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Psicopatologia Geral II

Dalgalarrondo, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2. Ed. – Porto


Alegre: Artmed, 2008. 440p.

Aula 11 – A sensopercepção e suas alterações

Todas as informações do ambiente, necessárias à sobrevivência do indivíduo,


chegam até o organismo por meio das sensações. Os diferentes estímulos físicos (luz,
som, calor, pressão, etc.) ou químicos (substâncias com sabor ou odor, estímulos sobre
as mucosas, a pele, etc.) agem sobre os órgãos dos sentidos, estimulando os diversos
receptores e, assim, produzindo as sensações. O ambiente fornece constantemente
informações sensoriais ao organismo que, por intermédio delas, se autorregula e
organiza suas ações voltadas à sobrevivência ou à interação social.

Define-se sensação como o fenômeno elementar gerado por estímulos físicos,


químicos ou biológicos variados, originados fora ou dentro do organismo, que
produzem alterações nos órgãos receptores, estimulando-os. Os estímulos sensoriais
fornecem a alimentação sensorial aos sistemas de informação do organismo. As
diferentes formas de sensação são geradas por estímulos sensoriais específicos, como
visuais, táteis, auditivos, olfativos, gustativos, proprioceptivos e cinestésicos.

Por percepção, entende-se a tomada de consciência, pelo indivíduo, do estímulo


sensorial. Arbitrariamente, então, se atribui à sensação a dimensão neuronal, ainda não
plenamente consciente, no processo de sensopercepção. Já a percepção diz respeito à
dimensão propriamente neuropsicológica e psicológica do processo, à transformação de
estímulos puramente sensoriais em fenômenos perceptivos conscientes. Piéron (1996)
define percepção como a tomada de conhecimento sensorial de objetos ou de fatos
exteriores mais ou menos complexos.

A sensação é considerada, portanto, um fenômeno passivo; estímulos físicos


(luz, som, pressão) ou químicos atuam sobre sistemas de recepção do organismo. Já a
percepção seria fenômeno ativo; o sistema nervoso e a mente do sujeito constroem um
percepto por meio da síntese dos estímulos sensoriais, estímulos esses confrontados com
experiências passadas registradas na memória e com o contexto socio-cultural em que
vive o sujeito e que atribui significado às experiências. Tal percepto, ou seja, a
percepção final, é, dessa forma, apreendido pelo sujeito consciente.

Alterações quantitativas da sensopercepção

Nas alterações quantitativas, as imagens perceptivas têm intensidade anormal,


para mais ou para menos, configurando hiperestesias, hiperpatias, hipoestesias,
anestesias e analgesias. Eventualmente, esses termos são empregados em neurologia
com um sentido um pouco diverso do utilizado em psicopatologia.

A hiperestesia, no sentido psicopatológico, é a condição na qual as percepções


encontram-se anormalmente aumentadas em sua intensidade ou duração. Os sons são
ouvidos de forma muito amplificada; um ruído parece um estrondo; as imagens visuais
e as cores tornam-se mais vivas e intensas. A hiperestesia ocorre nas intoxicações por
alucinógenos, como o LSD (eventualmente também após ingestão de substâncias como
cocaína, maconha, harmina e harmalina, estas duas últimas contidas na beberagem de
uso ritual nas religiões Santo Daime e União do Vegetal), em algumas formas de
epilepsia, na enxaqueca, no hipertireoidismo, na esquizofrenia aguda e em certos
quadros maníacos.

Já a hipoestesia, no sentido psicopatológico, é observada em alguns pacientes


depressivos, nos quais o mundo circundante é percebido como mais escuro; as cores
tornam-se mais pálidas e sem brilho; os alimentos não têm mais sabor; e os odores
perdem sua intensidade. As mais comuns são decorrentes de lesões da medula, das
raízes medulares dos nervos e dos neurônios periféricos.

Por sua vez, as anestesias táteis implicam a perda da sensação tátil em


determinada área da pele. Usa-se, com frequência, o termo anestesia para indicar
também analgesias (perda das sensações dolorosas) de áreas da pele e partes do corpo.
Anestesias, hipoestesias e analgesias em áreas que não correspondem a territórios de
nervos anatomicamente definidos em geral são de causa psicogenética. Tais alterações
ocorrem mais em pacientes com transtornos histéricos, em sujeitos com alto grau de
sugestionabilidade e em alguns quadros depressivos e psicóticos graves.

Alterações qualitativas da sensopercepção


As alterações qualitativas da sensopercepção são as mais importantes em
psicopatologia. Compreendem as ilusões, as alucinações e as alucinoses.

ILUSÃO

O fenômeno descrito como ilusão se caracteriza pela percepção deformada,


alterada, de um objeto real e presente. Na ilusão, há sempre um objeto externo real,
gerador do processo de sensopercepção, mas tal percepção é deformada, adulterada, por
fatores patológicos diversos. Ilusão é a percepção deformada de um objeto real e
presente.

As ilusões ocorrem basicamente em três condições:

- Estados de rebaixamento do nível de consciência. Por turvação da


consciência, a percepção torna-se imprecisa, fazendo com que os estímulos
sejam percebidos de forma deformada.

- Estados de fadiga grave ou de inatenção marcante. Podem ocorrer ilusões


transitórias e sem muita importância clínica.

- Alguns estados afetivos. Por sua acentuada intensidade, o afeto deforma o


processo de sensopercepção, gerando as ilusões.

As ilusões mais comuns são as visuais, nas quais o paciente geralmente vê


pessoas, monstros, animais, entre outras coisas, a partir de estímulos visuais como
móveis, roupas, objetos ou figuras penduradas nas paredes. Também não são raras as
ilusões auditivas, nas quais, a partir de estímulos sonoros inespecíficos, o paciente ouve
seu nome, palavras significativas ou chamamentos.

ALUCINAÇÃO

Define-se alucinação como a percepção de um objeto, sem que este esteja


presente, sem o estímulo sensorial respectivo. Há, aqui, certa dificuldade conceitual. Se
a percepção é um fenômeno sensorial que obrigatoriamente inclui um objeto
estimulante (as formas de uma bola, o ruído de uma voz, o odor de uma substância
química) e um sujeito receptor, como pode-se falar em percepção sem objeto?
Entretanto, a clínica registra indivíduos que percebem perfeitamente uma voz ou uma
imagem, com todas as características de uma percepção normal, corriqueira, sem a
presença real do objeto. Eis um desafio conceitual que a patologia mental coloca à
psicologia do normal.

Alucinação é a percepção clara e definida de um objeto (voz, ruído, imagem)


sem a presença do objeto estimulante real. Alguns autores chamam de alucinações
verdadeiras aquelas que têm todas as características de uma imagem perceptiva real
(nitidez, corporeidade, projeção no espaço exterior, constância).

Embora as alucinações sejam mais comuns em indivíduos com transtornos


mentais graves, podem ocorrer em pessoas que não os apresentem. Um estudo de Tien
(1991) revelou que alucinações de qualquer tipo ocorrem na população normal com a
incidência anual de 4 a 5%, sendo as visuais mais comuns que as auditivas. Dessa
forma, indivíduos sem transtornos mentais podem ter visões ou ouvir vozes, sobretudo a
de parentes próximos já mortos, devido ao desejo intenso de reencontrá-los (Behrendt;
Young, 2004).

Tipos de alucinação: alucinação auditiva (ouve-se ruídos, ou vozes);


alucinações musicais (a audição de tons musicais, ritmos, harmonias e melodias sem o
correspondente estímulo auditivo externo); alucinações visuais (São visões nítidas que
o paciente experimenta, sem a presença de estímulos visuais); alucinações táteis (O
paciente sente espetadas, choques ou insetos ou pequenos animais correndo sobre sua
pele); alucinações olfativas (“sentir” o odor de coisas podres, de cadáver, de fezes, de
pano queimado, etc.); alucinações cenestésicas (sensações incomuns e claramente
anormais em diferentes partes do corpo, como sentir o cérebro encolhendo ou o fígado
despedaçando ou perceber uma víbora dentro do abdome); alucinações cinestésicas
(sensações alteradas de movimentos do corpo, como sentir o corpo afundando, as pernas
encolhendo ou um braço se elevando); alucinações funcionais (alucinação
desencadeada por um estímulo real. Ex.: pacientes relatam que quando abrem o
chuveiro ou a torneira da pia, começam a ouvir vozes); alucinações combinadas ou
sinestesias (são experiências alucinatórias nas quais ocorrem alucinações de várias
modalidades sensoriais - auditivas, visuais, táteis, etc. - ao mesmo tempo. O indivíduo
vê uma pessoa que fala com ele, toca em seu corpo e assim por diante); alucinações
extracampinas (são alucinações experimentadas fora do campo sensoperceptivo usual,
como quando o indivíduo vê uma imagem às suas costas ou atrás de uma parede);
alucinação autoscópica (é uma alucinação visual - que também pode apresentar
componentes táteis e cenestésicos - na qual o indivíduo enxerga a si mesmo, vê o seu
corpo, como se estivesse fora dele, contemplando-o).

Quadro 14.2 - Semiotécnica da sensopercepção

Alucinações auditivas: Tem observado coisas que não consegue explicar? Tem ouvido
vozes de pessoas estranhas ou desconhecidas? Ouve vozes sem saber de onde vêm?
São ruídos, murmúrios ou vozes bem claras? Entende o que dizem as vozes? Elas vêm de
perto ou de longe? O volume é alto ou baixo? São pessoas conhecidas ou desconhecidas?
São vozes de homens, de mulheres ou de crianças? As vozes vêm de dentro da cabeça ou
de fora do corpo? Por qual dos dois ouvidos ouve as vozes? Vê ou sente as pessoas que
lhe falam? Desagradam-lhe as vozes que ouve? Fica irritado? Tem medo? Por quê? Que
lhe dizem as vozes? Xingam, insultam ou ameaçam? As vozes falam com você?
Comentam algo sobre você? As vozes ordenam ou proíbem alguma coisa? As vozes são o
seu próprio pensamento em voz alta? São repetições de seus pensamentos? São palavras
isoladas, frases ou parágrafos? Por favor, repita textualmente o que dizem as vozes. As
vozes são reais ou produtos de um transtorno ou doença? Acredita que eu também possa
ouvi-las? Ouviu as vozes durante a entrevista?.

Alucinações visuais: Tem visto algo estranho, que lhe chamou a atenção? Talvez tenha
percebido visões, animais, homens, figuras, sombras, fogo, fantasmas, demônios, ou
coisas do tipo? Essas visões se mexiam ou eram fixas? Assustou-se com tais visões? As
visões se aproximam ou se afastam de você? São escuras ou claras? São coloridas? De
que cor? Tem as visões apenas de noite ou também de dia? Apenas quando está
acordando ou adormecendo ou a qualquer hora? O que vê? Descreva para mim. De onde
vêm essas visões?.

Alucinações olfativas e gustativas: Tem notado sabor ou cheiro ruim na comida? Alguém
tem querido lhe envenenar? Os cheiros eram agradáveis ou desagradáveis? De onde você
acredita que vêm esses cheiros ou o gosto ruim? O cheiro passou rápido ou durou muito
tempo?.

Alucinações táteis e cenestésicas: Sente algo estranho em seu corpo? Incomodam-lhe


correntes elétricas ou influências estranhas? Sente como se lhe tocassem o corpo,
beliscassem, batessem ou beijassem? Essas sensações são agradáveis ou
desagradáveis? Tem a sensação de que tocam nos seus genitais? Sente algo estranho
dentro de seu corpo? Sente como se houvesse um animal ou inseto dentro de seu corpo?.

Alucinações cinestésicas: Tem feito movimentos contra sua vontade? Partes de seu corpo
têm mudado de posição sem o seu controle? Sente como se levantassem seu corpo no ar?
Sente como se o chão oscilasse? Sente como se levasse um empurrão?.

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