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Unidade II

Unidade II
5 DOENÇAS VALVULARES E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

5.1 Valvopatias

As valvopatias são um grupo especial de doenças cardíacas, com características particulares, que,
em geral, após a instalação, cursam um longo período sem manifestações clínicas. Porém, quando há o
aparecimento de sintomas, o indivíduo pode ser um candidato a intervenções cirúrgicas (TARASOUTCHI
et al., 2005).

O diagnóstico do tipo de doença valvar, assim como a gravidade, é feito por meio de exames de
imagem, como radiografia de tórax, ecocardiografia, anamnese e eletrocardiografia, sendo que alguns
indivíduos acometidos pela doença têm a necessidade de fazer um cateterismo.

A doença valvar, a insuficiência e a estenose, uma vez diagnosticadas, podem ser divididas
em leve, moderada e grave, levando em consideração as condições anatômicas e hemodinâmicas
(BONOW et al., 1998).

Adicionalmente, são avaliados os sintomas, como cansaço e falta de ar em esforço (dispneia), dor
no tórax e desmaios. Feita a avaliação, a recomendação do tratamento ou de atividade física será
realizada de acordo com o tipo de doença, a gravidade e os sintomas. Palpitações são muito comuns
nos portadores de valvopatia mitral, enquanto dor torácica anginosa ao esforço e síncope ao esforço
são mais frequentes em pacientes com valvopatia aórtica. A rouquidão (síndrome de Ortner) pode estar
associada à estenose mitral.

Observação

A síndrome de Ortner, também conhecida como síndrome cardiovocal,


pode ocorrer em decorrência de muitos distúrbios cardiopulmonares.
A hipertensão pulmonar ou alguma causa que leve à dilatação e
ao aumento da tensão na artéria pulmonar, sendo temporária ou
“dinâmica”, pode ser responsável pela paralisia da prega vocal. Além
disso, a compressão do nervo entre a aorta e a artéria pulmonar sob
tensão é um fator comum (SUBRAMANIAM et al., 2011).

Todas as valvopatias podem evoluir com sintomas de insuficiência cardíaca (IC), como dispneia aos
esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna, tosse, chiado, hemoptise, edema periférico e fadiga
(SWEDBERG et al., 2005).
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ATIVIDADE MOTORA APLICADA A POPULAÇÕES ESPECIAIS

Observação

A ortopneia é caracterizada por dificuldade respiratória (dispneia) que


ocorre quando a pessoa está deitada.

5.1.1 Estenose mitral

A estenose mitral (EM) representa uma resistência ao fluxo sanguíneo na passagem pela válvula
mitral (localizada entre o átrio e o ventrículo esquerdo) em razão do espessamento e da imobilidade
dos folhetos da válvula. Entre outras possíveis causas, destacam-se a congênita, as doenças infiltrativas
(mucopolissacaridoses), o lúpus eritematoso sistêmico, a artrite reumatoide e os estados serotoninérgicos
(síndrome carcinoide) (BONOW et al., 2008).

Na maioria dos casos, a causa da estenose mitral é reumática e desconhecida, atingindo indivíduos
jovens, principalmente do sexo feminino. A gravidade da estenose mitral pode ser medida pela área
valvar e pela estimativa de pressão nos pequenos capilares pulmonares em exercício, além da pressão
sistólica da artéria pulmonar. Pode-se observar, a seguir, a tabela de classificação de comprometimento
da estenose mitral:

Tabela 23 – Gravidade da estenose mitral

Área valvar Gradiente médio em repouso


Discreta > 1,5 cm 2
< 5 mmHg
Moderada 1,0-1,5 cm 2
5 a 10 mmHg
Grave < 1 cm2
> 10 mmHg

Fonte: Tarasoutchi et al. (2011, p. 6).

Os indivíduos acometidos por estenose mitral leve, de maneira geral, conseguem realizar exercício
físico sem ter sintomas (permanecendo assintomáticos). No caso de um acometimento de maior
gravidade, é possível que o esforço provoque um aumento da pressão no átrio esquerdo, que, em
conjunto com a estenose mitral mais grave, aumente a pressão nos capilares pulmonares, o que pode
levar ao edema agudo dos pulmões. A estenose mitral, porém, em pouquíssimas condições, é causa de
morte súbita em exercício (BONOW et al., 1998).

Observação

O aumento das pressões no átrio esquerdo, no caso de um acometimento


mais grave da doença, pode ter relação com o aumento do débito cardíaco
e da frequência cardíaca proporcionada pelo exercício.

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5.1.2 Insuficiência mitral

A insuficiência mitral (IM) é caracterizada pelo retorno do fluxo de sangue para o átrio esquerdo
durante a contração ventricular. Pode acontecer em decorrência de anormalidades em toda a estrutura
das valvas cardíacas, incluindo os folhetos, o ânulo, as cordas tendíneas e os músculos papilares.

A insuficiência mitral pode ser classificada em primária (resultante de deformidade estrutural valvar)
ou secundária (quando relacionada a outra doença cardíaca). No caso da primária, as causas envolvem o
prolapso da valva mitral, a endocardite infecciosa, a febre reumática (FR), os traumas e as deformidades
congênitas. Já a secundária relaciona‑se à isquemia miocárdica, à cardiomiopatia hipertrófica e à
disfunção ventricular esquerda do tipo sistólica.

A prevalência do prolapso da valva mitral (PVM) na população geral varia de 1% a 2,5% (DEVEREUX
et al., 1982 apud TARASOUTCHI et al., 2011), mas, em grande parte dos casos, tem boa evolução e é
favorável (AVIERINOS et al., 2002).
Valva da aorta, válvula semilunar esquerda
Átrio esquerdo do coração

Válvula anterior
Válvula posterior

Valva atrioventricular direita,


válvula posterior
Valva atrioventricular direita,
válvula septal

Ápice do coração

Figura 33 – Ventrículos direito e esquerdo; corte longitudinal no eixo cardíaco; vista


anterior esquerda; lateral. A seta indica a regurgitação de sangue para o átrio esquerdo

5.1.3 Estenose aórtica

A estenose aórtica (EAo) é a doença valvar aórtica adquirida com maior frequência e está presente
em 4,5% da população acima de 75 anos (SCHWARTZ; ZIPES, 2008). É caracterizada pela obstrução da
via de saída de sangue do VE (ventrículo esquerdo) pela calcificação das estruturas valvares.

Devido ao envelhecimento da população, a incidência dessa doença deve aumentar nos próximos
anos, sendo que a sua causa tem relação com o processo fisiológico de envelhecimento. Suas principais
causas são: EAo congênita, calcificação da valva aórtica bicúspide, calcificação da valva aórtica
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tricúspide, EAo degenerativa e FR. Esta última está invariavelmente associada à valvopatia mitral e,
apesar da diminuição de sua incidência nos países desenvolvidos, continua frequente no Brasil e nos
demais países da América Latina. Com a evolução da calcificação valvar, a EAo pode progredir para a
hipertrofia ventricular concêntrica, levando à elevação das pressões de enchimento e, finalmente, à
disfunção ventricular (TARASOUTCH et al., 2011).

Em geral, como a evolução dessa calcificação é gradual e lenta, os sintomas associados à EAo
(dor torácica, síncope e dispneia) aparecem após os 60 anos de idade, sendo ainda mais tardios nos
casos de EAo degenerativa. Quando os sintomas se iniciam, os indivíduos acometidos pela doença
começam a apresentar mais riscos de morte súbita e uma piora considerável em seu prognóstico,
com sobrevida média de dois a três anos (BONOW et al., 2008). Por isso, é de extrema importância
a prevenção e a identificação precoce do surgimento de sintomas ou de disfunção cardíaca.

5.1.4 Insuficiência aórtica

O desenvolvimento da lesão que leva à regurgitação na valva aórtica pode estar relacionado com
várias causas, entre elas a dilatação idiopática (sem causa conhecida) da aorta, as anormalidades
congênitas (valva bicúspide), a calcificação da valva, a doença reumática, a endocardite infecciosa,
a hipertensão arterial sistêmica, a degeneração mixomatosa, a dissecção da aorta ascendente e a
síndrome de Marfan. Além dessas, existem outras causas menos frequentes, que incluem as lesões
traumáticas, a espondilite anquilosante, a aortite sifilítica, a artrite reumatoide, a osteogênese
imperfeita, a síndrome de Ehlers-Danlos, a síndrome de Reiter, a estenose subaórtica e o defeito do
septo interventricular com prolapso da cúspide aórtica (GALDINO et al., 2011 apud TARASOUTCHI
et al., 2011).

A insuficiência aórtica, geralmente, desenvolve-se de maneira lenta, com risco baixo de morte
e sem sintomas durante um longo período. Alguns indivíduos com insuficiência aórtica discreta
permanecem assintomáticos por décadas e raramente necessitam de tratamento. Outros progridem
mais rapidamente, com desenvolvimento progressivo da insuficiência valvar, da disfunção sistólica do
VE e, eventualmente, da insuficiência cardíaca.

Saiba mais

Para entender melhor o tratamento das valvopatias, leia a atualização das


diretrizes de valvopatias, publicada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia:

TARASOUTCHI, F. et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de


Valvopatias: abordagem das lesões anatomicamente importantes. Arquivos
Brasileiros de Cardiologia, v. 109, n. 6, supl. 2, p. 1-34, 2017.

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5.1.5 Exercício físico para indivíduos valvopatas

Indivíduos que necessitam de reparo ou de troca valvar comumente se encontram em classe


funcional III ou IV da NYHA (New York Heart Association) (BOCCHI et al., 2009), o que significa alto grau
de comprometimento da função cardíaca e baixa tolerância ao esforço físico, além de uma redução
considerável da capacidade funcional máxima (4 METs ou menos).

Lembrete

MET significa metabolic equivalent of task e é uma medida para estimar


o custo energético da atividade física, independentemente do peso, em que
1 MET = 1 kcal/kg/h.

Quadro 9 – Classificação funcional de insuficiência


cardíaca da New York Heart Association (NYHA)

Ausência de sintomas (dispneia) durante atividades


Classe I cotidianas. A limitação para esforços é semelhante à
esperada para indivíduos normais.
Classe II Sintomas desencadeados por atividades cotidianas.

Classe III Sintomas desencadeados por atividades menos


intensas que as cotidianas ou aos pequenos esforços.

Classe IV Sintomas em repouso.

Fonte: Bocchi et al. (2009, p. 6).

Nesses indivíduos, várias características relacionadas ao comportamento do coração e da circulação


do sangue, além dos sintomas referidos, assemelham-se às dos portadores de insuficiência cardíaca
(STEWART et al., 2003).

Os indivíduos submetidos ao treinamento físico após troca valvar apresentam melhora da capacidade
funcional, que varia de 19% a 38%, quando comparados aos pacientes que não se exercitam (NAKAMURA
et al., 1996 apud MORAES et al., 2005).

A recomendação de atividade física e esporte em valvopatas leva em consideração o tipo de doença


valvar de base, o grau de acometimento e a gravidade. A partir daí, o indivíduo é orientado quanto às
possibilidades de prática esportiva (BONOW et al., 1998).

Feita essa avaliação, as recomendações serão individualizadas de acordo com o tipo de valvopatia, a
gravidade e os sintomas. A seguir, são apresentadas as recomendações (BONOW et al., 1998).

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Quadro 10 – Classificação de esportes baseada nos componentes dinâmico e estático de


pico

A – Dinâmico leve B – Dinâmico moderado C – Dinâmico intenso

Bilhar Beisebol Badminton


I – Estático Softbol Futebol
Boliche
leve Tênis de mesa Corrida (fundo)
Golfe Tênis (duplas) Tênis (individual)
Tiro ao alvo Voleibol Squash
Esgrima
Automobilismo Hóquei no gelo
Nado sincronizado
II – Estático Motociclismo Basquetebol
Corrida (sprint)
moderado Hipismo Surfe Handebol
Mergulho Patinação Natação
Arco e flecha Rodeio Corrida (meio‑fundo)

Artes marciais
Boxe
III – Estático Ginástica olímpica Musculação
Vela Luta greco-romana Decatlon
intenso Ciclismo
Levantamento de peso Esqui downhill Remo
Alpinismo

Adaptado de: Mitchell et al. (1994 apud TARASOUTCHI et al., 2005, p. 153).

Para a estenose mitral, geralmente, as recomendações são limitadas pelos sintomas. Os indivíduos
que apresentam sintomas e/ou com estenose mitral grave podem ser submetidos ao teste ergométrico
para avaliação funcional. Quando o teste ergométrico é considerado normal, relaciona-se esse resultado
a um bom prognóstico. Porém, a presença de alterações hemodinâmicas é suficiente para iniciar uma
avaliação de possível intervenção cirúrgica.

Os indivíduos sintomáticos, com pior prognóstico, podem exercer atividades físicas aeróbias de baixa
intensidade (caminhadas leves), limitando-se pelo sintoma de dispneia (BONOW et al., 1998). Esses
indivíduos devem ser avaliados cuidadosamente pela provável indicação de intervenção terapêutica
(valvoplastia, cirurgia). Para os indivíduos que não apresentam sintomas, as recomendações são feitas
de acordo com a gravidade da estenose mitral.

Os indivíduos com estenose mitral leve podem participar de todas as atividades esportivas, mesmo em
caráter competitivo. Já os com estenose mitral leve e fibrilação atrial, os com estenose mitral moderada,
em ritmo sinusal ou fibrilação atrial, e aqueles com pressão sistólica de artéria pulmonar em repouso ou
esforço < 50 mmHg podem participar de atividades estáticas ou dinâmicas leve e moderada.

Os indivíduos que apresentam quadros de maior gravidade não devem participar de atividades
competitivas. Uma atividade física aeróbia leve pode ser realizada. Os que utilizam anticoagulantes devem
ser aconselhados a não participar de atividades físicas de alto impacto, pelo risco de sangramento.

Para os indivíduos com insuficiência mitral, as recomendações levam em consideração os sintomas


e a gravidade da insuficiência mitral (jato regurgitante, dilatação ventricular e função de ventrículo
esquerdo). Quando apresentam sintomas, deve-se avaliar a possibilidade de cirurgia, não sendo
recomendada a prática de esportes. A atividade física deve se restringir ao exercício aeróbio leve, sem

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objetivo de treinamento ou competição. Quando não têm sintomas e apresentam função e estrutura
do ventrículo esquerdo preservadas, os indivíduos podem participar de todos os esportes competitivos.

Já os indivíduos com dilatação ventricular discreta e função ventricular normal em repouso podem
participar de atividades esportivas competitivas dinâmicas leve e moderada e estáticas leve e moderada.
Quando o indivíduo apresentar fibrilação atrial, o teste ergométrico pode ser utilizado para avaliar
a frequência cardíaca em exercício. Aqueles com dilatação ventricular pronunciada ou disfunção
ventricular em qualquer grau não devem realizar esportes competitivos.

A recomendação de atividade física e esporte em estenose aórtica considera a presença de sintomas


e a gravidade da estenose aórtica, como já mencionado. Os indivíduos com estenose aórtica leve e
sem sintomas podem praticar todas as atividades da vida diária, incluindo esportes competitivos. Os
indivíduos com histórico de desmaios, mesmo com doença de menor gravidade, devem ser avaliados
cuidadosamente no sentido de descartar arritmias induzidas pelo exercício.

Os indivíduos com estenose aórtica de leve a moderada podem realizar todos os esportes competitivos
de baixa intensidade. Aqueles que apresentam estenose aórtica leve ou moderada com taquicardia
supraventricular ou arritmia ventricular complexa em repouso ou exercício devem praticar somente
esportes competitivos de baixa intensidade. Os indivíduos com estenose aórtica grave ou estenose
aórtica moderada sintomáticos não devem realizar atividade física competitiva.

Os portadores de estenose aórtica congênita podem realizar todos os tipos de atividades competitivas,
desde que tenham estenose leve, sejam assintomáticos, com eletrocardiograma normal em repouso
e exercício, com boa tolerância ao esforço das atividades habituais, sem hipertrofia e sem arritmias
ventriculares. A estenose aórtica congênita grave é uma contraindicação para atividades esportivas
competitivas, mas as atividades recreativas podem ser avaliadas individualmente.

Por fim, as recomendações para a atividade esportiva em caso de insuficiência aórtica são as
seguintes: os indivíduos com insuficiência aórtica leve ou moderada, com diâmetro ventricular normal
ou discretamente aumentado, podem participar de todas as atividades esportivas competitivas; aqueles
com dilatação ventricular progressiva em avaliações seriadas não devem realizar esportes competitivos;
se apresentarem insuficiência aórtica leve ou moderada, com arritmias ventriculares em repouso ou
exercício, devem participar somente de atividades competitivas de baixa intensidade; já os indivíduos
com insuficiência aórtica grave, assim como aqueles com insuficiência aórtica leve ou moderada
sintomáticos, não devem participar de atividades físicas competitivas (TARASOUTCHI et al., 2005).

5.2 Insuficiência cardíaca

5.2.1 Definição e conceitos

A insuficiência cardíaca é uma síndrome associada à falência progressiva do coração. É considerada


a via final comum para diversas doenças cardiovasculares, ou seja, as lesões cardíacas prévias podem
progredir gradualmente para a falência do coração. Além disso, seus sinais e sintomas relacionam‑se
à perfusão tecidual inadequada (ADAMOPOULOS et al., 2003), devido ao baixo débito cardíaco e à
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remodelação cardíaca associada à perda de cardiomiócitos (células musculares cardíacas) e ao aumento


da fração de colágeno, tornando o tecido mais rígido (KUNST et al., 2000; GRIMM et al., 2001).

Até meados da década de 1980, essa síndrome era associada somente a distúrbios hemodinâmicos, nos
quais se observava uma redução da força contrátil e uma consequente diminuição do débito cardíaco e do
fluxo renal, levando à retenção de sódio e água e ao surgimento de edemas periférico e pulmonar (KATZ,
1997). Tais ideias foram a base para o uso de digitálicos (inotrópico positivo) e diuréticos no tratamento da
síndrome. No entanto, mesmo com o controle da retenção hídrica e do uso de agentes inotrópicos positivos,
a insuficiência cardíaca progredia, levando o paciente inexoravelmente ao óbito (KATZ, 1986; PACKER, 1987).

Observação

Inotrópicos positivos são drogas que agem aumentando a força de


contração do coração.

Na atualidade, a insuficiência cardíaca é definida como uma doença da circulação, e não apenas
do coração (COHN et al., 1984; PACKER, 1987). Quando a força contrátil e o débito cardíaco diminuem,
mecanismos neuro-hormonais, como o aumento da atividade simpática e do sistema renina‑angiotensina,
são ativados com o objetivo de compensar essa redução e, assim, preservar a homeostase circulatória.
Embora, em um primeiro momento, essa seja uma resposta compensatória benéfica, a liberação de
neuro-hormônios vasoconstritores proporciona efeitos deletérios no desenvolvimento da insuficiência
cardíaca, pelo aumento da sobrecarga de volume e da pós-carga do ventrículo com contratilidade já
diminuída, podendo potencializar a evolução da falência cardíaca já existente.

Insuficiência cardíaca

Disfunção cardíaca Atrofia muscular


Alterações na dinâmica do Disfunção endotelial
cálcio intracelular Redução do fluxo sanguíneo

Débito cardíaco Enzimas oxidativas


Fej Vasodilatação
Transiente de cálcio Dif. A-V O2
Endotélio
ANS

Treinamento físico

Figura 34 – Resumo das principais adaptações desencadeadas pelo treinamento físico aeróbio na insuficiência cardíaca.
ANS: atividade nervosa simpática; Dif. A-V O2: diferença arteriovenosa de oxigênio; Fej: fração de ejeção

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A liberação desses neuro-hormônios pode prejudicar ainda mais o coração e potencializar as


anormalidades metabólicas, ocasionando, por exemplo, o aparecimento de arritmias cardíacas
(VELDKAMP et al., 2001). Por meio desses mecanismos, a ativação neuro-hormonal contribui de maneira
significativa para os sintomas relacionados à insuficiência cardíaca, assim como para a alta mortalidade
dos portadores dessa doença.

Devido a essas observações, portanto, a partir da década de 1990, a visão da insuficiência cardíaca
como uma síndrome de natureza neuro-hormonal proporcionou muitos avanços no seu tratamento.
O tratamento atual não visa apenas aliviar os sintomas e melhorar a capacidade funcional e a
qualidade de vida; seus objetivos incluem, também, a prevenção do desenvolvimento e da progressão
da síndrome, a atenuação da remodelação ventricular e a redução da mortalidade.

Uma atenção especial tem se destinado às alterações neuro-hormonais associadas à disfunção


sistólica do ventrículo esquerdo, a qual inclui a hiperatividade do sistema simpático, que é, de fato,
uma das principais responsáveis pela piora progressiva da função cardíaca e do funcionamento da
musculatura cardíaca, especialmente em fases mais avançadas da doença (BURGER; ARONSON, 2001).

Com essas observações, alguns medicamentos também passaram a ser prescritos, tais como os
betabloqueadores, os inibidores da enzima conversora de angiotensina, os bloqueadores dos receptores
da angiotensina I, da angiotensina II e da síntese de aldosterona, além da nova visão sobre os exercícios
físicos, que poderia ser incorporada ao treinamento físico no tratamento dessa síndrome.

A classificação da severidade da síndrome pode ser feita através da intensidade dos sintomas,
incluindo a tolerância ao esforço. A síndrome é dividida em 4 classes propostas pela New York Heart
Association (BOCCHI et al., 2009). Essas classes estratificam o grau de limitação associado à doença
para atividades cotidianas do indivíduo. É importante ressaltar que essa classificação, além de estar
relacionada a fatores funcionais, também associa sua avaliação à qualidade de vida dos indivíduos com
insuficiência cardíaca.

As quatro classes propostas são:

• Classe I: ausência de sintomas (dispneia) durante atividades cotidianas. A limitação para esforços
é semelhante à esperada em indivíduos normais.

• Classe II: sintomas desencadeados por atividades cotidianas.

• Classe III: sintomas desencadeados por atividades menos intensas que as cotidianas ou
pequenos esforços.

• Classe IV: sintomas em repouso.

Essa é, contudo, uma medida subjetiva, já que está baseada na capacidade de realizar atividades
cotidianas, o que pode variar de indivíduo para indivíduo. Ainda assim, apresenta boa correlação com o
prognóstico e a qualidade de vida. Além do valor prognóstico da classe funcional aferida na avaliação
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ATIVIDADE MOTORA APLICADA A POPULAÇÕES ESPECIAIS

inicial de pacientes, sua determinação também é útil para avaliar a resposta ao tratamento e o melhor
momento para intervenções (BOCCHI et al., 2009).

Saiba mais

Na fase avançada da insuficiência cardíaca, o transplante cardíaco


pode ser a única forma de tratamento capaz de restaurar as funções
hemodinâmicas, melhorar a qualidade de vida e a sobrevida. Leia mais sobre
essa relação em:

FIORELLI, A. I. et al. Insuficiência cardíaca e transplante cardíaco. Revista


de Medicina, São Paulo, v. 87, n. 2, p. 105-120, abr./jun. 2008.
5.2.2 Atividade física (benefícios, adaptações e prescrição)

Conforme mencionado, uma das consequências da insuficiência cardíaca é a maior ativação dos
sistemas neuro-humorais, como o sistema nervoso simpático e o sistema renina‑angiotensina‑aldosterona,
o que, a longo prazo, acaba piorando a disfunção cardíaca.

O treinamento físico pode provocar alterações autonômicas positivas importantes. Em indivíduos


com insuficiência cardíaca, o treinamento físico aeróbio diminui a atividade nervosa simpática para o
coração e aumenta bastante a atividade parassimpática (tônus vagal) (ADAMOPOULOS et al., 1995). Essas
modificações são fundamentais para eles, uma vez que podem representar uma redução da incidência
de arritmias e, consequentemente, de morte súbita no indivíduo com insuficiência cardíaca crônica.

Além da diminuição da atividade simpática cardíaca, o treinamento físico provoca a redução da


atividade nervosa simpática para o rim (NEGRÃO et al., 1993) e para a musculatura esquelética (GRASSI
et al., 1994) em animais de experimentação e em indivíduos normais, respectivamente.

Antes de TFA
ANSM = 72 disparos/min

15 s

Antes de TFA
ANSM = 40 disparos/min
15 s

Figura 35 – Atividade nervosa simpática muscular (ANSM) de paciente com insuficiência


cardíaca (IC) antes e depois de quatro meses de treinamento físico aeróbio

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Os principais efeitos do treinamento físico na insuficiência cardíaca são:

• redução da atividade simpática (coração, rim e musculatura esquelética);

• aumento da atividade parassimpática (coração);

• melhora da tolerância ao esforço;

• manutenção ou aumento da massa muscular.

Um efeito importante do treinamento físico no tratamento da insuficiência cardíaca é a melhora


da tolerância ao esforço, que, de maneira geral, pode estar reduzida no indivíduo com insuficiência
cardíaca. Isso acontece devido ao próprio quadro da doença, que reduz o débito cardíaco, mas é
influenciado, em grande parte, pelo tratamento com betabloqueadores. Associada ao aumento da
tolerância ao esforço, pode-se observar uma melhora da qualidade de vida do portador de insuficiência
cardíaca, possivelmente relacionada ao aumento da massa muscular e à melhora metabólica do músculo
esquelético (HAMBRECHT et al., 1997; FRAGA et al., 2007).

Os resultados de pesquisas em camundongos com cardiomiopatia induzida por hiperatividade


simpática mostram que o treinamento físico foi capaz de prevenir o desenvolvimento de intolerância
ao esforço e a diminuição da fração de encurtamento, além de diminuir o tônus simpático cardíaco
(VANZELLI et al., 2013).

Em relação aos fatores periféricos já mencionados, a melhora no quadro geral do indivíduo, incluindo
sua capacidade funcional, tem sido, em grande parte, atribuída a alterações na musculatura esquelética.
Em indivíduos saudáveis, o treinamento físico aeróbio proporciona bradicardia de repouso e redução da
frequência submáxima, sendo que isso acontece devido ao aumento do volume sistólico e, em menor
grau, à diferença arteriovenosa de oxigênio. Já em indivíduos com função cardíaca diminuída, o efeito
maior é na diferença arteriovenosa de oxigênio, com aumento bem menos expressivo no débito cardíaco
(DETRY et al., 1971 apud BERTUZZI et al., 2017).

Lembrete

A diferença arteriovenosa de oxigênio é a diferença entre o conteúdo


de oxigênio do sangue arterial e o conteúdo de oxigênio do sangue venoso,
ou seja, o que foi absorvido e utilizado pelos tecidos periféricos.

Esse aumento na diferença arteriovenosa de oxigênio se deve, em grande parte, ao aumento do


fluxo sanguíneo muscular proporcionado pela redução da resistência vascular periférica, que pode estar
relacionada com a redução da noradrenalina, a qual acontece em decorrência do treinamento físico aeróbio
(ROVEDA et al., 2003). Além disso, já foi demonstrado que o treinamento físico potencializa a redução das
citocinas inflamatórias, que estão diretamente associadas à maior ativação do sistema renina‑angiotensina
e à disfunção endotelial. Isso acontece porque o aumento das citocinas provoca o aumento do estresse
oxidativo e a degradação de óxido nítrico, o que diminui o fluxo muscular (MANN; YOUNG, 1994).

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ATIVIDADE MOTORA APLICADA A POPULAÇÕES ESPECIAIS

O treinamento físico aeróbio também pode proporcionar adaptações na própria fibra muscular,
tais como o aumento da densidade mitocondrial na sua função oxidativa e na redistribuição de
fibras musculares do tipo 1 e do tipo 2 em indivíduos com insuficiência cardíaca (HAMBRECHT
et al., 1997). Outra adaptação importante proporcionada pelo treinamento físico é a redução das
citocinas pró-inflamatórias, que resulta na diminuição do estresse oxidativo e na consequente
prevenção da atrofia muscular.

O treinamento aeróbio isolado não leva à hipertrofia do músculo, como ocorre com o
treinamento de força em indivíduos saudáveis (FOLLAND; WILLIAMS, 2007). Contudo, observou‑se
que o treinamento físico aeróbio em animais de experimentação com insuficiência cardíaca
parece aumentar a massa muscular para valores muito próximos aos de animais saudáveis
(CUNHA et al., 2012).

Correlação linear – Portadores de ICC

1,6
1,4 *
*
VO2 no limiar (l/min)

1,2
*
1 ** * *
0,8 * *
0,6 * * * *** *
* * * *
0,4
** * *
0,2
0
2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000 5500 6000
Massa muscular (MM) da coxa (g)

Figura 36 – VO2 limiar anaeróbio x massa muscular na insuficiência cardíaca:


r = 0,39; p = 002. Quanto mais atrofiada for a massa muscular esquelética,
menor será o consumo de oxigênio no momento do limiar anaeróbio

5.2.3 Prescrição de exercício para indivíduos com insuficiência cardíaca

Conforme visto, há algumas décadas, a recomendação era que os indivíduos com insuficiência
cardíaca mantivessem repouso absoluto, principalmente quando esse processo acontecia em
decorrência de infarto do miocárdio. Porém, sabe-se, hoje, que a inatividade física colabora ainda
mais para a piora do quadro da insuficiência cardíaca.

A dispneia e a fadiga durante o exercício constituem os principais sintomas clínicos da insuficiência


cardíaca, induzindo os pacientes a interromperem precocemente o esforço físico. Assim, inicia-se o
círculo vicioso de inatividade, ou seja, devido aos sintomas, interrompe-se a atividade, e, quanto
maior é a redução do nível de atividade física, piores são a capacidade física e a qualidade de vida
(WILSON et al., 1999).

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Por esse e outros fatores, deve-se tomar alguns cuidados antes de iniciar um programa de atividade
física para indivíduos com insuficiência cardíaca. O primeiro deles é se certificar de que esses indivíduos
estejam clinicamente estáveis por período não inferior a 30 dias e que tenham se submetido a um teste
ergométrico ou, preferencialmente, a um teste ergoespirométrico. Essa avaliação permite individualizar
as diferentes fases metabólicas durante o exercício, e, dessa forma, é possível personalizar o treinamento,
oferecendo mais efetividade e segurança a partir da quantificação metabólica e hemodinâmica da
atividade física nesses indivíduos.

Aconselha-se a realização, quando possível, da ergoespirometria, um teste ergométrico com


cargas progressivas e contínuas, interrompido por sintomas ou sinais (LAINCHBURY; RICHARDS,
2002). Também é recomendada a realização de exame de ecocardiograma para o acompanhamento
da função cardíaca.

Os indivíduos com baixa tolerância ao esforço, isquemia precoce no esforço, fração de ejeção
inferior a 30% e valores mais elevados do equivalente ventilatório de CO2 (VE/CO2) podem
apresentar maior risco e, por isso, devem ser acompanhados mais de perto. O monitoramento
frequente da pressão arterial e contínuo da frequência cardíaca com frequencímetro de pulso
é recomendado. A intensidade da atividade física deve sempre ser individualizada e progredir
lentamente, em particular nos pacientes com acentuada intolerância ao exercício. Os períodos
de aquecimento (pré-exercício) e resfriamento (pós-exercício) devem ser mais prolongados, em
média 15 e 10 minutos respectivamente, principalmente para a observação de possíveis arritmias
(FERRAZ; YAZBEK JR., 2006).

Segundo o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, a intensidade inicial recomendada para a


atividade física aeróbia é de 80% da frequência cardíaca medida no limiar anaeróbio, podendo atingir até
100% após quatro ou cinco semanas. Em outra instituição, o InCor da FMUSP-HC, aplica-se a intensidade
de 40% a 60% da frequência cardíaca estimada no pico do esforço, no teste ergométrico convencional,
ou a média da frequência cardíaca medida no limiar ventilatório e menos 10% da obtida no ponto de
compensação respiratória (YAZBEK JR. et al., 2005), quando realizado o teste ergoespirométrico, mesmo
que o paciente esteja em uso de medicamentos que possam interferir no ritmo cardíaco.

É importante ressaltar que, devido ao risco de angina, hipotensão arterial, arritmias ou dispneia
associada à síndrome, as sessões devem ser sempre monitoradas por um médico, além de por outros
profissionais treinados em reanimação cardiorrespiratória. As sessões de atividade física supervisionada
devem ser realizadas, no mínimo, três vezes por semana durante seis meses. Para indivíduos com quadro
estável, pode-se sugerir que pratiquem atividade física não supervisionada nos demais dias, controlada
pelo nível de cansaço e pela frequência de treinamento estabelecida. A duração do exercício deve
aumentar progressivamente de acordo com a tolerância do indivíduo.

Além do treinamento aeróbio, o treinamento de força também pode ser utilizado como coadjuvante,
principalmente nas semanas iniciais. O objetivo é aumentar o tônus e volume muscular e a flexibilidade,
já com resultados excelentes mostrados por pesquisadores em indivíduos com sarcopenia (CONRAADS
et al., 2004).

102
ATIVIDADE MOTORA APLICADA A POPULAÇÕES ESPECIAIS

Programas de treinamento físico domiciliar com supervisão indireta também parecem ter algum
efeito em indivíduos com insuficiência cardíaca. Os estudos têm mostrado que esses programas
podem ser seguros e efetivos para diminuir sintomas e melhorar a qualidade de vida de pacientes com
insuficiência cardíaca (TINDEL et al., 2004).

Em relação à intensidade ideal para o treinamento, existem muitas controvérsias na literatura.


Alguns estudos têm mostrado efetividade maior em exercícios de alta intensidade com o objetivo
de modificar os parâmetros hemodinâmicos centrais (DUBACH et al., 1997), mas a maior parte dos
estudos utiliza intensidade moderada (entre 60% e 70% do O2 pico) (KETEYIAN et al., 2006 apud
FERRAZ; YAZBEK JR., 2006).

Esses pesquisadores têm como hipótese que exercícios intensos provocariam maior acidose
metabólica, que, por sua vez, promoveria um hiperestímulo dos ergorreceptores da musculatura
periférica. Os ergorreceptores, por via aferente ao sistema nervoso central, estimulariam os
quimiorreceptores do comando ventilatório, com resultante manutenção do padrão ventilatório
ineficiente. Com base nisso, grande parte das prescrições de treinamento leva em consideração a
frequência cardíaca de treinamento limitada pelo limiar anaeróbio, ou seja, exercícios de intensidade
abaixo da área de acidose metabólica.

A figura a seguir mostra os mecanismos de controle autonômico na insuficiência cardíaca e a função


dos ergorreceptores.

↓ Barorreceptores ↑ Ergorreceptores
↑ Quimiorreceptores ↓ Barorreceptores cardiopulmonares musculares

Sistema nervoso
central

↓ Parassimpático ↑ Simpático

↑ Frequência Aumento em:


cardíaca
Pressão arterial
Ventilação
Resistência vascular renal
Resistência vascular periférica

Figura 37 – Mecanismos de controle autonômico na insuficiência cardíaca

A sensibilidade dos barorreceptores arteriais e dos receptores cardiopulmonares está diminuída,


enquanto a sensibilidade dos quimiorreceptores está aumentada. Pode-se observar o aumento da
atividade de ergorreceptores musculares (que desencadeia o ergorreflexo). A resposta a esse balanço
alterado inclui o aumento generalizado na atividade simpática, que resulta em elevação da pressão
arterial, ventilação, resistência vascular renal e resistência vascular periférica, enquanto há a
diminuição na atividade parassimpática, que provoca o aumento da frequência cardíaca.

103
Unidade II

6 DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA E ATIVIDADE MOTORA

Por definição, a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma enfermidade respiratória de
possível prevenção e tratamento, que se caracteriza pela presença de obstrução crônica do fluxo aéreo.
Esse fluxo pode não ser totalmente reversível (SBPT, 2004).

A obstrução do fluxo aéreo é geralmente progressiva e está associada a uma resposta anormal
inflamatória dos pulmões à inalação de partículas ou gases tóxicos, causada primariamente pelo
tabagismo. A DPOC compromete os pulmões e produz consequências sistêmicas significativas.

O processo inflamatório crônico pode produzir alterações dos brônquios (bronquite crônica), bronquíolos
(bronquiolite obstrutiva) e parênquima pulmonar (enfisema pulmonar). A predominância dessas alterações
é variável em cada indivíduo, tendo relação com os sintomas apresentados (SBPT, 2004).

6.1 Epidemiologia/etiologia

A DPOC ocupa o quinto lugar entre as principais causas de morte no Brasil. Laizo apresenta dados
do estudo Platino realizado pela Alat (Associação Latino-Americana de Tórax) na cidade de São Paulo.
A prevalência da DPOC varia de 6 a 15,8% da população com idade igual ou superior a 40 anos. São
internados 290 mil doentes anualmente, acarretando um enorme prejuízo ao sistema de saúde, além dos
gastos indiretos, como perda de dias de trabalho, aposentadoria precoce, morte prematura e sofrimento
familiar (LAIZO, 2009).

No Brasil, já foi observado o aumento do número de óbitos por DPOC, nos últimos 20 anos,
para ambos os sexos. Como dito, é a quinta causa de morte no Brasil, seguida de câncer, acidente
vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio, outras doenças cardíacas, acidentes e homicídios
(SBPT, 2004; LAIZO, 2009).

A DPOC não é apenas um problema de saúde pública devido ao alto índice de morbidade e mortalidade;
é um problema por ser uma doença que pode ser prevenida, por exemplo, quando o indivíduo para de
utilizar o tabaco, que é o principal responsável pela enfermidade. A história da doença mostra que ela
passa a ser progressiva e irreversível após ocorrerem lesões no parênquima pulmonar (local onde é feita
a troca gasosa) (LAIZO, 2009).

Até 2025, 75% das mortes prematuras serão decorrentes das doenças respiratórias provocadas pelo
tabagismo. Um terço da população com idade em torno dos 15 anos e fumante é de países desenvolvidos.
Ainda há um alto índice de tabagismo entre as gestantes, normalmente pertencentes a classes sociais
mais baixas. O tabagismo é considerado outro problema de saúde pública, e, a ele, são atribuídos 90%
dos casos de câncer de pulmão, 86% de bronquite e enfisema, 25% dos processos isquêmicos do coração
e 30% do câncer extrapulmonar (LAIZO, 2009).

A associação entre a DPOC de origem ocupacional e o ramo de atividade e ocupação (tipo de trabalho
específico) foi demonstrada em um estudo com amostra de 11.447 indivíduos entre 30 e 75 anos,
ajustada por idade, uso de tabaco, índice de massa corporal e condições socioeconômicas. Observou-se
104
ATIVIDADE MOTORA APLICADA A POPULAÇÕES ESPECIAIS

a alta relação à exposição nas indústrias de borracha, plástico, couro, têxtil, moagem de grãos, produtos
alimentícios, entre outros segmentos de produção. O percentual de DPOC atribuído ao trabalho foi
estimado em 19,2%, no geral, e em 31,1% entre os não fumantes (SBPT, 2004).

6.2 Diagnóstico

O diagnóstico tem como base os sintomas e o histórico da pessoa. O principal teste é a espirometria,
que avalia a função pulmonar e apresenta ampla aplicabilidade e reprodutibilidade.

Figura 38 – Espirometria

A espirometria mede o volume e os fluxos aéreos derivados de manobras inspiratórias e expiratórias


máximas forçadas ou lentas. Vários parâmetros podem ser derivados. Pode-se verificar, a seguir, os mais
utilizados na prática clínica (QUEIROZ, 2016).

• Capacidade vital (CV): representa o maior volume de ar mobilizado em uma expiração. Pode ser
obtida através de manobras forçadas (CVF) ou lentas (CVL).

• Volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1): representa o volume de ar exalado no


primeiro segundo durante a manobra de CVF. É considerado uma das variáveis mais úteis clinicamente.

• Relação VEF1/CV: razão entre o volume expiratório forçado no primeiro segundo e a capacidade
vital, sendo muito importante para o diagnóstico de um distúrbio obstrutivo. Para isso, pode-se
considerar tanto o VEF1 /CVF quanto o VEF1 /CVL.

• Fluxo expiratório forçado intermediário (FEF25-75%): representa o fluxo expiratório forçado


médio obtido durante a manobra de CVF, na faixa intermediária entre 25 e 75% da CVF.

105
Unidade II

• Pico de fluxo expiratório (PFE): representa o fluxo máximo de ar durante a manobra de CVF.
Guarda dependência com o esforço, o que o torna um bom indicador da colaboração na fase
inicial da expiração.

• Curva fluxo-volume: é uma análise gráfica do fluxo gerado durante a manobra de CVF desenhado
contra a mudança de volume. A curva fluxo-volume prevista também é frequentemente
desenhada para comparação visual, o que facilita na identificação de padrões obstrutivos,
restritivos, amputações de fluxos inspiratórios ou expiratórios e na avaliação da resposta ao
broncodilatador. Tem fundamental importância, pois a análise somente dos valores obtidos
pode não identificar determinadas afecções respiratórias.

Lembrete

Os mais importantes, do ponto de vista da aplicação clínica, são a CVF


(capacidade vital forçada), o VEF1 (volume expiratório forçado no primeiro
segundo) e a relação VEF1/CVF, pois mostram menor variabilidade inter e
intraindividual. A existência de limitação do fluxo aéreo é definida pela
presença da relação VEF1/CVF abaixo de 0,70 pós-broncodilatador.

6.2.1 Quadro clínico

A tosse é o sintoma mais encontrado, podendo ser diária ou intermitente e preceder a dispneia
ou aparecer simultaneamente a ela. O aparecimento da tosse no fumante é tão frequente que
muitos pacientes não a percebem como sintoma de doença, considerando-a como o “pigarro do
fumante”. A tosse produtiva ocorre em, aproximadamente, 50% dos fumantes.

A dispneia é o principal sintoma associado à incapacidade, à redução da qualidade de vida e ao


pior prognóstico. É geralmente progressiva com a evolução da doença. Muitos pacientes só apontam
a dispneia em uma fase mais avançada da doença, pois atribuem parte da incapacidade física ao
envelhecimento e à falta de condicionamento físico (SBPT, 2004).

As pessoas com DPOC apresentam qualidade de vida prejudicada, diminuição da tolerância aos
exercícios físicos e perda de força dos músculos respiratórios. Essas condições podem ser minimizadas por
programas de exercícios, apesar de não haver proposta definitiva sobre a melhor estratégia de treinamento.
Os consensos de reabilitação pulmonar sugerem que o treinamento físico dos pacientes seja baseado na
melhora da capacidade aeróbia e entendem como importantes e raros os exercícios que avaliam uma
abordagem específica sobre as alterações da caixa torácica e dos músculos torácicos (SBPT, 2004). Nesse
caso, as ferramentas são as avaliações das medidas de perímetro do tórax, nas quais se pode analisar a sua
capacidade de expansão. As respostas podem demonstrar o progresso do treinamento.

Foram observados, na resposta inflamatória das vias aéreas, níveis elevados de mediadores
inflamatórios, como proteína C reativa, IL-6, TNF, entre outros, em pacientes com DPOC, além das
contagens de neutrófilos maiores em fumantes com DPOC (LAIZO, 2009; QUEIROZ et al., 2016).
106
ATIVIDADE MOTORA APLICADA A POPULAÇÕES ESPECIAIS

A doença DPOC libera substâncias como elastase, colagenases e produtos oxidantes, que, superpostos
aos oxidantes inalados da fumaça do cigarro, atuam modificando os componentes da matriz
extracelular. Assim, o pulmão adquire um novo modelo, deformado (estiramento e desaparecimento dos
septos alveolares, formando espaços aéreos maiores e compressões brônquicas associadas a áreas de
hiperinsuflação) e irreversível, levando ao prejuízo de uma das mais primitivas funções da vida, que é o
próprio ato respiratório (LAIZO, 2009; QUEIROZ et al., 2016).

6.3 Fisiopatologia

As causas da intolerância ao exercício físico em doentes com DPOC estão tradicionalmente ligadas
às limitações do sistema ventilatório e à troca gasosa. Porém, outro fator importante para a limitação
do exercício físico é a disfunção da musculatura periférica, como a redução da massa muscular
e a relação capilaridade/mitocondrial, as mudanças no tipo e tamanho das fibras musculares e a
redução das enzimas oxidativas, as perdas funcionais, como a redução da força e resistência, além da
bioenergética muscular, como a redução no consumo de oxigênio, o aumento do nível de lactato e a
diminuição/desequilíbrio do pH.

Essa intolerância ao exercício conduz a pessoa ao descondicionamento físico, com evidente


diminuição da área transversa da coxa. A fragilidade muscular é mais observada na musculatura de MMII
em relação aos MMSS e é explicada pela diminuição da marcha para evitar a dispneia e pelo predomínio
de atividades da vida diária com o uso dos músculos dos MMSS, reduzindo, assim, o acometimento
desses membros pelo desuso (LAIZO, 2009).

Outros fatores que podem contribuir para essa perda de massa muscular são o uso de corticoide oral
e a perda de peso, esta devido à diminuição da dieta oral e à depleção nutricional (LAIZO, 2009; QUEIROZ
et al., 2016).

A fadiga muscular aumentada em doentes com DPOC também pode ser atribuída à deterioração da
função pulmonar e aos efeitos sistêmicos, como a atrofia muscular e a transição de fibras musculares de
contração lenta para rápida. Mesmo sem sintomas de DPOC, a pessoa apresenta fadiga muscular. Ainda
não se sabe a etiologia dessa fadiga nem como o tabagismo contribui para esse quadro.

O efeito do tabaco na musculatura, agudo e não cumulativo, não é dose‑dependente. No entanto, o


monóxido de carbono (CO) presente no cigarro está ligado à mioglobulina, limitando a difusão facilitada
de oxigênio intracelular.

Em relação à difusão simples e à facilitada, ambas tratam do processo de transporte passivo de


substâncias através da membrana celular. Na difusão facilitada, existe o auxílio de proteínas, “as
permeases” que facilitam o transporte, acelerando a entrada de substâncias na célula.

Além disso, o CO bloqueia o complexo IV da respiração mitocondrial, causando o declínio da função


da mitocôndria. Os complexos III e IV (citocromo oxidase) são diminuídos em fumantes e só retornam
ao normal se a pessoa parar de fumar.

107
Unidade II

Não só o CO, mas o alcatrão e o cianeto no cigarro reduzem a função respiratória mitocondrial.
O tabagismo produz fadiga muscular e intolerância ao exercício. Parar de fumar só irá reverter
esse processo se o indivíduo não apresentar diagnóstico de DPOC ou falência cardíaca. O CO se liga
à hemoglobina, resultando em hipoxemia. A carboxiemoglobina (COHb) é um complexo estável
de monóxido de carbono e de hemoglobina que se forma nos glóbulos vermelhos do sangue
quando o monóxido de carbono é inalado ou produzido no metabolismo normal. É medida com
espectrometria em não fumantes, e a referência é de até 5%; em fumantes, pode chegar a 10%.

Lembrete

O uso de corticoides na doença DPOC favorece a perda de massa muscular.

A hipoxemia é um fator que diferencia o fumante do não fumante. Os componentes do tabaco ainda
interferem na gestação. A nicotina causa vasoconstrição periférica e diminui o fluxo placentário, resultando
na pobre nutrição e oxigenação fetal (LAIZO, 2009; QUEIROZ et al., 2016; ROCETO at al., 2007).

Pode ocorrer, ainda, parto prematuro ou aborto. O aumento da COHb reduz o fluxo sanguíneo fetal,
afetando o transporte de O2 e levando à hipoxemia fetal. Os indivíduos com DPOC têm alta prevalência
de fatores de risco cardiovascular (SBPT, 2004; LAIZO, 2009).

Lembrete

A dispneia é o principal sintoma associado à incapacidade, à redução da


qualidade de vida e ao pior prognóstico.

6.4 Exercícios físicos

O tratamento da DPOC inclui uma equipe multidisciplinar e busca a reabilitação respiratória desses
pacientes. O programa de reabilitação respiratória requer a utilização de exercícios físicos e respiratórios,
além do acompanhamento médico e psicológico dos doentes com DPOC. A utilização de exercícios
físicos procura melhorar a resistência muscular, aumentar a capacidade respiratória e a troca gasosa,
diminuindo, assim, os efeitos da fadiga muscular.

Algumas regras são recomendadas para o início da prática de exercícios físicos. A primeira delas é a
liberação do médico, que irá indicar as limitações a serem observadas. O teste de esforço de esteira pode
mostrar se o paciente apresenta queda de oxigênio. Se sim, este deverá, certamente, utilizar oxigênio extra
(suplemento de oxigênio) através de um cateter nasal durante o exercício. A pessoa que precisa de suplemento
de oxigênio enquanto se exercita deve ter o cuidado de realizar as inspirações pelo nariz e, no momento da
expiração, deve fazer um bico. Essa manobra facilita a distribuição de ar em mais áreas do pulmão.

Outro detalhe importante é a falta de ar. Algumas estratégias podem funcionar bem, como no
caso do aquecimento, que pode ter uma duração mais prolongada, gradativa e com intervalos de
108
ATIVIDADE MOTORA APLICADA A POPULAÇÕES ESPECIAIS

recuperação de acordo com o programa de exercícios previsto. O objetivo, nesse caso, é proporcionar
um estresse oxidativo mais adequado no sistema vascular, auxiliando o sistema a se adaptar dentro dos
limites individuais na vasodilatação. Evita-se, assim, o aumento da pressão em consequência do volume
sanguíneo circulante e a isquemia precoce, considerando que o indivíduo com DPOC já apresenta, na
base fisiopatológica, dificuldade na troca gasosa.

É comum, como exposto anteriormente, a intolerância ao exercício em pessoas com DPOC. Atribui‑se
esse quadro à limitação ventilatória e à disfunção musculoesquelética. Há a redução de força, da
massa muscular e da concentração de enzimas oxidativas associada à diminuição do metabolismo de
fosfocreatina, o que provoca lactacidose (acidose a partir do acúmulo do lactato) precoce nos pacientes
com DPOC (SILVA; DOURADO, 2008).

Para exercícios aeróbios, a prescrição pode ser limitada pela dispneia. Sendo assim, a intensidade
passa a ser bem individualizada, e a literatura também sugere trabalhar no limiar da dispneia ou calcular
a prescrição a partir do pico de esforço alcançado no teste de esforço. Um teste de esforço muito
utilizado é o de 6 minutos.

Em decorrência da perda de massa muscular, é comum observar a disfunção musculoesquelética.


É evidente o consenso na literatura sobre a importância do treinamento de força para recuperar a
massa muscular. Silva e Dourado (2008) descrevem a perda da massa muscular como um fator de
risco isolado para morbimortalidade, principalmente em pacientes com volume expiratório forçado
no primeiro segundo (VEF1) < 50% do previsto.

Algumas evidências com relação à complexidade da perda do condicionamento físico são


apresentadas na literatura, e também é enfatizado o treino de fortalecimento como ferramenta de
prevenção, manutenção e reversão em alguns casos dos efeitos fisiopatológicos (SILVA; DOURADO,
2008). Há maior perda de massa magra em membros inferiores. O desuso ou a baixa frequência de
atividades com MMII facilitam a perda de massa.

Nos pacientes que utilizam mais os membros superiores em suas atividades diárias, foi observada
uma maior redução da concentração de enzimas oxidativas no vasto lateral em comparação com o
deltoide, músculo mais solicitado nas atividades diárias. Além disso, foi verificada elevada redução da
força muscular do quadríceps em comparação com os abdominais. Os autores consideram esse fato em
razão da grande atividade desse grupo muscular na expiração forçada quando o indivíduo tosse (SILVA;
DOURADO, 2008).

Também é consenso que o exercício físico é a conduta mais efetiva na reabilitação pulmonar
(DOURADO; GODOY, 2004; SOARES; CARVALHO, 2009; COSTA et al., 2015). O exercício aeróbio
é bastante efetivo na reversão dos prejuízos funcionais. Como resultado do treinamento físico
encontrado na literatura, observa‑se a redução da tosse e da dispneia, o aumento da tolerância ao
exercício, o ganho de capacidades vitais observadas no teste espirometria e a melhora significativa da
qualidade de vida quando a pessoa com DPOC para de fumar e mantém o tratamento com a prática
regular de atividade física.

109
Unidade II

Não há, na literatura, grandes trabalhos que foquem no protocolo de exercícios. As prescrições de
exercícios de força encontradas têm como base os testes de carga máxima, e as intensidades variam
entre 40 e 50% do teste, chegando até 90%. Também é observado, no entanto, que muitos estudos não
detalham o protocolo quanto à intensidade ou carga. Os detalhes da prescrição sempre dependem de
características como as limitações e os sintomas dos pacientes.

Também é sugestiva, por parte de alguns autores (SILVA; DOURADO, 2008), a prescrição a partir do
teste de repetições máximas. Nesse caso, o profissional de Educação Física deve ter conhecimento sobre
a não utilização de testes de carga máxima em virtude das possíveis lesões. Nas pessoas debilitadas, os
riscos são maiores; por isso, não há dúvidas de que prescrever a partir do teste de repetições máximas
é mais seguro. No geral, as prescrições sugerem repetições entre 8 e 10 e intervalo entre séries mais
prolongado (DOURADO; GODOY, 2004; SILVA; DOURADO, 2008; SOARES; CARVALHO, 2009).

Apesar de existirem poucos estudos com treinamento de força em pessoas com DPOC, estes são
suficientes para entender sua importância no desenvolvimento da força muscular e na melhoria da
eficiência do trabalho da musculatura respiratória. Também é observada a melhor resposta das atividades
de endurance com um limiar aeróbio mais elevado (ALMEIDA et al., 2010).

Resumo

As valvopatias são um grupo especial de doenças cardíacas, com


características particulares, que, em geral, após a instalação, cursam um
longo período sem manifestações clínicas. Porém, quando há o aparecimento
de sintomas, o indivíduo pode ser um candidato a intervenções cirúrgicas.

Todas as valvopatias podem evoluir com sintomas de insuficiência


cardíaca (IC), como dispneia aos esforços, ortopneia, dispneia paroxística
noturna, tosse, chiado, hemoptise, edema periférico e fadiga. Alguns
exemplos de valvopatias são: estenose mitral, insuficiência mitral, estenose
aórtica e insuficiência aórtica.

A recomendação de atividade física e esporte em valvopatas leva em


consideração o tipo de doença valvar de base, o grau de acometimento e a
gravidade. A partir daí, o indivíduo é orientado quanto às possibilidades de
prática esportiva. Feita a avaliação, as recomendações serão individualizadas
de acordo com o tipo de valvopatia, a gravidade e os sintomas.

Quanto à insuficiência cardíaca, trata-se de uma síndrome associada


à falência progressiva do coração. É considerada a via final comum para
diversas doenças cardiovasculares, ou seja, as lesões cardíacas prévias podem
progredir gradualmente para a falência do coração, sendo considerada uma
síndrome de natureza neuro-hormonal.

110
ATIVIDADE MOTORA APLICADA A POPULAÇÕES ESPECIAIS

Essa visão proporcionou muitos avanços no seu tratamento.


Alguns medicamentos também passaram a ser prescritos, tais como os
betabloqueadores, além da nova visão sobre os exercícios físicos, que
poderia ser incorporada ao treinamento físico no tratamento dessa
síndrome. Alguns efeitos positivos no exercício físico incluem a redução da
atividade simpática (coração, rim e musculatura esquelética), o aumento
da atividade parassimpática (coração), a melhora da tolerância ao esforço
e a manutenção ou o aumento da massa muscular.

Outro efeito importante do treinamento físico no tratamento da


insuficiência cardíaca é a melhora da tolerância ao esforço, que, de maneira
geral, pode estar reduzida no indivíduo com insuficiência cardíaca. Isso
acontece devido ao próprio quadro da doença, que reduz o débito cardíaco, mas
é influenciado, em grande parte, pelo tratamento com betabloqueadores. O
primeiro passo para a prescrição de exercícios para indivíduos com insuficiência
cardíaca é se certificar de que esses indivíduos estejam clinicamente estáveis
por período não inferior a 30 dias e que tenham se submetido a um teste
ergométrico ou, preferencialmente, a um teste ergoespirométrico.

O protocolo de treinamento físico do InCor da FMUSP‑HC aplica a


intensidade de 40% a 60% da frequência cardíaca estimada no pico do
esforço, no teste ergométrico convencional, ou a média da frequência
cardíaca medida no limiar ventilatório e menos 10% da obtida no ponto
de compensação respiratória. As sessões de atividade física supervisionada
devem ser realizadas, no mínimo, três vezes por semana durante seis meses.
Para indivíduos com quadro estável, pode-se sugerir que pratiquem atividade
física não supervisionada nos demais dias, controlada pelo nível de cansaço
e pela frequência de treinamento estabelecida. A duração do exercício deve
aumentar progressivamente de acordo com a tolerância do indivíduo.

Além do treinamento aeróbio, o treinamento de força também pode ser


utilizado como coadjuvante, principalmente nas semanas iniciais. O objetivo
é aumentar o tônus e volume muscular e a flexibilidade, já com resultados
excelentes mostrados por pesquisadores em indivíduos com sarcopenia.

A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) faz parte das doenças


respiratórias que se caracterizam pela presença de obstrução crônica do
fluxo aéreo. A prevalência varia entre 6-15% em pessoas acima de 40 anos
e é a quinta causa de morte no Brasil, sendo considerada uma doença de
possível prevenção e tratamento.

Sua etiologia tem relação direta com o uso de tabaco, a poluição e


alguns serviços específicos, como indústrias de borracha, plástico, têxtil,
moagem de grãos, entre outros.
111
Unidade II

O diagnóstico tem como base os sintomas e o histórico pessoal. O principal


teste é a espirometria, que avalia a função pulmonar. A espirometria mede o
volume e os fluxos aéreos derivados de manobras inspiratórias e expiratórias
máximas forçadas ou lentas. Vários parâmetros podem ser analisados.

No quadro clínico, a tosse é um importante sintoma, mas a dispneia


é o principal sintoma associado à redução da qualidade de vida e ao
pior prognóstico.

A intolerância ao exercício físico em doentes com DPOC está


tradicionalmente ligada às limitações do sistema ventilatório e à troca
gasosa. Porém, outro fator importante para a limitação do exercício
físico é a disfunção da musculatura periférica, como a redução da massa
muscular e a relação capilaridade/mitocondrial, as mudanças no tipo
e tamanho das fibras musculares e a redução das enzimas oxidativas,
as perdas funcionais, como a redução da força e resistência, além da
bioenergética muscular, como a redução no consumo de oxigênio, o
aumento do nível de lactato e a diminuição/desequilíbrio do pH.

A prescrição de exercícios visa trabalhar, inicialmente, no aumento


da resistência muscular da capacidade cardiopulmonar e na qualidade
de vida.

Para a prática do exercício, é importante a liberação do médico, que


deve indicar as limitações a serem observadas. Se, no teste de esforço de
esteira, é observada uma queda de oxigênio, deve-se utilizar oxigênio extra
(suplemento de oxigênio) através de um cateter nasal durante o exercício.
Nessas situações, deve-se realizar as inspirações pelo nariz e, no momento
da expiração, deve-se fazer um bico. Essa manobra facilita a distribuição de
ar em mais áreas do pulmão.

É importante saber que as pessoas com DPOC têm a necessidade de um


período de aquecimento mais prolongado, gradativo e com intervalos de
recuperação O objetivo, nesse caso, é proporcionar um estresse oxidativo
mais adequado no sistema vascular, auxiliando o sistema a se adaptar
dentro dos limites individuais na vasodilatação. Evita-se, assim, o aumento
da pressão em consequência do volume sanguíneo circulante e a isquemia
precoce, considerando que o indivíduo com DPOC já apresenta, na base
fisiopatológica, dificuldade na troca gasosa.

Na literatura, protocolos de exercícios físicos sugeridos são mais


escassos. A prescrição para exercícos de fortalecimento varia entre 40-80%
para exercícios aeróbios, podendo ser limitada pela dispneia. A prescrição
da intensidade, portanto, passa a ser individualizada, e a literatura sugere
112
ATIVIDADE MOTORA APLICADA A POPULAÇÕES ESPECIAIS

trabalhar no limiar da dispneia ou calcular a partir do pico de esforço


alcançado no teste de esforço.

Há poucos estudos com treinamento de força, mas são o suficiente para


entender sua importância no desenvolvimento da força muscular para a
melhoria da eficiência do trabalho da musculatura respiratória e a aceleração
da resposta das atividades de endurance.

As limitações quanto à prescrição de exercício devem-se, provavelmente,


à dificuldade encontrada em cada paciente, suas características e seus
sintomas apresentados individualmente.

Exercícios

Questão 1. Uma paciente com doença arterial coronariana deseja fazer exercício físico na academia.
Sobre a prescrição de exercícios para essa paciente, é correto dizer que:

I – A presença de angina (dor no peito) não é fator de interrupção do exercício.

II – A prescrição de exercício físico para indivíduos que usam betabloqueadores deve ser feita sempre
com muito cuidado.

III – A prescrição de exercício físico deve ser equivalente a 50% a 70% da frequência cardíaca
de reserva.

É correto apenas o que se destaca em:

A) I e II.

B) I e III.

C) II e III.

D) II.

E) I, II e III.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

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Unidade II

Justificativa: a presença de angina (dor no peito) é fator de interrupção do exercício, pois representa
um risco imediato de infarto.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: a prescrição de exercício físico para indivíduos que usam betabloqueadores deve ser
feita sempre com muito cuidado, pois esses medicamentos interferem na frequência cardíaca.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: a prescrição de exercício físico deve ser equivalente a 50% a 70% da frequência cardíaca
de reserva, independentemente do condicionamento físico.

Questão 2. Um paciente com insuficiência cardíaca deseja realizar exercício fisco após receber
orientação de seu médico. Sobre os conceitos e a prescrição de exercícios para os pacientes com
insuficiência cardíaca, é correto dizer que:

I – Atualmente, a insuficiência cardíaca é definida como uma doença da circulação, e não apenas
do coração.

II – O treinamento físico provoca a redução da atividade nervosa simpática no coração, nos rins e
no musculoesquelético.

III – A insuficiência cardíaca é uma doença que apresenta como sintomas clássicos a fadiga e a
intolerância aos exercícios.

É correto apenas o que se destaca em:

A) I, II e III.

B) I e II.

C) II e III.

D) III.

E) I.

Resolução desta questão na plataforma.

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