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Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 1

Lição 14º: O MODO DE SER DO DIREITO p.71-81


A normatividade jurídica não se reduz apenas à intenção polarizada dos sentidos (geral e abstrato)
do Direito, manifesta-se também como uma realidade (objetividade) cultural.

Qual é o modo de ser do Direito? ou Como é que o Direito se nos oferece objetivamente?

1. MODALIDADES DA EXISTÊNCIA DO DIREITO


a) vigência
⦁ Enquanto síntese do modo de ser do direito, a vigência tem uma importância teorética. Além
disso, tem ainda um significado prático decisivo que se nos manifestará tanto no âmbito do
problema das fontes do direito como naquele outro da metodologia.
⦁ A vigência do direito é uma categoria paralela à vigência da cultura. Uma cultura diz-se vigente
quando for dimensão efetiva da existência comunitária e, portanto, quando se apresenta como
determinante da comunicação intersubjetiva que tiver lugar no horizonte que ele vai desenhando.
A cultura nasce, evolui e morre. Uma cultura é vigente quando se manifesta como dimensão
determinante da nossa auto-compreensão, da compreensão dos outros e do mundo.
⦁ A vigência normativo-jurídica afirma-se num espaço e num tempo determinados.
⦁ “O Direito é um dever ser que é” – esta fórmula é perfeitamente compreensível do ponto de vista
prático-argumentativo, em que o dever ser de realize sendo. E a vigência é precisamente este
modo de existência de um dever ser.
⦁ Os princípios normativos apresentam uma dimensão societária, ou, por outras palavras: os
princípios normativos só são vigentes quando traduzem uma validade intencional socialmente
encarnada.
⦁ A vigência, tanto cultural como jurídica, é a subsistência histórico-social de uma normatividade.
Mais explicitamente, vigência é aquele fenómeno ou modo de ser do normativo que se verifica
quando uma validade e um regulativo normativo são assumidos vinculativamente e informam a
vida histórica de uma comunidade social.

b) relações da vigência com a validade e a eficácia


⦁ A definição da vigência apresenta-a dialeticamente, uma face ideal, que é a validade, e uma
outra face empírica ou factual, que é a eficácia. Por isso, o direito é um dever ser que é.
⦁ A vigência acrescenta à validade (ao sentido normativo) o momento de realidade da existência
histórica, que tende a estabilizar-se na institucionalização.
⦁ O direito vigente não é aquele que tenha de considerar-se eficaz, em virtude da força do poder
capaz de o impor. Se assim fosse, toda a violação duma norma jurídica traduziria a preterição da
respetiva vigência.
⦁ Quando o direito vigente é violado perde, naturalmente, em eficácia.
⦁ Quando as exigências axiológicas que constituem os valores integrantes da vigência são
continuamente violadas, estamos perante intenções de validade que deixaram de ser eficazes e
que, decorrentemente, perdem vigência.
⦁ A validade e a eficácia, traduzem uma existência ideal e uma existência real, respetivamente,
que se manifestam num determinado horizonte temporal. Estas 2 faces chamam de novo a nossa
atenção para a nuclear bipolaridade da vigência: a validade é o seu pólo ao nível de conteúdo (no
plano axiológico), e a eficácia o seu pólo a nível factual (plano sociológico). Portanto, a vigência é
dialeticamente modelada por ambos, pelo que não se confunde com e nem se reduz a qualquer
deles:
- não se identifica com a estrita eficácia porque admite, dentro de determinados limites,
preterições;
- não se equipara à pura validade, porque lança raízes no mundo da vida.

Mariana Afonso; Maria Paulino


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⦁ Segundo Immanuel Kant, “a validade sem eficácia é inoperante e a eficácia sem a validade é
cega”.
⦁ O Direito vigente pode, pois, dizer-se constituído, em cada momento, pelo resultado da
constituenda dialética entretecedora das dimensões que nele construtivamente se refratam.
⦁ Para Habermas “entre a validade e a eficácia existe uma relação de tensão, sucessivamente
polarizada nas exigências normativas que correm o constante perigo de perderem o contacto com
a realidade social e nos dados objetivos que tendem a apagar as mencionadas exigências. Aquele
1º pólo (a validade) remete prioritariamente para a liberdade, e o 2º para a constrição, mas, em
vigor, a vigência do direito não pode ser pensada sem uma referência complementar à sua
legitimidade axiológica e à sua ancoração fáctica, à sua fundamentação ética e à sua eficácia social.

2. MODALIDADES NORMATIVAS
⦁ Depois de compreendermos a vigência como o modo específico da existência de Direito, olhemos
agora para as 2 modalidades normativas do Direito vigente: Direito Subjetivo e Direito Objetivo.
⦁ Direito objetivo: corresponde à inteleção de um determinado corpus iuris como ente histórico-
culturalmente constituindo ente fenoménico que aí está (perante nós) traduzindo portanto
consideração da normatividade vigente enquanto ser que devem – enquanto ser cultural
objetivamente subsistente e historicamente deveniente.
⦁ Direito subjetivo: é o poder jurídico (reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa) de
livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão)
ou de por um ato livre de vontade, só de perci (só por si) ou integrado por um ato de uma entidade
pública, produzir determinados efeitos jurídicos que inevitavelmente impõem a outra pessoa.
Nós não somos apenas destinatários do direito. Titulamos também direitos que podemos usufruir e
impor a outras pessoas e de que temos mesmo legitimidade para dispor – alude-se assim ao caráter
relativo das relações obrigacionais e ao caráter absoluto dos direitos reais. Estas importantes
expressões do suum jurídico de cada um, identificam a categoria direito subjetivo.

3. ÉPOCAS DE DIREITO OBJETIVO E DE DIREITO SUBJETIVO


⦁ O Direito subjetivo “começou por não existir”, emergiu incipientemente na Idade Média, afirmou-
se comunitariamente na Idade Moderna e foi conceitualmente tematizado no século XIX. Os
sistemas jurídicos pré-modernos não conheceram direitos subjetivos como tal, mas somente
estatutos em que os diversos atores sociais se inseriam.
⦁ Para o pensamento jurídico romano, o direito era uma ordem objetiva que definia o estatuto dos
cidadãos e determinava a situação das coisas. A normatividade jurídica era a coisa justa, a posição
objetivamente justa e não tanto a sua imputação subjetivamente justificada. O homem só se
compreendia com sentido em referência à civitas. Esta é a razão pelo que o espírito romano não
logrou distinguir o objetivo do subjetivo.
⦁ Na Idade Média, as propostas de Anselmo sobre a separação entre a Igreja e o século e a sua
ideia teológica segundo a qual “Deus e o homem são ontologicamente distintos” vieram pôr em
causa o paradigma pré-disponível e relativizar a importância da ordem objetiva. Com efeito, a
libertação do homem do cosmos englobante e a correlativa admissibilidade de que ele pode
discutir com a ordem comunitária são os pressupostos mínimos da emergência de direitos
subjetivos.
⦁ À integração do homem na sociedade sucedeu a sua desintegração da sociedade e,
consequentemente, passou a ser possível pensar em direitos subjetivos.
⦁ Na Idade Moderna, o homem assumiu a sua autonomia perante as ordens comunitárias. O
individualismo e o contratualismo vieram possibilitar uma compreensão da prática da perspetiva
de sujeito, passando a Ordem Jurídica a identificar o conjunto dos direitos subjetivamente
titulados.
⦁ A objetividade do sistema jurídico era então subjetiva. Com o Jusnaturalismo moderno-

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iluminista o homem passou a compreender-se como individuo com uma autónoma subjetividade
prática juridicamente projetada nos direitos subjetivos que titulava, e a ordem jurídica
transformou-se em organização compossibilitadora do referido conjunto.
⦁ Em vez do objetivismo pré-moderno, sucedeu o objetivismo moderno. Fruto da tensão detetável
na evolução acabada de mencionar, pode dizer-se que o século XIX se apresentou como uma época
dualista:
- Manifestou-se com LOCKE e KANT uma linha liberal que acentuou os direitos fundamentais
naturais (liberdade, propriedade..) e que se perfilou como claramente subjetivista;
- Irrompeu com MONTESQUIEU e ROUSSEAU, uma linha de pendor normativista e legalista,
nitidamente objetivista, e os direitos subjetivos eram os reconhecidos pelo direito objetivo.
COMTE sustentou que “cada homem tem apenas um direito, o de cumprir o seu dever social”. Mais
tarde, DUGUIT acentuou o dever prescrito pela sociabilidade, e a projetar-se no Direito Objetivo,
em detrimento do direito individualmente titulado, e apagou os direitos subjetivos, que substitui
pelas funções sociais. E o normativismo Kelsiano foi também objetivista. Reduziu o direito subjetivo
a uma das expressões possíveis do direito objetivo em que se centrou.
⦁ As dimensões da liberdade e da participação, modelam o direito considerado como um sistema
cultural (porque radica numa auto compreensão da pessoa) e institucional (enquanto rede
articuladora das interações que materialmente o densificam), implicam a prático-normativamente
consonante correlação dos excessos à pouco denunciados e a constituição de um puro estado-de-
direito e abrem espaço a uma fundamentação do mencionado sistema revelante das dimensões
privadas e públicas da autonomia dos cidadãos.
⦁ O Direito objetivo e o Direito subjetivo perfilam-se como categorias constitutivas da própria
juridicidade e, consequentemente, da nossa compreensão da normatividade jurídica.
Porquê?

Porque remetem diretamente e sub specie iuris para as 2 dimensões dialeticamente constitutivas
da pessoa em que, como sabemos, se enucleia a normatividade jurídica:
- O Direito Subjetivo traduz o reconhecimento autonomizante do suum de cada pessoa;
- O Direito Objetivo desvela a responsabilizante vinculação de todas elas ao comum, que é o
horizonte de emergência e condição de advento da pessoalidade.

A pessoa e o direito são, portanto, a síntese dessas 2 dimensões e apenas poderão dizer-se
cumpridamente realizados quando as mencionadas dimensões estiverem axiológico-praticamente
equilibradas, pois só assim desocultará, sem reticências, o sentido normativamente fundamental
de uma e de outra. Qualquer hipertrofia de uma delas gera sempre uma prática mais ou menos
desequilibrada. Assim, a sobressaliência do direito subjetivo corresponde à predominante
afirmação do individuo e ao correlativo apagamento da comunidade e a sobressaliência do direito
objetivo corresponde a uma relação de sentido inverso entre aquele e esta. No limite, teremos, na
1ª hipótese, a anomia anárquica ,e ,na 2ª, o totalitarismo opressor.
As 2 dimensões da pessoa que tratámos (direito objetivo e subjetivo), revelaram-se-nos vetores
dialeticamente constitutivos da juridicidade e não categorias contingentes. Por isso, hoje, só
podemos pensar, com sentido, a realização dos direitos subjetivos que titulamos, no quadro do
referente fundamental que os justifica, isto é, se os articularmos com o unitário pano de fundo em
que emergem e que os socializa.
Isto mostra-nos que não há apenas uma limitação formal no exercício dos direitos subjetivos, que
nos diz que “a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros”. Mais do que isso, um direito
subjetivo legitimamente titulado, deverá ser exercido em consonância com a sua fundamentação
comunitária material, e não é outra razão de ser do abuso do direito, em que afinal se manifesta
tanto a apontada dialética constitutiva da juridicidade, como a incindibilidade das categorias
normativas a que aludimos.

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As Objetividade e a Subjetividade são os 2 pólos do direito.


O homem-pessoa apresenta-se constituído por pressões centrípetas e por pulsões centrífugas, a
que respetiva e sinteticamente correspondem, na esfera da normatividade jurídica, o direito
objetivo e o direito subjetivo. Se este traduz a autonomia que diferenciadoramente o predica,
aquele remete à responsabilidade que societariamente o integra – e hoje não é aceitável apagar
qualquer das facetas mencionadas.

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Lição 15º: O SISTEMA JURÍDICO p.82-105


O modo de objetivação (ou conteúdo material) da normatividade jurídica do direito é o sistema
jurídico.

Qual é o modo de objetivação do conteúdo material da normatividade jurídica?

O referido conteúdo manifesta-se como um sistema.

SISTEMA = unidade na polaridade


O Direito é um sistema (materialmente) porque assenta numa unitária e congruente pluralidade ou
unidade ordenada constituída por uma multiplicidade de elementos articulados sobre uma certa
ideia ou segundo determinados sentidos intercedidos por razões de sentido tendencionalmente
invariando polarizadas nos variantes elementos que o compõem e permanentemente exposto à
pressão do meio ambiente que o rodeia.
⦁ O sistema jurídico não é mais do que a expressão, no plano intencional, do relevo que
oportunamente reconhecemos, de uma perspetiva institucional, à ordem jurídica.
⦁ O sistema jurídico perfila-se como o topos superador da dialética ordem/problema, dois pólos
categoriais da juridicidade.

⦁ Ao qualificarmos o direito como ordem, estamos a afirmar, racionalmente, a sua


sistematicidade e, portanto, a unidade, a igualdade, a integração e a justiciabilidade que o
conformam. Ser ordem é, para o direito, uma autêntica condição de possibilidade de o
pensarmos com sentido.

Porque é que o Direito é ordem?


a) porque o direito é sinónimo de correlação e de integração, articuladas por uma intenção de
igualdade;
b) porque só como ordem se revela capaz de resolver o incontornável problema que o justifica, o
problema da integração comunitária;
c) porque hoje não é possível compreender adequadamente o direito sem o referirmos à dialética
que entretece entre segurança e justiça;
d) porque a ineliminável racionalidade das decisões judicativas só é alcançável se puder pressupor-
se uma base fundamentante – uma ordem em que se objetive a normatividade vigente.

⦁ O direito também é problema. Assim, o direito não se esgota na prescrição de informações


(critérios) para a ação: ajuíza, igualmente, em termos valoradores, do mérito da própria ação.
O direito não é apenas um semáforo, que manda parar no vermelho e avançar no verde, pois
confronta-se com as questões de determinar comprovadamente a luz que estava acesa em caso de
acidente, e de ajuizar, em termos prático-normativamente adequados, da mencionada ocorrência.
⦁ Ou seja, o direito é necessariamente ordem mas não é menos necessariamente problema.

⦁ A compreensão do direito como sistema visa compossibilitar os dois pólos categoriais


irredutíveis, ativando o tendencial quietismo do primeiro (ordem) e estabilizando o incontornável
dinamismo do segundo (problema).
Então, que tipo há de ser esse sistema? Atendemos a questão de 2 perspetivas
- por referência ao modelo eideticamente revelado: desta perspetiva é concebível um sistema
centrado numa unidade por identidade formal e de conceitualização abstrata em que o continuum
de um universo conceitual se estrutura axiomaticamente e em termos logicamente consistentes

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projetando-se num sistema fechado e potencialmente sem lacunas nem antinomias. Esta conceção
de sistema não se adequa às exigências do pensamento jurídico, pois se atende à sistematicidade
vai inconsiderar a problematização. Na mesma linha se inscreve ainda um sistema polarizado numa
unidade por redução a um único fundamento formal, em que cada um dos seus estratos
hierarquicamente justapostos tem por única função definir o quadro em que se vai inscrever a
normatividade precipitada ao nível imediatamente inferior.
- atendendo à sua historicamente realizada projeção: distingue o sistema normativista do
sistema decisionista. Assim, se hoje devemos compreender o sistema jurídico como topos de
estrutura e de objetivação da especificamente intencionada e constituenda normatividade jurídica
vigente, o certo é que não foi esse o modelo de sistema jurídico que herdamos.
Se nos circunscrevermos no hemisfério continental, diremos ser de tipo normativista a tradição
em que nos inserimos. Mas a conceção decisionista do sistema jurídico não nos é estranha.
Para o normativismo, o sistema jurídico é conjunto de normas que se articulam umas com as
outras em termos lógicos, em consonância com o caráter formal-abstrato e axiomático-dedutivo do
jusnaturalismo matricial. O Jusnaturalismo deduzia sistemas de direito natural de certos axiomas e
especulativamente postulados; e o Sistema Jurídico era um articulado lógico de proposições gerais
e abstratas que se manifestavam antes da sua aplicação concreta. O normativismo veio dividir a pré
criação da decisão.
No sistema jurídico do tipo decisionista, o direito objetiva-se aquando da sua mesma realização
concreta.
Fruto do racionalismo ilusionista, o normativismo eliminou deliberadamente a pluridimensional
complexidade tipificadora das anteriores compreensões do sistema jurídico, substituindo-a por
uma estria unidimensional, e reduziu a unidade a mera unicidade. Esta conceção normativista do
sistema jurídico mostra-se alheia à dinâmica que marca a unidade de sentido prático do direito e
deve considerar-se hoje superada.

Hoje, o Sistema Jurídico é unitariamente pluridimensional, porque assimilou dimensões


materiais de que se foi enriquecendo, abrindo-se, por isso mesmo, a uma normatividade não
lógico-dedutivamente estruturada, como pretendia o positivismo, mas prático prudencial e a
postular, todavia sem perda da unidade e da coerência atrás sublinhadas, uma racionalidade de
judicativa realização concreta.
O Corpus Iuris vigente integra uma normatividade bem mais ampla do que apenas a formalmente
vazada nas normas legais que se escrevem antes para serem lógico-dedutivamente aplicadas
depois.
Num sistema de legislação, a problemática da prático-normativamente racionalizada realização
judicativo-concreta do direito não se reduz à mera aplicação de normas legais pré-escritas. A
decisão, ao radicar na vontade de quem a profere, é marcada por uma objetividade pelo que só
não se perverterá em arbítrio se for adequadamente fundamentada – e é esta a última função do
juízo que se situa entre a norma e a decisão como o ato que, simultaneamente, converte a norma
em decisão e reconduz esta a uma fundamentação.
Se nos perguntarmos pelo referente mobilizado no ato judicativo para que compridamente se
responda à mencionada exigência de fundamentação, deparamo-nos com o sistema jurídico. Neste
sentido, a metodonomologia é um argumentativo exercício de memória pois não prescinde do
recurso às constituendas recorrências que entretecem aquele apoio dogmático – razão por que ela
pode qualificar-se como um exercício analógico.

ESTRATOS DO SISTEMA JURÍDICO


→ 1º sentido do direito
⦁ Perpassa todo o Corpus Iuris, encontrando nos princípios normativos a tradução da sua
problemática identidade, e nos critérios a expressão da sua dogmática operatividade, e que, da

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perspetiva justificadamente privilegiada neste curso, se alinha como o referente polarizador do


exercício metodonomológico.
→ 2º princípios normativos
⦁ Constituem o regulativo momento de validade da normatividade jurídica.
⦁ Duas notas: a 1ª, consideremos os princípios normativos próprio sensu, relevados por todas as
correntes metodológico-jurídicas profundamente comprometidas com o positivismo. A 2ª, para
acentuar a ideia de que a autonomização dos princípios normativos não nos reconduz à reposição
do dualismo jusnaturalista, antes implica o reconhecimento da positividade – da validade e da
eficácia – como dimensão bipolar constitutiva do direito.
⦁ Os princípios normativos constituem os sentidos fundamentantes da intenção prático-material do
direito.
⦁ Um verdadeiro princípio jurídico é uma intenção prática que se deve reconhecer como
fundamento normativo e momento constitutivo do direito.
⦁ O patente caráter material dos princípios normativos é como que potenciado pela sua ductilidade
– pela indeterminação que os predica.
⦁ Enquanto as normas pretendem dar, de um modo direto, a solução dos casos que preveem, os
princípios normativos apontam o caminho para essa mesma solução, na medida que indicam o
sentido prático que as soluções jurídicas devem assumir. Enquanto as normas enunciam um dever
fazer, os princípios traduzem um dever ser.
⦁ Compreende-se que entre um princípio normativo e uma solução concreta tenha que haver uma
mediação, que realize a intencionalidade que o predica, atenta a especificidade da situação:
- Seja, mais mediatamente, devida a um critério;
- Seja, mais imediatamente, realizada por um ato judicativo.
⦁ Os princípios são fundamentos intencionalmente abertos a várias soluções possíveis, enquanto as
normas se pretendem critérios acabados, fechados e bem mais próximos da solução que visam
orientar.
⦁ Aproveitando a ocasião para recordar a distinção entre fundamentos e critérios temos que: os
fundamentos são os referentes em que se baseiam as decisões concretas; os critérios são
modelos pré-dispostos à sua mais imediata disquisição.
⦁ Tipos de princípios normativos:
a) positivos – aqueles que se encontram consagrados pelo sistema jurídico pré-objetivado. (Verbi
gratia, o princípio da liberdade de forma no âmbito do negócio jurídico).
b) transpositivos – aqueles que imprimem especificidade de uma área de direito. (Verbi gratia, o
principio da legalidade criminal).
c) suprapositivos – são os princípios últimos fundamentalmente constitutivos do sentido do
direito. (Verbi gratia o principio do reconhecimento da dignidade ética da pessoa).
⦁ Como se manifestam os princípios normativos, como veem a epifania?

Geralmente são relevados como intenções práticas que o pensamento jurídico vai excogitando: as
instâncias a quem estiver cometida a constituição do direito, ao refletirem as soluções concretas
para as controvérsias jurídicas num determinado horizonte comunitário, não podem deixar de
inferir os seus pressupostos fundamentantes. Portanto, o ritmo da respetiva desvelação é
determinado pelos problemas (qualificados como juridicamente relevantes) que vão surgindo no
horizonte comunitário concretamente em causa.
⦁ Não é possível prever o que apenas se consegue ir esclarecendo a partir da experiência que se vai
fazendo – dos problemas que vão sendo refletidos e decididos.
⦁ Observemos ainda que as exigências axiológico-normativas a que nos estamos a referir só serão
autênticos “princípios positivos de juridicidade” se poderem justificadamente dizer-se em sintonia
com o sentido especifico fundamental do direito. Por outro lado, só estamos perante princípios
normativos, próprio sensu, se os apoios que eles dogmaticamente traduzem puderem ser

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justificadamente convocados para responder a problemas juridicamente relevantes. Aludimos,


assim, a uma complexa e inapagável consonância de objetividade ou problemática, como sua nota
caracterizadora.
⦁ Segundo Castanheira Neves, os princípios normativos podem dizer-se escritos e não escritos.
Como não é possível antecipar o futuro, contentemo-nos com a afirmação de que todos os
princípios escritos surgem como não escritos. Pois bem, quando é que esses referentes de sentido
não escritos poderão ser qualificados como autênticos princípios de direito e como verdadeiros
princípios do sistema jurídico no âmbito da qual se considerar a questão? Haverá razões para os
dizer princípios de direito se:
- se reconhecerem como consonantes com a ideia de direito histórico culturalmente partilhada;
- se virmos neles a nota societária que apontamos à normatividade jurídica, isto é, se eles
poderem ser pertinentemente convocados para orientar a decisão de casos pré-compreendidos
como juridicamente relevantes;
- se apresentarem o caráter integrante, típico da juridicidade.
Então, um determinado princípio deverá ser tido como de direito quando o pensamento jurídico o
afirmar vigente, isto é, válido e eficaz no horizonte do sistema jurídico em que a pergunta tiver sido
formulada.
⦁ Quanto à intencionalidade normativa são suscetíveis de ser divididos como abertos e como
formas de norma:
princípios em forma de norma – o princípio da consensualidade no âmbito dos negócios jurídicos
(art. 219º cc) o do numerus clausus (números fechados), na esfera dos direitos reais (art. 1306º cc)
e o da tipicidade da incriminação, no seio do direito penal (arts. 29º nº1 e 1º nº1 CRP), são
manifestações paradigmáticas de princípios com a forma de norma, isto é, de arrimos
inequivocamente suscetíveis de serem mobilizados em juízo com o objetivo de dar uma resposta
pronta a interrogações pertinentes que se podem levantar.
princípios abertos – importa saber se estará garantida a sua justiciabilidade: será que eles também
se perfilam como operadores racionalmente utilizáveis numa ação judicial? A resposta deverá ser
afirmativa se a dimensão formal (o processo institucionalizado) e a dimensão material (o juízo
metodológico), concorrerem no sentido de o assegurar.
⦁ No que respeita à sua origem normativa existem princípios que são explicitações imediatas da
normatividade da ideia de direito (ex: princípios ligados ao reconhecimento da dignidade das
pessoas), outros que assimilam juridicamente valores e padrões ético-sociais (ex: cláusulas gerais)
e outros ainda que se revelam originária e especificadamente jurídicos (ex: princípios da não
retroatividade e da não transactividade das leis).
⦁ Além dos referidos problemas, impõe-se determinar a instância com legitimidade para realizar a
explicitação, a assimilação e a autónoma constituição jurídica acima mencionadas. Castanheira
Neves entende que esta instância é o pensamento jurídico e, nomeadamente, a jurisprudência
judicial, pois é a ela que compete compreender e ir manifestando as exigências do sentido que
traduzem os devenientes princípios normativos do constituindo Corpus Iuris vigente.
⦁ Os princípios normativos não cumprem somente uma função subsidiária, mas intervêm sempre,
quer o problema da judicativo decisória realização do direito se processe por mediação, quer sem a
mediação de critérios predisponíveis, ainda que de modo mais difuso na 1ª e mais nítido na 2ª.
⦁ A compreensão do Sistema Jurídico que reconhecemos torna inevitável a possibilidade de ocorrer
oposição entre os princípios e as normas legais.
⦁ Recordemos que:
- as normas como critérios têm sempre nos princípios, como fundamentos, uma sua ineliminável
dimensão integrante;
- a maior proximidade das normas relativamente à realidade nem sempre autoriza que elas
venham a ser consideradas integralmente pertinentes, em termos de “tudo ou nada”, para os casos
concretamente decidendos. Enquanto que os princípios, dada a sua maior indeterminação, o

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seriam apenas em termos “de mais ou menos”, atentas as respetivas intencionalidade axiológica e
relevância problemática.
⦁ Em caso de conflito entre um princípio jurídico e uma norma legal, de uma estrita ótica
jusnaturalista preferir-se-ia sempre o 1º, e de uma perspetiva positivista linear optar-se-ia sempre
pela 2ª. Mas, como nós já sabemos que a adequada autonomização dos princípios normativos não
se reconduz à bipolaridade jusnaturalismo/positivismo, estamos em condição de compreender que
o problema não pode resolver-se com postulados.
⦁ Se estivermos perante uma lei injusta, privilegia-se o princípio e recusa-se a aplicação da norma.
Mas, excetuando esta situação, cremos que as eventuais antinomias podem ser prático-
normativamente superadas pela mediação de certos operadores discursivos. O 1º deles é o cânone
da interpretação das normas conforme os princípios. À semelhança do cânone da interpretação da
legislação ordinária conforme a constituição, hoje propõe-se uma interpretação das normas
jurídicas segundo os princípios.
Como se vê, a referência do referido cânone contribui decisivamente para a eliminação de muitas
das possíveis contradições entre o ius e a lex.
⦁ Por outro lado, pode acontecer que apareçam normas a limitar, ou superar, em termos prático
normativamente fundamentados, princípios que antes se afirmavam sem restrições. Verbi gratia:
- A refração limitadora de uma norma como a do artigo 334º do cc no princípio de autonomia do
sujeito no exercício dos direitos subjetivos que titule; a apontada limitação deve considerar-se
juridicamente válida, porque ela não deixa de corresponder a exigências desveladas por um
aprofundamento problemático da ideia de direito.
- na eventual superação, no âmbito do negócio jurídico, do principio da declaração.
⦁ Tudo isto mostra-nos que, em 1º lugar, só a lógica prático-material é capaz de articular
adequadamente a elasticidade e a indeterminação de princípios muitas vezes lógico-formalmente
contraditórios com a singular especificidade de um decidendo problema jurídico concreto. E ainda
o compreendemos melhor se acrescentarmos que as mencionadas exigências de sentido são afinal
constituídas por proposições comparativas. Em 2ºlugar, desvela-nos, que nas hipóteses em que
seja insuperável a posição prático-concreta de princípios, terá que optar-se, de um modo
normativamente fundamentado, ou por um ou por outro, podendo adiantar-se que quanto mias
elevado for o grau de realização ou de vilipendiação de um dos princípios conflituantes, tanto
maior será a importância de uma realização efetiva do outro.
⦁ A mobilização, pelas instâncias de decisão, de princípios normativos, não será suscetível de
subverter o sentido específico que os predica, atenta a sua característica indeterminação?

Supomos que uma tríplice garantia (intencional, institucional e metodológico jurídica) é bastante
para se responder negativamente àquela pergunta e afastar o receio que com ela se insinua.
garantia intencional – traduz a exigência de que se impõe o reconhecimento de uma consonância
entre a decisão judicativa e concreta e o principio circunstancialmente em causa.
garantia institucional complementar – radica no modo de ser do próprio processo judicial, no
horizonte de um autêntico Estado-de-Direito, que é estruturado em termos de tanto o juiz como as
partes concorrem na tarefa de controlar em concreto a realização dos princípios normativos.
garantia metodológico-jurídica – reconduz-se a justiciabilidade dos referidos princípios que está na
base da dialética circularidade que os entretece com as decisões judicativas e que é potenciada pela
experiência casuística em que se vai projetando a mencionada realização concreta dos princípios
normativos.
→ 3º normas jurídicas legais
⦁ As normas são critérios jurídicos gerais e abstratos que visam solucionar imediatamente um
determinado conjunto de problemas.
⦁ As normas traduzem sempre um dever ser.
⦁ A norma articula uma previsão e uma estatuição, liga uma hipótese a uma determinada

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consequência: se…,então… As normas regulam todas as áreas da nossa vida.


⦁ Para o normativismo, a norma era uma premissa lógica pré destinada a uma aplicação formal,
que não comprometia a responsabilidade do julgador. Porém, este entendimento é indefensável.
Com efeito, uma norma legal só ganha um sentido juridicamente adequado quando referida ao
princípio prático-normativo em que se baseia.
⦁ Essa é a razão porque uma norma não constitui um prius normativo, como sustenta o legalismo.
⦁ A norma é apenas um critério orientador da solução jurídica de um certo problema prático
concreto, atento aos princípios que intencionalmente a densificam.
⦁ A compreensão da norma como uma mera premissa lógica determina que o jurista apenas se
centre no apuramento do sentido que a mencionada preposição visa comunicar, em ordem a uma
sua aplicação dedutiva.
⦁ Se virmos a norma como critério de solução de um caso juridicamente relevante, impõem-se que
o decidente se preocupe com as duas dimensões nucleares que a constituem: com os fundamentos
de validade em que radica e com os problemas da realidade especifica que considera. Ou seja: a
mobilização de uma norma, como critério orientador de decisão de um determinado caso, impõe
sempre que dialeticamente se atente aos fundamentos que materialmente a justificam e à
finalidade que ela praticamente visa. E a norma revelar-se-á prestável quando, observado aquele
procedimento, se concluir pela existência de uma analogia entre a revelaria normativa do problema
constitutivo do caso decidendo e a do problema decidido pela norma.
⦁ É o modo como temos vindo a compreender o direito, o jurista e o pensamento jurídico, que faz
com que privilegiemos uma classificação das normas jurídicas com ele imediatamente relacionável.
Assim, a norma pode ser olhada como critério informativo sociológico-imperativo da ação ou regra
de comportamento. Desta perspetiva engrandece o texto da norma. Mas, de uma ótica prático-
normativa, é muito mais interessante ver o texto da norma como critério valorador axiológico
normativo da ação e como critério judicativo-prático de decisão de problemas juridicamente
relevantes.
⦁ Uma norma constitui apenas a objetivação de uma das possíveis determinações do princípio em
que se louva. Os princípios normativos manifestam um "excesso de conteúdo axiológico"
relativamente aos critérios do sistema jurídico histórico-formalmente positivados (as normas).
⦁ Em suma, os princípios normativos são mais extensos do que as normas que os concretizam.
→ 4º jurisprudência judicial
⦁ A jurisprudência judicial realiza judicativo-decisoriamente a juridicidade vigente, reconstituindo-
a, e participa na sua constituição ex novo, nomeadamente através de precedentes jurisdicionais. O
tribunal consulta as decisões dos casos semelhantes ao caso que tem para resolver.
⦁ É evidente que os limites da argumentação possível são, relativamente à vinculatividade dos
precedentes jurisdicionais, mais amplos do que a respeito das normas, podendo reduzir-se a 2
regras de Alexy:
- quando um precedente puder ser invocado a favor ou contra uma decisão, deve o mesmo ser
alegado (fundamentado);
- aquele que pretender afastar um precedente tem o ónus da contra argumentação.
⦁ Por outras palavras: não se deve capitular uma pura hermenêutica historicística. Deve pensar-se
o problema em referencia a exigências prático-normativamente significativas, centradas no mérito
autónomo e criteriosamente reconhecido aos casos-relata.
⦁ As decisões dos tribunais constituem Direito. Também o próprio advogado constitui Direito.
→ 5º doutrina/ dogmática
⦁ Os princípios normativos são o pólo garante da específica unidade do sistema jurídico elas
normas legais e os precedentes jurisdicionais as suas moléculas mais densas. Mas o Corpus Iuris
não se reduz à soma dos planos mencionados, pois aquela sua unidade é totalizante prático-
racional, o que justamente implica um outro estrato. Aludimos assim à dogmática ou ao direito
dos juristas (à doutrina), que manifesta a sistematicidade da normatividade jurídica.

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 11

⦁ À dogmática cumpre descrever articuladamente o direito vigente e propor modelos de solução


para muitos problemas juridicamente relevantes que vão emergindo inovadoramente. Perfila-se
hoje uma dogmática autenticamente constitutiva. Portanto, a dogmática terá que ser considerada
um dos modos de constituição da juridicidade vigente. É por esta razão, que as sentenças dos
juízes, as peças forenses dos advogados, os pareceres dos jurisconsultos, etc.., não se limitam a
invocar preceitos legais mas antes se louvem, consoante as circunstâncias, na multiplicidade de
estragos do sistema de direito.
⦁ Vimos que é da essência da normatividade, enquanto validade, projetar-se em critérios
mobilizáveis e, portanto, precipitar-se numa dogmática próprio sensu. O que nos mostra está não é
uma dogmática de autoridade positivista-legalista, mas uma dogmática de fundamentação prático-
normativa.
⦁ A dogmática jurídica é chamada a desempenhar 5 funções:
1) Função estabilizadora: possibilita a institucionalização compensatória da abertura predicativa
do prático-normativo;
2) Função heurística ou dinamizadora: proporcionada pelas investigações que podem
sustentadamente arriscar-se a partir do anteriormente adquirido;
3) Função desoneradora: os arrimos que disponibiliza libertam o jurista de uma problematização
sem fim;
4) Função técnica: permite que o jurista compreenda um acervo complexo de referências de
sentido;
5) Função de controle: viabiliza uma mais fácil e lograda racionalização das decisões judicativas
que institucionalizemos se vão impondo.
⦁ Concluindo, a recompreensão da dogmática, em consonância com a intelecção autenticamente
jurisprudencial do direito, revela-nos ser apenas aquele nível que o sistema jurídico se nos
manifesta em termos suficientemente explicitados, porque é a reflexão dogmática que se
encarrega da elaboração dos grandes articuladores prático-normativos das diversas expressões da
normatividade vigente, dialeticamente atento às exigências intencionais e às concretas palpitações
da pratica.
→ 6º realidade jurídica
⦁ O conjunto de estratos até agora discriminados não nos desvela ainda o Corpus Iuris na sua
totalidade. Com efeito, o direito que nele se objetiva existe para se realizar. E a realidade jurídica
que assim se convoca, é o seu inerme campo de aplicação e também se perfilha como sua
ineliminável dimensão constitutiva, ao mesmo tempo que traduz o momento de ação histórica da
normatividade .
⦁ Qualquer dos planos então analiticamente compartimentados concorre na conformação da
realidade jurídica.
- Realidade económica: esta realidade tem grande importância na modelação do direito privado,
em geral. A ponderada consideração dos vetores economicamente codeterminados da juridicidade
contribuirá decisivamente para a normatividade consonante cumprimento da específica
intencionalidade prático-jurídica do princípio da adequada utilidade ou efetividade económica do
direito.
- Realidade política: o perfil normativo-jurídico de múltiplos institutos é politicamente
condicionado. Compreendia a constituição como ordem ordenante do corpo coletivo e como o
estatuto jurídico do político, a jurisdição institucionalmente incumbida da respetiva garantia e
controlo, não realiza uma estrita atividade política sob as vestes jurídicas, mas não deixa de ter que
recorrer a valorações políticas.
- Realidade cultural: apresenta-se-nos como o horizonte englobante do deveniente mundo
axiológico. É o conjunto das valências que o afinamento progressivo da consciência ética
comunitária vai excogitando. E dentro da realidade cultural, especificamos a realidade técnico-
científica, com o intuito de chamar a atenção para a função normativa de muitas das informações

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 12

de caráter técnico-científico. Com efeito, este conjunto de dados, para além de uma óbvia função
cognitiva, cumpre também uma função normativa, na medida que é, por vezes, chamado a
densificar materialmente, de um modo mais ou menos imediato, o conteúdo de verdadeiros
critérios jurídicos.
⦁ Em fim, a Realidade jurídica também constitui direito porque os próprios particulares criam
direito.
→ 7º regras ou bordões procedimentais
⦁ São o conjunto das específicas regulae decidendi, os expedientes dogmáticos e os arrimos
metodológicos que constituem um sub sector particular da realidade jurídica, que o jurista deve
utilizar para poder desempenhar, dum modo adequado, a tarefa a que está incumbido, pois só por
esta sua mediação logrará articular normativo-consonantemente, em termos materialmente
densificantes e dinamicamente projetantes, os demais estratos do Corpus Iuris vigente.
⦁ notas sobre a estrutura do sistema jurídico:
- Em vez de todos os estratos jurídicos que acabámos de ver, seria possível apontar a teoria da
legislação, o pensamento jurídico e a metodonomologia como as dimensões articulantes do
sistema jurídico.
- Sem prejuízo do papel fundamental que o direito desempenha no orçamento geral da
humanidade, são múltiplas as rúbricas nas quais se podem incluir as suas receitas, podendo, ainda,
apresentar-se que o Corpus Iuris constitui uma teia articuladora de reenvios, entretecida pelos
diferentes elementos que o compõem.
⦁ Se perguntarmos pela autónoma relevância daquela mesma perspetiva de cada um dos estratos
componentes diríamos que:
→ o sentido do direito beneficia duma “presunção de referencialidade”;
→ os princípios, de uma presunção de validade;
→ as normas, de uma presunção de autoridade;
→ os precedentes jurisdicionais, de uma presunção de justeza;
→ os modelos práticos de decisão propostos pela dogmática, de uma presunção de racionalidade;
→ a realidade jurídica, de uma presunção de eficácia;
→ os bordões procedimentais, de uma presunção de estabilidade.
⦁ Todas estas presunções, por um lado, deixam-se sintetizar na normatividade emblemática e
noematicamente problematizável presunção de vigência jurídica que também deve ser
compreendida como uma categoria deveniente e que traduz a ineliminável garantia da sua
justiciável juridicidade. Por outro lado, permitem revelar as diferenças sem apagarem a
semelhança nuclear do problema pela necessária conformidade ao direito da reflexão judicativo-
decisória que, pela mediação de um discurso analógico, os faz corresponder aos casos
circunstancialmente decidendos.

CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA CLÁSSICO


→ Material: em vez de um Corpus Iuris formal, deparamo-nos com um outro de caráter material,
pois, se bem vemos, não é outro o significado da justificada autonomização dos princípios
normativos como um dos seus estratos.
→ Aberto: em vez de um Sistema Jurídico fechado, comprovamo-lo aberto, pois ele não é
constituído por uma normatividade que se redensifica e realiza historicamente, por mediação dos
problemas que vão emergindo, que, por seu turno, concorrem para determinar a excogitação de
novos princípios e a sua inovadora precipitação em critérios que os assimilam.
O Sistema Jurídico está permanentemente a ser escrito e rescrito, pelo que se apresenta sempre
como incompleto e por fazer.
Por outro lado, é este Sistema Jurídico aberto, na irredutível pluralidade estrutural das suas
dimensões e na deveniente unidade intencional do seu sentido, o horizonte de fundamentação das
decisões judicativas.

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 13

A abertura predicativa do Sistema Jurídico é uma das razões que não nos parece prudente
qualifica-lo, sem mais, como autopoiético. Atendendo às não despiciendas especificidades que o
caracterizam, quer estático-estruturalmente, quer dinâmico-metabolicamente, não hesitaremos,
todavia, em reconhecer, analogamente, a sua radical regência por leis próprias.
→ Regressivo e Aposteriori: a índole da dinâmica que anima o Sistema Jurídico é regressiva (que
se processa, espacialmente, da frente para trás e cronologicamente, de hoje para ontem) e
aposteriori. Por outras palavras: a exigência da salvaguarda da específica unidade do Corpus Iuris
determina que, aquando da sua abertura, o novo regrida sobre o pré-disponível.

⦁ Vamos classificar as observações imediatamente precedentes com alguns exemplos,


respetivamente:
1. A autonomização do critério normativo do abuso do direito não retirou o significado, mas
reconstitui, tanto o principio da autonomia da vontade, como a categoria direito subjetivo,
impondo o abandono definitivo do seu entendimento tradicional;
2. A redensificação do direito de propriedade operada pela refração, no seu horizonte específico,
da dimensão normativo-jurídica das exigências ambientais;
3. A emergência, no futuro, de cada problema novo que justificadamente suscite a mobilização de
uma norma jurídica, posta em rigor no passado, contribui decisivamente para redensificar a
respetiva normatividade.
⦁ Em suma, a especificidade do desenvolvimento do Sistema Jurídico encontra a sua matriz na
reconstituição analógica do próprio discurso prático. E daí que o Corpus Iuris não se apresente
como uma estrutura de estratos discretos e como que geologicamente sobrepostos, mas
dinamicamente, como um conjunto heptapolarizado, constituindo por mediação da tensão que
entretece os pólos oportunamente considerados, e que se define, relativamente a cada
controvérsia decidenda, pelo nível concreto de possibilidade de realização das reciprocas
correspondências que entre eles se estabelecem, tudo o que concorre para desvelar a sua
analogicidade medular.

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 14

Lição 16º: AS FONTES DO DIREITO p.106-121


O modo de constituição da normatividade jurídica do direito é o as Fontes de Direito.

“Direito é só um, vigente e mais nenhum”


A nota predicativa de direito é a vigência. A explicação analiticamente fundamentada desta
questão implica a formulação de uma pergunta. A pergunta que se formula vai, pois, gravitar à
volta da categoria vigência.

Como se constitui a normatividade jurídica vigente de uma certa comunidade?

1. O problema e a perspetiva da sua consideração


⦁ As fontes de Direito são também o problema da epifania ou manifestação do Direito.
⦁ Sustentar que a Constituição, as leis, os decretos-lei, os regulamentos e as portarias são fontes de
direito, nada nos diz sobre os modos e o processo de constituição da Constituição da
normatividade jurídica vigente que elas objetivamente manifestam – e é este o núcleo do
problema que nos ocupa.
⦁ O problema das fontes de direito podem ser diferentemente compreendidos para:
- positivistas
- normativistas
⦁ Para o positivismo, do que se trata é de saber quem teria poder para criar normas jurídicas
obrigatórias. O positivismo respondia invocando o Corpus Iuris pré-constituído. Nesta perspetiva só
a legislação cria Direito; o Direito é imputado ao poder.
⦁ Para o normativismo, o Direito só o é quando se possa afirmar vigente. Então, que processo se
cumpre no sentido do Direito se tornar vigente? A nossa perspetiva é fenomológico-normativa
polarizada na vigência.

2. Tipos de experiência jurídica constituinte


⦁ Existem 3 modelos padrão de experiência constitutiva da normatividade jurídica vigente:
1º Experiência jurídica consuetudinária – Nas sociedade tradicionais consensuais, que se reviam
no passado, o direito manifestava-se como costume jurídico. Ou seja, o direito apresentava-se
como normatividade radicada na força legitimante do tempo e experiencialmente sedimentada ao
longo de gerações. O costume jurídico é uma prática reiterada, vinculante, e, por isso, é observada
como norma de comportamento. O próprio comportamento perfila-se com vinculatividade
normativa, apagando-se, à medida que se instaura a tradição, a memória do problema originanteda
sua criação. A dimensão cultural em causa é o passado.
Aqui também há um processo constituinte, que parte da ação paradigmática validamente
orientada, que se repete, até ficar apenas o irredutível – uma normatividade que se observa. A sua
índole é social-comunitária.
2º Experiência jurídica legislativa – Tem uma índole estatal, que remete ao poder político,
cumpre-se na prescrição de regras ou normas, numa intenção de regulamentação e programática
relativamente à realidade social ou político-social, que é o seu objeto e visa projetar-se no tempo
futuro.
3º Experiência jurídica jurisdicional – Apresenta uma índole prudencial porque o tribunal terá
que decidir de acordo com as situações concretas onde o caso emerge. A dimensão tempo
privilegiada é o presente, porque se resolvem os casos que vão surgindo naquele momento
presente. O Direito aparece como juízo que o tribunal formula para aquele caso concreto.

teoria tradicional das Fontes de Direito


Num sistema legislativo como o nosso apenas são fontes de direito os modos da sua constituição
que a lei reconheça como tal. A lei afirma-se como fonte principal e determinante do Direito, e só

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 15

ela pode legitimamente atribuir relevo a outras fontes.


O problema das fontes de direito reconduz à pergunta de saber quem tem, político-
constitucionalmente, poder para criar normas jurídicas obrigatórias.
Da ótica político-constitucional, se apenas a lei pode criar direito, o costume só será fonte de
direito se a lei o considerar como tal. E outro tanto teria para acrescentar-se para a doutrina e para
a jurisprudência. No que concerne à jurisprudência judicial, todo este reducionismo retrospetivo
concorreu para instaurar uma situação paradoxal: o positivismo tinha no dever de obediência à lei,
por parte dos tribunais, um dos seus princípios estruturantes.
Como é óbvio, o positivismo procurou assegurar institucionalmente a realização da objetividade. O
que se verificou em todos os ordenamentos integrados na grande família do sistema jurídico de
legislação, no âmbito dos quais se criaram antídotos tendentes a combater o veneno da
disparidade da jurisprudência.
Em Portugal, a via escolhida, em 1926, foi a dos assentos.
O assento era legal e doutrinalmente a prescrição que ao Supremo Tribunal de Justiça competia
emitir para resolver um conflito de jurisprudência.
Por outras palavras, o assento era um critério jurídico universalmente vinculante, prescrito por um
órgão judicial sob a forma de uma norma, que, como tal abstraia e se destacava do caso ou decisão
jurisdicional que tivesse estado na sua origem, com o propósito de estatuir para o futuro, de se
impor em ordem a uma aplicação futura e possível, como qualquer norma, de ser interpretada nos
termos tradicionais, e até de ser objeto de uma aplicação analógica.
Portanto, com os assentos atribuía-se a um órgão jurisdicional (STJ) o poder de, para além de
decidir o caso problema emergente, prescrever uma norma geral e abstrata, vinculativa para todas
as controvérsias que, no futuro, justificassem a absorvência do género instituído. Em nome de uma
uniformização da jurisprudência não se hesitou em confiar poderes legislativos ao STJ.

nova teoria das Fontes de Direito


Mesmo num sistema de legislação, o problema das fontes de direito não é um problema de
afirmação de um poder, mas de constituição específica vigência.
A critica à conceção do direito postulado pelo normativismo legalista mostrou-nos a não redução
do Direito à lei, que a analise do Sistema Jurídico nos permitiu concluir pela pluralidade de estratos
que o entretecem.
Deverá considerar-se o problema da constituição da normatividade jurídica vigente nas suas
diversas manifestações (e não apenas o da mera imposição politica da lei).
É precisamente este último o problema das fontes de Direito. Pelo que, estas fontes têm que ser
capazes de revelar todos os modos de efetiva constituição jurídica vigente, no horizonte de um
sistema de direito concreto.
Não é correta a perspetiva do poder – há mais direito para além do legislativamente prescrito. A
perspetiva adequada polariza-se na categoria vigência – pois pretende apurar como se constitui o
direito vigente – e implica a consideração de vários momentos, que comprometem todo o
pensamento jurídico.

O problema das fontes tem então que ver com o modo de constituição da normatividade jurídica
vigente. E, para respondermos à pergunta “Como se constitui a normatividade jurídica vigente?“,
temos de ter em consideração 4 momentos:
⦁ Material ou sociológico
⦁ De validade
⦁ Constituinte
⦁ De objetivação

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 16

No momento material está em causa o reconhecimento de que a realidade social tem uma
densidade. A densidade própria do mundo humano é um pressuposto material. O Direito, se quiser
ser vigente, tem que responder aos problemas que a comunidade põe. Como não há Direito sem
sociedade, o direito tem que refletir os valores da sociedade.

O momento material por si só não chega, é necessário um outro momento para que a vigência
possa emergir, esse momento é o momento de validade.

Tenho um problema quando não vejo transparentemente cumprida na experiência que fizer as
exigências pressupostas. O momento de validade possibilita a emergência do problema
juridicamente relevante e impõe a respetiva solução. Nem toda a prescrição do poder é Direito. A
legitimidade formal é diferente da legitimidade material e não é a mera legitimidade formal que
garante a legitimidade material.

Estes dois momentos também não chegam. Eles viabilizam a dialética de problemas, que deve ser
gerida por uma instância constituinte, que poderá ser a comunidade (num sistema
consuetudinário), a instância legislativa (num sistema legislativo), ou os tribunais (se se tratar de
um sistema jurisprudencial). O professor Fernando Bronze referiu, pois, que “é a nível do momento
constituinte que as águas se separam”. É a nível do momento constituinte que podemos separar os
diversos tipos de experiências constitutivas consuetudinárias paradigmáticas.

A instância legislativa é a instância principal por razões políticas, sociológicas e funcionais. Num
sistema legislativo, como o caso do sistema português, o legislador cria quase todo o Direito. Mas,
se há coisas que só a legislação pode fazer, há outras que a legislação não pode fazer. Existem
limites à criação da legislação que podem ser:
⦁ Funcionais - são como que o contra pólo negativo de tudo só a lei deve ser chamada a fazer no
âmbito de um Estado de Direito como o nosso.
⦁ Normativos
Os limites normativos podem dividir-se ainda em:
- Limites normativos objetivos - quando temos um problema, e, sendo expectável que haja um
critério/ norma para resolvê-lo, não há. Estamos perante o problema das lacunas.
- Limites normativos intencionais - temos um problema e temos uma norma legal adequada à
resolução do caso. Só que a norma é geral e abstrata e o caso é concreto, especifico. Existe uma
distância que se decorre entre o âmbito de relevância do caso e a intencionalidade legal da norma,
e, esta distância não é segura. As normas jurídicas legais nunca fornecem sem esforço e sem dor a
solução para os problemas concretos. É o jurista que se predispõe a esse “trabalho”.
- Limites normativos temporais - temos um caso juridicamente relevante e uma norma para
resolver esse caso, só que a norma não tem nada a ver com os problemas que a sociedade
apresenta. As normas são postas a vigorar para resolver determinadas questões, num determinado
tempo, por isso, as normas podem estar formalmente em vigor mas serem caducas ou obsoletas.
Diz-se, pois, que os limites temporais no põem perante normas obsoletas e normas caducas. No
caso das normas obsoletas, perdem a vigência por terem perdido a eficácia, ou seja, estão
formalmente em vigor, não foram revogadas pelo legislador, mas a realidade mudou; a norma
previa uma realidade diferente da atual.
Relativamente às normas caducas, perdem a vigência por terem perdido a validade, ou seja, estão
formalmente em vigor, mas, devido à erosão da história, os princípios e a axiologia em que essas
normas se fundam já não são os valores em que a comunidade se revê.
- Limites normativos de validade – se a norma romper com os princípios fundamentais do
ordenamento jurídico vigente, é normativamente inválida.

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 17

Aos três momentos até agora discriminados acresce um último momento, o momento de
objetivação do Direito no corpus iuris, pressuposto decisivo da respetiva e irrenunciável vigência.
Só estaremos diante de Direito quando uma específica validade se afirmar societariamente eficaz.

A legislação é um modo privilegiado de constituição da normatividade jurídica, mas não é o único.


Existem outras instâncias com legitimidade para participar no processo de constituição da
normatividade jurídica, são elas a jurisprudência judicial, a jurisprudência dogmática e a própria
autonomia privada.

As fontes de Direito têm uma tripla importância. Uma importância teorética, uma importância
prático-pragmática e prático-metodológica.

Em suma,
1º momento: de confronto com o mundo
2º momento: da exigência de sentido axiológico
3º momento: da dialética em que se arrendam as outras duas
4º momento: marca o termo de processo

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 18

Lição 17º: METODONOMOLOGIA: metodologia jurídica p.122-144


(modo de realização da normatividade jurídica do direito)

Metodonomologia é o caminho (odos) percorrido pela decisão judicativa (nomos) para que ela
atinja o seu objetivo (meta), que é a resolução, em termos normativamente adequados, do
problema concreto (logos).

1. Objeto da metodonomologia
⦁ A metodologia jurídica, ou metodonomologia, tem por objeto a prático-normativamente
racionalizada realização judicativo-concreta do direito.
⦁ A metodologia jurídica tem, para o jurista uma importância decisiva, porque o direito é uma
tarefa problematicamente constituenda.
⦁ A metodonomologia tem a ver com a tarefa prática da constituinte mobilização ou da inovadora
constituição do direito, e não com a teorética qualificação de certos conhecimentos como
verdadeiros.
⦁ A metodonomologia, por si só, não soluciona os casos juridicamente relevantes, mas, sem ela,
não se pode discernir racionalmente, para os decidendos problemas concretos, uma normatividade
consonante.
⦁ Os dois problemas cardeais da metodonomologia são:
- O da disquisição da racionalidade pré ordenada à fundamentação da concludência discursiva do
juízo decisório, em acordo intencional com as prático-problematicamente radicadas e mimético-
poieticamente excogitadas exigências que enervam o sentido específico que pressuponentemente
se tiver reconhecido ao direito;
- O da elaboração do modelo metódico correspondente, ou seja, do conjunto de operações
reflexivas, determinadas pela racionalidade, a que importa submeter os constituídos e/ou
constituendos fundamentos/critérios jurídicos, com o objetivo de testar a respetiva prestabilidade
para a normativo-judicativamente adequada resolução de cada caso decidendo.
⦁ Portanto, a metodonomologia é o caminho reflexivo, racionalmente percorrido pelos juristas,
para alcançarem o seu objetivo: a pratico-normativamente adequada resolução judicativa dos
concretos casos-problemas decidendos que devam solucionar.
⦁ Neste circuito reflexivo, o jurista mostra-se como o mediador ineliminável, intervindo na sua
modelação e participando na sua objetivação, uma vez que o jurista é o portador do sopro da
juridicidade, mobilizando o sentido constituendo que a predica na realização da tarefa que é
institucionalmente a sua.
⦁ Se o sentido das problemáticas do sistema jurídico e das fontes do direito se nos desvelou
condicionado pela conceção concreta do direito, também o sentido da metodonomologia depende
do entendimento que tivermos da normatividade jurídica vigente. Se duma perspetiva intencional
reconhecemos o que acaba de afirmar-se, institucional e decorrentemente não podemos ignorar a
dependência da metodonomologia do ordenamento de direito em que a refletimos. Este é o
condicionamento histórico-sociológico da metodonomologia.

2. As projeções metodológicas do pensamento jurídico até ao fim do século XVIII


⦁ As sucessivas compreensões da metodologia jurídica são funções das diversas intelecções do
direito que se manifestaram ao longo do tempo. O método jurídico positivista é lógico-
dedutivamente formal. Porém, se pressupusermos uma compreensão da normatividade jurídica
como um praticamente realizando sistema historicamente constituendo, centrado em problemas
concretos, que apresentem um mérito específico, a metodologia que lhe quadra será diferente:
revelando-se o direito indefinível. No nosso horizonte geográfico-cultural se afirmaram,
sucessivamente, até ao positivismo jurídico, 3 modelos dominantes de racionalidade:
- racionalidade histórico-prudencial;

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 19

- racionalidade hermenêutico-dialética;
- racionalidade axiomático-dedutiva.
⦁ Ao longo deste ciclo histórico manifestaram-se 3 tipos de pensamentos jurídicos metódico/
metodologicamente comprometidas:
- o casuísmo jurisprudencial romano;
- a hermenêutica jurisprudencial medieval;
- os juristas modernos.

3. Importantes orientações metodonomológicas desde o início do séc. XIX


3.1 Orientações teoréticas
⦁ Afirmaram-se duas linhas principais de orientações teoréticas:
- positivismo exegético (Escola da Exegese);
- positivismo sistemático conceitual (jurisprudência dos conceitos).

a) A Escola da Exegese (francesa)


⦁ Ganhou corpo na sequência da codificação pós-revolucionária. Como sabemos, as codificações da
França saída da revolução deviam ser obras definitivas. Por isso, não surpreende que se impusesse
aos juristas conhecer antes a lei codificada para depois a aplicarem lógico dedutivamente.
⦁ A tarefa do jurista consistia na interpretação filológica gramatical observando certas exigências
racionais, da referida lei codificada. O discurso exegético, assente no comentário filológico-
gramatical, garante a permanência da autoridade do texto comentado e mantém o texto à
distância. Foi assim que nasceu uma nova gramática.
⦁ O objetivo e os pressupostos mencionados levam os juristas a partir da letra da lei que era
analisada filológico-gramaticalmente. Mas, a polissemia das palavras e a historicidade da vida
forçavam, por vezes, os juristas a arriscar algo mais. Recorria-se, nesse caso, ao espírito da lei
identificado com a vontade do legislador. Ora, a vontade do legislador consistia na intenção
histórico-subjetiva que o titular do poder legislativo tinha ao criar o direito-lei e, para apurar essa
intenção, era necessário compulsar os trabalhos preparatórios e inserir a norma interpretada no
sistema instituído pelo código por mediação de argumentos lógico-formais pois alegava-se que o
legislador não era arbitrário, mas lógico-formais coerente.
⦁ A interpretação reduzia-se ao apuramento do sentido da lei codificada através da análise
gramatical da sua letra, operação esta eventualmente completada pela estrita consideração do seu
espírito, em que se tratava tão-somente de averiguar a vontade do legislador, referida a um
sistema lógico-racionalmente consistente.

b) Escola histórica (alemanha)


⦁ Para a escola histórica o direito era um produto histórico do espirito do povo e não o resultado de
um ditado do legislador. Na França o legislador ocupava o lugar de destaquem, enquanto na
Alemanha o lugar de destaque pertencia à ciência do direito.
A ciência do direito tem 3 dimensões: a histórica; a sistemática e a prático-normativa.
⦁ É verdade que as dimensões, histórica e sistemática abriam potencialmente o direito a uma ideia
de evolução. Mas se acrescentarmos que elas eram entendidas como a base requerida por uma
almejada elaboração dogmática, logo percebemos a degenerescência da Escola Histórica na
jurisprudência dos conceitos.
⦁ A razão de ser do direito era agora identificada com os conceitos, aparecendo o texto legal como
mero ponto de partida empírico para o respetivo apuramento.
⦁ Sob o ponto de vista metódico, o positivismo sistemático conceitual não veio propor uma teoria
da interpretação diferente daquela que foi defendida pela escola da exegese.

c) Jurisprudência dos conceitos


⦁ Interpretação como a operação intelectual, de caráter exegético visada à desvelação da verdade

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 20

interior da lei, bem como a acentuação da importância dos elementos clássicos no processo
interpretativo das leis consideradas separadamente.
⦁ Sobre a interpretação das leis, Savigny chamou a atenção para os problemas da unidade e da
universalidade do sistema jurídico. A falta de unidade pode gerar contradições, que deveriam ser
resolvidas no quadro orgânico do instituto concretamente em causa, considerando especialmente
o sentido da sua evolução histórica. Por seu turno, a falta de universalidade poderia originar
omissões (lacunas), integráveis por analogia orgânica ou por criação de um novo instituto jurídico.
⦁ Com o tempo, os horizontes defendidos pela escola da exegese e pela jurisprudência dos
conceitos acabaram por fundir-se. Surgiu assim o método jurídico. O pensamento jurídico que lhe
deu origem era chamado a desempenhar três funções:
- a interpretação das normas tomadas na sua autossuficiência significante;
- a construção conceitual realizada a partir dessa base material e instrumentalizada ao
apuramento da natureza jurídica dos institutos refletidos;
- a sistematização lógico-formalmente articulada do direito.
⦁ O método jurídico apresentava 3 dimensões:
- Dimensão hermenêutica (que se centrava na interpretação teorético-cognitiva das normas
jurídicas);
- Dimensão epistemológica (que dizia respeito à construção-sistematização lógica dos conceitos
inferidos pela atividade interpretativa):
- Dimensão técnica (que não era mais do que a aplicação silogístico-subsuntiva dos mencionados
conceitos aos factos conformadores dos casos decidendos).
⦁ Este último método veio a ser alvo de uma dupla crítica por parte do pensamento jurídico:
- Uma de caráter empírico, mostrou que, no plano da realidade as coisas não decorriam como se
afirmava: as competentes do juízo do julgador eram mais prático-valorativas do que lógico-
axiomáticas;
- Outras de caráter metodológico, assumiram que, no plano desejável, as coisas não deveriam ser
como se sustentava: emergiram então correntes que desvelaram não passar a norma de eventual
pressuposto do direito judicativamente realizando.

3.2 Orientações práticas


Jurisprudência dos interesses
⦁ Pelo o equilíbrio das suas propostas e pela ampla aceitação de que elas justificadamente
desfrutam, a jurisprudência dos interesses teve, mesmo entre nós, o êxito que o movimento do
direito livre (MDL) e a livre investigação cientifica do direito (LICD) nunca conheceram.
⦁ O exponente máximo desta escola é o jurista Philipp Heck.
⦁ Contra o formalismo conceitualista da Alemanha, a jurisprudência dos interesses louvou-se no
finalismo de matriz sociológica que era o referente intencionado pelos interesses privados e
públicos, e dos mais diversos tipos, que deram o nome à escola e nos revelam a sua filiação liberal.
⦁ A jurisprudência dos interesses feriu de morte o racionalismo formal idealista da jurisprudência
dos conceitos, mas não combateu os excessos do movimento do direito livre, sublinhando o
imperioso dever de obediência à lei porque o legislador era o representante da autonomia do
povo.
⦁ Para jurisprudência dos interesses, a lei, a que se deve obediência, não é mãos a imposição pré
escrita pelo legislador mas, a expressão emblemática da autonomia da comunidade jurídica, e tem
por objetivo solucionar ponderadamente um certo conflito de interesses. Por isso não basta
observar o seu lado intuitivo, há que observar a sua face material densificada pelos interesses em
que radica, para que se possa concluir pelo normativo-juridicamente adequado cumprimento do
mencionado dever de obediência.
⦁ Se para a LICD a vontade do legislador era muito importante, a jurisprudência dos interesses
considera como mais importante os interesses causais da norma. Segundo Wieacker, a
“jurisprudência dos interesses fundamenta naturalisticamente o aparecimento do direito e legal-

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 21

positivamente a sua validade”. Por isso, em matéria de interpretação (a jurisprudência dos


interesses deixou-nos uma teoria de interpretação jurídica) se tenha posto a tónica na investigação
histórica dos interesses causais: para compreender o sentido normativo da norma, para aceder à
inteleção da decisiva razão da lei e para honrar o pressuposto de que era mister, pôr o direito ao
serviço da vida, o intérprete devia considerar o conflito de interesses que a norma interpretada
tivesse resolvido de determinado modo, impondo-se-lhe depois repensar inteligentemente esse
critério, atenta a especificidade do caso decidendo. Isto significa: que a norma já não é a premissa
maior de uma referência lógica, mas o modelo de uma ponderação prática; e que o caso não se
reduz a mera espécie conceitualmente enquadrante e subsumível ao género norma, mas se perfila
como problema com uma relevância normativo-jurídica autónoma que importava apurar.
⦁ A proposta metodologicamente mais relevante da jurisprudência dos interesses consistiu na
teoria da interpretação que elaborou. Com o objetivo de apurar a vontade normativa do preceito
interpretando, a que se devia obediência e que a letra da lei apenas indiciariamente poderia
desvelar, era importante, identificar, mediante sucessivos afinamentos os interesses causais da
norma. Estamos, assim, perante uma interpretação histórica, de caráter subjetivista. Uma vez que
o sentido prático-normativamente relevante do critério interpretando era o correspondente à sua
vontade normativa, e não à vontade histórico-psicológica do legislador, aquela interpretação
histórica projetava-se num subjetivismo teleológico. E se concedermos em associar a razão da lei
ao objetivismo, talvez não seja excessivamente heterodoxo qualificar a jurisprudência dos
interesses como uma corrente cripto-objetivista. Depois, e porque tudo se jogava no tabuleiro dos
interesses, aquela vontade normativa vinculante do critério interpretando nada mais era do que a
preferência do legislador por um dos interesses em conflito.
⦁ As propostas da JI tornavam-se menos concludentes à medida que abandonavam a área
protegida por um critério normativo pré disponível. Os termos em que a escola da JI se confrontou
e pretendeu resolver o problema das lacunas revela-o claramente.
⦁ É muito duvidoso que a JI tenha sentido autonomizar o problema das lacunas e a respetiva
integração no quadro da racionalizada realização judicativo-decisória do direito.
⦁ Seja como for, a JI superou definitiva e concludentemente as inconcludências do conceitualismo
relativamente a esta questão:
- As lacunas não eram apenas aparentes, mas reais
- O sistema jurídico não era fechado, nem logicamente plano, mas inconcluso e omisso na
consideração de muitos interesses igualmente dignos de proteção
- A recombinação dos conceitos e a produção de normas a partir de conceitos logicamente
inferidos de outras normas não passavam de falácias retórico-argumentativas e o que importava
era ponderar adequadamente os interesses que não tivessem sido, mas devessem ser,
juridicamente protegidos
⦁ Os operadores mobilizáveis no processo de interpretação de lacunas eras:
- A analogia
- Juízos de valores dominantes na comunidade jurídica
- Valorização própria

Críticas à jurisprudência dos interesses:


1. Mesmo na perspetiva sociológica, que era a sua, a jurisprudência dos interesses esteve longe de
oferecer uma proposta suficientemente elaborada.
2. A jurisprudência dos interesses não cuidou de analisar devidamente os referidos interesses.
3. Também não se abriu a outros fatores igualmente causais do direito, como as situações de
poder, a confiança, a responsabilidade.
4. Ao atender apenas a interesses, nunca logrou distinguir o objeto da valoração do fundamento da
valoração.
5. A jurisprudência dos interesses não conseguiu compreender adequadamente a problemática do
sistema jurídico.

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 22

6. Não se pode subscrever, de uma perspetiva filosófica, a compreensão heckiana do direito. O


sentido do direito não implicava qualquer dimensão de idealidade ou de espiritualidade.

4. Superação da Jurisprudência dos Interesses


⦁ Discernia a normatividade fundamentante do juízo decisório. Ou, segundo Fikentscher: a
jurisprudência dos interesses, ao pretender dominar em termos metodicamente seguros o
problema da preferência por um dos vários interesses em conflito, não poderia deixar de impor o
confronto direto com a questão acabada de analisar.
⦁ Porém, outra não desistiu de explorar o filão sociológico. É o caso do pensamento jurídico-causal,
de Muller-Ezbach, que em ordem a uma mais profunda pesquisa das fontes determinantes do
direito, considerou não apenas os interesses mas também as situações sociais dos interesses e os
demais fatores da vida empírico-socialmente causais quer das decisões do legislador, quer das do
órgão aplicador do direito, nas diversas matérias. Todavia, do ponto de vista aqui decisivo, não
logrou distinguir o objeto e o critério da valoração, nem superar a funcionalização social do direito,
que se lhe deve censurar.
⦁ Em relação com todas estas orientações, e conferindo Habermas, podemos afirmar que enquanto
nós compreendemos o direito como uma significativa e intersubjetivo-transpositivamente
intencionada normatividade de realização histórica concreta, as mencionadas orientações reduzem
o direito a um objeto semanticamente enunciado e empírico-analiticamente determinável, cuja
consideração permitirá pré dizer, com segurança científica, a sentença a proferir.

4.1 A jurisprudência da Valoração


⦁ substitui o teleologismo das correntes acabadas de mencionar.
⦁ Verbi gratia, Hurmann, não rompeu com a JI, mas recompreendeu o interesse como tendência
para os bens ou valores e a sua conservação, preocupou-se com a ordem hierárquica destes valores
e invocou princípios normativos. Reinhart, qualificou o direito como o dever ser e tentou atingir os
pontos de vista ordenadores desta ordem de dever ser. Westermann pôs em dúvida a existência de
valorações suprapositivas, operatórias e justiçáveis e convocou o legislador e o julgador a que se
orientassem por inferências da ideia de justiça.
⦁ K. Larenz tem razão quando afirma que a passagem a uma jurisprudência de valoração só tem
sentido quando conexionada com o reconhecimento de valores ou critérios de valoração
supralegais ou pré positivos.
⦁ A racionalidade é uma das dimensões estruturantes da metodonomologia.
⦁ A hermenêutica: deve-se-lhe a desvelação de categorias operativas no âmbito do discurso
prático, mas centrada como está na inteleção dos sentidos comunicados, não apreende a decisão
judicativa, que é o núcleo da reflexão jurídica metodologicamente comprometida.
⦁ Em conclusão: os modelos que aludimos permitem evidenciar certas particularidades da
racionalidade metodológica-jurídica, mas não no-la desvelam integralmente. Ou, segundo um
acórdão do STJ, as orientações referidas privilegiam à lógica apofântica, atenta as exigências do
senso comum.
⦁ Por isso, transcrevemos uma síntese lapidar, a propósito, excogitada por Castanheira Neves: “as
dimensões da racionalidade implicada pela realização judicativa do direito são quatro: por um lado,
uma validade pressuposta e a objetivar uma dogmática, por outro, uma problematização praxista a
exigir uma mediação judicativa”.
⦁ As duas primeiras dimensões manifestam-se num sistema normativo; as outras duas são
convocadas por um problema prático. A dialética entre sistema e problema numa intenção
judicativa da realização normativa é, pois, a racionalidade jurídica a considerar.
⦁ Em suma, os polos irredutíveis do sistema jurídico são o caso e o problema.

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 23

Lição 19º e 29º: A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA p.155-170


(modo de realização da normatividade jurídica do direito)

1. O sentido do problema
⦁ A partir dos movimentos de orientação prática (LICD, MDL e JI), tudo mudou: o pensamento
jurídico metodologicamente compreendido deixou de ser obcecado com o seu estatuto
epistemológico e passou a centrar-se na racionalizada realização judicativo-decisória do direito.
⦁ A metodonomologia não se reduz à interpretação jurídica. A metodonomologia preocupou-se
com a pluralidade de dimensões do concreto juízo decisório e não apenas com a interpretação
jurídica. Mas, num sistema como o nosso, a maior parte dos casos são juridicamente decididos por
mediação de normas legais ou de outros critérios pré objetivados no Corpus Iuris.
⦁ A interpretação jurídica é a atividade reflexiva tendente a desocultar o sentido que uma data
norma jurídica visa imprimir.
⦁ A interpretação jurídica centra-se na prático-normativamente adequada mobilização de um
determinado critério jurídico pelo qual o decidente se possa orientar quando se lhe impuser
discernir a decisão judicativa de um caso concretamente decidendo. Por outras palavras: a
interpretação jurídica centra-se na questão de saber como se realiza, “em termos
metodologicamente corretos a determinação normativo-pragmaticamente adequada de um
critério jurídico do sistema do direito vigente para a solução do caso decidendo”.
⦁ O caso-problema emerge antropocronotopicamente, isto é, entre determinadas pessoas, num
certo momento histórico e num lugar determinado. Em síntese, num quadro circunstancial
concreto.
⦁ Assim sendo, na interpretação jurídica não se trata de compreender a letra e o espírito do texto
legal em questão, mas de reconstituir fundadamente e utilizar adequadamente uma norma do
Corpus Iuris como critério orientador da solução de um caso juridicamente relevante. Logo, o
problema da interpretação jurídica é prático-normativo.
⦁ Ao jurista não compete aceder à compreensão do sentido ou do significado dos textos jurídicos,
mas atingir a normatividade jurídica das normas jurídicas suscetíveis de lhe disponibilizar um
critério normativo jurídico fundado na norma e adequado ao problema. Por isso, o jurista deve
concentrar-se no decidendo problema jurídico.

a) Teoria positivista
⦁ A interpretação jurídica consistia na reconstituição do pensamento contido na lei, isto é, na
determinação da vontade do legislador ou do sentido autonomamente comunicado pela própria
lei, desprezando a respetiva aplicação.
⦁ O que importa é esclarecer como devemos pô-los (critérios e fundamentos jurídicos) em conexão
com o caso decidendo, e como devemos utilizá-los (os critérios e fundamentos jurídicos) para
adequadamente solucionarmos o mencionado caso-problema. Por um lado, acentua-se o caráter
analógico da interpretação jurídica; por outro, sublinha-se a ideia de que a analogia se mostra
consonante com a tensão que perpassa a metodonomologia; finalmente assume-se a compreensão
de que a tarefa interpretativa não se esgota na problemática metodonomologia.
⦁ O pensamento tradicional considerava 4 grandes núcleos de questões no âmbito do problema
global da interpretação jurídica: objeto, fatores, elementos e resultados.

→ Objeto da interpretação – o que é que se interpreta?


a) Na perspetiva tradicional, o que se interpretava era a norma-texto; o que importava era fazer
um exercício exegético, isto é, retirar o sentido semântico das palavras. E esta norma-texto era
constituída pela letra e pelo espírito (composto pelos diversos fatores: histórico, sistemático,
racional e teológico).
⦁ O elemento gramatical (a letra, o corpo da lei) era o elemento determinante na interpretação

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 24

jurídica; só a partir da jurisprudência dos interesses é que o elemento gramatical passou a ter valor
meramente indiciário, o elemento fulcral da interpretação passou a ser o elemento teleológico.

b) Na perspetiva prático-normativa, o que interpreta é a norma-problema. Ou seja, ao jurista


decidente não importava a norma enquanto corpus semântico prescritivo mas a norma enquanto
regra prático-normativa, que se revela apta para orientar a solução de um problema.

→ Objetivo da interpretação – para que é que se interpreta?


a) O subjetivismo via a norma como um comando imposto por uma vontade, isto é, aquilo que foi
desejado pelo legislador; o que importava era apurar a vontade do legislador, apurar a intenção
(objetivo) do legislador ao criar aquela norma. Para o subjetivismo “o texto é instituído pelo seu
autor”, isto é, acentua a autoridade do autor da norma.
Crítica: o subjetivismo, podia originar uma inaceitável fossilização do direito se mediasse um longo
período de tempo entre a entrada em vigor da norma interpretada e a coerência do problema
justificativo da respetiva mobilização.

b) O objetivismo traduz aquilo que, exatamente foi dito pelo legislador; interpretava-se para
perceber qual era o sentido vertido naquela norma. Para o objetivismo o autor é instituído pelo
texto, isto é, retirava a autoridade ao autor da norma e tendia a conferir uma infinidade de
conteúdos.
Crítica: concorria para realizar a historicidade do direito e, portanto, à sua conformação à vida, mas
era suscetível de potenciar o perigo do arbítrio jurisdicional.

O subjetivismo remetia o direito à voluntas do legislador; o objetivismo referia o direito a uma


razão ordenadora, lógica e coerente.
Ainda hoje se insiste na disputa subjetivismo vs objetivismo. Mas, no artigo 9º CC optou-se,
cautelosamente, por uma posição mista.
A superação dessa dicotomia abriu espaço a uma outra – àquela que veio opor a interpretação
dogmática à interpretação teleológica.

c) A interpretação dogmática procura determinar um sentido logicamente coerente da norma


interpretada com o sistema conceitual, de base legal, de que fazia parte. A interpretação
dogmática é uma operação sintática, ela dessoraria ou formalizaria o direito.
Hoje entendemos a dogmática como uma dogmática de fundamentação, porque a norma tem um
objetivo prático e funda-se num determinado princípio.

d) A interpretação teleológica referia ao fim prático que a norma visaria; é um manifesto caráter
pragmático. Esta interpretação instrumentaliza o direito ou formaliza-o.

A interpretação dogmática e a interpretação teleológica complementam-se e dialetizam-se entre


si.

→ Elementos ou fatores da interpretação


⦁ O pensamento jurídico clássico insiste nos elementos ou fatores gramatical, histórico,
sistemático, lógico ou racional.
⦁ Na perspetiva tradicional, a interpretação realizava-se do seguinte modo: atendia-se à letra da lei,
considerada na sua imediata objetividade gramatical. Depois, caso subsistisse uma indeterminação
insuperável ao nível da mera consideração da letra da lei, recorria-se ao espírito do critério
interpretado, constituído pelos restantes elementos interpretativos (o elemento histórico, o
sistemático e o teleológico) – é o sentido negativo da letra da lei, privilegiado no art. 9º nº2 do cc,
dentro da qual se deverá apurar a acepção mais naturalmente traduzida pelo Corpus Semântico da
proposição em causa – sentido positivo da letra da lei.

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 25

⦁ A apontada relevância apenas subsidiária do espírito desvela o acentuado caráter determinante


da letra. Por outro lado, o espírito só poderá ser convocado para esclarecer um dos significados
possíveis da letra.

→ Resultados da interpretação
⦁Tradicionalmente, os resultados interpretativos eram três: interpretação declarativa,
interpretação extensiva e interpretação restritiva.
Interpretação declarativa: quando a letra e o espírito da lei coincidem.
Interpretação extensiva: quando o espírito é mais amplo que a letra; amplia-se o alcance da letra
para adequar ao espírito.
Interpretação restritiva: quando a letra é mais ampla que o espírito; a solução é uma redução do
alcance da letra para o adequar ao espírito.
⦁ Com a jurisprudência dos interesses acrescentou-se a interpretação corretiva.

2. Superação da teoria tradicional da interpretação jurídica


⦁ Superada esta incompreensão da interpretação jurídica e assumida a perspetiva prático-
normativa, tudo se altera também no âmbito problemático dos respetivos resultados. Do que se
trata é de utilizar os critérios justificadamente mobilizados para orientar as decisões judicativas
concretas.
⦁ O pensamento jurídico acabou por abrir-se à consideração de resultados interpretativos
incompatíveis com a orientação tradicional e enucleados na convocação da relevância, da
teleologia e do fundamento do critério interpretado. Nesta linha, alude-se, a adaptação extensiva e
restritiva, respetivamente, quando a relevância material do caso for mais ou menos ampla do que a
pressuposição hipotético-material da norma.
⦁ A extensão teleológica consiste no alargamento do campo da aplicação de uma norma, definido
pelo texto, com fundamento na sua imanente teleologia, a casos que por aquele texto, não
estariam formalmente abrangidos.
⦁ Através da adaptação extensiva e da extensão teleológica é possível mobilizar justificadamente
uma norma e solucionar, por sua mediação, casos concretos, quando o pensamento tradicional, ao
contrário, colocava já o decidente perante uma lacuna, impondo-lhe, na ausência de obstáculos
impeditivos, a respetiva integração.
⦁ O quadro de pressuposições em que assenta a orientação tradicional em matéria de
interpretação jurídica foi profundamente reconstituído. O que mudou:
a) A compreensão do objeto da interpretação alterou-se, deixou de pôr-se a tónica nas palavras
que semanticamente conformam a norma em causa e passou a atentar-se nos problemas que
prático-normativamente a densificam
b) Modificou-se também o objeto prosseguido como exercício interpretativo, em vez da disputa
da preferência pelo esclarecimento da intenção do autor ou da intenção da norma, assumiu-se a
responsabilidade de complementar as duas intenções
c) A impostação prático-normativa da interpretação jurídica mudou de significado: o elemento
gramatical deixou de ser um “em si” tranquilamente suficiente e volveu-se num “para nós”
ebulientemente interpelante; o elemento histórico abdicou de confiar-se à descrição da
fenoménica criação da norma e abriu-se à consideração do seu hermenêuticamente deveniente e
intencionalmente específico sentido problemático; o elemento sistemático abandonou a pretensão
de articular lógico-conceitualmente uma norma com as demais e passou a centrar-se na
dilucidação dos liames dogmáticos e axiológicos que a entretecem com os restantes estratos do
adequadamente perspetivado Corpus Iuris vigente; e o elemento teleológico rompeu quer com a
vinculação à razão do legislador, quer com a redução à razão da lei, e fundiu-se com o prático-
normativamente recompreendido elemento sistemático
d) A conceção do exercício metodológico mudou, o papel tradicionalmente atribuído à norma

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 26

cabe agora ao caso concreto; a novidade de um caso e a abertura do direito viabilizaram o


desenvolvimento transistemático da normatividade jurídica vigente
⦁ Em suma, a judicativo-decisória realização do direito centra-se na disquisição da existência ou
inexistência de uma correspondência intencional entre o mérito problemático-normativo dos
critérios/fundamentos suscetíveis de os virem hipoteticamente a assimilar, para determinar
aqueles que, em concreto, se devem privilegiar. Portanto, estamos perante uma reflexão de
caráter analógico.
⦁ Podemos dizer que, neste âmbito, “a analogia é a essência do juízo”.
⦁ A importância prática e metodológica da analogia radica na circunstância de ela sintetizar:
- uma reflexão que discorre de particular a particular;
- uma mediação que se vai arriscando a reconstituição dum pré suposto termo de comparação;
- uma fundamentação a eventual afirmação de uma correspondência de sentido, ou de uma
semelhança relevante entre os particulares, tomados sempre na sua autonomia

3. A integração
⦁ As lacunas, hoje, deixaram de existir, isto é, perderam a validade.
⦁ Já que nem todos os problemas praticamente significativos são metodologicamente relevantes, é
urgente traçar limites do jurídico face ao espaço livre de direito. Por causa da historicidade que os
marca, os dois espaços mencionados (o jurídico e o livre), relacionam-se sem cessar, enredando-se
reciprocamente numa interpermutabilidade ora expansiva, ora compreensiva de qualquer deles à
custa do outro.
⦁ A problemática dos dois limites do jurídico é suscetível de ser analisada de duas perspetivas
distintas:
Perspetiva tradicional: sustenta a respetiva definibilidade pelo sistema pré objetivado;
Perspetiva moderna: entende que só partindo do decidendo problema concreto se logrará uma
normativo-juridicamente esclarecida abordagem da questão.
⦁ Por sua vez, em termos histórico-diacrónicos deve assinalar-se a diferença introduzida, na
questão em causa, pelo movimento codificatório. Antes desta época a dificuldade não era sentida
nem frequentemente tematizada: o sistema manifestava-se aberto e incluía o direito subsidiário, a
que se recorria quando a legislação se revelasse insuficiente.
⦁ Quando começaram a surgir casos que não eram subsumíveis ao sistema pré definido e que,
apesar disso, exigiam uma solução jurídica, tomou-se consciência do caráter falacioso da
construção. Portanto, há lacuna quando o sistema positivo, imediatamente ou por interpretação,
permite qualificar um determinado caso como juridicamente relevante e, todavia, for omisso,
inadequado ou incompleto a cerca da respetiva disciplina ou regime.
⦁ Qual é o critério de delimitação duma lacuna?

O critério é o resultado da articulação das fronteiras, exterior e interior do sistema do direito


positivo. A primeira delimitação (a fronteira exterior) é traçada pela lei e pelos princípios (gerais)
do ordenamento, ou seja, a 1ªdelimitação da lacuna é aquilo de que o nosso sistema pré-suposto
não se ocupa. A segunda delimitação (a fronteira interior) coincide com os sentidos suscetíveis de
serem atribuídos à letra da lei com a intencionalidade teleológica da norma em causa.

a) Tipos de lacunas
- Lacunas normativas: verificam-se quando a mediação judicativa não é só por si bastante para
viabilizar a aplicação a um certo caso de uma dada norma jurídica, exigindo-se para o efeito uma
nova disposição que se encontra na lei e tornando-se assim necessária para colmatar esta falha de
política legislativa, uma nova decisão do legislador
- Lacunas de regulação: não inviabilizam a aplicação da lei, mas afetam-na e mostram-se passiveis
de serem colmatadas pela instância de decisão, se esta revelar, como deve, a intenção e a

Mariana Afonso; Maria Paulino


Introdução ao Direito II – resumos para o teste 16/17 27

teleologia da lei
- Lacunas da Lei: (engoba os 2 tipos anteriores) ocorrem sempre com o “plano de regulação” ou a
“teleologia própria” de uma certa lei, discretamente considerada, no-la revele incompleta ou
inadequada, impendendo especialmente sobre a jurisprudência judicial o dever de as integrar.
- Lacunas do Direito: são omissões censuráveis ao legislador na global pressuposição do
deveniente sentido do direito vigente

⦁ Hoje o problema das lacunas vê-se substituído pelo desenvolvimento transistemático do direito.
Se o pensamento tradicional compartimentava estritamente a interpretação e a integração, hoje
sustenta-se a existência de um continuum entre ambos.
⦁ Diante de problemas juridicamente relevantes, para os quais não existe um critério pré
disponível no sistema jurídico, o jurista vai resolvê-lo recorrendo aos princípios normativos, às
dimensões jurídicas que se manifestam na emergência do problema, à consciência jurídica geral e
ao sentido do direito. O jurista vai ter em mãos a dialética entre os momentos de validade e
material, para reconstituir a constituenda normatividade jurídica vigente.
⦁ Contra o pensamento positivista que considerava o pensamento fechado, imutável e completo,
hoje o pensamento é aberto e constituendo, não temos apenas o direito vigente, mas também
aquilo que queremos que venha a ser direito, por isso, não consideramos lacunas.

Mariana Afonso; Maria Paulino

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