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Psicopatologia Geral II

Dalgalarrondo, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2. Ed. – Porto


Alegre: Artmed, 2008. 440p.

Aula 9 - A orientação e suas alterações

A capacidade de situar-se quanto a si mesmo e quanto ao ambiente é elemento


básico da atividade mental. A avaliação da orientação é um instrumento valioso para a
verificação das perturbações do nível de consciência. Além disso, as alterações da
orientação também podem ser decorrentes de déficits de memória (como nas
demências) e de qualquer transtorno mental grave que desorganize o funcionamento
mental global.
A capacidade de orientar-se é classificada em orientação autopsíquica e alo-
psíquica. A orientação autopsíquica é a orientação do indivíduo em relação a si mesmo.
Revela se o sujeito sabe quem é: nome, idade, data de nascimento, profissão, estado
civil, etc. Já a orientação alopsíquica diz respeito à capacidade de orientar-se em relação
ao mundo, isto é, quanto ao espaço (orientação espacial) e quanto ao tempo (orientação
temporal).

Orientação espacial

É investigada perguntando-se ao paciente o lugar onde ele se encontra, a


instituição em que está, o andar do prédio, o bairro, a cidade, o estado e o país. Também
é investigada a capacidade do paciente de identificar a distância entre o local da
entrevista e sua residência (em quilômetros ou horas de viagem). Em relação à
orientação espacial, é importante verificar claramente se o paciente sabe o tipo de lugar
em que está (p. ex., se está em um hospital, uma unidade básica de saúde, um
consultório médico ou psicológico, CAPS, etc.), se pode dizer o nome do lugar
(Hospital das Clínicas da Unicamp, Consultório da dra. Raquel, Unidade Básica de
Saúde da Vila Carrão, etc.) e onde se situa esse lugar (no distrito de Barão Geraldo, em
Campinas, na Vila Mariana, em São Paulo, etc.).
Orientação temporal

A orientação temporal indica se o paciente sabe em que momento cronológico


está vivendo, a hora do dia, se é manhã, tarde ou noite, o dia da semana, o dia do mês, o
mês do ano, a época do ano, bem como o ano corrente. Carlat (2007) sugere “do mais
fácil para o mais difícil”, se o paciente tiver dificuldade em responder, que se pergunte:
Em que ano estamos? Que mês? Que dia da semana? Que dia do mês?
Também é possível avaliar a noção que o paciente tem da duração dos eventos e
da continuidade temporal. O examinador pode perguntar: Há quanto tempo a senhora
está neste local? Há quanto tempo a senhora trabalhou (ou se alimentou) pela última
vez? Faz quanto tempo que a senhora não me vê?

Alterações da orientação

Geralmente a desorientação ocorre, em primeiro lugar, em relação ao tempo. Só


após o agravamento do transtorno, o indivíduo se desorienta quanto ao espaço e,
finalmente, quanto a si mesmo.

Desorientação por redução do nível de consciência. Também denominada desorientação


torporosa ou confusa, é aquela na qual o indivíduo está desorientado por turvação da
consciência. Tal turvação e o rebaixamento do nível de consciência produzem alteração
da atenção, da concentração e, consequentemente, da capacidade de percepção e
retenção dos estímulos ambientais. Isso impede que o indivíduo apreenda a realidade de
forma clara e precisa e integre, assim, a cronologia dos fatos. Portanto, nesse caso, a
alteração do nível de consciência é a causa da desorientação. Essa é a forma mais
comum de desorientação.

Desorientação por déficit de memória imediata e recente. Também denominada


desorientação amnéstica. Aqui, o indivíduo não consegue reter as informações
ambientais básicas em sua memória. Não conseguindo fixar as informações, perde a
noção do fluir do tempo, do deslocamento no espaço, passando a ficar desorientado
temporoespacialmente. Ocorre não apenas por perda da memória de fixação, mas por
déficit de reconhecimento ambiental (agnosias) e por perda e desorganização global das
funções cognitivas. Ocorre nos diversos quadros demenciais (doença de Alzheimer,
demências vasculares, etc.).

Desorientação apática ou abúlica. Ocorre por apatia ou desinteresse profundos.


Aqui, o indivíduo torna-se desorientado devido a uma marcante alteração do humor e da
volição, comumente em quadro depressivo. Por falta de motivação e interesse, o
indivíduo, geralmente muito deprimido, não investe sua energia no mundo, não se atém
aos estímulos ambientais e, portanto, torna-se desorientado.

Desorientação delirante. Ocorre em indivíduos que se encontram imersos em


profundo estado delirante, vivenciando ideias delirantes muito intensas, crendo com
convicção plena que estão “habitando” o lugar (e/ou o tempo) de seus delírios. Nesses
casos, é comum a chamada dupla orientação, na qual a orientação falsa, delirante,
coexiste com a orientação correta. O paciente afirma que está no inferno, cercado por
demônios, mas também pode reconhecer que está em uma enfermaria do hospital ou em
um CAPS. Pode, ainda, ocorrer de o paciente dizer, em um momento, que está na cadeia
e que os enfermeiros são carcereiros, e afirmar, logo em seguida, que são enfermeiros
do hospital (alternando sequencialmente os dois tipos de orientação).

Desorientação por déficit intelectual (anteriormente chamada de desorientação


oligofrênica). Ocorre em indivíduos com deficiência ou retardo mental grave ou
moderado. Nesse caso, a desorientação ocorre pela incapacidade ou dificuldade em
compreender o ambiente e de reconhecer e interpretar as convenções sociais (horários,
calendário, etc.) que padronizam a orientação do indivíduo no mundo.

Desorientação quanto à própria idade. É definida como uma discrepância de


cinco anos ou mais entre a idade real e aquela que o paciente diz ter. Ela tem sido
descrita em alguns pacientes esquizofrênicos crônicos e parece ser um bom indicativo
clínico de déficit cognitivo na esquizofrenia (Crow; Stevens, 1978).

Quadro 12.1 - Semiotécnica da orientação


Orientação temporal: “Que dia é hoje?”; “Qual o dia da semana?”; “Qual o dia do mês?”;
“Em que mês estamos?”; “Em que ano estamos?”; “Qual a época do ano (começo, meio ou
final do ano)?”; “Aproximadamente que horas são agora?”. Lembrar-se de que alguns
sujeitos com baixa escolaridade (menos de oito anos) podem, eventualmente, apresentar
dificuldades na orientação temporal e, sobretudo, nas noções de duração e continuidade
temporal (Anthony; Le Resche; Niaz, 1982).

Orientação espacial: “Onde estamos?”; “Como se chama a cidade em que estamos? E o


bairro?”; “Qual o caminho e quanto tempo leva para vir de sua casa até aqui?”; “Que edifício
é este (hospital, ambulatório, consultório, etc.) em que estamos?”; “Em que andar
estamos?”.

Orientação autopsíquica: “Quem é você?”; “Qual o seu nome?”; “O que faz?”; “Qual a sua
profissão?”; Quem são os seus pais?”; “Qual a sua idade (verificar a idade real do
paciente)?”; “Qual o seu estado civil?”.

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