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O Sete de Setembro: independência ou morte?

Por Gladys Sabina Ribeiro e escrito para o FB.

O Sete de Setembro faz parte do mito de origem do Brasil como Estado-Nação.


Como tal, a data é uma “construção”, como outras que fazemos em História –o que
tenho comentado a farta com minha amiga Angela Dutra de Menezes. Pensou-se
igualmente em comemorar a Independência no 12 de outubro, juntando a data 
a descoberta da América, e no dia 1 de dezembro, coroação de D. Pedro. Uma boa
análise desses fatos pode ser lida nos livros de Iara Lis Schiavinatto e de Lúcia
Bastos, amigas aqui do FB e da vida também.

A Independência não era exatamente um projeto. Então, não dá para remontar o


evento como se fosse um processo linear, com início em 1808, ou em qualquer
outra data que se imagine. Há que se compreender o contexto daqueles fatos que
levaram a Independência. Historiadores ou apreciadores da historiografia devem
tomar por bom conselho o de Marc Bloch: devemos nos livrar dos mitos de origem.
Portanto, a Independência do Brasil não era inevitável; não está encadeada nas
revoltas do final do XVIII; não pode ser explicada no âmbito do que se chamou de
conflito Metrópole versus Colônia, a exemplo dos EUA e como explicou, anos atrás,
a historiadora Maria Odila Dias.

A autonomia do Brasil deu-se no desenrolar dos fatos que marcaram o movimento


constitucionalista, que grassava a Europa, e não somente Portugal. Ali discutia-se
os direitos que hoje consideramos fundamentais, bem como as formas de governo
(relação entre o governo e o povo), ainda em formulação típica do Antigo Regime.
Debatia-se o contrato, como mostrou a mesma historiadora Iara Lis Schiavinatto,
citada acima.

Até 1825 não se sabia se a Independência tinha “colado” de fato. Esse foi o ano
em que se passou a fazer maiores tratativas para um acordo, com intermediação
da Inglaterra. Alguns fatos podem ser lembrados: a Inglaterra tinha urgência em
renovar os tratados que havia assinado com o Príncipe Regente D. João, na
chegada da Corte ao Brasil, anos antes – 1826 era deadline para a questão do
tráfico, daí a convenção assinada nesse ano. A Confederação do Equador não havia
sido exitosa e o Norte do país estava “pacificado” com guerra sangrenta da
independência, que usou militares estrangeiros (equivocadamente chamados de
mercenários). No norte do país a ideia de liberdade era também outra, as linhas de
comércio eram outras – o que quer dizer que o domínio do Sul foi pela força bruta.
A hegemonia foi a das armas e não houve independência pacífica. Essa forma de
“pacificação” teve algumas consquências futuras, entre elas, as revoltas no período
regencial ... e Evaldo Cabral tem razão quando fala em Independências ... 

As lutas nas das grandes cidades brasileiras, e, especificamente, nas ruas do Rio de
Janeiro, foram fundamentais. No Rio, fortificações foram feitas em locais de
resistência escrava, como perto do quilombo do Iguacú. Houve a concreta
formação de tropas militares e foi exarado um decreto que dizia que entre cinco
escravos um devia ser fornecido para o defesa da nação, para a Causa do Brasil,
que só gradativamente se transformou em Causa Nacional, já perto do que se
convencionou chamar de Abdicação. 

A necessidade de um tratado foi embalada igualmente pelas disputas identitárias e


criadas ao redor da discussão de quem era brasileiro, o que envolvia não só os
artigos da Constituição e os portugueses do parágrafo 4º, mas a lei da
naturalização ( que saiu em 1832) e as lutas pela sobrevivência, em tempos
difíceis, duros demais.

Houve também planos portugueses, mal sucedidos, de reconquista do território


brasileiro ou de conversações de reunião das partes, como a expedição de 1823.
Esta objetivava juntar novamente os dois lados do Atlântico – e, por consequência,
a África. Em 1826, depois da morte de D. João e de nova possibilidade de reunião
com Portugal, o Marquês de Inhambupe chegou a sugerir a D. Pedro aceitar a
proposta e, depois, se livrar do antigo Reino – um fardo-, ficando com a África ...
lucrativa, claro. 

Nesses conturbados anos, a antiga metrópole sofria os reveses do corcundismo


como uma permanente ameaça, vide o desenlace com a futura Abdicação, a ida de
D. Pedro para a Europa armar exércitos e a famosa luta contra D. Miguel, que
elevou definitivamente D. Maria II ao trono (nossa D. Maria da Glória, princesa
brasileira).

Recordemos que havia disputas entre os projetos de como governar, o que 


é atestado pela dissolução da Assembléia, em 1823, e pela elaboração de uma
nova Constituição em tempo recorde, para ser jurada em março de 1824 - feita por
homens ligados ao comércio de grosso, como mostrou Cecília Salles de Oliveira,
apontado a falsidade de classificar D. Pedro como absolutista. Aliás, D. Pedro IV é
comemorado na terrinha como bom liberal, e, Evaristo pede a Câmara, em 1832,
ou 1833, não me recordo bem da data, que se pague algo do que o Brasil deve a
Portugal, pelo tratado, para financiar as lutas do liberal D. Pedro. É, a política tem
as suas razões ...

A guerra na Cisplatina ajudou a sacramentar o processo de tornar o Brasil um país


com uma política própria, autônoma diante do concerto das nações européias e
com liderança diante da América Espanhola, como provam as pesquisas recentes
de Aline Pinto Pereira, em seu doutoramento recentemente defendido na UFF.

O que quero acentuar hoje, véspera de mais um 7 de setembro? O que venho


dizendo faz anos: houve intensa participação popular no processo de
autonomização do Brasil, que foi sangrento. A luta era em prol da liberdade e da
autonomia, que era o que se desejava de fato. Não se queria a separação
propriamente dita. Esta foi sim, consequência do desenrolar dos acontecimentos.
Soube-se que tinha vingado depois, muito depois. Na cabeça daqueles homens
pairava a dúvida sobre o destino brasileiro. Aliás, Varnhagen foi o primeiro a dizer
isso, e lá no século XIX. Consultemos o livro que escreveu sobre o tema.

Imaginem também o quanto de sonho despertava essas ideias de autonomia nos


escravos, livres pobres, libertos e imigrantes miseráveis. A liberdade era uma
grande novidade e o grande tema do XIX. A discussão da liberdade (muito mais do
que a separação de Portugal) era a da utopia de um poderoso império, como diria
a historiadora Maria de Lourdes Lyra.

O que foi a independência? Era independência tida como liberdade, como


autonomia, nos quadros do que era a Constituição – e que devia respeitar as
especificidades de ambas as partes do Atlântico, em moldes de um governo dual e
federativo. Essa era a essência, por exemplo, da representação paulista às Cortes
de Lisboa antes, em agosto de 1822, e da proclamação feita na ocasião, cuja
autoria é atribuída a José Bonifácio. 

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