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A EDUCAÇÃO: ELEMENTOS DE PROBLEMÁTIA E CRÍTICA


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Conteúdo
A EDUCAÇÃO: ELEMENTOS DE PROBLEMÁTIA E CRÍTICA .................................................... 1
1.ª UNIDADE .............................................................................................................................................. 4
1. A PROBLEMÁTICA DA EDUCABILIDADE HUMANA ................................................................ 6
1.1. A EMERGÊNCIA PROBLEMÁTICA DA PAIDEIA. .................................................................................... 6
1.2. KANT: A ANTINOMIA DA EDUCABILIDADE HUMANA ........................................................................ 14
1.3. FREUD: TENSÃO E AGONIA EDUCATIVA ............................................................................................ 21
2.ª UNIDADE ............................................................................................................................................ 28
1.4. DA FENOMENOLOGIA DA AGONIA EDUCACIONAL AO PARA ALÉM DA AGONIA ................................. 28
1.4.1. Fullat: a fenomenologia da agonia educacional. ................................................................... 28
1.4.2. A educação para além da agonia............................................................................................ 37
3.ª UNIDADE ............................................................................................................................................ 46
2. O CAMPO EDUCACIONAL E SUAS ANTINOMIAS .................................................................... 46
2.1. ENTRE ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA: UMA ANTINOMIA FUNDAMENTAL. ................................................. 46
2.1.1. O essencialismo ...................................................................................................................... 48
2.1.2. A revolução da pedagogia da existência ................................................................................ 54
2.1.3. Desenvolvimentos e actualidade da antinomia entre as pedagogias da essência e da
existência .......................................................................................................................................... 72
4.ª UNIDADE .......................................................................................................................................... 103
2.2. DINÂMICA DA ANTINÓMICA EDUCACIONAL. .................................................................................. 103
2.2.1. Antinomias e problematicidade da educação ....................................................................... 103
2.2.2. Desdobramento de novas antinomias pela via do pensamento da diferença ........................ 112
5.ª UNIDADE .......................................................................................................................................... 117
3. COMPLEXIDADE E CRITÉRIOS PARA O CAMPO EDUCACIONAL ................................... 117
3.1. UMA CONCEPÇÃO COMPLEXA DA EDUCAÇÃO ................................................................................ 117
3.2. UM HORIZONTE CRÍTICO PARA AVALIAR O EDUCATIVO E O DESEDUCATIVO .................................. 126
3.2.1. Pessoa e valores: o educativo e o deseducativo ................................................................... 131
3.2.2. Pessoa e relação: o educativo e o deseducativo ................................................................... 137
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 148
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1.ª UNIDADE

―E aqui tropeçamos com um estranho e


inesperado curso das coisas humanas, pois
ocorre que, se contemplamos este curso com
amplitude, encontrámo-lo sempre cheio de
paradoxos.‖

Kant, O que é a Ilustração

―Procurei-me a mim mesmo.‖

Heraclito

Ao propormo-nos estudar a problemática educacional e, em conjunção, os


planos educativo e deseducativo, tínhamos de considerar as abordagens, em nosso
entender fundamentais, com as quais parece ser necessário estabelecer uma conversa, na
esperança de se fazer assim emergir os sentidos buscados. O nosso empreendimento
pautou-se, pois, por um diálogo, com determinadas abordagens cruciais, que veio a ser
também um itinerário de descoberta de sentidos, sobre as questões emergentes, a cada
passo dado.
Este procedimento impôs-se-nos, desde logo, pelas múltiplas e renovadas
perplexidades que o tema, com persistência, apresenta ao ser considerado sob diversos
ângulos. Em cada tentativa a perplexidade brota, geralmente, sob o signo do paradoxo e
da antinomia. Esta é a experiência que, como pudemos verificar para muitos casos,
assalta quem se abalança a considerar a questão educativa.
No seu conjunto, o nosso estudo acabou por consumar-se através de lanços
sucessivos, por meio dos quais nos parece termos ido obtendo a consciencialização de
certos aspectos e pontos críticos, que se foram aprofundando e matizando. Com isto
conseguimos ir construindo uma sensibilidade crítica sobre a problemática educacional.
Do nosso ensejo resultaram certos critérios educacionais que se articulam entre si,
remetendo uns para os outros, o que nos aparece congruente com o facto de o humano
não poder ser entendido por um processo de enumeração: o humano constitui uma
estrutura. Ver-se-á adiante que todos os critérios confluem na noção de pessoa. O
universo pessoal aglutina e funda, com base nos seus atributos e requisitos, o campo
educacional, sendo a partir dele que emerge a linha de demarcação crítica do
deseducativo.
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1. A PROBLEMÁTICA DA EDUCABILIDADE HUMANA

1.1. A emergência problemática da Paideia.

A primeira aproximação ao sentido do que seja educar pareceu-nos ter de fazer-


se remontando a um ponto inaugural, de cariz histórico, não por o confundirmos com a
origem, esta de raiz antropológica. Porém, o início permite-nos aqui apreender,
igualmente, a origem, já que, como se verá, foi numa época axial, como lhe chama
Jaspers (1998), que se lançaram os fundamentos e, portanto, as intuições fundamentais e
as problemáticas adstritas.
Se considerarmos com amplitude o fenómeno educativo, é patente que a
educação nasce problemática. Assim acontece, por exemplo, quando a vemos aparecer
como desígnio consciente de Paideia, um equivalente, segundo Maria Helena da Rocha
Pereira (1979), da mais recente Aufklärung europeia.
Na verdade, com os Gregos, da época clássica, emerge a consciência clara da
―formação de um elevado tipo de Homem‖ (Jaeger, 2003, 7), ―um ideal de cultura como
princípio formativo‖ (Jaeger, 2003, 8), uma Paideia. Surge, com eles, uma valorização
antropológica, que perspectiva o valor infinito do indivíduo e a sua autonomia
espiritual, num conceito de dignidade humana ainda hoje fundamental, embora sem a
acepção individualista moderna, mas assumindo o valor de função moral. Aliás, este
facto é indissociável de outro: ―Os gregos viram pela primeira vez que a educação tem
de ser também um processo de construção consciente‖ (Jaeger, 2003, 13).
O carácter pessoal, ideal, axiológico e intencional da educação são notas que
importa, desde já, aprofundar e reter. A discussão sobre o que pode entender-se como
educativo ou deseducativo passará forçosamente pelo sentido destes parâmetros.
É já com os gregos que se ultrapassa a simples concepção de um adestramento,
em proveito de uma formação que aspira à autêntica forma vital, com validade universal
e normativa. Uma imagem ―antropoplástica‖, na bela expressão de Werner Jaeger, de
como o Homem deve ser. Todo o humanismo futuro toma aqui a sua fonte, pois é nessa
altura que se forja uma concepção de educação orientada para a excelência humana, a
virtude ou areté,1 apesar dos vários sentidos que se lhe possa dar. A educação coloca-se,
então, no caminho da perfectibilidade humana.

1 Segundo Peters (1983, 38): ―excelência, virtude‖.


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Na forma mais antiga, o sentido educativo orientava-se para a honra associada


ao mérito, à valentia, à prudência e à astúcia, mas também para o sentido do dever e
para a emulação: um equilibrado complexo de capacidade de acção e de palavra. Ainda
que de início marcadamente dependente do reconhecimento social e só depois
conscientemente assente no interior de cada um, quando a consciência pessoal se afirma
como referência. Também nisto os gregos tiveram uma importância decisiva e, em
particular, Sócrates e Platão.
Os gregos colocaram no horizonte da educação a grandeza da alma e forjaram
para a Paideia o sentido englobante ―de todas as exigências ideais, físicas e espirituais,
que formam a kalokagathia, no sentido de uma formação espiritual consciente‖ (Jaeger,
2003, 335). Ou seja, um amplo sentido da educação como caminho conducente à areté e
que se debatia a partir de um ideal antropológico.
Os Sofistas foram protagonistas maiores desta evolução, mas dirigiram-se,
sobretudo, ao triunfo oratório nas assembleias. Esta nova classe profissional de
educadores remunerados empenhou-se no ensino daquelas capacidades intelectuais que
garantissem o sucesso político. Uns orientavam-se para a transmissão de um saber
enciclopédico, outros para a formação formal do espírito em campos fundamentais,
enquanto alguns transcenderam o formalismo relacionando a educação directamente ao
mundo dos valores, tendo em vista a global formação espiritual da areté humana.
Os Sofistas continuaram a tomar Homero e a tradição poética como fonte de
regras, mas desenvolveram uma educação de sentido cosmopolita de raiz individualista.
São eles que introduzem a Paideia como teoria da educação fundamentada, assentando
os princípios da pedagogia enquanto téchnë,2 ciência e arte. De facto, vêmo-los
procurarem descobrir as condições de possibilidade do processo educativo de modo a
torná-lo capaz de conferir uma segunda natureza, ou a concretizar a própria natureza
humana. É, então, descoberta a questão da natureza humana e a sua discussão, como
fundamento da educação, ganha uma eminente centralidade. No caso de Protágoras,
atinge mesmo a dimensão de humanismo de cariz ético-político. De modo que temos de
reconhecer a nossa dívida aos Sofistas pela configuração, por eles realizada, do ideal
consciente da educação, expresso como tarefa antropológica essencial. Segundo Freire
(1990), temos mesmo de vê-los como os grandes promotores da cultura que
democratizou a educação e a transformou num assunto público.

2 Segundo Peters (1983, 224): ―ofício, habilidade, arte, ciência aplicada‖.


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Os gregos mostraram sempre uma consciência profunda do carácter


problemático da educação: se reconheceram a sua necessidade, se perspectivaram a sua
viabilidade também anteviram as suas limitações. ―É precisamente nesta íntima
antinomia entre a grave dúvida sobre a possibilidade da educação e a vontade
inquebrantável de realizá-la que reside a grandeza e a fecundidade do espírito grego‖
(Jaeger, 2003, 358).
Esta questão aprofundou-se ainda mais com os desenvolvimentos subsequentes
da reacção à sofística protagonizada por Sócrates e Platão. É que, se os Sofistas tiveram
os méritos enunciados, também ficou patente uma debilidade essencial quanto à
fundamentação que aduziam para a Paideia. A questão do télos3 educativo aparecerá,
então, como prévia à definição de toda a forma ou conteúdo. Com Sócrates, sob o a
priori médico da cura, a educação passa a ser concebida como processo dirigido, menos
ao sucesso exterior e para a eficácia na ―feira das vaidades‖ políticas, do que, sobretudo,
para o conhecimento do bem e da verdade, centrando-se na elevação da alma às
melhores das suas possibilidades. Em primeiro lugar a perfeição da alma. Acima do
material, o espiritual.
Este ponto é tão crucial que merece ser aqui considerado o teor de certas
passagens do Protágoras (Platão, 1986a). Neste diálogo aporético de Platão, relativo à
questão do eventual ensino da virtude, Sócrates insiste muito no diálogo pesquisador,
mais consonante com a ―breviloquência‖ própria do empenhado questionar e menos
atreita aos efeitos do floreado discursivo. Trata-se, pois, de questionar. Sócrates põe-
nos, desde logo, nessa senda, quanto ao tema maior que sempre o ocupou, e coloca a
questão da educação entre parâmetros incontornáveis, de alcance transversal sobre os
planos antropológico, axiológico, político e escatológico. E isto define o timbre da
questão educativa: a sua abrangência e complexidade.
Mas porquê, sobretudo, questionar? É que o tema se coloca ele mesmo em
relação a um plano de densa problemática e de dramático sentido humano. Sócrates
busca um saber, muito crítico, sobre aquilo que merece ser buscado e, com isso, faz a
diferença. Buscando, questionando, Sócrates vivencia as problemáticas e infunde
autenticidade às suas posições.
Quanto ao problema da elevação da alma às melhores das suas possibilidades,
importa assinalar que, logo na abertura do diálogo, destaca o aviso feito a Hipócrates,
sobre o que representa procurar ser educado, isto é, o que envolve em essência a

3 Segundos Peters (1983, 226): ―completude, finalidade, fim‖.


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educação: ―-Vais oferecer a tua alma, para que se a cuide, a um homem que é segundo
afirmas, um sofista. Mas o que seja um sofista, me surpreenderia que o saibas. E se, não
obstante, desconheces isto, tão pouco sabes sequer a quem entregarás a tua alma, nem se
para assunto bom ou mau‖ (Platão, 1986a, 312c, 508). Está pois envolvida uma
dimensão axiológica relativa ao destino da própria alma, o eu autêntico, que se arrisca
na educação. A educação deve ser pensada em relação a esse risco e sua função: o
destino do eu autêntico. Na situação do diálogo isto é tão mais dramático quanto se trata
de um sofista que, na opinião de Sócrates, é geralmente ―um traficante ou um
comerciante das mercadorias de que se nutre a alma‖ (Platão, 1986a, 313c, 511), que
não tem em atenção se essas mercadorias são boas ou más para o vaso que as receberá.
Isto é, negligenciando a consideração, absolutamente crítica, da finalidade da educação.
Embora, apesar de tudo, neste caso, o assumido sofista e educador de homens,
Protágoras, até afirme que o sentido da educação é o progredir para melhor, alcançar o
uso apurado do sentido moral e a excelência. Coisa sobre a qual ficamos aliás
desenganados de pretensiosismos quando adiante, a propósito do poema de Simónides,
se conclui que ser virtuoso, bom ou digno é impossível para o humano, apenas próprio
do divino, e difícil é chegar a ser digno, embora procurar sê-lo seja tudo.
Apostado em fazer da educação um cuidar das almas, Sócrates propõe como
tarefa própria desta actividade o resgatar para o caminho da salvação da alma, por cima
de todas as ilusões deste mundo: fama ou fortuna4. Foi Sócrates quem descobriu o valor
infinito da alma e centrou nela a Paideia. Poderemos dispensá-lo hoje? No seu caso, o
cariz divino da alma, razão pensante e moral, não oposto ao físico, servia de pilar
metafísico, porquanto o divino e o bem coincidiam. Assim se vem a definir a sua
procura como o caminho da salvação, à qual corresponderá a perfeição almejada: a
excelência ou areté. E temos de sublinhar que isto mesmo se refere à melhor realização
das possibilidades do ser humano, correspondendo-lhe a eudaimonía,5 a harmonia
daquele que sabe ter domínio sobre si próprio, ou seja, possuir-se com inteireza. Com
isto, a educação fica ordenada a uma finalidade existencial de volume ético, contraposta
à função pragmática idealizada pelos sofistas para o campo do êxito político. Embora

4 Lê-mos na Apologia de Sócrates: ―‗Meu bom amigo, sendo ateniense, da cidade maior e mais prestigiada em sabedoria e poder,
não te envergonhas de preocupar-te em como terás as maiores riquezas e a maior fama e as maiores honras, e, por outro lado, não te
preocupas nem te interessas pela inteligência, a verdade e como a tua alma pode ser o melhor possível?‘ E se algum de vós discute
diz que se preocupa, não penso deixá-lo nesse momento e ir-me, senão que o interrogo, examino e refuto, e, se me parece que não
adquiriu a virtude e diz que sim, repreendê-lo-ei por te por menos o digno de mais e por muito o que vale pouco. Farei isto com o
que me encontre, jovem ou velho, forasteiro ou cidadão, e mais com os cidadãos porquanto mais próximos estais à minha origem.
Pois, isto manda o deus, bem o sabeis, e eu creio que ainda não vos surgiu maior bem na cidade que o meu serviço ao deus. Com
efeito, vou por todo lado tentando persuadir-vos, a jovens e velhos, a não vos ocupardes nem dos corpos nem dos bens antes que da
alma nem com tanto afã, a fim de que esta seja o melhor possível‖ (Platão, 1986b, 29d, 30a, b, 168).
5 Segundo Peters (1983, 85): ―felicidade‖.
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para Sócrates o carácter moral da Paideia não se dissocie nunca da função política6,
pois o que se tratava era de considerar o político sob o mesmo prisma: o triunfo do
ético. Aquilo que Maquiavel haverá de separar.7
Ao estruturar-se no sentido esforçado do autodomínio, a Paideia conduz também
ao exercício ético da liberdade pessoal. O viver sob o desígnio da própria lei interior,
capaz de se sobrepor ao poder dos instintos e inclinações pelos bens aparentes.
Este novo fôlego traz uma nova figura para a cena educativa: Sócrates não tem
discípulos, apenas amigos, por isso, no campo a que se refere, tão pouco pode assumir-
se como mestre. O que Sócrates tem sempre diante dos seus olhos é o ―homem
completo‖ (Jaeger, 2003, 556). Poderá a educação alguma vez abdicar de o considerar?
Como nota Amilburu (2003), a educação tem sempre de se referir a uma imagem do que
é o ser humano, incluindo um certo ideal da sua perfeição, que constitui um referente
necessariamente complexo e controvertido capaz de aglutinar, sem contudo separar,
diferentes dimensões, pois cada uma delas só faz sentido quando referida à totalidade
que as integra. É, aliás, esta totalidade, que lhe confere a dignidade específica: o
humano está destinado a ser pessoa. Ora, pelo que vimos, também já para Sócrates, a
educação deve visar algo que ainda hoje é fundamental, e porventura sempre será, a
―educação tem de ser entendida como uma formação integral da pessoa e não só como a
sua preparação restringida por urgências laborais‖ (Savater, 1997, 92).
Aliás, a Paideia socrática aponta a mais do que ao cultivar: aponta ao descobrir e
afirmar as próprias forças. A sua senda é a dos valores supremos da vida, o
conhecimento do bem, que conduz à perfeição humana. Enfim, para rematar esta
análise, permita-se-nos uma longa citação de Werner Jaeger (2003, 571), que temos
vindo a seguir de perto: ―(…) o conceito decisivo para a história da Paideia é o conceito
socrático do fim da vida. Através dele, a missão de toda a educação é banhada por uma
luz nova: já não consiste no desenvolvimento de certas capacidades nem na transmissão
de certos conhecimentos; pelo menos, agora isto só pode ser considerado um meio e
uma fase no processo educacional. A verdadeira essência da educação é dar ao Homem

6 Segundo Xenofonte (Recuerdos de Sócrates, II, 1, 14 e ss.), em certa altura, quando Aristipo lhe declarou que não se encerra em
nenhuma cidadania porque queria ser livre, Sócrates reagiu dizendo-lhe ―— Terrível truque me estás contando!‖ e faz-lhe ver como
é descabido divorciar-se da cidadania.
7 Baste, para exemplo prático, uma passagem d‘O Príncipe (Maquiavel, 1976, 82-84): ―É tão grande a diferença entre a maneira
como se vive e a maneira como se deveria viver que quem trocar o que se faz pelo que se deveria fazer aprende mais a perder-se do
que a salvar-se, pois quem quer viver exclusivamente como homem de bem não pode evitar perder-se entre tantos outros que não
são bons. Por isso, o príncipe que deseja manter a sua posição precisa, também, de aprender a não ser bom e a servir-se ou não dessa
faculdade de acordo com a precisão. (…) Que não se preocupe por incorrer na censura dos vícios sem os quais não pode facilmente
conservar os seus Estados; pois, bem vistas as coisas, encontrará algo que parecerá ser virtude, mas que, se lhe obedecer, será a sua
ruína, e algo que lhe parecerá ser vício, mas que, se lhe obedecer, lhe dará segurança e estabilidade‖. Este assunto não é de somenos
importância para o nosso tema, pois levanta o problema de saber como poderá suportar uma sociedade tão flagrante cisão entre o
educativo e o político.
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condições para alcançar o fim autêntico da sua vida. Identifica-se com a aspiração
socrática ao conhecimento do bem, com a phrónësis.8 E esta aspiração não se pode
restringir aos poucos anos de uma chamada cultura superior. Só pode alcançar o seu
objectivo ao longo de toda a vida do Homem; de outro modo não o alcança. Isto faz
mudar o conceito de essência da Paideia. A cultura em sentido socrático converte-se na
aspiração a uma ordem filosófica consciente da vida, que se propõe cumprir o destino
espiritual do Homem. O Homem assim concebido nasceu para a Paideia.‖
Como vemos, não só a educação tem uma função essencial, como é um processo
interminável – uma insaciável aventura. O que, longe de facilitar qualquer definição
sumária, vem agudizar o carácter problemático do que se possa entender por educação.
Quando está concluída a educação de alguém? Em que dimensões se esgota? Como se
desenvolve? Com os olhos postos no ideal, toma por processo a busca incansável e
crítica, não se limita a saberes instrumentais, está na senda da liberdade assumida, do
autodomínio ético, da perfeição. Como poderá então consumar-se esta utopia? Já vimos,
de facto, como se lhe apontou essa projecção utópica. E, no entanto, ficamos com a
convicção de termos encontrado a perspectiva adequada para abordarmos esta difícil
questão que, ab initio, quando se define como desígnio de Paideia consciente, se coloca
já sob o signo da polémica, do paradoxo e da antinomia. Note-se como, quanto ao
alcance do processo educativo, Sócrates retomou o pessimismo tradicional sobre os
limites da educação para transmitir a areté, opondo-se ao optimismo sofista,9 apesar de
não podermos deixar de reconhecer em toda a sua trajectória a firme convicção de quem
acreditava em algo. Também aqui, o paradoxo eclode: a virtude, porque é disso que se
deve ocupar a educação, ensina-se mas não como supunham os Sofistas.10 Alcança-se
pelo esforçado processo pessoalíssimo da descoberta íntima, onde pontuam o paradoxo,
a ironia e o espanto – à margem de todas as dogmáticas –, que se dirigem à intuição dos
valores supremos, do verdadeiramente valioso. Mesmo se o modo como se realiza em
cada homem seja sempre limitado.
Importante é reconhecermos como com Sócrates a Paideia atingiu a
clarividência de se estabelecer numa base criticamente apoiada, coisa que ainda hoje
necessitamos. Evitando, portanto, os simplismos e admitindo a necessidade de muito

8 Segundo Peters (1983, 188): ―sabedoria, sabedoria prática e prudência‖.


9 Este é de facto o sentido do já referido comentário socrático ao poema de Simónides sobre o ser e o vir a ser virtuoso.
10 O método socrático de ensino da virtude fica bem explícito no Ménon (Platão, 1993, Ménon, 86c, 95): ―Visto que estamos de
acordo que deve ser investigado aquilo que se ignora, queres tu que nos esforcemos, em comum, por indagar o que é a virtude?‖
Para Sócrates a virtude busca-se pessoalmente e exige que nos esforcemos, o querer que pomos na busca garante a autenticidade da
procura que é o caminho único por onde trilhar. A virtude não é questão de lições…
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mais do que simples adestramento, a educação só pode consumar-se buscando-se ao


longo de uma existência completa. O seu desígnio é o ser melhor, a sua preocupação o
não resvalar para cometer a injustiça, como se afirma no diálogo que leva o nome do
célebre sofista Górgias (Platão, 1986c, 522d, 139), porquanto, é aí que, mais
essencialmente, se desvia do horizonte da perfeição, um horizonte em relação directa
com o destino da alma e o momento em que será julgada desnudada de tudo o que nela
recobre as marcas deixadas pela conduta durante a vida (Platão, 1986c, 523e, 140).
Colocada em relação a esta responsabilidade, a educação deve ser uma arte de melhorar,
que consagra ao bem, ao aperfeiçoamento continuado, isto é, envolve a referência aos
valores supremos da existência. O humano realiza-se educando-se nessa esforçada
busca: eis a essência da Paideia.
Como vemos, para Sócrates não pode haver verdadeira educação à margem do
telos existencial, ainda que, sobre isto, não assine dogmáticas, nem de processo, nem de
conteúdos, para além do bem que se procura na educação. O bem é essencial aos
humanos tal como a sua meta é a perfeição, mas cada qual a buscará – mesmo se parece
ser coisa que escapa à grande parte.
Porém, o paradoxo ressuma ainda outra vez do facto de a aporia e a perplexidade
serem o melhor caminho educativo. De facto, neste caso só a ignorância abre aqui a
porta para o aprofundamento e a superação. Não é pois caso de ensino, mas de um
querer tirar de si, de um resoluto empenho em ir mais além: o que é essencial não se
ensina, brota na alma por meio do esforço pessoal.11 Paradoxal saber que não é caso de
instrução, mas fruto de inquirição que desbasta as opiniões e faz a alma adentrar-se em
si própria, ao ponto de nela brotar um saber que parecia não estar lá, ou estar esquecido,
mas que nela estava porque dela e por ela se tira, mesmo se não se sabia.
Do ponto de vista da autêntica relação educativa requer-se algo mais do que
simples exercício funcional da vulgar técnica instrutiva, requer-se um Eros que assiste a
vontade daquele que quer aceder ao saber, do que quer culminar o seu ser, e a filia
indispensável do que deve propiciar esse esforço. Por isso, como se lê no Banquete,
Eros se define como descendente das divindades que representam a riqueza e a pobreza,
pois funda-se num querer – e nisso consiste a sua riqueza – por causa de um não ter –
uma pobreza a colmatar (Platão, 1986d, 203b,c,d, e, 248-249). A lembrança do
encontrar um saber procurado corresponde agora à nostalgia de um querer a perfeição.

11 Muitas são as incitações de Socrátes a Ménon para que se disponha a esforçar-se para alcançar a verdade, pois o esforço (1993,
81c,e, 73) é o caminho da verdade, mas é um caminho sem atalhos, nunca dispensa o próprio: ―é necessário voltar o nosso espírito
para nós mesmos‖ (1993, 96d,e, 119-120).
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Ânsia que jamais tem descanso12. E, contudo, resulta ser o único caminho propiciador
da eudaimonía, assimptótica é claro, do amor pelo Bem, uma aspiração pela perfeição, a
realização pessoal conseguida pela autenticidade de um cuidado de si, que é um
projectar-se na eternidade. A força que propulsiona a pedagogia e consuma a Paideia
provém deste Eros, é a força que assiste a concentração do espírito em si e alimenta a
personalização – o sair da caverna. Aquilo que no Menón aparecia como esquecimento–
lembrança, aparece finalmente na República como o limpar-se da cegueira que nos
afasta do ideal, o Bem.13 Platão coloca este ideal no absoluto: a perfeição.
Consequentemente, para ele, encarna esse plano a divindade, e é ela ―a medida de todas
as coisas‖, a partir da qual se configura o desígnio consciente da Paideia.
É preciso insistirmos ainda um pouco mais num ponto. Com Platão, a educação
ordena-se a um ideal, o mastro pelo qual se içará a vela do melhor que podemos ser,
desígnio em que não se cansa de insistir da Apologia à República, tanto para a educação
como para a política, que entende estarem entrelaçadas de modo essencial, porque
ambas dizem respeito à concretização da virtude no humano. Por isso também é que,
desde a Apologia à República, se trata sempre de ensinar e obter a virtude: obter o
melhor possível para nós mesmos com vista ao Bem em si mesmo. A este ensejo
corresponde o de alcançar ―ser senhor de si‖ (Platão, 1987, 431a, 182), ―ter
autodomínio‖ (Platão, 1987, 443d, 205), de modo que o racional se sobrepõe ao
concupiscente e nos dirige sempre de olhos postos no ideal. Assim se vê melhor por que
a educação não ordenada ao ideal descai para algo avulso e é simples instrumento
pragmático votado à obtenção das coisas menores, como o poder, a fama ou a riqueza.
O ideal, segundo a miríade de implicações a ele adstritas, é desde Platão o primeiro
critério do que pode ter valor educativo. Ainda hoje devemos contar com o ideal se
queremos educar, porque educar nunca pode ficar-se pelo simples reconhecimento do
que é, tem de estabelecer também a confrontação com um ideal, que não é único, nem
fixo, mas que está do lado do ―potenciar o maior número de virtualidades que possam
coexistir harmoniosamente‖ (Savater, 1997, 73). Ou seja, em todo o caso, a educação

12 ―Em primeiro lugar, é sempre pobre, e longe de ser delicado e belo, como crê a maioria, é, mais bem, duro e seco, descalço e sem
casa, dorme sempre no solo e descoberto, deita-se na intempérie das portas e na borda dos caminhos, companheiro sempre
inseparável da indigência por ter a natureza da sua mãe. Mas, por outro lado, de acordo com a natureza de seu pai, está à espreita do
belo e do bom; é valente, audaz e activo, hábil caçador, sempre urdindo alguma trama, ávido de sabedoria e rico em recursos, um
amante do conhecimento ao longo de toda a sua vida, um formidável mago, feiticeiro e sofista. Não é por natureza nem mortal nem
imortal, senão que num mesmo dia umas vezes floresce e vive, quando está em abundância, e outras morre, porém recobra de novo a
vida graças à natureza de seu pai. Embora aquilo que consegue sempre lhe escape, de modo que Eros nunca está falto de recursos
nem é rico, e está, ademais, no meio da sabedoria e da ignorância‖ (Platão, 1986d, 203c,d,e, 249).
13 ―A educação seria, por conseguinte, a arte desse desejo, a maneira mais fácil e mais eficaz de fazer dar a volta a esse órgão, não a
de o fazer obter a visão, pois já a tem, mas, uma vez que ele não está na posição correcta e não olha para onde deve, dar-lhe os
meios para isso‖ (Platão, 1987, 518d, 323).
14

refere-se ao ideal, ―orienta para um fim previsto e deliberado, por mais aberto que este
seja‖ (Savater, 1997, 77). O que se compreende, já que tanto o ensinar como o educar
consistem em visar sempre algo melhor: ―Não tenhamos medo das palavras bem e
melhor; são indispensáveis na educação‖ (Reboul, 2000, 73).
Neste momento é, contudo, necessário aduzir uma contraposição. Isto deve-se a
que, também em Platão, se deriva um desígnio de onde emerge um ponto antinómico
essencial, como adiante veremos com mais pormenor. Na sua insistente tentativa de
afirmar o ideal, Platão determina para a existência e para a vida uma formatação, por
vezes, insuportável. Vemo-la na referência à eugenia como prática da cidade perfeita
(Platão, 1987, 410a, 148), na funcionalização da educação segundo as ocupações
decorrentes das apetências naturais (Platão, 1987, 421c, 164; 425c, 171; 453b, 216), a
que corresponde um certo elitismo e estratificação social; vemo-la na justificação da
escravatura (Platão, 1987, 444b, 206) e na pretensão de apurar a excelência, pelo
controlo dos matrimónios, tal como se apuram raças caninas (Platão, 1987, 459a e ss.,
226-230); vemo-la ainda quando o ideal aparece a impor, por assim dizer, à própria vida
o seu esmagamento: ―Mas aquele que possuir um espírito superior e contemplar a
totalidade do tempo e a totalidade do ser, supões que é capaz de julgar que a vida
humana tem grande importância?‖ (Platão, 1987, 486a, 270) A partir daqui, a abertura
da vida a partir da sua realidade para todas as suas possibilidades parece comprometida.
O ideal poderá então servir até de justificação ao enclausuramento do humano. De tal
modo que a vertente ―transcensiva‖ e utópica do ideal se venha a esvair quando, por
radicalização, for afirmado ao ponto de já não querer falar ao ser-aí e ignorar as
vicissitudes da sua condição.
Retenhamos do exposto, o facto de, apesar de todos os esclarecimentos
conseguidos e da profundização de sentidos, a educação resultar ainda assim
perspectivada como propósito interminável, sinuoso e paradoxal. Para além de certas
convicções subsistem (e subsistirão) muitas questões e perplexidades.
Parece indubitável que a Paideia nasce problemática. Ora, devemos agora notar
que, quando se reacende de novo na história da humanidade o mesmo propósito firme,
com a Ilustração, de novo voltam a conjugar-se convicções e perplexidades.

1.2. Kant: a antinomia da educabilidade humana


15

Se a Paideia grega assumiu a educação como um desígnio, também a Ilustração


viu na universalidade da educação um direito inalienável do homem e um instrumento
fundamental para a emancipação e a formação da razão pessoal como fonte de verdade.
Enfim, viu na educação um desígnio antropológico para concretizar todo o potencial do
homem no homem e colocá-lo na senda do bem-estar e da perfeição, individual e
colectiva (Vergara, 2003a). O optimismo pedagógico dos Ilustrados fez mesmo da
educação a panaceia para vencer tudo o que, dos vícios à perversão política, pudesse
entravar ou limitar a aventura humana. A educação é por eles perspectivada como ―um
dos deveres fundamentais da sociedade para com o indivíduo‖ (Vergara, 2003a, 168) e
necessariamente ―aberta, quer dizer pública, sem exclusões, universal, obrigatória,
gratuita, uniforme e cívica‖ dada ―a igualdade ontológica do homem‖ (Vergara, 2003a,
169).
Não podemos pensar hoje a educação sem nos referirmos à Modernidade e à
Ilustração que a culmina. Aos Modernos e Ilustrados devemos uma lúcida noção da
educabilidade humana, que se tem de entender como categoria antropológica
(Amilburu, 1997; Carvalho, 2001).
Na verdade, Kant traçou como propósito da Ilustração o uso autónomo da
inteligência própria a cada um, ou seja, a emancipação constitui um desígnio
antropológico, embora seja persistente a tendência para o comodismo que obsta à
emancipação, perspectivada, em geral, como algo excessivamente difícil e até perigoso:
―A preguiça e a cobardia são causas de que uma tão grande parte dos homens continue
confortável no seu papel de pupilo apesar de há muito tempo a Natureza os ter liberado
de tutela alheia (naturaliter majorennes); também o são de que seja tão fácil para outros
erigirem-se em tutores. É tão cómodo não estar emancipado!‖ (Kant, 1784/1985a, 25)
O homem é capaz da emancipação, como se demonstra pela sua educabilidade,
de onde deve brotar o ser racional e livre, contudo, nem isso é fácil, nem simples, além
de exigir muito empenho pessoal. A Natureza libertou os humanos, mas essa libertação,
se assenta na categoria antropológica da educabilidade humana, também nos faz
reconhecer que ―a educação é o problema maior e mais difícil que pode ser proposto ao
homem‖ (Kant, 2003, 34).
Kant mostra que o humano não só é susceptível de educação, como a exige
enquanto condição para cumprir o seu potencial humano, isto é, como ser racional e
livre, porém, ―O género humano deve sacar pouco a pouco de si mesmo, pelo seu
próprio esforço, todas as disposições naturais de humanidade‖ (Kant, 2003, 30). Deve
16

fazer-se por si mesmo, educando-se por si mesmo, a disciplina apagará nele a


animalidade, enquanto a instrução o conduzirá à humanidade, que é algo sempre a
conquistar, com esforço, como se viu. ―Unicamente pela educação o homem pode
chegar a ser homem. Não é, senão o que a educação o faz ser.‖ (Kant, 2003, 31).14
Entenda-se bem, aqui, que o humano se conquista no processo educativo, ele próprio o
grande segredo do aperfeiçoamento da espécie, se estiver orientado para o
desenvolvimento nos humanos de todas as suas disposições naturais.15
No seu timbre típico de grande realismo, Kant insistiu no estatuto antropo-
pedagógico do trabalho e do esforço e, ao mesmo tempo, lembrou que é próprio da
criança jogar, estando o erro em querer fazer do jogo o método exclusivo da sua
educação (Laia, 2004). A seu ver é fundamental que o educando se habitue ao esforço e
ao sacrifício que toda a educação envolve e, aliás, toda a realização humana mais
elevada exige.16 Sem o trabalho e o esforço, intrínsecos à educação, não teríamos o ser
humano racional e moral, que se espera obter de cada indivíduo.
Cabe pois à educação proporcionar a superação do natural primitivo, digamos
assim, possibilitando o exercício da liberdade racional – no sentido prático e moral. A
educação apresenta-se como um apelo a essa emergência. Amilburu (2003) lembra,
aliás, que a base psicobiológica da educação não nos pode ocultar que ―não se esgota
nela, senão que deve abarcar todos os aspectos que explicam o desenvolvimento integral
do homem‖ (128). Ora, o apelo àquilo que pode ser-se tem o amplo horizonte do
aperfeiçoamento continuado, pois, para Kant, a razão é uma faculdade que não
reconhece limites quanto ao projecto de se ampliar nas suas capacidades e intenções,
para além do instinto natural (Cf. Carvalho, 1994a). A educação tem, por isso, o difícil
papel de conduzir da heteronomia – própria ao império da necessidade animal em que se
inscreve o homem de início – para a autonomia do que lhe é mais específico: a
realização livre da sua essência orientada para a perfectibilidade, sobretudo moral. O
drama dispara aqui, porquanto é preciso saber como conciliar a superação da
animalidade, onde aparece incontornável a função coactiva da educação, com o cultivo
da liberdade. Kant assinala este dilema: ―Um dos maiores problemas da educação é

14 Sentimo-nos inclinados a interpretar, neste caso, o ―faz ser‖ como significando ―permite ser‖, para afastar a carga determinista
que se poderia depreender da afirmação.
15 Como vemos Kant assinala com clareza o sentido da educabilidade humana. Amilburu (2003, 218) entende-a como sendo uma
categoria antropológica e define-a da seguinte forma: ―O implícito fundamental que preside qualquer tarefa educativa é
precisamente este: a convicção de que o ser humano é educável, e necessita de ser educado. A educabilidade ou capacidade para ser
educado, é consequência da racionalidade, da liberdade e da plasticidade biológica própria da natureza humana.‖
16 Mas mesmo assim, Kant não deixou de sugerir o uso de uma certa ―sedução‖ nas actividades de modo a tornar-se o esforço mais
suportável (Laia, 2004).
17

conciliar, baixo uma legítima coacção, a submissão com a faculdade de servir-se da sua
vontade. Porque a coacção é necessária. Como cultivar a liberdade pela coacção?‖
(Kant, 2003, 42) Eis o paradoxo, eis a antinomia, pois se a coacção é necessária para
arrancar da animalidade o humano, também a liberdade é precisa, pois é o seu destino, o
que há mais definitório da sua natureza. Apesar da dificuldade, Kant aponta, ainda
assim, uma saída, que, seja como for, não suspende a tensão entre os termos a que fica
sempre submetido o humano no processo educativo: ―devo acostumá-lo a suportar a
coacção à sua liberdade, e ao mesmo tempo devo guiá-lo para que faça bom uso dela.
Sem isto, tudo é um mero mecanismo, e uma vez acabada a sua educação, não saberia
servir-se da sua liberdade‖ (Kant, 2003, 42).
Reconhecendo o paradoxo e a antinomia, no que significa educar, querendo aliás
enfrentá-los, vemos que a tensão não se dissolveu. Tanto mais quanto a educabilidade é
apenas possibilidade natural, cujo sentido não está, nem pode estar, estritamente fixado.
―De facto, só o homem é educável. Contudo, por o ser, ele é implicitamente remetido
para o futuro que desde aí, desafia, ultrapassa e anula a prevalência dos limites e das
determinações naturais. A educabilidade, por isso, impõe ao homem o seu destino que,
para ser um destino humano, tem de ser voluntariamente construído‖ (Carvalho, 1994a,
58). Esta construção foi concebida por Jaspers como um ―auto-realizar-se contínuo, com
amplas e indefinidas perspectivas, pois jamais se pode considerar terminada a sua
perfectibilidade‖ (Neves, 2004, 104). Kant já antecipava este entendimento da
educabilidade humana, embora não lhe tenha dado a profundidade existencial que lhe
conferirá Jaspers.
Sabemos, pois, de onde devemos arrancar o humano, mas só podemos assinalar
o ponto cardeal de destino do processo, e ficamos obrigados a conduzir o sujeito,
disciplinando-o, de modo a que venha a assumir por si, livremente, a sua própria
condução.
A relação deste entendimento antinómico da educabilidade humana com o
conceito kantiano da ―insociável-sociabilidade‖ humana pode ser muito esclarecedora:
―O meio de que se serve a Natureza para lograr o desenvolvimento de todas as suas
disposições é o ANTAGONISMO das mesmas em sociedade, na medida em que esse
antagonismo se converte ulteriormente na causa de uma ordem legal daquelas. Entendo
neste caso por antagonismo a insociável-sociabilidade dos homens, quer dizer, a sua
inclinação a formar sociedade que, contudo, vai unida a uma resistência constante que
18

ameaça perpetuamente dissolvê-la. Esta disposição reside, claramente, na natureza do


homem‖ (Kant, 1784/1985b, 46).
Por um lado, o humano deve entrar em sociedade, que é onde pode e deve ser
educado, se quer desenvolver as suas disposições naturais mais específicas; por outro,
resiste a semelhante inevitabilidade, por força do seu egoísmo congénito, bem expresso
na sua obsessiva ambição pelo poder, as honras e os bens. Ora, é, apesar de tudo, essa
nefanda insociabilidade que, segundo Kant, garante não ficarem adormecidas as suas
capacidades, pois gera nele a tensão impulsionadora do desenvolvimento. Eis um outro
plano da questão da antinomia vivida na educação. O humano tende para expandir-se, a
sociedade limita-o e a educação, ao mesmo tempo que nele faz emergir as capacidades
que fazem dele o humano que pode ser, endereça-o ao plano superior do exercício
responsável da sua liberdade. Capacita-o a ser humano, que consiste, aliás, em saber
lidar com a antinomia dentro da sua própria natureza e ínsita à condição que lhe é
inescapável de ser social. De facto, Kant (1999) haverá de precisar que ser livre não é
fazer tudo o que se quer, mas agir livremente em conformidade com o dever.
A hipótese do progresso assimptótico postula-se, então, para salvaguardar, no
plano da espécie, a esperança – de escapar a uma história que seria, em caso contrário,
ou um terror moral ou ―uma farsa de loucos‖ (1789/1985c, 101) – e, no plano
individual, o aperfeiçoamento que confere o uso da razão moral. Embora seja certo que
o destino do homem, a perfeição, o desenvolvimento de todas as disposições para o
bem, constitua mais um horizonte da espécie do que uma meta inidivdual. Muito
embora, por isso mesmo, venha a ser este horizonte – o da ―perfeição a que está
destinada a humanidade‖, ―o estado melhor, possível no futuro, da espécie humana;
quer dizer, conforme à ideia de humanidade e do seu completo destino‖ (Kant, 2003,
36) –, simultaneamente, o referente educacional primeiro. Trata-se, certamente, de um
horizonte utópico, pela sua abertura e pelo âmbito do desafio que constitui, porém, é
também pelas mesmas razões, que vem a definir-se como um horizonte crítico de tudo o
que possa constituir um enclausuramento, uma limitação, face às possibilidades do
desenvolvimento humano ou à conservação da dignidade humana na pessoa de cada um.
E este é um ponto crítico que merece uma precisão.
A educação conduz o humano à sua condição de ser racional e livre, de ser
moral, pois pode dispor a partir dessa condição da vontade como ―faculdade de se
determinar a si mesmo a agir conforme a representação de certas leis. Mas só se poderá
encontrar essa faculdade em seres racionais‖ (Kant, 1999, 59). Acresce que só ―se dá o
19

nome de pessoas aos seres racionais, porque a sua natureza faz delas fins em si mesmos,
quer dizer, algo que não deve ser empregue simplesmente como meio e que,
consequentemente, restringe igualmente o arbítrio de cada um (e é para ele objecto de
respeito)‖ (Kant, 1999, 60). O ser racional existe como fim em si e não pode senão
visar-se como tal. Todo a acção prática dirigida ao humano requer este fundamento, daí
que ele seja também o fundamento do próprio princípio supremo das leis da vontade:
―Age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa dos
outros, sempre e ao mesmo tempo, como um fim e nunca simplesmente como meio‖
(Kant, 1999, 61).
Como não podia deixar de ser, a própria educação fica ordenada ao mesmo
fundamento e ao mesmo imperativo. Quando ela encara o humano, e reconhece nele o
fim em si que é, deve também declarar: ―em nada posso dispor do homem, nem mutilá-
lo, degradá-lo ou matá-lo‖ (Kant, 1999, 62). Ainda assim, perguntamo-nos se, no caso
do imperativo, o termo ―simplesmente‖ não abrirá a problemática de poder haver sobre
a pessoa uma inevitável dose de instrumentalização que, no caso educativo,
representaria uma inevitável margem da função de coacção?
Mas importa, ainda, assinalar aqui duas coisas determinantes para a definição do
horizonte crítico que procuramos.
Notemos, em primeiro lugar, o reconhecimento racional do incomensurável
valor da pessoa, cuja dignidade ontológica vinha dos antigos Gregos, mas só colhe toda
a sua dimensão com o cristianismo (Mounier, 2004). Isto tem uma consequência
determinante para a educação: a nosso ver, a educação fica comprometida com a pessoa.
Na verdade, a perspectiva de Kant vem abrir já a senda de certas posições
contemporâneas sobre o tema, como a que defende, por exemplo, Amilburu (2003,
219): ―a educabilidade é (…) uma propriedade ou atributo da pessoa que lhe permite
configurar-se a si mesma através de um processo permanente no qual vêm a integrar-se
o conjunto de disposições plásticas próprias do indivíduo com os influxo ambientais e o
seu próprio autogoverno‖.17

17 Segundo a nossa autora, são as seguintes as características ontológicas da educabilidade: ―- Trata-se de uma qualidade
especificamente humana. – Consiste na capacidade de adquirir novos conhecimentos e habilidade. – Inclui as dimensões biológica e
cultural do homem. – Supõe a influência do meio exterior, pessoal e social. – Constitui a condição de possibilidade de um processo
aberto, que não acaba nunca. – Permite ao sujeito dirigir este processo para uma finalidade que o próprio se propõe. – Situa os
homens em condições de ser plenamente humanos‖ (Amilburu, 2003, 218-219). São dimensões educáveis do ser humano todas as
faculdades humanas capazes de adquirir conhecimentos e habilidades, que a nossa estrutura psicobiológica nos facilita: realizar
funções vitais (não vegetativas); conhecer sensivelmente; experimentar emoções; conhecer intelectualmente; autodeterminar-se e
agir livremente.
20

Mas assinale-se também, em segundo lugar, o reconhecimento, possível a partir


de Kant, de um consequente ponto crítico que obsta a subsumir o humano, a pessoa, sob
a motivação instrumental. Os dois pontos analisados confluem, aliás, num fundamento
crítico que nos indica, de modo antecipado, a recusa da sobreposição que a razão
instrumental veio a ter sobre a razão prática e que só podia dar na ―autocoisificação dos
homens‖ associada a uma repressão da eticidade (Habermas, 1987, 74).18 Nisto se vê a
actualidade de Kant para enfrentar criticamente o sistema de acção racional teleológica,
isto é, a razão instrumental e estratégica, centrada no exercício de controlos e não
conducente por si à emancipação, que é a que em grande medida se instalou no campo
mediático. No entanto, não podemos deixar de encarar o seu conceito abstracto da
vontade autónoma, sem relação à construção na relação ética, que envolve o
reconhecimento e a reciprocidade dos indivíduos que comunicam entre si. Isto exige
que realizemos a crítica da perspectiva que dissolve a interacção em ―acções de sujeitos
solitários e auto-suficientes‖ (Habermas, 1987, 21) e ―permite a redução do agir ético a
acção monológica‖ (Habermas, 1987, 22), ou seja, nem mediada pela comunicação,
nem assente na intersubjectividade.
De Kant retemos, contudo, a intensa relação antropológica entre educabilidade e
liberdade, que deve servir-nos como referente crítico. A partir da sua análise, a
educação fica ordenada a tirar o humano do humano, naquilo que tem de mais definidor:
o uso livre da razão moral, ser consciência – mesmo se devemos ressalvar-lhe que esse
modo de ser se constrói na relação. Em primeiro lugar, a educação tratará de obtê-lo,
ainda que pelos caminhos paradoxais da coacção-libertadora e, por isso mesmo,
preocupando-se sempre em não perdê-lo, para depois poder ele próprio, por si próprio,
afirmar-se na sua condição ontológica de liberdade racionalmente determinada. Haverá,
em consequência, uma educação física da razão, destinada a desenvolver-lhe as
capacidades, mas também uma educação prática ou moral, que conta com a habilidade,
fundada já não na disciplina, mas na resistência oferecida pela liberdade do outro e em
máximas subjectivas, isto é, nascidas da própria razão pessoal, sendo pois uma
educação conducente ao assumir o saber servir-se da vontade pessoal e agir livremente
(Kant, 2003). Neste último plano, a coacção transmudou-se já em endereço à
autocoacção capaz de resistir às inclinações inferiores. A educação instala a consciência
responsável e retrai-se.

18 No caso da educação isso representa reduzi-la a uma simples função de adestramento.


21

Seria agora necessário inserir aqui a crítica habermasiana que, a partir de Hegel,
mostra como a identidade e a consciência se formam nas dialécticas do trabalho, da
linguagem e da interacção, esta última constituída na base da procura do
reconhecimento e da reciprocidade.19 A nosso ver, no âmbito deste paradigma, a
educação aparece-nos inscrita transversalmente nessas três esferas interligadas, pois a
todas elas diz respeito, mas, tal como em Kant, deve respeitar os mesmos pressupostos
de dignidade humana e servir os mesmos propósitos de emancipação. Ficará então
vinculada a habilitar o sujeito ao fazer, ao comunicar e a propiciar nele a competência
crítica de desmascarar as intenções sub-reptícias de dominação ou as restrições
comunicativas, o que vem a coincidir com o propósito de projectar livremente a sua
emancipação. Um desiderato que neste momento está sobretudo ameaçado pela
―racionalidade‖ tecnocrática e consumista.
Não podemos, contudo, deixar de atribuir a Kant o reconhecimento da categoria
antropológica da educabilidade de modo a descobri-lhe a antinomia tendida entre a
condição de que deve arrancar-nos a educação e a condição a que deve endereçar-nos: o
horizonte do melhor possível, a que podemos destinar-nos como pessoas livres e
eticamente destinadas. Este horizonte fala criticamente a todo presente educacional. À
sua revelia só podemos encontrar o enclausuramento das possibilidades
antropoeducacionais, o esmagamento das possibilidades de satisfação da existência,
com base nas ―racionalizações‖ que, como mostrou Habermas (1987), escondem sempre
propósitos injustificados de dominação.

1.3. Freud: tensão e agonia educativa

A linha de pensamento do paroxismo educacional e antropológico recolheu um


outro veemente contributo da parte de Freud, um notável mentor da desconstrução que,
entretanto, sobreveio à própria modernidade. No entender de Barbosa (1990, 251),
Freud obriga mesmo a uma nova consciência educacional ―capaz de reconhecer e
reconciliar-se com as dimensões trágicas da praxis educativa.‖
Se Kant mostrou que o humano está destinado à educação como meio de ganhar
a sua humanidade, por uma árdua luta contra a animalidade de onde emerge, a Freud
devemos o estudo do fulcro dessa luta. À semelhança de Kant, Freud entende ser a

19 A individuação é um produto da socialização.


22

mediação cultural o instrumento da ascensão à categoria da humanidade, tanto no plano


da filogénese como da ontogénese. A seu ver o processo cultural impõe a limitação,
proibição e repressão das tendências pulsionais, pois a cultura equivale a renúncias
sobre a omnipotência do desejo e as tendências agressivas. Só com a aceitação da
negação e da proibição é possível a integração na ordem humana simbólica. Não por
acaso questionou Bergson (2005, 23) o seguinte: ―O que não teria sido se nos tivessem
dado rédea solta! Teríamos voado de prazer em prazer. Mas eis que, nem visível nem
tangível, um obstáculo surgia: uma interdição. Porque obedeceríamos?‖
Dado que, pela sua natureza, está cindido entre a pressão das pulsões do fundo
biológico e a inibição cultural, o humano define-se como ―um ser de tendências e
relações antinómicas‖ (Barbosa, 1990, 254). Ele dispõe da tendência altruísta e
integração social, mas também da egoísta e desintegradora.20 Além disso ele está preso
numa rede de conflitos internos, própria à dinâmica das diferentes instâncias psíquicas
(o Ego, o Id e o Super-ego) de que depende a adaptação individual. Aliás, as pulsões de
vida e de morte habitam-no e contribuem para a agonia intrapsíquica. Eis o quadro de
fundo que fazem dele ―um ser de tragédia cuja existência é agonia‖ (Barbosa, 1990,
257).
Paradoxo e antinomia de novo: o mal-estar na cultura e na existência é
inevitável, pois toda a entrada no ―universo cultural dos valores humanos, é
constitutivamente trágica e dramática… não pode haver educação sem mal-estar ou
infelicidade para o ser que se educa ou culturaliza‖ (Barbosa, 1990, 258). O processo
tem de ser, em essência, repressivo, há-de consistir em inibições, proibições e
subjugações. A acção de Tanathos requer a repressividade educativa sob pena de, em
alternativa, ou o sujeito não aceder à cultura ou a cultura não sobreviver. Assim, as
relações entre o educador e o educando estarão sempre sob o signo do conflito, da
agonia e da repressão. Mas esse é o preço para duas conquistas decisivas – já
antecipadas sob outra linguagem em Kant – referimo-nos à adaptação e à emancipação.
Tal como a submissão ao princípio de realidade conduz à adaptação e permite escapar à
neurose e à loucura, também o acesso ao mundo cultural garante a emancipação,
estando a sua vantagem na virtualidade de o sujeito poder finalmente furtar-se, então, ao

20 Diz Freud (1927/1981, 2961-2962): ―A cultura humana (…) compreende todo o saber e o poder conquistados pelos homens para
chegar a dominar as forças da natureza e a extrair os bens naturais com que satisfazer as necessidades humanas, e por outro lado,
todas as organizações necessárias para regular as relações dos homens entre si e muito especialmente a distribuição dos bens (…
Ora) cada indivíduo é virtualmente um inimigo da civilização, apesar de ter que reconhecer o seu geral interesse humano. Dá-se,
com efeito, o facto singular de que os homens, não obstante, ser-lhes impossível existir no isolamento, sentem como um peso
intolerável os sacrifícios que a civilização lhes impõe para tornar possível a vida em comum. Assim, pois, a cultura há-de ser
defendida contra o indivíduo, e a esta defesa respondem todos os seus mandamentos, organizações e instituições.‖
23

que o reprime e, porventura, à sua (o)pressão. Uma coisa, no entanto, parece certa, ―o
recalcamento da libido e a formação do superego são indispensáveis ao devir humano;
ser homem é ser recalcado. É possível sê-lo mais ou menos bem, mais ou menos mal; é
impossível não sê-lo‖ (Reboul, 2000, 31).
Como conduzir então, da melhor maneira, semelhante processo? Não sem
surpresa, Freud assinala duas vias: a via do carinho, como gratificação pela dose de
desprazer que a criança é obrigada a suportar, com vista ainda assim a obter um certo
prazer; e a via do Ideal-do-ego.21 Neste caso o educador assume autoridade e
ascendência, porém, ele deve procurar o seu próprio apagamento a fim de promover a
maturidade do educando.22 Por um lado, o educador funciona como modelo e ideal a
imitar, propõe ideais, por outro, deve apagar-se enquanto tal, deve evitar impor o seu
narcisismo e a projecção dos seus desejos de moldar o educando segundo os seus ideais
pessoais. A educação é um jogo de ambivalências: joga-se entre modelos a imitar e a
destruir, ou seja, é um jogo de conflitualidade intrínseca, cujo desfecho positivo é a
adaptação sociocultural e a emancipação – precisamente das idealizações que subjugam.
Talvez seja oportuno precisar aqui o sentido em que, segundo o ponto de vista da
psicanálise, a repressão deve ou não efectuar-se em educação. Anna Freud, no seu livro
Psicanálise para pedagogos (1973), dá-nos várias ilustradas indicações, tanto da tensão
entre os dois termos da antinomia, sempre recorrente, entre desejo individual e
sociedade ou cultura. Comecemos por atender que a formação da personalidade se
desenvolve ao longo de períodos ou estádios diferenciados, caracterizados por uma
atitude sentimental específica e um nível característico do desenvolvimento pulsional.
Em segundo lugar, é preciso notarmos que a criança não é um ser uno, mas um ser
dividido pelo conflito entre as instâncias da vida pulsional, do ego e do superego,
apresentando contradições comportamentais derivadas da forma como cada instância
momentaneamente se apodera da sua acção. O ego constitui uma arena da tensão
promovida pelo desejo pulsional, que enfrenta, aliás, a tendência de recalcamento
estimulada pelo superego.
Em geral, a psicanálise colide com a educação nos pontos em que descortina um
perigo no processo pelo qual as proibições e exigências são interiorizadas pela criança,

21 A exploração destas duas vias possui um vasto desenvolvimento que procuraremos realizar mais adiante.
22 Parece encontrar-se aqui um correlato da atitude socrática: conversa, questionação, ironia, maiêutica, sem nunca se assumir como
mestre, sem nunca pressupor que se possui resposta definitiva, sem desprezar nenhum interlocutor e, finalmente, desembocando
num simples ―Conhece-te a ti mesmo.‖
24

dado o contexto melindroso em que ocorre essa interiorização na infância.23 Em muitos


casos, certas inibições são estabelecidas de modo muito perturbante e desajustado, pela
forma demasiado severa como são realizadas, se considerarmos o nível de
desenvolvimento da criança. Tudo se passa como se a educação tivesse andado ―a atirar
aos pardais com canhões‖ (Freud, 1973, 55). Não é que se possa dispensar a inibição,
mas o modo de a realizar constitui, em certos casos, mais uma perda do que um ganho,
pois a sua desproporção consegue a limitação do comportamento à custa de uma grande
diminuição da capacidade de amar e ser produtivo. Isto mostra-nos que, em certas
situações, será melhor uma alguma dose de permissividade, se se quiser evitar o
atrofiamento da personalidade.
No entanto, é também certo, como o demonstra o caso dos abúlicos, que a
incapacidade de deter a satisfação pulsional e de desviar a energia sexual para fins
socialmente aceites, acompanhada da incapacidade de participar na vida comunitária e
de cumprir a parte de trabalho que compete a cada qual, resulta ser uma séria
perturbação que nem beneficia a sociedade nem o indivíduo. Aqui, o próprio sujeito se
enclausura num modo de vida não produtivo porque não foi limitado na sua infância.
Em relação a ele só podemos ―lamentar que, na sua infância, não tivesse havido um
poder que conseguisse impor-lhe inibições exteriores à sua vida pulsional, em primeiro
lugar, para permitir depois, paulatinamente, que estas inibições exteriores se
convertessem em interiores‖ (Freud, 1973, 56). Esta carência de limitações inutiliza a
pessoa, não a promove, nem liberta.
Vale a pena considerar este assunto atendendo a mais uma caso de desajuste em
que uma criança se recusava a aprender e a participar no trabalho escolar e brincava
com os órgãos genitais na própria sala de aula. Em relação a ela, a análise descobriu
que, ao contrário dos casos das inibições desmedidas, não se tratava aqui de uma falta
de repressão, mas de uma carência afectiva grave: era maltratada em casa dos pais;
nenhuma compensação amorosa lhe chegava para atenuar a renúncia à satisfação com o
próprio corpo; nenhum castigo obtinha, aliás, efeito algum, porque havia desenvolvido
uma propensão masoquista. O comentário de Anna Freud é esclarecedor: ―Comparai
este caso de abulia com o da inibição, anteriormente descrito: reparai que também esta
criança não se tornou uma pessoa livre. Não passa de um pequeno animalzinho
intimidado que suspendeu, juntamente com o seu desenvolvimento moral, o seu

23 Um ser muito sensível, ainda não constituído personologicamente, dotado de uma afectividade muito susceptível é submetido a
pressões por parte de pessoas muito significativas. Todo o excesso pode facilmente degenerar em trauma.
25

desenvolvimento intelectual.‖ (Freud, 1973, 57) Nesta passagem vemos bem como os
dois termos contrapostos são o ―animalzinho‖ e a ―pessoa livre‖. Ficam, pois, bem
claros os termos da antinomia em que se deve estender a educação: ir do animal à
pessoa livre por meio da compreensão, do carinho e do apoio, evitando por todos os
meios os excessos traumatizantes. ―Perturbações de desenvolvimento e abulia, seriam
justamente os resultados finais extremos, um mostraria a influência prejudicial da
inibição desmedida, o outro acusaria uma total desinibição. O trabalho de uma
pedagogia psicanalítica, elaborada sobre os factos analíticos, seria o de encontrar para
cada grau de idade da criança o equilíbrio entre a concessão de satisfações e as
restrições pulsionais‖ (Freud, 1973, 57).24
Entre a ―Cila da permissão e a Caríbdis da proibição‖ (Barbosa, 1990, 265), a
educação é uma tarefa sempre instável, periclitante, muito difícil ou mesmo impossível,
procurando conseguir a harmonia entre a inibição e a satisfação pulsional, com os olhos
postos na dupla da adaptação e da emancipação. Não nos surpreende, pois, o facto de
que, aquilo que, para além da coacção elementar, permite reconciliar o homem com a
civilização, compensando-o pelos seus sacrifícios, seja, no ponto de vista de Freud, o
mais importante ―património espiritual da cultura‖ (Freud, 1927/1981, 2964). Aliás, se
soubermos reorientar os fins instintivos, iludindo a frustração que o mundo exterior
sempre nos impõe, podemos inscrever os sacrifícios na ordem da sublimação capaz de
acrescentar ―o prazer do trabalho psíquico e intelectual‖ (Freud, 1930/1981, 3027).
Como mostra Oliveira (1997, 134), ―o fim da educação pode ser descrito, de um
ponto de vista psicanalítico, como domínio do prazer preliminar em vista de um maior
bem final‖. Resta, no entanto, saber que ―maior bem final‖ é esse e que via lhe abre o
acesso. A resposta encontra-se, não na desvalorização da repressão, nem no desprazer,
como vertente única e prevalecente, mas, ainda assim, é preciso considerar esta via
como factor indispensável, desde que compensado com o ―prémio do amor‖ e do
carinho, na medida do estádio de desenvolvimento do sujeito. Seja como for, a

24 Freud alerta-nos do seguinte modo para a necessidade desta ambivalência bem doseada: ―Quando os educadores se familizarem
com as descobertas da psicanálise, será mais fácil reconciliarem-se com certas fases do desenvolvimento infantil e, entre outras
coisas, não correrão o risco de superestimar a importância dos impulsos instintivossocialmente imprestáveis ou perversos que
surgem nas crianças. Pelo contrário, vão-se abster de qualquer tentativa de suprimir esses impulsos pela força, quando aprenderem
que esforços desse tipo com frequ~encia produzem resultados não menos indesejáveis que a alternativa, tão temida pelos
educadores, de dar livre trânsito às travessuras das crianças. A supressão forçada de fortes intintos por meios externos nunca produz,
numa criança o efeito desses institntos se extinguirem ou ficarem sob controlo; conduz à repressão, que cria uma predisposição a
doenças nervosas no futuro. A psicanálise tem frequentes oportunidades de observar o papel desempenhado pela severidade
inoportuna e sem discernimento da educação na produção de neuroses; ou o preço, em perda de eficiência e capacidade de prazer,
que tem de ser pago pela normalidade na qual o educador insiste. E a psicanálise pode também demonstrar que preciosas
contribuições para a formação do carácter são realizadas por esses institntos associais e perversos na criança, se não forem
submetidos à repressão, e sim desviados dos seus objectivos originais para outros mais valiosos, através do processo de
‗sublimação‘.‖ (Freud, 1913/1979, 225).
26

repressão deve estar presente, em certo modo e grau, se queremos ganhar o sujeito para
um ―bem maior‖. Isto não significa, portanto, nem um esmagamento do sujeito pela
repressão, nem um enclausuramento num modo baixo de satisfação. ―A repressão
violenta dos impulsos não leva ao seu desaparecimento, mas unicamente ao
recalcamento e consequentes neuroses. A psicanálise comprova frequentemente os
resultados maléficos de uma educação inadequadamente severa, como também constata
as valiosas aportações para a formação do carácter quando estes impulsos não são
recalcados mas orientados, através do processo da ‗sublimação‘ (Sublimiering), dos fins
primários para fins mais valiosos. As nossas melhores virtudes nasceram no terreno das
piores disposições‖ (Oliveira, 1997, 140).
Como se vê, para Freud também existem ideais educativos e não se pode, de
facto, fundar na psicanálise a proposta de uma pedagogia puramente negativa ou uma
antipedagogia. O que fica estabelecido é a necessidade de uma certa sensibilidade
pedagógica, dado o reconhecimento da fraqueza do ego durante a infância para
enfrentar os traumatismos e esquivar as neuroses. Para dominar os impulsos e se adaptar
socialmente, a criança apenas dispõe do recalcamento e do desenvolvimento parcial,
requerendo que a educação contribua com a sua parte no apoio ao domínio desejado da
pulsão, esse é o seu fim imediato, ensiná-la a dominar os impulsos, necessariamente
inibindo, proibindo e reprimindo, não pode votá-la ao ―laissez-faire, laissez passer‖,
mesmo se há risco de neurose. Daí que o caminho adequado seja possibilitar-lhe ―um
máximo de benefício com um mínimo de prejuízo‖ (Freud, ap. Oliveira, 1997, 146).
Procurando a justa medida entre carinho e autoridade, a educação também procura o
meio caminho entre adaptação e libertação, sobretudo não pode fazer da infância uma
fase de revolta, mas pode e deve infundir o gosto e o interesse pela vida.
Que saída para esta tarefa impossível que não podendo consistir apenas em
repressão tão pouco pode escamotear ser utópica uma educação sem ela? A resposta
encontra-se também na teoria dos princípios: a educação deve assistir o
desenvolvimento do ego, no seu curso de alcançar a substituição do princípio de prazer
pelo princípio de realidade, pelo prémio dos carinhos e do amor compensatórios das
perdas infligidas. Com isto predispõe-se o sujeito a perseverar na procura do ―bem
maior‖. ―A educação pode ‗condenar‘ os desejos inconscientes de todo impróprios, mas
sobretudo deve levar à ‗sublimação‘ o maior número possível, e ‗satisfazer‘ também
alguns‖ (Oliveira, 1997, 152). Eis a via de formar humanos sãos, livres e produtivos.
Tudo isto se consegue se se possibilitar a transformação da energia libidinal
27

direccionando-a para outros fins na sublimação, um mecanismo, apesar de tudo,


limitado a poucos.
Isto recorda-nos a crítica que Marcuse (1982) fez à sociedade capitalista e
consumista, descortinando-lhe uma forma repressiva de satisfação: a dessublimação
repressiva. Neste caso, com o activo contributo dos mass media e da publicidade, o que
temos é um quadro repressivo de satisfação: precisamente o das necessidades prescritas
por intermédio da função doutrinal e manipuladora inscrita nos objectos de consumo. O
modo de satisfação está aí submetido às formas materialistas da sublimação que
impõem a construção da identidade pela identificação com o conteúdo ideológico
veiculado pelas mercadorias publicitadas. Não há propriamente sublimação, mas
sobretudo a repressão das possibilidades libertadoras e criativas da sublimação.
Lembremos que, para Freud, a dependência do homem da vida social e do
trabalho lhe impõem uma inevitável deslocação das energias instintivas para actividades
socialmente reconhecidas como úteis, de onde resulta a civilização e a adaptação social
que forma o homem. A sublimação é o mecanismo que permite mudar o fim que está na
origem sexual por outro que compensa a frustração dos seus instintos inscrevendo o
sujeito numa forma criativa e adaptada de satisfação: o trabalho, a ciência, a arte e o
sonho (ver Pesch, 1986, 71-72 e 131-133). Ora, o que ocorre hoje é outra coisa. Na
sociedade de consumo o indivíduo, sob a pressão dos mass media, é impedido de
sublimar os seus desejos no desejável plano ideal, criativo e livre. A satisfação material
institui-se nesse quadro como fetiche da satisfação criativamente realizada (Jhally,
1995). De facto, a satisfação dos instintos e das emoções aparece agora estruturada por
um código de normas, símbolos e imagens, uma dada cultura e imagem do mundo que
orienta ideologicamente a satisfação (Moragas, 1976). Isto é, adapta e enclausura, não
constitui uma abertura da realização sublimadora.
Esta reflexão apoiada traz-nos ao reconhecimento do paradoxo essencial da
educação. O processo educativo coloca-se sobre o signo da emancipação, mas envolve a
repressão. Nisto consiste a sua antinomia fundamental: sístole e diástole são os dois
nomos que se opõem indefinidamente na educação. Ainda assim, vemos que a eventual
repressão deve admitir um espaço compensatório de sublimação. A própria educação
está pois ordenada a permitir a realização do humano num quadro de abertura criativa
da satisfação dos seus desejos, à margem desse quadro toda a função cultural cumpre
apenas uma função ideológica de enclausuramento.
28

2.ª UNIDADE

1.4. Da fenomenologia da agonia educacional ao para além da agonia

1.4.1. Fullat: a fenomenologia da agonia educacional.

Num esforço fenomenológico para captar a essência da educação, Octavi Fullat


(1988, 21) propôs a seguinte hipótese de trabalho: ―O acto educador especificamente
humano é, no seu núcleo e fonte entitativa, confrontação de duas consciências,
confrontação constitutivamente violenta‖. O autor procura, a partir daqui, ―banhar-se‖
na empeiria para obter confirmação de que a violência é uma categoria do acto
educativo, isto é, um conceito fundamental e fundamentante. No seu intento, desenvolve
então uma análise do surgimento ontológico da civilização, do animal faber, do
symbolicum e do sociale, para culminar com a análise da sua confluência na
demonstração da violência essencial ao educativo.
A hermenêutica de Fullat sintetiza parte do que descobrimos até agora, mas leva-
o, em certo sentido, mais longe, por radicalização, pois, para este autor, a violência é
constitutiva de todo o acto educativo. E esta é uma ideia que ele faz emergir a partir da
consideração de antropologias pessimistas ou dos aspectos pessimistas de algumas
antropologias: a de Hobbes, a de Freud e a de Sartre. A seu ver, o egoísmo do ter e o
sadismo do dominar são febres constitutivas. E, naturalmente, que quem parte da ideia
exclusiva, como Hobbes, de que o homem é lobo do homem, só pode obter o
hedonismo em ética e o Leviatã em política25: ―Toda a ética de Hobbes depende do seu
pressuposto fundamental: a inclinação geral da Humanidade para um desejo perpétuo e
sem descanso de adquirir poder e mais poder, desejo esse que só termina com a morte.
O ser humano é egoísta, (…) e a fim de poder estar preparado para alcançar o que
deseja, tem de procurar aumentar sempre cada vez mais o seu poder‖ (Marques, 2000,
120). Em consequência, deste a priori, resulta que, quando nos remetemos ao plano da
educação, nada escapa à consecução de uma violência intrínseca.26

25 Para Hobbes ―o Estado não se fundamenta na sociabilidade natural do homem, nem se justifica como um meio para lograr a
perfeição da natureza humana‖ (Rodilla, 1998, 67). Nem tão pouco resulta da santidade de uma tradição ou da força jurídica ínsita à
transmissão do poder. O Leviatã, esse ―Deus mortal‖, é apenas um instrumento ao serviço dos interesses individuais, pois o
individualismo nega a sociabilidade conatural. O Estado é fruto do medo recíproco derivado da consciência da tendência natural
para a mútua subjugação: emerge do pacto de todos com todos, mas pela violência, para garantir as regras do jogo egoísta no sentido
do bem comum
26 ―A philia – amor e amizade –, a empeiria – a habilidade – do sophós – e a tékhne – tecnologias – constituem utensílios ao serviço
de, ou bem mediações entre os elementos educadores e os educandos. Facilitam o exercício da violência, da inesquivável e também
da imprescindível‖ (Fullat, 1988, 36).
29

Da análise conduzida por Fullat resultam sempre perspectivações da contenda


humana. A civilização arranca da agressividade natural e implica tanto a repressão do
instinto como as relações de domínio. O Estado serve para dar segurança e as ideologias
pseudojustificam a violência existente e o monopólio dos meios de produção, enquanto
a educação deve colaborar nesta tragédia violenta. O homem busca a autoconstrução, a
perfeição e a felicidade pelo trabalho, mas este implica violência sobre a natureza e
prende-o nas relações de violência entre os produtores. Como ser educando, o homem
exige a educação, mas esta implica a violência da programação genética e da
reprogramação social. Por fim, infere Fullat, que educar é luta de consciências, em que
o educador sempre investe sobre o educando desde a cultura, que se alimenta da
repressão social imposta a Eros (o prazer) e Thánatos (a agressividade).
Para quem advoga, com Mestre Eckart, que ―onde há dois há dor‖, mas não
parece poder haver também satisfação, dificilmente reconhecerá que o humano possui
em si também uma disposição para a união, a compaixão, a empatia, a amizade e o
amor. Contudo, é possível reconhecer no humano, e no mundo animal em geral, tanto o
princípio egocêntrico e egoísta, que nos coloca no centro do mundo excluindo os outros,
como o princípio altruísta que inclui o Eu no Nós e este no centro do mundo do sujeito
(Morin, 2005). Um princípio que se manifesta ―quase desde o nascimento, pela pulsão
de ligação à pessoa próxima‖ e que ―pode levar ao sacrifício de si mesmo pelos seus,
pela sua comunidade, pelo ser amado (…) tudo se passa como se cada indivíduo-sujeito
abarcasse em si um duplo conjunto de procedimentos lógicos, um comandando o ‗para
si‘, outro comandando o ‗para nós‘ ou ‗para os outros‘. Um comandando o egoísmo,
outro comandando o altruísmo. O fechamento egocêntrico torna o outro estranho para
nós; a abertura torna-o fraternal. O princípio egocêntrico traz em si a potencialidade de
concorrência e de antagonismo a respeito do semelhante, até do irmão, e conduz Caim
ao crime. Neste sentido, o sujeito traz em si a morte do outro; mas, em sentido inverso,
traz em si o amor pelo outro‖ (Morin, 2005, 20).
Para Fullat (1988), antes da emergência da consciência não há educação, pois, a
seu ver, esta requer sempre a presença de duas consciências e não admite que se
suprima uma delas. Assim, mesmo esperando do processo a emancipação a passagem
da dependência inicial para o mundo da autonomia e da liberdade, na opinião do nosso
autor, na infância, antes da emergência da consciência, não há mais do que
amestramento. Porém, talvez tenhamos de colocar aqui uma ressalva. Devemos notar
que o mais significativo da situação educativa é a intenção educacional e que se poderá
30

―considerar como educativa toda a situação em que se manifeste, ou que manifeste, uma
intenção de aperfeiçoamento ou qualificação‖ (Boavida & Amado, 2006a, 49). Se da
relação educativa concreta se obtiver pois o desenvolvimento e o aperfeiçoamento
esperados, se alguém nela desempenhar uma função de transformação para melhor do
educando, como será o caso do processo que faz entrar o sujeito no estado de posse da
sua autonomia, então, será de admitir que o resultado não tem propriamente um valor
deseducativo. Mas cabe também perguntar aqui algo. Se tivesse sido puro amestramento
teria resultado para o sujeito esse ganho de dispor do exercício livre da sua vontade?
Parece difícil que de um processo de pura violência se obtenha algo mais que
―robotização‖. Muito provavelmente, há nesse percurso algo mais, que escapa a uma
leitura reducionista da agonia educacional e que nos parece ser o cuidado. Se temos de
aceitar a violência como uma categoria humana, temos também de notar, na sequência
de Heidegger (1989), que o cuidado é um a priori de toda a situação e atitude humanas.
Isto quer dizer que ―o cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, antes que ele
faça qualquer coisa. E, se fizer, ela sempre vem acompanhada de cuidado e imbuída de
cuidado. (O que) significa reconhecer o cuidado como um modo-de-ser essencial,
sempre presente e irredutível‖ (Boff, 2002, 34). Na verdade, significa mesmo que temos
de ver o cuidado como sendo ―uma dimensão fontal, originária, ontológica, impossível
de ser desvirtuada‖ (Boff, 2002, 34). O cuidado entra, portanto, na constituição da
natureza humana e revela o seu modo-de-ser. Traduz, aliás, algo que é base
possibilitadora da nossa existência. Em si mesmo, o cuidado tem uma natureza peculiar:
―Cuidar é mais que um acto, é uma atitude. Portanto abrange mais que um momento de
atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de
responsabilização e de envolvimento afectivo com o outro‖ (Boff, 2002, 33). O cuidado
pode ser material, pessoal, social e espiritual… E é, a nosso ver, mais do cuidado que
releva aquele resultado educativo de que falávamos, porque é talvez no cuidado que está
―o ethos fundamental, a chave decifradora do humano e de suas virtualidades‖ (Boff,
2002, 83). Obter de um ser a disposição para a liberdade poderá passar apenas por
acometer contra ele?
Fullat (1988) argumenta, citando Ortega y Gasset, que até encontramos o
ressaivo violento na génese da relação interpessoal: o eu é um ricochete do tu que se lhe
opõe e resiste. E, contudo, mesmo entre os bebés macacos, a falta do conforto-de-
31

contacto, mediante um substituto afecto-maternal,27 independentemente de receberem


dele a alimentação, não deixa emergir seres enérgicos, saudáveis e felizes (Harlow,
1976). Parece, aqui, difícil esquecer que ―há necessidade vital, social e ética da amizade,
do afecto, do amor para o desabrochar dos seres‖ (Morin, 2005, 37).28
Para Fullat, entre humanos, temos sempre pugna: a luta hegeleana pelo
reconhecimento. Ora, não devemos esquecer que para o próprio Hegel: ―A consciência
de si só atinge a sua satisfação numa outra consciência de si‖ (Hegel, ap. Morin, 2005,
105). Ou seja, existe uma necessidade fundamental para cada sujeito humano de ser
reconhecido, como tal, por outro. E este reconhecimento deve ser, de algum modo, num
certo nível, realizado.
Segundo Fullat, só depois da descoberta do eu pelo enfrentamento do tu, se dá a
verdadeira relação educativa, a que exige duas consciências – em contenda, sempre em
contenda. Até emergir a consciência temos amestramento, depois confronto inevitável
entre liberdades; negação do outro, porque a liberdade é a capacidade de dizer não, de
actualizar o direito de mundo. Essa é a lei da liberdade, experimentada no seu perigo, e
da existência, experimentada na sua afirmação. Com a entrada do educando na posse da
liberdade, a agonia passa a mediar a relação: entramos no insanável jogo da
objectivação recíproca. Eis mais uma perspectiva que merece um contraponto pela via
que, precisamente, o autor recusa: a comunicação das intimidades, de que falava
Jaspers, e a que voltaremos.
Na verdade, para Fullat, no que ao humano diz respeito, e ao educativo em
particular, a paz e a ventura ficam do lado do desiderativo e do utópico. A actividade
educativa é sempre pugna, discórdia, violência; o factum é sempre doloroso. Só admite
vencer ou con-vencer; exercício de uma violência pela aplicação de uma força física,
retórica ou dialéctica. Educador e educando vivem uma altercação de negação mútua,
porquanto as suas intenções, as suas vontades jamais coincidem. Mas será que não há
margem alguma de coincidência? Segundo o nosso autor, como liberdades, o poder dos
inplicados, sobretudo o do educando, reside precisamente na capacidade de negação do
datum natural ou social – tanto importa –, aí se afirma uma reivindicação de direito de
mundo. O socializador continuará a insistir na conformação, por meio da proibição, do
castigo, da chantagem, consoante os casos, até as regras se converterem em consciência
moral, ―que se abre à falta e à culpa‖ (Fullat, 1988, 136). A agonia, depois de fazer a

27 Uma ‖mãe‖ de arame ou de pano.


28 Mesmo se devemos reconhecer, com o autor, que no presente há falta de amor na nossa civilização.
32

sua aparição o Super-ego, desloca-se, como vimos, para o interior do educando e isso
também serve à sua vertebração. Entretanto, cabe-lhe muitas vezes sofrer a indiferença,
a prepotência (do poder/saber), a desqualificação e a humilhação, que a relação com o
mestre-adulto-modelo lhe impõe, de modo que a angústia aumenta, pois equivale a um
ficar sem mundo. Uma vez tendo desembocado o educando no exercício da sua
autonomia, a contenda prolonga-se: ―Enquanto os educandos começam a experimentar
as suas próprias consciências, estreia-se a batalha interminável por possuir a verdade, a
bondade e a beleza. As consciências são egoisticamente livres; cada consciência é um
ditador que diz totalitariamente o verdadeiro, o bom e o belo.‖ (Fullat, 1988, 140).
Se todo o acto educativo é violência – entre duas consciências –, ele remete
também para um desejo compensador da facticidade, que procura salvar a má
consciência das consciências envolvidas, apontando ao horizonte utópico, que acena
com a comunicação absoluta, a perfeição e a emancipação completa… 29 Os factos são
assim compensados pelos desejos, a violência compensada pela utopia. Ao reconhecer a
dor que reina no plano do real ―dispara-se a educação como desideratum; o desengano
ante o factum educacional aviva o desejo de melhor e aparece então no horizonte a
utopia carregada de valores, que configuram as finalidades educativas‖ (Fullat, 1988,
122).
Na verdade, uma das funções das narrativas utópicas está, precisamente, num
assinalar crítico do que há, mostrando o insatisfatório, e apontando o que poderia e
deveria haver (Araújo & Araújo, 2006). O próprio homem tem de ser considerado como
ser utopicus, uma dimensão que ―dá conta da sua estrutural inquietude que resulta da
sua condição de incompletude, da sua consciência de finitude e do apelo de perfeição
que nele sente‖ (Araújo & Araújo, 2006, 109). Ora, uma das vias, pelas quais, o humano
articula a sua im-perfeição com o in-acabamento de que se quer libertar, vem a ser a
educação, que nunca se contenta com menos do que o in-findo caminho da perfeição, o
estado ideal para que o lança a utopia. A utopia aparece, então, também, como uma
categoria fundamental da educação, que corresponde à primordialidade humana da
insanável insatisfação: ―a utopia forma parte da estrutura do ser humano. (…) A utopia
é uma categoria humana, algo que nos constitui e a que não podemos escapar a não ser
negando-nos‖ (Fullat, 1984, 42-43). Sendo capaz de reconhecer a im-perfeição, o
humano acende em si uma tensão que sempre o lança para o ideal a atingir e é por isso

29 Um dos problemas desta análise fundamentalemente neste referir-se sempre ao absoluto, quando poderia pensar-se, não em
comunicação absoluta, perfeição e emancipação completa, mas em comunicação limitada, aperfeiçoamento, emancipação
circunstancial.
33

que ―a libido educandi é optimista quanto ao ideal de sociedade perfeita e de um ser


humano realizado‖ (Alte da Veiga, 2006, 261). Ela considera que ―o Homem deve ser
olhado como projecto de vida perfeita e feliz‖ (Alte da Veiga, 2006, 269), que não pode
ser menos que ―uma vida total‖ (Alte da Veiga, 2006, 270). Assim, motivada pelo
―desejo de realizar o ánthropos‖ (Alte da Veiga, 2006, 264), ela vota-se ao desvelar
construtivo de todas as suas potencialidades, que concorrem a perspectivar-lhe a
existência e pensa, ante tudo, que o humano ―quer ser tudo aquilo que é capaz de ser‖
(Sciacca, ap. Darós, 1997, 277).
Vemos pois que a utopia constitui uma dimensão estruturante da educação,
através da qual se articula a im-perfeição, nomeadamente a individual: o que há com o
que deveria haver.30 Talvez seja, então, necessário não olharmos sempre o que há como
algo apenas a lamentar, é preciso saber ver na imperfeição justamente o valor de ser a
base e a abertura para a perfeição possível. No real não está só a limitação que me aflige
e o outro que me constrange, mas também a base para o lançar-me e outro que me apoia
e me reconhece. Do mesmo modo, se há violência, talvez isso possa servir para nos
fazer ver a concórdia que poderia (deveria) haver, tal como o chocante nos revela o
interdito, o limite último para lá do qual parece já não poder haver qualquer ordem
(Boavida, 2005). Se não podemos extirpar de todo a violência, não fica excluído que
não possa haver algum nível de concórdia e comunhão.31
Sobre a utopia há, ainda, um aspecto significativo a considerar. Como assinala
Morin (2005), no domínio da política temos de distinguir dois tipos de utopias: a
irrealizável que se refere à harmonia e à perfeição e a que se refere a possibilidades
ainda impossíveis. Ora, se, por um lado, ―a impossibilidade de substituir a realidade
pelo ideal não impede a construção de uma realidade outra que mais se aproxime do
ideal‖ (Araújo & Araújo, 2006, 103), conseguir um nível significativo de ligação e
compreensão entre os humanos não parece ser algo irrealista. Adiante procuraremos
mostrar os meios que estão ao nosso alcance e para a educação.
Segundo Fullat (1988), a violência, as febres egoísta e sádica podem apenas ser
alteradas quanto ao seu modo, mas nunca suprimidas. A partir do seu reconhecimento

30 ―A utopia lança para o futuro o estado ideal de perfeição a que aspira o ser humano e situa-o algures, num lugar que, sendo não-
lugar, se oferece como farol orientador da acção humana, dos indivíduos em comunidade, mas ao qual só acede o homem educado,
cujo perfil se tem vindo a re-formular ao longo dos tempos. A educação constitui, assim, a mola impulsionadora de uma longa
marcha dos indivíduos e das comunidades para a plenitude do ser, que está ao alcance de uns e de outras, em interacção dialéctica.
Uns e outras, seres in-acabados que, num presente que é im-perfeito, aspiram à in-finitude e que, uma vez a caminho, dispõem de
instrumentos necessários para re-conhecer a outupia que, na sua dupla grafia, é também eutopia, onde tem lugar a felicidade de
todos e cada um‖ (Araújo & Araújo, 2006, 105).
31 Diz Fullat (1988, 123) que ―Há eros educacional porque contamos com violência educativa. Os valores, por apetecidos, apontam
àquilo que os converte em apetecíveis, que não é outra coisa, no plano dos factos, que o descomedimento do conflito educacional
originário.‖ Se assim é, não significa isto também que nos devemos dispor a realizar o apetecível no que nos for possível.
34

factual se dispara, como vimos, o desiderativo, os valores. Ora, os valores tanto podem
apontar o que poderia haver – o mundo do possível e da culminação – como podem
servir à dissimulação e à pseudo justificação do que há – a violência.32 As ideologias
assistem a justificação do factum e as utopias a fuga dele. E note-se que o quadro
utópico, que aponta ao libertar que permita ao educando realizar-se segundo o seu
―‗génio‘ singular‖, joga um duplo e importante papel de, captando a insanável ânsia de
perfectibilidade, erguer o referente a partir do qual a educação se resguarda tanto do
abandono como do endoutrinamento (Reboul, 2000).33 Ora, o mais curioso é que Fullat
assinale, precisamente, em simultâneo, que a educação se deve dirigir a possibilitar o
―ser-si-mesmo‖ interminável e que só pode ser violência, pois a relação habitual do
educador com o educando é de indiferença, num registo aparentemente discricionário de
lhe dar e tirar a palavra, de o classificar e avaliar. Mas será possível tirar uma coisa da
outra?
Ensina Fullat que o educar vai realizando a antropogénesis debatendo-se com os
ideais. Contando com a plasticidade inicial do mesocórtex, concretiza-se ao longo de
toda a vida pela transformação da conduta, constituída pelo conhecer, o sentir e o fazer.
Com isto, naturalmente, o homem vai actualizando as suas potencialidades básicas.
Porém, a educação dirige-se ainda ao neocórtex, centro da consciência, da inteligência,
da imaginação e da liberdade, um plano que reclama e atende os valores. Para ele se
dirige a educação propriamente dita. 34 ―Se a educação como facto, ou dado, consiste em
alteração, em ―ser-o-outro‖ – o social –, a educação como possibilidade, o valor
proposto neste caso (…), consiste em ensimesmamento, em ―ser-si-mesmo‖ – aventura‖
(Fullat, 1988, 115). Nisto se consuma a libertação para si mesmo das programações
genética e social, correspondendo-lhe a socratização, por oposição à socialização do
nível anterior. ―A dúvida, a ironia, a crítica, o silêncio, o recesso e a solidão constituem
métodos excelentes para experimentar-se como substância própria‖ (Fullat, 1988, 115).

32 As ideologias, pelas quais o Estado instrumentaliza os media e a educação, aparecem quando é preciso justificar toda a vontade
de domínio que fere a consciência. Ora o poder parece ser sempre exercido desde a força e não desde a verdade, o bem e o belo, mas
esse é o preço a pagar pela segurança. Inscrito nesta contenda, é certo que o processo educativo não possa deixar de sofrê-la.
33 Sem utopia só pode pois haver enclausuramento, uma vez que sem ela dificilmente sobrevive a aspiração do melhor e mais
autêntico que o humano quer ser.
34 Segundo Fullat, no plano primitivo do processo educacional, a consciência do educador acomete a do educando até este ter
possibilidade de se tornar consciência significadora, condição que pode ser propiciada, retardada ou obliterada pelo primeiro nível
educativo. Mas, como se vê, nem um nem outro nível podem ser dispensados: sem o acometimento desde a cultura, que reprime e
molda, não há base para a consciência a que se dirige o segundo plano. Este afirma-se precisamente como consciência oposta –
autónoma quer dizer que se dá a si a própria lei – e contrapõe-se à estruturante ou educadora. Temos, pois, luta de consciências e
violência a vários níveis: físico, psíquico, social, cultural e ontológico.
35

Por seu intermédio, o espírito cumpre a sua vocação de buscar(-se) continuamente.35


Mas, com tudo isto, mais uma vez cabe de perguntar: ―Como se tira esta dedicação de
um educador a libertar o educando para si mesmo a partir de uma relação que só pode
assentar em contenda entre consciências?‖
Quando consideramos o a priori em que se ancora Fullat encontramos-lhe
algumas limitações se comparado com outros horizontes. Kant, por exemplo, refere os
impulsos egoístas como antropologicamente constitutivos, mas recorre ainda ao ―plano
da Natureza‖ e à insociável-sociabilidade da natureza humana.36 Ora, neste caso, estão
presentes as duas tendências: a egoísta e a altruísta, que é o mais definitório do realismo
kantiano: ―os homens não se movem, como animais, por puro instinto, nem tão pouco,
como racionais cidadãos do mundo‖ (Kant, 1784/1985b, 40).37
Kant acredita numa ―disposição moral do género humano‖ (1798/1985c,106),
pelo entusiasmo que identifica no uso desinteressado da razão, e tira ―a seguinte
observação, importante para a antropologia: que o verdadeiro entusiasmo faz sempre
referência ao ideal, ao moral puro, isto é, ao conceito de direito, e não pode ser
preenchido pelo egoísmo‖ (1798/1985c, 107). O nosso filósofo, resguardando-se da
fragilidade da natureza humana, não perde a esperança e confia nas virtualidades, ainda
que limitadas, da educação.
No a priori kantiano vemos estabelecidas as condições para se desenvolver a
educação possível. Em relação a ele, o paradigma ―antropossociopolítico‖ preferido por
Fullat é mais limitado e parece admissível dirigir-lhe a mesma crítica que se aplica ao
―hobbesianismo‖ em geral, pois, ―na realidade, tanto em nós como nos demais,
encontramos sempre lado a lado uma solicitude pelos outros e móbiles esgoístas‖
(MacIntyre, 2006, 150).

35 É patente que se dá aqui conta de uma antinomia educacional importante. Se, por um lado, a realidade sempre nos requer alguma
adaptação, que a educação deve servir, ela deve fazê-lo de tal modo que nos permita ―adaptarmo-nos a tudo – mas sem nunca
perdermos a nossa identidade, que se fortifica com a fidelidade ao projecto pessoal‖ (Alte da Veiga, 2006, 273)
36 Kant não acreditava que o género humano fosse movido no campo político por impulsos morais e viria a exigir a concordância
da política com a ética através do direito (Romanillos, 1998). Nem mesmo as limitações da natureza humana, que Kant reconhece,
podem subtrair a política à incondicionalidade do dever e daí à consecução de um fim prescrito pela razão prático-moral ―a
consecução de um estado de paz universal e duradouro.‖ (Romanillos, 1998, 86) Este é o bem político supremo que está em
consonância com a possibilidade de progresso continuado do humano.
37 O contrato e o direito aparecem, na perspectiva kantiana, para harmonizar os arbítrios individuais. Na ética a lei pensa-se como
fruto da liberdade e da autodeterminação da vontade moral individual e no direito como expressão da vontade geral. A renúncia à
liberdade unilateral e sem lei recupera-se no papel de colegislador ―dessa outra vontade omnilateral legisladora‖ (Romanillos, 1998,
96). O povo mantém, no entanto, direitos inalienáveis, como a liberdade de pensamento e expressão e o direito ao reconhecimento
da dignidade humana de cada um ser tratado como um fim em si mesmo e não só como meio ou coisa, isto é, como pessoa, ser
moral livre e responsável. Os direitos da pessoa serão mantidos sejam quais forem os sacrifícios do poder. Não se trata, portanto,
aqui apenas de conjugação de egoísmos, ainda que o egoísmo determine a natureza humana, mas da articulação entre vontades
morais, seres com apetência para a vontade moral. Apesar de o uso autónomo da inteligência própria, a ilustração ou emancipação,
seja difícil e perigoso e o contrário corresponde a ―uma incapacidade convertida quase em segunda natureza‖ (Kant, 1784/1985a,
26), de modo que só lentamente se conquista. O Estado colabora nesta tarefa e deve estar ordenado ao desenvolvimento das
disposições da humanidade.
36

A problemática da antinomia da educabilidade humana pode, a partir de Kant,


conhecer uma redefinição. Desde o enquadramento realista, há a possibilidade de um a
priori ―antropossociopolítico‖ congruente com a função educativa que preserva a
autonomia das consciências, sem iludir a duplicidade da natureza humana, nem a
conflitualidade inerente à relação humana e sem descair na ilusão da comunhão perfeita.
Convém mesmo não iludirmos, por ingenuidade, a questão de facto, pois o poder tende
à domesticação onde quer que se encontre. Foucault procurou mostrar que o poder pulsa
em toda a relação e que é na luta que o sujeito se prova (Garcia, 2001). Ainda assim,
cabe perguntar se, em tudo o que é relação, se vive sempre contenda, se executa sempre
repressão e se não pode haver encontro. Deixamos aqui a seguinte questão: ―Será que
um povo, uma nação e mesmo um Estado poderiam sobreviver se não contassem com
algo mais do que o egoísmo, o medo e a contenda?‖ Não parece ser a resposta
afirmativa que a história testemunha. Com todas as vicissitudes, não sendo pequenas as
escabrosas guerras mundiais, assistimos ao progressivo reconhecimento dos direitos
humanos (Camps, 1996), a tal dignidade anunciada por Kant (1999). Pela nossa parte,
não podemos deixar de nos decantarmos pelo seu realismo quanto à problemática da
antinomia educativa, apontando para o reconhecimento equilibrado da tendência
altruísta a par da oposta, no (per)curso humano.
Como se notou antes, o próprio Freud apontou a intervenção da mesma
duplicidade humana: Eros e Thanatos.38 É certo que Fullat não nega o funcionamento da
tendência altruísta, na linguagem freudiana, mas não a valoriza do mesmo modo,
quando o carinho é mesmo referido por Freud como um recurso importante em
educação. E podíamos remontar mais atrás ainda, pois até em Platão e Sócrates
encontramos Eros como mediador do acesso ao saber e da relação educativa. Sem filia
poderá haver uma relação que preserve o outro na sua autonomia de consciência e que
assista até essa autonomia? Sem filia poderá haver esperança para a educação? Estamos
convencidos de que nem o educere nem o educare se podem realizar sem dádiva,
embora um a exija mais do que o outro, certamente. Não significa isto que a lição de
Fullat, muito semelhante à que deixou Jaspers, deva ser esquecida: a Paideia envolve
sempre luta, que toma a forma de agonia. ―Agonizar é entrar em conflito consigo
mesmo e com os outros, é permanecer na intranquilidade, é a procura constante‖
(Neves, 2004, 125). O homem é um animal agónico e a agonia é um modo do seu

38 A propósito da vida escolar, Freud lembra a sua relação e a dos seus companheiros com os seus mestres e conclui que estavam
―desde o princípio, igualmente inclinados a amá-los e a odiá-los, a criticá-los e a respeitá-los‖, dada a natural ambivalência das
relações humanas (Freud, 1914/1979, 286).
37

realizar-se, mas, a nosso ver, este seu modo de ser conjuga-se também com outros
modos.

1.4.2. A educação para além da agonia.

A questão da agonia educacional parece ser solidária da forma como entendemos


a natureza humana. Rousseau quis acreditar num humano naturalmente bom, Hobbes
viu-o como essencialmente egoísta e agressivo. Mas talvez seja tempo de
reconhecermos um papel complementar e antagónico destes princípios, que se
realizarão diversamente e de forma alternada nos diferentes indivíduos, consoante as
circunstâncias (Morin, 2005). O que nos remete para a necessidade de valorizarmos
mais o papel dos contextos em que o humano se define e nos livrarmos das metafísicas
dos extremos, aceitando antes que ―não somos nem bons nem maus por natureza, senão
radicalmente ambíguos, quer dizer culturais, históricos, situacionais‖ (Orbe, Bondía &
Sangrá, 2006, 251).39 Mas é, precisamente, contando com o significado radicalmente
ambíguo da nossa finitude, que estes autores apontam a necessidade de encarar a
educação como constitutivamente ética, ou seja, uma resposta responsável ―compática‖
de acolhimento do outro na sua singularidade incontornável.40 Ora, semelhante aceitar
―compático‖ leva-nos, necessariamente, para lá dessa agonia, a que Fullat parece querer
prender a educação.
Fullat confessa que, se as análises jasperianas prosseguem até à comunicação de
duas intimidades, ele não as pode seguir, na medida em que transpõem o âmbito da
consciência transcendental da educação. No estrito terreno da consciência
transcendental, aquém portanto do plano da teleologia possível, temos contenda,
configuração discursiva, oposição e negação relativa das consciências, que negando se
afirmam. Doçura e respeito são, como supunha Sartre, palavras vãs; a educação é, em
essência, exercício de uma força, seja física, retórica ou dialéctica.41

39 Embora, a nosso ver não queira isto dizer que não se nos possa atribuir maldade alguma ou estejamos sempre desculpados.
40 Segundo estes autores a ética, e portanto toda a relação de fundo ético, deve ser uma relação de compatia, isto é, dotada da
capacidade de participar no que sente o outro, ultrapassando a indiferença com uma relação de deferência, ou seja, a que acolhe com
tacto.
41 Algo que pode ver-se ainda melhor, segundo Fullatt, considerando a natureza ternária da relação educativa entre educador,
educando e conteúdos. Se se apagasse o terceiro termo teríamos apenas o itinerário da filia, reintroduzindo-o deve haver
antagonismo; poderá haver comunicação sobre o conhecível mas não de consciências porque ―A unidade com outrem é
irrealizável.‖ (Sartre, ap. Fullat, 1984, 240). Como já se assinalou o problema pode estar aqui no perspectivar sempre algo no seu
termo absoluto: não há por certo coincidência de cosnciências, mas não poderá haver intersecção, encontro? Nem mesmo um diferir
que aceita e respeita a diferença?
38

Para quem entende, com Sartre, que ―olhar o olhar do outro é colocar-se na
própria liberdade, intentando desde esta, enfrentar-se com a liberdade do outro‖, de
modo que, ―quando olho um olhar, este desaparece e não ficam mais que olhos (…) um
ser-objecto‖ (ap. Fullat, 1988, 136), dificilmente se pode aceitar que a educação seja
algo mais do que ―um desafio à morte‖, em que só há lugar para uma liberdade, a qual
se realizará negando o restante como um mundo de coisas ou objectos‖ (Fullat, 1988,
133). O olhar do professor converte sempre o aluno em objecto, o olhar do pai converte-
o em culpável.
Contudo, o modo como os humanos podem comunicar parece ter possibilidades
de nos abrir um nível de relação educativa não inscrita na agonia. Como Jaspers
mostrou, para além da relação ―objectificadora‖, o eu individual não só possui outros
níveis de profundidade como os requer. Há um eu que aspira à intimidade mais
profunda e reclama uma comunicação existencial, não assente na relação objectiva, mas
na que se estabelece entre sujeitos: ―Eu tenho consciência do meu corpo. O mesmo pode
dizer-se da parte do meu eu que só se entende desde a perspectiva da convivência com
os outros, o eu social; e do eu histórico que me permite ver o meu passado, o que fui e
de alguma maneira o que sou agora, ainda que o meu eu não se reduza nem se ‗esgote‘
em nenhuma destas dimensões. Pois bem, para Jaspers também é comunicação
objectiva a que se estabelece tendo como objecto da própria comunicação os níveis ou
estratos descritos do eu, que são susceptíveis, como já se indicou, de um saber
objectivo. Sendo precisamente a insatisfação, a consciência íntima da insatisfação que
gera o relacionar-se só a estes níveis de comunicação objectiva, que, por outro lado,
também são úteis ao homem, o que desperta no indivíduo a necessidade imperiosa da
comunicação de sujeito a sujeito, de existência a existência: a comunicação existencial‖
(Gómez, 1989, 45). Se existe esta última modalidade comunicativa, capaz de articular
intimidades, segundo a franqueza, o respeito e a liberdade, em que não se assiste à
―intencionalidade de domínio ou subjugação‖, mas apenas ―o animar o outro a ser e a
realizar o seu próprio projecto pessoal de vida.‖ (Gómez, 1989, 45), então uma
educação para lá da agonia é possível.
A respeito da compreensão humana, reconhece Morin (2005), que ela possui três
atitudes: a objectiva, a subjectiva e a complexa. A primeira consiste em apreender e
implica o explicar; é o modo objectivo que junta informações e fornece causas. ―A
compreensão subjectiva é o resultado de uma compreensão de sujeito para sujeito, que
permite, por mimese (projecção-identificação), compreender o que o outro vive, os seus
39

sentimentos, as suas motivações interiores, os seus sofrimentos e as suas desgraças. (…)


A compreensão dos outros integra a compreensão objectiva, mas implica uma
componente subjectiva indispensável. A explicação desumaniza, ao objectivar: precisa
da sua complementar; a compreensão subjectiva. Isso exige manter a dialógica
objectivo-subjectivo, pois a compreensão não deve ser nem cega nem desumanizada. A
simpatia e o amor facilitam a compreensão intelectual, mas precisam da compreensão
intelectual. A compreensão complexa engloba a explicação, compreensão objectiva e
compreensão subjectiva. A compreensão complexa é multidimensional; não reduz o
outro a um só dos seus traços, um só dos seus actos, tende a apreender globalmente as
diversas dimensões ou diversos aspectos da sua pessoa‖ (Morin, 2005, 114-115). Se
somos capazes destes modos de compreensão uma educação não simplesmente agónica
é possível.
É relevante invocarmos aqui, também, Rogers (1974), que muito insistiu na
empatia como capacidade e requisito educacional. E não parece haver dúvidas hoje de
que a tarefa educativa requer ao mesmo tempo rigor e graça (Reboul, 2000), um certo
nível de constrangimento e libertação, ciência e técnica assim como solicitude e amor
(Cabanas, 1988). Confronto e encontro, como adiante procuraremos mostrar.
Encontramos em Sciacca, através do ensaio de Darós (1997), um outro apoio da
nossa posição. O filósofo italiano apresenta-nos um conceito de educação integral da
pessoa – integralmente e na sua integridade –, como finalidade suprema da educação.
Não só a pessoa se funda no amor que tem a si mesma, como, por isso mesmo,
está aberta ao aperfeiçoamento, que aponta ao ideal, e se abre também a amar todo o
ser. Assim, o processo educativo tende a um máximo ideal (realizar o máximo da
humanidade ínsita) que, na realidade, está sujeito a limites práticos.
O amor é um acto integral e integrador que implica o reconhecimento livre dos
entes por referência à justiça e à bondade, de modo que ―O amor é um acto sensitivo-
intelectivo-volitivo, o único acto integral e completo do homem: é a inteligência de
amor‖ (Sciacca, ap. Darós, 1997, 8). A pessoa livre reconhece às outras a mesma
condição, nisto consiste o seu ―acto de dom inteiro‖, da pessoa às pessoas, pelo que o
desenvolvermo-nos implica o amar, o promover-se a si com o outro. Pela afirmação
pessoal vamo-nos distinguindo progressivamente e integrando o distinto pelo amor. ―O
homem não é só egoísmo; é também positividade de bem, capacidade de amor‖ (Darós,
1997, 8). Aliás, o homem não se reduz apenas ao pensar, é também sentir, querer e
40

relacionar-se, aspectos estruturantes da educação, mas é o pensar que organiza as


restantes possibilidades.
O humano está na senda de se fazer pessoa pela assumpção de valores no uso da
sua liberdade. Ora, o itinerário da liberdade é abertura ao perigo, é o fio da navalha
entre o fechar-se em si e o aderir sem critério a outrem. No primeiro caso o sujeito fica
informe, no segundo fecha-se no finito e no circunstancial, fica aquém da abertura à
possibilidade infinita do ser. Porém, reconhecendo em todas as pessoas essa abertura, o
humano toma a liberdade dos outros como colaboradora indispensável da sua e não
simples limite, pois sem as outras liberdades tão pouco realiza a sua.
Notemos ainda que, no seu desequilíbrio ontológico fundamental, o sujeito finito
que se abre ao infinito, como horizonte, ao desenvolvimento sempre mais pleno e
integral, de corpo e espírito, numa sociedade, necessita do outro, pois a pessoa só é
pessoa ―no dom a outras pessoas. A pessoa não é uma finalidade em si mesma, senão
para transcender-se até à plenitude de ser que transcende o sujeito‖ (Darós, 1997, 292).
O humano é uma finalidade em si, porquanto o infinito está presente no seu espírito,
mas, além disso, é-o na medida em que se aponta o desenvolvimento pleno. O
desenvolvimento consuma-se, como se viu, ―no reconhecimento, no amor e na
realização do ser próprio e alheio‖ (Darós, 1997, 295).
Como sublinha Sciacca, para além das necessidades básicas, existem prioridades
humanas objectivas e subjectivas. As subjectivas dimanam da pessoa: a sua identidade e
integralidade. As objectivas procedem do ser do homem e das suas capacidades, são a
verdade, a bondade, a fraternidade e a beleza. Pois bem, ―O acto de amor é, de todos os
actos do ser humano, o que melhor o sintetiza e integra‖ (Darós, 1997, 295).
A filosofia de Sciacca reclama muita reflexão e aponta riquíssimas acepções ao
campo educacional. No entanto, para já, importa destacar que na educação não podemos
encontrar apenas afrontamento e conflito. Mais, parece evidente que as consciências se
edificam para além da afronta na relação de abertura ao outro – o tu que apoia a minha
liberdade e o ser que é o limite das minhas possibilidades. Aqui não há certamente
anulação das consciências, nem haverá coincidência total de consciências, mas tão
pouco pode haver apenas afrontamento. Lembremos que a consciência se reacende no
reconhecimento, que é para ela um verdadeiro combustível. De facto, é isso que gera a
maior perplexidade quando se fala de natureza humana à margem do social ou de
consciência independente de toda e qualquer outra consciência. A consciência que fala
do alto da sua mesmidade é uma consciência que esqueceu as suas raízes e a dinâmica
41

que lhe permitiu a identidade. Mas, mesmo quando ela avalia o certo e o errado, o bom
e o mau, ela pensa para um outro, pensa-os como algo mais do que um simples para-si.
Até quando a consciência quer ter razão, quer tê-la em nome de um outrem
independente. Por isso as consciências se confrontam e se põem também de acordo.
Aliás, talvez nem sejam as consciências que se não podem por de acordo, mas as
vontades e, quando estas querem, não se anulam as consciências: concordam.
Merece ser aqui considerado aquilo que faz do conhecimento algo partilhado.
Referimo-nos às condições da partilha pelas quais a afinidade entre dois seres humanos
dá origem ao sentido: produz ser. Neste caso recorremos à pedagogia de Martin Buber,
para quem a educação acontece, para além da preocupação com os conteúdos, num
certo tipo de espaço de partilha: a co-poiesis ou co-invenção. Como explica McHenry
(1997, 343), ―Buber diz que o conhecimento, e mesmo a cognição, tem o seu oceano
num reino específico, embora seja um reino que interpenetra o reino da estrutura: o
conhecimento vive nessa relação dos seres trazida ao ser pela ‗palavra básica Eu-tu‘ ‖.
Trata-se de um momento em que se comunicam experiências, de modo a
penetrar o círculo de experiência de outrem, elevando-se ambas as percepções a um
patamar novo: um novo mundo. É sob a primazia do diálogo ontológico, o da
mutualidade do eu-tu, que se abre a presença do mundo presente e o ser ressoa na
originária mutualidade do encontro.
Naturalmente a explicação desta possibilidade comunicativa assenta numa
filosofia do encontro. No encontro estabelece-se um estar-em-relação não possessivo,
que confere um contexto de espaço e tempo, de onde brota a possibilidade de inventar
mundo: ―Quando confronto um ser humano como meu Tu e lhe dirijo a palavra básica
do Eu-Tu, então ele não é uma coisa entre coisas nem consiste em coisas… Ele não é
mais um Ele ou Ela, limitado por outro Dele ou Dela, um ponto na grelha do espaço-
tempo, nem uma condição que pode ser experienciada e descrita, um molho solto de
qualidades designadas. Sem limites nem extensão, ele é Tu e enche o firmamento. Não
como se não houvesse mais nada; mas tudo o mais vive na sua luz‖ (Buber, ap.
McHenry, 1997, 344).
Como se vê, neste domínio transcende-se o espaço da simples experiência que
coisifica; há a comunhão do estar-em-relação não possessivo; encontro que distingue
cada um na sua presença particularíssima; coincidência no mesmo mundo assim criado.
Há confrontação mas não afronta.
42

A dinâmica do encontro, o nível de relacionamento eu-tu, não é desenvolvido de


forma continuada, alterna com a relação coisificadora, a relação com objectos que
consistem num terem sido, onde não há, portanto, questão com o presente, mas onde
cada momento tem apenas passado e, por isso, tão pouco pode haver presença. As
pessoas buscam, no entanto, a dimensão das intimidades, onde se realizam melhor.
Buscam o ser com outro ser, dando-lhe a presença que lhe cabe, ou melhor, valorizando
a sua presença. Este é o plano ontológico do relacionamento mais prometedor, pois
como explica McHenry (1997, 347): ―O facto da relação é o solo onde o Ser cresce.‖ E
podemos esperar dele o crescimento do meu Eu, do teu e do nosso ser. Também por
isso, o educar, que não acolhe e alimenta o encontro, que não sabe transcender a
coisificação, tão pouco poderá dispor de um mundo onde viver com, resta-lhe o terreno
das coisas e dos estranhos, ponto de início, nunca de chegada. O ponto de chegada é a
relação ontológica sobre que pode caminhar a verdadeira relação pedagógica. A matriz
pedagógica essencial é muito específica: a relação sujeito-a-sujeito ou face-a-face.
Assiste-lhe ―o diálogo genuíno em que o educador deve entrar sem premeditação,
embora deva também conduzi-lo e controlá-lo. Este diálogo tem de ser continuado até
que de facto culmine num silencioso ser-um-com-o-outro.‖ (Buber, ap. MacHenry,
1997, 347).42
Naturalmente, semelhante tipo de abertura, que proporciona o diálogo
ontológico ou encontro, tem os seus requisitos. Contudo, são simples e conhecidos. Já
Kant havia exigido na base da formulação do imperativo categórico o reconhecimento
de que existem seres que não podemos limitar a esse redutor estatuto da coisa, pois são
fins em si próprios como pessoas que são – seres racionais. Por isso, porque reconheço
no outro a mesma dignidade que faz dar ―o nome de pessoas aos seres racionais‖ (Kant,
1999, 60), cuja natureza faz deles fins e restringe o arbítrio sobre eles ao respeito deles,
temos a dedução do, já referido, princípio prático supremo, que manda tratar os outros
como fins.
A propósito máxima kantiana, importa reconhecer três planos: em primeiro
lugar, distingue-se aquele onde inserimos as pessoas, não só a dos outros, mas
provavelmente até a nossa, apenas no universo indiferente dos meios; em segundo
lugar, temos o do reconhecimento de que a pessoa tem valor absoluto; em terceiro lugar,

42 Não podemos deixar de lembrar aqui as recomendações de Rogers (1974) para que a educação assente num ambiente de
aceitação positiva incondicional, um ambiente de autenticidades, ou congruências, que se oferecem mutuamente e em, que, apesar
da nossa irredutível e incomensurável subjectividade, nos assiste a possibilidade relativa de experimentarmos o que o outro pensa e
sente tal como ele o pensa e sente.
43

aparece o plano do reconhecimento consequente de que a pessoa é um fim em si, o que


representa uma norma moral que tem um paralelo no plano ético, que é, no fundo, o de
reconhecer ao outro a sua própria autonomia, criando o plano da reciprocidade. Ora, ―o
milagre da reciprocidade, é que as pessoas sejam reconhecidas como insubstituíveis
umas pelas outras na própria troca. Esta reciprocidade dos insubstituíveis é o segredo da
solicitude‖ (Ricoeur, 1990, 7). Eis a exigência que faz Buber para o advento do
encontro, pois, também para ele, ―o pressuposto fundamental para a emergência do
verdadeiro diálogo está em que cada um deve olhar o outro como sendo a si próprio‖
(ap. McHenry, 1997, 348). O reconhecimento da individualidade do outro, na sua
globalidade espiritual e irrepetível pessoa, torna-nos cientes do outro, tal como é como
pessoa, e que é impossível de captar quando tomamos o outro como objecto para a
observação ou contemplação. O modo pessoal só se descobre no tornar presente pessoal.
Este tipo de diálogo não se apoia na argumentação, na compreensão ou no
consenso, nem tão pouco se refere a atitudes de aceitação e tolerância, trata-se de um
perceber o outro que transcende inclusivamente o simples plano sensório. McHenry
garante que não existem receitas para este tipo de diálogo desapossado para além do
pressuposto básico. ―O diálogo aqui parece depender de algo designado ‗entrar em
relação elementar‘ com outrem, sintonizando o nosso perceber para a pessoa como
unicamente ‗determinada pelo espírito‘‖ (1997, 348). Envolve, portanto, o afastamento
do paradigma perceptivo comum da contemplação ou observação objectivadoras, isto é,
envolve uma mutação da cognição para o ser com e para outra pessoa.
A nosso ver, sejamos realistas, ressalta aqui a ideia de que a educação se faz de
muitos elementos. Não se faz apenas do momento de diálogo ontológico, pois também
se faz de simples ensino. Mas, não pode fazer-se apenas de relação objectivadora, são
igualmente indispensáveis os espaços de relação elementar, de ser a ser, que
transcendem a matriz racionalizante da nossa percepção comum, ou não haverá
educação, não ficará completa a relação educativa. Semelhante abertura estabelece-se
num espaço despossesivo, que honra o dirigir-se a/nomear um Tu, num autêntico
escutar recíproco. O outro é acolhido nesta relação como um esperado, um conhecido
sem apresentação.
A educação reclama o estabelecimento deste terreno da relação elementar, onde
se desenvolve o falar ontológico, como condição de possibilidade para se desenvolver
com sentido o domínio técnico. Exige-se, portanto, o estabelecimento deste pano de
fundo, simultaneamente horizonte teleológico, que confere propósito fundamental à
44

educação. Dizemos horizonte teleológico porque se refere ao desenvolvimento do ser no


ser-com-o-outro.
A ontologia pragmática do encontro de Buber serve de esquema a este desígnio
educativo, emergente no encontro, um tipo de relação em que o mundo aparece como
partilhado. Nesse plano, em que educador e educandos se encontram, ficam uns perante
os outros ―abertos por um momento a um mundo que podem criar‖, entre si nada tendo,
senão a possibilidade de, nomeando-se e comprometendo-se no face-a-face, no tornar
presente pessoal, fazerem emergir um mundo de sentido. Neste caso, o ser de cada um
expande-se em sentido, num processo com sentido (significativo): desenvolve-se. E, por
vezes, até a ―invenção do silêncio‖ pode servir à invenção do ser(com).
McHenry reclama uma viragem da epistemologia para a pragmática ontológica
do encontro, de modo a podermos resgatar a educação do paradigma cartesio-lockeano
dos sujeitos opostos aos objectos, que de certo modo é o que persiste na fenomenologia.
A educação fica nele adstrita a um certo tipo de relacionamento incapaz de produzir
aqueles ―momentos em que o Ser é renovado, re-inventado pelo ser-com [, ora, para isso
precisamos de] re-inventar a vontade de ser-com‖ (McHenry, 1997, 350). O quadro
geral deste modo educativo emerge aquando do face-a-face, onde se vivenciam os
valores do encontro: ―A possibilidade do Nomear, poderíamos dizer, emerge na
Confrontação autêntica, quando e só quando as pessoas Relacionando-se têm entre si o
Nada que clama pelo seu falar, Inventando mundo entre si. No Saudar-se,
direccionando para um Encontro, entram na presença de… não, entram na Presença,
ponto. No seu dirigir-se entre si, o mundo abre-se ao seu toque‖ (McHenry, 1997,
350).43
A educação aberta ao encontro, significando menos o ―ir de encontro a‖ que o
―ir ao encontro de‖ – o estar em face como pessoas e não como papéis –, no contexto do
ideal do cuidar pessoal, ficaria assim melhor aberta ao incomensurável valor do
comprometimento no aprender/crescer.
Não é despiciendo retomar a propósito da ideia de uma educação sob o signo do
cuidar o profundo significado ético que lhe pode ser atribuído.
Como mostra Ricoeur (1990, 6), o ―cuidado de si‖ ―não se confunde com o
mim‖, aquela posição egológica que o encontro com o outro necessariamente altera. No
plano do mim não há encontro, há desencontro e indiferença. Tenhamos atenção aqui à

43 Os valores do encontro podem esquematizar-se assim: Relacionar-se  Nada ter; Dirigir-se  Saudar-se; Presença 
Confrontação; Nomear  Inventar.
45

derivação prefixal de contrariedade ou negação. O cuidar de si, como momento


reflexivo da praxis, está subjacente às capacidades de agir intencionalmente e de tomar
iniciativa sobre o curso das coisas no mundo, que nos transmitem a noção de sermos
autores, agentes e não agidos. No cuidar de si, o sujeito descobre a estima de si, em
duplo sentido, porque aprecia as suas acções, no que se descobre como autor no mundo,
logo capaz de autonomia, e assim cuida de si, na escolha estima-se, busca o melhor para
si, na senda da via ética. Para Ricoeur esta é apenas uma dimensão da perspectiva ética,
que comporta ainda o desígnio da vida boa, com e para os outros, segundo instituições
justas. Considera, portanto, também, o outro como o que é igualmente capaz de dizer
―eu‖ e ―tomar-se por agente, autor e responsável dos seus actos‖ (Ricoeur, 1990, 7). De
modo que, por este reconhecimento do insubstituível si do outro, é que pode haver
reciprocidade entre nós. Por ele entramos no contexto da solicitude ética, a que
corresponde no domínio da moral, da regra, o respeito.
A solicitude implica a amizade e no mínimo a compaixão, que restabelece a
igualdade. Já as instituições justas dizem respeito ―às estruturas do viver em conjunto‖
que asseguram a reciprocidade segundo um regime de direitos e deveres que cabem a
cada um, segundo os méritos, os contributos e, acrescentaríamos nós, em certos casos,
as necessidades.
Se encarada no plano essencial que foi referido, a educação exige, como se vê,
um eminente sentido ético, desde a relação educativa básica ao plano institucional do
seu desenvolvimento.
Com Fullat (1988) vimos que, por todo lado, a educação é agonia e que, perante
a dor, o discurso pedagógico se abre ao desideratum e à utopia. Esta abertura, por
desejável, manter-se-á sempre, pois não é passível de culminar-se. A nosso ver a
verdade desta tese não impede reconhecer o plano relacional em que precisamente se
pode melhor prosseguir o almejado aprofundamento ontológico ou desenvolvimento
pessoal. Sem dúvida o diálogo educativo verdadeiro não pode tolerar, como deduz
Fullat a eliminação das consciências em confronto, e este é um critério essencial do
campo educacional, porém pode haver um modo que sobrepuje a relação coisificadora e
conflitual, tal foi a conclusão a que chegamos por intermédio das análises, a nosso ver
complementares, que se colheram de vários autores.
46

3.ª UNIDADE

2. O CAMPO EDUCACIONAL E SUAS ANTINOMIAS

As secções precedentes permitiram-nos avançar na exploração de sentidos para o


campo educacional. Vimos como este campo é atravessado pelo ideal, para o qual a
pessoa se lança. Porém, assistindo este movimento, a educação confronta-se com muitos
factores que, sem sentido pejorativo, a ―puxam para baixo‖. Digamos que ela se
enfrenta com o peso da existência. De um lado a ―insustentável leveza do ser‖, do outro
o ―inevitável peso do ser‖. Foi este entendimento que nos levou a considerar o nosso
tema sob o ponto de vista de uma tensão fundamental, que agora procuraremos explorar.

2.1. Entre essência e existência: uma antinomia fundamental.

Seguiremos na exploração deste tema, como traço condutor, o percurso


delineado por Suchodolski (1984) sobre o conflito fundamental da educação. Nele se
perspectiva uma antinomia entre as pedagogias da essência e as da existência. A sua
base encontra-se na tendência a considerar alternativamente o ―como deveria ser‖ ou o
―como é‖ o ser a educar. O ―essencialismo‖ finca-se no ideal e pode tender a obliterar o
real, o concreto, o ser que está diante de nós e deve ser educado. Já o ―existencialismo‖
parte convictamente do ser presente, das suas virtualidades e limitações, recusa-se a
impor-lhe ideais alheios à sua natureza específica.
Não é difícil ver como esta perspectiva antinómica, no fundo, recolhe o jogo
antinómico que já havíamos detectado em Platão, Kant, Freud e Fullat. Nesses casos
tínhamos de um lado a essência, a cultura, a autoridade e a proibição, do outro o
indivíduo, o animal, o instinto e, também, a liberdade.
A pedagogia da essência estende-se de Platão ao cristianismo do final da Idade
Média, mas não deixa de ter novos avatares em épocas posteriores. No seu
enquadramento, a educação assume a função de realizar o ―dever ser‖ do homem,
supostamente determinado pela sua essência verdadeira. Como mostra Baker (2003), na
obra de Platão, a criança aparece definida de modo a sugerir os limites do humano e a
fim de justificar a intervenção da educação para se alcançar um ideal ontológico e
47

político. À criança confere-se-lhe um estatuto de matéria-prima e princípio


indeterminado a conformar segundo o poder organizador da razão. A própria educação é
funcionalizada a um objectivo que lhe determina uma tarefa de depuração reprodutiva
para servir o estabelecimento da Polis perfeita. Daí a inserção de um tratamento
discriminativo de carácteres qualitativamente diferenciados, por determinação inata
note-se, servindo a estratificação social idealizada, que chega mesmo a servir para
recomendar a eugenia. Enfim, a educação e as crianças são, na ontologia platónica,
funcionalizadas a uma desígnio predeteminado, o que não quer dizer que não se atenda
às suas especificidades, mas ―Elas entram depois da discussão sobre o justo e depois de
‗o curriculum‘, a música e em especial a ginástica, ter sido decidido. Elas não são o
ponto de partida para semelhante discussão mas o ponto e o instrumento da sua
aplicação‖ (Baker, 2003, 463).
Delfim Santos, que defendeu uma Fundamentação existencial da pedagogia, dá-
nos bem a noção da perspectiva alternativa ao essencialismo pedagógico: ―O homem – e
isto nos basta – é um ser vivo, concreto, individual. A sua compreensão não pode ser
conseguida pela aplicação de princípios gerais, que nele não encontram generalidade.
Não foi por acaso, certamente, que Sócrates passou a vida em Atenas, aproximando-se
com emoção religiosa de cada homem na esperança de, através deles, atingir verdades
de cunho e dimensões realmente humanas. E não foi por acaso, também que chegou à
conclusão de que o que mais importa é cada um conhecer-se a si próprio. Se este ‗si-
próprio‘ de cada um de nós fosse idêntico ao ‗si-próprio‘ de cada um dos outros, a
fórmula socrática careceria de sentido. A formulação de leis gerais sobre o humano,
enquanto vivo, implica desrespeito do que nele é concreto e individual e, a partir disto,
formular uma pedagogia geral é igualmente desconhecer e desrespeitar o que na sua
individualidade é intransferível. Não há, pois, uma pedagogia more geométrico, nem
sub especie aeternitatis. É neste sentido que caracterizamos a pedagogia como processo
existencial e não como processo lógico independente do tempo. A fundamentação
existencial da pedagogia radica, pois, na compreensão temporal da existência humana‖
(Santos, 1946/1982, 440). Fica, aqui, bem claro que não se define a educação por uma
processo dedutivo, que parte da essência para a determinação da existência, sem que
esta tenha tido oportunidade de dizer uma palavra. Mais adiante, acentua Delfim Santos
que ―não é possível em educação valores absolutos ou ideais supratemporais que
desconheçam a relatividade e a limitação do ser humano‖ (1946/1982, 446). Daí que a
formação do humano seja, sobretudo, um processo negativo.
48

O ―existencialismo‖ deriva da sua perspectiva antropológica uma razão matriz


para ordenar a pedagogia: se o que importa é ―aprender a ser homem‖, a tarefa
educativa torna-se negativa, num simples assistir uma ―radical desformação‖ do que a
sociedade produziu nele, para conduzir o sujeito ao encontro consigo mesmo. Não fica
qualquer espaço para absolutos pedagógicos, a não ser um: o ―único absoluto no
horizonte da vida humana: autenticidade‖ (1946/1982, 447). A pedagogia tratará, pois,
antes de mais, de se centrar em conhecer o homem porque é mais ―útil conhecer o
homem do que enganar-se voluntariamente sobre o homem‖ (1946/1982, 447).
Pela parte de Delfim Santos só pode admitir-se, quanto a ideais pedagógicos, a
sua mutabilidade, uma mutabilidade construída no diálogo entre as exigências sociais e
a plasticidade humana, que dispõe à exploração da abertura de todas as virtualidades.
Todas as respostas são provisórias, como formas que são de aproximação do homem à
vida. Como horizonte normativo, só se podem admitir os tipos personológicos, de
algum modo já aflorados por Platão, e, como princípios universais, apenas os que se
inferem da experiência. A educação está, por aqui, orientada a conseguir o
desenvolvimento do ser, tendo em conta o melhor possível, que ele pode ser.
A crítica da concepção essencialista da educação não evita que a pedagogia exija
finalidades e referentes, até porque na verdade eles emergem continuamente do discurso
pedagógico quer queiremos quer não. Outra coisa será, no entanto, que essas finalidades
não se construam progressiva e matizadamente no jogo dos argumentos antinómicos em
presença. Outra coisa será que, por seu lado, os referentes não tenham a forma crítica,
isto é, não se possam melhor definir como constelações interpretativas sobre o ―ser‖ e o
―dever ser‖.

2.1.1. O essencialismo

Segundo Suchodolski (1984), o essencialismo teria o seu momento inaugural, já


o vimos, em Platão, para quem o homem concreto deveria ser determinado pelo homem
em si, isto é, a sua Ideia Perfeita.44 Esta perspectiva esteve na base do ascetismo que
certas concepções cristãs reiteraram depois. De facto, ainda segundo o mesmo autor, o

44 Platão também pode servir a uma concepção existencial da paideia, com explica Neves (2004), se aplicarmos uma leitura em
estilo socrático da Alegoria da Caverna e que a explicaria considrando o processo educativo consiste em operar uma conversão, um
girar de toda a alma para a luz, embora no caso da pedagogia existencial se substitui-se a ideia de Bem pela existência pessoal ―, ou
seja, o ser-em-situação-limite‖ (Neves, 2004, 118).
49

cristianismo teria acentuado a oposição e o conflito entre o temporal e aparente face ao


atemporal e eterno, ou seja, entre a vida material – lugar de exílio e afecção do pecado
original – e a vida espiritual – tendente à pátria celeste.
A via aristotélico-tomista insistiu no moldar a matéria a partir da noção de
forma, embora se lhe possa reconhecer a preocupação com a actualização dos dons
potenciais, a intervenção da vontade e a actividade do par educador-educando. Porém
continuamos aqui sob o princípio da conformação segundo um ideal do bem, capaz de
recuperar a natureza corrompida.
A história da pedagogia mostra que a concepção essencialista parece andar
associada, na sua primeira fase, à centração na definição de um ideal para a vida em que
se perspectiva sempre a vida adulta e se ignora a criança.
Como nota Simões (1979), desde a Antiguidade, passando pela Idade Média,
que a infância é ignorada, pensada negativamente e de modo pessimista. Entende-se
como algo a ultrapassar para triunfar a adultez, que é o que verdadeiramente parece
interessar. Ignora-se a psicologia da criança e não se diferencia, em essência, a criança
do adulto, senão para pensá-la como adulto em miniatura, pelo que não se concebe a
infância como um fim em si mesmo. Destina-se-lhe, por isso, uma pedagogia repressiva
e não diferenciada. Na verdade, a ideia seiscentista de criança estava configurada por
uma base negativa (Rocha, 1988).
Seguindo a análise fina que faz Vergara (2003a), dos fundamentos próprios dos
paradigmas pedagógicos da Antiguidade até à Baixa Idade Média, poderemos
descortinar os motivos que podem estar numa certa incapacidade para a centração na
existência em pedagogia.
Já se viu antes que a Paideia grega buscava um ideal de homem formado. Era,
portanto, o homem que lhe interessava e para quem pensava uma areté multifacetada –
física, espiritual, pessoal, política, técnica e moral –, mas deduzida de uma legalidade
humana que pudesse corresponder à força universal e imutável da lei natural. A Paideia
clássica pensava a educação a partir de um normativo universal humano. Era – à
excepção dos sofistas, na via platónica que depois triunfou – aspiração ao ideal,
condução ao ideal.
O mundo romano formou uma síntese educativa original – através das fases
heróico-patrícia, helenística e imperial – que desembocou na humanitas, como novo
ideal de perfeição. De forma harmoniosa procurou conjugar-se um ideal ético romano
com um ideal intelectual grego que, finalmente, assimilou o novo ideal cristão.
50

A tradição começou por fornecer o ideal ético encarnado pelo antepassado


exemplar, definido como bonus agrícola, bonus colonus, bonus miles e bom conhecedor
das leis. Depois, a helenização veio ampliar o ideal de perfeição com o conceito de
humanitas, que encerra o conceito de educação integral orientada para três objectivos: o
bene sapere (dimensão intelectual até então menos valorizada), o bene dicere (dimensão
filológica) e o bene vivere (dimensão ético-técnica). O vir bonus passa a ser o que aplica
o saber e o dizer ―ao serviço do bene agere e do bene facere – mostrando assim que
possui uma formação plena e equilibrada‖ (Vergara, 2003a, 93). Ainda hoje constitui,
para nós, um referente fundamental este conceito de educação integral, mesmo quando
tenha de exigir-se a sua matização conceptual.
Por seu lado, a educação paleocristã surpreende, desde logo, tanto pela sua
inaudita intenção universalista – um contributo maior para a história da humanidade –
como pela evidente insistência na exclusividade. Compreende-se que, tendo por base
princípios revelados de origem divina, o cristianismo tenda a alcandorar-se sobre as
demais culturas e a assumir o direito de julgá-las. Uma tendência que parece ter
penetrado de modo constitutivo na matriz cultural europeia (Lourenço, 2006).
Ainda segundo Vergara (2003a), são seis as ideias básicas da pedagogia
paleocristã: o cristocentrismo; a meta antropológica da restauração por aperfeiçoamento
da imagem decaída devido ao pecado original; os agentes: Espírito, esforço ascético e os
educadores; a universalidade da educação, dada a igualdade de origem e natureza
perante o Criador; o conteúdo dogmático da educação, fixado na Revelação, que requer
a fé como condição para aceder à Christo Paideia; e a reverência devida ao dogma.
Todos estes elementos confluem aparentemente para a definição de uma concepção
essencialista e normativa da pedagogia.
Mesmo com o Renascimento cultural da Baixa Idade Média, verdadeira
antessala do humanismo renascentista, que comportou um despertar da sonolência
racional anterior, promovendo maior protagonismo e autonomia do humano, a matriz
fundamental não se altera. Afirma-se ainda a teoria antropo-pedagógica da criação,
queda e restauração, a que correspondem três momentos. Um estado inicial de
perfeição, seguido de uma falência pela queda, que limita ao estado de simples
potencialidade de perfeição, e um terceiro de restauração por três vias: a do
entendimento, a da educação da vontade e a da graça divina. A pedagogia arranca
precisamente da ―ferida da natureza‖, de que falava São Tomás, para restaurar a
harmonia e perfeição perdidas, ainda que não definitiva e irreversivelmente, ou seja,
51

perspectiva-se como aventura da restauração que ilumine o entendimento, discipline a


vontade e mereça a ajuda da graça divina. Antes de mais desenvolvimentos, assinale-se,
desde já, o elemento pessimista e a intervenção de um factor extrínseco ao sujeito.
Notemos, no entanto, que a cultura pedagógica cristã da Baixa idade Média
desenvolveu uma concepção muito positiva da actividade intelectual, que via no
entendimento uma faculdade superior de raiz divina, princípio operativo do corpo e
impulsionador para o conhecimento da verdade, capaz de, por meio da graça, é certo,
culminar na visão beatífica de Deus. Aliás, com a afirmação das exigências racionais
quanto à fé e à existência, vemos também afirmar-se uma pedagogia mais activa. Mas
assinale-se que o conhecimento não garante a submissão da vontade ao bem, é preciso
uma educação moral que garanta a ―aquisição cuidada de costumes para reger
ordenadamente as faculdades da alma e conduzir os seus afectos e emoções à prática da
virtude‖ (Vergara, 2003a, 105). Só assim se podia fazer face ao congénito pendor
indómito da alma afectada pela queda original, o atávico pendor para a concupiscência
que se esgota em si mesma sem referência ao bem. A esta condição só cabe domá-la e
corrigi-la por meio da disciplina e do exercício, que forma o hábito virtuoso, o único
capaz de conferir uma segunda natureza. Ou seja, face à afecção restaurável, admite-se
um optimismo pedagógico apoiado numa disciplina de essência coactiva, que forma o
carácter e propicia o caminho da sabedoria. Mas o dinamismo da virtude exige uma
disciplina interminável, uma vigia constante da recidiva: nunca se possui, apenas se
mantém. Esta é uma das lições maiores a considerar pela nossa cultura pós-moderna,
que parece ter esquecido o esforço e desprezado o sacrifício.
Como se vê, a autonomia humana aparece neste quadro sempre limitada. O
entendimento é livre, mas precisa da fé, a vontade é activa, mas precisa da graça. O
homem, como senhor da sua vontade e da autoridade exclusiva da sua inteligência,
apenas exprime soberba e narcisismo e nunca poderá, por si, passar do plano natural
para o sobrenatural. Na sua arrogância, somente se encerra numa limitação ontológica,
que é incapaz de aceder ao plano mistérico se não tiver o elemento complementar da fé
na formação/restauração. É a fé que conduz à intimidade do divino quando
correspondida com a graça.
O Renascimento dos séculos XII e XIII inspirou uma visão secularizante que
afirmou o apreço por viver no mundo e aproveitar-se dele, como livro da criação onde
se podem ler por refracção os desígnios divinos. Por isso, o mundo adquire uma nova
52

função didáctica de conteúdo apto ao aperfeiçoamento e restauração. O próprio saber e


inteligência vão ser agora vistos como valores supremos do humano.
Entretanto, apareciam as universidades e as escolas urbanas, desenvolvendo-se
uma abertura secularizante da cultura. Afirmam-se novos saberes, maior abertura à
dúvida e menos contundência dogmática. Valorizam-se as artes mecânicas e o
raciocínio indutivo e experimental. Globalmente, progridem o reconhecimento da
autonomia humana, o respeito pela liberdade e a intimidade.
A Baixa Idade Média representa uma viragem no sentido de uma pedagogia
activa, racional e prática, sem porém se abandonar o essencialismo. Se no início os
factibilia apareciam antropologicamente desvalorizados como saber inferior, devido à
sua relação com a satisfação das necessidades terrenais, forçando a alma a desertar de si
e a exteriorizar-se no sensível, a reivindicação da capacidade de imitar, dominar e
transformar a natureza faz emergir a figura do homo artifex, para quem o saber
produtivo não tem estatuto de adulteração ou limitação à satisfação do imediato e
externo, mas representa também interiorização do espírito.45
A preocupação de seleccionar o grande volume de informação emergente
motivou os índices, os florilégios, os resumos e as enciclopédias, mas definiu também
como critérios de objectividade sete graus descendentes em certeza: Escrituras, decretos
papais, cânones, legislação conciliar, escritos dos padres da Igreja, escritos dos cristãos
não canonizados e, no final, autores pagãos. Mais uma vez, aquilo que pode representar
uma alternativa metafísica e antropológica é visto com suspeição e desvalorizado face
ao valor positivo do dogma. A própria história é sujeita a uma leitura, presa à metafísica
dogmática, segundo os sentidos literal, alegórico e tropológico, a que depois se
acrescentou o anagógico ou místico.
Outra característica determinante da pedagogia desta época foi a preocupação e
insistência com a memória, pois nessa altura o livro era bem escasso. Desenvolveu-se,
então, toda uma reflexão sobre a natureza, função e didáctica da memória, entendida
como requisito indispensável da aprendizagem. A memória possui um valor
instrumental, mas sem ela o entendimento nada pode. A nova arte da memorização
perspectivou uma metodologia que ia do zelo e atenção do estudo ao destacar do
essencial, seguido do exercício que conforma o hábito. A pedagogia insistiu em dar à

45 É prolongamento ético do saber prático, capaz de participar na desejada restauração da alma quando acede à sabedoria. A par da
tripartição tradicional da ciência em física, lógica e ética, inscreve-se um novo domínio do prático e experimental, a que é
reconhecido o valor de recompor a humanidade perdida e facilitar a existência. Não estranha, pois, que venha a ser considerado
pedagogicamente.
53

memória um suporte pessoal, temporal e locativo que facilitasse a recordação. Contudo,


foi, ainda assim, capaz de desenvolver um dinamismo pedagógico que haveria de
inspirar o procedimento das três etapas didácticas (a lectio, a quaestio e a disputatio)
correspondentes a três operações da alma: a que toca as noções, a que repassa
penetrantemente explicando e a que contempla de forma crítica e livre. No seu quadro é
possível perspectivar a capacidade de criar novos saberes e não se encerra,
simplesmente, o aprendiz no círculo fechado da tradição-transmissão.
Seria, portanto, errado vermos na pedagogia ante-rousseana um vazio funcional.
Mas existem motivos vários para lhe entendermos o essencialismo. Em termos gerais
adere ao programa metafísico, que, segundo Orbe, Bondía & Sangrá (2006), é aquele
que encaixa no trajecto inaugurado por Platão e que explora a metáfora da ―segunda
navegação‖, isto é, um itinerário que ―consiste em supor que ‗por trás‘ do mundo que
vemos, cheiramos, tocamos… existe um ser meta-empírico, supra-sensível e
transcendente. Por outras palavras, há metafísica desde o momento em que se considera
que o ser não se reduz ao ser sensível, senão que há outro ser, mais real que o primeiro,
verdadeiramente real‖ (Orbe, Bondía & Sangrá, 2006, 251). A sua pretensão é capturar
a existência humana num pensamento essencialista por meio de um discurso
substancialista (Orbe, Bondía & Sangrá, 2006). É-lhe fundamental a decantação de um
ideal normativo, que no caso da pedagogia cristã se atém à dogmática antropológica, a
partir da qual forma um círculo – simultaneamente pessimista da origem e optimista da
finalidade – entre a natureza caída, de tendência atávica para o transvio, e a esforçada
restauração ascética, em que devem intervir a disciplina, o exercício e o hábito. Este é o
fundamento da sua via conformadora que levou à insistência no trabalho da memória, na
importância da transmissão de um saber positivo e no cariz repressivo que por vezes
tomou. No seu quadro não cabe tanto a centração no aprendiz e nas suas
especificidades, não é o pedocentrismo que pode afirmar-se, mas o magistocentrismo,
que vê no mestre, seguindo a expressão de Hegel (1994, 23), o ―guardião e o sacerdote
dessa luz sagrada‖ da tradição a preservar. Em todo caso, apenas gerou uma pedagogia
do adulto e ignorou a infância. Por fim, assinale-se que todo o esforço de autorealização
humana está dependente da fé e da graça. Coisa que a antropologia marxiana negará ao
perspectivar o homem como matéria que atingiu a consciência e que é capaz de produzir
o sentido da sua própria história. Os existencialismos do século XX insistirão todos, do
mesmo modo, nesta virtualidade.
54

Do essencialismo pedagógico retemos a orientação para o ideal. E será que pode


haver educação sem ideal? Lembremos que a educação se executa no plano da
essencialidade antropológica ―determinante no jogo do ser e do dever-ser, sendo a mola
real do dever-ser‖ (Boavida, 1998, 230). Poderá então a educação comprazer-se, para
usar uma expressão de Michel Foucault, na pura ―dispersão que somos e que fazemos‖?
Poderá contentar-se com a centração exclusiva na existência e, ainda assim, formar o
humano? Poderá abstrair do valor da tradição e, ainda assim, fazer de nós herdeiros
dessa riqueza? Pode dispensar o esforço, a contenção, o exercício e o hábito e, ainda
assim, fazer brotar seres criativos, críticos e activos, que sabem aceder ao saber e aplicá-
lo? Nas respostas a estas questões encontramos muitas das dificuldades da nossa
educação actual, que talvez não tenha sabido manter a tensão da antinómica pedagógica.
Mas, na maior parte dos casos, a pedagogia da essência motiva um desequilíbrio,
ela afirma redutoramente a linha da perspectiva do existente em função do ideal que
orienta a conformação da natureza, quase sempre desvalorizada. Para superar
semelhante obliteração seria necessário esperar pelos desenvolvimentos que
recentrassem a educação na existência e na experiência e que, nos nossos dias, nos
remetem para uma pedagogia da finitude e do tacto, isto é, atenta à inelutável realidade
de sermos seres em situação adverbial e relacional, que requerem ser tratados como
únicos (Orbe, Bondía & Sangrá, 2006). Uma pedadogia do tacto é aquela que sabe
―ouvir, sentir, e respeitar a singularidade própria das pessoas a quem se deve transmitir
algo‖ e em que se sabe sair ―de si mesmo, ter uma orientação para o outro, ser capaz de
receber o outro na sua radical alteridade, ser sensível aos seus pedidos, aos seus rogos,
às suas necessidades‖ (Orbe, Bondía & Sangrá, 2006, 255). Semelhante propósito
educacional parece começar a ser lançado pela viragem rousseana.

2.1.2. A revolução da pedagogia da existência

No Renascimento ainda se insistiu na conformação do ―ser pensante‖. Em certos


casos fazem-se correcções de método sem renegar os princípios fundamentais da
pedagogia da essência. Contudo, começa a afirmar-se a autoconfiança humana e assiste-
se à questionação da essência como ideal eterno e universal, como scopus de uma
suposta completude predefinida e predefinível. Foi da nova confiança antropológica que
se derivou a valorização da diversidade, da individualidade e do desenvolvimento. Os
55

direitos das crianças são agora invocados e a sua especificidade serve como fundamento
da necessária adaptação do processo educativo.
O início da revolta começa a tomar corpo a partir de Montaigne, que verbera a
educação tradicional por ser palavrosa, livresca, transmissiva, memorística, amestradora
e mais teórica do que prática, em poucas palavras, afastada da vida real (Cf. Montaigne,
1993, 8, 12, 13 e 19). A seu ver, mais do que formar almas carregadas de
conhecimentos,46 é preciso formar almas vivas, espertas, avisadas e prudentes: a
educação tem de formar seres doutos que também sejam hábeis. A maior preocupação
deve estar em formar o entendimento e a virtude. Não chega, pois, apenas transmitir, é
preciso fazer descobrir, levar a aprender pela observação e pela experiência: a
―educação será mais por obras do que por palavras‖ (Montaigne, 1993, 79). Importa
garantir que os conhecimentos sejam assimilados, isto é, incorporados à alma daquele
que aprende. Montaigne parece pugnar por uma educação que propicia a autoconstrução
da própria inteligência, tomando-se o saber como matéria-prima do processo.
Da leitura dos ―ensaios pedagógicos‖ de Montaigne sobressaem um conjunto de
princípios centrais para a ―pedagogia da existência‖. De modo determinado afirma o
respeito pelo educando e o desenvolvimento das suas capacidades. E avança já com uma
intuição, muitas vezes, laudada a Rousseau, que, de facto, a levou mais longe: a
educação deve procurar conhecer as características e propensões das crianças. Daí que,
o autor dos Ensaios, proponha uma educação diferencial, isto é, ―segundo as posses do
espírito‖ (Montaigne, 1993, 68). Um aspecto que deve destacar-se é a sua invectiva no
sentido de que a educação descarte a disciplina desproporcionada e prefira atrair a
vontade e cativar o afecto: ―Fora com com a violência e a força‖ (Montaigne, 1993,
74). É preferível uma ―severa brandura‖ (Montaigne, 1993, 73), sem castigos cruéis,
porque mais vale interessar que coagir. Montaigne recusa o autoritarismo, o
dogmatismo e a intenção de conformar externamente o ser moral. Importa-lhe,
sobretudo, que a educação capacite para o uso autónomo das valências do espírito e para
o ―descobrir-se a si mesmo‖. É justo dizer que é com ele que se inicia o processo que
vai sacudir os esclerosados esquemas do essencialismo educacional e motivar a
tendência para pensar a educação em função da existência e das vicissitudes do
concreto.
Entretanto, as variantes da pedagogia da essência, sem abandonarem o propósito
de recondução a um ideal, tenderam a uma aproximação às necessidades, possibilidades,

46 Diz Montaigne que ―é melhor uma cabeça bem fomada do que bem cheia‖ (1993, 41).
56

psicologia e tendências do desenvolvimento da criança, bem como à facilitação


metodológica. Apontam para o concreto e próprio do homem, acusando aquilo que o
fere, mas procuram um antídoto para o relativismo afirmando ainda um ideal metafísico.
Este é o caso de João Amos Coménio (1592-1670) que, apesar de ainda manter
uma orientação metafísica foi, segundo Rocha (1988), com Ratke, o responsável por
transpor para o campo da pedagogia a preocupação, filosófica e científica, da época,
sobre a questão dos métodos apropriados, e que veio a dar início à chamada Escola (ou
Educação) Tradicional. Seria injusto não lhe reconhecer o mérito de ter destacado
muitos princípios importantes até para as pedagogias modernas: a preferência pelo fazer
germinar o que a natureza humana já contém (a condução pela via da natureza), em
detrimento da imposição exterior; a recusa da violência; o papel da motivação e do
afecto; a universalidade da educação extensiva até aos diminuídos mentais; a disposição
do ensino segundo as diferenças psicológicas e desenvolvimentais; a preocupação com a
organização programática e propedêutica do processo educativo; o partir dos dados
sensoriais para chegar às ideias; a precedência da compreensão sobre a memorização; e
o aprender fazendo. Não se estranhe, pois, que alguns o considerem o primeiro
evangelhista da pedagogia moderna.
Em contrapartida, também há a assinalar-lhe a veleidade de um método
didáctico universal infalível para ―obter sempre o efeito desejado‖ (Coménio, ap.
Rocha, 1988, 21) e o princípio de que o mestre é a fonte de todo saber para os vasos dos
espíritos dos alunos. Na perspectiva de Coménio tudo gira em torno da autoridade do
professor e da sua vigilância persistente, ou seja, afirma-se o magistrocentrismo basilar
da Educação Tradicional (Rocha, 1988, 27). Para Suchodolski (1984) é, aliás,
fundamental que Coménio continue a manter a ideia de uma finalidade pré-estabelecida
para o processo formativo, de modo a que se assista a recondução à essência profunda,
asfixiada na corrupção circunstancial – uma clara referência ao pecado original, ou seja,
a natureza caída a recuperar.

§ Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). A clara alternativa de uma pedagogia


fundada na existência deve, em princípio, reservar-se ao naturalismo inaugurado por
Rousseau.
Logo no prefácio do seu Emílio, estabelece Rousseau o estado da questão: ―Não
se conhece a infância‖ (Rousseau, 1981, 32) e, por isso, não se parte daquilo que ―as
crianças estão em estado de aprender‖ (Rousseau, 1981, 32), mas visa-se sempre o
57

adulto e o que lhe convém. Funda-se, em geral, a educação mais em princípios e


metafísicas do que em factos. Daí que, o nosso filósofo recomende que se comece por
conhecer bem os destinatários da educação, se atenda ao andar da natureza, se trate cada
um segundo a sua idade e se perspective uma pedagogia ―adaptada ao coração humano‖
(Rousseau, 1981, 33). Conhecer bem os educandos evita juízos precipitados e avançar,
precocemente, com métodos particulares. Não devemos correr atrás de quimeras, mas
respeitar a ordem da natureza, segundo um procedimento consequente, considerando
que: ―A humanidade ocupa o seu lugar na ordem das coisas; a infância tem o seu na
ordem da vida humana: é preciso considerar o homem no homem, e a criança na
criança‖ (Rousseau, 1981, 84). Como salienta Simões (1979), devemos a Rousseau a
descoberta do mundo da criança e o lugar da infância nas etapas do desenvolvimento do
ser humano. É com ele que se recolhe uma visão optimista das diversas fases do
processo desenvolvimental, atribuindo-se a cada uma a sua perfeição específica, um
valor próprio, que não deve ser perspectivado em função de algo exterior: ―Cada idade,
cada estado da vida tem a sua perfeição conveniente, a sua espécie de maturidade que
lhe é própria‖ (Rousseau, 1981, 180).47
Aliás, cabe, ainda, reconhecer que com ele se descobre, também, o
desenvolvimento e a individualidade, como parâmetros fundamentais da educação.
A polémica tese da bondade natural do humano é fundamental para o filósofo
genebrino, pois serve-lhe para mostrar como ―a educação poderia apoiar-se sobre a
totalidade do homem empírico, acompanhando o desenvolvimento das suas forças, dos
seus gostos e aspirações. Se o homem é naturalmente bom, a educação não deve ir
contra o homem para o formar‖ (Suchodolski, 1984, 36). Assim se afasta qualquer
sentido de essência impositiva e vinga a confiança no desenvolvimento livre e
espontâneo, sem concessões a qualquer moldagem tendo em vista um futuro idealizado.
A base da educação passa a ser o estado empírico da criança – as suas necessidades,
impulsos, sentimentos, pensamento… ―A existência do homem tornou-se o fulcro da
sua educação‖ (Suchodolski, 1984, 40). Semelhante ideia mostra bem por que razão se
pode dizer que a pedagogia da existência foi inaugurada pelas intuições rousseanas, cujo
teor valerá a pena resumir aqui.
O respeito pela existência afirma-se, de modo claro, no princípio de que
ninguém tem direito a forçar a criança ao que não lhe convém, nem abusar da sua

47 A infância, em particular, possui a beleza do primaveril, o encanto do projecto, a bênção da paz de espírito, não padece das
ansiedades, dos temores, dos tédios, dos desesperos, dos desencantos e das impaciências da adultez. É perfeita em si mesma e
contenta-se com os seus prazeres próprios.
58

liberdade imperfeita de ser, em que as necessidades ultrapassam as forças. Há que


ampará-la em vez de limitá-la.
Notemos que, com o seu ―Deixai crescer‖, Rousseau inspirou várias linhas da
pedagogia não-directiva, ou negativa, incluindo a pedagogia terapêutica (Resweber,
1988). E, se as escolas libertárias se opuseram à sua teoria do pedagogo iluminado,
acabando por conduzir uma radicalização, que levou aos excessos do ―deixai-fazer‖,
então confundido com o original ―deixai-crescer‖, também podem ver-se como uma
tentativa utópica de concretização das teses essenciais do genebrino. Na verdade, até o
passo seguinte, da questionação da instituição, das técnicas, dos papéis e das funções,
que foi dado pela antipedagogia, não deixou de encaixar no ―verdadeiro espírito da
revolução de Rousseau‖ (Resweber, 1988,33). Já que, a sua preocupação matricial
esteve, sobretudo, no estabelecimento de uma relação liberadora.
O humano, por si, tende ao crescimento e à afirmação mas, por todo lado, o
preconceito e a educação vulgar remetem-no a uma espécie de escravidão, que vê,
erradamente, na liberdade natural o caminho da perdição. Ora, a liberdade é o caminho
da educação. Embora deva entender-se como liberdade regulada, em que se faz sentir a
força da necessidade e o muro de bronze da recusa, quando se impõe.
A educação materna é a primeira e mais importante, o seu elemento é o amor,
sem o qual o coração morre, antes de nascer. A sua grande máxima é esta: ―Observai a
natureza e segui a rota que ela vos traça.‖ (Rousseau, 1981, 47) Contrariá-la ou pensar
corrigi-la é destruir os seus efeitos. O caminho natural segue as seguintes máximas
(Rousseau, 1981, 73): provir ao uso das forças próprias; ajudar e suprir o que falte;
ceder ao útil e não à fantasia; analisar a linguagem e signos da natureza; permitir a
liberdade sem império, para se evoluir no aquilatar das forças e limitações. Completar
apenas as forças em carência, pois a natureza nada quer inutilmente e possui meios para
incitar o crescimento, que não cabe contrariar.48
A formação de almas fortes é incompatível com essa aparência de educação por
meio de muitos conteúdos, imitação, memorística e profusos exercícios repetitivos. De
nada serve a falsa erudição, feita de palavras carentes de sentido, palavras de nenhuma
utilidade para a criança, quando se quer formar a pessoa equilibrada e dona de si. Não

48 O princípio mais importante da educação está em nunca querer apressar a natureza, mas deixá-la seguir o seu curso, segundo os
seus ritmos, querer antecipá-la motiva torcicolos que perduram e são difíceis de corrigir. ―A natureza quer que as crianças sejam
crianças antes que sejam homens.‖ (Rousseau, 1981, 97) Querer formar homens antes do tempo só gera monstruosidades. É preciso
deixar maturar bastante tempo a infância para não incorrer em contrariar os seus processos, aliás, há atrasos que são vantagens
―quando se avança até ao fim sem perder nada‖ (Rousseau, 1981, 102).48 À criança é preciso tratá-la segundo a sua capacidade e ter
o cuidado de ―não esgotar as suas forças por querer exercitá-la demasiado‖ (Rousseau, 1981, 116).
59

podemos esquecer que o objectivo primeiro da educação é fazer crianças felizes, a sua
suposta ociosidade tem função própria, pois ―a infância é o sonho da razão‖ (Rousseau,
1981, 118). Ora, antes da idade da razão, a criança não sabe propriamente raciocinar,
funda-se na sensação, no interesse presente e sensível, e não apura ideias, mas imagens.
A primeira razão, que servirá de base à intelectual, é sensitiva. Aliás, as primeiras
faculdades a formarem-se são os sentidos, pelo que devemos começar pelo seu cultivo,
tirando o máximo de cada um: tactear, observar, escutar, cantar por diversão, degustar,
olfactar, nadar, correr, saltar, trepar, medir, contar, pesar, comparar, calcular dimensões,
desenhar, para afinar a visão e flexibilizar a mão, sem esquecer o actuar, definindo os
meios pela previsão dos efeitos. A sabedoria do emprego dos nossos órgãos obtém-se
pela experiência. Quanto ao sentido comum, ele consiste no uso bem regulado de todos
os sentidos.
Será, portanto, descabido querer forçar a atenção49 e o raciocínio da criança com
o que não pode interessar-lhe nem compreender. Sem cativar o seu interesse nem
propiciamos prazer nem damos instrução. Ora, o pesar não é amigo da aprendizagem,
mas o prazer e o desejo é que devem produzir a atenção. Tenhamos em conta que a
criança não pode aprender aquilo em que não reconhece a vantagem do prazer ou da
utilidade, pelo que todo o instrumento que se lhe apresente deve servir os seus interesses
e prazeres. O meio mais seguro da educação é o desejo de aprender, cujo móbil se situa
no interesse actual. O experienciar, movido pela curiosidade congénita, é a fonte das
aprendizagens significativas: eis um princípio fundamental da educação nova (Best
1980). Menos pedantismo magistral, ditame, imitação e memorização e mais espaço à
indução, de modo a que as crianças busquem as demonstrações de como as coisas são e
aprendam por si. O hábito apenas serve para asfixiar a imaginação. 50 Mas os trabalhos
manuais e o jogo, sem emulação espúria,51 senão aproveitando a vivacidade e a alegria
naturais, são um excelente meio de educação para a infância. A alegria da infância é
uma força poderosa que não pode ser desperdiçada, se queremos formar na ciência do
equilíbrio, da ponderação e da estimação das próprias forças, que confere a graça da
postura sempre segura. Cabe ao mestre fazer nascer o desejo, preparar os meios, os
contextos e os recursos para se encontrar o que se deve pela procura natural habilmente
suscitada.

49 ―Afastemos do seu cérebro toda atenção demasiado penosa‖ (Rousseau, 1981, 169).
50 Para as crianças serve apenas o hábito da necessidade e para os homens o da razão, tudo o mais é vício.
51 Menos do que estimular a vaidade, importa que cada um meça os seus progressos pessoais e se congratule com eles. Que cada
um seja émulo de si mesmo.
60

À infância devemos conceder-lhe o suficiente sem excessos, nem de rigor nem


de indulgência ou luxo, e formar o ser da criança na frugalidade, desenvolvendo as suas
forças segundo a necessidade, de modo a que venha a saber equilibrar o desejo com o
poder, pois o extravasar pela imaginação dos nossos desejos para além dos possíveis,
para falsas necessidades, é a origem de todas as misérias humanas. O homem deve
aprender a concentrar-se no seu interior e saber querer o que pode, para bastar-se a si
mesmo. Se formarmos a criança na lei da sua vontade teremos homens que raciocinarão
sobre as suas acções.
À criança cabe desenvolver-lhe uma condição física robusta, mergulhando-o nas
águas do Styx, fazendo-o passar por todas as situações que robustecem o corpo e
autonomizam a alma. Deve, portanto, aprender a sofrer. Além disso, higiene,
temperança, trabalho e exercícios corporais. Roupas folgadas e aptas à amplitude de
movimentos, à liberdade de emprego das suas forças e afirmação da sua vontade.
Embora importe introduzir as coisas com gradação, segundo a ordem conveniente às
possibilidades do seu corpo e do seu espírito, que devem evoluir de modo concertado e
servindo de descanso recíproco à actividade específica de cada domínio.
No início, a condição da infância reclama assistência solícita sem ceder ao
capricho, nem descambar na crueldade que induz o desespero e a descrença na
humanidade. É melhor que encontrem mais a resistência natural das coisas e menos a
das vontades, que é como compreenderão melhor o que tem de ser. Quando ainda não
há moralidade não devemos impô-la artificialmente, mas quando adquira consciência de
si e possa ser tratado como ser moral, não se deve atormentá-lo com o que não pode
compreender ou antecipar. Antes da idade da razão, e a razão é a faculdade que aglutina
todas as outras e mais tarde se forma, não cabem lições de moral. Há que ter em conta
que ―a infância tem modos de ver, de pensar, de sentir, que lhe são próprios‖ (Rousseau,
1981, 97). São espúrias as lições verbais, não serve de nada encher o cérebro de
palavras sem sentido; são espúrios os castigos, apenas a experiência das consequências
aproveita verdadeiramente a quem ainda tem limites para compreender certas coisas.
Depois, quando comecem a ser acessíveis certas questões, é melhor circunscrevê-las à
utilidade presente e nada ceder à autoridade vazia ou à exterioridade. As convenções são
a porta da fraude e da mentira, não são naturais mas geradas pela lei da obediência cega.
É melhor manter as crianças verazes e i-las ensinando na responsabilidade com lições
de experiência que, tal como as promessas em que se impliquem, procedam de si e do
seu interesse sensível, presente e útil. Nada de ameaças, promessas vãs ou sermões
61

recriminatórios, que só diminuem a auto-estima. Nada de educação racional onde ela


não tem cabimento, são melhores os exemplos: ―as virtudes por imitação são virtudes de
macaco‖ (Rousseau, 1981, 114).52
Tenhamos em conta que ―não existe perversidade original no coração humano‖
(Rousseau, 1981, 100) e que a educação é abertura, pois ―ignoramos o que a nossa
natureza nos permite ser‖ (Rousseau, 1981, 65). Rousseau é, portanto, um optimista,
que entrevê para o ser humano horizontes ilimitados. Mas isto implica começar por
apreciar a humanidade e, em particular a infância, de onde ela se forma. 53 A primeira
educação, até à idade de doze, só pode negativa, defende do vício, não ensina virtude ou
verdade. Usa um ―método inactivo‖, que dirige sem preceitos e tudo consegue sem nada
fazer, nela o mestre não é o tirano da criança, mas o amigo apostado na difícil arte de
cativar as vontades e, no entanto, fazer cada um dono da sua vontade.
Já a adolescência revela-se época crísica, em que as forças físicas e intelectuais
superam as necessidades e eclodem as paixões, a inquietação e a indisciplina. Ocorrem
mudanças físicas e acentuam-se certos traços definitórios. Com ela propicia-se mesmo
um segundo nascimento: o nascimento para a vida. Não se pode destruir o instinto, que,
por natureza, tende à conservação própria, mas é preciso fazer dele instrumento da
liberdade. A adolescência é tempo breve de aprovisionar o útil para o homem. O espírito
inaugura a aptidão para o especulativo e, depois de guiá-lo pela necessidade, o mestre
feito agora camarada, deve conduzi-lo, pelo útil, para chegar a que saiba guiar-se pelo
horizonte do bem. Não cabe, contudo, saltar abruptamente dos objectos sensíveis aos
intelectuais, há que continuar a tomar os sentidos e o livro da natureza como
fundamentais. A ciência que vier a adquirir-se partirá da curiosidade natural e será
inventada pelo próprio, deduzida dos factos, indo de ideia sensível a ideia sensível, e
não ditada. Estender-se-á o que se sabe pela generalização do exemplo. Só se substitui a
coisa pelo signo quando não for possível apresentá-la. É preciso guiar e estimular a
meditação, mas deixar que a solução venha do aprendiz. É da prática que vai nascendo o
gosto pela reflexão. Quanto ao erro, deve-se usá-lo de modo positivo, sendo o próprio

52 Tal como ensinava Sócrates a verdadeira lei moral está em não cometer injustiça e, tão só, por si, basta, como lição própria a
todas as idades. Tudo o resto apenas motiva o transporte para o exterior. Ensinemos as virtudes sem dizer os seus nomes, mas
deixando trabalhar a natureza. Quando for tempo de sentir o seu ser moral será tempo de o iniciar no estudo das relações humanas,
tema que o ocupará durante toda a vida.
53 ―Amai a infância; favorecei os seus jogos, os seus prazeres, o seu amável instinto. Quem de vós não admirou alguma vez essa
idade em que o riso está sempre à flor dos lábios, e em que a alma está sempre em paz? Porque quereis tirar a estes pequenos
inocentes o gozo de um tempo tão curto que se lhes escapa e de um bem tão valioso do qual não acertariam em abusar?‖ (Rousseau,
1981, 84)
62

que deve corrigir-se. A actualidade deste preceito é, aliás, confirmada pelos


ensinamentos dos pedagogos contemporâneos, como Astolfi (1997).
Também nesta fase, as mãos trabalharão para formar o espírito, de modo que a
experiência e o sentimento continuem a ser os verdadeiros mestres. A Emílio, já
homenzinho, todos os trabalhos rústicos lhe serão familiares e saberá o ofício que
elegeu, mas nunca será apenas aprendiz de artífice, senão, sempre, aprendiz de homem.
Lentamente se lhe vão apresentando os usos das actividades e relações humanas, antes
que os abusos. Deixar-se-á naturalmente sobressair o incontornável direito à vida e a
igualdade apesar das latitudes e das condições sociais. É para esse estado genérico de
homem, capaz de assumir a sua finitude, e devendo à sociedade o seu trabalho, que
labora a educação. Neste propósito não cabe ser discípulo, mas apenas e sempre ser
aprendiz. Chegada a idade da razão saberá ele pensar por si mesmo, tudo o que obteve,
o pouco que saiba, foi por si e só possui o que é, verdadeiramente, seu. O seu espírito
apresenta as faculdades desenvolvidas, aptas à aplicação, que é o mais importante.
À educação progressiva, conforme a lei da natureza, importa sobretudo dotar de
meios, competências, conhecimentos úteis e não encher cabeças. Menos do que fazer
expandir a extensão da razão, importa aprender a usá-la, convenientemente, para
produzir ideias claras e nítidas. Da educação verborreica só saem charlatães ou, nas
palavras de Montaigne (1993, 46) uma ―competência puramente livresca‖; ―memória
bastante cheia, mas a inteligência inteiramente vazia‖ (Montaigne, 1993, 19). Não é a
ciência que cabe ensinar, mas o gosto por ela e o método para produzi-la. Não se
dobram os espíritos à autoridade e à opinião, mas formam-se nas leis da necessidade, da
utilidade e da justiça. Como mais tarde viriam a dizer o instrumentalista Dewey e o
funcionalista Claparède (Cf. Rocha, 1988), tudo o que se aprende, deve aprender-se
porque é bom para alguma coisa. Menos discursos, menos livros que só ensinam a falar
do que não se sabe, menos noções e mais acções. O carácter dos espíritos aquilata-se
pelo modo de formarem as ideias, de e as compararem e formarem relações: por aí se vê
se são sólidos, superficiais, justos, loucos ou imbecis. Quanto aos sábios, avançando na
sua erudição afastam-se proporcionalmente da verdade e por cada verdade vão
destilando centenas de erros. Assumir que não se sabe é o melhor timbre do espírito
bem formado.
A verdadeira educação ensina a viver como homem autêntico, são, sincero, justo
e autónomo, a saber provir a subsistência e o bem-estar, esse é o ofício do homem. Com
ela, aprende-se a ―viver livre e a ater-se pouco às coisa humanas (que) é a melhor forma
63

de aprender a morrer‖ (Rousseau, 1981, 239). A educação é essa arte, quase impossível,
de saber seguir o curso da natureza e educar o humano para si mesmo, para a sua
condição humana, na qual ―viver é o ofício‖ (Rousseau, 1981, 41). Se importa levar o
educando a adquirir a capacidade de agir fazendo uso de todos os sentidos, órgãos e
faculdades, é, sobretudo, fundamental que se lhe proporcione o desenvolvimento de um
sentimento próprio de existência. E este é um princípio que nos aparece como um
referente crítico indispensável para julgar o educativo e o deseducativo. Pois é em
relação a ele que temos de perspectivar a educação se queremos, tal como aponta Alte
da Veiga (2006), atingir um plano em que se torna filosofante, ou seja, que abre para a
admiração da ex-sistentia, para o encontrar-se a si próprio tomando o mundo por campo
dos projectos pessoais de afirmação ontológica.54
Do que expusemos, parece líquido que Rousseau, ante tudo, centra a educação
na existência, isto é, refere-a ao indivíduo concreto e ao seu desenvolvimento segundo o
curso da natureza. Contudo, não significa isto que a pedagogia de Rousseau desprezou
todo o ideal. O nosso autor afirma que Deus grava no fundou do coração do homem a
sua lei e aponta a sua pedagogia para a formação do homem segundo um certo ideal.
Nunca esquece as virtudes, mas não está disposto a aceitar um homem conformado do
exterior. O ideal pauta-se pela lei da natureza, respeita os seus processos e remete-se a
secundar o seu trabalho. E aqui começa a verdadeira questão sobre a natureza do
conceito de natureza em Rousseau. Lembremos que se trata ainda da criação, que sai
das mãos do Criador bela e perfeita e que só pela acção do homem degenera. A
corrupção deriva, por todos os lados, da intervenção humana e suas instituições. O
conceito de natureza refere-se, pois, ainda a uma certa metafísica que, no caso de
Rousseau, lhe serve para inflectir a favor da existência, do indivíduo e do seu
desenvolvimento, confiando convictamente que do curso da natureza só pode sair algo
de bom. Isto parece indicar-nos que, se se insinua sempre em qualquer proposta
pedagógica alguma referência metafísica, o crucial para as pedagogias novas, como nota
Resweber (1988), pode estar, sobretudo, no modo de encarar e respeitar o sujeito, tanto
quanto á sua novidade, como quanto à sua originalidade, procurando apoiá-lo. A este
respeito parece paradigmática a postura inaugurada por Rousseau.

54 Rousseau não se cansa de insistir que devemos formar o sujeito a conhecer-se para tirar partido de si e encontrar por si a
felicidade própria, dotando-o da capacidade para, chegada a altura, ser guia determinado de si mesmo. A única ciência que importa
ensinar-lhe é a de ser homem e esta não se adquire com preceitos impostos, mas é preciso fazê-los descobrir pessoalmente, tomando
lições da natureza e não da autoridade dos homens, que só acerta em dobrar as almas à opinião e ao preconceito.
64

Na sequência da nossa análise, resulta ainda de grande relevância destacar o


significado do legado de Rousseau, como faz Barreiro (2003), quando assinala a sua
inserção no movimento do racionalsimo ilustrado, de onde proveio uma crítica
multilateral da cultura, da política, da filosofia, e da educação do Antigo Regime,
visando a implantação de uma nova cultura científica. Mas devemos ressalvar que,
sendo quase todos os ilustrados gente formada por jesuítas, mantiveram com estes uma
relação ambígua de amor e ódio, que no âmbito da educação significou uma perspectiva
crítica integradora de certos valores tradicionais. Em Rousseau temos ainda a recusa do
materialismo e a reiteração do espiritualismo, bem como o reconhecimento do valor
antropológico da religião e de certos valores da tradição cristã. Daí ser possível
reconhecer, não sem algum paroxismo, no programa educativo rousseano, ―uma
mensagem ‗essencialista‘ de que ainda não conseguimos desfazer-nos. Um oásis ideal
para o desenvolvimento de todas as utopias didácticas‖ (Barreiro, 2003, 27).
Sendo ele, para alguns, o modelo do filósofo individualista, rebelde e
heterodoxo, foi também exemplo de como o sentimento religioso poderia receber
fundamentação racionalizadora e manter o seu valor referencial, até no domínio
educativo. Temos, pois, de um lado, o Rousseau construtor do novo Estado burguês e,
de outro, ―o Rousseau utópico do Emílio (o homem eterno, universal e perfeito), [um
Rousseau] ‗essencialista‘, capaz de desenhar uma pedagogia ‗universal‘ e o Rousseau
‗reformista‘ e ‗revolucinário‘, que considera a educação como um importantíssimo
assunto de Estado‖ (Barreiro, 2003, 29). Na verdade, a sua mensagem é multivectorial
e dialéctica, ―capaz de oscilar sem medo entre a repressão e a liberação, os dois
extremos do processo educativo‖ (Barreiro, 2003, 29). Nele encontramos mesmo uma
abertura para a capacidade de ler a complexidade do nosso tempo, pois é capaz de
perspectivar como valores fundamentais a liberdade, a igualdade e a fraternidade e
antecipar já o entendimento do homem enquanto construtor da sua própria vida.
Em remate da discussão sobre a importância da ‗revolução rousseana‘, importa
sublinhar que ela representou, pela filosofia naturalista de base e pelas intuições da
psicologia evolutiva, um referente importante de um amplo movimento, hoje designado
por movimento de Educação Nova, cujo elo de ligação com a pedagogia contemporânea
se encontra em Pestalozzi e Froebel (Planchard, 1975). Dewey viria a ser o promotor da
doutrina social do movimento, Claparède o seu mentor psicológico e Ferrière o
apóstolo. Na sua esteira, primeiro a partir do Instituto J. J. Rousseau, e seguidamente a
partir de outras instituições, assistimos a uma dinâmica de criação, em vários países, de
65

escolas referidas ao espírito pedagógico rousseano, em que sobressai o naturalismo, a


atenção à existência pela valorizão da individualidade e do processo desenvolvimental.
Mas procurando, em geral, um equilíbrio dos interesses espontâneos e dos fins
individuais com os imperativos sociais reconhecidos.55 Este movimento promoveu
grandes progressos das técnicas pedagógicas, complementados por uma certa abertura
quanto aos fins e à antropologia de base. Nele confluiu, sobretudo a partir da segunda
metade do século XIX, o contributo de uma grande plêiade de pedagogos, que
desenvolveram um conceito de criança, metas e, fundamentalmente, um quadro
metodológico que define a Educação Nova por oposição à Educação Tradicional
(Rocha, 1988). Não cabe aqui analisá-los a todos, mas deve-se assinalar que, tendo
recolhido os contributos dos avanços científicos, que lançaram o movimento muito para
lá das intuições primitivas de Rousseau, se pode consubstanciar o essencial da filosofia
pedagógica da Educação Nova nas seguinte linhas de força: actividade; funcionalidade;
princípio da criatividade; ludicidade; liberdade; personalização; sociabilidade;
intuitividade; experimentalidade; totalidade (Rocha, 1988).

§ Joseph Jacotot (1770-1840). Pareceu-nos oportuno considerar aqui uma


interessante radicalização, que vai no sentido da pedagogia negativa e até da
antipedagogia, desenvolvida no contexto do impulso da Ilustração, e que se encontra em
Joseph Jacotot. Na concepção pedagógica de Jacotot, a que acedemos através do ensaio
de Jacques Rancière (2003), a verdadeira educação emancipadora é aquela que sabe
resgatar do círculo institucionalizado da máquina explicadora, ou seja, a ordem das
explicações e reexplicações, que apenas confirmam a ignorância e partem do
pressuposto da desigualdade das inteligências.
Desde logo, não se trata neste caso de um mestre que transmite oralmente
conhecimentos, conduzindo os espíritos segundo um caminho progressivo que vai do
simples ao complexo, e evitando desvios e erros, de modo que assim se vai realizando a
apropriação do saber pelos ignorantes e se consuma a própria formação do espírito e do
gosto. Trata-se, sim, de inverter a lógica do ―sistema explicador‖, cuja base é a
constituição do incapaz e o mito pedagógico de que o mundo está dividido em sábios e

55 Hoje, cada vez mais, a sua orientação tem chamado à contribuição das ciências para precisar a orientação da arte pedagógica,
nomeadamente mediante a experimentação pedagógica das técnicas. Mas o seu lema fundamental é ainda o do acompanhamento
progressivo das transformações funcionais e das variações qualitativas, no respeito pela evolução natural e os interesses da criança,
segundo um processo de participação efectiva no aperfeiçoamento pessoal, que procura a individualização e prepara para a vida
66

ignorantes, em inteligências de dois tipos: as superiores e as inferiores. 56 Se partirmos


desse ponto cabe, naturalmente, ao mestre decretar o ponto inicial absoluto a partir do
qual se estabelece o que deve aprender-se, para depois se poder comprovar os
progressos da compreensão. Contudo, o princípio da explicação resulta ser o princípio
do atontamento dos espíritos: a consigna do explicar-compreender é a origem de todo
mal.57
Sozinho, perante o livro, que estabelece a igualdade entre os que os aprendem
por si e os que ignoram o que ensinam, sem nenhuma inteligência explicadora
intermediária, ao aluno basta-lhe a inteligência natural para compreender o que quiser
compreender. Tudo o que é preciso, é que, por si próprio, observe, retenha, repita,
relacione, comprove, corrija e adivinhe até… O mestre ignorante apenas estabelece uma
relação entre vontades, mandando a vontade do aprendiz para que queira aprender e,
assim, obedecendo a si, emancipar-se. Ao mestre cabe pedir a manifestação da
inteligência e comprovar a atenção devotada, por isso interroga. Deve perguntar para ser
ele mesmo instruído: relaciona-se com o aluno à maneira dos homens e não dos sábios,
porque se admite ignorante. Não comprova o ignorado, mas o buscado e a atenção
aplicada. Aqui o processo centra-se na atenção e não na ciência demonstradora da
incapacidade do outro, refere-se ao processo de centração da inteligência sobre si
mesma para examinar o que vê e o que pensa do que viu, isto é, exige, sobretudo,
atenção incondicionada ao acto intelectual próprio. De modo que o aluno aprenderá,
sem explicações, mas porque quer, porque aceitou a tensão criada pelo seu próprio
―desejo de‖ e porque aceitou a dificuldade da situação em que se encontra. Confia nas
capacidades da própria inteligência e no empenhamento quanto ao seu uso, que é o que
estabelece a dignidade humana.
Não existe diferença entre capacidades – seja de memória, de compreensão ou
de juízo –, só um prestar atenção ao que se vê e diz, que é a mesma inteligência segundo
a energia da vontade que lhe assiste. As diferenças derivam somente das diferenças do
uso, da atenção menos afincada. A qualidade do uso da inteligência ganha-se a partir da
sua derivação da inquietude do ser quanto às necessidades e circunstâncias que o
afligem, daí que o aprender deva brotar da vontade e das necessidades individuais, pois
doutro modo decairá a qualidade da atenção. A desigualdade dos resultados deriva-se,
portanto, não da desigualdade das inteligências, mas da desigualdade das vontades, por

56 Fazer equivaler uma disjuntiva à outra é questionável.


57 Nem mesmo a astúcia pedagógica rousseana de dispor criteriosamente obstáculos para o aprendiz superar por si escapa a esta
crítica radical. O mestre é tanto mais um atontador quanto mais sábio é e de boa fé se dispõe a ser um profissional da explicação.
67

delas se obter uma atenção também desigual. O espírito falha e o erro aflora apenas
quando a inteligência se vê afectada pela distracção. Emerge a partir da preguiça, do
menosprezo da competência pessoal, do medo perante o ousar a autonomia intelectiva,
ou do pensar sobre o signo da desigualdade. São os desvarios e recuos da vontade que
motivam a distracção fundamental que suspende a busca que alimenta o aprender. Uma
falta de atenção, como carência, perversão ou traição da vontade, corresponde, portanto,
a uma infidelidade a si mesmo, a um mentir-se. O ser é fiel a si no centrar-se em si, que
constitui o princípio da veracidade. Em função dos movimentos da vontade,
determinantes da intensidade da aplicação da inteligência, é que toda a palavra se enche
ou esvazia.
Semelhante perspectiva educacional parece antecipar, em muito, a abordagem
existencialista de, por exemplo, um Karl Jaspers, para quem o essencial da educação é
devolver o educando ao ser-si-mesmo. O educador propicia o acesso dessa concentração
pessoalizadora, em que o educando passa a tomar conta de si sabendo-se ser
determinado e marcado por situações-limite,58 sobre as quais não pode haver verdade
definitiva nem propriamente explicações; a este respeito, educador e educando estão
igualizados na vivência da sua existência única; quanto à sua condição antropológica,
ambos se encontram em relação horizontal: são companheiros de viagem (Cf. Neves,
2004). É por isto que, num e noutro caso, devemos ter um regresso à paideia socrática,
ou seja, aquela relação educativa em o mestre só pode assumir-se ignorante, pois
perante o enigma da existência, ou a substância multimodal e inesgotável da verdade,
educador e educando estão em pé de igualdade, ambos buscam, porque nenhum pode
deter solução definitiva. Assim, ao educador não cabe explicar o inexplicável, e, uma
vez que em realidade é tão ignorante quanto o educando, apenas lhe resta convidar à
descoberta da verdade, de modo pessoal e autónomo, sem mediações.
Tal como depois reclamará a pedagogia existencialista, o principal recurso da
Educação Universal de Jacotot será, pois, a comunicação veraz em que duas existências
verazes correspondentes a duas inteligências equânimes se encontram, se afirmam e se
reconhecem como tal, para se aplicarem em torno do centro ausente da verdade e dela
obterem experiências de veracidade sem nunca a possuirem. A Educação Universal é a
verificação da aplicação dos espíritos emancipados na busca da verdade, de que podem
formar opiniões, ter encontros, mas nunca coincidência absoluta de inteligências.
Jacotot parece partilhar a convicção de Montaigne (1993, 111), de que ―Nascemos para

58 Ver adiante.
68

buscar a verdade‖. O que dela se diz, no entanto, quando a palavra veraz e a


adivinhação verdadeira (atenta) são fecundadas pelas vontades, permite-nos apenas
tentar traduzi-la e dispormo-nos a adivinhá-la, fazendo comunicar as nossas
existências.59 ―O pensamento não se diz em verdade, expressa-se em veracidade‖
(Rancière, 2003, 84).
Semelhante ordenação educacional, muito assente no desejo de compreender e
ser compreendido, abre naturalmente a senda de um espaço ―poiético‖, propiciador de
um trabalho infinito de dizer, adivinhar, traduzir e mútuo rectificar sobre uma verdade
impossível de possuir completamente. Isto significa, nas palavras de Rancière (2003,
88) que, ―no acto da palavra o homem não transmite o seu conhecimento, senão que
poetiza, traduz, e convida os outros a fazer o mesmo‖.60 Ora, neste ponto, com o seu quê
de socrático, em que cabe partilhar o buscar pelo qual todos aprendem, temos de
reconhecer que Jacotot aponta um valioso caminho educativo. Nele se assiste, como a
seu modo propõem Orbe, Bondía & Sangrá (2006, 241), a uma ―experiência de
abertura‖, uma ―incisão poética‖ e ―política‖, pela qual se introduz a novidade a partir
da relação livre com o mundo. Nesta relação, construímo-nos melhor como pessoas,
pois ―O poético em educação é a trama, o relato e a narrativa que nos ajuda a inventar-
nos‖ (Orbe, Bondía & Sangrá, 2006, 241).
A educação, perspectivada por Jacotot, recusa qualquer conciliação com os
ditames da ciência do aperfeiçoamento progressivo fundada na desigualdade, isto é, a
pedagogia, que, institucionalizada na máquina explicadora escolar, apenas parece servir
o atontamento e a infantilização. E tão pouco admite o princípio da pré-compreensão
impositiva do trilho pedagógico a seguir pelo aluno.61 No âmbito do espaço ―poiético‖,
que mais lhe interessa propiciar, ela deve abandonar ―as velhas e actuais pretensões de
conduzir o olhar do outro numa direcção correcta, previamente definida, para converter-
se no acontecimento de um olhar compartilhado‖ (Orbe, Bondía & Sangrá, 2006, 241-
242). E é assim que melhor se assiste o significativo e libertador uso de uma ―voz
própria‖. Semelhante via, como estima Rancière (2003), talvez não sirva
especializações, mas multiplica os poderes da inteligência, não forma sábios, mas

59 E nisto vemos também uma antecipação da ―comunicação existencial‖ entre intimidades, que deve excluir toda a violência, ser
livre e gratutíta e que Jaspers reclamará para culminar o trabalho educativo (Cf. Neves, 2004).
60 De tal modo que a sociedade emancipada seria obrigatoriamente uma sociedade de artistas. Pois as próprias capacidades do
espírito são apenas virtuais, têm de comprovar-se sempre por caminhos diferentes, que são, naturalmente, os caminhos da
emancipação.
61 A via para sair da ficção da desigualdade e do círculo do atontamento crónico da máquina explicadora consiste no seguinte
princípio: ―pode-se ensinar o que se ignora‖ (Rancière, 2003, 131). Neste contexto, que é, note-se, o da igualdade de planos entre o
que ensina e aprende, não se admite a inferioridade nem se instala o menosprezo de si, formam-se homens emancipados.
69

consciencializa do poder intelectual próprio. Ora, como também notam Orbe, Bondía &
Sangrá (2006), é preciso, hoje, fazer frente à ―mentalidade fabricadora‖,62 atravessada
pela veleidade da racionalidade tecno-científica, que quer reduzir a educação ao saber-
fazer, à destreza e à competência, e que confunde a capacitação para um mercado de
trabalho com a formação. Semelhante orientação atem-se geralmente a um discurso
científico que pretende encarar o campo educativo com vista à sua planificação técnica
e, cujo vocabulário, é o ―da eficácia, da avaliação, da qualidade, dos resultados, dos
objectivos; a linguagem dos didactas, dos psicopedagogos, dos tecnólogos, dos que
constroem a sua legitimidade a partir da qualidade de peritos‖ (Orbe, Bondía & Sangrá,
2006, 245). Porém, a educação precisa, sem dúvida, de um espaço, não subsumível ao
planificável, através do qual se liberte o imprevisível e o ―poiético‖.
Para Jacotot, os métodos pedagógicos, apesar de todas as boas intenções,
parecem todos incapazes de admitir a igualdade das inteligências, pois não concebem a
possibilidade de se ensinar o que se ignora. Já o seu antimétodo, que não dispensa o
mestre,63 mas em que este não ensina o que sabe, procura deixar que seja a natureza a
ensinar as pessoas por si mesmas e toma por regra única o ―verificar a aplicação de
inteligências iguais no seu esforço de tradução entre si‖ (Rancière, 2003, 174). Se
Jacotot parece aceitar a ignorância equivalente das inteligências finitas perante a
verdade absoluta, não está disposto a aceitar a ignorância suposta pelo pedagogo e que
se refere à condição inicial do que carece de competência crítica para saber o que ignora
e, em consequência, para seleccionar o que lhe convém saber.
Ora, pelo menos no que diz respeito à criança, isto parece ser incontornável. A
mais dramática evidência aqui é que ―a criança não sabe que ignora, isto é, não sente a
falta dos conhecimentos que não tem‖ (Savater, 1997, 70). E ―é o mestre, aquele que já
sabe, quem firmemente acredita que o que ensina merece o esforço que custa aprendê-
lo‖ (Savater, 1997, 71). À criança nem sequer é legítimo pedir-lhe a ânsia pelo
conhecimento do que não pode mesmo antever. Por isso tão pouco é possível educá-la
sem a contrariar, temos de formar primeiro a sua vontade ―e isso dói sempre bastante‖
(Savater, 1997, 71). Jacotot apelava à espontaneidade da vontade, mas é preciso formá-
la. Aporia?

62 Fundada sobre a crença na faculdade de poder explicar regras, princípios e técnicas, com eficácia e tendo em vista a eficácia,
como se a transmissão da experiência codificada pelo ―perito‖ equivalesse ao mostrar pelo fazer e ao exercitar-se. Como se nada se
perdesse da experiência com a recompilação da informação que se transmite mediante destrezas destinadas a fazer compreender.
63 Como também a pedagogia jasperiana não o dispensava: ―A aletheia, o desocultar, não pode ser levado a cabo pelo educador,
mas pelo educando, ainda que seja óbvio que sem o educador, o educando não o conseguiria alcançar‖ (Neves, 2004, 116).
70

A radicalização de Jacotot põe-nos perante o problema, assinalado por Louis Not


(1979), de que a autoestruturação das potencialidades individuais exige uma capacidade
que organize e disponha criticamente os conteúdos e as experiências de aprendizagem.
Uma capacidade que, em geral, é heterónoma ao sujeito, ou seja, transcende a sua
competência inicial. De modo que parece inescapável que a tarefa educativa tenha de se
desenvolver entre hetero-educação e auto-educação, entre pressão exterior e
estimulação,64 entre esquema pedagógico-didáctico e, como quer Jacotot, tacteamento,
descoberta. Tal como assinala Maia (2006), a educação é um processo que, pelo menos
de início, reclama o próprio e o outro para se realizar. E isto deve-se a que ―a autonomia
não é um dado recebido com a natureza e, por isso, o apoio da hetero-educação não
deve ser encarado como uma limitação, mas como um incentivo‖ (Maia, 2006, 137).
São os avanços da autonomia que permitirão depois o acentuar da auto-educação.
Para Jacotot, no entanto, o que convém a cada um saber não pode ser definido
exteriormente pela potência explicadora, não lhe cabe a ela assinalar e situar a
ignorância. E contudo há que ter em consideração uma diferença decisiva dos humanos
por saberem localizar entre si a ignorância: ―Os membros da sociedade humana não só
sabem que sabem, mas também percebem e continuam a corrigir a ignorância dos que
ainda não sabem ou daqueles que acreditam saber erroneamente alguma coisa. Como
Jerome Bruner assinala, (…), ‗a incapacidade dos primatas não-humanos para atribuir a
ignorância ou falsas crenças aos seus jovens pode explicar a sua ausência de esforços
pedagógicos, porque só quando se reconhecem esses estados se tenta corrigir a
deficiência por meio da demonstração, da explicação ou da discussão. Inclusive, os
chimpanzés mais 'culturalizados' mostram pouco ou nenhum deste atributo que conduz
a actividade educativa‘. E conclui: ‗Se não há atribuição de ignorância, tão-pouco
haverá esforço para ensinar.‘ Isto é, para rentabilizar, de modo pedagogicamente
estimulante, o que alguém sabe, deve-se compreender também que o outro não o sabe…
e que consideramos desejável que venha a saber. O ensino, voluntária e decididamente,

64 Uma antinomia a que já aludimos e que nos obriga a ter em conta que: ―Se a pressão exterior for demasiado forte, não permite o
próprio desenvolvimento do sujeito; se esta é, pelo contrário, débil, e se estimula demasiado as próprias faculdades do educando,
sem a devida direcção e guia, o processo de conduta pode descarrilar e malograr-se‖ (Lemus, 1969, 14). O que em todo caso é
preciso é que não se frustre a condução do sujeito de uma situação heterónoma para uma situação autónoma e coroada pela
consciência moral: ―O fim educativo é a formação de homens livres, conscientes e responsáveis por si mesmos, capazes da sua
própria determinação. Nisto consiste precisamente o facto humano da educação, na formação da consciência moral, na capacidade
de discernir entre o bem e o mal.‖ (Lemus, 1969, 15). Aqui podemos encontrar-nos com a crítica de Orbe, Bondía & Sangrá (2006)
que verberam em conjunto as ―doxas‖ técnica, que quer dizer o que há, para formatar a educação segundo a lógica da planificação e
da eficácia, e a crítica, que quer dizer o que deveria haver, para encaminhar a educação à realização de ideais. Porém não podemos
evitar a perplexidade de vermos que os mesmos autores querem que a educação seja constitutivamente ética, assinalando-lhe os
valores da responsabilidade, da solicitude, do tacto e da ―compatia‖, que não sabemos muito bem distinguir da compaixão. Nem
vemos como pode dispensar-se dos valores da liberdade, da igualdade e da cidadania.
71

não tem origem na constatação de conhecimentos compartilhados mas sim na evidência


de que há semelhantes que ainda não os partilham‖ (Savater, 1997, 26-27).
Savater apoia-se até em Platão para dizer que cabe ao grupo social remediar a
ignorância amnésica dos recém-chegados. ―Ser humano consiste na vocação de partilhar
entre todos o que já sabemos, ensinando aos recém-chegados ao grupo o quanto devem
conhecer para se tornarem socialmente válidos‖ (Savater, 1997, 27).
A antinomia está pois montada: há os que consideram que a ignorância deve ser
assinalada no seu ponto específico e os que entendem que se assinala como condição
humana. Os primeiros poderão tender a impor a máquina explicadora e transmissora de
conteúdos – o que não é o caso de Savater –, enquanto os segundos tenderão antes a
recusar toda a intervenção pedagógica que vá para além da estimulação da vontade a
dispor-se a por em acção a inteligência que assiste. A antinomia torna-se flagrante
quando vemos de um lado estabelecer-se quem são os que sabem e que devem educar e
como educar, enquanto do outro lado o mestre ensina o que ignora sem impor
percursos. Paradoxo? Talvez que caiba à educação ambas as coisas.
Para o próprio Jacotot, o tacteamento natural permite-nos aprender a língua
materna, entre outras coisas, por isso, depois de a ter aprendido, trata-se apenas de
continuar a aprender da mesma forma outras linguagens (Rancière, 2003). Em nosso
entender, não parece que toda a educação possa fazer-se por este simples método.
Contudo, certamente, é a partir dele que poderemos desenvolver a convicção na
potência intelectiva pessoal e, talvez, seja incontornável tomar em consideração o seu
princípio fundamental: a educação precisa ser um desafio à vontade individual, um
estímulo do querer que alimente o exercício motivado e convicto da inteligência. Assim
entendida, a educação será sempre um ousar. Um ousar enfrentar o abismo do
desconhecido que se abre ante nós, uma viagem, que, ―pensada como experiência, …é
saída ao exterior onde nem tudo pode planificar-se ou programar-se‖ (Orbe, Bondía &
Sangrá, 2006, 237). Uma viagem, pois, ―que consiste, também, em escapar das
identidades fixas e imutáveis, desligar-se‖ (Orbe, Bondía & Sangrá, 2006, 237). E é
talvez por esta via que melhor pode servir essa busca pessoal do sentido a que nenhum
humano se pode furtar. Nela, o mestre não precisa tanto ser um sábio, como precisa
saber convocar a vontade e a atenção e confirmar se estiveram presentes.65 Aliás, por

65 Talvez seja esta uma boa ocasião para assinalar que saber ser professor passa precisamente pelo saber conjugar de forma
equilibrada as componente científica, psicopedagógica e didáctica, embora sem que, nem por isso, o educativo se esgote no seu
conjunto, pois o professor deve ser também um educador, que é alguém que sabe fazer frutificar a sua acção na vontade do
educando aprender mais e se abrir aos problemas humanos (Boavida & Amado, 2006a). Nesta visão o alcançar do educativo não se
72

seu intermédio, o mestre aprenderá também com o aluno, isto é, ambos aprenderão
como humanos que buscam o que todos eles buscam e, nessa busca, traduzirão
―poieticamente‖ as inteligências entre si, de modo que a inteligência dos que aprendem
se afirme e se expanda.
Se em educação pode ser necessário assinalar o ponto específico da ignorância,
muito importante será, por vezes, consciencializar simplesmente os que devem aprender
quanto à sua condição. E, neste caso, o mais profícuo será usá-la para acicatar as
vontades e não para diminuir as capacidades. Diz-nos Savater (1997) que o mais próprio
do homem é aprender dos outros, na medida em que com eles se estabelece uma
vinculação intersubjectiva, por isso, mais do que fazer assimilar conhecimentos
concretos importa propiciar o acesso aos significados. Ora é dos nossos semelhantes que
devemos obter ―a chave para entrar no jardim simbólico dos significados‖ (Savater,
1997, 30). A educação distingue-se da simples informação, precisamente, porque
implica entrar e habitar num universo simbólico, sendo para tal indispensável saber
traduzir as inteligências entre si. ―Antes de mais nada, a educação é a revelação dos
outros, da condição humana, como concerto de cumplicidades irremediáveis‖ (Savater,
1997, 32). Semelhante ideia parece colher todo o valor da perspectiva de Jacotot.

2.1.3. Desenvolvimentos e actualidade da antinomia entre as pedagogias da essência e da existência

A partir da ―revolução rousseana‖, o desenvolvimento da pedagogia da


existência é diversificado, mas não sem contradições. A pedagogia da essência persiste,
por seu lado, com a renovação de perspectivas.
Na opinião de Suchodolski (1984), depois de Kant, que suscitou a orientação da
moldagem pelo a priori racional e moral, o hegeleanismo inspirou uma severa
pedagogia da essência que, embora imbuída da compreensão das contradições
desenvolvimentais, instrumentaliza o indivíduo como epifenómeno histórico do
Espírito. A reacção não se fez esperar, pois, segundo Rocha (1988), na filosofia já

compagina com o simplismo de que quem sabe a matéria sabe ensiná-la e de que um receituário geral e sintético da transmissão
basta para tal. ―É esta a posição acabada de quem desvaloriza o especificamente educativo, por não o reconhecer, ou por não
compreender onde ele está ou onde possa estar, seja no professor, na matéria, no aluno ou, como geralmente acontece, numa inter-
relação de várias triangulações e múltiplas combinatórias. E para cuja solução muitas ciências poderão contribuir, mas sempre em
função de uma relação educativa, de uma situação e de uma meta que, relacionando-se entre si, são determinantes e condicionam
todo o conjunto, numa síntese superadora, muito variável e de difícil captação. Esta teia de relações e de variáveis é em si mesma,
uma realidade especificamente educativa, que nenhuma ciência em particular pode compreender, mas também escapa a uma simples
multidisciplinaridade. […o educativo] sobreleva as partes porque as reorganiza educativamente, isto é, dá-lhes o significado
educativo que, de outro modo, lhes falta‖ (Boavida & Amado, 2006b, 57-58).
73

avançava um forte impulso de revalorização do indivíduo, que depois se transferiria à


pedagogia: é o tempo da ―vontade de viver‖, proclamada por Schopenhauer.

§ Naturalismo, vitalismo o evolucionismo. O naturalismo vinha-se impondo


como a priori da modernidade, e viu-se isso mesmo na proposta de Rousseau. Mas há
ainda a assinalar o contributo dos progressos científicos indeléveis, registados, por
exemplo, na Física, na Química, na Biologia, na Teoria Atómica e, em especial, o
influxo do positivismo. Em particular, deve registar-se a importância da publicação em
1859 da Origem das Espécies por Charles Darwin, que lança a teoria da evolução
universal através da luta pela vida. A filosofia da vida e a fenomenologia são outros
elementos a ter em conta. E foi a conjugação deste factores, em que se deve incluir a
emergência das ciências humanas, que derivará contributos directos para a pedagogia,
motivando uma educação mais ligada à vida, nomeadamente a proposta pela revolução
pedagógica da Educação Nova.
Nesta fase condenou-se os ideais extrínsecos ao interior do indivíduo, ao sagrado
egoísmo, ao império da vontade, de onde os fortes sabem extrair os seus critérios. É
neste sentido que Nietzsche, por seu turno, proporá a educação da ―vontade de poder‖,
acima do Bem e da Verdade. Trata-se agora de formar o Homem Aristocrático, o Super-
Homem, que dita a verdade e o bem.66 Abrindo-se assim uma pedagogia radical da
individualidade excepcional.
A filosofia de Nietzsche tem sido usada para fundamentar coisas muito
contraditórias em relação ao que o próprio defendia – como a visão democrática da
escola e o ethos liberal no domínio social e educacional –, e que distorcem a essência da
sua perspectiva (Rosenow, 2004). Sem dúvida, a obra de Nietzsche pode endossar uma
radicalização da pedagogia da existência, contudo não podemos esquecer que a sua
filosofia, apesar de pretender abater todos os ideais metafísicos estabelecidos, continua
a apontar um ideal e é ainda preciso ressalvar-lhe a sua defesa da hierarquização
humana, que sustenta uma separação entre educação de massas e educação de elite.
Nietzsche propõe uma forma educativa orientada para a descoberta da verdadeira
natureza de cada um, que desemboca na autocriação e cuja recompensa seria uma
identidade afirmada, afirmadora e afirmativa da natureza própria, do desejo de ser
individual, ou, nas suas palavras, da Vontade de Poder. Mas esta seria uma educação só
para alguns, muito selectiva quanto às características de carácter indispensáveis e só

66 Mas quem julga este e as suas definições?


74

para o raríssimo caso dos génios. Quanto aos outros, para a grande maioria, destina-se
uma educação adaptativa, que os converta na base de apoio dos génios e destinada a
servi-los. ―As escolas, de acordo com esta perspectiva, teriam o importante papel de
treinar a maioria para propiciar a emergência do ‗grande e redentor homem‘ através da
manutenção das condições sociais e económicas apropriadas‖ (Fennel, 2005, 89-90).
Ora, no primeiro caso estaríamos nos antípodas da pedagogia da existência, pois para as
massas trata-se da mais rigorosa adaptação dos sujeitos ao quadro social vigente.
Nietzsche divide claramente a humanidade em dois tipos de homens: o que quer
afirmar a sua vontade e força (a sua independência e diferença, o mais desviante, que se
coloca para além do Bem e do Mal, o nobre, pura expressão da riqueza da vontade de
poder) e o medíocre. Para Nietzsche tudo o que contrarie o instinto de vida e a pura
alegria de existir deve ser abatido ou posto ao seu serviço, isto é, instrumentalizado. No
seu caso, o bem-estar da maioria e a igualdade não são nunca desideratos apropriados ao
aparecimento do Super-homem, que constitui a melhor forma da realização da Vida: ―O
super-homem é um símbolo das possibilidades humanas cuja elaboração constitui a
dimensão positiva do projecto de Nietzsche‖ (Fennel, 2005, 94). Isto significa que, de
facto, se aponta uma essência humana e um ideal ao presente, embora Nietzsche apenas
tenha esboçado esse ideal e em grande medida negativamente, segundo o que ele não
devia ser. Em todo caso, semelhante Super-homem é entendido como o destino para
consumar a depuração da raça, pelo que tudo mais deveria subordinar-se ao seu
aparecimento. ―Nietzsche articula uma classificação dos seres humanos em que alguns
são considerados superiormente, muitos são vistos como nada prometendo, e outros
(talvez a maioria) porque impediriam o que é mais elevado, são simplesmente
desprezados‖ (Fennel, 2005, 104).
Para Nietzsche aquilo que seja possível à maior parte dos homens não é digno de
profundo respeito. O papel da maioria é manter-se produtiva para permitir o
―Ubermensch‖ e a afirmação dos seus valores.
Destinando uma educação adaptativa à maioria e uma educação radical,
segregada dos medíocres, aos indivíduos dispostos à autotranscendência, aos génios, a
filosofia de Nietzsche constitui uma antinómica proposta educacional. A sua proposta
pode ser interpelada com uma questão: ―Por que valerá mais a autotranscendência de
um génio do que a de um simples humano?‖ Apontar a educação ao melhor das
possibilidades humanas sem valorizar as possibilidades de cada um e a sua
autotranscendência como a maior conquista não constitui uma verdadeira proposta da
75

pedagogia da existência. Mas se, em contrapartida, entendermos na proposta


nietzscheana um avanço da pedagogia da essência, que pressupõe uma essência humana
a realizar no Super-homem, enquanto símbolo das melhores possibilidades humanas,
devemos então questionar a ideia de que a humanidade se realiza melhor por meio de
certos indivíduos, quando, de facto, a humanidade se designa por um substantivo
colectivo que obtém a sua maior riqueza da diversidade (Lévi-Strauss, 2000). Por outro
lado, cabe também aqui questionar o princípio meritocrático quando este serve para
assistir a humilhação de alguns (muitos), isto é, desapossá-los da sua dignidade. O
fundamental é mesmo este aspecto: o entendimento que temos do valor da pessoa e do
universo pessoal, que adiante discutiremos, constitui para nós um crivo crítico. Por fim,
importa questionar, como fez Copleston (1979), o fundamento da Vontade de Poder
para justificar a superioridade de uns sobre outros. Quem assegura que a vontade de
poder de alguns afirma uma vida superior? Porque temos de supor que toda a dádiva é
fraqueza e toda a chamada à igualdade produto de inferioridade e ressentimento para
com os mais fortes? E, em última instância, falta ainda saber se a genealogia
nietzscheana de certas atitudes axiológicas tem foros de universalidade.
Em grande medida, como mostra (Baker, 2003), devemos ter em conta que
existe toda uma tradição, muito atreita aos evolucionismos e aos vitalismos, que
redunda, muitas vezes, na perspectivação da educação como tarefa de conformação,
determinada a partir de um suposto ideal da espécie ou da raça, isto é, um horizonte de
perfeição que é apontado mas não explicitado. Definindo-se, aliás, independentemente
dos indivíduos que se funcionalizam à sua concretização. Neste caso, o indivíduo
aparece instrumentalizado como matéria-prima para algo. Não é pois o desenvolvimento
do indivíduo que ante tudo se procura atender. Isto vê-se bem no facto de não ser o seu
intrínseco valor ontológico que realmente conta, mas o seu ajuste à depuração
procurada. Ora, por este caminho chega-se sempre à conclusão de que alguns não
deveriam ser educados, não merece a pena fazê-lo, considerando o propósito metafísico
visado. É neste âmbito que melhor se entende o valor do princípio da igualdade
defendido por Jacotot, embora devendo acautelar-se que não seja usado para triturar ou
assimilar as diferenças, no sentido de uma falsa compreensão que as dissolve (Lévi-
Strauss, 2000).
Mas podemos considerar que, em grande medida, as teorias da evolução deram
origem a uma renovação de perspectivas que, curiosamente, apontam a importância do
presente para inspirar o processo educativo, em detrimento de se considerar a tradição e
76

os seus os valores, que fazem da história da humanidade um elemento educativo por si


próprio. Spencer, por exemplo, rejeitará essa função e a normatividade dos ideais da
tradição pela sua extemporaneidade e inutilidade: a verdadeira função da educação é,
em seu entender, assistir a severa luta vital, devendo primar por ser útil e instrumental,
garantindo o triunfo dos fortes que não se subjugam ao ideal. No entanto, este autor não
retira da teoria evolucionista a necessidade de se aproximar da criança, nem de
considerar o processo político, senão como teatro da afirmação dos fortes. Tudo isto
torna claro que certos evolucionismos representam uma perspectiva pouco esclarecida
da pedagogia da existência ou uma proposta encapotada da pedagogia essencialista mais
limitada.
No que ao evolucionismo diz respeito, acaba por vencer, não a teoria normativa
da recapitulação, de pendor altamente normativo, mas a perspectiva decroliana da
organização e satisfação das necessidades actuais da criança.
Enfim, na senda de Bergson, a concepção da evolução criadora deu ensejo a que
se perspectivasse o desenvolvimento da criança como processo criativo, cujo sentido
deriva de si mesmo e não conduz à simples imitação/adaptação, como supunha o
pragmatismo e o desenvolvimentismo vulgar, mas à escolha criadora que aprofunda a
vida. Bergson rejeita o materialismo mecanicista e afirma que o universo, nele incluído
o ser humano, é fundamentalmente elan vital, evolução, dinamismo, novidade, pelo que
―uma acção educativa que tenha em conta a natureza da criança, também ela deve ser
activa em ordem a ajudá-la a evoluir e a construir-se‖ (Rocha, 1988, 47). Ficam assim
rejeitadas as concepções estáticas dos ideais normativos impostos, ―porque o acto
educativo deve ser um acto de criação única que não se repete, pois caso contrário não é
de modo nenhum um acto educativo‖ (Suchodolski, 1984, 63).
A ―pedagogia ligada à vida‖, como gosta de dizer Suchodolski, deu um passo
importante com a procura de fundamentação científica, sobretudo quando procurou
ampliar os conhecimentos sobre a infância e o desenvolvimento, que permitissem
melhor assentar os princípios do processo educativo. Daí o princípio de assistência de
Hall,67 a pedagogia funcional do despertar do interesse de Claparède e Bovet – que
abstraía dos ideais e das normas – e o pragmatismo imanentista de Dewey – que
valorizava o presente e a adaptação das matérias às necessidades desenvolvimentais,
segundo a pressão dos interesses, embora abstraindo também da sujeição a esquemas

67 Em quem descobrimos, como aliás em vários pedocentristas, um eugenismo feroz (Cf. Baker, 2003). Em muitos destes casos
vemos defender-se a centração nas necessidades das crianças para de facto melhor perspectivar a sua funcionalização a um ideal que
lhes é extrínseco.
77

pré-estabelecidos e antes confiando no curso natural das experiências significativas.


Muitos contributos haveria ainda a assinalar, como, por exemplo, o da psicologia
genética.
Como já vimos, também com Freud se assinalou uma visão inovadora, que vem,
até certo ponto, encaixar dentro das pedagogias da existência: o homem deixa de ser
concebido como aspira a ser ou segundo a perspectiva unilateral da sua consciência. A
educação volta-se para o curso natural, procurando assistir o sublimar das tendências e
prevenir ou resolver complexos, dispensando os ideais repressivos motivadores de
infelicidades e fracassos.
Porém, num volte face significativo, a pedagogia sociológica, que assentava a
vida social no natural, e liquidou a referência à sociedade ideal, ao homem ideal e a
qualquer utopia, acabou no adaptacionismo, sem remissão, ao existente. Veja-se, por
exemplo, as ideias de um Durkheim (ap. Savater, 1997, 141), para quem a educação
deve realizar ―um certo ideal de homem e o que este deve ser do ponto de vista
intelectual, físico e moral‖, tal como o define a sociedade. Deste modo se perspectivou
um conflito entre existência individual e colectiva, entre vida da criança e do grupo
social – ambas combatendo o ideal. Mas a segunda acaba por ancorar a
existencialização no social instituído, esquecendo a vida individual da criança, pelo que
descamba na normatividade dos essencialismos. Em nosso entender, a possibilidade de
entender a vida social como referente de um ideal mutável constitui a armadilha do
individualismo acrítico da actualidade e de algum pós-modernismo.
A ―contradição antinómica entre a essência e a existência‖ (Suchodolski, 1984,
83) prolonga-se no debate contemporâneo sobre a educação.
A pedagogia nova, a que já antes nos referimos, primou pelo estudo da infância,
destacando os modos específicos de agir, pensar, sentir, imaginar que lhe são próprios.
O mundo da criança – com os seus interesses, necessidades e processo
desenvolvimental – tornou-se o ponto de partida para a acção educativa. Por isso se
valorizou a autotelia funcional das ocupações infantis, a importância da sua actividade e
se radicou na individualidade a formação que respeita os ritmos próprios. Convém
notarmos que, perante os avanços da pedagogia da existência, a existencialização da
pedagogia da essência prosseguiu quase sempre pela aproximação à criança, ao ―como
ela é‖, bem como pelo afastamento das metodologias impositivas/repressivas e pela
integração dos aspectos teóricos que sugeriam renovações metodológicas.
Progressivamente, foi efectuando uma passagem da referência à essência ideal para a
78

descrição das propriedades empíricas sem ligação ou dependência do conteúdo ideal do


homem.

§ O existencialismo. Umas das bases mais significativas da contemporânea


pedagogia da existência encontrámo-la na corrente do existencialismo filosófico.
Embora, sobre esta corrente, tenhamos de admitir que apenas podemos falar de
existencialismos, cuja base comum se encontra na centração na experiência concreta e
vivida e na aceitação irrecusável da finitude, que se exprime numa chamada do homem
à subjectividade e à afirmação da sua liberdade (Jolivet, 1975). Seja como for, devemos
atribuir ao existencialismo a revalorização do plano individual, que depois se repercutiu
no campo da pedagogia.
Reagindo a Hegel, Kierkegaard recolocará a questão do indivíduo, mostrando o
seu valor de pessoa irrepetível, cujo desenvolvimento depende do esforço livre e
próprio: ―Sou um indivíduo e não um conceito. Nenhuma ideia abstracta pode exprimir
a minha personalidade (…). O melhor que a filosofia pode fazer é abandonar as falsas
pretensões de racionalizar o universo e concentrar a sua atenção sobre o homem,
descrever a existência humana tal como é. Isto é o que importa; o resto é vão‖
(Kierkegaard, ap. Rocha, 1988, 46).
Heidegger foi considerado, por vezes, como um dos arautos maiores do
existencialismo, mas a sua analítica do ―Dasein‖ visa sobretudo retomar a abertura ao
Ser, para cujo desvelamento, em sua opinião, nos havia cegado a metafísica, a partir de
Platão, e a razão técnica, como seu autêntico prolongamento. A existência humana,
marcada pela paixão do perguntar, interessa-lhe sobretudo como via de acesso ao
desvelamento do Ser (Irwin, 2003). O nihilismo é para Heidegger o esquecimento do
Ser que corresponde à obliteração de uma qualidade de que só o ―Dasein‖ dispõe. A
linguagem substancialista da metafísica e a atitude controladora da ciência-técnica não
se prestam a traduzir a escuta do Ser, em todos os seus desdobramentos possíveis. Mas,
se o Ser se esquiva à apreensão tentada pela inteligência lógica, já a poesia e a
fenomenologia parecem adequadas a uma hermenêutica tão subtil. No entanto, requer-
se, ainda assim, a peculiar sensibilidade do ser-aí para apreender o terreno de onde o Ser
brota, isto é, o terreno do acontecer dos sendos.68

68 Neste sentido pode até ver-se na analítica heideggeriana como um aprofundamento do Humanismo, mesmo quando o nosso autor
critica esta corrente, pois a ―Humanitas‖ sai dela matizada por novas virtualidades.
79

Para Heidegger nenhum ―telos‖ orienta o Ser ou o ―Dasein‖. Embora este tenha
a capacidade de se projectar no futuro, fá-lo à margem de qualquer Ideal que assinale de
antemão o sentido da vida. É a maravilhosa capacidade humana, do ―Dasein‖, para a
abertura ao Ser que vai possibilitando a construção desse sentido. ―‗Da‘ significa ‗aí‘ e
‗ein‘ corresponde a ‗ser‘: ‗ser-aí‘. Alguém sendo aí projecta o Dasein para lá do ‗aí‘ em
direcção a um futuro. Ser-aí é um movimento de potencialidade‖ (Irwin, 2003, 234).
Mas o ―Dasein‖ tem de enfrentar a ansiedade intrínseca à sua finitude, a finitude do ser-
para-a-morte, que é o ponto de fuga para compreender com essencialidade a sua vida
como um todo. Como assinala Fullat (2003), no quadro do pensamento heideggeriano, o
ser humano anseia a verdade, mas nunca a alcança absolutamente; vai desvelando
verdades, vagabundeando em ―caminhos que não levam a lado nenhum‖, num exercício
de simples ludismo. Tão pouco contamos com moral, o ―Dasein‖ injecta sentido
levando o ser a aparecer na linguagem: ―o Ser consiste essencialmente em fazer-se
sentido. Qual? Qualquer que seja. Trata-se de uma Ética, esta de Heidegger, da
indiferença ante o concreto, mas é uma ética originária já que consiste en ter que dar-se
sentido e significação antes de qualquer fixação histórica‖ (Fullat, 2003, 220) ―Ek-
sistir‖ é sair de si sem meta fixada, daí que tudo é jogo e os valores rasos.
Mas a partir do quadro de condicionamentos e possibilidades para onde foi
atirado, o ―Dasein‖ poderá, ainda assim, desde a perspectiva da sua finitude, projectar-
se uma vida autêntica, pois é nesse quadro que o pensamento pode acontecer como
abertura e escuta do Ser. O ―Dasein‖, no seu próprio processo de tornar-se, pode dispor-
se à escuta do Ser, que no aparecer dos entes se manifesta e na abertura ao acontecer se
desvela.
No enquadramento da filosofia heideggeriana, toda a educação se ordena ao
desenvolvimento da fundamental virtualidade ontológica do ―Dasein‖, ou seja, destina-
se a despertar a escuta do Ser, do ser que somos também, ou vamos sendo e projectando
ser, a partir da finitude que nos define. A educação deve encarregar-se de suscitar a
capacidade de atenção ao Ser, de despertar para a sua escuta, pois é nessa escuta que se
descobre o sentido que nos faz falta, o sentido de ser.
Como mostra Thomson (2004), tendo por referente o ―imperativo existencial‖,
que sentencia ―Torna-te no que és‖, ou, mais claramente, ―Sê tu mesmo‖, Heidegger
aponta-nos o repto de recusarmos o mundo pronto e aproblemático do conformismo,
que nos confere segurança a troco da heteronomia do nosso intrínseco projectarmo-nos
a partir da finitude que somos. A existência heterónoma define-se pela perda da
80

autenticidade do nosso modo de ser e, por isso, nela não somos, verdadeiramente, nós
próprios, ―nem somos o que somos‖, porque o ponto a partir de onde nos projectamos
não nos pertence. Há, pois, que abraçar a finitude que somos – e aceitar que nada pode
definir a priori o sentido seguro e único do ser que devemos ser – para, simplesmente,
―escolhermos escolher‖, isto é, tomarmos uma posição pessoal sobre o que queremos
ser. A partir desta ―resolutividade antecipatória‖ podemos regressar ao mundo pronto,
que nos envolve e determina, e assumir com autenticidade o projectar que somos, nas
sendas das suas possibilidades. Abraçando a finitude que nos define recusamos o ―já
pronto‖, que nos enclausura no sentido inautêntico do existir e tornámo-nos senhores de
nós próprios: recuperamo-nos para o autêntico ser si próprio. Ora, se este é um desígnio
antropológico, então toda a educação genuína deve votar-se ao encaminhar-nos para nós
próprios, ou seja, a devolver-nos a autenticidade do existir. ―O desiderato desta odisseia
educacional é simples mas revolucionária: devolver-nos a nós próprios, começando por
afastar-nos do mundo em que estamos imediatamente imersos para depois nos
redireccionar para esse mundo num modo mais reflexivo.‖ (Thomson, 2004, 457)
Restará agora saber, se isso se consegue provocando, inexoravelemnte, o colapso do
mundo já pronto, que cada um transporta e é, na maior parte dos casos, ou seja, se o
modo pedagógico do despertar da ansiedade passa por provocar uma crise da identidade
heterónoma constituída pela subterrânea inércia do conformismo ou do quadro
metafísico que formata as nossas possibilidades compreensivas e existenciais.
A pedagogia proposta por Delfim Santos é um bom exemplo de como a
perspectiva heideggeriana pode desenvolver-se em pedagogia. O filósofo português
entende que o objecto da pedagogia é o homem transiente e, desse modo, toda a
afirmação neste terreno deve ter como horizonte o tempo, isto é, a existência: ―É neste
sentido que caracterizamos a pedagogia como processo existencial e não como processo
lógico independente do tempo. A fundamentação existencial da pedagogia radica, pois,
na compreensão temporal da existência humana. O homem não aprende apenas para
viver, mas para existir, e existir não é apenas viver. A noção de existência é o ponto de
partida da pedagogia, como também na actualidade se tornou o ponto de partida da
filosofia. Existir é estar-no-mundo. É este o facto primário, original e estrutural da
existência. Esta situação fundamental, em que tudo radica, implica três diferentes
momentos. Estar-no-mundo é estar em contacto com o mundo inorgânico, com os
outros seres vivos, e também consigo mesmo. Desta ocupação e preocupação resultam
situações diferenciadoras para o acto de aprendizagem. As coisas mostram em que
81

consistem, os outros como subsistem e ele próprio como existe. A pedagogia tem,
portanto, três modos irredutíveis, quer no seu significado, quer no seu sentido. É em
função do diálogo com as coisas e com os outros, amiúde interrompido pelo monólogo
do estar consigo, que o homem compreende o ‗para‘ que está no mundo e desenvolve
vocacionalmente as suas aptidões. Realmente, o fundo sentido do acto pedagógico pode
caracterizar-se desta maneira: clarificação progressiva do trânsito do estar-no-mundo,
como situação original, para o estar-no-mundo-para-alguma-coisa. É neste trânsito que
se revela a capacidade de compreensão, e aprendizagem é o acto primário consequente
do estar-no-mundo (Santos, 1946/1982, 440-441).
A partir da filosofia existencialista de Sartre, nomeadamente da sua ontologia e
antropologia, é possível perspectivar uma concepção do ser educando do homem e, em
consonância, uma concepção da educação e da acção pedagógica de cariz
eminentemente trágicas (Fullat & Mèlich, 1989). Na verdade, a sua base
fenomenológica e existencialista, de uma antropologia desesperançada, só pode
produzir uma concepção trágica da educação.
À boa maneira da fenomenologia, Sartre concebe a consciência como
intencional: toda a consciência é consciência de algo, que se constitui como correlato
(noema) da consciência (noesis). É patente que existe um mundo, que é o que é, e que é
objecto para a consciência, o próprio Ego é para a consciência um ser no mundo. Em
relação a esse Ser a consciência não pode considerar-se mais um ser, um qualquer
objecto, mas antes um ―dar-se-conta-do-objecto‖, não uma res, mas antes tudo o que
não forma parte do Ser, um ―Nada de Ser‖, ou um ―Nada de‖. Só o Nada se pode, na
verdade, colocar para além do Ser. Naturalmente não há consciência (noesis) sem
objecto (noema), pois não há consciência de nada, contudo é preciso que uma
―consciência de‖ faça a sua aparição para que o ―Ser-em-si‖ seja algo para uma
consciência, isto é, que alguém saiba que algo é.
Isto cinde a própria realidade humana no Ego, entre o seu corpo e sentimentos,
que fazem parte do ser, e a consciência, o nada, o ―dar-se conta de‖, que,
verdadeiramente, constitui o humano. Este ―dar-se conta de‖ ocorre sempre num
presente, a partir do qual toda a biografia pessoal se constitui, neste sentido ―a
existência precede a essência‖. O presente é o tempo originário do ser. ―Não há uma
essência humana dada de antemão, o homem não tem ‗passado‘ dado, uma biografia
imposta, um projecto vital prefixado‖ (Fullat & Mèlich, 1989, 73), ao contrário do que
pressupunha a filosofia tradicional. Próprio do homem é o existir a partir da sua
82

consciência, para a qual nada está dado, nem valores, nem natureza, porque é mesmo
um ―nada de‖, que livremente deve construir-se a sua própria história, a sua essência:
―Que significa ainda que a existência precede a essência? Significa que o homem
começa por existir, se encontra, surge no mundo, e depois define-se. O homem, tal
como o concebe o existencialista, se não se define, é porque começa por ser nada. Só
será depois, e será tal como ele se tenha feito. Assim, pois, não há natureza humana,
porque não há Deus para concebê-la. O homem é o único que não só é tal como ele se
concebe, senão tal como ele se quer, e como se concebe depois da existência, como se
quer depois de este impulso para a existência; o homem não é outra coisa que o que ele
se faz‖ (Sartre, ap. Fullat & Mèlich, 1989, 74).
Concebido como ente livre, na verdade um naufrago condenado à liberdade, o
homem deve enfrentar a responsabilidade e a angústia dessa liberdade. Porém, toda a
fuga da sua condição só pode levá-lo à má-fé da heteronomia, à renúncia à sua própria
liberdade ontologicamente definitória, o que equivaleria à renúncia a ser homem. A
tragédia emergirá, então, da inevitável ânsia ilusória do projectar-se e completar-se, que
nunca poderá ter culminância num absoluto que faça coincidir o ―em-si‖ no ―para-si‖.
Condenado, ainda para mais, a viver com os outros, para quem é sempre um objecto
para uma outra consciência, o homem vê-se, inevitavelmente, afogado na luta da
coisificação, em que as consciências sempre e, de modo inexorável, se digladiam, sem
reconciliação possível. O olhar coisificador do outro destrói a consciência como tal e
constitui para ela o inferno da sua condição. Pelo que, também neste plano, de novo,
emerge a tragédia.
Neste quadro, a finalidade pedagógica fundamental deve ser a descoberta e o
exercício da liberdade, de modo que o educando se descubra como ser-por-e-para-a-
liberdade, sem possibilidade de renunciar a essa condição de ser liberdade, sem se trair.
Aceitando a verdade da sua condição, ele não tem qualquer possibilidade de acalentar o
sonho de uma felicidade realizável, correspondente a um colmatar-se e a um reconciliar-
se definitivos. Toda ilusão (de felicidade) tem o preço de um trair-se, pelo que a
existência deve aceitar a verdade da sua infelicidade de condição. A própria educação se
orientará, portanto, para a autenticidade quanto à condição da existência, que não pode
conjugar-se com a possibilidade da felicidade. Toda a segurança corresponde a uma
renúncia à liberdade e, por isso, a educação que se lhe dirija só pode ser uma educação
inautêntica. A educação autêntica, por outro lado, educa para a liberdade, isto é, para a
verdade e a infelicidade. Ser feliz e livre em simultâneo é impossível. A educação pode
83

apenas aspirar a propiciar a via da autenticidade pela qual a existência se empenha,


sozinha ante o seu projecto, na construção da sua essência. Como finalidades educativas
apenas se suportam a liberdade, a responsabilidade e, sem escape, a angústia do ―ser-aí‖
e a conflitualidade do ―ser-com‖. A educação consciente sabe-se conflito, coisificação e
violência entre consciências. No quadro sartreano, ―o educador nunca pode contemplar
o educando como é, uma pessoa, uma consciência, um ser para si… senão que o verá
sempre como um objecto que deve manipular‖ (Fullat & Mèlich, 1989, 88). Aqui se
define o nosso ponto essencial de contestação, já antes explanado e que adiante se
comporá ainda. Mas há mais, ―o existencialismo, ou o freudoexistencialismo, como
projecto educativo, pretende tão só despertar perguntas, abrir interrogantes, inquirir
respostas sem chegar a elas; defender a personalidade individual do Anthropos frente ao
colectivo da massa, propor a discórdia em lugar da concórdia, a angústia em lugar da
felicidade, a luta em lugar da paz, a solidão em lugar da comunidade, o retraimento em
lugar da abertura, a insatisfação em lugar da opulência, a consciência em lugar do ser, a
existência em lugar da essência…‖ (Fullat & Mèlich, 1989, 88).
A linha existencialista da pedagogia é também devedora dos desenvolvimentos
que lhe imprimiu Karl Jaspers. Este autor apresenta um sistema de orientações claras
para uma pedagogia existencial fundada no esclarecimento dos aspectos estruturais da
existência: as situações-limite (Neves, 2004). O objectivo central desta pedagogia
consiste em conduzir o humano a experimentar-se como pessoa, si-mesmo, existência
assumida, porque se sabe livre em situação, isto é, limitado mas capaz de encarregar-se
do seu próprio projectar-se para o que pode ser. A educação deve propiciar o encontro
do homem consigo mesmo, através de um trabalho de auto-reflexão, para o fazer aceder
à condição de poder realizar-se no mundo a partir de si-mesmo, estendendo o máximo
das suas possibilidades, ou seja, assiste o desvelar da condição humana e a auto-
realização interminável que ela supõe. O educador convida e suscita socraticamente ao
desvelamento da estrutura existencial do educando, que deve ser o protagonista da
desocultação indispensável das situações-limite, que definem a verdade da sua
existência, tal como as pode viver, de modo pessoalíssimo, descobrindo assim a sua
mesmidade. Esta clarificação é interminável, corresponde a um processo contínuo de
auto-educação e de inacabada realização: homem e educação coincidem.
A primeira pré-finalidade da educação será, pois, antes de mais, propiciar o
acesso à ―consciência da situacionalidade pessoal e existencial‖ (Neves, 2004, 122), a
partir da qual o humano pode apreender-se como o que realmente é: um ser-em-
84

situação-limite. Abre-se-lhe, então, o acesso à autenticidade existencial, o ser-si-mesmo,


de onde partirá para desdobrar, interminavelmente, a sua realização pessoal. Assim,
―aceitando que a realidade humana é um ser que vive em situação-limite e que educar é
um convite ao desvelamento da situacionalidade do educando, torna-se necessário
adoptar a morte, o sofrimento, a luta e a culpa como finalidades educativas existenciais‖
(Neves, 2004, 122). O homem não pode escapar a estar sempre em situação,69 mas pode
agir para alterar a sua situação, que o limita e, simultaneamente, serve de base ao seu
projectar-se, apoia o seu poder-ser, o seu transcender-se. ―Há, porém, situações que se
mantêm essencialmente idênticas, mesmo quando a sua aparência momentânea se
modifica e se oculta a sua força avassaladora: tenho de morrer, tenho de sofrer, tenho de
lutar, estou sujeito ao acaso e incorro inelutavelmente em culpa. A estas situações
fundamentais da nossa existência damos o nome de ‗situações-limite‘. São situações
que não podemos transpor nem alterar‖ (Jaspers, ap. Neves, 2004, 71). Perante estas
situações, o homem descobre-se também como ser fracassado: um ser que jamais
poderá vencer certos limites, jamais poderá realizar-se completamente. Aliás, a morte
colhe-o sempre a meio dos seus projectos de ser. A educação existencial orienta-se para
levar o educando, a partir da sua situação, intransferível e inefável, ao auto-
desvelamento destas situações-limite e à sua aceitação, sem a qual não há autenticidade,
mas niilismo, isto é, negação da condição humana. Só a partir da consciência e
aceitação das situações-limite o humano acede à existência, o âmbito a partir do qual
enceta o seu peregrino realizar-se em autenticidade. E vota-se, neste caso, a uma
realização nunca culminada que, coincidindo com a própria educação, assume ―o
paradoxo ontológico do nunca se chegar a ser o que tem necessariamente de se procurar:
ser educado, ou ser pessoa‖ (Maia, 2006, 128).
Reconhecendo e aceitando as situações-limite, o humano aceita-se como ser
fracassado, mas não deve desesperar, deve manter-se na expectativa do que pode ser: a
transcedência. Porém, a pedagogia das situações-limite recusa educar para a ilusão de
uma vida além desta – tanto como para a felicidade ou para a paz –, pois é a contínua
realização que lhe importa e quer educar para a consciência do fracasso, de modo a que
este abra a porta da esperança e não do desespero (Neves, 2004).
Pela nossa parte, não podemos ver o humano como um ser fracassado. Embora
reconheçamos que importa educar para o reconhecimento das nossas limitações, limites
e fracassos. Contudo, por que não ver também que o que o humano constrói e conquista

69 A situação, que define as possibilidades do homem, constitui pois o primeiro limite antropológico.
85

o realiza, mesmo que limitadamente? E por que não aprender a celebrar essa realização,
a degustá-la e a saber preencher com ela a vida, mesmo que fugazmente? Por que não
aprender a ligar todas as realizações, como fios de um percurso existencial com sentido,
capazes de comporem um sentimento de fundo de realização, ainda que com reveses e
limitações? O existencialismo não vê o homem como um ser feito para a felicidade,
nem aceita que a autenticidade existencial possa passar por buscá-la. Contudo pode
haver muita felicidade no viver segundo a virtude, tal como sugeriu Aristóteles (Cf. Alte
da Veiga, 2006). Nada disto significa estacionar, nem tão pouco suspender a aventura de
ser humano que está no questionar. Dado que queremos manter o princípio de que a
realidade se compõe de tensões, não podemos aceitar que a educação seja apenas luta,
afronta, angústia, retraimento e insatisfação. Isso seria uma radicalização que, de facto,
suprimiria um dos pólos das tensões que podem animar a antinómica antropológica e,
logo, também a educacional, que adiante se discutirá.
O existencialismo deixa-nos uma forte radicalização do entendimento da
finitude, da liberdade e da perspectivação da autenticidade da existência como um
projecto pessoal a edificar-se. Mostra-nos a importância deste desígnio que sublinha um
critério fundamental do educativo. O apelo à autenticidade deve ser registado como um
critério maior da educação, porém tem de ser temperado com uma certa dose de
optimismo quanto às nossas possibilidades existenciais. Parece-nos indispensável
equilibrar os pratos da balança da antinomia antropológica e educacional. Aceitar as
situações-limite da nossa existência terá de fechar as portas da esperança, da concórdia,
da paz, da entreajuda, da compaixão e da felicidade, ainda que sempre limitadas e
provisórias? Não poderemos e não deveremos educar também para estas finalidades?

§ O espírito do equilíbrio. A antinomia essencial das posturas pedagógicas teve


também uma expressão significativa quando se opuseram, por um lado, um certo pendor
utópico do desenvolvimento individual e, por outro, o ―ter-de-ser‖ da adaptação ao meio
social (Suchodolski, 1988). A antinomia surge agora entre o factor interno (espontâneo),
destacado pelos psicólogos, e o externo (imposto), sublinhado pelos sociólogos. Por esta
via, a formação, entendida como adaptação ao meio social, ir-se-ia, progressivamente,
afastando do pedocentrismo.
Assim, acabarão opondo-se a via do desenvolvimento das forças internas –
compaginada pelo élan interior e nada impondo – ao adaptacionismo – que, sobretudo,
valoriza a génese social do humano e se preocupa em conseguir o equilíbrio entre os
86

princípios desenvolvimentais e as possibilidades, isto é, os limites impostos pelo meio.


Opõem-se a confiança e o optimismo pedocêntrico à desconfiança adaptacionista que,
em certos casos, perspectivou a função sublimadora da educação como meio de adaptar
sem esmagar a satisfação, senão integrando-a socialmente. Ambas pretendem
corresponder ao desenvolvimento pessoal, embora a segunda se preocupe, ante tudo,
com a integração e a primeira com a defesa do indivíduo. A diferença, no caso de, por
exemplo, Bertrand Russell, residirá numa reserva de confiança a favor do indivíduo e
numa fé utópica quanto à função redentora da educação, que o adaptacionismo não
tolera, pois mede o interesse do indivíduo pela adaptação ao meio, descaindo, por vezes,
nos conformismos de má memória. Em geral, o adaptacionismo, admite, quando muito,
o direito ao desenvolvimento e a liberdade para participar na vida social instituída.
Com a oposição destas duas posturas forma-se uma tensão antinómica, ainda
hoje persistente, entre o servir os interesses do indivíduo vs. os da sociedade, entre
educar o indivíduo para si próprio vs. para a produtividade, entre educar para a
adaptação vs. para a originalidade (Cabanas, 1988).
O pedocentrismo tomou o adaptacionismo como tema crítico, contrapondo-lhe o
valor radical da individualidade. Por isto mesmo acabou, contudo, sendo criticado por
abstrair da realidade social fundamental para a formação da personalidade do indivíduo.
Por seu lado, a dita pedagogia da cultura insistiu no valor positivo desta – por oposição
ao grupo, que fecha na circunstância histórica –, para efectuar a passagem da
individualidade à personalidade e não só à condição de membro do grupo social. Nesta
perspectiva, recusou-se atribuir à satisfação do instinto o motor do desenvolvimento,
mas acabou-se, por vezes, por entregá-lo a um mítica autonomia cultural.
Um contundente assalto da pedagogia da essência sobreveio através da tentativa
de refutação do naturalismo de todos os calibres: o antropológico, o social e o cultural.
Neste caso, recusou-se partir, sem mais, do curso presente da vida, ou das exigências
histórico-sociais, sem atender à vocação axiológica, religiosa/teológica universal do
homem, para determinar a pedagogia. A consideração da abertura ao transcendente
aponta-se como fundamental, porquanto – para além dos níveis psicobiológico, social e
cultural – a pessoa humana requer, ainda, a referência ao nível metafísico, de que a
educação se há-de ante tudo ocupar. Alte da Veiga (2006), por exemplo, insiste neste
plano: ―a antropologia implicará o desejo de salvação, como a meta feliz da
antropagogia‖ ( 281). Aceitando-se aqui o entendimento da educação, desenvolvido por
Patrício (1993), para quem, esta consiste na teoria e na prática que visa formar o
87

homem, na plenitude das suas virtualidades humanas. Isto é, obriga ao reconhecimento


de que a abertura ao mistério é uma dimensão indispensável ao humano, nem que seja
pelo reconhecimento dos seus limites, cujo sentido lhe deixam pressentir a
transcendência, tal como supunha Jaspers (Neves, 2004, 92). De modo que, dentro deste
entendimento, a transcendência seria mais apreendida como algo que ―é‖ do que por
aquilo ―que é‖, em si mesma, ou seja, mais captada pela sua existência do que pela sua
essência. Como algo que se testifica, mas não se prova. E, contudo, no caso de Jaspers,
―a transcendência tem não só um sentido horizontal, o de projectar-se e conservar-se
sobre o nada, como alcança um sentido vertical, de abertura a alguém que está para
além da própria existência. O ser humano é descrito, deste modo, não só como ser com
os outros e em comunicação, como também pela relação ao outro absoluto que é
transcendência.‖ E entre os sentido que se lhe pode dar está o de ―‘ser-em-si‘ ou o
horizonte total que envolve o nosso ser como término sem cessar, procurado e
inalcansável‖ (Neves, 2004, 92). Como se sabe, outros filósofos deram-lhe um sentido
mais teísta e mesmo deísta.
A dimensão metafísica pode, portanto, servir, até, como referente para a crítica
da realidade social, quando esta aparece a limitar o humano, no sentido de condicionar a
sua abertura constitutiva para o ser melhor e a transcedência. Assume, pois, uma
dimensão utópica, ou pelo menos de abertura sobre o real. A sua pecha está em que
parece servir, em certos casos, para descurar o ser vivo concreto, o indivíduo e as
condições sociais a transformar.
No entanto, será justo lembrar aqui que, certas correntes do quadrante
sociológico, tiveram o mérito de denunciar o processo reprodutivo da educação escolar
(Rocha, 1988). Coisa que a filosofia crítica de um Giroux também fez muito bem, ao
não reconhecer apenas a capacidade reprodutiva e repressiva da instituição escolar –
sobretudo pela supressão das questões de classe, género e raça –, como também a
alternativa capacidade de resistência dos educandos, de modo que acaba por devolver à
escola o trabalho crítico de questionação da cultura dominante e a consequente
libertação das mentalidades (Silva, 2002). O mesmo se diga de um Paulo Freire, com o
seu conceito de educação problematizadora, que quer construir uma realidade que mais
se aproxime do ideal (Araújo & Araújo, 2006). Neste caso, trata-se de uma pedagogia
da libertação do oprimido, comprometida com a procura de uma sociedade mais justa e
melhor, que se refere ao ideal como ―inédito viável‖, que é passível de construir-se com
vista a superar as contradições do real (Bacelar, 2001). Em semelhante enquadramento,
88

a educação concebida como processo de ―conscientização‖, que visa a libertação, opõe-


se à educação da ―ideologia da dominação, característica das sociedades actuais (no
consumo, como no trabalho, no quotidiano, na comunicação, na realção com o
ambiente, etc) onde é necessário dominar e mudar os homens, ‗recuperar‘ os
‗marginais‘ sem, no entanto, se mudarem as estruturas sociais‖ (Bacelar, 2001, 123). Ou
seja, no caso de Freire, utopia sim, mas utopia para mudar o mundo, de forma que a
utopia deixa de ser o irrealizável e passa a ser a desocultação da dominação, mostrando
o sentido do que pode fazer-se para obter o melhor.
Quando analisamos esta dialéctica das correntes contrapostas vemos que a
antinomia se renovou opondo-se a pedagogia da essência – que quer conduzir o presente
em função do ideal, mas abstraindo da vida –, à pedagogia da existência – que não sabe
senão conduzir ao lirismo, ao angelismo, à evasão ou, no caso específico da corrente
sociologista, ao conformismo, onde nem há transformação das condições existentes nem
ideal para a vida individual ou social. A questão está, portanto, agora, em superar a
disjuntiva que evacua o ideal ou a vida e ligá-los, isto é, ligar a existência ao ideal e a
essência à vida. É neste ponto que aparece, como muito sensata, a proposta de
Suchodolski (1988,117), que avança, para o efeito, com uma pedagogia do
compromisso – ―simultaneamente pedagogia da existência e da essência‖ – em que o
ideal não sirva só para sancionar, nem se alheie da vida. Importa criar as condições
sociais que permitam que a ―existência se possa tornar fonte e matéria-prima da sua
essência‖ (Suchodolski, 1988, 118), devendo evitar-se, simultaneamente, quer a utopia,
quer o fatalismo.
A proposta parece muito razoável, mas desde já se nos coloca uma dificuldade.
Precisamos saber o que se entende por utopia a evitar. Por outro lado, admitindo que o
poder deve ser submetido à crítica, levanta-se uma segunda dificuldade. Se for feita a
crítica em função do futuro temos de supor também a possibilidade de criticar o futuro
que possa perspectivar-se. A partir daqui, o repto educacional constitui-se em relação ao
―utopizar‖ crítico do presente e ao ―realizar‖ crítico do futuro.
De Suchodolski recolhemos um precioso contributo assente na integração crítica
da pedagogia da essência com a da existência. Da primeira colhe-se o princípio do
apego a um ideal crítico, cujo mínimo seriam as exigências humanas capazes de orientar
a transformação para melhor – e este para melhor é determinante fundamental. Da
segunda colhe-se a ligação à vida, mas orientada para a construção do futuro desejado e
esquivando a evasão e o conformismo. Fora disto temos o enclausuramento no
89

normativo determinado a partir de um ideal surdo ao presente ou de um real cego ao


possível. Uma educação destituída de ideal é uma educação desmotivada e
desmotivadora que, na sua pretensa neutralidade, vem a ser uma educação permeável ao
condicionamento. Contudo, convém sublinhar que uma educação divorciada do ser
concreto, apenas dependurada do ideal, corre o risco de ser uma educação ablativa e
alienante.
O nosso autor exprime como condições determinantes da união entre essência e
existência: a abertura crítica, a responsabilidade pessoal e o desenvolvimento espiritual,
em que se inclui a consciência moral.
Poderemos dizer que Suchodolski entrevê a resolução da antinomia fundamental
da educação, mas trata-se de uma resolução provisória e aberta, de tal forma que ―a vida
e o ideal se unirão de modo criador e dinâmico‖ (1988, 124). O que nos deixa ver que a
tensão se mantém, é preservada, não se anula. Pela nossa parte sublinhamos a
necessidade de manter a tensão dentro dos próprios termos, pois o ideal pode ser
concebido de formas múltiplas, tal como os ―futuríveis‖ da nossa condição e existência
são, em si mesmos, passíveis de abertura a múltiplas abordagens.

§ A antinomia fundamental na Pós-modernidade. A pós-modernidade abateu


os referentes absolutos que poderiam servir a uma pedagogia da essência: o ―Ab alio
solutum‖ teológico da prémodernidade, o Homem centro do universo e medida de todas
as coisas do Renascimento e a Razão soberana independente da Ilustração (Fullat,
2000). Depois de Nietzsche enfrentamos a ausência de todo absoluto e a consequente
relatividade dos discursos, pelo que o Homem há que inventá-lo a partir da planura do
relativismo: o vácuo dos valores. Com a pós-modernidade triunfa o efémero, o carpe
diem, a utilidade e o êxito como critérios ético-políticos, o humano entrega-se ao
divertissement, ao inessencial e ao bem-estar individual, recolhendo-se numa
privacidade apolítica, amoral e desprendida de toda a metanarrativa legitimadora. No
império do relativismo dos ―jogos de linguagem‖ perde-se o respeito aos valores
teológicos e teleológicos. Só que, entretanto, este instalar-se no presente da imanência,
sem valores nem destino, parece ter aberto mais passo à desumanização do que à
afirmação do humano, uma vez que, muitas vezes, o entrega à superficialidade e à
inessencialidade, o remete para a indiferença e o oferece ao cativeiro de múltiplas
heteronomias edolcuradas, muitos modismos que parecem liberdade (Rojas, 1994 e
2004).
90

Não admira, pois, que a pós-modernidade suscite novas concepções


educacionais centradas na existência, uma vez que só há imanência e toda a
transcendência se abateu. Agora só importa o individual e a diversidade, devendo ruir
toda a autoridade, nomeadamente a que pode exercer uma função repressiva no plano da
educação ou a submissão à rigidez do pensamento racional (Graziani, 2005). A pós-
modernidade assume-se como pós-racionalista, abomina a mania classificadora,
limitadora e etiquetadora do racionalismo abstratificante e universalizante, o seu
propósito é aproximar a razão da emoção, o racional do intuitivo, o analítico do
sintético. Declarando a morte do sujeito, a pós-modernidade estabelece uma luta entre o
indivíduo – marcado pela sua condição imediata, limitada à esfera privada e procurando
a adaptação ao meio – e o sujeito-subjectividade-consciência – simultaneamente
produto-produtor da sua circunstância social, centro de resistência e de mudança
histórica. Mas a superindividualização, assim proporcionada, faz cair numa visão
reducionista do humano e não chega a apresentar uma solução para a articulação entre
racional-irracional e entre indivíduo-sujeito-subjectividade. Antes parece entregar-se a
uma fragmentação que resvala para a produção de uma subjectividade adaptativa e
conformista, aderente a uma cultura narcisista do êxito, onde a capacidade crítica se
esfumou em benefício da adaptação. Deste modo, o papel social sofre uma notável
obliteração, dado o consequente empobrecimento da participação na vida pública. Onde
estará, então, a libertação dos horizontes repressivos por que diz pugnar o pós-
modernismo? Onde estará o humano dono do seu destino? Como pode entender-se a
função emancipadora da educação, se se assiste à entrega do indivíduo à dispersão,
dentro do sistema positivado? Para já, o pós-modernismo não parece oferecer vias para
suportar aquilo mesmo de onde parte, pois não é líquido que alguns dos seus trilhos
assegurem à existência a margem de autonomia que lhe poderia garantir o espírito
crítico e a função utópica para projectar-se no futuro dos seus possíveis. Isto mesmo
ressalta do que se disse e de alguns exemplos das vias educacionais pós-modernistas.
Na senda da desconstrução nietzscheana, Bingham apareceu a defender uma
pedagogia da self-reformulation, como ―processo pelo qual os indivíduos
continuamente reconsideram quem são‖ (Fennel, 2005, 85), o que em princípio
significaria uma constante ―abertura a novas possibilidades que definem uma existência
marcada pela liberação, reconstrução e perpétua descoberta‖ (Fennel, 2005, 86). Ora,
dado que a actual educação de massas não facilita a desejável self-reformulation, trata-
se agora de a refundar, de modo a orientá-la para a nova função, o que, em si mesmo,
91

não nos merece grandes objecções. Contudo, esta inflexão no sentido de conquistar a
autenticidade pessoal, o verdadeiro self, aparece associada a um pressuposto algo
absurdo da pedagogia da self-reformulation: o projecto da não-identidade, em que
nenhum aspecto do currículo pode hierarquizar-se, nem nunca a verdade pode ser
considerada mais importante do que o self. É certo que a pedagogia da self-
reformulation ensina a humildade e a abertura experiencial, porém parece fazê-lo para
entregar o sujeito à desconstrução de tudo o que possa considerar-se um self estável. O
seu propósito é o comprometimento com uma não-identidade do self ou uma identidade
vacilante num contexto de total planura democrática na interacção. ―Em nome da
liberação humana, a pedagogia da self-reformulation providencia as mesmas
oportunidades para todos os estudantes. Sob o princípio de que um self estável e uma
identidade fixa são danosos, os educandos devem acostumar-se a um fluxo em que não
pode haver lugar para o que é superior‖ (Fennel, 2005, 106).
Sem dúvida, a pedagogia da self-reformulation constitui uma reacção contra a
máquina reprodutora da normalização do self e quer abrir a via de um projecto de não-
identidade, onde um self pode ter vários conteúdos, sob o pressuposto de que assim se
realizará a integridade do self, porém o que isto de facto significa é um descrédito de
todo o terreno humano valorizável, a falência de todas as finalidade educacionais. Como
se pode a partir da igualdade de todas as formas do self criticar-se qualquer alternativa
pedagógica? Como pode, aliás, um self abandonar-se ao fluxo e ser ainda um self, uma
unidade, uma referência para o fluxo que deve abraçar? Que critérios, neste contexto,
para o sucesso e o fracasso? A nosso ver, aceitar a abertura a outras formas de ser não
pode conduzir-nos à defesa do abandono de toda a identidade que sirva de autoreferente
estável. Semelhante radicalização da existência significa perder a própria existência, não
ganhá-la. Mais uma vez, o que o abatimento de todo o referente parece legar-nos é a
relativização fragmentadora onde nos perdermos.
Garcia-Borés (2000) fez uma análise da neurose pós-moderna, mediante uma
interpretação psicocultural do modo como são vividos os actuais desafios,
problemáticas e dilemas derivados da fricção entre a cultura da modernidade e a cultura
pós-moderna. A seu ver, os pressupostos modernos respeitantes à ideia de eu, que estão
em causa com a cultura pós-moderna e devem ser superados, são os seguintes: a
individualidade, a internalidade conotada com a autenticidade, a substancialidade (a
conhecer pela introspecção), a unidade e coerência, a estabilidade (pelo menos do
núcleo mais autêntico) e a continuidade, que estabelece a crónica biográfica do eu. Para
92

a modernidade as pessoas devem ser cognoscíveis, previsíveis e estáveis, consistindo a


adultez normal na ―egostasis‖. Ora, na opinião do autor, dadas as mais recentes
evoluções da pós-modernidade, se quisermos insistir em manter os pressupostos
modernos, o resultado será algo próximo da neurose. Na verdade, nos tempos que
correm, temos de lidar com o alastrar da crise das metanarativas, a par de uma enorme
pressão dos mass media que disseminam uma grande heterogeneidade de estilos de vida
desconexos, instalando-se um ambiente de um certo sentimento de fracasso dos
projectos e de falência dos ideais da modernidade. Soma-se, a tudo isto, o esvaziamento
criado pelo império do económico e do neoliberalismo, em conjunção com um regime
de aceleração da vida que tende a impor um estilo orientado para o agir, em que acima
de tudo interessa uma certa eficácia. Em semelhante quadro, manter um eu coerente
parece impossível, pois nem sequer parecem existir referentes que o sustentem. No
contexto actual, enquanto o relativismo, a dúvida, o cepticismo e a inconsistência
progridem, vemos que a capacidade crítica parece esfumar-se. A cultura pós-moderna,
que faz medrar a deriva, o desencanto, o pessimismo, o nihilismo, o cinisno, a
frivolidade, a superficialidade, o pragmatismo e o individualismo exacerbado, criou um
contexto em que a procura do eu coerente se revela uma ilusão a descartar.
Uns vivem a situação, criada por esta tensão, na exclusão – o que exprime a
incapacidade de adaptar-se à mudança; outros sustêm o sentimento de integração
ancorando-se nos valores da modernidade e analisam a mudança a partir dessa chave;
outros, ainda, vivem uma sensação de desorientação – por serem incapazes de decantar
um sentido para si e para a vida; finalmente, alguns sofrem uma sensação de
afrontamento, por entenderem insatisfatório o seu modo de vida e, dadas as limitações
que todo projecto de vida envolve, gostavam de ter sete vidas. Ora, ao que parece, em
muitos casos, as estratégias usadas para lidar com esta situação passam pelo afogamento
no divertissement, o consumismo, a ―felicidade‖ do conforto e a ―futebolização‖ das
paixões. Tudo estratégias de curto alcance. Porém, curiosamente, mesmo reconhecendo
isto, o nosso autor propõe que nos livremos do eu essencial da modernidade, aceitando
que se trata de uma criação subjectiva, de modo que se deixaria cair o imperativo de
encontrar o eu verdadeiro. Abandonar-se-ia, ainda, o pressuposto individualista e
internalista do eu, que passa a ser visto como resultante de uma construção social, capaz
de abrir possibilidades existenciais. O próprio imperativo da estabilidade seria
abandonado em proveito de um entendimento de si como ―entidade em permanente
transformação, em permanente construção‖ (Garcia-Borés, 2000, 181). Passa-se, deste
93

modo, do ―eu sou‖ ao ―eu que estou sendo agora‖ e só importa saber se ―quero seguir
sendo o que estou sendo‖. Nem retrospecção, nem prospecção, o presente absoluto.
Libertação até da exigência de coerência transtemporal, ou seja, resta o vermo-nos como
receptores de múltiplos eus, porquanto esta atitude possibilita uma maior abertura ao
enriquecimento e à incorporação de novas possibilidades.
A tudo isto nós contrapomos algumas interrogações. Sendo desejável o
desenvolvimento integral dos vários aspectos que definem a integralidade do nosso eu, e
podendo ser desejável também a transformação ou descentração do nosso eu, de modo a
poder incorporar conquistas existenciais relevantes ou vias alternativas de produzir
sentido, será possível, no entanto, aceitarmos múltiplos eus? Será possível abdicarmos
dos pressupostos da unicidade e da coerência que, de facto, sustém a nossa identidade e
a defendem? Importa, aliás, questionar que capacidade crítica terão semelhantes
indivíduos, dispostos a aceitar, com leveza, a adaptação à mudança e a fragmentação da
sua identidade? Não estaremos aqui a querer curar uma neurose com uma
esquizofrenia?
Como lembra Boavida (2005) a pessoa, que está sempre posta ontológica e
historicamente numa situação, define-se segundo um itinerário constitutivo que implica
alguma coerência: ―O itinerário, na medida em que define um perfil e afirma uma
pessoa particular, garante constância de traços e de atitudes, uma continuidade
individual que será impossível sem um mínimo de consistência e coerência, e também
de profundidade, de dimensão humana‖ (Boavida, 2005, 11). A pessoa, enquanto
síntese dinâmica do sistere e do existere, apresenta o carácter como modo de ser, cujas
notas são, precisamente, a especificidade, a firmeza e a coerência. Ora, a ideia de
firmeza deriva ―das ideias de pessoa e das características particulares que cada pessoa
adquire. E isto pela razão de que o que caracteriza uma pessoa deverá revelar uma
constância, uma continuidade e uma coerência mínimas. É a próprioa continuidade da
pessoa que vai exigindo essa afirmação… A falada firmeza das pessoas de carácter não
é pois mais que a afirmação das suas características distintivas nas diversas situações a
que são sujeitas, e resulta das exigências que a pessoa, pelas características que tem face
às situações, não pode deixar de fazer a si mesma. A não ser que a pessoa se caracterize
pela inconstância e pela indefinição, mas, neste caso, deixará de ter sentido a noção de
carácter, porque a pessoa não conseguirá traduzir em atitudes, nas diversas situações,
um perfil nítido, uma marca pessoal‖ (Boavida, 2005, 13-14). Naturalmente, todo o
processo de construção da pessoa culmina, a cada passo, numa personalização
94

provisória, que está marcada por conquistas e cedências, mas que, em nenhum caso,
dispensa a referência à racionalidade própria – mesmo que sempre limitada, mesmo que
sempre contextualizada, mesmo que sempre impura – e que torna as próprias acções
coerentes, uma vez que a razão é também fundamento da própria vontade de as cumprir,
que as organizou. É por isto mesmo que podemos dizer que as acções ―uma vez
inseridas na contingência histórica e dramática de cada um, são susceptíveis de produzir
um bom carácter, pela estruturação interna e pela constância de atitudes que provocam‖
(Boavida, 2005, 20). Ser pessoa e ter carácter sempre exigem especificidade, firmeza e
coerência, que não nos podemos dispensar, se queremos resgatar o eu de ser dilúido,
tornado impotente e irresponsabilizado, o que significaria a morte do carácter, e também
da pessoa, que todos aspiramos a ser e a educação a realizar, o que nem representa um
bem, nem, aliás, uma fatalidade (Boavida, 2005).
Pourtois & Desmet (1999) notam, a propósito, que o problema actual está em
enfrentar a fragmentação e a eliminação do sujeito, promovidas pela pós-modernidade,
sendo que isto passa pelo empenho no desenvolvimento, para lá do si socialmente
definido, de um eu actor/autor, mas que não seja, tão pouco, um eu
individualista/narcisista. A seu ver, os fundamentos da identidade humana definem-se a
partir de quatro dimensões essenciais: a afectiva, a cognitiva, a social e a ideológica.
Isto implica uma identidade mais heterogénea, no sentido de bem desenvolvida
harmoniosamente em todas as dimensões, mas, ―considerando múltiplas dimensões
indispensáveis à construção da pessoa, faz-nos entrever a possibilidade de desenvolver
nesta última uma identidade sólida‖ (Pourtois & Desmet, 1999, 318).
No caso de Gianni Vattimo, outro dos epígonos do pós-modernismo, o ponto de
partida é também o fundamento de que não há fundamento, nem verdade fundante, nem
progresso em sentido optimista, por isso, ―devemos formar-nos, educar-nos numa
concepção débil de ser que dê valor às diferenças, a uma visão estética da vida, à
tolerância e não à violência‖ (Darós, 1997, 297). Apesar de tudo, os pós-modernos
também apresentam propostas axiológicas. Na verdade, Vattimo entende a pós-
modernidade como uma promoção do humano, mas quer evitar toda a concepção forte
de ser, que possa degenerar num horizonte monolítico, tendente a exercer violência e
pressão contra quem não o aceita. A seu ver, a verdadeira experiência do real é a
caducidade, já que o ser deve conceber-se, não como o que permanece, a ousía, mas
antes como evento ou acontecer, ou seja, o efémero, incluindo nele o próprio sujeito
humano. O fundamento não é necessário, nem a história tem um sentido, nem o ser é,
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senão que sucede. ―O homem pós-moderno libera-se do ser metafísico admitindo a


multiplicidade e as diferenças, sem hierarquias e exaltações‖ (Darós, 1997, 298). A
verdade é, agora, função da retórica e não da metafísica ou da lógica, pelo que não
existem verdades ou falsidades, apenas fábulas. Assim, a impossibilidade de conhecer a
coisa em si apenas deixa espaço ao conhecimento como produção de metaforizações:
pequenas histórias de pura validade subjectiva. Neste quadro, é perfeitamente
consequente que não exista um projecto individual ou social forte, mas apenas uma
visão histórica e estética da vida, em relação à qual a educação se concebe, num
contexto de liberdade e respeito pelas diferenças, como referência à tradição e aos jogos
de vida. Mas não se vota à transmissão de alguma verdade única, nem trabalha para
algum projecto histórico homogéneo. Sobre o homem não temos uma essência, temos
relatos. Vattimo confia aos mass media o trabalho de gerar centros de história,
diversidade de interpretações, enquanto a pedagogia conduz ao exercício da liberdade
de interpretar o que acontece, no quadro da ausência total de fundamento, e abraçando
uma existência oscilante, ou seja, não proporciona espaços de reflexão aonde encontrar
uma identidade. Tudo o que resta é um assumir as máscaras sociais e o ir retirando-as
conforme se pode: o homem, como a cebola, é uma sobreposição de capas. Cabe a esta
cebola, não procurar a verdade, nem transformar a realidade, mas fruir as formas
espirituais do passado e nisso realizar a sua emancipação. Vá lá que Vattimo nos deixa –
depois de perdido o ser, agora confundido com os entes, depois de perdida a fonte do
sentido – o consenso, quanto aos sentidos para nos educarmos. Vá lá que, apesar de
todo o nihilismo, Vattimo nos deixa o desígnio de lutarmos contra tudo o que oprime o
livre desenvolvimento pessoal. Mas como o faremos se a verdade, ou a aproximação a
ela que seja, for para nós algo opressor e não um desiderato da existência e da nossa
busca intelectual e espiritual?
Parece difícil aceitar que uma educação assente em tão pouco tenha força para
possibilitar o timbre crítico com que a existência poderia defender-se da heteronomia,
que por todos os lados a assalta. É certo que este pós-modernismo continua a acenar
com as bandeiras da liberdade e da igualdade, mas, enquanto até à pós-modernidade, a
igualdade se fundava em algo positivo – a dignidade, a racionalidade, a vocação
axiológica… – segundo Darós, para os pós-modernos parece fundar-se tão só na
ignorância radical: ―todos somos iguais, na concepção de Vattimo, porque não somos
nada‖ (Darós, 1997, 307). Tudo a quanto se aspira é a um ser humano atravessado pela
cisão, que dificilmente constituirá um centro unificante, que possa servir de referência
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para si mesmo e para resistir aos caminhos da conformação. A pós-modernidade está a


confundir o ser com o nada.
Segundo Usher e Edwards (1997), que seguem o caminho aberto por Derrida, o
pós-modernismo desafia o pretenso poder da representação e a possibilidade de
discursos totalizantes, isto é, que se apresentam como a verdade final e a explicação de
tudo, pelo que, abdicando de uma representação verdadeira da realidade, também se
deve abdicar de ensinar as pessoas num sentido particular. À margem dos discursos
totalizantes, tão pouco pode suportar-se a teleologia de uma qualquer noção reificada da
emancipação e da democracia. O pós-modernismo recusa o logocentrismo típico da
modernidade que supõe ser possível estabelecer um único sentido verdadeiro partindo
de um centro único, uma única fonte, da sua produção, fora do pensamento e do texto,
quando todo o sentido se define no contexto e na narrativa que o suporta, sendo passível
de múltiplas e infinitas interpretações, dada a infinita abertura da linguagem e a
interminável provisionalidade do sentido.
Isto significa que se deve recusar a clausura do sentido que a modernidade quis
impor à educação, definindo-a como processo necessário de condução da incompletude
inicial do humano até à emancipação, através da ilustração, de modo a que, no processo,
o conhecimento domestique os instintos naturais e institua o domínio do plano racional.
Com isto, a dita humanização do humano, é que, supostamente, este fica apto para a
vida social.70 Ora, para os autores referidos, a ―educação não deve ser entendida como
uma espécie de bem transcendental ou como algo que se deriva ‗naturalmente‘ do
reconhecimento dos atributos essenciais do ‗homem‘‖ (Usher e Edwards, 1997, 125). O
desígnio educativo de tornar-se humano não pode ser imposto externamente e deve ser
concebido de forma indeterminada, passível de um conteúdo variável e diversos modos
de ser atingido, sem poder estabelecer-se qualquer hierarquia preferencial entre as
alternativas. Como processo orientado para a produção de uma subjectividade não
poderá fechar-se na produção de uma subjectividade fixa, mas proporcionar a
emergência de uma subjectividade assumida como lugar de luta e não, exclusivamente,
a subjectividade do homem racional, apto para a sociedade racional. A ―razão
legisladora‖ deve acompanhar-se com uma ―razão interpretativa‖, dialógica, isto é,
aberta ao diálogo contínuo e que recusa a clausura do sentido. Pela nossa parte,
aceitamos a ―dialogia‖ e a plurivalência das leituras educacionais, mas não vemos como

70 Sobre o sentido e a forma de se ―domar‖ o instinto cremos que já se disse o suficiente, quando se discutiu o conceito freudiano de
sublimação.
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poderíamos abdicar do propósito emancipador e da defesa de certos valores


estruturantes do campo educacional, o que certamente sempre implicará uma
hierarquização das perspectivas. Ainda assim, de bom grado se deve admitir a
possibilidade de vias concorrentes em acção no campo educacional, o que não nos
autoriza a dizer que tudo vale e tudo vale o mesmo: embora seja de admitir a
descentração renovada, temos valores referenciais, que podem, certamente, ser lidos de
modo também renovado.
O problema mais grave desta leitura pós-modernista, inspirada nas
interpretações de Derrida, começa quando se recusa todo o objectivo à educação ou a
definição da educação como avançando para a concretização de um objectivo. Usher &
Edwards dizem que, ―com efeito, o auto-definido objectivo da educação não pode ser
realizado na escolaridade. Não há nenhum fim para a incompletude e nenhum fim da
completude. A escolarização nem pode ter um ‗fim‘ (objectivo ou propósito) nem pode
ela própria ser um ‗fim‘ (terminus)‖ (Usher e Edwards, 1997, 131). Se, certamente, o
desejo que nos anima nunca está completo, nem a educação se clausura alguma vez,
também é verdade que a educação atinge um dos seus objectivos quando coloca o
sujeito na senda dessa dinâmica de procurar respostas à sua incompletude, atribuindo-
lhe competências de produzir sentido para a sua existência, ou seja, saídas para a sua
inesgotável ânsia de ser. Neste sentido, a educação tem um fim (terminus) e tem, aliás,
múltiplos e polimorfos fins e finalidades, que podem ser redefinidos de modo renovado.
O que marca a nossa condição é termos de optar em função de critérios e valores que
relacionamos de modo limitado com as situações que nos afligem. Mas, a partir deles,
devemos optar. Embora isso não autorize o silenciar de todas as outras opções em jogo.
O pós-modernismo, no entanto, parece, por vezes, querer esquivar o optar.
Este assunto pode ainda conhecer um esclarecimento mais pormenorizado.
Usher & Edwards criticam a ―novela da auto-formação‖, construída pela Ilustração para
definir a educação, como processo conducente ao alcançar da autonomia, aceitando
certos constrangimentos sociais. Esta narrativa, a seu ver, conta a difícil viajem de um
sujeito para alcançar a maturidade da autocompreensão e o domínio dos desejos que
conflituam com o quadro social.71 Naturalmente, o processo chegaria ao seu fim
quando, com a autonomia alcançada, se podia encontrar um equilíbrio entre os termos
conflituantes: o sujeito podia satisfazer até certo ponto os seus desejos e de certo modo,

71 E , aliás, real, lembramos nós: ainda que o quadro social nos permitisse, o real não nos autoriza a realizarmos os nossos desejos
totalmente e de todos os modos que poderíamos querer.
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mas de tal modo que se inscrevia no quadro sociocultural de realização pessoal. Todos
sabemos que, demasiadas vezes, semelhante processo se via constrangido a desenrolar-
se num quadro autoritário de formação da subjectividade. Contudo, nem por isso
devemos deixar de notar que era suposto entregar o sujeito a si mesmo. A categoria da
autenticidade entra, precisamente, aqui para indicar o modo da autopossessão, o resgate
da heteronomia. No entanto, segundos autores citados, o sujeito não tem de aprender a
autonomia constrangida do eu centrado, nem aceitar os constrangimentos sociais ou a
afirmação do seu ‗espírito livre‘, que sobre aqueles se pode alçar. O verdadeiro sentido
da educação está em o educando perceber que ―a sua autonomia é indeterminada já que
não pode nunca alcançar um fim (, ou seja,) que ele é um sujeito de desejo, de um
desejo que nunca pode ser satisfeito‖ (Usher e Edwards, 1997, 134-135). Sem dúvida
somos esta ânsia e, sem dúvida, a nossa autonomia está sempre limitada – por isso se
projecta continuamente –, mas somos também sujeitos de razão, que concebem a sua
realização no próprio quadro limitado das opções e dos valores. É a nossa racionalidade
e os nossos valores – para os quais o afecto também conta –, que nos dizem que o nosso
desejo deve conhecer certos limites. De facto, se ele não se esgota em cada afirmação,
nem se admite sobre ele qualquer discurso monológico, que o enclausure num modo
heterónomo e limitado de se realizar, a verdade é que sempre temos de projectar a sua
realização no contexto em que estão as possibilidades entrevistas e os desejos dos
outros. Aliás, não podemos esquivar a condição de, a cada momento, ser o nosso eu,
porventura descentrado de qualquer narrativa monológica, com os seus desejos, a sua
razão e os seus valores que constitui o centro a partir do qual perspectivamos as
alternativas para nos realizarmos, numa contínua emancipação do que nos limita e
enclausura. A cada passo, também, é a coerência que nos permite escolher, não lutamos
contra a coerência, mas com ela. Ela é a força, e até a fraqueza, do que somos. E mostra
o que somos. O respeito pelos outros, a abertura ao outro, fora de nós e em nós, por
exemplo, esse respeito persistente pela diferença mostra a nossa coerência. É um acto de
fraternidade e até de amor e nem sempre estamos à altura deste valor.
Em relação à tendência de sobrevalorizar um dos termos, a razão pela
modernidade e agora o sentimento e a subjectividade, Pourtois & Desmet (1999)
declaram que é preciso restabelecer o diálogo entre os dois princípios fundadores, pois
―é grande o perigo de se ver dissociar por completo a racionalidade e a subjectivação, o
mundo técnico (e económico) e o mundo da subjectividade, a vida pública e a vida
privada‖ (Pourtois & Desmet, 1999, 25).
99

O trabalho crítico do pós-modernismo teve a sua função, mas precisamos de


superar o contexto de erosão de referentes e fragmentação dos discursos que instalou,
propondo valores para a educação, isto é, abrindo vias construtivas para o campo
educacional. Na verdade, como assinala Sanches (2006), a intencionalidade da educação
reclama continuadamente a referência a valores e finalidades, convocando-nos,
portanto, a repensar o seu estatuto normativo e as suas narrativas fundacionais. Ora,
parece ser mais isto que encontramos noutras latitudes da pós-modernidade. As
correntes, analisadas por Bertrand (2001), da pedagogia da conscientização, da
libertação e da pedagogia crítica dão-nos já matéria de grande valor crítico.
A pedagogia da conscientização, proposta por Freire e desenvolvida por Shor,
parte das vivências e das situações dos educandos para, através do diálogo, chegarem à
reflexão crítica sobre a sua condição e perspectivarem o combate da dominação a que
estejam sujeitos. Trata-se de propiciar a emergência do sentido crítico pessoal e criar
uma cultura própria, com sentido desmistificador e transformador da realidade, de modo
a assumir o controlo da própria vida. Os processos democráticos e as estratégias
cooperativas adequam-se muito bem aos propósitos das pedagogias da conscientização e
da libertação.
Por seu lado, a pedagogia crítica, desenvolvida por Giroux, pugna em sentido
idêntico, insistindo na crítica da escola, como instituição votada a uma reprodução
cultural selectiva e ao serviço das classes dominantes. Em seu entender, as democracias
ocidentais não são tão democráticas como querem parecer. De facto, nelas está
instituído um regime de controlo cultural, social e político por meio das empresas
culturais, como os mass media e a escola, que impedem a formação de consciências
críticas. Ora, a pedagogia crítica, por seu turno, quer uma educação orientada pelos
valores da democracia, justiça social, igualdade, dignidade humana, liberdade, respeito
pela diferença, defesa dos direitos da pessoa e visa o desenvolvimento de um apurado
sentido crítico pessoal, que habilite à descronstrução dos discursos da dominação –
sejam eles os do conhecimento produzido pelos interesses dominantes, sejam os da
pedagogia ligada ao poder. Assim, é fundamental partir da experiência pessoal de cada
um, por forma a que toda a crítica se desenvolva a partir da vivência social e cultural
concreta.
Se o que une os pós-modernos é, como mostra Marques (1999, 65), a ―ideia de
que os valores são incertos e subjectivos, a objectividade é uma ilusão, a ciência é uma
construção social fortemente determinada pelos contextos históricos e culturais e a
100

procura da verdade é uma missão impossível e desnecessária‖, à mistura com a ausência


de critérios para hierarquizar interesses em confronto, bem como uma certa dose de
irracionalismo e até opacidade, também é verdade que eles nos abrem vias críticas para
o campo educacional. Em grande medida, também os une um desejo de ruptura face à
ordem capitalista e consumista estabelecida, apesar de insistirem na absoluta
relatividade dos valores, o que cria uma certa perplexidade quanto à possibilidade de
qualquer crítica sobre o instituído e o desejável. A referência ao contexto pessoal e
cultural, como domínio de legitimação, é, neste caso, uma via muito relevante. Porém,
se a verdade for apenas aquilo que convém à conquista do poder, como poderemos
justificar uma opção em detrimento de outras? Porquê optar, por exemplo, pelo respeito
das diferenças e minorias, para que os pós-modernos, em geral, convocam a educação?
Levando às últimas consequências o relativismo poderemos sustentar a fragmentação da
educação, mas como seremos portadores de um ideal que a estruture? Estará o destino
dos humanos no irracionalismo, no relativismo e no materialismo hoje propugnados?
Será que não nos é possível reconhecer várias constantes que nos definem e unem? Os
próprios pós-modernos nos ajudam a encontrar respostas para estas questões quando nos
vão propondo, de modo explícito ou implícito, valores que já chamamos nossos há
muito.
Num ensaio de referência obrigatória, Gervilla (1993) fez uma análise acutilante
dos desafios que a pós-modernidade, através da sua expansão pelo mundo do não-
formal e informal, nomeadamente a dita Escola Paraleala dos mass media, colocou à
educação. O autor parte do princípio, que nós também abraçamos, de que ―toda a
educação é um processo pessoal destinado a melhorar e aperfeiçoar o homem, a fazê-lo
mais valioso e mais feliz‖ (Gervilla, 1993, 156) e, mais à frente, reitera a ideia de que ―a
educação sempre há-de humanizar, fazendo a pessoa mais valiosa nas suas dimensões
individual e social‖ (Gervilla, 1993, 167). Desde este ponto de vista a dificuldade está
em dar um sentido concreto a estas finalidades educacionais. A educação evoluiu de
modo a ir incorporando, para além do dever e do coactivo, os valores do
desenvolvimento pessoal, bem como os valores críticos, os hedónicos e os
individualistas. Hoje, o estado de permanente mudança constitui uma dificuldade
acrescida para a educação e continua a ser necessário tanto à adaptação como à
potenciação da capacidade crítica da cultura, a partir da qual o educando pode discernir
o valioso para a sua formação. Daí que devamos reconhecer à pós-modernidade o valor
de nos fazer superar os monismos culturais rígidos e fechados e nos endereçar à abertura
101

ao pluralismo humano, social e educativo, bem como à mudança e à constante


readaptação. Definitivamente, nos nossos dias, encaramos com disponibilidade mental a
diversidade humana enquanto factor da sua riqueza. A orientação para o Bem matizou-
se e mostrou que há que seguir buscando, pois a perfeição é um horizonte aberto.
Segundo Gervilla devemos ―agradecer à pós-modernidade a recuperação de alguns
valores esquecidos ao ter submetido à crítica os fundamentos da modernidade‖ (1993,
167), mas também temos de mostrar os seus desequilíbrios ou radicalizações.
Se o racionalismo extremo dos modernos levou à frieza exclusiva do domínio
racional, ao cientismo e à tecnocracia, que anularam os valores da afectividade, da
gratuitidade e do gosto pelo saber em si mesmo, desde logo, também o relativismo
radical de alguns pós-modernos pode ter um efeito igualmente mutilador. É que educar
requer, necessariamente, valores e modelos, sem os quais somos incapazes de sustentar
posições críticas sobre a realidade e caímos, quase sem darmos conta disso, no
conformismo, tornando-nos pasto para os condicionamentos mais prosaicos. A pós-
modernidade livrou-nos do dogmatismo, mas cai no excesso do relativismo, que
desarma para seguir buscando numa direcção axiológica. E cria, aliás, instabilidade
psicológica, ao mesmo tempo que propicia o confronto, pelo excesso de individualismo
egocentrista que instila.
Aceitemos da pós-modernidade o espírito de abertura, flexibilidade e tolerância,
mas exijamos valores, pois sem eles não se pode dizer o que sejam uma pessoa ou uma
sociedade boas. Aceitemos, pois, os seus valores, mas questionemos a raiz dos seus
fundamentos: bem ao contrário do que a pós-modernidade pensa, a tolerância não é
consequência da debilidade e da indiferença, nem a flexibilidade da carência de
convicções, nem tão pouco a abertura ao diálogo pode resultar da incapacidade
metafísica. A pós-modernidade sublinhou a importância do presente, mas fê-lo de tal
forma que dessubstancializou a existência, empobreceu-a, mutilou a capacidade humana
para se abrir constantemente à temporalidade do passado-presente-futuro, o que lhe
retira a própria condição do seu projectar-se, a base da esperança, a razão do
compromisso, a possibilidade da utopia e os referentes da construção da identidade.
Nenhuma educação se sustenta sem esperança e com a identificação entre ser e dever-
ser, pois escapa-lhe a ânsia do humano para apontar a vir a ser mais valioso. Centrando
a pessoa num presente prazenteiro e sem referentes de transcendência pessoal não a
libertamos, nem a endereçamos à felicidade, quando muito votámo-la à
insubstancilidade e à vulnerabilidade, pasto para a manipulação, cada vez mais poderosa
102

dos mass media. Deixámo-la indefesa para resistir à funcionalização consumista que
avança. Como nota Boavida (2002), a indefinição quanto ao que é fundamental em
educação, deixará, por certo, as novas gerações à mercê da poderosa deseducação
paralela.
A pós-modernidade recuperou a afectividade mas radicalizou a sua importância
e está a ponto de tornar o esteticismo o fundamento da ética, de modo que apenas
diponibiliza uma moral radar e provisória, adequada à adaptação espontânea às
circunstâncias, ou seja, assistimos à falência da racionalidade e à desestruturação dos
superegos. Insistindo nos valores do corpo, do prazer sensível e imediato, a pós-
modernidade tornou-os objectos de culto e descurou os valores do esforço, da razão e do
espiritual. Temos, por isso, de realizar uma compensação destas radicalizações. Gervilla
lembra que ―a integração harmónica de razão e afecto tem sido e é o repto da educação.
Os monopólios, pelo que comportam de mutilação, são maus conselheiros da educação;
nem a tirania da razão, nem a tirania do sentimento‖ (Gervilla, 1993, 177) Há, pois, que
integrar prazer e esforço, já que a educação é sempre uma conquista; há que integrar
igualdade e autoridade, buscar para além do hedonismo e do individualismo, se
procuramos tornar o humano mais valioso individual e socialmente. O hedonismo, em
última instância, produzirá mais a debilitação da vontade do que permitirá a persistência
na procura da felicidade.
Se queremos superar a crise da educação dos nossos dias, que passa pelo
enfrentar de certas antinomias mal resolvidas, temos de recuperar a pedagogia do
esforço, porém, ―será preciso fazê-lo sem ter de voltar ao esforço pelo esforço, e ao
sacrifício que era educativo só por que era sacrifício; embora se reconheça, de novo, que
o esforço e o espírito de sacrifício têm fortes componentes educativas‖ (Boavida, 2002,
142). O passo em frente, dentro do espírito de uma integração antinómica dos opostos,
implica aqui a procura dum ―acordo didáctico‖ entre esforço e motivação.
Tudo indica que precisamos, também no caso das pedagogias da existência da
pós-modernidade, talvez até mais do que nunca, de compensar a vida com o ideal e o
ideal com a vida, de modo que ambos se unam de modo criador e dinâmico. Mantendo a
tensão da antinomia educacional, o ideal preserva-se como abertura a ―futuríveis‖ que
perspectivam a transcendência da nossa condição e a vida respeita-se nas suas
exigências concretas e múltiplas possibilidades de leitura.
103

4.ª UNIDADE

2.2. Dinâmica da antinómica educacional.

2.2.1. Antinomias e problematicidade da educação

Numa das suas monumentais obras, José Maria Quintana Cabanas (1988)
enfrentou a antinomia fundamental da educação – onde se opõem a afirmação do ideal e
a salvaguarda do indivíduo concreto, ou, por outras palavras, a natureza que clama com
as suas necessidades específicas.72 Mas o autor vai mais longe, ao mostrar o
desdobramento de diversas antinomias que afloram quando encaramos os diversos
aspectos da educação. Não temos agora, portanto, apenas uma antinomia essencial, mas
uma miríade de antinomias, ou mesmo uma fonte inesgotável delas. No seu caso,
ilustram-se vinte antinomias educacionais, cujas teses e antíteses são, afinal, relativas às
conhecidas concepções da educação tradicional e da educação nova ou activa. A
primeira tende a desvalorizar a especificidade da infância e a centrar-se na acção
conformadora do educador, a outra tende a esquecer que a infância é só uma fase de um
proceso evolutivo mais amplo e valoriza, por vezes desmesuradamente, a actividade do
educando (Marques, 1999).
Logo a abrir a sua análise, nota o filósofo espanhol que o conceito de educação é
um poliedro com significados variados – facto, actividade, efeito, relação, tecnologia –,
e que envolve diversas dimensões – a pessoal, a social, a relacional, a cultural, a
política, a artístico-poiética, a existencial, a económica, a psicológica, a jurídica, a
racional, a afectiva, a institucional, a histórica, a laboral, a ética e até a comercial. Por
isso são múltiplas as definições de educação e sempre incompletas, porquanto
enfrentam um objecto difícil, um ―pavoroso enigma‖ (Cabanas, 1988, 55), cujo conceito
é essencialmente contestável por ser de natureza apreciativa, complexa, susceptível de
diversas acepções, de modo que só admite soluções provisórias. Tendo a educação de
haver-se com as, muitas vezes, concorrentes funções ideais, sociais e subjectivas, ela

72 Como já vimos, é a respeito desta tensão que se organizam as diferentes pedagogias, por vezes, não só se opondo, mas querendo
excluir-se mutuamente.
104

levanta questões que permanecem abertas. O seu destino é, portanto, o da


problematicidade adstrita à própria complexidade da questão, dada a diversidade de
princípios e exigências a considerar.
Para o nosso autor, a antinomia refere-se à presença de dois princípios
simultâneos e contranditórios que estabelecem entre si uma tensão. Diz Reboul (2000,
51) que a ―antinomia não é uma simples contradição entre teorias… A antinomia é a
contradição entre duas ‗leis‘, isto é, dois princípios dos quais cada um é, em si,
legítimo‖. Isto quer dizer que ela dimana da própria natureza da questão e que se vive
nela uma oposição de leis ou regras, ambas justificáveis.
Enfrentar a antinomia é, a nosso ver, algo consubstancial à nossa natureza.
Hessen (2001) refere-se-lhe perspectivando-a como sendo essencial, dada a conjugação
da contingência humana com a sua aspiração insaciável: ―o infinito do seu querer e o
finito do seu poder‖ (Hessen, 2001, 206). Porém, o que de facto parece atravessar a
condição humana é, melhor dizendo, a própria multidimensionalidade antinómica. A
nossa condição e existência estão atravessadas por tensões estabelecidas entre diversas
polaridades, que se furtam a uma apreensão definitiva. Em toda a actividade pessoal e
social as encontramos. Ora, isto indica-nos que, afinal, as antinomias são ―problemas
estruturais-funcionais de um ser, em forma de contradições internas‖ (Cabanas, 1988,
57)
Sendo as antinomias algo próprio e essencial, até da realidade, globalmente
considerada, há que simplesmente enfrentá-las. Elas serão o perene palco da demanda
da educação que, por vezes, insistindo nos extremos, descai para o optimismo ou o
pessimismo, e noutras, procurando o equilíbrio – o que não quer dizer superação
definitiva –, aproxima-se do realismo. O seu trabalho é polidilemático, pois enfrenta a
abertura antinómica das múltiplas contradições entre princípios concorrentes e
indecidíveis, isto é, a contradição entre regras opostas mas individualmente
justificáveis. Assim, o nosso autor, espera menos a sua resolução – pela criativa
explosão ôntica hegeliana – do que a sua serena aceitação e prudente articulação, que
coloca a coincidência dos contrários apenas no infinito. Cabanas opta por uma
abordagem integradora, de compromisso, que faça justiça aos termos das antinomias
evitando reducionismos. No mesmo sentido, diz Reboul (2000) que devemos enfrentar
as oposições téticas educacionais e procurar uma síntese que integre o melhor de ambas
as teses. O compromisso consegue-se evitando os extremismos, que mais não são do
que reducionismos que esquecem um dos termos ―principiais‖ (Cabanas, 1988). Está,
105

portanto, encontrado um critério maior para assinalar a linha divisória do educativo e do


deseducativo: a radicalização de um termo do jogo antinómico pode conduzir a um
reducionismo incongruente com o propósito de obter o melhor desenvolvimento do
educando.
A ideia do Professor José Maria Quintana Cabanas é conservar a
problematicidade recorrendo a uma pedagogia do termo médio ou medianidade, isto é,
do equilíbrio da tensão entre contrários, em que a ―superação‖ equivale ao
compromisso, ao realismo, à flexibilidade. A pedagogia antinómica – chamemos-lhe
assim – deve fugir dos extremos e dos reducionismos, ser omnicompreensiva e
integradora: mais lhe vale o federalismo dos princípios. Não recusa a insatisfação
latente em cada compromisso e procura evitar as falhas fundamentais.
Mantendo o referente dialéctico do equilíbrio das tensões Cabanas prefere falar
de dinâmica e nós, neste caso, optamos pela mesma abordagem. Contudo, quanto à tese
da medianidade, inspirada na longa tradição aristotélica, resta saber se em todos os
casos se trata de encontrar ou fixar o exacto ponto médio, ou se o equilíbrio, por ser
dinâmico, pode deslocar o seu centro. Algumas notas, relativas à consideração de certas
antinomias, parecem indicar-nos que é essa a concepção do nosso autor.
A propósito da discussão da antinomia entre hetero e auto-educação, Cabanas
(1988, 227) preconiza ―uma dose de autoeducação, crescente ao compasso do
desenvolvimento‖. Recusando reduzir a educação a um simples processo de influxo
exterior, com vista a moldar e adaptar, mas aceitando o desenvolvimento natural e
reconhecendo que ninguém pode substituir a inteligência individual, Cabanas pretende a
conciliação dos dois princípios opostos, reclamando que ―a autoeducação sem
heteroeducação resulta cega, e a heteroeducação sem a autoeducação é vazia‖ (1988,
227). É, portanto, aconselhável começar por ir apetrechando para a autoeducação, até
que o guia se torne desnecessário. Atribuir uma importância crescente à capacidade
autodidáctica parece-nos muito recomendável quando, por um lado, sabemos que é
diminuta a capacidade inicial do sujeito para escolher criticamente os conteúdos da sua
educação e, por outro, também sabemos que a sua autonomia cognitiva, em muitos
aspectos, é um ponto de chegada e não de partida. Mas a instalação da capacidade
autodidáctica parece muito importante em tempos de obsolescência acelerada dos
conhecimentos.
106

A medianidade deve, pois, tomar o seu centro consoante a condição de


possibilidades e limitações do educando. O processo podia ter a seguinte representação
gráfica:

Princípio Contrário B

Princípio Contrário A
107

Esquema 1: Exemplo da dinâmica da medianidade educacional

O espaço que separa os dois triângulos representa o eixo por onde se desloca o
centro da medianidade com que se articula a antinomia educacional. Procurar para
certos casos equilíbrio entre princípios antinómicos não equivale a fixar um ponto
médio estático na sua equidistância aos extremos, pois a especificidade e a dinâmica
evolutiva dos sujeitos, em jogo com as exigências educativas, impõem a consideração
dinâmica da conjugação dos termos. No ponto intermédio do processo, os princípios
seriam, porventura, considerados com igual importância, mas se nos aproximarmos dos
extremos um ganha importância e o outro perde-a. E assim poderá ser para muitas
antinomias, quando consideramos a realidade dos sujeitos e as exigências educativas. A
mediania antinómica é mais do que um equilibrar a balança, pode reclamar um
desequilíbrio conjuntural. Este parece ser também o entendimento do autor da
concepção antinómica da educação, para quem a síntese é compromisso, equilíbrio,
prudência, flexibilidade, mas não estatismo, muito menos extremismo, fixação ou
resolução definitiva. No seu estudo, vemos o jogo das antinomias desdobrar-se, mas não
cabe aqui reproduzi-lo em toda a sua extensão.
Marques (1999, 90-96) fez um resumo das vinte antinomias, analisadas por
Cabanas, a partir do qual destacamos as propostas de ―síntese‖, por nós adaptadas: 1ª. o
indivíduo é condicionado, não determinado, tanto pela natureza como pela cultura, de
modo que a educação tem um poder limitado, mas efectivo; 2ª. apesar de limitada e
condicionada pelos factores pessoais e sociais, a educação é possível desde que se
utilizem metodologias adequadas; 3ª. a função da educação é tanto a formação como a
informação, que são correlativas e em grande medida concomitantes; 4ª. a educação
exige um certo condicionamento do educando (hetero-educação) e um papel de direcção
e orientação do professor, de modo que não se despreze a iniciativa pessoal do aluno e o
seu processo de autocrescimento (auto-educação); 5ª. a actividade do educando deve
consistir num equilíbrio entre a receptividade (atenção, memorização, repetição) e
atitude criadora (de reconstrução do saber), porém, sendo a criatividade uma actividade
mais complexa, é de esperar que ela se desenvolva no final do processo educativo e não
108

no princípio; 6ª. a tarefa de educar consiste em conjugar os dados naturais do indivíduo


(espontaneidade) com o bom uso da razão e da inteligência (reflexividade); 7ª. a
educação é a formação do homem por meio de uma influência exterior, de condução e
direcção, de modo articulado com uma acção ―negativa‖, que retira obstáculos e apoia o
curso natural do desenvolvimento; 8ª. a educação tem sempre uma função sociocultural
conformadora mas, evitando marcar a personalidade do educando, deve respeitar a
individualidade e propiciar-lhe uma via de libertação pessoal; 9ª. a educação exige a
articulação simultânea de ciência e solicitude, de técnica e amor, cuja conciliação é a
arte do educador; 10ª. há que aproveitar e estimular o interesse espontâneo, dando
espaço ao impulso, à natutreza e ao prazer, mas requer-se também a força de vontade, o
esforço e o controlo do instinto – a educação vai progredindo de modo a começar no
jogo e a culminar no trabalho; 11ª. a educação envolve a integração das dimensões
racional e afectiva da personalidade; 12ª. a educação deve procurar uma conjugação
subtil entre disciplina e liberdade, com vista ao fortalecimento da vontade e à autonomia
autoreguladora do educando; 13ª. harmonizando os princípios da autoridade do
educador com a autonomia do educando, a educação deve formar neste uma liberdade
responsável, isto é, uma liberdade que obedece a princípios; 14ª. a educação deve
procurar um equilíbrio entre as aspirações e necessidades individuais (o relativo) e o
processo objectivo de desenvolvimento da civilização (o absoluto); 15ª. a educação
começa com a imitação e o treino de hábitos e habilidades e culmina com a emergência
da dimensão espiritual da pessoa; 16ª. a educação é um acto integral e integrador de
natureza racional e afectiva; 17ª. a educação deve procurar o equilíbrio entre a
satisfação dos interesses da sociedade e os do indivíduo, educando este para si próprio
e, em simultâneo, para a integração activa no campo social; 18ª. cumpre adaptar sem
robotizar e propiciar a originalidade sem inadaptar, deixando margem para saber resitir
e rebelar-se contra o meio; 19ª. considerando a evolução do educando, a educação deve
dinamizar a sua situação: assistir o presente (impulsos e desejos presentes), preparando-
lhe o futuro (os seus objectivos a longo prazo levam-na a pressioná-lo para o frazer
crescer); 20ª. o papel da educação é conciliar o direito com o dever de ser educado, para
que o educando possa afirmar-se como pessoa e, ao mesmo tempo, saiba corresponder
socialmente.
Duas referências merecem especial atenção. Ambas se justificam pela sua
actualidade candente, mas a segunda colhe ainda o interesse da relação com o nosso
tema mais geral.
109

Como se viu, a educação há-de contar com a espontaneidade do sujeito e com a


sua criatividade, mas não pode prescindir de fecundar a reflexão e de contar com a
recepção. A educação tradicional orientava-se para a transmissão e a socialização, para
o agregar a partir do exterior, suscitando uma atitude de receptividade, que valorizava a
atenção, a docilidade, a obediência, a memorização e a repetição. No outro extremo,
encotramos a ideia oposta de que a criança se educa realizando uma actividade criativa
própria. O equilíbrio consiste em não desprezar a função da receptividade em conjunção
com o dirigir-se à criatividade, embora só se possa esperar a sua forma mais
desenvolvida no final do processo educativo. Assi, a educação deve visar a transmissão
e a adaptação e, em simultâneo, a originalidade, pois até o organismo social requer a
renovação e a inovação.
Segundo Reboul (2000), a educação passa pela transmissão de saber, pelo
desenvolvimento do saber-fazer e pela incorporação de valores, mas isto não pode
significar a exclusão da espontaneidade, da criatividade e da expressão de si, embora
mesmo estas tenham de ser, até certo ponto, apreendidas. A síntese, de ambas, pode
realizar-se recorrendo a uma ―pedagogia da competência‖, que requer que o transmitido
suscite uma actividade interna no que o recebe, de modo a que não se fique por ser algo
inerte, mas desperte uma verdadeira competência, cuja aplicação é, em si, de alcance
ilimitado. A competência situa-se para lá da transmissão e da espontaneidade: ―a
competência supõe também que os saberes não constituem uma bagagem inerte, mas
uma forma dinâmica‖ (Reboul, 2000, 45). Não corresponde ao simples conhecer as
regras do xadrez, mas ao saber encontrar a melhor solução em diferentes circunstâncias
do jogo, algo que é, em si mesmo, inesgotável. Assim, tudo o que há a aprender se deve
referir às aptidões passíveis de serem desenvolvidas.
Segundo Gómez (2006), na actual sociedade do conhecimento, importa formar
pessoas e até organizações ou comunidades competentes. Porém, a competência não se
pode entender apenas como sendo uma simples habilidade segmentar, ela supõe uma
certa latência, potencialidade e globalidade e integra-se na competência pessoal, como
―capacidade única para pensar sobre e executar algo de uma maneira própria e
excelente‖ (Gómez, 2006, 21). O que nos leva a considerar-lhe diferentes dimensões: a
cognitivo-emocional, a social e a comportamental, entre outras. Ser competente admite
também vários graus: principiante, perito, competente, ―expert‖. Só este último sabe
lidar com a incerteza e a complexidade. Segundo o autor citado, o desenvolvimento de
competências é a melhor via para garantir a competitividade, mas a formação da
110

competência não pode separar-se do processo educativo geral ou básico da pessoa. De


facto, o processo da sua formação enraíza-se no da própria formação humana, pelo que
importa não cair no reducionismo da antinomia que separa o ensinar do educar. E isto
remete-nos para a resolução antinómica que considera inseparáveis e concomitantes os
processos de informar e formar. É necessário transmitir saberes básicos e desenvolver
aptidões, algo, cujo alcance está, por si só, sempre em aberto. Opor educação e
instrução corresponde a cair numa falácia, pois ―separar a educação da instrução não só
resulta indesejável como impossível, porque não se pode educar sem instruir nem vice-
versa‖ (Savater, 1997, 40). O ensino serve para treinar as capacidades fechadas, umas
funcionais, outras mais sofisticadas, mas todas com um tecto desenvolvimental e,
embora todas muito úteis, não se equivalem ao desenvolvimento das capacidades
abertas, cujo domínio é gradual e inconclusivo. São estas que nos abrem as opções de
crítica, divergência e inovação e nos permitem abordar problemas de alcance cada vez
maior. A educação dirige-se às capacidades abertas, como os sentidos ético e crítico, e
não pode demitir-se da formação da personalidade. Em resumo, quando se pensa que os
educandos têm tanto que se encarregar duma função social como de si próprios,
enquanto seres no mundo,73 então parece evidente que, para além do ensino, temos de
ter uma educação que há-de saber ―entregar-lhes a perplexidade total do mundo‖
(Savater, 1997, 124).
Ainda importa realizar aqui a crítica de uma certa radicalização antinómica, pelo
seu especial significado para o nosso tema geral. Trata-se da mitologia da
espontaneidade, da ludicidade e da denegação do esforço que campeia nos nossos dias
de sociedade pós-moderna, digital e hipermediática. De facto, a educação tem sempre
de importar alguma disciplina e condicionamento, se a entendermos como o estimular
do que de início na criança é apenas possibilidade de humanidade e para a qual ―um
ilusório limbo silvestre incondicionado mais não faria do que condicioná-la
indefinidamente‖ (Savater, 1997, 28). Impedindo-a, por isso, de aceder à identidade
pessoal e ao exercício humano da liberdade.
Isto quer dizer que toda educação comporta alguma coacção, embora não possa
reduzir-se à exigência da simples mimese. Porém, requer, inevitavelmente, esforço e
luta de vontades, mesmo se deve radicar-se no desejo e no gosto de aprender. Como
espécie de ―tirania‖ orientada para a libertação, a educação convoca o próprio a
conquistar a sua liberdade – seja da ignorância, dos determinismos genéticos e sociais,

73 Cf. com a 18ª. antinomia explicitada por Cabanas (1988).


111

seja dos impulsos instintivos –, pelo que se vê que, em nenhum caso, estamos perante a
ausência total de condicionamento. A mitologia da espontaneidade e da criatividade,
que vê em todo constrangimento mutilação e só aceita como estímulo do ensino o
prazer, pretendendo que se aprenda sempre brincando, parece desconhecer a realidade,
ou seja, parece descurar um termo da antinomia educacional. O lúdico, como via, e o
prazer, como motivo, são meios indispensáveis da educação, contudo ―a maior parte das
coisas que a escola deve ensinar não é possível aprendê-las através do jogo‖ (Savater,
1997, 76) A escola não pode ser apenas a confirmação dos prazeres infantis, ela
confronta-se com a evidência de que a vida exige mais que jogo, exige esforço e
sacrifício. No mesmo sentido, assinala Gervilla (2003) que, para nos realizarmos, temos
de aderir a uma cultura do esforço e do sacrífico, pois só ela garante a realização
pessoal, já que sem esforço não há aprendizagem.
Actualmente, no entanto, muito consonante com a mitologia da ludicidade, a
cultura mediática ligada ao consumismo parece induzir toda uma outra mentalidade, em
que se destaca o conceito de ―edutainment‖, representanto este uma orientação que
amaldiçoa a educação das exigências. O seu malefício maior encontra-se no facto de
não deixar ver que ―a cultura não é algo para se consumir, mas sim para assumir‖
(Savater, 1997, 78). Uma ideia que Gervilla (2003, 98) também corrobora: ―Uma das
contradições da nossa sociedade do bem-estar é a infravalorização de todo o esforço,
sem o qual não é possível, em múltiplas ocasiões, não é possível alcançar valores
elevados, tais como a liberdade, a autonomia, o autodomínio, a solidariedade ou a
tolerância.‖ O avanço científico e técnico facilitou-nos a vida e desvalorizou o esforço.
Hoje prima a ética da diversão sobre a do esforço e daí também muitos problemas
cívicos e educativos. Os jovens valorizam muito o desfrutar e muito pouco o esforço e a
disciplina. Os meios de comunicação, como é o caso de muitos anúncios, reforçam esta
tendência e convidam a segui-la. Daí a emergência duma certa cultura do êxito
instantâneo sem esforço, assim como da ostentação e do luxo, em que o ter aparece
como medida do ser (Kilbourne, 2000). Contudo, a felicidade, que todos desejamos, não
se alcança pelo simples hedonismo e tão pouco sem esforço.
112

2.2.2. Desdobramento de novas antinomias pela via do pensamento da diferença

Como o próprio Cabanas (1988) admite, existem muitas outras antinomias


intrínsecas à dinâmica educativa, cada uma iluminando um certo âmbito da sua abertura
problemática. No seu encalço, mas por vias próprias, pensando inverter
―deleuzeanamente‖ a educação, foi esse o caminho que seguiu Fadigas (2003). O seu
projecto é, diríamos nós, uma tentativa de reencantar certos conceitos, banidos pelo
pensamento unilateral, recriando-os, de modo a, assim, aceder a novas antinomias. Mas
também se pode entender o seu procedimento como um encarar de novo modo antigas
antinomias. Não pelo caminho do oposto, mas pelo da valorização da diferença. Pensar
a diferença, na sua diferença, é uma forma de evitar o reducionismo que volatiliza a
tensão antinómica transversal na educação.
O autor perspectiva, por isso, como incontornável, o aceitarmos a realidade em
tensão que caracteriza o fenómeno educativo, evitando impor-lhe conteúdos normativos
que, a seu ver, é o que a faz resvalar para o terreno da ideologia. Declaradamente,
recusa os discursos normativos sobre fundamentos, fins e valores e envereda pelo
caminho sugerido por Carvalho (2001): encarar a antitética constitutiva da educação,
fruto das antinomias essenciais entre realidade/idealidade e ser/dever-ser, que passa pelo
desvelamento antinómico, sem cair na ilusão de afirmar a superação definitiva das
antinomias, nem na ilusão da auto-suficiência de algum dos termos.
A seu ver, a via de análise adequada encontra-se na proposta de uma ontologia
do limite, que também tem origem em Carvalho e que se desenvolve segundo uma
concepção principial da tensão entre determinação/liberdade, conhecido/desconhecido.
Esta via constitui, a nosso ver, o culminar de um processo que se vem afirmando desde
que começou a crítica à metafísica e ao humanismo clássico, um processo que foi
relativizando certas absolutizações do entendimento do humano.
A via tradicional ia da ontologia à antropologia e plasmava-a, quedando-se, por
vezes, no plano de um discurso abstracto, desenraizado da vida e surdo à
problematicidade dos múltiplos contributos empíricos disponíveis. A nova via quer
realizar uma abertura da ontologia à antropologia, partindo da aceitação da instabilidade
constitutiva do humano e questionando, persistentemente, os limiares da centralidade de
todos os parâmetros, de modo a evitar, então, os reducionismos ônticos. Veja-se, por
exemplo, a preocupação de Orbe, Bondía & Sangrá (2006) em partirem de uma
antropologia da finitude, de modo a encotrarem uma pedagogia que se acerque à
113

experiência, esquivando o discurso arrogante, motivado pela legitimação de ―uma certa


posição enunciativa em que sempre se fala desde cima‖ ( 246). A seu ver, requer-se
antes ―uma linguagem que trate de dizer a experiência da realidade, a tua, a minha, a de
cada um, a de qualquer, essa experiência que é sempre singular e, portanto, confusa,
paradóxica, inidentificável‖ (Orbe, Bondía & Sangrá, 2006, 248). Também aqui se
parece recusar a centralidade de todos os parâmetros, como seja os fins educacionais, o
que representa uma perplexidade não fácil de resolver.
É em função do programa descrito que Fadigas reconhece o valor da proposta de
Cabanas (1988), uma vez que esta se encontra, precisamente, centrada na aceitação do
antagonismo dos princípios e nas tensões antinómicas, dando, por isso, bem conta da
problematicidade da educação, ao mesmo tempo que exclui qualquer possibilidade de
unilateralidade ou reducionismo. Para Fadigas, a aceitação da tensão constitui a
salvaguarda do modo não-normativo de ser e, portanto, não ideologizável, pois, a seu
ver, o progresso é uma ilusão da razão, ―nada há a superar, apenas há a
permanentemente criar‖ (Fadigas, 2003, 91). Também aqui temos, portanto, a recusa da
via da síntese hegeliana, que supõe um crescimento através da superação dos termos em
antítese.
A inversão da educação segue, a partir destes considerandos, pelo sulco de uma
crítica deleuzeana. A via da abertura criativa desenvolve-se pela recusa da dialéctica
platónica que divide para especificar e seleccionar, de modo a poder colocar o
procurado sob a espécie adequada, executando assim a distinção entre o autêntico e o
inautêntico. Platão, com vista a fazer triunfar este propósito, apelou ao mito para
estabelecer o modelo que julga/elege os pretendentes, o verdadeiro e o falso, segundo a
sua proximidade/semelhança com a Ideia. Sendo todos os outros timbrados de
simulacros ou cópias. Só o fundamento verdadeiramente é, tudo o mais participa em
diferentes graus dele e, no limite, temos ―o simulacro, o pretendente mal fundado‖
(Fadigas, 2003, 96). Assim, o esclarecimento dos conceitos vem a ser uma espécie de
triagem normativa, normalizadora e moralizadora dos (dis)semelhantes.74
A inversão do platonismo realiza-se pelo pensar do diferente para além da
negatividade de um não-ser que se opõe ao ser, ou seja, pensando o simulacro não como
simples contrário/oposto, mas como problemático. Descarta, portanto, o pensamento por
meio do modelo da identidade que depura contradições. Não há mais primado de
originais sobre as cópias, o que é perfeitamente solidário de abraçar as antinomias

74 Não queremos que seja essa a nossa via para assinalar o (des)educativo..
114

educacionais sem cair na doxa dos reducionismos sagradores de certos termos


entronizados. Assim, a reflexão filosófica sobre a educação volta-se para a criação de
conceitos abraçando a tensão das antinomias, pois, desse modo, esquiva o vício
platónico da selecção e o fechamento ideológico da imposição do sentido.
Fadigas mostra, então, como a promoção da autonomia, termo antinómico, não
significa promover a menor dependência possível, pois pode ser-se tanto mais
independente quanto mais colectivo se for, quando se trata de uma comunidade
científica que promove a singularidade e faz depender o sucesso individual da inclusão
no colectivo. Como exemplo disto teríamos a comunidade científica, enquanto
constituída como comunidade de competição cooperativa, em que se valorizam e
estimulam as competências pessoais e a singularidade, marcada pela originalidade,
imaginação e abertura de espírito. Este caso opõe-se ao formigueiro industrial clássico,
onde e os indivíduos definidos como força de trabalho são intermutáveis. Assim, o
próprio cogito passa a um cogitans. Isto preserva a nosso ver duas coisas: a não
intermutabilidade, em nosso entender, devida à pessoa e a natureza social da
constituição da pessoa, que adiante se aprofundará. A educação, e todo o processo
educativo, em geral, ficam em consequência vocacionados a dirigir-se à pessoa, assim
concebida.
No que diz respeito à sociabilidade, tão pouco o bem sucedido tem de ser o bem
sucedido no trabalho de grupo, proscrevendo-se o solitário e o silêncio. Em muitos
casos, a solidão e o silêncio também são elementos positivos para assegurar o princípio
pedagógico da actividade do aluno. Solidão e silêncio não são, necessariamente, o grau
zero da actividade e da participação. Em certos casos representam um modo mais
profundo de interagir, isto é, de fazer, de participar, de pensar e aprender. ―Daqui resulta
que, em termos de relação pedagógica, nem o aluno em silêncio, na posição de quem
ouve, é meramente receptivo, nem o professor, por expor conteúdos, é necessariamente
um obstáculo à liberdade do aluno‖ (Fadigas, 2003, 104). O silêncio tem certamente a
sua função, quanto mais não seja para nos resgatar desta sociedade da ―histeria do
ruído‖ (Steiner & Ladjali, 2004, 65). O silêncio é hoje um verdadeiro luxo e um espaço
que cada vez nos faz mais falta: ―Ah! Poder ser silencioso…‖ (Steiner & Ladjali, 2004,
65)
Ora, segundo Fadigas (2003), a postura, hoje comum, sobre o silêncio e a
solidão está bastante marcada pela proscrição do papel que ambos desempenhavam na
pedagogia tradicional, de modo que, por oposição redutora, se veio modernamente a
115

cair no superficialismo de os associar à desmotivação, que se quer, a todo custo,


resgatar com o estímulo lúdico. De facto, a ludicidade parece ser hoje panaceia para
quase tudo em pedagogia, ainda que não represente, muitas vezes, mais do que um
entendimento superficial da relação pedagógica. Por isso, não admira que, como mostra
o nosso autor, o método expositivo seja, nos nossos dias, timbrado de dogmático,
mesmo quando, precisamente, porque recorre ao silêncio e à solidão, serve para suscitar
a criatividade.75 Enquanto que, para o mesmo efeito, a famigerada técnica das perguntas
e respostas parece servir mais para calar (os espíritos) do que para fazer falar, ou seja,
resulta mais próxima da condução socrática, que faz inferir, mas não deixa pensar, faz
concluir, mas não deixa criar.
Na sequência desta analítica encontrámos muita razão para ver que a actividade
do aluno não tem de ser um resultado exclusivo do trabalho de grupo. A solidão pode
servi-la também, tal como nos sugere Reboul (2000) com a sua ―pedagogia do segredo‖.
Nesta modalidade pedagógica, perante os educandos, não se ostenta saber, não se lhes
dão respostas, motivam-se pelo enigma, ―até que compreendam, no fim de contas, que o
segredo se encontra neles‖ (Reboul, 2000, 44). Isto parece querer dizer que, não só ao
lado do dizer pode estar o silêncio criativo, como ao lado do expor pode estar o calar a
solução significativa, de modo que devemos também contar com o perguntar sucitador.
O que não quer dizer que, por se ter confundido, em pedagogia, a diferença com a
negatividade, se deva proscrever a exposição, o valor da memorização e a
progressividade, para apenas impor os seus opostos: a autonomia, a criatividade, a
participação (Fadigas, 2003). Como sabemos, chegou mesmo a tomar-se esta inversão
por uma verdadeira revolução pedagógica, quando se tratava, em certos casos, de uma
radicalização, ou reducionismo, que não sabia distinguir o valor próprio dos diferentes
princípios. Ora, acontece que, por vezes, os ―falsos pretendentes‖ servem igualmente
para conquistar os mesmos fins.
É-nos, particularmente, grata na análise de Fadigas, a desmistificação da leitura
pejorativa da memorização, que certa radicalização pedagógica tem feito. Os seus
resultados foram calamitosos para o nosso sistema educativo. Se considerarmos, no
entanto, a memória, não como simples recipiente, mas como via criativa de acesso ao
espiritual, talvez tenhamos de lhe conceder outro estatuto e função. Ouçamos o que a
este respeito nos diz Savater (1997, 90): ―A pedagogia contemporânea justificando a sua
recusa de um ensino decrépito constituído por litanias memorísticas, tende, em excesso,

75 Veja-se o texto de Boavida (1982) sobre as virtualidades da lição magistral.


116

a minimizar a importância do treino da memória, chegando até a satanizá-la como um


resíduo obsoleto de épocas educativamente obscuras. Todavia, não existe inteligência
sem memória, nem se pode desenvolver a primeira sem treinar também a segunda. O
exercício de recordar ajuda a entender melhor, ainda que não possa substituir a
compreensão quando está completamente ausente. Como bem assinala Juan Delval, ‗a
memória é um sistema muito activo de reelaboração da experiência passada, sempre que
o recordado tenha algum significado. Recordação e compreensão são indissociáveis‘.‖
Como sublinha George Steiner, há muito boas razões para recuperarmos o valor
da memória. Este é o caso, por exemplo, quando se trata de aprender poesia: ―Aprender
de cor é, em primeiro lugar, colaborar com o texto de uma maneira totalmente única. O
que aprendemos de cor muda em nós e nós mudamos com isso, durante toda a nossa
vida. Em segundo lugar ninguém nos pode tirar isso… o que sabemos de cor pertence-
nos. É uma das grandes possibilidades de resistência. (…) e o de cor quer dizer: eu
participo na génese, na transmissão do poema, tenho o poema em mim. (…) se
negligenciarmos a memória, se não a mantivermos à maneira do atleta que exercita os
seus músculos, então ela definha. Hoje, a nossa escolaridade é de amnésia planificada‖
(Steiner & Ladjali, 2004, 45-46). A memorização não só tem a sua função como não
representa, necessariamente, um esquecimento de si, pode até considerar-se que é o que
falta na memória que constitui um vazio de bagagem interior. Mas, no prato oposto da
balança, lembremos que já Darwin (1993), na sua autobiografia, se queixava da
inutilidade de aprender de memória as lições.
Procurando dar uma conclusão a esta exploração antinómica da educação, que se
dedicou à procura de novos sentidos, ou à reconstrução dos já conhecidos, parece ser
adequado destacar que, nos avançados dias desta nossa pós-modernidade, fazem falta
propostas como as de Pourtois & Desmet (1999). Estes autores decantam-se por um
multireferencialismo capaz de fundamentar uma abordagem complexa da pedagogia
sem cair num modo de pensamento redutor, isto é, procurando um pensamento da
totalidade complexa e não negadora, que reconhece os contributos e os limites das
diversas propostas e aceita enfrentar as contradições fundadoras da acção educativa,
assumindo em permanência as tensões educacionais. Tanto mais quanto, apesar de todo
o relativismo, mantêm no seu esforço de síntese os valores do optimismo, da utopia, da
autonomia e da perfectibilidade humanas.
117

5.ª UNIDADE

3. COMPLEXIDADE E CRITÉRIOS PARA O CAMPO EDUCACIONAL

3.1. Uma concepção complexa da educação

A matização da natureza antinómica da educação é também correlativa de uma


abertura da ontologia à antropologia, que desemboca numa concepção complexa da
educação. Esta via vem sendo, persistentemente, desbravada, por força da penetração
que as revisões epistemológicas impuseram ao discurso pedagógico e educacional.
Carvalho (1988) mostrou-nos como o assumir do carácter conflitual, polémico e
complexo do domínio educacional emerge da consumação de uma revolução
epistemológica em curso, que é necessário promover. Isto impôs, precisamente, uma
ultrapassagem das ideologias redutoras, seja a cientificista, seja a da tradição
metafísica.76 Trata-se, agora, de assumir a reivindicação foucaultiana sobre a
necessidade de procurar a compreensão do humano como ser natural, reconhecendo-lhe
um lugar privilegiado sem perder a noção da sua finitude objectiva e pensando-o na sua
relação ao impensado e ao histórico. O que, desde logo, obriga ao abandono do conceito
de natureza humana definido pela antropoteologia (a noção do
sujeito/substância/consciência), em proveito de uma semiótica do humano, que remete
para os planos dos inconscientes cultural, individual e linguístico. Este curso alinha-se
com o enfoque moriniano do humano como ser natural, que o quer pensar, não contra a
natureza, a pretexto da sua excepcionalidade (Morin, 1973). Evacuando, portanto, o
sujeito metafísico, abstracto, substancialista, subjectivista, egológico e egocêntrico, que
se tomava como origem única da significação. Na verdade, hoje, temos de tomar em
consideração os contributos da etnologia, da psicanálise, da linguística e da biologia,
entre outros, que desfizeram, entretanto, o espaço tendente a divinizar a condição
humana, ainda que configurando-a de modo limitado e limitador.
A revisão indispensável implica uma dupla superação. A do positivismo, que
neutralizou o discurso filosófico, na miragem de uma continuidade metodológica entre
as ciências da natureza e as sociais e humanas e que, no fundo, significa a superação do

76 A cientificista apresenta-se como uma autêntica metafísica cientista, que produziu as suas filosofias subsidiárias, que vieram a
invadir o campo pedagógico e educacional, procurando a subordinação aos modelos verificacionistas e quantitativistas. A da
tradição metafísica, propriamente dita, teve, por constante, a afirmação da função constituinte do sujeito, em que a filosofia se
arroga a produção do discurso verdadeiro, fundamental e fundamentador e, por isso mesmo, hegemónico e silenciador da
problematicidade como da conflitualidade própria da pluralidade de propostas divergentes, sempre em campo.
118

objectivismo bi-substancialista, cartesiano, racionalista e mecanicista, ou seja, uma


razão estática e apriorística orientada para a dominação da natureza e segundo o mito do
progresso cumulativo do conhecimento consonante com a progressiva adequação entre
sujeito e objecto. Um paradigma que o reconhecimento da natureza estatística de certas
leis e da inerente complexidade do real já não admite. Aliás, nem mesmo se aproveita o
intentado dualismo da explicação/compreensão, que projecta o dualismo
matéria/espírito, por muito que tenham contribuído para afirmar a originalidade, a
singularidade e a complexidade do humano, porquanto prolongam um certo quadro
epistemológico sem o superarem. Mas será necessário que ocorra também a superação
da metafísica e do estado cientista das ciências sociais e humanas tendente à
pulverização do humano, que lhes foge entre os dedos. É este sentimento, de diluição do
humano, que leva Manso (2000, 202) a perguntar o seguinte: se ―para lá de qualquer
ciência está sempre o homem, para quê fixar a nossa atenção na parte e esquecer o
todo?‖77
Segundo Carvalho (1988), evidencia-se a necessidade de uma nova ciência da
educação, transdisciplinarmente articulada, capaz de reconhecer a complexidade do seu
objecto e conferindo, então, à filosofia da educação um carácter crítico e aglutinador,
especialmente sensível à abertura utópica da natureza inconclusa do ―objecto-projecto‖
que a educação supõe. Já Boavida e Amado (2006b) entendem que a educação, na sua
multidimensional, multifacetada e complexa dinâmica deve ser tomada como objecto de
uma família de Ciências da Educação que, sem perder a sua unidade, tomem por
referência a concepção antropológica da educação, colocando entre parêntesis o debate
filosófico e político, para se dedicarem ao objectivo de ―descrever, explicar, levantar
novos problemas teórico-práticos, e compreender e justificar os processos internos e os
condicionamentos de qualquer prática educativa ou formativa‖ (Boavida & Amado,
2006b, 194). Em seu entender, partindo do reconhecimento de que o seu campo não é
completamente cientificável, as Ciências da Educação devem, apesar de tudo, ligar-se à
radicalidade e à centralidade do fenómeno educativo, o que não permite dissolvê-las nas
Ciências Humanas. Assim, referindo-se à irredutibilidade do campo educativo, as
Ciências da Educação ficariam encarregadas de uma abordagem plural, mas também

77 De facto, a assumpção original das ciências da educação como aplicações das ciências sociais e humanas apenas serviu para as
secundarizar e para desqualificar a filosofia e a pedagogia confundida com a metafísica. Negava, aliás, o direito de cidadania de uma
ciência da educação correspondendo a um novo continente cognitivo. O positivismo ínsito àquela posição evacuou a filosofia e a
problemática das finalidades, ou seja, estrangulou os horizontes educacionais. No caso das ciências sociais e humanas aplicadas à
educação significou uma dependência, um parcelamento e uma dispersão amputadoras da complexidade inerente ao humano e ao
educativo.
119

integradora, ou seja, que articule inter, trans e co-disciplinarmente a


pluridisciplinaridade em causa.
Por outro lado, segundo Maia (2006), caberia à filosofia da educação um amplo
leque de tarefas: reflectir sobre as finalidades, as práticas e a coerência do sistema
educativo; desvelar as intenções das propostas educacionais; problematizar um ideal
antropológico operativo; seleccionar valores; desenvolver processos críticos; desbravar
sentidos possíveis à ontologia humana da perfectibilidade; desmontar mitos
prejudiciais… Isto quer dizer que, em todos caso, se trata sempre de um questionamento
capaz de abraçar a riqueza e a sua complexidade do seu objecto. Uma complexidade que
se expressa no incontornável problema de que ―em educação nem o fim nem os meios
estão definitivamente fixados‖ (Maia, 2006, 130). Na verdade, a filosofia acaba por
encontrar a complexidade pedagógica nos níveis ontológico, epistemológico e
antropológico (Carvalho, 1994b).
Para Carvalho (1988), revalorizar a intervenção pedagógica faz-se, então, pelo
descartar crítico das seguintes atitudes: da atitude metafísica; da atitude filosófico-
analítica; da atitude histórico-filosófica da dedução metafísica de finalidades; e,
finalmente, da atitude cientificista.78 Torna-se, agora, necessário consumar uma
revolução epistemológica que leve em conta a crítica da metafísica e do cientismo e
reconheça a pertinência da intervenção filosófica num terreno marcado pela necessidade
de considerar o horizonte ético das finalidades, ainda que ―discutíveis e incessantemente
superáveis‖ (Carvalho, 1988, 119). Embora, nem por isso deixando de ser constitutivas
dos projectos educativos, na medida em que o objecto deste campo, o da ciência da
educação, é atravessado pelo projecto. Competirá, então, à filosofia colaborar na
explicitação dessas finalidades, ínsitas ao objecto-projecto e à normatividade que
percorre as propostas pedagógicas.
Na verdade, são essas finalidades que incutem o dinamismo e exprimem as
direcções, os anseios, as angústias, o próprio sentido da finitude, as inquietações
circunstanciais, devendo abrir-se à conflitualidade permanente e dispor-se à
revisibilidade. As finalidades são o produto natural da reflexão filosófica sobre o

78 A atitude metafísica votou-se ao decantar dogmático de valores, ideias e ideais para definir o dever-ser educativo, muitas vezes
esclarecendo os fins últimos do homem a partir das indicações teológicas absolutizadas, como se fossem elas próprias externas a
toda a interpretação; a atitude filosófico-analítica procurou para a filosofia a tarefa de clarificar os enunciados e conceitos da
linguagem educativa, mas a proibiu-a de fornecer princípios ou avaliar finalidades e, assim, esvaziou tanto a filosofia como o
discurso educacional; a atitude histórico-filosófica, que partilhando os pressupostos da atitude metafísica, continua ainda a insistir
na prerrogativa da filosofia ditar finalidades, absolutas, últimas e universais, deduzindo princípios para a teoria e a prática que, aliás,
selecciona das diferentes propostas das posições filosóficas; e, finalmente, a atitude cientificista, associada à evolução recente das
ciências sociais e humanas, que recusa a intervenção da filosofia, confundindo-a com a metafísica, acabando por reduzir a educação
a uma intervenção tecnológica. Nestas vias afirma-se um esvaziamento que nem acaba por superar realmente a metafísica, agora
reactiva, nem o cientismo empobrecedor do humano.
120

homem e o contexto natural em que se encontra, porquanto, ele se define como ser
lançado para os futuríveis da sua realização. Na verdade, pela sua própria natureza, as
finalidades são ―ideais utópicos do homem, da sociedade e do mundo‖ (Carvalho, 1988,
128). Não tanto comprometidos com a função prática, social e ideológica como os fins,
os alvos e os princípios (normas da acção), mas com a própria superação da ideologia a
estes mais intrínseca, exigindo uma ―radicalização crítica‖, que propicie a ruptura do
dado e vigente. Sem esta dimensão, a educação ver-se-á, necessariamente, amputada, os
projectos educativos carecerão de pleno sentido, que transcenda o presente ou as
prospecções dele derivadas, faltar-lhe-á a dimensão criativa e emancipativa.
Admitir a necessidade das finalidades, que prescrevem valores, não significa
dispensar o debate filosófico e a conflitualidade filosófica, pelo contrário, a
apresentação dos quadros axiológicos, que fundamentam a educação, deve recusar o
autoritarismo e o directivismo, assente em modelos hegemónicos, estáticos,
pretensamente atemporais e anacrónicos. Não cauciona, pois, a simples preservação do
passado e do instituído, no contexto de um enclausuramento axiológico. Antes leva a
assumir a pluralidade dos projectos educativos em confronto, a que cada modelo
filosófico específico, dotado de finalidades organizadoras e aglutinando dados
radicalizados das diversas ciências, confere originalidade própria. As sínteses
filosóficas, sem abdicarem do seu cariz totalizador, mas sendo sempre provisórias,
devem entabular com os modelos científicos e ideológicos um diálogo tendente à
superação e à transgressão do dado e do instituído.
Nesta abordagem impõe-se, como vemos, o assumir da diversidade e da
dialéctica entre os vectores conflituais, isto é, assume-se, plenamente, a natureza
antinómica do humano e do educativo, raiz de uma antropologia renovada e, como se
verá, de um humanismo reconstruído. Valerá a pena citar aqui a premissa invocada para
esta renovação, que recusa o reducionismo, a normatividade absoluta e a parusia da
síntese superadora e definitiva: ―o princípio da síntese não extingue nunca o princípio
do antagonismo. A síntese absoluta seria a morte. Não poderia haver no cosmos uma
possibilidade de unidade anuladora dos antagonismos: no plano antropológico, isso
significa que não poderia existir uma salvação, um refúgio histórico onde os conflitos
essenciais seriam resolvidos. A limitação e a alienação são constitutivas da vida
humana. Mas esta mesma dialéctica que nos interdita a salvação introduz-nos à
esperança‖ (Morin, ap. Carvalho, 1988, 148). E, como se compreenderá, o
reconhecimento do princípio do antagonismo consuma, neste caso, a abertura do
121

educativo à complexidade. Tanto para a educação, como para a ciência da educação,


resulta uma consonante opção pelos projectos abertos à diferença e à divergência, isto é,
à heterodoxia dos modelos axiológicos. Trata-se de uma opção pelo que se dirige a uma
transcensão do dado e a uma insubmissão perante o que enclausura no presente/passado
ou futurível normativizado, votando-se à servidão de qualquer essência imposta e
apriorista.
Neste contexto, a filosofia assume, por isso, a tarefa de promover a superação
dos resvalamentos ideológicos – recorrentes –, que motivam o estrangulamento
ideológico da emancipação e da afirmação da pessoa, assumida como parâmetro crítico.
Postulando-se, porém, que a própria filosofia é atravessada pelo pluralismo, pelo
antagonismo, pela conflitualidade, pela problematização. Alte da Veiga (2006) sublinha,
no mesmo sentido, o carácter questionante, globalizador, radicalizador e plural da
filosofia que acompanha a essencial inquietude humana e dá conta da natureza crísica
da educação. A filosofia está, antes de mais, comprometida com o humano,
nomeadamente com os seus futuríveis potencializadores do próprio humano e que
assistem à possível superação relativa das limitações que, dentro e fora de si, o afligem.
Mas esta tarefa exige um saber problematizador, inventor de possibilidades de vida, não
um saber resolutivo, assacado à conformação. Só o pluralismo sabe acolher o jogo das
contradições. ―Recusando simultaneamente a defesa de uma filosofia fundamental e
fundamentadora, ele desperta e reforça a importância de reflexões que, implicadas
directamente na produção científica e na existência social do homem, expressam a
inquietude e o inconformismo deste por vias diversas e conflituais, condição da
dinâmica e da vitalidade da filosofia e do próprio homem‖ (Carvalho, 1988, 197).
Como já vimos, reconhece-se à filosofia da educação a função crítica e
aglutinadora dos contributos, mas com especial sensibilidade para a abertura utópica da
natureza inconclusa do ―objecto-projecto‖ suposto na educação. Ora, isto significa
preservar um núcleo ontológico da educação, recusando ceder ao eventual esvaziamento
provocado pela abertura à abordagem científica.
Carvalho (1994a) apresentou mesmo uma delineação que recusa a tradicional
oposição do dever-ser, ideal, apriorista e abstracto, ao ser concreto que é natural e
histórico e, ainda assim, não deixa de transcender essa sua radicação. A sua proposta
conjuga a necessidade do labor filosófico sobre ―os vazios axiológicos e teleológicos‖,
de modo a preenchê-los com os sentidos indispensáveis aos fenómenos educativos, mas
articulando-os aos esclarecimentos científicos. Mas, de modo que, os ganhos provindos
122

do segundo termo não redundem num recuo dos horizontes da problematização


educacional.79
Vemos, assim, configurar-se a proposta de uma Pedagogia da Complexidade,
que parte da constatação crítica de que ―é necessário ultrapassar, simultaneamente, as
ideologias individualistas e estruturalistas, os apriorismos racionalistas e positivistas, o
voluntarismo e o mecanicismo, o cientismo, o pedagogismo e ainda alguns desvios dos
sistemismo‖ (Carvalho, 1994a118). A sua pedra de toque está, desde logo, na
consideração dos fenómenos educativos como endo-exo-organizações, de modo a
superar todo o simplismo e reducionismo, e no abrir-se à diversidade das propostas
pedagógicas.
Numa outra obra, Carvalho (1994b), não só explicita o sentido da
multidimensionalidade constitutiva do humanismo, como a sua natureza transcendental
para o nosso pensamento, ao mesmo tempo que dá conta da imperiosa renovação do
humanismo, com vista a ―dar resposta, de uma só vez, ao esmigalhamento e à
subalternização de que o homem foi alvo com a excessiva ramificação disciplinar das
ciências humanas‖ (Carvalho, 1994b, 26-27). Assim se aponta, de novo, a função de
uma antropologia transdisciplinar e transcientífica, que recuse a dissolução da filosofia,
bem como a sua entrega à segregação de princípios absolutos, abstractos, sem referência
ao concreto histórico. Mas que, ao mesmo tempo, preserve sempre a vocação totalizante
da filosofia e, nela, a tendência humana de apontar ao que transcende a sua condição.
Semelhante projecto remete o avanço da inadiável renovação do humanismo
para o trabalho de revisão epistemológica levada a cabo por Morin, que denunciou as
ilusões insularizadoras e desnaturalizadoras, por assim dizer, do humanismo tradicional,
revitalizando-o e enriquecendo-o com a noção de Homo complex, que recoloca o
homem na natureza, como ser cultural por natureza e natural por cultura. Na sua análise
vê-se como, depois de várias peripécias, a complexidade do humanismo contemporâneo
expressa o processo que retirou ao conceito de natureza humana o substancialismo, o
apriorismo, a imutabilidade, o solipsismo, a insularidade e o etnocentrismo, com que foi
pensado, e que culmina na apregoada ―morte do homem‖.80

79 Temos, mais uma vez, por uma lado, a recusa das antropologias racionalistas da dissociação, que exaltavam a excepcionalidade
humana, e, por outro, a recusa de um aplainar cientificista dos planos axiológicos, ontológicos e existenciais da educação. Evitando-
se simultaneamente o apriorismo, o adaptacionismo e o positivismo.
80 ―É no seio desta encruzilhada que se revela extraordinariamente fecundo o contributo de Edgar Morin, ao proceder a uma revisão
crítica e original das conclusões, das tendências e dos desencontros da(s) filosofia(s) humanista(s) no seu encontro com a
cibernética, a física, a biologia e a sociologia contemporâneas‖ (Carvalho, 1994b, 142).
123

A revisão moriniana denuncia quer o mito sobrenatural e metabiológico do


homem, quer o bestial. Isto que dizer, em poucas palavra, que recusa os reducionismos
sobre o humano. Pelo seu estímulo, a superação do paradigma da simplificação faz-se,
naturalmente, mediante a adopção do paradigma da complexidade. A partir daqui, não
mais a disjunção entre o objecto e o meio, entre o físico e o biológico, entre o biológico
e o humano,ou seja, não mais a redução do humano ao biológico, ou deste ao físico-
químico. A simplificação não permite ―pensar a unidade da diversidade conjuntamente
com a diversidade da unidade, isto é, a unitas multiplex. A complexidade contempla os
antagonismos, as oposições, as complementaridades, a dialógica ordem/desordem e até
mesmo a dissolução das próprias distinções no seio de um movimento inacabado.‖
(Carvalho, 1994b, 143)
Eis-nos, chegados a uma antropologia complexa, que abre o humano à vida, sem
hipotecar os conceitos de sujeito, inteligência e psiquismo, senão atribuindo-lhes ―um
carácter físico e um fundamento biológico‖. O homem aparece, então, como um entre
vários seres-máquinas, dotados de competência organizacional e computacional, cuja
autonomia se ganha com novas formas de dependência do meio. Morin confere, assim,
um fundamento físico à autonomia e um fundamento biológico ao sujeito, ultrapassando
a sua tradicional redução à consciência – apreciando esta como forma última, e não
primitiva, do sujeito. Ao humano reconhece-se, é claro, uma competência cerebral e
cultural próprias, uma excepcionalidade natural, digamos assim, própria de um ser
complexo, porque bio-cultural. E, com isto, assistimos à recuperação do humanismo
salvaguardando ―os principais valores das várias posições humanistas‖ (Carvalho,
1994b, 149).
Esta orientação recebeu um contributo maior, por parte de Morin (2005), com a
sua recente proposta de uma ética complexa, que pretende reconhecer a complexidade
do bem e do mal, procurando, contudo, relacioná-la à ciência, à política e à economia.
Isto quer dizer que, o autor, a contextualiza no jogo dialógico, consubstancial ao próprio
cosmos, e a referencia a uma antropologia complexa, que assume o carácter antinómico
complexo do real em que se funda. Trata-se, pois, de uma ética que ―regenera o
humanismo‖ (Morin, 2005, 205). As consequências destes avanços para o campo
educacional são óbvios, se tivermos em conta o carácter ético que lhe é intrínseco e a
base antropológica a que deve obrigatoriamente referir-se.
A perspectiva de uma antropologia complexa, para uma complexificação da
educação, foi, entretanto, claramente desenvolvida por Barbosa (1997). No seu caso
124

declara-se a necessidade de alcançar uma nova concepção de ser humano, que supere o
seu enfeudamento a uma dimensão reificada, típica das noções indigentes e mutilantes,
fechadas aos vários contributos hoje em campo. Noções, por isso mesmo, incapazes de
conceber com profundidade, relatividade e complexidade o humano em todas as suas
facetas. Na maior parte dos casos falta o diálogo interdisciplinar que esquive o
reducionismo comum.81
A nova noção de ser humano é, na sequência de Morin, a de homo complex, pois
evita os reducionismos simplificadores do sobrenaturalismo, do sociologismo e do
biologismo, todos eles responsáveis pela introdução de rupturas no jogo da
complexidade/multidimensionalidade/originalidade do humano, causando, em
consequência, devastadoras mutilações para o modo com que tem sido encarado. Trata-
se, portanto, de irrigar a concepção do humano com o seu enraizamento num ecossitema
natural/social/cultural, que preserve a sua originalidade/especificidade, ―que se
desenvolvem a partir da vida e que se concretizam nas maiores capacidades de auto-
organização, de autonomia, de conhecimento, e nas aptidões produtoras de emergências,
como sejam o espírito e a consciência‖ (Barbosa, 1997, 176).
A concepção do homo complex assenta nas teorias da auto-organização e do
indivíduo-sujeito de Edgar Morin, a que Barbosa dedica uma intensa hermenêutica, com
vista a poder apresentar os contornos organizacionais e ontológico-existenciais
especificadores do humano, delimitando e especificando o que lhe é mais fundamental e
substantivo.82

81 A seu ver podemos distinguir como ultrapassadas as seguintes perspectivas: a antropo-sobrenaturalista, em que o humano se
excepcionaliza acentuando a sua racionalidade e a consciência aparece como um ―espectro metafísico que plana majestosamente
sobre o reino natural, do biológico, do sociológico, do cultural.‖ (Barbosa, 1997, 31); a sociologista-ambientalista, que maximizando
o poder do plano ecossistémico submerge o humano na determinação sócio-cultural; e a biologista-naturalista que tudo remete para
a determinação biológica e hereditária.
82 Por um lado, há que reconhecer que o humano é um autos: um dinamismo organizador de autonomia, mas suportado pelo
generativo e o fenomenal, simbiotizando-se entre si. Naturalmente nele o grande aparelho neurocerebral permite o jogo da vida num
plano estratégico superior – pois a placenta social e cultural faculta-lhe um desabrochamento das capacidades inatas propiciadoras
de um nível de autonomia propriamente humana, isto é, de autos superior, que conjuga superiormente autonomia/heteronomia,
dependência/independência e ganha o seu desenvolvimento psicológico à custa de várias dependências prolongadas – da família, da
escola, da sociedade – sem as quais, de certo, atrofiaria e não acederia ao patamar do humano. A autonomia constrói-se, de facto, a
partir do império dos genes e do meio, uma série de dependências hereditárias, ecológicas, sociais, culturais e históricas, factores
que tanto contribuem para a autopoiesis como podem comprometê-la, mas é a partir deles que no jogo da auto-organização se chega
a transformar essas dependências em auto-determinação e autonomia. A educação aparece, então, contribuindo decisivamente para a
elevação ao nível superior de autonomia própria do grande aparelho neurocerebral que possibilita o refinado jogo estratégico
cognitivo-comportamental. Mas o que se não pode fazer é abstrair do humano as propriedades fundamentais do vivo, não se pode
abstrair que o ser humano é um ser-máquina computante-cogitante, marcado pelo auto-ego-centrismo, pela auto-ego-referência e
pela auto-ego-transcendência cujo aparelho neurocerebral tem o poder de responder criativamente aos desafios quotidianos e da
existência, dadas as suas capacidades lógicas, representativas, imaginativas, exploradoras e cognitivas e que é desse aparelho que
emergem o pensamento e a consciência, qualidades que, por sua vez, são a base da emergência da nova e superior realidade
imaterial do espírito. Todas estas emergências retroagem, naturalmente, sobre o aparelho que têm por base, requerendo o auxílio da
sociedade, da cultura e da linguagem para poderem emergir. Portanto, o pensamento, a consciência e o espírito devem ser
entendidos como resultantes de uma inscrição corporal/cultural, em que ―O pleno desenvolvimento dessas qualidades, claro está, é
obra que está reservada à educação. (Barbosa, 1997, 186)
O humano passa assim a ser tomado sem simplificações reducionistas e pelo enraizamento natural que as teorias da auto-
organização e do indivíduo-sujeito esclarecem. O acto de se colocar no centro do universo, que pressupõe o tomar-se como
referência e entidade acima dos outros entes, transcendendo-os, confere uma qualidade universal do mundo biológico, do vivo: a
125

E há-de ser esta abordagem complexificante que nos permitirá traçar os vectores
fundamentais da antropologia complexa do processo educativo. Para a alcançarmos
precisamos de uma concepção dialógica das antinomias educacionais, ou seja, devemos
ultrapassar quer a visão disjuntiva – esforçada por manter a separação dos termos
antinómicos e abraçar tragicamente o conflito –, quer a visão conjuntiva – obcecada
pela síntese superadora da conflitualidade.83
A nova concepção exige, pois, que sigamos o princípio dialógico, definido como
a ―associação complexa (complementar, concorrente, antagonista) de instâncias,
necessárias em conjunto à existência, ao funcionamento e ao desenvolvimento dum
fenómeno organizado‖ (Morin, ap. Barbosa, 1997, 269). Pensar as antinomias de modo
dialógico é saber reconhecer nelas as polaridades e, ainda assim, ser capaz de procurar a
sua unificação complexa, isto é, complementar, concorrente e antagónica. O autor diz-
nos que, para isso, há que cortar com duas coisas: com a inteligibilidade aristotélica da
questão, o que em parte significa abdicar da teoria da medianidade, pois ela parece ser o
instrumento do esbatimento da tensão antinómica; e com a insistente procura da síntese
superadora, que junta e supera os termos em antinomia. A nosso ver, se a medianidade
for vista de forma dinâmica, tal como o explicamos antes, introduz-se um elemento de
complexificação que permite integrar a abordagem dialógica.
Mas, como se vê, para ganharmos a visão complexa, precisamos da dialógica: ―o
pensar dialógico concebe para ligar/articular polaridades contrárias, rejeitando por isso
o maniqueísmo, e para salvaguardar a separação/disjunção dessas polaridades no seio
duma unidade, rejeitando por isso a tentação da síntese superadora/apaziguadora
(Barbosa, 1997, 270). Com isto, alcançamos a concepção da unidade na dualidade: a
unidualidade dos fenómenos educacionais, que salvaguarda a conjunção/disjunção das
polaridades antagónicas. A concepção dialógica evita dois extremos: o do pessimismo
exagerado das hermenêuticas da oposição; e o do optimismo exagerado das
hermenêuticas da síntese. Trata-se, pois, de uma posição realista, na omnicompreensiva

qualidade de sujeito. Ser sujeito é ter essas três características, só concebidas pelo pensamento e expressas pela linguagem, no
humano – desenvolvimento último da qualidade de sujeito no mundo vivo, mas sem que se possa aceitar o orgulho humanista que
vê no sujeito uma propriedade transcendente e equivalente à consciência. O sujeito é uma propriedade do vivo, uma modalidade
subjectiva do ser produzido pela computação viva. Mantendo a determinação de esquivar as noções absolutizantes, essencialistas e
reificadoras, ou seja, as tendências simplificadoras, disjuntivas, reducionistas e deterministas, devemos procurar plasmar a noção
complexa de ser humano considerando que ele é um ser biocultural porque constrói a sua autonomia individual e a sua liberdade
existencial com base em dependências biológicas e ambientais. A sua condição ontológico-existencial e a sua especificidade
(humana) enraízam-se no mundo biológico.
83 Poderíamos bem colocar no primeiro caso Fullat (1988), mas dificilmente se pode remeter Quintana Cabana (1988) ao segundo,
como quer Barbosa (1997). No segundo caso, afirma-se com clareza a opção por um ―federalismo dos princípios‖, o que só pode
supor debate da dinâmica antinómica. A síntese proposta quer respeitar os princípios no seu antagonismo e procura a articulação, de
nenhum modo definitiva, do melhor dos opostos.
126

classificação de Fullat (1979), que relativiza os extremos e procura uma abordagem


anti-simplificadora.
Barbosa (1997) apresenta-nos, de seguida, uma análise dialógica de certas
antinomias fundamentais: aquela que existe entre natureza e cultura – mostrando como
ambas carecem e apelam uma à outra, sendo antagónicas e complementares, e se
digladiam, mas se promovem, mutuamente, em unidualidade; a que se perspectiva entre
indivíduo e sociedade – mostrando como, neste caso, os interesses divergentes se
enriquecem mutuamente; e a resultante da tensão entre autonomia e heteronomia –
mostrando como os pólos da auto-educação e da hetero-educação constituem um
antagonismo e, ao mesmo tempo, entram em relação de complementaridade, o mesmo
se passando, por exemplo, no caso da oposição entre a libertação de constrangimentos
vs. autoridade, onde se joga a dualidade dos processos que limitam e apoiam; bem como
a que se perspectiva entre consciência própria vs. alheia.
Na opinião deste autor, o horizonte finalístico do processo educativo orienta,
naturalmente, para a complexificação do educando, requerendo as ―condições
adequadas para que esse educando se construa como ser humano exercitado, de modo
autónomo e original, nas artes para as quais se encontra mais ou menos capacitado,
como sejam as artes relacionadas com as actividades do conhecimento, do pensamento,
da reflexão, da decisão, da actuação‖ (Barbosa, 1997, 289). Os meios, da consonante
complexificação do educando, devem, em todo caso, sintonizar-se como os da
complexificação de todo sistema vivo: pelo aumento da variedade, diversidade,
heterogeneidade, flexibilidade e adaptabilidade. Por esta via, a educação alcança o
enriquecimento funcional do educando e dá-lhe possibilidade de construir a sua
humanidade.

3.2. Um horizonte crítico para avaliar o educativo e o deseducativo

A perspectiva da complexidade do campo educacional compromete-nos com o


princípio de não deslizarmos para a simplificação, típica dos reducionismos, pois
importa saber preservar as tensões antinómicas, que atravessam a educação: importa
considerar os pólos da necessidade e deixar disparar o desejo; importa atender ao real e
apontar ao ideal; importa ter em conta o ser e tender ao dever-ser.
127

A educação está endereçada a conduzir a ―alma‖ a si mesma, a centrar-se em si,


de modo que, por si, desenvolva a resiliência timbre da sua integridade. E poderíamos
também dizer, na esteira de Sócrates, que a educação deve provir um ensimesmar-se,
um ser si próprio, como insiste Fullat (1988). A educação aparece-nos, nesta
perspectiva, grandemente, comprometida com o educar o sujeito para si, de modo a que
abrace, por si, um projecto antropológico pessoal, pois, caso contrário, transviar-se-á
pelo enclausuramento nos horizontes de sentido fechado e restritivo.
Se a educação se dirige a promover o ser-si-mesmo, o assumir a existência
própria, no reconhecimento do seu horizonte de limitações, tal como mostrou Jaspers
(Neves, 2004), ela também deve, de modo inevitável, referir-se a um ideal, se não quiser
ser coisa avulsa. Porém, não pode perspectivar o ideal à revelia do ser-aí, ou trai-lo-á.
Nesse caso, mais do que ensejo emancipador, libertador e aperfeiçoador ela devém
clausura e repressão. O ideal tem, pois, de conjugar-se com o horizonte das
possibilidades antropológicas. A educação cumpre o seu desígnio antropológico e
personalizador quando arranca o humano do domínio das possibilidades do ser-aí e, de
seguida, o devolve a si próprio, colocando-o na senda do seu destino de liberdade e
racionalidade. Tendo em conta este pressuposto, devemos conceber o ideal de tal modo
que não represente uma prisão, mas seja um desafio de expansão para a existência que
se projecta através dele. E, contudo, é, também, incontornável que nunca poderá ser um
ideal rasteiro, pois, ―de facto, nunca os ideais menores foram atractivos para o homem
ou para estabelecer patamares superiores de realização humana; e nem serviram como
fonte de inspiração para superar dificuldades ou impasses existenciais‖ (Maia, 2006,
134). O ideal antropológico subjacente à educação não pode ser apenas a circunstância,
ou o imediato, pois nem um nem outro satisfazem substancialmente o humano; e mais
depressa se prestam ao seu enclausuramento do que à sua realização, aliás, sempre ―in-
acabada‖. Ora, como assinala Gil (2003), se não se aponta o sentido das intenções
educativas, em vez de fins ficamos pelas circunstâncias e modas.
Assim, comecemos por reconhecer que o ideal se deve perfilar de tal forma que
corresponda ao existencial. Como mostra Fullat (1984), o humano aponta aos valores
porque experimenta o palpar-se como carência. De modo que os valores aparecem
sempre a conferir sentido ao sentido que (faz) falta. E é através deles que o humano se
forma, abrindo na fissura do menos o entusiasmo pelo mais. Esse mais coloca-se num
plano de possibilidades em deslocação continuada conforme se avança, conforme se
desbrava e semeia o sentido no mundo. É, pois, um domínio sempre a refazer, um
128

domínio de abertura. A educação conjuga, nesse horizonte utópico, as possibilidades do


humano, perspectiva-as de modo relacionado aos valores, que requerem a vivência
pessoal, no assumir do projecto antropológico pessoal. A educação consiste, aliás, nesta
construção utópica, em que o ideal fala ao existencial e o convida a projectar-se: é
inacabada tarefa de assumir a condição e a viagem de ser humano.
O eventual enclausuramento num horizonte de sentido fechado, restritivo da
educabilidade humana, leva-nos a tomar como critério, na linha definida por Fullat, esta
conjugação da educação com a utopia, na medida em que esta representa a abertura do
projectar-se na existência. De modo que, a educação deve esquivar necessariamente a
reificação de qualquer promessa total(izante), que, só em aparência transcende, o ―ser‖.
Ela deve manter o sentido ético, capaz de preservar a abertura para o progressivo
colmatar da insatisfação essencial e definitória do humano. A educação abre-se, pois, de
modo continuado, ao horizonte da emancipação pessoal, executando-se no plano da
essencialidade antropológica em que é ―determinante no jogo do ser e do dever-ser,
sendo a mola real do dever-ser‖ (Boavida, 1998, 230).
Apesar de ser fundamental a consciência de que a educação se tece entre o ser e
o dever-ser, certas abordagens optaram, no entanto, por dispensar-se das preocupações
do presente possível e preferiram referir-se apenas à vertente normativa, esquecendo a
existência e votando-a a um certo esmagamento. Melhor será, por isso, procurarmos
articular o quadro das finalidades com o atendimento ao presente. Assim se evitará, em
simultâneo, quer o enclausuramento da adaptação ao presente fechado sobre si, quer a
sua hipoteca aos futuros unidimensionais. Futuros que podem muitas vezes ser até
tecidos a partir de um ―presente‖ imposto como desejável, isto é, um certo modo de
conceber o desejável e, portanto, constituindo um ―presente‖ que funciona como futuro
dos educandos, mas não como o ―futurível‖ de todas as suas potencialidades. Coisa que
não é possível atender senão respeitando a espontaneidade e a concreção individual,
tomadas como dinamismos referenciais com encontro marcado com o futuro dos
possíveis próprios a cada um. Gil (2003) diz-nos que há que conciliar a direcção prática,
referente a circunstâncias, com a direcção especulativa, referente a fins, e recomenda
mesmo, entre ambos os pólos, ―viagens de ida e volta‖ (Gil, 2003, 125), num incansável
questionar do melhor sentido valorizador das possibilidades do educando.84

84 A seu ver, o desafio permanente da filosofia da educação é aprofundar continuamente as implicações da condição humana para
as acções educativas, o seu valor humanizador para a pessoa educanda. Ou seja uma teoria do sujeito entendido como fim em si
mesmo. A filosofia da educação busca as intenções que ampliem as aspirações humanizadoreas da educação, as melhores
129

Em educação temos de contar com a utopia como despositária do sentido último


do humano e, em consequência, como portadora de um eminente significado crítico
(Carvalho, 2001). Mas semelhante referência exige, naturalmente, uma ―pedagogia
utópica‖. E esta tem de ser uma ―pedagogia da inquietude que conjuga dinamicamente
as dimensões do dever-ser, do poder-ser, do querer-ser (ou do desejar-ser) e do ter-de-
ser, ou seja as perspectivas normativa, expectante, volitiva e determinista, sem aceitar a
hegemonia de qualquer delas‖ (Carvalho, 1994a, 34).85 Interessa, aqui, assegurar a
harmonização de todas as dimensões, que é o que evita os reducionismos. Se a
adaptação constitui uma exigência, a perfectibilidade deve estar sempre no horizonte.
Notemos, a propósito, que segundo Boavida (2005, 28-29) ―em educação é mais
determinante o dever ser que o ser.‖ Pois, se a educação se refere ao domínio do ser, ela
não pode deixar de o referir ao plano que vai para lá dele, para o que o potencializa,
porque ―o ser desempenha o passivo que há na educação e o dever ser o activo sem o
qual não há educação alguma. O que sigifica que em educação não somos obrigados a
aceitar, como bom, aquilo que é, somente porque é e pelo estado em que está; mas
devemos exigir sempre mais, ir sempre no sentido do que deve ser, tentando alcançar o
estádio que, em cada instante e circunstância, devia ser. E isto não por um abstracto
‗dever‘, ou como resultado da dedução de um princípio a aplicar, uma vez que a palavra
pode ter perdido muito do seu sentido, mas por uma mais-valia pressuposta no valor de
cada acto ou atitude concreta, na possibilidade de os valorar e, portanto, pela
possibilidade que em cada instante está à nossa frente. Na perspectiva educativa um acto
é simultaneamente o que é e o que devia ser; ou seja, é sempre potência de ser‖
(Boavida, 2005, 31). Na verdade, se referirmos a educação à ontologia da
perfectibilidade, de que falam Pring (2003) e Maia (2006), ela não pode deixar de ser
um tensionar para o ser melhor. Até porque, na sequência do que defende Adalberto
Dias de Carvalho quanto à educabilidade humana, ―o ser humano é um ‗ser potencial‘
que fica sempre aquém daquilo que podia ser ou fazer, numa espécie de carência
essencial (defectibilidade), que o faz ansiar pelo passo seguinte (perfectibilidade)‖
(Boavida & Amado, 2006b, 154). A plasticidade humana permite-lhe avançar pelos
trilhos da perfectibilidade, mas sem que, alguma vez, realize mais do que um certo

possibilidades éticas de humanização. O educador tem obviamente um compromisso ético nesta tarefa pessoal de projecção do
desenvolvimento pessoal do educando.
85 Seguindo ainda o autor, importa especificar que no plano axiológico das finalidades se abrirá o sentido emancipador do quadro
utópico que formata o cenário dos possíveis desejáveis. Já no plano do envolvimento pessoal é que hão-de jogar-se as opções do
poder-ser que toma em consideração a distância entre o ser e o dever-ser. Enquanto no plano volitivo se assentará o ―élan‖ optimista
da transcendência do positivo, correspondente ao ter-de-ser.
130

modo de ser humano e sem que, alguma vez, alcance a perfeição, porquanto, jamais
poderá superar, definitivamente, a sua carência constitucional, que é multimodal:
―carência de vida‖, ―carência de bens‖, ―carência na compreensão de valores e
princípios‖, ―carência de ser‖ (Azevedo, 2000). Daí que, em compensação, contando
com a carência, a perfectibilidade apareça sempre a apontar, à educabilidade, um
sentido positivo para o seu desdobramento (Carvalho, 1994a). Eis a dinâmica do jogo
que nos diz que o humano não é simples carência, porque é também potencialidade e,
como assinalou Jaspers, transcedência: trancendência de si e sentido de transcedência,
isto é, capacidade de desejar o impossível e esperança (Neves, 2004).
Em todo caso, retomando a articulação entre as dimensões do dever-ser, do
poder-ser, do querer-ser (ou do desejar-ser) e do ter-de-ser, que recomenda Carvalho
(1994a), vê-se bem como se devem preservar os pólos da dinâmica antinómica
transversal à educação. E, ao mesmo tempo, se define uma linha crítica para podermos
avaliar o plano educativo. Articulando o feixe antinómico, assim se irá desdobrando a
educabilidade em conjunção com a perfectibilidade possível e desejável, transcendendo
a(s) carência(s), por meio do(s) projecto(s), futurador(es) da perfectibilidade humana.
Não restam, pois, dúvidas de que todo o processo educativo envolve um projecto
tensionado entre o real e a utopia, que não pode ceder a qualquer unidimensionalidade.
E é este modo crítico que permite enfrentar qualquer derrapagem ideológica, por
natureza enclausuradora, comprometida com os presentes (e os futuros) do poder, ou, se
se quiser, a lógica do estabelecido. Na verdade, é esta lógica que, subordinando o plano
da educabilidade, conduz ao homem unidimensional, ―ou ao seu protesto fracassado – o
neurótico ou o psicótico‖ (Fullat, 1984, 141). De modo que, apenas se aberta ao
controvertido, a educação pode desembocar ―no homem em autopossessão‖ (Fullat,
1984, 141). Aliás, é em referência ao plano utópico, que reclamamos para a educação,
que se descortina bem a importância da filosofia abrir os sentidos crítico-utópicos
indispensáveis para assinalar o enclausuramento ideológico e levar a cabo a
indispensável desconstrução dos horizontes da normalização. De modo que, o nosso
ponto de vista crítico vem a ser, precisamente, esta perspectiva que denuncia toda a
eventual ideologização por via de um enclausuramento. A educabilidade é a única porta
do humano e exige uma constante superação do dado, embora evitando o resvalar para a
131

ilusão da volatilização dos condicionalismos86 – seja o natural ou o social instituído –,


que constituem condição de possibilidade do próprio movimento de transcendência
humanizadora. Quanto aos horizontes de perfectibilidade, deve, também, a filosofia
ajudar a abri-los, pelos seus movimentos críticos, vigiando, para que a senda da
humanização, sempre inconclusa, sempre a trancender, sempre aventura, nunca se
feche.

3.2.1. Pessoa e valores: o educativo e o deseducativo

Se nos colocarmos sob o signo que antes desenhamos, temos de reconhecer que
o desígnio prioritário da educação é a pessoa. Na verdade, a educação deve
corresponder ao incontornável repto de transformação do indivíduo em pessoa (Boavida
& Amado, 2006b). Em educação não importa obter apenas esta ou aquela capacidade do
indivíduo, esta ou aquela habilidade. Kant dizia que a habilidade serve a prudência, mas
por cima de ambas está a formação moral, a última e mais importante de todas, aquela
que consuma o destino humano de ser racional e livre. O que quer dizer que,
educacionalmente, deve apontar-se a um algo mais, dotado de integridade, de dignidade
e de consequente estatuto ontológico que, como também vimos, se deve evitar dissociar
do vivo de onde emergiu. Em todo caso, aparece como líquido que, se abstrairmos da
subjectividade, que se encarna na pessoa, a educação deixa de ter sentido.
A nosso ver, isto significa que a prioridade da educação está no propiciar a
emergência e a afirmação da pessoa, na medida em que, como assinala Gil (2003), a
educação se refere essencialmente a uma proposta de humanização que, por meio de
valores, seja susceptível de conseguir a plenitude da pessoa. A pessoa constitui, na
verdade, um referente obrigatório da educabilidade humana. Carvalho (2001, 22) diz,
claramente, que a problemática da pessoa ―se impõe, por si, de um modo transversal e
inerente à essência e à finalidade da educação. Isto é, trata-se de uma problemática que
sendo, à partida antropológica é, também, ontológica se a olharmos do ponto de vista da
natureza da educação.‖ Nem poderia ser de outro modo se, como reconhece Boavida
(2005, 12), ―a pessoa é o determinante e o referencial último da minha natureza. A
minha pessoa dá à minha natureza aquilo que eu sou, aquilo que me especifica, o que os

86 Notemos que os condicionalismos que limitam as possibilidades e reclamam a adaptação não são sempre um lamentável
contexto, são também o lápis e o papel do texto que há a escrever, o âmbito da possibilidade a concretizar. O humano não se realiza
voltando as costas à vida, mas abraçando-a.
132

outros captam e pelo qual me reconhecem.‖ A pessoa, como substância individual de


natureza racional, conjuga em si o sistere, que a natureza determina, com o existere,
relativo ao que se manifesta de modo particular em cada indivíduo e pela existência se
forma. O carácter aparecerá então a especificar a pessoa, como modo de ser pelo qual a
pessoa se apropria da existência, pois, pertence-lhe uma margem de liberdade para
dispor de si e ser responsável acerca de si, na relação com os outros. O carácter,
remetendo para a racionalidade fundante do teor moral, que se requer à pessoa, será o
referente para podermos fazer a avaliação das atitudes e reconhecermos a ordem ou
constância que a caracteriza. E, assim sendo, o educativo e o deseducativo poderão, por
isso, apreciar-se também em relação ao impacto que se verificar ter um certo contexto
sobre o carácter da pessoa.
Tomemos, então, por princípio que ―se a pessoa é, sobretudo, o próprio projecto
de realização do homem, a educação é, antes de mais, o projecto de realização da
pessoa‖ (Carvalho, 2001, 22). Pelo que importa esclarecer, o melhor que nos for
possível, o que significa ser pessoa e o papel da educação a seu respeito.
Para Patrício (1993), o plano personológico é o mais elevado e último, pois só
nele aparece a dignidade da pessoa, ―como valor consciente e intransacionável‖ ( 60).
Daí que a educação consista, essencialmente, num processo de personalização. ―Educar
é transformar em pessoa; educar-se é fazer de si pessoa humana, é desenvolver em si a
pessoa humana que se é germinalmente. O homem não nasce pessoa feita, nasce pessoa
a fazer e, em rigor, pessoa a fazer-se‖ (Patrício, 1993, 141). Ou seja, ―o processo
educativo configura-se como um processo de personação‖, isto é, um processo de
―contínua construção do indivíduo em pessoa‖ (Carvalho, 2001, 23). Sendo que o
indivíduo é o ser limitado e determinado pelas leis naturais e a pessoa ―contínua
transcendência sobre si mesma‖ (Carvalho, 2001, 22). Podemos pois destacar que ―a
pessoa constrói, a partir da natureza, um ser singular; é um singular modo de ter e de
viver a natureza‖ (Boavida, 2005, 12), que continuamente se projecta num realizar-se,
por referência ao universo axiológico.
Em consequência, parece claro que, educar tem de ser um processo de conferir
valor e valorizar o educando. O que passa por propiciar-lhe o acesso aos valores, a
captação do sentido e a hierarquia dos fins, bem como a capacidade para compreender a
universalidade e a apoditicdade dos princípios. Supondo-se que é pela educação,
enquanto insubstituível mediadora de um processo bio-psico-social de desenvolvimento,
que a pessoa adquire a estruturação axiológica que a caracteriza (Boavida, 2000).
133

Na verdade, são as preferências da pessoa que, continuamente, a (re)estruturam e


(re)definem enquanto tal, na sua originalidade (Patrício, 1993). Pelo que damos, aqui,
conta de um elemento essencial da pessoa: tal como assinalou Scheler, ela emerge pela
abertura do humano aos valores – captando-os, estimando-os e realizando-os. A pessoa,
que vem a ser o centro espiritual dos actos e decisões,87 requer uma consciência, pois é a
consciência que mostra os valores e ordena os actos em relação a uma responsabilidade.
A pessoa é o indivíduo que se alcandorou ao carácter ético, na medida em que, a sua
liberdade lhe permite assumir, ou não, o valor como seu principal determinante
(Hartman, ap. Cabanas, 1998, 37). Aliás, a própria personalidade requer como condição
de possibilidade a participação nos mundos ontológico e axiológico. De modo que,
como ensina Gervilla (2002), os valores são, sem dúvida, elementos constitutivos da
personalidade.
Esta questão exige que atendamos a dois considerandos.
O primeiro deles, diz respeito ao facto de vermos que é a abertura aos valores
que, por sua vez, abre a possibilidade ao humano de definir os fins da existência e o seu
sentido, reclamando para ela a realização do que merece ser realizado e rejeitando o que
não tem esse valor. Viver é, neste sentido, descobrir, confrontar-se e encarnar valores na
existência. Segundo Gervilla (2003), é, por isto, que temos de defender uma pedagogia
do esforço e da capcidade de sacrifício. Até porque o próprio esforço é um valor em
estreita vinculação com o sacrifício. De facto, o valor é aquilo que nos dispomos a
alcançar sacrificando algo. Envolve o ―acto voluntário de renunciar a um valor por outro
qualitativamente superior‖ (Gervilla, 2003, 100). O que quer dizer que estará, também,
sempre implícita uma hierarquia dos valores. É em função dela que se justifica, por
exemplo, o sacrifício do hedonismo em favor de algo mais elevado, como será o caso,
na opinião do mesmo autor, dos valores sociais, dos humanizadores e dos salvadores.
Certo é que, sem valores e disposição volitiva para os alcançar pelo esforço, não
poderá haver tensão existencial. Ora, o nosso modo de existir alimenta-se
necessariamente da tensão axiológica, o que significa privilegiar a consecução dos
valores próprios ou finais sobre os instrumentais que são mais baixos. Toda a vida
consiste nessa batalla entre «prazer e dever, entre o bem e o mal, ou entre o que vale
menos e o que vale mais» (Gervilla, 2003, 103). Em todo o acto, pelo qual buscamos
realização, se requer esforço de vária natureza: muscular, moral e intelectual. Daí que
tenhamos de reconhecer a necessidade de uma pedagogía do esforço, porquanto ―o ‗ser‘

87 Centro que pode deslocar-se, centro que não significa necessariamente clausura num foco definitivo, mas abertura.
134

vem-nos dado pela natureza, mas ‗o dever ser‘ há que conquistá-lo mediante a
formação, pois nascemos humanos mas não humanizados, sociáveis mas não
socializados, com a possibilidads de ser felizes e livres, mas não com a posse da
felicidade e da liberdade. Aprendemos a ser humanos incorporando valores à nossa
existência‖ (Gervilla, 2003, 104). Por isso toda a educação está referida a valores e o
humano tem de considerar-se animal axiológico. O mesmo autor refere ainda que o
homem é sempre portador de valores e não pode existir na carência total de valores, pois
isso corresponderia ―à própria morte do homem, da educação e da sociedade‖ (Gervilla,
2002, 8). E, contudo, na nossa sociedade actual, parece difícil diferenciar os valores dos
antivalores, campeando a afirmação dos valores mais baixos, como o hedonismo e o
consumismo. No ambiente da actual sociedade do bem-estar não se vê que renunciar ao
esforço significa viciar-se em violências contra si mesmo, como é próprio do
consumismo (Gervilla, 2003). Para escaparmos à alienação resultante da falta de
controlo das paixões e da incapacidade para contornar as necessidades artificais, que
não conduzem a um maior desenvolvimento ou felicidade, temos de nos dedicarmos a
essas conquistas do esforço que são a autonomia e liberdade.
O segundo considerando importante nesta matéria diz respeito ao facto de
também vermos que é pela educação que se propõem os valores que podem realizar a
humanidade em cada um, implicando isto o consumar de uma abertura aos valores, uma
―axiologização da pessoa humana‖ (de la Pienda, ap. Cabanas, 1998, 266). A educação
não pode furtar-se a correponder a este desafio, até porque, naquilo que de mais
específico define a identidade, encontramos também o tornar-se pessoa por
incorporação dos valores como unificadores do que a pessoa é ao longo do seu percurso
de vida. Segundo Gervilla (2002), educar é humanizar pela incorporação de valores, que
assistem ao fazer-se pessoal.
Pelos valores, a pessoa transcende os condicionalismos do passado e do presente
e liberta-se projectando-se na própria perfectibilidade – uma finalidade primeira da
educação – que corresponde ao tornar-se mais valioso. A pessoa faz-se assumindo
valores, surge com os valores e pelos valores e cresce com o crescimento dos valores
em si (Cabanas, 1998). Na sua senda é que progride a consciência e a espiritualidade e é
pelo processo de ampliar a sua capacidade para captar os valores e integrá-los no seu
modo de ser que a personalidade se enriquece, se matiza e se aprofunda. A construção
do humano consiste neste crescimento. Quando a educação se ordena à perfeição
antropológica, fá-lo por tomar a incorporação de valores como ascensão perfectiva e
135

expansiva da personalidade, que se enriquece pela incorporação dos valores, sobretudo


dos valores mais fundamentais e superiores. A maturidade alcança-se, deste modo, com
a integração da consciência em torno de uma rede de valores, que conferem sentido à
pessoa na sua existência.
A educação orienta-se para a perfectibilidade, como apelo eminentemente
axiológico dirigido ao educando para ser melhor, porque, precisamente, ela deve
corresponder ao mesmo apelo que é próprio toda a pessoa acalentar: ―O educando quer
aprender e quer ser o mais possível quem sente que pode ser, quem sente que nasceu
para ser. Esta vontade profunda, residente no centro dos centros de cada pessoa, é uma
força axiológica e axiologicamente ordenada e disparada. A pessoa reconhece-se a si
mesma como um valor. Por isso é que ela só quer, só visa, só se ordena, só se dispara
para o que é valioso. A vontade de aprender e a vontade de ser do educando – da
pessoa-educando – é a vontade do valor: do valor que o próprio é, do valor que o
próprio dá ao que lhe é dado, do valor que o próprio dá ao que realiza. É o apelo do
valor aquele que percorre todo o espaço interior do ser humano: o valor clama, dentro
desse espaço, pela sua realização. É o sentido que vemos na famosa sentença de Goethe:
sê quem és. Este imperativo é um apelo: é o apelo a ser-se. É dentro desta vocação que
se dão todas as vocações; é dentro deste apelo que ressoam destinalmente todos os
apelos que surgem, e urgem, dentro do espaço interior de um ser humano‖ (Patrício,
1993, 305). Ora, se a pessoa se afirma como estrutura vocacional axiológica, a educação
deve corresponder-lhe se a quiser realizar. Enquanto tal, trata-se centralmente de um
apelo ético, no sentido em que, como também sublinha o autor citado, o Bem representa
o núcleo axiológico central.
O propósito central destas reflexões sugere-nos que consideremos aqui o
contraponto ao processo de axioligização apontado. Como também mostra Quintana
Cabanas (1998), no plano oposto, o da carência de significados, resultantes da
integração dos valores e consequentes valorações, produz-se a desorientação, a
desintegração, o esvaziamento, o desequilíbrio espiritual e o sofrimento. A vertigem e o
vazio esperam, pois, aqueles que se esvaziam de valores, ou elevam dentro de si os
valores inferiores, assumindo atitudes que os votam à busca do prazer imediato, ao afã
egoísta de dominar, à soberba, ao hedonismo, ao materialismo, ao pragmatismo, à
arbitrariedade… O negar ou rejeitar um valor superior ou uma realidade valiosa
corresponde, em grande medida, a um diminuir-se e esvaziar-se. A unidade interna ideal
do sujeito depende da sua capacidade para integrar os valores e assumir uma orientação
136

que lhe exige o livre e consciente sacrifício da satisfação imediata e do inferior com
ordem à realização do superior. Em tudo o que o humano conquista aparecem sempre
como mediadores a sua liberdade, o esforço e o sacrifício na entrega ao que vale a pena.
A educação não pode deixar de se perfilar do mesmo modo. Como assinalou Alain,
―não há experiência que eleve mais um homem que a descoberta de um prazer superior,
que ele teria sempre ignorado se não tivesse empregue antes de tudo um pouco de
esforço‖ (ap. Laia, 2004, 170).
Em termos fundamentais, a educação está mesmo obrigada a atender que a
―finalidade humana descreve uma tensão entre liberdade e valor‖ (Méndez, ap. Cabanas,
1998, 440). E deve dedicar-se a motivar a axiologização pessoal, tendo em conta que
toda a incorporação de um antivalor, ou a rendição da personalidade ao inferior a
degrada e desintegra, pois compromete a tensão entre o que é e o que pode e deve ser.
Assim, a educação deve dirigir-se a propiciar, no contexto de liberdade indispensável à
incorporação axiológica, a eleição racional, crítica e pessoal dos valores. Deste modo
poderá, talvez, orientar para o alcançar da felicidade possível, pela incorporação dos
bens portadores dos principais valores, e fazer acalentar a esperança do acercar-se ao
fim último da vida humana, que continuamente se desloca em relação ao conquistado.
Referimo-nos à felicidade ideal, a plenitude da perfectibilidade, a realização e satisfação
plenas, a promessa correlativa à purificação pessoal que Platão evoca, ao encerrar
heroicamente a sua República (621d): ―havemos de ser felizes.‖ Embora, no caso do
humano, como ser ―im-perfeito‖ que é, a felicidade tenha de surgir referindo-se ao
entrelaçamento do sofrimento com o fracasso, em que o humano se descobre autêntico e
insatisfeito (Neves, 2004). O que, a nosso ver, não quer dizer que não possa saborear a
felicidade, mesmo se de modo sempre evanescente, nas realizações que vai alcançando
pelo seu projectar-se (Cf. Rojas, 2004).
Terminamos esta secção com uma sintética nota crítica. É profundamente
deseducativo o acto que, pelo tráfico de valores, trai a pessoa, enclausurando-a numa
forma de degradação e heteronomia axiológica. A análise que conduziremos adiante
sobre o ―complexo televisivo-publicitário‖ procurará mostrar como semelhante
perversão pode ocorrer neste campo.
137

3.2.2. Pessoa e relação: o educativo e o deseducativo

Segundo Carvalho (1998, 10) impõe-se, actualmente, uma ―aproximação crítica


entre o discurso antropológico e a mensagem humanista‖, que nos leve a assumir a
dignidade ontológica, existencial e moral, que define o humano. Mas, na sua opinião,
isto deve acontecer sem arrogância, nem ruptura, face ao natural, de onde emergiu e
emerge, continuamente, ao vencer o condicionante, até dentro de si mesmo. O humano
só vence o que o define e limita se o confrontar, não se o ignorar, daí que a educação
nos apareça como actor principal do humanista projecto antropológico da liberdade. A
ela cabe acolher a liberdade como seu princípio meio e fim, como tarefa e utopia
(Carvalho, 1998).
Mas, se queremos vencer as ilusões antropológicas, educacionais e pedagógicas,
que idolatram certos termos das antinomias educacionais e tendem ou a substancializar
abstractamente a pessoa ou a eclipsá-la, instalando o vazio na educação, temos de
apontar aqui uma noção crítica de pessoa e o modo pedagógico consonante à sua
emergência.
A base da crítica da noção tradicional de consciência e pessoa encontrámo-la,
precisamente, na relativização que a filosofia e as ciências, nos seus vários quadrantes,
vieram a impor ao conceito de consciência, assinalando-lhe um plano determinante de
ordem inconsciente, estrutural e/ou impensado. Neste quadro apurou-se que o papel do
aquém da consciência, como terreno de enraizamento do sujeito-cogito, reenvia para a
sua circunstancialidade biológica, física, social, cultural e histórica, sem se admitir
preeminência a qualquer destas instâncias, ou seja, a consciência é sempre consciência
determinada por diversos planos que a antecedem e constituem. Há, pois, que
reconhecer que ela não é sede exclusiva, única e absoluta de sentido, sendo também
necessário assinalar-lhe o outro em si própria. E, mais ainda, devemos atender a crítica
que recusa reduzir o sujeito à consciência, pois como se viu, da análise moriniana, o
sujeito biológico é anterior ao consciente, tendo aliás raiz biológica a sua base primitiva
da autoreferência, autotranscendência e egocentrismo. Enraizando desta forma a
consciência, impõe-se concebê-la, não como substância transcendente, mas como uma
qualidade específica de um ser natural e circunstancializado. Por isso, desde logo, há a
superar a concepção substancialista da res cogitans e reconhecer que, muito pelo
contrário, a consciência resulta ser uma qualidade emergente num ser vivo em dialéctica
com uma cultura numa sociedade (Dennett, 2005).
138

Depois desta primeira relativização crítica, importa, agora, não cairmos na


esparrela de acabar podando tudo o que a pessoa possa ter de transcendente; e já lhe
reconhecemos a qualidade de ser fim em si mesma, consciência de si, capaz de se
determinar livre e racionalmente, por relação a valores. À pessoa é-lhe, pois, assacável a
responsabilidade dos seus actos. Se a pessoa inclui, mas não se esgota, nas figuras do
sujeito e do indivíduo, e estas aparecem, agora, diluídas, por afastamento da metafísica
da subjectividade e da sobrenaturalidade, isto não quer dizer que não reste à pessoa um
estatuto próprio. Comecemos por reconhecer que, não sendo aliás a pessoa um produto
natural, ela é em essência espiritualidade, captando-se simultaneamente como ser,
consciência e valor (Carvalho, 2001).88 Embora seja também necessário ver que a
pessoa se capta como imperfeição e como sendo em relação com a alteridade (do mundo
e das outras consciências). Voltaremos a este último assunto.
Se a pessoa implica a consciência e esta não é um puro cogito soberano, auto-
transparente e monádico, tão pouco pode entender-se como simples efeito de superfície.
Não é simples epifenómeno e, no entanto, não devemos cair nas ilusões da cisão
sobrenaturalista, da independência, da autonomia e da soberania absolutas. Assim,
convém lembrar que ―Morin define a consciência como uma arte reflexiva (em situação
de interdependência relativamente à inteligência enquanto arte estratégica) e o
pensamento como arte dialógica e arte de concepção. A inteligência humana é
espiritual e cultural sem prejuízo de permanecer animal e individual. O pensamento
desenvolve através da concepção, que transforma o conhecido em concebido, as
competências especulativas, práticas e técnicas. A consciência é entendida como
reflexividade, produto e produtora de reflexão, sendo a sua intencionalidade repartida
pelo objecto, pelo processo de conhecimento e ainda pelos estados e comportamentos
do sujeito cognoscente. O facto de a consciência poder retroagir sobre os diversos
planos do inconsciente não significa, contrariamente às ilusões criadas pela
espiritualização da consciência de si, que ela possa escapar à dependência que mantém
junto dos processos de onde continuamente emerge: a consciência é, ao mesmo temo,
historicizada e individual‖ (Carvalho, 1998, 37-38).

88 Carvalho (2001, 22-23) esclarece-nos a este respeito o seguinte: ―Como ser encontra o seu lugar tanto no plano universal (através
da consciência ontológica), como no do singular concreto (enquanto objecto da consciência psicológica). Entretanto, a consciência
atinge a unidade de um sujeito que permanece sob as variações e que é, inseparavelmente, acto e substância como consciêcia
axiológica. O espírito descobre-se a si mesmo como valor sempre para um sujeito perspectivado no âmbito de uma subjectividade
caracterizada pela oposição interior do acto e da substância. Enquanto o homem, como pessoa, é um ser consciente a quem não pode
ser negado nem o ser, nem a consciência, ‗a consciência psicológica atinge-o na sua abertura ao ser‘ e a ‗consciência ontológica na
sua permanência‘‖.
139

A respeito da relação entre a imanência e a transcendência do pensamento, do


espírito, da consciência e da alma, não deixa de ser muito relevante o que o próprio
Morin nos explicita: ―É evidente que o espírito não passa de uma estrutura, uma
emergência da extraordinária conjunção organizadora entre o cérebro humano e a
cultura, e esta emergência (dotada de novas propriedades em relação àquilo que a
produziu) não só faz desabrochar as mais ricas qualidades do ser humano, mas
manifesta poderes espantosos‖ (2003, 105).
Se o espírito emerge do biológico, não deixa de ser, por si mesmo, um mistério
de possibilidades indefiníveis, a partir do qual emerge, pela integração das bases
psíquicas da sensibilidade e da afectividade, a alma. Aliás, se existe prioridade do
biológico e do cérebro sobre o espírito e a alma, não deixa de ter de reconhecer-se a
estes a sua transcendência: ―a alma não é localizável, nem sequer verdadeiramente
definível (…) A alma não tem fronteiras nem tem fundo. (…) A alma não é uma
entidade estável (…) Manifesta-se através do olhar, da emoção do rosto, e
principalmente através do choro e do sorriso. Pode exprimir-se por palavras, mas a sua
linguagem própria está para além da linguagem da prosa, é a linguagem da poesia e da
música. (…) O espírito é organização do pensamento e energia da vontade; a alma é
intuitiva, sente e pressente; é sensibilidade, muitas vezes é sofrimento. A alma é aquilo
que sofre de dor moral. A alma é também o que se exalta para além da alegria, irradia de
felicidade e pode conhecer o êxtase‖ (Morin, 2003, 105-106).
Ainda assim, Morin insiste, a alma e o espírito ―são emergências, virtudes de
complexidade‖ (Morin, 2003, 106). Já a consciência se apresenta simultânea e
paradoxalmente como epifenómeno e principal fenómeno da vida do espírito; como
algo de superestrutural e superficial; mas algo que, por detrás de uma chocante
fragilidade, não deixa de constituir ―a qualidade global mais extraordinária saída do
cérebro, a auto-reflexão por intermédio da qual o ego-Eu emerge ao espírito‖ (Morin,
2003, 107). A ela assiste a capacidade de retroacção sobre o mundo, sobre as ideias,
sobre o inconsciente e sobre o comportamento. O movimento reflexivo que a produz é,
aliás, também, aquele que permite o metanível em que o pensamento, uno e plural,
retroage sobre si, condição essencial do exame crítico de tudo o que se lhe pode
apresentar, incluindo o próprio pensamento e a própria consciência. É dos seus
movimentos que se desprende a poderosa meditação dos humanos.
Não admira, pois, que seja preciso reconhecer que a consciência é ―o produto
supremo, o mais rico do espírito humano‖ (Morin, 2003, 108). Mesmo se nunca pode
140

ultrapassar a fragilidade da determinação que a ameaça, de fora e de dentro, como o


fantasma do erro que atravessa o seu esforçado jogo de busca da verdade. Não cabe
dúvida de que, sendo a emergência última do espírito – no jogo das interdependências
que mantém com a inteligência, a reflexividade e o outro nela –, a consciência é
epifenomenal e, no entanto, é, também, essencial: ―é ao mesmo tempo sempre
subjectiva e sempre objectiva, interior a si diante de si, estranha e íntima, periférica e
central, epifenomenal e essencial, necessária e ameaçada.‖ (Morin, 2003, 109-110)
Se a consciência tem o seu antes e o seu outro, não temos contudo pessoa sem
consciência. A pessoa é sede espiritual consciente de valorizações, decisões e actos. A
pessoa é valor em si mesma, e apreende-se como tal; é portadora de valores e
realizadora de valores, de modo que, em concomitância, lhe devemos reconhecer a
capacidade de ser fonte de sentido, embora não o estatuto de fonte primeira, absoluta e
exclusiva de sentido. Por um lado, é preciso ver que a pessoa está no mundo e, assim,
devemos reconhecer a sua imanência, por outro, é preciso ver a sua especificidade, e,
assim, devemos reconhecer a sua transcendência ontológica como um desafio. O que
significa protegê-la, resguardá-la da recusa desse valor. A nossa via enxerta-se afinal na
já aberta por Mounier (2004), quando via no modo humano e pessoal de existir o
culminar de uma evolução natural, bem explicitada por Teilhard de Chardin. A
perspectiva deste movimento natural da ―personalização‖ só pode entender a pessoa
como existência incorporada e mergulhada na natureza, recusando o pernicioso
dualismo substancial de alma e corpo. Diz Mounier que o homem é integralmente corpo
e espírito, que é um ser natural que faz parte da natureza pelo seu corpo. Talvez Morin
pudesse dizer a este respeito que o homem é natural até pelo seu espírito, embora este
vá para além de todos os planos naturais que o preparam e possibilitam.89 Se, para
Mounier, a incarnação não é uma queda, devemos interrogar-nos se o homem será
apenas um ser natural, isto é, se a pessoa não transcende, de algum modo, a natureza.
Ora, a seu ver, ―o homem singulariza-se por uma dupla capacidade de romper com a
natureza‖ (Mounier, 2004, 50). Não só se resgata do determinismo natural, como do
social. O homem inaugura a consciência reflexiva e a reciprocidade das consciências. O
humano está imerso na determinação do biológico e do económico, mas pode furtar-se-
lhes, exigindo-se, aliás, para ser compreendido o seu universo pessoal, mais do que a
referência a esses planos. ―É pois verdadeiro serem a explicação pelo instinto (Freud) e
a explicação pela economia (Marx) caminhos de acesso a todos os fenómenos humanos,

89 No seu Paradiga Perdido, Morin (1973) afirmava que o homem é um ser natural por cultura e cultural por natureza.
141

até aos mais altos. Mas, em compensação, nenhum, nem mesmo os mais elementares, se
compreende sem os valores, as estruturas e as vicissitudes do universo pessoal‖
(Mounier, 2004, 55)
Para Mounier, o corpo não é um simples objecto, a ele cabe ensinar-nos o
significado da espacialidade e da temporalidade, bem como o do peso imposto pelo
natural. Ele, continuamente, sustenta e medeia a vida do espírito.
Uma segunda relativização crítica, apontada por Carvalho (1998), quanto à
forma de entender a pessoa, reporta-se à indispensável superação do solipsismo
tradicional pelo reconhecimento do carácter relacional inerente à circunstancialidade,
historialidade e socialidade da consciência, ou seja o múltiplo enraizamento que a
condiciona e a constitui no jogo da interacção.
A base indispensável, para revalidar as noções de sujeito e de pessoa, e invocá-
las como fundamento antropológico e pedagógico, vai o autor buscá-la a uma
antropologia relacional, de que se destaca a exigência de reconhecer o cariz relacional
da subjectividade e da pessoa-como-relação enquanto entidade fundamentadora do eu
pessoal, que dela resulta como uma emergência e não pode ser tomada por sua condição
ou essência. ―Na antropologia relacional, a pessoa é uma unidade estrutural que, não
possuindo uma identidade natural, a tem de adquirir através de um processo de
identificação em que o eu, o tu e o ele desempenham, enquanto instâncias
comunicacionais, um papel constituinte‖ (Carvalho, 1998, 41). Lembremos aqui que já
Mounier havia mostrado como a experiência fundamental da pessoa é a comunicação:
―a pessoa surge-nos como uma presença voltada para o mundo e para as outras pessoas,
sem limites, misturada com elas numa perspectiva de universalidade. As outras pessoas
não a limitam, fazem-na ser e crescer. Não existe senão para os outros, não se conhece
senão pelos outros, não se encontra senão nos outros. A experiência primitiva da pessoa
é a experiência da segunda pessoa. O tu e, adentro dele, o nós, precede o eu, ou pelo
menos acompanha-o‖ (Mounier, 2004, 72).90 Como se vê, reconhece-se nesta linha que
não há egoidade sem alteridade. Aliás, no sentido da primeira relativização que vimos, a
própria alteridade não será só a pessoa do outro, poderá também ser a de um outro no
eu-mesmo.
Segundo Lopes (2001), a antropologia relacional, partindo do princípio do
primum relationis, permite-nos ver como a consciência emerge de um processo

90 Neste mesmo sentido também Levinas destacou o papel do outro na configuração da pessoa. Porém, segundo Lopes (2004)
ambos se mantiveram dentro de uma concepção metafísica do sujeito, não tendo acedido a uma fundamentação interlocucional da
pessoa, que só a antropologia relacional facultaria.
142

interdiscursivo, simbolicamente mediado, e que a pessoa e a sua identidade são sempre


resultados de relações interlocutivas. O eu pessoal faz-se, de modo progressivo, por um
trabalho de identificação que envolve o ―dizer a outrem‖ e o ―dizer com outrem‖, isto é,
a relação à segunda e à terceira pessoas. Aliás, o próprio ―nós‖ se forja
progressivamente na interdiscursividade. Nesta perspectiva – da antropologia relacional,
originariamente desenvolvida por F. Jacques –, afastamo-nos da ―maneira secundária de
entender a relação, dando-lhe um estatuto fundador e primordial, não só lógico como
ontológico e, fundamentalmente, linguístico-comunicacional‖ (Lopes, 2001, 41). Não
mais o sujeito-consciência, solipsista e monológico, não mais a linguagem como
simples instrumento do pensamento, mas antes a relação e a linguagem como
constitutivas e essenciais à consciência. A pessoa, sendo uma das ―virtudes dialogais‖, é
relacional na sua génese, estrutura e desenvolvimento.91
Carvalho (1998), na sequência de Not, assinala que a pessoa deve ser
reconhecida como sede de liberdade operatória, que emerge na dialéctica do EU-TU-
NÓS. As principais características definidas à pessoa são as seguintes: ―como condições
mínimas‖ temos a consciência, a razão e a autonomia; como ―propriedades orgânicas‖,
temos a unicidade, a unidade e a abertura; como ―exigências funcionais‖, temos a
liberdade, a solidariedade e a responsabilidade. De modo que ―no grupo dos
componentes funcionais, aparece-nos o sujeito, o socius, o indivíduo e a pessoa em
sentido estrito, a que correspondem, conforme os casos, os processos de subjectivação,
de sociação, de individuação e de personalização, acabando este último por englobar os
restantes‖ (Carvalho, 1998, 30). A pessoa-núcleo é o centro das valorizações e escolhas,
enquanto a pessoa-sistema recolhe e unifica as outras funções com que se desenvolve a
personalização. Como se vê, esta noção de pessoa depura-a do solipsismo e inatismo
tradicionais e nela nem o imanente é desprezado, nem o transcendente da pessoa
absolutizado, mas ambos entram em dialéctica.
É com referência a esta base da antropologia relacional que ganha toda a
pertinência uma pedagogia na segunda pessoa. A formação na segunda pessoa, dirigida
a estabelecer uma dialéctica entre educador e educando, considera ambos os termos
como protagonistas e parceiros, ambos centro de iniciativas e acções, reciprocamente
articuladas. Evita, portanto, o reducionismo que absolutizava antropológica e
pedagogicamente um dos termos. O ―nós‖ emerge neste terreno como realização da

91 Blandina Lopes (2001) fala-nos ainda da possibilidade de um dálogo verdadeiro, sem subalternização e de uma comunicação sem
constragimento, que possibilite um consenso progressivo.
143

relação pedagógica entre a primeira e a segunda pessoas, sem as ameaçar ou impor-se-


lhes, mas fazendo com que a identidade e a diferença se descubra e se aceite na
alteridade.92 Corresponde a esta pedagogia uma contratualização de compromissos,
responsabilidades e papéis a desempenhar.93 No acordo, o ―nós‖ gera-se com base no
comprometimento do EU e do TU, das obrigações e limitações que, mutuamente, se
definem. E é por este ―nós‖, sem fusão integral, que fica garantido o respeito pela
integridade pessoal e a alternância de iniciativas, de modo que a pessoa encontra assim
o justo elemento para o aprofundamento da sua originalidade identitária e para a sua
abertura autonomizadora.94
Não podemos deixar de ver, nesta forma relacional pedagógica, uma grande
proximidade com a abordagem que faz Reboul (2000) da questão da legitimidade da
autoridade em educação. Segundo este autor, a antinomia está no coração da educação
desde que ela se dirigiu a formar seres livres sem poder excluir todo o constrangimento,
porque, como se viu antes, sem ele, longe de se libertar, entrega-se o humano às
pulsões. O reducionismo de pretender abolir toda a forma de autoridade, que por vezes
se aprecia na nossa pós-modernidade, descamba numa educação infantilizadora que, de
facto, confunde as diferentes figuras da autoridade com as figuras irracionais do Rei-
Pai-Chefe carismático.95 Certamente que, se o indivíduo quiser ganhar a sua relativa
independência, do que exterior e interiormente o constrange, terá de excluir a figura do
carismático, mas não poderá deixar de recorrer às figuras do especialista e do árbitro,
bem como, em grande medida ao modelo. Mas, melhor ainda do que a figura do modelo

92 Mesmo se entre o que ensina e o que aprende não existe simetria. Pois, neste caso, a diferença é mesmo a base do estímulo da
dinâmica educativa. A conflitualiadade, inerente à diferença e à intersubjectividade, é aqui acolhida como decorrente da aceitação
mútua dos termos da relação. Da conflitualidade se derivam as tensões constitutivas do educativo, que as pedagogias da primeira
pessoa marginalizaram e as da terceira reprimiram. As primeiras queriam ignorar ou dissolver toda a autoridade e constrangimento,
as segundas só reconheciam o professor como sede de iniciativas, reprimindo toda a conflitualidade provinda do outro termo. Ora, a
pedagogia na segunda pessoa funda-se na ―sociabilidade do nós, apela à articulação das iniciativas que, por sua vez, acaba por
instituir essa mesma socialidade‖ (Carvalho, 1998, 28).
93 Nela, a relação, sem ser de subordinação ou justaposição dos pólos, define-se como constitutiva, pois distingue os termos e ao
mesmo tempo funde-os parcialmente em torno do fim comum, sobre que se estabelece a contratualização.
94 A nosso ver, esta análise não avança, afinal, algo de radicalmente novo em relação ao que se disse antes a respeito da ―educação
integral‖ e da ―pedagogia do encontro‖, por isso nos dispensamos de retomar agora o que ficou então estabelecido, porém ela ajudou
a matizar várias noções e critérios.
95 Reboul distingue várias figuras da autoridade. Umas recolhem base irracional outras base racional. A mais racional será a do
contrato, assente no consentimento; a menos a do Rei-Pai-Chefe, que assenta mais no carisma. Esta última forma de autoridade
apresenta-se ao humano, nos primórdios civilizacionais e à criança no início da vida, como inexplicável e irrevogável. Encarna
geralmente a transcendência da sociedade e representa a civilização. Os libertários só conhecem esta forma de autoridade e recusam-
na. Para lhe fazer frente perspectivou-se que a emancipação se realizaria pela violência simbólica destinada a aniquilar o
constrangimento interiorizado. Já a educação clássica quis libertar o indivíduo dos elementos do exterior e do interior que o
condicionavam, por isso recorreu às figuras do especialista, assente na competência, e à do árbitro, assente na independência, mas
sobretudo à do modelo, sempre com o propósito de que pela imitação se ganharia o adrentamento pessoal e a liberdade. Acabou, no
entanto, caindo na repressão e no elitismo, que a Educação Nova contestou, propondo como alternativa a figura do professor perito,
recurso e ajudante, mas de modo que a autoridade se passasse a justificar com a necessidade das funções e acabasse substituindo as
figuras anteriores pela do contrato. Esta orientação trouxe, por um lado, a recusa de todo o modelo imposto e, por outro, a
radicalização do contratualismo e do funcionalismo em relação à autoridade, o que conduziu à idealização abstracta de uma
liberdade de escolha ilimitada, onde de facto não há nenhuma autoridade e onde os conteúdos, o positivo social e cultural com que
todo o sujeito deve debater-se, e sobre o qual a sua competência é limitada, se evanesce, sacrificado ao valor absolutizado da
expressão e criação individuais.
144

imposto e a imitar, para formar seres livres, é a figura do contrato, mesmo quando não
se possa ceder a toda a pretensão de uma escolha totalmente aberta dos conteúdos pelos
educandos.96
Uma implicação directa desta análise é a afirmação do princípio que postula que
a sujeição a um constrangimento heterónomo é sempre uma medida provisória, nunca
um horizonte educativo. A sua instalação, para lá do limiar em que a pessoa está em
condições de se assumir, constitui mesmo um critério do deseducativo, pois a educação
não define o sentido, possibilita a procura do sentido pessoal. É, como queria Jaspers,
uma alétheia das verdades existenciais pessoais, em que o educador apenas assiste o
assumir da posse de si (Neves, 2004). O exercício assumido dessa procura corresponde
à maioridade existencial. Mas há sempre de um lado a pessoa a conquistar(-se) e de
outro a autoridade externa ou a interna. Neste último plano há mesmo que ter em conta
a incontornável necessidade humana de a pessoa se referir a princípios ordenadores, de
ter uma indispensável referência vertical e universal, que nos leve para lá de um
individualismo sem limites e de um relativismo que traria consigo a destruição da razão
e do próprio homem (Boavida, 2005). Por outro lado, é evidente que a própria
resistência do real, como a raiz natural que nos condiciona, constitui outra forma dessa
autoridade. Já o dissemos, a nossa edificação, como a nossa liberdade, constrói-se
sempre, não ―apesar de‖, mas ―com‖ as limitações da nossa finitude.

Acercamo-nos da conclusão que buscávamos: edificar uma base substantiva para


podermos assinalar critérios ao plano (des)educativo. Semelhante referente é essencial
para podermos avançar na apreciação do valor deseducativo da cultura mediática, em
geral, e da publicidade, em particular. Este é o scopus, mais estrito, do nosso estudo e
trata-se, a nosso ver, de uma prioridade do campo educaional.
Notemos, desde já, que as sociedades ocidentais estão fortemente determinadas
pela actuação dos mass media, sendo este um fenómeno que tem dividido as opiniões:
uns posicionam-se como ―mediafobos‖ outros como apologetas. Certo é que vivemos
numa sociedade em que parece prevalecer, cada vez mais, uma ―cultura mediática‖,
cujo valor educativo é questionável, sob diversos pontos de vista. É por isto que temos
necessidade de edificar uma base substantiva para podermos assinalar critérios ao plano

96 Permanece, portanto, ainda um limiar de autoridade. Reboul, na obra citada, apresenta-nos uma solução fundando-se em Kant:
―Não negar uma forma de autoridade em favor de outra, mas passar progressivamente de uma a outra‖ (Reboul, 2000, 58), de tal
modo que no horizonte esteja a conquista da liberdade própria. Nessa altura, tão pouco se suprimirá ao sujeito todo o
constrangimento, simplesmente a educação o terá conduzido ―do constrangimento para o autoconstrangimento‖ ((Reboul, 2000, 58).
145

(des)educativo. Ora, na sequência do amplo esforço teórico que alimenta a nossa


cultura, mostra-se necessário reconhecermos a pessoa como referente crítico. Pois,
afinal, é com vista à sua emergência que deve alinhar-se o sentido da educação
(Patrício, 1993, Cabanas, 1998; Carvalho, 2001; Gil, 2003). O que deixa supor que só
pode considerar-se educativo aquele acto dirigido a promover o enriquecimento que faz
emergir a pessoa ou a afirma como tal e a expande nas suas possibilidades (Pring,
2003). Como apontam Boavida e Amado (2006a) é o seu aperfeiçoamento ou
qualificação que constitui a intenção fundamental da educação. E nós deduzimos daqui
que um acto levado a cabo com uma intenção contrária, isto é, a de limitar a desejável
afirmação da pessoa, deverá ser considerado deseducativo. Este poderá ser o caso
daquelas intervenções que anulam, fecham as mentes ou embotam a sensibilidade da
pessoa, como assinalou Pring (2003) na sequência de Dewey, ou ainda as que a
degradam ou enclausuram axiologicamente, como já antes procurámos mostrar.97
No caso da televisão generalista comercial é apreciável, como se verá adiante,
uma intenção de cativação das audiências, sobreprondo-se a outros valores,
nomeadamente o educativo, que se marginaliza, pois se atira para as margens da
programação. O carácter deseducativo desta intenção deve ser dilucidado, tendo em
conta a actual sobreposição de uma política de audiências sobre a mais desejável
política de programação. Aliás, esta problemática levanta desde logo a questão da
literacia para os media e até para o consumo.
Por outro lado, para qualificarmos o deseducativo devemos ter ainda em conta os
modos comunicacionais e relacionais que podem, pela sua natureza, não só invalidar o
exigível propósito aperfeiçoador, mas servir até o propósito contrário (Boavida &
Amado, 2006a). Nas partes que se seguem procurámos mostrar como isto acontece no
âmbito da ―anticultura‖ publicitária. Esta recorre, vastamente, aos tipos de beligerância
comunicacional que Trilla (1992) definiu como manipuladores, onde quer que eles se
levem a cabo, seja em pedagogia, ou em publicidade. Em geral, a manipulação recorre
aos argumentos falsos, cuja natureza se conhece, como tal, mas se esconde. O propósito
comunicativo é, neste caso, o de ―objectualizar‖ o destinatário, no quadro de interesses

97 Isto é tanto mais grave quanto se destaca como a pessoa é o resultado de uma axiologização. Lembremos, aliás, que cabe à
pessoa preencher por um sentido existencial próprio, procurado e construído, a tensão que sempre encontra entre o seu ser e o dever-
ser que o desafia (Fullat, 1989b). A condição do humano incumbe-lhe a procura da realização pessoal pela tarefa de definir sentido
às coisas, aos acontecimentos e a si próprio, propondo-se e descobrindo-se em fins (Fullat, 1979). A educação, naturalmente, há-de
articular-se em torno da satisfação da dimensão pessoal do educando pela procura de um sentido existencial. Daí que esteja, por esta
razão, votada a ir sempre para além da instrução relativa a um ―saber que‖ e ―como‖. Para além da inserção sócio-cultural, a
educação dirige-se à libertação de si em busca de si (Fullat, 1989a). Neste âmbito cabe-lhe desenvolver o sentido crítico de onde
desperta a autenticidade do questionar e do transcender e por onde a dimensão pessoal da liberdade e da eticidade se afirma. Os
valores aparecem assim no seu horizonte como mediadores da vertebração pessoal. Ora, se se apostar na manipulação desse
horizonte, o que se obtém é o enclausurameno do humano.
146

que lhe são alheios, explorando conscientemente o terreno da ambiguidade e da mentira.


Acontece que o emissor procura, por vezes, actuar ao nível da afectividade (envolvendo
os sentimentos e as emoções) e até do inconsciente (apelando aos instintos e
tendências): ―Em ambos os casos, a persuasão aproxima-se mais da sugestão, enquanto
acto que aspira a instalar na mente de um indivíduo uma determinada ideia ou actuação
saltando a barreira do pensamento e da vontade, exercendo a sua influência no chamado
‗fundo endotímico‘ da vida anímica humana, que é a esfera dos estados de ânimo e dos
sentimentos, das emoções e dos movimentos afectivos, dos instintos e das tendências‖
(Guzmán, 1993, 122). Em muitos casos, o que apreciamos é a exploração do poder das
emoções para suscitar a adesão espontânea, a fusão afectiva e a fascinação (León,
1989). Aliás, é comum o recurso a certas técnicas que usam o valor simbólico dos
contextos para induzir qualidades mágicas aos objectos de consumo.
Quanto à a televisão generalista comercial, cabe destacar, como mais à frente se
mostrará, que, no campo dos processos, esta se pauta em grande medida pela
espectacularização, a massificação e mesmo a sideração no fluxo.
Lembre-se ainda que o educativo tem de referir-se também às consequências ou
efeitos da acção que se quer aperfeiçoadora (Boavida & Amado, 2006a). Ora, em
grande medida, o que se apura da beligerância telvisivo-publicitária é, pelo menos nos
casos de mainstreaming, a distorção do real, a indução ao materialismo e o
enclausuramento na consu(b)mição, de que fala Brune (2005).
Este é o teor da análise que entendemos ser necessária. Como salienta Secco
(2004), a tarefa de educar é difícil hoje, nesta sociedade de valores confusos, pois
derivam-se graves distorções educativas dos ataques que a persuasão oculta endereça à
consciência individual, à qual compete sustentar o sentido de dever: ―Fraca cultura,
preconceitos, promessas mirabolantes podem ser incutidos pela ‗lavagem ao cérebro‘
que faz sobrepor a vontade alheia à própria‖ (Secco, 2004, 54). Instalou-se o
consumismo, o ―laissez-faire‖ e uma certa ―primitivização‖, ou seja, a activação das
funções primitivas da psique em detrimento das mais elevadas. O estado de ―noia‖
advém de uma falta de motivação ou desinteresse ―pela acção, pela vida e pelas coisas‖
(Secco, 2004, 56), daí a abulia e a frustração de quem não perspectiva a autorealização.
E a isto vem ainda juntar-se a falta de valores que dêem significado à vida, precisamente
por causa da destruição que o complexo ―televisivo-publicitário‖ motiva. Segundo o
nosso autor, é preciso educarmos de modo a que cada um saiba dispor de si
autonomamente na sua própria ―procura do siginificado da vida [que] será a vontade de
147

ser fiel a si mesmo e buscar coerência e continuidade‖ (Secco, 2004, 59). Algo que se
poderia designar como a vontade de significado indispensável ao humano. Neste âmbito
a família tem, naturalmente, um papel importante, a par da escola, mas, em termos
genéricos, temos aqui um enorme repto educacional.
148

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