Você está na página 1de 20

TEORIA DA PERSONALIDADE:

11
DE OBSERVAÇÕES COTIDIANAS A
TEORIAS SISTEMÁTICAS

POR QUE ESTUDAR A PERSONALIDADE? Determinantes internos e externos do


DEFINIÇÃO DE PERSONALIDADE comportamento
A TEORIA DA PERSONALIDADE COMO Consistência em diferentes situações e
RESPOSTA ÀS QUESTÕES O QUÊ, ao longo do tempo
COMO E POR QUÊ A unidade do comportamento e o conceito
Estrutura de self
Processo Diferentes estados de consciência e o
Crescimento e desenvolvimento conceito de inconsciente
Determinantes genéticos e Relações entre cognição, afeto e
Determinantes ambientais comportamento observável
Cultura A influência do passado, do presente e do
futuro sobre o comportamento
Classe social
Resumo
Família
AVALIAÇÃO DE TEORIAS
Pares
Abrangência
Relações entre determinantes genéticos
e ambientais Parcimônia
Psicopatologia e mudança de comportamento Relevância para a pesquisa
Resumo Resumo
QUESTÕES IMPORTANTES NA A TEORIA E O ESTUDO DA
TEORIA DA PERSONALIDADE PERSONALIDADE
A visão filosófica da pessoa PRINCIPAIS CONCEITOS
REVISÃO
22 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

FOCO DO CAPÍTULO
Você tem alguma amiga que conheça tão bem e as regras de previsão que dele derivam formam a
a ponto de sentir que pode prever como ela reagiria essência da teoria do psicólogo da personalidade
em qualquer situação? Através de suas experiências tanto quanto formam a essência de nossas teorias
com sua amiga, você familiarizou-se com os padrões em nossas vidas cotidianas. A diferença é que os
e as consistências peculiares na forma como ela pen- psicólogos da personalidade tornam seus modelos
sa, sente-se e se comporta. Você não apenas entende mais explícitos, definem seus termos de forma mais
o que “mexe com ela”, você sabe o que a torna dife- clara e realizam pesquisas sistemáticas para avali-
rente de suas outras amigas. Resumindo, você é um ar a precisão de suas previsões. Este capítulo con-
especialista naquilo que chamaríamos de a perso- centra-se no que é uma teoria, o que uma teoria da
nalidade de sua amiga. personalidade deve abranger e como avaliar a qua-
O trabalho conduzido por todos nós em nos- lidade de uma teoria. Apesar de podermos aceitar
sas vidas cotidianas não é fundamentalmente dife- teorias nebulosas e sermos capazes de distorcer
rente daquele conduzido pelo cientista que estuda eventos em nossas vidas cotidianas para adaptá-
a personalidade. A tarefa de todos é desenvolver los às nossas crenças, como psicólogos da persona-
um modelo do funcionamento humano, um méto- lidade, devemos ser claros com relação aos nossos
do para diferenciar as pessoas, e um conjunto de conceitos e objetivos quanto às nossas descobertas.
regras para prever o comportamento. Esse modelo

QUESTÕES ABORDADAS NESTE CAPÍTULO


diferente, quais são as questões que enfrenta-
1. Às vezes, diz-se que todos somos psicólogos da
mos com relação ao funcionamento humano e
personalidade e que cada um de nós tem uma
para quais questões desejamos que uma teoria
teoria da personalidade. Se isso for verdade, de
da personalidade forneça respostas?
que maneira as teorias científicas dos psicólo-
3. Existem questões amplas nas quais as teorias
gos da personalidade diferem daquelas de pes-
da personalidade diferem (por exemplo, a na-
soas comuns em seu funcionamento cotidiano?
tureza fundamental dos seres humanos, a im-
2. Existem áreas básicas do funcionamento huma-
portância dos genes e da experiência, a impor-
no que deveríamos esperar que uma teoria da
tância do inconsciente)?
personalidade abrangesse? Colocado de forma

POR QUE ESTUDAR A PERSONALIDADE?


Por que os estudantes resolvem cursar uma dis- Por que alguns parecem ser capazes de sair-se bem
ciplina a respeito da personalidade? Por que certos em áreas em que outros, aparentemente de mesma
indivíduos decidem tornar-se psicólogos da persona- capacidade, fracassam? Uma disciplina sobre a per-
lidade? Nossa sensação é de que eles buscam respos- sonalidade oferece uma promessa de respostas para
tas para as questões “Por que as pessoas são como essas questões. Este texto pode não responder a todas
são? Por que eu sou da forma que sou?”. Somos todos as questões de interesse para os estudantes da perso-
fascinados pelas pessoas; freqüentemente pergunta- nalidade, mas proporciona inúmeras respostas, assim
mos como e por que motivo as pessoas são tão dife- como um modo de refletir sobre as pessoas e de estu-
rentes umas das outras e por que elas se comportam dar as questões de interesse.
da forma que se comportam. Por que alguns lutam A personalidade é a parte do campo da psicolo-
contra seus sentimentos quando outros não o fazem? gia que mais considera as pessoas em sua totalidade,
Personalidade: teoria e prática 23

como indivíduos e como seres complexos. O leitor personalidade são, provavelmente, muito mais siste-
deste texto irá encontrar respostas alternativas que máticos e livres de erros ou tendências do que aque-
psicólogos da personalidade atuais e do passado apre- les que a maioria de nós utiliza em nossas observa-
sentaram para a questão de por que somos como so- ções diárias do comportamento humano.
mos. Além disso, o leitor irá encontrar uma discussão Para resumir, o estudo científico da personali-
sobre como os psicólogos da personalidade estudam dade continua a abordar as questões de por que nós
sua disciplina – ou seja, os métodos de pesquisa que somos como somos. Na tentativa de responder essa
utilizamos para estudar de que maneira as pessoas questão, não podemos evitar a consciência da com-
diferem entre si e as causas dessas diferenças. As per- plexidade do comportamento humano. As pessoas são
guntas que os psicólogos da personalidade fazem pro- parecidas em muitas coisas, mas diferentes em mui-
vavelmente não são muito diferentes daquelas feitas tas outras. Fora desse labirinto de complexidade e, às
pelo estudante interessado no comportamento huma- vezes, de caos aparente, buscamos encontrar ordem e
no. Entretanto, freqüentemente, essas questões são relações significativas. Para nós, é isso que significa o
formuladas de maneira diferente, de formas que as campo da personalidade, por que um indivíduo cur-
tornam apropriadas para o estudo sistemático. E os sa uma disciplina em personalidade e por que alguns
métodos de pesquisa utilizados por psicólogos da de nós tornam-se psicólogos da personalidade.

DEFINIÇÃO DE PERSONALIDADE
O campo da personalidade diz respeito àquilo que presentar um julgamento de valor: se você gosta de al-
é geralmente verdadeiro das pessoas, a natureza huma- guém, é porque ele ou ela tem uma personalidade “boa”
na, assim como às diferenças individuais. Os psicólogos ou “muita personalidade”. Para o cientista e o estudante
que estudam a personalidade interessam-se por aquilo da personalidade, contudo, o termo personalidade é
que as pessoas têm de semelhante, assim como pelas utilizado para definir um campo de estudo. Uma defi-
maneiras nas quais elas diferem umas das outras. Por nição científica de personalidade nos diz quais áreas
que alguns se realizam, e outros não? Por que alguns devem ser estudadas e sugere como podemos estudá-
percebem as coisas de uma forma, e outros, de um modo las melhor.
diferente? Por que alguns sofrem com um estresse con- Por enquanto, vamos utilizar a seguinte defini-
siderável, e outros não? ção de trabalho da personalidade: a personalidade repre-
Os teóricos da personalidade também se interes- senta aquelas características da pessoa que explicam padrões
sam pela pessoa como um todo, tentando compreen- consistentes de sentimentos, pensamentos e comportamen-
der como os diferentes aspectos do funcionamento de tos. Esta é uma definição bastante ampla, que permite
um indivíduo estão todos intrincados entre si. Por que nos concentremos em muitos aspectos diferentes
exemplo, a pesquisa sobre a personalidade não é o da pessoa. Ao mesmo tempo, ela sugere que preste-
estudo da percepção, mas de como os indivíduos di- mos atenção a padrões consistentes de comportamen-
ferem em suas percepções e de como essas diferenças to e a qualidades internas à pessoa, que explicam essas
estão relacionadas com o funcionamento total desses regularidades – em oposição, por exemplo, a enfocar
indivíduos. O estudo da personalidade concentra-se qualidades no ambiente que expliquem tais regulari-
não apenas nos processos psicológicos, mas também dades. As regularidades de interesse, para nós, envol-
nas relações entre esses processos. Compreender como vem os pensamentos, sentimentos e comportamentos
esses processos interagem para formar um todo inte- explícitos (observáveis) das pessoas. De particular in-
grado freqüentemente envolve mais do que entender teresse para nós é a maneira como esses pensamentos,
cada um separadamente. As pessoas funcionam como sentimentos e comportamentos se relacionam entre si
um todo organizado, e é à luz dessa organização que para formar o indivíduo único e peculiar.
devemos compreendê-las (Magnusson, 1999). Embora tenhamos sugerido uma definição de
Devido a essa ênfase nas diferenças individuais e personalidade, outras definições são possíveis. Elas
na pessoa total, como devemos definir a personalida- não estão certas ou erradas; pelo contrário, elas po-
de? Para o público em geral, a personalidade pode re- dem ser mais ou menos úteis para nos direcionar para
24 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

áreas importantes de entendimento. Assim, uma de- tos e comportamentos das pessoas à medida que elas
finição de personalidade é útil até onde ela ajuda a vivem suas vidas cotidianas. Como cientistas, desen-
desenvolver o campo como ciência. volvemos teorias para nos auxiliar a observar e expli-
Para sintetizar, a exploração científica da perso- car essas regularidades. Consideremos agora a natu-
nalidade envolve esforços sistemáticos para descobrir reza da teoria.
e explicar regularidades nos pensamentos, sentimen-

A TEORIA DA PERSONALIDADE COMO RESPOSTA


ÀS QUESTÕES O QUÊ, COMO E POR QUÊ

Um teoria sugere maneiras de coletar e sistemati- dade se desenvolveu, por que a depressão é experi-
zar uma ampla variedade de descobertas. Ela também mentada em determinadas circunstâncias, e por que
pode sugerir quais direções de pesquisa são potencial- a pessoa se comporta de certa maneira quando está
mente mais proveitosas. Colocado de forma simples, deprimida. Se duas pessoas têm tendência a ficarem
as teorias ajudam a juntar o que sabemos e sugerem deprimidas, por que uma delas sai e compra coisas,
como podemos descobrir o que ainda é desconhecido. ao passo que a outra se retrai e se fecha?
O que buscamos explicar com uma teoria da Vamos considerar questões como essas em deta-
personalidade? Se estudamos indivíduos intensiva- lhes mais sistemáticos. Aqui, iremos considerar cinco
mente, queremos descobrir o quê eles são, como eles se áreas que uma teoria da personalidade completa de-
tornaram daquela forma, e por que eles se comportam veria cobrir: (1) Estrutura – as unidades básicas ou os
de uma certa maneira. Assim, queremos uma teoria blocos constitutivos da personalidade. (2) Processo –
para responder questões sobre o quê, como e por quê. O os aspectos dinâmicos da personalidade, incluindo os
“o quê” refere-se às características da pessoa e à for- motivos. (3) Crescimento e desenvolvimento – como nos
ma como umas estão organizadas em relação às ou- desenvolvemos, formando a pessoa única que cada
tras. A pessoa é honesta, persistente e tem alta neces- um de nós é. (4) Psicopatologia – a natureza e as causas
sidade de realização? O “como” refere-se aos determi- do funcionamento desordenado da personalidade. (5)
nantes da personalidade de uma pessoa. Em que ní- Mudança – como as pessoas mudam e por que elas, às
vel e de que maneiras as forças genéticas e ambientais vezes, resistem à mudança ou são incapazes de mudar.
interagem para produzir esse resultado? O “por quê”
refere-se às razões para o comportamento do indiví-
ESTRUTURA
duo. As respostas dizem respeito aos aspectos
motivacionais do indivíduo – por que ele ou ela se As teorias podem ser comparadas com relação
move, e por que em uma determinada direção. Se um aos conceitos que utilizam para determinar o o quê, o
indivíduo deseja fazer muito dinheiro, por que esse como e o por que da personalidade. O conceito de es-
caminho particular foi escolhido? Se uma criança vai trutura refere-se aos aspectos mais estáveis e dura-
bem na escola, é para agradar aos pais, para utilizar douros da personalidade. Eles representam os blocos
seus talentos, para aumentar sua auto-estima ou para constitutivos da teoria da personalidade. Nesse senti-
competir com seus colegas? Uma mãe seria superpro- do, eles são comparáveis às partes do corpo ou a con-
tetora por ser afetuosa, por que tenta dar aos seus fi- ceitos como os átomos e as moléculas em física. Con-
lhos aquilo que não teve quando criança ou por que ceitos estruturais como resposta, hábito, traço e tipo são
tenta evitar expressar qualquer ressentimento e hosti- populares em tentativas de conceitualizar a maneira
lidade que possa sentir para com a criança? Uma pes- como as pessoas são.
soa está deprimida como resultado de alguma humi- O conceito de traço refere-se à consistência da res-
lhação, pela perda de um ente querido ou por estar se posta individual a uma variedade de situações, aproxi-
sentindo culpada? Uma teoria deveria nos ajudar a ma-se do tipo de conceito que o leigo usa para descre-
compreender até que ponto a depressão é caracterís- ver as pessoas. Uma forma de pensar sobre os traços é
tica da pessoa, como essa característica da personali- considerar como você descreveria a si, ou a um bom
Personalidade: teoria e prática 25

THE FAR SIDE BY GARY LARSON

O copo está O copo está


meio cheio! meio vazio!

Meio cheio... Não!


Espere! Meio Vazio!...
Não, meio... Qual era Ei! Eu pedi um
mesmo cheeseburger!
a pergunta?

Desenho de Gary Larson;


© 1990 FarWorks, Inc./
Dist. By Universal Press Syndicate.
Os quatro tipos básicos de personalidade

amigo. Por exemplo, talvez você utilizasse adjetivos muitos componentes estão ligados entre si de diver-
como “inteligente”, “extrovertido”, “honesto”, “diver- sas maneiras. Outras teorias envolvem um sistema
tido” ou “sério”. Você estaria utilizando esses termos estrutural simples, segundo o qual alguns componen-
de maneira muito semelhante àquela utilizada por tes apresentam poucas conexões entre si. O cérebro
muitos teóricos da personalidade. humano é uma estrutura muito mais complexa do que
O conceito de tipo refere-se ao agrupamento de o cérebro de um peixe, pois o cérebro humano possui
muitos traços diferentes. Em comparação com o con- mais partes, que podem ser distinguidas umas das
ceito de traço, o de tipo implica um grau maior de re- outras, e mais ligações e conexões entre essas partes.
gularidade e generalidade no comportamento. Embo- As teorias da personalidade também diferem
ra as pessoas possam ter muitos traços em graus dife- quanto ao nível em que elas consideram as unida-
rentes, elas são geralmente descritas como pertencen- des estruturais organizadas em uma hierarquia – ou
tes a um tipo específico. Por exemplo, os indivíduos seja, onde algumas unidades estruturais são vistas
são descritos como introvertidos ou extrovertidos, e com como superiores em ordem, e portanto, controlando
relação ao fato de se eles se aproximam, afastam-se ou a função de outras unidades. O sistema nervoso hu-
se movem uns contra os outros (Horney, 1945). mano é mais complexo do que o de outras espécies
É possível utilizar conceitos além de traço ou tipo não apenas porque ele possui mais partes diferentes
para descrever a estrutura da personalidade. As teo- e mais ligações entre elas, mas também porque al-
rias da personalidade diferem quanto aos tipos de gumas partes, como o cérebro, regulam o funciona-
unidades ou conceitos estruturais que utilizam; elas mento de outras partes do sistema. Pode-se encon-
também diferem na forma como conceitualizam a or- trar uma analogia em estruturas empresariais. Cer-
ganização dessas unidades. Algumas teorias envol- tas organizações empresariais são mais complexas
vem um sistema estrutural complexo, segundo o qual do que outras. Organizações empresariais comple-
26 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

xas possuem muitas unidades, com muitas ligações teorias de incentivo da motivação, assim como as teo-
entre si, e uma hierarquia de pessoas que têm res- rias de redução da tensão, são consideradas teorias
ponsabilidade por tomar decisões. Organizações em- da motivação hedônicas ou orientadas para o prazer.
presariais simples possuem poucas unidades, pou- Em comparação com as teorias orientadas para
cas ligações entre as unidades, e poucos elos na ca- o prazer, outras teorias motivacionais enfatizam os es-
deia de comando – uma loja familiar, digamos, ao forços do organismo para atingir o crescimento e rea-
contrário da General Motors. De maneira semelhan- lizar o seu potencial, mesmo às custas de maior ten-
te, as teorias da personalidade diferem em relação são. Finalmente, nas teorias cognitivas da motivação,
aos números e tipos de unidades estruturais que a ênfase está nos esforços da pessoa para compreen-
enfatizam, e em que medida enfatizam a complexi- der e prever eventos no mundo. Ao invés de buscar o
dade ou a organização dentro do sistema. prazer ou a auto-realização, segundo essas teorias, a
pessoa tem uma necessidade de consistência ou uma
necessidade de saber. Por exemplo, a pessoa pode ten-
PROCESSO
tar manter uma imagem consistente do self e fazer com
Assim como as teorias podem ser comparadas que os outros se comportem de maneira previsível.
por suas estruturas, elas podem ser comparadas em Nesse caso, enfatiza-se a previsibilidade e a consis-
relação aos conceitos motivacionais dinâmicos que uti- tência, mesmo que o preço seja a dor e o desconforto.
lizam para explicar o comportamento. Esses concei- Assim, sugere-se que as pessoas, às vezes, preferem
tos referem-se aos aspectos de processo do comporta- um evento desconfortável ao invés de um prazeroso
mento humano. se o primeiro torna o mundo mais estável e previsível
Os psicólogos da personalidade empregam três (Swann, 1992; 1997).
categorias principais de conceitos motivacionais: mo- O modelo mais amplamente aceito nas primeiras
tivos de prazer ou hedônicos, motivos de crescimen- teorias da motivação foi o de redução da tensão. Entre-
to ou auto-realização, e motivos cognitivos (Pervin, tanto, pesquisas realizadas em animais e humanos de-
1996). Os conceitos motivacionais de prazer ou monstram que os organismos freqüentemente buscam
hedônicos enfatizam a busca do prazer e a evitação a tensão. Os macacos, por exemplo, trabalham para re-
da dor. Existem duas variantes importantes dessas teo- solver problemas independentemente de qualquer re-
rias da motivação: modelos de redução da tensão e mode- compensa; de fato, as recompensas podem interferir
los de incentivo. Um importante teórico da personali- em seu desempenho. Os comportamentos exploratórios
dade refere-se a elas como teorias “que empurram” e brincalhões de membros de muitas espécies são bas-
ou “do chicote” e teorias “que puxam” ou “da cenou- tante conhecidos. Observações como essas levaram R.
ra” (Kelly, 1958a). Segundo os modelos “do chicote” W. White (1959) a conceitualizar um processo do funci-
de motivação de redução da tensão, as necessidades onamento humano que chamou de motivação de compe-
psicológicas criam tensões que o indivíduo tenta re- tência. Segundo sua visão, as pessoas são motivadas
duzir, satisfazendo essas necessidades. Por exemplo, para lidarem de maneira competente ou eficaz com o
a fome ou a sede criam uma tensão que pode ser ali- ambiente. De fato, à medida que os indivíduos amadu-
viada quando o indivíduo come ou bebe. O termo recem, uma proporção maior de seu comportamento
impulso tem sido tipicamente usado em referência a parece estar envolvido com o desenvolvimento de ha-
estados internos de tensão que ativam e direcionam bilidades em nome do domínio ou com a busca de uma
as pessoas para a redução da tensão. Ao contrário maneira eficaz de lidar com o ambiente, e uma parte
desses modelos de redução da tensão, nos modelos menor de seu comportamento parece estar exclusiva-
“que puxam” ou “da cenoura”, a ênfase está nas fina- mente a serviço da redução da tensão.
lidades, nos objetivos e nos incentivos que a pessoa Teorias motivacionais diferentes foram popula-
busca alcançar. Por exemplo, a pessoa pode desejar res em diferentes momentos da história do campo
alcançar dinheiro, fama, aceitação social ou poder. Em- (Little, 1999; McAdams, 1999). Até a década de 1950,
bora aqui se enfatize o objetivo, e não um estado in- as teorias da motivação do impulso eram bastante po-
terno de tensão, deve ficar claro que, apesar da ênfase pulares. Com o declínio do interesse no impulso e nas
na busca pelo prazer, neste caso, o prazer está associ- teorias de redução da tensão da motivação dos anos
ado à realização do objetivo. É por essa razão que as 50, começou a haver um interesse nos modelos de cres-
Personalidade: teoria e prática 27

cimento e de auto-realização. Com a revolução CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO


cognitiva da década de 1960, desenvolveu-se um in-
teresse considerável nos motivos cognitivos da con- Um dos desafios mais profundos que os psicólo-
sistência e da previsibilidade. E, atualmente, existe um gos da personalidade enfrentam é explicar o desenvol-
interesse crescente em teorias de objetivos que vimento de diferenças individuais e o desenvolvimento
enfatizam uma visão da pessoa como que perseguin- do indivíduo único que cada um de nós é. Tradicio-
do ativamente certas finalidades previstas. nalmente, os determinantes da personalidade foram di-
Deve-se optar entre as várias teorias da motiva- vididos em determinantes genéticos e determinantes
ção – redução da tensão, auto-realização, cognitiva, ambientais. Infelizmente, essa divisão de determinantes
objetivos? Uma está necessariamente correta, e as ou- também levou, com freqüência, a batalhas intensas com
tras erradas? Como veremos nos próximos capítulos relação a quais são mais importantes para a personali-
deste livro, certos teóricos da personalidade tendem dade – a controvérsia natureza-criação (nature-nurture) na-
a enfatizar um ou outro modelo da motivação. Entre- tureza referindo-se à contribuição dos genes e criação
tanto, talvez as pessoas sejam capazes de vários tipos referindo-se à importância do ambiente. Em vários mo-
de motivação, às vezes buscando prazer na forma de mentos, uma ou outra ênfase foi predominante, com o
redução da tensão ou na realização de um objetivo, às pêndulo alternando da ênfase na natureza (genes) para
vezes buscando a auto-realização e às vezes, ainda, a criação (ambiente), e de volta para a natureza. Nos úl-
buscando a consistência e previsibilidade cognitiva. timos anos, tem-se verificado uma ênfase crescente na
Podem existir diferenças entre indivíduos, no nível em importância dos genes, mas mesmo alguns proponentes
que eles são motivados por um ou outro desses moti- dessa visão sugerem que o pêndulo pode estar balan-
vos. Em outras palavras, as próprias diferenças indi- çando demais na direção da natureza (Plomin, 1994;
viduais podem ser uma parte importante da persona- Plomin e Caspi, 1999; Plomin, Chipuer e Loehlin, 1990).
lidade. Embora essa visão seja possível, e talvez até Mais uma vez, é necessário escolher? Claramen-
desejável, os teóricos da personalidade tendem a uti- te, tanto os determinantes genéticos quanto os
lizar um modelo ou outro para explicar os aspectos ambientais são importantes na formação da personali-
de processo do comportamento humano. dade. Antes de considerar as relações entre esses
determinantes, vamos considerar a importância de cada
um separadamente.

Determinantes genéticos
Os fatores genéticos desempenham um papel
importante na determinação da personalidade, parti-
cularmente em relação àquilo que é único no indiví-
duo (Caspi, 2000; Plomin e Caspi, 1999; Rowe, 1999).
Embora muitos psicólogos, historicamente, tenham
enfatizado a importância dos fatores ambientais e ge-
néticos em moldar a personalidade como um todo, teó-
ricos recentes reconhecem que a importância desses fa-
tores pode variar de uma característica da personali-
dade para outra. Os fatores genéticos são geralmente
mais importantes em características como a inteligên-
cia e o temperamento, e menos importantes com rela-
ção a valores, idéias e crenças.
Um bom exemplo de diferença individual devi-
da ao temperamento é o nível de atividade e de medo
(Kagan, 1994; 1999). Certos bebês são mais ativos e
Motivação: as teorias da personalidade enfatizam tipos menos receosos do que outros. Essas diferenças po-
diferentes de motivação (p. ex., redução da tensão, auto- dem durar até a idade adulta, com alguns indivíduos
realização, poder, etc.). sempre desejando se mover e outros geralmente pre-
28 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

ferindo ler um livro ou tirar uma soneca, alguns indi- disso, os psicólogos evolucionistas da personalidade
víduos relativamente destemidos e outros geralmen- também sugerem que compartilhamos de padrões so-
te medrosos ou cautelosos. O fato de que essas dife- ciais de relacionamento. Por exemplo, segundo esses
renças surgem cedo, de que são duradouras e pare- psicólogos, as características consideradas como de-
cem ser relativamente dependentes da história de sejáveis para um companheiro do sexo masculino ou
aprendizagem do indivíduo sugere que essas diferen- feminino, as diferenças masculinas ou femininas no
ças se devem a características genéticas ou hereditári- envolvimento parental, o altruísmo e as emoções bá-
as. Freqüentemente, diz-se que os pais são “ambien- sicas experimentadas refletem nossa herança evo-
talistas” com o nascimento de seu primeiro filho, mas lutiva, na forma de informações contidas nos genes.
que, após verem as notáveis diferenças em seus filhos Os psicólogos que enfatizam as emoções básicas (por
a partir do seu nascimento, tornam-se “heredita- exemplo, raiva, tristeza, alegria, nojo, medo) sugerem
rianistas” com o nascimento de outros filhos. que essas emoções são inatas, com as informações re-
Os determinantes genéticos também passaram levantes codificadas em nossos genes (Ekman, 1992;
a ser enfatizados por psicólogos da personalidade que 1993; 1994; Izard, 1991; 1994). Assim, as crianças, bem
enfatizam nossa herança evolutiva (Buss, 1991; 1995; como os adultos, e os chimpanzés, bem como os hu-
1999; 2000; Buss e Kenrick, 1998). Segundo esses psi- manos, experimentam essas emoções devido à heran-
cólogos, muitos padrões de comportamento datam de ça evolutiva compartilhada e à estrutura genética com-
nossa herança evolutiva e relacionam-se com genes partilhada. Isso não significa dizer que a experiência
compartilhados com membros de outras espécies. Em- não desempenhe um papel em relação a quais emo-
bora, na maioria dos casos, tenhamos uma tendência ções um indivíduo está mais ou menos propício a en-
a pensar sobre como os genes nos tornam diferentes contrar, ou em quais emoções particulares são experi-
dos outros, também é importante ter em mente o quan- mentadas e na forma como elas são expressadas, mas
to de nossa constituição genética é compartilhada com que esses desenvolvimentos ocorrem em relação a
os outros e com membros de outras espécies. Assim, uma estrutura genética subjacente. Em síntese, os
no nível mais básico, a maioria de nós tem dois olhos, genes desempenham o papel de nos tornar parecidos
dois ouvidos, um nariz, e assim por diante. Mas além como humanos e diferentes como indivíduos.

Influências genéticas no desenvolvimento da personalidade: o desenvolvimento da personalidade reflete a interação


de forças ambientais e genéticas. Os trigêmeos apresentados aqui haviam sido separados na infância e se reencontra-
ram quando já eram jovens. Eles verificaram que não apenas eram parecidos, como também sorriam e falavam da
mesma forma.
Personalidade: teoria e prática 29

Determinantes ambientais duo pertencer a uma certa cultura, outros são desen-
volvidos como resultado de pertencer a uma classe
Os determinantes ambientais abrangem influênci- social. Poucos aspectos da personalidade de um indi-
as que tornam muitos de nós semelhantes uns aos ou- víduo podem ser compreendidos sem referência a um
tros, assim como as experiências que nos tornam únicos. grupo ao qual a pessoa pertença. O grupo social do
Cultura Significativas entre os determinantes ambien- indivíduo – seja classe baixa ou alta, classe operária
tais da personalidade são as experiências que os indi- ou profissional – tem importância particular. Os fato-
víduos têm como resultado de pertencerem a uma de- res relacionados com a classe social determinam o
terminada cultura. Cada cultura tem os seus próprios status dos indivíduos, os papéis que eles desempe-
padrões institucionalizados e sancionados de compor- nham, os deveres que lhes são atribuídos e os privilé-
tamentos aprendidos, rituais e crenças. Isso significa gios de que desfrutam. Esses fatores influenciam a ma-
que a maioria dos membros de uma cultura terão cer- neira como os indivíduos vêem a si mesmos e como
tas características de personalidade em comum. Assim, eles percebem os membros de outras classes sociais,
freqüentemente, não temos consciência de influências assim como o modo como ganham e gastam dinhei-
culturais até termos contato com membros de uma cul- ro. Como os fatores culturais, os fatores relacionados
tura diferente, que enxergam o mundo de maneira di- com a classe social influenciam a maneira como as
ferente, e talvez desafiem nossa própria visão aceita do pessoas definem situações e como respondem a elas.
mundo. Apesar de podermos considerar essas influên- Família Além das semelhanças determinadas por fa-
cias óbvias, o impacto que exercem é enorme, influen- tores ambientais, como pertencer à mesma cultura ou
ciando virtualmente cada aspecto de nossa existência – classe social, os fatores ambientais levam a uma vari-
como definimos nossas necessidades e nossa maneira ação considerável no funcionamento da personalida-
de satisfazê-las; nossas experiências de diferentes emo- de de membros de uma cultura ou classe única. Um
ções e como expressamos o que estamos sentindo; nos- dos fatores ambientais mais importantes é a influên-
sos relacionamentos com as outras pessoas e conosco; cia da família (Collins et al., 2000; Halverson e
o que consideramos engraçado ou triste; como lidamos Wampler, 1997; Maccoby, 2000). Os pais podem ser
com a vida e a morte; e aquilo que consideramos sau- afetuosos e amorosos ou hostis e indiferentes,
dável ou doente (Cross e Markus, 1999; Fiske, Kitayama, superprotetores ou possessivos, ou conscientes das
Markus e Nisbett, 1998; Markus e Kitayama, 1991). necessidades de liberdade e autonomia de seus filhos.
Classe social Embora certos padrões de comporta- Cada padrão de comportamento parental afeta o de-
mento desenvolvam-se como resultado de o indiví- senvolvimento da personalidade da criança. Os pais

Determinantes da personalidade: as diferenças genéticas e as diferentes experiências de vida, tanto dentro quanto
fora da família, contribuem para o surgimento de diferenças de personalidade entre irmãos.
30 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

influenciam o comportamento de seus filhos de, pelo cias ambientais são importantes? Talvez sejam as ex-
menos, três maneiras importantes: periências familiares que são únicas de cada criança.
Recentemente, foi sugerida uma outra alternativa.
1. Através de seu comportamento, eles apresentam Segundo essa visão, o ambiente dos pares é o que res-
situações que produzem certos comportamentos ponde pelos efeitos ambientais sobre o desenvolvi-
nas crianças (por exemplo, a frustração leva à mento da personalidade: “As experiências em gru-
agressão). pos de pares na infância e na adolescência, e não as
2. Eles servem como modelos de identificação. experiências no lar, respondem por influências am-
3. Eles recompensam comportamentos de forma bientais sobre o desenvolvimento da personalidade.
seletiva. A resposta para a questão ‘Por que crianças de mes-
ma família são tão diferentes?’ (Plomin e Daniels,
Recentemente, os pesquisadores começaram a se 1987) é: porque elas têm diferentes experiências fora
concentrar na seguinte questão: Por que crianças da de casa e porque suas experiências dentro de casa não
mesma família são tão diferentes? A resposta não está as tornam iguais” (Harris, 1995, p. 481).
apenas em diferenças constitutivas, mas também nas O que é sugerido aqui é que as crianças apren-
diferentes experiências que irmãos têm como mem- dem muitas coisas em casa, mas que essas influências
bros da mesma família e em experiências fora da fa- são específicas do ambiente de casa e, freqüentemente,
mília (Dunn e Plomin, 1990; Plomin e Caspi, 1999; desaparecem frente às influências do grupo de pares.
Plomin e Daniels, 1987). Para surpresa de muitas pes- Assim, o grupo de pares serve para socializar o indiví-
soas, as diferentes experiências de irmãos (o ambien- duo a aceitar novas regras de comportamento e pro-
te não-compartilhado) podem ser até mesmo mais porciona experiências que terão influências duradou-
importantes para o desenvolvimento da personalida- ras sobre o desenvolvimento da personalidade. De acor-
de do que as experiências compartilhadas como mem- do com essa visão, os laços parentais são importantes
bros da mesma família. para o desenvolvimento inicial, mas o importante para
o desenvolvimento posterior e mais duradouro da per-
Pares Se o ambiente familiar compartilhado não for
sonalidade é o envolvimento com os pares.
tão importante como muitos pensam, quais experiên-

QUESTÕES ATUAIS

HÁ LIMITES NA INFLUÊNCIA FAMILIAR?


Por um longo tempo, os psicólogos da perso- mesma família não compartilham do mesmo ambi-
nalidade e do desenvolvimento supuseram que a fa- ente. Ao invés disso, o ambiente familiar é diferente
mília tivesse importância fundamental na formação para cada irmão.
da personalidade. De maneira mais específica, pres- Além disso, alguns geneticistas comporta-
supôs-se que as crianças de uma mesma família com- mentais sugerem que o ambiente familiar tem influ-
partilhassem de características da personalidade em ência sistemática limitada sobre a personalidade como
virtude de influências ambientais compartilhadas – um todo! A sugestão é que os genes desempenhem
ou seja, como resultado de serem membros da mes- um papel maior no desenvolvimento da personali-
ma família. Conforme foi comentado no texto, os dade do que as experiências familiares, em termos de
geneticistas comportamentais – indivíduos que es- influências genéticas diretas e da forma como as dife-
tudam a relação entre a semelhança genética e as renças genéticas levam os indivíduos a responder de
características de personalidade, e que a partir daí maneira diferente para o mesmo ambiente. Por exem-
buscam determinar a influência genética sobre a per- plo, crianças de temperamento agressivo podem se-
sonalidade – sugerem que irmãos que crescem na lecionar ambientes diferentes, provocar diferentes res-
Personalidade: teoria e prática 31

postas nos outros e responder de maneira diferente genéticos. Segundo os autores do estudo, “um ambiente
aos mesmos eventos ambientais do que crianças de familiar comum desempenha um papel considerável
temperamento passivo. Assim, embora as experiên- em determinar os estilos de amar, uma descoberta com-
cias ambientais possam ser algo importantes, sugere- patível com as teorias que enfatizam a importância das
se que, em um sentido amplo, essas experiências ocor- interações familiares no desenvolvimento da persona-
ram fora do ambiente familiar e, mais uma vez, se- lidade” (Waller e Shaver, 1994, p. 268). Talvez a melhor
jam influenciadas por fatores genéticos. afirmação que se possa fazer no momento é que ainda
Essas visões não foram aceitas livremente por temos muito a aprender sobre a maneira como os genes
psicólogos que enfatizam a importância das experiên- e os ambietes interagem para moldar diversas caracte-
cias familiares em moldar as semelhanças, assim como rísticas da personalidade.
as diferenças verificadas entre irmãos. Em um estudo
recente, que é particularmente notável, verificou-se que
as atitudes relativas aos relacionamentos românticos Fontes: Harris, 1998; Hoffman, 1991; Maccoby, 2000;
eram amplamente influenciadas por um ambiente fa- Rowe, 1999; Scarr, 1992; Stoolmiller, 1999; Waller e
miliar comum e dificilmente influenciadas por fatores Shaver, 1994).

RELAÇÕES ENTRE DETERMINANTES diferenças constitucionais herdadas, evocam diferen-


GENÉTICOS E AMBIENTAIS tes respostas do ambiente. Por exemplo, a criança
hiperativa evoca respostas diferentes por parte dos
Conforme mencionado, os psicólogos têm deba- pais do que a criança tranqüila, a criança fisicamen-
tido historicamente sobre a relativa importância dos te atraente evoca respostas diferentes do que a cri-
genes e do ambiente. Ao mesmo tempo, provavelmen- ança que não é fisicamente atraente, a garota evoca
te todos os psicólogos concordariam que esse é um de- respostas diferentes do que o garoto. Com mais de-
bate sem sentido, pois os genes e o ambiente estão sem- senvolvimento, a pessoa busca diferentes ambientes,
pre interagindo entre si – ou seja, nunca há genes sem com base, em parte, em diferenças constitucionais e,
um ambiente e um ambiente sem genes. Assim, a ques- em parte, com base em experiências passadas de pra-
tão para os psicólogos torna-se entender o processo de zer ou dor em ambientes específicos. Assim, em vez
desenvolvimento da personalidade como resultado das de uma simples relação de causa e efeito, temos uma
interações contínuas entre os genes e o ambiente. Por interação contínua, ou um processo recíproco, entre
exemplo, considere o conceito de amplitude de variação a hereditariedade e o ambiente.
(Gottesman, 1963). Esse conceito sugere que a heredi- Para sintetizar, a personalidade é determinada
tariedade fixa um número de resultados possíveis, mas por muitos fatores que interagem, incluindo forças
o ambiente é que finalmente determina o resultado es- genéticas, culturais, de classe social e de família. A
pecífico. Ou seja, a hereditariedade pode estabelecer hereditariedade estabelece os limites na amplitude de
uma amplitude, dentro da qual o desenvolvimento desenvolvimento de características; dentro dessa am-
avançado de uma característica é determinado pelo plitude, as características são determinadas por for-
ambiente. Por exemplo, a hereditariedade pode definir ças ambientais. A hereditariedade nos proporciona
os limites do talento em música ou em esportes, mas o talentos que uma cultura pode ou não recompensar e
ambiente irá determinar o nível específico e a forma de cultivar. É possível enxergar a interação dessas diver-
desenvolvimento de cada talento. sas forças genéticas e ambientais em qualquer aspec-
Apesar de útil, o conceito de amplitude de va- to significativo da personalidade. Uma teoria da per-
riação não retrata o processo ativo de interação con- sonalidade deve explicar o desenvolvimento de es-
tínua entre a hereditariedade e o ambiente. Uma vez truturas e padrões de comportamento. Uma teoria da
vindos ao mundo, os bebês não apenas são expostos personalidade deveria explicar o que se desenvolve,
a diferentes ambientes, mas também, com base em como e por quê.
32 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

Psicopatologia e Mudança dade completa deveria sugerir como e por que as pes-
de Comportamento soas mudam ou resistem à mudança.

Para tentar explicar esses aspectos variados do


comportamento humano, uma teoria da personalida- RESUMO
de completa deve incluir análises de por que certas
pessoas são capazes de enfrentar os estresses da vida Esta seção explorou cinco áreas que uma teoria da
cotidiana e, de um modo geral, experimentar satisfa- personalidade completa deve levar em conta e através
ção, ao passo que outros desenvolvem respostas das quais podem-se comparar teorias da personalidade:
psicopatológicas (comportamento anormal devido a estrutura, processo, desenvolvimento, psicopatologia e
causas psicológicas). Além disso, essa teoria deveria mudança. Essas áreas representam abstrações ou manei-
sugerir psicoterapias ou meios através dos quais as ras de construir o campo. Essas abstrações conceituais
formas patológicas de comportamento pudessem ser são encontradas em outras ciências além da psicologia.
modificadas. Embora nem todos os teóricos da perso- Elas definem áreas que uma teoria da personalidade
nalidade sejam terapeutas, uma teoria da personali- deveria abranger – aquilo que chamamos de o o quê, o
como, e o por que da personalidade.

QUESTÕES IMPORTANTES NA TEORIA DA PERSONALIDADE

Através da história relativamente breve da teoria espírito da época e por pressupostos filosóficos ca-
da personalidade, inúmeras questões têm desafiado os racterísticos dos membros de uma dada cultura
teóricos repetidamente (Pervin, 1999). A maneira como (Pervin, 1987b). Ainda que baseadas em dados obser-
eles tratam essas questões define as principais caracte- vados, as teorias enfatizam seletivamente certos tipos
rísticas de cada posição teórica. Assim, ao revisar di- de dados e extrapolam além do que é conhecido e,
versas teorias da personalidade, devemos considerar portanto, podem ser influenciadas por fatores pesso-
quanta atenção cada teórico dedica a essas questões e ais e culturais. Até certo ponto, falamos sobre nós
como cada teórico resolve cada questão. mesmos ao desenvolver teorias psicológicas. Isso não
é um problema em si. Os determinantes pessoais de
uma teoria somente representam um problema quan-
A VISÃO FILOSÓFICA DA PESSOA do as experiências pessoais tornam-se mais importan-
tes do que outros tipos de experiência e ignoram as
Qual é a natureza básica das pessoas? Uma vi- evidências das pesquisas.
são filosófica da natureza humana tende a estar por
trás das atuais teorias da personalidade. Por exem-
plo, uma teoria considera a pessoa como um organis- DETERMINANTES INTERNOS E
mo que raciocina, escolhe e decide (visão racional), EXTERNOS DO COMPORTAMENTO
ao passo que outra vê a pessoa como um organismo
que é conduzido, impelido, irracional (visão animal); O comportamento humano é determinado por
uma teoria considera que a pessoa responde automa- processos que ocorrem dentro da pessoa ou por even-
ticamente a estímulos externos (visão da máquina), tos externos? A questão aqui diz respeito à relação en-
ao passo que outra considera que a pessoa processa tre os determinantes internos e os externos. Todas as
informações como um computador (visão do compu- teorias da personalidade reconhecem que fatores inter-
tador). nos ao organismo e eventos no ambiente circundante
Os proponentes de diferentes pontos de vista ti- são importantes para determinar o comportamento. En-
veram diferentes experiências de vida e foram influ- tretanto, as teorias diferem no nível de importância atri-
enciados por diferentes tradições históricas. Assim, buído aos determinantes internos e externos. Conside-
além de fatos e evidências científicas, as teorias da per- re-se, por exemplo, a diferença entre a visão de Freud,
sonalidade são influenciadas por fatores pessoais, pelo de que somos controlados por forças internas desco-
Personalidade: teoria e prática 33

nhecidas, e a sugestão de Skinner, de que “uma pessoa e Endler, 1977; Snyder e cantor, 1998). Quase todos os
não age sobre o mundo, o mundo age sobre ela” (1971, pesquisadores, atualmente, sugerem uma ênfase na
p. 211). Enquanto que a visão freudiana considera a interação pessoa-situação, mesmo que discordâncias
pessoa como ativa e responsável por seu comportamen- fundamentais permaneçam. Mesmo quando as pes-
to, a skinneriana considera a pessoa como uma vítima soas, situações e interações são todas aceitas como
passiva dos eventos no ambiente. A visão freudiana su- sendo importantes, existem diferenças teóricas com
gere que concentremos nossa atenção naquilo que está relação a o quê na pessoa interage como e com o quê na
acontecendo dentro da pessoa; a visão skinneriana situação. Assim, o debate interno-externo permanece
sugere que esses esforços são insensatos e que seria ló- vivo e é uma questão que deve ser mantida em mente
gico concentrarmo-nos em variáveis ambientais. ao se considerar vários pontos de vista teóricos.
Embora as visões freudiana e skinneriana repre-
sentem extremos que muitos psicólogos evitam, a
maioria dos psicólogos ainda enfatiza suas teorias na CONSISTÊNCIA EM DIFERENTES
direção de fatores internos ou externos. Periodicamen- SITUAÇÕES E AO LONGO DO TEMPO
te, há uma mudança de ênfase, dos fatores internos
para os externos, ou vice-versa, com um ocasional cha- O quão consistente é a personalidade de situação
mado para uma investigação da relação entre os dois. para situação? Por exemplo, até que ponto você é “a
Por exemplo, na década de 1940, um psicólogo bra- mesma pessoa” quando está com seus amigos e com
dou contra a tendência prevalecente de superestimar seus pais? Em uma festa ou em uma discussão em sala
a importância dos fatores internos (pessoais) sobre os de aula? Em termos de consistência com o passar do
externos (ambientais) para a personalidade (Ichheiser, tempo, o quão semelhante é a sua personalidade agora
1943). Na década de 1970, outro psicólogo perguntou ao que ela era quando você era criança? E o quão seme-
“Onde está a pessoa na pesquisa da personalidade?” lhante ela será daqui a vinte anos? Mais uma vez, veri-
(Carlson, 1971). Mais recentemente, o debate com re- ficamos que os teóricos da personalidade adotam dife-
lação ao papel das forças internas e externas em go- rentes posições quanto a essa questão. A questão da
vernar o comportamento foi ressaltado na controvér- consistência através de situações está relacionada com
sia pessoa-situação. Em seu livro de 1968, Personality and a controvérsia pessoa-situação discutida a pouco. Al-
Assessment, o teórico da aprendizagem social Walter guns teóricos sugerem que as pessoas são muito variá-
Mischel criticou as teorias da personalidade tradicio- veis, sendo pessoas totalmente diferentes de um con-
nais por sua ênfase em estruturas internas estáveis e texto para outro. Embora as pessoas difiram claramen-
duradouras, que leva à percepção do comportamen- te nesse sentido, alguns sendo mais consistentes e ou-
to das pessoas como razoavelmente imutável com o tros mais variáveis, podemos perguntar se as pessoas
tempo e através de diferentes situações. Ao invés de geralmente parecem ser consistentes ou variáveis em
enfatizar características amplas da personalidade que seu comportamento em situações diferentes. De um
funcionam independentemente de fatores externos, modo mais geral, podemos perguntar como uma teo-
Mischel sugeria que as mudanças nas condições in- ria explica a consistência e a variabilidade que existe
ternas ou ambientais modificam o modo como a pes- no comportamento de cada pessoa através de uma va-
soa se comporta. Tais mudanças resultam em com- riedade de situações.
portamentos que são relativamente específicos da si- Com relação à consistência ao longo do tempo,
tuação: cada situação ambiental age independente- alguns teóricos da personalidade enfatizam a conti-
mente para afetar o comportamento individual. nuidade da personalidade com o tempo (Caspi e
Desde a publicação do livro de Mischel, consi- Roberts, 1999). Segundo essa perspectiva, a criança é
derável atenção tem sido dedicada à controvérsia in- “o pai do homem”, e, quando uma pessoa atinge a
terno-externo (pessoa-situação). Em primeiro lugar, idade de vinte e cinco anos, sua personalidade está
houve o debate a respeito de se as pessoas ou as situa- “firme como cimento” (Costa e McCrae, 1994a). Ou-
ções controlam o comportamento, e se as pessoas ou tros teóricos da personalidade enfatizam a falta de
as situações são mais importantes e, finalmente, a acei- continuidade entre a infância e a idade adulta (Lewis,
tação da visão de que ambas são importantes e intera- 1999). Segundo essa perspectiva, não é de surpreen-
gem entre si (Endler e Magnusson, 1976; Magnusson der que seja tão difícil prever o que será da criança ou
34 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

quando um adulto toma um rumo que representa um funciona perfeitamente, as partes operam em harmo-
afastamento claro de padrões da infância. De fato, al- nia entre si. Todas elas parecem funcionar juntas para
guns psicólogos sugerem que a previsibilidade da in- atingir seus objetivos comuns, ao invés de cada parte
fância para a idade adulta é muito limitada, particu- funcionando de maneira independente para alcançar
larmente devido a todas as ocorrências ao acaso que objetivos diferentes, que podem entrar em conflito.
desempenham algum papel no desenvolvimento hu- De fato, quando o comportamento parece desorgani-
mano (Lewis, 1995). zado e desintegrado, suspeitamos que há algo drasti-
A questão da consistência da personalidade é camente errado com a pessoa. Então, como devemos
complexa, e as respostas dependem, em parte, do as- formular esse padrão e organização? O que proporci-
pecto da personalidade a ser considerado. Seria de ona uma qualidade integrativa ao comportamento?
esperar que as pessoas mudassem mais em algumas O conceito de self freqüentemente é utilizado nesse
características do que em outras, que mudassem mais sentido (Baumeister, 1999; Robins, Norem e Cheek,
rapidamente em características da personalidade me- 1999). Embora muitos teóricos da personalidade dêem
nos centrais e menos rapidamente em características grande atenção a esse conceito, outros preferem rejeitá-
mais centrais. Além disso, a questão gira, em parte, lo completamente.
em torno da definição de consistência do indivíduo, Tradicionalmente, o conceito de self tem sido
ou seja, a consistência exige que a pessoa se comporte enfatizado por três razões. Em primeiro lugar, nossa cons-
de maneira idêntica ou que seu comportamento refli- ciência de nós mesmos representa um importante aspecto
ta o mesmo padrão de personalidade? Uma criança de nossa experiência fenomenológica ou subjetiva. Em
agressiva, por exemplo, pode permanecer agressiva segundo, um número considerável de pesquisas sugere
como adulto, mas canalizar a agressão de maneira que a maneira como nos sentimos a nosso próprio res-
bastante diferente. Existe consistência nesse caso? Uma peito influencia o nosso comportamento em muitas si-
pessoa pode parecer diferente em duas ocasiões dife- tuações. Em terceiro, como mencionado, o conceito de
rentes ou em duas situações diferentes, mas a perso- self é utilizado para expressar os aspectos organizados e
nalidade subjacente pode ser a mesma, assim como a integrados do funcionamento da personalidade huma-
estrutura subjacente da água, do gelo e do vapor é a na. Ao questionar se o conceito de self é necessário, o
mesma, apesar das aparências tão diferentes. Em renomado teórico Gordon Allport (1958) sugeriu que
suma, os teóricos da personalidade diferem em suas muitos psicólogos tentaram em vão explicar a integração,
visões com relação ao nível em que as pessoas são organização e unidade da pessoa humana, sem fazer uso
consistentes através de diferentes situações e ao lon- do conceito de self.
go do tempo.

A UNIDADE DO COMPORTAMENTO
E O CONCEITO DE SELF

Como podemos explicar a natureza integrada de


grande parte de nosso funcionamento, ou seja, o fato
de que nosso comportamento geralmente apresenta
um padrão e organização ao invés de aleatoriedade
ou caos? A maioria dos psicólogos concordam que o
comportamento humano resulta não apenas da ope-
ração de partes específicas, mas também das relações
entre essas partes. Até certo ponto, isso é verdadeiro
para um sistema mecânico como um automóvel; é ain-
da mais verdadeiro para um sistema vivo como o cor-
po humano. Em vez de ser formado por respostas iso- O conceito de self: os psicólogos da personalidade estão
ladas, o comportamento humano geralmente expres- interessados na maneira como o conceito de self se de-
sa padrão, organização e integração. Como um carro que senvolve e ajuda a organizar a experiência.
Personalidade: teoria e prática 35

Sem um conceito de self, o teórico é abandonado de self, as pessoas têm consciência de seus sentimen-
à tarefa de desenvolver um conceito alternativo para tos sobre si mesmas, ou alguns desses sentimentos são
expressar os aspectos integrados do funcionamento inconscientes? Se não podemos reconhecer alguns sen-
humano. Por outro lado, a confiança no conceito de self timentos importantes com relação a nós mesmos, quais
deixa o teórico com a tarefa de definir o self de maneira são as implicações desse fato para as tentativas de
que possibilite que ele seja estudado de maneira siste- medir as percepções do self?
mática, ao invés de deixá-lo definido, de maneira vaga,
como algum estranho ser interior. Assim, como pode-
mos explicar os aspectos organizados da personalida- RELAÇÕES ENTRE COGNIÇÃO, AFETO
de e a utilidade do conceito do self nesse sentido, per- E COMPORTAMENTO OBSERVÁVEL
manece uma importante questão de interesse para os
psicólogos da personalidade. Até que ponto nossos pensamentos, sentimen-
tos e comportamentos observáveis estão relacionados
entre si? Seria um deles mais casual do que os outros,
DIFERENTES ESTADOS DE CONSCIÊNCIA ou seja, será que os sentimentos mudam nossos pen-
E O CONCEITO DE INCONSCIENTE samentos, ou os pensamentos mudam nossos senti-
mentos? Ou, seriam os dois possíveis?
Até que ponto temos consciência de grande parte A personalidade abrange as cognições (proces-
de nossa vida mental interna e das causas do comporta- sos de pensamento), afetos (emoções, sentimentos)
mento? Uma quinta questão de contínua preocupação e comportamentos observáveis. Nem todos os psicó-
para a maioria dos teóricos da personalidade é como logos concordam que todas essas áreas mereçam ser
conceitualizar o papel de diferentes estados de consci- investigadas, e mesmo onde existe um acordo, exis-
ência no funcionamento individual (Kihlstrom, 1990; tem grandes diferenças no que diz respeito às rela-
1999; Pervin, 1996; 1999). A maioria dos psicólogos con- ções entre eles. Como veremos mais adiante no tex-
cordam que existe um potencial para diferentes estados to, o behaviorismo radical levou a um foco no com-
de consciência. Os efeitos de drogas, juntamente com o portamento observável e à rejeição da investigação
interesse em religiões orientais e técnicas de meditação, de processos internos como os pensamentos e os sen-
serviram para aumentar o interesse dos teóricos da per- timentos. Assim, a partir da década de 1950, uma
sonalidade em uma grande variedade de estados altera- revolução cognitiva aconteceu na psicologia, levan-
dos de consciência. A maioria dos teóricos também acei- do à dominação do campo por teorias cognitivas. Por
ta a visão de que não estamos sempre atentos ou consci- algum tempo, a área do afeto foi ignorada, embora
entes de fatores que influenciam o nosso comportamen- nos últimos anos tenha havido fortes sinais de um
to. Entretanto, muitos sentem-se desconfortáveis com a crescente interesse no afeto em si e em suas implica-
teoria de Freud do inconsciente; eles sentem que ela é ções para o pensamento e para a ação.
utilizada para explicar coisas demais e que ela própria Os psicólogos da personalidade diferem quan-
não se aplica a uma investigação empírica. to ao peso relativo ou à atenção que colocam em cada
Mas como iremos explicar fenômenos tão diver- uma dessas áreas do funcionamento. Isso tem um
sos como atos falhos, sonhos e nossa capacidade em interesse particular, já que diz respeito ao que é in-
certas circunstâncias para lembrar de eventos do pas- vestigado, como a pesquisa é conduzida e como ava-
sado que pareciam ter sido esquecidos? Seriam esses liamos a personalidade. Ou seja, diferentes métodos
fenômenos relacionados ou separados? Eles devem de investigação e avaliação da personalidade estão
ser compreendidos segundo o funcionamento de um envolvidos no estudo dos pensamentos, sentimen-
inconsciente, ou existem explicações alternativas pos- tos e comportamentos humanos. Os psicólogos da
síveis? Como veremos, a questão aqui é importante personalidade também diferem em suas visões das
em relação à mensuração da personalidade assim relações causais entre os pensamentos, sentimentos
como à teoria da personalidade. Até que ponto pode- e comportamentos. Por exemplo, ao passo que al-
mos contar que as pessoas irão nos fornecer relatos guns teóricos da personalidade atribuem primazia
precisos de si mesmas? Elas têm consciência de certas aos afetos, outros teóricos dão primazia ao papel da
coisas, mas não de outras? Com relação ao conceito cognição no afeto e no comportamento.
36 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

É interessante considerar a relevância desses fe- por experiências ocorridas no passado distante ou
nômenos à luz da própria personalidade. Por exem- no passado recente. De maneira semelhante, aquilo
plo, quanto de sua personalidade é expressa em com- que o indivíduo pensa sobre o presente pode ser in-
portamentos observáveis? Podemos descobrir tudo o fluenciado por pensamentos sobre o futuro imedia-
que há para saber sobre você, observando o seu com- to ou o futuro distante. As pessoas variam quanto à
portamento? Conhecendo os seus pensamentos? Co- extensão em que se preocupam com o passado e com
nhecendo os seus sentimentos? Ou a personalidade en- o futuro. E os teóricos da personalidade diferem em
volve todos os três e ainda – de maneira mais significa- seu interesse no passado e no futuro como determi-
tiva – as relações entre o que você está pensando, o que nantes do comportamento no presente. Em um ex-
você está sentindo e a maneira como se comporta? A tremo, está a teoria psicanalítica, que atribui impor-
mudança para um é mais central do que para os ou- tância a experiências de aprendizado passadas. No
tros? Quais são os mais fáceis de serem mudados – os outro extremo, está a teoria cognitiva, que enfatiza
pensamentos, os sentimentos ou os comportamentos? os planos do indivíduo para o futuro. Entretanto, a
questão não é se os eventos que aconteceram no pas-
sado podem ter efeitos duradouros ou se previsões
A INFLUÊNCIA DO PASSADO, DO PRESENTE E sobre o futuro podem ter efeitos no presente (os teó-
DO FUTURO SOBRE O COMPORTAMENTO ricos concordam, sem dúvida, que ambos são possí-
veis e ocorrem), mas como conceitualizar o papel das
Até que ponto somos “prisioneiros do nosso experiências passadas e de previsões futuras, e como
passado”, em oposição, por exemplo, a sermos sem- conectar sua influência com aquilo que está ocorren-
pre moldados por nossa visão do futuro? A questão do no presente.
final a ser considerada aqui diz respeito à importân-
cia do passado, do presente e do futuro em governar
o comportamento. Os teóricos concordam que o com- RESUMO
portamento apenas pode ser influenciado por fato-
res que operam no presente. Nesse sentido, somente Ao tentar explicar o o quê, o como e o por quê do
o presente é importante para compreender o com- funcionamento humano, os teóricos da personalida-
portamento, mas o presente pode ser influenciado de enfrentam muitas questões. Sete questões de im-

Os efeitos da experiência passada: os psicólogos geralmente concordam que experiências passadas podem ser impor-
tantes para o desenvolvimento da personalidade, mas discordam sobre se essas experiências levam ao desenvolvimen-
to de características relativamente fixas da personalidade.
Personalidade: teoria e prática 37

portância particular foram mencionadas aqui: (1) a tre a cognição, o afeto e o comportamento; e (7) o pa-
visão filosófica da pessoa; (2) a relação entre as influ- pel do passado, presente e futuro em governar o com-
ências internas (pessoais) e externas (situacionais) na portamento. É claro que muitas outras questões inte-
determinação do comportamento; (3) a consistência ressam aos teóricos da personalidade e explicam as
da personalidade em diferentes situações e ao longo diferenças entre eles, mas o propósito aqui foi mos-
do tempo; (4) o conceito de self e como explicar os trar apenas as principais. A importância dessas e de
processos organizados do funcionamento da perso- outras questões irá ficar cada vez mais clara à medida
nalidade; (5) o papel dos diversos estados de consci- que considerarmos as posições dos vários teóricos nos
ência e o conceito de inconsciente; (6) as relações en- capítulos a seguir.

AVALIAÇÃO DE TEORIAS

Em um sentido, todos somos teóricos da perso- mente devemos testar nossas idéias e descobrir o quan-
nalidade e psicólogos da personalidade, ou seja, to- to podemos confiar nelas. E, embora freqüentemente
dos nós desenvolvemos maneiras de organizar infor- sejamos capazes de grande auto-engano ao lermos as
mações sobre as pessoas, de fazer previsões sobre a evidências e podermos relutar muito a acreditar nos
maneira como os indivíduos irão se comportar, de fa- dados, geralmente estamos pelo menos um pouco
zer observações e de revisar nossas posições de acor- abertos à necessidade de revisão de nossas visões ou
do com elas (G. A. Kelly, 1955). O que diferencia o teorias implícitas.
trabalho dos teóricos da personalidade profissionais Esses princípios básicos, que a maioria de nós
das pessoas em seu comportamento cotidiano é que seguimos em nossas vidas cotidianas, possuem para-
os teóricos profissionais tornam suas teorias mais ex- lelos nos princípios seguidos pelos psicólogos da per-
plícitas e são mais sistemáticos ao testá-las. Ao passo sonalidade como cientistas, embora, mais uma vez,
que, em nossas vidas cotidianas, normalmente deixa- existam diferenças. Conforme já mencionado, as re-
mos nossas teorias implícitas, raramente formulando- gras da ciência exigem que as teorias sejam explici-
as ou conferindo-lhes alguma organização formal. tadas ao invés de ficarem implícitas. Além disso, ao
Como psicólogos da personalidade, tornamos nossas passo que podemos ser não-sistemáticos na coleta de
teorias explícitas, declarando claramente as unidades informações em nossas vidas cotidianas, as regras da
e os processos básicos que consideramos que regu- ciência requerem que sejamos sistemáticos em nossa
lam o comportamento humano. coleta de dados e que outros cientistas consigam ob-
Indo mais além nessa analogia, como podemos ter resultados idênticos àqueles que relatamos ter ob-
comparar a avaliação de nossas teorias em nossas vi- servado. Com relação à avaliação de teorias, os crité-
das cotidianas com a avaliação de teorias no trabalho rios utilizados pelos psicólogos da personalidade as-
científico dos psicólogos da personalidade? Em nos- semelham-se àqueles que seguimos em nossas vidas
sa vida cotidiana, presumivelmente buscamos encon- cotidianas e baseiam-se nas funções da teoria – a or-
trar padrões, regularidade e previsibilidade em even- ganização de informações existentes e a previsão de
tos. Se não fôssemos capazes de encontrar ordem e novas descobertas. Os critérios para avaliação de teo-
previsibilidade, o mundo nos pareceria caótico. Como rias da personalidade são a abrangência, a parcimônia
funcionaríamos? Quanto mais conseguimos explicar ou simplicidade e a relevância para a pesquisa (Hall e
e prever os eventos, melhor ficamos. Além disso, como Lindzey, 1957). Assim como ocorre com as teorias
freqüentemente devemos tomar decisões rapidamen- implícitas que utilizamos em nossas vidas cotidianas,
te, buscamos um sistema para interpretar os eventos as teorias explícitas dos psicólogos da personalidade
e fazer previsões que seja o mais simples e fácil de podem ser avaliadas de acordo com a quantidade de
utilizar possível. Finalmente, como somos todos falí- dados que podem explicar de maneira simples e parci-
veis e, na melhor das hipóteses, cientistas imperfei- moniosa, e com a sua utilidade para nos ajudar a pre-
tos, devemos estar abertos para reconhecer erros em ver e explicar eventos. Foi sugerido anteriormente que
nossas visões e sermos capazes de corrigi-los. Embo- a função de uma teoria é organizar o que é conhecido
ra freqüentemente hesitemos em fazê-lo, periodica- e apontar para a descoberta do que ainda é desconhe-
38 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

cido. Os dois primeiros critérios, a abrangência e a em outra, cobrindo uma extensão mais ampla de fenô-
parcimônia, relacionam-se com a função de organi- menos com um grau menor de especificidade, ou uma
zação da teoria; o terceiro critério, a relevância para a extensão mais limitada de fenômenos com um grau
pesquisa, com a função de direcionamento. maior de especificidade. Assim, embora reconheçamos
que a abrangência e a especifidade – a extensão e a fi-
delidade – sejam ambas desejáveis, às vezes devemos
ABRANGÊNCIA estar preparados para optar por trocas entre as duas.
Uma boa teoria é abrangente no sentido que ela
abrange e explica uma ampla variedade de dados. Essa PARCIMÔNIA
teoria dirige-se a cada um dos domínios do compor-
tamento discutidos anteriormente. É importante ques- Além de ser abrangente, uma teoria deve ser sim-
tionar quantos tipos diferentes de fenômenos a teoria ples e parcimoniosa. Ela deve explicar diversos fenô-
consegue explicar. Entretanto, não devemos ser me- menos de maneira econômica e internamente consis-
ramente quantitativos. Nenhuma teoria consegue tente. Uma teoria que utilize um conceito diferente
explicar tudo, portanto, também devemos questionar para cada aspecto do comportamento ou conceitos que
se os fenômenos que uma teoria explica são tão im- se contradigam será fraca. Esses objetivos de simpli-
portantes ou centrais para o comportamento humano cidade e abrangência, por sua vez, levantam a ques-
quanto os fenômenos que outra teoria abrange. É im- tão do nível apropriado de organização e abstração
portante reconhecer que a abrangência envolve o nú- de uma teoria da personalidade. À medida que as te-
mero e a significância dos fatos que a teoria explica. orias tornam-se mais abrangentes e parcimoniosas,
Enquanto consideramos o grau de abrangência elas tendem a se tornar mais abstratas. Portanto, é
de uma teoria, também devemos considerar se ela lida importante que, tornando-se abstratas, as teorias re-
especificamente com os eventos com os quais está rela- tenham conceitos claramente relacionados com o com-
cionada. Em outras palavras, a teoria não apenas deve portamento estudado. Em outras palavras, conceitos
cobrir muitos fenômenos diferentes de maneira geral, nebulosos ou obscuros não devem ser o preço pago
como deve ser bastante exata em sua cobertura. Uma para que uma teoria torne-se mais parcimoniosa.
boa teoria não apenas deve permitir que façamos pre-
visões sobre vários eventos, como também deve per- RELEVÂNCIA PARA A PESQUISA
mitir que sejamos bastante específicos em nossas pre-
visões. Os conceitos de amplitude e fidelidade abran- Finalmente, uma teoria não é verdadeira ou falsa,
gem os critérios em consideração. O conceito de am- mas útil ou inútil. Uma boa teoria tem relevância para a
plitude relaciona-se com a extensão dos fenômenos que pesquisa no sentido de que conduz a muitas hipóteses
a teoria abrange, o que pode ser denominado de sua novas que podem ser confirmadas através de pesquisas
amplitude de conveniência, o de fidelidade relaciona- sistemáticas. Isso é o que Hall e Lindzey chamam de tra-
se com os fenômenos aos quais ela é particularmente dução empírica: ela especifica variáveis e conceitos de tal
aplicável, o que pode ser denominado de seu foco de modo que haja concordância quanto ao seu significado
conveniência. Pode-se fazer uma analogia aqui com os e com relação ao seu potencial de medição. A tradução
rádios. Um rádio verdadeiramente excelente capta uma empírica significa que os conceitos de uma teoria são
ampla variedade de estações (amplitude) e recebe o si- claros, explícitos e levam à expansão do conhecimento;
nal de cada uma delas com grande clareza (fidelida- eles devem ter poder preditivo. Em outras palavras, uma
de). De maneira semelhante, uma excelente teoria da teoria deve conter hipóteses testáveis sobre as relações
personalidade explica uma larga extensão de fenôme- entre os fenômenos. Uma teoria que não está aberta ao
nos com grande clareza e especificidade. Entretanto, teste da negação – que potencialmente não pode ser de-
somos freqüentemente forçados a negociar entre a am- monstrada como errada – é uma teoria fraca; ela condu-
plitude e a fidelidade. Um rádio capta mais sinais, mas ziria à discussão e ao debate, mas não ao progresso cien-
com menor clareza; outro rádio tem grande clareza, mas tífico. Seja qual for o destino da teoria, se ela conduz a
capta apenas um número limitado de estações. De ma- novos insights e novas técnicas de pesquisa, ela faz uma
neira semelhante, as teorias da personalidade, freqüen- contribuição valiosa para a ciência.
temente, são mais fortes em uma característica do que
Personalidade: teoria e prática 39

RESUMO mento, ambas possam ser integradas em uma teoria


única mais abrangente. Finalmente, uma teoria nova
Os critérios da abrangência, parcimônia e rele- e imatura pode ser incapaz de explicar muitos fenô-
vância para a pesquisa proporcionam a base para a menos, mas pode conduzir a algumas observações
avaliação comparativa de teorias da personalidade. importantes e apresentar a promessa de tornar-se mais
Ao compararmos teorias, contudo, podemos fazer abrangente com o tempo. Essa teoria pode ser inca-
duas perguntas: Elas abordam os mesmos fenômenos? paz de explicar fenômenos que se considere que ou-
Elas estão no mesmo estágio de desenvolvimento? tra teoria estabelecida explique, mas pode represen-
Duas teorias que lidam com diferentes tipos de com- tar um marco em áreas significantes que anteriormente
portamento podem ser avaliadas com relação a esses eram intocadas. É como ter uma idéia nova, que ne-
três critérios. Entretanto, não devemos ter de optar cessita ser testada, mas que parece explicar fenôme-
entre as duas teorias; cada uma pode conduzir a no- nos que anteriormente eram confusos ou que não eram
vos insights com a esperança de que, em algum mo- explicados.

A TEORIA E O ESTUDO DA PERSONALIDADE


O campo da personalidade é cheio de questões ria e dedicarmo-nos a problemas de pesquisa deta-
que dividem os cientistas ao longo de linhas bem-defi- lhados, como muitos psicólogos estão fazendo. Mas,
nidas e que levam a escolas alternativas e rivais de pen- em última análise, a teoria é necessária, e uma boa
samento. É importante reconhecer que essas diferen- teoria da personalidade será desenvolvida.
ças teóricas existem e que elas podem não ser resol- A posição adotada neste livro é de que sempre
vidas rapidamente pelo debate e pela prova experimen- somos guiados pela teoria em nossas tentativas de
tal. As ciências sociais ainda estão em um estágio inici- estudar e de entender as pessoas. A questão é em que
al de seu desenvolvimento. Portanto, não devemos nos nível formulamos e testamos nossas teorias. A tarefa
surpreender por encontrarmos visões opostas que rei- dos psicólogos da personalidade é tornar suas teorias
vindiquem o mesmo entendimento mas que enfatizem explícitas e abertas à investigação científica. De ma-
diferentes observações e modos de pesquisa. neira ideal, uma teoria da personalidade deve envol-
Qual é, então, o papel da teoria no estudo da ver leis que nos ajudem a entender como cada pessoa
personalidade? Todo o plano deste livro sugere que a é diferente, assim como a maneira em que as pessoas
teoria é importante para nossos objetivos de entender são as mesmas. Na busca dessas leis, devemos desen-
e explicar o comportamento humano. Podemos ser volver teorias que permitam a organização coerente
críticos da teoria da personalidade, como muitos cor- daquilo que é conhecido e deixar espaço para que
retamente são, e podemos até afastarmo-nos da teo- avancemos rumo a insights do desconhecido.

PRINCIPAIS CONCEITOS

Personalidade. Aquelas características da pessoa que Amplitude. Um conceito que diz respeito à amplitude
explicam padrões consistentes de comportamento. de fenômenos cobertos por uma teoria.
Estrutura. Segundo a teoria da personalidade, o con- Fidelidade. Um conceito que diz respeito à especifici-
ceito que se refere aos aspectos mais estáveis e dura- dade ou à clareza com as quais uma teoria relaciona-
douros da personalidade. se com os fenômenos.
Processo. Segundo a teoria da personalidade, o con-
ceito que se refere aos aspectos motivacionais da per-
sonalidade.
40 Lawrence A. Pervin e Oliver P. John

REVISÃO

1. Todos nós agimos como psicólogos da perso- 4. Em comparação com a pessoa comum, os psi-
nalidade em nossas tentativas de observar, ex- cólogos científicos da personalidade científicos
plicar e prever o comportamento humano. realizam observações mais sistemáticas, tornam
2. As teorias da personalidade abordam as ques- suas teorias mais explícitas e proporcionam tes-
tões acerca do quê (estrutura), do por que (pro- tes mais rigorosos de previsões específicas.
cesso) e do como (crescimento e desenvolvimen- 5. Ao avaliar teorias, estamos interessados nos crité-
to), que dizem respeito ao funcionamento huma- rios de abrangência, parcimônia e relevância para
no. Elas também abordam questões concernentes a pesquisa.
à natureza da psicopatologia e da mudança da 6. As teorias organizam aquilo que é conhecido e
personalidade. sugerem respostas para questões sobre o que
3. Inúmeras questões têm desafiado os teóricos da ainda é desconhecido. Embora o papel da teo-
personalidade através da história relativamen- ria no estudo da personalidade seja questiona-
te breve do campo. As respostas a essas ques- do, sugere-se que a teoria seja importante para
tões desempenham um importante papel em de- nossos objetivos de entender e explicar o com-
finir as características essenciais da teoria de- portamento humano.
senvolvida por cada teórico.

Você também pode gostar