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Qual é o modo de ser do Direito? ou Como é que o Direito se nos oferece objetivamente?
⦁ Segundo Immanuel Kant, “a validade sem eficácia é inoperante e a eficácia sem a validade é
cega”.
⦁ O Direito vigente pode, pois, dizer-se constituído, em cada momento, pelo resultado da
constituenda dialética entretecedora das dimensões que nele construtivamente se refratam.
⦁ Para Habermas “entre a validade e a eficácia existe uma relação de tensão, sucessivamente
polarizada nas exigências normativas que correm o constante perigo de perderem o contacto com
a realidade social e nos dados objetivos que tendem a apagar as mencionadas exigências. Aquele
1º pólo (a validade) remete prioritariamente para a liberdade, e o 2º para a constrição, mas, em
vigor, a vigência do direito não pode ser pensada sem uma referência complementar à sua
legitimidade axiológica e à sua ancoração fáctica, à sua fundamentação ética e à sua eficácia social.
2. MODALIDADES NORMATIVAS
⦁ Depois de compreendermos a vigência como o modo específico da existência de Direito, olhemos
agora para as 2 modalidades normativas do Direito vigente: Direito Subjetivo e Direito Objetivo.
⦁ Direito objetivo: corresponde à inteleção de um determinado corpus iuris como ente histórico-
culturalmente constituindo ente fenoménico que aí está (perante nós) traduzindo portanto
consideração da normatividade vigente enquanto ser que devem – enquanto ser cultural
objetivamente subsistente e historicamente deveniente.
⦁ Direito subjetivo: é o poder jurídico (reconhecido pela ordem jurídica a uma pessoa) de
livremente exigir ou pretender de outrem um comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão)
ou de por um ato livre de vontade, só de perci (só por si) ou integrado por um ato de uma entidade
pública, produzir determinados efeitos jurídicos que inevitavelmente impõem a outra pessoa.
Nós não somos apenas destinatários do direito. Titulamos também direitos que podemos usufruir e
impor a outras pessoas e de que temos mesmo legitimidade para dispor – alude-se assim ao caráter
relativo das relações obrigacionais e ao caráter absoluto dos direitos reais. Estas importantes
expressões do suum jurídico de cada um, identificam a categoria direito subjetivo.
iluminista o homem passou a compreender-se como individuo com uma autónoma subjetividade
prática juridicamente projetada nos direitos subjetivos que titulava, e a ordem jurídica
transformou-se em organização compossibilitadora do referido conjunto.
⦁ Em vez do objetivismo pré-moderno, sucedeu o objetivismo moderno. Fruto da tensão detetável
na evolução acabada de mencionar, pode dizer-se que o século XIX se apresentou como uma época
dualista:
- Manifestou-se com LOCKE e KANT uma linha liberal que acentuou os direitos fundamentais
naturais (liberdade, propriedade..) e que se perfilou como claramente subjetivista;
- Irrompeu com MONTESQUIEU e ROUSSEAU, uma linha de pendor normativista e legalista,
nitidamente objetivista, e os direitos subjetivos eram os reconhecidos pelo direito objetivo.
COMTE sustentou que “cada homem tem apenas um direito, o de cumprir o seu dever social”. Mais
tarde, DUGUIT acentuou o dever prescrito pela sociabilidade, e a projetar-se no Direito Objetivo,
em detrimento do direito individualmente titulado, e apagou os direitos subjetivos, que substitui
pelas funções sociais. E o normativismo Kelsiano foi também objetivista. Reduziu o direito subjetivo
a uma das expressões possíveis do direito objetivo em que se centrou.
⦁ As dimensões da liberdade e da participação, modelam o direito considerado como um sistema
cultural (porque radica numa auto compreensão da pessoa) e institucional (enquanto rede
articuladora das interações que materialmente o densificam), implicam a prático-normativamente
consonante correlação dos excessos à pouco denunciados e a constituição de um puro estado-de-
direito e abrem espaço a uma fundamentação do mencionado sistema revelante das dimensões
privadas e públicas da autonomia dos cidadãos.
⦁ O Direito objetivo e o Direito subjetivo perfilam-se como categorias constitutivas da própria
juridicidade e, consequentemente, da nossa compreensão da normatividade jurídica.
Porquê?
Porque remetem diretamente e sub specie iuris para as 2 dimensões dialeticamente constitutivas
da pessoa em que, como sabemos, se enucleia a normatividade jurídica:
- O Direito Subjetivo traduz o reconhecimento autonomizante do suum de cada pessoa;
- O Direito Objetivo desvela a responsabilizante vinculação de todas elas ao comum, que é o
horizonte de emergência e condição de advento da pessoalidade.
A pessoa e o direito são, portanto, a síntese dessas 2 dimensões e apenas poderão dizer-se
cumpridamente realizados quando as mencionadas dimensões estiverem axiológico-praticamente
equilibradas, pois só assim desocultará, sem reticências, o sentido normativamente fundamental
de uma e de outra. Qualquer hipertrofia de uma delas gera sempre uma prática mais ou menos
desequilibrada. Assim, a sobressaliência do direito subjetivo corresponde à predominante
afirmação do individuo e ao correlativo apagamento da comunidade e a sobressaliência do direito
objetivo corresponde a uma relação de sentido inverso entre aquele e esta. No limite, teremos, na
1ª hipótese, a anomia anárquica ,e ,na 2ª, o totalitarismo opressor.
As 2 dimensões da pessoa que tratámos (direito objetivo e subjetivo), revelaram-se-nos vetores
dialeticamente constitutivos da juridicidade e não categorias contingentes. Por isso, hoje, só
podemos pensar, com sentido, a realização dos direitos subjetivos que titulamos, no quadro do
referente fundamental que os justifica, isto é, se os articularmos com o unitário pano de fundo em
que emergem e que os socializa.
Isto mostra-nos que não há apenas uma limitação formal no exercício dos direitos subjetivos, que
nos diz que “a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros”. Mais do que isso, um direito
subjetivo legitimamente titulado, deverá ser exercido em consonância com a sua fundamentação
comunitária material, e não é outra razão de ser do abuso do direito, em que afinal se manifesta
tanto a apontada dialética constitutiva da juridicidade, como a incindibilidade das categorias
normativas a que aludimos.
projetando-se num sistema fechado e potencialmente sem lacunas nem antinomias. Esta conceção
de sistema não se adequa às exigências do pensamento jurídico, pois se atende à sistematicidade
vai inconsiderar a problematização. Na mesma linha se inscreve ainda um sistema polarizado numa
unidade por redução a um único fundamento formal, em que cada um dos seus estratos
hierarquicamente justapostos tem por única função definir o quadro em que se vai inscrever a
normatividade precipitada ao nível imediatamente inferior.
- atendendo à sua historicamente realizada projeção: distingue o sistema normativista do
sistema decisionista. Assim, se hoje devemos compreender o sistema jurídico como topos de
estrutura e de objetivação da especificamente intencionada e constituenda normatividade jurídica
vigente, o certo é que não foi esse o modelo de sistema jurídico que herdamos.
Se nos circunscrevermos no hemisfério continental, diremos ser de tipo normativista a tradição
em que nos inserimos. Mas a conceção decisionista do sistema jurídico não nos é estranha.
Para o normativismo, o sistema jurídico é conjunto de normas que se articulam umas com as
outras em termos lógicos, em consonância com o caráter formal-abstrato e axiomático-dedutivo do
jusnaturalismo matricial. O Jusnaturalismo deduzia sistemas de direito natural de certos axiomas e
especulativamente postulados; e o Sistema Jurídico era um articulado lógico de proposições gerais
e abstratas que se manifestavam antes da sua aplicação concreta. O normativismo veio dividir a pré
criação da decisão.
No sistema jurídico do tipo decisionista, o direito objetiva-se aquando da sua mesma realização
concreta.
Fruto do racionalismo ilusionista, o normativismo eliminou deliberadamente a pluridimensional
complexidade tipificadora das anteriores compreensões do sistema jurídico, substituindo-a por
uma estria unidimensional, e reduziu a unidade a mera unicidade. Esta conceção normativista do
sistema jurídico mostra-se alheia à dinâmica que marca a unidade de sentido prático do direito e
deve considerar-se hoje superada.
Geralmente são relevados como intenções práticas que o pensamento jurídico vai excogitando: as
instâncias a quem estiver cometida a constituição do direito, ao refletirem as soluções concretas
para as controvérsias jurídicas num determinado horizonte comunitário, não podem deixar de
inferir os seus pressupostos fundamentantes. Portanto, o ritmo da respetiva desvelação é
determinado pelos problemas (qualificados como juridicamente relevantes) que vão surgindo no
horizonte comunitário concretamente em causa.
⦁ Não é possível prever o que apenas se consegue ir esclarecendo a partir da experiência que se vai
fazendo – dos problemas que vão sendo refletidos e decididos.
⦁ Observemos ainda que as exigências axiológico-normativas a que nos estamos a referir só serão
autênticos “princípios positivos de juridicidade” se poderem justificadamente dizer-se em sintonia
com o sentido especifico fundamental do direito. Por outro lado, só estamos perante princípios
normativos, próprio sensu, se os apoios que eles dogmaticamente traduzem puderem ser
seriam apenas em termos “de mais ou menos”, atentas as respetivas intencionalidade axiológica e
relevância problemática.
⦁ Em caso de conflito entre um princípio jurídico e uma norma legal, de uma estrita ótica
jusnaturalista preferir-se-ia sempre o 1º, e de uma perspetiva positivista linear optar-se-ia sempre
pela 2ª. Mas, como nós já sabemos que a adequada autonomização dos princípios normativos não
se reconduz à bipolaridade jusnaturalismo/positivismo, estamos em condição de compreender que
o problema não pode resolver-se com postulados.
⦁ Se estivermos perante uma lei injusta, privilegia-se o princípio e recusa-se a aplicação da norma.
Mas, excetuando esta situação, cremos que as eventuais antinomias podem ser prático-
normativamente superadas pela mediação de certos operadores discursivos. O 1º deles é o cânone
da interpretação das normas conforme os princípios. À semelhança do cânone da interpretação da
legislação ordinária conforme a constituição, hoje propõe-se uma interpretação das normas
jurídicas segundo os princípios.
Como se vê, a referência do referido cânone contribui decisivamente para a eliminação de muitas
das possíveis contradições entre o ius e a lex.
⦁ Por outro lado, pode acontecer que apareçam normas a limitar, ou superar, em termos prático
normativamente fundamentados, princípios que antes se afirmavam sem restrições. Verbi gratia:
- A refração limitadora de uma norma como a do artigo 334º do cc no princípio de autonomia do
sujeito no exercício dos direitos subjetivos que titule; a apontada limitação deve considerar-se
juridicamente válida, porque ela não deixa de corresponder a exigências desveladas por um
aprofundamento problemático da ideia de direito.
- na eventual superação, no âmbito do negócio jurídico, do principio da declaração.
⦁ Tudo isto mostra-nos que, em 1º lugar, só a lógica prático-material é capaz de articular
adequadamente a elasticidade e a indeterminação de princípios muitas vezes lógico-formalmente
contraditórios com a singular especificidade de um decidendo problema jurídico concreto. E ainda
o compreendemos melhor se acrescentarmos que as mencionadas exigências de sentido são afinal
constituídas por proposições comparativas. Em 2ºlugar, desvela-nos, que nas hipóteses em que
seja insuperável a posição prático-concreta de princípios, terá que optar-se, de um modo
normativamente fundamentado, ou por um ou por outro, podendo adiantar-se que quanto mias
elevado for o grau de realização ou de vilipendiação de um dos princípios conflituantes, tanto
maior será a importância de uma realização efetiva do outro.
⦁ A mobilização, pelas instâncias de decisão, de princípios normativos, não será suscetível de
subverter o sentido específico que os predica, atenta a sua característica indeterminação?
Supomos que uma tríplice garantia (intencional, institucional e metodológico jurídica) é bastante
para se responder negativamente àquela pergunta e afastar o receio que com ela se insinua.
garantia intencional – traduz a exigência de que se impõe o reconhecimento de uma consonância
entre a decisão judicativa e concreta e o principio circunstancialmente em causa.
garantia institucional complementar – radica no modo de ser do próprio processo judicial, no
horizonte de um autêntico Estado-de-Direito, que é estruturado em termos de tanto o juiz como as
partes concorrem na tarefa de controlar em concreto a realização dos princípios normativos.
garantia metodológico-jurídica – reconduz-se a justiciabilidade dos referidos princípios que está na
base da dialética circularidade que os entretece com as decisões judicativas e que é potenciada pela
experiência casuística em que se vai projetando a mencionada realização concreta dos princípios
normativos.
→ 3º normas jurídicas legais
⦁ As normas são critérios jurídicos gerais e abstratos que visam solucionar imediatamente um
determinado conjunto de problemas.
⦁ As normas traduzem sempre um dever ser.
⦁ A norma articula uma previsão e uma estatuição, liga uma hipótese a uma determinada
de caráter técnico-científico. Com efeito, este conjunto de dados, para além de uma óbvia função
cognitiva, cumpre também uma função normativa, na medida que é, por vezes, chamado a
densificar materialmente, de um modo mais ou menos imediato, o conteúdo de verdadeiros
critérios jurídicos.
⦁ Em fim, a Realidade jurídica também constitui direito porque os próprios particulares criam
direito.
→ 7º regras ou bordões procedimentais
⦁ São o conjunto das específicas regulae decidendi, os expedientes dogmáticos e os arrimos
metodológicos que constituem um sub sector particular da realidade jurídica, que o jurista deve
utilizar para poder desempenhar, dum modo adequado, a tarefa a que está incumbido, pois só por
esta sua mediação logrará articular normativo-consonantemente, em termos materialmente
densificantes e dinamicamente projetantes, os demais estratos do Corpus Iuris vigente.
⦁ notas sobre a estrutura do sistema jurídico:
- Em vez de todos os estratos jurídicos que acabámos de ver, seria possível apontar a teoria da
legislação, o pensamento jurídico e a metodonomologia como as dimensões articulantes do
sistema jurídico.
- Sem prejuízo do papel fundamental que o direito desempenha no orçamento geral da
humanidade, são múltiplas as rúbricas nas quais se podem incluir as suas receitas, podendo, ainda,
apresentar-se que o Corpus Iuris constitui uma teia articuladora de reenvios, entretecida pelos
diferentes elementos que o compõem.
⦁ Se perguntarmos pela autónoma relevância daquela mesma perspetiva de cada um dos estratos
componentes diríamos que:
→ o sentido do direito beneficia duma “presunção de referencialidade”;
→ os princípios, de uma presunção de validade;
→ as normas, de uma presunção de autoridade;
→ os precedentes jurisdicionais, de uma presunção de justeza;
→ os modelos práticos de decisão propostos pela dogmática, de uma presunção de racionalidade;
→ a realidade jurídica, de uma presunção de eficácia;
→ os bordões procedimentais, de uma presunção de estabilidade.
⦁ Todas estas presunções, por um lado, deixam-se sintetizar na normatividade emblemática e
noematicamente problematizável presunção de vigência jurídica que também deve ser
compreendida como uma categoria deveniente e que traduz a ineliminável garantia da sua
justiciável juridicidade. Por outro lado, permitem revelar as diferenças sem apagarem a
semelhança nuclear do problema pela necessária conformidade ao direito da reflexão judicativo-
decisória que, pela mediação de um discurso analógico, os faz corresponder aos casos
circunstancialmente decidendos.
A abertura predicativa do Sistema Jurídico é uma das razões que não nos parece prudente
qualifica-lo, sem mais, como autopoiético. Atendendo às não despiciendas especificidades que o
caracterizam, quer estático-estruturalmente, quer dinâmico-metabolicamente, não hesitaremos,
todavia, em reconhecer, analogamente, a sua radical regência por leis próprias.
→ Regressivo e Aposteriori: a índole da dinâmica que anima o Sistema Jurídico é regressiva (que
se processa, espacialmente, da frente para trás e cronologicamente, de hoje para ontem) e
aposteriori. Por outras palavras: a exigência da salvaguarda da específica unidade do Corpus Iuris
determina que, aquando da sua abertura, o novo regrida sobre o pré-disponível.
O problema das fontes tem então que ver com o modo de constituição da normatividade jurídica
vigente. E, para respondermos à pergunta “Como se constitui a normatividade jurídica vigente?“,
temos de ter em consideração 4 momentos:
⦁ Material ou sociológico
⦁ De validade
⦁ Constituinte
⦁ De objetivação
No momento material está em causa o reconhecimento de que a realidade social tem uma
densidade. A densidade própria do mundo humano é um pressuposto material. O Direito, se quiser
ser vigente, tem que responder aos problemas que a comunidade põe. Como não há Direito sem
sociedade, o direito tem que refletir os valores da sociedade.
O momento material por si só não chega, é necessário um outro momento para que a vigência
possa emergir, esse momento é o momento de validade.
Tenho um problema quando não vejo transparentemente cumprida na experiência que fizer as
exigências pressupostas. O momento de validade possibilita a emergência do problema
juridicamente relevante e impõe a respetiva solução. Nem toda a prescrição do poder é Direito. A
legitimidade formal é diferente da legitimidade material e não é a mera legitimidade formal que
garante a legitimidade material.
Estes dois momentos também não chegam. Eles viabilizam a dialética de problemas, que deve ser
gerida por uma instância constituinte, que poderá ser a comunidade (num sistema
consuetudinário), a instância legislativa (num sistema legislativo), ou os tribunais (se se tratar de
um sistema jurisprudencial). O professor Fernando Bronze referiu, pois, que “é a nível do momento
constituinte que as águas se separam”. É a nível do momento constituinte que podemos separar os
diversos tipos de experiências constitutivas consuetudinárias paradigmáticas.
A instância legislativa é a instância principal por razões políticas, sociológicas e funcionais. Num
sistema legislativo, como o caso do sistema português, o legislador cria quase todo o Direito. Mas,
se há coisas que só a legislação pode fazer, há outras que a legislação não pode fazer. Existem
limites à criação da legislação que podem ser:
⦁ Funcionais - são como que o contra pólo negativo de tudo só a lei deve ser chamada a fazer no
âmbito de um Estado de Direito como o nosso.
⦁ Normativos
Os limites normativos podem dividir-se ainda em:
- Limites normativos objetivos - quando temos um problema, e, sendo expectável que haja um
critério/ norma para resolvê-lo, não há. Estamos perante o problema das lacunas.
- Limites normativos intencionais - temos um problema e temos uma norma legal adequada à
resolução do caso. Só que a norma é geral e abstrata e o caso é concreto, especifico. Existe uma
distância que se decorre entre o âmbito de relevância do caso e a intencionalidade legal da norma,
e, esta distância não é segura. As normas jurídicas legais nunca fornecem sem esforço e sem dor a
solução para os problemas concretos. É o jurista que se predispõe a esse “trabalho”.
- Limites normativos temporais - temos um caso juridicamente relevante e uma norma para
resolver esse caso, só que a norma não tem nada a ver com os problemas que a sociedade
apresenta. As normas são postas a vigorar para resolver determinadas questões, num determinado
tempo, por isso, as normas podem estar formalmente em vigor mas serem caducas ou obsoletas.
Diz-se, pois, que os limites temporais no põem perante normas obsoletas e normas caducas. No
caso das normas obsoletas, perdem a vigência por terem perdido a eficácia, ou seja, estão
formalmente em vigor, não foram revogadas pelo legislador, mas a realidade mudou; a norma
previa uma realidade diferente da atual.
Relativamente às normas caducas, perdem a vigência por terem perdido a validade, ou seja, estão
formalmente em vigor, mas, devido à erosão da história, os princípios e a axiologia em que essas
normas se fundam já não são os valores em que a comunidade se revê.
- Limites normativos de validade – se a norma romper com os princípios fundamentais do
ordenamento jurídico vigente, é normativamente inválida.
Aos três momentos até agora discriminados acresce um último momento, o momento de
objetivação do Direito no corpus iuris, pressuposto decisivo da respetiva e irrenunciável vigência.
Só estaremos diante de Direito quando uma específica validade se afirmar societariamente eficaz.
As fontes de Direito têm uma tripla importância. Uma importância teorética, uma importância
prático-pragmática e prático-metodológica.
Em suma,
1º momento: de confronto com o mundo
2º momento: da exigência de sentido axiológico
3º momento: da dialética em que se arrendam as outras duas
4º momento: marca o termo de processo
Metodonomologia é o caminho (odos) percorrido pela decisão judicativa (nomos) para que ela
atinja o seu objetivo (meta), que é a resolução, em termos normativamente adequados, do
problema concreto (logos).
1. Objeto da metodonomologia
⦁ A metodologia jurídica, ou metodonomologia, tem por objeto a prático-normativamente
racionalizada realização judicativo-concreta do direito.
⦁ A metodologia jurídica tem, para o jurista uma importância decisiva, porque o direito é uma
tarefa problematicamente constituenda.
⦁ A metodonomologia tem a ver com a tarefa prática da constituinte mobilização ou da inovadora
constituição do direito, e não com a teorética qualificação de certos conhecimentos como
verdadeiros.
⦁ A metodonomologia, por si só, não soluciona os casos juridicamente relevantes, mas, sem ela,
não se pode discernir racionalmente, para os decidendos problemas concretos, uma normatividade
consonante.
⦁ Os dois problemas cardeais da metodonomologia são:
- O da disquisição da racionalidade pré ordenada à fundamentação da concludência discursiva do
juízo decisório, em acordo intencional com as prático-problematicamente radicadas e mimético-
poieticamente excogitadas exigências que enervam o sentido específico que pressuponentemente
se tiver reconhecido ao direito;
- O da elaboração do modelo metódico correspondente, ou seja, do conjunto de operações
reflexivas, determinadas pela racionalidade, a que importa submeter os constituídos e/ou
constituendos fundamentos/critérios jurídicos, com o objetivo de testar a respetiva prestabilidade
para a normativo-judicativamente adequada resolução de cada caso decidendo.
⦁ Portanto, a metodonomologia é o caminho reflexivo, racionalmente percorrido pelos juristas,
para alcançarem o seu objetivo: a pratico-normativamente adequada resolução judicativa dos
concretos casos-problemas decidendos que devam solucionar.
⦁ Neste circuito reflexivo, o jurista mostra-se como o mediador ineliminável, intervindo na sua
modelação e participando na sua objetivação, uma vez que o jurista é o portador do sopro da
juridicidade, mobilizando o sentido constituendo que a predica na realização da tarefa que é
institucionalmente a sua.
⦁ Se o sentido das problemáticas do sistema jurídico e das fontes do direito se nos desvelou
condicionado pela conceção concreta do direito, também o sentido da metodonomologia depende
do entendimento que tivermos da normatividade jurídica vigente. Se duma perspetiva intencional
reconhecemos o que acaba de afirmar-se, institucional e decorrentemente não podemos ignorar a
dependência da metodonomologia do ordenamento de direito em que a refletimos. Este é o
condicionamento histórico-sociológico da metodonomologia.
- racionalidade hermenêutico-dialética;
- racionalidade axiomático-dedutiva.
⦁ Ao longo deste ciclo histórico manifestaram-se 3 tipos de pensamentos jurídicos metódico/
metodologicamente comprometidas:
- o casuísmo jurisprudencial romano;
- a hermenêutica jurisprudencial medieval;
- os juristas modernos.
interior da lei, bem como a acentuação da importância dos elementos clássicos no processo
interpretativo das leis consideradas separadamente.
⦁ Sobre a interpretação das leis, Savigny chamou a atenção para os problemas da unidade e da
universalidade do sistema jurídico. A falta de unidade pode gerar contradições, que deveriam ser
resolvidas no quadro orgânico do instituto concretamente em causa, considerando especialmente
o sentido da sua evolução histórica. Por seu turno, a falta de universalidade poderia originar
omissões (lacunas), integráveis por analogia orgânica ou por criação de um novo instituto jurídico.
⦁ Com o tempo, os horizontes defendidos pela escola da exegese e pela jurisprudência dos
conceitos acabaram por fundir-se. Surgiu assim o método jurídico. O pensamento jurídico que lhe
deu origem era chamado a desempenhar três funções:
- a interpretação das normas tomadas na sua autossuficiência significante;
- a construção conceitual realizada a partir dessa base material e instrumentalizada ao
apuramento da natureza jurídica dos institutos refletidos;
- a sistematização lógico-formalmente articulada do direito.
⦁ O método jurídico apresentava 3 dimensões:
- Dimensão hermenêutica (que se centrava na interpretação teorético-cognitiva das normas
jurídicas);
- Dimensão epistemológica (que dizia respeito à construção-sistematização lógica dos conceitos
inferidos pela atividade interpretativa):
- Dimensão técnica (que não era mais do que a aplicação silogístico-subsuntiva dos mencionados
conceitos aos factos conformadores dos casos decidendos).
⦁ Este último método veio a ser alvo de uma dupla crítica por parte do pensamento jurídico:
- Uma de caráter empírico, mostrou que, no plano da realidade as coisas não decorriam como se
afirmava: as competentes do juízo do julgador eram mais prático-valorativas do que lógico-
axiomáticas;
- Outras de caráter metodológico, assumiram que, no plano desejável, as coisas não deveriam ser
como se sustentava: emergiram então correntes que desvelaram não passar a norma de eventual
pressuposto do direito judicativamente realizando.
1. O sentido do problema
⦁ A partir dos movimentos de orientação prática (LICD, MDL e JI), tudo mudou: o pensamento
jurídico metodologicamente compreendido deixou de ser obcecado com o seu estatuto
epistemológico e passou a centrar-se na racionalizada realização judicativo-decisória do direito.
⦁ A metodonomologia não se reduz à interpretação jurídica. A metodonomologia preocupou-se
com a pluralidade de dimensões do concreto juízo decisório e não apenas com a interpretação
jurídica. Mas, num sistema como o nosso, a maior parte dos casos são juridicamente decididos por
mediação de normas legais ou de outros critérios pré objetivados no Corpus Iuris.
⦁ A interpretação jurídica é a atividade reflexiva tendente a desocultar o sentido que uma data
norma jurídica visa imprimir.
⦁ A interpretação jurídica centra-se na prático-normativamente adequada mobilização de um
determinado critério jurídico pelo qual o decidente se possa orientar quando se lhe impuser
discernir a decisão judicativa de um caso concretamente decidendo. Por outras palavras: a
interpretação jurídica centra-se na questão de saber como se realiza, “em termos
metodologicamente corretos a determinação normativo-pragmaticamente adequada de um
critério jurídico do sistema do direito vigente para a solução do caso decidendo”.
⦁ O caso-problema emerge antropocronotopicamente, isto é, entre determinadas pessoas, num
certo momento histórico e num lugar determinado. Em síntese, num quadro circunstancial
concreto.
⦁ Assim sendo, na interpretação jurídica não se trata de compreender a letra e o espírito do texto
legal em questão, mas de reconstituir fundadamente e utilizar adequadamente uma norma do
Corpus Iuris como critério orientador da solução de um caso juridicamente relevante. Logo, o
problema da interpretação jurídica é prático-normativo.
⦁ Ao jurista não compete aceder à compreensão do sentido ou do significado dos textos jurídicos,
mas atingir a normatividade jurídica das normas jurídicas suscetíveis de lhe disponibilizar um
critério normativo jurídico fundado na norma e adequado ao problema. Por isso, o jurista deve
concentrar-se no decidendo problema jurídico.
a) Teoria positivista
⦁ A interpretação jurídica consistia na reconstituição do pensamento contido na lei, isto é, na
determinação da vontade do legislador ou do sentido autonomamente comunicado pela própria
lei, desprezando a respetiva aplicação.
⦁ O que importa é esclarecer como devemos pô-los (critérios e fundamentos jurídicos) em conexão
com o caso decidendo, e como devemos utilizá-los (os critérios e fundamentos jurídicos) para
adequadamente solucionarmos o mencionado caso-problema. Por um lado, acentua-se o caráter
analógico da interpretação jurídica; por outro, sublinha-se a ideia de que a analogia se mostra
consonante com a tensão que perpassa a metodonomologia; finalmente assume-se a compreensão
de que a tarefa interpretativa não se esgota na problemática metodonomologia.
⦁ O pensamento tradicional considerava 4 grandes núcleos de questões no âmbito do problema
global da interpretação jurídica: objeto, fatores, elementos e resultados.
jurídica; só a partir da jurisprudência dos interesses é que o elemento gramatical passou a ter valor
meramente indiciário, o elemento fulcral da interpretação passou a ser o elemento teleológico.
b) O objetivismo traduz aquilo que, exatamente foi dito pelo legislador; interpretava-se para
perceber qual era o sentido vertido naquela norma. Para o objetivismo o autor é instituído pelo
texto, isto é, retirava a autoridade ao autor da norma e tendia a conferir uma infinidade de
conteúdos.
Crítica: concorria para realizar a historicidade do direito e, portanto, à sua conformação à vida, mas
era suscetível de potenciar o perigo do arbítrio jurisdicional.
d) A interpretação teleológica referia ao fim prático que a norma visaria; é um manifesto caráter
pragmático. Esta interpretação instrumentaliza o direito ou formaliza-o.
→ Resultados da interpretação
⦁Tradicionalmente, os resultados interpretativos eram três: interpretação declarativa,
interpretação extensiva e interpretação restritiva.
Interpretação declarativa: quando a letra e o espírito da lei coincidem.
Interpretação extensiva: quando o espírito é mais amplo que a letra; amplia-se o alcance da letra
para adequar ao espírito.
Interpretação restritiva: quando a letra é mais ampla que o espírito; a solução é uma redução do
alcance da letra para o adequar ao espírito.
⦁ Com a jurisprudência dos interesses acrescentou-se a interpretação corretiva.
3. A integração
⦁ As lacunas, hoje, deixaram de existir, isto é, perderam a validade.
⦁ Já que nem todos os problemas praticamente significativos são metodologicamente relevantes, é
urgente traçar limites do jurídico face ao espaço livre de direito. Por causa da historicidade que os
marca, os dois espaços mencionados (o jurídico e o livre), relacionam-se sem cessar, enredando-se
reciprocamente numa interpermutabilidade ora expansiva, ora compreensiva de qualquer deles à
custa do outro.
⦁ A problemática dos dois limites do jurídico é suscetível de ser analisada de duas perspetivas
distintas:
Perspetiva tradicional: sustenta a respetiva definibilidade pelo sistema pré objetivado;
Perspetiva moderna: entende que só partindo do decidendo problema concreto se logrará uma
normativo-juridicamente esclarecida abordagem da questão.
⦁ Por sua vez, em termos histórico-diacrónicos deve assinalar-se a diferença introduzida, na
questão em causa, pelo movimento codificatório. Antes desta época a dificuldade não era sentida
nem frequentemente tematizada: o sistema manifestava-se aberto e incluía o direito subsidiário, a
que se recorria quando a legislação se revelasse insuficiente.
⦁ Quando começaram a surgir casos que não eram subsumíveis ao sistema pré definido e que,
apesar disso, exigiam uma solução jurídica, tomou-se consciência do caráter falacioso da
construção. Portanto, há lacuna quando o sistema positivo, imediatamente ou por interpretação,
permite qualificar um determinado caso como juridicamente relevante e, todavia, for omisso,
inadequado ou incompleto a cerca da respetiva disciplina ou regime.
⦁ Qual é o critério de delimitação duma lacuna?
a) Tipos de lacunas
- Lacunas normativas: verificam-se quando a mediação judicativa não é só por si bastante para
viabilizar a aplicação a um certo caso de uma dada norma jurídica, exigindo-se para o efeito uma
nova disposição que se encontra na lei e tornando-se assim necessária para colmatar esta falha de
política legislativa, uma nova decisão do legislador
- Lacunas de regulação: não inviabilizam a aplicação da lei, mas afetam-na e mostram-se passiveis
de serem colmatadas pela instância de decisão, se esta revelar, como deve, a intenção e a
teleologia da lei
- Lacunas da Lei: (engoba os 2 tipos anteriores) ocorrem sempre com o “plano de regulação” ou a
“teleologia própria” de uma certa lei, discretamente considerada, no-la revele incompleta ou
inadequada, impendendo especialmente sobre a jurisprudência judicial o dever de as integrar.
- Lacunas do Direito: são omissões censuráveis ao legislador na global pressuposição do
deveniente sentido do direito vigente
⦁ Hoje o problema das lacunas vê-se substituído pelo desenvolvimento transistemático do direito.
Se o pensamento tradicional compartimentava estritamente a interpretação e a integração, hoje
sustenta-se a existência de um continuum entre ambos.
⦁ Diante de problemas juridicamente relevantes, para os quais não existe um critério pré
disponível no sistema jurídico, o jurista vai resolvê-lo recorrendo aos princípios normativos, às
dimensões jurídicas que se manifestam na emergência do problema, à consciência jurídica geral e
ao sentido do direito. O jurista vai ter em mãos a dialética entre os momentos de validade e
material, para reconstituir a constituenda normatividade jurídica vigente.
⦁ Contra o pensamento positivista que considerava o pensamento fechado, imutável e completo,
hoje o pensamento é aberto e constituendo, não temos apenas o direito vigente, mas também
aquilo que queremos que venha a ser direito, por isso, não consideramos lacunas.