Você está na página 1de 8

Recomendações conjuntas sobre

infecções do trato urinário inferior não


complicadas na mulher e na gestante

Consultoria científica: Sociedade Brasileira de Infectologia,


Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e
Obstetrícia, Sociedade Brasileira de Urologia e Sociedade
Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial
Anualmente, mais de 10% das mulheres são afetadas e mais de 50%
das mulheres terão, pelo menos, um episódio sintomático ao longo
da vida de infecção do trato urinário (ITU).1 Após o primeiro
episódio de ITU, 24% das mulheres jovens apresentarão recorrência no
período de seis meses, e 2% a 5% delas acabam desenvolvendo ITU
recorrente.2,3

BACTERIÚRIA ASSINTOMÁTICA

A Bacteriúria Assintomática (BA) é uma condição comum em mulheres


saudáveis, acometendo 1% a 5% na idade reprodutiva e de 2,8% a 8,6%
na pós-menopausa. A condição é benigna, e estudos randomizados
mostraram que, exceto em mulheres grávidas, o uso de antibióticos
não conferiu benefícios em relação ao não tratamento. Além disso, há
aumento do risco de resistência bacteriana e infecção por Clostridium
difficile.5

Em resumo: Não rastreie, não trate – exceto durante a gravidez ou


antes de procedimentos urológicos invasivos.

BACTERIÚRIA ASSINTOMÁTICA NA GRAVIDEZ

A ocorrência de BA está associada ao aumento da morbidade perinatal


(prematuridade e baixo peso fetal). BA não tratada se associa a
pielonefrite em até 40% das gestações; com tratamento, essa taxa se
reduz para 3%.2,3
Na gravidez, a prevalência de BA é semelhante à de não gestantes
(2% a 10%). A evolução de BA para ITU (sintomática) ocorre em
aproximadamente 25% das pacientes.
Tabela 1. Antibióticos recomendados para tratamento da
BA na gravidez.

Antibióticos Posologia Observações

Fosfomicina trometamol 3 g em dose única

Nitrofurantoína 100 mg 6/6h por 5 dias Não usar após 37


semanas de gestação
Cefalexina 500 mg 6/6h por 7 dias Podem ser usadas outras
cefalosporinas em doses
habituais
Cefuroxima 250 mg 12/12h por 7 dias

Amoxicilina 500 mg 8/8h ou 875 mg Tratamento padrão para


12/12h por 7 dias Strepto B* (Streptococcus
agalactiae) e
Enterococcus faecalis.

CISTITE NÃO COMPLICADA NA MULHER

O tratamento da cistite inclui analgésicos e antimicrobianos. Na escolha


do fármaco, devem ser considerados os seguintes aspectos: espécies
bacterianas mais prevalentes e padrão de sensibilidade bacteriana
local, tolerabilidade e efeitos adversos, risco de desenvolvimento de
resistência bacteriana, custo e disponibilidade.4,6

A fosfomicina tem ação contra E. coli, incluindo cepas produtoras de


ESBL, Enterococcus spp., S. aureus e S. epidermidis; a atividade contra
S. saprophyticus tem se mostrado limitada8,9. O espectro de ação da
nitrofurantoína inclui E. coli (~90% das cepas), Enterococcus spp., S.
aureus, S. saprophyticus e Strepto B (S. agalactiae), enquanto Proteus
spp. e Pseudomonas spp. apresentam resistência intrínseca a esse
antibiótico.

Segundo o estudo ARESC, as bactérias isoladas nas mulheres com


cistite mostraram maior sensibilidade à fosfomicina trometamol e
nitrofurantoína (Tabela 2) 2. E. coli apresentou sensibilidade >90% para
ambas as drogas (respectivamente, 97,0% e 94,3%); porém, quando se
considerou o total de espécies isoladas, a sensibilidade à nitrofurantoína
diminuiu para 84,1%.

Tabela 2. Sensibilidade aos Antibióticos recomendados para


tratamento da Cistite Aguda Não-Complicada no Brasil

Estudo ARESC28

Todas as bactérias
Antimicrobiano Escherichia coli (%)
isoladas (%)

Fosfomicina Trometamol 97,0 94,9

Nitrofurantoína 94,3 84,1

Ciprofloxacino 89,2 89,0

Amoxicilina-clavulanato 79,8 78,7

Cefuroxima 74,5 75,7

SMX-TMP 54,5 58,4

Ampicilina 37,7 33,8

Adaptado de Naber et al. 19


Os antibióticos recomendados para cistite não complicada na mulher
são fosfomicina trometamol (3g VO em dose única) e nitrofurantoína
(100 mg VO 6/6 h por 5 dias).

Tabela 3. Esquemas de tratamento da cistite não complicada


na mulher.

Fármaco Posologia Duração

Recomendados (1ª linha)

Fosfomicina trometamol 3g Dose única

Nitrofurantoína 100 mg 6/6h 5 dias

As fluoroquinolonas (FQ – norfloxacino, ciprofloxacino, levofloxacino)


não são recomendadas na cistite não complicada devido à redução
da sensibilidade dos uropatógenos e desenvolvimento de resistência
bacteriana.

A Agência Europeia de Medicamentos (European Medicines Agency


– EMA) divulgou, em 2019, recomendações restringindo o uso de
FQ pelo risco de efeitos secundários incapacitantes e potencialmente
permanentes2. As restrições se aplicam, entre outras situações, para
tratamento de infecções leves ou moderadas do trato urinário inferior e
prevenção de ITU recorrente.

CISTITE NA GRAVIDEZ

A cistite ocorre em cerca de 2% das gestações, muitas vezes precedida


por BA não tratada10,11
Como nas não gestantes, o tratamento é empírico. O antibiótico deve ser
escolhido considerando o perfil de sensibilidade local e a segurança na
gravidez, dando preferência a drogas categoria B do FDA 4,5 - visto que
não há no momento medicamento categoria A com esta indicação.
Tabela 4. Esquemas terapêuticos para cistite na gravidez.

Fármaco Posologia Duração Observações

Fosfomicina
3g Dose única
trometamol
Não usar após
Nitrofurantoína 100 mg 6/6h 5 dias 37 semanas de
gestação
Amoxicilina- 500/125 mg 8/8h 875/125 mg
7 dias
clavulanato ou 12/12h

Cefuroxima 250 mg 12/12 h 7 dias

Da mesma forma que na BA, deve-se realizar profilaxia antimicrobiana


até o final da gravidez após o 2º episódio de cistite ou, se houver
antecedente de infecção urinária de repetição (ITUr), após o 1º episódio.

INFECÇÃO URINÁRIA RECORRENTE

Nos episódios agudos, fazer tratamento empírico (fosfomicina e


nitrofurantoína como primeira escolha), considerando culturas
anteriores, uso recente de antibióticos e o padrão de resistência
bacteriana local.

Os esquemas recomendados estão listados abaixo e não há vantagem


em mudar periodicamente o antibiótico utilizado.12,18

O tratamento deve durar de três a seis meses. 4


Tabela 5. Antimicrobianos recomendados para profilaxia
da ITUr em mulheres não grávidas.

Fármaco Posologia (contínua) Posologia (pós-coito)

Fosfomicina trometamol 3 g a cada 10 dias

Nitrofurantoína 100 mg/por dia 100 mg


Fontes:

1 Fihn SD. Clinical practice. Acute uncomplicated urinary tract infection in women. N Engl J Med 2003;349(3):259–66.
2 Foxman B. The epidemiology of urinary tract infection. Nat Rev Urol. 2010;7(12):653-60.
3 Nicolle LE. Update in adult urinary tract infection. Curr Infect Dis Rep. 2011;13(6):552-60.
4 Bonkat G (Chair), Bartoletti RR, Bruyère F, Cai T, et al. EAU guidelines. Urological Infections (Update 2019). Disponível em: https://uroweb.org/guideline/
urological-infections/ (acesso em 16/04/2019).
5 Santos Filho OO, Telini AH. Infecções do trato urinário durante a gravidez. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
(FEBRASGO); 2018. (Protocolo FEBRASGO - Obstetrícia, nº 87/ Comissão Nacional Especializada em Gestação de Alto Risco).
6 Haddad JM, Fernandes DA. Infecção do trato urinário. São Paulo, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), 2018.
(Protocolo FEBRASGO - Ginecologia, no. 63/ Comissão Nacional Especializada em Uroginecologia e Cirurgia Vaginal).
7 Gupta K, Hooton TM, Naber KG, et al. International clinical practice guidelines for the treatment of acute uncomplicated cystitis and pyelonephritis in
women: A 2010 update by the Infectious Diseases Society of America and the European Society for Microbiology and Infectious Diseases. Clin Infect Dis.
2011;52(5):e103-20.
8 Nicolle LE, Gupta K, Bradley SF, et al. Clinical Practice Guideline for the Management of Asymptomatic Bacteriuria: 2019 Update by the Infectious Diseases
Society of America. Clin Infect Dis. 2019 Clin Infect Dis. 2019;68(10):e83-e110.
9 S Preventive Services Task Force, Owens DK, Davidson KW, et al. Screening for Asymptomatic Bacteriuria in Adults: US Preventive Services Task Force
Recommendation Statement. JAMA. 2019;322(12):1188-94.
10 American Academy of Pediatrics and American College of Obstetricians and Gynecologists: Guidelines for Perinatal Care, 8th ed. Elk Grove Village, AAP, 2017.
11 American College of Obstetricians and Gynecologists. ACOG Practice Bulletin No. 91: Treatment of urinary tract infections in nonpregnant women. Obstet
Gynecol. 2008;111(3):785-94.
12 Urinary tract infection (lower): antimicrobial prescribing NICE guideline [NG109], 2018. Disponível em: https://www.nice.org.uk/guidance/ng109/
chapter/Recommendations (acesso em 14/08/2019).
14 Brasil. Ministério da Saúde. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília, Editora do Ministério da Saúde, 2012.
15 Anger J, Lee U, Ackerman AL, et al. Recurrent uncomplicated urinary tract infections in women: AUA/CUA/SUFU Guideline. J Urol. 2019;202(2):282-9.
16 senberg HD. Clinical Microbiology Procedures Handbook 2nd ed. Washington, ASM Press, 2007, 3.12.
17 ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 15268: Laboratório clínico – Requisitos e recomendações para o exame de urina. ABNT. Brasil,
2005 ;1ª ed.:9.
Nicolle LE. Asymptomatic bacteriuria: when to screen and when to treat. Infect Dis Clin North Am. 2003; 17(2):367–94.
18 Platt R. Adverse consequences of asymptomatic urinary tract infections in adults. Am J Med. 1987;82(6B):47-52
19 Naber KG, Schito G, Botto H, Palou J, Mazzei T. Surveillance study in Europe and Brazil on clinical aspects and Antimicrobial Resistance Epidemiology in
Females with Cystitis (ARESC): implications for empiric therapy. Eur Urol. 2008;54(5):1164-75.
20 Hooton TM. Clinical practice. Uncomplicated urinary tract infection. N Engl J Med. 2012 Mar 15;366(11):1028-37.
21 Schito GC, Naber KG, Botto H, Palou J, Mazzei T, Gualco L, Marchese A. The ARESC study: an international survey on the antimicrobial resistance of
pathogens involved in uncomplicated urinary tract infections. International Journal of Antimicrobial Agents 2009;34:407-13.
22 Hisano M, Bruschini H, Nicodemo AC, Srougi M. Uncomplicated urinary tract infections in women in a Sao Paulo quaternary care hospital: bacterial
spectrum and susceptibility patterns. Antibiotics (Basel). 2014 Mar 19;3(1):98-108.
23 Gupta K, Grigoryan L, Trautner B. Urinary tract infection. Ann Intern Med. 2017;167(7):ITC49-ITC64.
24 Schulz L, Hoffman RJ, Pothof J, Fox B. Top ten myths regarding the diagnosis and treatment of urinary tract infections. J Emerg Med. 2016;51(1):25-30.
25 Giesen LG, Cousins G, Dimitrov BD, van de Laar FA, Fahey T. Predicting acute uncomplicated urinary tract infection in women: a systematic review of the
diagnostic accuracy of symptoms and signs. BMC Fam Pract. 2010;11:78.
26 Bent S, Nallamothu BK, Simel DL, Fihn SD, Saint S. Does this woman have an acute uncomplicated urinary tract infection? JAMA. 2002;287(20):2701-10.
27 Zhanel GG, Zhanel MA, Karlowsky JA. Intravenous fosfomycin: An assessment of its potential for use in the treatment of systemic infections in Canada. Can
J Infect Dis Med Microbiol. 2018;2018:8912039.
28 Falagas ME, Vouloumanou EK, Samonis G, Vardakas KZ. Fosfomycin. Clin Microbiol Rev. 2016;29(2):321–47.
29 Naber KG, Schito G, Botto H, Palou J, Mazzei T. Surveillance study in Europe and Brazil on clinical aspects and Antimicrobial Resistance Epidemiology in
Females with Cystitis (ARESC): implications for empiric therapy. Eur Urol. 2008;54(5):1164-75.
30 Rocha JL, Tuon FF, Johnson JR. Sex, drugs, bugs, and age: Rational selection of empirical therapy for outpatient urinary tract infection in an era of extensive
antimicrobial resistance. Braz J Infect Dis. 2012;16(2):115-21.
31 Bader MS, Loeb M, Brooks AA. An update on the management of urinary tract infections in the era of antimicrobial resistance. Postgrad Med.
2017;129(2):242-58.
32 https://www.fda.gov/news-events/press-announcements/fda-updates-warnings-fluoroquinolone-antibiotics
33 European Medicines Agency (EMA). Disabling and potentially permanent side effects lead to suspension or restrictions of quinolone and fluoroquinolone
antibiotics. Disponível em: https://www.ema.europa.eu/en/medicines/human/referrals/quinolone-fluoroquinolone-containing-medicinal-products (acesso
em 20/10/2019).
34 Gilstrap LC 3rd, Ramin SM. Urinary tract infections during pregnancy. Obstet Gynecol Clin North Am. 2001;28(3):581-91.
35 Delzell JE Jr, Lefevre ML. Urinary tract infections during pregnancy. Am Fam Physician. 2000;61(3):713-21.
36 FitzGerald MP, Graziano S. Anatomic and functional changes of the lower urinary tract during pregnancy. Urol Clin North Am. 2007;34(1):7-12.
37 Duarte G, Marcolin AC, Quintana SM, Cavalli RC. Infecção urinária na gravidez. Rev Bras Ginecol Obstet. 2008;30(2):93-100.
38 Lee M, Bozzo P, Einarson A, Koren G. Urinary tract infections in pregnancy. Can Fam Physician. 2008;54(6):853-4.
39 Foxman B. Recurring urinary tract infection: incidence and risk factors. Am J Public Health 1990; 80(3):331-3.
40 Foxman B. Urinary tract infection syndromes: occurrence, recurrence, bacteriology, risk factors, and disease burden. Infect Dis Clin North Am.
2014;28(1):1-13.
41 Raz R, Stamm WE. A controlled trial of intravaginal estriol in postmenopausal women with recurrent urinary tract infections. N Engl J Med.
1993;329(11):753-6.
42 Bula Anvisa – Estriol (Bula para o profissional de saúde). Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmVisualizarBula.
asp?pNuTransacao=5942712019&pIdAnexo=11274842 (acesso em 02/09/2019).
43 Bula Anvisa - Promestrieno (Bula para o profissional de saúde). Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/datavisa/fila_bula/frmVisualizarBula.
asp?pNuTransacao=3605062018&pIdAnexo=10531586 (acesso em 02/09/2019).
44 Pompei LM, Machado RB, Wende COM, Fernandes CE. Consenso Brasileiro de Terapêutica Hormonal da Menopausa – Associação Brasileira de
Climatério (SOBRAC). São Paulo, Leitura Médica, 2018, 49-52.
45 Kabbara WK, Kordahi MC. Nitrofurantoin-induced pulmonary toxicity: A case report and review of the literature. J Infect Public Health. 2015;8(4):309–13.
46 Santos JM, Batech M, Pelter MA, Deamer RL. Evaluation of the risk of nitrofurantoin lung injury and its efficacy in diminished kidney function in older adults
in a large integrated healthcare system: a matched cohort study. J Am Geriatr Soc. 2016;64(4):798-805.
47 Geerts Af, Eppenga WL, Heerdink R, et al. Ineffectiveness and adverse events of nitrofurantoin in women with urinary tract infection and renal impairment
in primary care. Eur J Pharmacol. 2013;69(9):1701-7.
2020156PocketAntibiotico2/Maio/2020

Você também pode gostar