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REMORSO X ARREPENDIMENTO

“Se soubéssemos o que a misericórdia de Deus fez por Judas Iscariotes,


provavelmente abusaríamos disso” (Pascal Ide)

O remorso é um lamento inútil e ineficaz, que consiste em desejar que a falta não tivesse acontecido e em
sofrer por causa da incapacidade de suprimi-la. Os que se roem de remorso ficam debilitados
por um sentimento que os corrói e consome, por um tipo de angústia mórbida e doentia que os devora.
Depois, segue-se a auto-condenação em inúteis perguntas sobre a culpa, pois dentro do sentimento de
culpa existe a rejeição do que quer que tenha sido feito e sua condenação pela nossa consciência.
Os sentimentos de culpa assumem formas mórbidas, chegando até mesmo ao prazer na dor moral que
as pessoas preservam com cuidado, voltando constantemente a vivenciar toda a sua angústia.

A pessoa que sofre de remorso pode parecer amargurada, mas a amargura está disfarçada. De modo
velado, ela procura dar a impressão de que Deus se compraz com esse sofrimento da consciência.
As pessoas cheias de remorso sentem-se mergulhadas no fracasso, aprisionadas em um mundo fechado
do qual não conseguem escapar, imersas em confusão, discutindo consigo mesmas o tempo todo e
fechando-se em si mesmas.
Assim, a vida das pessoas se imobiliza interiormente, porque experimentam não apenas seu passado,
mas também seu futuro como passado, já que estão presas ao passado.
“Pois que é a vida senão constantes novas partidas e rejuvenescimento interior, um novo
florescimento no poder da ressurreição eterna?”
Entretanto, os que estão arrasados pelo remorso são incapazes de tudo isso.
Suas asas parecem quebradas; é como se tivessem parado a vida real e se colocado fora dela.
Fazem do passado imutável um tempo rígido que para eles se eterniza.
Os que sentem remorso olham para si mesmos e, ao mesmo tempo, sentem que estão sendo olhados por
outros e por Deus, e este olhar é, ao mesmo tempo, condenação, julgamento definitivo, inapelável.
Esse olhar intangível, anônimo e onipresente é como que a unificação de todos os olhares humanos, o
olhar de todos os espaços, infiltrando no coração humano.
O remorso está no plano da Lei; a Lei é firme e rígida. Ora, enquanto estivermos presos à Lei, só
seremos incentivados a ter um sentimento de mórbida culpa e remorso. A Lei é remorso infecundo.

Que é o arrependimento?
Também ele é o reconhecimento da culpa pessoal, mas, ao mesmo tempo, a ultrapassa e supera.
O arrependimento procura desviar-se do passado, olhando para a frente, olhando para o futuro.
O fato é uma realidade passada, mas não a ação que lhe deu origem. Ela permanece no fundo de
nós e é por isso que podemos retomá-la, refazê-la, recriá-la. O ser humano é capaz de se “re-fazer”
repetidamente. Isso é boa nova, é esperança, é felicidade, é a “redenção do tempo”.
O significado do passado sempre depende do futuro. Assim, a questão não é saber o que o nosso
passado é, mas saber o que desejamos fazer com ele. A história que temos de fazer livra-nos da história
que fizemos, e o arrependimento livra-nos do determinismo do passado.

A Graça de Deus é proporcional ao abismo que o arrependimento abre em nós.


O que nos falta é a consciência de nossa culpa, a consciência de nosso pecado – consciência essa,
entretanto, que não é desespero nem vão remorso, mas verdadeiro arrependimento.
Temos de ir até às raízes de nosso ser para redescobrir a fonte. No arrependimento há um segredo de
juventude, um segredo de vida, um segredo de extraordinária inocência.
O arrependimento não teme chegar ao fundo de uma falta, às profundezas de nosso ser. Na verdadeira
culpa, tomamos nossas faltas nas mãos, olhamo-las de frente, reconheçamo-las, aceitamo-las,
assumimos a responsabilidade por elas, ao mesmo tempo que as repudiamos.
Nossa dignidade e grandeza máxima como seres humanos está no modo como assumimos a responsabi-
lidade por nossas ações. A plena consciência de nossas faltas e o verdadeiro arrependimento ajudam-
nos a chegar ao fundo das coisas, fazem-nos alcançar a origem e nos renovam.
A boa-nova recebida por nós é que tudo pode ser retomado, tudo pode ser recomeçado, tudo pode ser
redimido, tudo pode ser recriado. O arrependimento está no plano da Graça e a Graça é futuro, é
esperança, é renascimento, é a remissão dos pecados.

Textos bíblicos: Rom. 6,12-23 Rom. 7,1-6

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