicia-se em 594
a.C. e termina com a morte de Epifânio em 164 a.C., ...”108
“É quase certo que a primeira parte do período de 490 anos se refere ao tempo
em que os primeiros exilados de Babilônia retornaram a Jerusalém em 538 a.C.” A
seção mais longa do período de 490 anos estende-se de 538 a.C.109 “ao evento men-
cionado a seguir, quando ‘o ungido’ foi ‘cortado’ em 171 a.C., ...”110 Os eventos da
suposta morte de Onias III em 171 a.C. até 164 a.C. como o final do período de
490 anos segue o esquema crítico-histórico padrão.111
O esquema cronológico de Hartman-Di Lella pode ser representado pelo se-
guinte diagrama:

CÁLCULO CRÍTICO-HISTÓRICO ALTERNATIVO DAS 70 SEMANAS POR 23


HARTMAN E DI LELLA

594 a.C. 538 a.C. 171 a.C. 164/63 a.C.

7 semanas 62 semanas 1 semana

Carta de Josué ben Onias III Templo


Jeremias Jozadaque assasinado rededicado
(Jr 29:10)
Templo
profanado

A principal diferença do esquema cronológico de Hartman e Di Lella com o


cômputo crítico-histórico padrão é sua data inicial em 594 a.C. Essa é outra tenta-
tiva de correlacionar o texto de Daniel 9:25, que especifica que “desde a saída da
ordem para restaurar e para edificar Jerusalém”, com a data inicial do período de
490 anos. Hartman e Di Lella observam corretamente que uma data inicial em 605
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

a.C. (ou 606) não é correta porque Jeremias 25:11-12 “não fala da reconstrução de
Jerusalém”.112 Da mesma forma, não há “ordem” ou “decreto” datando de 587/586
a.C., o ano da destruição de Jerusalém, que fale de uma reconstrução dessa cidade.
Hartman e Di Lella tentam ser fiéis ao texto de Daniel 9:25 que fala claramente
sobre uma “ordem” para restaurar Jerusalém e sugerem que ela é encontrada na
passagem de Jeremias 29:10 a qual declara que quando se cumprirem os 70 anos
de cativeiro “atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a minha boa
palavra, tornando a trazer-vos para este lugar”. Desconsiderando o fato de essa pro-
fecia ter sido dada em 594 a.C., como sugeriram Hartman e Di Lella, a passagem
de Jeremias 29:10 não se ajusta a Daniel 9:25. A primeira fala de trazer de volta
os exilados para Judá, mas Daniel 9:25 fala de uma “ordem para restaurar e para
edificar Jerusalém”.
Essa dificuldade é acentuada no decreto de Ciro (Esdras 1:2-4) de 538/537
a.C., que fala da reconstrução do templo (v. 3), mas não da reconstrução de Jeru-
salém que não ocorreu até que a “ordem” foi dada por Artaxerxes em 457 a.C. (Ed
7:12-26).113 Esses problemas indicam que o ano de 594 a.C. não se enquadra como
o início do período dos 490 anos na argumentação exegética.
Em segundo lugar, o ano de 594 a.C. não se ajusta como a data inicial na
argumentação cronológica e computacional. A primeira seção do período das 70
24 semanas, que é de 49 anos, é reduzida em oito anos para alcançar 538 a.C. Sete
semanas de 49 anos, começando em 594 a.C., chegam apenas a 545 a.C., um ano
em que nada aconteceu com respeito às especificações de Daniel 9:24-27.
Hartman e Di Lella estão cientes dessa discrepância e tentam solucionar esse
problema de cálculo sugerindo que o intervalo de 56 anos entre 594 a.C. e 538
a.C. é “próximo o suficiente do número quase-artificial de ‘sete semanas’ de anos
(Dn 9:25)”.114 No entanto, não há evidência de que o período de sete semanas
de 49 anos seja “quase-artificial” especialmente dado que o texto de Daniel 9:25
exige um cumprimento específico com respeito à restauração e reconstrução de
Jerusalém no final daquele período.
Em terceiro lugar, o período de 594 a.C. a 164 a.C. é de apenas 430 anos, ou
60 anos a menos que o período de 70 semanas de 490 anos. Hartman e Di Lella
reconhecem essa discrepância,115 mas observam que mesmo que se comece com
605 a.C. “o período completo seria de apenas 441 anos”116 até 164 a.C. Isso mostra
que o esquema crítico-histórico padrão (veja acima) tem um problema de cálculo
assim como o esquema apresentado por eles.
De qualquer forma, não é possível se chegar a 490 anos em nenhum esquema
crítico-histórico (modernista). Hartman e Di Lella observam incisivamente que
o período das 62 semanas de 434 anos que se estende de 538 a.C. a 171 a.C.
“somam apenas 367 anos”.117 Novamente, o cálculo está incorreto e lança grande
dúvida em toda a interpretação crítico-histórica.
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

Em quarto lugar, Hartman e Di Lella sugerem que “o líder ungido” de Da-


niel 9:25 (ou seja, “o Ungido, Príncipe”) é melhor identificado com Josué ben
Jozadaque, o primeiro sumo sacerdote do templo restaurado em Jerusalém e não
com Ciro ou com Zorobabel como outros exegetas da escola crítico-histórica têm
defendido.118 Novamente, Hartman e Di Lella estão tentando se basear no texto
de Daniel 9:25.
Mas a designação “Ungido [Messias], Príncipe” (hebraico māšîah nāgîd) é tra-
duzida de forma simples e incorreta como o “líder ungido” por Hartman e Di
Lella. Se essa designação significasse “o líder ungido”, o hebraico deveria ser
nāgîd māšîah e não a sequência que o texto apresenta.119 Além disso, não há evi-
dência em Esdras 2:2, 36 ou em Neemias 7:7, 39 que esse Josué (ou Jeshua) tenha
sido o primeiro sumo sacerdote, uma vez que ele e seus irmãos são chamados
simplesmente de “sacerdotes” (Esdras 3:2, 8, 10; 4:2-3; 5:2). O templo não foi
reconstruído até 515 a.C. e não houve a necessidade de nenhum sumo sacerdote
até essa época.
Finalmente, o sacerdote Josué ben Jozadaque não cumpre a especificação de
tempo de Daniel 9:26 com o período de sete semanas ou 49 anos, porque de 594
a.C. a 537 a.C., quando ele aparece na história, um período de 57 anos havia se
passado, mas deveria ter sido penas 49 anos.
Um dos mais lidos escritores sobre o livro de Daniel desde a década de 1970 é 25
John J. Collins. Em seu comentário de Daniel de 1981120 o ponto de vista padrão
dos eruditos da escola crítico-histórica é mais ou menos adotado, mas não é for-
necida nenhuma data. Collins levanta um tema geralmente não mencionado, a
saber, “é levantada a questão da verdade. A profecia das setenta semanas de anos
não pode ser conciliada com os fatos históricos.”121
Sua postura é a de que o ponto de partida seja “o reino de Dario o medo,”122
(sem relato na história) ou seja, 539/538 a.C.123 Esse ponto de vista não é defendi-
do por nenhum outro erudito dessa escola de interpretação. Mas quer seja esse o
ponto de partida ou 605 a.C. (606 a.C.), 594 a.C., ou 587/586 a.C., em nenhum
dos casos é possível correlacionar as datas com a história real.
Collins chama atenção para outro ponto: o fato de que “a época da profanação
do templo pelos sírios [isto é, Antíoco IV Epifânio] até sua purificação pelos ma-
cabeus foi de exatamente três anos, não três anos e meio (veja 1 Macabeus 4:54; 2
Macabeus 10:3-5)”.124 Os elementos de tempo e os cálculos contêm erros, mas a ver-
dade comunicada é que o sofrimento chega ao fim para os judeus perseguidos.125
Talvez os esquemas crítico-históricos sejam problemáticos demais para se ajus-
tar ao texto e não haja erros na profecia. Antes de tentarmos apresentar outro
esquema consecutivo-histórico precisamos analisar outras facetas da interpretação
crítico-histórica padrão, pois os esquemas alternativos de Hartman e Di Lella não
se ajustam nem à história, nem ao texto.
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

Atentemos agora para a contagem sequencial dos 490 anos com base no
esquema crítico-histórico padrão moderno, ou seja, aqueles que começam com
587/586 a.C., como indicou nosso primeiro diagrama. Comecemos considerando
a primeira das três divisões.
Seria de se esperar que uma “profecia” escrita depois dos acontecimentos se
ajustaria aos números 49 + 434 + 7 anos (7 semanas + 62 semanas + 1 semana)
perfeitamente. Entretanto, não é esse o caso. A data inicial de 587/586 (a saber,
a destruição de Jerusalém) para a primeira divisão dos 490 anos incorre em um
duplo problema:
1. Na exegese, a primeira divisão de 49 anos começa com a “saída da ordem”
(9:25), que é considerada como a palavra dada a Jeremias conforme menciona-
do em 9:2, e, portanto, deve fazer referência à destruição de Jerusalém.126 Porém,
9:25 especifica claramente que o objeto da “ordem”127 é “restaurar e edificar
Jerusalém”.128 A palavra relativa ao período dos 70 anos da desolação de Jerusalém
(9:2; Jr 25:12; 29:10) possivelmente não pode ser considerada como “a ordem para
restaurar e edificar Jerusalém”.129
D. S. Russell faz a ousada sugestão: naquele tempo [destruição de Jerusalém], foi
dada a promessa de que Deus traria de volta os cativos e reconstruiria a cidade arrui-
nada (cf. Jr 30:18; 31:38-40).”130 Contudo, as duas passagens citadas de Jeremias não
26 pertencem à época da destruição de Jerusalém, mas a um período anterior no mi-
nistério de Jeremias, na verdade, várias décadas antes da destruição de Jerusalém.131
Além disso, as duas passagens de Jeremias 30 e 31 não contêm “nada sobre qualquer
período de tempo, e nesse versículo [9:25] não existe referência a essa profecia”.132
De qualquer forma, o anjo Gabriel refere-se à “ordem para restaurar e edificar
Jerusalém” como o ponto de partida para todo o período dos 490 anos, e pode,
portanto, estar apontando apenas para uma ordem que está especificamente “de-
terminada”. Em suma, a destruição de Jerusalém não tem apoio exegético como o
começo dos 490 anos.
2. Há também um problema de cálculo ligado à primeira divisão dos 49 anos.
Um dos comentários mais recentes acerca de Daniel, de M. Delcor, sugere que a
primeira divisão de 49 anos estende-se de 589 a.C. a 536 a.C., um período de 53
anos.133 Esse cálculo erra em dois anos a mais do que a sugestão de 587 a.C. ou
586 a.C. para a destruição de Jerusalém como a data para o começo da primeira
divisão e 539 a.C. para a destruição de Babilônia, ou 538 a.C. para o decreto de
Ciro como a data inicial para a segunda divisão das 70 semanas. Os únicos nú-
meros que poderiam ser considerados exatos são a sequência de 587 a.C. a 538
a.C. Todas as outras sugestões são apenas “cerca de 49 anos”,134 como apontado
corretamente por Montgomery.
A data de 538 a.C. para o decreto de Ciro é sugerida135 constantemente, em-
bora o ano de 537 a.C. seja, na verdade, uma data melhor apoiada por novas evi-
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

dências. Também se deve notar que a destruição de Jerusalém não ocorreu em 587
a.C., mas em 586 a.C. conforme parecem apoiar as novas evidências.136 Assim sen-
do, exclui-se a única possibilidade de um cálculo exato dos 49 anos, a menos que o
ano 537 a.C. seja aceito por esses intérpretes para a data do decreto de Ciro.
Isso significa que os eruditos defensores da interpretação crítico-histórica não
podem evitar o fato de que a primeira divisão dos 490 anos se ajusta às datas su-
geridas apenas de forma aproximada. Se isso faz ou não jus à designação específica
dos 49 anos, cada pessoa tem que decidir por si mesma.
Voltemos agora nossa atenção para a segunda divisão de tempo. O maior pro-
blema da interpretação crítico-histórica de que se tem conhecimento está relacio-
nado à segunda divisão da profecia das 70 semanas, a saber, o período de 434 anos
(62 x 7). Diz-se que essa divisão começa em 539 a.C. ou 538 a.C. e termina em
171 a.C. ou 170 a.C. respectivamente, o que significa uma redução de aproximada-
mente 67 anos. Eruditos que defendem a interpretação sob análise têm atentado
para esse ponto crucial, e várias sugestões têm sido apresentadas como solução.
G. Behrmann sugeriu (de forma semelhante a A. Lacocque, como visto acima)
que o ponto de partida para as 62 semanas, ou 434 anos, é o primeiro ano de
Nabucodonosor, ou 605 a.C.137(uma data agora confirmada por novas evidências).
Ele defendeu essa data tendo como base que 605 a.C. foi a data do início dos 70
anos de exílio em Jeremias 25:1, 11. Argumentou-se então que 605 a.C. menos 27
“sete semanas”, ou 49 anos, nos levaria a aproximadamente à ascensão de Ciro
(cerca de 559 a.C.).138 Isso faria de Ciro “o ungido, o príncipe” (9:25).139
A data de 605 a.C. como a data inicial dos 434 anos (62 semanas) encontrou
defensores como E. Konig e M. Thilo.140 O principal atrativo dessa sugestão está
no fato de que o período de tempo de 605 a.C. a 171 a.C. é de exatos 434 anos,
ou 62 semanas.
Entretanto, a hipótese de Behrmann apresenta várias dificuldades:
1. Se Jeremias 25:1, 11 fossem seguidos exatamente “teria havido um perí-
odo de 70, não 49 anos; esses 70 anos sendo descritos como anos de serviço
ao rei de Babilônia”.141
2. Nenhuma ordem foi dada em 605 a.C. para que Jerusalém fosse reconstru-
ída e restaurada como especifica Daniel 9:25.142
3. A primeira divisão de 49 anos leva o tempo de 605 a.C. até 556 a.C., mas
a ascensão de Ciro data de aproximadamente 559 a.C., o que significa que a pri-
meira divisão de tempo está outra vez inexata ou aproximada.
4. Não existe, em absoluto, qualquer justificativa exegética, cronológica ou
de outra ordem para se iniciar as 7 semanas e as 62 semanas na mesma data.143
K. Marti se opõe de forma correta afirmando que é uma “artimanha inteligente”
deixar as primeiras divisões (7+62) das três (7+62+1) acontecerem paralelamente
uma a outra e não de forma sequencial. Não há nada que apoie essa ideia.144 W.
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

Baugartner se une a outros ao afirmar que essa condensação dos 490 anos em 441
anos é “um ato de violência não justificado.”145 Deve-se admitir que a tentativa de
Behrmann para solucionar esse problema da interpretação crítico-histórica não é
convincente e pode ser rejeitada de forma justificável.
Outra importante sugestão para solucionar esse problema sério é a alegação
de que há uma grande discrepância de cômputo. J. A. Montgomery escreve: “po-
demos satisfazer essa objeção inferindo um erro de cálculo cronológico por parte
do escritor”.146 B. Duhm sugere que “nesse caso o anjo Gabriel não se mostra
bem familiarizado com cronologia”.147 K. Marti, por sua vez, fala de “um erro da
parte do autor”.148
N. W. Porteous é um pouco mais cauteloso: “é impossível afirmar se o autor
estava ciente ou não dessa discrepância”.149 K. Koch observa que “ele deve ser
responsabilizado [o autor] por um grande erro de cálculo”.150 Na análise final,
a avaliação de C. T. Francisco parece ir ao ponto, a saber, que os defensores da
interpretação crítico-histórica “preferem dizer que ele [o autor] está errado, a dizer
que o erro é deles.”151
A suposição de que “o que temos aqui é um número puramente esquemático”152
parece ter algum atrativo à primeira vista. Porém, é difícil aceitar que um número
exato tal como 434 anos (62 semanas) seja “esquemático”.
28 A suposição mais defendida é que a memória histórica dos judeus na época
em que Daniel foi escrito (supostamente em 164 a.C.) era muito débil com res-
peito aos fatos e períodos de tempo. E. Schürer foi o primeiro a sugerir que datas
de historiadores judeus, tais como Josefo e Demétrio, não são confiáveis em sua
cronologia. Sobre Demétrio (antes de 200 a.C.), por exemplo, diz-se ter superes-
timado o intervalo entre 722 a.C. e 222 a.C. em 73 anos; e Josefo também errou
nas datas em 30-40 anos.153 A partir dessas observações, Schürer concluiu que o
autor de Daniel seguiu a cronologia presente de sua época, de cerca de 164 a.C.
Essa suposição tem sido bastante aceita como a solução para essa discrepância de
cálculo.154
No entanto, G. Behrmann se opôs de forma justa à suposta proposição de
Demétrio com base em que o texto de Clemente de Alexandria (Strom. I. xxi.
141) é incerto.155 Portanto, não parece seguro criticar Demétrio. As discrepân-
cias cronológicas em Josefo são evidentes,156 mas ele viveu séculos depois do livro
de Daniel.157
Deve-se notar que o livro de Daniel contém muita informação histórica exata
(embora pouco conhecida durante os últimos séculos pré-cristãos). Por exemplo, o
autor de Daniel está correto na sua descrição de Nabucodonosor como o construtor
de Babilônia (4:30 [4:27]).158 Mesmo R. H. Pfeiffer foi compelido a admitir “talvez
jamais saberemos como o nosso autor tinha conhecimento de que a nova Babilônia
era criação de Nabucodonosor (4:30 [4:27]), como provaram as escavações”.159
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

O autor também estava correto ao escrever que Belsazar, mencionado apenas


em Daniel160 e registros cuneiformes, estava atuando como rei quando Ciro con-
quistou a Babilônia em 539 a.C.161 Com base em novas evidências cuneiformes, o
perturbador problema cronológico entre Daniel 1:1 e Jeremias 25:1, 46:2 pode ser
solucionado sem nenhuma divergência.162 Esses exemplos indicam que o autor de
Daniel conhecia a história muito bem. A sugestão de Schürer, feita mais de cem
anos atrás, não pode mais ser mantida em vista das novas evidências cuneiformes
e de mais conhecimento por parte da escola moderna dos eventos históricos de
fontes antigas.
Por fim, devemos considerar brevemente a última divisão de uma semana de
7 anos. O fim dos 490 anos nesse esquema de interpretação é em 14 de dezembro
de 164, o dia da rededicação do templo. Essa data também marca o final da “me-
tade da semana” ou três anos e meio, que começou em junho de 167. Contudo,
o período histórico da profanação do templo não durou três anos e meio, como
indica 9:26-27, mas apenas 3 anos.
A “abominação [sacrilégio] desoladora” foi erigida em 15 de kislev de 145 (1
Mac 1:54), e o primeiro sacrifício foi oferecido nela em 25 de kislev de 145 (1 Mac
1:59). Três anos depois, no mesmo dia em que o altar foi profanado pela primeira
vez por sacrifício pagão, em 25 de kislev de 148, o templo foi rededicado (1 Mac
4:52). Geralmente, as datas são transferidas de 25 de kislev de 145 para 14 de de- 29
zembro de 167 a.C. e de 25 de kislev de 145 a 14 de dezembro de 164 a.C.163
Há pouco tempo, as datas de 167 a.C. e 164 a.C. foram estudadas com muita
seriedade e atenção por K. Bringmann. Com base em informações históricas e cál-
culos matemáticos recentes, ele chega à conclusão de que a profanação do templo
ocorreu no ano de 168 a.C. e sua rededicação no ano de 165 a.C.164 Se essa datação
estiver correta, há desde a morte de Onias III (agora deve ser datada em 170 a.C.
como indicado acima), ou seja, de 170 a.C., à profanação do templo em dezembro
de 168 a.C., apenas dois anos; mas, com base em 9:26-27, requer-se três anos e meio.
Além disso, desde a morte de Onias III em 170 a.C. à rededicação/reinauguração
do templo em 165 a.C., há apenas cinco anos, em vez dos 7 anos requeridos por
9:26-27.
Também existem na última divisão, ou seja, nos últimos 7 anos, discrepâncias
de cálculo insuperáveis para as quais não há nenhuma solução matemática possí-
vel em vista. A pesquisa cronológica moderna tem acrescentado problemas para a
interpretação crítico-histórica dos elementos temporais em 9:24-27 com informa-
ção até então desconhecida.
Essas considerações indicam que, no momento, não há esquema cronológico
de interpretação crítico-histórica capaz de harmonizar 9:24-27 com a história real.
Os esquemas crítico-históricos contêm problemas tão sérios de cálculo em todas
as três subdivisões dos 490 anos (7+62+1), além de várias questões exegéticas, que
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

não se apresentam como posições confiáveis e recomendáveis, bem apoiadas pela


história e pela cronologia do Antigo Oriente Médio.

INTERPRETAÇÃO MESSIÂNICO-HISTÓRICA (HISTORICISTA)

A maioria dos comentaristas cristãos ao longo dos séculos, desde o início da era
cristã tem seguido a interpretação messiânico-histórica de Daniel 9:24-27.
Mesmo documentos pré-cristãos tais como a mais antiga tradução do AT, a
Septuaginta (LXX)165 e o Testamento dos Doze Patriarcas (c. 100 a.C.)166 contêm
interpretações messiânicas.167 De fato, “as interpretações mais comuns [de 9:24-27]
de origem judaica até depois de 70 d.C. ... eram messiânicas”.168
Atualmente, há evidências de que a comunidade do Qumran (essênios) tam-
bém interpretou a profecia das 70 semanas de forma messiânica. Essa interpreta-
ção foi formulada antes de 146 a.C., e sua “interpretação messiânica da profecia
é uma das primeiras interpretações registradas”.169 O cálculo essênio esperava a
última das 70 semanas entre 10 a.C. e 2 d.C.170
Dentre os intérpretes cristãos antigos que buscavam cálculos de significado
messiânico com base em 9:24-27 estão Clemente de Alexandria (?–c. 215),171 Tertu-
30
liano (c. 150–225),172 Hipólito de Roma (170?–235),173 Orígenes (c. 185–c. 254),174
Eusébio (c. 265–c. 339),175 Jerônimo ( c. 349–c. 419)176 e muitos outros, até o final
do século 19 e em nossa própria época.
A interpretação messiânica do capítulo 9 tem sido quase complemente obs-
curecida na escola crítico-histórica. Alguns defendem a interpretação messiânica,
mas a restringem ao versículo 24.177 Por outro lado, ainda existem defensores reso-
lutos da interpretação messiânica até hoje entre eruditos católicos e protestantes
em ambos os lados do Atlântico.178
O ponto de partida para as “setenta semanas”, de acordo com a interpretação
messiânico-histórica, é a “saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusa-
lém” (v. 25). Isso ocorreu no sétimo ano de Artaxerxes I (Esdras 7:7-8), quando
ele emitiu seu primeiro “decreto” (v. 11-26). O sétimo ano de Artaxerxes é agora
estabelecido firmemente como 458/457 a.C., com o retorno de Esdras em 457, e
não em 458 a.C.179 Consequentemente, o primeiro ano de reinado de Artaxerxes
no cálculo judaico começou em 1º de tishri de 464 a.C.180
Com base no fundamento histórico para essa data (457 a.C.) como o início
das primeiras duas divisões do período das 70 semanas (7+62 semanas=483 anos),
a conclusão dos 483 anos é 27 d.C., o ano do batismo de Jesus.181 O batismo mar-
cou a inauguração do ministério público de Jesus como o Messias, o Ungido.
Há pelo menos duas fortes razões para a escolha do primeiro decreto de Ar-
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

taxerxes I em 457 a.C. (Esdras 7) como o ponto de partida para os 490 anos. A
primeira e principal razão é tanto exegética quanto histórica.
1. Daniel 9:25a identifica especificamente “a ordem” referente à restauração
e reconstrução da cidade de Jerusalém como o início do período das 70 semanas.
A “ordem” dificilmente é entendida como um decreto de Deus.182 Em vez disso,
parece se referir a uma ordem real de um rei, assim como foi emitido o “decreto
real” (dāt, 2:13, 15)183 para matar os sábios.184
Esse decreto ou “ordem” tinha a ver com a restauração e reconstrução da cida-
de de Jerusalém. Portanto, não é possível indicar que se esteja falando do decreto
real de Ciro emitido no ano 538/537 a.C. (Esdras 1:1-4), que impelia os judeus
exilados a construírem a “casa de Deus”, ou seja, o templo.185 Não há sequer uma
só palavra no decreto de Ciro para restaurar e reconstruir a cidade, como uma
cidade. O decreto real de Dario I (Esdras 6:1-12) confirmou o decreto de seu an-
tecessor e relatou mais uma vez a reconstrução do templo. Ele, da mesma forma,
não tinha nada a ver com a cidade, como uma cidade.
O terceiro “decreto” ou ordem é a dada por Artaxerxes I no seu “sétimo ano”
(Esdras 7:7-8),186 isto é, 457 a.C. Essa ordem não pode referir-se à reconstrução do
templo, pois ele foi concluído e dedicado em março de 515 a.C. (Ed 6:13-18).187
Os eventos registrados na passagem de Esdras 4:7-23 nos falam de uma insatisfa-
ção por parte dos samaritanos devido ao fato de os judeus estarem “reedificando 31
aquela rebelde e malvada cidade e vão restaurando os seus muros e reparando os
seus fundamentos” (v. 12, cf. v. 13, 16, 21). Se esse relato é de uma época posterior
à ordem do sétimo ano de Artaxerxes I, a saber, um período de condições políticas
incertas para o monarca persa depois da revolta egípcia de 448,188 então é possível
concluir com segurança que a ordem dada em 457 a.C. dizia respeito à restauração
e reconstrução de Jerusalém.
Deve-se notar que os “tempos angustiosos” (9:25) durante os quais Jerusalém
seria reconstruída novamente são refletidos claramente nos eventos registrados
em Esdras 4:7-23. Embora a verdadeira palavra de comando de Artaxerxes I em
457 a.C. não faça menção explícita de nenhuma ordem para reconstruir a cidade
de Jerusalém, até o momento é este o objetivo aparente conforme entendem os
judeus, para quem foi dada a ordem.
Treze anos depois da ordem de Artaxerxes I, ou seja, no vigésimo ano de seu
reinado (445/444 a.C.), Hanani conta a Neemias que “os muros de Jerusalém
estão derribados, e as suas portas, queimadas” (Ne 1:3). Isso implica que a cidade
tinha sido reconstruída, algo que dificilmente poderia ter começado antes de 457
a.C., porque os decretos de Ciro e de Dario diziam respeito somente à construção
do templo.
O próprio Esdras confessa que Deus deu permissão por meio dos reis persas
“para levantar a casa do nosso Deus, para restaurar as suas ruínas e para que nos
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

desse um muro de segurança em Judá e em Jerusalém” (Ed 9:9). Fica evidente,


a partir de sua referência ao “decreto de Ciro, de Dario e de Artaxerxes, rei da
Pérsia” (Ed 6:14), que Esdras considerou o terceiro “decreto” como a culminação
dos três.
Deve-se também notar que dos quatro decretos conhecidos, apenas dois são
decretos importantes. O decreto de Ciro é um decreto importante, enquanto o
de Dario simplesmente confirma o de Ciro.189 O outro decreto importante foi a
ordem do sétimo ano de Artaxerxes, enquanto o decreto de seu vigésimo ano é
nada mais que uma ampliação e renovação de seu primeiro decreto. “O decreto de
Ciro e Dario dizem respeito à construção do templo; os de Artaxerxes à condição
de Judá e Jerusalém.”190
2. A segunda razão para a escolha do primeiro “decreto” de Artaxerxes em 457
a.C. baseia-se no cálculo dos 490 anos. Apenas essa ordem se ajusta ao cômputo
dos 490 anos solares. O princípio de reconhecer o cumprimento da profecia tam-
bém foi levado em conta. Aqui deve-se relembrar que a necessidade de encontrar
um desfecho que se ajuste aos fatos históricos é compartilhada pela interpretação
messiânico-histórica e suas opositoras da mesma forma.
O final da primeira divisão de 7 anos é 408 a.C.191 Essa primeira divisão de 49
anos é designada à restauração e reconstrução de Jerusalém. Poucas informações
32 do período por volta de 400 a.C. excluem inevitavelmente qualquer tentativa de se
verificar a exatidão da data de 408 a.C. para a restauração da cidade de Jerusalém.
A segunda divisão das 62 semanas, 434 anos, completa o período até o surgi-
mento do Messias em 24 d.C.192 A interpretação messiânico-histórica tradicional
segue a pontuação das versões LXX, Teodócio, Vulgata e Siríaca, a qual foi adotada
nas versões inglesas atuais (KJV, ASV, ERV [margem], MLB, JB, NASB). Isso signi-
fica que a frase é lida assim: “Até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e setenta e
duas semanas; as praças e as circunvalações se reedificarão.” (9:25, NASB)
Há versões inglesas que seguem a pontuação do texto massorético (VER,
RSV, NEB) que tem uma athnach (o principal divisor disjuntivo dentro de um
versículo) após as palavras “sete semanas”. Marcas de pontuação em manuscritos
hebraicos não adquiriram uso geral antes do surgimento de uma grande ativi-
dade massorética entre 600 d.C. e 930 d.C. Seu uso foi cristalizado na forma
presente apenas no século 9/10, enquanto continuou em pequenas questões de
acentuação no século 14.193
Evidências atuais sugerem que acentos nas versões gregas são anteriores aos
dos manuscritos hebraicos dos massoretas.194 Considerações contextuais também
têm sido citadas a favor da antiga pontuação.195 Além disso, a estrutura literária da
poesia de 9:25 sugere também que a pontuação mossorética está incorreta.196
Os textos do Qumran relacionados a 9:24-27 não apoiam a pontuação massoréti-
ca ou moderna. Todas as traduções antigas seguem uma pontuação não-massorética,
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

a saber, a Septuaginta e Teodócio, Símaco e Áquila além da Peshitta. Elas tratam as


7 e as 62 semanas como um período único ao final do qual o Messias viria.197
A pontuação não-messiânica da tradição massorética parece refletir uma “rejei-
ção do papel messiânico de Jesus e a frustração das outras esperanças messiânicas
judaicas do primeiro e segundo séculos d.C.”198 Portanto, ela reflete um preconcei-
to anticristão.199 Parece, com base na evidência citada, que a pontuação tradicional
nas versões antigas e refletidas em inglês nas KJV, ASV, MLB, JB, NASB, etc., deve
ser mantida com base na evidência histórica, contextual, literária, e das versões
sem fazer injustiça ao texto e ao contexto hebraico.
A terceira divisão de uma semana, os últimos sete anos, começa em sucessão
cronológica às 69 semanas (483 anos) com o batismo e o começo do ministério
público de Jesus Cristo. “Na metade da semana” (9: 27)200 (isto é, três anos e
meio depois, em 31 d.C.) o Messias traria fim ao sistema sacrifical por sua morte
na cruz.201 A última metade da semana chega ao fim com (1) a morte de Estevão
(At 7:60),202 (2) dispersão dos cristãos de Jerusalém (At 8:1), (3) o evangelho aos
gentios (At 8), e possivelmente (4) a conversão de Paulo.203 O seguinte diagrama
fornece um panorama da interpretação messiânico-histórica:

CÁLCULO MESSIÂNICO-HISTÓRICO DAS SETENTA SEMANAS 33

457 a.C. 408 a.C. 27 d.C. 34 a.C.


31 a.C.

7 semanas 62 semanas 1 semana


49 anos 434 anos

1º Reconstrução 7 anos
decreto de de Jerusalém Batismo Apedrejamento de Estevão
Artaxerxes de Jesus Dispersão dos cristãos
Evangelho aos gentios
Conversão de Paulo (?)

A correlação cronológica exata entre 9:24-27 e os eventos históricos indicam a


notável superioridade da interpretação messiânico-histórica sobre os outros esque-
mas. O único esquema que pode reivindicar correlação e harmonia perfeitas entre
a profecia e a história com relação a 9:24-27, ao ano e mesmo à metade do ano é o
que sincroniza os 490 anos de 457 a.C. ao término em 34 d.C.
Daniel 9:24-27 “é uma das mais notáveis profecias preditivas do AT.”204 O
crítico K. Koch observa que “o cumprimento matemático singular e absoluta-
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

mente exato de uma predição messiânica do Antigo Testamento quanto à vida


de Cristo no Novo Testamento desempenhou em séculos anteriores um impor-
tante papel como prova para a veracidade das Escrituras Sagradas”.205 As corre-
lações cronológicas recentes dão apoio adicional ao “cumprimento matemático
absolutamente exato” de 9:24-27.
Essa precisa correlação cronológica incomum pode, de fato, ser uma impor-
tante pedra de tropeço à aceitação da interpretação messiânico-histórica pela men-
te racionalista moderna.206 Também se afirmou com grande perspicácia que a pro-
fecia das 70 semanas “com seus cumprimentos exatos torna-se um dos argumentos
convincentes para a autenticidade de Daniel.”207 O ponto de vista messiânico-
histórico de 9:24-27 reconhece essa passagem como genuinamente preditiva por
natureza e messiânica no conteúdo, bem como histórica em seu cumprimento.
A esta altura, faz-se apropriado discutir as principais objeções lançadas contra
a interpretação messiânico-histórica. H. Junker argumenta que o decreto indicado
pela “saída da ordem” (9:25) não poderia ser do sétimo ano de Artaxerxes (Esdras
7:7-8). Ele afirma que deve ser o decreto de Ciro, uma vez que deve se referir, com
base em 9:1-2, à reconstrução de Jerusalém.208
Junker está correto em insistir que o decreto deve estar relacionado à recons-
trução de Jerusalém. Entretanto, sua objeção não pode ser sustentada, pois o de-
34 creto de Ciro e o de Dario (Ed 1:1-4; 6:1-12) referem-se somente à construção do
templo e não à reconstrução da cidade como tal.
Novas evidências indicam que o primeiro decreto, ou edito, foi feito por Ciro
para a reconstrução do templo (2Cr 36:22-23; Ed 1:1-4; 6:3-5) no ano de 537 a.C.
(Ed 1:1). Nesse decreto, o rei ordena “edificar uma casa em Jerusalém de Judá”
(Ed 1:2), a saber, “a casa do senhor, Deus de Israel” (v. 3; cf. v. 4-5). Esse decreto se
referia ao retorno dos cativos e à reconstrução do templo, mas não a uma restau-
ração da cidade de Jerusalém.209
O segundo decreto para a restauração do templo foi emitido por Dario (Ed
6:1-12) e tem a ver claramente com reedificar “esta Casa de Deus” (v. 8; cf. v. 12),
o templo em Jerusalém. Em resposta às questões descritas por Tatenai, o rei Dario
realizou uma busca pelo edito emitido por Ciro. Com base no decreto de Ciro,
ele próprio emitiu outro em cerca de 519/518 a.C. para confirmá-lo (Ed 6:1-12).
Portanto, esse decreto é de confirmação e se limita à reconstrução do templo, não
se referindo ou implicando a reconstrução de Jerusalém.
A terceira ordem ou “decreto” (Ed 7:11, 13, 21)210 foi o que Artaxerxes emitiu
a Esdras no sétimo ano do rei (Ed 7:7), o ano 457 a.C. Afirmou-se que, “não há
nenhuma evidência sólida mostrando que em 457 a.C. houve um decreto real, ou
mesmo de Deus, ordenando a reconstrução de Jerusalém”.211
É inegável o fato de que houve um decreto real em 457 a.C. por Artaxerxes
I como Esdras 7:1-26 afirma. Há uma referência explícita ao comando de Arta-
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

xerxes sob a designação de um “decreto” (Ed 7:11)212 e por meio da frase em ara-
maico “por mim se decreta”213 (sim te‛ēm) em Esdras 7:13 que foi traduzida para o
inglês também como “emitir um decreto” (NAB, NASB). A evidência quanto a se
esse decreto incluiu a reconstrução de Jerusalém é circunstancial.
Indicou-se acima que Esdras 6:14 se refere ao “decreto de Ciro, Dario e Arta-
xerxes da Pérsia”. A inclusão de Artaxerxes é explicada por alguns como “um erro
editorial”.214 Mas a remoção de um nome que não se ajusta a uma concepção não
faz a justiça aos textos do hebraico e da Septuaginta, que incluem Artaxerxes.215
Além disso, o argumento de que toda a passagem de Esdras 6:14 “está falando
da conclusão do templo em março de 515 a.C., cinquenta anos antes de Arta-
xerxes assumir o trono”,216 é totalmente incorreto. Esdras 6:14 não se refere ao
templo. Esse texto fala dos judeus construindo e terminando algo, sem identificar
o que envolvia essa atividade.
F. C. Fensham afirma que até Dario os decretos (de Ciro e de Dario) se refe-
rem à conclusão do templo, “mas com Artaxerxes predomina o outro padrão de
pensamento, ou seja, o processo divino em que os reis persas foram usados no
serviço de Deus (cf. também Is 45:1).”217 A vontade de Deus realizada pelo decreto
de Artaxerxes em 457 a.C. foi restaurar a autonomia nacional sob a Pérsia e ter
a cidade reconstruída. O templo já tinha sido concluído em março de 515 a.C.
O fato é que os inimigos dos judeus se queixaram a respeito da reconstrução da 35
cidade, a conclusão dos muros e a reparação dos fundamentos (Ed 4:12) antes de
Neemias ter recebido seu apoio em 444 a.C. (Ne 1–2). Esses opositores também
se referem aos “judeus que subiram de ti [Artaxerxes] (v. 12).
Quem eram esses judeus? “Está claro que eles devem ter vindo a Jerusalém
antes de Neemias – e o único grupo de que temos conhecimento é o conduzido
por Esdras no sétimo ano do reinado de Artaxerxes”,218 em 457 a.C. R. M. Gurney
concluiu, independentemente de nosso estudo, que “parece então que a constru-
ção de Jerusalém foi iniciada por Esdras”219 no sétimo ano de Artaxerxes.
O quarto e último “decreto” é o de Artaxerxes I a Neemias em 444 a.C.,
vigésimo ano do rei (Ne 2:1). Embora esse “decreto” nunca tenha sido chamado
assim (veja Ne 1–2), Artaxerxes enviou “cartas” (Ne 2:7, 9) para a passagem segura
de Neemias e aparentemente em apoio à reconstrução da cidade dos sepulcros de
seus pais (Ne 2:5). Quando Neemias chegou a Jerusalém, comtemplou “os muros
de Jerusalém que estavam assolados, cujas portas tinham sido consumidas pelo
fogo” (Ne 2:13) e se engajou no processo de reconstrução. Contudo, o maior vo-
lume de trabalho deve ter sido realizado já sob Esdras. A evidência é que Neemias
concluiu os muros e as portas em apenas 52 dias (Ne 6:15).
Nos tempos de Esdras, a reconstrução de Jerusalém começou (Ed 4:7-23) sob
circunstâncias difíceis sob o comando de Artaxerxes I em 457 a.C. (Ed 7:1-26).
Isso indica que o quarto e “último decreto” a Neemias por Artaxerxes I, de 444
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

a.C., era simplesmente uma extensão de sua primeira iniciativa para a reconstru-
ção de Jerusalém.
É provável que o quarto “decreto”, de 444 a.C., não seja o cumprimento da
“ordem para restaurar e para edificar Jerusalém” (9:25) por pelo menos duas ra-
zões: (1) A reconstrução de Jerusalém já estava acontecendo na época de Esdras.
Isso é evidente em Esdras 9:9, bem como em Esdras 4:7-23. (2) O cálculo dos
490 anos com o início (terminus a quo) em 444 a.C. estende as 69 semanas (7 +
62) ou 483 anos ao ano de 39 d.C., após o qual o Messias deveria ser cortado.
Mas tal cálculo se estende muito além do ano em que Jesus morreu. O uso de um
ano “profético” ou suposto ano lunar de 360 dias (como proposto pelo esquema
dispensacionalista) tampouco resolve o problema computacional, como indicado
acima. Assim, o único período de tempo apropriado é o decreto de 457 a.C. A
abordagem messiânico-histórica supera todos os problemas de cálculo.
A tentativa de sugerir que a declaração de Esdras “para que nos desse um muro
de segurança em Judá e em Jerusalém” (Ed 9:9) deva ser considerada em um sentido
espiritual não é válida. O argumento de que “não havia nenhum muro em torno da
Judeia e, portanto, o versículo não pode ser interpretado em sentido físico”220 não é
convincente. Antes de tudo, Esdras 9:9 não declara que havia um muro “em torno”
da Judeia. Fala somente de um muro “em Judá e em Jerusalém.”
36 Se há um muro associado a Jerusalém (cf. Esdras 4:12), então haveria um
muro “em Judá” onde está Jerusalém. Em segundo lugar, o “muro em Judá e Jeru-
salém” é tão físico e real quanto “a casa de nosso Deus”, o templo, que é também
mencionado no mesmo versículo. Ambos tinham sido reconstruídos de acordo
com Esdras. A tentativa de atribuir uma interpretação espiritual a esse texto é con-
textual e linguisticamente infundada. A palavra hebraica traduzida por “muro”
em Esdras 9:9 é gādēr. O termo pode denotar um muro protetor construído de
pedras do campo (Nm 22:24), uma muralha do templo (Ez 42:7,10), ou pode se
referir a um “muro da cidade” (Mq 7:11).221
“M. J. Gruenthaner faz uma séria objeção quanto a considerar o ano de 458
[457] como o começo (terminus a quo) das sessenta e nove semanas”222 e à teoria
anteriormente discutida em detalhes por A. van Hoonacker223, e agora ampla-
mente aceita.224 Ele afirma que Esdras veio a Jerusalém depois de Neemias e sob
Artaxerxes II (404-358 a.C.). Gruenthaner escreve: “se isso for verdade, então a
interpretação messiânica dos v. 25-27 torna-se totalmente impossível.”225
Esta é certamente “uma séria objeção” se a teoria de van Hoonacker puder ser
sustentada. Este não é o momento para avaliar os pontos fortes e fracos da teoria
desse pesquisador. Há, entretanto, sérias objeções à teoria de van Hoonaeker so-
bre a chegada de Esdras após Neemias. Essas objeções (para as quais chamamos a
atenção do leitor) parecem reprovar de forma conclusiva seus argumentos e tonar
sua posição insustentável.226
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

J. A. Montgomery sugere que a interpretação messiânicao-historica “foi indu-


zida ao erro pelo equívoco original de... [Teodócio] em interpretar as “7 semanas”
com as seguintes “62 semanas”, como se as 69 semanas fossem o primeiro número
pretendido.227 A questão da pontuação no texto massorético de 9:25a é também
uma “importante objeção” na discussão de C. T. Francisco. 228
Em vista de a pontuação fornecida no TM (texto massorético hebraico) ser
de origem mais recente do que a de Teodócio, da LXX, da Vulgata e da Siríaca,
não faz sentido falar do “erro original” de Teodócio. Como indicado acima, a
pontuação das versões gregas é mais antiga do que a do TM. Parece possível falar
de um “erro original” somente no caso de se concluir, em uma base a priori, que
uma interpretação particular desse texto é superior.
Uma exegese profunda prossegue com um estudo meticuloso do texto sem re-
correr a afirmações dogmáticas com respeito a o que é um suposto “erro original”.229
Permanece o fato de que toda a pontuação é secundária e não original. A tradição
dos massoretas e seu preconceito são refletidos em sua pontuação.230 Isso indica
que nenhum argumento importante pode ser construído com base na pontuação
massorética. As evidências internas e externas contra a pontuação massorética
foram discutidas anteriormente neste capítulo.
Uma objeção mais substancial diz respeito à interpretação de que a destrui-
ção de Jerusalém ocorreu em 70 d.C, e o “príncipe” de 9:26 que há de vir é Tito. 37
Argumenta-se que esses dados não podem se harmonizar cronologicamente com
as “setenta semanas” se terminarem em 34 d.C.231 Essa dificuldade levou E. J.
Young a sugerir que a destruição de Jerusalém e do templo “é um detalhe de
informação adicionado, indicando que os judeus podem saber o que acontecerá
à sua cidade como consequência da morte do Messias. Portanto, dois eventos são
mencionados no v. 26. Um destes, como o v. 27 mostra, pertence ao setuagésimo
sete, o outro não.”232
A primeira parte do argumento de Young pode ser considerada como estando
em harmonia com a sugestão de que o efeito da morte de Cristo foi simbolizado
no momento de sua morte ao rasgar-se do véu no templo (Mt 27:51; Mc 15:38).233
A destruição de Jerusalém e do templo é a confirmação de que os sacrifícios exte-
riores já não fazem sentido após a morte de Cristo, a manifestação externa decor-
rente do estado de coisas como já existiam.234
Embora os sacrifícios judaicos não terminassem com a morte de Jesus Cristo,
os sacrifícios oferecidos após sua morte não poderiam mais ser considerados como
legítimos e válidos à vista de Deus (Hb 7:11-12; 8:13; 9:25-26; 10:8-9). Em suma,
a destruição de Jerusalém e do templo em 70 d.C. não necessita ser considerada
como o ponto final das “setenta semanas”.234 Em vez disso, deve ser considerada
como uma manifestação externa dependente e subsequente à realização do Mes-
sias em fazer com que o sacrifício e a oblação cessassem.
INTERPRETAÇÕES DA CRONOLOGIA DAS SETENTA SEMANAS

Sugeriu-se que o “príncipe” de 9:26 não é Tito, mas é bastante parecido com
o “príncipe” anterior. Em ambos os exemplos, o termo hebraico nāgîd é emprega-
do.236 Esse ponto de vista tem antecedentes entre pais de igreja como Tertuliano,237
Isidoro238 e Basílio239. Se essa aplicação estiver correta, nenhuma ação principal
em 9:24-27 está fora dos 490 anos que começam em 457 a.C. e terminam em 34
d.C., exceto determinadas consequências que resultam dessas ações.
É evidente que cada uma das quatro principais escolas de interpretação de 9:24-
27 atuais tem determinadas fraquezas. Porém, deve-se admitir que uma comparação
dos pontos exegéticos, históricos e cronológicos fortes e fracos de cada uma indica
que a interpretação messiânico-histórica é mais segura. Não parece estar sujeita às
dificuldades cronológicas, computacionais, exegéticas e históricas encontradas nas
outras interpretações.240 Portanto, a interpretação messiânico-histórica é recomen-
dada como a mais adequada de todas as principais interpretações atualmente.
Nesse caso, Daniel 9:24-27 é uma profecia messiânica mais profunda. Com
um cumprimento matemático absolutamente exato, ligando a predição do An-
tigo Testamento com o cumprimento do Novo Testamento, fornece uma prova
singular de que Jesus de Nazaré era e é o Messias predito. Ela confere veracidade e
confiabilidade à Bíblia em seus elementos preditivos.

38
CAPÍTULO 2

DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS


Arthur J. Ferch

S inopse editorial. A profecia messiânica das 70 semanas, que também cons-


titui a primeira parte do período de tempo mais longo de 2.300 dias, en-
contra significado genuíno somente se uma data correta para seu início puder
ser estabelecida.
O anjo intérprete explicou claramente que o sinal para seu início seria “a saída
da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém” (Dn 9:25).
Quatro “decretos” emitidos por três monarcas persas são possíveis candidatos
para essa “ordem”. Esses decretos são revistos neste capítulo:

1. Ciro, 538/537 a.C. Permitiu o retorno dos judeus e a reconstrução do 39


templo.
2. Dario I, cerca de 520 a.C. Reafirmou e expediu a ordem de Ciro para a
reconstrução do templo.
3. Artaxerxes I, 457 a.C. para Esdras. Restabeleceu a autonomia de Judá.
4. Artaxerxes I, 445/444 a.C. para Neemias. Deu permissão para reedificar
Jerusalém.

À luz da evidência de Esdras 4:7-23, o autor argumenta a favor do decreto de


Artaxerxes I em 457 a.C. como a data do início das 70 semanas. Essa passagem
fornece o único comentário direto presente nas Escrituras sobre a real reconstru-
ção de Jerusalém – seus muros e fundamentos – pelos judeus exilados que haviam
retornado. Ele observa que essa atividade de construção ocorreu no reinado de
Artaxerxes, muito provavelmente sob a supervisão de Esdras.
A atividade de Neemias foi somente um reparo dos danos feitos pelos sama-
ritanos à cidade sobre a qual Esdras e seus companheiros judeus tinham estado
trabalhando. Visto que Neemias levou somente 52 dias para realizar os reparos
necessários, a permissão de Artaxerxes a esse patriota (dada no vigésimo ano do
rei) dificilmente se qualifica para o cumprimento da predição de Daniel 9:25.
DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS

ESBOÇO DO CAPÍTULO
1. Introdução
2. Profecias de Isaías
3. Edito de Ciro
4. Edito de Dario I
5. Edito de Artaxerxes I
6. Reconstruindo Jerusalém – Esdras 4
7. Permissão de Artaxerxes para reconstruir Jerusalém
8. Conclusão

INTRODUÇÃO
Determinar a data de início para a profecia das 70 semanas de Daniel (Dn
9:24-27) tem sido um dos desafios aos estudantes da profecia. De acordo com o
versículo 25a, o evento que marcou seu início foi a “a saída da ordem para restau-
rar e para edificar Jerusalém...”1
Infelizmente, não se tem conhecimento de nenhuma proclamação explícita. A
40 pesquisa apresenta ainda mais dificuldade pela escassez de informação disponível
para esse segmento da história.2 Consequentemente, os intérpretes têm sido obri-
gados a deduzir a partir da evidência bíblica e histórica qual “ordem”, isto é, qual
dentre os vários decretos deve ser considerado apropriado.
A pergunta é significativa. Cristãos evangélicos conservadores ao longo dos
séculos têm interpretado a “saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusa-
lém” como o primeiro de uma corrente de eventos que culminaria na vinda do
Messias (o Ungido), ou seja, Jesus. Mas a maioria dos eruditos crítico-históricos
modernos supõe que a profecia dos 490 anos terminou com os ultrajes dos sírios
contra os judeus, em 164 a.C. Além disso, dada a ligação interpretativa entre as
profecias de Daniel 8 e 9, os adventistas de sétimo dia têm sugerido que o começo
dessa profecia de 490 anos é de interesse mais que periférico por calcular o ponto
de conclusão das 2.300 tardes e manhãs de Daniel 8:14.3
Na época em que os eventos registrados em Daniel 9 ocorreram, os 70 anos
de dominação de Judá por Babilônia, preditos por Jeremias (Jr 25:8-14; 29:10-14),
tinham praticamente terminado. Daniel não teve dúvida quanto ao significado do
oráculo de Jeremias (9:2), e orou para que Deus atentasse para o santuário assola-
do e para a cidade de Jerusalém (9:17-18).
Em resposta à oração do profeta, Gabriel, o anjo mensageiro que ele havia
encontrado na visão anterior (8:16), retornou e lhe deu a profecia das 70 semanas.
Nesse período de tempo, de acordo com Gabriel, começaria “a saída da ordem
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

para restaurar e para edificar Jerusalém” e abrangeria a chegada do “Messias, um


Príncipe” (v. 25, tradução minha).
Qual é, nesse caso, o ponto de partida para essa profecia (o terminus a quo)?
Quando foi dada a ordem para “restaurar e para edificar Jerusalém”? Os intérpre-
tes têm sugerido vários eventos como cumprimentos dessa sentença.

PROFECIAS DE ISAÍAS

Em primeiro lugar, certas profecias de Isaías devem ser observadas. Eruditos


conservadores datam essas profecias do fim do oitavo e começo do sétimo século
a.C. Nesses oráculos, Isaías predisse (mais de um século antes do nascimento do
monarca persa) que Ciro diria de Jerusalém: “será edificada”, e do templo: “será
fundado” (Is 44:28; cf. também 45:13).

EDITO DE CIRO
Entretanto, quando partimos da predição em direção aos registros disponíveis
41
e diretos que descrevem as relações entre Ciro e os judeus (esses registros estão limi-
tados principalmente aos documentos bíblicos), encontramos somente um decreto
que permite aos judeus retornarem e reconstruírem o templo (Ed 1:2-4; cf. 2Cr
36:22-23). Nesse decreto, emitido ao redor de 538/537 a.C., não está registrada
nenhuma ordem que autorize reconstruir a cidade de Jerusalém. Uma vez que a re-
construção da cidade de Jerusalém está especificada em Daniel 9:25, o decreto de
Ciro não se qualifica como o ponto inicial para a profecia das 70 semanas.
Em resposta ao edito de Ciro, os judeus começaram lentamente a retornar a
seu lar na Palestina (Ed 3). Mais de uma década e meia depois, Ageu e Zacarias
(seu ministério começou por volta de 520 a.C.) nos contam que em vez de fazer da
reconstrução do templo a sua prioridade, os que retornaram estavam atrás de seus
próprios interesses. Enquanto os ricos construíam casas luxuosas, a maioria dos
exilados que retornaram viviam dentro e ao redor da cidade arruinada sofrendo
com colheitas ruins e secas (Ag 1:1-11).

EDITO DE DARIO I

Assim, 17 anos após o decreto de Ciro, o templo ainda está em ruínas. A cons-
trução do templo de forma decisiva só começou finalmente com determinação por
DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS

meio do incentivo, repreensão e cooperação ativa dos profetas Ageu e Zacarias. Uma
inspeção pessoal pelo governador local em resposta às queixas feitas pelos inimigos
dos judeus, requereu uma confirmação do decreto de Ciro por meio de um edito
adicional de Dario I (520 a.C. aproximadamente).
Embora fossem generosas as provisões do primeiro decreto emitido por Ciro,
o segundo menciona, do mesmo modo, somente a restauração do templo. Não faz
nenhuma referência à cidade devastada ou a planos para sua restauração. Uma vez
que a reconstrução de Jerusalém não é mencionada nesse decreto, o edito de Dario
I– como um cumprimento da “saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusa-
lém” – é também desconsiderado.
De fato, na visão que Zacarias recebeu provavelmente em algum momento du-
rante os 12 meses seguintes, está indicado que as cidades de Judá e de Jerusalém
necessitaram ainda ser reconstruídas (Zc 1:7-17). Em resposta a um clamor que re-
lembra uma oração similar feita por Daniel (veja o cap. 9), o Senhor assegurou a
Zacarias que “com grande empenho estou zelando por Jerusalém e por Sião... Voltei-
me para Jerusalém com misericórdia; a minha casa nela será edificada, … e o cordel
será estendido sobre Jerusalém… As minhas cidades ainda transbordarão de bens; o
Senhor ainda consolará a Sião e ainda escolherá a Jerusalém” (Zc 1:14-17). Embora
Jerusalém ainda permanecesse desolada, Deus assegurou ao profeta que “o cordel”
42 iria mais uma vez esboçar o projeto para a reconstrução da cidade.
A estrutura do templo foi finalmente concluída em 515 a.C. “no sexto ano do reina-
do do rei Dario” (Ed 6:15). Contudo, a informação dada no versículo 15 parece se opor
à dada no versículo precedente. De acordo com o versículo 14, o edifício do templo foi
construído segundo o decreto de “Ciro, de Dario e de Artaxerxes”. Porém, Artaxerxes
Inão assumiu o trono antes de meio século após a data proposta em Esdras 6:15.
Possivelmente, a melhor maneira de harmonizar esses dois versículos é reconhe-
cer que embora o templo fosse concluído em 515 a.C., os presentes que Artaxerxes
conferiu ao templo em 457 a.C. foram considerados importantes o suficiente para
incluir esse rei persa posterior como um benfeitor na lista com seus predecessores
(cf. Ed 7:11-27). Parece aqui (como em outra parte no livro de Esdras), que o escri-
tor resumiu os acontecimentos por temáticas e, consequentemente, não os relatou
sempre na ordem cronológica.
Uma característica de estilo similar do livro de Esdras deve ser observada na
relação entre os capítulos 7 e 4. Primeiramente, faremos uma breve pesquisa em
Esdras 7, e então observaremos sua relação com o registro do capítulo 4.

EDITO DE ARTAXERXES I
Esdras 7 menciona um terceiro decreto, dessa vez emitido pelo rei persa, Ar-
taxerxes I. De acordo com o relato, Esdras e um grupo de judeus, em resposta às
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

ordens desse governante, foram de Babilônia a Jerusalém no sétimo ano de seu


reinado (Ed 7:6-7, 11-17). Supondo que esse rei seja Artaxerxes I, notamos que
Esdras e um considerável número de pessoas – sacerdotes, levitas, cantores, guar-
diões, e servos do templo – deixaram a Mesopotâmia em 457 a.C. e, após uma
viagem que durou vários meses, chegaram a Jerusalém.
Visto que o templo tinha sido concluído mais de meio século antes, é compreen-
sível por que o decreto de Artaxerxes não diz nada sobre a construção do templo. Em
vez disso, o edito especifica que: (1) Os judeus que querem retornar a Judá podem
fazê-lo; (2) Esdras deve investigar a condição espiritual do povo em Judá e transportar
determinados tesouros do templo para os oficiais de lá; (3) Esses presentes, junto com
quantidades de prata e de ouro que podem ser dadas a ele em Babilônia, devem ser
usados para comprar ofertas para os sacrifícios e cuidar de outras necessidades relati-
vas à adoração do templo; (4) Os servos do templo devem ser isentados de impostos;
(5) Esdras foi autorizado a reorganizar o sistema judicial e civil de Judá que deveria
gozar autonomia significativa sob o domínio maior da Pérsia (v. 12-26).
Em atitude de gratidão, Esdras adiciona ao relato seu louvor ao Senhor por
motivar Artaxerxes a ajudar a pequena comunidade de judeus e por “ornar a casa
do Senhor, a qual está em Jerusalém” (v. 27).
O decreto (que pode ser datado com exatidão de 457 a.C.) não menciona nada
sobre reconstruir Jerusalém. Entretanto, fornece uma medida de autonomia civil des- 43
conhecida desde a desolação de Jerusalém e Judá causada por Babilônia (v. 25-26).
Isso em si sugeriria que as condições na Judeia tinham mudado notavelmente e que a
autonomia era mais uma vez não só possível, mas estava agora sendo concedida.

RECONSTRUINDO JERUSALÉM – ESDRAS 4

O retorno de Esdras e seu grupo de companheiros judeus descrito em Esdras


7 parece estar relacionado aos eventos registrados em Esdras 4:7-23. Os versículos
7 e 11-12 fornecem essa ligação: “E nos dias de Artaxerxes, rei da Pérsia, Bislão,
Mitredate e Tabeel e os outros seus companheiros lhe escreveram; a carta estava
escrita em caracteres aramaicos e língua siríaca. Eis o teor da carta endereçada ao
rei Artaxerxes: Teus servos, os homens daquém do Eufrates e em tal tempo. Seja
do conhecimento do rei que os judeus que subiram de ti vieram a nós a Jerusalém.
Eles estão reedificando aquela rebelde e malvada cidade e vão restaurando seus
muros e reparando os seus fundamentos.”
Essa passagem (v. 7-23) faz parte de uma narrativa maior que revela o tema
da perseguição e frustração que os judeus encontraram na restauração do templo
e da cidade desde a época de Ciro (cerca de 537/536-530 a.C.) até o reinado de
Artaxerxes I (465-423 a.C.).
DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS

Os incidentes registrados em Esdras 4 geralmente não estão todos na ordem


cronológica. Isso não significa problema algum quando nos lembramos de que
Esdras escreveu cerca de 100 anos após o retorno ter sido permitido por Ciro. Ele,
nesse caso, estava numa posição de avaliar os acontecimentos desde uma perspec-
tiva posterior.
Após descrever os primeiros eventos do período pós-exílio, Esdras parte das
perturbações causadas principalmente pelos samaritanos na época de Ciro e Da-
rio (v. 1-5) para as frustrações geradas durante os dias de Assuero, supostamente
Xerxes I, que governou entre 486-465 a.C. (v. 7-23), e nos dias de Artaxerxes,
supostamente Artaxerxes I, 465-423 a.C. (v. 7-23). Do versículo 6 em diante, Es-
dras desconsidera o desenvolvimento cronológico do livro a fim de revelar o fato
de que as perturbações continuariam por mais meio século. Com o versículo 24,
Esdras chama a atenção de seus leitores ao ponto em que ele interrompeu a ordem
cronológica, a saber, acontecimentos da época de Dario I (cf. Ed 3; 4:1-4, 24;5).
De acordo com Esdras 4:7-23 vários oficiais na província da Pérsia, conhecida
como “daquém do Eufrates”, da qual Judá fazia parte, escreveu uma carta contra
os judeus a Artaxerxes. Nessa carta, esses oficiais reclamaram que “os judeus que
subiram de ti vieram a nós a Jerusalém. Eles estão reedificando aquela rebelde e
malvada cidade e vão restaurando seus muros e reparando os seus fundamentos”
44 (v. 12).
Essa comunicação parece implicar (1) uma migração de judeus da Babilônia a
Jerusalém, e (2) um consentimento real para reconstruir os fundamentos, a cidade
e os muros de Jerusalém. A frase “que subiram de ti vieram a nós” sugere uma
migração de judeus autorizada pelo próprio Artaxerxes. Esse contexto escrito en-
contra seu melhor correspondente histórico na migração de Esdras e seus compa-
nheiros judeus conforme registrado em Esdras 7 no ano de 457 a.C. A jornada de
Neemias a Jerusalém 13 anos depois era uma viagem solitária e de forma nenhuma
se compara às migrações de judeus sob Zorobabel e Esdras.
Esdras 4:12 é a primeira clara referência à real reconstrução de Jerusalém desde
sua destruição em 586 a.C. Segundo as reclamações dos samaritanos, os judeus es-
tavam reconstruindo os fundamentos, muros, cidade de Jerusalém. É possível que
todas essas atividades tenham sido resultado de uma iniciativa própria dos judeus.
Se esse fosse o caso, Esdras 4:21 significaria que nenhuma permissão real tinha sido
dada pelo rei até então. Porém, várias considerações questionam essa interpretação.
“Primeiramente, é improvável que uma atividade de construção de grande
porte ocorresse sem autorização. Artaxerxes já havia concedido aos judeus autono-
mia civil e judicial sob o domínio persa. Portanto, seria natural que os judeus pros-
seguissem com a construção em Jerusalém, o centro administrativo nacional (cf.
Ed 7:25-26). Em segundo lugar, não há nenhum sinal – tanto na acusação como
na resposta real – de que a cidade e seus muros estivessem sendo reedificados de
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

forma ilegal ou sem consentimento real.


Caso parecesse que a reconstrução estava desautorizada ou houvesse um sinal
de rebelião, a comunicação dos samaritanos ou a carta de Artaxerxes teria men-
cionado, senão enfatizado, a ilegitimidade do projeto e a deslealdade dos cons-
trutores daquelas terras. Entretanto, o tema da queixa não é a reconstrução de
Jerusalém e de seus muros como sendo contrária à lei, mas o suposto dano que
seria causado ao imperador e ao império se a cidade e seus muros fossem restau-
rados completamente. A comunidade de judeus é descrita como potencialmente
rebelde. O rei é advertido de que uma cidade reconstruída se rebelaria e reteria
tributos, taxas e impostos.
A consequência da carta dos samaritanos a Artaxerxes é confusa. Por que deve-
ria o monarca, que tinha favorecido tão grandemente os judeus concedendo-lhes
consideráveis privilégios religiosos e civis (sob o comando de Esdras), de repente
inverter sua decisão? E por que deveria mudar de ideia outra vez anos mais tarde e
abençoar a viagem de Neemias a Jerusalém para reedificar a cidade?
Diversos pontos merecem consideração. Artaxerxes I, como seu pai Xerxes,
era uma pessoa instável e temperamental que poderia mudar de ideia a qualquer
momento. Fontes históricas indicam que uma rebelião tinha ocorrido no Egito
(cerca de 462-454 a.C.). Essa revolta egípcia pode ter fornecido a motivação políti-
ca para o rei dar a Esdras diversas concessões importantes a fim de assegurar a boa 45
vontade dos judeus que viviam tão próximo ao Egito.
É possível que mais tarde, quando o governador e o território ao qual a Judeia
pertencia se rebelou, Artaxerxes tenha favorecido os samaritanos que fingiam
interesse no bem-estar da coroa. Essa sugestão esclareceria os procedimentos po-
líticos incomuns refletidos em Esdras 4:17. De acordo com o relato, parece que
o imperador negligenciou o protocolo normal ao ignorar o governador (o cabeça
da província) e tratar diretamente com os sub-oficiais de Samaria. Tais circuns-
tâncias também explicaram a ordem direta de Artaxerxes aos samaritanos para
fazerem com que as atividades de construção cessassem em Jerusalém até que ele
as autorizasse (v. 21).
Os samaritanos estavam felizes em obedecer. “...Foram eles apressadamente a
Jerusalém, aos judeus, e, de mão armada, os forçaram a parar com a obra” (v. 23).
Embora nenhuma ordem explícita fosse dada para destruir o que já havia sido
construído, eles aparentemente puseram abaixo alguns dos muros recentemente
erigidos e destruíram as portas da cidade. Essas hostilidades são mencionadas pro-
vavelmente num relato que Neemias recebeu pouco depois em Susã (Ne 1:3).

PERMISSÃO DE ARTAXERXES PARA RECONSTRUIR JERUSALÉM


DATA INICIAL PARA A PROFECIA DAS SETENTA SEMANAS

No ano de 445/444 a.C. Neemias, copeiro de Artaxerxes I, recebeu um rela-


tório de um grupo de judeus que tinham chegado de Jerusalém à capital persa.
Neemias perguntou sobre Jerusalém e foi informado por seu parente Hanani: “Os
restantes, que não foram levados para o exílio e se acham lá na província, estão
em grande miséria e desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados, e as suas
portas, queimadas” (Ne 1:3; cf. 2:3).
Neemias relata seu choque profundo com as notícias de seus irmãos (1:4-11).
O choque que Neemias recebeu e o curto período gasto para reparar os danos
– 52 dias (Ne 6:15) – elimina a sugestão de que a destruição relatada a ele refere-
se à devastação da cidade por Nabucodonosor mais de um século e meio antes.
Obviamente, a destruição a qual se refere Hanani foi somente parcial. Além disso,
a devastação de 586 a.C. dificilmente seria uma notícia chocante para Neemias.
O relatório que afligiu o judeu patriota refere-se muito provavelmente à violência
dos samaritanos relatada em Esdras 4:23.
Após ouvir o relato, Neemias faz uma oração que relembra a petição de Daniel
(9:3-19) e pede permissão a Artaxerxes para retornar a Jerusalém e reconstruir a
cidade e especialmente seus muros (Ne 2:5). Neemias reconheceu, como Esdras
alguns anos antes, que foi a providência divina que moveu o coração do instável
rei para conceder seu pedido, a proteção especial e cartas reais de autoridade. A
46 viagem de Neemias não era parte de uma migração como a de Esdras. Tampouco
era parte de um decreto a permissão para ir a Jerusalém, concedida por Artaxerxes
no vigésimo ano de seu reinado.
De fato, a finalidade da viagem de Neemias foi secreta no início. Apenas aos
poucos foram tornados públicos seus planos de reconstruir a cidade (Ne 2:11-
18). É importante o fato de as memórias de Neemias enfatizarem que o trabalho
se concentrou primeiramente nos muros e nas portas de Jerusalém, em vez de
na cidade propriamente dita (Ne 2:17; 3:1-4, 20; 6:1-15). Embora lutando cons-
tantemente com oposição, um determinado grupo de judeus e seu governador,
Neemias, terminaram os reparos dos muros e das portas em somente 52 dias, um
período menor que dois meses.
Em comparação com a migração dos judeus após os decretos de Ciro (538/537
de a.C.) e de Artaxerxes (457 a.C.) a viagem de Neemias foi completamente dife-
rente. Não era uma migração. A decisão do rei não foi uma proclamação pública.
A finalidade da visita de Neemias foi mantida em segredo, e seu trabalho consistiu
primeiramente em reparar os muros e as portas danificadas havia apenas alguns
anos. Dados esses fatos, é evidente que a viagem de Neemias em 445/444 a.C. não
está em harmonia com as especificações de Daniel 9:25.

CONCLUSÃO
70 SEMANAS, LEVÍTICO, NATUREZA DA PROFECIA

Nosso estudo dos dados históricos disponíveis indica que nem o decreto de
Ciro (538/537 de a.C.) nem o de Dario (cerca de 520 a.C.) menciona a reconstru-
ção de Jerusalém. Enquanto moradias individuais foram erigidas aqui e ali dentro
e ao redor da capital arruinada, não existe nenhuma evidência de que a cidade em
si tivesse sido reconstruída como resultado desses decretos. A evidência é de que
em 519 a.C. Deus ainda prometeu a Zacarias em visão que planos seriam feitos
para a reconstrução da cidade. O trabalho de Neemias em 445/444 a.C. foi limi-
tado primeiramente a reparar os muros e as portas danificadas pelos ultrajes dos
samaritanos. Sua tarefa foi cumprida em 52 dias.
Portanto, parece que embora nenhuma proclamação explícita detalhando a
restauração e reconstrução de Jerusalém estivesse disponível, a situação descrita
em Esdras 4 – complementada pelos eventos registrados em Esdras 7 – se ajusta
melhor ao contexto histórico visualizado em Daniel 9:25.
Assim, em 457 a.C. Artaxerxes I concedeu aos judeus, por meio de um decre-
to, privilégios espirituais, civis e judiciais, redundando em autonomia sob o domí-
nio maior do império persa. Tais privilégios eram desconhecidos aos judeus desde
sua subserviência ao império neobabilônico. Parece, portanto, que a reconstrução
da cidade de Jerusalém (Ed 4:12), que ocorreu em consequência desses favores,
sugere que estava implicado nesse decreto o consentimento real para permitir a
Judá ter um centro visível a partir do qual os novos privilégios civis e judiciais do 47
estado recentemente concedidos pudessem ser administrados. Consequentemen-
te, a “ordem” ou o decreto de Artaxerxes de 457 a.C. fornece a melhor data para
o início da profecia das 70 semanas de Daniel e do período de tempo mais longo
de 2.300 dias-anos (Dn 8-9).

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