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Abordagem Psicopedagógica das Dificuldades de

Aprendizagem- Insucesso Escolar -

Vitor da Fonseca
(1999). 2ª Ed. Lisboa: Âncora Editora.

Índice

PREFÁCIO DA 2. ^ EDIÇÃO... 7
INTRODUÇÃO 13
CAPÍ'I'ULO 1
PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... . . 17
Os grandes pioneiros... 17
Perspectivas lesionais e cerebrais... ... ... . . 22
Perspectivas perceptivo-motoras das DA 24
Perspectivas de linguagem... ... . 29
Perspectivas neuropsicológicas das DA. 63
Perspectiva de integração... ... . . 65
Algumas perspectivas actuais... . g2
Modelo interaccional, de Adelman... ... . . g3
Teoria integrada da informação, de Senf g4
Teoria do desenvolvimento das capacidades perceptivas e cognitivas, de Satz
e Van Nostrand... . . g6
Teoria do atraso de desenvolvimento da atenção selectiva, de Ross... ... . 88
Hipótese do défice verbal, de Vellutino g9
Hipótese do educando inactivo, de Torgesen... . . 90
Modelo hierarquizado, de Wiener e Cromer... . 92
CAPÍTI. TLO 2
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS
DESAFIOS... . . 93
Definição de DA 95
Expectativas sobre as DA 97
Modelos de avaliação das DA... 9g
Método de intervenção nas DA. 1Q
Novos desafios para as DA... ... . . 101
Problemática da définição da criança com dificuldades de áprendizagem 105
Modelos teóricos das dificuldades de aprendizagem... ... 113
CAPÍTULO 3
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... .
1I 9

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


Aspectos gerais, condições associadas e problemas de definição... ... ... . 119 Factores
etiológicos das dificuldades de aprendizagem 133 Factores biológicos... 135 Factores
genéticos... ... . 137 Factores pré, peri e pós-natais. 140 Factores neurobiológicos e
neurofisiológicos... 142 Factores sociais 148

CAPÍTULO 4
VISÃO INTEGRADA DA APRENDIZAGEM 163 Aprendizagem e comportamento. :. 163
Teorias da aprendizagem. 164 Aprendizagem humana e aprendizagem animal 166
Aprendizagem, estímulo, reflexo e condicionamento... 167 Aprendizagem e
motivação... . . 168 Aprendizagem, habituação e reforço... . 168 Aprendizagem e
encadeamento 168 Aprendizagem e discriminação 168 Aprendizagem e memória... ... .
. 169 Aprendizagem, noção de desenvolvimento, noção de deficiência e de dificuldade
de aprendizagem... ... . 170 Condições de aprendizagem: neurobiológicas,
socioculturais e psicoemocionais 175 Sistemas psiconeurológicos de aprendizagem. .
177

CAPÍTULO 5
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES
DE APRENDIZAGEM. . 189
Relações entre o cérebro e o comportamento e entre o cérebro e a aprendizagem 189
Interdependência das capacidades psiconeurológicas da aprendizagem 206 Alguns
factores psiconeurológicos implicados nas DA 224

CAPfTULo 6
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 243 Definições. 244
Dificuldades e incapacidades de aprendizagem (agnosias, afasias e apraxias)... 249
Dificuldades de aprendizagem não verbais... . . 251 Dificuldades de aprendizagem
primárias e secundárias 273 Taxonomia das DA e hierarquia da linguágem 277

CAPÍTULO 7
NECESSIDADES DA CRIANÇA EM IDADE PRÉ-ESCOLAR... ... . . . 303
Introdução... . . . 303
Necessidades da criança em idade pré-escolar . 305
Algumas reflexões práticas para a criança em idade pré-escolar . 314
CaPírULo 8
DESPISTAGEM E IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM . 323
CAPÍTULO 9
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDIZAGEM... ... . . . 347
Factores psicodinâmicos e sociodinâmicos... ... . 350

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ÍNDICE

Função do sistema nervoso periférico (SNP)... . 351


Funções do sistema nervoso central (SNC)... ... . 355
CAPÍTULO 1O...
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICULDADES
DE APRENDIZAGEM... . 361
Problemas de atenção. . 362
Problemas perceptivos. 364
Problemas emocionais. . 377
Froblemas de memória 379
Problemas cognitivos... 384
Problemas psicolinguísticos... ... 396
Problemas psicomotores 402
CAPÍTCTLO 11
PROFICIÊNCIA MOTORA EM CRIANÇAS NORMAIS E EM CRIANÇAS
COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... . 407
Estudo comparativo e correlativo com base no Teste de Proficiência Motora
de Bruininks- Oseretsky... . . 407
CAPÍ1'CILo 12
ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZAÇÃO PSICONEUROLÓGICA DA
CRIANÇA E DO JOVEM COM DISFUNÇÃO CEREBRAL M VIMA... . 441
Disfunção cerebral mínima (DCM) e confusão neurofuncional máxima 441
Caracterização psicomotora... ... . 447
Caracterização socioemocional e compQrtamental... ... ... 453
Caracterização cognitiva 455
CAPfTULO
DISSECAÇÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA 459
Causas exógenas e endógenas... 460
Processo de leitura... ... . 462
Dificuldades auditivas (dislexia e auditiva disfonética). . 471
Dificuldades visuais (dislexia visual discidética) 472
CAPÍ'I'LILO 14
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES
DA DISLEXIA... ... . 475
Substratos neurológicos da leitura... ... ... 484
Perfil psicomotor da criança disléxica. Introdução à síndroma dislexia mais dispraxia
494
Algumas implicações para a mvestigaçao futura 507
CAPfrutO 15
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VERSUS INSUCESSO ESCOLAR... 509
CAPÍ'TULO 16
(IN)CONCLUSÕES... ... 521
BIBLIOGRAFIA 537
SIGLAS E ACRÓNIMOS... ... ... 563

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PREFÁCIO DA 2. " EDIÇÃO

Pais, professores e responsáveis pela educação em geral, todos sem excepção,


têm-se preocupado e preocupam-se com a questão das dificuldades de aprendizagem
(DA) em todos os graus de ensino e em todos os níveis de formação dos recursos
humanos, visto que, em última análise, se trata de preparar o futuro de uma sociedade.
Portugal é certamente um país onde o problema das DA e o consequente
fenómeno sociocultural e socioeconómico do insucesso escolar e profissional não tem
merecido dos líderes e dos responsáveis do sector uma abordagem integrada nem
longitudinal, uma vez que a implicação deste facto crucial e controverso dos sistemas
de ensino e de formação joga cam a qualificação futura da força de trabalho duma
nação e com a integração social plena dos seus cidadãos.
Com a taxa de ensino pré primário muito baixa, com as percentagens
ameaçadoras de insucesso escolar nos ensinos básico e secundário, apesar dos novos
sistemas de avaliação, com a pobreza de recursos humanos e té cnicos do ensino
especial, com a vulnerável qualifica ão cognitiva e social dos cursos técnicos e dos
programas de transição para a vida activa, com a impreparação cientifica e pedagógica
assustadora de muitos cursos superiores, com cursos de formação profissional
extremamente limitados na adaptabilidade à mudanÇa tecnológica, com uma taxa de
analfabetismo técnico efi ncional critica em termos de desenvolvimento económico, etc.
, o panorama não é animador e a meta da democracia cognitiva não será certamente
alcançada na próxima década.
A <<exclusão de crianças, jovens e adultos com DA das políticas de educação e
de formação não tem sido acidental, ela enferma de uma atitude passiva e pessimista
em relação ao potencial de desenvolvimento do indivíduo.
Conceber que, ao longo da evolução da espécie, o ser humano foi portador de
potencial de modificabilidade e de adaptabilidade, independentemente das suas
dificuldadés adaptativas, e conceber que a criança, o jovem ou o adulto (porque não o
idoso ?), ao longo do seu percurso educativo formativo,

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

têm potencial cognitivo de transformação e de criatividade, independentemente das


suas DA, tem sido uma crenÇa" muito vulnerável e frágil, assunÇão esta que,
infelizmente, paira em inúmeros agentes de ensino e de formaÇão entre nós. As
nossas taxas de reprovação escolar e os indicadores de aproveitamento aeadémico
comprovam-no friamente, apesar das camuflagens subtis que são conhecidas.
Se os agentes de ensino ou de formaÇão adoptarem uma atitude activa e
optimista em rela ão ao potencial da pessoa (criança, jovem ou adulto), e se se criar
essa crença com DA, poderão ter a alternativa de maximizaÇão dos seus potenciais
cognitivos e não o seu progressivo empobrecimento e, estarão certamente mais
integrados e realizados pessoal e socialmente e, consequentemente, mais preparados
para os desafios das mudanças tecnológicas aceleradas que caracterizam as
sociedades actuais.
Para se operar esta modificação estrutural de atitudes no contexto das DA, é
necessário ter um pensamento educacional mais baseado no sentimento de
competência do que no sentimento de incompetência, quer dos actores do ensino, quer
dos da aprendizagem.
Assim, como é impossivel dissociar em termos de desenvolvimento, a criança do
adulto, também é irracional separar o ensino da aprendizagem, porque há entre ambos
uma identidade interactiva fundamental, na medida em que a aprendizagem ilustra e é
condição do ensino; daí que seja difícil separar também as dificuldades de
aprendizagem das dificuldades de ensino.
Em síntese, para cada dislexia (termo que simplesmente quer dizer diflculdade
de aprendizagem da leitura inerente à pessoa em formação) há uma dispedagogia
(termo que unicamente quer ilustrar uma dificuldade em diagnosticar e compensar as
necessidades educacionais dos formandos). Sem expandir e ampliar os sentimentos de
competência das crianças ou dos formandos e dos professores ou dos formadores, não
é possivel produzir mudanças qualitativas e substanciais no macrocontexto das DA.
As crianças, os jovens e os adultos com DA ainda não são reconhecidos como
uma nova taxonomia educacional, por isso estão perdidos conceptualmente entre o dito
ensino regular" e o dito ensino especial, transcendente e complexo, ou seja, o que
separa a denominada unormalidade da dita excepcionalidade,
Independentemente de algumas iniciativas fragmentadas como o extinto PIPSE,
as DA são vistas por muitos administradores e gestores educacionais como uma
verdadeira ameaÇa orÇamental quando os fundos para a edueação, para os serviços
de apoio pedagógico, para o desenvolvimento de modelos, estratégias e adaptações
curriculares, para a investigação e inovação educacional, etc. são efectivamente de
parca eftciência.
Directores de serviços de edueação e de formação, coordenadores,
administradores, legisladores, professores, investigadores, psicólogos e médicos
eseolares e demais responsáveis, partindo de perspectivas diferentes e antagónicas
sobre as DA, necessitam de informações válidas e cientificamente

PREFÁCIO DA 2. " EDI 'ÃO

fidedignas sobre esta polémica, não de meras opiniões ou palpites insubstanciados,


pressupostos economicist. as ou administrativos, para suportarem os seus juízos e
decisões, que em último caso se reflectem no futuro de crianças, jovens e adultos
considerados, justamente, nada mais nada menos, o maior capital de que um país
desfruta.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as crianças e os jovens com
DA representam hoje o maior grupo do sistema escolar (55%), comparativamente com
as crianças e os jovens supra ou sobredotados e ou <<normais com bom ou médio
aproveitamento escolar (25%), os quais, desde a entrada no sistema pré-primário até à
saída do sistema universitário, nunca evidenciaram DA. A mesma fonte aponta
crianças e jovens portadores de deficiências ou desordens (20%), que evidenciam já
necessidades especiais antes da entrada no sistema, ou eventualmente vêm a adquiri-
las durante o seu percurso de desenvolvimento.
O número de crianças e jovens com DA é desconhecido no sistema escolar
português, porque não há consenso sobre a sua elegibilidade ou a sua identificação,
mas a taxa de insucesso escolar é talvez a mais alta dos países da UE.
Cerca de 35 000 crianças no ensino primário são repetentes (fonte do Ministério
da Educação de 1988; os números actuais são desconhecidos e imprecisos, tendo em
atenção o período experimental do novo sistema de avaliação). O número de jovens
repetentes no ensino secundário reduz-se sensivelmente, mas sabe-se que tal é devido
ao abandono escolar e ao trabalho infantil, situações socioculturais de risco,
verdadeiramente indutoras de fenómenos de exclusão social muito problemáticos.
A urgência, portanto, de uma perspectiva preventiva das DA desde a escola
primária torna-se evidente à luz destes pressupostos; para isso é necessário apoiar a
investiga ão educacional que vise a identificação precoce, pragmática e económica de
tais casos, o que implica necessariamente acções estratégicas de intervenÇão
compensatória.
Para se identificar crian as e jovens com DA, é necessário que se vá mais longe
do que até à olimpica constata ão de repetências ou meros aproveitamentos
académicos abaixo da média, pois torna-se premente apurar psicoeducacionalmente
uma gama de características que constituem uma definição de DA testável, defmição
hoje ainda inexistente no nosso sistema de ensino, e, quanto a nós, comprovativa da
cristalina defesa dos direitos humanos inerentes à criança e ao jovem.
Das muitas definições já avançadas por eminentes investigadores e academias
de renome internacional; a definição do Comité Nacional Americano de Dificuldades de
Aprendizagem (National Joint Commitee of Learning Disabilities - NJCLD 1988) é
presentemente a que reúne maior consenso.
Pela importância que ela pode ter para pais, professores, administradores e
investigado. r vejamos de perto a sua defmição de DA: <<DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM é uma expressão genérica que refere um grupo
heterogéneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

aQuisição e no uso da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e da


matemática. Tais desordens são intrinsecas ao individuo, presumindo-se que sejam
devidas a uma disfi nção do sistema nervoso que pode ocorrer e manifestar-se durante
toda a vida. Problemas na auto- regulação do comportamento, na atençâo, na
percepção e na interacção social podem coexistir com as DA. Apesar de as DA
ocorrerem com outras deficiências (ex. : deficiência sensorial, deficiência mental,
distúrbio socioemocional) ou com infiuências extrinsecas (ex. : diferenças culturais,
insuficiente ou inadequada instrução pedagógica), elas não são o resultado de tais
condições. "
De facto, a expressão DA" é usada para designar um fenómeno extremamente
complexo, independentemente desta definição. O campo das DA abrange uma
desorganizada variedade de conceitos, critérios, teorias, modelos e hipóteses.
Efectivamente, as DA têm sido uma área obscura e uma espécie de esponja
sociológica" onde cabe tudo, desde os imensos problemas pedagógicos inadequados
até a uma enorme variedade de factores estranhos ao processo ensino-aprendizagem.
No campo educacional, muitos dos que ensinam estudantes normais" não têm
dúvidas em sugerir para eles uma colocação segregativa e não integrativa. Não se
consegue um consenso na definição das DA, porque elas têm emergido mais de
pressões e necessidades sociais e politicas do que de bases cientificas.
Há necessidade de compreender, portanto, que mesmo na presença de uma
pedagogia considerada eficiente, as DA não desaparecem nas crianças ou nos jovens
que as evidenciam. De modo a minimizar a confusão crónica neste domínio,
precisamos de uma aproximação científica ao estudo das DA. A falta de um
enquadramento teórico é assim, talvez, uma das razões do caos semântico do sector,
porque a ambiguidade alastra e a criação ou a promulgação de serviços de apoio são
ainda muito restritas e limitadas.

Em Portugal, muitas crianças são identificadas com base em critérios


psicopedagógicos arbitrários e em avaliações médicas e psicológicas convencionais.
Não existe uma identificação no sentido ecológico e psicoeducacional. Muitas crianças
e muitos jovens são excluídos dos serviços de apoio, enquanto outros não são
incluídos, mesmo não tendo sido identificados objectivamente como revelando DA.
Quais são os pontos comuns e discordantes entre os estudantes com DA?
Haverá subtipos de DA? Quais são as variáveis e os marcadores mais relevantes?
Como podemos identificar os problemas mais subtis ou mais marcantes? Quem está
devidamente especializado para observar e (re)educar estas crianças e estes jovens?

Sem uma resposta adequada a estas perguntas, novas confusões vão


conúnuar a emergir e provavelmente muitos gastos financeiros vão ser desperdiçados,
apesar de muitos pais continuarem mais ansiosos porque os seus filhos não estão a
receber o apoio adequado e de milhares de professores,

10

PREFÁCIO DA 2. " EDlÇÃO

reeducadores, médicos, terapeutas e psicólogos praticarem diariamente a identificação


e tentarem a reeducação e a reabilitação das crianças e dos jovens com DA.
Dos 100 comportamentos mais referidos nos estudantes ou formandos com DA
pela literatura internacional especializada, os 10 mais referenciados são os seguintes:
problemas de hiperactividade, problemas psicomotores, problemas de orienta ão
espacial, labilidade emocional e motivacional, impulsividade, problemas de memória,
problemas cognitivos de processa mento de infoimação, problemas de audição e de
linguagem, sinais neuro lógicos difi sos e dificuldades especificas na aprendizagem da
leitura, da escrita e da matemática.
Isto é, as DA envolvem disfi nções num ou mais dos processos de re cepção,
integraÇão, elaboraÇão e expressão de informação (sistemas neurofuncionais da
aprendizagem) que afectam o desempenho e o rendimento escolar.
Precisamos realmente de determinar na definição da criança e do jovem com DA
o que é que não são (conceito de exclusão) e o que são ou o que revelam em termos
comportamentais (conceito de inclusão).
Em termos de exclusão, destacamos: l. o não aprendem normalmente; 2 " não
têm qualquer deficiência (sensorial, mental, emocional, ou motora); e 3 ", não advêm
de meios familiares ou sociais de extrema privação cultural ou económica.
Em termos de inclusão, dèstacamos: 1. " evidenciam uma DA específica e não
geral; 2. o revelam discrepância entre o seu potencial normal (em termos de quociente
intelectual - QI - ele deve ser igual ou superior a 80, sensivelmente, cerca de um
desvio-padrão aquém da média que é de 100) e o seu perfil psicoeducacional de áreas
fortes e fracas que substancia a sua elegibilidade e o seu encaminhamento; 3. o
revelam dificuldades no processamento da informação inerentes a qualquer processo
de aprendizagem.
O conceito de necessidades educativas especiais co sig ádó no Decreto-Lei n "
319/91 é um avanço de grande alcance, na, m i á e n que todos estes parâmetros e
pressupostos de definição estão c nsa 'á Qs. Falta agora juntar outros desafios
relevantes para que a orgánizaçao da esposta dos serviços educacionais possa ser
mais humanizada é socialmente mais prospectiva em termos da qualificação de
recursos humanos.
A questão das DA nunca poderá ser equivalente a uma questão pessoal ou
individual, e muito menos uma questão de insucesso da criança ou do jovem formando,
porque não há caracteristicas ou comportamentos especi ficos do estudante com DA,
isto é, as suas características em termos globais são semelhantes à dos outros
processos de avaliação de potencial e outros programas de intervenção mais
adequados a cada caso, porque cada caso, porque cada criança ou jovem é um ser
único, evolutivo e total.
A inadequabilidade e a imutabilidade científica adstrita a muitos testes
psicométricos deve dar lugar a outros processos mais dinâmicos e hipotéÚ

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

cos, mais explicativos do que descritivos. O diagnóstico como conswcto deve-estar-a


no, e não fechado, a diferentes níveis de análise (importâneia das equipas
mùftidisciplinares; pers ivar mais como a criança ou o jovem com DA vai aprender no
futuródo que como não aprendeu no passado).
Regra geral, os que têm trabalhado só com erianças normais, com médio ou
bom aproveitamento escolar, podem não compreender como pequenos problemas de
aprendizagem (de input ou output) podem influenciar o desempenho de crianças e
jovens com DA. A tradicional avaliação psicométrica baseada no QI é ainda, em muitos
casos, uma base exclusiva para o encaminhamento educacional; consequentemente,
pode haver o perigo de o sistema escolar ser super ou subinclusivo. A avaliação
psicoeducacional é uma das áreas fracas no campo das DA em Ponugal - cerca de 6 lo
dos estudantes identificados com o insucesso escolar não satisfazem a definição de
DA da literatura internacional.
Em síntese, um número de crianças e jovens que experimentaram dificuldades
na sala de aula regular pode ultrapassá-las através de uma instrução mais enriquecida
e individualizada. O objectivo da avaliação psicoeducacronal deve levar a melhores
métodos e estratégias de intervenção, e aqui o desafio é mais do professor do que do
aluno, pelo que o seu treino especializado e o seu aperfei oamento têm de ser
equacionados.
A demasiada confiança no QI, nas idades mentais e nos índices médios de
aproveitamento escolar continua a guiar a maioria das decisões administrativo-
educacionais das crianças e jovens com DA no sistema escolar português, sem que se
tome em linha de conta que a avaliação psicoeducacional só por si não tem relevância
educacional ou cunieular e raramente leva a um apropriado programa educaeional
individualizado (PEI).
Os sistemas de ensino e de formação têm de enfrentar uma série de desafios
para ajudar as crianças e os jovens com DA, senão vedamos-lhes os seus direitos e
comprometemos a qualificação futura dos nossos recursos humanos. A não ser que os
vários técnicos de apoio educativo se dediquem a tais desafios, as grandes esperanças
dos pais e dos pioneiros na pesquisa educacional das DA terão os seus sonhos e
esforços desfeitos. A crença no potencial humano de muitas crianÇas e muitos jovens
merece que nos dediquemos à resolu ão estratégica e atempada das suas
difrculdades. É disso que trata este livro.

Nova Oeiras, Maio de 1999

O AUTOR

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INTRODUÇÃO

Ao apresentar o actual volume, queremos alenar que não se trata de um


trabaiho planificado ou eswturado como era nosso desejo. Compreende um esforço,
modesto, mas necessárío, para responder a algumas preocupações e a inúmeras
confusões, dada a atenção que hoje a sociedade dedica à problemáúca da
aprendizagem escolar.
O campo das di culdades de aprendizagem (DA) é fértil em concepções
unidimensionais e em divisões conceptuais entre os diferentes profissionais que o
integram, nom ente médicos, psicólogos e professores. Toda a gente se convence de
que o seù conhecimento é suficiente, independentemente de poucos esforços, estudos
ou investigações interdisciplinares terem sido tentados.
No sentido de criar temas de discussão interdisciplinar e cienúficopedagógica,
vimos por agora lançar algumas reflexões que resultam de 10 anos de pesquisa e
intervenção no âmbito das DA, quer no respeitante à orientação reeducativa de
crianças, iniciada no Centro de Investigação Pedagógica da Fundação Calouste
Gulbenkian (de 1972 a 1975) e continuada no Consultório Médico-Psicopedagógico e
aprofundada no CLIMEFIRE, quer no que respeita à formação de professores do
ensino especial no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira (IAACF) (1976, 1977,
1978, 1979) e de psicólogos no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), quer
ainda nalgumas tentativas; lamentavelmente acidentais e episódicas, que vamos
fazendo em investigação.
Com o presente estudo pretendemos abordar alguns aspectos que tentam
explicar porque é que algumas crianças, independentemente das suas inteligências
normais, das suas adequadas acuidades sensoriais, dos seus adequados
comportamentos motores e socioemocionais, não aprendem normalmente a ler, a
escrever e a contar.
A render envolve processos complexos e determinado número de con dições e
oponunidadés. Os processos complexos, uns de natureza psicoló gica, outms de
natureza neurológica (condições internas psiconeurológicas),

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


compreendem o perfil intraindividual do educando, que obviamente nos remete para os
estudos das dificuldades de aprendizagem, da patologia da linguagem, da psicologia
clínica, da neuropsicologia e da neurolinguística e muitos outros conteúdos
relacionados. As condições e as oportunidades, umas sócio e psicodinâmicas, outras
culturais e económicas (condições externas psicopedagógicas), compreendem o perfil
científico-relacional do educador, que obviamente nos remete para os estudos das
teorias da comunicação, das teorias do comportamento, da modificação do
comportamento, da psicoterapia e da psiquiatria, dos processos psicolinguísticos de
transmissão-aquisição, dos processos de informação, formação e transformação, dos
processos de caracterização e observação pedagógica, dos condicionalismos sociais
da educação e dá educação especial, para o processo sistemático e total do ensino-e-
da- aprendizagem etc. , para além de muitos outros conteúdos inter- relacioziados.
O objectivo prioritário deste nosso trabalho é contribuir para o estudo da
natureza da aprendizagem humana e dos seus processos. Aprendizagem concebida
como a capacidade de processar, armazenar e usar a informação, ao ponto de a
estruturar em condições de intervenção e investigação aplicada, para daí se obter
dados que impliquem a melhoria, o progresso, a compreensão e, fundamentalmente, a
prevenção e a intervenção no âmbito da DA.
Pretendemos igualmente avançar com algumas relações entre os processos
psicológicos e os processos neurológicos, uns em relação dialéctica com os outros, em
termos, inequivocamente, de aprendizagem humana e suas alterações e afinidades, e
não em termos experimentais ou patológicos, que cabem obviamente aos
neurologistas. Não desejamos penetrar em competências alheias; apenas teremos de
nos referir aos processos neurológicos na medida em que é hoje impossível separar o
estudo da aprendizagem humana e da linguagem do estudo do sistema nervoso, visto
ser incontes= tável a afirmação de que é efectivamente o cérebro o órgão da
aprendizagem.
De acordo com os dados da investigação, quer no âmbito da DA, quer no das
dificuldades de leitura (dislexia), habitualmente identificados, embora sejam coisas
diferentes, há entre eles campos e inter-relações básicas a ter em conta. No entanto,
muitas crianças que não aprendem a ler não apresentam dificuldades de aprendizagem
noutros conteúdos, enquanto outras revelam dificuldades em todas as áreas. Através
da investigação, constatou-se que podem surgir crianças disléxicas com quociente
intelectual superior à média, enquanto crianças deficientes mentais educáveis obtêm
níveis de competência na leitura.
A presente obra procura, preliminarmente, pôr em destaque os requisitos
psiconeurológicos fundamentais da aprendizagem simbólica, visando apresentar
posteriormente, em segundo volume, sugestões e ideias quanto a modelos de
identificação precoce, estratégias de planificação educacional,

14

INTRODUÇÃO

abordagens da intervenção reeducativa, processos de observação informal, de


avaliação contínua e de caracterização pedagógica, etc. , com a finalidade de virem a
ser aplicados no ensino de crianças com DA.
Trata-se, simultaneamente, de um livro de estudo e de um manual peda gógico
que pode ser útil e de interesse a educadores de infância, professores primários,
professores do ensino especial, reeducadores, professores do ensino secundário,
psicólogos, terapeutas, orientadores escolares, médicos escolares, pais, estudantes
destas áreas, etc.
Basicamente, resulta do trabalho que desenvolvemos e orientámos com a
colaboração de ex-alunos de Psicologia, quando fui rèsponsável pelo já extinto
Depártamento de Dificuldades de Aprendizagem na formação e pós- graduação de
professores do ensino especial no IAACF; durante os anos de 1976-1979. No Gabinete
de Estudos e Intervenção Psicopedagógica (GEIPP) do ISPA, démos continuidade a
outros projectos; porém, a exiguidade dos recursos e a incompreensão institucional não
permitiram ir mais longe.
Visto tratar-se de uma introdução, os diferentes capítulos não se encontram
analisados com a profundidade que o assunto réquer. De momento desejamos atrair
leitores na base de uma linguagem, tanto quanto possível, acessível e pedagógica,
porém muitas vezes simplificada, não podendo evitar, noutras passagens, a inclusão
de termos técnicos e científicos.
O livro está estruturado numa dimensão mais teórica, pois procura reunir novas
perspectivas com abordagens já publicadas em ar tigos dispersos em várias revistas e
que ágora se reunifica conceptualmente. Integramos aí aspectos introdutórios das DA
que englobam perspectivas integradas da aprendizagem humana, dados
epidemiológicos e etiológicos, taxonomia das DA, características das crianças com DA,
estudos de dislexia e do insucesso escolar, etc. Num segundo volume, e se este
resultar, com uma visão mais prática, procuraremos integrar aspectos da observação,
do diagnóstico e da intervenção reeducativa, para além de apresentar alguns dados
dos nossos mais recentes trabalhos de investigação.
Não podemos deixar de focar que este trabalho resulta de uma certa
contestação ao que se tem feito em Portugal, que neste domínio é preferenciado por
perspectivas francesas. Em certa medida, é um compromisso que assumimos com a
nossa formação de pós-licenciado [Master of Arts (MA)) em DA e em Educação
Especial pela Universidade de Northwestern-Evanston, Chicago.
No interesse das crianças com DA, não meramente em afirmações pes soais ou
em defesa de ucorrentes" pedagógicas, aqui abrimos um conjunto de estudos sobre o
tema.
Os nossos trabalhos visam e procuram essencialmente a troca de processos e
ideias que possam vir a contribuir para maximizar e modificabilizar o potencial
simbólicó e cognitivo das crianças e, assim, optimizar a sua intervenção social e futura
num mundo onde, de facto, a alfabetização e a cognição são condição sine qua non da
liberdade humana.

IS

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGbGICA

O CamPO das DA evoluirá, quanto a nós, na razão directa dos resultados

da investigação. É este o futuro desafio, e vai ser neste sentido que vamos dirigir o
nosso esforço continuado, mesmo que momentaneamente seja rejeitado ou
incompreendido.
A todos os nossos alunos do IAACF e do ISPA um obrigado especial

la motivação que constituíram. não só pelas leituras necessárias que exige

a preparação das suas aulas, bem como pelas reflexões e debates que nelas surgiram.
A todos os professores primários e secundários, professores do ensino es ial e
psicólogos, que vão tendo a atenção, a paciência e a curiosidade pe o que vamos
transmiúndo em inúmeras acções de formação, outro obrigado pelos subsídios que
deixam nos nossos diálogos realizadores. Aos nossos colegas de trabalho e amigos
Nelson Mendes, Maria Ceci ia Corrêa Mendes, Arquimedes Silva Santos, Ramos
Lampreia, Olga Miranda, Helena Se ueira, Vítor Soares e mais elementos do ex-
Gabinete de Estudos e In rvenção Psicopedagógica do ISPA, um agradecimento
significativo pela dinâmica das nossas conversas e das nossas realizações, bem como
pelas sugestões de alteração do texto, que em muito permitiram o alargamento, o
refmamento e o aprofundamento das ideias que agora se materializam.

Outm agradecimento indispensável e necessário estende-se ao projecto


CLiMEFIRE em prol da reabilitação humana em Portugal, onde se abrem perspectivas
verdadeiramente ímpares para concretizar as ideias aqui ex ostas. Principalmente aos
seus responsáveis e à equipa de terapeutas da Miniclínica e a todos os demais
colaboradores, um obrigado muito especial pelo que nos têm proporcionado.

Não podemos esquecer igualmente a acção estimuladora dos nossos


amigos e colegas espanhóis do CITAP (Centro de Investigação de Terapias A licadas à
Psicomotricidade) e italianos da SIPCOM (Società de Investig ione per la Patologia
della Comunicazione e della Motricità), pela solicitação que nos têm feito paca aí
realizar cursos de formação nesta área.

Este livro é, também, com a gratidão que é necessário realçar, o


resultado da compreensão de minha mulher por esta actividade e da tolerância dos
meus filhos, Saca, Rodrigo e João, por lhes ocupar o seu tempo livre em experiências,
ou por lhes coibir esse direito quando me solicitam e não os acompanho.
Um agradecimento inconcluso paca os meus reeducandos e respectivos
familiares, que muito nos têm ensinado e sem os quais este trabalho não seria
possível.

16

CAPÍTULO 1

PASSADO E PRESENTE
NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Os grandes pioneiros

A investigação em DA tem sido controversa e fundamentalmente pouco


produúva no que respeita a um melhor controlo e a uma maior compreensão das suas
causas e consequências.
As teorias surgem escassas nas suas inter-relações, pois normalmente são
apresentadas unidimensionalmente, muitas vezes de acordo com a formação inicial
dos seus proponentes.
Historicamente, as perspectivas oferecem-nos outros tantos factores aliciantes
de análise e de reflexão. Se quisermos fazer uma análise histórica, necessariamente
superficial, a problemática das DA equaciona- se em paralelo com o desenvolvimento
das sociedades. Nos séculos xII e xtv a entrada para a escola dava-se por volta dos 13
anos. No século xv os Jesuítas estabeleceram a entrada para a escola aos sete anos e
criaram as classes de nível que podiam ter crianças de oito anos e adultos de 24. No
séeulo xv nos reinados de Luís XIII e Luís XIV, a entrada para a escola é criada aos
nove e aos cinco anos, respecúvamente. Em pleno século xvnI, as mudanças de
atitude decorrentes da filosofia de Rousseau e de Diderot levam ao ensino para todos
e na base da diversidade". Mais tarde, já nos séculos xrx e xx, as ideias de Montessori,
Decroly, Froebel, Dewey, Makarenko, Mendel, Freinet, etc. , e tantos outros, reforçam a
necessidade de a escola estar aberta à vida, ao mesmo tempo que devia ser
obrigatória para todos e não só para os filhos dos favorecidos ou privilegiados.
Na base desta simples abordagem, chega-se à conclusão de que a escola foi
impondo exigências, ao mesmo tempo que se foi abrindo a um maior número de
crianças, aumentando as taxas de escolarização, o que, como consequência, implicou
obviamente inúmeros processos de inadaptação. Quando os métodos que eram
eficazes pára a maioria não serviam, rapidamente se criava (e cria ainda hoje)
processos de selecção e de segregação para outras crianças.

17

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A escola pode humilhar, ameaçar e desencorajar, mais do que reforçar o Eu,


libertar ou encorajar a criança. Temos o hábito de dizer que mandamos as crianças
para a escola para aprenderem. O que se faz tradicionalmente é ensinar-lhes a pensar
erradamente, perdendo elas as suas espontaneidade e curiosidade, submetendo-as
muitas vezes a normas de rendimento e ef Icácia ou a métodos e correntes
pedagógicas que estão na moda.
As crianças não podem continuar a ser vítimas de métodos, por mais populares
que eles sejam. Temos de ajustar as condiÇões internas de aprendizagem, isto é, as
condições da criança (o que pressupõe um estudo aprofundado do seu
desenvolvimento biopsicossocial), às exigências das tarefas educacionais, ou seja, às
condições externas da aprendizagem, ou melhor, às condições de ensino inerentes ao
professor e ao sistema de ensino, ou seja, aos seus processos de transmissão cultural
(Figura I).

Condiçdes externas

ENSINO

T smis o I
Assimila ão
CRIANÇA i
DISLEXIA - PROFESSOR DISPEDAGOGIA Processo de i
Sistema de ensino
aprendizagem

A comodação Aquisição

APRENDI7AGEM

Condiçdes intemas

Figura I - Interacção dos factores da aprendizagem humana

Na base da transmissão de conhecimentos estereotipados e de interesses


ideológicos dominantes perde-se a dimensão sublime e majestosa da educação, ou
seja, o direito que todas as crianças (verdadeiros pais dos adultos) têm à cultura,
naturalmente respeitando o seu perfil intraindividr al, a sua personalidade e a sua
origem sociocultural.
Já Binet e Simon, com base em estudos que mais tarde redundaram na
psicometria, reconheceram que muitas crianças não podiam seguir o ritmo (programas,
avaliação, etc. ) escolar normal, de onde surgiram as justiftcações científicas, para a
criação das famigeradas classes especiais".

Conclui-se, de facto, que, ao encararmos a problemática das DA, não as


podemos analisar sem a noção de que a escola, como instituição, é essen

18

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICU1. IlADES DE APRENDIZAGEM

cialmente reveladora dos problemas da criança e não dos seus atributos e


competências. A passagem da familia à escola primária constitui uma rotura muito
significativa, uma transição de ecossistemas. Trata-se de uma passagem brutal de um
meio protector e seguro para um meio aberto e quase sempre inseguro.
A solução passa obviamente pela democratização socioeconómica anterior à
escola, e evidentemente pela implementação de condições de segurança social e de
um ensino pré-primário de cobertura nacional que permita compensar a enormidade de
factores desviantes do desenvolvimento: subcultura, mediatização, nutrição, padrões
de adaptação, códigos linguísticos, estimulação do desenvolvimento neuropsicomotor,
facilitação de experiências interpessoais, etc. Sabe- se, por dados sociológicos, que
tais factores afectam mais as crianças de níveis socioeconómicos desfavorecidos, que,
por consequência, se encontram ainda mais inadaptadas e desestimadas no seio da
escola e dos seus processos pedagógicos.
A escola, com os seus professores e métodos, não pode continuar a legitimar as
diferenças socioeconómicas dos diferentes estratos sociais.
A ac ão preventiva é exterior à escola numa dimensão, e interior a ela noutra. E
dentro desta última perspectiva que me quero situar, não esquecendo que entre
ambas, a exterior e a interior, se passam inter- relações dialécticas muito complexas e
que obviamente se reflectem numa perspectiva mais ampla da problemática das DA1.
Do cruzamento destes vectores de análise sobre o problema ressaltam modelos
ideológicos e confusões conceptuais que complicam o quadro do caos semântico que
envolve os conceitos das DA e do insucesso escolar. A popularidade das justificações
do insucesso escolar, à base de modelos encantatórios e exclusivamente
socializantes pode levar a um simplismo perigoso ou à ilusão de progresso, originando
consequentemente medidas, decisões e serviços educacionais pouco eficazes.
A dúvida vem dos dois lados. De um lado a visão dogmática, que vê unicamente
um modelo de explicação das DA na base de um problema so cioeconómico. Do outro,
a perspectiva somática, que se baseia na infalibilidade e na incontestabilidade do
processo diagnóstico- intervenção.
Muito se descreve e investiga sobre as DA e o insucesso escolar, mas pouco ou
quase nada se fez para modificar a arterioesclerose, do sistema escolar, da
propriedade privada da classe, da invulnerabilidade autoritária do diagnóstico, da
formação dos professores e dos psicólogos e médicos escolares, etc.
As actuais teorias estão mais devotadas à descrição do que à prescrição,
tornando o diagnóstico um fim em si próprio, muitas vezes alienado de preocupações
investigativas, mas pouco centrado na avaliação dinâmica e na maximização do
potencial de aprendizagem da criança (ou do jovem) observados.

1 Noutros capítulos - <<Etiologia e epidemiologia das dificuldades de


aprendizagem>> e <<Visão integrada da aprendizagem>> - apresentamos mais dados
deste problema.

19

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A avaliação e a intervenção em DA são as duas faces do problema, devendo


entre elas edificar-se uma complementaridade dialéctica na defesa dos direitos da
criança. A preocupação pelas necessidades educacionais especificas (NEE) das
crianças pode ser menos dispendiosa e mais eficiente e rentável, na medida em que a
decisão nos parece muito simples, visto que está inequivocamente em causa a
educabilidade máxima dos seus potenciais simbóticos e cognitivos.
Compreender as funções desviantes das crianças com DA depende, quanto a
nós, de um fundamento teórico coerente e orientador de investigações sistemáticas,
para integrar pedagogicamente os dados obtidos de uma forma mais significativa.
É necessário destrinçar entre (crianças com DA>>1 e crianças normais>> a fim
de se eliminar as expectativas negativas resultantes do insucesso escolar>> e dos
resultados dos testes. Para nós, haverá hipóteses de identificar um padrão (cluster)
comportamental típico das crianças com DA; basta que para isso sejam produzidos
trabalhos interdisciplinares de investigação.
Tem-se encarado as DA na base de metodologias reeducativas (Fernald, Orton
e Gillingham, etc. ), de processos de informação (Kirk, Chalfant, Scheffelin, etc. ) de
processos escolares (Larsen, Bateman, Adelman), de metodologias sofisticadas
(McCarthy, Beecker e Engelman, Gentry e Haring) de processos neuropsicológicos
(Geschwind, Fried, Bakker, Masland, etc. ), etc. , cujos dados empíricos, encarados só
em si, alicerçam teorias de validade reeducativa questionável.
As críticas às teorias das DA são facilmente ilustradas não só pelos conceitos
unidimensionais ou unifactoriais que a caracterizam, mas também pela divergência
entre os diferentes profissionais, divergência essa intraprofissional e interprofissional.
Vejamos o primeiro aspecto, passando uma revista ligeira ao passado das DA
através da apresentação dos conceitos e teorias de alguns dos pioneiros mais
representativos.
As concepções unidimensionais iniciais tendiam para uma visão unidimensional,
de que são exemplo os modelos psiquiátricos, psicométricos, neuropsieológicos,
pedagogizantes ou socializantes exelusivistas. Dentro destes podemos destacar as
teorias de organização neurológica (Doman e Delaeato 1954, Zucman 1960, etc. ), as
teorias de dominância hemisférica (Orton 1931), as teorias perceptivas (Bender 1957,
Frostig 1966, Cruickshank 1931, 1972, Wepman 1969, etc. ). Estas teorias focam
apenas um aspecto das DA com exclusão de outras abordagens. É óbvio que tais
concepções estão inequiv amente marcadas pela sua limitação disciplinar.
Os estudos de Hallahan e Kauffman 1973, Myers e Hammill 1976, McCarthy e
McCarthy 1969, Jonhson e Myklebust 1967, e de outros, evidenciam claramente a
heterogeneidade da populaÇão das crianças com DA.

Mais à frente apresentamos várias definições da expressão.

20

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

O modelo das teorias unidimensionais não respeita a interacção que está


contida no conceito das DA, na qual as condições internas (neurobiológicas) e as
condições externas (socioculturais) desempenham funções dialécticas
(psicoemocionais) que estão em jogo na aprendizagem humana.
Na aprendizagem humana, os factores psicobiológicos internos (da criança)
encontram-se, permanente e dialecticamente, em interacção com os factores
situacionais externos (da escola, do professor, etc. ); daí os conceitos de dispedagogia,
tão relevantes como os da dislexia.
Segundo Jeanne S. Chall 1979, o cenário anterior a 1950 e até 1960 nos
Estados Unidos era mais ou menos o seguinte: Se se verificasse uma dislexia,
prúneiro ver o QI (quociente intelectual). Se o QI era normal, ver os problemas
emocionais. Se os problemas emocionais não existiam, então ver a mãe ansiosa
(pushy). Este cenário, que se admite simplificado, ainda é muito praticado, ind
pendentemente da posição multicausal, que é assumida em inúmeros trabalhos da
especialidade. Geralmente, durante esse período, a possibilidade de um envolvimento
neurológico ou de uma inadequada intervenção do professor era quase sempre
negligenciada e contestada. Muito menos se faria referência a perspectivas de
informação ou às perspectivas neuro e psicolinguísticas.
Rabinovitch 1960 é talvez o primeiro investigador a integrar aspectos
neuropsiquiátricos no conceito da dislexia. Segundo o mesmo autor, o perfil da criança
disléxica pode ser provocado por:

1) Aspecto emocional - a capacidade está intacta, mas afectada por


influência exógena negativa;
2) Lesão cerebral - a capacidade de aprendizagem está afectada,
devido a uma lesão cerebral manifestada por défices neurológicos eviden tes (clearent
neurological deficits);
3) Verdadeira dificuldade de leitura - a capacidade de aprendizagem
da leitura está afectada, sém qualquer lesão cerebral detectada na anamnese ou no
exame neurológico.

Continuando com o mesmo autor, o defeito (defect) encontra-se na capacidade


para lidar com letras e palavras como símbolos, com uma capacidade diminuída para
integrar significativamente o material escrito. O problema parece refiectir um padrão de
organização neurológica basicamente perturbado. Porque a causa é biológica ou
endógena, estes casos são diagnosticados primariamente como deficientes. Nesta
afirmaçãó, feita há 20 anos, a explicação parte de uma pespectiva multifactorial, para
chegar a uma explicação unifactorial.
Imensas perspectivas ficam de fora, independentemente da validade de cada
uma, em que se torna necessário realçar, evidentemente, os trabalhos dos pioneiros.
Na nossa análise, qualquer campo de estudo não deve ignorar as pessoas e as ideias
que influenciaram o seu desenvolvimento. Dando continuidade a uma apresentação
histórica dos primeiros investigadores, iremos de seguida referir alguns segmentos das
suas perspectivas.

21

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Perspectivas lesionais e cerebrais

ALFRED STRAUSS E HEINS WERNER

Os ioneiros Alfred Strauss e Heins Werner foram cientistas germânicos

que emigraram para os Estados Unidos após o regime nazista. O primeiro, psiquiatra e
professor da Universidade de Heidelberg, o segundo, psicólogo e professor da
Universidade de Hamburgo. Súauss passou por Barcelona de 1933 a 1936, onde
desenvolveu intensa actividade no campo, tendo abandonado a Espanha em plena
guerra civil, para se flxar no Michigan como psiquiatra investigador do Wayne Country
Training School. Werner passou pela Holanda e flxou-se mais tarde também em
Michigan. Ambos, e com diferentes perspectivas, iniciaram um trabalho de investigação
no âmbito das lesões cerebrais e da deflciência mental, aproveitando magistralmente
os dados e as conceptualizações dos trabalhos de Head (1926) e de Goldstein (1939).

Os trabalhos de Goldstein, em adultos cerebralmente traumatizados em


consequência de acidentes de guerra, influenciaram os estudos de Strauss e Werner
em crianças com lesões cerebrais. As características de comportamento encontradas
nos adultos, como por exemplo: comportamento concreto e imediatista, meticulosidade,
perseveração, confusão figura-fundo, reacções catastróficas, labilidade emocional,
desorientação, extremo asseio, desintegração das capacidades de categorização, etc. ,
levaram os dois autores alemães a inúmeras investigações, de que são conhecidos,
fundamentalmente, os estudos em crianças deficientes mentais. É devida a Strauss a
distinção entre deficientes mentais endógenos (indicando uma deficiência mental
devida a factores genéticos e/ou familiares) e deficientes exógenos (indicando uma
deflciência mental devida a déflces neurológicos provocados por doenças pré, peri ou
pós-natais, originando, consequentemente, lesões ou disfunções cerebrais de vários
tipos).
Nesta linha, os seus estudos mais relevantes compreenderam a
comparação entre crianças endógenas e exógenas em várias tarefas, tendo chegado a
resultados que demonstravam que as crianças deficientes mentais exógenas
apresentavam:

1) um perfil desorganizado das funções perceptivo-motoras,


quer nas funções visuo-motoras (praxias com pérolas), quer auditivo-motoras
(reprodução vocal de padrões melódicos);

2) dificuldades na atenção selectiva com problemas de


discriminação entre estímulos relevantes e irrelevantes, ou seja, entre a figura e o
fundo na base de apresentações no taquitoscópio'

Aparelho que serve para medir a acuidade, a atenção, a discriminação e


a compreensão de estímulos visuais.

22

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

3) traços de comportamento mais desinibidos, erráticos, impulsivos,


des controlados, sociopáticos e descoordenados, aos quais vieram associar-se os
conceitos de hiperactividade (Strauss e Kephart 1940).

Em resumo, as características psicológicas que Goldstein encontrou em adultos


lesados cerebralmente eram, de certa forma, idênticas às encontradas por Strauss e
Werner em crianças deficientes mentais, classificadas como exógenas. Com apoio
nestes trabalhos, surgiram métodos pedagógicos de grande interesse, como sejam os
inúmeros processos de aprendizagem baseados na atenuação e na minimização de
estímulos não essenciais ou irrelevantes que se encontram explicados em detalhe num
livro essencial, hoje clássico e fundamental para o estudo das DA - Psychopathology
and Education of the Brain Injured Child, 16. a edição, de Strauss e Lehtinen (1947).
Estes dois autores afu'nzam nesse livro que dado que a lesão orgânica é
medicamente intratável, os nossos esforços devem ser orientados em dois sentidos: na
manipulação e no controlo de envolvimentos superestimulados e na educação de
crianças para exercitarem o seu controlo voluntário.
Provavelmente, sem o trabalho destes dois autores, o campo da defi ciência
mental seria visto num contexto homogéneo, quando a investigação prova a existência
de significativas diferenças entre a deficiência mental e as DA. Devem-se a estes
autores recomendações de grande significado para a compreensão do problema.
Ambos os autores advogaram que é necessário equacionar o campo das DA na
perspectiva da psicologia do desenvolvimento. E mais: para eles, a evolução no terreno
poderia ser alcançada na base de um estudo comparativo entre a psicologia da criança
normal e a psicologia da criança deficiente mental.
Para Werner, especiflcamente, é preciso ir mais além dos resultados nos testes
estandardizados, i. e. , não basta quantificar (quocientizar); é necessário analisar os
processos mentais e os processos de assimilação, conservação e utilização da
informação que estão por detrás dos resultados que a criança atinge nos testes.
Strauss e Werner, há 40 anos, já preconizavam uma análise funcional na
abordagem psicológica e educacional da criança deficiente mental. Não há diferença
nenhuma entre esta abordagem e a que se faz, ou pelo menos, a que se devia fazer,
actualmente no campo das DA. De acordo com estes aspectos, e segundo os mesmos
autores, não basta preocuparmo-nos com o resultado num teste ou num subteste, mais
sim preocuparmo-nos com como a criança realizou e atingiu tal resultado. Em
complemento, o que é evidente e importante. no diagnóstico são as situações críticas
que evidenciam deternúnados distúrbios funcionais.
O alcance psicopedagógico desta dimensão é notável, principalmente pelo que
se pode retirar guanto à planificação educacional a prescrever.
Cada criança deve ser avaliada nas suas possibilidades ou facilidades (abilities)
e nas suas dificuldades (disabilities). Não há dúvida de que a partir

23

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

daqui podemos organizar métodos, técnicas, materiais e processos que obviamente se


terão de ajustar às necessidades educacionais (perceptivas, linguísticas, simbólicas e
cognitivas) específicas das crianças.

As recomendações destes pioneiros continuam válidas 50 anos depois, tão


válidas e intrínsecas que em muitos centros de diagnóstico e de reeducação ainda não
foram tomadas em consideraçãn.

Perspectivas perceptivo-motoras das DA

William Cruickshank, Newell Kephart, Gerald Getman, Ray Barsch, Marianne


Frostig, Glenn Doman e Carl Delacato

Estes sete autores, quatro dos quais já abordámos deferencialmente noutro livro
(Fonseca e Mendes 1978), são reconhecidos como os defensores das teorias
perceptivo-motoras no campo das DA.

CRUICKSHANK

Cruickshank apresenta os seus trabalhos com crianças paralíticas cerebrais, de


QI próximos da média, experimentalmente comparadas com crianças não deficientes,
tendo demonstrado que tais crianças revelam os seguintes traços comportamentais:
dificuldades de discriminação figura-fundo, de formação de conceitos, de
visuomotricidade e de tactilomotricidade, etc. , confirmando, em certa medida, os
resultados que Werner e Strauss obtiveram com crianças classificadas como
exógenas. Este autor, nas suas inúmeras investigações, defendeu a ideia de que é
necessário fazer uma transicaçâo conceptual entre as crianças com paralisia cerebral
(que são lesadas cerebralmente) e as crianças com inteligência próxima do normal,
exibindo características de comportamento muitas vezes associadas a lesões cerebrais
mínimas (minimal brain damage), mas nas quais não se pode, objectivamente,
assegurar que sofrem de lesão do sistema ner oso central.

Estas crianças, frequentemente designadas por crianças com lesões cerebrais


mínimas, (LCM) (minimal brain injured, Hallahan e Cruickshank 1973) são hoje
consideradas crianças com DA. Em muitos casos, e a literatura é ambígua e confusa
nessa matéria, é impossível em termos históricos relacionar os estudos e as
investigações realizados com crianças com LCM e com crianças com DA. De qualquer
forma, a espressão LCM é destituída de significação educacional, para além do
estigma que cria e da expectativa negativa dos pais e dos professores, pois alimenta a
noção de que o problema é irrecuperável.
Por tudo isto, é preferívei optar pela expressão DA; pelo menos, parece-nos
mais adequado educacionalmente. Cruickshank é conhecido como um pioneiro no
campo da tecnologia pedagógica e da arquitectura do envolvi

24

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

mento estruturado da classe, nomeadamente com os materiais e cubículos que criou


para reduzir os estímulos distrácteis dentro da sala de aula (ou na classe), tendo ainda
implementado processos de modificação de comportamento e processos de reforço
contingente no campo das DA.
Kephart, Getman, Barsch e Frostig são autores a que já nos referimos noutro
trabalho (Fonseca e Mendes 1978); no entanto, convém dizer que são, em conjunto,
defensores de uma perspectiva perceptivomotora integrada como meio de intervenção
no âmbito das DA.

KEPHART

Kephart, com o seu livro The Slow Learner in the Classroom, apresenta um
contributo filogenético no processo de aprendizagem humana, tomando como alicerce
duas teorias de Hebb: a da proporção entre o córtex associativo e o córtex sensorial
(A/S ratio), e a da função associativa do córtex (cell assembly).
Segundo o mesmo autor, e de acordo com Hebb, Hunt, Pribram, Kendlery, etc. ,
o organismo humano, devido à grande diferença entre o córtex associativo e o córtex
sensorial, ou entre os sistemas cerebrais intrínsecos ou extrínsecos, é capaz de atingir
comportamentos muito complexos, mas só quando estão adquiridos comportamentos
mais elementares e cumulativos. Tais aquisições evidenciam a hierarquia e a
interacção entre os processos sensóriomotores e os processos perceptivo- motores,
naturalmente pondo em relevo o papel da estimulação precoce e das oportunidades de
aprendizagem no desenvolvimento intelectual posterior.
ECEPÇÃO Presente EXPRESSÃO Input INTEGRAÇÃO Output Estímulo
Resposta
Passado

Feedback

Resposta muscular MOTRICIDADE

Figura 2 - Modelo perceptivo-motor, de Kephart

25

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Kephart, para além do seu trabalho no domínio da perceptivomotricidade é


também responsável por uma teoria perceptiva baseada num modelo semelhante a um
servomecanismo, defendendo que os sistemas de input (sensação e percepção) são
inseparáveis do output (motricidade). Noutras palavras, a percepção é indissociável da
resposta motora - não podemos pensar em actividade perceptiva e em actividade
motora como dois aspectos diferentes; devemos pensar no termo hifenizado integrado
perceptivo-motricidade (Kephart 1960, ver modelo atrás).
Kephart defendeu, portanto, que as funções intelectuais superiores, como a
simbolização e a conceptualização, dependem de aquisições perceptivomotoras
básicas, que por si próprias podem manifestar problemas e défices. Em dois dos
nossos anteriores trabalhos (Fonseca 1977 e Mendes e Fonseca 1978) avançamos
com aspectos mais concretos sobre esta perspectiva psicomotora.

GETMAN

Getman, optometrista e colaborador de Kephart, é responsável por um modelo


de desenvolvimento visuomotor e por técnicas apropriadas de grande interesse
educativo: Getman, influenciado por Renshaw e por Gesell, é co-autor de livros
importantíssimos - Vision: Its Development in Infant and Child; The Physiology of
Readiness, que adiantaram inúmeros subsídios ao campo das DA já publicados
algures (Mendes e Fonseca 1978 e Fonseca e colaboradores 1978).

BARSCH

Barsch, criador da teoria movigenética, também influenciado por Strauss e


Getman, baseia o seu trabalho numa perspectiva de padrões espaciais de movimento
que, segundo ele, são as bases fisiológicas da aprendizagem. Tais componentes e
dimensões do curriculo movigenético são os seguintes: força muscular, equih'brio
dinâmico, consciência espacial, consciência corporal, dinâmica visual, dinâmica
auditiva, dinâmica tactiloquinestésica, bilateralidade, ritmo, flexibilidade e planificação
motora, também analisados anteriormente (Mendes e Fonseca 1978).

FROSTIG
Frostig, reconhecida como desenvolvimentalista, é criadora de testes e de
processos de reeducação, tendo já sido abordada num dos nossos livros (Mendes e
Fonseca 1978) e num dos projectos de investigação (Fonseca e colaboradores 1978):

26

c
pTfVO ou SENSORIAL Cleitu al
1 SNO ou MOTOR (es l COMPETÈNCIA
COMP EN C COMPEl NCIA COMPETENCiA TÁCIlL
VISUAL
AUDITIVA
MOBILm E LINGUAGEM IpNUAL
Leitura de palavras com Compreende Identifica objectos y
Escreve com uma com a mão 0
Vocabulátìo o olho dominante va u) "o e frases dominante
5up r:o (5) Uúlização de uma adequado mão, de aco rio om Co o ade9
do
0 % m l%a) donunan e Idenúficaçáo " "r" pelo tacto
2QQO palavras Função bimanual stmbolos visuais de 2000 P av s

5- 22m Mdar e corter num Pe nenas frases (dexValidade) e de leuas e de


frases simp (.
VIM 46m padrão assimétrico Diferenci ão táctil
L - 67m Com reende 10-25
ç Diferenciação de p
T 10-25 atavras 0 si ão cortical 5im los visuais palavras e frases
5- t3m Andar com os F ses de três e manual semelhantes de 2palavr

M o "'
V E - 28m br os em balanç p avr gilateralidade '1
L ompree
IV M -16m n
braços afastados p reCi ão da
L - 2a m A reciação de sons p
pteensão de objectos Apr<<iação dos psigni0caúvos
sensação gnó
Criação de sons
L - li m mãos e oen percepção n 't""" sensaçóv ss %t!
Choro vital em Larga objectos gestalts estranhos
pOI 5- t m Rep çao relação a situações b
II M Z, 5m 5im t"Ca de neaça Rellexo de Babinski
L - 4, 5m Reflexo à luz Reflexo de Moro
Choro ReOexo de pr nsão
I MEDULA Nascimemo Movime ó 5bra os
Figura 3- Perf Il de desenvolvimento neurológico
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

DOMAN E DELACATO

Doman e Delacato são autores contestados. O primeiro, fisioterapeuta, e o


segundo, psicólogo escolar, são responsáveis por uma teoria de organização
neurológica (ver Figura 3). O seu trabalho The Treatment and Prevention of Reading
Problems é uma adaptação de Gesell e de Temple Fay (neurocirurgião). As suas
teorias criadas para intervir em crianças com lesões cerebrais são alicerçadas em cinco
premissas:

1) Pôr a criança no chão para treinar actividades que


reeduquem as áreas lesadas cerebralmente;

2) Manipular externamente o corpo em padrões


corporais característicos da lesão cerebral;
3) Treinar dominância hemisférica e a unilateralidade;

4) Administrar terapia de dióxido de carbono (o COz,


segundo Fay, pode contribuir para a dilatação das veias, facilitando assim a cir culação
cerebral);
5) Estimular os sentidos para melhorar a consciência corporal.

Estes autores criaram o Institute for the Achievement of Human Potencial e


atingiram grande popularidade, independentemente de grandes críticas da parte de
médicos, psicólogos e professores. Na base da sua teoria desencadearam-se grandes
debates e controvérsias, exactamente por certos singularismos, nomeadamente os da
ontogénese do cérebro e da localização funcional, bem como os da eficiência dos seus
métodos de tratamento.

zy

3
[ Figura 4- Esquema de organização neuroló gica. Os números
identificam os níveis neuro I lógicos inferiores que afectam os níveis
i superiores, que em contrapartida são afectados
[ por aqueles. A inoperância de um nível supe rior torna dominante
o nível imediatamente
inferior (Doman e Delacato)
s.

28

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Perspectivas de finguagem
Samuel Orton, Katrina de Hirsch, Samuel Kirk e Helmer Myklebust

Durante algum tempo os principais pioneiros no campo das DA sofreram grande


influência dos trabalhos de Strauss e Werner, mais inclinados para as perspectivas
perceptivomotoras (ou psicomotoras, visto que no fundo a significação conceptual se
encontra próxima deste termo de raiz francesa, como sabemos, e sobre os quais já
desenvolvemos vários trabalhos (Fonseca 1977, 1978, 1979).
Constatou-se historicamente, numa análise crítica, que pouca atenção se tinha
dedicado aos problemas da linguagem, sabendo-se que é hoje inegável o papel da
linguagem no desenvolvimento global da criança, como é indubitável a relevância das
funções receptivas e expressivas da linguagem na comPreensão das DA.
E incontestável que os problemas de linguagem (compreensão auditiva, fala,
leitura e escrita) se encontram envolvidos preferencialmente no âmbito das DA;
todavia, o estudo aprofundado das suas variáveis não foi tomado em consideração nos
primeiros trabalhos mais de índole perceptivomotora, como acabamos de ver, dada a
influência marcante de Strauss e Werner.

SAMUEL ORTON

Em 1930, independentemente de ser contemporâneo dos dois autores ale mães,


Samuel Orton, um neuropatologista, iniciou os seus estudos sobre os efeitos das
lesões cerebrais na linguagem, utilizando para o efeito as primeiras comparações entre
adultos e crianças.
Orton postulava a implicação hereditária da dislexia, para além de situar e
localizar as repercussões das lesões cerebrais na linguagem. No seu livro clássieo
Reading, Writing and Speech, Problems in Children (1937) p8s em destaque as
influências psicológicas e envolvimentais no desenvolvimento da linguagem, para além
de dar relevância à integração motora (motor integrating) da dominância hemisférica.
Para este autor, a lentidão na aquisição ou a disfunção da dominância hemisférica
podem provocar atrasos e dificuldades na aprendizagem da leitura, suportando a
necessidade de uma maturação e de uma hierarquização na dominância hemisférica e
na preferência manual.
Orton provou que todos os seus cásos disléxicos apresentavam uma ambi
dextria revelada pela hesitação, a inconstância e a descoordenação da lateralidade. As
mesmás crianças evidenciavam necessariamente dificuldades no plano da
dextralidade, impedindo-as de realizar tarefas com ambas as mãos, pois não se
verificavam nelas as divisões funcionais: iniciativa-auxilio, força-suporte, movimento-
postura, etc. , que são a manifestação de uma dominância hemisfériea, por um lado, e
de uma cofunção integrada e inter-hemisférica por outro.

29

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Enquanto não se estabelecer a lateralização no plano motor, segundo Orton,


podem deparar-se-lhes inversões (omissões, substituições, adições, confusões,
repetições, etc. ) na leitura. As inversões surgem, visto que as palavras são
armazenadas (recorded) no hemisfério não dominante, e consequentemente o
indivíduo pode trocar b com d, q com up", u com n, 6 com 9 ou as suas
combinações dão lido como bão", pai como qai", 69" lido como 96", etc. (casos de
estrefossimbolia').
Sem ter adquirido uma dominância hemisférica, a criança pode experimentar
uma grande confusão, e portanto diflculdades na aprendizagem da leitura. Estas
afirmações de Orton são hoje incontestáveis, visto saber-se que a mielinização do
hemisfério esquerdo se inicia por volta dos seis anos (Killen 1978), sendo posterior à
do hemisfério direito, o que põe em relevo o papel preventivo e facilitador da
psicomotricidade na obtenção da laterali dade, principalmente quando tal intervenção é
assegurada no período pré- primário. As técnicas que Orton recomenda para superar
estes problemas são ainda consideravelmente utilizadas, para além da motivação que
constitui o seu notável trabalho, do qual resultaram métodos pedagógicos e
reeducativos (Orton-Gillingham, Approach to Teaching Reading).
Os seus métodos resultam da noção que Orton tem do Homem, veriftcando que
a sua superioridade depende essencialmente de dois factores:

1) A comunicação com os outros seres da sua espécie


2) A dextralidade manual (tool user), dependente da assimetria
funcional que está na base do desenvolvimento tecnológico da Humanidade.

É preciso notar, no entanto, que estes dois factores são controlados


normalmente num dos dois hemisférios e, em 94% dos casos, no hemisfério esquerdo.
As expressões emocionais e gestuais, de raiz instintiva, iniciam-se muito cedo
no desenvolvimento do Homem (de forma quase idêntica à dos animais); porém, a
linguagem simbólica é muito mais complexa e depende quase sempre da socialização.
A linguagem falada na raça humana surge sempre antes da linguagem escrita.
De facto, para Orton a linguagem simbólica é uma série de sons e de sinais que
servem para substituir objectos e conceitos, podendo ser utilizadas para transferir e
transmitir ideias".
A faculdade da linguagem (language faculty) - e este aspecto foi o que mais
preocupou Orton - decorre de quatro estádios de desenvolvimento, a saber:

1) Compreensão da linguagem falada; 2) Sua reprodução;


3 Compreensão da linguagem escrita; 4) Sua reprodução.

1 Estrefossimbolia - confusão percepávovisual caracterizada pela tendência de


orientar simbolos numa direcção similar, mas oposta (escrita em espelho) (Orton).

30

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Onon apresenta a evolução da linguagem em termos filogenéticos e


ontogénicos, indo buscar dados à antropologia e à sua experiência de
neuroanatomista. A evolução da linguagem na criança começa a partir das lalações,
desenvolvendo-se à medida que o mecanismo motor da fala se vai integrando com os
centros auditivos, a fim de produzir ecos dos sons vocais dos outros (ecolalias), sem se
dar, todavia, a compreensão da sua significação. Mais tarde, a associação de sons a
objectos ou ideias que os representam vai-se operando em paralelo com a expansão
do vocabulário, desde os nomes até às frases, passando pelos verbos. Passará depois
gradualmente para eswturas de linguagem mais longas e mais complexas. Só por volta
dos seis anos a criança estará capaz de se adaptar a outros símbolos da linguagem,
iniciando, então, os processos da leitura e da escrita, que corres

3 - 2. o ginu jronta! e girus


precentral - cenrm grafomotor

4- 3. " convodução jrontal '


1- Girus angutar (área de Broca) - - cenuo de leitura
- cenun do conunlo
motor da fala
:. ::: : : : 1
:: ::. . . :,

FúMISFÉRlO ' '

ESQUERIlO 2 - 2. e 3. 8i - temOoraliscentro de
compreensão das palavras e da5 frases

I
I-lEMISFÉRIO DIREITO

Figura 5 - O hemisfério esquerdo e o hemisfério direito. Um responsável pelas funções


verbais, ouvo pelas funções não verbais. No hemisfério esquerdo encontram-se
assinaladas, segundo Onon, as quatro áreas fundamentais da linguagem

31

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

pondem, segundo Orton, à maturidade anatómica ou fisiológica da região do girus


angular, verdadeiro centro da leitura, ou centro privilegiado de associação
neurossensorial, localizado no primeiro sulco temporal do hemisfério dominante.
Através dos seus trabalhos de autópsia confirmou os seguintes teoremas:

1) A área da lesão é mais importante do que a quantidade de tecidos


des truídos, reforçando a importância das áreas críticas da linguagem;

2) As lesões do hemisfério esquerdo são mais severas quanto


aos problemas da fala ou da leitura, enquanto as mesmas lesões no hemisfério não
dominante não provocam desordens na linguagem.

Com estes fundamentos, Orton preconizou processos de aprendizagem de


ordem analítica e fonética, visto ter provado que as crianças disléxicas não
apresentavam (?) diflculdades na linguagem falada. Ele começou por ensinar os
equivalentes fonéticos das letras impressas (relação fonema-grafema). O som da letra
foi associado à apresentação de uma ficha com a letra escrita, levando a criança a
repetir o som da letra, até a aprender. Tratava-se de um processo caracterizado por
uma estimulação auditiva, seguida de uma estimulação visual (ficha), culminando numa
resposta (repetição) verbal do som da letra. Podia-se e devia-se utilizar igualmente o
gesto (padrão tactiloquinestésico) traçando a letra com o indicador, ao mesmo tempo
que a criança reproduzia o som da letra. Primeiro os sons das consoantes com as
várias vogais e as suas associações adequadas, depois a introdução das sequências
exactas da esquerda para a direita, conforme surgem nas palavras. A criança
progredirá na leitura oral, de acordo com Orton, utilizando as unidades" e combinações
fonéticas, asabas com várias significações, as familias de palavras, os prefixos e
sufixos, as derivações simples e as construções gramaticais, etc.
Para Orton e os seus colaboradores iniciais- Gillingham, Stillman, etc.

-, a utilização do método global pode estar contra-indicada para crianças disléxicas


visuais (word blindness ou diseidéticas), dado que a palavra no seu todo (gestalt) as
confunde e as prejudica.
Orton pôs em evidência o papel da identificação precoce e da intervenção
preventiva, combatendo claramente os progt-antas de reeducação que só se iniciam
três anos mais tarde. Neste sentido Orton sugeriu a identificação na escola pré-primária
dos seguintes tipos de crianças:

1) Crianças com manifestações de gaguez ou de atcaso de fala; 2) Crianças


com dificuldades na compreensão auditiva;
3) Crianças dispráxicas (problemas de coordenação de movimentos); 4)
Crianças com histórias familiares de canhotismo ou com atrasos de linguagem.

Para Orton, muitos dos atrasos e dificuldades no desenvolvimento da linguagem


são função de um desvio no processo da superioridade unilateral

32

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

do cérebro e de factores hereditários. O seu credo (Orton's credo) aponta para que
cada desordem tenha o seu método específico de reeducação: se efectivamente
formos suficientemente perspicazes no diagnóstico e se provarmos que somos
suficientemente "inteligentes" para desenvolvermos métodos de treino adequados para
satisfazer as necessidades de cada caso particular, então os problemas podem ser
superados".
Orton, ao contrário de Strauss e Werner, não atraiu tantos discípulos; no
entanto, a sua obra foi reconhecida após a sua morte com a criação da Orton Society
(OS).
A OS é uma das organizações mais dedicadas ao estudo das dificuldades
específicas da linguagem (DEL) e das dificuldades de aprendizagem (DA). Estes dois
conceitos, todavia, não devem ser confundidos. As DEL consideram os aspectos
receptivos, integrativos e expressivos da linguagem. As DA podem compreender
aspectos mais globais, i. e. , não verbais, práxicos e outros aspectos cognitivos e
simbólicos, como por exemplo as aquisições (skills) necessárias ao cálculo.
A sociedade criada em nome de Samuel Orton, a quem se deve um dos
primeiros trabalhos de investigação neste domínio, compreende como mem bros não
só educadores como médicos, psicólogos, pais, isto é, todos os que se interessam em
proporcionar oportunidades educacionais às crianças com problemas de linguagem e
de aprendizagem.
A sociedade tem vários ramos espalhados pela maioria dos estados da América
do Norte, que são perfeitamente autónomos cientificamente. A sociedade mantém um
boletim anual e outras monografias de grande pro fundidade científica, reconhecidos
inclusivamente nos países socialistas, como provam os inúmeros artigos publicados no
boletim por autores russos, checos, polacos, etc.
Outro aspecto importante da sua acção compreende a realização de
conferências anuais iniciadas a partir de 1949, para as quais são convidados
especialistas de todo o mundo.
A função da Orton Society é predominantemente científica e não propagandista
ou reducionista, no sentido de defender um sistema reeducativo oficial ou especial.
Procura ver as necessidades da criança quanto ao processo de aprendizagem e não
defender um processo exclusivo de reeducação. A OS defende que a sua
sobrevivência depende do convívio e da comunicação científica entre proftssionais que
directa ou indirectamente se interessem pelos problemas de aprendizagem da
linguagem. Um dos seus objectos fundamentais é a promoção da investigação e dos
meios de prevenção e identificação precoces, quer no campo do diagnóstico, quer no
campo da intervenção pedagógica, quer ainda no campo das DEL, que são designadas
correntemente por dislexia (DL). Este interesse científico tem crescido e evoluído, e
para isso têm contribuído inúmeros investigadores, psicólogos, pedagogos e
educadores que anualmente nas conferências divulgám e debatem os seus resultados,
exemplo que em vários campos culturais devia ser seguido.

33

lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Como causas mais relevantes para as DEL, a OS coloca as seguintes:

1) Atraso na aquisição das primeiras palavras;


2) Fala inadequada;
3) Dificuldade de aprendizagem e de retenção (memória) das
palavras impressas
4) Inversões e rotações na escrita e omissões e substituições na leitura; 5)
Repetição de erros ortográficos;
6) Problemas de lateralização e dominância cerebral;
7) Confusão em seguir instruções e direcções, quer no espaço,
quer no tempo, como, por exemplo, direita e esquerda, em cima e em baixo, ontem e
amanhã;
8) Dificuldade em encontrar a palavra adequada na expressão oral; 9) Escrita
ilegível e incompreensível,
para referir os mais significativos.
E evidente que a OS compreende uma associação científica de grande
significado humano. De facto, só podemos considerar que ascendemos ao estudo do
Homo sapiens a partir do momento em que se domina um código visuofonético, que
converte a linguagem falada em linguagem escrita. Quando não atingimos esse nível
multissensorial simbólico, justificativo de toda a evolução humana, e no fim, de toda a
civilização, o nível de domínio da realidade é apenas o do Homo habilis.
A Orton Society (OS) procura, no fundo, combater o analfabetismo, como
realidade universal, dado que provavelmente" dois terços da população mundial ainda
não conseguem ler nem escrever. Conseguú ler e escrever é um direito humano
fundamental que deve ser edificado com base no respeito pela dignidade humana. Só
através da leitura e da escrita independentemente operadas o ser humano
compreenderá a dialéctica da natureza e respeitará a civilização. É óbvio que aqui se
ligam aspectos sociopolíticos e socioculturais que tardam em ser resolvidos
internacionalmente.
Para compreender o problema é necessário partir de um princípio básico. Muitos
cientistas dos países desenvolvidos acreditam que 10%, ou mais, das crianças em
situação escolar actual evidenciam problemas de aprendizagem da linguagem. Para
Portugal o número estimado é, para já, superior, o que equivale aproximadamente a
100 000 crianças na escolaridade primária. As crianças com DEL, independentemente
de serem normais e mesmo até com uma inteligência superior à média, não
conseguem aprender a ler e a escrever por métodos tradicionais, dado que eles não se
adequam ao seu perfil de aprendizagem e, por consequência, às suas necessidades e
diferenças.

A DL é uma condição, não uma doença, que deve ser atendida e compreendida
por todos, e principalmente por pedagogos. As crianças com DL não podem aprender
com métodos tradicionais, ou em moda. Estas crianças, se não forem identificadas
precocemente, encontram-se em risco. Tendem ao insuces

34

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

so escolar, a ter problemas emocionais, perdem a sua identidade- criatividade e


surgem com problemas de adaptação social. São normalmente incompfeendidas por
todos, e muito especialmente por pais e professores. Se esta espiral de conflitos não
for resolvida no momento oportuno, o fundo do problema poderá ser a delinquência ou
outra predisposição sociopática.
A escola afecta toda a gente, mas especialmente estas crianças, que precisam
de métodos adaptados às suas condições e não de empirismos e intuições em que
muitas vezes se cai, dada a falta de conhecimento científlcopedagógico que circula nas
nossas escolas. Não é de admirar esta situação, na medida em que nas universidades
ou nas escolas de formação de professores pouco se tem feito para estimular a sua
formação científica avançada. Formação essa que tem de partir do estudo de
problemas de comportamento, de aprendizagem, de desenvolvimento, de
neurolinguística, psicolinguística, etc. , que não se compadecem só com os estudos
históricofilosóficos. É cada vez mais urgente edificar uma investigação pedagógica
interdisciplinar para apoiar a formação em exercício e operar medidas de prevenção,
dando no fundo continuidade à obra de Orton.
Voltando à Orton Society, é evidente que ela, como associação científica,
interessa a pais, médicos, psicólogos, professores, directores escolares, políticos e
nesponsáveis administrativos e ao cidadão em geral. Aos pais, porque muitas vezes a
sua ansiedade pode prejudicar as expectactivas quanto aos seus filhos, que, sendo
inteligentes, podem, porém, não apresentar resultados escolares satisfatórios,
provavelmente porque a metodologia pedagógica não se adapta às suas necessidades
ou aos seus problemas peculiares. Interessa a médicos e a psicólogos, porque poderão
detectar precocemente sinais de desenvolvimento e de aprendizagem e evitar
problemas de desajustamento emocional e de inadaptação sociocultural. A professores
e responsáveis administrativos, porque assim podem reconhecer a necessidade da
formação contínua e a criação de condições e de opoztunidades para que todas as
crianças portuguesas possam ser culturizadas e alfabetizadas. O professor em geral
deve ter consciência do problema, na medida em que tem de contar sempre com 10%
das crianças da sua classe com problemas ou distúrbios de aprendizagem.
A OS, através do encorajamento que tem proporcionado à causa da prevenção
das DA, encontra-se numa situação qualificada para alertar para vários problemas.
Dentro desses problemas, os mais relevantes são os seguintes:

1) A elevada percentagem de crìanças que não têm a quantidade e a


qua lidade de experiências sensoriomotoras e perceptivomotoras que de verão
decorrer naturalmente desde o nascimento até à entrada para a escola primária. Para
evitar esta situação dramática, a maioria dos países civilizados adoptou legislação para
tornar obrigatória a escolaridade a partir dos três anos, e não dos seis anos. Em
Portugal, por exemplo, a situação do ensino pré-primário continua a ser apenas pen

35

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG6GICA

sada nos gabinetes. É urgente, como meio preventivo de DA, criar em Portugal
um ensino pré-primário com um cumculo pensado à luz de uma investigação
psicopedagógica e que tenha como base os processos de maturação psicológica e os
processos de informação e des nvolvimento percepávo (auditivo e visual), linguístico
(fonético, semântico e sintáxico), motor (global e fino) e emocional (confiança, iniciativa,
autonomia, segurança, etc. );
2) O cuidado especial que deve merecer a alimentação das
crianças em situação de aprendizagem. Uma carência caloricoproteica pode afectar
gravemente as condições de escolarização. A escola primária portuguesa deveria
pensar num suplemento nutritivo, principalmente às crianças de meios desfavorecidos
e que devem igualmente ser educadas em função das suas necessidades. Muitos
problemas de atenção, hiperactividade e comportamento seriam rapidamente
resolvidos com uma nutrição mais qualitativa;
3) Outro problema importante põe em destaque o insucesso escolar
pro vocado por repetências crónicas, cujo efeito na higiene mental das crianças ou dos
jovens pode ser causador de sentimentos de inferio ridade, de autodesvalorização, etc.
O gosto pela cultura contrói-se na escola primária, na medida em que a cultura deve
ser vista não como uma forma selectiva de oportunidades, mas como meio de
libertação e realização das crianças. Daqui decorre uma transformação de currículos
escolares proporcionando nos casos em risco" programas individualizados de
aprendizagem e de enriquecimento curricular, evitando formas desumanas e pouco
dignas de segregação e de humilhação;
4) A necessidade de uma formação universitária dos professores
primá rios, pois não trabalham com coisas ou objectos, mas com seres humanos
candidatos à hominização. A dignidade de um país passa pela sua cultura vivida e
multiplicada e os primeiros a fazê-la têm de ser bem estimados e acarinhados, a flm de
se lhes exigir níveis de intervenção mais qualificados cientificamente. É pelos
professores primários que se pode combater o analfabetismo funcional (de crianças e
de adultos) que entre nós é assustador e comprometedor em várias dimensões
socioculturais e socioeconómicas.

KATRINA DE HIRSCH

Outro impo tante vulto no estudo das DA é Katrina de Hirsch. Com a influência
dos gestaltistas (Goldstein, Werthein, etc. ) e com formação em Patolngia da Fala, no
Hospital de Doenças Nervosas de Londres, K. de Hirsch desenvolve intensa actividade
com crianças afásicas, com uma grande prática nos domínios das disfunções
neurológicas. Tendo sido a fundadora

36

PASSADO E PRESEME NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

da primeira clínica de desordens da linguagem nos Estados Unidos (Pediatric


Language Disorder Clinic - Columbia Medical Center), esta pioneira pode ser
considerada, como Orton e Myklebust, uma especialista da disfunção da fala, tendo
nessa linha investigado os défices, recepúvos e expressivos, da linguagem em crianças
disléxicas.
Dentro de tais défices, conseguiu detectar os seguintes:

1) Dificuldade em processar verbalizações linguísúcas complexas; 2) Problemas


de formulação;
3) Disnomia;
4) Tendência para cluttering (confusão na produção);
5) Desorganização do output verbal;
6) Dificuldades espaciotemporais;
7) Dificuldades em formar esquemas de anteeipação do conteúdo de fra ses;
8) Limitação da compreensão da leitura.

Para além destes aspectos, marcados essencialmente pela sua formação inicial,
K. de Hirsch também se debruçou sobre variáveis psicomotoras das crianças
disléxicas, caracterizando-as com um perfil diferenciado nas seguintes dificuldades:
desorientação espacial; problemas visuomotores e de figura e fundo; hiperactividade e
padrões motores primitivos. A autora é da mesma opinião que Bender, associando
estes aspectos ora a uma disfunção do sistema nervoso central (SNC), ora a
problemas de desenvolvimento e de imaturidade.
K. de Hirsch, noutra publicação editada na Europa (Folia Phoniatria), encontrou
na criança disléxica os seguintes factores não linguísticos:

1) Dificuldades na rememorização visual;


2) Características dispráxicas;
3) Problemas de reprodução e configurações espaciais;
4) Problemas de cónfusão figura-fundo, em aspectos quer visuais,
quer auditivos;
5) Problemas na reconswção de formas (gestalts) visuoauditivas; 6) Problemas
na reconswção de gestalts visuoauditivos;
7) Problemas emocionais como hiperactividade, distractibilidade,
desini bição, desorganização, alterações do eu, alterações da autoimagem, fobia
escolar e eultural, etc.

Pedagogicamente, K. de Hirseh recomenda que os métodos se centrem


fundamentalmente na criança. Os métodos deverão ser, segundo ela, pers pectivados
de acordo com as necessidades específicas e individuais das crianças. A sua visão
eclética integra ainda os trabalhos de Zangwill e de Kimura, pondo em destaque a
importância da dinâmica cortical e da dis

37

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

função maturacional provocada pela patologia da linguagem. A mesma autora, com


outros colaboradores, encontrou mais crianças prematuras num grupo experimental do
que num grupo de controlo, evidenciando a importância da maturação e do
desenvolvimento harmonioso na origem das DA.
Por último, é devido a K. de Hirsch o primeiro estudo predictivo do inêxito na
leitura. Estudando crianças de três, quatro e cinco anos em idade pré-escolar, esta
autora elaborou uma bateria com 37 tarefas contendo a avaliação de aquisições
psicomotoras, da imagem do corpo e aquisições linguísticas. Na base do seu índice
predictivo, K. de Hirsch foi capaz de identificar correctamente 10 crianças em 11 que
subsequentemente iam experimentar dificuldades de leitura no fim do segundo ano de
escolaridade (grade). Jansky chegou às mesmas conclusões após um estudo
longitudinal de cinco anos, o que prova a validade do seu contributo para o
esclarecimento das DA.

SAMUEL KIRK

Uma das flguras mais relevantes do campo das DA é sem dúvida Samuel Kirk,
que iniciou a sua carreira no âmbito da deficiência mental. Doutorado em Psicologia
pela Universidade de Chicago, este autor conseguiu sempre aliar à sua formação a
experiência de professor numa escola de adolescentes delinquentes e de deficientes
mentais, caso único na história das DA, diga-se de passagem. É conhecida a sua
dedicação pedagógica a um caso de um rapaz de 10 anos diagnosticado como aléxico
(world blind - cego para palavras), tendo utilizado com êxito um método de intervenção
que o notabilizou e que inspirou o seu célebre e famosíssimo ITPA (The I!linois Test of
Psycholinguistic Abilities).

Figura 6 - Modelo de Osgood

38

ESTÍMULOS RESPOSTAS visuais motoras auditivos verbais

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

Processo Processo Processo


. receptivo organizativo expressivo
.

1Á Recepção Associação ' Expr


; visual visual ma,
,

,
,
,
ir "' , ---

, ; t auditiva i

Estímulo Estímulo Resposta Resposta auditivo visual verbal motora

Completamento gramaúcal Completamento Subteste


Completamentoauditivo
auditivo Combinação de sons

Figura 7 - Modelo u'idimensional do ITPA

39

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Influenciado pelos trabalhos de Monroe, Hinhselwood e Fernald (outra pioneira


célebre a que nos vamos referir), Kirk seguiu estudos de neurologia, fisiologia e
psicologia experimental, tendo mesmo realizado trabalho laboratorial sobre os efeitos
de lesões cerebrais em ratos. Com a sua experiência tutorial e investigativa, prosseguiu
sempre com a ideia de isolar variáveis do processo de comunicação, no sentido de
determinar as suas importância e significação quer quanto às facilidades, quer quanto
às dificuldades de aprendizagem. Bastou-lhe para tal concluir um curso orientado por
Osgood, a quem se deve um dos mais significativos estudos sobre a comunicação
humana.

O modelo de Osgood é caracterizado por dois níveis: o integrativo e o


representativo.
No prime 'o a correlação estímulo-resposta compreende os eomportamentos
fundamentais como comer e falar e as funções de contiguidade temporal e a função do
gestalt visual, ao mesmo tempo que inclui o nível mais complexo de integração que
respeita à função gramatical e sintáctica da linguagem.

No segundo, a relação estímulo-resposta e resposta-estímulo compreende uma


função dialéctica que relaciona aspectos significativos e cognitivos da linguagem.
Com base neste modelo, Kirk desenvolveu o seu modelo tridimensional
adoptado no ITPA.
Após 15 anos de experiência clínica, Kirk e os seus colaboradores (McCarthy e
Kirk, W. 1961) produziram um dos mais importantes testes na história das DA, o TfPA.
Sete anos mais tarde, em 1968, publicou a sua nova edição, tendo introduzido
correcções nos aspectos mais susceptíveis de crítica, mormente os estatísticos e os
estudos de implicação educacional e reeducativa.

O ITPA consta de 12 subtestes subdivididos segundo o modelo de comunicação


inspirado em Osgood 1957, que postula as seguintes aquisições cognitivas: canais de
comunicação (auditivovocal, auditivomotor, visuomotor, visuovocal, tactilomotor e
tactiloverbal); processos psicolinguisticos (receptivo, organizativo e expressivo) e niveis
de organização (representativo ou significativo e automático ou integrativo).

As funções testadas no nível representacional são as seguintes: recepção


auditiva, recepção visual, associação auditivovocal, associação visuomotora,
expressão verbal e expressão manual.
Quanto ao nível automático temos: completamento gramatical, completamento
auditivo, combinação de sons, completamento visual, memória sequencial auditiva e
memória sequencial visual.
Um dos papéis fundamentais do trabalho que emergiu do ITPA foi o
desenvolvimento das capacidades mentais das crianças deficientes, visto que aquele
teste discrimina facilmente as aquisições fortes das fracas, possibilitando, a partir daí, o
desenvolvimento de programas individualizados de educação (Figura 7).
O ITPA cobre as idades compreendidas entre dois; quatro e oito; nove
anos e é usado principalmente para diagnosticar intraindividualmente as capa

40

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

cidades e as dificuldades psicolinguísticas. Pode ser utilizado em crianças com DA, em


crianças com DM, em crianças com LCM e em crianças com desordens perceptivas.
Seis funções ao nível representacional são avaliadas pelo ITPA. Duas envolvem
os processos de recepção (descodificação) auditiva e visual, isto é a capacidade de
captar a significação de palavras e de símbolos visuais.

Exemplos

Da recepção auditiva:
Os rapazes brincam? Sim ou Não As cadeiras brincam? Sim ou Não As
cadeiras comem? Sim ou Não Os cães comem? Sim ou Não

Da recepção visual:

Vês esta imagem?

Descobre aqui uma igual.

`e

Y"

Figura 8 - Imagens de recepção visual do ITPA

41

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Duas outras funções compreendem a associação auditiva e a associação visual,


pondo em jogo uma relação de conceitos apresentados auditiva e visualmente.

Exemplos

Da associação auditiva:

O pai é grande; o bebé é O pássaro voa no ar; o peixe nada no O pão é para
comer; o leite é para Eu durmo numa cama; eu sento-me numa

Da associação visual:

Apontar para a figura central. O que é que fica bem com esta imagem?

Figura 9 - Imagens de associação visual do ITPA


42

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

As restantes funções ao nível representacional avaliam a expressão de


conceitos em termos verbais e em termos manuais.

Exemplos

Da expressão verbal:

São dados cinco objectos (prego, bola, cubo, envelope e botão). Pede- se ao
observado:
uDiz-me tudo o que sabes sobre -

Regista-se aqui todas as descrições espontâneas, bem como as categorizações


verbais seguintes: nomeação, cor, forma, constituição, função, etc.

Da expressão manual:

Figura 10 - Imagem de expressão manual do ITPA

43

Mostra-se várias figuras (martelo, chávena e cafeteira, guitarra, faca e garfo, etc.
) e solicita-se ao observado a demonstração do uso em termos de gestos intencionais.

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

As outras seis funções avaGam o nível automático e integram as


capacidades respectivas e expressivas, para além das funções de completamento e de
memória sequencial au itiv a e visual.

Exemplos

Da memória sequencial auditiva:

Reprodução simples de dtgitos: 9-i; 8- 1-l; 2-7-3-3; 4-7-3-9-9; etc

Da memória sequencial visual:

Exposição de sequências de imagens, para posteriormente serem


reproduzidas por fichas coirespondentes.

Figura Il - Imagem de memória sequencial visual do ITPA

Para além destas situações, o TTPA inclui o completamento gramatical


para avaliar as redundâncias da linguagem oral na utilização da sintaxe e
das inflexões gramaticais. A combinação de sons (sound blending) está
incluída na função de completamento, exactamente para avaliar a capaci dade
de sintetizar partes da palavra (s0abas). Eis assim, de um modo esque máúco, a
apresentação de alguns itens do ITPA. Vejamos em seguida os
' seus resultados.
Vários estudos se têm se ido à ublica ão do ITPA. Vejam
' p ç os resumii damente alguns:
1) Um sobre a sua validade (Paraskevopoulos e Kirk 1969), onde foram
aúngidas correlações de 0, 41a 0, 67entce o quociente psicolinguístico
(QPL) dado pelo ITPA e o quociente intelectual (QI) dado pela
Standfor Binet Intelligence Scale (SBIS).
Verificou-se ainda que os subtestes de associação auditiva e de
completamento gramaúcal evidenciavam uma coirelação superior à
dos restantes, sendo os de completamento auditivo e de combinação
; de sons os que mostravam correlações mais baixas;

44

PASSADO E PRESEME NAS DIFICUlDADES DE APRENDIZAGEM

Associação

Descodificação 1 3 5 Codificação u >

z2aó

7I
ó a 8D c
z
I I I
b 9 d
E e 0
Esúmulo Resposta
visual e verbal e
auditivo motora

Sem déficeÁrea fone Défice marginal Défice

Nivel representacional Nivel integracional


1. Descodificação auditiva 7. Integração verbal automática
2. Descodificação visual 8. Sequência auditivoverbal
3. Associação auditxvoverbal 9. Sequência visuomotora
4. Associação visuomotora a) Complemento visual automá 5. Codificação
verbal txo '
6. Codificação motora b) Combinação de sons (Montne)
c) I. abirintos (WISC)
d) Memória de desenbos
(fnahatn-Kendal)
e) Velocidade perceptiva

Figura 12 - Modelo clínico do processo de leitura de Kass, indicando as áreas


fone, sem défice, com défice marginal e com défice

45

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

2) Weener, Barnt e Semmel 1967 examinaram as intercorrelações


dos subtestes, criticando que o ITPA não corresponde exactamente ao modelo teórico
de Osgood. Os níveis, os canais e os processos não medem as mesmas funções, visto
que a análise factorial (rotação ortogonal) provou a existência de capacidades
psicolinguísticas isoladas e não uma capacidade geral, como defenderam Kirk e os
seus colaboradores. Estes autores concluem que o ITPA surge com várias
contradições no plano da sua validade estatística e da sua consistência interna;
3) Ryckman e Wregerink 1969, adoptando um estudo de análise
factorial (principal axis factor analysis), encontraram mais diferenças discri minativas
nuns níveis etários do que noutros. Aos três anos determinaram um factor geral com
ênfase forte no canal visuomotor pondo em evidência a instabilidade estatística dos
seus coeficientes.

Independentemente das críticas que têm sido publicadas sobre o ITPA, umas
com enfoque estatístico, outras na base dos problemas que se levantam ao nível
reeducativo, não restam dúvidas de que o ITPA é um instrumento valioso no que
respeita à articulação indispensável entre o diagnóstico e os programas de intervenção.

Seria exaustivo apresentar nesta sinopse os inúmeros trabalhos de inter


venção e aplicação do ITPA no ensino especial; de qualquer forma, podemos
acrescentar que ele foi amplamente estudado nos seguintes campos:

a) Dificuldades de leitura;
b) Desordens da fala; c) Deficiência mental;
d) Trissomia 21;
e) Grupos étnicos;
j) Crianças com paralisias cerebrais;
g) Crianças com deficiências visuais e auditivas, etc.

Pelo interesse que têm, principalmente para os professores, limitamo-nos


a destacar dois desses trabalhos:

; i) O de Corrine Kass 1966;


! 2) O de Macione 1969, em que se apresenta, pelo interesse didáctico
inerente, o respectivo perfll médio dos dois grupos experimentais.

No primeiro projecto de investigação, C. Kass encontrou uma relação sig


nificativa entre a dificuldade da leitura e os resultados dos subtestes do nível
automático, incluindo também testes de velocidade perceptiva, de completamento
(closure) e de memória visual. De acordo com a mesma autora, os problemas
psicológicos básicos das crianças com dificuldades na leitura são

46

PASSADO E PRESENTE NAS DIFlCU1 I)ADES DE APRENDIZAGEM

mais do nível automático e integrativo do que do nível representacional e


simbólico. Estes dados vêm reforçar a tese das desordens no processo de informação
e demonstrar que os problemas das crianças disléxicas não se situam ao nível
representacional, como se prova pelas suas capacidades em interpretar figuras,
retirando delas elementos de conteúdo e significações. Tais crianças parecem ter
problemas em captar significações não de fi uras, mas de palavras. g
Baseado nesta interpretação, Kass apresenta o modelo clínico da página
45. O segundo projecto de Macione, conduzido com 28 crianças com dificuldades de
leitura, e com 28 crianças sem dificuldades, encontrando-se ambos os grupos, no
momento da investigação no 3. o ano de escolaridade (grade), obteve os seguintes
perfs médios no ITPA:

Figura 13 - Resultados do I1'PA em bons e maus leitores

47

a M a 8 po sem dificuldade b Média de grupo com dificuldade e enças significativas


entre cáanças com e sem dificuldade (p. > 0, 05)

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG lGICA

Deste projecto concluía-se que as crianças com dificuldades na leitura


apresentam mais problemas nos seguintes subtestes do nível automático:
completamento gramatical e visual, memória sequencial visual, completamento auditivo
e combinação de sons.
Destes dois estudos parece poder-se concluir de novo que o processo da leitura
(a provar estão em evidência as dificuldades encontradas nas crianças disléxicas)
exige a presença de um conjunto de pré-requisitos de nível automático que raramente
são tomados em at, enção nos programas pré-primários, primários e mesmo até
reeducativos, daí a importância destes dados numa perspectiva preventiva.
A interpretação dos resultados do ITPA permite detectar o pezfll intraindividual e
o estilo de aprendizagem" das crianças com DA. Ao contrário do teste de Frostig, o
ITPA evidencia factores isolados (isola aptidões específicas) e avalia funções
psicológicas discretas de grande interesse para o conhecimento do potencial básico de
aprendizagem das crianças, que evidentemente poderão ser muito úteis para a
compreensão das facilidades e das dificuldades psicolinguísticas características das
crianças com problemas de aprendizagem simbólica.
A aplicabilidade educacional imediata do ITPA só por si demonstra a utilidade e
a validade do instrumento criado por Kirk e colaboradores, que muito contribuiu e
contribuirá para o progresso e o desenvolvimento do campo das DA.

HELMER MYKLEBUST

Neste grupo de pioneiros orientados para as funções da linguagem resta- nos


abordar Helmer Myklebust, professor de Patologia da Linguagem, professor de
Psicologia e professor de Neurologia e Psiquiatria. Recebeu o seu Ed. D. (Fducational
Doctor) da Rutgers University em 1945 e foi director do Instituto das Desordens da
Linguagem da Universidade de Northwestern, por onde nos pós- graduámos.
Este autor, do qual recebemos influência directa e ao qual nos vamos
referir constantemente nos próximos capítulos, foi o criador do quociente de
aprendizagem, e do conceito psiconeurológico de DA Sobejamente conhecido pelos
seus trabalhos de investigação, nomeadamente nos catnpos da deficiência auditiva, da
afasia e das DA, tem vindo a contribuir significativamente com inú nerprocessos de
diagnósticos e de reeducação (remediation), magistraimente descritos no livro Learning
Disabilities - Educational Principles and Practics, escrito em coautoria com Doris
Johnson, nossa profes= sora na Universidade de Noithwestern (Evauston-Chicago).

Myklebust é o primeiro autor a quantiftcar as DA comparando o poten cial


expectaávo das crianças e o seu nível de realização actual. A criaçãó do quociente de
aprendizagem (QA) resultou da necessidade de prover o diagnosticador (psicólogo,
reeducador ou professor) de um instrumento que

48

PASSADO E PRESEME NAS DlFICULl7ADES DE APRENDI7AGEM

possibilitasse o parâmetro de discriminação entre uma criança com DA e uma criança


deficiente mental, independentemente de se poder encontrar crianças deficientes
mentais e crianças de inteligência superior com DA.
O cálculo do QA aplica a seguinte fórmula para obter uma idade expec tativa
(expectancy age):

= Idade expectativa

IM+IC+IEsc=IExp. 3

Depois de se obter os resultados do teste de inteligência, quer o verbal, quer o


não verbal (performance ou de realização), o mais alto destes dois resultados é
utilizado para estimar a componente da idade mental, podendo aqui, segundo
Myklebust, detectar-se se a DA é verbal ou não verbal. Avalia-se os dois aspectos, mas
considera-se o melhor resultado para indicar o potencial da criança. A idade
cronológica indica a maturidade fisiológica. A idade escolar reflecte a experiência
educacional e particularmente as suas oportunidades de aprendizagem.
Depois de calculada a idade expectiva, esta é dividida pelo nível escolàr que a
criança obtém em testes académicos (achievement tests), daí resultando o QA.

Idade expectativá
= Quociente de aprendizagem Idade de leitura (escrita, cálculo)

= QA IL

Por exemplo, uma criança com a idade expectativa de 10 anos e lendo um texto
para uma criança de oito anos obtém um QA de 80 na leitura. Reconhecendo a
natureza arbitrária da determinação do ponto onde o QA é sinónimo de uma DA,
Myklebust no entanto fixa-o em 89 (cutoff score).
A criação do seu conceito psiconeurológico das DA" resulta da sua não-
concordância com as definições mais populares, pois defende uma posição etiológica.
Mesmo referindo que o termo consubstancia uma etiologia de lesão cerebral (brain
injury)', Myklebust adopta a designação para envolver manifestações de
comportamento e de aprendizagem.
O interesse que Myklebust pretende evocar situa-se na relação entre o cérebro
e o comportamento, particularmente no que respeita à aprendizagem (wny main
intérest for more than a decade now has been the relationship between brain and
behaviour particularly as these pertain to learningH 1972).

Visw surgir a necessidade de se reconhecer que a expressão lesão cerebral


mínima' (l. CM) se refere mais a manifestações de comportamento do que à quantidade
de cérebm lesado.

49

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Podemos assegurar que o interesse de Myklebust se situa na compreensão dos


factores e nos tipos de disfunções que afectam a aprendizagem. Segundo ele, tais
aberrações poderão ser de três tipos:

1) As que são de origem psicológica intrínseca;


2) As que resultam de problemas do sistema nervoso periférico' 3) As que
derivam de desordens do sistema nervoso centcal. É mais sobre
este último aspecto que este autor se coloca.

Segundo o autor, nos Estados Unidos, durante muitos anos, imensas crianças
com DA (e com aspectos de ajustamento social concomitantes) eram classificadas
como deficientes mentais, deficientes sensoriais ou emocionalmente perturbadas. Este
panorama foi posteriormente combatido, tendo-se chegado à conclusão de que um
número significativo de crianças não aprendia nas escolas públicas,
independentemente da sua inteligência normal, das suas ade quadas visão, audição e
motricidade e do seu ajustamento socioemocional.
A partir destes factos (que subsistem perigosamente no sistema escolar
português por falta de uma definição e uma clarificação concisas), foi necessário
desenvolver um intenso trabalho de investigação para se adoptar uma classificação
mais apropriada e significativa. Tal classificação teria de discriminar claramente
crianças deficientes mentais, crianças com lesões mínimas cerebrais e crianças com
dificuldades de aprendizagem.
De acordo com Myklebust, trata-se de detectar crianças com disfunções no
cérebro (disfunções psiconeurológicas), que não manifestam grandes anomalias
neurológicas (gross neurological anormalities), mas que frequentemente apresentam
défices complicados na aprendizagem e no comportamento, mesmo que se verifiquem
nelas potenciais intelectuais médios ou elevados.
Foi necessário, e ainda hoje é preciso, encontcar dados e factos que pernútam
obter uma defnição mais refinada e precisa da condição das DA e dos seus efeitos
específicos. O critério para o diagnóstico diferencial não é puramente uma questão de
hostilidade entre vários profissionais - está em causa a felicidade de futuros cidadãos,
daí que muitos investigadones se esforcem para o obter.
O complicado problema da definição foi e é uma preocupação deste autor'' de
facto, Myklebust começa por colocar o problema considerando que a população total
das pessoas lesadas cerebralmente inclui: paralisia cerebral, deficientes mentais e
talvez (o sublinhado é nosso) outros. Nuns, os efeitos na aprendizagem e no
comportamento são visíveis e óbvios; noutros, o problema requer diagnósticos mais
sofisticados e diferenciados, e dentro desta categoria Myklebust integra as lesões
mínimas do cérebro e as DA.

1 Sabe-se igualmente que uma pequena disfunção numa dada área do cérebro
pode provocar grandes efeitos no comportamento, enquanto uma grande ou extensiva
disfunção noutra área resulta em alterações de comportamento mínimas. A questão
está em saber quando é mínima a lesão, o que nos parece, para o conbecimento
actual, muito difícil de defmir, até porque, como afnmou Orton, a área e a sua
localização funcional específica são mais importantes do que a quanti dade de tecido
cerebral lesado.

50

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

A deficiência específica, encontra-se na capacidade de aprendizagem. É esta


característica a base da homogeneidade das crianças com DA, não obstante se
reconhecer muitos tipos e graus. Há uma integridade e uma competência geral, isto é,
um potencial de aprendizagem normal mas que não tira proveito unormal" da
experiência e das oportunidades educacionais triviais, ou seja, as crianças não
aprendem normalmente. Parece surgir uma espécie de dificuldade em actualizar o seu
potencial.
Em conclusão, para Myklebust o critério deverá ser o seguinte: uma integridade
geral e uma deficiência na aprendizagem (generalized integrity and a deficiency in
learning).
Os requisitos da aprendizagem normal e as características das DA são, de
acordo com Myklebust, perspectivados nos dois quadros seguintes:

APRFNDIZAGEM NORMAL

Integração da experiência

Funções intersensoriais
Funções intra-sensoriais

Audição - Visão Tacúloquinestésico

Capacidades psiconeurológicas

Figura 14 - Modelo de aprendizagem normal, segundo Myklebust

51

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPFIlAGÓGICA

r-- --
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r DiFICULDADES DE APRENDI7AGEM '
' I
I , i I
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; Desintegração da experiência ,
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' , I
I ' ' I
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I r--------L - r- 1-------- -1-------- I
I i i i i Tactilo- ;
' Audição r - Visão ' '
quinestésico ' '
, ' ''''' I
' ''''
I I
L-------- - L- T-------- L -T-------- I
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I , II I
L l ---- -
I I
I I
I -- I
I r-- ,I
I ' 'I
I-
(dis)Capacidades psiconeurológicas ;
' '
' '
L-- --J

Figura 15 - Modelo de dificuldades de aprendizagem, segundo Myklebust

O problema é demasiado complexo para ser tratado num livro de introdução e,


para salvaguardar este aspecto, não nos alongaremos mais sobre este assunto; no
entanto, parece-nos que os dadõs neurológicos (sem querermos subestimá-los,
evidentemente) não são necessariamente definitivos e conclusivos. Surge aqui a
introdução dos denominadns soft signalsl, ou sinais ligeiros, que podem ser igualmente
detectados, segundo Myklebust, em testes psicológicos, educacionais e psicomotores,
isto é, em termos de evidências comportamentais.

' Muitos estudos baseados em novas tecnologias (ressonância magnética, PET-


Tomografa por emissão de positrões), estâo clarificando estes sinais quando
comparam disléxicos com não-disléxicos.

52

PASSADO E PRESEME NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Para Myklebust, a disfunção cerebral psiconeurológica (e este é um aspccto


crucial, muitas vezes incompreendido por psicólogos e professores) que causa a DA
pode não ser, necessariamente, causada por lesão ou dano (damage). Ela pode ser
evolutiva, podendo ocorrer numa base endógena, ou ser até de natureza hereditária.
Embora controversa, a investigação neste domínio vem apresentando factos que
confirmam a disfunção cerebral em indivíduos disléxicos, após análise pós-mone dos
seus cérebros.
Assim, Galaburda e Kemper, estudando o cérebro de uma pessoa dis léxica,
descobriram uma estrutura anormat das células neurológicas nas áreas que controlam
a função da linguagem.
uPela primeira vez se demonstcou que subsistem diferenças anatómicas no
cérebro das pessoas disléxicas. Esta afirmação de Galaburda (neurologista) e Kemper
(neuropatologista) foi recolhida de observações feitas a um jovem disléxico de 20 anos,
vítima de acidente de viação.
Na análise pós-mone, daquele cérebro, à base de uma nova técnica, a
citoarquitectura, que permite a análise dos arranjos celulares por meio do estudo da
densidade das camadas e dos úpos de células, foram idenúficadas estcanhas
anormalidades nas camadas das células do hemisfério esquerdo, onde se pensa que
as funções da linguagem estão localizadas.
Na área designada por tpt foram discriminadas pequenas convolução onde os
padrões de organização das células se encontravam alterados, fusionados e
desananjados. Mais: nàs camadas mais superf, ciais do cónex, foram encontradas
células onde elas normalmente não existem (ectopias e displasias) para além de se ter
identificado ilhas de tecido corúcal, (islands of comcal tissue) na substância branca do
cérebro. Para aqueles autores, a área Ktptr, é normalmente maior no hemisfério
esquerdo, mas no cérebro dislézico, os dois hemisféricos apresentam o mesmo
tamanho. Para ambos os investigadores, os disléxicos apresentam as áreas relevantes
da linguagem mais pequenas em ambos os hemisférios; outras anormalidades foram
encontradas no hemisfério esquerdo, mas nenhumas no hemisfério direito. É óbvio que
estes dados não são suficientes para avançar com conclusões definiúvas; no entanto,
vêm clarificar inúmeras hipóteses avançadas anteriormente. É preciso esperar por mais
estudos dos cérebros de pessoas disléxicas. Geschwind, outro elemento do grupo de
estudos do Hospital Beth Israel, de Boston, declarou: embora ninguém possa ainda
dizer que estas anormalidades existem em todos os disléxicos, é, no entanto, a
primeira vez que se demonstra inequivocamente uma alteração na eswtura cerebral do
indivíduo disléxico. "
Com estes estudos parece confirmar-se que os arranjos das esWturas cerebrais
básicas dos disléxicos se eneonvam alterados (miswiring), sem a ocorrência de lesão,
hemorragia ou traumatismo pós-nascimento (ver Figura I 6).
A terminologia ideal deverá especif, car a deficiência na aprendizagem
(Hdeficiência simbólican ou deficiência cognitiva) e indicar que essa defi

53

INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

ciência resulta de uma disfunção no cérebro, clarificando que é a neurologia da


aprendizagem que está alterada.
Inicialmente, no entanto, como diz Myklebust, as primeiras manifestações são
comportamentais e não neurológicas: as implicações mais óbvias são, porém, de
natureza psicológica".
É por esta razão que o autor sugere, e nós apoiamos profundamente, o termo
psiconeurológico para designar a área de estudo que respeita às desordens de
comportamento associadas a disfunções cerebrais nos seres humanos.
Esta designação é distinta do termo neuropsicológico, que respeita as relações
entre o comportamento e o sistema nervoso em organismos normais, e está
geralmente associada a trabalhos experimentais também em animais inferiores.
A psiconeurologia compreende, poztanto, todas as aberrações de
comportamento que têm uma base neurológica, independentemente da idade em que
ocorrem e da etiologia.
É neste sentido que Myklebust se refere a desordens psiconeurológicas da
aprendizagem (psyconeurological learning disorders). Esta terminolo

54

Figura 16 - As setas indicam os arranjos alterados das estruturas cerebrais


do indivíduo disléxico, com as camadas fusionadas
e excessivamente convolucionadas

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

gia, reforça o autor, tem a vantagem de indicar que a desordem da apren dizagem é
um tipo de desvio comportamental, ao mesmo tempo que encerra um problema de
aprendizagem e não um problema de incapacidade de aprendizagem (afasia, alexia,
agrafia, etc. ).
Muitos problemas subsistem quanto à terminologia, ao critério e à definição que
envolve o conceito de DA. Enquanto não se clarificar a complexidade do problema, não
vemos como se poderá, consequentemente, desenvolver programas educacionais
apropriados às necessidades específicas das crianças.
Cada vez mais a escola se encontra confrontada com crianças com DA. A
excepção à regra, nos nossos dias, são as crianças sem DA, ou melhor, sem distúrbios
ou problemas de aprendizagem. Tais crianças mal definidas são raramente detectadas
ou identificadas, e como resultado dessa atitude negligente e indolente surgem os
evitáveis estigmas escolares do insucesso e do inêxito.
Modificações estruturais, legais, educacionais e científicas têm de ser
implementadas na escola e muitas dessas alterações colocam em questão estes
problemas de clarificação.
O critério, a definição ou a clarificação destas crianças é urgente, como afirma
Myklebust. Urge estabelecer por consenso tal critério essencial, salvaguardando
implicitamente os direitos da criança, na medida em que a clarificação da definição
pode contribuir seguramente para a planificação, a estruturação, a organização e a
criaçãó de serviços e de técnicos, encorajando o desenvolvimento de programas de
identificação e de métodos de intervenção.
Myklebust não omite este tipo de repercussões sobre o problema das desordens
psiconeurológicas; por isso, desenvolveu intensa actividade investigativa no sentido da
criação de processos de identificação (ver exemplo da escala de identificação de DA) e
de métodos de intervenção pedagógica.
Num dos seus estudos de identificação, Myklebust apurou que 75% a 85% das
crianças com DA manifestavam sinais neurológicos evidentes, e que tais sinais
poderiam, em muitos casos, obter confirmação pelo elec t nencefalograma. Mais, o seu
trabalho de identificação, que envolveu toda a população escolar dum distrito (cerca de
dois milhões de crianças), mostrou que um mínimo de 5% de crianças em idade
escolar evidencia DA resultantes de distúrbios no cérebro. Outros autores, a este
respeito, avançam com cifras muito maiores. No mesmo trabalho, este autor demonstra
que os problemas são cinco vezes mais comuns nos rapazes do que nas raparigas,
sugexindo que provavelmente alguns tipos de DA derivam etiologicamente de um factor
genossómico.
Cada vez mais é possível encontrar factos que confirmam as relações entre o
cérebro e a aprendizagem, e neste sentido a obra de Myklebust é um marco inequívoco
e primordial para a compreensão das DA, apenas pecando por falta de uma análise
interaccionista do tipo biossocial.

55

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

No seu trabalho, Myklebust equaciona o problema da linguagem num contexto


psiconeurossensorial simplificado no seguinte esquema:

Figura 17 - Modelo psiconeurossensorial da linguagem, segundo Myklebust

A linguagem resulta da transformação de uma informação sensorial numa


informação cognitiva, e este salto qualitativo, naturalmente com raízes antropológicas,
deve-se às sucessivas liberdades anatómicas que resultam da expansão do cérebro
(Fonseca 1980). Para além de envolver este salto, do sensorial ao cognitivo, isto é, da
experiência às suas simbolização e significação, foram necessários muitos esforços
obviamente de raiz biossócio- histórica.

Atingir abstracções de sinais, de signos e de símbolos é um privilégio do


Homem. O Homem reage a um sinal ou a um estímulo sensorial quando este
transporta um significado, uma motivação.

A linguagem, ao contrário da comunicação (também inerente na comunicação


animal), implica a capacidade de abstracção, nascida da experiência e integrada no
cérebro do Homem, por meio da linguagem interior, primeira e verdadeira dimensão da
linguagem entre os seres humanos.

A significaçâo constitui a característica dominante da aprendizagem da


linguagem (interior, receptiva e expressiva), visto ser a base do código verbal. Como
avança Myklebust - e este é um dado imprescindível para a compreensão das DA -, a
linguagem é o resultado da transformação das informações sensoriais em símbolos
significativos. É a simbolização que torna possível o código que consubstancia a
linguagem na espécie humana. O resultado desta transformação, como é fácil ver no
quadro acima referido, é naturalmente uma função do cérebro.
É o cérebro que aprende a significação e a prová-lo estão os trabalhos de
Neisser 1978. Vejamos o que nos mostram esses trabalhos. Segundo aquele

56

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICU1, 17ADES DE APRENDl7 AGEM


autor, os potenciais cerebrais evocados pelo termo rock são diferentes
consoante a significação. Quando o termo significa rocha, o potencial evoeado é
diferente de quando a mesma palavra significa tipo de música, Parece provar-se que o
cérebro codifica e processa a informação na base da sua significação e não
meramente pela sua produção ou expressão (unerance) vocal ou pela sua
caracterização como palavra isolada numa frase, num periodo ou numa página.
A significação é tudo o que constitui a linguagem interior, ou melhor, é o
comportamento representacional (re + presença, isto é, presença fixada no cérebro
como uma significação adquirida e consolidada vivencialmente i. e. , eorporalmente)
resultante da experiência e, como tal, um verdadeiro produto do pensamento
necessário à transmissão de ideias.
Por outras palavras, a linguagem envolve uma significação. Esta, por sua
vez, envolve um processo de informação e este, por último, implica um processo de
tradução e de equivalência, e, como tal, subentende um modelo cognitivo e uma
estrutura que o operacionalize, isto é, um cérebro.
Para expressar ideias e sentimentos, o cérebro terá de munir-se de meios
sistemáticos e convencionais de comunicação - gestos, sinais, sons, etc. contendo
significações. Vygotsky 1962 ajuda-nos aqui quando afirma que a palavra sem
significação não é uma palavra.

Vejamos superficialmente alguns aspectos psiconeurológicos da lingua, gem.


Por exemplo, recorrendo à Penfield e Roberts 1959, nos aspectos neurológicos da
linguagem falada há diferenças nos tipos de afasia produzida por lesões em diferentes
áreas do córtex da fala (speech cortex). Nalguns easos, há mais envolvimento
sensorial - afasia sensorial -, noutros, mais envolvimento motor - afasia motora. Nesta,
a fala está comprometida, enquanto a compreensão da fala está relativamente intacta.
Na outra, o inverso é verdadeiro. As unidades motoras (no lóbulo frontal) estão
separadas espacialmente das unidades sensoriais (no lóbulo temporal). Mas é claro
que ambas estão localizadas na região geral das áreas corticotalâmicas da fala,
situadas no hemisfério esquerdo, onde elas se encontram funcionalmente muito inter-
relacionadas. Esta afirmação, assinalada por Myklebust, garante-nos outros dados para
a compreensão do seu conceito de DA.
Noutro exemplo, no que concerne à linguagem escrita, Myklebust analisa a
leitura nos seguintes termos: a leitura implica uma "tradução" (transdução ou
equivalência) do que está imprimido na página, em equivalentes auditi vos que são.
apreendidos previamente.
Por outro lado, a escrita, que é, como sabemos, reálizada pela mão
dominante, mão essa controlada por mecanismos motores corticais do hemisfério
oposto (mão direita-hemisfério esquerdo, na maioria da população), compreende um
movimento voluntário, inicialmente, e, posteriormente, um movimento automatizado.

57

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Lbbulo fiontal Fascículos (unidades motoras) c os


Á cea de Broca

Figura 18 - No lóbulo temporal situam- se as unidades sensoriais. A área


de Wernicke recebe os estímulos auditivos, compreendendo-os significativamente. A
sua lesão não altera a fala (output), mas sim a compreensão; daí a designação de
afasia receptiva e ou central, A área de Broca, situada no lóbulo frontal, compreende as
unidades motoras, que controlam o movimento dos músculos dos lábios, do maxilar, da
língua e das cordas vocais, incorporando os programas- articulemas - que produzem a
fala. O girus angular actua como conexão entre as regiões auditivas e visuais, centro
básico da conversão do estímulo visual - optema - em unidades auditivas equivalentes
- fonema -, ou seja,
o processo básico da leitura

Continuando ainda com Myklebust, o factor ideacional da linguagem, quer seja


falado, lido, ouvido ou escrito, depende de certa porção de um hemisfério
(normalmente, o esquerdo). Esta localização funcional é uma aquisição filogenética
própria da evolução dos mamíferos, citando Penfield e Roberts 1959. Outras funções
intelectuais, como a percepção, a rememorização, as generalizações, etc. , são feitas
por áreas homólogas em ambos os hemisférios, que por sua vez se encontram
coordenados e integrados pelo trabalho do tronco cerebral.
A aprendizagem da linguagem, por consequência, envolve naturalmente o
cérebro, como provam as experiências de Hebb 1949.
A hierarquia da linguagem é um todo. A fala, a leitura e a escrita não podem ser
vistas como elementos isolados.
Independentemente do envolvimento, incluindo aqui a estimulação e a
interacção verbal ou os métodos de ensino, a hierarquia da linguagem inclui factores
genéticos que sequencialmente seguem um padrão de desenvolvimento,
necessariamente dependentes de processos de maturação orgânica (dialéctica da
hereditariedade e do meio).

58

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

: Na base desta evolução estão vários processos psicológicos, também hieuicamente


integrados; vejamos então tais processos, segundo Myklebust:
t 2 3
PERCEP ÃO IMAGEM SIMBOLIZAÇÃO
T
. diseriminação; mediação entre o input e representação
o ourput; da experiência;
: identificação;
descodificação; associação de estímulos
inte pretação de experiên- a significações;
' análise e síntese;
cia sensorial; categorização.
retenção;
sistemas de transdução
de informação intra, in- memória;
terneurossensorial; de
equivalentes auditivos a . visualização;
visuais (linguagem falada) para processos inver- auditorização;
sos, isto é, visuais para
equivalentes auditivos rechamar os elementos
(linguagem escrita). aprendidos disponíveis.
Figura 19- Processos psicológicos integrados, segundo Myklebust

Daí a associação de Myklebust, quando compara as incapacidades às


dificuldades:

LNlGUAGEM ESCRITA

afa5ia afa5ia
dexia agrafia disgratiaexpressiva disfasia

i ncapacidade dificuldade incapacidade dificuldade

Figura 20 - Incapacidades e dificuldades de aprendizagem

Teremos de reconhecer, como afirma Myklebust, que a simbolização necessita


de que a informação vá sendo traduzida, codificada, e como tal, interiorizada na base
da signiftcação, desde a recepção à expressão.
Este é, quanto a nós, um aspecto essencial para a compreensão das DA, e
também deverá ser encarado como um dado básico da sua definição, do seu
diagnóstico e do seu tratamento.

59

INSUCESSO ESCOL9R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Ao terminar esta síntese sobre um autor com tantas obras publicadas,


não poderemos omitir algumas reflexões que o seu último trabalho nos
deixa - Towards a Science of Dyslexiologya (Para Uma Ciência da Disle
xiologia) -, uma página inaugural de uma nova ciência, com exactos
paralelismo e importância com a afasi4logia.
Para Myklebust, a dislexiologia tem os seus conceitos e as suas questões
com a integração de um elevado número de disciplinas, como por exemplo,
psicologia, patologia da linguagem, psiquiatria, neurologia, pediatria, oftal
mologia, electroencefalografia, psicolinguística, genética, educação, etc. As
ciências médicas, neurológicas (neuroscience), comportamentais e pedagó
gicas têm também papéis determinantes quanto ao seu desenvolvimento.
Myklebust avança com o termo dislexiologia, para designar um campo
i profissional especializado necessário para satisfazer e atingir os seus objec
tivos como ciência e como prática.
Muitos esforços serão necessários no sentido de promover, rápida e
urgentemente, a coordenação entre várias disciplinas, inclusivamente a troca
de ideias básicas, a precisão e a estruturação nosológica que o termo disle,
xiologia em si requer, visando a superação de antigas e presentes confusões,
, para além de reconceptualizar a terminologia de um campo tão recente e con
troverso como é o das DA.
i Afasia e dislexia são, efectivamente, os dois tipos de patologia da lini
I guagem mais significativos. Como subespecialidade, Myklebust pretende
', apenas chamar a atenção para a dislexia, elevando-a ao nível científico a que
se encontra a afasia.
i
Para este investigador, a dislexia constitui uma desordem cognitiva e uma
desordem da linguagem.
Desordem cognitiva, exactamente porque se centra na problemática da
significação da linguagem interior, da abstracção, da formação dos concei tos e
das metáforas. Para Myklebust, a dislexia evidencia uma perturbação
no processo de simbolização, não se operando a significação da significação
(meaning of meaning), na medida em que a aquisição da significação, que
deverá resultar da leitura, põe em jogo um processo cognitivo e integrativo
(cognitive neural process). Descodificar e simultaneamente compreender
são um todo no processo da leitura, trata-se de uma análise pela síntese.
Obter significação compreende uma relação com o pensamento abstracto.
Deduzir, inferir, implicar, generalizar, conotar, associar, categorizar, etc. dão
-se imediatamente quando o processo da leitura está adquirido.
A significação resultante da leitura é um conceito psicológico que precede
a linguagem, porque ela nasce das coisas reais e concretas. A significação é
anterior à utilização da linguagem falada e está permanentemente implícita
no processo da recepção e da expressão da linguagem escrita (Gibson e Levin
1975).
Desordem da linguagem, porque impede as relações entce a linguagem
auditiva (receptiva e expressiva) e a linguagem visual (receptiva e expressiva),

60

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

ou seja, o acesso à alfabetização independente, garante da cultura consolidada em


cada ser humano. Ler não é uma aprendizagem de novos sinais. Trata-se apeuas de
lidar com material já adquirido auditivamente, mas agora sobrepondo o sinal visual
(optema) sobre o sinal anterior (fonema). A diferença está na modalidade sensorial e
na função neurológica. Na linguagem escrita a modalidade é visual, passando pela
auditiva através de processos neurológicos p -estruturados e de equivalências
significativas, que constituem o domínio integrado do código. Na escrita, a modalidade
é motora (grafomotora); dáí a nechamada dos grafemas, que antecedem a planificação
motora que a produz.
Em resumo, a significação (linguagem interior) é um requisito da leitura.
Apnender a ler começa com a aquisição da linguagem corporal e falada. Assim, não
basta reproduzir uma palavra para a compreender, como acontece na ecolália (o
princípio para o papagaio também é válido), também a simples leitura (word-calling) de
palavras ou frases sem as ligar à significação não tem relevância; daí a dislexia, ou
seja, como diz Myklebust, um défice na capacidade para verbalizar simbolicamente.
Vários tipos de dislexias são descritas por Myklebust. Vejamos sumariamente
cada um deles:

1) Dislexia da linguagem interior - a mais severa das formas de


dislexia (word-calling). A criança percebe os optemas e tradu-los para os equivalentes
auditivos, lendo alto; simplesmente, a função de significação não é atingida;
2) Dislexia auditiva - afecta o processo cognitivo que relaciona os
fonemas com os optemas na formação das palavras. Ler é de certa forma ver e ouvir
A visualização pressupõe a auditorização, dos optemas, isto é, a capacidade de
simbolizar e de codificar a informação. Aqui a função não é idêntica à afasia receptiva,
o que está afectado é a auditorização dos fonemas, por isso as funções da silaba Ção
(soletração), a fonologia e a função auditiva são um indicativo muito forte no êxito da
leitura (Menyuk 1976, Kinsboorne 1976, Myklebust 1978). A facilidade em adquirir as
características auditivas de uma palavra (consciencialização fonética) é um processo
básico de informação a que se deve dar mais atenção;
3) Dislexia visual - a que tem sido mais estudada (word-blindness),
valoriza a função de discriminação visual inerente às características das letras
(optemas para a função de input, e grafemas para as funções de output): tamanho,
forma, linhàs rectas ou curvas, ângulos, orientação vertical ou horizontal, etc. Quando
as letras não são reconhecidas como letcas, éntão temos uma dislexia visual. Neste
caso, não é a função de compreensão ou de significação que está em causa, o
problema é o da discriminação que afecta a codificação visual dos optemas, e a
formação das palavrás, prejudicando a simbolização. Da identificação das letcas
(aspecto visual) à síntese das slabas, aspecto também auditivo,

61

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

e destas às palavras, podem passar- se diferentes problemas de


neconhecimento visual, e são estes os mais afectados na dislexia visual. Jeffrey e
Samuel 1967, focados por Myltlebust, ao estudarem as subaquisições da leitura,
demonstraram que o método de aprendizagem de correspondência grafema-fonema é
preferível nestes casos ao método global. A leitura, não pode, portanto, ser apenas
observada globalmente num aspecto perceptivovisual; ela encerra, para além destes
aspectos, processos cognitivos intermodais e inter- hemisféricos, visoauditivos de
grande complexidade, como provaram os estudos de Vellutino e colaboradores 1972 e
1975. Daqui nasce uma reflexão
crítica sobre os métodos globais exclusivistas, que podem deixar esca par
um disléxico visual, independentemente de mais tarde se virem a confirmar outros
problemas aos níveis fraseológico e ortográfico; 4) Dislexia intermodal - A leitura não
envolve somente processos
intravisuais ou intra-auditivos; por isso, podemos e devemos discri minar entre
uma dislexia auditiva e uma dislexia visual. A dislexia intermodal surge quando os
processos cognitivovisuais não são tcansformados nos seus equivalentes auditivos ou
vice-versa. Quatro funções cognitivas intactas são necessárias à leitura: integridade do
processo auditivo, integridade do processo visual, integridade dos processos
auditivovisual e visuoauditivo (processos transmodais) e integridade do processo
integrativo.

Birch e Belmont 1965 apresentaram dados sobre os maus leitores que


evidenciam problemas de integração intermodal, provando que a leitura envolve,
algures, uma conexão entre a informação visual e a auditiva.
Alongámo-nos intencionalmente em Myklebust, nesta viagem rápida pelos
pioneiros do terreno. Este autor obriga-nos a reflectir sobre a leitura e os seus
processos psiconeurológicos pré- estabelecidos e hierarquizados.
Ler é, provavelmente, o factor dinânúco de todas as culturas; daí a situação
embaraçosa e chocante das sociedades iletradas ou analfabetas.
Combater esta tendência nos adultos, e fazer prevenção nas crianças, pode
evitar muita frustação e muitos desequih'brios emocionais.
Vale a pena seguir o exemplo de Myklebust apelando para o trabalho
interdisciplinar entre: pediatras (a prevenção da dislexia cabe-lhes de certa forma, se
aplicarem e desenvolverem meios de identificação adequados);

62

Figura 21- Processo de leitura, segundo Myklebust

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICUIDADES DE APRENDIÍAGEM

neurologistas (atender à significação de padrões de sono, de desenvol vimento,


hiperactividade, etc. ); electroencefalografistas (o EEG computadorizado e os
potenciais evocados específicos representam já um grande avanço nestas matérias,
para além de outras tecnologias não inwsivas mais actualizadas); oftalmologistas
(embora sejam raros os défices oftalmológicos, as indicações do treino visual devem
ser prescritas); psiquiatras (embora a psiquiatria sozinha não corrija a dislexia, não
restam dúvidas de que o seu contributo é primordial aos níveis quer emocional, quer
familiar); psicólogos (reconceptualizando o diagnóstico e ligando-o à intervenção, não
esquecendo os seguintes exames: das capacidades cogniúvas, da integridade dos
processos verbais e não verbais, dos processos inúa e intermodais: auditivo-auditivo,
auditivo-visual, visual-auditivo e visual-visual, dos processos de armazenamento e de
rememorização, etc. ); terapeutas da fala (estudo das formas de Úngua, não só faladas
como escritas, com especial incidência nos aspectos da compreensão auditiva);
professores de ensino especial (diagnóstico informal; caracterização e desenvolvimento
curricular na base de métodos com a análise de tarefas; treino de modalidades de
informação; construção de materiais didácticos; aplicação de processos clínicos -
clinical teaching); etc.
De facto, Myklebust deixa-nos uma longa e consequente obra no domínio das
DA e a confrnná-lo estão os quatro volumes já editados (Progress in Learning
Disabilities, vols. I, ll, llI, IV), considerados dos mais actuaGzados sobre a matéria.
Aqui apenas fizemos uma síntese super icial. Em prol das crianças disléxicas,
muito há a fazer para resolver os seus problemas; daí o interesse pela perspecúva
deste autor que muito tem contribuído para o esclarecimento das DA.

Perspectivas neuropsicoló cas das DA


Arlur Benton e Ralph Reitan

ARTUR BENTON

Benton, depois de trabalhar com Birch em trabalhos experimentais e clínicos,


entrou para o Instituto Psiquiááico de Nova lorque, tendo aí desenvolvido extensa
actividade de investigação. É conhecido como um dos primeiros psieólogos a abordar
os sindromas psiconeurológicos caracteásticos das crianças com DA, tendo nesse
sentido revisto os trabalhos de Gertsmann 1927.
A síndroma de Gertsmann, caracterizada por agnosia digital, agrafia e
problemas de discriminação esquerdadireita, podendo ser ou não acompanhada por
acalculia, foi um tema esquecido por outros pioneiros, mas extensivamente estudado
pór este autor. Nesta linha, Benton iniciou os primeiros estudos comparativos entre
crianças discalcúlicas e crianças disléxicas, tendo chegado a perfis diferenciados em
ambos os grupos experimentais e de controlo.
Noutro seu trabalho, Benton estudou, em crianças com DA e crianças
deficientes mentais, as relações entre a agnosia digital e a lateralidade em si

63

lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

e no outro, tendo obtido as mesmas conclusões que Gertsmann, ou seja, a relação


invariante entre agnosia e agrafia e a irregular presença de acalculia e de problemas de
lateralidade.
Durante 20 anos da sua investigação, Benton preocupou-se preferencialmente
com os problemas da lateralidade e do esquema corporal (aspectos psicomotores
frequentemente ligados). Em 1951, apresentou correlações de 0, 40 entre problemas
de lateralidade e de agnosia digital em crianças com LCM e em deficientes mentais,
enquanto em crianças normais essas relações atingiam correlações de 0, 20.
Em 1959, o mesmo autor encontrou relações significativas entre a agnosia
digital e a praxia digital, tendo demonstrado que a localização dos dedos está
associada a problemas de lateralidade, mas não às praxias digitais, explicando o papel
específico da elaboração do esquema corporal subjacente.
Em 1961, Benton estudou a agnosia digital em deficientes mentais (onde
encontrou uma incidência de 25% de inêxitos) e em normais (onde encontrou apenas
uma incidência de 5% de inêxitos), tendo concluído que essas dificuldades surgiam
com mais frequência em indivíduos com lesões no hemisfério esquerdo.
Em 1968 chegou a conclusões diferentes das de Kephart, no respeitante a
relações entre a lateralidade e as dificuldades na leitura. Esta tese muito batida entre
os pioneiros das perspectivas perceptivomotoras foi negada pelos trabalhos de Benton,
que não viu nos seus trabalhos relações entre a lateralidade e a direccionalidade com
os níveis de leitura, podendo em contrapartida constatar-se a presença de bons leitores
que evidenciaram claras dificuldades naquelas funções psicomotoras.

Outra área da sua investigação cobre a memória de desenhos>> (Benton Visual


Retention Test - BVRT), que em certa medida é similar ao Bender-Gestalt, só que
coloca a alternativa da realização do desenho geométrico de memória. Este seu
trabalho, não obstante os seus problemas estatísticos, mostrou ser um instnzmento
válido para a detecção de crianças com LCM.
Outcos trabalhos de grande importância neuropsicológica atingem a afasia
(1969), o tempo de reacção (1962) e a apraxia (1970), e tornaram Benton uma das
figuras cimeiras do campo neuropsicológico associado às DA.

RALPH REITAN

Ralph Reitan, por outro lado, sofre uma iniluência muito grande de um autor
raramente considerado nestes assuntos. Trata-se de Ward Halstead, que na
Universidade de Chicago, por volta de 1935, realizou importantes trabalhos no âmbito
das lesões cerebrais em adultos. O trabalho de Halstead- Brain and Intelligence - é um
estudo qualitativo acerca dos lóbulos frontais que muito motivou o trabalho de Reitan
na Universidade de Indiana, onde criou a sua interessante bateria de testes
neuropsicológicos (Reitan Indiana Neuropsychological Test Batery for Children, 1955).

64

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

A título informativo, podemos acrescentar que essa bateria muito extensa tinha
os seguintes subtestes: categorização, realização táctil, ritmo, perce Ção de sons,
oscilação digital, sentido do tempo, dextralidade, forma e cor, iguras progressivas,
combinação de figuras, visuoespaeialidade, ângulos e egrodução de desenhos.
Com este instrumento, Reitan realizou estudos de muito interesse em crianças
com LCM e em crianças afásicas, sendo um dos autores que entra na célebie
discussão dicotómica e contraditória das funções dos dois hemisférios - o erdo, mais
associado a capacidades verbais, e o direito, às não verbais.
Entramos aqui no debate inconcluso sobre a localização funcional e id
isfuncional, em que os dados atingidos com os adultos são muitas vezesacáapolados
para as crianças, o que não tem sido inequivocamente demons rdo, dada a grande
inconsistência dos resultados obtidos neste tipo de mvestigação que neeessariamente
impede o avanço e o progresso de estudos neuropsicológicos relevantes para a
educação.

'va de integração
r William Gaddes, Barbara Bateman, Cynthia Deutsch e Florence Schumer,
Douglas Wiseman, Grace Fernald e Wayne Otto e R. McMenemy

Wn. LIAM GADDES

QVilliam Gaddes tem combatido a tendência isolacionista e unidimensio l que


caracteriza as DA.
No seu laboratório neuropsicológico na Universidade de Vitória, Gaddest m
insistentemente ligado os conceitos neurológicos aos educacionais, ntando a
formação de professores em neurobiologia, e lamentando a sua i torância sobre a
teoria e o diagnóstico neurológicos (Gaddes I968).
Gaddes declara que as escolas públicas estão preferencialmente arranja das
para a superioridade do hemisfério esquerdo. Mais, segundo este pioneiro e de acordo
com o conhecimento neurológico actual, as classes especiais
am beneficiar da divisão entre crianças lesadas no hemisfério direito e crianças
lesadas no hemisfério esquerdo.
Para Gaddes, a separação entre os neuropsicólogos e os edueadores não ó
favorável à resolução dos problemas das crianças com DA. Segundo ele, os
contributos da neuropsicologia poderão ser muito válidos para os educadores, no que
concerne não só à significação do diagnóstico, mas também à edicção e à optimização
do seu potencial de aprendizagem.

BARBARA BATEMAN

É uma pioneira eclética, embora reforçando os aspectos da linguagem. Defende


igualmente que o diagnóstico deve ser mais do que uma clarifica fão; para ela o próprio
diagnóstico deve determinar quais os métodos mais
uados aos problemas das crianças.

65

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlCA

Bateman subentende o processo diagnóstico-intervenção em cinco estádios: 1. "


Estádio: verificar qual é o tipo de discrepância entre a capacidade e a realização,
encarando os factores da idade da criança, a sua saúde, os seus perfis de crescimento
e outros aspectos. O guia, segundo Bateman, deverá ser o bom senso.
2. " Estádio: operacionalizar uma análise de comportamento, tentando descobrir
como é que a criança realiza tarefas e aprende.
3. " Estádio: identificar dois tipos de problemas:

a) factores paraconstitucionais, que incluem factores familiares, sexo,


sinais neurológicos, confusões na lateralidade, dispráxia, variações intra e
interneurosensoriais, desorientação espacial, imagem do corpo, etc. ;
b) factores educacionais, que devem incluir discriminação auditiva e
visual, combinação de sons e outros relacionados com o aproveitamento escolar.

Os testes estandardizados devem ser usados para identificar áreas fracas (weak
areas) a estudar cuidadosamente. Bateman sugere a análise das funções de
linguagem, quer receptivas, quer expressivas, e também os processos intermédios de
organização, categorização e generalização da informação, bem como os processos de
armazenamento e rememorização da informação.
É inegável, neste aspecto, a influência de Kirk nos seus trabalhos,
nomeadamente sobre os resultados a que chegou no ITPA, que são um marco
histórico no terreno das DA, dada a preocupação em adquirir do diagnóstico a
reformulação necessária para a clarificação da intervenção.
4. " Estádio: preparar uma hipótese clara e precisa do diagnóstico tendo em
consideração os aspectos passados e os futuros. O bom diagnóstico para Bateman é o
que:
1) evita termos técnicos;
2) tem fundamentos para caracterizar as dificuldades detectadas; 3) encontra
padrões e relações de problemas, em vez de simplesmente
descrever as dificuldades;
4) recomenda reeducações específicas.

S. o Estádio: estruturar recomendações educacionais baseadas nas hipóteses


do diagnóstico.
Bateman reforça a importância das inter-relações entre o diagnóstico e a
intervenção, adoptando formas de planificação e de avaliação contínua do progresso
da criança, ajustando permanentemente as condições externas de intervenção às
condições internas de aprendizagem.
A criança com DA apresenta uma significativa discrepância entre o que pode
fazer e o que está fazendo, isto é, entre a capaciade e o nível actual de funcionamento.
Para obviar a este aspecto, Bateman recomenda a identificação precisa das
dificuldades no plano da comunicação verbal (compreensão e expressão da

66

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

linguagem falada) e no plano da integração visuomotora (aspectos psicomotorzs),


áreas segundo as quais esta pioneira coloca especificamente as DA.

L Determinação do problema

2 Análise comportamental por áreas de dificuldade

3 Diagnóstico das áreas de dificuldade

4Formulação de bipbteses de diagnóstico


4 que se liguem directamente à reeducação
Hipóteses
5 5Reeducação especffica diágida a áreas de
Reeducação dificuldades formuladas pelo diagnbsúco
especffica
6Planificação da reeducação visando a
6 integração de áreas relacionadas com o
Pla" a "e" pmblema
7
Aplicaçdes

Figura 22 - Representação esquemática do processo de diagnóstico- intervenção


proposto por Bateman

Bateman apresenta um modelo integrado tridimensional das DA com base no


seguinte cubo:
Reeducação
Diagnbsáco Ftiologia \ \ i

\ i \ \, \
Educação !
O ,..r
R J\
I ,Iil
E \/\
N Psicologia \I
T \/\ I
A \I I,
Ç Medicina \\ '
ii
A I
0 /\ I
I\I IJ
Leitura . /
IIit
I\ I
Problemas de /\i
comunicação I
9 /
Problemas
psicomotores

Figura 23 - Modelo tridimensional de DA, de Bateman

67

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

Segundo esta autora, os enfoques têm sido caracterizados por:

a) factores etiológicos;
b) processos de diagnóstico;
c) práticas reeducativas em cada uma das seguintes áreas:
psicomotricidade, comunicação e leitura. Cada um destes tópicos tem sido subdividido
por sua vez em três grandes orientações profissionais: médica, psicológica e
educacional ou pedagógica. O modelo, no

I passado, tem sido caracterizado por poucos esforços de interdisciil plinaridade;


porém, o desafio do futuro vai colocar a urgência de um; consenso integrado sobre o
conceito das DA.

CYNT A DEUTSCH E FLORENCE SCffUMER

Estas duas psicólogas do Instituto de Estudos de Desenvolvimento da


Universidade de Nova Iorque centram o seu trabalho não na validade dos testes, mas
na construção de instrumentos que possam medir aspectos comportamentais cruciais
para a aprendizagem.
As suas investigações são marcadas pelos trabalhos de Birch e de
Sherrington, visto procurarem as dimensões filogenéticas e ontogenéticas do
desenvolvimento, que, segundo as mesmas autoras, dependem da capacidade de
integrar e utilizar os estímulos sensoriais captados por duas modalidades sensoriais
diferentes.
A integração intersensorial, profundamente estudada por Birch e Belmont
1965, em crianças com LCM, é significativamente inferior à das crianças normais. A
tarefa estudada consistia em combinar um padrão (input) auditivo (batimentos de lápis -
pencil taps - semelhante ás estruturas rítmicas da autora francesa Stamback) com
padrões visuais (por meio de pontos - pattern ofdots) que os representavam
igualmente.
A mesma experiência foi também feita entre bons leitores e maus leitores,
tendo-se concluído que os maus leitores são caracterizados por uma integração
auditivovisual pobre.
Outra inveságação de Birch e de Cravioto mostrou os efeitos da
malnutáção no funcionamento do cérebro e especialmente na integração intersensorial
(Cravioto, Birch e Gaona 1967). Com base nestes dados, aquelas autoras
desenvolveram inúmeras pesquisas unimodais e multimodais criando diversas formas
de estudo das modalidades sensoriais da visão, da audição e do tacto e aplicando-as
posteriormente em crianças norntais e em crianças com DA e com LCM. Deste trabalho
conclui-se que as crianças com DA realizam as tarefas intersensoriais com mais
diflculdade - acusam défices perceptivos específieos e não desordens perceptivas
gerais; realizam as tarefas tácteis com dificuldade - daí sugerirem o seu ú eino;
evidenciam dificuldades conceptuais que não resultam tanto da capacidade conceptual
em sí, mas sâo originadas fundamentalmente pelas formas de input, pondo em jogo a
impor tância das modalidades preferenciais de processamento da inforntação, e
apresentam mais diflculdades de atenção e de motivaçâo.

68

PASSADO E PRESENTE NAS DlFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

O contributo destas autoras para o campo das DA é muito relevante, pois


permitiu uma análise mais profunda do processo da aprendizagem das variáveis
psicológicas intermediárias (seus isolamento e interacção) e o papel que as variáveis
receptivas (de input) nelas desempenham. Para as autoras, as relações que se obtém
por esta perspectiva são mais consequentes para a aprendizagem das crianças com
DA do que basear o diagnóstico apenas no resultado do QI.

DOUGLAS WISEMAN

Wiseman está na linha de Bateman, sendo reconhecido como um dos pioneitns


que mais contribuiu com programas pedagógicos. No seu interessante livro A
Classroom Procedure for Identifying and Remediating Language Problems (Um
Processo para Identificar e Reeducar na Classe Crianças com DA) distingue as
seguintes áreas: descodificação (auditiva e visual); associação, memória,
completamento automático auditivo e visual e codificação vocal e motora.

Figura 24 - Modelo de aprendizagem, de Wiseman

Apenas como sugestão, apresentamos resumidamente algumas situações, por


cada uma das áreas referidas:

1) Descodzficação - Captação da informação acerca do envolvimento


e da compreensão do que se vê e do que se ouve.
As situações auditivas consistem em: frases e perguntas absurdas; seguir
instruções; histórias contadas e depois recontadas e relembradas; etc.
As situações visuais consistem em: identificação de objectos, um dicionário de
flguras; identificação de cores; formas; letras e números; combinação de figuras de
acção e consequente contagem das histórias nelas implícitas; etc.
2) Associação - Processo de manipulação de conceitos para formar
novas ideias". As situações auditivas constam de: classifieação de objectos; construção
de conceitos; discussão sobre coisas que são iguais e coisas que são diferentes;
perguntas de causa e efeito - o que acontece quando. ?

69

L-- -JI Ì - J

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

As situaÇões visuais incluem: agrupar figuras por categorias (animais, pássaros,


meios de transporte, etc. ); ordenação de figuras para formar histórias, etc.
3) Memória - Retençâo das informações e sequencialização de eventos
segundo uma determinada ordem.
Inclui situações de reconhecimento, rechamada, relembrança, na base da
activação de funções imediatas, intermediárias, de curto, médio e longo termo.
Repetição de frases, histórias, recitações, lengas-lengas, imitações de sequências,
combinação de sons, etc. , completar as situações a explorar no plano auditivo.
As situações visuais constam da utilização de slides ou figuras sobre histórias,
jogos de retenção, jogos de contar e ver e vice-versa, jogos de ordem, jogos de
amostragem, escrever e decompor estruturas espaciais, figuras geométricas, letras e
palavras de memória, etc.
4) Completamento automútico - Aquisição acidental e não intencional
de aspectos do envolvimento.
As situaçôes auditivas constam de: utilização de processos de combinação de
sons; análise fonética; completamento de palavras; consciência gramatical de frases;
imitação de frases correctas, etc.
As situações visuais incluem: nomes de figuras, blocos, etc. ; utilização de
figuras com objectos parcialmente escondidos; conexão de pontos; estruturas de
relação espacial, quebra-cabeças, etc. 5) Codificação (vocal motora): Expnessão pela
linguagem e pelo movimento
intencionah, , isto é, as generalizações interiorizadas e as formulações
ideacionais que podem ser expressas em termos vocais ou motores.
As situações vocais podem incluir: a descrição de objectos e a contagem de
histórias; como fazer algo; resolução de problemas reais e hipotéticos de quantas
maneiras se pode utilizar um objecto; exploração da imaginação, etc.
As situações motoras referem a expressão de ideias por gestos, acções,
pantomimas, imitações, desenhos, jogos, etc.
Na base destas sugestões Wiseman constrói um programa de intervenção
linguistica simples e cientificamente fundamentado, dirigindo-se especificamente às
áreas fracas das crianças, antecipadamente diagnosticadas pelo ITPA. Para Wiseman
a criatividade dos próprios professores é suficiente para constNir um programa desta
natureza; basta que a sua aplicação seja sistemática e hierarquicamente estruturada.

GRACE FERNALD

Fernald é uma figura notável no campo das DA, sendo também defensora de
uma abordagem caracterizada por uma relação interdependente entre o diagnóstico e a
intervenção. Fundadora de uma das primeiras clínicas (Clinic Scholl, na Universidade
da Califórnia em Los Angeles - UCLA), é

70

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

reconhecida como uma das autoras da pedagogia científica. Para ela, todas as
dificuldades de aprendizagem podem ser compensadas por técnicas adequadas
através de modelos de diagnóstico e de estratégias de tratamento descritas no seu livro
Remedial Techniques in Basic School Subjects.
Fernald fornece sugestões para intervir no âmbito do insucesso escolar e dos
problemas emocionais concomitantes. Dentro delas aponta as seguintes:
1) Não dar atenção a situações com carga emocional;
2) Não utilizar métodos pelos quais as crianças não aprendem; 3) Não sujeitar
as crianças a situações que lhes possam causar dificuldades; 4) Dirigir a atenção da
criança para as tarefas que sabem fazer e não para
as que não sabem fazer.

Frenald recomenda o ensino da leitura pela escrita de palavras correctas,


posteriormente comparadas com uma cópia das mesmas palavras, mas agora
impressas. A palavra é escrita numa ficha. A criança traça-a com o dedo indicador ao
mesmo tempo que a vai pronunciando letra a letra, slaba a slaba. Repete este
processo até aprender a escrever a palavra de memória. Mais tarde a ficha entra num
ficheiro, alfabeticamente organizado pela criança, devendo em seguida uúlizá-la numa
frase e posteriormente numa história. Logo que este processo está aprendido, a
palavra é batida à máquina para que a criança a leia. Na fase seguinte, a criança olha e
lê a palavra, isto é, lê sem precisar de traçar com o dedo. Na terceira fase, as fichas
deixam de ser utilizadas, a criança lê palavras batidas à máquina ou digitalizadas no
computador, escrevendo-as, ao mesmo tempo que as diz oralmente.
A abordagem aos livros é então iniciada na base das suas motivações
específicas e com a introdução progressiva de palavras novas, que serão
sistematicamente relembradas e rechamadas. As palavras semelhantes e as famílias
de palavras são introduzidas progressivamente com recurso a uma leitura

Figura 25 - Processo de leitura, de Fernald

71

ver dizer fixar exrever

so
Rncesso Processo Ç Proceseo
vsual auditivo (cognidvo) motor

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

mais extensiva, sublinhando-se então todas as palavras desconhecidas. À medida que


cada palavra é dita à criança, ela terá de ver, depois dizer, fixá-!a, e por último,
escrevê-la.
Depois desta fase, a criança é então colocada no seu nível escolar, estimulando
a automatização, a velocidade e a compreensão do material da leitura. Para Fernald,
as crianças devem começar pelas suas próprias histórias contadas, em vez de
começarem pelas histórias dos adultos.

As ideias ou os interesses e motivações das crianças são uma condição


fundamental para o êxito da leitura e da escrita, com base na garantia de um
condicionamento e de uma atmosfera favorável, a flm de impedir qualquer bloqueio
emocinnal; normalmente associado a uma situação de insucesso ou de inêxito.

WAYNE OTTO E R. MCMENEMY

Estes pioneiros representam a linha os pragmáticos, especialmente virados para


os problemas educacionais e pedagógicos das DA.

O seu livro Corrective and Remedia! Teaching (Ensino Correctivo e


Reeducativo) é dirigido:

1) ao professor da classe regular, que terá de se preparar para


trabalhar as formas especiais, consoante os problemas de aprendizagem das crianças
à sua responsabilidade;
2) ao reeducador ou professor do ensino especial, que normalmente
trabalha em pequenos grupos ou individualmente, em formas de apoio extraclasse.

Efectivamente, estes pioneiros defendem o trabalho preventivo dentro da própria


classe, quer em grande grupo, quer em estações de aprendizagem por nível e em
pequenos grupos, com a finalidade de compensarem as áreas fracas que possam
repercurtir-se negativamente no aproveitamento escolar.

Ambos os autores adoptam o diagnóstico-rastreio (survey diagnosis) para


determinar o tipo de ajuda de que todas as crianças da classe carecem, reservando o
diagnóstico específico (specific diagnosis) para as crianças com mais diflculdades.
Desta forma, discrimina-se as dificuldades ligeiras das severas, necessitando-se, para
este caso, de um diagnóstico então mais intensivo e aprofundado, tentando-se
determinar a causa dos problemas.

O diagnóstico intensivo, para estes autores, só deve ser utilizado quando for
necessário, e quando a informação obtida a partir do diagnóstico for útil â intervenção
pedagógica subsequente; caso contrário o diagnóstico não passa de um exercício
puramente académico.

Na mesma linha, estes autores entendem o diagnóstico como um processo


evolutivo que deve acompanhar inequivocamente o trabalho reeducativo. O diagnóstico
completo não deverá estar concluído, segundo Otto e McMenemy, senão depois de o
trabalho reeducativo ter sido iniciado.

72

PASSADO E PRESEME NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

O diagnóstico terá de ser prognósúco, inconcluso e aberto, a fim de intcoduzir


aspectns (jeed-backs) decorrentes do plano de intervenção reeducaúva.
Os mesmos autores deixam em destaque as seguintes questões-chaves para as
quais o diagnósùco evolutivo deverá encontrar soluções:

1) A criança é um aluno lento (slow learner) ou uma criança com DA


específicas?;
2) A criança trabalha melhor sozinha ou em pequenos grupos?; 3) A que nível
deve começar a reeducação?;
4) Quais são as motivações e os interesses da criança?; 5) Onde é que a
criança experimenta o sucesso ou a facilidade de
aprendizagem?;
6) Quais os especialistas que se deve consultar?

As suas sugestões pragmáticas, as técnicas que apresentam e as ajudas que


proporcionam para a conswção de materiais didácticos são razões só por si
jusúficativas da importância da obra destes dois pioneiros das DA.
Muitos outros pioneiros deveriam ser indicados, outros foram omitidos, mas
julgamos ter apresentado um número suficiente para se reconhecer a áiversidade de
perspecúvas e de abordagens. É agora mais ou menos clara e evidente a convovérsia
e a confusão que caracteriza o campo das DA.
Salvaguacdando e respeitando a importância do tiabalho destes pioneiros, não é
difícil, no entanto, çonstatar a udivisão- cooperação entre os profissionais que, em
termos dé síntese, podemos reduzir no seguinte quadro:

É evidente que a amálgama de perspectivas é sempre difícil, embora


obviamente urgente e necessária para bem das crianças com DA e das crianças
normais, na medida em que pensar em grupo é sinónimo de pensar e agir melhor, se
quisermos encarar uma dimensão preventiva.
Neste sentido, vejamos dois modelos interdisciplinares do campo das DA, para
assim se reconhecer a importância e a relevância dos vários conteúdos que o
caracterizam.

73

Figura 26 - Modelos de abordagem às DA

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


C NÍVEL FACTORES NFASE
DE DIAGN6sTICO RELEV
` Fisiológico ` Etiologia ` Acontecimentos biológicos,
` Prevenção genbticos, neurofisiológicos,
` Tratamento médico etc.
MEDICINA ` Mudanças na função e na ` Estmtura e função
estrutura
` Conelações psicoeducacio- ` Avaliação ` Acontecimentos psicológicos
PSICOLOGIA nais da aprendizagem ` Desenvolvimento cognitivo ` Desenvolvimento
cognitivo
. Reeducação
` Com mento ` Classificação ` Consequ8ncias educacionais
` Orientação ` Comportamento sócioemocioEDUCAÇrlO ` Modificação do comporta-
nal
mento ` Motivação
` Mbtodos de desenvolvimento ` Comportementos observáveis
` Reeducação

i Íi'I

Figura 28 - Modelo 2 interdisciplinar das DA i 74

Figura 27 - Modelo 1 interdisciplinar das DA

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDlZAGEM

Os defensores dos défices do processo de informação como Bryant e


McHoughlin aproximam-se de uma orientação neuropsicológica e reforçam os
conceitos das disfunções neuropsicológicas e cerebrais.
Os defensores dos défices de orientação educacional, como Bateman e
Hammill, inclinam-se para as críticas ao processo de ensino, onde são coadjuvados por
Ysseldike e Salvia, Larsen e Engelman.
A perspectiva das DA é efectivamente, fragmentada, acusando objectivamente
efeitos restritivos, principalmente no âmbito pedagógico-reeducativo.
No grupo dos defensores de alterações do processo de informação, verifica-se
que a existência das DA resulta de qualquer distúrbio ou défice entre os processos de
captação, retenção, combinação e utilização da informação.
Algures (Fonseca 1978 e 1980), já sintetizámos o processo de informação no
seguinte esquema:

. a, s
vocalizaç s
Silabações
. Linguagem convencional Comunicação verbal
U ' posNras
i Movimentos Automáticos
! i Movimentos Voluntá os
i Imitação
Ç ' . Gestos s;mb6licos
RECEPTIVAS
Sinais
(/nput) Linguagem gesNal
, . sf açgo en gia Pantomimas
. T missdo da informação '

Figura 29 - Dimensões da aprendizagem

75

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Este esquema pode ser simplificado com base na integridade dos processos de
recepção, de integração e de expressão, que subentendem a aprendizagem humana
dita normal>>.
A aprendizagem normal>> reflecte, portanto, a integridade total entre os três
processos acima indicados, ou seja:

- - - - Processo de transdução - - - -,
Processo ; Processo
de - --I <esso de integração ->--- de
recepção , expressão
++ +
-I

Feed-6ack

Figura 30 - Integridade dos processos da aprendizagem normal

A aprendizagem desviante reflecte, ao contrário, a perturbação ou a afecção de


um ou mais dos processos, ou de tradução (transdução) de uns processos noutros
(Figura 31).
Por estes modelos, intencionalmente simplificados, podemos deduzir que os
processos de recepção são mais significativos, em termos de aprendizagem simbólica,
do que os processos expressivos. Neste caso, podemos exemplificar com as afasias,
na medida em que se reconhece que a afasia motora (também denominada por afasia
da Broca>> - que impede o indivíduo de se exprimir pela fala - mantendo a significação
intacta) afecta muito menos a aprendizagem simbólica do que a afasia central (também
chamada afasia de Wemicke>> - que impede o indíviduo de compreender e utilizar a
linguagem como meio de expressão do seu pensamento), na medida em que afecta
fundamentalmente a significação.
Outra conclusão importante dos modelos atípicos de informação acima referidos
compreende a função vital e indispensável da integridade total do cérebro, como órgão
privilegiado de assimilação, conservação e combinação da informação, que
consubstancia não só a noção de aprendizagem ideal, como a noção de ìnteligência.
Neste aspecto, e de acordo com o modelo de Guilford, a noção de inteligência
neste autor é definida como: colecção sistemática de capacidades ou fimÇões de
processamento de informação.
Guilford 1967 baseou a estrutura do intelecto em: quatro tipos de informação ou
conteúdos (figurativo, simbólico, semântico e comportamental);

76

PASSADO E PRESEME NAS DIFfCULDADES DE APRENDI7AGEM

einco tipos de processamento ou operações (cognição, memória, divergente,


convergente e avaliação) e em seis resultados f:nais do processamento de informação
ou produtos (unidades, classes, relações, sistemas, tcansformações e implicações),
totalizando um sistema com 120 células cognitivas (Figura 32).

PROCESSO DE INTEGRAÇÃO

PROCESSO PROCESSO
DE DE
RECEPÇÃO EXPRESSÃO __ ____ _ _
Modelo de multideficiência

Modelo de deficiência sensorial


úpica (deficiêneia visual
ou deficiência auditiva)

M odelo de deficiência mental e de afasia


cenaal

Modelo de deficiência
d e comunicação e de deficiência motora (ou de afasia motora)

Figura 31 - Modelos desviantes de aprendizagem

77
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

OPERAÇÕES

Avaliação -------- - sistema de valores, crítica


Produção convergente --- - associação de conhecimento
Produção divergente ---- -- utilização criativa
Memória --------- retenção, reprodução
Conceptualização--- --- - compreensão, descoberta

PRODUTOS

Unidades U Classes C Relações


Sistemas. Transformações
Implicações

CONTEÚDOS

Figurativo - concreto Simbólico - abstracto

Semânt co - significado ' Comportamental - pensamentos, intenções

Figura 32 - Estrutura do intelecto, segundo Guilford

Independentemente de neste modelo estarem ausentes factores motivaci onais


e emocionais, Guilford considera a inteligência, entendida nas suas 120 subestruturas,
como resultado dialéctico entre o processamento da informação e um conjunto de
princípios lógicos que a combinam.
É dentro deste contexto e na base dos processos de informação intactos (ideais
ou normais) e atípicos que devemos encontrar paralelamente a definição do conceito
de aprendizagem normal. A partir daqui, podemos retomar de novo a crítica aos
defensores do processo de informação como causador das DA.
No grupo dos defensores de alterações no processo de informação, devemos
destacar: Frostig, Maslow, Lafever, Whittlesey, criadores de um teste hoje chamado
DTVP (Developmental Test of Visual Perception), como também McCarthy e Kirk,
criadores de um teste notável, e extremamente importante no campo das DA, o ITPA, a
que já nos referimos atrás, quando analisámos os contributos dos pioneiros mais
significativos.

Vários estudos se flzeram na base da aplicação do DTVP e do ITPA, seguidos


posteriormente de programas reeducativos específicos. Dentro deles, destacam-se:
Jacobs 1968, Anderson 1972, Hammill 1972, e Hammill e

78

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM


Larsen 1974. Nenhum destes autores encontrou nos seus estudos longitudinais a
eficácia do tratamento que os criadores de tais testes defenderam.
Os estudos de intervenção neste domínio concluem que a relação entre os
défices perceptivos e os défices da leitura não está suficientemente demonstrada. Para
além de os dados serem confusos, a intenção de compensar os défices perceptivos
para resolver os problemas da leitura é controversa. Segundo tais estudos, os
programas reeducativos baseados no processamento psicolinguístico do ITPA, ou no
processamento visual do DTVP, como meios de reeducação dos problemas dos DA,
precisam de ser mais conclusivos e inequivocamente demonstrados.
Destes trabalhos podemos deduzir que:

1) não é clara a relação entre os processos de informação da criança


com DA e o aproveitamento escolar;
2) apenas os factores de atenção e de memória estão
suficientemente estudados (Hallahan 1975, Hallahan e Kauffman 1976 e Torgesen
1975).
No grupo dos defensores dos défices de orientação educacional, denota-se a
concentração, quanto a nós exagerada, sobre as variáveis educacionais. Engelman
1969 e Bateman 1971 elaboraram os seus conceitos de DA com a base nos seguintes
insa umentos de ensino: análise de conceitos e análise de tarefas, onde se põe em
causa a relevância entre o diagnóstico educacional (ou da área ou da disciplina) e a
intervenção concomitante. Aqui não é clara a presença de défices psicológicos. O que
caracteriza esta perspectiva é a pesquisa de princípios operacionais de aprendizagem
e a implementação de aquisições e sequencializações cuidadosamente programadas.
O enfoque centra-se preferencialmente sobre as condições externas ao educando, que
englobam: estratégias pedagógicas estruturadas; materiais didácácos adequados;
modulação do controlo da atenção e da motivação; unidades de programação
pedagógica; processos de reforço social; programação analítica de tarefas;
compensação de défices psicológicos, etc.
Parece claro que as DA não são encaradas num modelo interaccionista e
dialéctico. Dum lado, os defensores que vêm as DA na criança e nos seus défices de
processamento da informação. Do outro, os defensores que vêm as DA no professor e
nos seus processos de trabalho.
Dislexia ou dispedagogia? Problema da(s) criança(s) ou problema do(s)
adulto(s)? Dificuldade de aprendizagém ou dificuldades de ensino?
A falta de uma perspectiva integrada, a delimitação de áreas de conteúdo e o
divórcio iriterdisciplinar entre profissionais fazem perder de vista uma dimensão global
das DA.
O trabalho de grupo e cooperativo pode romper com a inadequação coneeptual
e com os problémas metodológicos que caracterizam os estudos neste domínio.

79

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Autores há que puxam pela perspectiva de o tratamento ser activado na


base de afirmações cuja validade é discutível.
Doman 1964, por exemplo, preconiza na sua teoria de organizaÇão
neurológica a activação de células cerebrais através de exercícios motores
padronizados. Outros autores, nomeadamente franceses, asseguiram que a
psicomotricidade pode compensar os déflces psicológicos e, por esse facto, garantir as
aquisições de leitura. A exclusividade destas abordagens pode redundar, muitas vezes,
em especulações pouco fundamentadas sobre os vários níveis do desenvolvimento
humano.
Outros autores ainda descrevem variáveis neurológicas ou neuro
psicológicas, mas não avançam com quaisquer subsídios de ordem pedagógica.
Os defensores das teorias dos défices perceptivos apresentam a
imprecisão perceptiva de letras e de palavras como a causadora de DA. A influência de
Piaget, Strauss e Werner é marcante, pois tais autores assumem que a aprendizagem
tem o alicerce na actividade sensoriomotora, que progride mais tarde para actividades
perceptivomotoras, integrando consequentemente níveis mais elevados que estarão na
base da estruturação hierarquizada do desenvolvimento cognitivo.
Segundo Inhelder e Piaget 1969, à medida que o desenvolvimento
intelectual decorre, as actividades pereeptivas surgem consideravelmente mais
automáticas e dirigidas pelos processos cognitivos daqui se depreende, de facto, o
papel significativo que as correntes perceptivas desempenharam e desempenham no
campo das DA. É neste âmbito que teremos de integrar os métodos de intervenção de
vários autores, nomeadamente: Werner, Strauss, Lehtinen, Kephart e muitos outros.
As teorias dos processos de informação, embora tragam novos dados de
esclarecimento do problema, não satisfazem, e a prová-lo estão os estudos de
Morrison, Giordani e Navy 1977. Estes autores apresentam uma teoria em que se toma
necessário separar o processo sensorial do processo perceptivo, e este do processo da
memória (processo de codificação). Para Morrison o processo de informação decorre
em duas fases: a I primeira fase decorre entre 0 e 300 milissegundos, constituindo a
percepção; Í
a segunda fase, decorre entre 300 e 2000 milissegundos, constituindo
acodificação ou o armazenamento (a memória) da informação. i Inicialmente, na fase
perceptiva o sistema visual integra uma grande

quantidade de informação, seguindo-se posteriormente a fase de codificação, na


qual aquela vai ser armazenada (VIS - visual information storage).
O mesmo autor, numa investigação conduzida entre bons e maus lei,
tores, chegou aos seguintes resultados:

1) Os maus leitores não diferem dos bons leitores na fase perceptiva; 2) Os bons
leitores são significativamente melhores na fase de codifieação. Daqui se conclui que
não basta abordar as DA pela via per

80

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

ceptiva (como fizeram Frostig, Wepman, Kephart, etc. ). As DA envolvem


processos de informação diferentes do processamento perceptivo.
De acordo com aqueles estudos, os maus leitores têm um défice com`plicado durante
300 e 2000 milissegundos de intervalo no processo de infor:mação. Embora a um grau
diferente, algo de semelhante se passa nos sujeitos com lesões cerebrais que
objectivamente apresentam reduções de amplitude e de frequência no ritmo alfa com
alterações nos processos de vigilância, de detecção (processo pré-perceptivo) e de
discriminação.
A conservação e, basicamente, a manutenção da atenção no tempo neces drio
para processar a informação na memória parecem modificadas, a realçarem
significativas alterações nos sistemas reticulo-cortico-reticulares (azrer).
Podemos avançar, com relativa segurança, que as DA envolvem problemas nas
diferentes fases subsequentes à percepção inicial, provavel ente ém funções como a
codificação, a organização e a rememorização idas aquisições.
Vellutino 1977 provou que o processo perceptivo dos maus leitores é f co nos
aspectos lógicos, conceptuais e empíricos, verificando-se neles a :evidência de
dificuldades na etiquetagem e desetiquetagem de formas".
Para além destes teorias, que têm influenciado o seu desenvolvimento, as DA
apresentam variadíssimos problemas de ordem metodológica.
Sabemos hoje que não podemos negar a relação entre a DA e a disfun ão
cerebral, independentemente de muitos autores a combaterem. Comovimos atrás, a
dificuldade subsiste em definir DA, e lesão cerebral" (brain
ge). Enquanto se verificar este problema, haverá sempre críticas a fazer. Outra
diftculdade de ordem metodológica põe em jogo a etiologia da disfunção cerebral
minima (DCM), como já vimos. Não se pode provar que é a
-DCM a causadora das DA (Ross 1976), na medida em que seria antiético con:duzir
uma experiência que comprovasse aquela afirmação.
Ainda outra dificuldade é a que resulta da impossibilidade de observar
anormalidades ou aberrações de um cérebro funcional e vivo. As :medidas indirectas
do electroencefalograma (EEG) exigem inferências para a sua interpretação, de onde
nascem os inevitáveis problemas de vali
Freeman 1967, ao rever 50 trabalhos sobre EEG, concluiu que os
seustesultados não se relacionam conclusivámente com o insucesso escolar, com
condições psiguiátricas ou com a hiperactividade.
Paine, Werry e Quay 1968 chegaram a resultados muito aproximados. Outras
investigações indicam que a lesão cerebral não produz inevita elrnente uma diminui ão
do potencial de aprendizagem. Muitas outras mvestigações adiantam que as lesões
cerebrais podem apresentar um compartatnento e um EEG normais.

81

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A teoria da DCM está assim em causa em relação à etiologia das DA. De facto,
a teoria não é imune à sua desaprovação; daí os problemas de
ordem metodológica.
A teoria psicolinguistica das DA, proposta por Kirk e McCarthy 1961,
embora adequada, merece outras críticas relevantes, à semelhança de teoria da DCM
que focámos atrás. A teoria psicolinguística que se alicerça no ITPA precisa de ser
refinada, e as suas validade e fidedignidade necessitam de ser inequivocamente
aprofundadas. O ITPA não avalia as características essenciais da linguagem, segundo
Berry 1969. O ITPA, ao permitir a organização de testes psicolinguísticos, facilita
extraordinariamente a compreensão do problema, e esse é talvez o seu grande valor,
pois induz a criação de grupos de crianças e de estratégias de reeducação de
inexcedível interesse.
A teoria da integração intersensorial, proposta por Birch e Belmont 1964,
é incompleta quanto às funções cognitivas que incidem particularmente na
aprendizagem da leitura ou da escrita. Freids 1974 demonstrou que é difícil o controlo
das funções intramodais, dado que são uma concomitância das funções intermodais,
daí que a proposta de Birch e Belmont mereça algumas críticas, na medida em que as
variáveis utilizadas exigem aquisi ções conceptuais e verbais.
A mediação verbal da equivalência entre a audição e a visão colocada
pelos materiais levanta outro problema metodológico, ainda acrescido por funções de
memória, que vêem criar consequentemente mais confusão às suas propostas.
Dizer-se que os bons leitores obtêm resultados na integração auditivo i -
visual não é suflciente, visto que o atraso na leitura não é apenas o resultado de
problemas de integração intersensorial (audição-visão). A hipótese ì avançada por
estes autores precisa de ser aperfeiçoada no futuro, quer meto dologicamente, quer
conceptualmente.

i Em resumo, as teorias das dificuldades de aprendizagem (DA) são conI


! troversas, conceptualmente confusas e raramente apresentam dados de aplicação
educacional imediata. Mesmo com uma grande panorânúca e com um grande
potencial de investigação, as teorias das DA continuam a ser

muito pouco consensuais e muito pouco consistentes.

Algumas persp< w actuais

Vejamos agora, muito rapidamente, algumas alternativas conceptuais


mais actuais sobre as DA (sobre as dificuldades na leitura mais enfocadas).

Independentemente de se verificarem os tradicionais problemas


metodológicos, julgamos do maior interesse apresentar as conentes mais actuais das
DA, pois nelas estão contidas dimensões originais e dados de investigação muito
significativos.

82

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

"1- Modelo hierarquizado 1- Modelo interaccional (Wiener e Cromer)


(Adelman)

l5- fIipbtese do CORRENTES


' educando ACTUAIS
inactivo DAS 2- Teoria integrada
(Torgesen) DA da informação
(Senf)
5- Hipótese do 3- Teoria do
dbfice verbal desenvolvimento
(Vellutino) das capacidades
perceptivas
4- Teoria do atraso e linguísticas
do desenvolvimento (Satz e Van Nostrand)
da atenção selectiva
(Ross)

Figura 33 - Algumas coxrentes actuais das DA

interaccional, de Adelman

" Para este autor o sucesso ou o insucesso escolar da criança são função :. a
interacção entre as suas áreas fortes (strengths) e as suas áreas fracas -veaknesses),
para além das limitações e dos factores específicos e situacida classe, incluindo as
diferenças individuais dos professores e dos seus diferentes métodos de instrução.
O modelo proposto por Adelman 1971 rejeita a lúpótese de o insucesso lar recair
totalmente numa desordem da criança. A interacção entre a iança e o programa de
instrução é o enfoque primordial deste modelo, na
do qual, segundo o proponente, se deve encarar o sucesso ou o insuso escolar.
Quanto maior for a discrepância ou o desajustamento entre as caracterís"ticas da
criança (que obviamente devem ser conhecidas e identificadas) e as
terfsticas ou exigências do programa, tanto maior será a falta de apro citamento
escolar.
Para Adelman, a despersonalização do programa escolar constitui um etor
determinante no processo de aprendizagem da criança. O programa não
ser imposto à criança, provocando ou originando comportamentos desa stados,
desinteresse ou desmotivação.

83

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Os program (c >c os) deverão acomodar-se efectivamente às diferenças


individuais e peculiares que cacacterizam as crianças de uma classe. Cabe portanto ao
professor uma g de responsabilidade no que respeita à facilitação, ou não, da
aprendizagem das crianças, todas elas com per Jìs ou esúlos intraindividuais
diferenciados de aprendizagem. Quanto maior for a personalização da instrução, maior
será o êxito na aprendizagem, o que pressupõe da pane do professor um maior e mais
ponnenorizado e evolutivo conhecimento dos seus alunos. Quanto menor atenção se
tiver a este aspecto do cumculo, tanto maiores serão a diferença e a distância entre as
condições externas de instrução (do professor portanto) e as condições internas de
aprendizagem (do aluno) e, consequentemente, maior a tendência para se
manifestarem DA dentco da própria classe.
Em termos de êxito escolar, há que ter em conta, naturalmente, as variáveis da
criança e as variáveis situacionais da classe. Dentro das variáveis da criança, ou
melhor, das suas necessidades, teremos de observar e caracterizar as suas condições
de aprendizagem, onde entram em linha de conta as aquisições (skills) perceptivas,
cognitivas, psicomotoras e expressivas, os seus interesses, necessidades, moúvações,
etc. , que deverão ser claramente e antecipadamente conhecidos. Aqui teremos de
respeitar, por mais que custe a muitos técnicos, os contributos da psicologia do
desenvolvimento e da neuropsicologia, no senúdo de se conhecer as necessidades
individuais das crianças.

Dentro das variáveis situacionais da classe, há que analisar as personalidades e


as competências dos professores, os objectivos, os processos, os materiais didácticos,
os reforços e processos específicos de transmissão cultural e os esforços da escola
que caracterizam a eficiência da inswção.

Segundo Adelman, o tipo de DA e o nível das necessidades específicas de


reeducação surgem posteriormente, como efeito e resultado de uma estratégia de
ensino muitas vezes inadequada, mesmo que vá servindo a maioria da classe. Daí que
este autor recomende a identificação precoce e a obser vação psicopedagógica, como
formas de antecipação da prevenção de problemas, evitando que a criança seja
empurrada para as frustrações inerentes ao fraco aproveitamento escolar.

Tcoria integrada da informação, de Senf

A teoria integrada da informação, proposta por Senf 1971, fundamenta-se na


psicologia cognitiva, nos modelos de processamento da informação e nas
investigações sobre a memória.
Este autor apresenta-nos, de uma forma clara, a complexidade da acúvidade
cognitiva humana e a sua interdependência com os processos de aprendizagem
simbólica.
Para Senf, o organismo humano organiza selectivamente e integra a
informação, para além de a utilizar nas diversas manifestações do comportamento.

84

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Na base de uma atenção selectiva, face à informação recebida (input), o víduo


em situação de aprendizagem terá de a processar em unidades, intedo-as numa
sequência temporal que caracteriza a informação ordenada (irtformation array). Quer
dizer, a integração da informação requer uma orgação e um envolvimento internos que
se passam no cérebro do indivíduo. Trata-se, portanto, de reacções mentais a
situações do envolvimento externo,
sejam as dimensões dos estímulos exteroceptivos e proprioceptivos e seus
circuitos de retroestimulação (feed-back), isto é, o resultado da acção da interacção
sensorial que o indivíduo estabelece com a informação rece: a.
Senf destaca ainda o papel da motivação, da atenção selectiva e do cforço, para
além de referir a importância da degenerescência da memória
ptiva no processo de aprendizagem. Assume igualmente uma dimensão tegral
das diferentes modalidades ou dos diferentes canais sensoriais isual, auditivo e
tactiloquinestésico) que poderão envolver irregularidades eionais no processo de
informação e nos sistemas de integração, justifimndo, por esse facto, a manifestação
de DA.
O contributo deste autor incorpora também outras condições cruciais a guir. São
elas: o conteúdo irrelevante da tarefa emjogo e a ansiedade, ideradas, por Senf,
variáveis significativas a ter em conta na evidência DA.
Senf apresenta quatro categorias de DA:

, 1) As dificuldades surgem por perturbação na recepção adequada da


informação;
2) As dificuldades resultam do inêxito em produzir informação ordenada; 3) As
dificuldades surgem da fala na evocação de actividades neurológicas no sistema das
imagens;
4) As dificuldades resultam da falta de conteúdo da tarefa, que
obviamente desordena a informação em causa.

Senf acrescenta ainda outras razões causadoras das DA, como por exemplo a
inadequada actividade de orientação receptiva (problemas de atenção) que se
manifesta secundariamente a partir das desordens do processo da n ormação. Quer
dizer, como o processo de informação se encontra perturo, esta condição, segundo
Senf, reflecte-se na atenção, prejudicando-a e oo sequentemente desorganizando-a.
Para este autor o processo de infórmação é activamente estruturado e zado
pelo próprio indivíduo. O indivíduo (neste caso, a criança) actua a informação
assimilando-a no seu anteriorl repertório cognitivo-experiencial. Trata-se de reconhecer
o processo de informação e, evidentemente,

i No sentido de passado, ou melhor, de retenção da experiência em termos de


conservação d vivências passadas.

85

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

a percepção, como um processo sensorial, e aberto, por manutenção e conservação de


sistemas de retroacção (feed-back), como sejam os que vêm dos músculos e que
provocam sensações quinestésicas, ou como os que vêm dos aparelho fonador e que
provocam sensações auditivas.

Processo Processo
sensorial Processo cognitivo motor
VISUAL --l - MOTOR
000
AUDITIVO -- VOCAL
- (fala)

Feed-back (sensações auditivas e quinestésicas)


Figura 34 - Modelo de integração multissensorial, de Senf

Senf reforça ainda que a experiência humana é uma integração multissensorial


total (IMT), e essa totalidade traduz a aprendizagem normal. Quando efectivamente
essa totalidade se apresenta fragmentada, então podem surgir as DA.
De acordo com esta teoria integrada da informação, embora sofisticada, o êxito
da aprendizagem depende muito das características da tarefa, ou seja, da situação
experimental a que a criança se encontra sujeita; daí a defesa da metodologia da
análise de tarefas (task analysis), tão importante na reeducação de crianças com DA e
na educação de crianças deficientes mentais.

Teoria do desenvolvimento das capacidades perceptivas e cognitivas, de Satz e Van


Nostrand

Estes autores apresentam uma teoria desenvolvimentista relacionada com as


mudanças etárias mais relevantes e que constituem a apropriação das pré-aptidões
das aquisições escolares fundamentais.
Nesta linha, aqueles autores incidem inicialmente sobre as aquisições
perceptivas e discriminativas da visão, que se encontram mais em foco na
aprendizagem da leitura. Posteriormente analisam as aquisições linguístico-
conceptuais, que surgem evolutivamente mais tarde (Gibson e Levin 1975).
As DA surgem, de acordo com estes autores, como corolário de um atraso de
desenvolvimento (developmental lag) e temporariamente relacionadas com a
aprendizagem da leitura.

86

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Esta perspectiva parte do pressuposto de que o sucesso escolar exige um certo


nível e um certo número de aptidões para as aprendizagens escolares.

28 1. Aquisições conceptuais Discriminação visual Aquisições linguísticas


Percepção

FASES DA
APRENDIZAGEM DA LEITURA

Figura 35 - Fases de aprendizagem da leitura, segundo Satz e Van Nostrand

De facto, tais aprendizagens pressupõem um nível de prontidão (readiness) que


necessita de determinados requisitos de maturação, traduzindo-se obviamente numa
certa hierarquia de aquisições e num certo nível de desenvolvimento. Para Staz e Van
Nostrand, o problema consiste na maturaÇão cerebral hemisférica, independentemente
de a sua fundamentação hipotética ainda não ter sido suficientemente dèmonstrada.
Inseridos numa visão evolutiva das DA, estes autores têm desenvolvido iatensa
actividade investigativa na busca de escalas e de sinais predictivos do êxito ou do
inêxito na aprendizagem da leitura. Neste sentido, destacam como sinais predictivos as
aquisi ões ontogenéticas precoces da percepção, que paralelamente colocam em
causa uma relação comparativa entre a imaturidade, a desmaturidade e a maturação.
Sabemos que, em termos de desen olvimento, as aquisições perceptivas antecedem as
aquisições conceptuais; daí que se possa verificar uma desmaturidade numa fase que
tenda a reflectir-se noutra fase com uma apropriação mais lenta de aquisições mais
complexas.
A velocidade de aquisição (rate of aquisition) (a que já chamámos biorritmo
preferencial de cada criança), junta-se uma dificuldade na aquisição, e t ta variável
deve ser tomada em linha de conta a partir do nível básico de aquisições, que difere de
criança para criança.
As variáveis mais predictivas e discriminativas da aprendizagem da leitúra
podem e devem caracterizar os processos de identificação precoce das DA, pois muita
da investigação feita nesta área resulta, sem qualquer interpretação, de parâmetros
claros de desenvolvimento.
Daqui podemos adiantar que a fase de automatização da leitura requer não só
capacidade perceptiva como capacidade linguística, só que a sua releVância é
diferente no tempo. Na fase inicial, as capacidades perceptivas estão

87

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

em foco; na fase intermédia, estas terão de se automatizar, para na fase final da


aprendizagem resultarem na edificação de capacidades linguísticas e conceptuais.
As implicações educacionais são muito significativas, na medida em que a fase
inicial da aprendizagem da leitura requer uma diversidade de aquisições perceptivo-
visuais (discriminação, identificação, sequencialização, completamento, análise, figura
e fundo, constância de forma, posição e relação de espaço, ete. ).
A fase seguinte deverá levar à automatização de tais aquisições como também à
introdução das aquisições linguisticas, nomeadamente a segmentação e o
completamento gramatical, de base perceptiva auditivofonética.
A provar esta hierarquia, estes autores utilizaram análises de escalogramas e
demonstraram que se verificava uma sequência evolutiva entre as aquisições
perceptivas e as aquisições linguísticas, e que a sua interacção recíproca se
manifestava em diferentes períodos.
Desta perspectiva podemos concluir que a leitura envolve processos de
interacção muito complexos e que obedecem naturalmente às leis da ontogenese do
desenvolvimento, quer a criança revele, quer não DA.

Teoria do atraso de desenvolvimento da atenção selectiva, de Ross

Para Ross a atenção selectiva é uma variável que diferencia claramente o nível
de realização entre a criança normal e a criança com DA.
A partir do trabalho de Senf, que vimos atrás, este autor dá maior ênfase à
capacidade de recodifica ão (recode), ou seja, à reorganização da informação e sua
subsequente, imediata e precisa rechamada, para efeitos de expressão ou de
produção.
Na base das suas investigações, Ross demonstrou que as funções de
rememorização e de reorganização da informação dependem de factores de
desenvolvimento e de maturação consubstanciados numa atenção selectiva mais
controlada e intencional.
Tendo em conta que o êxito académico ou escolar depende da aquisição de
dados aprendidos anteriormente que resultam na passagem de uma classe ou fase
para outra, Ross argumenta que a criança com DA tem mais problemas porque as
aquisições mais simples, i. e. , das fases anteriores, não estão suficiente e
consolidadamente aprendidas.
A este problema de reorganização da informação aprendida naturalmente que
se vêm juntar problemas de personalidade (autoconceito, etc. ), acumulados nas
frequentes situações de frustração e de insucesso.
De acordo com a proposta de Ross, a atenção selectiva depende
significativamente de uma variável cognitiva, variando directamente com a sua
complexidade. Nesta perspectiva, o autor recomenda o exagero na distinção de
pormenores de pares de letras ou de pares de palavras em que

88

PASSADO E PRESENTE NAS DlFICULDADES DE APRENDIZAGEM

a eriança manifeste dificuldades. Desta forma, o realce de pormenores reclama e


motiva outros níveis de atenção, e consequentemente, de aprendizagem.
O problema desta teoria é partir da noção de que a atenção selectiva apenas
depende da criança, e não das condições situacionais e envolvimentais.
Porque não se toma em eonsideração a relevância dos estímulos dos materiais
didácticos e do envolvimento da classe, provavelmente as situações de instrução
tendem a desenvolver DA. As condições exteriores à tarefa em si, como sejam o
excesso de barulho ou de ruídos distrácteis (variáveis auditivas), a exposição
exagerada de quadros e painéis na sala ou no espaço imediato (variáveis visuais), ou
as dimensões da tarefa, os seus contexto e complexidade, e também o tipo de reforços
imediatos (variáveis cognitivas e motivacionais) podem dificultar à criança a selecção
entre variáveis rele vantes e irrelevantes para a situação de aprendizagem
considerada; daí muitas vezes a razão de ser da sua dificuldade de concentração e de
organização da informação.
Neste campo novas investigações serão necessárias para determinar qual a
significação e a importância das variáveis distrácteis e situacionais em gresença,
variáveis essas que se inter-relacionam na dialéctica entre as condições internas (da
criança) e externas (da situação educacional), e que podem faeilitar ou comprometer a
atenção selectiva, pondo em risco as condições normais da aprendizagem.

Hipótese do défce verbal, de Vellutino

Vellutino 1977 representa a nova vaga das DA. A sua hipótese do défice verbal
nos maus leitores, ou melhor nas crianças com DA, surge como a nifestação de uma
dificuldade na rememorização e na renomeação de palavras, provocada, segundo o
autor, por uma falta ou carência de informação disponível. Esta falta de informação
repercute-se na reduzida e limitada capacidade de utilização e de produção,
confirmando um défice linguistico e uma eerta lentidão na identificação e no uso das
palavras.
Vellutino desenvolveu vários trabalhos experimentais de linguística, tendo
coneluído que as crianças com DA apresentam défices fonológicos, semânticos e
sintácticos associados a problemas de memória de curto ternto e de eodificação,
sintese, e subsequentemente, de rechamada da informação.
A chamada da informação é fundamental para a sua expressão. Nela estão
ineluídos complexos mecanismos e processos de selecção da palavra e das suas
estruturas componentes.
Para além destes processos de mobilização e de formulação activas, que
pneparam e planificam á expressão (quer falada, quer escrita), é necessário que se
observe processos de preeisão e fluência.

89

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A perspectiva de Vellutino está muito próxima da de Perfetti e Lesgold


1977, que falam em déftces de compreensão, argumentando que a lenta
descodificaÇão da palavra prejudica os maus leitores, diftcultando-lhes a lembrança da
informação contida nas frases previamente lidas. Porque a integração da informação
não se opera adequadamente, a compreensão do texto lido é feita com dificuldades.

Vellutino contrapõe às concepções perceptivas das DA uma concepção lin


uístiça, criticando aquela por falta de dados empíricos. De facto, embora nãg se
podendo negar a importância da sua concepção linguística, não res' tam dúvidas (nem
tão-pouco dados empíricos) de que as DA e as dificuldades da leitura incluem,
igualmente, déftces não linguísticos. Não se deve defender concepções extremistas,
ora argumentando que as DA dependem apenas de roblemas linguísticos, ora dizendo
que dependem apenas de I problemas perceptivos. Quanto a nós, entre estes dois
tipos de problema,

ediftcam-se interacções recíprocas e complexas que convém identiftcar e


minimizar através de programas de intervenção específica.

DA = Problemas Problemas perceptivos f- linguísticos

Figura 36 - Concepções perceptivas e linguísticas das DA, segundo Vellutino

Este autor inclina-se efectivamente para a análise das funções da


memória no processo de recepção, compreensão e produção linguística. O déftce no
código verbal resulta, segundo ele, de problemas de retenção e de rememorização,
acentuando o papel da conservação e da combinação da informação, que antecede
obviamente as suas expressão e utilização.

Das investigações de Vellutino podemos tirar uma conclusão essencial: a


reeducação de uma criança com DA não pode ser unicamente encarada na base de
situações perceptivovisuais (identificação, discriminação, etc. ); é necessário atender
às aquisições linguisticas, pois Vellutino reforça que uma reeducação perceptivovisual,
só or si, não faz um leitor fluente.

Hipótese do educando inactivo, de Torgesen

Torgesen 1977 encontra-se na linha cognitivista das DA, especialmente


virado para o estudo e o controlo das variáveis que caracterizam o educando activo
(active learner).

90

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Segundo este autor, a criança sem DA participa activamente na sua


aprendizagem, adoptando inclusivamente estratégias apropriadas à realização das
tarefas escolares. Estratégias essas que exigem uma consciencializaÇão cognidva
geral (general cognitive awareness) e uma actividade dirigida intencionalmente para um
fim (purposive goaldirecteness).
A consciencialização cognitiva requer: uma consciência dos processos
cognitivos próprios do educando (metacognição), bem como uma consciência das
exigências da tarefa em causa. A actividade dirigida intencionalmente para o fim
reflecte o grau de motivação que caracteriza o educando, isto é, a intenção de
aprender, que verdadeiramente assegura, mantém e organiza os esforços necessários
à aprendizagem propriamente dita.
Torgesen aflrma ainda que a intenção de aprender garante um plano de acção
que culmina numa aprendizagem eficiente, adaptada e intencional. Ao contrário, a
criança ou o educando inactivo e com DA não manifesta as condições acima
referenciadas. A imaturidade destas crianças revela-se cognitivamente e
emocionalmente, como concluíram os trabalhos de Hirsch, Jansky e Langford 1966 e
de Koppitz 1963.
É a imaturidade geral que interrompe a consciencialização cognitiva, condição
responsável pela acção intencional do indivíduo em situação de aprendizagem,
exigindo dele uma avaliação realista e ajustada dos seus recursos (negativos ou
positivos).
Torgesen caracteriza a criança com DA como tendo maior dependência nas
suas actividades intelectuais, menos perseverança, mais impulsividade e maior
dificuldade em compreender e realizar ordens, não podendo, portanto, assumir um
papel activo na sua aprendizagem.
Devido a insucessos acumulados, amalgamados com as inevitáveis frustrações
face às aprendizagens ou tarefas escolares, é compreensível que as crianças ou os
adolescentes com DA pequem por falta de participação e por inactividade e evitamento.
Este autor inclina-se mais para défices de realização do que para défices de
capacidade (ability defcits). No educando inactivo, o que falta são as estratégias
adequadas, não obstante a manifestação de problemas de processamento da
informação (atenção, memória, planificação, etc. ), ou sejam, défices cognitivos. Torna-
se por conseguinte relevante a necessidade de uma avaliação cuidadosa destes
problemas, com o intuito de desenvolver meios de intervenção educacional ajustados
às necessidades dessas crianças.
A importância desta teoria de Torgesen é de extrema validade, realçando o
papel das aqnisições de estudo (study skills) e das aquisições de autoensino (teaching
selfmonitoring skills), ou sejam, as aquisições por ele designadas como metacognitivas
(metacognitive skills).
Independentemente da falta de especificidade, Torgesen remete-nos para uma
perspectiva global das DA, embora a sua concepção de inactividade cognitiva
necessite de veriflcação empírica.

91

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Wong e colaboradores 1979 provaram que, de facto, as crianças com DA, ao


contrário das crianças com aproveitamento escolar, manifestam problemas de
autoverificação e de autoavaliação das suas próprias produções e realizações,
confirmando o interesse desta perspectiva das DA.

Modelo hierarquizado, de Wiener e Cromer

Este modelo representa uma sequência hierarquizada de aquisições específicas


antecedentes (ABC. ) com correspondência em tipos e classes de comportamento
manifestados na aprendizagem da leitura (Xl, X2, X3. , Xn).
O modelo estabelece uma relação com base no exemplo: uSe se dá A, então
manifesta-se X1; se se dá X1, então revela-se B"; se B, então X2, etc. Se um dos
antecedentes não ocorre, o comportamento na leitura não se revela nem se
desenvolve, nem as aquisições subsequentes se virão a manifestar em termos
hierarquizados.
A sequêneia hierarquizada equaciona uma aprendizagem de subaquisições
mais simples, implicando uma apropriação evolutiva de processos específicos que se
vão complexificando progressivamente, quer conceptualmente, quer biologicamente.
Este processo, designado por análise de tarefas (task analysis) e por análise de
conteúdos (content analysis), embora carecendo de variáveis motivacionais, permite ao
educando uma Kaprendizagem de sucesso em sucesso, concordante com as suas
necessidades educacionais específicas.
Para além das críticas que o modelo apresenta, a proposta de Wiener e Cromer
obriga-nos a discriminar entre dois níveis envolvidos na aprendizagem da leitura. Um
compreende as subaquisi ões da leitura. O outro envolve os processos psicológicos
exigidos pela própria leitura. Sem a observância destas duas condições, segundo estes
autores o exemplo dos métodos de reeducação ou de prevenção estarão em si
limitados.
Eis, assim, perspectivados o passado e o presente das DA. Muitas pers pectivas
não foram consideradas, não porque sejam de rejeitar, mas porque nos faltou tempo
para as tratar com uma linguagem própria.
É evidente, depois desta síntese históriea, que o campo das DA nos surge com
uma enorme dispersão de abordagens e perspectivas. Aqui está provavelmente a
razão de muitas eontradições e controvérsias, mas certamente também a razão de um
campo de estudo tão apaixonante e com tantas implicações.
92

CAPÍTULO i.

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM:
ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS

A exclusão subúl de crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem (DA)


da política de educação não tem sido acidental (Fonseca 1987).
As crianças e os jovens com DA não desfrutam ainda de uma categoria
educacional própria, por isso têm sido encarados como uma ameaça em termos de
recursos financeiros, quando entre nós a aplicação do produto nacional bruto na
educação é ainda das mais baixas da Europa, apesar de ter sofrido nos úlúmos anos
um ligeiro acréscimo.
As DA representam um dos maiores desafios educacionais e clínicos, e
simultaneamente, um tópico esúmável da investigação cienúfica (Keogh 1986).
Na última década, segundo os serviços educacionais americanos, enquanto a
percentagem das condições defectológicas das crianças e dos jovens com deficiência,
inerentes ao ensino especial, tenderam a diminuir consideravelmente, a percentagem
das condições disfuncionais das crianças jovens com DA tenderam a triplicar (US
Department of Education 1985, citado pela mesma autora).
Os directores escolares, os legisladores, os professores e os demais
responsáveis políticos da educação necessitam de informações válidas, e não de
opiniões, como ponto de referência para fazerem os seus juízos e tomarem as suas
decisões. Todos os actores da educação possuem um conceito muito subjectivo do que
é uma criança ou um jovem com DA, sem contudo se avaliar os seus fundamentos
científicos. As decisões de política educativa têm-se baseado preferencialmente em
preocupações económicas ou administrdúvas, em vez de se apoiarem também em
informações e em dados de pesquisa (Fonseca 1989).
De acordo com Bos e Vaughn 1988, as crianças e os jovens com DA
representam o maior gnipo do sistema escolar (Figura 37).
O número de crianças e jovens com DA é desconhecido no sistema escolar
português, porque não há ainda um consenso quanto às respectivas elegibilidade ou
idenúficação, mas a taxa de insucesso escolar na escolaridade obágatória é das mais
altas dos países europeus (Figura 38).

93

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

lnsucesso escolar No s

Disfunção
cerebral mfnima

Ensino especial
Dificuldades de aprendizagem

As crianças e os jovens com DA continuam a vaguear pendularmente entre a


educação especial e a educação regular, em termos quer de diagnóstico, quer de
intervenção ou de apoio psicoeducacional. e ' O número de repetências na 1 á fase
ronda os 35%, e os 25% na 2. fase,

reduzindo-se consideravelmente no S. o e 6. o anos de escolaridade (GEP


1990), devido ao abandono escolar e ao trabalho infantil, que constituem situações
socioculturais deveras problemáticas em termos de recursos humanos estratégicos.

; As crianças e os jovens com DA, para serem identificados como tal, deveriam
implicar a observância de uma gama de atributos e características cognitivos e
comportamentais que constituiriam uma taxonomia educacional e consubstanciar com
propriedade uma definição teórica testável.

/ rr, A
30 - -
/ ESPANHA III 'RANÇA 20 PORTUGAL

10

0 -'
o Sxundário

Figura 38 - Taxas de insucesso (PIPSE, 1989)

94

Figura 37 - DA no sistema de ensino

DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

de DA

l D que é uma criança ou um jovem com DA?


Das inúmeras definições de DA já avançadas por ilustres investigadores _
relevantes associações científicas (Fonseca 1987), a definição do onal Joint Committee
of Learning Disabilities (1988) é, presentemente,
reúne internacionalmente maior consenso.
A sua definição compreende o seguinte conteúdo: Dificuldades de
ndizagem (DA) é uma designação geral que se refere a um grupo
terogéneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e na
utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita, e do raciocínio
matemático. Tais desordens, consideradas intrínsecas ao indivíduo e presumindo-se
que sejam devidas a uma disfunção do sistema nervoso central, podem ocorrer durante
toda a vida. Problemas na auto-regulação do comportamento, na percepção social e na
interacção social podem coexistir com as DA. Apesar de as DA ocorrerem com outras
deficiências (ex. : deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbios socioemocionais)
ou com influências extrínsecas (ex. : diferenças culturais, insuficiente ou inapropriada
instrução, etc. ), elas não são o resultado dessas condições.
De facto, a designação DA", como podemos avaliar por esta definição, t m sido
usada para referir um fenómeno extremamente complexo (Torgesen 1990). O campo
das DA agrupa, efectivamente, uma variedade desorganizada de conceitos, critérios,
teorias, modelos e hipóteses.
Para Senf 1981, as DA têm sido uma área obscura situada entre a normalidade
e a defectologia. No âmbito educacional, os que ensinam ascrianças ou os jovens ditos
normais" não raramente sugerem uma colocação ou encaminhamento especial" para
os seus problemas, sem contudo perspectivarem modelos dinâmicos de avaliação e de
intervenção.
O quadro das DA é cada vez mais uma esponja sociológica que cresceu muito
rapidamente, porque foi utilizado para absorver uma diversidade :de problemas
educacionais acrescidos de uma grande complexidade de acontecimentos externos a
eles inerentes (Senf 1990).
Não se conseguiu ainda, na arena do sistema de ensino, um consenso na
definição das DA, porque elas têm emergido mais de pressões e de necessidades
sociais e políticas do que de pressupostos empíricos e científicos (Keogh 1986).
Dentro de uma análise contextual, há necessidade de compreender que, mesmo
na presença de uma pedagogia eficaz e de professores competentes, DA não
desparecem nem se extinguem. O enfoque das DA está no individuo, que não rende ao
nível do que se poderia supor e esperar a partir do seu potencial intelectual, é que, por
motivo dessa especificidade cognitiva na aprendizagem, tende a revelar inêxitos
inesperados.

95

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Para minimizarmos a confusão crónica que caracteriza o campo de

estudo das DA, precisamos de uma aproximação científica transdisciplinar que


ultrapasse a demasiada fragmentação da maioria das suas investigações. Para além
de aperfeiçoar a precisão diagnóstica e clariflcar os resultados das investigações, é
essencial evitar inferências precipitadas e generalizações inapropriadas.
A falta de uma teoria sólida e coesa nos seus paradigmas e pressupostos e de
uma taxonomia pormenorizada e compreensível é, assim, uma das razões que
explicam a ambiguidade e a legitinúdade das DA. Daí que a criação e a promulgação
de serviços educacionais seja presentemente muito restrita e ineficaz, porque não
surge, nem se vislumbra, um critério ou uma definição ftdedigna e aquiescente.
Entre nós, muitas crianças e muitos jovens são identificados com base em
critérios pedagógicos arbitrários, ou sustentados administrativamente em pareceres e
avaliações médicas (ex. : pediátricas, neurológicas ou psiquiátricas) ou psicológicas
tradicionais, sem qualquer tradução ou conversão reeducativa.
Até hoje não surgiu, ainda, uma identificação psicoeducacional no sentido
científico que seja igualmente concordante com outros critérios
médicopsicopedagógicos relacionados com o potencial dinâmico de aprendizagem e
com o comportamento social, uma vez que muitos jovens e crianças com DA
evidenciam uma competência social inadequada (Bos e Vaughn 1988).

Devido a esta vulnerabilidade conceptual, muitos deles são neglicenciados ou


mesmo excluídos dos apoios escolares, mesmo tendo DA num sentido taxonómico, e,
em contrapartida, muitos outros são incluídos nos serviços de apoio disponíveis,
acusando todavia DA apesar de não terem sido identificados como tais.
Quais são as características, comuns e discordantes, entre os estudantes com
DA? Haverão subtipos de DA? Quais são as variáveis mais relevantes no processo de
ensino-aprendizagem? Como poderão ser identificados os problemas mais subtis nas
crianças e nos jovens com DA? Quem está treinado e preparado para detectar e
(re)educar estas crianças e estes jovens? E que programas de reanimação
cognitivocomportamental e psicolinguística deverão ser experimentados e avaliados?
Sem respostas a estas perguntas, muitas perturbações continuarão a contribuir para a
catalogação e a classificação inconsequente das crianças e dos jovens com DA e,
como consequência, muitas delas com pseudo-DA são tratadas como tendo DA, e
muitas tendo DA não são classificadas sob qualquer critério legítimo.

As autoridades educacionais, juntamente com várias instituições, têm


expressado preocupação com o grande número de crianças e jovens com DA, mas têm
sido incapazes de estimular pesquisas sobre a etiologia, a elegibilidade, a identificação
e os aspectos psicofuncionais nesta matéria, de modo a reduzir a proliferação de mais
confusão e de desnecessários gastos flnanceiros. Noutro pólo de pressão contextual e
social, associações de pais e de

96

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

encarregados de educação reagem à subinclusão das crianças e dos jovens com DA


nos programas de compensação pedagógica. Os pais estão cada vez mais ansiosos,
porque os seus filhos não recebem adequada resposta às suas necessidades
educacionais.
Enquanto dúzias de comissões oficiais, de divisões regionais e direcções de
edueação, regular e especial, de grupos de tcabalho superiormente nomeados e de
outras entidades políticas, etc. , continuam a discordar de uma definição consensual,
legal e operacional, felizmente que muitos professores e psicólogos continuam a
praticar diariamente a sua identificação e a sua reedncação (Macgrady 1980).

Expectativas sobre as DA

A luta contra o insucesso escolar tem sido, e continua sendo, uma das p
oridades do sistema escolar português, tendo levado mesmo à criação do grograma
interministerial para promoção do sucesso escolar (PIPSE 1988), programa inovador
hoje extinto que, contudo, não foi avaliado e aperfeiçoado, científica e
pedagogicamente, na totalidade das suas componentes estruturais, para efectivamente
atacar as causas e os efeitos das DA.
Baseados no relatório Warnock 1978, vários responsáveis do Ministério da
Educação adoptaram para os estudantes com DA o conceito abrangente de
necessidades educativas especiai3 (Decreto-Lei n. o 319/91), outra medida que reflecte
uma expectativa positiva sobre o assunto, sem porém atingir a mesma profundidade
em termos de estratégias de diagnóstico e intervenção, e concomitantes coordenadas
de formação permanente da parte dos professores.
A designação DA, constitui, todavia, uma simples designação que é útil por um
lado, mas por outro não, na medida em que encerra uma significação sociopolítica e
sociocultural. Ela evoluiu da necessidade de fornecer serviços educacionais a uma
população escolar que foi, e ainda é, subservida e negligenciada. Trata-se de uma
questão que, em última análise, ilustra o insucesso escolar, e nunca o insucesso
individual do estudante, porque, num dado contexto, cada dislexia é sinónimo de uma
dispedagogia. A denominação revela elegibilidade, mas nenhuma verdadeira e óbvia
identificação elínica. As DA são um assunto conceptualmente confuso, decorrente de
uma investigação teórico-prática ainda incipiente, contraditória e demasiado complexa
nas suas variáveis e nos seus pressupostos.
Em síntese, as DA referem-se, como sabemos, a uma população heterogénea,
que inclúi vários subtipos de dificuldades, idades e desordens. Para Ysseldyke 1983,
não há características nem eomportamentos específicos para as DA, isto é, as
características que exibem as crianças e os jovens com DA são semelhantes às dos
éstudantes sem DA, o que obviamente torna mais difícil o seu objecto de estudo e os
limites da sua definição.

97

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Modelos de avaGação das DA

A inadequabilidade científica que muitos testes psicométricos tradicionais


apresentam é considerada uma das causas que caracterizam correntemente as
decisões educacionais incoerentes no âmbito das DA. Nos nossos dias, não existe
nenhum modelo ou método de avaliação válido conhecido que verdadeiramente
identifique um estudante com DA, ou que detecte uma leitura ou uma escrita
ineficientes, disfunções cognitivas na resolução de problemas de cálculo, ou mesmo,
problemas na fala.

As DA não são uma condição ou síndroma simples, nem decorrem apenas de


uma única etiologia - trata-se de um conjunto de condições e de problemas

I: heterogéneos e de uma diversidade de sintomas e de atributos que


obviamente subtendem diversificadas e diferenciadas respostas clinicoeducacionais.
Muitas das expressões de avaliação falharam ao supervalorizarem alguns dos

I atributos específicos do indivíduo com DA (Jonhson 1990). Por outro lado, é ',
estimulante ver profissionais de muitas disciplinas envolvidos na investigação
das DA, e simultaneamente perturbador observar tão reduzida interacção de
dados e resultados entre eles. As investigações dos vários protagonistas tendem a ser
paralelas, em vez de integradas, o que em si tende a uma fraca validade (descritiva e
predictiva) em termos de relevância educacional. ? Como regra geral, os que têm
trabalhado só com crianças ou jovens ditos

normais não podem compreender como pequenos problemas de recepção,


elaboração e expressão de informação, disfunções cognitivas de input, ela; boração ou
output - Feuerstein, Rand e Hoffman 1979; Fonseca e Santos
1991- podem influenciar o desempenho escolar de crianças e jovens com DA,
nem, tão-pouco, como os parâmetros limitados de cognição social, de privação cultural
e de experiência mediatizada de aprendizagem inadequada podem interferir com o
rendimento escolar.
A informação psicométrica presente e disponível, centrada no QI, é ainda uma
base crucial da maioria dos encaminhamentos educacionais, de onde podem emergir,
consequentemente, alguns perigos para o sistema escolar, Í, quer de super ou
subinclusão de crianças e jovens com DA, quando aquele ' critério exclusivo não
explica porque é que jovens com QIs superiores a 130 podem acusar sinais evidentes
de dislexia, dissortografia ou discalculia. A avaliação psicoeducacional é uma das
áreas fracas do campo das DA. I Inúmeros estudantes identificados como
apresentando insucesso escolar não
atingem as definições mais correntes da literatura internacional (Fonseca 1987),
o que pressupõe que a noção de DA nem sempre abrange a noção de insucesso
escolar, exactamente porque não são noções mutuamente exclusivas. Se a avaliação
psicoeducacional (avaliação do potencial de aprendizagem) é pensada como um
processo de captação de dados sobre a vulnerabilidade da aprendizagem de muitos
estudantes, com o propósito de especificar os seus problemas de aprendizagem e
tomar decisões e planificar estratégias indi vidualizadas, a sua prática quotidiana está
muito longe do seu principal objec

98

DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

tivo. Um número importante de crianças e jovens que experimentam dificWdades na


aula, e que consequentemente sofrem de rejeição e isolamento social, pode
ultrapassá-las através de uma adequada instrução ou intervenção psicoeducacional. O
objectivo da avaliação psicoeducacional deve levar-nos aos mais válidos métodos
pedagógicos e (re)habilitativos, subentendendo uma streita e intánseca relação entre o
diagnóstico e a intervenção.
Entre nós, existem já equipas de apoio pedagógico que utilizam um tipo de
diagnóstico multidisciplinar, todavia relativamente limitado na inferência de métodos e
estratégias de intervenção, e ainda pouco validado em amostras bem seleccionadas.
Por acréscimo, não temos por ora equipas multidisciplinacoordenadas aos níveis
nacional, distátal ou local, nas quais o pessoal médico, psicológico e pedagógico
possua treino específico no domínio das DA. No campo dos recursos humanos, os
professores especializados não têm competência de diagnóstico, ao contrário dos
terapeutas da fala, que nas escolas e nos centros clínicos são responsáveis pela
avaliação e pela intervenção junto de crianças com problemas na linguagem falada.
Paradoxalmente, os p nfessores especializados conduzem a reeducação na linguagem
escrita, mas não são responsáveis pelo diagnóstico. Os professores especializados em
DA
pouco treinados, clínica e educacionalmente, para um campo tão complexo t
diversificado.
Em termos sincréticos, os processos de avaliação e de identificação continuam,
oficialmente, nas mãos de pediatras, neurologistas, psiquiatras, sicólogos,
orientadores escolares, etc. , que confiam demasiado nos testes e aos seus dados
clínicos, omitindo frequentemente os dados oferecidos pelos próprios professores.
A demasiada confiança no QI, nas idades mentais e nos índices médios ziam,
no nosso sistema escolar, muitas das decisões educacionais das criane jovens com
DA. A avaliação psicoeducacional das competências simbó cas não tem ainda
relevância educacional, ao contrário da avaliação da teligência, e não tem conduzido a
programas educacionais individualizados apropriados contextual e cientificamente, o
que, em si, ilustra o estado Aetual da organização da resposta a uma população
escolar em acentuado escimento na última década.
: Apesar de a inteligência ser definida, em termos clássicos, como a habide
para aprender, tal como tem sido medida e tal como tem sido cono bida como
constructo, essa definição não satisfaz as necessidades do trmpo das DA. A
inteligência não é apenas o que mede o teste estandardi do - as suas medição e
avaliação dmâmica continuam sendo um grande Inigma das ciênciás humanas, e uma
grande responsabilidade para o psicóbgo escolar e para o pedagogo especializado.
A inteligência como dispositivo computacional modular é composta por I temas
independentes de processamento de informação (competência cogniWra), que no caso
de indivíduos com DA não funcionam sinergeticamente
nseca 1991).

99

INSUCESSO ESCOl AR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A inteligência como capacidade de adaptação à mudança é diferente da


inteligência prática ou da inteligência académica (academic intelligence); ela
transcende o que o teste pode objectivamente vislumbrar. A criança ou o jovem com
DA apresenta défices específicos de inteligência não generalizados, nomeadamente na
resolução de problemas e na menor flexibilidade na selecção de estratégias para os
resolver. Tal especificidade exige, claramente, um maior invesúmento na avaliação do
potencial de aprendizagem do indivíduo, ou seja, um melhor domínio dos pressupostos
da modificabilidade cogniúva (Fonseca 1989) e da experiência de aprendizagem
mediatizada, uma vez que os défices cognitivos não são entidades isoladas em si
próprias, pois constituem-se como partes integrantes do contexto envolvimental e
cultural do indivíduo (Fonseca 1991, 1992; Fonseca e Santos 1991).

Métodos de intervenção nas DA

A intervenção reeducativa tradicional tem sido essencialmente centrada, na


maioria dos casos, em métodos de origem francesa (ex. : Borel-Maisonny, Chassagny,
Freinet, etc. ), que usam atributos e variáveis de produto, com pouca atenção sobre
outras vaááveis de processo, também importantes à luz do processo de ensino-
aprendizagem.
Os métodos pedagógico-reeducativos de leitura, escrita (ortografia) e cálculo
tendem a ser empíricos e, por vezes, inconsistentes e ambíguos, sem qualquer teoria
ou racional aprofundado que os enquadre. Frequentemente apresentam-se sem
objectivos, sem estratégias de mediatização e de interacção, sem conteúdos
psicolinguísticos (fonológicos, semânticos, sintáxicos, etc. ) e sem rotinas
piscofuncionais, cogniúvas e metacognitivas compensativas e/ou corcectivas (ex. :
descodificação, codificação, aquisições e subaquisições da leitura: síntese, análise,
compreensão, ideação, etc. ), bem como sem estratégias de intervenção inovadoras,
direccionadas para indicadores específicos de processamento de informação, sem
reforços sociais, sem técnicas de comportamento, e sem enfoque directo noutras
variáveis significativas da aprendizagem.
As DA não existem no vácuo, pois são dependentes das exigências particulares
das tarefas de aprendizagem, e são, naturalmente, baseadas num contexto:
A testagem de métodos reeducativos é ainda inexistente, assim como a
investigação interventiva, pelos menos em termos de literatura publicada, e deverá ser
estimulada com a finalidade de aperfeiçoar e enriquecer os processos e as estratégias
de intervenção. Muitos profissionais do terreno defendem profusamente as suas
metodologias de sucesso, mas a análise científica e comparativa das mesmas é
desconhecida, pois os hábitos de produção escrita nesta matéria são muito escassos.
Paralelamente, dever-se-ia tentar aplicar com mais rigor modelos longitudinais para
avaliar os

100

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

efeitos, próximos e distais (longitudinais), de programas reeducativos ditos


Kcompetitivos, comparando grupos de controlo e grupos experimentais, visando
fundamentalmente o apuramento da qualidade da intervenção no campo das DA.
. A avaliação baseada no cumculo (ABC) é ainda muito incipientemente utilizada
porque é globalmente centrada na escola local e nos juizos sub jectivos dos
professores. A avaliação das crianças tende a ser vaga e sem ferências
cientificopedagógicas, sendo o seu desempenho comparado interindividualmente e
raramente perspectivado em termos dinâmicos e mti tindividuais. A ABC, com a sua
atenção centrada nas necessidades tspecíficas das crianças e dos jovens com DA, nas
suas áreas fortes e fi'acas, pode ser, no futuro, uma alternativa válida capaz de as
enfrentar e superar.

Novos desafios para as DA

O sistema de ensino tem de enfrentar uma série de desafos para ajudar crianças
e os jovens com DA; caso contrário, ser-lhes-ão negados os seus itos e oportunidades
educacionais. Se os professores especializados em A não se dedicarem aos desafios,
as grandes esperanças de pais e pioneiros educação e na pesquisa das DA terão os
seus sonhos e esforços desfeitos (Cruickshank 1985). Em termos de pensamento
estratégico, perspectivamos os seguintes desaf ios para o campo das DA:

Desafio n. o I

A definição de DA tem de adoptar um constructo historicamente e


profissionalmente coerente. De facto, há necessidade de uma taxonomia que seja
conceptualmente correcta, teoricamente testável e pedagogicamente útil. A tarefa de
investigação no futuro deve vir a determinar sistemicamente a essência das DA, bem
como a identificar todas as características e variáveis que se apresentam ao objecto
complexo de estudo que as consubstancia. Precisamos realmente de determinar, pelo
menos, o que não é uma criança ou jovem com DA, utilizando, assim, um diagnóstico
por exclusão.
A criança ou jovem com DA:

- não aprende normalmente;


- não tem deficiências sensoriais (visuais ou auditivas);
- não tem deficiência mental;
- não tem distúrbios emocionais graves;
- não emergiu de um contexto de privação ambiental ou sócio-cultural.

101

INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlC A

Efectivamente, o processo para identificar as DA tem de decidir se a criança ou


o jovem:

- possui uma DA (sistema de referência);


- possui outras condições (sistema de exclusão);
- possui características específicas (sistema de inclusão).

No mesmo quadro de referência, quatro grandes conceitos de DA emergem à


superfície:

1) Tem de haver uma DA específica e não uma DA geral (os


indivíduos com DA diferenciam-se dos indivíduos com deficiência mentalQI > = 80);
2) Tem de haver uma discrepância entre capacidades, e não só mera
mente de défices;
3) As discrepâncias têm de se situar no processamento de
informação (funções de input, elaboração e output); e
4) Os factores de exclusão devem ser considerados.

Todos estes parâmetros, verdadeiros desafios teóricos, requerem uma


abordagem mais dinâmica na avaliação psicoeducacional. O processo do diagnóstico
clínico envolve mais do que apenas a obtenção de resultados ou quocientes nos testes
psicométricos, onde sabemos, por experiência investigativa, que há muitas
interpretações e aplicações incorrectas.
Feuerstein, Rand e Hoffman 1979 desmonstraram que, tomando em
consideração a avaliação do nível de competência cognitiva da criança ou do jovem, a
aproximação dinâmica deve avaliar a compreensão do processo e o potencial futuro de
aprendizagem, contrariando a exclusiva tendência da avaliação tradicional do produto,
algo que, por si só, revolucionará no futuro o conceito de diagnóstico em DA.

Desafio n. o 2

Devemos desde já reconhecer que existem dois grupos diferentes de crianças e


jovens com DA: as crianças e os jovens com DA e as outras, com problemas de
aprendizagem que são ecologicamente determinados, e que não revelam quaisquer
disfunções neuropsicológicas.
As DA tomam-se num estigma e num meio de fornecer serviços para estudantes
que não conseguem atingir as expectativas educacionais devido a uma enorme
quantidade de razões. Entre nós, as DA são ainda um grave problema da escola
pública, uma vez que o sistema segregativo funciona, quer os estudantes sejam quer
não identificados, sem contudo se prescrever programas de intervenção alternativos
especificamente concebidos para as suas necessidades específicas.

102

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANt LISE CONTEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

Desafio n. o 3

O Ministério da Educação deve estimular a investigação epidemiológica,


tcalizando estudos aprofundados de populações com DA num minimo de 2000
estudantes, para desse modo caracterizar e conhecer o número aproxi: mado de
crianças e jovens com DA que frequentam as escolas portuguesas. A falta de
teorização resulta essencialmente da pobreza de pesquisas quantitativas rigorosas, da
inexistente produção de estudos de casos (single-subject studies), e também da
carência de investigações qualitativas. A muitos estudos sobre DA falta perspectiva e
robustez científica, pois são quase sempre fragmentados e incoerentes (Keogh 1986).
A investigação educacional necessita cruzar e integrar os limites de vários campos
científicos (psicologia, : neuropsicologia, linguagem, pedagogia, sociologia, etc. ),
isto é, pôr em prá ' tica um contexto interdisciplinar de investigação muito maior e muito
mais diversificado.

Desafio n. o 4

Encorajar estudos longitudinais sobre a eficácia de uma ou mais metodologias


(re)educacionais recomendadas para crianças e jovens com DA. Subsiste a
necessidade para uma pesquisa de intervenção com programas bem implemen tados
(ex. : intervenção ecológica; estratégias de inovação; estratégias de enriquecimento
cognitivo; desenvolvimento de pré- requisitos; etc. ). Continua-se a organizar e a dirigir
a reeducação e a terapêutica das crianças e dos jovens com DA sem conhecer,
contudo, se os efeitos obtidos são eficazes e significativos (Kirk 1987), e se os
procedimentos são pedagogicamente exequíveis.

Desafio n. o 5

Todos os professores de crianças e jovens com DA devem adoptar uma abordagem


neuroeducacional para compreenderem a complexidade dos pro blemas de
aprendizagem.
Muitos casos de DA estão relacionados com subjacentes disfunções do sistema
nervoso central, o que traduziu a visão de vários pioneiros do terreno, como Stcauss,
Lehtinen, Kephart, Cruickshank, etc. , e a noção mais actual de disfunção
psiconeurológica de Myklebust 1968, 1978, da qual emergem dófices no
processamento de informação (Feuerstein, Rand e Hoffman 1979; Fonseca e Santos
1991) e no comportamento adaptativo, cujos indicadores não stão evidentes nos QIs.
A queda de rendimento tende a ilustrar algumas relações entne as funções neuronais e
as cognitivas; umas tratam das componentcs estruturais e outras das componentes
funcionais, sem as quais nenhuma aprendizagem ou tarefa simbólica pode ser
realizada favoravelmente.
Para além destes dados indispensáveis, surge a necessidade de conhecer como
as crianças e os jovens com DA interagem com os professores e com

103

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

as exigências das tarefas e do curriculo (Deno 1985; Mercer 1990), de modo a


percepcionar-se a totalidade do processo de ensino-aprendizagem e a dialéctica entre
factores extrínsecos e intrínsecos das dificuldades nas habilidades críticas necessárias
para a leitura, a escrita e o cálculo, bem assim como na pesquisa de avaliação, na
metodologia de intervenção reabilitativa e na teoria de investigação.

Desafio n. o 6

Todo o director ou gestor pedagógico com funções de coordenação de recursos,


todo o pessoal docente do ensino básico e secundário com funções de apoio e de
compensação deveria frequentar, pelo menos, um curso introdutório em DA. Muitos
responsáveis administrativos, que habitualmente estão em posição de tomar decisões
educacionais referentes ao curriculo, ao encaminhamento e à colocação de estudantes
não dimensionam a comple xidade das DA, não tiveram treino nem orientação para
este problema educacional de crescente relevância e, por vezes, negam mesmo o facto
da existência de DA. Dada a inexistência de uma hierarquia profissional no campo das
DA, muitos dos problemas são adiados e protelados por razões extrapedagógicas.

Desafio n. o 7

Todos os professores de qualquer nível de ensino devem reflectir seria mente no


facto de muitas crianças e muitos jovens com DA evidenciarem sinais psicomotores
perceptivos e comportamentais disfuncionais que os impedem de ser colocados em
salas de aula regulares sem um apoio pedagógico específico.
Muitas das características reveladas por crianças e jovens com DA indi cam que
elas não conseguem mudar facilmente, nas salas de aula regulares, do insucesso para
o sucesso, mesmo com suportes e apoios pedagógicos. Para conhecer a
heterogeneidade das necessidades dos estudantes com DA, há necessidade de um
diagnóstico multidisciplinar coerente com as exigências de conteúdo e de estrutura das
tarefas de ensino.

Desafio n. " 8

, A produção de materiais didácticos de ensino e de aprendizagem supos


tamente benéftcos para as crianças e os jovens com DA deve ser testada e
aperfeiçoada. Caros, muitas vezes sem nenhuma orientação pedagógica em relação
aos défices cognitivos e aos processos motivacionais e de aprendizagem, alguns
materiais didácticos prestam um mau serviço aos professores e aos estudantes, e
muitos deles não são baseados em qualquer tipo de investigação.

104

DlFICULDADES DE APREN Dl7 AGEM: AN ÁLlSE COMEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

Desa, o n. o 9

:e;: Todo o envolvimento educacional necessita de qualidade (melhores salas e aula e


de apoio, melhor apoio à familia, programas de enriquecimento insntal, etc. ).
Qualidade e excelência são necessárias não só nas salas de normais, mas, por várias
razões, nas salas de aula de apoio especial, nas de recursos, nas clínicas de apoio
familiar, nos centros de diagnósúco, equipas de investigação, etc.

í Desafio n. o 10

:, t Finalmente, há necessidade de editar uma revista que seja benéfica para ìla
práticos de educação e para as crianças e os jovens com DA a quem têm I at, ender.
, ; :-. Q tores do futuro devem produzir ensaios que possam servir de basedc
referência a quem intervém nas DA, e fornecer programas realistas e quecidos nas
componentes de aprendizagem. A dimensão criativa de ' tos professores deve ser cada
vez mais disseminada, mas para tal tameles terão de escrever mais sobre a sua
experiência transcendente.
r; Os vectores da futura investigação, sublinhados nestes 10 desafios que
ntámos, fornecem uma pesada agenda de trabalho e de reflexão para
tns investigadores, professores, administradores e gestores de educação. mos
votos de que eles se tomeìn realidade para bem do futuro de muitos vens e crianças
com DA.

da definição da criança com difculdades de aprendizagem

A controvérsia sobre a definição da criança com dificuldades de aprenigem (DA)


não é um problema recente. O caos semânúco em torno desta blemática afecta a
tomada de decisões sobre a reforma do sistema de ioo, e, em última análise, o futuro
de seres humanos, e compromete, obvi nte, o desenvolvimento total de uma
sociedade.
A negligência que se tem údo sobre esta matéria é confrangedora, e no do dá
corpo à perspecúva passiva e pessimista que se tem instalado scamente no seio do
sistema de ensino, onde tardam as soluções inte Algures (Fonseca 1988), já
equacionámos a intercepção dos conceitos de e de insucesso escolar (IE), que,
èmbora não sendo mutuamente exclu s, inte 'am. e incluem paradigmas e enunciados
de valor que convém

As consequências das DA e do IE são conhecidas quer em termos sociais, rer


em termos individuais. As implicações aos níveis familiar e escolar são
tes. A severidade psicoeducacional do problema não está equaçionada
ticamente, nem se conhece, escolar e clinicamente, os seus contomos.

105

lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A repercussão longitudinal deste problema ao nível dos períodos críticos


de desenvolvimento não está minimamente equacionada. As respostas da escola e dos
seus agentes têm certamente de ser enriquecidas sobre todos os pontos de vista.
Dentro deste contexto, teremos de reflectir sobre o processo de ensino-
aprendizagem, ou seja, sobre as verdadeiras características da criança, i. e. , do aluno,
e sobre as verdadeiras características do professor (mediatizador).
I A criança, o objecto de estudo mais complexo que se conhece, traz para a
escola ardim de infância, pré-primária, l. o ciclo, 2 ó ciclo) um conjunto de: atitudes e
valores sobre o envolvimento; competências e pré-requisitos de aprendizagem,
processamento (visual, auditivo, tactiloquinestésico, etc. ), elaboração e comunicação
de informação e conhecimentos e estratégias de aprendizagem que requerem um
diagnóstico psicoeducacional equacionado em áreas fortes e fracas que possam
perspectivar o seu potencial dinâmico, e não estático, de aprendizagem, pressupondo o
seu nível de desenvolvimento potencial (Vygotsky 1979 e Feuerstein 1986, 1987 e
1989).
O professor (mediatizador) traz também: conhecimentos
pedagógicocientíficos, atitudes e valores, crenças, estratégias, etc. O professor, hoje,
um verdadeiro engenheiro educacional (Vaughn 1987) ou um neuroeducador"
(Cruickshank 1981), gere e estrutura o envolvimento educacional de forma a promover
as capacidades de aprendizagem dos alunos, provocando, reforçando e optimizando
os seus potenciais de adaptabilidade e sociabilidade.
i O professor converte, portanto, os conhecimentos e as aquisições em
termos sistémicos e explícitos (ciência do ensino), pragmatizando as teorias de
comportamento e de aprendizagem humanas à base de estratégias de insI
trução e de interacção que visam, essencialmente, modificar e maximizar as i i
suas capacidades de aprender a aprender a reaprender.

i A aprendizagem, encarada aqui como um processo dinâmico, onde o ' aluno joga um
papel activo, em constante interacção com o envolvimento e I com o grupo da turma
onde está integrado, muda as suas noções, os seus 'i, ideais, atitudes e aquisições,
mas também deve mudar as condições do envoli
;i vimento onde ela tem lugar.
'! A aprendizagemn não pode ser vista como mera acumulação de conheci mentos ou
aquisições, mas como uma construção activa e uma transformação

das ideias, uma modificabilidade cognitiva estrutural, um processamento de ,


informação mais diversificado, transcendente e plástico, consubstanciando a função de
facilitação e de mediatização intencional do professor (Fonseca e

Santos 1991, 1992).


A definição da criança e dojovem com DA exige, consequentemente, que
todos estes componentes sejam sistematicamente considerados, e só nas suas
observância e abrangência se pode abordá-la. E é dentro destes pressupostos teóricos
que passaremos à sua discussão.

106

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: AN ÁLlSE CONTEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

A abordagem da defmição da criança e do jovem com DA deve considerar,


portanto, os seguintes parâmetros:

a) Adequada oportunidade de aprendizagem;


b) discrepância entre o potencial de aprendizagem e os resultados
escolares;
c) Disfunções no processo de informação;
d) Factores de exclusão.

Adequada oportunidade de aprendizagem

Quando se aborda a vastidão deste enunciado, temos de considerar múltiplos


factores, nomeadamente: características do envolvimento, oportunidades em termos
qualitativos e quantitativos, exposição e interacção linguística (conceitos, vocabulário,
estrutura fraseológica, etc. ), estimulação simbólica (letras e números), explicação do
envolvimento, experiências mediatizadas de aprendizagem antes da entrada para a
escola, privação sociocultural, etc. , etc.
Consequentemente, falar de adequada oportunidade de aprendizagem põe em
jogo uma avaliação ecológica total, ou seja, uma avaliação da criança, uma avaliação
do envolvimento (micro-meso-exo e macro-ecossistemas de Brofenbrenner 1977) e
uma avaliação das interacções dialécticas que materializam as relações indivíduo-
mèio.
A noção de DA pode emergir como resultado do processo de desenvolvimento
que ocorre num determinado envolvimento, pode ser portanto a nepercussão da falta
ou da carência de oportunidades, algo diferente da noção de desordens de
aprendizagem, que equivalem a problemas mais severos eomo as incapacidades de
aprendizagem. É consensual que estas noções, pertencentes ao campo defectológico
e ao ensino especial, transcendem os problemas na sala de aula regular.
Nas desordens ou incapacidades de aprendizagem a identificação de disfunções
é elinicamente óbvia, pois subsistem anomalias neurológicas expressivas ou lesões
cerebrais facilmente diagnosticadas pelos processos mais correntes (ex. : EEG, TAC,
RM, etc. ).
Ao contrário, as DA, em que não surgem sinais disfuncionais severos ou
complexos, evidenciam apenas sinais disfuncionais ligeiros com implicações exógenas
mais do que endógenas, embora estas possam ser detectadas como ligeiras ou
mínimas (Werner e Strauss 1940, Quiros e Schrager 1978).
As crianças com DA com intervenções pedagógicas adequadas,
necessariamente enriquecidas em termos do processo de ensino-aprendizagem nos
seus múltiplos subsistemas componenciais, adquirem informação e desbloqueiam as
suas dificuldades, e podem mesmo modificar cognitivamente todo o seu potencial
dinâmico de aprendizagem (Feuerstein 1986, Debray 1989,

107

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlCA

Haywood 1982, Fonseca e Santos 1992), onde podem caber as crianças


normalmente com IE (história de repetências e privação sociocultural) e as crianças
com DA supercompensadas.
As crianças com desordens ou disfunções cerebrais mínimas apresentam
disfunções (handicaps) que requerem processos diferentes e estratégias instrumentais
especiais e de alternativa. Aqui, as dif iculdades são o reflexo de uma lesão cerebral
(brain damage), e repercutem-se noutros processos comportamentais muito para além
da aprendizagem.
Feita a necessária fronteira conceptual entre desordens e dificuldades, as
combinações disfuncionais que as consubstanciam são múltiplas, pois subsistem
constelações de dificuldades; umas psicomotoras, outras comportamentais ou
emocionais e de autoconceito, bem como de captação e de retenção neurossensoriai,
com repercussão nas dificuldades cognitivas e metacognitivas, onde podem caber
mesmo crianças ou jovens com ou sem DA, com ou sem IE.

: Figura 39 - Tipos de DA - Combinações disfuncionais

Estudos avançados por Vaughn e Bos 1988, mostram que os sistemas de


ensino apresentam, por aproximação, a seguinte distribuição da população escolar:

- As crian as com DA respeitariam a mais ou menos 25% da


população escolar;
- As crianças com desordens (disfunções cerebrais mínimas)
representariam cerca de 5%;

108

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: AN ÁLlSE COMEXTUAL E NOVOS DESAFIOS


- As crianças com IE seriam 25% (com história de repetências numa ou mais
disciplinas cumculares);
! -- As crianças com necessidades educacionais especificas (caracteriza. das com
deficiências) 20%;
- As crianças KnormaisH, isto é, sem história de IE, representariam
cerca de 25%.

Etn síntese, ter problemas de aprendizagem não é sinónimo de ter DA,


coloca em realce os limites da definição das DA.
Num recente estudo de Hammill 1990, onde foram comparadas as defirões propostas
por relevantes individualidades e insútuições (Kirk 1962, ueman 1965, Wepman 1975,
Comité Consultivo Nacionai das Criançasficientes - Nachc 1968, Insútuto de Estudos
Avançados de DA da iiversidade de Northwestern 1969, Departamento de Educação
dos tados Unidos da América do Norte - USOE 1977, Conselho da Criança xional -
CEC, Associação Americana de DA - LDA. 1986, Comité
iações em DA - ICLD 1987, Comité Nacional Integrado de DA CLD, 1988) foi
possível destacar os seguintes elementos conceptuais:

- Baixo aproveitamento escolar (leitura, ditado, cálculo no ensino


primário, ou em disciplinas nucleares no ensino secundário, reforçando dificuldades
específicas em algumas matérias particulares, mas em todas as áreas, daí emergindo
as famigeradas discrepâncias intracognitivas ou os udesequiliúrios de
desenvolvimento diferenças intraindividuais etc. );
- Etiologia disjuncional do sistema nervoso central - SNC (muitas
definições inclinam-se para apontar a causa das DA como o resultado de um problema
no SNC):
- Envolvimento do processamento de informação (as DA concebidas
como uma ruptura dos processos psico:ógicos superiores que se projectam em
disfunções de processamento de informação);
- Perpetuação das DA ao longo da vida (as DA podem manifestar-se
em qualquer idade, e não apenas durante a idade escolar);
- Especificação de problemas de linguagem falada como indutores
de DA (envolvendo problemas de recepção, integração, elaboração e expressão);
- Especificação de problemas escolares (envolvendo os processos
de raciocínio, de campo mental, de educação de relações, de comportamento
sumaúvo, de prosseguimento da evidência lógica, de pensamento hipotéúco e
inferencial, etc. );
- Especificação de outras condi ões (envolvendo aquisições sociais,
dificuldades inte_raccionais, baixo nível frustracional, desmoúvação, comportamentos
disputativos, hiperacúvidade e impulsividade, desorientação espacial, perfil psicomotor
dispráxico, etc. - Fonseca 1984);

109

INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

- Repercussão multidisfi ncional das DA (coexistência de outros pro


blemas, igualmente emergentes das condições defectológicas: deflciências sensoriais,
mentais, motoras, emocionais, etc. ), que nos remetem para a distinção de DA
primárias e secundárias já equacionadas por Quiros e Schrager 1978.

Destes nove elementos nem todos apresentam semelhança conceptual ou


concordância total dos seus defmidores; porém, todos convergem para a noção
consensual de que as DA evidenciam desordens básicas no processo de
aprendizagem que impedem muitas crianças e muitos jovens de atingir um rendimento
escolar satisfatório.

Discrepância entre o potencial de aprendizagem e o rendimento escolar

A criança ou o jovem com DA apresenta discrepâncias entre a capacidade ou a


habilidade mental e o desempenho, reflectidas em resultados escolares insatisfatórios.
Enquanto a capacidade tem sido testada pelo QI (ex. : WISC-R, Weschler
Intelligence Scale for Children Revised; Standford-Binet; Kauffman-ABC; Achievement
Batteryfor Children; etc. ), o desempenho tem sido avaliado por testes estandardizados
de leitura, de ditado, e de matemática (ex. : Peabody, Woodccock- Jonhson, etc. ) onde
se detecta diferenças significativas entre o potencial (consensualmente defmido com
um QI > ou = 80) e o aproveitamento escolar, que apuram consistentemente resultados
abaixo das expectativas.
Efectivamente, as DA surgem distintas da deficiência mental (principal mente a
educável, consensualmente defmida com um QI 50-55 a 70-75), uma vez que a última
não apresenta discrepâncias, mas sim um factor geral de inteligência disfuncional
equivalente a um inaproveitamento escolar, e consequentemente, compatível com o
ensino especial.

(Adaptação de Vitor da Fonseca 1987)

IDADE

I ESCOLARIDADE DATA NASCIMENTO /

CONDIÇÕES DE OBSERVAÇÃO DATA OBSERVAÇÃO / J

Il O

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

TESTES

DISFUNÇÕES COGNITIVAS

NÍVEL DE INPUT NÍVEL DE COLABORAÇÃO NÍVEL DE OUT PllT

1. Percepção difusa e hesitante. 1. Inadequada definição da per- 1. Modalidades de


comunicação.
cepção, ou existencia, de um
problema.
2. Comportamento exploratbrio 2. Incapacidade em destrinçar 2. Dificuldades em
projectar nedesplanificado, impulsivo e os dados relevantes dos irre- lações
virtuais.
assistemático. levantes na definição de um
problema.
3. Falta ou disfunção de instru- 3. Falta de comportamento com- 3. Bloqueio.
n entos verbais receptivos que parativo espontâneo ou imitaafecta a discriminação
de ção da sua apficação devido a
objectos, eventos e relações um sistema de necessidades
impropriamente designados. bastante restrito.
4. Falta de capacidades para con- 4. Redução do campo mental. 4. Respostas
expressas em tentasiderar duas ou mais fontes de tivas e erros.
informação simultaneamente,
. lidando com dados de uma
forma desordenada, em vez de .
os tratar como uma unidade de
factos organizados.
' 5. Falta ou disfunção de concei- 5. Captação episódica da reali- 5. Falta ou
disfunção de instrutos temporais. dade. mentos verbais, ou da comuni
cação, que impedem uma
6. Falta ou disfunção de observa- expressão adequada a elaborar.
ção de constâncias (tamanho,
forma, quantidade, cor, orien- 6. Falta da necessidade de dedu- 6. Falta ou
deficienk necessidatação, ek. ) nas suas variações zir e estabelecer relações. de
para a precisão e a perfeinuma ou mais dimensões. ção na comunicação das
res postas elaboradas.
7. Falta ou deficiente necessi- 7. Falta da necessidade de exer- 7. Disfunção no
transporte visual.
. dade para a precisão e a per- cer comportamento sumativo.
fcição na adaptação de dados.
8. Falta ou disfunção da neces- 8Comportamento impulsivo
COMENTARIOS sidade de prosseguir a evi- desplanificado e assistemático
dência lbgica. (randomizado).

9. Falta ou disfunção do pensa- COMENTARIOS mento hipotótico ou inferen


cial.

111

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

TESTES

DISFIINÇÕES COGNITIVAS

NÍVEL DE INPUT NÍVEL DE COLABORAÇÃO NÍVEL DE OUTPUT


COMENTARIOS 11. Falta ou disfunção da plani- PERFZL
CoGNITIVo f icação de comportamento.

12. Falta ou disfunção da inte riorização.

13. Não-elaboração de certas


cat. egorias cognitivas porque PEI
os conceitos verbais não fa-
zem parte do inventário indi-
vidual ao nível receptivo, ou
porque não sâo mobilizados
ao nivel expressivo.

COMENTÁRIOS

Em geral, a criança, ou o jovem, com DA apresenta um QI dentro ou acima da


média; todavia, revela um aproveitamento escolar abaixo dela numas áreas, mas não
noutras, mas também, em termos específlcos, a DA pode ser identiflcada em crianças
ou jovens superdotados (QI > 120), que não raras vezes demonstram diflculdades
significativas na leitura (dislexia), na escrita (disortografia) e no cálculo (discalculia).

Disfunções no processo de informa ão

Quanto a nós, trata-se do problema central das DA, área deveras complexa e
extremamente difícil de avaliar. As DA sugerem um comprometimento no processo de
informação (input, integração, elaboração e output), subtil desordem psiconeurológica
que afecta a função cognitiva (Feuerstein 1%85, Fonseca 1987, 1990 e 1992).
Como o cérebro aprende é um dos grandes enigmas da ciência actual, pois não
sabemos precisamente como o faz - apenas se presume inferências e conhecimentos
clínicos de casos patológicos inerentes ao importante capítulo das incapacidades de
aprendizagem (ex. : agnosias, afasias, apraxias), sem o qual a compreensão das DA
pode ser concebida.

112

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANÁLlSE COMEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

Para aprender é necessário: perceber, compreender, analisar, armazenar,


chamar, elaborar e exprimir informação; concomitantemente, torna-se indispensável
avaliar e observar quais as áreas fortes e fracas do indivíduo nas seguintes funções de
processamento: atenção, percepção (visual, auditiva, tactiloquinestésica), memória
(cuno, médio e longo termo), planificação e Qsicomotricidade. Com uma avaliação
dinârnica destas funções, torna-se talvez mais compreensível o porquê das DA da
criança ou do jovem e, por essa via, provavelmente, mais facilmente poderão nascer
estratégias de intervenção mais adequadas aos seus estilos cognitivos de
aprendizagem. (Ver capítulos 5 e 10: Contribuição da Psiconeurologia para as DA e
Algumas Características das Crianças com Dificuldades de Aprendizagem ).

Factores de exclusão

Finalmente, para se concluir o paradigma e os subparadigmas da definição das


DA, exclui-se delas as deficiências sensoriais (visual e auditiva), as deficiências
mentais (educáveis, treináveis e dependentes), as deficiências motoras (espásticas,
atetósicas e atáxicas) e as desvantagens culturais (privações e diferenças
socioculturais, situações de pobreza e miséria, etc. ).
Em conclusão, para que a defmição total de DA seja efectiva, os quatro critérios
devem ser considerados, nenhum pode ser negligenciado.
As DA são indubitavelmente um dos problemas centrais da educação
contemporânea, não s6 pela sua complexa definição teórica, mas também pela
ificuldade da sua interpretação pelos vários agentes do sistema de ensino. A sua
sofisticada problemática eúológica e diagnóstica, a que não é estranha a avaliação das
suas desordens psiconeurológicas, normalmente ausente da ntina dos serviços de
orientação escolar, tem impedido a criação de respostas expeditas e eficazes para as
solucionar e superar.

Modelos teóricos das dif culdades de aprendizagem

Parece pois urgente a necessidade de clarificar o conceito teórico das DA, na


medida em que o seu aprofundamento pode dar origem a medidas e estratégias que
possam vir a servir, como bases mais seguras, para as suas avaliação e reabilitação. É
neste sentido que iremos apresentar de fonna sintética os seguintes modelos teóricos
das DA:

- Modelo funcional;
- Modelo evoluúvo;
- Modelo envolvimental;
- Modelo ecológico-clínico;
- Modelo educacionai e subtipos de DA.

li3

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

Modelo funcional

O modelo funcional considera as DA como resultantes de disfunções ou


desordens nas várias áreas de comportamento.

Cabem neste modelo as teorias dos défices perceptivomotores, que


reforçaram o papel das funções sensória e perceptivomotora no processo da
aprendizagem, quer não simbólica, quer simbólica.

A sua concepção principal baseia-se em métodos de reeducação


(remedial training methods) preconizados por autores como Frostig e Maslow 1973;
Ayres 1977 e 1982, Adam 1980, Kohen-Raz 1986, etc.

Têm cabimento ainda nestes modelos as teorias de défice verbal, tendo


como enfoque problemas do desenvolvimento da linguagem (ex. : Blank e Bridge 1966,
Vellutino 1979, Witelson 1977).
; Na mesma óptica integrativa cabem também as teorias neurofisiológicas, I
fundamentalmente relacionadas com anomalias dos processos neurofisiológicos
centrais de descodificação, associação, codificação, assimetria das funções
hemisféricas, com base em estudos neurológicos e comportamentais (Kawi e
Pasamanick 1958, Rabinovitch 1962, Gaddes 1968, Myklebust 1978 I' e 1980, etc. ).
I,

Í São igualmente considerados neste modelo as insuficiências perceptivasì na visão, na


audição, problemas de integração intersensorial", problemas de
atenção, problemas de retenção de curto termo, de organização
perceptiva, os proc ciação, etc. (De
' problemas n essos de asso nckla 1972 e 1985, Rugel 1974, Frank e Levinson 1976).

114

Figura 40 - Modelos teóricos das DA

DIFICULDADES DE APRENDIZ4GEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

Modelo evolutivo

Este modelo foca e explora um modelo evolutivo e longitudinal, com tmflexo para
os diferentes períodos etários, com referências às DA nas clasprimárias devidas a
disfunções perceptivas, psicomotoras e intersenso ais, e às DA dos pré- adolescentes
e adolescentes que so&em de aquisições linguísácas insuficientes e de problemas de
processamento da informação verbal (exs. : Satz, Radin e Ross 1971; Vellutino,
Stegger e Pruzek 1973; etc. ).
Tenta mostrar os resultados controversos das hipóteses do défice perceptivo,
uma vez que as amostras de crianças com idades superiores a nove anos (3. ano
de escolaridade) não permitem evocar problemas perecptivos nelas que, ao contrário,
tendem a emergir em idades mais baixas to é, nos l. " e 2. " anos de
escolaridade.
Alguns estudos reforçam o modelo evolutivo; todavia, os estudos longitudinais,
que mais provam a sua validade, são extremamente raros e a uentam metodologias
questionáveis.
Um dos estudos longitudinais mais prestigiados (Belmont e Belmont 1980)
mostrou três tipos fundamentais de dificuldades de aprendizagem:
I) Os que apresentavam um nível académico normal à entrada para a
escola, e que tenderam a deteriorar gradualmente os seus potenciais de
aprendizagem;
2) Os que apresentavam DA evidentes já no l. o ano e persitiram em
tais dificuldades durante a infância e a adolescência;
3) Os que apresentavam um progresso irregular e imprevisíveis
fIutuações entre os níveis médios e inframédios de aproveitamento escolar.

Modelo envolvimental

O modelo envolvimental aborda a tendência da política educacional camuflada,


face à identificação e ao encaminhamento dos jovens e crianças com DA.
A tendência vai no sentido de etiquetar acriticamente com DA as crianças
desfavorecidas, muitas vezes com etiquetas socialmente mais segregativas, como a
deficiência e/óu o atraso mental (education handicapped child), normalmente mais
frequentemente colocadas em classes especiais.
Em contrapartida, as crianças e os jovens que provêm de classes sociais médias
sofrem mais de outras etiquetas, como por exemplo: lesões cerebrais mínimas - LCM,
ou disfunções cerebrais mínimas, - MBD, de minimal brain disfunctions, habitualmente
designadas como tendo DA - sendo

115

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

contrário, mais colocadas em classes de apoio e estando por esse facto mais
frequentemente integradas.
O ciclo vicioso dos sistemas de ensino tende obviamente a recair mais
segregativa e penosamente, sobre as crianças e os jovens das classes desfavorecidas.
Os problemas ligeiros de aprendizagem: lenta maturação, lesão mínima do
cérebro, sinais de risco no parto, disfunções perceptivas, irregularidades na relação
mãe-fllho, condições objectivas de desenvolvimento, desnutrição, história clínica,
dispedagogia, etc. , etc. , que não são resolvidos e/ou tratados num meio
desfavorecido, podem redundar num potencial educacional pobre e vulnerável no
momento da entrada para a escola, sendo posteriormente agravado pela contínua
negligência do sis ema educacional e do sistema sociofamiliar, com um ensino
inadequado difi culdade de ensino - DE) que lança mão a métodos inadequados às
necessidades específicas das crianças e dos jovens, e tende a promover

baixas expectativas quer ao nível dos professores, quer ao dos responsá' veis
administrativos (orientadores, inspectores, directores de turma, coordenadores
pedagógicos, directores-gerais, etc. ).

Modelo ecológico-clinico
O modelo ecológico-clínico, recentemente proposto, decorre do
extraordinário estudo epidemiológico da ilha de Wight da autoria de Rutter e Yule 1973.
Nesse estudo riúnucioso foram detectados essencialmente dois tipos de I DA:

1) KAtraso específico de leitura (specific reading retardation); I 2) Atraso global de


leitura (general reading retardation);
Cujas diferenças fundamentais encontradas pelos autores eram:

a) Nível de leitura muito abaixo do que o QI e a idade cronológica


poderiam fazer supor;
b) Incidência no sexo, na base de 3-4 rapazes para 1 rapariga no
primeiro po com uma incidência idêntica no segundo grupo;

c) Mais problemas neurológicos no segundo grupo, assim


como maior predisposição genética;
d) Pior prognóstico para os casos do primeiro grupo que persistem
em manter o mesmo perfil durante a sua carreira escolar.

Por último, o modelo educacional com os respectivos subtipos de DA nos


ensinos primário e secundário.

116

DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM: ANÁLISE CONTEXTUAL E NOVOS


DESAFIOS

Modelo educacional

O último modelo é apresentado em termos pragmáticos, na medida em que


integra todos os modelos anteriores e procura classificar as DAn de acordo com um
critério simultaneamente administrativo e reabilitativo (I. erner 1981), o que nos leva a
oito subtipos de DA que se distribuem pelo cnsino primário (4) e pelo ensino secundário
(4).

Subtipos de DA no ensino primário

I) A criança das classes médias neurofisiologicamente e


organicamente lenta no desenvolvimento que não pode acompanhar um ensino
acelerado e intenso da leitura, da escrita e do cálculo. Em complemento, pode também
sofrer uma disfunção cerebral mínima bem como apresentar problemas de linguagem,
simultaneamente problemas motores e psicomotores (criança dispráxicaclumsy child).
2) A criança neurofisiologicamente normal das classes médias, mas
hipersensível psicologicamente, com traços desviantes, cujas funções cognitivas estão
bloqueadas por inibições e ansiedades emocionais.
3) A criança das classes desfavorecidas, normalmente inteligente,
mas culturalmente privada, que adquiriu um estilo cògnitivo exteriorizado com défices
simbólicos primários e secundários. Geralmente tende a apresentar um atraso da
linguagem.
4) A criança com privação cultural com défices psicomotores e
espaciais com provável envolvimento orgânico. Frequentemente é mal diagnosticada
como deficiente mental moderada ou treinável.

Subtipos de DA no ensino seeundário

5) O jovem das classes médias supercompensado com disfunção


cerebral mínima, que se adapta ao currículo por virtude da sua inteligência média-
superior, mas que encontra dificuldades quando lida com matérias de aprendizagem
mais sofisticadas ou complexas, que exigem grande qnantidade de leitura.
6) O pré-adolescente emocionalmente perturbado das classes médias
que superou o ensino primário à custa de uma leitura mecâniea, mas que apresenta
dificuldades para interpretar níveis de significação simbólica mais complexos devido a
problemas de desenvolvimento e a conflitos associados a aspectos linguísticos ou
emocionais.

117

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

7) O disléxico intratável" das classes médias ou inferiores,


cujos problemas básicos de leitura se mantêm independentemente de sofrer
orientações terapêuticas por meio de métodos de reeducação. Normalmente passa
pelas classes especiais destinadas a crianças com fraco aproveitamento escolar
(educationally handicapped).
8) O pré-adolescente das classes inferiores parcialmente ou
totalmente iletrado, já etiquetado como marginal, impropriamente colocado em classes
para deficientes mentais treináveis. Eventualmente delinquente, com integração
residencial, não foi identificado nem reeducado a tempo.

Esta sucinta apresentação de vários modelos coloca em jogo os principais


subtipos de DA, oferecendo uma taxonomia discutível, mas de grande interesse
organizativo, e possibilitando, de forma enquadrada, desenhar os principais
procedimentos de diagnóstico e de intervenção que permitam, no futuro, aperfeiçoar a
qualidade da resposta a uma das mais candentes e cruciais vulnerabilidades do
sistema de ensino.

118

caPfruto 3

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Aspectos gerais, condições associadas e problemas de definição

A criança portadora de DA não é uma criança portadora de deficiência. Dado


que se trata de um problema complexo, a dificuldade de uma definição satisfatória e a
falta de consenso residem particularmente na insuficiente identificação, na relativa
ineficácia do diagnóstico e na etiologia obscura, onde contluem, dialéctica e
interaccionalmente, múltiplos factores biossociais.
Até ao momento, a controvérsia existente no terreno não permite o domínio do
conjunto (cluster) de causas do défice específico de aprendizagem. Não só estamos
em presença do objecto de estudo mais difícil - a criança - mas tmbém nos
encontramos confrontados com um campo de estudo ainda con eptualmente pouco
definido.
A criança com DA possui, no plano educacional, um conjunto de condutas
significativamente desviantes em relação à população escolar em geral. Trata-se de
uma criança normal nuns aspectos, mas desviante e atípica nout ns, aspectos que, por
si só, exigem processos de aprendizagem que não se ncontram disponíveis, por agora,
no envolvimento da classe, regular, dita normal.
Mais de 100 comportamentos específicos foram já listados. No entanto, os 10
mais frequentes, segundo McCarthy 1974, são os seguintes:

1) Hiperactividade;
2) Problemas psicomotores;
3) Labilidade emocional;
4) Problemas gerais de orientação;
5) Desordens de atenção;
6) Impulsividade;
7) Desordens na memória e no raciocínio;
8) Dificuldades específicas de aprendizagem: dislexia, disgrafia,
disortografia e discalculia;

119

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGlSGICA

9) Problemas de audição e de fala;


10) Sinais neurológicos ligeiros e equívocos, e irregularidades no EEG

A incidência das DA varia consoante os autores e consoante os países,


evidentemente, de acordo com determinados parâmetros de definição e classificação
nem sempre concordantes, pois alguns diferem substancialmente.

Assim, no Canadá, a Comissão de Estudo de Crianças com DA e


dificuldades emocionais (CECDIC), citada por Gaddes 1976, chegou a um valor de
crianças com DA da ordem dos 10%-16% da população escolar canadense. Pringle,
Butter e Davie 1966, chegam, na Grã-Bretanha, a 14% de crianças com DA e
necessidades educacionais especiais. Em França, os números conhecidos são de
12%-14% (Gaddes 1976). Nos Estados Unidos - e com base na mesma fonte - os
números apontam para 10%-15%. Números alemães apontam para 7%, espanhóis
para 2% e fmlandeses para 4%.

Perante estes dados, surge-nos a pergunta:


Que se passará aqui? Não estará antes em causa a ambiguidade dos
sistemas de linguagem característicos de cada país?
Adelman 1975, nos Estados Unidos, concluiu um estudo eÚológico sobre
DA, tendo chegado aos seguintes números e categorias de deflnição:

i
- 0, 5% a 2% de crianças com DA com lesões mínimas do cérebro;

-2% a 7% de crianças com DA com problemas de processamento cognitivo da


informação visual e auditiva e problemas de integração auditivo-visual e vice-versa;
I -10% a 40% de crianças com DA por causas motivacionais: desinI teresse ne
ativismo, hiperactividade, dispedagogia, programas
,g

inadequados, avaliações subvalorativas, reforços negativos, atitudes


negligentes, etc.
A relatividade cultural da designação DA" e a relatividade
comportamental a ela adstrita dependem das múltiplas situações das crianças e dos
jovens, e igualmente, dos diferentes níveis de aspiração dos adultos que as envolvem.
Segundo Leach e Raybould 1977, 10% das crianças na escola normal
encontram-se desajustadas em terznos de comportamento social. Para Futter 1970,
6% a 7% devem ser observadas clinicamente pois apresentam desordens psiquiátricas.
O Underwood Committe 1955 chegou a uma incidência entre 5, 4% e 11, 8% de
crianças carecendo de apoio especial. Perante estes dados, chegamos à conclusão de
que, cinco a 10 crianças e jovens em cada 100 precisam de ajuda para além da classe
regular.

Noutro estudo, Morris 1966 surge com outras percentagens, tendo


chegado a 19% no 1 ó ano do ensino secundário e 26% de crianças sem problemas de
leitura, todavia com problemas de dedução e de desenvolvimento de conclusões,
apresentando, por outro lado, diflculdades no plano ortográflco.

120

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDILAGEM

Pringle 1966 obteve 10% de crianças com sete anos que ainda não tinham
riciado o processo de aprendizagem da leitura e 38% a necessitarem de apoio
suplementar. Juntado estas duas percentagens, ronda os 50% a popuieçâo escolar que
não conseguiu atingir aos sete anos a aquisição básica da endizagem simbólica.
As diferenças estabelecem-se de escola para escola e mesmo entre o meio rural
e o meio urbano. Ainda segundo o mesmo estudo, no meio rural, e difieuldades de
leitura cifram-se entre 0% e 25%, e as dificuldades da escrita entre 0% e 51 %. No
meio urbano, as percentagens variam entre 0% e 60%.
Com estes números, alguns dos quais assustadores (e supervalorizados),
podemos concluir que as escolas com 300 crianças tendem a apresentar 15 e 30
crianças com DA. Numa classe de 30, a priori, existirão sempre três crianças que
precisam de apoio extra-escolar. O problema é crítico, pois nestas populações poderão
estar futuros génios.
Numa escola de ensino secundário de 1500 crianças, os professores terão de se
preparar para dar respostas diferentes a cerca de 75 a 150 crianças, o que exige, por si
só, cinco professores especializados nas aquisições de lei ra, escrita, cálculo e
cognição. Não podemos esquecer que estas percentagens envolvem critérios
selectivos relativizados, muitas vezes, sob o ponto de vista científico, até demasiado
tolerantes. Muitos dos valores estão dependentes do grau de exigência imposto pelas
autoridades, não raras vezes sem eonhecimento da problemática.
Estudos longitudinais (follow-up) identificaram crianças com problemas colares
aos nove anos que se mantiveram até ao im do ensino secundário (Moms 1966). Outro
autor, Clark 1970, identificou crianças aos sete anos que mantiveram os mesmos
problemas até aos 10 anos.
Estes estudos colocam a urgência da identificação precoce e de programas de
intervenção compensatórios e sistematizados, modificando, pelo menos para as
crianças com DA; o ensino, que cada vez mais se deve centrar na criança e no jovem e
não nos métodos, por mais modernos que sejam.
Os professores terão de aceitar que não há métodos bons e métodos maus. Há
sim métodos que servem para umas crianças e não para outras. Não é porque uma
criança não aprende por um método que se tem de concluir que ela não aprenderá.
Não podemos aceitar a imposição do método, pois podemos facilmente cair em
profecias que defendem qué o método é de Deus ou da Ciência, e que a criança é de
Satanás".
A escola recebe cada vez mais crianças com perfis de imaturidade e
desnfaturidade, e tal é válido quer para o ensino primário, quer para o ensino
seeundário.
Só uma pequena percentagem de crianças não tem problemas de
aprendizagem. A escola e os professores têm de se preparar para esta nova rea

121

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

lidade, talvez com o apoio de psicólogos escolares e professores especializados,


não esquecendo a importância de programas planificados e hierarquizados à luz da
investigação pedagógica.
Para Portugal, a estimativa de 10%-16% envolve mais de 100 000 a 160
000 crianças, o que pode ser consideravelmente aumentado quando nos comparamos
com países como o Canadá, a França, os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha. Não
exageraremos se afirmarmos que a percentagem pode rondar os 20% de crianças com
DA, crianças que obviamente necessitam de ser atendidas, para além do que hoje se
proporciona nas salas de aula das escolas primárias e secundárias portuguesas.
Estaremos aptos a dar resposta a esta necessidade? Quantos professores
habilitados temos? Estará a sua formação científica em condições de dar respostas
especiais a necessidades especiais? Que estruturas, envolvimentos, ateliers, settings
temos na periferia ou dentro das nossas escolas para atender às crianças com DA?
Estará o país em condições de perder todo este potencial humano? Tomaram as
autoridades já conta da complexidade deste problema? Estas são algumas reflexões
que aqui deixamos de passagem.
Nos Estados Unidos, o problema da definição das crianças com DA com
preende a selecção de crianÇas que lêem material (textos) 1, Il2-2 classes (grades)
abaixo do nivel esperado, isto é, abaixo do nível escolan, frequentado pela criança.
Esta definição, proposta por vários autores (Eisenberg 1966, Newbrough e Kelley 1962,
Walzer e Richmond 1973), corre o perigo de produzir vários estereótipos e inúmeras
expectativas inconsistentes. Estas clivagens, denominadas como leitores severamente
retardados (severely retarded readers) desencadearam naquele país processos
selectivos e discriminativos que, sob o ponto de vista educacional, nos parecem
deslocados. Ì Em aditamento, os processos requintaram-se com incongruências psico
métricas, em que se pode verificar contrastes imprevisíveis ilustrados atraI vés de
casos com QIs de 40 que podem ler, enquanto outros casos com QIs de 130 não
podem (Oaris e Haywood 1973).
Na busca de um critério mais científico, por vezes nem sempre mais pedagógico
e humanista, as universidades americanas estimularam a criação de testes de leitura.
Foi a fase do aparecimento do Wide Range Achievement Test (WRAT e Jastak e
Jastak 1965), do Canadian Test of Basic Skills I (CTBS de Nelson 1968), do Gates
Basic Reading Test e do Gatesà, McKillop Reading Diagnostic Test e tantos outros.
Com estes testes foram definidos parâmetros e percentis para todos os graus de
ensino, parâmetros t esses que continuaram a ser pouco satisfatórios para a resolução
do pro blema.
Um dos modelos de maior consenso nos Estados Unidos foi desenvoli vido por
Myklebust com a criação do seu quociente de aprendizagem (QA),
I

que inclui o conceito de idade esperada (expectancy age), que mais não é do
que a média entre a idade mental (obtida pelo WISC - Wechsker

122

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Intelligence Scale for Children), a idade cronológica e a idade do grau escolar


frequentado pela criança, como vimos atrás. Obtidas essa idade esperada e a idade de
leitura por testes normalizados, atinge-se então o QA. De acordo com a investigação
de Myklebust e de Boshes 1969, o critério de selecção das DA concentrou-se no QA de
90, o que deu lugar a uma bateria de identificação (screening battery) com a qual a
incidência de crianças com DA foi perspectivada entre 10% e 15%, apresentando estas
mais distúrbios neurológicos (soft signs) do que a população de controlo.
O Estudo da Ilha de Wight (Isle of Wight Study), elaborado por Rutter, Tizard e
Whitemore 1970, é provavelmente o estudo epidemiológico mais notável sobre
crianças portadoras de deficiência. Neste estudo, que integrou 2300 crianças dos nove
aos 12 anos, estudadas exaustivamente em exames e testes neurológicos, médicos,
educacionais, psicológicos e psiquiátricos, levou-se em linha de conta todo o tipo de
crianças, quer deficientes, quer não deficientes, tendo-se definido um critério de
selecção de crianças com DA na base do quociente intelectual superior ou igual a 70,
que objectivou Karbitrariamente>> no estudo a categoria de atraso intelectual>>
(intellectual netardation). O estudo inglês, ao contrário do estudo americano, que consi'
dera a categoria de DA só com QI ? a 90, inclui crianças deficientes men; t is e
educacionais, o que não permite comparações rigorosas, visto que os aonceitos de
atraso educacional ou escolar não são sinónimos dos das DA m ambos os estudos.
Para Rutter e colaboradores, a avaliação da competência escolar foi basea' da em
aquisições da leitura (reading skills) medidas pelo modelo de ` Neale 1958 (Neale
Analysis ofReading Ability). Todas as crianças que apresentassem cotações até 28
meses abaixo do seu nível escolar foram classi cadas como de leitura retardadaH
(reading backwardness). Aquelas cujas ootações fossem inferiores a 28 meses, na
base da idade cronológica e do QI obtido pela WISC, foram classificadas como
possuindo Katraso de leitura>> (reading retardation).
Independentemente de o estudo de Myklebust e Boshes 1969 ser, antes do
mais, uma técnica válida de identificação de crianças normais com problemas
escolares e de o estudo de Rutter e colaboradores ser fundamentalmente um modelo
epidemiológico de saúde e de educação, os valores de incidência encontrados em
ambos os estudos são mais ou menos similares.
Rutter concluiu no seu estudo que entre os nove e os 12 anos, 7, 9% da
população era deficiente mental e escolarmente atrasada, enquanto 16, I % eram
multideficientes (mentalmente, educacionalmente, psiquiatricamente, medicamente,
etc. ). Myklebust chegou a 7, 5% de crianças das 3. a e 4. a classes (grades) com
problemas neurológicos e a 7, 4% de crianças com insucesso, ou seja, na soma dos
dois tipos, 15% sensivelmente.
Em conclusão: a incidência das crianças com DA em qualquer sistema
educacional, inclusive o português, e de acordo com aqueles dois brilhantes estudos,
anda à volta de 15%.

123

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Destes estudos somos levados a concluir que a definição da criança com DA é


ainda pouco clara, porém imprescindível para finalidades egidemiológicas e para definir
meios objectivos de identificação.
A criança com DA não é uma criança deficiente, vê e ouve bem, comunica e não
possui uma inferioridade mental global. Acusa problemas de comportamento,
discrepâncias na linguagem e na psicomotricidade aprende a um ritmo lento e pouco
pode beneficiar dos apoios escolares regulares, nâo atingindo muitas vezes as
exigências e os objectivos educacionais minimos.
A criança com DA não pode ser classificada como portadora de deficiência.
Trata-se de uma criança normal que aprende de uma forma diferente, apresenta uma
discrepância entre o potencial actual e o potencial esperado. Não pertence a nenhuma
categoria de deficiência, não se tratando sequer de uma deficiência mental, pois possui
um potencial normal que não é realizado e é de baixo rendimento em termos de
aproveitamento escolar.
O risco está em não identificar estes casos, não se proporcionando no momento
certo e útil as intervenções pedagógicas preventivas nos períodos de maturação mais
plásticos.
Se não se identifica estes casos, a escola, com o seu critério selectivo e de
rendimento, pode influenciar e reforçar a inadaptação, culminando muitas vezes mais
tarde na delinquência ou em sociopatias múltiplas.
A criança deficiente mental educável (QI ? 55-75) e a criança com DA (QI ? 80-
90) podem ter os mesmos problemas de aprendizagem, só que os potenciais em causa
são nitidamente diferentes. Em termos educacionais, as fronteiras destes casos são
difíceis e complexas, muitas vezes fictícias; o que interessa é garantir a cada criança a
maximização do seu nível funcional de aprendizagem.
A criança com DA não pode, por definição, ter qualQuer deficiência (visual,
auditiva, mental, motora, emocional, etc. ). A criança com DA tem uma inteligência
normal, uma adequada acuidade sensorial e um comportamento motor e
socioemocional adequado.
De facto, a criança com DA distingue-se da criança deficiente e da eriança
normal. Possui sinais difusos de ordem neurológica, provocados por factores obscuros,
ainda hoje paueo claros, mas que podem incluir índices psicofisiológicos, variações
genéticas, irregularidades bioquímicas, lesões cerebrais mínimas, alergias, doenças,
etc. , que interferem no desenvolvimento e na maturação do sistema nervoso central
(SNC). Se acrescentarmos a estes dados aspectos emocionais, afectivos, pedagógicos
e sociais inadequados, é óbvio que o quadro se torna mais complexo.
Por necessidade de precisão de identificação; osfactores de privação cultural ou
outros associados aos aspectos socioeconómicos não devem entrar em linha de conta.
Para identificar crianças com DA devemos eliminar os factores socioeconómicos e
exógenos, porque aqui a natureza do problema é outra, na medida em que as DA
seriam uma consequência e não uma eausa. Trata-se de uma dificuldade manifestada
na aprendizagem simbólica, indepen

124

ETIOLOGIA E EPIDEMIOI, llGlA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

dentemente de uma adequada inteligência, de um adequado desenvolvimento (boa


nutrição, bom envolvimento maternal e familiar, etc. ) e de um adequado naétodo de
ensino (professora competente e com provas dadas).
As DA, neste âmbito, dependem de funções cognitivas, na maioria dos casos de
origem orgânica, que directamente afectam o cérebro, verdadeiro órgão da
aprendizagem. Por outro lado, se este problema não fosse considerado, poder-se-ia
argumentar que as DA deixariam de surgir em sociedades sem discrepâncias
socioeconómicas, o que não é verdade, na medida em que as DA se encontram
distribuídas por todos os estratos sociais, embora seja claro e implícito que o maior
número de DA recai em crianças oriundas de meios desfavorecidos.
Infelizmente, a escola legitima as diferenças socioeconómicas, pois em vez de
compensar as DA subsequentes das crianças desfavorecidas, tende a agravá-las,
sujeitando-as a exigências para as quais não Ihes foram proporcionadas oportunidades
concomitantes. Efectivamente, não podemos ignorar que as crianças desfavorecidas
são mais vezes colocadas em classes especiais, enquanto crianças das classes
médias, e favorecidas, exibindo a mesma conduta e o mesmo perfil de aprendizagem,
são colocadas em classes de apoio ou em colégios particulares.
A identificação de crianças com DA deve ueliminar por exclusão, as çrianças
que têm os comportamentos típicos das DA devido a factores rlacionados com a classe
social. O factor a respeitar nas DA é de ordem intrinseca do cérebro da criança
(McCarthy e McCharty 1974); com base aeste critério, podemos então considerar dois
tipos de DA: as primárias e as secundárias, objecto de estudo do Capítulo 5.
Em conclusão, só podemos identificar uma criança com DA quando não
interferem os factores socioeconómicos. A tónica e o enfoque estão nos factorda
disfunção psiconeurológica do processamento da informação, e não nos factores
socioeconómicos, por consequência de situações de privação ou de desajustamento
biossocial.
O problema, porém, não é tão fácil, dado que apenas lidamos com indicações de
comportamento inerentes a disfunções cerebrais, e não com provas, positivas e
inequívocas, de lesões cerebrais. Daí a razão da controvérsia e da confusão
conceptual.
Teremos de distinguir a criança com DA da criança que experimenta problemas
de aprendizagem por razões de desvantagem cultural, de inadequada aprendizagem,
de envolvimento socioeconómico pobre, de inadequada integração pedagógica, ou de
deficiências específicas, diagnosticadas, óbvia e cientiflcamente.
Vários cientistas são unânimes em considerar que existem múltiplas causas das
DA, mas já não estão de acordo quanto às causas que são primárias e às que são
subsequentes.
Na Rússia, as DA são consideradas desordens psiquiátricas e tratadas como
ependentes de causas médicas (Frostig e Maslow 1973). Nos Estados Unidos,

125

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

os psiquiatras argumentam que as DA são devidas a explorações psicodinâmicas,


reforçando o papel exclusivo" das relações pessoais.
Os neurologistas procuram explicações nas funções cerebrais. Os sociólogos ou
psicólogos sociais defendem acérrima e destemidamente as circunstâncias
socioeconómicas e a estratificação de classes como causadoras de desajustamentos
que estão na origem das DA.
Muitas concepções são apresentadas neste âmbito, por vezes até com fervor
sectário, impedindo frequentemente a evolução dos conceitos e o apoio a
investigações multidisciplinares.
A confusão ideológica dificulta a definição das DA, dando origem à popularidade
das justificações sociais ou psiquiátácas tradicionais das DA, que poderão redundar em
simplismos perigosos, em ilusões de progresso, em insuficiências e ineficácias dos
serviços educativos, em explicações encanta tórias, em compensações afectivas
piedosas, etc.
O perigo de uma visão dogmática que vê unicamente um modelo de explicação
exclusiva das DA, na base de problemas socioeconómicos, é tão grande como o dos
modelos exclusivamente organicistas ou disfuncionais.

A urgência de processos dialécticos que ponham em jogo uma perspectiva


científicopedagógica e interaccionista (criança-pmfessor-programa ou cumculo-escola)
do modelo isósceles ao equilátero, surge como necessária à investigação neste sector,
a fim de que o aproveitamento das conclusões se faça pelos seus méritos científlcos, e
não pelos seus interesses ideológicos ou doutcinários.
As causas orgânicas das DA são múltiplas e diversas. O mesmo se pode dizer
das causas sociais e económicas. A integração biossocial é indispensável como
modelo para abordar o problema das DA. Modelos excessivamente nativistas, ou
excessivamente empiristas, não se coadunam com a dimensão dialéctica e complexa
da problemática das DA.
Não é só a criança desfavorecida que vive em habitações pobres e carenciadas
que sente problemas na aula. A criança das classes médias acusa outra ordem de
problemas e de pressões que se reflectem em DA. A criança das classes
desfavorecidas também não escapa a este problema tão candente do ensino actual. A
excepção à regra inverteu-se.
Cada vez 6 mais raro encontrar crianças com DA e, provavelmente, não é só
nelas que está a solução do problema. Qualquer criança, de qualquer classe social ou
de qualquer nivel económico se pode sentir confusa, ameaçada e insegura pelas
exigências escolares. Muitas tragódias e muitos conflitos familiares resultam, como se
sabe, das DA da criança.
Nesta linha de abordagem interessará avançar com alguns factos sobre as DA,
na medida em que nos podem ajudar a encarar outras ópticas do problemas. Por
exemplo:

a) Sabe-se hoje que os problemas das DA tendem a ver


reduzida a sua importância a partir dos 14 anos, evoluindo para outro tipo de
disfunções cognitivas na pós-adolescência;

126

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

b) Sabe-se, também, que a incidência é maior nos rapazes do que


nas raparigas;
c) Reconhece-se que a escola parece não se adaptar à sua função
cultural e tende a institucionalizar-se como agência de selecção e de exclusão;
d) Constata-se que o aumento das DA parece estar dependente da
redução da taxa de mortalidade infantil;
e) Verifica-se que as avaliações escolares e as normas de eficácia e
rendimento oprimem as crianças, vulnerabilizando o seu potencial de aprendizagem;
, f) Ignora-se que a incidência do atraso mental é inferior durante o
período pré-primário, para aumentar depois no primário;
g) Confirma-se que a escola parece ser mais responsável pela
deficiência mental e pela inadaptação do que a própria sociedade no seu todo;
h) Conclui-se que a prevenção mais crucial recai nos envolvimentos
pré, peri e neonatais desfavorecidos, e não tanto na escola; etc.

Em resumo, antes de alterar a situação das DA, há que atender prioritariamente


às modificações dos factores patogénicos do envolvimento que afectam a
aprendizagem da criança.
Schulman e Leviton 1978 apresentam uma inter-relação complexa de factores
causais das DA, nomeadamente:

- Problemas de classes socioeconomicamente desfavorecidas;


- Oportunidades educacionais inadequadas;
- Cuidados pré, peri e pós-natais subóptimos;
- Malnutrição;
- Infecções;
- Etc.

Destes dados podemos facilmente compreender que se torna difícil determinar a


natureza precisa das causas endógenas das DA. Envolvimentos familiares pobres,
relações criança-adulto distorcidas, expectativas negativas, erros pedagógicos
(dispedagogia), situações de aprendizagem segregativa, etc. , podem também produzir
DA.
Do outro lado, e na base do diagnóstico diferencial, surgem perturbações
perceptivas subtis, disfunções neuropsicológicas inóbvias, problemas do
processamento e da transformação da informação, que por sua vez também podem
gerar DA.
Na nossa perspectiva, já não podemos separar a etiologia biológica da social,
visto sulisistirem relações recíprocas de implicação, como provam vários estudos de
induÇão sociobiológica e biossocial(Amante e colaboradon1970).
Nâo é estranho que éste problema das DA encerre uma certa relatividade
eultural e uma certa política de educação, de saúde e de bem-estar.

127

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

12
Variável Variável
sociocultural neurobiológica
(classes soci is, (indução ao nível
valores, atitudes, da disfunção cerebral,
! expectativas, da privação de estímulos
experiências, etc. ) e da malnutáção, etc. )
i

I
,
i
6 3
Varikvel Variável
sociopsicológica psicológica
socializaÇão, problemas
desenvolvimento psicomotores
dos valores, das aútudes, e cognitivos do
dos comportamentos desenvolvimento, etc.
i

i i
i
5 4
Variável Varikvel
ocupacional pedagógica
ou educacional
redução do estatuto
socioeconómico, dislexias
baixo salário, e insucessos
selecção material, etc. escolares, etc.
i

L J

Figura 41- Modelo de indução sociobiológica, de Antante

O combate à privação sociocultural, à pobreza e à iséria, que está base


de muitas DA, não se faz unicamente por rnedidas puramente edu cionais.

128

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDI AGEM

Por essa razão, a solução para as DA não se opera só na escola ou na políúca


de educação; o problema estende-se naturalmente a outros campos do énvolvimento
que tentaremos esquematizar, com a ajuda de Hallahan e Cruickshank I973, nos
seguintes modelos teóricos:

1) Modelo de malnutriÇão - O desenvolvimento normal exige


condições económicas mínimas para a obtenção de alimentos com um mínimo de
calorias e proteínas, e para o pagamento de serviços médico=sociais, pois estão em
jogo os processos de imaturação das estruturas neurofisiológicas do desenvolvimento
cognitivo. Dois modelos são conhecidos (I. Cravioto e colab. ; II. Scrimshan e Gordon):

Condições sociais condutoras à malnutrição

Malnutrição
Atraso mental Ahaso na estatura ffsica

Condições sociais

Matnutrição

Atraso mental Atraso na estatura física

Figura 42 - Indicações das condições sociais e da malnutrição

2) Modelo de estimula ão benéfica - A privação de estímulos


(informação) no seio familiar inipede a aproximação de aptidões multissensoriais,
psicomotoras e psicolinguísticas necessárias às aprendizagens escolares. A privação
de estímulos, de objectos, de afectos, de oportunidades tem como se sabe um grande
impacte no comportamento da criança e no seu desenvolvimento harmonioso.
3) Modelo de reforço - Sem condições apropriadas de encorajamento,
segurança, confiança e reforço, a criança não desenvolve comporta

129
/NSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGlCA

mentos desejáveis nem iniciativas e diligências indispensáveis à sua


maturação. A permanência de reforços negativos ou neutros tem influências
determinantes no desenvolvimento da criança. 4) Modelo subcultural - O papel dos
padrões de linguagem está imp cito na ideologia dominante que é reproduzida pelos
métodos e textos de aprendizagem. A ausência da complexidade nos processos
semâni
ácossintáxicos reflecte-se, por este facto, no aproveitamento escolar. I 5) Modelo
social - A escola visa um cri rio de homogeneidade cultural que não é compativel com
um sistema social tão diferenciado e hierarquizado. Os mecanismos compeátivos
alimentados pela escola ' _ segregam, à partida, uma grande fatia, de crianças,
procurando I seleccioná-las para outros segmentos menos qualificados do mer I
Í
cado de tcabalho. Êxito na escola significa êxito na sociedade, prestíÍ gio, poder,
competência, etc. , que em si implicam novas situaçôes geradoras de operações
cognitivas a que uns não têm acesso.
Através destes modelos facilmente nos confrontamos com a multidão de
componentes que estão em jogo na etiologia das DA, muitas delas decor rentes de
complexas privações socioculturais e de mWtiplos índices e factores sanitários, bem
como de hábitos alimentares e culturais específicos.

A privaçâo psicossocial parece influenciar, em termos de causa- efeito, o


desenvolvimento e a aprendizagem nas crianças. Tal privação interfere nas variáveis
psicofisiológicas, impedindo que a programação genética se desencadeie e afectando,
consequentemente, a maturidade socioemocional, o desenvolvimento cognitivo e a
optimização do potencial de aprendizagem.

Gruenberg 1978, no sen estudo etiológico em que procurou estudar as


causas da DA, chegou às seguintes percentagens:

- 1% das crianças apresentavam pertu 'baçneurológicas (paralisia


cerebral, epilepsia, etc. );

-15% das crianças apresentavam problemas funcionais (atraso escolar,


privação cultural, etc. );
- 5% das crianças apresentavam problemas de origem orgânica
(disfunção ou lesão cerebral naínima, etc. ).

O mesmo autor constatou que tais crianças vinham mais de familias


pobres, as quais, por sua vez, poderiam ser subdivididas em:

- Famllias eugénicas (The Eugenical) - cujas condições


salariais são mfnimas para satisfazer as despesas de sobrevivência ( chapa ganha,
chapa gasta );
- Fam6lias euténicas (The Euthenical) - cujas condições de
vida são indesejáveis, a justiflcar a aflrmação de que, com melhor envolvimento, o
número de casos com DA diminuiria.
130

ETIOLOGIA E EPIDEMlOLOGl A DAS DIFICULDADES DE APRENDl7AGEM

11 1
Funções Funçóes Funções
genéúcas H de H de
desenvolvimento sociabilização

Factores Factores
Factores H ne H culturais
cerebrais psicológicos e
envolvimentais

Forças H Forças H Forças


biológicas psicológicas sociais

Integração e Identificação Relaçóes


inter-relações H pensamento H interpessoais
sensoriais Cognição

Atenção H Análise H Gestos


Discriminação Síntese Acções
Selecção Memória Palavras
Input de informação Simbolieação Sinais
Estímulos internos Concentração Expressões
Processamento Planificação Produções
de informação de sespostas Comunicações
T

Figura 43 - Interacção dinâtnica dos factores de desenvolvimento humano

131

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Estamos, de facto, perante uma espécie de darwinismo social" que é


frequentemente defendida pela ideologia dominante: os pobres são pobres porque sâo
pobresH biológica e hereditariamente.
Autores há, como Jensen e outros, que defendem mesmo factores gené ticos no
QI e no aproveitamento escolar, meramente explicados em termos sociais dominantes.
É bom não esQuecer que o QI não mede direetamente a capacidade intelectual
geneticamente determinada, mas sim avalia as performances intelectuais definidas
por uma cultura particular.

Os factores do desenvolvimento humano não são flxos nem imutáveis, pois há


neles uma multiplicidade de interacções dinâmicas, como tentámos equacionar (Figura
42).
O estudo dos factores etiológicos e epidemiológicos das DA é complexo. Não o
podemos, nem queremos, esgotar; apenas desejamos aflorar alguns enfoques mais
significativos.

, Prob)emas perceptivos Pmblemas cogniGvos


. Problemas psieomotoccs Probkmas emocionais
. Pmblemas neurológicos Condições sociais AspectosCondições
nuVicionais
soctolbgicos Condições de desenvolvimento Aspectos
psicológicos P ivação eultural

Sociais

Biológicos etiológios NuVicionais

Emocionais

(EEG)
Neumlogistas
Médicas
PsiquiaVas
Pmblemas psicomEVicos Teorias PediaVas
e educacionais Sociais
Linguísúcas
Familiares Psicológicas
Emocionais
CritErios de Apoio ( ) Pedagógicas
selecção QI In%n % Neurol
i( ) escolar

Figura 44 - O universo interdisciplinar das DA

132

EI7OLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM

F ctores etiot6gicos das difculdades de aprendizegem

Muito se tem escrito acerca da interacção entre a heredi:ariedade e o meio. O


pêndulo tende a oscilar consoante os enfoques unidimensionais; porém, o problema da
etiologia das DA s6 pode ser tratado quando se aprofunda os estudos sociais, com o
auxilio dos estudos dos factores patogénicos do envolvimento. De um estudo
intradisciplinar a um estudo interdisciplinar integrado.
Pas manick e Knobloc 1964 escreveram vários artigos sobre a ucalamidade
reprodutiva ligando os factores pré- natais, os cuidados de saúde e a nutrição da mãe
às condições de desenvolvimento neurológico do feto e do necém-nascido.
Também Richardson 1966 sublinhou a importância dos factores sociais e
envolvimentais, que implicam: atrasos de desenvolvimento; mortalidade infanúl;
morbilidade e condições defectológicas.
Ouan autor, Cravioto I966, refere-se à im portância fundamental da nutrição oas
primeiras fases do desenvolvimento psicológicfl da criança. A malnutrição tem efeitos
desastrosos na maturação do tecido nervoso, como provaram as suas investigações
quanto à organização intra e ìntersensorial.
Em termos ecológicos, dá-se um efeito circular enve a rnalnutrição e o
enipobrecimento social que claramente inter- relaciona os factores sociais. Há entre
eles uma unidade indissociável, de tal modo que só por cessidade didáctica se devem
separar, na medida em que só a inter-relação conúgua e consecutiva entre múltiplas
causas encadeadas hierarquica ente pode vir a clarificar a eúologia das DA. Eúologia
que resulta num défice integrado e Kcumulativo", como podemos ver, por exemplo, no
lo proposto por Bannatyne 1971 (Figura 45).
A classificação das causas pode ainda ser hierarquizada. O mesmo autor senta,
neste senúdo, o quadro da Figura 45.
Para uma visão global e diferenciada, Bannatyne 1971 apresenta as principais
características da criança com DA (ou da criança disléxica), chamando a atenção para
o facto de que nem todas as características necessitam de estar pt sentes para a
idenúficação do problema:

1) Problemas de discriminação auditiva de vogais; 2) Inadequada sequência


fonema-grafema;
3) Fraca associação auditiva e pobre completamento auditivo; 4) Problemas de
linguagem falada;
5) Problemas de maturação nas funções da linguagem; 6) Alguma eficiência
visuoespacial;
7) Problemas de lateralidade;
8) Inversão de imagens e de letras;
9) Inconstância configuracional e direccional;

133

Causas finais Padrões morais. Autorrespeito. Identificação. Confonxúdade (qualquer


destas causas pode ter uma influên-
cia nas características abaixo referidas) C
Características das DA Factores emocionais: Reacção, ansiedade falta de motivação,
distractibilidade, etc. M
Factores visuoespaciais: Constância da forma análise selectiva, memória,
reversibilidade espacial, etc.
Factores auditivos: Memória, tolerância de ruídos, completamento, discriminação, etc.
Factores motores: Equilfbrio, fala, mãos e dedos, olhos, hiperactividade, lentidão, etc.

Factores conceptuais: Generalização, indução, dedução, relaúvidade, etc.

Causas formais Padrões de maturação: Herdados Factores fisiológicos: saúde, nu-


Envolvimento: ffsico:
(Padrões, Programas) ou adquiridos trição sono, exercício, etc. Oportunidades
suburbanas,
Casa: Relações familiares e orga- Escola: educação, psofessores, urbanas e
rurais. M
nizações comunitárias qualidade de ensino, etc. Amigos: clubes, interesses, etc.

Causas materiais Hormonas: Determinantes Disfilnção neurológica Distúrbios


motivacionais Pobreza da linguagem b
(situação total do crescimento e fisiológica b
organismo) e emocionais (podem e desconhecimento
do ficar rejlectidos nas
(body-mind) n
causas finais) O,
ag Genes dos pais Acontecimentos peri- Doenças Acidentes (lesões
cerenatais brais)

(A interinfluência das eausas pode operar no sentido de baixo para cima>> ou


vice-versa)

Figura 45 - Factores etiológicos das DA, segundo Bannatyne

nnM ~, a.
nb n m G 3 p' É o. Q I

ETlOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM

10) Dificuldades em associar factores verbais e conceitos direccionais; 11)


Dificuldades no ditado (integração auditivovisual tactiloquinestésica
motora);
12) Fraco autoconceito.

Conscientes da interacção mútua entre a etiologia hereditária e neurobiológica e


a etiologia sociocultural das DA, vamos em seguida abordar cada uma delas, tentando
não perder de vista a unidade recíproca e a indução crueda e integrada que as
caracteriza.

Factores bioló cos

Vários conceitos etiológicos de organicidade podem ser perspectivados e dentro


deles podemos, por agora, destacar sumariamente: factores genéticos; factores pré,
peri e pós-natais e factores neurobiológicos e neuropsicológicos.
Antes, porém, de abordar com mais detalhe cada um destes factores,
apresentamos uma simples listagem, na medida em que a finalidade do presente livro
se situa num plano introdutório dos factores bioetiológicos mais focados em alguns
trabalhos de investigação (Bannatyne 1971, Benson e Geschwind 1969, Benton 1962,
Boder 1971, Chalfant e Scheffelin 1969, Cruickshank 1966).

Listagem de alguns factores bioetiológicos:

Envolvimentos intrauterinos desfavoráveis (embriopatias, fetopatias,


placentopatias, etc. ); Variações genéticas;
Anoxia (hipoxia); Desvios orgânicos;
Malformações congénitas (glaucomas, etc. );
Irregularidade bioquimica;
Incompatibilidade Rh;
Lesões cerebrais (mínimas ou severas);
Doenças infecciosas;
Hemorragias cerebrais;
Disfunção cerebral (motora, mental, sensorial ou convulsiva); Prematuridade;
Desordens do desenvolvimento;
Intoxicação;
Desordens do processo de informação visual, auditiva e
tactiloquinestésica; _
Anemias;
Traumatismos e acidentes;

135

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Universo de
estudó

Grupos prineipeis

sub 'upos

flesordens da motricidade; Desordens da lingtzagem; Desordens perceptivas;

i36

Figura 46 - Classificação das causas da D A, de Bannatyne

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRE'NDl7. clGF. á

Todos estes factores podem, de certa forma, ser resumidos no esquema

DISFUNÇÃO CEREBRAL

meio

ol gico 3 Aspecto social eio educacional)

org%nismo
CsMmOI m Cd Hti7 Çg0

Dificuldade de aprendizagem
" Figura 4 - Interacção etiológica da disfunção cerebral e das DA I

A partir deste simples esquema etiológico podemos sugerir que as DA m resultar


de três processos:

1) Disfunção cerebral herdada, congénita ou adquirida; 2) Interacção


hereditariedade-meio; 3) Disfunção social ou educacionai.

f genéticos

fls factores genéticos, por vezes negligenciados em muitos trabalhos e los, por
outros exageradamente considerados, permitem notar, todavia, algumas DA (dislexia)
são de natureza familiar. O método que lhes está

" líoito permite a descoberta de factores que governam distribuições, bem saber
se esses factores são devidos directa ou indirectamente aos efei as dos genes (Finucci
1979).
Enquanto o meio pode actuar como faciiitador do desenvolvimento, não
podemos esquecer que o potencial de aprendizagem também é parcialmente
. Com o mesmo envolvimento favorável, sabe-se que os talenbosse diferenciam
e que essa diferenciaçãò pertence a factores gené cos muito complexos, embora não
expliquem tudo.
Os primeiros estudos eáológicos são devidos a Morgan 1869, a Kerr 1'897, e a
Stephenson l904, médicos ingleses que se interessaram pelos primeiros casos de
cegueira das palavras (word-blindness).

i37

INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Thomas 1905, outro médico, é o primeiro a lançar uma estimativa: uma


em cada 2000 crianças londrinas escolarizáveis pode manifestar cegueira das
palavras", sendo também este autor o primeiro a apresentar casos de natureza familiar.
A cegueira das palavras" assume frequentemente um certo tipo familiar, ou seja,
parece subsistir nela um carácter familiar.

Hinshelwood 1907 apresenta um estudo com quatro filhos afectados


numa fami7ia de 11 descendentes e Stephensen 1907, por sua vez, surge com um
estudo de seis membros afectados num grupo familiar de três gerações. Este autor
chega mesmo a propor um processo recessivo de transmissão hereditária da dislexia,
independentemente de se saber hoje que tal informação é incorrecta (Finucci 1978).
Estes dados parecem sugerir que várias histórias familiares de dislexia
demonstram presença de factores genéticos responsáveis por padrões neurológicos
herdados, implicados provavelmente no desenvolvimento de competências linguísticas
(discriminação, sequencialização, associação auditiva, etc. ), competências
psicomotoras (lateralização, visuoespacialidade, dominância hemisférica, integração
intersensorial, etc. ) e competências cognitivas (integração, significação, generalização,
etc. ), necessárias ao processo de aprendizagem da leitura.
Hinshelwood, em 1917, sugeriu o conceito de cegueira congénita das
palavras" considerado por ele um defeito evolutivo, centrado na região do girus angular
esquerdo.
Mesmo que se pense que os estudos genéticos da dislexia ou das DA
têm pouco interesse para a sua reeducação, o contributo da genética é indispensável
para a clarificação da sua causa. O controlo da causa, não o podemos esquecer, é a
chave do êxito para abordar a identificação precoce, o diagnóstico e o tratamento.
De certo modo, a etiologia das DA tem uma certa analogia com a etiologia
da deflciência mental. Como se sabe, a deficiência mental é heterogénica por natureza
e apresenta variadíssimas causas, das quais cerca de 200 são já conhecidas (Apgar
1975).
Em consequência, algumas condições da deficiência mental são
manifestações de desordens genéticas autossomáticas recessivas ou de
anormalidades cromossómicas (exemplo: síndroma de Patan, síndroma de Edwardsc,
síndroma de Down), outras, por exemplo, são o produto da combinação entre os
factores genéticos e os factores envolvimentais.
Considerando que as características do comportamento são influencia1
das pelo potencial genético do indivíduo (genótipo), e pelo envolvimento onde o
mesmo se desenvolve e socializa, não restam dúvidas de que alguns carácteres são
mais dependentes de genes específicos, outros de factores envolvimentais, como é o
caso da inteligência e do potencial de aprendizagem.
Para obviar a estas complexas constelações etiológicas, os
investigadores da genética lançam mãos aos estudos dos gémeos, com a flnalidade de

138

ETlOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFlCULDADES DE APRENDl7. tlGEM

stimular a contribuição relativa dos genes e do envolvimento no que respeita ao


processo de desenvolvimento de uma dada área de comportamento.
Os estudos de gémeos idênticos ou monozigóticos, ou seja, de gémeos que se
desenvolvem a partir da divisão de um só óvulo fertilizado, e port to do mesmo
genótipo, são mais rigorosos em termos genéticos do que os estudos dos genes
dizigóticos (fraternais), razão pela qual apenas nos refe 'emos aos primeiros.
Zerbin-Rudin 1967, estudando a tendência dos gémeos para a dislexia,
descobriu que, em 17 pares de gémeos monozigóticos, todos (100%) eram
concordantes na manifestação da dislexia, enquanto dos 34 pares de gémeos
dizigóúcos, apenas 12 (35%) manifestavam concordância na dislexia. Por cste estudo
se sugere, discutivelmente, que o papel da genética parece ser mais relevante na
ocorrência da dislexia do que o papel do envolvimento sociocultural.
Bakwin 1973, foi mais longe e estudou 96 pares de gémeos masculinos
monozigóticos, 1000 pares de gémeos femininos monozigóticos e 58 pares de gémeos
femininos dizigóticos, todos com idades compreendidas entre os oito e os 18 anos. De
acordo com as entrevistas feitas aos pais, 31 dos pares monozigóticos e 31 dos pares
dizigóticos tinham, pelo menos, um gémeo com dislexia, mas enquanto 26 pares (84%)
dos 31 pares de monozigóticos mostravam concordância, só nove pares (29%) dos 31
pares de dizigóticos evidenciavam concordância.
Em ambos os estudos foram detectados erros metodológicos. Um erro gelo
método de selecção, outro pela definição vaga de dislexia, mas também em ambos se
vislumbra uma sugestão, pelo menos respeitável, sobre o papel determinante dos
factores genéticos na dislexia.
Na mesma linha de análise se deve referir os estudos defami Zias nas quais se
tenha detectado a dislexia. Estão nesta linha as extraordinárias contribuições de
Symmes e Rappaport, 1972, Fugram, Mason e Blackburn 1970, e de Rutter e Yule
1975. Em todas elas se verificou uma alta influência de dislezia de raiz familiar. Em
todos os estudos familiares acima referidos foram identificados problemas de
linguagem e de atraso na fala, bem como de disfunção neurológica, quer nos pais, quer
nos filhos. De notar também que os rrsultados mais baixos dos filhos se encontram
significativamente associados a poucos hábitos de leitura, a fracas aspirações culturais,
a atitudes negligentes e a pobres histórias escolares dos próprios pais.
Neste tipo de estudos, Finucci 1979 identificou subtipos de dislexia; de acordo
com as diferentes modalidades de processamento de dislexia, 100% dos filhos também
a revelavam: se apenas um dos pais fosse afectado, só o pai ou só a mãe, 65% dos
filhos evidenciavam diflculdades de leitura.
Os estudos das árvores genealógicas (pedigrees), simples ou múltiplas, também
nos proporcionàm dados interessantes, independentemente da falta de uniformidade
nos padrões considerados. Muitos casos da nossa clínica

139

INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGbGlCA

referem dificuldades na leitura ou na escrita em mães, tios, av6s, etc. Em vários casos,
a DA transmite-se em três e mais gerações (Drew 1956, Hof e Guldenpenning 1972, e
Hallgren 1950).
Hallen 1950 concluiu, no seu estudo de árvores genealógicas múltiplas, que a
dislexia se manifestava em 47% dos rapazes e em 35% das raparigas, ao mesmo
tempo que se manifestava nos pais em 47% e nas mães em 38%. A incidência da
dislexia foi superior no sexo masculino em todos estes estudos, sugerindo um factor de
transmissão hereditácia autossómica dominante de proporções mendelianas.
Todos estes estudos demonstram um alto grau de agregação familiar e reforçam
a influência genéúca nas DA, não deixando muitas dúvidas de que a transmissão
biológica desta condição é pelo menos relevante e respeitável, não se podendo com
estes dados, de alguma forrna, minimizar o papel dos factores do envolvimento.

Factores pré, peri e pós-natais

Os estudos sobre factores pré, peri e pós-natais adversos ou suboptimais com


incidências nas DA têm sido pouco sistemáticos e pouco consistentes.
Variáveis de difícil controlo como: as características das amostras; o estatuto
socioeconómico; os tipos de dados e os seus locais de recolha; diferentes conceitos e
definição sobre anoxia; prematuridade; complicações da gravidez; para além das
dificuldades de controlo de factores confusos nas análises bioquímicas, etc. são
algumas das condições que não permitem atingir, neste âmbito, objectividade etiológica
com um mínimo de credibilidade.
Corah 1965, através do seu estudo longitudinal, de sete anos, com crianças
afectadas por anoxia no nascimento e com crianças de um grupo de controlo,
constatou que as crianças do grupo de controlo liam melhor do que as crianças com
anoxia, tendo em atenção a precisão, a compreensão e a velocidade da leitura, quando
testadas pelos Testes de Leitura Oral de Gilmore (Gilmore Oral Reading Test).
Como a anoxia se encontra relacionada com condições maternas adversas
como a diabetes, a anemia, o parto prolongado, a eclâmpsia, etc. , é natural que tal
condição esteja também associada a cotações de risco no índice de Apgar (choro
fraco, problemas respiratórios e circulatórios, bradicardia e reflexos lentos),
frequentemente implicados no desenvolvimento das crianças sujeitas a tais situações.
Kawi e Pasamanick 1958, num trabalho hoje já clássico no campo das DA,
avaliaram a relação entce complicações da gravidez (mas sem anoxia) e a capacidade
de leitura numa população de 205 casos de rapazes brancos. A selecção da amostra
teve em consideração um grupo experimental e um grupo de controlo, com base no
seguinte critério: QI 85 (Binet), dois anos de atraso na

140

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICUIll ADES DE APRENDl7rlGF JI!

Iáaua e obtenção de cerúficados de nascimento. Neste mesmo estúdo f am


identificadas 104 complicações na gravidez nas mães do grupo experimental,
uanto só foram encontradas 50 nas mães do grupo de controlo. As mães los
disléxicos apresentavam, pelo menos, uma complicação em 37, 6"e, Quanto as mães
de erianças não disléxicas apresentavam 21, 5%. Mas 16, 6% dos disléxicos e apenas
1, 5% dos não-disléxicos únham sido expostos, pelo
nos, a duas complicações na gravidez. A presença de mais do que uma
aomplicação parece relevante e drásúca em relação a factores de desenvolviaxnto que
presdispõem para as DA. As complicações mais frequentes na população das crianças
com DA foram: pré-eclâmpsia, hipenensão e hemorragia vaginal.
Também a prematuridade definida pelo peso aquando do nascimento (5 2, 5 kg)
foi estudada, tendo-se obtido a seguinte proporção;11, 5% para es crianças com DA e
4, 6% para as crianças do grupo de controlo. Finalmente, também se apurou algumas
alterações pré e perinatais, tendo-se atingido a proporção de 45, 4% para as crianças
com DA e 28, 2% para as outras crianças.
O parto prolongado foi também mais hequente nas mães das crianças eom DA
do que nas outras mães. Por úlúmo, 67, 2% das famflias das crianças com DA estavam
na metade inferior da escala socioeconómica, enquanto s6 56, 3% das fanulias das
erianças do grupo de controlo caíam na mesma eategoria.
Douglas 1960 e Robinson e Robinson 1965 tentaram relacionar a prematuridade
com o estatuto socioeconómico familiar. Em ambos os estudos e verificou ser
impossível controlar as seguintes variáveis: ocupação dos pais, percentagem de
desemprego, envolvimento educativo, legitimidade dos filhos, idade das mães e seu
estatuto marital, higiene de habitação e interesse dos pais na escolaridade dos filhos.
A prematuridade' e as condições socioeconómicas desfavoráveis tendem a
complicar o quadro. Na base do Índice de Características Sociais de Warner (Warner's
Index ofSocial Characterìstics, Warner 1960), os pesos das crianças inferiores a 1, 5 kg
vinham quase sempre de lares pobres. Foi também possível, com o mesmo índice,
detectar o papel das classes sociais favorecidas na obtenção de melhores resultados
no QI, no aproveitamento escolar e nas variáveis de comportamento.
Lyle 1970 tentou relacionar as DA com factores pré-natais, perinatais e de
desenvolvimento. UúOzando técnicas de regressão múlúpla, este autor conseguiu
obter vários factores predicúvos, como por exemplo distorções perceptivomotoras,
explicados por variações do nascimento, e probtemas verbais, explicados por factores
de desenvolvimento. Toxémias, baixo peso e ameaças de abono não aúngiram valor
predicúvo.

' A noção de prematuridade é hoje mais c nte definida como o nascimento antes
das 37 semanas de estação.

141

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Por estes dados se confirma a hipótese de que as DA também estão


associadas, de uma forma significativa e relevante, a factores pré e perinatais.
Prematuros do sexo masculino, pequenos para a idade de gestação, e small for date,
de ambos os sexos parecem ser uma população do alto risco em termos de DA e de
inêxito escolar, o que só por si justificaria um estudo longitudinal (follow up study).
A exacta natureza da relação entre os factores pré, peri e pós- natais ainda não
está esclarecida; no entanto, os trabalhos que acabamos de expor suportam pelo
menos a existência de três hipóteses (Schulman e Leviton 1979):

1) Factores pré-natais precoces / DA 2) Factores pré-perinatais. I DA 3) Factores


perinatais. . / DA

Factores neurobiológicos e neurofisiológicos

Considerando a aprendizagem como essencialmente dependente da


organização neurológica do cérebro (Hebb 1949), e sabendo-se que tal função
depende substancialmente de factores genéticos (Eysenck 1960), é compreensível que
alguns factores bioetiológicos sejam de natureza neurobiológica e neuropsicológica.
Enquanto muitas crianças com DA não acusam lesões mínimas no cére bro nem
disfunções psiconeurológicas, é incontestável que algumas crianças com DA
(disléxicas) as evidenciam (Birch 1964, Clements 1966, Myklebust e Boshes 1969,
Rutter, Tizard e Whitemore 1970). Por outro lado, não podemos esquecer que o próprio
campo das DA se iniciou a par

N -back Codificeção

Processamento i i i i
Fecd-backs - -

Figura 48 - Modelo de (dis)função cerebral

142
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFlCULDADES DE APRENDI7t GElK

tir do estudo educacional de crianças com lesões cerebrais (brain injured children),
como atestam os trabalhos clássicos de A. Strauss, L. Lehtinen e Kephart que vimos
atrás.
Em inúmeros trabalhos de investigação se reconhece a correlação significativa
entre as lesões orgânicas cerebrais e as capacidades perceptivas, cognitivas e
motoras. O caso das crianças com paralisia cerebral (espásticas, atetósicas, atáxicas,
etc. ) e os acidentes e traumas cerebrais são disso ns provas concludentes e
inequívocas.
Para além de afectarem os processos receptivos (input) integrativos
(associativos) e expressivos (output), as lesões cerebrais interferem com variadissimos
subprocessos de tratamento e ordenação de informação, base principal, como
sabemos, da aprendizagem simbólica, a lembrar que ela só é possível num verdadeiro
e complicado órgão que só funciona quando determinadas integridades estão em
presença.
Como nos elucidou Luria 1975, na sua brilhante e extensiva obra, a disfunção
cerebral altera não só a aprendizagem mas também o comportamento omocional, daí
nascendo relações de causa e efeito que se tornam cada vez mais complexas à
medida que o processo de desenvolvimento se desenrola.
Por outro lado, não se verificando determinadas condições de maturação do
cérebro, o desenvolvimento fica comprometido, gerando consequentemente disfunções
que dificultam as mudanças de comportamento provocadas pelas aprendizagens
(Benton 1964).
Hallahan e Cruickshank 1973 demonstraram que não são só as lesões mínimas
no cérebro que provocam disfunções na aprendizagem. Para além destas, há a
considerar a malnutrição, as carências afectivas, a falta de estimulação precoce e
mediatização, etc. , a que não podem estar alheias a privação socioeconómica, a
pobreza e a miséria, que axiomaticamente afecf tm o desenvolvimento do sistema
nervoso central (SNC).
Schulman e Leviton 1979 demonstraram que a malnutrição produz efeitos ao
desenvolvimento cognitivo e Klein, Forbs e Nader 1975 especificaram
metodologicamente as implicações da malnutrição nas dificuldades da leitura, surgindo
como um factor de risco adicional.
Dentro destas linhas de estudo, outros factores se encontram igualmente t
lacionados com as DA, como o hospitalismo (admissão num hospital por mais
de uma semana, entre os seis meses e os quatro anos) e a adopçâo.
Dayton 1969 apresentou uma hipótese de desenvolvimento do SNC em três
fases:

1 á) Hiperplasia, que decorre no crescimento fetal e nos primeiros seis


meses de vida, quando se opera o crescimento das células do cérebro;

2. a) Hiperplasia e hipertrofia, que decorrem dos seis aos 24 meses,


quando se opera um aumento do tamanho e do número de células;

3. a) Hipertrofia, que decorre ao longo da infância, quando se opera o


crescimento do tamanho das células nervosas.

143

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

Brieley 1976 apresenta um quadro simplificado com o peso do cérebro


relacionado com a idade:

DESENVOLVIMENTO rnov g

2meses g7
6meses 378-382
recém-nascido
908
1ano... gg3
2anos (entrada na pré-primária)...
1124
3anos. 1234
4anos. 1242
5anos. 1322
6anos (en ada na escola primária)... ... . .
10anos (fim da escola primária)... 1344
Figura 49- Peso do cérebro e desenvolvimento, segundo Brieley

É agora mais ou menos evidente que os factores da privação (nutrição,


estimulação, afectividade, socialização, etc. ) assumem um papel muito significativo na
origem das DA, principalmente quando tais factores ocorrem nos períodos críticos do
desenvolvimento (Cravioto, Delicardie e Birch 1966, Stoch e Smyth 1968).
Desde o primeiro trimestre de desenvolvimento intrauterino até aos primeiros 30
meses de vida, o cérebro está em formação, razão pela qual qualquer lesão directa ou
indirecta, mínima ou severa, neste período, poderá comprometer irreversivelmente o
potencial de aprendizagem, quer verbal, quer não verbal. Os mesmos autores advogam
que uma malnutrição severa nos períodos críticos poderá igualmente interferir no
processo maturacional, provocando perturbações na integração auditivovisual, na
integração visuoquinestésica e intersensorial.
Scrimsham 1967 demonstrou que o cérebro, no momento do nascimento,
aumenta de peso à razão de 1 mg a 2 mg por minuto. Três anos depois, o peso do
cérebro adquire 80% do seu peso adulto. Dado que as células do cérebro são
incapazes de se regenerarem, ao contrário das dos outros órgãos, a lesão ou a
agenese do tecido, durante aquele período, pode ser fatal ao desenvolvimento ulterior.

Até aos 3 anos, o cérebro aprende as aquisições mais fulerais e cruciais


que vão perdurar durante todo o período de vida. A deficiência proteica nesta fase pode
deixar rastos de perturbação tónica, de descontrolo da atenção e da motricidade, de
hiperirritabilidade, de instabilidade emocional, etc.

Vários investigadores referem as implicações nas mudanças bioquímicas,


nas alterações da formação dos neurónios, no transporte de elementos através da
membrana neuronal, na função sináptica, na formação do ARN (ácido ribonucleico) e
do ADN (ácido desoxirribonucleico), etc.

144

ETIOLOGIA E £Plfl£MIOLOGIA DAS DIFfCUlDADES DE APRFNDll AGF Jl

Entre nós não é estranho ouvirmos professores do ensino prinzário i em que


algumas das crianças, para além de serem subalimentadas, ainda
" sujeitas, por vezes, a bábitos alcoólicos precoces induzidos por familiares. É
evidente que o retlexo destas condições alimentares se fará sentir só tamanbo do
cérebro, como igualmente poderá intluenciar o desenvolvi nto intelectual.
f Outros contributos deverão ser considerados neste sector, nomeadamente que se
referem às complicações provocadas por meningites e encefalites que deixam por
vezes sequelas associadas à deficiência mentat, espasú, etc. (Earnest e
colaboradores, I971).
i O período mais críáco destas infecções do SNC anda à volta de um ano ae i
momento em que se operam, como vimos, grandes transformações jao cé ebro.
Kresky, Buchbinder e Greenberg 1962 estudaram longitudinalmente 80
= a nças com meningite bacteriana adquirida antes dos cinco anos de idade. Fm 34%
(28/80) das crianças foram detectados 43 défices: seis visuais, 14 rde aoraso de
linguagem, nove auditivos, I4 convulsões, cinco psicomotores, dois parésicofaciais, um
de hiperacúvidade e um de dismetria. Quanto á esco, 81 " das crianças frequentavam a
escola em classes esperadas para is suas idades, cerca de 12 frequentavam a escola
em classinferiores às
, para além de apresentarem cenos sinais neurológicos e de çom. nto e 4%
eram deficientes (visuais, auditivos e socioeconómicos). Matáews, Chun e Grabow I968
estudaram as sequetas psicológicas resuls de encefalite viral numa população de 33
crianças (oito F e 25 M). : S6 duas crianças obúveram QI inferior à média. A média dos
resultados no QI foi de 106, 66, não tendo sido ada qualquer discrepância significativa
o QI verbal e o QI de nealização (perjornrance).
Os resultados no WRAT (Wide Range Achievement Test) foram ligeira nte acima
da média para a leitura e a escrita, e ligeiramente inferiores à
a para a aátmética. Em resumo, a encefalite, neste estudo, não afectou o
nvolvimenw das crianças, apenas surgindo alguns problemas de depenia e resuitados
significativamente di erentes no teste de percussão digital (Finger Tapping Test).
Sell 1972, seguindo longitudinalmente um grupo de criaaças com meHingite,
testou-as e estudou-as por volta dos IO anos de idade. Os QI oscilavam de 20 a I40,
com uma média de 84. Das sobreviventes, cerca de 499Ó estavam livres de sequelas e
obtiveram QI 90, não tendo estas qnblemas escolares, motores ou sensoriais, nem
acusando anomalias eeumlógicas. Cerca de 29% tinham QI entre 50 e 69, quebras
auditivas
riores a 30 db (decibéis), para sias, ambiiopia e insucesso escolar. As trstantes 6
o tinham QI < 50, não freqaentavam a escola e estavam insúarcionalizadas. _
Pate e coia rador 1974 estudaram 25 càanças com n eningite e 25 crianças
oormais. Nas 25 crianças afectadas pela meningite, as de 15 foram
!45

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

causadas por H. In, fluenzae, cinco por meningococos e cinco por pneumococos. No
estudo das variáveis psicopedagógicas, 54% atingiram resultados mais baixos do que
as crianças do grupo de controlo no teste de Durrell (Durrell Analysis ofReading Di culty
Test). Diferenças significati encontradas no ITPA, DTVP, no Peabody Picture
Vocabulary Test Teste de Vocabulário e Imagem-Dun) e em testes motores e
psicomotores. De acordo com os professores, as crianças que tiveram meningite
apresentavam sinais de baixa maturação e de fraca autoconfiança, quando
comparadas com as outras crianças do grupo de controlo.

Outros estudos (Gregg 1941, Witte 1969, Ames 1970, Chess 1971) com
crianças cujas mães tiveram rubéola e ficaram com subsequentes défices congénitos
(surdez, cardiopatia, cataratas, etc. ) surgem com outros importantes contributos. Em
todos os casos se verificava que as implicações congénitas eram mais severas quando
a infecção materna ocorria no primeiro trimestre da gravidez. Por outro lado, em todos
estes casos, o potencial intelectual encontrava-se afectado. Também outros aspectos
se encontravam relacionados com a rubéola, como por exemplo: baixo peso, reduzido
perímetro cefálico, atraso neonatal e psicomotor, etc. (Weinberger e colaboradores
1979, Lej aga e Pickham 1974).
Outros autores ainda associam a condição da rubéola intrauterina a autismo,
comportamento reactivo, ansiedade, dependência, agressividade, atraso de linguagem,
etc. , sendo cada vez mais significativas as sequelas de acordo com a cronologia da
infecção congénita, pois parece ter-se veriflcado que as sequelas eram mais ligeiras
quanto maior fosse a idade gestacional.
Estas são algumas evidências etiológicas que se deve igualmente
considerar nos factores neurológicos, a flm de proporcionar uma perspectiva dialéctica,
indutiva e recíproca, entre os factores causais, biológicos e sociais encontrados no
campo das DA.

O stress emocional, acrescido de um stress económico e cultural, de um


baixo índice sanitário, de maus cuidados de saúde, de pobreza de estímulos e de
oportunidades, em simultaneidade com a malnutrição, implicam inevitavelmente efeitos
morfológicos e efeitos funcionais claramente relacionados com a redução do potencial
de aprendizagem.

Vários estudos demonstraram inequivocamente que as más condições


sociais afectam a integração intersensorial, a discriminação perceptiva e o pensamento
abstracto. Cawley 1966 encontrou em crianças pob inte gradas num programa precoce
de desenvolvimento (Head Start outros sinais neurológicos e neuropsicológicos, como
por exemplo: problemas de coordenação oculomotora, de constância da forma, de
posição no espaço e de velocidade reactiva, de atenção auditiva e visual, de restrição e
economia na linguagem expressiva, de diflculdades de sequencialização de acções,
etc. , a que chamou atraso de desenvolvimento (developmental lag).

146
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

É interessante assinalar que os sinais neurológicos mais frequentes em crianças


desfavorecidas envolvem alterações nos reflexos, na tonicidade (disdiadococinésias,
sincinésias, paratonias, etc. ), no controlo vestibular e proprioceptivo, na lateralidade,
na memória de curto termo, na coordenação visuomotora e na dextralidade, etc.
Poderemos sugerir, com base nestes dados experimentais, que se dão, em termos de
desenvolvimento, fenómenos de indução sociobiológica e biossocial que, em si,
materializam à dialéctica interaccionista entre a hereditariedade e o meio.
Não podemos deixar de assinalar a importância doutros factores,
nomeadamente os emocionais e os afectivos. A relação com a mãe durante o período
crltico do desenvolvimento da linguagem é de uma inestimável significação. A
irregularidade, a distorção ou a discontinuidade da relação mãe-filho podem
representar outros parâmetros etiológicos de grande relevância, designadamente nas
desordens da comunicação e nos problemas emocionais primários.
A interacção e a mediatização afectiva e linguística entre a mãe e o filho áos
zero aos quatro anos determinam substancialmente a maturidade emocional e o
desenvolvimento cognitivo. Se a mãe não fala com o filho durante os anos formativos,
ele não se interessará pelos estímulos auditivos e não captará a informação necessária
para compreender e falar, daí resultando limitações linguísticas (fonéticas, semânticas
e sintáxicas) que por sua vez afectarão a maturação neurológica das áreas
associativas do cérebro.
Lamentavelmente é na escola, e por vezes já muito tarde, que se revelam os
problemas emocionais secundários (Rabinovitch 1959), hoje um dos aspectos mais
frequentes da psicologia clínica. A acumulação de frustrações, de ansiedades, de
agressões e de insucessos é activada por um sistema escolar que insiste na maturação
precoce e precipitada do hemisfério esquerdo (de onde decorrem as DA verbais),
subestimando muitas vezes o papel do hemisfério direito (donde decorrem as DA não
verbais) e originando, como consequência, uma cadeia de inadaptações.
Daqui a necessidade de apoio ao nível da fanulia, verdadeira escola de
sentimentos onde a criança adquire a maturidade emocional indispensável para as pré-
aptidões das aprendizagens escolares. Amor, segurança, confiança, encorajamento e
sucesso são ingredientes indispensáveis à personalidade da criança, e aqui, a missão
do jardim de infância e do ensino pré-primário, como prevenção das DA, é
insubstituível.
A criança que chega à escola traz atrás de si uma história de vivências e de
oportunidades muito complexa que é preciso estudar e caracterizar. A escola revela as
DA da criança em vez de adoptar uma atitude preventiva e uma práúca compensatória.
A criança com DA, quer a causa seja orgânica ou endopsíquica, quer social,
revela algo cuja responsabilidade não lhe pertence, na medida em que o seu
desenvolvimento biopsicossocial depende essencialmente das acções e das condutas,
i. e. , da mediatização dos adultos socializados que a envolvem.

147

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA


Factores sociais

Vários enfoques etiológico-sociais poderão ser perspectivados em relação às DA


mas, dentro deles, de momento, analisaremos os seguintes:

Factores de envolvimento e de privação cudtural e classes sociais Em analogia


com o que se tentou para os factores biológicos, começaremos por apresentar uma
listagem desordenada dos múltiplos factores socioetiológicos que têm sido mais
focados em vários trabalhos de investigação.

Listagem de alguns factores socioetiológicos:

Carências afectivas (contexto familiar, relações mãe-fllho, etc. ); I)eficientes


condições habitacionais;
Deficientes condições sanitárias e de higiene;

. I)eficientes condições de nutrição; Pobreza da estimulação precoce;


Inexistência de condições de facilitação precoce;
Fracos desenvolvimento e interacção sociolinguística;

Fraco desenvolvimento perceptivovisual;


Privaçôes lúdicas e psicomotoras;
Desajustamentos emocionais implicando alterações das funções tónicas,
das funções da atenção, das funções da comunicação e do desenvolvimento
perceptivo, etc. ;
Envolvimento simbólico e cultural restrito, etc. ;
Nível de ansiedade elevado;
Ocupação dos pais e suas habilitações académicas;

Desemprego, insegurança económica crónica;


Analfabetismo;
Zonas pobres e isoladas (urbanas, suburbanas e rurais); ESw, o Qo t, ca,

Relações wes; Fia as uito elevadas;


. Modelos linguísticos pobres;
. pa -ões de adaptação; Expectativ c s;
. Hospitalismo;
Atitude da mãe face ao desenvolvimento da linguagem; Métodos de ensino
iznpróprios e inadequados;

148

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDI?AGEM

A propósito desta listagem acriteriosa e incompleta, queremos alertar para o


facto de que ela surge desta forma apenas por necessidade didáctica, pois
naturalmente defendemos a inseparabilidade biossocial, onde é impossfvel opor os
factores bioetiológicos aos factores socioetiológicos. Ambos se misturam, integram e
funcionam numa relação dialéctica complexa, obscura e dinâmica, relação essa
constantemente presente no eampo das DA.
As condições sociais desfavoreeidas e desumanas são indutoras de atrasos de
maturação neurobiológicos.
A luta contra a pobreza e a miséria é claramente muito mais importante
socialmente do que a análise fria da problemáúca social das DA.
A incidência de doenças e de DA varia inversamente com as condições
socioeconómicas. Condições socioeconómicas desfavorecidas geram inevitavelmente
mais doenças e mais DA. Trata-se de uma constatação das diferentes eondições e
oportunidades que earaeterizam a organização soeial.
A injustiça implícita na imposição de condições de pobreza que tardam em ser
aligeiradas, minoradas ou eliminadas provoca, inequívoca e inevitavelmente, vários
tipos de privação a vários níveis: biológicos, psicológicos e sociais.
As erianças desfavorecidas social, cultural e economicamente são também
desfavorecidas pedagogicamente, o que, evidentemente, é, sobre todos os pontos de
vista, injusto. Sofrem mais de mau ensino, má inswção (dispedagogia), mais
abstencionismo dos professores e de piores modelos de esámulação, identificação,
motivação, orientação, etc. , um paradoxo ponanto.
Em vez de compensar esta discrepância social inaceitável, a escola tende a
legiúmar todas estas diferenças através dos seus métodos pedagógieos e dos seus
métodos selectivos e avaliativos.
As percentagens das DA e do insucesso escolar, como é sabido, estão mais
concentcadas nas crianças oriundas de meios socioeconómicos desfavonecidos; tais
percentagens sugerem significativamente que as influências sociológicas se fazem
sentir com eonsequências devastadoras.

F etores de envolvimento e de privação cultural

Interessantes estudos têm sido apresentados sobre a problemática das DA,


todos eles elucidativos das implicações dos stresses sociais no desenvolvitnento do
potencial cogniúvo do indivíduo.
Prenstedt 1965 realizou um estudo eomparativo entre dois grupos sociais: um
sobre famlias de elasses inferiores- superiores (upper-lower class), e outro
familias de elasses muito inferiores (very low lower classfamilies).
No primeiro grupo verificou-se que, embora não havendo hábitos de leitura, pois
não havia sequer quaisquer livros em casa, e vivendo debaixo de nma atmosfera
ruidosa e sem interesse por qualquer aconteeimento eultural

149

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

ou social, ia-se no entanto mantendo uma estabilidade familiar, uma higiene adequada
na habitação e uma aceitação incondicional dos fllhos.

No segundo grupo, a panorâmica surgiu mais carenciada pois, para além de


grande instabilidade familiar, quase caótica, os fllhos eram quase abandonados e
isolados.
As suas histórias evidenciavam frequentes episódios de isolamento forçado em
locais extremamente empobrecidos de estímulos, enquanto as mães trabalhavam. Os
seus choros eram negligenciados, as suas neeessidades ignoradas e não satisfeitas.
Sem brinquedos, imagens, jogos ou música, sem qualquer interacção social e
linguística, tais crianças eram apenas merguIhadas numa sala de TV
permanentemente aberta, extremamente ruidosa. Mais tarde, os seus aproveitamentos
escolares espelharam esta dura realidade social.
É evidente que nestas duras condições sociais, as crianças tendem a perder as
oportunidades de uma estimulação mediatizada por adultos, pois nestes grupos, por
vezes, elas não passam de bodes expiatórios Excessivas fraterias, dependências
prolongadas de crianças mais velhas mas sobrecarregadas de várias tarefas caseiras,
quartos e camas superpovoados com crianças e adultos, habitações exíguas sem
sanidade básica, envolvimentos pobres e superconcentrados, etc. são naturalmente
alguns dos factores envolvimentais desorganizativos e causadores de inúmeros
problemas de conduta e de aprendizagem.

Esta realidade, não raras vezes característica dos bairros degradados urbanos
ou suburbanos, objectiva lamentavelmente a desvantagem cultural das familias das
classes mais desfavorecidas.
A falta de variedade de estimulação ou a estimulação excessiva e
desorganizada, por vezes inadmissível, observada nos bairros pobres pode ser outra
faceta da privação cultural. A qualidade da estimulação interfere indubitavelmente nas
condições mínimas requeridas para uma escolaridade adequada.
Uzgiris 1973 observou que as crianças desfavorecidas são bombardeadas por
estímulos mais perturbadores, e ao mesmo tempo privadas de uma estimulação
auditiva e linguística consistente. Em resumo, as dificuldades de processamento da
informação auditiva, da atenção selectiva, da discriminação, da identificação, da
segmentação fonética, da sequencialização, da retenção, etc. tendem a prejudicar o
desenvolvimento da linguagem e a elaboração de estruturas cognitivas.
Ignorando esta realidade social, a escola, feita para os mais aptos e
favorecidos, pouco tem realizado para compensar ou combater esta desigualdade
humilhante.
A escola persiste na função de reprodução das desigualdades sociais.
Antes da democratização do ensino, surgem outras modalidades de democraticidade
na saúde, na nutrição, na habitação, no bem-estar, na cultura, etc. que necessitam de
ser envolvidas. Sem esta visão sociopolítica do problema, não podemos encarar
medidas nem soluções no âmbito das DA.

150

ETIOLOGIA E EPlDEMIOLOGl A DAS DIFlCULDADES DE APRENDIZAGEM

A escola necessita de igualizar as oportunidades para as crianças


desfavorecidas quer ao nível primário, quer fundamentalmente ao nível das estruturas
materno-infantis e pré-primárias.
Os programas escolares devem adequar-se às estruturas cognitivas das
crianças desfavorecidas. Caso contrário, não poderemos defender uma política social
de justiça com oportunidades educacionais tão discrepantes e inconsequentes. Tais
discrepâncias são cortadas através das elevadas percentagens de DA e de insucesso
escolar, frequente e preferencialmente impostas pelo sistema de ensino às crianças
das classes mais desfavorecidas, embora este cenário não explique tudo, como é
óbvio.
Um bom ambiente familiar ou social que forneça a quantidade e a qualidade de
oportunidades suficientes de interacção entre adultos e crianças é a condição mínima
requerida para o desenvolvimento do potencial de aprendizagem.
Enquanto as necessidades biológicas e afectivas não se resolverem
prontamente nas crianças desfavorecidas, muito pouco se pode fazer às estruturas
cognitivas. Estas só emergirão de um alicerce emocional afectivo forte, baseado na
aplicação de condutas sociais de confiança, segurança, encorajamento, aceitação,
compreensão, sucesso, reforço, etc. Por alguma razão as percentagens mais altas da
deficiência mental e das DA se encontram nos estratos sociais mais baixos.
Linguistas, psicólogos e educadores (Bernstein 1961, Robinson 1972, Labov
1970, e outros) têm demnnstrado que as crianças das classes desfavorecidas não
possuem o domínio da linguagem necessário para uma certa uescolaridade normal,
O êxito escolar está exageradamente dependente das estruturas linguísticas,
que são irremediavelmente diferentes entre as crianças das várias classes sociais. A
maioria dos professores, oriundos das classes sociais médias, usam estruturas
linguísticas inacessíveis a muitas crianças. O excessivo uso de adjectivos e de
advérbios, para além de um certo eruditismo propositado, passa despercebido nas
crianças desfavorecidas, normalmente condicionadas por ambientes sociais
caracterizados por interacções pergunta-resposta pouco frequentes, e por padrões
fonéticos, semânticos e sintácticos pouco estruturados e pouco complexos.
Os programas escolares não fogem à regra, pois nem sequer tomam em
consideração a hierarquia da linguagem. De facto, os curriculos das nossas escolas
privilegiam a linguagem escrita (leitura e escrita), mas raramente se preocupam com
outras pré-aptidões, e fundamentalmente, com a linguagem falada (compreensão
auditiva e fala) característica do meio onde estão ou foram inseridas as crianças
desfavorecidas.
Maior atenção se deve dar, nas nossas escolas, à recepção auditiva
(compreensão verbal) e à expressão verbal, principalmente no primeiro ciclo. Quanto à
primeira, deve-se cuidar da discriminação auditiva, da identificação e segmentação ou
consciencialização fonética, da compreensão do

151

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

significado das palavras e das componentes sintácticas, do seguimento de


ordens e instruçúes, de compreensão e sugestão de diálogos e debates, de memória e
sequencialização auditiva, etc. Quanto à segunda, deve-se cuidar mais intensivamente
da facilitação da linguagem, do enriquecimento do vocabulário, da correcção gramatical
das frases, da formulação ideaeional, da narração de histórias, da sequencialização
lógica de eventos e experiên cias, da rechamada e da rememorização verbal, etc.

A leitura, como processo verbal simbólico, assenta sobre um processo


analítico, razão pela qual os programas da escola pré-primária e primária deverão ser
mais organizados e sistematizados neste domínio.

Sem esta intervenção na linguagem, as crianças desfavorecidas não vão


discriminar entre sons relevantes e irrelevantes e, consequentemente, vão estar mais
desatentas nas aulas. Entre a fala do professor e os ruídos ocasionais envolventes da
sala não há diferenças; daí muitos dos problemas que estão na base das DA.
As crianças desfavorecidas, sem interacção verbal, raramente brincaram
com letras ou números móveis, raramente contactaram com imagens e livros,
raramente fizeram viagens, etc. Por isso, trazem para a escola um vocabulário restrito
e rudimentar, muitas vezes aprendido dos irmãos mais velhos e com uma fraca
estrutura sintáctica, condições estas, à partida, impeditivas da aprendizagem da leitura
e da escrita.
Hurley 1969 ilustrou esta situação com o seguinte exemplo: num estrato
social médio, a mãe poderá dizer ao seu filho: João, vai à dispensa buscar o frasco do
doce de pêra a mãe de uma classe inferior dirá apenas traz aquilo ou vai buscar
aquilo", ou até mesmo usar somente um gesto para o significar. Aqui, o modelo de
linguagem é reduzido, simplista, sem adjectivos nem advérbios, com imprecisões
semânticas e sintácticas de vária ordem.
A criança desfavorecida não tem as ferramentas linguístieas necessárias
à aprendizagem da leitura. No primeiro ano de escolaridade encontra-se já em grande
desvantagem, e lamentavelmente essa desvantagem tende a aumentar até ao fim da
escolaridade primária, conduzindo ao chamado défice cumulativo".

As diflculdades na linguagem são provavelmente uma causa de insucesso tão


significativa como uma disfunção cerebral. Há que abordar esta situação de uma forma
mais cuidada. A própria escola pode fazer muito neste sector, ' bastando para isso que
se muna de psicólogos e de professores formados para

o efeito, com novas atitudes, expectativas, competências, etc. , bem como de

,
programas e currículos de facilitação da linguagem e das pré-aptidões
adequadas às crianças sfavorecidas.
; As múltiplas privações culturae psicossociais actuam inibitoriamente I' em relação ao
desenvolvimento intelectual, como acabámos de ver. A privação cultural parece
envolver uma complexa interacção entre

várias unidades dialécticas: hereditariedade-meio, social-emocional, cogni

152

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDTIAGEM

úvidade-aprendizagem, causas-consequências, etc. , que se repercutem no


desenvolvimento cognitivo e, consequentemente, no aproveitamento eseolar.
Estudos longitudinais como os de Skeels e Dye 1939, e de Skeels e Skodak
1966, que duraram mais de 20 anos, provaram que crianças de orfanatos, testadas
inicialmente com um QI médio de 35, tinham eoncluído, no entanto, os estudos liceais.
Um terço dessas crianças únham mesmo coneluído o diploma superior. Em
contrapartida, metade dos elementos do grupo, após o estudo, estava desempregada e
tinha apenas exercido profissões sem qualificação. Este estudo prova claramente não
só a relatividade dos testes de inteligência, mas também as múltiplas facetas da
privação cultural e social.
Conhecimentos reduzidos, pensamento conereto não conceptualizado,
linguagem pouco utilizada em termos invospectivos e reflexivos, falta de hábitos de
leitura e de escrita, repetências escolares frequentes, poucas experiências
representacionais ou simbólicas, ausência de curiosidade cultural, alienação
quotidiana, etc. , são factores de privação cognitiva que se reflectem desde muito cedo
no potencial de aprendizagem das crianças desfavoreeidas.
A privação cultural gera hiperactividade, hiperverbalização, desinibição social,
défices percepúvos e cognitivos, irritabilidade, falta de concentração e de persistência,
etc. , enfim, um padrão de comportamentos que dificilmente se aeomoda às exigências
cuniculares.
Estudos norte-americanos sobre crianças dos guetos concluíram que, ao nível
do 3. o ano de escolaridade, o atraso na compreensão da leitura, na significação das
palavras e na aritmética é já de um ano, quando comparadas com a população escolar
distrital, e esse atraso duplica no fim do 8. o ano de escolaridade.
À privação cultural vem juntar-se o insucesso escolan com todas as suas
eonsequêneias psicossociais, condições estas que desaguam frequentemente na
delinquência e na exelusão social.
Hauser 1974 defmiu um conjunto de características comportamentais similares
entre delinquentes e pessoas com DA:

1) Ambos os grupos tendiam a manifestar dificuldades na


escola primária;
2) Ambos evidenciavam um autoconceito negativo;
3) Os problemas de ambos os grupos estavam associados ao
sexo masculino;
4) Ambos tinham inteligência média;
5) Os problemas de ambos os grupos dependiam de múlúplas causas.

O comportamento e a aprendizagem humanos são multidimensionais. Cada


dimensão actua com outra dimensão, e estas encontram-se em constante interacção
com múlúplos factores envolvimentais.

153

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A criança ou o jovem com DA encerra um estigma de implicações psicossociais


muito sérias. Ser diferente do normal é simultaneamente assumir, o papel de uma
marginalização subtil ou de uma penalização obscura e antipedagógica. A escola pune
os que falham, na medida em que é a estrutura social que melhor espelha a sociedade
da meritocracia competitiva".
A ocupação profissional e o estatuto salarial são cada vez mais conse quência
do aproveitamento escolar. Daí a sua problemática e a sua contradição sociocultural,
daí também a sua significação ideológica.

Classes sociais

Não existindo uma definição universal de classes sociais, as relações

entre as DA e as classes sociais são muito difíceis de investigar sem um pendor


ideológico.
Com os dados postos actualmente à disposição, não se sabe como calcular o
estatuto socioeconómico: na base do salário, do nível educacional, do estatuto
ocupacional, da localização e das condições habitacionais ou na base de alguma
combinação destes parâmetros?
Com estes problemas, sem dúvida dos mais difíceis e aliciantes, o rigor das
investigações no campo das DA tende a ser posto em causa. Daí decorre a sua
contínua controvérsia, na medida em que é praticamente impossível avaliar os efeitos
independentes das classes sociais. Os problemas que se colocam podem ser vários:
Em que medida os factores de risco estão associados às classes sociais. Que
tipos de factores de risco devem ser considerados? De entre os factores biológicos de
risco, quais os que podem ser controlados? De entre os factores socioeconómicos de
risco, quais os que podem ser hierarquizados? Depois dos factores de risco, quais as
medidas prioritárias a tomar?

Como factores biológicos de risco, vários investigadores (Walzer e Richmond


1973, Hanshaw 1976, etc. ), apontam os seguintes: hereditariedade, cuidados pré-
natais precários, má nutrição, prematuridade, infecções do sistema nervoso central,
traumatismos craneanos e fracos cuidados médicos, etc.

Como factores socioeducacionais de risco (Eisenberg 1966 e outros)


apontam-se os seguintes: privação de estimulação precoce, excesso de absentismo
afectivoemocional, falta de oportunidades de desenvolvimento em todo o período pré-
escolar, nível de instrução baixo, dispedagogia, poucas facilidades educativas, etc.
Kappelman 1972 tentou estudar os efeitos independentes das classes
sociais, seleccionando crianças com DA e crianças com bom aproveitamento escolar
pertencentes ao mesmo nível socioeconómico. Ambos os grupos foram classificados
como oriundos de envolvimentos com desvantagem sociocultural. Com esta
metodologia de selecção da amostca, o autor determinou 125 pares de crianças com e
sem DA, agrupadas por idade, sexo e vizinhança. A amplitude

154

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDI?AGEM

etária da amostra ia dos cinco aos 14 anos (idade média de seis anos). Realizaram-se
entrevistas com a fam ia, para obter dados anamnésicos sobre história familiar, história
pré-natal, peso ao nascimento, complicações da gravidez e do parto e outros
problemas de desenvolvimento. Kappelman ainda se serviu de relatórios médicos
cedidos por clínicas e outras instituições hospitalares.
No seu estudo, a população das crianças com DA apresentou significativamente
mais histórias familiares de deficiência mental, e mais problemas de comportamento,
de fala, de audição e de visão. Quarenta das mães das crianças com DA apresentavam
pré-eclâmpsia (pressão sanguínea exagerada nos segundo e terceiro trimestres da
gravidez), enquanto as mães das crianças sem DA apresentavam este episódio pré-
natal em apenas 15 casos. Os pesos inferiores a 2 kg foram notados nove vezes mais
nas crianças com DA, em comparação com os das do grupo de controlo. Dez
nascimentos das crianças com DA foram de apresentação pélvica, enquanto se
registou, no outro grupo, apenas um caso. Vinte e duas mães das crianças com DA,
comparadas com 10 das crianças sem DA, terminaram a sua educação antes do 9 ó
ano de escolaridade. Quarenta e oito mães das crianças do outro grupo vinham de
familias com fratrias de mais de nove filhos. Setenta e sete crianças sem DA e 46
crianças com DA viviam com os dois pais biológicos. Treze crianças com DA e duas do
grupo de controlo viviam com a mãe e com um homem não relacionado familiarmente.
Finalmente, 18 crianças com DA, e cinco sem DA viviam numa casa com a sua mãe
biológica.
Estes dados, obtidos num estudo com controlo da variável socioeconómica,
permitem diferenciar a importância dos efeitos independentes das covariáveis
socioculturais e socioeconómicas. Quer dizer: mesmo que as crianças estudadas
venham do mesmo estrato socioeconómico desfavorecido, ainda são identificadas
diferenças significativas nas suas histórias pré, peri e pós-natais, bem como são
detectadas diferenças nas suas condições de vida. De alguma maneira, por este
estudo se prova que as DA não são só dependentes da classe social - algumas das
dificuldades podem ser atribuídas, pelo menos em parte, a factores biológicos de risco.
Eisenberg 1966, estudando também dois grupos de crianças com DA, um de
brancos de zonas suburbanas de trabalhadores de serviços (classes médias), e outro
de negros de zonas rurais pobres, encontrou, em ambos os grupos, maior percentagem
de rapazes do que de raparigas, o que suporta a ideia de que subsiste uma diferença
sexual significativa, mesmo quando é controlada a classe social.
Num estudo que envolveu 31000 escolas nos Estados Unidos utilizando um
critério psicopedagógico de que às crianças com DA só seriam seleccionadas se
acusassem alguns problemas na compreensão auditiva, no pensamento, na falá, na
leitura, na escrita, e no ditado - excluindo portanto todas as crianças privadas
culturalmente ou com problemas físicos e emocionaischegou-se aos seguintes
resultados: as escolas urbanas localizadas em áreas populacionais de baixòs salários
(low-income areas) apresentavam sempre percentagens três vezes superiores às
escolas urbanas localizadas noutras áreas.

155

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Interessante é notar que as escolas secundárias apresentavam sempre matores


percentagens do que as escolas primárias. Todavia, noutras áreas populacionais, as
percentagens eram invertidas, suportando a hipótese de que as DA estavam mais
associadas a áreas populacionais caracterizadas por baixos salários. Daí a importância
da localização sócio-habitacional das próprias escolas.
Kerdel-Vegas 1968, testando a inversão de letras na leitura e na eserita
(estrefossimbolia), em 1035 crianças venezuelanas de várias escolas de Caracas
localizadas em diferentes áreas, obteve também resultados interessantes nesta linha
de abordagem.
Na escola localizada numa área socioeconómica baixa, foram detectadas 36%
de crianças com a desordem. Na escola localizada na área média, 13%; na escola
localizada na área alta, 11%.

Por estes dados, podemos verificar que a diferença encontrada entre a


localização da escola na área baixa e a localização na média foi bastante significativa
para que nela se possa reflectir cuidadosamente.
O risco das DA está, como constatámos, intimamente ligado às variáveis das
classes sociais. Trata-se de um postulado amplamente demonstrado por inúmeros
trabalhos de investigação. Quanto mais baixa é a origem socioeconómica da criança e
quanto maior é a fratria, maior é o risco das DA; daí também, por concomitância, ser
maior a responsabilidade dos agentes educacionais. As crianças que mais necessitam
deverão dispor, por essa razão, de melhores oportunidades educacionais, professores
mais competentes e experientes, melhores programas de aprendizagem, subsídios
nutritivos na própria escola, vigilância médicopsicopedagógica e social mais cuidada,
etc. Medidas e soluções para os problemas não faltam; a implementação conereta das
mesmas é que tarda inexplicavelmente.
Trata-se evidentemente de um paradoxo. As elasses sociais desfavare cidas,
que apresentam sintomas de doença mais severos, são as que recebem menos
cuidados médicos. Em contrapartida, as classes sociais favorecidas, que apresentam
muito menos sintomas de doença, são as que recebem melhores tratamentos.
Não se trata de um problema de resistênciados pobres aos serviços médicos;
trata-se do eontrário, na medida em que a resistência existe sim, em nosso entender,
mas é dos médicos espeeialistas que, sendo oriundos das classes médias ou
superiores, não estendem, ou não prolongam, as suas competências profissionais às
populações mais carenciadas. Infelizmente, o panorama, quanto à educação, não é
diferente.
No sentido de aprofundar as relações entre as classes sociais e as DA (nível de
leitura), Sheldon e Can'illo 1952 eonduziram um trabalho gigantesco com 868 crianças
frequentando as eseolas primária e secundária. De acordo com um teste de leitura,
especificado por anos de escolaridade, os autores chegaram aos seguintes resultados:
51% foram eonsiderados hons leitores (liam textos, acima do seu nível escolar) e 25%
foram considerados maus leitores (liam material abaixo da sua classe ou turma).

156

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICUi. DADES DE APRENDIl AGEM

O cstudo envolveu ainda a análise da fratria e do tipo de ocupação dos


pais. No que respeita àfratria, conclui-se que 60% dos bons leitores vinham
de famtlias com três e quatro membros, enquanto 20% vinham de famflias
com nove ou mais membros famiiiares. Mais: a ordem de nascimento apurad teve
também relação significativa com o ser-se considerado bom ou mau
kitor. Assim, à medida que a ordem ia do primeiro ao quinto filho, a percen:agcm dos
bons leitores crescia de 9% para 60%. Interessante é notar dc
que a percentagcm de bons e maus leitores estava igualmente associada ao
aaior ou menor número de livros existentes em casa.
Quanto à cupação dos paìs, verificou-se o seguinte: os bons leitores
pais com posições ad nistraávas em 55%, os leitores médios e os
n us leitores tinham pais naqueias posições em 25% e 27%, respectivamente.
Por outro lado, os pais com profissões na agricultura e na pesca tinham 23%
t e filhos considerados maus leitores e apenas 8% de filhos considerados
ieitores médios; 6% dos maus leitores, também possuíam pais com aquelas
ocupações laborais.
Noutra investiga ão feita por Davie Butler e Galdstein 1972, abrangendo
uma população de 15 468 crianças inglesas, foram estudadas não só as classes
sociais (pela ocupação dos pais) como outras variáveis de grande importância para a
compreensão das DA. Assim, a variávei superpopulação (consi na base de
uma/cinco pessoas por casa assoalhada), estava associada
a dois/mes-es de atraso médio na leitura; a variável ausência de comodi s {água
quente, casa de banho e lavatórios internos, etc. ), estava assoc da a nove meses de
atraso e por último, a variável tabagismo da mãe
( da pelo hábito de fumar pelo menos 10cigat os diários) estava por sua
vez associada a quatro meses de atraso na leitura.
Não restam dúvidas dc que o estatuto socioeconómico está intima mente ligado
ao aunaenZo de risco de factores biológicos (infecções, sifílis, toxoplasmose, rubéola,
anemia, docnças vasculares crónicas, várias
malfunçõés de repr dução, gravidez, nascimento, traumatismos, sequelas,
doen as, etc. ), e, inevitavelmente, afactores sociais (estimulaçãfl precoce,
envolvimento afcctivo e emocional, nutrição, oportunidadcs de desenvolyúncnto c dr
educação, cuidados médicos, privações trágicas, expectativas, etc. ) que, naturaimente
e obviamente, se reflectem no aproveitamento
escolar.
No estudo das DA, quer os factores biológicos, quer os factores sociológicos ass
mcm uma dimensão ciialéctica e ciinâmica, que tentámos superficiaiment, e sublinltar.
É certo que para os factores biológicos contribuem com
uma perrentagcm inferior à dos factores sociológicos; porém, a sua relevância é
dcterminantcomo acabámos de ver.
Provavelmente, a privação sociocultural (factor sociológico) produz os
n esmos efeitos, en termos do sistcma nervoso central, do quc uma lesão
ce bral (factor biológico) quando está em causa a análise do potencial de
aprendizagem ou o estudo das flA.

157

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

As investigações conduzidas com animais (Rosenzweig 1966, etc. ) dão-nos


uma ajuda para perceber as relações entre uns factores e os outros. Estudos teóricos
(Prescott 1967) avançam com as implicações biológicas déflces neuroestruturais,
neuroquímicos e neuroeléctricos - provocadas por privações maternais e sociais.
Outros estudos sobre malnutrição (Cravioto e colaboradores 1972) demonstraram que
tal condição introduz modificações neurobiológicas e neuropsicológicas diminuidoras
do poten cial de aprendizagem.
Todos estes contributos são mais do que evidentes para demonstrar a

inter-relação recíproca entre a hereditariedade e o meio e entre os factores biológicos e


os factores sociológicos, que estão na base da etiologia e da epidemiologia das DA.
Os estudos epidemiológicos, embora sempre incompletos, são de capital im
ortância para obviar à confusão semântica do universo de estudo das DA.

Á epidemiologia, como termo médico já avançado por Hipócrates, constitui o


estudo científico de factores que influenciam a dinânúca, a distribuição e a frequência
de uma doença em populações humanas (Welzer e Richmond 1973).
Embora o problema das DA não compreenda uma doença, como já vimos, e
independentemente dos inúmeros problemas metodológicos que se levantam,
não restam dúvidas de que os estudos epidemiológicos e os estudos
longitudinais (follow-ups) poderão trazer alguma luz ou alguma explicação acerca dos
factores e vectores biossociais que influenciam a distribuição, a frequência, o
crescimento ou redução das DA em todas as classes sociais.

Os trabalhos epidemiológicos de Rutter, Tizard e Whitemore (Isle of Wight Study


1970) e de Gruenberg (Review of Mental Retardation 1964), oferecem-nos substanciais
fontes de estudo sobre a problemática dos estudos epidemiológicos das DA.
Vejamos resumidamente alguns dos objectivos dos estudos epidemiológicos:

1) Estudar a distribuição e a incidência de condições e


factores pre dominantes (frequência de casos, taxas, percentagem por grupos e
classes sociais, etc. );
2) Implicar a deflnição científica do problema, neste caso das DA;

3) Identiflcar e localizar populações em risco;

4) Definir a necessidade de corrigir e de prevenir problemas através


de programas de intervenção;
5) Estimar o grau de sucesso dos serviços no combate ao problema; 6) Modificar
atitudes através da formação e da educação do pessoal

envolvido.

Uma das grandes barreiras que se oferece à implementação urgente de


estudos epidemiológicos compreende a ausência de um consenso sobre a definição de
DA.

158

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Sem uma definição científica e comprovada do problema, os seus limites não se


estabelecem, a imprecisão do diagnóstico alastra, a ausência das prescrições
multiplica-se e as incongruências prático-teóricas e terapêutico- reeducativas jamais se
extinguirão.
A existência de vários modelos diferentes, por vezes até lamentavel= mente
hostis e fragmentados, não facilita a aquisição de um consenso entre profissionais,
nem possibilita a aplicação de medidas socioeducacionais originando, em última
análise, uma inércia institucional que se reflecte prioritariamente nas crianças com DA,
quer sejam desfavorecidas, quer não.
O modelo médico (lesão cerebral, lesão mínima do cérebro, disfunção cerebral,
estrefossimbolia, hiperactividade, etc. ), o modelo piscológico ( desordem da
linguagem>>, dificuldades psicolinguísticas>>, desordens psiconeurológicas>>,
problemas de processamento da informação>>, problemas de inteligência>> via QI,
problemas psicomotores>>, etc. ) o modelo educacional ( atraso escolan>, diflculdades
de aprendizagem>>, dislexia>>, udificuldades na leitura>> repetências>>) e o modelo
social ( insucesso escolar e selecção social>>, uaspirações e expectativas>>,
profecias, etc. ) têm de se enquadrar interdisciplinarmente nos estudos
epidemiológicos. Neste sentido, deverão ser feitos muitos esforços para se
desenvolverprogramaspreventivos que levem à redução ou ao decréscimo das DA,
evitando por uma via as especùlações etiológicas, e por outra o aligeiramento da
confusão taxonómica.
A abordagem epidemiológica confere ao estudo das DA um outro modelo,
experimental e multifactorial, de inesgotável importância.
A rede de interacção de factores que tendem à produção das DA é tal que só na
complexidade recíproca das variáveis biológicas, psicológicas e socioculturais postas
em jogo se pode compreender a sua significação etiológica: As DA representam,
consequentemente, umafraca adaptação que envolve um número substancial de
variáveis em interacção evolutiva constante.
Na medida em que toda a aprendizagem depende do cérebro, pois é uele>> em
última análise quem aprende, é natural que qualquer factor, etiológico, biológico ou
sociológico que o afecte (ou seja causador de disfunção psiconeurológica) assuma em
termos de diagnóstico e de inter enção uma importância vital para a compreensão e a
superação dos diversos tipos de DA.
Segundo Gruenberg 1964, três tipos de disfunção cerebral devem ser
discriminados:

1) Os que têm lesões efectivas;


2) Os que têm perturbações puramente funcionais;
3) Aqueles em que se suspeita de lesões neurológicas, embora não
confirmadas.
Os primeiros incluem paralisias cerebrais e epilepsias; os segundos incluem,
segundo ó mesmo autor, as crianças privadas culturalmente; os terceiros têm sinais
neurológicos (perceptivos, cognitivos ou psicomotores) ligeiros, normalmente
associados às DA.

159

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


Caberá à investigação epidezniológica a prática preventiva de situações
(maternais, fetais, perinatais e pós-natais, etc. ) desfavorecidas, bem como ao trabalho
de equipa no jardim infantil, na pré-primária e na primária, o avanço nesta tão complexa
e atraente matéria da psicopedagogia.
O crescimento das ciências biom. édicas trará novos processos preventivos de
aconselhamento genético, de planeamento familiar, de patologia na embriologia, na
perinatalogia e na neonatalogia. O avanço nas ciências psicopedagógicas implicará
inevitavelmente novos modelos de identificação precoce, subsequentemente
interligados a curriculos de estimulação, desenvolvimento e reabilitação ao nível dos
diversos períodos de desenvolvimento, quer no seio da familia, quer nas estruturas
socioeducacionais: creches, jardins de infância, pré- primária e primária. O progresso
nas ciências sociais porá em relevo o papel nas variáveis envolvimentais, culturais e
económicas da adaptação psicossocial.
Interligando todos os contributos e sugestões interdisciplinares e adoptando,
sem perda de tempo, uma prática preventiva a todos os níveis, estamos certos de que
a frequência das DA se reduzirá substancialmente, impedindo a perda do potencial
humano de muitos jovens, crianças e respectivas fami Zias.
Um esforço social, institucional e governamental (político) será requerido para
combater a incidência das DA. Oferecer saúde, serviços sociais e de bem-estar e,
paralelamente, oportunidades educacionais desde muito cedo às crianças mais
desfavorecidas será exactamente uma das grandes prioridades a considerar para
reduzir a percentagem das DA no sistema escolar.

A intervenção precoce, e não a intervenção tardia no ensino secundário, poderá


favorecer o desenvolvimento motor, linguístico, emocional, perceptivo, cognitivo e
social das crianças com DA. Caso contrário, a escola limitar-se-á a conservar e a
intensificar as desigualdades sociais", em vez de algo fazer para as compensar.
Temos de reconhecer que certas condições d ploráveis, quer sejam bio lógicas,
piscológicas ou sociológicas, se confluem dialética e dinamicamente, porque cada
dimensão etiológica interage, constánte e sistemicamente, com as restantes,
produzindo efeitos revelados essencialmente pela escola e pelos seus agentes.
Face a esta caracterização, que está longe de se aproximar da realidade é
urgente reconceptualizar radicalmente as f lnalidades da escola e dos seus objectivos,
senão a reavaliação das prioridades sociais e das estruturas sociais jamais será
resolvida e renovada.
Em resumo, nenhuma criança desfavorecida escapa ao impacte dos problemas
que resultam nas DA. Acidentes, lesões, tentativas de aborto, etc. , têm estado ligados
a problemas de lesão mínima do cérebro, que por natureza social têm sido mais
frequentes nas classes favorecidas. Lesões do feto e falta de cuidados perinatais, por
outro lado, têm estado mais ligadas às classes desfavorecidas (Hallalan e Cruickshank
1973). Daqui às disfunções neurológicas,

1b0

ETIOLOGIA E EPlDEMIOLOGIA DAS DIFfCUlDADES DE APRENDIl lGElH

passando pelos problemas de processamento da informação (percepção, memória,


rechamada e formulação) e pelos problemas envolvimentais, atinge-se
subsequentemente as DA, que parecem surgir em crianças de todas as classes
sociais.
Caberá à inovação do sistema socioeducativo e à investigação interdisciplinar o
avanço integrado de medidas de prevenção no sector das DA. Sem se assegurar um
conjunto de aeçõcs de combate neste domínio, a sociedade actual e futura ficará
irremediavelmente privada da contribuição plena e total de inúmeros seres bumanos.
Defendemos a ideia de que é possível formar meios adequados para que todas
as crianças aúnjam as aquisições da linguagem que as tornarão membros adultos
acúvos e criadores; porém, a sociedade e a escola não poderão conánuar a aguardar
pelo critério do insucesso escolar. A responsabilidade da escola pública é educar todas
as crianças - daí a necessidade da idenúficação prec e e da prevenção, em vez de
esperar pelo falhanço. Em termos humanos e numa escola mais justa, a selecção não
se jusúficará. Eis o desafio do futuro em termos de DA.

161

rI'

c fruLo 4

VISÃO INTEGRADA DA APRENDIZAGEM

Uma visão integrada da aprendizagem humana orientada no sentido de


comparar os processos de aprendizagem entre a criança com DA e a criança portadora
de deficiência exige uma linguagem transdisciplinar, para além de uma relação
integrada e sistémica de conceitos.
Para melhor analisarmos a dimensão deste problema, vamos colocar,
aprioristicamente, os seguintes pontos de reflexão:

1) Aprendizagem e comportamento;
2) Teorias de aprendizagem;
3) Aprendizagem humana e aprendizagem animal;
4) Aprendizagem, estímulo, reflexo e condicionamento;
5) Aprendizagem e motivação;
6) Aprendizagem, habituação e reforço;
7) Aprendizagem e encadeamento; 8) Aprendizagem e discriminação;
9) Aprendizagem e memória;
10) Aprendizagem, noção de desenvolvimento, noção de deficiência e
de dificuldade de aprendizagem;
ll) Condições da aprendizagem: neurobiológicas, socioculturais e
psicoemocionais;
12) Sistemas psiconeurológicos de aprendizagem: sistemas de
processamento de conteúdo; sistemas de processamento sensorial e sistemas de
processamento cognitivo.
Aprendizagem e comportamento

A aprendizagem tem sido estudada por grande número de investigadores


durante os últimos 60 anos, e todos eles são unânimes em considerá-la o
comportanento mais importante dos animais superiores.

163

INSUCESSO ESCOIAR - AB, ORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

Obviamente que não podemos, rigorosamente, rever ou resumir un campo tão


complexo e controverso como é o da aprendizagem. Abordare ` apenas alguns
conceitos que consideramos mais significativos e adequadot:; aos fms que nos
propomos atingir.
Em síntese, a aprendizagem constitui uma mudança de comportamento
resultante da experiência. Trata-se de uma mudança de comportamento ou de conduta
que assume várias características. É uma resposta modificada, estável e durável,
interiorizada e consolidada, no próprio cérebro do indivíduo.
A aprendizagem compreende, por eonsequência, uma relação integrada entre o
indivíduo e o seu desenvolvimento da qual resulta uma plasúeidade adaptaúva de
comportamentos ou de condutas.

Tal modificação do comportamento, provocada pelas experiências passadas, é


uma função do sistema nervoso central.
Os mecanismos envolvidos na aprendizagem não são ainda totalmente
conhecidos. Por meio de investigações, reconhece-se já os seguintes factores: a
importância dos processos neurológicos; o papel da actividade bioeléctrica; a
dependência de reacções químicas; os arranjos moleculares nas células nervosas e
gliais; a eficiência sinápúca; os aaços de memória; o metabolismo proteico, etc.
A aprendizagem é, ponanto, uma função do cérebro. Não há uma região
especifica do cérebro que seja exelusivamente responsável pela aprendizagem. O
cérebro é um todo funcional e estrutural responsável pela aprendizagem. A
aprendizagem resulta de complexas operações neurofisiológicas e neuropsicológicas.
Tais operações associam, combinam e organizam estimulos com respostas, assimilaç-
ões com acomodações, situa ões com acFões, gnósias com práxias etc.

Teorias da aprendizagem

Várias teorias têm sido advogadas para nos esclareeer sobre a proble máúca da
aprendizagem. As teorias conexionitas estimulo-resposta, em que ressaltam os
trabalhos de Thorndike e Hull, defenderam que a aprendizagem depende da relação
compreendida entre o esúmulo e a resposta. O primeiro autor especificou a
aprendizagem em três leis: a do exercício, a da aptidão e a do efeito. O segundo
equacionou a aprendizagem em modelos matemáúcos, entrando em linha de conta
com o número de tentativas, a quanúdade de reforço, a intensidade do estímulo, a
inibição reacúva e a inibição condicionada, eomo funções predictivas do potencial de
aprendizagem.
Guthrie, outro behaviortsta avançou com vários postulados: o da associação
entre o estímulo e a resposta; o da adaptação positiva, isto é, a lei de frequência de
Watson; o do hábito e da ocorrêneia e, por último, o do

16

VISÃO INTEGRADA DA APREN Dl7 AGEM

condicionamento, isto é, a evocação de respostas por estímulos incondionados {pré-


determinados, inatos e invariantes), substituídos posteriormente por estímulos
condicionados, que segundo Pavlov tendem a provocar reflexos psíquicos,
Tolman, a quem se deve a teoria do sinal, introduz a noção de significação entre
o estímulo e a resposta correspondente, sublinhando a totalidade do comportamento,
ao contrário das anteriores teorias, que por fragmentarem o comportamento foram
consideradas moleculares. As variáveis intervenientes entre a situação e a acção são
diferenciadas em: interesse, apetite, tendência, aquisições anteriores, motivação, etc.
Os gestaltistas, entre os quais teremos de reconhecer Wertheimer, Kohler,
Koffka e Lewin, transformam a noção de aprendizagem em relações interiorizadas de
significação entre o estímulo e a resposta, quer no todo, quer nas suas partes, a que
chamaram insight. Esta teoria foi posteriormente adoptada por Hilgard, a quem se
deve a teoria funcionalista, e foi fundamentalmente aplicada à educação por Dewey.
Outras teorias merecem referência, como as de Woodworth, Miller e Skinner.
Todos estes autores combinam os conceitos anteriores, sendo de destacar, pela sua
importância, a teoria do condicionamento operante. Para Skinner, a aprendizagem
reflecte-se na mudança de comportamento, porque é emitida pelo organismo e não
pelo estímulo. A resposta desejada tem probabilidade de êxito se a sequência das
respostas for encadeada (shaping concept) do simples ao complexo, e com base
sempre no reforço de respostas correctas, evoluindo progressivamente por meio de
aquisições bem sucedidas.
Este simples resumo sobre as teorias da aprendizagem mais significativas não
pode omitir as de Hebb 1958, e de Anokhine 1975.
O primeiro, defende a aprendizagem como o resultado de interacções
interneuronais (redes) e de mudanças sinápticas dependentes de sistemas internos e
de sistemas ideacionais. Tais sistemas são baseados: na atenção (controlo dos
neurónios que não interessam à tarefa em causa) e na inibáção (processo de selecção
e recrutamento de neurónios para a manutenção de funções cognitivas).
O segundo, discípulo de Pavlov, encara o comportamento como uma
manifestação psíquica superior que se desenrola através de sistemas funcionais
complexos, desde os reflexos adquiridos fllogeneticamente até aos automatismos mais
diferenciados, adquiridos ontogeneticamente, e que constituem a experiência socáo-
histórica da Humanidade. Para o mesmo autor a aprendizagem envolve funções
psíquicas superiores resultantes de sistemas que combinam funções neurofisiológicas
inferiores. Luria 1973 e Vygotsky 1962 completam esta dimensão, afirmando que o
comportamento deve ser encarado como um sistema funcional complexo que organiza
e autoregula reflexos, sensações, automatismos, emoções, percepções e
conceptualizações de origem sócio-histórica.

165
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Aprendizagem bumana e aprendizagem animal


Com base nas teorias da aprendizagem, podemos inferir que a aprendi zagem
humana é evidentemente diferente da aprendizagem animal. No animal, o
comportamento adquirido, arbitrária e circunstancialmente,

não reflecte qualquer planificação, previsão ou selecção. A resposta modificada é


imediata e prática; não resulta, portanto, de uma escolha entre várias hipóteses. A
aprendizagem animal, quer se trate de um rato de laboratório, de um golfmho ou de um
primata, é ditada por um repertório restrito de comportamentos, i. e. , pouco plástico e
pouco generalizador. Por outro lado, nenhum animal, por mais inteligente que seja,
pode transmitir novos comportamentos para outros elementos da mesma espécie ou
para as suas novas gerações. As experiências dos Gardner 1985 com o chimpanzé
Washoe são elucidativas a este respeito.

No ser humano, a aprendizagem é o reflexo da assimilação e da con servação


do conhecimento, do controlo e da transformação do meio que foi acumulado pela
experiência da Humanidade através dos séculos.

O Homem é eminentemente o animal da aprendizagem.

Escolhe uma entre várias hipóteses possíveis. Compara várias formas para
alcançar um fim ou um resultado. Elabora planos, executa-os e avalia os resultados
obtidos. Descobre a solução antes de a aplicar, utilizando para o efeito uma
planificação antecipada das acções exigidas pelas tarefas.

Tudo isto possível e explicável através: primeiro, da hominização do corpo e da


acção; e segundo, da hominização do espírito e do pensamento.

As acções com as mãos seguiram-se as acções com as palavras, como afirmou


Leontiev 1975. De facto, a aprendizagem apoia-se na linguagem interior. É através dela
que se planifica as acções, usando o ajustamento às situações envolventes. A partir de
uma linguagem não verbal e gestual, a experiência humana transformou a informação
sensorial num processo cognitivo, inventando, para esse efeito, um código que a
representa.

A mente humana alcançou, assim, a maior aventura em que alguma vez esteve
envolvida, encontrando de facto um processo de comunicação e exprimindo-se por
meio da linguagem articulada (tradição oral).

Foi preciso outro longo processo histórico para que a linguagem falada fosse
materializada numa linguagem escrita, permitindo o acesso à leitura, como processo
receptivo, e à escrita, como processo expressivo.

A relação entre um sistema linguístico e um sistema conceptual


estabeleceu-se então por meio do símbolo, produto mental pelo qual o pensamento se
exprime e se organiza.
Está deste modo encontrado o meio de transmissão de aprendizagens
para as novas gerações. A linguagem, surgindo às novas gerações como exterior, vai
sendo progressivamente interiorizada e apropriada. Assimilando-a e compreendendo-a
individualmente, as novas gerações foram e vão tomando contacto com sistemas de
significação que resultaram e resultam da experi

166

VISÃO INTEGRADA DA APREN Dl7. AG lIl

ência social das gerações passadas (transmissão cultural transgeracional). A


metamorfose das novas gerações garante, pelo dominio da linguagem, a continuidade
e a renovação das aprendizagens das gerações passadas (Ajuriaguerra 1976).
A aprendizagem no ser humano, ao contrário do que acontece no animal, é o
corolário de duas heranças dialecticamente complementares. Dum lado, a herança
sociocultural, na qual entram em linha de conta os factores antropológicos e,
necessariamente, a linguagem. Do outro a herança biológica, onde entram em jogo os
comportamentos programados pelo genótipo e que decorrem do desenvolvimento
ontogenético.
A partir da interacção da evolução sócio-histórica com a evolução filogenética e
ontogenética, o Homem constrói o futuro a partir do passado. Reexperimentando e
generalizando novos processos de aprendizagem, a Humanidade vai edificando novos
horizontos culturais, acrescentando sempre algo mais à própria natureza e à cultura.
Em resumo, a aprendizagem visa uma adaptação a situações novas, inéditas,
imprevisíveis, i. e. , uma disponibilidade adaptativa a situações futuras.

Aprendizagem, estímWo, reflexo e condicionamento

A noção de aprendizagem, para além de estar ligada à noção de


comportamento, como acabámos de ver, está implicitamente relacionada com outros
conceitos psicológicos importantes, nomeadamente com os seguintes: estimulo,
reflexo, condicionamento, discriminação e memória (Berkson 1975).
A noção de estimulo compreende a recepção de determinados tipos de energia
(luz, vibração, pressão, etc. ) que são traduzidos e diferenciados pelos órgãos centrais,
que por sua vez enviam informações integradas aos órgãos efectores para
efectuarem" determinados produtos.
Arelação estímulo sensorial-resposta motora, que constitui o processo mais
elementar dos seres vivos, foi designada por Ramon e Cajal 1937 por arco reflexo. A
noção de estímulo coloca, por dedução, a noção de reflexo, condição indispensável de
adaptabilidade ao meio-ambiente e característica básica dos seres vivos.
Pavlov e os seus continuadores ajudaram-nos a compreender a complexidade
do reflexo, centrando nele o ponto de partida da aprendizagem. Explicaram-nos
também o papel da substituição dos reflexos incondicionados em reflexos
condicionados, a que se encontra associada a noção de condicionamento.
Em linhas gerais, podemos concluir que a probabilidade da resposta desejada
tem muito a ver com a esu uturação, a intensidade e a relevância dos estímulos. Daí a
importância do envolvimento e das situações de aprendizagem parasitas, e de
maximizar outros que possam controlar a atenção e a concentração exigidas pela
situação de aprendizagem.

167

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Aprendizagem e motivação

A noção de motivaÇão está também intimamente ligada à noção de apren


dizagem. A estimulação e a actividade em si não garantem que a aprendizaem se
opere. Para aprender é necessário estar-se motivado e interessado. Á ocorrência da
aprendizagem depende não só do estímulo apropriado, mas também de alguma
condição interior própria do organismo ( sede curiosidade etc. ).

Aprendizagem, habituação e reforço

As noções de habituação e de reforço colocam a importância da frequência da


experiência, isto é, o número de vezes em que ela ocorreu. As mesmas noções
encontram-se por sua vez associadas à noção de exercício e de repetição. Inúmeras
investigações provaram que a repetição em si pode levar à automatização e à baixa de
atenção e vigilância, podendo, obviamente, afectar a aprendizagem. Para compensar
esta tendência que pode interferir com os níveis de motivação, é necessário associar o
reforço e a compensação (reward). Sabemos por experiência que a probabilidade de
ocorrência da resposta modiflcada está significativamente associada ao reforço positivo
e gratificador.

Aprendizagem e encadeamento
A noção de encadeamento demonstra que a aprendizagem se opera mais
eficientemente por sucessivas aproximações à resposta desejada. A aprendizagem,
por mais simples que seja, decompõe-se nos seus elementos, organizados e
combinados por complexidade crescente. Esta noção pressupõe a programação
cuidadosa de todas as fases de aprendizagem de qualquer tarefa, (task analysis),
evitando, tanto quanto possível, a evocação de respostas incorrectas. Por outro lado,
esta noção de encadeamento implica a utilização de um reforço adequado à medida
que o repertório de comportamentos se vai diferenciando. Trata-se de um processo
lento, mas de certa forma compensador, por permitir uma aprendizagem de sucesso
em sucesso.

Aprendizagem e discrim ação

A noçâo de discriminação vem colocar-nos diante de um problema de


rocessamento de informação e de descodiflcação quando estão em causa pares de
estímulos exigindo, por consequência, por si só, um princípio lógico de comparação.
Quando dois estímulos são semelhantes, dá-se uma identificaÇão. Quando dois
estímulos são diferentes, dá-se uma discriminação. Em

168
VISÃO IMEGRADA DA APRENDDrlGEbl

qualquer dos casos, a resposta desejada perante os estímulos em jogo implica umas
vezes a sua facilitação, outras vezes a sua inibição. Os estímulos devem agora ser
analisados no seu todo e nas suas partes. Os seus aspectos críticos deverão ser
integrados, a fim de que o indivíduo possa diferenciar entre pares de estímulos ou de
objectos que se distinguem pela cor, pelo tamanho, pela forma ou por outros atributos e
características relevantes.
Sem se integrar este aspecto do domínio perceptivo, que compreende a função
de descodificação de pares de estímulos visuais, auditivos ou tactiloquinestésicos, as
funções cogniúvas de conservação e de combinação da informação encontram-se
consequentemente alteradas.

Aprendi em e memórie

Por úlúmo, a noção de memória, de extrema complexidade, não pode dissociar-


se igualmente da noção de aprendizagem, que põe em jogo um certo tipo de memória,
isto é, de conservação da experiência anterior. Em certa medida, é o meio através do
qual se estabelece a noção de controlo que nasce do exame da experiência anterior,
em confronto com a experiência presente. Desta forma, o indivíduo não necessita de
partir da primeira experiência para encontrar a resposta adequada; pelo contcário, ele
soluciona a situação a parúr da sua última experiência. Esta noção impede o processo
arbiúário e espontâneo das tentativas e erros, que se baseia na frequência de
tentaúvas e na redução eircunstancial de respostas incorrectas até encontrar a
resposta desejada.
A memória compõe-se de dois processos: um bioeléctrico (nível nervoso) e outro
bioquímico (nível sináptico), que se fundem na noção de engramaunidade memorial de
conservação da informação, consolidada e integrada pela acção dos ácidos nucleicos.
O estímulo, ao ser repetido, é integrado funcionalmente, produzindo por esse
efeito facilitações sinápúcas que têm por função conservar a informação. Tais
facilitações sinápticas são de dois úpos: de curto termo e de longo termo.
Segundo a teoria de oscilação de Lachman, a amplitude das oscilações das
ondas bioeléctricas (ondas alfa) toma-se mais extensa durante a aprendizagem,
provando, de ceno modo, a flexibilidade das funções cognitivas. Ao estabelecerem-se
as interconexões estímulo-resposta, a transmissão do impulso processa-se sem
rzsistências e sem perdas inúteis; daí a modificação da amplitude das ondas
bioeléctricas, provocando entre os centros rece tores, integradores e efectores
melhores vias de comunicação neurológica.
A memória é a base do raciocínio. Ao chaman, e rechaman a informação, o
cérebro está apto a combiná-la e a organizá-la. Não se combina o que não se
conserva; daí o pápel integraúvo da memória, função indispensável à análise, à
selecção, à conexão, à síntese, à formulação e à regulação das informações
necessárias à elaboração, à planificação e à execução de comportamentos.

i69

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGr7GICA


A memória armazena e preserva a informação. Só depois da consolidação
(Eysenck) se dá a compreensão. Só reconhecemos estímulos depois de estes se
encontrarem retidos.

Novas a Prendizagens

EXPRESSÃO

PENSAMENTO I I RESPOSTAS

percepção organismo modificada organìsmo modificado


modificado MEMÓRIA /

ARMAZENAMENTO
REMEMORIZAÇÃO

Figura 50 - Modelo integrado da aprendizagem

Este dado é válido até mesmo para a aprendizagem da linguagem falada. A sua
aquisição requer que a informação auditiva seja armazenada e conservada, depois de
ter sido compreendida (linguagem interior). Só a partir daqui a linguagem é integrada e
formulada, para ser posteriormente exprimida.
A memória associa, portanto, as funções de recepção e as funções de
expressão, pois estas não se dão sem as funções de armazenamento, compreensão,
integração e formulação (rememorização).
Esquecer é desaprender. Esquecer coisas é provavelmente o resultado de as
não ter aprendido, ou de as não ter organizado de forma suficiente interiormente.
Está provado por investigações que a dificuldade em adquirir novas
recordações, ou em se lembrar de nomes e acontecimentos, interfere
significativamente com a aprendizagem e com as suas transferências proactivas. Da
mesma forma se sabe hoje que a memória envolve a função do hipocampo e do ciclo
de Papez, para além do sistema límbico. Quer dizer: a memória é um sistema
funcional, e inter-hemisférico, extremamente complexo, que afecta a aprendizagem,
principalmente no que respeita à memória de curto termo. Cada vez mais a memória
tem de ser dinamicamente (e não mecanicamente) colocada em situação, pois parece
estar provado que a sua treinabilidade facilita a aprendizagem.

Aprendizagem, noção de desenvolvimento, noção de deficiência e de dificuldade de


aprendizagem

Certamente que há variadíssimos critérios que associam a aprendizagem aos


conceitos de evolução, maturação, hierarquização, em suma, ao desen

170

VISÃO INTEGRADA DA APRENDIZAGEM


volvimento, noções estas que historicamente têm caracterizado o estudo da criança, da
noção de deficiência e de dificuldade de aprendizagem.
As definições destes termos, porém, não são normalmente concordantes. No
nosso caso, desejamos apenas avançar com alguns subsídios que nos ajudem a ver a
aprendizagem e as dificuldades (DA) e a noção de deficiência no contexto, não do
comportamento que acabámos de abordar, mas no contexto do desenvolvimento.
O desenvolvimento, de uma forma global, compreende todas as mudanças
contínuas que ocorrem desde a concepção até à morte, e nelas entram em interacção
a evolução, a maturação e a hierarquização (Quiros 1978).
A evolução refere o desenvolvimento biológico dos comportamentos inatos. Os
processos como a mielinização sinastrogenese, a migração neuronal ou outras
modificações bioquímicas, como as várias mudanças metabólicas, hormonais,
electrolíticas e outras modificações do organismo, estão aqui incluídas. Em resumo,
compreende a evolução filogenética.
A hierarquização refere a complexiflcação crescente da experiência que nasce
com a sensação (estimulação), prolonga-se pela percep ão (sensações convertidas e
interpretadas), pela imagem (diferenciação, retenção e significação da experiência),
pela simbolização (representação da experiência), e culmina na conceptualização
(classificação e categorização da experiência).
Consequentemente, a aprendizagem reflecte a aquisição de comportamentos
hierarquizados que, no seu todo dialéctico, compreendem o desenvolvimento,
reciprocamente dependente das multi-influências do envolvimento.
Ao longo dos tempos, variadíssimas concepções sobre desenvolvimento têm
sido estudadas e dentro delas destacamos fundamentalmente: o préformismo, o pré-
determinismo, o envolvimentalismo e o interaccionismo (Smyth e Neisworth 1975).
No préformismo, o desenvolvimento foi encarado apenas como um aumento de
tamanho, como se tudo estivesse pré- formado no momento da concepção. Nesta
perspectiva, o envolvimento não tem qualquer função. A criança é vista puramente
como um mini-adulto. O desenvolvimento resume-se a verificar uma escala de
reacções pré-estabelecidas. Esta concepção foi dominante até ao período da
Revolução Francesa.
E interessante notar que a deficiência e a DA nesta concepção são aceites como
inatas e estáticas, não se alterando sob qualquer tipo de intervenção. A deficiência e a
DA são, portanto, aceites com resignação, traduzindo muitas vezes atitudes de rejeição
imediata, como se viu em Esparta, com a eliminação de crianças que apresentassem
no momento do nascimento qualquer anomalxa, ou atitudes de punição divina ou de
paternalismo, como se viu no cristianismo. Noutros movimentos culturais a deficiência e
a dificuldade foram consideradas intoleráveis, subsistindo aqui abusos do poder da
normalidade ideál que foram, na Idade Média, explorados ao extremo, com atitudes de
segregação associadas a manifestações demoníacas, a perseguições e
encarcerações.

171

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

No pré-determinismo, posição defendida inicialrmente por Rousseau (1712-


1779) e, posteriormente, por Pestalozzi (1746-1827) e Froebel (1782-1852), posição
esta dominante até aos princípios de 1900, o desenvolvimento compreende um
conjunto de mudanças qualitativas. Reconhece-se o papel do envolvimento, mas
apenas numa dimensão corruptiva. A criança é vista como um ser diferente do adulto a
quem se deve dar liberdade para que as suas capacidades naturalmente se
expressem. A criança nesta posição é encarada como atravessando um conjunto de
fases (estádios) até chegar à idade adulta. O desenvolvimento é encarado
exclusivamente como uma maturação biológica e como uma auto-regulação
espontânea endógena, centrada na criança. Cabem também aqui as concepções do
inatismo e do naturalismo onde se destacam Lombroso com o seu conceito de
personalidade criminal Esquirol e outros, e de certa forma, as de Gesell 1948, e Piaget
1960, nos seus primeiros escxitos. Em estudos mais recentes de base genética, esta
concepção eugénica volta a ser defendida numa espécie de darwinismo social", como
vemos em Jensen e Eysenck, podendo ser levada ao extremo das uselectividades
genéticas perigosas e abusivas.
A deficiência e a DA, nesta posição, dependem de um potencial genético
desfavorecido, respeitando igualmente a intrusão inapropriada (ou infeliz") dos factores
pré e perinatais. O envolvimento pode fazer pouco para compensar a constituição
endogéna pré-deternúnada e inevitável. Parece aqui ressaltar uma concepção
despótica da hereditariedade. A deficiência e a DA são observadas como incuráveis e
irreversíveis. Tratava- se, segundo os seus defensores, de uma aberração do padrão
natural" de desenvolvimento, que é guiado e dominado por variáveis biogenéticas. O
envolvimento, em suma, não é a causa do desenvolvimento, é apenas o lugar onde ele
decorre. Como o desenvolvimento é biologicamente determinado, a intervenção é
quase exclusivamente de natureza médica (cirurgia, medicamentos, hormonoterapia,
etc. ).
A deficiência e a DA, aqui, estão associadas a crenças sobrenaturais e a
atitudes de compaixão e caridade. À medida que a medicina se foi aprofundando, os
estigmas proliferaram, valorizando atitudes de marginalização e de exclusão. Os
deficientes e as crianças com DA foram vistos como indesejáveis, porque perturbavam
e ameaçavam a ordem social e escolar. É a época dos internamentos e da
institucionalização da deficiência.
É claro que esta perspectiva extremista não pode explicar porque é que muitas
crianças diagnosticadas como deficientes mentais, e com DA não apresentam
qualquer defeito orgânico e não têm, na sua história clínica, qualquer deficiência
hereditária (Reese e Lepsitt 1970 e Tredgold e Soddy 1956). Tal perspectiva
redncionista defende que a deficiência ou a DA é pré-deternúnada basicamente por
factores poligenéticos e biológicos, limitando a prevenção e a intervenção apenas ao
foro biomédico.

O KenvolvimentalismoN responde a um extremismo com outro. Os factores


biológicos passam a ser minimizados em relação aos factores do meio.

Esta perspectiva, que tem em Locke (1632-1704) o seu primeiro defensor,


advoga a filosofia da tábua rasa, ressaltando a convicção de que o

172

VISÃO IMEGRADA DA APRF XDl IAGD!


eérebro está em branco no momento do nascimento e negando por essa via o papel
dos factores pré-estruturados, como as modificações bioquímicas, metabólicas,
neuroéndócrinas, neurológicas, etc.
De uma perspectiva pré-deternúnista, cujo enfoque se dá nos factores biw
lógieos, passa-se a uma perspectiva uenvolvimentista cujo enfoque se dá nos factores
não biológicos. Estamos no abehaviorismoN, que tem em Watson, 1925 o seu grande
impWsionador, emergindo em termos de rcacção à psicanálise, corrente intcospectiva
esta que defendeu a aprendizagem como uma função exclusivamente dependente de
factores emocionais e inconscientes.
O desenvolvimento é então encarado como dependendo unicamente do meio.
Os factores exógenos são agora sublinhados como determinantes quanto à natureza, à
direeção e ao ritmo do desenvolvimento.
Itard 1832, Seguin 1866 e Montessori I 912 e muitos outros estão nesta linha,
recaindo exageradamente na tese da educação sensorialH como condição
indispensável ao desenvolvimento. Esta perspectiva influenciou não só a psicologia
através do behaviorismo mas também a educação pelo humanismo, e até mesmo a
sociologia e a antropologia por meio do determinismo cultural. As variáveis que se
reforça e se considera são as situacionais e as exógenas, não se dimensionando
qualquer relação com as variáveis biológicas endógenas. A criança é, portanto, nesta
concepção, um produto exclusivo das condições do envolvimento.
De acordo com esta perspectiva, a deficiência e as DA são concebidas sem
quaisquer bases psicofisiológicas. A deficiência aqui é vista como gerada pelo
envolvimento ou pela sociedade. Negam-se as síndromas genéúcas autossónicas
(Edwards, Patau e Down) e genossómicas (Turner, Klinefelter e outros), bem como os
exemplos das crianças fenilcetonúricas, em que um erro metabólico, se não for
identificado precocemente e corrigido por dieta adequada, pode vir a provocar,
inevitavelmente, a mulúdeficiência.
O extremismo destas versões, umas vezes eimpGstas, outras vezes
eneantatórias e enganadoras, continua, como força ideológica caraeterísúca, a
dificultar a compreensão da dialécúca da ontogénese e da disontogénese.
No interaccionismo, o biológico não se reduz ao social. Um é condição vital do
outro. Leontiev 1975, Vygotsky 1962, Ausubel e Sullivan 1970 e especialmente Wallon
1968, Feuerstein 198 I e os seus continuadores são os protagonistas mais significativos
desta concepção.
O desenvolvimento é concebido como o resultado de complexas interacções
entre a hereditariedade e o meio. A hereditariedade não se opõe ao meio. E em função
da sua hereditariedadè que o ser humano cria o seu meio, mas é o meio que dá à
hereditariedade as suas expressão, orientação e forma (7 "o I968). A hereditariedade e
o meio, quer seja intra, quer extrauterino, não são separados. Em si, constituem uma
unidade dialéctica e evolutiva. O desenvolvimento é, portanto; o produto acumulado de
relações recíprocas entre a hereditariedade e o meio, que de novo actuam com o
envolvimento, como demonstraram vários estudos epidemioIógicos.

173

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


A deficiência e as DA, nesta perspectiva, são equacionadas como um pro blema
de natureza evolutiva cuja causa hereditária é poligenética. Nesta concepção, a
hereditariedade só actua sozinha no momento da formação do zigoto. Em todos os
outros processos embriológicos e fetais, ou neo e pós-natais, o potencial hereditário é
modificado e activado pelas influências do meio.

Desta forma, a hereditariedade desviante pode ser significativamente corrigida


através da prevenção ou da intervenção adequada do envolvimento. A investigação
médica e genética para lá caminha. O exemplo da amniocentese é disso uma prova
concludente.
Com algumas excepções, e neste caso referimos as de ordem genética, os
problemas da deficiência e da DA são evolutivos por natureza, poligenéticos na sua
etiologia e significativamente modificáveis por meio de intervenções adequadas do
meio, como assegurou Feuerstein 1985 com o seu modelo de modiflcabilidade
cognitiva, diferenciando factores distais e proximais, conforme o modelo seguinte.

174

Figura 51- Modelo de modificabilidade cogniúva, de Feuerstein

VISÃO INTEGRADA DA APRENDI?AGEM

A prevenção, o aconselhamento genético e o planeamento familiar, para além


de condições de vida minimamente favoráveis e do desenvolvimento cienúfico de
programas e de sistemas de ensino e de reabilitação, podem jogar, no futuro, um papel
deternúnante na redução da sua incidência.

Condições de aprendizagem: neurobioló cas, socioculturais e psicoemocionais

Como acabámos de ver, a aprendizagem é, para a criança portadora de


deficiência ou não, a tarefa central do seu desenvolvimento. A aprendizagem visa a
utilização de todos os recursos da criança, quer sejam endógenos (hereditariedade),
quer exógenos (meio), no sentido de uma optimização funcional de modo a garantir
uma adaptaçâo psicossocial no maior número de circunstâncias possíveis, onde entra
em linha de conta uma multiplicidade de factores: neurobiológicos, socioculturais e
psicoemocionais, íntima e dialecticamente inter-relacionados.
A adaptação favorável só é possível quando existe um equilibrio dinâmico
mínimo entre todas as variáveis consideradas. Por aqui, apercebemo-nos de que a
aprendizagem é um fenómeno adaptativo complexo, influenciado e influenciável pela
interacção dos múltiplos factores apontados. Convém focar que este aspecto é válido
quer para a criança não deficiente, quer para a criança portadora de deflciência, visto
estar em causa um problema de maximização e optimização do potencial humano
inerente a cada um dos casos.
Vejamos agora rapidamente as condições que afectam a aprendizagem. Numa
breve análise, para além dos factores neurobiológicos referidos na Figura 45, há que
entrar em linha de conta com vários sinais de risco naturalmente associados, segundo
investigações, a problemas de aprendizagem. De acordo com estudos epidemiológicos,
várias condições têm sido apontadas como interferindo negativamente com o potencial
de aprendizagem. Dentro dos factores mais significativos indicam-se os seguintes:
factores de risco pré, e peri-natais; prematuridade; hipoxia; asfixia neona tal; taxa de
hemoglobina baixa; problemas infecciosos; baixo peso ao nascer; viroses; insuficiência
placentária; anemia; nível energético baixo; etc. Muitos destes factores encontram-se
frequentemente associados a lesões minimas do cérebro, caracterizados por pequenos
e equívocos (soft) sinais neurológicos que implicam com o mvel de aprendizagem,
como sejam: níveis baixos de atenção selectiva; dispraxia; problemas de controlo;
dificuldades visuoconstrutivas; défices auditivos e visuais; disfunções cognitivas;
problemas de comportamento; alterações neuropsicológicas ligeiras no EEG
(actividade lenta excessiva); etc.
As condições de aprendizagem satisfatória devem obviamente evitar ou eliminar
todos estes sinais neurobiológicos que apontámos (Fonseca 1979).

175

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Os factores socioculturais mais focados nas estudos longitudinais e que estão


significativamente associados à redução do potencial de aprendizagem são os
seguintes: envolvimento desfavorável; zonas pobres quer urbanas, quer rurais;
malnutrição; familias pobres desorganizadas e superlotadas; grandes fratrias; fracos
salários; poucos objectos à disposição; fraca interacção e mediatização entre os
adultos e as crianças, quer no plano lúdico, quer no plano linguístico, podendo originar
códigos restritos e pouco elaborados; etc. Todas estas condições socioculturais, como
é óbvio, tendem a agravar a vulnerabilidade biológica das crianças mais
desfavorecidas.

NEUROBIOLÓGICOS SOl'IOf'ULTURAIS

. Org. neurológica intrínseca Envolvimento afecúvo


--l
Atenção-percepção-conceptua- . Nível socioeconómico
lização
Factores aferentes e eferentes Nutrição
(input-output)
Meio urbano-rural
Processo de informação Subcultura
(V-A-TQ) Facilidades de
I7isfunções da linguagem desenvolvimeto
Estimulação precoce
Deficiências somáúcas Serviços médico-sociais
Estatuto dos pais
Expectativas

Privação sensorial
% Interacção mãe-filho
(insuficiência, distorção
e discontinuidade)
Desenvolvimento perceptivo
Padrões de adaptação
Funções cognitivas
Ansiedade - self eoncept
Desenvolvimento
da personalidade

Figura 52 - Factores da aprendizagem

176

VISÃO IMEGRADA DA APRENDIltlGFrb

Dentro desta área, devemos igualmente assinalar os sinais de risco inerentes às


instituições educacionais. Aqui, vários factores têm sido apontados, como sejam: a
inexistência de uma educação pré-primária compensatória; sistema educacional rígido;
expectativas negaúvas e atitudes pessimistas dos professores; escolas superlotadas e
mal equipadas; professores mal qualificados e inexperientes, que perdem tempo com
problemas de diseiplina; cumculo pouco adequado às necessidades especiais das
erianças; estimulação excessiva ou inadequada por exigências de avaGação; etc. Tais
situações colocam objectivamente a necessidade de modificar a escola e os seus
agentes, pois parece cada vez mais evidente que ela não se encontra apta para as
crianças. São necessários: centros de recursos; novos processos; programas
individualizados; formas de observação e avaliação; planos de intervenção e de
identificação precoces; etc.
Por último, os factores psicoemocionais mais relacionados com o haco potencial
de aprendizagem têm resultado do produto dos factores neucobiol gicos e
socioculturais apontados. Os psicoanalistas, os psiquiatras e os psicólogos clínicos têm
focado a importância da noção integraúva da personalidade (ego). A ansiedade, a
fantasia, a confusão, o medo, o desinteresse complicam o quadro. O papel da mãe é
crucial, como sabemos, para o desenvolvimento da personalidade da criança. Mães
deprimidas, isoladas, frustradas e ansiosas ou que abandonem as crianças a si
próprias, muitas vezes por razões sociais e de emprego, podem afectar a fonnação do
ego. A relação causa-efeito dos problemas escolares com os problemas emocionais
merece ser aprofundada, através de mais estudos dinâmicos, de forma a controlar os
factores psi coemocionais que possam prejudiear a realização plena do potencial de
aprendizagem, pois só com tais estudos se poderá diminuir a incidência das
dificuldades de aprendizagem nas populações em risco.
As crianças desfavorecidas, deficientes ou não, devem ter as mesmas
oportunidades para realizarem o seu potencial biopsicossocial. Só controlando os
factores etiológicos, neurobiológicos, socioculturais e psicoemocionais se pode
combater a pobreza e os seus efeitos, promovendo no plano concreto a iguaGzação de
oportunidades educacionais e sociais.

Sistemas psiconeuroló cos de aprendizagem

Para aumentannos a eficiência dos processos, precoces ou não, de identifcação,


diagnóstico e intervenção (pedàgógica) é necessário estudar as condições de
aprendizagem dentro de conceitos mais aprofundados, nomeadamente atcavés de
modelos de informação, podendo assim maximizar o potencial de aprendizagem da
criança ponadora de deficiência e da criança não deficiente.
Já atrás apontámos que a aprendizagem é uma função do cérebro. É
efecúvamente o cérebro que aprende, mas só quando as condições de risco, que
apontámos atrás, se encontram reduzidas ao mínimo.

177

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A aprendizagem satisfatória dá-se quando deternúnadas condições de


integridade estão presentes. As condições de integridade mais preponderantes, sem
incluir os factores anteriormente assinalados, são as funções do sistema nervoso
periférico (receptores à distância, chamados <<telerreceptores, e receptores
proximais, chamados <<proprioceptores, ) e asfunções do sistema nervoso central
(armazenamento, integração, formulação e regulação).
A aprendizagem envolve, efectivamente, um processamento de informação,
jogando com processos sensoriais (recepção), neurológicos (descodificação,
transdução, retenção e codificação) e psicológicos (percepção, imagem, simbolização e
conceptualização). Em suma, a aprendizagem coloca simultaneamente dois problemas:
um neurológico e outro de comportamento; daí que uma dificuldade de aprendizagem
seja entendida, por um lado, como uma disfunção cerebral e, por outro, como um
problema de comportamento.
A aprendizagem envolve um conjunto de sistemas, denominados por Mykblebust
1978 sistemas psiconeurológicos de aprendizagem. Estes sistemas referem um
processo conjunto baseado em operações neurológicas e manifestado em
concomitantes psicológicas (Johnson e Myklebust 1967).

v or S/MBOI. IZA 0
5 o IMAGEM

51<V o PERCEP AO
5p TQ
55
o ~
e
A. -, TQ Y EZ

A I TQ

DE 5 :"'
PROCESSAMENTO
SENSORIAL

Legenda: HD- Hemisfóro dimito TQ- Sistema tacÚloquinestésico I -IE - Hemisfbrio


esquerdo V - Sistema visual
A - Sistema auditivo

Figura 53 - Sistemas psiconeurológicos de aprendizagem

178

VISÃO IMEGRADA DA APRENDTl AGEM

Tais sistemas de processamento da informação constituem a função do sistema


nervoso central (SNC) e constam fundamentalmente de três componentes:

1) Sistemas de processamento de conteúdo; 2) Sistemas de processamento


sensorial; 3) Sistemas de processamento cogniúvo.

Sistemas de processamento de conteúdo

Vários estudos (Hécaen e Ajuriaguerra 1964, Dimond 1973, Penfield e Roberts


1959) têm assegurado que os dois hemisférios acusam cada um uma especialização.
O hemisfério direito tem sido considerado o hemisfério responsável pelos conteúdos
não verbais, ao contrário do hemisfério esquerdo, que tem sido considerado o
responsável pelos conteúdos verbais.
Mais: as investigações de Elliot e colaboradores 1978 confirmam que o
hemisfério direito tem uma maturação mais precoce do que o esquerdo e que essa
maturação decorre preferencialmente no periodo sensoriomotor (zero-dois anos) de
Piaget.
No periodo pré-operatório (dois aos sete anos), a dominância depende da
mielinização das vias de conexão do corpo caloso, jusúficando a bilateralidade
característica da criança na fase da apropriação do símbolo. No periodo operacional
(sete-11 anos) inicia-se a dominância da maturação do hemisfério esquerdo, período
em que a dominância manual se estabelece e que compreende a aprendizagem da
linguagem escrita. No periodo formal, e ainda segundo a mesma fonte, a dominância
do hemisfério esquerdo está quase concluída.
Em termos globais, o hemisfério direito é responsável pelas seguintes funções:
síntese, organização gestalústa, funções difusas, processo emocional, atenção visual,
organização involuntária, memória auditiva não verbal, memória de hases, percepção
do espaço, praxia const vúvo-espacial, reconhecimento visual de objectos e figuras,
etc. (Zangwill 1968).
Em resumo: o hemisfério esquerdo é o hemisfério dominante da linguagem e
das funções psicolinguísúcas, enquanto que o direito é o hemisfério dominante da
percepção espacial e das funções psicomotoras. A neuropatologia ajuda-nos a
perceber ainda mais a especialização hemisférica, quando as lesões no hemisfério
esquerdo sùrgem localizadas e as do direito surgem difusas (Luria 1965, Masland
1967).
O hemisfério direito processa os conteúdos não verbais, como as experiências,
as actividades da vida diária, a imagem, as orientações espáciotemporais e as
actividades interpessoais. Estas experiênc tr podem ser representadas por figuras,
sons, gestos ou números que, quanútativamente, descrevem acontecimentos (Killen
1978).

179

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

NÃO VE NÃO
RgqL, VERBAL l> Sistema Sistema

i ntra-Memisférico inter-hemisférico Sistema


hemisfEric o i ntegrativo

Figura 54 - Sistemas de processamento de conteúdo

O hemisfério esquerdo, ao contrário, processa os conteúdos verbais, através


dos quais a comunicação se realiza, o pensamento se expressa, a representação
interiorizada da experiência se opera e a conceptualização das mesmas se verifica.
Mas atenção: os dois hemisférios trabalham em conjunto numa perfeita divisão
de tarefas. O que acabáznos de focar compreende as funções intra-hemisféricas (isto
é, dentro de cada hemisfério), pois há a diferenciar as funções inter-hemisféricas e as
integrativas.
As funções inter-hemisféricas concretizam o diálogo e a cofunção de ambos os
hemisférios, quando estão em jogo funções de transdução e conversão. Quando se
pede a uma criança para descrever um acontecimento, ela está a traduzir a experiência
não verbal que teve em conteúdos verbais. Ao contrário, quando a criança lê, ela pode
associar os conteúdos verbais a desenhos, figuras ou expressões mímicogestuais de
conteúdo não verbal. O mesmo acontece quando lhe pedimos para ilustrar uma história
que acabou de ler.
As funções integrativas hemisféricas envolvem significações equivalentes entre
os conteúdos verbais e os não verbais, que, por exemplo, estão envolvidos na
realização de praxias construtivas em que o substracto verbal da linguagem interior
planifica, controla e executa o substracto não verbal dos gestos, que sequencialmente
vão materializando a ideia em acção.

Sistemas de processamento sensorial

Estes sistemas sensoriais processam ambos os conteúdos verbais e não


verbais e encontram-se distribuídos pelos sentidos do tacto (que inclui também o
quinestésico), da audição e da visão. Umas vezes, funcionam independentemente
(intraneurossensoriais) outras vezes interdependentemente e outras vezes, ainda,
englobam as três modalidades (integrativos).

Como é sabido, o cérebro dispõe de áreas de processamento


especializado para cada modalidade sensorial, conforme podemos ver pela Figura 55.

A informação auditiva é processada principalmente nos lóbulos temporais.


A informação visual nos lóbulos occipitais e a tactiloquinestésica nos lóbulos parietais.
180

VISÃO IMEGRADA flA APRQVflD lGF J!

LbBUw c. tn. o
FRONTAL pq r
(3' uniAaD<) (2' uniC e)
` xia ` In
` Linguegcm expnssive v Somewgnosie
` Pleaificeçáo des ' ` E egido-Fspeço
ncç8es c 08linguegem t1, 5 mp e
` latzo social 5t ` Autotopo
` fonunlo e regul ` I7i ' tnctiloex ve AUDTTIVA q
` Gnosie t6cW 0os oDjutos
VlSUAL e
MOTORA LbB -
TRONCO C
CEREBRAL
(1' uniAede)
` i RKDCIO ' IntCgfBÇBo isu8
` Figura-funCo
` l'onsr ncia da fonna
c. óBtn. o ' " sv o
. ` Atençáo
` vigil9ncie
` Inte eçeo neums` Ime eaditiva n "
`m ` IIIC BÇBO IÓOiCB
C 9CqIle008aC 500s
` Soqu2ncie dc mmos

Figura 55 - Áreas de proeessamento especializado do cérebro

É importante notar que cada modalidade neurossensorial, nas suas funções de


recepção e de expressão, possui as seguintes funções de processamentn da
informação: discriminação, idenúficação, análise, síntese, retenção, compreensão,
integração, conceptualização, rememorização, organização, planificação e decisão.

Siamme euiossensoriel Sisteme intemeumssensorel Sistema integrativo


neurossCnsoriel AuOitivo Auaitivo AuNtivo

i rs Tactilo Visuel TsWo9 nestfsico Visual T


, quinestbsico q, s;

Figura 56 - Sistemas de processamento sensorial

Os modelos de Wepman 1960 e de Kirk 1972 a seguir apresentados esclare em-


nos acerca das diferentes dimensões do processamento de info que natlu te se
encontram em situação na aprendizagem (Figura 7).

181

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Sistema nervoso central


(SNC)

Figura 57 - Modelo de Wepman

Em resumo, o modelo de processamento de informação humana inclui:


processos receptivos de descodificação (auditiva, visual, e tactiloquines

Processos
Processos expressivos
receptivos
SNC
TQ
. Auditivo (A) Verbal
. Visual (V) P )-Motor
. Tactilo- lNPIlT
quinestésico (TQ)
A V
Codificação
Descodificação

Figura 58 - Modelo de processamento de informação

182

i i i TACTl1. 0- Feed-back MOTOR QUINFS'f SICO

VISÃO INTEGRADA DA APRENDl7 AGEM

tésico), processos integrativos (atenção, discriminação, identificação, análise, síntese,


armazenamento, integração, conceptualização, rememorização, organização,
planificação e decisão) e processos expressivos de codificação (verbal e motor), para
além de complicados processos de feed-back e <<contrafeed-back (Fonseca 1978).
A aprendizagem humana requer que uma modalidade se converta noutra; daí a
importância antropológica das áreas associativas (Fonseca 1979). Igualmente, nas
aprendizagens simbólicas e significativas de nível cognitivo superior, todas as
modalidades - auditiva, visual e tactiloquinestésica - se encontram integradas, como
podemos ver através dos exemplos que Killen, 1975 apresenta e que têm grande
interesse psicológico:

Sistemas de processamento cognitivo


Os sistemas de processamento cognitivo reflectem a hierarquia da experiência
(Myklebust 1978), e fundamentalmente, os diferentes níveis de aprendizagem.

SISTEMA ACTIVIDADE

Intraneurossensorial
Auditivo Repetir palavras
Visual Copiar uma figura
Tactiloquinestésico Comparar texturas
Intemeurossensorial
Auditivo para visual Ditado
Auditivo para tácúl Seleccionar texturas a partir de instruções orais
Visual para auditivo I. eitura oral
Visual para tácúl Seleccionar texturas a partir de direcções visuais
Táctil para auditivo Descrever oralmente objectos (gnosia táctil)
Táctil para visual Desenhar um objecto depois de ter sido explorado
tactilmente
Integrativo
Visual para auditivo e para Experiência total, envolvendo audição, visão e sentido
tacúloquinestésico tactiloquinestésico para adquirir significação

Figura 59 - Sistemas de processamento e actividades psicopedagógicas,


segundo Killen

A percepção é o processo mediante o qual o SNC inicia o tratamento cognitivo,


envolvendo funções de pré-conhecimento, como a discrimina ão e a identifica ão, e de
reconhecimento, como a análise e a síntese. As sen

183

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

sações passam a ser convertidas, seleccionadas e interpretadas, o que exige uma


vigilância selectiva adequada para, em termos de figura e fundo, captar as sensações
relevantés para a detecção diferenciada se iniciar. O nosso ouvido deve ser capaz de
captar a voz de um emissor no meio de uma multidão de sons, ou identificar, numa
orquestra, as notas produzidas por um instrumento musical. Do mesmo modo, a nossa
visão deve ser capaz de focar a atenção para a face de uma pessoa conhecida numa
fotografia de um grande grupo.
Em termos de discriminação auditiva, a criança deve ser capaz de dife renciar
pares de palavras com subtis diferenças fonéticas, como: mala-lata"; pata-gata, nua-
sua, lua-tua, etc. Igulamente no plano da discriminação visual, a criança deve ser
capaz de discriminar o b" do d, o q do p o u do n", o 6" do 9, etc.

IM
Conceptualização
Simbolização afasias ~ I

-- C ~ I O Imagem agnósias D INPUT


- --A

Sensação Percepção D

--

Figura 60 - Hierarquia da experiência

Num âmbito mais disfuncional, podem dar-se as agnosias, pois trata-se de


perturbações no reconhecimento dos objectos sem envolver perturbações sensitivas ou
sensoriais.
A imagem é o processo que diferencia a percepção da memória (Myklebust
1971). É um processo que permite lidar com a informação sensorial, depois de esta ter
sido interrompida. Permite reconstruir, relembrar e rechamar a informação sensorial
anterior. Compreende as funções de completamento (closure), também chamadas de
revisualização (completar um desenho em que se subtrai vários pormenores) ou
reauditorização (completar polissilabas depois de se evocar a primeira ou a segunda
slabas).

184

VISÃO IMEGRADA DA APREH DI LlGF X

Por outras palavras, a imagem compreende a memória de curto termo, de


grande importância para a aprendizagem, como já vimos quando tratámos das noções
de memória. Repetir um número de telefone, completar um desenho de memória, e
repetir exterognosias são outros exemplos práúcos. A imagem envolve igualmente
processos de reactivação e de repercepção.
Passemos agora à simbolização, processo humano por excelência, visto ser o
símbolo o verdadeiro produto mental que permite simplificar, reexperimentar e
representar mentalmente a experiência. O símbolo representa a experiência, ele está
patente na arte, na música, na dança, na religião, nas manifestações colectivas, etc. A
bandeira de um país e o seu hino são exemplos visuais e auditivos de símbolos que
retêm a história de um povo. Na bandeira portuguesa, as cores e o escudo
representam aspectos da história do povo português. O símbolo, verdadeira criação
humana, dá atributos de qualidade e de significação à experiência.
Em termos de desenvolvimento, surgem primeiro os simbolos interiores de
contexto não verbal, como as figuras, os sons e as imitações. O símbolo constitui um
processo concreto para expressar o pensamento; por isso, a criança começa por usar
os objectos de uma forma inteligível e não verbal e só mais tarde interioriza a palavra
(linguagem interior) depois de a ter compreendido, para fmaimente não só manipular os
objectos, mas também os nomear e idenúficar.
A expressão verbal copo" associa-se primeiro a várias experiências cuja
representação é não verbal. Mais tarde, a palavra é interiorizada significaùvamente e
reproduzida pela fala, desenvolvendo-se assim o processo da linguagem falada,
primeiro sistema simbólico. A passagem à linguagem escrita não é mais do que um
segundo sistema simbólico, ou seja, um processo de descodificação visual de símbolos
gráficos ou optemas que interiormente se convertem em pensamento verbal por
equivalência auditiva com os fonemas que consútuem o primeiro sistema simbólico
anteriormente aprendido. A maioria das tarefas escolares inclui, por consequência, os
processos de simbolismo verbal.
Por último, temos a conceptualização. Trata-se do nível mais elevado do
processo cogniúvo, incluindo todos os processos de classificação e categorização da
informação. Através deste sistema, atinge-se a generalização por processos de
agrupamento de características e de atcibutos com a qual se alcança a abstracção e o
pensamento formal.
Este nível de processamento ènvolve operações, produtos, conteúdos (Guilford
1%7) e multivariados esquemas conceptuais que reorganizam os níveis interiores, à
base de constantes reajustatnentos centrípetos e centrífugos que caracterizam o
processo cogniúvo.
Também Gagné 1_ 977, em termos de síntese, propõe o seguinte modelo de
processamento da informação, que segundo ele, consubstancia em termos cognitivos,
a aprendizagem humana.

185

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Sequência. Plano. Regulação


CRIAÇÃO DA RESPOSTA
Criação de novas entidades.
Segmentos. Acessibilidade.
O' Ligar e reconhecer pormenores
' RECfiAMADA (recall)
O
á Procura e localização.
SNC q. F 5 Conceitos de hierarquização
Q" D o ARMAZENAMENTO I
O ( ___
50 c
Q Proposiçóes significativas
MEMÓRIA DE LONGO TERMO
CODIFfCAÇÃO
Q
Organização
IMAGEM Referência
Signifcação O'
, eo
MEMÓRIA DE CURTO TERMO (20seg) i c5 5
__ iW5'
Seleccionar Es Ignorar Es Q-

o
ATENÇÃO - Percepção selutiva e t e4
Q
Registo sensorial 5
T
D

ae 5
II - O 0
QáN 0
VISÃO AUDIÇÃO TACTO a Q
QUINESTÉSICO 40 ô ó
Q
0
Estimulação
Q4

RECEPTORES
l NPUT

Figura 61- Modelo de aprendizagem, de Gagné

Concluindo, é perante este tipo de modelos que julgamos, no futuro, ser possível
educar todas as crianças independentemente das suas condições adaptativas e
psicossociais, pois acreditamos que nenhuma crian a é ineducável.
Por meio deste modelo podemos rever os processos de diagnóstico mais
utilizados, permitindo observar as crianças no seu todo e enquadrá-las dentro de um
perfl intraindividual dinâmico de aptidões (áreas fortes) e de difi

186

VISÃO INTEGRADA DA APRENDIZAGEM

culdades (áreas fracas), de forma a modificar as práticas educacionais, satisfazendo as


suas necessidades e desenvolvendo ao máximo as suas capacidades (Kirk 1972).
A maximização do potencial humano inerente à criança portadora de deficiência
e com necessidades especiais e à criança não deficiente (criança com DA) requer uma
visão integrada da aprendizagem, a fim de desenvolver novos processos de
diagnóstico diferencial e novos modelos de intervenção pedagógica individualizada,
como meios indispensáveis para promover a modificabilidade cognitiva e a igualdade
de oportunidades educacionais, visando a satisfação das necessidades de adaptação e
realização social de todas as crianças sem excepção.

187

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CAPÍTULO 5

CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA
PARA AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Relações entre o cérebro e o comportamento e entre o cérebro e a aprendizagem

É hoje incontestável a afirmação de que o órgão privilegiado da aprendizagem é


o cérebro. Dadas as relações inevitáveis entre o cérebro e o comportamento e entre o
cérebro e a aprendizagem, da mesma forma essa relação se verifica quando se aborda
as DA.
É óbvio que é necessário conhecer a estrutura e o funcionamento do cérebro
para melhor compreendermos as suas relações dinâznicas e complexas com a
aprendizagem.
Na tentativa de expor apenas alguns dados sobre as relações entre o cérebro e
as dificuldades da aprendizagem (DA) - não evidentemente de uma forma detalhada e
aprofundada, que cabe aos neurologistas, mas de um modo didáctico e
psicopedagógico, o que pensamos imprescindível para a formação e a acção do
educador -, vamos agora abordar alguns aspectos da psiconeurologia, no sentido de
tentar compreender o que se passa nos diferentes graus e tipos de DA.
Sendo já do nosso conhecimento que a aprendizagem é um produto da
experiência que se concretiza numa mudança adquirida de comportamentos em que
estão em jogo condições internas e condições externas, inerentes ao indivíduo e ao
seu envolvimento, não podemos esquecer que o comportamento é movido por
interacções entre dois determinantés fundamentais: o psicossociológico e o
neurobiológieo.
Uma concepção sobre as DA não pode separar, por mais difícil que seja admiti-
lo, os aspectos piscossociológicos ou psicoculturais dos aspectos neuropsicológicos e
neurobiológicos. A abordagem, desde que assuma uma preocupação dinâmica e
dialéctica, ou pelo menos uma busca antissimplista, não pode evitar aspectos ou
factores da aprendizagem que possam interferir com o eomportamento e com o
cérebro do educando.

189

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A compreensão do comportamento, bem como a sua modificação, ou


modiflcabilidade, pedem o conhecimento das estruturas e das funções do órgão que o
coordena e o organiza, isto é, o cérebro, verdadeiro produto da evolução biossocial da
nossa espécie, o órgão mais organizado do nosso organismo.
A compreensão, a predicção e o controlo do comportamento e da apren dizagem
humanos têm exigido e vão exigir muitos anos de trabalho e de reflexão; só que tais
esforços, no futuro, devem ser aplicados concretamente no envolvimento educacional,
para que todos tenham, objectivamente, direito às mesmas oportunidades de
aprendizagem.

O psicólogo escolar não poderá ignorar o papel dos factores etiológicos das DA,
reforçando a exclusividade dos aspectos psicossociais ou subestimando os aspectos
psicobiológicos, ou vice-versa. Por outro lado, os educadores e os professores não
podem continuar a evitar aspectos neurobiopsicológicos e flcar apenas, na sua
formação, por uma psicologia-do-ego que tende a esgotar, abusivamente, as
concepções sobre as DA.

Os aspectos neurológicos da aprendizagem têm sido exageradamente


ignorados pelos fasedores, e planiflcadores de cursos de formação de professores,
pois muitas vezes concebem em termos reducionistas a problemática da
aprendizagem, explicando-a apenas em variáveis pedagógicas exteriores à criança e
ao educando. Por outro lado, é urgente tam m que se combata uma perspectiva
psiquiatrizante ou neurologizante da aprendizagem, porque é sofisticada e limitativa.

Nos últimos anos, a significativa produção de trabalhos de investigação no


domínio das DA justiflca, inequivocamente, a mudança de concepções
hiperpedagogizantes para concepções dialécticas, onde estão em interacção recíproca
variáveis psicológicas do educando (atenção, discriminação perceptiva, processamento
da informação, sequencialização, memória, formulação ideacional, rechamada e
organização de tarefas, etc. ) e variáveis pedagógicas do professor e dos seus
múltiplos e KcriativosH recursos (planificação de tarefas, métodos de individualização,
sistema de reforços, desenho cumcular, etc. ).

Muitos professores alimentam o desinteresse pelas teorias


neuropsicológicas e elos resultados experimentais no domínio das ciências humanas,
porque não vêem objectivamente a importância de tais implicações na sala de aula ou
na situação terapêutico- reeducativa,

Nâo se pode progredú em DA sem ter conhecimento causal e científico


dos problemas. A permanência das famigeradas intuições empíricas e das aplicações
acríticas de processos de tentativas-e-erros ou de métodos insubstanciados não será
certamente válida, nem no ponto de vista do conhecimento, nem no ponto de vista
prático-pedagógico.

Para lidar com problemas de DA, é inevitável a procura de um conhe


cimento psiconeurológico, dado que estão em situaçâo sintomas que sâo,
possivelmente, o reflexo de uma disfunção cerebral e de uma disfunção envolvimental,
por menos evidente que seja ou que nos pareça.

190
CONTRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE
APRENDI7AGEM

Para compreender os problemas perceptivos (receptivos-input), cognitivos


(integrativos) e motores (expressivos- output) da criança com DA, é essencial que se
saiba não só determinar se tais problemas são devidos a disfunções difusas ou
localizadas, mas também equacionar apropriadamente a natureza dos seus efeitos em
termos de aprendizagem não simbólica ou simbólica.
Embora não seja académico equacionar, num trabalho desta natureza, as
relações entre o corpo e o espirito (body and mind), não há dúvidas de que esta
questão se mantém em aberto. Se a criança com DA tem problemas na aprendizagem,
será porque se detectou um problema no comportamento ou será porque se detectou
um problema de disfunção cerebral? Como será, então?
Minimizar o cérebro em termos platónicos será tão negativo como reduzir ou
negar o comportamento em termos behavioristas (Watson 1925), como afirma Adler
1952: Nenhum dos grandes pensadores negou o pensamento; porém, vários são os
modelos para o descrever. Uns negam o corpo, outros supervalorizam-no, De qualquer
forma, o problema subsiste quando se encara as relações entre o cérebro e o
comportamento, ou entre o cérebro e a aprendizagem.
O que se sabe hoje é que o cérebro estabelece mediações inteligíveis entre o
indivíduo e o meio. O psiquismo emerge da teoria da evolução e, por consequência, da
filogénese (Fonseca 1981).
Desde que se tome em consideração organismos diferenciados, o papel do
cérebro assume cada vez maior importância. Do anfioxo ao Homem, o cérebro aparece
como o sistema integrador, coordenador e regulador enve o meio e o organismo. De
entre todos os animais, é no Homem, segundo Shemngton 1906, que se sabe existir
uma correlação mais significativa entre o espírito e o cérebro e, consequentemente,
entre o comportamento e o cérebro, e entre este e a aprendizagem.
A acção do cérebro é produzir comportamentos; uA mudança de
comportamentos é o produto da aprendizagem; Fragmentos do comportamento motor
são possíveis por electroestimulação cerebral (Sherrington 1906, Penfield e Roberts
1959). Não haverá aqui alguma controvérsia nestas afirmações? Mais: as funções
cognitivas que estão envolvidas na aprendizagem (memória, reconhecimento visual,
fala, movimentos voluntários, etc. ) dependem da actividade do cérebro?
Tudo isto para chegarmos a um postulado: aquilo que constitui a cognição do
Homem envolve sempre a integridade neurobiológica do seu cérebro, produto de uma
evolução histórico-sociál muito longa.
Todo o comporta nento é processado no cérebro. Toda a aprendizagem é
analisada, conservada, reutilizada e programada no mesmo órgão vital. Não há vida
sem cérebro. Não há corpo sem cérebro, nem cérebro sem cocpo (Damásio 1995). A
existência de um é a materialização dinâmica e recíproca do outro; daí que a dicotomia
cartesiana pertença ao passado, em termos de aprendizagem e reaprendizagem
humana.

191
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A aprendizagem humana é o resultado de uma experiência motora que


posteriormente se conserva no cérebro, através de uma experiência psicológica
relexiva (Fonseca 1982).
Há, portanto, um processo psicomotor em jogo, como plataforma de su perar a
experiência motora (não verbal), transformando-a subsequentemente numa experiência
psicomotora, isto é, uma (re)experiência do motor em experiência práxica, verbal e
simbólica.
Do Homo habilis ao Homo sapiens verifica-se um salto de maturação e de
transição: o motor adquire um atributo psicomotor que em si é gerador de um atributo
simbólico e cognitivo.
É inegável que o cérebro seja o órgão da aprendizagem. A ele cabe todo o
processamento, a conservação e a expressão da informação, para além de governar e
regular tudo o que respeita à adaptação e à transformação do envolvimento.
Todas as expressões da função cerebral, como o comportamento, a apren
dizagem e a adaptação, são extremamente complexas e hiperintegradas, o que exige
da parte de quem está envolvido no processo de ensino-aprendizagem um mínimo de
aceitação e compreensão.
A supersimplificação em que muitos responsáveis embarcam e a adopção de
atitudes-limites muito frequentes no âmbito das DA (a lesão cerebral implica uma
inferioridade intelectual e, como tal, não há solução educacional, etc. ) podem levar a
um mau encaminhamento da criança ou do jovem com DA.

Nenhuma DA é unitária, exclusiva, conclusiva ou imutável. Cabe à educa ção a


busca de alguns esclarecimentos sobre o problema. Até surgir uma solução curativa
definitiva, a educação é sempre uma terapia irrecusável e possível.
Hebb 1976, em primeiro lugar, e Guilford 1967, em segundo, proporcionam- nos
outros dados. O primeiro teorizou que a aprendizagem é inseparável de problemas de
atenção, hiperactividade e distracção, dado que o processo de aprendizagem exige um
certo nível de vigilância e selecção para manter as actividades cognitivas, inibindo o
efeito de muitos neurónios que não interessam à situação de aprendizagem. O
segundo confere à aprendizagem o desenrolar de operações de processamento de
informação que se vão acumulando e complexificando.
Quer a capacidade de inibição, quer a capacidade de processamento de
informação põem em realce o grau de participação do cérebro para implicar a mudança
de comportamento que caracteriza a aprendizagem.
O cérebro, durante a aprendizagem, recruta selectivamente os seus inú meros
neurónios e nevróglias e nesse recrutamento selectivo está implícito um elevado grau
de organização neurológica.
Sem uma organização cerebral integrada, intra e interneurossensorial, não é
possível uma aprendizagem normal. No caso de uma aprendizagem desviante, o
cérebro nunca pode actuar desorganizadamente. Através de métodos que têm de ser
intensivos, directos, sistemáticos e integrados, o cérebro terá de, compensatoriamente,
encontrar um padrão (pattern) de organização e regulação.

192
CON7RIBUIÇÕES DA PSICON£UROI4GIA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDD
AGElf

A mudança de comportamento que está na raiz da aprendizagem (e ainda mais


no caso da aprendizagem aúpica) será tanto mais viável e modificável quanto mais
sistemáúca e dirigida for a intervenção pedagógica, tendo em consideração os
processos de inibição e de processamento de infonna Gão específicos de cada
educando.
A tarefa de educar a inteligência, torna=se mais fácil quando a inteligência é
encarada não como um conjunto de processos indiferenciados, inacessíveis ou
incogniscíveis, mas como um conglomerado de capacidades sistémicas inter-
relacionadas, que obviamente devem ser diagnosúcadas e modificadas
adequadamente. Pensamos que é aqui que se terá de avançar muito, para resolver as
necessidades específicas de aprendizagem, isto é, teremos de aplicar
educacionalmente os dados proporcionados pela psiconeurologia e pela
neuropsicologia experimentais.
Não se trata de saber se as funções cerebrais da aprendizagem se encontram
localizadas no cérebro; trata-se, antes, de discriminar no proressamento da informação
o nível ou os níveis neuropsicológicos e psiconeurológicos que se encontram afectados
ou perturbados e que põem em causa o processo de aprendizagem. Desta forma, e
desde que sejam desenvolvidos processos de diagnósúco e programas de estimulação
e de intervenção adequados, podémos actuar no processamento da informação, e
nesse senúdo, modificar e modificabilizar os resultados da aprendizagem.
O processo perceptivo, o processo da memória, o processo integraúvo e o
processo expressivo que se encontram em acúvidade durante a aprendizagem devem
obedecer a uma organização global, quer na criança sem DA, quer na criança com DA
(Frosúg e Maslow 1979).
Cabe à investigação pedagógica e à educacional o desafio sobre esta questão,
na medida em que a mudança das condições exteriores da aprendizagem pode operar
mudanças significaúvas nas condiçinternas da mesma. Daí o realce das relações
cérebro-comportamento e cérebro-aprendizagem.
E indispensável desenvolver na formação e na acção quotidianas do educador
um mínimo de noções operacionais que perrnitam compreender, controlar e porventura
transfornaar o processo de aprendizagem.
O cérebro pode mudar, desde que o professor e o educador constiuam
envolvimentos dentro dos quais ais modificações (em termos de aprendizagem)
possam ocorrer (Frostig e Maslow 1979).
Os testes psicológicos e as expectaúvas pedagógicas, bem como as suas
avaliações, não são fixas nem imutáveis, nem sequer absolutistas. Estes factores
inevitáveis, em qualquer sistema educacional, não podem assumir um estatuto infalivei,
na medida em que se trata de avaliações cuja objectividade é pelo menos questionável.
Cada vez mais temos de acreditar nas possibilidades espantosas do cérebro das
crianças com ou scm DA. Explorar a possibilidade de módificar as funções cognitivas,
através de intervenções pedagógicas mais ajustadas às necessidaáes educacionais
especificas de tais

193
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

crianças, não é nem uma experiência de pedagogos alucinados, nem uma


manifestação antipsicológica ou antipedagógica.
O QI ainda não é um guia suficiente para o educador, por mais que custe a
certos psicólogos que tradicionalmente se têm distanciado da pedagogia. Alguém já
disse que a psicologia é uma filha ingrata da pedagogia. Neste sentido, a psicologia
tem sido um reino de luxo, por um lado, e um hospital no fim das autoestradas, por
outro. Para determinar aquilo que a criança com DA é capaz de fazer, a utilização de
testes de inteligência é útil, desde que estejam em causa a educabilidade e a
modificabilidade da inteligência do sujeito.
Não se trata de uma luta entre uma psicologia científica - a que se baseia em
tratamentos psicométricos - e uma psicologia acientíflca ou informal- a que se baseia
em pressupostos pedagógicos.
É a prescrição que interessa em relação ao diagnóstico e não a pura coi
sificação inconsequente do potencial intelectual.
Bernardine Smith, citada por Myklebust 1975, demonstrou na sua tese que o
ensino intensivo pode modificar as capacidades intelectuais medidas pelos testes de
inteligência. Mesmo depois de ter sido expulsa pela Associação Americana de
Psicologia, na medida em que pôs em causa o instrumento de afirmação" do
psicólogo. Bernardine Smith é um exemplo de combate ao fatalismo pessimista que
caracteriza o QI. Esta autora, aliás como Maria Montessori 1912, Feuerstein 1989 e
muitos outros, acreditava no que hoje é defendido pela investigação neuropsicológica,
ou seja, na modificabilidade cognitiva através de estratégias pedagógicas a introduzir
nas situações de aprendizagem.

A investigação neuropsicológica, nos últimos anos, produziu documentação


suficientemente evidente sobre as modiflcações que podem ocorrer no cérebro, desde
que as condições do envolvimento o permitam. Daqui podemos subtrair um corolário
importante para o futuro educacional: desde que se modifique os objectivos da
educação e os métodos de intervenção, podemos não só superar a infalibilidade do QI,
mas também contribuir para a melhoria da aprendizagem das crianças com DA.
No domínio da investigação neuropsicológica, é importante sublinhar, para além
das relações cérebro-comportamento, as relações entre o cérebro e a linguagem, ou
seja, tudo o que hoje compreende o novo ramo científico da neurolinguística.
Como Luria 1977 assegura, as relações entre a linguagem e o cérebro per
tencem a um dos problemas mais complexos da ciência.

A linguagem, como produto de uma história social complexa e muito longa


(dentro obviamente de regras universais como as que suportam os níveis fonológicos,
lexicais e sintáxicos, processados dentro de uma integridade neurobiológica do
cérebro), precisa de ser estudada na base de uma revisão radical dos seus conceitos
básicos.
A evolução social foi o corolário de uma longa evolução biológica; quer
dizer: a linguagem, como resultado de um processo sócio-histórico, assenta

194
CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROI C7GIA PARA AS DIFICULDADES DE
APRENDIZAGEM

numa estrutura morfológica do cérebro que se mantém relativamente intacta desde o


período do Homo sapiens (Luria 1977).
Os primeiros estudos que pretenderam estudar as relações entre a linguagem e
o cérebro foram impregnados de uma visão localizacional e regionalmente circunscrita,
onde se demonstrava ou pretendia demonstrar uma relação directa (Luria 1977) entre
a linguagem e o cérebro. Gall 1922 e Broca 1861 foram os principais defensores desta
visão, tendo inclu sivamente apresentado casos com lesões localizadas e perda
subsequente da capacidade de utilização de palavras para expressar sentimentos e
ideias.
Broca demonstrou que as lesões da primeira circunvolução frontal resultavam na
perda da fala - afasia motora -, caracterizando essa região como o centro das imagens
motoras da fala a que hoje se denomina também transdutor auditivomotor (Myklebust
1978).
Mais tarde, Wernicke 1979 publicou um estudo associando uma lesão na
circunvolução temporal superior esquerda à afasia sensorial. Daqui até se propor os
centros da leitura, da escrita, do cálculo, etc. foi um salto vertiginoso, na tentativa de
associar os distúrbios de competência e de expressão (performance) da linguagem a
disfunções cerebrais. Disfunções essas mais ou menos encaradas como definitivas e
circunscritas a áreas corticais, preferencialmente localizadas no hemisfério esquerdo.
Nesta linha, Kleist 1934, e Nielsen 1946, continuaram a defender que as alexias
e as agrafias dependiam dè lesões localizadas, o que de certa forma constituía uma
visão fragmentada das múltiplas funções linguísticas.
Efectivamente, tal perspectiva defende que a linguagem é uma função de
centros corticais circunscritos, ao contrário de a conceber como o resultado de vários e
complexos sistemas funcionais integrados e distribuídos em constelações cort. icais
dispersas (Vygotsky 1960, Hebb 1949, Anokhine 1949 e Luria 1977).
As relações entre o cérebro e a linguagem pressupõem mais niveis (Jackson
1876) do que centros localizados. A organização cerebral da linguagem joga mais com
representações" (Luria 1977) dos centros do que, propriamente, com funções de
grupos isolados de neurónios, mais ou menos limitados a uma região cortical
determinada. Assim como nenhum mapa é o papel químico de um temtório, também
não se pode estudar o cérebro em termos de localização funcional ou disfuncional.
O cérebro é um todo e actua como um todo em todas as suas manifestações
expressivas, quer seja na linguagém, quer seja no movimento ideacional e intencional.
É claro que o aspecto funcional global ou em massa" (Lashley 1929, Goldstein 1948)
do cérebro reflecte a interacção organizada de blocos e de níveis funcionais (Luria
1977).
O cérebro não é uma massa de tecido indiferenciado. A neuromorfologia
comprova a existência de vários níveis e tipos de actividades e funções.

195

Em oposição aos locaGzacionistasH, surgiram entretanto os


anúlocalizacionistas pelo facto de o comportamento simbólico (falar, ler, escrever, etc. )
poder ser penurbado por lesões em várias partes do cérebro e, ponanto, não se poder
aceitar actualmente que tais actividades sejam baseadas apenas em regiões cotticais
limitadas.

FtssuRA
DEROLANDO
Lb Buto
PARIETAL

Fala

tbB OL A ri O " O Núme, os


O SZ ' ACALCULIA
w
Elaboração Fala AGNOSlA Df
do
5
' Faia h Leitura
Ana AuAiçio Frla V jw Visão bilaterál BROCA
ASIq SUR qr C) AGNOSIAVIZUAL
p " LbBULO p, FASIA
AS Non>< Visáo C '
Pde c menária

Lb BULO
l EMPORAL

CEREBELO

A localizn ção ds f oçóes é merament e especula ùva

Figura 62 - De aeordo porém com Penfieid e Rasmussen e iambém com IC rk, e


apenas numa dimensão didácúca, podemos apresentar o seguinte mapa das áreas
e funções (disfunções) corticais

Da neurologia clássica à neuropsicologia e desta à psiconeurologia, aparece a


necessidade de uma revisão radical do conceito clássico de relação directa entre o
cérebro e os vááos processos compo nentais, nomeadamente a linguagem.
A neuropsicologia (Luria 1977) é um novo ramo cienúfico que foi cri ado para
supecar tais aspectos e para estudar os componentes básicos da aprendizagem e do
comportamento e encontiar os factores necessários para o realizar, para além de
analizar o papel das diferentes regiões do cérebro no fomecimento de tais factores.
Dentro de uma perspectiva interdisci linar, para onde se devem orientar os
futuros eswdos nelacionados com as DA, pareee-nos indispensável o recurso à
neuropsicoiogia e à psiconeurologia e especialmente à neurolinguísúca, tendo

1%

CONIRIBUI ÕES DA PSICONEUROLO IA PARA AS DIFICULDADES DE


APRENDIIAGEM

em atenção que a linguagem é um sistema de códigos criado na base de um


desenvolvimento social muito longo e complexo e de acordo eom um elevado e
diferenciado processo biológico que envolveu a evolução do cérebro.
Como sistema de códigos que é, a linguagem possui a sua estrutura e a sua
lógica, que inclui, segundo Luria 1977:
1) Afonologia - sistema de operações acústicas e articuladas, que
consútuem o fundamento da fala;
2) O léxico - sistema de designações de objectos, acções e relações; 3) A
morfologia - eswtura das palavras;
4) A semântica - sistema que integra o léxico e os sistemas de
significação e de correlação;
5) A sintaxe - sistema necessário para relacionar palavras que sejam
necessárias para a formulação de pensamentos e comunicações.
Esta estrutura e esta lógica estão englobadas na competência e na realização
da linguagem, que naturalmente traduz uma evolução biossocial. Biológica, em termos
dos processos hierárquicos cerebrais. Sociológica, em termos de processos de
conservação e comunicação de valores extrabiológicos, isto é, culturais.
De novo com Luria 1973, sabemos que o cérebro pode ser dividido em três
blocos funeionais básicos:

- O primeiro bloco funcional, que inclui o tronco cerebral e o


sistema límbico, garante o tónus adequado às funções de atenção e vigilância e o
controlo da informação proprioceptiva;
- O segundo blocofuncional, que inclui as partes posteriores
dos hemisférios cerebrais, garante as funções recepúvas e de armazenamento da
informação exteroceptiva e propriocep- tiva (visão, audição e tactiloquinestésica) a que
correspondem as funções elementares do processo cognitivo.
- O terceiro bloco juncional, que inclui as partes anteriores dos
hemisférios cerebrais, garante a programação, a regulação e o controlo das acções
humanas, para além das funções eferentes que permitem a execução dos comporta
mentos de acordo com os fins e moúvos consciencializados.

Cada um destes blocos actua especificamente mas em coordenação sistémica,


quer no sentido ascendente (reeepção da informação, input), quer no senúdo
descendente (expressão da informação, output) e em todas as manifestações
comportamentais, nomeadamente na linguagem e no envolvimento inteneional
voluntário.
Como nos assegura uma vez mais Luria 1973, o trabalho de coordenação que
está envolvido na linguagem implica, por um lado, a análise dos códigos e

I 97

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

dos seus múltiplos pormenores e substratos neurológicos e, por outro lado, a síntese
plástica e modificável dos componentes do código, isto é, processos de descodificação
e de codificação que importa ter em linha de conta quando se aborda problemas de
aprendizagem.
Segundo Nation e Alam 1978, os processos da linguagem têm três com
ponentes:

COMPONENTE INTE 1`lA


ii i i
ii p C T
T T pi Representaçgo i

R R iR i 0 N 0 A p
A A A R Ai0i linguagem i 0 iI R N R Ó
N N N E N G 0 o"
C Aii i R iC D S D p,
S A S E LiA [anatomia
AiIEMU
Ú L Ú P I Á ocessos) i Á Ç Á S Á
o S Ç Ç S,
uÇ Ã EiÇ i Ç ,A Ç S 0
A E A 0 iÃi i à i0 à Ã
0 0 0 H Membúa i 0 i 0 0 u
Eventos i
bistória
PROCESSO PROCESSO
AUDITIVO PROCESSO p N0 C EXPRESSIVO
(PAR1 lPVE)

SENSAÇÃO (1) COMPREENSÃO (3) SEQUENCIALIZAÇÃO (7)


REPRESENTAÇÃO (4)
PERCEPÇÃO (2) CONTROLO MOTOR (8)
, i (Esti'utura pedféúca)

Pré-lingufsúco Lingutsúco P6s-lingutsúco


. I)escodificsçgo ` Form l8ção
, ge ` Codificaçáo (criaçgo) ' 'aç
` Rememorizaçgo ` Sequencialiraçgo
` Ordenaçgo
` Repmsentação i

` DiscúminsçgoSimbolização ` Respirsção
` Idenúficaçgo ` Integração ` Fonação
, zaçgog ` Ressonância
` Completamento ' a l fão
` Sintexe ' a
` Sign csção ZI
. pra gI;ca ` Seguir insh'uções
. ", g"úca ` Selecção sint8cúca . Controlo motor
` Fonologia (lfngua, lábios
` Semgnúca fonolbgics , I. . )
Figura 63 - Processos da linguagem

198

CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APREN Df


ZAGEM

Associando agora os aspectos neurológicos e os aspectos linguísticos, podemos


situar no plano da descodificação (input) o facto de o nível fonológico da linguagem
estar envolvido na acuidade dos sons verbais, discriminando-os e analisando-os
(analisador acústico), para posteriormente construir toda a complexidade fonética que é
concomitante a qualquer linguagem.
A construção de fonemas está na base de um complexo e pouco estudado
sistema de análise de sons, que se encontra relacionado com o córtex temporal do
hemisfério esquerdo, que por sua vez está em conexão com as áreas quinestésicas
parietais e cinéticas precentrais (Luria 1977). As lesões nesta região cortical levam a
perturbações na qualidade dos sons verbais, isto é, a uma quebra auditiva fonemática.
O processo de análise acústica (Luria 1977) ou o processo pré-linguístico
(Nation e Aram 1978), bem como as funções de compreensão de palavras, de
identificação, de nomeação, de expressão, etc. , podem ficar obviamente afectados,
enquanto outros aspectos linguísticos ou pós-linguísticos se encontram intactos.

Ló Bu Lo
' ARIETAL
ÁREA PARIETAL

Lósu Lo
OCCIPITAL

3i
ÁREA
PROMOTORA (expressão)
LóBuLõ A A
o TEMPORAL (recepção)
Lósu Lo
TEMPORAL

MEDULA

Figura 64 - Componentes cerebrais da linguagem

Sabe-se, pór outro lado, que a articulação (output) é impossível sem uma
análise acústica dos fonemas ou sem uma organização quinestésica dos movimentos
orais (articulemas). Há, assim, como que uma transição plástica entre as funções de
descodificação (input) e as de codificação (output) que estão na base da melodia
cinética da linguagem (Luria).
199

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Em sintese, a linguagem envolve três componentes cerebrais:

1) A área temporal, responsável pelas funções acústicas (recepção),


ou área de Wernicke;
2) A área parietal, responsável pelas funções quinestésicas, ou girus
angular;
3) A área premotora, responsável pelas funções cinéticas
(expressão), ou área de Broca (Figura 64).

- Área de Broca - É a área adjacente ao córtex motor que controla o


movimento dos músculos dos lábios, do maxilar, da língua e das cordas vocais e que
incorpora os programas que coordenam os músculos da fala. (3)
A lesão desta área provoca problemas de articulação e verbalização, mas a
eompreensão da linguagem mantém-se intacta. Compreende a afasia motora ou
expressiva.
- Área de Wernicke - É a área receptora dos estímulos auditivos.
Área de compreensão. (1)
A lesão desta área não altera a fala, mas a compreensão encontra-se
normalmente alterada. Compreende a afasia receptiva e central.
- Girus angular - Actua eomo conexão entre as regiões auditivas e
as visuais. E um centro básico de conversão do estímulo visual em formas ou unidades
auditivas equivalentes. (2)

É agora possível perceber, com Luria, porque é que uma lesão numa área
produz efeitos diferentes dos produzidos quando a lesão se dá noutra área. A
destruição do córtex temporal toma a selecção de fonemas impossível e,
consequentemente, produz a afasia sensorial (Luria 1977). A destruição das partes
inferiores pós-centcais (aferentes) impGca quebra nos articulemas e,
concomitantemente, provoca distúrbios secundários nafala. Os distúrbios nas zonas
inferiores premotoras (eferentes) resultam na perda da melodia quinestésica e na
inércia patológica das aquisições motoras, provocando assim a afasia motora.
Outros processos lógicos-gramaúcais exigem a participação das zonas terciárias
parieto-occipitais, também ehamadas associativas, onde se processa a análise e a
síntese espacial dos componentes da linguagem. Por este facto, a lesão nestas zonas
implica uma quebra de aquisição e de utilização (compe tência e realização) da
linguagem, onde se encontram diferenciadas as várias relações gramaticais.
Por estes exemplos, Luria demonstra claramente que uma localização directa
dos processos linguisticos é impossivel. Devido a este fundamento, torna-se urgente
uma análise psieológica mais cuidadosa de todos os factores envolvidos nos diferentes
processos linguísticos.
Entre cada um dos processos passam-se estados neurodinâmicos dife rentes
que fazem reeurso a processos de selectividade e de plasticidade.

200
COMRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICUIDADES DE APREHDn
AGF Jlt

A linguagem exige a seleeção e o recrutamento rápidos, eficazes e pnecisos de


padrões neurológicos disponíveis e integrados, para implicarem uma fluência e uma
transição de uns processos noutros. A não-transição ou a perda de selecção de um
estado neurodinâmieo noutro é caracterizada, em Luria, por Kinércia patológica Tal
inércia pode depender de distúrbios provocados por lesões difusas ou localizadas,
originando repercussões de semelhança e de probabilidade idêntica nos vários
sistemas e, por meio dela, provocar complicações nas estruturas linguísúcas.
As relações entre o cérebro e a linguagem são inseparáveis e inequívocas; por
isso não devem ser ignoradas, especialmente quando se pretende lidar com problemas
de aquisição normal ou aúpica da linguagem.
O método patológico pode separar o que está unido e que é,
consequentemente, inacessível. Ao estudarmos as relações entre o cérebro e as DA,
os problemas devidamente isolados podem dar-nos bases mais simples para
entendermos os processos complexos envolvidos na apropriação dos factores
linguísúcos.
É ponto assente que as lesões corticais em certas zonas do hemisfério esquerdo
provocam a deterioração de certos factores que estão na base da aprendizagem ou da
apropriação dos códigos linguísúcos, bem como das suas estruturas e dos seus níveis.
Jakobson 1971 demonsaou que as lesões nas zonas anteriores do hemisfério
esquerdo implicam uma perturbação na organização sintagmática sem afectar a
organização paradigm úca'. Em contrapartida, as lesões nas zonas posteriores levam a
uma perturbação da organização paradigmáúca, deixando intacta a organização
sintagmáúca. Os estudos sobre a organização cortical, envolvidos naturalmente na
neuropsicologia, emprestam outra significação às DA, bem como à linguística.
Pensamos que o futuro da neurolinguística pode trazer grandes esclarecimentos
sobre a apropriação normal e aúpica dos processos da linguagem. Neste campo,
teremos de estar de acordo com Delgado 1971, quando este afirma que o futuro deve
esforçar-se por uma maior colaboração entre os investigadores que especificamente
estudam a neurofisiologia, subestimando o comportamento e a aprendizagem,
enquanto outros investigadores se interessam particularmente pelo comportamento,
ignorando o cérebro.
Quanto mais se aprender sabre as relações cérebro-comportamento e cérebro-
aprendizagem, melhor será o nível de eompreensão e de intervenção sobre a criança
com DA, obtendo-se por essa via melhores recursos para o diagnóstico e o prognósúco
do seu potencial de aprendizagem.
Não basta favorecer uma abordagem exelusivamente comportamental no âmbito
da reéducação de erianças com DA. A abordagem neuropsicológica pode introduzir
dados diagnósticos, que podem ser úteis para o planeamento

i Organização sintagmáúca - arranjos das unidades lingufsúcas; organização


adign úea - relaç es entre as unidades linguísúcas.

2tll
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

da intervenção pedagógica e para a sistematização das tarefas e dos reforços a criar.


Se, por exemplo, o neurologista nos informa de que há um EEG' com padrão normal na
área parietotemporal esquerda, e se os testes psicológicos nos revelam uma
perturbação no reconhecimento táctil na mão direita, mas não no da mão esquerda,
então, dentro de uma perspectiva neuropsicológica, pode-se equacionar uma disfunção
no córtex parietal esquerdo e, a partir daí, criar situações-problemas que visem a sua
compensação neurofuncional.
O modelo neuropsicológico permite uma identificação do potencial de
aprendizagem no seu todo, considerando asfunções de input (áreas sensoriais), de
organização e integraÇão (áreas associativas) e de output (áreas motoras),
proporcionando-nos uma quantidade e uma qualidade de informação de crucial
importância para a compreensão dos défices comportamentais e cognitivos da criança
e para a intervenção pedagógico- terapêutica a equacionar para cada caso.
Várias baterias são utilizadas nesta perspectiva (Bannatyne 1971, Benton 1972,
Myklebust 1977, etc. ). W. Gaddes 1977, por exemplo, utiliza na Universidade de
Vitória a seguinte bateria:

I) Testes sensoriais
Visuais
Teste de Retenção Visual de Benton Teste de Retenção Visual Dinâmico de
Gaddes Teste de Figuras Embutidas de Benton-Spreen

Auditivos
Teste de Reconhecimento de Sons de Spreen
Teste de Memória Tonal Seashore
Teste de Percepção da Fala de Halstead Teste de Percepção de Consoantes de
Meikle Teste de Repetição de Frases de Spreen-Benton Teste de Audição Dicótica

Tácteis
Teste de Realização Táctil de Halstead
Teste de Exterognosias em Duas Dimensões de Benton Teste de Exterognosias
em Três Dimensões de Reitan Sensibilidade Táctil (aestesiómetro)
Teste de Discriminação de Klove

II) Testes sensoriomotores


Teste de Construção de Pistas de Reitan Teste de Praxia Construtiva a Três
Dimensões

i EEG - Electroencefalograma. InsWmento para registar as mudanças elécti'icas


no cérebro, através de eléctrodos pericranianos.

202

CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFlC ULDADES DE


APRENDI7AGEM
Teste de Localização Digital de Benton Teste de Orientação Esquerda-Direita de
Benton Teste de Praxia Digital
Teste do Tempo de Reacção Visuomanual Teste do Tempo de Reacção
Auditivomanual

III) Testes Cognitivos


Teste Wechsler-Bellevue
WISC (Wechsler Intelligence Scale for Children) WAIS (Wechsler Adult
Intelligence Scale)
Teste Categorial de Halstead (Adulto, Intermédio e Crianças) Teste do
Vocabulário-Imagem Peabody (Peabody Picture Vocabulary Test)
Teste de Realização Wide Range (Wide Range Achievement Test)

IV) Testes Motores


Força manual (dinamómetro)
Teste de Velocidade Interdigital de Halstead

V) Testes para Afásicos


Bateria para Afásicos de Spreen-Benton

VI) Miscelânia
Teste de Dominância Lateral de Harris
Inventário de Lateralidade de Benton

VII) Testes Adicionais para Estudos Específicos Teste de Estabilidade


Motora de Klove
Diagnóstico de Leitura de Gates-Mckillop
Teste de Identificação de Cores Teste de Leitura Oral de Gray Teste de
Labirintos de Porteus Matrizes Progressivas de Raven
Inventário Multifásico da Personalidade de Minnesota (MMPI)

São inúmeros os educadores, os psicólogos e os médicos que evitam o modelo


neuropsicológico no âmbito das DA.
No interesse de defender os direitos da criança com DA, todos os recursos são
necessáriós, pois pensamos que a neuropsicopsicologia e a psiconeurologia abrem
portas com grandes revelações que convém estimar e respeitar.
Investigar o comportamento observável é fundamental, mas é incompleto. Há
que introduzir, no campo das DA, os dados da neuropsicologia, não só com o estudo
sobre traumatologia cerebral do adulto, mas também com os

203

fNSUEESSO ESEOIAR - ABORDAGEM PSfCOPEDAGÓIìlEA

estudos das lesões intra e mter-hemisféricas, das lesões anteriores e posteriores, das
lesões corticais superlocalizadas na criança e da sua posterior reeuperação, dos
problemas resultantes de múlúplas privações, etc.
Embora a tendência actual seja a de se verificar que as cria ças com DA não
têm disfunções cerebrais, não há dúvida, como afirmam Myklebust e Boshes 1%9, de
que o envolvimento neucológico cresce na razão directa da severidade do problema de
aprendizagem. A revelação de sinais neurológicos subtis e ténues (sofi signals) é
quase sempre evidente nos casos das crianças com DA, quando efectivamente se
respeita as definições mais aceites internacionalmente, não esquecendo obviamente
aqui o efeito do meio cultural envolvente.
Quer sejam localizadas, quer difusas, as lesões produzem efeitos no
eomportamento. Umas são mais facilmente idenúficadas; outras são mais difíeeis de
detectar ou até mesmo impossíveis de isolar (Bireh 1964, e MeCarthy 1969).
O problema é deveras complexo, dado que os testes de inteligência mais
frequentemente utilizados exigem a memória cerebral de longo termo (Gaddes 1977),
pois estão saturados de vocabulário e de informa ão, aquisições (skills) estas que
variam em termos sociais e que resistem aos efeitos das lesões eerebrais nas áreas
cerebrais específicas da fala. Por isso, tais testes são insensíveis a disfunções
cerebrais. A inteligência obtida cam os testes psicométricos é, até ao momento, poueo
discriminativa no âmbito das DA:
Halstead 1947 e Reitan 1956 já tinham proposto a noção de inteligência
biológica (biological intelligence) por nascer de um modelo neuropsicológico. Tal
modelo pode permiúr a detecção de aquisições que são sensíveis a disfunções
cerebrais (Reitan 1955 e Reld 1968) e, por isso, significativamente importantes para o
estudo das DA. Isto independentemente de, mesmo neste modelo, não se entrar em
linha de canta eom factores intrínsecos da aprendizagem humana (Eceles 1952).
A problemática da resposta em á cri ção de um mosaico signifieaúvo de dados
(Cruickshank 1966, e Gaddes 1977) récolhidos de várias áreas: neurológica,
psicológica, educacional e comportamental
Sem esta preocupação, muitos aspectos estarão ausentes, aspeetos esses
tendentes a reflecúrem-se na banalidade do diagnóstico e na ineficácia dos mét os de
intervenção ou de reeducação.
Conhecendo as áreasfortes da criança com DA, bem como as suas áreas
fracas, em ternzos neuropsicológicos de aprendizagem, estamos em condições ideais
para preferir métodos de intervenção que permitam optimizar e maximizar áreas fortes
e, dessa forma, reforçar aquisições que a ajudem a superar as áreas fracas, mantendo
assim níveis moúvacionais mais adequados às tarefas educacionais.
O modelo neuropsicológico e psiconeurológico das DA deve preocupar- se em
reunir uma amostra de funções mentais envolvidas na aprendizagem simbólica e
obviamente correlacionadas com a organização funcional do eérebro.

204

Muito do desespeno e da inoperância do encaminhamento 6gico das crianças


com DA subsiste exactamente ponque os diagnósticos habitualmente utilizados pelos
médicos e pelos psicólogos não evidenciam claramente na criança quais são as áreas
neuropsicológicas fortes e fracas, daí resultando um limitado repertório prescritivo, ou
então os já famigerados e inconsequentes o ssos de intervenção baseados nas
tentativas e nos erros, ou ainda o apar imento de empirismos didácúcos repeútivos.
Quanto a nós, a intervenção pedagógica nas DA deve basear-se, tanto quanto
possível, no conhecimento aprofundado e detalhado obúdo a panir do diagnóstico
dinâmico (fonnai ou informal).
O caso t;pico ilustraúvo destes problemas surge quando o psicólogo aplica a
WlSC (Weschler Inteliigence Scale for Children) a uma criança, relatando
posteriormente que ela possui um QI verbal de 91 que a situa numa média baixa (low
average range ofintelligence), e um Q1 de realização ou deperforrnance de 104, que a
situa na médiaH.
Esta infonnação restrita, pese embora o seu rigor científico, é virtuaimente inútil
para o professor e para o reeducador, pois peca por informação essencial no piano
comportamental e no plano neuropsicológico, não permitindo ao professor a
compreensão do problema de aprendizagem.
As questões que se põem ao professor são mais ou menos do seguinte úpo:
Qual é o grau de competência da compreensão auditiva da criança? Como é que ela
retém a informação auditiva? Qual o grau de complexidade fonética que ela apresenta,
quer ao nível da descodificação, quer ao nível da codificação? Em que condições
percepÌivas apresenta ela maior distractibilidade? Como é que ela reconhece formas
tridimensionais? Reveia problemas nas funções de figura-fundo e de completamento
auditivo e/ou visual? Qual é o seu tempo de reacção visuomotora? Que se passa
quanto à sua competência manual? A que nível se situa a sua praxia conswtiva? Quais
são o seu vocabulário activo e o seu léxico? Como é a criança quanto ao
desenvolvimento da linguagem e à produção linguística? De que tipo é a sua
formulação ideacional e que complexidade sintáctica apresent a sua fala? Que níveis
de curiosidade, exploração, atenção e organização caracterizam a sua conduta?
Haverá algum sinal neuropsicológico que justifique um melhor funciona menIo do
hemisfério direito ou do esquerdo? Que problemas cognitivos de ordenação e
sequenciaiização da informação a criança apresenta? Que imagem do corpo a criança
possui? Qual é o seu sentido direccional? Qual é o seu perfil psicomotor? Que auto-
suficiência ela apresenta? Qual é o seu perfil pessoal social?
É evidente que as respostas a estás questões só podem ser alcançadas com
uma bateria de provas que necessariamente se torna longa na aplicação, e portanto
pouco económica. Ter-se- á de caminhar no futuro para investigações que permitam,
em t rmos estaústicos multifactoriais, seleccionar, de tais bate as, o conjunto de provas
mais significativas que possibilitem avaliar educacionalmente o potenciai e o estilo de
aprendizagem, bem como o nível de adaptação hásico da criança.

205

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Para isto é necessário que os professores e reeducadores, na sua forma ção,


sejam minimamente expostos à organização funcional do cérebro e aos resultados
neuropsicológicos experimentais, a fim de poderem aplicar tal conhecimento no
diagnóstico e na intervenção em DA.

Interdependência das capacidades psiconeurológicas da aprendizagèm

Não é possível, com o conhecimento actual que se tem da neuroanatomia. do


córtex cerebral e das estruturas subcorticais, fazer uma descrição exaustiva das
correlações neurológicas que envolvem a aprendizagem e a linguagem, mas para lá se
caminha (Damásio 1983).
Podemos apenas pressupor que a aprendizagem e a linguagem constituem
formas complexas de comportamento que exigem a integridade de certas zonas ou
áreas do cérebro consideradas cruciais para a hierarquia da linguagem, principalmente
quando se passa da evolução da aprendizagem da linguagem falada à aprendizagem
da linguagem escrita, ou seja, do primeiro ao segundo sistema simbólico.
É interessante realçar que as lesões para além daquelas áreas não inter ferem
com a aprendizagem da linguagem, podendo eventualmente afectar outros aspectos do
comportamento, como se verifica através da grande evidência de dados relativos a
lesões no hemisfério direito, considerado não dominante quanto às funções da
linguagem.
A compreensão dos mecanismos neuropsicológicos de tais áreas que garantem
o comportamento e a aprendizagem permitirá, obviamente um mais aperfeiçoado
conhecimento dos mesmos. Daí o interesse em abordá-lo segundo o ângulo do
psicológico e do pedagogo (ou educador).
O cérebro opera como um órgão total dinâmico onde algumas áreas par ticipam
mais activamente do que outras, quando estão em jogo funções mais complexas da
linguagem, como é o caso da leitura ou da escrita.
De uma globalidade dinâmica emerge uma especificidade concomitante, isto é,
resultam funções que dependem mais directamente de áreas corticais localizadas. Por
exemplo, se a área de Wernicke (córtex temporal posterior) for lesada num adulto no
seu hemisfério dominante, é quase cetto que surgirá uma redução na sua capacidade
de compreensão e utilização da linguagem.

Parece, portanto, que o cérebro está estruturado em áreas especializadas e em


áreas difusas que regulam e controlam diferentes aspectos do comportamento.
Algumas lesões localizadas produzem efeitos específicos em termos de
comportamento; outras funções mentais, por contraste, são afectadas por qualquer
lesão em ambos os hemisférios, seja por simples anormalidades electrofisiológicas, por
infecções cerebrais, por doenças neurodegenerativas, seja ainda por lesões bilaterais
congénitas, por traumas, etc. , que podem ter ocorrido no período pré-natal, no
processo do nascimento ou durante o desenvolvimento.

206

CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROI l7GlA PARA AS DIFlCULDADES DE


APRENDI?AGEM

Encontramo-nos ainda nos nossos dias, independentemente do inesgotável

banco de dados já hoje publicado, sem cobrir o fosso entre a neurofisiologia e as


funções mentais (Delgado, 1971). De facto, as medidas do EEG são muitas vezes
vagas na identificação de distúrbios localizados, para além de ainda não se ter
encontrado uma inequívoca correlação entre as grandes anomalias do EEG e o grau
das DA.
Todas estas imprecisas circunstâncias do EEG dificultam a análise dos dados e,
por consequência, a necessidade de superar obstáculos que se abrem ao terreno
conceptual das DA. No entanto, segundo Gaddes 1977, os dados do EEG podem
ajudar à compreensão de problemas e ajudam tanto mais quanto maior for a
severidade da DA.
As disritmias são interpretadas como disfunções cerebrais. Ondas localizadas
muito activas (highly localised spike activity) podem ser habitualmente interpretadas
como indicando um distúrbio localizado (Gaddes 1977).

Myklebust e Boshes, em 1969, encontraram no seu estudo relações


significativas entre as DA e os distúrbios neurológicos, surgindo com mais frequência
sinais de perturbação neurológica (sofi or hard signs) nas crianças que evidenciavam
DA (não verbais e verbais), ao contrário das crianças do grupo de controlo.
Outras disfunções poderão resultar de infecções cerebrais como as meningites e
as encefalites, que implicam frequentemente problemas de aprendizagem e de controlo
emocional e social. De acordo com a quantidade de células lesadas e a sua
distribuição no plano dos dois hemisférios, várias funções são afectadas, podendo
inclusivamente não se manifestar qualquer tipo de dificuldades nas aquisições verbais
mas, eventualmente, surgir problemas perceptivovisuais e visuomotores que se
reflectirão nalgumas aprendizagens escolares.
Doenças neurodegenerativas ou lesões cerebrais congénitas bilaterais poderão
resultar em ageneses e afectar as realizações nas áreas sensoriais, cognitivas e
motoras, o que justiflca a necessidade de métodos de aprendizagem compensatórios.
Gaddes 1977 fala-nos num caso - Michael - que, sofrendo de uma lesão
cerebral congénita bilateral, com um QI de realização de 60 e um QI verbal de 80, aos
sete anos, só pôde aprender a ler e a escrever na base de um método táctil, tendo aos
12 anos atingido um nível médio de leitura num teste escolar normalizado.
Traumas cerebrais por acidente, queda, hematomas subdurais, etc.
poderão implicar intervenções cirúrgicas num ou noutro hemisfério, originando
alteraçóes e outras repercussões de comportamento e de aprendizagem.
A interdependência das capacidades neuropsicológicas da aprendizagem
pode ser confirmada não só por sinais disfuncionais difusos, como acabámos de ver,
mas também por sinais disfuncionais mais localizados, digamos regio nalizados.

207

oo
LÓBULO FRONTAL POSTERIOR ANTERIOR LÓBULO PARIETAL

1- Função motora e psicomotora 1- Registo táctil


2- Fala 2- Imagem do cotpo (somatognosia)
3- Escrita V O Q y 3- Exterognosias
4- Membria imediata 50
4- Reconhecimento táctil de formas e objectos
5- Seriação e ordenação o 5, p y 5- Diceccionalidade
6- Planificação e pmgramação á 5t' 6- Gnosia digital
ç ?7- Leitura
7- Mudan a de actividade mental ,
8- Escrutínio e exploração visual 8- Elaboração grafomotora
9- Tarefas visuoposturais AUDI'fIVA 9 9- Imagem espacial
10- Jufzo social 10- Elaboração de praxias
11- Conholo emocional p1' 11- Processamento espacial
12- Motivação t5 12- Integração somatossensorial
13- Estnituração espaciotemporal 13- Espaço agido - espaço representado
14- Reportório práxico 14- Autotopoagnosia
15- Controlo e regulação prbprios CEREBELO 15- Discriminação tactiloquinestésica
e exteroceptivos /
1- Coordenação
. de movimentos LÓBULO OCCIPITAI.
LÓBULO TEMPORAL automáticos
e voluntários
TRONCOCEREBRAL 2- Seg ça 1- Estimulações visuais
1- Esttmulos auditivos Gravitacional 2- Gestalt visual
2- Perzepção auditiva não verbal 1- Atenção 3- p p vidade 3- pe eepção visual
3- Percepção auditivoverbal 2- Vigilãncia 4- Regu o 4-uencialização visual
4- Associação auditivovisual 3- Integração neuros- de pa ões 5- Rotação e
perseguição visual
5- Membria auditiva (curto e longo termo) motores
6- Inte pretação pictural sensoriomotora 6- Descodificação visual com parúcipação
7- Interpretação espaciotemporal 4- Integração vestibular de outms centms funcionais
do cérebro
8- Discriminação e sequencialização auditiva 5- Integração tbnica 7- Integração visual
figura-fundo
9- Integração rltmica 8- Const ncia perceptiva
9- Posicionamento e relação espacial

Figura 65 - Regiões e funções mentais

CONTRIBUI ÕES DA PSICONEURO IA PARA AS DIFICUIIlAD£S DE APRENDl IAGF.


N!

Assim, as intervenções cirúrgicas nos lóbulos (lobos) cerebrais - as lobectomias


- revelam que cada um deles exerce, preferencialmenic, determinado número de
funções específicas.
Vejamos, a título didáctico, com Miller 1972, Gaddes 1977, Benton 1963, Kimura
1967 e Luria 1968, algumas das funções mentais por regiões (Figura 65).
Pela figura se pode verificar que as relações cérebro-compoa. amento envolvem
não só a regionalização dos dois hemisférios - o esquerdo (verbal) e o direito (não
verbal) - como a regionalização anterior (frontal), posterior (parietal, temporal e
occipital) que podem, em termos funcionais e também de acordo com o modelo de
Luria, ajudar a clarificar o diagnóstico psicopedagógico dos problemas de
aprendizagem revelados pelas crianças (Fonseca 1980).
O modelo neuropsicológico de Luria (Fonseca 1979, 1985) permite-nos
visualizar a relação cérebro-aprendizagem, ao mesmo tempo que torna mais clara a
interdependência das capacidades da aprendizagem humana.
A aprendizagem humana exige um conjunto mínimo de requisitos qué podemos
traduzir por uma totalidade funcional neuropsicológica. Sem esse número de condições
funcionais indispensáveis, a aprendizagem não se processa normalmente e, neste
caso, estamos em presença de uma disfunção cerebral.
A disjunção cerebral, aparente ou real, nalgumas crianças com DA (disléxicas),
interfere com todo o processamento da informação que a aprendizagem envolve.
Processo de informação que compreende três grandes componentes e subprocessos:
recepção, integração e expressão.
No caso da disfunção cerebral que reflecte as DA, podemos verificar alterações
em cada uma daquelas fases ou, eventualmente, na transformação de umas nas
outras. A disfunção pode ocorrer na recepção (problemas de atenção e processamento
percepúvo e de captação de informação, por exemplo), na integração (problemas de
ordenação, sequencialização, associação, conceptualização planificação e execução)
ou, evidentemente, na transferência ou tradução (transdução) de uns processos
noutros: Quer dizer, a disfunção pode ocorrer numa ou em várias unidades funcionais
do cérebro. Quais serão essas unidades?
É isso que tentaremos abordar em seguida, pois senúmos que o professor de
educação especial (e porque não o professor em geral?), compneenderá melhor as
suas missão e responsabilidade no processo de aprendizagem=
-ensino.
Para Luria, como já vimos, o cérebro é uma constelação de trabalho,
principalmente concentrada em tnês grandes unidades {blocos) funcionais. Tais
unidades compreéndem sistemas, estruturas anatómicas, e concomitantes recursos
terapêuticorreeducativos.

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

ti, wrs Recursos Unidades funcionais Sistemas anatómicas terapêuticos


PRIMEIRO BLOCO
Atençâo
Selecção da informação Substância reticulada Medula Metabólicos
neurossensoriat Sistemas vesábulares Tronco cerebral Estimulaçao geral
Regulação e activação e propriocepávos Cerebelo (mulá e anágraviáVigilância e
tonicidade Estruturas talâmicas ca fisiognómica e
Facilitação e inibição, con- polissensorial)
tmlo da informação exterior
Integração sensorial
Sequencialização temporal
Modulação neurotónica e
emocional

SEGUNDO BLC7CO Processamentó


Recepção e análise sen- Áreas associativas Córtex cerebral Input sensorial
espe sorial. Organização es- corticais (pafte pos- Hemisfórios esquerdo cífico
pacial. Simbolização terior) e direito Manipulação
esquemááca. Codificação Lóbulo parietal (tac- Motricidade
Memória (armazenamento) áloquinestbsico) Integração sensorio
Integração e percepção dos Lóbulo occipital (vi- motora
proprioceptores (tacálo- sual) Estruturação perce quinestésico) e telerecep-
Lóbulo temporal (au- ptiva (visuomotora
tores (visão e audição) diávo) e auditivoverbal)
TERCEIRO BLOCO Planificaçâo
Programação Sistema pirami al Córtex motor Psicofingufsáca
Intenção (ideocinbáco) Córtex pré(psico)- Psicomotricidade
Sfntese Áreas pré- ontais -motor Pensamento
Execução Lóbulos frontais Formulação intencioVerificação n
Correcção Linguagem interior
Sequencia Gzação das Feed-back
operaçõescogniávas

Figura 66 - Unidades funcionais do cérebro, segundo Luria

210

CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLClGI A PARA AS DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

Cada unidade funcional compreende, portanto, um conjunto de órgãos ou de


áreas corticais que, em termos intrainterdependentes, constituem o grande sistema
neuropsicológico da aprendizagem humana.
Não se trata de equacionar estas unidades como estáticas ou localizadas. Trata-
se, sim, de perspectivar sistemas dinâmicos integrados noutros sistemas mais
hierarquizados e que obedecem a uma maturação que caracteriza o desenvolvimento
humano.
De certa forma, a aprendizagem é o fruto do desenvolvimento destas unidades
funcionais que, segundo Luria, estão organizadas verticalmente e organizam-se
geneticamente do primeiro bloco (reflexos) ao terceiro bloco (intenções), passando pelo
segundo bloco (experiências e acções multissensoriais). Assim, por exemplo, as
aprendizagens complexas como a leitura assentam sobre aprendizagens compostas
como a discriminação e a identificação perceptiva, que por sua vez decorrem de
aprendizagens simples, como a aquisição da postura bípede e as aquisições
preensivas da primeira idade.
Vejamos, no caso da leitura oral, como as unidades trabalham. A leitura, um dos
processos mais complexos da aprendizagem, compreende a discriminação visual de
símbolos gráflcos (optemas) através de um processo de descodificação que se passa
no segundo bloco, só possível com um processo de atenção selectiva regulado pelo
primeiro bloco. Poste riormente, e ainda na mesma unidade, há que seleccionar e
identificar os equivalentes auditivos (fonemas) através de um processo de análise e
transdução, de síntese e comparaçãò, a fim de edificar a busca da significação
(conjectura) e avaliar os níveis de compreensão latentes. A partir daqui, surgirá uma
nova operação de equivalência que compreende a codificação, ou seja, a rechamada
dos articulemas que serão regulados na área de Broca, isto é, no terceiro bloco. A
partir dos motoneurónios superiores frontais, a linguagem interior transformar-se-á em
linguagem expressiva, através da oralidade, ou seja, da produção de sons articulados.
Nesta sequência de operações cognitivas participam todas as unidades
funcionais, primeiro de baixo para cima (do primeiro ao terceiro bloco) e depois de cima
para baixo (do terceiro bloco para o primeiro bloco).
É este o todo funcional que caracteriza a aprendizagem da leitura. É dentro
deste conjunto funcional que se pode verificar um distúrbio ou uma disfunção
neuropsicológica que pode, por consequência, redundar numa DA.
Assim, se uma criança não consegue controlar ou focar a sua atenção-
concentração do primeiro bloco, a descodificação poderá ser prejudicada, daí
resultando omissões ou adições de pormenores nos optemas e na pronta equivalência
com os fonemas, para além de dificuldades de inibição e de controlo postural e
cinético, normalmente concentrados e modulados pelo cerebelo e pela substância
reticulada como verdadeiros computadores (Eccles 1973) que organizam as
informações (input) internas ou proprioceptivas, e externas ou exteroceptivas.

211

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

PRIMEIRO BLOCO - Processo de atenção selectiva SEGUNDO BLOCO -


Processo de descodificação

Discriminação visual de
símbolos gráficos
OPTEMAS
Análise Selecção e identificação
e dos equivalentes
i tradução auditivos
/ FONEMAS
Síntese
comparação

TERCEIRO BLOCO - Processo de atenção codifica ão (Nova


operação de
equivalência)

Rechamada dos ARTICULEMAS

(Área de Broca)
Motoneurõnios superiores frontais Transformação da linguagem i nterior em
lingu gem expressiva

ORALU7ADE

Figura 67 - Processo da leitura oral, segundo Luria

212

COMRIBUIÇ'ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE


APRENDTl9 GEM

Como se sabe, o cerebelo coordena e regula a produção dos movimentos


automáúcos e voluntários (Fonseca 1980, 1995, 1996); daí que uma disfunção
cerebelosa, retratada por di6culdades de equilibrio (dismetrias, reequilibrações
abruptas, etc. ) seja um dos sinais psicomotores que habitualmente caracterizam as
crianças com DA com ou sem hiperacúvidade.
Por outro lado, a aprendizagem da leitura subentende a integração de outras
aprendizagens ou pré-aptidões (readiness skills), demonstradas por modiócações
estruturais do tecido cerebral como sejam: a activação bioquímica, a síntese proteica, o
crescimento sináptico deutrítico e axónico, os arranjos e rearranjos moleculares que
compreendem as funções de codificação e memória, etc.
A aprendizagem da leitura exige obviamente: a integração sensoriomotora, a
hierarquização psicomotora, o progressivo controlo binocular, a complexificação da
compreensão auditiva, etc. , eswturas estas que vão provocar combinações e
modificações aferentes e eferentes e interacções bioquímicas do que resultarão um
cenò crescimento neurolbgico e, concomitantemente, uma melhor aprendizagem
daquela aquisição cogniúva.
Em contrapartida, as DA podem resultar de problemas do segundo bloco, que
reúne em si as regiões corticais espeeíficas dos dois hemisférios para além do corpo
caloso, fundamentalmente as áreas associativas corticais. Estas áreas concentradas
no cérebro posterior são especializadas no processamento da informação simbólica.
De uma forma simplificadà, podemos dizer que a informação recebida pelos
analisadores sensoriais se dirige para os hemisférios conforme o seu eonteúdo'.
A informação não verbal (blocos, gestos, desenhos, etc. ) dirige-se para o
hemisfério direito; a informação verbal, simbólica (letras, palavras, frases, etc. ) dirige-
se preferencialmente para o hemisfério esquerdo.
Evidentemente que os dois hemisférios realizam um diálogo cruzado e uma
eofunção, como provam os estudos de desconexões cirúrgicas. Sperry 1968
demonstrou que o hemisfério direito está apto a eompreender informações verbais e
não verbais, embora impossibilitado de as expressar verbalmente. Sabe-se igualmente
que os dois hemisférios sofrem processos de maturação diferenciados, primeiro o
hemisfério direito, depois o hemisfério esquerdo. Vallet 1980 foca que essa diferença é
pouco significativa até aos cinco/seis anos (entrada para a escola), mas assume uma
especialização acelerada a partir desta idade.
Neste bloco situam-se as funções de codificação, armazenamento e integração
da informação sensorial (visual, auditiva e taetiloquinestésica) e percepúva, ou seja, o
processamento dos estímulos.
É dentro deste bloco que os optemas (visão) são traduzidos e transformados em
fonemas (audição), o que envolve uma relação entre o hemisfério

i Ver o capítulo sobre a visão integrada da aprendizagem.

213

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

direito e o esquerdo, relação essa estabelecida pelo corpo caloso, como afirma
Gazzaniga 1967. Esta estrutura do corpo caloso, segundo Sperry, assume igualmente
funções de memória e de integração intra e inter-hemisférica, quer no plano posterior
(sensorial), quer no plano anterior (motor), como provaram as investigações de Luria
1975.
A desconexão inter-hemisférica pode ser provocada por alterações do corpo
caloso. No plano posterior afecta as relações entre as informações sensoriais e
perceptivas; no plano anterior afecta a coordenação dos movimentos e a dextralidade.
Ayres 1972 e Whittrock 1975 conduziram experiências com crianças que
permitiram objectivar a repercussão da integração dos estímulos auditivos, vestibulares
e somatossensoriais no desenvolvimento da linguagem. Na nossa experiência clínica
temos verificado que as sessões psicomotoras têm algum reflexo no desenvolvimento
da linguagem dos nossos reeducandos, provavelmente porque se estabelece com a
simbolização e a verbalização do movimento um melhor diálogo entre os hemisférios
cerebrais, facilitando assim as funções inter- hemisféricas e o trânsito de relações
funcionais através do corpo caloso e aperfeiçoando, por consequência, os sistemas
neuropsicológicos da aprendizagem.
Nesta unidade funcional passam-se também os processamentos mais
fundamentais da visão, da audição e do sistema tactiloquinestésico. Funções de
discriminação, identificação, imagem, figura-fundo, memória de curto, médio e longo
termo, rechamada (recall), sequencialização etc. têm lugar em cada um dos sistemas,
quer intraneurossensorial quer interneurossensorialmente.
Não é por acaso que muitos destes distúrbios são identificados em crianças com
DA e, por esse facto, a reaprendizagem deverá criar tarefas educacionais que reforcem
especificamente estes sistemas e subsistemas de aprendizagem, podendo afinar e
reprecisar os seus processos e, consequentemente, os seus produtos (output). Aqui
estará, provavelmente, o desafio dos novos métodos de reaprendizagem, na medida
em que o conhecimento da neuropsicologia trará, no futuro, novos subsídios a estes
problemas.
Por último, a DA pode resultar de disfunções na terceira unidade (terceiro bloco),
que se ocupa especialmente da programação e da planificação da informação a ser
emitida, expedida e dirigida. Trata-se de uma unidade que se encontra dependente das
outras. O input (recepção da informação) está antes do output (expressão da
informação, ou seja, a transformação); daí o seu grau de inter-relação e
interdependência funcional.
Os planos e as intenções geridas pelo pensamento jogam-se também na leitura.
Para o adulto, a leitura satisfaz necessidades de curiosidade, de cultura, de
conhecimento, de interesse profissional, etc. À criança, a leitura vai permitir a
descoberta e a apropriação da cultura do grupo social onde está inserida.
É portanto neste bloco funcional que se regulam e verificam as funções
linguísticas expressivas, a leitura pelo processo oral e a escrita pelo processo motor. A
fala e a escrita são controladas pelo córtex pré-motor e motor e reguladas e
modificadas por processos de feed-back.

214

CONTRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DEAPREN Dl7


AGEM

No primeiro caso entra em funcionamento o sistema piramidal, isto é, o sistema


ideocinético que rapidamente põe em ligação o cérebro com os músculos que activam
as cordas vocais, para a fala, e as unidades de coordenação preensivocinética da mão,
para a escrita.
Neste bloco funcional surge a utilização dinâmica da informação contida e
disponível no segundo bloco e regulada pelo primeiro. Compreende, efectivamente, um
processo de planificação antecipada, bem como a regulação e a veriftcação de um
processo de expressão constantemente aberto e permeável aos seus efeitos (sistema
aberto integrado e regulado).
As estratégias do cérebro são imensas; por isso muitas crianças com DA
manifestam uma grande exiguidade de processos cognitivos. Intervindo neles,
podemos modificar os resultados. Levine e Allen 1976 tentaram equacionar algumas
das estratégias mais adequadas para aprendizagem da leitura, tendo seleccionado as
seguintes: fala subvocal, pré- simbolizaÇão de acções e de tarefas a cumprir, pré-
verbalização e previsão antecipada de condutas etc. , tendo-as caracterizado como
meios auxiliares e planificadores da função expressiva da linguagem.
Por estes subsídios poderemos verificar que a neuropsicologia pode oferecer
significativas ajudas à educação e ao campo das DA.
A educação geral e a educação especial deverão integrar estes dados, na
medida em que as suas tarefas e situações caracterizadoras podem optimizar o
potencial de aprendizagem de todas as crianças, sejam ou não portadoras de
deficiência. A educação sensorial, bem como a educação perceptiva e cognitiva,
psicomotora, orientadas à luz dos conhecimentos neuropsicológicos, podem produzir
modificações no conhecimento e na aprendizagem humanos (Feuerstein 1981 ).
De facto, a estimulação mediatizada produz modificações entre o axónio de um
neurónio e os dentrites do neurónio seguinte, por meio de uma facilitação sináptica e
bioquímica e de um alongamento das fibras nervosas, originando assim, a integração
neurológica (Hebb 1976) que está na base do processo de aprendizagem.
O acesso à cognição e à conceptualização é conseguido na base de
modificações metabólicas e de redes neuronais que se complexificam
sequencialmente. A estimulação, ou melhor, a educação, introduz efectivamente
variáveis neuropsicológicas que iniciam actividades centrais complexas no cérebro e
implicam transformações corticais, aperfeiçoadoras dos padrões de comunicação e de
expressão linguísticos.
As conexões neurológicas desénvolvem-se como consequência da
aprendizagem. A aprendizagem e o seu constante e sistemático reforço produzem
padrões de organização neurológica e sistemas de interacção e facilitação sináptica
(Eccles 1967). Há, pois, que apostar na educação e no seu aperfeiçoamento científico.
Kbech, Rosenzweig e Bennett 1962, por exemplo e dentro desta linha, provaram
que a estimulação sensoriomotora produz modificações na morfo

215

lNSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

logia e na bioquímica do cérebro dos roedores. Diamond Law, Rhodes, Lindner,


Rosenzweig, Krech e Bennett 1966 conduziram outra investigação com ratos
subdivididos em dois grupos: um grupo em envolvimento complexo e sujeito a
treinamento, e outro de controlo. Em oito dias apenas, os cérebros do grupo treinado
eram 6, 4% superiores no cónex visual e 14% superiores na taxa de nevróglias.
Com estes dados, tentámos sensibilizar para a neuropsicologia e para a sua
aplicação no âmbito da educação (dita geral ou espeeial), sublinhando a necessidade
de garantir e de criar o maior número de oportunidades educacionais que permitam
maximizar os potenciais de aprendizagem de qualquer criança, com ou sem DA.
Dentro desta análise temáúca da neuropsicologia (e da psiconeurologia) tem
interesse referir ainda outros parâmetros.
Os acidentes de tráfego e de trabalho são, por outro lado, infelizmente férteis em
números, para clarificar este problema de regionalização funcional do cérebro que
temos estado a apresentar.
Por outro lado, as fraeturas ou depressões craneanas podem, do mesmo modo,
produzir lacerações num hemisfério ou no outro, dando assim origem a alterações
concomitantes de comportamento e de aprendizagem.
Por exemplo, uma lesão lateral no hemisfério esquerdo pode produzir: ao nivel
táctil, insensibilidade na mão direita; ao nivel motor, lenúdão na mão direita, sem perda
de eficácia e velocidade na mão esquerda; ao nivel da linguagem falada, esquecimento
de algumas palavras; ao nivel da compreensão auditiva, quebra de significação e de
retenção de informação; ao nivel da articulação, uma ligeira amodulação; ao nivel da
leitura e da escrita, lentidão; ao nivel espacial (que envolve as funções do hemisfério
direito), boa orientação, boa execução gráfica e boa espacialização agida e
representada.
Outro exemplo de regionalização funcional pode ser estudado por meio de
convulsões localiz as, envolvendo ou não Ggeiras paratonias nos braços e nas pernas.
Consoante a sua localização hemisférica, as convulsões poderão afectar a leitura e a
escrita, ou o desenho e a análise espacial. Conhecendo efecúva mente a lateralidade
da lesão cerebral, pode-se hoje ajudar o professor ou o terapeuta a diferenciar as
capacidades cogniúvas e as aquisições escolares.
As aprendizagens escolares primárias (ler, escrever e contar) colocam mais em
jogo as funções do hemisfério esquerdo, ao contrário das aprendizagens pré-escolares
(desenhar, pintar, recortar, jogar, saltar, etc. ), que assentam mais nas funções verbais
do hemisfério direito. Por esse facto, sabemos actualmente que as lesões no
hemisfério direito não verbais também são problemáúeas em termos de
aproveitamento escolar. Daí também a importância do ensino pré-primário obrigatório,
com meio de prevenção, inequívoca e essencial às dificuldades precoces de adaptação
e de aprendizagem, que surgem com as exigências das tarefas verbais e simbólicas do
1. o ano de escolaridade obrigatória (ex-l. a classe).

216

COMRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE


APRENDIZAGFM

Efecúvamente, e de acordo eom a maturação do sistema nervoso central


concreúzada pelo processo de mielinização, o hemisfério direito aúnge a sua
maturação mais precocemente do que o hemisfério esquerdo; por isso, o ser humano,
na sua ontogénese, evolui do não-verbal para o verbal, do acto ao pensamento, do
reflexo para a reflexão, do gesto para palavra, da psicomotricidade para a
psicolinguísúca, e nunca ao contrário. Aqui estará, certamente uma das maiores
soluções ou respostas a dar à praga social, das DA que surgem com a entrada para a
escola; a maioria das crianças, principalmente as desfavorecidas, são eolocadas em
tarefas educacionais que Ihes exigem mais do que o seu parâmetro de
desenvolvimento neurobiológico Ihes pode garantir (ver Figura 67).
Várias crianças sem lesões, mas com disfunções provocadas ou não por
privações de vária ordem, podem não evoluir bem em Geometria e Geografia, porque
estas envolvem funções do hemisfério direito, mas podem em contraste atingir um nível
médio de progresso na aprendizagem de línguas, da História, da Filosofia, etc. , porque
envolvem funções do hemisfério esquerdo. O inverso é igualmente verdadeiro; aqui
está, pois, um importante aspecto a tomar em linha de conta na optimização
educacional e vocacional das crianças e dos jovens.
A compreensão dos efeitos das lesões ou disfunções nos hemisférios esquerdo
ou direito permite, na nossa ópúca, uma melhor compreensão dos problemas das
crianças deficientes e das crianças com DA.
Os estudos de lesões anteroposteriores mostram-nos e revelam-nos outros
dados também importantes. Intervenções cirúrgicas em adultos no Ióbulo frontal direito
originam perda de ajuizamento em decisões sociais dificuldades no raciocínio indutivo
ou redutivo, e rigidez mental, sem no entanto se verificarem alterações no vocabulário,
na abstracção verbal, na informação geral ou na compreensão de problemas, funções
estas preferencialmente organizadas nas zonas médias e posteriores do hemisfério
esquerdo.
Ao contrário, segundo Gaddes 1975, as lesões nas áreas posteriores podem
causar distúrbios na percepção visual, na compreensão da fala, no reconhecimento
táctil, na direccionalidade, na imagem do corpo, na gnosia digital, na memória de longo
termo e na interpretação de figuras. Estes distúrbios, segundo o mesmo autor, parecem
revelar-se nas crianças com DA mais do que os localizados nas zonas anteriores, isto
é, frontais como provam as ondas lentas do EEG, que tendem a aparecer com mais
frequência nas regiões occipitais. Para Gaddes, os estudos das técnicas de registo da
actividade cerebral tendem a aperfeiçoar-se, pelo que poderão daí nascer novos
ensinamentos para a compreensão das DA.
A nossa tentativa, sem o rigor que os neurologistas podem aúngir, pretende
apenas trazer para o campo da educação e da psicologia, ou melhor das DA, alguns
contributos de reconhecida validade sobre a interdependência das capacidades de
aprendizagem para uma melhor compreensão dos pro

217

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

blemas da aprendizagem e, naturalmente, do desenvolvimento da linguagem, visto que


são dois aspectos humanos inequivocamente inseparáveis em termos
neuropsicológicos.
Independentemente de os professores intervirem fundamentalmente nos
domínios da linguagem (input - compreensão auditiva, e output - linguagem falada) com
as crianças nas escolas primárias, é lamentável que na sua formação básica poucas
medidas sejam tomadas quanto às DA e quanto às desordens da linguagem. Com
conhecimento mínimo de casos patológicos (afasias) poder-se-ia mais adequadamente
deduzir o que ocorre ao nível do desenvolvimento normal da linguagem e, com base
nestes dados, construir programas de enriquecimento e de facilitação mais eficazes e
sistemáticos.
Um conhecimento mínimo do conceito de afasia requer evidentemente uma
gnosia (reconhecimento), por mais elementar e rudimentar que seja, da estrutura e da
função do cérebro humano.
Sabe-se hoje que o hemisfério esquerdo é fundamentalmente estruturado nas
funções da linguagem. A função da expressão (output) da fala envolve o lóbulo frontal
esquerdo, a denominada área de Broca segundo Lenneberg, 1967, Pribram 1971,
Geschwind 1972. A função da recepção (input) da fala, isto é, a análise e a
deseodificação e a retenção da informação verbal envolvem, por outro lado, a área de
Wernicke, no lóbulo temporal superior esquerdo, não esquecendo as interconexões
subcorticais, que a ligam à área de Broca em termos de recombinação e defeed-back
(Geschwind 1965).
Quando um adulto sofre lesões nas áreas acima mencionadas, podemos
encontrar vários sintomas afásicos, como, por exemplo: diflculdades na selecção de
palavras e na sua rechamada (recall), substituições verbais, omissões, quando
incluídas numa frase, problemas de abstracção, distúrbios de descodificação, etc.
No caso das crianças, embora se denote certas regressões em vários aspectos
do comportamento, e se tais ocorrências se derem entre os quatro e os 10 anos,
verifica-se, pelo contrário, que elas atingem uma recuperação espantosa, desde que
obviamente se integre a criança num programa sistemático de desenvolvimento da
linguagem, reabilitação esta que, no entanto, poderá levar alguns anos.
Os dados obtidos pela neurotraumatologia são bastante claros quanto às
relações entre o cérebro e as aprendizagens simbólicas ou não simbólicas. Conhece-
se actualmente que, para ler e escrever, é necessário observar a integridade do
hemisfério esquerdo, onde o girus angular surge como área de integração funcional
privilegiada, reunindo as funções visual, auditiva e quinestésica.
Se a lesão se der na zona posterior do corpo caloso (fibras que ligam os dois
hemisférios), impedindo a ligação entre o lóbulo occipital direito e o girus angular
esquerdo, o indivíduo não pode ler nada que seja apresentado no seu campo visual
esquerdo (hemialexia).
Se se der uma hemorragia na artéria cerebral posterior esquerda, o indivíduo
deixa de ler, mas consegue ainda escrever espontaneamente ou por ditado,

218

CONTRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE


APRENDI74GEM

isto é, pode tratar-se de uma alexia sem agrafia. Aqui, como o circuito visuolinguístico
se encontra afectado, o indivíduo lesado não pode ler; mas como o circuito auditivo-
linguístico-grafomotor está intacto, pode escrever.
Se, todavia, a hemorragia for na artéria cerebral média esquerda, que cobre
quase todo o hemisfério esquerdo, o indivíduo lesado não lê nem escreve, isto é, dá-se
uma alexia com agrafia. Sendo as áreas visuais (posteriores) e as áreas auditivas e
tactiloquinestésicas (médias), isto é, as áreas associativas, as afectadas, há
simultaneamente incapacidade de leitura e de escrita.
O modelo traumático, substancialmente diferente no caso das crianças, oferece
outras indicações de interesse. Nas crianças, e de acordo com a extensão da lesão, a
recuperação pode ser espectacular, dependendo este aspecto da localização da lesão,
quer seja dentro, quer fora das áreas da linguagem.
Este modelo patológico oferece, concomitantemente, outros dados mais
precisos. A objectividade dos casos não oferece dúvidas. No caso dos modelos de
atraso de maturação neurológica - neurological maturational lagSatz, 1973 e
colaboradores -, não é difícil estabelecer uma analogia, pelo menos para perceber que
o sucesso na leitura ou na escrita (aprendizagem) depende da função normal nos
circuitos cerebrais que as realizam. Neste âmbito, não podemos negligenciar, ou até
mesmo ignorar, o papel do envolvimento, pois uma estimulação pobre ou poucas
oportunidades de mediatização podem implicar uma desaceleração na maturação dos
circuitos nervosos que superintendem a hierarquização das aprendizagens simbólicas.
Se o problema se passa quanto às lesões posteriores, médias e anteriores do
hemisfério esquerdo, que impedem a leitura e a escrita, clinicamente também se
podem apresentar casos em que as lesões se situam no hemisfério direito, daí
resultando acalculias.
Somar e subtrair são operações repetitivas, automatizadas, especializadas e
processadas por aquisições visuomotoras, e estas são preferencialmente reguladas no
hemisfério direito. Com a complexidade das operações aritméticas, os cálculos tendem
a envolver funções hemisféricas bilaterais; por isso as crianças mais velhas (nove-12
anos), ao contrário das mais jovens (sete/oito anos), apresentam, para além de
dificuldades de leitura, dificuldades em tarefas conceptuais.
Vários investigadores têm defendido que o conhecimento da disfunção cerebral
pode ajudar o psicólogo escolar (psicopedagogo) e o professor em geral. A
colaboração médica neste sector é imprescindível. Muita frustração se pode combater
e, consequentemente, reduzir.
Não pretendemos utilizar uma explicação orgânica sobre as DA (ou o insucesso
escolar), pois ela encerra em si um perigo. Porém, o perigo parece ser o mesmo, se
não utilizarmos este conhecimento na nossa prática clinicopedagógica.

219

INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGrlGlCA

O modelo psiconeurológico pode ser um suporte do processo do diag nóstieo e


da intervenção. Pode constituir a base de programas e de desenhos curriculares, na
medida em que permite compreender os défices comportamentais e de aprendizagem
das crianças com DA.
A prescrição e a predicção do processo podem atingir outra significação. A
informação detalhada das funções psicológicas (percepção, memória, cognição,
psicomotricidade, ete. ) que suportam a aprendizagem surge mais clara do que através
dos processos tradicionais e por isso pode auxiliar mais concisamente as estratégias,
os métodos e as abordagens de intervenção educativa, preventiva ou reeducativa.
O aproveitamento escolar pode ser maior se soubermos quais são as áreas
fortes das crianças, ou sejam, as portas da motivação que poderão permitir a melhor
exploração dos seus potenciais de aprendizagem.
Os quadros apresentados nas figuras 64 e 65 podem; de uma forma eco
nómica, levar a uma melhor interpretação dos dados do diagnóstieo em
psicopedagogia.
Tentámos nesta abordagem sensibilizar, com este simples desvio pela
psiconeurologia, para as relações cérebro-comportamento e cérebro-aprendizagem. As
hipóteses de mudança no campo das DA passam, na nossa opinião, por melhores
processos de diagnóstico e de intervenção, e estes melhorarão no futuro na base de
novos contributos da psiconeurologia.
Como o neurologista está sobrecarregado com outras responsabilidades
profissionais, da mesma forma que o professor se encontra hipotecado às aulas do dia-
a-dia, cabe na nossa perspectiva ao psicólogo (clínico ou escolar) o papel de sintetizar
e analisar o diagnóstico (psiconeurológico) e preserever as orientações
psicopedagógicas ulteriores.
O suporte - o nível das funções e estruturas neurológicas, da psieologia da
percepção, da memória, da cognição, da psicomotricidade, dos métodos de
modificação do comportamento e das DA - poderá ser gradualmente assegurado pelo
psicólogo, que urge apoiar nas estruturas normais do ensino.
Evidentemente que o psicólogo não se deve refugiar nos segredos do
diagnóstico ou na produção de prognósticos bem sucedidos, Há que transformá-lo,
igualmente, num prático, apoiando e acompanhando a intervenção pedagógica,
servindo-se aqui dos apoios psiconeurológicos. A inovação dos métodos reeducativos
irá, quanto a nós, necessitar de um substancial apoio da psiconeurologia. O
alargamento do repertório de atitudes e competências do psicólogo tem muito a ver
com os dados postos à disposição pela psiconeurologia; daí esta nossa análise,
visando as implicações desta disciplina no campo das DA.
O professor (reedueador, terapeuta ou explicadon, ), como prático que é, tende
a servir-se ansiosamente de novas técnieas e métodos para resolver os problemas dos
seus educandos mais lentos. A incorporalização formativa da psiconeurologia facilitará
a compreensão do diagnóstico e a planifieação de estratégias educaeionais mais
eficazes. O professor precisa de saber porque

220

COMRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGl A PARA AS DIFICUlDADES DE APREN DIl


AGEM

H emisfério Hemisfório esquerdo direito

Global Organi?ação e seriação Organização gestalústa


Análise Síntese
Funções mdo-ou-nada Funções difusas e gradua Processo elaborativo das
Processo conceptual Processo imediato e emoci Categariração das alterações
onal
do envolvúnento Sustentação da situação do
Vigilância primária envoivimento
Atenção auditiva Vigilância secundáriá
Ritmo Atenção visual
Organização voGtiva e Música
consciente Organização invotuntária e
automáúca

Lbbulo frontal - Fluência verbal Detecção de eiros


- Regulação do comporta- Consciência social
mento pela fala Juízos recentes de úpo vi Praxias sual
Escrita
Consciencialização
Juízos verbais

Lóbulo temporal Raciocínio verbal Padrões rítmicos Memória verbal


auditiva Memória visual de longo Vocabulário termo
Memória auditiva não verbal

Ibbulo parietal e occipital Cálculo Percepção do espaço


Leitura Percepção de fundo
Escrita Discriminação
Praxias construúvas Praxia constniúva espacial
Praxias ideacionais Memória visual de curto
Síntese. Percepção da termo
forma Reconhecimento visual de
Aquisições associativas objectos e figuras
Apreensão de sequências Memória para faces

Figura 68 - L alização inter-hemisférica e concomitantes funções corticais


supetxores

221

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

Áreas cerebrais Disfunções

Áreas frontais Expressão oral


(anteriores) Funções de ordem e seriação Memória curto
termo Praxias (dispraxia) Processamento visual subtil Mudanças de actividade

Áreas temporais Percepção visual [constância da forma, omissões,


rotações, figura-fundo, (médias) completamentos (closure), detecção de promenores
etc. ]
Visuomotácidade
Desenho
Cbpia

Áreas temporais Percepção auditiva (médias)


Descodificação
Associação verbal Recham d de informaÇão

Áreas parietais Cmosia táctil (médias) Gnosia digital


Imagem do cospo
Sequencia Gzação pré-motora Dinescionalidade

Figura 69 - Áreas e disfunções cerebrais


usa um método, ou uma tarefa, para uma certa criança. Não bastam as metodológicas
tentativas e os erros. Há urgência em economizar tempo, quando está em jogo o futuro
dos educandos. Pela ignorância destes assuntos subsiste a tendência de culpabilizar,
umas vezes as crianças ou os pais, outras vezes o professor ou os métodos, conforme
os enfoques extremistas com que normalmente as DA são encaradas. Com a
investigação psiconeurológica, muito terreno hoje inacessível será superado e
conquistado no futuro.
Por outro lado, é preciso compreender que os testes de inteligência (QI) são
diferentes das bateriais psiconeurológicas. Eles não se reduzem uns aos outros, não
são sequer incompatíveis. Enquanto o QI é um predictor útil para as crianças com
funções cerebrais normais, ele não o é quando estamos em presença de crianças com
disfunções cerebrais normais. Aqui a inteligência psiconeurológica é preferível à
inteligência psicométrica,

222

CONTRIBUIÇ'ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES


DEAPRENDIZAGEM

A avaliação psiconeurológica oferece uma nova explicação para os problemas


das crianças com DA, pois encara-as num todo em que todos os factores históricos
(pessoais, familiares, escolares e médicos) são respeitados em termos globais e
dialécticos.
Os próprios pais podem ter outra tolerância para superar os problemas
emocionais dos seus filhos. As percepções dos pais, embora algumas vezes ignoradas
por técnicos, devem ser tomadas em linha de conta. A sua função como coterapeutas
pode atingir outras implicações com o suporte da psiconeurologia. A dinâmica
intrafamiliar pode complementar o esforço clínicopedagógico; daí a vantagem em
promover expectativas mais abertas e optimistas com a introdução desta nova
alternativa.

percepção com nsão

-z"

z "! D
interpretação significação visão recodificação (análise do
(correspondência) optema) optema-fenoma)

audição

lNPUT Sisteme 'fRANSDUÇÃO Sisteme TRANSDUÇÃO Sisteme


TRANSDUÇÃO Sisteme visuel euditiv0 SCM IItiCO Olel
( OP'fEMA) (FONEMA) (SIGNItlCAÇÃO)OllTPUT

SISTEMA SEMÂNTLCO
( 3)
lNP SISTEMA I VISUAL
(l)

Figura 70 - Processo da leitura

223

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Alguns factores psiconeurológicos implicados nas DA

Dentro dos factores psiconeurológicos mais negligenciados no estudo das DA,


emergem as disfunções no processamento da informação auditiva e visual e na
integração auditivovisual e visuoauditiva.
É evidente que a maioria destes problemas resulta provavelmente de uma certa
imaturidade neurológica, mais sensível, segundo investigações, nos rapazes do que
nas raparigas.
De facto, a aprendizagem da leitura requer uma série de aquisições perceptivas,
linguisticas e cognitivas.

O HD atinge o processo de mielinização mais precocemente.


A ontogénese vai do NÃO-VERBAL (HD) ao VERBAL (HE), do acto ao
pensamento, do gesto à palavra, da psicomotricidade à psicolinguística.

Hemisfério ' Classificar (HD) Seriar


Recolher Desenhar
i
' P i n t a'e c ot a' E n f i a r

Hemisfério C Ler (L) esquerdo ' ' Escrever (E) ( ) F ( ) vr' Fal (F

Figura 7l - Aprendizagens pré-primárias e primárias

224

CONIRIBUIÇ'ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS flIFICUIllADES DE APRFlV


DIIAGFJK

De acordo com trabalhos de especialistas, para ler, o cérebro reclau>a as


seguintes aquisições:

1) Controlo postural e da atenção;


2) Seguimento de orientações e inswções visuoespaciais (de
cima para baixo em termos de linhas horizontais, e da esquerda para a direita em
termos de descodificação e sequencialização de lelras e palavras);
3) Mmembria auditiva;
4) Sequencialização e ordenação fonéúca;
5) Memória visual;
6) Sequencialização e ordenação graféúca;
7) Aquisições para descodificar palavras (word anack skills - estratégias
de ataque" de paiavras;
8) Análise eswtural de linguagem;
9) Síntese lógica e interpretação da linguagem;
10) Desenvolvimento do vocabulário; 11) Expansão e generalização léxica;
12) Aquisições de escrutínio e de referenciação léxicossintáctica.

Por este esquema simplificado podemos compreender que a aquisição da leitura


leva um longo tempo de aprendizagem e de automatização. Ao envolver várias fases, a
leitura exigè a apropriação de pré-aptidões indispensáveis. Pré-aptidões que muitas
vezes não se encontram seguramente adquiridas por algumas crianças quando entram
na escola, principalmente as mais désfavorecidas (socioeconomicamente,
socioculturalmente e sociolinguisticamente).
A escola e os seus professores, muitas vezes, não se apercebem da natureza
destes problemas e, por não os tomarem em linha de conta na fase propedêutica ou
por não terem sido sensibilizados para isso na sua formação, tendem a criar DA.
Por serem ignorados vários factores psiconeurológicos e maturativos das pré-
apúdões da leitura, da escrita e do cálculo, as DA são frequentemente inevitáveis.
É dentro deste parâmetco que se deve equacionar também o conceito de
dispedagogia. Como aligeirar esta situação? Pensamos que, nesta questão; a
psiconeurologia fornece alguns apoios substanciais.
A grande dificuldade de controlo da atenção, a imaturidade psicomotora e a
vulnerábilidade das aquisições básicas de processamento auditivo e de informação
visual cetzarnente que interferem com a aprendizagem, na qual não se pode
negligenciar a importância da maturidade emocional e afectiva, nem sempre
respei_tada, ou por vezes exclusivamente reforçada.
Descurar, por exemplo, a importância da lateralização, normalmente associada à
especialização hemisférica, pode por si só implicar DA. A late

225

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGbGICA

ralização reflecte a integração neuropsicológica que é necessária às aprendizagens


simbólicas. O cérebro possui dois hemisférios com estruturas assimétricas alcançadas
pelo processo da filogénese, que decorreu em ritmos diferentes em termos de
ontogénese (Fonseca 1982).
Já atrás afirmámos que o hemisfério direito se mieliniza primeiro do que o
esquerdo. Para que o hemisfério esquerdo esteja apto para a leitura, é preciso que o
hemisfério direito adquira redes funcionais proporcionadas pelas experiências pré-
primárias: desenho, pintura, recorte, expressão gráfica, artística, criatividade,
construção de objectos, etc. Quantas crianças iniciam a leitura sem estas aquisições?
Provavelmente mais de 30% das crianças das escolas primárias (ver Figura 7I).
Prechtl I962 detectou em 90% de crianças disléxicas movimentos irregulares e
espasmódicos ao nível corporal e ao nível dos músculos oculares, sinais de actividade
involuntária, causando distúrbios de fixação e perseguição binocular, obviamente
implicados na leitura.
Nas nossas investigações, temos encontrado problemas psicomotores nas
crianças com DA normalmente concentrados em dificuldades de controlo tónico (hipo
ou hipertonicidade, paratonais e disdiadococinesias sincinésias); ao nivel do equilibrio
(problemas de controlo vestibular e proprioceptivo, dificuldades de imobilidade,
reequilibrações abruptas, etc. ); ao nivel da noção do corpo (problemas de
reconhecimento somatosensorial, agnosias faciais e digitais); ao nivel da estruturação
espaciotemporal (problemas de memória de curto termo visual e auditiva); ao nivel da
coordenaÇão de movimentos (dispraxias globais e finas, problemas de dextralidade,
dismetrias, etc. ) (Fonseca 1980).
O cérebro está, dos quatro aos oito anos de idade (isto é, entre a pré-primária e
a primeira fase), em grandes transformações. A sua plasticidade e o seu crescimento
neste momento são decisivos para as aprendizagens simbólicas; daí o papel preventivo
das experiências pedagógicas naquela fase de maturação.
A nutrição (Cravioto e Delicardie 1975), a estimulação (Greenough, 1976), o
repouso e a ausência de influências nocivas, bem como um adequado envolvimento
afectivo, assumem nesta fase um papel demasiado relevante que justifica bem a
influência das condições do meio na maturação cerebral.
O conjunto das influências do meio, da estimulação e da educação produzem
processos de facilitação sináptica nas áreas subcorticais, como demonstraram
Raisman e Field 1973, e provocam mudanças locais nos tecidos e nos circuitos
nervosos através de novas conexões, como nos sugerem Diamond, Cooper, Turner e
Macintyre 1976. Crescimentos pré e pós-sinápticos, arborizações dêntricas, actividades
enzimáticas, concentrações iónicas de ácido nucleico, novas proporções e
proliferações entre neurónicos, nevróglias e astrocitos, etc. , mostram bem que as
estruturas cerebrais reflectem, em certa medida, a qualidade das influências do
envolvimento e das oportu nidades educacionais e mediatizacionais.

226

CONTRIBUIÇÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APREN


Dl7 AGF. f

Com estes dados somos levados a acreditar nas implicações benéflcas dá


intervenção educacional precoce, que naturalmente tende a aperfeiçoar o
funcionamento do cérebro, desde que tal intervenção se fundamente à luz do
conhecimento neuropsicológico e psiconeurológico.
Nesta linha, podemos concluir que as experiências educacionais precoces não
só facilitam o desenvolvimento da criança normal como permitem, provavelmente, a
reorganização do SNC nas crianças deficientes.
O cérebro e as funções podem mudar através de situações educacionais ou de
envolvimentos enriquecedores onde tais mudanças podem ocorrer. O desafio aos
educadores e aos professores é cada vez mais aliciante, desde que se ponha em
prática os ensinamentos da neuropsicologia e da psiconeurologia.
Efectivamente, a aprendizagem não se pode dissociar do conhecimento do
cérebro. Quanto melhor se conhecer o cérebro, melhor se poderá superar as DA. O
cérebro é quem aprende, quer se trate de aquisições da linguagem não verbal, quer se
trate das aquisições da linguagem falada e escrita.
Em suma, para aprender a ler, a criança precisa de ter atrás (e dentro) de si um
conjunto de experiências e de envolvimentos que garantam um conjunto de
modificações neurobiológicas no seu cérebro. Para ler, várias aquisições perceptivas e
integrativas se têm de dar em diferentes partes ou unidades do cérebro. É possível que
as DA resultem de uma disfunção manifestada por aspectos estruturais, ou por
problemas de transmissão dos estímulos nas áreas associativas, por diferenças de
transdução e integração e de organização, ou por interferências nos processos
auditivos e visuais que sustentam o processo da leitura.
Muitas diferenças nos factores psiconeurológicos de aprendizagem têm sido
encontradas entre crianças com DA e crianças sem DA, quer diferenças no
processamento auditivo, quer diferenças na integração auditivovisual ou vice-versa.
No processo auditivo, que é crucial para a leitura, por exemplo, especialmente
se ela é oral, estão envolvidas funções de discriminação, identificação,
sequencialização, memória, etc. A leitura oral énvóivé as áreas cerebrais não só da
leitura, mas também da fala. A leitura silenciosa exige, em contrapartida,
subvocalização e rechamada da informação auditiva armazenada na memória.
Luria 1963, por exemplo, demonstrou que os distúrbios na função fonética levam
inevitavelmente a uma perturbação na capacidade da leitura e a uma desintegração na
capacidade da escrita. Alterações nas funções de análise e sintese. fonética
(fragmentação e sequencialização) originam desordens na leitura e na escrita, e muitas
vezes na própria estrutura quinestésica da fala.
Zigmond 1966 demonstrou que as crianças disléxicas apresentam mais
dificuldades na aprendizagem auditiva. Na sua investigação, as variáveis auditivas que
mais diferenciavam as crianças disléxicas das não disléxicas

227

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

SNC
PROGRAMAÇÃO REGULACÃO
CONDUTA
-T
MEIO q, RM AMEKfO V 'KAÇÃO
LPJGUAGEM
-T
INFORMAÇÃO
ANALISE
fo DECISÃO
aniculemas ACÇÃO
ss'r IuI. AçÃo T
RECEPÇÃO TRANSDUÇÃO \I/ EXECUÇÃO pRODUÇÃO
DADOS
s TRANSMISSÃO TRANSMIssÃO DE
A E SONSNA
LEfNRA
SI'IUAÇÃO OR' "
S PROflUÇÃO
DE GRAFEMAS
NA EsCRITA
+I
E

Figura 72 - Modelo de processamento da infOrmaçã0 na leitura

eram as seguintes: associação auditiva (ex. : pN + éN faz = pé; bH + ao faz = bo; Kh,
+ a = la; bola, etc. ) e no ditado oral (dizer oral e sequencialmente com que letras se
escreve as palavras: prato; barba; árvore, etc. ) Tallal 1976 mostrou, noutro estudo, que
os disléxicos apresentam dificuldades no processamento auditivo primário, pois
evidenciam dif Iculdades em organizar e integrar estímulos auditivos rápidos, embora
não manifestem dificuldades nas mesmas tarefas quando os estímulos são
apresentados de uma forma lenta. Razão pela qual os métodos fõnicos não se
adaptam para crianças ciisléxicas auditivas (disfonéticos).
As investigações que utilizam técnicas de audição dicótica - apresentação
simultânea de diferentes informações auditivas para cada ouvido (por exemplo, para o
ouvido direito entra a informação b-f-h, para o esquerdo entra 1-3-8) - têm demonstrado
que as crianças disléxicas revelam dificuldades nestas situações.
Dados de investigação demonstram que os números, as letras e as pala vras se
processam preferencialmente no hemisfério esquerdo, desde que a entrada da
informação se faça peio ouvido direito. Vários trabalhos de investigação têm sido
unânimes em evidenciar que a população de disléxicos é

228

COMRIBUI(ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APREND


AGFM

menos consistente na lateralização auditiva direita, isto é, escolhem irregularmente ora


o ouvido esquerdo, ora o ouvido direito. Leong 1976 conseguiu chegar a resultados que
mostram claramente a superioridade do ouvi direito sobre o esquerdo no que respeita
ao processamento da infonnação auditiva. Os disléxicos mostraram neste estudo um
atraso maturacional, espe= cialmente no que respeita à síntese da informação.
Por outro lado, Satz 1976 demonstrou que as lateralidades auditiva e manual
direitas caracterizam quer as crianças com DA, quer as sem DA.

ORDENAÇÀO
SEQUENCIA1. QAÇÃO
RE T E Nç Ão

A. V. TQ.

Ì EXECUCÂO DE MOV4HENTOS PRECISOS E CONTROLADOS


DISC AÇÃO
. OlDamão I Ho
. Conaob corporal
PERCEPÇÃO VISUOMOTORA

0 i i I i E i F i
R R N
X E
I E i T i
E i C E p E
i R i i
N E G LINGUAGEM
i i i E i i
T i P i R i S i g i
A Ç A
i i i S i A i
ç , A ç
à i 0 i à à i C i
i 0 i X i
0 ! ! 0 ! ! !

CONSC NCIA ECONTROLO CORPORAL

11
, gem çgo )u Resposia imediaia moni oriz Selecçào dos esUmulos relevanus
Associação com informação prtvia (inte )
. Reco<daçào (rerrrwo!) da informa- Resposts nlevante parn objeaivos e
ç8o mkvan e fins RAtingir um fim, um resW
- Selução de sequ2ncis apropriadas
de int ão

Figura 73 - Outro modelo de processamento da informação

229

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlCA

Bakker e colaboradores 1976 exemplificaram que a fase inicial da leitura é mais


dependente do hemisfério direito, pois parece existir, na primeira fase, uma maior
atenção visual às letras; daí a lentidão da leitura e a redução de inêxitos. Mais tarde, a
descodificação é mais rápida por ser feita pelo hemisfério esquerdo; daí que a
frequência dos inêxitos seja maior.
O ouvido esquerdo parece ser mais utilizado para reprodução de padrões
rítmicos e de sons, bem como de sílabas, segundo também Bakker. No entanto, o
ouvido direito surge como o mais utilizado na recepção de palavras e frases.
Na nossa casuística de reeducandos, temos encontrado, no nosso Dia gnóstico
das Aquisições da Percepção Auditiva - DAPA, vários problemas no processamento
auditivo. A maioria das crianças com DA revela diftculdades em: discriminar pares de
palavras (ex. : não reconhecem a diferença entre pano>> e cano>> ou podem
reconhecer como iguais bico>> e pico>>); diferenciarfrases absurdas (ex. : as árvores
voam?>> os copos dançam?>>, etc. ); identificar o primeiro som de palavras (ex. :
a>> para água>>; m>> para mesa>>, etc. ); completarpalavras (ex. : completa li em
alivro>>; avi em avião>> ou avioneta>>, etc. ); completarfrases (ex. : a casa tem e
>> em a casa tem portas e janelas, etc. ), etc. '.
Com estes exemplos tentámos apresentar alguns dados concretos sobre os
distúrbios do processamento auditivo que normalmente caracterizam as crianças
disléxicas auditivas (disfonéticas).
Vejamos agora o que pode ocorrer quanto ao processamento visual. Da mesma
forma estão envolvidas funções de discriminação, identificação, completamento,
memória, etc.
Se formos ao exemplo da leitura que temos estado a estudar, veriflcamos que,
para ler, é necessário focar os olhos num dado ponto especial da folha impressa,
coordenar binocularmente os movimentos para escrutinar por saltos e sequencialmente
as letras e as palavras orientadas da esquerda para a direita, exactamente o que o
leitor está a fazer neste preciso momento - para além de muitas outras funções.
É claro que a descoordenação ocular interfere com a percepção visual. Também
é claro que a percepção visual não é tudo o que explica a aprendizagem da leitura,
como demonstrámos com a primeira adaptação que se fez em Portugal do
Developmental Test of Visual Perception (Teste de Desenvolvimento da Percepção
Visual, de M. Frostig - Fonseca e colaboradores 1976).
É evidente que não se pode ignorar a fragilidade dos músculos oculares
(estrabismo) no processo da leitura. Esta condição, como é óbvio, pode gerar lentidão
no processamento da informação visual. Por outro lado, a leitura2, porque envolve uma
perseguição horizontal e uma coordenação melódica e

Ver exemplos do Diagnóstico das Aquisições Percepávoauditivas - DAPA. (Ver


pág. 237). 2 Pelo menos no Ocidente, visto que no passado, no Japão, a leitura se
processava da direita para a esquerda e no sentido vertical.

230

CONTRIBUI ÕES DA PSlCONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DEAPREN Dl7


AGEM

sacádica (movimentos aos saltos), põe em jogo um sistema visuomotor muito


complexo, onde se integram funções de figura- fundo, constância da forma, escrutínio,
análise intrínseca e extrínseca, posições e relações no espaço. Para além destes
pormenores, não podemos ignorar que a percepção visual é influenciada por outras
variáveis: tamanho, cor, organização e complexidade do material da página, etc.

A - O processo antigravítico
B - O processo de localização corporal C - O processo de identificação D - O
processo auditivoverbal

Figura 74 - O processo visual

231
INSUCESSQ ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Na leitura, a visão processa formas (gestalts), e partes de formas, discrimina-as,


seleeeiona-as, rearranja-as e combina-as. Sem a percepção visual a actividade mental
terá de ser alimentada por outras fontes de informação, isto é, auditiva ou
tactiloquinestésica como por exemplo, no deficiente visual, a leitura braille.
A visão possui um complicado mecanismo ajustador oculomotor, um complexo
processo de transmissão dos estímulos visuais para outras áreas do cérebro, para
além de funções de análise e de síntese.
Segundo Skeffington 1926 e Getman 1965, a visão resulta de uma multi-
integração sensorial, englobando a integração das aquisições motoras,
sensoriomotoras, pereeptivomotoras e psicomotoras, a imagem do corpo, a
lateralização e a direccionalidade do corpo, a manipulação e a apreensão dos objectos,
ou seja, os prelúdios da linguagem falada, para além de mais tarde garantir as
aprendizagens simbólicas mais humanizadas - ler (receptivo) e escrever (expressivo).
(Figura 74).

PERCEPÇÃO VISUAL

COORDENAÇÃO RELAÇÕES VISUOMOTORA ESPACIAIS

FIGURA POSIÇÃO
E NO
F( NDO ESPAÇO

CONSTÂNCIA
DA
FORNfA

Figura 75 - Componentes da percepção visual, segundo Frostig

232

CONTRIB UfÇ'ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

A visão é um sistema neuropsicológico integrador de onde emerge a


simbolização e, posteriormente, a conceptualização, razão pela qual exerce
associações muito complexas quer com o tacto, quer com a motricidade, bem como
com a audição. A informação visual é o resultado, portanto, de uma integração
multissensorial, na medida em que as sensações visuais ganham significação com a
motricidade, que por sua vez produz feed-backs (Gibson 1969). Em conclusão: a visão
só existe em harmonia com o tacto e a experiência motora (Stratton 1987).
O reeonhecimento de letras e de palavras na leitura envolve a organização de
diferentes sistemas sensoriais (Valett 1980), incluindo a integração da informação
visual e a informação da convergência ocular, da direcção e ori entação do espaço, da
percepção de pormenores de cor, forma, espessura e de relações de contexto, etc.
Na visão, também a lateralização se coloca: ou seja, a relação entre o olho
dominante e a mão dominante. Daí o papel da psicomotricidade em tornar estável o
processo neurobiológico da lateralidade. A dependência recíproca da visão e da
motricidade é uma constante do comportamento humano.
Ao passar à leitura, a visão assume uma hierarquização sensorial que assenta
em pré-aptidões, que Frostig 1979 subdividiu em cinco componentes: coordenação
oculomanual, figura-fundo, constância da forma, posição no espaço e relações
espaciais. Para esta autora, sem uma ampla experiência visuomotora, a criança terá
grandes dificuldades na aprendizagem da leitura (Fonseca 1976) (Figura 75).
Taylor 1966 mostrou que o leitor iniciado realiza aproximadamente 240 fixa ões
oculares na leitura de um texto de 100 palavras. Mais tarde, quando a leitura é já
automatizada, as flxações baixam para 80 (leitor de liceu).
A extensão do reconhecimento (visual span) é, no iniciado, de meia palavra,
enquanto que no liceu ela passa a uma palavra e meia. De facto, à medida que as
flxações se reduzem e a extensão do reconhecimento aumenta, a compreensão
desenvolve-se gradualmente. Segundo o mesmo autor, a compreensão é de 75
palavras por minuto na primeira classe e de 298 palavras por minuto no liceu.
As experiências no taquitoscópio demonstram que os maus leitores apresentam
mais dificuldades nas fixações e na organização do material. Parece subsistir uma
espécie de dispraxia ocular que impede a fácil identificação de formas e de optemas,
razão pela qual a estimulação táctil (letras móveis) pode facilitar a organização
perceptiva que permite a leitura.
As confusões, omissões, adições, substituições e inversões que se dão na
leitura do disléxico podem traduzir distúrbios nas áreas associativas visuais. A
transmissão e a integração das unidades perceptivas não se processa cor rectamente,
daí resultando os tradicionais inêxitos dos disléxicos, ora por problemas de imatúridade
perceptiva, ora até mesmo por inadequações bioquímicas.

233

A identificação visual sequencializada da leitura, por outro lado, impõe

a integridade dos sistemas cerebelosos e vestibulares, motivo pelo qual os métodos


gestuais de aprendizagem da leitura podem ser tão benéficos para as crianças com
DA. Frank e Levinson 1976 apresentaram uma investigação em que os disléxicos
manifestaram oscilações involuntárias rápidas nos globos oculares com perturbações
vestibulares, que os prejudicavam em tarefas de coordenação oculomanual (ex. :
realizar labirintos, identificar figuras sobrepostas, etc. ).
Gray 1922, num estudo clássico, demonstrou que os bons leitores têm menos
movimentos oculares por linha, pausas mais pequenas e menos movimentos
regressivos. Goins 1958 descobriu que o complemento visual e a velocidade perceptiva
são factores psiconeurológicos facilitadores da aprendizagem da leitura. Kass 1962
mostrou igualmente que os disléxicos têm mais problemas na reprodução de símbolos
visuais, na predicção de gestalts, na memória visual e na comparação de pormenores
em pares de figuras.

Nos nossos trabalhos de pesquisa temos verificado que as crianças com DA


possuem mais dificuldades na realização de labirintos rectos e curvos, no desenho
geométrico, nos grafismos rítmicos e sequencializados, na identificação de sequências,
na transferência de situações espaciais topográflcas, etc.
Os maus leitores (Fonseca 1977) apresentam claramente mais problemas de
coordenação oculomanual, de integração e processamento da informação visual.

A aplicação preventiva de programas de desenvolvimento perceptivovisual no


ensino pré-primário poderá emprestar um substancial apoio a crianças que não têm o
processo visual devidamente estruturado. As pré-aptidões a nível visual e a nível
auditivo são fundamentais; daí o papel de as privilegiar em programas e curriculos
escolares hierarquizados.

Como a leitura envolve a tradução da informação visual (optema) em informação


auditiva (fonema), será que as crianças com DA apresentam dificuldades ou diferenças
na integração auditivovisual? Claro.

Na integração auditivovisual situam-se também alguns dos factores


psiconeurológicos que justificam ou que são causadores das DA.

Jastak e Jastak 1976 sugerem que os disléxicos apresentam défices


vasculares entre os centros visuais e as áreas da linguagem. Recentes investigações
(Galaburda 1980 - 31. a reunião da Orton Society) sugerem que os arranjos neuronais
são diferentes nos disléxicos.

É aceitável que assim seja, na medida em que a leitura se passa em


várias unidades funcionais (Luria 1973); por isso cada zona ou sistema actua na
organização global do processo da leitura de uma forma específica, como vimos atrás.
Como as DA, as dislexias compreendem um déflce na integração e na
transmissão sensorial, devido a uma disfunção psiconeurológica. E provável até que a
integração auditivovisual esteja afectada, quer não verbalmente, quer verbalmente.

234

CONTRIBUIÇ'ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APREN


DlZA GEM

O mau leitor evidencia sempre problemas em tarefas auditivovisuais (Satz e Van


Nostrand 1973, Birch e Belmont 1964). A ordenação, a sequencialização de estímulos
auditivos, como sejam as estruturas rítmicas, surgem também normalmente
descontroladas. Situações de amostragem de figuras ou estruturas espaciais e a sua
reprodução posterior no plano motor ou verbal surgem igualmente com omissões, com
adições ou com inversões.
No nosso diagnóstico informal da leitura (DlLE), para ilustrar este aspecto (ver
modelo a seguir), temos uma prova de memória visual que envolve três figuras de
frutos e três fichas com os respectivos nomes. A prova consiste em apresentar várias
sequências com as imagens, sequências que o observado tem de reproduzir
sequencialmente de memória (curto termo), com os nomes respectivos (palavras -
componente auditivo).
Nesta prova de integração visuoauditiva, os maus leitores sistematicamente
erram ou por inversão ou por alteração de ordem e sequência. Parece que se verifica
uma certa diflculdade em manter (segurar) a informação sensorial, para depois a
processar, integrar e transferir.
Witelson 1976 conduziu experiências similares tendo concluído que as crianças
disléxicas apresentam problemas de processamento espacial e de integração
auditivolinguística a provar uma disfunção psiconeurológica. Hugles 1976 sugeriu
mesmo que os disléxicos têm taxas anormais de monoamina oxidase e tiroxina, que se
sabe terem efeitos negativos na transmissão neurológica, o que dá mais consistência à
tese da disfunção.
Todos estes trabalhos que procuramos resumir ao longo do capítulo sugerem
que, ao nível preventivo e ao nível reeducativo, se utilize primeiro processos de
trabalho visuomotores e visuoespaciais e, posteriormente, estratégias
auditivolinguísticas, para além de métodos multissensoriais de compreensão e de feed-
back.
Em conclusão, a dislexia, efectivamente, é uma realidade. Há que aceitá-la à luz
dos factos que tentáznos apresentar. Cabe à investigação psiconeurológica e à
inovação pedagógica do futuro dar respostas a tão significativo problema humano. Para
isso nos esforçamos e nesse sentido continuaremos a conduzir os nossos projectos de
investigação.

amostragem 1
2 3 imagens ' retira-se as fichas e a criança reproduz, com
as respecùvas ficMas, as
palavras palavras l a morango '

Figura 76 - Prova da memória visual do DILE

235

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

DIAGNÓSTICO INFORMAL DA LEITURA (DILE)

Ficha de Observação Pedagógica

Nome Data de nascimento Fase de aprendizagem Data de observação i

Observações pedagógicas complementares Idade


a n om ee s

1- PRÉ -APTIDÕES DA LEITURA ESCALA


1. 1- Eliscriminação visual de figuras . 1 2 3
1. 2- Discriminação visual de 1etras. . . 1 2 3
1. 3- Nomes de letras (vogais e consoantes)... . . I 2 3
1. 4- Sons de letras . I 2 3
1. 5- Silabação... ... . . 1 2 3
I. 6- Discriminação visual de palavras . 1 2 3
1. 7- Memória visual . 1 2 3
1. 8- Análise fonética... ... ... . . 1 2 3
1. 9- Reconhecimento de palavras... . . 1 2 3
1. 10- Vocabulário... . . 1 2 3
1. 11- Articulação... . . 1 2 3

2 - APTIDÕES DA LElTURA

2. 1- Leitura Oral
2. 1. 1- Pronúncia... ... . .1 2 3
2. 1. 2- Confusões, repetições e hesitações (proc " auditivo)... ... ... . .1 2
3
2. 1. 3- Omissõés, inversões, adições e substituições (proc ó visuaI) .I 2
3
2. 1. 4- Velocidade da leitura (tempo)... . .1 2 3
2. 1. 5- Pontuação... ... . . 1 2 3
2. 1. 6- Expressão... ... . . . 1 2 3
2. 1. 7- Postura corporal . I 2 3
2. 1. 8- Compreensão e interpretação... . . ..1 2 3
2. 1. 9- Desenvolvimeto de conclusões. . ..1 2 3

2. 1- Leitura Silenciosa
2. 2. 1- Postura corporal. 1 2 3 2. 2. 2- Atenção e segurança... . . 1 2 3 2. 2. 3-
Compreensão e intérpretação... . . 1 2 3 2. 2. 4- Desenvolvimeto de conciusões... 1 2 3

O O bev a d o r

236

COMRIBUI ÕES DA PSICONEUROLl7GI A PARA AS DIFICUIDADES DE APRENDIl


AGEM

DIAGNÓSTICO DAS AQUISIÇÕES PERCF 'TIVOAUDITIVAS (DAPA)

MF
Nome Sexo D 0 Fase de aprendizagem Data de observação
Data de nascimento i

Observações complementares Idade

anos meses

PERFIL DO PROCESSO AUDlllVO

PERFII. DE FJOl DS 2096AOR, 609o 8096

I - Discriminação de pares de palavras


2 - Discriminação de frases absurdas
3 - Identifscação fonética

4 - Síntese auditiva
5 - CompIetamento de palavras
6 - Completamento de frases 7 - Associação auditivovìsua I
8 - Memória auditiva de números e sflabas
9 - Memória de palavras e frases
IO - Associação auditiva

TOTAL DE ÊXITOS:

Comportamento durante a observação

Recomendações

O Observador

237

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Outras pesquisas mais centradas nos problemas de processamento auditivo têm


demonstrado que crianças disléxicas auditivas (ditas disfonéticas"), acusam inúmeras
vulnerabilidades em várias das suas componentes, como são exemplos as que se
apresentam no modelo seguinte de diagnóstico das aquisições perceptivoauditivas
(DAPA) criado por nós.
O DAPA é um meio de identificação das aquisições perceptivoauditivas
consideradas fundamentais para a aprendizagem da linguagem falada (primeiro
sistema simbólico). A linguagem falada compreende o segundo estádio da evolução da
linguagem humana. É antecedida da linguagem não verbal, gestual e corporal e
seguida da linguagem escrita (segundo sistema simbólico) que compreende um
aspecto receptivo, a leitura, e, um expressivo, a escrita.
O DAPA constitui um dispositivo para detectar problemas na percepção auditiva,
considerada como uma aquisição essencial e pertinente para a adaptação ao meio.
Qualquer anomalia no processo auditivo pode impedir a passagem do som até ao
sistema nervoso central, condição essa necessária à comunicação interpessoal e ao
domínio da linguagem falada.
As perturbações na percepção auditiva são frequentes nas crianças em idade
pré-escolar e escolar, independentemente da sua normal audição, das suas avaliações
audiométricas normais e da sua conversação normal. Não basta uma audição normal
em termos de aprendizagem e de evolução escolar adequada; convém atender ao
processo dé informação sensorial em todos os seus aspectos receptivos, integrativos e
expressivos.
O processo da linguagem falada consta de três aspectos:

1) Recepção - Input auditivo (1, 2, 3, 4);


2) Integração auditiva (5, 6, 7, 8, e 10);
3) Expressão - Output verbal (rememorização,
vocabulário, estrutura gramatical, formulação, ecolálias, articulação).

Em resumo:

Processo
H Processo
H de
output
u verbal
auditivo
i
i i
i i
i i
i i
DAPA
J

Figura 77 - Processo de linguagem falada

238

COMRIBUIGÕES DA PSICONEUROLllGI A PARA AS DIFICUlDADES DE APREN Dl7


AGEM

O DAPA é um meio de diagnóstico precoce e, ao mesmo tempo, um indicador


de programas educacionais prevenúvos de interesse para a aprendizagem escolar. A
identificação das áreas fortes e fracas, no processo da linguagem falada, pode prever a
uúlização de estcatégias educacionáis compatíveis com as necessidades específicas
das crianças.
A aquisição da linguagem falada processa-se em muitos casos por imitação e
por interacção social; porém, muitas imprecisões podem manifestar-se não só na
expressão da linguagem falada, mas também na compreensão auditiva.
O DAPA procura fornecer um perfil das aquisições perceptivoauditivas
indispensáveis à linguagem falada e à linguagem escrita. A investigação tem
demonstrado uma elevada conelação entre as aquisições perceptivoauditivas e as
aprendizagens escolares da leitura e da escrita (ex. Wepman 1960 e Myklebust 1978);
daí a necessidade de se desenvolver um instrumento de identificação, de fácil e
económica aplicação e de útil planificação pedagógica, que permita discriminar
crianças em que se torna necessária uma análise mais rigorosa das suas aquisições
percepúvoauditivas.
O DAPA pode ser aplicado individualmente ou em pequenos grupos a partir da
pré-primária.

PROCESSO AUDITIVO

1 - Discriminaçâo de Pares de Palavràs 1. 1- Nó-Nó 1. 2 - Sua-Lua 1. 3 - Ser-Ser


1. 4 - Mola-Bola
1. 5 - Ata-Ata
1. 6 - Tomar-Tocar
1. 7 - Faca-Vaca
1. 8 - Janela-Panela 1. 9 - Espada-Espada I. 10 - Empatar-Engatar

% êxitos % inêxitos

2- Discriminação de Frases Absurdas


2. 1- As aves voam? Sim/Não
2. 2- Os beb8s voam? Sim/Hão
2. 3- Os animais comem? Sim/Não
2. 4- As cadeiras bebem? Sim/Não
2. 5- As árvores andam? SimlNão
2. 6- Os copos dançam? Sim/Não
2. 7- Os aviões voam? Sim/Não
2. 8- Os bonecos brincam? Sim/Não

239

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

2. 9 - Os gatos dormem? Sim/Não 2. 10 - As casas nadam? Sim/Não


- % êxito% inêxi tos

3 - Identificação Fonética

Qual é a primeira letra ou o primeiro som das seguintes palavras? Respostas


3. 1 - água
3. 2 - berlinde 3. 3 - carrocel
3. 4 - sol
3. 5 - elefante
3. 6 - folha 3. 7 - garfo 3. 8 - vitória 3. 9 - triciclo
3. 10 - urso
% êxito % inêxito

4 - Sintese Auditiva
Respostas Respostas
1. Tetliativa 2. a Tentativa
4. 1- /pl - Yé/ (pé-fé-sé)
4. 2- /k/ - /a/ - /m/ - /a/ (gama-cama-ama) 4. 3- /v/ -/a/ - /c/ - /a/ (faca-vaca-
maca)
4. 4- /b/ - /o/ - /t/ - /e1 (pote-lote-bote)
4. 5- lr/ - /o/ - /d/ - /a/ (moda-roda-poda) 4. 6- /p/ - /ão/ (pão-cão-não)
4. 7- /g/ - /a/ - /t/ - /o/ (pato-gato-rato) 4. g - /p/ - / - lp/ - /a/ (bica-pica-pipa)
4. 9- /p/ - /ól (pó-nó-mó)
4. 10- /e/ - /s/ - /c/ - /o/ - N - /a/ (esmola-escola-estola)
% êxitos % êxitos % inêxitos % inêxitos

5- Completamento de Palavras
Completa as palavras...
5. 1- garra (garrafa)
5. 2- avi (avião)
5. 3- bana (banana)
5. 4- chupe (chupeta)
5. 5- tele são (televisão)
5. 6- es dote (escadote)
5. 7- es - la (escoia)
5. 8- re çado (rebuçado)
5. 9- ge do (gelado)
5. 10- bi cleta (bicicleta)
% êxitos % inêxitos

240

COMRIBUI ÕES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULl7ADES


DEAPRENDI?AGEM

6 - Completamento de Frases
6. 1- O João foi à praia (nadar, pescar, etc. ) 6. 2 - A Sara foi brincar (bonecos,
pessoas, etc. ) 6. 3 - O Rodrigo gosta (brincar, jogar, etc. ) 6. 4 - A casa tem e e(portas
e janelas, etc. ) 6. 5 - A boneea tem e e (cara e mãos, ete:) 6. 6 - O carro tem e e(rodas
e motor, etc. ) 6. 7 - O Joãocinema - (foi ao, vai ao, etc. ) 6. 8 - A Sarajogar à malha
(gosta de, quer, etc. ) 6. 9 - O Rodrigo piscina (nada, brinea, etc. ) 6. 10 - O cão gato
(corre atrás do, etc. )

% êxitos % inêxitos

7- Associação Auditivovisual
7. 1- relógio 7. 12- observar
7. 2- ambulância 7. 13- jogar
7. 3- avião 7. 14- dirigir
7. 4- brinquedos 7. 15- esperar
7. 5- sinal de trânsito 7. 16- transpone
7. 6- árvores 7. 17- conduzir
7. 7- guindaste 7. 18- passear
7. 8- chuva 7. 19- anunciar
7. 9- peões 7. 20- socorrer
7. 10- marco do correio % êxitos
7. 11- construir % inêxitos

24I

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


8 - Memória Auditiva de Números e Silabas 8. 1- 916 8. 2 - 4389 8. 3 - 54321 8. 4 -
611097 8. 5 - 2476015
8. 6 - bric/car/brac
8. 7 - spar/ti/cro 8. 8 - bir/bri/cor 8. 9 - fra/Ihe/nho 8. 10 - sa/gar/lir
% êxitos % inêxitos

9 - Memória de Sequências de Palavras e de Frases 9. 1- mão - nâo - cão


9. 2 - dar - par - lar
9. 3 - bote - pote - lote 9. 4 - mola - gota - tola
9. 5 - pescada - testada - escada
9. 6 - Eu vou viajar
9. 7 - Tu tens uma boneca
9. 8 - Eu vi-a ontem
9. 9 - Vou aprender a ler
9. 10 - As crianças brincam com alegria
% êxitos % inêxitos

10- Associação Auditiva


10. 1- O pai é grande
0bebé é
10. 2- A relva é verde
0céu é ?
10. 3- O gato mia
0cão ?
10. 4- A noite é para dormir
0dia é para ?
10. 5- Bebemos por um copo
Comemos num ?
10. 6- O coelho é rápido
A tartaruga é ?
10. 7- Escrevemos com a mão direita
e usamos o relógio na
10. 8- A árvore é alta
A flor é ?
10. 9- O barco navega no mar
o avião voa no ?
10. 10- A pedra é dura
A esponja é ?
% êxitos % inêxitos

242

CAPÍTULO 6

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Como temos vindo a analisar, a expressão dificuldades de aprendizagem (DA)


tem sido aplicada a uma população muito heterogénea de crianças, condição esta que
vem dificultando a aceitação de um critério susceptível de reduzir a confusão
conceptual actualmente existente neste âmbito da psicopedagogia. A fragmentação e o
caos semântico que tem caracterizado os estudos nesta área, por outro lado, tendem a
provocar resistências interdisciplinares que não ajudam a clarificar o problema.
Muitos termos e expressões têm sido utilizados para descrever as crianças com
DA. Vejamos, no plano histórico, os termos mais significativos:

- Dificuldade de leitura adquirida (Lordat 1843);


- Impercepção (Broadbent 1872, e Jackson 1876);
- Cegueira verbal congénita (congenital word blindness, Kussman
1877, e Hinshelwood 1900);
- Dificuldades específicas da leitura (Morgan 1896);
- Dislexia (Berlin 1898);
- Dislexia específica e estrefossimbolia (Orton 1937);
- Distúrbios perceptivos (Strauss e Lehtinen 1942);
- Neurofrenia (Doll 1951 );
- Alexia congénita evolutiva;
- Síndroma de Strauss (Stevens e Birch 1957);
- Aprendizagem lenta (slow learner, Kephart 1954);
- Lesão mínima no cérebro (minimal brain damage, Hermann 1967);
- Dispráxia (clumsy child);
- Dificuldades visuomotoras;
- Hiperactividade;
- Disfunção cerebral mínima (Bax e Mackeith 1963);
- Dislexia evolutiva (Critchley 1964);

243

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

- Problemas psicomotores;
- Disfunção psiconeurológica (Myklebust 1967);
- Dificuldades específicas da linguagem (Orton Society 1969);
- Problemas emocionais e de comportamento (McCarthy, 1973,
Schaefer 1978);

- etc.

Estas são algumas das denominações aplicadas por investigadores para


caracterizar as crianças com DA, complicando obviamente o acesso a um consenso no
plano do diagnóstico e no plano da aplicacão de estratégias educacionais que permita
determinar a etiologia e minimizar a incidência de um problema que joga com o
potencial humano e com a adaptação à sociedade cognitiva moderna, cada vez mais
dominada por sofisticados avanços tecnológicos.
Para avançarmos neste problema é necessário especificar, o mais
rigorosamente possível, qual é o tipo de população que a designação DA compreende.
Defnições

Não podendo aqui rever todas as definições que têm sido adiantadas por
eminentes investigadores, vejamos algumas delas pela sua importância e a sua
aceitação internacional.

WaK, autor do ITPA (Illinois Test of Psycholinguistic Abilities), define DA como:

uum atraso, uma desordem ou uma imaturidade num ou mais processos: da


linguagem falada, da leitura, da ortografla, da caligrafia ou da aritmética, resultantes de
uma possível disfunção cerebral e/ou de distúrbios de comportamento, e não
dependentes de uma deficiência mental, de uma privação sensorial (visual ou auditiva),
de uma privação cultural ou de um conjunto de factores pedagógicos. ,

MYKLEBUST, autor de inúmeras investigações (Auditory Disorders, 1964,


Psychology ofDeafness, 1972, Progress in I. earning Disabilities, 1975, 1976, 1977,
1978) dá outro enfoque às DA, definindo-as como:

desordens psiconeurológieas da aprendizagem para incluir os défices na


aprendizagem em qualquer idade e que são essencialmente causadas por desvios
(deviations) no sistema nervoso central (SNC) e que não são devidas nem provocadas
por deficiência mental, privação sensorial ou factores psicogenéticos.

244

TAXONOMIA DAS DIFlCULDADES DE APRENDIZAGEA

A Review ofEducational Research, reunindo 15 reconhecidos investigadores,


chegou à seguintc defmição:

r l) As DA constituem um ou mais défices nos processos essenciais da


aprendizagem que necessitam de técnicas especiais de educação (definição por
défice);
2) As crianças com DA apresentam discrepância entre o nivel de realização
esperado e o atingido em: linguagem falada, leitura, escrita e matemática (defmição por
discrepância);
3) As DA não são devidas a deficiências sensoriais, motoras, intelectuais,
emocionais e/ou a falta de oportunidade de aprendizagem (defmição por exclusão). "

Outros autores avançam com outras definições, das quais destacamos, pelo seu
interesse, as seguintes:

BATEMAN, B. , Learning Disorders, 1965:


As crianças que têm dificuldades de aprendizagem são as que manifestam
discrepâncias educacionalmente significativas. Discrepância entre o seu potencial
intelectual estimado e o actual nível de realização escolar, relacionada,
essencialmente, com desordens básicas do processo de aprendizagem e que pode ser
ou não acompanhada por disfunções do sistema nervoso central. As discrepâncias, de
qualquer maneira, não são causadas por um distúrbio geral de desenvolvimento nem
provo adas por privação sensorial (sensory loss).

CLEMENTS, 5. D. , Minimal Brain Dysfunction in Childrem, 1966:


A expressão "lesão mínima do cérebro" (minimal brain dysfunction syndrome)
refere-se às crianças que são de inteligência geral abaixo da média, na média ou acima
da média, com cenas dificuldades de aprendizagem e de comportamento, que podem ir
de dificuldades mínimas a severas e que se encontram associadas a desvios de
funções do sistema nervoso central. Tais desvios podem ser manifestados por várias
combinações de privações em percepção, conceptuaIização, linguagem, memória,
controlo da atenção, impulsividade ou funções motoras.
Sintomas idênticos podem ser, ou não, mais complicados em crianças com
paralisia cerebral, epilepsia, debilidade mental, deficiência visual e auditiva.
Estas aberrações podem ser provocadas por variações genéúcas,
irregularidades bioquímicas, lesões cerebrais perinatais, ou até mesmo outras doenças
ou infecções oconzdas durante os anos críticos do desenvolvimento e da maturação do
SNC ou dependentes de causas ainda desconhecidas.

245

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

KASS, C. , Conference on Learning Disabilities, 1966:


<<Uma criança com problemas e dificuldades de aprendizagem é uma criança
com discrepâncias intradesenvolvimentais (intradevelopmental) significativas nos
seguintes sistemas funcionais de comportamento: sistemas ideomotores,
ideoperceptivos ou ideocognitivos, que estão directamente implicados nos
comportamentos da linguagem, da leitura, da escrita, da ortografia, da aritmética e/ou
dos conteúdos de conhecimento escolar (content subjects). ,

Report do National Advisory Committee on Handicaped Children, 1968: < <Uma


criança com DA é uma criança com aptidões mentais adequadas, adequados
processos sensoriais e estabilidade emocional, que tem um limitado número de
deficiências específicas nos processos perceptivos, integrativos ou expressivos que
impedem a eficiência da aprendizagem. Estão também incluídas crianças que tenham
disfunções do SNC expressas fundamentalmente por uma privação na eficiência da
aprendizagem. As crianças com DA exibem igualmente uma ou mais desordens nos
processos psicológicos básicos que estão envolvidos na compreensão e na utilização
da linguagem falada e da linguagem escrita.
As dificuldades podem ser manifestadas por desordens: na recepção da
linguagem e na sua compreensão, no pensamento, na expressão oral, na leitura, na
escrita, na ortografla ou na aritmética. Tais dificuldades incluem deficiências
perceptivas (handicaps), lesões cerebrais, dislexia, afasia evolutiva, etc. Estas
dificuldades não incluem problemas de aprendizagem que são principalmente
resultantes de: deficiência visual, auditiva ou motora, debilidade mental, distúrbios
emocionais ou desvantagens socioculturais (environmental disadvantage).

GALLaGHER, Irregular Development ofMental Abilities, 1966: <<A criança com


DA é uma criança com desequiliúrios de desenvolvi mento que revela uma disparidade
no processo psicológico relacionada com a educação, disparidade tal (muitas vezes de
2, 4 ou mais anos escolares) que requer programas adequados de evolução
académica, de forma a adaptá-los à natureza e ao nível do desvio do seu processo de
desenvolvimento. "

FONSECA, Contributo para o Estudo da Génese da Psicomotricidade, 1974:


<<A DA é uma desarmonia do desenvolvimento normalmente caracterizada por
uma imaturidade psicomotora que inclui perturbações nos processos receptivos,
integrativos e expressivos da actividade simbólica. A DA traduz uma irregularidade
biopsicossocial do desenvolvimento global e dialéctico da criança, que normalmente
envolve na maioria dos casos: problemas de lateralização e de praxia ideomotora, defi

246

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

ciente estruturação perceptivomotora, dificuldades de orientação espacial e


sucessão temporal e outros tantos factores inerentes a uma desorganização da
constelação psicomotora que impede a ligação entre os elementos constituintes da
linguagem, e as formas concretas de expressão que os simbolizam.
Em resumo, a criança com DA não é:
1) deficiente sensorial (visão e audição);
2) deficiente motora (paralisia cerebral ou paralisia dos membros); 3) deficiente
intelectual (QI > 80);
4) deficiente emocional (autista ou psicótica).

I. Entre a capacidade e o nível 1. Desorganização psico- 1. Problemas perceptivos,


de realização; neurológica; associativos e expressi2. Iliscrepâncias em vários as-
2. Lesão neurológica; vos;
pectos educacionais; 3. Impos'tância da matura- 2. Problemas de descodi3.
Desajustamentos emocionais ção e do desenvolvi- ficação, integração e
e sociais. mento psicológico; codificação (input-ela 4. Problemas visuomoto-
boração-output);
res; 3. Problemas de desenvol 5. Problemas de lateraliza- vimento, inibição e
in ção. terferência nos aspectos
de aprendizagem entre
si: exemplo - crianças
com hemorragias cere brais; atrasos de desen
volvimento; problemas
da fala, etc. ;
4. Relação dialócÚca entre
meio e aprendizagem,
entre hereditariedade
social e hereditariedade
biológica;
5. Relação entre dificulda des de aprendizagem e
desvantagem cultural;
Figura 78 - Princípios para uma definição das difculdades de aprendizagem

247

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

I)aí, portanto, que uma criança com dificuldades de aprendizagem seja


caracterizada por:

1) Manifestar uma significativa discrepância entre o seu


potencial intelectual estimado e o seu actual nível de realização escolar;
2) Apresentar desordens básicas no processo de aprendizagem; 3) Apresentar
ou não uma disfunção do SNC;
4) Não apresentar sinais de: debilidade mental, privação
cultural, perturbações emocionais ou privação sensorial (visual ou auditiva);
5) Evidenciar dificuldades perceptivas, disparidades em vários
aspectos de comportamento e problemas no processamento da informação, aos níveis
quer receptivo, quer integrativo, quer expressivo.

Em termos de reflexão, quanto a definição, avançamos com o seguinte critério:


Segundo a confirmação da observação clínica, a criança com paralisia cerebral
apresenta mais um problema de envolvimento motor do que uma dificuldade de
aprendizagem. Do mesmo modo, a deficiência mental apresenta uma inferioridade
intelectual generalizada, como denominador comum. No caso da deficiência visual e
auditiva, o problema situa-se ao nível da acuidade sensorial. Por outro lado, a criança
emocionalmente perturbada apresenta um desa ustamento psicológico como
característica comportamental predominante.
E neste âmbito que se tem de estruturar um critério para distinguir entre crianças
com dificuldades e crianças com deficiências.
No caso da criança com dificuldades de aprendizagem, verifica-se um perfil
motor adequado, uma inteligência média, adequadas visão e audição e uma adequada
adaptação emocional, que em conjunto com uma dificuldade de aprendizagem
constituem a base da sua caracterização psiconeurológica (Figura 78).
Não haverá sempre definições ideais - umas podem ser mais aceites do que
outras. Em educação, necessitamos de uma classificação (taxonomia) que claramente
aponte a significativa alteração do processo de aprendizagem, ao ponto de a justificar
como uma disfunção psiconeurológica, na medida em que a aprendizagem é
fundamentalmente uma função do cérebro, isto é, psicológica como função por um
lado, e neurológica como estrutura e substracto por outro. Quer dizer, no caso das DA
é preciso compreender que a neurologia da aprendizagem ou o processo
sensorioneuropsicológico em que ela se opera foi de alguma forma afectado (impaired),
do que resultou uma di, ficuldade (disability) e não uma incapacidade (incapacity) na
aprendizagem (Jonhson e Myklebust 1967).
Outro aspecto essencial que dificulta a clarificação terminológica é o que
inicialmente põe em causa as manifestações comportamentais e não as neurológicas,
pois os sintomas mais observados são naturalmente de natureza psicológica.
248

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

No entanto, não devemos esquecer que o principal aspecto da condição é a DA.


É efectivamente a dificuldade de aprendizagem (DA) que constitui a base da
homogeneidade deste grupo de crianças.

Di culdades e incapacidades de aprendizagem (agnosias, afasias e aprar, nas)

Antes de avançar, é necessário diferenciar os conceitos de dificuldade e de


incapacidade.
O conceito de dificuldade, como vimos nas definições atrás, não engloba
qualquer perturbação global da inteligência ou da personalidade ou, eventualmente,
qualquer anomalia sensorial (auditiva, visual ou tactiloquinestésica) ou motora. Há um
potencial de aprendizagem íntegro e intacto. As crianças com DA são crianças intactas,
portanto não são portadoras de deficiências. Não são deficientes mentais ou
emocionais, nem deficientes visuais, auditivas ou motoras, nem devem ser confundidos
com crianças desfavorecidas ou privadas culturalmente. Independentemente de terem
uma inteligência adequada (média), uma visão, uma audição e uma motricidade
adequadas, bem como uma estabilidade emocional adequada, tais crianças não
aprendem normalmente. Este aspecto é preponderante e fundamental para
compreender e definir este grupo de crianças. O prefixo dis (dislexia, disgrafia,
disortografia, discalculia, etc. ) envolve, portanto, a noção de di culdade, a que pode
estar ligada, ou não, uma disfunção cerebral.
Ao contrário, o conceito de incapacidade inclui problemas de gravidade variável,
exprimindo uma desorganização funcional de actividades anteriormente bem
integradas e utilizadas.
Broca 1861, através dos seus trabalhos publicados no fim do século xrx, abriu o
caminho à relação entre as lesões cerebrais e as suas consequências nas actividades
simbólicas e práxicas. O estudo sobre os mecanismos cerebrais (funções e estruturas)
que suportam as aetividades simbólicas e práxicas, especificamente humanas, exigem
o conhecimento da arquitectura anatomofuncional do cérebro, e este é o objecto da
neuropsicologia, ciência que pensamos ser fundamental para o estudo e a clarificação
dos problemas de aprendizagem.
Desde Broca 1861 e Déjerine 1892, passando por Wernicke 1979, Pierre Marie
1906, Liepman 1988, Goldstein 1948; Hécaen 1974, Ajuriaguerra 1974; Luria, 1965;
Penfield e Roberts, 1959; Geschiwind, 1965; Birch, 1965; Eisenson 1968; Myklebust
1954, 1955, 1964, 1978, e muitos outros, as incapacidades dé aprendizagem
compreendem perturbações que incidem sobre a recepção, a integração
(compreensão) e a expressão de fun ões práxicas e simbólicas que não estão ligadas
nem a estados demenciais nem a lesões sensoriais penféricas (mput), ou propriamente
a deficiências do aparelho motor penférico (output).

249

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


As incapacidades de aprendizagem englobam distúrbios provocados por lesões
(massive lesions - Luria 1973) em zonas secundárias do cérebro responsáveis pelas
funções simbólicas e práxicas superiores, resultando em incapacidade de distinguir
(analisar e sintetizar), diferenciar aferências (unable to grasp differences - Luria 1973),
ordená-las e conservá-las (confi se their order - Luria 1973) e/ou controlar, regular e
reprecisar eferências, ou feed-back, com aferências.
Assim, em termos didácticos, e sem a profundidade que cabe aos neurologistas,
as agnosias subdividem-se em: tactéis, auditivas e visuais. As tactéis são consideradas
perturbações no reconhecimento das qualidades dos objectos (densidade, peso,
textura, temperatura, forma, volume, etc. ) e diferenciam-se em agnosias tactéis
primárias e secundárias. As auditivas afectam o reconhecimento e a identificação de
ruidos, da música ou das palavras (isto é, da incompreensão da linguagem falada,
normalmente intrincados com as perturbações afásicas). As visuais englobam
perturbações do reconhecimento dos objectos, das péssoas, dos simbolos gráficos e
do espaço.
As afasias encontram-se subdivididas em: sensoriais (Wernicke), motoras
(Broca), anartrias, agrafias e alexias, também chamadas <<puras ou <<dissociadas.
Compreendem perturbações que incidem na expressão e na compreensão da
linguagem. A afasia de Wernicke constitui uma incapacidade de linguagem na
formulação e na evocação das palavras. A afasia de Broca engloba uma perturbação
da linguagem espontânea e da articulação. A anartria é uma perturbação que só
interfere na realização motora da fala, mantendo-se intacta a compreensão da
linguagem falada. A agrafia caracteriza-se por uma perturbação da escrita, quer
espontânea, quer copiada, quer ditada. A alexia caracteriza-se por uma perturbação
visuorreceptiva da linguagem escrita, mantendo-se normais a compreensão e a
expressão da linguagem falada.
As apraxias constituem perturbações que se reflectem na motricidade voluntária
(nós diríamos: na psicomotricidade), na ausência de agnosias, de problemas de
compreensão, sem efeito de défices intelectuais ou de lesões do aparelho locomotor.
Portanto, não apresentando qualquer tipo de paralisia. As apraxias; grosso modo,
subdividem-se em: ideomotoras (gesto elementar), ideatórias (gesto complexo),
construtivas (visuoespaciais e sequenciais) e especificas (do vestuário, da marcha,
bucofacial, etc. ). O prefixo <<a, (alexia, agrafia, acalculia, etc. ) pode envolver uma
destruição anatomofuncional do cérebro, e por isso está associado à noção de
incapacidade.
Com este quadro de referências, as DA em nenhuma circunstância podem ser
confundidas com os aspectos neuropsicopatológicos das incapacidades de
aprendizagem.
Segundo a conf nmação da observação clínica, a criança com DA não é
deficiente. A criança deficiente mental apresenta um potencial afectado, enquanto que
a criança com DA apresenta um potencial normal e uma inte

250

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

gridade global. Ela não é deficiente mental, porque não apresenta uma inferioridade
inteleetual generalizada. Não é deficiente visual nem deficiente auditiva, porque não
apresenta problemas de acuidade sensorial. Não deficiente motora, porque não
apresenta alterações na sua motricidade. Não é emocionalmente perturbada, porque
apresenta um ajustamento comportamental.
Em resumo, a criança com DA apresenta um perfil motor adequado. Não
diremos perfil psicomotor porque entendemos que a psicomotricidade é uma função
básica da aprendizagem e da apropriação simbólica. O perfil psicomotor está
normalmente afectado nas crianças com DA, pois frequentemente apresenta
problemas no controlo vestibular e proprioceptivo associados a dificuldades na
lateralização, na direccionalidade, na imagem do corpo e na praxia (Fonseca 1995).
Apresenta ainda: uma inteligência média (QI > 80-90), adequadas visão e audição e
uma adequada adaptação emocional e comportamental, que, em conjunto com uma
dificuldade de aprendizagem, constituem a base do seu perfil psiconeurológico
intraindividual (PPI).

Dificuldades de aprendizagem não verbais

As dificuldades de aprendizagem (DA) têm sido investigadas mais


frequentemente nas suas características verbais - dificuldades de aprendizagem
verbais (DAV) - com excessivo ênfase no estudo da dislexia (dificuldade específica na
aprendizagem da leitura - Fonseca 1984, I986), daí decorrendo vários subtipos
relacionados com a vulnerabilidade das aquisições psicolinguisticas, aquisições essas
mais dependentes do hemisfério esquerdo do cérebro e que podem envolver
multifacetados processos cognitivos, auditivos, visuais, ou suas intrincadas e
sistémicas perturbações.
Só mais recentemente se reconheceu cientificamente que as DA também podem
ser não verbais (DANV), e envolver outros processos cognitivos camuflados, mais
relacionados com o hemisfério direito e implicando outro tipo de perturbações,
nomeadamente de organizaÇão visuoespacial (copiam razoavelmente, mas
apresentam inúmeras e invulgares diflculdades de transporte visual), de percepção
táctil, de dispraxia, de disgrafia (dificuldades de aprendizagem da escrita, que tende a
surgir tarde e ilegível, também associada a problemas de rechamada de letras), de
resolução de problemas não verbais e de percepção social (Roúrke 1975, I989, I993,
1995).
Para além destes traços característicos, as crianças e os jovens com DANV
exibem também desempenhos pobres na consciência fonética, na leitura, na escrita e
melhor prestação na aritmética, embora igualmente disfuncional; sabem a tabuada por
exemplo, mas não resolvem problemas lógicos de raciocínio sequencial. Outcos
investigadores chegaram à conclusão de que tais distúrbios parecem subsistir mais
centrados em problemas de processamento visual e de

251

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

leitura corporoespacial, quer ipsi ou contralateral, quer intra ou extrassomática, não


revelando velocidade ou plasticidade, o que ilustra de certa forma semelhanças
comportamentais com os fenómenos de negligência que frequentemente ocon'em nas
lesões do hemisfério direito (Heilman e Valenstein 1979).
Por envolverem défices sensório e perceptivomotores de orientação e
navegação ego e alocêntrica, tais manifestações parecem ser mais enfraquecedoras e
debilitadoras em termos de potencial de adaptação e de aprendizagem do que os
défices verbais, exactamente porque interferem com aquisições humanas consideradas
mais básicas e elementares. Devido a este facto, não é de estranhar que problemas de
discriminação e identificação visual e de prestação visuomotora e visuoconstrutiva
tendam a emergir precocemente nas crianças com DANV, quer no ensino pré-escolar,
quer nos primeiros anos de escolaridade, pré-requisitos não verbais da aprendizagem
que evolutivamente são ultrapassados nos anos subsequentes, quando os aspectos
verbais passam a ser mais importantes.
As DANV (nonverbal learning disabilities - Rourke 1995) são essen cialmente
caracterizadas por revelarem défices neuropsicológicos nos domínios acima referidos,
para além de outros défices, tais como: na percepção táctil bilateral (mais evidente no
lado esquerdo do corpo, envolvendo consequentemente o hemisfério direito, e mais
frequentemente estudados em indivíduos nele lesionados), na coordenação
psicomotora bilateral, na organização visuoespacial, na resolução de problemas não
verbais, na formação de conceitos a ela ligados, no raciocínio hipotético e na
integração negativa defeed-backs deconentes de situações experienciais complexas,
exibindo, por exemplo, destacadas dificuldades em lidar com relações de causa-efeito
e marcados problemas na apreciação de incongruências, na compreensão afectiva e
de interacção interpessoal, como sejam reacções emocionais de sensibilidade e de
humor inadequadas para a idade.
Em analogia com as DAV, também apresentam subtipos e podem igual mente
ser estudadas segundo o modelo de chapéu de chuva (um. brella concept), enquanto
a distribuição ao nível dos sexos é mais equitativa.
Com este quadro neuropsicológico, as DANV podem evidenciar, em analogia,
capacidades verbais funcionais, memória verbal acima da média, relativos problemas
de mecânica aritmética em comparação com o reconhecimento de palavras e com o
ditado, podendo daí emergir, por compensação, excessiva verbosidade, pragmática
vulnerável e repetitiva, restrita prosódica e considerável apercepção social, com fracas
competências de interacção e compreensão social, mesmo sinais socioemocionais
desviantes e sinais de internalização psicopatológica atípicos (Rourke 1975, 1993,
1995; Myklebust 1975).
Em termos psicométricos, as crianças ou os jovens com DANV tendem a
apresentar uma superioridade discrepante de 15 pontos entre o Quociente Verbal e o
Quociente de Realização (também dito Não Verbal), com resultados fracos nos
subtestes de Aritmética, nos blocos e nos quebra-cabeças.

252

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Em termos académieos, por outro lado, tendem a apresentar mais diflculdades nas
ciências em comparação com as línguas, reforçando mais uma vez as suas áreas
fracas em termos de competências não verbais.
Dados clínicos apontados por outros autores (Foss 1991, McCarthy e McCarthy
1974) referem que estes casos evidenciam problemas de imaginação, de criatividade,
de combinação de imagens, etc. , funções mais adstritas às disfunções do hemisfério
direito. Outros autores ainda apontam uma etiologia poligenética nas DANV, enquanto
outros se referem a anomalias do cromossoma 6 e a problemas do foro imunológico
que podem provocar problemas nas migrações eelulares e no desenvolvimento de
camadas no sistema nervoso cental, bem como ectopias e displasias, não no
hemisfério esquerdo, como na dislexia (Galaburda 1989, Dennis e Whitaker 1977), mas
sim no hemisfério direito. Algumas imagens obtidas por meio da ressonância magnética
e da TAC (tomografia axial computadorizada) dão igualmente algumas evidências
inequívocas nesse sentido.
Tais sinais disfuncionais têm sido considerados evolutivos e susceptíveis de
persistirem na idade adulta, sendo reconhecíveis, com sinais mais ou menos óbvios,
em muitas doenças neurológicas e neuroendócrinas, nomeadamente em traumatismos
do hemisfério direito (Rourke, Bakker, Fisk e Strang 1983), na hidrocefalia (Fletcher et
al. 1995), na agénese do corpo caloso (Smyth e Rourke 1995), no hipotiroidismo
congénito (Rovet 1995), na sindroma de Williams (Anderson e Rourke 1995), na
sindroma de Asperger (Klin e colaboradores 1995) e em muitos outros processos
patológicos, que exibem virtualmente a maioria das disfunções identificadas nas DANV.
Estas disfunções explicam em parte porque as DANV podem ser consideradas mais
vulneráveis, em termos de desenvolvimento e de aprendizagem, do que as DA
simbólicas mais comuns.
A descrição dos detalhes clínicos das DANV que apresentamos no modelo
seguinte emerge dos pressupostos da organização inter-hemisférica, na perspectiva da
teoria piagetiana e de inúmeras pesquisas que a sustentam (Rourke 1989, 1995);
porém, ainda não existem explicações claras para estes efeitos, mas as observações
clínicas apontam para uma estreita associação entre a experiência não verbal e a
aquisição da significação.
Apesar de bastante simplificado, o quadro da síndroma das DANV pode ser
explicado se observamos que a palavra laranja não tem significado se anteriormente o
indivíduo não tiver experimentado e vivenciado a fruta, a sua forma, a sua textura, o
seu sabor ou a sua cor. Quando a criança evidencia um défice na aprendizagem não
verbal, trata-se de reconhecer que o significado e a integração da sua própria
experiência estão comprometidos; por esse facto, ela apresenta uma dificuldade de
aprendizagem não verbal (DANV).
Antes de conúnuar a definir este tipo de déflce na aprendizagem, e de referir
algumas formas de intervenção, há que realçar a importância de uma aproximação
multidisciplinar, incluindo a vantagem de relacionar vários pontos de vista.

253

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

É evidente que uma perturbação nos processos cerebrais intra e inter-


hemisféricos (Fonseca 1984) pode afectar essencialmente os aspectos do
comportamento verbal, do comportamento não verbal ou de ambos. O facto de um
deles estar afectado, enquanto que o outro se apresenta basicamente intacto, leva-nos
a crer que o cérebro categoriza a experiência consoante ela é verbal ou não verbal.
e

==

&a

Figura 79 - Dificuldades de aprendizagem não verbais (DANV),


segundo Rourke, 1955)

254

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDlZAGEM

O hemisfério esquerdo é responsável pelos processos verbais, e o hemisfério


direito pelos processos não verbais (Gazanniga e Sperry, 1967, Eccles 1973, Kimura
1973, Myklebust 1954, 1975, Levy 1980); daí que uma lesão, ou mesmo uma
disfunção, em qualquer um deles vá ter implicações directas num ou noutro processo.
Quando se pretende hierarquizar o factor experiência (Myklebust 1964), a
sensação aparece no nível mais baixo e primitivo. De seguida, por evolução
neurointegrativa e cognitiva, encontramos a percepção, a imagem, a simbolização, e
finalmente, no nível mais elevado e superior, a conceptualização (Fonseca 1997).
Normalmente as DA verbais (DAV) situam-se ao nível da simbolização e
frequentemente afectam a conceptualização e os seus mecanismos cognitivos
transientes. As DA não verbais (DANV) situam-se nos níveis da percepção e da
imagem e, por isso, constituem uma maior distorção de toda a experiência, dado ser
mais básico e elementar o seu nível de integração psíquica e

de processamento de informação. É esta uma das razões, ao lado de outras, por que
as crianças com défices não verbais se encontram, em termos mentais, abaixo da sua
ídade cronológica e da sua maturidade social (Doll 1953, McCarthy e McCarthy 1974).

255

Figura 80 - Aprendizagem: especialização hemisférica

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A forma como as palavras são utilizadas nas crianças com DANV fornece
algumas pistas para a compreensão do problema. Elas soam a vazio; evidenciando
uma espécie de vacuidade semântica, o que leva a pensar que a facilidade com que
são usadas é apenas superfieial e não significativa e integrada. Parece que nelas
ocorre uma linguagem inintencional, pois usam palavras sem percepcionarem os seus
sentido e transcendência.
No processo de aprendizagem normal, cada palavra assume um signi ficado que
foi apreendido, uma anuidade de experiência não verbal que é simbolizada. A criança
com DANV é parecida com uma criança que não tem capacidade para distinguir as
cores (apercepção das cores). Ela não tem dificuldade em aprender a palavra <<azul,
mas não adquire a experiência <<azul e por isso não a distingue das experiências
<<verde ou <<amarelo Quando utiliza a palavra <<azul diariamente, esta é conotada
por uma vaga e confusa ideia, e muitas vezes não se relaciona com as circunstâncias
do momento. As manifestações não verbais são, de facto, distorções da percepção, da
imagem e da representação mental da experiência no meio envolvente.
Tal como as dificuldades na aprendizagem verbal, os distúrbios não verbais
podem ser de vários tipos, e ocorrerem dentro dos limites do moderado e do severo.
Mas, como ainda se tem pouco conhecimento nesta área, apenas se tem reconhecido
os casos mais evidentes, como os casos verbais.

256

Figura 81- Sistémica da síndroma de DANV

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES flE APRENfll7 AGENl

À medida que as técnicas de identificação e diagnóstico se forem desenvolvendo,


maior vai ser certamente a capacidade para identificar estas perturbações. Vejamos de
forma mais pormenorizada os principais traços clínicos e sistémicos da caracterização
psicoeducacional da síndroma das DANV.

DÉFICES DA ORGANIZAÇÃO VISUOESPACIAL

O conhecimento sobre o processo cognitivo da aprendizagem não verbal


tem vindo a aumentar na literatura especializada (Bruner, Oliver e Greenfield
1966; Elliot 1971, Myklebust 1975), e por isso já é possível detectar uma
série de défices na criança com DANV. Um dos processos cogniúvos nela
identificados é a incapacidade de se orientar a si mesma no espaço, uma
séria debilidade que deve ser reconhecida quanto antes, de forma a poder pre- ;ì
venir a imperícia ou a incompetência socioemocional à medida que a criança I,
se aproxima da adolescência.
Apesar de este úpo de DANV ser identif, cável a partir de diferentes diagnósúcos, a sua
natureza específica é ainda desconhecida. No caso de ser uma
disgnósia ou agnósia, existe uma dificuldade ou incapacidade de reconhecer e
integrar (aprender) o significado da informação sensorial. Mas esta pode ser
visual, auditiva ou tactiloquinestésica; daí que seja necessária uma definição
mais precisa. A designação disgnósiaou agnósianão inclui as inferências ;
necessárias para compreender os processos cognitivos da aprendizagem.
A disgnósia ou agnósia espacial é caracterizada por uma dificuldade ;
(mais ligeira) ou incapacidade (mais moderada ou severa) de aprender ou i
integrar onde o sujeito se encontra. As crianças com esta dificuldade ou
disfunção estão quase sempre perdidas, desplanificadas ou episodicamente
localizadas no espaço. Não conseguem orientar-se de um sítio para outro, "
mesmo que o envolvimento espacial seja o mesmo todos os dias. Este défice
pode estar relacionado com a memória e com os demais processos de processamento
de informação. ''
Neste caso, o sistema cognitivo da memória não processa a informação não
verbal visuoespacial para que a criança aprenda a reconhecer e a familiarizar- se
Ii
com as áreas, as situações, os eventos e os espaços que a envolvem. Ao contrá-
!
rio, parece que a criança vê o mesmo espaço sempre pela primeira vez, o que
lhe provoca confusão, ansiedade e embaraço, em suma, um comportamento
errático, desorganizado, episódico, rándomizado e descontextualizado.
A disgnósia ou agnósia espacial não ocorre isoladamente. Por exemplo,
aparece frequentemente associada à disgnósia ou agnósia temporal, ou seja,
uma dificuldade ou incapacidade para aprender o significado do tempo e do
ritmo, daí emergindo problemas de processamento simultâneo e sequencial
de informação (Das, Kirby e Jarman 1979, Kauffman, Kauffman e Goldsmith
1984), que obviamente estão implicados em todas as formas superiores de i
aprendizagem, quer não simbólica, quer simbólica.

257

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Com este perfil neuropsicológico, as dificuldades são identificadas quer na cópia


de desenhos geométricos simples ou compostos, quer nos grafismos rítmicos, na
coordenação oculomotora, na figura-fundo, na constância da forma, no transporte de
posições e relações visuoespaciais, na organização de pontos de referência, com
especial repercussão na escrita, não só inicialmente nos processos perceptivos e
motores (exemplo: dificuldades em produzir traços, formas, tamanhos e ligações de
letras, uso de pressão tónica adequada, melodia cinestésica grafomotora, etc. ), que
consubstanciam a disgrafia, uma forma específica de dispráxia. Tais dificuldades, mais
tarde, podem repercutir-se nos processos mais avançados de ideação e de formulação
do sistema simbólico linguístico, nomeadamente com a disortografia.
Inúmeras disfunções cognitivas decorrem destes processos, como por exemplo:
problemas de projecção, de discriminação, de dimensão, de direcção, de mudanças de
orientação e perspectiva, de utilização de informação pertinente, de descoberta de
estratégias, etc. , que se projectam em manifestações comportamentais ocorrentes em
múltiplas situações adaptativas quotidianas; daí as crianças com DANV se
apresentarem frequentemente desarrumadas com objectos, imagens, palavras,
números, etc. , não retirando sentido de tais dados de informação; daí também o
natural desinteresse por diagramas, quebra-cabeças (puzzles), brinquedos de
construção tipo Lego, jogos lógicos, bandas desenhadas, filmes ou vídeos, pois
exageram em detalhes e pormenores, não evoluindo posteriormente para novas
relações ou mesmo abstracções espaciotemporais. Devido a estes problemas, não se
lembram de dados, não os reutilizam, nem os articulam ou constroem nas partes e no
todo ou perdem-se na sequencialização processual que envolvem muitas actividades
lúdicas e aprendizagens.
DISTÚRBIOS PSICOMOTORES: POSTURAIS, SOMATOGNÓSICOS E PRÁXICOS

Os distúrbios psicomotores, já desenhados superiormente por Wallon 1925,


1932, continuados por Guilman 1935, e reprecisados por Ajuriaguerra 1974, sob a
forma de sindromas psicomotoras, são muito característicos das DANV (Fonseca 1984,
1986, 1995, 1996).
Dentro deles, destacaremos, no âmbito da DANV, essencialmente três tipos de
défices:

- Os posturais, mais ligados ao controlo tonicopostural e


vestibulocerebeloso da atenção;
- Os somatognósicos, mais correlacionados com a tomada de
consciência do Eu; e, finalmente,
- Os práxicos, mais íntimos dos processos de aprendizagem motora
e de investimento lúdico e construtivo.

258

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDlZAGEM

Os défices posturais nas crianças que manifestam DANV têm sido referidos por
insignes autores, como Critchley 1970, Benton e Pearl 1978, Denckla 1985, Ayres
1977, 1978, Levison 1985, todos eles pondo em relevo o papel do sistema postural
como base funcional do organismo e como instrumento crucial do ajustamento
comportamental ao envolvimento ecológico, onde persiste a força gravitacional, por
meio da qual a totalidade do corpo, decorrente de uma integração vestibular,
cerebelosa e tónica complexa, interage com os objectivos, com os obstáculos e com os
outros.
O sistema postural, essencialmente na fase ontogenética, depende da
integridade da formação reticulada, do cerebelo (gigantesco ordenador sensoriomotor)
e do sistema extrapiramidal (Fonseca 1995), substractos de uma rede neurofuncional
que contém inúmeros programas motores adaptativos, essen

259

Figura 82 - (Des)integração psicomotora, segundo Luria LP[TQ] - lóbulo


parietal (tactiloquinestésico), LO[V] - lóbulo occipital (visual),
LT[A] - lóbulo temporal (auditivo)

INSUCESSO ESCOIAR - O AGEM PSICOPEDAGÓGICA

cialmente os que envolvem movimentos rápidos, coordenados e integrados dos


membros que consubstanciam diversos processos básicos de aprendizagem, de
imitação e de comunicação gestual.
Por ser um sistema básico de aprendizagem, de onde emergem sistemas
funcionais mais complexos, o controlo postural, subentendendo vários subsistemas,
como o sistema postural antigravitico, o sistema vestibular e oculomotor, o sistema
parletoculiculopulvinar e o sistema proprioceptivo, tem particular intervenção nos
mecanismos da atenção, da vigilância, da manutenção da concentração, da integração
somatognósica dinâmica e da integração significativa da experiência.
A baixa performance em tarefas de imobilidade, de equil'brio estáúco e
dinâmico, de locomoção e de coordenação, que é frequente na atáxia de Friedreich e
nas lesões vestibulocerebelosas, ilustra, para além de distúrbios neurogenéticos,
problemas de dominância lateral e, concomitantemente, de especialização hemisférica.
As crianças com DANV segundo Myklebust 1975, tendem a demonstrar mais
problemas posturais (distonias, disquinésias, distaxias) e dinamométricos do lado
esquerdo do corpo, o lado que é controlado pelo hemisfério direito, parecendo
demonstrar que não apresentam um lado mais forte e confumando que são igualmentc
fracas, em ambos os lados do corpo.
Para Quúos e Schrager 1985, a integração postural consútui a potencia lidade e
a exclusão corporal que está na base dos processos inibitórios que facilitam o acesso à
percepção e ao insight; sem eles, as distorções percepúvas mulúmodais interferem
com os sistemas conicais superiores que suportam as aprendizagens simbólicas, como
se observa extensivamente em muitas crianças hiperactivas, instáveis, distrácteis e
impulsivas. Não é de estranhar, ponanto, que as crianças com DANV exibam sinais
posturais disfuncionais.
Os défices somatognósicos nas crianças portadoras de DANV podem
apresentar sinais disontogenéúcos multifacetados (Fonseca 1997), quer no âmbito
neurológico (exemplo: dissomatognósias, fantasmizações, alucinações, assimetrias
disfuncionais intra e inter-hemisféricas, problemas de lateralização e orientação
espacial, etc. ), quer no psicanalitico (exemplo: pertubações do simbolismo corporal,
problemas de introjecção- projecção, dismorfofobias, problemas pulsionais, afectivos e
emocionais, despersonalizações, etc. ), quer no fenomenológico (exemplo: problemas
de autorreferência, de subjectividade espacial, de integração experiencial, etc. ), quer
ainda psicológico (exemplo: problemas inswmentais, problemas de consciencialização
corporal e espacial, problemas de processamento de informação espaciotemporal,
dispráxias, etc. ).

Todos estes sinais disfuncionais são condicionadores sistémicos da


clnestesia (Hécaen e Ajunaguerra 1%3, Ajuriaguerra e Hécaen 1964, Ajuriaguerra,
1974), noção contígua da noção do EU, âmago do self(Damásio 1995), representação
dinânúca da consciência histórica do sujeito, através da qual ele se

260

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIIAGEM

encontra em interacção com a realidade, para nela agir com harmonia e eficácia. Este
invariante postural do indivíduo é indispensável a todas as fornzas de aprendizagem,
sejam elas verbais ou não verbais.
A percepção de si mesmo e a percepÇão social não são sinónimas. No entanto,
é difícil considerar o processo de autopercepção isolado, sem conotações sociais;
trata-se de uma noção que integra uma dimensão singular e uma dimensão social, não
uma exploração solitária do indivíduo, mas antes uma apropriação cultural mediatizada.
Em defniúvo, a somatognósia é o instrumento simbólico de significação
existeneial e de identidade pessoal, em suma, um instrumento de aprendizagem por
excelência e de excelência; sem ele, as DANV emergem e comprometem as DAV
(difculdades de aprendizagem verbais: leitura, escrita e cálculo).
A autopercepção implica uma facilidade em percepcionar as várias partes do
próprio corpo, uma das facetas da percepção social e um aspeeto muito importante
para fazer e conswir representações apropriadas sobre as intenções, os desejos e os
propósitos das acções dos outros, uma espécie de condição prévia da comunicação
interpessoal e da linguagem, como evocam os grandes teóricos da teoria da mente
(Baron-Cohen 1995, Humphrey 1993).
A somatognósia não se esgota numa concepção anatomofuncional - ela é
indutora de sentido e significado experienciais, ou seja, consútui-se como um processo
de comunicação básico, processo não verbal vital, centro de diálogo consigo próprio e
com o mundo social e contextual.
Como substracto da personalidade, consubstancia uma linguagem interior e
corporal, filogenéúca e ontogenética, que explica a evolução do gesto à palavra na
espécie humana e na criança (Fonseca 1989, 1997).
Os modelos elínicos patológicos, desde o membro-fantasma às anosognósias,
aos sentimentos de perda e de mutilação, às hemiassomatognósias, às aloestesias, às
anosodiaforias, à síndroma de Anton-Babinski, ete. , mais conotados com as patologias
do hemisfério direito (mais envolvido nas DANV), explicam, por si sós, a importância da
somatognósia no desenvolvimento do potencial de aprendizagem. As
autotopoagnósias, a síndroma de Gerstmann, as alexias, agrafias e acalculias, mais
características das lesões do hemisfério esquerdo (mais envolvido nas DAV),
emprestam, sem dúvida, um valor acrescentado no que significa a somatognósia ou a
dissomatognósia nas aprendizagens simbólicas superiores (Kolby e Whishaw 1986).
Existem vários tipos de distúrbios na autopercepção. Um deles diz respeito à
díficuldade com que a criança percepciona as várias partes do seu corpo, e também as
dos outros. A agnósia digital é um exemplo (Jonhson e Myklebust 1967, Myklebust
1975). Se a criança não reconhece os seus próprios dedos, oú os dedos de outra
pessoa, ela não consegue funcionar normalmente em vários aspectos quantitaúvos
experienciais.

261

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Outro exemplo é a incapacidade para reconhecer a sua própria face (agnósia


facial), ou a de outras pessoas; daí surgirem múltiplos e diversificados problemas de
interacção e de sociabilização. Não lêem desejos, mímicas ou expressões emocionais -
isolam-se e podem mesmo apresentar, por essa imperícia social, traços de condutas
associais.
Com défices posturais e somotognósicos, os défices práxicos são inevi táveis. A
diflculdade em aprender padrões motores não verbais nos jogos com bola, no controlo
de triciclos, patins, raquetes, etc. , é frustrante para a criança. Ela fica embaraçada em
muitas situações porque o seu desempenho psicomotor não é tão bom como o dos
seus colegas, algo que se pode reflectir na sua baixa autoestima.
Ela não consegue adquirir e utilizar padrões motores necessários para lidar com
objectos familiares (exemplo: colheres, garfos, facas, tesouras, etc. ), para atar os
sapatos, para se lavar e vestir, para abrir um pacote de leite, desenhar e escrever ou
andar de bicicleta. Ela sabe o que devem fazer e não possui qualquer tipo de paralisia
que a impeça de realizar o movimento, mas não consegue relacionar nem planificar e
sequencializar os padrões motores que vê e observa com os seus sistemas motores
(piramidais, extrapiramidais, cerebelosos, reticulares e medulares).
Não sabe separar cada tarefa nos vários movimentos que a compõem, não sabe
recorrer a automatismos e rotinas que os integram, e depois não consegue realizá-los
em conjunto, de forma harmoniosa e melódica (Fonseca 1995). Por isso não gosta do
recreio, tem medo e é insegura nas brincadeiras, não explora objectos com
movimentos precisos, não dispõe de repertório nas aprendizagens mecânicas, tem
privação lúdica, tende ao isolamento e mesmo à depressão, não se integrando em
grupos.

DÉFICE DE ATENÇÃO: HIPERACTIVIDADE, DISTRACTIBILIDADE, IMPULSIVIDADE


E PERSEVERANÇA

Estas crianças apresentam frequentes sinais de hiperactividade, distrac


tibilidade, perseverância e impulsividade (Doll 1951, Strauss e Lehtinen 1947, Strauss e
Kephart 1947, McCarthy e McCarthy 1974, Brown e Campione 1986), o que implica um
baixo nível de atenção e, concomitantemente, um alto nível de instabilidade e um baixo
rendimento na aprendizagem. Os sistemas de atenção, quer o automático (dito interior,
emocional e não simbólico), quer o voluntário (dito superior, cognitivo e simbólico),
encontram-se desequilibrados em termos de neurotransmissores, ora por carência, ora
por excesso, e devido a esse défice de regulação e controlo neurofuncional, têm
efeitos, virtualmente, em quase todos os processos psíquicos de aprendizagem.
Se a criança é hiperactiva, ela apresenta um comportamento exploratório
acidental, esporádico, errático e desruptivo. Não completa tarefas, não aplica

262

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

estratégias intencionais, não se consegue fixar em detalhes, não se mantém atenta em


actividades de lazer ou em tarefas e deveres escolares, não investe em esforços
continuados, não termina actividades, não espera a sua vez, intermmpe e intromete-se
em actividades alheias, produz movimentos explosivos, alvoroçados, desorganizados e
descontrolados, remexe- se sem cessar quando sentado, não inibe excessos de
informação proprioceptiva, fala excessivamente (tagarelice), e fIequentemente, pIoduz
respostas erradas aos problemas que se lhe deparam.
Se a criança é distráctil, ela não consegue dar atenção aos acontecimentos e
circunstâncias que a rodeiam. Em vez de manter a atenção por um adequado período
de tempo, a sua atenção passa rapidamente por vários acontecimentos
independentemente da sua relevância para as circunstâncias presentes, ela é atraída
por distractores, não selecciona nem escrutina informação, parece que não ouve o que
lhe dizem, não segue direcções ou instruções, daí emergindo défices de
processamento de informação que obrigatoriamente estão envolvidos em qualquer
aprendizagem não verbal ou verbal.
Se a criança é perseverante, ela tem tendência a prender-se e a fixar-se
repetitivamente sem justificação a um fenómeno isolado, sem considerar as suas
importância, pertinência e conveniência.

263

Figura 83 - Sintomas do défice de atenção com hiperactividade

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Se a criança é impulsiva, ela não consegue controlar o processo do seu


pensamento, e age sem pensar. A atenção que dedica a qualquer ideia ou tarefa é
apenas passageira e instável ou titubeante, pois a sua mente encontra-se
constantemente a divagar de um acontecimento para outro.
Cada uma destas características é a manifestação da incapacidade da criança
para integrar com sucesso a informação sensorial que recebe, daí resultando uma
desintegraÇão sensorial (Ayres 1978) que não é consentânea com uma aprendizagem
fácil, agradável e prazeirosa.
Os trabalhos de Magoun 1958, Lindsley 1960, e de Douglas e Peters 1979
indicam que, quando a atenção se encontra perturbada, a disfunção pode localizar-se
no subcortex, na área cerebral comummente referida comoformação reticulada e que,
como vimos atrás, está envolvida na regulação e na modulação dos processos
psicomotores básicos, isto é, tonicoposturais e tonicoemocionais (Fonseca 1995).
A criança distráctil acha a maioria das salas de aula sobrecarregadas de
estímulos e por isso não consegue ter um desempenho equivalente às suas
capacidades. Devido a estas características, o arranjo das salas deve ser muito bem
estruturado, com espaços reservados a aprendizagens específicas, com poucos
estímulos visuais perturbadores, com as paredes pintadas de forma simples, com cores
suaves e com poucos quadros ou desenhos expostos. Da mesma forma, os estímulos
auditivos também devem ser reduzidos e estruturados; neste caso, a estruturação
ecológica é essencial para reduzir as condutas desplanificadas e desorganizadas que
caracterizam muitas crianças com DANV.
Myklebust 1975, McCarthy e McCarthy 1974, Kolb e Whishaw 1986 sugerem
que a proximidade e a mediatização dos estímulos ou das tarefas de aprendizagem
deve ser controlada, uma vez que a distância ou a desestruturação espacial, por vezes,
podem causar distracção. Por isso, as salas de trabalho mais pequenas, ou a criação
de zonas reservadas ( nichos pedagógicos) são mais convenientes.
O envolvimento deve ser estruturado consoante o grau de distractibilidade. Esta
medida é tomada não com o propósito de isolar ou segregar a crança, mas sim de
facilitar a sua aprendizagem.
A perseverança pode ser manifestada de várias maneiras. Algumas crianças
podem manter-ser agarradas a determinado objecto ou brinquedo, sem conseguirem
mudar para outro, ou então, continuar a saltar, a correr ou a rir sem parar.
Para conigir estes comportamentos deve-se começar por analisar as situações
em que eles ocorrem, estruturando-as antecipadamente, seleccionando tarefas com
essas preocupações. Normalmente, tais comportamentos aumentam à medida que a
criança fica fatigada; é por isso que são necessários períodos de descanso, de
quietude e serenidade, mesmo de estratégias de relaxação adequadas, para acalmar
ou modular os níveis de vigilância e de atenção automática das crianças hiperactivas e
distrácteis.

264

TAXONOMIA DAS DlFICUIDADES DE APRENDIZAGEM

Muitas vezes não é suficiente dizer apenas às crianças para pararem com
determinado comportamento, associando uma ordem ou um comando verbalpor vezes
é necessário intervir corporalmente, por exemplo, agarrando-lhe a mão. Uma coisa é a
atenção como processo eognitivo superior, a chamada atenção voluntária, outra coisa
é a atenção automática, neurologicamente definida como vigilância (arousal), que é
mais básica, emocional e elementar, mais proprioceptiva, táctil, vesúbular e
quinestésica, de onde emerge subsequentemente a atenção intencional, mais
exteroceptiva, auditiva, visual e simbólica.
A excessiva actividade motora, que caracteriza a hiperacúvidade, resulta em
parte da dissociação e da desintegração destes dois úpos de atenção que envolvem
complexos processos neurológicos de facilitação e inibição reticular, subtalâmica e
subcorúcal. Se a actividade motora só por si fosse importante, então a hiperacúvidade
seria reveladora de um alto rendimento ou de uma prestação adaptada na
aprendizagem, mas o que se sabe é que o movimento pelo movimento ou o exercício
físico repeútivo em si, que observamos em muitas crianças hiperactivas com
incontinência motora, sem que envolva processos de atenção, de regulação e de
planificação motora mediatizados ou simbolizados, é sinónimo do contrário, pois muitas
delas revelam complexas DANV.
A criança impulsiva mostra-se ora apática e sonolenta, ora excitada e explosiva,
podendo passar muito tempo a olhar fixamente para um deterrninado ponto da sala de
aula, ou através da janela, sem realizar tarefas, quando não agindo de forma agitada
sem mobilização tonicoenergética adequada, produzindo respostas motoras e não
verbais imprecisas, imperfeitas, dissociadas e ansiosas a muitas situações.
Quer o baixo nível de vigilância, como na apatia e na preguiça, quer o alto nível
de vigilância, como na dispersão, na desconcentração ou na desplanificação, o que
envolve estados tónicos-limites (hipo ou hipertónicos), ambos são indutores de fraco
desempenho na adaptação e na aprendizagem.
A aprendizagem eficaz, como consequência, envolve uma modulação energética
e uma harmonização tónica, denominada eutonia, por meio da qual a atenção crítica,
selectiva e dirigida actua. Daqui resulta uma ilação muito importante para a
aprendizagem, pois quer as tarefas muito dificeis (que produzem um nível de vigilância
não optimal, ansiedade ou excesso de entusiasmo), quer as tarefas muito fáceis (que
igualmente interferem com a tonicidade optimal, porque baixam os níveis atencionais),
podem produzir perturbações nos procedimentos inerentes ao acto mental que a
resolução das tarefas sugere.
Esta lei de Yerkes-Dodson (Yerkes e Dodson 1908) põe em realce as relações
tarefa-sujeito, onde a resultante coloca em jogo um baixo nivel de vigilância optimal,
nível este difícil de mobilizar ou controlar em crianças impulsivas e hiperactivas, que
frequentemente usam altos níveis de vigilância para realizarem as suas tarefas - daí a
excessiva energia, a torpeza ou a brutalidade das suas acções ou das suas palavras,
que não são devidamente inibidas, contidas ou reguladas.
265

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

O alto nível de vigilância serve perfeitamente para tarefas motoras básicas e não
delicadas, para essas tarefas a vigilância acrescida é adequada; por isso, as crianças
hiperactivas têm algum sucesso em tarefas de jogo, de aventura e de recreio. O
problema muda de figura quando as tarefas de aprendizagem exigem níveis de
regulação mais económica, estável, escrutinada, prolongada e organizada, onde as
crianças impulsivas, instáveis e ansiosas falham por imperícia tonicomotora.
Em síntese, as tarefas simples como a cópia ou fazer somas de números podem
ser realizadas com tensão, velocidade, instabilidade ou impulsividade, ou seja, com
altos níveis de vigilância, onde menos informação se pode manipular ao mesmo tempo
e onde a memória de trabalho lida com poucos dados. ao contrário, a baixa vigilância
das tarefas complexas de compreensão da leitura ou da resolução de problemas
matemáticos, para serem realizadas, requerem mais flexibilidade, mais plasticidade,
mais disponibilidade, menos ansiedade, com a memória de tcabalho a lidar com maior
número de dados, onde a informação é mais vasta e diversificada. Quando a vigilância
se distancia desse estado optimal, planificar e combinar informação torna-se mais difícil
de exprimir com eficácia, e esta é uma das características das crianças com DANV.
Estas crianças não completam os seus trabalhos, e é preciso estar sempre a
lembrar-lhes para continuarem, pois não conseguem manter a atenção mais do que
alguns minutos. Outras não conseguem esperar para iniciar o trabalho, e depois
cometem erros devido às suas respostas imediatas. Outras ainda, devido à pressão, ao
stress e à ansiedade de um exame ou de um teste, não lêem os dados dum problema
com vigilância optimal, ficam em branco", sem acesso à memória de trabalho, não
fazendo uso da informação que conhecem e dominam. Uma hora antes do exame,
menos tensas, estas crianças, e também jovens e adultos, lembram-se dos conteúdos
perfeitamente, mas no exame produzem níveis altos de vigilância e não se lembram da
matéria. Lamentavelmente, muitos exames encorajam altos níveis de ansiedade, daí
resultando altos níveis de vigilância que prejudicam os altos níveis de processamento
cognitivo exigidos pelas tarefas de exame.
A impulsividade e a instabilidade podem ser reduzidas se se estabelecer rotinas,
tanto em casa como na escola. Quando a criança conhece a sequência dos
acontecimentos, o seu comportamento é menos impulsivo e mais organizado. Por isso,
o recurso a programas de enriquecimento psicomotor, cogni tivo e metacognitivo que
desenvolvam funções de integração, elaboração e planificação de informação são
recomendáveis para as crianças com DANV.

APERCEPÇÃO SOCIAL: PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO PSICOSSOCIAL

A impercepção social implica uma dificuldade da criança para com preender o


envolvimento social e a complexidade das relações sociais, parti

266
TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDfl AGEM

cularmente em termos do seu próprio comportamento (Jonhson e Myklebust


1967, Myklebust 1975, Vaughn e Bos 1988).
Talvez o problema mais sério associado às deficiências na percepção social
seja a maneira como estas limitam e impedem o desenvolvimento e a aquisição da
significação e da interiorização da experiência pessoal; trata-se de uma 1
competência social que permite à criança adaptar-se ou responder às expectativas da
sociedade. E devido a este envolvimento penetrante e interiorizante
que esta desordem na aprendizagem não verbal é mais enfraquecedora em termos
comportamentais do que a desordem da aprendizagem verbal.
No processamento cognitivo normal da informação, as funções verbais e '
não verbais funcionam simultaneamente. Mas os défices no processo verbal i
não interferem tão negativamente na experiência como os défices não ver- I
bais, mais enfocados na inteligência emocional e na autoestima (Goleman
1995).
Por outro lado, défices no processo não verbal levam a distorções na própria
experiência. Daí que as crianças com este tipo de dificuldade de aprendizagem sejam
muitas vezes imaturas e incapazes de fazer as adaptações
necessárias à vida quotidiana, comprometendo o seu desenvolvimento pes r
soal e social futuro.
Várias características de desajustamento social são apontadas nas crianças
e nos jovens com DANV, desde problemas de conflitualidade interactiva a
problemas de ambiguidade comunicativa, imtabilidade, negativismo, oposição
e negligência perante os sentirnentos dos outros, traços de inconformidade e á
impopularidade, manifestações de excitabilidade, fraco autoconceito, egocentrismo,
insensibilidade e irresponsabilidade, problemas de inserção social, etc. ,
são podem ser detectados nestes casos.
Muitas vezes, enquanto mais novos, estes jovens são considerados pre- s
coces pelos pais e outros adultos, porque utilizam uma linguagem semelhante 3
à deles. Apesar de serem desajeitados, não imitarem modelos sociais, de
serem lentos na aquisição de padrões motores e não se identificarem com as
outras crianças, os adultos desenvolvem grandes expectativas em relação às
suas realizações académicas, baseados na sua precocidade verbal, na forma
como se aplicam para aprender e na ânsia que demonstram em agradar, como
que compensando as suas dificuldades não verbais. Dependem mais dos
aspectos verbais do que dos não verbais, evocando dificuldades específicas
para resolverem problemas desta natureza.
Estes esforços e atitudes desviam a atenção do facto de que eles têm poucos ou
nenhuns amigos. Eles têm dificuldade em ajustar a sua comunicação
aos interesses e desejos ou ao nível de linguagem dos seus pares, pondo em
risco aspectos da sua sociabilização e da sua maturidade afectiva, por vezes
exibindo e revelando condutas exageradas de regressão.
Os pais e professores tendem a minimizar ou a ignorar esta falta de
aceitação social, é a focar a sua atenção mais nos conhecimentos académicos das
crianças e dos jovens.
267

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG6GICA

Quando as exigêneias académicas passam de uma aprendizagem rotineira de


competências, de factos e de procedimentos para aprendizagens mais complexas,
estes indivíduos começam a falhar e a deixar de se esforçar, assumindo
ocasionalmente comportamentos de evitamento.
À medida que aumentam as oportunidades para uma interacção social
espontânea com os pares, as dificuldades de comunicação destas crianças e destes
jovens tornam-se mais evidentes. São rejeitados frequentemente e passam a afastar-
se e a isolar-se dos grupos.
A capacidade para fazer juízos sociais, tal como outras adaptações, deve ser
adquirida ao longo do processo de maturação e de aprendizagem. Normalmente, a
criança aprende de forma natural a perceber os sentimentos dos outros, o significado
dos contactos corporais, o significado transmitido pelo tom ou a entoação da voz, pelas
anedotas, os sarcasmos, e outras acções, gestos, mímicas e pantomimas. Ela
consegue avaliar as situações e adaptar-se a elas e, gradualmente, adquire um certo
tacto e aprende a antecipar as consequências do seu comportamento, competência
social deveras difícil de demonstrar pelas crianças e pelos jovens com DANV.
Algumas crianças porém, têm grandes dificuldades nestes aspectos. Elas não
conseguem interpretar o comportamento das outras pessoas através da observação e
da imitação, não percebem o significado das expressões faciais, das acções e dos
gestos. Consequentemente, são descritas como sendo insensíveis ou estúpidas. Têm
tendência para repetir comportamentos inapropriados, sem evocarem sentimento de
culpa ou remorso por com portamentos antissociais, podem manifestar comportamento
agressivo e confrontações com colegas, violam com frequência normas, apresentam
falta de empatia, não desenvolvem relações de intimidade, relacionando-se com os
outros de forma muito superficial, não têm flexibilidade perante situações novas - em
síntese, são inábeis afectiva e socialmente.
Se os pontos fortes e fracos, e as necessidades destas crianças, não forem
reconhecidos em tempo útil, para que se inicie uma intervenção ecológica apropriada, o
prognóstico para o sucesso escolar é baixo, bem como para a superação dos
problemas na adolescência e para uma adaptação social positiva (Rourke 1989, Foss
1991). Questões de autoconfiança, de motivação intrínseca, de autoeonceito, de falta
de persistência e de iniciativa para aprender, de baixo nível frustracional, de reforço de
sentimentos negativos face à aprendizagem e à resolução de problemas de qualquer
tipo, etc. , tendem a avolumar-se, gerando consequentemente uma inadaptação social
que pode ser problemática.

IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO PSICOEDUCACIONAL

A avaliação deve abranger todas as funções da linguagem (corporal, falada e


escrita) e um variado número de funções especializadas, incluindo

268
TAXONOMIA DAS DIFICULf7AflES DE APRENDl7 AGE

habilidades cogniúvas não verbais tais como: postura, somatognõsia, práxia


(observação psicomotora), conceitos temporais, orientação espacial e direccional,
ajuizamentos de peso, tamanho, veiocidade, altura e, obviamente,
de maturidade social.
Não existem dados estandardizados para cada uma destas áreas de aprendizagem,
mas estes comportamentos podem ser avaliados através de testes
especiais e de procedimentos clínicos desenvolvidos para tal propósito.
Vários instrumentos têm sido já desenvolvidos no âmbito específtco da
identificação de DANV, nomeadamente a EIPA (Fonseca 1984 - adaptada
da Pupil Rating Scale de Myklebust 1971), o Teste Global de Inteligência
não Verbal (Comprehensive Test of Non Verbal Intelligence) de Hammill,
Pearson e Wiederholt 1996, apesar de não serem muito conhecidos e uúlizados na
práúca psicopedagógica.
Na sua essência, os instrumentos mais uùGzados procuram avaliar a per , ;
formance (perjormance tests) e as competências não linguísticas (nonlanguage tests).
Í
No primeiro caso, os mais uúlizados têm sido o Teste Gestáltico de t
Bender (The Bender Gestalt Testfor Young Children, Koppitz 1971), o Teste ;
de Aptidão de Aprendizagem de Detroit (Detroit Test of Learning Aptitude,
Hammill 1991), o Teste das Matrizes Analógicas (Matrix Analogies Test,
Naglieri 1985), e o Subteste de Realização da Escala de Inteligência, de !
Weschler (Weschler Intelligence Scalefor Children, Weschler 1991), o Teste
das Habilidades Mentais Primárias (The Primary Mental Abilities Test,
Thurstone e Thurstone 1962), e o Modelo de Avaliação do Potencial de
Aprendizagem (Learning Potential Assessment Device, de Feuerstein 1975,
adaptado por Fonseca e Santos 1992).
No segundo caso, o Teste de Perjormance de Arthur Benton (The Arthur '
Aàaptation of the Leiter International Performance Scale, Ar<hur Benton !
1950), o Teste de Aptidão de Aprendizagem de Hiskey-Nebraska (Hiskey,
Nebraska Test ofLearning Aptitude, de Hiskey 1966) e o Teste de Inteligência
não-Verbal (Test ofNonverbal Inreligence, de Brown e colaboradores 1990). '
Em termos muito genéricos, todos eles procuram avaliar as seguintes
competéncias: discriminação e generalização perceptiva, comportamento
motor, indução, compreensão, sequencialização, reconhecimento de detalhes,
analogias, raciocínio abstracto, memória, compietamento de padrões, informação geral
e identificação de imagens, ou seja, todos os aspectos inerentes
às pré-aquisições das funções psíqnicas superiores.
A avaliação psicológico-cognitiva é crítica para a clarificação da natureza
das DANV, dado que identifca disfunções cognitivas de input-elaboração-output,
facetas essenciais para lidar com muitas situações da vida diária.
Apesar de serem necessários estudos neurológicos, electroencefalográficos,
pediátricos e outros, a avaliação dinâmica dos processos cognitivos
(Feuerstein 1975, Fonseca e Santos 1995) indica um novo caminho a seguir Í
para que uma intervenção educativa e/ou habilitativa possa ser benéfica.

269
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

INTERVENÇÃO E MEDIATIZAÇÃO

Só muito recentemente é que as crianças com DANV foram identifica das. No


entanto, apesar do conhecimento limitado que se tem sobre o assunto, podem ser aqui
consideradas algumas hipóteses de intervenção.
Os pais devem ser orientados e treinados para lidar com a situação. Estas
crianças não são facilmente controladas em casa e exercem uma influência
perturbadora noutras crianças e em muitos adultos, nomeadamente em professores.
O psicólogo, o professor e o terapeuta podem ser muito eficientes em aliviar
estas circunstâncias, fornecendo explicações detalhadas sobre as incapacidades da
criança e indicando a maneira como os pais podem participar em alguns aspectos
essenciais da intervenção, fundamentalmente ajudando a criança a aprender a brincar
com jogos, a dizer as horas, a vestir-se sozinha e a perceber as acções dos outros.
O professor-terapeuta é um dos responsáveis pelo programa de intervenção
educativa. A sua primeira preocupação deve ser o desenvolvimento de uma maior
compreensão e de uma significação experiencial, algo que uma intervenção
psicomotora bem delineada pode desempenhar. Talvez este seja um dos grupos de
crianças que é mais negligenciado nas escolas.
Todos os professores devem estar conscientes da natureza deste tipo de DA.
Mais especificamente, o papel do professor é ajudar a criança na aprendizagem
psicomotora das várias partes do corpo e sua orientação, o significado das acções dos
outros, o significado de tempo e do ritmo, o significado da posição, da direcção e da
relação espacial dinâmica, o significado dos mapas e das imagens e o significado do
tamanho, do peso, da altura e da velocidade, que envolvem objectos e eventos no dia-
a-dia.
Para tentar melhorar este problema relacionado com a imagem corporal, pode-
se começar por pedir à criança que se deite numa folha de papel do seu tamanho, para
desenhar o contorno do seu corpo. Depois, desenha-se as componentes faciais, a
roupa e alguns pormenores, tal como os dedos, as unhas, para uma posterior
nomeação. A criança fecha os olhos e o terapeuta toca-lhe numa parte do corpo, que
deve ser identificada, verbal ou iconograficamente, já com os olhos abertos, primeiro
em si e depois num modelo, desenho ou fotografia.
Também se pode trabalhar em frente a um espelho, desde que a criança
reconheça a sua imagem reflectida. Desta forma, ela tem acesso a uma referência
visual imediata, que lhe permite aperceber-se e corrigir os movimentos que realiza.
Outra alternativa consiste na utilização de quebra-cabeças representativos da
imagem corporal, que vão aumentando de complexidade à medida que se dividem num
maior número de partes, ou utilizar figuras onde são omitidos alguns pormenores, para
que a criança os descubra e desenhe no sítio certo.

270

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Talvez ainda de forma mais básica, a criança deva ser ajudada a desenvolver a
capacidade de tomar conta dela própria, promovendo a sua auto-suficiência: higiene,
alimentação, vestir-se, fazer recados, seguir instruções e orientar- se no seu
ecossitema residencial.
A perspectiva da intervenção e da mediatização é produzir um
redesenvolvimento das funções de aprendizagem desde as mais básicas às mais
complexas, conforme o modelo seguinte.
Numa fase posterior, os procedimentos de intervenção devem ajudar o indivíduo
a associar rótulos e descrições verbais a objectos concretos, acções e experiências.

Área de Hierarquia Idgde


desenvolvimento Componentes sisténticos da ler
linguagem
integração tonicidade segurança afectividade vinculação 0-3meses
sensorial (CNV) fam0ia
controlo imitação equilibração propriocep- linguagem I ano
postural úvidade corporal infantário
lateralização dominância/ linguagem 1a 3anos
e especialização /divisão falada jardim
hemisférica ego-alo- infantil
-geocentrismo
representação
somatognósia conceito/ desenvolvimento 4a 5anos
e EET /consciência motor pré-primária
planificação e multimodal
motora
desenvolvimento prdxia global 6a 10anos
cognitivo práxia fina escola
atenção- primária
-processo -planificação

Figura 84 - Intervenção psicomotora

271

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGrlGICA

A intervenção está fortemente dependente da mediatização verbal e da


autodirecção verbal (Fonseca 1976, 1978, Fonseca e Santos 1992), no sentido de
analisar e organizar a informação para a realização de determinadas tarefas. Estes
processos e critérios de mediatização devem ser modelados pelo professor-terapeuta,
enquanto o estudante aprende a conduzir as suas acções e aprendizagens.
Como estes indivíduos apresentam grandes dificuldades em dominar as noções
de espaço e as relações espaciais (ego, alo e geocêntricas), o professor-terapeuta
deve avaliá-los de forma contínua em relação à compreensão destes conceitos nos
mais variados contextos, e fornecer instrução multissensorial (táctil, quinestésica, visual
e auditiva, manipulativa, iconográfica e simbólica) explícita, para que eles consigam
estabelecer associações significativas com a linguagem espacial e direccional.
A instrução deve procurar desenvolver uma certa flexibilidade nos conceitos de
semelhança e dissemelhança, de comparação, de classificação e categorização, de
relações parte-todo, de relações causa-efeito e de relações espaciais. Depois, o
estudante deve seguir uma sequência de passos que incluem o autoquestionamento,
em que procura perceber o vocabulário, identificar a relação implícita entre as palavras
presentes, etc. Até que tenha interiorizado este procedimento, o estudante deve
verbalizar cada passo, ou seja, deve ser introduzido num processo psicomotor
dinâmico e significativo (Fonseca 1976).
O objectivo deste procedimento é proceder à análise e à reflexão, e reduzir a
impulsividade das respostas, que tende a acontecer por associação verbal em vez de
acontecer por compreensão das relações implícitas. Vivenciar primeiro, significar e
simbolizar depois. Do agir antes de pensar ao pensar antes de agir, do motor ao
psíquico e, posteriormente, do psíquico ao motor.
Estes estudantes ficam muitas vezes em baixo, quando confrontados com a
pressão académica, e com as exigências que requerem mais do que aquilo de que se
sentem capazes.
Se forem ajudados a atribuir significados claros às várias palavras que ouvem,
lêem e dizem, a sua compreensão vai certamente melhorar. Algumas estratégias
utilizadas incluem dramatizar e discutir o assunto em questão, antes de ler ou
simbolizar sobre ele, para que o estudante adquira uma primeira noção daquilo de que
se vai tratar a partir da acção. Ler o texto em voz alta; traduzir a memorização do texto
numa simples dramatização corporal; ler previamente as questões que se encontram
no final de cada capítulo e os títulos principais; e fazer uma pausa no final de cada
frase ou parágrafo, para resumir a ideia principal. Os estudantes devem ser treinados
para se autoquestionarem, o que os leva a reflectirem sobre a ideia com que ficaram do
que acabaram de ler.
Para diminuir as dificuldades na compreensão é necessário clarificar as
confusões semânticas e treinar os estudantes para que utilizem estratégias

272

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIl AGEM

cognitivas e metacognitivas de análise, comparação, verificação e planificação da


informação e de identificação de padrões e processos de organização.
O trabalho que é desenvolvido para melhorar a grafomotricidade tem resultados
directos na formação das letras na sua inclinação, no espaço que ocupam, no
alinhamento da linha de base e no controlo e na fluência da escrita. Na prática o
estudante deve auto-regular verbalmente a sua postura, a posição do papel, a
preensão do lápis, a formação das letras, entre outros aspectos, valorizando a síntese
psicomotora inerente à aprendizagem.
O campo social também requere mediatização direeta e explícita, uma prática
num lugar ecologicamente estruturado, ao mesmo tempo que se deve encorajar
sistematicamente o feed-back das situações da vida quotidiana, valorizando a
integração holística da experiência. Tarefas passo a passo, com recurso a conceitos
básicos e ao uso da lógica, à utilização de estratégias de organização, à aplicação de
mapas não verbais e diagramas, etc. , devem ser implementadas, bem como
concentração de esforços em ensinar aquisições sociais em teatralizações e
ecocinésias corporais simples e lúdicas, pois podem dar um reforço substancial à
interiorização de competências sociais.
Estes indivíduos não compreendem o significado das insinuações não verbais
que ajudam a definir as situações sociais mais diferenciadas. O treino específico para
interpretar aspèctos não verbais como a expressão facial, os gestos, o tom de voz, a
proximidade e a distância (proxémica), o estatuto e o papel dos intervenientes, a
utilização de adornos e o contexto da comunicação resultam em melhores percepção e
participação social.
Do princípio ao fim do programa, o objectivo fundamental deve ser conseguir
estabelecer de forma satisfatória relações com os pares, com a família e com os
amigos.
Quanto melhor conhecermos os pontos fracos destes estudantes, mais
preparados poderemos estar para promover os seus sentimentos de autoestima e de
eficácia pessoal. Promovendo as funções cognitivas das aquisições não verbais,
ampliamos o reportório de adaptação social das crianças e dos jovens com DANV;
dessa forma, estamos paralelamente a modificar e a optimizar o seu potencial cognitivo
que vai ser necessário para aprender a aprender no futuro.

DificWdades de aprendizagem primárias e secundárias

Compreendemos agora porque é que as DA constituem um problema


multicomplexo e porque é que a sua etiologia é multifactorial e múltipla. A dificuldade
parece residir na identificação, no diagnóstico e na taxonomia, isto é, na clariflcação de
uma classificação das DA em termos psiconeu

273

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

rológicos e baseada em factos e investigações fidedignas. Para respondermos a esta


necessidade é preciso desenvolver investigações multidisciplinares, estudos
longitudinais e epidemiológicos que impliquem um melhor domínio das causas
específicas das DA, tentando, progressiva e persistentemente, diminuir a confusão
conceptual.
Dentro desta óptica, e em conjunto com a perspectiva de Quirós 1978, convém
desde já subdividir as DA em primárias e em secundárias e, ao mesmo tempo, estudá-
las comparativa e criticamente.

DIÈICULDADES DE APRFNDI7AGEM PRIMÁRIAS


DIFICULDADES DE APRFNDIZAGEM SECUNDÁRIAS ( DA - I) (DA - II)

(1) Quando não se idenúf Ica uma causa orgâ- (1) Quando resultam de condições,
desordens,
nica especifica. limitações ou deficiências devidamente
diagnosticadas em: deficiência visual,
deficiência auditiva, deficiência mental,
deficiência motora, deftciência emocional
ou privação cultural.
(2) Compreendem penurbações nas aquisi- (2) Compreendem perturbações nas
aquisições especificamente humanas, isto ó, prá- ções não especificamente
humanas. As
xicas e simbólicas, como: a linguagem DA são a consequência secundária de
falada (recepúva e expressiva), a lingua- def Iciências nervosas, sensoriais,
psíquigem escrita (receptiva e expressiva) e a cas ou ambientais.
linguagem quantitaúva.
(3) O potencial sensorial, intelectual, motor e (3) O potenciat sensorial, intelectual,
motor e
social está intacto, é portanto normal. social 8atfpico e desviante.
(4) Se há perturbações, elas dependem de alte- (4) Se há perturbações, elas
dependem
rações mfnimas, tão mínimas que não são secundariamente de defciências
sensodetectadas pelos exames médicos (pediá- riais, neurológicas, pslquicas ou
envoltricos, neurolbgicos, psiquiátricos, etc. ), vimentais (ou ambientais, como por
psicológicos (clfnicos, pedagógicos, etc. ) exemplo: privação cultural,
desvantagem
tradicionalmente mais utilizados, porque socioeconómica, factores ecológicos,
eles são insuficientes para se identificar malnutrição, envolvimento afectivo,
facidistúrbios simbólicos e problemas no pro- lidades de estimulação precoce;
expectacesso de informação intra e interneuros- tivas, etc. ).
sensorial.
(5) As aquisições da linguagem falada, da lin- (5) As aquisições da linguagem falada,
da linguagem escrita e da linguagem quantita- guagem escrita e da linguagem
quantitativa estão primariamente perturbadas. tiva estão secundariamente
perturbadas.

274

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZ9GEM

1) Disfunções cerebrais 1) Afecções biolóQcas


1. 1Da linguagem falada I. 1Do sistema nervoso central
Disnomia Lesões cerebrais
Disfasia Paralisia cerebral
Disartria Epilepsia
Deficiência mental
1. 2Da linguagem escrita 1. 2Dos sistemas sensoriais
Dislexia (auditiva e visual) Deficiência auditiva
Disgrafia Hipoacusia
Disortografia Deficiência visual
Ambliopia
1. 3Da linguagem quantitativa
Discalculia
2) Problemas perceptivos 2) Problemas de comportamento
2. I Do processo audiávo Reactivo
Discriminação Neurótico
Síntese Psicótico
Memória de curto termo
Auditorização
2. 2Do processo visual
Discriminação
Figura e fundo
Completamento
Constância da forma
Posição e relação espacial
Visualização
3) Problemas psicomotores 3) Factores ecológicos e socioeconómicos
Controlo vestibular e Envolvimento afecúvo
proprioceptivo Malnutrição
Lateralização Privação cultural
Imagem do corpo Dispedagogia
Estruturação espaciotemporal
Praxia global
Praxia fina (visuomotricidade
e dextralidade)

Muitas causas podem produzir as DA I e II, aliás como muitas causas podem
originar a deficiência aúditiva. Dentro das causas das DA, Quirós 1978 menciona: as
congénitas (imaturidade do girus angular); as hereditárias (gene autossómico); as
disfuncionais (disfunção cerebral mínima); as bioquimicas (metabolismo das aminas:
serotonina, dopamina, noroepinefrina, etc. ) e as patológicas (lesões cerebrais).
Factores como a prematuridade, a anoxia neonatal, as viroses, os problemas de
metabolismo, os traumas, e outras causas que envolvam directa ou

275

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

indirectamente o SNC, podem produzir várias deficiências sensoriais, motoras ou


neurológicas que, em si, podem compreender as DA II. Estas, porém, podem mais
tarde produzir quadros clínicos como as lesões cerebrais (brain damage), as paralisias
cerebrais, as deficiências mentais, as deficiências sensoriais, etc.
As DA II compreendem a taxonomia da deficiência, e estão mais relacionadas
com os factores médicos, isto é, as suas causas são óbvias e bem conheeidas. Aqui, o
diagnóstico não oferece dúvidas. Dentro delas temos:

- deficiências sensoriais: visuais e auditivas;


- deficiência intelectual dependente de muitos factores que
actuam ao nível do QI;
- deficiências motoras (ou doenças crónicas e prolongadas),
que podem levar a uma falta de contacto com o meio e, mais tarde, a problemas
psicológicos;
- deficiências de comunicação.

Outros factores podem produzir as DA II e esses estão mais relacionados com


aspectos exógenos de ordem psicológica, pedagógica e socioeconómica, como sejam:
envolvimento afectivo, privação cultural, problemas de nutrição, factores ecológicos,
mau enquadramento de aprendizagem e de desenvolvimento, dispedagogia, etc.
As DA I não estão tão relacionadas com os factores médicos e, por isso, as suas
causas são mal conhecidas. Aqui, o diagnóstico precisa de ser aprofundado, pois
oferece muitas dúvidas. A sua etiologia obscura não permite determinar o domínio da
causa ou das causas específicas do défice de aprendizagem.
As DA I englobam as aquisições especificamente humanas dependentes dps
processos receptivos e expressivos da linguagem falada, da linguagem çserita e da
linguagem quantitativa. Elas podem resultar de compensações ou disfunções cerebrais,
de problemas perceptivos, auditivos e visuais (discriminação, figura e fundo, memória
de curto termo, etc. ), de problemas psicomotores (dificuldades posturais, problemas de
lateralidade, estruturação espaciotemporal, praxias ideatórias e ideomotoras) e de
problemas de comportaznento (imaturidade socioemocional, hiperactividade,
distractibilidade, impulsividade, hostilidade, dependência, etc. ).
Por definição, as DA I não cabem no âmbito de qualquer deficiência. As DA I são
caracterizadas por sinais difusos de ordem psiconeurológica.
Os factores de privação cultural ou outros de eariz socioeeonómico não entram
em linha de conta. Para identificar crianças com DA I, os factores socieconómicos e
exógenos devidos a factores de classe social" devem ser excluidos. O factor a
respeitar é de ordem intrinseca do cérebro da criança, pondo em questão processos e
recursos de aprendizagem que não se encontram normalmente disponiveis nem no
professor nem na classe regular.

276

T 4XONOMIA DAS DIFICULI7ADES DE APRENDTIAGENI

De qualquer forma, a ambiguidade e a imprecisão dos termos e dos estudos


subsiste. Ninguém conhece os sintomas exactos que permitant diagnosticar uma
criança com DA. Alguns autores defendem os testes visuais e auditivos; ouvos, ainda,
defendem os testes neurológicos, outros defendem perspecúvas exclusivamente
psicodinâmicas, etc. Para muitos, as DA não são uma condição, nem uma doença.
Para outros, as DA são problemas emocionais e de comportamento. Que confiança se
pode ter em tais dados, quando não se sabe o que querem dizer, ou o que significam
as DA?
Parece-nos urgente aprofundar cuidadosamente o diagnóstico, desde que se
adopte uma classificação (taxonomia) com base na hierarquia da linguagem, visto ser
esta a principal faceta da aprendizagem humana.
Tal taxonomia das DA permitirá, pois, determinar a existência de uma ou mais
variáveis etiológicas e criar meios de diagnóstico intraindividual orientadores de
métodos adequados de intervenção pedagógica.

Taxonomia das DA e hierarquia da linguagem

A taxonomia das DA apresentada no quadro procura equacionar dois tipos de


problemas. Primeiro, as DA devem estar em relação com o desenvolvimento e, por
consequência, de acordo com uma maturação das pré-estruturas do SNC,
matèrializada na progressiva mielinização e na criação de redes neuronais
(sinaptogenese, crescimento dendrítico e axónico, migração neuronal, etc. ) que vão
originando os sistemas de aprendizagem. Segundo, as taxonomias das DA que
compreendem as aquisições especificamente humanas têm de obedecer a um modelo
hierarquizado da linguagem.
Myklebust 1967, 1978 apresenta um modelo hierarquizado da linguagem cuja
génese se origina na experiência (ou na acção, como defende Piaget) incorporando-a
por meio da linguagem interior, que constitui o primeiro estádio da aquisição da
linguagem. Mais tarde, prolonga-se na linguagem falada, subdividida na linguagem
receptiva e na linguagem expressiva. Por último, surge a linguagem escrita, também
subdividida em receptiva (leitura) e expressiva (escrita).
Este quadro pode ser também apresentado numa perspectiva hierarquizada dos
processos psicológicos da aprendizagem, em si próprios, indissociáveis dos seus
concominantes processos de maturação neurobiológica.

LINGUAGEM INTERIOR - NÃO VERBAL E VERBAL

A criança não ádquire primeiro as palavras e depois os significados. O


desenvolvimento da linguagem pressupõe a aquisição de experiências significativas e

277

_ _ _ _ _ _ _ _ LINGUAGEM LINGUAGEM C
LOVGUAGEM LINGUAGEM EsCRITA QUANTITATIVA M
i
INTERIOR FALADA
0
Desenvolvimento Linguagem Linguagem Linguagem Linguagem
Marmonioso cotporel auditive visuel conceptual
não verbal Pmcesso auditivoverbal Processo visuomotor
Desenvolvimento Perlodo Periodo Perfodo operacional Perlodo
à IUz de sensoriomotor prE-operacionel formel
Pieget

sis no t" - b
(ntielinização)
sistemas sistemas sistemas

de intranettmssen- intemeUrossenso- b
eptendizegem sorieis s Sistemas ~
integrativos
Áreas cetebrais Área motora Área motora da fale 0
implicadas no Ána sensoriel Area psicomotora as associativas visUo-

desenvolvimento Área auditiva Área somatognósica


auditivotacútoquinestésicas b
e na aprendizegem Área visual Área associaúva visuel
Ána associaúva eudiúva <<as assoCieúvas crossomodais a
Dificuldndes Dispraxia Disnonúa Dislexia DiçCg)CUliB
de Disgnosia Disfasie Disgrafta
aprendizagem Disartria Diso tografie
Intervenção Diagnóstico Diagnósúco Diagnósúco Diagnbsúco
psicopedegógice Mótodos MEtodos MEtodos Mótodos

Figura 85 - Modelo em cascata da hierarquia da linguagem

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

1
Ideia T I ia
F 'i
I I
C EMISSOR RECEPTOR C SNC (E) (R) SNC

ONDAS

FALAR OUVIR I
. Aparelho fooador SONORAS ' Sistema auditivo j (ommoùvidade)

ONDAS

ESCREVER LER Visoomoaicidade LUMINOSAS ' Sistema visual (


afomoVicidade)

CODIHlCAÇÃO DESCODIÈICAÇÃO
Sistemas de output Sistemas de input

Apùdões - Apùddes - ApIidóes


inugraúvas inregraúvas inregraúvas
PROCESSO DA LINGUAGEM

Figura 86 - Modelo de comunicação humana

só depois a aquisição de palavras. Só quando o mundo envolvente é


manipulado e experimentado é que ele assume alguma significação, não só porque a
eriança interiorizá o envolvimento, mas também porque começa a compreender as
palavras, que efecávamente representam a experiência.
Quando a linguagem interior é estabelecida pela utilização inteligível dos
objectos, bem cotno pela organização espacialmente significativa dos brinquedos, para
além das expressões emocionais não verbais, das pantominas e

279

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

LbbuTo parietal TACTILOQUINESTÉSICO 7 (TQ)


TQ
34

/ 7 7 I. . bbulo occipit z 1

A 5 I 6 V VISÃO AUDIÇÃO

I . . bbulo temporal

1- Linguagem interior - não verbal - TQ V 2 - Linguagem auditivorreceptiva - TQ


-a A
(conceito do objecto) (seguir instruções) (compreensão) 3 - Linguagem
auditivoexpressiva - A TQ
(Fala) (associação), (significação-artxculema) 4 - Linguagem
perceptivovisuomotora - V TQ
(conceito da gestalt)
5- Linguagem perceptivoauditivovisual - A V (ass. palavra-
imagem)
6 - Linguagem visuorrecepúva - V -1 A
(leitura) (associação optema-fonema)
7 - Linguagem visuoexpressiva - V TQ
(escrita) (associação fonema-grafema)

Figura 87 - fiierarquia da linguagem e processos de aprendizagem

280

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

L INGUAGEM ESCRITA VISÃO

Ç
1
.o rr
m9 O
c
P
A
iO 1d
V IÌ
1
o
I ça
I Ç
I
AUDIÇÃO Input -1 Linguagemfalada Output QUINESTÉSICO

LINGUAGEM FALADA LINGUAGEM NÃO VFRBAL H H

, ( Lbbulo pa etal ` L6bulo frontal QUn, lESTÉSICA

AUDITIVA VISUAL Lbbulo occipital

Figura 88 - Mecanismos de integração da hierarquia da linguagem

281

lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

LINGUAGEM VERBAL
Auditiva e Visual
r
LINGUAGEM VISUAL EXPRESSIVA
Escrita DISFUNÇÕES
r
LINGUAGEM VISUAL RECEPTIVf1 disgrafa
Leitura
r '
LINGUAGEM AUDITIVA EXPRESSIVA dislexia
Fala

r dislalia
LINGUAGEM AUDITIVA RECEPTIVA
Compreensão disfasia
r
LINGUAGEM INTERIOR
Não verbal e verbal
r
0

EXPERIÊNCIA Desintegração da experiência Evolução cogniúva Disfunção


cogniúva

Fig. 78 - Modelo de hierarquização da linguagem, de Myklebust

dos simulacros, a representação simbólica da experiência vai permitindo à criança a


progressiva compreensão dos símbolos auditivoverbais e, simultaneamente, a
progressiva descoberta da realidade.
A linguagem, como sistema simbólico complexo, assenta na compreensão
interiorizada e corporalizada da experiência, envolvendo inicialmente a linguagem não
verbal, onde o corpo e o gesto, a expressão facial, o contacto olho-a-olho e a dialéctica
das emoções, vão dando significação às coisas e às experiências. Ao mesmo tempo, a
linguagem gestual vai consolidando a linguagem interior. De facto, a significação é o
factor dominante da aquisição da linguagem e ela está contida no corpo e no Eu (Sel,
f). O corpo vai descobrindo as palavras. O gesto vai preparando a evocação do
primeiro sistema simbólico.
Dentro da área da linguagem interior, podemos integrar os factores da
linguagem não verbal, como por exemplo: imagem do corpo, orientação espacial,
expressão gestual-corporal, etc. O corpo, nesta fase, é um meio de comunicação total.
Pela acção no mundo, o corpo vai incorporando significações que irão justificar a
progressiva apropriação das palavras e a sua desintegração pode originar o autismo.

282

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

LINGUAGEM AUDITIVA RECEPTIVA (COMPREENSÃO)

A linguagem receptiva evolui a partir da linguagem interior. Esta dá lugar à


compreensão da experiência e, portanto, da integração somatognósica e corporal,
aquela dá lugar à compreensão das palavras. As palavras dependem das suas
significações, como afirmou Vygotsky 1962. Para este autor, o desenvolvimento da
linguagem baseia-se na apropriação individual e corporal da experiência sociocultural,
transmitida exactamente do adulto para a eriança através do comportamento verbal
simbólico.
A aquisição da linguagem tem sido amplamente estudada, embora a
controvérsia das abordagens continue sem solução, como podemos ver nas
perspectivas incompatíveis de Chomsky 1957 (Estruturas Sintácticas) e de Skinner
1957 (Comportamento Verbal).
O desenvolvimento da linguagem, por outro lado, tem sido estudado como um
processo longitudinal, integrando os diferentes aspectos fonéticos, semânticos e
sintácticos. Todos estes aspectos desenvolvem-se interdependentemente, podendo, no
entanto, evoluir a diferentes velocidades e ritmos. Paralelamente, durante todo o
desenvolvimento da linguagem, vão-se observando processos pré-estruturados de
maturação neurobiológica e que são mais significativos entre o nascimento e os quatro
anos, altura em que se dão transformações qualitativas (Geschwind 1969) muito
importantes: estruturas neuronais, padrões sinápticos, fibras de interconexão
corticocorticais, etc.
A criança compreende o que ouve depois de ter apreciado o que vê. De facto, o
que a criança ouve depende do que vê, e o que vê depende do que mexe e
experimenta, portanto da integração proprioceptiva básica. Está aqui a razão de ser da
linguagem, como sistema multissensorial, que joga com a percepção e a
conceptualização da realidade envolvente. A evolução da linguagem não começa na
palavra, já que a expressão sintomática, a expressão corporal e a comunicação
rudimentar (jogos, interacções, reforços, etc. ), são algumas das componentes da fase
pré-verbal.
A criança é orientada para a acção, não para contemplar a realidade, mas para
agir sobre ela. Para Piaget 1969, e para dar ênfase à passagem da linguagem interior à
linguagem receptiva e desta à linguagem expressiva, a realidade é agida antes de ser
conhecida, ou melhor, a acção precede a cognição.
A aquisição da linguagem na criança é um processo activo, e não apenas um
processo passivo, que vai sendo progressivamente mais próximo da linguagem do
adulto.
A linguagem receptiva (linguagem auditiva receptiva), ao passar de uma fase
passiva, em que a criança é receptora, a uma fase activa, em que a criança é
expectadora e actora, enraiza-se num comportamento linguístico anterior ao
comportamento simbólico.
Os gorjeios expressivos, as interjeições, as comunicações pragmáticas, as
modelações de entoação, as vocalizações, os jogos sonoros e verbais, as

283

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

duplicações silábicas, as ecolálias, etc. , são expressões que demonstram a inte ra ão


e a comunicação de significações que constituem o processo dominante da aquisição
da linguagem e a bas ddo( hom ky 195 ), permite
A simbolização, ao associar sons a significa ç que o código se a integrado. Aqui
se encontra o fulcro da revela ão da competência linguística a partir de uma
competência não linguística, portanto não verbal.

Por esta anorâmica se confirma que a linguagem é o resultado da transforma ão


d Pinformação sensorial e motora em símbolos significativamente integrados. Isto é, a
linguagem compreende um co portamento representacional simbolicoverbal (primeiro
sistema simbólico.

De facto, muitos dos estudos de linguagem têm abordado mais os aspectos de


ex ressão do que os de recepção. As DA, muitas vezes só reveladas na esc p a,
dependem frequentemente de perturbações da compreensão auditiva e não
exclusivamente das aquisições verbais que satisfazem as necessidades de
conversação.

Outra limitação para estudar este aspecto reflecte a relativa carência de


testes ou tarefas que requeiram compreensão dos símbolos auditivoverbais e não
exijam respostas verbais. se uir instruções, etc
. , são
Apontar, marcar, gesticular ll anto útz diti g (exemplo: Mostra- me
exemplos de situações para a a

a tua boca"; Mostra-me, nestas figuras, aquela que serve para comer"; Com
a tua mão esquerda mostra-me o teu olho direito"; Põe esta caixa à esquerda daquela
jarra etc. ).
Dentro da classificação das DA e relacionado estritamente com a
linguagem não verbal de cariz tactiloquinestésico podemos incluir um tipo de dispraxia,
que constitui uma dificuldade em planific g e executar um gesto intencional tendo em
vista a obtenção de um flm inte rado simbolicamente.

Estas reflexões são importantes inclusivamente para a pedagogia, e para


a tera ia, pois muitas vezes trabalha-se na expressão (praxia), em vez de se abordar a
recepção (gnosia). É preciso compreender que as crianças comeam a utilizar palavras
a partir do momento em que percebem a sua signifiç g).
cação (meanin

LINGUAGEM AUD NA E SS VA (FALA).

Abordando agora o terceiro degrau da ontogénese da linguagem, ou seja,


a linguagem auditiva expressiva (fala ou linguagem oral), torna-se necessário
equacioná-la em três dimensões:

1) A rememorização (retrieval); 2) A formulação; 3) A articulação.

284

TAXONOMIA DAS DIFICUll7ADES DE APRENDl74GEM

Na rememorização, isto é, na chamada da informação, ou do léxico para


formular a expressão espontânea, entram em consideração a selecção das palavras e
a sua mobilização acúva no discurso. Muitas crianças lembram-se de palavras mas só
quando se trata de as reconhecer (compreensão), não as conseguindo utilizar
espontaneamente na fala. Neste caso, a expressão oral destas crianças é restrita, o
seu vocabulário é pobre e apresenta várias subsútuições e hesitações.
O problema situa-se na capacidade de seleccionar palavras (wordfinding ability)
para tornar o discurso económico, claro e preciso; caso contrário, o discurso torna-se
abundante em expressões repetitivas e estereotipadas, pouco fluentes e pouco
especificadas.
Na taxonomia das DA teremos, neste âmbito da linguagem falada, a disnomia,
que constitui uma dificuldade em lembrar ou evocar palavras ou em designar objectos e
lugares. A aquisição da função auditiva necessária à aprendizagem e à utilização da
linguagem exige uma integridade psiconeurossensorial que permite discriminar sons
semelhantes e organizar sons sequencialmente para formar palavras. Os sons da fala
têm de ser, ponanto, armazenados e estar disponíveis quando forem necessários à
expressão. Quando tais sons se encontram armazenados mas não disponíveis, isto é,
quando são dificilmente rechamados" instantaneamente, devido a disfunções
cerebrais, esta condição é denonúnada disnomia (Myklebust 1965).
Trata-se de um problema de reauditorização (reauditorization - Jonhson e
Myklebust 1964), normalmente mais ligado aos nomes, embora outros autores se
refiram igualmente a outras partes do discurso.
Eisenson 1957 refere-se ao problema da disnomia como um tipo de afasia
amnésica; seja como for, as dificuldades centram-se na evocação de certas palavras
que envolvam nomes, qualidades e relações, tornando difícil a transmissão de ideias e
de conceitos. O indivíduo conhece a palavra que tenta relembrar, dado que a
reconhece imediatamente, logo que ela lhe é dita, mas não pode rechamá-la (recall)
quando deseja.
A segunda dimensão da linguagem expressiva compreende a formulação
dasfrases. Aqui, o problema não se relaciona com o voeabulário, mas sim eom a
sintaxe - isto é, a eswtura da linguagem que estuda os padrões, as frases e os
períodos nos quais as sequências de palavras se encontram conswídas.
A expressão, nestes casos, é exageradamente cuna, por vezes até telegráfiea e
lacónica. Outros casos apresentam distorções na ordem das palavras e no uso
inapropriado e não generalizado de verbos e pronomes.
No campo taxonómico das DA temos a disfasia, que compreende uma
dificuldade em planificar e organizar palavras na expressão de ideias em frases
cómpletas.
A característica dominante da disfasia situa-se, não no uso de palavras
(pragmática) ou de pequenas frases, mas na distorção ou na omissão de palavras, na
uúlização incorrecta dos tempos dos verbos, bem como noutras imprecisões
gramaticais, quer na estrutura profunda, quer na de superfície, que interferem com a
eswtura da linguagem.

285

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG6GICA

No âmbito das incapacidades de aprendizagem, esta desordem da lin guagem


tem sido designada por afasia de formulação" ou afasia sintáctica". As imprecisões
envolvem alterações nos seguintes factores: ordem de palavras, tempos de verbos,
terminações de verbos, pronomes, preposições, arágos, etc. , que alteram a fluência
coriecta, natural e espontânea da linguagem.
Por último, a terceira dimensão da linguagem auditiva expressiva compreende a
articulação. Nesta dimensão, a dificuldade (disartria) centra-se na produção de padrões
motores (oromotores) necessários para falar, isto é, não se verifica a associação entre
as palavras e os padrões motores que traduzem os equivalentes auditivos
interiorizados e os equivalentes motores expressivos.
Nielsen 1946 refere-se a esta função como a uma praxis que converte sons em
actos, função que cabe à área de Broca, verdadeiro transdutor auditivomotor.
Verifica-se igualmente problemas de imitação de sons, independente mente de
se observar uma integridade dos movimentos da língua e dos lábios, condição esta que
permite a diferenciação da disnomia e da disfasia, e também da disfonia e da disritmia.
A disartria, como diftculdade de articulação, é uma espécie de afasia expressiva
e tem sido designada como um tipo de afasia motora, de apraxia e de apraxia verbal
(Eisenson 1957, Nielsen 1946, e Wepman 1961).
Segundo Wepman 1960, a disartria é relativamente independente do pro cesso
simbólico dado que envolve mais um problema do controlo motor do acto da
articulação. A disar ia, que se relaciona com a produção de sons, não pode ser
confundida com problemas de voz (disfonia), nem com problemas de bloqueio
(disritmia). A disartria, igualmente, pode ser resultante de problemas neurológicos
(motoneurónio superior ou inferior) ou de problemas dos órgãos articulatórios
(maxilares, dentes, paláto, laringe, faringe, etc. ).
Denny Brown 1990 refere-se à disartria como a uma dificuldade tradu zida por
movimentos distónicos provocados por disfunção na inervação dos músculos da fala.
Temos assim resumidamente concluída a taxonomia das DA da linguagem
falada. Vejamos agora a taxonomia da linguagem escrita.

LINGUAGEM VISUAL RECEPTIVA (LEI'fURA)


Filogeneticamente e ontogeneticamente, a linguagem auditiva foi e é a
primeiramente adquirida.
A linguagem escrita, que depende de processo visual, sobrepõe-se à linguagem
falada, que, como vimos, depende de processo auditivo.
A aprendizagem da leitura não constitui a aprendizagem de uma nova
linguagem. Trata-se da mesma linguagem. A linguagem auditivajá conhecida vai

286

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

LINGUAGEM LOYGUAGEM
FALADA ESCRITA

Sistema fonológico -- Sistema grafológico

iI
OUVIR FALAR LEg V
Z' Grafemss
Entoaç8es Compoaeates ' fomotores
Segmentaçdes Componentes visuomotores
Fonemss
Le
Palavres ms
Pelavrss

Sistema sem núco Sistema semánúco

Conceptuetizsção a
X Significação
AnBlise-sfntese
Formulsção

SistCma si0tlCúco -- Sislema sinl5cúco

Morfologia Morfologia Granáúca Gram úca

PROCESSO I PR SO AUD1'1'IVOVERBAL VISUOMOTOR

Figura 90 - Da linguagem falada à linguagem escrita

287

INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


; ter de se relacionar com uma linguagem visual que a substitui. Os
sinais auditivos (fonéticos) têm agora de corresponder aos sinais visuais (gráficos ou
ópúcos), isto é, a aprendizagem da leitura coloca um problema de transferêneia
de sinais.
A leitura envolve a descodificação dos símbolos gráficos (optemas e graÍ femas
= letras) e a associação interiorizada com componentes auditivos
'
' (fonemas), que se lhes sobrepõem e lhes conferem um signifieado. 'i

i LEITURA =Sistema simbólico + Sistema simbólico + Sistema


visual auditivo semânúco

Figura 9l - A leitura como duplo sistema simbólico

A leitura é um duplo e o segundo sistema simbólico (do visual ao


auditivo), que representa a realidade e a experiência. A aprendizagem da leitura, por
consequência, consútui uma relação simbólica entre o que se ouve e diz e que se vê e
lê.
Vejamos rapidamente as fases que constituem o processo da leitura.

1 ") Descodificação de letras e palavras pelo processo visual, através de


uma categorização (letra-som) que se verifica no córtex visual;
2. o) Identificação visuoauditiva e tactiloquinestésica que se opera na
área de associação visual;
3. ") Correspondência símbolo-som (optema-fonema), que traduz o
fundamento básico do alfabeto, isto é, do código. Cada letra tem um nome, ao qual
está associada (b - [b]; i - [i], etc. ). Esta operação envolve cognitivamente um sistema
de conversão;

Sistema Sistema Sistema Leitura visual + auditivo+ mânúco


simbóGco aimbólico

Sistemavisual _ Componente Componente Componente simbólicoda


linguagem escrita da linguagem falada de significação

Figura 92 - Componentes simbólicos da leituca

288

TAXONOMIA DAS DIFICUIDADES DE APRENDIZAGEM

4. o) Integração visuoauditiva (visuofonética) por análise e síntese, isto é,


quando se generaliza a correspondência letra-som. Segundo Dejerine, o girus angular
processa esta informação em combinações de letras e sons, como se fossem
segmentos, que unidos geram a palavra, portadora de significação.
S. o) Significação envolvendo a compreensão através de um léxico, ou melhor,
de um vocabulário funcional que dá sentido às palavras. Cabe à área de Wernicke a
função de convener o sistema visuofonético num sistema semântico.
É preciso compreender que a leitura é um processo cognitivo envolvendo
aptidões auditivas e visuais e as suas inter-relações dialécticas. Em nenhuma
circunstância se pode pensar na leitura em termos exclusivos de percepção visual, nem
mesmo até em termos de processo cognitivovisual.
O cérebro está pré-eswturado para processar a informação em moldes
específicos. Os sistemas pré-eswturados neurocognitivos incluem operações diferentes
nos telerreceptores: audição e visão. A audição não é direccional e funciona
independentemente da vontade, sendo essencial à aquisição da linguagem falada. Ao
contrário, a visão é direccional e volitiva, sendo fundamental à aquisição da linguagem
escrita. Aqui está provavelmente a explicação da grande dificuldade que os deficientes
auditivos experimentam em aprender a ler, visto que a sua aprendizagem se baseia
preferencialmente no processo cognitivovisual, sem relação com o processo
cognitivoauditivo.
É o cérebro que aprende e não os olhos, e aqui teremos de respeitar os
processos pré-estruturados que defendem a maturação dos processos auditivos, em
relação aos visuais. Tal explica porque é que as aprendizagens da leitura e da escrita
são posteriores à aprendizagem da fala. Por outro lado, os sistemas corticais são
especializados para satisfazer determinadas funções cognitivas daí a assimetria
anatómica dos dois hemisférios cerebrais justifcando desde o nascimento (Witelson e
Pallie 1973) a especialização da área temporal esquerda para a recepção da
linguagem.
De Broca 1861 a Geschwind 1975 confirma-se a diferente especialização dos
dois hemisférios. A linguagem é essencialmente processada no hemisfério esquerdo,
enquanto a informação não verbal é processada no hemisfério direito.
O desenvolvimento da linguagem subentende a maturação dos processos pré-
estruturados e a especialização hemisférica, pois só assim se compreende a passagem
de um sistéma auditivo simbólico a um sistema visual simbólico. Esta passagem
operou-se há muito pouco tempo. Em termos filogenéticos, a linguagem falada remonta
ao período pré-histórico, enquanto que a descoberta do alfabeto é devida aos Fenícios.
É um facto incontestável que no nosso planeta há mais linguagens faladas do que
linguagens escritas; explicando-se claramente a dependência de umas em relação às
outras. A invenção do alfabeto foi uma das manifestações mais

289

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

significativas do cérebro humano. A criação de um códágo, como uma


representa ão visual da linguagem falada, assume níveis simbólicos diferentes. A
linguagem falada pode ser escrita por: figuras (representação de situações); figuras e
sinais (representação de palavras); e sinais (representação de cada uma das unidades
fonéticas que estão na base do alfabeto).
A aprendizagem da leitura começa com a aquisição da linguagem audi
tiva. A dificuldade na aprendizagem da leitura coloca, assim, um problema de
desenvolvimento da linguagem, e este, um problema de desenvolvimento cognitivo.
Independentemente de ter vindo a ser estudada há mais de um século, a
dislexia continua a não merecer aceitação consensual, dada a falta de investigações
que tardam ém clarificar a confusão conceptual característica deste campo.
A definição de dislexia (specific developmental dyslexia) aceite pelo grupo
de investigação da dislexia evolutiva e do analfabetismo no mundo, integrado na
Federação Mundial de Neurologia (World Federation of Neurology reunida em Dallas a
3 de Abril de 1968) é a seguinte:
A dislexia compreende a dificuldade na aprendizagem da leitura,
independentemente de instru ão convencional, adequada inteligência e oportunidade
sociocultural. Depende, portanto, fundamentalmente, de dificuldades cognitivas, que
são frequentemente de origem constitucional.
A definição avançada por Eisenberg 1966 é muito semelhante:
Operacionalmente, a dificuldade especifca da leitura deve ser definida corno uma
dificuldade na aprendizagem da leitura com proficiência normal, independentemente de
instrução convencional, de um envolvimento cultural adequado, de motiva ão
adequada, de sentidos intactos, de inteligência normal e de ausência de défices
neurológicos".
Em vários estudos têm sido avançados diferentes tipos de dislexia.
Myklebust 1964 diferencia a dislexia auditiva da dislexia visual. Quirós 1954 descreveu
duas síndromas de dislexia que manifestavam défices nos processos auditivos e
visuais necessários à leitura. Kisbourne e Warrington 1966 separam dois grupos com
discrepância entre o QI verbal e o QI de realização na WISC (Wechsler Intellágence
Scale for Children), identificando-os como: o grupo com atraso de linguagem (language
retardation) e o grupo Gertsmann. Ambos são considerados como apresentando erros-
tipos: o primeiro com erros fonéticos, o outro com erros de ordem.
Bannatyne 1966 identificou igualmente dois subgrupos de dislexia: dislexia
genética e dislexia por disfunção neurológica mínima. Bateman 1968, aplicando o ITPA
(Illinois Test of Psycholinguistic Abilities), identificou três grupos de disléxicos: o grupo
de memória visual; o grupo de memória auditiva e um grupo misto. Ingram 1970, com
base nosf erros da leitura, descreveu três subgrupos: audiofónicos, visuoespaciais
e mistos.

i
290
I

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

out B der b 3, n m btes d ditads testes de leitura (input visual, síntese e ç


o (input auditivo, análise e output motor),
classificou as crian as disléxicas em três subgru s:
- Dislexia disfonética - Onde a dificuldade reside primariamente na
integração símbolo-som (grafema- fonema), resultando uma dificuldade em
desenvolver análise e síntese fonética das pala -as. Não apresenta grandes défices na
função gestáltica
- Dislexia diseidética - Onde a dificuldade reflecte primariamente m
défice na percepção global das configurações visuais das letras visual gestalts). Não
apresenta grandes défices na função analítica
- Dislexia disfonética-diseidética - Onde a dificuldade se
reflecte em ambos os processos.
depT d d domnoba o criteriosotlpue de dislexia, é importante presumir,
qmétodos de aprendizagem devem
tomar em linha de conta o estilo de aprendizagem da criança, adequando os
métodos às suas necessidades, e não o contrário.
No caso da dislexia auditiva (disfonética), o processamento auditivo
analítico e fonético está afectado, o que justifica a sua não-utilização sistemática. Neste
caso, o método de aprendizagem da leitura deve explorar os sistemas neurossensoriais
que estão intactos, isto é, o sistema visual e/ou o sistema tactiloqùinestésico. Neste
âmbito, a leitura ora1 não deve ser utilizada senão muito tarde, e aqui são
recomendados os métodos globais.
g No caso da dislexia visual (diseidética), os processamentos visual e estático estão
perturbados, pelo que se recomenda a utilização dos sistemas neurossensoriais
intactos, isto é, o auditivo e/ou o tactilo uinestésico. Neste âmbito, os métodos a
recomendar deverão ser analíticosq fonéticos.
Em resumo, a leitura, como sistema visual simbólico, exige o recurso a
variadíssimas funções cognitivas: percepção visual, discriminação visual, memória v
ual sequencial, reconhecimento, rememorização e orientação direccional Benton 1962
e Birch 1962), integração crossomodal, translac ão dos símbolos visuais para
equivalentes auditivos signifcativos com reen Ç o
cação, associa ão fo ulação '
codifi ç, rnz de ideias, etc. p De facto, e em conclusão, como af irma My
ebust 1978, a dislexia é uma
desordem da linguagem que interfere com a aquisição de si ni ca ões obtidas a partir
da linguagem escrita, devido a um déjice na si bo Ìi a ão. Pode ser endógena ou
exógena, congénita ou adquirida. As limita ões na leitura são demonstradas pela
discrepância entre a realiza ão esperada e a reali a ão actual. Limita ões no z por
perturbaÇões co n amente devidas a disfun ões cerebrais manifestadas
g mas que não são atribuidas a deficiências sensoriais, motoras; intelectuais ou
emocionais, nem a um ensino inade a priva ão de oportunidades". Q o ou

291

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

LINGUAGEM VISUAL EXPRESSIVA (ESCRITA)

j I É evidente que não podemos separar a hierarquia da linguagem nas suas


partes componentes. Elas são um todo integrado.
=
A linguagem escrita expressiva é a forma de linguagem que mais tempo leva a
ser adquirida no Homem, quer no aspecto filogenético, quer no aspecto : ontogenético.

s
Para escrever é necessário que sejam observadas inúmeras operações
cognitivas resultantes da integração dos níveis anteriores da hierarquia da linguagem.
Vejamos esquematicamente com Hermann 1959, Nielsen 1962, Osgood
1957 e Penfield 1963 tais operações:
1) Intenção;
2) Formulação de ideias com recurso à linguagem interna, apelando à
rememorização das unidades de significação que se deseja expressar;
3) Chamada das palavras à consciência (factor semântico); 4) Colocação das
palavras segundo regras gramaticais (factor sintáctico); 5) Codificação com apelo à
sequência das unidades linguísticas (relação
todo + partes);
' 6) Mobilização dos símbolos gráficos equivalentes aos
símbolos fonéticos (conversão fonema-grafema);
7) Chamada dos padrões motores (conversão visuotactiloquinestésica);
, I
8) Praxia manual e escrita propriamente dita.

A escrita, como processo de output, ao contrário da leitura, que é um


processo de input, requer a translação dos sons da fala (unidades auditivas) em
equivalentes visuossimbólicos (unidades visuais), isto é, as letras. A escrita, para além
do controlo grafomotor, depende da percepção auditiva, da discriminação, da memória
sequencial auditiva e da rechamada" (recall).

Enquanto que a leitura envolve predominantemente uma síntese, a


escrita (ou o ditado), complementarmente e dialecticamente, envolve uma análise.

A escrita, quando envolve somente um problema de motricidade fina de


coordenação visuomotora e de memória tactiloquinestésica, compreende a

292

Figura 93 - Esquema das operações cognitivas da linguagem escrita expressiva

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

fase de execu ão, ou fase gráfica. Em complemento, quando envolve a formulação e a


codificação (factor semântico e sintáctico) que antecede o acto de escrever,
compreende a fase de planifica ão ou fase ortográfica.
É em função destas duas fases que se situa a taxonomia das DA no âmbito da
linguagem visual expressiva.
A disgrafia coloca mais um problema de execução motora do que de
planificação. A disortografia, ao contrário, destaca o problema da planificação e da
formulação ideacional.
É óbvio que esta diferença pode ser superada com a utilização da máquina de
escrever, mas normalmente, quer a disgrafia, quer a disortografia estão
significativamente relacionadas com as diftculdades expressivas. Se a criança não
pode ler, ela não pode escrever. Sem input não há output; daí as relações
interdependentes entre a dislexia e a disortografia.

LEITURA Input Síntese Output LEITCTRA ORAL visual verbal


oromotricidade
DITADO Input Síntese Output ESCRITA auditivo motor
grafomotricidade

Figura 94 - Da síntese da leitura à análise da escrita

A escrita de uma criança disléxica esclarece-nos sobre os seus problemas. A


partir desse processo, podemos compreender como a criança descodifica e codifica a
linguagem escrita. Se a palavra é lida com inversões, substituições, adições,
repetições; hesitações, paralexias, etc. , ela é escrita quase sempre da mesma forma.
A escrita indica-nos se os erros típicos da criança disléxica são de ordem visual ou de
ordem auditiva.
A escrita, como sistema visuossimbólico, converte pensamentos, sentimentos e
ideias em símbolos gráficos. Para tal, é necessário que sejam observadas as seguintes
perturbações nas operações cognitivas:

1) Integra ão visuomotora - o indíviduo fala e lê, mas não consegue


executar os padrões motores para escrever. Condição esta denominada por Jonhson e
Myklebust 1967 disgrafia e que é caracterizada por uma diflculdade na cópia de letras e
palavras;
2) Revisualiza ão - o iridivíduo reconhece palavras quando as vê,
podendo lê-las; no entanto, não as escreve, nem espontaneamente, nem por ditado,
evidenciando um défice na memória visual;
3) Formula ão e sintaxe - o indivíduo comunica oralmente, pode
copiar, revisualizar e escrevê-las por ditado, mas não consegue organizar os seus
pensamentos e expressá-los segundo regras gramaticais. Esta condição é, portanto, a
disortografia.

293

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A disgrafia é considerada uma apraxia que afecta o sistema visuomotor.


A disortografia, a última competência da linguagem a ser identificada, coloca
o problema da expressão escrita, afectando a ideação, a formulação e a
' produção, bem como os níveis de abstracção. Nestes casos, é frequente veri(
ficar-se uma discrepância entre o conhecimento adquirido e o conhecimento
; Ít que pode ser convertido em linguagem escrita.
j Myklebust 1973, no seu notável livro Desordens e Desenvolvimento da
; Linguagem Escrita (Development and Disorders of Written Language) com a
: Té t a PSLT) de Mykle l ão Histórica de Imagens (Picture Story Lnnguage
bust 1965, esclarece-nos sobre a complexidade da
escrita, pondo em destaque as relações entre a linguagem e as funções
cognitivas.
0seu estudo genial comparou crianças normais com crianças disortográficas nos
seguintes factores: número de palavras, número de frases, número de palavras
por frase, sintaxe e relação concreto-abstracto. Em todas as crianças disorto
gráfcas se verificaram valores mais baixos na utilização dos seguintes
elementos
linguísticos: número de substantivos; número de pronomes; número de verbos
no
presente, no pretérito e no futuro; número de adjectivos e de advérbios, de infi
nitivos, de artigos, de preposições, de conjunções e de interjeições.
A linguagem escrita coloca obviamente um problema psicomotor ca
racterizado por duas fases complementares, como já vimos. De qualquer forma,
r o aspecto receptivo da linguagem escrita (leitura) está significativamente rela
cionado com o aspecto expressivo (escrita), e ambos dialecticamente depen
dentes da função verbal que integra os equivalentes auditivovisuais (escrita) e
os visuoauditivos (leitura).
A escrita, a fim de ser convenientemente estudada, para além do aspecto
oculomotor, deve integrar as seguintes facetas: produtividade (quantidade de
linguagem produzida), sintaxe (correcção gramatical) e relação abstracto -
concreto (significação).
Assim se pode vir a compreender a hierarquia da linguagem e a utiliza ção
representacional de símbolos, condição esta estritamente humana.

LINGUAGEM QUANTITATIVA

A linguagem quantitativa, considerada uma linguagem universal, é uma


linguagem simbólica dedicada às relações de quantidade e às relações de espaço.
Envolve igualmente a noção de número, de contagem, de identificação e de seriação,
bem como as estruturas e as operações que as justificam, como formas de integração
da experiência e de expressão do pensamento.
A linguagem quantitativa compreende a expressão de noções
relacionadas com o tamanho, a forma, a cor, a quantidade, a distância, a ordem, o
tempo, etc.
A linguagem quantitativa resulta, portanto, da experiência não verbal que leva à
organização e à categorização da informação. De facto, a experiência,

;: :
294

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

ou melhor, a manipulação dos objectos, não envolve apenas acções, mas inclui
igualmente noções, operações, representações e verbalizações. Da manipulação de
objectos resultam inúmeras facetas da integração da experiência, como por exemplo:
percepções, identificações, associações arbitrárias, simbolizações, operações,
abstracções, análises, sínteses, conservações, sequencializações, classificações,
generalizações, etc.
A experiência, provocando a formação de estruturas mentais, vai implicar a
planificação e a expressão de ideias muito antes de se atingir a noção do número, que
embora sendo o aspecto mais importante da matemática, se baseia numa lógica
constituída (período do pensamento pré-operatório, pré-lógico e intuitivo) a partir de
manipulações práticas.
Antes de avançarmos nas dificuldades de aprendizagem inerentes a esta
linguagem, torna-se necessário distinguir a matemática da aritmética. A matemática é a
ciência abstracta do espaço e do número que respeita a configuração do espaço e as
inter-relações e abstracções do número. A aritmética é um ramo da matemática que
respeita às relações com números reais e com a sua computação. A peculiaridade dos
números, e esse é um aspecto crucial na compreensão dos novos métodos de
aprendizagem ( matemática moderna, ), é a de que eles representam entidades
concretas.
A matemática envolve, portanto, estruturas e relações que devem emergir de
experiências concretas. As tarefas da aprendizagem da matemática envolvem
inúmeras componentes que têm a sua raiz na hierarquia da experiência e nos estádios
do desenvolvimento psicomotor e do pensamento quantitativo.
Vejamos esquematicamente os estádios de desenvolvimento do pensamento
quantitativo segundo Piaget 1965 e Dawes 1977:

1. o estádio - (0-18 meses) - A criança aprende através da


experiência. Não tem palavras para pensar (linguagem interior), mas antecipa
experiências das acções que as precedem (deixa de chorar quando é pegada ao colo,
porque normalmente esta acção precede uma experiência agradável, como seja
comer)
-C )
2. estádio 18 meses-4 anos - Utilização dos símbolos, isto é,
representações nas formas da linguagem falada (quer da compreensão auditiva, quer
da produção verbal), do jogo imaginativo e da expressão gráfica;
3. " estádio - (4 anos-7 anos) - Início do ajuizamento da forma, do
tamanho e das relações baseadas em experiências e não em raciocínios muitas vezes
intuitivos e desajustados;
4. o estádio - (7-12 anos) - Pensamento lógico facilitado pelo
uso de materiais concretos e por situações reais;
5. o estádio - (12 anos e mais) - Utilização de operações
lógicas abstractas. Raciocina pessoalmente num problema e chega a conclusões
lógicas.

295

INSUCESSO ESCOl AR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

Por aqui podemos confirmar a hierarquia das tarefas matemáticas avan çada por
Browell e Hendrickson 1950 e subdividida em quatro tipos de aprendizagem:

1) Associações arbitrárius - Factos que têm um mínimo de


significação e que tendem a um acordo universal facilitador da comunicação. Quando
vemos o número 2, sabemos que representa: XX ou 00. O mesmo é verdadeiro para a
palavra copo", que representa um modelo físico de copo;

1) Associações arbitrárias

\
Lápis azuis
Lápis vermelhos

O O
OU

2) Conceitos

II OO
O
3 O 5 3) Generalização
(3+5=5+3) a+b=b+a (3+5=5+0)
(Propriedade comutativa do problema)

4) A solução do problema
3+5=8lápis
Resposta - A Maria tem 8 lápis.

Figura 95 - Resolução de problemas

296

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

2) Conceito - São abstracções adquiridas, através de


experiências apropriadas com atributos comuns. Trata-se de um processo de
classificação por cor, por forma, por tamanho, por número, etc. ;
3) Generalização - Compreende relações entre dois ou mais
conceitos ou princípios;
4) Resolu ão de problemas - Depende das anteriores. Assim,
para uma criança responder ao seguinte problema: A Maria tem 3 lápis vermelhos e 5
azuis. Quantos lápis tem ela ?, terá de realizar (Figura 95).

Também Gagné 1965 propôs outra hierarquia da aprendizagem, baseada em


oito tipos de aprendizagem envolvendo as noções de pré-requisiros necessários
(necessary prerequisites) e de condições internas e externas à tarefa de aprendizagem.
As internas compreendem as capacidades adquiridas pelo educando. As
externas incluem as situações que são exteriores ao educando e sobre as quais ele
não tem controlo directo, isto é, tudo o que inclui a instrução (processo de ensino), quer
sejam comportamentos, quer sejam actividades.
Os oito úpos de aprendizagem propostos pelo mesmo autor são os seguintes:

1) Aprendizagem por sinal - Sinónima da resposta


condicionada, que envolve a substituição de um estímulo, evocando uma resposta
particular. As condições internas são os reflexos e as emoções. As externas são a
contiguidàde e a habituação;
2) Aprendizagem estimulo-resposta - Baseada nas tentativas e nos
erros, até atingù a resposta desejada de acordo com as compensações inerentes. As
condições internas envolvem a capacidade de realização da resposta aprendida, na
medida em que ela tende a provocar satisfação e reforço. As externas envolvem
conúguidade entre o estímulo e a resposta (E - R) e o reforço, que tende a fazer
desaparecer as respostas incorrectas;
3) Aprendizagem por encadeamento (chaining) - O encadeamento
envolve o comportamento motor, justificando que a resposta desejada engloba uma
ordem e uma sequência de actos motores encadeados uns nos outros. As condições
internas colocam a aprendizagem de cada conexão estímulo-resposta e a presença de
umfeed-back quinestésico contido na realização do acto motor encarado como
experiência concreta. As externas, devem colocar o educando numa sequência ou
ordem de conexõés (links) estímulo-resposta dentro de uma determináda sucessão de
tempos (contiguity), bem como numa cena prática coadjuvada com processos de
reforço e de motivação.
4) Aprendizagem por associação verbal - Este tipo de aprendizagem
envolve nomeação ou identificação verbal. As condições internas são as mesmas do
tipo 3. Cada conexão E -deve ser aprendida previamente e acompanhada da
componente do feed-back quinestésico. As

297

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

externas incluem a apresentação das unidades verbais dentro de uma


sequência adequada, colocando o educando na situação de resposta e garantindo
confirmação e reforço na presença das respostas correctas; 5) Aprendizagem por
discriminaÇão múltipla - Compreende tarefas de
discriminação e de diferenciação de formas, tamanho, cor, comprimento,
volume, palavras, números, propriedades de números, etc. As condições internas
incluem a aquisição dos quatro tipos anteriores de aprendizagem. As externas
consistem na utilização adequada de materiais, de instrumentos e de fichas de
trabalho, para além da prática, da repetição e do reforço positivo;
6) Aprendizagem por conceitos - O problema agora situa a
identificação significativa de uma classe de objectos. A atenção aqui recai sobre a
semelhança entre os objectos e o agrupamento de atributos que os caracterizam. As
condições internas são as mesmas das do tipo 5. As condições externas incluem a
apresentação simultânea de objectos com suportes na identificação de atributos
comuns, bem como o reforço das respostas correctas;
7) Aprendizagem por principios - Engloba a utilização de dois ou mais
conceitos. As condições internas exigem que o indivíduo conheça os conceitos que
estão reunidos no princípio. As externas colocam as condições seguintes:
a) Explicação do comportamento esperado;
b) Colocação de perguntas ou problemas de forma a que o educando
rememorize os conceitos aprendidos;
c) Solicitação de demonstrações concretas dos princípios; d) Colocação de
questões, exigindo do educando uma afirmação verbal do princípio em jogo;
8) Aprendizagem por resolução de problemas - Compreende a
aplicação de princípios para resolver problemas. À medida que a aprendizagem se
diferencia, os princípios vão sendo naturalmente mais complexos, implicando
obviamente uma dificuldade progressiva. A resolução de problemas envolve várias
operações, e dentro delas temos de destacar as seguintes: apresentação do problema;
definição do problema com distinção das características da situação; formulação das
hipóteses; e, por último, verificação das hipóteses. As condições internas exigem a
utilização dos tipos de aprendizagem anteriormente analisados e que sejam relevantes
para a resolução do problema. As externas devem fornecer suportes que permitam a
rememorização dos princípios relevantes necessários à obtenção da solução.
Nesta hierarquização da aprendizagem que Gagné 1965 propõe, denota- se
uma preocupação de sistematização da aprendizagem, condição não só indispensável
à linguagem quantitativa mas igualmente necessária a todos os processos da
linguagem falada e escrita.

298

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

A análise das tarefas e a diferenciação das suas componentes colocam sempre


uma hierarquização da aprendizagem que muitas vezes não é respeitada e, por
consequência, originam diflculdades. É dentro deste contexto que se coloca o conceito
de dispedagogia, que está significativamente correlacionado com as dislexias e as
discalculias. Para cada problema da criança (condições intemas da aprendizagem) há
também, e necessariamente, um problema do professor (condições externas do
ensino).
Depois desta introdução sumária à linguagem quantitativa que serve aos
anteriores parâmetros, podemos agora encarar as principais dificuldades que
comprometem a sua aprendizagem, e que dão significação à noção de discalculia
(Cohn 1961 ), que compreende a dificuldade em realizar operações matemáticas,
normalmente associada a problemas de revisualização de números, de ideação, de
cálculo e de aplicação de instruções matemáticas.
A dificuldade em aprender matemática está associada a várias causas, podendo
incluir as seguintes: ausência de fundamentos matemáticos, falta de aptidão,
problemas emocionais, ensino inapropriado, inteligência geral, capacidades especiais,
facilitação verbal e/ou variáveis psiconeurológicas.
A ausência de fundamentos matemáticos e a falta de aptidão (readiness),
compreendem especificamente as pré- aquisições ligadas à manipulação de objectos e
à movimentação e à representação corporal e espacial. A matemática não pode ser
percebida sem uma aplicação no real concreto, através de processos activos e
corporais, dado que o próprio sistema decimal se baseia nos 10 dedos da mão, para
além das medidas terem sido inicialmente feitas através do corpo (polegadas, pés,
jardas, passos, passadas, etc. ). Antes de trabalhar com o número, a criança deve
aprender a diferenciar conceitos: mais ou menos mais alto-mais baixo; mais largo-
mais estreito igual-diferente As experiências de conservação de quantidade e as
seriações devem fundamentalmente ser aplicadas com objectos tridimensionais,
realizando arranjos e rearranjos que possam facilitar a compreensão dos conceitos
básicos. A correspondência um-a-um, primeiro com objectos e depois com figuras
(processo icónico ou pictográfico de Bruner 1963), a noção de quantidade descontínua,
a contagem de sequência, a equivalência, a correspondência e a seriação de
conjuntos, a discriminação de formas, as progressões numéricas, o uso de blocos
lógicos, a identificação (igualdade) de pares de objectos e a manipulação
multissensorial dos objectos podem garantir a fundamentação conceptual necessária à
realização das tarefas matemáticas. Aqui, os programas do ensino pré-primário ou da
fase propedêutica assumem um papel de grande relevância. Assim como não é
possível compreender a divisão sem a subtracção, também não se pode chegar à
noção do número sem se passar pelas experiências pré-matemáticas acima
abordadas.
Os problemas emocionais podem constituir uma causa da discalculia em que a
atitude dos pais, o envolvimento familiar e a monotonia dos estímulos assumem algum
significado.

299

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Jonhson e Myklebust 1967constataram, num projecto de investigação,


que a média do quociente social num grupo de crianças discalcúlicas era
! substancialmente inferior à média do quociente intelectual verbal, demons
trando sinais de imaturidade e apercepção social.
0ensino inapropriado vem provar que muitas dificuldades de aprendi
zagem não são devidas à criança nem à sociedade, mas sim ao ensino. As
experiências na escola primária devem proporcionar um elevado número de
oponunidades de manipulação de objectos, onde os fundamentos da mate
mática se vão alicer ar. O e ui amento escolar e os recursos são indispen,
ç 9P
sáveis, ao lado de uma formação mais cuidada dos professores no âmbito da
génese do número.
Por outro lado, vários estudos têm demonstrado que a inteligência geral
á está significativamente relacionada com a realização de provas aritméticas.
' import
F Muitos trabalhos têm evidenciado a ância dos subfactores espaciais na
aprendizagem da matemática, nomeadamente a visualização, a orientação e
a relação espacial. Os estudos factoriais de Guilford e Lacey 1974identifi caram
no factor de visualização um subfactor de velocidade perceptiva e
t outro de estimação de comprimentos. A capacidade de imaginar movimen'
tos de deslocamento interior em figuras, a imagem quinestésica do corpo e
a integração visuomotora estão também relacionadas com a constância do
objecto, da direcção e da forma, segundo Thurstone 1950, Alexander e
I Money 1967. Outro conceito espacial importante é o conceito piagetiano de
permanência do objecto, que provavelmente está em jogo na manipulação de
Ì símbolos que são, nem mais nem menos, representações ideacionais dos
) objectos fisicamente ausentes.
1 A facilitação verbal é outra das causas da discalculia, embora se saiba,
f por experiência pedagógica, que existem crianças não disléxicas mas com
,
discalculia, aliás como se conhece o caso inverso, isto é, o de crianças dis
léxicas sem quaisquer problemas na aprendizagem da matemática. É inte
ressante adiantar que a leitura coloca um problema espacial que é inverso do
das operações aritméticas. Enquanto a leitura se faz da esquerda para a direita
e no sentido horizontal, as operações aritméticas são realizadas da direita para
a esquerda e no sentido vertical. Este facto, que envolve a lateralização e que
é do domínio psicomotor, pode aumentar a confusão.
Sabemos já que a alteração dos sistemas de linguagem está normalmente
associada a dificuldades em organizar e categorizar a informação que advém
das multiexperiências de contacto com o envolvimento.
A capacidade de utilizar palavras está evidentemente relacionada com a
compreensão e a expressão de conceitos de magnitude, conservação, tempo
e número.
As variáveis psiconeurológicas mais estudadas no campo da matemática
têm estado mais dirigidas para o adulto, e este aspecto compreende, no
fundo, quase toda a patologia do cérebro que tem sido baseada em investi
gações.

300

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

Henschen 1919 já tinha identificado uma cegueira dos números" (number


blindness), que pode ocorrer sem qualquer cegueira de palavras (blinc!ness for words).
É, no entanto, Gerstmann 1924 quem descreve uma síndroma caracterizada por
agnosia digital bilateral, desorientação direita-esquerda, agrafia e acalculia, quem tem
motivado mais a investigação das variáveis neuropsicológicas relacionadas com a
aprendizagem da matemática. A partir de biópsias e autópsias, Gerstmann associou
uma síndroma a lesões orgânicas na região parieto-occipital do hemisfério dominante
(que se sabe põe em inter-relação a integração tactiloquinestésica com a integração
visual; daí a frequência de casos de discalculia que apresentam um perf il psicomotor
dispráxico), e que coiresponde à região de transição entre o girus angular, e a
segunda circunvolução occipital.
Luria 1966 demonstrou que as lesões nas áreas parietal inferior e parieto-
occipital esquerdas resultam na desintegração da síntese visuoespacial, onde a
eswtura dos números perde a sua significação e as operações de cálculo são
realizadas com dificuldade. O mesmo autor sublinhou que as dificuldades no cálculo
estão associadas à afasia motora (lesões do lóbulo frontal) e à perturbação do
processo da linguagem interior.
Independentemente de este campo ser muito complexo, o que nos interessa
para o âmbito psicopedagógico, minimamente apoiado na investigação
psiconeurológica, é saber o que vamos ensinar e como vamos optimizar os potenciais
de aprendizagem de uma criança discalcúlica.
Para intervirmos no càmpo das dif, culdades de aprendizagem, tornam-se
imprescindíveis a despistagem e a identificação como primeiros passos de uma
avaliação compreendida em várias fases.
Dentro desta perspectiva, as dificuldades de aprendizagem que habitualmente
têm estado mais associadas à discalculia e que precisam de ser identificadas são as
seguintes: relacionar termo a termo, associar símbolos auditivos e visuais aos
números, contar, aprender sistemas c rdinais e ordinais, visualizar grupos de
objectos, compreender o princípio de conservação, realizar operações aritméúcas,
perceber a significação dos sinais de + e -, de x e = e de =; ordenar números
espacialmente, lembrar operações básicas, tabuadas, transportar números, seguir
sequências, perceber princípios de medida, ler mapas e gráfcos, relacionar o valor
das moedas, resolver problemas matemáticos, etc.
Na base de processos informais (isto é, sem envolver formas psicométricas ou
estatísticas), o professor pode determinar o nível de aprendizagem da criança através
de um perfl intraindividual que permita discriminar a natureza do problema.
Sem se compreender a razão das dificuldades, a intervenção pedagógica corre
o risco de actuac ao acaso ou arbitrariamente, não tomando em consideração a
planificação das tarefas de aprendizagem de acordo com a hierarquização das
necessidades específicas da criança.

301

CAPÍTULO 7

NECESSIDADES DA CRIANÇA EM IDADE PRÉ-ESCOLAR

Introdução

É fundamental estudar a criança com a profundidade necessária, o que por


vezes é negligenciado, especialmente no momento em que se assume em termos
sociopolíticos a obrigatoriedade da educação pré-escolar, um dos indicadores mais
baixos do sistema educativo português, pois só 50% das crianças portuguesas são por
ela cobertas.
Em termos antropológicos e fllogenéticos, a criança é o pai do adulto- daí a
importância das suas educação e formação (Fonseca 1989). A nossa experiência de
25 anos no âmbito clínico, exactamente com crianças com problemas de
desenvolvimento e de aprendizagem, reforça o papel da educação pré-escolar na
prevenção do insucesso escolar e do insucesso experiencial, para além de se
constituir como um dos processos de socialização que mais pode contribuir para a
diminuição das desigualdades sociais.

Quase toda a gente avança com imensos conceitos sobre o papel da educação
pré-escolar, desde estudiosos a pais, desde professores a políticos, mas na essência
nuclear dos mesmos estamos muito próximos do provérbio todos falam mas ninguém
tem razão, A coerência de tais conceitos, a profundidade das sínteses conteudísticas
apresentadas em vários artigos de revistas ou nos mass-media e, de certa forma, a
carência de uma metateoria sobre o desenvolvimento da criança em idade pré-escolar
são habitualmente acompanhadas de uma exiguidade de informação empírica, não
oferecendo no seu conjunto uma perspectiva biopsicossocial que nos permita desenhar
um curriculo psicoeducacional abrangente e de qualidade para a educação pré-escolar
(Badian 1982).

Tal perspectiva sistémica e holística das necessidades de desenvolvimento


deverá envolver objectivamente uma visão multicomponencial, multiexperiencial e
multicontextual da criança (Sternberg 1985). Multicomponencial, porque centrada na
própria criança como ser complexo em desenvolvimento, envolvendo a simultânea
contiguidade de componentes

303

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

em co-interacção, desde as psicomotoras às psicolinguísticas, desde as


cognitivas às socioemocionais. Multiexperiencial, porque decorrente da qualidade das
oportunidades de dèsenvolvimento encaradas sobre a frequência da sua habituação ou
generalização. Multicontextual, porque resultante da adaptabilidade e da
adequabilidade dos contextos às características únicas, totais e evolutivas da criança
em idade pré-escolar, período crítico de maturação neurológica e de transição dos
processos de aprendizagem pré-simbólicos para os simbólicos.
É importante ter a noção de que a criança é uma história dentro de outra
história, uma filogenética, portanto da espécie humana, dentro de uma ontogenética
portanto da própria criança (Fonseca 1989, 1975).
A totalidade do organismo da criança encerra em termos evolutivos uma noção
de integridade que, em última análise, depende da organização sináptica dos seus
sistemas e subsistemas de aprendizagem, principalmente os que preparam os pré-
réquisitos das funções neuropsicológicas que estarão envolvidas nas aprendizagens
escolares da leitura, da escrita, do cálculo e da resolução de problemas (Geschiwind e
Levitsky 1968, Kolb e Wishaw 1986).
As necessidades da criança na idade pré-escolar colocam dois tipos de
problemas. O primeiro é saber do que ela precisa efectivamente para se desenvolver,
para aprender tarefas complexas; o segundo consiste em determinar qual é a missão
do sistema de ensino. Tal sistema deve preparar, e tem de preparar, as condições
ecológicas educacionais específicas que permitam a promoção dos pré-requisitos para
aprender funções simbólicas superiores, para que a criança possa, de facto, ter
prazer, conforto e segurança no processo de aprendizagem (Jansky e de Hirsch 1972).
No período da escolaridade pré-primária, a criança tem concluída, em termos
neuroevolutivos, a mielinização das zonas crossomodais e das áreas sensoriomotoras
secundárias, quer posteriores (parietais, occipitais e temporais), quer anteriores
(frontais), e simultaneamente já estão estruturadas as áreas de integração e de
processamento de informação que avançam consideravelmente para a diferenciação
dos sistemas de aprendizagem (Eccles 1989, Ajuriaguerra e Soubiran 1959).
Será que a educação pré-escolar proporciona condições de aprendizagem que
promovam o desenvolvimento global, total e evolutivo da criança? Qual a importância
das aquisições dos três, quatro e cinco anos de idade, em relação com as
aprendizagens ditas superiores e simbólicas, como são a leitura a escrita e o cálculo?
Haverá uma proto e uma pré-leitura, uma proto e uma pré-escrita, um proto e um pré-
cálculo? Do ponto de vista do desenvolvimento humano, o que é que os teóricos e os
práticos de educação pré-escolar têm como consenso em termos de cun-ículo? Que
noções integradas, que metateorias sobre o desenvolvimento da criança, têm todos
os agentes que directa ou indirectamente pat-ticipam no processo, pais inclusive?
Quais são, de facto, as necessidades da criança em idade pré- escolar?
304

,.
NECESSIDADES DA CRIANÇA EM IDADE PRÉ-ESCOIAR

Necessidades da criança em idade pré-escolar

Em termos pragmáticos, teremos quatro áreas-chaves do desenvolvimento a


perspectivar:

- Cognitiva;
- Psicomotora;
- Psicolinguísúca;
- Socioemocional.

DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

primeira área-chave, quanto a nós, será o desenvolvimento cognitivo. A


pensar? Será que é fundament Será que é importante ensinar as crianças a ç
pestabelecer nas crianças, com tão pouca idade, estratégias de resolu ão de ro
blemas?
Em vez de ver a criança como uma esponja em que os adultos debitam informa
ão aca que ela depois a possa reproduzir de uma forma memorizaç P como um agente
de da ou repetitiva, é antes necessáriol962; Feuerstein 1975); m assimilação dinâmica
(Piaget 1947 ais do que um rece tor, ela deve ser encarada como um gerador e um
criador de conheci entos, de atitudes e competências, e nunca como um reprodutor
de modelos adultos.

Como é que re aramos uma criança de acordo com as suas


multidimensões evolu v ? Apenas para um processo que é universal, que é aprender
a ler a escrever e a contar, ou também para um processo que é inovador, como, é
aprender a pensar e aprender a aprender?

Parece importante que precisamos de um currículo cognitivo para


crianças na idade pré-escolar. Que tipo de currículos temos que possam pr over e
otenciar um desenvolvimento desta função crucial da aprendiza em, que t o de ré-
aptidões, de pré-requisitos temos de implementar na educa o ré primária que
permitam à criança integrac as condições de processamen d informa ão subdividido
nas suas componentes de input, intera ão-elaboração e d output (Sternberg, 1985,
Das e colaboradores 1979, Haywood 1992, Gardner 1985) que permitam aprender
posteriormente funções altamente complexas? g g
Por ue é que muitas crianças com um potencial co nitivo normal ue estão
2. " e 3. o anos de escolaridade apresentam o mesmo perfil de dificuldades de a
rendizagem que outras crianças que frequentam o 1 " ano de escolaridade? Que
condições, quer na sociedade, quer na fami ia e quer na comunidade educativa, se
tem proporcionado às crianças de tenra idade para desenvolverem funções cognitivas
fulcrais para as aprendizagens sim bólicas?
305

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A urgência de um currículo cognitivo para a criança em idade pré- escolar é


hoje, em plena sociedade cognitiva, uma das prioridades dos sistemas de ensino
modernos. Tal cumculo deverá fornecer às crianças condições em que os processos
fundamentais para pensar e resolver problemas sejam desenvolvidos, na medida em
que a falta de preparação para as aprendizagens simbólicas pode gerar dificuldades e
bloqueios no início da carreira escolar de muitas crianças, nomeadamente crianças
oriundas de meios desfavorecidos ou de grupos culturalmente diferentes (Flavell 1993).
Muitas situações envolvimentais, no sentido dos ecossistemas de
Brofenbrenner 1979 negam às crianças as oportunidades de mediatização para
adquirirem funções cognitivas básicas; daí o papel do cumculo cognitivo como
instrumento eficaz de intervenção pedagógica para reduzir e compensar diferenças
sociais e subculturais que podem desvinuar a igualdade de oponunidades, logo no
início da carreira escolar de muitas crianças.
O currículo cognitivo deve elevar as capacidades de aprendizagem em todas as
crianças até ao nível das exigências cognitivas requeridas pelas aprendizagens
primárias, como sejam competências de atenção, de processamento, de planificação
e comunicação da informação (Luria 1965, 1975). Utilizado como meio preventivo do
insucesso na aprendizagem, o cumculo cognitivo deve integrar operações pré-
cognitivas, cognitivas e metacognitivas que se prefigurem como pré-requisitos das
aprendizagens simbólicas e não apenas como produtos de aprendizagem decorrentes
de debitação de conteúdos ou repetição de habilidades.
Em síntese, o currículo cognitivo deve proporcionar um conjunto de práticas que
permitam promover os vários componentes e contextos do acto mental, i. e. , input-
integração/elaboração- ourput.
De acordo com os períodos construtivos da inteligência (Piaget 1962), a
escolaridade pré-escolar corresponde em exclusivo ao pensamento pré-operacional,
onde a criança demonstra toda a sua intuição e paralelamente toda a sua
disponibilidade para introduzir estratégias de aprendizagem por tentativas e erros,
onde ela tende a revelar uma espécie de egocentrismo quase radical, onde
frequentemente é seduzida por aparências.
É o momento crucial da descoberta do símbolo no jogo e na linguagem, onde
de simples explorador a criança passa a um investigador persistente, culminando com
um poder de memória verbal já assinalável, fazendo uso sistemático de mediatizações
verbais quer em lenga-lengas, quer em histórias, para as quais apresenta disposições
mágicas extraordinárias, sendo o seu poder de linguagem próximo das 10 000
palavras, produzindo frases cada vez mais prolongadas e gramaticalizadas, evocando
mesmo uma riqueza interactiva e conversacional deveras notável para a sua reduzida
dimensão experiencial (Bruner e colaboradores 1966, Elliot 1971).
Tais condicionantes do desenvolvimento intrínseco da criança em idade pré-
escolar são condições ideais para se introduzir um currículo cognitivo que a ensine a
pensar e a aprender a aprender (Gardner 1991).

306
NECESSIDADES DA CRIAN A EM IDADE PRÉ-ESCOIAR

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR

A segunda área-chave é o desenvolvimento psicomotor, processo que encerra


a questão das relações recíprocas entre a motricidade e o psiquismo e a
fenomenologia das emoções. Será que são questões importantes sob o ponto de vista
do desenvolvimento da criança?

307

Figura 96 - Esquema do desenvolvimento cognitivo, segundo Jean Piaget.


(RN - recém-nascido; ISM - inteligência sensoriomotora;
IPO - inteligência pré-operacional;10 - inteligência operacional;
IF - inteligência formal

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Será que a criariça desenvolve, de acordo com vários autores (Fonseca


1976), um pensamento lógico e reflexivo antes de ter um ensamento
centrado na sua inteligência quinestésica e co p
no jogo e na actividade I ca'P Sah que a criança exibe permanentemente údi erá
que ela exibe, na interacção com as outras crianças, a sua competência corporal como
rocesso
crucial de aprendizagem? p
0que é a atenção perante o mundo exterior, se não o domínio postural
deuações? po iu da ua acção intencional na manipulação de objectos e
9 ue hoje se fala muito de défices de atenção na maioria das crianças? Temos
consciência de que essa aten ão tem a ver com o
corpo? O que é ter uma postura de aten ão ç
?P ç p -escolar erá bem trabalhado este controloa umá c an a em idade ré
educação pré-escolar? O que é a post p elos agentes de
ura em termos neuroevolutivos? Pa a
que serve o equilíbrio na criança em idade pré-escolar? Será ue esse equili brio é
fundamental para a criança estar sentada na sala de uIa e a uma
cena distância c ptar informação vinda de muitas fontes simultaneamente?
Será o controlo ostural na criança fundamental ao seu sistema de processamento de
informação?
192 e I 932d 1934, 956 sl 969r Ajuri desenvolvimento psicomotor (Wallon
ança em idade pré-escolar, a uerra 1974, Ayres, 1978, 197g), a
é caracterizada pela integração e a convergêncri
cia simultânea de vários processos integrados, a saber:
- Desenvolvimento tónicossinergético, consubstanciado numa mais
perfeita modulação e numa maturação tonicopostural e tonicoemocional verifcadas por
uma redução da hipotonia, por uma diminuição das paratonias e
da crianç ésias em todas as expressões corporais globais, finas e emocionais
- Segurança gravitacional, visível num melhor controlo postural, numa
equilibração estática mais económica, quer unipedal, quer dinârrúca, e essencialmente
numa integração vestibular mais plástica, conferindo à expressão
da criança não só graciosidade e exuberância
inibição e regulação da acção;mas também maior poder de
- Reconhecimento posicional pessoal e es acial, demonstrado não
apenas por uma inequívoca dominância sensorial (exteroce tores e motora
(efectores), mas igualmente p p1
-hemisférica q or uma melhor organização intra e inter ue il a especialização
cerebral e a p
co oral necessárias a cáança em idade p otencialidade
ré-escolar dispor dos inst umentos neuropsicológicos de locação e navegação
es aciotemporal obviamente implicados nas aprendizagens simbólicas da leitura, da
escrita e do
cálculo;
- Somatognósia, revelada numa melhor re resentação ment. a! do corpo
e do Eu, confirmada num desenho do corpo mais po enorizado e arti
no todo e nas partes, exibindo componentes grafomotores mais pre lado
308 ,

NECESSIDADES DA CRIAN A EM IDADE PRÉ-ESCOIAR

poderes miméticos impressionantes, ecocinésias diferidas e projeccionais mais


perfeitas e melódicas;
- Planifica âo e organização práxica, enunciada numa organização conswúva e
elaborativa do gesto intencional, permitindo à criança descobrir e transformar o mundo
exterior e, por analogia, integrar a ontogénese da sua aprendizagem singular e plural
(Fonseca 1989, 1995).

1l1

Figura 97 - Desenvolvimento psicomotor da criança em idade pré-escolar

DESENVOLVIMENTO PSICOLINGUISTICO

A terceira área-chave compreende o desenvolvimento psicolinguistico. Quais as


competências psicolinguísticas mais relevantes para a criança em idade pré-escolar
sob o ponto de vista da linguagem, quer falada, quer escrita? Será que a criança
ouve, discrimina, identifica e compreende auditivamente? Quantas crianças na sala de
aula ouvem, mas não escutam, não registam, não reintregam, não rechamam, nem
expressam instrumentos verbais adequados?
Quantas crianças parece que ouvem mas imediatamente pacece que a
informação sai pelo outro ouvido?, para não falar de muitas que vêem, mas

309

: i, i i
PSICOPEDAGÓGICA
, nem identificam, não investigam pormenores em figuras e que depois,
quando se confrontam cas superiores, também não descodificam sím: -, - ?
preendem

^-r icológica em adultos com acidentes vasculares stra que estes


deixam de ler (alexias) e deixam de parecendo evocar a desintegração de
sistemas funcionais
alizavam?
importante ter também esta visão disfuncional ou patológica der a
maturação neuropsicomotora básica para aprender? Será emos os pré-requisitos
psicolinguísticos nesta idade tão funé que a criança que não aprende a ler, a escrever
e a contar apre- :ualmente défices multifacetados no processo psicolinguístico?

.,

MAruRAçao nA wovAr--- uLA to

ExPAnrsaoe ri av o
LINGUAGE
EXPRES A no + verbos
IMITA S
mo ento da boca + sons da fala
INCU O N RBAL
EENSAO tJAÇOES
acçees

Figura 98 - Aquisições da linguagem: simples, compostas e complexas

O problema é só dela ou será que temos de ter em conta a promoção de


estratégias individualizadas de facilitação psicolinguística para cada criança?
Sabemos diagnosticar e observar as competências psicolinguísticas a tempo,
para depois evitarmos efeitos linguísticos chamados de bola de neve, ?

310

NECESSIDADES DA CRIANÇ A EM IDADE PRÉ-ESCOIAR

O potencial psicolinguístico duma criança não depende só dos seus


processos de maturação neurolinguística, depende igualmente dos processos de
mediatização linguística que são praticados no envolvimento familiar e no envolvimento
escolar, onde cenamente os factores socioeconómicos e socioculturais assumem um
peso significativo (Beny 1969, Reynell 1980).

A prevenção que se pode fazer na educação pré-escolar no âmbito dos


processos pré e pós-linguísticos pode ser muito mais rentável do que os custos e as
despesas que advêm do insucesso escolar posterior.
O desenvolvimento psicolinguístico da criança em idade pré-escolar é
paralelo a extraordinários avanço e complexidade no vocabulário, com uma produção
articulatória inteligível e quase perfeita em termos semânticossintácticos, com
marcadores, tempos de verbos correctos, pronomes, adjectivação crescente,
adverbitizacão perspicaz, etc.
Em termos psicolinguísticos, a criança em idade pré-escolar tende a
apresentar uma extensão fraseológica refinada, com frases negativas e interrogativas
mais subtis e construções passivas mais perfeitas (Bloom e Lahey 1978).
Enfim, o enriquecimento psicolinguístico do seu primeiro sistema
simbólico, receptivo, integrativo, elaborativo e expressivo está quase concluído e o
seu poder de conversação atinge um patamar evolutivo marcante.
Com tais requisitos a transição do primeiro para o segundo sistema
simbólico far-se-á com mais facilidade e a aprendizagem da leitura, da escrita e do
cálculo será então possível (Fonseca 1984, 1987).

DESENVOLVIMENTO SOCIOEMOCIONAL

Por último, a quarta área-chave comprende o desenvolvimento socioemo cional,


outro aspecto muito importante, sob o ponto de vista da concepção
da criança como ser singular (intrapessoal) e plural (interpessoal). A criança
em termos totais, e não em termos meramente sectoriais ou fragmentados,
tem de ser concebida em termos prospectivos globais, pois foi essa visão que
autores como Ajuriague ra 1974, Bandura 1963, Erickson 1963, Freud 1962,
Doll 1953) nos deixaram, e com que nós, os educadores, temos de construir
um corpo teórico de onde possam emergir currículos pré-escolares adequa
dos às necessidades socioemocionais das crianças.
Neste contexto, precisamos de integrar também as correntes ecológicas e
mos um con nso obreressa perspc tiva de de én olvi e o parala tempo
1 podermos intervir, para a tempo podermos prevenir e só depois, de facto, ter
mos condições para facilitar o potencial de aprendizagem na criança, con;
cretizando a missão da escola.
Neste aspecto, não podemos deixar de focar a perspectiva que por vezes
é relativamente esquecida e que tem muito a ver com a questão que está

311

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlC A

associada à mielinização propriamente dita e à maturação dos sistema;


neuxofuncionáda c"iança Indeperdentemente de não apxerdesmos com
cvraáo, dpG; de -istõte es ter pensado que seria aquele o órgão ma
organizado do organismo, a aprendizagem humana tem de dar à emoção u papel mais
essencial, dado que, em termos evolutivos, na espécie pensant como nos
designamos, o sentimento contou e conta tanto como o pensameni (Goleman I995).
As emoções foram sempre sábias guias no longo percurso evolutiv domesticá-
las, controlá-las, modulá-las foi sempre não só a razão da sobre vivência, mas a
preparação para o surgimento da civilização humana. Toda as emoções são, na sua
essência, impulsos para a acção, planos básicos par lidar com as aprendizagens,
pois preparam o corpo para os tipos de respost que elas exigem da criança,
explicando muitas vezes a razão dos bloqueio que ela demonstra, ou a disponibilidade
que ela revela, para aprender.
O desenvolvimento socioemocional da criança em idade pré- escolar ten de
revelar uma conduta e uma reciprocidade afectiva constantes, uma auto estima
equilibrada e uma auto- suficiência acrescida, uma sociabilização con os parceiros e
com os adultos, uma competência lúdica inexcedível com res peito por regras e
normas, etc.

312

Figura 99 - Aprendizagem: fundamentos neuropsicológicos

NECESSIDADES DA CRlAN(A EM IDADE PRÉ-ESCOlAR

A criança em idade pré-escolar, que está num momento crucial do seu

desenvolvimento, tem de manejar impulsos, de modular frustrações, de produzir


iniciativas sociais, de resolver conflitos, de controlar e administrar emoções, numa
palavra, tem de exibir uma inteligência emocional antes de pilotar a sua inteligência
simbólica. Para que seja possível intervir neste domínio tão subtil do desenvolvimento
da criança, não se pode esquecer que o rácio crianças/educadora não pode
ultrapassar a cifra de 15/1.

A construção da vida mental na criança em idade pré-escolar deve ter em conta


que, para pensar, ela precisa de sentir, uma dicotomia perene que jamais
abandonará na sua evolução; daí que as aprendizagens naquele momento tenham de
ter em conta o papel das emoções na evolução dos processos psíquicos das
aprendizagens simbólicas.

Como o cérebro cresceu de baixo para cima em termos filogenéticos (Fonseca


1989), também em termos ontogenéticos a criança precisa de aprender com o cérebro
primitivo e o cérebro emocional.

Com o primeiro, dito reptiliano", centrado no tronco cerebral e no cerebelo, a


criança mobiliza as funções vitais básicas para a aprendizagem (exemplo: respiração,
metabolismo, atenção, etc. ).

Com o segundo, dito paleomamífero, centrado no sistema límbico, no


hipocampo, na amígdala e nos centros emocionais, a criança mobiliza as funções
motivacionais básicas para mobilizar as estratégias e os investimentos de segurança e
conforto para aprender (ex. : interacção afectiva, comunicação, sentimentos de
prazer, memórias, etc. ).
Sem tais disposições, o neocórtex - o cérebro cognitivo - dito neomamífero,
não funciona adequadamente e as aprendizagens simbólicas não desabrocham na
criança e, consequentemente, as suas aprendizagens simbólicas, da leitura, da
escrita e do cálculo, não se desenvolvem eficazmente.
A criança aprende com o cérebro, mas com três cérebros integrados num todo
dinâmico, como acabámos de ver; como órgão mais organizado do organismo ele só
pode aprender quando são respeitadas as propriedades sistémicas do seu
funcionamento.
Será que podemos ter esta informação mínima, não para nos substituirmos aos
neurologistas e aos psicólogos, mas como educadores para perceber, de facto, que
sem tal maturação neurológica a aprendizagem não se efectua?
A criança em idade pré-escolar tem de ter uma mielinização, uma
sinaptogénese, uma migração neuronal e uma maturação das zonas crossomodais
para conseguir ler, escrever, contar e pensar, porque sem essa arquitectura neuronal
ela não vai conseguir captar informações com a visão, associar e compreender com a
audição, integrar e sentir com as estruturas tactiloquinestésicas e depois elaborar e
exprimir informações com a estrutura verbal ou motora (práxica), para poder aprender
(Fisher e colaboradores 1997).

313

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Algumas re0exões práticas para a criança em idade pré-escolar

Todos estes aspectos naturalmente vão ter de exigir da parte dos edu cadores
competências de observação ou de diagnóstico com recurso a modelos muito simples
(screening devices - modelos de identifica ão precoce), com a finalidade de detectar
problemas desviantes que a criança possa revelar na área socioemocional, na área
psicolinguística, na área psicomotora e na área cognitiva.
Com recursos a escalas de prontidão (Masland e Masland 1988) rela tivamente
simples, podemos detectar e ter condições de encaminhar as crianças para programas
de compensação evolutiva e proporcionar na educação pré-escolar as tais condições
de igualdade de oportunidades e de materialização da democracia cognitiva.
Não basta, como medida de democracia educacional, generalizar a edu cação
pré-escolar - é urgente pôr em prática também uma democracia cognitiva que permita a
todas as crianças aprender a ler, a escrever e a contar de forma a que elas se
adaptem com mais facilidade a uma sociedade da informação em mutação tecnológica
acelerada.
Dentro das necessidades-chaves que acabámos de analisar, podemos afirmar
de uma maneira consensual que a criança vai ter de desenvolver um conjunto de
aquisições ou competências que são a transição para ela aprender com êxito e com
prazer, porque a aprendizagem sem prazer e segurança pode constituir um processo
complexo de relação dela com o mundo exterior, e dela com os companheiros e com a
própria famlia.
As dificuldades de aquisição de tais competências na educação pré-esco lar
podem redundar em dificuldades de aprendizagem (DA), muitas delas indutoras de
bloqueios emocionais e cognitivos que podemos observar em muitas crianças no l. o
ano de escolaridade do ensino regular (Myklebust 1972-1983).
Não se trata de crianças com potenciais de aprendizagem inferiores aos das
outras, apesar de apresentarem diferenças culturais, como podem ser exemplo as
crianças desfavorecidas ou oriundas de culturas diferentes como as de Cabo Verde,
da Guiné ou mesmo crianças ciganas.
Não se pode partir do princípio de que essas crianças, à partida, já estão
condenadas ao insucesso escolar e social. É de facto um erro extremamente grave, e
uma medida de segregação subtil e de exclusão social velada estigmatizar crianças
com necessidades ducativas especiais (NEE), sem adoptar uma educação pré-
escolar consentânea com as necessidades evolutivas que acabámos de apresentar,
pois não as respeitando tais dificuldades de desenvolvimento podem repercutir-se de
forma mais negativa no processo de aprendizagem da criança (Vaughn e Bos 1988).
Provavelmente, nestas idades as diferenças interindividuais são mais evidentes
do que noutros períodos de desenvolvimento e é muito importante que sejam
identificadas cedo, porque uma DA com três, quatro ou cinco anos

314

NECESSIDADES DA CRIANÇ A EM IDADE PRÉ-E5COlAR

pode ser melhor superada com uma interven ão compensatória precoce,


habitualmente mais eficaz do que aos oito ou nove anos, quando a criança já tem uma
maturação neurológica menos flexível e uma estrutura mais complexa de resistências
emocionais, uma impulsividade e uma inatenção mais aprendidas, mais problemas de
descontrolo e de hiperactividade, etc. , que podem, no seu conjunto, tornar mais
difícil a sua integração numa sala de aula mais tarde, porque não deixa que as outras
crianças aprendam, nem que ela possa aprender normalmente.

QUINESTESICO G f STj A
C RP Z d no t ratura
dança s
mesaruca ,
u eomunieaçao
hobbies r d'o; tea o
I unagm ao eáleulo l i GICO
PESSOAL mdepend ncsa ctencta E j A j IC
pnvacidade ' '
orçamentns
auto eonhecimento quanufieação
cooperaçaa atte
Uderança escultu a
IN trab de upo musica decoração
PESSOAL 'nteracçao ntmo filmes
composição diagramas jS U
MUSICAL -ESPACIAL
. . as inteligêncras multiplas do cerebro humano

Figura I00 - As sete inteligências, segundo Gardner

Daí a importância de modelos clinicos para a educação pré-primária, modelos


que possam considerar a importância da individualização, da diferenciação psicológica
que cada criança possui, encarando o seu processo de aprendizagem como um
processo complexo, complexidade essa de competências clínicas que devem ser
tomadas em consideração no plano de formação dos educadores que actuam com
crianças de três, quatro e cinco anos (Jonhson e Myklebust 1967, Myklebust 1974,
1976).
Defendemos também a ideia da importância de uma educaÇão de pais, porque
todos nós provavelmente precisamos de ser melhores pais e melhores mães. Não
podemos estar convencidos de que o domínio do conhecimento que temos como pais é
suficiente e que não há mais nada a aprender nesse contexto tão essencial da nossa
sociedade.

315

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Em termos básicos, diremos que na visão piageúana há uma conswçâo de


processos, há uma conswção que é simultaneamente da criança e das pessoas que
estão à sua volta e da comunidade onde ela está inserida; essa coconstrução evolutiva
(Valsiner 1988) é fundamental para que seja exactamente uma maturação que ocorre
de dentro para fora para a criança tirar o maior benefício possível das situações e das
oportunidades que são criadas em termos escolares no dia-a-dia.
Essa inclusão na educação pré-escolar tem de envolver uma integração tónica e
postural na criança; daí a importância dos espaços dentro e fora das salas de aula.
Não basta ter espaços escolares com uma estrutura ecológica enriquecida e a
criança não conseguir explorar o mínimo dessas condições. Como é que nós vamos
ter uma orientação meramente centrada nos espaços sem considerar as necessidades
psicomotoras da criança? Temos provavelmente de ter uma dimensão mais equilibrada
entre o meio envolvente e a criança, e é nesse equil'brio que podemos organizar o
material pedagógico como sistema ecológico que facilite o surgimento de um
desenvolvimento harmonioso.

Como é que podemos introduzir condições de enriquecimento ecológico em


todos os materiais e espaços para promover na criança as tais competências de
aprendizagem?
Teremos também de entender o papel do sistema ecológico escolar em todas as
suas facetas, desde o lápis, ao caderno, desde o livro às tecnologias de informação e
comunicação, etc. A dimensão ergonómica que tais materiais e equipamentos
colocam, na sala de aula ou no seio do espaço familiar, são hoje de importância
capital para promover as necessidades de desenvolvimento.
Teremos de perceber que a mudança (aprendizagem) na criança é simul
taneamente uma mudança que se estabelece fora dela, ou seja, no seu contexto
envolvente. Os agentes que criam formas inteligíveis de interacção entre a criança e
os seus ecossistemas tendem a produzir nelas processos de aprendizagem e funções
psíquicas superiores mais integradas porque obedecem às suas necessidades de
desenvolvimento.
Qual a importância dos ecossistemas na integração sensorial no desen
volvimento do sistema vestibular e das funções proprioceptivas? O ensino tradicional,
quase todo virado exclusivamente para as funções exteroceptivas como a visão e a
audição, negligencia substancialmente as necessidades psicomotoras da criança em
idade pré-escolar.
Ainda hoje, depois de Montessori, a educação pré-escolar utiliza pouco a
modalidade sensorial tactiloquinestésica, poucos educadores não fundamentam
teoricamente o papel desta dimensão na evolução da criança. Nem mesmo Piaget foi
longe em relação a esta implicação sensoriomotora no desenvolvimento psíquico da
criança.
Tais condições do sentir entendidas como pré-requisitos da organização
neurológica da aprendizagem, verdadeiras pré-aptidões que permitem

316

NECESSIDADES DA CRIAN A EM IDADE PRÉ'-ESCOLAR

depois ler, escrever e contar, e torná-la agradável e prazeirosa, vão gerar a


significação da experiência (o insight) na criança em idade pré-escolar, com a qual se
estabelecem as redes neuronais que representam a própria realidade simbólica
posterior. Existem imensas crianças que, apesar de serem inteligentes, com um
quociente intelectual (QI) médio e acima da média, têm dificuldades na leitura, na
escrita e no cálculo, exactamente porque estão tactiloquinestesicamente e
corporalmente privadas (Rourke 1989, 1993).
Algumas figuras importantes e que deram um grande contributo em muitas
actividades científicas e artísticas apresentavam DA na sua infância. Com uma
adequada identificação precoce e programas de intervenção apropriados, apesar das
suas necessidades invulgares, eles transformaram-se em personalidades
extraordinárias como adultos.
O problema das DA deve partir, portanto, de uma visão global, dinâznica e
optimista do desenvolvimento da criança para conseguir actuar a tempo; por isso a
educação pré-escolar pode ser um meio privilegiado da sua prevenção, podendo-se,
por meio dele, reduzir substancialmente a percentagem exagerada de insucesso
escolar ou de DA no ensino do l. o ciclo e do 2. o ciclo.
Certamente que o problema é mais do que um fracasso da criança, porque nós
apontamos o indicador da nossa mão para ela, mas esquecemos que temos os dedos
médio, anelar e znínimo a apontar para nós, talvez a lembrar, em sentido figurado, a
falta de intencionalidade, significação e transcendência que requer o acto pedàgógico,
a falta de estratégias de instrução e de mediatização, a falta de modelos de avaliação
mais centrados nas necessidades das crianças, etc.
Provavelmente, isso quer dizer que temos de mudar os curriculos, a interacção
educador-criança, os processos de ensino-aprendizagem, etc. , para mobilizar as
sete inteligências da criança (Gardner 1985), para optimizar e maximizar as condições
de desenvolvimento e de aprendizagem, nomeadamente: a integração postural, a
integração sensorial, a integração motora, a integração somatognósica, a integração
espacial, e só depois a integração simbólica.
Quer dizer que a aprendizagem simbólica necessária às aprendizagens básicas
tradicionais ilustra, em certa medida, uma neuromontagem integrada de
subcompetências e de competências multifacetadas e multideterminadas que envolvem
a construção equilibrada de uns sistemas funcionais sobre outros. Se se passar muito
depressa por aquisições que são o suporte de outras mais elevadas, muito
provavelmente as dificuldades virão a surgir mais à frente.
Inúmeras pesquisas de crianças em idade pré-escolar em risco são unânimes
em considerar um conjunto de pré- aptidões para a aprendizagem escolar,
nomeadamente nas componentes que temos vindo a referir.
Appelton, Clifton e Goldberg 1975, numa investigação original com base em
escalas de identificação precoce e em estudos longitudinais, che

317

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

garam à seguinte lista de pré-aptidões de prontidão (readyness skills) para as


aprendizagens escolares:

- Pré-aptidões cognitivas: atenção (persistência, curiosidade e explo ração);


percepção (captação de estímulos e observação sistemática); e conceptualização
(antecipação, sequencialização, estratégias de resolução de problemas e de
aquisição de conhecimento);
- Pré-aptidões psicomotoras (controlo postural e manipulação);
- Pré-aptidões psicolinguisticas (comprensão e utilização dos sistemas de
linguagem); e, finalmente,
- Pré-aptidões socioemocionais (autosuficiência na higiene e na nutri ção),
independência, interacção com adultos, autoestima, inibição de comportamentos
impulsivos, flexibilidade e condutas de cooperação).

Muitas difculdades e muitos problemas de aprendizagem de leitura, de escrita e


de cálculo emergem exactamente porque não se desenvolveram a tempo os pré-
requisitos das competências fundamentais de aprendizagem.

318

Figura 101- Pré-aptidões para a aprendizagem escolar, segundo Appelton,


Clifton e Goldberg

NECESSIDADES DA CRIAN A EM IDADE PRÉ-ESCOlAR

Aquelas que constituem as competências simbólicas certamente que dependem


das competências pré-simbólicas (Foss 1991) que devem constituir os objectivos de
todo o processo de evolução da educação pré-escolar, onde deverão ter, de facto,
um maior enfoque no seu desenvolvimento.
De uma forma didáctica, precisamos de saber que a criança quando chega à
educação pré-escolar tem três anos de história pessoal. O que se passa nesses três
anos de história evolutiva é muito importante para o desenvolvimento do potencial de
aprendizagem da criança em idade pré-escolar. Da mesma forma, é extremamente
importante o desenvolvimento invauterino durante nove meses no caso do recém-
nascido.
A criança em termos históricos tem de aprender primeiro reflexos na bamga da
mãe, (ventre biológico) posturas, práxias e emoções na barriga da famflia (ventre
psicoafectivo), e só depois aprende símbolos na barriga da sociedade (ventre
sociocultural), porque a pré-eswtura do seu cérebro assim o determina.
Se não se nasce com bons reflexos nem se aprende posturas e práxias,
emoções e sentimentos, depois, aos 12 anos, na adolescência, não se pode atingir a
reflexão. Dos reflexos à reflexão vai uma década de intervenção intencional dos
adultos sobre a criança, porque ela, abandonada depois do nascimento, não pode
por si própria desenvolver funções simbólicas. A aprendizagem humana subentende
uma transmissão cultural transgeracional como evocou Vygotsky 1962.
, A inteligência superior humana só é possível num contexto social e histórico. A
criança não pode ficar abandonada na aprendizagem, a criança tem de beneficiar da
interacção de seres humanos mais experientes para produzir todo o seu potencial
simbólico - é esse o sentido da zona de desenvolvimento proximal vygotskyana.
Sozinha, tem um tipo de desenvolvimento com a ajuda mediatizada dos adultos, a
criança pode atingir um nível de expressão cognitiva muito mais elevado (Vygotsky
1978).
A criança no segundo ano de vida tem de revelar segurança gravitacional, quer
dizer, tem de equilibrar muito bem o seu corpo na gravidade, que é um sistema que se
acha em todos os objectos deste planeta, tem de estar bem apoiada e com os pés na
terra". Porém, há muitas crianças no periodo da educação pré-escolar que ainda não
estão com os pés na terra e por isso, quando se vê uma criança com dificuldade na
leitura e na escrita, com sete e oito anos, e estudamos o equilíbrio dela com os olhos
fechados, ficamos pasmados ao constatarmos como o seu corpo todo oscila em
roturas posturais, com uma grande dificuldade em controlar o seu corpo, que é o
centro de integração de toda a informação (Fonseca 1975
) Damásio 1995.
A criança em idade pré-escolar tem de ter movimentos binoculares com os olhos
para focar e fixar dados de informação, tem de ter um bom controlo postural, uma
excelente organização psíquica e intencional da sua motácidade global e fina (Fonseca
1995).

319

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Se a criança não tiver um pe l psicomotor intacto, como é que ela vai explorar
os espaços lúdicos (play grounds)? Como é que ela vai ter competências para explorar
brinquedos ou objectos indispensáveis ao seu desenvolvimento integral?
Para tirar proveito das aprendizagens simbólicas, a criança em idade pré-
escolar deve dispor de competências não simbólicas, de funções básicas de auto-
suficiência, de confono táctil e quinestésico do seu co po e do seu Eu (Freud 1930,
1962), para que os produtos da sua integração sensoriomotora possam suportar com
robustez as exigências neurofuncionais das aprendizagens escolares.
Sem a essência do sistema psicomotor humano (Fonseca 1989, 1995), sem
uma óptima coordenação oculomanual, sem um bom nível de percepção visual, sem
um bom poder grafomotor, sem uma boa capacidade de a mão ser o periférico da
inteligência, a criança não estará apta, nem terá relações equilibradas com os seus
colegas, nem interagirá de forma harmoniosa com o processo de aprendizagem.
A criança tem de dispor de uma excelente organização da sua imagem corporal,
que é fundamental, não só no desenho, mas também na representação e na
projecção no espaço, e conseguir relacionar o espaço fora do corpo com o espaço
dentro do seu corpo. Essa fronteira vai criar a noção do eu e do não-eu (Sperry 1979,
Schilder 1963). Por falta desta aquisição socioemocional essencial à aprendizagem,
há muitas crianças com problemas socioemocionais com muitas dificuldades de
aprendizagem e com baixo nível de frustação, de onde emanam grandes problemas
de irritabilidade e impulsividade. Por via destas disfunções, os seus rendimentos
escolares são baixos, não porque a sua inteligência seja restrita, mas porque as
eswturas cognitivas, psicomotoras, psicolinguísticas e socioemocionais estão
fragilizadas.

Para aprender com facilidade, a criança em idade pré-escolar tem de ter


coordenação manual bilateral, uma boa dominância na mão, na visão, na audição e
no pé. Toda esta dominância sensoriomotora reflecte uma especialização hemisférica
sem a qual as aprendizagens escolares não podem ser assimiladas dinamicamente
(Kimura 1973, Gubay 1975, Dennis e Whitaker 1977, Helman e Valenstein 1979,
Levy 1980, Quirós e Schrager 1985). A criança sem especialização hemisférica não
vai aprender a ler, a escrever e a contar no 1. o ano de escolaridade. Muitas crianças
portadoras de deficiência mental são caracterizadas exactamente pela ausência da
dominância hemisférica com a qual recebemos, integramos, elaboramos e
comunicamos informação simbólica.
Também o nível de actividade e o nivel de atenção dependem desta
organização não-simbólica básica que temos vindo a abordar (Koppitz 1971, Rourke
1989, Fonseca 1975, 1987, 1994;). Para aprender, a criança em idade pré-escolar
tem de ter um nível de atenção hipereswturado, para conseguir captar e extrair
estímulos relevantes e não perder tempo, nem desconcentrar-se ou ficar distraída com
informações que são irrelevantes.

320

NECESSIDADES DA CRIAN A EM IDADE PRÉ-ESCOlAR

Se a criança não tiver essa atenção ao nível da visão, da audição e do


seu corpo quinestésico, ela está na sala de aula e está a ser permanentemente atraída
por sons e por sinais que estão fora do contexto da aprendizagem; por esse facto, ela
apresenta problemas de processamento de informação e não aprende (Douglas e
Peters 1979).
Uma criança hiperactiva é uma criança hipo-organizada em termos de
aprendizagem. Temos de ter muita preocupação com estas crianças, dado que
podem depois, numa situação de aprendizagem mais complexa, ter muitas
dificuldades de inibição, de assimilação de sinais dentro do seu próprio corpo para
poder depois orientar, seleccionar, processar e transmitir a sua actividade mental e
para responder às situações de aprendizagem (McCarthy e McCarthy 1974).
A criança tem de ter uma estabilidade emocional para conseguir atingir
rendimento na educação pré-primária; trata-se de um diploma como qualquer outro; ela
tem que obter à entrada do l. o ano de escolaridade um nível de maturação adequado
nas várias componentes da aprendizagem.
Para além destas competências que estamos a focar, a criança deve entrar no
ensino dito primário com as condições de prontidão que permitem uma aprendizagem
normal, ela tem de ter organização, concentração, autoestima autoconfança,
autocontrolo, capacidade para aprendér a aprender, isto é, um processamento de
informação intacto e flexível, tem de ter funções de input, de integração, de
elaboração e de output e tem de ter consciência metacognitiva, consubstanciando ùma
dinâmica neurofuncional sem a qual não pode aprender (Speece e Cooper 1990).
Em síntese, o que fazem os educadores e todos os que trabalham com crianças
dos três aos seis anos é uma obra de uma transcendência impressionante, e não uma
mera resposta a necessidades sociais e familiares.
Cabe-lhes criar as condições para que as crianças, o maior capital dum país,
possam ter dúeito à cidadania numa sociedade de informação.
Bem hajam por esse esforço, mas atenção: essa obra tem de envolver uma
maior qualidade pedagógica e uma profunda cientificidade da acção educativa só
alcançável com uma licenciatura, porque trabalhar com crianças em idade pré-escolar
é provavelmente mais complexo do que trabalhar com estudantes universitários.

321

CAPÍTULO 8

DESPISTAGEM E IDENTIFICAÇÃO PRECOCE


DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

No capítulo anterior descrevemos sumariamente a taxonomia das dificuldades


de aprendizagem, condição esta necessária para o desenvolvimento de processos de
identificação e de intervenção.
Sem um consenso mínimo sobre a classificação das dificuldades de
aprendizagem não se pode atingir uma identificação precoce precisa e
pedagogicamente eficiente, evitando à partida problemas que tendem a complicar-se
com a evolução escolar.
Cabe aos professores, na óptica de uma pedagogia científca, estudar as
variáveis que estão em jogo nas diferentes aprendizagens escolares, na medida em
que assim se pode dar mais significação ao diagnóstico médico e psicológico. A
tridimensão deste problema pode vir a facilitar a obtenção de uma linguagem comum e
a troca de experiências, ao contrário do que pensam aqueles para quem o diagnóstico
cabe apenas ao campo médico ou ao campo psicológico.
Ao professor não pode caber unicamente a função de aplicar métodos
pedagógicos. Ele deve saber como e quando o método deve ser aplicado, o que
obviamente implica um processo de identificação que considere:

a) As variáveis das condições internas da criança exigidas pelas


tarefas escolares;
b) As variáveis que se encontram afectadas e favorecidas (perfil
intraindividual);
c) Os recursos pedagógicos disponíveis (condições externas) para
seleccionar os meios de intervenção mais apropriados aos níveis de funcionamento
evidenciados pelos educandos.
A identificáção deve ser feita o mais precocemente possível. Estudos
internacionais (Wedell 1975, Bindrim 1978) apontam o ensino pré-primário como o

323

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

lugar mais conveniente para a identificação, a fim de garantir uma intervenção


preventiva nos seguintes parâmetros de desenvolvimento:

1) Linguagem;
2) Psicomotricidade;
3) Percepção auditiva e visual; 4) Comportamento emocional.
Os mesmos estudos apresentam os sinais de riscos mais importantes nas áreas
da linguagem, nos aspectos quer receptivos, quer expressivos.

A identifieação precoce é uma alternativa imprescindível para os países de


fracos recursos como o nosso, na medida em que reduz os custos, elimina condições
que tendem a agravar o desenvolvimento total da criança e diminui os seus efeitos
cumulativos.
Muitos sinais que não são detectados antes da entrada para a escola podem ser
responsáveis pelo insucesso escolar e, obviamente, pelo desajustamento social.
A identificação não é um diagnóstico. Trata-se de um processo de despistagem
e de rastreio (screening) visando uma intervenção pedagógica compensatória. Não se
trata de um fim em si próprio, nem apenas de uma descrição; ela implica, antes do
mais, uma prescrição psicoeducacional, tendo em atenção as necessidades
educacionais específicas das crianças. Na identificação, o importante é a utilidade da
informação e a sua eficácia pedagógica, e nunca qualquer estigmatização
inconsequente.
Toda a despistagem de problemas, ou melhor, toda a identi cação do potencial
de aprendizagem (IPA), toma em lìnha de conta a sua ocorrência na escola. A
tendência actual é fazer do professor o primeiro elemento de avaliação. O recurso a
especialistas virá posteriormente, , quando necessário, e aqui o psicólogo escolar
justifica-se cada vez mais. E evidente que esta perspectiva está na ordem do dia. A
renovação dos processos de formação dos professores regulares ou especializados,
bem como dos psicólogos escolares (que tardam em Portugal) e dos próprios médicos
escolares, impõe-se eada vez mais.
Desta forma, com recurso a uma identificação precoce realizada pelo professor
e na escola, os problemas educacionais podem ser mais facilmente solucionados.
Não se colocam problemas de classificação ou de etiqueta, visto que está em jogo a
optimização do potencial de aprendizagem das crianças. Para isto é preciso estudar o
envolvimento familiar e o envolvimento escolar, introduzindo aí as necessárias
modificações antes de ver o problema só nas crianças. As crianças não podem
continuar a ser vistas como automóveis, onde não se vê se há ou não gasolina, ou
se a bateria está ou não em condições, mas se começa logo por desmontar o motor e
as suas peças componentes. Primeiro, mudar o ambiente, depois, o professor, e só
no fim a criança.
324

DESPISTAGEM E IDEMIFICA ÃO PRECOCE DE DIFlCULDADES DE APRENDIl


AGEM

A finalidade da identificação precoce é evitar as consequências do insucesso


escolar. Não se pode ignorar certas questões da aprendizagem, pois pode-se
subvalorizar certos sinais de risco educacional e, consequentemente, adiar a sua
solução. Concordamos com a afirmação que nos diz que o diagnóstico grosseiro é um
perigo. De facto, o diagnóstico não deve ser confundido com a identificação. A
idenúficação deve, quanto possível, dar significação a determinados sinais desviantes
ou atípicos, não os banalizando nem negligenciando.
Quantos mais estudos e investigação práúca se úver neste domínio tanto mais
facilmente se disúnguirá os sinais de vulnerabilidade, atribuindo-lhes valor e
significação e podendo, a partir daí, determinar a natureza e a origem das DA.
Pensamos que, neste campo, não haverá progresso sem idenúficação e sem
diagnósúco; caso contrário, deixamos escapar sinais e problemas de difícil solução
mais tarde.
A idenúfcação a desenvolver deve tomar em consideração vários factores, a
saber:

1) Compreensão auditiva (compreensão do significado das


palavras; discriminação de pares de palavras; discriminação de frases absurdas;
compreensão de histórias; compreensão dos diálogos realizados dentro da classe;
memória de cuno termo [palavras e frases]; retenção da informação e execução de
instruções verbais, etc. );

2) Fala (vocabulário; organização gramatical; formulação de ideias


[fluência]; contar histórias; relatar factos, experiências e acontecimentos; descrição de
figuras e ilustrações; explicação e fundamentação de opiniões; qualidade da voz e
entoação; reprodução de canções; rimas e lenga-lengas; etc. );

3) Percepção visual [discriminação; identificação; completamento


(gestalt); memória; coordenação visuomotora; figura e fundo; constância da forma;
posição e relação de espaço; escrutínio visual; etc. ];

4) Orientação (orientação espacial; apreciação das relações;


lateralidade em si e nos outros; direccionalidade; ritmo; apreciação do tempo, etc. );

5) Psicomotricidade (equilibração, imagem do corpo; imitação de


gestos; desenho do corpo; agilidade; motricidade fina; manipulação de objectos, etc. );

6) Criatividade (tonicidade; espontaneidade; curiosidade; exploração;


dramaúzação; modelação; pintura; desenho; invenção; imaginação; grafismos, etc. );

325
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

7) Comportamento social (cooperação com outras crianças e com


adultos; atenção; organização; auto-suficiência; actividade lúdica; responsabilidade;
cumprimento de tarefas; etc. ).

Outro exemplo pode incluir os seguintes aspectos funcionais:

1 ) Linguagem auditivoverbal:
- Reprodução automática e sequencial;
- Compreensão;
- Formulação:
a)Semântica - objectos, lateralidade, partes do corpo, símbolos; b)
Sintáctica/gramatical;
c) Pragmática; d) Prosódica.
- Articulação.

2) Descodificação táctil:
- Percepção de estimulações duplas do mesmo lado do corpo;
- Percepção de estimulações duplas dos dois lados do corpo;
- Reconhecimento de objectos (exterognosias);
- Reconhecimento de objectos com transfer inter-hemisférico (da
esquerda para a direita, da direita para a esquerda);
- Reconhecimento quinestésico e táctil da lateralidade do corpo;
- Reconhecimento de partes do corpo (dedos).

3) Descodificação visual:
- Percepção de estimulações homólogas bilaterais;
- Reconhecimento de objectos;
- Reconhecimento do objecto por apresentação de algumas partes
do mesmo;
- Reconhecimento de:
a) Partes do corpo (esquerda-direita, em si, nos outros); b) Reconhecimento da
divisão esquerda-direita do corpo; c) Formas geométricas (figuras e partes);
d) Orientação espacial (esquerda-direita; cima-baixo, perto- longe);
localização, direcção, relações, dimensões;
e) Figura-fundo;
d) Símbolos.
- Reminiscências de:
a) objectos;
b) partes do corpo;
c) orientação espacial;
d) símbolos.

326

DESPISTAGEM E IDENTIFICAÇ'ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

4) Integração intersensorial: Reconhecimento audio-visual de: a) objectos;


b) símbolos e palavras; c) sequência temporal.
- Reconhecimento visual - reminiscência auditiva:
a) objectos;
b) leitura;
c) sequência temporal.
- Reconhecimento auditivo - reminiscência visual de palavras
(escrever a partir do ditado).

5) Codificação visuomotoquinestésica:
- Praxia fina manual;
- Praxia ideacional;
- Praxia construtiva: a) por cópia visual; b) por reminiscência.
- Praxia ideatória.

6) Funções globais:
- Leitura;
- Escrita criativa;
- Cálculo;
- Conhecimento;
- Abstracção;
- Lógica.

Todos estes aspectos funcionais podem ser reunidos no seguinte modelo de


informação esquemático:

ASSOCIAÇÀO
NP OUTPUT i nGemodal intermodel --. I
cmssomodal ntramodal

Figura l02 - Modelo de informação da identificação precoce

Na bàse destes factores e com a aplicação de escalas de valor tridimensional ou


pentagonal de sentido eminentemente pedagógico, a identificação precoce pode
equacionar dialecticamente os diferentes tipos de intervenção educacional. Para
ilustrar estes princípios, vejamos em seguida alguns modelos de identificação precoce.

327

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

ESCALA DE IDENTIFICACÃO DE POTENCIAL


DE APRENDIZAGEM (EIPA)

AO PROFESSOR
Algumas crianças apresentam dificuldades de aprendizagem que as dife
renciam de outras crianças da sua classe (ou da sua turma ou grupo). A Escala de
Identificação de Potencial de Aprendizagem (EIPA) foi desenvolvida e construída no
sentido de permitir a identificação ou a despistagem precoce e simples de tais crianças.
Só por meio de uma identificação precoce das dificuldades de aprendi zagem
das crianças podemos orientar uma intervenção pedagógica adequada às verdadeiras
necessidades das mesmas. Parte-se do princípio de que se deve conhecer na
globalidade as crianças, antes de as educar. Conhecer primeiro e educar depois, é o
objectivo pedagógico da EIPA, no sentido de valorizar a intervenção do professor e de
optimizar as condições pedagógicas que facilitem a aprendizagem da criança.
O professor terá de identificar a criança em cinco áreas de comporta mento,
todas elas relacionadas com os vários factores de aprendizagem: Compreensão
Auditiva, Linguagem Falada, Orienta ão Espaciotemporal, Psicomotricidade e
Sociabilidade. A escala está elaborada em cinco categorias, sendo a média de 3. A
classificação de 1 corresponde ao resultado mais baixo, e a de 5 ao resultado mais
elevado. A classificação deve ser indicada com um círculo à volta do número que
representa a avalição (ou a observação) do nível de comportamento da criança.
Quando se procede à avaliação, apenas uma área de comportamento deve ser
considerada. Não esquecer também que uma criança pode aprender bem numa área,
mas apresentar problemas de aprendizagem noutras áreas de comportamento.
A finalidade da EIPA é detectar crianças com problemas e dificuldades de
aprendizagem. Não pode ser considerada como indicador de um potencial básico
intelectual baixo, nem como um indicativo de falta de oportunidade cultural. É
importantíssimo que se considere a EIPA apenas nos factores de comportamento
apresentados e discriminados na escala.
Antes de utilizar a escala é necessário um estudo detalhado do manual e ao
mesmo tempo a criação de condições concretas que permitam longos periodos de
observação das crianças.

328

DESPISTAGEM E IDENTIFICA ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE


APRENDI7AGEM

CARACTERÍSTICAS DE COMPORTAMENTO

1. COMPREENSÃO AUDITIVA
COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO DAS PALAVRAS ESCALA
- Nível extremamente imaturo de compreensão 1
- Dificuldade em captar o significado de palavras simples, má compreensão
de palavras do seu nível de escolaridade... . 2
- Boa captação de vocabulário próprio da idade e da escolaridade... ... ... . 3
- Compreensão do vocabulário do seu nível de escolaridade, bem como do
significado de palavras de nível superior... . 4
- Compreensão de vocabulário de nível superior; compreende muitas palavras
abstractas... ... 5
EXECUÇÃO DE INSTRUÇÕES
- Incapaz de seguir instruções, confunde sempre... ... ... . 1
- Segue habitualmente instruções simples, mas necessita muitas vezes de
reforço individual 2
- Segue inswções familiares e pouco complexas... ... ... 3
- Segue inswções extensas e prolongadas... . . 4
- Excepcionalmente dotado em lembrar e seguir inswções... ... 5
COMPREENSÃO DE CONVERSAS NA AULA
- Incapaz de seguir e compreender as conversas na aula, sempre desatento. . 1
- Ouve, mas raramente percebe bem, muitas vezes divaga... ... . . 2
- Ouve e segue discussões em conformidade com a idade e o grau de escolaridade. .
3
- Compreende bem; úra conclusões da discussão... ... ... . 4
- Participa nas discussões; mosaa boa compreensão da informação discutida 5
RETENÇÃO DA INFORMAÇÃO
- Pouca capacidade de evocar; fraca memória 1
- Retém ideias simples e inswções, se repetidas... . . 2
- Retenção normal de informação; memória adequada à idade e ao nível de
escolaridade... ... . . 3
- Retém informação de várias fontes, boa evocação quer imediata, quer remota 4
- Memória superior para pormenores de conteúdo... ... . 5
RESULTADO
2. LINGUAGEM FALADA
VOCABULÁRIO ESCALA
- Usa sempre vocabulário pobre é imaturo. . 1
- Vocabulário limitado; substantivos simples, poucas palavras precisas e descritivas...
2
- Vocabulário adequado à idade e ao grau escolar... ... . 3
- Vocabulário acima da média; usa numemsas palavras descritivas e precisas 4
- Altó nível de vocabulááo; utiliza palavras complexas 5

GRAMÁTICA
- Usa frases incompletas com erros gramaticais... ... ... . .
- Usa frequentemente frases incompletas; numerosos erros gramaticais... .
- Construção gramatical correcta; poucos erros no uso de
proposições, tempos de verbos e pronomes

329

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

- Linguagem oral acima da média; raros enos gramaticais


- Utiliza sempre frases gramaticais correctas... ... . .

MEMÓRIA VERBAL
- Incapaz de recordar a palavra exacta...
- Exprime-se com hesitação na uúlização das palavras... ... .

- Ocasionalmente procura a palavra correcta; recorda a


palavra adequada para a idade e o grau escolar... ...
- Acima da média, raramente hesita na palavra ...
- Fala sempre bem; nunca hesita nem subsútui palavras .

CONTAR HISTÓRIAS - RELATAR EXPERIÊNCIAS


- Incapaz de contar uma história compreensível...
- Dificuldade de relatar ideias com sequência lógica... ... . .
- Na mbdia, adequado para a idade e o grau escolar
- Acima da média, usa sequências lógicas
- Excepcional, relata ideias de uma maneira lógica e significativa.
FORMULAÇÃO DE IDEIAS
- Incapaz de relatar factos isolados... ... . . 1
- Dificuldade em relatar factos isolados, ideias incompletas e dispersas... ... . . 2
- Frequentemente relata factos com significado e adequados à idade e ao grau
escolar... ... . 3
- Acima da média, relata bem os factos e as ideias... ... ... . 4
- Excepcional, relata sempre factos com propriedade... ... .
RESULTADO

3. ORIENTAÇÃO ESPACIOTEMPORAL
APRECIAÇÃO DO TEMPO ESCALA
- Falha na apreciação do tempo, sempre atrasado ou confuso... ... . . I
- Fraca concepção do tempo, tende a perder tempo, frequentemente atrasado 2
- Apreciação do tempo dentro da média, adequado para a idade... 3
- Pontual, atrasado só com razão justificada... ... . . 4
- Realiza correctamente as tarefas no tempo, bem planeadas e organizadas. . 5

ORIENTAÇÃO ESPACIAL
- Sempre confuso; incapaz de se orientar na escola, no recreio e na vizinhança.
- Perde-se frequentemente em locais relaúvamente familiares... ... ...
- Movimenta-se em locais familiares; capacidade média para a idade... ... .
- Acima da média, raramente se perde ou confunde... ...
- Boa adaptação a novas situações e locais; nunca se perde... ... . .

APRECIAÇÃO DE RELAÇÕES (grande-pequeno; perto-longe; leve-pesado, etc. )


- Apreciações sempre inadequadas... ... .
- Faz apreciações elementares com pouca segurança... . .
- Apreciação m8dia para a idade... ...
- Perfeito, mas não generaliza para novas situações... ... ... .
- Apreciações muito precisas, fora do normal; generaliza para novas situações

APRECIAÇÃO DE DIRECÇÕES
- Altamente confuso; incapaz de distinguir esquerda-direita, norte- sul, este-
oeste... ... . .

330

DESPlST AGEM E IDENTIFICA 'ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE APREN


DI?rlGEM
- Apresenta-se algumas vezes confuso 2
- Dentro da média, usa a noção de esquerda-direita, norte-sul, este- oeste... . .
3
- Bom sentido de orientação; raramente confuso 4
- Excelente sentido de orientação... ... 5
RFsur rAno 0

4. PSICOMOTRICúlADE

EQUÚ. IBRIO . ESCALA


- Mau equflibrio... . 1
- Contmlo abaixo da média. . 2
- Controlo médio para a idade 3
- Contmlo acima da média em acúvidades de equilfbrio 4
- Excelente equil rio (uni e bipedal). 5

COORDENAÇÃO GERAL (andar, correr, saltar, trepar)


- Coordenação muito pobre, movimentos pesados e exagerados. .
- Abaixo da média, desajeitado... ... ... . .
- Dentro da média, ágil... ... ...
- Acima da média, boa realização nas actividades motoras... ... ... .
- Coordenação excelente... ... . .

DESTREZA MANUAL (motricidade fina)


- Destreza manual imperfeita 1
- Desajeitado, abaixo da módia em práxias finas 2
- Destreza adequada para a idade, boa manipulação ... . 3
- Destreza acima da mbdia. . , 4
- Destreza excelente; rápida manipulação com novo material... 5
RESULTADO 0

5. SOCIABILmADE - SOCIALIZAÇÃO
(desenvolvimento pessoal-social)
COOPERAÇÃO ESCALA
- Intenupções contínuas na sala de aula; incapaz de inibir e controlar respostas... .
I
- Perdas frequentes de atençao, frequentes mtervençoes fora da sua vez... 2
- Espera a sua vez; comportamento adequado às suas idade e escolaridade. . 3
- Acima da média; coopera bem... ... . . 4
- Excelente aptidão; coopera sem o reforço do adulto. . 5
ATENÇÃO
- Nunca está atento; muito distraído e hiperactivo... ... 1
- Raramente ouve; atenção frequentemente alterada... ... 2
- Atenção adequada à idade e à escolaridade. 3
- Atenção acima da módia; quase sempre atento e concentrado. . 4
- Sempre atento nos aspectos importantes; longo perfodo de atenção... ... . 5
ORGANIZAÇÃO
- Bastante desorganizado; muito desleixado... 1
- Frequentemente desorganizado na maneira de trabalhar; inexacto e descuidado... . .
2

331

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGf7GICA

- Mantém uma organização média de trabalho; cuidadoso. .

- Acima do nível médio de organização; organiza e completa bem as ta4

- Bfm organizado; realiza tarefas com meticulosidade adequada . . 5

SITUAÇÕES NOVAS (festas, viagens e mudanças de rotina) I

- Extremamente excitável; perde totalmente o seu controlo 2

- Hiper-reacções frequentes; dificuldade em enfrentar situações novas. . 3

- Adaptação adequada para as suas idade e escolaridade... 4

- Adaptação fácil, rápida, com confiança 5


- Excelente adaptação; manifesta iniciativa e independência

ACEITAÇÃO SOCIAL 1
- Rejeitado pelos outros
- Tolerado pelos outros 2
- Aceite pelos outros; comportamento adequado às suas idade e escolaridade 3

- Bem aceite pelos outros... . . 4


- Procurado pelos outros... 5

RESPONSABlLIDADE
- Rejeita a responsabilidade, nunca toma a iniciativa... ... 1

- Evita a responsabilidade; aceitação limitada do papel adequado à idade . 2

- Aceita a responsabilidade adequada à sua idade e escolaridade. . 3

- Responsabilidade acima da média; gosta da responsabilidade,


tem iniciat iva e é voluntário. . 4
- Procura responsabilidade; quase sempre toma iniciativa com entusiasmo. 5

CUMPRIMENTO DE TAREFAS
- Nunca acaba mesmo com ajuda... . 2
- Algumas vezes termina, mas com ajuda
- Realização adequada das tarefas; finahza as tarefas... ... 3
- Realizaçâo acima da média; completa as tarefas sem pressa 4

- Completa sempre as tarefas sem supervisão... . 5

AJUSTAMENTO - DISCERNIMENTO 1
- Sempre impertinente
- Desrespeita os sentimentos alheios... 2
- Discernimento médio; por vezes comportamento social desajustado... 3

- Adaptado socialmente; comportamento raramente desajustado. . 4

- Sempre adaptado; comportamento nunca é desajustado RESULTADO

A EIPA pode resumir-se ao modelo neurológico, que traduz objectiva


mente o conjunto das pré-aptidões necessárias às aprendizagens simbólicas.

A EIPA pode surgir mais simplificada. De uma escala de cinco


parâmetros qualitativos, pode passar a três, podendo inclusivamente integrar outras
áreas as da criatividade e da psicomotricidade.

A EIPA pode, então, transformar-se, como ficha de identificação


precisa, numa verdadeira f lcha de observação psicopedagógica de alguma utilidade
clínica, podendo inclusivamente servir como escala de expectativas, quer para
educadores e professores, quer para os próprios pais.

332

DESPISTAGEM E IDENTIFICA ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

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333

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

FICHA DE OBSERVAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA

NOME:

FASE DE APRENDIZAGEM: ---PE ODO DE OBSERVAÇÂO:DATA DE


OBSERVAÇÃO: -/ -/ - DATA DE NASCIMENTO: -/ --/Informações relevantes:

IDADE
anos meses

Escala de pontuação
1- Dificuldades; 2 - Evolução satisfatória; 3 - Boa evolução

(áreas fracas) (áreas hesitantes) (áreas fortes)

C ) C ) (+)

ÁREAS DE COMPORTAMENTO

I. COMPREENSÃO AUDITIVA

1. 1- Compreensão do significado das palavras 1 2 3 1. 2 - Seguir instruções... ...


. 1 2 3 1. 3 - Compreensâo de conversas 1 2 3 1. 4 - Memória auditiva... . . 1 2 3

2. LINGUAGEM FALADA
2. 1-Vocabulário. . I 2 3
2. 2- Organização de frases I23
2. 3- Contar histórias... ... . 123
123
2. 4- Informação...
2. 5- Formulaçao de ideias (ideação) 123
2. 6- Comunicação verbal... I23

3 - ORIENTAÇÃO NO ESPAÇO

3. 1- Orientação espacial... 1 2 3 3. 2 - Julgamento de noções: pequeno/grande;


perto/longe, pesado/leve, à frente/
. 1 2 3 /atrás; etc...
3. 3 - Representaçâo espacial... ... . 1 2 3

334

DESPISTAGEM E IDENTIFICAÇ'ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

4. PSICOMOTRICIDADE
4. 1 -Equih'brio ... ... 1 2 3
4. 2 - Coordenação geral (andar, correr, saltar, trepar, etc. ) ... ... 1
2 3
4. 3 - Noção do corpo. . , ... 1 23
4. 4 - Lateralidade (relação esquerda/direita) FJD. . ... . 1 2
3
4. 5 - Manipulação de objectos. ... ... I 2 3
4. 6 -Grafismo ... . 1 23
4. 7 - Receber e passar (exemplo; receber e passar ou atirar unia bola ou um
objecto). ... . 1 23

5. CRIATIVIDADE
5. 1 - Curiosidade... ... . . ... 1 2 3
5. 2 -Exploraçao ... . 1 23
5. 3 -Espontaneidade... ... 1 2 3
5. 4 -Dramatização... . . ... . . 1 2 3
5. 5 -Modelação ... . . 1 23
5. 6 - Pintura e desenho imaginativo... ... . ... 1 2 3
5. 7 - Invenção de histórias... ... . . ... . . 1 2 3
6. COMPORTAMENTO SOCIAL
6. 1 -Cooperaçao ... . 1 2 3
6. 2 -Atenção. . ... 1 23
6. 3 -Independência... . ... . . I 2 3
6. 4 -Organizaçao ... . . 1 2 3
6. 5 - Adaptação a novas experiências... ... ... . 1 2 3
6. 7 - Aceitação social no grupo . . 1 2 3
6. 8 - Relação com o adulto... ... ... . 1 2 3
6. 9 - Noção de responsabilidade ... 1 2 3
6. 10- Finalização de tarefas... . . ... . 1 2 3
6. 1I - Agressividade... . ... . 1 2 3
6. 12- Impulsividade... ... ... . 1 2 3
6. 13- Inibição. . .. 123

TOTAL DE PONTOS

Rubrica do observador

A ficha a seguir apresentada é mais uni outro modelo de identifcação precoce,


que pode também ser implementado para o ènsino pré-primário.

335,

INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

FICHA DE IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DE DIFICULDADES


DE APRENDIZAGEM PARA O ENSINO PRÉ-PRIMÁRIO

NOME: DATA DE NASCIMENTO: -/ -/HISTÓRIA ESCOLAR: 1 ANO D; 2 ANOS 0; 3


ANOS 0
DATA DE OBSERVAÇÃO: / /OBSERVAÇÕES COMPLEMENTARES:

IDADE

anos meses (Riscar o que não interessa)

1. FACTORES VISUOMOTORES E PSICOMOTORES


1. 1- Ata os atacadores dos sapatos... ... ... ... Sim Não
1. 2- Veste-se independentemente... . ... ... ... Sim Não
1. 3- Consegue fazer riscos entre duas linhas ... ... ... . Sim Não
1. 4- Consegue colorir figuras simples... ... . . ... ... ... Sim Não
1. 5- Consegue apanhar e atirar uma bola... . . ... ... ... Sim Não
1. 6- Consegue deslocar-se ao pé- coxinho ... ... ... Sim Não
1. 7- Reconhece as partes fundamentais do corpo (cabeça, tronco, braços,
mãos, pernas, pés, etc. )... ... ... . . ... ... ... . Sim Não
2. FACTORES DE COMPORTAMENTO ESCOLAR
2. 1- Escreve o nome em letras maiúsculas ou em letras minúsculas... ... ... ... ... Sim
Não
2. 2- Consegue identificar as letras do seu nome... ... . ... ... ... . Sim Não
2. 3- Consegue idenúficar a maioria das letras do alfabeto... ... . ... ... ... . Sim Não
2. 4- Consegue identificar os números de 0a 9... ... . . ... ... ... . Sim Não
2. 5- Reconhece a maioria das cores (vermelho, amarelo, azul, verde, laranja,
e lilás)... ... . ... ... . . Sim Não
2. 6- Reconhece as preposições (em cima, em baixo, ao lado, à frente,
atrás e enue) ... ... ... . Sim Não
2. 7- Sabe a morada... ... . . Sim Não
2. 8- Reconhece a sua mão esquerda e a sua mão direita... ... . ... ... ... Sim Não
2. 9- Reconhece e desenha figuras geométricas simples (círculo, triângulo
e quadrado) ... ... ... . . Sim Não
FACTORES DE COMPORTAMENTO SOCIAL
3. 1- Consegue fazer recados simples... ... ... ... ... . . Sim Não
3. 2- Consegue seguir orientações pequenas e simples ... ... ... . Sim Não
3. 3- Trabalha independentemente em tarefas simples ... ... . . Sim Não
3. 4- Tem boa relação com crianças da sua idade... ... ... ... Sim Nâo
3. 5- Tem boa relação com o adulto ... ... ... . Sim Nao

Totais: Sim Não

Rubrica do observador

336

DESPISTAGEM E IDEMIFICAÇ ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE APRENDl7


AGEM

FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DE DIFICULDADES


DE APRENDIZAGEM PARA O PROFESSOR PRIMÁRIO

NOME DO ALUNO: DATA DE NASCIMENTO: -/HISTÓRIA ESCOLAR: 1 ANO 0; 2


ANOS 0; 3 ANOS D

OBSERVAÇÕES :

DATA DE OBSERVAÇÃO:

Nuaca Às vergs fiequenu/ Sempre


'J'U 1 2 3 4
Lê palavra a palavra... . .
Leitura inferior ao nível da classe... ... ...
Pronuncia mal palavras
Dificuldade na produção de vogais... ... ... . . Confunde associação
som/símbolo... ... ...
Não rima palavras... ... . Não recorda palavras... . . Troca palavras na leitura
Inclina-se para a frente enquanto lê... ... .
Sai do lugar quando lê. . Escreve o que leu... ... ... .

ESCRITA
Prefere pintar...
Dificuldade em seguir o traço pedido... ... . . Inclina-se para a frente enquanto escreve.
. Não copia do quadro para o papel... ... ... . Copia as letras numa orientação errada...
. . Não desenha formas geométricas básicas. . lnclina demasiado as letras/palavras...
... .
Espaços inapropriados entre letras
Mantém a cabeça numa posição incorrecta enquanto
escreve
Esquece formação das letras/palavras... ... . Dificuldade em escrever nas Gnhas... ... ...
. Segura no lápis inapropriadamente... ... ... . Troca palavras/leaas enquanto escreve...
.

CÁLCULO
Não conhece as horas... . Não conhece os minutos

337

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlCA

Dif. correspondência um a um... . Nunca Às vezes Frequente/ Sempre


Não recorda números até 10... ... . . 1 2 3 4

Não recorda números até 20... ... .


Aritméúca inferior ao nível da classe... ... .
Usa dedos ou objectos para contar

DITADO
Incapaz de desenhar figura humana em proporção. . Coloca as letras fora de ordem
quando ditadas... ... .
Esquece rapidamente palavras ditadas... ... .
Escreve palavras de duas maneiras diferentes no mesmo
texto.
Confunde os sons das si abas... .
Ortografa inferior ao nível da classe... ... ...
Tem problemas de linguagem (pronúncia, articulação,
substituição). .

OUTRAS OBSERVAÇÕES PEDAGÓGICAS


Desenho pobre.
Usa palavras incorrectamente... . .
É desajeitado...
Faz trabalhos com má apresentação... ... .
Baixo nivel frust. racional Irrita-se facilmente... ... Chora facilmente... ...
Fracas relações de amizade... ... . .
Não reconhece esquerda/direita em si... ... .
Não reconhece esquerda/direita nos outros, nos objectos
e nas imagens
Apresenta coordenação (global e fina) pob
É desatento e hiperactivo... ... ... . .
Distrai os outros... ... ... ...
É rígido fisicamente e tenso em termos tonicocorporais
(hipertónico)...
Usa altemadamente as duas mãos para as actividades. .

TOTAL DE PONTOS... . .

Rubrica do observador

338

DESPISTAGEM E IDENTIFICA ÃO PRECOCE DE DIFICUI. IlADES DE APRENDl7


4GEM

Paralelamente à apresentação destas fichas de trabalho, a identificação


precoce pode ainda incluir outras vantagens, nomeadamente as seguintes:

1) Orientação de pais;
2) Detecção de sinais que escapam ao exame médico e psicológico e que têm
importância para o processo dialéctico da aprendizagem;
3) Predicção do potencial de aprendizagem visando a sua maximização; 4)
Recomendação edùcacional precoce;
5) Experimentação de processos de cooperação e de formação interdisciplinar
entre vários técnicos;
6) Evolução e desenvolvimento de processos e métodos pedagógicos; 7)
Prevenção de problemas de desenvolvimento;
8) Diminuição da dispedagogia, reduzindo o abismo entre o que o professor
oferece e aquilo que a criança pode revelar;
9) Investigação sobre as variáveis receptivas, integrativas e expressivas da
aprendizagem;
10) Formulação de objectivos pedagógicos para satisfazer as necessidades da
criança compensando as áreas fracas e reforçando as fortes, etc.

Não é demais salientar a importância da identificação precoce, não só porque


desencadeia uma enormidade de acções de inovação, que são fundamentais num
sistema de ensino mais democraúzante, mas também porque pode proporcionar, nos
períodos mais relevantes, a reunião em tempo útil das condições mínimas necessárias
ao desenvolvimento global da personalidade das crianças em situação de
aprendizagem mais sistemática.
A identiócação precoce deve ser simultânea com uma intervenção precoce, que
possa implicar a modif, cabilidade do potencial de aprendizagem, intervindo no
desenvolvimento da cognição, da psicomotricidade, da socialização, da linguagem e
da maturidade global requeridas para as aprendizagens escolares simbólicas.
A intervenção, quer em medicina, quer em educação, é tanto mais eficiente
quanto mais cedo for posta em práúca.
A intervenção, consequência de uma identificação precoce, pode evitar os
efeitos do falhanço ou do insucesso escolar, atendendo às causas múltiplas e
adoptando medidas de prevenção adequadas.
Independentemente de não existir acordo sobre a definição e o âmbito da DA,
não é justo proporcionar às crianças, logo no início da sua carreira educacional, uma
experiência gerante de inadaptações múltiplas. É necessário, na nossá óptica
prevenúva, detectar ou identificar crianças, mesmo que apresentem um nível de
realização normal nalgumas áreas de aprendizagem, mas que possam no entanto,
paralelamente, apresentar baixos níveis de realização noutras, particularmente nas
funções psicológicas de processamento de informação (cognitivas e linguísúcas), que
são mais significativas para uma evolução escolar normal.

339

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A identificação precoce das DA não pode ficar por intenções, muitas vezes
assinaladas por negligências e ignorâncias que persistem dramaticamente e podem
condicionar a evolução cognitiva de muitas crianças. A identificação precoce não pode
realizar-se em termos casuais circunstanciais ou assistemáticos, não pode persistir
acientífica ou desumana.
A identificação das DA, nalguns casos, não oferece problemas pela sua
obviedade; porém, noutros casos, só por investigações, que urge desenvolver
longitudinalmente, se pode atingir uma identificação mais rigorosa. O diagnóstico
grosseiro é perigoso, assim como uma identificação baseada em empirismos; daí que
ele se tenha de basear em investigações mais criteriosas e intensivas. Efectivamente,
quanto mais se souber de um dado domínio da aprendizagem, mais significado se irá
dando a determinados sinais, sinais que actuam eomo avisos ou alertas e que podem
ser modificados, desde que se equacione alternativas educacionais a tempo. Quanto
mais estudos práticos, tanto mais facilmente se chegará aos sinais que prevejam ou
induzam DA no futuro. Atribuir-se-á assim o valor e a importância que é necessário
reconhecer em tais sinais, podendo, a partir daí, determinar a natureza dos
problemas condicionantes da aprendizagem das crianças.
O progresso em DA tem muito a ver com o progresso dos meios de identificação
e de diagnóstico precoce, ou seja, com a evolução pré-escolar. Sem tal esforço, que
caberá à investigação psicopedagógica, deixamos escapar sinais e problemas de
difícil solução no fim do ensino primário ou no preparatório.
A fmalidade da identificação precoce não pode ser confundida com mais uma
situação de alarme ( etiqueta" ou rótulo) para os pais, para os educadores ou para
os professores. O flm deve ser outro: compreender a criança na sua totalidade,
estudar o seu perfll intraindividual, diferenciar as suas áreas fortes, hesitantes e fracas
e desenhar um programa educacional individualizado (PEI). Parece que nesta
abordagem a problemática da identificação precoce só interessa aos educadores, mas
a nossa perspectiva engloba também os sectores médicos e psicológicos, que por
vezes deixam escapar sinais de risco. Em certa medida, a identificação precoce,
quando implementada, não pode esquecer a sua componente de formação em
exercício, que urge implementar em médicos, psicólogos e professores ligados à
educação.
A adopção de atitudes de deixar andar esperar e ver; dê tempo ao tempo"
a criança há-de falar e de aprender" são por vezes comuns, deixando passar o período
precioso durante o qual seria mais eficaz intervir.
A localização e a identiftcação de sinais de risco devem sugerir medidas de
intervenção dos meios médicos (pediatras, enfermeiros, etc. ) e educacionais que
obviamente se devem coordenar mais adequadamente. Não interessa enviar as
crianças aos serviços quando se pensa que já nada se pode fazer por elas.

340

DESPISTAGEM E IDENTIFICA(ÃO PRECOCE DE DIFICUl. IlADES DE APRENDl7


AGEM

A identificação deve ser vista como uma despistagem epidemiológica, evitando


que inúmeras crianças fiquem desamparadas e sem apoio, sujeitas à arbitrariedade do
sistema de ensino e à negligência de alguns professores. Há muitas mais crianças que
necessitam de apoio do que aquelas que o recebem, e tal é tão válido para as crianças
deficientes como para as crianças com DA.
A identificação (screening), amplamente desenvolvida em múltiplos sectores da
saúde, necessita de ser igualmente aplicada, em tennos de rotinas de subrotinas
psicológicas, ao campo de educação, especialmente nas primeiras estruturas
materno-infantis, nos jardins de infância, no ensino pré-primário e na primeira fase do
ensino primário.
A organização e a coordenação de serviços, a aplicação de medidas
preventivas e a adopção de modelos de identificação de simples e económica
aplicação devem estar associadas a processos de encaminhamento e de intervenção,
que obviamente devem ser planif, cados a nível nacional, regional e local. Saber se a
criança precisa de um diagnóstico mais diferenciado e intensivo ou se precisa de
serviços adicionais mais elaborados pode ser muito importante para o seu futuro
desenvolvimento biopsicossocial.
A identificação precoce não pode ser vista como mais uma medida sofisticada
ou supértlua. Em termos de objectivos sociais, a identificação precoce pode salvar
tempo e dinheiro, pelo que em si constitui uma medida de intervenção mais económica
e mais socializadora.
A identificação precoce, na nossa perspectiva, pressupõe que o problema pode
ser modificado como resultado da aplicação, a tempo, de programas educacionais
individualizados. Efectivamente, quanto mais cedo se intervir, melhor, na medida em
que se joga com maior potencial do desenvolvimento adaptativo das crianças em
termos neuropsicológicos e porque também aí se pode modificar em melhores
condições o próprio envolvimento familiar. Quanto mais precocemente se intervir,
mais processos de compensação adaptativa se operam, como atestam os estudos de
psicologia do desenvolvimento. Quanto mais precoce a intervenção, maior e mais fácil
será a apropriação das aquisições motoras, linguísticas, emocionais e cognitivas etc. ,
visto obedecerem com maior precisão à hierarquia do desenvolvimento humano.
Porque algumas aquisições devem ser aprendidas antes de outras (Piaget, Myklebust,
Guilford, Vygotsky, etc. ), pela mesma ordem de ideias, e à medida que o tempo
passa, tanto maior será a distância que separará as crianças com possíveis DA dos
parâmetros adequados de tal hierarquia.
Para além deste objectivo da identificação precoce, não podemos apenas
implementá-la, sem a relacionar, em termos de serviços psicopedagógicos, com
meios de diagnóstico mais intensivos e aprofundados, bem assim como meios de
acompanhamento longitudinal, a que se deverão seguir, naturalmente, as aplicações
de programas educacionais de facilitação e enriquecimento motores, sensoriomotores,
da linguagem e da comunicação, de

341

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

processos de modificação de comportamento, de programas de desenvolvimento


perceptivo e cognitivo, de programas de aprendizagem das pré-aptidões da leitura, da
escrita, do cálculo, etc. , etc.
A aplicação de programas educacionais individualizados (PEI) implica que, ao
nível da escola regular, se adopte estratégias e actividades inter e intracurriculares,
visando inclusivamente uma participação mais cooperante entre os vários professores
e entre os próprios pais.
A individualizaçâo não é, por conseguinte, sinónimo de um professor para cada
criança. Longe disso.
A individualização advém da aplicação da identificação precoce. A
individualização envolve, portanto, uma melhor programação e uma melhor
planificação de situações e de materiais, com a simples fmalidade de ajustar as
condições do programa (condições exteriores) às aptidões da criança (condições
internas). A individualização é, em si, um processo de inovação e de personalização.
De inovação, porque implica uma nova forma de intervenções psicopedagógica e de
gestão e uma categorização do material didáctico e das ajudas de ensino. De
personalização, na medida em que o programa educacional só é desenvolvido com
base nas características das personalidades das crianças, i. e. , é centrado nas suas
necessidades educacionais específicas (NEE).
Na individualização, deve-se começar pelo nivel básico de adaptaÇão das
crianças. Deve-se começar por qualquer actividade que retrate inequivocamente uma
das suas áreas fortes. A escolha de uma actividade em que a criança possa aprender
sem insucessos é crucial e fundamental; por esse facto, as situações a seleccionar
deverão ser altamente motivadoras. A apresentação das tarefas deve surgir de uma
forma hierarquizada e sistematizada, reforçando e recompensando, de sucesso em
sucesso, todos os passos do programa educacional individualizado.
A identificação precoce, concebida nestes princípios, leva necessariamente à
criação de novos métodos de ensino, com planos mais detalhados e específicos e com
estratégias pedagógicas alternativas. Trabalhando com objectivos, adoptando meios
pedagógicos operacionais e apontando se os objectivos estão ou não a ser atingidos,
estaremos, provavelmente, mais próximos de cada criança, e mais aptos a
satisfazermos as suas necessidades, na medida em que poderemos acompanhar a
sua evolução e introduzir, com mais eficácia, melhores processos identificadores e
modificabilizadores do seu potencial de aprendizagem.
A prevenção das DA é possível e é necessária. Prevenindo problemas e
despesas futuras, eliminando as condições desfavoráveis que podem agravar o
potencial de aprendizagem e de desenvolvimento das crianças, podemos pôr em
prática em algumas das medidas mais correntes de ajustamento social, às quais o
sistema de ensino não poderá deixar de responder. O sistema de ensino não pode
continuar a aguardar pelo insucesso escolar das crianças, nem a esperar por
comportamentos e condutas desviantes ou incontroláveis.

342

DESPISTAGEM E IDENTIFIC A tlO PRECOCE DE DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM
I A identiflcação não é uma cura dessas condutas, mas, desde que seja bem
aplicada, é óbvio que ela minimiza efeitos secundários que se podem reflec
tir quer socialmente, quer educacionalmente.
Vejamos a nível mais pragmático a sequência de acções e de estratégias
que a identificação precoce encerra:
Identificação precoce
das necessidades específicas _
1
das crianças com DA i
I

Aceitação da DA

1 I
Investigação sobre Identificação
a DA da DA por --/
áreas e subáreas
DA identificada
i Intervenção
e DA não
reavaliação
identificada
Sucesso
L-- J Insucesso
g g
Fi ura 104- Estraté ias de identifcação precoce
343

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A dialéctica da aprendizagem humana é muito complexa; daí que o con ceito de


DA esteja já provavelmente ultrapassado, na medida em que ele integra, no seu seio,
um conceito de dificuldades de ensino (DE). Ao professor cabe ver o que ele oferece;
ao educando, o que ele pode fazer.
É preciso, pois, conhecer a criança no seu todo, é imprescindível que o
professor conheça o nível de funcionamento de cada criança, porque se o ignorar,
certamente que dessa condição advirão DA. As DE (dificuldades de ensino) ou
dispedagogia são, em muitos casos, as causas das dislexias e discalculias (DA); há
que reconhecê-lo, há que deixar de abusar do poder do adulto sobre a criança; daí
também uma das razões vitais da edificação de medidas de identificação e de
intervenção precoce.
Como temos vindo a defender, a despistagem ou a identificação precoce de DA
sugere a criação de métodos, programas e processos pedagógicos a adoptar no seio
da própria classe. Dentro deles devemos mencionar fundamentalmente a análise de
tarefas (task analysis), a educaÇão de aptidões (training abilities), para além da
estimula ão das modalidades psiconeurossensoriais (modality systems) e da utilização
do ensino clínico (clánical teaching).
Todos estes métodos procuram reunir os postulados da investigação
pedagógica, servindo como alicerces da identificação e como dados de planificação da
intervenção. Tais postulados devem ser discriminados nos seguintes princípios :

1) Individualização do problema;

2) Educação adequada ao perfil intraindividual das dificuldades; 3) Análise do


tipo de dificuldades, isto é verbal ou não verbal, intra ou
interneurossensorial;
4) Níveis de adaptação e de prontidão;
5) O input precede o output (exemplo: a compreensão auditiva precede a
expressão verbal);
6) Educação adequada aos níveis de tolerância, isto é, ter em linha
de conta o biorritmo atencional preferencial da criança, bem como os seus níveis de
motivação;
7) Estimulação multissensorial;
8) Educação adequada às dificuldades e às integridades;

9) Trabalho perceptivo ao nível da discriminação, da identificação, da imagem,


da memória e da simbolização, quer auditiva, quer visual;
10) Controlo das variáveis de espaço e tempo que possam maximizar
a atenção e todos os processos cognitivos subsequentes do processo de
aprendizagem.

Tomando em consideração todos estes aspectos, podemos, por um lado,


evitar o perigo de perspectivas exclusivamente somáticas e estereotipadas, e por outro
impedir que a escola imponha exigências que ten

344

DESPISTAGEM E IDEMIFICA ÃO PRECOCE DE DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM
dem a gerar a inadaptação escolar e a revelar os problemas das crianças em
vez de os compensar através da modificação de práticas educacionais (Kirk 1926).
Em educação, a criança não pode continuar submetida à autoridade dos
métodos. A educação deve partir do todo biopsicossocial da criança, fazendo com que
ela supere as suas dificuldades e se transforme num futuro cidadão livre, disponível e
culto, verdadeiramente integrado no seu contexto social.

345

caPfrui. o 9

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDIZAGEM

As perspectivas sobre as DA são inúmeras. Vejamos agora outra dimensão da


problemática da aprendizagem humana.
Podemos considerar que vivemos num período de inadaptações escolares,
situação esta que aumenta de importância com a expansão e a democratização do
ensino.
A epidemia das dificuldades de aprendizagem (DA) projecta-nos não só em
problemas pedagógicos, mas também em problemas organizacionais, económicos e
sociais. Vivemos numa sociedade competitiva, onde o diploma é sinónimo de salvo
conduto e de sobrevivência social. O êxito escolar impõe-se como uma hiperexigência
dos pais e, muitas vezes, como um meio de promoção profissional dos professores. A
sociedade impõe à instituição escolar uma dimensão produtiva, onde a matéria-prima
é a criança e o instrumento de produção o professor. Ambos são vitimas de um
sistema social que se exige transformar e permanentemente adaptar a novas
exigências e novos desafios sociais.
A sociedade competitiva paga mais salário ao individuo mais instruido, quem
aprende mais ganha mais; por isso, a escola surge-nos como centro de contradições
que a colocam num ponto privilegiado do sistema, dado que ela tem estado ao serviço
de processos de selecção social, não só através dos programas e das metodologias,
como fundamentalmente por meio dos seus processos segregacionistas de avaliação.
A escola desenvolve as noções de Kaluno perfeito" e de génio", que constituem
aspirações de pais e professores. Tal vertigem do sucesso vai concretizar-se sob a
forma de processos pedagógicos que mais não são do que repressões ideológicas que
se repercutem nos seres mais desfavorecidos e sensíveis, como são as crianças.
As cáusas das DA, nomeadamente da dislexia (dificuldades de leitura), da
disgrafia (da escrita), da disortografia (da formulação de ideias e da sua expressão
ortográfica) e da discalculia (do cálculo ou da aritmética) são fundamentalmente
sociais. Embora haja a diferenciar causas endógenas e exógenas, e endo-exógenas,
umas por dificuldade de processar a

347

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

informação, outras por problemas de motivação e por processos disfuncionais


interdependentes. O desfasamento social, a violência e os traumatismos provocados
pela sociedade de consumo geram desajustamentos afectivos e privações de
desenvolvimento que se reflectem na maturação global da criança e na sua prontidão
para a aprendizagem.
A criança que comece a levantar problemas escolares é tradicionalmente
segregada, precocemente segregada. Para além de ser umaferida narcisica do
professor, ela também gera, necessariamente, desequilibrios familiares. Os pais
colocam na escola a solução dos seus problemas, ambáguidades e aspira ões e os
professores fazem da crian a um objecto colonizado e esta, como ser mais
desprotegido, sofre as consequências desta inflação de inadaptações sociais. A
criança com dificuldades escolares é o sintoma patológico de uma sociedade em
desagregação e que, ainda por cima, se encontra sujeita a uma dupla repressão
ideológica. De um lado, o mito fascinante da familia, associado às tradicionais
superexigências ou aos habituais conformismos desinteressados. Do outro, a escola
que importa modelos pedagógicos e que avalia o comportamento da criança por meio
de instrumentos quefavorecem os vários tribalismos sociais. A escola e o professor
como seu agente, ao invés de compensarem as múltiplas desigualdades sociais,
podem, pelo contrário, requintar a divisão de oportunidades, isto é, dividir os que
sabem ler dos que não sabem ler, podendo estes só por si ficar condenados à
incultura, à ignorância, ao analfabetismo e à exploração se não forem tomadas
medidas de reorganização da aprendizagem. Não é por acaso que a maior
percentagem de dificuldades escolares recai em crianças que vêm de meios
socioeconómicos desfavorecidos. Será porque o professor pertence à classe média,
que ele desenvolve, inconscientemente, simbolismos de classe?
As aprendizagens escolares surgem à criança comofantasmas repressivos ue
vão desaguar numa multiplicação assustadora dos fracassos escolares. E interessante
notar que o inêxito escolar é um passaporte para a delinquência e para as condutas
sociopatológicas. O denominador comum dos delinquentes é a imagem aflitiva e
atribulada que a es ola lhes deixou no passado. A inadaptação escolar é o primeiro
passo para uma perturbação mental e, por isso mesmo, assume a característica de
um perigo social. Não restam dúvidas de que o inêxito escolar é um perigo, não só no
plano pessoal, social e económico, mas também nos planos educacional e cultural.
Para já, podemos tirar uma ilação: o êxito escolar é um sinal de higiene mental; êxito
na escola quer dizer, quase sempre, êxito na vida social.
A escola não pode fazer milagres - ela é o reflexo de um sistema social que a
limita e a condiciona. Não há dúvida de que desde que a criança nasce até que entra
para a escola, inúmeras desigualdades biossociais irão afectar o seu desenvolvimento
motor, perceptivo, linguístico, cognitivo e social, acabando por reflectir-se nas
aprendizagens da leitura, da escrita e do cálculo. Para que uma criança aprenda, é
necessário que se respeite várias integridades funcionais, nomeadamente: o
desenvolvimento perceptivomotor e a matu

348

DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM E APRENDIZAGEM

ração neurobiológica, para além de inúmeros aspectos psicossociais, como


sejam: oportunidades de experiência, exploração de objectos e brinquedos,
assistência médica, nível cultural, estilo de mediatização, etc.
O estrangulamento do espa o habitacional e residencial, a inexistêneia de
equipamento ludicossocial, o abandono a que é deixada a maioria das crianças não só
as privam da apropriação da experiência social, como as podem limitar no seu
desenvolvimento global. Todos estes aspectos apontam para a necessidade de um
ensino pré-primário como direito fundamental que se deve impor à construção de uma
sociedade mais justa. Só o ensino pré-primário poderia atenuar as grandes
desigualdades de desenvolvimento que se diferenciam cada vez mais com a idade.
Muitas crianças chegam no primeiro dia à escola sem o desenvolvimento de
determinados aspectos essenciais, como sejam: a aquisi_ ção de automatismos
motores, as coordenações da mão com a visão, a
eonsciência da sua lateralidade (que é essencial para a orientação espacial e
para o desenvolvimento neurológico da linguagem), a noção do seu corpo, isto é, do
seu eu integral, e outros tantos aspectos do comportamento psicomotor e emocional
que são necessários para as aprendizagens escolares.
Como se pode então realizar uma ampla prevenção das dificuldades
escolares?
À guisa de introdução, as dificuldades de aprendizagem estão, por
natureza, ligadas à inadaptação escolar, que surge como um reflexo da
democratização do ensino (que não é sinónimo, acrescente-se, de democratização
socioeconómica e sociocultural).
A aprendizagem escolar está muito ligada a uma atitude selectiva da
sociedade, que se reflecte na própria prática pedagógica do professor e na ansiedade
dos pais. Se a criança não alcança o êxito escolar, logo se suspeita de alguma
disfunção cerebral ou, eventualmente, de algum problema de maturação do sistema
nervoso.
A visão patológica do problema merece-nos várias reservas; no entanto,
parece apontar um rumo necessário ao estudo da adaptação e da inadaptação escolar.
Só pela perspectiva psicopatológica podem ser detectadas as discrepâncias de
aprendizagem que nos poderão fornecer instrumentos preventivos.
Para além dos problemas de inêxito escolar estarem dependentes de
uma análise crítica dos contextos socioeconómicos e socioculturais das familias das
crianças, não restam dúvidás de que o estudo da neuropsicologia da aprendizagem se
torna evidente para a compreensão de um fenómeno tão complexo como é a
aprendizagem humana.
Devemos combater a inflação das dificuldades de aprendizagem e para tanto é
fundamental analisar o problema de fundo.
i As condições psiconeurológicas da aprendizagem, como vimos noutros
capítulos, podem esclarecer-nos acerca da razão da disfunção e da adaptação

349

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

a que certas crianças estão sujeitas. A aprendizagem não é uma aquisição puramente
instrumental - ela encerra em si uma significação pessoal e social que não se pode
esquecer.
Atingir o sucesso na aprendizagem exige a satisfação de determinadas
integridades básicas. A criança aprende normalmente quando certas condições estão
presentes e quando são proporcionadas oportunidades adequadas.
Três tipos de integridades devem ser considerados:

1) Factores psicodinâmicos e sociodinâmicos; 2) Funções do sistema nervoso


periférico (SNP); 3) Funções do sistema nervoso central (SNC).

INTEGRIDADES DA APRENDIZAGEM

Factores psicodinâmicos e sociodinâmicos

As dificuldades de aprendizagem devem ser equacionadas em termos de


envolvimento psicogenético, sendo assim penetradas por problemas de motivação e
de ajustamento. Destes aspectos ressalta o problema da identificação (Piaget 1950 e
Erickson 1950), na medida em que a criança desenvolve a sua comunicação total,
verbal e não verbal, em função do modelo de identificação dos pais, especialmente da
mãe (Spitz 1963).

350

Figura 105 - Integridade da aprendizagem

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDIZAGEM

A linguagem é talvez o primeiro acto expressivo distintamente humano e social


que nos coloca na problemática da identificação, visto que é materializada em primeiro
lugar pela compreensão auditiva.
Para que a criança se exprima pela linguagem é necessário que se observe uma
hierarquia da identificação, isto é, a criança tem de ouvir e compreender primeiro as
palavras emitidas pelos adultos e só depois exprimir--se por meio delas. Da mesma
forma que tem de aprender primeiro a ler e só depois exprimir-se pela escrita seguindo
os processos pré- estruturantes neurofuncionais que ilustram o sentido evolutivo dos
sistemas funcionais de aprendizagem; primeiro, os sistemas receptivos (input), e
posteriormente os expressivos (output).
A comunicação humana é total e dialéctica, visto que se observa múltiplas
dependências entre o gesto (comunicação não verbal) e a palavra (comunicação
verbal), uma antecedendo a outra, visto traduzirem o resultado da hierarquia da
experiência humana.
O papel da comunicação humana total coloca-nos um problema muito mais
geral: a imitação, que em si já é um misto de movimento, emoção e representação. A
imitação não é mais do que a habilidade para interiorizar e incorporar a realidade.
Interiorização essa que compreende um meio de assimilação do mundo exterior (Piaget
1950). Para que a aprendizagem se torne um facto, é necessário operar-se na criança
uma apropriação (psicogenética e sociogenética) de inúmeras aptidões extrabiológicas.

Função do sistema nervoso periférico (SNP)

A criança aprende por recepção de informação através dos sentidos, isto é, em


linguagem cibernética, por sistemas de input. As funções sensoriais estão envolvidas
na aprendizagem simbólica, na medida em que a recepção de estímulos do mundo
exterior é sinónimo da captação atencional de uma certa energia. O conjunto dos
estímulos recebidos pela visão, pela audição e pelo sistema tactiloquinestésico é
essencial para a edificação do processo da aprendizagem.
A privação sensorial do deficiente visual leva-o a integrar a informação pela
audição e pelo sentido tactiloquinestésico; daí a importância destas duas avenidas
sensoriais para a sua aprendizagem simbólica. Da mesma forma, o deficiente auditivo
integra a informação pela visão e pelo sentido tactiloquinestésico; daí o papel do gesto,
da expressão facial e oral e também da leitura labial no processo de comunicação
nestes casos.
O sistema nervoso periférico (SNP) é portanto responsável pela recepcção da
informação do mundo exterior através dos receptores (R), para além de a transportar
por vias aferentes (centrípetas, isto é, que transportam informação de fora para
dentro) até à medula, e desta ao córtex, onde se encontra o sistema nervoso céntral,
cuja característica fundamental é possuir fronteiras ósseas (vértebras e crânio).

351

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

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DIFICUIDADES DE APRENDl7 AGEM E APRENDIZAGEM

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353

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

No caso da recepção do estimulo auditivo, é necessário que um vibrador


(laringe, campainha, etc. ) produza um sinal acústico, que é transportado por meio do
ar até ao líquido do ouvido interno, que por sua vez comunica com o nervo coclear e
passa pelas estruturas olivares, limniscais e culiculares, antes de atingir o córtex
auditivo (Figura 106).
Esta é, de uma forma esquemática, a dinâmica de processamento da
informação auditiva, que no ouvido humano está apto a detectar 340 000 diferenças de
frequência e de intensidade.
No caso da recepÇão do estimulo visual, a captação da informação vai também
originar uma série de tratamentos de sinais que envolve complexos movimentos
reflexos dos músculos dos olhos, exploração espacial, focagem e fixação da visão,
ajustamento figura-fundo, etc. Ambos os olhos se conjugam numa coordenação
binocular, concretizada por movimentos sincronizados finos que vão permitir a
transmissão da energia da luz ao córtex occipital, o que pressupõe um certo grau de
sensibilidade na retina (Figura 107).

ESTIMULAÇÃO

TRANSMISSÃO ANÁLISE SÍNTESE

Figura 108 - Processamento da informação tactiloquinestésica

354

DIFICULDADES DE APRENDI?AGEM E APl I D 7 G

No caso da recepção dos estímulos tactiloquinestésicos, a captação da


energia tem por fronteira a pele, isto é, o envelope do nosso corpo. Mais uma vez, a
recepção da energia é realizada por receptores do próprio corpo; daf a sua designação
de proprioceptores, ao contrário dos anteriores, isto é, visão e audição, designados
por exteroceptores ou telerreceptores.
No caso da aprendizagem, seja escolar, seja profissional, o
processamento da informação do mundo exterior passa por uma série de processos
neurológicos antes de ela ser integrada, seleccionada e retida.
Os sentidos podem ou não enviar ou transmitir informação da periferia ao centro,
e isso é uma tarefa do SNP. Necessariamente que o caudal de informação pode ser
saturado ou defcitário. No primeiro caso, o SNP não é capaz de integrar; no segundo
caso, dá-se a privação sensorial por carência de experiência ou por falta de
oportunidade. Em qualquer dos casos, uma deficiência no SNP, quanto à recepção
ou à transmissão de informação ao SNC, pode comprometer o processo de
aprendizagem. A aprendizagem é o resultado da integração e da transformação de
uma informação, que interfere naturalmente com o desenvolvimento normal e com a
maturação neurobiológica do indivíduo:

Funções do sistema nervoso central (SNC)

A integridade do SNC é um requisito indispensável à aprendizagem normal. A


disfunção do SNC apresenta, em termos de comportamento, vários efeitos
neurossensoriais que se podem traduzir em dificuldades de aprendizagem.
No caso das incapacidades de aprendizagem (afasia, apraxia, alexia, etc. ),
pode tratar-se de uma lesão ou de uma destruição anatomofuncional de regiões do
cérebro.

355

Figura l09 - Desordens do SNP e do SNC


lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGf7GICA

No caso das dificuldades de aprendizagem (disnomia, dislexia, discalculia, etc.


), pode tratar-se de uma desorganização funcional cerebral.
A disfunção do SNC pode ser motivada por ausência de informação ou por
deficientes processamento e tratamento. Em qualquer dos casos, o comportamento
da aprendizagem encontra-se desajustado.
A história da investigação nas dificuldades escolares é muito recente, mas ao
mesmo tempo segregativa. Durante muito tempo, as crianças e os jovens com
dificuldades de aprendizagem (DA) foram rotuladas de uatrasadas mentais", de
inadaptadas", de privadas sensorialmente e perceptivamente, de emocionalmente
perturbadas", de hiperactivas e turbulentas, etc. Depois de algum tempo, a
experiência demonstrou a imprecisão dos termos e a ausência de meios diagnósticos
precisos. No momento actual, no entanto, o problema das dificuldades de
aprendizagem, não podendo por si só ser explicado numa via organicista, pode no
entanto lançar-se na descoberta do estudo das relações cérebro-aprendizagem e das
suas conexões dialecticofuncionais.
A criança com DA não apresenta anormalidades neurológicas nem disfunções
catastróficas; porém, evoca-nos que algo se passa nos níveis superiores de integração
onde se alicerça todo o fenómeno da aprendizagem simbólica.
O cérebro é composto por sistemas semi-independentes, que umas vezes
funcionam independentemente dos outros, outras vezes funcionam suplementar ou
inter-relacionadamente.
O sistema auditivo pode funcionar semiautonomamente com o sistema visual,
no caso da leitura oral, ou com o sistema tactiloquinestésico, no caso do ditado.
O cérebro funciona em três tipos de aprendizagem neurossensorial, que
convém esquematizar:

Aprendizagem intraneurossensorial

Quando um processo de informação é relativamente independente dos outros


processos.
Ex. : O processo auditivo compreendendo discriminação, sequência e
compreensão da linguagem falada no diálogo.

Aprendizagem interneurossensorial

Quando dois ou mais processos de informação funcionam em relação, mesmo


conduzindo diferentes informações (equivalência sensorial).
Ex. : Leitura oral, que compreende discriminação visual e reintegração auditiva
da leitura oral.

356

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDl7 AGEM


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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Aprendizagem integrativa

Quando se processa a integração da experiência tornando possível a sua


significação. Significação essa entendida como um conjunto de dados e de atributos
que definem todas as integrações da realidade traduzidas em eomportamentos
intencionais, que transportam uma finalidade, isto é, a satisfação de uma
necessidade interna (motivação).
Em resumo, a aprendizagem é um comportamento, isto é, uma relação
inteligível entre a situação (conjunto de estímulos do mundo exterior; papel, lápis,
letras, números, etc. ) e a acção (adaptação, escrever, desenhar, ler, cantar, pintar,
etc. ), que põe em jogo estruturas neurológicas de recepção, integração, controlo e
expressão, em que os aspectos biológicos não se opõem aos aspectos sociais, isto é,
em que as condições de aprendizagem da criança (condições externas) não se opõem
à competência cientificorrelacional dos professores e dos adultos socializados
responsáveis pela sua educação global (condições externas).
A constelação dos problemas que se levantam é muito complexa e por isso não
nos é possível resumir aqui a sua totalidade. Numa tentativa de reflexão apresentamos
apenas algumas ideias e adiantamos algumas sugestões.
Para já, repensar a criação de clínicas psiquiátricas e de consultórios
psicopedagógicos de luxo e criar, ao nível do país, vários centros regionais ou locais
de diagnóstico e de intervenção pedagógica, que permitiriam apoiar os professores
nos casos mais complexos, através de despistagens precoces que assegurassem, a
tempo, uma intervenção reorganizada a fim de se recuperar crianças tendencialmente
iletradas. Por outro lado, edificar centros de recursos e de investigação pedagógica
que estimulassem aformaÇão cientificopedagógica de todos os educadores e
professores, impedindo formações aceleradas e extremamente superficiais em termos
clínicocientíficos que tendem a prejudicar o potencial indispensável a qualquer país, ou
seja, as suas crianças e a sua educação.
Estender um ensino pré-primário o mais rapidamente possivel a todas as
camadas sociais, nomeadamente junto dos Iocais de produ ão, mobilizando e
acarinhando as formações materno-infantis e realizando amplos projectos preventivos
de apoio social e médico familiar.
Fomentar a formação de psicólogos escolares e de professores especializados
que dariam apoio ao nível da escola, evitando ortopedias pedagógicas e valorizando
melhores meios deformação permanente e de reciclagem.
Apoiar investigações que estudem crianças disléxicas em comparação com
crianças adaptadas escolarmente, detectando variáveis e realizando posteriormente
trabalho preventivo, por meio de programas não só psicomotores, mas também
grafomotores e cognitivos, proporcionando, formas adequadas de aprendizagem de
acordo com os graus de maturidade neurológica, psicobiológica e cognitiva das
próprias crianças.

358

DIFICU1, IlADES DE APRENDIZAGEM E APRENDl7 AGEM

Não podemos esquecer que a aptidão para a leitura, ou para as outras


aprendizagens escolares, exige a equação de inúmeros factores, dos quais
destacamos os seguintes:

1) Factores psicodinâmicos, como já vimos, que incluem a


maturidade global; o crescimento da criança; a organização cerebral e a sua
estabilidade; a consciencialização da imagem do corpo; a visão; a audição; a
psicomotricidade e o funcionamento dos órgãos da linguagem articulada, etc. ;
2) Factores sociais, que incluem o nível económico, cultural e
linguístico dos pais; a experiência mediatizada da criança; a oportunidade de jogo e de
espaço que a criança tem, bem como a sua variabilidade, cuja existência ou
inexistência necessariamente condiciona o desenvolvimento do vocabulário e a
maturação cognitiva; as atitudes sociais perante a leitura e, fundamentalmente, a
qualidade da vida familiar e todas as relações sociais que influenciam directamente a
segurança e o desenvolvimento global da criança;
3) Factores emocionais, motivacionais e de personalidade, que
incluem a estabilidade emocional, a concentração e o controlo da atenção, que são
dependentes do grau de autocontrolo tónico que a criança possui e que influenciam a
atitude e o desejo de aprender;
4) Factores intelectuais, que incluem a capacidade mental global, as
capacidades perceptivas e psicomotoras; a discriminação auditiva e visual e as
capacidades de raciocínio e de resolução de problemas e de situações novas, que
reflectem, no seu todo, o comportamento adaptativo da criança em que se relacionam
aspectos da comunicação verbal com os da comunicação não verbal.

A relação destes problemas é que traduz a aptidão para a leitura e para as


outras aprendizagens escolares. Esta aptidão não se consegue apenas como
resultado do crescimento. Os pais, e a sociedade em geral, têm de estar alertados
para garantirem à criança o conjunto de factores de desenvolvimento apontados, antes
de ela entrar na escola. Aprender a ler exige não só uma maturação de estruturas de
comportamento, mas também uma aprendizagem prévia (pré- aptidões) que possibilite
à criança o prazer de aprender eficientemente e facilmente.
Para ler é preciso associar o símbolo gráfico (que se vê) a uma componente
auditiva que se lhe sobrepõe e lhe confere um significado.
A leitura é, portanto, um duplo sistema simbólico que representa a realidade e
a experiência. A hierarquia da linguagem humana passa primeiro por ouvir a
linguagem do adulto socializado, antes de a compreender, para depois a utilizar. A
aprendizagem da leitura passa primeiro pela relação simbólica entre o que se onve e
diz e o que se vê e lê. A criança só assim pode vir a aprender a ler, e mais tarde, a
escrever. Para que este processo resulte sig

359

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

nificativo, a criança tem de desenvolver instrumentos cognitivos de análise e síntese


que são aqueles que apontamos atrás.
A criança disléxica não pode continuar a ser vítima de uma segregação que a
coloca como criança mental e emocionalmente perturbada. A criança disléxica tem
uma inteligência dita normal, não tem problemas sensoriais de visão ou de audição,
não apresenta deficiência motora nem perturbações emocionais. A criança disléxica
quer aprender a ler. Desesperadamente, é preciso ajudá-la onde a sociedade e a
escola falharam.

Significado Audição Visão Experiência Palava Palavra


faladaescrita aG-A-T-0 HGATO

Figura lll - A leitura como duplo sistema simbólico

A aptidão para a leitura exige, portanto, a maturidade de factores


perceptivomotores, cognitivos e simbólicos que muitas vezes não são proporcionados
à criança através dos seus primeiros educadores, que são os pais. Este problema
remete-nos para outra necessidade, que é a criação de escolas de pais que deveriam
dinamizar-se ao nível local numa verdadeira revolução cultural, mobilizando equipas
interdisciplinares de técnicos e especialistas com base na instituição escolar.
Outra sugestão, e esta é fundamental, é que devemos pensar na escola para a
criança, e não no contrário. Tal exige o abandono do ensino despersonalizado e
normalizado, com base em programas-tipos e sugestões-tipos para a criança-tipo. É
urgente pensar-se que a criança é um ser com uma história dentro de outra história,
um ser único, total e evolutivo; para isso, o professor deve munir-se de meios que
permitam observá-la no plano da compreensão auditiva, da linguagem falada, da
percepção e da orientação no espaço, da coordenação motora global e fma da
sociabilidade. Só nesta dimensão de variáveis de comportamento o professor ou o
educador podem organizar o perfil de integridades e de necessidades da criança.
Iiá que evitar o homunculismo cultural, dado que cada criança tem as suas
características peculiares, que devem ser conhecidas e diagnosticadas previamente,
a fim de conduzir lucidamente a aprendizagem ao seu nível de compreensão e não
introduzir uma aprendizagem hermética e ilógica onde só sobrevivem os mais
privilegiados e protegidos.
360

CAPÍTULO 1 O

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS


COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Como já estudámos, a criança com DA caracteriza-se por uma inteligência


normal (QI % 80), por uma adequada acuidade sensorial, quer auditiva, quer visual,
por um ajustamento emocional e um perfil motor adequados. Por exclusão, não pode
ser confundida com uma criança deficiente mental, pois não possui uma inferioridade
intelectual global. Não é uma criança deficiente visual ou amblíope, nem defciente
auditiva ou hipoacuscia, pois os seus sistemas sensoriais não apresentam anomalias
sensoriais de acuidade. Não evidencia perturbações emocionais severas, nem
apresenta uma motricidade disfuncional.
As suas principais características compreendem uma dificuldade de
aprendizagem nos processos simbólicos: fala, leitura, escrita, aritmética, etc. ,
independentemente de lhe terem sido proporcionadas condições adequadas de
desenvolvimento (saúde, envolvimento familiar estável, oportunidades socioculturais e
educacionais, etc. ). A criança com DA manifesta uma discrepância no seu potencial
de aprendizagem e exibe uma diversidade de comportamentos que podem ou não ser
provocados por disfunção psiconeurológica. Manifesta frequentemente dificuldades no
processo de informa ão, quer ao nível receptivo, quer ainda aos níveis integrativo e
expressivo.
Usualmente revela-se como uma criança inteligente, embora claudique na
escola. Inverte letras: d, por b, uu por n; números: 6" por 9, ou lê bar" por
dar", ou 96" por 69", etc. Esqueee-se com frequência, Não aprende sequências
dos dias da semana, dos meses ou das estações do ano, uFala em histórias
fabulosas, mas não consegue saber quantos são 2 + 2". Por vezes é tagarela, não
pára de falar Está em perinanente actividade, não se concentra, é muito distraída e
teimosa".
Para além destas características muito gerais, a criança com DA apresenta
outros problemas que vamos de seguida abordar sumariamente, de uma forma
sistemática, com a finalidade de permitir essencialmente a identiflcação, mais ou
menos precisa, das suas necessidades educacionais.

361

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

uEsforça-se por aprender mas não consegue, Perde objectos,


Frequentemente é muito desorientada, É trapalhona a falar Coordena mal os
movimentos". Sabe muitas coisas mas não aprende a ler", etc.

Estas afirmações, recolhidas na nossa experiência clínica psicoeducacional


quando entrevistamos os pais, têm naturalmente, uma inexcedível significação como
sinais de caracterização da criança com DA.

Figura 112 - Problemas da criança com DA

Problemas de atenção

Muitas crianças com DA apresentam dificuldades em focar ou em fixar a


atenção, não seleccionando os estímulos relevantes dos irrelevantes.
Dispersam-se com muita frequência, sendo atraídas, mais usualmente, por
sinais distrácteis. Por outro lado, não mantêm por mais tempo as funções de alerta e
vigilância. A sua desatenção pode ser motivada por carência (inatenção) ou por
excesso (superatenção). Em ambos os casos, a fixação anormal ou a afixação em
pormenores supérfluos e pouco significativos impedem que se processe a selecção da
informação necessária à aprendizagem.

362

AlrG UMAS CARACTERfST ICAS DAS CRIAN(AS COM DIFICULI7ADES DE


APRENDIIAGEM

Parece verificar-se um descontrolo do reflexo básico de orientação, não 9e


seleccionando nem se explorando convenientemente os estímulos.
As crianças com DA apresentam normalmente problemas de selecção quando
dois ou mais estímulos estão em presença. A existência de esúmulos compeútivos
perturba estas crianças, tanto ao nível visual como ao nível eudiúvo.
A distcacção parece interferir com a percepção e, subsequentemente, com a
aprendizagem. Sabe-se hoje que a atenção é controlada pelo tronco cerebral, mais
exactamente pela substância reticulada, que tem por função regular a entrada e a
selecção integrada dos estímulos, bem como a criação de um estado tónico de
controlo (primeira unidade de Luria 1975) que é dispensável à aprendizagem. Uma
vez afectada esta unidade funcional, o córebro fica impedido de processar e conservar
a informação, pondo em riscofunções de descodificação/integração e de codificação.
Na criança com DA registam-se alterações e flutuações na atenção selectiva e
nas suas duração e extensão. Os sistemas de acúvação, de excitação, de inibição e
de integração neurossensorial evidenciam disfunções reticulo c icorreticulares e vários
descontrolos talâmicos, que impedem a atenção para fazer face às situações ou
tarefas durante um período de tempo razoável, prejudicando, por esse facto, o
tratamento subsequente e consciente da informação. Pode dar-se a este nível,
segundo alguns investigadores, uma espécie de bloqueio no processamento de dados,
não possibilitando a análise e a síntese cortical dos estímulos necessários à
aprendizagem e mais testados na segunda unidade funcional de Luria 1975.
Muitas tarefas de aprendizagem requerem da parte do indivíduo um isolamento
crítico e pré-perceptivo de vários estímulos que é muitas vezes inacessível às crianças
com DA. Não se operando uma selecção da informação, o córtex pode encontrar-se
em permanentes dificuldade e confusão para separar a informação supérflua e parasita
da informação relevante e necessária. Outras tarefas, porém, exigem a mudança, a
transferência e a pilotagem controlada da atenção, o que muitas vezes não ocorre nas
crianças com DA.
A atenção depende de outras variáveis como a motivação, a hiperacúvidade, a
impulsividade, o biomtmo preferencial, a presença de estímulos simultâneos, a
função intraneurossensorial da figura-fundo e centroperiférica, a complexidade da
tarefa, a sequencialização das operações em causa, a observância de condições que
ocorreram antes e durante as situações, o tipo de reforço em causa, o nível da
experiência anterior, o estado emocional do momento, etc.
Muitas destas condições ocorrem nas situações de aprendizagem, e muitas
delas não podem ser imputadas à criança com DA. A ocorrência de muitos estímulos,
como acontece em muitas salas de aula (permanente barulho exterior, proximidade de
recreios e ruas agitadas, várias classes a funcionar ao mesmo tempo, quadro repleto
de informação visual mal estru

363

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

turada espacialmente, salas carregadas de estímulos nas paredes, ausência de


rotinas, fracas apresentação e exposição da informação, etc. ) tendem a desorganizar
a criança. Em muitos casos, é necessário minimizar os estímulos competitivos e
iirelevantes.
A atenção compreende uma organização interna (proprioceptiva,
tactiloquinestésica) e externa (exteroceptiva, visual e auditiva) de estímulos,
organização essa indispensável à aprendizagem, caso contrário as mensagens
sensoriais são recebidas mas não integradas.
Em complemento, é preciso igualmente renovar e inovar os materiais didácticos
e a apresentação dos estímulos. A atenção humana é sensível à intensidade dos
estímulos, ao contraste da sua delimitação com outros estímulos simultâneos, ao
tamanho, à cor, à posição e à relação espacial à própria novidade e às manipulações
dos mesmos, etc.
Na maioria dos casos, os materiais, os programas e os processos de
transmissão cultural na escola não respeitam estas componentes da atenção, isto é,
não possuem os necessários requisitos de motivação, entusiasmo, curiosidade e
reforço que reclamam da parte da criança a mobilização e a estabili zação da atenção
necessárias à aprendizagem consciente. Neste campo muito há a fazer, e sobretudo a
investigar, para optimizar os niveis de atenção, normalmente alterados na maioria das
crianças com DA.

Problemas perceptivos

Dentro dos problemas perceptivos mais estudados nas crianças com DA


destacam-se os visuais e os auditivos.
A criança com DA revela certas dificuldades em identificar, discriminar e
interpretar estímulos. Os primeiros processos de tratamento da informação sensorial
parecem apresentar ambiguidades, sincretismos, confusões, hesitações, distorções,
falhas de processamento neurossensorial, etc.
Segundo M. Frostig, 50% das crianças na primeira fase (l. o ano de
escolaridade) possuem um inadequado desenvolvimento perceptivo que tende a
repercutir-se nas DA, quer quanto à leitura e à escrita, quer quanto ao cálculo.
Embora a aprendizagem envolva processos psíquicos superiores (re= tenção,
integração, conceptualização, etc. ), não restam dúvidas de que ela também depende
de processos psíquicos automáticos (atenção, discriminação, identificação, figura-
fundo, descodificação, sequencialização, análise, síntese, completamento,
reconhecimento primário, memória de curto termo, recodificação, etc. ), em que as
crianças com DA manifestam problemas de várias ordem.
O processo perceptivo humano envolve processos de recepção, transdução e
integração de informação muito complexos, a que já nos referimos em capítulos
anteriores.

364

AI, GUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

Para a percepção se dar é necessário que se opere uma estimulação


sensorial, e dentro dela há que contar com o tipo de modalidade sensorial que está em
causa, a sua natureza, as características da situação e da sua proxitnidade, o nível
de desenvolvimento sensorial, i. e, de experiência anterior, etc. Só depois da
observância destas condições se pode analisar a percepção, percepção esta
resultante de processos de selecção e de interpretação operados no cérebro, quer
intraneurossensorial, quer interneurossensorialmente e integrativamente.
Segundo Skeffington, citado por Getman (Mendes, N. e Fonseca, V.
da, 1978), o desenvolvimento perceptivovisual normal emerge da multi-integração dos
seguintes processos sensoriomotores (Figura 74, pág. 231):

Processo antigravitico, que engloba as aquisições motoras básicas


(reptação, quadrupedia, controlo postural, locomoção bípede, etc. ) decorrentes
essencialmente de leis de maturação neurológica - lei cefalocaudal e lei proximodistal;
Processo de interiorização corporal e espacial, que resulta da construção
da imagem do corpo e, subsequentemente, da lateralização e da direccionalidade,
que por implicação vão estar na base das funções de orientação e de exploração (
radar do Eu ou radar endopsíquico);
, Processo de idenrifrcação e de manipulação, que decoire do
contacto com o real e com os objectos. A acção sobre os outros e com os outros,
mediatizada com os objectos, verdadeiros representantes dos outros e dos seus
afectos, proporciona a descoberta dos mesmos. Descobena essa realizada pela
preensão fina, dado que os objectos passam a ser reconhecidos nos seus atributos,
propriedades e características. A visão, coordenando a exploração da mão, vai
integrando os seus feed-backs tactiloquinestésicos, criando imagens que se vão
diferenciando e consolidando, permitindo, por consequência, a (re)experimentação
visuoperceptiva dos aspectos motores;
Processo auditivoverbal (linguagem), que encerra as relações
auditivoverbais e visuomotoras que em unidade implicam a génese da linguagem. A
nomeação dos objectos, a sua identificação, a comparação e a diferenciação, etc.
são combinadas em função da acção sobre eles. Destas relações sensoriomotoras
emergem as relações perceptivossimbólicas que vão estar na base do
desenvolvimento intraperceptivo e interperceptivo.
O desenvolvimento perceptivo, como acabámos de ver, compreende
uma hierarquia que tem a sua origem no desenvolvimento motor, de onde poderão
emergir dificuldades de diferenciação e de estruturação perceptiva.
A percepção subentende a capacidade para extrair signi Jcação do
envolvimento, como resultado da experiência e da prática com a estimulação.

365

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Compreende, como afirma Gibson 1969, um processo activo no sentido de uma


exploração que por sua vez produz estimulação em feed-back, posteriormente
integrada no cérebro.
A capacidade peceptiva de discriminar, analisar, sintetizar, reconhecer e
armazenar estímulos e suas relações está indissociavelmente ligada à manipulação de
objectos e à elaboração de respostas simples, compostas e complexas. O
reconhecimento do objecto (contorno, forma, comprimento, largura, orientação, etc.
) é inseparável da sua manipulação, motivo pelo qual a percepção envolve
reciprocamente uma componente motora (processo perceptivomotor).
Compreendemos agora porque é que as crianças com DA apresentam vários
problemas motores e vários problemas perceptivos.
A criança com DA é normal em termos intelectuais; porém, o seu sistema
nervoso não recebe, não organiza, não armazena e não transmite informação visual,
auditiva e tactiloquinestésica da mesma maneira que uma criança normal.
A criança com DA manifesta discrepâncias entre a capacidade para
compreender acontecimentos, experiências e ideias e a capacidade para aprender a
ler, soletrar, escrever ou calcular. Neste caso, parece que a criança com DA
manifesta dificuldades em distinguir, detectar, diferenciar, escrutinar e investigar
símbolos subtilmente semelhantes mas com significados muito diferentes.
A criança com DA tem dificuldades em seguir explicações e instruções verbais
que ocorrem na sala de aula ou em distinguir no quadro muitos e variados dados.
A criança com DA, em muitos casos, assume uma dis, função perceptiva; por
isso tem dificuldades em formar percepções tão refinadas e organizadas como as que
são necessárias para aprender. Percebe mal a informação sensorial, subvaloriza
detalhes importantes, ou então supervaloriza pormenores que alteram a noção do
todo. Compreende aspectos do todo, mas não consegue compreender as relações
das partes que o constituem. Ouve significações, mas perde-se quando toma atenção
à estrutura da informação. Confunde auditivamente as estruturas das palavras e,
como consequência, perde o seu significado. Distrai-se com sinais, sons e ideias que
são interessantes e significantes para si, mas irrelevantes para o objectivo específico
das tarefas ou situações do momento.
Para nos apercebermos destas dificuldades, basta lembrarmo-nos do que nos
ocorre quando conduzimos automóveis em dias de intensa chuva ou de nevoeiro. Aí,
para além da insegurança característica da situação, as formas dos objectos tomam
um aspecto bem diferente daquele que se verifica em condições normais de
luminosidade. Em dia de nevoeiro a nossa condução (acção) é imprecisa, incerta,
cautelosa, hipercontrolada, nervosa, etc. , exactamente porque as nossas
percepções já não são seguras, claras e adequadas.

366

ALGUMAS CARACTERISTICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE


APRENDI?AGEM

Não é de estranhar, ponanto, que as crianças com DA sejam inquietas,


ruidosas, disparatadas, turbulentas, excitadas e distraídas; algumas até apre
sentam problemas de controlo dos seus impulsos, podendo tornar-se agressii
vas, insaúsfeitas, frustradas e instáveis emocionalmente. Por outro lado, o
facto de as suas percepções serem inadequadas poderá levar a conclusões
1mperfeitas e a problemas de formulação ideacional que se reflectem em ter
mos de ajustamento socioemocional.
Para estas crianças com problemas percepúvos, o aprender numa classe
regular torna-se, evidentemente, bastante complicado. As suas perturbações
pecepúvovisuais dificultam-lhes a compreensão de muitos dos materiais de
aprendizagem. As suas dificuldades perceptivoauditivas comprometem-lhes
0 apuramento de significações nas explicações e instruções do professor. As
confusões que fazem ao pensar levam-nas a confusões de compreensão e a
conclusões erróneas que se tornam embaraçosas para si mesmas e para os
outros.
i- Com perturbações percepúvas arrastadas ao longo dos anos de escola
ridade, a criança com DA toma consciência dos seus problemas, desenco
rajando-se e automarginalizando-se; deixa de gostar da escola e lança mão
de vários meios de afirmação com falsas saúsfações que podem pôr em risco
a sua futura adaptação social.
ç Efecúvamente, os distúrbios perceptivos, visuais e auditivos interferem

com a aprendizagem simbólica, embora possam ser dificilmente reconhecidos


na fase das aprendizagens não simbólicas, ou seja, no período pré-primário,
onde urge fazer também uma idenúficação precoce.
A aprendizagem exige a integridade das nossas modalidades sensoriais.
% A visão é provadamente o maior canal de aprendizagem. Getman esta
6elece, nesta linha, um paralelismo recíproco entre a visão e a inteligência,
afirmando que aquilo que uma criança vê e compreende, ela conhece,
, 0lhar e ver são diferentes em termos semânticos e em termos cognitivos.
Uma coisa é a acuidade visual; a outra é a diferenciação, a estruturação
e a retenção da informação visual, isto é, a capacidade do cérebro para inter;
pretar dados visuais, ou seja, a função cogniúva da visão, ou melhor, o sis
tema funcional que lhe está adstrito.
Por esta razão, muitas crianças disléxicas não apresentam anomalias no
exame oftalmológico, mas não deixam de manifestar problemas de proces
5amento e tratamento da infonnação visual, pois são frequentes nelas inú' meros
problemas de figura-fundo, completamento visual, atenção visual
5elecúva, constância da forma, posição no espaço, relações de espaço, coor
denação oculomanual, etc.
Muitas destas disfunções cogniúvas são demonstradas pela dificuldade
em reproduzir formas geométricas, em distinguir a figura do fundo, em
detectar inversõe_s e rotações de figuras, em transferir relações espaciais, em
1denúficar letras em palavras, etc. , conforme alguns dos exemplos das figu
ras apresentadas a seguir.

367

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

II

Figura 113 - Reprodução de formas geométricas e de grafismos


por uma criança com DA

368

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUll7ADES DE APRENDl7


AGEM

Figura 114 - Exemplos da dificuldade em disúnguir figura-fundo

369

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

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O 9

NM

1 370

AlrGUMAS CARACTERlST ICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE


APRENDl7 AGEM

. .

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.

Figura 116 - Exemplos da dificuldade em transferir relações espaciais

r-
.

t I
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Figura 117 - Fichas de treino visuomotor efectuadas por outra


criança com DA 371

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

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Figura Il8 - Outros exemplos de dificuldades visuomotoras de crianças com DA


372

AlrGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICUIDADES DE


APRENDIIAGEM

1. D c d a e o u i
2. t p E b f , t( p
3. o ' e ,é , c e u
4. 1 ,d h p t ' b q
5. ,é o a u c c ,E
6. 1 h ' h , 1
7. t `g ` q p b d
8. 1 , If , lí f 1 f t p
9. 1 t' t h j `i 1
10. 0 ; 1 t ; t t

11. 0 1 B E % C D U A
12. D L D P D Q C
13. a O E D F U B
14. 0 F B C s D U C D
1s. 0 1 B D F A L
16. a E A C T L F M
1, . 0 Q C 0 V E D
18. 0 E B H L A R F H
19. L P A C F D
B L H J C P J U
20.

Figura 119 - Exemplos da diftculdade em identificar letras

373

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

l. pau p a ap pa pa
2. rio oir ori ior rio
3, mina nami nima mi a i 4. amor roma az or mora a no
5. bode be o d e debo bde
6. carne narce c na carna canre
, . grilo gz lo gi lo gi ro li ro
s. outro ortuo out o oro u uotrco
9. social sac ol soical social siocal
lo. nunca nu na nu ca nnuca cunan

Figura 120 - Exemplos da dificuldade em discriminar sequências


de letras em palavras
As crianças com DA evidenciam dificuldades em compreender o que vêem, isto
é, em captar ou em retirar significação dos estímulos visuais. Trata-se, se quisermos,
de uma dificuldade de descodifica ão visual, ou de uma dificuldade na recepção visual.
Para além destas dificuldades, podem ser detectadas: dificuldades de
discriminação visual, em que se identifica problemas em reconhecer semeIhanças e
diferenças de formas, cores, tamanhos, objectos, figuras, letras ou números ou em
grupos de objectos, de figuras, de letras (palavras) e de números, etc. ; dificuldades
defigura fundo, em que se localiza problemas de atenção selectiva e de focagem, não
identificando figuras ou letras sobrepostas em fundos (background); dificuldades na
constância daforma, em que denotam problemas em reconhecer uma forma,
independentemente de variações introduzidas na posição, na orientação, no tamanho,
na cor, na textura, etc. ; difculdades na rotação de formas no espa o, em que se
verifica dificuldades em identificar as mesmas formas mesmo que invertidas ou
rodadas no espaço ( d e p b e q, 6 e 9, etc. ); difculdades de associação e
integração visual, em que se manifestam problemas de organização,

374

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICULDADES DE


APRENDl7 AGEM

de informação visual, como na associação imagem-palavra; dificuldades de


coordenação visuomotora, em que se denotam problemas em coordenar a visão com
os movimentos do corpo ou da mão, quer na recepção ou na propulsão de objectos
(bolas por exemplo), quer na execução de tarefas de papel e lápis (cópias,
preenchimento de labirintos, etc. ), etc.
Destas dificuldades aos problemas psicomotores da lateralidade e da
reccionalidade é um passo. As dificuldades perceptivas simples podem, por
implicação, gerar dificuldades perceptivas mais complexas, razão pela qual as
perturbações psicomotoras podem induzir dificuldades na leitura e na escrita.
Quanto à audição, também se verificam problemas perceptivos, como vamos
desenvolver quando tratarmos mais detalhadamente dos problemas psicolinguísticos.
A audição é a modalidade essencial para a comunicação interpessoal e para a
aquisição da linguagem; daí a sua relevância na aprendizagem. O contacto com o
envolvimento é estabelecido permanentemente com a audição. Trata-se de um
sistema de alerta e de atenção pluridireccional, pois eapta informações de todos os
lados.
Ao contrário da visão, a audição é contínua a inintenupta, como afirma
Myklebust 1964. A sua dimensão perceptiva é mais primitiva, pois capta as
informações de fundo (background); daí a sua importância no desenvolvimento da
estruturação temporal e a sua função na hierarquia da linguagem.
No que respeita às crianças com DA, muitos autores têm encontrado nelas
problemas de identificação, de reconhecimento de sons do envolvimento, de distinção
fina de sons e fonemas, de lembrança de sons familiares, etc. , para além de
inúmeros problemas de produção da linguagem. Subsistem na audição, em analogia,
os mesmos problemas de que tratámos na visão. A criança com DA ouve mas não
interpreta o que ouve, demonstrando clacamente que ouvir é diferente de escutar.
Enquanto ouvir é inato (salvo evidentemente no caso dos deficientes auditivos), a
função de escutar engloba uma aprendizagem e uma hierarquia de processamento, e
é exactamente neste plano que as crianças com DA falham.
Não tendo problemas de acuidade auditiva, pois os testes normalmente
utilizados em audiologia não demonstram qualquer anomalia audiológica, as crianças
com DA apresentam, todavia, desordens do processamento da informação auditiva.
O audiograma pode surgir normal, porém a criança com DA continua a revelar
dificuldades em organizar e estruturar o seu mundo auditivo, pois manifesta problemas
em ordenar e sintetizar sons e fonemas e em associá-los a experiências, objectos ou
acontecimentos e monemas ou palavras.
Como no processo de informação visual, o processo auditivo também apresenta
várias funções de tratamento de informação. Funções de recepção (input), de
associacão ou integração e funções de expressão (output).
Nas funções receptivas podemos destacar: a discriminação auditiva, a
identificação fonética, a sintese auditiva, seguir instruÇões, etc. Nas funções

375

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

integrativas podemos diferenciar": o completamento (closure) de palavras e frases, a


memória de curto e médio termo, a associação auditiva ou auditivovisual, etc. Nas
funções expressivas podemos equacionar: articulação, vocabulário, narração de
histórias por imagens, etc.
A título de exemplo, a criança com DA pode sentir grandes dificuldades em
discriminar pares de palavras. É capaz de responder que nó" e pó" são iguais e que
talher" e talher" são diferentes. A dificuldade parece ser mais evidente em
polisslabos.
Da mesma forma, pode evidenciar dif iculdades em discriminar frases absurdas.
Em perguntas-estímulos como: As árvores voam? a criança poderá responder usim",
porque não distinguiu árvores" de uaves", etc. Nestes casos, a criança com DA
pode compreender umas palavras mas não outras, compreenderá substantivos, por
exemplo, mas poderá revelar dificuldades em compreender verbos, adjectivos,
advérbios, anedotas, ideias, etc.
Destes problemas outros podem emergir, como os problemas de identificação,
fragmentação fonética, sintese auditiva, etc. As crianças com DA podem revelar
dificuldades em detectar qual é o primeiro som de várias palavras. Por exemplo, na
palavra água" têm dificuldades em identificar o [á) como o primeiro som. Na palavra
berlinde" não identificam o [b), etc. Na sintese auditiva, poderão evidenciar problemas
em produzir palavras, quando os fonemas são apresentados separadamente.
Exemplo: /v/ - /a/ - /c//a/ faz "; /g/ - /a/ - /t/ - /o/ faz ", etc.
Nas funÇões integrativas, a criança com DA pode manifestar ainda dificuldades
em completar palavras. Dados os sons iniciais garra -" para completar, a criança
com DA pode ter dificuldades em chamar o fonema ou fonemas que completam garra
-" em garrafa" ou garrafão", bana -" em banana", chupe -" em chupeta", etc.
O mesmo problema se pode colocar no completamento defrases. Ex. : O João foi à
praia "; A Sara foi brincar -"; O Rodrigo gosta "; A casa tem
- e e -", etc. A criança com DA pode, nestes casos, não completar frases ou omitir
elementos de conexão que tornam a frase precisa sintacticamente.
A associação auditiva poderá revelar outro tipo de problemas. A criança com
DA parece mostrar algumas dificuldades em responder a frases-estímulos como as
seguintes: O pai é grande, o bebé é "; A relva é verde, o céu é -"; O coelho é
rápido, a tartaruga é ", etc.
Nas fun ões expressivas, as provas de nomeação ou de articulação por
imitação de palavras dão-nos outros sinais das dificuldades perceptivoauditivas das
crianças com DA. Nestas situações poderão dizer tratruga" por tartaruga";
frigoralifo" por frigorífico", etc. As provas de vocabulário e de narra ão de histórias
por sequências de imagens fornecem-nos outras dificuldades da criança com DA no
plano psicolinguístico e na classificação e na caracterização da informação,
dificuldades essas que abordaremos mais à frente.

376

ALGUMAS CARACTERISTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

Para Jonhson e Myklebust 1964, as crianças com DA apresentam mais


ficuldades na expressão do que na percepção e na compreensão das palavras. Para
tais autores, as dificuldades mais facilmente detectadas são: dificu ades de
reauditorização, diftculdades de integração auditivomotora e dificuldades de
formulação e sintaxe.
Nas dificuldades de reauditorização revelam problemas na rechamada de
palavras. Compreendem e reconhecem as palavras, podem mesmo armazená-las, só
que têm dificuldades em as reaver, utilizar e seleccionar espontaneamente no discurso
falado (disnomia). Nas crianças com DA é por vezes frequente o uso da expressão
não verbal e de gestos ou fcases incompletas ata com ensa este. cob ema.
Nas dificuldades de ìntegração audìtìvomotora passa-se, antes, um
problema de produção de sons; aqui, as crianças com DA têm problemas em emitir
sons, na medida em que não são movidos os músculos e as restantes compo nentes
anatomofisiológicas apropriadas para articular os sons da fala (disartiia).
Por último, surgem as dificuldades em formularfrases gramaticalmente
correctas, onde as crianças com DA demonstram problemas ao nível da organização e
da sintaxe (disfasia).
Distorções de ordem, omissões de palavras e de estruturas de conexão,
erros gramaticais, concordância masculino-feminino, singular-plural, etc. , utilização
incorrecta do tempo dos verbos, ete. revelam problemas em generalizar os princípios
que permitem a produção de frases, evidenciando uma utilização incompleta da
linguagem com subsequentes problemas de aproveitamento escolar e inserção social.

Problemas emocionais

As crianças com DA são normalmente descritas pelos pais e pelos


professores como vivas, e confabulosas, nervosas e desatentas", irrequietas"
e traquinas, possessivas" e coléricas", desarrumadas" e desorganizadas,
uconflituosas e descontroladas", exploraúvas, e manipulativas, irresponsáveis e
negativistas, instáveis" e impulsivas, etc. , etc.
Evidenciam frequentemente sinais de instabilidade emocional e de dependência,
a que não é alheia uma reduzida tolerância à frustação. A sua conduta social, por
vezes bizarra, surge com dificuldades de ajustamento à realidade e com inúmeros
problemas de comunicação.
Inseguras e instáveis afectivamente, podem por vezes manifestar ansiedade,
agressividade reaccional, tensão, regressões, oposições, ruminações emocionais,
narcisismos, negativismos, etc. A inceneza do Eu tende a criar nas crianças com DA
uma subvalorização perigosa, normalmente associada a auto-subestimação e
fragilidade do autoconceito.
Sentimentos de exclusão, de rejeição, de perseguição, de abandono, de
hostilidade e de insucesso são também detectáveis nestas crianças.

377

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A repetição crónica do insucesso e o seu efeito em termos de expectativas


levam à criação de resistências, evitamentos, fobias e defesas perante as tarefas
educacionais. Nenhum adulto suporta uma atmosfera de permanente inêxito ou
incompetência, muito menos uma c ança. Muitas das crianças com DA, face aos
resultados escolares, vão-se convencendo de que não aprendem por mais que tentem
- daí o perigo em negligen ciar a implicação das DA no desenvolvimento da
personalidade global da criança.
Efectivamente, nenhuma criança com DA é imune a um envolvimento
inadequado e abusivo que afecta toda a gente. Na insegurança, na desconfiança e na
humilhação nada se aprende. O encorajamento, a estimulação da iniciativa, o reforço
positivo das competências são os dispositivos mais perspicazes de mudança de
comportamento, e não o contrário.
A instabilidde emocional é uma das características que tem sido mais referida
nas crianças com DA. Hipersensíveis e vulneráveis, quer ao uriso constrangido, quer
ao uchoro exagerado, estas crianças tendem a evidenciar rápidas e imprevisíveis
mudanças de humor e de temperamento, que se reflectem em problemas perceptivos
e em problemas motores.
Impulsividade e perseveração são também frequentes e usuais. Falta de
controlo, de avaliação crítica, de descernimento, de percepção social, de
cooperação, de aceitação e de prudência são comuns nestes casos, pois raramente
antecipam e antevêem as consequências dos seus comportamentos.
Ávidas de gratificação imediata, de atenção constante e sem planificação de
condutas, estas crianças experimentam certos problemas de organização do espaço e
do tempo. Raramente pensam antes de agir - daí a maior frequência de inêxitos, na
medida em que as suas dificuldades de inibição e meta cognição as levam a
experimentar maior número de situações sociais conflituosas.
Este quadro pode, por vezes, complicar-se quando se associam distorções,
irregularidades e discontinuidades nas relações mãe-filho, essencialmente no período
crítico do desenvolvimento da linguagem. Em vários casos clínicos, temos encontrado
sinais maternais de abandono, de desinteresse, de depressão, de agressão, de
probreza de comunicação e mediatização, etc. , que naturalmente tendem a agravar o
problema emocional da criança.
Sem uma atmosfera afectiva, lúdica e relacional, a interacção e a comunicação
não se desenrolam favoravelmente. Não adiantará resolver os problemas de
aprendizagem se os problemas de relação não forem superados. As crianças com DA
não pode continuar mergulhadas em envolvimentos de ameaça, de stress e de
humilhação. Antes do mais, a criança com DA precisa de ser respeitada na sua
totalidade como pessoa, o que não é, infelizmente, frequente nas nossas escolas.
Sem uma professora simpática, confiante, amiga e conhecedora, a criança não
vence o ciclo vicioso entre as DA e o desajustamento emocional - daí a im

378

AIGUMAS CARACTER%STICASDAS CRIAN(AS


COMDIFICULDADESDEAPRENDl7 AGEM

portância das expectativas e do reforço positivo e de outros processos de


modificação de comportamento.
As crianças emocional e socialmente desajustadas tendem a obter fracos
resultados escolares, na medida em que os distúrbios emocionais desintegram o
comportamento e, consequentemente, o potencial de aprendizagem.
Para melhorar os produtos da aprendizagem, aquilo que no fundo conta para a
escola, é necessário que se resolva o caos interno, onde os desequilfbrios
emocionais assumem papel de relevante importância nos processos psicológicos da
aprendizagem.
A DA afecta os aspectos neurológicos e comportamentais. Neurológicos,
porque na maioria dos casos subsiste um envolvimento cerebral. Comportamentais,
porque concomitantemente está implícito um envolvimento psicoemocional.
Dos distúrbios psicoemocionais, muitas vezes ampliados pelo insucesso na
escola, resvala-se para o desajustamento social (delinquência, criminalidade, etc. ),
condições sociopáticas que são de evitar a todo o custo. É preciso, antes de mais,
transformar a criança com DA num membro válido da sociedade, baseando a sua
aprendizagem de sucesso em sucesso, isto é, centrando a mudança de
comportamento pelo enriquecimento das suas áreas fortes, e não pelo confronto
desencorajador com as suas áreas fracas.

Problemas de memória

A memória, que constitui o processo de reconhecimento e de rechamada


(reutilização) do que foi aprendido e retido, é, como sabemos, uma função
neuropsicológica imprescindível à aprendizagem. Memória e aprendizagem são
indissociáveis, razão pela qual as crianças com DA acusam frequentemente
problemas de memorização, conservação, consolidação, retenção, rememorização,
rechamada (visual, auditiva e tactiloquinestésica), etc. , da informação anteriormente
recebida.
Efectivamente, a memória envolve vários processos de recognição e de
reconstrução dos dados conservados e integrados, processos esses que envolvem
actividades bioquímicas e bioeléctricas complexas que permitem artnazenar e integrar
a informação.
Estão de cena forma contidas na função da memória (retenção) as funções de
atenção e compreensão, na medida em que estas só se desenrolam quando aquela se
encontra intacta.
As associações significativas passadas e presentes que se operam no cérebro
são devidas fundamentalmente às funções da memória. Através da memória, as
imagens são utilizadas e substituídas por palavras para permitir a formulação
ideacional, que está por detrás das condutas exigidas pela aprendizagem.

379

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Três processos básicos e inter-relacionados da memória são reconhecidos: a


memória de curto termo (imediata), a memória de médio termo e a memória de longo
termo.
A memória de curto termo tem as funções de atenção e de discriminação das
mudanças, momento a momento, que ocorrem no envolvimento e a função de
armazenamento temporário (mais ou menos dois segundos) da informação quando
esta está a ser processada, manipulada, organizada e codificada para a memória de
longo termo.
Todas estas fases de tratamento da informação vão exigir a sua fixação, função
esta especificamente operada pela memória de médio term. o.
Independentemente de se ocupar de processos sequencializados de
restauração da informação, a memória de curto termo encontra-se em interacção
recíproca com a memória de longo termo, a fim de estabelecer associações
significativas (ou não) entre a informação actual (presente) e a informação anterior
(passada).
A memória de longo termo recebe, revê e (re)armazena a informação
interpretada, percebida, organizada e compreendida tornando-a disponível e livre para
ser estrategicamente utilizada e reutilizada no futuro.
A conservação da informação anterior constitui uma função de controlo e de
comparação, face à informação presente, que obviamente se integra nas funções de
formulação e de planificação antecipadoras da decisão e da acção.
Tais conservações de informação, também chamadas engramas - ou sejatn,
unidades de informaÇão significativa e relevante conservadas pela acção dos ácidos
nucleicos ADN e ARN -, vão permitir a combinação e a flexibilidade das funções
cognitivas da aprendizagem por meio de facilitações sinápticas específicas,
processadas entre os neurónios e as neuróglias e integradas pelo circuito de Papez.
A memória ocupa uma função importantíssima na aprendizagem. Ao
seleccionar e chamar a informação assimilada e consolidada, o cérebro combina-a,
relaciona-a, classifica-a e organiza-a de uma forma sequencializada e ordenada para
efeitos de recepção, de integração e de expressão.
À memória estão adstritas funções de análise, síntese, selecção, conexão,
associação, estratégia, formulação, arranjo, rearranjo e regulação da informação; daí
a sua implicação inevitável na aprendizagem.
Inúmeros trabalhos de investigação demonstraram os vários tipos de problemas
de memória em crianças com DA.
Gallagher e Lucito 1961 e Kirk 1968 detectaram problemas na memória
sequencial auditiva. Bannatyne 1971, 1974 e M. Frostig 1964 encontraram
significativa dificuldade na memória sequencial visual entre os maus leitores. Chall
1963 revelou, numa população de crianças disléxicas, dificuldades originadas na
reprodução de estruturas silábicas.
Na nossa prática clínica temos encontrado crianças com DA que apre sentam
dificuldades relevantes em reproduzir sequências de objectos, de imagens, de
desenhos, de formas geométricas, de letras, de números, de ritmos

380

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN(AS COM DIFICULDADES DE


APRENDlZ AGEM

batidos ou marchados, de gestos dos braços, das mãos ou dos dedos (imitação), etc.
, apresentados quer por estímulos auditivos ou visuais, quer por estímulos
tacúloquinestésicos.
A reprodução de silabas, de palavras, de frases e pequenas histórias, noutros
casos, é igualmente difícil naquelas crianças. Mais difícil é a transferência da
informação de uma modalidade sensorial (ex: imagens) para outra (ex. : fichas com os
respectivos nomes), a confirmar outros problemas de memória crossomodal e de
equivalência psiconeurossensorial.
Segundo as investigações de Kirk 1964, com o seu Teste de Habilidades
Psicolinguisticas (ITPA), verificou-se que os maus leitores evidenciavam mais
dificuldades na reprodução automática da informação do que nas provas de maior
complexidade cognitiva. Por estes dados, podemos afirmar que os problemas da
memória se reflectem no êxito ou no inêxito da aprendizagem, razão pela qual se deve
identificar tais sinais com a finalidade de sobre eles intervir sistematicamente. As
memórias sequenciais auditiva e visual devem constituir uma pré-aptidão das
aprendizagens simbólicas, moúvo pelo qual deverão fazer parte de um currículo
preventivo ou reeducativo, como provaram os estudos de Klein e Schawart 1977.
Na identificação informal de problemas de meniória em crianças com DA
devemos ter em conta: a natureza e a quantidade de material a reter; a forma eomo a
criança reproduz preferencialmente a informação e os diferentes tipos de respostas que
se deseja ver executados; a forma como as tarefas de memória são apresentadas; a
qùantidade de prática educacional necessária para a aprendizagem do material
apresentado; as estratégias de revisão, etc. Devemos também estar atentos à
velocidade de reprodução; à queda de reprodução devido ao número de elementos a
reter; à perda de informação aprendida perante a aprendizagem de informação nova; à
alteração, à substituição, à omissão e à adição de elementos contidos nas tarefas de
memorização; à selecção, ao armazenamento e à rechamada de informação; à
especificação da difieuldade de memorização nos planos visual, auditivo ou
tactiloquinestésico, etc.
A característica das crianças com DA de se esquecerem com muita facilidade
pode ter a sua explicação não só em termos de atenção e de motivação, mas também
em termos de processamento de informação. Esquecer é também sinónimo de
desaprender, provavelmente porque não se operou uma organização interna que
envolve processos neurológicos determinados. Os estímulos que estão na base da
aprendizagem precisam de ser identificados e discriminados, mas também
armazenados, para que possam estar disponíveis e acessíveis para as funções
expressivas.
Antes da expressão da informação como produto, dão-se, antecipadamente,
inúmeros processos de organização intema, baseados na memória (banco de dados).
Quer dizer, a memória é um disposiúvo-chave, eswturante e estruturador de
várias funções cognitivas invariantes da aprendizagem, motivo

381

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

pelo qual muitas crianças com DA reagem escolarmente com problemas


psicolinguísticos e psicomotores, na medida em que o processo da linguagem e o
processo das práxias (manipulações construtivas) se encontram dependentes, em
grande dimensão, da memória. A limitação da informação lembrada e rememorizada
(seleccionada) é, consequentemente, uma limitação da aprendizagem.
Dentro desta perspectiva dos tipos de dificuldades de memorização surgem com
maior frequência na criança com DA dificuldades de memorização auditiva e de
memorização visual.
Na memorização auditiva reconhecem-se naquelas crianças dificulda des em
compreender e lembrar simples instruções (exemplo: Fecha a pona, tira o casaco e
senta-te na carteira, ). Nestas situações poderão executar a primeira tarefa, mas
esquecer as restantes. O mesmo se verifica na reprodução de números de telefone;
aqui, as omissões e as substituições são frequentes. De igual modo se pode
encontrar enormes dificuldades na reprodução de silabas não significaúvas (exemplo
cro ufre", nha, a criança poderá reproduzir oralmente co, fer lhe"). Nesta
modalidade sensorial, altamente associada à linguagem, é frequente encontrar
crianças que não conhecem aos seis/sete anos o nome da sua rua, o número da sua
porta e o respectivo andar; podem surgir difi culdades em fixar lenga-lengas, pequenas
histórias representativamente contadas, simples rimas ou canções, etc. , o que é
evidentemente revelador deste tipo de dificuldades. Daqui resultam obviamente
dificuldades em processar informação, categorizá-la, classificá-la e recategorizá-la
para formar conceitos. As dificuldades em produzir respostas apropriadas em termos
semânticos e sintáxicos são, por consequência, inevitáveis nas crianças com DA, que
usualmente se perdem na complexidade fonética da linguagem, onde tendem a
valorizar compensatoriamente a mímica e o gesto para comunicar as suas mensagens.
Não se lembram das palavras para comunicar espontaneamente ou para expressarem
o que querem dizer; daí as suas características disnómicas que redundam em
experiências frustracionais. Por outro lado, surgem dificuldades de formulação de
frases, distorcendo a ordem das palavras, omitindo outras, alterando os tempos dos
verbos, etc. , e caindo frequentemente em erros gramaticais muito depois de a criança
normal os ter corrigido. Para comunicar a criança precisa de compreender a
linguagem, manipular símbolos, lembrar sequências de letras em palavras e de
palavras em frases, generalizar princípios para as eswturar, inferir relações entre
palavras, etc. , para depois produzir frases de uma forma original e peculiar.
A criança que apresenta dificuldades de memória e de sequencialização auditiva
demonstra uma inadequada utilização da linguagem e, subsequentemente, problemas
de aproveitamento escolar e de integração social.
Na memória visual, reconhece-se, em complemento, outro úpo de problemas.
382

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS cRlANças COM DIFICULDADES DE


APRENDllA GEM

Dentro dos problemas de memória visual mais abordados no campo das DA


ressaltam os da memória visual imediata e os da rechamada de pormenores visuais de
experiências anteriores.
Na memória visual imediata localizam-se as funções de reconhecimento
momentâneo de estruturas espaciais como imagens, símbolos gráf, cos, letras,
números, palavras, etc. No caso das crianças com DA, a relação entre o todo e as
partes surge mal organizada, podendo daí surgir uma dificuldade de armazenamento
de informação. Dá-se um reconhecimento momentâneo que não é reutilizado
posteriormente, daí resultando problemas de leitura e de escrita.
Na rechamada de pormenores visuais de experiências anteriores a criança com
DA parece funcionar só quando o modelo está presente. Se a amostragem dos
estímulos surgir rapidamente, haverá dificuldade em os rechamar passado algum
tempo. O que parece funcionar são as funções de cópia, mas se o estímulo
desaparece, a faculdade de os utilizar, mesmo depois de os copiar, não surge
imediatamente. A capacidade de se autorrelembrar dos pormenores espaciais
intrínsecos e extrínsecos parece estar vulnerável e frágil. A criança com DA, se vê um
b ou um 6", lembra-se do que são e do que representam, todavia parece não poder
chamar espontaneamente o b" ou o 6, sem uma ajuda visual determinada.
Noutros termos, a criança com DA parece não reexperimentar a experiência,
ou melhor, não reoisualizar os símbolos. Neste caso, ao contrário da memória
imediata (dita de cuno termo), a criança pode até ler razoavelmente, só que tem
grandes dificuldades em situações de escrita espontânea ou de ditado, visto ter
problemas em rechamar as letras e em processá-las correctamente em termos
grafomotores.
Este tipo de dificuldade pode resultar noutras áreas comportamentais, como por
exemplo na aprendizagem da música, ou noutras aprendizagens de conotação e
escrutínio, só que no caso da leitura, da escrita e do cálculo, ela assume uma
relevância social mais significativa.
Para além destes dois aspectos da memória visual, não podemos omiúr a
sequencialização visual (visual sequencing), que igualmente penence à função da
memória visual. Esta área requer a capacidade de lembrar uma sequência de
esúmulos visuais que por exemplo está implicada na escrita espontânea.
De certo modo, quer a leitura (recepúva), quer a escrita (expressiva) requerem
uma sequência inequívoca de letras, quer na descodificação, quer na codificação. No
caso de esta sequência ser modificada com inversões, adições, omissões ou
substituições, toda a significação se encontra em riscos de ser mal processada e
compreendida.
Esta função sequencial, essencial para o vocabulário visual (sight vocabulary) e
para o ditado, pode ser detectada muito cedo, até mesmo no ensino pré-primário. É
frequente, nesta fase, identificar crianças que escrevem o seu nome incorrectamente,
omitindo letras ou as suas combinações, ou mesmo em

383
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

jogos de sequencialização, onde poderão ocorrer frequentes desordenações de


equivalência e de seriação. Com estas dificuldades, o início da leitura torna-se
frustracional, na medida em que as crianças não conseguem reter nem relembrar o
gelstalt visual de palavras e mesmo até de letras. A configuração total da palavra e das
letras não ocorre facilmente, isto é, são rechamadas, mas mal ordenadas. Por isso,
as crianças com DA, ao lerem o que escrevem, raramente detectam os seus próprios
erros ortográficos.
Perante esta dificuldade, a integração dos grafemas e a própria velocidade de
descodificação na leitura ficam afectadas. Como não ocorre um reconhecimento
rápido, a velocidade é reduzida, podendo por esse facto originar problemas na
compreensão, na medida em que cada palavra é lida como se fosse pela primeira vez.
Por esse facto dificulta-se o acesso à equivalência dos fonemas, pondo em causa o
sistema de significação envolvido no acto da leitura. Em termos inversos, ou seja, na
codificação da escrita, o mesmo tipo de problemas tende a manifestar-se.
Como a leitura, a escrita e o cálculo envolvem abstracções que dependem em
grande parte da memória de longo termo, qualquer dificuldade neste subtipo ou no da
memória de curto termo complica o processo da aprendizagem simbólica. De certa
forma, a memória, como fenómeno evolutivo que inclui a função do reconhecimento,
inter-relacionada, como sabemos através de Piaget 1965, com a percepção e com os
esquemas sensoriomotores, consubstancia uma reconstrução de elementos
anteriormente experimentados e conservados. Se tal reconstrução não se operar quer
em termos visuais (imagem), quer em termos auditivos (linguagem), todas as funções
de rechamada contidas no processo antecipativo do comportamento e da
aprendizagem não permitem evocar respostas ajustadas e adequadas.
Como a memória se demonstra pelas sucessivas mudanças de comportamento,
que envolvem qualquer aprendizagem, simbólica ou não, não restam dúvidas de que
as suas desordens põem em risco as associações significativas e não significativas que
a integram. Tais desordens afectam a assimilação, o armazenamento e a rechamada
da informação, razão pela qual é necessário dar mais atenção a esta área nos
curriculos das pré-aptidões simbólicas, dada a sua influência imprescindível na
aprendizagem.

Problemas cognitivos

Como temos vindo a analisar, as aprendizagens simbólicas como a leitura, a


escrita e o cálculo envolvem processos cognitivos muito complexos.
A leitura, por exemplo, constitui uma actividade cognitiva que consiste em
extrair significações (meanings) de símbolos visuais.
A experiência vivida e interiorizada pelo indivíduo leitor (iniciado ou
experimentado) permite-lhe converter os símbolos impressos em significações,

384

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICULDADES


DEAPRENDIIAGF

aa'avés de vários processos cognitivos que tentaremos, por agora, apenas explorar.
As letras e as palavras impressas são interiorizadas a partir de aquisições
cognitivas básicas que em muitas crianças com DA se encontram fragilmente
consolidadas e estruturadas.

-- A. Inùtação -

(Ditado) Fonemas Audição Ap e Aniculemas (Leitura oral) f


onador

Sistema
( Leitura) Optemas Visão mo Grafemas (Ortografia)

- l Cópia Il Grafemas Escrita

Fala

t emas
Arùculem AudiçãoL"

Fonemac

Figura 121- A leitura como uma dupla actividade simbólica

Quando lemos, é necessário, antes do mais, percepcionar, armazenar e t


cbamar as configurações das letras, das palavras e das hases, e posteriornte
relacioná-las com os respectivos equivalentes auditivos, processo eognitivo este com o
qual se atinge a aquisição da significação e com o qual o leitor, neste momento, se
confronta. Tal significação resulta das relações de conteúdo interiorizadas por meio de
experiências psicologicamente representadas e retidas.
A leitura, por consequência, compreende uma dupla actividade simbóGca em
que os símbolos escritos (grafemas - segundo sistema simbólico) se transformam em
equivalentes falados (fonemas - primeiro sistema sim

385

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

bólico), elementos estes anteriormente aprendidos e fixados em experiências


representativas e significativas que consubstanciam a linguagem falada:
Como vemos por esta simples descrição, a leitura coloca não só um processo e
uma aprendizagem, como igualmente um duplo sistema simbólico que implica um
variado número de aquisições cognitivas ainda hoje pouco conhecidas ou quase
ignoradas.
De facto, a leitura não utiliza o primeiro sistema simbólico, ou seja, a
linguagem falada, sistema com que armazenamos experiências, significações,
informações, conhecimentos, etc.
A leitura emprega um sistema de um sistema (segundo sistema simbblico), que
permite traduzir um equivalente visual num equivalente auditivo, transferindo a
informação de um processo sensorial para outro até que seja significativamente
compreendida.

, -1- 1, 1 Compreensão Iliscri


GRÁFICO ORAL auditiva vsu%1
INPUT Ì
OUTPUT
T LE A
Grafomohicidade FALA COMPREENSÃO
ESCRITA '
ii
i_ i
LINGUAGEM FALADA
LQVGUAGEM ESCRI'fA

Figura 122 - Sistemas cognitivos da leitura

Esta transferência graféticofonética, operação cognitiva complexa, é o segredo


do acesso à significação através da leitura. Para atingir a compreensão, a visão
serve-se inicialmente (intersensorialmente) da experiência anterior auditiva para
adquirir significações, desenvolvendo posteriormente, com a habituação no seu
próprio sistema (intrassensorialmente), tal aquisição. Por este motivo, a leitura surge
como um sistema simbólico secundário, alicerçado no primeiro sistema simbólico, ou
seja, na linguagem falada (re ceptiva e expressiva), por sua vez dependente da
linguagem interior, como vimos atrás.

386

ALGUMAS CARACT ERf S7'ICqS DAS CRIAN AS COM DIFICULDADES DE


APREN DlÍ AGEM

A leitura oral é a expressão verbal exacta da linguagem escrita. Ao


contrário da leitura silenciosa, que não envolve a expressão verbal, a leitura oral
envolve:

I) uma percepção visual e uma memória visual apropriadas


que ocorrem, no leitor experimentado, a uma velocidade de descodificação de
centésimos de segundo;
2) uma relação sinal-som inequívoca não só de equivalentes
graféticofonéticos, necessários à produção verbal, como igualmente de uma relação
fonema-monema imprescindível para a produção de significações;
3) uma formulação auditivoverbal para a expressão dos sons da fala
obviamente necessários para a fluência e a produção orais.
Por este esquema simples podemos perceber a complexidade das tarefas
cognitivas que surgem à criança que inicia a aprendizagem da leitura, ao mesmo
tempo que isolar as variáveis cognitivas e os seus distúrbios e dificuldades.
A relação entre a palavra escrita (impressa graficamente) e o sistema simbólico
de significação é uma operação cognitiva que envolve processos neuropsicológicos
específlcos, como, por exemplo: codificação e descodificação, percepção e memória,
transdução e tradução de uns sistemas noutros etc.
A aquisição da significação obtida a partir dos símbolos grícos põe em jogo,
comojá vimos, vários processos cognitivos de aprendizagem inter-relacionados
processos esses que se encontram relativamente vulneráveis na crian a com DA. ç

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Figura 123 - Processos cognitivos da leitura

387

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Dentro desses processos cognitivos diferenciam-se os seguintes: processos de


conteúdo (não verbal e verbal), processos sensoriais (auditivos, visuais,
tactiloquinestésicos, sejam intrassensoriais, intersensoriais ou integrativos) e
processos de hierarquização da aprendizagem (percepção, imagem, simbolização e
conceptualização).
Vejamos agora, de uma forma sumária, o que se passa em cada um destes
processos em relação às crianças com DA.
Nos processos de conteúdo, as crianças com DA tendem a acusar mais
dificuldades nos conteúdos verbais do que nos não verbais Inúmeros dados da
investigação psicológica, fundamentalmente dos que resultam da aplicação da WISC
(Weschler Inteligence Scale for Children) e do ITPA (Illinois Test of Psycholinguist
Abilities), oferecem-nos informações que ilustram a discrepância entre o potencial
verbal e o potencial de realização (também entre nós chamado de performance, ou
seja, o potencial não verbal).
As aplicações da WISC (e do WISC-R última revisão) têm sido extensivamente
aplicadas no campo das DA, de uma forma poucas vezes perceptível para quem tenha
de seguir crianças com DA. A informação que se pode obter da WISC em termos de
quociente intelectual (QI) pode ser de grande valor para o reeducador.
Como se sabe, o QI, em termos da WISC, fornece-nos dois quocientes:

a) Quociente verbal, obtido à partir dos subtestes de informação,


semelhanças, vocabulário, compreensão, aritmética e memória de dígitos (QIV);
b) quociente de realização ou de performance (dito não verbal),
obtido a partir dos subtestes: completamento de imagens, disposição de imagens,
cubos, composição de objectos (quebra-cabeças), código e labirintos (QINV).

A definição da criança com DA, muito dependente da aplicação da WISC,


ocorre quando o QI 80-90. A criança com DA tem, portanto, um QI médio, ou seja,
funciona a um nível intelectual normal; só que o seu perfil cognitivo intraindividual nos
surge discrepante e heterogéneo, isto é, entre o QIV e o QnVV subsiste um desnível
(MyKlebust 1971, Meier 1971 e Bannatyne, 1974).
Independentemente de sobre este problema continuarem a subsistir muitas
controvérsias e poucas provas, não há dúvidas de que se tem de avançar no estudo
dos atributos cognitivos das crianças com DA. Sem se especificar as características
destas crianças por meio de investigações psicopedagógicas fidedignas, dificilmente
se dimensionará, quanto a nós, meios mais eficazes de identiftcação, diagnóstico e
intervenção.

Actualmente, com base nas investigações de Rourke e colaboradores 1975,


1989, 1993, 1995, as DA apresentam dois subtipos principais: as DA ditas verbais,
que temos vindo a estudar, e as DA não verbais (DANV) - ver Capítulo 6.

388

ALGUMAS CARA CfERÍS TICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUIDADES DE


APRENDTIAGEM

Embora se tenha estabelecido um acordo entce investigadores de que a


característica homogénea da criança com DA é a sua inteligência normal, Ames 1968
e Bryant 1974 obtiveram nos seus estudos em duas populações de crianças com DA
25% de crianças com funcionamento intelectual subnotmal (subnormal
intelectualfunctioning - SIF), às quais se deveria dar a designação mais apropriada de
deficientes mentais edueáveis (DME).
Não cabe neste livro tratar deste ponto tão crucial da psicopedagogia actual,
pois sabemos do embróglio, da questão. Efectivamente, é cada vez mais difícil, em
termos de capaeidade inteleetual medida pelo QI, definir o ponto que distingue a
inteligência normal da subnormal. Uns defendem o QI de 80-85, outros defendem o Ql
de 70 (Mercier 1975); enfim, a exclusividade e a infalibilidade da psicometria não
esgotam o assunto.
Mais recentemente, Bannatyne 1968, 1971 e 1974, Myklebust 1978, Rugel
1974, Kaufman l 98 l, Werner 1981, etc. têm estudado os perfis intelectuais das
crianças com DA, tendo concluído que os perffs dos subtestes são inequivocamente
disúntos dos das crianças normais.

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II

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o' Subgrupo com QI elevado 4
Amostra total de DA l Subgrupo com QI baixo

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QIV

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QI QINV

Figura l24 - Vales e picos na WISC em crianças com DA (QI - quociente


intelectual; QN - quociente intelectual verbal;
QflVV - quociente intelectual não verbal)

389

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Vales, e picos, surgem como subcomponentes da capacidade int lectual: o


QIV significativamente diferenciado do QINV em termos de média; o subteste da
Aritmética com o resultado mais baixo e o subteste da Corr!preensão com o mais
elevado na escala verbal; os subtestes da Composição die Objectos e do
Completamento de Figuras com os resultados mais altos e o subteste do Código com o
resultado mais baixo na escala não verbal; o QINW significativamente superior ao QIV;
etc.
Nos estudos de Bannatyne 1975, quatro dos cinco subtestes da escala nãa
verbal (de realização) obtiveram resultados médios superiores ao subtestie mais cotado
da escala verbal. Todavia, o subteste não verbal do Código obteve resultados quase
tão baixos como os subtestes da escala verbal menois cotados (Informação e
Aritmética).
Que conclusões se deve tirar destes perfis cognitivos das crianças com DA?
Primeira: muitas crianças com DA não possuem, de facto, uma uinteligência
normal (para Bryant só 37%a das crianças com DA satisfazem este critério), pois
foram obtidas grandes amplitudes nas médias, nalguns casas diferenças de 17 pontos.
Segunda: os resultados obtidos na escala não verbal são quase sempre
superiores aos da escala verbal (discrepâncias de 10 pontos).
Terceira: as crianças com DA diferenciam-se não tanto em termos intelectuais
qualitativos, mas mais em termos quantitativos.
Quarta: a análise dos subtestes da WISC-R subentende que as crianÇas com
DA acusam uma dificuldade cognitiva geral ou psicoeducacional que se diferencia nos
vários subgrupos mais em termos de severidade do que em termos de variedade.
Quinta: a WISC-R fornece pouca informação se apenas forem divulga dos os
índices globais, isto é, o QIV ou o QINV (realização ou performance); pode, no
entanto, constituir um processo de diagnóstico inestimável e poderoso se for
recategorizado neuropsicologicamente.
Bannatyne é um dos autores a sugerir uma recategorização dos subtestes da
WISC.
A sua recategorização é a seguinte:

Categoria Espacial (Cubos, Composição de Objectos e Completamento de


Imagens)
Categoria Conceptual (Vocabulário, Semelhanças e Compreensão); Categoria
Sequencial (Código, Aritmética e Memória de Dígitos).

Com base nesta recategorização, o mesmo autor verificou que as crianças com
DA obtêm melhores resultados na Categoria Espacial e os mais baixos na Categoria
Sequencial, com resultados intermédios na Categoria Conceptual.
O que quererá isto dizer em termos de problemas cognitivos para as crianças
com DA?

390

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIANÇAS COM DIFlCUlDADES DE


APRENDI7AGEM

Muito, não só para se compreender melhor os seus estilos de aprenúizagem,


mas também para melhor gerir os recursos e estratégias pedagógicos, permitindo
assim um melhor ajustamento às suas necessidades educacionais específicas.
Como temos vindo a abordar, a leitura depende muito das variáveis cognitivas
exigidas pelos subtestes da Categoria Sequencial. Ora vejamos:
O Código mede a capacidade de copiar e transferir símbolos não significaùvos
para números e requer um bom controlo oculomotor, velocidade motora, memória
visual de curto termo, direccionalidade, fixação e compreensão do conceito de código.
A Aritmética mede não só a capacidade de reter pormenores apresentados oralmente e
de resolver problemas matemáúcos, mas também a concentração e a memória
auditiva de curto termo, e requer conceitos matemáticos, rechamada precisa de factos
quantitaúvos, memória auditiva para pormenores e visualização da linguagem
(transdução auditivovisual e vice-versa). A Memória de Dígitos mede não só a
capacidade de manipular dígitos apresentados auditivamente e de uma forma
sequencial, mas igualmente a atenção e a concentração, a memória auditiva imediata
e sequencial, a capacidade de visualização, etc.
Por este atalho pelas características intelectuais das crianças com DA que
fomos forçados a fazer, pois não era nossa intenção focar tais aspectos neste capítulo,
somos levados a concluir que as aprendizagens simbólicas não poderão continuar a
ser concebidas por formas psicológicas ou pedagógicas simplistas. Sem esclarecer e
substancializar, em termos cognitivos, o que se passa nas aprendizagens simbóGcas,
corre-se o risco de segregar educacionalmente cada vez mais crianças com potencial
intelectual.
De facto, a leitura envolve aquisições não verbais como a selecção figura-fundo,
a discriminação e o reconhecimento auditivo e visual, a rechamada de imagens e sua
sequencialização, etc. É evidente que as crianças com DA surgem com problemas
nalgumas destas aquisições, como vimos atrás, comprometendo o desenvolvimento
de outras aquisições da leitura.
A capacidade de transferir conteúdos de imagens (factores não verbais) para
conteúdos de palavras (factores verbais) é hoje reconhecida como uma pré-apádão da
leitura, na medida em que as crianças deverão poder extrair conteúdos das imagens
expressando-as em termos de linguagem falada. Trata-se de processos
neuropsicológicos que envolvem os dois hemisférios cerebrais. O hemisfério direito,
norrnalmente ligado aos conteúdos não verbais, tcansfere para o esquerdo as
significações que terão de ser processadas em termos de fala. Esta transdúção do não
verbal para o verbal é indis pensável à aprendizagem humana e imprescindível para a
leitura.
Não se trata de analisar separadamente os processos verbal e não verbal. No
caso das crianças com DA, por vezes confrontamo-nos com crianças que não têm
problemas em cada um dos processos. Expressam-se oralmente de uma forma
fluente, por vezes até exagerada, com um vocabulário versátil, e inclusivamente
manipulam imagens e séries de imagens com facilidade.

391

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGrlGICA

O problema parece centrar-se mais quando transferem a informação do veF bal para o
não verbal e vice-versa. As dificuldades nestes processos co _ tivos intra-hemisférios
ou inter-hemisféricos implicam um conjunto problemas que interferem com a
eompreensão, a inferência de significaçõa e a interpretação da informação contida na
leitura e é neste parâmetro qts: temos detectado, na nossa prática clínica, vários
problemas cognitivos crianças com DA.
Nos processos sensoriais, quer numa modalidade (intrassensorial), qsr em
duas (intersensorialmente), quer nomeadamente em três, como por exemplo no acto
da escrita em que estão envolvidos simultaneamente a visão ' (optemas), a audição
(fonemas) e o sentido tactiloquinestésico (grafemas), as crianças com DA evidenciam,
igualmente, vários problemas cognitivos de transferência de informação.
É frequente identificar as DA com problemas intrassensoriais auditivos,
nomeadamente dificuldades de identificação fonética, de discriminação de pares de
palavras, de sequencialização de silabas ou de memória de curto termo de repetição
de palavras ou frases, etc. Os problemas intrassensoriais visuais também são
frequentes, inclusivamente os de identificação de pormenores em imagens, de
completamento (closure) de desenhos, de inúmeros problemas de figura e fundo e da
constância da forma, da posição e da relação espacial, como vimos atrás nos
problemas perceptivos deste capítulo.
Na base dos problemas perceptivos estão os conceptuais, razão pela qual as
crianças com DA evidenciam problemas naformação de conceitos. Efectivamente, tais
crianças acusam também dificuldades de classificação, na medida em que não
localizam nem retiram pormenores, atributos, comparações, contrastes, estruturas e
funções das percepções dos objectos e dos acontecimentos e, por esse motivo, têm
dificuldades em obter associações ou em formar abstracções dos mesmos.
Na nossa experiência clínica temo-nos dado eonta das dificuldades dos nossos
reeducandos quanto à identificação e à exploração de pormenores em imagens, ou
suas sequências, bem como em histórias. Fixam-se em descrições diseretas,
contíguas e simples, por vezes exageradamente concretas e sintagmáticas.
Raramente identiflcam semelhanças ou propriedades invariantes e comuns em
objectos diferentes. Carecem de processos de escrutínio, de pesquisa e análise
sistemática e de estruturas paradigmáticas.
Dentro deste parâmetro de dificuldades cognitivas, não podemos esquecer a
resoluÇão de problemas (problem solving) que, de certa forma, também está ligada
ao que estivemos a abordar. A resolução de problemas é uma actividade em que a
experiência anterior é utilizada para reorganizar as componentes de uma situação
problemática, a fim de atingir um dado objeetivo. Compreende a rememorização, a
estratégia e a táctica de raciocínio (dedutivo ou indutivo), a chamada, a selecção e a
organização dos dados para formular princípios, relações e associações que envolvem
a própria solução dos problemas. Também aqui, as crianças com DA

392

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUlDADES DE APRENDl7


AGEM

acusam dificuldades, pois escapa-lhes uma eerta sistematização e uma planificação


das tarefas, das rotinas e das prioridades e hierarquizações que envolvem a resolução
dos problemas, para além da descobena de meios e fins e da transferência de
princípios. O raciocínio surge desorganizado, fragmentado, irrelevante e sem
inferências ou premissas, quer nas actividades lúdicas, quer nas aprendizagens
simbólicas.
Independentemente de estes problemas serem facilmente detectados nas
crianças com DA em termos cognitivos, é interessante realçar que os distúrbios
tendem a multiplicar-se quando se trata da tradução de uns sistemas noutros, ou seja,
nos processos interssensoriais que inequivocamente estão envolvidos na leitura e na
escrita.
Nestas duas aprendizagens simbólicas, como sabemos, os sistemas visuais e
os sistemas auditivos estão constantemente envolvidos.
Efectivamente, os proeessos simbólicos envolvem vários exemplos de sistemas
eognitivos intersensoriais. O auditivovocal (na imitação de palavras ou instruções), o
visuomotor (na cópia), o auditivomotor (no ditado), o visuovocal (na leitura oral).

FONEMAS Rocesso Rocesso " TICULEMAS


auditivo vocal
i i
i i
ftocesso Processo
OPTEMAS visual motor -il - GRAFEMAS

Figura l25 - Processos simbólicos e processos cognitivos

É de ceno modo nestes sistemas de equivalência e conversão que se situam os


problemas cognitivos nas crianças com DA. Evoluir dos processos auditivos para os
visuais, dos visuais para os auditivos, dos tactiloquinestésicos (motores) para os
auditivos ou para os visuais e vice-versa parece não ser fácil nestas crianças.
Qualquer disfunção nos processos intersensorias parece comprometer o sucesso na
aprendizagem simbólica.
A compreensão da leitura não está, evidentemente, apenas dependente de
uma modalidade de processamento da informação, mas também da translação da
informação de uma modalidade para outra ou da simultaneidade e do cruzamento de
informações que materializam o processo integrativo, verdadeiro supra-sistema
cognitivo que é utilizado nas aprendizagens simbólicas.

393

lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Por esta análise podemos aperceber-nos dos problemas cognitivos das crianças
com DA que evidenciam certas dificuldades nestes sistemas, dificuldades essas que
se reflectem nos processos receptivos e expressivos e suas interacções sistemáticas
concomitantes, daí resultando os diversos tipos e subtipos de dislexias e de
disortografias.
Nesta fugaz análise dos problemas cognitivos das crianças com DA falta-nos
abordar os processos de hierarquização da aprendizagem. De facto, a leitura envolve
todos os níveis do sistema da aprendizagem: percepção (discriminação grafética e
fonética); imagem (categorização grafema-fonema, bases do processo de
descodificação); simbolização (abordagem-processual ou ataque de palavras,
compreensão, fixação da ideia principal e localização de pormenores, etc. ); e
conceptualização (conclusões, deduções, comparações, interpretações, níveis
criativos e críticos, manipulações das ideias e proposições e sua relação com os
diferentes contextos passados e presentes, etc. ).
Visto que se trata de um sistema com várias fases e níveis de processamento, é
claro que qualquer disfunção ou dificuldade num nível pode afectar todo o
encadeamento sistemático dos restantes níveis. Se efectivamente for possível isolar a
disfunção (ou as disfunções) por meio de um diagnóstico (intra ou interníveis), talvez
se possa vir a compreender melhor qual o tipo de intervenção a implementar
posteriormente.
Problemas perceptivos implicam inequivocamente problemas cognitivos,
perturbando o reconhecimento integral das palavras. Problemas de imagem ou de
memória de curto termo vão, evidentemente, intervir com o armazenamento da
informação, dificultando o processamento simbólico concomitante. Se por sua vez
este se encontrar afectado, os níveis de compreensão logo sofrem, perdendo-se a
riqueza e a inter-relação das operações concretas e abstractas intrínsecas do acto da
leitura.
Por aqui se conclui que a leitura, aliás como as restantes aprendizagens
simbólicas (escrita e cálculo), integra uma série de complexas combinacões cognitivas,
parecendo ser neste quadro que surgem os problemas das crianças com DA.
Atenção selectiva, organização perceptiva visual e auditiva, orientação espacial
superior-inferior e esquerda-direita, discriminação graféticofonética, vocabulário visual,
identificação fonética, silabação, memória de curto termo, recognição visual e
auditiva, etc. , são algumas das múltiplas pré-aptidões da leitura. Da rede das suas
combinações cognitivas resulta a compreensão que se retira dos símbolos impressos.
Na leitura, os símbolos visuais recebidos são convertidos em equivalentes
auditivos por um processo intermodal. Para passar da modalidade auditiva à fala na
leitura oral de novo se exige um processo intermodal que envolve então a rechamada
(reauditorização) dos articulemas, que, uma vez formulados interiormente, irão
proporcionar a correcta expressão vocal (oromotora), ou seja, uma leitura oral sem
repetições nem hesitações, sem omis

394

AI, GUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUlDADES DE


APRENDTIAGEM

sões, inversões, adições nem substituições, de forma a libertar os processos


cognitivos para a compreensão e o ajuizamento acerca da informação escrita.
Quer as disfunções de processamento de informação, quer as dificuldades
cognitivas podem emergir em cada um dos níveis de aprendizagem ou nos seus
sistemas de conversão ou hierarquização, dificultando, por interferência de uns
processos noutros, o processo da leitura.
Na base da estruturação dos diferentes níveis de aprendizagem, da percepção
à conceptualização, podemos agora discriminar ou identificar o tipo de distúrbios que
caracterizam as dislexias, as disortografas ou discalculias.
Será que o segredo da intervenção reeducaúvoterapêutica, nestes casos, está
na possibilidade de se isolar os níveis de processamento de informação onde ocorrem
dificuldades?
Pensamos que sim, na medida em que as componentes cognitivas das
aprendizagens simbólicas podem ser não só melhor analisadas, mas também melhor
compensadas, orientando estrategicamente as tarefas pedagógicas de acordo com o
per Jìl cognitivo - Kestilo de aprendizagem" - do reeducando; daí a relevância de
programas de enriquecimento cognitivo neste domínio.
Pelo quadro seguinte, e no que diz respeito à leitura, os níveis de
aprendizagem surgem eswturados em tarefas e subtarefas, mais ou menos da
seguinte forma:

INPUT I OUTPUT

Recepção do símbolo visual envolvendo a - Produção vocal de símbolos


auditivos envolmodalidade visual e o conteúdo verbal: per- vendo sistemas cognitivos
para a modalicepção, imagem e simbolização. dade auditiva e o conteúdo verbal:
imagem,
simbolização e fala (expressão-resposta).

Segundo sistema simbólico. Primeiro sistema simbólico.

A significação ocorre por interiorização, relacionando os símbolos verbais com


as experiências vividas e retidas primeiro através da audição (primeiro sistema
simbólico) e posteriormente através da visão (segundo sistema simbólico).
A significação, por conseguinte, compreende uma integração que resulta da
interacção e de conteúdos verbais com conteúdos não verbais. Aqui, nesta relação
inter-hemisférica e interneurossensorial (transdução visual e auditiva e vice-versa)
nasce provavelmente a compreensão, ou melhor, a aprendizagem integrativa que
resulta da leitura como acto de apropriação de informação e de cultura.
É talvez agora mais fácil compreender porque é que uma disfunção em qualquer
destes sistemas cognitivos pode comprometer a leitura. Parece

395

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

mais ou menos claro que uma análise cognitiva das tarefas que envolvem a leitura
pode ajudar quem se dedica ao diagnóstico e à reeducação das DA.
Sem identificarmos dinamicamente nem especificarmos cognitivamente as áreas
fortes (integridades da aprendizagem) e as áreas fracas (dificuldades de
aprendizagem) da criança com DA estaremos, provavelmente, longe do programa
educacional apropriado a cada caso, ou longe dos pré-requisitos cognitivos a
desenvolver.
Em resumo: as capacidades eognitivas - atenção, percepção, proces samento,
memória, planificação - são básicas e essenciais para que uma criança aprenda a ler e
a eserever rápida e facilmente.
O desenvolvimento destas capacidades engloba todo o processo da
aprendizagem em que a eonsciencialização linguística, o processamento flexível e
plástico da informação auditiva e visual, a abstracção de regras convencionais e o uso
hierarquizado léxicossintácticos são capacidades perceptivas e cognitivas
indispensáveis para se extrair significações (ou redes e sistemas de significações) dos
processos da leitura e da escrita.

Ler e eserever são produtos finais, do cérebro resultantes de processos de


codificação e descodificação que, incontestavelmente, envolvem sistemas
sensoriomotores, linguísticos e cogniúvos extremamente complexos e integrados.

Por este panorama começamos a antever a natureza da leitura, aquisição


cognitiva complexa que surge como um obstáculo ao desenvolvimento da
personalidade de muitas crianças normais.
Antes de nos preocuparmos com a designação e o rótulo de crianças como
crianças disléxicas" ou crianças com dificuldades de aprendizagem, ete. , temos
antes de tentar compreender o processo da leitura e a extensão e a dimensão das suas
exigências cognitivas.
Com base na análise sumária de algumas características das crianças com DA
pensamos que algo se poderá perspecúvar em termos prevenúvos - o que interessa ao
currículo do ensino pré-primário - e em termos de aprendizagem ou de reeducação - o
que interessa a todo o sistema educacional -, pois sabemos que, quando uma criança
não lê ou lê mal, ela não falha só na leitura, antes compromete todo o seu
desenvolvimento cogniúvo consubstanciado no aproveitamento escolar e,
consequentemente, toda a sua adaptação psicossocial.

Problemas psicolinguísticos

Variadíssimas investigações têm demonstrado a relação estreita entre os


processos psicolinguísticos (receptivos, integrativos e expressivos) e as desordens da
linguagem falada e da linguagem escrita.

Iremos, nesta caracterização superficial, abordar apenas os proeessos


psicolinguísticos mais predictivos das DA.

396

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN(AS COM DIFICUI. DADES DE


APRENDIZAGEM

Quanto aos sinais mais significativos, aponta-se os seguintes: problemas na


compreensão do significado de palavras, de frases, de histórias, de conversas, de
diálogos, etc. ; problemas em seguir e executar inswções simples e complexas;
problemas de memória auditiva e de sequência temporal, quer não simbólica, quer
simbólica; vocabulário restrito e limitativo; frases incompletas e mal estruturadas;
dificuldades de rechamada de informação; problemas de organização lógica e de
experiências e ocorrências; dificuldades na formulação e na ordenação ideacional;
problemas de articulação e de repetição de frases, etc.
Fácil é agora compreender que os processos psicolinguísticos se podem
subdividir em receptivos (auditivos e visuais), integrativos (retenção, compreensão e
associação) e expressivos (rechamadas, programações verbais orais e motoras).
O modelo do Illinois Test of Psycholinguistic Abilities (ITPA) proposto por Kirk e
McCarthy 1961, a que já nos referimos, tem sido, em certa medida, o instrumento
mais utilizado nesta área.
Várias investigações demonstraram frequentemente que as crianças com DA
apresentam problemas de recepção, de associação auditiva, de completamento
gramatical e de memória auditiva sequencial.
Por exemplo, na recepção auditiva, perante perguntas-estímulos como: KAs
cadeiras comem ?, Os cães voam ?", As bananas telefonam ?", As pontes
sonham ?", As pessoas cegas vêem ?", etc. , - as crianças com DA podem
responder afirmativamente, não se apercebendo do aspecto absurdo da pergunta, e
escapando-lhes, com mais frequência, a atenção crítica e discriminativa de
significações.
Na associaÇão auditiva, por exemplo perante situações como: O coelho é
rápido, a tartaruga é O dado é um cubo, a bola é uma ", Um homem pode ser um
rei, uma mulher pode ser uma O gelo é sólido a água é ", Os anos têm estações,
os escudos têm etc. , a criança com DA poderá evidenciar dificu dades em
seleccionar situações convencionais e analogias verbais (sinónimos ou antónimos),
devido a problemas de vocabulário, de reconhecimento ou de rememorização
(rechamar auditivamente, ou seja, a palavra adequada ao contexto, o equivalente da
dimensão paradigmática de Jakobson).
No completamento gramatical as frases-estímulos põem em relevo o nível de
conhecimento sintáctico. Por exemplo, nas frases-estímulos Aqui está uma cama,
aqui estão duas (plural)", A porta está aberta, ontem a porta (tempo do verbo)", A
Maria
uma carta no Sábado, a criança com DA poderá encontrar dificuldades em
completar correctamente as frases, demonstrando mais dificuldades automáticas do
que dificuldades lógicas, tudo isso devido normalmente ao desconhecimento do
sistema de linguagem ou das regras gramaticais tácitas (o equivalente da dimensão
sintagmática de Jakobson).

397

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGlCA

Não se trata de um problema de significação, mas antes de analisar a


capacidade em utilizar e criar novas frases, mantendo inalteradas as regras
linguísticas que permitem a produção infinita da linguagem.
De qualquer modo, parece evidente que as crianças com DA evidenciam
algumas dificuldades em adquirir e em utilizar as estruturas gramaticais básicas, ou
seja, o sistema de linguagem (Mc Grady 1972).
O seu desenvolvimento sintáctico apresenta vários episódios de linguagem
infantil, problemas de articulação atraso nas primeiras palavras dificuldades de
expressão", dificuldades nos contrastes, etc. Parece subsistir, no caso das crianças
com DA, uma lentidão ou uma distorsão na aquisição de regras generativas para a
produção de linguagem, não categorizando estruturas e relações, a demonstrar
efectivamente uma certa dificuldade de planificação de rotinas e subrotinas de
comportamento, conscientes ou incons cientes, que se registam não só na expressão
da linguagem, mas também na expressão de condutas não verbais, na medida em
que reflectem relações entre sujeito, verbo (acção) e objecto.
Nas crianças com DA a elaboração de morfemas, a estrutura de superfície e de
profundidade das frases, a produção de frases negativas e de paráfrases, a aquisição
de regras ou modificações transformacionais, a formulação de perguntas, o
reconhecimento de redundâncias e de humor, a construção de frases nas vozes activa
e passiva, a detecção de ambiguidades, anáforas etc. revelam outros sinais léxicos e
estruturais curiosos que mereciam ser objecto de investigação psicolinguística.

23

l. :
~

. ,
.

Figura 126 - Prancha n. o 23 do PPVT

398

ALGUMAS CARAC T ERf STICAS DAS CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

63

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I, i \'f

Figura 127 - Prancha n. o 63 do PPVT

87
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J

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I\

I Dir
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Figura 128 - Prancha n á 87 do PPVT

399
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

As dificuldades dos maus leitores, segundo Menyuk e Flood 1979, situam-se ao


nível da palavra (descodificação fonológica, rechamada das palavras, morfologia, etc.
); ao nível da frase (análise de frases; relações sujeito-predicado, etc. ) e ao nível de
passagem (inferências, memorização, integração da informação, etc. ).
Muitos destes problemas psicolinguísticos podem ser influenciados pela
imitação, pelo reforço e pela interacção sócio e psicolinguística antes dos quatro anos
de idade, período em que se encontram adquiridas as estruturas gramaticais básicas
(McCarthy 1975).
As aquisições das regras fonológicas, por vezes negligenciadas no
envolvimento familiar e materno-infantil, para não dizer escolar, são de uma grande
importância para o desenvolvimento da linguagem, pois são indissociáveis da
percepção auditiva (Eisenson 1972). Regras semânticas e sintácticas parecem pouco
assimiladas e generalizadas nas crianças com DA; daí a relevância dos processos
psicolinguísticos no desenvolvimento das linguagens receptiva, interior e expressiva.
Como tentámos abordar, as crianças com DA apresentam também difi culdades
em associar as palavras (processo auditivo) a imagens (processo visual). Têm
dificuldades em identificar num conjunto de quatro imagens as palavras verter"
contentamento privação", como surgem por exemplo nas pranchas n. os 23, 63, e
87, do Peabody Picture Vocabulary Test (PPVT) (Dunn 1965) - Teste de Vocabulário-
Imagem de Peabody).
Nestas situações podem ser detectados problemas de identificação e de
discriminação auditivas (input auditivo), para além de problemas de compreensão
semântica. Neste caso, a criança terá de reter a palavra por algum tempo, ao mesmo
tempo que selecciona visualmente a imagem concordante (integração palavra-
imagem). Depois de seleccionada a imagem e de ter sido feita a categorização
auditivovisual, a criança terá de realizar um gesto para apontar a imagem
correspondente (output motor).

Figura 129 - Processo de integração auditivovisual (palavra-imagem)

400

ALGUMAS CAR4CTERÍSTICAS DAS CRIANÇ'AS COM DIFICULDADES


DEAPRENDl7 AGEM

Situações como o completamento de palavras, por exemplo pedir à criança para


completar palavras quando apenas uma parte da palavra é apresentada ( bone por
boneca rebu por rebuçado", etc. ), ou de frases ( a casa tem e ", A boneca tem
- e e ", etc. ), revelam normalmente outro tipo de problemas morfológicos e eswturais
na criança com DA. Pedir à criança com DA, essencialmente a que revela dificuldades
no plano onográfico, para juntar sons e formar palavras
<<bola etc. ), é geralmente para ela uma tarefa difícil, pois parece evidenciar certas
dificuldades em isolar sons e percebê-los como partes de uma totalidade.
Sendo a linguagem falada anterior à linguagem escrita, em termos filogenéticos
e ontogenéticos, é óbvio que os problemas da linguagem falada e do processo
auditivoverbal se reflectem na linguagem escrita e no processo visuomotor. A fala e a
leitura estão necessariamente associadas, assim como a afasia e a dislexia, pois
subentende-se em ambos os processos e dimensões uma certa semelhança na
organização e na estruturação psiconeurológica.
Vários estudos, na tentativa de demonstrar esta hierarquização evolutiva,
clarificaram a relação recíproca entre a competência fonética (armazenamento,
indexação e rechamada) e a competência graféúca (equivalência e correspondência
fonema-grafema).
Shankweiller e Liberman 1975 demonstraram que os maus leitores apresentám
problemas de discriminaÇão e representação fonética e de memória de curto termo
que, em si, compreendem processos automáticos de tratamento e organização da
inforlnação. Dado que o grafema é armazenado pela sua equivalência fonética e não
visual, o que permite uma rápida e predictiva descodificação, é clara agora a
evidência de problemas de imaturidade psicolinguísúcos nas crianças disléxicas.
Os bons leitores e os maus leitores são diferentes: na utilização do código
fonéúco, na discriminação de sons, de slabas sem signif, cado e de timbres musicais.
Perante estímulos fonéticos, confusos e não confusos, os maus leitores evidenciam
lentidão na tradução dos fonemas em grafemas e dos grafemas em fonemas. O bom
leitor, porque conhece os grafemas e os fonemas, transfere-os facilmente. Os maus
leitores não os transferem com tanta facilidade, porque também não conhecem
suficientemente os segmentos fonéticos, não recodificando auditiva e foneúcamente
os respectivos grafemas; daí os seus problemas de descodificação fonéúca automática
na leitura.
É possível transferir os optemás e os grafemas quando já se conhece os
fonemas. Conhecendo a eswtura da linguagem falada, mais fácil se torna a
aprendizagem da linguagem escrita: leitura e escrita. Muitas crianças não sabem que
as letras representam sons e que os sons podem ser agrupados em palavras, e que
estas podem ser agrupadas em frases. O ataque às palavras escritas envolve uma
análise fonética explícita, na medida em que a linguagem escrita é um símbolo do
mesmo símbolo.

401

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Francis 1972 sugeriu que a confusão das crianças com DA se situa na falta de
familiarização com uma abordagem analítica da linguagem, O isolamento dos fonemas
nas palavras constitui uma pré-aptidão fonética necessária para aplicar estratégicas de
descodificação visual nas palavras, tornando assim relevante a capacidade de separar
sons numa palavra. A análise da composição de sons que compõem uma palavra
parece ser um pré-requisito da leitura, área onde a criança com DA revela algumas
dificuldades (Menyuk 1968, Wepman 1960, de Hirsch, Jansky e Langford 1966).
A consciencialização linguistica (linguistic awareness) e a metalinguística
materializada pelo domínio e a manipulação multissensorial do alfabeto parecem
representar vantagens na aprendizagem da leitura. A criança deve conhecer ex
licitamente como os segmentos da fala são representados gra ficamente. A análise de
palavras e de si abas pelos fonemas na fala vai corresponder na leitura a análise das
palavras e das silabas pelos grafemas.
A segmenta ão silábica, e posteriormente a segmenta ãofonética, surgem
significativamente diferenciadas entre as crianças disléxicas e as não disléxicas.

Nas crianças disléxicas, a segmentação oral (auditiva) é tão difícil como a


segmentação escrita (visual) (Figa 1973).
Para ler uma linguagem escrita (alfabética) é possível que a representação
fonética e a sua organização (leis, regras e relações), em termos de memória de curto
termo e longo termo, se coloquem como indispensáveis, pois não podemos esquecer
que a leitura está inequivocamente relacionada com outras funções da linguagem.
A correspondência e a equivalência fonética e silábica (estruturas de superfície)
são as bases dos sistemas alfabéticos, pois através deles temos acesso aos
elementos sintácticos e semânticos (estruturas de profundidade), isto é, à abstracção
e à generalização.
Quando maior for a consciência dos segmentos da fala e da estrutura da
linguagem (fonética, morfologia, sintaxe e semântica), ou seja, o conhecimento da
linguística, mais fácil parece ser, segundo dados de investigação, a aprendizagem da
leitura; daí a detecção precoce destes problemas que aca bamos de referir, daí
também a integração urgente destas pré-aptidões, nos curriculos pré-primários e
primários.

Problemas psicomotores

As crianças com DA têm sido estudadas intensamente no campo dos sinais


neurológicos difusos (soft sinals), usualmente associados à motricidade e à
psicomotricidade. São inúmeros os trabalhos dos pioneiros neste sector, como os de
Ajuriaguerra na Europa, de Kephart, Benton, Getman e Frostig, nos Estados Unidos
e de Luria, na União Soviética.

lndependentemente de se reconhecer que muitas crianças com DA têm um


adequado controlo postural e uma coordenação de movimentos, a grande

402

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUI. 17ADES DE


APRENDIZAGEM

maioria delas apresenta um perfl psicomotor dispráxico. Os seus movimentos são


exagerados (dismétricos), rígidos (sem melodia quinestética) e descontrolados (não
seguem uma sequência espaciotemporal organizada).
A eficiência, a economia, a adequação, a perfeição, a plasticidade, a
ritmicidade, a harmonia nos movimentos, etc. , surgem normalmente afectadas ou
imaturas na criança com DA.
Porque a motricidade e, posteriormente, a psicomotricidade revelam a
maturação do SNC, é compreensível que os problemas psicomotores, mais do que os
problemas motores, sejam evidenciados pelas crianças com DA.
Algures já tentámos demonstrar como os problemas psicomotores estão
associados aos problemas cognitivos e afectivos (Fonseca 1977, 1979); por isso não
nos vamos alargar na rede de implicações e reduções psiconeurológicas da
psicomotricidade. Apenas nos limitaremos a uma caracterização psicomotora
superficial da criança com DA, servindo-nos, para isso, de uma bateria de
observação.
Na nossa prática clínica a criança com DA apresenta uma organização tónica
(tensão muscular permanente) diferente. Ora surge hipenónica (predisposição
espástica) - e aqui normalmente ligada à hiperactividade, ou seja, excesso de
actividade motora aparentemente impulsiva -, ora evidencia hipotonia (predisposição
atetósica) associada à hipoactividade, ou seja, a insuficiência de actividade,
exactamente o oposto da caracterização anterior. A flexibilidade articular
(extensibilidade - organização tónica de fundo) é frequentemente exágerada ou restrita
ao nível dos membros superiores e inferiores. A extensibilidade do ombro pode surgir
reduzida (hipoextensível) e a do pulso exagerada (hiperextensível), a justificar a
presença de sinergias onerosas, provavelmente reveladoras de alterações na lei pro
ximodistal do desenvolvimento neurológico, por vezes confirmadas por um
desenvolvimento lento e limitado da preensão e da motricidade fina.
A extensibilidade do tronco em relação aos membros inferiores pode igualmente
evidenciar um grau de extensibilidade exíguo, comprometendo o controlo postural e o
desenvolvimento das aquisições da locomoção. Neste caso, as sinergias onerosas
podem espelhar alterações de outra importante lei do desenvolvimento neurológico - a
lei cefalocaudal.
Para além destes aspectos, detecta-se com facilidade nas crianças com DA
paratonias (dificuldades de relaxação voluntária), disdiadococinésias (dificuldades em
realizar, subsequentemente, movimentos alternados e opostosbater com a mão
esquerda e mexer com a direita), e sincinésias (movimentos imitativos, parasitas e
desnecessários da boca, da língua e da face ou dos membros contralaterais).
A função de equilibra ão parece igualmente mal controlada pela criança com DA.
As suas provas de imobilidade (com os olhos fechados) são normalmente
caracterizadas por perturbações posturais e vestibulares, manifestando grandes
oscilações laterais e anteroposteriores, para além de crispações faciais, agitações e
tremores, risos, respirações profundas, verbalizações incoerentes,

403

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

etc. As provas de equilibrio estático, dinâmico e de locomo ão são férteis em


reequilibrações abruptas, quedas unilaterais, descontrolo postural por
desencadeamento de reflexos posturais insuficientemente inibidos, arritmias, disme
trias, etc. Não é de estranhar que as provas de equilibração nos proporcionem tantos
dados de reflexão, pois o seu controlo é devido ao cerebelo e à formação reticulada,
estruturas responsáveis pelo controlo da atenção, normalmente mal regulada, como já
vimos, na criança com DA.
A criança com DA acusa de facto alguma anomalias na organiza ão motora de
base (tonicidade, postura, equilibração e locomoção) e consequentemente na
organizaÇão psicomotora (lateralização, direccionalidade, imagem do corpo,
estruturação espaciotemporal e praxias). Como sabemos, o início do desenvolvimento
humano reflecte uma antecipação da motricidade face à psicomotricidade. Mais tarde
a actividade mental absorve a actividade motora, isto é, transforma-se em
psicomotricidade, razão pela qual a psicomotricidade traduz a organização
neuropsicológica que serve de base a todas as aprendizagens huz anas.
A organização psicomotora, que resulta da integração sistémica dos dados
proprioceptivos (posturais, vestibulares, motores e tactiloquinestésicos) e dos dados
exteroceptivos (espaciais e temporais) não é meramente uma componente efectora,
como erradamente se defendeu há alguns anos atrás. A integração dos dados
exteroceptivos no movimento torna-o um projecto psíquieo intrínseco. O movimento,
quando na esfera psicomotora e não na motora, compreenderá a integração e a
relação inteligível de múltiplos dados internos e externos que vão estar nos seus
elaboração, planificação, regulação, controlo e execução. É fundamentalmente neste
processamento de dados que se revelam mais os problemas psicomotores das
crianças com DA.
É frequente na criança com DA a presença de problemas de lateraliza ão e de
direccionalidade.
Para além de hesitações e confusões visíveis na desorganização da sua
actividade motora, as crianças com DA não conseguem integrar perceptiva,
consciente e cognitivamente o seu corpo, não o reconhecendo em termos de
orientaÇão primária ( mostra-me a tua mão esquerda"); secundária ( com a tua mão
direita aponta o teu olho esquerdo") e terciária ( aponta o braço esquerdo da boneca
com o teu indicador direito"). Não dispondo deste elemento fundamental de relação e
orientação com o mundo exterior (radar do Eu), a criança com DA terá,
inevitavelmente, dificuldades no plano da direccionalidade, não podendo
consciencializar interiormente nem projectar ou transferir exteriormente as noções
espaciais básicas: esquerda-direita, cima-baixo, dentro-fora, à frente- atrás, etc. ,
tão essenciais como sabemos às aprendizagens não simbólicas e simbólicas.
Estas duas funções psicomotoras essenciais, verdadeiras coordenadas do
corpo, não são inatas, ao contrário das funções motoras, pois resultam da educação
e da experiência sociocultural, perznitindo à criança uma progressiva organização e
uma estruturação do envolvimento (casa, quarto, rua, escola,

404

' ALCì UMAS CARACTERÍSTICAS DAS CRIAN AS COM DIFICUI. DADES DE


APRENDIZAGEM

sala de aula, recreio, jogos, livros, páginas, fichas de trabalho, etc. ). A


hierarquização dos sistemas conicais de processamento de informação depende, de
alguma forma, do domínio destas duas componentes neurológicas.
Sem estas coordenadas, a c ança com DA não discrimina facilmente o
b" do d o q, do p, o u" do n, o 6, do 9", etc. , e muito dificilmente
qualquer das suas combinações e sequencializações que carac terizam a linguagem
convencional e os processos simbólicos da leitura e da escrita.
A noção do corpo, muito associada à autoimagem e à autoconfiança, é
também invariavelmente identificada em crianças com DA. A noção do corpo em todas
as situações de exploração e orientação no espaço aparece usualmente inadequada
na criança com DA. Não diferencia, funcional e semanticamente, as diversas partes
do corpo, e consequentemente, a sua adaptação motora ao espaço exterior encontra-
se prejudicada. O desenho do corpo surge bizarro em pormenores e em proporções, e
os quebra-cabeças do corpo são realizados com frequentes inêxitos. Na imitação dos
gestos, manifesta, frequentemente, problemas de ecopraxias globais e finas que são
claramente indicativos de penurbações gestálticas e sociais, dada a importância da
imagem do eorpo na génese da identificação.
A estruturação espacioremporal, uma das áreas psicomotoras mais
fracas nas crianças com DA, põe em relevo os seus problemas de memória de curto
termo espacial (visual) e ritmica (auditiva) e de realizaÇão sequencializadora de gestos
intencionais e controlados. Apresentam igualmente dificuldades em verbalizar ou em
simbolizar a experiência motora; daí as dificuldades em tarefas de representação
topográfica, ou em relacionar o espaço representado com o espaço agido,
consubstanciando DA verbais e também DA não verbais.
As praxias, quer globais, quer finas, surgem nas crianças com DA com
lentidão ou com irnpulsividade. A coordenação oculomanual e oculopedal apresenta
dismetrias e percentagens de rentabilidade muito baixas. A dis sociação dos
movimentos é prejudicada pelos problemas de organização tónica, onde se revelam
sinergias onerosas que tendem a alterar a realização, a velocidade e a precisão dos
movimentos globais e finos. A recepção e a propulsão de objectos põem em relevo
problemas de agilidade, de generalização e de disponibilidade. No âmbito da
dissociação dlgltal e da dextralidade, verifica-se que as crianças com DA demonstram
dificuldades em separar as funções de iniciativa e de supone, e de planificação de
tarefas e subtarefas motoras e psicomotoras.
É óbvio que este potencial psicomotor interfere com as aprendizagens
escolares, não só porque demonstra uma insuficiente organização perceptivo-
cognitivo-motora, mas também porque evoca alterações relevantes no processamento
cortical da informação.

405

CAPÍTULO 11

PROFICIÊNCIA MOTORA EM CRIANÇAS NORMAIS


E EM CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Estudo comparativo e correlativo com base no Teste de Pro, Jiciêncin Motora de


Bruininks-Oseretsky

O estudo das variáveis motoras em crianças com dificuldades de aprendizagem


(DA) foi introduzido de forma aprofundada pelo grande pioneiro Samuel Orton em 1937,
com a sua obra clássica Problemas de Fala, Leitura e Escrita em CrianÇas (Reading,
Writing and Speech Problems in Children), quando, ao caracterizar as crianças com
dislexia evolutiva, se referiu à sua frequente tendência em exibir uma lateralidade
cruzada e uma concomitante desorganização práxica, características comportamentais
estas amplamente confirmadas também por outros investigadores prestigiados como
Straus 1969 e 1972, Cruickshank 1972, Kephart 1960, Frostig 1971 e 1972, Keogh
1987 e Denckla 1973, 1974, 1979 e 1985.
Outros áútores, como Critchley 1970, Benton e Peacl 1978, citam igualmente
outros problemas, nomeadamente: de motricidade fina, de dificuldades
perceptivomotoras e de descoordenação oculomanual, para além de chamarem à
atenção para outros atributos peculiares das crianças disléxicas, como sejam os
famigerados traços de distractibilidade e de hiperactividade (attention deficit syndrome),
que mais insistentemente têm sido apontados por outros investigadores.
A expressão DA, surgiu como uma necessidade, na medida em que as
crianças diagnosticadas com disfunção cerebral minima (minimal brain disfunction),
com dislexia e com outros rótulos, similares, eram, em alguns casos, tão diferentes
entre si, e tão distintas das crianças deficientes mentais, que exigiam uma
identificação mais abrangente e transdisciplinar do que a tradicional avaliação médica
ou psicométrica (Fonseca 1984 e 1992).
De facto, a expressão DA, tem sido usada para designar uma grande
variedade de fenómenos, dada a ocorrência de uma miscelândia desorganizada de
dados qúe se espalham por vários conceitos confusionais, vários constructos
vulneráveis, múltiplas teorias insubstanciadas, frequentes mo

407

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

delos incoerentes, etc. , que reflectem, no fundo, um paradigma ainda obscuro entre
a normalidade e a excepcionalidade e são indiciadores de outros subparadigmas como
os da paranormalidade" e ou da paraexcepcionalidade".
As DA retratam, em síntese, uma grande diversidade de problemas
educacionais e clínicos com uma tal míriade de eventos ecológicos de enormes
repercussões socioculturais que se torna difícil atingir um consenso na matéria,
exactamente porque as DA emergiram mais de pressões, contextos e necessidades
socioeducacionais do que de dados científicos mais defensáveis.
O entendimento multidisciplinar que envolve o estudo das DA dificulta o
surgimento de uma definição inequívoca, coerente e sólida, apenas à base de critérios
psicométricos ou de discrepâncias verbais e de realização (ditas de performance) à luz
do quociente intelectual, e muito menos à base de puros critérios médicos selectivos
de acuidade auditiva ou visual, ou simplesmente de restritas medidas de prestação
motora.
O estudo das DA parece situar, antes, questões de processamento, integração
e comunicação de informação, pois muitas crianças com DA ouvem bem mas não
escutam, vêem bem mas não captam, nem escrutinam ou observam dados, movem-
se funcionalmente mas exibem dispraxias, equacionando, consequentemente, mais
problemas dos sistemas funcionais da aprendizagem (Luria 1966 e 1973) do que
problemas das funções sensoriais ou motoras.
O grande interesse por este campo de estudo faz com que os projectos de
investigação sejam desenvolvidos a partir de diferentes perspectivas, às quais não
escapam, por inerência, os estudos mais enfocados nas variáveis da motricidade.
Em síntese, a investigação corrente nas DA é fragmentada e dispersa; por
consequência, as pesquisas sobre a motricidade ou a psicomotricidade das crianças
com DA sofre da mesma fragilidade experimental.
A polémica vigente sobre o assunto não permite a total compreensão etiológica
ou epidemiológica das DA, nem tão-pouco o questionamento dos problemas
psicomotores nos complexos processos de aprendizagem simbólica da leitura, da
escrita e do cálculo.
Sendo a criança um objecto de estudo extremamente difícil, quando
investigamos algumas variáveis da sua aprendizagem simbólica depara-se-nos uma
área de pesquisa ainda conceptualmente pouco definida (Torgesen 1977, Ross 1979,
Vellutino 1979, Quirós e Schrager 1980, Myers e Hammill 1982, Kirk e Gallagher
1987, Wallace e MacLoughlin 1988, Mercer e col. 1990 e Fonseca 1984 e 1992), o
mesmo se passando, talvez ainda com maiores indefmições, quando se pretende
estudar as variáveis da sua motricidade, frequentemente confundida com a
psicomotricidade.

A expressão DA tem sido aplicada a uma população muito heterogénea em


termos de competências e de aquisições, quer motoras, simbólicas, cognitivas, quer
ainda comportamentais, complicando assim o acesso a um

408

PROFICIÊNCIA MOTORA

enunciado teórico consistente no plano do diagnóstico e no plano da intervenção


habilitacional e psicoeducacional. Determinar as causas das DA e minimizar a sua
incidência na população escolar é certamente um dos maiores desafios do processo de
ensino-aprendizagem; daí uma das razões justificativas deste estudo.
Considerando o grande número de definições já avançadas por
investigadores, comissões, associações e sociedades científicas internacionais
(Fonseca 1984 e 1992), tem sido a definição da National Joint Committee of Learning
Disabilities - NJCLD 1988 a que tem recebido maior consensualidade (Hammill 1990).
Este comité norte-americano considera as DA um grupo heterogéneo de
desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisi ão e no uso das
seguintes competências de aprendizagem: compreensão auditiva, fala, leitura, escrita
e raciocinio matemático. Tais desordens, segundo este comité, que integrou insignes
investigadores, são intrinsecas ao individuo, presumindo-se que sejam devidas a uma
disfun ão do seu sistema nervoso podendo tal disfunção ocorrer ao longo de toda a sua
vida.
Tendo em atenção este pressuposto polémico torna-se óbvio que tal disfunção
psiconeurológica (Jonhson e Myklebust, 1964) pode reflectir-se não apenas nas
funções psíquicas superiores da leitura, da escrita e do cálculo, mas também na
psicomotricidade entendimento este já avançado por vários autores (Denckla 1985,
Fonseca 1990) e que constitui um dos objectivos da presente pesquisa.
Numa análise geral das inúmeras defnições de DA conhecidas, pode-se
projectar o consenso de que a crian a (ou o jovem) com DA não é: deficiente sensorial
(visual ou auditivo), deficiente motor (espástico, atetósico, atáxico, etc. ), deficiente
mental (dependente, treinável ou educável, pois só deve ser considerado tal quando
evidencia um QI > 80), nem deficiente emocional (autista ou psicótico), o que em si
encerra um critério de exclusão, clarificando que ele não penence à taxonomia
defectológica, nem deve ser encaminhado para o ensino especial.
Em contrapartida, a criança com DA também encerra um critério de inclusão,
isto é, evidencia um conjunto de atributos e de características de aprendizagem e de
comportamento que a diferenciam da criança que aprende normalmente e com
facilidade, condição essa que a deve levar a um encaminhamento alternativo no
ensino regular.
A criança com DA sugere também um conceito paranormal e parapatológico,
algo que pode eiicontrar a sua explicação entre os limites da capacidade e da
incapacidade de aprendizagem (exemplo: agnosia, afasia, apraxia), perfeitamente
enquadrada no conceito de necessidades educativas especiais.
No âmbito deste estudo, mais centrado nas variáveis motoras e não nas
variáveis psicomotoras, a criança com DA não pode revelar qualquer paralisia motora
ou evidenciar qualquer tipo de apraxia (critério de exclusão),

409

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

mas somente uma disfunção na integração, na elaboração ou na expressão motora


(Fonseca 1992), disfunção que clinicamente se tem designado por dispraxia (critério
de inclusão), subparadigma crítico este contido na presente investigação e que foi
rigorosamente respeitado quando da selecção da amostra.
Embora não sejam o objectivo desta pesquisa, os constructos teóricos da
praxia, da apraxia e da dispraxia necessitam ser aqui minimamente clarificados, para
que se possa entender melhor alguns dos seus resultados e implicações, bem como
situar os limites dos critérios de exclusão e de inclusão acima aflorados.
Apraxia não pode ser entendida como sinónimo de movimento reflexo ou
automático, mas sim de sistemas de movimentos coordenados em função de uma
intenção ou de um resultado a obter, o que pressupõe a emergência da aprendizagem
e da função simbólica, pois são sistemas de movimentos que nascem no pensamento,
na medida em que estão interiorizados antes de serem expressos em acções e uma
vez que servem para fixar a informação e suponar a função cognitiva.
A apraxia compreende, por sua vez, uma incapacidade de realização de
movimentos com finalidade ou intencionalidade; trata-se, ponanto, de uma desordem
na produção de sistemas de movimentos aprendidos não causada por fragilidade,
aquinésia, disaferenciação ou anormalidade da tonicidade ou da postura, em suma,
trata-se de uma deficiência na expressão de movimentos coordenados e integrados.
Por último, a dispraxia compreende uma penurbação na programação e na
execução de movimentos intencionais e volitivos, que oco re na presença de reflexos,
de tonicidade e sensibilidade normais, mas revela uma desestruturação cognitiva da
actividade operativa e da representação mental, não podendo ser confundida com
neuropatias ou miopatias, mas envolvendo disfunções dos substractos que integram,
elaboram e controlam o movimento voluntário (Miller 1986).
É dentro deste contexto que abordaremos o termo dispraxia" que separa
claramente o equipamento (motricidade) do seu funcionamento (psicomotricidade), o
piano do pianista, na medida em que a criança assim diagnosticada não evidencia
distúrbios na expressão da sua motricidade, mas sim nos seus integração,
planificação, regulação e controlo, ou seja, nos processos psíquicos que a motivam e
estruturam, numa palavra, na sua psicomotricidade.
A criança com DA, que pode ser de vários subtipos (Fonseca 1992), não pode,
consequentemente, evidenciar apraxias, podendo, em contrapanida, demonstrar um
nível práxico considerável, pois identifica-se muitos casos de crianças com DA com
níveis motores elevados e com perjormances desportivas e expressivas adequadas e
até excelsas. São conhecidos da literatura especializada vários casos de atletas de
competição; daí que os subtipos de DA possam integrar crianças com problemas de
aprendizagem, com proble

410

PROFICIENCIA MOTORA

mas de comportamento e com problemas motores, ou com problemas


intercombinados em termos do diagrama de Veen.
Todavia, na escola regular e na prática clínica, surgem muitos casos de
crianças com DA com dispraxias, isto é, com discrepâncias no seu potencial motor e
na sua proficiência motora. Nestes casos, para além de desordens básicas no
processamento de informação (disfunções de input, elaboração e output), regista-se,
igualmente, dificuldades na resolução de problemas num contexto mais psicomotor do
que motor, pois tendem a revelar dificuldades de simbolização ou verbalização de
acções e de movimentos expressivos ou construtivos, problemas de orientação
espacial, de integração e reprodução rítmica, de identificação e representação
somatognósicz, de dissociação e planificação motora, sinais vestibulares e posturais
desviantes, etc. , que parecem situar algum grau disfuncional entre a praxia e a
apraxia.
A criança com DA deve possuir efectivamente dificuldades especificas de
aprendizagem, e não dificuldades gerais como as que são identificadas nas crianças
deficientes mentais, o que constitui a base da sua caracterização psicoeducacional
(Quirós e Schrager 1978; Fonseca 1984, 1987; Kirk e Gallagher 1987), motivo este
pelo qual se pretende no presente estudo sobre a proficiência motora, com base num
teste motor creditado como é o Teste de Proficiência Motora Bruininks-Oseretsky -
TPMBO, isolar ou identificar, se possível, difzculdades motoras especificas na criança
com DA, estudando-a comparativamente com a criánça considerada normal.
Neste aspecto, temos de levar em conta que a interacção das componentes
afectivas, motoras e cognitivas com o mundo exterior explica o fenómeno complexo
que é a aprendizagem, sobretudo se considerarmos que ela é a tarefa central do
desenvolvimento da criança.
Nas aprendizagens escolares, a criança tem de utilizar a totalidade dos seus
recursos, quer endógenos, quer exógenos, no sentido de adquirir as suas
optimização e maximização psicofuncionais totais, o que inclui obviamente a sua
proficiência motora, de modo a garantir adaptabilidade ao maior número de situações
que se lhe deparam na leitura, na escrita ou no cálculo.
Apesar de as manifestações disfuncionais numa das componentes da
aprendizagem (cognitivas, afectivas ou motoras) implicarem ou não a coexistência de
disfunções nas outras, podemos falar do predomínio de uma ou de outra, isolando-a
em termos experimentais, e foi com este objectivo que pretendemos comparar a
proficiência motora entre crianças normais exibindo aproveitamento escolar e crianças
com DA com uma repetência na primeira fase da escolaridade.
Foi com a finalidade de estudar e aprofundar algumas variáveis motoras em
duas populações com diferentes graus de rendimento escolar que a nossa pesquisa se
centrou preferencialmente na investigação das componentes da motricidade global,
composta e fina, medidas segundo o teste de proficiência motora da autoria de
Bruininks 1978.

411

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

REVISÃO DA LITERATURA

Revendo alguns estudos relacionados com as componentes motoras em


crianças com DA, desde logo se nos deparam duas correntes distintas: a ligada
essencialmente às pesquisas norte- americanas no domínio da chamada
perceptivomotricidade, e a europeia, mais ligada à psicomotricidade, cujos contornos
teóricos se apresentam ainda longe de uma síntese integradora sólida e consensual.
Quanto aos autores none-americanos, são mais as variáveis perceptivomotoras
objectivas as estudadas, destacando-se os trabalhos de: Getman I964 (desordens
visuoespaciais e visuomotoras), Kephart 1960 (desordens perceptivomotoras do aluno
com aprendizagem lenta - slow learner), Frostig 1972 (desordens perceptivovisuais e
perceptivomotoras), Cratty 1975, 1979 e 1980 (desordens perceptivomotoras das
crianças com insucesso escolar crónico), Cruickshank 1972, Doman, Delacato e
Doman 1964, Ayres 1982 e Gaddes 1989 (discrepâncias perceptivomotoras das
crianças com disfunções cerebrais mínimas e das crianças disléxicas); etc. , todos eles
apontando na criança com DA sinais desviantes do funcionamento perceptivomotor.
De assinalar que a maioria destes autores identifica na criança com DA vários
sinais de desintegração perceptivomotora, quer ao nível do equilíbrio, do salto, da
identificação das partes do corpo, da imitação dos gestos, da corrida de obstáculos,
da força de braços e de pernas (testes do tipo Kraus- Weber), da reprodução
visuográfica e rítmica, quer da exibilidade, da orientação visual de movimentos, etc. ,
não sendo visível uma perfeita distinção da motricidade e da perceptivomotricidade, ou
seja, entre do produto final do movimento e dos processos de integração que lhe dão
supone e regulação, paradigma ainda pouco esclarecido neste conjunto de
pesquisadores.
Os trabalhos europeus iniciados por Wallon 1925, 1932, 1958, 1963
(síndromas psicomotoras na criança turbulenta), depois avançados por Guilmain 1971
(discrepância entre a idade motora e a idade crouológica em crianças com fracasso
escolac) e Vayer 1982 (atraso psicomotor da criança com difi culdades escolares), e
essencialmente aprofundados por Ajuriaguerra 1960, 1964 e 1984 e a sua equipa
(desordens neuropsicomotoras da criança com inadaptação escolar), destacam mais
as constelações de disfunções: na tonicidade, na imobilidade, na lateralização dos
receptores e dos efectores, e igualmente na lateralização simbólica, na somatognósia,
na estruturação espaciotemporal e na organização e na construção práxica, visando
formular uma significação clínica de tais sinais disfuncionais e perspectivando assim
uma óptica diferente de análise, mais interiorizada e centralista, sobre os substratos
neurológicos da psicomotricidade.
Dentro desta linha, Fonseca 1984, 1985, 1989 e 1992, estudando uma
população clínica de crianças normais com DA com base numa bateria psicomorora,
detectou igualmente inúmeros sinais disfuncionais ao nível dos

412

PROFICIÊ NCIA MOTORA

seguintes factores psicomotores: tonicidade (hiper e hipoextensibilidades, paratonias,


disdiadococinésias, sincinésias, etc. ), equilibra ão (sinais disfuncionais vestibulares
com reequilibrações abruptas, distonias, disquinésias, quedas descontroladas,
desaferenciações proprioceptivas, etc. ), lateralização (ambidextrias inóbvias
aferentes, eferentes e efectoras, desintegração sensorial intrassomática, problemas
de irreversibilidade intrassomática, inespecialização corporal e hemisférica,
desorientação espacial, etc. ), no ão do corpo (desorganização tactiloquinestésica e
representacional do corpo, dissomatognósias, inimitações e aexterognósias,
representação visuográfica hesitante e difusa do corpo, imperícia construtiva em
quebra-cabeças do corpo, ausência de sistemas de referência interpessoal,
insegurança, inatenção, défices perceptivos, etc. ), estruturação espaciotemporal
(desorganização e desorientação espacial concreta e topográfica, problemas de
retenção de curto termo e de reprodução de estruturas espaciais e rítmicas,
dificuldades de descodificação-codificação do espaço agido e do espaço representado,
etc. ), e por último, praxia global efina (descoordenações oculomanuais e oculopedais
múltiplas e dismétricas, adissociação e desplanificação de sequências de movimentos
globais e finos, lentidão e imprecisão na macro e na micromotricidade, dificuldades
em verbalizar e simbolizar acções, etc. ).
Esta visão clínica dos factores psicomotores aproxima-se mais do modelo
neurofuncional de Luria 1966, 1969, 1973 e 1975, modelo onde assenta
inclusivamente a interpretação da sua significação psiconeurológica, e também dos
modelos neuroévolutivos de Touwen e Prechtl 1970, de Mutti, Sterling e Spalding
1978, de Vial 1978, de Le Boulch 1979, de Miller 1986 e de Gaddes, 1989, mais
centrados no estudo das disfunções nervosas mínimas (minor nervous disfunction) ou
dos soft neurological signs e preferencialmente orientados para o estudo da
significação psiconeurológica dos sinais desviantes da psicomotricidade.
As variáveis aqui assinaladas equacionam mais claramente a transcendência e
a integração psicológica da motricidade e o seu paradigma central (que não é nem
sensorial, nem motor por definição, porque as transforma e antecipa), e não a
prestação motora em termos de eficácia, velocidade ou precisão, que
tradicionalmente caracterizam os testes motores e os seus paradigmas periféricos,
onde o TPMBO se centra preferencialmente.
Ainda nesta revisão, outros trabalhos merecem também menção no
esclarecimento do estudo da motricidade evolutiva, como os de Scott, Moyes e
Henderson 1972, Swanson 1990 e de Silva e Ross 1980, que afirmam, por outro
lado, que o atraso no désenvolvimento motor e os défices de processamento motor
expressivo têm interesse para as várias áreas do estudo da criança com DA, tendo em
atenção a relação neurofuncional e possíveis efeitos adversos entre a motricidade e os
outros problemas de aprendizagem, como os da maturidade emocional e cognitiva, ou
os de controlo e regulação do acto méntal intrínseco a qualquer tipo de aprendizagem
simbólica ou não simbólica.
413

INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Quanto aos aspectos motores mais específicos, alguns investigadores como

Ayres 1982, Kohen-Raz 1979 e 1981, Bundy 1987; Byl, Byl e Rosenthal 1989,
Gallahue 1989 e Swanson 1990 demonstraram que existem múltiplas relações entre os
domínios do comportamento cognitivo e do comportamento motor de crianças com DA,
nomeadamente nas con elações que encontraram entre a proficiência na leitura e na
escrita e as variáveis de equilbrio estático, da lateralidade, da noção do corpo, da
estruturação espacial e da planificação motora, tendo eles acrescentado que as suas
habilidades espaciais e perceptivas, que obviamente participam nas aprendizagens
escolares, melhoraram substancial- mente com programas adequados (diagnostic-
teaching strategies).

Todos estes estudos, no seu conjunto, fonZecem conswctos teóricos a vários


programas de reeducação perceptivomotora e psicomotora, que aplicados
experimentalmente provocaram resultados positivos e ganhos significativos na
aprendizagem simbólica, apesar de outras pesquisas (Jonhson 1984 e 1987, Keogh
1987 e Wallace e McLoughlin 1989) não terem atingido os mesmos efeitos.
Independentemente de a importância da motricidade na aprendizagem sim
bólica ter sido reconhecida por vários autores (nomeadamente Piaget 1976 Holle 1979,
Le Boulch 1979, Ajuriaguerra 1980, Magill 1986 e 1989, Rigal 1989 e Fonseca 1989),
ainda não é claro quando é e como é que a intervenção através da motricidade, ou
mesmo da psicomotricidade, pode influenciar o desempenho cognitivo, pois muitos
autores não estabelecem a exacta fronteira de onde, porquê e como a motricidade
pode enriquecer e/ou modificar os processos perceptivos, integraúvos e elaborativos
da aprendizagem.

Certamente que tais métodos de intervenção não poderão ter como objectivo o
reforço dos factores anatomofisiológicos de execução motora (exemplo: força,
velocidade, resistência cardiorrespiratória, endurance muscular, destreza, etc. )
como tem sido tradicional das intervenções da educação física, da actividade motora
adaptada ou da fisioterapia.

Para atingir as funções psíquicas superiores da aprendizagem a motri cidade


deve ser concebida como um pretexto e não como um fim em si próprio, um meio
privilegiado para mobilizar e reorganizac as funções mentais de atenção, análise,
síntese, imagem, comparação, cognição, planificação, processamento, regulação e
integração da acção, visando a sua representação mental, as suas simbolização e
conceptualização, bem como a sua verbalização, tendo em vista, prioritariamente,
maximizar o potencial psicomotor e emocional de aprendizagem e não meramente o
desenvolvimento das aquisições das suas componentes motoras.
Para que a motricidade, ou melhor dito, a psicomotricidade possa
modificar o potencial global de aprendizagem, urge fazer do corpo um meio total de
expressão e relação aaavés do qual a cognição se edifica e se manifesta, algo
substancialmente diferente da intervenção de muitos métodos ditos de reeducação
psicomotora", mas que, na sua essência, não se diferenciam das clássicas
reeducações corcectivas ou físicas".

414

PROFICIÊNCIA MOTORA

Outros autores, com base em estudos de caracterização motora e


psicomotora de populações com inadaptações escolares variadas (Vial 1978,
Rosamilha 1979 e Vayer e Destroper 1985), verificaram que os seus baixos
desempenhos escolares eram acompanhados igualmente por perfis e por prestações
motoras e psicomotoras do mesmo nível e da mesma magnitude.
Apesar da vasta literatura sobre o desenvolvimento motor e sobre a
caracterização psicomotora de crianças normais e com DA, há ainda relativamente
poucos testes estandardizados neste campo de estudo, em comparação com a grande
variedade de testes de desenvolvimento cognitivo, simbólico e linguístico, algo que
dificulta o aprofundamento da evidência científica nesta área de pesquisa, e que nos
levou, inclusivamente, a seleccionar, da bibliografia específica, um teste credível de
larga e ampla aplicação, quer na psicologia, quer na educação, como é o Teste de
Proficiência Motora de Bruininks-Oseretsky - TPMBO (Bruininks 1978).
Para este autor, a expressão proficiência motora é definida
operacionalmente como o comportamento motor avaliado pelo seu teste, isto é, um
termo genérico que se refere à performance obtida numa vasta gama de testes
motores.
Para Bruininks, os paradigmas da motricidade surgem efectivamente
com uma fundamentação mais comportamentalista e mais restrita, tendo em atenção
as formulações de outros autores acima revistos; daí que a expressão capacidade
motora seja por si descrita apenas como: uma variedade de respostas motoras
individuais perante uma variedade de tarefas ditas educacionais, enquanto a
expressão habilidade motora é definida como: uma acção individual numa tarefa
motora determinada, onde a significação psiconeurológica e psicoemocional não se
vislumbra nem sequer se fundamenta.
Dentro desta linha, alguns estudos disponíveis sobre as capacidades motoras
com base no TPMBO (Dobbins e Rarick 1975, Krus, Bruininks e Robenson 1981 e
Bruininks 1977, 1978 e 1989) centraram-se na comparação de crianças normais com
crianças com DA e deficientes mentais, todos eles destacando naquelas crianças a
superioridade significativa em todas as componentes motoras globais, compostas e
finas constantes do teste.
Vayer 1982, Ajuriaguerra 1984 e Fonseca 1984, noutros estudos de feição
mais clínica, considerarám que as DA estão directamente ligadas às perturbações
psicomotoras ou practognósicas, que tendem a reflectir-se na
atenção, na adaptação, na orientação, na direcção e na representação
espacial, no processamento sequencial rítmico e nos problemas de lateralidade
perceptivossimbólica, que frequentemente são apontados como variáveis
determinantes nós testes que medem a proficiência nas aprendizagens escolares
básicas.
415

INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Noutros trabalhos de investigação como os de Beuter 1983, Salbenblatt 1987 e


de Bruininks 1989, foram encontrados rendimentos inferiores nas crianças com DA em
comparação com crianças normais na velocidade e na coordenação dos membros
superiores, e tal proficiência motora foi também verificada nas componentes da
motricidade global, ou seja, na comda de agilidade, no equilfbrio e na força.
Quanto ao TPMBO, o seu autor considera que tanto a bateria completa, que
inclui 46 itens separados, como a sua forma reduzida, de apenas 14 itens, constituem
um indicador global e completo da proficiência motora, assim como contêm medidas
específicas diferenciadas da motricidade global e da motricidade fina.
Por reunir uma série de atributos de validade e de objectividade, interessou-nos
utilizar o TPMBO na sua forma reduzida (shortform), pela primeira vez entre nós, junto
de uma população de crianças com DA definida segundo parâmetros de
consensualidade internacional, com o objectivo de aprofundar a sua caracterização em
termos de motricidade. Esse interesse tornou-se ainda mais exequível na medida em
que os estudos de Beitel e Mead 1980, 1982 e de Moore, Reeve e Boan 1986, e
entre nós o estudo de Morato 1986, concluíram que tal forma reduzida do teste é um
inswmento válido para avaliar a proficiência motora de crianças, razão pela qual a
seleccionámos nesta pesquisa.
De referir ainda, nesta revisão, outros estudos relevantes utilizados com a
forma reduzida noutras populações. como os trabalhos por nós orientados de Morato
1986, numa população de 38 crianças com síndroma de Down (trissomia 21 ) de
ambos os sexos com idades entre os seis e os 12 anos de idade e caracterizadas
como escolarizáveis, e de Manins, 1990, com 120 crianças normais e de ambos os
sexos dos 2. o e 4. o anos de escolaridade, que nos forneceram também garantia da
validade do inswmento de medida da proficiência motora.
De assinalar que o trabalho efectuado em populações de crianças e jovens com
deficiência mental sugere que os baixos rendimentos evidenciados na proficiência
motora expressavam os mais variados sinais disfuncionai/ segundo o seu autor,
nomeadamente: lentidão, dismetria, paragens e inércias motoras, dificuldades de
controlo postural, insuficiência nos reflexos posturais equilibratórios, quedas,
imaturidade posturorreguladora, descoordenação bilateral, fragilidade impulsiva
horizontal, etc. , nas habilidades motoras globais do teste, e lentidão na captação de
detalhes de objectos e de figuras e de situações de resolução rápida, incoordenação
interdigital, insuficiências no transpone visual e na reprodução grafomotora,
apercepção de constâncias angulares e sobreposições gestálticas, imprecisão na
dextralidade com frequentes interrupções na sequência do movimento nas habilidades
motorasfinas. O trabalho de Morato, embora utilizando um teste motor como é
efectivamente o TPMBO centrou-se mais em interpretações de índole psicomotora do
que em explicações funcionais de índole motora.

416

PROFICIÉ NCIA MOTORA


A investigação efectuada por Martins 1990 procurou analisar as relações entre a
proficiência motora medida pela forma reduzida do TPMBO e a competência
grafomotora medida pelo Diagnóstico e Reeducação dos Problemas da Escrita de
Scott, Moyes e Henderson 1986. Os resultados apurados na proficiência motora
revelaram superioridade constante do sexo masculino e do grupo do 4. o ano de
escolaridade na globalidade da amostra em todos os subtestes da motricidade global,
da motricidade composta e da motricidade fina, em relação ao sexo feminino e ao
grupo do 2. o ano de escolaridade, embora nesta última habilidade a aproximação
entre as médias obtidas fosse registada.
Em resumo, a revisão da literatura aponta para a verìficação de condições de
validade e objectividade do instrumento de medida utilizado, e ilustra uma ampla gama
de pesquisas que abrangem populações quer normais, quer desviantes, algo que
reforçou a nossa decisão em efectuar um estudo especificamente centrado na
comparação da proficiência motora entre crianças definidas como normais, e
crianças def midas como evidenciando DA,
Independentemente de nos movermos em terreno conceptual pouco definido
como é, por um lado, a caracterização da nossa amostra desviante e, por outro, o
objecto de estudo da motricidade nas suas várias componentes sistémicas, que
procurámos aflorar nesta revisão da literatura, preocupou-nos particularmente
investigar se, efectivamente, em termos de proflciência motora, as crianças normais e
as crianças com DA se distinguem e diferenciam signijcativamente. Para o efeito,
desenvolvemos uma metodologia, captámos, tratámos e interpretámos dados que
abordaremos nos capítulos seguintes.

METODOLOGIA

Para verificar a relação das variáveis da proficiência motora, à luz das


concepções de Bruininks 1974, em crianças normais (N) e em crianças com
dificuldades de aprendizagem (DA), desenvolvemos um estudo com base numa
metodologia de investigação comparativa, visando comparar ambos os grupos nas
variáveis de estudo, e correlativa, com a finalidade de investigar a relação entre
determinadas variáveis (Ferguson 1981 e Pinto 1990), com o objectivo de estudar as
diferenças evidenciadas por ambos os grupos nas componentes da motricidade global,
da motricidade composta e da motricidade fina, constantes da forma reduzida do Teste
de Projciência Motora de Brulninks-Oseretsky - TPMBO (ver ficha de registo, nas págs.
422-425), para o qual foram adoptados diversos critérios de selecção da amostra para
exercer o maior controlo possível sobre a mesma (lsaac e Michael 1985).

417

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Formulação das hipóteses

Tendo em atenção a colocação do problema e a revisão da literatura, em que


se procurou situar as assunções conceptuais, a delineação das várias posições
teóricas e a substanciação dos postulados inerentes ao estudo da proficiência motora,
o enfoque da formulação das hipóteses centrou-se na seguinte questão:

- as crianças N apresentam níveis de proficiência motora


significativamente diferentes das crianças com DA?

Neste contexto, foram formuladas as seguintes hipóteses nulas (Ho):

Ho 1 - Não existem diferenças significativas entre os dois grupos nas variáveis


da componente da motricidade global;
Ho 2 - Não existem diferenças significativas entre os dois grupos nas variáveis
da componente da motricidade composta;
Ho 3 - Não existem diferenças significativas entre os dois grupos nas variáveis
da componente da motricidade fma;
Ho 4 - Não existem diferenças significativas entre os dois grupos na proficiência
motora.

Descrição das variáveis

O estudo integrou as seguintes variáveis controláveis:

- Idade (dos 7; 6 aos 8; 6);


- Sexó (masculino e feminino);
- Componentes da Motricidade Global:
Corrida de agilidade;
Equilíbrio (unipedal e dinâmico);
Coordenação bilateral (dissociação e salto vertical);
Força (salto horizontal);
- Componentes da Motricidade Composta:
Coordenação dos membros superiores (recepção manual e coordena ção
oculomanual);
- Componentes da Motricidade Fina:
Velocidade de reacção;
Visuomotricidade (labirintos, cópia do círculo e cópia de figura sobrepostas);
Dextralidade (distribuição de cartas e marcação de pontos);
- Componentes da Proficiência Motora (totais da motricidade
global, composta e fina).

418

PROFICIENCIA MOTORA

Amostra

A amostra foi constituída por 30 crianças, do 2. " ano e do 3. o ano da


escolaridade primária da rede do ensino público da zona da Grande Lisboa, de ambos
os sexos, com a idade média de 8, 0 anos e pertencentes ao nivel sócioeconómico
médio, segundo a Escala de Classificação Social Internacional de Graffar (adaptação
de Fonseca 1989).
A partir da amostra seleccionada foram formados dois grupos assim
consútuídos:

QUADRO I

GRUPO ESCOLARIDADE IDADE NÚMERO TOTAL MÉDIA


DE CRIANÇAS

A Não-repetentes 7 masculino 3. o ano 8, 0 15


8 feminino

DA
g Repetentes 8 masculino 2 á ano 8, 0 15
7 feminino

Crianças normais \ 15

Crianças com DA 15

N = Crianças sem dificuldades de aprendizagem, não repetentes. DA = Crianças com


dificuldades de aprendizagem, com uma repetência.

419

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Considerando o objectivo do estudo, os critérios de selecção adoptados


identificaram crianças que apresentavam as seguintes características:

Grupo A (N) - Crianças de ambos os sexos:


- que frequentavam o 3. o ano de escolaridade primária com
aproveitamento, isto é, não apresentavam qualquer repetência;
- que apresentavam um factor g de inteligência, situado num
percentil > ou = 50 (nível médio a superior) medido pelo Teste de Matrizes
Progressivas Coloridas (Raven 1974);
- que se situavam nos níveis socioeconómicos médio alto, médio
médio e médio baixo, avaliado pela escala de Graffar.

Grupo B (DA) - Crianças de ambos os sexos:


- que frequentavam o 2. o ano de escolaridade primária sem
aproveitamento, isto é, apresentavam uma repetência por insucesso escolar, daí a
elegibilidade das DA;
- que apresentavam um factor g ou um percentil > ou = 50 (nível
médio a superior), medido pelo Teste de Matrizes Progressivas Coloridas (Raven,
1974)
- que se situavam nos níveis socioeconómicos médio alto, médio
médio e médio baixo, avaliado pela escala de Graffar.
Para assegurar um maior controlo no que se refere à caracterização da amostra,
foram excluídas as crianças que apresentavam as seguintes características:
reprovação por razões não académicas; deficiências sensoriais, mentais, motoras ou
de comunicação; e finalmente, perturbações socioemo cionais, dados estes obtidos
através dos processos subjectivos de avaliação dos professores.
Como não existe no sistema escolar português uma definição consensual e
oficial sobre a criança com DA (Fonseca 1987, 1989 e 1991), procurámos seleccionar
e caracterizar a amostra tendo em atenção a definição mais abrangente e de maior
consenso e prestígio internacional, que é a da National Joint Committee on Learning
Disabilities (NJCLD 1988).

Instrumentos de avaliação e procedimentos

Matrizes progressivas de Raven

No que diz respeito à avaliação do problema da inteligência geral para efeitos de


selecção da amostra, foi utilizado o Teste de Matrizes Progressivas de Raven 1974,
versão infantil colorida com a finalidade de avaliar o factor g, que o autor define como
o denominador comum das operações de inteli gência.

420

PROFICIÉ NCIA MOTORA

O teste, de grande prestígio internacional na psicologia e na educação, tem


sido particularmente utilizado no âmbito das DA. O teste em si avalia a capacidade de
raciocínio lógico, analógico e representacional, envolvendo processos cognitivos não
verbais de seriação, de análise e comparação de estruturas visuoespaciais não
simbólicas, de inferência hipotética, de dedução, de generalização, e também de
resolução de problemas.
A aplicação do teste a todas as crianças da amostra foi realizada
individualmente, tendo-se respeitado as normas de cotação referidas no manual do
mesmo. As condições de aplicação decorreram de forma adequada numa sala de aula
normal.

Teste de proficiência motora de Bruininks-Ozeretsky

Neste estudo, como já referimos, foi utilizado o Teste de Proficiência Motora de


Bruininks-Ozeretsky (TPMBO, 1974), para estudar algumas variáveis motoras, teste
este adaptado à língua portuguesa na sua forma reduzida (short form) primeiramente
por Vítor da Fonseca e Pedro Morato em 1986, e posteriormente por Vítor da Fonseca,
Rui Martins e Nilson Moreira em 1991.
O teste da autoria de R. Bruininks decorrente de uma adaptação mais moderna
das Escalas de Desenvolvimento de Lincoln-Ozeretzky de Sloan 1955, constando de
uma forma reduzida e de uma forma longa, emerge efectivamente de uma publicação
do autor russo de 1923, posteriormente fundamentada por dois neurologistas
clássicos, Liepman e Gourevitch, e mais tarde aprofundado por Merkin em 1925 e
Kemal em 1928.
Guilmain, em França, só em 1933 o adaptou em termos clínicos,
independentemente de Ihe tecer algumas críticas, e fez da escala de Ozeretsky uma
verdadeira fonte de estudo da motricidade em crianças normais e deficientes mentais
entre os quatro e os seis anos de idade, fonte essa pioneira nos anos 30 e 40 e
reeditada posteriormente (Guilmain 1971 ).
Para além destas publicações, é ainda reconhecida uma publicação espanhola
da mesma escala (Juarros 1942) e um outro estudo de origem portuguesa, de grande
relevância, da autoria de Maria Irene Leite da Costa, publicado na eélebre revista A
Criança Portuguesa, em 1943, Vol. II, n. o 4, que influenciou marcadamente E. A.
Doll, em 1946, responsável pela sua introdução na eomunidade científica americana
depois de a traduzir da adaptação portuguesa.
Cabe aqui referir também outra adaptação portuguesa do mesmo teste,
aperfeiçoada por A. Paula Brito durante os anos de 1968 a 1970, de apreeiável é
significativa amostragem em crianças normais, e que nos serviu igualmente para
precisar a presente adaptação para outros fins de pesquisa, abrangendo igualmente
amostras de populações desviantes e que, no fundo, visam concretizár uma linha de
investigação denominada proficiência motora e defectologia.

421

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

TESTE DE PROFICIÊNCIA MOTORA


DE BRUININKS-OSERETSKY

(BRUININKS-OSERETSKY TEST OF MOTOR PROFICIENCY)

Adaptação: Vítor da Fonseca, Rui Martins e Nilson R. Moreira (Departamento


de Educação Especial e Reabilitação, FMH/UTL, 1990)

Nome Sexo Escolaridade


Escola Observador
Data de Nascimento / / Data de Obervação / /
Perfil Inlraindividual Idade Cronológica
LATERALIZAÇÃO
Não Dominante: D E M Ob5. :
Pé Dominante: D E M
FORMA REDUZIDA lSHORT FORM)

MOTRICIDADE GLOBAL
1. Velocidade de Corrida
e Agilidade 6 2. Equil brio 0 3. Coordenação Bilateral 06
4. Força 6 COMPONENTE MOTRICIDADE GLOBAL 000
Soma
5. Coorden. Membros
Superiores 00
MOTRICIDADE FINA
6. Velocidade de Reacção 7 7. Visuomotdcidade 8. Velocidade dos
Membros
Superiores e Destreza 20 COMPONENTE MOTRICIDADE RNA 0 0
Soma
FORMA REDUZIDA
(SHORT FORM) 98 - 0

422

PROFICIÊNClA MOTORA

SUBTESTE 1: CORRIDA DE AGILIDADE ha a e dg

1. mde de Agilidade
13. 7 nelros

T tn, a 1: geg. Tentative 2: - se9' I "a de rem

SUP. 10. 9 t0. 5 9. 9 9. 5 8. 9 B. 5 7. 9 7. 5 6. 9 6. 7 6. 3 6. t 5. 7 5. 5 INF.

VakrRel!= 11. 0 11. 0 t0. B t0. 4 9. 8 9. 4 B. 8 8. 4 7. 8


7. 4 6. 8 6. 6 6. 2 6. 0 5. 6I5. 5I a 10 11 12I t3I 14 15
g9II
6 7 II I
45 II
23II
01II
l Result. em
Pontos = I I

BUBTESTE 2: EOUILÍBRIO
máx. t0se9. por tentetiva)
peme dominante em e5uillbrio sobre a bana l
1. Ficar pé ne
Tentetiva 1: se9- Te^tatNB 2:
) "
s 0
Velor ReferBncie = 0 12 3 4 56 7 8 10
12345 6
Result. em Pontos = 0
2. dgr tocendo com a po
n do pg no cakenhar do outro pé sobre e berra de eçuilíbrio (6pessos máx. por
tentetiva)
Tgntativa 1: I I I I I passos Tentetiva 2: I I I I I passos
13 4 5 6 0
Velor ReterBncia = 0 I
1234
Result. em Pontos 0
SUBTESTE 3: COORDENAÇÃO BILATERAL

1. 88ter com a po
^ta dos pés, altemadamente, enquanto fez círculos com os dedos idicadores.
(máx. 90 se9. )

Valor Refer6ncie = I^corre o CorreMo ' I 0

Resuft. em Pontos = I 0 I 1
;

2. 58Mar pere cima, e bater palmes.

Tentetiva t : Palmes TentefNe 2: - Palmas.

1 2 3 4 4 0 Velor ReterBncá = 0 '

Resuft. em Pontos = 1 2 3 4 5
0

BUBTESTE 4: FORÇA

t. Safto em comprimento e p untos (enoter e dist ncie de cede sano)


Tent. 3:
i, Tent. 1: Tent. 2: se9

I Resuft. em Pontos = I I 0 0 1

423

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

SUBTESTE 5: COORDENAÇllO DOS IlEMBROS SUPERIORES (COORDEHAÇdO


MAHUAL)
1. Agarrar com as duas mãos uma bola que Ihe é lançada.
Agarmu bolas.
Valor Reter9ncia = I 0 I 112I 32 I 3 I 0
Result. em Pontos =
L 3mHros
2. AMrar a bola ao aNo, com a mão dominante (5tentativas).
I I I I I = Exlro
Valor Referãncia = 0 I 112I 3 4I 3
3menos / 1, 5
Resun. em Pontos = 0

SUBTESTE 6: VELOCtDADE DE 1, 5 meh0


1. Velocidade de Reacçáo

TEMPO Resunados das


TentaMvas Intervalo Resunados(1) Tentativas Ordenadas (2)
ENSAIO 1... ... ... . 1 xxxxxxxxx
ENSAIO 2... ... ... ... . . 3 xxxxxxxxx
1... ... ... . 2 MAIOR
2... . . 3
1. Registar o número 3... ... ... . 1
da resposla da régua 4... ... ... . 3 M DIA
de velocidade 5... ... ... ... . . 2 - 0
na coluna. 6... ... ... . . 1
7... ... ... ... . . 1 MENOR

2. Colocar na coluna os sete


r esultados das tentativas, do MAIOR para o MENOR.
A pontuação final do SuMeste 6 é a média, ou o quano resunado,
contando de cima para baixo.

MD - igual a forma completa

424

PROFICIÉ'NCIA MOTORA

SUBTESTE 7: CONTROLO VISGMOTOR


1. Desenhar uma linha alrav8s de um labirinto recto, com a mão dominanle.
Número de erros:

MAIS DE
Valor ReferBncia = 6 6 2-5 1 0 Resultado em Ponlos = 0 1 2 3 4

2. Copiar um ctrculo com a mão dominante.

Resultado:
Valor ReferBncia = 0 1 2 Resultado em Pontos = 0 1 2

3. Copiar figUras sobrepostas (lápis), com a mão dominanle.

Re B Ui Bd O:
Valor ReferBncia = 0 1 2 Resuhado em Pontoe = 0 1 2

SUBTESTE B: VELOCIDADE DOS MEMBROS SUPERIORES E DESTREZA

1. Distribuir carlas com a mão dominante (15 seg. )


Número de Canas: MAIS DE
ValorReterBncia= 0 1-B 9-12 13-16 17-20 21-25 26-29 30-33 34-37 38-41 41
Resultado em Pontos = 0 1 2 3 4 5 6 7 B 9 10
2. Fazer pontos em ctrculos com a mão dominante (15 seg. )

Número de Ctrculos em poMoe:


Velor ReferBncia = 0 1 10 11215 16 20 21425 26 30 31S 5 36 0 41 50 51 IS E
Resultado em PoMos = 0

RM, NM 1990)

425

Ii

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

O TPMBO foi desenvolvido por Bruininks 1978, no sentido de


proporcionar uma informação útil sobre as aquisições motoras de crianças e jovens,
avaliando não só funções e disfunções motoras, mas também, inclusivamente,
atrasos de desenvolvimento, com a finalidade de desenvolver e avaliar programas de
treino motor e reeducação motora.
Trata-se de um instrumento extremamente versátil e cuidadosamente
elaborado, especialmente centrado na avaliação das componentes puramente
expressivas da motricidade global, composta e fina.
O teste, na sua forma reduzida, tem como finalidade o estudo de três
componentes da proflciência motora:

- motricidade global;
- motricidade composta; e,
- motricidade fina,

integrando 14 itens que formam oito subtestes estruturados de forma a avaliar


alguns aspectos específicos do desenvolvimento motor.
Os subtestes da forma reduzida utilizados foram os seguintes:

- Corrida de agilidade - consiste numa corrida curta de 13, 7 metros


envolvendo a captação e o transporte de um objecto;

- Equih7 rio - avalia a habilidade da criança em manter o equilibrio


postural numa posição estática unipedal e num deslocamento dinâmico;
- Coordena ão bilateral - avalia a habilidade da criança em
coordenar as mãos e os pés em movimentos dissociados sequenciais e simultâneos,
utilizando ambos os lados do corpo;
- Força - avalia a força dos membros inferiores num
salto horizontal a pés juntos;
- Coordenação dos membros superiores - avalia as
habilidades da criança na recepção bimanual e na coordenação oculomanual de uma
bola de ténis dirigida a um alvo;
- Velocidade de reacção - mede a velocidade de
resposta motora a um estímulo visual (régua) em movimento vertical;

- Visuomotricidade - avalia a motricidade fina na


realização grafomotora de labirintos e de cópias de figuras geométricas;
- Dextralidade - mede a destreza e a velocidade
manipulativa dos membros superiores.

426

PROFICIÉ NCl A MOTORA

QUADRO II
Estrutura da forma reduzida do TPMBO (1978)

MOTRICIDADE MOTRICIDADE GLOBAL FINA

Subteste l: Subteste 6:
Conida de agilidade MOTROCIDADE COMPllSTA Velocidade de reacção
Subteste 2: (GLOBAL E FINA) Subteste 7:
Equil rio Subteste 5: Coordenação dos u no
Subteste 3: membros superiores Subteste 8:
Coordenação bilateral Velocidade e precisão
dos membros
Subteste 4: superiores
Força e dextralidade

O teste foi aplicado dentro das condições constantes do respectivo manual,


respeitando todo o rigor inerente à recolha de dados, após reunião de sensibilização
com os professores em que se explicou os objectivos da pesquisa e os concomitantes
critérios de selecção das crianças com DA e com insucesso escolar, bem como os
procedimentos para a escolha aleatória das crianças com aproveitamento escolar.
Como é óbvio, as investigações educacionais, que são desenvolvidas dentro
das escolas regulares, estão sujeitas a uma série de limitações impostas pela natureza
relativamente inconstante do seu envolvimento humano e material; por esse facto, o
presente estudo não escapa a esta generalização, tanto mais que se trata de um dos
primeiros estudos- pilotos com tais características, para além de abranger uma
amostra cuja caracterização é deveras complexa, considerando a falta de uma
definição consensual da criança com DA, a que já fizemos referência.

RESULTADOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO

Considerando o objectivo do estudo, os resultados foram recolhidos de acordo


com os seguintes quadros:

Quadro I - Caracteriza ão da Amostra - estatística descritiva básica das médias e


dos desvios-padrões para a totalidade das variáveis de estudo;
Quadro II - Análise da Variância - one way ANOVA para a comparação dos
resultados do grupo de crianças N e do grupo de crianças com DA na totalidade das
variáveis;

427

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Quadro I11- Variáveis que caracterizam significativamente cada um dos grupos;


e fmalmente,
Quadro IV - Matrizes de correla ão para a relação entre as variáveis da
totalidade da amostra.

CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA

QUADRO III
Caracterização da Amostra

VARIÁVEIS TOTAL CRIANÇAS NCRIANÇAS COM DA Média DP


MédiaDP Média DP

Corrida de agilidade 8. 63 1. 78 9. 33 1. 40 7. 93 1. 84
Equilfbrio 7. 10 1. 76 7. 73 1. 57 6. 47 1. 71
Coordenação bilateral 2. 63 0. 95 3. 07 0. 68 2. 20 0. 98
Força 6. 07 1. 41 6. 60 0. 88 5. 53 1. 63
Componentes motricidade
global 24. 47 4. 63 26. 73 3. 45 22. 20 4. 55
Coord. mb. super.
Componentes motricidade
composta 4. 53 0. 96 4. 87 0. 88 4. 20 0. 91
Velocidade de reaeção 5. 10 2. . 17 6. 33 1. 99 3. 87 1. 54
Visuomotricidade 5. 87 1. 56 6. 93 1. 06 4. 80 1. 22
Dextralidade 8. 53 1. 82 9. 47 2. 06 7. 60 0. 80
Componentes motricidade
fina 19. 57 4. 54 22. 73 3. 75 16. 40 2. 65
Proficiência motora 48. 17 8. 73 53. 67 6. 47 42. 67 7. 08
Médias e desvios-padrões (DP) para a totalidade da amostra, para o grupo de crianças
N e para
o grupo de crianças com DA.
Em primeiro lugar são apresentados os valores da motricidade global, em
seguida os valores da motricidade composta, os valores da motricidade fina,
e por último, os valores totais da proficiência motora para a totalidade das
variáveis da forma reduzida do TPMBO.
Numa rápida análise, verif Icamos que os resultados de todas as componentes da
motricidade estudadas são superiores nas crianças N em comparação
com as crianças com DA. Os resultados ilustram uma superioridade das
crianças N em comparação com as crianças com DA em todas as medidas
das componentes da motricidade, quer globais (Gráfico 1), quer finas
(Gráf Ico 2), quer da prof Iciência motora (Gráf Ico 3) na totalidade das variáveis
estudadas.
428

PROFICIÊNCIA MOTORA

GRÁFICO I
Mouicidade global
10
M 8
d 6

i 4
a 2
s
0 I
Comda Equib'brio Coordenação Força
de agilidade bilateral
Variáveis TPMBO Ì
Normais ~- DA
I
GRÁFICO 2
Motricidade fna
10
M 8
d 6
i4 Y
2

Velocidade de reacção Visuomotricidade Dextralidade Variáveis TPMBO


~- Normais - - DA

GRÁFICO 3
Profciência motora

é6
, *
d*
4 '

a2

0IIli

Motricidade Motricidade Motricidade


global composta fina
Vaiiáveis TPMBO
-0- Normais *- DA

429

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Numa análise global e sincrética dos dados, o grupo das crianças N revelou,
em todas as variáveis da proficiência motora, uma superioridade clara em relação ao
grupo das crianças com DA, reforçando o papel da proficiência motora no
aproveitamento escolar em termos de presença ou ausência de repetência no 2. o ano
de escolaridade.
As crianÇas N, ao nível das componentes da motricidade global, correm mais
depressa, equilibram-se em termos unipedais e dinâmicos durante mais tempo,
coordenam melódica e cinestesicamente as extremidades de forma mais rápida e
precisa, evidenciam mais força dos membros inferiores e saltam mais a pés juntos.
Nas componentes da motricidade composta, demonstram mais eficácia na
coordenação oculomanual receptiva e propulsiva e, finalmente, nas componentes da
motricidade fina, apresentam uma velocidade reactiva superior, revelam uma
visuomotricidade com menos inêxitos e com um transporte visual mais consentâneo e
pormenorizado com as figuras copiadas e, por último, apresentam uma
microdextralidade dominante mais eficaz em duas tarefas de velocidade-precisão.
Em resumo, a sua proficiência motora, combinando o nível de eficácia nas
variáveis motoras globais, compostas e finas, é claramente superior à das crian as
com DA.
As crianÇas com DA da nossa reduzida amostra evidenciaram resultados mais
baixos em todas as variáveis da proficiência motora, sugerindo um perfil motor mais
vulnerável, quer nas componentes mais globais, quer nas mais finas, o que pode
trazer alguma compreensão à problemática da maturação motora e funcional no
potencial de aprendizagem, independentemente de muitas crianças com DA revelarem
uma integridade motora global, e mesmo por compensação, ou por efeitos ecológicos
específicos, um perfil motor adequado.
Perante os resultados globais do TPMBO, as crianças N revelaram valores
acima da média, enquanto as crianças com DA demonstraram valores abaixo da
média.

Anúlise da variância (ANOVA)

No Quadro IV é apresentada uma ANOVA (razão F de Fisher) com os


respectivos graus de liberdade e os graus de probabilidade, para verificar as
diferenças significativas entre o grupo de crianças N e o grupo de crianças com DA na
totalidade das variáveis (Ferguson 1981).

430

PROFlCIÊNCIA MOTORA
QUADRO IV

ANOVA - Comparação dos resWtados obtidos pelo grupo


de crianças N vs. grupo de crianças com DA na totalidade das variáveis

VARIÁVEIS Graus liberdade Fisher Prob. Val. test

Componentes motricidade tina 28 26. 61 0. 000 4. 29 Visuomotricidade 28 24. 30 0.


000 4. 15 Proficiência motora (T) 28 18. 43 0. 000 3. 73

Velocidade de reacção 28 13. 43 0. 001 3. 28 Dextralidade 28 9. 98 0. 004 2. 90


Componentes motricidade global 28 8. 82 0. 006 2. 74

Coordenação bilateral 28 7. 39 0. 011 2. 54 Corrida de agilidade 28 5. 31 0. 031 2. 15


Força 28 4. 65 0. 040 2. 06 Equil'brio 28 4. I 8 0. 050 1. 96

Análise da variância para comparação dos grupos de crianças N e de crianças com DA.

O Quadro IV mostra diferen as signifcativas entre os dois grupos para valores


p<. O5, em todas as variáveis da proficiência motora, em todas as componentes da
motricidade fina e da motricidade global, apenas exceptuando a variável das
componentes da motricidade composta.
A verificação destas diferenças significativas ilustra que a proficiência motora,
tal como é medida pelo TPMBO, é substancialmente superior no grupo de crianças N,
pondo em relevo a vulnerabilidade do potencial motor do grupo das crianças com DA,
primeiro nas componentes da motricidade fina e segundo nas da motricidade global,
confirmando inúmeras investigações já anteriormente referenciadas.
A não-existência de diferenças significativas, aliás zzxínimas, nas componentes
da motricidade composta (recepção manual e coordenação oculomanual) parece
sugerir a observância de uma reduzida discriminação desta variável da proficiência
motora, quando se compara ambos os grupos.
Pela análise dos dados, a verificaÇão das hipóteses nulas (Ho I, Ho 2 e a Ho 4)
definidas na nossa pesquisa é rejeitada devido à existência de diferenças significativas
entre os grupos. Apenas a Ho 3 é aceite, por não se ter identificado diferenças
significativas entre eles.

431

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Variáveis que caracterizam significativamente cada um dos grupos

No Quadro V são apresentadas as variáveis que caracterizamtivamente cada


um dos grupos, através de uma análise de dados analysis - critério t Student, de
Bouroche e Saporta 1980) que a média do grupo com a média geral.

QUADRO V
Variáveis que caracterizam significativamente o grupo de crianças N e o
grupo de crianças com DA

Médias DP V. tes Prob. VaááveVCaracterísticas Gruno Geral Gmuo Geral

Grupo de crianças N (N=15)


Componentes motricidade fna 22. 733 19. 567 3. 750 4. 536 3. 76 0.
Visuomotricidade 6. 933 5. 867 1. 062 1. 565 3. 67 0. 000
Proficiência motora (T) 53. 667 48. 167 6. 467 8. 730 3. 39 0.
Velocidade de reacção 6. 333 5. 100 1. 989 2. 166 3. 07 0. 001
Dextralidade 9. 467 8. 533 2. 061 1. 821 2. 76 0. 003
Componentes motricidade global 26. 733 24. 467 3. 454 4. 631 2. 64 0. 004
Coordenaçãobilateral 3. 067 2. 633 . 680 . 948 2. 46 0. 007
Corrida de agilidade 9. 333 8. 633 1. 398 1. 779 2. 12 0. 011
Força 6. 600 6. 067 . 879 1. 413 2. 03 0. 021
Equil'brio 7. 733 7. 100 1. 569 1. 758 1. 94 0. 026
Componentes motricidade composta 4. 867 4. 533 . 884 . 957 1. 88 0. 039
Grupo de crianças com DA (N=15)
Componentes motricidade composta 4. 200 4. 533 . 909 . 957 - 1. 88 0. 03
Equil'brio 5. 467 7. 100 1. 707 1. 758 - 1. 94 0. 026
Força 5. 533 6. 067 1. 628 1. 413 - 2. 03 0. 021
Conida de agilidade 7. 933 8. 633 1. 843 1. 779 - 2. 12 0. 017
Coordenaçãobilateral 2. 200 2. 633 0. 980 0. 948 - 2. 46 0. 007
Componentes motricidade global 22. 200 24. 467 4. 549 4. 631 - 2. 64 0. 004
Dextralidade 7. 600 8. 533 . 800 1. 821 - 2. 76 0. 003
Velocidade de reacção 3. 867 5. 100 1. 543 2. 166 - 3. 07 0. 001
Pro ciência motora (T) 42. 667 48. 167 7. 077 8. 730 - 3. 39 0.
Visuomotricidade 4. 800 5. 867 1. 222 1. 565 - 3. 67 0. 000
Comoonentes motricidade f'ma 16. 400 19. 567 2. 653 4. 536 - 3. 76 0. 000

(Clusrer analysis - Critério t Student que compara a média do grupo com a média
geral).

As variáveis que caracterizam significativamente o grupo de crian as N


concentram-se, essencialmente, na totalidade das variáveis da motricidade fna, na
visuomotricidade e na totalidade da proficiência motora, enquanto as variáveis que
caracterizam significativamente o grupo de crianças com DA se concentram na
totalidade das variáveis da motricidade composta, no equi

432

PROFICIENCIA MOTORA

librio e nafor a, marcando uma diferença nos perfis de proficiência motora dos grupos,
privilegiando o grupo das crianças N nas componentes motoras mais complexas e
hierarquizadas em termos neurofuncionais, obviamente mais interligadas com o
aproveitamento e/ou o rendimento nas aprendizagens escolares.
A constatação de que o grupo de crianças com DA se caracteriza mais
significativamente pelas componentes da motricidade composta e da motricidade global
sugere que a sua proficiência motora é mais vulnerável e neurofuncionalmente menos
estruturada e cuja repercussão em termos de repetência escolar parece fornecer
alguma razão causal. Em síntese, a análise dos dados demonstra que os grupos
estudados são significativamente diferentes na proficiência motora, sugerindo mesmo
subtipos motores específicos.

Matrizes de correlação para a totalidade da amostra

Para investigar até que ponto as variações de uma variável correspondem às


variações numa ou mais variáveis da proficiência motora, procurando verificar quais os
graus de relação, de associação e de variação em uníssono e em simultaneidade
entre as variáveis das motricidades global, composta e fina, apresentamos o Quadro
VI da matriz de correlação, para valores de p <. 05 para a totalidade da amostra,
tomando como referência o coeficiente de correlaçãoproduto-momento de Pearson
(Pearson Product-Moment Correlation Coejficien Fergusson 1976).

QUADRO VI
Matriz de correlação para a totalidade da amostra

Cor. Fqu. Coor. For. M. G. M. C. Vel. Vis. Dext. M. F. P. M.

Cocrida de agilidade 1. 00
Equil'brio 0. 27 1. 00
Coordenaçãobilateral 0. 61 0. 62 1. 00
Força 0. 69 0. 35 0. 56 10. 00
Motricidadeglobal 0. 77 0. 77 0. 84 0. 78 1. 00
Motricidadecomposta 0. 54 0. 50 0. 50 0. 36 0. 61 1. 00
Velocidade de reacção 0. 44 0. 48 0. 55 0. 52 0. 62 0. 68 1. 00
Visuomotricidade 0. 43 0. 35 0. 39 0. 60 0. 42 0. 33 0. 42 1. 00
Dextralidade 0. 27 0. 31 0. 36 0. 42 0. 42 0. 33 0. 420. 441. 00
Motricidade fina 0. 46 0. 47 0. 54 0. 62 0. 65 0. 56 0. 870. 840. 751. 00
Proficiência motora 0. 71 0. 68 0. 74 0. 76 0. 91 0. 67 0. 790. 710. 630. 871. 00

Pela análise do quadro-matriz de correlação, nenhuma variável apresenta uma


correlação perfeita com outra variável; todavia, idenúficámos uma correlação excelente
entre o resultado total da proficiência motora na sua forma

433

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

reduzida e a totalidade da motricidade global (r=. 91), sugerindo uma concordância


extremamente forte entre ambas as variáveis e ilustrando a característica funcional do
TPMBO.
Em contrapartida, a correlação com a totalidade da motricidade fina (r=. 87)
revela uma correlação de menor magnitude, apesar de se considerar uma correlação
muito forte em analogia com muitos testes em psicologia e em educação.
Outra correla ão muito forte foi encontrada entre as variáveis da totalidade da
motricidadefina e a velocidade de reacção (r=. 87), sugerindo entre elas uma variação
concordante muito significativa.
Correlações fortes foram identiflcadas entre as seguintes variáveis:

totalidade da motricidade global e coordena ão bilateral (r =. 84); totalidade da


motricidade fna e visuomotricidade (r =. 84).

Correlações satisfatórias foram ainda encontradas nos seguintes pares variáveis


:

- totalidade da proficiência motora e velocidade de reacção (r =. 79);


- totalidade da motricidade global e força (r =. 78), a mesma
variávei com a variável da corrida de agilidade e com a variável do equihbrio (r =. 77);
- totalidade da proficiência motora com a for a (r =. 76), a mestna
variável com a variável da coordenação bilateral (r =. 74) e com a variável da corrida de
agilidade (r =. 71), todas elas componentes da motricidade global, enquanto a mesma
variável se correlacionou no mesmo grau com a visuomotricidade, componente da
motricidade fina; por último,
- totalidade da motricidade fina com a dextralidade (r =. 75).

De realçar a inexistência de correlações fortes com as variáveis da motricidade


composta, bem como a observância de correlações fracas e pobres entre as variáveis
da motricidade global e as da motricidade fina, sugerindo que ambas as componentes
motoras se distinguem e se diferenciam em termos funcionais envolvendo,
provavelmente, subsistemas independentes, algo que nos parece relevante para o
estudo da proficiência motora em geral e nas crianças em particular.

Conclusões

Os resultados encontrados neste estudo dão suporte às perspectivas de autores


pioneiros como Orton 1937, Kephart 1960, Ajuriaguerra 1961, Critchley 1970, Frostig
1971 e 1972, Cruickshank 1972, Guilmain 1971,

434

PROFICIÊNCIA MOTORA

Denckla 1973 e 1974, e aos estudos mais recentes de Dobbins e Rarick 1975, Benton
e Pearl 1978, Krus e Bruininks 1981, Denckla 1979 e 1985 e de Bruininks 1974,
1977, 1978 e 1989, que verificaram nas suas pesquisas diferenças relevantes na
prestação motora entre crianças normais e crianças com DA.
Em relação à verifica ão das hipóteses nulas definidas, para uma probabilidade
de erro de 0. 05, três das quatro são rejeitadas, visto terem sido encontradas
diferenças significativas entre os dois grupos, quer nas variáveis da motricidade global
e fina, quer, igualmente, nas variáveis totais da proficiência motora.
Em termos de proficiência motora, e à luz do tratamento estatístico efectuado,
as crianças com DA exibem diferenças significativas quando comparadas com crianças
normais da mesma idade.
O estudo sugere que as diferen as significativas entre os dois grupos de
crianças em todas as componentes da proficiência motora medidas segundo o TPMBO
constatam nelas padrões de proficiência motora distintos, substanciando nas crianças
com DA défices motores especi cos na motricidade composta e global, e,
fundamentalmente, na motricidade fina, componente esta mais envolvida nos
processos de aprendizagem simbólica, tendo em atenção os trabalhos de pesquisa
revistos.
Os resultados apurados na motricidade composta e global do TPMBO suportam
os dados de Denckla 1985 e Levison 1985, que identificaram nas crianças com DA
défices vestibùlares e cerebelosos observáveis igualmente na prestação inferior da
nossa amostra, acusando aquelas frequentes quedas, reequilibrações abruptas pouco
económicas e reguladas, distonias, descontrolo e insegurança gravitacional. Os
resultados do nosso estudo parecem demonstrar que as crianças com DA evidenciam
problemas de integração vestibular, tonicopostural e proprioceptiva
(tactiloquinestésica), a sugerirem problemas de integração não só sensorial, como
psicomotora, a que não serão estranhas certamente as suas repercussões nos
processos de atenção e de recepção, elaboração e expressão de informação
exteroceptiva (auditiva e visual), obviamente mais envolvidos na aprendizagem dos
processos simbólicos da leitura, da escrita e do cálculo.
Foram igualmente confirmados os estudos de Benton e Pearl 1978, na medida
em que as crianças com DA revelaram movimentos da mão mais lentos e pobres, quer
na velocidade de reacção, quer na visuomotricidade e na dextralidade, reforçando
nelas o surgimento de uma coordenação oculomanual e de uma micromotricidadè mais
tensas e dismétricas. A lentidão entre os processos de input e de output da prova de
reacção com a queda vertical da régua, as distorções visuomotoras e visuoespaciais
verificadas nas cópias de figuras geométricas, a preensão imprecisa e insegura do
lápis, a tríade instável, as hesitações entre a mão iniciativa e a mão auxiliar na
distribuição de cartas e as sincinésias, as mioclonias, as disquinésias flutuantes e
descoordenadas, os tremores distais na marcação de pontos, etc.

435

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

parecem, no seu todo, apontar para uma imaturidade psicofuncional da motricidade


fina já revelada também nos estudos de Frostig e Maslow 1973 e de Denckla, Rugel e
Broman 1981.
Os resultados parecem indiciar dois tipos de coordenação quando: encara as
componentes da motricidade global e as componentes da motrici- dade fina. Uma
coisa parece ser a coordenação revelada nas expressões eor porais globais nos
grandes espaços, como na aprendizagem da dança ou do desporto; outra coisa
parece ser a coordenação evidenciada na sala de aula, que subentende a
aprendizagem do desenho, da escrita ou do cálculo, efectivamente mais ligada a
outras exigências de controlo (Stein 1985).
De acordo com Rolland 1980 e 1989, para produzir processos de motricidade
fina complexos, o ser humano, ao longo da filogénese e da ontogénese, desfrutou e
desfruta de uma área única no lobo frontal, a área 8, isto é, o campo frontal visual
(frontal eye field) associado à área suplementar motora, de onde emergiu a fabricação
e a manipulação de objectos, certamente um dos mais relevantes processos da sua
evolução antropológica e da sua aprendizagem (Fonseca 1989).
De assinalar, na nossa pesquisa, que nas provas da motricidade fina a
magnitude das diferenças obtidas pelas crianças com DA é comparativamente maior do
que na motricidade global quando comparadas com as crianças normais, pondo em
realce que a znicromotricidade põe em evidência substraetos neurológicos mais
complexos e mais especializados hemisfericamente, na medida em que engloba, e
abrange, mais processos de reaferência espaeial agida e representacional.
Os dados da nossa investigação destacam, em termos gerais, uma imaturidade
na proficiência motora nas crianças com DA, imaturidade neurofuncional e
psicofuncional mais emergente nas componentes da motricidade fina do que nas
componentes da motricidade global ou composta, sugerindo naquela, de alguma
forma, maiores implicações nos processos de aprendizagem simbólica. Segundo
Denckla 1973 e Annett 1973, coexiste uma robusta correlação entre a velocidade-
precisão de movimentos finos coordenados e a linguagem (leitura), sugerindo uma
disfunção neuroevolutiva no eixo cefalocaudal, eixo este fortemente implicado na
maturação motora. Os nossos dados chegam aos mesmos pressupostos,
salvaguardando as necessárias limitações do presente estudo.
À luz dos contributos sobre a moderna teoria do movimento voluntário (Eccles
1985, Stein 1985, Rolland 1980, Kornhuber 1979, Brinkman 1979 e Allen e
Tsukahara 1974), a elaboraÇão práxica que sustenta, no fundo, todos os processos
de aprendizagem depende das conexões laterais cerebelosofrontais que não só
garantem o controlo automático e integrado do movimento intencional e programado
por via da retroalimentação tonicopostural, como actuam na sua pré-programação
antes de serem iniciados, reforçando a perspectiva da modulação dinâmica do acto
motor de Bernstein 1967.

436

PROFICI NCIA MOTORA

Face aos resultados inferiores na proficiência motora que as crianças com DA


acusaram na nossa pesquisa, pode-se conjecturar, com as reservas que se impõem
ao nosso estudo, que os seus problemas de equilibrio dinâmico e unipedal ilustram
alguma disfunção vestibular, proprioceptiva, tónica e cerebelosa, condições estas
inerentes à motricidade global e que se repercutiram funcionalmente na corrida de
agilidade, na força e na coordenação bilateral das extremidades e, por sua vez, na
visuomotricidade e na dextralidade da motricidade fina, que requerem melodia
cinestésica, sequeneiali zação fina e planificada de movimentos, ou seja, processos
de regulação e controlo mais apurados, independentes, integrados e organizados.
O comando motor processado continuamente, segundo aqueles autores, pela
área suplementar motora (córtex pré-motor), integra os dados tonicoposturais do
eerebelo e do tronco cerebral, através de um anel sistémico e de uma circularidade
regulativa que abrangem também o córtex associativo, a área 6 frontal de pré-
programação e os núcleos cinzentos da base que subentendem o sistema
extrapiramidal, antes de actuar nas células piramidais da área 4 (córtex motor). Não é
de estranhar, portanto, que as crianças com DA acusem ligeiras disfunções ao nível
da motricidade global e, paralelamente, ao nível da motricidade fina; os nossos
resultados, em certa medida, dão algumas indicações neste sentido.
A área suplementar motora onde se opera a ponte entre a intenção e a acção
(Damásio 1979, Luria 1965), verdadeiro piloto do movimento voluntário (movimento
psicomotor por essência) onde se concentram o inventário dos engramas e os sistemas
de antecipação e sequencialização primordiais à atenção voluntária característica da
organização práxica e, consequentemente, da aprendizagem simbólica, parece
igualmente disfuncional nas crianças com DA, tendo em referência os resultados da
nossa pesquisa e confirmando de algum modo as hipóteses avançadas por Duffy 1980
e 1987. Este autor, para além de encontrar em crianças disléxicas traçados
bioeléctricos irregulares e atípicos nas áreas de Wernicke e no girus angular (fronteira
do lobo parietal e do lobo occipital envolvida na linguagem), detectou simultaneamente
disfunções na área suplementar motora nos dois hemisférios, sustentando algum
envolvimento disfuncional e alguma insuficiência na planificação, na predicção e na
extrapolação dos movimentos, o que subentende interacções activas e dialécticas
entre os processos centrais e periféricos.
Apesar de o TPMBO não se centrar no estudo de variáveis de planificação
motora, mais habituais dos diagnósticos psicomotores e neuropsicológicos
(Ajuriaguerra, 1964, Towen e Prechtl 1977, Mutti, Sterling e Spalding 1978, Golden
1984, Fonseca 1985 e 1992), a verificação dos resultados inferiores das crianças com
DA nas provas da motricidade fma do TPMBO que claramente implicam tendem a
demonstrar que elas acusam problemas na sequencialização espaciotemporal
intencional de movimentos, isto é, revelam sinais dispráxicos, independentemente de
revelarem uma inteligência normal e uma motricidade funcional (Fonseca 1990 e 1992).

437

INSUCESSO ESCOI. AR - ABORDAGEM PSICOPEDAG lGICA


ente a área suplementar motora como subsistema principal da
Efectivam , lggg), com neurónios de aquisição ftloização psicomotora (Fonseca
lenta, é a p
organ ,
nte e uma mielinização rimeira e ásieum tl te genética rece praxias globais e
finas, o que exige, só p ber 1979). Tal
na elaboração das
ção
consciente, dirigida e concentrada (Kristeva e Kornhu
er de concentração, inexistente na produção de movimentos au mátn
pod à coordenação e à regulação de movimenúos g n ste modo,
mas essencial do pela ea suplementar dl otgém qimbólica, onde p
gicamente g p
arece
rolo uia
como a sede da psicomotricidade e da aroblemas, como p
an as com DA apresentam mais p rovaram as suas
que as cn ç
prestações motoras no TPMBO. p
Podemos inferir dos dados da nossa esquisa uma formulação teónca
nte: se efectivamente a área suplementar motora ntãonsold-
assaz interessa planificação motora ou da psicomotris daÓnstitui c p o a
como a sede da ue a ea motora - ea 4
mos também inferir q . Entre ambas emergem
u ão motora ou da motricidade
psicosede da exec ç
sistemas distintos de complexidade elaborativa e executiva sendo a
leoló ica e a motricidade interactiva onde certamente a implimotricidade te gquer
hierarquizados, quer sistémicos, se
rocessos cognitivos
cação dos p nos atrasos
diferenciam.
Não havendo défices motores como na paralisia cerebral,
nas deficiências sensoriais, intelectuais ou psiquiátricas, e
neurológicos, as (incapacidades de aprendidagiananlongo
praxi
mais objectivamente nas acrianças com DA revelara s ue não.
devidas a lesões cerebraipsa omotores disfuncionais pouco óbvio, Q
do nosso estudo, sinais p
O, exactamente orque este teste não foi
são claramente ilustrados no TPMB proficiência motora como produto
criado para esse fim, pois med ri peZ do, integrado e psicologicamente plafinal e não
como processo i
provas deste teste,
niflcado. DA revelaram, na prestação dasdisfuncionais,
As crianças com
sinais
psicomotores disfuncionais, e não sinais p u g om alterações na
nomeadamente
; problemas de integração tonico p
messe e na melodia cinestésica; hesitações frequentes na lateralização rece f
diflculdades no posicionamento, e desoe onháÇ meéspa mativa e efectora
al e
ognósico na execução de sequências misór dade, vigilâ
t oral de movimentos compostos; imp ncia assistemática,
temp ; im ericia, etc. que transcende
esporádica e desplaniflcada p
onto de vista meramente funcional e numa visão
psiDe um
a tradicional fundamentação da motricidade, analisada a sua repercussão
ue ela tende a interferir com os processos centrais da
cofuncional, é óbvio Q que esta numa óptica neuropsicológica, resulta da
aprendizagem, uma vez ' pro rioceptiv
os considerados básicos em
integração harmoniosa deideddos c p plexos que os duplicam e represendados
exteroceptivos cons
tam neurofuncionalmente.

438
PROFICIÊNCIA MOTORA

Para que a aprendizagem possa constituir um património do indivíduo, parece


que o cérebro tem de organizar primeiro as sensações e os movimentos, e só depois
organizar os símbolos, como defendem Quirós e Schrager 1975, 1978 e 1979. Os
resultados apresentados neste estudo sugerem alguns subsídios nesta questão nuclear
sobre as aprendizagens simbólicas da leitura, da escrita e do cálculo, nas quais as
crianças com DA mais revelam as suas disfunções.
Não dizemos sinais motores disfuncionais porque, evidentemente, não se trata
de desordens, mas mais de disfunções evolutivas ou organizativas no domínio da
relação entre a esfera do psíquico, que elabora, integra e regula os movimentos
intencionais, e a esfera do motor, que os executa, nada mais do que um problema de
aprendizagem, e só isso.
Não se trata, le facto, de dificuldades motoras gerais, mas de dificuldades
motoras especificas, em analogia com as dificuldades de aprendizagem específicas
que tendem a revelar-se mais nas provas de sequencialização e de velocidade-
precisão como as da motricidade fina do TPMBO, do que nas provas de equilbrio,
corrida e salto da motricidade global do mesmo teste. As diferenças significativas
encontradas na prestação motora nas duas componentes apontam e justificam alguma
razão explicativa nesta direcção.
A qualidade do cóntrolo motor entre as crianças normais e as crianças com DA
da amostra, independentemente de ó TPMBO não a perspectivar ou cotar, foi
nitidamente diferente. Nas crianças normais a atenção face às tarefas, a segurança
gravitacionat demonstrada nas provas de motricidade global e a planificação, a
antecipação e a sequencial aç o dos movimentos evidenciadas nas provas de
cnotricidade fina sugérem um grau de organização pxáxica superior; aí também a
ocorrência de diferenças significativas em todas as coniponentes do teste.
, Não podendo com o TPMBO deduzir o que se passa no cérebro das crianças
normais oá com DA em termos de planificação motora, aquilo que nos foi dado
apreciar, para além da recolha dos dados, foi também uma grande diferença na
organização comportamental entre os dois grupos. Os processos e os produtos da
organização práxica revelaram-se qualitativamente, em ambos os grupos, também de
forma distinta.
Em suma, os resultados parecem apontar para a distinção da proficiência
motora entre crianças normais e crianças com DA, assinalando nestas cáanças
dificuldades motoras específicas cuja explicação encontra eco nas perspectivas
neuropsicológicas mais recentes, reflectindo que elas apenas evidenciam um perf/
motor e psicomotor mais vulnerável, e não a presença de sinais neurológicos
disfuncionais.
Neste áspecto, o TPMBO revelou-se um instrumento clinicamente útil e eficaz
na detecção de dificuldades motoras, não tanto no isolamento das psicomotoras, que
podem ser perfeitamente superadas desde que conduzam a uma intervenção
psicomotora reabilitativa centrada nas necessidades intraindividuais observadas. Tal
recomendação parece evidente, em termos de pre

439
INSUCESSO ESCOl AR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

venção de DA e concomitantes problemas de comportamento, nos primeiros anos de


escolaridade básica, em que as funções psíquicas superiores de aprendizagem iniciam
a sua complexidade neurofuncional.
A necessidade de uma observação precoce da proficiência motora e da
psicomotricidade em crianças com DA parece óbvia e pode constituir um óptimo meio
para identificar a tempo dificuldades que a escola tem a obrigação de holisticamente
compensar e enriquecer, pois só assim pode maximizar os seus potenciais de
aprendizagem, e esse é cenamente um dos seus deveres mais significativos.
Numa perspectiva de implicação paradigmática, o nosso estudo parece também
apontar para uma nova análise entre a motricidade fina e a motricidade global e entre a
psicomotricidade e a motricidade, conceitos problemáticos quer na prática, quer na
teoria, uma parecendo envolver mais a área suplementar motora, outra mais a área
motora, problematização esta deveras profunda e só possível de escrutinar com
modelos informáticos e matemáticos sofisticados que tentaremos prosseguir noutras
investigações futuras.

440

CAPÍTULO 12

ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZAÇÃO


PSICONEUROLÓGICA DA CRIANÇA E DO JOVEM COM DISFUNÇÃO
CEREBRAL MÍNIMA

Disfunção cerebral mínima (DCM) e confusão neurofuncionat máxima

A expressão disfunção cerebral mínima (DCM) tem sido usada para designar
distintas condições na criança cuja disfunção cerebral não produz grandes défices
sensoriais ou motores, ou mesmo uma deficiência intelectual generalizada, mas que,
em contrapartida, exibe e revela alterações restritas pouco óbvias e disfunções
específicas, quer no comportamento, quer na aprendizagem.
Um conjunto de excelsas individualidades (Paine, Birch, Clements, Eisenberg,
Kunstadter, Lis, Maslànd, Halstead, Perlstein, Myklebust, e outros) integradas num
grupo de trabalho patrocinado pela Sociedade Nacional de Pessoas Deficientes e pela
Sociedade Americana de Doenças Neurológicas e Sensoriais, em 1964, definiram a
DCM nos seguintes tennos:

<<A expressão "DCM" (minimal brain disfunction syndrome) refere-se a um


conjunto de crianças com inteligência geral próxima da média, média ou acima da
média, evidenciando certas dificuldades de aprendizagem e de comportamento que
podem manifestar-se de forma moderada ou severa, e que estão associadas a desvios
da função do sistema nervoso central. Tais desvios podem manifestar-se em várias
combinações e graus disfuncionais na percepção, na conceptualização, na linguagem,
na memória e no controlo da atenção, da impulsividade e da função motora.

As mesmas condições podem complicar-se e dar origem a paralisias cerebrais,


epilepsia, deficiência mental, deficiência visual e auditiva. Tais aberrações ou
desordens podem, ponanto, ser causadas por variações genétfeas, irregularidades
bioquímicas, insultos pré-natais, ou outras doenças ou lesões ocomdas durante os
períodos críticos de desenvolvimento e de maturação do sistema nervoso central, ou
decorrer de causas desconhecidas.
A definição integra, ainda, a possibilidade de a privação sensorial precoce
poder resultar em alterações permanentes do sistema nervoso central.

441

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Durante os anos escolares a manifestação mais proeminente desta condição é a


evidência de uma variedade de dificuldades de aprendizagem.
Como guia de classificação o mesmo grupo teve em consideração dois níveis
principais de síndromas cerebrais disfuncionais:

Minimos (menores; ligeiros)


1) Disfunção da motricidade fma e da coordenação;
2) Anormalidades electroencefalográficas sem convulsões,
que podem estar associadas a flutuações do comportamento e da função intelectual
3) Desvios de atenção, do nível de actividade, do controlo da
impulsividade e da afectividade;
4) Défices específicos e circunscritos da percepção da
memória e da inteligência;
5) Disfunções centrais e não periféricas da visão, da audição,
do sistema háptico e da fala.

Máximos (severos)
1 ) Paralisia cerebral
2) Epilepsia;
3) Autismo ou outras desordens mentais e de comportamento; 4) Deficiência
mental;
5) Deficiência visual, deficiência auditiva e afasias severas.

A DCM, em termos globais, não pode ser confundida com deficiência sensorial,
motora ou mental, na medida em que evidencia uma capacidade intelectual adequada,
demonstra processos sensoriais e motores funcionais e revela estabilidade emocional;
todavia, possui défices específicos nos processos per ceptivos, integrativos e
expressivos que se repercutem de forma difusa e variada na adaptação
comportamental e na eficácia de aprendizagem.
A DCM inclui, portanto, um conjunto considerável de crianças que apresentam
dificuldades específicas de comportamento e de aprendizagem, onde têm sido
inseridas determinadas condições como: os défices perceptivos, as lesões cerebrais
mínimas, as afasias evolutivas, as dislexias, as disortografias, as disgrafias, as
discalculias, etc. Ela, em resumo, não pode incluir crianças com dificuldades de
comportamento ou aprendizagem que são devidas prioritariamente a deficiências
visuais, auditivas, mentais, motoras, emocionais ou, eventualmente, a
desvantagens envolvimentais e a privações socioculturais.
Nesta, como noutras condições desviantes, a identificação e a intervenção
precoces (Fonseca 1989 e 1991) são cruciais, na medida em que estas crianças
necessitam de formas especiais de intervenção pedagogicoterapêutica e de plena
integração escolar e social sem as quais, efectivamente, não se pode atingir o
desenvolvimento maximal dos seus potenciais de aprendizagem.

442

ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZA ÂO PSICONEUROLÓGICA

or diversos especialistas, médicos A expressão DCM tem sido usada p sicólo


os (comportamentalis(psiquiatras, patologistas, neur og tbilitad rp (reeducadores,
terapeutas, tas clínicos, testólogos, etc

professores, etc. ) com significados diferentes; daí uma certa confusão conce tual e um
certo caos semântico, aliás também característicos de outros u pversos de
conhecimento como o presente, em que contornos de definição entre o normal e o
patológico não são aindmmuito q osdizer que

Por se tratar de uma disfunção cerebral mín não careça de maiores cuidados de
diagnóstico; pelo contrário: a atenção ao diagnóstico deve ser mais aprimorada uma
vez que e 1 uercformamai DCM pmites da normalidade do que na deflciência. De qu q
ode comprometer o ajustamento à vida, o processo de desenvolvimento e o nível de
realização e de prestação dos indivíduos por ela afectados.

Como diagnóstico psiquiátrico, a DCM foi encarada mo uma síndroma

comportamental com etiologia biológica (Wender 1971 Considerada rara como


síndroma de certa forma análoga às síndromas do autismo e de Leschg p
- Nyhan como causas or ânicas óbvias, , a Ds Md ó mú t ta ó mpa, deflnida como
patognómica de lesões cerebrais ortamentos desviantes, segundo Rutter 1983, não
serem a elas imputados.

Clements 1966, por exemplo, refere-se à DCM e à hiperactividade como


ex ressões sinónimas, tendo descrito debaixo daqueles dois conceitos uma

p problemas de comportanzento e de aprendizagem.


plétora de p
Cabem na sua deflnição a inclusão de com ortamentos desviantes como
a a ressão, a labilidade emocional, o atraso na aprendizagem da leitura, as disg
nções cognitivas, etc. , como sendo indiciados pelos insultos físicos

, que abordaremos mais à frente.


ao cbréstigação mais recente, porém, tem sido conclusiva na presença de

t ais ti os de comportamento mesmo quando não se detecta ou confirma


quaisquer disfunções cerebrais; daí que a DCM não possa continuar a ser assim
definida. Satz 1976 discute a definição de DCM como não sendo mais do que um
atraso maturacional que desaparece com a idade; daí a sua inadequação como
diagnóstico. o de diagnóstico patológico
A DCM deflnida por mei implica a observância de uma lesão neurológica
mínima da qual resultam desordens de

ortamento e de a rendizagem, mesmo quando os sinais neurológicos o pão


identificados. Trata-se de uma concepção vaga, uma vez que na presen a de tais
lesões, cujos padrões mais característicos evidenciam, inequivocaz ente, ausência de
severidade pode não ser captado qualquer desvio de í; comportamento ou dificuldade
de aprendizagem independentemente de os " seus efeitos no desenvolvimento
psicológico poderem ser devastadores.

pIauLauv= r----- Y
comportamentais, tendo como referência a sua ill Glu

factores orgânicos de patologia cerebral, observáveis clinicamente no des;


443

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

controlo de movimentos (clumsiness), em dificuldades específicas da linguagem e,


concomitantemente, na distractibilidade ou na inatenção, embora possam ser
encaradas como entidades disfuncionais separadas. Nesta perspectiva, podemos
inferir que a DCM compreende um aglomerado divetsificado de problemas de difícil
interligação e, certamente, de etiologia multifacetada.
A DCM tem sido apresentada também como uma desordem de desen
volvimento à qual se tem associado uma etiologia biológica por vezes decorrente de
um acidente precoce, tipo hipóxia ou prematuridade por exemplo, com um atraso mais
ou menos estável. Como atraso de desenvolvimento (a delay in development), a DCM
não pode ser entendida eomo um desvio do percurso normal evolutivo, pois apenas
retrata a persistência de um problema próprio de idades mais baixas que se mantém
em idades mais avançadas (ex: enurese, padrões de atenção dos três anos que se
prolongam até aos seis anos etc. ).
Em síntese, não se pode imputar à DCM um atraso de desenvolvimento, mas
antes um desvio qualitativo de desenvolvimento que pode ter repercussões ao nível do
comportamento motor e do desenvolvimento psicomotor, que efectivamente pode
surgir exageradamente exploratório, assistemático e desplanificado e cujo reflexo nas
funções perceptivas e cognitivas se pode verificar, indiciando aí outros problemas de
comportamento e de aprendiza= gem só visíveis e detectáveis quando as exigências
das tarefas escolares ou sociais o impuserem.
Teremos de respeitar que os desvios funcionais ou as disfunções do sistema
nervoso, maximais ou minimais, podem implicar uma grande variedade de
dificuldades, e a DCM não escapa a este paradigma das relações cérebro-
comportamento e cérebro-aprendizagem.
Apesar de a constelação destas relações estruturais-funcionais ainda não ser
totalmente conhecida com precisão, mesmo tendo sido enunciada pelos pioneiros há
cerca de mais de 50-30 anos (Gesell e Amatruda 1941, Werner e Strauss 1941,
Goldstein 1942, Strauss e Lehtinen t947, Bender 1949, Masland e col. 1958,
Myklebust e Boshes 1960, Clements 1961, Cruickshank 196I, Prechtl e Stemmer
1962, Birch 1964) é consensual e compreensível cientificamente que uma disfunção
cerebral pode gerar uma dificuldade de aprendizagem, cuja indiscutibilidade se torna
óbvia, por exemplo, no caso das incapacidades de aprendizagem (ex: agnosias,
afasias, apraxias, etc. ).
A DCM, ponanto, encontra-se numa encruzilhada em termos de defini ção, não
só devido ao nosso incompleto conhecimento do organismo humano e do seu mais
complexo órgão, mas também pela evidência do paradigma hereditariedade-meio.
O conceito de hereditariedade e/ou de organicidade compreende a inclusão de
todos os factores ou condições que dão origem ou são inerentes à patologia (ex.
irregularidades genéticas, irregularidades bioquímicas, aciden

444

ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERl7 ACÃO SICONEUROLÓGICA

tes pré, peri e pós-natais, doenças ou lesões durante os períodos críticos de


maturação neurológica, etc. ) susceptíveis de alterar o normal funcionamento da
criança e, concomitantemente, afectar o seu potencial de aprendizagem e os seus
controlo e adaptabilidade do comportamento.
O conceito de meio, por seu lado, abrangendo os vários universos (endo,
micro, meso, exo, macro) ecológicos, toma em consideração as experiências
normais quotidianas emergentes do meio socioeconómico e sociocultural, o úpo de
relações interpessoais, o papel da experiência de aprendizagem mediatizada, e a
ocorrência de stresses ou traumas de índole psicoemocional.
Pressupondo que estes dois conceitos são os determinantes da aprendizagem e
do comportamento, qualquer penurbação ou desvio da sua interacção integrada,
dinâmica e funcional pode justificar a DCM; daí o crescimento de uma cena
insatisfação que se instalou, devido ao facto de muitos especialistas se terem
defendido com puras explicações psicogenéticas, interpessoais e psicométricas,
enquanto o número de casos parece, aparenteménte, não estar a diminuir.
De um ponto de vista purista, só é possível diagnosticar a DCM se forem
demonstradas inequívocas alterações fisiológicas, bioquímicas ou estruturais, isto é,
se os exames (electroencefalografia-EEG, tomografia axial computa dorizada-TAC,
ressonância magnética-RM, etc. ), forem concludentes na detecção de sinais
disfuncionais óbvios. Porém, de um ponto de vista pragmático, onde a edueação e a
reabilitação se devem posicionar, tendo em atenção que o actual conhecimentò das
relações cérebro-aprendizagem é ainda restrito, teremos de aceitar cenas categorias
desviantes da aprendizagem e do comportamento, cenas discrasias evolutivas, cenas
disfunções psicomotoras, comportamentais e cognitivas como índices caracterizadores
de disfunções cerebrais.
As disfunções cerebrais parecem representar sinais neurológicos difusos (sofi
neurologic signals, Touwen e Prechtl 1970) que reflectem uma desorganização
funcional do SNC, principalmente nas suas funções mais relevantes, como são as da
aprendizagem e do comportamento. À luz dos conhecimentos actuais, não podemos
entender a demonstração de capacidades de aprendizagem e a revelação de formas
de comportamento adaptáveis sem, de imediato, perspecúvar a integridade do SNC e,
consequentemente, o equilíbrio dialéctico dos factores hereditários com o meio. De
alguma forma, a IlCM ilustra uma desintegração do SNC e, paralelamente, um
desequilíbrio dos factores genéúcos ou orgânicos com os factores envolvimentais.
A DCM situa-se, de facto, ainda numa área carente de conhecimento e de
transdisciplinaridade, cujas compreensão e concordância entre os peritos, aos níveis
quer do diagnóstìco, quer da terapêutica, estão longe de ser solucionadas, mesmo
quando começam a surgir no horizonte meios de análise cada vez mais sofisticados.
A proeura de uma definição, de uma terminologia, de uma nomenclatura e de
uma sintomatologia precisas, além de uma eficaz identificação da DCM,

445

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

é o ponto de panida para uma inter enção pedagogicoterapêutica total e eficaz, razão
pela qual os diagnósticos médicos e psicoeducacionais se devem complementar.
revenir o desenvolvimento ou
O diagnóstico médico é essencial para P

a continuação de um rocesso de doença ou de lesão cerebral. O diagnóstico


sicoeducacional em complemento, fornece os dados cruciais a part dos quais se deve
orientar logicamente a intervenção pedagógica e habilitativa.
O primeiro é essencialmente desenhado para investigar ou demonstrar a

existência de factores causais de doença ou de lesão, no sentido das suas melhoria ou


prevenção, isto é, fornece os conhecimentos básicos sobre a n tureza das possíveis
relações disfuncionais entre o cérebro e o com onam

O segundo avalia a prestação e o desempenho escolac e estima o oten cial


cognitivo com os propósitos de identificar as dificuldades, de optimizar ' paralelamente,
de maximizar as condições e as

as capacidades da criança e

estratégias de intervenção educacional, isto é fornecer os conhecimentos adaptativos


sobre a natureza das possíveis relações funcionais entre o cérebro e a aprendizagem.
g
ara o reabilitador o enfo ue crucial deve ser a Para o educador ou p p g ( )
que os identificação e a avaliação das dificuldades de a rendiza em DA Psam ser
abordadas funcionalmente nos serviços de apoio escolar e não em clínicas de luxo elas
róprias geradoras, consequentemente, de processos de forma ão avan ade
especializados, onde efectivamente se deve perspectivar estratégi de avaliação
dinâmica do potencial de aprendizagem e concomitantes estratégias diferenciadas
altamente individualizadas de intervenção.
Uma identificação, uma avaliação e uma gestão eficazes das DA das
crianças e dos ovens acomeúdos de DMC, obviamente interligadas às suas contin
entes é pecificações reeducativas ou reabilitativas, parecem ser esseng da p p ç para
uma ciais não só para esta minoria o ula ão escolac mas também quantidade muito
rande de casos que, embora atinjam um rendimento intelectual
próxim da media, não satisfazem cabalmente as exigências do

currículo mesmo que não evidenciem desvios funcionais do sistema


nervoso. Foi devido a esta implicação singular e complexa do diagnóstico das DA

ue não odendo ser integradas nem nos pa euos em crianças com DCM
q, P m gue atingem prestações com um quoda deficiência mental, na medida e p
ciente intelectual próximo da média (QI ? 80), nem nos parâmetros da a rendizagem
dita normal (Fonseca 1984 e 1992), que muito do trabalho educacional dos pioneiros
das DA se construiu. Em certa medida, a DCM está ligada ao surgimento das DA
(Strauss 1947).

A DCM parece desenhar-se como u Parsd g gi P d edu ão studo nas


áreas transdisciplinares da medicina, p e das várias especialidades da linguagem,
dada a fragilidade do seu constructo multiteórico.

446

ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERl7 AÇ ÃO PSICONEUROLÓGICA

Porque é urgente construir um enunciado de valor neurofuncional da DCM, com


credibilidade clínica e educacional, porque os pais destas crianças reclamam melhores
serviços e melhores envolvimentos de aprendizagem para ajudar a desenvolver o
potencial total dos seus filhos, e porque a acessibilidade a tais serviços durante os
anos evolutivos (escola pré-primária e primária) pode ser a chave da optimização do
potencial nos anos subsequentes (escola secundária), temos a obrigação de promover
futuramente cada vez mais estudos e investigações pluridisciplinares neste campo.
É dentro deste contexto interconceptual que tentaremos apresentar uma
primeira caracterização psiconeurológica das crianças com DCM, subdividida em três
relevantes componentes do desenvolvimento:

- caracterização psicomotora;
- caracterização socioemocional e comportamental;
- caracterização cognitiva.

Caracterização psicomotora

Um dos principais sintomas atribuídos à DCM é a dispraxia (clumsy or awkward),


que Kephart 1970 denominou déftce perceptivomoton, (perceptual-motor handicap).
Para este importante pioneiro, a criança com DCM não apresenta défices nas
aquisições motoras (motor skills), mas fundamentalmente dificuldades de
generalização de padrões motores (generalization of motor patterns), o que é algo
substancialmente diferente, dado interferir com a plasticidade e a flexibilidade da
planificação motora, e com o ajustamento e o reajustamento às condições
envolvimentais em mudança às quais o movimento intencional se deve adaptar
normalmente (Fonseca 1992).
O mesmo autor desenha um perfil perceptivomotor da criança com DCM,
essencialmente caracterizado por:

- respostas motoras limitadas e imprecisas;


- falta de flexibilidade na prestação motora de qualquer tipo;
- dificuldades de rápida adaptação motora a mudanças
nas condições externas do envolvimento;
- dificuldades em estabelecer uma adequada
coordenação entre a mão e a visão;
- dificuldades em reproduzir formas geométricas em
termos grafomotores;
- dificuldades de orientação espacial com objectos,
quer nas suas posições, quer nas suas inter-relações;
- desintegração ou ruptura entre os componentes
perceptivos (de input) e os componentes motores (de output) do comportamento
intencional.

447

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Para Kephart 1968 e 1970, o problema parece situar-se mais na organização e


na conswção dos padrões motores que estão na base da interacç eficaz com o
envolvimento do que na prestação de aquisições motoras específicas.
Embora não apresentem problemas na marcha bípede (considerada um pura
aquisição motora para o mesmo autor), as crianças com DCM parece n evidenciar
mais problemas em combinar, integrar e generalizar várias formas de locomoção (ex.
reptar, andar, coirer, saltar, saltitar, etc. ) para responde rem inteligivelmente a
situações inéditas.
Algo parece interferir no processo de desenvolvimento de padrões motores,
limitando e desorganizando o potencial de aprendizagem e interferindo com a
regulação imprecisa e inadequada do comportamento, sugerindo assim uma
expressão motora descoordenada, desequilibrada, pesada e descontrolada.
Em síntese, a criança com DCM, segundo Kephart 1970, evidencia falta de
plasticidade e rigidez nas respostas motoras, o que reflecte um défice no
processamento da informação tactiloquinestésica, processamento do envolvimento
exterior que se encontra vulnerável e fragmentado, o que é susceptível de produzir
várias formas de desintegração intersensorial com as quais a adaptabilidade da
aprendizagem e do comportamento não é neurofuncionalmente compatível.
Kephart 1970 destaca, na sua formulação teórica sobre a motricidade, quatro
padrões motores fundamentais:

- Postura e manutenção do equilibrio (que envolve a relação


com a gravidade, à qual está associada a flexibilidade e a variabilidade
compensatórias do ajustamento postural, de onde decorrem as dimensões e as
coordenadas, relacionais e espaciais, quer subjecúvas quer objectivas, em que as
crianças com DCM evidenciam inúmeras dificuldades;
- Locomoção (que envolve a combinação de actividades que
são exigidas para mover o corpo de um lugar para o outro, como por exemplo: reptar,
quadrupedar, andar, correr, saltar, saltitar, galopar, transpor, etc. , sem que elas
comprometam a atenção voluntária, na medida em que esta nunca deve divergir do fim
e do propósito a atingir com tais acúvidades, condição essa frequentemente detectável
na criança com DCM, que exibe carências de coordenação motora destes padrões
básicos em muitas manifestações de interacção ludicossocial);
- Contacto (este padrão envolve a manipulação com a mão
nos seus três componentes eswturais: apanhar, manipular e largar, que servem de
base inicial para captar informação sobre os objectos e desenvolver os conceitos de
forma, contorno, textura, peso, figura-e-fundo, etc. , implicando uma prestação
motora fina onde redundam muitos problemas básicos de aprendizagem, simbólica e
não simbólica, da criança com DCM, nomeadamente na escrita, no cálculo, no
desenho, na expressão plástica, etc. ; e

448

ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERI7A ÃO PSICONEUROLÓGICA

Recepção e propulsão (padrão que envolve a relação concreta com o


envolvimento e com os objectos em movimento, utilizado para apanhar, captar e
interromper controladamente ou dirigir, atirar, lançar, chutar e orientac trajectórias de
objectos onde se cruzam também funções perceptivas de estimação de rotas,
distâncias, velocidades, alvos e massas, consideradas chaves para a exploração e a
experimentação bem sucedida com o envolvimento, onde emergem muitas dismetrias
e dissincronias de regulação e controlo nas crianças que temos vindo a caracterizar.

Tratando-se de dificuldades motoras específicas e não de dificuldades motoras


gerais, a criança com DCM, tomando por base os pressupostos avançados por
Kephart 1968 e 1970, é essencialmente caracterizada, em termos perceptivomotores,
por uma fraca generalização motora, ilustrada por uma expressão motora pouco
flexível e relativamente rígida, sem disponibilidade nem facilidade para aprender novas
aquisições. A sua elaboração e a integração motora são restritas, na medida em que
o seu repertório motor é limitado e muito pouco variado.
Noutra linha mais neurofuncional e clínica (Fonseca 1985 e 1992) e com base
numa bateria psicomotora da nossa autoria, visando a avaliação de sete factores
psicomotores, caracterizámos o perfil psicomotor da criança com DCM da seguinte
forma:

- Na tonicidade detectámos sinais disfuncionais de hipo e hiperextensibilidade e


de hipo e hipenonicidade; paratonias; disquinésias, distonias e mioclonias; ligeiros
movimentos coreiformes e atetotiformes; disdiadococinésias e sincinésias bucais e
contralaterais, sinais esses facilmente identificáveis na criança com DCM e cuja
significação psiconeurológica traduz alguma vulnerabilidade do estado geral de
reacção tonicoemocional e do estado de atenção, vigilância e integração sensorial,
principalmente de integração proprioceptiva, isto é, intrassomática, envolvendo a
captação, e a consequente inibição, de dados vestibulares, sensoriotónicos,
tactiloquinestésicos, que consubstanciam a integridade da substância reticulada, ou
seja, o primeiro alicerce do sistema funcional complexo que é a psicomotricidade, sem
o qual nenhuma forma de aprendizagem diferenciada pode ser alcançda, como é
frequente observar-se nos diversos tipos de hiperactividade que exibem muitas
daquelas crianças;
- Na equilibração identificámos vários sinais disfuncionais
vestibulares com frequentes oseilações e reequilibrações abruptas e multidireccionais;
frequentes quedas descontroladas; descontrolo e instabilidade postural;
desaferenciação proprioceptiva e visuoespacial; desintegração tonicopostural;
posturoespacial, háptica e antigravítica, quer estática quer dinârrúca; inadaptação
posturoespacial; insegurança gravitacional;

449

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

etc. , que são clinicamente observáveis em muitas crianças com DCM;


ilustrando, de alguma forma, que a integridade do seu sistema vestibular e do seu
cerebelo está afectada e sugerindo uma disfunção vestibular e cerebelosa que pode
gerar múltiplas interacções disfuncionais, dando origem à intervenção reguladora de
centros superiores e impedindo, assim, o acesso a funções hierarquizadas mais
complexas que no fundo retratam uma desorganização neurofuncional da postura
pondo em risco a eficácia de qualquer tipo de aprendizagem.

Em concordância com o modelo de organização funcional do cérebro proposto


por Luria 1965, 1973, e com base nos sinais disfuncionais da tonicidade e da
equilibração, poderemos adiantar que a criança com DCM apresenta problemas e
perturbações na primeira unidade funcional de atenção e regulação, onde se
encontram os substractos neurológicos responsáveis pelos sistemas de activação
reticular, ascendente e descendente (do tónus postural e do tónus cortical), pela
função de alerta e de vigilância e pela filtragem e a selecção dos dados sensoriais,
condicionantes prioritários e básicos de qualquer processo de aprendizagem.
A caracterização psicomotora da criança com DCM deve igualmente abordar os
factores psicomotores da lateralização, da noção do corpo e da estruturação
espaciotemporal, factores mais ligados à integração gnósica do corpo e das suas
componentes envolvimentais:

Na lateralização são encontrados frequentes sinais de confusão na localização e


na orientação tactiloquinestésica intra e extracorporal; inconsistência na captação e na
expressão de dados sensoriomotores; desintegração bilateral e proprioceptiva e sua
inidentificação simbólica; ambidextrias inóbvias; ausência de dozninância nos
receptores (input) e nos efectores (output); instabilidade perceptiva global e analítica;
desorientação simbólica devido à desorganização sensorial intrassomática;
desintegração háptica; problemas de integração posicional, relacional e intra e
interespacial; distorções na direccionalidade e na reversibilidade espacial; perturbações
na especialização corporal e hemisférica; etc. , que podem ilustrar várias disfunções
projectivas diencefálicas (ex. dos gânglios da base), bem como intra e inter-
hemisféricas (ex. corpo caloso), para além de consubstanciarem algumas confusões
contralaterais sensoriais e motoras, isto é, inúmeros sinais disfuncionais de integração
energeticomotivacional, quer do comportamento, quer da aprendizagem, que são
frequentemente observáveis nas crianças com DCM; Na noção do corpo observa-se
igualmente dificuldades de integração e de representação gnósica e visuográfica da
totalidade corporal; dissomatognósias corporais e digitais; inimitações; aexterognósias;
dificuldades de reprodução de ecocinésias; ausência de sistemas de referência intra e
interpessoal; dificuldades construtivas em quebra-cabeças

450

ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZAÇ'ÃO PSICONEUROLÓGICA

do corpo; desintegração e fragmentação do Eu; problemas de auto-


reconhecimento, de autopercepção, de auto-estima e de autoconfiança; problemas de
comunicação não verbal e de interacção social; traços de despersonalização; etc. ,
próximos dos sinais disfuncionais do lóbulo parietal inequivocamente associados a
vários problemas de comporta mento e de aprendizagem conhecidos em muitas
crianças com DCM e que traduzem uma componente relevante do seu perfil
psicomotor;
- Na estruturação espaciotemporal revelam-se sinais de
desorganização e desorientação espacial, concreta, topográfica e euclideana;
problemas de retenção de curto e longo termo de dados espaciais e temporais;
dificuldades perceptivovisuais e perceptivoauditivas; dificuldades de análise e síntese
intra e intersensorial; dificuldades de estruturação dinâmica e simultânea de posições e
direcções; dificuldades de descodificação-codiflcação do espaço agido em espaço
representado e vice-versa; dificuldades de estruturação dinâmica sequencial de ritmos;
etc. , a sugerir envolvimento disfuncional do lóbulo occipital e temporal, características
óbvias do perfil psicomotor da criança com DCM.

Em termos do modelo de Luria, todos estes sinais psicomotores disfuncionais


se podem reportar a problemas e perturbações da segunda unidade funcional de
processamento, eujas funções preferenciais compreendem a análise e a síntese
sensorial, a organização específica somática, espacial e temporal, a esquematização
gnósica e simbólica, a descodificação-codificação, a memória tactiloquinestésica,
visual e auditiva, a associação e a equivalência transmodal e polissensorial, etc. ,
funções de enorme importância para a aprendizagem, e nas quais efectivamente as
crianças com DCM evidenciam também dificuldades específicas.
O perfll psicomotor da criança com DCM deve ainda apreciar dois factores
psicomotores: a praxia global e a praxia fma, verdadeiros paradigmas da inteligência e
da civilização humanas, uma vez que não se trata de movimentos reflexos ou
automáticos, mas de movimentos voluntários, isto é, sistemas de movimentos
coordenados em função de uma intenção e sistemas interiorizados que servem de
suporte à actividade cognitiva e com os quais o ser humano aprendeu, e acrescentou,
ao envolvimento natural, um envolvimento cultural. Assim,

- Na praxia global detectámos com facilidade sinais de


descoordenação oculomanual e oculopedal; dismetrias; dissincronias; disdissociação e
desplani icação de movimentos; lentidão e imprecisão macromotoras; dificuldades de
realização e de construção motora; dificuldades de verbalização e de simbolização da
acção; desmelodia cinética; étc. , que no seu todo retrátam uma dispraxia global, em
si indutora de outras dificuldades nos diferentes âmbitos do comportamento e da
aprendizagem; e, finalmente,

451

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

- Na praxia fina captámos inúmeros sinais disfuncionais da microm


tricidade, nomeadamente: micromovimentos irregulares, imprecisos, sacádicos,
exagerados, dismétricos, deseontrolados e desequencializados; dificuldades de
preensão e manipulação fma de objectos e de manuseamento de instrumentos;
dificuldades grafomotoras múltiplas; dificuldades de digitalização e interdigitalização;
tremores terminais e distais; dificuldades de dextralidade, de microrregulação e
microcontrolo; descontrolo tonicoemocional; distorções foveais visuoperceptivas e
visuomotoras; dificuldades de perícia manual; ete. , a partir dos quais emerge uma
plétora de problemas de instabilidade posturopsí- : quica (Wallon 1984) e de
impulsividade posturomotora, de distractibilidade, de descontrolo postural e práxico,
de exploração acidental e assistemática de situações e de objectos, de desintegração
entre a acção e a representação, que podem induzir inúmeros problemas de
aprendizagem e de comportamento.

Em suma, a dispraxia, não sendo uma neuropatia, nem uma miopaúa, nem
mesmo uma deficiência motora, nem tão-pouco uma disfunção dos motoneurónios
inferiores, sugere porém um défice de controlo e de planificação motora que
normalmente earacteriza uma disfunção do lóbulo frontal, a que a criança com DCM
não escapa, evocando eventualmente problemas ao nível da elaboração e da
antecipação consciente da acção que traduzem as funções do córtez ' motor
associaúvo (áreas secundárias e terciárias contendo os centros visuais frontais) e da
área suplementar motora, verdadeiros subsistemas neomotores, únicos da espécie,
como são as áreas 6, 8 e 9, e profundamente ligados à produção de competências de
aprendizagem da mais elaborada complexidade.
Em termos de organização funcional do cérebro, e à luz de Luria, trata-se da
função da terceira unidade funcional, que tem por função a programação, a regulação
e a verificação da actividade consciente, unidade produtora de intenções, de planos e
de estratégias, portadora de múltiplos centros de reaferenciação e de retroalimentação
que permitem a inspecção, abena e permanente, da sua realização, regulando
portanto todo o comportamento, de forma a estar conforme com os fms para que foi
organizado.
Nesta unidade funcional, crucial para a organização práxica e para qual- quer
tipo de aprendizagem não simbólica ou simbólica, depois da regulação da actividade,
passa-se também à função cibernética de comparação dos ã efeitos, à qual está
associada a capacidade plástica de desprogramar e de i reprogramar, consoante as
novas necessidades introduzidas pela situação envolvente.
É óbvio que, único portador desta enteléquia práxica, o ser humano podia
tornar-se o verdadeiro vertebrado dominante, cuja capacidade de aprendi- zagem se
conservaria, se renovaria e perpetuaria constantemente ao longo da ' evolução,
condição esta extremamente difícil, embora possível, que se apre- senta ao futuro da
criança com DCM, tendo em consideração os sinais
452

ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERl7 A ÃO PSICONEUROLÓGICA

disfuncionais e difusos da sua organização psicomotora, que poderão apresentar-se


em termos psicoeducacionais, como condição isolada ou associada a outros factores
comportamentais e cognitivos que passaremos a abordar.

Caracterização socioemocional e comportamental

Os estudos de caracterização socioemocional e comportamental de crianças e


jovens com DCM são muito vastos, desde os que não identificaram nenhuns sinais de
comportamento social desviante (também considerados na bibliografia especializada
como desordens do comportamento ou desordens da conduta) aos que evidenciam
substanciais traços de desajustamento social, não esquecendo que muitos dos
problemas de comportamento podem ser observáveis em muitos casos onde não
existe qualquer vestígio cerebral disfuncional e, consequentemente, ser considerados
fortuitos e sem qualquer consequência práúca, pelo que nos linútaremos a rever
alguns dos que captaram sinais comportamentais sociodesviantes.
Chess 1968 identificou um conjunto de características de comportamento da
criança e do jovem com DCM, pondo em destaque as seguintes: dificuldades em
estabelecer relações sociais estáveis com os pais, os professores e os companheiros;
hiperactividade; distracúbilidade (grandes dificuldades de atenção e concentração);
labilidade emocional; distorções perceptivas; reacções negativas face ao stress;
inibição, hiperactividade ou hipoactividade (dialéctica da disfunção, da hipo ou da
hiperfunção); desmotivação face à escola e às situações sociais; imtabilidade
expressiva e bizarra; negativismo e defensividade; ansiedade; isolamento; estados
confusionais; comportamento fixo, rígido e inapropriado, podendo dele emergir
vestígios neuróticos e psicóticos; etc. , etc. , chamando a atenção para que tais
manifestações dependem dos diferentes úpos de personalidade e do envolvimento e
do contexto específico da famflia, bem como do tipo e do momento em que ocorreu a
condição geradora de DCM, sendo de valorizar estes aspectos do comportamento no
advento da adolescência.
Noutro estudo, Rappaport 1966 caracteriza a criança e o jovem com DCM nos
seguintes moldes: comportamento impulsivo; desenvolvimento atípico das funções do
ego; baixa autoestima; problemas de identidade (Erickson 1950); intolerância
frustracional; deficiente interacção com o envolvimento; sentimentos de rejeição e de
tensão permanentes; inadaptação social crónlca; turbulência interpèssoal; dificuldades
de leitura de situações sociais; espirais interacúvas disfuncionais com as figuras
familiares mais pr ximas e com os professores; futilidade relacional; procura de
conflitualidade; supersensibilidade; orgulho vulnerável; comportamentos antissociais;
oposição a situações de aprendizagem; hostilidade volátil; agressões inesperadas e
imprevisíveis; etc. , etc. , foram para este autor alguns dos traços sociodesviantes
mais eminentes das crianças e dos jovens com DCM, para os quais

453
INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

é forçoso desenhar programas de modificação de comportamento na sala de aula,


sem os quais o seu desenvolvimento pessoal e social pode ficar deveras
comprometido.
Clements e colaboradores 1969 identificaram outros aspectos do
comportamento, nomeadamente: problemas de ajustamento social; problemas
familiares; irritabilidade; disfunção da percepção social; problemas de interacção
sociofamiliar; comportamento perturbador, provocando moléstia, incómodo e
desconforto; antagonismo crónico e confrontalidade; comportamentos confusionais e
explosivos; infantilismo e impopularidade; inatenção; inabilidade para tolerar exigências
escolares; instabilidade de humor; exageração fiustra cional; indisciplina e
desobediência voluntárias; insensibilidade a expectativas sociais; sentimentos de
insucesso; etc. , todos eles a evidenciar uma competência social vulnerável na criança
e no jovem com DCM.
Bellak 1978 reduziu a maioria dos comportamentos sociais desviantes a apenas
três: fraco controlo da impulsividade, perturbações emocionais e desordens nas
relações pessoais, tendo posto em relevo que estas desordens podem representar
traços psicopatológicos da criança ou do jovem com DCM.
As desordens do comportamento que incluem agressividade, hiperactividade,
impulsividade, hiperactividade e comportamento antisocial (delinquência), que
raramente surgem isoladas (Fonseca 1977), tendem a prejudicar o funcionamento do
dia-a-dia da criança e do jovem com DCM e dos que estão à sua volta, sendo a sua
severidade dependente de factores perturbadores familiares e de factores de pobreza
socioeconómica.
Brown e colaboradores 1981, examinando a relação entre desordens
psiquiátricas e lesões cerebrais, identificaram os seguintes traços: comportamento
social inapropriado; insensibilidade social; inêxito em seguir convenções e regras
sociais; prestação de condutas bizarras; produção de comentários verbais
inadequados; hiperverbalização inconsequente; fraca higiene; irresponsabilidade e
impulsividade; etc. , sinais estes, em certa medida, segundo os autores, muito
semelhantes à síndroma do lóbulo frontal nos adultos.
Em síntese, o desajustamento social, podendo emergir de uma DCM, pode ser
perfeitamente compensado ao longo do desenvolvimento com base num ambiente
familiar e social adequado, onde a autoestima se reforce e consolide apesar de sinais
disfuncionais iniciais.
Todavia, num ambiente sem intencionalidades e reciprocidade afectiva, sem
incentivos e encorajamentos relacionais satisfatórios, em permanente desvalorização e
em constante situação de inferioridade, o indivíduo pode chegar à adolescência com
um perfil emocional e cognitivo instável.
Jovens com problemas de comportamento (Fonseca e Santos 1992) têm
tendência a manifestar: características emocionais complexas; dificuldades interactivas;
problemas de personalidade; condutas incaracterísticas; desconfiança e ressentimento;
cólera, irascibilidade, oposição e desmotivação; comportamentos disruptivos e
dissentivos; condutas disputativas, dissolventes e

454
ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZA(ÃO PSICONEUROLÓGICA

de confrontalidade física; turbulência, hipersensibilidade, inconformidade persistente,


egocentrismo e inabilidade afectiva; despreocupação por direitos e sentimentos com
ausência de culpa ou remorso; falta de empatia e sociabilização inadequada; etc. , etc.
, numa palavra: apresentam uma subcultura desviante com repercussões em inúmeras
disfunções cognitivas que podem pôr em perigo o seu ajustamento escolar e social
futuro.

Caracterização cognitiva

São vários os autores que identificaram perturbações no pensamento conceptual


e abstracto em crianças e jovens com DCM, desde Goldstein 1939, passando por
Strauss e Werner 1942, até Dolphin e Cruickshank 1951, Gallagher 1957, Ernhart e
colaboradores 1963 e Myklebust 1973.
Parece frequente encontrar-se nestes casos uma certa inabilidade para lidar
com objectos e ideias ao nível abstracto, evocando cenas dificuldades em captar
relações, detalhes, semelhanças e dissemelhanças entre eles, a fim de atingirem
classificações verbais, conexões semânticas e categorizações conceptuais,
competências cognitivas altamente correlacionadas com as aprendizagens escolares
segundo Kakiski 1959 e Burks 1960.
As perturbações perceptivas identificadas nestes casos, amplamente retratadas
nos trabalhos dos grandes pioneiros, parecem querer induzir alterações nos processos
mentais superiores e de integração complexa (Luria 1966) e nos mecanismos de
processamento da informação em nada distintos dos casos com dificuldades de
aprendizagem (Fonseca 1984, 1992).
Na nossa prática clínica, com base no Modelo de Avaliaçâo Dinâmica do
Potencial de Aprendizagem da autoria de Feuerstein e colaboradores 1985, temos
identificado em casos com DCM um conjunto diversificado de disfunções cogniúvas
subsidiadas em três parâmetros essenciais:

- Disfunções de input;
- Disfunções de elaboração;
- Disfunções de output; que passaremos a caracterizar de forma sumána.

DISFUNÇÕES COGNITIVAS DE INPUT

Quanto às disfunções cognitivas de input, destacamos as seguintes: percepção


difusa e hesitante com problemas de focagem e de detecção de detalhes e
pormenores; comportamento exploratório desplanificado, impulsivo e assistemático
sem escrutínio ou organização e com implicações na selectividade e na fragilidade do
sistema operacional; disfunção de inswmentos verbais receptivos que afectam a
discriminição de objectos, imagens,

455

lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA


eventos, situações e suas relações, que são, por esse motivo, impropriamente
designados, obviamente reflectindo uma ideação e uma abstracção pobres; disfunção
da orientação espacial e ausência de sistemas estáveis de referência com os quais se
estabelecem as organizações topológicas e euclideanas, sugerindo uma apropriação
episódica da realidade e um nível rudimentar de representação espacial; disfunções de
conceitos de tempo com implicações em comportamentos sumativos e qualificativos
fracos e sem relações de causalidade; disfunção na conservação de constâncias
(tamanho, forma, quanti dade, cor, orientação, etc. ) e nas suas variações numa ou
mais dimensões, podendo afectar o pensamento categorial; disfunção de precisão e
perfeição na captação de dados - daí a presença de distorções e a perda de processos
de interiorização; disfunção para considerar duas ou mais fontes de informação
simultânea, lidando com os dados de uma forma desordenada, em vez de os tratar
como uma unidade de factos que estão organizados, o que pode gerar dificuldades em
relacionar, reter e elaborar informações, algo, como é óbvio, que se reflecte em
muitas dificuldades de aprendizagem e em muitos problemas de comportamento.

DISFUNÇÕES COGNITIVAS DE ELABORAÇÃO

Quanto às disfunções cognitivas de elaboração, que incluem também as de


integração, realçamos essencialmente as seguintes: disfunção na percepção, no
reconhecimento da existência ou na definição de um problema, com implicações na
orientação e na intencionalidade da actividade mental; disfunção em seleccionar dados
relevantes de dados irrelevantes na definição de um problema, pondo em risco a
obtenção de objectivos; disfunção no comportamento comparativo espontâneo ou
limitação da sua aplicação devido a um sistema de necessidades bastante insensível;
redução do campo mental, com superficialidade das funções de procura e de
pesquisa; integração episódica da realidade, que induz a uma limitada escolha de
alternativas de resposta aos problemas; disfunção da necessidade de reduzir,
projectar e estabelecer relações, devido a um vulnerável processamento analítico da
informação; disfunção do comportamento sumativo e do processo reflexivo; disfunção
da necessidade de prosseguir a evidência lógica, podendo envolver inflexibilidade
comportamental; disfunção do pensamento hipotético ou inferencial, sugerindo
privação de requisitos de elaboração de relações; disfunção das estratégias para testar
hipóteses; disfunção na planificação de comportamentos; disfunção na interiorização;
disfunção na elaboração de categorias cognitivas porque os conceitos verbais não
fazem parte do inventário individual ao nível receptivo, ou porque não são mobilizados
ao nível expressivo; etc. , plétora de disfunções cognitivas que tendem a provocar,
inequivocamente, muitas dificuldades de aprendizagem e de comportamento.

456

ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERI7A ÃO PSICONEUROLÓGICA

DISFUNCÕES DE OUTPUT

Por último, as disfunções cognitivas de output, entre as quais foram


identificadas: modalidades de comunicação egocêntricas com reflexo em produtos
cognitivos indiferenciados; disfunções em projectar relações vinuais, não permitindo a
expressão de respostas flexíveis e adaptadas a situações em mudança, disfunções
expressivas e bloqueios de raciocínio múltiplos; produção de respostas baseadas em
tentativas e enos, normalmente agitadas, explosivas, reprodutivas e imitativas, sem a
evocação de processos e estratégias de descobena; disfunção de instrumentos verbais
e semântico-sin tácticos que impede uma expressão e uma destreza mais adequada,
elaborada e abstracta; disfunção na precisão, na perfeição e na qualidade das
respostas verbais ou não verbais; disfunção do transpone visual; produção impulsiva,
desplanificada, probabilística, causal e randomizada de comportamentos, que são
emitidos sem qualquer reflexão ou sistematização, etc. , etc. , a sugerir uma
expressão e uma comunicação inadaptadas que se perpetuam no potencial cognitivo
do indivíduo e se reflectem em todas as manifestações da sua aprendizagem e da sua
conduta.
Todos estes diferentes níveis das disfunções cognitivas, que se interligam e
interagem sistemicamente, em termos de recepção, elaboração e expressão de
informação, são frequentemente observados em crianças e jovens com DCM,
podendo mesmo desenhar-se, inclusivamente, diversos tipos específicos de privação
cultural, cujo impacte nas suas personalidades é deveras complexo, quer nos estudos
académicos, quer nos testes e nas avaliações, quer em inúmeras situações da vida
diária.
A recepção (input) e a expressão (output) da informação, sendo considerados
componentes periféricos dos processos cognitivos, em contraste com os componentes
centrais de integração e de elaboração, considerados mais cruciais para um
funcionamento cognitivo mais eficaz, podem ser optimizados e maximizados, mesmo
compensados, desde que se proceda e um diagnóstico dinâmico das funções
cognitivas, se apure o perfil das áreas fortes e fracas, e se aplique um programa de
enriquecimento cognitivo.
Em conclusão, o futuro das crianças e dos jovens com DCM pode ser alterado
profundamente; para isso, teremos de acreditar nos seus potenciais de aprendizagem.
Tendo em atenção a caracterização psicoeducacional desenhada nos
parâmetros psicomotores, socioemocionais e cognitivos acima identificados, desde
que clínica e dinamicamente avaliados, podemos efectivamente modificar
estruturalmente as suas competências; o desafio estará em desenvolver melhores
programas de enriquecimento psicomotor e melhores programas de modificação
comportamental e cognitiva.

457

I I I

CAPÍ'TIlLO 13

DISSECAÇÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA

Podemos considerar que vivemos no século dos meios de comunicacão de


massas e da explosão tecnológica, situação esta que se reflecte na necessidade de
expansão e democratização do ensino. Democratização do ensino que não é sinónimo
de democratização socioeconómica e sociocultural, razão essa que constitui um dos
problemas mais discrepantes e aberrantes da situação actual do processo de ensino.
A escola acredita na democratização do ensino, mas não se atira a outro
problema mais complexo, isto é, à democratização socioeconómica, onde nascem as
causas das epidemias das dificuldades escolares (Avanzini 1975). Este problema da
inflação das dificuldades escolares não se limita a um problema pedagógico - ele é um
problema económico, cultural, social e político. Vivemos numa sociedade competitiva
em que o diploma é sinónimo de salvo-conduto e de sobrevivência social. O êxito
escolar é uma vertigem do sucesso em que todos caem (professores, pais, etc. ),
atributo este que traduz uma contradição que convém eliminar (Vial e colaboradores,
1968).
A escola, com os seus métodos, é uma estrutura que está ao serviço dos
processos de selecção social, supervalorizando o aluno perfeito", o génio, etc. , e
segregando o aluno com dificuldades", o aluno com problemas de aprendizagem.
Em França, no tempo da República, a criança com dificuldades era
diagnosticada como turbulenta, desatenta e irrequieta. Com o advento do
desenvolvimento industrial esta _ noção requintou-se (cientificamente) com os
diagnósticos discriminativos de debilidade mental. Binet, em 1905, criou o primeiro
laboratório de pedagogia, onde nasceu o primeiro teste de inteligência que constitui a
motivação básica de vários ramos da ciência psicológica. A pedagogia, com os seus
problemas, veio criar a psicologia que tem servido aquela apenas como constatação
dos seus défices, metodoÌógicos. A pedagogia recorre à psicologia quando
confrontada com os seus inêxitos. De facto, são os critérios pedagógicos que

459

INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

dão significado ao quociente intelectual (QI) e não o inverso (Zazzo 1968), conceito
este que assenta numa norma imposta por um grupo social dominante.
Não somos contra o diagnóstico do potencial intelectual básico, apenas
combatemos o seu uso ideológico em termos de prática pedagógica.

A constelação dos problemas pedagógicos advém do desenvolvimento da


industrialização e das suas contradições sociais, que geram a necessidade do
aumento do nível de inswção para se adaptar à mobilidade de novos empregos que se
reflectem como pressões sobre a escola e a que esta responde com uma nova noção
de debilidade - a dislexia.

Causas exógenas e endógenas

Para abordarmos em profundidade o conceito de dislexia, é necessário não


esquecer que o segredo dos actos humanos não é só do domínio da psicologia
(Politzer 1974); para isso teremos de ver a dislexia também como um problema social,
como um problema economicocultural. q

Só por si, não saber ler representa uma injusúça social. Os ue não sabem ler
ficarão condenados irremediavelmente à incultura, à ignorância, ao analfabetismo e à
manipulação social.
O perigo de uma sociedade analfabeta, dependente, imatura e inculta é um
terceno propício a desigualdades e a opressões de vária ordem.

Não podendo apoiar qualquer defmição por princípio, não esquecemos


que sobre o tema mais de 5000 trabalhos foram editados, só em língua inglesa. O
termo dislexia não deve ser confundido com alexia. A dislexia revela uma dificuldade
na aprendizagem da leitura, enquanto o termo alexia, revela uma incapacidade para
aprender a ler ou para compreender a linguagem escrita, como consequência de uma
lesão cerebral.

A criança com dificuldade de aprendizagem da leitura não revela qualquer


deficiência, auditiva, motora, intelectual ou emocional. O seu potencial de
aprendizagem está íntegro, só que não aprende ler facilmente, embora compreenda
a linguagem falada e a utilize Jonhson e Myklebust 1964).
Como causas fundamentais podemos referir as seguintes:

- Imaturidade sensorial;
- Imaturidade psicomotora;
- Imaturidade psicolinguística;
- Privação cultural;
- Má qualidade de vida familiar;
- Inoportunidade pedagógica;
- Perturbações no desenvolvimento psicobiológico;

- Discrepância nos comportamentos habituais, etc.

460

DISSECAÇ'ÃO DO CONCEIIO DE DISLEXIA

De uma forma mais didáctica, teremos causas exteriores à criança


(exógenas), onde o envolvimento é predominante, e causas da criança (endógenas),
onde aquelas se reflectem em termos de desenvolvimento de armónico e de
dificuldades de processamento da informação, e causas que reflectem a interacção
mútua entre ambas.
Para sermos mais explícitos, passamos a diferenciar os diferentes tipos
de causas que têm sido apontados em inúmeros trabalhos de investigação.
Dentro das causas exógenas, podemos realçar;
- Má frequência escolar;
- Deficiente orientação pedagógica;
- Inexistência de ensino pré-primário;
- Recusa do ambiente escolar (oposição);
- Problemas de motivação cultural;
- Falta de hábitos de trabalho;
- Falta de aprendizagem mediatizada;
- etc.
Dentro das causas endógenas, podemos destacar:

- Carências instrumentais;
- Dificuldades de processamento da informação visual e auditiva;
- Imaturidade psicomotora, com problemas de imagem do corpo,
de lateralidade e de orientação no espaço e no tempo;
- Defi iente desenvolvimento da linguagem ou imaturidade psicolin
uística expressão limitada, vocabulário diminuto, consW ão sint tica pobre,
problemas de comunicação verbal), etc ç
.,
- Problemas orgânicos e genéticos que se pcdem reflectir na
dificuldade de aprendizagem, como sejam, por exemplo: problemas do SNC,
disfunções cerebrais, diabetes, anomalias enzimáticas, afecções congénitas dos
elementos eonstituintes do sangue, etc. ;
- Hipersensibilidade, superestimulação e hiperactividade com
problemas globais de atenção (Ong l968).

As duas causas não surgem isoladas uma da outra. As causas exó enas e as
sas endógenas não se opõem, aliás como a hereditariedade e o mei ou como o
biológico e o social. Há entre elas uma dinâmica dialéctica que convém des' <ar,
umas são condições das outras. Nenhuma causa se reduz à outra6 na suá
reciproeidade mútua e com lexa que se situam os roblemas da ndizagem humana. P
P
Uma coisa é a criança que não quer aprender a ler outra é a crian a que não
pode aprender a ler com os métodos pedagógicos tradicionais. N :podemos assumir
atitudes reducionistas que afirmam que a dislexia não

461

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

existe. De facto, a dislexia é muito mais do que uma dificuldade na leitura. A dislexia,
normalmente, não aparece isolada - ela surge integrada numa constelação de
problemas que justificam uma deficiente manipulação do comportamento simbólico que
trata de uma aquisição simbólica exclusivamente humana.

Processo de leitura

É preciso, portanto, compreender o que é o processo de leitura. Em primeiro


lugar, ler é associar os símbolos imprimidos ou escritos graficamente (que são
percebidos e integrados, em termos de informação, pela visão) com os símbolos
auditivos, conferindo-lhes um significado (Jonhson e Myklebust 1964).

LEITURA = símbolo visual + símbolo audiávo + significado

A leitura é o segundo sistema visual simbólico (SVS) sobreposto sobre a


linguagem falada que já se fala e se compreende, isto é, o primeiro sistema auditivo
simbólico, ou seja, é uma duplicação sistémica deste.
A complexidade da leitura resulta da combinação de inúmeras aptidões que
traduzem a hierarquia do desenvolvimento da linguagem.
A leitura, por conseguinte, envolve uma correlação entre um sinal auditivo e um
sinal visual, ao mesmo tempo que constitui uma reconstrução de significados, de
ideias, de sentimentos e de impressões sensoriais (Downing e Thackray 1971 ).
Noutras palavras, a leitura é uma conexão entre a linguagem falada e as formas
escritas da linguagem, isto é, uma tradução das letras impressas em equivalentes
sonoros e em significados. Trata-se de um processo cognitivo em que, ao mesmo
tempo que se lê (descodificação visual, para usar um termo mais específico), se dá
um duplo reconhecimento: um auditivo e outro significativo ou semântico. Para
aprender a ler, a criança necessita de descodificar as letras impressas utilizando um
processo cognitivo que permite traduzi-las em termos de linguagem falada e em termos
de significação linguística (Kirk e Kirk 1971).
Harris 1961 defmiu a leitura como uma interpretação significativa dos símbolos
verbais". Para Myklebust e Jonhson 1964, o processo de leitura não é mais do que a
sobreposição de um sistema visual sobre um sistema auditivo previamente adquirido".
Para compreendermos a multiplicidade das aptidões necessárias para a leitura, Fries
1963 avança com uma definição operacional: a leitura não é mais do que a resposta a
sinais de linguagem representados por símbolos gráficos.

462

DISSECAÇÃO DO CONCEITO DE DIS1, EXIA

Uma análise cuidadosa do processo da leitura leva-nos a perceber que são


necessárias várias fases de aprendizagem. As primeiras põem em destaque a
assimilação de um código auditivo. As segundas referem-se a uma transferência de
aptidões: das auditivas às visuais, através da descodificação de símbolos gráficos.
Desta forma, o estímulo visual deve ser identificado como uma unidade gráfica
em sequência, isto é, como uma palavra, ao mesmo tempo que ao nível do cérebro
se dá uma associação significativa entre o estímulo visual e a componente auditiva
complementar (Chalfant e Schefelin 1969). A relação entre o fonema (aspecto auditivo)
e o grafema (aspecto visual), para além de uma sequência espacial específica,
apresenta-se também numa sequência temporal que dá sentido e significado à palavra.

PROCESSO DE LEITURA

1) Percepção do estímulo visual... barco


2) Identificacão do estímulo visual como uma unidade gráfica (palavra)... ... ... . barco
3) Relacionar a unidade gríca com a linguagem auditiva e com a experiência... . .
barco
(/barc-co/)
4- Responder dizendo (/bar- co/) /barco/

Como vemos em 2, é necessário que a identificação das letras seja


espacialmente estruturada: barco, e não braco Em 3, a relação entre cada fonema
está para cada grafema:
b -1(/bê/)
a (/á/)
r (/erre/) - [rl
c (/quê/)
o - (/u/)

pondo em destaque uma sequência espacial dos grafemas com uma sequência
temporal dos fonemas que dá origem a um sinal auditivo familiar: barco", já integrado
e memorizado. Aqui está, de uma forma didáctica, o aspecto analiticossintético do
processo de leitura. É aliás aqui que se retrata a evolução da linguagem escrita em
termos antropológico-históricos, que começou por ser representada por figuras,
desenhos e grafismos significando situações, acontecimentos, etc. ; depois da figura,
passou-se ao sinal que representava uma palavra ou uma ideia, isto é, do pictórico ao
ideográfico. O passo histórico seguinte foi usar um sinal por cada silaba, separando
assim as unidades fonéticás. A lista destes sinais é o alfabeto, cujo domínio exige
uma certa evolução simbólica e mental.

463

INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Como se processa então a hierarquia do desenvolvimento da linguagem A


hierarquia do desenvolvimento da linguagem, como já vimos, pre! supõe os seguintes
períodos de maturação:

INTEGRAÇÃO VISUAL
INTEGRAÇÃO segundo sistema AUDITIVA simbblico
INTEGRAÇÃOprimeiro sistema
DA EXPERIÈNCIA simbblico
NÃO VERBAL

Figura 130 - Hierarquia da linguagem

A integração da experiência não verbal compreende: o diálogo com adultos


socializados, a actividade psicomotora, a linguagem emocional, a imitação, o jogo, a
interacção com as outras crianças, a compreensão da mímica, da pantomima e da
comunicação humana.
No segundo período, a integração auditiva reflete as ecolálias, as prosódias,
as lalações, as entoações, o grito-chamada, palavras-frases, a compreensão auditiva
e a expressão da linguagem articulada.
Por último, a integração visual, que se verifica através da leitura, da
comunicação verbal e da linguagem escrita, vista como um instrumento do
pensamento e como factor do desenvolvimento cognitivo.
Para melhor compreensão do processo da linguagem é necessário perspectivá-
lo em três grandes modalidades que se interpenetram dialecticamente :

RECEPÇÃO INTEGRAÇÃO EXPRESSÃI ouvir falar


' ler escrever
i feed-Lack
i _ _ r etroacção

Flgura 131- Processo da linguagem

Como base no processo da linguagem podemos então apresentar o mo de


comunicação humana (Sagir e Nitzburg 1973) (Figura 86, pág. 279).

464

DISSECA ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA

Por outro lado, o processo da linguagem não se encontra em oposição aos


processos de assimilação da experiência no mundo exterior. Em termos humanos, o
desenvolvimento global da criança apresenta uma determinada hierarquia da
experiência. Antes da linguagem verbal, a criança tem de desenvolver uma
experiência significativa e integrada em termos não verbais. A criança recebe vários
tipos de estímulos táeteis, vestibulares, quinestésicos, auditivos, olfactivos,
gustativos, visuais, etc. , que serão integrados por meio de processos complexos de
significação e mais tarde associados no cérebro. Como acabamos de ver, em primeiro
lugar desenvolve-se uma linguagem interna, depois uma linguagem receptiva (seguir
instruções, compreensão verbal, etc. ), e por último uma linguagem expressiva (fala).
Esta hierarquia da linguagem é fundamental para se compreender a
complexidade da aprendizagem da leitura. Para aprender a ler são necessárias várias
pré-aptidões e aptidões, nomeadamente aquelas que traduzem a hierarquia das
experiências, já estudadas no capítulo sobre a visão integrada da aprendizagem.
Como temos vindo a analisar, a criança necessita de desenvolver uma série de
aptidões: primeiro aprende uma linguagem auditivoverbal e só depois estará apta a
sobrepor um sistema visuoverbal. As letras, escritas ou lidas, representam símbolos
auditivos, que por sua vez representam experiências humanas, isto é, relações
contextuais com o envolvimento concreto.
Em resumo, a sequência da comunicação verbal atravessa o seguinte
desenvolvimento:

1) Aquisição do significado da linguagem dos adultos;


2) Compreensão da linguagem falada;
3) Expressão e utilização da linguagem falada;
4) Compreensão da linguagem escrita (leitura), domínio simbólico,
equivalência entre o grafismo e o som (fonema) correspondente;
5) Expressão da linguagem escrita (escrever).

Só perspectivando esta hierarquia podemos perceber porque é que a


aprendizagem da leitura faz parte do desenvolvimento total da linguagem. Não
aprender a ler pode ter como consequência comprometer o desenvolvimento cognitivo
(daí a importância da leitura em termos do desenvolvimento cognitivo).
Que conclusão podemos tirar daqui? Para já, a leitura não é uma entidade
separada do desenvolvimentò intelectual da criança. Em segundo lugar, uatraso, na
leitura acarreta outros tipos de atraso, como imaturidade social, estrangulaménto do
significado da experiência, empobrecimento do vocabulário, desinteresse pela
informação, etc. Não aprender a ler é como que um passaporte para a ignorância e a
iletracidade.
Como é que dèvemos, então, proporcionar a todas as crianças a oportunidade
de aprender a ler e de aperfeiçoar esta aptidão humana fundamental?

465

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Para se responder a esta pergunta é preciso que se tome em ção um mínimo de


conhecimento científico sobre as pré-aptidões para aprender a ler (conceito de
prontidão).
Vários factores devemos apresentar:

1) Factores sociodinâmicos Estes factores, já abordados no


capítulo anterior incluem: o nível eco nómico, cultural e linguístico dos adultos
socializados que cercam a criança e dos quais depende, fundamentalmente, o seu
desenvolvi= mento; a experiência social da criança; a oportunidade de espaço lúdico
e de jogo que foi proporcionada à criança; a variabilidade da experiência que
condiciona o desenvolvimento do vocabulário e a maturação cognitiva; a qualidade da
vida familiar; a motivação e o envolvimento simbólico que se proporciona à criança; o
conjunto das relações sociais que influenciam directamente a segurança e o
desenvolvimento global da criança, etc.

2) Factores psicomotores
Estes factores compreendem: a maturidade neuropsicomotora global, o
desenvolvimento psicobiológico da criança; a organização cerebral da postura; a
estabilização da lateralidade; a consciencialização da imagem do corpo; a actividade
rítmica; a orientação no espaço e no tempo; a dissociação, a diferenciação e a
coordenação práxica global e essencialmente fina; a visão; a audição e o
funcionamento dos órgãos da linguagem articulada, etc.

3) Factores emocionais e motivacionais e factores de


personalidade Estes factores incluem a estabilidade emocional e motivacional, a
concentração e a extensão da atenção, que são dependentes do autocontrolo tónico
que a criança possui e que influenciam a atitude e o desejo de aprender.

4) Factores intelectuais
Estes factores incluem a capacidade global, as aptidões perceptivo e
psicomotoras, a discriminação auditiva e visual e os seus processos sequenciais e
simultâneos de tratamento de informação e as capacidade de raciocínio e de resolução
de problemas que traduzem o comportamento adaptativo da criança, onde se
associam os aspectos da comunicação verbal e da comunicação não verbal.

São a constelação e a interligação sistémica destes factores que traduzem a


aptidão ou o conjunto de aptidões para aprender a ler. Claro que estas aptidões não se
conseguem apenas em resultado da maturação da criança. Os pais, a escola e a
sociedade em geral devem estar alertados para garantirem à criança um conjunto de
factores de qualidade de vida que permitirão o seu desenvolvimento harmonioso antes
de ela entrar para a escola. Esta situação

466

DISSECA ÃO DO CONCEITO DE DISI. EXIA

é de tal importância que em inúmeros trabalhos de investigação se verifica uma


correlação elevada entre crianças com dificuldades de aprendizagem e os seus níveis
socioeconómicos desfavoráveis.
Aprender a ler exige não só uma maturação de estruturas de comportamento,
mas também uma aprendizagem prévia que possibilite à criança o prazer dessa
experiência. Urge, como conclusão, desenvolver centros materno-infantis de escolas
pré-primárias em que se compense os arbítrios das desigualdades sociais. A escola
pré-primária não é um luxo, é uma medida de prevenção fundamental para a
construção de uma sociedade mais justa onde o direito à cultura seja propiciado em
condições de igualdade de acesso logo à partida, a fim de combater um divisionismo
educacional que é assustador, isto é, a divisão dos que sabem ler dos que não sabem
ler.
Aprofundando a questão, as aptidões para a leitura devem considerar níveis de
processamento da informação (Chalfant e Schefelin 1969), quer no plano auditivo,
quer no plano visual.
Como aptidões auditivas fundamentais temos:

1 ) Acuidade
Frequência e decibéis;
Duração e velocidade do estímulo;
Transdução do siríal acústico em sinal auditivo.

2) PercepÇão
Discriminação de sons;
Discriminação fgura-fundo de sons;
Sequencialização de dados.

3) Descodificação
Análise; Síntese. 4) Reten ão
Extensão do estímulo;
Automatização;
Curto termo - longo termo.

5) Imagem

6) Interpretação e integração
Relação do estímulo auditivo com os outros estímulos (visuais, tácteis,
quinestésicos, etc. ) e sua associação interneurossensorial.

Como apridões visuais mais importantes para o processo da leitura temos:


1) Acuidade Focagem;
Proximidade.

467

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

2) Coordena ão oculomotora Orientação esquerda-direita;


Fixação;
Convergência; Acomodação.
Movimentos sacádicos.

3) Percep ão
Fusão;
Posição no espaço; Relações de espaço;
Consistência da forma;
Figura-fundo.

4) Lateralidade ocular
Olho dominante e seu funcionamento com o olho auxiliar.

5) Velocidade de recep ão e de transmissão

6) RetenÇão
Curto e longo termo;
Sequência;
Automatização.

7) Descodifica ão
Análise; Síntese.

8) Interpretação e integra ão
Relação do estímulo visual com os outros estímulos e sua associação
interneurossensorial.

Daqui podemos concluir que as crianças aprendem normalmente quando


deterzninadas condições e integridades estão presentes e se proporciona
oportunidades educacionais adequadas.
De acordo com o que já se tratou em capítulos anteriores, temos como
integridades, fundamentais da aprendizagem:

1) Factores psico e sociodinâmicos da aprendizagem (já focados); 2) Funções


do sistema nervoso periférico (SNP): recepção da informação que inclui os receptores
à distância: visão e audição; e os receptores proximais: tacto, quinestésico e
proprioceptivo vestibular;
3) FunÇôes do sistema nervoso central (SNC): integração, selecção,
retenção e combinação da informação.
468

DISSECA ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA

Por outro lado, a evolução da aprendizagem simbólica estabelece-se em função


de três grandes avenidas sensoriais:

- Visão;
- Audição;
- Tactiloquinestésica.

O sentido do tacto e o sentido quinestésico conferem os primeiros dados da


experiência, traduzem os primeiros anos da experiência da criança. em que o
movimento ocupa um lugar privilegiado na conquista do mundo. Posteriormente surge
a audição, que origina o desenvolvimento da linguagem, e por último a visão, que
permite o acesso à linguagem escrita, isto é, ao domínio da actividade simbólica
consubstanciada na Ieitura e na escrita.
Respeita-se aqui não só a evolução psicobiológica de Wallon 1968, como a
embriologia mental de Piaget 1965. O primeiro demonst. rou que a evolução da
criança passa primeiro por dados interoceptivos (funções neurovegetativas, função
tónica, etc. ), depois por dados proprioceptivos (funções proprioceptivas vestibulares
motoras, percepúvomotoras e psicomotoras) e, por último, por dados exteroceptivos
(funções de eswturação espaciotemporal e funções simbólicas). O segundo confirmou,
em termos experimentais, que a inteligência simbólica ou gnósica é antecedidá de
uma inteligência prática e sensóriomotora.
Sem relacionarmos os dados psicobiológicos do desenvolvimento da eriança,
como acabámos de ver, não podemos perspectivar cuidadosa e rigorosamente os
processos da leitura.

Que tipo de dificuldade na leitura podemos então encontrar nas crianças ? As


crianças com dificuldades na, leitura apresentam, em função de vários trabalhos
experimentais, as seguintes características globais de comportamento:

1) Pcoblemas de lateralização e de orientação esquerda-direita; 2) Problemas de


noção do corpo;
3) Problemas de orientação no espaço e no tempo; 4) Problemas de
representação espacial;
5) Problemas de coordenação de movimentos;
6) Problemas de memória;
7) Problemas de grafismo e de expressão oral.

Como características, as crianças podem apresentar várias dificuldades no


plano auditivo (dislexla auditiva) segundo Wepman 1960 e no plano visual (dislexia
visual) segundo Frostig 1973.

469
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Do ponto de vista didáctico, podemos apresentar:

TIPOS DE DIFICULDADES AUDITIVAS

1) Dificuldades na compreensão das palavras;


2) Diflculdades na discriminação ou na identificação de sons
familiar(telefone, porta, etc. );
3) Dificuldades em responder à linguagem falada (inêxito em
seguir orientações espaciais, etc. );
4) Não relaciona a comunicação com a experiência concreta; 5) Não identifica
animais ou pessoas em imagens;
6) Dificuldades na articulação de sons (não repete correctamente
duas ou três palavras, ou frases simples, etc. );
7) Dificuldades em usar plurais, tempos de verbos, preposições,
etc. (não completa frases com concordância gramatical, etc. );
8) A linguagem falada expressa é pobre, incorrecta e muitas
vezés incompleta;
9) Não retém sequências de três palavras, nem as reproduz
oralmente pela mesma ordem (na sequência: nãol pãol cão, pode alterar a sequência,
dizendo: pão; cão; não, isto é, troca a ordem de palavras muito semelhantes no seu
aspecto auditivo).

TIPOS DE DIFICULDADES VISUAIS

I) Dificuldades em perceber imagens;


2) Dificuldades em fixar ou focar (não consegue isolar um pormenor
de um desenho ou de uma imagem);
3) Dificuldades nas relações espaciais (não diferencia perto/longe,
alto/baixo, em cima/em baixo, à frente/atrás, à esquerda/à direita);
4) Dificuldades em discriminar formas, tamanhos, cores, etc. ; 5) Dificuldades
de análise e de síntese visual (dificuldades na cópia de
desenhos geométricos, não completamento de figuras familiares incompletas,
etc. );
6) Problemas de visão periférica e de focagem visual;
7) Di iculdades em manter conscientes as propriedades invariáveis de
um objecto ou de uma imagem (não identifica 0 0 como quadrados ou não identifica
a, com à,
a: A. ff);

8) Dificuldades em identificar sequências visuais (inêxito em


situações de identificação, como por exemplo:
00 00 00 00 00

470
DISSECA ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA

9) Dificuldades de integração visuomotora (inêxito em realizar


labirintos gráficos, dificuldades ao nível do grafismo rítmico com erros de reprodução e
de orientação);

10) Dificuldades em discriminar a figura do fundo (não identifica um


triângulo em fichas do tipo que se segue:
_ ou não identifica a palavra ucasa" noutra flcha A ou é incapaz de pintar o
círculo na seguinte flcha:

A título de exemplo, apresentamos agora resumidamente as características de


comportamento, algumas formas simples de diagnóstico e algumas estratégias
educacionais por cada um dos principais tipos de dificuldade de aprendizagem da
leitura: dificuldades auditivas e dificuldades visuais.

Dificuldades auditivas (dislexia auditiva disfonética)

Caracteristicas do comportamento

1) Problemas na captação e na integração de sons;


2) Não-associação dos símbolos gráficos com as suas
componentes auditivas;
3) Não-relacionação dos fonemas com os monemas (partes e
todo da palavra);
4) Confusão de silabas iniciais, intermédias e finais;
5) Problemas de percepção e imitação auditiva;
6) Problemas de articulação;
7) Dificuldades em seguir orientações e instruções;
8) Dificuldades de memorização auditiva;
9) Problemas de atenção;
10) Dificuldades de comunicação verbal.

Formas simples de diagnóstico

1) Inêxito em distinguir semelhanças e diferenças de sons (não


diferencia tua, de sua, nem mão de não, );
2) Não identifica sons em palavras, nem sintetiza sons;
3) Não realiza a dissecação de silabas; 4) Dificuldades na composição de sons;
5) Dificuldades na sequência de sons;

471

INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

6) Dificuldades na retenção e na reprodução de estruturas rítmicas; 7)


Dificuldades na leitura oral;
8) Dificuldades na compreensão da leitura;
9) Não fixa nem produz rimas nem lenga-lengas;
10) Dificuldades na articulação de palavras polissilábicas.

Algumas estratégias educacionais

1) Desenvolver a correspondência entre a visão e a audição; 2) Utilizar métodos


visuais e globais, com recurso a imagens e fichas
coloridas e desenhadas;
3) Frases simples;
4) Refinar as aquisições auditivas (treino auditivo, discriminação e
sequências auditivas);
5) Imitação e reprodução de sons e palavras;
6) Códigos rítmicos;
7) Agrupamento de sons;
8) Análise e síntese de sons com reforço visual;
9) Reauditorização;
10) Utilizar métodos tactiloquinestésicos (letras móveis);
11) Utilizar a leitura silenciosa;
12 Discussões orais e exposição de acontecimentos;
13) Utilização de figuras e bandas desenhadas.

Dióculdades visuais (dislexia visual discidética)

Caracteristicas do comportamento

I) Dificuldades na interpretação e na diferenciação de palavras; 2) Dificuldades


na memorização de palavras;
3) Confusão na configuração de palavras;
4) Frequentes inversões, omissões e substituições;
5) Problemas de comunicação não verbal;
6) Problemas na grafomotricidade e na visuomotricidade; 7) Dificuldades na
percepção social;
8) Dificuldades em relacionar a linguagem falada com a linguagem
escrita.

Formas simples de diagnóstico

1) Dificuldades em conswir quebra-cabeças;


2) Dificuldades em copiar figuras geométricas e grafismos rítmicos; 3)
Dificuldades de controlo visual (perseguição, fixação e rotação binocular);
4) Dificuldades em diferenciar forma, cor, tamanho e posição;

472

DISSECAÇ'ÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA

5) Problemas de organização espacial e de sequência visual; 6) Dificuldades em


identificar letras e palavras;
7) Dificuldades no uso de plurais e de tempos dos verbos;
8) Não relaciona imagens ou figuras com palavras; 9) Não reconhece imagens
ou objectos comuns;
10) Não rememoriza palavras e imagens.

Algumas estratégias educacionais

I) Métodos analíticos e métodos fonéticos;


2) Relacionar letras com sons singulares;
3) Utilizar palavras com a mesma configuração; 4) Identificação de sons não
verbais e verbais;
5) Associar sons (sintetizar silabas); 6) Utilização de famlias de palavras;
7) Pequenas frases e pequenas histórias;
8) Aperfeiçoar as dificuldades visuais com situações de
visuomotricidade;
9) Discriminação e organização de pontos, formas e configurações; 10) Detectar
pormenores em figuras incompletas;
11) Orientação diferenciada de palavras; 12) Sequência de estruturas de
palavras;
13) Valorizar a velocidade de discriminação visual.

A criança pode fundamentalmente revelar dificuldade num plano, ou visual ou


auditivo, como pode apresentar problemas em ambas as áreas de processamento da
informação. Nada impede que a criança utilize a expressão oral, só que a integração e
a assimilação da linguagem escrita se encontram comprometidas, podendo afectar,
como é óbvio, o seu desenvolvimento cognitivo.
Para nos apercebermos destes problemas, e no sentido de podermos intervir,
devemos estar aptos a construir elementos de diagnóstico ou de identificação visual e
auditiva, a fim de conhecermos profundamente a criança, antes de orientarmos a sua
aprendizagem, de acordo com as suas necessidades específicas, que devem ser
conhecidas antecipadamente.
Somos de opinião de que o professor primário deve ele próprio construir os seus
instrumentos de diagnóstico psicopedagógico (diagnóstico informal ou diagnóstico
baseado no curnculo) a fim de conduzir a sua actividade mais coe rentemente, isto é,
de acordo com umá criança concreta que se conhece nos seus comportamentos
peculiares. Não há necessidade de sofisticados processos de diagnóstico, mas é do
maior interesse o uso de instrumentos que permitam detectar precocemente qualquer
dificuldade de aprendizagem, pois só assim uma intervenção psicopedagógica pode
ser considerada socialmente útil, pois quanto mais tarde for identificada a dificuldade,
menos hipóteses haverá para a solucionar correctamente.

473

I I III

CAPÍTULO 14
ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS
E PSICOMOTORES DA DISLEXIA

Há mais de 100 anos, não havia um só país em que a maioria da população


não fosse iletrada ou analfabeta. De facto, a alfabetização é algo muito recente. A
estimativa da linguagem escrita, em termos históricos, cifra-se em cerca de 10 000
anos.
A. Marshack, citado por Geschwind 1985, evoca que o aparecimento da
linguagem escrita se calcula em 30 000 anos, através de desenhos elaborados em
peças de osso significando a produção metódica de sequências de marcas.
A produção metódica de sequências de marcas (Geschwind 1985) subentende
uma transcendência e uma significação da acção. A estrutura universal da sintaxe é
um prolongamento da eswtura biológica da acção. A sintaxe não emerge de uma
acção acidental, esporádica ou arbitrária - ela espelha a acção e representa-a. Em
termos filogenéticos e ontogenéticos, a acção precede a linguagem. Antes da
linguagem falada, o gesto prepara a palavra, a emoção precede a comunicação, a
comunicação não verbal dá origem à comunicação verbal. Trata-se de uma hierarquia
e, consequentemente, de uma pré-estruturação neurobiológica (Myklebust 1968,
1975, 1978, Lenenberg 1967, Fonseca 1984). A acção coordenada, planificada e
programada, que obedece a uma intenção e à obtenção de um determinado fim, tem
também, contida em si própria, paráfrases e uma gramaticalidade (de Hirsch 1984).
Efectivamente, há uma semelhança entre a acção e a linguagem. A linguagem
não guia a acção no início do seu desenvolvimento; pelo contrário, a linguagem
começa por emergir da acção, depois segue-a, sustenta-a e suporta-a e só mais tarde
ela antecipa verbalmente parte da acção, ou seja, da paráfrase. A linguagem é um
componente da acção, uma marca que representa a experiência imediata, portanto
sensoriomotora e concreta. A relação agente-acção-objecto é universal, está implícita
numa sequencializaÇão de acções, que fazem sentido, e dão sentido à localização,
aos atributos e à direcção das relações sujeito-objecto. O domínio da acção, que
envolve uma complexa integração sensorial (proprioceptiva e exteroceptiva)

475

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

implica uma discriminação perceptiva concomitante, de onde nasce a linguagem, que


por sua vez depende de uma interacção social e colaboral, isto é, uma co-acção,
segundo Wasburn e Howell, citados por Bruner 1974.

Figura l32 - Modelo de hierarquia da linguagem e das suas disfunções

A linguagem edifica-se a partir da acção, da motricidade, para posteriormente


se libenar do contexto da acção. No bebé, para se compreender o que ele está
tentando dizer, é necessário observar aquilo que está fazendo: Do Homo habilis ao
Homo sapiens, o mesmo processo de continuidade ocone inexoravelmente. Nas
sociedades primitivas (Hunter-Gatherer Societies), não se usava a linguagem fora da
esfera da acção.
As várias teorias da origem da linguagem oferecem outros dados que ilustram a
interdependência sistémica entre a acção e a linguagem. Barber 1977, por exemplo,
apresenta as seguintes teorias sobre a origem da linguagem:

1) Teoria da imitação de sons da natureza (The Bow-


Bow Theory choros de animais, gestos e sons de animais como um vocabulário
primitivo);
2) Teoria das emoções institivas (The Pooh-Pooh Theory -
expressões de dor e alegria, interjeições, sinais de aviso e de perigo);
3) Teoria nativista (The Ding-Dong Theory - uso da faculdade
instintiva de expressões vocais);

476

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

4) Teoria do coesforço (The Yo-He-Ho Theory - evoca que a


linguagem emerge dos barulhos e sons provocados por quem trabalha em conjunto,
desenvolvendo um esforço muscular intenso que induz ao abrir e fechar da glote e das
cordas vocais);
5) Teoria gestual (The Gesture Theory - presume que a linguagem
verbal decorre da motricidade, reforçando que os centros cerebrais que controlam os
movimentos da mão estão intimamente ligados aos centros que controlam os órgãos
vocais;
6) Teoria musical (The Musical Theory - é uma teoria que procura unir
as anteriores num todo, especificando que a origem da linguagem consiste em
palavras muito longas, alternadas com intervalos musicais usando tons e timbres); por
último, e ilustrando mais uma vez a interdependência da acção e da linguagem:
7) Teoria do Contacto (The Contact Theory - a linguagem é vista
como o resultado da necessidade instintiva de contacto com os companheiros de
grupo).

A linguagem libertou-se das condições a partir das quais -ela se pode perceber
(input auditivo ou output tactiloquinestésico e oromotor do aparelho fonador), bem
como das condições de comportamento que a acompanham (Bruner 1974).
Para se ilustrar tal dependência recíproca da acção e da linguagem, ou seja, da
motricidade e da intencionalidade, o extremo-limite é o da linguagem escrita, que se
liberta espacial e temporalmente das condições motoras e sensoriais que permitem a
sua materialização. Na evolução da linguagem, depara-se-nos o facto de ela nascer
da acção (acção sequencializada, ou produção metódica sequencializada ou produção
metódica de sequências de marcas), para progressivamente se libertar e se tornar
independente das condições sensoriomotoras da sua utilização.
A condição de sequencializar, de seriar, de ordenar temporalmente as acções
é, para muitos autores (Luria 1966, 1969 e 1975, Das, Kirby e Jarman 1975), um
processo mental imprescindível à compreensão, à elaboração e à expressão da
linguagem.
A organização da linguagem, em termos psiconeurológicos, parece assim
subentender substractos neurológicos que estão por detrás da organização, das
praxias.
Piaget 1960, sobre esta questão, defme praxia como um sistema de
movimentos coordenados (sequencializados, dizemos nós) em função de um resultado
ou de uma intenção. É este o sentido da coordenação e da sequencialização, que
queremos realçar na sintaxe da acção como alicerce da linguagem humana. Piaget
1960 e 1973 vai mais longe, quando evoca que tais sistemas de movimentos não são
reflexos, nem automáticos, mas sim movimentos coordenados numa sequência
espaciotempora! intencional.

477

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

O sentido que Geschwind 1985 dá à produção metódica de sequências de


marcas, e o sentido que Piaget 1960 dá à organização das praxias (a produção de
uma marca envolve obviamente uma praxia) têm de ter, em termos filogenéticos e
ontogenéticos, suportes e processos cerebrais específicos, processos esses que
naturalmente tendem a ilustrar a evolução da linguagem e a evolução das praxias
(desenvolvimento tecnológico) na espécie humana.
Nos últimos anos, segundo Eccles 1985, uma série notável de experiências
transformou os novos conceitos acerca dos processos cerebrais ligados à
sequencialização das acções que interferem na programação e na planiftcação de
acções que subentendem a linguagem e a praxia, e que em si encerram o estudo da
área suplementar motora. Não é de estranhar, portanto, que as dificuldades práxicas
ou psicomotoras possam implicar dificuldades específicas da linguagem,
principalmente porque ela só se materializa pela acção, ou seja, pela oromotricidade
(para a fala) e pela grafomotricidade (para a escrita).
A escrita é uma invenção humana; por isso, a capacidade para ler teve a sua
base neurobiológica e filogenética, que surgiu para outras funções para além da
própria leitura. Pelo menos 5000 anos não seriam suficientes, em termos evolutivos,
para que emergisse a função da leitura algures no cére- bro. O factor sócio-histórico
não é suficiente só por si para se compreender a origem da leitura, uma vez que a
leitura pode ser aprendida por quaisquer membros de uma sociedade, mesmo que
nenhum dos seus antecessores, ou qualquer membro dessa sociedade, tenha sido
exposto à linguagem escrita, como demonstram as experiências com os imigrantes
etíopes e judeus estudados por Feuersteins 1979, 1980 e 1986.
Podemos assegurar que a maioria dos seres humanos pode aprender a ler,
mesmo que seja mínimo o contacto com a linguagem escrita da sociedade onde o
indivíduo se encontra inserido socioculturalmente. Aprender a ler, portanto, não é um
talento especial - é, de alguma forma, semelhante à reparação de automóveis, que
pode também subentender uma herança de especialização do cérebro humano.
Aprender a ler, de qualquer forma, é um processo lento, ao contrário da
capacidade para aprender a falar, que parece envolver um sistema cerebral inato.
Aprender a falar surge fenomenologicamente, por imitação, sem qualquer instrução,
quase por inatismo (Chomsky 1965 e 1975), enquanto aprender a ler, ou aprender a
fazer um laço nos sapatos, envolve bastante tempo de aprendizagem.
Não têm sido consensuais as teorias sobre a aquisição da linguagem falada,
como confirma o célebre debate entre nativistas e empiristas. O nativismo, defendido
por Chomsky como concepção universal de enfoque biológico, introduz conceitos
revolucionários: gramática transformacional" (transformational grammar); competência
linguística, etc. , sobre a aquisição da linguagem, pondo em causa duas grandes
correntes da psicologia da linguagem, ou

478

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

se a, a teoria da informação e a teoria da aprendizagem. Segundo esta teoria


associada à psicolinguística, a aquisição da linguagem depende de substractos
neurológicos pré-estruturados geneticamente, que pernútem à crian a rocessar
informação e formar e gerar funções que são características da Çnguagem humana. O
nativismo defende a aquisição inconsciente e inata da gr
amática, ao
contrário do empirismo, que recorre à formação da associação estímulo-
resposta à base da contiguidade, cuja estrutura existe no exterior. Skinner 1959 seu
proponente principal, introduz aqui a função do refor o na a uisi ão da lin guagem,
pondo em realce o papel do reforço positivo n Ç rodução rrecta de palavras ou frases.
Outros autores, como Vygotsky 1962 e Feuerstein I 979 1980, destacam o papel da
qualidade da interacção social e da mediatiza ão na aquisição da linguagem falada,
provando que, nesta matéria o cons Ç so é ainda polémico.
Aprender a falar é, obviamente, diferente de aprender a ler. Ambas as funções
simbólicas estão inscritas na herança do Homem, ressu ondo uma hierarquia que vai
do primeiro ao segundo sistema simbólic p pondo em o o um medium de passagem
de informação que progressivamente se vai desc gP xtualizando. Nesta hierarquia
estão em jogo princípios filogenéticos do prório cérebro como o da reduplicação da
linguagem alada na linguagem escrita, e o da dominânciafitncional, que ilustra a do f
ância hierarquizada do segundo sistema simbólico sobre o primeiro, dando realce ao
rincípio da rerepresenta ão de H. Jackson 1968. p
Ler, entendido como a capacidade para extrair significa ões de símbolos
linguísticos arbitrários e visuais, colocados ou produzidos n a el na pedra, no
computador ou em qualquer outra substância, tende a d p onstrar que a leitura é a
capacidade de extrair significaç'ão de qual uer tipo de re resentação visual, (ex. :
grafemas, hieroglifos do Antigo E q to sinais dasp n uagens ideográficas gestualidade
dos deficientes audipvos, etc. ). Seg g do Gescçwind 1985, Bellugy (Instituto Salk)
demonstrou por exemplo que as crian as deficientes auditivas, nascidas em famflias de
deficientes auditivos aprendem a sua linguagem gestual à mesma velocidade que as
crian as normais aprendem a falar. ç
Tais experiências parecem confirmar que o cérebro contém de facto, um
substrato, ou substratos, que permitem, se possível, ad uirir, sistemas linguísticos
simbólicos de forma rápida (Geschwind 1985). q
A difculdade em aprender a ler, porém, é muito maior do ue a dificuldade
em aprender a falar, uma vez que a apropriação do primeú-o sistema simbólico
antecede a do segundo, consubstanciando, consequentemente uma hierarquização
de sistemas.
Duas condições são necessárias satisfazer, para aprender a falar: substrato
neurológico apropriado e envolvimento adequado. Condições essas que também são
necessárias à aprendizagem da leitura, parecendo ilustrar a estreita interconexão entre
os dois sistemas, como ilustram os trabalhos de Myklebust 1978, de Hirsch 1968,
Benton 1979 e tantos outros.

479

INSUCESSO ESCOl AR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Os disléxicos tendem, todavia, a ter mais dificuldades em aprender a falar do


que os não-disléxicos, parecendo evocar uma relação de interdependência dos dois
sistemas simbólicos já levantada nos trabalhos de Orton 1937 e de Hirsch 1984.
A aprendizagem da linguagem envolve um factor motivacional intrínseco, a
observação e a aprendizagem da linguagem com base nos mediatizadores, o mesmo
se repetindo na génese de outras competências da nossa espécie. A aprendizagem da
linguagem é precedida da aquisição de um sistema de comunicação. Aqui não joga só
um substrato neurológico, mas um sistema biológico extremamente poderoso, e que
está na base de um sistema de interacção com os membros da mesma espécie.
As experiências de H. Harlow 1958, 1962 e 1971 (Universidade de! Wisconsin)
revelam-nos as implicações da privação afectiva, do contacto : com os outros
elementos da espécie, da estabilidade emocional, do conforto táctil, da motricidade
exógena e da competência de sociabilização. O contacto com elementos da mesma
espécie envolve um processo de maturação neurológica que não pode ser
negligenciado. Neste contexto, situam-se, prw vavelmente, as desordens evolutivas
mais dramáticas, como o autismo, que, por razões de isolamento, falham em
estabelecer vinculações afectivas sólidas, perdendo interesse pela interacção social,
que se considera um factor determinante do desenvolvimento normal e, obviamente,
do desenvolvimento linguístico (Damásio e Maurer 1978). Neste contexto, podem
emergir também condições que predispõem à esquizofrenia, onde se denotam
deteriorações específicas nos aspectos da comunicação, na falta de contacto social, e
na falta de interesse sexual, produzindo efeitos preponderantes na linguagem das
emoções, isto é, na protolinguagem e na pré-linguagem, algo que interfere com o
sistema básico de significação, isto é, com a linguagem interior.
As bases neurobiológicas desta interacção_crucial e indispensável parecem
situar-se, segundo Greschwind 1985, nos núcleos diencefálicos: núcleo septal
(septal nuclei) e amígdala. As lesões no septum (sistema límbico) provocam nos ratos
induzidos uma coesão maior do que nos ratos normais (septal cohesion effect). Lesões
na amígdala em macacos tendem a provocar isolamento na colónia ou o
desaparecimento na selva (King, citado por Geschwind 1985), presumindo-se mesmo
que possam morrer em isolação. Nas epilepsias límbicas, verifica- se uma forte
actividade eléctrica na amígdala, o que normalmente provoca um forte contacto e
comunicação com as outras pessoas. A epilepsia emergida no lobo temporal tende a
provocar uma espécie de viscosidade na relação com os outros, ou noutros casos,
uma grande necessidade de escrever, consumindo extensas páginas com sermões,
ensaios, poesias, etc... Nestes casos parece observar-se uma intensificação do
instinto humano de associação e de comunicação com os outros de certa forma,
dando importância ao cérebro paleomamífero de McLean 1973, certamente de
480

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLFXIA

grande significação para a compreensão da comunicação não verbal humana. Em


contraste, as crianças autistas podem ficar fascinadas com as actividades da
linguagem exercidas em isolamento, como nos seus monólogos, sem sentido e sem
qualquer significação comunicativa ou interactiva, pois são conhecidos casos de
hiperlexia em autistas-mutistas (Rapin e Allen 1983).

ComP xo Neocbrtex o mam fero

ltmbico

Tmnco cesebral '

Figura 133 - Uma representação dos três cérebros integrados, de McLean. O


complexo paleomanúfero como substracto neurológico da linguagem interior

A preferência inequívoca que o bebé humano tem pelas faces e pelas


interacções face a face, olho a olho, a curiosidade e a função de alerta que o
caracterizam nos primeiros meses de experiência e de vinculação com a sua mãe
reforçam os comportamentos de aproximação e de cooperação na comunicação, o
que certamente está em relação com substratos diencefálicos acima referenciados
(Molfese 1983, Baken 1983).
Algumas crianças poderão ter dificuldades na leitura porque lhes faltam as
predisposições para a comunicação (drive), ou porque lhes faltam, ou estão
disfuncionais, os instrumentos da linguagem, ou ainda porque ambos os aspectos
estão afectados - são os chamados disléxicos com isolamento social ou com
perturbações socioemocionais, casos estes muito raros. A maioria dos disléxicos,
porém, apresenta uma capacidade normal para comunicar, e um desejo normal pelo
contacto humano; por isso, é necessário observar quais os instrumentos ou os
substratos neurológicos da leitura, recorrendo para esse efeito ao estudo das lesões
cerebrais que afectam a leitura no indivíduo adulto que já a adquiriu.

481

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Defnições em torno da dislexia

Dislexia evolutiva específica - Trata-se de uma desordem (diflculdade) tada na


aprendizagem da leitura independentemente de:
- Instrução convencional
- Adequada inteligência; e
- Oportunidade sociocultural.

É, portanto, dependente de funções cognitivas, que são de origem orgânica na


mai= oria dos casos.
Definição da Federação Mundial de Neurologia (World Federation of Neurology),
do grupo de investigação da dislexia evolutiva e do analfabetismo no Mundo.

Descrição original da criança


disléxica (Orton 1937)

1) Percepção visual normal; 9) As crianças disléxicas apresentam


2) Desordem neurológica (no ginzs dados evolutivos lentos na aquisiangular). A
região envolvida na ção das primeiras palavras e das
alexia terá de ser a mesma da dis- primeiras frases;
lexia. Alexia (adulto); dislexia 10) As crianças disléxicas têm pro(criança).
blemas psicomotores clumsy;
3) Os disléxicos lêem melhor quan- 11) Crianças sem dificuldades na leido o texto
está invertido ou em tura, contudo, com dificuldades
espelho; significativas no ditado;
4) Muitos disléxicos apresentam, fre- 12) As crianças com disléxia podem
quentemente, ambidextria. ter, frequentemente, problemas
5) Muitos disléxicos apresentam ga- emocionais. Problemas emocionais
guez (disritmia); não como consequência lógica das
6) Alta frequência de canhotismo DA, mas como resultado directo
nas crianças disléxicas; de mudanças no cérebro;
7) As familias de crianças disléxicas 13) A dislexia apresenta uma
predisapresentam frequentemente desor- posição masculina.
dens de aprendizagem; 14) A dislexia é mais comum em lin8) As crianças disléxicas
apresentam guagens escritas fonéticas (mais
talentos espaciais originais; em inglês do que em espanhol).

482

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

Tipos de disle>ria Smdromas dislé cos (Myklebust, 1971) (Mattis e


colaboradores, 1975)

Dislexia da linguagem interior Desordem da linguagem


(world-calling)
a) Anomia (20% inêxitos nos testes
A criança percebe os grafemas e tra- de nomeação);
du-los para os equivalentes auditivos, b) Desordem da compreensão (um
lendo alto; simplesmente, a função de desvio-padrão abaixo da média no Token
significação não é atingida. Test);
c) Desordem na imitação (um desvioDislexia auditiva -padrão abaixo da média
no teste de
repetição de frases);
Afecta o processo cognitivo que rela- d) Desordem na discriminação auditiva
ciona os fonemas com os grafemas. Ler (10% de inêxitos a mais na discriminação
é ver e ouvir. fonética).
A visualização pressupõe a automatização dos grafemas, i. e. , a capacidade de
simbolizar e de codificar a informação. Descoordenação articulatória
Ler envolve subaquisições auditivas e 8rafomotora
muito importantes: silabicação (silabação a) Síntese fonética disfuncional (sound
- soletração), e formologia, dado que a blending no ITPA um desvio-padrão
função auditiva de uma palavra é um abaixo da média);
processo básico de informação. b) Grafomotricidade disfuncional (um
desvio-padrão abaixo da média no teste
Dislexia visual (world-blindness) grafomotor);
Quando as letras não são reconhecidas c) Processo receptivo linguístico e
como letras (tamanho; forma; rectas e acusticossensorial dentro dos limites da
curvas; ângulos e orientação vertical ou uo idade.
horizontal, etc. ). O problema é de discriminação, o que afecta a codificação visual
Desordem perceptiva visuoespacial
dos grafemas e a formação das palavras. a) QI ou QI de realização 10ponA
leitura vai da identificação das letras tos acima do QIV (QINV>QIV);
à síntese das slabas (audição), e destas às b percentil inferior no Raven
(matxxpalavras. zes coloridas) quando comparado com o
Dislexia intermodal percentil equivalente do QI;
c) Nível de risco (borderline) no teste
Dos processos intra (visuais ou auditi- de retenção visual de Benton (BVRT vos)
passa-se a prócessos intermodais 10seg. de exposição, seguida de
reprovisuoauditivos e auditivovisuais. dução imediata).

483

INSUCESSO £SCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Substratos neurológicos da leitura

QUE TIPOS D£ LESÕES CEREBRAIS PODEM AFECTAR A LEITURA NO ADULTO

Segundo Gerschwind 1985, para determinar quais são os instrumentos da


leitura torna-se urgente estudar as lesões no sistema nervoso que produzem
deficiências na capacidade de ler. Vejamos então quais as síndromas ais
características.

Sindroma de hemialexia

Descrito em primeiro lugar por Treseher e Ford 1973, o indivíduo afectado tinha
uma visão normal em ambos os campos do espaço, mas só compreendia a linguagem
escrita na metade direita e não na esquerda. Verificou-se, poste ormente, que existia
uma destruição numa porção particular do corpo caloso terminal posterior, isto é, o
splenium.
Quando uma palavra era apresentada só no campo visual esquerdo do paciente,
ela chegava ao córtex visual direito. No sentido de ser compreendida como linguagem,
a palavra devia ser transferida para o hemisfério esquerdo, mas tal transferência não
era possível devido à destruição do corpo caloso. O paciente lia normalmente no
campo visual direito. Como conciusão, podemos assegurar que o hemisfério esquerdo
é um substrato essencial para ler.

Sinclroma de alexia sem agrafia (alexia pura)

Alexia sem agrafia é a mais comum das síndromas isoladas de incapacidade de


leitura. O paciente tem um défice do campo visual direito e, por acréscimo, uma lesão
no splenium, a parte posterior do cozpo caloso.
Esta síndroma ocorre como resultado da oclusão da artéria cerebral esquerda
posterior, o que pode levar à destruição do córtex visual esquerdo e do splenium,
produzindo uma incapacidade de leitura, depois de a sua capacidade ter estado
presente (Benson 1984).
Segundo Benton e Pearl 1978, a alexia tem sido reconhecida desde a
Antiguidade, só que, como desordem da linguagem escrita, tem sido pouco estudada.
Déjerine I 891 e 1892 foi o primeiro a apresentar a descrição de um caso de alexia sem
agrafia, tendo demonstrado destruição do girus angular do hemisfério dominante, área
esta considerada por Geschwind 1965 e 1969 como necessária para as associações
crossomodais", isto é, para as associações interneurossensoriais essenciais para o
processamento da leitura.
Os pacientes não compreendem a linguagem escrita, todavia podem copiar
paiavras correctamente, independentemente de as não poderem ler. O paciente não
lê palavras no campo visual direito (blindness in the right

484

ALGUNS FUNDAMEN7'05PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA DISLE;fJ


A
visual field) devido a hetnianopsia. A palavra pode ser vista, se estiver
localizada no eampo visual esquerdo, para que ela chegue ao córtex visual
direito intacta, t )avia, não p
que não é transferlda para f com reendida como linguagem, pordo corpo caloso.
ério esquerdo, por lesão do splenium
Estes paeientes pod
a informação táctil das a to, identifiear letras e anagramas, rque
e aúngir o hemisfério esquerdo, e tam m
porque estão intactas as eswturas do corpo caloso que transferem as informa ões
tactéis. Podem compreender palavras ditas, porque elas chegam ao
cónex auditivo intacto do hemisfério esquerdo. Podem escrever normaimente
indicando que os sistemas da escrita do henúsféáo es uerdo estão intactos
(são iguais aos ormais com os olhos fechados). Não em alto, nem compreendem a lin
uagem escrita; em contrapartida, escrevem, lêem letras em
relevo e compreendem palavras que Ihes são ditadas em voz alta, Há conseguinte uma
desconexão entre a área que percebe a imagem visual da p
a!avra e a área onde se realiza o processamento da palavra escrita. Benson
1984
sublinha que, todavia, é conveniente classificar as alexias em osteriores
(alexia sem agrafa), centrais (alexia com agrafa) e anteriores exia relacionada com
afasia anterior), para er man (
cisa e não utilizar o termo alexian o g ter uma terminologia mais prep
enericamente, sendo conveniente
se arar a alexia literal da alexia verbal.

QUADRO VII

R ndo Benson Iggg

ia rior
Alexia literal
Ditado A Alexia total Alexia verbal
a severa g
Có ia Aa severa Sem aga
Pobre e dis ica Pobre Muito bre
Nomeação de letras Anonúa severa
Compreensão de Anomia severa Relativarr n a
palavras ditadas Algum sucesso
Ditado or l I êxito Rn

Momcidade i a tiuente Normal


Henú legia Paresia moderada Sem parósia
A raxia motora Fre uente
Sensibilidade ` ion Inexistente
Perda sensorial Frequente perda Sem perda sensoria)
moderada hemissensorial
vl ln to Hemia opsia pode
estar ou não presente Hemiano sia dire;
Ausente P
Síndroma de
rs Fre uentemente Ausente
resente
il
a,
485

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Sindroma de alexia com agrafia

Os pacientes com esta síndroma acusam lesões no girus angular" do


hemisfério esquerdo, isto é, nas áreas associativas que confluem dos lobos parietais,
occipitais e temporais. Normalmente, não existem défices no campo visual, a lesão é
diferente da que provoca alexia sem agrafia. Não lêem nem escrevem, nem
espontaneamente, nem em cópia ou em ditado, como também não podem repetir ou
reconhecer palavras, nem ler letras e anagramas escritos tactilmente (os inputs
auditivos e tactiloquinestésicos não estão funcionais).
Os indivíduos com alexia e agrafia não escrevem, nem copiam, nem repetem
palavras, mas conseguem repetir sons e letras. São quase iletrados, não escrevem,
não lêem, nem fazem ditados.
Na alexia com agrafia há um envolvimento selectivo de um sistema que é
essencial para a leitura, isto é, um sistema de processamento da linguagem por meio
de formas visuais (captação grafética, captação de optemasBannatyne 1975), antes
que seja processada através da significação ou dos equivalentes fonéticos.

i /

Figura 134 - Ilustração do hemisfério esquerdo indicando as áreas gerais envolvidas


nas três principais variedades de alexia (posterior, central e anterior), segundo
Benson 1982

Como conclusão, parece que alguma por ão do girus angular está claramente
relacionada com o processo de leitura.
Chiarello, Knight e Mandel 1982 descrevem-nos um caso de um paci ente
deficiente auditivo congénito que se tornou afásico depois de uma lesão no girus
angular esquerdo. Embora tendo descrito o caso como uma afasia de Wernicke,
Geschwind 1985 reconhece-o como uma alexia com agrafia, uma vez que o paciente
não podia ler (compreender) nem escrever (fazer os gestos manuais adequados) em
linguagem gestual. Tal suporta a ideia de que aprender a linguagem gestual é, de
certa forma, equivalente a aprender a ler.

486

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DlSLEXIA

Afasia de Wernicke

Na afasia de Wernicke a lesão destrói a área principal da compreensão da fala


na porção superior e posterior do lobo temporal (Geschwind 1970). O paciente não
compreende as palavras escritas, mas os seus problemas de linguagem são bem mais
complexos, uma vez que ele não compreende a própria linguagem falada, apesar de
produzir fragmentos incorrectos da linguagem falada ou escrita. Repete palavras de
forma incorrecta.
Obviamente que uma lesão na área de Wernicke produz a destruição de alguma
área que está envolvida num sistema de processamento e que parece estar
relacionada com todos os aspectos da linguagem, e não só com a leitura.

Afasia de Broca
A lesão envolve a porção inferior do lobo frontal, situada no plano anterior à
área da face do córtex motor. O paciente produz uma fala afásica, escreve mal e
repete palavras incorrectamente. Pode, no entanto, compreender bem a linguagem
falada (o input está intacto) e a linguagem escrita, muitas vezes com dificuldade em
nomear letras e em processar dados gramaticais, em termos quer de fala, quer de
escrita.
Daqui se conclui que a área de Broca está envolvida em pelo menos alguns
aspectos da leitura.
Com base nestas condições disfuncionais, os substractos neurológicos da
leitura parecem ser: o hemisfééo esquerdo e o direito, o corpo caloso, o girus angular,
a área de Wernicke e a área de Broca, todos eles trabalhando segundo uma
constelação sistémica e consubstanciando que, de facto, não há um ucentro de leitura
no cérebro.
O processo de leitura implica, consequentemente, a participação de
subprocessos visuais, auditivos e cognitivos como um sistema aberto, cuja inter-
relação filogenética e ontogenética com o material impresso forma um todo funcional e
uma constelação de trabalho espalhado pelo cérebro, como acabámos de ver com a
ajuda das lesões cerebrais que podem afectar a leitura no indivíduo que a tinha
integrado e apropriado.
O processo de leitura (existem quase tantos modelos quantos os investigadores)
possui obviamente várias propriedades e qualidades:

1) Totalidade: envolve a integração de processos sensoriais


(fixações, movimentos sacádicos dos olhos), perceptivos (formas e conflgurações),
imagéticos (induçõès picturais), de memória (curto e longo termo), de simbolização e
conceptualização;
2) Interdependência: tais subprocessos ou partes inter-relacionam-se
e afectam-se mutuamente; trata-se de uma gestalt cuja totalidade é mais importante do
que a soma das partes, cujas interacções mútuas envolvem circuitós neurológicos e
processos psíquicos extremamente complexos;

487

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

3) Hierar Quia: os subprocessos da leitura organizam-se de acordo


com uma complexidade crescente; do não-verbal para o verbal; do não-simbólico para
o simbólico; do simples para o composto; do composto para o complexo e
hipercomplexo, pondo em marcha processos de reduplicação e de re-representação
neurofuncional, desde os subpro cessos intra e interneurosensoriais aos integrativos;
desde o primeiro ao segundo sistema simbólico; desde a pré-análise à reanálise; desde
a conversão intermodal e a representação semânticossintáctica; desde a cognição à
metacognição, desde a descodif icação à compreensão; desde a leitura silábica à
leitura rápida e criativa;
4) Autorregulação e controlo: o que subentende uma cibernética,
uma transdução e uma transferência da informação, desde os centros de
processamento visual (grafema) aos de processamento auditivo (fonema), desde
processamento semântieo (para leitura silenciosa) a processamento semântieo-
sintáctico do sistema oral (para a leitura oral), visando um fim, isto é, a extracção
activa e autodirigida de informação de textos, páginas impressas, imagens,
diagramas, gráficos, etc. , o que subentende inúmeros feed-backs;
5) Intercâmbio com o exterior: compreende um acto mental com
processos de input - análise visual precoce - e processos de outputoromotricidade,
mediados por processos hipercomplexos de elaboração da informação;

i I

Figura 134 - Substractos neurológicos da leitura - Uma constelação sistémica e não um


centro de leitura: 1) Hemisfério esquerdo e hemisfério direito: córtex visual - subsistema
visual; 2) Córtex visual associativo dos dois hemisférios, conectados pelo corpo
caloso; 3) Girus angular; 4) Área de Wernicke, subsistema auditivo semântico; 5) Área
de Broea: área motora da linguagem do lobo frontal.
Adaptação dos modelos de Benson e Geschwind

488

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

Estfmulo

AVP

RGP - RAL - AG

DM

RS

RA I/ I CGF

CM AF

Resposta

Figura 135 - O processo de leitura implica a participação de subprocessos visuais,


auditivos, linguísticos e cognitivos, numa verdadeira constelação de trabalho.
(AVP - Análise visual precoce; RGP - Representação global de palavras;
RAL - Representação abstracta de letras; AG - Analisador grafético;
DM - Decomposição morfológica; RS - Representação semântica;
RA - Representação de articulemas; CGF - Conversão grafeticofonética;
AF - Assoeiação de fonemas; CM - Córtex motor (output verbal)

489
INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

6) Equihbrio o processo da leitura envolve uma homeostasia e uma


arquitectura operacional que, em certa medida, foram ilustradas atrás, ou seja,
consubstanciam uma organização sistémica e sistemogenética antientrópica;
7) Adaptabilidade: o processo da leitura não é um processo rígido e
inflexível, mas sim um processo adaptável porque a leitura equaciona uma
combinatória informática em constante mudança, daí decorrendo uma sistematização
progressiva e um subsistema principal, assegurando, assim, a natureza realmente
dinâmica do processo de leitura;
8) Equifinalidade: o processo da leitura tem um fim, uma meta, um
resultado, significando que o produto final pode ser realizado de muitas maneiras e
desde vários pontos de partida, materializando um processamento de informação
complexo e exclusivo da espécie humana. Se de facto queremos abordar as
disfunções do processo da leitura, ou seja, a dislexia (dis, que significa no fundo
pobre ou inadequada aprendizagem, ou fraca apropriação de aquisições, e lexia, que
significa linguagem escrita), temos de, forçosamente, tentar perceber ou enquadrar,
em termos psiconeurológicos, o que subentende tal processo; caso contrário, as
nossas soluções não superarão um problema que tem repercussões individuais e
sociais múltiplas.

QUE TIPOS DE DISFUNÇÕES PODEM AFECTAR A LEITURA DA CRIANÇA?

Os casos de hemialexia e de alexia sem agrafia demonstram claramente uma


desconexão entre regiões ou sistemas que estão envolvidos no processamento do
material escrito, onde efectivamente o girus angular parece ter um papel essencial no
processo de leitura. As áreas de Wernicke e de Broca produzem desordens de
linguagem falada e, obviamente, da escrita. Todavia, sabe-se que são áreas e
componentes cruciais no processo inicial de aquisição da leitura (hierarquia do primeiro
sistema simbólico ao segundo sistema simbólico que consubstancia uma pré-
estruturação no cérebro humano, quer filogeneticamente, quer ontogeneticamente).
Sabe-se, por outro lado, que uma lesão unilateral do hemisfério esquerdo
ocomda precocemente na vida da criança não leva necessariamente a uma dif Iculdade
de leitura, porque o hemisfério direito pode reassumir tal função. Em contrapartida, a
lesão bilateral do girus angular leva a uma dificuldade na aquisição da leitura. Mas.
haverá alguma anomalia unilateral que possa produzir tal dificuldade?

I, esões no feto e na criança: suas comparações e implicações

Por se saber que se recupera bem uma lesão unilateral na criança, tal não quer
dizer que quanto mais cedo ocorrer tal lesão, melhor será o prognós

490

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA
tico. A lesão fetal, por exemplo, gera inequivocamente disfunções severas. Quando a
lesão (ou a malformação) ocorre no período intrauterino, as consequências são
diferentes do que se a lesão ocorrer extrauterinamente. A lesão no hemisfério
esquerdo da criança leva a uma redução das funções normais do hemisfério direito,
isto é, segundo Geschwind 1983, ela tem de < <desistir" de outras funções para
adquirir a linguagem.
Se a lesão for no feto, novos aspectos emergem e quase ocorre o inverso.
Goldman 1978 demonstrou que quando uma região é lesada no período fetal, a região
oposta correspondente apresenta um padrão mais extensivo de conexões do que o
normal. Por isso, as lesões no hemisfério esquerdo levam a um aumento das
capacidades do hemisfério direito, enquanto as do hemisfério esquerdo ficam
permanentemente diminuídas. As lesões no adulto levam à perca de um ou vários
talentos, enquanto outros ficam mais ou menos intactos. A lesão na criança, em
termos de factores transientes, resulta

HEMISFÉRIO fiEMISFÉRIO ESQUERDO DIREITO

I I
, ;y
Y ' . i 1 Sy
AUDIÇÃO \ AUDIÇÃO
__ :
. :r` ' i W,
çk r\ \ I
,: Planum
V F tem orale
Planum
temporale

. VOZ '

Figura 136 - Assimetrias anatómicas dos dois hemisférios cerebrais humanos, e sua
relação com os temtórios de Brodmann. (Sy = Fissura de Silvius; B = Área de Broca;
W = Áréa de Wernicke V = Aquisições visuoconstrutivas (lesões nesta área produzem
desordens visuoconstrutivas); F = Reconhecimento de faces (lesões nesta área
produzem prosopagnosia). O planum temporal da área associativa auditiva é
visivelmente maior à esquerda. A fissura de Silvius à direita é mais angularizada
diagonalmente do que à esquerda, que é, em si, mais horizontalizada. Tais
assimeú'ias têm algo a ver com o processo da leitura

491

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

em mecanismos compensatórios pelos quais se gera uma recuperação, mas


com um custo, isto é, a diminuição de ouvas capacidades afectando a prestação e a
realização. A lesão fetal leva à diminuição de um talento, enquanto outros podem
aúngir níveis mais elevados.
Assimetria estrutural do cérebro e sua signi cação juncional

O girus angular é uma grandé região, que se expandiu


extraordinariamente no cérebro humano mais do que qualquer outra em comparação
com outros primatas. Reúne tcês lobos: o temporal (para a integração auditiva}, o
occipital (para a integração visual), e o parieta1 (para a integração taetiloquinestésica).
Geschwind e Levitsky 1968 verificaram uma simetria na parte superior do
lobo temporal, região que contém parte da área de Wernicke. Idenúficaram também
uma área particular, o planum temporale, visivelmente mais larga no hemisfério
esquerdo na maioria dos cérebros.
Galaburda 1978 verificou igualmente uma signifreaúva assimetria na
esWtura celular (citoarquitectura), nitidamente mais larga no hemisfério esquerdo do
que no hemisfério direito.
A fissura ou rego de Silvius, que separa o lobo temporal do lobo parietal,
também contém assimetrias. A fissura de Silvius esquerda é maior do que a direita. Le
May e Culebras 1972 mostraram que a fissura de Silvius direita é mais angularizada
diagonatmente do que a esquerda, que é, em si, mais horizontalizada.
O corno posterior do ventrículo lateral é maior no hemisfério esquerdo do que no
hemisfério direito. A zona posterior do hemisfério esquerdo é mais larga do que a do
hemisfério direito.
Em conclusão: o cérebro humano apresenta várias assimetrias,
reflectináo um maior crescimento quer em si, em termos esa- uturais, quer igualmente
na arquúectura especifica as regiões qué o constituem. É óbvio que tais assimetrias
têm algo a ver com o processo da leitura.

Que anomalias acompaniram a dislexia evolutiva ?

É perfeitamente aceitável que as anomalias cerebrais que caracterizam a '


dislexia estejam relacionadas com o girus angular ou com as regiões que o

cercam.
Os componentes da síndroma de Gerstmann, por exemglo, são
caraeterísticos. No adulto, esta síndroma resulta da lesão do girus angular esquerdo e
consiste em dificuldades no cálculo, na orientação esquerda-direita, na identificação e
no reconhecimento dos dedos e na escrita.
Os distúrbios na escrita dos disléxicos são universais, mas outras
características nem sempre surgem na dislexia, o que pode sugerir um padrão

492

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXlg

diferente de desenvolvimento ou mesmo de lesão ou disfunção. Uma anomalia


do girus angular pode sugerir outras manifestações, como o envolvimento da área de
Wernicke, com outras difculdades associadas.
Muitos disléxicos têm problemas na discriminação de fonemas, or outro
lado, pare e estar evidente um distúrbio intra-uterino no hemisfério uerdo que tende a
uma hiper oFa do hemisfério direito em termos funciona visto que em muitos disléxicos
as dificuldades na linguagem estão associadas frequentemente a talentos superiores
do hemisfério direito: capacidades supepopulação. te os artísticos, atléticos,
espaciais, etc. são frequentes nesta

Possiveis alterações no cérebro disléxico

Há uma malformação evidente na vizinhança da área de Wernicke no cérebro


disléxico (Geschwind 1985). Galaburda e Kemper 1979 encontram ariomalias no
padrão da área de Wernicke, assim como ilhas de células nervosas que faiharam em
atingir o córtex (três casos com análise post-mortem conf >am este aspecto).
Verificou-se uma anomalia na migração normal das células nervosas para o córtex, do
lado esquerdo, e fundamentalmente nas áreas da linguagem. A área de Wernicke
ficou provavelmente mais reduzida e o seu padrão de arquitectura celulac mais aúpico.
O cérebro está im ro priamente interconectado (wiredj, e consequentemente não
funciona adequadamente. Talvez se verifique também nestes casos um
desenvolvimento atípico intrauterino no hemisfério esquerdo.
Outros autores referem alterações químicas ou a presença de células com
estruturas atípieas. De atender que, embora as células sejam normais, as suas
conexões podem ser disfuncionais, resultando daí formas de organização mbém
desviantes. Por outro lado, as células, c:nbora normais, podem não ter atingido o
tamanho usual, daí resultando prohlemas de processamento ou memorização da
informação.
Hier 1978 verificou que os disléxicos com atraso na fala apresentavam tomogr
as computadorizadas (CT scans) em que o hemisfério esquerdo, na zona posterior,
surgia mais estreito do que a mesma região no hemisfério direito, o que em si
representa uma assimetria em relação à população normal.

Casos de hiperplexia e sua significação

A hiperlexiá é exactamente a síndroma oposta à dislexia. Os casos de


hiperlexia mostram uma rápida aquisição da capacidade de Ier, no sentido de aprender
a ier alto correctamente incluindo muitas palavras irregulares.
Tal precocidade, porém, é equivalente a uma fraca compreensão da leitura e a
uma nula produção escrita. Nestes casos, pode-se postular que a área

493

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

envolvida na conversão grafema-fonema está bem desenvolvida, enquanto


outros padrões de conexão dessa área para outras áreas cerebrais se encontram
disfuncionais e imaturos.
É sabido que os disléxicos apresentam também dificuldades em adquirir e
produzir a escrita, e essencialmente nas aquisições do ditado, embora haja casos
com estas competências intactas (input intacto, output com dificuldades, ou o inverso.
); muitos casos acusam boa compreensão da linguagem escrita (descodificação
intacta), porém com dificuldades na produção da escrita (disortografia ou disgrafia,
segundo Fonseca 1984).

Perfil psicomotor da criança disléxica. Introdução à síndroma dislexia mais


dispraxia

O perf il psicomotor (ou perceptivomotor, para os autores americanos) da


criança disléxica tem sido estudado por vários autores, desde Orton, 1937,
Critchley, 1970, Benton e Pearl 1978, Denckla 1973 e 1974,
Fonseca 1982 e muitos outros. Estudar os problemas psícomotores pode
trazer alguma ajuda à compreensão da dislexia, que obviamente não pode
ser considerada uma doença ou udeficiência que tenha de ser curada, ou
tratada.
O que se passa então com o perfil psicomotor da criança disléxica, uma i vez
que pode haver disléxicos com dificuldades psicomotoras (designados por dyslexia
plus por Denckla 1985) e disléxicos sem dificuldades de coordenação, por vezes até,
como já foi dito, com um perfil de proficiência motora que faz deles bons atletas ou
bons artistas?
A integração sensorial (Ayres 1977 e 1978) e a integração psicomotora
(Fonseca 1985) constituem verdadeiros pré-requisitos da mielinização que
consubstanciam a totalidade expressiva através da qual a consciência se edifica
e se materializa, e o potencial de aprendizagem se estrutura e hierarquiza, podendo
ser concebidos como verdadeiros instrumentos de apropriação sociohistórica e
verdadeiros alicerces da cognitividade e da corticalização progressiva.
Tudo o que a criança faz é movimento (macro, micro, oromotricidade) ou
um processo em que o movimento está implicado para o exprimir. Os pen= samentos
são expressos por movimentos, movimentos como comportamentos vicariados).
Motricidade sem cognitividade é possível, mas cognitividade sem motricidade não o é.
É a partir da motricidade que as subsequentes capacidades de
aprendizagem se organizam. O desenvolvimento motor é um processo adaptativo que
produz o desenvolvimento do cérebro, pois através da acção e das suas múltiplas e
variadas aquisi ões o cérebro vai organizando e diferenciando os seus centros
integradores. A hierarquia da experiência humana correspondem novos níveis de
complexidade que são sobrepostos sobre unidades funcio

494

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

nais pelas progressivas organização e integração de tais unidades num só e


único sistema - o cérebro, órgão da aprendizagem e, consequentemente, da
psicomotricidade e da aprendizagem da leitura.
O cérebro, verdadeiro órgão da civilização (Vygotsky, 1962), é o órgão
mais organizado do organismo. Não é de admirar que esteja envolvido na
psicomotricidade e na aprendizagem da leitura.
A aprendázagem da leitura requer a integridade mínima de processos
psiconeurológicos e psicomotores. Psiconeurológicos, quando estão em jogo
processos neurossensoriais: tácteis, quinestésicos e vestibulares (pro prioceptivos), e
também visuais e auditivos (exteroceptivos). Tais processos trabalham de forma
intraneurossensorial e interneurossensorial, para finalmente serem integrados sob a
forma de memórias neuronais (Fonseca 1984 e 1985).
Estão, portanto, em jogo complexos circuitos internos e inúmeras conexões
sinápticas que reflectem uma organização e uma reorganização de regiões
subcorticais, e a inter-relação de aquisições filogenéticas e ontogenéúcas, como já
tínhamos equacionado.
As dificuldades de aprendizagem da leitura, que não podem ser confundidas
com incapacidade de aprendizagem (agnosias, afasias, apraxias, etc. ), embora
necessitem de ser muito bem estudadas, para exactamente poderem ser
compreendidas, têm sido definidas como desordens psiconeurológicas (Myklebust
1964 e 1978) e como disfun ões cerebrais (Kirk 1966).
Trata-se de desordens num ou mais processos de linguagem falada, leitura,
ortografia, caligrafia ou aritmética, resultantes de défices e/ou desvios dos processos
cerebrais da aprendizagem que não são devidos nem provocados por deficiência
mental, por privação sensorial ou cultural, ou mesmo por dispedagogias).
Há, portanto, défices específicos da aprendizagem que compreendem a
organização intrínseca do cérebro (Duffy 1985, Galaburda 1979) na qual subsistem
discrepâncias dos níveis de realização cognitiva quer intra, quer interverbais e intra ou
inter não verbais, que em nenhuma condição podem ser confundidas com deficiência
de qualquer tipo.
As crianças disléxicas ou com dificuldades de aprendizagem apresentam uma
inteligência média ou acima da média (QI > 80).
Trata-se, efectivamente, de crianças dotadas em inúmeras competências
quando nos referimos aos disléxicos puros. Não podemos esquecer que nesta
categoria podem cair figuras científicas da Humanidade; personalidades políticas de
grande relevo; grandes expoentes da arte e da criatividade.
Na medida em que a aprendizagem da leitura envolve uma integração
automática de informações auditivas e visuais (categorização foneticografética) de nível
simbólico muito complexo, que assentam em informações sensoriais, tácteis e
quinestésicas, vestibulares e proprioceptivas de nível perceptivo mais simples, é
facilmente compreensível encontrar problemas

495

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

- I:
psicomotores em crianças com dificuldades de aprendizagem na leitura (
disléxicas, ). Muitos estudos apontam nas crianças disléxicas as seguintes
características:

- Má lateralização (Orton 1937);


- Desenvolvimento insuficiente de certas zonas como o girus
angular, a corpo caloso e os lobos frontais (Duffy 1985);
- Distorções perceptivoespaciais (Frostig 1965);
- Défices na memória de curto termo (memória imediata ou memória
de trabalho (Bannatyne 1971);
- Actividades eléctricas evocadas e EEGS nitidamente diferenciadas das '
crianças normais (Duffy 1985). Duffy 1980, com base na comparação G da actividade
eléctrica dos cérebros de crianças normais com os de. crianças disléxicas, por meio
de ordenadores, constatou que a dislexia * ~ não está apenas associada a uma
disfunção da área de Wernicke do
hemisfério esquerdo ou da zona do girus angular, que faz fronteira entre
o lobo parielal e o lobo occipital. Ao contrário, aquele autor diferenciou quatro
zonasfundamentais (que acusam uma actividade eléctrica disfuncional):

1) Uma grande zona média frontal envolvendo os dois hemisférios i (e


compreendendo a área suplementar motora, fundamental na orga
nização psicomotora);
2) Uma grande área temporal envolvendo as funções mais relevantes
da linguagem no hemisfério esquerdo;
; 3) Uma pequena zona temporal central, também situada à
esquerda; 4) Uma grande zona pós-lateral, área temporo-occipital, também situada
no hemisfério esquerdo.

! Por estes dados se conclui que a actividade eléctrica das crianças


dislóxicas envolve mais áreas disfuncionais do que anteriormente se pensou e onde
ressaltam, pela sua obviedade, áreas de integração sensorial/visual e auditiva e áreas
de integração psicomotora (área parieto-occipital e área
' suplementar motora). Podemos assegurar, portanto, que
algumas crianças disléxicas acusam disfunções cerebrais da organização
proprioceptiva (dispraxia) que interferem com o potencial de aprendizagem e com a
planificação das acções onde certamente o pezfil psicomotor da criança se vat
manifestar (as tais crianças dyslexia-plus de Denckla
1985); trata-se de uma dispraxia, ou seja, de uma insuficiência na planificação de
acções (Fonseca 1986), independentemente de uma inteligência e de uma motricidade
normais. O problema parece residir na ponte entre o intelecto e o motor, entre o
psíquico e o motor.

I
Efectivamente, os resultados de Duffy 1980 são consentâneos com as
concepções mais actuais da planificação do movimento voluntário introduzidas

496

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

por Eccles 1985, Allen e Tsukahara 1974, Brinkman e colaboradores 1979, 1983,
Kornhuber e colaboradores 1979, Roland e colaboradores 1980; e muitos outros.

Figura 137 - Esquema simplificado dos resultados dos estudos de EEG e dos
potenciais evocados em crianças disléxicas. As zonas indicadas no esquema
indicam as diferenças notáveis nas quatro regiões: uma zona média frontal
(área suplementar motora); uma pequena zona auterolateral frontal no hemisfério
esquerdo (área de Broca); uma zona temporal centcal situada à esquerda; uma grande
zona pós-lateral que se situa no hemisfério esquerdo, segundo Duffy

Segundo estes autores, as suas experiências demonstram que os processos


cerebrais que actuam na realização do movimento voluntário implicam inúmeros
processos de integração psicomotora que jogam com dados proprioceptivos
(somatograma com envolvimento da noção do corpo - somatognosia - e da segurança
gravitacional) e dados exteroceptivos (opticograma e melodia cinética, com
envolvimento dos dados sequenciais espaciais e temporais, isto é, visuoauditivos).
Os movimentos que requerem as formas adaptaúvas mais elementares estão
naturalmente integrados nas formas adaptativas mais complexas, como uma totalidade
sistémica, razão pelo qual o acto de escrever, por exemplo, exige a sequencialização
de impulsos seriados disparados pelo córtex motor e programados no córtex pré-motor
(córtex psicomotor - áreas associaúvas do lobo frontal) que envolvem necessariamenté
subsistemas ditos simples, como a tonicidade e a equilibraÇão; subsistemas ditos
compostos, como a lateralização, a noção do corpo e a estrutura ão espaciotemporal
e, por último, subsistemas ditos complexos, como apraxia global e apraxiafina
(Fonseca I985 e 1986).
A psicomotricidade, entendida como uma organização superior da motricidade,
e como neomotricidade, reduplica subsistemas simples e compostos (proto, paleo e
arquimotrocidade) em subsistemas complexos, subsistemas

497

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

estes ligados aos processos de desencadeamento (a tal sequência evocada por


Geschwind e Piaget) do movimento intencional, programado e planificado.
As primeiras reacções cerebrais, segundo os autores acima referenciados,
devido à inten ão de movimento (psicomotricidade), produzem-se nos neurónios da
área suplementar motora (ASM), área situada no topo do cérebro, ocupando uma
posição ideal para pilotar o seu todo funcional. É esta área suplementar motora (ASM)
que Duffy 1980 identificou como tendo uma actividade eléctrica disfuncional e diferente
nas crianças disléxicas.

u v
Área cortical ' :, K 5 a e
superior da linguagem " " L5 c
(motora suplementar) = 5 Área cortical
... . :. r :: posterior da linguagem
)
(Wernicke

Área cortical anteàor ' da Linguagem


( Broca)
17
Cissura de Silvius [ sulcus lateralis)

Figura 138 - Área suplementar motora (ASM), região implicada na programação


interna e na sequência melódica de movimentos, subsistema crucial da organização
psicomotora e da aprendizagem da leitura, área cortical superior da linguagem,
segundo Eccles 1985

A ASM, descoberta por Penfteld 1959, quando estimulada, não permite obter
respostas localizadas como constam da área 4 do córtex motor, onde está
representando o homúnculo invertido Pelo contrário, segundo Eccles 1985, quando
se estimula a ASM observa-se padrões de movimento associados a sons incoerentes,
parecendo evocar engramas complexos que envolvem uma atenção e uma
concentração continua, algo que caracteriza as funções do lobo frontal (Luria 1965 e
Damásio 1979).
As experiências de Rolland com xenon radiactivo para medir a circulação
cerebral, relacionada com a precisão da actividade das células nervosas da

498

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

ASM, provaram que ela está implicada na programação interna da sequência de


movimentos, concluindo-se que os neurónios da ASM (de aquisição filogenética muito
recente e de mielinização lenta em termos ontogenéticos na criança, decorrendo,
segundo Luria 1973, entre os seis e os nove anos), são os primeiros a ser activados
em tais situações. A intenção e a planificação desencadeiam na ASM, e apenas aí
(Eccles 1985), a actividade necessária ao movimento voluntário, provando que a ASM
exige uma atenção constante para tais movimentos, ao contrário dos movimentos
automáticos, que exigem um mínimo de atenção consciente. É fácil perceber agora
que a actividade eléctrica bilateral atípica registada por Duffy 1980 nas crianças
disléxicas tem algo a ver com a ASM, e esta, como temos vindo a analisar, é o
subsistema principal da integração e da organização psicomotora. Kornhuber e
colaboradores 1979, com um método diferente, com micropotenciais cerebrais
registados no couro cabeludo, conseguiram registar o potencial de disponibilidade na
ASM, antes do início do movimento e com maior amplitude, confirmando que os
movimentos voluntários (psicomotricidade) têm a sua origem na ASM. Os doentes
parkinsonianos, com grandes dificuldades em iniciar movimentos voluntários
(acinésia), demonstram enfraquecimento no potencial de disponibilidade da ASM, o
que em si confirma por analogia até que ponto as crianças disléxicas estudadas por
Duffy apresentam actividade eléctrica atípica na ASM. É interessante focar que a
acinésia parkinsoniana implica lesões na via que liga o córtex psicomotor aos gânglios
da base (centros fundamentais à regulação dos movimentos automáticos) e daí ao
córtex motor através do tálamo, circuito neurológico estriatofugal (Eccles 1985),
também imprescindível à harmonia e à sequencialização dos movimentos intencionais,
confirmando-se assim que a ASM é prioritária no desencadear do movimento
intencional, primordial à organização práxica e, de acordo com Duffy, primordial à
leitura fluente.
Brinkman e Poner 1983, com experiências em primatas e com técnicas
impossíveis de aplicar ao ser humano, demonstraram também que os neurónios da
ASM começam a emitir impulsos muito antes de as células piramidais do córtex motor
emitirem para a medula.
A ASM é a única área receptora do cérebro que regista as intenções mentais
ordenadas que permitem a sequencialização inerente à organização psicomotora. Esta
delimitação da planificação motora explica, em parte, o papel da ASM na organização
práxica e na organização da linguagem e, consequentemente, na aprendizagem da
leitura.
Para aprender a ler, a criança necessita de integrar subsistemas psicomotores,
combinando-os e organizando-os espaciotemporalmente, de onde emergem
programas de contracção-descontracção de músculos que materializam o movimento;
a praxia fina da escrita de uma letra ou a emissão oral de uma palavra. Não é de
estranhar, portanto, que se registem fenómenos eléctricos atípicos na área
supleméntar motora nas crianças disléxicas. A diversidade de programas motores é a
chave da aprendizagem, desde a oromotricidade da fala

499

INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

ou do canto à macromotricidade do jogo ou dos desportos, da expressão poral (teatral


e dramáúca), à micromotricidade da nossa escrita, da n expressão plástica, musical
ou laboral. O nosso potencial de aprendizag _ resultante de uma complexa integração
harmoniosa, melódica e eumétriea movimentos elementares em movimentos
complexos (Eceles 1985), reflect génese das nossas competências, algo que tem
necessariamente a ver eam integração psicomotora e com a ASM. Como afirma, de
novo, Eceles, a AS contém o inventário de todos os programas motores e conhece os
locais a se deve dirigir para chamar e rechamar os dados, para os pôr em acç fazendo
desencadear um conjunto seleccionado de programas motores atrz do córtex
associativo (onde estão integrados os subsistemas da noção do c e da estruturação
espaciotemporal) e dos gânglios da base (onde estão inte dos os subsistemas da
lateralização e da integração tonicosensorial onde subsistema postural ocupa um lugar
crucial, como provam os casos patológi de assinergia e de ataxia).
A ASM, através de uma acção inter-hemisfériea (Luria 1966, 1973, B tein
1967), sabe ir aos locais de annazenamento dos programas mot activando circuitos
eomplexos e circuitos reverbativos integrados que es na base da otganização práxica
inerente a qualquer processo complexo aprendizagem, como é o caso da leitura: É
possível reconhecer que a acti dade eléctrica atípica da ASM nas crianças disléxicas
queira dar a noção uma desorganização cerebral intrínseca. Como provou Penfield
1954, a AS tem também a sua influência na linguagem, daí não ser difícil aceitar os d
avançados por Duffy com os registos da sua acúvidade eléctrica bilateral, importante
na sequencialização implícita à aprendizagem da leitura e à or nização práxica ou
psicomotora.
Denckla 1985 avança também que a ASM tem a ver com a atenção v luntária,
chegando mesmo a relacionar o seu conceito de dislexia-mais (dyslexia-plus) com
um déftee de atenção (attention deficit) e com outros termos que surgem associados à
dislexia, eomo por exemplo: crianças hip ractivas, crianças eom lesões cerebrais
mtnimas (minimal brain damage, etc. , Hallahan e Cruickshank 1973).
É dentro deste contexto da dislexia-maisH que é importante ligar dados de
Duffy com os de Eceles, Rolland, Kornhuber e tantos outros investigadores das
neurociências. Efectivamente, é raro surgirem crianças distó xieas puras, uma vez
que a experiência clínica nos oferece, eom muita frequéncia, um quadro de ndislexia-
maisn que n6s designaríamos por adis= lexia-mais-dispraxia que naturalmente, terá
de exeluir crianças com défiees motores no sentido da paralisia eerebral, ou crianças
com os clássicos ou tradicionais atrasos neurológicos, ou eventualmente crianças com
outros défices sensoriais, intelectuais ou psiquiátricos.
O conceito original dislexia-mais-dispraxiaH que desejamos introduzv procura
ilustcar a relação dos resultados obtidos pelos neurocienústas actnaa estudados. São
crianças que evidenciam uma impulsividade normal e u

500

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

vigilância assistemática e desplanificada, mas funcional em termos sociais e escolares;


trata-se de crianças que, para além de dificuldades de aprendizagem na leitura,
acusam problemas tonicoposturais (Kohen-Raz 1981), hesitações na lateralidade e na
direccionalidade, dificuldades no reconhecimento do corpo e na imitação de gestos,
bem como problemas óbvios de orientação espacial e de reprodução rítmica, numa
palavra, acusam um perfil dispráxico (Ajuriaguerra 1959, Bergés 1968, Fonseca
1985, 1986).
Apesar de o termo dispraxia ser utilizado por neurologistas, pediatras,
ortopedistas, psicólogos, psicomotricistas e professores de Educação Física, etc. de
formas muito diversas, com díspares implicações, com fundamentos teóricos
diferenciados e com diferentes tipos de recomendações, que vão desde a aplicação de
psicofármacos a intervenções cirúrgicas, o termo, na nossa visão psiconeurológica e
psicomotora, procura situar a dispraxia no campo das dificuldades psicomotoras,
consubstanciando uma descoordenação evolutiva não especifica. Como já algures
avançámos (Fonseca 1986), como não podemos entrar no cérebro da criança
dispráxica, a forma que nos permite perceber que há qualquer coisa desorganizada no
cérebro consiste em observar o seu comportamento. Em termos clínicos, a criança
dispráxica exibe por vezes uma distractibilidade característica, uma insegurança
gravitacional, uma postura desintegrada em termos vesúbulares e proprioceptivos
(Kohen-Raz 1981), ocasionalmente, frequentes difculdades de processar infonnações
quer do espaço quer do tempo, dificuldades perceptivovisuais e, por inerência, dif,
culdades em sequencializar movimentos simples ou acções e coordenaÇões que
envolvem uma componente praxicoconstrutiva. Denckla 1985 refere mesmo que, nas
suas investigações com estas crianças, os seus exames mulúdisciplinares apresentam
défices de coordenação relacionados com as conexões vestibulares e mesmo até com
disfunções cerebelosas, independentemente de referir que estes termos induzem a
muitas e diferentes interpretações.
Tal terminologia tende a pôr em causa as teorias da dislexia baseadas
exclusivamente em défices vestibulares (Levison 1985), cerebelosos ou locomotores,
muitas delas responsáveis por implicarem intervenções psicofarmacológicas puras.
Benton e Pearl 1978 encontraram em crianças disléxicas movimentos da mão
lentos e pobres ()inger taping, tamborilar, independência digital, etc. ) niúdamente
distintos dos das crianças não disléxicas. Em complemento, também identificaram
problemas de coordenação oculomanual (cópia de desenhos tipo Bender Gestalt Tést e
outros), quer no processo de input perceptivo, quer no processo de ourput inerente à
micromotricidade que envolve a cópia, embora estes autores tivessem reforçado que o
aspecto perceptivo do processo perceptivomotor não era o mais relevante do problema.
Vários estudos têm demonstrado que as crianças disléxicas (ou com
dificuldades de aprendizagem) apresentam frequentemente dificuldades na cópia de
figuras e formas (Frostig e Maslow 1973, Fonseca 1982), quer na repro

501

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

= dução de ângulos, quer no completamento de figuras, embora por vezes, em


`' termos de prática clínica, tais crianças desempenhem melhor, surpreendente
mente, as figuras mais complexas, e tal é mais óbvio quando estudamos lon
gitudinalmente jovens disléxicos com idades superiores aos 11-12anos.
Porque não se dá importância a este problema da transferência visuomotora
e visuoespacial, obviamente inter-relacionado com problemas psicomotores
e grafomotores, muitos casos têm sido abusivamente diagnosticados como
problemas emocionais, quando uma identificação cuidada dos problemas
I do processamento da informação concomitante e modificabilizadora com
treinabilidade em vários componentes do processo podem permitir superar o
problema visuomotor, sem contudo se verificarem evoluções significativas na
leitura ou na escrita. A dificuldade de copiar nas idades primárias parece não
ter o mesmo significado, quando se estuda jovens que passaram a barreira
pubertal e se tornam exeelentes copiadores, apesar de manterem as mesmas
I
1
I

Figura 139 - Cópia da figura de Rey, em cima, caso de dislexia-mais- dispraxia.


Idades 8-3 e reprodução de memória da mesma figura (em baixo, caso com
dislexia pura - Idades - 9-8)

502

ALGUNS FUNDAMEMOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

dificuldades no plano da linguagem escrita. O que se passa então? Será que haverá
sistemas visuais transientes e completamente diferenciados quando os dados são
simbólicos ou não simbólicos?
Nafigura complexa de Rey, que aplicamos no nosso centro, temos observado
que as crianças disléxicas em idade primária (oito-10 anos) têm com frequência
dificuldades, quer na cópia, quer na memória, embora por vezes esta última surja
mais estruturada em configurações do que a primeira. Quase todos apresentam
dificuldades em reproduzir os detalhes internos e os elementos de articulação mútua e
raramente apresentam uma estratégia sequencializada de reprodu ão primeiro do
esqueleto da figura, (rectângulo, duas diagonais e duas perpendiculares), e
posteriormente dos detalhes externos e internos. A assistematização grafomotora é
frequentemente compatível com uma grande dificuldade em verbalizar
(antecipadamente ou posteriormente) a sequência grafomotora que a figura complexa
do autor suíço reclama.
De acordo com Denckla 1985, quer no Bender, quer no Rey, temos observado
uma preensão fina do lápis ou da caneta, quase sempre imprecisa e insegura; a tríade
não é estável, o indicador não coordena a estabilidade do polegar e do médio, e
quase sempre os feed-backs visuais foneais (fonea) não se operam, para já não falar
na quase ausência que as crianças disléxicas apresentam da melodia cinestésica.
Tremores, desincronizações, mioclonias, disquinésias e sincinésias, etc. emergem
nestas operações micromotoras com mais frequência.
A qualidade do traço, a implementação sequencializada, precisa e perfeita de
ângulos, alinhamentos, detalhes, pormenores, localizações, relações, orientações e
projecções de dados espaciais são nitidamente mais flutuantes, e sincronizadas,
descontroladas, impulsivas e desorganizadas. Na nossa experiência clínica, temos
detectado que a coordenação motora em termos de observação psicopedagógica não
tem muito a ver com a coordenação motora em jogos ou actividades de ar livre ou nas
actividades desponivas. Nos disléxicos, pelo menos, temos dado por essa distinção.
A micromotricidade, sistema mais complexo do que a macromotricidade, tem, talvez,
em termos de mecanismos cerebrais, outras exigências de controlo neurológico; daí a
necessidade de as discriminar em termos de observação, uma vez que, e isso é
indiscutível, a micromotricidade está mais relacionada com as apropriações léxicas.
Rolland 1984 vai ao ponto de diferenciar um campo frontal da visão (frontal eye field) e
Luria 1966 destaca a área 8 como adstrita à função de coordenação e
sequencialização dos movimentos dos olhos, durante a fixação da atençáo e durante a
manipulação de objectos (e naturalmente, na realização de desenhos) que exigem
controlo visual. Cenamente que estas áreas motoras bem delimitadas por fluxos
sanguíneos (Larsen er al. 1978 e Rolland e Friberg 1984) estão envolvidas e inter-
relacionadas com a área suplementar motora (ASM); por isso, é relevante o trabalho
de Duffy, que detectou, nos disléxicos, uma actividade eléctrica ilustrativa de uma
cena desorganização naquela região frontal.

503

INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

I São conhecidas as capacidades espaciais de alguns disléxicos, muitos


deles com óptimas prestações desponivas, nomeadamente nos desponos
colectivos; todavia, as suas prestações no consultório parecem levantar outros
problemas nos vários subsistemas do analisador motor(Luria 1966), e cer
tamente na sua escrita, que confirmam um conjunto (cluster) de problemas
visuomotores e visuoespaciais que põe em jogo novos subsistemas mais
complexos e hierarquizados. A coordenação motora para o professor de
i educação física ou para o treinador não tem cenamente a ver com a
coordenação motora que interessa ao psicopedagogo, ao psicólogo ou ao neu
rologista. Há algo de disúnto que convém detectar em termos de observação
psicomotora, e não simplesmente em termos de proficiência motora.
Denckla, Rugel e Broman 1980, num estudo sobre orientação espacial
(map walking), descobrúam que as crianças disléxicas pré-pubenárias apre i
sentavam grandes dificuldades em aansferir relações de espaço agido para
espaço representado e vice-versa.
Na nossa bateria psicomotora (Fonseca 1981, 1985e 1986), temos uma
tarefa de organização espacial que exige cálculo mental, e outra de repre
sentação topográfica, onde as crianças disléxicas acusam dificuldades e
confusões posicionais e direccionais em termos de navegação espacial e da
:I sua transdução visuográfica da sala para uma planta, onde, uma vez mais, a
; sequencialização espaciotemporal está incorporada em termos de movimento
intencional. Interessante é focar, todavia, que os disléxicos adolescentes já
: não acusam tantas desorientações e dificuldades.
;;
;i Denckla e Rugel 1985apresentam uma explicação que entronca na nossa
I: linha de reflexão. Segundo estes autores, o analisador motor", que é depen;
dente do hemisfério esquerdo e que é crucial para os movimentos sequenci"
ais e detalhndos, encontra-se disfuncional na primeira década nas crianças dis
léxicas.
; Há, para ambos os investigadores, um problema de imaturidade (maturation
; lag) no sistema, ou seja, o substracto neurológico, certamente interconectado
com a área suplementar motora (ASM), está ineficaz ou disfuncional até à
puberdade, podendo atingir um nível adequado por volta dessa fase, daí resul
tando uma separação das dificuldades espaciais e visuopercepúvas, ao mesmo
f
tempo que o analisador motor do hemisfério direito dá garanúa no âmbito das
Ii
organizações perceptivas e espaciais que o desporto e o design visual põem em
jogo. Parece verificar-se, de acordo com estes dados, que a maturação motora
;! dos disléxicos-dispráxicos é diferente nos dois hemisférios; só na puberdade os
I dois analisadores motores se coordenam; até lá, as suas cofunções vão traduzir!
-se em problemas linguísticos.
As implicações psicomotoras da dislexia parecem mais claras à luz dos
:I dados que temos vindo a apresentar, o que em si traduz o enfoque central
deste nosso trabalho; daí a importância do estudo do perf il psicomotor da
criança disléxica, e daí a importância da terapia psicomotora como coad
juvante da terapia da escrita, no apoio a estas crianças e a estes jovens.

504

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

Denckla e Rugel 1978, em investigações extremamente originais que estamos


tentando aplicar na nossa prática clínica, criaram um conjunto de provas à base de
movimentos rápidos repetitivos e alternados (batimentos de calcanhar, batimentos
alternados do calcanhar e da ponta do pé, batimentos das mãos, pronações e
supinações alternadas, oponibilidade repeútiva, alternada e sucessiva do polegar, e
extensões da ponta da língua, etc. ), e aplicaram-nas a crianças normais e crianças
disléxicas. Durante a experiência, detectaram nas crianças disléxicas sincinésias nas
mãos, quando moviam os pés, sincinésias contralaterais nas mãos e nos dedos, e
grande lentidão nos movimentos alternados dos pés, o que, segundo aqueles autores,
confirmaria uma cena imaturidade cefalocaudal. A mesma experiência revelou que tais
crianças acusaram grandes dificuldades na sequência de movimentos, que surgiram
frequentemente descoordenados e hipercontrolados, ao mesmo tempo que evocaram
diferenças significativas na velocidade entre a mão esquerda e a mão direita,
demonstrando uma excessiva lentidão na mão esquerda quando os resultados foram
comparados.
Badian e Wolff 1977, numa experiência de batimentos rítimicos e alternados
com metrónomo, verificaram que os disléxicos atingiram resultados mais fracos com
os batimentos alternados da mão esquerda, quando comparados com crianças
normais, mas não apresentaram resultados inferiores quando só os batimentos da
mão direita ou da mão esquerda ou os bati mentos alternados da mão direita eram
estudados. Os resultados eram inferiores na mão esquerda quando os batimentos
eram relacionados com um ritmo do metrónomo e com os batimentos alternados da
mão direita. Face a estes dados, aqueles autores sugeriram que as crianças
disléxicas apresentavam um signifcativo atraso na coopera ão inter-hemisférica", o
que não está dissociado da actividade registada por Duffy nem dos problemas de
deslateralização (ambidextria) já levantados por Orton 1937 e tantos outros, algo que
obviamente interfere com a especialização hemisférica e que ocorre em muitas
crianças que escrevem em espelho e que apresentam problemas práxicos no ensino
pré-pámário.
A lateralização cruzada (mão direita-olho esquerdo ou mão esquerda-olho
direito), cenamente um problema controverso do diagnóstico psicopedagógico,
provavelmente devido à inadequada avaliação que se pratica tradicionalmente, coloca
outros aspectos significativos entre a psicomotriciade e a aprendizagem da leitura.
Denckla I985 aponta para os 60%-70% de crianças disléxicas com mão direita-
olho esquerdo em termos de láteralização, o que em si não pode ser interpretado
como cerebralização", ou seja, como demonstração periférica de como o cérébro
organiza os engramas (somatogramas e opticogramas). A lateralização cruzada, em
si, não pode ser causadora de dificuldades na aprendizagem da leitura, mas parece
ser um factor que requer mais um factor adicional de consciencialização no processo
inicial de aprendizagem da leitura. A lateralidade cruzada associada a vários
problemas linguísticos pode

505

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

ser um factor de risco, uma vez que cria mais problemas à criança; daí a importância
da integração psicomotora na aprendizagem da leitura. O problema da lateralização
cruzada parece implicar competição de engramas e, portanto, problemas de
organização inter-hemisférica (Quirós e Schrager 1975 e 1978), pondo uanalisadores
motores e sistemas oculomotores em dessincronização nas zonas anteriores do
córtex (ASM). A dificuldade de processar informação parece advir da descoordenação
entre a actividade oculomotora controlada predominantemente pelo hemisfério direito,
e o controlo motor, predominantemente localizado no hemisfério esquerdo.
Estudos de análise de computador de EEG (Sklar, Hanley e Simmon's 1973 e
Leisman e colaboradores 1980) aplicados em crianças disléxicas mostraram menor
coerência funcional inter- hemisférica, algo que vem dar, mais uma vez, reforço à
deficiente cooperação inter-hemisférica que ilustra o atraso neurológico nalgumas
crianças disléxicas.
A organização progressiva do cérebro, como órgão de aprendizagem e como
órgão de comunicação, coloca a importância da especialização hemisférica na
evolução da espécie humana.
Sem esta especialização, o ser humano não se teria desenvolvido e organizado
em termos simbólicos, e a criança não atingiria a capacidade da leitura fluente. Uma
vez mais, o cérebro tem de organizar primeiro as sensações e os movimentos, antes
de organizar os símbolos; por isso, o hemisfério esquerdo, para funcionar bem, tem
de inibir o hemisfério direito, integrando as suas funções noutras de maior
complexidade, como são as requeridas pela aprendizagem da leitura.
Hécaen e Ajuriaguerra 1964, Dimond 1973, Kimura 1961, Benton 1979 e
Speny 1969 demonstraram que a perfeita organização do cérebro implica uma
coordenação inter-hemisférica, e essa coordenação inter-hemisférica é vital à
aprendizagem da leitura.
Quirós e Schaager 1975 levantam a ideia de que a especialização hemisférica
se desenvolve até ao ponto de o hemisfério direito ser responsável pela integração
postural e motora (não verbal e não simbólica), libertando o hemisfério esquerdo para
assumir outras funções, nomeadamente as funções verbais e simbólicas nas quais se
inclui, necessariamente, a aprendizagem da leitura. A intercomunicação e a
cooperação dos dois hemisférios coloca em actividade o sistema do corpo caloso,
substrato essencial à leitura, como vimos atrás. A transmissão posta em prática pelo
corpo caloso (calosal transmission) é o ponto de partida para a criança ascender às
funções superiores de aprendizagem. O acesso à complexidade cognitiva impõe uma
clareza e não uma confusão na relação entre os dois hemisférios, uma vez que
também aqui se aplicam os princípios de organização do cérebro: o da reduplicação e
o da dominância hierárquica. O hemisfério esquerdo reduplica, representa o
hemisfério direito, e por isso submete-o à sua função superior. Quando estes
princípios forem postos em causa, no exemplos de crianças ambidextras ou com
lateralidade cruzada, é possível que

506

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLÓGICOS E PSICOMOTORES DA


DISLEXIA

a aprendizagem da escrita se torne um problema. Aprender a ler exige a


especialização hemisférica e a maturação sistémica do hemisfério esquerdo.
O hemisfério esquerdo, para atingir a sua função, tem de inibir informação do
hemisfério direito; só assim pode lidar com informação mais complexa, como é o caso
da leitura. Não é de estranhar que os disléxicos apresentem um hemisfério esquerdo
ineficiente ou disfuncional (Rourke 1976 e Satz 1976) e que a actividade eléctrica
registada por Duffy nessas crianças seja um indicador relevante para demonstrar a
intrínseca conexão das aquisições psicomotoras no processo da leitura.

Algumas implicações para a investigação futura

Porque é que é necessário encontrar o substrato neurológico da leitura? Muita


gente tem tendência para afirmar que as anomalias do cérebro no disléxico levam a um
nihilismo terapêutico. A verdade, no entanto, pode ser outra.
1) A presença de alguma dificuldade que interfere com o
desenvolvimento do sistema de leitura não deve levar à conclusão de que as medidas
educacionais são inúteis. Pelo contrário, está em causa a modificabilidade cognitiva;
2) Quando o sistema está intacto, só é necessária uma intervenção
pedagógica mínima e, dessa forma, a leitura é adquirida facilmente;
3) As alternativas educacionais (métodos diferentes) colocam-se
quando o sistema de leitura se encontra algo disfuncional. Aqui é necessário saber
jogar com o potencial do substrato remanescente, do qual podem, portanto, resultar
estratégias diferentes das que são utilizadas para o ensino em massa. Está em causa
não só respeitar o perfil das necessidades educativas especiais, mas também valorizar
o potencial neurobiológico e maturacional da arte, da música, da micromotricidade e
da psicomotricidade que garantem uma total autoestima à criança para superar as suas
dificuldades;
4) A noção de que existe uma atipicidade neurológica eswtural que
não pode ser alterada é inco recta. A história da medicina, da pedagogia e da
reabilitação mostram que, quando há que lidar com uma dificuldade ou disfunção,
novas formas de tratamento e intervenção nascem, mesmo que o engenho humano
leve muito tempo a consegui-lo.

507

i 1

CAPÍTlILO 1 S

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
VERSUS INSUCESSO ESCOLAR

Vivemos num momento de inadaptação social que afecta adultos e crianças e


especificamente a sua comunicação recíproca. A inadaptação, característiea da
sociedade de consumo, na época pós-industrial, reflecte-se na finalidade social da
escola.
A expansão da democraúzação do ensino, entre nós, não sendo sinónimo de
democratização sociocultural, vem adicionar mais problemas. A escola alimenta a
sociedade de consumo e a produção de técnicos especializados e, como
consequência, a compeúção consútui o seu sistema básico de avaliação.
A escola perdeu a sua função sociocultural, para ocupar o lugar de fabricação
de competências, o que tende a avolumar o problema. Esta verúgem de sucesso
alimentada por políúcos, pais e professores impõe-se à criança e à sua educação. O
êxito eseolar prevalece como condição necessária a manter para bem de todos. A
eseola, na sua dimensão produúva, faz da criança a matéria-prima e do professor o
instrumento de produção. Ambos, víúmas do sistema socioeducacional, estão
impedidos de edificarem uma cultura mediaúzada no verdadeiro sentido.
A escola está longe de atingir a sua função cultural quando os seus processos
selectivos se baseiam em análises económicas ou em perFis de rentabilidade. O
pseudocontrolo que se faz da escola em todos os seus aspectos, excepto nos
pedagógicos e nos científicos, tem sido o grande responsável em fazer do professor
um avaliador da inteligência" e da criança um homúnculo ameaçado.
A busca do sucesso escolar é uma condição do sistema social actual, é ela que
reforça expeetativas e que justifica projectos e esperanças familiares. Podemos
mesmo garantir que o sueesso escolar é um meio de higiene mental a todos os níveis
familiares e sociais.
Uma criança com insucesso escolar transpona um peso frustracional que se
reflecte na famflia, no professor e no grupo dos seus companheiros. Este aspecto,
para além de ser impregnado de tendências antissociais que se verificam mais tarde,
converteu-se num sentimento de autodesvalorização e autosubesúmação que urge
combater.

509

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

I Porque é que as crianças falham escolarmente? Qual a consequência do insucesso


escolar em termos do desenvolvimento da personalidade da criança?
O insucesso escolar é inato ou é produzido pela sociedade e pela escola? Ì A
equação destes problemas é fácil; a sua resolução, porém, é maisjcomplicada e
levanta, consequentemente, problemas de formação cienúficopedagógica dos
professores e de organização do sistema de ensino. Em termos sumários, o professor
deverá ter uma noção do desenvolvimento da criança, não só no que respeita à
psicomotricidade (aquisições antigravíticas, consolidação da lateralidade,
estruturação da direccionalidade, integração do corpo, dissociação motora da mão e
aquisições práxicas), mas também no que respeita à linguagem falada (discriminação,
identificação, completamento, sequencialização auditiva - funções receptivas - e
voca- ' bulário, estrutura gramatical, memorização, formulação e articulação - funções
expressivas), e inicialmente no que respeita à cognição (funções de input, integração,
elaboração e output).
Antes de iniciar o processo de aprendizagem da linguagem escrita, a
criança deve ser portadora de uma diferenciada experiência multissensorial, pois nela
desenvolve as integridades e as associações visuomotoras, por um á lado, e as
auditivoverbais, por outro, associações que ocorrem no sistema nervoso e que são
necessárias às aprendizagens escolares fundamentais. Num envolvimento
sociofamiliar adequado e qualitativamente mediatizado, a criança desenvolve as
aptidões cognitivas que vão jogar um papel impres cindível na aprendizagem, mas
num envolvimento sociofamiliar inadequado e frustre, com poucas mediatização e
interacção sociolinguística, é óbvio que as apúdões da criança não atingem a
maturação exigida para superar as situações-problemas da escolaridade.
Muitas das aprendizagens adquirem-se por imitação e por simples
interacção social (Bandura 1977); outras, porém, só se adquirem em situações
eswturadas que exigem a participação e a mediaúzação de um adulto cienúfica e
culturalmente mais experimentado (Vygotsky 1962).
Será que todas as cnanças beneficiam do ambiente adequado antes de
entrarem para a escola? Durante o período de aprendizagem escolar, estarão os pais
disponíveis para proporcionar os reforços emocionais e os momentos de mediaúzação
necessários?
A etiologia das dificuldades escolares pode ser colocada em dois níveis:
endógeno e exógeno. Nos aspectos endógenos, não podemos esquecer os factores
hereditários e a sua influência em termos de desenvolvimento. Nos aspectos
exógenos, não podemos deixar de ter em conta a influência das oportunidades e das
experiências multissensoriais, para além das necessidades de segurança, afecto,
interacção lúdica e linguística, responsabilização e independência pessoal. Estas
necessidades, em conjunto endoexógenas, determinam, por um lado, a maturação
neurobiológica e neuropsicológica e, por outro, as progressivas aprendizagem e
integração social, variáveis cruciais para o desenvolvimento biopsicossocial da
criança.

510

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VERSUS INSUCESSO ESCOlAR

Só perspectivando estes aspectos podemos formular uma ampla prevenção das


dificuldades escolares. A instituição escolar não pode continuar ao sabor das boas
intenções e do imobilismo empírico e acientífico, nem muito menos ao sabor de
desenhadores de currículos" que nunca intervieram no real educativo. A educação é
fundamentalmente uma verdadeira e mútua descobena entre o adulto e a criança. A
escola, e principalmente os seus agentes (os professores), não podem continuar
alheios aos estudos da neurologia do desenvolvimento, da psicologia da
aprendizagem e da sociologia da mediaú zação. Só tendo um conhecimento global da
criança a podemos educar, não arbitrariamente, mas de acordo com as suas
necessidades específicas. A escola não pode pôr o programa ou os métodos à frente
da criança. A finalidade da escola é proporcionar a todas as crianças sem distinção,
de acordo com os seus biorritmos, o desenvolvimento máximo do seu potencial e o
prazer da cultura adquirida pela experiência social das gerações antecedentes.
A identificação precoce de crianças vulneráveis" ou em risco, é capaz de ser
menos dispendiosa do que ter no fim da escolaridade primária uma percentagem de
repetições que aumenta, entre nós, de ano para ano. Não combatendo a inércia
pedagógica das nossas escolas, provavelmente as inadaptações sociais multiplicam-
se e, no futuro, podenios ser responsáveis por muitas neuroses.
O papel do diagnósúco precoce justifica-se no princípio da aprendizagem, e não
no fim. A psicologia escolar, ou a psicopedagogia, não pode continuar a ser uum
hospital no f, m das auto-estradas, A psicologia, como a medicina têm de edificar uma
perspectiva preventiva e profiláctica das dificuldades escolares. É no princípio da
escolarização, e não no fm, que se deve optimizar o potencial de aprendizagem das
crianças.
Os políticos da educação que decidem não podem continuar amblíopes da
pedagogia científica. A pedagogia não é um problema banal e superficial que todo o
mundo domina. Os políticos da educação têm de se envolver com especialistas,
consultá-los e estimulá-los cientificamente, a fim de lançar medidas que impeçam a
epidemia assustadora das dificuldades escolares.
A escola não pode perpetuar as diferenças sociais nem legiúmar os grandes
desníveis de aptidão que as crianças apresentam no início da aprendizagem.
Qual a opção? Pensar nas dificuldades escolares em termos de percentagem de
repetições, ou pensar em programas preventivos que promovam os P Q g
ré-re uisitos ca Prova1 luz dos dados mais recentes da investigação psicopedagógi ve
mente, se as dificuldades escolares forem encaradas na óptica da prevenção, muito
se pode economizar, quer em potencial humano, quer em dinheiro.
Não estará no insucesso escolar a razão de ser dos problemas de delinquência,
desemprego, sociopatia, etc... ?
Vale a pena apoiar a atitude de prevenção ou vamos continuar a fazer da
escola uma central de psicoses?

511

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

Segundo várias investigações, IS% das crianças precisam de apoio no início da


escolaridade. Se tal intervenção tardar, a percentagem duplicará e o insucesso
escolar será a tendência normal. Como vamos resolver isto? Com a educação pré-
escolar?
A escola deve continuar a hiperselectividade social logo a partir dos seis anos?
Onde está a função de utilidade pública da escola? Que sociedade se pode construir
quando a escola põe de lado as necessidades da criança e as necessidades de uma
sociedade mais justa e solidária?
A identificação precoce de crianças e a institucionalização do ensino materno-
infantil e pré-primário podem, desde que bem orientados cientificamente, detectar
dificuldades ultrapassáveis por metodologias pedagógicas adequadas. Não basta um
puro diagnóstico psicométrico ou quantificador, nem basta alimentar o conformismo do
inatismo hereditário do potencial inteleetual. Não é só um diagnóstico rigoroso e
estatiscamente válido que interessa. A identificação pedagógica do potencial de
aprendizagem é a condição fundamental para proporcionar uma educação em
conformidade com as necessidades peculiares e originais de cada criança. A
reeducação" em centros especializados e privados é um processo a que só alguns
ascendem. Em resumo, a prevenção é a medida mais económica e mais ajustada.
A escola não se pode limitar, com a sua metodologia, a preparar os rnais ?
dotados e a segregar os menos dotados. Temos de evitar, a todo o custo, este
racismo sociocultural (simbólico) subtil. A escola cria, sim, problemas mentais e
emocionais aos menos dotados, exactamente aqueles que deviam ser compensa : dos
pelas drásticas condições sociais da sua evolução psicobiológica pré-escolar.
A escola não pode continuar a ser selectiva. A sua função é garantir um : apoio
inestimável a todas as crianças sem exclusão, ou seja, a todos os futuros cidadãos.
O falhanço escolar é uma condição de stress emocional. Afecta a criança,
afecta a familia e afecta a escola. Mais: o insucesso escolar é sinónimo de insucesso
social. Sem as aquisições escolares, o indivíduo fica impedido de participar
eficientemente no progresso da sociedade.
Só estimulando a investigação psicopedagógica e apoiando projectos de
formação universitária de todos os professores se poderá responder a este perigo. Os
nossos políticos precisam de ser informados dos perigos do insucesso escolar, que
podem pôr em causa todos os projectos colectivos. Um povo analfabeto não constrói
nada colectivamente, só o egocentrismo e o narcisismo o movem num sentido
alienado. Um povo culto e alfabetizado é sempre livre e solidário, e só neste sentido
podem ser justificados todos os investimentos económicos possíveis.
A delinquência não pode continuar a ser porta de saída do insucesso escolar.
As explicações domiciliárias ou as clínicas de luxo só chegam para os mais
favorecidos. O insucesso escolar não deve ser o comportamento de sobrevivência ou
de refúgio de inúmeras crianças que, sendo inteligentes, se encontram profundamente
desmotivadas pelo que a escola oferece e proporciona.

512

DIFICULDADES DE APRENfll7 AGEM VERSUS lNSUCESSO ESCOlAR

De uma vez para sempre, a escola tem de compreender e reconhecer que 15%
das crianças não podem aprender pelos métodos tradicionais. Não nos parece justo
que cerca de 15% das crianças sejam marginalizadas porque não aprendem pelo
método, ou ao ritmo, imposto pelos professores ou pelos currícuios. Quantas crianças
consideradas maus alunos>> e urepetentes em Portugal, mas com potenciais
intelectuais adequados, se perderam e se conúnuarão a perder?
O insucesso escolar é a explicação de uma sociedade iletrada. A percentagem
do analfabetismo funcional é problemáúca e ameaçadora. O número de analfabetos
que chegam ao serviço militar já foi alguma vez apurado? A que tipo de
desenvolvimento económico podemos aspirar com tão elevada percentagem de
indivíduos que não sabem ler nem escrever?
Que fazer?
Não pretendendo avançar com soluções definiúvas, parece-me que teremos de
começar pela formação universitária dos professores pri nááos. Quem tem medo de
professores primários cultos, dinâmicos e insatisfeitos com a realidade cultural
ponuguesa?
É evidente que tal formação não pode continuar nas mãos de uma universidade
passiva e conformista, centrada em professores desactualizados normalmente sem
experiência pedagógica concreta e profunda com crianças. Na formação, os
processos magistrais devem dar lugar a experiências de campo e a uma maior
interacção entre os vários intervenientes do processo, bem como dar acesso à
utilização de meios audiovisuais e de materiais pedagógicos adequados. Também
aqui, a formação científica interdisciplinar deve ocupar um lugar prioritário. O
professor não pode continuar a desconhecer que a aprendizagem da criança se opera
no seu sistema nervoso, segundo conexões interiorizadas de estímulos e de respostas
envolvidas numa dialéctica e numa socialização progressivas.
Será que, por paternalismo, não vemos estes problemas? Se a toda a hora se
põe em causa a formação universitária de médicos, engenheiros e advogados, porque
não pôr em causa a dos professores? Temos de reconhecer que muitas crianças
faiham porque têm medo e se encontram confundidas. Têm medo de falhar ou de
desapontar os mais velhos, muitas vezes com expectativas utópicas e ultra-
ambiciosas. Estão confundidas, porque aquilo que lhes pedem na escola não as
motiva nem lhes permite desenvolver a sua inteligência e os seus talentos.
O insucesso escolar é corolário de muitos problemas que têm por denominador
comum a não-satisfação das necessidades reais da criança.
A aprendizagem é, por natureza, uma situação que desestabiliza
emocionalmente as crianças. Se o professor não tiver em conta este aspecto, é
evidente que as situações escolares serão vividas numa tensão tal que jamais
proporcionarão as reláções interiorizadas (recepúvas, integraúvas e expressivas)
características do processo da aprendizagem humana.

513

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A aprendizagem tem de ter o necessário ingrediente lúdico e emocional,


base de todo o sucesso e de toda a gratiflcação cultural. É essencial que se
reconheça que o sucesso não é a condição acrítica da aprendizagem.
O sucesso implica a superação de um obstáculo. Nele está contida a base
da motivação da aprendizagem. As situações demasiado fáceis ou difíceis
' são trampolins para o desinteresse e para a distracção. Conduzir o processo
', de aprendizagem numa criança em desenvolvimento não é fácil nem é sim'
ples. A intervenção pedagógica é um misto de relação e de competência
científica.
0insucesso escolar não é só uma falha da criança; é muitas vezes uma
; falha do professor. Quer dizer, quando estamos perante uma dislexia ou uma
discalculia, é preciso imediatamente equacionar uma dispedagogia.
_ A dispedagogia reflecte fundamentalmente um mau ensino, sem funda;
mento, sem planificação e sistematização e sem individualização. Se em
medicina o domínio da etiologia é o êxito do tratamento, porque não adoptar
esta perspectiva na educação? Será que a pedagogia se vai manter eterna
mente empírica? Para quando a necessidade de observações sistemáticas do
comportamento da criança? Como é que o professor se deve aperceber das
aquisições da criança? Saberá o professor ou o psicólogo detectar as aqui
sições receptivas e expressivas que a criança utiliza e por meio das quais
comunica e aprende?
As investigações conduzidas neste domínio (Austin 1963, Hams 1968,
Tanneubaum e Cohen 1967) chegam à conclusão de que a diferença entre
duas classes que utilizam o mesmo método está no professor. A variável
uprofessor" é mais potente do que a variável método" quanto à obtenção
de bons resultados escolares. Para já, aquelas investigações acima referidas
avançam com as seguintes conclusões:

I) Os professores que obtêm melhores resultados são os que


proporcionam às crianças um ensino individualizado e adequado às suas
necessidades;
2) Os resultados escolares tendem a melhorar se os métodos não
forem expositivos mas participando ao nível de interacções: professor-grande grupo;
professor-pequeno grupo; criança-professor; criança-pequeno grupo; criança- grande
grupo;
3) A criança tende a melhorar as suas funções receptivas auditivas,
visuais e quinestésicas se se utilizar processos hierarquizados, sistemáticos e
intensivos de aprendizagem;
4) O professor não deve utilizar apenas a palavra como media, deve
fazerrecurso a projectores, gravadores, jogos, fichas de trabalho e deverá
igualmente adoptar várias estratégias educacionais: quebra-cabeças, materiais de
composição e de construção, exploração de materiais de ', aprendizagem, cartões e
fichas coloridos, quadros magnéticos, lotos e dominós simbólicos, blocos lógicos e
discriminativos, etc...

I 514

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VERSUS INSUCESSO ESCOIAR

Aprender na escola e na vida encerra uma oposição básica de sucesso e


insucesso que deve ser enfrentada em termos de atitude. A condição de errar é a
condição de ser humano, possuir e usar um cérebro. A criança não pode ser
sistematicamente um falhado crónico". O insucesso deve ser equacionado em termos
construtivos e não em termos humilhantes. Uma escola que humilha é uma escola que
se humilha.

Nenhuma criança gosta que lhe chamem estúpida (assim como nenhum adulto
gosta que lhe chamem incompetente"). A escola não pode continuar a insultar
potencialidades e tendências. A criança deve experimentar o erro sem interiorizar o
sentimento de incompetência que está implícito no poder coercivo de uma
aprendizagem repressiva.
A escola tem de ter novos professores, novos materiais, novas metodologias,
para ter no futuro novos cidadãos aptos a construir uma sociedade mais justa, culta e
humanizada.
O insucesso escolar não se compadece nem com análises sociopedagogizantes
nem biopsicologizantes. O professor não pode continuar a ignorar factores
neurobiológicos e psicoemocionais do desenvolvimento da criança. Dominar métodos
sem saber o que se passa, de facto, no cérebro da criança, não é suficiente. A
prática por si só não é aprendizagem. A aprendizagem é significativa, e esse privilégio
dá-se no sistema nervoso central da criança.
É nesta aspiração científica e transformacional que podemos entender o
combate ao insucesso escolar. O professor deve, ele próprio, desenvolver meios de
identiflcação, observação e avaliação pedagógica, ao mesmo tempo que tem de
lançar mão a um grande repertório de materiais e de métodos de aprendizagem. Um
só método, um só processo de aprendizagem não bastam: há que contar com os
estilos de aprendizagem que variam de criança para criança.
O nosso ponto de vista é que a criança normal não nasce com dificuldades
escolares - ela é transformada numa criança com problemas. A sociedade, a famflia e
a escola têm, em primeiro lugar, responsabilidade no processo.
O insucesso escolar da criança é, antes do mais, um insucesso social. A
transformação desta realidade não pode dar- se na criança. Cabe ao adulto resolver
os problemas, quer nos aspectos politicoeducacionais, quer nos aspectos
cientificopedagógicos. Só considerando estes aspectos numa visão dialéctica se
poderá no futuro reduzir o número assustador de crianças que tendem para o
insucesso na vida.
Não vale a pena constatar o insucesso escolar e sublinhar o conformismo que
lhe é inerente. E preciso partir para planos preventivos e profilácticos.

515

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAG lGICA

1) IE e DA; conceitos independentes (não tcm nada em comum)

: IE
, .
;a a a,

2) Integração entre IE e DA. (Algumas crianças com DA não têm IE e algumas


crianças com IE não acusam DA mas algumas têm DA e acusam IE. )

s :

IE a

..r '

3) O IE é uma subcategoria das DA. (Todas as crianças com IE t m DA, mas nem
todas as crianças com DA têm IE. )

4) As DA são uma subcategoria do IE. (Todas as crianças com DA têm IE, mas
nem todas as crianças com IE são crianças com DA. )

IE

Figura 140 - Possíveis relações entre insucesso escolar (IE) e dificuldades


de aprendizgem (DA).

516

DIFICULDADES DE APRENDIÍAGEM VERSUS lNSUCESSO ESCOIAR

Como planos preventivos, indicamos algumas reflexões que, naturalmente,


incluem breves análises aos factores sociais, escolares, psicológicos e pedagógieos
que envolvem a problemáúca do insucesso escolar.
Quanto aosfactores sociais, não podemos subestimar a relatividade cWturat do
problema, o tipo de envolvimento socioeconómico e sociocultura! e, basicamente, as
aútudes dos pais. O interesse e o encorajamento, bem como o grau de esúmulação e
de interacção linguística, jogam um papel determinante no ajustamento social da
criança e nos seus resultados escolares. Nenhuma criança é imune a um envolvimento
social desintegrado e a um envolvimento culturat fnistre. A prevenção, aqui, inclui
acções de esclarecimento, aconselhamento dos pais e maior integração e pa ticipação
destes na vida da escola
Os factores escolares eomprornetem a formação científica dos profess res e a
eonsolidação das aútudes pessimistas tradicionais. O professor, por natureza, não se
pode compadeeer com a iiremediabilidade dos problemas. A necessidade de uma
compreensão do desenvolvimento da criança quanto às suas aquisições visuomotoras
e auditivoverbais, às suas disfunções cogniúvas, às suas moúvações e oscilações
emocionais, às suas tendências e aos seus comportamentos é fundamental. Os
alunos > não podem ser vistos como sem hipóteses, ucondenados, arrumados" ou
Hlimitados (um novo rótulo ainda pior do que os estigmas do QI ou das Hdis"). É
neeessário que o professor aplique cuidadosamente o reforço socia! e o fortalecimento
dos factores da personalidade, mantendo vigilantes os níveis de moúvação e
curiosidade, caso contrário a fobia à cultura é inevitável. Por outco lado, as estruturas
admimstrativas não devem eamuflar o problema, mas atacá-lo com medidas realistas
e pedagógicas. O professor não perde a sua competência prof, ssional por não
resolver os casos-problemas. E necessário que as esc las se apercebam desta
necessidade que implica, obviamente, a acção dos psicólogos escolares, que tardam
em aparecer em Portugat. A esco1a não pode continuar a segregar 15 o da sua
população. É necessário que se crie centros de reeursos pedagógicos (CRP) para
estas crianças, com professores especializados, a fim de se diagnosúcar e superar os
problemas de aprendizagem. O estudo de casos nas reuniões de conselho pedagógico
deve ser prioritário às avaliações puramente numéricas que se faz nas escolas. O
conselho pedagbgico das escolas deve proporcionar condições adequadas, provendo
as escolas com materiais e estratégias adequados. O psicólogo escolar, que se
justifica em termos primários e seeundários, assim como os serviços médicos, devem
ser solicitados e eonsultados para reuniões pedagógicas em que se decida acçe
orientações metodológicas que saúsfaçam as potencialidades básicas das crianças.
As uturmas de repetentes, tão características das nossas escolas, são mais um nicho
que avoluma os problemas. Este erro metodológico é ainda acrescido, dado que por
tradição e por segregação lamentáveis, as turmas dos piores alunos, são
distribuídas aos professores mais imaturos e menos experientes. A escola tem de
definir

51?

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

objectivos curriculares, métodos educacionais alternativos e operar trans= formações


na organização pedagógica, através da criação de módulos horários que facilitem
acções e recursos e intervenções pedagógicas a tem parcial. Noutra dimensão, a
escola tem de criar não as tradicionais provas da admissão, mas sim modelos de
identificação de problemas de aprendizagen consoante o nível de escolarização e
com base nos curriculos. Talvez assi. seja possível aplicar estratégias educacionais
preventivas. :
Os factores psicológicos têm de ser instituídos ao nível da escola. Trata
-se de uma opção que os políticos da educação têm de realizar. O psicólog escolar é
necessário para acções de identificação, observação e orientaçã pedagógica. A
identificação deverá respeitar as crianças que iniciam a esco: laridade e as crianças
urepetentes". A identificação, ao contrário dos testes;= não pode perder de vista a
situação objectiva de aprendizagem nem deve correr o risco das predicções abusivas.
Em desenvolvimento humano, nunca podemos assumir uma predicção ou uma
infalibilidade rigorosas, na medida em que a imprevisibilidade e modificalibilidade do
comportamento humano são por natureza condições de maturação do SNC que, nos
primeiros anos;: se encontra mais plástico e disponível para novas conexões neuronais
que vão justificar a aprendizagem.
A identificação precoce permite a recolha de informação que pode alertar os
professores para uma acção preventiva e pedagógica de acordo com as necessidades
das crianças. Ao contrário do teste, em que a relação observador-observado muitas
vezes não equaciona a interacção entre ambos, a identificação tem em vista o perfil
das capacidades intraindividuais (dentro do próprio indivíduo) de grande interesse para
a intervenção pedagógica consequente.
Por último, os factores pedagógicos vêm demonstrar o grande interesse da
observação sistemática dos professores. O professor é a pessoa que mais
oportunidades tem para observar o comportamento do aluno, não só na situação de
aprendizagem, mas também na sua evolução objectiva. Os professores têm de
dominar modelos de observação sistemática, dinâznica, individualizada e colectiva,
bem como os problemas na linguagem falada, na linguagem escrita e na linguagem
quantitativa. Trata-se de garantir uma formação dinâmica que tem por base um espírito
científico e um meio de controlo da realidade da sala de aula.
A listagem dos comportamentos apropriados às situações de aprendiza= gem
(check-lists) é fundamental para conduzir as sessões de grandes grupos ou de
pequenos grupos.
O professor deve estar apto a captar científica e pedagogicamente as
características do comportamento de aprendizagem das crianças. Várias escalas de
identificação de dificuldades de aprendizagem (EIPA) (Figura 103) devem ser
desenvolvidas, contendo os seguintes aspectos do comportamento:

1) Compreensão auditiva (segue instruções, retém pequenas


histórias e rimas, percebe a significação de palavras e frases, etc. );

518

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VERSUS INSUCESSO ESCOLAR

2) Linguagem falada (vocabulário, estrutura gramatical, formulação


de ideias, contar histórias, etc. );
3) Orientação espacial (percepção figura-fundo, constância da forma,
posição e relação de espaço, controlo visuomotor, cópia de grafismos e de figuras
geométricas, etc. );
4) Psicomotricidade (equil'brio do corpo, imitação de gestos,
estruturação rítmica, coordenação oculomanual e oculopedal, etc. );
5) Comportamento social e emocional (cooperação, atenção,
responsabilidade, integração no grupo, completamento de tarefas, discernimento,
compreensão de situações novas, etc. ).

Dominando escalas de comportamento, sem qualquer processo sofisticado de


controlo, o professor pode acompanhar a aprendizagem da criança, ao mesmo tempo
que selecciona, mais eficientemente, estratégias educacionais.
A acção do professor isolado é insuficiente; daí a urgente participação da escola
como um todo. A escola deve proporcionar condições adequadas de aprendizagem
aos menos dotados, evitando problemas emocionais e problemas de comportamento.
Inúmeras crianças esperam por uma atenção especial, e essa deve ser garantida não
fora da escola, mas sim no seu interior.
A escola deve poder contar com professores e consultores especializados nos
domínios da leitura, da ortografia e do cálculo e, ao mesmo tempo, de psicólogos
com formação educacional específica. Esta medida parece-nos urgente, sem no
entanto privar o professor de uma preparação psicológica mais profunda e dinâmica.
A identificação e a observação devem pertencer ao professor, de modo a
permitir um mais amplo entendimento do desenvolvimento académico e social do
aluno. Paralelamente, deve pertencer ao professor a responsabilidade no
planeamento cumcular, dando mais flexibilidade aos currículos de ensino, que
inúmeras vezes não tomam em conta o grau de assimilação e de integração (perfil das
funções cognitivas) das crianças em situação escolar.
Temos de compreender que muito do insucesso escolar das crianças é apenas
espelho do insucesso social e pedagógico que não permite responder às suas
necessidades.

519

I
I

. i I I I i I I: II II ' I i i ' I. I I '

caPírcrto 16

(IN)CONCLUSÕES

Neste modesto livro de introdução às dificuldades de aprendizagem (DA) não foi


possível, nem seria possível, cobrir todos os aspectos que afectam os grocessos da
aprendizagem humana. Apenas nos preocupou apresentar um conjunto de dados que
consideramos relevantes, para tentar lançar outras preocupações, perspectivas e
soluções de carácter científico- pedagógico, num domínio tão controverso e disputado.
As DA já não são uma excepção do sistema educacional. O insucesso da
criança, rotulado de dislexia é também o resultado de outros insucessos: sociais,
políticos, culturais, educacionais, pedagógicos, etc. O abuso do poder ( saben )
de considerar as DA um problema estritamente da criança deve ceder lugar a outra
atitude, bem mais real e concreta, ou seja, considerar as DA um reflexo das
dificuldades de ensino (dispedagogia).
A aprendizagem humana é um processo interactivo, onde, portanto, várias
componentes se inter-relacionam - genéticas, neurológicás, psicológicas,
educacionais, sociais, etc. Não basta, pois, encarar variáveis genéticas ou
biológicas, ignorando variáveis soeiais e educacionais, ou vice-versa.
Efectivamente, enquanto muitas patologias não deixam espaço à intervenção,
considerada inútil ou improfícua, por outro lado as etiologias neurofisiológicas (lesões
mínimas no eérebro) mostram que a intervenção é positiva se oeorrer precocemente.
Em contrapartida, admitir que a pobreza (tipo de envolvimento sociofamiliar,
nível socioeconómico, etc. ), durante os primeiros momentos do desenvolvimento,
pode levar à reduçãó do potencial de aprendizagem, faz pensar que a intervenção só
dá resultado quando ocorre muito cedo. Nestas duas perspectivas, sempre
problemáticas, defende-se a irreversibilidade da deficiência mental e das DA, com a
qual não nos compatibilizamos, pois acreditamos na modificabilidade cognitiva.
Condições genéticas, neurofisiológicas e envolvimentais adversas podem ser
modiflcadas num estádio de desenvolvimento relativamente adiantado

521

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

(Feuerstein 1985); por outro lado, sabe-se hoje que quanto pior é a história
i social, melhor é o prognóstico para a mudança (Clark e Clark 1976).
i Com Feuerstein 1975, consideramos o organismo humano um sistema
aberto e a inteligência" um processo auto-regulado, e não fixo ou imutável.
A abordagem sociologicopsiquiátrica, embora de inestimável importância,
Í é, por vezes, encantatória. Encantatória, na medida em que assume que as
I DA são mais um reflexo de problemas emocionais e pessoais; de problemas
t familiares; de problemas de classe social; da pobreza; da discriminação
Í cultural; da privação linguística, etc. É conveniente equacionar que, inde
pendentemente das condições envolvimentais serem adversas para muitas
crianças, principalmente as mais desfavorecidas, há ainda factores inerentes
à sua estrutura cognitiva e ao próprio sistema educacional que não só cau sam
muitos problemas de aprendizagem, como acentuam e complicam os
problemas que as crianças já trazem para a escola.
Independentemente das extraordinárias contribuições da psicanálise, do
behaviorismo" e da psicometria, não restam dúvidas de que estas correntes
pouca importância deram, em termos de aprendizagem, ao maior atributo
humano, isto é, a capacidade para pensar, ou seja, a cognição.
A cogni ão, é quanto a nós, o ponto fulcral da aprendizagem, não obs tante
aquelas correntes de pensamento não terem aprofundado os seus estudo
e desenvolvimento.
A psicanálise mantém-se no plano de considerar que o comportamento,
e como tal a aprendizagem, são largamente dependentes de factores não inte
lectuais (inconscientes e emocionais) que determinam a cognição. A sua
influência, determinante no âmbito da educação pré-primária e primária, pôs
acento tónico nos factores emocionais e na sua modificabilidade, à custa,
quanto a nós, do esvaziamento e da irrelevância dos factores cognitivos, não
reconhecendo aqui, inexplicavelmente, a sua modificabilidade. Em vez de
estabelecer um balanço, a psicanálise não reconheceu que as dificuldades
cognitivas e emocionais podem produzir problemas concomitantes em cada
uma delas.
0 behaviorismo", emergindo como reacção anti-introspectiva à psica; nálise,
acabou por cair nos princípios da associação, com estímulos e respostas
observáveis vistos como únicas fontes de informação. Também aqui se impe
diu o avanço das estruturas cognitivas, equacionadas como ficções científicas
inacessíveis, como assegura de novo Feuerstein 1975. Foi possível, então,
atingir a aprendizagem programada, as máquinas de ensino, etc. , mas inexi
plicavelmente pouca atenção se deu às operações cognitivas.
Por último, a psicometria levou a ver a criança na base de testes, pondo
enfoque e ênfase na predicção aritmética. Independentemente dos inegáveis
( avanços estatísticos, o QI foi criado para medir a inteligência, considerando[
-a estável e constante, o que é quanto a nós, demasiado restritivo e limita tivo,
na medida em que se trata de uma faculdade humana intrinsecamente
modificável.

522

(IN)CONCLUSÕES

O QI centrado na medição de produtos (nível de realização demonstrado em


testes) não diz nada sobre os processos que estão por detrás da realização verbal ou
não verbal. Dá indicações do que foi aprendido no passado em termos de conteúdo,
mas não fornece dados sobre como se dá a aprendizagem e onde é que o educando
tem, ou não tem, em termos de estrutura, potencial para desenvolver a capacidade
de aprendizagem. Porque a inteligência é medida, supõe-se que ela seja fixa e
imutável, caindo abusivamente na ideia de que ela é largamente dependente do
potencial genético e dos limites hereditários e, portanto, inacessível à sua
modificabilidade. Tese esta defendida por Jensen 1972 e outros.
O QI, porque tem sido visto como a melhor medida de avaliação e predicção da
educabilidade e da treinabilidade da inteligência, tem determinado quase todo o
sistema educacional e vocacional, independentemente do paradoxo de ainda hoje não
se compreender e saber, profunda e efectivamente, o que é que o QI mede e qual a
sua relatividade clínica ou pedagógica.
A cognição não é estática nem quantitativa; aqui Piaget surgiu como alternativa
magnífica, pois demonstrou que a essência da inteligênica não é explicada pela sua
medição como produto, mas sim pela construção activa operada pelo próprio
indivíduo. Piaget explicou que a inteligência não é deterxninada à nascença, nem é
determinada pelo estatismo e a esterilidade do QI; daí os novos desafios que colocou à
educação moderna.
A infalibilidade do QI, a sua perfectibilidade e a sua significação social, têm de
ser questionados, pois como predictor do sucesso escolar, e concomitantemente do
sucesso social e económico, consubstancia a lógica da segregação das DA e, mais
claramente, da deficiência mental. O QI não apresenta recomendações claras para a
instrução posterior, nem mergulha no potencial de aprendizagem do educando.
Há cada vez mais necessidade de investigar o papel mediatizador do sistema
educacional nas proporções epidémicas das DA. Efectivamente, cada vez mais
crianças são segregadas e falham na escola, não obstante a melhoria relativa das
condições sociais. A intensa pressão social e familiar sobre o sucesso escolar põe em
questão a finalidade da educação e a higiene mental dos homens de amanhã, na
medida em que as crianças com DA são normais" intelectualmente, sensorialmente,
motoramente e emocionalmente.
As DA aumentam na presença de escolas superlotadas e mal equipadas,
carenciadas de materiais didácticos inovadores, para além de frequentemente
contarem com muitos professores derrotados" e desmotivados, onde não pode ser
esquecida a excessiva percentagem de professoras, a que corresponde, corr
lativamente, maior percentagem de insucesso escolar nos rapazes, em comparação
com as raparigas.
Já nãó se pode esquecer que a formação de grupos escolares (as tradicionais
turmas) na primeira fase de aprendizagem deve tomar em linha de conta que as
raparigas se desenvolvem muito mais depressa. Os rapazes têm mais taxas
metabólicas do que as raparigas, por isso são mais activos e mais

523

INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

distrácteis. A motricidade fina e a linguagem nas raparigas são superiores às


dos rapazes e isso é determinante na leitura e na eserita, como se sabe. Há
ii mais rapazes com problemas cerebrais do que raparigas, assim como um
!; maior número de predisposições alérgicas nos rapazes. Enfim, a investiga
ção neste campo demonstra claramente que se verificam diferençam
neuropsicológicas significaúvas entre rapazes e raparigas e este ponto deve
! 5er levado em conta no âmbito da organização educacional no que respeita
aos educandos com baixo rendimento.
A filosofia educacional actual é pouco envolvente, optimista e relevante,
abusivamente esvasiada da prática reflexiva e criativa. O pensar, que é o dom
mais importante do nosso cérebro, raramente é explorado na escola, que deve
ria ser exactamente o local privilegiado para pensar no pensar e no aprender a
aprender.
t 0insucesso na escola é, de certa forma, a antevisão da desorganização
5ocial. Se se falha em qualquer estádio da escolaridade (primária, secundária,
etc. ), as hipóteses de sucesso na vida ficam amplamente diminuídas. O insu1
eesso é, na nossa sociedade, uma profecia, uma exclusão e um esúgma mui
tas vezes irreversível; por isso, torna-se urgente acabar definitivamente com
ele. Uma sociedade livre e justa tem a responsabilidade de fomecer aos futu
ros cidadãos um sistema escolar onde o sucesso não seja só possível, como
; provável.
` A descontrolada produção do insueesso escolar e das DA não é um pro; 6lema
meramente educacional. Trata-se de um problema social, cultural e até
económico. Com o insucesso escolar justificam-se posteriormente mais coni
flitos e exclusões sociais, mais prisões e mais hospitais psiquiátricos, etc.
A criança com DA corre o risco de se tornar num adulto desajeitado, des
motivado, desempregado, rebelde, apáúco, marginalizado, não identificado,
etc. , independentemente de no seu seio emergirem valores eomo: Einstein (só
1 aos quatro anos começa a falar e só aos sete inicia os passos na leitura);
? Newton (considerado um aluno de fracos recursos); Beethoven (o seu pro fessor
de música chegou a dizer que, como compositor, não únha hipóteses);
Abraham Lincoln (despromovido na carreira militar); Winston Churchil
(repetente na escola primária); Thomas Edison (os seus professores conside
ravam-no estúpido para aprender o que quer que fosse); Walt Disney (o seu
editor chegou a confessar que ele não tinha boas ideias), etc. Quantos valores
humanos semelhantes se continuarão a perder se não se modificar a função
da escola e a problemática do insucesso escolar?
A escola não pode conúnuar a ser uma fábrica de insucessos. É preciso
determinar exausúvamente as deficiências no sistema educacional e posteri;
0rmente pensar num conjunto de acções para corrigir tal perigosa e dramá
tica tendência. Na escola a criança deve ser esúmada, pois só assim se
poderá considerar útil. Professores e alunos devem aprender a respeitar-se e
a ajudar-se mutuamente, combatendo antagonismos, no sentido de resolve;
rem cooperaúvamente os inúmeros problemas sociais e educacionais que se

524

(IN)CONCLUSÕES

lhes deparam. Assim como o médico se põe ao lado do paciente para vencer a
doença, o professor e a professora deviam colocar-se ao lado do estudante (cliente)
para superar a sua DA.
Os que falham na escola tendem a ser isolados na sociedade. Atrás do
insucesso encobrem-se angústias, frus ç s, mentos, etc. A escola e os seus
professores devem, portanto, ansformar-se pedagogicamente e humanamente até ao
ponto de pernútirem às crianças a identificação com os valores culturais e com os
valores humanos que lhes são inequivocamente inerentes.
Nenhuma escola e nenhum professor se pode justificar quando fazem
lembrar a qualquer criança que ela é uma falhada. A razão da escola justifica-se pela
transformação das crianças em seres humanos autónomos, independentes e
pensadores, ou seja, capazes de iniciarem, elaborarem e pragmatizarem ideias.
A escola precisa de trabalhar cada vez mais no sucesso da aprendizagem,
qualquer que seja o potencial da criança. Quando alguma criança aprende, ela jamais
está isolada; ao contrário, ganha reconhecimento social, maturidade, respeito, amor
e identidade positiva. A escola do sucesso é sempre bem sucedida, ao contrário da
escola do insucesso, onde não é possível o desenvolvimento da responsabilidade
social e da autovalorização. É óbvio que ninguém pode aprender responsabilidade
social ou pensar, quando falha, dado que não possui a autoconfiança necessária para
superar as situações pelas exigências escolares. Independentemente de pais,
professores, políticos, administrativos e especialistas acreditarem firmemente no que
é melhor para as crianças, o problema do insucesso escolar e das DA prolifera.
As profecias consubstanciadas criam expectativas que se reflectem no
aproveitamento escolar das crianças, motivo por si justifcativo da mudança do sistema
educacional. Não é possível continuar a solucionar as questões do insucesso escoiar e
das DA com classes especiais, classes de apoio, classes de repetentes ou classes
homogéneas. À esc la cabe a responsabilidade de impedir o insucesso escolar,
sinónimo de insucesso social, eliminando a filosofia da separação e da segregação
das crianças que falham, impedindo-as de interagir com as crianças que sucedem e
privando-as de oportunidades de socialização, numa palavra, subtiimente
excluindo=as. Sem sucesso académico os problemas de comportamento não se
superam. nem mesmo com i ntervenções psiquiátricas directas. A mudança do
sistema educacional deve operar-se o mais p cocemente possível.
A mudança não pode continua a ser vista como ameaça. O seu efeito é
necessário para dar respostas adaptadas às novas exigências escolares e sociais. A
política de educação deve incentivar a mudança e não ó conservadorismo. Os
professores não podem continuar a resistir à mudança porque receiam que o seu
trabalho se torne mais difícil. A sua função social deve ser reconceptualizada, ná
medida em que não podem mudar o sistema se continuarem inseguros e ameaçados
por aqueles que sugerem mudanças básicas nos métodos de ensino, nos conteúdos
cumculares ou nos processos de formação

525

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

(inicial, em exercício e pós-graduada). Sente-se neles alguma insatisfação pelas


práticas pedagógicas presentes, mas também se sente neles um antagonismo em
relação a quem advogue a mudança. A relutância à mudança deve ceder a uma
reflexão crítica e progressivamente adaptada, só possível de atingir com novos,
contínuos, exigentes e mais dinâmicos processos de formação e informação, a fim de
salvaguardar o futuro de muitas crianças.
Embora toda a gente se preocupe com as DA, não há tempo para um encontro
ou para uma discussão sobre os problemas educacionais numa atmosfera aberta e
livre de pressões e de afirmações inconsequentes. Os pais censuram os políticos e os
professores por não instituirem a mudança. Os politácos e administrativos não
concordam com professores e pais, pelas suas dificuldades em mudar os programas e
os processos. Os professores censuram pais e políticos, por estes se intrometerem
nas suas competências. Este ciclo vicioso deverá ser quebrado por processos de
negociação e inovação pedagógica; caso contrário, o insucesso escolar continuará a
ser a base da maioria dos problemas escolares.
Não há que evitar a mudança, nem esta pode estar à espera de programas
perfeitos. A resignação pelo status quo não solucionará o problema das DA; é preciso
fornecer oportuniddes fortes e sólidas para se trabalhar numa alternativa. O isolamento
cientificopedagógico e organizacional dos professores deve dar lugar a um sentimento
de grupo e a um projecto colectivo para alterar as práticas pedagógicas tradicionais,
na base de intervenções sérias e persistentes e de estudos fidedignos. Persistir em
ideias vagas e em reflexões pedagogizantes não resolve o problema.
Caracterizar, controlar e transformar o insucesso escolar e as DA envolve
medidas educacionais intensivas claras e consequentes.
Transformar o sistema de avaliaÇão, onde nascem os problemas do insucesso,
seria necessariamente uma medida significativa. Enquanto não for inovado o sistema
de avaliação e de selecção, o insucesso caracterizará a situação escolar. Com o
actual sistema de avaliação, que no fundo equaciona todos os problemas políticos e
sociais da educação, a situação tenderá a agravar-se. O insucesso nunca é
motivador, não estimula o trabalho nem a alegria de aprender.
As crianças, quando chegam à escola, encontram-se altamente receptivas à
aprendizagem, venham de envolvimentos favorecidos ou desfavorecidos. Convém
aqui reflectir em que muitos fenómenos de privação proteica e calórica ou de privação
afectiva, lúdica, linguística e social que ocorrem desde o nascimento até a entrada
para a escola tendem diariamente a reflectir-se ao nível do potencial de aprendizagem,
ou seja, em termos de impriting social e em termos de maturação psiconeurológica.
Para muitas crianças, e fundamentalmente para as mais desfavorecidas económica e
familiarmente, a escola é um mundo de primeira importância. Mesmo assim, o
sistema educacional, revelando o seu paradoxo, torna-se implacavelmente selectivo e
socialmente reprodutivo, gerando processos de avaliação que não

526

(IN)CONCLUSC3ES

respeitam as diferenças psicológicas da criança, e que vão progressivamente


transformando a escola num ambiente desvalorativo e humilhante.
A maioria dos professores assume, por inerência do sistema, mesmo sem se
aperceber às vezes disso, que a sua função é a de atribuir classificações de
insucesso, que se reflectem mais nas crianças desfavorecidas, exactamente as mais
necessitadas de medidas de facilitação social e de mediatização cognitiva na
aprendizagem. O insucesso tem, assim, o peso do tradicional, é o tradicional; por
isso, escola e insucesso são muitas vezes sinónimos.
Os sistemas de avaliação não podem ser concebidos na óptica da eficácia e do
rendimento. Há que estabelecer mveis de sucesso, na medida em que é sempre
possível atingi-lo em algum grau.
Não nos podemos esquecer de que logo que a criança obtém um rótulo de
insucesso, ela assume que falhou, o que poderá levar à impossibilidade de se afumar
em termos de pessoa. Se, ao contrário, basearmos o ensino na optimização das
áreas fortes da criança, ganhamos tudo, não se perde nada. Aprendendo a falhar na
escola, as crianças, futuros adolescentes e depois adultos, falharão em pensar e em
trabalhar eficientemente, permanecerão marcadas, quando não derrotadas, pelo
insucesso.
A educação deve e tem de levar as crianças a pensar em sucesso e não em
insucesso, mas só podemos atingir este objectivo se deixarmos de usar processos e
sistemas de avaliação, como conteúdos de matérias, profundamente
despersonalizantes e descolectivizantes.
A ciência moderna assegura que sè pode modificar a criança em termos
cognitivos. Não basta mudar só o material, didáctico e pedagógico, ou os cumculos.
Não restam dúvidas de que os novos materiais construídos à luz de recentes dados de
investigação psicopedagógica podem vir a ampliar e enriquecer o reportório funcional
da criança. Cabe ao professor, em conclusão, o desenvolvimento das estruturas
cognitivas das crianças com DA, das crianças deficientes mentais ou privadas
culturalmente. Pode-se modificar também o educando, por vezes até será mais fácil,
do que modificar primeiro o envolvimento, esperando que essa mudança se reflicta no
educando mais tarde. Mais: isso é preciso para especificar a natureza das mudanças,
com interacção activa entre o educando e os recursos pedagógicos e ecológicos, e
bem assim com estimulação interna que ocorre nas estruturas cognitivas que se deseja
modificar.
A mediatização cognitiva na base de programas de facilitação da aprendizagem
alicerçados em dados científicos actuais é uma das intervenções educacionais que leva
à mudança da estrutura e da natureza do pensamento.
Tais mudanças estruturais podem ser provadas por situações educacionais
específicas em que a exposição a condições de aprendizagem proporciona processos
de matúração e estruturação cognitiva. As mudanças no organismo (Feuerstein 1975)
podem operar-se como consequência de uma intervenção pedagógica, implicando a
capacidade de perceber, processar e comunicar informação e de ser sensivel, interior
e exteriormente, a fontes de estimulação devidamente estruturadas e
sequencializadas.

527

INSUCESSO ESCOlAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

O organismo humano está aberto à modificabilidade em todas as idades e todos


os estádios de desenvolvimento. É possível que a organização e a planificação do
futuro, da mediatização cognitiva, venham a demonstrar que é viável a superação dos
actuais problemas educacionais.
A visão do insucesso é uma visão adulta, não é cenamente uma visão da
criança. A criança, quando entra na escola, aspira a uma experiência gratificadora e
maturativa, isto é, bem sucedida. A visão adulta, do insucesso é, de certa forma,
o reflexo negativo que a escola (e talvez a vida... ) Ihe deixou.
Os actuais processos de avaliação e de transmissão cultural,
independentemente de algumas melhorias neste sector, são ainda sérios obstáculos
ao desenvolvimento da educação.
Abolindo o insucesso do sistema de educação, encorajar-se-ia a aprendizagem
e a realização psicossocial de todas as crianças sem excepção ou exclusão. É
necessário, portanto, evitar a todo o custo o estigma do insucesso ou a imutabilidade
do QI.
As crianças que não aprendem as aquisições simbólicas essenciais - ler,
escrever, falar e contar - falham na escola e terão provavelmente menos hipóteses de
suceder na vida, ficando portanto privadas de identidade cultural.
Sem identidade cultural o desenvolvimento humano está inexoravelmente em
perigo; daí que se coloque a necessidade de reperspectivar a noção de privação
cultural.
Não são as crianças desfavorecidas que são responsáveis pela privação, nem
muito menos a cultura em si. O factor desestabilizador está no falhanço da sociedade
(e da escola) em transmitir e mediatizar a sua cultura a novas gerações.
Muitas experiências têm sido e continuam a ser conduzidas com populações
desfavorecidas e/ou emigrantes (Israel, Cuba, etc. ), provando que muitos indivíduos
de meios pobres e desfavorecidos e de grupos étnicos e rácicos podem chegar a altos
níveis escolares e académicos, e ter até sucesso económico na cultura dominante. Há
aqui uma dialéctica entre factores extrínsecos e intrínsecos que convém respeitar,
independentemente de os extrínsecos, muitas vezes, não afectarem os intrínsecos, o
que em si prova a contradição aparente acima apontada.
É preciso reavaliar a avaliação e o sistema educacional, a fim de se planificar
novas intervenções que mudem o curso dos acontecimentos e as oportunidades
culturais.
A útulo meramente esquemático, como cabe nesta (in)conclusão, depois de
abordar sumariamente o insucesso escolar e introdutoriamente as DA, a planificação
de medidas de intervenção educacional deve obedecer a um conjunto eswturado e
integrado de acções de levantamento, de identificação, de diagnóstico, de avaliação
educacional, etc. que obviamente teriam de passar por modelos educacionais de
descentralização administrativa e pedagógica.

528

(IN)CONCLUSÕES

O levantamento dos problemas das DA exigiria a implementação de processos


sistemáticos de localização e de identificação precoce de crianças em risco, o que
implicaria a criação de serviços de intervenção e a definição de fronteiras geográficas
(regionais, distritais, zonais, etc. ). A coordenação dos serviços medicossociais com
os serviços educacionais locais seria urgente, pois tornar-se-ia necessário desenvolver
a consciencialização dos mesmos e convencer a comunidade para as vantagens da
identificação e da intervenção precoces, prevenindo problemas futuros e eliminando
condições que tendem a agravar a adaptação psicossocial de inúmeras crianças.
Reduzir-se-ia os custos, que tendem a aumentar em espiral, criar-se-ia alternativas,
controlar-se-ia processos e minimizar-se-ia os efeitos cumulativos das DA.
Dentro desta linha de medidas, a indispensável criação do ensino préprimário
obrigatório constituiria a base do combate ao insucesso escolar. A mudança do
sistema educacional deveria iniciar-se pelos seus alicerces, visto serem mais eficazes
aí a identificação e a intervenção precoces. Despistar precocemente as DA por rotina
poderia levar a intervenções compensatórias mais adequadas, quer médicas quer
psicopedagógicas, originando, por consequência, a criação de programas
educacionais individualizados e preparando heterogeneamente cada criança, de
acordo com o seu estilo de aprendizagem para a apropriação das pré-aptidões
simbólicas subsequentes.
Tais medidas da responsabilidade dos serviços educacionais deveriam ser
coordenadas paralelamente com acções de sensibilização junto da comunidade
através de programas de televisão è de rádio; de artigos de jornais; de folhas de
informação; de posters informativos colocados nos locais mais frequentemente
visitados pelas populações locais; de sessões demonstrativas com diaporamas e
filmes; de reuniões locais, de profissionais e de pais; etc.
De certa forma, a planificação da intervenção no combate às DA implicaria a
educação da comunidade, despertando-a para a importância da identificação precoce
de problemas dé desenvolvimento e de aprendizagem.
A identi, ca ão precoce, sendo adoptada sistematicamente como processo de
discriminação das crianças que necessitassem de outros serviços educacionais,
permitiria: o desenvolvimento de processos de diagnóstico; a criação de meios de
encaminhamento; a avaliação de programas educacionais de intervenção; etc. Por
exemplo, aos quatro anos, todas as crianças escolarmente integradas deveriam ser
rapidamente identificadas, nascendo daí a necessidade de outros diagnósticos mais
diferenciados, de outros modelos de encaminhamento e de outros apoios adicionais,
etc. Quanto mais cedo se identificar os problemas de aprendizagèm melhor, na
medida em que se pode modificar o envolvimento familiar, social e educacional
facilitando à criança a apropriação precoce de aquisições básicas de aprendizagem.
De igual modo, quanto mais precoce fo tervenção, maior será a mobilização do
potencial de desenvolvimento.
Consequentemente, cabe áquLz-e eri que o desenvolvimento cognitivo precoce
e a sua estrutura põem éin jógo duas modalidades de intetacção

529

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

entre o organismo e o envolvimento. A primeira compreende a exposição


"' directa a fontes de estimulação, de onde emerge o repertório de compor'
tamento e o perfil cognitivo, confirmando a crucial importância dos
trabalhos de Piaget, embora a interacção assimilação-acomodação nos surja
: restringida ao domínio dos objectos. A segunda compreende a aprendi
zagem mediatizada, ou seja, o modo como os estímulos do meio são
transmitidos, filtrados, seleccionados e reforçados por um agente de medi
atização, culturizado e socializado (pais, parentes ou outros portadores).
Ao processo de Piaget (estímulo-organismo-resposta E O - R),
Feuerstein, e já Vygostsky, Zaporozets e Elkonin (Fonseca 1982) adicio nam
mais um elemento, isto é, o mediador humano que se interpõe entre
; o estímulo e o organismo E - H - O t- H H R. De facto, e isto é
de uma grande importância para o desenvolvimento humano, quanto mais
cedo o organismo é sujeito a uma aprendizagem mediatizada (humani; zada),
maior será a sua capacidade e eficiência em usar, ou em ser afeci tado, pela directa
exposição às fontes de estimulação.
' De facto, o desenvolvimento humano requer condições mínimas de esti,
mulação em períodos sensíveis de maturação. Porque algumas aquisições
devem ser aprendidas antes de outras; a criança com DA que não for devi
damente estimulada ficará cada vez mais em dificuldade, à medida que o
tempo passar.
A identificação assim perspectivada deve implicitamente sugerir medidas
de intervenção educacional; daí a sua importância longitudinal e pedagógica.
Não basta identificar ou requisitar o diagnóstico com especialistas raros e
superlotados; é fundamental que se ensaie e se avalie, logo após o diagnós
úco, programas de enriquecimento educacional.
! 0recurso ao diagnóstico deveria ser utilizado para confirmar ou

desconf irmar a existência das DA. Neste âmbito, o diagnóstico dinâmico


: deveria surgir como dispositivo clarificador da natureza do problema, tendo
' em atenção a interacção dos factores biossociais (orgânicos e envolvimen
tais). O diagnóstico deveria, em sequência, fornecer a informação suficiente
'' àcerca da condição da criança, a fim de pernútir a discussão do caso e a
decisão apropriada e adequada a um programa de intervenção. Enquanto a
identif icação podia dar uma amostragem das capacidades da criança em
várias áreas, o diagnóstico deveria envolver um exame em profundidade
! sobre os problemas não evidenciados durante a identificação. Por outro
lado, enquanto a identificação poderia ser realizada por educadores e pro
fessores, o diagnóstico deveria envolver professores especializados,
terapeutas, psicólogos ou médicos. No mesmo sentido, o diagnóstico não
deveria ser confundido com a avaliação educacional, na medida em que
aquele decide do tipo de intervenção, e esta do conteúdo da intervenção.
Em resumo, o diagnóstico deveria assegurar a obtenção e a captação de
' dados que ajudassem a determinar as áreas fortes e fracas, facilitando a
' tomada de decisões e de prescrições em termos educacionais.

530

(IN)CONCLUSl SES

As áreas do diagnóstico poderiam circunscrever-se, em termos ideais, a


diferentes técnicos e a diferentes tipos de informação, de acordo com o seguinte
quadro:

Áres Técnicos Tipos de Informação

1. História social Assistente social Informação sobre a dinâmica


familiar;
Determinação do que significa para a fanulia toda a dimensão dos problemas
da criança, etc. ; Dados mesológicos;

2. Exame médicoPediatra Nível de saúde da criança; história


clínica; identificação de problemas biomédicos, genéti cos; marcos do
desenvolvimento; anamnése;

3. Exame neurológico Neurologista Informação sobre algum


envolvimentao do SNC, lesão cerebral; EEG; determinar disfunções;

4. Exame psicológico Psicólogo Informações de testes (dados


psicométricos) e de observações informais; Medir o nfvel de realização em várias
áreas, e detectar respostas emocionais em testes projecúvos; perfl intraindividual;
modelos de informação, intra ou interssensorial;

5. Exame auditivo Audiologista (ou enfernteira de Informação sobre o audiosaúde


pública) grama e determinação do tipo
de desordem;
6. Exame visual Oftalmologista (ou enfermeira Detecção de algum problema
de saúde pública) visual (discriminação, figura -fundo, etc. );
7. Exame de linguagem Terapeuta da fala Identificar o nível de compre ensão
e de uúlização de pala vras, frases e conceitos;
8. Exame educacional Professor especializado Detemtinar o estilo de
aprenPsicopedagogo dizagem e a áreas fortes e
fracas; PEI (programa educa cional individualizado).

531

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

A concluir este simples modelo integrado de acções de intervenção no


âmbito das DA, deveria surgir a avaliação educacional. Tal avaliação, como já foi dito,
deveria constituir-se como um processo sistemático de recolha de informação sobre o
nível básico defuncionamento da criança em áreas especificadas da aprendizagem,
cabendo-lhe, em consequência, a interpretação cuidadosa da informação recolhida. A
sua finalidade principal situar-se-ia no desenvolvimento de um plano educacional total,
especificado em objectivos de curto e médio termo e estruturado hierarquicamente em
várias tarefas e subtarefas (plano passo-a-passo).
Com base em novos processos de intervenção, como a avaliação
educacional (diagnostic teaching) e a análise de tarefas (task analysis), poder-se-ia:

I) Identificar os problemas educacionais;


2) Avaliar as características educacionais e envolvimentais das
crianças com DA, detectando as dificuldades por áreas, determinando os problemas,
analisando os resultados do diagnóstico, administrando dispositivos de diagnóstico
mais sistemáticos, formulando hipóteses sobre os problemas educacionais ou
recorrendo à investigação;
3) Desenvolver um plano educacional individualizado baseado nos
dados do diagnóstico;
4) Colocar a criança no envolvimento educacional mais ajustado às
suas necessidades educacionais específicas.

A avaliação educacional deveria permitir obter um pe l intraindividual,

equivalente ao nível de realização aetual da criança. Com base nesse perfil,


: determinar as necessidades, estabelecer objectivos, desenvolver e planificar
programas, implementá-los e avaliá-los continuamente.
A avaliação educacional assim equacionada constituiria uma espécie de
: controlo à eficácia dos programas de intervenção no domínio das DA.
Em certa medida, o combate ao insucesso escolar e às DA envolveria a
' 1ndividualização, o desenho curricular, a aprendizagem sequencializada e a
aplicação sistemática e adequada de reforços positivos.
A mudança é possível e necessária, o problema está no desafio que
; actualmente se apresenta ao desenvolvimento científico da educação. Tal desen
volvimento envolveria obviamente a aplicação de processos de programação, de
processos pormenorizados e detalhados de tarefas e subtarefas, das rotinas e
5ubrotinas de aprendizagem, ete. , tendo como finalidade a obtenção de um
certo
9rau de personalidade, isto é, a adequação das condições externas de ensino às
condições internas de aprendizagem, inerentes às próprias crianças com DA.
A individualização não é sinónimo de um professor por cada aluno, mas
"; antes de um ensino plástico e adaptativo.
Para se superar o insucesso é necessário começar por algo que a eriança
possa aprender (inventário das aptidões) e não aguardar que, milagrosamente,
. a criança aprenda sem possuir pré-aptidões e pré-requisitos adequados. Em

532

(IN)CDNCLUSÕES

vez de esperar que a criança ultrapasse o nível de exigência das tarefas educacionais,
seria preferível que o nível de dificuldade fosse simplificado ou subdividido em
componentes altamente motivadoras e susceptíveis de serem resolvidas, por
aproximações sucessivas, através das competências inerentes às crianças em
dificuldade.
Baseando o programa em processos que promovam o êxito e de sucesso em
sucesso, as crianças com DA poderiam ter outras experiências pedagógicas bem mais
gratificantes.
É necessário encontrar o método que permite à criança aprender. É o método
que se adapta à criança e não o contrário.
Utilizar planos detalhados e espeeíficos; prever altemativas; seleccionar
materiais; trabalhar com objectivos; escrever objectivos em termos operacionais;
verificar se estão a ser ou não alcançados; acompanhar permanentemente a evolução
da criança com processos de registo intra e interindividuais; aplicar reforços positivos;
sistematizar a aprendizagem com base numa sequência hierarquizada; generalizar e
transferir as aquisições já aprendidas para novas situações; procurar e criar materiais e
recursos que se ajustem às necessidades das crianças; encorajar e entusiasmar a
conduta das crianças; etc. , devem ser outras tantas características da mudança a
imprimir.
Para aprender a ler e a escrever, certamente as aquisições mais importantes no
sucesso escolar, a criança necessita de um grande repertório de aquisições.
Enquanto estas aquisições não fizerem parte do repertório de cada criança à entrada
da escola primária, muito diflcilmente ela poderá aprender a ler ou a escrever; daí a
urgência de medidas de organização educacional.
Em termos esquemáticos, podemos destacar as aquisições essenciais à
aprendizagem simbólica. (Figura 141. )
Para implementar algumas destas medidas num sistema educacional
centralizador, tornar-se-ia necessário organizar, a nível regional (udistrito escolar"),
um modelo dinâmico de intervenção compatível com as necessidades locais, evitando
as colocações e os encaminhamentos ineficazes.
De uma forma esquemática, vejamos algumas das medidas a equacionar. O
recrutamento de professores para acções de identificação e avaliação teria de ser
coordenado com processos de formação devidamente planificados na base de créditos
académicos. A criação de facilidades de sistemas de informação e de recursos, etc. ,
teria de ser igualmente perspectivada, dado que as crianças não poderiam beneficiar
dos meios proporcionados pelas classes normais.
Os madelos de identificação, por mais simplificados que fossem, deveriam ser
experimentados durante a formação, permitindo treinar professores na detecção de
problemas de aprendizagem e de comportamento, de sinais de distractibilidade, de
problemas perceptivomotores, de problemas conceptuais e de sinais de instabilidade
emocional.
Os programas a adoptar deveriam cobrir as classes de apoio e as classes
especiais, abrangendo alternativas de integração. A relação professor-aluno,

533

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

nos casos das crianças com DA, deveriam ser de mais ou menos 12 crian ças
por professor, pois só assim a individualização e a qualidade do ensino se poderiam
materializar.
A cobertura da intervenção no campo das DA não se poderia circuns
crever apenas ao ensino primário - haveria que equacionar intervenções no ambito do
ensino pré-primário e no ensino secundário dando prioridade às estruturas já formadas,
minimizando problemas familiares e resolvendo problemas de transporte.

PROCESSO PROCESSO PROCESSO


RECEPTIVO INTEGRATIVO EXPRESSIVO
rQ
Percepção visual Praxia e competência
. Formas das leVas manual
VISÃO e dos númems Gestualidade P
Atenção visual DescodificaçãoDesenho 'lA 1
ii
. Percepção visual Codificação Escrita
. Percepção Retenção Ì
do espaço
. Figura-fundo

Percepçõo auditiva Rememorização Praxia e competência


Sons de letras da linguagem
AIIDISAO e números Combinação Articulação FALA
. Atenção auditiva Produção de sons
Discriminação Equivalência Entoação
auditiva interssensorial F1uência
Orientação auditiva Nomes de letras
Figura-fundo e números
Percepção Organização Praxia gtobal
' _ tactilo- espacial Controlo da i`
' TALfO E qu stésica actividade
" Q páoceptividade Planificação Coordenação visuo- j"
I \ , I OImagem do co po motora auditivomotora PRAlDA
- Lateralidade Linguagem Equilfbrio GLOBAL
Direccionalidade Sintaxe Melodia
I I
Est. tactil-múltipla Semântica quimstósica
Praxia vestibular Estrumração . Expressão cotporal
Gnosia tflctil espaciotemporal Dextralidade Y
1 I
I
. . Acuidade Detecção Formação de conceitos . Adaptação
. Recepção Discriminação . Generalização Comportamento
da informação Alerta . Categorização Velocidade i
Telen'eceptores . Facilitação ou Maturidade . Ritmo
. Pmprioceptores inibição de: psicomotora Sequência
Transdução sensações Associação Simetria
. Transmissão ao SNC automatismos Imagem esquerda-direita
t
Sistema actividades Simbolização Dinâmica visual, auditiva
sensorial motoras manual e pedal I
perifBrico
. t I1 I
,

Figura 141- Aquisições essenciais à aprendizagem simbólica

534

(IN)CONCLUSÕES

A definição da criança com DA deveria obedecer a critérios de selecção


uniformizados: QI > 75-90, sem problemas sensoriais, neurológicos ou emocionais.
A selecção, com base em instrumentos válidos e fidedignos, com dispositivos
de detecção de problemas nas seguintes áreas: emocionais, psicomotoras,
perceptivas (visão e audição), linguístieas, cognitivas e sociais, deveria culminar com
um relatório médico, psicológico e pedagógico circunstanciado, a fim de
substancializar o encaminhamento e a orientação mais adequada para cada caso. Tal
orientação deveria ser tomada com base em reuniões interdisciplinares e de síntese na
presença dos pais, nas quais se procederia à discussão sobre as necessidades
específicas da criança e sobre o programa educacional individualizado por que optar.
Os critérios de admissão definidos por uma comissão composta por vários
membros com funções bem definidas teria de integrar vários processos,
nomeadamente: relatórios de coordenadores; solicitação de professores, de
assistentes sociais, médicos, psicólogos escolares e de pais; análise de
recomendações dos vários especialistas; pragmatização a nível local das
recomendações; prioridades a atender e satisfações a operacionalizar, etc.
A colocação de tais crianças deveria levar em linha de conta listas de espera;
notificações das autoridades escolares locais, etc. Do mesmo modo outras acções
seriam de equacionar: programas de sensibilização para pais; reuniões para
professores; programação da intervenção; planificações das sessões individuais em
pequeno grupo ou na classe; sistemas de mudança de comportamento a adoptar;
transportes e serviços a contactar; reuniões entre os professores das classes regulares
e professores especializados ou coordenadores; entrevistas; avaliações anuais;
elaboração de relatórios dos progressos escolares (relatórios progressivos); etc. , etc.
Estas medidas, aqui simplesmente descritas, porque a conclusão dum livro o
não permite, só poderiam obter êxito se devidamente coordenadas com acções de
formação de professores, que deveriam englobar: sessões de sensibilização,
explicação e demonstração (workshops) de modelos de identificação e de intervenção;
cursos intensivos pragmáticos e baseados numa investigação formativa; visitas guiadas
a escolas, a professores especializados, a centros de observação e a grupos
experimentais; cursos de verão ou de actualização; reuniões semanais para discussão
de casos e apresentação de modelos de intervenção e de avaliação; organização da
instrução e das estratégias educacionais; etc. , etc.
Muito pouco destas ideias é implementado nos sistemas educacionais. Muito há
a fazer para refinar e reprecisar os processos de diagnóstico e de intervenção nas D A.
Não há tempo a perder, pois o trabalho intensivo que urge iniciar na prevenção
e na intervenção das DA espera por soluções viáveis e eficazes.
A educabilidade das crianças com DA e o conhecimento das suas diferenças
intraindividuais exigem que se vá ao seu encontro para determinar a

535

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGÓGICA

que nível educacional elas funcionam. A partir daí, construir um curriculo, planificar as
sessões, reforçar as respostas desejáveis e reavaliar a eficácia do programa
educacional individualizado: tais são, em nosso entender, as armas pedagógicas do
futuro, para combater o insucesso escolar e as DA.
Noutros volumes, que temos intenção de escrever, se efectivamente tal
satisfizer os leitores interessados, procuraremos dar exemplos de modelos de
identificação, observação e intervenção no campo das DA, e ao mesmo tempo
fornecer alguns resultados sobre as nossas investigações, para além de ilustrações de
casos de dislexia, disgrafia, disortografia e discalculia e respectivas estratégias
educacionais.
Eis pois, em (in)conclusão, o nosso pequeno contributo para o estudo das DA.
Concentrámo-nos no estudo dos factores e das condições em que se desenrola
a aprendizagem normal e atípica, procurando sempre uma análise interdisciplinar,
aberta e sistémica.
Concluímos uinconclusivamente" esta abordagem com uma série de sugestões
que temos intenção de aprofundar noutros trabalhos. Em resumo, procurámos
caracterizar o campo das DA, apresentámos processos de controlo dessa realidade
complexa e sugerimos processos de transformação, sempre com a ideia de que é
possível ultrapassar o insucesso escolar e as DA e, ao mesmo tempo, salvaguardar o
potencial de todas as crianças e todos os jovens que temos a responsabilidade de
educar cada vez melhor.
536

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SIGLAS E ACRÓNIMOS

ABC Aprendizagem baseada no cumculo


ADN Ácido desoxiribonucleico
ANOVA Análise da variância
A Ácido ribonucleico
ASM Àrea suplementar motora
BVRT Benton Visual Retention Test
CECDIC Comissão de Estudo de Crianças com Dificuldades de Aprendi
zagem e Dificuldades Emocionais
CITAP Centro de Investigação de Terapias Aplicadas à Psicomotricidade
CLIMEFIRE Clínica Médica Física e de Reabilitação
CNV Comunicação não verbal
CRP Centro de recursos pedagógicos
CTBS Canadian Test of Basic Skills
DA Dificuldades de aprendizagem
DANV Dificuldades de aprendizagem não verbais
DAPA Diagnóstico das aquisições da percepção auditiva
DAV Dificuldades de aprendizagem verbais
M Disfunção cerebral mínima
DE Dificuldades de ensino
DEL Dificuldades específicas da linguagem
DILE Diagnóstico informal da leitura
DL Dislexia
DM Deficiência mental
DME Deficientes mentais educáveis
DTVP Development Test of Visual Perception
EEG Electroencefalograma
EET Estruturação espaciotemporal
EIPA Escala de identificação de potencial de aprendizagem
ES Estrututras sintácticas
GEIPP Gabinete de Estudos e Intervenção Psicopedagógica
GEP Gabinete de Estudos e Planeamento
IAACF Instituto António Aurélio da Costa Ferreira
IE Insucésso escolar
IF Inteligência formal

563

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSlCOPEDAGÓGICA

IMT Integração multisensorial total


IO Inteligência operacional
IPA Identificação de potencial de aprendizagem
IPO Inteligência pré-operacional
ISM Inteligência sensoriomotora
ISPA Instituto Superior de Psicologia Aplicada
ITPA The Illinois Test of Psycholinguistic Abilities
LCM Lesões cerebrais mínimas
LF Lóbulo frontal
LO Lóbulooccipital
LP Lóbulo parietal
LT Lóbulo temporal
MBD Minimal brain dysfunctions
MMPI Minnesota Multiphasic Personality Inventory
NBA Nível básico adaptativo
NEE Necessidades educativas especiais
NJCLD National Joint Committee of Learning Disabilities
NP Neuropsicológico
OS Orton Society
PAR Processo auditivo perceptivo
PEI Programa educacional individualizado
PET Tomografia por emissão de positrões
PIPSE Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Escolar
PPI PerFl psiconeurológico intra-individual
PPVT Peabody Picture Vocabulary Test
PSLT Picture Story Language Test
PVE Processo verbal expressivo
QA Quociente de aprendizagem
QI Quociente intelectual
QINV Quociente intelectual não verbal
QIV Quociente intelectual verbal
QPL Quociente psicolinguístico
I RM Ressonância magnética
RN Recém-nascido
SBIS Standford Binet Intelligence Scale
SIF Subnormal intellectual functioning
SIPCOM 5ocietà de Investigazione per la Patologia della Comunicazione e
della Motricità
SNC Sistema nervoso central
SNP Sistema nervoso periférico
TAC Tomografia axial computorizada
TPMBO Teste de Proficiência Motora de Bruininsk-Oseretsky
TQ Tactiloquinestésico
VIS Visual information storage
WAIS Weschler Adult Intelligence Scale
WISC Weschler Intelligence Scale for Children
WISC-R Weschler Intelligence Scale for Children Revised
WRAT Wide Range Achievement Test

Fim

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